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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

RAFAEL NIVALDO PORTO DA ROSA

CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE


DEPENDENTES QUÍMICOS

Palhoça
2019
RAFAEL NIVALDO PORTO DA ROSA

CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE


DEPENDENTES QUÍMICOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Direito, da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Tania Maria Francosi Santhias, MSc.

Palhoça
2019
AGRADECIMENTOS

De antemão, agradeço a Deus por nunca me abandonar e estar sempre


presente em meu coração. Agradeço também aos pais, Patrícia Porto e Valmir
Santos da Rosa, por terem me proporcionado os meus estudos ao longo desses
cinco e terem me apoiado em todas minha decisões; à minha família pelo apoio.
Agradeço aos meus leais escudeiros, Vilso, Simone, Igor, por terem
compartilhado seus conhecimentos comigo ao longo desses cinco anos, e aos
demais amigos por terem participado de bons momentos comigo.
Reservo agradecimentos especiais à minha orientadora, Profª Tânia Maria
Francosi Santhias, aos professores e à Universidade do Sul de Santa Catarina, pelo
ensinamento, oportunidade e suporte.
Por fim, às Atléticas de Direito da Unisul A.A.D.U. e à Cavalaria que me
acolheram e me proporcionam os melhores cinco anos da minha vida e pelas
amizades que me trouxeram, histórias e bons momentos.
“Nada existe de tão difícil que não seja vencível ” (Caio Júlio César).
RESUMO

O presente trabalho verificou a constitucionalidade da internação compulsória de


dependentes químicos. Para tanto, tematizou-se os aspectos essenciais relativos à
matéria abordada: internação compulsória, dependência química, capacidade civil
do dependente químico, direitos e garantias fundamentais e a definição de
constitucionalidade da medida de internação compulsória. Nesse sentido, portanto,
foram estabelecidos como objetivos específicos do presente trabalho: i) identificar a
capacidade civil do dependente químico, bem como sua reinserção social; ii)
verificar a legislação regente da internação compulsória, além dos princípios, direito
e garantias relativos ao assunto; iii) exposição da (in)constitucionalidade da
internação compulsória, identificando, nesse contexto, a teoria da reserva do
possível e do mínimo existencial, essenciais para a compreensão da
responsabilidade estatal para com o dependente químico. Ademais, valeu-se de um
método de abordagem, quanto ao pensamento, dedutivo; quanto à natureza,
qualitativa. Ainda, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica. Por fim, chegou-se
à conclusão de que a internação compulsória é constitucional, dado que em acordo
com os direitos e garantias constitucionalmente albergados.

Palavras-chave: Internação Compulsória. Dependente químico.


Constitucionalidade.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10
2 CAPACIDADE CIVIL 12
2.1 DEFINIÇÃO DE CAPACIDADE CIVIL 12
2.1.1 Do dependente químico 15
2.1.2 Capacidade civil do usuário do dependente químico 17
2.1.2,1 O dependente químico e sua relação ao convívio social 23
3 A INRTENAÇÃO COMPULSÓRIA 25
3.1 CONCEITO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA 26
3.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana 29
3.1.2 O direito à liberdade 32
3.1.3 O direito constitucional à saúde 33
3.1.3.1 Políticas públicas voltadas ao tratamento do dependente químico 35
3.2 DA CONSTITUCIONALIDADE 37
4 CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DOS
DEPENDENTES QUÍMICOS 40
4.1 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO 40
4.1.1 A atuação do Poder Judiciário na proteção dos direitos 40
4.1.2 A reserva do possível e o mínimo existencial 42
4.2 A CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO
DEPENDENTE QUÍMICO 44
4.2.1 O posicionamento dos tribunais superiores 45
4.2.2 A dignidade da pessoa humana, o direito à saúde, à liberdade: os direitos
fundamentais e a dignidade da pessoa humana 47
5 CONCLUSÃO 50
10

1 INTRODUÇÃO

O número de usuário das mais diversas drogas aumenta de maneira


exponencial recentemente. Prova disso é que as grandes cidades já começam, cada
uma, a terem suas próprias crackolândias, redutos em que usuários de drogas se
reúnem para o consumo de tais substâncias.
O Poder Público, atento a essa realidade, buscou proteger tanto a
sociedade quanto o dependente químico por meio da criação de políticas públicas. E
é justamente nesse contexto que surge a internação compulsória, medida
excepcional com fins terapêuticos que busca, por meio da internação forçada, retirar
o dependente químico da situação em que se encontra e, ademais, curar-lhe do
vício a que está submetido.
A questão que se coloca, contudo, questão essa que o presente trabalho
busca responder, é saber se tal medida iria de encontro aos direitos e garantias
albergados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Em outras
palavras: é (in)constitucional a internação compulsória do dependente químico?
A fim de responder tal questionamento, no primeiro capítulo, tematizar-se-
á a capacidade civil, delimitando seus contornos conceituais e, ademais, de modo
mais específico, verificar-se-á a capacidade civil do dependente químico.
Adicionalmente, expor-se-á a inserção social do dependente químico.
Em seguida, no segundo capítulo, definir-se-á a medida de internação
compulsória, identificando as leis que regem a matéria. Nesse contexto, além disso,
identificar-se-á os princípios constitucionais que podem ser afetados pela decretação
de tal medida, notadamente os princípios da dignidade da pessoa humana, bem
como o direito à liberdade e o direito à saúde.
Ato contínuo, no terceiro capítulo, tematizar-se-á a atuação do Poder
Judiciário nesse temática e, ainda, a posição dos tribunais superiores acerca da
(in)constitucionalidade da medida de internação compulsória. Por fim, expor-se-a a
(in)constitucionalidade da internação compulsória de dependentes químicos.
De outra parte, quanto ao método de abordagem a ser adotado na
pesquisa, pode-se dizer que, quanto ao pensamento, este será dedutivo, vez que,
partindo de um escopo mais amplo, qual seja, os princípios constitucionais,
tematizar-se-á um recorte mais específico, isto é, a internação compulsória do
dependente químico.
11

Ademais, adotar-se-á, também, o método de abordagem, quanto à natureza,


qualitativo, dado que, por meio da exegese da legislação e da jurisprudência,
chegar-se-á às conclusões daí decorrentes, ao passo que o método de
procedimento é monográfico.
A técnica de pesquisa, por sua vez, como já poderia se supor pelo parágrafo
anterior, é a bibliográfica. Isto porque, regra geral, a pesquisa que se há de fazer
tomará como base as legislações anteriormente citadas
12

2 CAPACIDADE CIVIL

O presente capítulo tem como objetivo apresentar a definição da


capacidade civil e, nesse sentido, irá abordar a capacidade do usuário de
entorpecente fazendo uma ligação do usuário de entorpecente com o convívio
social.

2.1 DEFINIÇÃO DE CAPACIDADE CIVIL

Para a teoria civilista, a capacidade civil surge da personalidade que gera


duas modalidades: capacidade de fato, ou seja, é a capacidade para exercer
pessoalmente os atos da vida civil, onde ocorrem limitações oriundas da idade ou da
saúde, e da capacidade de direito que decorre do próprio nascimento com vida
conforme entendimento adotado pelo Código Civil conhecido como teoria natalista, é
o que destaca Flávio Tartuce:
A teoria natalista prevalecia entre os autores modernos do Direito Civil
Brasileiro, para quem o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois
o Código Civil exigia e exige, para a personalidade civil, o nascimento com
vida. Assim sendo, o nascituro não teria direitos, mas mera expectativa de
direitos1.

Sendo assim a capacidade de fato é resultado do preenchimento de


determinadas condições biológicas legais e quando uma pessoa detém à
capacidade de direito mais capacidade de fato gera uma capacidade civil plena.
Desta forma, para Flávio Tartuce, quem tem as duas espécies de capacidade tem a
capacidade civil plena. Quem só tem a capacidade de direito, tem a capacidade
limitada2.
Nesse sentido, capacidade de direito para o preciso pensamento de
Orlando Gomes:
A capacidade de direito confunde-se, hoje, com a personalidade, porque
toda pessoa é capaz de direitos. Ninguém pode ser totalmente privado
dessa espécie de capacidade. E mais adiante: A capacidade de fato
condiciona-se à capacidade de direito. Não se pode exercer um direito sem
ser capaz de adquiri-lo. Uma não se concebe, portanto, sem a outra. Mas a
recíproca não é verdadeira. Pode-se ter capacidade de direito, sem a
capacidade de fato; adquirir o direito e não poder exercê-lo por si. A
impossibilidade do exercício é, tecnicamente, incapacidade 3.

1
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. Ed. São Paulo: 2015, p. 77.
2
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. Ed. São Paulo: 2015, p. 76.
3
GOMES, Orlando. Obrigações. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 172.
13

Não há como confundir capacidade e legitimidade, pois toda pessoa


capaz necessariamente pode não estar legitimada para praticar determinados atos
jurídicos, sendo que a legitimação reflete uma capacidade específica. Sobre esse
assunto, manifesta-se, com propriedade, Venosa:
Não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação. A
legitimação consiste em se averiguar se uma pessoa, perante determinada
situação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. A legitimação
é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil.
O conceito é emprestado da ciência processual. Está legitimado para agir
em determinada situação jurídica quem a lei determinar. Por exemplo, toda
pessoa tem capacidade para comprar ou vender. Contudo, o art. 1.132 do
Código Civil estatui: ‘os ascendentes não podem vender aos descendentes,
sem que os outros descendentes expressamente consintam’. Desse modo,
o pai, que tem a capacidade genérica para praticar, em geral, todos os atos
da vida civil, se pretender vender um bem a um filho, tendo outros filhos,
não poderá fazê-lo se não conseguir a anuência dos demais filhos. Não
estará ele, sem tal anuência, ‘legitimado’ para tal alienação. Num conceito
bem aproximado da ciência do processo, legitimação é a pertinência
subjetiva de um titular de um direito com relação a determinada relação
jurídica. A legitimação é um plus que se agrega à capacidade em
determinadas situações4.

