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Vol. 4
Organizadores
Coordenadores
DIREITO AMBIENTAL I
2014 Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
D597
Direito ambienta I
Nossos Contatos Coleção Conpedi/Unicuritiba.
Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano
São Paulo Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira
Rua José Bonifácio, n. 209, / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.
Coordenadores : Norma Sueli Padilha /Celso Antonio
cj. 603, Centro, São Paulo – SP Pacheco Fiorillo/ Livia Gaigher Bosio Campello.
CEP: 01.003-001 Título independente - Curitiba - PR . : vol.4 - 1ª ed.
Clássica Editora, 2014.
538p. :
Acesse: www. editoraclassica.com.br
ISBN 978-85-99651-92-6
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I. Título.
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EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira Luiz Eduardo Gunther
Alexandre Walmott Borges Luisa Moura
Daniel Ferreira Mara Darcanchy
Elizabeth Accioly Massako Shirai
Everton Gonçalves Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Fernando Knoerr Nilson Araújo de Souza
Francisco Cardozo de Oliveira Norma Padilha
Francisval Mendes Paulo Ricardo Opuszka
Ilton Garcia da Costa Roberto Genofre
Ivan Motta Salim Reis
Ivo Dantas Valesca Raizer Borges Moschen
Jonathan Barros Vita Vanessa Caporlingua
José Edmilson Lima Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Juliana Cristina Busnardo de Araujo Vladmir Silveira
Lafayete Pozzoli Wagner Ginotti
Leonardo Rabelo Wagner Menezes
Lívia Gaigher Bósio Campello Willians Franklin Lira dos Santos
Lucimeiry Galvão
Equipe Editorial
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Capa: Editora Clássica
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA
Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
MEMBROS DA DIRETORIA
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)
Colaboradores
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade
Graduanda em Ciências da Computação – UFSC
Diagramador
Marcus Souza Rodrigues
Sumário
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................ 15
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 22
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 38
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 41
CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 58
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 59
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 63
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 75
O PROJETO DE ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO: PROJEÇÕES E IMPLICAÇÕES NA ORDEM
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA (Rafaela Emilia Bortolini e Patryck de Araújo Ayala) ............................... 78
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 79
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 97
A RELAÇÃO RETÓRICA ENTRE O BEM DA VIDA AMBIENTAL E O INTERESSE DIFUSO ............................... 125
PROJETO GENOMA HUMANO: LIMITES ÉTICOS E JURÍDICOS QUE CERCAM A SUA MANIPULAÇÃO
E AS INTERVENÇÕES NO MEIO AMBIENTE – RISCO DE EUGENISMO E COISIFICAÇÃO DO CORPO
HUMANO SOB O PARADIGMA DO ESTADO SOCIOAMBIENTAL ............................................................. 174
UMA PEGADA ECOLÓGICA E A INCLUSÃO COMO UM DIREITO DEVER FUNDAMENTAL .......................... 186
A IMPORTÂNCIA DO BIOMA MATA ATLÂNTICA E SEU QUADRO GERAL DE DEVASTAÇÃO ....................... 246
REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE DIREITO (Luciana Monduzzi Figueiredo) ..... 290
PROCESSO ADMINISTRATIVO E CONSTITUIÇÃO DE MULTAS AMBIENTAIS (Luiz Gustavo Levate) ..... 414
Caríssimo(a) Associado(a),
O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.
Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-
nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores
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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.
Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.
O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.
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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.
Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.
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Apresentação
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Patrícia Dittrich Ferreira Diniz e Regina Maria Bueno Bacellar são autores do artigo “A
sadia qualidade de vida como fator preponderante para a proteção da dignidade da vida
humana é capaz de prevalecer ante a discriminação por idade em razão da revolução da
informática?” no qual apresenta a defesa da sadia qualidade de vida e a preservação do
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princípio da dignidade dos trabalhadores não jovens, sem vivência tecnológica, no meio
ambiente do trabalho impactado pela Revolução da Informática.
Guilherme Martins Teixeira Borges, por sua vez, aborda o “Confisco de terras:
considerações acerca de sua atual configuração no Direito Agroambiental brasileiro”, partindo
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da análise do artigo 243 da Constituição Federal brasileira de 1988, que consolidou a perda da
propriedade rural em favor do Poder Público, sem possibilidade de indenização. Diante desta
inovação constitucional, o autor apresenta uma releitura do instituto do confisco de terras em
relação ao direito fundamental de propriedade e ao direito social de acesso à terra.
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Daiane Ayumi Kassada e Érika Mendes de Carvalho buscam uma compreensão dos
crimes de acumulação em face da poluição ambiental em artigo intitulado “Infrações por
acumulação e poluição ambiental: desafios e perspectivas da tutela penal”. Nesse passo,
oferecem a técnica do reenvio à normativa administrativa ambiental como uma ferramenta apta
a reforçar o objetivo da conduta nos delitos de poluição quando tratarem-se de crimes de
acumulação.
Por sua vez, Luiz Gustavo Levate estuda o “Processo administrativo e constituição de
multas ambientais” focado nos direitos e garantias processuais fundamentais do cidadão na
constituição de multas ambientais como medida realizadora do Estado Democrático de Direito,
defende a necessidade de processo administrativo previsto em lei formal e não por meio de
Decreto.
“Foie gras: uma visão analítica do Código de Saúde e Segurança da Califórnia (Estados
Unidos da América) frente à silente legislação brasileira” é o trabalho de Pedro Arruda Junior e
Kiwonghi Bizawu os quais demonstram legítima preocupação com lacunas legislativas que
permitem que a iguaria conduza a maus-tratos de aves como os patos e gansos.
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Sem dúvida, esta obra fornece instrumentos para que pesquisadores e aplicadores do
direito compreendam a dimensão do Direito Ambiental, disseminando, assim, as bases para
que se atinja uma perfeita conjugação entre os planos individual e social na construção de uma
sociedade mais justa e protetora do meio ambiente.
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Abstract: Abstract: The Federal Constitution of 1988 has different principles with the same
intent of providing quality of life for the population, one of them is the environment that is
linked to the Environment Chapter, the other principle is health that is based on the Health
Section of Chapter II. This proximity as to the intent of Proposition quality of life raises a
question, which is: it is possible identify equivalence between the principles of environment
and health as the intention to propose quality of life? Thus, the general objective of this study
is to identify in the Brazilian Federal Constitution of 1988 is the Constitutional principles of
Environment and Health oversee quality of life for the population. So will be identified the
term Environment and Health in CF/88 and analyzed the possibility of equivalence
proposition on the goal of quality of life for the population. This equivalence becomes
perceptible in reading the articles 200 and 225 of CF/88 when you can understand that is
objective of ecologically balanced environment and health collaborate in the protection of the
environment as the proposition of quality of life for the Brazilian population.
Keywords: Principles; Constitutional Principles ; Environment ; Health; Quality of Life;
Population; Federal Constitution; Equivalence.
1
Mestre em Engenharia Ambiental pela Universidade de Blumenau – FURB. Especialista em Direito Ambiental
pela Fundação Boiteux – UFSC. Doutorando pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.
Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Professor da Fundação
Universidade de Blumenau – FURB e do SENAI/Blumenau. Advogado. nicolau@scambiental.com.br
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INTRODUÇÃO
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Espera-se que o resultado final deste artigo possa ser utilizado para aproximar as
políticas públicas de meio ambiente e de saúde de forma a possibilitar a atuação conjunta
entre estas, com o objetivo supremo de melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.
1 PRINCÍPIOS NO DIREITO
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Estas regras, segundo Robert Alexy (2011, p.91), são normas que sempre são
satisfeitas ou insatisfeitas; possuem validade e assim devem ser cumprir exatamente como ela
exige, nem mais, nem menos. Estas regras contêm determinações “daquilo que é fática e
juridicamente possível”.
Já o conceito de princípio, para Robert Alexy (2011, p.90), é: “normas que ordenam
que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes”; são “mandamentos de otimização” que podem ser satisfeitos em graus variados
que não dependem apenas das “possibilidades fáticas, mas também das possibilidades
jurídicas”.
Do conceito de Alexy é possível perceber que a regra deve ser cumprida totalmente
ou descumprida, não existindo a possibilidade de ser respeitada em parte ou em graus, como
acontece com o princípio dentre as possibilidades jurídicas e fáticas existentes.
Já Canotilho (1995, p.534) conceitua princípios como sendo as “normas que exigem
a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e
jurídicas”. Para este autor, os princípios “não proíbem, permitem ou exigem algo em termos
de «tudo ou nada»”; ao contrário, os princípios “impõem a optimização de um direito ou de
um bem jurídico”.
Na mesma linha, José Afonso da Silva (2011, p.92), citando Gomes Canotilho e Vital
Moreira, afirma que os “princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de
normas, são ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens Constitucionais”.
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nom du droit’: c’est le nom caractérisant les traits essentiels d’une instituition
juridique; e) ‘Principe-construction du droit’: c’est la construction du législateur
rationnel ou parfait, presupposée dans l’élaboration dogmatique du droit ou dans
l’application et l’interprétation juridique.2
2
“a) ‘Princípio de direito positivo’ é a norma explicitamente formulada no texto do direito positivo, ou seja, uma
disposição legal ou de uma norma construída a partir de elementos contidos nessas disposições; b) ‘princípio
implícito de direito’: é uma regra como uma premissa ou consequência das disposições legais ou de normas; c )
'Princípio extra sistêmico do direito': é uma regra tratada como princípio, mas que não é nem princípio positivo
do direito, nem princípio implícito do direito; d) ‘Princípio nome do direito’: é o nome que caracteriza as
características essenciais de uma Instituição jurídica; e) "Princípio de construção de direito": é a construção de
um legislador racional ou perfeito, pressupõe uma elaboração dogmática do direito ou na aplicação e
interpretação jurídica" (Tradução nossa).
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Este capítulo irá analisar o corpo do texto legal da Constituição Federal de 1988 com
a intenção de encontrar e destacar referências aos termos meio ambiente, saúde, vida e
qualidade de vida de forma que seja possível identificar e listar as passagens legais que
tenham sido citadas na CF/88. Para tanto foi feito leitura da CF/88 destacando as passagens
dos termos e relacionado-as em tópicos individuais para cada um dos termos objeto desta
pesquisa.
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não deve ser analisado apenas com o foco de proteção dos espaços naturais, mas sim como
espaço onde o homem está inserido e dele demanda qualidade para poder ter vida em seus
diferentes espaços sociais, coletivos e mesmo o do trabalho.
Estas relações entre qualidade de vida e em especial a saúde do homem denotam a
possibilidade de identificar relações entre os princípios do meio ambiente e da saúde, pois
possuem objetivos em comum, quais sejam: a qualidade de vida por meio de saúde e meio
ambiente saudável.
Desta afirmação, passasse a analisar a Constituição Federal de 1988 para que sejam
extraídos do seu texto quais são as percepções possíveis de serem ofertadas ao termo Meio
Ambiente.
De início, no artigo 5º da CF/88, que define os direitos e garantias individuais e
coletivas, o termo meio ambiente é apresentado associado a um remédio jurídico, Ação
Popular, que oferta a qualquer cidadão a proposição de ação que tenha como objeto anular ato
lesivo ao meio ambiente.
Os artigos 23 e 24 da CF/88 distribuem competências para atuação quanto ao meio
ambiente entre seus entes federados. O artigo 23 no inciso VI define que é “competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” proteger o meio
ambiente. Já o artigo 24, VI e VIII definem que é competência da União, dos Estados e do
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “proteção do meio ambiente” e
“responsabilidade por dano ao meio ambiente”.
O meio ambiente também é objeto de tutela no capítulo que trata dos Princípios
Gerais da Atividade Econômica, que tem como fundamento a valorização do trabalho humano
por intermédio da “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação (Art. 170, VI da CF/88)” ou mesmo pela proteção do meio ambiente em atividade
garimpeira. (Art. 174, § 3º da CF/88).
A CF/88 ainda define a função social da propriedade rural limitando o conceito de
propriedade quando determina que os recursos naturais disponíveis devam ser utilizados de
forma adequada havendo preservação do meio ambiente. (Art. 186, II CF/88).
Os capítulos da Saúde e da Comunicação Social, por sua vez, determinam que o
meio ambiente seja visto como objeto a ser defendido e preservado. O artigo 200, VIII da
CF/88 vai mais além e estende o conceito de meio ambiente para aquele compreendido como
o meio ambiente do trabalho, como sendo aquele espaço de realização de labor e que também
deve ser preservado a fim de proteger a integridade do trabalhador.
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3
“Saúde é um estado de completo desenvolvimento físico, mental e social, e não meramente a ausência de
doença ou enfermidade." (Tradução nossa).
4
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.
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isso bem claro quando garante a saúde como direito de todos e dever do Estado que deve
garantir, por intermédio de políticas sociais e econômicas, “à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.
O termo saúde é visto por toda a CF/88. É adotado dentre os textos que garantem os
Direitos Sociais, a Seguridade Social, a Educação, a Cultura, o Desporto e a Comunicação
Social. Possui seção específica no Título Da Ordem Social, no Capítulo da Seguridade Social.
Como o foco deste artigo é perceber equivalências entre os princípios de saúde e
meio ambiente, a seguir são expostos os termos saúde identificados nos artigos da CF/88.
Assim, o primeiro artigo a ser analisado é o artigo 6º da CF/88 que garante a vida
como Direito Social, já o artigo 7º da CF/88 traz a garantia à saúde do trabalhador em seu
meio ambiente do trabalho. Os artigos 23, 24 e 30 definem as competências dos entes
Federados quanto a matéria saúde. O primeiro define como “competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” o cuidado com a saúde das pessoas
portadoras de deficiência. O artigo 24 da CF/88 define a competência concorrente legislativa
da União, dos Estados e do Distrito Federal sobre proteção e defesa da saúde. O artigo 30
determina a competência aos Municípios para prestar os “serviços de atendimento à saúde da
população”.
O artigo 227 da CF/88, por sua vez, determina como dever da “família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem” o direito à vida, saúde,
alimentação, educação, lazer, dentre outras garantias.
Já os artigos 196 a 200, estruturam a seção da Saúde na CF/88, de onde é possível
identificar a estruturação da saúde em um sistema único com diretrizes específicas. A CF/88
garante que a saúde é direito de todos e obrigação do Estado. Para tanto deve o Estado, dentre
outras atribuições, executar políticas e ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Também são obrigações, definidas no artigo 200, I e II da CF/88 a execução de
“ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”, como
também “controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde”.
Em especial, destaca-se a competência definida ao Sistema Único de Saúde, no
artigo 200, VIII da CF/88, de colaborar na proteção do meio ambiente e do meio ambiente do
trabalho. Neste inciso percebesse a ligação entre a necessidade de proteção do meio ambiente
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Os recursos hídricos são essenciais para a satisfação das atividades humanas, tanto
as básicas como aquelas vinculadas à saúde, à produção de energia e alimentos,
assim com à preservação dos ecossistemas e do desenvolvimento econômico em
todas as suas fases: social, política, etc. (GRANZIERA; DALLARI, In: PHILIPPI
Jr; ALVES, 2005, p.613).
O recurso natural, água, neste caso, é essencial para as atividades humanas. Sem o
recurso natural água, a execução de práticas como cultivo de alimentos, geração de energia,
ou mesmo o próprio desenvolvimento econômico não existiriam. Estes demandam de recurso
natural em quantidade e em qualidade, pois os sistemas econômicos dependem direta e
indiretamente da água em todos os seus sistemas de produção, a falta dele em qualidade ou
em quantidade pode afetar diretamente o sistema econômico. Como também é possível
afirmar que a falta da água em qualidade afeta diretamente a população pela possibilidade de
veiculação hídrica de doenças, em especial nas regiões onde não existe tratamento da água
para o consumo humano.
Os mesmos autores reforçam a ideia de que “o desenvolvimento econômico deve,
necessariamente, incluir a proteção do meio ambiente, em todas as suas ações e atividades,
para garantir a permanecia do equilíbrio ecológico e da qualidade da vida humana” daqueles
que vivem hoje e daqueles que ainda estão por viver. “Não se pode pensar em qualidade de
vida humana que não preveja a proteção a saúde.” (GRANZIERA; DALLARI, In: PHILIPPI
Jr; ALVES, 2005, p.614).
Assim é plausível afirmar que a população utiliza “os recursos naturais para atender
às suas necessidades de sobrevivência, desenvolvimento, qualidade de vida e mesmo de
saúde” (GRANZIERA; DALLARI, In: PHILIPPI Jr; ALVES, 2005, p.614). Esta afirmação
vem de encontro com a intenção de identificar a equivalência entre os termos meio ambiente e
saúde como princípios constitucionais, pois a qualidade de vida e a saúde estão diretamente
relacionadas com a necessidade de sobrevivência e desenvolvimento pelo uso dos recursos
naturais.
Deste modo é possível notar a relação entre o uso dos recursos e a necessidade de
proteção destes para que permaneçam disponíveis para as presentes e futuras gerações, sendo
esta é a base do conceito de Desenvolvimento Sustentável. Esta “noção de desenvolvimento
sustentável não dissocia a proteção ambiental da saúde, pois, ao ter como foco as futuras
gerações, fica implícita a necessidade de manutenção da saúde.” (GRANZIERA; DALLARI,
In: PHILIPPI Jr; ALVES, 2005, p.614).
Esta relação entre o princípio do meio ambiente e da saúde é perceptível na
Constituição Federal/88 nos artigos 200 e 225 o que admite identificar sua correspondência
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5
“Há por parte dos cidadãos a necessidade de viver em um ambiente saudável e protetor dos equilíbrios
naturais” (Tradução nossa).
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consciência de que o direito à vida “é que há de orientar todas as formas de atuação no campo
da tutela do meio ambiente” como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem
é extraído da CF/88. (SILVA, 2011, p.851).
A relação identificada entre os princípios meio ambiente e saúde extraídos da CF/88,
compreendidos como qualidade do ambiente ou ambiente com qualidade, é um “valor
preponderante, que há de estar acima de quaisquer consideração como as de desenvolvimento,
como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada.” (SILVA, 2011,
p.851).
Apesar destas garantias; desenvolvimento, direito de propriedade e iniciativa
privada; também estarem em evidência na CF/88, mas não podem primar sobre o direito
fundamental vida, “que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio
ambiente, que é instrumental no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um
valor maior: qualidade da vida humana.” (SILVA, 2011, p.851).
Da mesma forma, que é possível identificar esta relação entre os princípios do meio
ambiente e da saúde como princípios constitucionais, é possível identificar relação dentre leis
infraconstitucionais que estruturam o ordenamento jurídico brasileiro, dentre as quais, pode-se
destacar a Política Nacional do Meio Ambiente - Lei nº 6.938/81, Lei da Saúde - Lei nº
8.080/90, Política Nacional de Recursos Hídricos - Lei nº 9.433/97, Política Nacional de
Saneamento Básico - Lei nº 11.445/07, Política Nacional de Resíduos Sólidos - Lei nº
12.305/10, dentre outras que procuram tutelar o meio ambiente e a saúde de forma a propor
resguardo a qualidade de vida das pessoas, seja por meio de proposições da proteção e
recuperação do meio ambiente ou por projetos e programas de proteção da saúde das pessoas
e do meio ambiente.
Deste mapeamento rápido, sem a intenção de apontar todas as leis ou normas sobre o
assunto, é possível perceber que o direito brasileiro proporciona diferentes instrumentos e
ferramentas para que a “Administração Pública, na condução de duas finalidades, possa
promover a convergência desses temas, que devem ser conjuntamente considerados, na
tomada de decisões, seja sobre saúde, seja sobre o ambiente”, devidamente apoiado em
princípios e bases constitucionais. (GRANZIERA; DALLARI, In: PHILIPPI Jr; ALVES,
2005, p.641).
Neste momento, há que resaltar que a lei sozinha não faz milagre, desta estrutura
legal denota-se a necessidade de construir sistemas de gestão que possam colocar em prática
os conceitos extraídos do mundo jurídico para o mundo real. “Nesse sentido, embora a
regulamentação tanto da lei ambiental como da lei sobre saúde já esteja muito avançada, nota-
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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protegido.
Espera-se que o resultado final deste artigo possa ser utilizado para aproximar as
políticas públicas de meio ambiente e de saúde de forma a possibilitar a atuação conjunta
entre estas, com o objetivo supremo de melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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Abstract: It’s known that poverty is a big global environmental problem, and the economic
growth is important to eliminate or reduce it. In spite of the need for environmental protection
and the science the human intervention is the main problem of nature’s pollution, the world
has more than 7 billion people and all these people have to eat. The agricultural production is
on of the basis that supports life. Considering the need to harmonize the agricultural
production to the preservation of the nature resources, also fundamental to life, from the 70ths
the world turned their attention for reformulation of the productive process, so that the
production and economic growth do not compromise the ecologic balanced environment. In
Brazil it wasn’t otherwise. In the 80ths, the process to do the Federal Constitution listed out as
a fundamental of human rights both the ecologically balanced environment and the
individual’s rights to the private property. Given the systematic constitutional coexistence
between individual and collective rights, is that it points out the principle of prohibition of
excessive rules limiting fundamental rights, in order to guarantee that the protection of
collective rights don’t compromise the individual rights.
Key words: Prohibition of excess; Fundamental human rights; Property; Environment.
Mestrando em direito pela Universidade de Marília – UNIMAR; Especialista em direito público pela
Universidade Potiguar – UNP; Advogado e Consultor Jurídico na área de Direito Empresarial.
40
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1. Introdução
O presente trabalho objetiva inserir o princípio constitucional da proibição de
excesso às normas limitadoras de direito fundamental no direito ambiental, alertando o
intérprete para o fato de que o ordenamento jurídico brasileiro é sistemático e, portanto,
constitucionalmente imposta a coexistência entre direitos individuais e coletivos.
Inexoravelmente, a proteção de um não pode importar no desaparecimento do outro, ou seja,
direitos individuais e coletivos devem coexistir, sem excessos de nenhuma das partes. Trata-
se de um trabalho científico elaborado através do método dedutivo dialético sistêmico,
valendo-se também de dados empíricos, no intuito de demonstrar, a partir do sistema jurídico
vigente, que a proibição de excesso é um instrumento fundamental à conciliação entre
preservação ambiental e proteção ao direito individual de propriedade.
Desde a grande Revolução Francesa que o ser humano luta por direitos individuais
oponíveis à repressão estatal. Da conquista burguesa ao seu declínio, assentou-se, tanto na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, como no Código Napoleônico, o direito de
propriedade como sagrado e absoluto.
Tal concepção, entretanto, se mostrou perigosa, e deu ensejo às revolução dos
séculos XIX e XX, sobretudo a Industrial e Russa. A Revolução Russa, entretanto, incidiu no
mesmo erro da burguesia e, privilegiando uma só classe mostrou-se mais perniciosa à
liberdade humana do que o capitalismo selvagem que se propusera abolir.
No campo intermediário entre o liberalismo e o socialismo surge o Estado Social,
que pautado na democracia de Rousseau ressalta os direitos de segunda e terceira geração,
quais sejam, os de igualdade e fraternidade. O modelo de Estado Social foi adotado pelo
constituinte nacional que, renovando o sistema capitalista incorporou aos direitos individuais
uma função social. A função social da propriedade reclama a promoção do bem estar e
preservação ambiental (Arts. 182 e 186, ambos da Constituição Federal).
O bem estar da população está estritamente ligado à preservação do meio ambiente
ecológicamente equilibrado. O equilíbrio climático, o regime de chuvas, a qualidade do solo e
do ar estão todos vinculados ao meio ambiente ecológicamente equilibrado. Em relação ao ar,
“a floresta desempenha o papel de um armazém gigante de carbono, por retirar tal gás da
atmosfera, liberando o oxigênio” 1, através da fotossíntese. É essencial também ao equilíbrio
climático e regime de chuvas, “[...] tanto que na Amazônia a metade da chuva que cai sobre a
vegetação é gerada pela própria floresta” 2.
1
NETO, A.J. de M. Estado de Direito Agroambiental Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2010. P. 31.
2
Op. cit.
41
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2001, p. 2. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-
Nosso-Futuro-Comum-Em-Portugues. Acesso em 01 dez. 2012.
4
NETO, R.B. Seca moderada foi suficiente para levar os maias ao colapso. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1052840-seca-moderada-foi-suficiente-para-levar-os-maias-ao-
colapso.shtml. Acesso em 20 mar. 2013.
5
ALCÂNTARA, A. O desafio de ser grande, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril,
Dezembro de 2010.
6
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2ª ed., Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2001, p. 3, in: http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-
Futuro-Comum-Em-Portugues. Acesso em 01 dez. 2012.
7
Op. Cit. p. 1.
42
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
inóspito, elevados gastos com saúde pública e, elevada taxa de mortalidade. Urlich Beck
desde 1986 chamava atenção às desigualdades internacionais ocasionadas pela globalização,
ante a transferência das indústrias químicas aos países de terceiro mundo sob pretexto de
criação de empregos, lembrando do acidente tóxico em Bhopal, na Índia 8, onde o vazamento
de gazes tóxicos da Union Carbide teria matado, em apenas três dias, cerca de oito mil
pessoas. O alerta de Beck, entretanto, não surtiu o efeito desejado. A China é o maior
exemplo contemporâneo de crescimento econômico no mundo, entretanto, este crescimento
não se traduz em desenvolvimento, pois,
Um terço dos rios e 75% dos lagos do país estão contaminados. Das vinte
cidades mais poluídas do mundo, dezesseis são chinesas. Mais de 750000
pessoas morrem por ano em decorrência da água e do ar pútridos no país. As
fábricas movidas a carvão criaram vilarejos doentes, nos quais a taxa de
9
tumores malignos é altíssima .
O fato é que mundo já ultrapassou a marca dos 7 (sete) bilhões de habitantes e, até o
ano de 2030 a previsão é que esta marca atinja os 8,3 bilhões 10. Mais grave é que a
industrialização provocou um êxodo rural e alta concentração urbana, sobretudo nos países
subdesenvolvidos. O desenvolvimemnto nacional é imprescindível e impsoto
constitucionalmente.
No Brasil, o crescimento econômico está estritamente relacionado à exploração
econômica dos recursos naturais. De acordo com a Associação do Comércio Exterior do
Brasil, as commodities são responsáveis por mais de 70% (setenta por cento) das receitas de
exportação do país11.
Não há dúvidas quaunto a necessidade de reformulação do modo de crescimento
econômico e, que o direito ambiental é um importante instrumento para o desenvolvimento
sustentável. A função repressiva do direito ambiental, entretanto, tem sido alvo de
interpretações ideológicas, induzindo ao equívoco de que a tutela ambiental poderia esvaziar
o direito individual de propriedade. Tais posições são influenciadas por Organizações Não
Governamentais estrangeiras e brasileiras financiadas com capital internacional. Isto porque o
Brasil é uma potência no agronegócio e, assusta os países desenvolvidos, que gastam alto
dinheiro público com subsídios para se manter no mercado mundial de alimentos.
8
BECK, U. (trad. Sebastião Nascimento). Sociedade de Risco: Ruma a uma outra modernidade, 2ª ed., São
Paulo: Editora 34, 2011, p. 49.
9
CARELI, C. Desenvolvimento, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro de 2010.
10
MCGOURTY, C. Cientista Britânico prevê ‘catástrofe’ em 2030 com aumento da população, in:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/03/090319_catastrofe2030_ba.shtml. Acesso em 13 ago. 2012.
11
Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB. Radiografia do Comércio Exterior Brasileiro: Passado,
presente e futuro. Disponível em: http://www.aeb.org.br/userfiles/file/AEB%20-
%20Radiografia%20Com%C3%A9rcio%20Exterior%20Brasil.pdf. Acesso em 14 ago. 2012.
43
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
José Affonso da Silva lembra que os países ricos já tentaram impor limites ao
crescimento dos países pobres ou em desenvolvimento, sob o pretexto de conter o avanço da
poluição mundial12. O Brasil, entretanto, rechaçou oficialmente tal imposição enfatizando que
“não é válida qualquer colocação que limite o acesso dos países subdesenvolvidos ao estágio
de sociedade industrializada, sob pretexto de conter o avanço da poluição mundialmente”13.
Reportagem divulgada pelo jornal Folha do Estado de S. Paulo informa que as
exportações agrícolas norte-americanas à China tiveram queda de 14% no ano fiscal de 2012,
tendo como principal causa desta significativa perda a preferência dos asiáticos pelo mercado
da América do Sul, em especial o brasileiro 14. Segundo o então deputado federal Aldo
Rebelo, ONG’s como a WWF, Greenpeace e o ISA, financiadas por capital dos Estados
Unidos, Alemanha, Bélgica, Inglaterra e Holanda, lideraram movimentos “ambientalistas”
para pressionar a rejeição do projeto de lei que instituiu o atual Código Florestal, revelando
que ao lado – ou acima – do problema ambiental está a guerra comercial entre a agricultura
dos países ricos e a agricultura nacional. Aldo Rebelo destacou também que nos países
europeus e Estados Unidos não existem Áreas de Preservação Permanente ou Reserva Legal
e, que na Holanda, país de origem do Greenpeace, não há sequer um metro de mata ciliar
nativa e, esta ONG não pressiona seu governo local a florestar tais margens 15.
Aliás, “a Europa detinha 7% das florestas do planeta e hoje conta com mísero 0,1%.
Nos Estados Unidos, quase não há mais terras disponíveis para produzir alimentos”16,
enquanto que o Brasil ainda “[...] dispõe de 9% a 12% de terras ociosas para a expansão da
agropecuária”17 e, “entre 1975 e 2009, a produção nacional de grãos aumentou 240%,
enquanto a área plantada cresceu 40%”18.
Não obstante a inquestionável importância da preservação ambiental, o intérprete
deve-se atentar que quando a Constituição Federal assegura a propriedade privada, ela confere
12
SILVA, J.A. da. Direito Ambiental Constitucional, 2ª ed, rev., 2ª triagem, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 7.
13
BRASIL, II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979), p. 73, in:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/anexo/ANL6151-74.PDF. Acesso em 03 jan. 2013.
14
ZAFALON, M. Agronegócio dos EUA perde espaço na China, in:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/maurozafalon/1052696-agronegocio-dos-eua-perde-espaco-na-
china.shtml. Acesso em 16 fev. 2013.
15
REBELO, A. Entrevista ao programa Canal Livre, da rede Bandeirantes de Televisão. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=UytzUHdEgCU. Acesso em 03 jan. 2013.
16
CARELI, C. Desenvolvimento, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro de 2010.
17
SABINO. M.A. O desafio de ser grande, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro
de 2010.
18
Op. cit.
44
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
19
BARROS, S. de T. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas
de direitos fundamentais, 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 143.
20
BOBBIO, N. (trad. Maria Celeste C. L. Santos). Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Brasília:
Universidade de Brasília, 1999, p. 21.
21
BARROSO, L.R., Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil, p. 19, in, http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32007-37579-1-
PB.pdf. Acesso em 02 fev. 2013.
22
BOBBIO, Op. cit. p. 80.
45
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
portanto, conter os excessos das normas restritivas de direitos fundamentais e, aqui entra a
importância do princípio da proibição de excesso na garantia da ordem jurídica constitucional.
Os direitos fundamentais têm como características serem “[...], além de
fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis,
porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado” 23, logo, a restrição a
um direito fundamental deve ser feita na estrita medida do necessário, ainda que em
decorrência de outro direito fundamental, haja vista a imperatividade constitucional da
coexistência destes.
O desenvolvimento sustentável, princípio sobre o qual se construiu todo o Código
Florestal, trabalha justamente na composição entre crescimento econômico e sustentabilidade,
ou seja, na conciliação entre o direito de propriedade a o direito ambiental. Devemos lembrar
que o sistema de mercado brasileiro é capitalista, haja vista que a Ordem Econômica se funda
na livre iniciativa e, tem como princípios, dentre outros, a propriedade privada dos meios de
produção24. À propriedade, contudo, visando arrumar os equívocos do liberalismo, foi
imposta uma função social, priorizando o ser humano não só como fundamento da Ordem
Econômica, mas da República Federativa do Brasil25 e, impondo à propriedade um dever de
garantir o bem estar da população e preservar o meio ambiente (artigos 182 e 186, da
Constituição Federal).
É imprescindível, na tarefa da hermenêutica constitucional para compreender a
coexistência entre propriedade privada e preservação ambiental, uma interpretação contextual
sobre a Ordem Econômica. Segundo Eros Grau, a interpretação da Ordem Econômica, onde
coexistem princípios jurídicos constitucionais explícitos e implícitos, deve ser feita pela
ponderação, encartada na interpretação lógico-sistemática26.
José Affonso da Silva ensina que a hermenêutica constitucional deve-se desvendar o
sentido da constituição como um todo, ou seja, a interpretação das palavras revela apenas uma
pré-compreensão constitucional, enquanto que a hermenêutica do espírito procura a idéia
fundante da Constituição, geralmente exposta no preâmbulo, nos princípios constitucionais e,
nos objetivos fundamentais da república 27. Estes valores constitucionais nada mais são do que
os fins da República elencados pelo constituinte, como, por exemplo, a justiça social, o
23
BULOS, U.L. Constituição Federal anotada, 8ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007, São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 106.
24
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, artigos 170, caput, e inciso II.
25
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, artigos 170, caput, e 1º, inciso IV.
26
GRAU, E.R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 163/164.
27
SILVA, J.A. da. Comentário contextual à Constituição, 6ª ed. atualizada até a Emenda Constitucional 57, de
18.12.2008, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 15/19.
46
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
28
GRAU, E.R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 164.
47
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
29
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Suspensão de Tutela Antecipada – STA 233/RS, Decisão da Presidência
Ministro Gilmar Mendes, DJe de 30.04.2009.
30
REALE, M. O Direito e a problemática do seu conhecimento, in: Horizontes do Direito e da História, 3ª ed.
rev. e aum., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 284.
31
Op. cit., p. 285 – grifo do autor.
32
Op. cit., p. 286.
48
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
33
DERANI, C. Direito Ambiental Econômico, 3ª ed., 2 triagem, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 223.
34
GRAU, E.R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010,
p. 157.
49
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
discriminações, ou seja, pesa análise sobre a constitucionalidade das discriminações legais 35,
concluindo que
[...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula
igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação
lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a
desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal
correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na
36
Constituição .
O que se extrai do estudo acima é que são vedadas as discriminações legais gratuitas
e ofensivas a direitos constitucionalmente assegurados, sob pena de inconstitucionalidade. Por
discriminações gratuitas entende-se aquelas desnecessárias ao fim almejado pelo direito
tutelado, ou seja, aquela que não for fator determinante, ou que não guarde pertinência lógica
à tutela do direito almejado pela norma.
Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, para se constatar a
constitucionalidade do disciminem legal deve-se fazer três análises conjuntas: I. Verificar o
fator discriminatório da lei – aquilo que ela impõe fazer ou deixar de fazer; II. Verificar se o
objetivo da lei é constitucional; III. Estabelecer um nexo de causalidade entre o fator
discriminatório e o objetivo da lei37. A ofensa a qualquer destas verificações incorrerá
inevitavelmente em inconstitucionalidade da norma, ou seja, seu fator discriminatório deve
ser essencial à finalidade da Lei e, esta findalidade estar em sintonia coerente e coordenada
com direitos e interesses protegidos pela Constituição Federal.
Conclui-se, portanto, no caso sob análise, pela constitucionalidade das limitações
ambientais ao direito de propriedade, mas, desde que feitas no limite do necessário. Assim, a
normatização de um direito fundamental que colide com outro de igual status, como é o caso
do direito ambiental e o direito de propriedade,
[...] deve ser feita de forma equilibrada e, na justa medida do necessário,
sobretudo quando implicam no desequilíbrio entre os ônus que devem ser
suportados pela coletividade e pelo indivíduo, fazendo com que eles recaiam
majoritariamente sobre o indivíduo, em ‘benefício’ da sociedade38.
A discricionariedade legislativa encontra limites impostos expressa ou
implicitamente pelo próprio texto constitucional.
35
MELLO, C.A.B.de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. 19ª triagem, São Paulo: Malheiros,
2010, p. 13.
36
Op. cit., p. 17 – grifo do autor.
37
Op. cit., p. 21.
38
ANTUNES, P. de B. Áreas Protegidas e Propriedade Constitucional, São Paulo: Atlas, 2011, p. 25.
50
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
39
BARROS, S. de T. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de
direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 93.
40
MENDES. G. O Princípio da Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas
leituras, in: Revista Diálogo Jurídico, ano I, Vol. I, 2001, disponível em
http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-GILMAR-MENDES.pdf.
Acesso em 16 dez. 2012.
41
MENDES. Op. cit.
51
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
42
BARROS, S. de T. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de
direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 91/92 – grifo do autor.
43
Apud BARROS, Op. cit., p. 133.
44
Apud MENDES. G. O Princípio da Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas
leituras, in: Revista Diálogo Jurídico, ano I, Vol. I, 2001, disponível em
http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-GILMAR-MENDES.pdf.
Acesso em 16 dez. 2012.
45
Op. cit.
52
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
46
PORTUGAL, Constituição (VII Revisão Constitucional), Artigo 18, 2, disponível em:
http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. Acesso em 17 dez. 2012.
47
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Representação nº 1.077/RJ, Relator Ministro Moreira Alves, DJ.
28.09.1984 – grifo nosso.
53
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
proporcionalidade, uma restrição legal ao direito de propriedade, ainda que supostamente por
proteção ambiental, pode ser declarada inconstitucional:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL.
PROIBIÇÃO DE PLANTIO DE EUCALIPTO PARA FINS DE
PRODUÇÃO DE CELULOSE. DISCRIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
AFRONTA AOS POSTULADOS DA ISONOMIA E DA
RAZOABILIDADE. DIREITO DE PROPRIEDADE. TEMA DE DIREITO
CIVIL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. 1. Vedação de plantio
de eucalipto no Estado do Espírito Santo, exclusivamente quando destinado
à produção de celulose. Ausência de intenção de controle ambiental.
Discriminação entre os produtores rurais apenas em face da destinação final
do produto da cultura, sem qualquer razão de ordem lógica para tanto.
Afronta ao princípio da isonomia. 2. Direito de propriedade. Garantia
constitucional. Restrição sem justo motivo. Desvirtuamento dos reais
objetivos da função legislativa. Caracterizada a violação ao postulado da
48
proporcionalidade .
No caso acima, a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil ajuizaram Ação Declaratória de Inconstitucionalidade em
face da Lei 6.780/2001, do Estado do Espirito Santo, que proibia o plantio de eucalipto para
fins de celulose. O objetivo da restrição, segundo a lei, seria proteção ambiental. Ambas
autoras da ação elencaram, dentre as causas de pedir, as teses de inconstitucionalidade por
afronta ao princípio da isonomia e, desrespeito ao princípio da proporcionalidade. Em defesa,
a Assembleia Legislativa daquele estado arguiu pela constitucionalidade da citada lei,
porquanto elaborada para controle de impactos ambientais e, portanto, a discriminação legal
estaria assentada na função social da propriedade. O entendimento unânime do pleno do
Supremo Tribunal Federal, entretanto, assentou que a propriedade particular é direito
fundamental e, como tal fica vedada qualquer limitação alheia aos princípios constitucionais
da isonomia e da proporcionalidade e, que a limitação legal imposta não se mostrava
adequada, tampouco necessária ao fim ao qual se destinava, reconhecendo sua
inconstitucionalidade49.
Aliás, é firme a jurisprudência o Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de
coexistência entre direito de propriedade e preservação ambiental:
A norma inscrita no art. 225, § 4º, da Constituição deve ser interpretada de
modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento
fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5º,
XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas
as suas projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira
48
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2623/ES,
Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 14.11.2003.
49
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2623/ES,
Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 14.11.2003.
54
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
50
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 134.297/SP, Primeira Turma, relator Ministro
Celso de Mello, Primeira Turma, DJ de 22.09.1995.
51
RONDÔNIA, Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, Acervo Técnico de Zoneamento, in:
http://www.sedam.ro.gov.br/index.php/acervo-tecnico-zoneamento.html. Acesso em 02 fev. 2013.
55
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
52
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 143.297/SP, Primeira Turma, relator Ministro
Celso de Mello, DJ de 22.09.1995.
56
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
53
BOBBIO, N. (trad. Marco Aurélio Nogueira). Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política,
9ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 87.
57
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4. Conclusão
A República Federativa do Brasil constitui um Estado Democrático de Direito, onde
direitos individuais e coletivos coexistem. A Constituição Federal dedica um capítulo próprio
à tutela ambiental, ao mesmo tempo em que consagra a propriedade privada como direito
individual fundamental e, funda a Ordem Econômica na livre iniciativa, tendo como
princípios a propriedade privada e preservação ambiental. Não há outra leitura do texto
constitucional senão pela conciliação entre proteção ambiental e direito a propriedade privada
dos meios de produção.
As normas repressivas do direito ambiental têm como característica a limitação de
direitos individuais, em especial o de propriedade. Esta limitação, entretanto, também
encontra limites. É justamente aqui que reside o princípio da proibição de excesso às normas
restritivas de direitos fundamentais. Os direitos individuais fundamentais, dentre estes o de
propriedade, são considerados cláusulas pétreas, inscusceptíveis de qualquer tendência de
abolição (Art. 60, § 4º, IV, Constituição Federal).
A proibição de excesso aparece com uma igualdade substancial, vedando
discriminações legais gratuitas, assim entendidas aquelas desnecessárias para que a norma
atinja sua finalidade. Trata-se de um controle de sintonia entre direitos coletivos e individuais,
para que a promoção de um não seja a negação do outro.
Ainda que as normas do direito ambiental se destinem à tutela de um macrobem de
interesse difuso, as limitações impostas a direito individuais fundamentais, decorrentes de sua
faceta repressiva, devem se restringir ao estritamente essencial à proteção do local
considerado especial e, o restante ser objeto da sua função promocional, sob pena de
inconstitucionalidade. É possível, portanto, haver controle de constitucionalidade sobre o uso
inadequado de normas restritivas de dieritos fundamentais, ainda que sob pretexto de tutelar
direito social ou coletivo. Isto no intuito de conciliar direitos individuais e coletivos de forma
duradoura e estável, tal qual determinado no texto constitucional, em prol de um
desenvolvimento nacional socioeconômico.
58
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
REFERÊNCIAS:
ALCÂNTARA, Araquém. O desafio de ser grande, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196,
São Paulo: Abril, Dezembro de 2010.
BECK, Urlich (trad. Sebastião Nascimento). Sociedade de Risco: Ruma a uma outra
modernidade, 2ª ed., São Paulo: Editora 34, 2011.
BOBBIO, Norberto (trad. Maria Celeste C. L. Santos). Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª
ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999.
BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição Federal anotada, 8ª ed., rev. e atual. até a Emenda
Constitucional n. 56/2007, São Paulo: Saraiva, 2008.
59
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
CARELI, Gabriela. Desenvolvimento, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo:
Abril, Dezembro de 2010.
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2ª ed.,
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001. Disponível em:
http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-Em-
Portugues. Acesso em 01 dez. 2012.
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 3ª ed., 2 triagem, São Paulo: Saraiva,
2008.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual.,
São Paulo: Malheiros, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed.
19ª triagem, São Paulo: Malheiros, 2010.
NETO, Antônio José de Mattos. Estado de dieito Agroambiental Brasileiro, São Paulo:
Saraiva, 2010.
NETO, Ricardo Bonalume. Seca moderada foi suficiente para levar os maias ao colapso.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1052840-seca-moderada-foi-suficiente-
para-levar-os-maias-ao-colapso.shtml. Acesso em 20 mar. 2013.
SÁBINO, Marco Antônio. O desafio de ser grande, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196,
São Paulo: Abril, Dezembro de 2010.
60
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
SILVA, José Affonso da. Comentário contextual à Constituição, 6ª ed. atualizada até a
Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008, São Paulo: Malheiros, 2009.
SILVA, José Affonso da. Direito Ambiental Constitucional, 2ª ed, rev., 2ª triagem, São Paulo:
Malheiros, 1997.
ZAFALON, Mauro. Agronegócio dos EUA perde espaço na China. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/maurozafalon/1052696-agronegocio-dos-eua-perde-
espaco-na-china.shtml. Acesso em 16 fev. 2013.
61
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1
RESUMO: O presente artigo objetiva a analisar o princípio do neminem laedere e sua possível aplicação
no ordenamento jurídico brasileiro, considerando como ponto de partida a própria
Constituição da República Federativa do Brasil. Admitida a sua prescrição no cenário
jurídico brasileiro, a análise ruma no sentido de se verificar a relação do aludido princípio
com a prevenção de danos ambientais, especialmente considerando-se o paradigma da
segurança e a noção de que se vive em uma sociedade de massa. Admitida essa hipótese são
averiguados os reflexos do princípio neminem laedere na responsabilidade civil ambiental.
Aprecia-se também as características essenciais da responsabilidade civil ambiental no
Brasil. A ideia, portanto, é averiguar o princípio neminem laedere, sua aplicabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro e, de especial modo, à proteção ambiental, na perspectiva de
prevenção do dano ambiental, ainda que aplicada sob a seara da responsabilidade civil
ambiental.
ABSTRACT: This article aims to analyze the principle of neminem laedere and their possible application
in the Brazilian legal system, considering as a starting point the Constitution of the
Federative Republic of Brazil. Admitted their prescription in the Brazilian legal scenario,
the analysis heads in order to verify the relationship of the principle alluded to the
prevention of environmental damage, especially considering the security paradigm and the
notion that we live in a mass society. Admitting this hypothesis is investigated are
reflections of principle neminem laedere on environmental liability. It also appreciates the
essential features of environmental liability in Brazil. The idea therefore is to ascertain the
principle neminem laedere, its applicability in the Brazilian legal and special way, to
environmental protection, with a view to preventing environmental damage, even if applied
in the harvest of environmental liability.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O princípio neminem laedere e a sua prescrição na ordem jurídica brasileira. 2.
O princípio do neminem laedere e a prevenção de danos ambientais 3. A evolução dos paradigmas na
sociedade de massa e os efeitos dessa relação na seara ambiental 4. Os reflexos do princípio do neminem
laedere na responsabilidade civil ambiental. 5. A responsabilidade civil ambiental no Brasil. Conclusões
articuladas.
CONTENTS: Introduction. 1. The principle neminem laedere and prescribing the Brazilian legal system.
2. The principle of neminem laedere and prevention of environmental damage 3. The evolution of
paradigms in mass society and the effects of this relationship on environmental harvest 4. The reflections of
the principle of neminem laedere on environmental liability. 5. The environmental liability in Brazil.
Conclusions articulated.
62
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Introdução
O presente artigo tem por objeto de estudo o princípio do neminem laedere e a sua
possível aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro vigente, focando-se na seara da
responsabilidade civil, especialmente aquela aplicada na área ambiental.
Partindo-se desse propósito, a ideia é construída em quatro partes distintas nesse
trabalho. Inicia-se pela compreensão do princípio neminem laedere, apontando-se os
primeiros registros históricos para, em seguida, analisar a sua presença na ordem jurídica
brasileira.
Em um segundo momento, a atenção é direcionada para a investigação da relação do
princípio neminem laedere com a prevenção dos danos ambientais, considerando que essa
conexão pode contribuir para o reforço da proteção do bem de uso comum do povo, que é o
meio ambiente.
Na terceira parte deste trabalho, a análise é direcionada para a evolução de
paradigmas contidos na filosofia política da segurança e das obrigações e a consideração
desse desenvolvimento na sociedade de massa, destacando-se novamente os efeitos na seara
ambiental.
Reservou-se, para a quarta parte do presente estudo, a análise dos reflexos do
princípio da responsabilidade civil ambiental, considerando não somente o aspecto da
prevenção, mas também da própria reparação, de forma a permitir finalmente a apresentação
das conclusões articuladas.
Na quinta e última seção do artigo, o espaço fica reservado para a análise da
responsabilidade civil ambiental no Brasil, apontando-se, em apertada síntese, as suas
principais características.
1
O presente artigo é inspirado no texto: DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere.
In: DONNINI, Rogério & NERY, Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui
Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
2
Francisco José Cunha Belfort argumenta que princípios são verdadeiros comandos ordenadores do sistema, que tem por
função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e servindo de mandamento nuclear destas, já
as regras, possuem um grau de concretização maior, dado que regula o fenômeno jurídico com um grau menor de abstração.
(...) Os princípios constituem-se em fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como
em sua aplicação. (BELFORT, Fernando José Cunha. A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente
do trabalho e suas consequências jurídicas no âmbito do direito do trabalho. Tese de Doutorado apresentada à Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP. São Paulo, 2008. p. 66).
63
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
antiga, em 526 a.C., sendo possível detectar a sua presença no Código Justineaneu, também
conhecido como Corpus Juris Civilis, especificamente no Digesto 1.1.10.1 (de Ulpiano), cujo
significado pode ser entendido como “não lesar a outrem”.
Ao lado do neminem laedere, dois outros preceitos eram claros no Digesto, quais
sejam: o honeste vivere e o suum cuique tribuere, ou seja, viver honestamente e dar a cada um
o que é devido, respectivamente.
Em que pese se verificar o primeiro registro escrito do princípio do neminem laedere
no Código Justinianeu, vale dizer que já se tinha como presente sua ideia entre os gregos no
ano 510 a.C., fase essa, inclusive, na qual a Grécia foi dominada por Roma, mas que acabou
por incorporar a cultura do período helenista em sua civilização. Sobre o assunto, deve-se
destacar a seguinte lição de Rogério Donnini:
Vale dizer que a premissa, pois, de não lesar a outrem orientava, desde esses tempos
mais antigos, o comportamento das pessoas em suas relações e, portanto, podia ser
compreendia como norma de conduta.
Pode-se também afirmar que o princípio neminem laedere se faz presente na
Constituição da República Federativa do Brasil, especificamente no artigo 5º, XXXV, que
prescreve que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
Esse dispositivo legal tem sido estudado pela doutrina brasileira apenas sob a
premissa do acesso à justiça. Entretanto, não se tem a exata noção da força contida na
expressão “ameaça a direito” e também da sua apreciação pelo Poder Judiciário.
É justamente nesse comando que se pode afirmar se encontrar presente, no cenário
jurídico brasileiro, a orientação do neminem laedere, já que o não lesar a outrem se encontra
presente na orientação de repulsa e proteção pela ação do Poder Judiciário.
Nessa esteira, pode-se entender, como premissa constitucional básica no Brasil, a de
3
DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: DONNINI, Rogério & NERY,
Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana, cit. p.
486-487.
64
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
não lesar a outrem, já que essa orientação se extrai do artigo 5º, XXXV da Lei Maior
brasileira. Essa justamente é a tese de Rogério Donnini, para quem:
4
DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: DONNINI, Rogério & NERY,
Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana, cit. p.
492.
5
Idem.
6
Ibidem. p. 493.
7
Idem.
65
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, no qual se prescreve que, na “aplicação da lei,
o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Isso sem
falar que o princípio da “socialidade” passou a ser reconhecido como marca registrada do
vigente Código Civil.8
Pode-se perceber, portanto, que o princípio do neminem laedere, ou seja, de não se
lesar outrem, possui bases sólidas no ordenamento jurídico brasileiro, na condição até mesmo
de premissa constitucional.
Não lesar a outrem, tal como recomenda o princípio do neminem laedere, na sua
visão mais primitiva, e a prevenção de danos, como se poderia extrair da sua orientação
contemporânea, que encontra guarida da própria Constituição da República Federativa do
Brasil são enunciados que encontram perfeita sintonia com a temática ambiental.
Diz-se, desta forma, porque o meio ambiente ecologicamente equilibrado, quando
afetado por uma conduta danosa, acaba por sofrer com efeitos que, em sua grande parte, são
irreversíveis ou de reversibilidade difícil ou morosa.
Considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser
compreendido como direito humano fundamental9, tem-se que a prevenção de danos assume
indiscutível relevância. Sob esse aspecto, a orientação contida no princípio neminem laedere é
medida que se deve impor.
Ademais, é bom que se registre que a inclinação pela não concretização dos danos
ambientais pode ser extraída do ordenamento jurídico brasileiro, bem como de instrumentos
internacionais, que trataram de inspirar e enunciar os princípios da prevenção 10 e da
8
DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: DONNINI, Rogério & NERY,
Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana, cit. p.
493.
9
Para a compreensão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental,
sugere-se a leitura do seguinte texto: SOUZA, Carlos Eduardo Silva e. Meio ambiente e direitos humanos: diálogo entre os
sistemas internacionais de proteção. In: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O novo direito internacional do meio ambiente.
Juruá: Curitiba, 2011. p. 13-58. Semelhante posicionamento também pode ser obtido no seguinte texto: MAZZUOLI, Valerio
de Oliveira. A proteção internacional dos direitos humanos e o direito internacional do meio ambiente. In: MARQUES,
Claudia Lima, MEDAUAR, Odete & SILVA, Solange Teles da. O novo direito administrativo, ambiental e urbanístico:
estudos em homenagem à Jacqueline Morand-Deviller. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 e na seguinte obra:
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo entre os sistemas de proteção
internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.
10
O princípio da prevenção é comentado nas seguintes obras: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental
brasileiro. 19ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 97-100; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão
ambiental em foco – doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.
822; BETIOL, Luciana Stocco. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 50-55.
66
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
precaução11.
Na esfera internacional, deve-se ressaltar a Declaração de Estocolmo sobre Meio
Ambiente, realizada em 1972 e a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento12.
Já na perspectiva nacional, deve-se destacar a Constituição da República Federal do
Brasil, especificamente o caput do artigo 225, no qual se impõe ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Nesse sentido, sabendo-se que, concretizado o perigo ou o risco ao meio ambiente,
(isto é, na constatação de um dano ambiental), os seus efeitos certamente, em quase a
totalidade dos eventos, não terão qualquer possibilidade de reversão e/ou de reparação, face o
império de sua concretude perpétua.
Considerando a irreversibilidade e irreparabilidade que acompanham os danos
ambientais, a adoção dos princípios 13 da prevenção 14 e da precaução 15 mostra-se como a
profilaxia ideal para os perigos e riscos que sondam a sociedade contemporânea.16
Sob tal perspectiva, os princípios da prevenção e da precaução, os quais são
considerados como são considerados chaves dentro da disciplina de Direito Ambiental
encontram perfeita sintonia com o princípio do neminem laedere, que norteia, de forma ampla
11
Sobre o princípio da precaução, vide também: PORFIRIO JUNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade civil do Estado
em face do dano ambiental. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 37-38. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental
brasileiro, cit. p. 74-97; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente..., cit. p. 822. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental.
12ª ed. ampl. e reform. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 28; VARELLA, Marcelo Dias & PLATIAU, Ana Flávia
(Orgs.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. passim.; BETIOL, Luciana. Responsabilidade civil e
proteção ao meio ambiente, cit. p. 50-55.
12
Desta última, destaca-se o princípio 15, que possui a seguinte redação: Princípio 15. Com o fim de proteger o meio
ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades.
Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como
razão para o adiamento de medida economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental (MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. Coletânea de direito internacional. Constituição Federal. 8ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p. 1.131).
13
Francisco José Cunha Belfort argumenta que princípios são verdadeiros comandos ordenadores do sistema, que tem por
função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e servindo de mandamento nuclear destas, já
as regras, possuem um grau de concretização maior, dado que regula o fenômeno jurídico com um grau menor de abstração.
(...) Os princípios constituem-se em fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como
em sua aplicação. (A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas consequências
jurídicas no âmbito do direito do trabalho..., cit. p. 66).
14
O princípio da prevenção é comentado nas seguintes obras: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental
brasileiro, cit. p. 97-100; MILARÉ, Édis. Direito do ambiente..., cit. p. 822; BETIOL, Luciana. Responsabilidade civil e
proteção ao meio ambiente, cit. p. 50-55.
15
Sobre o princípio da precaução, vide também: PORFIRIO JUNIOR, Nelson de Freitas. Responsabilidade civil do estado
em face do dano ambiental, cit. p. 37-38. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, cit. p. 74-97;
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente..., cit. p. 822. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental, cit. p. 28; VARELLA,
Marcelo Dias & PLATIAU, Ana Flávia (Orgs.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. passim.; BETIOL,
Luciana. Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente, cit. p. 50-55.
16
Essa opinião é comungada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo: Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de
restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção do dano ao
meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como seu objetivo fundamental (FIORILLO,
Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 112).
Deve-se observar que, para o aludido autor, é desnecessária a distinção entre os princípios da precaução e da prevenção. Esse
também é o entendimento de Nelson de Freitas Porfirio Júnior (Responsabilidade do Estado em face do dano ambiental, cit.
p. 38).
67
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Nos últimos três séculos têm ocorrido uma mudança de paradigma no que concerne a
filosofia política da segurança e das obrigações sociais, conforme leciona François Ewald 18.
No século XIX, a ideia estava atrelada a responsabilidade, ou seja, buscava-se atribuir o
encargo por determinado evento danoso à determinada pessoa e dela exigir comportamento
reativo à sua própria conduta.
Entretanto, tem-se que a essa noção de responsabilidade não era suficiente para
atender os conflitos sociais que sondavam a sociedade do século XX, razão pela qual o
paradigma norteador passou a ser a solidariedade, isto é, a exclusiva individualidade em certas
relações passou a ter o seu sentido invertido, de forma a exigir um esforço comum dos
membros da coletividade em determinado sentido.
No século atual (XXI), há nova inversão no paradigma a reger as relações sociais,
qual seja: a segurança. Isso pode ser observado quando se vê que as indefinições e incertezas
marcam a sociedade contemporânea e, por via transversa, fazem surgir a necessidade, no meio
social, de se buscar uma estabilidade e firmeza nas relações.
Não se quer dizer, entretanto, que os novos paradigmas tenham substituído os
anteriores, mas, na verdade, sem eliminar a ideia antecessora, passaram a conviver entre si.
Isso é possível se constatar no próprio caso do Brasil, já que responsabilidade, solidariedade e
17
No tocante a equidade intergeracional, a ideia consiste na necessidade de se atender, equivalentemente, as gerações
diversas. Para Alexandre Kiss, o conceito de equidade intergeracional surgiu nos anos 1980. Sua origem está relacionada
com a ansiedade desencadeada pelas mudanças globais que caracterizaram a segunda metade do século XX (Os direitos e
interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In: VARELLA, Marcelo Dias & PLATIAU, Ana Flávia [Orgs.].
Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 1).
18
EWALD, Fronçois. Le retour du malin genie. In: GODARD, Olivier (Coord.). Le principe de precaution. Paris: Editions
de la Maisoon des sciences de l’homme, 1997. p. 95-103.
68
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
19
Ulrich Beck traga essa categoria como sociedade de risco. Sobre o assunto, vide: BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo
a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010.
20
Sobre o assunto, Teresa Ancona Lopez argumenta que a sociedade tenta (...) controlar ou até anular esses riscos. A
segurança social e individual é um dos maiores anseios do ser humano. Almeja-se o risco zero, que não existe. Hoje, os
maiores estudiosos da matéria mostram que o gerenciamento dos riscos é fundamental, mas que o risco zero é uma utopia
(LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quarter Latin, 2010. p.
31).
69
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
21
Pensamentos similares são expostos nos textos de Laura Pozuelo Pérez (La reparación del daño al medio ambiente. In:
BARREIRO, Agustín Jorge (Org.). Estudios sobre la protección penal de médio ambiente en el ordenamiento jurídico
español, cit. p. 243), Luciana Stocco Betiol (Responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 117-138), Paulo Affonso Leme Machado (Direito ambiental brasileiro, cit. p. 381)..
70
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louvável, bem como que as medidas de precaução e prevenção não atuaram suficientemente e,
por tal razão, devam ser revisadas, repensadas ou substituídas.
Primeiramente, deve-se prestigiar esse caráter tríplice na aplicação do instituto da
responsabilidade civil, pois o mesmo encontra-se em consonância com o princípio da
reparação integral, já que, assim sendo, ela é pensada em aspectos múltiplos e variados, a
ponto de revelar a possível concretude e completude que dela é esperada.
Pensada e aplicada a responsabilidade civil ambiental nessa perspectiva tríplice,
somada à certeza na sua condução, poder-se-á atingir a função que dela é esperada, isto é, a
prevenção do próprio dano ambiental.
É de se notar, evidentemente, que a responsabilidade civil jamais pode representar ao
poluidor/degradador uma permissão, financeiramente compensada, para a promoção de danos
ao meio ambiente e, assim, adquirir o direito de direcionar suas ações de acordo com o seu
alvedrio. Jamais. Essa seria derrocada de qualquer política ambiental e o anúncio de tempos
catastróficos. Qualquer medida nesse sentido deve ser severamente combatida.22
Nota-se, então, que o princípio do neminem laedere pode estar presente tanto nas
medidas que mirem a não concretização de qualquer dano ambiental, como também no
sentido de que, se este se materializar, na fixação da reparação esteja presente o elemento
preventivo, isto é, além da reparação integral que norteia a responsabilidade civil ambiental,
posse o degradador/poluidor, bem como toda coletividade, ter a exata noção de que o
cometimento de danos ao meio ambiente são medidas nem um pouco interessantes ou
cogitáveis.
22
Sobre o assunto, argumentam José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala: Destaque-se também uma função
preventiva, no sentido de que poderá inibir o agente a praticar uma conduta danosa, fundamentalmente em razão da punição
civil econômica. Entretanto, para que venha prevalecer essa função preventiva, mister se faz um sistema de
responsabilização civil que traga a certeza e efetividade de que a sanção civil será imposta ao agente causador. (...) No
intuito de se tentar reverter o déficit de controle do risco, a responsabilidade por danos ambientais dever exercer algumas
funções referentes à proteção do ambiente, a exemplo de outros institutos jurídicos. Assim, de acordo com Benjamin, são
consideradas funções a serem cumpridas pela responsabilidade civil na área ambiental: a) a compensação de vítimas; b)
prevenção de acidentes; c) minimização dos custos administrativos do sistema; d) retribuição (LEITE, José Rubens Morato
& AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 3 ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 120 e 135. Esclarecem esses mesmos Autores que se pode,
inclusive, falar em um “efeito difuso da prevenção” ou “efeito preventivo indireto”, já que os efeitos da condenação do
degradador à reparação do dano estimulam atitudes por parte daqueles envolvidos em situações semelhantes, no sentido de
tomar certas atitudes por parte daqueles envolvidos em situações semelhantes, no sentido de tomar certas medidas para
evitar que outros danos ambientais sejam causados. A prevenção de novos danos ambientais pode ocorrer tanto em caráter
individual (ou especial), desencorajando o próprio degradador a causar novos danos, quanto como uma prevenção geral,
quanto como uma prevenção geral, evitando que todos os demais venham a ocasionar novos danos ambientais (p. 136).
Concorda-se esse posicionamento, pois, assim cumpre-se com o caráter que se denominou “pedagógico” anteriormente, que
se espera atingir na aplicação da responsabilidade civil ambiental. Essa idéia também é compartilhada por Laura Pozuelo
Pérez, que aponta ser esta a orientação contida no Direito Comunitário Europeu (La reparación del daño al medio ambiente.
In: BARREIRO, Agustín Jorge (Org.). Estudios sobre la protección penal de médio ambiente en el ordenamiento jurídico
español, cit. p. 259). Idéia semelhante é compartilhada por Paulo Affonso Leme Machado que sustenta a responsabilidade de
prevenir (Direito ambiental brasileiro, cit. p. 373-374).
71
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
23
Duas observações são consideradas relevantes por Paulo Affonso Leme Machado no tocante ao dispositivo
legal em comento, quais sejam: (i) foi expressamente incluindo terceiros na concepção de vitimados, o que faz
entender o ser humano compreendido como integrante do meio ambiente; (ii) dispõe legitimidade ao Ministério
Público para a responsabilização civil e criminal, sendo que em relação a esta última já vinha reforçada por
instrumentos anteriores, mas o legislador tratou de reforçá-la (Direito ambiental brasileiro, cit. p. 368).
24
O aludido artigo possui a seguinte redação: Artigo 14. (...) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades
previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar
os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e
dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao
meio ambiente. Nelson de Freitas Porfirio Júnior faz abordagem sobre a regulamentação conferida pelo
ordenamento jurídico brasileiro ao dano ambiental na seguinte obra: Responsabilidade civil do estado em face do
dano ambiental, cit. p. 61-65.
25
Dano ambiental..., p. 134. Pedro Lenza esclarece que se trata de responsabilidade objetiva e integral (...) em
razão do dano ecológico, independentemente de culpa, bastando a prova do dano e do nexo de causalidade
(Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2008. 12 ed. rev., atual. e ampl. p. 746). Nesse
sentido, também se encontra direcionada a lição de Paulo Affonso Leme Machado (Direito ambiental brasileiro,
cit. p. 367-370).
26
Direito ambiental..., cit. p. 151. José Rubens Morato Leite e Patryck de Araúja Ayala argumentam que o risco
(...) pode ser concreto ou abstrato. O primeiro deles refere-se ao perigo produzido pelos efeitos nocivos da
atividade perigosa. O segundo, por sua vez, guarda relação com o perigo da própria atividade desenvolvida.
Em ambos os casos, todavia, o legislador viabilizou a tutela jurisdicional do meio ambiente (Dano ambiental...,
p. 128).
72
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
27
Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 320.
28
O aludido artigo possui a seguinte redação: Artigo 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação.
29
A ementa do julgado em questão é a seguinte: (...) FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO ECOLÓGICA DA
PROPRIEDADE E DA POSSE. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVA LEGAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DIREITO
ADQUIRIDO DE POLUIR. (...)5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação
propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou
nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal
por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua
aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental
in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer.
Precedentes do STJ. 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido (Superior Tribunal
de Justiça – REsp. 948.921/SP – Min. Relator Herman Benjamin – DJ de 11.11.2009).
