Você está na página 1de 40

Direito do Trabalho e

Legislação do Trabalho

Regulamento da Inspeção do Trabalho


Regulamento da Inspeção do Trabalho - LEI 10.593/2002 - LEI
11.890/2008 - Decreto 4.552/2002.

Sumário

Regulamento da Inspeção do Trabalho - LEI 10.593/2002 - LEI 11.890/2008


- Decreto 4.552/2002. ........................................................................................................................... 1

Capítulo I – A Auditoria Fiscal do Trabalho ................................................................................ 2

1.1 Organização Internacional do Trabalho – OIT ............................................................... 2

1.2 Convenção 81 da OIT ................................................................................................................ 3

1.3 Estrutura da Auditoria Fiscal do Trabalho ........................................................................ 8

1.4 Natureza Jurídica da Auditoria Fiscal do Trabalho .................................................... 14

1.5 O Regulamento da Auditoria Fiscal do Trabalho ....................................................... 17

1.5.1 Verificação da Relação de Emprego ........................................................................ 20

Capítulo II – O Contencioso Administrativo............................................................................. 21

2.1 Aplicação da Lei n° 9.784, de 1999 .................................................................................. 24

2.2 Aplicação do código de processo civil ........................................................................... 25

2.3 Renúncia à instância administrativa ................................................................................. 26

2.4 Portaria 667, de 2021 ............................................................................................................. 30

2.4.1 A Organização e das Peças Inaugurais ................................................................... 31

2.4.2 Competência ....................................................................................................................... 33

2.4.3 O Processo em 1ª Instância ......................................................................................... 35

2.4.4 Recursos e o Processo em 2ª Instância .................................................................. 36

Bibliografia .............................................................................................................................................. 37
Capítulo I – A Auditoria Fiscal do Trabalho

1.1 Organização Internacional do Trabalho – OIT

Antes de entrarmos no tema da Auditoria Fiscal do Trabalho propriamente


dito, não podemos deixar de abordar o contexto no qual surgiu a OIT.

Hoje a OIT é uma agência especializada do sistema das Nações Unidas


(Sistema ONU), cuja missão é promover a Justiça Social e os Direitos Humanos no
trabalho, é também a única instituição multilateral no mundo dotada de uma
estrutura tripartite (Governo, Empregadores e Trabalhadores).

Sua função principal é elaborar Normas Internacionais do Trabalho, sob a


forma de convenções ou recomendações, que fixam condições mínimas de
proteção ao trabalho, além de velar pela sua aplicação.

A OIT já teve mais integrantes que a própria ONU, possui um vasto programa
de cooperação técnica para implementar a agenda do trabalho decente.

Os diferentes campos de atuação da OIT se articulam ao redor de 4 objetivos


estratégicos:

1. Promover os direitos fundamentais no trabalho;


2. Aumentar a possibilidade de mulheres e homens obterem um trabalho
decente;
3. Aumentar a extensão e eficácia da proteção social para eles; e
4. Reforçar o tripartismo e o diálogo social.

Fundada em 1919, sob a égide do Tratado de Versalhes no final da 1ª grande


guerra, diante da tomada de consciência de que não há paz universal e duradoura
sem justiça social.

Foi uma resposta da comunidade internacional a várias preocupações


referentes à segurança econômica, humanitária, pública e política da época, assim,
ao final do preâmbulo da constituição da OIT, declarou-se o que motivou o seu

2
surgimento: “movidos por sentimentos de justiça e humanidade, e pelo desejo de
assegurar a paz permanente no mundo”.

Ao se constatar que os trabalhadores eram explorados pelas economias


industrializadas, as partes do Tratado de Versalhes souberam sopesar a importância
da justiça social para assegurar a paz; além disso, diante da interdependência
crescente das economias nacionais, as grandes nações industriais entenderam que
era de seu interesse cooperar para que os trabalhadores não fossem submetidos a
condições de trabalho inumanas.

A OIT situa-se em Genebra, na Suíça, e dispõe de 3 órgãos principais:

1. Uma Assembleia Geral, a Conferência Internacional do Trabalho;


2. Um Conselho Executivo, o Conselho de Administração; e
3. Uma Secretaria Permanente, a Oficina Internacional do Trabalho.

Os dois primeiros órgãos são compostos por representantes dos governos,


empregadores e trabalhadores.

A Conferência Internacional do Trabalho se reúne em junho de cada ano em


Genebra. Cada Estado-membro é representado por uma delegação tripartite,
acompanhada por assessores técnicos. Na Conferência, cada delegado possui total
liberdade de voto, sem distinção, e é nessa assembleia que se decide sobre as
convenções e recomendações, e sobre a admissão de novos Estados-membros, por
exemplo.

O Conselho de Administração se reúne 3 vezes ao ano, em março, junho e


novembro, também em Genebra. É composto por 56 membros titulares: 28
representantes dos governos, 14 dos empregadores e 14 dos trabalhadores.

1.2 Convenção 81 da OIT

Com a tripartição de Poderes coube ao Executivo fazer cumprir as leis.

3
No plano trabalhista temos que a não efetivação desses direitos afeta os
próprios trabalhadores e também toda a sociedade, por isso compete ao Estado
organizar, manter e executar a Inspeção do Trabalho, inciso XXIV, do art. 21 da
CF/1988.

No plano internacional o sistema de Inspeção do Trabalho surgiu com o


advento da Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho – OIT1.

Podemos concluir que existem dois níveis de proteção aos direitos dos
trabalhadores, sendo que a Auditoria Fiscal do Trabalho se enquadra, segundo
Carrion, no nível da via administrativa:
A Fiscalização do Trabalho visa, administrativamente, o
cumprimento da legislação laboral, paralelamente à atuação judiciária, que

ao compor os litígios é como a mão comprida do legislador (longa manu,


na expressão de Bindo Galli). Os direitos do trabalhador estão protegidos
em dois níveis distintos: a Inspeção ou fiscalização do trabalho, de natureza

administrativa, e a proteção judicial, através dos Tribunais da Justiça do


Trabalho.

A Inspeção do Trabalho desenvolve diversos papéis. A professora Gabriela


Mendizábal Bermúdez (2019), ao analisar a Convenção 81 da OIT, reconhece cinco
funções.

Essas funções são delimitadas por um objetivo comum: a aplicação de normas


trabalhistas para a melhoria das condições de trabalho.

São elas: a) Fiscalizar; b) Reprimir; c) Prevenir; d) Informar; e) Denunciar.

As duas primeiras guardam correspondência com a prerrogativa da Inspeção


de poder fiscalizar o ambiente de trabalho e lavrar autos de infração. A de
Prevenção pode corresponder ao assessoramento dado pela Inspeção, aos atores
da relação de trabalho, visando evitar irregularidades. A de Informar significa
divulgar material técnico educativo, podendo ser um desdobramento da anterior.

1
Foi com a Convenção 81 da OIT que se instituiu um sistema verdadeiramente, enquanto que as normas anteriores
estabeleciam tão somente atividades de fiscalização do trabalho de modo não sistêmico.

4
A de Denunciar estaria ligada ao fato de que se constatados delitos na esfera penal
ou ilícitos civis, a Inspeção teria o dever de provocar os órgãos competentes.

Essas funções podem se mesclar de maneiras diferentes dependendo de


como cada país aplica a Convenção 81.

A Auditoria Fiscal do Trabalho no Brasil evoluiu muito nas últimas décadas, o


que provocou uma cultura organizacional de autoavaliação por parte dos
empregadores, no intuito de se adequarem às normas trabalhistas.

Nesse contexto, os papéis preventivo e educativo merecem destaque.

Para que a atuação da Inspeção do Trabalho seja eficaz, é essencial que


empregadores e trabalhadores conheçam plenamente seus direitos e obrigações.

É de fundamental importância que esses dois últimos papéis, preventivo e


educativo, sejam ampliados cada vez mais, pois a percepção, inclusive do próprio
Estado, de que a Inspeção do Trabalho apenas atua repressivamente, pode gerar
um fenômeno de encolhimento desse sistema.

A simples busca idealista de proteção do trabalhador pelo auto de infração


já não atende aos anseios sociais. Espera-se melhores serviços e respostas mais
eficazes do que a mera punição e aplicação de multas.