Logo salienta-se que a regra é a capacidade civil sendo a exceção a


incapacidade civil, como dispõe. a ilustríssima Maria Helena Diniz a “[...]
incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser
sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que “a capacidade é
regra e a incapacidade a exceção’’5.
Após, explicada a definição da capacidade de fato e capacidade de
direito, faz-se a conexão entre a incapacidade em suas modalidades. Sendo a
incapacidade uma consequência de condições biológicas e legais que podem
prejudicar a atuação do indivíduo em sociedade.
Afirma Rosenvald que em graus variados, os incapazes (de fato)
necessitam de um tratamento diferenciado “na medida em que não possuem o
mesmo quadro de compreensão da vida e dos atos cotidianos das pessoas
plenamente capazes”6.
Desta forma, na visão de Rodrigues a teoria das incapacidades, ao definir
as pessoas que se enquadram como vulneráveis, busca protegê-las. É um
verdadeiro sistema de proteção para os incapazes que os submete a um regime

4
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. v. 1. São Paulo: Atlas, 2001, p. 139.
5
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 168.
6
ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB.
São Paulo: Atlas, 2015, p. 274.
14

legal privilegiado, capaz de preservar seus interesses. Neste sentido José Fernando
Simão atesta que o rol de pessoas incapazes existe para que essas pessoas
recebam especial proteção quando da prática dos atos da vida civil 7.
Logo, Rosenvald confirma ser certo afirmar que a capacidade é a regra e
a incapacidade é a exceção. Não existindo uma diferença, pois a maioria das
pessoas gozam da saúde mental e física para exercer os atos da vida civil. Diante
disto, o poder legislativo por intermédio dos parlamentares quando elaboraram
Código Civil de 2002, optaram por objetivar apenas as modalidades de restrição da
capacidade civil plena, formando um rol taxativo de incapazes 8.
Em consonância com o exposto para elucidar a opção escolhida do poder
legislativo, expomos o conceito de incapacidade de Rodrigues ”a incapacidade é o
reconhecimento da inexistência, numa pessoa, daqueles requisitos que a lei acha
indispensáveis para que ela exerça os seus direitos” 9.
Ante a reflexão por esta definição, entende-se que Rodrigues ao citar os
requisitos do Código Civil responde que não existe o direito positivo em nenhuma
forma sobre as condições indispensáveis para que alguma pessoa exerça os seus
direitos, pois a legislação vigente não determina um dispositivo que menciona os
requisitos para uma pessoa ser diagnosticada apta para o exercício dos seus
direitos.
Ao contrário, a legislação vigente vem seguindo um aspecto negativo
onde é indicado que as pessoas são denominadas capazes. Sendo assim, ao indicar
as modalidades para a normalidade, o Código Civil aponta direito para exceção 10.
Com isso o legislador garante que exista uma interpretação do rol das
incapacidades, não tendo como serem abrangidas outras hipóteses, sendo apenas
no âmbito médico que tem espaço para discricionariedade, porque apenas um
médico pode diagnosticar se a pessoa tem determinadas enfermidades, como
dependência de tóxicos, deficiência mental ou física, transtornos psicológicos ou
comportamentais ou qualquer outra enfermidade que o assola tendo previsão no
ordenamento jurídico.

7
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1962, p. 64.
8
ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB.
São Paulo: Atlas, 2015, p. 273.
9
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. v. 1. São Paulo: Max Limonad, 1962, p. 64.
10
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF: Presidência da
República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
Acesso em: 8 nov. 2019.
15

Os variados graus de incapacidade são essenciais para tornar a teoria


próxima à realidade dos incapazes, categoria esta que se divide em duas espécies:
incapazes absolutos e incapazes relativos.
Partindo desse pressuposto, a incapacidade absoluta para Gagliano e
Pamplona Filho:
[...] a previsão legal da incapacidade traduz a falta de aptidão para praticar
pessoalmente atos da vida civil. Encontra-se nessa situação a pessoa a
quem falte capacidade de fato ou de exercício, ou seja, que esteja
impossibilitada de manifestar real e juridicamente a sua vontade 11

Já em relação à incapacidade relativa, Gagliano e Pamplona Filho


afirmam “[...] entre a absoluta incapacidade e a plena incapacidade civil, figuram
pessoas situadas em zona intermediária, por não gozarem de total capacidade de
discernimento e autodeterminação. Trata-se dos relativamente incapazes” 12.
Assim, com essa breve síntese exposta, entende-se que a capacidade
civil é a regra onde a pessoa plenamente capaz preenche os requisitos elencados
na legislação para o convívio em sociedade que resulta no exercício pleno dos atos
da vida civil.

2.1.1 Do dependente químico

Antes de se expor os posicionamentos doutrinários acerca da capacidade


civil do dependente químico é salutar, ainda que de modo superficial, expor a
definição acerca do dependente químico.
Com efeito, uma vez que já se têm expostos os delineamentos
conceituais acerca da capacidade civil, cabe agora identificar a definição do
dependente químico.
O uso de substâncias13 que, de algum modo, possam alterar e obnubilar a
consciência do usuário não é recente na história da humanidade. Desde há muito
usa-se as referidas substâncias para os mais diversos fins: religiosos, lazer, sexuais
et cetera14.

11
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral.
Vol. 1. 14 Ed, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 138.
12
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte
Geral. Vol. 1. 14 Ed, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 138.
13
Por substâncias, entende-se aqueles materiais que são definidos como ilícitos pelo Direito.
14
LABATE, Beatriz Caiuby et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008.
p. 13.
16

No entanto, o estudo da dependência química teve seu início no século


XIX. De fato, foi nesse século, mais precisamente em 1849, que Magnus Huss
utilizou o termo "alcoolismo" para descrever a adicção de álcool. No mesmo período,
buscando-se designar o vício de maneira mais genérica, criou-se o termo
“narcomania”.
Posteriormente, Griffith Edwards e Milton Gross, em artigo publicado em
1976 no British Medical Journal, denominado de Alcohol dependence: provisional
description of a clinical syndrome, criam a expressão A Síndrome de Dependência
do Álcool (SDA).
Essa abordagem teórica foi utilizada de base pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) e pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
(DSM).
Assim, pode-se referenciar a definição de dependência química adotada
pela Organização Mundial de Saúde:
Estado psíquico e algumas vezes físico resultante da interação entre um
organismo vivo e uma substância, caracterizado por modificações de
comportamento e outras reações que sempre incluem o impulso a utilizar a
substância de modo contínuo ou periódico com a finalidade de experimentar
seus efeitos psíquicos e, algumas vezes, de evitar o desconforto da
privação15.

Para o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, por outro


lado, entende-se a dependência química de maneira semelhante:
a característica primordial da dependência de substâncias corresponde à
presença de um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e
fisiológicos, que evidencia que o indivíduo continua a utilizar uma
determinada substância, apesar dos problemas significativos relacionados à
mesma — tanto em termos de saúde quanto pessoais e sociais. Sendo
assim, existe um padrão de auto-administração repetida, o qual geralmente
resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo
da droga16.

Uma manifestação psicológica clara da dependência química, tal como


descrita pela Organização Mundial de Saúde, é o craving, que nada mais é do que
“um intenso desejo de utilizar uma específica substância” 17. É justamente o craving,

15
DEA, Hilda Regina Ferreira Dalla et al . A inserção do psicólogo no trabalho de prevenção ao abuso
de álcool e outras drogas. Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 24, n. 1, p. 108-115, Mar. 2004.
16
PRATTA, Elisângela Maria Machado; SANTOS, Manoel Antonio dos. The health-illness process
and the chemical dependence: interfaces and evolution. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 25, n. 2,
p. 203, 2009.
17
ARAUJO, Renata Brasil et al. Craving e dependência química: conceito, avaliação e tratamento. J
bras psiquiatr, v. 57, n. 1, p. 57-63, 2008.
17

portanto, que faz com que o uso da substância seja contínuo, tornando o usuário,
por conseguinte, dependente dela.
Dependente químico, portanto, é aquele que é possui as manifestações
que caracterizam a dependência química. Sua relação com a substância se dá de
maneira patológica.
Com esses breves esclarecimentos acerca da dependência química, e de
dependente, pode-se ter um retrato mais apropriado do dependente químico. Com
isso, possibilita-se a identificação da sua capacidade civil, requisito essencial para o
regular desenvolvimento teórico do presente trabalho.

2.1.2 Capacidade civil do usuário do dependente químico

A capacidade civil do usuário de crack é enquadrada como sendo relativa


conforme estipula o art.4, II do Código Civil onde menciona o usuário de tóxico que é
onde o usuário de crack é enquadrado. Para entendermos a capacidade do usuário
deves fazer a menção do que é o crack e como a doutrina enquadra o usuário de
entorpecente crack.
Conforme a Organização Mundial da Saúde, o crack é um derivado da
pasta-base de cocaína ou cocaína refinada (feita com folhas de planta Erythroxylum
coca), onde é misturado bicarbonato de sódio ou amônia e água destilada, que
quando aquecida a mais de 100ºC, o composto passa por um processo de
decantação, em que as substâncias líquidas e sólidas são separadas, o seu
resfriamento da porção sólida gera a pedra de crack 18.
Ao ser aquecida a pedra de crack, se funde e vira gás, que depois de
inalado é absorvido pelos alvéolos pulmonares e chega rapidamente à corrente
sanguínea, enquanto a cocaína em pó leva cerca de 15 (quinze) minutos para
chegar ao cérebro e fazer efeito depois de aspirada, a chegada do crack ao sistema
nervoso central é quase imediata de 8 (oito) a 15 (quinze) segundos, em média. É
por está razão que o crack ocasiona a dependência mais rápida 19.
18
CONSELHO ESTADUAL DE ENTORPECENTES DE SANTA CATARINA. Programa Crack.
Florianópolis: CONEN [2018]. Disponível em:
http://www.ssp.sc.gov.br/conen/index.php/prevencao/programa-crack/a-droga. Acesso em: 05 nov.
2019.
19
CONSELHO ESTADUAL DE ENTORPECENTES DE SANTA CATARINA. Programa Crack.
Florianópolis: CONEN [2018]. Disponível em:
http://www.ssp.sc.gov.br/conen/index.php/prevencao/programa-crack/a-droga. Acesso em: 05 nov.
18

O crack ao ser utilizado tem um ação de 5 (cinco) a 10 (dez) minutos no


cérebro, sendo que neste período tem uma potencialização da liberação de
neurotransmissores como dopamina, serotonina e noradrenalina. Após isso tem o
efeito imediato que inclui euforia, agitação, sensação de prazer, irritabilidade,
alterações de percepção e do pensamento e também alterações cardiovasculares e
motoras, como taquicardia e tremores 20.
A pedra de crack é fumada em cachimbos, sendo conhecida como a
droga dos pobres, pois é mais barata que a cocaína e tem um poder alto destrutivo
sobre o sistema nervoso central e cardíaco, ou seja, é pior do que a cocaína e é
mais viciante por isso o número alarmante de usuários. A origem da sua criação se
remete à década de oitenta, em bairros pobres de Nova Iorque, Los Angeles e
Miami, nos Estados Unidos21.
A origem do crack no Brasil se remete ao início da década de noventa,
entrando através da Colômbia, pelas fronteiras com o Acre, Roraima e o Amazonas,
sendo que a sua disseminação começou pelo Estado de São Paulo e que depois
acabou se espalhando por todo o país sendo hoje umas das principais drogas em
utilização com o maior poder destrutivo22.
Desde a utilização deste entorpecente mencionado anteriormente, são
feitas muitas pesquisas nacionais e internacionais, buscando a resposta para a
seguinte indagação, do porquê de um ser humano usufruir de tal substância tão
destrutiva para o corpo humano e chegando a uma conclusão deste elaborado
questionamento entende Pierangeli e Zaffaroni:
Em todos os tempos, o homem procurou fugir da realidade mediante a
utilização de tóxicos. Em geral, as pessoas que têm de suportar maior
miséria e dor são aquelas que procuram fugir dessa realidade
miserável ou dolorosa, decorra ela de conflitos predominantemente
individuais ou de condições sociais (no fundo, sempre existem condições
sociais, só que mais ou menos mediatas). Quem foge da realidade, na
maioria dos casos, é quem suporta as piores condições sociais, ou
2019.
20
CONSELHO ESTADUAL DE ENTORPECENTES DE SANTA CATARINA. Programa Crack.
Florianópolis: CONEN [2018]. Disponível em:
http://www.ssp.sc.gov.br/conen/index.php/prevencao/programa-crack/a-droga. Acesso em: 05 nov.
2019.
21
CONSELHO ESTADUAL DE ENTORPECENTES DE SANTA CATARINA. Programa Crack.
Florianópolis: CONEN [2018]. Disponível em:
http://www.ssp.sc.gov.br/conen/index.php/prevencao/programa-crack/a-droga. Acesso em: 05 nov.
2019.
22
CONSELHO ESTADUAL DE ENTORPECENTES DE SANTA CATARINA. Programa Crack.
Florianópolis: CONEN [2018]. Disponível em:
http://www.ssp.sc.gov.br/conen/index.php/prevencao/programa-crack/a-droga. Acesso em: 05 nov.
2019.
19

