Você está na página 1de 194

Organizador

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

Bernadete Maria Dalmolin


Reitora
Edison Alencar Casagranda
Vice-Reitor de Graduação
Antônio Thomé
Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Rogerio da Silva
Vice-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
Cristiano Roberto Cervi
Vice-Reitor Administrativo

UPF Editora Conselho editorial


Editora Altair Alberto Fávero (UPF)
Janaína Rigo Santin Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla)
Andrea Michel Sobottka (UPF)
Revisão
Andrea Oltramari (Ufrgs)
Cristina Azevedo da Silva Antônio Thomé (UPF)
Daniela Cardoso Carlos Alberto Forcelini (UPF)
Programação visual Carlos Ricardo Rossetto (Univali)
Rubia Bedin Rizzi Cesar Augusto Pires (UPF)
Fernando Rosado Spilki (Feevale)
Gionara Tauchen (Furg)
Héctor Ruiz (Uadec)
Helen Treichel (UFFS)
Jaime Morelles Vázquez (Ucol)
Janaína Rigo Santin (UPF)
José C. Otero Gutierrez (UAH)
Kenny Basso (Imed)
Luís Francisco Fianco Dias (UPF)
Luiz Marcelo Darroz (UPF)
Nilo Alberto Scheidmandel (UPF)
Paula Benetti (UPF)
Sandra Hartz (Ufrgs)
Walter Nique (Ufrgs)
Organizador

2020
Copyright do organizador

Cristina Azevedo da Silva


Revisão

Rubia Bedin Rizzi


ISBN 577.1
Projeto gráfico, diagramação e produção da capa

Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por
qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do(s) autor(es). A exatidão das informações,
das opiniões e dos conceitos emitidos, bem como das imagens, das tabelas, dos quadros e das
figuras, é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es).

CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


___________________________________________________________
B615 Bioquímica aplicada [recurso eletrônico] : volume 2 / Luciano
de Oliveira Siqueira, organizador. – Passo Fundo: EDIUPF,
2020.
15.500 kb ; PDF.

Inclui bibliografia.
Modo de acesso gratuito: www.upf.br/editora.
ISBN 978-65-5607-004-9 (E-book)

1. Bioquímica. 2. Lipídios. 3. Radicais livres (Química) –


Metabolismo. 4. Enzimas. 5. Stress oxidativo. 6. Proteínas.
I. Siqueira, Luciano de Oliveira, org. II. Título.

CDU: 577.1
___________________________________________________________
Bibliotecário responsável Juliana Langaro Silveira - CRB 10/2427

Campus I, BR 285, Km 292,7, Bairro São José


99052-900, Passo Fundo, RS, Brasil
Telefone: (54) 3316-8374

afiliada à

Associação Brasileira
das Editoras Universitárias
Sumário

Introdução....................................................................................................................7

Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo............................................9


Rodrigo Alberton da Silva, Martina Souilljee Birck, Deboráh Glimm,
Luciano de Oliveira Siqueira

Capítulo 2 - Glicação não enzimática de proteína.......................................27


Larissa Rosa Eckert, Francisco Costa Beber Lemanski,
Lucas Zeni Montenegro, Luciano de Oliveira Siqueira

Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios............................................ 35


Lucas Zeni Montenegro, Luciano de Oliveira Siqueira, Saulo Azeredo,
Victor Emanuel Angeliero

Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos................................................. 50


Lucas Zeni Montenegro, Francisco Costa Beber Lemanski,
Luciano de Oliveira Siqueira, Rodrigo Alberton

Capítulo 5 - Digestão e absorção de lipídios ............................................... 64


Luísa Fanton Pelle, Déborah Glimm, Larissa Rosa Eckert,
Luciano de Oliveira Siqueira

Capítulo 6 - Função cardíaca............................................................................. 74


Martina Souilljee Birck, Gabriela Kohl Hammacher,
Larissa Rosa Eckert, Luciano de Oliveira Siqueira

Capítulo 7 - Metabolismo de lipídios............................................................... 90


Francisco Costa Beber Lemanski, Larissa Eckert, Luciano Siqueira,
Luísa Fanton Pelle
Capítulo 8 - Eicosanoides e os princípios da inflamação.......................102
Saulo Bueno de Azeredo, Cristian Roman Bonez,
Luciano de Oliveira Siqueira, Thiago de Bittencourt Buss

Capítulo 9 - Integração do metabolismo........................................................112


Thiago de Bittencourt Buss, Luciano de Oliveira Siqueira,
Luísa Fanton Pelle, Saulo Bueno de Azeredo

Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina................. 126


Thiago de Bittencourt Buss, Gabriela Kohl Hammacher,
Larisa Rosa Eckert, Luciano de Oliveira Siqueira

Capítulo 11 - Função renal...................................................................................141


Francisco Costa Beber Lemanski, Anna Laura Duro Barp,
Luciano de Oliveira Siqueira, Victor Emanuel Angeliero

Capítulo 12 - Obesidade e resistência insulínica........................................158


Déborah Glimm, Luciano de Oliveira Siqueira, Luísa Fanton Pelle,
Vanessa Guse

Capítulo 13 - Diabetes..........................................................................................168
Déborah Glimm, Luciano de Oliveira Siqueira, Luísa Fanton Pelle,
Vanessa Guse

Capítulo 14 - Equilíbrio ácido-base..................................................................181


Anna Laura Duro Barp, Cristian Roman Bonez,
Francisco Costa Beber Lemanski, Luciano de Oliveira Siqueira

Sobre os autores...................................................................................................192
Introdução

A construção do presente livro teve a premissa de que bioquímica é


o estudo da vida em termos moleculares, sem perder o olhar para a inter-
locução com outras disciplinas básicas e sua aplicação clínica.
A elaboração deste manuscrito levou em consideração a necessidade
de transformar o conteúdo de característica abstrata da bioquímica em
algo mais concreto, aplicado e com interlocução com outros conteúdos
abordados em outras disciplinas das ciências básicas da saúde. Assim, o
objetivo delimitado foi a elaboração de um livro-texto de linguagem aces-
sível, com uma forte interface de conteúdos abordados em disciplinas
como fisiologia, anatomia, histologia, patologia, toxicologia, entre outras.
Muitos conceitos bioquímicos são historicamente muito bem funda-
mentados e amplamente reconhecidos pela comunidade científica. Aten-
tos à necessidade de atualização na fisiopatologia do processo saúde-
-doença, este volume inova por abordar o metabolismo dos radicais livres,
do estresse oxidativo e da glicação não enzimática de proteínas, muitas
vezes relegado em livros da área. No entanto, a velocidade da informação
faz necessária a constante atualização das informações, de modo que os
conteúdos aqui abordados são apenas um retrato do conhecimento no
momento de sua redação, sendo necessárias a análise, a leitura e a com-
plementação dos estudos, mediante a busca de artigos científicos atua-
lizados.
O leitor se beneficiará de uma leitura leve, sem excesso de dados
e rotas moleculares complexas, uma vez que o texto foi construído para
8 Bioquímica aplicada - volume 2

permitir uma aplicabilidade ao conhecimento da bioquímica, fornecendo


embasamento molecular com exemplos e aplicação clínica em cada capí-
tulo.
Durante a elaboração do manuscrito, houve preocupação em promo-
ver a interlocução com diversas disciplinas das ciências básicas da saúde,
por isso agradecemos a todos os colaboradores, revisores, professores e
monitores que contribuíram para a redação deste volume por intermédio
de suas valiosas sugestões e críticas.
A todos os gestores da universidade, colegas, professores, colabora-
dores, alunos, pais e familiares, que compreenderam e apoiaram a exe-
cução deste projeto, nossos sinceros agradecimentos e nossa profunda
gratidão.

Luciano de Oliveira Siqueira


Capítulo 1

Radicais livres e estresse oxidativo

Rodrigo Alberton da Silva


Martina Souilljee Birck
Deboráh Glimm
Luciano de Oliveira Siqueira

Objetivos
Conhecer os radicais livres e sua origem; desvendar os efeitos be-
néficos e maléficos dos radicais livres; entender os antioxidantes e seu
papel de atenuar ou neutralizar os radicais livres; e descobrir a relação
dos radicais livres com o envelhecimento humano, as doenças cardiovas-
culares, as vitaminas antioxidantes e o câncer.

Radicais livres
Os radicais livres (RLs) são elementos instáveis que apresentam
um elétron desemparelhado em seu último orbital, ou seja, substâncias
que têm um elétron sobrando e estão à procura de um outro elétron para
se estabilizarem. Eles são livres porque não são dependentes de outra
substância (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007). Dentre os RLs, as
10 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

espécies reativas de oxigênio (EROs) são as que mais afetam nossa bio-
logia, mas também existem as espécies reativas do nitrogênio e os radi-
cais livres orgânicos. É nessa área que flutuam as teorias e terapêuticas
antioxidantes de que tanto ouvimos falar nos últimos tempos (BENDER;
MAYES, 2017b).
Devido à sua instabilidade, os RLs iniciam reações para obter ou
roubar o elétron desejado. Entretanto, nem sempre essas reações são
necessárias à homeostase ou ao equilíbrio do organismo. Assim, inicia-se
uma batalha entre a quantidade total de radicais livres, em especial as
derivadas do oxigênio, e os mecanismos de defesa antioxidantes do corpo
humano. Ao desequilíbrio entre a quantidade de radicais livres e as de-
fesas antioxidantes (com predomínio dos RLs) dá-se o nome de estresse
oxidativo (ver Figura 1) (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007). Essas
reações indesejadas causadas pelos RLs podem causar dano a lipídeos,
proteínas e ácidos nucleicos. Esse mecanismo está envolvido na patogê-
nese da aterosclerose, no câncer, em mutações herdadas e em doenças
autoimunes – ao atingir lipídeos e lipoproteínas, ácidos núcleos e proteí-
nas, respectivamente (BENDER; MAYES, 2017b).