Diante disso, adotaremos aqui como marco inicial da Inspeção do Trabalho,


a Convenção 81 da OIT, a despeito de existirem normas anteriores2 sobre o tema3,

2
“Já na sua primeira reunião, em 1919, a OIT adotou a Recomendação n.º 5, sobre a inspeção do trabalho e
posteriormente a Recomendação n.º 20, que enuncia os princípios gerais de organização e funcionamento dos
serviços de inspeção em âmbito nacional, define o objeto da inspeção, descreve suas funções, seus poderes e suas
regras de organização (organização de pessoal, qualificação dos agentes, métodos de inspeção, cooperação com
empregadores e trabalhadores) e indica as relações que deveria estabelecer. Em 1947 adota a Convenção n.º 81,
que representa um progresso considerável pois regulamenta a matéria em âmbito internacional. Em 1969, a OIT
adota a Convenção n.º 129, aplicável ao trabalho na agricultura (área rural). [...] A Inspeção do Trabalho no Brasil
tem seu marco inicial no Decreto n.º 1.313, de 17 de janeiro de 1891, que em seu art. 1º previa: É instituída a
fiscalização permanente de todos os estabelecimentos fabris em que trabalhem menores.” (REIS, 2009, p. 24). “A
primeira Lei sobre a Inspeção do Trabalho é de 1833 — Althorp Act — quando na Inglaterra foram nomeados
quatro inspetores com poderes para verificar o cumprimento das normas de proteção então vigentes, podendo
ingressar nas indústrias e impor sanções aos infratores. Essa Inspeção teve grande apoio da população, dada sua
efetividade na atuação, marcando historicamente o surgimento da Inspeção do Trabalho no seu aspecto mais
consentâneo com a realidade das relações de trabalho.” (MANNRICH, 1991 apud REIS, 2009, p.28).
3
“Pode-se dizer, assim, que o marco inicial da Inspeção do Trabalho foi a denominada “Althorp Act”, de 1833,
através do qual o Governo Britânico confiou a fiscalização do trabalho a 4 (quatro) inspetores vinculados ao
estatuto do juiz de paz, conferindo-lhes verdadeiros poderes de inspeção para ingressar nos estabelecimentos
sujeitos às leis de proteção ao trabalho e impor sanções aos respectivos infratores. A referida lei, a par de criar a
figura do Inspetor do Trabalho, proibiu o labor de menores de 9 (nove) anos, limitou a jornada de trabalho dos

5
pois foi com esta convenção4 que se estabeleceu a Inspeção nos moldes como a
conhecemos hoje.

A Convenção 81 foi aprovada na 30ª reunião da Conferência Internacional do


Trabalho, em 1947. É especial, pois institui a Inspeção do Trabalho
Internacionalmente. Entrou em vigor, no Brasil, em 25 de abril de 1958, com o
Decreto n.º 41.721/1957, foi denunciada em 1971 e revigorada em 1987.

É considerada prioritária para a OIT5, tendo sido ratificada por quase 80% do
total de membros, o maior número de ratificações até hoje. Foi elaborada antes
mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), num momento
histórico em que a expressão “direitos humanos” não tinha a dimensão que
conhecemos hoje, mas foi uma das mais importantes normas internacionais a tratar
desse tema, ao instituir a Inspeção do Trabalho no Mundo.

menores de 13 (treze) anos a 9 (nove) horas diárias e proibiu o trabalho noturno. A partir de então, os demais
países, sobretudo os mais desenvolvidos, passaram a instituir a Inspeção do Trabalho, como função típica de Estado
e, em geral, vinculado ao Ministério ou Departamento do Trabalho.” (SILVA, 2017, p. 2).
4
A diferença principal entre as Convenções e Recomendações é que essas últimas não são vinculantes. A OIT
também dispõe de outros instrumentos, como: Protocolos, Declarações, Resoluções e os Repertórios de Práticas.
As Convenções por sua vez são classificadas em Fundamentais, Prioritárias e Temáticas.
5
“Nelson Mannrich, em sua tese de doutoramento, Da imprescritibilidade da inspeção do trabalho, FDUSP,
orientada por Amauri Mascaro Nascimento e defendida em 19/6/1991 enumerou as seguintes convenções e
recomendações da OIT relacionadas à Inspeção do Trabalho: Convenção n.º 26, de 1928, relativa ao
estabelecimento de métodos para fixação de salários mínimos; Recomendação n.º 30, de 1928, relativa à aplicação
dos métodos para fixação de salários mínimos; Convenção n.º 62, de 1937, relativa às prescrições de segurança na
indústria da construção; Recomendação n.º 54, de 1937, relativa à inspeção na indústria da edificação; Convenção
n.º 81, de 1947, relativa à Inspeção do Trabalho na Indústria e Comércio; Recomendação n.º 81, de 1947, relativa
à Inspeção do Trabalho; Convenção n.º 129, de 1969, relativa à Inspeção do Trabalho na agricultura;
Recomendação n.º 133, de 1969, relativa à Inspeção do Trabalho na agricultura; Convenção n.º 85, de 1947,
relativa à Inspeção do Trabalho nos territórios não metropolitanos; Convenção n.º 99, de 1951, relativa aos
métodos para fixação de salários mínimos na agricultura; Recomendação n.º 89, de 1951, relativa aos métodos
para a fixação de salários mínimos na agricultura; Convenção n.º 101, de 1952, relativa a férias na agricultura;
Convenção n.º 110, de 1958, relativa às condições de emprego dos trabalhadores nas plantações; Recomendação
n.º 110, de 1958, relativa às condições de emprego dos trabalhadores nas plantações; Convenção n.º 119, de 1963,
relativa à proteção das máquinas; Recomendação n.º 118, de 1958, relativa à proteção das máquinas; Convenção
n.º 148, de 1977, relativa ao meio ambiente de trabalho; Convenção n.º 150, de 1978, relativa à administração do
trabalho; Recomendação n.º 158, de 1978, relativa à administração do trabalho; Convenção n.º 155, de 1981,
relativa à seguridade e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho; Recomendação n.º 164, de 1981,
relativa à seguridade e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho; Recomendação n.º 5, de 1919, relativa
à criação de um serviço público de higiene; Recomendação n.º 20, de 1923, relativa aos princípios gerais de
organização dos serviços de inspeção para garantir a aplicação das leis e regulamentos de proteção aos
trabalhadores; Recomendação n.º 28, de 1926, relativa aos princípios gerais da Inspeção do Trabalho dos
marítimos; Recomendação n.º 31, de 1929, relativa à prevenção dos acidentes de trabalho; Recomendação n.º 59,
de 1939, relativa à Inspeção do Trabalho indígena; e Recomendação n.º 82, de 1947, relativa à Inspeção do
Trabalho nas empresas mineradoras e de transportes.” (BIGNAMI, 2017, p. 306).

6
No seu art. 1º, estabelece que cada membro que a ratificar deve manter um
Sistema de Inspeção do Trabalho6, com o objetivo de assegurar a aplicação das
disposições legais relativas às condições de trabalho e à proteção dos
trabalhadores.

Menciona ainda que o Estado, de nenhuma maneira, pode prejudicar a


autoridade ou a imparcialidade necessárias aos Agentes Estatais7 incumbidos dessa
atividade. O corpo funcional da Inspeção deverá ter estatuto próprio e condições
de serviço que lhes assegurem a estabilidade nos seus empregos e os tornem
independentes de mudança de governo ou de qualquer influência externa indevida,
e serão recrutados unicamente com base em suas aptidões para as funções.
Menciona ainda que o quantitativo de inspetores do trabalho será o suficiente para
permitir o exercício eficaz dessa atividade, fixando inclusive critérios para tal
mensuração. Dentre eles, o número, a natureza, a importância e a situação dos
estabelecimentos sujeitos ao controle da Inspeção, assim como o número e a
diversidade das categorias de trabalhadores ocupados nesses estabelecimentos.

O art. 11 da Convenção 81 menciona também que cabe ao Estado tomar as


medidas necessárias no sentido de fornecer, aos inspetores do trabalho, locais de
trabalho apropriados, além do transporte necessário ao exercício de suas funções.
No art. 12, e seguintes, estabelecem-se algumas prerrogativas inerentes ao cargo,
como autorização para ingressar livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do
dia ou da noite, em qualquer estabelecimento onde exista relação de emprego,
dentre outras.