seja, os marginalizados e carentes. O uso de tóxicos visa o


rompimento dos freios, ou criar as condições para fazê-lo.” Grifo meu
ou nosso23

Após o ingresso nesse caminho sem volta que é o vício no uso do crack
diagnosticado por um médico como viciado, a pessoa deixa de ter a sua capacidade
civil plena sendo ela relativa, convertendo-se pela interdição judicial, onde irá
resultar uma assistência por um curador que vai acompanhar o usuário nos atos da
vida civil como expõe Diniz::
Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que por deficiência
mental, tiverem o seu discernimento reduzido (Código Civil, artigo. 4º, II;
Constituição Federal, art.227, §3º, VII, com a redação da Emenda
Constitucional n. 65/2010). Baseado em posição fundada em subsídios mais
recentes da ciência médica-psiquiátrica, o novo Código Civil alarga os casos
de incapacidade relativa decorrente de causa permanente ou transitória.
Assim sendo, alcoólatras ou dipsômanos (os que têm impulsão irresistível
para beber ou os dependentes do álcool), toxicômanos, ou melhor,
toxicodependentes (opiômanos, usuários de psicotrópicos, crack, heroína e
maconha, cocainômanos) ou portadores de deficiência mental adquirida, em
razão, p. ex., de moléstia superveniente (p. ex., psicose, mal de Alzheimer),
que sofram uma redução na sua capacidade de entendimento, não
poderão praticar atos na vida civil sem assistência curador (Código
Civil, art. 1.767, III), desde que interditos 24.

A necessidade do processo de interdição ocorre, pois a capacidade civil


plena é a regra, portanto, a privação de uma pessoa em seus atos da vida civil é a
exceção, tendo então que haver uma efetiva comprovação da incapacidade para tal
privação, deste modo Diniz:
O interditado não pode exercer pessoalmente atuação na vida civil, isso
porque a sentença judicial declara de forma consistente a ausência de
pressupostos de capacidade plena para o indivíduo promover seus próprios
negócios, protegendo e dando segurança ao incapaz, no que tange aos atos
jurídicos da vida civil25.

Portanto, quando uma pessoa é declarada como usuária de crack e tem a


sua capacidade limitada passa obrigatoriamente por um processo de interdição.
Como descrito por Coelho,:
Necessariamente passa por um processo judicial de interdição, para
declaração da incapacidade e posterior nomeação de um curador, vez que a
limitação do discernimento deve estar sobejamente demonstrada, a fim de
justificar o impedimento de forma temporária ou permanente da declaração
de vontade do próprio indivíduo 26.

23
ZAFFARONI, Eugenio Rául; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro
Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 534.
24
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 190.
25
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, p. 203.
26
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 184.
20

O instituto da curatela não se confunde com o da tutela, como aponta


Gonçalves:
Apesar da semelhança, os dois institutos não se confundem. Podem ser
apontadas as seguintes diferenças: a) a tutela é destinada a menores de 18
anos de idade, enquanto a curatela é deferida, em regra, maiores; b) a
tutela pode ser testamentária, com nomeação do tutor pelos pais; a curatela
é sempre deferida pelo juiz; c) a tutela abrange a pessoa e os bem do
menor (auctoritas e gestio), enquanto a curatela pode compreender
somente a administração dos bens do incapaz, como nos caso dos
pródigos; d) os poderes do curador são mais restritos do que os do tutor 27.

Com o advento da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que Institui a Lei


Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), o qual fez muitas modificações no instituto da curatela 28.
Conforme a nova legislação, o instituto da curatela irá abranger somente
os atos de cunho patrimonial, e não mais para todos os atos da vida civil, como
antes do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Acerca deste instituto da curatela, afirma Diniz (2007, p. 602) trata-se de
um múnus público em que a lei confere a alguém o encargo de representar o maior
incapaz, o qual em virtude de alguma moléstia não possa administrar seus próprios
bens.
Seguindo o mesmo pensamento Silvo Rodrigues (2002, p. 449),
acrescenta que apesar de a tutela e a curatela possuírem finalidades semelhantes,
cada uma carrega suas particularidades, podendo ser mencionada como principal
distinção que, o primeiro instituto visa proteger o menor incapaz, e o segundo se
destina ao maior incapaz.
A finalidade do instituto da curatela é proteger a pessoa incapaz por
causa da sua incapacidade, como exemplifica Venosa, “a curatela, por outro lado,
tem como finalidade proteger a pessoa incapaz para garantir seus interesses e
protegê-los perante terceiros”29.

27
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Parte Geral. v.1. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 689.
28
BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência)Brasília, DF: PResidência da República, 2015.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em:
14 setembro. 2019.
29
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Direito de Família. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 496.
21

Como já mencionado, existem dois institutos que visam a proteção do


incapaz, entretanto, mesmos os institutos da curatela e tutela tendo várias
semelhanças, porém, as principais diferenças dos institutos na visão de Gonçalves:
Apesar da semelhança, os dois institutos não se confundem. Podem ser
apontadas as seguintes diferenças: a) a tutela é destinada a menores de 18
anos de idade, enquanto a curatela é deferida, em regra, maiores; b) a
tutela pode ser testamentária, com nomeação do tutor pelos pais; a curatela
é sempre deferida pelo juiz; c) a tutela abrange a pessoa e os bem do
menor (auctoritas e gestio), enquanto a curatela pode compreender
somente a administração dos bens do incapaz, como nos caso dos
pródigos; d) os poderes do curador são mais restritos do que os do tutor 30.

Sendo a regra o instituto da curatela se destina à proteção de incapazes


maiores de 18 (dezoito) anos, porém, o Código Civil, traz duas exceções onde é
possível instituir um curador para o nascituro, assim como ao relativamente incapaz
por conta da idade, pois estas pessoas não podem mais praticar os atos da vida civil
sem uma representação por conta da sua idade.
Com a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência modificou a
redação do artigo. 1767 do Código Civil onde dispõe sobre os sujeitos a curatela:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua
vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos31.

A Lei nº 13.146/2015 que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência


expõe, que a deficiência não irá mais ser a causa de incapacidade, pois modificou o
rol taxativo das pessoas que estão sujeitas ao instituto da curatela que está disposta
na redação do artigo. 1.767 do Código Civil do ano de 2002:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir
sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - (Revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº
13.146, de 2015) (Vigência)
IV - (Revogado), (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
V - os pródigos32.

30
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Parte Geral. V.1. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 689.
31
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF: Presidência da
República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
Acesso em: 8 nov. 2019.
22

Todos os incisos que mencionaram os tipos de deficiência foram


modificados ou revogados, como relata o artigo. 84 do Estatuto da Pessoa com
Deficiência, que expõe que as pessoas com deficiência exercerão os atos da vida
civil com igualdade perante terceiros, como determina a redação do artigo. 84 do
Estatuto da pessoa com deficiência:
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de
sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas 33.

Conforme a legislação vigente, no parágrafo terceiro do artigo acima


mencionado onde diz que a definição de curatela de pessoa com deficiência
constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às
circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. sendo a curatela
uma medida de último caso, se configurando como extraordinária, pois o juiz deve
fazer avaliações para determinar a dimensão da falta de discernimento por parte do
indivíduo para com a realidade, onde irá determinar os limites da curatela. Conforme
Farias, a curatela pode ter diferentes variações, pois com a avaliação feita em juízo
irá se determinar o grau da deficiência do curatelado onde a sentença do magistrado
pode determinar tais condições para sua aplicação:
[...] didaticamente, é possível apresentar as seguintes espécies de curatela:
i) o curador pode se apresentar como um representante do relativamente
incapaz para todos os atos jurídicos, porque este não possui qualquer
condição de praticá-los, sequer em conjunto. Seria o caso de alguém que se
encontra no coma ou a quem falta qualquer discernimento; ii) o curador
pode ser um representante para certos e específicos atos e assistente para
outros, em um regime misto, quando se percebe que o curatelado tem
condições de praticar alguns atos, devidamente assistido, mas não possui
qualquer possibilidade de praticar outros, como, por exemplo, os atos
patrimoniais; iii) o curador será sempre um assistente, na hipótese em que o
curatelado tem condições de praticar todo e qualquer ato, dês que
devidamente acompanhado, para a sua proteção 34.

Ademais, as ações do instituto da curatela deverá sempre analisar as


possibilidades de restituições dos direitos do curatelado perante os atos da vida civil.

32
BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) Brasília, DF: PResidência da República,
2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso
em: 14 setembro. 2019.
33
BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) Brasília, DF: PResidência da República,
2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso
em: 14 setembro. 2019.
34
FARIAS, Cristiano Chaves de. et al. Estatuto da Pessoa com Deficiência Comentado artigo por
artigo. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 240.
23

2.1.2,1 O dependente químico e sua relação ao convívio social

Tal qual que ocorre com o criminoso que sofre alguma condenação
advinda do Poder Judiciário, o dependente químico, nos mais das vezes, também é
etiquetado35, isso é, ele é estigmatizado, sendo-lhe imposta determinadas defeitos
por conta de sua dependência química.
Com efeito, assim como o criminoso condenado, “a dependência química
já foi considerada pela sociedade um desvio de personalidade que acometia aqueles
com dificuldades de relacionamento” 36. Dessa maneira, cria-se, ainda que de modo
inconsciente, uma exclusão social do dependente químico.
Nesse sentido, portanto, a inserção social do dependente químico deve
ser analisada sob os mais diversos prismas, sob pena de, caso contrário, se cair em
uma análise ingênua da sua situação. Portanto, temas como família, trabalho,
moradia etc são temas que devem ser objeto de uma análise apropriada, dado que
se relacionam com essa abordagem mais abrangente, que abarca o contexto
socioeconômico em que o dependente químico está inserido.
A análise que ora se empreende se torna ainda mais complexa quando se
tem em mente que “no Brasil, o uso de drogas intensifica-se sempre mais, tornando
difícil e complexa sua abordagem”37. Tal conjuntura não é exclusivamente brasileira;
ao contrário, o uso de drogas cresce em escala global. Com efeito, “de acordo com
o Relatório Mundial sobre Drogas de 2012, de 3,4% a 6,6% da população entre 15 e
64 anos é usuária”38
Assim, para que se tenha uma visão mais condizente com a realidade
vivida pelas pessoas que são dependentes químicos, deve-se observar, de início, as
pesquisas referentes a sua situação e que podem, por conseguinte, fornecer essa
visão mais de acordo com a realidade deles.
Desse modo, cabe identificar a relação havida entre os dependentes
químicos e seus familiares39, sendo este o âmbito mais restrito no qual ele está

