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Introdução
É cediço que o novo regime democrático institucionalizado pela Constituição da
República de 1988 implicou significativas mudanças estruturais em todo os sistema jurídico
positivo. No afã de construir uma sociedade livre, justa e solidária, a República surge para
erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem
como para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Destarte, para concretizar seus objetivos, a República Federativa do Brasil não optou
por um modelo econômico liberal nos moldes do “laissez faire, laissez passer” e, tampouco
por estatizar os meios de produção e extinguir a propriedade privada no estilo marxista.
O artigo 170, CRFB, determina os parâmetros para o desenvolvimento da atividade
econômica, que tem por fim assegurar a todos existência digna. Nessa cadeia produtiva situa-
se o direito tributário, exercendo suas exações com a finalidade de arrecadar recursos para
financiar os custos da realização dos direitos fundamentais garantidos pelo artigo 5º, CRFB.
Entretanto, verifica-se que o Brasil é um país de extrema concentração de renda e
grandes desigualdades sociais e econômicas, razão pela qual o constituinte originário optou
por garantir ao cidadão limites à intervenção do estado sobre o seu patrimônio. Assim, o art.
150, CRFB, no seu inciso II, determina a incidência do princípio da igualdade na relação
2
jurídica tributária, já em seu inciso IV, determina a proibição de utilização do tributo com
efeito de confisco.
Essas determinações constitucionais passam despercebidas na teoria clássica do
direito tributário, que se funda num modelo positivista excludente, o qual se constrói sob a
falsa percepção de que as imposições constitucionais se dirigem apenas ao legislador. Sob a
falácia da “tripartição dos poderes” e da “segurança jurídica” se constroem verdades lógicas,
as quais, sob aparente neutralidade científica, escondem uma rede de poder e troca de favores,
maquiados por lobbys e concretizados no sistema de isenções fiscais.
Na primeira parte do trabalho apresenta-se o novo paradigma do direito, centrado na
Constituição e na promoção dos direitos fundamentais, considerados em sua normatividade,
para então construir o conceito de norma jurídica tributária e suporte fático.
Já na segunda parte, faz-se o cotejo com a doutrina clássica do direito tributário e seu
conceito de norma jurídica tributária, buscando-se demonstrar sua insuficiência, para construir
um suporte fático com elementos normativos do tipo que centralize a proteção dos valores
constitucionais no conceito de efeito confiscatório.
Ao final, pretende-se oferecer novas perspectivas operacionais para a proteção de
vulneráveis que não ostentam capacidade contributiva para financiar os gastos do Estado, bem
como propor uma atuação mais incisiva do Ministério Público de das Defensorias Públicas
nesse setor, vislumbrando-se a possibilidade do manejo de Inquéritos Civis Públicos, Ações
Constitucionais e Ação Civil Pública.
1
Cf.CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid:Trotta, 2003.SARMENTO, Daniel. E
SOUZA NETO, Claudio Pereira de. (org.) A constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e
Aplicações Específicas. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007. BARROSO,Luis Roberto. Interpretação e Aplicação
da Constituição. 7ª Ed. São Paulo:Saraiva, 2009.__. “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito
constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crpitica e pós-positivismo)”. In:BARROSO, Luis Roberto.
“Temas de Direito Constitucional - Tomo II. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2009. CANOTILHO, José
Joaquim. Gomes. “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”. 7ª Ed. Portugal, Coimbra, Almedina,
2003.SARLET, Ingo Wolfgang.“ A Eficácia dos Direitos Fundamentais”. 10ª Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009.ALEXY, Robert. “Teoria dos Direitos Fundamentais”. São Paulo: Malheiros, 2008.
3
2
.SARMENTO, Daniel. E SOUZA NETO, Claudio Pereira de. (org.) A constitucionalização do Direito:
Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007, p.10.
3
Cf.BARROSO,Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª Ed. São Paulo:Saraiva, 2009.
4
Cf.BARROSO,Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª Ed. São Paulo:Saraiva, 2009, p.
203.
4
Atualmente, não há como se aplicar o direito de forma válida sem que se faça alusão
à Constituição da República, além das grandes questões, ela também influência a resolução de
pequenos conflitos; é invocada em quase todas as disputas judiciais, no Congresso Nacional,
na doutrina especializada dos diversos ramos do direito e, até mesmo, para encampar
bandeiras ideológicas.