Figura 1 – Estresse oxidativo: desequilíbrio na balança da oxirredução do organismo

Fonte: elaboração dos autores.


Rodrigo Alberton da Silva et al. 11

Fontes de radicais livres

O oxigênio é um átomo com dois elétrons livres em seu orbital e


que tem a capacidade de receber até quatro elétrons livres ou em forma
de hidrogênio (momento em que se transforma em água) (ver Figura 2).
Dessas quatro reações, as três primeiras dão origem a compostos com
oxigênio e elétrons livres: o íon superóxido, o peróxido de hidrogênio e o
radical hidroxil, chamados de EROs. O peróxido de hidrogênio, mesmo
não sendo instável, é classificado como EROs porque pode gerar o radi-
cal hidroxil a partir da reação de Fenton e Haber-Weiss (ver Figura 3)
(SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007):
I. Reação de Fenton: peróxido de hidrogênio reage com o ferro,
gerando radical hidroxila.
II. Reação de Haber-Weiss: peróxido de hidrogênio, catalisado
por um metal de transição, divide-se em duas hidroxilas.

Figura 2 – Geração das espécies reativas de oxigênio

Fonte: elaboração dos autores.


12 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

Figura 3 – Reação de Haber Weiss e Fenton

Fonte: elaboração dos autores.

Também existem outros radicais livres além dos EROs. Dentre eles,
destacam-se os radicais livres orgânicos, quando os EROs roubam elé-
trons de outras substâncias, e as espécies reativas de oxigênio e nitrogê-
nio (ERONs), que apresentam também o átomo de nitrogênio (SMITH;
MARKS; LIEBERMAN, 2007).
As fontes de radicais livres são variadas e advêm de reações como
produtos acidentais ou propositais. A exposição a alguns fatores pode
elevar a produção de fontes exógenas, como o tabagismo, as drogas, as
radiações naturais e artificiais, o ar poluído, as infecções e as radiações,
como a solar e a de raios-x. Os principais locais de formação das fontes
endógenas são: a mitocôndria (Coenzima Q da cadeia de transporte de
elétrons) e as enzimas (produto acidental de enzimas, como o conjunto
Citocromo P450), que levam à formação espontânea de radicais livres a
partir da alta energia envolvida. A respiração é outra fonte importante
de radicais livres, em especial as EROs, em que cerca de 6% do oxigênio
consumido transforma-se em EROs (HALLIWELL, 1994; SMITH; MAR-
KS; LIEBERMAN, 2007).
Rodrigo Alberton da Silva et al. 13

Efeitos dos radicais livres

A ação dos radicais livres está descrita em pelo menos cem pato-
logias, inclusive como fator principal de algumas doenças (SMITH;
MARKS; LIEBERMAN, 2007). Dividiremos nossa discussão segundo al-
vos das espécies:
1. Membranas: ocorre quando EROs geradas no interior da cé-
lula reagem com constituintes lipídios das membranas bioló-
gicas. Isso gera uma degradação que pode comprometer a in-
tegridade das membranas, como a membrana citoplasmática,
a mitocondrial e a dos retículos endoplasmáticos. Esse pro-
cesso é chamado de peroxidação lipídica ou lipoperoxidação
(SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007).
2. Proteínas: alguns aminoácidos são mais suscetíveis ao dano oxi-
dativo que outros, quando eles são vítimas da ação dos RLs, pode
haver dano a moléculas proteicas, perda aumentada de proteí-
nas e aumento do dano em toda a célula. A Glutationa é um tri-
peptídeo fundamental para o combate aos RLs e pode ter sua
eficiência diminuída se sofrer oxidação (SMITH; MARKS; LIE-
BERMAN, 2007). Outra possibilidade é o não reconhecimento
pelo organismo de proteínas atingidas por radicais livres, poden-
do desencadear doenças autoimunes (BENDER; MAYES, 2017b).
3. DNA: os radicais livres também podem alterar moléculas de
DNA. Esses radicais também tem a capacidade de romper a
fita de DNA. Felizmente, a célula pode se defender desse dano,
seja pela reparação primária da mudança, seja pela apoptose
(SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007). Quando isso não ocor-
re, as mutações podem ser herdadas pelas células subsequentes
e agir na patogênese de neoplasias (BENDER; MAYES, 2017b).
4. Apoptose: os RLs podem induzir a apoptose por meio de seu
dano às mitocôndrias. Isso leva à sensibilização de caspases de
forma precoce e desencadeia toda a cascata apoptótica. Apesar
da possibilidade, não é comum que a apoptose seja desenca-
deada devido à ação dos radicais (KEHRER; KLOTZ, 2015).
14 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

Em razão de sua meia vida extremamente curta, a determinação


dos radicais livres no corpo é muito difícil. No entanto, é possível quan-
tificar laboratorialmente o dano provocado pelos radicais livres a partir
de produtos dessas reações entre oxidantes e o corpo humano, princi-
palmente nas reações com lipídeos: os peróxidos são quantificados pelo
ensaio da oxidação do ferro em alaranjado de xilenol (FOX), os dialdeí-
dos podem ser aferidos pela reação com o ácido tio-barbitúrico e o pen-
tano e o etano podem ser medidos no ar expirado (BENDER; MAYES,
2017b).
O óxido nítrico (NO) é uma espécie reativa do nitrogênio (ERN) que
pode interagir no corpo humano de forma fisiológica e patológica. A dife-
rença entre essas duas ações está estritamente relacionada com a quan-
tidade desse gás no organismo (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007).
Fisiologicamente, atua como vasodilatador, neurotransmissor, bem como
na cicatrização e na eliminação de micro-organismos. Nos dois primeiros
casos, apresenta uma regulação pelos níveis de cálcio, no terceiro caso, a
ação imunológica é controlada pela própria transcrição gênica da célula
(SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007). Patologicamente, pode apresen-
tar dano diretamente ou quando se combina ao oxigênio para formar
outros tipos de radicais livres. No dano direto, o NO age, principalmente,
combinando-se com compostos que apresentam Fe, como a hemoglobina
e a mitocôndria. No dano indireto, as ERONs agem como agentes oxi-
dantes ou, ao reagir quimicamente com compostos, nas chamadas ni-
trosilação e nitração, afetando vários segmentos celulares, como DNA,
mitocôndrias e enzimas (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007).

Qual o papel dos radicais livres na nossa imunologia?

Um dos mecanismos utilizados pelo sistema imunológico contra mi-


cro-organismos diversos, neoplasias ou células defeituosas é a elevada
produção de agentes oxidantes. Isso leva a um intenso consumo de oxigê-
nio, a chamada explosão respiratória (burst respiratory). Exemplos desse
mecanismo são (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007):
Rodrigo Alberton da Silva et al. 15

a) produção de radicais livres pela NADPH-Oxidase; essa enzi-


ma é formada dentro dos fagolissosomas, isolando os micro-or-
ganismos em um meio tóxico;
b) produção de ácido hipocloroso pela enzima mieloperoxidase;
essa ferramenta é especialmente importante para os neutró-
filos, no combate às bactérias, e é responsável pela cor esver-
deada do pus;
c) liberação de radicais livres para o meio extracelular durante
inflamações; apesar do propósito inicial de combater patóge-
nos, pode causar danos em tecidos vizinhos, como na artrite
reumatoide, no acidente vascular cerebral e no infarto agudo
do miocárdio;
d) reação com metais de transição, em especial o ferro, para pro-
dução de radical hidroxila.

Defesas antioxidantes

Nosso organismo precisou desenvolver vários mecanismos para se


proteger contra esse potencial nocivo dos radicais livres. Vamos anali-
sar alguns compostos antioxidantes que combatem esse dano (SMITH;
MARKS; LIEBERMAN, 2007).

1) Antioxidantes enzimáticos
a) Superóxido-dismutase (SOD): promove uma reação chamada
dismutação, na qual a enzima atenua o superóxido, transfor-
mando-o em peróxido de hidrogênio e oxigênio.
b) Catalase: reduz o peróxido de hidrogênio formado pela SOD
em água, impedindo-o de formar hidroxilas pelas reações de
Fenton e Haber-Weiss.
c) Glutationa-peroxidase (GTP) e Glutationa-redutase (GTR):
essas duas enzimas são algumas das principais ferramentas
do organismo para combater os radicais livres. Elas reduzem
diversos RLs, como os peróxidos de hidrogênio, por meio da
GTP (ver Figura 4). Para a manutenção dessa ação, a GTR
16 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

utiliza elétrons de NADPHs para reduzir os produtos às suas


formas iniciais e reiniciar o ciclo (leia o capítulo sobre as vias
das pentoses-fosfato).

Figura 4 – Ação antioxidante da enzima Glutationa-redutase

Fonte: elaboração dos autores.