35
GAY, Doug. Labeling Theory: The New Perspective. The Corinthian, v. 2, n. 1, p. 1, 2000.
36
CAPISTRANO, Fernanda Carolina et al. Impacto social do uso abusivo de drogas para
dependentes químicos registrados em prontuários. Cogitare Enfermagem, v. 18, n. 3, p. 468, 2013.
37
MORAES, Leila Memória Paiva et al. Expressão da codependência em familiares de dependentes
químicos. Revista Mineira de Enfermagem, v. 13, n. 1, p. 34, 2009.
38
SANCHES, Laís Ramos; VECCHIA, Marcelo Dalla. REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS DE DROGAS: REVISÃO DA LITERATURA. Psicol. Soc.,
Belo Horizonte , p. 43. v. 30, e178335, 2018 .
24

inserido. Ao assim se proceder, já se vê que os efeitos intrafamiliares são muitos e


de grande vastidão.
Com efeito, é inquestionável que “existe uma associação entre o uso do
álcool por parte de um dos cônjuges e a qualidade da relação conjugal” 40. Esse
efeito na relação conjugal é maximizado para todo o âmbito familiar, comprometendo
a existência de uma relação saudável entre os familiares e o dependente químico.
No que tange ao uso de outras drogas como o crack, por exemplo, pode-
se afirmar que os usuários são constituídos, em grande parte, de “população em
situação de rua, grande parte sem emprego ou que desenvolve trabalho informal,
com forte impacto da estrutura social no uso dessa substância psicoativa” 41.
Assim, o uso de drogas, além de comprometer os laços familiares, faz
com que o dependente químico também tenha uma “redução dos cuidados pessoais
e a perda de envolvimento social”42, por conta da busca infatigável por drogas que
acomete o usuário. Assim, como decorrência, tem-se o desemprego, a situação de
ausência de moradia etc.
Realmente, não é exagero afirmar que “as drogas afetam a vida social e
de trabalho das pessoas, uma vez que as perdas envolvem o cotidiano do indivíduo
dependente de substâncias psicoativas”43.
Não fosse suficiente, no âmbito das políticas públicas voltadas para o
dependente químico, pode-se afirmar que, nesse particular, “ainda se mostra de

39
De fato, “a família continua sendo, apesar de todos os defeitos que possa ter, o grupo social no
qual os participantes convivem com maior respeito. O núcleo familiar é onde o amadurecer deve ser
valorizado; é aí que, apesar dos erros, dificuldades e problemas, aprendemos finalmente a ser
adultos responsáveis. Se a família tem regras claras, o jovem terá parâmetros para agir, desde cedo
assumindo responsabilidades de acordo com a própria capacidade. Poderá optar pelo não
cumprimento e, se decidir não fazê-lo, estará aceitando as consequências advindas de seu ato. Pais
que acompanham de perto as atividades dos filhos aprendem a identificar rapidamente um problema
verdadeiro, quase nunca o confundindo com uma simples desculpa por preguiça ou esquecimento”.
(DRUMMOND; DRUMMOND FILHO, 1998, p. 66).
40
ARAGAO, Antonio Teulberto Mesquita; MILAGRES, Elizabete; FIGLIE, Neliana Buzi. Qualidade de
vida e desesperança em familiares de dependentes químicos. PsicoUSF, Itatiba , v. 14, n. 1, p.
1123, abr. 2009.
41
SANCHES, Laís Ramos; VECCHIA, Marcelo Dalla. REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS DE DROGAS: REVISÃO DA LITERATURA. Psicol. Soc.,
Belo Horizonte , p. 41. v. 30, e178335, 2018 .
42
SANCHES, Laís Ramos; VECCHIA, Marcelo Dalla. REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL E
REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS DE DROGAS: REVISÃO DA LITERATURA. Psicol. Soc.,
Belo Horizonte , p. 42. v. 30, e178335, 2018.
43
NIMTZ, Miriam Aparecida et al. Legal and work-related impacts in the life of chemically dependent
individuals. SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas, v. 12, n. 2, p. 74, 2016.
25

maneira ínfima o foco na questão social e da eficácia das políticas públicas voltadas
aos dependentes químicos”44.
Nessa conjuntura, destarte, o que se vê de modo cristalino é a ausência
de uma sistematização no que diz respeito à proteção do dependente químico por
parte do Poder Público.
Adicionalmente, há uma vasta série de consequências para com seus
familiares e seu desenvolvimento social, de maneira que a inserção social do
dependente químico é demasiadamente dificultosa e precária, não obstante certas
políticas públicas realizadas pelo Estado, que, contudo, são feitas de maneira
assistemática e não resolvem a situação do dependente químico de um modo
estrutural.

3 A INRTENAÇÃO COMPULSÓRIA

No presente capítulo, abordar-se-á o conceito de internação compulsória,


bem como a legislação aplicável.
Referida abordagem, todavia, não pode ser feita em um vácuo teórico e
jurídico. Precisamente por isso, abordar-se-á, também, a dignidade da pessoa
humana, além do direito constitucional à saúde e, por fim, as políticas públicas
voltadas ao tratamento do dependente químico, dado que temas necessários à
adequada compreensão do tema ora em comento.

3.1 CONCEITO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

O dependente químico, como já se teve oportunidade de afirmar no curso


de presente trabalho, é etiquetado como alguém que põe em xeque a ordem social.
A sua existência, por si mesma, constitui-se em uma demanda urgente que precisa
ser tratada, sob pena de se pôr abaixo todo o edifício social. O mesmo se dá,
mutatis mutandis, com o deficiente mental. Eles constituem os estranhos, aquele
que se situam para além da dita normalidade e que requererem uma intervenção
estatal em sua “situação”45.
44
LINO, Lillian Lages. Políticas Públicas para dependentes químicos: um estudo sobre o CAPS.
Blucher Social Sciences Proceedings. Dezembro de 2014, Volume 1, Número 1, p. 171-184.
45
AZEVEDO, Américo Orlando; SOUZA, Tadeu de Paula. Internação compulsória de pessoas em uso
de drogas e a Contrarreforma Psiquiátrica Brasileira. Physis, Rio de Janeiro , v. 27, n. 3, p. 491-510,
Jul. 2017.
26

Precisamente por isso, esses dois sujeitos estão submetidos,


eventualmente, à internação compulsória.
Em se tratando de pessoa acometida por transtorno mental que demande
a intervenção do poder estatal, sua situação será regida pela lei 10.216 de 2001.
Referido diploma legal divide a internação em três espécies, conforme literalidade do
artigo 6º da já referida lei:

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo


médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação


psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do


usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.46

No que tange à internação do dependente químico, contudo, a


nomenclatura adotada é diversa.
Com efeito, lê-se no artigo 23-A da lei 11.343 de 2006, incluído
recentemente pela lei 13.840 de 2019 que a internação é de duas espécies:
involuntária e voluntária. Traz-se referidas disposições:
[...]

§ 3º São considerados 2 (dois) tipos de internação:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do


dependente de drogas;

II - internação involuntária: aquela que se dá, sem o consentimento do


dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta
falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou
dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da
área de segurança pública, que constate a existência de motivos que
justifiquem a medida.

§ 4º A internação voluntária:

I - deverá ser precedida de declaração escrita da pessoa solicitante de que


optou por este regime de tratamento;

II - seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por


solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.

46
BRASIL. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 10
de out. 2019.
27

§ 5º A internação involuntária:

I - deve ser realizada após a formalização da decisão por médico


responsável;

II - será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o


padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização
de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde;

III - perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo


máximo de 90 (noventa) dias, tendo seu término determinado pelo médico
responsável;

IV - a família ou o representante legal poderá, a qualquer tempo, requerer


ao médico a interrupção do tratamento47.

Pela disposição contida na lei, portanto, a internação involuntária tem


prazo máximo de 90 dias (artigo 23-A §5º, inciso III, lei 11.343 de 2006).
Adicionalmente, mesmo em se tratando de internação voluntária, ela será residual e
a ultima ratio no tratamento do dependente químico, conforme disposição da mesma
lei:
[...]
§ 6º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

Ademais, em sendo o caso de ocorrência de internação involuntária,


desde que cumpridos os requisitos impostos pela legislação referente a esse
particular, dever-se-á informar os órgãos de fiscalização, como o Ministério Público e
a Defensoria Pública, no prazo máximo de 72 horas. Além do quê, referidas
informações deverão ser sigilosas:

Art. 23-A.
[...]
§ 7º Todas as internações e altas de que trata esta Lei deverão ser
informadas, em, no máximo, de 72 (setenta e duas) horas, ao Ministério
Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização, por meio de
sistema informatizado único, na forma do regulamento desta Lei.

47
BRASIL. Lei n. 13.840, de 5 de abril de 2019. Altera as Leis nos 11.343, de 23 de agosto de
2006, 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de
dezembro de 1997, 8.981, de 20 de janeiro de 1995, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de
14 de setembro de 1993, 8.069, de 13 de julho de 1990, 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e
9.503, de 23 de setembro de 1997, os Decretos-Lei nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621,
de 10 de janeiro de 1946, e 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas e as condições de atenção aos usuários ou dependentes
de drogas e para tratar do financiamento das políticas sobre drogas Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13840.htm. Acesso em: 10 de out. 2019.
28

§ 8º É garantido o sigilo das informações disponíveis no sistema referido no


§ 7º e o acesso será permitido apenas às pessoas autorizadas a conhecê-
las, sob pena de responsabilidade48.

Por essas disposições, já se vê que há uma diferença fundamental entre


os dois conceitos. A internação involuntária, como já dito, dá-se por pedido de
familiar ou responsável legal, sem o consentimento daquele que será internado; a
internação compulsória, por outro lado, ocorre na hipótese em que há ordem judicial
que determine a internação do que será internado.
Em ambos os casos, contudo, a internação é feita com fins terapêuticos,
jamais punitivos:
A ideia da internação compulsória como tratamento dos usuários de drogas
dependentes químicos, vai mais além, pois quando se fala em tratar,
partimos do princípio de que aquela pessoa é doente e precisa receber todo
o cuidado médico necessário, visando sua recuperação e sua reintegração
social.49

A internação compulsória, contudo, em que pese esteja permeada pela


finalidade terapêutica, acaba por poder colidir com direitos e garantias fundamentais
que foram albergadas constitucionalmente.
Duas delas que, de início, já se revelam são a dignidade da pessoa
humana e o direito à liberdade. Justamente por isso, cabe agora analisá-las.