6
A OIT reconhece três sistemas de Inspeção do Trabalho: o primeiro é aquele no qual a Inspeção do Trabalho está
encarregada da inspeção de todos os setores de atividade econômica, indistintamente; o segundo compreende
apenas os serviços especializados, seja por atividade econômica (minas, agricultura, indústria, transportes), seja
por especialização técnica (inspeção de segurança e saúde, inspeção por ramo industrial, tipo metalurgia, química,
ou, ainda, inspeção de leis sociais, salários, relações profissionais, trabalho da criança e das mulheres etc.); e, por
fim, o terceiro é o pluridisciplinar, no qual o corpo de inspetores é formado por responsáveis tanto pela inspeção
das leis sociais, quanto por especialistas em assuntos técnicos, como engenheiros, médicos do trabalho e outros
técnicos especializados em prevenção dos riscos do trabalho. (Bureau International du Travail, 1999. p. 11).
7
No Brasil esses agentes estatais são os Auditores Fiscais do Trabalho, que representam a Autoridade
Administrativa Trabalhista, nos termos do § 2º, do art. 11 da Lei n.º 10.593/2002.

7
Em todo momento percebe-se a intenção da norma internacional no sentido
de criar uma Inspeção do Trabalho de fato e de direito, ou seja, não basta apenas
que o Estado crie formalmente os instrumentos jurídicos de sua existência, mas
também que garanta o seu efetivo e eficaz funcionamento, pois como norma de
Direitos Humanos, o seu objetivo é assegurar a justiça social e o trabalho digno.

Mais ainda, ao estabelecer um estatuto próprio ao pessoal da Inspeção, a


norma criou um sistema hermético com o intuito de se evitar interferências internas
(da própria administração) e externas, inclusive com a diretriz de que seus
integrantes sejam recrutados unicamente com base em suas aptidões para a função,
ou seja, se estabeleceu uma Carreira de Estado, não de governo.

1.3 Estrutura da Auditoria Fiscal do Trabalho

A Administração tem sofrido profundas transformações nos últimos anos,


sendo possível destacar uma tendência pela busca da eficiência administrativa,
compreendida como a efetivação dos direitos fundamentais, o que evidencia a
substituição da Administração Pública burocrática e formalista por uma
Administração Pública gerencial e de resultados (OLIVEIRA, 2018).

Neste contexto temos também o Estado Regulador. Seu fundamento é


encontrado na necessidade de se proteger um determinado bem jurídico, sendo os
direitos fundamentais o primeiro alvo.

Assim, resumir a regulação à proteção da igualdade do mercado (dimensão


econômica) é descrevê-la por apenas uma de suas dimensões (ARANHA, 2015).

A dignidade humana, por exemplo, justifica um tipo regulatório que veda o


comércio de órgãos ou a prática de trabalho infantil.

A regulação social acrescentou o direito social na preocupação das decisões


regulatórias (Estado Social Regulador), concentrando esforços na concretização de

8
direitos e não apenas atuando na solução pontual de conflitos entre os atores
econômicos.

É bem verdade que desde a década de 1930, o Trabalho vem sendo alvo de
regulação, com a criação de órgãos reguladores e normas reguladoras, passando
pela criação do Ministério do Trabalho (nele incluída a Inspeção do Trabalho),
Justiça do Trabalho, CLT, reforma trabalhista de 2017, etc.

Recentemente, houve também a quase reforma da Inspeção do trabalho.

O parecer do Relator aprovado na Comissão Mista do Congresso Nacional


em 11 de julho de 2019, sobre a MP 881/2019, tentou também promover uma
reforma no Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.

No entanto, o relatório não foi aprovado e depois foram reapresentadas as


propostas na MP 905 de 2019, que também não teve acolhida nesse aspecto.

A regulação, portanto, é uma forma de intervenção do Estado, através do


poder de polícia, com o intuito de induzir determinado comportamento.

Assim, buscando-se uma Administração de resultados, a Auditoria Fiscal do


Trabalho deve estabelecer também mecanismos indutivos, com previsão de
incentivos positivos.

Destaque-se que a sanção possui um duplo viés: a) negativo: coação ou


punição pelo descumprimento do ordenamento; e b) positivo: premiação pelo
adimplemento das normas em vigor (OLIVEIRA, 2018).

Mais ainda, sob o olhar da análise econômica do Direito, as pessoas, ao


efetuarem escolhas, ponderam os custos e benefícios em busca da maximização
destes últimos.

No Brasil, a Auditoria Fiscal do Trabalho está inserida dentro do Ministério


do Trabalho e Emprego, tem como autoridade nacional a Secretaria de Inspeção
do Trabalho- SIT, com as seguintes atribuições:

Art. 21. À Secretaria de Inspeção do Trabalho compete:

9
I - formular e propor as diretrizes da Inspeção do trabalho, inclusive do
trabalho portuário, com prioridade para o estabelecimento de política de combate
ao trabalho em condições análogas à escravidão e infantil e a todas as formas de
trabalho degradante e de discriminação no emprego e na ocupação;

II - formular e propor as diretrizes e as normas de atuação da área de


segurança e saúde do trabalhador;

III - participar, em conjunto com os demais órgãos do Ministério:

a) da elaboração de programas especiais de proteção ao trabalho; e

b) da formulação de novos procedimentos reguladores das relações capital-


trabalho;

IV - supervisionar, orientar e apoiar, em conjunto com a Secretaria de


Relações do Trabalho, as atividades de mediação em conflitos coletivos de trabalho
exercidas pelos Auditores Fiscais do Trabalho;

V - formular e propor as diretrizes da fiscalização dos recolhimentos do Fundo


de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS;

VI - propor ações, no âmbito do Ministério, com vistas à otimização de


sistemas de cooperação mútua, ao intercâmbio de informações e ao
estabelecimento de ações integradas entre as fiscalizações federais;

VII - formular e propor as diretrizes para a capacitação, o aperfeiçoamento e


o intercâmbio técnico-profissional e a gestão de pessoal da Inspeção do trabalho;

VIII - promover estudos sobre legislação trabalhista e correlata, no âmbito de


sua competência, e propor o seu aperfeiçoamento;

IX - supervisionar as atividades destinadas ao desenvolvimento de programas


e de ações integradas de cooperação técnico-científica com organismos nacionais
e internacionais no âmbito de sua competência;

X - acompanhar o cumprimento, em âmbito nacional, dos acordos e


convenções ratificados pelo Governo brasileiro junto a organismos internacionais,
em especial à OIT, nos assuntos de sua área de competência; e

10
XI - propor diretrizes e normas para o aperfeiçoamento das relações do
trabalho no âmbito de sua competência. (Art. 21 do Decreto n.º 11.359/23).

A Secretaria é órgão específico singular, diretamente subordinado ao Ministro


de Estado do Trabalho, chefiada pelo Secretário de Inspeção do Trabalho, nomeado
dentre integrantes da carreira da Auditoria Fiscal do Trabalho.

Para Mannrich (1991), a Auditoria Fiscal do Trabalho, também denominada


Fiscalização do Trabalho ou Inspeção do Trabalho, relaciona-se diretamente com o
Direito do Trabalho, sendo que a fiscalização assegura a aplicação das sanções
previstas nas leis trabalhistas concorrendo para o aprimoramento das condições de
trabalho e melhoria das relações entre empregado e empregador, ou seja, um é o
próprio direito trabalhista e o outro é a fiscalização da aplicação desses direitos.

Em 2002, foi promulgada a Lei n.º 10.593, fruto da edição e reedição de várias
medidas provisórias desde 1999, que organizou a Carreira da Auditoria Fiscal do
Trabalho. Através desta lei alcançou-se a similaridade das denominações entre as
carreiras da arrecadação federal, preservando-se a harmonia entre elas (Receita,
Previdência e Trabalho). Houve também a mudança na nomenclatura do cargo:

Art. 9º A Carreira Auditoria Fiscal do Trabalho será composta de cargos de


Auditor Fiscal do Trabalho.

§ 1º [...]

§ 2º Os atuais ocupantes do cargo de Médico do Trabalho que optarem por


permanecer na situação atual deverão fazê-lo, de forma irretratável, até 30 de
setembro de 1999, ficando, neste caso, em quadro em extinção.

Art. 10. São transformados em cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, na


Carreira Auditoria Fiscal do Trabalho, os seguintes cargos efetivos do quadro
permanente do Ministério do Trabalho e Emprego:

I - Fiscal do Trabalho;

II - Assistente Social, encarregado da fiscalização do trabalho da mulher e do


menor;

11
III - Engenheiros e Arquitetos, com a especialização prevista na Lei n. 7.410,
de 27 de novembro de 1985, encarregados da fiscalização da segurança no
trabalho;

IV - Médico do Trabalho, encarregado da fiscalização das condições de


salubridade do ambiente do trabalho.