73
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
reparação.30
Édis Milaré entende que, com base no princípio da reparação integral, que a lesão
ambiental há de ser recuperada em sua integridade e qualquer norma jurídica que disponha
em sentido contrário ou que pretenda limitar o montante indenizatório a um teto máximo será
inconstitucional.31
Para Fernando José Cunha Belfort, o princípio da reparação integral faz com que a
responsabilidade possua dupla função na esfera jurídica do prejudicado: a) mantenedora da
segurança jurídica em relação lesado; b) sanção civil de natureza compensatória.32
Note, portanto, que se a responsabilização civil se desviar dos preceitos contidos na
reparação integral, esta se guiará para a sua falência, isto porque alguns dos seus propósitos
podem ficar atingidos. Aqui está se falando especificamente do caráter pedagógico,
sancionador e reparador, os quais se não bem aplicados, podem implicar na subversão da
ordem jurídica, não desestimulando a prática do dano ambiental e gerando a sensação de
impunidade, tudo isso sem falar na hipótese de exposição aos riscos e perigos a que a
sociedade se encontra.
Conclusões articuladas
30
Cf. LEITE, José Rubens Morato & AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental..., cit. p. 133 e 331.
31
Direito do ambiente..., cit. p. 957.
32
A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e suas consequências
jurídicas no âmbito do direito do trabalho..., cit. p. 14.
74
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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77
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ABSTRACT: This article proposes to introduce some definitions and nuclear elements of the
so-called Environmental Legal State, highlighting it as the most appropriate model to face the
context of concern about the environment nowadays. The ability of such State to provide
1
Mestranda em Direito Agroambiental pela UFMT. Graduada em Direito pela UFMT. Advogada. E-mail:
rafaelabortolini@gmail.com
2
Doutor em Direito pela UFSC, tendo realizado estágio de doutoramento junto à Facudade de Direito da
Universidade Clássica de Lisboa. Professor adjunto II nos cursos de graduação e de mestrado em Direito da
UFMT. Professor visitante no programa de pós-graduação em Direito da UFSC (PPGD-UFSC) desde 2011.
Coordenador adjunto do Programa de Mestrado em Direito Agroambiental da UFMT (2011- 2013). Pesquisador
do grupo de pesquisas “Direito Ambiental e Ecologia Política na Sociedade de Risco” (certificado pela
Instituição e cadastrado no CNPQ), líder do grupo de pesquisas “Jus-Clima”, membro da Comission on
Environmental Law (Steering Comitee) da IUCN. Membro e sócio-fundador da Associação dos Professores de
Direito Ambiental (APRODAB). Membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP). É secretário-
geral do Instituto “O Direito por um Planeta Verde”. Procurador do Estado de Mato Grosso. Autor, co-autor e
colaborador em obras e periódicos nacionais e internacionais. E-mail: pkayala@terra.com.br
78
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
INTRODUÇÃO
O ser humano encontra-se numa posição de proeminência sobre a natureza e, por não
agir demasiado instintivamente como os demais seres, tem condições de decidir sobre a quase
totalidade de suas ações, tornando-se capaz, inclusive, de subjugar o meio ambiente – embora
não o devesse –, modificando-o conforme suas necessidades.3
Essa situação de proeminência4 sobre a natureza possibilita que o homem escolha seu
modus vivendi. Nisto resume-se toda a problemática ambiental: um modo de vida calcado
essencialmente em valores econômicos, que vem causando impactos ambientais nunca antes
vivenciados.5
Não é difícil constatar que o destino da Humanidade (e do Planeta todo) depende das
escolhas que se fez até agora e daquelas que se fará daqui por diante.
As catástrofes naturais, os elevados índices de poluição, o desaparecimento de
espécies da fauna e da flora, as mudanças climáticas etc. “empurram” a todos, sociedade e
Estado, para uma mudança de comportamentos, em direção a condutas mais sensíveis
ecologicamente e de longo prazo.
A preocupação ambiental passou a ser merecedora de uma atenção global,
despertando cada vez maior interesse de setores públicos e privados, tanto em âmbito interno
quanto externo.
Nota-se, em razão disso tudo, o despontamento de um novo desafio ao Estado: como
3
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 136-137.
4
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.183.
5
LEITE, José Rubens Morato. Op.cit. p. 137.
79
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
se portar, como se organizar e como se inter-relacionar melhor, a fim de enfrentar essas novas
realidades ambientais, algumas catastróficas. Esta é a ideia central desenvolvida e
problematizada no presente ensaio.
Sendo o Estado uma unidade ativa dentro de uma realidade histórico-social, não
dispensa – para sua boa compreensão e discussão sobre suas ações – o conhecimento da
realidade social, que nada mais é do que a ação humana propriamente, a realidade ativa do
homem.6 Nisto reside a chave para o enfrentamento do problema.
É preciso destacar o caráter instrumental que legitima a existência do Estado,
retratado em um “compromisso com o bem comum, compreendido este além da satisfação das
necessidades materiais, alcançando a dimensão do respeito aos valores fundamentais da
pessoa humana”7.
Defende-se que o Estado deverá sempre “corresponder à sociedade, na concretização
dos anseios humanos”, incumbido de “uma função essencial que deriva diretamente desta
relação íntima entre criadora (a Sociedade) e criatura (Estado)”8.
Percebe-se, cada vez com maior razão, que uma reflexão séria sobre a proteção do
ambiente não pode concentrar-se em atuações isoladas de alguns Estados. Isso traz a tona uma
reflexão importante, sobre o quão complexa é a questão ambiental, mormente ao se considerar
a unicidade do ambiente – vez que este não se fragmenta, tampouco se restringe a realidades
estanques ou a fronteiras geográficas.9
É de se ressaltar que os “limites dos Estados Nacionais tornaram-se demasiado
diminutos para a fome de recursos naturais e humanos decorrente da expansão da produção”.
Ademais, há uma “necessidade econômica de globalização” paralela a “reações culturais
nacionalistas do homem que procura sua identidade, o significado do seu ser-no-mundo”. Não
se ignora, ainda, que o “domínio da energia da natureza alavancou a industrialização [...],
modificando radicalmente os milhares de anos de relação do homem com o seu meio”10.
Tendo em mente que a sociedade moderna atingiu altos níveis de complexidade de
desenvolvimento tecnológico e que faltam-lhe condições de controle desses riscos, mostra-se
como imprescindível que o Estado adote outra roupagem, assumindo novas formas de
6
HELLER, Hermann. Teoria do estado. Tradução de Lycurgo Gomes da Motta. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
7
PASOLD, César Luiz. Função social do estado contemporâneo. 2.ed. Florianópolis: Estudantil, 1988. p. 65.
8
HELLER, Hermann. Loc. cit.
9
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 137.
10
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 182-183.
80
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
11
AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito fundamental so meio ambiente. 1.ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 17.
12
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 176.
13
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6.ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2009. p. 193-197.
14
DERANI, Cristiane. Op. cit. p. 177.
15
DERANI, Cristiane. Loc. cit.
16
DERANI, Cristiane. Loc. cit.
17
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade
humana no marco jurídico-constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008. p. 96.
18
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 137. p. 197.
19
AYALA, Patryck de Araújo. Op. cit. p. 14.
81
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
20
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade
humana no marco jurídico-constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.p. 26.
21
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial
(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 20.
22
FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit. p. 96.
23
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 159-160.
24
LEITE, José Rubens Morato. Loc. cit.
25
BENJAMIN, Antônio Herman. Função ambiental. In: BENJAMIN, Antônio Herman (coord.). Dano
ambiental: prevenção, reparação e prevenção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 15.
26
FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit. p. 26.
82
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27
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36
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(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 18.
37
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade
humana no marco jurídico-constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008. p. 99.
38
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 1.ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
83
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Não sem razão, a doutrina realça que o Estado Socioambiental “é fictício e marcado
por abstratividade”39. Sendo um conceito abrangente, repercute não só no Direito, mas
também em análises da Sociedade e da Política.40
Interessante, talvez pelo pragmatismo e também pela objetividade, a definição do
jurista português Pureza, para quem o “Estado ambiental é um quadro de mais sociedade,
mais direitos e deveres individuais e mais direitos e deveres coletivos e menos Estado e
menos mercantilização”41. Nesse modelo “não é prioritário o doseamento entre público e
privado, mas sim o reforço da autonomia (logo, dos direitos e das responsabilidades)
individual e social frente à mercantilização e à burocratização”42.
Esses dizerem vem ao encontro de uma concepção de responsabilidade, isto é, de
uma autonomia responsável.
Também pode ser definido como “a forma de Estado que se propõe a aplicar o
princípio da solidariedade econômica e social para alcançar um desenvolvimento sustentável,
orientado a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do
uso racional do patrimônio natural”43.
Com base nas lições de Canotilho44, é possível destacar quatro postulados referentes
a uma compreensão desse modelo de Estado: o globalista, o publicista, o individualista e o
associativista.
O primeiro, globalista, enfatiza a questão ambiental sob um ponto de vista planetário,
destacando que não se realiza efetiva proteção do ambiente de modo isolado e restrito a
alguns Estados, devendo ser ampliada supranacionalmente.
39
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 149.
40
LEITE, José Rubens Morato. Loc. cit.
41
PUREZA, José Manuel; FRADE, Catarina. Direito do ambiente. Coimbra: Faculdade de economia da
Universidade de Coimbra, 1998. p. 8-9.
42
PUREZA, José Manuel; FRADE, Catarina. Loc. cit.
43
CAPELA, Vicente Bellver. Ecologia: de las razones a los derechos. Granada: Ecorama, 1994. p. 248.
44
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e democracia sustentada. RevCEDOUA,
n. 2, p. 9 e s., 2001. Disponível em: <http:// https://digitalis-
dsp.sib.uc.pt/bitstream/10316.2/5732/1/revcedoua8%20art.%201%20JJGC.pdf> Acesso em: 10 mar 2013.
84
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45
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 150.
46
LEITE, José Rubens Morato. Loc cit.
47
HABERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789 como historia, actualidad y futuro del estado
constitucional. Tradução de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Editorial Trotta, 1998. p. 53.
48
PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em Portugal. Lisboa: Cadernos
do Centro de Estudos Judiciários, 1996. p. 27.
49
LEITE, José Rubens Morato. Op. cit. p. 151.
50
LEITE, José Rubens Morato. Loc. cit.
51
FENTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental de direito e o princípio da solidariedade como seu marco
jurídico-constitucional. Revista direitos fundamentais e justiça. Porto Alegre: PUCRS, n. 2, jan./mar. 2008.
85
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
52
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 151-152.
53
LEITE, José Rubens Morato. Loc. cit.
54
LEITE, José Rubens Morato. Op. cit. p. 153.
55
PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em Portugal. Lisboa: Cadernos
do Centro de Estudos Judiciários, 1996. p. 28.
56
LEITE, José Rubens Morato. Op. cit. p. 153-154.
57
FENTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental de direito e o princípio da solidariedade como seu marco
jurídico-constitucional. Revista direitos fundamentais e justiça. Porto Alegre: PUCRS, n. 2, jan./mar. 2008.
86
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para que seja possível a edificação desse padrão de Estado, com justiça ambiental, é
preciso formular uma política de meio ambiente que seja ancorada por princípios formados a
partir das complexas questões advindas da crise ambiental. “Esse novo viés caracteriza-se pela
responsabilidade do homem como guardião da biosfera, independentemente de sua utilidade
para a espécie humana” 58.
Trata-se de uma responsabilidade caracterizada pela solidariedade e participação,
unindo Estado e cidadãos na missão de preservação do ambiente.59 “Assim, para se edificar e
estruturar um abstrato Estado Ambiental pressupõe-se uma democracia ambiental, amparada
em uma legislação avançada que encoraje e estimule o exercício da responsabilidade
solidária”60. A sua concretização converge “para mudanças radicais nas estruturas existentes
da sociedade organizada”61.
Naturalmente, “nem todas as escolhas são toleráveis e admissíveis pelo projeto de
sociedade [que neste caso, também é um projeto de futuro] definido pela ordem constitucional
brasileira”, cabendo ao Poder Público a tarefa de “obstar excessos na definição das escolhas
sobre como é possível e como se desenvolverá a existência da humanidade”62.
Além disso, é precisar ressaltar que a escolha desse modelo de Estado implica num
compromisso de não regredir os níveis de proteção ambiental já conquistados.63
Nesse sentido, “não obstante o seu desenvolvimento ainda embrionário na doutrina
brasileira, a garantia constitucional da proibição de retrocesso socioambiental [...] assume
importância ímpar na edificação do Estado Socioambiental de Direito”, como se afirmou
acima, “pois opera como instrumento jurídico apto a assegurar [...] níveis normativos
mínimos em termos de proteção jurídica do ambiente” e, por conseguinte, um “direito a uma
58
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 154.
59
Ibidem p. 153-154.
60
Ibidem p. 153-154.
61
Ibidem p. 159.
62
AYALA, Patryck de Araújo. Direito fundamental ao ambiente e a proibição de regresso nos níveis de proteção
ambiental na Constituição brasileira. In: SENADO FEDERAL. COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE, DEFESA
DO CONSUMIDOR E FISCALIZAÇÃO E CONTROLE (orgs.) Princípio da proibição de retrocesso
ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 213. Disponível em:
<http://www.planetaverde.org.ar/downloads/000940398.pdf> Acesso em: 17 mar 2013.
63
MOLINARO, Carlos Alberto. Interdição da retrogradação ambiental: reflexões sobre um princípio. In:
SENADO FEDERAL. COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE, DEFESA DO CONSUMIDOR E
FISCALIZAÇÃO E CONTROLE (orgs.) Princípio da proibição de retrocesso ambiental. p. 89. Brasília:
Senado Federal, 2012. Disponível em: < http://www.planetaverde.org.ar/downloads/000940398.pdf> Acesso
em:17 mar 2013.
87
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
existência digna, sem deixar de lado a responsabilidade para com as gerações humanas
vindouras".64
Pode-se destacar não apenas um, mas vários princípios estruturantes inseridos num
modelo estatal mais esverdeado, além da proibição de regreso já dita acima, tais como
precaução, prevenção, participação em sentido amplo, poluidor-pagador, responsabilização
etc. Esses princípios seriam responsáveis para a formação de uma base que propicie maior
equidade e justiça ambientais.65
Talvez a maior dificuldade da consecução desse projeto estatal seja concretizar uma
justiça ambiental. Com efeito, a injustiça (ou iniquidade ambiental) compreende qualquer ato
de decisão, seleção, prática administrativa ou qualquer outra atividade referente à proteção do
ambiente ou transformação do território, que implique em discriminação, onerando alguns
indivíduos, grupos ou comunidades, especialmente as minorias populacionais, em virtude de
raça, condição econômica ou localização geográfica.66 Em suma, trata-se da proibição de
discriminação ambiental.
A concepção de justiça ambiental indica também a premência de se oportunizar aos
particulares condições igualitárias de acesso aos recursos naturais, de qualidade desses
recursos e de proteção diante de eventuais efeitos negativos acarretados pela degradação
ambiental, destacando que jamais serão legítimos tratamentos que envolvam relações de
preferência ou exclusividade de determinados grupos em detrimento de outros.67
Um tipo de Estado com estas características está comprometido em garantir
condições ecológicas mínimas, isto é, um mínimo existencial ecológico, expressão material da
dignidade humana que impõe uma vedação de retrocesso, como já se afirmou. A proteção de
um nível mínimo de qualidade dos recursos naturais, cujo acesso constitui condição para o
bem-estar, é imprescindível num Estado que se propõe mais sensível ecologicamente. Há um
64
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(socio) ambiental. In: SENADO FEDERAL. COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE, DEFESA DO
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67
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69
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 159.
70
Ibidem p. 161-162.
71
LEITE, José Rubens Morato. Loc. Cit.
72
AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito fundamental so meio ambiente. 1.ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
73
Ibidem p. 69.
89
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
74
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de
30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1-
11.
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76
Ibidem p. 17.
77
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República Federal de Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência
jurídica. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010. p. 43.
78
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: constituição, direitos
fundamentais e proteção do ambiente. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 46.
90
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
79
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2011. p. 227.
80
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade
humana no marco jurídico-constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008. p. 100.
81
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 152-153.
82
KLOEPFER, Michael. A caminho do estado ambiental? A transformação do sistema político e econômico da
República Federal de Alemanha através da proteção ambiental especialmente desde a perspectiva da ciência
jurídica. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010. p. 64-65.
91
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
humana que seja ao mesmo tempo digna e saudável, sem, entretanto, importar em anulação de
outras realidades.
A compreensão desse novo modelo estatal implica numa integração de realidades, o
que é incompatível com uma leitura de preferência, ou prevalência, em tese, de determinados
direitos em relação a outros.83
A proteção do ambiente, conforme proposto por esse projeto, é aquela que engloba
também a proteção de outros direitos e valores (não só o ambiental), harmonizando, assim, a
tutela de uma gama de direitos, sem, no entanto, assegurar uma tutela ambiental máxima,
excluindo ou anulando outras realidades também muitissimo importantes. Trata-se de uma
ponderação de direitos em níveis equilibrados. Naturalmente, isso implica admitir que, em
situações tais, a proteção do ambiente não prevalecerá quando confrontada com outras
realidades (como de fato o seria se a hipótese fosse de uma ecoditadura). Sob essa
perspectivda (do Estado Socioambiental), a proteção ambiental nem sempre preponderará
sobre outros valores.
Não é razoável pretender a proteção máxima do meio ambiente, proibindo-se
qualquer intervenção humana prejudicial a esse bem, pois haverá casos em que, por
razoabilidade, ele não deverá prevalecer.84 Esse projeto jurídico-político tutela
harmonicamente direitos de cunho liberal, social e ambiental, não sobrepondo, portanto, a
proteção ambiental aos demais direitos, como se fosse superior, mais importante ou mais
valiosa.
Aliás, a solução dos problemas ambientais e a concretização de um desenvolvimento
que seja sustentável passam, necessariamente, pela “correção do quadro alarmante de
desigualdade social e da falta de acesso aos direitos sociais básicos, o que, é importante
reforçar, também é causa potencializadora da degradação ambiental”85.
O ideal é que se alcance um equilíbrio entre as realidades sociais, econômicas e
ambientais.86
83
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial
(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 19.
84
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional ambiental português: tentativa de compreensão de
30 anos das gerações ambientais no direito constitucional português. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes;
LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 7.
85
FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade
humana no marco jurídico-constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.p. 27.
86
KOTZÉ, Louis J.; RENSBURG, Linda Jansen van. Uma reflexão crítica sobre as dimensões socioeconômicas
do direito sul-africano ao meio ambiente. . In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.). Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 136.
92
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
87
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: constituição, direitos
fundamentais e proteção do ambiente. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.p. 44-45.
88
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 37.
89
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit.. p. 186.
90
Ibidem p. 45-46.
91
Ibidem p. 186.
93
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
92
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: constituição, direitos
fundamentais e proteção do ambiente. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 35.
93
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra:
Almedina, 2002. p. 1354.
94
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit. p. 36.
95
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO,
José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2007. p. 61.
96
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 153.
94
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Pode-se afirmar que o status que uma Constituição confere ao ambiente é capaz de
demonstrar uma maior ou menor proximidade do Estado em relação aos valores desse projeto
estatal, uma vez “que o aspecto jurídico é muito importante para a configuração e para a
solidificação de estruturas efetivas, no âmbito do Estado e da sociedade, que visem à proteção
do ambiente”; e, por conseguinte, pode-se concluir que uma incorporação constitucional da
proteção do ambiente avança no sentido de “propor mudanças na forma de desenvolvimento,
com base em uma nova fórmula econômica”, propugnando “pelo uso racional e solidário do
patrimônio natural”97.
No que se refere especificamente à Constituição Brasileira de 1988, observa-se que
esta consiste em um texto extremamente aberto, “em sentido democrático ambiental”, pois
“busca a participação de todos na defesa e na preservação do meio ambiente”, de modo que
“todo problema de política ambiental só poderá ser resolvido quando reconhecida a unidade
entre cidadãos, Estado e meio ambiente, e garantidos os instrumentos de ação conjunta”98.
O reconhecimento de um elo forte, evidenciando uma integração necessária e
permanente entre Estado e sociedade civil, e sua indissolubilidade é “o que há de mais
vibrante nesse texto constitucional [...]. Sua realização envolve a ação e abstenção de ambos,
dentro de um processo comunicativo”99.
Além disso, a constitucionalização ambiental no Brasil “assevera uma unidade de
cooperação”, de forma inovadora, pedindo “um comportamento social ativo do cidadão em
face da coletividade e da necessidade de proteção do patrimônio ambiental”, exigindo-se do
Estado a “elaboração de normas contemporâneas, voltadas e concretizar essa cooperação nas
decisões da esfera ambiental”100.
Desse modo, o texto, da forma como está redigido, “obriga ao exercício de uma
cidadania participativa e com responsabilidade social ambiental. Tal responsabilidade é uma
obrigação com as gerações presentes e futuras, incluindo, obviamente, o uso racional dos bens
e a solidariedade”101.
Nota-se que a Constituição brasileira, ao constitucionalizar o ambiente e confiar sua
tutela a um modelo de responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade, manifestou
sinais de avanço no plano da proteção ambiental, rumo à construção de um projeto estatal de
97
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 153.
98
Ibidem p. 162.
99
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 226-227
100
LEITE, José Rubens Morato. Op. cit. p. 162-163.
101
LEITE, José Rubens Morato. Loc. cit.
95
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta é a leitura coerente que se faz do discurso de uma Constituição que se diz
compromissada com o desenvolvimento sustentável: permanente construção de um Estado
com contornos de sensibilidade ecológica, numa leitura de integração – jamais de exclusão e
conflituosidade – das múltiplas realidades e valores, entre os quais o ambiente.
Como destacado alhures, o modelo de Estado Socioambiental afigura-se como o
mais adequado para enfrentar os problemas ambientais da contemporaneidade. Por seu viés de
integração entre direitos fundamentais e de aproximação de múltiplas realidades, sem implicar
numa escolha de prevalência ou preponderância de qualquer delas, apresenta-se como o
modelo estatal de maior sensibilidade e compatível com um projeto de vida digna e com
qualidade às presentes e futuras gerações.
É preciso destacar, como já se disse acima, que a otimização dos postulados desse
projeto não resolverá de per se os problemas. Obviamente, não basta a construção de normas
ideais de proteção de um ambiente ecologicamente equilibrado, tampouco a incorporação
desses valores no seio do próprio Estado, se a sociedade não se empenhar na concretização
desses fins.
A responsabilidade compartilhada, sendo um dos principais caracteres desse tipo
estatal, deve ser sempre reforçada e estimulada, sob pena de inviabilizar a própria construção
de um futuro à humanidade.
Destaque-se, por derradeiro, e, sobretudo, a importância de uma hermenêutica
constitucional criativa, num mundo em constante transformação (inclusive ambiental), como é
o caso. Nesse cenário, um reforço axiológico dos deveres de proteção ambiental sobressai-se
96
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
como fator que tende a contribuir para uma realidade social e ambientalmente mais justa, mais
equilibrada e mais comprometida com os valores almejados pela Constituição de 1988.
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34, 2010.
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prevenção, reparação e prevenção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
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_______; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2007.
CAPELA, Vicente Bellver. Ecologia: de las razones a los derechos. Granada: Ecorama, 1994.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
_______. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789 como historia, actualidad y futuro del estado
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HELLER, Hermann. Teoria do estado. Tradução de Lycurgo Gomes da Motta. São Paulo:
Mestre Jou, 1968.
98
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KOTZÉ, Louis J.; RENSBURG, Linda Jansen van. Uma reflexão crítica sobre as dimensões
socioeconômicas do direito sul-africano ao meio ambiente. . In: SARLET, Ingo Wolfgang.
(Org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2010. p. 136.
LEITE, José Rubens Morato. Estado de direito do ambiente: uma difícil tarefa. In: LEITE,
José Rubens Morato (org.). Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação Boitex,
2000.
_______. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José
Rubens Morato (organizadores). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1.ed. São Paulo:
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MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 6.ed. rev., atual., e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. Estado ambiental de direito. Jus navigandi, n. 589,
fev/2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6340/o-estado-ambiental-de-
direito> Acesso: em 16 mar 2013.
99
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10.ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria
do advogado, 2011.
SILVA, Vasco Pereira da. Verde cor de direito: lições de direito do ambiente. Coimbra:
Almedina, 2002.
100
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Resumo: O presente trabalho demonstra a aplicabilidade do “Duty to Mitigate the Loss” nas
demandas que tenham por objeto a perquirição da responsabilidade civil ambiental promovida
de forma individualizada (dano individual ambiental ou dano reflexo). O texto apresenta a
tese de que se uma pessoa poderia ter evitado ou atenuado um dano ambiental sofrido por ela,
mas, optou, voluntariamente, em se omitir, deverá ter seu crédito mitigado. Tal consequência
liga-se diretamente à concepção contemporânea da Ciência do Direito que pretende
reestabelecer o conteúdo ético do Direito. A boa-fé objetiva, como princípio jurídico, é capaz
não só de subsidiar a fundamentação da tese do “Duty to Mitigate the Loss”, ao estabelecer
um padrão social de comportamento, mas também de revigorar esse fundamento ético do
Direito.
101
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Abstract: The aim of this paper is to demonstrate the applicability of the Duty to Mitigate the
Loss on the demands that search the liability at an single way (Single or Reflex
Environmental damage). Thereby, the purpose of this text presents the hypothesis that a
person could have avoided or mitigated an environmental damage suffered by him, but,
voluntarily, he chose a default behavior, as a consequence he must have his credit mitigated.
This result is directly linked to the contemporary perspective of Jurisprudence which aims to
restore the ethical content of Law. The good faith, as a legal principle, is able not only to
subsidize confirm the thesis of the "Duty to Mitigate the Loss", to establish a pattern of social
behavior, but also to reinvigorate this ethical foundation of law.
1. INTRODUÇÃO
Todos que estudam o Direito Ambiental têm, por óbvio e justificadamente, uma
preocupação significativa na busca dos responsáveis pela deterioração ambiental, para, com
razão, imputar àqueles que causaram o dano uma justa responsabilidade, e por consequência,
exigir que o meio ambiente retorne ao estado anterior.
Os princípios da precaução e prevenção, importantíssimos em várias searas do
Direito Ambiental, possuem o papel de conscientizar e induzir os potencialmente
degradadores a evitar o dano ao meio ambiente que é, inexoravelmente, muito mais
importante que a condenação na reparação do prejuízo sofrido, pois esta nem sempre será,
faticamente, possível.
Sabemos, todavia, que hodierna e odiosamente, os danos ambientais são presentes na
nossa sociedade e, assim, a imputação de responsabilidade ao degradador é necessária, não
somente com a intenção da tentativa de recuperar o dano, mas também para puni-lo
(mormente da esfera penal) e para que tenha um caráter inibitório em relação a outros
degradadores.
Esse estudo subsume-se acerca da responsabilidade civil do degradador, não
abarcando, portanto, a responsabilidade penal e administrativa.
A questão fulcral que trazemos refere-se ao estudo do comportamento da vítima do
dano ambiental, vale dizer, não estamos a tratar do dano ambiental comum, aquele que o
102
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
prejuízo é suportado por pessoas não identificadas, mas, sim, o dano ambiental em que a
vítima é personificada individualmente e facilmente identificada.
Ressalte-se que o aqui expendido não é aplicável ao dano ao meio ambiente mais
comum, isto é, aquele de natureza difusa, em que não se sabe ao certo as pessoas que
sofreram ou sofrerão com a deterioração, tipicamente tutelado pelas ações coletivas (ação
civil pública, ação popular etc.).
O “Duty to Mitigate the Loss”, há muito estudado pelo Direito Civil, consiste, em
breves palavras, no dever de se mitigar o dano sofrido pela vítima (futuro credor), uma vez
que esta, de alguma forma, não evitou ou atenuou o resultado danoso, mesmo podendo fazê-
lo, agindo, portanto sem boa-fé.
No Direito Ambiental, entendemos que tal análise deve ser feita, naturalmente, com
cautela, pois, como sabemos, os danos são comumente maiores.
Por outro lado, com a agradável observação que o meio ambiente vem sendo cada
vez mais objeto de atenção jurídica em todo o mundo, o estudo “Duty to Mitigate the Loss”
justifica-se, sobretudo, quando o dano é exclusivo de uma pessoa física que, lamentavelmente,
distanciando-se de um comportamento ético, poderia, mas optou por não atenuar ou evitar o
dano.
Miguel Reale sustentava que três princípios sustentam as relações humanas frente o
Direito, quais sejam: a operabilidade, socialidade e a eticidade. Esses princípios proporcionam
que o tráfego das relações jurídicas ocorram com observância a conceitos jusfilosóficos,
próprios da Ética, como o bem estar da sociedade como um todo, a diversificação das
realidades humanas em um país continental e, sobretudo, a boa-fé.
Por operabildade, entende-se como a necessidade do magistrado estar atento às
enormes diferenças existentes nas relações, graças à complexidade do ser humano e da
sociedade em que se insere. Para tanto, demonstra a importância das denominadas cláusulas
gerais e conceitos jurídicos indeterminados, que são normas abertas, mais flexíveis e que
exigem do aplicador, mormente o magistrado, esforço exegético, para compreensão do fato à
luz da norma e, consequentemente, proporcionar solução mais adequada ao caso concreto,
homenageando, assim, suas particularidades.
103
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
[...] toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica, e havia divergência de
caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a convivência de ser
enunciada de uma forma ou de outra, pensamos no ensinamento de Jhering, que diz
que é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser
executado; Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora
– é como chama que não aquece, luz que não ilumina, O Direito é feito para ser
realizado; é para ser operado... Isto posto, o princípio da operabilidade leva,
também, a redigir certas normas jurídicas, que são normas abertas, e não normas
cerradas, para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o
conteúdo através daquilo que denomino "estrutura hermenêutica". (REALE, 2013)
104
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
2.2. A Boa-fé nas Relações Sociais e a Contradição Consigo Mesmo: A Filosofia Pura na
Construção do “Duty to Mitigate the Loss”
105
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A partir do estudo filosófico narrado nos itens anteriores, construiu-se uma teoria que
determina que uma vítima de determinado dano arcaria com uma sanção, qual seja: a redução
da reparação do prejuízo que sofreu.
Justifica-se a não reparação integral da vítima individualizada (repita-se que esta
teoria não se aplica ao dano difuso) pela ausência de comportamento da vítima que poderia
evitar ou atenuar o dano que sofreu.
Afinal, a boa-fé além de ser um conceito jusfilosófico foi encampado pelo
ordenamento jurídico, como nos artigos 113 e 422 do Código Civil, que dispõem que os
negócios devem ser interpretados conforme a boa-fé e que os contratantes são obrigados a
avençar conforme a probidade e boa-fé.
Nesse sentido, o Conselho da Justiça Federal, na primeira Jornada de Direito Civil,
emitiu os Enunciados 25, 26 e 271, em que estabelece que é dever do magistrado exercer o
papel de hermeneuta, perquirindo se as partes atuam segundo o padrão ético recomendado
para aquele negócio.
Nesse diapasão surge a Teoria do “Duty to Mitigate the Loss”, ou seja, a mitigação
do prejuízo da vítima (futuro credor).
1
Enunciado 25 - Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da
boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.
Enunciado 26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e,
quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de
comportamento leal dos contratantes.
Enunciado 27 - Art. 422: na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do
Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.
106
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Com efeito, se o credor de uma obrigação poderia ter agido para evitar o
agravamento da situação do devedor ou até mesmo a inexistência da obrigação do “solvens”,
mas, por ausência de boa-fé, optou por suportar o prejuízo na expectativa de seu
ressarcimento (ou uma indenização maior), deverá ser sancionado por ausência de probidade.
Nesse sentido o Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil do CJF: “Art. 422: O
princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.”
A origem do instituto reside no Direito Contratual, a partir do artigo 77 da
Convenção de Viena de 1980, que estabeleceu:
A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando
em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o
prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte
faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da
perda que poderia ter sido diminuída.
107
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
f) Vários outros casos concretos foram julgados no Brasil, como, por exemplo no
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul2 e no Tribunal de Justiça de São Paulo3, conforme
citado por Daniel Pires Novais Dias (2012).
Não obstante ter sido no Direito Contratual a origem do “Duty to Mitigate the Loss”,
existe também enorme importância na seara da Responsabilidade Civil.
O Código Civil, em sua literalidade, cuidou da definição de ato ilícito nos artigos 186
e 187. No primeiro dispositivo, prescreveu que os elementos dolo ou culpa (negligência,
imprudência ou imperícia) são requisitos para a constatação de uma ação ou omissão ilícita e,
uma vez suportado um dano por outrem, aquele deverá repará-lo. O artigo 187, dispondo
sobre o abuso de direito, estipulou que se uma pessoa, embora exercendo um direito, atua em
desconformidade com a boa-fé, bons costumes ou sem finalidade econômica/social, também
age ilicitamente.4
Concluindo a análise do texto legal, diante da constatação da ocorrência de uma ação
ou omissão dolosa ou culposa, quer pela definição clássica quer pelo abuso de direito, aquele
que perpetrou deverá reparar o prejuízo sofrido por outrem, nos temos do artigo 9275.
Exemplo didático pode ser encontrado em uma situação em que dois carros se
chocam no trânsito. O condutor do veículo inocente observando uma pequena chama e
podendo perfeitamente apagá-la com seu extintor, opta por deixar o fogo alastrar-se
intencionando receber uma indenização equivalente a um carro novo. Propõe-se, nessa
2
12ª Câm. Cív., AC 7002.813.8113, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. 29.01.2009; 5ª Câm. Cív., AC
70025267683, Rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. 18.02.2009; 5ª Câm. Cív., AC 70025609579, Rel. Des.
Umberto Guaspari Sudbrack, j. 20.05.2009; 6ª Câm. Cív., AC 70028036465, Rel. Desa. Liége Puricelli Pires, j.
09.04.2009; 19ª Câm. Cív., AC 70019328889, Des. Rel. José Francisco Pellegrini, j. 13.05.2009; 9ª Câm. Cív.,
AC 70022586994, Des. Rel. Guinther Spode, j. 01.04.2008; 6ª Câm. Cív., AC 70029093150, Rel.Desa. Liége
Puricelli Pires, j. 17.09.2009; 6ª Câm. Cív., AC 70029906492, Rel. Desa. Liége Puricelli Pires, j. 27.08.2009; 10ª
Grupo Cível, EI 70024988883, Rel. Des. Glênio José Wasserstein Hekman, j. 22.08.2008; 18ª Câm. Cív., AC
70029284296, Rel. Des. Pedro Celso Dal Prá, j. 25.06.2009.
3
34ª Câm. de Dir. Priv., AC com revisão 1036109-0/8, Rel. Desa. Rosa Maria de Andrade Nery, j. 27.06.2007, r.
06.07.2007; 31ª Câm. Cív. AI 1288546- 0/2, Rel. Des. Adilson de Araújo, j. 25.08.2009; 16ª Câm. de Dir. Priv.,
AC 1029972-4, Rel. Des. Candido Alem, j. 05.09.2006; 16ª Câm. de Dir. Priv., AC 1.293.652-8, Rel. Des.
Windor Santos, j. 19.02.2008; 23ª Câm. de Dir. Priv., AC 7.233.601-9, Rel. Des. J. B. Franco de Godoy, j.
29.04.2009; 18ª Câm. de Dir. Priv., AC 7.321.841-4, Rel. Des. Rubens Cury, j. 10.03.2009; 16ª Câm de Dir.
Priv., AC 7199559-0, Rel. Des. Candido Alem, j. 17.06.2009; 16ª Câm de Dir. Priv., AC 0891290-1, Rel. Des.
Candido Alem, j. 19.05.2009; 16ª Câm. de Dir. Priv., AC 096785lT, Rel. Des. Candido Alem, j. 02.06.2009; 31ª
Câm. de Dir. Priv., AC com revisão 1242899- 0/5, Rel. Des. Francisco Casconi, j. 16.06.2009; 35ª Câm. de Dir.
Priv., AC com revisão 1196110- 0/1, Rel. Des. Clovis Castelo, j. 16.03.2009; 11ª Câm. de Dir. Priv., AC
7355554-1, Rel. Des. Rangel Desinano, j. 18.06.2009; 16ª Câm. de Dir. Priv., AC 1.170.013-1, Rel. Des.
Candido Alem, j. 03.07.2007; 31ª Câm. de Dir. Priv., AC com revisão 978450- 0/0, Rel. Des. Willian Campos, j.
19.12.2006; 31ª Câm. de Dir. Priv., AR 992.09.04 9036-2, j. 01.12.2009.
4
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
5
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
108
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
situação, que a vítima que deixou de atuar para minimizar o dano receba, tão somente, o valor
que equivalha ao dano efetivamente provocado inicialmente.
Sabemos que em uma ação de indenização por responsabilidade aquiliana, incumbirá
ao autor, em regra, o ônus da prova do fato constitutivo do direito, que corresponderá à
demonstração de que o réu cometeu um ato ilícito, que o autor suportou um dano e que este é
consequência daquele, o que se denomina nexo causal.
Para que se possa aplicar o “Duty” é necessário que o juiz verifique que a vítima,
autora da ação indenizatória, tenha agido com dolo ou culpa na medida em que vislumbrou
que sua omissão acarretaria um ganho para ela, vantagem essa que, se tivesse agido com boa-
fé, seria evitada.
Figura-se na narrativa do parágrafo anterior o que os civilistas denominam de culpa
concorrente da vítima, acarretando a repartição dos danos apurados. Vale dizer, se autor e réu
foram culpados pela causação do resultado, ambos devem arcar com as consequências
indenizatórias. Este preceito foi adotado no Direito Civil conforme disposto no artigo 945 do
Código Civil6.
Conforme Dias (2012), Grécia, Itália, Alemanha, Suíça e Portugal são países que
legislaram no sentido exposto no parágrafo anterior:
6
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-
se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
El deber de hacer todo lo exigible y posible para eludir el daño que amenaza (o la
agravación del ya producido) y de disminuirlo cuando ya haya tenido lugar, es un
deber de conducta que obliga al perjudicado frente al obligado a indemnizar y que,
por otra parte, ha de fundarse en la ‘buena fe’ y estar delimitado por ésta. (1959, p.
223)
7
Como sustenta Pothier (2001) quando narra o caso de um comprador de vaca doente que contamina todo o
rebanho e, por consequência, em razão da ausência de bois para puxar o arado, o vendedor deverá indenizar a
vaca e o rebanho, mas não os lucros não advindos pela ausência da produção agrícola, pois estes não são
consequências diretas da vaca doente.
110
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O abuso de direito, já explicado acima quando tratamos da lei civil, dispõe que se
uma pessoa é titular de um direito e, portanto pode exercê-lo nada estará ocorrendo de ilícito.
Todavia, se o exercício do direito não for propulsionado pelo interesse econômico, social,
bem como, não se coadunar com comportamentos costumeiramente aceitos como positivos ou
for animado pela má-fé, a ilicitude se concretizará.8
Com efeito, o Direito não nos impõe, em hermenêutica restritiva, que atuemos para
minimizar um prejuízo causado por outrem. Todavia, se a omissão for fundada na malícia de
obter vantagem indevida, estar-se-ia verificada a má-fé, um péssimo costume que é
inadmissível entre pessoas leais, restando, pois, enquadrá-lo como um abuso inadmitido
juridicamente.
O “venire contra factum proprium”, ou seja, a proibição do comportamento
contraditório, comumente estudado em conjunto com o abuso de direito, reforça a tese
expendida. Afinal, se uma pessoa é vítima, significa dizer que ela não desejava suportar o
dano, bem como, não foi em hipótese alguma sua causadora (quer por ação ou omissão). No
“Duty” é justamente isso que não se vislumbra, pois a pessoa que sofreu o dano poderia ter
evitado ou ao menos atenuá-lo.
2.4. “Duty to Mitigate the Loss of the Environmental Damage” (Dever de Mitigar o
Prejuízo no Dano Ambiental)
8
Nesse sentido o Enunciado nº 37 do CJF: “Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito
independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.”
111
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério
Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
[...] o dano ambiental, via de regra, é de natureza difusa, atingindo toda uma
coletividade de pessoas [...] o regime jurídico da responsabilidade civil aquiliana
exigia a prova da culpa (imprudência, negligência ou imperícia) do poluidor, para,
só então, aplicar o princípio do poluidor-pagador. Apenas o dano culposamente
causado era passível de indenização. (1993, p. 234)
Todavia, nesse trabalho vamos afastar a natureza difusa e iremos atentar tão somente
ao dano ambiental individual (“não-difuso”), embora raro.
Assim, ainda que a perquirição de culpa daquele causou o dano ambiental seja
despicienda, vamos estudar o comportamento da vítima.
Ressalte-se, portanto, que o elemento subjetivo se fará presente neste estudo, não
para avaliarmos a psique do autor do dano, mas sim da vítima. Importante, portanto,
entendermos bem o que seja culpa. Registre-se Kelsen:
O momento a que chamamos “culpa” é uma parte integrante específica do ato ilícito:
consiste numa determinada relação positiva entre o comportamento (atitude) íntimo,
anímico, do delinqüente e o evento produzido ou não impedido através da sua
conduta externa; consiste na sua previsão ou na sua intenção, àquele evento dirigida.
(1999, p. 134)
A tese que ora sustentamos, como já dito algumas vezes nesse texto, só é aplicável ao
dano ambiental onde a vítima é (são) pessoa(s) identificada(s), pois nessa hipótese, pouco
comum, ainda que não seja necessário a demonstração de culpa ou dolo do infrator para que
alguém seja responsabilizado pelo dano e, portanto, deva reparar o prejuízo que causou,
pensamos que devemos analisar o comportamento subjetivo da vítima.
Assim, quando uma pessoa mover uma ação de indenização contra um provocador de
dano ambiental sofrido especificadamente pelo demandante, não se pesquisará se houve culpa
do ofensor, mas, como iremos demonstrar, poderá, em homenagem ao “Duty to Mitigate the
Loss” ocorrer a mitigação do prejuízo graças a um comportamento da vítima.
112
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
9
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
10
Na primeira instância (Juizado Especial do Rio de Janeiro) a decisão teve a seguinte ementa:
"Indenização - Derramamento de óleo cru na Baía de Guanabara - Desastre ecológico-ambiental que atinge ilha
em que moram os autores - (...) - Danos causados que não são totalmente reparados nem contidos pelas medidas
técnicas adotadas pela ré, vez que estas estancam os efeitos nocivos do impacto ambiental na forma de ações
emergenciais, mas não têm o condão de eliminar todas as conseqüências ambientais e sócio-econômicas danosas
decorrentes do fato a nível futuro. Responsabilidade civil - Empresa-ré que é fornecedora de serviço na forma do
art. 3º Codecon - Autor que se enquadra na qualificação de consumidor por equiparação (vítima do evento) Art.
17 Codecon - Princípio da dimensão coletiva das relações de consumo a ser considerado no caso - Dever de
reparação pelos danos causados - Arts. 12 caput §1º c.c 6º VI Lei 8078/90 - Empresa-ré que na esfera
administrativa se compromete a pagar aos autores R$ 500,00 mensais ao longo de dez meses a título de
indenização por danos materiais, e que efetua tão somente o primeiro pagamento decidindo unilateralmente
cancelar os restantes - Autor que ajuíza ação em sede de JEC pleiteando o pagamento pela ré das nove parcelas
pendentes e indenização por dano moral em face da conduta desrespeitosa da empresa - Ré que em peças
defensivas enumera e exemplifica medidas técnico-administrativas e sociais implementadas logo após o evento
danoso para minimização de suas conseqüências, mas que não comprova o controle e a erradicação dos males e
prejuízos oriundos do mesmo - Danos materiais existentes e inclusive estimados pela própria empresa-ré –
Danos morais ocorrentes em face da falta ao dever de cuidado e cooperação com os interesses do cidadão e da
insegurança a ele imposta bem como a todo o meio ambiente. Preliminares arguidas pela ré em peça
contestatória acertada e fundamentadamente rechaçadas pelo Juízo a quo - Sentença de procedência total do
pedido que condena a ré a pagar aos autores R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) a título de indenização
por danos materiais e ainda R$ 1.540,00 (Hum mil quinhentos e quarenta reais) por danos morais, que se
confirma. (Proc.: 2001.700.001245-8; Juíza Relatora: Cristina Tereza Gaulia)
114
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
11
. LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. P.108.
12
Observa-se, no ordenamento jurídico brasileiro, a existência de dois sistemas processuais paralelos: um para
regular os conflitos individuais, formado pelo Código de Processo Civil e pela legislação extravagante
individual; outro para tutelar os interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos),
integrado pelas disposições da Lei da Ação Civil Pública, do Título III e demais disposições processuais do
CDC. Vide: PILATI, Luciana Cardoso. O sistema processual supraindividual e a responsabilização civil por
danos causados ao meio ambiente: ação civil pública e código de defesa do consumidor. In: BENJAMIN,
115
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3. CONCLUSÃO
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Meio Ambiente: 25 anos da Lei 6.938/81. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 259-346.
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1958, t. 22.
118
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
O objetivo é analisar a relação entre conflito de interesse, pretensão e lide (ou litígio) e os
fatores socioambientais. Defende-se a tese de que os interesses, as pretensões e as lides,
presentes ou geradas nesses conflitos, constituem o ambiente retórico do direito processual
ambiental. Defende-se também que se inserem na problemática das contradições ambientais
que se verificam na economia e que atingem a teoria do processo ambiental. A abordagem é
feita conforme o modelo desenvolvido por João Maurício Adeodato. A retórica, como
método, passa pela compreensão do ambiente humano, no caso, a descrição dos fenômenos
ambientais. Envolve o controle público da linguagem do direito processual ambiental.
Palavras-chave:
MEIO AMBIENTE; RETÓRICA JURÍDICA; PROCESSO AMBIENTAL
RIASSUNTO
L'obiettivo è analizzare il rapporto tra conflitto di interessi, pretensione e lide e i fattori
socioambientali. Si sostiene la tesi che gli interessi, le pretensioni e le lidi, costituiscono
l'ambiente retórico del diritto processuale. Si sostiene anche che si inseriscono nelle
contraddizioni ambientali che si verificano nella economia e che colpiscono la teoria del
processo ambientale. L'approccio è fatta secondo il modello sviluppato da João Maurício
Adeodato. La retorica, come metodi, descrive l’ambiente umano ed i fenomeni ambientali.
Coinvolge il controllo pubblico del linguaggio del diritto processuale ambientale. Offre un
punto di vista politico e giuridico alla missione del processo ambientale nella società.
Parole-chiave:
AMBIENTE; RETORICA GIURIDICA; PROCESSO AMBIENTALE
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Este artigo tem por base a relação entre conflito de interesse, pretensão e lide (ou
litígio) socioambientais relativos aos vetores de conflitos socioambientais como, por exemplo,
a má gestão da água, a fome e a desnutrição alimentar e os impactos das mudanças climáticas.
Defende-se a tese de que os interesses, as pretensões e as lides, presentes ou geradas nesses
conflitos, constituem o ambiente retórico do direito processual ambiental. Ressalte-se que,
neste trabalho, lide é colocada como sinônimo de litígio.
Defende-se também que a relação entre conflito de interesse, pretensão e lide, além
de ser uma convenção retórica, se insere na problemática das contradições que se verificam no
processo de produção de riquezas, principalmente aquelas que atingem o meio ambiente, opõe
objetivamente os diversos grupos sociais e se refletem, por sua vez, na teoria do processo
ambiental. Por exemplo, no semiárido pernambucano os conflitos de interesses relativos à má
gestão da água, à fome e à desnutrição alimentar e os impactos das mudanças climáticas estão
associados a dois outros conjuntos de conflitos. De um lado, aqueles relativos à agropecuária
extensiva, sem recursos e com técnicas de produção atrasadas e, de outro, aqueles relativos à
agricultura irrigada, intensiva, com nível tecnológico superior e com grande aporte de
recursos, porém, frequentemente, manejada de forma inadequada. Em ambos os casos, o fator
indutor do conflito é a crescente pressão da economia de mercado sobre essas áreas. Esses
fatores colaboram para o aumento da degradação ambiental na região, o que gera reflexo,
também, no aumento das lides socioambientais levadas ao Judiciário.
O artigo entende que a situação descrita tem reflexo sobre os indivíduos. Tal situação
ameaça a eficácia das relações sociais e o próprio poder político, força o Estado a dirimir as
lides, mediante o processo, e restaurar as relações jurídicas porventura resistidas. Mais do que
isso, o Estado busca reconhecer meios alternativos de composição de lides, mesmo que
120
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O sentido que se vai emprestar à palavra retórica não é o de Platão, que a associa à
enganação e falsidade. Parte-se de Aristóteles, que admite um uso positivo para a retórica,
com base na ética e na política. Para o Estagirita (1998, I, 1354b, 1355a, 1355b, p. 46-47), a
retórica é um bem relativo, pois pode ser pervertido para o mau uso, daí que a retórica não se
presta como técnica de dominação, mas, sobretudo, de defesa. Para se refutar os argumentos
contrários, será necessário compreender o sistema argumentativo adversário.
Entretanto, o método retórico que se quer aplicar no artigo é o de João Maurício
Adeodato, que vai além de Aristóteles. Aqui, a retórica é a linguagem constitutiva da
realidade. A linguagem é a única realidade ambiental possível ao ser humano e força três
níveis principais para a retórica: a retórica dos métodos, a retórica metodológica e a retórica
metódica. O primeiro nível passa pela compreensão da retórica no ambiente humano, no caso,
a descrição dos fenômenos ambientais. Adeodato (2011, p. 2-3, 5, 20, 42) fala que a retórica
dos métodos é envolve a comunicação humana cotidiana, sem a pretensão de influir no
ambiente. O segundo nível corresponde à necessidade do uso da retórica, de forma
estratégica, para a defesa de objetivos escolhidos pelo sujeito em relação à sua posição no
meio ambiente, o que equivale às várias teses sobre sustentabilidade, desenvolvimento
sustentável, justiça ambiental, etc. Já o terceiro nível passa pela compreensão dos mecanismos
de desconstrução da retórica de segundo nível, é analítico.
Na retórica dos métodos ocorre um controle público da linguagem, em cima das
expectativas do sujeito, pelo qual a realidade só existe para o homem na comunicação; nada
acontece fora da linguagem (ADEODATO, 2009b, p. 35, 37, 39, 40, 41, 43, 45).
A retórica dos métodos é a maneira pela qual os seres humanos efetivamente se
comunicam, o que inclui suas artes e técnicas sobre como se conduzir diante dos demais. Ela
constitui o próprio ambiente em que acontece a comunicação, integra a antropologia humana
e envolve diretamente as relações do homem em comunicação (ADEODATO, 2009b, p. 32,
35, 36).
Envolve a própria linguagem, no sentido de que o homem, desde que em
comunicação, seja ela qual for e de que tipo for, está sempre ordenando, orientando,
vinculando, regulando, posicionando-se, enfim, praticando variadas funções vitais da vida
social, ao intervir no convívio social em que está inserido. Constitui a própria a realidade que
o homem experimenta e permite que vivencie não só o direito, mas os outros subsistemas
sociais, como a moral e a religião, de forma concreta (BALLWEG, 1991, p. 176-177).
Adeodato (2009b, p. 34, 35) defende que qualquer comunicação intersubjetiva ou
mesmo intrasubjetiva é retórica, inclusive uma postura que se intitule contra-retórica, ou que
122
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
tenha a pretensão de ser, não deixa de revelar nítido verniz retórico, pois, para a configuração
da atitude retórica, basta a comunicação. Se a comunicação se dá no ambiente da linguagem,
ou se o ato humano traduz linguagem, a ponto de se fazer compreensível, existe a realidade
(BLUMENBERG, 1999, p. 140).
Pela circunstância de a realidade existir para o homem na comunicação, não só o
conhecimento é retórico, mas a percepção humana da própria existência também o é, o que se
reflete na compreensão homem da sua relação com a natureza e com os seus fatores bióticos e
abióticos. Segundo Adeodato (2009b, p. 34), com base em Nietzsche, nada existe fora da
linguagem; mesmo aquela linguagem consigo mesmo, que constitui o pensamento, é retórica.
Ao considerar que a argumentação entimemática, própria da retórica, baseada na
verossimilhança, associa a retórica com expectativas (BLUMENBERG, 1999, p. 136), pode-
se dizer que a retórica dos métodos parte do controle público da linguagem e conduz a
consensos temporários e condicionais (ADEODATO, 2009b, p. 35).
A racionalidade estrutura-se pela retórica, ou seja, o raciocínio opera com discursos
persuasivos para si e para os interlocutores. Aristóteles (2005, I, 100a, p. 347), ao afirmar que
“o raciocínio é um argumento em que, estabelecidas certas coisas, outras se deduzem
necessariamente das primeiras”, estabelece uma identidade entre racionalidade, linguagem e
retórica.
A retórica dos métodos é desenvolvida segundo a percepção individual do homem,
mas em sua interação com o outro, no discurso. Conforme Adeodato (2009c, p. 251), isso
corresponde ao método, composto por discursos retoricamente articulados na intervenção do
homem no contexto social, econômico, político e histórico em que está inserido.
A retórica dos métodos envolve o ambiente em que a teoria do processo ambiental
está inserida. Todas as interações entre os homens que ocorrem no contexto social,
econômico, político e histórico em que a jurisdição se insere, constituem a retórica dos
métodos. Do ponto de vista da teoria do processo, esse ambiente é marcado pelo exercício do
poder, mediante a realização de um procedimento, que sujeitará o cidadão à eficácia da
prestação da justiça, e não necessariamente à efetividade, mas na base está a relação entre o
conflito de interesse, a pretensão e a lide.
Como já anunciado na introdução, o objetivo do artigo é tentar mostrar, justamente,
que o conflito de interesse, a pretensão e a lide ambientais constituem o ambiente retórico
material da teoria do processo ambiental. Oferece-se uma série de relatos que, no fundo,
definem a retoricamente a teoria do processo ambiental. A tarefa da retórica dos métodos é,
mediante a linguagem, constituir esses elementos.
123
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Essa constituição passa por criar e apresentar o bem da vida ambiental perante a
população como um bem de natureza difusa. Assim, a retórica dos métodos pode fazer com
que as interações formais, o conflito de interesse, a pretensão e a lide, que giram em torno
desse bem da vida, constituam a realidade experimentada processualmente pelo direito.
Permite-se que a base da teoria do processo ambiental seja entendida, e mesmo criada,
linguisticamente mediante estratégias desenvolvidas num ambiente de comunicação. A tópica
vai ter uso relevante nesse nível da retórica ao, por exemplo, apresentar um determinado
interesse, a exemplo do impacto ambiental das florestas plantadas, como difuso.
Vale citar a lição de Adeodato (2011, cf.) ao afirmar que a retórica dos métodos é
constituída de pequenos fatos e circunstâncias que revelam as estratégias utilizadas na
construção da realidade pela linguagem.
A sociedade contemporânea, após a queda do leste europeu, incorpora a
ambivalência, a insegurança, a procura de novos princípios e o redesenho do relacionamento
entre as atribuições das instituições do Estado e da própria sociedade Ulrich Beck (1995, p.
4). Essa incorporação funda a pós-modernidade. Questiona-se a sociedade moderna, que
pretendia emancipar o homem, mas produziu o seu contrário. Busca-se enfrentar problemas
para os quais não há solução tradicional, o seu enfoque é a desconstrução, alternativas,
mudanças de paradigmas para atender às demandas postas pela sociedade. A sociedade pós-
moderna é a sociedade de risco, que designa um estágio de superação da modernidade em que
a humanidade começa a reagir às ameaças ambientais produzidas pelo capitalismo. Nessa
situação, o discurso vencedor, o relato vitorioso, vai ser aquele que orienta os cidadãos a
considerarem a imprevisibilidade dos riscos ambientais; a entenderem que os riscos
ambientais não respeitam necessariamente as desigualdades sociais e atingem também as
classes dominantes; a se conformarem que os riscos ambientais não quebram a lógica do
mercado; que o problema ambiental é também um problema político e, portanto, do Estado.
Os riscos formam um conjunto de inseguranças e ameaças introduzidas pela própria
modernização e que se relacionam diretamente às forças produtivas parasitárias do
capitalismo (BECK, 1995, p. 21). Essa insegurança permite que a retórica tente controlar a
incerteza social e reduzir a ameaça potencial, chamada de álea, que afeta os indicadores de
vulnerabilidade e marca a retórica dos métodos.
A retórica dos métodos, aplicada na teoria do processo ambiental, não encara o
citado processo como uma relação de causa entre os eventos. Ela constrói a sua teoria retórica
em função de uma contingência: os riscos ambientais.
124
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
É de ressaltar que o cerne da retórica dos métodos passa por atrelar a proteção
ambiental à elevação do bem da vida em bem ambiental a partir do interesse da sociedade e à
medida da intensificação do risco ambiental. Só assim, se consegue justificar ideologicamente
normas jurídicas que atendam aos interesses que vão além da mera individualidade, como os
difusos e os individuais homogêneos. Observa-se que o relato dominante acaba por
transformar linguisticamente um bem privado em um bem de natureza difusa, aceito por todos
e em um fato histórico. A linguagem constrói isso e permite os acordos entre o orador e o
auditório que transformam um fato em um fato histórico. Para a retórica dos métodos, o que
interessa sempre é o relato dominante, pois é ele que transforma uma sucessão de eventos em
fato histórico (ADEODATO, 2010, p. 141, 148).
A tese ressalta a importância do relato dominante na retórica dos métodos, na qual,
para Adeodato (2010, p. 141, 148), uma sucessão de eventos se torna um fato histórico
quando existe acordo entre os participantes da comunicação. Uma vez estabelecido o acordo,
que pode envolver o consenso, mesmo que momentâneo, a tarefa passa a ser a de reproduzir a
ideia fundamental contida no relato histórico (ADEODATO, 2010, p. 175). A condição do
homem é o relato que ele desenvolve sobre a natureza, o que envolve a defesa da ordem
jurídica e política e a restrição das relações proprietárias diante do bem ambiental.
Prevalece a retórica dos métodos, pois a teoria retórica se dá em cima da realidade
ambiental. Apresenta uma descrição universal do problema ambiental e uma versão, como se
fosse a melhor, a mais coerente com os interesses da sociedade.
O domínio do direito ambiental é uma exigência decorrente das estratégias para o
controle da retórica dos métodos sobre o meio ambiente, diante da fricção que se opera
internamente na base material da sociedade, principalmente na economia política. Então, a
utilidade deve ser a preocupação no direito ambiental. O discurso judicial tem de estabelecer o
que é mais útil para a preservação da mesma relação social ambiental.
125
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
orador. Essas fórmulas são compostas principalmente pela tópica, pela teoria da
argumentação, pela teoria das figuras e pela linguística (BALLWEG, 1991, p. 178).
No sistema constitucional brasileiro está determinado que a ordem econômica está
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, o que implica a proteção do
equilíbrio ecológico.
Esse equilíbrio ecológico funciona como um macro bem ambiental e é composto por
diversos fatores bióticos (fauna, flora, diversidade biológica, etc) e abióticos (terra, mar,
rochas), micro bens ambientais, passíveis de proteção jurídica (RODRIGUES, 2011, p. 46,
47).
O bem ambiental é espécie de bem da vida, entendido por Cândido Rangel
Dinamarco (2002, p. 36) como todas as coisas, situações ou mesmo pessoas que de algum
modo possam ser objeto de aspirações e direitos. Pontes de Miranda (2001, p. 37, 95) se
aproxima da posição de Dinamarco ao sustentar que o bem da vida abrange o bem material, o
próprio viver, a liberdade e os direitos fundamentais e os direitos políticos, bem como a honra
e a incolumidade individual, a vocação, os prazeres e as repulsas do homem.
Francesco Carnelutti (1941, p. 47) afirma que o bem da vida é o ente capaz de
satisfazer uma necessidade do homem. Pois, justamente, a esfera de apreensão de direitos
sobre o meio ambiente se materializa no bem ambiental. O bem ambiental envolve uma
universalidade que abrange bens materiais e imateriais, bens disponíveis e indisponíveis e as
relações jurídicas economicamente relevantes. Bem ou recurso ambiental vai muito além da
atmosfera, das águas interiores, superficiais e subterrâneas, dos estuários, do mar territorial,
do solo e do subsolo, dos elementos da biosfera, da fauna e da flora, definidos no art. 3º,
inciso V, da Lei nº 6938/81.
O caráter do bem ambiental faz como que ele não possa ser dividido sem que se
alterem as suas propriedades ecológicas. Essa indivisibilidade do bem ambiental resulta na
imprevisibilidade do impacto ambiental para além das fronteiras. É o que se denomina de
ubiquidade ((RODRIGUES, 2011, p. 47).
Por conta da característica apontada, o bem ambiental é instável e produz efeitos
atemporais e o dano causado ao meio ambiente pode, inclusive, atingir a esfera de bens
privados. Por tudo, o bem ambiental é um patrimônio difuso, em sua integralidade,
inalienável (SIRVINSKAS, 2010, p. 109-110).
Como se observa, o bem ambiental, assim juridicamente conceituado, abrange todos
os recursos essenciais à sadia qualidade de vida e, por sua particularidade universal, vai além
126
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do bem de uso comum do povo, do bem particular e do estatal. É essa característica do bem
ambiental que o coloca como bem de natureza difusa, não há como determinar alguém que só
tenha acesso a esse bem ou mesmo privar um indivíduo do seu gozo. O bem ambiental
pertence a cada um abstratamente, pois não há como se identificar o seu titular, bem como
dividir o seu objeto.
Como um patrimônio difuso, em sua integralidade, é inapropriável e indisponível à
acumulação privada da riqueza. Então, essa categoria jurídica acaba por servir retoricamente
como técnica de intervenção do Estado na ordem econômica para submeter o particular a
interesses extrapatrimoniais, no caso do meio ambiente, de natureza difusa. Um fator que
contribuiu muito para isso foi o advento do Estado democrático e social de direito, que força o
controle da atividade econômica, com vistas ao bem-estar social, a partir de princípios de
tutela dos direitos, fundamentalmente à base da dignidade da pessoa humana, o que eleva o
meio ambiente à condição de direito fundamental como esfera mínima para a sobrevivência
da sociedade (LÔBO, 2010).
Isso é retórica metodológica, pois, o Estado, ao utilizar a categoria “direito difuso”,
tenta criar um consenso sobre determinados relatos de retórica dos métodos, como, por
exemplo, o meio ambiente, a pessoa humana e a ordem econômica, ao objetivar a proteção do
bem ambiental.
A elevação do bem ambiental como bem da vida de caráter difuso tem como alvo a
propriedade. O efeito direto é que a visão da propriedade passa a ser identificada a partir de
centros de interesses extraproprietários, que tangenciam o bem da vida, regulados no âmbito
da relação jurídica dominical (TEPEDINO, 2008, p. 337).
Em relação aos interesses proprietários e extraproprietários que afetam o bem da
vida, envolvem uma relação de complemento entre a pessoa e o bem, pelo qual aquela
depende deste para satisfazer sua necessidade. Para Carnelutti (1941, p. 46-47), o interesse é a
posição do homem favorável à satisfação de uma necessidade, envolvendo uma relação entre
o homem que experimenta a necessidade e o bem apto a realizá-la. Necessidade, aqui,
constitui uma situação de carência ou de desequilíbrio biológico ou psíquico, traduzindo a
falta de alguma coisa. O bem deve efetivamente realizar a necessidade para que haja interesse.
Como o bem ambiental tem natureza difusa, esse interesse é o social, titularizado não só pelo
Estado, mas por todos os cidadãos, e até mesmo por estrangeiros não residentes no Brasil,
representando indistintamente a sociedade.
No sentido posto, a função social da propriedade aparece também como emanação
dessa qualidade do bem ambiental e tenta equacionar os direitos e as obrigações do indivíduo
127
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decisão judicial não passa por parâmetros técnico-científicos, mas envolve topos retóricos,
com juízos de valor; argumentos com forte carga abstrata, por exemplo, soberania nacional,
desenvolvimento, dignidade da pessoa humana, empregados para justiçar julgamentos de
litígios sobre o meio ambiente.
A intersecção entre o conflito de interesses socioambiental e o direito ambiental e o
direito processual ambiental se passa mediante contradições originadas na forma do homem
produzir as coisas e distribuir a riqueza. A tarefa da retórica deve ser sempre também a de
auxiliar o isolamento das contradições principais e secundárias que ocorrem nesse processo e
que se refletem no direito. Opera-se a crítica, mediante o exame das contradições, das
estratégias utilizadas pelos atores sociais, na defesa das suas ideias sobre o meio ambiente,
para influir no contexto em que ocorre o dano ambiental.
Isto significa analisar a questão ambiental mediante a separação dos aspectos
contrários e positivos da formação das ideias jurídicas sobre o dano ao meio ambiente,
criticando-os e buscando a melhor persuasão possível, dentre os melhores argumentos, acerca
da existência de possíveis soluções científicas, despercebidas pelo esquema decisional, à base
dos condicionantes históricos e materiais em que o Brasil está inserido. Aqui, vai se dar valor
aos aspectos quem/o que/onde/quando/por que. Assim, entende-se que a retórica se comporta
também como uma metódica, analisa e determina os procedimentos utilizados no
convencimento, bem como as estruturas de persuasão pelo discurso.
Também as contradições verificadas no processo de produção, fator potencializador
da transformação do conflito de interesses socioambiental em lide socioambiental, vão gerar
quatro tipos de crises jurídicas. A primeira se trata da crise de certeza. Envolve uma dúvida
sobre a relação jurídica. Exige uma tutela declaratória que vise à obtenção da certeza sobre a
mesma. A segunda é a crise de adimplemento. Ela diz respeito a um direito contestado. O
litigante pede uma tutela condenatória/executiva para a atribuição do bem da vida. Já a
terceira é chamada de crise das situações jurídicas. Tem como condição a eficácia do direito
em face de dada relação jurídica. O objetivo é a obtenção de uma tutela constitutiva. O
litigante quer a criação, a modificação ou a extinção de dada relação jurídica (DINAMARCO,
2002, p. 108-109, 118-119).
Depois vem a crise jurídica sistêmica. Ela ocorre quando o ordenamento jurídico não
consegue cumprir a sua finalidade de proteger e reproduzir as relações jurídicas materiais e as
demais relações sociais, face o acirramento das contradições sociais e da radicalização da luta
entre as camadas sociais. Diz respeito não à eficácia, mas à efetividade/eficiência do direito
132
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face às relações sociais. Existe uma impossibilidade de resolução da lide. A tutela é inefetiva
e existe ruptura, ou ameaça de ruptura, político-constitucional.