A ideia de supremacia da Constituição atravessa o seu próprio conceito polissêmico,
analisada sob seus aspectos formais verifica-se que é a lei fundamental do Estado brasileiro,
situada no ápice do ordenamento jurídico, conferindo validade a todas as outras espécies
normativas. “Na qualidade de norma primária sobre a produção jurídica a Constituição tem
importantes funções: (1) identifica as fontes do direito; (2) estabelece os critérios de validade
e eficácia de cada uma das fontes; (3) determina a competência das entidades que revelam
normas de direito positivo”5
Portanto, trata-se de um conjunto de normas, que regula a organização, o
funcionamento e as competências de um Estado, assim como também garante os direitos
fundamentais de seus cidadãos.
Sob o aspecto material deve ser compreendida como uma aquisição histórica da
sociedade que pretende regular, pois “positiva” importantes conquistas sociais, opções
políticas fundamentais e estabelece fins a serem atingidos. Nesse sentido, diz-se que a
Constituição traz em seu conteúdo as diretrizes mais importantes de uma comunidade,
protegidas por um procedimento mais rigoroso de alteração.
Nessa esteira José Afonso da Silva pontifica:
Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da
supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, é reputado
como pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito
político. Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema
jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes
estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na
proporção por ela distribuídos. É em fim a lei suprema do Estado, pois
é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização
de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de
Estado.6
5
CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Portugal,
Coimbra, Almedina, 2003, p. 693.
6
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 46.
5
7
CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Portugal,
Coimbra, Almedina, 2003, p.1150.
8
.SARMENTO, Daniel. E SOUZA NETO, Claudio Pereira de. (org.) A constitucionalização do Direito:
Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007, p.113.
6
atribui caráter deontológico a esses tipos de comportamento, os quais deverão ser observados
por todos, sob pena de uma consequência jurídica.
Nesse sentido, Friederich Müller ao discorrer sobre normatividade, norma e texto da
norma, afirma que a normatividade pertence à norma segundo o entendimento veiculado pela
tradição, isto é, não é produzida pelo seu texto, antes resulta de dados extralingüísticos de tipo
estatal-social, do funcionamento efetivo e da atualidade concreta do ordenamento
constitucional, perante motivações empíricas em sua área de atuação.Assim, não há como
fixar todo o sentido da norma apenas em seu texto.
9
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009,pg129.
10
Que não são apenas os juízes, mas todos os atores processuais.
7
“completude” do texto somente é atingida quando o sentido por ele expressado é produzido
pelo intérprete, constituindo assim, a norma.
A definição é extremamente importante, uma vez que ao retirar do texto em si apenas
o início e o limite do seu caráter normativo, considerando-o completamente adquirido apenas
após o processo interpretativo, torna-se compreensível que um enunciado comporte uma ou
várias normas (fenômeno que ocorre na interpretação conforme a Constituição), bem como é
possível obter uma mesma norma mediante aglutinação de diferentes enunciados normativos
(diálogo das fontes), ou ainda, uma norma sem necessidade de recurso a um texto escrito. É o
que ocorre em sede de atribuição de sentido a preceitos fundamentais. Mediante um
procedimento interpretativo dialético constrói-se uma norma para tutelar um direito
fundamental, a exemplo do que ocorreu com o direito a união homoafetiva no Brasil, em
04/06/2011, por meio da ADI 4277 e ADPF 132 reconhecendo, por unanimidade, a união
estável para casais do mesmo sexo.
A distinção entre regras e princípios é particularmente importante para a
compreensão da aplicação dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, pois não
obstante a intensa carga axiológica a que estão submetidas todas as normas que garantem
esses direitos, algumas assumem forma de regra, outras de princípio. Cabendo ao interprete
identificar se é o caso de imposição de algo definitivo, ou se é o caso de posições jurídicas a
serem realizadas na medida de suas possibilidades fáticas e jurídicas.
A perspectiva adotada no presente trabalho é a preconizada por Robert Alexy e
Virgilio Afonso da Silva, onde “o principal traço distintivo entre regras e princípios é a
estrutura dos direitos que essas normas garantem”11. No caso das regras, garantem-se direitos
ou se impõem deveres definitivos, ao passo que, no caso dos princípios, são garantidos
direitos ou são impostos deveres prima facie12.
