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TOMO 3
PROCESSO CIVIL
COORDENAÇÃO DO TOMO 3
Cassio Scarpinella Bueno
Olavo de Oliveira Neto
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
PROCESSO CIVIL
DIRETOR
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
Pedro Paulo Teixeira Manus
DE SÃO PAULO
DIRETOR ADJUNTO
FACULDADE DE DIREITO Vidal Serrano Nunes Júnior
CONSELHO EDITORIAL
1.Direito - Enciclopédia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Alvaro. III. Freire,
André Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
PROCESSO CIVIL
INTRODUÇÃO
1
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado, pp. 29-30.
2
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PROCESSO CIVIL
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Ao tratar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, Arruda Alvim afirma que: “[g]arante-
se, por meio dele, em observância às garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/1988),
que aquele cujo patrimônio pode vir a ser atingido tenha a oportunidade de discutir em juízo se estão
presentes os requisitos que a lei coloca para que possa ocorrer a desconsideração” (Novo contencioso cível
no CPC/2015, p. 110).
3
Conforme já tivemos oportunidade de sustentar, a desconsideração da personalidade jurídica difere de
outros institutos jurídicos que importam no comprometimento do patrimônio pessoal do integrante da
pessoa jurídica em razão de obrigações desta (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da
personalidade jurídica: aspectos processuais, pp. 79-87). Assim, por exemplo, no caso de
redirecionamento da execução fiscal por força da incidência do art. 135, III, do Código Tributário Nacional,
que dispõe serem “pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias
resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos” os
“diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”, não há que se falar em
desconsideração da personalidade jurídica, pois a lei já atribui responsabilidade direta ao diretor, ao gerente
e ao representante da pessoa jurídica. Nesse sentido é o enunciado n. 53 da Escola Nacional de Formação
e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM): “[o] redirecionamento da execução fiscal para o sócio-
gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do
CPC/2015”. Na mesma linha é o enunciado n. 6 do Fórum de Execuções Fiscais da Segunda Região
(Forexec): “[a] responsabilidade tributária regulada no art. 135 do CTN não constitui hipótese de
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SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 2
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PROCESSO CIVIL
A pessoa jurídica tem patrimônio próprio que não se confunde com aquele que
pertence aos seus integrantes (sócios ou administradores). Os direitos e deveres da pessoa
jurídica propriamente dita e os dos seus membros também não se confundem. Isso pode
ser depreendido do art. 45 do CC que dispõe: “começa a existência legal das pessoas
jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo,
averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. Ou seja,
a pessoa jurídica tem uma autonomia patrimonial e também de direitos e obrigações em
relação aos seus membros.4
Ocorre que, em determinadas situações, a lei permite que esta autonomia da
pessoa jurídica em relação aos seus integrantes seja ignorada para a finalidade de se
estender os efeitos de determinadas obrigações para os seus membros. Isso significa
afirmar que é permitido por lei que, preenchidos determinados pressupostos, se
desconsidere a personalidade de determinada pessoa jurídica para alcançar o patrimônio
de seus integrantes.
Em geral, a desconsideração da personalidade jurídica é utilizada para se coibir
fraudes realizadas por meio da manipulação das regras que dão autonomia para as pessoas
jurídicas.5 Os atos que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica são atos
fraudulentos praticados pelos seus integrantes.6 Veja-se, a título ilustrativo, o exemplo do
4
Nesse sentido, Flávio Tartuce leciona que “diante da sua concepção como realidade técnica e orgânica,
a pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres na ordem civil, independentemente dos membros que a
compõem, com os quais não tem vínculo. Tal realidade pode ser retirada do art. 45 do Código Civil de
2002, ao dispor que começa a existência legal das pessoas jurídicas de Direito Privado com a inscrição do
ato constitutivo no respectivo registro. Fala-se em autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros,
o que constava expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916, dispositivo que não foi reproduzido pela
atual codificação, sem que isso traga qualquer conclusão diferente” (TARTUCE, Flávio. O novo CPC e o
direito civil: impactos, diálogos e interações, p. 65).