Esse é o ponto. A única forma de superar a crise sistêmica do direito processual e se
alcançar a efetividade da norma jurídica processual ambiental, em que todos os atores sociais
e o meio ambiente sejam contemplados, é a sustentabilidade à base dos direitos humanos e
naturais difusos.
Essa formulação permite que a análise retórica seja feita de modo integrador, pois os
entes da natureza se comportam de forma dialética, estão em permanente interação. Isso não
impede a aplicação de outros métodos. Muito pelo contrário. Segundo J. A. Mota (2000, in
passim), a teoria dos sistemas é uma ferramenta que possibilita o entendimento descrito e
organiza a sustentabilidade em quatro regras principais: 1) sustentabilidade biológica (diz
respeito à relação entre os mecanismos de interação entre a matriz de suprimento do meio
ambiente e as atividades econômicas e antrópicas); 2) sustentabilidade ecológica (trabalha os
conceitos de capacidade de suporte e capacidade de resiliência e diz que esses paradigmas
ecológicos têm supremacia sobre todos os outros conceitos ambientais. O primeiro refere-se à
quantidade de entes que um ativo ambiental pode suportar e o segundo relaciona-se com a
capacidade de regeneração do ativo ambiental em decorrência das pressões humanas e
naturais; 3) sustentabilidade estratégica (serve de suporte à defesa do capital natural, assim, o
uso de um ativo natural superior à sua capacidade, além de gerar conflito e litígio, não protege
o direito de uso das futuras gerações); 4) sustentabilidade econômica (permite a estimação de
externalidades oriundas de projetos de investimento, também, em conflitos de uso de recursos
naturais, permite que os custos da degradação ambiental sejam internalizados pelos agentes
que usam os ativos naturais, além de propiciar indenizações judiciais aos receptores da
degradação ambiental e punir os infratores pelos danos causados à natureza.
No que concerne às regras da sustentabilidade, uma das técnicas para a garantia da
efetividade da norma processual ambiental é a mediação de lides socioambientais, meio
heterocompositivo de resolução de lide, constituído mediante pacto entre os litigantes, sendo
necessária a intervenção do Ministério Público (pois o bem ambiental é indisponível), que
reconhecem a intervenção de um terceiro imparcial com o objetivo de realizar a
autocomposição da lide. Uma das grandes vantagens é a autocomposição, ausência de
qualquer decisão do terceiro imparcial, este só se limita a proposições que visem à
autocomposição da lide.
133
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134
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No caso da teoria do processo ambiental, essa efetividade deve ser capaz, ao resolver
a lide, de contribuir para a elevação dos índices de desenvolvimento sustentável,
principalmente quanto à segurança alimentar e hídrica e aos impactos das mudanças
climáticas. Deve partir de elementos concretos e de demandas reais postas pelo impacto
ambiental, especificamente por aquelas áreas mais ligadas às questões ambientais, carentes de
infra estrutura e de tecnologias apropriadas, assim como contribuir para o empoderamento da
população.
O comando normativo posto no art. 225 da Constituição Federal implica no
reconhecimento e/ou constituição de ações organizadas e efetivas de promoção da segurança
ambiental, o que exige finalidade, métodos e agentes capacitados para a sua execução. Então,
o Judiciário, ao decidir lide ambiental, deve buscar a decisão que melhor proteja, reproduza e
transforme as relações sociais que envolvam diversos sistemas e subsistemas, que afetam o
meio ambiente, como: livre mercado, produção de riquezas, liberdade individual, família, etc.
Aqui, a sustentabilidade é o único acordo possível para a construção de objetivos e de metas
para a efetividade da norma processual ambiental.
Outra técnica é o desenvolvimento sustentável, voltado para a minimização dos
males sociais no mundo e à sadia qualidade de vida do homem, permite políticas
participativas, descentralizadas e compensatórias que a teoria do processo ambiental pode
incorporar.
O desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração
dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a
mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de
atender às necessidades e aspirações humanas (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 9). Envolve uma complexidade, pois
considera fatores ambientais, econômicos, sociais, culturais e ideológicos, e se baseia no
trinômio eficiência econômica, justiça social, equilíbrio ambiental e empoderamento da
comunidade.
O empoderamento estabelece um diálogo com as formas de aquisição de poder e
como estas agem sobre os recursos necessários ao desenvolvimento de uma região ou
qualquer outro tipo de espaço. O empoderamento está inserido no debate de direitos em torno
do desenvolvimento (ROMANO, 2002, in passim) e atua para o fortalecimento de pequenos
grupos informais, associações e cooperativas que passam a exercer diferentes papeis em todo
o processo de produção, constitui um importante fator que pode interferir nas diferentes
dinâmicas de desenvolvimento, inclusive orientar o processo de decidibilidade judicial em
135
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6. Referências bibliográficas
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed.
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v.1.
_______. Sistema del diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v.1.
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LÔBO, Paulo Luiz Netto. A constitucionalização do direito civil. Disponível em: <
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre:
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TSE TUNG, Mao. Sobre a contradição. In: TSE TUNG, Mao. Obras escolhidas de Mao Tse
Tung. Pequim: Edições em Línguas Estrangeiras, 1975, t. I, p. 525-586.
138
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RESUMO
O desafio está em defender a sadia qualidade de vida e a preservação do princípio da
dignidade no meio ambiente do trabalho impactado pela Revolução da Informática,
principalmente em relação aos trabalhadores não jovens, sem vivência tecnológica, os quais
geralmente possuem dificuldade de adaptação, criando-se um conflito de gerações,
culminando em discriminação em razão da idade. Cabe à sociedade resguardar a sadia
qualidade de vida no meio ambiente do trabalho, impondo limites sustentáveis para a
implantação de tecnologia; promovendo a ideia do pleno emprego e do trabalho decente;
reeducando trabalhadores não jovens, sem vivência tecnológica; exaltando os aspectos
positivos e a contribuição de cada geração para a construção de um ambiente de trabalho
sadio, e, por fim, excluindo qualquer possibilidade de discriminação em razão da idade.
Palavras-chaves: Meio ambiente do trabalho; Revolução da Informática; Discriminação em
razão da idade.
1
Advogada, Membro da Comissão de Assédio Moral e Conselho de Orientação e Ética, todos na Companhia
Paranaense de Energia - Copel, Especialista em Direito Tributário e Direito do Trabalho, Mestranda em Direito
Econômico e Socioambiental na PUC/PR. E-mail: patridf@yahoo.com.br.
2
Advogada Consultora, mestre e especialista em Direito das Relações Sociais e Direito Ambiental. Professora
das disciplinas de Direito Ambiental e Direito das Cidades em cursos de graduação e pós graduação no Brasil.
139
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMEN
El desafío está en defender la saludable calidad de vida y la preservación del principio de la
dignidad en el medio ambiente del trabajo afectado por la Revolución de la Informática,
especialmente en relación a los trabajadores no jóvenes, sin vivencia tecnológica, los cuales
en general tienen dificultades de adaptación, creándose un conflicto de generaciones, que
culminó con la discriminación basada en la edad. Corresponde a la sociedad preservar la
saludable calidad de vida en el medio ambiente del trabajo, estableciendo límites sostenibles
para la implantación de tecnología; estableciendo la promoción de la idea del pleno empleo y
del trabajo decente; estableciendo el entrenamiento de los trabajadores no jóvenes, sin
vivencia tecnológica; exaltando los aspectos positivos y la contribución de cada generación
para la construcción de un ambiente de trabajo saludable y, por último, excluyéndose
cualquier posibilidad de discriminación por motivos de edad.
Palabras-llaves: Medio Ambiente del Trabajo; Revolución de la Informática; Discriminación
por motivos de edad.
INTRODUÇÃO
140
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portanto, é o meio que concretiza o princípio da busca da felicidade nos seus diversos
aspectos, devendo ser preocupação permanente do Poder Público.
Por certo que para a manutenção da sadia qualidade de vida no meio ambiente do
trabalho, a dignidade do trabalhador deve ser resguardada, pois se trata do mínimo essencial
para a existência do ser humano em sociedade, além de se revelar como garantia social,
política, econômica e cultural, representando um valor supremo na vida do homem, próprio
do mundo do ser, inerente à vida.
Entretanto, analisando o ponto crucial do presente trabalho, é possível manter a
qualidade de vida dos trabalhadores não jovens, sem vivência tecnológica, no ambiente de
trabalho impactado pela Revolução da Informática? Há discriminação em relação a tais
trabalhadores?
Para responder á tais questionamentos há que se analisar os impactos da Revolução
da Informática no meio ambiente do trabalho, principalmente quanto aos trabalhadores não
jovens, que foram criados num mundo sem celular, computador ou Internet, ou seja, não
foram parte ativa da dita Revolução nos bancos escolares ou no início das suas carreiras
profissionais e agora precisam se adaptar a esta nova realidade, totalmente impensada para
gerações mais antigas.
Diante disso, o presente artigo tem por finalidade avaliar a relação entre a sadia
qualidade de vida no meio ambiente do trabalho e o princípio da dignidade da vida humana; o
impacto da Revolução da Informática no meio ambiente de trabalho; a possibilidade de
violação deste princípio quanto aos trabalhadores não jovens, sem vivência tecnológica, e, por
fim, indicar a atuação necessária das empresas, dos sindicatos e da própria sociedade para
lutar pela implantação de tecnologia no ambiente do trabalho de forma sustentável, evitar
práticas discriminatórias em razão da idade e valorizar o que há de melhor em cada geração.
Para avaliar as questões aqui mencionadas, responder aos questionamentos
realizados e inferir o melhor caminho para evitar a discriminação em razão da idade no meio
ambiente do trabalho, far-se-á uma análise bibliográfica, através do estudo de livros,
legislações, normas e tratados internacionais, doutrinas, artigos, teses e jurisprudência dos
Tribunais Regionais do Trabalho, e, após, a coleta de todos os dados, exibir-se-á os
posicionamentos diversos, tanto de autores nacionais e internacionais, como de legislações
brasileiras e normas internacionais, apontando o comportamento adequado de empresas,
sindicatos, trabalhadores e cidadãos, a fim de evitar a dita discriminação e construir uma
sociedade solidária e fraterna.
141
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Com a evolução da raça humana constatou-se que dentre todas as demais existentes
no planeta, o homem é uma forma de vida diferenciada.
Por considerar-se diferenciado, seu intelecto, suas emoções, sentimentos, sua
maneira de existir e suas necessidades são distintos das demais espécies.
Este estudo não tem como finalidade o aprofundamento nas questões relacionadas à
evolução humana, pretende-se tão somente, analisar a sadia qualidade de vida como fator
preponderante para a proteção da dignidade da vida do homem.
Assim, como ponto de partida, se faz importante primeiramente uma reflexão sobre o
que significa sadia qualidade de vida e dignidade humana.
Ambos os termos possuem um caráter subjetivo com variadas definições dependendo
do enfoque que se pretende dar.
A sadia qualidade de vida quando vista sob o enfoque das demais formas de vida,
representa a necessidade de se garantir a existência, o abrigo e o respeito à regência da vida de
cada espécie. Dar condições para que as espécies existam em um meio natural adequado e
sadio.
A respeito, interessante observar que não é possível desvincular qualidade de vida e
qualidade ambiental, pois é desta que resulta o equilíbrio necessário para a existência com
diversidade e vitalidade de todas as formas de vida, sendo aquela ligada não somente à
dignidade humana, mas a dignidade de toda a humanidade:
Nesta perspectiva a qualidade de vida deve ser entendida como qualidade ambiental
não somente ligada à dignidade humana, mas à dignidade da humanidade presente e
futura, esta nos variados ambientes natural, artificial, do trabalho e cultural, ou seja,
além do componente biológico. E garantidos os seus direitos de uso e fruição dos
recursos naturais com qualidade. (HABER, 2011, 262)
(...) a expressão parece indicar uma preocupação com a manutenção das condições
normais (= sadias) do meio ambiente, condições que propiciem o desenvolvimento
pleno (e até natural perecimento) de todas as formas de vida. Em tal perspectiva, o
termo é empregado pela Constituição não no seu sentido antropocêntrico (a
qualidade de vida humana), mas com um alcance mais ambicioso, ao se propor –
pela ausência da qualificação humana expressa – a preservar a existência e o pleno
142
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Já, ao vincular esta sadia qualidade à forma de vida humana, tem-se como um
conceito jurídico indeterminado onde é necessário incluir tudo o que for importante para a sua
existência de acordo com a sua evolução e a sociedade que construiu. A sadia qualidade de
vida do homem englobará a natureza, as suas construções físicas e intelectuais, sua identidade
vista sob a forma de cultura e o ambiente em que exerce o labor. A sadia qualidade de vida
representará o atendimento das necessidades do homem em suas variadas dimensões tendo
como objetivo primordial o seu pleno desenvolvimento em sociedade.
A Constituição Federal de 1988, ao inserir em seu artigo 225 que “todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida...” reforçou a necessidade da existência da qualidade como elemento
essencial para a proteção da vida humana.
Diferentemente das demais formas de vida que dependem somente da qualidade do
meio natural, o homem como integrante dos demais aspectos que compõem o meio ambiente,
dependerá também de uma boa qualidade nos meios artificial, cultural e do trabalho. Assim,
entende-se que é o conjunto da qualidade dos bens contidos em todos os aspectos, que
propicia ao homem, a sadia qualidade de vida e o pleno desenvolvimento.
Estando o homem inserido em um contexto diferenciado, pode-se dizer que a
qualidade de vida está em conflito permanente com “as condições tecnológicas, industriais e
formas de organização e gestões econômicas da sociedade”, sendo que “a tomada de
consciência da crise ambiental” restou iniciada principalmente a partir desta constatação.
(LEITE, 2010, p. 23)
A qualidade de vida deve ser uma preocupação permanente do Poder Público com o
intuito de assegurar o princípio da busca da felicidade, priorizando mais o aspecto qualitativo
do que o quantitativo. Segundo Leme Machado, “esta ótica influenciou a maioria dos países, e
em suas Constituições passou a existir a afirmação do direito a um ambiente sadio”.
(MACHADO, 2006, p. 121)
A proteção jurídica desta necessidade vital do homo sapiens inicia no momento em
que ocorre a constatação de que apesar de ser uma forma de vida diferenciada, a vida humana
possui intrínseca dependência dos demais recursos naturais e espécies, e hoje, acrescenta-se
ainda, a sua dependência com os demais aspectos que formam o conceito de meio ambiente.
143
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Entretanto, chega a ser paradoxal a postura do ser humano nos dias atuais. Cresceu a
preocupação louvável com o meio ambiente, com o salvamento de animais em
extinção, com a preservação do ecossistema, mas não houve avanço, com a mesma
intensidade, na melhoria do ambiente de trabalho. (OLIVEIRA, 2010, p. 63)
144
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Sarlet defende que o princípio da dignidade é importante não somente pelo fato de
distinguir e caracterizar individualmente cada ser humano, mas também por propiciar o bom
envolvimento entre estes, fortalecendo uma sociedade justa:
145
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
(...) a dignidade da humanidade estás estritamente ligada não mais apenas ao garantir
do conforto e saúde individual, mas essencialmente e indissociavelmente ligada à
própria sobrevivência da humanidade. Trata-se de uma nova dimensão de direitos a
serem assegurados, sem eliminar os anteriores, direitos intensamente revestidos de
ubiquidade, transnacionais e atemporais e que se manifestam, como firmado, em
cenários de complexidade. (HABER, 2011, p. 262)
146
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
(...) o ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição
humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie natural.
De tal sorte, o próprio conceito de vida hoje se desenvolve para além de uma
concepção estritamente biológica ou física, uma vez que os adjetivos “dignos” e
“saudáveis” acabam por implicar um conceito mais amplo, que guarda sintonia com
a noção de um pleno desenvolvimento da personalidade humana, para o qual a
qualidade do ambiente passa a ser um componente nuclear. Nesta perspectiva,
cumpre assinalar ainda que a relação entre dignidade e direitos da personalidade é,
de fato, muito próxima, em vista de ambos estarem diretamente comprometidos com
a concretização da vida humana de forma plena e qualificada (e, portanto, também
saudável). (SARLET, 2011, p. 39)
147
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
condutas das presentes gerações nos futuros direitos das próximas gerações. O patamar
mínimo essencial a uma existência digna do ser humano também precisará ser respeitado
como direito das gerações futuras. A sadia qualidade de vida necessária hoje, também o será
para os homens do futuro. A concepção de que somos meros guardiões dos recursos do
planeta impõe uma obrigatória autolimitação das condutas humanas.
A sustentabilidade é meta primordial. Condutas equivocadas poderão
desastrosamente causar danos irreversíveis às próximas gerações. A cada ato impensado,
atitude desmedida, maior a violação e desrespeito à dignidade destas gerações do amanhã.
A Comissão de Brundtland em seus estudos sobre desenvolvimento sustentável
reconheceu que:
Sintetizando esta análise, das considerações tecidas pode-se concluir que a essência
tanto da sadia qualidade de vida quanto da dignidade humana, é a proteção à vida.
O direito à vida, garantido pelo artigo 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil, tutela o homem desde a sua concepção até a morte, neste direito estão incluídos todos
os demais direitos e condições mínimas para uma existência digna, preservando-se valores
morais e essenciais para o acesso igualitário aos direitos sociais básicos, à equidade, liberdade
e pleno desenvolvimento físico, econômico, social, intelectual e espiritual do ser humano.
Nesta dimensão, a qualidade de vida passa a ser vista com um elemento normativo
integrante do princípio da dignidade da pessoa humana. (SARLET, 2011, p. 88)
E é exatamente por este motivo que a defesa da qualidade de vida no meio ambiente
do trabalho resta tão importante, pois concretiza a proteção do ser humano, da dignidade que
lhe é inerente.
148
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
(...) pode-se afirmar que o avanço tecnológico não foi ignorado pelo constituinte
como parte do processo de desenvolvimento. E mais: é pressuposto dele. Contudo, a
sustentabilidade dependerá da escolha feita pelo legislador quanto aos limites de
emprego de novas tecnologias e da constante renovação dos procedimentos de
avaliação de impacto no meio ambiente, nos casos em que eles são exigidos.
(MARQUES, 2011, p. 73)
Uma das decisões extraídas da Declaração de São Paulo elaborada no ano de 2006, na
Conferência Sindical de Trabalho e Meio Ambiente na América Latina e Caribe, defende
exatamente este posicionamento e relaciona o desenvolvimento sustentável com o trabalho
digno, sustentando a utilização de tecnologia e processos produtivos que não prejudiquem o
meio ambiente, nem os trabalhadores e suas famílias, e nem mesmo a sociedade:
149
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
carreiras profissionais, e, agora, precisam se adaptar a esta nova realidade, sob pena de serem
discriminados, assediados moralmente ou até mesmo dispensados.
150
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Muitas vezes estes trabalhadores, por não terem vivência tecnológica, demoram a se
amoldar às novas formas de realização e organização de atividades profissionais, e, por vezes,
sequer conseguem adaptar-se, momento no qual, sofrem discriminação por parte de colegas e
superiores, inclusive quando estes são mais jovens.
151
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152
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contribuir com sua comunidade, aposenta-se antes ou logo percebe que seu posto de
trabalho é declarado obsoleto e se vê arrastado pela onda das novas gerações que
cavalgam nos lombos dos modernos saberes tecnológicos. (CEBRIAN, 1999, p.
68/69)
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É preciso ter consciência de que a Revolução da Informática pode ser utilizada como
instrumento hábil para concretizar o princípio da igualdade, da busca da felicidade, a melhoria
das condições sociais, mas por outro lado, também pode maximizar a violação de tais
princípios e condições, caso a sociedade não saiba utilizar e aplicar o que a tecnologia possui
de melhor:
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Logo, não podemos julgar o homem pela idade, mas pela sua personalidade.
Não podemos negar que após certa idade, inicia-se o declínio biológico, mas o
intelecto pode- e se torna na maioria dos casos, mais intenso. Logo é falso
estabelecer limite de idade para certas carreiras que exigem apenas acuidade mental.
Temos que reconhecer que a juventude tem maior força biológica, mas a velhice tem
mais experiência da vida, o que talvez supere com vantagem a força dos moços. Isso
também sem ir ao extremo oposto e negar capacidade de discernimento aos jovens.
(MATTAR, 2005, p. 73)
Não há como passar despercebido que a força de trabalho, cada vez mais estará
projetada no cérebro e não nos braços, e é exatamente por este motivo que resta essencial a
preservação do ambiente de trabalho sadio, pois a fadiga psíquica é de recuperação mais
complexa que a fadiga física, não restando necessário ainda acrescentar a este quadro,
eventuais danos psíquicos decorrentes da discriminação, pois o ambiente de trabalho
informatizado, por si só, já pode ser causa suficiente para ser o estopim de diversas
complicações:
155
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Pelos fatores aqui expostos, não é de causar espanto que nas dispensas coletivas, a
maioria dos dispensados sejam exatamente trabalhadores com mais idade e que não possuem
vivência tecnológica, pois a empresa ao invés de exercer o seu papel social e realizar a
reinserção destes em outras atividades, preferem simplesmente dispensá-los e transferir esse
problema para a sociedade, a qual arcará com custos de seguro-desemprego, entre outros:
156
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O “homem tem direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com o meio
ambiente” (GROTT, 2003, p. 158), sem qualquer forma de discriminação, e é precisamente
por este motivo que a Organização Internacional do Trabalho defende a adoção mundial do
trabalho decente:
Lutar contra a discriminação é lutar a favor de uma sociedade justa e pela redução da
pobreza, pois, “na visão da OIT, o emprego produtivo e o trabalho decente são elementos
chave” para alcançar estes objetivos. (ROMITA, 2009, p. 241)
Cabem às empresas agirem com responsabilidade social empresarial, deixando de
atuar somente na busca de lucros, e passando a focar nas “políticas de pessoal que respeitem
os direitos dos que fazem parte da empresa e favoreçam o seu desenvolvimento”, na
“transparência e boa governança corporativa”, e, principalmente, “não praticar um código de
ética duplo”, ou seja, o mesmo discurso externo deve ser aplicado ainda com mais veemência
internamente. (SEN, 2010, p. 362/365)
Este é o entendimento de Santos:
157
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Esta transformação já começou e não possui freios, sendo que aos poucos, as
instituições que não estiverem adaptadas a uma realidade mais humana, simplesmente
restarão desintegradas e deixarão de existir:
O progresso deve ser observado através de uma visão holística e não apenas
mecanicista, pois o desenvolvimento decorrente deste deve ser sustentável, respeitando os
aspectos econômicos, sociais e ambientais:
158
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Manter uma visão crítica sobre a direção do progresso é ser capaz, justamente, de
separar dele o seu elemento de discurso hegemônico; ou seja, ter competência para
observar o conteúdo estratégico de adição de valor. Portanto, é preciso observar e
decompor a realidade em seus últimos elementos para captar-lhe seu verdadeiro
sentido. Só a partir daí a condição de sujeitos da história pode se manifestar.
(DUPAS, 2006, p. 286)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
159
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
avanço, pois o mesmo faz parte do desenvolvimento tão necessário à sociedade, mas cabe aos
cidadãos e aos seus representantes estudar limites para este avanço, sempre com o intuito de
buscar a sustentabilidade, através do equilíbrio entre os aspectos econômicos, sociais e
ambientais.
Por um lado, a tecnologia evita a ocorrência de muitos acidentes de trabalho, alivia
trabalhos mais estafantes, insere no mercado de trabalho pessoas com deficiência, entre
diversas outras situações, mas em outra direção, cria o desemprego estrutural, aliena o
trabalhador e também descontextualiza trabalhadores não jovens, que não cresceram neste
mundo informatizado, e por vezes sofrem para se adaptar à nova realidade, sofrendo todo o
tipo de discriminação, assédio moral e até dispensa.
O artigo 7º, XXX da Constituição da República Federativa do Brasil e o artigo 1º da
Lei nº. 9.029/1995 vedam a discriminação em razão da idade, principalmente quanto ao
acesso e a manutenção do emprego, e tais normas, analisadas em conjunto com o artigo 7º,
XXVII da referida Constituição, nos fornece a conclusão de que a automação somente pode
ser aplicada no meio ambiente do trabalho quando visar à melhoria da condição social do
trabalhador.
O fato é que a Revolução da Informática causa um grande impacto no meio ambiente
do trabalho, principalmente em relação aos trabalhadores não jovens, sem vivência
tecnológica, pois muitas vezes possuem dificuldade de adaptação ou sua total ausência em
relação aos novos instrumentos de trabalho e/ou a nova forma de organização das atividades,
cria-se um conflito de gerações dentro das empresas, fator que acaba culminando em
discriminação em razão da idade, dano moral, assédio moral e até mesmo a dispensa e a não
admissão de trabalhadores com estas características.
A Revolução da Informática separa gerações e diminui as oportunidades no mercado
de trabalho para as gerações mais antigas, pensamento inclusive exaltado pelas empresas e
pela sociedade, que exaltam os jovens e tornam obsoletos os mais antigos.
É preciso ter consciência de que a Revolução da Informática pode ser utilizada como
instrumento hábil para concretizar o princípio da igualdade, da busca da felicidade, a melhoria
das condições sociais, mas por outro lado, também pode maximizar a violação de tais
princípios e condições, caso a sociedade não saiba utilizar e aplicar o que a tecnologia possui
de melhor.
Desta forma está nas mãos de toda a sociedade resguardar a sadia qualidade de vida
no meio ambiente do trabalho após o impacto da Revolução da Informática; impondo limites
sustentáveis para a implantação de tecnologia; promovendo a ideia do pleno emprego e do
160
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
trabalho decente; reeducando trabalhadores não jovens, sem vivência tecnológica; exaltando
os aspectos positivos e a contribuição de cada geração para a construção de um ambiente de
trabalho sadio, e, por fim, excluindo qualquer possibilidade de discriminação em razão da
idade.
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162
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de
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163
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ABSTRACT: This study seeks to examine the issues on the protection of biodiversity and
genetic resources, given the debate around the Human Genome that has aroused interest and
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental e Sociedade, na linha de pesquisa Direito
Ambiental e Novos Direitos da Universidade de Caxias do Sul/RS (UCS). Bacharela em Direito pela
Universidade de Caxias do Sul (UCS). Integrante do grupo de pesquisa “direito ambiental em paralaxe” na UCS.
Servidora Pública no RS. E-mail: luceliasimioni@yahoo.com.br
2
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental e Sociedade, na linha de pesquisa Direito
Ambiental e Novos Direitos da Universidade de Caxias do Sul/RS (UCS). Especialista em Direito Civil e
Processual Civil pela Faculdade IDC. Bacharela em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Integrante
do grupo de pesquisa “direito ambiental em paralaxe” na UCS. Advogada no RS. E-mail:
taisavfurlanetto@hotmail.com
164
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1 INTRODUÇÃO
O ser humano encontra-se em constante processo de evolução, de transição científico-
jurídico-tecnológico. Com o avanço da ciência médica, houve a possibilidade de inúmeras
descobertas científicas, de se fazer combinações e manipulações de genes, a possibilidade de
exames de DNA muito mais precisos, afastando-se a incerteza da paternidade, por exemplo.
No entanto, ao mesmo tempo em que tais questões suscitam interesse e debate nas diversas
ciências (Direito, Biologia, Sociologia, Medicina etc.), surge a preocupação sobre a
potencialidade das modernas tecnologias utilizadas nas práticas biomédicas e as implicações
sobre o corpo, a saúde e a diversidade do patrimônio genético.
Aqui, neste trabalho, busca-se compreender a problemática existente especialmente
no que concerne aos aspectos ético-jurídicos que envolvem a manipulação no genoma humano
a partir de uma concepção ecológica, ou seja, a preservação da diversidade e a integridade do
patrimônio genético com o equilíbrio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, levando-
se em conta a saúde e o bem-estar do homem, com a necessidade de se preservar a
biodiversidade planetária.
Nesse contexto, ressalta-se a importância da previsão legislativa concernente ao
direito ambiental, elencada no artigo 225, caput da Constituição Federal de 1988, destacando-
se o direito à sadia qualidade de vida a partir de um meio ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado. Nesse cenário, para garantir uma sadia qualidade de vida a todo ser humano e que
o mesmo possa usufruir de um meio ambiente saudável e equilibrado, o legislador buscou
garantir, entre outros dispositivos elencados no mesmo artigo, a preservação do patrimônio
genético, a fiscalização das entidades que se destinam à pesquisa e manipulação de material
165
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
genético (art. 225, §1º, II da CF/88), com o intuito de assegurar o respeito aos direitos
fundamentais do homem, fundamentado no princípio da dignidade da pessoa humana.
A partir de tal compreensão, deve-se refletir e analisar o que vem sendo feito sobre a
temática aqui proposta, a partir de uma leitura analítica, crítica e reflexiva nas questões que
versam sobre o que determina o artigo 225 caput da Constituição Federal de 1988, bem como o
seu § 1º, inciso II do mesmo artigo, a partir da formulação das questões decorrentes do
desenvolvimento da denominada Bioética, da Biotecnologia e da Biomedicina.
Essas questões envolvem respostas que podem ser multi, inter e transdisciplinares, e o
Biodireito, como disciplina jurídica, vem sendo desenvolvido como uma solução para a análise
do caso concreto, pronto para oferecer respostas que satisfaçam os problemas constantemente
identificados em outras áreas do conhecimento.
3
A biodiversidade pode ser definida como a variação biológica de determinado lugar ou, em termos mais
genéricos, como o conjunto de diferentes espécies de seres vivos de todo o planeta. De forma mais ampla, defini-
se biodiversidade como o total de organismos existentes, a sua variação genética e os complexos ecológicos por
eles habitados; logo, não apenas as diferentes espécies, mas também as diferenças existentes dentro da mesma
espécie. De forma mais restrita, defini-se biodiversidade como o conjunto de seres vivos que habitam a biosfera,
com suas características taxonômicas e ecológicas, sem considerar os fatores químicos e físicos do ambiente.
assim, quanto maior forem a variação biológica e o número de espécies em um determinado local, maior será a
sua biodiversidade e vice-versa. Cfe. VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando Galvão da.
Biossegurança e Biodiversidade: contexto científico e regulamentar. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 20.
166
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do Direito. Tradução de Joana Chaves. Lisboa:
Instituto Piaget, 1995, p. 105.
5
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. 2. ed.
rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 64.
6
MORIN, Edgar. A cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina.
17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 39.
7
O antropocentrismo, segundo Leite, é um dos principais dilemas éticos relacionados à temática ambiental, ao
lado da mencionada ecologia profunda (a ecologia profunda também é chamada de deep ecology, pelo fato de seus
primeiros defensores se encontrarem nos Estados Unidos da América. Cfe. LEITE, José Rubens Morato.
Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.).
Direito constitucional ambiental brasileiro. 5. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 163.
167
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
8
LEITE; AYALA. Op., Cit., p. 64.
9
LEITE, Op., Cit., p. 163.
10
Segundo Sarlet e Fensterseifer a preferência pelo adjetivo socioambiental resulta da necessária convergência
das “agendas” social e ambiental num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?):
algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 16.
11
Nas lições de Engelhardt, a palavra ética é ambígua em si mesma. Primeiro, como sugere sua etimologia, pode
significar o que é costumeiro. Como aquilo que é habitual para as pessoas, a ética é semelhante em significado à
raiz da palavra moral, mos (plural mores), os costumes de um povo. Na ética médica, esses sentidos são
encontrados em muitas das obras do médico grego Hipócrates; tratam-se de valores e expectativas morais
considerados certos, que constituem o caráter do dia-a-dia da prática da medicina. É um termo da ética como ethos
que muitos vivem a maior parte de sua vida, e em cujos termos a maior parte dos cuidados médicos geralmente é
proporcionada. A ética também é usada para identificar as regras de comportamento usadas por grupos
profissionais: advogados, contadores, médicos e enfermeiros, por exemplo. ENGELHARDT, Jr., H. Tristam.
Fundamentos da Bioética. Tradução de José A. Ceschin. São Paulo: Loyola, 2004, p. 52-53.
168
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
12
PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de Bioética. 10. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2012, p. 106.
13
SCHAEFER, Fernanda. Bioética, Biodireito e Direitos Humanos. In: MEIRELLES, Jussara Maria Leal de.
(Coord.). Biodireito em discussão. Curitiba: Juruá, 2007, p. 33.
14
Ibid., p. 33.
169
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
15
Ibid., p. 33.
16
SÉGUIN, Elida. Biodireito. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 41.
17
Ibid., p. 41.
170
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A denominação Bioética não é caracterizada apenas como uma nova versão da ética
médica tradicional, pois não trata apenas de problemas deontológicos decorrentes das relações
entre médicos e pacientes, mas de situações persistentes (racismo, aborto, eutanásia,
distanásia...) e de situações emergentes (terapia gênica, clonagem, Medicina a distância,
direitos humanos e da cidadania, direitos fundamentais...) decorrentes do progresso
biotecnológico. Assim, a Bioética deve ser compreendida como ética que diz respeito às
intervenções sobre a vida, sobre a saúde humana e sobre a integridade física e psíquica de
indivíduos ou coletividades de gerações presentes e futuras.18
Dessa forma, a Bioética vem, nos dias atuais, atuar como uma disciplina inovadora,
multi e interdisciplinar. Ela é apontada como uma disciplina que promove a reflexão filosófica,
à medida que engloba a complexidade do ser humano, numa perspectiva axiológico-humanista,
preocupada com a realidade social, ou seja, com a melhoria da qualidade de vida do ser
humano. Além disso, a Bioética é uma ciência que se preocupa com as questões ambientais e
com a qualidade de vida do Planeta, pois há uma ligação direta entre a saúde humana e a
integridade ambiental, uma vez que, para a sobrevivência humana no Planeta, com equilíbrio
ambiental, há de se buscar uma visão humanística e solidária para com a comunidade
planetária.
Nesse sentido, sendo o estudo sobre a bioética um campo interdisciplinar, traz
argumentos e subsídios construídos por autores que se dedicaram aos problemas da pós-
modernidade, pautando-se por uma preocupação com a evolução profunda da ciência e de suas
repercussões na sociedade contemporânea.19
Portanto, a Bioética deve ser entendida não apenas como um método capaz de
resolver os problemas e tomar decisões sobre situações concretas e pragmáticas no seio da
sociedade contemporânea, mas permitir um diálogo entre a ciência, a humanidade e a Filosofia,
sobre problemas morais, sociais, e ambientais, com a finalidade de buscar o bem-estar do
Homem e assegurar a preservação ambiental.
A Bioética, inicialmente nasceu com o oncologista norte-americano, Dr. Van
Rensselaer Potter (1911-2001). Foi ele quem cunhou o neologismo bioethics, em 1970. [...]
Potter, que chamou a Bioética como “ciência da sobrevivência humana”, traçou uma agenda de
18
SCHAEFER, Op., Cit., p. 35.
19
BRAUNER, Maria Claudia Crespo; BÖLTER, Serli Genz. O ser humano e o corpo: contribuições da bioética e
do biodireito para a proteção dos direitos de personalidade. In: PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO,
Cleide (Org.). O direito ambiental e o biodireito: da modernidade à pós-modernidade. Caxias do Sul, RS:
Educs, 2008, p. 188.
171
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
trabalho para essa disciplina, que vai desde a intuição da criação do neologismo, em 1970, até a
possibilidade de encarar a Bioética como uma disciplina sistêmica ou profunda, em 1988 20.
Potter pensa a bioética como uma ponte entre a ciência biológica e a ética. Sua
intuição constitui em pensar que a sobrevivência de grande parte da espécie humana, numa
civilização decente e sustentável, dependia do desenvolvimento e manutenção de um sistema
ético.21 Assim, conforme o seu pensamento, é necessária uma visão inter, multi e
transdisciplinar, abarcando uma abordagem global e sistêmica sob todos os aspectos – ética,
filosófica e, inclusive jurídica – que envolvam o Homem e o meio ambiente.
Pela compreensão acima, a Bioética tem possibilitado o enfrentamento de muitas
questões relacionadas à vida e à dignidade da pessoa humana. Ela vem contribuindo para o
pensamento e para a práxis humana, na transformação profunda das ciências da vida e no
tratamento dispensado à saúde humana. [...] estimula a compreensão, o acesso ao
conhecimento e a deliberação, por parte dos indivíduos, a respeito de tratamentos de saúde,
pesquisas científicas, medicamentos e intervenções, que envolvam não somente a vida humana,
mas que concernem ao ambiente e às outras formas de vida22.
Nessa perspectiva, o meio ambiente e a diversidade ecológica estão relacionados
com os múltiplos aspectos do desenvolvimento do ser humano. Não há possibilidade de
qualidade de vida digna e saudável e com saúde se não houver a manutenção e estabilidade
ambiental. Conforme bem destaca Martinotto23, “a biodiversidade está relacionada com a
estabilidade ecológica. Assim a manutenção do meio ambiente depende da manutenção da
diversidade”.
Isso significa que as diversidades biológicas e culturais estão diretamente
relacionadas à diversidade genética uma vez que a última mantém a possibilidade de
conservação de material genético de cada espécie possibilitando posterior gestação e
cruzamento para salvar a espécie24. Nessa esteira, inegavelmente que a Bioética deve se
preocupar, não somente com o Homem e a sociedade, mas também, com todos os seres vivos
que fazem parte desse Universo.
20
PESSINI; BARCHIFONTAINE. Op., Cit., p. 35-36.
21
Ibid., p. 37.
22
BRAUNER; BÖLTER. Op., Cit., p. 189.
23
MARTINOTTO, Fernanda. Direito e genoma humano: proteção da biodiversidade face às pesquisas genéticas
no direito brasileiro. Dissertação (MESTRADO) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação
em Direito, 2011, p. 15.
24
Ibid., p. 15-16.
172
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Este sistema proposto de ética permanece hoje como o coração da bioética ponte, com
sua extensão na bioética global, em que a função de “ponte” exigiu a aproximação da ética
médica e da ética ambiental, em escala mundial, para preservar a sobrevivência humana. 25
Dessa forma, pode-se compreender a Bioética como um conhecimento aberto, que
permite a integração entre a sociedade e o meio ambiente. Assim, “a Bioética, como forma de
conhecimento aberto, permite investigação ampla, tendo sempre em consideração os valores
éticos e os fins da sociedade”, como reportam Sá e Naves26.
A Bioética tem como objeto garantir que sejam efetuadas, dentro dos padrões éticos e
de respeito à dignidade humana, todas as intervenções médicas, desde as exercidas no processo
inicial da vida, como a fecundação in vitro, até as que culminam com a extinção da pessoa. A
Bioética procura respostas morais a interrogações técnicas da Medicina e da Biologia, com um
cunho educativo, de garantia de acesso à informação e à sensibilização do público em geral
para estas questões. Caberá ao Biodireito impor condutas e sanções pelo seu
descumprimento27. Nesse sentido, esclarece Séguin28, “a tarefa da bioética foi harmonizar o
uso das ciências biomédicas e suas tecnologias com os Direitos Humanos, até que, com o
ordenamento jurídico dessas situações, surgisse o Biodireito”.
Diante de tais reflexões, pode-se perceber que a Bioética vai muito além de sua
conexão com à Medicina; abrange as terapias biomédicas, a preocupação com as questões
ambientais e o sofrimento de animais em experimentos nos laboratórios, a questão da saúde
humana e a proteção dos direitos de personalidade; enfim, por essa razão, o Biodireito tem
como finalidade normatizar e regulamentar as questões que envolvem a atuação da ciência
sobre os seres humanos e o meio ambiente, com o intuito de guardar a vida das presentes e
futuras gerações e de garantir a dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto, o Biodireito, por ser um novo ramo do Direito, está inscrito na
interpretação vasta dos direitos fundamentais e dos direitos humanos na configuração dos
modernos Estados democráticos. Os direitos mais importantes do indivíduo encontram sua
fundamentação no princípio da dignidade da pessoa humana, que deverá orientar toda e
25
PESSINI; BARCHIFONTAINE. Op., Cit., p. 109.
26
SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de Biodireito. Belo Horizonte:
Del Rey, 2009, p. 12.
27
SÉGUIN, Op., Cit., p. 44.
28
Ibid., p. 45.
173
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
qualquer produção de normas jurídicas, visando à construção de uma estrutura normativa que
oriente a atuação da ciência sobre o homem e o meio ambiente29.
Assim, embora guardem diferenças, Bioética e Biodireito seguem juntos30. Mesmo
que haja controvérsias doutrinárias sobre a definição do termo Bioética e a formação de um
Biodireito, o que importa registrar é que ambos têm a função de proteger os direitos
fundamentais e os Direitos Humanos, reconhecendo também a importância de um meio
ambiente saudável e equilibrado para a sobrevivência humana na Terra.
Portanto, cabe à Bioética estabelecer limites éticos racionais para que se possa
construir um Biodireito capaz de limitar, mas não impedir, o desenvolvimento científico e a
busca de novos conhecimentos. Ao Biodireito caberá a tarefa de equilibrar pontos de vista que
permanecerão diferentes, promover a abordagem dos fenômenos bioéticos de maneira
abrangente (não setorial) e a transformação de valores existentes promovendo o avanço de uma
ciência eticamente livre para uma ciência eticamente responsável e que esteja a serviço do
bem-estar humano31.
29
BRAUNER; BÖLTER. Op., Cit., p. 192.
30
SÁ; NAVES, Op., Cit., p. 14.
31
SCHAEFER, Op., Cit., p. 42.
32
Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. BRASIL, Constituição da República Federativa do: texto
constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais
nºs 1/92 a 64/2010, pelo Decreto nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/94. – Brasília:
Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010, p. 143.
33
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: estudos sobre a
Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 43.
174
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Art. 225 da CF/88: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.
175
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
176
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
37
MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2004, p. 32.
38
LIEDKE, Op., Cit., p. 17.
39
Ibid., p. 18.
40
MARTINOTTO, Op., Cit., p. 28.
177
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O problema reside em onde e como estabelecer o limite. Limite que pode ser ético,
moral e jurídico, envolvendo o meio ambiente e a intervenção no genoma humano. Qual a
liberdade do agir humano sobre as técnicas de intervenção e manipulação dos genes?
Diante de tais reflexões, Habermas42 indaga se devemos considerar a possibilidade,
categoricamente nova, de intervir no genoma humano como um aumento de liberdade, que
precisa ser normativamente regulamentado, ou como a autopermissão para transformações que
dependem de preferências e que não precisam de nenhuma autolimitação. Segundo ele,
somente quando essa questão fundamental for resolvida em favor da primeira alternativa é que
se poderão discutir os limites de uma eugenia negativa e inequivocamente voltada à eliminação
de males.
Tais questionamentos apresentam-se de suma importância, pois a manipulação do
genoma humano pode trazer benefícios ao ser humano, como também pode ocasionar prejuízos
à sua saúde e ao meio ambiente. A questão da diversidade e da integridade do patrimônio
genético deve ser analisada pela comunidade científica através de uma perspectiva
socioambiental, uma vez que o homem encontra-se incluindo no contexto ambiental. Nesse
sentido, importantes questões bioéticas vêm sendo abordadas pela comunidade científica,
dentre elas o risco de eugenismo e de coisificação do corpo humano43.
É nesse contexto, como enfatiza em sua obra o futuro da natureza humana, que
Habermas44 afirma que:
41
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas médicas e o
debate bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 150.
42
HABERMAS, O futuro da natureza humana, Op., Cit., p. 18.
43
BRAUNER, Op., Cit., p. 161.
44
HABERMAS, O futuro da natureza humana, Op., Cit., p. 37.
178
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
45
Ibid., p. 37-38.
46
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, vol. I. 2. ed. tradução de Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 44.
47
HABERMAS, O futuro da natureza humana, Op., Cit., p. 57.
48
HABERMAS, O futuro da natureza humana, Op., Cit., p. 66-67.
49
Ibid., p. 74.
179
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A amplitude dessas discussões apontam para uma nova visão da ciência e das
pesquisas que envolvem a manipulação dos genes. A possibilidade de cura e prevenção para
determinadas doenças como a AIDS e o câncer suscita muitas discussões entre a comunidade
científica. A necessidade de se buscar novos conhecimentos na área médica e biomédica torna-
se indispensável para o pesquisador frente às novas descobertas da biomedicina, especialmente
em genética humana. Diante desse quadro, mister que o pesquisador seja consciente e
50
Ibid., p. 140-141.
51
BRAUNER, Op., Cit., p. 167.
52
BRAUNER; BÖLTER. Op., Cit., p. 190.
180
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
responsável pelos resultados e descobertas que ele produzir, principalmente quando envolver a
saúde humana e o meio ambiente. Destacando a importância de uma nova visão, consciente e
responsável do pesquisador, Morin53 ensina que:
Morin entende que o pesquisador precisa ser consciente, ético e responsável. Nessa
dimensão, quando tratamos de pesquisas que envolvam o direito ao meio ambiente, a sua
diversidade e de pesquisas que tratam da manipulação genética, é essencial que o pesquisador
tenha consciência sobre a prática de tais pesquisas, pois o desenvolvimento futuro da
humanidade exige ética e responsabilidade nas atividades que possam representar riscos à
saúde humana e ao meio ambiente.
A reflexão de dilemas éticos, morais e jurídicos na manipulação do genoma humano
constituem desafios presentes em nossa sociedade contemporânea. São questões que envolvem
direitos do ser humano sobre as suas informações genéticas; é necessário um debate amplo e
transparente sobre a problemática dessa dimensão que envolve o direito das gerações presentes
e futuras a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, à biodiversidade planetária,
e os direitos de personalidade.
Também, nesse sentido, a respeito da seleção de caracteres através de manipulações
genéticas, Brauner54 observa que isso pode levar ao risco de eugenismo e de coisificação do
corpo humano. Como já ilustrado anteriormente por Habermas, a intervenção genética
transforma a natureza do ser humano, afetando a sua própria autocompreensão ética da espécie.
As intervenções eugênicas de aperfeiçoamento prejudicam a liberdade ética na medida em que
submetem a pessoa em questão a intenções fixadas por terceiros, que ela rejeita, mas que são
53
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Ed.
revista e modificada pelo autor – 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 120-122
54
BRAUNER, Op., Cit., p. 161.
181
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se com o presente trabalho verificar e compreender a complexidade que
envolve o genoma humano, os limites éticos, jurídicos e filosóficos que enfocam a discussão
55
HABERMAS, O futuro da natureza humana, Op., Cit., p. 87.
56
Ibid., p. 91-92.
57
BRAUNER; BÖLTER. Op., Cit., p. 189.
182
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
183
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
a presente discussão, uma vez que a proteção do ser humano, seu corpo, sua dignidade
merecem profunda atenção pela comunidade científica, política e jurídica.
REFERÊNCIAS
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Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
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VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando Galvão da. Biossegurança e
Biodiversidade: contexto científico e regulamentar. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
185
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Abstract: Living the construction of the world in a dimension of social responsibility and
therefore associated with other principles that govern the inclusion of difference, the
sustainability of the lives of non-human animals, in a world where supposedly prevalent
human animals. The work is method advocacy fundamental duties involving the protection of
life, that spreads and reflects from a practice the institution of knowledge, history, culture
involving nonhuman animals. Several authors, among anthropologists, biologists, law
enforcement officers, philosophers advocating an ethic of life, an ethic that emphasizes
compassion, solidarity and sustainability cogent principles of life and the maintenance of
biodiversity quality of being inclusive in the world, coupled with a responsible ecological
footprint. A thesis is defended as to the cogency of the establishment of an institute of rights
to nonhuman animals, once inserted into a moral community and reciprocal relations,
although asymmetric.
Key-words: biodiversity; sustainability; inclusion; fundamental rights and duties.
1
Doutora em Direito (UFSC). Doutorado Sanduiche (FDUC). Mestre em Direito (PUCRS). Professora do Pós-
Graduação da UNILASALLE. Professor Adjunta da Faculdade de Direito da PUCRS. Presidente do Instituto
Piracema – Direitos Fundamentais, Ambiente e Biotecnologias.
2
Mestre e Doutora em Direito pela PUCRS. Advogada e Professora Universitária no Centro Universitário La Salle
(UNILASALLE) e Faculdades Rio-Grandenses (FARGS/Estácio de Sá).
186
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Radica no mundo uma consciência cada vez mais aguda de parte do animal humano
que sente na pele as ações de degradação gritante e acelerada do ambiente na maior parte das
vezes como resultante de uma produção própria, embora também se tenha consciência de que
o país, Brasil, possui uma das biodiversidades mais ricas do mundo, tal como as maiores
reservas de água doce do planeta, além de um terço das florestas tropicais restantes,
estimando-se a existência de uma em cada 10 espécies de plantas ou animais vivos no planeta.
Uma pegada ecológica3, que vai ser demarcada pelo aumento do cuidado em relação ao
ambiente como um todo aí pontuado tanto pelas condições climáticas, geográficas, aquáticas,
sociais, econômicas, antropológicas, mentais, como por condições e dimensões da qualidade e
sustentabilidade de vida em geral de todos que habitam esse mundo, sejam animais humanos,
não humanos ou entes que compõem esse mesmo mundo.
O estudo dessa biodiversidade no que trata dos direitos e deveres fundamentais para
com o animal não humano, é assumido como inclusão em dimensão de reciprocidade, mesmo
atentando para a dessimetria existente. Uma ação de inclusão vinculada à tematização de uma
ética ambiental que faz retomar dimensões para tratarmos o meio ambiente também como
um dever fundamental4, correspondendo a uma liberdade acompanhada da devida
responsabilidade social do indivíduo, como defendido em Vieira de Andrade5.
3
O WWF (O WWF-Brasil é uma organização não-governamental brasileira dedicada à conservação da natureza
com os objetivos de harmonizar a atividade humana com a conservação da biodiversidade e promover o uso
racional dos recursos naturais em benefício dos cidadãos de hoje e das futuras gerações) trabalha com o que
denomina como PEGADA ECOLÓGICA que nada mas é do que uma medida de uso do ambiente de um país
ou de uma cidade ou pessoa, tendo em vista a ética e a sustentabilidade responsável. WWF. Em 1961, quando foi
fundado, a sigla WWF significava “World Wildlife Fund” o que foi traduzido como “Fundo Mundial da
Natureza” em português. No entanto, com o crescimento da organização ao redor do planeta nas décadas
seguintes, a atuação da instituição mudou de foco e as letras passaram a simbolizar o trabalho de conservação da
organização de maneira mais ampla. Com isso, a sigla ganhou sua segunda tradução: "World Wide Fund For
Nature" ou “Fundo Mundial para a Natureza”. Tem como missão: Conter a degradação do meio ambiente e
construir um futuro em que o homem viva em harmonia com a natureza através da: - Conservação da diversidade
biológica mundial; - Garantia da sustentabilidade dos recursos naturais renováveis; - Promoção da redução da
poluição e do desperdício. Com sede na Suíça, a Rede WWF é composta por organizações e escritórios em
diversos países que têm como característica a presença tanto local quanto global e o diálogo com todos os
envolvidos na questão ambiental: desde comunidades como tribos de pigmeus Baka nas florestas tropicais da
África Central, até instituições internacionais como o Banco Mundial e a Comissão Européia. Com quase cinco
milhões de associados distribuídos em cinco continentes, A Rede WWF é a maior organização do tipo no
mundo, atuando ativamente em mais de cem países, nos quais desenvolve cerca de 2 mil projetos de conservação
do meio ambiente. Hoje, a instituição pode afirmar confortavelmente que teve um papel crucial na evolução do
movimento ambientalista mundial. Desde 1985, o WWF investiu mais de US$1,165 milhões em mais de 11 mil
projetos em 130 países.
4
NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 15-16 e
NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. In
Revista de Direito Público da Economia. Vol. 20. out/dez. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007.
5
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1998, p.149 e ss. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2006.
187
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
6
HABERMAS, Jürgen. El Futuro de la Naturaleza Humana. Hacia una Eugenesia Liberal? Tradução de R.
S. Carbó. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002, p. 119.
7
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993. BONAVIDES, Paulo.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000
8
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa, Dom Quixote, 1990.
9
NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 15-16 e
NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. In
Revista de Direito Público da Economia. Vol. 20. out/dez. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007
10
MACERA, Bernard-Frank. El Deber Industrial de Respetar el Ambiente: análisis de unasituación pasiva
de Derecho público. Barcelona: Marcial Pons, 1998.
11
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1998 e ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2006.
188
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para tanto, uma contra argumentação dos princípios e regras que sustentam a vida
digna dos animais não-humanos como parte de uma teoria normativa dos direitos
fundamentais de base constitucionalista. A valorização dos princípios e a sua incorporação ao
sistema constitucional e o seu reconhecimento pela ordem jurídica, no que concerne a sua
normatividade, fazem parte de um ambiente de reaproximação entre o Direito e a Ética14.
Paulatinamente, a trajetória que conduziu os princípios ao centro do sistema teve que
propiciar a conquista do status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma
“dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e
imediata”15. Canotilho16 conceitua norma jurídica como definidora de esquemas jurídicos para
a solução de conflitos e com isso importa a sua contribuição nesse momento. Já Müller e
Ávila17 defendem que a norma jurídica há de ser entendida como um projeto vinculante que
abarca tanto o que regula como o que está sendo regulado, complementando-se no que tange
ao foco da extensão do princípio da dignidade ao animal não-humano.
Em síntese, a questão levantada, neste momento, acerca da relevância de se
estabelecer um compromisso sócio-jurídico de preservação do ambiente no qual nos
12
PASTOR, P. y R. BUSTAMANTE, Arias. Op. Cit. Apud. MACERA, Bernard-Frank. El Deber Industrial de
Respetar el Ambiente: análisis de una situación pasiva de Derecho público. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p.
32.
13
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p. 23.
14
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
15
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição Brasileira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 291.
16
CANOTILHO, José Joaquim Gomes (coord.). Introdução ao Direito do Ambiente. Lisboa: Universidade
Aberta, 1998a. E CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. In
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
17
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? São Paulo: Max Limonad, 1998. E ÁVILA, Humberto. Teoria dos
Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed, 3ª tir, rev. São Paulo: Malheiros, 2005.
189
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
18
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p.62.
19
RENAUD, Isabel Carmelo Rosa. Dimensão Ecológica da Bioética, Porto: ed. Porto, 2001, p.131.
20
HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid, Editorial Trotta, 2000, p.32-33.
21
HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid, Editorial Trotta, 2000, p. 33.
22
RENAUD, Isabel Carmelo Rosa. Dimensão Ecológica da Bioética, Porto: Ed. Porto, 2001, p.133.
190
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
23
HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid, Editorial Trotta, 2000, p. 32.
24
HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid, Editorial Trotta, 2000, p. 124.
25
A origem do conceito de bioética é datada da década de 70 quando o termo foi cunhado pelo médico Van
Renssaler Potter em seu livro “Bioethics: bridge to the future”, editado em 1971. O objetivo do médico era
chamar a atenção das pessoas para a degradação causada pelo homem contra a natureza e, com isso, propor uma
nova relação homem-natureza, baseada em valores mais adequados à dignidade de todos e de cada um. A
bioética para Potter seria a ciência ideal para cuidar desta relação instintiva existente entre o homem e a natureza
que o rodeia. Contudo, a bioética converteu-se não em uma nova ciência, uma nova ética científica, mas sim a
ética aplicada a um novo campo de estudo: o campo da medicina e da biologia. De acordo com a definição da
Encyclopedia of Bioethics, bioética é: “O estudo sistemático do comportamento humano na área das ciências da
vida e dos cuidados da saúde, quando se examina esse comportamento à luz dos valores e dos princípios
morais”.
26
APEL, Karl-Otto. Estudos de Moral Moderna. Petrópolis: Vozes, 1994, p. p.35.
27
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p. 45.
191
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para pensar e fazer uma ética ambiental, Schumacher29, afirma uma condição tanto
simples quanto desconcertante: cada um de nós pode trabalhar para colocar em ordem o
interior de nossa própria casa. O argumento é lógico, uma vez que a transformação pessoal
produz uma modificação de conduta, que, por sua vez pode ser traduzida por uma vida
comunitária sustentável para se fazer possível um “futuro mais verde” no qual os indivíduos
que avançam por si mesmos e se unem com outros indivíduos que fazem o mesmo num
exercício de solidariedade.
No caso do direito relativo ao meio ambiente30, os valores ético-jurídicos da defesa do
ambiente não esgotam todos os princípios e valores do ordenamento jurídico, pelo que a
realização do Estado de Direito Ambiental vai obrigar à conciliação dos direitos
fundamentais (...) com as demais posições jurídicas, vinculadas às diferentes dimensões do
direito fundamental, sejam as de primeira, segunda ou terceira dimensão, ao que Sand
destaca,
por dos razones, nuestra generación cargará com uma responsabilidad sobre el
futuro del planeta Tierra más grande que la que haya tenido cualquier
generación anterior. Primero, tenemos un mejor conocimiento – hemos logrado el
acceso a una riqueza de información científica sin precedentes y a una creciente
capacidad de análisis y predicción. Segundo, podemos actuar mejor – hemos
acumulado suficiente experiencia tecnológica e institucional para realizar las
acciones internacionales necesarias31 (grifo nosso).
Tal como Séguin32 filia-se, ao trabalhar com essa dimensão ética, Habermas33 vem
propor, na base de estruturação de uma vontade popular,
quando se trata de um questionamento eticamente relevante – como é o caso de
problemas ecológicos da proteção dos animais e do meio ambiente, do
planejamento do trânsito e da construção de cidades, ou de problemas referentes à
28
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p.45, “o conceito elementar de ‘agir comunicativo’ explica como é possível surgir integração
social através de energias aglutinantes de uma linguagem compartilhada intersubjetivamente. (...) O briga a sair
do egocentrismo e a se colocar sob os critérios públicos da racionalidade do entendimento.”
29
SCHUMACHER, F. Small in Beautiful, p.249-250 apud DOBSON, Andrew. Pensamiento Político Verde.
Barcelona: Paidós, 1997, p. 166.
30
SILVA, Vasco Pereira da. Verde Cor de Direito: lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002,
p. 17 e SILVA, Vasco Pereira da. Verdes são também os direitos do homem. Cascais: Principia, 2000.
31
SAND, P. H. , Lessons Learned in Global Environmental Governance, apud FELGUERAS, Santiago.
Derechos Humanos y Medio Ambiente. Buenos Aires: AdHoc, 1996, p.14.
32
SÉGUIN, Elida. O Direito Ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000, . P. 169.
33
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p. 207.
192
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
34
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p. 207ss.
35
HABERMAS, Jürgen. Textos y Contextos. Barcelona: Editorial Ariel, 1996, p. 169.
36
Tese defendida quando da realização do Curso de Mestrado no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul no ano de 2001. A ideia encontra-se, inclusive,
publicada na obra de MEDEIROS, Fernanda L. Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental, de
2004.
37
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei n.º 9.638/81, em seu artigo 3º, inciso I, reza que “meio
ambiente, o conjunto de condições, leis, influencias e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. BRASIL. Lei n.º 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm Acesso em 20/09/2008.
38
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 6ª ed. rev e atua. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008a.
39
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 6ª ed. rev e atua. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008ª, p. 63.
193
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
194
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
como falta de respeito (tradução nossa)”. A referência a uma “voz ativa” da dignidade é
empregada no sentido de que as pessoas cuidam e deveriam cuidar de sua própria dignidade.
Ao que se esclarece
Abordando tal significado sob a forma negativa (a da indignidade), significa afirmar
que, quando alguém compromete sua própria dignidade (um dano “auto-infligido”;
uma “auto-traição”) está negando a importância intrínseca vida humana, inclusive da
sua. De outra banda, em estreita conexão a essa voz ativa da dignidade, encontra-se
a “voz passiva” da dignidade, empregada no sentido de que a pessoa sofre um dano
a sua dignidade, dano causado por outrem45.
O que provoca e instiga o pesquisador é por que a indignidade (seja auto-infligida, seja
infligida por outrem) é uma “classe especial de dano”? Partindo da análise habermasiana46,
defendemos a possibilidade de que a dignidade da vida aplique-se também à proteção a vida
dos animais não-humanos. A contribuição do filósofo alemão é valiosa e ele faz esse aporte
pensando em todas as ameaças das novas biotecnologias, tratando do problema da
instrumentalização da vida humana antes do seu nascimento. Nesse contexto, e até mesmo
frente à controvérsia a respeito da titularidade de direitos pela parte dos animais, a saída da
proteção pela dignidade da vida é uma alternativa que pode representar uma efetiva proteção
dos animais, pois através dela acreditamos que se pode enfrentar toda a discussão acerca dos
direitos dos animais. Enfim, acolhemos a lição de Sarlet47, haja vista ser uma das principais
metas demonstrar que é possível atribuir dignidade não só ao animal humano. Assim como o
animal humano o animal não-humano é detentor dos atributos de dignidade a própria vida.
Abordar a dignidade humana seja num plano moral, seja num plano jurídico, a partir
de uma simetria de relações entre seres morais, que, enquanto membros de uma comunidade,
podem estabelecer obrigações recíprocas e esperam, uns dos outros, comportamento conforme
as leis, equivale a afirmar que a dignidade humana somente encontra sentido nas relações
interpessoais de reconhecimento recíproco. Partindo desse raciocínio, o marco da conversão
do organismo humano em pessoa (a contar do nascimento) é o ato de acolhimento social, de
acolhimento de um contexto público de interação de um mundo da vida compartilhado
intersubjetivamente, o que remete para a natureza racional-social da pessoa humana. A partir
45
PETTERLE, Selma Rodrigues, 2007, p. 36.
•46HABERMAS, Jürgen. El Futuro de la Naturaleza Humana. Hacia una Eugenesia Liberal? Tradução de
R. S. Carbó. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002.
47
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão jurídico-
constitucional aberta e compatível com os desafios da biotecnologia. In SARMENTO, Daniel & PIOVESAN,
Flávia (coord.) Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sobre a perspectiva dos direitos
humanos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
195
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
do momento que se tem consciência do ser, se tem consciência do valor da vida, passa a ser
digno.
Habermas questiona, nessa linha, como se protege o embrião? Responde como se
efetivando por meio da aplicação da dignidade da vida (antes do nascimento) e não da
aplicação da dignidade da pessoa humana e nesse compasso é possível aportar todo o
pensamento do filósofo para o problema da proteção dos animais não-humanos. Nessa
concepção, como examinado, a pessoa somente existe após o nascimento, quando é acolhida
no contexto público e passa a atuar comunicativamente com as outras pessoas. Todavia,
mesmo antes de entrar no contexto público de interação social, a vida humana goza de
proteção jurídica. Se, por um lado, Habermas rechaça uma antecipação do processo de
socialização (ainda que se possa admitir que os pais possam falar sobre e, de certa maneira,
com o feto em gestação), por outro, afirma que a vida humana pré-natal goza de proteção
porque se tem deveres (morais e legais) com relação à vida. Afirma o autor que a vida pré-
pessoal também conserva um valor integral para o conjunto de uma forma de vida entendida
como ética. E é nessa linha, que se faz a distinção entre a dignidade da vida humana e a
dignidade humana como garantia legal das pessoas, refletindo-se, inclusive, segundo o autor,
no modo digno como lida com os mortos48.
5 Dignidade da vida
Consoante já anunciado por Sarlet, cada vez mais percebemos que uma compreensão
sólida e constitucionalmente adequada da noção de dignidade constitui pressuposto para uma
analise séria e frutífera de qualquer problema concreto. Revela-se a dificuldade de se
estabelecer um sentido no âmbito da proteção jurídica acerca da dignidade:
Decorre certamente [...] da circunstância de que se cuida de um conceito de
contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ‘ambigüidade e porosidade’,
por sua natureza necessariamente polissêmica, bem como por um forte ‘apelo
emotivo’, muito embora tais atributos não possam ser exclusivamente atribuídos à
noção de dignidade da pessoa49.
Cabe anotar que a dignidade humana, para Habermas, entendida em sentido moral
estrito e jurídico, encontra-se ligada a uma simetria de relações. Para o autor,
Ela [a dignidade] não é uma propriedade que se pode possuir por natureza, como a
inteligência ou os olhos azuis. Ela marca, antes, aquela intangibilidade que só pode
ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no
relacionamento igualitário entre as pessoas. Emprego o termo intangibilidade não
48
HABERMAS, Jürgen. El Futuro de la Naturaleza Humana. Hacia una Eugenesia Liberal? Tradução de R.
S. Carbó. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002.
49
SARLET, 2007, in SARMENTO & PIOVESAN, 2007, p.212.
196
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
50
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 47..
51
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 6ª ed. rev e atua. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008a.
52
MAURER, Béatrice. Notas sobre o respeito da dignidade da pessoa humana... ou pequena fuga incompleta em
torno de um tema central. In. : SARLET, Ingo Wolgang. Dimensões da Dignidade. Ensaios de Filosofia do
Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.79.
197
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
53
SPAEMANN, Robert. Felicidade e Benevolência: ensaio sobre ética. São Paulo: Loyola, 1996. E
SPAEMANN, R . Sobre el concepto de dignidad humana. In.: MASSINI, C.I. y SERNA P. (eds). FINNIS, J;
KALINOWSKI,G; OLLERO, A; POSSENTI, V; y SPAEMANN, R. El Derecho a la Vida. EUNSA. Ediciones
Universidad de Navarra, S.A. Pamplona, Barcelona: 1998.
54
FUKUYAMA, Francis. Nosso futuro pós-humano: conseqüências da revolução da biotecnologia. Rio de
Janeiro: Rocco, 2003, p. 23.
55
SARLET, In SARMENTO & PIOVESAN, 2007, p. 224
56
FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007, p. 130, esclarece a diferenciação entre valor intrínseco e valor inerente: “para REGAN, as
experiências diretamente relacionadas à senciência (dor e prazer) não são eficientes para pautar eventuais
limitações às condutas dos agentes morais, caso contrários a analgesia poderia ser a solução para todas as
praticas relacionadas à exploração animal. Vide também Lourenço LOURENÇO, Daniel Braga. Direito dos
Animais: fundamentação e novas perspectivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 423.
198
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
57
GOETSCHEL, Antoine. L’animal, ni Chose ni Sujet de Droit – Où en Sommes-nous avec la Dignité de
l’animal et son statut juridique en Suisse et à l’étranger? In.: La Dignité de L’Animal. Quel Statut pour
les Animaux à l’heure des technosciences? Labor Et Fides. Le Champ Éthique, no 36., Geneve, Montreal.