2) Scavengers
Scavengers são substâncias da dieta (vitaminas, carotenoides e fla-
vonoides) ou fabricadas pelo organismo (endógenos) que reduzem os RLs
de forma não enzimática. Os scavengers atuam doando um elétron aos
RLs, sendo denominados de antioxidantes.
a) Vitamina E: o tocoferol é uma substância lipossolúvel e age
protegendo principalmente as membranas celulares. Na por-
ção lipídica desses locais, ela acaba doando elétrons numa for-
te reação em cadeia (cada molécula de vitamina E pode doar
até dois elétrons).
b) Vitamina C: o ácido ascórbico atua auxiliando o tocoferol, ao
doar elétrons para este. Ela é hidrossolúvel, mas entra em
contato com a vitamina no meio extracelular, como no sangue.
c) Carotenoides: englobam o betacaroteno, ajudam na formação
da Vitamina A e de compostos semelhantes. A eficácia do efei-
to antioxidante é controversa, mas estudos sobre a ação na
saúde da visão têm ganhado interesse.
Rodrigo Alberton da Silva et al. 17

d) Flavonoides: é um grupo de substâncias com anéis aromáticos


que possuem diversos mecanismos de combate aos RLs, como
quelantes, inibidores enzimáticos e scavengers. Há diversas
evidências científicas sobre sua ação no organismo, uma delas
foi sua atuação auxiliando a vitamina E.
e) Ácido úrico: formado pelo metabolismo de compostos do DNA,
ele age nos meios extracelulares, sendo o principal ator an-
tioxidante do plasma e uma das únicas formas de combate
aos RLs das vias aéreas. Reage com as substâncias, gerando
produtos que também serão excretados.
f) Melatonina: é um hormônio envolvido na indução do sono, via
interpretação da claridade do ambiente. Pode degradar-se ao
agir como scavenger, demonstrando outra função além desse
controle do ritmo circadiano. Sua composição química permite
a passagem pela barreira hemato-encefálica, atuando nos dois
meios.
Inúmeros alimentos vêm sendo estudados como possuidores de an-
tioxidantes e, assim, com possível efeito protetor na saúde (Tabela 1).
Em estudo feito por Carlsen et al. (2010), uma tabela de alimentos an-
tioxidantes foi desenvolvida, incluindo mais de 3.000 alimentos ao redor
do mundo. Os cinco primeiros incluem: bagas (como o mirtilo), bebidas
(como café expresso e vinho), cereais matinais, chocolates e doces e lati-
cínios (CARLSEN et al., 2010).

Tabela 1 – Fonte de antioxidantes da dieta


Vitamina Solubilidade Fonte
Óleo de gérmen de trigo, semestre de girassol,
Vitamina E* Lipossolúvel
avelã, óleo de girassol, amendoim.
Suco de laranja, mamão papaia, morango, kiwi,
Vitamina C* Hidrossolúvel
melão cantalupo, suco de tomate, manga, laranja.
Fígado, rim, gema de ovo, manteiga, vegetais de
Carotenoides** Lipossolúvel
folhas verdes, batata-doce e cenoura.
Chás preto e verde, erva-mate, pitanga, caju,
Flavonoides*** Hidrossolúvel
acerola, maça, cebola, couve, rúcula e salsa.
Fonte: *Cozzolino (2018); **Pazirandeh e Burns (2018); ***Huber e Rodriguez-Amaya (2008).
18 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

3) Sequestradores de metais de transição


A ligação com outras substâncias impede que os metais formem
EROs via reação de Fenton ou Haber-Weiss. Exemplos disso são as
ligações do ferro com a transferrina e do cobre com a ceruloplasmina
(BENDER; MAYES, 2017b). Em doenças que envolvem esses metais, o
conhecimento dessa fisiologia e a quantificação desses componentes são
essenciais para o diagnóstico das doenças. Outros meios são a comparti-
mentalização dos radicais livres, excluindo-os do meio celular (ex.: pero-
xissomas), e o reparo dos danos dos mais diversos alvos celulares dos RLs
(SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007).

Aplicação do conhecimento
Descreveremos patologias importantes e que apresentam o envol-
vimento com os radicais livres a seguir. Além dessas, também merecem
menção as seguintes condições: aterogênese, bronquite enfisematosa,
distrofia muscular tipo-Duchene, gestação/pré-eclampsia, câncer cervi-
cal, doença hepática induzida por álcool, hemodiálise, diabetes, insufi-
ciência renal aguda, envelhecimento, fibroplasia retrolental, distúrbios
cerebrovasculares, dano por isquemia-reperfusão, distúrbios neurodege-
nerativos (esclerose lateral amiotrófica, doença de Alzheimer, síndrome
de Down) e doenças da Oxphos (esclerose múltipla e doença de Parkin-
son) (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007).

Envelhecimento humano

O processo do envelhecimento é inerente aos seres humanos (BEN-


DER; MAYES, 2017a). Somos marcados por três fases. A primeira é
marcada pelo crescimento e desenvolvimento humano, compreende a
infância e a adolescência. A segunda, que corresponde à idade adulta,
praticamente não apresenta mudanças significativas. A terceira implica
o reaparecimento de mudanças, com uma progressiva degeneração do
nosso organismo, conhecida como a velhice.
Rodrigo Alberton da Silva et al. 19

Muito se debate sobre os fatores que influenciam esse processo. Em


geral, é aceito que existem fatores programados e ocasionais que agem
em conjunto. A Teoria do Uso e Desgaste sugere que certas substâncias,
importantes para a manutenção do organismo, como água, oxigênio e a
luz solar, também podem ser responsáveis pelo envelhecimento. No que
tange ao oxigênio, há a Teoria do Envelhecimento dos Radicais Livres,
proposta por Denham Harman em 1956.
Essa hipótese é aceita como um grande contribuinte do envelheci-
mento, especialmente em relação ao dano mitocondrial. As EROs, su-
postamente, causariam dano oxidativo nessa organela por duas rotas
principais: (1) o dano às proteínas e aos lipídeos, que causaria um com-
prometimento funcional ou uma destruição, liberando mais radicais
para as células e comprometendo a produção de ATP, principal fonte de
energia do organismo; (2) e o dano aos ácidos nucleicos, que carecem
de reparo nessa organela, causando um acúmulo de mutações. Por fim,
lembra-se o importante papel das mitocôndrias na apoptose celular, que
pode ser estimulado por esses dois caminhos.

Doença de Parkinson

A doença de Parkinson (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007)


implica a destruição do tecido nervoso. Ela acomete, especialmente, os
neurônios produtores de dopamina da substância negra do cérebro. A
terapia inicial baseia-se no inibidor da monoamina-oxidase (IMAO), que
tenta impedir a degradação da dopamina, e tardiamente com a levodopa,
em uma espécie de terapia substitutiva.
Recentemente, tem sido sugerida uma participação do estresse oxi-
dativo na fisiopatologia da doença. De fato, a monomania-oxidase (ini-
bida pelo tratamento farmacológico inicial) é uma enzima que inativa a
dopamina e produz peróxido de hidrogênio. O racional é que os IMAOs
agem também pela diminuição da produção de radicais livres. Outros
pontos sugeridos são os níveis aumentados de ferro disponível para as
reações de Fenton e que a doença pode ser induzida por fármacos que
elevam a produção de superóxido.
20 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

Assim, é proposto que o estresse oxidativo seja um dos respon-


sáveis pela fisiopatologia da doença, mas ainda não está claro se essa
atuação ocorre na gênese ou como uma consequência da história natural
da doença.

Patogênese e prevenção da polineuropatia diabética

A polineuropatia diabética e outras formas de comprometimento do


sistema nervoso estão entre as complicações mais comuns do diabetes
(FELDMAN, 2018). A hiperglicemia, envolvida na fisiopatologia do dia-
betes, está estritamente associada com esse dano neural. Existem diver-
sos mecanismos envolvidos no comprometimento neurológico, inclusive
o estresse oxidativo. A hiperglicemia eleva os níveis de radicais livres.
O acúmulo desses radicais também afeta os outros mecanismos. Assim,
cria-se um ciclo vicioso de retroalimentação entre a formação de espécies
reativas de oxigênio e as patogenias da neuropatia. Para suportar essas
evidências, pacientes diabéticos tratados com antioxidantes mostraram
melhora significativa dos sintomas neurológicos.

Aterosclerose

As reações de proteínas e lipídeos com radicais livres podem intera-


gir negativamente e formar moléculas que não são excretadas pelo orga-
nismo, como comentado em “efeitos dos radicais livres”. No caso do coles-
terol LDL, esses lipídeos podem ser captados pelos macrófagos durante
o processo de combate aos radicais livres e agir com as proteínas do meio
intracelular. Infelizmente, essas células de defesa, ao infiltrar o endoté-
lio, podem morrer e se acumular. No processo chamado de aterosclerose,
com os anos, esse acúmulo pode ocasionar estenoses e restringir o fluxo
sanguíneo a algum sistema (BENDER; MAYES, 2017b).
O principal problema relacionado à aterosclerose é o caso de doen-
ças subsequentes ao seu aparecimento. A aterosclerose é fator de risco
importante para afecções cardiovasculares, incluindo a síndrome corona-
riana aguda (SCA). A SCA inclui a angina instável, o infarto do miocárdio
Rodrigo Alberton da Silva et al. 21

e a morte súbita coronariana (CREA et al., 2018). Assim, é fundamental


o reconhecimento dessa doença, com o intuito de diminuir a morbimor-
talidade dos pacientes.

Papel do estresse oxidativo na insuficiência cardíaca

Recentemente, estão surgindo evidências relacionando o estresse


oxidativo com doenças cardiovasculares (GIVERTZ, 2018). Pesquisas
realizadas com animais e humanos sugerem pontos importantes:
a) EROs podem ter uma relação direta de toxicidade com o mús-
culo miocárdico;
b) marcadores do estresse oxidativo (como a atividade plasmáti-
ca de malondialdeído) podem ser prognósticos para a insufi-
ciência cardíaca;
c) terapias antioxidantes podem melhorar a estrutura e a função
cardíacas.
Entretanto, ainda há pouca evidência dessas substâncias na redu-
ção da morbidade e mortalidade e ainda não há indicação para seu uso
na prática clínica.