Entende-se que princípios são “mandamentos de otimização” isso significa que são
realizados na maior medida possível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes, ao
contrário do que acontece com as regras, que operam de forma binária observando a lógica do
“tudo ou nada” (all or nothing), isto é, ou são subsumidas aos fatos ou não são aplicadas. Se
um direito é garantido por uma norma que tenha estrutura de uma regra, esse direito é
definitivo, devendo ser realizado totalmente caso a regra seja aplicável ao caso concreto, pois
tratando-se de regras é possível que haja uma exceção, ou ainda, que fatores externos a
tornem inaplicável. Por exemplo: a regra que proíbe a retroação da lei penal e sua exceção
(retroagir sempre para beneficiar o réu art. 5º, XL da CRFB). Já no caso da atipicidade da
conduta, pode-se falar em inaplicabilidade da regra, mesmo tendo ocorrido o fato por ela
prescrito.
Tratando-se de princípios, não se pode falar em realização sempre total daquilo que a
norma exige, pois, via de regra, essa realização é apenas parcial. Isso ocorre porque no caso
dos princípios há uma diferença entre aquilo que é garantido prima facie e aquilo que é
11
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: Conteúdo essencial, restrições e eficácia.
São Paulo: Malheiros, 2009, pg 45.
12
“Uma primeira característica importante que decorre do que foi dito até agora é o distinto caráterprima facie
das regras e dos princípios. Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamentodefinitivo, mas
apenas prima facie. Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja
aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões
antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação entre razão e contra- razão não é algo
determinado pelo próprio princípio. Os princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face
de suas restrições e das possibilidades fáticas.”-ALEXY, Robert. Teoria dos DireitosFundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2008, p.103.
8
garantido definitivamente. Nessa linha é que se diz, que ao contrário do que ocorre no modelo
de regras jurídicas, os princípios podem ser realizados em diversos graus. O objetivo é sempre
chegar ao grau máximo de realização do direito, no entanto, esse patamar dificilmente é
alcançado seja em virtude das condições fáticas13, ou jurídicas ideais.14
No caso das regras, verifica-se que sua aplicação não depende das condições
jurídicas do caso concreto, sendo na maioria das vezes aplicada em abstrato por meio de
subsunção do fato à norma, enquanto que aos princípios aplica-se o sopesamento. Isso não
significa que regras não careçam de interpretação para serem aplicadas, pelo contrário, toda
norma é produto de uma interpretação, seja ela uma regra ou um princípio. A aplicação se dá
sobre o produto da interpretação dos textos, dispositivos e da realidade fática, portanto, não é
o texto que define a espécie normativa.
13
por exemplo: ausência de recursos suficientes no fornecimento de certos medicamentos para a realização
máxima do direito à saúde)
14
Possível colisão com outros princípios, ausência de regulamentação
9
Nesse sentido, a tributação no Estado de Direito era concebida como uma contribuição
à liberdade:
O Estado de Direito se caracteriza pela afirmação da liberdade
individual e a limitação do poder do Estado. Consagra-se a idéia de
liberdades públicas (crença, opinião, religião, entre outras). É
garantido ao indivíduo possuir crenças particulares independentes de
uma crença “oficial”. Esta afirmação é o resultado de lutas históricas
pela afirmação dos direitos humanos e do cidadão, no longo percurso
que nos traz da servidão à cidadania.
A tributação nessa fase não pode ser a “opressão” da liberdade, que o
Estado anteriormente promovia. A fiscalidade deve estar submetida a
limites claros ao poder do Estado em tributar. O patrimônio privado
nação pode estar à mercê dos interesses do soberano e de suas razões
secretas. A tributação deve estar limitada. Ser fruto da representação
popular e respeitar os direitos e garantias do contribuinte. O
pagamento do tributo, antes de ser um ato de servidão, é uma
contribuição do particular à manutenção da esfera pública de
liberdade, que garante a cidadania.16
17
SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p.74.
18
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das Leis. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000.
11
outros mais específicos, até que se forme uma rede de determinações que permitem
compreender o fenômeno em sua completude e de forma coerente.