5
Olavo de Oliveira Neto ensina que “quando o sócio ou dirigente da pessoa jurídica pratica atos que
ofendem a legalidade, agindo de modo a cometer fraude em prejuízo de outrem, essa autonomia pode ser
desconsiderada e, por exceção, o patrimônio do sócio ou dirigente pode responder pelas dívidas da empresa”
(Curso de direito processual civil, p. 427).
6
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, “pela teoria da desconsideração, o juiz pode deixar de aplicar as regras de
separação patrimonial entre sociedade e sócios, ignorando a existência da pessoa jurídica num caso
concreto, porque é necessário coibir a fraude perpetrada graças à manipulação de tais regras. Não seria
possível a coibição se respeitada a autonomia da sociedade. Note-se, a decisão judicial que desconsidera a
personalidade jurídica da sociedade não desfaz o seu ato constitutivo, não o invalida, nem importa sua
dissolução. Trata, apenas e rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato. Quer dizer, a
constituição a pessoa jurídica não produz efeitos apenas no caso em julgamento, permanecendo válida e
inteiramente eficaz para todos os fins” (Curso de direito comercial, p. 40).
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Note-se que a confusão patrimonial não deixa de ser um ato fraudulento pois, se a pessoa jurídica foi
criada justamente para ter autonomia de patrimônio em relação aos seus integrantes, não faz sentido o sócio
ou administrador deixar de fazer esta distinção e utilizar o patrimônio da sociedade como se fosse próprio
e vice-versa. Nesse aspecto, aquele que faz esta confusão patrimonial, está fraudando o objetivo da lei que
era separar o patrimônio da pessoa jurídica daquele que pertence às pessoas que a integram.
8
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, p. 46.
9
Segundo Flávio Tartuce, esta distinção entre a teoria maior e a menor da desconsideração da personalidade
jurídica ainda se faz atual e necessária: “acreditamos que a aclamada divisão deve ser mantida na teoria e
na prática do Direito Privado, especialmente pelo seu claro intuito didático e metodológico. Em
complemento, a aplicação da teoria menor é a mais eficiente para a defesa dos interesses dos consumidores”
(O novo CPC e o direito civil, p. 72).
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separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus integrantes para que o abuso de
direito ou fraude sejam coibidos.10
Há, também, a desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso,
expressamente prevista atualmente pelo § 2º do art. 133 do CPC. Nesse caso, há o
afastamento do princípio da autonomia da pessoa jurídica para responsabilizar a
sociedade por obrigação do sócio. Ou, ainda, se traduz na possibilidade de responsabilizar
a pessoa jurídica por uma obrigação de um integrante seu (seja ele sócio ou
administrador).
Em razão do exposto até aqui, se for hipótese de desconsideração da
personalidade jurídica, nos moldes acima delineados, devem ser observadas as normas
relativas ao incidente de desconsideração da personalidade encontradas nos arts. 133 a
137 do CPC, analisadas a seguir.
10
SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais, pp. 78-
79.
11
Brasil. Congresso Nacional. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração do Anteprojeto de
Código de Processo Civil. Anteprojeto do código de processo civil. Brasília: Senado Federal, Presidência,
p. 15.
12
Segundo Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, “o objetivo foi eliminar a
extrema insegurança que vigia no sistema anterior em decorrência de desordenados redirecionamentos de
execuções e arbitrárias extensões da responsabilidade executiva a sujeitos diferentes do obrigado. Pelo que
dispõe o novo Código, extensões dessa ordem só serão admissíveis quando houver um prévio
pronunciamento judicial a respeito” (Teoria geral do novo processo civil, p. 163).
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das hipóteses que a autorizam, para que o juiz determine a citação daquele que sofrerá os
efeitos da decisão para se defender, requerendo inclusive a produção de provas. Somente
após observado tal procedimento o juiz estará autorizado a formar o seu convencimento
e proferir decisão interlocutória acolhendo ou rejeitando o pedido de desconsideração.
A necessidade da criação de um incidente cognitivo nos moldes acima
delineados para desconsiderar a personalidade jurídica já vinha sendo reclamada pela
doutrina13 como sendo o modo mais adequado para viabilizar a aplicação da disregard
doctrine aos processos em andamento, sem sacrificar o princípio do contraditório.