Desde então o Auditor Fiscal do Trabalho - AFT, independente da área de


formação, tem por competência, nos termos do art. 11 da Lei n.º 10.593/2002:

I - o cumprimento de disposições legais e regulamentares, inclusive as


relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, no âmbito das relações de
trabalho e de emprego;

II - a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social


— CTPS, visando a redução dos índices de informalidade;

III - a verificação do recolhimento e a constituição e o lançamento dos


créditos referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e à
contribuição social de que trata o art. 1º da Lei Complementar n.º 110, de 29 de
junho de 2001, objetivando maximizar os índices de arrecadação;

IV - o cumprimento de acordos, convenções e contratos coletivos de trabalho


celebrados entre empregados e empregadores;

V - o respeito aos acordos, tratados e convenções internacionais dos quais o


Brasil seja signatário;

VI - a lavratura de auto de apreensão e guarda de documentos, materiais,


livros e assemelhados, para verificação da existência de fraude e irregularidades,
bem como o exame da contabilidade das empresas, não se lhes aplicando o
disposto nos arts. 17 e 18 do Código Comercial.

VII - a verificação do recolhimento e a constituição e o lançamento dos


créditos decorrentes da cota-parte da contribuição sindical urbana e rural.

Nos termos do § 2º, do mesmo artigo, é o AFT a Autoridade Administrativa


Trabalhista:

12
“§ 2º Os ocupantes do cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, no exercício das
atribuições previstas neste artigo, são autoridades trabalhistas”.

Em 27 de setembro de 2022, foi publicado o Decreto n° 11.205, que instituiu


o Programa de Estímulo à Conformidade Normativa Trabalhista.

Com isso se estabeleceu uma política que visa incrementar a cultura de


confiança recíproca entre a Auditoria Fiscal do Trabalho e os empregadores, com
o objetivo de incentivar o cumprimento da legislação trabalhista.

O Programa estimula a conduta empresarial responsável como elemento


estratégico para promover conformidade às normas trabalhistas e de segurança e
saúde no trabalho.

Além disso, incentiva a promoção do trabalho decente, a melhoria do


ambiente de negócios e o aumento da competitividade, bem como a modernização
das ferramentas de atuação da Inspeção do Trabalho.

A coordenação do Programa será feita pela Secretaria de Inspeção do


Trabalho e implementado por meio de sistemas tecnológicos que disponibilizarão
dossiês trabalhistas individualizados com possíveis indícios de irregularidades, a
partir do cruzamento de informações constantes de banco de dados, possibilitando
a adequação ao efetivo cumprimento das normas trabalhistas.

A utilização de novas tecnologias prevista no Decreto está alinhada às


diretrizes sobre princípios gerais de Inspeção do Trabalho da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), direcionadas a aprimorar a efetividade da Inspeção
do Trabalho e da promoção do trabalho decente.

Dentre outras ações, também será disponibilizado sistema para elaboração


de autodiagnóstico trabalhista pelo empregador, possibilitando uma atuação
proativa e preventiva em suas relações de trabalho.

13
1.4 Natureza Jurídica da Auditoria Fiscal do Trabalho

Para Azevedo Neto (2017), os primeiros direitos sociais surgem, na verdade,


como forma de proteção aos trabalhadores, seja diante dos infortúnios decorrentes
do exercício do trabalho, seja para fazer frente aos patrões de forma a regular as
condições laborais, assegurando a dignidade humana.

Segundo Cesarino Júnior, a expressão Direito Social, oriunda da revolução


francesa, foi cunhada para se opor ao direito individualista. (CESARINO JÚNIOR,
1980).

A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre os direitos sociais (arts. 6º a 11),


inserindo-os no catálogo dos direitos fundamentais.

Os direitos sociais são, inegavelmente, direitos fundamentais.

O texto constitucional, já no seu art. 1º, também demonstra a valorização do


ser humano em sua dignidade (inciso III) e dos valores sociais do trabalho (inciso
IV).

Para Ingo Sarlet, a dignidade da pessoa humana é “a qualidade intrínseca e


distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos e deve­res fundamentais que assegurem a pessoa
tanto contra todo e qualquer ato cunho degradante e desumano, como venham a
lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante
o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida” (SARLET, 2012, p.
73).

Também como princípio geral da atividade econômica, a Carta Magna reza


em seu art. 170, caput, que a ordem econômica, se funda, tanto na livre-iniciativa,
quanto na valorização do trabalho humano.

14
Entretanto, dificilmente os trabalhadores teriam a garantia do cumprimento
dessas normas, sem a existência de uma Inspeção do Trabalho, assim como
preco­nizada pela Convenção n. 81 da OIT.

Para Azevedo Neto (2017), a ausência de proteção aos direitos sociais impede
o desenvolvimento humano. E o Estado possui um papel fundamental na
salvaguarda desses direitos.

Para o ilustre autor, é preciso que o Estado reconheça a sua responsabilidade


na realização dos direitos sociais.

Como já foi dito, tal convenção foi elaborada como norma de Direitos
Humanos, cujo objetivo maior é assegurar a justiça social e o trabalho digno, antes
mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No âmbito internacional, os direitos sociais, neles incluídos os direitos


traba­lhistas, integram o rol dos direitos humanos.

A não efetivação desses direitos aos trabalhadores, enquanto pessoa


huma­na, não afeta somente a eles próprios, mas sim a toda a sociedade, por isso
com­pete ao Estado organizar, manter e executar a Inspeção do Trabalho. Inciso
XXIV, do art. 21 da CF/1988: Compete à União: […] organizar, manter e executar a
inspeção do trabalho.

“As expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos fundamentais’ são


frequentemente utiliza­das como sinônimas. Segundo a sua origem e significado
poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos
válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-
universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico-
institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente” (CANOTILHO,
1993. p. 517).

A Inspeção do Trabalho não é apenas uma atividade estatal para a promoção


de políticas públicas, mas sim um direito fundamental do trabalhador, positivado

15
na nossa Constituição, e ao mesmo tempo com um caráter supranacional através
da Convenção n. 81 da OIT.

Os Direitos Fundamentais são os Direitos Humanos incorporados, positivados,


na ordem constitucional de um Estado. A expressão direitos humanos guarda
rela­ção com os documentos de Direito Internacional independente de sua
vinculação com determinado ordenamento nacional, e que aspiram à validade
universal para todos os povos de forma atemporal, de tal sorte que revelam um
inequívoco caráter supranacional.

Ambos têm a pessoa humana como destinatária da sua proteção.

Diante disso, percebe-se que a natureza jurídica da Inspeção do Trabalho é


de Direito Fundamental do Trabalhador.

O aspecto formal não é suficiente para uma identificação completa dos


direitos fundamentais previstos na CF/1988, uma vez que existem direitos
fundamentais do trabalhador, fora do Capítulo II, denominado Dos Direitos Sociais.

Por isso, o aspecto material é essencial para a identificação desses direitos


não previstos no catálogo expresso acima.

Portanto, a Inspeção do Trabalho, prevista na Constituição e nas normas


inter­nacionais, mantém a natureza de direito social, humano e, portanto,
fundamental.

A Constituição da República, além de arrolar os direitos dos trabalhadores


urbanos e rurais, também garante outros que melhoram a sua condição social (art.
7º, caput): “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social”.

16
1.5 O Regulamento da Auditoria Fiscal do Trabalho

Em 27 de dezembro de 2002, o Decreto n.º 4.552 revogou o Decreto n.º


55.841/1965 e aprovou o novo Regulamento da Inspeção do Trabalho-RIT, que em
seu art. 1º dispôs:

Art. 1º O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, a cargo do Ministério do


Trabalho e Emprego, tem por finalidade assegurar, em todo o território nacional, a
aplicação das disposições legais, incluindo as convenções internacionais ratificadas,
os atos e decisões das autoridades competentes e as convenções, acordos e
contratos coletivos de trabalho, no que concerne à proteção dos trabalhadores no
exercício da atividade laboral.

O Regulamento da Inspeção do Trabalho representa a norma base para a


atuação da Inspeção do Trabalho, nele estão dispostos os elementos essenciais
sobre a organização; ações fiscais; dupla visita; procedimento especial de
fiscalização; atribuições e prerrogativas; vedações e agentes auxiliares.

Nas fiscalizações, em razão de ordem de serviço previamente emitida pela


chefia imediata, permite-se ao AFT o acesso livre aos locais da relação de emprego,
sem prévio aviso e em qualquer dia e horário.