3.1.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

De modo incoativo, cabe pontuar que a ideia de uma dignidade humana


está ligada, sobretudo aos direitos fundamentais. Com efeito, Ingo Sarlet exemplifica
de modo acertado essa relação:
É neste contexto que se poderá afirmar que a relação entre a dignidade e os
direitos fundamentais é uma relação sui generis, visto que a dignidade da
pessoa assume simultaneamente a função de elemento e medida dos
direitos fundamentais, de tal sorte que, em regra, uma violação de um direito

48
BRASIL. Lei n. 13.840, de 5 de abril de 2019. Altera as Leis nos 11.343, de 23 de agosto de
2006, 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de
dezembro de 1997, 8.981, de 20 de janeiro de 1995, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de
14 de setembro de 1993, 8.069, de 13 de julho de 1990, 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e
9.503, de 23 de setembro de 1997, os Decretos-Lei nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621,
de 10 de janeiro de 1946, e 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas e as condições de atenção aos usuários ou dependentes
de drogas e para tratar do financiamento das políticas sobre drogas Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13840.htm. Acesso em: 10 de out. 2019.
49
FERREIRA, Pablo Henrique de Abreu. A constitucionalidade da internação compulsória dos
usuários dependentes químicos de drogas. Âmbito jurídico. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-constitucionalidade-da-internacao-
compulsoria-dos-usuarios-dependentes-quimicos-de-drogas/. acesso em 13 out. 2019.
29

fundamental estará sempre vinculada com uma ofensa à dignidade da


pessoa50.

Historicamente, por outro lado, importa salientar, também, que a ideia da


dignidade humana, para além de ser instrumentalizada como direito fundamental,
sempre esteve ligada a uma cosmovisão de caráter cristão.
Com efeito, foi por meio do cristianismo que ganhou hegemonia
ideológica a ideia do ser humano como imago Dei (imagem de Deus). Justamente
por esse seu atributo ontológico, o ser humano não é visto como uma mera coisa,
um algo, mas como alguém, uma criatura que reflete a imagem de seu criador e, por
decorrência, algo único:
Qualquer ser humano é algo indizivelmente novo, mais do que a soma de
cromossomos e o produto de um ambiente determinado, sendo, na verdade,
uma criatura única de Deus51.

A dignidade da pessoa humana, contudo, não é dependente de uma


visão de mundo religiosa. Com efeito, pode-se citar vários autores de caráter
manifestamente racionalista que, não obstante a ausência de um sentido religioso
em seus escritos, defenderam a ideia de uma dignidade intrínseca ao ser humano.
Exemplo inapelável do aqui se diz é Kant. Sua concepção de dignidade da pessoa
humana é demonstrada na sua obra fundamentação da metafísica dos costumes.
Para ele, como se lê na referida obra, o ser humano possuiria uma dignidade
intrínseca porquanto é um fim em si mesmo52. E assim deve ser tratado, como
decorrência do imperativo categórico que reconhece tal qualidade. Adicionalmente,
por ser dotado de uma dignidade intrínseca, e um fim em si mesmo, o ser humano
não seria equivale a nenhum preço, seu valor seria incomensurável53.
Historicamente, portanto, seja nas correntes de caráter mais religioso,
seja nas correntes de caráter mais laico e racionalistas, houve o reconhecimento da
dignidade da pessoa humana como aspecto irrenunciável da ordem jurídica. Tal
situação se tornou ainda mais patente com os eventos ocorridos na Segunda Guerra
Mundial e que resultaram, inter alia, na derrocada intelectual do positivismo jurídico,
que pregava a completa separação entre o Direito e a Moral.

50
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.106.
51
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p. 206.
52
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 68.
53
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 77.
30

Nessa conjuntura, portanto, não surpreende que dignidade da pessoa


humana seja elevada como preceito basilar da ordem jurídica (cf. art. 1º, inc. III,
CRFB), incidindo em todas as relações, sejam as de caráter público, sejam as de
caráter privado.
A dignidade da pessoa humana, porém, importante notar, é, per si,
genérica:
a dignidade humana é um conceito muito abstrato que não impõe
determinadas medidas nem engloba necessariamente todos os direitos
garantidos no art. 5º da CF. Podemos muito bem conceber que um ser
humano preservaria sua dignidade ainda que o exercício do habeas data
não fosse gratuito, conforme estipula o inciso LXXVII do art. 5o da CF.
Mesmo a privação de uma liberdade importante como a liberdade de
reunião (inciso XVI) não tem a priori o condão de ferir a dignidade da
pessoa humana54.

Justamente pelo caráter genérico é que se fez necessária a exposição do


seu desenvolvimento histórico-ideológico. E, mais especificamente para o presente
trabalho, fez-se necessária a exposição da conceituação da internação compulsória,
bem como a identificação das normas aplicáveis.
Apesar de tais discussões de natureza sobretudo filosófica, fato é que,
como já afirmado anteriormente, foi adotada pela Constituição da República da
Federativa como preceito irrenunciável da ordem jurídica.
Importa assinalar que, justamente por ser um preceito basilar da ordem
jurídica, a dignidade da pessoa humana tem sua incidência em todas as relações
regidas pelo Direito. Realmente, em vista da assim chamada “Constitucionalização
do Direito”, não se pode mais imaginar que a dignidade da pessoa humana seja
apenas uma declaração de boas intenções. Na verdade, a dignidade da pessoa
humana se aplica a todas as relações jurídicas, aí incluída hipótese de ocorrência da
internação compulsória.
Ora, expostos os delineamentos conceituais acerca da dignidade da
pessoa humana, bem assim como da internação compulsória, pode-se tematizar a
relação entre essas duas figuras.
Se é certo que a pessoa humana é dotada de uma dignidade intrínseca, é
certo, também, que, em alguns casos, contra sua vontade, terá sua liberdade
mitigada a fim de que seja submetida a tratamento para com sua dependência
química.
54
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leandro. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2014. p. 76.
31

Nessa conjuntura, portanto, parece haver uma clara dificuldade entre se


conciliar a dignidade da pessoa humana, a qual, em última análise, impõe o
reconhecimento da liberdade do indivíduo (art. 5º, CRFB), com a internação
compulsória, que é justamente a negação dessa liberdade, ainda que de forma
parcial e transitória.
Realmente, a dignidade da pessoa humana implica uma série de
condições que devem ser respeitadas para o indivíduo. Assim, o direito à vida,
decorrente da dignidade da pessoa humana, implica que esta, a pessoa, não deva
meramente sobreviver; antes, que viva em plenitude.
Não se resumo o direito à vida, entretanto, ao mero direito à sobrevivência
física. Lembrando que, o Brasil tem como fundamento a dignidade da
pessoa humana, resulta claro que o direito fundamental em apreço abrange
o direito a uma existência digna, tanto sob o aspecto espiritual, quanto
material (garantia do mínimo necessário a uma existência digna, corolário
do Estado Social Democrático).55
.
Com tais premissas estabelecidas, já se vê a complexidade que
anteriormente se fora mencionada. Uma vida que respeite a dignidade implica
respeitar a vontade do dependente químico, deixando-o na situação em que se
encontra, visto que fruto de sua liberdade, ou, ao contrário, em vista dessa mesma
dignidade, interná-lo de maneira compulsória, a fim de que se mantenha um mínimo
existencial.
Tradicionalmente, quando da colisão de direitos fundamentais, que na
maior da parte das vezes adotam a feição de princípios, fala-se na aplicação da
técnica da ponderação56.
No caso vertente, contudo, o que se tem é uma questão de
constitucionalidade ou não e será melhor explicada no terceiro capítulo do presente
trabalho. Suficientes, por ora, as explanações referentes à dignidade da pessoa
humana.

3.1.2 O direito à liberdade

Os direitos fundamentais de primeira dimensão (ou geração) são aqueles


que impõe ao Estado um non facere, um não fazer. Demandam, portanto, que o

55
PAULO, Vicente. Direito Constitucional descomplicado. 3. ed., rev. E atualizada. Rio de Janeiro :
Forense ; São Paulo : METODO : 2008. p. 107.
56
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 378.
32

Estado se abstenha de interferir na esfera privada do indivíduo. Nesse sentido,


pode-se dizer que eles surgem em uma cosmovisão cujo preceito basilar é o status
libertatis.
Com efeito, a ideia de um status libertatis, que aponta para uma
autonomia do indivíduo, também é, mutatis mutandis, adotada por Gregório Martinez
Peces-Barba, que assim define os direitos fundamentais:
pode comprender tanto os pressupostos éticos como os componentes
jurídicos, significando a relevância moral de uma ideia que compromete a
dignidade humana e seus objetivos de autonomia moral e, também a
relevância jurídica que converte os direitos em norma básica material do
ordenamento, e em instrumento necessário para que o indivíduo desenvolva
na sociedade todas as suas potencialidades. Os direitos fundamentais,
portanto, expressam tanto uma moralidade básica como uma juricidade
básica57.

De fato, assim entende Pérez Luño ao afirmar que, uma vez


ultrapassados os sistemas políticos de feições totalitárias e absolutistas,
nas quais se dá um estado de sujeição no qual não existem liberdade,
aparece um estado de liberdade no qual se reconhece um espaço de
autonomia, uma esfera de não agressão ou ingerência do poder nas
atividades dos particulares58.

A Constituição brasileira de 1988 adotou esses postulados básicos e, em


decorrência, tornou direito fundamental à liberdade, conforme literalidade do caput
do artigo 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.

Por essas disposições já se vê novamente surgir um aparente conflito


entre a internação compulsória que, como visto, prescinde do consentimento do
dependente químico, e o direito à liberdade, garantido constitucionalmente. Se esse
conflito realmente for válido, e realmente a internação compulsória contrariar o
direito fundamental à liberdade, será o caso de inconstitucionalidade das normas
57
“puede comprender tanto los presupuestos éticos como los componentes jurídicos, significando la
relevancia moral de una idea que compromete la dignidad humana y sus objetivos de autonomia
moral, y también la relevancia jurídica que convierte a los derechos en norma básica material del
ordenamiento, y es instrumento necesario para que el individuo desarolle en la sociedade todas sus
potencialidades. Los derechos fundamantales expresan tanto uma moralidad básica como uma
juridicidad básica” PECES-BARBA, Gregório Martinez. Curso de derechos fundamentales. Teoria
general. Universidad Carlos III de Madrid. Madrid: Boletín OficiaL del Estado, 1999. p. 37, tradução
nossa.
58
“en las que se da un status subiectionis en el que no existen libertades, aparece un status libertatis
en el que se reconoce un ámbito de autonomia, una esfera de no agresión o injerencia del poder en la
actividad de los particulares” PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique, Los derechos fundamentales. 8. ed.
Madrid: Tecnos, 2004, p. 174, tradução nossa.
33

que prevejam tal instituto. Referida questão será explanada no terceiro capítulo do
presente trabalho.
Por todo o exposto, se vê que a dignidade humana pode vir a colidir com
a instituição compulsória, dado que, como decorrência da dignidade, o ser humano
dever ser considerado livre, o que pode ser, em tese, violado pela internação
compulsória.