P.103-125.
58
LUCHSINGER, Thomas. La dignité de la créature en tant que terme juridique: quelle direction
prendre?. In.: MULLER, Denis & POLTIER, Müller. La Dignité de L’Animal. Le Champ Éthique, no 36.
59
ARAUJO, Fernando. A hora dos direitos dos animais, 2003, p. 205.
60
WOLD, Chris, Introdução ao estudo dos princípios de direito internacional do meio ambiente In SAMPAIO,
José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de Direito Ambiental na dimensão
internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
61
SAMPAIO SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de Direito
Ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 18..
199
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
62
A Estação Ecológica do Taim possui como objetivo específico Proteger amostras dos Banhados do Sul e da
fauna ameaçadas de extinção e preservar o local de passagem de aves migratórias, finalidade que se torna
bastante comprometida pelo fato dos motoristas assassinarem diversos desses animais diariamente. O próprio
IBAMA reconhece que Os agrossistemas no entorno da área provocam a deficiência de água e diminuem a
qualidade do solo, trazendo grandes prejuízos econômicos e ambientais. Outros problemas enfrentados pela
unidade são: as queimadas, os atropelamentos de animais na BR-471, a pesca e a caça. Fonte:
http://www.ibama.gov.br, acessado na data de 25/09/2005.
63
São espécies como as capivaras e algumas aranhas que, por gerarem pânico em algumas pessoas, certos
motoristas chegam a voluntariamente voltarem seus veículos para atropelarem os animais.
64
NUSSBAUM, Martha C. Para alem de ‘compaixão e humanidade’ – justiça para animais não-humanos. In A
dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária.
MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de.; SARLET, Ingo Wolfgang;
FENSTERSEIFER, Tiago (orgs.). Belo Horizonte: Fórum, 2008. E NUSSBAUM NUSSBAUM, Martha C.
Beyond “Compassion and Humanity”: justice for nonhuman animals. In SUNSTEIN, Cass R. & NUSSBAUM,
Martha C. Animal Rights: current debates and new directions. New York: Oxford, 2004.
65
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre: UE/Porto
Alegre, 1997.
200
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
justiça que habita o paradoxo de um encontro com o que não sou eu, nem se resolve em
minha lógica66.
Configuramos, aqui, um desafio para a funcionalidade do Direito no seu papel de
ordenar as relações entre os homens, na construção de uma justiça desse outro, datada,
histórica e amplamente flexível, embora determinada e propositiva na salvaguarda de deveres
fundamentais dos homens com relação aos animais não-humanos.
Melhor modo de ir tecendo a rede complexa do entendimento de dignidade é trazer o
pensamento provocador de Agamben ao que parece movido pela força dos fatos políticos que
assolam seu tempo, assim com o afetam os acontecimentos da II Guerra nos campos de
extermínio, via holocausto. A tríade que vem denominar como de Homo sacer67, é trabalhada
pelo autor68, como outro jeito de pensar a política. É na direção cruel desse Homo sacer, que
em termos da dignidade e da vida digna e indigna, tal como hoje se continua a debater, que
Agamben vai encontrar o instituto jurídico para essa vida nua. Nela emergem uma dimensão
singular de soberania69, paradoxalmente vinculada aos não-sujeitos, aos que foram suprimidos
em sua cidadania: o soberano e a vida nua. O autor, ainda, ressalta, trazendo dos gregos o
sentido da vida, o que muito pode contribuir para o entendimento e a extensão da dignidade
aos animais não-humanos.
Duas palavras estavam ligadas a vida: zoé, o simples ato natural de viver, sendo o
Homo sacer parte dessa zoé, que corresponderia ao que os animais humanos compartilham
com os animais não-humanos e bíos que, por sua vez, refere-se a uma vida socializada, uma
vida política. Entretanto, permanece das lições do autor, além da indissociabilidade da vida
nua e da política, da zoé e da bíos, da vida entre animal humano e não-humano, das múltiplas
possibilidades a serem refletidas na qual desafia ao humano a lidar com a sua “zona do não
conhecimento”, buscando manter sua dignidade para os tempos que virão. Agamben
vislumbra o que denomina metaforicamente de “messiânico banquete dos íntegros”, para o
66
SOUZA, Ricardo Timm. Ética e animais – reflexões desde o imperativo da alteridade. In MOLINARO,
Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTENSEIFER,
Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão
necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
67
Segundo Agamben, o Homo sacer (homem sagrado) é uma figura do direito romano, é aquele que tendo
cometido um crime hediondo, não pode ser sacrificado segundo os ritos de punição. O Homo sacer é aquele que
questiona a moral tradicional e leva a pensar como se lida com a ação política.
68
AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993. AGAMBEN 1998 e 2004
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua. Tradução de António Guerreiro. Lisboa:
Presença, 1998; Homo Sacer. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004
AGAMBEN, Giorgio. Les temps qui reste: un commentaire de l’Épître aux Romains. Paris: Payot &
Rivages, 2003. AGAMBEN, Giorgio. El tiempo que resta. Madrid: Editorial Trotta, 2006. AGAMBEN, Giorgio.
Estâncias. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
69
Conforme o entendimento de Schmitt (1956), o soberano, assumido conceitual e canonicamente por Schmitt,
encontra-se ao mesmo tempo fora e dentro da norma jurídica.
201
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
qual os seres vivos ainda teriam possibilidade de tomar assento, caso retraballhassem as
naturais conexões entre animais humanos e não-humanos, assumindo as diferenças entre
as espécies. E é essa re-conexão que está propondo realizar para que, realmente, ainda
tenhamos tempo de tomar “assento no banquete dos íntegros” assumindo que é possível viver
na diversidade, reconhecendo dignidade no igual e no diferente.
70
MARTON, Scarlett. Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos. Belo Horizonte : Ed. UFMG, 2000.
71
NIETZSCHE, Frederich. Genealogia da Moral. São Paulo, Cia. Das Letras, 1998. E NIETZSCHE, Friedrich.
Gaia Ciência. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
72
Deleuze e Guattari, 1992, p.126; Nietzsche, 1998.
202
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
alegres, como dialoga Espinosa; sabendo que essa potência, paradoxalmente, também
pode gerar impotência, criando daí paixões tristes73.
Nesse pensar, como uma palavra em ato, emerge uma paixão de viver e dar-se a
conhecer no seu pensar. Pode ser menos um espaço de uma democracia direta que uma outra
democracia apropriativa de um povo, grupo que produz um compartilhamento que arromba,
toma conta, faz vazar modos de existência que assumem a diferença como-um-em-si e que
nos levam a perseguir e inventar o limite próprio, sendo sempre o-que-se-é, ultrapassando
limites, transgredindo fronteiras, rompendo muros, saltando-os, contornando-os, pensar
sem estar amarrado a idéias-conceitos pré-concebidos. Ser-o-que-se-é que nos desafia com a
criação singular, única em cada vertente, um ser do sensível, “em presença daquilo que só
pode ser sentido”, fazendo nascer aquilo que pode nos permitir a continuar a ser-o-que-se-é,
respeitando ou lutando com as potências, enfrentando seus limites e seus modos de viver a
diferença.
A democracia funciona desse modo como uma possibilidade de construção do que
Migliorin74 nos suscita, uma igualdade dissensual, uma chance de poder:
Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo,
nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar
acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos
espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos. (...) É ao nível de cada
tentativa que se avalia a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a
um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo”, mesmo de um povo
que falta.
E, ao falar, fazer desse lugar, um lugar desterritorializado de palavras de ordem,
embora, à vezes, sejamos capturados pelas mesmas, buscamos inventar, criar, possibilidades
únicas, singulares em cada ambiente, incluindo e produzindo uma categoria de direitos que
venham a contribuir à dignidade do animal não humano e, consequentemente do ambiente e
de todos que habitam esse mundo, ao se permitirem deixar habitar pela inclusão da diferença.
73
ESPINOSA, Baruch. Col. Espinosa. Os Pensadores. São. Paulo: Ed. Abril, 1983. E ESPINOSA, Baruch.
Ética. São Paulo: Abril Cultural, 1978. E ESPINOSA, Emilio. De bruces com a posmodernidad: ignorancia,
poder y comunicación en la sociedad del riesgo. In: Política Exterior. Marzo/abril 2001, v.XV, n.80. Madrid:
Padilla, 2001. P.11-20.
74
MIGLIORIN, Cezar. Igualdade Dissensual: democracia e biopolítica no documentário contemporâneo. In.:
Estétivas de Biopolítica. Ensaios críticos. Revista Eletrônica de Cinética. Acessado em Abril, 2008.
203
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
assim, como devemos tratar cada caso?75. O questionamento se faz necessário, haja vista a
relação entre os animais humanos e não-humanos ser completamente ambígua. O homem não
sabe mais como se comportar frente ao outro ser que de tudo lhe oferece: afago, amor, calor,
alimento, remédio, transporte, etc. Há aqui uma necessária mudança de paradigma ético.
Jonas76 ressalta que se está vivenciando uma nova dimensão e isso impõem à ética uma
transformação nunca antes sonhada, uma ética de responsabilidade.
Por mais diversas que sejam as características trazidas pelos autores, cumpre salientar
que a prática da caça organizada não é privilégio do superprimata, os chacais também o
fazem, assim como outras infinidades de espécies; a confecção de instrumentos pode-se
observar na pesquisa realizada nos macacos capuchinhos brasileiros77 que usam pedras para
quebrar as nozes, as relações de sentimento, de afetividade, são registradas desde os
chimpanzés78, aos cachorros e entre os golfinhos79, mãe e filha coletam juntas num ato de
transmissão cultural80. Talvez o que as pesquisas demonstrem, atualmente, com a técnica que
se desenvolveu, é que esse sobrevivente não é tão super assim.
Mosterín81 constitui-se, junto a Singer, em um dos autores que mais defende a tese da
senciência, ou seja, o diferencial estaria na capacidade de sentir dor82. Se a capacidade de
sentir dor, emoção é o diferencial para que o Direito se debruce e proteja o ser senciente, por
que tanto silêncio da Ciência Jurídica? Por que tanta omissão com relação aos animais não-
75
TESTER, Keith. Animals and Society: the humanity of animal rights. London: Routledge, 1991.
76
JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade. Rio de Janeiro: PUCRio, 2006.
77
OTTONI, E. B. & MANNU, Massimo. Semi-free ranging tufted capuchin monkeys (Cebus apella)
spontaneously use tools to crack open nuts. International Journal of Primatology, v. 22, n. 3, p. 347-358,
2001.; E OTTONI, Eduardo B.; IZAR, Patrícia. Capuchin monkey tool use: Overview and implications.
Evolutionary Anthropology, v. 17, p. 171-178, 2008. E OTTONI, Eduardo B; RESENDE, Briseida Dogo de;
IZAR, Patrícia. Watching the best nutcrackers: what capuchin monkeys (Cebus apella) know about others' tool-
using skills. Animal cognition. 2005; 8 (4): 215-9.
78
WRANGHAM, R. et al. (eds.). Chimpanzee cultures. Cambridge: Harvard University Press/The Chicago
Academy of Sciences: 2001. E WYNNE, Clive D.L. Do animals think? New Jersey: Princeton University
Press, 2004.
79
KRÜTZEN, Michael et al. Cultural transmission of tool use in bottlenose dolphins. In PNAS June 21,
2005 vol. 102 no. 25) Disponível: http://www.pnas.org/content/102/25/8939.full?sid=7866a6ec-5da7-46a4-
909e-91deb642a365. Acesso em: 20/02/2006. Edited by Peter Marler, University of California, Davis, CA, and
approved April 29, 2005 (received for review January 12, 2005). E VISALBERGHI, Elisabeta et al. Selection of
effective stone tools by wild capuchin monkeys. In Current Biology, 2009, 10.1016/j.cub.2008.11.064.
80
RAPCHAN, Eliane, Sebeika. Chimpanzés possuem cultura? Questões para a antropologia sobre um tema
"bom para pensar". Revista. Antropologia.vol. 48, no.1, São Paulo: Jan./June, 2005. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034.77012005000100006&script=sci_arttext#nt01. Acessado em
20/04/2009. E
BÖESCH, C. & TOMASELLO, M. Chimpanzee and human cultures. Current Anthropology, vol. 39(5): 591-
614, 1998.
81
E MOSTERÍN, Jesús. ¡Vivan los Animales! Barcelona: Debols, 2003.
82
MOSTERÍN, Jésus & RIECHMANN, Jorge. Animales y Ciudadanos. Indagación sobre el lugar de los
animals y el derecho de las sociedades industrializadas.Madrid: Ediciones TALASA, 1995.. In. MOSTERÍN,
Jésus & RIECHMANN, Jorge. Animales y Ciudadanos. Indagación sobre el lugar de los animals y el
derecho de las sociedades industrializadas.Madrid: Ediciones TALASA, 1995.
204
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
humanos? O que leva centenas de pessoas a uma arena, a uma praça arquitetonicamente bela,
a assistir o massacre de um animal? A pagarem para ver um homem montado em um cavalo
dominar um touro com espadas afiadas fincando-lhe até que o animal caia arfando na areia da
arena? Que tipo de animais (insensíveis) se é? Quais serão as necessidades humanas (dos
animais humanos) para adotar tal comportamento com relação aos animais (não-humanos)?
Qual é o papel do direito como mediador e regulador do comportamento social?83
Ao longo dos séculos o “valor” dos animais de companhia continua em pauta de
discussão, mas certamente mudou. Atualmente, não estão todos em altares sagrados sendo
velados como divindades, as vacas sagradas da Índia, não são animais não-humanos de
companhia. Certamente também não são coisas para serem incluídos nos bens da empresa
quando essa é vendida e repassada ao próximo proprietário. Contudo, são vendidos, possuem
donos e movimentam uma indústria tanto no Brasil como em todo o mundo. Para termos uma
idéia da relevância desse tópico na economia do País, basta verificar que o mercado de
petshops (pet business) cresceu 17%, desde 1995, faturando cerca de R$ 6.000.000.000,00
(seis bilhões/ano), conforme os dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos
para Animais de Estimação, associação que controla os dados do setor. Para efeito de
comparação, a indústria nacional de brinquedos deve faturar R$ 1,1 bilhão neste ano, informa
a Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos).
A população de animais de companhia é surpreendente, tem-se conhecimento que se
“comercializa”, em torno de 25 milhões de cães, 11 milhões de gatos, 4 milhões de pássaros,
sem contar os 500 mil aquários de água doce e de mar, espalhados pelo País. Esses animais,
na grande maioria das vezes, são tratados como animais humanos, perdendo seu referencial
do “ser”, assim como muitas vezes o próprio animal humano se desconhece na sua
humanidade.
Os Centros de Controle de Zoonoses (CCZs) que hoje cumprem o papel de controlar a
superpopulação de animais errantes nos grandes centros urbanos agem com métodos de
‘centros de concentração’, métodos desumanos (!?). Santana84 alerta que os métodos
utilizados pelos CCZs são, em sua maioria, “nazi-fascistas”, são métodos de
83
ZSÖGÖN, Silvia Jaquenod de. El derecho ambiental y sus principios rectores. Madrid: Dykinson, 1991. E
ZSÖGÖN, Silvia Jaquenod de (coord.). Temas de legislación, Gestión y Derecho Ambiental. Ilustre Colegio
de Abogados de Madrid. Programa Iberoamericano 1995-1997. Madrid: Dykinson, 1997. E ZSÖGÖN, Silvia
Jaquenod de. Derecho Ambiental. Madrid: Dykinson, 2004.
84
SANTANA 2008 SANTANA, Heron José. Abolicionismo Animal. 2006. Tese (Doutorado). FadUFPE –
Recife, p. 160 apud SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Direito dos Animais. Disponível em:
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/pdf/direitodosanimais.pdf. Acesso em: 30/12/2008. E
SANTANA, Heron José. Política Pública e a Guarda dos Animais de Estimação. Disponível em:
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/pdf/polticapblicaeaguardadosanimaisdeestimao.pdf. Acesso em:
205
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
21/01/2009. E SANTANA, Luciano Rocha. Maus tratos e crueldade contra os animais nos centros de
controle de zoonoses. Disponível em:
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/pdf/maustratosecrueldadecontraanimaisnoscentrosdecontroledez
oonoses.pdf. Acesso em: 10/05/2008.
85
Uma organização não-governamental que atua simbólicamente aplicando penas simbólica aos Chefes de
Estado e Chefes de Governo como forma de se manifestar politicamente contra os atos cruéis cometidos contra
os animais não-humanos.. Ver http://matportugal.blogspot.com/2008/06/matp-no-tribunall-internacional-
dos.html
206
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
brasileiro, como referência de uma memória portuguesa (art. 216, da Constituição Federal de
1988)86.
Em que pese entender os argumentos da colisão de direitos fundamentais, quais sejam
o direito fundamental tutelado pelo artigo 216 da Constituição Federal de 88 e o direito
fundamental de proteção dos animais não-humanos, previsto no artigo 225 da Norma
Fundamental, vemos claramente o pendão da proporcionalidade sopesando para a proteção
dos animais não-humanos. Indubitavelmente, não há proteção a cultura que possa permitir
tratamento cruel e degradante a qualquer espécie de vida.
Exatamente, convém registrar que Buglione87 defende que “não há mais a tradição que
se apregoa. O que há é crime: violação do art. 32 da Lei nº 9.605, de 1998, que imputa pena
de detenção de três meses a um ano e multa para quem praticar ato de abuso, maus-tratos,
ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". E mais,
a autora, traz dados do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da
Unesco, em Bruxelas, de 1978, em cujo interior enfatiza a igualdade de todos à vida e à
existência, reafirmando que, nessa linha, a tradição, que venha a privilegiar morte, se dissipa.
Outra situação de grande gravidade que expõe os animais não-humanos à ganância dos
animais humanos é a corrida de cães, essencialmente a corrida de cães galgos (greyhouds)88.
A corrida profissional parte do pressuposto que o cão é um desportista profissional, assim
como seria o touro, na tourada e o boi da “farra” catarinense. A corrida de galgos é
extremamente difundida na Espanha (região da Catalunha) e em Portugal. O problema
envolvido nas competições consiste na forma de seleção, de tratamento e de posterior
“descarte” do “atleta” quando este não mais está em condições de competir. Anualmente,
mais de 20.000 cães são “produzidos” para fomentar as corridas, mas apenas 20% desse
número chegará a disputar alguma competição.89 O restante dos animais são considerados
excedentes e são descartados (a expressão utilizada pelos criadores é “destruídos” – como se
fossem coisas).
A manutenção dos galgos de corrida ocorre da forma mais cruenta possível, são
trancafiados em jaulas durante um período de aproximadas 20 a 22 horas por dia saindo
86
BAHIA, Carolina Medeiros. Princípio da Proporcionalidade nas Manifestações Culturais e na Proteção
da Fauna. Curitiba: Juruá, 2006.
87
BUGLIONE, Samantha. A farra da quaresma. Pensata Animal. N.º 20, fevereiro de 2009. Disponível em:
http://www.pensataanimal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=246&Itemid=1 Acesso em
25/04/2009.
89
Os dados foram disponibilizados pela ONG espanhola SOS GALGOS - http://www.sosgalgos.com/
89
Os dados foram disponibilizados pela ONG espanhola SOS GALGOS - http://www.sosgalgos.com/
207
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
somente para treinamento. Quando adoecem ou perdem o rendimento, os animais são mortos,
vendidos para laboratórios, ou abandonados em condições inimagináveis.
Na jurisprudência brasileira a vedação de práticas cruéis contra os animais não-
humanos tem encontrado amparo significativo. No item anterior narra-se a trecho da decisão
do Supremo Tribunal Federal contra a prática da ‘farra do boi’ no Estado de Santa Catarina.
Em decisão cautelar da ADIN acerca de questão da ‘briga de galo’ no Estado do Rio de
Janeiro90, a Corte considerou tratar-se de tratamento cruel, na maioria das vezes levando as
aves à exaustão e à morte.
No Estado do Rio Grande do Sul, em julgado proferido em 28/06/2005, pela Vara
Federal Ambiental da Circunscrição Judiciária de Porto Alegre, foi proibida a caça esportiva
amadora no Estado. Na fundamentação da sentença, o juiz federal LEAL JÚNIOR assim
dispara:
Ora, se a caça amadorista não tem outra finalidade que não o prazer ou a recreação
de quem caca, não tem como esse Juízo deixar de reconhecer que se trata de prática
que submete animais à crueldade porque existe abismal desproporção entre seu
objetivo (lazer humano) e seu resultado (morte dos animais). Ser cruel significa
‘submeter o animal a um mal além do absolutamente necessário’. Caçar sem uma
finalidade socialmente relevante é submeter o animal a um mal além do
absolutamente necessário. (...) A caça amadorista, recreativa ou esportiva, é uma
prática sem finalidade socialmente relevante e por isso é prática cruel, que atenta
contra o art. 225-§ 1-VII da CF/8891.
É oportuno, não olvidar a lição de Häberle92, de que a dignidade possui uma referência
cultural relativa e variável, ajustando-se aos conceitos históricos de cada momento. A
observação se faz pertinente, haja vista Leal Filho ter entendido desproporcional e não cabível
a prática da caça amadorística no Estado do Rio Grande do Sul, contudo existe Lei Federal
que prevê a possibilidade da atividade. A questão que permanece posta é: o código de caça é
de 1967, a Constituição Federal é de 1988.
A utilização de animais em laboratório, segundo Regan93, apresenta três grandes
finalidades: “a educação, os testes de controlo a produtos e a experimentação, em particular,
90
BRASIL. Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno. ADIN 1856-6. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgado:
03/09/98. Disponível em: www.stf.jus..br Acesso em: 13/12/2008.
91
LEAL FILHO, Cândido Alfredo Silva. Ação Civil Pública – Processo 2004.71.00.021481-2 – Sentença
0397/2005. In MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo
Wolfgang; FENSTENSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida e os direitos fundamentais para além dos
humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 307.
92
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:
contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição, tradução de Gilmar
Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.
93
REGAN, Tom, Gaiolas Vazias: os direitos dos animais e a vivissecção In BECKERT, Cristina &
VARANDAS, Maria José. Éticas e Políticas Ambientais. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de
208
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Lisboa, 2004. E REGAN, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos dos animais. Porto Alegre:
Lugano, 2006.
94
FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas. Florianópolis: Editora da
UFSC, 2007, p. 309.
95
BRÜGGER, Paula. Vivissecção: fé cega, faca amolada. In MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS,
Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTENSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida
e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 147.
96
LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004.
97
LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2004, p. 64.
98
Nesse sentido vale a advertência de LEVAI (2004, p. 64): “nossa triste fauna de laboratório – ratos (utilizados
geralmente para investigar o sistema imunológico), coelhos (submetidos a testes cutâneos e oculares, além de
outros atrozes procedimentos), gatos (que servem sobretudo às experiências cerebrais), cães (normalmente
destinados ao treinamento de cirurgias), rãs (usadas para testes de reação muscular e, principalmente, na
observação didática escolar), macacos (para análises comportamentais, dentre outras coisas), porcos (cuja pele
frequentemente serve de modelo para o estudo da cicatrização), cavalos (muito utilizados no campo da
sorologia), pombos e peixes (que se destinam, em regra, aos estudos toxicológicos), dentre outras espécies-,
transformam-se em cobaias nas mãos do pesquisador servindo como modelo experimental do homem”.
99
Na condição de “sofrimento moderado” no Reino Unido, em 2001, estiveram 1.414.242 animais em
laboratórios. Eram 1.655.766 camundongos, 489.613 ratos, 7124 hamster, 731 gatos, 23.356 coelhos, 5.460 cães,
209
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Forçar cães a engolirem agrotóxicos através de tubos diretamente ligados aos seus
estômagos? Transplantar corações e rins de porcos em babuínos capturados na
natureza? Imobilizar macacos, gatos e cães e retirar o topos de seus crânios? Ensinar
linguagem de sinais a chimpanzés e quando estes imploram para sair de suas
minúsculas jaulas simplesmente ignorarmos?
É inegável o sofrimento a que esses animais não-humanos são submetidos, mesmo que
por vezes procedimentos não invasivos sejam realizados, ou, quando invasivos, seja operada a
anestesia. O grau de sofrimento psicológico e estresse é imensurável.
Com fundamento em uma proibição de instrumentalização, Habermas100 rechaça
interferências eugênicas que visem ao aperfeiçoamento porque, nestes casos, as ações
humanas subtraem do afetado a autoria de sua própria vida (situação que incluir também o
clone, como pessoa programada), admitindo-as somente para evitar males muito extremos.
Por derradeiro, esclarece que sua proposta de distinção entre “inviolabilidade da dignidade
humana”101 e “indisponibilidade da vida humana”102 pode ser interpretada como uma gradual
proteção da vida humana, no âmbito da legislação infraconstitucional103, na qual Habermas
sustenta a necessidade de obrigações morais entre os membros de uma comunidade, uns com
os outros, por consideração, conforme a norma, especificamente a esses que não pertencem a
esse universo, os animais não-humanos.
Questionamos, a partir da proposta habermasiana, que se adota praticamente na
íntegra, é se efetivamente os animais não-humanos estão completamente apartados dessa
comunidade moral e se é o caso de se levar em conta às obrigações para com eles “por
consideração”. Defendemos a aplicação de uma obrigação muito mais forte, como a
existência de um dever fundamental e não apenas uma consideração por serem seres que
sentem.
Cabe anotar que a dignidade humana, para Habermas104, entendida em sentido moral
estrito e jurídico, encontra-se ligada a uma simetria de relações. Para o autor,
dentre outros. Destes, 71.261 já morreram em testes de toxicidade. Os dados foram retirados de JENSEN,
Derrik. Vivisection: a “moderate” proposol. The Ecologist, p. 44. Fev. 2003, também disponível em
BRÜGGER, Paula. Vivessecção: fé cega, faca amolada. In MOLINARO, Carlos Alberto; MEDEIROS,
Fernanda Luiza Fontoura de; SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTENSEIFER, Tiago (Org.). A dignidade da vida
e os direitos fundamentais para além dos humanos: uma discussão necessária. Belo Horizonte: Fórum,
2008, p. 161.
100
HABERMAS, Jürgen. El Futuro de la Naturaleza Humana. Hacia una Eugenesia Liberal? Tradução de
R. S. Carbó. Barcelona: Paidós Ibérica, 2002.
101
Art. 1.1 da Lei Fundamental de Bonn.
102
Art. 2.2 da Lei Fundamental de Bonn.
103
KLOEPFER, Michael. Vida e Dignidade da Pessoa Humana. Tradução de Rita Dostal Zanini. In: SARLET,
Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.184) exprime que igualmente sustentando uma gradual proteção
jurídica da vida humana pré-natal, “que se torna cada vez mais forte”.
104
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 47.
210
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Ela [a dignidade] não é uma propriedade que se pode possuir por natureza, como a
inteligência ou os olhos azuis. Ela marca, antes, aquela intangibilidade que só pode
ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no
relacionamento igualitário entre as pessoas. Emprego o termo intangibilidade não
com o mesmo sentido de indisponibilidade, pois uma resposta pós-metafísica à
questão de como devemos lidar com a vida humana pré-pessoal não pode se obtida
ao preço de uma definição reducionista do homem e da moral.
Do ponto de vista da constituição de uma comunidade democrática, urge ressaltar a
importância de sentidos atribuídos e vividos na relação vertical e horizontal. A primeira,
vertical, entre o cidadão e o Estado e a rede horizontal das relações entre os cidadãos, para
trabalhar tanto a intangibilidade, quanto a indisponibilidade da dignidade da vida no sentido
da proteção da vida. Segundo essa leitura, nesse direito fundamental está garantida a
consciência de autonomia, nomeadamente entendida pela autocompreensão moral que se
deve esperar de todo membro de uma comunidade de direito, estruturada pela igualdade e
pela liberdade, quando ele tem as mesmas chances de fazer uso de direitos subjetivos
igualmente distribuídos.
Apresentamos uma perspectiva de ampliar a visão da dignidade a partir do alcance da
dignidade pré-pessoal. Habermas105 alicerça sua tese afirmando que os seres pré-pessoais
também deverão ser protegidos pela dignidade, não pela dignidade da pessoa humana, mas
por uma dignidade da vida, incluindo na mesma as suas inerentes obrigações. É, ainda,
Habermas, quem defende “o termo “intangibilidade” não com o sentido de
“indisponibilidade”, pois uma resposta pós-metafísica (grifo do autor) à questão de como
devemos lidar com a vida humana pré-pessoal não pode ser obtida ao preço de uma
definição reducionista (grifo do autor) do homem e da moral.
É, ainda, o autor, quem define que a própria lógia dos procedimentos democráticos
internaliza a formação da vontade política que pressupõe a ideia de liberdades iguais para
cada um, assim como a solidariedade para aqueles que não as possui. Geram-se, assim,
figuras reflexivas no processo de autolegislação106, criadas pela possibilidade de
argumentação recíproca de parceiros com interesses comuns unidos sob determinadas
circunstâncias específicas circunscritas e solidárias. Desse modo,
a solidariedade de (grifo nosso)Cidadãos do Estado, a qual se produz, atualiza-se e
se dá mediante um processo democrático, faz com que a viabilização igualitária de
éticas de iguais liberdades assuma forma procedimental (…) Uma democracia
enraizada na sociedade civil consegue criar uma caixa de ressonância para o
protesto, modulado em muitas vozes, daqueles que são tratados de modo desigual,
dos subprivilegiados, desprezados107.
105
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 47.
106
HABERMAS, Jürgen. A crise do Estado do bem-estar e o esgotamento das energias utópicas. Diagnóstico do
Tempo: seis ensaios. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005. p. 9-36.
107
Habermas, 2005, p306.
211
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
108
HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo
Universitário, 1989.
109
HABERMAS, 1991, p. 108.
110
HABERMAS, Jürgen. Escritos sobre Moralidad y Eticidad. Barcelona: Paidós, 1991.
212
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
9 Fazendo acontecer
111
HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la ética del discurso. Madrid, Editorial Trotta, 2000.
112
PATZIG, Günther. Ökologische Ethik – innerhalb der Grenzen blober Vernunf, en H.J. Helster (ed.),
Umweltschutz – Herausforderung unserver Generation, Studien-zentrum Weikersheim, 1984, Apud.
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
113
INGOLD, Tim. Lines. A brief history. New York: Routledge, 2007.
213
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
traços, tramas, urdiduras incorporados à paisagem como esforço de uma continuidade. Dai a
responsabilidade; dai a necessidade do respeito e da construção de direitos.
À luz da temática ambiental, urge realizar a transferência da proteção ao ambiente do
terreno dos direitos fundamentais para o âmbito dos deveres, como já foi referido. Tal
situação reflete, como afirma Canotilho114, uma necessidade de se ultrapassar a euforia dos
direitos fundamentais sob á ótica do individualismo e de se alicerçar o conceito de uma
comunidade responsável em face dos problemas ambientais coletivos.
Seguindo a mesma seara, Bosselmann assevera a relevância da influência recíproca
entre direitos e deveres no que concerne uma realidade ambiental. O referido autor entende
que o ser humano, ao mesmo tempo em que necessita explorar os recursos naturais, é também
completamente dependente deles, o que torna imprescindível para uma boa vida, para uma
vida digna, uma “auto-limitacao do comportamento humano”115 em termos práticos e
normativos.
Três princípios éticos destacam-se para a proteção do ambiente pelo ordenamento
jurídico-constitucional, sendo um dos mais relevantes o princípio do respeito humano pelo
ambiente não-humano, também conhecido como princípio de justiça interespécies116.
A teoria jurídica dos deveres fundamentais, na senda da proteção do ambiente, direito
fundamental de terceira dimensão, em cujo âmbito se insere a proteção da fauna como um
direito fundamental de terceira dimensão. Esse dever instiga o titular a sair da sua zona de
conforto fixada pela primeira e pela segunda dimensão dos direitos fundamentais (porque
individual e/ou coletiva) e passa a mudar o comportamento, forçando a preocupação com
aquilo que extrapola o homem-indivíduo ou mesmo o grupo-coletivo, consagrando os deveres
constitucionais ambientais dos seres humanos para com os animais não-humanos e a vida em
geral. Essa dimensão normativa se faz presente, porque aqui está designada uma
responsabilidade comunitária dos indivíduos, para além da responsabilidade de cada um. A
dimensão normativa que aqui se defende se justifica pela proteção da dignidade da vida e,
portanto por uma prevalência do interesse público sobre o particular o que, à luz da teoria dos
deveres fundamentais, possibilita tanto a limitação de direitos subjetivos como a redefinição
114
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O direito ao ambiente como direito subjetivo. In CANOTILHO, José
Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
115
BOSSELMANN, Klaus. Environmental tights and duties: the concept of ecological human rights. Anais do
10º Congresso Internacional de Direito Ambiental, em São Paulo, 5-8 de junho de 2006.
116
BOSSELMANN, Klaus. Human rights and the environment: the search for common ground. In Revista de
Direito Ambiental, n. 23, jul-set. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
214
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
215
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
ABSTRACT
The Brazilian Cerrado, historically was treated as vegetation devoid of any biological
or economic importance due to its scarce appearance and improper soil for economically
216
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
viable plantation. Nowadays the situation is diametrically the opposite. The modern
agronomic techniques have integrated large Cerrado‟s areas into the agricultural economy
and, almost simultaneously, the knowledge about its complexity has increased, as the
knowledge of its richness and importance to the world because it is the most varied savanna
vegetation of the planet. So, there is a growing tension between large farmers and ranchers in
one side and environmentalists in the other. Despite the influence of this "tug of war" in the
development of the New Brazilian Forest Code, a simple reading of the legal provisions
relative to the Cerrado seems to indicate that the new legislation opted for defend the
agribusiness, which somehow represents a regression in relation to the previous Code. This
update of the Brazilian forest legislation is at least peculiar, since the Constitution of 1988
(Article 225) defined the environment as a common good and, therefore, being of interest to
all Brazilian society, which would assume its full protection. In this context, it was considered
necessary to search for the related literature , as well as the combined use of field research and
interviews with "geraizeiros" (an expression used to define Cerrado's native populations
located in north of Minas Gerais), aiming to survey the main aspects concerning the new
legislation's effects on the practices of these people, especially regarding the socioeconomic
impacts seen in economic activities on this biome and in population's livelihood. This
research had to be done due to the necessity of the constitutional guarantees' application
analisis related to environmental protection and the employment of social science methods,
unusual in a legal research. This exercise will allow a reflexion about how the environmental
legislation's naturalization occurs among the geraizeiros, and its suitability to the Brazilian
democratic State model, mainly referring to the human dignity's protection, considered as
constitutional principle that assures the possibility to make real the right to a healthy, stable
and economically sustainable environment.
INTRODUÇÃO
Este artigo integra uma pesquisa mais ampla, ainda em desenvolvimento, iniciada a
partir da elaboração do trabalho de conclusão do curso de graduação em Direito de uma das
autoras, cujo tema resultou de sua experiência pessoal com o ambiente savânico do cerrado do
norte de Minas Gerais, local onde nasceu e viveu até a adolescência. Mesmo depois da
mudança para o Rio de Janeiro, os contatos com a paisagem e os problemas daquela
vegetação permaneceram constantes, especialmente durante as visitas aos familiares e amigos.
Ao longo dos anos e dessas viagens, foram percebidas as alterações sofridas pelo cerrado.
Áreas antes virgens, gradativamente foram desmatadas e substituídas por pastagens e
plantações de espécies diferentes das originais, como o pinus ou o eucalipto. Dentre as cenas
mais marcantes dessa experiência, ficaram registradas as grandes e frequentes queimadas que
chamavam a atenção pelo fato de poderem ser vistas a grandes distâncias.
De maneira geral, a expressão “Cerrado” é empregada para designar o conjunto de
vegetação que ocupa a região central do país (Ribeiro et al, 1981), a expressão “cerrado” é
geralmente utilizada para designar a vegetação savânica, formada predominantemente por
árvores baixas, de até seis metros de altura, com troncos retorcidos e que ocupam área de solo
217
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
pobre em nutrientes, presentes em uma região climática dividida em duas estações bem
definidas: seca e chuvosa.
De acordo com BATALHA (2011).
Para esta pesquisa, optou-se pelo emprego da definição que leva em conta as
diversidades observadas na abrangência geográfica do Cerrado e formulada por COUTINHO
(2006), segundo o qual o Cerrado constitui um “complexo de biomas distribuídos em
mosaico”.
Conforme Hogan (2001, p. 1), em 2000, o Cerrado (cuja área de impacto é definida
aqui como os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e o Distrito Federal)
possuía uma área de 2.123.189 Km2 e população de 10.959.123. Para este autor:
218
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental,
a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º - Aquele que
explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução
técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º - A Floresta Amazônica
brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a Zona Costeira são patrimônio
nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou
arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º -
As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não
poderão ser instaladas. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm,
acesso em 20 de outubro de 2012.
2
Este fato levou Ribeiro (2005) a considerar que a não inserção do bioma Cerrado como patrimônio nacional
pela Constituição de 1988, evidenciou a visão desse bioma de forma depreciativa no contexto nacional, o que
se reflete na maneira como é encarada a cultura e a sociedade do sertão, cujo vínculo com o bioma é tão
significativo. Uma proposta de Emenda Constitucional que incluía o Cerrado e Caatinga como patrimônio
219
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Percebe-se também por esta lei que o Cerrado que se encontra situado fora da área
localizada na Amazônia Legal3 não recebe a mesma proteção legal que aquele compreendido
em tal região.
Em 25 de maio de 2012 foi editada a Lei no 12.651, conhecida como “Novo Código
Florestal”, com a redação final dada pela Medida Provisória no 571, sancionada em 17 de
nacional teve sua última tramitação em 12/09/2011 na Comissão de Constituição e de Justiça e de Cidadania,
tendo sido elaborado um parecer da Relatoria daquela comissão pela admissibilidade da proposta. Consulta em
16/01/2011: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483817
3 A Amazônia Legal é uma área que corresponde a 59% do território brasileiro e engloba a totalidade de oito
estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e parte do Estado do
Maranhão (a oeste do meridiano de 44ºW), perfazendo 5,0 milhões de km². Nela residem 56% da população
indígena brasileira. O conceito de Amazônia Legal foi instituído em 1953 e seus limites territoriais decorrem
da necessidade de planejar o desenvolvimento econômico da região e, por isso, não se resumem ao ecossistema
de selva úmida, que ocupa 49% do território nacional e se estende também pelo território de oito países
vizinhos. Os limites da Amazônia Legal foram alterados várias vezes em consequência de mudanças na divisão
política do país. O Plano Amazônia Sustentável (PAS), lançado em maio deste ano pelo governo federal,
considera integralmente o Estado do Maranhão como parte da Amazônia Brasileira.
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2154:catid=28&Itemid=23
220
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
outubro do mesmo ano. Esta lei foi duramente criticada, antes mesmo de sua edição,
afirmando-se que houve uma depreciação da proteção ambiental em prol da produção
agropecuária. Dentre as críticas levantadas, cita-se a redefinição de áreas de preservação
permanente em leitos de cursos d‟água, que passaram a ser consideradas a partir do nível
normal destes cursos, quando antes eram consideradas a partir do nível das cheias 4.
Outra crítica se refere à recomposição obrigatória de mata nativa nas áreas
denominadas de reservas legais, já que o artigo 66 da lei afirma que pode ser feita com até
50% de espécies exóticas ou frutíferas, ou seja, metade da recomposição não precisa ser
composta por espécies regionais, podendo, inclusive, haver exploração econômica.
Em relação à reserva legal e de acordo com o artigo 12 da lei citada, foram mantidos os
mesmos 80% para floresta amazônica na Amazônia Legal (redutíveis para 50% de área de
recomposição em determinadas circunstâncias), 35% de Cerrado que ocorra na Amazônia
Legal, e redução para meros 20% nas demais áreas de matas. Ou seja, a área de preservação
obrigatória em propriedades rurais na região de Cerrado fora da Amazônia Legal foi reduzida
de 35% para 20%, sendo que as propriedades rurais de até 4 hectares, que tinham mais área
desmatada do que a legislação permitia em 22 de julho de 1988, estão desobrigadas de
recompô-la5. Por fim, metade da área a ser recomposta não tem que ser com mata nativa,
podendo ter intercaladas, inclusive, espécies exóticas. O que acontece, por exemplo, e com
muita frequência, com o emprego de eucaliptos nas regiões afetadas.
Apesar do despretensioso tratamento legal do Cerrado, este bioma ocupa o
segundo lugar em extensão e variedade de espécies vegetais, sendo superado apenas pela
Amazônia, já que ele se entende por 21% (vinte e um por cento) do território nacional, como
afirmou Borlaug (2002). Todavia, apesar de sua considerável extensão territorial, dados
recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE confirmam o que
pessoalmente vinha constatando em minhas viagens: a devastação deste bioma. Apenas 51%
da área total do Cerrado brasileiro mantêm-se protegida (IBGE, 2012). Considerando-se que
este percentual representa, hoje, aproximadamente, 205 (duzentos e cinco) milhões de
hectares e que anualmente há uma perda de cerca de um milhão de hectares, seu futuro está
seriamente ameaçado. De acordo com Machado, et al. (2004), entre o período de 1985 a 2002,
4 A redação do Art. 2° da lei anterior afirmava que “Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito
desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso
d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será…” Já a redação do Art. 4º do
novo Código afirma que “Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os
efeitos desta Lei: I – as faixas marginais de qualquer curso d‟água natural, desde a borda da calha do leito
regular, em largura mínima de…” (grifei)
5 Exemplo desta medida ocorreu nos casos de imóveis que tinham até quatro módulos fiscais em 22 de julho de
2008, nos quais a área de recomposição obrigatória ficou sendo apenas a que existia de mata nativa naquela
data, perdoando-se, assim, os pequenos proprietários que desmataram mais do que a lei permitia até a época
citada (Art. 67 da lei).
221
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
a taxa média de desmatamento do Cerrado foi de aproximadamente 1,1% ao ano e dentro dessa
perspectiva, seria de se esperar que o Cerrado desaparecesse no ano de 2030.
Além disso, estatísticas formuladas por órgãos de proteção ambiental afirmam que a
proteção do Cerrado representa também o amparo aos demais biomas brasileiros
(FUNDAÇÃO PRÓ-NATUREZA, 1999; GREENPEACE, 2012 e WWF - BRASIL, 2012).
Não obstante sua importância para a biodiversidade, diversos fatores vêm contribuindo para a
ameaça de extinção do Cerrado brasileiro, sendo o mais peculiar o confronto entre duas
políticas públicas antagônicas: de um lado, o Ministério do Meio Ambiente objetiva aumentar
o percentual de áreas protegidas (hoje representam apenas 2,2% da área original do Cerrado)
e, do outro, o Ministério da Agricultura estipula a utilização de aproximadamente 100 (cem)
milhões de hectares adicionais para a expansão da agricultura (Machado et al, 2004).
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2011), no período de
2002 a 2009, houve uma redução na taxa anual de desmatamento do cerrado. De 2002 a 2008,
85.074,87 km2 de cobertura vegetal do cerrado foi suprimida, representando uma taxa média de
0,69% ao ano. Já entre 2008 e 2009, foi reduzida para 7.637 km2, o que equivaleu a 0,37% ao ano.
Em números absolutos, o Cerrado teve sua cobertura vegetal original e secundária reduzida de
1.136.521 km2 para 1.043.809 km2.
Ocorre que o Cerrado, depois da Mata Atlântica, é o bioma brasileiro que mais sofreu
devastação pela ocupação humana.6 Com a crescente pressão para a abertura de novas áreas,
visando incrementar a produção de carne e grãos para exportação, especialmente nas três
últimas décadas, tem havido um progressivo esgotamento dos recursos naturais da região
(conforme DIAS, 1994).7 Além disso, o bioma vem sendo cenário de uma exploração
extremamente predatória de sua madeira para produção de carvão (conforme dados do
Ministério do Meio Ambiente, em BRASIL, 2012), assim como o cultivo do eucalipto e do
pinus em áreas devastadas para este fim, em razão do alto valor econômico desse extrativismo
para um específico ramo da atividade financeira, conforme as fotografias abaixo.
Apesar de se reconhecer sua importância biológica, de todos os hotspots mundiais, o
Cerrado é o que possui a menor porcentagem de áreas sobre proteção integral. Isto porque
este bioma apresenta 8,21% de seu território legalmente protegido por unidades de
conservação; desse total, 2,85% são unidades de conservação de proteção integral e 5,36% de
unidades de conservação de uso sustentável, conforme Simões (2008).
6 Segundo Santos et al (2006), a partir de 1970, com a intervenção do governo federal no processo de ocupação
do Cerrado, através da política denominada de Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),
iniciou-se uma grande ocupação humana, através da expansão da fronteira agrícola, “que inseriu o Cerrado
dentro do cenário nacional de produção agropecuária com alto grau de mecanização”.
7 De acordo com Dias (1994), até 1985 o manejo de áreas nativas para a criação de gado foi a atividade
econômica que ocupou a maior parte das paisagens naturais do Cerrado. Já recentemente, e de acordo com os
dados do IBGE, a área ocupada pela cultura da soja aumentou sensivelmente no país e entre os anos de 1995 a
2002 praticamente dobrou de tamanho (disponível em http://www.ibge.gov.br, acesso em dezembro de 2012.
222
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
8 A expressão “geraizeiros” é empregada para designar a população que ocupa a região do norte de Minas
Gerais, pois as regiões desta localidade são conhecidas como “Gerais”. Os geraizeiros, assim como as demais
populações tradicionais, foram reconhecidos pelo Decreto nº 6.040, assinado em 7 de fevereiro de 2007, que
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em seu inciso I, do
artigo 3º, afirma que os povos e comunidades tradicionais são os “grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.”
9 Dentre outros empregos, o pequi também é utilizado para alimentar víveres como patos, galinhas e outras aves
criadas pelas famílias dos gerazeiros, especialmente quando a safra do milho é prejudicada pela seca.
Informação esta obtida em conversa com um desses nativos, por ocasião de uma de minhas visitas à região.
10 O óleo extraído da fruta do pequi tem ação cicatrizante comprovada em laboratório, conforme Batista et al.
223
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
(2010). Além disso, segundo Petillo (2004), há também pesquisa da Universidade de São Paulo para verificar a
possibilidade do uso do óleo de pequi como biodiesel. Segundo esta pesquisa, o óleo de pequi chega a ser 4%
mais econômico no consumo e 30% menos poluente. Cada hectare de plantação pode produzir até 3.200 litros
de óleo (a soja, que também está sendo testada como mistura do biodiesel, rende 400 litros por hectare).
11 Estas barracas (construídas com pedaços de madeira e palha de coco) podem ser encontradas durante o ano
todo. Nelas são vendidos principalmente as frutas do pequi e seus derivados, mas também são comercializados
outros frutos como cocos, araticuns e cagaitas; diversos condimentos como pimentas; corantes; doces em
compotas, entre outros produtos.
224
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
públicas não integradas e de certa forma até opostas. De um lado, enfatiza-se a importância da
conservação e da recuperação do Cerrado em toda a sua plenitude, devido principalmente à
importância ambiental e de outro, o incentivo à ocupação do Cerrado por grandes
monoculturas e criações, eliminando cada vez mais a flora e fauna locais, ao mesmo tempo
em que organismos nacionais e internacionais de proteção ambiental pressionam o governo
brasileiro no sentido de ampliar a conservação de nossa savana12.
Ocorre que as populações tradicionais encontradas no Cerrado (povos indígenas,
quilombolas, geraizeiros, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos e vazanteiros) enfrentam
dificuldades para sua sobrevivência por conta da degradação de seus territórios e das constantes
pressões no entorno (BRASIL, 2011).
A questão que se levanta e merece discussão é como conciliar, dois direitos
constitucionais que parecem se encontrar em rota de colisão: de um lado, a proteção ambiental
que representa um direito universal e, portanto, comum a todos os brasileiros e, de outro, a
proteção da dignidade humana13, traduzida nos aspectos relacionados às condições de vida e
sobrevivência da população que explora os produtos do Cerrado?
Diante deste contexto foi percebida a importância de uma pesquisa “in loco” que
indagassem quais são as consequências ou efeitos desse antagonismo para as populações que
vivem do extrativismo do Cerrado? De que maneira a legislação ambiental afeta as práticas e
as relações dessas populações com o Cerrado e com seus pares? Quais os efeitos dessas
relações? E, no que se refere ao recorte pretendido, até que ponto a nova legislação ambiental
representa proteção para os geraizeiros que vivem desta economia informal, especialmente à
relativa à extração e ao comércio do pequi? Quais são os mecanismos disponíveis aos
gerazeiros para esta proteção? Qual o papel do Poder Judiciário local em tais circunstâncias?
Para fins de delimitação espacial, a pesquisa será desenvolvida no norte de Minas
Gerais - especialmente na área compreendida entre as cidades de Engenheiro Navarro e
Curvelo, devido à familiaridade das pesquisadoras com a região e sua inserção no judiciário
local, enquanto advogadas atuantes.
METODOLOGIA
12
De acordo com Afonso (2012), até meados da década de 1980, a intensa intervenção estatal se expressou por
meio da implantação da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), do Programa de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (Prodoeste), do Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro) e
do Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer). A partir disso,
o Cerrado passou a ser visto como “celeiro do mundo”.
13
Enquanto o direito universal ao meio ambiente está previsto no artigo 225 da Constituição da República de
1988, já afirmado, a dignidade humana é concebida pelo texto constitucional como um dos fundamentos da
nossa República. De acordo com o Art. 1º, da Carta, “A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”.
225
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para atingir o objetivo aqui proposto foi percebido, logo no início da pesquisa, que o
exame meramente bibliográfico, com base nas doutrinas jurídicas brasileiras, apresentaria
uma contribuição reduzida e parcial. Isto porque tais doutrinas são textos que contém a
interpretação de seus autores a respeito de um determinado texto legal, não representando o
que efetivamente as práticas sociais promovem (Geertz, 2008).14 Sendo assim, pensou-se em
utilizar, complementarmente a esta análise alguns métodos colhidos nas ciências sociais,
especialmente a observação participante, conjugada com o emprego de entrevistas abertas
com alguns geraizeiros e demais habitantes da região compreendida entre as cidades de
Engenheiro Navarro-MG e Corinto-MG, em face do recorte geográfico escolhido.
A observação participante é uma técnica realizada através do contato direto, frequente
e prolongado do investigador com os atores sociais, em seus contextos culturais, sendo o
próprio investigador instrumento de pesquisa. Esta técnica tem como precursor o autor
Malinowski (1976).15 Os objetivos da observação participante não se restringem à mera
descrição de um contexto fático, mas pretende identificar os sentidos, a orientação e a
dinâmica de cada momento. Nela, o investigador é simultaneamente instrumento na coleta de
dados e na sua interpretação.
Bogdan e Taylor (1975) definiram a observação participante como uma investigação
caracterizada por interações sociais intensas, entre investigador e sujeitos, no meio destes,
sendo um procedimento durante o qual os dados são recolhidos de forma sistematizada.
A observação das práticas e dos costumes dos gerazeiros com o Cerrado e as relações
construídas a partir da necessidade de sua exploração e proteção, provavelmente produzirão
dados importantes para a pesquisa em um primeiro movimento. Nesta análise serão
enfatizadas as dimensões sociocultural, econômica, institucional e ambiental, organizadas a partir
dos elementos, ideias ou manifestações produzidas pelos atores observados.
Em seguida à observação do modus agendi dos geraizeiros, pretende-se levantar as
ações impetradas junto ao Judiciário local que versem sobre a proteção dos interesses dos
gerazeiros e do Cerrado, dividindo-se tal estudo segundo essas duas orientações, para verificar
como este órgão administra os conflitos sociais que envolvem tais questões e como suas
decisões interferem e influenciam as vidas desses atores sociais. Restringiremos este
14
De acordo com Geertz, os doutrinadores jurídicos constroem um saber denominado de dogmática jurídica,
enquanto saber próprio do campo jurídico, “que consiste em reunir e organizar, de forma sistemática e racional,
comentários a respeito da legislação em vigor e da melhor forma de interpretá-la; é através dela que o direito se
reproduz nesse campo” (2008, p. 26)
15 Malinowski (1976) e seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, nordeste da Nova Guiné, realizado em duas
expedições, cada qual com duração de um ano (1915-1916 e 1917-1918), constituem o marco de origem da
etnografia científica, na medida em que o autor redefiniu as crenças, os compromissos básicos dos membros da
comunidade científica a respeito da natureza do conhecimento antropológico. De acordo com
Malinowski(1978), não se pode conhecer outras sociedades, outras culturas, a partir dos dados fornecidos por
viajantes, missionários e funcionários do governo colonial.
226
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
16
De acordo com Gomes (2004), a expressão categoria se refere a um conceito que abrange elementos ou
aspectos com características comuns ou que se relacionam entre si. Assim, as categorias são empregadas para
se estabelecer classificações, um procedimento, em geral, utilizado em análises qualitativas. Nesse sentido,
trabalhar com elas significa agrupar elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de
abranger o todo.
227
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
JUSTIFICATIVA
O estudo do tema escolhido é complexo, pois esbarra em inúmeros fatores que estão
relacionados à manutenção dos Cerrados brasileiros, de um lado, e ao crescimento do
extrativismo vegetal e da exploração pecuária, de outro, sendo que ambos têm como meta o
desenvolvimento do país, enquanto políticas públicas institucionalizadas. Estes fatores
também implicam na convivência e reprodução de dois direitos protegidos
constitucionalmente: o direito universal ao meio ambiente equilibrado e sustentável e a
proteção da dignidade humana.
Dentre outros doutrinadores jurídicos que tratam do direito ambiental, Hugo Nigro
Mazzilli (2005, p. 142-143) afirma que:
O tema relativo ao meio ambiente está distribuído na Carta de 1988 no Capítulo VI, do
Título VIII e em diversos outros artigos, que versam sobre a responsabilidade da sociedade e
do Estado brasileiro com o meio ambiente, merecendo destaque o direito fundamental de
qualquer pessoa propor ação popular com a finalidade de anular ato lesivo ao meio ambiente17
(art. 5º, inciso LXXIII), pois considerado como um arcabouço dentro do sistema de garantias
dos direitos dos cidadãos. E mais, de acordo com o artigo 4º, IX, estabelece que o Brasil deve
reger-se em suas relações internacionais pelos princípios da cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade, de maneira a permitir maior efetividade na preservação ao meio
ambiente18.
17
Trata-se de um direito erigido ao status de direito fundamental, uma vez que inserido no Título II da Carta de
1988, que versa sobre os direitos e garantias individuais e que em seu artigo 5º, inciso LXXIII, afirma que
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (…) LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-
fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.” O termo direitos fundamentais, segundo a doutrina
jurídica, refere-se aos direitos dos cidadãos reconhecidos e positivados no texto constitucional positivo de um
determinado Estado. De acordo com Sarlet (2006, pp. 35-36), os direitos fundamentais seriam direitos
subjetivos perante o Estado, tendo efeitos diretos na relação particular-Estado.
18
De acordo com este artigo 4º, “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos
seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação
dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos
228
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ALGUNS RESULTADOS
conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a
integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma
comunidade latino-americana de nações”.
229
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Ocorre que com a chegada das empresas produtoras de eucalipto todo esse sistema foi
desestruturado. Segundo Correia et al. (idem), “o retorno social de suas atividades foi reduzido,
inviabilizando o uso coletivo das áreas de chapada e comprometendo ambientes de baixada,
especialmente através do assoreamento dos cursos d‟água e rebaixamento do lençol freático.”
A insustentabilidade das plantações de eucalipto já fora objeto de crítica de pesquisadores
da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de São Paulo, em investigação
realizada no Médio Jequitinhonha. Segundo eles,
“A despeito das consequências danosas ao meio ambiente, ocasionado pelas
florestas de eucaliptos e pinus, quando implantadas às custas da remoção da
vegetação nativa, elas são particularmente maiores quando a vegetação
nativa substituída é a do cerrado, ocasionando uma perda importante na
parcela da recarga, devido à maior demanda evapotranspirativa daquelas
espécies em relação às nativas do cerrado” (conforme Duarte et al., 2001, p.
9).
19
Expressão empregada pelos geraizeiros para designar o explorador das matas e conhecedor da vegetação do
Cerrado.
231
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
afirmativa. Um exemplo desta tática foi revelada por um dos geraizeiros entrevistados, ao
afirmar que em Engenheiro Navarro – MG, alguns moradores extraíam irregularmente a
vegetação do Cerrado para ser utilizada como lenha, já que a maioria das casas dessa região
até hoje ainda recorre ao uso de fogões à lenha no preparo de suas refeições, o que constitui
uma alternativa econômica ao gás e à eletricidade. Acontece que esta extração, realizada ao
amanhecer, justamente para evitar a fiscalização dos órgãos de proteção ambiental, durante
muito tempo foi incentivada pelo próprio líder político responsável pela administração local.
Este líder chegou a utilizar os caminhões da própria prefeitura para transportar os moradores
nesta empreitada (sob a forma de mutirão), levando a população a acreditar que seu interesse
era exclusivamente o de beneficiá-la. Este administrador público se juntava à população
naquela tarefa, com o fim de passar a impressão de que ele também era pessoa humilde, do
povo e estava sensibilizado quanto às necessidades de sua comunidade. Além deste
transporte, o político em questão estimulava sobremaneira a manutenção desta prática,
sorteando gêneros alimentícios, botijões de gás e outros artigos entre os moradores durante o
mutirão. Tal estratégia favoreceu a sua permanência na administração pública local por três
mandatos, e de seu grupo por cinco mandatos. Esta situação só não se estendeu por um
período ainda maior porque um político adversário o denunciou ao Ministério Público, que
adotou as medidas necessárias para impedir a continuidade de tais práticas nocivas ao meio
ambiente e à liberdade política da população. Com isso, sua popularidade diminuiu, levando-o
a ser derrotado nas últimas eleições municipais.
Em sentido oposto e ainda durante o trabalho de campo inicial foi percebido que
dentre as instituições oficiais que se preocupam com o destino do Cerrado, a Defensoria
Pública Mineira se destacou. Para coibir ataques como o narrado acima, este órgão chegou a
publicar em sua página oficial da web, a reprodução (na íntegra) de uma ação judicial movida
perante a justiça paulista, na qual foi concedida uma liminar justamente à defensoria pública
daquele Estado, a qual proibia o plantio, o corte e o transporte de eucalipto nas cidades
paulistas.20 A decisão judicial em questão estabeleceu também que a validade desta liminar
permaneceria até quando fosse editada uma legislação específica sobre o assunto. Sendo
assim, a reprodução desta notícia representava a intenção da defensoria pública mineira em
20
De acordo com a Defensoria Pública de São Paulo, a Ação Civil Pública foi proposta contra a expansão da
monocultura de eucaliptos geneticamente modificados pela Votorantim e Suzano, no município de São Luiz
do Paraitinga, no Vale do Paraíba. A Defensoria alegou, entre outras violações, que rios e nascentes da região
secaram, animais; pessoas foram contaminadas por agrotóxicos e diversos trabalhadores rurais ficaram
desempregado. O pedido de liminar consistiu na suspensão do plantio de eucaliptos até que fossem feitos
estudos de impacto ambiental com audiências públicas junto às comunidades rurais afetadas. A ação pediu a
condenação das empresas a indenizarem os prejuízos causados; o corte das árvores cultivadas em área de
preservação ambiental permanente e a recomposição da floresta nativa. (conforme
http://www.conjur.com.br/2007-nov-24/defensoria_propoe_acao_cultivo_eucalipto, acesso em dezembro de
2012).
232
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
CONCLUSÃO
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240
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Resumo: A Mata Atlântica é o único dos biomas brasileiros que possui um regime jurídico
próprio de proteção. Por outro lado é o bioma que teve a maior extensão de vegetação nativa
suprimida e que se encontra em situação de maior vulnerabilidade de ocorrência de impactos
ambientais. Os principais motivos dessa situação de vulnerabilidade são a pequena parcela
restante do bioma, o número de espécies endêmicas ameaçadas de extinção e a alta densidade
demográfica na sua área de formação original. A conservação da parcela do bioma que ainda
resta revela-se como um imenso desafio, sobretudo frente à pressão para a sua ocupação. A
partir deste panorama procura-se analisar as regras do regime jurídico de proteção do Bioma
Mata Atlântica previstas na Lei Federal nº 11.248/06, especialmente aquelas aplicáveis nas
hipóteses de realização de loteamentos ou edificações urbanas, e os mecanismos e
instrumentos jurídicos postos para impedir que a expansão urbana não leve à devastação de
novas áreas do bioma.
Résumé: La Forêt Atlantique est l'un des uniques biomes qui dispose d'un régime juridique
spécial pour sa protection. De l'autre côté, est le biome qui a eu la plus grande étendue de la
végétation indigène enlevé et ce a trouvé dans une situation la plus vulnérable de survenue des
impacts environnementaux. Les principales raisons de cette vulnérabilité sont la petite portion
restante du biome, le nombre d'espèces endémiques menacées d'extinction et la forte densité
démographique dans sa zone de formation originale. La conservation de la part du biome qui
reste se révèle être un défi de taille, surtout en raison de la pression de sa occupation. De cet
panorama se vise à analyser les règles du régime juridique de le biome de la Forêt Atlantique
prévue à la Loi Fédéraux n° 11.248/06, en particulier celles applicables en cas de réalisation
de lotissements ou bâtiments urbains, et les mécanismes et les instruments juridiques pour
empêcher que l'étalement urbain ne conduit pas à la déforestation de nouveaux domaines du
biome.
1
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara;
Especialista em Direito Ambiental pelo CEAJUFE; Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – PUCMINAS; Advogada.
241
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1 Introdução
242
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
vertical do Brasil, de norte ao sul, e que se iniciava na região litorânea. Esta localização
coincidiu com a frente de domínio e exploração do território brasileiro, que partia do litoral
em direção ao oeste. Os primeiros centros políticos e as mais concentradas ocupações do
território também se deram na área em que predominava este bioma.
Diante desta localização geográfica a exploração dos recursos naturais da Mata
Atlântica e a ocupação da sua área de formação se tornaram inevitáveis.
Mesmo após o encerramento da fase de colonização do Brasil o processo de
exploração continuou avançando sobre outras áreas. Com o objetivo de se alcançar o
progresso do país se adentrava nas áreas das florestas para ocupação urbana, industrial,
agrícola, instalação de grandes empreendimentos ou simplesmente para extrair os seus
recursos naturais.
Esse panorama, acompanhado da intensificação da ocupação e desenvolvimento da
região sudeste, contribuíram para a contínua devastação da Mata Atlântica.
O saldo geral desse processo histórico foi a sobra de uma mísera parcela da Mata
Atlântica (em torno de 7% do total), que se mantém sob constante ameaça.
Passados anos de exploração dos recursos naturais deste bioma e da constatação da
grave quadro de devastação, foram iniciadas as lutas pela sua conservação e proteção.
O tema foi tratado inicialmente pelo Decreto nº 750, de 1993, que enumerou os casos
possíveis de corte, supressão e exploração de vegetação primária nos estágios médio e
avançado de regeneração, criado com base na previsão do art.14 da Lei Federal nº 4.771/65 2.
Posteriormente foi editada a Lei nº 11.428/06, dispondo sobre a utilização e proteção
da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, cujo processo de aprovação perdurou por 14
anos.
Atualmente busca-se a instalação de um modelo sustentável de exploração dos
recursos naturais, que permita a perpetuidade da qualidade do meio ambiente em favor do
homem. Contudo, um imenso desafio está posto, controlar e equilibrar os interesses de
ocupação e utilização da área da floresta ainda preservada, pois embora seja relevante o
2
O artigo 14 da Lei Federal nº 4.771/65 tinha a seguinte redação:
“Art. 14. Além dos preceitos gerais a que está sujeita a utilização das florestas, o Poder Público Federal ou
Estadual poderá:
a) prescrever outras normas que atendam às peculiaridades locais;
b) proibir ou limitar o corte das espécies vegetais raras, endêmicas, em perigo ou ameaçadas de extinção, bem
como as espécies necessárias à subsistência das populações extrativistas, delimitando as áreas compreendidas no
ato, fazendo depender de licença prévia, nessas áreas, o corte de outras espécies;
c) ampliar o registro de pessoas físicas ou jurídicas que se dediquem à extração, indústria e comércio de produtos
ou subprodutos florestais.”
243
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
avanço dado pela criação de um regime jurídico próprio de proteção do Bioma Mata
Atlântica, é preciso dotar-lhe de efetividade e eficácia, evitando que haja desvirtuamento da
sua finalidade no momento da aplicação das suas regras, de modo a impedir a continuidade do
quadro de devastação deste bioma e, principalmente, viabilizar o aumento do seu percentual
existente a fim de retirá-lo da sua zona de risco.
Por isso se propõe a percorrer as regras deste regime jurídico, examinando os seus
conteúdos e revestindo-as dos propósitos contidos nos princípios ambientais.
244
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3
Traz o inciso II do art. 3º da Lei nº 6.938/81 o seguinte conceito de degradação ambiental:
“Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...]
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente.”
4
Esta seria a terceira categoria de deveres ambientais de acordo com a classificação de Benjamim, enquanto a
quarta e última categoria seria àqueles deveres explícitos e especiais que recaem sobre os particulares e o Estado,
descritos nos §§2º e 3º do art. 225, da Constituição da República.
245
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A Mata Atlântica, compreendida como uma grande floresta, apresenta muitos motivos
que justificam a sua proteção particularizada. Além do seu grande valor ambiental, em virtude
da extrema quantidade de espécies vegetais e animais que abriga, a Mata Atlântica é uma
floresta que marca a paisagem natural do território brasileiro, não sendo encontrada em
qualquer outro lugar do Planeta.
Sobre ela escreve Benjamin,
5
De acordo com as informações divulgadas pela SOS Mata Atlântica, o bioma ocupava 17 Estados brasileiros
(Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí)
(Informação disponível em <http://www.sosma.org.br/nossa-causa/a-mata-atlantica/>. Acesso em 28/02/2013).
246
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
247
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6
Os dados foram retirados da obra de Machado (2010, p. 808).
248
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Art. 2º Com base nos parâmetros indicados no artigo 1º desta Resolução, ficam
definidos os seguintes conceitos:
[...]