Trata-se, como se pode perceber, de uma espécie de intervenção de terceiros,
“pois se provoca o ingresso de terceiro em juízo – para o qual se busca dirigir a
responsabilidade patrimonial”.14 A disciplina processual da desconsideração da
personalidade jurídica realizada pelos arts. 133 a 137 do CPC permite que o patrimônio
de determinadas pessoas – à primeira vista estranhas ao processo – seja atingido,
configuradas determinadas hipóteses autorizadas por lei com a observância do
contraditório (CF, art. 5º, LV).
3. INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE
13
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, p. 1198; SOUZA, André
Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais, pp. 153-159; BRUSCHI,
Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica, pp. 105-108.
14
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, p. 521.
15
Em sentido contrário, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero e Sérgio Cruz Arenhart sustentam que
“nada impede, porém, que o juiz dê início ao incidente também de ofício, sempre que o direito material não
exigir iniciativa da parte para essa desconsideração” (Novo código de processo civil comentado, p. 208).
Na mesma linha, Flávio Tartuce entende que a desconsideração da personalidade jurídica ex officio seria
possível em relações jurídicas envolvendo direito do consumidor e envolvendo direito ambiental e
envolvendo a Lei 12.846/2013, ou seja, casos de corrupção. Nesses ramos do direito, como haveria um
interesse público de importância superior ao das partes em conflito, o juiz estaria autorizado a aplicar de
ofício a desconsideração da personalidade jurídica (TARTUCE Flávio. O novo CPC e o direito civil:
impactos, diálogos e interações, pp. 77-78). Com o devido respeito, entendemos que a desconsideração da
personalidade jurídica envolve um novo pedido de tutela jurisdicional em face de alguém que não era parte
do processo e passará a ser com a instauração do incidente, porque contra ela passou-se a requerer a atuação
de uma vontade concreta da lei. Assim, não se pode admitir a desconsideração da personalidade jurídica
realizada de ofício pelo juiz, pois isso violaria o princípio da inércia da jurisdição consagrado pelo art. 2º
do CPC e a paridade de armas assegurada pelo art. 7º do CPC. Nesse sentido, Araken de Assis sustenta o
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seguinte: “Não é, pois, assunto confiado à iniciativa do órgão judiciário. A desconsideração escapa aos
poderes de direção material do juiz. Em outras palavras, não é lícito ao órgão judicial, na hipótese do art.
790, VII, redirecionar a pretensão a executar contra o sócio ao seu talante. O incidente envolve,
predominantemente, interesses patrimoniais. E quem tomar essa iniciativa assumirá os riscos financeiros
perante as pessoas arroladas na petição. De resto, a desconsideração da pessoa jurídica provoca a formação
de litisconsórcio facultativo passivo. Ao órgão judiciário é vedado, de ofício, a integrar terceiro à relação
processual, o que significa violar o princípio da demanda. Essas razões se mostram superiores à que baseia
no caráter excepcional da desconsideração o veto à atuação ex officio do juiz. É nula, por conseguinte, a
integração de terceiro ao processo, determinada ex officio pelo juiz, a guisa de desconsideração da
personalidade jurídica (Manual da execução, p. 307). No mesmo sentido: ALVIM, Arruda. Novo
contencioso cível no CPC/2015, p. 25; BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado,
p. 190.
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins Conceição; RIBEIRO, Leonardo
Ferres da Silva; TORRES DE MELLO, Rogerio Licastro. Primeiros comentários ao novo código de
processo civil: artigo por artigo, p. 254.
17
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno, p. 1198, sem os destaques.
No mesmo sentido, SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais, p. 154. Em sentido contrário: NEVES, Daniel Amorin Assumpção. Novo CPC: inovações,
alterações, supressões comentadas, pp. 143-144; ROQUE, André Vasconcelos. Teoria geral do processo:
comentários ao CPC de 2015 (parte geral), p. 438.