De igual forma, assegura-se o acesso a todos os documentos e materiais


pertinentes ao objeto da fiscalização, permitindo-se inclusive a apreensão desses
conteúdos. Assim, as ações fiscais são promovidas em todas as empresas,
estabelecimentos e locais de trabalho, públicos ou privados, estendendo-se aos
profissionais liberais e instituições sem fins lucrativos, bem como às embarcações
estrangeiras em águas territoriais brasileiras.

A exibição da credencial é obrigatória no momento da Inspeção, salvo


quando o AFT julgar que tal identificação prejudicará a eficácia da fiscalização,
hipótese em que deverá fazê-la após a verificação física do local de trabalho.

17
As ações fiscais, sempre que necessário, serão efetuadas de forma imprevista,
cercadas de todas as cautelas, na época e horários mais apropriados a sua eficácia,
conforme já mencionado, e o AFT somente poderá exigir a exibição de documentos
após a apresentação da credencial.

Os empregadores, tomadores e intermediadores de serviços, empresas,


instituições, associações, órgãos e entidades de qualquer natureza ou finalidade
são sujeitos à Inspeção do Trabalho e ficam, pessoalmente ou por seus prepostos
ou representantes legais, obrigados a franquear, aos Auditores Fiscais do Trabalho,
o acesso aos estabelecimentos, respectivas dependências e locais de trabalho, bem
como exibir os documentos e materiais solicitados para fins de Inspeção do
trabalho, sob pena de se configurar embaraço à fiscalização.

Nesse sentido, aqueles que violarem as disposições legais ou regulamentares,


objeto da Inspeção do trabalho, ou se mostrarem negligentes na sua aplicação,
deixando de atender às advertências, notificações ou sanções da autoridade
competente, poderão sofrer reiterada ação fiscal. O descumprimento sistemático
das disposições legais ensejará por parte da autoridade regional a denúncia do
fato, de imediato, ao Ministério Público do Trabalho - MPT. Vale ressalvar ainda
que nem todas as ações fiscais são diretas, podem ser estabelecidas fiscalizações
indiretas, mistas, ou outras que venham a ser definidas em instruções expedidas
pela SIT.

O art. 18 e seguintes do RIT estabelecem as atribuições e prerrogativas dos


Auditores Fiscais do Trabalho, em especial, a verificação em todo o território
nacional do cumprimento das disposições legais e regulamentares, inclusive no
tocante à segurança e à saúde no trabalho; acordos, convenções e contratos
coletivos de trabalho; e, acordos, tratados e convenções internacionais ratificados
pelo Brasil. Cabe ainda uma especial atenção aos registros em Carteira de Trabalho
e Previdência Social - CTPS, que visa a redução dos índices de informalidade, e o
recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, com objetivo de
maximizar os índices de arrecadação.

18
O RIT também prescreveu vedações (art. 35) aos próprios AFT, assim tais
agentes são proibidos de:

● Revelar, sob pena de responsabilidade, mesmo na hipótese de


afastamento do cargo, os segredos de fabricação ou comércio, bem
como os processos de exploração de que tenham tido conhecimento
no exercício de suas funções;
● Revelar informações obtidas em decorrência do exercício das suas
competências;
● Revelar as fontes de informações, reclamações ou denúncias; e
● Inspecionar os locais em que tenham qualquer interesse direto ou
indireto, caso em que deverão declarar o impedimento.

Por se tratar de autoridades com poder de polícia, foram acertadamente


estabelecidas estas importantes vedações.

No art.19 o RIT estabeleceu vedações às autoridades de direção, mediante


três aspectos:

1. Primeiro, é vedado àquelas autoridades conferir aos Auditores Fiscais


do Trabalho encargos ou funções diversas das que lhes são próprias,
salvo se para o desempenho de cargos de direção, de funções de
chefia ou de assessoramento. Obviamente o intuito é evitar desviar o
AFT de suas atividades finalísticas.
2. As autoridades de direção não podem interferir no exercício das
funções de Inspeção do Trabalho ou prejudicar, de qualquer maneira,
sua imparcialidade ou a autoridade do Auditor Fiscal do Trabalho. Uma
vez regularmente iniciada a ação fiscal pelo AFT, compete a ele próprio
a condução da Inspeção até o seu término.
3. Por último, não se pode conferir qualquer atribuição de Inspeção do
Trabalho a servidor que não pertença ao Sistema Federal de Inspeção
do Trabalho.

19
1.5.1 Verificação da Relação de Emprego

Há controvérsia sobre a possibilidade de o AFT configurar a existência do


vínculo de emprego administrativamente, para alguns, somente pela via judicial isso
seria possível. Ao ser autuado por este motivo, o empregador pode alegar a
inexistência de vínculo de emprego, por se tratar de trabalhador eventual ou
autônomo, por exemplo.

A controvérsia referia-se sobre a legalidade da conduta do AFT, quando o


vínculo empregatício é negado pelo administrado. O poder-dever da Administração
Pública de fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas não se confunde com
a atuação jurisdicional da Justiça do Trabalho. Quando a existência de contrato de
trabalho é objeto de controvérsia entre a Administração Pública e o particular,
aquela pode e tem o dever de aplicar, no âmbito administrativo, as normas
pertinentes. Resguardado o acesso ao Poder Judiciário.

A competência da Justiça do Trabalho para reconhecer a relação de emprego,


prevista na Constituição da República, refere-se ao exercício de atividade
jurisdicional. Como a atividade da Inspeção do Trabalho não é jurisdicional, este
dispositivo a ela não se contrapõe. Ao Auditor Fiscal do Trabalho incumbe a
fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção do trabalho, e detectando
a existência de contrato de trabalho sem a observância de regras essenciais, cabe
a ele aplicar as sanções previstas em lei.

Trata-se de atividade administrativa plenamente vinculada. Outrossim, a


lavratura de auto de infração pelo AFT possui presunção de legitimidade. O ato
administrativo, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nasce com a presunção
de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Essa
presunção decorre do princípio da legalidade da Administração, que, nos Estados
de Direito, informa toda a atuação governamental. Não poderia a Administração
bem desempenhar sua missão se, a todo momento, encontrando natural resistência

20
do particular, tivesse de recorrer ao Judiciário para remover a oposição individual
à atuação pública.

Capítulo II – O Contencioso Administrativo

As controvérsias entre a Administração Pública e os administrados podem ser


resolvidas de duas formas basicamente: jurisdição única ou pelo sistema de
jurisdição dupla (BERMAN, 2009).

O sistema dualista caracteriza-se pelo fato de a Administração, além das


funções típicas executivas, exercer também a função judicante.

No Brasil adotou-se o sistema anglo-saxão, e conforme nos ensina Wagner


Balera:
Como se sabe, bem pouco é o prestígio de que desfruta o

contencioso

administrativo fiscal no Brasil. Historicamente, restou configurado certo


preconceito da comunidade, decorrente da suposição de que, sendo

integrante da organização administrativa, esse setor poderia sofrer


ingerências do Poder Executivo, com consequente comprometimento do

livre convencimento dos julgadores e da própria decisão.

Mas, como decorrência da marcha excessivamente lenta do Poder

Judiciário e, pela praticidade e gratuidade do funcionamento, o controle


jurisdicional administrativo ocupou o seu espaço institucional e, hoje, faz

parte do cotidiano dos processos fiscais e previdenciários 8.

A doutrina costuma distinguir os tribunais administrativos dos judiciais,


sobretudo, porque a Administração não alcançaria o mesmo grau de independência
e imparcialidade que o Poder Judiciário. Porém, sob a ótica de Kelsen, a

8
Prefácio. In: BERMAN, Vanessa Carla Vidutto. Processo administrativo fiscal previdenciário. São Paulo: LTr,
2009.

21
interpretação realizada pelos tribunais administrativos e judiciais tem a mesma
natureza (CHINELATO, 2014).

Ainda para CHINELATO:


Ocorre que, se é certo que no plano institucional os tribunais
administrativos e judiciais têm várias diferenças, no plano hermenêutico a
atividade de ambos, pelo menos na perspectiva de Hans Kelsen, é
essencialmente a mesma. Os dois são órgãos do Estado responsáveis por
aplicar o Direito a litígios concretos, o que faz com que o tipo de

interpretação jurídica que praticam tenha a mesma natureza e a mesma


complexidade. Se esse é o quadro, quaisquer restrições à interpretação dos
tribunais da Administração devem estar alicerçadas em razões realmente

consistentes, sob pena de que se dê lugar a absurdos e contrassensos.