249
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Art. 30. É vedada a supressão de vegetação primária do Bioma Mata Atlântica, para fins
de loteamento ou edificação, nas regiões metropolitanas e áreas urbanas consideradas
como tal em lei específica, aplicando-se à supressão da vegetação secundária em estágio
avançado de regeneração as seguintes restrições:
I - nos perímetros urbanos aprovados até a data de início de vigência desta Lei, a
supressão de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração dependerá de
prévia autorização do órgão estadual competente e somente será admitida, para fins de
loteamento ou edificação, no caso de empreendimentos que garantam a preservação de
vegetação nativa em estágio avançado de regeneração em no mínimo 50% (cinqüenta
por cento) da área total coberta por esta vegetação, ressalvado o disposto nos arts. 11,
12 e 17 desta Lei e atendido o disposto no Plano Diretor do Município e demais normas
urbanísticas e ambientais aplicáveis;
II - nos perímetros urbanos aprovados após a data de início de vigência desta Lei, é
vedada a supressão de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração do
Bioma Mata Atlântica para fins de loteamento ou edificação.
Art. 31. Nas regiões metropolitanas e áreas urbanas, assim consideradas em lei, o
parcelamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de
vegetação secundária, em estágio médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica,
devem obedecer ao disposto no Plano Diretor do Município e demais normas aplicáveis,
e dependerão de prévia autorização do órgão estadual competente, ressalvado o disposto
nos arts. 11, 12 e 17 desta Lei.
§ 1o Nos perímetros urbanos aprovados até a data de início de vigência desta Lei, a
supressão de vegetação secundária em estágio médio de regeneração somente será
admitida, para fins de loteamento ou edificação, no caso de empreendimentos que
garantam a preservação de vegetação nativa em estágio médio de regeneração em no
mínimo 30% (trinta por cento) da área total coberta por esta vegetação.
§ 2o Nos perímetros urbanos delimitados após a data de início de vigência desta Lei, a
supressão de vegetação secundária em estágio médio de regeneração fica condicionada
à manutenção de vegetação em estágio médio de regeneração em no mínimo 50%
(cinqüenta por cento) da área total coberta por esta vegetação. (Destacamos)
250
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vedada. Caso contrário, deverá haver a reserva do percentual de 50% da gleba com vegetação
nativa.
Tratando de vegetação secundária em estágio médio de regeneração a Lei nº 11.428/06
fixou restrição quanto ao tamanho da área a ser loteada, ou melhor, impossibilitou o
loteamento total da gleba, reservando percentual específico da área para manutenção da
vegetação nativa: 30% se a inserção da vegetação no perímetro urbano ocorreu antes do
advento da Lei de proteção da Mata Atlântica e 50% se posteriormente (§§1º e 2º do art. 31).
Verifica-se que não houve qualquer restrição quando a vegetação secundária estiver
em estágio inicial de regeneração, o que significa que a intervenção é plenamente permitida,
incidindo, somente, as normas urbanísticas relativas à realização do loteamento ou edificação
urbana. Ou seja, se não houver restrição na legislação municipal, a intervenção poderá ocorrer
sem maiores problemas. O que pode ocorrer é a destinação da área com vegetação secundária
em estágio inicial de regeneração como área verde do loteamento, de modo a compatibilizar a
sua proteção. Porém, o percentual da gleba a ser reservado dependerá da legislação municipal,
o qual, em geral, possui patamares bem inferiores àqueles estabelecidos na Lei nº 11.428/06
(30% e 50%).
Mesmo nos estágios avançados e médios de regeneração da vegetação secundária
poderia o legislador ter criado regras mais rígidas, impedindo a expansão urbana nas áreas em
que ainda existem fragmentos do Bioma Mata Atlântica.
Uma posição mais protetiva mostra-se necessária diante do grau de devastação do
bioma e da sua vulnerabilidade aos riscos de extinção das suas espécies, da sua degradação e
total extinção.
A vedação quanto à intervenção nas áreas com vegetação nativa incorporadas ao
perímetro urbano após a vigência da Lei nº 11.428/06 poderia ser total, impedindo o avanço
da zona urbana sobre estas áreas e viabilizando a recuperação daquelas que estão nos
primeiros estágios de regeneração – inicial e médio.
Neste aspecto convém ressaltar as novas regras para a ampliação do perímetro urbano
trazidas pela Lei nº 12.608/12. Esta Lei alterou o Estatuto da Cidade incluindo o art. 42-B que
determina a criação de projeto específico para a ampliação do perímetro urbano, contendo,
dentre outras matérias, a definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção do
patrimônio ambiental, histórico e cultural. Referida lei procurou evitar os processos
desordenados de expansão urbana e os seus efeitos maléficos para toda a cidade. Diante disso,
o projeto específico de ampliação do perímetro pode contemplar mecanismos para a proteção
251
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
252
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
7
A compensação ambiental está prevista no art. 17 da Lei nº 11.428/06:
“Art. 17. O corte ou a supressão de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de
regeneração do Bioma Mata Atlântica, autorizados por esta Lei, ficam condicionados à compensação ambiental,
na forma da destinação de área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características
ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica, e, nos casos
previstos nos arts. 30 e 31, ambos desta Lei, em áreas localizadas no mesmo Município ou região
metropolitana.”
253
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[...]
254
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8
A regra está no seguinte dispositivo da Lei nº 11.428/06:
“Art. 20. O corte e a supressão da vegetação primária do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados em
caráter excepcional, quando necessários à realização de obras, projetos ou atividades de utilidade pública,
pesquisas científicas e práticas preservacionistas.
Parágrafo único. O corte e a supressão de vegetação, no caso de utilidade pública, obedecerão ao disposto no art.
14 desta Lei, além da realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental -
EIA/RIMA.”
9
Prevê o art. 15 da Lei nº 11.428/06:
“Art. 15. Na hipótese de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, o órgão competente exigirá a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ao qual se dará
publicidade, assegurada a participação pública.”
255
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
somente nos casos em que, de plano, fica verificado ser a intervenção “inofensiva”, seja pela
insignificância da intervenção, seja pela situação da vegetação que ali se encontra.
Qualquer intervenção na Mata Atlântica mostra-se, a priori, como causadora de
significativo impacto, pois o estado atual da sua degradação ambiental – tanto qualitativo
quanto quantitativo – coloca este bioma em situação de risco. Assim, qualquer nova
intervenção pode agravar esta situação, aumentando a degradação dos seus recursos naturais
ou mesmo levando à extinção de espécies já ameaçadas.
Esse quadro também exige uma ampla análise dos impactos ambientais da
intervenção. Ou seja, a análise não pode ficar adstrita à área de ocorrência da intervenção e
seu entorno, pois os impactos ali gerados trazem efeitos para todo o bioma. Assim, deve ser
feita uma análise mais abrangente das que comumente ocorrem nos demais processos de
licenciamento ambiental, considerando-se a área total de reserva do bioma, no âmbito
nacional, a características da área a sofrer intervenção e a sua correlação com as demais áreas
preservadas (ex. espécies que abriga e percentual em relação à totalidade do bioma;
conectividade com outras áreas do bioma).
Procedimentos de intervenção considerados de baixo ou médio impacto pelas
legislações ambientais (federais, estaduais e municipais) poderão receber outra qualificação
quando realizados no Bioma Mata Atlântica, em razão da sua alta vulnerabilidade atual.
Considerando-se os conteúdos mandamentais dos princípios da prevenção e
precaução, deve haver, nesses casos, uma maior cautela, evitando-se resultados negativos e
imprevisíveis por intervenções mal examinadas.
Portanto, o pressuposto exigido pela Constituição – “significativo impacto ambiental”
– para realização do EIA depende das condições de realização de cada empreendimento ou
atividade, mas também das características da área onde se instalará.
O EIA é o instrumento adequado para se fazer uma análise holística do impacto,
definindo as interferências diretas e indiretas de qualquer intervenção, a curto e longo prazo,
em um campo reduzido ou ampliado.
Posto isto, somente em casos excepcionais, de constatação imediata do seu baixo
impacto é que os órgãos ambientais deverão afastar a realização do EIA. A aplicação deste
instrumento passa a ser a regra geral e não a exceção, mesmo para as áreas que tenham
vegetação secundária.
256
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257
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258
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loteamento ou edificação urbana –, em qualquer dimensão, não esteja presente no rol das
normas regulamentares do licenciamento, pois nesse caso recai a norma do inciso IV, §1º, art.
225 da Constituição da República, que determina a sua realização quando houver significativo
ambiental. Isto quer dizer que a ausência do EIA/RIMA violaria, desta forma, a própria norma
constitucional.
Embora não seja possível mensurar com exatidão o valor da biodiversidade, é possível
afirmar que qualquer perda tem relevância, pois representa um decréscimo na qualidade
ambiental, além de afetar os processos ecológicos, com efeitos concatenados e de carga
negativa. De acordo com o resultado conclusivo de pesquisa científica divulgada no Jornal
Estado de Minas, no dia 04/05/2012, a “redução da variedade das espécies causa impactos tão
graves ao meio ambiente quanto a poluição e as mudanças climáticas” 10 (Caderno Ciência, p.
20).
A permissão da realização de loteamento ou edificação urbana sem a realização do
EIA, em local com a presença de vegetação nativa da Mata Atlântica, também afronta o
princípio da prevenção, do desenvolvimento sustentável, e da solidariedade intergeracional,
frente aos graves e irreversíveis riscos gerados, consubstanciados na perda definitiva de
relevante biodiversidade do território nacional.
Tais princípios e, especialmente o princípio da prevenção, deverão orientar a tomada
de decisão quanto à autorização da intervenção, ou seja, a partir dos seus mandamentos é que
se estabelecerá os limites da intervenção e as condições de sua realização, podendo ensejar,
mesmo havendo previsão legal, a negativa da intervenção, se o dever geral de proteção e
cautela assim o exigir em razão da situação de risco constatada.
Vale ainda frisar que os casos de intervenção na Mata Atlântica ocorrerão,
preferencialmente, nas áreas substancialmente alteradas ou degradadas, nos termos do art. 12
da Lei nº 11.428/06, seguindo a lógica preventiva do direito ambiental. Portanto, em se
tratando de loteamentos ou edificações urbanas, a área a ser parcelada deverá atingir a parte
da gleba em que apresentar piores condições de conservação da vegetação nativa.
Disto resulta que a não geração de impactos ao bioma é o ideal a ser alcançado e,
quando realmente necessária a intervenção, ao ser realizada, conforme as exigências legais,
10
Diz o Jornal que o resultado da pesquisa foi divulgado na revista científica Nature e que os pesquisadores
analisam 192 estudos anteriores sobre todas as regiões do mundo, incluindo oceanos e ecossistemas de água
doce. “O resultado da análise mostra que, em áreas onde ocorre a perda de 21% a 40% da variedade de espécies
– seja por desmatamento, caça predatória, por exemplo – há redução na produtividade semelhante à sentida por
causa das mudanças climáticas ou pela poluição ambiental. E diminuições mais altas, entre 41% e 60%, são tão
nocivas quanto a acidificação ou a elevação intensa na produção de dióxido de carbono (CO2).
259
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
deverá se pautar pela geração do menor impacto possível. Ocorrendo o impacto, incide a
compensação como uma forma de atenuar a geração do impacto.
Considerando-se os conteúdos dos princípios ambientais deve, sobretudo, estabelecer
prioridade quanto à conservação do patrimônio que ainda resta e regeneração das áreas
degradadas, de modo a aumentar o percentual existente do bioma para patamares mais
aceitáveis e seguros.
Posto isto, pode-se afirmar que os princípios ambientais possuem a importante função
de orientar a interpretação e a aplicação das regras do regime jurídico de proteção do Bioma
Mata Atlântica, ditando os limites de tolerabilidade das intervenções e indicando os fins a
serem alcançados.
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes:
[...]
260
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[...]
261
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11
SILVA define coeficiente de aproveitamento como a relação existente entre a área total da construção e a área
do lote (2008, p. 255).
12
“Os recuos ou afastamentos são distâncias medidas entre o limite externo na projeção horizontal da edificação
e a divisa do lote. Há os recuos de frente, de fundos e laterais.” (SILVA, 2008, p. 256) (Destaques do Autor)
262
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para a zona urbana com presença de vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, com
parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo diferenciados e com maior rigidez, de
forma a impedir a geração de impactos, diretos e indiretos na área preservada, ou restringir
determinados usos ou dimensões das edificações.
Nesta linha, destaca-se a previsão da Lei nº 11.428/06 a respeito da criação do Plano
Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (art. 38), que poderá ser
financiada com o Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica. É outro importante
instrumento que permite minimizar a situação de risco do bioma e propiciar resultados
satisfatórios quanto à sua regeneração no âmbito municipal.
O Decreto nº 6.660/08, que regulamenta os dispositivos da Lei nº 11.428/06, relaciona
o conteúdo mínimo do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica no
seu art. 43, que consiste no diagnóstico da vegetação nativa, indicação dos principais vetores
de desmatamento ou destruição da vegetação nativa, indicação de áreas prioritárias para
conservação e recuperação da vegetação nativa e indicações de ações preventivas aos
desmatamentos ou destruição da vegetação nativa e utilização sustentável da Mata Atlântica
no Município.
O Plano viabiliza um desenvolvimento urbano harmonioso com a proteção deste
importante patrimônio ambiental que é a Mata Atlântica. O Plano Diretor, em conjunto com o
Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica podem estabelecer
diretrizes específicas para a expansão urbana, a ocupação e uso urbano do território
municipal, objetivando resguardar as áreas com vegetação nativa deste bioma e, ainda, definir
programas ou projetos para a regeneração de áreas degradadas e aumento a cobertura vegetal
da Mata Atlântica no território municipal.
Portanto, a aplicação conjugada dos diversos instrumentos jurídicos do direito
ambiental e do direito urbanístico propicia e acelera o alcance do desenvolvimento
sustentável.
8 Considerações finais
263
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REFERÊNCIAS
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Belo Horizonte: O Lutador, 2010.
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ampl. São Paulo: Malheiros, 2010.
MARQUES, José Roberto. Meio ambiente urbano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2010.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris Wold; NARDY, Afrânio. Princípios de
Direito Ambiental – na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte; Del Rey,
2003.
SILVA, José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2008.
266
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_____________ Direito Ambiental Constitucional. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
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RESUMO
Este trabalho científico visa refletir acerca do instituto do confisco de terras
estabelecido no art. 243, da Constituição Federal Brasileira de 1988. O confisco de terras,
também conhecido como confisco agrário, foi uma inovação no ordenamento pátrio após
1988, vez que consolidou, de forma inédita no país, a perda da propriedade rural em favor do
Poder Público sem a possibilidade de o proprietário receber qualquer tipo de indenização por
parte do Estado. Portanto, será neste enfoque de análise que o presente estudo se
desenvolverá, abordando-o em sua atual configuração jurídica agroambiental.
Assim, concentra-se o presente artigo em uma releitura do instituto do confisco de
terras em relação ao direito fundamental de propriedade e ao direito social de acesso à terra.
ABSTRACT
This work aims to reflect on the scientific of the confiscation of land established in
art. 243, the Brazilian Constitution of 1988. The confiscation of land, also known as agrarian
confiscation, was an innovation in brazil's laws after 1988, consolidating as unprecedented in
the country, the loss of rural property in favor of the government without the possibility of the
owner receive any compensation from the State. Therefore, is this approach that the analysis
of this study will be developed: it in its current configuration constitutional agrarian legal.
Thus, the present article revisits the land confiscation institute in relation to the
fundamental right to property and the social right of access to land.
268
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1. INTRODUÇÃO
De conseguinte, é dentro deste contexto que se insere o Direito Agrário após 1988,
um Direito Agrário Constitucional que passa a contemplar inúmeros novos campos de estudos
na seara agrário-constitucional. Sendo que, dentro destes diversos campos de pesquisa
científica, optou-se, neste estudo, pela análise de um dos polêmicos institutos agrário-
constitucionais surgidos após 1988, qual seja o confisco de terras.
2. O CONFISCO
269
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é a tomada da propriedade de uma dada pessoa (física ou jurídica), por parte de uma
autoridade pública, sem que haja qualquer contraprestação quanto à perda da coisa em favor
do antigo proprietário. Não há, portanto, indenização em prol daquele que, por ventura, tenha
algum bem confiscado pelo Poder Público.
Assim, o confisco está intimamente vinculado à existência de algum ente que assuma
a função de autoridade pública soberana e com poder de governo sobre os governados, vez
que somente a autoridade pública poderá exercer a confiscação de bens. Entre particulares,
portanto, não há confisco e sim a ocorrência de outros institutos jurídicos.
Um particular, quer pessoa física quer jurídica, e que não possua poder público de
governo, caso se apodere do bem de outrem, tomando-o para si sem nenhuma motivação
jurídica a justificar tal ato, não está confiscando o bem de alguém, mas sim violando o direito
de propriedade deste. O confisco, embora pareça expressar uma violação ao direito de
propriedade, é um instituto juridicamente legitimado por uma Constituição, por uma lei, ou
mesmo pelo costume, a depender do Estado em que se analisa este instituto, e exclusivamente
exercido pelo ente público detentor do poder soberano de governo sobre seu povo. Logo,
entre entes privados ou mesmo públicos que não possuam poderio de mando, o apoderamento
de bens alheios poderá configurar, conforme o caso, crimes contra o patrimônio, esbulho
possessório dentre outras violações ilegítimas do direito de propriedade.
No caso brasileiro, o ente público com poder soberano de governo que poderá
exercer a confiscação de terras é o Poder Executivo Federal representado pela União,
consoante a norma prescrita no art. 243, da Constituição Federal e a Lei Federal nº 8.257/91
(Lei do Confisco de Terras).
criação de imposto confiscatório, qual seja, aquele que absorve grande parte do valor da propriedade ou de
sua renda, configurando uma verdadeira confiscação do bem, à semelhança de uma expropriação
confiscatória de terras a qual será estudada no decorrer desta pesquisa.
270
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contrabandeados (art. 91, inciso II, alíneas “a” e “b”, do Código Penal Brasileiro) 3.
O confisco penal não se trata de uma inovação jurídica advinda com a Constituição
de 1988. Desde o período do Brasil Colônia, quando vigoraram as Ordenações Manuelinas e
as Filipinas, que o confisco de bens oriundo de produtos de crimes já era previsto, embora
neste período mantivesse uma natureza mais ligada à concepção de pena a que de efeito da
condenação. As Ordenações Filipinas de 1603, por exemplo, já previam em seu Livro V penas
de confisco de bens inclusive para aqueles que portassem, usassem ou vendessem substâncias
tóxicas. Posteriormente, com o Código Criminal de 1830 e os demais Códigos Penais do
período Republicano, o confisco penal continuou existindo no ordenamento pátrio, porém não
mais como uma pena em si e sim como efeito da condenação4.
271
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terra do que a história do rei Acabe e vinha de Nabote (Livro dos Reis 1:21). Acabe,
rei do reino do norte, viu a vinha de Nabote, o jizreelita, e cobiçou a terra; presume-
se que ele acreditava ter o direito divino de pedir a Nabote que “vende-se” a terra
para ele (21:2). Nabote, por outro lado, rejeitou esta pretensão – com base em sua
crença de que esta é uma terra que lhe foi confiada por Deus como uma herança e,
portanto, ele não poderia vendê-la (21:3). A rainha Jezabel intervém na história, e
lembra que Acabe é rei de Israel, ele tinha o direito de tomar a vinha (21:7). O
pressuposto é simples: “Só porque você pode, então você deve!” A terra foi tomada,
Nabote foi morto, e Acabe recebeu a vinha (21:16). Nenhum pedido de desculpas foi
feito. Poder e manipulação estavam em jogo aqui. A vítima nesta narrativa foi
Nabote, que representa os camponeses sem poder. A maneira com que Nabote e
Acabe estão ligados à terra manifesta uma contradição surpreendente. Acabe trata
como posse, mercadoria de comprar ou tomar. Nabote trata como herança, como um
direito. Um acreditava que pertencia à comunidade, o outro queria para seu império.
Esta narração, ainda que ilustrada pelo místico bíblico, contém uma fonte histórica
de notável riqueza para o estudo da evolução do confisco de terras na história da humanidade.
Um caso bastante emblemático deste período se deu nos meados do século XV,
durante a Guerra dos Onze Anos6, quando se envolveram ingleses, escoceses e irlandeses
católicos que, ao final, resultando o Parlamento Inglês vitorioso confiscou em massa as terras
de propriedade de católicos irlandeses como forma de punição pela rebeldia e dispêndios da
guerra encabeçada pelos irlandeses.
6 A Guerra dos Onze Anos, também chamada de Guerras Irlandesas dos Confederados, ocorrida entre os anos
de 1641 a 1653, foi uma série de guerras civis nos reinos da Irlanda, Inglaterra e Escócia, que eram à época
governados por Carlos I em razão de quem iria governar a Irlanda. O conflito na Irlanda colocou os nativos
irlandeses católicos contra os colonos protestantes ingleses e escoceses, marcando, assim, tanto um conflito
religioso como étnico. Os irlandeses criaram a Confederação Irlandesa Católica, com intuito de buscar a sua
autonomia como nação e Estado, instaurando, assim, uma fase de guerrilhas pela Irlanda a fim de expulsar os
colonos ingleses e escoceses do país. Todavia, logrou-se vencedora a Inglaterra sob o comando de Oliver
Cromwell. (MAYNARD, Andreza Santos Cruz, MAYNARD, Dilton Cândido Santos. História Moderna I.
São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009. p. 86-88).
272
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O confisco de terras cuja finalidade veio a atender uma função social surgiu,
legitimamente, apenas no século XVIII, com a Revolução Mexicana e a posterior
promulgação da Constituição Mexicana de 1917.
Com efeito, a importância histórica para o instituto jurídico do confisco de terras está
justamente em fazê-lo, pela primeira vez e por meio de um corpo legal legítimo – uma
Constituição – um instrumento voltado à finalidade social, qual seja promover a reforma
agrária. Embora a Constituição Mexicana de 1917 tenha ampliando o campo de ensejo do
confisco de terras, o fato é que pela primeira vez na história do direito agrário e constitucional
273
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a confiscação de terras não comportou apenas uma feição de pena, mas também de
preocupação com o bem coletivo e com o acesso à terra.
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente
destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
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O não uso do termo “confisco” é, na verdade, uma adaptação dos legisladores para
instituir no Direito Brasileiro um instituto tão severo ao direito fundamental de propriedade
como o é o ato de confiscar terras. O confisco, em razão de sua construção histórica, sempre
foi vinculado como uma pena e, não menos, umas das mais drásticas das penas.
Por isso usar a terminologia “expropriação”, a qual camufla a tensão que se geraria
em colocar “confisco” na Constituição Federal de 1988, conquanto, em verdade, seja
realmente uma confiscação o que prevê o artigo 243, caput, da Carta Magna.
Mas enfim, quais seriam então tais diferenças? Para responder esta questão será
preciso recorrer ao direito administrativo, especificamente no campo das intervenções do
Estado no direito de propriedade.
8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 536
9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2007. p. 152
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E complementa:
10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23 ed., rev., ampl. e atual. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 885
11 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23 ed., rev., ampl. e atual. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 891
12 Ibidem. p. 891
13 CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Desapropriação sem indenização?. Disponível em
<http://jus.com.br/revista/texto/13680/desapropriacao-sem-indenizacao#ixzz2HtaOWZB4 >. Acessado em
10/01/2013.
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Nesse sentido, expropriação é qualquer ação do Poder Público que retire do domínio
privado o direito de propriedade de alguém. Esta retirada, por sua vez, pode se dar mediante
uma contraprestação do Estado e, por isso, não possuí uma natureza jurídica sancionatória, ou
como também pode se dar sem qualquer indenização, situação em que se caracteriza como
uma sanção pública estatal que ocasiona a perda do direito de propriedade do indivíduo.
277
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Nesse espeque, infere-se que, mesmo possuindo certa falha na técnica legislativa, o
instrumento jurídico previsto na cabeça do artigo 243 da Constituição Federal de 1988 é o
confisco de terras, isto é, uma espécie de expropriação pública de terras rurais cuja
contraprestação pecuniária estatal não existe, vez que não possui natureza indenizatória e sim
sancionatória.
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do direito, haja vista prescrever o artigo 243, caput, da Constituição Federal uma norma de
conceito jurídico indeterminado20 - gleba de terras -, além de ser uma norma em branco, isto é,
que precisa de uma complementação infraconstitucional para sua efetiva aplicação no caso da
definição de quais plantas são ou não consideradas psicotrópicas21.
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente
destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.
O texto constitucional, por sua vez, é completado pela Lei nº 8257/91, que também
vincula o confisco de terras às de glebas onde haja culturas ilegais de plantas psicotrópicas, in
verbis:
Art. 1° As glebas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais
de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente
destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei, conforme o art. 243 da Constituição Federal.
20 O conceito jurídico indeterminado, entendido como um dispositivo vago e que também possibilita
interpretação ampla, não depende de edição posterior de outra norma. É instituto de grande amplitude
interpretativa. Desta forma, a aplicação de uma norma que contenha um conceito indeterminado dependerá
dos caminhos que os juristas lhe darão quando de sua interpretação, pois somente assim a norma poderá ser
concretamente efetivada e definida em substância e forma jurídica de aplicabilidade.
21 Segundo o artigo 2º da Lei nº 8.257/91: “Para efeito desta lei, plantas psicotrópicas são aquelas que permitem
a obtenção de substância entorpecente proscrita, plantas estas elencadas no rol emitido pelo órgão sanitário
competente do Ministério da Saúde”. Logo, a definição de quais plantas serão consideradas psicotrópicas
depende de um ato normativo complementar – por isso se dizer que a norma prevista no artigo 243, caput, da
Constituição Federal é uma norma em branco -, que no caso será de responsabilidade do Ministério da Saúde.
O ato normativo expedido pelo Ministério da Saúde que define quais plantas são consideradas psicotrópicas é
a Portaria nº 344, de 1998. Segundo esta portaria, são plantas psicotrópicas: CANNABIS SATIVUM,
CLAVICEPS PASPALI, DATURA SUAVEOLANS, ERYTROXYLUM COCA, LOPHOPHORA
WILLIAMSII (CACTO PEYOTE), PRESTONIA AMAZONICA (HAEMADICTYON AMAZONICUM) e a
SALVIA DIVINORUM.
Igualmente, faz-se necessário lembrar que a cultura dessas plantas psicotrópicas não será considerada ilegal
quando obtiver prévia autorização, através de licença, do órgão sanitário do Ministério da Saúde (Serviço
Nacional de Fiscalização e Farmácia do Ministério da Saúde), que só permitirá quando a finalidade for
terapêutica ou científica (artigo 2º, §2º da Lei 6.368/76). Assim sendo, não incidirá a expropriação das terras
cujo cultivo dessas plantas obtenha permissão prévia do Ministério da Saúde e cumpra com os preceitos
legais e regulamentares.
280
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Ora, o que vem a ser uma “gleba”? É esta uma das questões polêmicas que envolve o
confisco de terras no ordenamento jurídico pátrio.
Para a doutrina majoritária o confisco de terras deve, quanto à sua extensão, dar-se na
integralidade do terreno destinado ao cultivo de plantas psicotrópicas, isto é, não apenas
naquele espaço de terras que, de fato, foi usado para a cultura, e sim em relação a toda a
propriedade que se destinou a este cultivo ilícito.
Pode surgir dúvida quanto à extensão em que se dará esse tipo de expropriação, vale
dizer, se, localizada a cultura ilegal em parte da propriedade, a expropriação
alcançaria toda a área ou apenas a área do cultivo. A Constituição e a Lei nº 8.257/91
referiram-se às glebas de qualquer região do país, sem fazer qualquer alusão a área
total ou parcial. Em consequência, entendemos que a desapropriação deve alcançar a
propriedade integralmente, ainda que o cultivo se dê apenas em parte dela. O
proprietário tem o dever de vigilância sobre sua propriedade, de modo que é de se
presumir que conhecia o cultivo. Para nós, a hipótese s[o vai comportar solução
281
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23 Ob.cit. p. 978.
282
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Posteriormente este mesmo Tribunal decidiu através da Apelação Cível n.º 180933-
PE. 1ª Turma, por decisão da lavra do Desembargador Castro Meira, que o confisco é relativo
à área onde foram encontradas o plantio ilegal, isto é, “a expropriação das glebas onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas e não de toda a área de terras pertencentes
ao responsável [...]”.
Tal entendimento, por sua vez, trouxe às discussões agrárias sobre o confisco de
terras um novo precedente: a expropriação só se daria na porção de terra onde foi cultivado o
plantio dessas plantas e não de toda a propriedade do responsável pelas culturas.
Esse contexto, por sua vez, somente foi dirimido após o pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal – STF, que pôs fim, ao menos em termos jurisprudenciais, a celeuma que
envolvia a definição de glebas para fins de confisco agrário.
Observa-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal nada mais do que sedimentou
juridicamente o posicionamento majoritário que já adotavam os Tribunais Regionais Federais,
283
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pelo qual o conceito de gleba de terras, ora entendido como grandeza de medida (terreno
rural), engloba toda a área do imóvel que foi destinada à cultura de plantas psicotrópicas, isto
é, não importa o tamanho da área que foi realmente utilizada para o plantio ilícito, mas sim
todo o terreno rural onde se situa o cultivo ilegal.
284
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
285
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Ademais, não há meia ilegalidade, meia ilicitude ao se tratar de direitos. Logo, não
há razão em se considerar um imóvel meio ilegal e meio legal. O imóvel é um todo e o
mesmo entendimento deve ser dado às glebas de terras, principalmente em razão da finalidade
a qual se propõe o confisco previsto no artigo 243, caput, da Constituição Federal: a criação
de mais um instrumento viabilizador do acesso à terra e de combate ao tráfico de drogas
ilícitas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme analisado, o nomem juris eleito pelo Constituinte de 1988 não foi um dos
melhores, haja vista que os termos expropriação, desapropriação e confisco, embora
pertencentes ao mesmo léxico, comportam diferentes contextos de configuração jurídica.
Expropriar é ação, é a conduta perpetrada pelo Poder Público que toma para si a propriedade
de outrem. Sendo que, caso o Poder Público assim proceda e retribua a supressão da
propriedade do indivíduo com alguma indenização, estar-se-á diante de uma desapropriação.
Ao passo que, caso não ocorra qualquer contraprestação estatal e apenas a tomada do bem
pelo Estado, têm-se caracterizado o confisco.
De certo, pode-se inferir que o não uso do termo “confisco” é, na verdade, uma
adaptação dos legisladores para instituir no Direito Brasileiro um instituto tão severo ao
direito fundamental de propriedade como o é o ato de confiscar terras. O confisco, em razão
de sua construção histórica, sempre foi vinculado como uma pena e, não menos, umas das
mais drásticas das penas. Assim, muito embora a finalidade do confisco de terras no Direito
Brasileiro seja a busca pelo interesse social, a “ferocidade” que o confisco aflige o direito de
propriedade dos indivíduos causa uma série de consequências que poderiam por em xeque a
alcunha de “democrática” da Constituição de 1988.
286
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
287
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2007;
288
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289
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RESUMO
Mestre em Direito Agroambiental na Faculdade de Direito da UFMT. Professora da Escola Superior
da Advocacia em Mato Grosso e da Unipós - Pós-graduação e Educação (Universidade de Cuiabá).
Assessora Jurídica do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.
.
290
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ABSTRACT
The study aims to demonstrate that the Environmental State, based on three pillars - social,
economic and environmental -, the environmental quality should be recognized as an
integral element of the principle of human dignity. Environmental protection was
constitutionalized in Article 225 in order to recognize its dual functionality, in that it
simultaneously establishes a goal/task to the State and a right/duty of the individual. With
this perspective, the environmental component can not be ignored in the country's land
restructuring and its main instrument, the agrarian reform. Regarding rural property, to
perform its social function, it is necessary the coexistence of the requirements of Article
186 and Article 185, II, of the Constitution, which excludes productive property of the
expropriation process. Productivity, however, alone, should not constitute unique element
to the exclusion of the land reform process. It features one of the assumptions, but not
exclusively, as the environmental and social components must undeniably be analyzed.
Thus, while the Article 185 of the Constitution is original constitutional rule and therefore
is not subject to declaration of unconstitutionality, it is expected that the hermeneut
perform a systematic interpretation, in which there is a balance with other values enshrined
in the Constitution, because of apparent inability to legitimize a large productive property,
but that does not respect the environmental planning. In the Environmental Law State,
incorporate environmental issues in government management is inevitable path, which
means that also in Politics of Agrarian Reform, considering all the instruments within it,
the environmental variable must necessarily be internalized.
291
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1. O Estado Socioambiental
Embora o Estado Socioambiental ainda seja uma meta a ser alcançada1, que
consiste, no dizer de Boaventura de Souza Santos, em uma utopia democrática, porque a
transformação a que aspira pressupõe a repolitização da sociedade e o exercício radical
da cidadania individual e coletiva, incluindo nela a carta dos direitos humanos da
natureza2, há quem entenda que essa construção já foi implementada.
Para Ingo Wolgang Sarlet, a Constituição de 1988 é a Constituição de um Estado
Socioambiental e Democrático de Direito, o que pressupõe, em linhas gerais, o
compromisso com o respeito à proteção e promoção da dignidade da pessoa humana e da
dignidade da vida em geral.3
O Estado Socioambiental tem como fim o desenvolvimento e a sustentabilidade,
sendo estruturado a partir de três pilares: social, econômico e ambiental, de modo que a
proteção dos direitos sociais se opera como um conjunto que se reforça e se limita
reciprocamente.
É de se notar que a perspectiva da socioambientalidade tem sido enfocada,
inclusive, nos países periféricos, como os do continente africano, em que se percebe grande
conflito entre as dimensões social e ambiental, o que atrai o diálogo com a noção de
sustentabilidade.
A degradação ambiental e todos os demais riscos ecológicos que envolvem as
relações sociais (ora socioambientais) comprometem o bem-estar individual e coletivo,
razão por que a normativa jurídico-constitucional caminha para além do bem-estar
individual e social, visando a um bem-estar ambiental.
1
Para José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, “tem-se apenas um esboço precário quanto ao
modelo a ser seguido pelo Estado de direito do ambiente. Não obstante, devem ser considerados os erros do
passado para não mais levá-los em argumentação. Neste sentido, CANOTILHO diz que ‘se queremos um
Estado de direito do ambiente, devemos ter em conta as experiências históricas e rejeitar as explicações
monocausuais num mundo de complexidade.’ E mais: ‘Não existem, pois, instrumentos totalizantes para a
edição de um Estado de direito do ambiente’.” (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo.
Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 3ª ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, p. 32).
2
SOUZA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice. Porto: Afrontamento, 1994. p. 42.
3
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER. Estado socioambiental e mínimo existencial (ecológico?):
algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Estado socioambiental e direitos fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 14.
292
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4
Ibidem. p. 12.
5
Ibidem. p. 13.
6
GARCIA, Maria da Gloria F.P.D. O lugar do direito na proteção do ambiente. Coimbra: Almedina, 2007, p.
481.
293
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
7
CANOTILHO, José Joaquim Gomes & LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito constitucional
ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 215.
294
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Paulo Torminn Borges arrola como bases estruturais do direito agrário brasileiro a
reforma agrária e a política agrária, tendo como princípios norteadores a função social da
propriedade; progresso econômico e social do rurícola; fortalecimento da economia
nacional pelo aumento da produtividade; fortalecimento do espírito comunitário;
desenvolvimento do sentimento de liberdade e igualdade; implantação da justiça
distributiva; eliminação das injustiças sociais no campo; povoamento da zona rural de
maneira ordenada; combate ao minifúndio, ao latifúndio e a qualquer tipo de propriedade
rural ociosa; combate à exploração predatória ou incorreta da terra.11
Tais princípios norteiam-se na ideia de que a terra constitui necessidade básica para
o ser humano, já que é nela que mora, produz e trabalha. O cumprimento da função social
da propriedade (rural), como visto, decorre de um fundamento elementar, qual seja, a
própria necessidade humana.
8
Idem.
9
Nestor Duarte ressalta que o termo “reforma” origina-se de re e formare, que significa mudança de
estrutura, consoante leciona Octavio Mello Alvarenga (ALVARENGA, Octavio Mello. Política e direito
agroambiental: comentários à nova lei de reforma agrária. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 5).
10
ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Derecho agrário y derechos humanos. Curitiba: Juruá, 2002, p. 12.
11
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 11.
295
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
12
ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. op.cit. p. 23.
13
PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Reforma agrária: legislação, doutrina e jurisprudência.
Belém: CEJUP, 1993, P. 11.
14
BORGES, Paulo Torminn. op. cit. p. 22.
296
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
objeto da redistribuição; iii) assistência técnica aos novos proprietários para melhor
exploração; iv) assistência social, visando à melhora de vida dos assentados.15
Dentro dessa estrutura, dois pontos fundamentais não podem ser desconsiderados: a
Reforma Agrária, juridicamente, não se restringe ao processo de desapropriação por
interesse social, malgrado sua inegável relevância e seja efetivamente o procedimento mais
utilizado. Reforma Agrária significa redistribuição de terras, que pode se operar por outros
instrumentos como a compra e venda, as ações discriminatórias e também as
desapropriações.16
Ademais, deve-se relevar as peculiaridades de cada região para que o programa seja
implementado, na medida em que a reforma deve considerar a realidade social e jurídica de
cada Estado.
O regime jurídico da Reforma Agrária brasileira engloba a Carta Magna, a Lei n.
4.504/64 (Estatuto da Terra), que trata especificamente de um capítulo dedicado à Política
Agrícola e Fundiária e à Reforma Agrária, além da Lei n. 8.629/93, integradora das regras
constitucionais relativas ao tema.
O Estatuto da Terra, além de conceituar o instituto, delimita que seu objetivo é
estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra,
capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o
desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio
(art. 16).
Os fundamentos constitucionais para a implementação da Reforma Agrária são
encontrados já no art. 3º da Constituição Federal17, que dispõe sobre os objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil.
Tem-se ainda que o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF) deve ser traduzido
como a igualdade de oportunidade de acesso à propriedade da terra (art. 2º do Estatuto da
Terra), agregada ao fato de que a proteção ao direito de propriedade está condicionada ao
cumprimento da sua função social (art. 5º, XXII e XXIII, da CF).
15
ALVARENGA, Octavio Mello. Política e direito agroambiental: comentários à nova lei de reforma
agrária (Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993). Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 13.
16
SOUSA, João Bosco Medeiros de. Direito agrário: lições básicas. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 65.
17
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
297
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
18
Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se: I - Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua,
qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária,
extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;
298
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A produtividade, por si só, não deve consubstanciar elemento único para a exclusão
do processo de reforma agrária. Caracteriza um dos pressupostos, mas não em caráter
exclusivo,20 já que os componentes ambiental e social devem ser inegavelmente
analisados.
Certo é que, se o art. 185 é norma constitucional originária e que, portanto, não é
passível de declaração de inconstitucionalidade, espera-se do hermeneuta que realize uma
interpretação sistemática, na qual haja um balanceamento com os demais valores
salvaguardados na Carta Magna.
Evidente a impossibilidade de se legitimar uma grande propriedade produtiva, mas
que não respeite o ordenamento ambiental e trabalhista, por exemplo.
Especificamente no que tange ao componente ambiental, a má utilização dos
recursos naturais e a ausência de uma preocupação preservacionista devem ter o condão de
constituir pressupostos para a implementação da reforma agrária.
Não se pode negar que a preocupação socioambiental surgiu em decorrência do
comprometimento da qualidade de vida, da potencialidade de insuficiência de recursos, da
sua má utilização e má distribuição, razão por que o meio ambiente sadio e equilibrado
tornou-se nova espécie de bem a ser tutelado com destinatários não individualizados e cuja
concretização é fundamental para o bem estar da coletividade e para as vidas futuras.
Desse modo, o componente ambiental é indissociável das relações agrárias, já que a
não preservação do meio ambiente significa inviabilizar ou reduzir a adequada produção da
propriedade e, se este é o fundamento da reforma agrária, corolário lógico é permitir que
seja pressuposto para a desapropriação e para os demais instrumentos.
Dentre os instrumentos destinados à materialização da reforma agrária, existem
aqueles revestidos de coercibilidade e consequente natureza sancionatória, como a
tributação por meio do ITR (imposto territorial rural) e a desapropriação e, ainda, aqueles
que caracterizam meios de acesso a terra, como a doação, a compra e venda, a arrecadação
de bens vagos e a reversão à posse (art. 17 do Estatuto da Terra).
Inegável que a desapropriação se revela como a ferramenta mais eficaz.
19
PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Op cit. p. 110.
20
SANTOS, Fabio Alves dos. Direito agrário e política fundiária no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995,
p. 244 e ss.
299
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
21
Art. 47. Para incentivar a política de desenvolvimento rural, o Poder Público se utilizará da tributação
progressiva da terra, do Imposto de Renda, da colonização pública e particular, da assistência e proteção à
economia rural e ao cooperativismo e, finalmente, da regulamentação do uso e posse temporários da terra,
objetivando: I - desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da função social e
econômica da terra; II - estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios de
conservação dos recursos naturais renováveis; III - proporcionar recursos à União, aos Estados e
Municípios para financiar os projetos de Reforma Agrária; IV - aperfeiçoar os sistemas de controle da
arrecadação dos impostos.
22
PEREIRA, Rosalina Pinto da Costa Rodrigues. Op cit. p. 146.
23
Como já mencionado, o Estatuto da Terra (Lei nº4.504, de 30 de novembro de 1964) arrola a
conservação dos recursos naturais como pressuposto para o cumprimento da função social da propriedade
300
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
rural (art. 2º). Dentre outros diplomas, exemplificamos os seguintes: Lei nº 4.947, de 6 de abril de
1966, que fixa as normas de Direito Agrário (art. 13); Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966,
que regulamenta vários artigos do Estatuto da Terra e da Lei nº 4.947; Lei nº 5.686, de 12 de
dezembro de 1972, que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural, dentre outras providências (art. 5º -
áreas de preservação permanente são beneficiadas com a isenção do ITR); Decreto nº 95.715, de 10 de
fevereiro de 1988 (art.1º e art. 3º III); Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamenta os
dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, (o art. 9º, inciso II, estabelece a “utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente” como requisito para
que o imóvel rural cumpra sua função social); Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, que dispõe
sobre o Imposto Territorial Rural (ITR), não considera como áreas tributáveis as áreas de preservação
permanente.
24
SPAROVEK, Gerd. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. São Paulo:
Páginas & Letras Editora e Gráfica, 2003, p. 35.
25
ESTERCI, Neide. A luta pela terra e a função ambiental da propriedade. In: ESTERCI, Neide; VALLE,
Raul Silva Teles do. Reforma Agrária e Meio Ambiente. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2003, p.
301
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
9-17.
26
LOPES, Juarez Brandão; GARCIA, Danilo Prado. Reforma Agrária, População e Meio Ambiente – A
experiência brasileira recente. Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, n.67, nov. 2003, p.33- 55.
27
CASTANHO FILHO, Eduardo P. A ecologia e o problema agrário, um falso dilema. Revista Pau
Brasil, São Paulo, ano III, n.15, nov./dez. 1986, p. 10-15.
302
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
28
ARAÚJO, Flávia Camargo de. Reforma agrária e gestão ambiental: encontros e desencontros.
Dissertação de Mestrado. Disponível em:
<http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/2541/1/Fl%C3%A1via%20Camargo%20de%20Ara%C3%B
Ajo.pdf>. Acesso em: 22.10.2012). Em seu estudo, arremata que o licenciamento para esses projetos
demorou a ser implementado. Em função disso, diversos órgãos ambientais e inclusive o Ministério
Público apontaram para a irregularidade dos assentamentos no que tange à legislação ambiental e
alguns projetos foram embargados. Entretanto, considerando as demandas do movimento social e os custos
para a realização dos estudos ambientais, a elaboração de EIA/Rima, prevista na Resolução Conama
237/97, não daria para compatibilizar com os trâmites da reforma agrária. Iniciou-se então um
processo de discussão a respeito do licenciamento ambiental dos assentamentos a fim de simplificar
os procedimentos.
303
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
29
Plano de Ação Ambiental do INCRA. Disponível em:
http://www.incra.gov.br/portal/arquivos/institucional/plano_acao_ambiental_v11dez2008.pdf.> Acesso: 12
jul 2011.
30
Idem.
31
Idem.
304
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
5. Considerações finais
A Reforma Agrária certamente não deve ser tratada como uma utopia.
E dentro da perspectiva do Estado Socioambiental de Direito, o debate do tema
reflete a concepção humanista do direito agrário e do direito ambiental, que coloca a vida
humana (e não humana) presente e futura no centro.
A preservação ambiental, portanto, revela-se inerente ao desenvolvimento da
atividade agrária, inclusive porque a viabilidade desta depende das próprias manifestações
do meio ambiente.
A interação do componente ambiental e agrário, todavia, não é tarefa que compete
apenas ao agente público, embora seja ele efetivamente o executor da Reforma Agrária,
tema deste estudo.
Canotilho trata que o Estado Socioambiental contemporâneo está ligado às
seguintes dimensões fundamentais: juridicidade, democracia, sociabilidade e
sustentabilidade ambiental, de modo que a qualificação de um Estado Socioambiental
pressupõe duas dimensões jurídico-políticas.33
A primeira concerne à obrigação do Estado, em cooperação com outros Estados e
cidadãos ou grupos da sociedade civil, de promover políticas públicas (econômicas,
educativas, de ordenamento), pautadas pela sustentabilidade ecológica.
Ainda, e não menos importante, faz-se necessário o dever de adoção de
comportamentos públicos e privados amigos do ambiente, com a assunção de
32
SOUZA, Ricardo Timm de. Em torno à diferença: aventuras da alteridade na complexidade da
cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2008, p. 121.
33
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Estado de Direito. Cadernos Democráticos, n. 7, Fundação Mario
Soares. Lisboa: Gradiva, 1998, p. 23.
305
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
34
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Op cit. p. 39.
35
Ibidem. p. 40.
306
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 11ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1998.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes & LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito
constitucional ambiental brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
ESTERCI, Neide. A luta pela terra e a função ambiental da propriedade. In: ESTERCI,
Neide; VALLE, Raul Silva Teles do. Reforma Agrária e Meio Ambiente. São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2003.
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual
ao coletivo extrapatrimonial. 3ª ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010.
LOPES, Juarez Brandão; GARCIA, Danilo Prado. Reforma Agrária, População e Meio
Ambiente – A experiência brasileira recente. Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, n.67,
nov. 2003.
SANTOS, Fabio Alves dos. Direito agrário e política fundiária no Brasil. Belo Horizonte:
Del Rey, 1995.
307
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
SOUSA, João Bosco Medeiros de. Direito agrário: lições básicas. São Paulo: Saraiva,
1994.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. Pela mão de Alice. Porto: Afrontamento, 1994.
308
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Resumo: O presente trabalho discorre sobre questão bastante debatida atualmente, qual seja, a
extração mineral em territórios indígenas e quilombolas. A temática discutida versa,
notadamente, sobre a extração mineral irregular no território quilombola Kalunga situado na
região centro-oeste do Brasil, notadamente nas regiões norte e nordeste do Estado de Goiás,
compreendendo os municípios de Teresina, Cavalcante e Monte Alegre. A questão debatida
neste trabalho versa, também, sobre a existência de ação civil pública movida pelo ministério
público federal para tentar embargar e suspender os procedimentos de pesquisa e lavra na
comunidade quilombola Kalunga, os quais estão sendo executados sem a devida observância
dos procedimentos ambientais para evitar danos ao meio ambiente, e sem a prévia consulta a
esta comunidade.
Resumé: Le présent travail parle de question beaucoup discute actuellement, qui est
l’extraction minièredans les territoires indigène et quilombolas. La thématique discute aborde,
notablement, sur l’extraction minière irregulière dans le territoire quilombola Kalunga situe
dans les régions nord et nord-est du l’État de Goiás, notablement dans les municipalités de
Teresina, Cavalcante e Monte Alegre. La question discute dans cet travail parle, aussi,
surl’existance de action civile publique de proposition du ministère publique federale pour
arreté et suspendre les procediments de recherche et lavra dans la communauté quilombola
Kalunga,les queles sont execute sans l’observance des procediments environnementales pour
evité dommages au moyen environnement, et sans a préalable consulte a cette communauté.
1
Professora Titular da Universidade Federal de Goiás. Doutora em Direito pela PUC-SP. Estágio Pós-Doutoral
em Coimbra. Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Agrário da UFG.
2Mestrando em Direito Agrário na Universidade Federal de Goiás. Bolsista CAPES. E-mail:
rodolfo7fr@yahoo.com.br.
309
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1 INTRODUÇÃO
310
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
[...] È certo que em razão da exploração do ouro das Minas Gerais, a economia
portuguesa conheceu um período de relativa prosperidade, sendo o setor mercantil o
principal beneficiário dos recursos gerados pela mineração. Em meados do século
XVIII, porém, a queda da produção do minério revelava o que o período de riqueza
tendeu a ocultar, a dependência portuguesa em relação a suas colônias, imprimindo a
necessidade de uma reconversão parcial, cujo exemplo maior foram as reformas
pombalinas [...].
3
MAIA, Cláudio Lopes. Diálogo pessoal na sala dos mestrandos na FD/UFG em junho de 2012. A pecuária foi a
atividade que mais contribuiu para a formação da propriedade da terra no Brasil, inclusive sua apropriação. Esse
tipo de atividade exige muito espaço para a criação de gado e com isso ocorreu o surgimento de grandes
fazendas que eram cercadas com base na presença do gado, ou seja, a propriedade se estenderia até onde os
animais conseguissem alcançar.
311
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4
Disponível em :<http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=7608>.
Acesso em: 11 jan. 2013.
312
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
a floresta e as águas para sua reprodução física e cultural, sem destruir e devastar a
cobertura vegetal e as águas dos rios, lagos, várzeas, igapós, terras firmes, paranás e
igarapés. O valor ecológico acha-se incorporado ao modo de criar, fazer e viver
expresso por indígenas, ribeirinhos, quilombolas e pescadores artesanais. As
corredeiras podem ser consideradas como parte deste conjunto de bens da natureza
que são portadores de referência à identidade coletiva, bem como à memória e à vida
social dos povos e comunidades tradicionais. Integram, deste modo, o patrimônio
cultural amazônico tanto como valor histórico, quanto como condição de futuro.
Transcendendo, pois, à dimensão meramente econômica das narrativas históricas
está-se diante de um patrimônio cultura, nos termos do Art. 216 da Constituição
Federal de 1988, que deve ser mantido e protegido pelo poder público [...].
313
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para Marchesan (2007, p. 125), a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº
6.938/81)5, contempla a avaliação dos impactos ambientais dentre os instrumentos dessa
política de prevenção e precaução contra os danos ao meio ambiente. Nesta Lei os impactos
ambientais vêm descritos no artigo 9º, inciso III.
A mesma autora (2007, p. 112) afirma que “na hierarquia de objetivos visados pelo
Direito Ambiental, o primeiro deles é, sem dúvida, evitar o dano”. Além de esta autora arrolar
e identificar os princípios gerais do direito ambiental, ela inclui o planejamento ambiental e o
estudo prévio de impacto ambiental como instrumentos que antecipam qualquer
empreendimento que possa provocar danos ao meio ambiente. É o caráter preventivo do
direito ambiental.
Para Leite (2003, p. 171), o estudo do direito ambiental exige a análise de alguns
princípios que devem ser observados “antes de se valer da responsabilização, e há que se ter
um Estado com uma política ambiental eficiente e se valer, entre outros, da precaução e
atuação preventiva, com vistas a evitar a lesão ambiental”.
5
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013.
6
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013.
314
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
CAPÍTULOII
DA UNIÃO
Capítulo VI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
315
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Na Lei nº 9.605/987 a matéria pertinente à mineração está disposta no artigo 55, que
assim dispõe,
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área
pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão
ou determinação do órgão competente.
Art. 18. Os trabalhos de pesquisa ou lavra que causarem danos ao meio ambiente são
passíveis de suspensão temporária ou definitiva, de acordo com parecer do órgão
ambiental competente.
Para Machado (2010, p. 723), analisando esta Lei “constata-se que tanto no plano das
sanções, como no plano da responsabilidade civil, o titular de autorização de pesquisa tem o
dever de não degradar a natureza e agir preventivamente para que o dano ambiental não
ocorra”.
7
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 12 mar. 2013.
8
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7805.htm>. Acesso em:13 mar 2013.
316
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
9
Disponível em: <http://www.prgo.mpf.gov.br/images/stories/ascom/not-1384-ACP.pdf>. Acesso em: 11 jan.
2013.
10
Disponívelem:<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/carlos_frederico_mares_de_souza_filho2
.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2013.
317
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Pensamos que os riscos são enormes e entendemos que a visão dos autores acima
referidos é no sentido de que estes riscos podem ser minimizados a partir da observância de
determinadas condições para que a atividade se desenvolva provocando menos agressão ao
meio ambiente e às pessoas que vivem no local.
A discussão referente ao novo marco regulatório no Brasil é algo que vem causando
polêmica.
De um lado os interesses dos povos que habitam as regiões que são passíveis de
exploração pelo poder estatal ou por empresas estrangeiras que desejam fazer investimentos
para satisfazer seus anseios lucrativos. De outro, o Estado tentando definir os rumos da
mineração no Brasil e satisfazendo os interesses do capital externo.
As comunidades indígenas e quilombolas reagem a este tipo de situação, pois tais
empreendimentos causam sérios danos ambientais à região onde se instalam. O que mais
almejam é serem ouvidos sobre a viabilidade ou não da execução dos projetos de exploração
11
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0227.htm>. Acesso em: 11 jan. 2013.
12
Disponível em: <http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=7608>.
Acesso em: 11 jan. 2013.
318
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
mineral e, além disso, participação nos lucros que as mineradoras auferem com a exploração
do minério.
Em visita à comunidade Kalunga em novembro de 2012 durante o II Kalunga
Cidadão promovido pela UFG, o Kalunga Cezariano Santos Rosa, habitante do povoado de
Engenho II, município de Cavalcante-GO, alegou que “por aqui aparece todo tipo de gente e
empresas para explorar as riquezas do sítio histórico. As mineradoras chegam aqui, não
conversa com a gente, e explora nossas riquezas e nós não ganhamos nada com isso. Sou a
favor da extração mineral desde que ganhamos alguma coisa com isso, pois a comunidade
também precisa de renda para sobreviver13”.
Esse é apenas mais um exemplo de quanto a comunidade necessita de ser ouvida
previamente sobre os efeitos da extração mineral. O relato acima colacionado evidencia o
desrespeito em relação aos direitos dos quilombolas no que diz respeito à pesquisa e lavra de
minérios em suas terras.
Com base na fala do quilombola percebemos que a comunidade não é contra a
extração mineral em seu território, mesmo porque precisam de renda para que consigam
melhores condições de vida. O que demandam é que sejam consultados e ouvidos
previamente e que parte da renda oriunda da atividade mineradora seja revertida em
benefícios para a comunidade.
13
Diálogo pessoal realizado no dia 17 de novembro de 2012 na comunidade Engenho II no município de
Cavalcante-GO.
319
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A extração mineral irregular é outro problema que afeta a comunidade Kalunga. Isso
já vem sendo discutido pelo MPF (ministério público federal) por meio da ação civil pública16
proposta em julho de 2012 contra o DNPM (departamento nacional de produção mineral) e
União Federal. Na referida ação o Ministério Público Federal demanda a suspensão, ao
DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e à UNIÃO, de todos os requerimentos
de pesquisa ou lavra mineral que incidem no território da comunidade Kalunga até que ocorra
a consulta à mesma, e de todos os efeitos jurídicos das portarias de concessão de lavra mineral
existentes no território Kalunga, respectivamente.
Soma se a isso a ausência do procedimento ambiental de abertura de estradas, que
alteram a flora da região e favorece o início de erosões e deslizamentos nos trechos
montanhosos, alterando todo o cenário ambiental do local por onde a estrada atravessa.
14
Reintrodução do gado curraleiro na comunidade quilombola Kalunga de Cavalcante, Goiás, Brasil: Resultados
parciais. Disponível em:<www.cpac.embrapa.br/download/574/t>. Acesso em: 26 out. 2012.
15
Cabeçudo é uma espécie de palmeira típica da região onde se situa o sítio histórico kalunga. Diálogo pessoal
com o senhor Jorge, kalunga habitante do povoado engenho II, realizado no dia 17 de novembro de 2012 na
comunidade quilombola Engenho II durante o II kalunga Cidadão promovido pela UFG.
16
A ação civil pública encontra abrigo normativo na Lei nº 7.437 de 24 de julho de 1985.
320
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
17
Disponível em: <http://www.prgo.mpf.gov.br/images/stories/ascom/not-1384-ACP.pdf>. Acesso em: 11 jan.
2013.
18
Ministério público federal. Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito Civil Público n.
1.16.000.001941/2007-20.
19
Idem.
20
Ministério público federal. Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito Civil Público n.
1.16.000.001941/2007-20.
.
321
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Dada a palavra ao procurador federal do DNPM, este afirmou que “Os alvarás de
pesquisas concedidos pelo DNPM são legais, na medida em que a poligonal do Sítio Histórico
Kalunga ainda não foi oficializada 21”.
O analista ambiental do IBAMA, quando indagado pelo Ministério Público
Federal22, aduziu que
[...] O sítio histórico Kalunga é uma ‘zona cinzenta’ e não se sabe se deve ser regido
por legislação federal ou estadual. Afirmou que a área não tem natureza de unidade
de conservação. Em relação à emissão de licenças pelo DNPM, entende não existir
uma cultura - por parte de empreendedores e do próprio DNPM – de se exigir
licença ambiental em fase de pesquisa mineral nos casos de insignificante impacto
ambiental. Considera um exagero tal formalidade [...].
Os depoimentos acima colacionados demonstram certo descaso em relação à
organização da documentação que autoriza a extração mineral no território Kalunga e de que
o Departamento Nacional de Produção Mineral, principalmente, tem conduzido os
procedimentos sem ouvir a comunidade Kalunga. Além de não consultar as
comunidadessobre as vantagens e desvantagens da extração mineral, os empreendimentos
minerários não respeitam as leis ambientais, como a retirada de licença ambiental e o estudo
prévio de impacto ambiental.
Os argumentos para a não observância dos procedimentos para prevenção de danos à
comunidade e ao meio ambiente são os mais variados, vejamos alguns. O analista ambiental
do IBAMA considera um “exagero a exigência de licença ambiental na fase de pesquisa
mineral”. O DNPM afirma que “não é costume exigir licença ambiental em fase de pesquisa
mineral nos casos de insignificante impacto ambiental”.
Em parecer 23 emitido pelo Geólogo da Superintendência do DNPM-GO/DF datado
31 de março de 2010 acerca da extração mineral em território Kalunga, afirma que,
O DNPM não exige apresentação de licenciamento ambiental na fase de pesquisa
por falta de previsão legal. É oportuno mencionar que, em casos considerados
excepcionais, é possível a autorização de extração mineral, ainda na fase de
autorização de pesquisa, através do instrumento denominado guia de utilização.
21
Ministério público federal. Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito Civil Público n.
1.16.000.001941/2007-20.
22
Ministério público federal. Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito Civil Público n.
1.16.000.001941/2007-20.
23
Ministério público federal. Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito Civil Público n.
1.16.000.001941/2007-20.
322
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24
Disponível em: <www.oitbrasil.org.br/node/292>. Acesso em 12 mar. 2013.
25
Disponível em: <http://www.prgo.mpf.gov.br/images/stories/ascom/not-1384-ACP.pdf>. Acesso em: 11 jan.
2013. Negrito no original.
323
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente novas regiões têm atraído os interesses do mercado, que busca meios de
legitimar sua atuação em determinados territórios. As mineradoras, diante da exigência do
324
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26
Ministério público federal. Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito Civil Público n.
1.16.000.001941/2007-20
325
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O que a comunidade quilombola Kalunga mais deseja é o respeito aos seus direitos e
terem oportunidade de exporem suas opiniões e demandas acerca dos empreendimentos de
extração mineral em seu território.
Por isso, esperamos que o presente trabalho possa de alguma forma contribuir para
os estudos sobre o assunto, contribuindo também para a pesquisa acadêmica e para o
surgimento de novas ideias sobre o tema.
Referências Bibliográficas
BRASIL, Código de Minas – decreto lei nº 227 de 28 de fevereiro de 1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0227.htm>. Acesso em: 11 jan. 2013.
BRASIL, Lei nº 6.938 de 31 de agosto d e1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 13 de
mar. 2013.
326
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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18ª edição, revista,
atualizada e ampliada. São Paulo, Malheiros Editores, 2010.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A tutela do patrimônio cultural sob o enfoque do direito
ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007.
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Direito à terra no Brasil. A gestação do conflito 1795-
1824. São Paulo. Alameda. 2ª edição, 2012.
327
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal de Goiás, faculdade de direito 2012.
SAMPAIO, José Adércio Leite. WOLD, Chris. NARDY, Afrânio José Fonseca. Princípios
de direito ambiental. Belo Horizonte. Del Rey, 2003.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta; revisão
técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das letras, 2000.
328
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
A participação nas tomadas de decisões sobre empreendimentos e demais atividades que
possam causar significativo impacto ambiental, se mostram como possibilidades de
participação da sociedade afeta pelos possíveis impactos causados ao meio. Assim, busca-se
analisar a possibilidade de participação da coletividade referente aos impactos causados pelas
atividades urbanas, dando-se ênfase aos dispositivos específicos da Constituição Federal de
1988 e do Estatuto da Cidade (lei federal n° 10.257/2001) que concretizam o Estudo de
Impacto de Vizinhança (EIV) como um instrumento hábil e obrigatório aos municípios no
alcance de tais propósitos. Verifica-se a necessidade de estudos sobre regras gerais de direito
ambiental urbanístico estabelecidas pelo Estatuto da Cidade e dos conceitos e conteúdos
específicos do EIV, suas influências, sua viabilidade de implementação, suas vinculações e
distinções dos institutos de direito administrativo e suas semelhanças e distinções para com o
Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Verificam-se as possíveis e úteis implementações que
referido instrumento é capaz de gerar como benefício ambiental-urbanístico, entendendo-se
como de obrigatoriedade da autoridade pública municipal sua implantação coerente.
ABSTRACT
1
Doutorando em Direito Ambiental Internacional e Mestre em Direito Ambiental pela UNISANTOS. Professor
Universitário na Faculdade Santa Lúcia de Mogi Mirim/SP e Faculdade Municipal Prof. Franco Montoro de
Mogi Guaçu/SP. Bolsista PROSUP/CAPES junto ao Programa de Doutorado em Direito Ambiental
Internacional da UNISANTOS em 2013.
Advogado e Consultor Jurídico.
E-mail: vanzellasartori@hotmail.com
329
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Participation in decision-making on projects and other activities that may cause significant
environmental impacts, appear as opportunities to participate in society affects the possible
impacts to the environment. So, we try to analyze the possible participation of the community
regarding the impacts of urban activities, with emphasis on specific devices of the Federal
Constitution of 1988 and the City Statute (Federal Law No. 10.257/2001) embodying the
Study Neighborhood Impact (EIV) as an adroit and binding instrument to municipalities in
achieving these aims. There is a need for studies on general rules of urban environmental law
established by the City Statute and the concepts and specific contents of EIV, their influences,
their feasibility of implementation, their linkages and distinctions of administrative law
institutes and their similarities and distinctions for the Environmental Impact Assessment
(EIA). There are possible and useful implementations that this instrument is capable of
generating as urban-environmental benefit, it being understood as a requirement of public
authority consistent municipal its implementation.
KEYWORDS: Urban Environmental Law; Neighborhood Impact Study (EIV); City Statute;
Mandatory Municipality.
INTRODUÇÃO
330
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
331
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
sua aplicação por meio de planejamento urbano, ordenação do solo, urbanização, proteção
ambiental e turística.
Estas interfaces de Direito Ambiental Urbanístico com os instrumentos de Direito
Administrativo levam à ideia de se tratar da inclusão daquele direito neste, porém analisando-
se sumariamente a natureza jurídica de ambos, nota-se que em matéria de Direito Ambiental
Urbanístico há expressão da natureza do instituto quanto à regulação na atividade de
distribuição do espaço urbano, quando em Direito Administrativo a natureza se relaciona
quanto às normas do poder de polícia dos entes federados.
Com a utilização das regras traçadas pelo Direito Ambiental Urbanístico,
logicamente se mostra necessária a utilização de formas e instrumentos definidos também
pelo Direito Administrativo, entendendo-se que o Direito Ambiental Urbanístico toma forma
autônoma de ramo do direito, cabendo ressalvar que os princípios próprios deste ramo se
firmam especialmente nos da legalidade (toda e qualquer ação deve se pautar na lei), da
função pública do urbanismo (ordenando a realidade de acordo com o interesse coletivo
local), da conformação da propriedade urbana, da coesão dinâmica das normas urbanísticas,
da edificabilidade, da redistribuição (captura de parte da renda da urbanização para
possibilitar as condições habitacionais e urbanas nas cidades) e principalmente o da função
social da propriedade.
Com a referência constitucional em 1988 sobre a forma de tratamento do Direito
Ambiental Urbanístico como disciplina jurídica (artigo 24 da CF/88), confirma-se a máxima
de que a pura expressão deste direito se resume no direito da política espacial da cidade,
cabendo apontar que
O papel que a Constituição de 1988 implicitamente assinalou ao Direito Urbanístico
é o de servir à definição e implementação da „política de desenvolvimento urbano‟, a
qual tem por finalidade „ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes‟ (art. 182, caput). O Direito
Urbanístico surge, então, como o direito da política de desenvolvimento urbano, em
três sentidos: a) como conjunto das normas que disciplinam a fixação dos objetivos
da política urbana (exemplo: normas constitucionais); b) como conjunto de textos
normativos em que estão fixados os objetivos da política urbana (os planos
urbanísticos, por exemplo); c) como conjunto de normas em que estão previstos e
regulados os instrumentos de implementação da política urbana (o próprio Estatuto
da Cidade, dentre outros). (SUNDFELD, 2002. pp.48/49)
332
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3. ESTATUTO DA CIDADE
333
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O EIV está descrito inicialmente no Estatuto da Cidade em seu artigo 4º, VI,
compreendido como um instrumento ambiental voltado para o espaço urbano, o qual deverá
observar as questões de infraestrutura local para analisar as questões de moradia e qualidade
de vida urbana.