18
Como, aliás, já teve oportunidade de decidir o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julgado
assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Indeferimento da instauração de incidente de
desconsideração da personalidade jurídica. Ausência de demonstração dos pressupostos legais específicos
para a desconsideração, conforme art. 134, §4º do Código de Processo Civil. Negativa correta. Recurso
desprovido” (TJSP, Agravo de Instrumento 2258429-83.2016.8.26.0000, 38ª Câmara de Direito Privado,
rel. Des. Flávio Cunha da Silva, j. 08.03.2017).
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Uma vez instaurado o incidente, tal fato deverá ser imediatamente comunicado
ao distribuidor para as anotações devidas, nos termos do § 1º do art. 134 do CPC. Isso
porque houve pedido de tutela jurisdicional contra o integrante da pessoa jurídica, seja
ele sócio ou administrador.
Com a instauração do incidente, está formalizado o pedido de tutela jurisdicional
contra o patrimônio do sócio ou administrador da pessoa jurídica. Portanto, aquele que
potencialmente pode ser atingido por uma decisão de desconsideração da personalidade
jurídica passa a ser parte do processo e o distribuidor deve saber o quanto antes dessa
informação, para que responda corretamente aos pedidos de certidão do público em geral
sobre os processos e as partes envolvidas sob os seus cuidados.
Tanto é verdade que o sócio ou administrador da pessoa jurídica passam a ser
parte do processo em que é formulado o pedido de desconsideração que o art. 135 do CPC
determina a sua citação. Este ato processual, como é cediço, “é o ato processual de
comunicação pelo qual se convoca o réu (inclusive o executado) e interessado para
integrar o processo (art. 238, CPC)”.19
Logo, uma vez requerida a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e deferido o seu processamento pelo juiz, o distribuidor deve ser
comunicado de tal fato e deve ser expedido mandado de citação para o membro da pessoa
jurídica.
Por fim, cumpre observar que, no caso de instauração do incidente e
comunicação do ato ao cartório distribuidor, o processo principal deverá ser suspenso
enquanto tramita o incidente (CPC, art. 134, § 3º).
19
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, p. 615.
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CPC. Tanto a pessoa jurídica como o seu integrante (sócio ou administrador) deverão ser
citados para a demanda e devem se defender por meio de contestação.
Assim, na hipótese de o pedido de desconsideração da personalidade jurídica ser
formulado na petição inicial, haverá um litisconsórcio facultativo passivo inicial formado
entre a pessoa jurídica (sócio ou administrador) e o seu integrante, sem a necessidade de
suspensão do processo (CPC, art. 134, § 3º).20
É importante ter uma certa cautela com a aplicação do § 2º do art. 134, pois uma
interpretação literal poderia conduzir à falsa impressão de que estaria autorizado ao
exequente, em processo de execução fundada em título extrajudicial, incluir o sócio ou
administrador da sociedade no polo passivo da demanda executiva logo na petição inicial.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já permitiu a aplicação
combinada da parte final do caput do art. 134 com o seu § 2º em julgado assim ementado:
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – Execução de
título extrajudicial - R. despacho de não conhecimento – Pedido formulado na
petição inicial – Possibilidade – Desnecessidade de suscitar a matéria por meio
de incidente – Exegese do art. 134, § 2º do NCPC – Necessidade de
observação do contraditório - Recurso provido” (TJSP, Agravo de
Instrumento 2051398-59.2017.8.26.0000, 38ª Câmara de Direito Privado, rel.
Des. Achile Alesina, j. 19.04.2017).
Com o devido respeito, a inserção de um réu na petição inicial do polo passivo
de um processo de conhecimento é diferente da inserção de um executado na exordial de
uma execução fundada em título extrajudicial. Apenas para ilustrar o quão distintas são
as situações de cada um, basta imaginar que o réu do processo de conhecimento é citado
para comparecimento na audiência de conciliação ou mediação ou, se a demanda não
versar sore direitos que permitam a autocomposição, para contestar (CPC, art. 334). Já o
executado no processo de execução é citado para pagamento no prazo de 3 (três) dias,
sob pena de penhora (CPC, art. 829). Ademais, o simples fato de a execução ter sido
recebida pelo juiz já possibilita a expedição de certidões a serem averbadas no patrimônio
do executado sujeito a registro (CPC, art. 828).