No campo do direito tributário, o conceito-chave é o de norma jurídica tributária, a
partir deste conceito é que se compreende uma série de outros institutos como a relação
jurídica tributária, a obrigação tributária, a responsabilidade tributária, o crédito tributário, as
isenções, imunidades e assim por diante. A doutrina clássica, capitaneada por Geraldo
Ataliba, Alfredo Augusto Becker e Paulo de Barros Carvalho, tinha por escopo construir um
sistema jurídico-tributário que fosse imune aos mandos e desmando do Poder Público, que
municiado do seu poder de império, alterava regulamentos aleatoriamente, tributava várias
vezes o mesmo fato e inflacionava a legislação de tal forma que se tornava humanamente
impossível compreender o fenômeno da tributação.
Destarte, para alcançar seu desiderato, estruturaram um sistema jurídico positivo, isto
é, imune a quaisquer ingerências políticas e valorativas, composto por um antecedente (fatos
do mundo que interessam ao direito) e um conseqüente (hipótese de incidência previamente
determinada), destarte, somente quando preenchidas essa qualidades se formaria uma relação
jurídica tributária e, automaticamente, se ativariam as conseqüências jurídicas (dever de pagar
o tributo e/ou cumprir obrigações acessórias).
Paulo de Barros Carvalho, no egocentrismo hermenêutico que lhe é peculiar, chega a
afirmar que o conceito de norma guarda “homogeneidade sintática”, alegando que “é difícil
admitir que o comando deôntico jurídico deixe de revestir aquela estrutura imputativa
trabalhada por Hans Kelsen19”. A estrutura jurídica, para a doutrina clássica, não contém
elementos valorativos, sendo certo que:
O legislador formula conceitos sobre os fatos do mundo real-social,
escolhendo aqueles que ostentem signos presuntivos de riqueza
econômica. Entretanto, dada a multiplicidade de aspectos que dizem
respeito a todo e qualquer acontecimento, o legislador vê-se
compelido a selecionar caracteres, eleger traços, indicar meios de
identificação do fato que quer juridicizar, que aparecerá, então, como
recorte daquilo que seria o fato bruto. Pontes de Miranda utilizou
suporte fático para designar o fato bruto e o fato jurídico para referi-se
àquela porção demarcada pelas notas da descrição hipotética.
Acrecentemos que o fato bruto, o suporte fático, é plurilateral; o fato
jurídico é que é, todo ele exclusivamente jurídico.20
Note-se que os “signos presuntivos de riqueza” estão fora do suporte fático da
norma, sendo uma presunção jures et de jure do legislador. Nas palavras do supracitado PBC:
Consoante ousamos supor, no Brasil, o sistema do direito positivo,
exibe em todas as figuras tributárias conhecidas, a observância do
princípio da capacidade contributiva absoluta, (sic!) uma vez que os
fatos escolhidos são aqueles que denotam signos de riqueza. Em
outras palavras, por capacidade contributiva deve entender-se apenas a
absoluta e, mesmo assim, como dado pré-jurídico. Realizar o princípio
da capacidade contributiva quer significar, portanto, a opção a que se
entrega o legislador, quando elege para antecedente das normas
tributárias fatos de conteúdo econômico que, por terem essa natureza,
fazem pressupor que as pessoas que deles participam apresentam
19
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5ª Ed. São Paulo: Noeses, 2013, p.
129.
20
Idem. P. 148.
12
21
Idem. p. 336
22
Cf. DELMANTO JR., Celso. Do iluminismo ao “direito penal” do inimigo. In: FRANCO, Alberto Silva. E
NUCCI, Guilherme de Souza. Doutrinas Essenciais: Direito Penal. Vol.I. São Paulo: RT, 2010, p. 1117.
23
Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro V.1. 6ª
edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
13
Porém, a regra jurídica que tiver sido estruturada desta maneira, tem
uma atuação dinâmica idêntica à da regra jurídica que estabelece
“juris et de jure”, isto é, para ocorrer sua incidência basta a realização
dos fatos signos presuntivos da capacidade contributiva, ainda que, no
caso concreto individual não exista a capacidade contributiva (sic!)
Nos países onde o “princípio da capacidade contributiva” não for
regra constitucional, qualquer fato lícito poderá integrar a composição
da hipótese de incidência tributária. A justiça ou injustiça do tributo
não invalida a regra jurídica tributária, pois é problema pré-jurídico de
Política Fiscal (sic!)24.