3.1.3 O direito constitucional à saúde

Por outro lado, importa assinalar que, se o direito à liberdade é da


primeira dimensão ou geração, o direito constitucional à saúde, por outro lado,
enquadra-se na segunda dimensão.
Adicionalmente, é com base na ideia da dignidade da pessoa humana
que se busca proteger o ser humano enquanto titular de direitos de uma maneira
integral.
Desse modo, tal como a dignidade da pessoa humana se relaciona com a
internação compulsória, assim também o direito garantido constitucionalmente à
saúde também. Essa relação, porém, não é das mais simples, encontrando uma
série de dificuldades.
Com efeito, é cediço que a Constituição da República Federativa do Brasil
tornou a saúde direito de todos. Referida afirmação ganha maior firmamento quando
se tem em linha de conta as disposições do artigo 196 da Carta Magna:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.59

É com base nesses postulados constitucionais que se deve proceder para


se abordar a condição do dependente químico.
Com efeito, pela redação do artigo 196 da Constituição da República
Federativa do Brasil, o direito à saúde é direito de todos. Por conta dessa
disposição, cria-se entre o Estado e os cidadãos um vínculo obrigacional. Dessa

59
BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 11 out. 2019.
34

maneira, o dependente químico tem um direito subjetivo público de receber um


tratamento apropriado60.
Em decorrência disso, a multicitada lei 13.840 de 2019, que alterou
inúmeros dispositivos da lei 11.343 de 2006, adotou uma visão terapêutica do
tratamento do dependente químico.
Essa abordagem terapêutica, contudo, não é aquela abordagem
meramente manicomial, que consiste em tratar o dependente químico como portador
de uma doença. Ao contrário, o que se tem, com as sucessivas alterações
legislativas, é uma abordagem mais holística, que leva em consideração o contexto
social e econômico em que o dependente químico inevitavelmente está inserido 61.
Buscando cristalizar esses preceitos constitucionais, respeitando,
portanto, a força normativa da constituição 62 é que se buscou criar políticas públicas
que pudessem auxiliar o dependente químico em seu tratamento.
De fato, é justamente a busca pela saúde que (pode) fundamentar a
internação compulsória do dependente químico, visto que, por meio dela, pode-se
melhorar a qualidade de vida a longo prazo dele.

3.1.3.1 Políticas públicas voltadas ao tratamento do dependente químico

Importa ressaltar, nesse contexto, as políticas públicas oriundas do Poder


Público destinadas ao tratamento do dependente químico.
Em grande parte, tais políticas decorrem do já explicitado direito à saúde,
uma vez que referido direito implica o acesso universal à saúde:
O acesso universal à saúde deve ser feito através de políticas sociais e
econômicas, em atenção à sua natureza social, que visem à redução do
risco de doenças, ou outros estados que comprometam a saúde da
coletividade, e possibilitem acesso universal às ações e serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação63.

A primeira das leis que buscou completar esse mister (i.e., de promover o
acesso universal à saúde) foi a já citada lei 10216 de 2001, que tratou das pessoas
60
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 901.
61
HIRDES, Alice. A reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re) visão. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro , v. 14, n. 1, p. 297-305, Feb. 2009 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000100036&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13 Out. 2019.
62
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7.
ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 901.
63
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p.
837.
35

com deficiência, além dos dependentes químicos. Referida lei procurou “reafirmar as
diretrizes do Sistema Único de Saúde e garantir àqueles com transtornos mentais
em decorrência do uso de substâncias psicoativas os serviços de saúde e
assistência.”64.
Posteriormente, no ano de 2002, foram criados os Centros de Atenção
Psicossocial, Álcool e outras drogas (CAPS AD), buscando concretizar a política de
proteção integral ao usuário de drogas dependente químico 65.
Em 2006, com a lei 11.343, chamada de lei de drogas, criou-se o
SISNAD. Suas finalidades estão explicadas no referido diploma legal:
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico
ilícito de drogas e define crimes.

[...]

Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar


as atividades relacionadas com:

I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários


e dependentes de drogas;

II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.

§ 1º Entende-se por Sisnad o conjunto ordenado de princípios, regras,


critérios e recursos materiais e humanos que envolvem as políticas, planos,
programas, ações e projetos sobre drogas, incluindo-se nele, por adesão, os
Sistemas de Políticas Públicas sobre Drogas dos Estados, Distrito Federal e
Municípios.

§ 2º O Sisnad atuará em articulação com o Sistema Único de Saúde - SUS,


e com o Sistema Único de Assistência Social - SUAS66.

Em 2010, posteriormente, portanto, à criação do SISNAD, criou-se o


Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. Sua finalidade é
auxiliar o usuário de drogas dependente químico de forma integral: da prevenção ao

64
FRITZ, Railana Gomes. A (in)constitucionalidade da medida de internação compulsória do
dependente químico. 2015. 66 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Fundação Universidade
Federal de Rondônia – Unir, Cacoal, 2015. p. 15.
65
FRITZ, Railana Gomes. A (in)constitucionalidade da medida de internação compulsória do
dependente químico. 2015. 66 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Fundação Universidade
Federal de Rondônia – Unir, Cacoal, 2015. p. 15.
66
BRASIL.Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Regulamento Institui o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para
repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 10 de out. 2019.
36

tratamento (aí incluída a internação voluntária, involuntária e compulsória) e,


finalmente, pela reinserção social do dependente, dado que, como já fora afirmado
anteriormente, o dependente químico sempre está inserido em um determinado
contexto social e econômico, e abordagem para com ele não pode prescindir dessa
realidade inapelável67.
Todavia, em que pese a existência de políticas voltadas para o
dependente químico, vê-se surgir cada vez mais nas grandes cidades as inúmeras
rackolândias, além de todos os inúmeros efeitos causados pelo uso de drogas para
os dependentes químicos e, em decorrência para toda a sociedade.

3.2 DA CONSTITUCIONALIDADE

Expostas as disposições referentes à internação compulsória, bem assim


como o dependente químico, cabe agora, ainda que de modo superficial, abordar a
questão da constitucionalidade, uma vez que necessário para o pleno
desenvolvimento teórico do presente trabalho.
Por certo não se quer tratar aqui de todos as particularidades que
envolvem o tema da constitucionalidade, sejam no campo da teoria do direito, sejam
no campo do direito constitucional. Com efeito, a questão da constitucionalidade e
da higidez do ordenamento jurídico perpassam pelos mais diversos campos de
estudo.
Quer-se, isso sim, expor o conceito de (in) constitucionalidade e seus
efeitos na ordem jurídica.
Nesse contexto, portanto, cabe exibir a conceituação de
inconstitucionalidade. Para Ana Paula Barcellos, pode-se afirmar que “a
inconstitucionalidade descreve a incompatibilidade de algo – uma norma, um ato,
uma conduta – com a Constituição” 68. Complementando essa definição, pode-se
dizer que, hodiernamente, a inconstitucionalidade não está mais somente vinculada
a um descompasso com a constituição. Em verdade, há um bloco de
constitucionalidade que engloba os tratados internacionais que versam sobre direitos
67
FRITZ, Railana Gomes. A (in)constitucionalidade da medida de internação compulsória do
dependente químico. 2015. 66 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Fundação Universidade
Federal de Rondônia – Unir, Cacoal, 2015. p. 15.
68
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.
598.
37

humanos e, em conformidade com a própria constituição (artigo 5º, §2º) 69. possuem
status de norma constitucional70.
A inconstitucionalidade, ademais, pode-se ser de duas espécies:
inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material 71.
Por inconstitucionalidade formal, quer-se dizer que a norma, conduta ou
ato, é incompatível com a Constituição no sentido de não ter seguido o rito por ela
previsto para o nascimento da norma jurídica 72
Assim, as normas jurídicas devem ser feitas por quem, dentro do poder
estatal, recebeu tal incumbência da Constituição. Mais ainda, devem tratar de tema
autorizado por essa mesma constituição. O que aqui se diz, em última análise, nada
mais é do que a competência estabelecida constitucionalmente para a elaboração
de normas jurídicas73.
Além disso, não basta que as normas jurídicas sejam feitas por quem de
direito e possuam o conteúdo em conformidade com a constituição. É necessário,
adicionalmente, que elas venham ao mundo jurídico pelo instrumento adequado.
Assim, por exemplo, impensável que uma norma jurídica cujo conteúdo seja
exclusivo de lei complementar seja publicado por lei ordinária 74.
Por outro lado, inconstitucionalidade material significa que a
incompatibilidade com a constituição é diversa. Nela, a incompatibilidade não se
refere à competência que fora violada, tampouco ao instrumento jurídico em que a
norma veio a mundo jurídico. Na verdade, nessa espécie de inconstitucionalidade,
há uma incompatibilidade material: o conteúdo vinculado é contrário às disposições
contidas na constituição. É o caso, por exemplo, de uma lei infraconstitucional que,
alterando o Código Penal, inclua uma pena que não seja permitida pelo texto
constitucional, verbi gratia:
art. 5º
69
BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 11 out. 2019.
70
MARTINS, Flávio. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p.
579.
71
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.
599.
72
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.
599.
73
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.
600.
74
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p.
600.
38

[...]
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis75

As leis que se enquadrem no conceito de constitucionalidade, adequando-


se, portanto, às disposições contidas na Carta Magna, e no já explicado bloco de
constitucionalidade, que inclui os tratados internacionais sobre direitos humanos,
serão consideradas constitucionais e, assim sendo, permanecerão vigentes na
ordem jurídica estabelecida. Em sentido contrário, as normas que porventura forem
consideradas às disposições contidas na Constituição, serão reputadas
inconstitucionais e, justamente por isso, não poderão mais permanecer vigentes na
ordem jurídica, sob pena de pôr abaixo todo o edifício jurídico construído.
Mais especificamente para o presente trabalho, portanto, se se verificar
que as normas que disciplinam a internação compulsória padecem de
inconstitucionalidade, não mais poderão permanecer vigentes.
No caso vertente, o que se busca verificar a existência da ocorrência de
uma inconstitucionalidade material das normas que versam sobre a internação
compulsória (sobretudo da análise da lei 13.840 de 2019), visto que, em tese,
poderiam ferir de morte os princípios da dignidade da pessoa humana e, ademais,
do direito à liberdade, ambos garantidos constitucionalmente.
A isso se dedicará o terceiro capítulo.

75
BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . Acesso em: 11 out. 2019.
39

4 CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DOS


DEPENDENTES QUÍMICOS

Neste capítulo, abordar-se-á, inicialmente, a atuação do Poder Judiciário


nas situações que envolvem o dependente químico e sua internação compulsória.
Em seguida, buscar-se-á identificar a responsabilidade do Estado para
com o dependente químico, sobretudo pela análise da ideia de uma reserva do
possível enquanto cláusula protetiva.
Ato contínuo, passar-se-á para a verificação da constitucionalidade da
internação compulsória. Nesse contexto, observar-se-á a posição dos tribunais
superiores a respeito dessa temática.

4.1 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Por conta da série de direitos e garantias constitucionalmente albergados,


surge para os cidadãos um direito subjetivo a terem tais direitos e garantidas
realmente implementadas; em contrapartida, surge para o Estado o dever de efetivar
na prática tais direitos e garantias.
Entretanto, como se verá, há, e sempre haverá, uma escassez de
recursos que podem limitar a aplicação de tais direitos e garantias. Por isso, em que
pese seja inequívoca a responsabilidade estatal, não se pode olvidar da ideia de
uma reserva do possível, ideia essa que será a seguir analisada.
Em contrapartida, surge, nesse mesmo contexto, a ideia de um mínimo
existencial, que será igualmente explanada em tempo oportuno.