Está previsto juntamente com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), nos quais
todos estão adstritos às características peculiares de planejamento urbano, limitação
334
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
administrativa da propriedade particular e com objetivos gerais também inerentes aos demais
instrumentos previstos no Estatuto da Cidade para evitar a utilização inadequada de imóveis
urbanos, proximidade entre usos incompatíveis, prejuízos à infraestrutura urbana,
subutilização ou não utilização de imóveis e poluição ambiental.
Enquadrado pela lei como um dos instrumentos com possibilidade de dar grande
resposta às expectativas do atendimento da função social da cidade, através do devido
cumprimento do Plano Diretor, concretizando através desta lei de diretrizes municipais toda a
ordenação racional do território urbano, com a participação popular e adaptação das
necessidades locais para um melhor meio de vida aos cidadãos.
O EIV funciona como divulgação e discussão pela sociedade, concluindo a
viabilização ou impedimento de empreendimentos na cidade, apoiando o bem estar do
cidadão que não quer atividades ou construções que lhe prejudicará ambiental, econômica
e/ou psiquicamente.
Sua ocorrência prioriza que não mais sejam efetivadas atividades e/ou
empreendimentos à revelia do interesse público, conforme ocorre rotineiramente em cidades
onde somente a análise imediatista e econômica são as avaliadas superficialmente com intuito
de geração de emprego, sem a análise do órgão público ou do empreendedor, daquilo que a
determinada implantação estará fatalmente causando ao entorno da obra, à população
envolvida e ao suporte ambiental local a médio e longo prazos.
Para isso, o próprio Estatuto da Cidade trata mais detalhadamente sobre o EIV
vinculando-o à Lei Municipal, sua forma de execução e demais detalhes tratados a seguir.
4.1. Forma legal
O Estatuto da Cidade vem para tentar corrigir certas discrepâncias no tocante às
questões do crescimento urbano desordenado e caótico servindo como instrumento cuja
regulamentação é obrigatória para aqueles municípios descritos naquela lei, em razão de sua
vinculação aos requisitos mínimos exigidos para a composição do Plano Diretor nas cidades.
Esta vinculação se dá de forma indireta da seguinte maneira: o artigo 42 do Estatuto
da Cidade estabelece que “O Plano Diretor deverá conter no mínimo: (...) II – disposições
requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei”.
Ocorre que na Seção X do Estatuto da Cidade, que trata das operações urbanas
consorciadas especificamente em seus artigos 32 e 33 tem-se que “Lei municipal específica,
baseada no Plano Diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas
(...)”.
335
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
336
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
337
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338
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4.2.3. Estudo
A palavra “estudo” envolve o sentido de atribuição de valor a algo a ser examinado,
avaliado. Neste contexto, o levantamento efetuado para a influência ou afetação que a
vizinhança poderá estar sujeita em razão da implementação de certa atividade, servirá como
instrumento angular na busca da aplicação da lei em benefício da população.
Nesta linha de entendimento tem-se que
A função do procedimento de avaliação não é influenciar as decisões administrativas
sistematicamente a favor das considerações ambientais, em detrimento das
vantagens econômicas e sociais suscetíveis de advirem de um projeto. O objetivo é
dar às Administrações Públicas uma base séria de informação, de modo a poder
pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do
ambiente, tendo em vista uma finalidade superior. (MACHADO, 2005. p.216)
339
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
nos artigos 36 ao 38 do mesmo Estatuto, dando ênfase ao seu caráter de instrumento social e
implementador de maior possibilidade de participação da coletividade no planejamento
urbano.
Para isto, EIV deve funcionar como documento que irá balizar toda uma
fundamentação referente a implantação de obras, conjuntos habitacionais, indústrias e
quaisquer outras atividades que impliquem em interferências ou relações significativas com as
populações urbanas.
Portanto a anterioridade do referido Estudo de Impacto de Vizinhança à concretização
da obra se nota premente pelo fator expresso de sua característica de ser um instrumento de
planejamento, sendo certo que tal estudo apontará os benefícios e os malefícios em que
estarão incorrendo as pretendidas ações, não só quanto à afetação do meio ambiente natural,
cultural ou construído, mas principalmente, quanto à aglomeração dos seres humanos que
serão atingidos (incomodados, beneficiados, afetados, estorvados etc) com a determinada
ação.
Este importante Estudo fornece ao Poder Público, responsável pelo licenciamento ou
autorização da atividade pretendida, condições de analisar e decidir a forma mais acertada
quanto a minimização de impactos sócio-ambientais. Este levantamento dos vários aspectos e
consequências que a pretensa implementação da atividade poderá vir a causar, materializa
todo o fomento de planejamento e prevenção que reveste o EIV.
Esta função de fomentar a análise pelo Poder Público do fornecimento de licença ou
autorização para a obra bem como, de servir como atrativo para a exigência da participação
popular para o seu cumprimento nos revela uma faceta de serviço ao bem coletivo, com a
expressa ressalva de que afeta diretamente o direito privado, em caso de restrição ao direito de
construir, daquele particular que se apóia nos ditames legais inerentes a tal direito quanto ao
cumprimento expresso daquilo que a lei vem determinar como exigência para obter uma
licença, por exemplo.
Ou seja, ao mencionar a atuação do Poder Público, necessária também a colocação das
formas em que este Poder deve utilizar seus instrumentos discricionários relevantes ao
controle da coletividade, conforme seguem descritos nas leis.
Na utilização do direito administrativo, ramo do direito público que dá essência à
funcionalidade e regramento do próprio Poder Público, as definições e distinções entre
“licença” e “autorização” se estenderiam demasiadamente através das variadas conclusões
resultantes da pesquisa doutrinária. Porém, para efeito de análise do presente estudo, limita-se
a diferenciação entre os sobreditos institutos sob a ótica do Direito Ambiental Urbanístico, de
340
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
acordo com que parece ter o legislador a intenção de estabelecer, ou seja, o EIV como
instrumento da Política Urbana de acordo com as regras de Direito Ambiental Urbanístico.
Assim, a diferenciação entre os institutos, no sentido de que a “licença” é
compreendida como
ato administrativo (unilateral, vinculado e negocial), capaz de anuir com a prática de
determinada atividade, condicionada a sua concessão à análise do Poder Público, no
que diz respeito ao preenchimento, por parte do particular, de determinados
requisitos legais (SANTOS, 2001. pp.20/21)
341
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
342
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amplamente adotado desde a instituição da Política Nacional do Meio Ambiente pela Lei
6.938/81. O fato de o EIV ter as suas raízes no EIA não quer dizer que ambos sejam
equivalentes, e por isso a discorre-se sobre as similaridades e diferenças existentes entre eles.
Ambos são instrumentos de gestão cujas finalidades são principalmente a de dar
subsídio aos órgãos licenciadores para a tomada de decisão no exercício de suas respectivas
competências e a de informar a população interessada.
Ocorre que o EIV se restringe à esfera urbana por se tratar de estudo de previsão dos
possíveis impactos causados em determinado espaço urbano, por determinado
empreendimento ou atividade, principalmente no que se refere à qualidade de vida da
população residente na área de suas proximidades.
Já o EIA é mais abrangente por se tratar de estudo de impactos ambientais decorrentes
de atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, onde quer que
seja exercida.
Pela análise do conteúdo mínimo exigido legalmente dos dois instrumentos percebe-se
que não se tratam da mesma coisa. Conforme disposto na Resolução CONAMA 01/86, o EIA
deve definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos
da atividade proposta; considerar os planos e programas governamentais (como por exemplo,
aqueles relacionados ao zoneamento ambiental), propostos e em implantação na respectiva
área de influência, e verificar a compatibilidade entre a atividade e esta; prever as alternativas
de localização e tecnologia do projeto; fazer o estudo e a descrição do meio físico, biológico e
sócio-econômico, no sentido de se permitir um juízo mais justo de valor entre as vantagens de
autorizar-se ou não o projeto; identificação e avaliação dos impactos ambientais do projeto
tanto na fase de implantação como de operação no que se refere à sua magnitude, se são
diretos ou indiretos, positivos ou negativos, imediatos ou a médio e longo prazos, temporários
ou permanentes, bem como o seu grau de reversibilidade e propriedades cumulativas ou
sinérgicas; medidas de correção, de mitigação, de compensação, em sendo o caso, dos
impactos desfavoráveis, de prevenção de riscos e maiores catástrofes e por fim a distribuição
dos ônus e benefícios sociais do projeto, ou seja, os prejuízos e as vantagens que advirão para
a sociedade.
O conteúdo mínimo do EIV, previsto no art. 37 do Estatuto da Cidade versa sobre
questões de adensamento populacional; equipamentos urbanos e comunitários; uso e
ocupação do solo; valorização imobiliária; geração de tráfego e demanda por transporte
público; ventilação e iluminação; paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
343
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
É importante ressaltar que o conteúdo mínimo tanto do EIA como do EIV refere-se ao
mínimo exigido por lei, entretanto, podendo os órgãos licenciadores competentes exigir o
exame de outras questões que sejam pertinentes ao empreendimento ou atividade em questão.
Conforme mencionado anteriormente, o EIV se refere ao meio ambiente no âmbito
urbano, ou seja, trata de temas relacionados ao bem-estar e saúde da população que vive em
espaços urbanos e visa antever os possíveis danos de ordem econômica e sócio-ambiental
provenientes de certas atividades ou empreendimentos. O EIV é instrumento que permite a
tomada de medidas preventivas pelo poder público a fim de evitar o desequilíbrio no
crescimento urbano, garantir condições mínimas de ocupação do território urbano e fazer com
que o uso da propriedade pelo particular não coloque em risco os outros valores ou garantias
assegurados à coletividade. (SOARES apud DALLARI, 2002. p.293)
Ainda em relação à análise do conteúdo mínimo de ambos estudos, é possível que em
se tratando de atividade ou empreendimento localizados em espaço urbano cuja elaboração de
EIA seja obrigatória, por força da Resolução 237 do CONAMA, e no caso desse estudo
englobar todo o conteúdo mínimo de um EIV exigido por lei, entende-se que este último
instrumento pode ser dispensado pelo órgão municipal, desde que a legislação municipal
preveja tal possibilidade.
Isso devido a dois motivos: o primeiro, porque o conteúdo mínimo de um EIV pode
perfeitamente se encaixar nas questões analisadas em um EIA, ou seja, a análise do
adensamento populacional, dos equipamentos urbanos e comunitários e da paisagem urbana
se enquadra ao quesito estudo e descrição do meio físico, biológico e sócio-econômico de um
EIA; já as questões relativas ao uso e ocupação do solo deverão ser necessariamente
contempladas na consideração de planos e programas governamentais; e por fim, a geração de
tráfego e demanda por transporte público, os aspectos ventilação e iluminação, bem como a
valorização imobiliária são questões relativas à identificação e avaliação dos impactos
ambientais.
O segundo motivo que nos leva a advogar pela possível dispensa é a desburocratização
do processo de licenciamento, uma vez que o órgão licenciador municipal já se encontraria
munido de todos os dados suficientes para formar seu juízo de valor, caso tivesse em mãos o
EIA que abrangesse questões envolvidas por um EIV. Porém, como dito anteriormente, tal
dispensa só poderia se dar se expressamente prevista em legislação municipal, uma vez que
incumbe aos municípios regulamentarem matéria que diz respeito ao Estudo de Impacto de
Vizinhança.
344
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O Estatuto da Cidade ao dispor em seu art. 38 que a elaboração de EIV não substitui a
elaboração e a aprovação de EIA quando requeridas nos termos da legislação ambiental,
confirma a diferença existente entre os dois instrumentos, pois se fossem iguais um poderia
substituir o outro. É evidente que a natureza jurídica de ambos é a mesma, porém o enfoque
de cada um não é necessariamente sempre convergente. Diverso é o entendimento de Vanêsca
Buzelato Prestes (2004. p.83) que afirma:
O EIV é mais um instrumento de gestão previsto para a avaliação de impactos
urbanos. Entendemos que é similar ao EIA, porém como estabelece a própria lei,
não o substitui (art. 38, Estatuto da Cidade), sendo que, é nossa opinião, nas
hipóteses em que caiba o EIA não há que se falar em EIV. Ou é um ou é outro.
CONCLUSÕES
345
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
fornecer com sua aplicação pelo fato de servir como concretização dos seguimentos dos
princípios de direito ambiental da prevenção, informação e participação.
O EIV serve hoje principalmente como harmonizador dos reflexos causados por
empreendimentos que se instalam nos centros urbanos e ali podem vir a gerar empregos,
contribuir com a melhoria das condições da população e também, de gerar impactos sócio-
ambientais relevantes, aumento do fluxo de veículos no entorno da atividade, saturação de
recursos naturais enfim, gerar certa dose de caos urbano.
Diante da participação popular na formação consistente do EIV, (mesmo que essa
participação seja interpretada de modo indireto em razão da população apenas ser consultada
e não, realmente, elaborar o estudo) mesmo dessa forma, estará se dando a possibilidade de
análise e escolha por aqueles que estarão no dia a dia sacrificando seus momentos de vida em
detrimento dos efeitos que os impactos da atividade vierem a causar.
Entende-se que o EIV é instrumento de obrigatoriedade a ser implementado por lei
própria pelos municípios, cada qual estatuindo suas prioridades locais quanto a parâmetros,
avaliações e necessidades peculiares aos diversos tipos de características locais.
Servindo como referência para a formação de convicções por meio de pareceres
técnicos a darem possibilidade de implantação ou de não-implantação de atividades, o estudo
tem o poder de dizer se a população consultada quer ou não quer a atividade a ser
desenvolvida ali.
Cabe apontar que o EIV é compreendido pelas semelhanças com instrumento de
Estudo de Impacto Ambiental (EIA), porém não consta somente de adorno no corpo da Lei
federal nº 10.257/01, dando maior cumprimento às necessidades locais entre aqueles afetados
dentro de uma realidade de vizinhança, sendo esta associação de interessados em objetivo
único que serve para mobilização social ativa, apontando-se a influência com as realidades
locais.
Mesmo ao se deparar com legislações anteriores ao Estatuto da Cidade que previam
instrumentos também de caráter de avaliação de empreendimentos, tem-se que o sobredito
Estatuto inova ao obrigá-lo, em lei municipal específica, a ser implementado como
instrumento mínimo de uma boa gestão ambiental nos municípios e de servir como norteador
para o planejamento urbano.
Sabe-se que a realidade brasileira de país em vias de desenvolvimento reflete
disparidades quanto ao desnível de educação, cultura e condições de vida humana, mas não
pode-se nivelar rasteiramente as questões referentes ao EIV, que deve ser aplicado com
346
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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348
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO:
O presente estudo visa analisar a proteção do patrimônio cultural através do plano diretor,
conjugando a relação de tutela com os âmbitos sociais, econômicos e ambientais do
desenvolvimento para a construção de cidades ambientalmente sustentáveis. A natureza dos
bens culturais reclama uma proteção que melhor se amolda ao sistema principiológico do
direito ambiental, que reúne em torno de si as dimensões integrativas do meio ambiente e as
atividades humanas de desenvolvimento. A proteção do patrimônio cultural deve dar-se
dentro do seu contexto de significação, de tal forma que o direito administrativo e o direito
civil apresentam-se insuficientes para tutelar o patrimônio cultural em toda a sua abrangência.
É necessário conferir aos bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro uma proteção que
assegure às gerações presentes e futuras a plena fruição da sua significação de forma a
produzir qualidade de vida através do bem-estar físico, mental e social dos membros da
coletividade.
PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Cultural; Plano Diretor; Desenvolvimento Sustentável.
ABSTRACT:
This essay aims to analyze cultural assets protection trough the directive plan coordinating
with social, economical and environmental ranges to build sustainable cities regarding
environment issues. Cultural assets nature asks for protection that suits the system of
environmental law principles, that gathers among itself the integrative dimensions of the
environment and the development human activities. Cultural assets protection should take part
inside its context of meaning, so that administrative law and civil law show themselves
insufficient to protect cultural assets integrally. Is necessary to attribute to the assets of the
environmental equity protection that grants to the future generations having benefit of all of
its meaning producing better life quality trough corpo real, mental and social welfare of
society members.
KEYWORDS: Cultural assets; Directive plan; Sustainable development.
Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Especialista em Direito
Público pela Universidade de Brasília – UNB. Professor da Faculdade Martha Falcão - FMF. Advogado da
União.
349
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INTRODUÇÃO
350
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
tratados como um todo para nos fornecer os indicativos para uma sadia qualidade de vida a
partir de escolhas que devem ser democráticas sobre os rumos que desejamos para a cidade
em que vivemos.
A cultura é um termo polissêmico que detém várias acepções e em algumas situações
uma abrangência tal que engloba tudo que seja objeto de criação ou intervenção do homem. A
proteção da cultural objeto deste estudo é delimitada pelos contornos conferidos pela
Constituição Federal de 1988 ao que denomina de patrimônio cultural que abrange tanto o
patrimônio cultural material e imaterial, que mais uma vez é delimitado neste estudo para
abranger o patrimônio cultural material imóvel.
A Constituição Federal de 1988 colocou em mesmo patamar de importância o
patrimônio cultural material e imaterial inclusive afastando qualquer questionamento acerca
da proteção normativa conferida as formas de criar, fazer e viver que formam o patrimônio
imaterial.
Todavia, opta-se neste estudo pela abordagem acerca da proteção do patrimônio
cultural material imóvel como uma conseqüência pela opção da utilização dos instrumentos
de política urbanística para a ordenação dos espaços urbanos como o plano diretor municipal
que deve pensar a cidade física a partir da cidade cultural, ou seja, a planificação da cidade
com as suas intervenções físicas nos espaços urbanos devem ser concebidas tendo o
patrimônio cultural como elemento primário e norteador desta ordenação sob pena de termos
uma cidade moderna, mas sem identidade e sem história na qual o seu povo não se reconhece
como pertencente a cidade.
351
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A cultura é apontada como o sistema que diferencia o Homem dos demais animais,
pois a partir dela as limitações orgânicas são superadas por meio da adoção de instrumentos
que ampliam a sua força, a sua visão, a sua audição dentre tantas outras (LARAIA, 2009).
As teorias modernas sobre cultura esquematizadas pelo antropólogo Roger Keesing
no artigo “Theories of Culture” e citadas por Laraia (2009, p. 59-63) seguindo uma idéia de
sistema concebem a cultura sob três perspectivas: a primeira como um sistema adaptativo em
que os padrões de comportamento socialmente transmitidos servem para “adaptar as
comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos”; (LARAIA, 2009, p. 59) a
segunda como sistemas estruturais que seria uma criação acumulativa da mente; e a terceira,
como sistemas simbólicos em que a cultura é vista como “um conjunto de mecanismos de
controle - planos, receitas, regras, instruções - para governar o comportamento” (GEERTZ,
2008, p. 32) em que a compreensão desta se dá através da compreensão do código de
símbolos partilhados pela coletividade.
O homem depende desses mecanismos, desses “programas” culturais, utilizando uma
expressão difundida por Geertz (2008), para ordenar o seu comportamento, mas também
influencia na constituição desses mesmos “programas” de tal forma que “sem os homens
certamente não haveria cultura, mas de forma semelhante e muito significativamente, sem
cultura não haveria homens [...] nós somos animais incompletos e inacabados que nos
completamos e acabamos através da cultura”. (GEERTZ, 2008, p. 36)
A delimitação da noção de cultura e a identificação dos bens culturais tutelados pelo
direito têm suas bases exegéticas fincadas na Carta Magna que ao estabelecer a ordenação
constitucional da cultura criou um sistema jurídico com duas ordens de valores culturais ou
dois sistemas de significação: a) as normas jurídico-constitucionais que são repositórios de
valores e b) a própria matéria objeto de normatização como a cultura e o patrimônio cultural
brasileiro. (SILVA, 2001, p. 34-35)
A Constituição Federal de 1988 não tutela a cultura na abrangência que lhe é
conferida pela antropologia e pela sociologia, o que não afasta a importância destas ciências
para a compreensão da ordenação constitucional da cultura e do próprio Direito que também é
forma de manifestação da cultura.
A ciência do direito circunscreve para si um campo próprio de atuação para a tutela
dos bens culturais e que compõe a ordenação constitucional da cultura composta por um
sistema de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira identificado pela Constituição Federal de 1988 no seu artigo 216 como
patrimônio cultural brasileiro.
352
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A cultura encontra-se tutelada pela Constituição Federal de 1988 nos limites por ela
fixados e que funcionam como marca identificadora dos bens culturais objeto da proteção que
o legislador constitucional denominou de patrimônio cultura brasileiro e que serviram de
marco delimitador de objeto do presente estudo.
O patrimônio cultural consiste numa parte de um todo identificado como cultura cuja
tutela necessita da mudança de paradigma para que além das visões de proteção conferidas
pelo direito aos bens de domínio público e privado, sejam objeto de proteção numa
perspectiva coletiva.
A noção de bem cultural apresentada possui forte cunho normativo e valorativo cuja
essência para a sua identificação reside na idéia de testemunho, ressaltando que cada cultura
detém o seu sistema simbólico próprio (GEERTZ, 2008).
O patrimônio cultural sendo, como afirmado acima, uma parte de um todo
identificado como cultura é necessário estabelecer os critérios que particularizam o
patrimônio cultural e o dota de características capazes de destacá-lo da noção de cultura. Para
esta finalidade analisar-se-á sucintamente as seguintes categorias meta-jurídica, a saber: a
nação, o testemunho e a referência (MARCHESAN, 2007, p. 44):
A nação condensa aspectos voltados para a unidade política, territorial, e cultural
cujas idéias comuns unem um povo em torno de uma identidade uniforme, cujos desejos e
anseios os identificam como pertencentes a uma dada cultura, sendo esta identidade aferida
dentre outras maneiras por intermédio dos bens que integram o patrimônio cultural e que são
representativos destes valores.
A idéia de testemunho é subjacente a de patrimônio cultural, tendo “o valor de elo de
ligação entre a prática, o objeto, o espaço dotado de especificidade, o imóvel de valor cultural
e o espaço-tempo no qual ele se produziu” (MARCHESAN, 2007, p. 48).
353
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1
Adotam a concepção unitária do meio ambiente dentre outros doutrinadores: SILVA. José Afonso da. Direito
Ambiental Constitucional. 8. Ed., atualizada. São Paulo: Malheiros, 2010 e MARCHESAN, Ana Maria
Moreira. A Tutela do Patrimônio Cultural sob o Enfoque do Direito Ambiental. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.
354
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico que apesar de ter sua
origem relacionada à intervenção humana (meio ambiente artificial) é dotado de um valor
próprio.
O legislador pátrio por intermédio da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 que
dispõe sobre a política nacional do meio ambiente o definiu como sendo “o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 que dispõe sobre as sanções impostas em
face das atividades lesivas ao meio ambiente dedicou no capitulo que versa sobre os crimes
contra o meio ambiente uma seção própria para disciplinar os crimes contra o patrimônio
cultural, numa clara adoção da concepção unitária do meio ambiente.
A concepção unitária do meio ambiente encontra ressonância também no direito
internacional através da convenção da Organização das Nações Unidas – ONU para a
salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e natural de 1972 – Carta de Paris
(MARCHESAN, 2007, p. 88).
O conceito de meio ambiente, portanto, é amplo incluindo além dos bens naturais
aqueles que são constituídos a partir da intervenção humana dentre os quais se inserem os
bens culturais. Silva (2010, p.18), adotando a concepção unitária de meio ambiente o
compreende como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.
Neste sentido, é correto afirmar que o meio ambiente não é composto apenas pela
natureza bruta, mas também pelos resultados das intervenções humanas nesta natureza, o que
inclusive leva Derani (1997, p. 68) a afirmar que “toda a formação cultural é inseparável da
natureza, com base na qual se desenvolve”. Assim, natureza e cultura apresentam-se como
bens interdependentes e indissociáveis (MIRANDA, 2006).
A interdependência e a indissociabilidade entre natureza e cultura antes mencionada
e a concepção unitária de meio ambiente presente no ordenamento positivo brasileiro nos
fornecem substrato argumentativo para afirmar que à tutela do patrimônio cultural brasileiro é
perfeitamente aplicável o arcabouço principiológico e jurídico-normativo desenvolvido pelo
direito ambiental dentre os quais a tutela do patrimônio cultural como direito fundamental
indispensável para a própria construção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado em
que “os bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro são recursos essenciais à sadia
qualidade de vida” (MARCHESAN, 2007, p. 95).
355
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
356
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
357
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
E no caso dos bens culturais que não são passiveis de reposição porque únicos e
autênticos, afastando, inclusive, qualquer tentativa de mensuração econômica, tal situação se
afigura mais grave.
Os princípios da prevenção e da precaução têm em comum a busca pela antecipação
dos danos futuros ao meio ambiente a fim de evitar que os mesmos se concretizem.
E como nos ensina Marchesan (2007, p. 124):
É nesta perspectiva que Benjamim (2010, p. 87) afirma que “o direito ambiental tem
aversão ao discurso vazio; é uma disciplina jurídica de resultado, que só se justifica pelo que
alcança, concretamente, no quadro social das intervenções degradadoras”. E o resultado
primeiro perseguido pelo direito ambiental consiste justamente na prevenção e na precaução
aos danos ambientais que se dá, dentre outras formas, pela correta aplicação do plano diretor.
O planejamento urbanístico aonde se insere o plano diretor - instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana - tem sua adequada aplicação quando
executado a partir de um processo técnico instrumentado voltado para a transformação da
realidade com base em objetivos previamente fixados.
Destaca Silva (2010, p. 88) que o planejamento não é mais um processo dependente
da mera vontade do governante, mas imposição jurídica constante na Constituição (art. 21,
inciso IX, art. 48, inciso IV, art. 174, §1º, art. 30, inciso VIII, art. 182) e na Lei (Estatuto da
Cidade).
O plano diretor enquanto instrumento do planejamento urbanístico ao impor
limitações ao uso da propriedade e ao exercício de atividades de forma planificada na busca
pela concretização do desenvolvimento sustentável esta de igual forma dando aplicabilidade
aos princípios constitucionais da prevenção e da precaução e afirmando a sua proximidade
com o regramento jurídico afeto ao direito ambiental
Referindo-se ao principio da precaução, Marchesan (2007, p. 128) afirma que ele se
apresenta como:
Um sinal da nova orientação na relação entre ciência e direito, assim como uma
reviravolta epistemológica nessa mesma relação, a partir do momento em que nos
demos conta da falibilidade e da relatividade da ciência e da necessidade de o direito
358
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O conteúdo dos referidos princípios não deixa dúvida acerca da sua aplicabilidade à
tutela do patrimônio cultural em especial porque o reconhecimento pela coletividade do
especial valor que detém determinado bem a conferir-lhe o status de patrimônio cultural
brasileiro envolve “múltiplos e diferenciados processos de apropriação, recriação e
representação construídos e reconhecidos culturalmente e que ocorrem muitas vezes antes da
criação ou constituição do próprio bem” (MARCHESAN, 2007, p. 130).
O plano diretor, nessa perspectiva, deve ser um repositório destes princípios a fim de
assegurar a proteção dos bens culturais, inclusive com a eleição de áreas urbanas de especial
interesse cultural, aonde se encontram fincados tais bens representativos do patrimônio
cultural brasileiro.
Silva (2010, p.354) trata da questão sob a denominação de áreas de urbanificação
especial apontando como sendo “aquelas a que se deve aplicar peculiar atuação urbanística,
quer modificando a realidade urbana existente quer criando determinada situação urbana nova
com finalidade específica”.
E no caso dos bens culturais essa urbanificação especial ganha contornos restritivos
justamente para atender interesses específicos decorrentes da necessidade de proteção
ambiental para a preservação do patrimônio cultural.
Os bens que compõe o patrimônio cultural brasileiro estejam eles na esfera de
domínio do particular ou do poder público devem atender a sua função social através da
manutenção da sadia qualidade de vida com a imposição ao proprietário de obrigações de
índole negativa como abster-se de promover quaisquer alterações físicas no imóvel, sem
autorização do órgão competente e de índole positiva como promover a restauração do bem e
permitir a visitação pública.
O patrimônio cultural brasileiro como vimos anteriormente é dotado de uma elevada
carga normativa e valorativa que dificulta a confecção de um conceito próprio ou mesmo a
sua individualização e qualificação como tal. Todavia, algumas categorias metas-jurídicas
como às noções de testemunho e referência auxiliam nesta tarefa.
E justamente para assegurar que os bens culturais externem essas funções de
testemunho e referência, em sua plenitude, a proteção do patrimônio cultural deve incidir não
apenas sobre o bem cultural em si, mas abranger, também, em muitas situações o seu entorno.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O Estatuto das Cidades coloca o plano diretor como tema central da política urbana
que tem como diretrizes gerais a “proteção, preservação e recuperação do meio ambiente
natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico”
(art. 2. inciso XII, da Lei 10257/01). O Estatuto da Cidade dedicou um capítulo próprio para
tratar do plano diretor.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Somente por meio do plano diretor, a princípio, é que se poderá proporcionar sadia
qualidade de vida. E esse planejamento se da proporcionando a todos os direitos
referidos no art. 6º da Constituição Federal, conjugados com o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e a necessidade de preservá-lo para as futuras
gerações.
361
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
A inter-relação entre estes aspectos é tão arraigada que Nusdeo (2009, p. 145-157)
apregoa que a sustentabilidade apresenta-se como conceito abrangente e indivisível cuja
fragmentação em áreas e setores apenas é possível para fins didáticos, cuja concreção deve ser
atingida no seu conjunto englobando os desdobramentos existentes, sob pena de se gerar
desequilíbrio no todo social.
Em sua tese de doutoramento Marques (2009, p. 125) discorrendo sobre o tema nos
ensina que:
362
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
(ambiental) de forma que seja assegurada a dignidade da pessoa humana (social) numa
perspectiva de perenidade a fim de que sejam beneficiadas as presentes e futuras gerações.
O desenvolvimento sustentável de igual forma deve ser uma meta ou objetivo a ser
perseguido em relação ao meio ambiente cultural de forma que o patrimônio cultural seja
preservado, mantido a sua essencialidade e assegurado a sua fruição pelas gerações vindouras.
CONCLUSÃO
363
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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365
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
Este artigo trata considera a possibilidade de concretude do Direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, previsto na Constituição Federal, no contexto do ambiente
urbano, através do acesso dos cidadãos aos Parques Públicos Urbanos. Para tanto, trata de
questões relativas aos Parques Públicos do Município de Salvador, sua localização, lógica de
distribuição no contexto urbano, bem como sua conservação. Considerando-se que a presença
dos parques, nos bairros, representa fator agregador de bem-estar ambiental, opção de lazer,
que contribui para a qualidade de vida dos cidadãos que deles podem usufruir. Utilizou-se
como fundamentação: Constituição Federal Brasileira, Estatuto das Cidades, PDDU de
Salvador e fontes bibliográficas secundárias. Nesse sentido, questionamentos acerca das
garantias à dignidade da pessoa humana, aos direitos à sadia qualidade de vida e ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado emergem, num quadro urbano que evidencia uma
realidade de desigualdades, privilégios, segregações, aparentemente, infindáveis, insolúveis.
A localização dos parques públicos, nesta cidade, tem privilegiado bairros nobres, em
detrimento dos bairros periféricos menos abastados. A distribuição, freqüentação dos parques
e jardins públicos podem revelar nuances da organização sócio-espacial da metrópole.
Adicione-se, agentes públicos e privados vêm conduzindo política urbana injusta,
segregacionista. A natureza na cidade tem sido tratada como mercadoria destinada a atender
aos anseios do mercado imobiliário, turismo, classes dominantes, implicando na exclusão das
classes economicamente inferiores da vida urbana com acesso ao meio ambiente natural,
dificultando a possibilidade de sua inserção na dinâmica urbana mais ampla, e seu habitar na
cidade beneficiada pelos equipamentos urbanos. Constata-se a má distribuição do direito de
acesso ao meio ambiente natural na urbe, portanto.
PALAVRAS-CHAVE:
Parques Públicos, Direito, Qualidade de vida, Segregação, Salvador.
366
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ABSTRACT
This article is considering the possibility of concreteness of the right to an ecologically
balanced environment, provided by the Federal Constitution in the context of the urban
environment, through the access of citizens to Urban Public Parks. Therefore, dealing with
issues relating to Public Parks in the city of Salvador, its location, policy distribution logic's
public park Salvador's in the urban context, as well its conservation. Considering that the
presence of parks, in the neighborhoods, aggregating factor of environmental welfare, urban
parks consists leisure option which contributes to the quality of life of citizens who can take
advantage of them. Used as foundation: the Brazilian Federal Constitution, Cities‟ Statute,
Master Plan for Urban Development of Salvador and secondary literature sources. In this
sense, questions about the safeguards the dignity of the human person, the rights to a healthy
quality of life and ecologically balanced environment emerge within a framework that reflects
the reality of urban inequalities, privileges, segregation, seemingly endless, insoluble. Notes
are: location of public parks in this city has privileged noble neighborhoods at the expense of
less affluent peripheral neighborhoods. The distribution, frequentation in parks and public
gardens can reveal nuances of socio-spatial organization IN the metropolis. Add to this, public
and private agents have conducted unfair segregationist urban policy. The nature of the city
has been treated as goods intended to meet the needs of real estate market, tourism, ruling
classes, implying the exclusion of economically lower classes access to life with nature,
hindering the possibility of their integration into wider urban dynamics, and this context
difficults the dwell into the beneficiated city, by urban facilities. It is verified the unequal
distribution of the right of access to the natural environment in the metropolis, therefore.
KEYWORDS:
Public Parks, Right, Quality of life, segregation, Salvador.
367
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INTRODUÇÃO
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369
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que as condições de sobrevivência devem ter qualidade e serem sadias (2011, p. 123).
Machado afirma, ainda, que
a saúde dos seres humanos não existe somente numa contraposição a não ter
doenças diagnosticadas no presente. Leva-se em conta o estado dos
elementos da Natureza – águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem – para se
aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e de seu uso
advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos (2009, p.
61).
370
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para José Afonso da Silva as áreas verdes atuam como exigência higiênica, de
equilíbrio do meio ambiente urbano e de locais de lazer (2010, p. 306). Complementa,
afirmando que as áreas verdes
quando bem distribuídas no traçado urbano, oferecem colorido e plasticidade
ao meio urbano. A arborização das vias públicas, além da atenuação de
ruídos, da fixação e retenção do pó, da reoxigenação do ar (como as áreas
verdes), de oferecer frescura e projetar sombras, embeleza-as. Como em tudo
o mais que diz com o urbanismo, também aqui não se há de cair no
esteticismo gratuito, vazio,(...) Sem suprimir o que possa ter de pitoresco, a
vegetação deve empregar-se como um critério realista e não-romântico. As
árvores, os arbustos, os prados e as flores devem ser empregados com um
critério racional, destinado a preencher função social assinada aos espaços
verdes, dentro da qual, e sem sair-se dela, terão cabimento os diversos
critérios decorativos e de ornamento (IDEM, IBIDEM).
Pode-se dizer que para a transformação de uma realidade urbana insatisfatória, faz-se
necessário que o Estado seja munido de instrumentos que o permitam atuar nesta
transformação de forma eficiente. Um destes instrumentos é o planejamento (SANT‟ANNA,
2011, p. 123).
O planejamento, em geral, é um processo técnico instrumentado para transformar a
realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos (SILVA, 2010, p. 87).
O processo do planejamento urbanístico adquire sentido jurídico quando se traduz
em planos urbanísticos. A função urbanística, em sua atuação mais concreta e eficaz, é
exercida num nível municipal através dos planos de desenvolvimento urbano, ou planos
diretores (IDEM, p. 92). O Plano Diretor de Salvador (Lei nº 7.400/08), sancionado pela
Prefeitura em 20 de fevereiro de 2008, dispõe de 350 artigos, que tratam do zoneamento da
cidade e das especificações econômico-sociais de cada área.
De acordo com o artigo 182 da Constituição Federal Brasileira de 1988, o plano
diretor assume a função de instrumento básico da política urbana do Município, que tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
estar da comunidade local (IDEM, p. 97).
A função social de uma determinada cidade compreende o oferecimento efetivo e de
boas condições de moradia, transporte, recreação e condições satisfatórias de trabalho aos
seus moradores, para que o bem-estar seja alcançado por todos (SANT‟ANNA, 2011, p. 126).
371
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E acrescenta que
375
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Os parques públicos existem, ou assim deveria ser, para preencher, de certa forma,
esta lacuna. Harvey ressalta que “o apego a algum sentido de relação não alienada com a
natureza faz a vida suportável para o trabalhador” (1982, p. 28). Torna-se indispensável,
portanto, questionar, na prática, se este objetivo está sendo alcançado, ou melhor, se tem se
buscado alcançá-lo.
Existe uma realidade urbanística excludente, no município de Salvador, que
privilegia uma minoria, responsável por ensejar segregação sócio-ambiental? Diante do
exposto, sim, existe. Assim sendo, os cidadãos não deveriam se manifestar para impedir que
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esta situação se perdure? O meio acadêmico não seria uma forma adequada de investigar e
discutir aprofundadamente tal realidade?
As discussões acadêmicas referentes à garantia de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado para todos, à sadia qualidade de vida, à dignidade da pessoa
humana e à busca por uma sociedade mais igualitária, pelo seu compromisso com o
progresso da cidadania, com o desenvolvimento urbano justo e adequado não podem estar
alheias a tais debates.
CONCLUSÕES
377
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
REFERÊNCIAS
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381
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma análise crítica do controle biopolítico, a partir do
referencial teórico de Michel Foucault, e sua relação com os mecanismos de ordenação
territorial previstos no direito urbanístico e ambiental contemporâneo, em especial de alguns
instrumentos urbanísticos previstos no “Estatuto da Cidade”. A partir dos fundamentos
teóricos identificados, parte-se para uma descrição e análise do projeto “Beira Foz”, em fase
de desenvolvimento e implantação no município de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná, com o
objetivo de verificar a aplicação do controle biopolítico em um caso concreto existente nas
intervenções urbanísticas em área de fronteira, com vistas a coibir crimes internacionais e
associações de populações de baixa renda com o crime organizado transfronteiriço. Com base
no método dedutivo e em revisão bibliográfica, o estudo defende a hipótese de que as
intervenções urbanísticas propostas pelo projeto “Beira Foz”, longe de se limitarem a
melhorias estéticas e do “puro” planejamento urbano, dizem respeito a mecanismos
legalmente “transvestidos” de urbanismo mas que atuam no incremento da presença do
Estado nas áreas de influência do projeto, com o objetivo de aumentar o controle sobre os
cidadãos, moradores e visitantes que neles estiverem.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental; Direito Urbanístico; Biopolítica; Michel
Foucault; “Estatuto da Cidade”; Tríplice Fronteira.
ABSTRACT
This essay addresses a critical analysis of the so called biopolitical control, from the
theoretical framework of Michel Foucault, and its relation to the mechanisms of territorial
control provided by the contemporary urban and environmental law, especially concerning
urban instruments provided by the federal law named The City Estatute. From this theoretical
approach the study parts to a description and analysis of the riverside project called “Beira
Foz”, under development and deployment in the city of Foz do Iguaçu, Parana State, in order
to verify the application of biopolitical control in this real case related to urban interventions
in the border area, in order to curb crimes and international associations of low-income
populations with cross-border organized crime. Based on the deductive method and literature
1
Doutora em Direito, docente do curso de Doutorado em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal do Paraná, e Coordenadora do Núcleo de estudos do Direito Administrativo, Urbanístico, Ambiental e
Desenvolvimento – PRÓ-POLIS
2
Mestre em Direito, doutorando no curso de Doutorado em Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná, e membro do Núcleo de estudos do Direito Administrativo, Urbanístico, Ambiental e
Desenvolvimento – PRÓ-POLIS, docente do curso de Direito da Unioeste, campus de Foz do Iguaçu-PR, integrante do
GEDAI.
382
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review, the study supports the hypothesis that the interventions proposed by urban design
“Beira Foz”, far from being limited to aesthetic improvements and "pure" urban planning,
actually are legal mechanisms with urban appearance working on increasing the presence of
the state in the areas of influence of the project, aiming to increase control over the citizens,
residents and visitors who are in them.
KEYWORDS: Environmental Law; Urban Law; Biopolitics; Michel Foucaul; The City
Estatute; Triple Border.
Introdução
383
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1. O controle biopolítico
O que a biopolítica provocou foi a inversão deste poder, que passa a ser o “poder de
‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer” (FOUCAULT, 2005, p. 287). Na prática, o Estado exerce
sua soberania ainda com a técnica disciplinar, porém agora alçada a um novo nível, com
novas tecnologias de poder que se dirigem não mais apenas ao “homem-corpo”, mas ao
homem vivo, a populações inteiras.
Neste sentido, afirma Michel Foucault (2005, p. 289):
A nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em
que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa
global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como
o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc.
Nas sociedades contemporâneas, nenhum outro espaço é capaz de congregar os
fatores da massificação e da concentração de pessoas do que o espaço urbano. Os mecanismos
disciplinadores aplicados a estes territórios ultrapassam os meandros da política e são
internalizados no mundo jurídico. Este é o caso do Direito Urbanístico e Ambiental, que
elenca uma série de diretrizes, regras e instrumentos da ordenação das cidades, que muito
além dos aspectos arquitetônicos e estéticos, alcança o controle biopolítico das populações.
3
No mesmo sentido ITURRASPE, Jorge Mosset; HUTCHINSON, Tomás; DONNA, Edgardo Alberto. Daño ambiental. v.
1. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni, 1999, p. 309.
385
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Em seu artigo 182, a Constituição Federal prevê a edição de uma lei federal que
estabeleça diretrizes gerais com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. E foi somente em 10 de julho 2001
que a Lei Federal nº 10. 257 foi publicada. Conhecida como “Estatuto da Cidade”, estabelece
as diretrizes gerais da política urbana brasileira (Art. 2º) e ainda apresenta uma série de
instrumentos (Art. 4º).
No tocante ao presente estudo, merecem destaque alguns objetivos previstos pelo
“Estatuto da Cidade”, e ainda a regulamentação do plano diretor e das operações urbanas
consorciadas.
Em primeiro lugar, a Política Urbana, contida no Capítulo II da Constituição da
República vigente, busca implantar um modelo de gestão democrática e participativa das
cidades, reconhecendo a igualdade de acesso a oportunidades e serviços por parte de todos os
moradores, independentemente de sua condição social ou econômica. Este aspecto pode ser
encontrado na garantia do direito as cidades sustentáveis (Art. 4º, I), e ainda na gestão
democrática (Art. 4º, II) e no modelo de cooperação (Art. 4º, III).
Porém, merece destaque a diretriz geral que estabelece a ordenação e o controle do
uso do solo. De acordo com o Art. 4º, inciso VI, um dos objetivos é evitar a utilização
inadequada dos imóveis urbanos, a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes, e a
poluição e degradação ambiental.
Para tanto, todas as cidades com mais de 20 mil habitantes devem implantar um
plano diretor.4 Este é o instrumento de planejamento e ordenação urbana por excelência,
devendo ser aprovado por lei municipal. Suas regras determinam quando a propriedade
urbana compre com sua função social (Art. 39), assegurando o atendimento das necessidades
dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades
econômicas.
Outro instrumento importante criado pelo “Estatuto da Cidade” diz respeito as
operações urbanas consorciadas. Criada por uma lei municipal específica e baseada no plano
diretor, a operação urbana consorciada delimita uma área onde é realizado um conjunto de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal. Estas ações devem contar
com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores
privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais,
melhorias sociais e a valorização ambiental. (Art. 32, § 1º)
4
Também a Constituição Federal em seu artigo 182, § 1º estabelece esta obrigação.
386
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387
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
e por meio do zoneamento instauram sistemas de controle do uso do território. Em que pese o
direito à livre locomoção garantido pela Constituição Federal (Art. 5º, CF), na prática a
maioria dos cidadãos não tem acesso a diversos espaços urbanos, seja pela impossibilidade
econômica de chegar aos mesmos (áreas afastadas ou localizadas longe dos bairros
residenciais de baixa renda), seja pela impossibilidade fática (condomínios fechados, clubes
privados de lazer, etc.).
O extremo do controle sobre o espaço público urbano ocorreu recentemente em
Honduras, onde o governo decidiu privatizar cidades inteiras, novamente sob o argumento
oficial de combater a desigualdade social. Porém, na prática não é bem o que deverá ocorrer,
pois a título de exemplo, a primeira cidade a passar por este processo se localiza exatamente
ao lado de uma grande comunidade de indígenas Garifuna, que naturalmente se opõem ao
projeto pois em nada serão beneficiados pelo mesmo. As regiões vendidas, além do controle
rigoroso de acesso ao seu território, poderão possuir poderes semelhantes a Estados, tais como
um judiciário, executivo e legislativo próprios. 6
Com o desenvolvimento tecnológico chegando a todos os cantos do planeta, também
em Foz do Iguaçu as ruas passaram a ser monitoradas com câmeras, 24 horas por dia. As
regras de construção e as diretrizes do uso do espaço urbano se somam a estes recursos
permitindo a quem efetivamente administre a cidade em controlar e fiscalizar o uso de seus
espaços. Este é um típico exemplo de panóptico de Foucault.
Não é incomum leis municipais de ordenação urbana serem rapidamente alteradas
pela iniciativa de seus Poderes Executivo e Legislativo por interferência de um ou outro grupo
econômico. Em alguns casos são restrições ambientais que são desconsideradas. Em outros,
são limites construtivos que são desconsiderados. Entretanto, quando o interesse é conter e
afastar populações, o interesse público autoriza a criação de bairros afastados para a
realocação de comunidades inteiras. É o que ocorreu no famoso bairro Cidade de Deus no Rio
de Janeiro7, ou como ocorre com as favelas de Foz do Iguaçu8.
6
MAURO, Filipe. Redação. Honduras aprova privatização de cidades com a justificativa de combater a desigualdade social.
In Opera Mundi Uol. Notícias. América Central. Reportagem publicada em 07/09/2012. Disponível em:
<http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/24166/honduras+aprova+privatizacao+de+cidades+com+a+justificativa+de
+combater+a+desigualdade+social.shtml>. Acessado em: 18/11/2012.
7
WIKIPEDIA. Cidade de Deus. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_de_Deus_(bairro_do_Rio_de_Janeiro)>. Acessado em: 18/11/2012.
8
SERAFINI, Mariana. Processo de desfavelamento da região do Bambu deve começar em breve. In Click Foz do Iguaçu.
Reportagem publicada em 20/01/2012. Disponível em: <http://www.clickfozdoiguacu.com.br/foz-iguacu-noticias/processo-
de-desfavelamento-da-regiao-do-bambu-deve-comecar-em-breve>. Acessado em: 18/11/2012. Outro exemplo conhecido em
Foz do Iguaçu ocorreu com a criação do bairro Cidade Nova, extremamente afastado e isolado do restante da cidade e
localizado embaixo das redes de alta tensão que saem da Itaipu Binacional em direção a Estação de Furnas.
388
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A partir do ano de 2012 uma equipe interdisciplinar liderada pela Itaipu Binacional e
contendo arquitetos, urbanistas, engenheiros, turismólogos, jornalistas, sociólogos e
pedagogos, veio a público apresentar o projeto urbanístico denominado “Beira Foz”.9
O projeto constitui-se em uma série de intervenções urbanísticas nas margens dos
rios Paraná e Iguaçu, na fronteira do Brasil, respectivamente com o Paraguai e a Argentina, no
município de Foz do Iguaçu. Conforme previsto no projeto:
O projeto compreende a implantação de espaços de convivência voltados ao lazer, visitação
turística, atividades culturais e preservação ambiental, constituindo um ambiente seguro para
a socialização, reforçando o elo entre habitantes e usuários das cidades de Foz do Iguaçu,
9
ITAIPU BINACIONAL. Audiovisual 10'45'' - Projeto “Beira Foz”. Apresentação audio-visual publicada pela Itaipu
Binacional no site youtube em 13/04/2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=rOixQZhqvB8> Acessado
em: 16/11/2012.
389
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Puerto Iguaçu e Ciudad del Este, e promovendo novas oportunidades de inclusão social,
integração, e desenvolvimento econômico e urbano.10
A sua implantação ocorrerá por meio de uma operação urbana consorciada e está
assentado em quatro eixos temáticos estruturantes, a saber:
1. Segurança: implantação de três bases náuticas de vigilância permanente e apoio tático aos
órgãos de Polícia Federal e Ambiental, Receita Federal e Marinha do Brasil, denominadas de
Unidades de Policiamento Fronteiriço (UPFRON);
2. Turismo Sustentável: desenvolvimento de conexão urbanística e viária beirando os Rios
Paraná, desde a Itaipu até o Marco das Tres Fronteiras, e o Rio Iguaçu, desde o referido
Marco até a entrada do Parque Nacional do Iguaçu; a requalificação urbana da Ponte da
Amizade com a iluminação artística e paisagismo: intervenção no seu entorno com o projeto
público/privado da Vila Portes e Jardim Jupira; e revitalização do Marco das Três Fronteiras;
intervenções integradas à Beira Rio Paraná e à Beira Rio Iguaçu.
3. Meio Ambiente: Preservação de mata existente e recuperação de áreas de APP ou áreas
degradadas por ocupações irregulares ou caminhos indevidos de portos clandestinos;
proposta de ocupação de áreas já impactadas com equipamentos públicos e privados que
venham a se integrar com os recursos naturais, dando uma ocupação qualificada e
sustentável para a população e os turistas.
4. Desenvolvimento Socioeconômico: Promover a desfavelização com o desenvolvimento de
bairros integrados ao Projeto, atração de investimentos para o território nas áreas de turismo,
lazer e infraestrutura, gerando alternativas de trabalho, emprego e renda para a população
local.11
10
PTI. Projeto Preliminar “Beira Foz”. Arquivo digital disponibilizado pela Coordenação do Projeto “Beira Foz” no Parque
Tecnológico Itaipu (PTI) via email em 14/11/2012.
11
PTI. Id. Ibid.
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Art. 4o O Plano Estratégico de Fronteiras será efetivado mediante a realização, entre outras,
das seguintes medidas:
I - ações de integração federativa entre a União e os estados e municípios situados na faixa
de fronteira;
II - implementação de projetos estruturantes para o fortalecimento da presença estatal na
região de fronteira; e
III - ações de cooperação internacional com países vizinhos.14 (grifos nossos)
Por meio do projeto “Beira Foz”, o acesso às margens dos rios Paraná e Iguaçu serão
controlados. Ao invés da simples ocupação militar ou policial, será usado o expediente
urbanístico. A remoção de favelas e a construção de equipamentos públicos permitirão a
diminuição do uso destas áreas para a execução de ações criminosas. Por outro lado, a
12
Revista Veja. O mapa do contrabando. Infográfico. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/infograficos/o-mapa-do-
contrabando/caminho_das_armas.swf?unico=2>. Acessado em: 16/11/2012. No mesmo sentido a reportagem exibida pelo
programa Fantástico da Rede Globo sob o título “Veja ação de contrabandistas na fronteira com Paraguai”. Disponível em: <
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1665791-15605,00.html>. Acessado em: 16/11/2012.
13
BRASIL. Decreto Federal nº 7.496/2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Decreto/D7496.htm>. Acessado em: 18/11/2012.
14
BRASIL. Decreto Federal nº 7.496/2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Decreto/D7496.htm>. Acessado em: 18/11/2012.
391
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15
A área de intervenções urbanísticas, nas margens dos rios Paraná e Iguaçu, é composta de 10% de área públicas sendo sete
áreas municipais, quatro áreas estaduais e oito áreas federais. Os outros 90% são propriedades privadas necessitando um
trabalho conjunto entre poder público e iniciativa privada. Fonte: Projeto “Beira Foz”. Op. Cit.
16
PTI. Parque Tecnológico Itaipu. Sala de Imprensa. Execução do Projeto “Beira Foz” terá início em 2012, grante ministro
da Justiça. Reportagem publicada em 30/07/2012. Disponível em: <http://www.pti.org.br/imprensa/noticias/execucao-do-
projeto-Beira-Foz-tera-inicio-em-2012-garante-ministro-da-Justica%20>. Acessado em: 18/11/2012.
17
PTI. Parque Tecnológico Itaipu. Sala de Imprensa. “Beira Foz” é apresentado para membros do Conselho Regional de
Administração. Reportagem publicada em 15/08/2012. Disponível em: <http://www.pti.org.br/imprensa/noticias/beira-foz-e-
apresentado-para-membros-conselho-regional-administracao>. Acessado em: 18/11/2012.
392
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Conclusões
A configuração do poder soberano no Estado contemporâneo, em especial com o
aumento de sua capacidade de interferir e determinar a condição de vida de grandes
populações, decorre de pelo menos uma certeza: vive-se num contexto de massificação social.
Uma das formas possíveis de se analisar esta situação é por meio dos referenciais
teóricos de Michel Foucault que identifica no biopoder uma nova tecnologia empregada pelo
Estado e que pode ser sintetizada na capacidade que possui de “fazer viver”, para além do
tradicional poder de “fazer morrer”. O poder agora é, portanto, biológico (bio) porque atua no
nível da vida como um todo, para além dos corpos dos indivíduos, afetando populações
inteiras.
O raciocínio nesta seara teórica tende naturalmente a relacionar-se com outras áreas
do conhecimento que também se preocupam com coletividades. Este é o caso do Direito
Urbanístico-Ambiental, que congrega normas de ordenação do território urbano, de seu
zoneamento, uso e ocupação.
Nesta pesquisa verificou-se a continuidade de uma tendência há tempos constatada
do denominado fenômeno de urbanização, segundo o qual a maior parte da população do
planeta já habita as cidades ou centros urbanos e que com o passar do tempo apenas se
agravará. Esta característica se torna ainda mais relevante pelo fato de que a concentração de
pessoas em um território relativamente menor permite e pressupõe novas regras de ordenação
e controle do solo e das políticas específicas adotadas.
Vários autores, alguns dos quais citados neste artigo, já verificaram a relação entre o
Direito Urbanístico e Ambiental e estratégias de controle biopolítico. Apesar de ser esta
apenas uma das dimensões do poder exercido nas sociedades urbanas, ela não pode deixar de
ser destacada devido a sua conotação massificante e absolutamente relacionada à vida (ou à
morte).
As mais recentes normas urbanísticas parecem destinadas ao embelezamento e
ordenação dos espaços urbanos com vistas a melhorias sociais, econômicas e das condições
gerais de vida. Porém, a partir da noção do biopoder, não é mais possível ignorar este aspecto
nas relações de poder entre o Estado e os cidadãos urbanos. Assim como outros instrumentos
normalizadores, os mecanismos do biopoder também incidem sobre a vida das pessoas, vistas
em classes, grupos ou populações inteiras, e determinam, de fato, o nível de liberdade e de
condições de vida permitidas.
393
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394
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SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2002.
396
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Resumo: O presente trabalho tem por escopo a análise da legitimidade da assimilação da figura dos crimes de
acumulação, especialmente importante em matéria de poluição ambiental. Nessa perspectiva, partirá da
configuração das condutas comissiva e omissiva de poluição do artigo 54, caput, (causar poluição, em níveis
tais, que possam resultar em danos à saúde humana) e §3°, da Lei 9.605/98 (deixar de adotar, quando assim o
exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível)
como delitos de perigo abstrato-concreto. A ausência de um resultado de lesão ou de perigo concreto será
compensada pela acentuada periculosidade das condutas, posto que violam o disposto na normativa extrapenal e,
se praticadas em contextos de acumulação, podem representar acentuado perigo à incolumidade dos bens
tutelados. De conseguinte, será apresentada a técnica do reenvio à normativa administrativa ambiental como um
instrumento hábil a reforçar a desvalor da conduta nos delitos de poluição quando configurados como crimes de
acumulação (art.54, caput, e §3°, Lei 9.605/98) e serão sugeridos limites ao modo como o Direito
Administrativo concederá esse suporte para a fundamentação e a concretização da configuração dos tipos penais
ambientais, especialmente o de poluição.
Palavras-chave: Crime de poluição; Delitos de acumulação; Perigo abstrato-concreto; Acessoriedade
administrativa.
Resumen: El presente trabajo tiene por objeto el análisis de la legitimidad de la incorporación de la figura de los
delitos de acumulación, especialmente importante en materia de contaminación ambiental. En esta perspectiva,
se tomará como punto de partida la configuración de las conductas comisiva y omisiva de contaminación del
artículo 54, caput, (causar contaminación, en niveles tales, que puedan resultar en daños a la salud humana) y §
3°, de la Ley 9.605/98 (dejar de adoptar, cuando así lo exigir la autoridad competente, medidas de precaución en
caso de riesgo de daño ambiental grave o irreversible) como delitos de peligro abstracto-concreto. La falta de un
resultado de lesión o de peligro concreto se compensará con la acentuada peligrosidad de las conductas, puesto
que infringen lo que dispone la normativa extrapenal y, si practicadas en contextos de acumulación, pueden
representar acentuado peligro a la incolumidad de los bienes tutelados. Luego, se presentará la técnica del
reenvío a la normativa administrativa ambiental como un instrumento hábil a incrementar el desvalor de la
conducta en los delitos de contaminación, cuando configurados como delitos de acumulación (art.54, caput, y
§3°, Ley 9.605/98) y se sugerirá límites al modo como el Derecho Administrativo concede soporte para la
fundamentación y concretización de la configuración de los tipos penales ambientales, especialmente el de
contaminación.
Palabras-clave: Delito de contaminación; Delitos de acumulación; Peligro abstracto-concreto; Accesoriedad
administrativa.
1.Introdução
1
Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá. Bolsista de Iniciação Científica do
CNPq. Integrante do Núcleo de Estudos Ambientais (NEAMBI) da UEM.
2
Doutora e Pós-doutora em Direito Penal pela Universidad de Zaragoza (Espanha). Professora Associada de
Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá. Pesquisadora do CNPq. Coordenadora do Núcleo de
Estudos Ambientais (NEAMBI) da UEM.
397
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado. Sobre a tipificação da poluição em face do princípio da
legalidade. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Regis (Orgs.).Direito Penal do ambiente, consumidor,
patrimônio genético e saúde pública. São Paulo: RT, 2011, p.35.
4
Cf. SANTOS, Antônio Silveira Ribeiros dos; MARTINS, Renata de Freitas. Poluição: considerações
ambientais e jurídicas. Disponível em: <www.seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article> Acesso em: 10
jan 2013, p.98.
5
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado. Sobre a tipificação da poluição em face do princípio da
legalidade. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Regis (Orgs.). Direito Penal do ambiente, consumidor,
patrimônio genético e saúde pública. São Paulo: RT, 2011, p.27.
6
Vide PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Crime de poluição: uma resposta do Direito Penal aos novos
riscos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 44.
7
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 4 ed. São Paulo, RT, 2012, p.269.
398
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
8
Cf. PRADO, Luiz Regis, op.cit., p.271.
9
PRADO, Luiz Regis, op.cit., p.273-274.
10
REALE JR., Miguel. Meio ambiente e Direito Penal brasileiro. Ciências Penais. Revista da Associação
Brasileira de Professores de Ciências penais. São Paulo: RT, 2005, v.2, p.75.
11
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Crime de poluição: uma resposta do direito penal aos novos
riscos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 64.
12
NETTO, Alamiro Velludo Salvador; SOUZA, Luciano Anderson de (Coord.). Comentários à Lei de Crimes
Ambientais – Lei n. 9.605/1998. São Paulo: Quartier Latin, 2009.p.252.
13
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Crime de poluição: uma resposta do direito penal aos novos
riscos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 64-66.
399
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
14
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas, op.cit., p. 66.
15
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado. Sobre a tipificação da poluição em face do princípio da
legalidade. In: DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Regis (Orgs.). Direito Penal do ambiente, consumidor,
patrimônio genético e saúde pública. São Paulo: RT, 2011, p.26.
16
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Crime de poluição: uma resposta do direito penal aos novos
riscos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 47.
17
NETTO, Alamiro Velludo Salvador; SOUZA, Luciano Anderson de (coord.). Comentários à Lei de Crimes
Ambientais – Lei n. 9.605/1998. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.255.
18
Esta visão é criticada por Silva Sánchez: “O Direito Penal, que reagia a posteriori contra um fato lesivo
individualmente delimitado (quanto ao sujeito ativo e ao passivo), se converte em um direito de gestão (punitiva)
de riscos gerais e, nessa medida, está ‘administrativizando’. Pois o somatório de resíduos teria – aliás – um
inadmissível efeito lesivo. Mas, novamente, não se mostra justificável a sanção penal da conduta isolada que, por
si só, não coloca realmente em perigo o bem jurídico que se afirma proteger”. (SILVA SÁNCHEZ, Jesús-
María. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política-criminal nas sociedades pós-industriais. 2 ed. Trad.
Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2011, p.148 e 155).
400
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
não ponham em perigo nem sequer abstrato o bem jurídico protegido”.19 No entanto, quando
ocorrer um número suficiente de condutas concretas aptas a causarem um resultado lesivo ao
meio ambiente, configura-se, simultaneamente, a tipicidade formal e a tipicidade material20.
Nessa perspectiva, a acumulação se apresenta como um componente real, isto é, nos delitos
de acumulação conta-se antecipadamente com a realização concreta ou iminente de condutas
similares por parte de diversos sujeitos ativos.
Dessa forma, nos denominados delitos cumulativos ou por acumulação fundamenta-
se a sanção penal à conduta individual ainda que esta, por si só, não gere perigo ao bem
jurídico, desde que represente um risco. E isso porque o legislador conta com a possibilidade
real de que essa ação será praticada também por outros indivíduos, de maneira que todas essas
condutas sincronizadas certamente resultarão em lesão ao bem jurídico21.
Em síntese, nos delitos de acumulação não se exige a constatação concreta da
acumulação de nexos causais como contribuições individuais para o mesmo resultado material
(causalidade cumulativa), mas sim que condutas isoladas de diversos agentes, examinadas sob
uma perspectiva geral, quando somadas, possam realmente acarretar consequências lesivas ao
ambiente22. Nos domínios dos tipos penais relacionados à poluição, a análise da matéria
adquire acentuada importância, pois indica a necessidade de cuidadoso exame na
comprovação da existência do nexo de causalidade e na verificação da possibilidade ou não
de imputação objetiva do resultado da ação poluidora ao indivíduo responsável, ainda que
este, isoladamente, não lese ou exponha a perigo o bem jurídico protegido pelo artigo 54, da
Lei n° 9.605/1998, qual seja, o meio ambiente. Revela-se, pois, imprescindível delinear o
modo pelo qual a conduta será avaliada, bem como questionar a legitimidade dos chamados
delitos de acumulação.
Cabe destacar que a preocupação com a poluição e a efetiva intervenção penal nesse
âmbito estão intrinsecamente ligadas à busca de uma melhor qualidade de vida das pessoas23,
direta – com a tutela da saúde como bem jurídico coletivo - ou indiretamente – com o
resguardo do meio ambiente como bem jurídico transindividual.
Para um estudo mais atento, propõe-se o seguinte exemplo: o sujeito X dono de uma
empresa, sabe que o rio está contaminado com uma substância Y que causa deterioração às
propriedades químicas e físicas da água. No entanto, sabe também que para concretizar estas
19
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, op.cit., p.158.
20
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, op.cit., p.158.
21
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María, op.cit., p.155-156.
22
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade – efetividade – tutela por outros
ramos do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p.93.
23
VIEIRA, Neise Ribeiro. Poluição do ar: indicadores ambientais. Rio de Janeiro: E-papers, 2009, p.19.
401
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
24
Sobre a questão, vide PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro. Parte Geral. V.I. 12 ed. São
Paulo: RT, 2013, p.346-347.
402
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
25
Renato de Mello Jorge Silveira expõe que os delitos de dano “correspondem à mais evidente reprovação a
uma eventual conduta humana em discordância aos ditames legais. O dano é entendido como a efetiva lesão ao
bem jurídico. A destruição de um bem evidencia-se como a mais séria intensidade danosa infligida a um dado
bem jurídico”. (SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como Direito Penal de Perigo.
São Paulo: RT, 2006, p.106).
26
Pierpaolo Bottini define que o tipo de perigo abstrato como sendo “a técnica utilizada pelo legislador para
atribuir a qualidade de crime a determinadas condutas, independentemente da produção de um resultado
externo”. (BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. São Paulo: RT, 2010, p.113).
27
Renato de Mello Jorge Silveira define o delito de perigo concreto como tipo penal o perigo como elemento
integrante do tipo tendo o mesmo de ser avaliado a sua realização no caso concreto. (SILVEIRA, Renato de
Mello Jorge. Direito Penal Econômico como Direito Penal de Perigo. São Paulo: RT, 2006, p.115).
28
PRADO, Luiz Regis, Direito Penal do ambiente, p.275; COSTA JR., Paulo José da; COSTA, Fernando José
da. In: MILARÉ, Édis; COSTA JR., Paulo José da; COSTA, Fernando José da. Direito Penal Ambiental. 2 ed.
São Paulo: RT, 2013, p.134-135; GOMES, Luiz Flávio, MACIEL, Silvio. Crimes ambientais. São Paulo: RT,
2011, p.231.
29
DE LA CUESTA AGUADO, Paz M. Causalidad de los delitos contra el medio ambiente. Valencia: Tirant lo
Blanch, 1999, p.120.
30
AGUADO, Paz M. de La Cuesta, op.cit., p.130.
403
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
31
AGUADO, Paz M. de La Cuesta, op.cit., p.136.
32
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. São Paulo: RT, 2010, p.113.
33
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op.cit., p.117.
404
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
para o nefasto caráter exclusivamente simbólico que contamina a expansão do Direito Penal
do ambiente.
Dessa forma, torna-se ainda mais complexo buscar um mecanismo de delimitação do
conceito de idoneidade da conduta para produzir lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
ambiente, hábil a legitimar a intervenção punitiva no âmbito de situações de risco.