Dano isquemia-reperfusão

No tratamento do infarto agudo do miocárdio, usamos terapias far-


macológicas para desobstruir o fluxo de sangue para a parede do coração.
Eventualmente, uma reação adversa a essa terapia pode ocorrer, cau-
sando dano oxidativo às células miocárdicas durante a reperfusão. Essa
reação é denominada “dano isquemia-reperfusão” (SMITH; MARKS;
LIEBERMAN, 2007).
Assim, o cardiomiócito sofre dois danos: primeiro, devido à isque-
mia; segundo, devido à reperfusão. Vamos individualizar esses fatos para
uma melhor compreensão:
1) Durante a isquemia, as mitocôndrias eram incapazes de pro-
duzir ATP. A carência de energia desencadeia vários resulta-
dos: (a) menor contração do músculo cardíaco; (b) ativação da
22 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

rota glicolítica anaeróbia; e (c) acúmulo intracelular de sódio e


cálcio pela disfunção dos transportadores de membrana. Com
o tempo, essa lesão pode tornar-se permanente, com necrose
das células.
2) Na reperfusão, ao receber sangue rico oxigênio novamente, os
cardiomiócitos produzem espécies reativas de oxigênio em ex-
cesso, pois estavam ajustados ao estado de hipóxia da isque-
mia. A repercussão tem o objetivo de interromper a isquemia
a tempo de recuperar as células, mas, eventualmente, leva ao
dano oxidativo por vários mecanismos. No fim, pode desenca-
dear batimentos irregulares, num fenômeno com risco de vida
chamado fibrilação ventricular.

Suplementação de vitaminas antioxidantes na prevenção de


doenças

As vitaminas antioxidantes (A, C e E) e seus familiares vêm sendo


debatidos como terapêuticas a diversas doenças. Estudos observacionais
demonstraram impacto de dietas ricas em frutas e vegetais (alimentos
ricos em antioxidantes) com a diminuição do risco de câncer e doenças
cardiovasculares. Apesar de haver estudos com a relação de vitaminas
específicas, esses resultados podem sofrer vieses, como a ação de outras
substâncias das dietas ou os hábitos de vida melhores de indivíduos com
alimentação saudável (FAIRFIEL, 2018).
Estudos randomizados não encontraram resultado positivo a essas
constatações e, em geral, faltam evidências sobre a prevenção de doen-
ças pelas vitaminas antioxidantes. Em alguns casos, estudos com fator
relevante de evidência demonstraram aumento do risco para algumas
doenças, como câncer e doenças cardiovasculares.
Recomenda-se o planejamento da suplementação com vitamina A
para comunidades específicas. Em especial, em países subdesenvolvidos,
onde há dieta precária e disseminação de doenças infecciosas, particular-
mente em crianças, com estudos que demonstraram até 30% da redução
de mortalidade.
Rodrigo Alberton da Silva et al. 23

Recomenda-se o uso de vitaminas antioxidantes apenas em casos


de deficiência ou doenças, já que uma alimentação equilibrada supre as
necessidades fisiológicas e o excesso das vitaminas pode causar efeitos
deletérios.

Câncer

As teorias que sugerem a participação dos radicais livres na forma-


ção de neoplasias sugerem a possibilidade de atuação de diversos meca-
nismos, como químicos e radiações. Há diversas evidências suportando
essas hipóteses, mas um exemplo é a ação das radiações ionizantes, que
são supostamente absorvidas pela água num processo que gera radicais
livres. Isso seria a base explicativa sobre os cânceres induzidos pela ra-
diação (KEHRER; KLOTZ, 2015).
Aprofundando-se um pouco no papel dos radicais livres, vamos pen-
sar na teoria da carcinogênese de duas etapas: (1) a iniciação, em que
ocorre uma mudança genética na célula; e (2) a promoção, em que a célu-
la alterada se prolifera.
As evidências embasam que os RLs atuam na promoção. De fato,
muitos RLs têm atividade promotora, como, por exemplo, esteres de for-
bol, que estimulam fortemente a explosão oxidativa de células fagocíti-
cas. Esse mecanismo tem sido alvo de terapias antineoplásicas e já exis-
tem evidências apoiando o uso de antioxidantes no tratamento do câncer
por sua ação antipromotora. Infelizmente, como algumas terapias já es-
tabelecidas baseiam-se na ação contra os tumores, essa hipótese pode
interferir negativamente em tratamentos já existentes.
Outra evidência indireta refere-se à ligação entre doenças inflama-
tórias e o risco de determinadas neoplasias, como os casos da doença
inflamatória intestinal no câncer de cólon e da cirrose no câncer hepa-
tocelular. No entanto, não está claro se essa ligação é devido à elevada
produção de RLs nessas doenças ou se há outros mecanismos como pro-
tagonistas.
24 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

Referências
BENDER, D. A.; MAYES, P. A. Bioquímica do envelhecimento. In: KENNELLY, P. J.
Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017a. p. 755-767.
BENDER, D. A.; MAYES, P. A. Radicais livres e nutrientes antioxidantes. In: BEN-
DER, D. A. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017b.
p. 564-568.
CARLSEN, M. H. et al. The total antioxidant content of more than 3100 foods,
beverages, spices, herbs and supplements used worldwide. Nutrition Journal, v. 9,
n. 3, 2010. Disponível em: https://nutritionj.biomedcentral.com/articles/10.1186/
1475-2891-9-3#citeas. Acesso em: 21 nov. 2018.
COZZOLINO, S. Tabelas de conteúdo de vitaminas nos alimentos. Associação Brasi-
leira de Nutrologia, 2018. Disponível em: http://abran.org.br/tabelas/. Acesso em: 25
nov. 2018.
CREA, F. et al. Mechanisms of acute coronary syndromes related to atherosclerosis.
UpToDate, 2018. Disponível em: http://www.uptodate.com. Acesso em: 25 nov. 2018.
FAIRFIEL, K. M. Vitamin supplementation in disease prevention: Antioxidant Vita-
mins. UpToDate. 2018. Disponível em: http://www.uptodate.com. Acesso em: 21 out.
2018.
FELDMAN, E. L. Pathogenesis and prevention of diabetic polyneuropathy. UpToDa-
te. 2018. Disponível em: http://www.uptodate.com. Acesso em: 21 out. 2018.
GIVERTZ, M. M. Role of oxidative stress in heart failure. UpToDate. 2018. Disponí-
vel em: http://www.uptodate.com. Acesso em: 21 out. 2018.
HALLIWELL, B. Free radicals, antioxidants, and human disease: curiosity, cause
or consequence? The Lancet, v. 344, p. 721-724, 1994. Disponível em: https://www.
thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(94)92211-X/fulltext. Acesso em:
19 out. 2018.
HUBER, L. S.; RODRIGUEZ-AMAYA, D. B. Flavonóis e Flavonas: fontes brasileiras
e fatores que influenciam a composição em alimentos. Alimentos e Nutrição Arara-
quara, Araraquara, v. 19, n. 1, p. 97-108, 2008.
KEHRER, J. P.; KLOTZ, L. O. Free radicals and related reactive species as media-
tors of tissue injury and disease: implications for Health. Critical Reviews in Toxico-
logy, v. 45, n. 9, p. 765-798, 2015. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/fu
ll/10.3109/10408444.2015.1074159. Acesso em: 25 nov. 2018.
PAZIRANDEH, S.; BURNS, D. L. Overview of vitamin A. UpToDate. 2018. Disponí-
vel em: http://www.uptodate.com. Acesso em: 25 nov. 2018.
SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Toxicidade do oxigênio e danos por ra-
dicais livres. In: SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica médica bá-
sica de Marks: uma abordagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 439-457.
Rodrigo Alberton da Silva et al. 25

Exercícios
1) (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007). Qual das seguintes vitaminas ou enzimas é
incapaz de proteger contra o dano por radicais livres?
a) Betacaroteno
b) Glutationa-peroxidase
c) Superóxido-dismutase
d) Vitamina B6
e) Vitamina C

2) (SMITH; MARKS; LIEBERMAN, 2007). Um acúmulo de peróxido de hidrogênio


em um compartimento celular pode ser convertido em formas radicalares peri-
gosas na presença de qual metal?
a) Se
b) Fe
c) Mn
d) Mg
e) Mb

3) Qual das seguintes NÃO representa um componente do organismo de comba-


te aos antioxidantes?
a) Superóxido dismutase
b) Glutationa
c) Catalase
d) Transferrina
e) H20

4) (BENDER; MAYES, 2017b). Qual dos seguintes tipos de lesão de radicais de


oxigênio pode levar ao desenvolvimento de aterosclerose e insuficiência car-
díaca coronariana?
a) Modificações químicas das bases de DNA em células somáticas.
b) Modificações químicas do DNA em células germinativas.
c) Oxidação de aminoácidos em proteínas da membrana celular.
26 Capítulo 1 - Radicais livres e estresse oxidativo

d) Oxidação de aminoácidos em proteínas mitocondriais.


e) Oxidação de ácidos graxos insaturados em lipoproteínas plasmáticas.

5) (BENDER; MAYES, 2017b). Qual dos seguintes tipos de lesão de radicais de oxi-
gênio pode levar ao desenvolvimento de câncer?
a) Modificações químicas das bases de DNA em células somáticas.
b) Modificações químicas do DNA em células germinativas.
c) Oxidação de aminoácidos em proteínas da membrana celular.
d) Oxidação de aminoácidos em proteínas mitocondriais.
e) Oxidação de ácidos graxos insaturados em lipoproteínas plasmáticas.