4.1.1 A atuação do Poder Judiciário na proteção dos direitos

Em certo sentido, pode-se ponderar que a atuação do Poder Judiciário


deve se pautar por dois axiomas, no que tange às garantias e direitos fundamentais,
quais sejam: i) ao Poder Judiciário cabe fiscalizar para que os direitos e garantias
fundamentais não sejam violados; ii) em suas decisões, não poderá o Poder
40

Judiciário violar esses mesmos direitos e garantias fundamentais a que deve


proteger76.
Ora, sendo a dignidade da pessoa humana a base na qual são erigidos
todos os demais direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos sociais, o
Poder Judiciário em sua atuação, deve sempre zelar para que tais direitos não
sejam violados77.
No caso específico da medida de internação compulsória, a lei determina
que, em tais casos, é requisito para a sua decretação a existência de ordem judicial
nesse sentido.
Com efeito, conforme literalidade do artigo 6º da lei 10.216 de 2001, é
necessário que, em se tratando de internação compulsória, haja a determinação por
parte do Poder Judiciário:

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo


médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação


psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do


usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.78

Por ter esse dever determinado por lei, caberá ao Poder Judiciário, no
contexto do que aqui se discute, fazer com os direitos e garantias fundamentais
sejam preservados, sobretudo porque, conforme já afirmado alhures???, a
internação compulsória é medida excepcional.
Exposta a atuação do Poder Judiciário, cabe analisar, nesse contexto, a
ideia da reserva do possível e do mínimo existencial, que se relacionam de modo
íntimo com a temática ora em comento.

76
NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. O Poder Judiciário e a sua vinculação aos direitos
fundamentais. Âmbito Jurídico. Disponível em:https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-
constitucional/o-poder-judiciario-e-a-sua-vinculacao-aos-direitos-fundamentais/ . Acesso em: 08 nov.
2019.
77
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: Método, 2011. p. 129.
78
BRASIL. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 10
de out. 2019.
41

4.1.2 A reserva do possível e o mínimo existencial

A reserva do possível pode ser definida como sendo uma "condição da


realidade que influencia na aplicação dos direitos fundamentais" 79.
Nesse sentido, portanto, a reserva do possível indicaria que a prestação
dos serviços públicos estatais estaria limitado pela disponibilidade dos recursos. A
aplicação de tais recursos, por sua vez, restaria a ser determinada pela
discricionariedade administrativa e pelas determinação do orçamento público por
meio do Poder Legislativo80.
Toda essa temática pode ser melhor compreendida quando se tem em
linha de conta o que aqui se dirá sobre a atuação complementar do Poder Judiciário.
Com efeito,
A internação compulsória, como um dos exemplos de fruto da intervenção
do Poder Judiciário junto às incumbências da Administração Pública,
deveria ser fundamentada não só na efetivação obrigatória de um
compromisso estatal, mas em princípios relacionados à responsabilidade
administrativa, como a reserva do possível, o do não retrocesso social ou da
proibição da evolução reacionária81.

Justamente por conta disso, em que pese a internação compulsória seja


manifestação da busca pela concretização dos direitos e garantias fundamentais,
ela, ao ser determinado pelo Poder Judiciário, sempre deverá ter em linha de conta
a escassez dos recursos públicos e o interesse da coletividade, ideias essas que
são cristalizadas na teoria da reserva do possível.
Se a reserva do possível, de certa maneira, acaba por limitar a atuação
do poder estatal por conta da escassez, dando um caráter absenteísta ao poder
público, a ideia de um mínimo existencial surge, em contrapartida, como contrapeso
dessa teoria.
Isso porque a ideia de um mínimo existencial, enquanto decorrência do
princípio da dignidade da pessoa humana, surge como forma de se garantir aos que

79
ELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no
direito brasileiro. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2011. p. 114.
80
ELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do possível e a efetividade dos direitos sociais no
direito brasileiro. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2011. p. 114.
81
COSTA, Eliane Rodrigues da Silva. A lesividade excessiva frente a pouca efetividade da internação
compulsória do dependente químico. Conteúdo Jurídico. Disponível em:
http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51052/a-lesividade-excessiva-frente-a-pouca-
efetividade-da-internacao-compulsoria-do-dependente-quimico. Acesso em: 07 nov. 2019.
42

mais precisam um minimum de prestações estatais, sobretudo na forma de se


garantir a efetivação dos direitos sociais82.
Nesse contexto, cabe transcrever importante julgado do Supremo Tribunal
Federal acerca desse temática, caso em que a Suprema Corte tratava do Direito à
Saúde:
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria
Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira
responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar –
políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos,
inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à
assistência farmacêutica e médico-hospitalar. – O direito à saúde – além de
qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas –
representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O
Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no
plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente
ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A
INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL
INCONSEQUENTE. – O caráter programático da regra inscrita no art. 196
da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado
brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional
inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de
infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS
CARENTES. – O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas
de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive
àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos
fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e
representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de
apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada
têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e
de sua essencial dignidade. Precedentes do STF83.

Nesse julgado, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que o direito à


saúde deve ser efetivamente implementado, o que, em última análise, reafirmar a
necessidade de se proporcionar aos cidadãos de todas as classes sociais a

82
SARLET, Ingo Wolfgang; ZOCKUN, Carolina Zancaner. Notas sobre o mínimo existencial e sua
interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos
sociais. Rev. Investig. Const., Curitiba , v. 3, n. 2, p. 115-141, Aug. 2016 . Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2359-56392016000200115&lng=en&nrm=iso.
Acesso em: 08 Nov. 2019. Epub Apr 15, 2019. http://dx.doi.org/10.5380/rinc.v3i2.46594.
83
NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. O Poder Judiciário e a sua vinculação aos direitos
fundamentais. Âmbito Jurídico. Disponível em:https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-
constitucional/o-poder-judiciario-e-a-sua-vinculacao-aos-direitos-fundamentais/ . Acesso em: 08 nov.
2019.
43

existência do já explanado mínimo existencial, por meio da concretização dos


direitos sociais (saúde, educação, por exemplo) 84.
A decretação da internação compulsória, enquanto concretização dos
direitos constitucionalmente garantidos, deve sempre se pautar, portanto, por esses
dois extremos: a reserva do possível, de modo a limitar uma atuação desmedida e
irracional do poder público, afetando, assim, a estrutura estatal de maneira
exacerbada; e, por outro lado, a ideia de um mínimo existencial, a fim de que não se
mantenha uma grande parte da população desassistida por conta de argumentos
puramente econômicos85.

4.2 A CONSTITUCIONALIDADE DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO


DEPENDENTE QUÍMICO

Como já se teve oportunidade se afirmar no curso do presente trabalho, a


realização da internação compulsória pode ferir de morte os preceitos
constitucionais, nomeadamente: dignidade da pessoa humana e, como corolário,
direito à liberdade.
Em contrapartida, poder-se-ia dizer que a internação compulsória se
justificaria no direito à saúde, também constitucionalmente garantido. Dado que, por
tal direito, dever-se-ia prezar-se pela saúde do cidadão em sua integralidade, aí
incluído, por conseguinte, a situação do dependente químico.
Adicionalmente, ainda que de modo paradoxal, a dignidade da pessoa
humana, conforme já explicado alhures, pressupõe que o ser humano, enquanto
pessoa, é dotado de uma dignidade intrínseca. E, justamente por isso, a situação da
dependência química não poderia ser mantida em nome de uma suposta liberdade,
devendo-se, ao contrário, preservar sua dignidade, ainda que de maneira
compulsória.
Toda essa temática, como se poderia supor, não ficou distante do Poder
Judiciário. Em verdade, muitas foram as manifestações, sobretudo dos Tribunais

84
NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. O Poder Judiciário e a sua vinculação aos direitos
fundamentais. Âmbito Jurídico. Disponível em:https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-
constitucional/o-poder-judiciario-e-a-sua-vinculacao-aos-direitos-fundamentais/ . Acesso em: 08 nov.
2019.
85
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: Método, 2011. p. 129.
44

Superiores, sobre a discussão que ora se expõe. Por conta disso, antes de se
passar a identificação dos contornos teóricos e doutrinários dessa discussão, cabe,
antes, expor as manifestações do Tribunais Superiores.

4.2.1 O posicionamento dos tribunais superiores

No contexto da judicialização da saúde, fenômeno que, a depender do


ponto de vista, não é recente, a internação compulsória passou a ser objeto de
manifestação do Poder Judiciário 86.
De fato, em tema conexo ao que ora se aborda, o Supremo Tribunal
Federal, em sede de Recurso Extraordinário, já declaro acerca da posse de drogas
para uso pessoal o que segue:
Nos termos do art. 28, §2º, da Lei 11.343/2006, “Para determinar se a droga
destinava a consumo pessoal, “o juiz atenderá à natureza e à quantidade da
substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a
ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos
antecedentes do agente.”
Já ressaltei a zona cinzenta entre o tráfico de drogas e a posse de drogas
para consumo pessoal. A diferença entre um e outro enquadramento é
decisiva para pessoa abordada. Ou poderá ser presa, por até quinze anos,
ou seguirá livre, embora sujeita, pelo menos transitoriamente, às medidas
previstas no art. 28, sem efeitos penais.
Conforme há pouco relatamos, há sérios indicativos de que esse contexto
pode conduzir à inadmissível seletividade do sistema penal. A interpretação
dos fatos, com elevada carga de subjetividade, pode levar ao tratamento
mais rigoroso de pessoas em situação de vulnerabilidade – notadamente os
viciados.[…]
Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para: 1 – Declarar a
inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006,
de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza
penal. Todavia, restam mantidas, no que couber, até o advento de
legislação específica, as medidas ali previstas com natureza
administrativa[…]87

Ora, sendo a posse de droga não penalizada com a privação de


liberdade, logo surge a questão de se saber se seria proporcional a privação de
liberdade por meio da internação compulsória de dependentes químicos. De fato, tal
medida implicaria violação do direito à liberdade do dependente químico.