Nesse sentido, cabe reconhecer que os atos compreendidos no âmbito de perigo
abstrato-concreto têm aptidão para, em um momento posterior, cooperar para a lesão de
interesses fundamentais.34
É nesse âmbito desafiador que o crime de poluição por acumulação também desperta
certa complexidade já que, inserido no contexto de uma “sociedade de risco”35, os poluentes
emitidos ou derramados, dentre outras formas de poluição, os elementos poluidores contém
alto potencial lesivo, o que gera a necessidade de uma intervenção preventiva do resultado.
Por isso, a “norma penal surge como elemento de antecipação de tutela”.36
Considerar os delitos por acumulação como delitos de perigo abstrato-concreto
também contribui para superar a dificuldade de verificação prática do nexo de causalidade,
exigido como elemento do tipo nos delitos materiais e nos delitos de perigo concreto, posto
que “a relação causa-efeito com frequência só se dá em virtude de relações acumulativas e
sinérgicas, de modo que a causalidade é substituída por estadísticas ou pela produção de um
dano por elevação do risco”37, o que facilita enormemente a imputação.
Diante das dificuldades expostas, para afirmar que uma conduta possui aptidão para
causar perigo no âmbito dos delitos de poluição por acumulação, é necessário analisar, do
ponto de vista ex ante, o caráter geral de idoneidade lesiva da própria substância emitida ou
despejada pelo agente, por exemplo, no ambiente hídrico ou atmosférico38.
De acordo com o exemplo acima apresentado, um dos enigmas serão os efeitos
acumulados de distintas ações que completam os requisitos típicos, isto é, das ações de
diferentes sujeitos que vertem no ambiente hídrico substâncias contaminantes em doses
pequenas, mas cuja atuação conjunta altera gravemente a composição das águas, por
exemplo39.
34
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. São Paulo: RT,2010, p.119.
35
Termo cunhado por BECK, Ulrich. Risk society. Towards a New Modernity. London: SAGE, 2008, p.19 e ss.
36
BOTTINI, Pierpaolo Cruz, op.cit., p.121.
37
MENDOZA BUERGO, Blanca. El Derecho Penal en la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas, 2001, p.102.
38
AGUADO, Paz M. de La Cuesta. Causalidad de los delitos contra el medio ambiente. Valencia: Tirant lo
Blanch, 1999, p.169.
39
AGUADO, Paz M. de La Cuesta, op.cit., p.213.
405
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Nota-se que a conduta do agente não preenche por si mesma o conteúdo do tipo, mas
colabora na aferição do resultado posterior, de forma a que se configure um resultado típico
(nos tipos de lesão ou de perigo concreto). Assim, questiona-se se o adequado é imputa-se
parcialmente a cada autor, segundo sua ação, o resultado causado ou a totalidade deste. Nota-
se que uma escolha mais acertada seria a primeira, a fim de evitar a objeção de violação do
princípio de culpabilidade.
No entanto, o que é ressalvado é a consideração de que as condutas em si serão
típicas tendo em vista a provável situação global de perigo. Nesse sentido, a delimitação de
que as circunstâncias devem ser valoradas pelo juiz e quais não, há de ser obtida
teleologicamente, a partir do papel que estes delitos são chamados a desempenhar, a saber,
proibir ou reprimir ex ante condutas idôneas ou adequadas a lesar bens jurídicos (e, portanto,
perigosas).
Segundo KUHLEN, a importância da intervenção penal nesses complexos delitos de
poluição por acumulação se deve à magnitude do bem jurídico meio ambiente40, uma vez que
intervenções perigosas se mostram cada vez mais recorrentes em razão da intensa e crescente
industrialização41 e utilização de produtos que possivelmente acrescentarão quantidade
significativa de componentes poluidores e/ou emissões de substâncias que a priori não são
conhecidas, mas que futuramente podem se revelar altamente nocivas ao bem jurídico
ambiente42.
40
Renato de Mello Jorge Silveira ressalva a ideia do contexto em que se encontra o meio ambiente nesse
aspecto: “a ideia aqui vertida diz respeito a microlesões de uma massa, que, eventualmente, podem vir a se
mostrar lesivas em seu conjunto. Assim, não é de e falar que uma única conduta seja perigosa, nem mesmo em
termos remotos, senão que a soma de muitos fatos individuais, unitariamente irrelevantes em consideração penal,
deve ser tida em conta” (SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Econômico como Direito Penal de
Perigo. São Paulo: RT, 2006, p.149).
41
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política-criminal nas sociedades
pós-industriais. 2 ed. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2011, p.159.
42
Sobre a matéria, vide COSTA, Lauren Loranda Silva. Os crimes de acumulação no Direito Penal Ambiental.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011, especialmente p.15 e ss.
406
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
por assumir um papel de reforço da normativa administrativa. Mas não só. Os tipos de injusto
em matéria ambiental apresentam um plus de desvalor da ação ou de desvalor do resultado
que complementam e qualificam o ilícito administrativo43.
A relação entre esses dois ramos do Direito é estreita, ainda que tenham esferas de
incidência devidamente determinadas e distintas.44 Assim, a adoção dos modelos de
acessoriedade administrativa está constantemente presente nos tipos penais orientados à tutela
ambiental, em razão da peculiaridade do bem jurídico. A técnica legislativa de reenvio às
disposições normativas exaradas da Administração Ambiental pode ser definida como o
“preenchimento de elementos do tipo penal por meio de conceitos, normas ou atos oriundos
do direito administrativo”45.
A doutrina confere destaque a dois modelos de acessoriedade administrativa. Há
casos de acessoriedade ao ato administrativo - que se caracteriza “quando a norma penal faz
remissão a um ato administrativo concreto (como licença, permissão, autorização)” – e, de
outro lado, tem-se a acessoriedade ao Direito Administrativo - “que se caracterizam pelo fato
de que a remissão é feita a uma norma administrativa, isto é, a uma lei ou ato normativo
(decreto, resolução portaria) dotado de alcance geral, cuja violação é pressuposto do ilícito
penal”46.
Observa-se que o arquétipo de relativa dependência do Direito Penal ao Direito
Administrativo consiste em determinar alguns requisitos do tipo penal, mas estes não são
suficientes, separadamente, para subsumir-se à tipicidade objetiva47. Além da observância de
normas administrativas, a conduta deve ser idônea a colocar em perigo ou a lesar o meio
ambiente. Ainda assim, do ponto de vista subjetivo, os elementos administrativos inseridos no
tipo penal são elementos típicos essenciais e que necessariamente devem estar abarcados pelo
dolo do agente48.
De outro lado, a acessoriedade ao ato administrativo configura-se quando o tipo
penal refere-se a um ato administrativo individual (v.g. licenças, autorizações, permissões) ou
a uma vedação ou interdição devidamente delineados na normativa administrativa. Nesse
43
Como reconhece grande parte da doutrina – assim, por exemplo, DE LA MATA BARRANCO, Norberto J.
Protección penal del ambiente y accesoriedad administrativa. Tratamiento penal de comportamientos
perjudiciales para el ambiente amparados en una autorización administrativa ilícita. Barcelona: Cedecs, 1996,
p.74.
44
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: RT, 2009, p.86.
45
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade – efetividade - tutela por outros
ramos do direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p.65.
46
GRECO, Luís. A relação entre o Direito Penal e o Direito Administrativo no Direito Penal Ambiental. Revista
Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, 2006, v. 58, p.160.
47
Nesse sentido, PRADO, Luiz Regis, op.cit., p.92 e ss.
48
COSTA, Helena Regina Lobo da, op.cit., p.70-71.
407
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
aspecto, é necessário cautela para que o Direito Penal intervenha quando bem jurídico seja
direta ou indiretamente atingindo, afastando a sanção penal à mera desobediência
administrativa.49
Para assegurar a legalidade das remissões extrapenais, é indispensável que seja
observada a denominada teoria do complemento indispensável, “que do ponto de vista
técnico-legislativo a subordina a três requisitos essenciais: o caráter expresso da remissão
normativa, a necessidade de seu uso em função das características do bem jurídico protegido e
a descrição do núcleo essencial da proibição pela lei penal”50.
Nesse sentido, exige-se um cuidado técnico quanto à remissão de normas
administrativas, para que esta seja feita de modo claro, objetivo e determinado, com o intuito
de evitar que o sujeito incorra em erro de tipo, por insuficiência de visibilidade e percepção da
conduta típica, que carece de precisão.51
A legitimidade da acessoriedade administrativa no Direito Penal depende de sua
exteriorização nos limites do estritamente necessário para a circunscrição do âmbito do risco
permitido52. Ainda que no toca à legitimidade da técnica do reenvio administrativo, é
necessário que sejam rigorosamente observados os princípios penais que devem orientar a
intervenção penal e que o dispositivo extrapenal que complementa a descrição típica não
contenha o núcleo essencial da conduta incriminada. No processo de valoração das condutas
passíveis de tipificação penal, é de todo conveniente que o legislador penal determine com
precisão o núcleo da proibição e, na configuração do tipo penal, introduza elementos que
indiquem a maior gravidade do ilícito penal, a fim de fundamentar a maior gravidade da
consequência jurídica (de natureza penal) abstratamente prevista.
No que diz respeito ao art.54, da Lei 9.605/98, a expressão “em níveis tais” poderia
ser considerado como um elemento adicional que confere ao tipo penal uma maior desvalor
da ação, que, por si só, ao atingir níveis estipulados como inaceitáveis pela normativa
administrativa e preenchido os demais requisitos do tipo, será considerada perigosa, ainda que
não se tenha um resultado no caso concreto, já que representaria um risco à integridade do
bem jurídico.
49
COSTA, Helena Regina Lobo da, op.cit., p.74 e 79.
50
CARVALHO, Érika Mendes de. Limites e alternativas à administrativização do Direito Penal Ambiente.
Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, 2011, v. 92, p.314.
51
COSTA, Helena Regina Lobo da, op.cit., p.80 e 83.
52
GRECO, Luís. A relação entre o Direito Penal e o Direito Administrativo no Direito Penal Ambiental. Revista
Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, 2006, v. 58, p.160.
408
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4. Conclusões
53
CARVALHO, Érika Mendes de, op.cit., p.312.
54
CARVALHO, Érika Mendes de, op.cit., p.316.
55
PRADO, Luiz Regis, op.cit., p.97-98.
56
Nessa perspectiva, assevera Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado que “considerando que o bem jurídico
imediatamente tutelado é o meio ambiente, e que a ação principal que compõe o tipo penal contém um resultado
danoso, qual seja: 'poluição', não há que se falar em crime de perigo, anda que a descrição do tipo faça referência
a situações de perigo - '[...] que possam resultar em danos à saúde humana', mas em crime de dano, ou, no
máximo, em um tipo híbrido em sua primeira parte (de dano e perigo ao mesmo tempo - poluição e risco para a
saúde), e um dano grave, na segunda parte (dano e dano - poluição e dano à saúde; mortandade de animais; ou
destruição da flora)”. Assim, conclui, “o resultado principal é a contaminação do ambiente. As expressões
utilizadas no tipo penal que acrescentam à conduta de poluir a exigência de um perigo ou dano maior a
409
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
determinados objetos (saúde, fauna e flora) são cláusulas de exclusão de lesões insignificantes, que afastam a
tipicidade do fato. Por isso, defende-se a ideia de que o delito descrito no caput do art. 54 da Lei de Crimes
Ambientais é um crime de dano sui generis" (PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Crimes de poluição:
uma resposta do Direito Penal aos novos riscos. Curitiba: Juruá, 2010, p.158).
57
Notadamente na sua vertente quantitativa, relacionada à extensão da lesão ao bem jurídico, que afasta “a
criminalização primária ou secundária de lesões irrelevantes de bens jurídicos” como “expressão positiva do
princípio da insignificância em Direito Penal” (SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. 5 ed.
Florianópolis: Conceito, 2012, p.26).
58
REALE JR., Miguel. Instituições de Direito Penal. Parte Geral. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p.21.
59
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2003, p.96-100.
410
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
411
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
5.Referências
BECK, Ulrich. Risk society. Towards a New Modernity. London: SAGE, 2008.
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. São Paulo: RT, 2010.
CARVALHO, Érika Mendes de. Limites e alternativas à administrativização do Direito Penal
Ambiente. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, 2011, v.92, p.299-335.
COSTA, Helena Regina Lobo da. Proteção penal ambiental: viabilidade – efetividade –
tutela por outros ramos do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010.
COSTA, Lauren Loranda Silva. Os crimes de acumulação no Direito Penal Ambiental. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2011.
DE LA CUESTA AGUADO, Paz M. Causalidad de los delitos contra el medio ambiente.
Valencia: Tirant lo Blanch, 1999.
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. Protección penal del ambiente y accesoriedad
administrativa. Tratamiento penal de comportamientos perjudiciales para el ambiente
amparados en una autorización administrativa ilícita. Barcelona: Cedecs, 1996.
DOTTI, René Ariel; PRADO, Luiz Regis (Orgs.). Direito Penal do ambiente, consumidor,
patrimônio genético e saúde pública. São Paulo: RT, 2011.
GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio (Orgs.). Crimes ambientais: comentários à Lei
9.605/98. São Paulo: RT, 2011.
GRECO, Luís. A relação entre o Direito Penal e o Direito Administrativo no Direito Penal
Ambiental. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: RT, 2006. v. 58.
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
2003.
MENDOZA BUERGO, Blanca. El Derecho Penal en la sociedad del riesgo. Madrid: Civitas,
2001.
MILARÉ, Édis; COSTA JR., Paulo José da; COSTA, Fernando José da. Direito Penal
Ambiental. 2 ed. São Paulo: RT, 2013.
NETTO, Alamiro Velludo Salvador; SOUZA, Luciano Anderson de (coord.). Comentários à
Lei de Crimes Ambientais – Lei n. 9.605/1998. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Crime de poluição: uma resposta do Direito Penal
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_____ Sobre a tipificação da poluição em face do princípio da legalidade. In: DOTTI, René
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RESUMO
O meio ambiente enquanto patrimônio coletivo exige sua proteção tanto pelo Estado quanto
pela Sociedade. A proteção estatal deve se dar em todas as funções estatais. A função
executiva é aquela que proporciona a defesa mais rápida e imediata do meio ambiente, porque
a Administração Pública pode atuar de ofício aplicando multas aos infratores. No entanto, a
aplicação das multas ambientais não prescinde de um processo administrativo dentro do
paradigma do Estado Democrático de Direito. A processualização da atividade executiva foi
proporcionada pela autonomia do processo administrativo, bem como pela relação existente
entre processo, Constituição e direitos fundamentais. Entretanto, a previsão de processo
administrativo ambiental deve ser feita por meio de lei e não por decreto, pois este no
ordenamento jurídico brasileiro só pode complementar a lei, permitindo sua aplicação e fiel
execução. A previsão normativa sobre a propriedade e liberdade das pessoas, não pode se dar
senão por meio de lei. Ademais, dispor sobre processo administrativo para a constituição de
multas ambientais é algo diferente de organizar o funcionamento da administração Pública.
Assim, somente por meio de um processo administrativo que assegure direitos e garantias
fundamentais poderá haver uma constituição e cobrança de multas administrativas, que sejam
ao mesmo tempo válidas e legítimas.
Palavras chave. Multas ambientais – processo – previsão legal
RIASSUNTO
L’ambiente in quanto patrimoni di tutti esige che sai protetto tanto dallo stato quanto dalla
Societá. La protezione statale deve comprenderne tutte Le funzioni. Le funzioni esecutiva é
quella che proporzione La difesa piu rápida id immediata dell’ambiente, poiché La pubblica
Amministrazione puó attuare in ufficio, applicanto multe agli infrattori. In ogni caso,
l’applicazione delle multe ambientale non prescinde da um processo amministrativo dentro Il
paradigma dello Stato Democratico di Direitto.La processualizazzione dell’ attivitá esecutiva
é stata afferto dall’autonomia Del processo amministrativo, cosi come dalla relazione
esistente tra processo, Costittuzione e diritti fondamentali. Peró, la previsione Del processo
1
Doutorando em Direito Constitucional pela PUC-RIO. Mestre em Direito Ambiental pela Escola Superior
Dom Helder Câmara. Professor de Processo Civil da ESDHC. Procurador do Município de Belo Horizonte.
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amministrativo ambientale deve essere realizzata attraverso La legge e non per decreto, in
quanto questi nell’ordinamento giuridico brasiliano puó, soltanto, complementare La legge,
permettendo la sua aplpicazzione e la fidele esecuzione. La previsione normativa sulla
proprietá e la libertá delle persone, non puóavvenire se non attraverso la legge. Oltre a cio,
disporre sul processo amministrativo per la costituzione di multe ambientale e uma cosa
diversa dall’organizzare il funzionamento della Pública Amministrazione. Cosi, soltanto
attraverso um processo amministrativo che assicuri diritti e garanzie fondamentale potré
esistere la costituzione e la riscossione delle multe amministrative che siano allo stesso tempo,
valida e legittime.
Key words: Multe ambientali - di processo - disposizione di legge
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO
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processo administrativo para a constituição de multas ambientais ou essa previsão é feita por
instrumentos normativos infra-legais ou secundários (Decretos e Regulamentos).
O maior exemplo deste quadro está no Decreto Federal nº 6514/2008, que dispõe
sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo
administrativo federal para apuração destas infrações, regulamentando a lei 9605/1998. Vale
dizer, a União possui a regulamentação para a constituição de multas ambientais por meio de
processo administrativo, cuja regulação se dá, no entanto, por meio de uma norma infra-legal.
Importante ressaltar que a recente Lei Complementar nº 140/2011 (BRASIL, 2011)
em seu artigo 17 vem reafirmar a necessidade de existência de processo administrativo para a
constituição de multas ambientais ao obrigar o órgão administrativo competente para autorizar
ou licenciar um empreendimento ou atividade que cause impacto ambiental a “lavrar auto de
infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à
legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada”
Portanto, mais do que a determinação legal é necessário justificar juridicamente a
necessidade do processo administrativo na constituição de multas ambientais, não sem antes
ser demonstrada a atual situação da cobrança de multas ambientais por parte da União, por
meio do IBAMA, como forma de ilustrar esta cena.
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Importante notar que, segundo o relatório, se somados os valores não arrecadados pelas 17
entidades analisadas no período, chegar-se-á a um total que supera as despesas liquidadas pela União
em funções orçamentárias como Organização Agrária, Ciência e Tecnologia e Cultura (BRASIL,
2010).
Uma vez detectado este cenário, o TCU apresenta três causas para a ineficácia da
arrecadação das multas administrativas. A primeira delas é a omissão na inclusão dos autuados no
Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN), em desobediência
ao disposto no §1º do artigo 2º da lei 10.522/2002 (BRASIL, 2002). Segundo o relatório, neste
período, o IBAMA só inscreveu 2540 multas das 71.303 lavradas, o que representa um percentual
abaixo de 5% do total. O relatório destaca que o CADIN é um dos poucos mecanismos administrativos
capazes de, coercitivamente, estimular o pagamento dos débitos fiscais, e sua não utilização pode
implicar a redução do “quantum” a ser arrecadado.
A segunda causa apontada pelo TCU é o pequeno número de execuções fiscais ajuizadas
pelo IBAMA no período, representando a cobrança judicial (cerca de 31 milhões de reais) apenas
0,3% do valor das multas aplicadas. Vale dizer, do total de multas aplicadas (10,5 bilhões de reais), o
IBAMA só ajuizou 0,3% deste valor, o que, segundo o relatório, é uma das causas responsáveis pela
baixa eficácia na arrecadação.
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A terceira causa apontada pelo relatório é o fato de os créditos fiscais estarem sujeitos a um
prazo de prescrição de cinco anos para a promoção de sua cobrança, nos termos da lei 9873/91. Assim,
a demora no ajuizamento das execuções fiscais tem levado à prescrição da pretensão de cobrança de
grande número de multas administrativas, o que reduz a eficácia da cobrança realizada pelo governo
federal.
Entretanto, o TCU (2010, p.110), no mesmo relatório, mostra que um elevadíssimo
percentual das multas aplicadas (75%) é discutido administrativamente, e que tal fato impede a efetiva
arrecadação. Segundo o relatório, “como mencionado, a elevada quantidade de multas pendentes de
decisões definitivas no âmbito dos órgãos e entidades atua contra a efetivação da arrecadação, com
seus consequentes reflexos sobre os resultados da atuação dos entes de fiscalização”.
Diante deste quadro, o TCU (2010, p.110) sugere que sejam corrigidos os erros apontados,
requerendo “especial atenção” ao contencioso administrativo “cujos procedimentos devem ser
suficientemente ágeis para produzir decisões tempestivas, sem atentar contra o pleno exercício do
direito de defesa por parte das pessoas físicas e jurídicas sancionadas com multas”.
Assim, é possível perceber de forma sumária que a preocupação maior da União está
centrada na arrecadação de seus créditos, ou seja, na forma como é realizada “coercitivamente” a
cobrança da dívida (inscrição no CADIN e execução forçada), na identificação de seus empecilhos e
na sua eficácia, e não no momento mais importante, que é a formação destas multas, cuja constituição
deveria se dar por meio de um processo administrativo, que assegurasse o contraditório e a ampla
defesa.
Acreditamos que o TCU quer, na verdade, uma celeridade processual que propicie uma
cobrança mais ágil da dívida pública, e não uma celeridade que atenda uma garantia fundamental do
cidadão de razoável duração do processo. Paulo Coimbra Silva (no Prefácio de LEVATE e CAIXETA
CARVALHO, 2010, p.18), ao discorrer sobre a cobrança administrativa da dívida pública, ensina que
a não observância do direito ao processo administrativo com todas as garantias processuais
fundamentais “não contribui para uma maior eficácia na atividade arrecadatória, mas, ao contrário,
conduz à indesejável beligerância entre fisco e contribuintes, e ipso, facto, ao congestionamento do
abarbado Poder Judiciário”. Tal apontamento é de salutar observância para a constituição de qualquer
crédito público.
Destarte, ilustrada a questão, chega-se ao momento de estudar a importância do processo
administrativo na constituição de multas ambientais.
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ensinamentos de Medauar (2008). Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2011), desde
1927, na Áustria, Merkl já entendia que o fenômeno processual não era exclusivo da função
jurisdicional, sendo comum a todas as demais funções estatais, com o que, de acordo com o
mestre brasileiro, anuíam Carnelutti, Bartolomé Fioini e Royo Villanova.
O processo administrativo se apresenta atualmente como forma de atuação
intríenseca à função administrativa, assim como é o processo na função judicial e o processo
parlamentar da função legislativa. Adolfo Merkl ensinava àquela época que
2
o direito processual administrativo não é mais que um caso particular do direito processual [...]e o processo
administrativo é um caso particular do processo jurídico em geral [...] a teoria processual tradicional considerava
o ‘processo’ como propriedade da Justiça, identificando-o com processo judicial, [...] mas, deste ponto de vista
jurídico teórico não é sustentável esta redução porque o ‘processo’, por sua própria natureza, pode dar-se em
todas as funções estatais possibilidade que, em realidade, se vai atualizando em medida cada vez maior.
(tradução nossa)
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3.2 A face procedimental dos direitos fundamentais: uma breve visita à Jelinek, Häberle,
e Alexy
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Pode-se dizer, seguindo esta teoria, que o direito de exigir do Estado a prestação
jurisdicional corresponde ao denominado status positivo (ou status civitatis). Mas o
status positivo não esgota o papel das partes, no processo. No status passivo (ou
status subiectionis) leva-se em conta a sujeição do indivíduo ao Estado; no negativo
(status libertatis), a liberdade frente ao Estado. Assim, o status libertatis tem a ver
com a faculdade de agir em juízo, que condiciona o início da atividade jurisdicional;
sob outra face, ao exercer o direito de ação a parte reclama do órgão a prestação
jurisdicional que lhe deve ser conferida pelo Estado (status positivo); mas o pedido
apresentado pelo autor pode ser ou não julgado procedente, e a este resultado se
submeterão as partes, o que é manifestação do status subiectionis. Além destas
formas de status, reconhece-se que as partes têm status activus processualis.
(MEDINA, 2010, p. 16-17)
Quem mais recentemente desenvolveu esta ideia foi Robert Alexy (2008). Ao tratar
em sua obra “Teoria dos Direito Fundamentais” dos direitos Sociais ou de 2ª dimensão, o
doutrinador alemão, após conceituá-los como direitos dos indivíduos de exigir prestação
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Assim, mais uma vez se revela importante a relação entre Constituição, Processo e
Direitos Fundamentais. Em razão disso, confere-se destaque ao status ativo de Jellinek,
elevado à categoria de status activus processualis por Peter Häberle, como forma de participar
efetivamente, por meio do procedimento, da formação da vontade do Estado, demonstrando-
se junto a Medina a importância deste contraponto com o Estado Democrático de Direito
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Portanto, Alexy (2008) e Härbele (1972) dão destaque ao aspecto procedimental dos
direitos e garantias fundamentais materiais. Não obstante, é necessário sobrelevar a
importância de direitos e garantias constitucionais de índole processual.
Apesar de partirem dos direitos fundamentais, Härbele e Alexy analisam o direito de
participação em um viés democrático (status activus processualis), onde, para eles, residiria o
aspecto procedimental dos direitos fundamentais – direito de participação e direito à proteção
jurídica efetiva por meio de procedimentos, podendo, assim, exigi-los em juízo (dever de
existir procedimentos) .
Entretanto, existem de direitos fundamentais de caráter procedimental ou processual
(garantias processuais constitucionais e fundamentais como ampla defesa, contraditório, juiz
natural, motivação das decisões, dentre outros.). Tais garantias processuais compõem um rol
extenso de direitos fundamentais na Constituição Brasileira, aplicáveis tanto ao processo
judicial, quanto ao administrativo.
Com efeito, a definição de “processo” para Rosemiro Pereira Leal (2009), pode
abranger tanto um quanto o outro a demonstrar, mais uma vez, a processualização da
atividade administrativa e o seu núcleo comum: a previsão constitucional de princípios
processuais comuns para ambos os processos. Assim, o autor (2009) conceitua processo
como
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deve se dar por meio de lei em sentido formal ou pode ser feito por ato normativo de segundo
grau em forma de Decreto?
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Já autores como Paulo Adyr Dias do Amaral (2011), revendo posição anterior, tem
entendimento contrário, defendendo a não recepção. Para Paulo Adyr Dias do Amaral (2011,
p. 81, grifos do autor), o referido decreto é inconstitucional, pois a recepção não tem o condão
de “converter Decreto (ato unilateral e solitário expedido pelo Chefe do Poder Executivo) em
Lei (ato democrático de expressão da vontade geral - vontade esta manifestada pelo
Parlamento). Isso seria contrário à própria ideia de Estado Democrático de Direito”.
O autor justifica sua posição por entender que mesmo no regime constitucional
anterior a competência para legislar sobre qualquer tipo de processo já era da União, por meio
do Congresso Nacional (art. 8º, XVII, “b” da Constituição de 1969, BRASIL, 1969). Assim,
para Amaral (2011, p. 82) “é clara a conclusão de que o principal diploma brasileiro (na
verdade o único) no campo do processo administrativo tributário é a LGPAF” (Lei Geral do
Processo Administrativo Federal).
Por sua vez, em matéria ambiental o processo administrativo federal está previsto no
Decreto Federal nº 6514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao
meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações,
regulamentando a lei 9605/1998. Importante notar que a edição do Decreto está nele mesmo
justificada pelo artigo 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição da República e pelas
leis 9.605/1998, 9.784/1999, 8.005/1990, 9.873/1999, e 6.938/1981.
Diante disso, é necessário verificar se há, nas referidas leis, autorizações para que o
processo administrativo ambiental seja regulamentado por decreto e se tal expediente é
constitucional. É preciso, outrossim, investigar se, com base no art. 84, incisos IV e VI, alínea
“a”, da Constituição da República, o Chefe do Executivo pode regulamentar por decreto o
processo administrativo ambiental. Essa pesquisa será feita estudando-se o fenômeno da
deslegalização na Administração Pública, bem como com a análise do Regulamento no
Direito brasileiro.
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Nos EUA, onde também havia forte setor doutrinário e jurisprudencial no sentido de
que as leis com tal (baixa) densidade normativa seriam inconstitucionais por
constituírem delegações de poderes legislativos, a Suprema Corte, apesar de ainda
haver reações de alguns autores e de algumas Cortes estaduais, acabou se firmando,
como expõe JOHN H. REESE, no sentido de ‘ser proibida apenas a transferência
ilimitada de poderes. Normalmente, a transferência limitada advém da linguagem
utilizada na lei autorizando a Administração a editar normas apropriadas para
cumprir as finalidades assinaladas na lei. A transferência de poderes normativos
também pode estar implícita na linguagem legislativa, ainda que não haja atribuição
normativa expressa’. WILLIAM F. FUNK explica: ‘o Congresso legisla e a
Administração executa as leis; para que a Administração execute as leis, estas leis
devem conter um princípio claro (intelligible principle) para guiar a Administração,
já que, do contrário, a Administração estaria legislando por conta própria.
(ARAGÃO, 2008, p. 330-331)
Na mesma passagem, o autor explica que recentemente a Suprema Corte dos Estados
Unidos entendeu ser constitucional disposição infralegal que estabeleceu padrões mínimos de
qualidade do ar para proteger a saúde pública.
A Corte entendeu que havia na lei um princípio inteligível do qual decorria uma
disposição suficientemente clara para que o regulamento dispusesse sobre referidos padrões,
até mesmo porque o conhecimento científico sobre o caso dependia de conhecimentos
técnicos que, além de não serem da sabedoria do legislador, poderiam ser variáveis e mudar
constantemente. (ARAGÃO, 2008).
Consoante os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2011, p.367), essa
parcela do poder normativo do Executivo só pode aludir a “conceitos precisáveis mediante
averiguações técnicas, as quais sofrem influxos das rápidas mudanças advindas do progresso
científico e tecnológico, assim como das condições objetivas existentes em dado tempo e
espaço”, como já ficou demonstrado acima.
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Ainda de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2011, p.367), essa
imposição só deve ser aceita enquanto for adequada e necessária para se atingir o objetivo da
lei e torná-la aplicável, útil e eficaz, não podendo, entretanto, “sacrificar outros interesses
também por ela [lei] confortados”.
Feito isso, é necessário verificar se, em matéria de processo ambiental, ocorreu o
fenômeno da “deslegalização” e se aquela doutrina é nele aplicável.
Não sendo mais estranho nem o fenômeno da “deslegalização” nem a doutrina dos
princípios inteligíveis é indispensável verificar se estas leis fizeram tal previsão para que o
Decreto 6514/2008 regulasse o processo administrativo ambiental federal.
Como já foi observado, o Decreto Federal nº 6514/2008 dispõe sobre as infrações e
sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para
apuração destas infrações, regulamentando a lei 9605/1998.
Ao analisar esta lei, verifica-se que ela dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas ilícitas praticadas contra o meio ambiente, e dá outras
providências (BRASIL 1998). O capítulo VI da lei 9605/1998 trata da infração administrativa
e o parágrafo 4º do seu artigo 70 dispõe que “as infrações ambientais são apuradas em
processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório,
observadas as disposições desta Lei” (BRASIL, 1998).
Ora, é evidente que a lei 9605/98 determina que o processo administrativo deve
observar suas disposições, não fazendo nenhuma transferência de atribuição regulamentadora
para instrumentos normativos secundários. No entanto, referida lei só dispõe sobre prazos
processuais, não estabelecendo nenhum procedimento para que se realizasse o contraditório e
incidissem todos os demais princípios e garantias processuais.
Tal fato, entretanto, não autoriza que a regulação do processo administrativo seja
feita por decreto, porque nem a lei autorizou isso. Em momento oportuno, será estudada a
existência de decretos autônomos em nosso ordenamento além de se verificar se seria esse o
caso do Decreto 6514/2008. (BRASIL, 2008)
Apesar de, em sua parte preambular, esse decreto dispor que o Presidente da
República o expede em razão do previsto no capítulo VI da Lei 9605/98, será demonstrado
que não há tal previsão nesta lei.
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Acontece que o referido decreto faz remissão à Lei 9784/99 (LGPAF). Ao analisar a
referida lei, pode-se observar que o único artigo que poderia ter alguma conexão com o
processo administrativo ambiental nele (no Decreto) previsto é o artigo 69 da LGPAF, que
prevê a sua aplicação subsidiária em outros processos administrativos específicos que
estivessem regidos por lei própria (BRASIL, 1999).
Não obstante a previsão da aplicação subsidiária da lei geral do processo
administrativo federal, essa dar-se-á segundo a própria lei, se os outros processos estiverem
previstos em lei em sentido formal ou em decretos que tiverem sido recepcionados pela nova
ordem constitucional com o status de lei. Não se está aqui defendendo que a lei geral não
possa ser aplicada subsidiariamente em Decretos. Entretanto, a justificativa apresentada no
preâmbulo do Decreto 6514/98 (BRASIL, 1998) de que ele estaria sendo expedido em razão
do disposto na lei geral do processo administrativo demonstra motivação equivocada, o que já
é o bastante para afirmar que mais uma vez não há transferência da atividade regulamentadora
de lei para o decreto que pretendeu disciplinar o processo administrativo ambiental.
Ademais, o artigo 95 do Decreto 6514/2008 ao fazer referência à Lei Geral do
Processo Administrativo Federal apenas nos remete aos princípios e critérios previstos no
artigo 2º desta lei.
De igual modo, a referência às leis 9.873/1999 e 6.938/1981 não valida nem torna
eficaz o decreto que regulamenta o processo administrativo ambiental. A primeira lei dispõe
exclusivamente sobre prazo prescricional da pretensão punitiva da Administração. Já a
segunda dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, mas em todos os casos as
disposições são de natureza material, não fazendo referência alguma a processo e muito
menos a suas regulamentações por decreto.
Portanto, a análise das leis até agora declinadas permite afirmar que não há nelas
nenhuma transferência de atividade normativa da lei para decreto.
Entretanto, há naquele decreto referência à Lei 8005/90 (BRASIL, 1990). Tal lei
dispõe sobre a cobrança de créditos do IBAMA e seu artigo 6º prevê que “o Presidente do
IBAMA baixará portaria disciplinando o procedimento administrativo para autuação,
cobrança e inscrição na dívida ativa dos débitos a que se refere esta lei, assegurados o
contraditório e o amplo direito de defesa” (BRASIL, 1990, grifos nossos). Há aqui expressa
transferência de atividade regulatória da lei para ato normativo secundário. Entretanto,
questiona-se se seria o caso de aplicação da doutrina dos princípios inteligíveis? Essa
transferência de função foi válida?
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Assim, não há campo para, com base nas leis citadas pelo Decreto 6514/2008, se
permitir a previsão de processo administrativo ambiental por meio de regulamento.
Entretanto, no vestíbulo do decreto há referência aos incisos IV e VI, alínea “a do artigo 84
da Constituição da República.
Não fosse o bastante, o parágrafo único do artigo 94 do referido Decreto dispõe que
o objetivo do seu capítulo VI é dar unidade às normas esparsas que versem sobre
“procedimentos ambientais”, bem como “nos termos do que dispõe o art. 84, inciso VI, alínea
“a”, da Constituição, disciplinar as regras de funcionamento pelas quais a administração pública
federal, de caráter ambiental, deverá pautar-se na condução do processo” (BRASIL, 2008).
Em razão disso, é necessário analisar os incisos IV e VI do artigo 84 da Constituição
da República, para verificar se a previsão de processo administrativo ambiental por meio de
decreto é possibilitar a “fiel execução de lei” ou se dizem respeito à organização da atividade
da Administração Pública.
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(i) limitar a discricionariedade administrativa, seja para (a) dispor sobre o modus
procedendi da Administração nas relações que necessariamente surdirão entre ela e
os administrados por ocasião da execução da lei; (b) concretizar fatos, situações ou
comportamentos enunciados na lei mediante conceitos vagos cuja determinação
mais precisa deva ser embasada em índices, fatores, ou elementos configuradores a
partir de critérios ou avaliações técnicas segundo padrões uniformes, para garantia
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que dispõe sobre o modo de apresentação de lançamentos tributários, horário de entrega das
declarações e etc.
Ademais disso, legislar sobre processo administrativo ambiental é inovar no
ordenamento jurídico, pois há a criação de direitos e obrigações para as partes processuais, o
que exige a observância do princípio da legalidade (inciso II do artigo 5º da CR/88). O
descumprimento de uma norma processual pode gerar prejuízo à parte, o que é muito
diferente de dar fiel execução à lei ou organizar a atividade administrativa (incisos IV, “a” e
IV do artigo 84, respectivamente). Como já se afirmou, é tão íntima a relação entre o
processo, o modo de atuação estatal e sua legitimidade; entre ele, a Constituição e os direitos
e garantias fundamentais, que sua previsão por ato normativo secundário o desprestigia
inconstitucional e democraticamente.
Assim, a previsão da garantia do devido processo não só legal, mas constitucional,
quando dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal” (art. 5º, LIV, BRASIL 1988) na Constituição de 88 reforça e reafirma tudo o
quanto foi dito até agora sobre a impossibilidade da constituição de multas ambientais se dar
sem processo ou por meio de processo, cuja previsão não seja legal. A disciplina relativa à
liberdade e patrimônio das pessoas deve vir prevista em lei e não em regulamento.
Assim, é forçoso repetir e aqui se insiste á derradeira: a processualização é um
imperativo do Estado Democrático de Direito de modo que as multas ambientais devem ser
constituídas por meio de um processo administrativo, que tenha previsão em lei, por
mandamento da própria Constituição, que exige um devido processo, pelo menos, legal.
5. CONCLUSÃO
Para que a proteção do meio ambiente seja eficaz é necessário que a constituição e
cobrança de multas ambientais se dê de forma válida e legítima, pois do contrário, a anulação
de multas por inobservância do devido processo legal pode levar à impunidade e deixar o
meio ambiente sem um de seus principais mecanismos de proteção. A constituição de multas
administrativas deve se dar por meio de um processo que garanta à parte a observância de
seus direitos e garantias fundamentais. A processualização é um imperativo do Estado
Democrático de Direito, sendo que este fenômeno é explicado e justificado tanto pela
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cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações
441
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
BRASIL . Supremo Tribunal Federal. ADIN 4568/DF. Plenário. Relatora Min. Carmen Lúcia
(DJe 30/03/2012) Disponível em :
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1870956. Acesso em:
20/09/2012
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 15ª ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais. 2011. 464 p
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª Ed. São Paulo:
Malheiros editores. 2011. 1032 p.
MERKL, Adolfo. Teoría General Del Derecho Administrativo. México: Editoria Nacional,
1975. 496 p.
PASSOS, J. J. Calmon de. Cidadania tutelada. Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002 .
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3196>. Acesso em: 31 jul. 2012.
442
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ABSTRACT. To the extent that one realizes that the ecosystem has limited capacity to
support and sustain self emerges in society's concern implementation of the fundamental right
guaranteed by the brazilian constitution, which is, to an ecologically balanced environment
for present and future generations. Therefore, accurate analysis of risks to the global society
in which is entered the market model chosen proves necessary, especially given the risks
deriving from economic activities, which often show unpredictable, hidden and undiscovered
by the scientific community. In this context, the procedural tools available to be able to
convey the matter and provide means for their effective protection, at which the possibility of
resizing the evidence in the light of the precautionary principle, procedural vehicle may prove
able to protect and safeguard environmental rights in the face of scientific and technological
uncertainties.
KEY-WORDS. Environment; constitutional protections; rights; duties of state protection;
global risk society; scientific uncertainty; risk management; precautionary principle;
precautionary principle; scientific uncertainty; resizing of proof; the burden of proof.
1
Marcelo Antonio Theodoro. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Professor Adjunto de Graduação e Mestrado em Direito da Universidade Federal do Mato Grosso
(UFMT), Pesquisador do Grupo de Pesquisas “Direito Ambiental e Ecologia Política na sociedade de risco”.
2
Luize Calvi Menegassi Castro. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Candido
Mendes (UCAM), Mestranda em Direito Agroambiental pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso
(UFMT), Professora da Universidade de Cuiabá (UNIC), Advogada.
443
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1 INTRODUÇÃO
Não há dúvidas de que hodiernamente revela-se latente a preocupação da sociedade
para com os danos ambientais ocasionados pelos agentes nocivos oferecidos pelas atividades
desenvolvidas sem consciência socioambiental e apartadas deste atual Estado constitucional
do meio ambiente.
A busca pelo equilíbrio entre o crescimento econômico aliado ao desenvolvimento de
atividades sustentáveis devem sempre nortear tanto os que desenvolvem atividades que
oferecem potencial risco ao meio ambiente, como aqueles que fiscalizam e empreendem a
aplicação dos normativos constitucionais e legais, sob pena de constituir verdadeiro
empecilho à concretização do direito fundamental ao meio ambiente, notadamente no que se
refere à tutela coletiva.
Há uma clara percepção de que a sociedade atual vem avançando de forma
considerável, todavia insuficiente no caminho da preservação dos recursos naturais advindos
do meio ambiente. Isto se deve a exploração desenfreada durante muitas décadas, do mercado
econômico, e ainda em razão do desenvolvimento da sociedade, desaguando na necessidade
de que os instrumentos processuais devessem acompanhar e estar aptos a proporcionar a
proteção efetiva do meio ambiente equilibrado, do qual a sociedade é carecedora.
Assim, é crescente a ideia de que a visão privatista e individualista mostra-se ineficaz
quando da proteção específica do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado para a presente e para as futuras gerações, entretanto, a investigação acerca da
flexibilização das regras do encargo probatório deve ser realizada à luz dos direitos difusos e
da sociedade de risco global em que estamos inseridos.
As reflexões a serem empreendidas possuem a finalidade de analisar a crescente
teoria do ônus dinâmico da prova, de forma a redimensionar e proporcionar instrução
probatória correlata e apta à concretização da proteção ambiental no contexto da sociedade
moderna reflexiva.
Neste ínterim, é sabido, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos
termos da previsão constitucional, retrata desde a promulgação da constituição da Republica
Federativa deste país, a preocupação com a preservação dos recursos ambientais existentes
para as futuras e vindouras gerações. Direito este de caráter eminentemente difuso,
constituindo-se, pois, direito fundamental a todo cidadão.
Nesse sentido, a convicção jurisdicional acerca da distribuição do encargo probatório
ambiental, deve se pautar além dos já mencionados princípios constitucionais, que serão
444
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3
SAMPAIO. José Herval Júnior. Direitos fundamentais e estado constitucional In: LEITE, George Salomão,
SARLET, Ingo Wolfgang (coord). Estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais; Coimbra (Pt) : Coimbra Editora, 2009. p. 324.
4
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 627.
445
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Com isso, a degradação ambiental tornou-se uma preocupação recorrente, o que deu
ensejo a novas discussões, especialmente quanto a necessidade de novos instrumentos legais
que alterassem a visão utilitarista e primitiva da sociedade para uma concepção
preservacionista e capaz de proporcionar à coletividade uma vida digna com o desfrute
responsável dos recursos naturais.
No entanto, no Brasil, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de
1988, já existiam diversas leis esparsas5 objetivando a proteção do meio ambiente, a saber
podem ser citadas a Lei n.4.771/65 que instituiu o Código Florestal, a Lei n. 6.938/81 que
codificou a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e também a Lei n. 7.347/85 que
positivou a ação civil publica, dentre outras que poderiam ser citadas, com o intuito de
conciliar os interesses das varias classes sociais e econômicas e regular as atividades
desenvolvidas pela sociedade.
Neste escopo, a Constituição Federal promulgada em 1988, mais especificamente o
art. 225, caput, c/c o art.5º, §2º, atribuiu à proteção ambiental e – pelo menos em sintonia com
a posição prevalente no seio da doutrina e jurisprudência – o status de direito fundamental do
indivíduo e da coletividade, além de consagrar a proteção ambiental como um dos objetivos
ou tarefas fundamentais do Estado – Socioambiental – de Direito Brasileiro. 6
A constituição vigente ao consagrar que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para
as presentes e futuras gerações, elevou esta garantia ao patamar de direito fundamental e ao
consagrar em si os bens jurídicos relevantes de uma dada sociedade cultural, reflete normas
decorrentes de anseios sociais e culturais, constituindo-se em um verdadeiro “pacto de
gerações”.7
Em verdade, o art.225 da Constituição Federal se revela uma extensão do art.5º,
enquanto conjunto de valores indispensáveis para o desfrute de uma vida digna, e, que via de
consequência estabelecem uma gama de deveres ao Poder Público.
5
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: RT, 2005. p. 57
6
SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 13.
7
HÄBERLE, Peter. El estado constitucional. Mexico: UNAM, 2001. p. 15 e ss.
446
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
8
SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 13.
9
Ibid., p.13.
10
NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela
Constituição. Coimbra: Coimbra, 2003. In: AYALA, Patryck de Araújo. Devido processo ambiental e o direito
fundamental ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 165.
447
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448
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risco, onde a elevação do risco enquanto elemento estruturante da nossa sociedade resultou
da confrontação com efeitos que, anteriormente, eram inimagináveis e foi ampliada pela
intensificação do estado e da divulgação de informação científica que, em lugar de certezas,
manifesta cada vez mais dúvidas.11
Nesse contexto, o professor alemão Ulrich Beck diante da evidente dificuldade
encontrada pelo Estado em enfrentar a problemática causada pela intenção do progresso
econômico, oferece como solução a análise acurada da sociedade sob um contexto não só de
perigo, mas especialmente da gestão dos seus riscos, que são, em verdade, repartidos pela
coletividade.
No entanto, antes da análise da sociedade de riscos, faz-se necessário diferenciá-lo
do perigo, pois estes, “enquanto circunstâncias fáticas, naturais ou não, que sempre
ameaçaram as sociedades humanas”,12 traduzem-se nos desastres naturais, pragas, dentre
outros acontecimentos que não se pode, em hipótese alguma, entabular previsões ou
probabilidades.
De outra banda, o risco traz consigo a ideia da probabilidade, do cálculo, do controle,
pois é o produto das escolhas do homem. Com o crescimento e a inovação tecnológica, as
atividades produzidas, de qualquer ordem, seja científica, social, institucional ou política, são
empreendidas através das escolhas, e com isso, vem a responsabilidade e as consequências
dessas opções, pela própria atividade a ser desenvolvida ou inclusive sobre a maneira de
realizá-la.
Assim, na concepção de Ulrich Beck13, os riscos são artificiais, no sentido de que são
produzidos pela atividade do homem e vinculados a uma decisão deste, como um resultado da
intervenção humana nas incertezas e nos perigos.
Desenvolvendo a ideia da sociedade mundial do risco, o contexto social vivido deve
ser dividido em duas fases, a saber, primeira e segunda modernidade. A primeira modernidade
se traduz pela fase industrial já vivida pela sociedade, onde a existência da autoridade
científica era capaz de eliminar os riscos advindos da atividade industrial por meio de
procedimentos de cálculos, avaliações de probabilidade e científicas, tendo como parâmetro
de representação do risco o acidente.14
11
AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p.18
12
GOLDBLATT, David. Teoria social e ambiente. Lisboa: Piaget, 1996. p.231.
13
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. 1 ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
passim.
14
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. op.cit.passim.
449
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Essa perspectiva do risco foi totalmente alterada quando se constatou que “os riscos
da sociedade moderna, sendo, pois, os sociais, políticos, ecológicos e individuais advindos da
inovação tecnológica, escapam das instituições de controle e proteção da sociedade
industrial”,15 surgindo assim, a segunda modernidade, chamada de modernidade reflexiva,
tendo como referencial os macro perigos, imprevisíveis e incontroláveis.
Justamente neste contexto, com a proximidade entre os países industriais,
crescimento da classe média, e, consequentemente com o aumento do consumo na sociedade
aconteceu a transição da sociedade industrial, assim, onde existiam perigos e riscos
previsíveis e controláveis, deparou-se com riscos nunca antes previstos e incontroláveis, tanto
para a indústria como para o Estado. Surgindo então, a preocupação de como proporcionar
segurança para a presente, bem como, para as futuras gerações diante de contextos de
imprevisibilidade.
Neste sentir, em análise à mencionada transição, as ameaças trazidas pelo
desenvolvimento tecnológico ecoam no fenômeno nominado de irresponsabilidade
organizada,16 que seria, em suma, a sensação de impotência diante do risco desconhecido.
José Morato Leite e Patryck Ayla17 observam a existência de uma linha de evolução
retilínea onde incialmente corre-se perigo, depois pode-se enfim saber que se corre perigo e
conhecer o estado de periculosidade (risco) e terminando por assumir, finalmente, a
representação do estado de impotência perante o risco, inexistindo maneiras de se evitar ou
diminuir a probabilidade de sua ocorrência (irresponsabilidade organizada).
Assim, a sociedade moderna se caracteriza pela existência dos riscos, sendo, pois, de
primeira ordem a necessidade de tutelá-los, deixando um pouco de lado a ideia da liberdade e
do bem-estar social, ambos advindos do Estado de direito.
Impõe-se, na verdade uma nova leitura, uma nova maneira de enfrentar os percalços
trazidos pelo desconhecido, em especial uma nova forma de ação dos órgãos responsáveis,
dos institutos disponíveis no Estado para o gerenciamento desses riscos, uma vez que a
sociedade moderna reconheceu a insuficiência e a ineficiência da tecnologia e da
racionalidade científica como instrumentos de produção das posições de segurança coletiva.18
15
BECK, Ulrich. La invención de ló político. Para uma teoria de La modernización reflexiva. Tradução de
Irene Merzani. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1999. p.32.
16
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. . 1 ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
passim.
17
AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p.14.
18
Ibid., p.16.
450
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Diante da compreensão dos riscos, bem como da gestão desses riscos, a análise deve
ser mais profunda quando se questiona acerca dos níveis aceitáveis de risco que a sociedade
aquiesce em se submeter, quando a discussão ganha contornos populares e especialmente
políticos.
Em verdade, deve-se ter em mente, que quando se fala em avaliar os níveis de
proteção e os riscos que a sociedade vai aceitar se submeter em nome do progresso científico,
tecnológico e do desenvolvimento econômico, esta discussão compreende equilibrar e
equacionar os interesses das classes industriais e sociais, e sem embargos, tal tarefa se revela
uma grande missão social e política.
Entretanto, não se pode olvidar que o papel estatal no que se refere à análise da ética,
da moralidade, conceitos estes essenciais para a aceitação dos riscos, muitas vezes são
ignorados em nome da necessidade estatal de arrecadação, manutenção do desenvolvimento
econômico e de determinados seguimentos, oportunidade em que se verifica a atuação do
poder jurisdicional para o restabelecimento dos parâmetros e análises condizentes com os
níveis de proteção e riscos permitidos pela sociedade.
Especialmente quando se trata do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito
este consagrado a todo o cidadão por força constitucional, retoma-se a ideia da linha tênue
existente entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, ante as escolhas realizadas
inclusive pelo próprio Estado, em busca do progresso tecnológico, científico. Vê-se instalada,
portanto, uma crise ambiental, quando não se compreende o alcance normativo do disposto no
Art.170, caput, inciso VI da carta magna, que assegura o desenvolvimento econômico por
meio de uma existência digna, da justiça social e pautada na defesa do meio ambiente.
Diante deste impasse e dentro de um contexto de sociedade de risco, extraí-se do
normativo que as escolhas estatais políticas, bem como o desenvolvimento do mercado devem
que ser pautados na existência digna e da justiça social, conceitos esses que permeiam e se
entrelaçam com as escolhas éticas e morais que a sociedade faz dos níveis aceitáveis dos
riscos.
Assim, as sociedades de risco se valem dos chamados “limites de tolerabilidade, ou
seja, as externalidades negativas são muitas vezes considerados riscos socialmente toleráveis,
em virtude de o risco constituir o padrão da sociedade normal”,19 sendo, pois, imprescindível
que sejam estabelecidos formas de controle, limites para o crescimento econômico.
19
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: RT, 2005. p. 193.
451
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Nesse contexto, considerando que as escolhas estatais dos níveis de proteção do meio
ambiente e dos riscos que serão assumidos pela coletividade passam pelos conceitos da ética,
da moralidade, e principalmente da necessidade do debate esclarecido no seio da sociedade,
muitas vezes, a função judicial no contexto do Estado de Direito deve ser ampliada, a fim de
que os interesses da sociedade quando não preservados pelos instrumentos estatais e
administrativos, possa a jurisdição avaliar e garantir o nível de proteção pretendido pela
sociedade para a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e
para as futuras gerações.
20
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Perspectivas e Tendências Atuais do Estado Constitucional. Trad. José
Luis Bolzan de Morais, Valéria Ribas do Nascimento. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 p.17
21
Ibid., p. 17.
22
HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta de intérpretes da constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre. Sérgio Antonio Fabris Editor,1997. p. 13.
23
Ibid., p. 14
452
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
24
LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Op.cit. p. 21.
25
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 116.
26
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. 1a. ed. 2002. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1988. passim.
27
Ibid., p.69.
453
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
28
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. 1a. ed. 2002. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1988. p.69.
29
Ibid., 69.
30
Ibid., p.71-73.
31
AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p.104.
454
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
32 32
AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p.16.
33
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed., São Paulo: Editora Max Limonad, 2001, p.169.
455
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
34
LASCOUNE, P. La précaution um noveau satndart de jujement. In: Espirit, Nov.,1997,p.131. Apud:
BERGEL, Salvador. El princípio precautorio y La transgenis de lãs variedades vegetales. In: BERGEL,
Salvador; DIAZ, Alberto. Biotecnologia y sociedade. Buenos Aires: Ciudad Argentina,2001.p.77.
456
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
repassadas a contento, os instrumentos estatais falham (justamente porque foram feitos para
prevenir os perigos já conhecidos), e o poder judiciário ganha campo para atuar, vez que é
invocado a se retirar do estado inerte para restabelecer o equilíbrio das relações e atender aos
comandos constitucionais de proteção ao meio ambiente mesmo diante de um contexto de
incertezas.
Assim, almejando a concretização da proteção constitucional do meio ambiente no
seio da sociedade de risco global, diante das atividades com potenciais degradantes
desconhecidos, o poder jurisdicional deve se valer dos postulados principiológicos e legais
para concretizar a proteção que se espera, e para tanto, à luz dos princípios da prevenção e da
precaução, vê-se a introdução de técnicas que visam à facilitação ou à superação das
dificuldades da demonstração do nexo de causalidade para o estabelecimento da relação de
imputação do dano ambiental, onde o principal deles é representado pela inversão do ônus da
prova, típico recurso de índole precaucional.35
Observa-se, então, que o poder jurisdicional para garantir o nível de proteção
pretendido pela sociedade diante do desconhecido, se vale especialmente do princípio da
precaução para justificar a utilização de técnicas que facilitem a obtenção da proteção, uma
vez que o contexto de probabilidade indicia perigo abstrato e incerto que pode ocasionar
desastres de grande monta, especialmente quando se tratam de atividades radioativas,
modificações genéticas e outras que acarretam maior grau de periculosidade invisível.
O professor Oliver Godard explica que a cada momento vivido pela sociedade, “o
conjunto de exigências pesa sobre as medidas a serem tomadas, devendo, pois, serem
proporcionais ao nível de proteção desejado, no estado dos conhecimentos disponíveis e
reversíveis, e sempre coerentes”.36
Com o fito de primar pela aplicação desigual dos regramentos legais, quando
evidenciada a desigualdade das partes, in casu, o meio ambiente vulnerável frente aos agentes
nocivos provocados pelas atividades do homem, o redimensionamento do encargo probatório
conduz à flexibilização do ônus, e, permite ao judicante “avaliar qual das partes está em
melhores condições de produzir determinada prova”.37
35
AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p.154.
36
GODARD, Olivier. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das demandas sociais. In:
VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flavia Barros (orgs.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004. p. 169.
37
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e o meio ambiente. São Paulo: Forense Universitária,
2003, p. 208 – 21.
457
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Fredier Didier Jr. ensina em sua obra que a importância da função principiológica
dos postulados é inequívoca, apresentando uma função de início ou origem, “também
chamado de verdades primeiras, são o ápice do sistema, as premissas das quais por extração
dedutiva, em uma cadeia fechada de silogismos, se extrairiam as demais normas”.40
Em estudo ao ordenamento vigente, vislumbra-se que a repartição do encargo
probatório é “a espinha dorsal do processo”41, e, nesse sentido, o Código Processual Civil
prevê em seu art.333 a teoria estática do encargo probatório, em suma, incumbe ao autor,
quanto ao fato constitutivo do seu direito, e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. Assim, no entendimento de José Frederico
3838
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e o meio ambiente. São Paulo: Forense Universitária,
2003, p.21.
39
CARPES, Artur. Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 44.
40
DIDIER, Fredie Jr; ZANETI, Hermes Jr. Curso de direito processual civil. Vol. 4. Salvador: JusPodivm,
2011. p. 101.
41
ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea, 1956. p. 55.
458
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
42
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1987. p.187.
43
DIDIER, Fredie Jr; ZANETI, Hermes Jr., op. cit. p. 76.
44
PEYRANO, Jorge W. LEPORI WHITE, Inés (org.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fé: Rubinzal-
Culzoni, 2008. p. 20.
45
BARBERIO, Sergio José. Cargas. In: PEYRANO, Jorge W. LEPORI WHITE, Inés., op.cit. p. 103.
459
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
46
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual
civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 436.
47
DIDIER JUNIOR, Fredier; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil.
Vol. 4. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 92.
48
CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma
possível solução. Revista dialética de direito processual. São Paulo: Dialética, 2005, n.31, p.12. In: DIDIER,
Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. op. cit. p. 92.
49
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum, 2:
tomo I, 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 276.
460
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
50
AYALA, Patryck de Araújo. Princípio da precaução na constituição brasileira: aspectos da proteção jurídica da
fauna. In: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira & IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney (orgs.). Novas
perspectivas do direito ambiental brasileiro: visões interdisciplinares. Cuiabá: Cathedral, 2009. p.139.
51
AYALA, Patryck de Araújo. O princípio da precaução como impedimento constitucional à produção de
impactos ambientais. In: "A priori". Disponível em: <a href=http://www.apriori.com.br>. Acesso em: 14 fev.
2012.
461
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Desta forma, vê-se claramente do pensamento exposto, que a intenção não é engessar
a atividade probatória com imputações de responsabilidades para cada situação, o caminho na
verdade, se revela totalmente contrário, é de a cada caso posto sob exame, o julgador poderá
fundado do princípio da precaução analisar todos os elementos que compõe o litígio, e,
mediante decisão baseada na ética e na moralidade estabelecer os encargos pertencentes a
cada parte.
E conclui o professor afirmando que “o princípio da precaução não consiste em
inverter o ônus da prova, concepção paradoxalmente marcada por um cientificismo arcaico,
mas em organizar a prevenção dos riscos em relação à evidência de prova, esta podendo ser a
favor ou contra”.54
Não deve ser desconsiderado que afastar o dano ambiental e a degradação do meio
ambiente, em si mesmo, é um elemento decisivo em qualquer regime construído sobre o
52
MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as
peculiaridades do caso concreto. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/2201> Acesso em:
14 fev. 2012.
53
GODARD, Olivier. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das demandas sociais. In:
VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flavia Barros (orgs.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del
Rey, p.168.
54
GODARD, Olivier. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das demandas sociais. In:
VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flavia Barros (orgs.). op. cit. p.168.
462
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
5 CONCLUSÕES
Diante da análise empreendida neste estudo, pode se concluir que:
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental
consagrado nos principais diplomas constitucionais ocidentais, inclusive na Constituição
Federal de 1988.
Todavia a previsão expressa na Constituição em que pese a relevância para o
surgimento do constitucionalismo ambiental, carece ser efetivada à luz dos princípios
informadores do direito ambiental, igualmente previstos na constituição, entre os quais se
destacam os princípios da precaução e da prevenção.
Neste sentido também é de se entender que a sociedade atual, passou de uma
sociedade industrial para uma sociedade de riscos, vez que o desenvolvimento econômico e o
463
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
progresso da humanidade trouxe consigo riscos decorrentes dessa busca desenfreada pelo
desenvolvimento industrial, tecnológico, científico, entre outros.
Não se pode ignorar, portanto, os perigos ainda que abstratos, e os riscos produzidos
com o desenvolvimento econômico, bem como os decorrentes da utilização não sustentável
dos recursos naturais pela sociedade, surgindo, então a necessidade de regulamentação das
atividades por meio de instrumentos capazes de compreender a vulnerabilidade do meio
ambiente, bem como o nível de proteção a ser adotado pela coletividade.
O Estado, nesta quadra, podendo ser considerado um Estado de Direito Ambiental,
ou simplesmente um Estado Ambiental no pensar do direito germânico, incorporado aos
Estados que vem reconhecendo a fundamentabilidade do direito ao meio ambiente, deve ser
um gestor desses riscos.
Desta forma, tem que lançar mão da modificação de paradigmas inflexíveis, rígidos
de proteção ambiental, não apenas no campo normativo, mas na concretização desta proteção.
Neste pensar, a efetividade dos instrumentos de proteção passa por uma análise do
objetivo maior do Direito processual (constitucional) ambiental, desde a percepção de que é
necessário utilizar novos mecanismos para alcançar uma tutela jurisdicional adequada e justa,
até redimensionar instrumentos desta tutela.
Assim, as ações empreendidas visando a concretização deste direito fundamental,
tanto pela iniciativa pública como pela privada, devem ser permeadas pelos princípios da
prevenção e da precaução, tendo em vista o nível de proteção escolhido pela sociedade,
devendo o Estado atuar como um gestor atento às abstrações e incertezas que o modelo
societário atual impõe.
Neste ínterim, a redistribuição do ônus de provar pode ser entendida como um
instrumento apto a dividir as obrigações e deveres entre as partes à luz do processo
(constitucional) coletivo, capaz de proporcionar equilíbrio durante a investigação, bem como
durante os procedimentos que visam a proteção do meio ambiente frente às atividades
degradantes e especialmente diante das que apresentam riscos abstratos, invisíveis e
desconhecidos dos saberes da ciência.
E para tanto, se propõe desde a esfera administrativa até a esfera judicial o
redimensionamento no conceito do ônus da prova com o fito de proporcionar equilíbrio e
efetividade na concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado para a presente, bem como para as futuras gerações.
464
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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466
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
1
Do francês (fígado gordo); Fígado de pato/ganso aumentado pela quantidade de gordura localizada,
proveniente de uma superalimentação do animal. Iguaria da culinária francesa, geralmente servido como patê.
2
Advogado. Especialista em Ciências Penais pela UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora/MG. Extensão
em História do Direito pela FDUL – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal). Professor de
Direito Ambiental e Coordenador Pedagógico do Curso de Direito do CESA – Centro de Estudos Superiores
Aprendiz (Barbacena/MG). Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela ESDHC –
Escola Superior Dom Helder Câmara (Belo Horizonte/MG).
3
Advogado, sacerdote, Mestre e Doutor em Direito Internacional, professor de Direito Internacional, Pró-Reitor
do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável e Professor de
Fundamentos de Metodologia da Pesquisa no Curso de Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável na Escola Superior Dom Hélder Câmara em Belo Horizonte – MG.
467
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ABSTRACT
It seeks to analyze in this article the Health and Safety Code of the United States regarding
the foie gras before the loopholes that allow the dedicacy of French cuisine contribute to
mistreatment of birds such as ducks and geese. Trough literature research and analytical-
deductive method used, we seek to identify the relevant laws to protect the fauna and thus
condemn the mistreatment of birds above. It is known that the Fauna is an integral part of the
natural environment that receives constitutional protection under Article 225, §1, section VII
and infraconstitutional by Law 5197/67, known as the law of protection of fauna, as well as
the Environment Crimes Act. The products from the mistreatment and killing of the birds led
the U.S state of California, in mid-2012 to approve changes to its Health and Safety Code,
banning the sale of foie gras. Hence the need for a comparative analysis as a mechanism of
formation of public opinion in order to amend legislation homeland.
KEYWORDS: Fauna; Maltreatment; Foie-gras; Health and Safety Code.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO; 2 MEIO AMBIENTE: NOTAS INTRODUTÓRIAS; 3 PROTEÇÃO
JURÍDICA DA FAUNA; 3.1 Importância da Fauna; 3.2 Proteção jurídica propriamente dita;
4 ALIMENTAÇÃO FORÇADA DE ANIMAIS: ÉTICA AMBIENTAL E FOIE GRAS; 5
CÓDIGO DE SEGURANÇA E SAÚDE DA CALIFÓRNIA; 6 A LACUNA DA
LEGISLAÇÃO CIVIL E A DESPROPORCIONALIDADE DA LEI PENAL; 7
CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A Fauna, parte integrante do meio ambiente natural, recebeu proteção constitucional
no artigo 225, §1º, inciso VII e infraconstitucional pela Lei 5197/67, também conhecida como
lei de proteção à fauna, assim como pela Lei de Crimes Ambientais. Entretanto, as lacunas
legislativas estão permitindo que uma iguaria da culinária francesa denominada foie gras,
cresça através de maus-tratos em aves como os patos e gansos. A relevância do tema decorre
do próprio status constitucional de direito fundamental atribuído ao meio ambiente e a
necessidade de coibir as atividades e condutas lesivas ao meio ambiente e, no caso em tela, à
fauna em face da matança de aves para atender um determinado setor comecial.
O foie gras é o fígado das aves acima relacionadas com hipertrofia, ou seja, o
aumento demasiado de seu órgão vital mediante o acúmulo de gordura. Os criadores
468
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
conseguem atingir tal fato mediante a alimentação forçada destes animais, causando-lhes
vários ferimentos. A partir disso, surge a necessidade de repensar na eficácia de medidas
protetoras para coibir tais práticas delituosas e destrutivas da fauna, acarretando danos
irreparáveis ao meio ambiente, objeto do primeiro capítulo, enquanto importante bem
jurídico.
No capítulo 2 será dado o enfoque sobre o meio ambiente, suas características e
denominações, assim como o debate acerca da divisão didática do meio ambiente, findando
com a delimitação da fauna no meio ambiente natural.
Por conseguinte, no capítulo 3, a fauna receberá uma análise legislativa e doutrinária
de seus componentes, assim como ressaltando a sua importância para o ser humano.