Gabarito: 1 – D; 2 – B; 3 – E; 4 – E; 5 – A.
Capítulo 2

Glicação não enzimática de proteína

Larissa Rosa Eckert


Francisco Costa Beber Lemanski
Lucas Zeni Montenegro
Luciano de Oliveira Siqueira

Objetivos
Definir o conceito da glicação não enzimática de proteínas, como
surgiu, para que serve e quais seus efeitos. Compreender o metabolismo
e o mecanismo de papel dos produtos avançados da reação de Maillard
(AGEs) no envelhecimento, no diabetes melito e suas complicações bem
como na catarata. Além disso, definir perspectivas de possíveis maneiras
de diminuir os nocivos efeitos do acúmulo de AGEs nos indivíduos.

Glicação não enzimática de proteínas


No início do século XX, Louis-Camille Maillard descreveu uma rea-
ção de proteínas com carboidratos, a qual ocorre entre o grupo amino
livre dos aminoácidos e o hidroxil dos açúcares redutores, um processo
chamado de glicação. Essa reação é iniciada com a formação da base de
28 Capítulo 2 – Glicação não enzimática de proteína

Schiff instável, que nada mais é do que uma condensação entre o grupo
carbonila do açúcar redutor com o grupo amina do aminoácido. Ao sofrer
rearranjos, torna-se mais estável, originando então o produto de Amadori
ou os produtos iniciais da reação de Maillard, sendo a hemoglobina glica-
da e a frutosamina os produtos mais conhecidos. Tais produtos possuem
grande reatividade em seus grupos carbonilas e, ao se condensarem com
grupos aminas primários, dão origem aos produtos avançados da reação
de Maillard (AGEs) (Figura 1) (BARBOSA; OLIVEIRA; SEARA, 2009).

Figura 1 – Estágios da glicação não enzimática das proteínas

Fonte: elaboração dos autores.


Larissa Rosa Eckert et al. 29

Efeitos nutricionais
Durante o aquecimento do alimento, ocorre a formação de com-
postos responsáveis por conferir características organolépticas a ele. O
escurecimento é uma dessas características, que ocorre na reação de
Maillard. Conservantes derivados do enxofre, como dióxido de enxofre,
sulfitos, bissulfitos e metabissulfitos, podem evitar a produção desses
compostos e, consequentemente, seu escurecimento. Além disso, o odor
também é uma característica da reação e pode ser positivo ou negativo,
como o cheiro do pão assado, da torração do café (nitrogenados hetero-
cíclicos) ou de decomposição láctea e de produtos cárneos (pirazinas e
pirróis) (AMORIM; LISBOA; SIQUEIRA, 2013; SILVA, 1983).
Os alimentos que tendem a possuir mais AGEs são aqueles com alto
teor de gordura, como carne bovina, margarinas e queijos com elevada
concentração de gordura, como o parmesão.
Os efeitos nutricionais da glicação não enzimática de proteínas po-
dem produzir compostos mutagênicos e diminuir a biodisponibilidade de
aminoácidos, já que comprometem sua cadeia lateral, formam ligações
cruzadas entre as cadeias peptídicas por condensação e diminuem a di-
gestibilidade das proteínas.

Efeitos in vivo
AGEs e envelhecimento

A formação dos AGEs é predominantemente endógena, porém, tam-


bém pode ser introduzida por via exógena, como pela dieta e pelo fumo.
Tais compostos afetam diretamente moléculas de meia vida longa, como
o colágeno, por exemplo, que se acumula na parede vascular, levando ao
aprisionamento de proteínas glicadas (lipoproteínas de baixa densidade,
imunoglobulinas e células do sistema de complemento), causando dano
endotelial. Logo, os AGEs têm importante papel no envelhecimento, e
sua consequência pode ser vista na perda de elasticidade e tonicidade
30 Capítulo 2 – Glicação não enzimática de proteína

da pele, gerando rugas (AMORIM; LISBOA; SIQUEIRA, 2013; SOUZA


et al., 2018).

AGEs, diabetes melito e suas complicações

Existem diversos mecanismos e sistemas que agem na tentativa de


deter as reações de glicação em diferentes estágios, porém, situações de
excesso de AGEs – como diabetes, hiperlipidemia, hiperglicemia crônica,
insuficiência renal e consumo de AGEs na dieta – podem ultrapassar tais
sistemas (AMORIM; LISBOA; SIQUEIRA, 2013; ARENA et al., 2013;
SOUZA et al., 2018).
1) Nefropatia: pelo fato de a glicação não enzimática de proteínas
ser relacionada à hiperglicemia crônica, ela ocasiona uma série de pro-
blemas no desenvolvimento das complicações crônicas do diabetes. Cer-
ca de 10% dos AGEs ingeridos pela dieta são absorvidos, sendo que 2/3
dessa fração são armazenados no organismo, enquanto o restante é eli-
minado pela urina dentro de 48 horas, em indivíduos com a função renal
preservada. Em quadros de nefropatia, potencialmente causados pelos
AGEs, fica comprometida a detoxificação dos AGEs pelo rim e, conse-
quentemente, aumentam as concentrações séricas e teciduais dessas gli-
cotoxinas no organismo.
2) Retinopatia: os AGEs podem ser detectados, também, nos vasos
sanguíneos da retina e podem contribuir para a oclusão vascular. Um re-
ceptor dos AGEs, chamado RAGE, contribui para uma superprodução do
fator de crescimento das células do endotélio vascular (VEGF), que, en-
tão, estimulará a angiogênese, envolvida na patogênese da retinopatia.
3) Neuropatia: na neuropatia diabética, os AGES também têm seu
papel, aumentando a glicação da mielina, potencializando a desmielini-
zação neuronal e contribuindo para a disfunção neuronal (Alzheimer e
Parkinson, por exemplo). Por estarem envolvidos, também, no processo
de espessamento dos vasos sanguíneos que suprem os nervos, os AGEs
podem ocasionar isquemia vascular – um fator importante no desenvol-
vimento das alterações neurais.
Larissa Rosa Eckert et al. 31

4) Macroangiopatia: no diabetes, ocorre o aumento do fluxo de áci-


dos graxos livres (AGLs) por causa da resistência à ação da insulina ou
falta dela. O aumento da oxidação desses AGLs leva à superprodução de
espécies reativas de oxigênio (EROs) e ativa as mesmas vias bioquímicas
responsáveis pelas alterações fisiopatológicas do diabetes (ver capítulo
13, volume 2): via do poliol, via da hexosamina, via da proteína quina-
se C e via da formação dos AGEs – os últimos, podem ser altamente
prejudiciais às funções e à integridade dos vasos sanguíneos, causando
enrijecimento e produzindo vasoconstrição. As interações dos AGEs com
células que se acumulam na placa arteriosclerótica geram estímulos que
intensificam a ação inflamatória, contribuindo para a perturbação vas-
cular na doença.
5) AGEs como marcadores do diabetes: os AGEs podem ser úteis
para avaliar o risco de progressão da doença; existem testes para quanti-
ficar o seu acúmulo no corpo, como fluorescência, cromatrografia gasosa
ou líquida e testes imunorreativos; no entanto, todos apresentam algum
tipo de defeito.
Experimentos clínicos novos mostraram a utilização do leitor de
autofluorescência (AFR) quantificando AGEs de maneira não invasiva,
podendo se tornar uma útil ferramenta no controle dessas glicotoxinas.
Além disso, todas as vias relacionadas com as complicações diabéticas
representam prognósticos diferentes no tratamento de pacientes com
controle glicêmico deficiente. Portanto, estudos que atuem nos produtos
finais da glicação avançada podem ser uma ótima via de prevenção para
evitar a progressão das complicações diabéticas.

AGEs e catarata

O aumento progressivo da glicação (principalmente por fonte exóge-


na da dieta) bem como seu acúmulo na lente do cristalino podem levar à
formação de catarata, seja por envelhecimento do cristalino ou por fato-
res secundários, como diabetes (SOUZA et al., 2018).
32 Capítulo 2 – Glicação não enzimática de proteína

Aplicação do conhecimento
Como visto anteriormente, a dieta é o principal fator exógeno de
formação de AGEs, sendo que apenas uma refeição rica neles é capaz de
causar elevações séricas e teciduais desses compostos em indivíduos sau-
dáveis ou portadores de diabetes. Considerando o fato de que diversos
fatores potencializam a formação de AGEs no alimento, como o método
de preparo que utiliza temperaturas superiores a 170ºC (fritar, assar,
grelhar), ao cozinhar os alimentos sob temperaturas mais brandas (em
torno de 100ºC), por curtos períodos de tempo e em presença de umidade
(cozimento em água ou vapor), contribui-se para uma menor produção
de AGEs; logo, diminuem-se os riscos associados ao excesso e ao acúmulo
desse composto no organismo (BARBOSA; OLIVEIRA; SEARA, 2009).