86
MONTEIRO, Tatiana Aparecida Rodrigues. Judicialização da saúde: atuação do Poder Judiciário
nas internações de dependentes químicos e outras drogas. Jus. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/52668/judicializacao-da-saude-atuacao-do-poder-judiciario-nas-internacoes-
de-dependentes-quimicos-e-outras-drogas. Acesso em: 05 nov. 2019.
87
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 635659. Relator: Gilmar Mendes.
São Paulo, 20 de agosto de 2015. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE635659.pdf. Acesso em: 01 Nov. 2019.
45

Cabe salientar, entretanto, que, como se teve oportunidade de afirmar, a


internação compulsória não é, atualmente, dotada de caráter punitivo; ao contrário, a
sua decretação é feita, sobretudo por conta dos fins terapêuticos que ela tem para
com o dependente químico.
De fato, colhe-se julgado na jurisprudência nesse sentido, afirmando que
a internação compulsória possui como fundamento o direito à vida e saúde do
dependente químico, e não a privação de sua liberdade:

PEDIDO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. INDEFERIMENTO DA


PETIÇÃO INICIAL. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.
IMPRESCINDIBILIDADE DE PARECER DETALHADO DE ESPECIALISTA.
FIM PREMATURO DA DEMANDA. SENTENÇA CASSADA. O Tribunal da
Cidadania já decidiu, sem nenhum questionamento sobre a
constitucionalidade da medida, pela possibilidade do internamento
obrigatório, entendendo que a medida, apesar de excepcional, busca
resguarda a própria saúde e mesmo a vida da pessoa com transtorno
mental, e mesmo de terceiros, não tendo por escopo a privação da
liberdade ex si, apesar de eventual restrição a direitos fundamentais,
mas sim, fazer valer o direito fundamental à vida e à saúde. In casu,
necessário um parecer detalhado de um especialista quanto ao estado
mental e físico do cidadão que se pretende internar, configurado que a
sentença, ao indeferir, de plano, a petição inicial, sem oportunizar à parte a
sua emenda com este desiderato, conforme dispõem os artigos 317, 320 e
321 do Código de Processo Civil, pôs fim prematuro à demanda.
APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA88.

O entendimento acima transcrito já foi reafirmado pelo Superior Tribunal


de Justiça. De fato, em sede de Habeas Corpus o Tribunal da Cidadania reconheceu
que, preenchidos os requisitos legais, a medida da internação compulsória não
padece de nenhuma ilegalidade:
INTERDIÇÃO CUMULADA COM INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA.
POSSIBILIDADE. PACIENTE. TRANSTORNO MENTAL.
PERICULOSIDADE AFIRMADA EM PARECER MÉDICO. INTERNAÇÃO
RECOMENDADA. ORDEM DENEGADA. 1. A medida de internação
compulsória do paciente foi imposta com observância dos requisitos legais,
apoiada em avaliação psiquiátrica e em laudo pericial realizado pelo Instituto
de Medicina Legal e de Criminologia do Estado de São Paulo - IMESC, no
qual ficou consignada a necessidade de manutenção da internação em
instituição psiquiátrica por tempo indeterminado, em razão da periculosidade
do paciente envolvido no cometimento de vários fatos típicos violentos,
inclusive homicídios. 2. Diante da impossibilidade de dilação probatória em
sede de habeas corpus, não há como constatar, de imediato, a flagrante
ilegalidade na manutenção temporária e precária do paciente enfermo
perante a unidade hospitalar em que se encontra internado, enquanto se

88
GOIÁS. Tribunal de Justiça de Goiás. Apelação Cível 00455870920198090085. Relator: Fausto
Moreira. Data de julgamento: 02/10/2019. Disponível em:
https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/764689346/apelacao-cpc-455870920198090085/inteiro-
teor-764689347?ref=juris-tabs Acesso em: 01 Nov. 2019. Grifo nosso.
46

aguarda o surgimento de vaga apropriada no Sistema Único de Saúde. 3.


Ordem denegada89.

Prevalece, portanto, na jurisprudência a constitucionalidade da medida da


internação compulsória, sobretudo por conta dos argumentos acima transcritos,
quais sejam: preservação da saúde e da dignidade do condenado.
Estabelecido o status quaestionis na jurisprudência, pode-se passar a
uma identificação mais aprofundada dessa temática.

4.2.2 A dignidade da pessoa humana, o direito à saúde, à liberdade: os direitos


fundamentais e a dignidade da pessoa humana

Como já se buscou demonstrar durante todo o presente trabalho, a


possível inconstitucionalidade da internação compulsória, medida prevista nas leis
10.216 de 200190 e 13.840 de 201991, pode se dar por conta da violação da dignidade
da pessoa humana e do direito constitucional à liberdade.
Com efeito, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio
irrenunciável do Estado Democrático de Direito Brasileiro, reclama a concretização
das garantias e direitos fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil:
A importância da pessoa humana se reafirma, no plano normativo, em face
de estar assegurada no plano constitucional a sua dignidade como o mais
importante fundamento da República Federativa do Brasil, constituída que
foi em Estado Democrático de Direito, a saber, uma vida com dignidade
reclama a satisfação dos valores mínimos fundamentais descritos no âmbito
da nossa Carta Magna no art. 6o (direito à educação, à saúde, ao trabalho,
à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à
maternidade, à proteção à infância, assim como à assistência aos

89
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 396648/SP. Relator: Ministro Raul Araújo.
Data de julgamento: 27/06/2017. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/484045812/
habeas-corpus-hc-396648-sp-2017-0087932-2?ref=serpAcesso em: 01 Nov. 2019.
90
BRASIL. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm. Acesso em: 10
de out. 2019.
91
BRASIL. Lei n. 13.840, de 5 de abril de 2019. Altera as Leis nos 11.343, de 23 de agosto de
2006, 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de
dezembro de 1997, 8.981, de 20 de janeiro de 1995, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de
14 de setembro de 1993, 8.069, de 13 de julho de 1990, 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e
9.503, de 23 de setembro de 1997, os Decretos-Lei nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621,
de 10 de janeiro de 1946, e 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre o Sistema Nacional
de Políticas Públicas sobre Drogas e as condições de atenção aos usuários ou dependentes
de drogas e para tratar do financiamento das políticas sobre drogas Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13840.htm. Acesso em: 10 de out. 2019.
47

desamparados), verdadeiro piso vital mínimo a ser assegurado pelo Estado


Democrático de Direito92.

Ora, dado que a dignidade da pessoa humana, justamente por preconizar


a existência de um valor a priori no ser humano, reclama que esse mesmo valor a
priori seja reconhecido por meio da efetivação das garantias e direitos fundamentais.
Há quem defenda, justamente calcado nessa ideia, a
inconstitucionalidade da internação compulsória, vez que os locais em que o
internado é colocado violam de maneira manifesta sua dignidade:
Inconstitucional a utilização de internação compulsória para o tratamento de
dependentes químicos por violar a dignidade da pessoa humana e o direito
à saúde. O desrespeito ao primeiro é notório. Basta ver as imagens e
notícias divulgadas amplamente pela imprensa brasileira no decorrer do ano
de 2012. Os usuários são arrastados, conduzidos barbaramente à força
para locais que não estão preparados para recebê-los93.

Essa constatação de inconstitucionalidade, como se vê, parte da noção


de que os locais em que ocorrem a internação violam de maneira manifesta a
dignidade da pessoa humana.
Ora, se é certo que a Constituição impõe o reconhecimento e a aplicação
dos direitos e garantias fundamentais, é mister questionar-se o modo pelo qual são
entendidos tais direitos e garantias. Sobremodo relevantes no contexto do presente
trabalho são o direito à liberdade e o direito à saúde.
A premissa fundamental nessa temática é a de que os direitos devem ser
sopesados com o contexto sociológico, histórico e econômico, jamais podendo ser
encarados de uma maneira absolutamente autônoma da realidade social em que
estão inseridos.
Em outras palavras, os direitos econômicos, sociais, culturais, bem com
as garantias e direitos fundamentais, devem em linha de conta o contexto social e
histórico em que o dependente químico se encontra inserido 94.
Ao se proceder a essa contextualização, vê-se de imediato que a
liberdade, longe de promover a inconstitucionalidade da internação compulsória,

92
MENDES, Karyna Rocha. Curso de Direito da Saúde. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 44.
93
COELHO, Isabel, OLIVEIRA, Maria Helena Barros de; Internação compulsória e crack: um
desserviço à saúde pública. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0103-11042014000200359. Acesso em 07 ago. 2016.
94
COELHO, Isabel, OLIVEIRA, Maria Helena Barros de; Internação compulsória e crack: um
desserviço à saúde pública. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0103-11042014000200359. Acesso em 07 ago. 2016.
48

acaba por, quando bem entendida, servir de fundamento à internação compulsória


do dependente químico.
Isto porque, como já é pacífico desde o período medieval, e aqui já se
teve oportunidade de reafirmar, a liberdade é exercida sempre levando em conta a
faticidade do ser humano, o que implica, por conseguinte, o reconhecimento de que
a liberdade não pode ser exercida de forma ilimitada; antes, deve ser exercida em
conformidade com os princípios que promovam o bem comum 95.
Nesses termos, fica claro que, seja a dignidade da pessoa humana, seja o
direito à liberdade, seja o direito à saúde, não impedem o acolhimento no
ordenamento jurídico da internação compulsória; ao contrário, acabam por
fundamentar tal medida e, assim, fazer com que tal acolhida se dê de maneira
harmônica e constitucional.

95
PANSIERI, Flávio. Liberdade no pensamento ocidental, A. Enciclopédia jurídica da PUC-SP.
Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo:
Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André
Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.
Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/114/edicao-1/liberdade-no-pensamento-
ocidental,-a.
49

5 CONCLUSÃO

Por tudo o que aqui fora exposto, pode-se afirmar que a internação
compulsória é instrumento manifestamente constitucional.
As alegadas violações à dignidade da pessoa humana são baseada em
interpretações equivocadas e limitadas do referido conceito. Igualmente, a noção de
que o direito à liberdade possa, pura e simplesmente, fundamentar a exposição do
indivíduo à inaudita degradação causada pelas drogas é uma ideia absolutamente
incorreta.
A defensa da inconstitucionalidade da internação compulsória, destarte, é
equivocada. E Isso por duas razões principais.
A primeira é a de que o indivíduo dependente químico não pode ser
isolado do contexto sociológico, econômico e histórico em que está inserindo. Desse
modo, o apelo ao direito à liberdade já se mostra equivocado, dado que a liberdade,
por mais que se reconheça a autonomia do indivíduo, nunca se dá em um vácuo
contextual; na verdade, o dependente químico sempre está em relação com outro,
sejam familiares, sejam amigos. Desse modo, os danos causados por uma pretensa
liberdade ilimitada não se coadunam com a intenção do constituinte que, por certo,
estava ciente do que aqui se diz acerca da limitação da liberdade.
A segunda, por outro lado, refere-se ao fato de que a dignidade humana,
uma vez entendida essa limitação ao direito à liberdade, tem de ser entendida como
meio de se preservar o usuário de drogas dependente químico do mau uso que faz
de sua liberdade.
Há ainda uma terceira razão: o direito à saúde, que preconiza o acesso
universal e igualitário, não pode ser, convenientemente, esquecido pelo poder
público em uma situação tão extrema quanto a dependência química. Daí que o
direito à saúde, quando acertadamente entendido, impõe que haja o tratamento do
usuário de drogas dependente químico, ainda que contra sua vontade, vez que é
dever do Poder Público dar a seus cidadãos uma saúde digna e apropriada.
Por tudo isso, já se observa que a internação compulsória, longe de violar
os preceitos constitucionais supracitados (dignidade da pessoa humana, saúde e
liberdade), na verdade, faz com que eles sejam garantidos na prática, de modo que
50

ao dependente químico sejam dados as garantias e direitos constitucionalmente


garantidos.
51

REFERÊNCIAS

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23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, 8.069, de 13 de julho
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52

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