Com efeito, verificamos que o art. 150 da Constituição trata das limitações ao poder
de tributar, isto é, condições que, caso implementadas, impedem o preenchimento do suporte
fático do dever fundamental de pagar tributos, inviabilizando a produção de sua conseqüência
jurídica, ou seja, o próprio nascimento da relação jurídica tributária. Sob uma perspectiva
sistemática, verifica-se que a maioria das imunidades e dos princípios tributários, são
24
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª Ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 263-264.
25
CALIENDO, Paulo. Direito tributário: Três modos de pensar a tributação. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 141.
14
autênticas especializações dos direitos e garantias fundamentais do art.5º, assim, a seção “das
limitações do poder de tributar” comporta fragmentos normativos que integram a hipótese de
incidência da norma tributária.
Ademais, pela leitura do art. 150, CRFB, observa-se a abertura do sistema de
garantias, significando que as limitações decorrem de vários dispositivos da Constituição, fora
do Sistema Tributário, as quais encontram-se principalmente no título II (dos direitos e
garantias fundamentais) e no título VII (Da ordem econômica e financeira).
O princípio da capacidade contributiva ganha densidade a partir do princípio
estruturante do Estado Democrático de Direito que é “destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna”, ganha mais
concretude nos termos do art. 3º da CRFB: Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. Complementa-se com o art. 170: “A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função
social da propriedade; VII - redução das desigualdades regionais e sociais.”
Isso significa que a norma jurídica tributária (Njt) é composta pela hipótese de fato
antecedente (Hft), mais a hipótese de incidência, composta pelas imposições do Estado,
utilizando-se o símbolo da conjunção lógica (^), mais a ausência de efeito confiscatório (EC),
representado pelo símbolo lógico de conjunção (^) aliado ao conectivo lógico da negação da
proposição (¬). Portanto, a ocorrência jurídica (OCJ) só poderá ocorrer, se e somente se (↔)
estiverem presentes todos estes elementos.
26
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10ª Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 167.
_________. Mínimo Existencial e Direito Privado: Apontamentos sobre algumas dimensões da possível eficácia
dos direitos fundamentais sociais no âmbito das relações jurídico-privadas. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira
de. & SARMENTO, Daniel. (org.). A constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações
Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
27
TRORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
16
de limites imanentes, o jurista sustenta que este direito é compreendido como o conjunto de
prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida digna, núcleo este
blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da sociedade.
A segunda posição é a de Ingo Sarlet 28, que conforme supra-exposto, parte de uma
teoria geral dos direitos fundamentais, nos moldes de Robert Alexy29, e compreende que cada
direito fundamental possui um núcleo essencial, de conteúdo variável, uma vez que todos eles
estão sujeitos a condições fáticas e jurídicas ideais, bem como a limites e restrições
decorrentes de eventuais colisões com outros direitos. Essa posição parece ser mais
vantajosa, pois abre o conceito para além de um mínimo vital, sem deixar de considerar como
norte interpretativo os direitos sociais como: moradia, alimentação, saúde, educação, proteção
à maternidade etc.
Na seara tributária, Ricardo Lobo Torres é a referência, pois trata-se de um autor que,
desde longa data, se preocupa com a questão da tributação sobre o mínimo existencial,
afirmando que a tributação no Estado Democrático de Direito se processa inteiramente sob a
ótica do direitos fundamentais, sendo assim ela:
[...] passa a se fazer com fundamento no princípio da capacidade
contributiva e no seu subprincípio da progressividade, que ingressam
nas Constituições da França e do Brasil, entre outras, o que implica a
proibição da incidência sobre a parcela mínima necessária à
existência humana digna, que, estando além da capacidade
econômica e constituindo reserva da liberdade, limita o poder fiscal do
Estado. (grifo nosso)30
Destarte, compreende-se que o mínimo existencial desempenha, precipuamente, no
direito tributário uma função defensiva, que objetiva excluir do campo de incidência tributária
signos presuntivos de riqueza que, na realidade, denotam justamente o contrário. Por ter
acento constitucional ele representar uma garantia fundamental do cidadão que assume a
forma de imunidade, na medida em que o poder de imposição fiscal do Estado não pode
invadir a esfera de liberdade mínima daquele desprovido de capacidade para prover o seu
próprio sustento.