Referências
AMORIM, Natasha Ohana Bastos; LISBOA, Hugo Roberto Kurtz; SIQUEIRA, Lu-
ciano De Oliveira. Glicação não enzimática de proteínas na gênese da nefropatia
diabética. HCPA, Passo Fundo, v. 33, n. 2, p. 135-141, dez. 2013.
ARENA, S. et al. Non-enzymatic glycation and glycoxidation protein products in
foods and diseases: an interconnected, complex scenario fully open to innovative pro-
teomic studies. Wiley Online Library, [s. l.], dez./mar. 2013. Disponível em: https://
onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/mas.21378. Acesso em: 23 out. 2018.
BARBOSA, Júnia Helena Porto; OLIVEIRA, Suzana Lima De; SEARA, Luci Tojal E.
Produtos da glicação avançada dietéticos e as complicações crônicas do diabetes. Re-
vista de Nutrição, Campinas, v. 22, n. 1, p. 22-30, jan./fev. 2009.
LAPOLLA, A. et al. Enzymatic digestion and mass spectrometry in the study of ad-
vanced glycation and products/peptides. Journal of the American Society for Mass
Spectrometry, v. 15, p. 496-509, 2004.
SILVA, J. Martins E. Glicosilação não-enzimática das proteínas. Implicações patogé-
nicas e no controlo metabólico da diabetes mellitus. Acta Médica Portuguesa, Lisboa,
Portugal, v. 12, n. 4, p. 421-430, 1983.
SOUZA, S. et al. Revisão de literatura sobre o envelhecimento da pele através da
glicação. Laboratório de Espectroscopia Vibracional e Biomédica – UNIVAP, São José
dos Campos, SP. 2018. Disponível em: http://www.inicepg.univap.br/cd/inic_2012/
anais/arquivos/re_0256_0843_01.pdf. Acesso em: 23 out. 2018.
Larissa Rosa Eckert et al. 33

Exercícios
1) ESM, 70 anos, feminina, queixa de visão opaca e alterações de memória e com
história prévia de diabetes há 20 anos. Dentre as opções, quais medidas cabí-
veis podem ser tomadas pelo endocrinologista?
I. Alteração na dieta, diminuir quantidade de carboidratos e alimentos
com alto teor de gordura;
II. Encaminhamento para um médico oftalmologista para tratamento
ocular;
III. Encaminhamento para um médico neurologista para tratamento de
provável disfunção neurológica;
IV. Cozinhar os alimentos em temperatura de 100ºC e preferencialmen-
te de forma úmida (na água ou vapor).

a) Apenas I e II estão corretas.


b) Apenas I, II, III estão corretas.
c) Apenas II e III estão corretas.
d) Apenas I, II e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas.

2) Em 1920, Louis-Camille Maillard desenvolveu o que hoje seria o mercado do


sabor e cor dos alimentos, de acordo com isso, assinale a correta:
I. A glicação é uma reação entre proteínas e carboidratos;
II. O escurecimento é uma característica quase não vista na reação de
Maillard;
III. A base de Schiff ao sofrer rearranjos torna-se o produto de Amadori,
por sua vez, mais estável;
IV. Os produtos de Amadori possuem pouca reatividade e dão origem
aos produtos avançados da reação de Maillard (AGEs).

a) Apenas I e III estão corretas.


b) Apenas I, II e III estão corretas.
c) Apenas II, III e IV estão corretas.
34 Capítulo 2 – Glicação não enzimática de proteína

d) Apenas I, III e IV estão corretas.


e) Todas as alternativas estão corretas.

3) De acordo com os produtos avançados da reação de Maillard (AGEs), assinale


o que for verdadeiro:
I. Sua formação é predominantemente endógena, porém podem ser in-
troduzidos através da dieta e ser extremamente prejudiciais ao corpo;
II. Seu acúmulo no corpo pode potencializar o envelhecimento e a hi-
perinsulinemia;
III. Pacientes diabéticos são propensos ao acúmulo de AGEs e seus riscos;
IV. Existe a possibilidade, através de testes, de quantificar o conteúdo
desses compostos no corpo e posteriormente zerar seus níveis séri-
cos e teciduais.

a) Apenas a II e III estão corretas.


b) Apenas a I e III estão corretas.
c) Apenas a II e IV estão corretas.
d) Apenas a I, III e IV estão corretas.
e) Todas as alternativas estão corretas.

Gabarito: 1 – E; 2 – A; 3 – B.
Capítulo 3

Introdução ao estudo dos lipídios

Lucas Zeni Montenegro


Luciano de Oliveira Siqueira
Saulo Azeredo
Victor Emanuel Angeliero

Objetivos
Discernir e caracterizar os tipos de moléculas classificadas como
lipídios, relacionar as propriedades físico-químicas dos lipídios com pro-
cessos fisiológicos e relacionar as propriedades dos lipídios à clínica mé-
dica.

Introdução aos estudos dos lipídios


Abrangendo um grupo grande e heterogêneo de moléculas, os lipí-
dios são caracterizados como componentes hidrofóbicos ou anfipáticos
solúveis em compostos orgânicos, como éter ou acetato. Suas funções são
diversas e essenciais para a manutenção dos processos fisiológicos, sendo
algumas delas:
36 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

a) reserva energética nos adipócitos, servindo de fonte alterna-


tiva de energia em momentos de escassez na disponibilidade
de glicose para células, como em um jejum prolongado ou em
distúrbios metabólicos como diabetes melito;
b) isolante térmico, essencial para animais que vivem em locais
de baixas temperaturas;
c) produção de energia térmica (termogênese), atividade especí-
fica realizada pelo tecido adiposo marrom, que possui a pro-
teína termogenina, presente em animais que hibernam e em
humanos nos primeiros anos de vida;
d) componentes de vitaminas lipossolúveis como a vitamina A,
a qual origina substâncias fotossensíveis como a rodopsina,
que, quando em pouca quantidade, está associada à cegueira
noturna. Outro exemplo é a vitamina E, que protege as gordu-
ras não saturadas da oxidação, garantindo que elas formem
estruturas estáveis de organelas como das mitocôndrias e dos
lisossomos.
Ao considerar a variabilidade de funções e de estruturas molecu-
lares dos lipídios, não há, no meio científico, uma classificação definiti-
va para esses compostos, havendo diversos critérios para categorizá-los
(FAHY et al., 2011) (Figura 1). Neste livro, os lipídios serão classificados
em:
a) Simples: são aqueles que produzem dois grupos moleculares
ao sofrerem hidrólise. Ex.: triglicerídeos (formados por ácidos
graxos e glicerol);
b) Compostos: são aqueles que produzem três ou mais grupos
moleculares ao sofrerem hidrólise. Ex.: fosfolipídios (formados
por ácidos graxos, glicerol e um grupo fosforil);
c) Derivados: são resultantes da hidrólise de lipídios simples.
Ex.: ácidos graxos.
Lucas Zeni Montenegro et al. 37

Figura 1 – Algumas estruturas de ácidos graxos

Fonte: adaptado de Harvey e Ferrier (2012).

Lipídios simples

Os lipídios simples são compostos orgânicos formados basicamente


por ácidos graxos associados a álcoois por meio de ligações éster. São
divididos em duas classes: os glicerídeos, que são os óleos vegetais, e
as gorduras animais; os primeiros tendo a consistência oleosa devido às
38 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

insaturações nos ácidos graxos e as segundas, consistência sólida por se-


rem saturadas. Um exemplo de glicerídeos são os triglicerídeos, os quais
servem como uma reserva energética para o organismo, sendo utilizados
quando as reservas de glicogênio são depletadas (veja capítulo 4).
Os cerídeos, que também são formados por ácidos graxos e álcoois,
são a segunda classe de lipídio simples, porém com cadeias mais largas,
estando presentes nas ceras das abelhas e na secreção das glândulas
uropigianas das aves.

Lipídios compostos

Os lipídios compostos englobam diversas moléculas importantes


para o ser humano, como os glicerofosfolipídios e os esfingolipídios (es-
fingomielina e esfingoglicolipídios) (Figura 2). São formados por um gli-
cerol esterificado em C1 e C2 por ácidos graxos e C3 por um grupo fosforil
ligado a uma cadeia X.

Figura 2 – Exemplo de glicerofosfolipídeo e esfingolipídeo

Fonte: adaptado de Ledeen e Wu (2015).

Os glicerofosfolipídios (um tipo de fosfolipídeo) são moléculas anfi-


páticas que possuem variadas funções no organismo, dependendo do ra-
dical X associado. Como exemplo, há os ácidos fosfatídicos (fosforil ligado
a um H), os quais participam da formação de triglicerídeos.
As fosfatidiletanolamina (fosforil ligado à etanolamina) e as fosfa-
tidilcolina (fosforil ligado à colina), ambas constituintes da membrana
plasmática, apresentam uma extremidade polar (grupo fosforil) e uma
apolar (ácidos graxos).
Lucas Zeni Montenegro et al. 39

Outro tipo de fosfolipídios são as esfingomielinas, as quais possuem,


ao invés do álcool, glicerol, por exemplo a esfingosina (um aminoálcool
associado a hidrocarbonetos).
Assim como os glicerofosfolipídios, as esfingomielinas compõem a
membrana plasmática das células, além de constituírem a bainha de
mielina dos neurônios, responsável pela proteção do axônio e pela pro-
gressão de impulsos nervosos saltatórios.
Diferentemente do grupo de fosfolipídios citado anteriormente, os
esfingoglicolipídios são moléculas esfingo ligadas a açúcares, em vez do
grupo fosfatil. Elas podem ser cerebrosídeos ou gangliosídeos, que são
encontrados, principalmente, na matéria branca do tecido cerebral.
Os gangliosídeos, por exemplo, possuem as funções de modulação de
transporte de íons como o influxo de cálcio, diferenciação neural, ativida-
de de células imunes, sinalização de neurotrofina, além de serem alvos
da subunidade B da toxina da cólera (LEDEEN; WU, 2015).