Coube à CLT disciplinar O Contencioso Administrativo Trabalhista, aqui


estudado. No seu Título VII, e na regra celetista, art. 628, salvo exceções, toda vez
que o Auditor Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito
legal, deve-se lavrar auto de infração, sob pena de responsabilidade administrativa.
Cumpre aqui não confundirmos auto de infração com a multa administrativa
propriamente dita.

A autuação não gera de imediato a consolidação do débito, tampouco


propicia a sua inscrição em dívida ativa, concretiza apenas o início do procedimento
destinado à apuração da infração e, se for o caso, a aplicação das penalidades
administrativas pertinentes.

Importante explanar que a lavratura do auto infracional não se traduz em


aplicação definitiva da sanção, uma vez que somente após o transcurso do
procedimento e, com a decisão definitiva da autoridade administrativa, ou seja, não
passível de recurso, é que a penalidade administrativa será consolidada (LOPES
FILHO, 2017).

22
Com efeito, a decisão proferida ao final do processo administrativo não é
completamente definitiva para o particular, cabendo sempre o seu questionamento
na via judicial, nos termos do inciso VII do art.114 da Constituição Federal de 1988:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

[...]

VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos


empregadores
pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho.

No Brasil, portanto, não se pode dizer que existe uma jurisdição


administrativa, o que ocorre é a revisão da legalidade dos atos administrativos, nos
termos da Súmula n° 473 do Supremo Tribunal Federal:
A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVADOS DE
VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS; OU

REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS

DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL.

De qualquer forma, não se pode desprezar que o contencioso administrativo


é uma forma não judicial de resolução de conflitos.

A própria Constituição Federal de 1988, quando dispõe sobre o processo


administrativo, conferiu-lhe o mesmo status que o judicial, em alguns aspectos:

art. 5º [...]

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em


geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes.

Para o professor Hugo de Brito Machado (2000, p. 203), “a finalidade do


Contencioso Administrativo consiste precisamente em reduzir a presença da
Administração Pública em ações judiciais. O Contencioso Administrativo funciona
como um filtro”.

23
2.1 Aplicação da Lei n° 9.784, de 1999

A Lei n° 9.784/1999, que regula o Processo Administrativo no âmbito da


administração Pública Federal, dialoga com o contencioso administrativo
trabalhista.

Tal norma estabelece princípios gerais que devem ser aplicados ao


Contencioso Administrativo Trabalhista:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da


legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os


critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de


poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal


de
agentes ou autoridades;

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo


previstas na Constituição;

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e


sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do
interesse público;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

24
VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza,


segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à


produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam
resultar sanções e nas situações de litígio;

XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos


interessados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o


atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova
interpretação.

A Lei n° 9.784/1999 estabelece um bloco de princípios e critérios a serem


observados pela Administração, representando verdadeiras garantias aos
administrados, além daquelas já constitucionalmente asseguradas.

2.2 Aplicação do código de processo civil

Temos ainda a possibilidade de aplicação do Código de Processo Civil - CPC:

“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas


ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente”.

Em princípio temos que a aplicação supletiva, ocorreria quando, mesmo


havendo regra expressa, essa fosse insuficiente para alcançar, com eficiência, os
objetivos práticos, e por esta razão a regra do CPC a auxiliaria. A aplicação
subsidiária seria para suprir uma omissão (TEIXEIRA FILHO, 2015).

25
Como se sabe, podem existir três tipos de lacunas na lei: a normativa, por
inexistência de norma; a ontológica, quando há norma, mas está ultrapassada
diante dos fatos sociais; e a axiológica, quando a norma existe, mas se revela injusta
ou insatisfatória (DINIZ, 2007).

2.3 Renúncia à instância administrativa

A Portaria 854/2015 revogou a anterior, Portaria 148/1996, e sua principal


inovação foi regular, no art. 42 e parágrafos, administrativamente, a situação dos
processos de auto de infração e NDFC discutidos ao mesmo tempo na esfera
judicial:

Art. 42. A propositura, pelo administrado, de ação anulatória ou declaratória de


nulidade de auto de infração ou notificação de débito importa em renúncia ao
direito de se manifestar na esfera administrativa, com consequente desistência do
recurso ou defesa interposto, causando o encerramento do contencioso
administrativo.

§ 1º No caso descrito no caput deverá a autoridade competente, certificar nos autos


esta situação e encaminhá-lo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou à Caixa
Econômica Federal, conforme seja o caso de auto de infração ou notificação de
débito.

§ 2º Caso haja decisão judicial determinando a suspensão do feito não será aplicado
o disposto no caput, devendo tal situação ser certificada no processo.

Ainda sob a égide da Portaria n° 148/1996, já se discutia que, considerando


o direito de defesa do particular na esfera administrativa, mas, havendo a
prevalência da esfera Judicial sobre aquela, não faria sentido a sobreposição dos
processos administrativo e judicial (LOPES FILHO, 2013).

A opção pela discussão judicial, antes do exaurimento da esfera


administrativa, demonstra que o administrado abdicou da última, sobretudo

26
quando a ação judicial tem por objeto idêntico pedido sobre o qual versa o
processo administrativo.

A renúncia à faculdade de recorrer à via administrativa é decorrência lógica


da opção feita pelo particular pela via judicial. Alguns dispositivos já estabelecem
essa regra no âmbito do contencioso administrativo tributário e previdenciário,
como se percebe pela leitura do parágrafo único do art. 38 da Lei n.º 6.830/1980,
e do § 3º do art. 126 da Lei n.º 8.213/1991:

Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível


em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança,
ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta
precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido
e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste


artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e
desistência do recurso acaso interposto.

Art. 126. Das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nos
processos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes da Seguridade Social
caberá recurso para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme
dispuser o Regulamento.

§ 3º A propositura, pelo beneficiário ou contribuinte, de ação que tenha por


objeto idêntico pedido sobre o qual versa o processo administrativo importa
renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso
interposto.

Em consonância com o contido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição


Federal de 1988, segundo o qual nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser
subtraída do conhecimento do Judiciário, seria absolutamente inconstitucional
exigir o exaurimento da esfera administrativa como condição para o ingresso em
Juízo.

27
O próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o assunto,
defendendo a constitucionalidade dessa regra:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL TRIBUTÁRIO. RECURSO

ADMINISTRATIVO DESTINADO À DISCUSSÃO DA VALIDADE DE DÍVIDA ATIVA DA FAZENDA

PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO QUE TAMBÉM TENHA

POR OBJETIVO DISCUTIR A VALIDADE DO MESMO CRÉDITO. ART. 38, PARÁGRAFO ÚNICO,
DA LEI N. 6.830/1980

O DIREITO CONSTITUCIONAL DE PETIÇÃO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NÃO

IMPLICAM A NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA PARA DISCUSSÃO

JUDICIAL DA VALIDADE DE CRÉDITO INSCRITO EM DÍVIDA ATIVA DA FAZENDA PÚBLICA. É

CONSTITUCIONAL O ART. 38, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 6.830/1980 (LEI DA


EXECUÇÃO FISCAL - LEF), QUE DISPÕE QUE “A PROPOSITURA, PELO CONTRIBUINTE, DA

AÇÃO PREVISTA NESTE ARTIGO [AÇÕES DESTINADAS À DISCUSSÃO JUDICIAL DA VALIDADE

DE CRÉDITO INSCRITO EM DÍVIDA ATIVA] IMPORTA EM RENÚNCIA AO PODER DE RECORRER

NA ESFERA ADMINISTRATIVA E DESISTÊNCIA DO RECURSO ACASO INTERPOSTO”. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO, MAS AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (RE 233582,

RELATOR(A): MIN. MARCO AURÉLIO, RELATOR(A) P/ ACÓRDÃO: MIN. JOAQUIM

BARBOSA, TRIBUNAL PLENO, JULGADO EM 16.8.2007, DJE 088 DIVULG. 15.5.2008.

PUBLIC. 16.5.2008. EMENT. V. 2319-05. P. 1031).

Existe, no caso, um requisito para a aplicabilidade da prejudicialidade, que


seria a identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial. O escopo da
norma é exatamente evitar o surgimento de conflitos entre decisões divergentes,
se o objeto da ação judicial não coincidir com o objeto do procedimento
administrativo, restaria afastada a chamada litispendência.