Marciano Buffon nos dá precisamente a dimensão do conceito:
Em qualquer modelo estatal – e no Estado Social principalmente – é
inadmissível que o cidadão desprovido de capacidade para prover o
seu próprio sustento seja compelido a contribuir para o Estado,
especialmente quando este lhe sonega aquilo de mais básico que
prometeu prover (saúde, educação, segurança, habitação, salário
digno, etc.)31.
Apesar das premissas levantadas e da conclusão mais do que óbvia, verifica-se que o
paradigma neoconstitucionalista se mostra muito ineficaz na proteção dos vulneráveis quando
28
SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Dimensões da dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito
Constitucional, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 88-89.
29
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.
30
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Os direitos humanos e
a tributação: Imunidades e Isonomia. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. V.III, p. 169-170.
31
BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 181.
17
se trata do tema da tributação sobre o consumo, uma vez que esse tipo de exação se processa
de forma invisível e sorrateira, reduzindo significativamente a economia de famílias inteiras
que destinam quase que integralidade de seus vencimentos em despesas com alimentação,
saúde, moradia e educação.
Nos tributos indiretos, mormente no ICMS, IPI e ISS o sujeito passivo da obrigação
tributária repassa ao preço dos produtos e serviços o custo respectivo, sendo certo que o ônus
tributário é sempre suportado pelo consumidor final.
Uma hipótese para se amenizar esse efeito se encontra na aplicação do princípio da
seletividade, mediante aplicação de alíquotas menores, ou até mesmo da alíquota 0%, a bens
indispensáveis a subsistência, ao passo que bens considerados supérfluos seriam tributados
com alíquotas maiores. Entretanto, na prática, observa-se que tal princípio não é observado
pelo Legislador e que as isenções funcionam como “moeda de troca” para os interesses
políticos mais escusos.
O ideal seria uma ampla reforma tributária, que ao modelo dos verdadeiros
Wellfare- State escandinavos32, como Suécia, Dinamarca, Suíça, Finlândia e Noruega, optasse
por tributar mais a renda e o patrimônio ao invés do consumo. Uma vez que, nestes países se
constata o menor índice de concentração de riquezas e desigualdades sociais. Falar em
cidadania e objetivos da República com um sistema tributário como o brasileiro é
definitivamente uma utopia.
Marciano Buffon, citando a doutrina de Herrera Molina traz à lume outra alternativa:
Por isso, impõe-se a busca de alternativas eficazes para, pelo menos,
preservar o mínimo existencial da imposição tributária indireta.
Conforme sustenta Herrera Molina, a solução para garantir-se o
mínimo vital à existência humana nos tributos indiretos consistiria em
duas alternativas: a) a exoneração dos bens de primeira necessidade;
b) o pagamento de uma compensação equivalente à imposição indireta
suportada por um consumo mínimo, sendo que a compensação poderia
ser efetivada através de um crédito a ser deduzido do imposto sobre a
renda ou, nos casos de renda abaixo de determinados níveis mínimos,
através de um sistema de transferência estatal que beneficiasse esses
indigentes.33
De nossa parte, entendemos que não cabe ao jurista quedar-se inerte. Um verdadeiro
neoconstitucionalismo, critique-se ou não, pressupõe uma postura mais ativa do Poder
Judiciário frente às omissões e descalabros do Poder Legislativo.
Essa nova visão da Constituição, compreendida na sua força normativa e vinculante,
operou uma verdadeira reengenharia institucional no Poder judiciário, que ocorreu em grande
medida, em decorrência do processo de redemocratização do país, proporcionado pela
promulgação da Constituição da República de 1988, responsável pela implementação de um
abrangente sistema de controle de constitucionalidade, não restrito apenas as tradicionais
Ações Direitas de Inconstitucionalidade.
Entendido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos do sistema americano e
europeu. Assim, desde o início da República, adota-se a fórmula americana de controle
incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um
caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado,
também se faz uso do modelo europeu pela via do controle direto da constitucionalidade,
32
Cf. ESPING-ANDERSEN, Gosta. The Three Worlds of Welfare Capitalism. Oxford: Polity Press, 1990.
33
Idem. p. 216.
18
Conclusão
35
No que concerne ao instituto do convênio: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/manual_de_convenios.pdf
22