Lipídios derivados

Compondo os lipídios derivados, há duas classes de moléculas que


são de grande importância para os seres humanos: os esteroides e os
ácidos graxos. Os esteroides são lipídios formados por anéis de hidrocar-
bonetos, sendo o principal integrante desse grupo o colesterol. Esse serve
como base para diversas estruturas no organismo, como a membrana
plasmática, os hormônios esteroides e os sais biliares. Suas característi-
cas serão estudadas especificamente no capítulo 4.
Constituintes básicos de diversos lipídios, como triglicerídeos ou
fosfolipídios, os ácidos graxos são cadeias extensas de carbono com um
grupo funcional carboxila (COOH) em uma das extremidades. Essa ca-
racterística favorece a ligação com grupos hidroxila e amino, possibili-
tando a formação de estruturas orgânicas importantes, como as mem-
branas plasmáticas. Cada ácido graxo possui um número específico de
carbonos (geralmente pares, pois são formados pela união de moléculas
com dois carbonos), além de se diferenciarem quanto ao nível de satu-
40 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

ração, podendo ter ligações simples (C – C), ligações duplas (C = C) ou


triplas (C ≡ C) (PINTO, 2017).
Antes de abordar a saturação dos ácidos graxos, é necessário men-
cionar o modo como eles são representados. A representação numérica
dessas moléculas é feita com o número total de carbonos da cadeia e
a quantidade de insaturações da molécula. A exemplo, o ácido linoeico
– relacionado a processos inflamatórios, já que é precursor do ácido ara-
quidônico – possui em sua cadeia 18 carbonos e 2 insaturações. Assim,
pode ser representado por: 18:2; ω-9; Δ9, sendo “ω” a indicação do local de
uma dupla ligação, contando a partir da extremidade metil da cadeia, e
o símbolo “Δ” sendo a indicação do local de uma instauração, contando a
partir da extremidade carboxila (Figura 3).

Figura 3 – Nomes de ácidos graxos e suas representações numéricas.

Fonte: elaboração dos autores.


Lucas Zeni Montenegro et al. 41

O nível de saturação dos ácidos graxos é determinante para a con-


formação estrutural das moléculas e, consequentemente, do seu compor-
tamento químico-físico (MARZZOCO; TORRES, 2018). Ácidos graxos
como o ácido palmítico, o qual é formado por uma cadeia saturada de 16
carbonos (16:0), possuem um ponto de fusão de 63°C, enquanto o ácido
palmitoleico, que possui igualmente 16 carbonos, mas com uma insatura-
ção (16:1; ω-6; Δ9), possui um ponto de fusão de -0,5°C. Essa diferença de
pontos de fusão se deve à insaturação do tipo cis (ligantes de menor peso
molecular dos carbonos da dupla estão no mesmo lado da cadeia), o que
leva a uma torção da molécula, dificultando sua compactação e, portanto,
sua capacidade de se manter no estado sólido. Outro aspecto estrutural
que influencia no ponto de fusão dos ácidos graxos é o comprimento da
cadeia, tendo como regra um aumento proporcional do ponto de fusão
quanto mais carbonos a molécula possuir. Por exemplo, o ácido mirístico
(14:0) e o ácido láurico (12:0) têm pontos de fusão, respectivamente, de
54°C e 44°C, havendo uma diferença de apenas dois carbonos na cadeia.

Gordura trans

Além dos ácidos graxos insaturados do tipo cis, existem os do tipo


trans (Figura 4), os quais são raramente encontrados na natureza – com
exceção dos ruminantes, que possuem enzimas na microbiota intestinal
capazes de produzir essas moléculas. Eles também estão presentes em
alimentos industrializados como a margarina, que é formada por gordu-
ra vegetal hidrogenada.
42 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

Figura 4 – Ácido graxo saturado e ácido graxo insaturado

Fonte: adaptado de Harvey e Ferrier (2012).

Histórico (gordura vegetal hidrogenada)

A gordura vegetal hidrogenada começou a ser utilizada no século


XX, quando foi descoberto o processo de hidrogenação de óleos vegetais,
servindo como substituto ao sebo bovino para a preparação de margari-
na. Nesse período, acreditava-se que gordura vegetal hidrogenada era
mais saudável, pois é livre de colesterol. Atualmente, além de produ-
zir gordura vegetal hidrogenada, o processo de hidrogenação é utilizado
para conservar por mais tempo os óleos, ao reduzir o número de insatu-
rações para diminuir a capacidade de oxidação (PINHO; SUAREZ, 2013).
Lucas Zeni Montenegro et al. 43

Formação

O processo de formação ocorre em altas temperaturas, levando as


moléculas de gordura a reagirem com gás hidrogênio (H2), parte das li-
gações duplas é quebrada e parte é mantida, porém com forma trans ao
invés de cis.

Propriedades

As insaturações do tipo trans geram uma torção menos acentuada


que as do tipo cis, o que torna ácidos graxos com essa configuração em
moléculas mais estáveis e mais compactas. Isso explica como a gordura
vegetal acaba originando a margarina, que possui aspecto pastoso. Ou-
tra mudança que ocorre com processos de hidrogenação é a estabilidade
da molécula frente à oxidação, uma vez que saturações tendem a reagir
menos com oxigênio, logo, essa reação altera o período de conservação de
alimentos (PINHO; SUAREZ, 2013).

Efeitos no organismo

As gorduras trans não são produzidas no organismo e, embora se-


jam absorvidas do mesmo modo que as do tipo cis, não exercem nenhuma
função no organismo. Sabe-se que estão associadas, assim como as gor-
duras saturadas, a processos ateroscleróticos, ao aumento do LDL (lipo-
proteína de baixa densidade) e à redução do HDL (lipoproteína de alta
densidade), sendo esses fatores de risco para doenças cardiovasculares.
Assim, houve uma redução do seu uso.

Alimentos ricos em gordura trans

Dentre os alimentos industrializados ricos em gordura trans, des-


tacam-se sorvetes, batata palha, margarinas, bolos, pastéis e biscoitos.
44 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

Legislação de gordura trans nos alimentos (alimentos “zero”


gordura trans)

No ano de 2003, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)


lançou a Resolução RDC nº 360/2003, que tornou obrigatório o registro
dos valores nutricionais nos produtos seguindo um padrão de rotulagem,
como informar valor energético, nutrientes e %VD. Além disso, foi acor-
dado que serão considerados como tendo zero ou não significativo teor
de gordura trans os alimentos que apresentarem concentrações menores
ou iguais a 0,2 g por porção. Essa decisão possui como justificativa que,
até certos valores, os nutrientes não afetam a saúde do consumidor, bem
como reduz o impacto na economia, uma vez que a população procura
evitar consumir produtos com gordura trans. Contudo, essa medida não
impede que as indústrias reduzam consideravelmente a quantidade de
gordura trans presente nos alimentos, pois ela não define o conceito de
“porção”, logo, um fabricante pode determinar qual será a porção de seu
produto. Por exemplo, uma empresa de biscoitos pode determinar que a
porção de seu produto seja meio biscoito ao invés de um inteiro, assim, ao
invés de um biscoito conter 0,2 g, ele terá 0,4 g.
Um último ponto que deve ser abordado acerca dos ácidos graxos é
a sua classificação entre essenciais e não essenciais. Essa classificação se
baseia na capacidade de o organismo sintetizar os ácidos graxos. Assim,
os ácidos graxos não essenciais são aqueles que o organismo é capaz de
produzir, enquanto os essenciais são os que o ser humano só pode ad-
quirir na dieta, como os ácidos linoleico e linolênico. Esses ácidos graxos
essenciais são a base para a cadeia dos eicosanoides relacionados a pro-
cessos inflamatórios, assunto abordado com mais detalhes no capítulo 8.

Ácidos graxos poli-insaturados

Os ácidos graxos poli-insaturados são moléculas que se destacam


dentro do grupo das gorduras insaturadas por possuírem um papel im-
portante na regulação e manutenção de processos fisiológicos no orga-
nismo. Eles são formados por uma cadeia longa de carbonos (acima de
Lucas Zeni Montenegro et al. 45

16), com mais de uma ligação dupla, ao contrário de moléculas monoin-


saturadas, que possuem apenas uma (BAYNES; DOMINICZAK, 2015).
As insaturações não são conjugadas (CH = CH – CH = CH – CH2), mas,
sim, separadas por um metileno (CH = CH – CH2 – CH = CH). Dentro
do conjunto dos poli-insaturados, há dois grupos de ácidos graxos que se
destacam por serem essenciais, ou seja, que não são sintetizados pelo ser
humano e que devem ser adquiridos pela dieta. São eles:
1) Ômega 3: são ácidos graxos que possuem a primeira insatura-
ção entre os carbonos 3 e 4 (ao se usar o método “ω” na conta-
gem de carbonos);
2) Ômega 6: são ácidos graxos que possuem a primeira insatura-
ção entre os carbonos 6 e 7 (ao se usar o método “ω” na conta-
gem dos carbonos).

As principais moléculas desses grupos são os ácidos linoleico (18:2;


ω-6) e linolênico (18:3; ω-3), pois são base para a formação de outros áci-
dos graxos, como o ácido araquidônico (20:4; ω-6), pertencente ao grupo
ômega-6 e precursor das prostaglandinas, participando de processos in-
flamatórios, além de ser um estimulante de fatores angiogênicos (HART-
LEY et al., 2015). Outro exemplo é o ácido deco-hexanoico, pertencente
ao grupo ômega-3 e associado à melhora cognitiva e ao desenvolvimento
da visão em neonatos (CAMPOS; SERRA, 2010), além de estar relacio-
nado a processos anti-inflamatórios, inibindo vários processos como a
quimiotaxia de leucóitos, a interação adesiva entre endotélio e leucóci-
tos, a cadeia de síntese de eicosanoides por meio do ômega-6 (CALDER,
2015).
As fontes para se adquirir ácidos graxos do tipo ômega-3 são por
meio da ingesta de alimentos como salmão, sardinha, atum, canola e
soja. Já ácidos graxos do tipo ômega-6 são obtidos pelo consumo de óleo
de girassol, óleo de milho, castanhas e ovos.
46 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

Aplicação do conhecimento
Omega-3 e câncer de mama

Atuando como anti-inflamatório, pró-apoptótico e antiproliferativo,


o ômega-3 possui um papel adjuvante no tratamento e na prevenção do
câncer de mama. De acordo com Corsetto et al. (2011), a supressão da
cadeia de ácido aracdônico, principalmente na formação de prostaglan-
dia E2, favorece essa característica antitumoral. Além disso, o mesmo
autor afirma que a ativação do gene Bcl2 (regulador da morte celular)
em alguns tipos de células tumorais é decorrente de ácidos graxos do tipo
ômega-3, sendo apenas um dos mecanismos em que esses atuam. Além
dessas propriedades antitumorais, uma dieta de ômega-3 suprime arrit-
mias cardíacas, reduz concentrações de triacilglicerol, diminui a pres-
são sanguínea e reduz o risco de mortalidade por doença cardiovascular
(HARVEY; FERRIER, 2012).