Ocorre litispendência quando duas causas são idênticas quanto às partes, o


pedido e a causa de pedir, ou seja, quando se ajuíza uma nova ação que repita
outra já ajuizada, sendo idênticas as partes, o conteúdo e pedido formulado. Porém,
apesar da litispendência do Código de Processo Civil ser aplicada somente diante
da coexistência de duas ações judiciais, entende-se que no âmbito administrativo

28
seria possível cotejar um processo administrativo com um processo judicial,
fazendo-se uso da regra contida no CPC.

As Leis n.os 6.830/1980 e 8.213/1991 pressupõem a existência da uma


jurisdição una e de um conceito mais amplo do exercício do direito à ampla defesa,
ou seja, o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e apenas a decisão
deste é que se torna definitiva, com o trânsito em julgado. Também considerando
razões de economia e orientação aos órgãos administrativos, o único destino
admissível do procedimento administrativo, na hipótese de sobrevir iniciativa
judicial do administrado, seria a extinção.

Com isso, após intensas discussões sobre o tema, sobretudo a partir de 2013
(LOPES FILHO, 2013), tal regra foi incorporada ao Contencioso Administrativo
Trabalhista, por força do art. 42 da Portaria n.º 854/2015.

A atual Portaria 667/21, segue esse entendimento e, assim disciplina:

Art. 46. A propositura, pelo administrado, de qualquer ação judicial que


discuta o mérito do auto de infração ou notificação de débito, importa em renúncia
ao direito de se manifestar na esfera administrativa, com desistência do recurso ou
defesa eventualmente interpostos.

§ 1º Na hipótese descrita no caput, a autoridade competente certificará a


situação nos autos, encerrará o contencioso administrativo com decisão de
procedência do auto de infração ou da notificação de débito e encaminhará o
processo para cobrança.

§ 2º Nas hipóteses de aplicação do art. 53 da Lei n.º 9.784, de 1999, e de


recurso de ofício pendente de apreciação em segunda instância administrativa, o
encerramento do contencioso administrativo de que trata o § 1º poderá ocorrer
com decisão de improcedência ou parcial procedência do auto de infração ou da
notificação de débito.

§ 3º Caso haja decisão judicial determinando a suspensão do feito, não será


aplicado o disposto no caput, devendo tal situação ser certificada no processo.

29
Art. 47. O processo de auto de infração ou de notificação de débito julgado
procedente ou parcialmente procedente, cujo valor não tenha sido recolhido
administrativamente após decisão definitiva, atendidas as formalidades legais, será
encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou a outro órgão
conveniado, responsável pela cobrança e inscrição em dívida ativa, em até noventa
dias contados do prazo final concedido ao infrator para efetuar o respectivo
pagamento.

Parágrafo único. Para aplicação do disposto no caput, será considerado como


prazo final concedido para pagamento, a data prevista na notificação encaminhada
ao autuado para ciência da decisão definitiva proferida no processo.

2.4 Portaria 667, de 2021

Como norma base do Contencioso Administrativo Trabalhista, tem por objeto


a organização e tramitação dos processos de auto de infração, de notificação de
débito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e da Contribuição Social,
além de regulamentar o Sistema Eletrônico de Processo Administrativo Trabalhista.

Estabelece também parâmetros para a aplicação das multas administrativas


de valor variável, previstas na legislação trabalhista, e disciplina os procedimentos
administrativos de emissão da certidão de débitos, oferta de vista, extração de
cópia, verificação anual dos processos administrativos e procedimento para
autorização do saque de FGTS pelo empregador, quando recolhido a empregados
não optantes.

Para isso, tem-se que a Coordenação-Geral de Recursos é o órgão


responsável, em segunda e última instância administrativa, pela organização e
tramitação dos processos, no âmbito da Secretaria de Inspeção do Trabalho do
Ministério do Trabalho e Emprego.

30
Em 1ª instância, nas Superintendências Regionais, temos as unidades
regionais de multas e recursos, que trataremos mais adiante.

2.4.1 A Organização e das Peças Inaugurais

O contencioso se inicia com a lavratura do auto de infração ou da emissão


da notificação de débito, conforme o caso.

O AFT deve protocolar a peça na unidade de multas e recursos, onde cada


auto de infração e notificação de débito originará um processo administrativo.

A norma menciona ainda que, as peças inaugurais, o auto de infração e a


notificação de débito não terão seu valor probante condicionado à assinatura do
infrator e de testemunhas e serão lavrados no local da Inspeção, salvo motivo
justificado.

Pode ocorrer, durante uma ação fiscal, que o autuado se recuse a assinar o
recebimento daqueles documentos, nem por isso perderão o valor ao qual se
destinam.

De igual forma, como tais peças são elaboradas por meio eletrônico, o local
da Inspeção, por vezes, não fornece as condições adequadas para a lavratura e
emissão, assim, entende-se por local da Inspeção:

I - o local de trabalho fiscalizado;

II - as unidades integrantes do Ministério do Trabalho e Emprego;

III - qualquer outro local previamente designado pelo Auditor Fiscal do


Trabalho para a exibição de documentos por parte do empregador; e

IV - qualquer outro local onde os Auditores Fiscais do Trabalho executem


atos de Inspeção e verifiquem atributos trabalhistas por meio de análise de
documentos ou sistemas informatizados, inclusive em trabalho remoto, conforme
procedimento de fiscalização previsto em normas expedidas em matéria de
Inspeção do trabalho.

31
Com a complexidade das relações de trabalho, ao passar do tempo, o auto
de infração também deixou de ser manuscrito e passou a ser elaborado
eletronicamente, dispondo de mais recursos para que o auditor possa transcrever
a realidade encontrada, naquela peça, o mesmo serve para a notificação de débito,
e consideram-se lavrados com a assinatura do AFT.

Por sua vez o Auto de Infração deve conter:

I - nome, inscrição, endereço e CEP do autuado, constantes dos cadastros de


pessoa física ou jurídica da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do
Ministério da Economia;

II - código de atividade segundo a Classificação Nacional de Atividades


Econômicas - CNAE e número total de empregados de todos os estabelecimentos
do autuado;

III - ementa da autuação e seu código;

IV - narrativa clara e precisa do fato caracterizado como infração, com


referência às circunstâncias pertinentes, relacionando, quando necessário à
caracterização da infração, pelo menos um empregado em situação ou atividade
irregular, exceto quando a lei cominar multa per capita, hipótese em que deverão
ser relacionados todos os empregados em situação ou atividade irregular e o local
onde ocorreu o fato, se diverso do citado no inciso I;

V - capitulação do fato, mediante citação expressa do dispositivo legal


infringido;

VI - elementos de convicção;

VII - ciência do prazo para apresentação de defesa e indicação do local para


sua entrega (REVOGADO);

VIII - local e data;

IX - assinatura e identificação do Auditor Fiscal do Trabalho autuante,


contendo nome e número de sua Carteira de Identidade Fiscal - CIF; e

32
X - assinatura e identificação do autuado, seu representante ou preposto,
quando o recebimento do auto de infração ocorrer de forma pessoal (REVOGADO).

O AFT poderá anexar ao auto de infração elementos probatórios da situação


identificada, tais como cópias de documentos e fotografias.

A notificação de débito segue sistemática semelhante, pois será expedida


contra o infrator, sem prejuízo da lavratura dos autos de infração que couberem,
quando constatado que o depósito devido ao FGTS ou Contribuição Social não foi
efetuado ou foi efetuado a menor.

2.4.2 Competência

A competência para julgamento na primeira e na segunda instância está assim


disciplinado na norma:

a. em primeira instância, ao chefe da unidade regional de multas e recursos; e


b. em segunda instância, ao Coordenador-Geral de Recursos.

O chefe da unidade regional de multas e recursos é a autoridade competente


para a imposição da multa, e poderá delegar matérias e poderes na forma
estabelecida pelo art. 14 da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Cumpre ressaltar antes, que na unidade de multas e recursos, há auditores


denominados Analistas, que têm por incumbência a análise dos autos antes do
julgamento, proferindo pareceres fundamentados, sugerindo a solução do caso,
sendo vedada essa atividade ao auditor que tenha participado da ação fiscal objeto
dos autos.

Quanto ao julgamento em 2º grau a dinâmica é bastante particular, pois é


atribuição de uma só autoridade.

Os sistemas de contencioso administrativo tributário e previdenciário, por


exemplo, adotam o modelo colegiado.