No capítulo 4 a delimitação será da alimentação forçada de animais, momento em
que se trará uma análise de ética ambiental frente ao foie gras, além de estruturar a
necessidade de legislação que busque coibir a venda do produto em tela.
Em prosseguimento, o capítulo 5 analisará o Código de Saúde e Segurança do estado
norte-americano da Califórnia, o qual proibiu expressamente a venda de foie gras, sendo, para
tanto, uma verdadeira mudança de paradigmas que exige, com mais racionalidade, uma
atitude cidadã comprometida com a defesa da fauna e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Por fim, o último capítulo (6) versará sobre a legislação brasileira e suas lacunas sob
a ótica da desproporcionalidade da lei penal para o revendedor da iguaria gourmet, e citará
eventual conclusão para a problemática assentada no método analítico-dedutivo.
469
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ecologista que apreende o ser humano como um organismo entre milhares de outros
e considera que todas as formas de vida têm direito a uma existência autônoma.
(2011 apud Ferry, 2009. p. 142).
Por seu turno, na seara jurídica, Beltrão (2011, p. 22) ensina que direito ambiental
pode ser conceituado como o “conjunto de princípios e normas jurídicas que buscam regular
os efeitos diretos e indiretos da ação humana no meio, no intuito de garantir à humanidade,
presente e futura, o direito fundamental a um ambiente sadio”.
A Resolução 306/02 do CONAMA, em seu Anexo I, inciso XII, menciona que meio
ambiente é o “conjunto de condições, leis, influência e interações de ordem física, química,
biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é conhecida por ter sido
pioneira no garantismo ambiental, a qual reservou capítulo específico:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
470
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. (BRASIL, 2012)
471
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Fauna pode ser conceituada nas lições de Fiorillo (2011, p. 279) como “coletivo de
animais de uma dada região”.
O início da colonização do Brasil foi marcado, especialmente, pela exploração dos
recursos naturais sem uma consciência protetiva para a presente e futuras gerações. Naquela
época o ambiente parecia ser infinito e qualquer extrativismo era aceito. Assim, várias matas e
florestas foram devastadas.
Por sua vez, considerando a grande diversidade da fauna brasileira, muitas espécies
foram levadas para Europa, assim como o extermínio foi marco predominante da religião e da
subsistência da época.
Como é cediço, a fauna é uma das facetas estruturais do próprio meio ambiente. Um
desequilibro das espécies animais pode acarretar um descontrole extremo da cadeia alimentar,
atingindo assim, uma densidade e extensão de dano imensurável.
472
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Além desta estrutura dos ecossistemas, a fauna também é de grande importância nos
fatores: alimentar, turístico e beleza cênica, além do educativo.
A relevância alimentar se dá em virtude de que a raça humana sempre fez uso dos
animais como fonte de subsistência através da caça. A noção de vegetarianismo surgiu na
época moderna, sendo que os traços históricos sempre remetem à caça de subsistência.
Inicialmente, os animais que eram sacrificados para a alimentação humana girava em torno
dos bovinos e dos suínos. Contudo, recentemente, é comum a ingestão de carne de rã, de
capivaras, tatus, dentre outras espécies. Todas na cultura ocidental. Por seu turno, a cultura
oriental sempre possuiu uma alimentação de animais exóticos como carne de cobra,
escorpiões, aracnídeos, dentre vários outros. Independente da cultura, conclui-se que a fauna é
cotidianamente presente na alimentação das pessoas.
Por sua vez, a característica turística e de beleza cênica é bem rotineira. A manutenção
da fauna silvestre possibilita uma exploração do turismo. A criação e manutenção de parques
e reservas naturais possibilita que as pessoas observem a enorme beleza plástica dos animais,
o que, de fato, amplia a consciência protetiva. Outro elemento de turismo ecológico são os
próprios zoológicos que permitem a convivência de várias espécies num mesmo local. A
gestão é dada por profissionais da área, os quais tentam criar características dos próprios
habitats, tornando-os o mais próximo da realidade de cada animal, visando uma melhor
adaptação e expectativa de vida saudável.
Por fim, o espectro educativo possibilita aos pesquisadores conhecer a vida animal
através do binômio observação-estudo, concretizando a evolução da ciência. A evolução da
ciência ambiental permite, inclusive, uma proteção das espécies, como por exemplo, no
resgate de baleias encalhadas, de captura e readaptação de pinguins, dentre vários outros. O
homem em prol da natureza.
Apesar de toda esta importância, ainda existem pessoas ou até mesmo comunidades
que consideram os animais como coisas, acreditando que podem fazer qualquer tipo de ação
com os mesmos. Merecem destaque, as pequenas comunidades interioranas, onde são
facilmente localizáveis indivíduos que saem de suas casas com gaiolas e alçapão com a
finalidade de capturar aves, criá-las e até mesmo vendê-las. Outro fator que também pode ser
visualizado é a crueldade propriamente dita, como por exemplo, matar cães e gatos afogados
em rios; ceifar a vida de aves; rinhas de galos; dentre várias outras atividades.
Por conseguinte, a fauna é sujeito de intervenções econômicas de grande calibre. O
Brasil, por ser país extenso e de clima tropical, abarca uma infinidade de espécies animais,
desde as mais comuns até as exóticas. Em virtude disso, há uma grande prática de crime de
473
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
No que se refere à fauna, verifica-se que houve uma evolução descompassada das
legislações ao redor do mundo, sendo que um dos marcos legislativos protecionistas dos
animais surge em meados do Século XVII, conforme ensina Heron (2009, p.61):
Somente no século XVII, vão surgir as primeiras leis de proteção aos animais, como o
Código de 1641, da Colônia inglesa de Massachusetts Bay, considerada ainda hoje a
primeira lei do mundo ocidental a proteger os animais domésticos contra a crueldade.
Um dos diplomas mais festejados foi a Lei Martin de 1822, a qual proibia qualquer tipo de
crueldade contra os animais, especialmente nas touradas e rinhas de galo. É preciso salientar que,
após a tal diploma legal, vários países legislaram sobre o tema, como por exemplo Lei Grammont
da França que vedava os maus tratos a animais em locais públicos.
A partir da década de 1970, ativistas passaram a reivindicar maiores avanços na política de
proteção aos animais.
O principal marco desse período foi a publicação do livro “Libertação animal”, do escritor
australiano Peter Singer. A obra de Singer, além de denunciar veementemente os abusos sofridos
pelos animais nos laboratórios científicos e nas fazendas industriais, questionou também a forma
como esse tratamento violava o princípio fundamental de justiça.
No cenário nacional, a fauna recebeu proteção constitucional no artigo 225, §1º, inciso VII o
qual dispõe que incube ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as
práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade”. No âmbito infraconstitucional, há a Lei 5197/67, também
conhecida como lei de proteção à fauna, a qual, em seu artigo 1º mencionou que os animais de
quaisquer espécies pertencem ao Estado:
474
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo
proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. (BRASIL, 2012).
2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou
explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao
serviço dos animais
475
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
476
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Diante do exposto algumas dúvidas surgem, como, por exemplo, por que os patos e
gansos? Isso ocorre em virtude de que as aves aquáticas têm a elasticidade do esôfago para
armazenar comida para passar temporadas sem alimentação (geralmente no inverno). Outro
questionamento é a motivação, a qual é facilmente desvendada, ou seja, o cunho econômico.
Na França, o produto é extremamente tradicional em datas comemorativas e de alto valor
pecuniário.
Este alimento foi objeto de inúmeras manifestações de ativistas, podendo se destacar
o Humane Society of USA, o Animal Legal Defense Fund, as ONGs francesas Stopgavage e
L214.
Acerca da própria ética em produzir este alimento que divide os chefes de cozinha e
os ambientalistas, as lições de Milaré (2011, apud Lipovetsky, p. 158) expressam a
modificação do campo semântico da ética geral e sua enérgica ampliação diante da análise do
comportamento humano:
A ideia de que ‘a Terra está em perigo de morte’ impôs uma nova dimensão de
responsabilidade, uma concepção inédita das obrigações humanas que ultrapassa a
ética tradicional, circunscritas às relações inter-humanas imediatas. A
responsabilidade humana deve, agora, estender-se às coisas extra-humanas, englobar
a dimensão da biosfera inteira, uma vez que o homem possui os meios para pôr em
perigo a vida futura no Planeta. Segundo os ‘fundamentalistas’, temos que
reconhecer, independentemente do bem humano, o valor da ecosfera em si, tempos
que redescobrir a dignidade intrínseca da natureza; segundo a maioria, temos que
respeitá-la por nós, concebê-la como um patrimônio comum a transmitir às gerações
futuras. Qualquer que seja a profundidade desta clivagem, a Ética clássica, centrada
no próximo e na proximidade dos fins, já não parece suficiente, a técnica moderna
engendrou efeitos tão inéditos, tão potencialmente catastróficos, que é necessária
uma ‘transformação’ dos princípios éticos. A civilização tecnicista tem necessidade
de uma ‘ética do futuro.
477
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Para Singer, a ética alimentar vem sendo negligenciada na cultura atual, com
escolhas ruins das pessoas, porque essas desconhecem a origem desses produtos e a
sua interferência moral e salutar na vida dos humanos. ‘A produção animal se
beneficia da ignorância do publico acerca dos métodos de produção’. Ele entende
que muitos mudariam sua dieta alimentar se soubessem como são tratados os
animais, a origem dos alimentos que ingerem e como são produzidos. Ele recorda
que, a partir do ano de 1975, o consumo de carne de vitela caiu um quarto em razão
de informações divulgadas por ONGs sobre como é produzida aquela carne. Pela
mesma razão (acesso à informação), o oposto ocorreu com os alimentos orgânicos,
que se apresentam atualmente como um dos setores que mais cresce na indústria. Se
o consumidor deixar de comer o frango abatido, ignorando-o no congelador do
supermercado, a lei da oferta e da procura regulará o comércio, de forma a produzir
mais produtos vegetais, com melhores preços, variedades e qualidade.
O trâmite de engorda inerente à produção do foie gras, justifica, por si só, a abolição
do mesmo. Em virtude disso, vários países já baniram tal iguaria. Todavia, o maior foco de
análise será o Código de Saúde e Segurança da Califórnia, o qual entrou em vigor em julho de
2012 e proibiu além da criação de patos e gansos para a finalidade de alimentação forçada, a
vedação do comércio, conforme será exposto no capítulo seguinte.
478
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4
Le foie gras fait partie du patrimoine culturel et gastronomique protégé en France. On entend par foie gras, le
foie d'un canard ou d'une oie spécialement engraissé par gavage.
5 25980. For purposes of this section, the following terms have the following meanings:
(a) A bird includes, but is not limited to, a duck or goose.
(b) Force feeding a bird means a process that causes the bird to consume more food than a typical bird of the
same species would consume voluntarily. Force feeding methods include, but are not limited to, delivering feed
through a tube or other device inserted into the bird's esophagus.
6
25981. A person may not force feed a bird for the purpose of enlarging the bird's liver beyond normal size, or
hire another person to do so.
479
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
uma efetivação da proteção à fauna, em especial para as aves aquáticas sujeitos do debate, o
Estado da Califórnia inseriu multa para as pessoas que descumprirem a legislação de
banimento ao foie gras, conforme artigo 25983, alíneas “a”, “b” e “c” do Código de Saúde e
Segurança do referido Estado norte-americano, in verbis:
25983. (A) Um oficial de paz, oficial de uma sociedade humana como qualificado
nos termos do Artigo 14502 ou 14503 do Código das Sociedades, ou funcionário de
um departamento de controle de animais ou animais regulamentação de um órgão
público, como qualificado sob a Seção 830,9 do Código Penal, pode emitir uma
notificação a uma pessoa ou entidade que viole esta capítulo. 7
(B) A notificação emitida nos termos deste artigo exige o pagamento de multa civil
no valor de até mil dólares ($1000) por cada violação, assim como multa de mil
dólares por dia de descumprimento. A multa civil deve ser a pagar à agência local de
início do processo para compensar os custos com a agência relacionada ao tribunal
correspondente.
(C) A pessoa ou entidade que viole este capítulo pode ser processado pelo
procurador distrital do condado em que o violação ocorreu, ou pelo advogado da
cidade da cidade em que o violação ocorreu. (USA, 2012. tradução livre).
7
25983. (a) A peace officer, officer of a humane society as qualified under Section 14502 or 14503 of the
Corporations Code, or officer of an animal control or animal regulation department of a public agency, as
qualified under Section 830.9 of the Penal Code, may issue a citation to a person or entity that violates this
chapter.
(b) A citation issued under this section shall require the person cited to pay a civil penalty in an amount up to
one thousand dollars ($1,000) for each violation, and up to one thousand dollars ($1,000) for each day the
violation continues. The civil penalty shall be payable to the local agency initiating the proceedings to enforce
this chapter to offset the costs to the agency related to court proceedings.
(c) A person or entity that violates this chapter may be prosecuted by the district attorney of the county in which
the violation occurred, or by the city attorney of the city in which the violation occurred.
480
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
sapatos; Todos estão unidos neste propósito. Tais requisitos foram descritos por MULLINS
(2012, s/p)8 e descritos nos próximos parágrafos.
Em relação ao primeiro slogan da campanha para banir a iguaria da Califórnia,
Alimentação forçada é selvagem, destacou-se que esta prática é equivalente a um
afogamento, onde insere-se alimentos e vitaminas contra a vontade do animal, destacando a
crueldade da medida.
Em prosseguimento, o segundo elemento trata o Foie Gras como doença –
literalmente, colocando em destaque que a alimentação forçada causa variações no fígado das
aves aquáticas, fazendo-o aumentar de tamanho em até dez vezes, resultado de doença
denominada esteatose hepática, a qual foi o foco da proibição do produto. O consumidor não
pode ser atingido por um alimento “doente”. Além disso, conforme expresso em linhas
anteriores, as aves também sofrem de hemorragia interna, infecções, dentre várias outras
causas de redutibilidade da saúde do animal.
Por conseguinte, proceder-se-á a análise do terceiro caractere da campanha que
compreendia o forte termo: “Foie Gras me faz – e também os patos – vomitar”; A expressão é
impactante e direta, fazendo o receptor da imagem a efetuar breve e rápida reflexão sobre o
assunto. A organização norte-americana ainda destacou que, diferente das afirmações dos
comerciantes de Foie Gras, os patos/gansos têm reflexo de vômito e, de fato, muitas vezes o
fazem após serem alimentados à força. Soma-se ao fato que nesta ação involuntária, muitas
vezes, pode causar asfixia do animal, levando-o à morte instantânea.
“Patos não são sapatos” é a quarta expressão a ser analisada. Pesquisas e vídeos
apaisana foram objeto de conclusão do ambiente físico de produção da iguaria francesa em
debate. Constatou-se que as aves ficam trancafiadas em compartimentos menores que caixas
de sapatos e que, na maioria das vezes, não se movimentavam. Assim, a movimentação de
asas, patas pode gerar tremendo desconforto à estas aves.
Por fim, o ativismo foi balizado no termo: Todos estão unidos neste propósito. Tal
concepção indica que a alimentação forçada vem sendo denunciada mundialmente por
especialistas da área animal. As opiniões convergentes do grupo científico permitiu a
proibição em vários países, conforme citados acima.
Diante da análise de toda esta argumentação acerca da alteração do Código de Saúde e
Segurança da Califórnia, duas conclusões são possíveis. A primeira refere-se ao embasamento
8MULINS, Alisa. Top five reasons to ban foie gras. Disponível em:
<http://www.peta.org/b/thepetafiles/archive/2012/07/01/top-5-reasons-to-ban-foie-gras-nationwide.aspx>
Acesso em 14/11/2012.
481
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
da campanha para banir o foie gras. Verifica-se que há embasamento científico para toda a
movimentação dos ativistas a fim de retirar este prato antiético das mesas das pessoas ao
redor do mundo. Por seu turno, a segunda consideração constitui na alteração da lei
propriamente dita. As mudanças ocorreram de forma pontual, o que possibilita a execução
total da norma, vez que prevê a conduta proibitiva de criação de aves para um fim específico
assim como a venda do produto alimentício em tela, assim como há extensão da
responsabilidade para prepostos e terceiros e, por derradeiro, a aplicação pecuniária para o
descumprimento da medida.
Contudo, no Brasil, há lacuna legislativa em relação à esta iguaria gourmet. É o que
será exposto e debatido no próximo capítulo.
482
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Assim, interpretando os dois artigos conclui-se que as aves devem ser abatidas sem
sofrimento, o que destoa completamente do procedimento de engorda para foie gras.
Contudo, o Decreto 30691/52 ainda permite a degola (sem insensibilização) nos casos de
cunho religioso, o que, de fato, pode trazer uma obscuridade e faceta de descontrole Estatal.
Tal fato é expresso por Nogueira (2012, p.212) mencionando o “desvio de finalidade” de
carnes na Inglaterra:
Singer denuncia que, na Inglaterra, grande parte dos abates tidos como religiosos
não são para exportação a países que exigem o ritual, mas sim para abastecer o
próprio mercado interno. Daniel Lourenço afirma que a degola cruenta, sem prévia
insensibilização, causa intensa dor física e psíquica nos animais. Ele cita Levai para
lembrar que mesmo o abate não ritualístico causa sofrimento, pois os estímulos
elétricos, o cheiro de sangue e a vocalização dos outros animais na rampa e no boxe
aterrorizam os demais, sendo necessário, muitas vezes, utilizar o bastão elétrico (os
animais apresentam pupilas dilatadas e midríase ocular que são sinais de pânico e
sofrimento). O autor discute inclusive a legalidade do abate ritualístico,
questionando até que ponto esse ritual (kosher ou halal), sem a insensibilização
prévia, seria constitucional, posto que o artigo 225, §1º, VII, da Constituição proíbe
a crueldade contra o animal.
483
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Percebe-se que este sistema legislativo não é amplamente seguro ao passo que deixa
como caráter o que é religião. Num aprofundamento de análise chegar-se-á a uma discussão
acerca de direitos fundamentais (vida) dos animais.
Seriam os animais sujeitos de direito? Este questionamento deve ser visto sob a ótica
confirmatória, visto que a proteção à fauna tem status constitucional, podendo ser considerada
direito fundamental.
O direito à vida sofreu reflexões e evoluções conceituais e de abrangência, sendo que
incluiu-se a dignidade como elemento formador e, inevitavelmente, incluiu-se ao debate o
direito à vida animal como direito fundamental. Neste cenário, NOGUEIRA (2012, p. 278)
ensina:
Os direitos fundamentais nasceram da necessidade de proteger-se a vida humana,
principalmente em face do poder estatal. Posteriormente, evoluíram para a proteção
da vida humana com dignidade, ou seja, uma vida que tenha um mínimo existencial,
como liberdade, integridade física e alimentação, que dê condições ao homem para
ser feliz e fazer jus ao título de sujeito moral. Agora, o mundo contemporâneo
tornou-se demasiadamente complexo, acordou-se para o fato de que homem e
natureza são interdependentes, contudo, paradoxalmente, travam uma luta velada,
homens x natureza. As guerras já não são feitas somente entre humanos. A natureza,
à medida que é destruída paulatinamente pelos homens, resiste mostrando sua força
em graves sinistros ambientais (chuvas torrenciais, furacões, tsunamis, etc).
484
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa
§1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal
vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos
alternativos.
§2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se ocorre a morte do animal.
Como pode se ver, o tipo penal incrimina a conduta de “abuso”, ou seja, qualquer
violação dos limites naturais da espécie, um ingresso no meio de vida do animal, como por
exemplo: confinamentos; já o tipo de “maus-tratos” é o mais amplo possível abarcando todas
as situações que criem alienações físicas na fauna, dor ou até mesmo desconforto; em relação
ao tipo “ferir”, sua compreensão é bem simplificada atendo-se ao fato de causar ferimentos
nos animais; por fim, porém não menos importante, o tipo “mutilar” que pode ser entendido
como destruição parcial, ou seja, perda de membros ou partes significativas do corpo.
Soma-se também a causa de aumento, prevista no §2º, a qual amplia a sanção penal
de 1/6 a 1/3 se houver a morte do animal.
Partindo-se do pressuposto que a alimentação forçada de animais é uma prática de
maus-tratos, dois entendimentos devem ser cindidos. O primeiro condiz com a situação da
criação saudável para o abate, logo, a morte do animal é inevitável. Não é esta conduta que o
preceito primário do artigo 32 da Lei 9605/98 busca. O objeto principal de proteção jurídica é
a morte proveniente de maus-tratos. Assim, as espécies que vierem à óbito em virtude desta
alimentação incorreta deverá ser recriminada pelo Estado.
Entretanto, esta enérgica resposta Estatal não é aplicável à venda da iguaria gourmet
antiética. Neste caso, há uma lacuna na legislação nacional, além de existir uma
desproporcionalidade da sanção penal, a seguir exposta.
Inicialmente cumpre frisar que, no Brasil, a conduta de maus-tratos está disciplinada
em seara dúplice, quais sejam criminal e cível. A criminal pune com pena de detenção e multa
o agente causador dos maus-tratos contra animais.
Por seu turno, há ainda multa por maus-tratos e mutilação de espécies da fauna
brasileira. Apesar de multa em ambas as esferas, o tipo descrito não é completamente perfeito
ao caso que pretende-se incrementar.
Conforme dito em linhas anteriores, a permissão de comercialização e venda livre do
foie gras gera, em efeito cascata, o aumento da produção da iguaria culinária e,
consequentemente, o acúmulo destas práticas com aves aquáticas.
A lacuna legislativa deveria ser suprida com o incremento de alguns artigos ou
parágrafos na legislação civil e penal, proibindo definitivamente o comércio de foie gras no
485
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Brasil, como foi feito no Estado da Califórnia (EUA) e em muitos países europeus, como
mecanismo contemporâneo-protetivo dos animais.
7 CONSIDERAÇOES FINAIS
Ante toda a argumentação traçada algumas conclusões podem ser retiradas e algumas
reflexões sopesadas.
Inicialmente, no que tange a fauna, imperioso ressaltar que o meio ambiente foi visto
durante séculos como fonte extrativista, sendo que o aspecto protetivo presente nos dias de
hoje foi fruto de evolução do pensamento ao redor do mundo, merecendo destaque para a
Convenção de Estocolmo, para Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e, por fim pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual foi um dos marcos histórico-
ambiental mais relevantes da memória nacional porque tratou o meio ambiente em capítulo
próprio e com uma visão protecionista.
Insta ressaltar, portanto, que a fauna é um elemento da natureza essencial para a vida
humana e o seu desequilíbrio pode afetar diretamente a própria raça humana e outros seres
vivos componentes do ecossistema e biodiversidade. A matança desgovernada de determinada
espécie animal pode acarretar uma desestabilização dos ecossistemas.
A prática de alimentação forçada é um procedimento contra a raça animal. Durante o
decurso de todas as análises da temática ficou clarividente o “abate” das aves aquáticas em
busca de um fígado que pode considerar-se doente, que é servido como iguaria da culinária
francesa. O cunho econômico e gastronômico como incentivadores dos maus-tratos. Mesmo
assim o Estado está silente.
Visando coibir tal conduta, vários Estados proibiram a alimentação forçada,
deixando, entretanto, liberada a venda do produto, o que causa um efeito cascata: proíbe-se a
prática (meio), mas possibilita-se a venda (fim). Não há um fim sem o meio. Portanto,
totalmente paradoxal. Diante deste cenário o estado norte-americano da Califórnia baniu a
alimentação forçada e a venda de foie gras.
No Brasil, a lacuna legislativa entre a prática de maus-tratos e a venda do produto
deixa a desejar. Não é proporcional aplicar sanções penais a um vendedor, considerando que
não há tipificação legal específica. A impunidade não pode predominar. Assim sendo, outro
caminho não resta a não ser a modificação da legislação ordinária a fim de proibir a venda do
foie gras para simetrizar a Constituição de 1988 e a legislação infraconstitucional, sempre em
prol da sociedade (humana e não humana – animais).
486
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
REFERÊNCIAS
BELTRAO, Antônio F.G. Direito Ambiental. 3ª ed. São Paulo: Método, 2011.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 16ª ed. São
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BRASIL. Lei 9605/98. Brasília: Senado Federal, 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso
em 20/10/2012.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 12. ed. São
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GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: Uma visão minimalista do direito penal.
5ª ed. Niterói: Impetus, 2010.
____________. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. Malheiros: São
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MULINS, Alisa. Top five reasons to ban foie gras. Disponível em:
<http://www.peta.org/b/thepetafiles/archive/2012/07/01/top-5-reasons-to-ban-foie-gras-
nationwide.aspx> Acesso em 14/11/2012.
487
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 10ª ed. Saraiva: São Paulo, 2012.
USA. Califórnia Helth and Safety Code. Sacramento: Justia US Law, 2012. Disponível em:
<http://law.justia.com/codes/california/2009/hsc/25980-25984.html> Acesso em 04/11/12.
488
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
O presente artigo pretende apresentar um estudo acerca dos inúmeros benefícios
advindos do manejo sustentável do meio ambiente, sua relevância no cenário mundial e
no ordenamento jurídico, trazendo a baila a importante relação que guarda com os
ditames constitucionais e infraconstitucionais. Entre os meios eficazes que tratam da
proteção ambiental, demonstrou-se a relevância de discorrer de forma mais aprofundada
sobre os princípios específicos e instrumentos jurídico-ambientais desse ramo autônomo
do direito. No que concerne à seara internacional, destacou-se questões relevantes no
que tange as espécies de fontes internacionais ambientais para, posteriormente, tecer
breves considerações acerca das conclusões mundiais e sua relevância para a
conservação do meio ambiente, com o escopo de conjugar a conservação do meio
ambiente com o desenvolvimento das atividades econômicas.
PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente; Constituição Federal de 1988; Princípios;
Conclusões Mundiais.
ABSTRACT
The present article aims to present a study about the numerous benefits arising from
sustainable management of environment, its relevance on the world stage and in the
legal system, showing the important relationship that keeps with the constitutional and
infra dictates. Among the effective ways dealing with environmental protection, the
relevance of discussing about the specific principles and environmental legal
instruments was demonstrated. Regarding international harvest, stood out relevant
issues concerning the species of international environmental sources to, subsequently,
discuss the world conclusions and their relevance for the conservation of environment,
aiming to combine environmental conservation and the development of economic
activities.
KEYWORDS: Environment; 1988 Constitution; Principles; World Conclusions.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Direito Negocial UEL/PR, bolsista CAPES/DS, especialista em Direito Internacional e
Econômico pela UEL/PR; renatasanomya@yahoo.com.br.
2
Mestranda em Direito Negocial UEL/PR, bolsista CAPES/DS, especialista em Direito Constitucional
Contemporâneo pelo IDCC/PR; laety_87@hotmail.com.
489
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
2 AMBIENTE
490
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
3
DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: Direito Fundamental em crise. Curitiba:
Juruá, 2003. p. 69.
4
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente.
2 ed. reformulada e atualizada da obra Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. São Paulo: RT,
2008. p. 28.
491
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
492
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei;
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
493
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
consideráveis, fazendo com que o homem se preocupasse cada vez mais com o
ambiente e sua preservação.
Essa “consciência ecológica” chamou a atenção de toda a sociedade e do poder
estatal para os problemas ambientais que se agravavam com o passar dos anos e para a
desenfreada expansão capitalista.
Por esses motivos, viu-se a necessidade de criação de normas e princípios que
regulamentassem a preservação dos recursos naturais na tentativa de garantir a
manutenção do equilíbrio ecológico em razão da qualidade de vida indispensável à
pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988, considerada um marco na legislação
ambiental brasileira, trouxe uma inovação no que diz respeito à categoria de bens,
criando a categoria de bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de
vida.
Tais bens, também chamados bens ambientais, se diferenciam dos públicos e
dos privados na medida em que pertencem a um conjunto indeterminável de pessoas e
cuja proteção interessa não apenas aos indivíduos isoladamente considerados, mas à
coletividade como um todo.
“Cabe advertir, ainda, que o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado
constitui espécie de interesse difuso, o qual integra o gênero de direitos chamados de
metaindividuais ou transindividuais.” 5
Em âmbito mundial vale lembrar a Constituição da Bulgária de 1971, a
Constituição Cubana e a Portuguesa, ambas de 1976, a Espanhola de 1978, a Chilena de
1981 e, finalmente, a Constituição Chinesa de 1982, as quais traziam em seus textos a
preocupação com a preservação do ambiente.
5
KUWAJIMA, Itiro; LEAL JÚNIOR, João Carlos. Breve ensaio sobre a relevância do direito ambiental
na contemporaneidade. Revista Jurídica Empresarial, Porto Alegre, v. 3, n. 15 , p.137-169 , ago. 2010.
494
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
6
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17 ed. revista e atualizada nos termos
da reforma constitucional (até a emenda constitucional n. 24, de 9.12.1999). São Paulo: Malheiros, 2000.
p. 95.
7
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e Coletivos: direito ambiental. São Paulo: RT, 2009.
p. 50.
495
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
8
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2 ed. revista,
atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2003. p. 46.
9
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente.
2 ed. reformulada e atualizada da obra Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. São Paulo: RT,
2008. p. 158.
496
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
10
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. 2 ed.
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2003. p. 57.
11
PIRES, Natália Taves. Breves comentários sobre a principiologia regente do direito ambiental
brasileiro. Revista Jurídica Empresarial, Porto Alegre, n. 13, mar./abr. 2010. p. 9.
12
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. 2 ed.
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2003. p. 67 e 68.
497
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
4 INSTRUMENTOS JURÍDICO-AMBIENTAIS
13
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente.
2 ed. reformulada e atualizada da obra Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. São Paulo: RT,
2008. p. 155.
14
RAMOS, Erasmo Marcos. Direito Ambiental Comparado: Brasil-Alemanha-EUA: uma análise
exemplificada dos instrumentos ambientais brasileiros à luz do direito comparado. Maringá: Midiograf II,
2009. p. 117.
498
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
15
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e Coletivos: direito ambiental. São Paulo: RT, 2009.
p. 58.
499
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Fica claro, então, que qualquer atividade ou obra com potencial para modificar
o ambiente requer a solicitação de um estudo e o prévio licenciamento para sua
permissão.
Logo, o licenciamento ambiental é uma atividade exercida pelo Poder Público,
o qual possui discricionariedade para deferi-la ou não, sempre com escopo no equilíbrio
que deve haver entre o desenvolvimento econômico sustentável e a proteção do
ambiente.
A seguir serão feitas considerações acerca de cada uma das espécies de fontes
internacionais ambientais, discutindo sua importância no âmbito internacional.
Posteriormente, será introduzido o assunto relativo às conclusões mundiais,
fazendo um paralelo entre as conferências internacionais com foco na concretização e
suas consequências para o direito internacional.
16
RAMOS, Erasmo Marcos. Direito Ambiental Comparado: Brasil-Alemanha-EUA: uma análise
exemplificada dos instrumentos ambientais brasileiros à luz do direito comparado. Maringá: Midiograf II,
2009. p. 156.
500
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
17
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio
ambiente. 2 ed. reformulada e atualizada da obra Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. São
Paulo: RT, 2008. p. 63.
18
SOARES, Guido Fernando Silva. As responsabilidades no Direito Internacional do Meio Ambiente.
Campinas: Komedi Editores, 1995. p. 72.
19
SOARES, Guido Fernando Silva. As responsabilidades no Direito Internacional do Meio Ambiente.
Campinas: Komedi Editores, 1995. p. 121 e 122.
501
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
20
LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito Ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente.
2 ed. reformulada e atualizada da obra Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. São Paulo: RT,
2008. p. 66.
21
SOARES, Guido Fernando Silva. As responsabilidades no Direito Internacional do Meio Ambiente.
Campinas: Komedi Editores, 1995. p. 132 e 133.
502
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
22
AZEVEDO, Andrea; LIMA, Gabriela. Construção do conceito de efetividade no direito. In: BARROS-
PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias (Orgs.). A efetividade do direito internacional
ambiental. Brasília: Editora UNICEUB, UNITAR e UnB, 2009. p. 21 e 22.
23
VARELLA, Marcelo Dias. Efetividade do direito internacional ambiental: Análise comparativa entre as
convenções da CITES, CDB, Quioto e Basiléia no Brasil. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flávia;
VARELLA, Marcelo Dias (Orgs.). A efetividade do direito internacional ambiental. Brasília: Editora
UNICEUB, UNITAR e UnB, 2009. p. 48.
503
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
24
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e Coletivos: direito ambiental. São Paulo: RT, 2009.
p. 21.
25
DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: Direito Fundamental em crise. Curitiba:
Juruá, 2003. p. 45.
26
GUERRA, Sidney. Direito internacional ambiental. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006.
27
GUERRA, Sidney. Direito internacional ambiental. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006.
504
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
28
RAMOS, Erasmo Marcos. Direito Ambiental Comparado: Brasil-Alemanha-EUA: uma análise
exemplificada dos instrumentos ambientais brasileiros à luz do direito comparado. Maringá: Midiograf II,
2009. p. 108.
29
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e Coletivos: direito ambiental. São Paulo: RT, 2009.
p. 21.
30
RAMOS, Erasmo Marcos. Direito Ambiental Comparado: Brasil-Alemanha-EUA: uma análise
exemplificada dos instrumentos ambientais brasileiros à luz do direito comparado. Maringá: Midiograf II,
2009. p. 112.
505
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
31
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e Coletivos: direito ambiental. São Paulo: RT, 2009.
p. 23.
506
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
32
GUERRA, Sidney. Direito internacional ambiental. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006.
33
LIMA, Guilherme do Prado; VILLARROEL, Larissa. A efetividade dos protocolos de Montreal e de
Quioto: uma análise comparativa. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias
(Orgs.). A efetividade do direito internacional ambiental. Brasília: Editora UNICEUB, UNITAR e UnB,
2009. p. 228 e 242.
34
LIMA, Guilherme do Prado; VILLARROEL, Larissa. A efetividade dos protocolos de Montreal e de
Quioto: uma análise comparativa. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias
(Orgs.). A efetividade do direito internacional ambiental. Brasília: Editora UNICEUB, UNITAR e UnB,
2009. p. 236.
507
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
6 CONCLUSÃO
35
LIMA, Guilherme do Prado; VILLARROEL, Larissa. A efetividade dos protocolos de Montreal e de
Quioto: uma análise comparativa. In: BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias
(Orgs.). A efetividade do direito internacional ambiental. Brasília: Editora UNICEUB, UNITAR e UnB,
2009. p. 246.
508
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DUARTE, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: direito fundamental em crise.
Curitiba: Juruá, 2003.
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direito ambiental na contemporaneidade. Revista Jurídica Empresarial, Porto Alegre, v.
3, n. 15 , p.137-169 , ago. 2010.
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Difusos e Coletivos: direito ambiental. São
Paulo: RT, 2009.
509
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
510
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a adoção de fontes renováveis de energia no
ordenamento jurídico, fruto da implementação dos biocombustíveis na matriz energética
nacional como instrumento concretizador do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado presente na Carta Magna de 1988. O direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, consagrado na Carta Magna de 1988, pode ser classificado,
segundo a melhor doutrina, como um direito fundamental da terceira dimensão.
Tais direitos apresentam nota distintiva dos direitos fundamentais das dimensões
antecedentes, pois se desprendem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu
titular, destinando-se à proteção de grupos humanos. Sendo assim, caracterizando-se como
direitos de titularidade coletiva ou difusa. Observando a reestruturação do setor energético
nacional, devido à progressiva inserção de fontes renováveis de energia e o tratamento
constitucional direcionados aos biocombustíveis.
ABSTRACT
This study aims to analyze the adoption of renewable energy sources in the legal system, the
result of implementation of biofuels in the national energy matrix as a tool concretizing the
fundamental right to an ecologically balanced environment present in the 1988 Constitution.
The right to an ecologically balanced environment, enshrined in the 1988 Constitution, can be
classified according to the best doctrine as a fundamental right of the third dimension.
1
Doutor em Direto pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do programa de Mestrado em Direito
Público da Universidade Federal de Uberlândia.
2
Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia.
511
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Such rights have distinctive note of fundamental rights dimensions of history, because they
give off, in principle, the figure of the man-individual as its owner and is designed for the
protection of human groups. Thus, characterizing the collective rights of ownership or diffuse.
Observing the restructuring of the national energy sector due to the progressive integration of
renewable energy and biofuels constitutional treatment directed.
512
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INTRODUÇÃO
513
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514
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fundamentais podem ser compreendidos como parâmetro hermenêutico para toda Carta
Magna de 1988. Nesta perspectiva,
a acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no
catálogo dos direitos fundamentais ressalta, por sua vez, de forma
incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais, já que
nas Cartas anteriores os direitos sociais se encontravam positivados
nos capítulo da ordem econômica e social, sendo-lhes, ao menos em
princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido caráter
meramente programático (SARLET, 2010, p.66).
Inspirado nas lições de Georg Jellinek, reportamo-nos à classificação proposta pelo
ilustre jusfilósofo alemão Robert Alexy, pelo menos parcialmente adotada (inobstante com as
devidas adaptações ao direito positivo) pelo eminente publicista de Coimbra, José Joaquim
Gomes Canotilho.
A classificação de Alexy (que divide os direitos fundamentais em direitos de
defesa e direitos a prestações) parte de uma estreita vinculação com uma concepção dos
direitos fundamentais como direitos subjetivos com sede na Constituição, no sentido de
posições subjetivas individuais justiciáveis, distinguindo-os de normas meramente objetivas
(ALEXY, 2008, p.520).
Inspirados nas lições de Robert Alexy com ajustes necessários para realidade
brasileira, Ingo Wolfgang Sarlet define direitos fundamentais como todas as posições
jurídicas concernentes às pessoas (naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva
individual ou transindividual) que, do ponto de vista do direito constitucional positivo foram
expressa e implicitamente integradas à Constituição e retiradas da esfera de disponibilidade
dos poderes constituídos, além de todas as posições jurídicas que, por seu conteúdo e
significado, possam lhes ser equiparadas, mesmo que não dispostas na Constituição formal
(SARLET, 2010, p. 167).
Os direitos de defesa caracterizam-se por exigir do Estado, preponderantemente, um
dever de abstenção – característica negativa – em que se buscam limitações ao poder estatal
frente a questões individuais e coletivas.
Por outro lado, os direitos de prestações possuem um caráter essencialmente positivo,
impondo ao Estado o dever de agir. Exigem-se do Estado condutas ativas, tanto para proteção
de certos bens jurídicos contra terceiros quanto para promoção ou garantia das condições de
fruição desses bens. Sendo de certa forma, a junção de preceitos supracitados, os direitos de
participação possuem caráter negativo/positivo, pois tem por função garantir a participação
individual na formação da vontade política da comunidade.
515
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516
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ao tomar o art. 225 da CF, para análise da natureza jurídica do direito sobre o
qual recai o bem ambiental, o primeiro ponto que nos salta aos olhos é o uso
do vocábulo “todos”, logo no início do artigo. Este termo vem determinar
quem seria o titular do correspondente direito a que se segue. Ao dizer que
todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, quer-se
identificar quais seriam os titulares deste direito. Assim, recaindo sobre
todos esta titularidade, significa que o direito ao meio ambiente é ao mesmo
tempo de cada um e de todos, no sentido de que o conceito ultrapassa a
esfera do indivíduo para repousar-se sobre a coletividade (FIORILLO;
RODRIGUES, 1997, p.79).
O titular do bem público é o Estado, que deve geri-lo em nome e em benefício da
coletividade, ao passo que o titular do bem ambiental é o próprio povo. Na verdade, o povo é
também o titular dos bens públicos, mas a diferença é que, em relação aos bens ambientais,
essa titularidade deve ser exercida diretamente pelo povo, e não por intermédio do Estado. O
inciso I do art. 2º da lei nº 6.938/81 classifica o meio ambiente como um patrimônio público a
ser, necessariamente, assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo. De acordo com
Rui Carvalho, “depreende-se do caput do art. 225 da Constituição Federal que o bem
ambiental é caracterizado por ser um bem essencial à qualidade de vida e por ser um bem de
uso comum do povo” (PIVA, 2000, p.149).
Pelo status de direito fundamental o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado clama do legislador ordinário e dos administradores pátrios políticas públicas
concretizadores deste preceito constitucional. Neste contexto, a implantação de uma política
constitucional dos biocombustíveis fundamenta-se, embrionariamente nos princípios do
direito ambiental decorrentes da fundamentalidade formal e material dos direitos
fundamentais.
Mesmo que exista significativa divergência quanto a vigência e um possível rol de
princípios reconhecidos no Direito Ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, é
inquestionável que os princípios jurídicos ambientais devem ser buscados em nossa
Constituição e nos fundamentos éticos que iluminam as relações entre os seres humanos
(ANTUNES, 2010, 22). Dentro desta perspectiva a política constitucional dos
biocombustíveis fundamentar-se-á, essencialmente, nos princípios do desenvolvimento
sustentável e da preservação ambiental.
520
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521
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522
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3
O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima - IPCC, foi estabelecido em 1988 pela Organização
Meteorológica Mundial - OMM e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA para
avaliar a informação científica, técnica e socioeconômica disponível no campo de mudança do clima.
523
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
4
Empresa de Pesquisa Energética elabora e publica anualmente o BALANÇO ENERGÉTICO
NACIONAL(BEN), mantendo tradição iniciada pelo Ministério de Minas e Energia. O BEN tem por finalidade
apresentar a contabilização relativa à oferta e ao consumo de energia no Brasil, contemplando as atividades de
extração de recursos energéticos primários, sua conversão em formas secundárias, importação e exportação, a
distribuição e o uso final da energia.
526
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2008.
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7º ed., São Paulo: Malheiros, 1997.
527
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Biocombustíveis: fonte de
energia sustentável? Considerações jurídicas, técnicas e éticas. São Paulo: Saraiva, 2010.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 8º ed., revista, atualizada
e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2000.
PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 3º ed., São Paulo: Saraiva, 2005.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed., Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010.
528
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
RESUMO
O presente artigo pretende analisar o sistema de pagamento de serviços ambientais como um
instrumento econômico de proteção ao meio ambiente. Para tanto, parte-se primeiramente de
uma análise da economia ecológica, que é um pressuposto do sistema de pagamento por serviços
ambientais, para após realizar uma análise comparativa entre os instrumentos de comando e
controle e os instrumentos econômicos e sua eficácia e custo-benefício na preservação ambiental.
Construída esta base, passa-se para a análise em si do pagamento de serviços ambientais,
definindo os serviços ambientais, e analisando-se as complexas questões de destinatários do
benefício e da valoração do serviço prestado. Como não pode deixar de ser, enumeram-se as
principais críticas ao sistema de pagamento por serviços ambientais e por fim apresentam-se
exemplos internacionais de programas de pagamento de serviços ambientais, bem como as
iniciativas nacionais. Conclui-se, enfim, que o pagamento de serviços ambientais não é uma
solução mágica para crise ambiental, porém é um mecanismo que visa corrigir a falha do
mercado que não reconhece o valor intrínseco que a natureza tem e os benefícios que ela traz ao
bem-estar da sociedade. O sistema de pagamento de serviços ambientais se bem planejado e
desenhado, com receitas financeiras fixas, com o devido monitoramento do cumprimento das
obrigações, possibilitando a participação popular na formulação desta política pública e,
conseqüentemente, trazendo um sentimento de empoderamento para as comunidades
1
Advogada. Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/RO. Conselheira do Conselho Estadual de
Recursos Hídricos de Rondônia. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. Mestranda
em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
529
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beneficiárias dos pagamentos, pode ser um instrumento eficaz não somente na proteção do meio
ambiente, mas também na redução da pobreza e das desigualdades sociais.
ABSTRACT
This article analyzes the system of payment for environmental services as an economic
instrument of environmental protection. To do so, first there is an analysis of ecological
economics, which is a presupposition of the system of payment for environmental services, and
later on a comparative analysis between the command and control and economic instruments and
their effectiveness and cost-effectiveness in environmental preservation. Upon this basis, we pass
to the analysis itself of the payment of environmental services, the definition of environmental
services and the complex issues of who should be the recipients of this benefit and the valuation
of the service. It is also listed the main criticism of the system of payment for environmental
services and finally it is presented examples of international payment programs for
environmental services, as well as national initiatives. It is concluded, finally, that the payment
of environmental services is not a magic solution to the environmental crisis, but it is a
mechanism to correct the market failure that does not recognize the intrinsic value that nature has
and the benefits it brings to the well being of society. The system of payment for environmental
services if well planned and designed, with fixed financial incomes, with appropriate monitoring
of compliance, enabling popular participation in the formulation of public policy and thus
bringing a sense of empowerment to communities benefiting from payments can be an effective
tool not only in protecting the environment, but also in reducing poverty and social inequalities.
530
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que dizem os opositores ao PSA? 3.5. Exemplos internacionais de PSA 3.5.1 Fonafifo – Costa
Rica 3.5.2 Profafor – Equador 3.6. Exemplos nacionais de PSA 3.6.1 Proambiente 3.6.2 Bolsa
Floresta 4. Conclusão
1. Introdução
É inegável que estamos vivendo um cenário de crise ambiental. François Ost (1997, p.
09) ensina que esta crise é uma crise de vínculo e de limite. “Crise do vínculo: já não
conseguimos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já
não conseguimos discernir o que deles nos distingue.” Um dos instrumentos para tentar frear esta
crise, e que vem ganhando cada vez mais interesse, é o pagamento por serviços ambientais
(PSA), que além de tutelar a natureza pode ter finalidades sociais, buscando minimizar
desigualdades sociais a que estão sujeitas populações tradicionais e comunidades carentes.
Serviços ambientais, de forma simplificada, podem ser definidos como os benefícios que as
pessoas obtêm dos ecossistemas, como a polinização, a purificação do ar e da água, a
biodiversidade. Se todos os serviços prestados pela natureza fossem contabilizados
monetariamente, o valor da fatura seria algo em torno de US$ 60 trilhões, segundo um estudo
publicado na revista Nature em 1997 (MONTEIRO, 2011).
O pagamento por serviços ambientais surge então como uma alternativa para incentivar
as pessoas a preservarem a natureza, fundando-se no princípio do provedor-recebedor ao invés
do princípio poluidor-pagador (FOLETO, 2011). Ao longo deste artigo, e para um melhor
entendimento do sistema de pagamento por serviços ambientais, faz-se um estudo mais
detalhado da economia ecológica e dos benefícios que os instrumentos econômicos de proteção
ao meio ambiente têm em relação aos instrumentos de comando e controle; do que constituem os
serviços ambientais; de quem deve ser selecionado para prover o serviço e receber o pagamento
por isto; como é definido o valor deste pagamento; e quais são as maiores críticas ao sistema de
pagamento por serviços ambientais. Analisam-se também casos internacionais de aplicação de
programas de PSA e exemplos locais no Brasil.
531
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
2
E necessidade é, nesse contexto, fator direto do preço que se pode pagar por um bem em um dado momento.
Quanto mais necessário, e escasso, for o bem, mais caro será, e vice-versa.
3
Vale mencionar um breve exemplo, trazido por N. Gregory Mankiw: Uma empresa produtora de alumínio lança
poluentes no ar em razão da atividade industrial realizada. O ar poluído causa um dano ambiental que será absorvido
pela sociedade. Ou seja, o custo da produção do alumínio deveria não só incluir os custos reais de produção, mas
também aqueles causados à sociedade como um todo, que é, no caso, a externalidade negativa da atividade de
produzir alumínio.
532
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Outro exemplo é o caso dos oceanos, que por não ser terra de ninguém, cada vez mais é
explorado além de suas capacidades de reposição e poluído, levando à extinção de inúmeras
espécies marinhas. Diante deste cenário, Hardin propõe que a tragédia dos bens comuns somente
pode ser remediada através da apropriação privada dos bens comuns ou da gestão pública destes
bens. Os ecologistas de mercado rejeitam a última opção por acreditarem que instrumentos
econômicos de preservação ambiental são mais eficientes do que os instrumentos de comando e
controle da administração pública. (OST, 1997, p. 151-153).
As políticas de comando e controle se baseiam em uma regulação direta do mercado,
impondo normas ambientais que devem ser obedecidas, tais como padrões de qualidade e
licenças. Contudo, são várias as críticas feitas a estas políticas, como a falta de incentivos a
reduzir o nível de poluição abaixo do admitido e por desestimular investimentos em novas
tecnologias ambientalmente corretas. Ademais, demandam um elevado custo administrativo na
fiscalização do cumprimento das normas ambientais, sem contar o risco de corrupção
(CAMPOS, 2011).
Glenn Jenkins e Ranjit Lamech ao estudar os incentivos baseados no mercado (market-
based incentives – MBI) chegaram à conclusão de que eles são mais eficazes e menos custosos
para as empresas que as políticas de comando e controle. A lei de Coase estabelece que tributos
ambientais e subsídios são equivalentes economicamente. Ora, se intuitivamente a sociedade
sabe que a poluição tem um custo social, então deve estar disposta a pagar o poluidor para que
533
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
ele descontinue a atividade poluidora. O efeito líquido é o mesmo que se obteria no caso de
imposição de tributos ao poluidor, sendo que o nível do tributo ou subsídio deve corresponder ao
custo determinado pela estimativa do dano ambiental (JENKINS; LAMECH, 1994, p. 03)
Em suma, os instrumentos econômicos são utilizados na proteção do meio ambiente,
aplicando-se àquelas atitudes que são lícitas, porém devem ser controladas, reduzidas, bem como
àquelas atitudes ambientalmente mais adequadas que devem ser fomentadas.
Serviços ambientais são serviços que a natureza presta que sustentam a vida vegetal,
animal e humana, são benefícios que a natureza traz ao ser humano e às atividades humanas.
534
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
São variados esses serviços, contudo podemos citar como os mais visíveis e conhecidos: a
purificação do ar e da água, o controle de pragas, a polinização de colheitas e vegetação, a
renovação da fertilidade do solo, a regulação do clima, a decomposição de resíduos. Já em 1815
José Bonifácio de Andrade e Silva reconhecia a importância destes serviços, afirmando que:
O programa de PSA deve ser bem elaborado e ter sempre em mente qual serviço
ambiental que ele pretende privilegiar, isto porque é impossível remunerar todos os serviços que
a natureza nos presta, não haveria orçamento de país que daria conta. Portanto, o programa deve
selecionar os serviços que pretende remunerar, sendo os mais comuns o hidrológico de
manutenção de qualidade da água nos mananciais de abastecimento e o não desmatamento e
reflorestamento para fins de seqüestro de carbono e proteção da biodiversidade. Escolhido o
serviço ambiental que se pretende proteger torna-se mais fácil selecionar os potenciais
provedores daquele serviço.
535
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Além do objetivo principal que é a preservação dos serviços ambientais, a maioria dos
programas governamentais de PSA possui objetivos secundários como diminuição da pobreza e
desenvolvimento regional, enquanto os programas nos quais os usuários dos serviços que
financiam o PSA em regra não possuem objetivos acessórios. Apesar disso, se notou que nestes
últimos os provedores de serviços ambientais mais pobres conseguiram acesso ao programa e
ganharam benefícios por sua participação. Isto ocorreu apesar destes programas não terem como
finalidade a diminuição da pobreza, comprovando que direcionar o pagamento explicitamente
aos mais pobres não é uma condição para que o PSA beneficie-os (WUNDER; ENGEL;
PAGIOLA, 2008).
Apesar destes argumentos, acredita-se que deve ser adotada uma visão holística,
socioambiental, que leva em consideração não só a proteção ambiental, mas também o respeito à
sociodiversidade, incentivando as práticas e conhecimentos tradicionais das populações
tradicionais e das comunidades indígenas, mas também possibilitando que cidadãos menos
favorecidos possam ser beneficiados socialmente pelo PSA, tanto quanto o meio ambiente será
beneficiado por ele. Em especial no contexto da América Latina e do Brasil no qual há tanta
desigualdade social, acredita-se ser essencial cuidar do meio ambiente sem descurar dos
problemas sociais que ainda persistem, como a pobreza e a fome. Logo, é essencial que o
programa de PSA tenha como um de seus objetivos a redução da pobreza para que sejam
entabulados efetivamente esforços nesse sentido e para que possam ser feitas pesquisas acerca do
impacto social do PSA nestes grupos.
Ainda que não se tenha dados suficientes para se afirmar o quão significativos são os
benefícios sociais dos PSA, sabe-se que em determinadas comunidades mesmo que sejam
pequenos os ganhos advindos do PSA estes são importantes, pois existem poucas alternativas de
ganhos financeiros (WUNDER; ENGEL; PAGIOLA, 2008). Os programas de PSA não são uma
solução mágica para a redução da pobreza, mas pode haver uma sinergia importante quando o
programa é bem pensado e desenhado e as condições locais são favoráveis (PAGIOLA.
ARCENAS, PLATAIS, 2005).
Em outra perspectiva, devem-se levar em conta no momento de seleção dos participantes
do PSA o problema dos riscos morais. Tomemos um caso para melhor exemplificar: O agricultor
A tem atitudes ambientalmente corretas enquanto o agricultor B que partilha do mesmo
manancial tem atitudes que diminuem a qualidade da água. Há quem afirme que o objetivo é
536
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
melhorar o status quo da água logo o agricultor A deve receber menos que o agricultor B, que se
melhorar suas práticas ambientais levaria a uma melhoria significativa da água. Se for
estruturado um programa deste modo, qual a mensagem que se passa às pessoas? A de que
estamos remunerando os antigos poluidores? E tomando ao extremo, isso não daria azo a pessoas
que de má-fé passem a piorar suas práticas ambientais visando pagamentos maiores no futuro?
Ou seja, acabar-se-ia incentivando a própria coisa que se pretende suprimir, o mau uso da terra e
sua degradação? (SALZMAN, 2010, p. 147-149).
Pois bem, para evitar estas contradições tem-se o exemplo, que a seguir é mais bem
detalhado, do Fonafifo que exige de seus beneficiários que eles demonstrem que não realizaram
desmatamentos nos últimos dois anos. Por maior cautela este prazo pode ser aumentado, mas
sempre se tendo em mente que o programa visa beneficiar boas práticas socioambientais e não o
contrário.
Quanto vale a biodiversidade? Quanto vale a água limpa e de qualidade? Quanto vale
uma árvore em pé? E uma floresta inteira? Essas são questões difíceis de responder, mas aos
poucos a técnica vai encontrando meios, caminhos que podem levar a alguma resposta, ainda que
não definitiva.
Ainda não há um sistema de valoração de serviços ambientais unificado no mundo,
fazendo com que cada autor apresente seu método e resultados decorrentes dele e tornando a
comparação entre os diferentes métodos e achados muito complexa. De maneira geral, o valor
dos serviços ambientais pode ser dividido em três tipos: 1) ecológico – determinado pela
importância no equilíbrio e integridade do ecossistema; 2) sociocultural – determinado pela
importância como fonte de bem-estar à sociedade sustentável; 3) econômico – que se subdivide
nos seguintes métodos de valoração: valoração direta do mercado; valoração indireta do
mercado; valoração contingente e valoração de grupo (GROOT; WILSON; BOUMANS, 2002)
A valoração direta do mercado é auto-explicativa, é o valor que o serviço possui quando
já existe um mercado de serviços ambientais estabelecido. Já a valoração indireta ocorre quando
não há mercados explícitos de serviços ambientais, sendo necessário recorrer a meios indiretos
de avaliação de valores para estabelecer-se o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
aquele serviço e o quanto estão dispostas a receber como compensação pela prestação do serviço
ambiental. São várias as técnicas que podem ser empregadas para chegar à valoração indireta do
serviço, dentre elas: 1) custo evitado: serviços que permitem que a sociedade evite custos que
ocorreriam na sua ausência. (ex: controle de enchentes que evita danos à propriedade); 2) custo
de restituição: serviços que podem ser substituídos por tecnologias humanas. (ex: tratamento de
resíduos naturais de pântanos); 3) Fator de receita: serviços que aumentam receitas. (ex: melhoria
da qualidade da água que ocasiona o aumento da captura de peixes e consequentemente a receita
dos pescadores); 4) custo de viagem: quando o uso dos serviços exige viagens, as despesas de
viagem podem ser vistas como um reflexo do valor implícito do serviço. (ex: áreas distantes de
ecoturismo atribuem o valor que as pessoas estão dispostas a pagar para viajar para lá); 5) preço
hedônico: A demanda de serviços pode ser refletida nos preços que as pessoas vao pagar para
mercadorias associadas. (ex: o preço de imóveis em praias são superiores ao preço de imóveis
idênticos em locais não litorâneos (GROOT; WILSON; BOUMANS, 2002).
A valoração contingente ocorre quando a demanda do serviço é suscitada pela colocaçao
de alternativas hipotéticas em pesquisas sociais, como por exemplo um questionário que pede
aos entrevistados que eles expressem sua disposição em pagar pela melhoria da qualidade da
água em um lago ou rio para que possam desfrutar de atividades como natação, canoagem ou
pesca. Por sua vez, a valoração por deliberação de grupo parte do princípio da democracia
deliberativa e que a decisão pública deve advir de debates públicos (GROOT; WILSON;
BOUMANS, 2002).
Pois bem, a delineação correta do valor do serviço ambiental é essencial para a definição
de políticas públicas bem sucedidas, em especial porque o valor do PSA também deve ser
atrativo o suficiente para que as pessoas se sintam compelidas a participarem do programa e ao
mesmo tempo não alto o bastante que desequilibre a balança custo-benefício do programa.
538
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
Muitos argumentam que o problema ambiental é uma questão ética, e assim sendo,
questionam se o PSA incentiva ou destrói uma ética de cuidado com a terra, a natureza? Essa não
é uma indagação simples de ser respondida. Os opositores do PSA defendem que a obrigação de
cuidado com o meio ambiente além de ética é legal, favorecendo então os instrumentos de
comando e controle, que instituem obrigações e sanções para o descumprimento delas. Para eles
o princípio orientador é o poluidor-pagador, e o pagamento de atitudes que preservam o meio
ambiente mandam uma mensagem errada de que somente se deve preservar o meio ambiente se
eu receber algo em troca (seja dinheiro, subsídios, isenções fiscais), monetarizando a relação
homem-natureza, e transformando-a em mera mercadoria.
Sabe-se que o mundo ideal no qual todos preservam o meio ambiente porque é o correto a
se fazer tanto eticamente quanto legalmente ainda não se transformou em realidade. É fato que a
poluição e o desmatamento atingem níveis cada vez maiores, e infelizmente é fato que a natureza
ou “uma árvore em pé” não têm preços de mercado condizentes com sua importância para a vida
humana e na maioria das vezes é mais barato degradar do que preservar o meio ambiente.
Portanto, o sistema de pagamento por serviços ambientais vem corrigir esta falha de mercado,
dando o devido valor à natureza e compensando o proprietário que toma atitudes
socioambientalmente adequadas, visto que o benefício da prestação dos serviços ambientais é
sentido por todos nós.
Deixando-se de lado a questão ética de monetarizar a relação homem-natureza, partindo-
se de um ponto de vista estritamente econômico, uma política pública de pagamento de serviços
ambientais pode ser ineficiente. Esta ineficiência pode ocorrer de três modos: 1) Oferecimento de
pagamentos insuficientes para induzir comportamentos e usos de terra socioambientalmente
desejados, fazendo que usos indesejados da terra persistam; 2) Induzimento da adoção de usos de
terra socioambientalmente desejados a um custo superior ao valor do serviço ambiental prestado;
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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com tal tarefa (PAGIOLA, 2008); 2) O monitoramento do cumprimento do contrato fica à cargo
do SINAC e dos engenheiros florestais certificados; 3) O Fonafifo é encarregado de captar e
administrar os recursos financeiros do programa. Os contratos constituem obrigação propter rem,
ou seja, mesmo que vendida a terra, o compromisso de conservação da floresta ou de
reflorestamento é mantido. Por sua vez, a Fonafifo tem como fontes de receita 3,5% do imposto
sobre combustíveis fósseis, os valores recebidos com a venda dos créditos de carbono
conseguidos com o programa, acordos bilaterais com grandes consumidores de água e doações
do Fundo Ambiental Global e financiamento do Banco Mundial (NOVION; VALLE, 2009, p.
184, 186)
A introdução em 2005 de uma tarifa no serviço de fornecimento de água para a
conservação dos mananciais é uma mudança considerável do procedimento anterior de acordos
voluntários de pagamentos pelo serviço hidrológico e quando inteiramente implementada gerará
US$ 19 milhões anuais, dos quais 25% serão direcionados para o PSA, valor consideravelmente
superior do que o gerado pelos acordos voluntários (PAGIOLA, 2008)
O valor a ser pago pelos serviços ambientais é definido anualmente através de decreto
presidencial. A título de ilustração, em 2007 ficou definido que seria pago US$ 320 por hectare
de floresta protegida e US$ 816 por hectare de reflorestamento. (NOVION; VALLE, 2009, p.
185)
O estudo do PSA em Costa Rica é importante porque o país é reconhecido
internacionalmente por ser pioneiro em aplicação de instrumentos econômicos na conservação
do meio ambiente, e tem feito um progresso substancial na cobrança dos usuários de água, e um
progresso mais limitado na cobrança da biodiversidade e dos usuários de seqüestro de carbono,
este último porque o Protocolo de Kyoto limitou a venda de créditos de carbono a casos de
reflorestamento e a grande maioria das áreas inscritas no Fonafifo diz respeito à conservação de
floresta.(PAGIOLA, 2008)
Profafor (Programa Face de Florestação) é uma empresa privada equatoriana que é uma
extensão da Fundação Face (Florestas para a Absorção das Emissões de Dióxido de Carbono),
criada para compensar as emissões de carbono de uma termoelétrica construída na Holanda. O
541
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
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seja proposta uma política pública nacional de PSA, levando em consideração os êxitos e
fracassos dos programas locais em andamento.
3.6.1 Proambiente
543
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
O Proambiente remunera os serviços ambientais com meio salário mínimo por mês, valor
este baseado na meta de cessação de uso de fogo no sistema produtivo. Contudo, são vários os
obstáculos enfrentados por este e pelos programas similares abaixo descritos, sendo os principais
a ausência de um marco legal regulamentando os serviços ambientais, a falta de vontade política
na implementação da política pública e a inexistência de fontes financeiras contínuas para a
operacionalização do programa. (NOVION; VALLE, 2009, p. 120)
O Programa Bolsa Floresta foi criado pela Lei Estadual do Amazonas nº 3.135 de 2007
que dispõe sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
do Amazonas. Os serviços ambientais remunerados por este programa são a conservação da
floresta e recursos hídricos, preservação da biodiversidade e a redução da emissão de gases de
efeito estufa e são beneficiárias as populações residentes das Unidades de Conservação
Estaduais. Atualmente, o programa possui mais de 35 mil pessoas atendidas em 15 Unidades de
Conservação, totalizando uma área de 10 milhões de hectares. (FUNDAÇÃO AMAZONAS
SUSTENTÁVEL, 2012)
O Programa evoluiu e se desdobrou em quatro modalidades: 1) Bolsa Floresta Renda -
incentivo à produção sustentável; 2) Bolsa Floresta Social - investimentos em saúde, educação,
transporte e comunicação; 3) Bolsa Floresta Associação - fortalecimento da associação e controle
social do programa; 4) Bolsa Floresta Familiar - envolvimento das famílias na redução do
desmatamento. A Bolsa Floresta Familiar é no valor de R$ 50,00 ao mês, e a Bolsa Floresta
Associação é de 10% da soma de todas as Bolsas Floresta Familiares. Por sua vez, a Bolsa
Floresta Renda e a Bolsa Floresta Social são investimentos no montante cada qual de R$
140.000,00 por ano para cada Unidade de Conservação. (FUNDAÇÃO AMAZONAS
SUSTENTÁVEL, 2012)
No início do programa foi realizado um levantamento socioeconômico das famílias
inscritas para realizar um acompanhamento do impacto que a Bolsa Floresta trará para estas
pessoas, bem como oficinas de formação sobre mudanças climáticas e sustentabilidade. Além
disso, a política pública conta com a participação da sociedade civil organizada e de
representantes dos povos indígenas, garantindo que o programa reflita a realidade social e não
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 4 - Direito Ambiental I
seja mais uma política pública imposta de cima para baixo com pouca efetividade. Neste
contexto a Bolsa Floresta Associação é essencial para um controle social da política pública e
para que a comunidade tenha um empoderamento.
Em pesquisa para medir o grau de satisfação dos comunitários inseridos no Programa
Bolsa Floresta Floresta das Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, Uatumã e
Juma, foi constatada, em geral, uma satisfação com o programa. Todavia boa parte dos
comunitários entende que o valor da Bolsa Floresta Familiar deveria ser superior ao atual de R$
50,00 por mês, valor este que, segundo a pesquisa, é em sua maioria utilizado para comprar
alimentos. (FUNDAÇÃO AMAZONAS SUSTENTÁVEL, 2012)
4. Conclusão
Diante de todas as considerações feitas chega-se à conclusão de que o PSA não é uma
solução mágica para crise ambiental, porém é um mecanismo que visa corrigir a falha do
mercado que não reconhece o valor intrínseco que a natureza tem e os benefícios que ela traz ao
bem-estar da sociedade. Ora, se os benefícios de um meio ambiente sano são sentidos por todos
nós porque não compensar o proprietário de terras que as utiliza sustentavelmente, e que muitas
vezes economicamente tem prejuízos por isso, pois sabe-se que, em regra, é mais barato degradar
do que preservar o meio ambiente.
O PSA se bem planejado e desenhado, com receitas financeiras fixas, com o devido
monitoramento do cumprimento das obrigações de uso de terra desejáveis, possibilitando a
participação popular na formulação desta política pública e, conseqüentemente, trazendo um
sentimento de empoderamento para as comunidades beneficiárias dos pagamentos, pode ser um
instrumento eficaz não somente na proteção do meio ambiente, mas também na redução da
pobreza e das desigualdades sociais.
Os exemplos trazidos, além de muitos outros que não foram possíveis relatar aqui, são
essenciais para o aprendizado e adaptação do sistema de pagamento de serviços ambientais,
levando sempre em conta a realidade ambiental e social do local de implementação do programa,
assim como definindo os serviços que se pretende remunerar e as metas a se alcançar.
A crise ambiental é um fenômeno que atinge a todos indistintamente, ainda que haja uma
maior vulnerabilidade dos pobres, sendo assim, é necessário utilizar todos os meios possíveis e
545
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