20
Para ver este e outros exemplos de pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado na
petição inicial, ver SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais, pp. 127-130.
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6. PROCEDIMENTO DO INCIDENTE
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SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais, pp. 137-
148.
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fizer parte do incidente, ela deve opor os embargos de terceiro previstos nos arts. 674 e
seguintes do CPC para desconstituir a constrição.22
Como já asseverado, após instaurado o incidente e suspenso o processo principal
(CPC, art. 134, § 3º), tal acontecimento deve ser imediatamente comunicado ao
distribuidor para as devidas anotações (CPC, art. 134, § 1º), pois deve ser dada ampla
publicidade ao fato de que o processo tem novos integrantes e novas partes.
Assim, busca-se proteger os terceiros de boa-fé que até então desconheciam o
fato de que o integrante da pessoa jurídica (sócio ou administrador) ou a própria pessoa
jurídica (no caso da desconsideração em sentido inverso) são partes em um processo
judicial em que se busca realizar uma constrição em seu patrimônio e a alienação de seus
bens.
Após a citação daqueles que serão atingidos pela desconsideração da
personalidade jurídica, eles devem, no prazo de 15 (quinze) dias, se manifestar no
processo apresentando a sua defesa e também requerendo a produção das provas que
entenderem cabíveis. Tal manifestação tem a natureza de contestação ao pedido
formulado no incidente. Depois de analisada tal manifestação e de produzidas todas as
provas cabíveis, o incidente será resolvido por meio de decisão interlocutória.
22
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery sustentam que “caso tenha ocorrido penhora de bem de
sócio ou administrador, como se fosse bem da sociedade, o meio processual correto para a discussão da
questão são os embargos de terceiro. Não cabe manifestação simples do prejudicado, como se estivesse
inserido neste procedimento do CPC 133 a 137” (Comentários ao código de processo civil, p. 575).
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seja proferida em fase recursal, pelo relator do recurso, caberá agravo interno, conforme
prevê o parágrafo único do art. 136 e também o caput do art. 1.021, ambos do CPC.
Se, eventualmente, o juiz decidir o incidente por meio de sentença, caberá
apelação para impugnar tal decisão, nos termos do art. 1.009 do CPC.
Cumpre notar que a pessoa jurídica não tem legitimidade para interpor recurso
no interesse do sócio, ou seja, para impugnar a decisão que desconsiderou a personalidade
jurídica, pois ela se beneficiou da referida decisão, ao ter os efeitos de uma obrigação que
originariamente era sua direcionados para o sócio. Neste sentido há o Recurso Especial
Repetitivo 1.347.627/SP, assim ementado: “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DO
DEVEDOR. A pessoa jurídica não tem legitimidade para interpor recurso no interesse do
sócio. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime 543-C do CPC e da
Resolução STJ 8/2008” (STJ, 1ª Seção, rel. Min. Ari Pargendler, j. 09.10.2013, DJe
21.10.2013).
Vale observar, ainda, que a decisão que rejeita o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica deve condenar o vencido ao pagamento de honorários
advocatícios, apesar do silêncio da lei.
É fato que o art. 85, § 1º, do CPC estabelece hipóteses em que é cabível a
condenação ao pagamento de honorários advocatícios e não menciona o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica. Tal dispositivo, após fixar que “a sentença
condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” (CPC, art. 85, caput),
menciona que “são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de
sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos
interpostos, cumulativamente” (CPC, art. 85, § 1º).
Todavia, isso não é o suficiente para afirmar que esse rol do § 1º do art. 85 do
CPC seria taxativo, pois a própria lei processual estabelece em outras passagens a
possibilidade de se condenar alguém ao pagamento de honorários advocatícios
sucumbenciais.
Confira-se, a título de exemplo, a hipótese do parágrafo único do art. 129 do
CPC, que trata da denunciação da lide: “se o denunciante for vencedor, a ação de
denunciação não terá o seu pedido examinado, sem prejuízo da condenação do
denunciante ao pagamento das verbas de sucumbência em favor do denunciado”. Nessa
situação, fica claro que o sistema processual permite, em hipóteses nas quais ocorra o
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LIMA, Thiago Asfor Rocha; RATTACASO, Marcus Claudius Saboia. Honorários advocatícios
parciais: muito além da interpretação literal do art. 85 do Novo CPC, p. 347 (os destaques são da
transcrição).