Há que se dar uma interpretação evolutiva ao art. 635 da CLT:

33
Art. 635. De toda decisão que impuser multa por infração das leis e
disposições reguladoras do trabalho, e não havendo forma especial de processo
caberá recurso para o Diretor-Geral Departamento ou Serviço do Ministério do
Trabalho e Previdência Social, que for competente na matéria.

Parágrafo único. As decisões serão sempre fundamentadas.

O artigo sob comento, que teve sua redação dada pelo Decreto-lei n.º 229,
de 1967, e não pode ser interpretado de forma literal.

A eventual erudição de uma autoridade não pode ser considerada fator


determinante para que ela profira uma decisão, sozinha, em grau recursal, em
última instância.

Consagrada está a aplicabilidade, no âmbito administrativo, do Princípio do


Duplo Grau de Jurisdição, como uma garantia humana fundamental.

Ocorre que, ao se aplicar uma penalidade, ainda que administrativa, ao


particular, temos que seria necessária a adoção, ao caso, do Princípio da
Colegiabilidade.

De índole processual, o Princípio da Colegiabilidade estabelece que a parte


tem o direito não somente de recorrer a uma instância superior, mas de ter o seu
recurso apreciado por um órgão colegiado. É decorrência lógica do Princípio do
Duplo Grau de Jurisdição.

A lógica do sistema de turmas e câmaras, nos tribunais, baseia-se na salutar


troca de experiências, conhecimentos e dados por parte dos magistrados. O
fundamental é a submissão a um colegiado, estimulando a discussão de teses, a
contraposição de ideias e o exercício do convencimento, visando o aprimoramento
do sistema.

Não são poucos os casos em que julgadores alteram sua posição e aderem
a uma nova forma de visualizar determinado ponto controverso.

O contencioso administrativo não é apenas um conjunto de procedimentos,


mas um instrumento de efetivação de valores constitucionais.

34
2.4.3 O Processo em 1ª Instância

Como já foi dito, o processo tem início com o protocolo do auto de infração
ou da notificação de débito.

Cada auto de infração ou notificação de débito ensejará a apresentação de


uma defesa, que será apresentada no endereço eletrônico indicado no auto de
infração ou notificação de débito, no prazo de dez dias, contados do recebimento
do auto de infração ou da notificação de débito.

Sendo o processo ainda em meio físico, a defesa poderá ser remetida, via
postal, sendo considerada a data de postagem como a de sua apresentação.

Importante notar que a revelia na fase de defesa não tem como consequência
a confissão ficta em relação à matéria de fato, podendo o autuado interpor recurso
em face da decisão de primeira instância, inclusive com a apresentação de provas
documentais.

Após a apreciação da defesa, tem-se que as decisões serão fundamentadas,


claras, precisas e objetivas, e são nulas aquelas proferidas sem observância do
direito de defesa.

Com isso temos que o interessado será notificado sempre da lavratura do


auto de infração ou da notificação de débito do FGTS, e das decisões do processo
que resultem em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de
direitos.

O interessado será ainda notificado também dos despachos de saneamento


ou diligência, quando forem acrescentadas informações que possam influir no seu
direito de defesa, sendo-lhe reaberto o prazo de defesa.

Importante salientar ainda que os prazos começarão a correr a partir da data


da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se
o do vencimento.

35
2.4.4 Recursos e o Processo em 2ª Instância

Há a previsão de recurso de ofício de toda decisão de improcedência, parcial


procedência e extinção do processo administrativo em razão de prescrição, anistia
e remissão.

A própria autoridade regional prolatora recorrerá à autoridade competente


de instância superior.

Caberá recurso voluntário9 do interessado à Coordenação-Geral de Recursos,


no prazo de 10 (dez) dias, de toda decisão que julgar procedente, total ou
parcialmente, o auto de infração ou a notificação de débito.

O recurso será interposto perante a autoridade regional e não será conhecido


caso não atenda aos requisitos de: tempestividade, legitimidade e representação.

Sendo conhecido, os autos serão remetidos à análise na unidade de multas


e recursos e, após devidamente instruído, será encaminhado à Coordenação-Geral
de Recursos.

Proferida a decisão de segunda instância, os autos serão devolvidos à


Superintendência Regional do Trabalho para ciência do interessado, quando
couber, e para o seu cumprimento.

9
O depósito a que se refere o § 1º do art. 636 da CLT, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988,
vide entendimento da Súmula Vinculante n. 21 do STF e da Súmula n.º 424 do TST. Súmula Vinculante n.º 21 do
STF: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade
de recurso administrativo”. Súmula n.º 424 do TST: “RECURSO ADMINISTRATIVO. PRESSUPOSTO DE
ADMISSIBILIDADE. DEPÓSITO PRÉVIO DA MULTA ADMINISTRATIVA. NÃO RECEPÇÃO PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO § 1º DO ART. 636 DA CLT. Res. n.º 160/2009, DEJT divulgado em 23, 24 e
25.11.2009. O § 1º do art. 636 da CLT, que estabelece a exigência de prova do depósito prévio do valor da multa
cominada em razão de autuação administrativa como pressuposto de admissibilidade de recurso administrativo,
não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, ante a sua incompatibilidade com o inciso LV do art. 5º”.

36
Bibliografia

ARANHA, Márcio Iorio. Manual de Direito Regulatório. London: Laccademia


Publishing, 2015.

AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. A justiciabilidade dos direitos sociais nas
cortes internacionais de justiça. São Paulo: LTr, 2017.

BERMAN, Vanessa Carla Vidutto. Processo administrativo fiscal previdenciário.


São Paulo: LTr, 2009.

BERMÚDEZ, Gabriela Mendizábal. Artigo: Convenio sobre la inspección del


trabajo,1947 (núm. 81), publicado em: Revista Internacional y Comparada de RELA-
CIONES LABORALES Y DERECHO DEL EMPLEO Volumen 7, número especial de
conmemoración del Centenario de la OIT, 2019.
http://ejcls.adapt.it/index.php/rlde_adapt/issue/view/70 (consultado em 27 de
dezembro de 2019).

BIGNAMI, Renato. A Inspeção do Trabalhono Brasil: procedimentos especiais


para a ação fiscal. São Paulo: LTr, 2007.

BIGNAMI, Renato. A modernização da Inspeção do Trabalhono Brasil. Revista da


Escola Nacional da Inspeção do Trabalho, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 282-310, out. 2017.
Disponível em:
https://enit.trabalho.gov.br/revista/index.php/RevistaEnit/issue/view/1>. Acesso em:
12 dez. 2017.

BUREAU INTERNACIONAL DU TRAVAIL. BIT. L’inspection Du travail: manuel


d’éducation ouvrière. 10. éd. rév. Genève: Bureau International du Travail, 1999.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina,


1993.

37
CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 26. ed.
atual. e ampl. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001.

CESARINO JÚNIOR, A. F. Direito social. São Paulo: LTr, 1980.

CHINELATO, João Marcelo Torres. Interpretação e aplicação do direito pelos


tribunais administrativos: conjecturas formuladas a partir da experiência do CARF.
2014.

DINIZ, Maria Helena. As lacunas do direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

LOPES FILHO, Abel Ferreira. Renúncia à instância administrativa trabalhista. Site


ANPT, 2013. Disponível em: <http://www.anpt.org.br/artigos/116-renuncia-a-
instancia-administrativa-trabalhista>. Acesso em: 31 out. 2017.

LOPES FILHO, Abel Ferreira (coautor). Lei da reforma trabalhista: comentada


artigo por artigo. Coordenação de Deusmar José Rodrigues. São Paulo: JH Mizuno,
2017.

MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em matéria tributária. 2. ed.


São Paulo: Dialética, 2000.

MANNRICH, Nelson. Inspeção do trabalho. São Paulo: LTr, 1991.

MANNRICH, Nelson. Da imprescindibilidade da Inspeção do trabalho. FDUSP,


tese de doutoramento orientada por Amauri Mascaro Nascimento e defendida em
19.6.1991.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. Rio de


Janeiro: Método, 6ª edição, 2018.

REIS, Jair Teixeira dos. A Inspeção do Trabalho e a Emenda Constitucional n. 45.


Site Âmbito Jurídico, 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=976>. Acesso em: 29 out. 2017.

38
REIS, Jair Teixeira dos. Processo administrativo do trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais


na Constituição Federal de 1988. 9 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SILVA, Marcello Ribeiro. Inspeção do trabalho: procedimentos fiscais. Goiânia:


A.D. Editora, 2017.

TEIXEIRA FILHO, Manuel Antônio. Comentários ao novo código de processo civil


sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2015.

39

Você também pode gostar