24
Já tivemos a oportunidade de demonstrar que aquele que é atingido por uma decisão de desconsideração
da personalidade jurídica deve ser considerado parte no processo e não terceiro. (SOUZA, André Pagani
de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais, pp. 118-148).
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SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais, p. 188.
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VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza,
procedimentos e temas polêmicos, p. 183.
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Há situações em que não se pode aguardar a citação daqueles que devem ser
atingidos pela decisão que acolhe o pedido de desconsideração da personalidade jurídica,
sob pena de se frustrar o resultado útil do processo. Em outras palavras, após a instauração
do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o art. 135 do CPC determina
que o integrante da pessoa jurídica deve ser citado para manifestação e requerimento de
provas no prazo de 15 (quinze) dias, o que pode envolver o risco de haver desvio ou
ocultação de bens por parte de sócios, administradores e pessoas jurídicas que podem ter
seu patrimônio constrito.
Nessas hipóteses, deve ser formulado o pedido de instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica e, concomitantemente, o pedido de concessão
de tutela provisória de urgência previsto pelos arts. 300 e seguintes do CPC. Isso permite
que o incidente seja instaurado, a tutela provisória de urgência para assegurar o resultado
útil do processo seja concedida e, depois, que seja realizada a citação das pessoas
indicadas pelo autor do pedido incidente.
Nesse sentido é o magistério de Fredie Didier Jr., para quem “aplica-se ao
incidente de desconsideração da personalidade jurídica o regime da tutela provisória da
27
Nesse sentido é o comentário de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery sobre o art. 137 do CPC:
“A intenção do dispositivo é punir a conduta do sócio ou administrador que aliena bens no curso do
incidente de desconsideração. Todavia, parece mais correto considerar que a ineficácia da alienação ou
oneração de bens ocorrida nessa situação incida apenas caso ocorram após a citação do sócio ou
administrador para responder aos ternos do incidente, ou após algum fato que dê a entender que tais pessoas
tinham ciência da instauração” (Comentários ao código de processo civil, p. 575). No mesmo sentido é a
posição de José Miguel Garcia Medina, para quem “a citação referida no § 3º do art. 792 é aquela prevista
no art. 135 do CPC/2015: citado o sócio ou a pessoa jurídica para manifestar-se sobre o pedido de
desconsideração, o ato de alienação ou oneração de bens poderá ser considerado em fraude à execução,
observadas as demais condições previstas no art. 792 do CPC/2015” (Novo código de processo civil
comentado, p. 1.122-1.123). Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real
Amadeo entendem que o momento a ser adotado como marco inicial para se considerar a alienação ou
oneração de bens como fraude à execução seria o da anotação do nome do sócio no cartório distribuidor
(Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no código de processo civil de 2015,
p. 178, sem os destaques).
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urgência. Pode-se, então, pedir a antecipação dos efeitos da desconsideração, uma vez
preenchidos os pressupostos gerais da tutela de urgência (arts. 300 e ss., CPC)”.28
Evidentemente, melhor seria que o legislador já tivesse previsto esta hipótese de
urgência ao disciplinar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Porém,
a falta de sua previsão ao lado dos arts. 133 a 137 do CPC não prejudica uma interpretação
sistemática e a combinação destes dispositivos com os dispositivos aplicáveis à tutela
provisória de urgência (arts. 300 e seguintes do CPC), adotando-se a solução acima
delineada para os casos em que há comprovado risco de comprometimento do resultado
útil do processo com a simples citação a que se refere o art. 135 do CPC. É esta a
interpretação que dá maior rendimento ao disposto no art. 5º, XXXV, da CF (“a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito”).
REFERÊNCIAS
ALVIM, Arruda. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas
Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de
processo civil: anteprojeto. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010.
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. 3. ed. São
Paulo: 2017.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2006. Volume 2.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 18ª ed. Salvador:
JusPodvm, 2016. Volume 1.
28
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, p. 528.
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PROCESSO CIVIL
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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP
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