Ômega-6 e proliferação de células tumorais

Ao contrário das propriedades antitumorais do ômega-3, ácidos graxos


ômega-6 podem ser tanto pró-tumorais como antitumorais, uma vez que,
em diferentes regiões, esses compostos podem aumentar a proliferação de
células, assim como podem inibir esse processo. A linha celular de carcino-
ma de mama BT-474, por exemplo, é estimulada a se proliferar pelo ôme-
ga-6, enquanto a proliferação da linha celular de câncer de cólon Caco-2 é
inibida (HUERTA-YÉPEZ; TIRADO-RODRIGUEZ; HANKINSON, 2016).

Referências
BAYNES, J. W.; DOMINICZAK, M. H. Bioquímica médica. 4. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2015.
CAMPOS, G. M.; SERRA, D. J. Importancia del ácido docosahexaenoico (DHA): fun-
ciones y recomendaciones para su ingesta en la infancia. Anales de Pediatria, v. 73,
n. 3, 2010. Disponível em: https://www.aeped.es/comite-nutricion/documentos/im-
portancia-acido-docosahexaenoico-dha-funciones-y-recomendaciones-su-ingesta-en-i.
Acesso em: 23 ago. 2018.
Lucas Zeni Montenegro et al. 47

CORSETTO, P. A. et al. Effects of n-3 PUFAs on breast cancer cells through their
incorporation in plasma membrane. Lipids in Health and Disease, v. 10, n. 73, p 1-16,
May 2011. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3127786/.
Acesso em: 07 nov. 2018.
FAHY, E. et al. Lipid classification, structures and tools. Biochimica et Biophysi-
ca Acta, v. 1811, n. 11, p. 637-647, 2011. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pubmed/21704189%0Ahttp://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.
fcgi?artid=PMC3995129. Acesso em: 26 ago. 2018.
HARTLEY, L. et al. Omega 6 fatty acids for the primary prevention of cardiovascular
disease. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 11, nov. 2015. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26571451. Acesso em: 24 ago. 2018.
HARVEY, A. R.; FERRIER, R. D. Bioquímica ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2012.
CALDER, P. C. Marine omega-3 fatty acids and inflammatory processes: effects,
mechanisms and clinical relevance. Biochimica et Biophysica Acta - Molecular and
Cell Biology of Lipids, v. 1851, n. 4, p. 469-484, 2015. Disponível em: http://dx.doi.
org/10.1016/j.bbalip.2014.08.010. Acesso em: 24 ago. 2018.
HUERTA-YÉPEZ, S.; TIRADO-RODRIGUEZ, A. B.; HANKINSON, O. Role of di-
ets rich in omega-3 and omega-6 in the development of cancer. Boletín Médico del
Hospital Infantil de México, v. 73, n. 6, p. 446-456, dez. 2016. Disponível em: https://
www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1665114616301423?via%3Dihub. Acesso
em: 07 nov. 2018.
LEDEEN, R. W.; WU, G. The multi-tasked life of GM1 ganglioside, a true factotum of
nature. Trends in Biochemical Sciences, v. 40, n. 7, p. 407-418, jul. 2015. Disponível
em: http://dx.doi.org/10.1016/j.tibs.2015.04.005. Acesso em: 19 ago. 2018.
MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. Bioquímica básica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanaba-
ra Koogan, 2018.
PINHO, D. M. M.; SUAREZ, P. A. Z. A hidrogenação de óleos e gorduras e suas apli-
cações industriais. Revista Virtual de Química, v. 5, n. 1, p. 47-62, fev. 2013.
PINTO, W. J. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
48 Capítulo 3 - Introdução ao estudo dos lipídios

Exercícios
1. (PUC-PR-FEAES-2017) Os lipídios conferem algumas características aos ali-
mentos onde estão presentes. Os alimentos fontes de lipídios de origem ani-
mal em geral apresentam textura mais sólida à temperatura ambiente. Esse
fato se deve à:
a) Sua composição em ácidos graxos monoinsaturados.
b) Sua composição em ácidos graxos poliinsaturados.
c) Sua composição em ácidos graxos saturados ou em ácidos graxos do
tipo trans.
d) Sua composição em esteroides como o colesterol associado à gordu-
ra di-insaturada.
e) Sua facilidade em sofrerem transformações como o desenvolvimen-
to de ranço oxidativo.

2. Em relação aos ácidos graxos essenciais, qual alternativa está correta?


a) Os ácidos graxos essenciais são aqueles produzidos no organismo,
não dependendo de dietas para adquiri-los, como exemplo há a gor-
dura trans.
b) Os ácidos graxos essenciais são aqueles produzidos no organismo,
não dependendo de dietas para adquiri-los, como os ácidos graxos
poliinsaturados linolênico e linoleico (ômega 3 e ômega 6).
c) A gordura trans, por ser sintetizada no organismo, não é caracteriza-
da como um ácido graxo essencial.
d) Ácido graxos não essenciais são aqueles que não são sintetizados
pelo organismo e não precisam serem adquiridos pela alimentação.
Como exemplo há os ácidos graxos poliinsaturados linolênico e lino-
leico (ômega 3 e ômega 6).
e) Ácidos graxos essenciais são aqueles que não são sintetizados pelo
organismo e, portanto, necessitam serem ingeridos para suprirem o
organismo. A gordura trans, embora não seja sintetizada, não é ca-
racterizada como um ácido graxo essencial, pois não possui função
no organismo.
Lucas Zeni Montenegro et al. 49

3) Com relação às funções dos lipídios no organismo, pode-se afirmar:


a) Oferecem isolamento térmico, elétrico e mecânico para proteção das
células e órgãos.
b) Servem como fonte principal de energia, seguido pelos carboidratos.
c) São armazenados em vários tecidos e órgãos, principalmente no teci-
do adiposo. Esse tecido possui dois tipos, o tecido adiposo marrom e
o tecido adiposo branco, o primeiro mais presente no organismo na
fase adulta, enquanto o segundo está mais presente na fase neonatal.
d) Acerca de suas estruturas, quando a cadeia de carbonos de um ácido
graxo possui apenas saturações, seu ponto de fusão será menor do
que o ácido graxo que apresentar insaturações.

Gabarito: 1 – C; 2 – E; 3 – A.
Capítulo 4

Principais lipídios plasmáticos

Lucas Zeni Montenegro


Francisco Costa Beber Lemanski
Luciano de Oliveira Siqueira
Rodrigo Alberton

Objetivos
Associar características, funções e destinos dos principais lipídios
plasmáticos e relacionar os principais lipídios plasmáticos com distúr-
bios fisiológicos.

Principais lipídios plasmáticos


Metabolismo dos triglicerídeos

Estrutura

Os triglicerídeos são moléculas formadas pela união – esterificação


– de três ácidos graxos (cadeia longa de carbonos com uma carboxila em
uma extremidade) e um glicerol (molécula com grupo funcional hidroxi-
Lucas Zeni Montenegro et al. 51

la) (Figura 1) (MARZZOCO; TORRES, 2018). Geralmente, o ácido graxo


ligado à primeira hidroxila do glicerol (C1) é saturado (ligação simples),
enquanto o segundo (C2) é insaturado (ligação dupla ou tripla) e o tercei-
ro (C3) pode ser ou saturado, ou insaturado.

Figura 1 – Formação de um triglicerídeo

Fonte: adaptado de Pinto (2017).


52 Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos

Armazenamento

O principal local de armazenamento dos triglicerídeos é no tecido


adiposo, sendo reservados dentro de adipócitos e metabolizados (lipólise),
para fornecimento de energia em casos de jejum prolongado, uma vez que
possuem uma capacidade energética maior que a de carboidratos ou pro-
teínas. Além da função energética, o armazenamento dessas gorduras nos
adipócitos também serve como isolante térmico e proteção contra choques
mecânicos. Uma função específica exercida por alguns adipócitos é a pro-
dução de calor no tecido adiposo marrom, que, diferente do tecido adiposo
branco, é formado por adipócitos que possuem proteínas chamadas termo-
geninas ou proteínas desacopladoras da cadeia de transporte de elétrons.
Essas proteínas estão localizadas na membrana interna das mitocôndrias
e vão atuar na última etapa do ciclo de Krebs, ao reduzir a diferença de po-
tencial gerado pelo acúmulo de prótons no espaço intramembranoso, o que
interrompe a síntese de adenosina trifosfato (ATP) (ALANIZ et al., 2007).

Destino

Após a absorção dos triglicerídeos no trato digestório, estes são leva-


dos aos tecidos extra-hepáticos por quilomicrons (lipoproteína) até chegar
no fígado, onde uma pequena parcela será armazenada. A quantidade ar-
mazenada pode aumentar conforme a dieta do indivíduo, a atividade física
praticada, entre outros fatores, havendo casos em que há uma saturação
de triglicerídeos nos hepatócitos, podendo equivaler a 5% do peso do fígado
no caso de uma esteatose hepática (NASSIR et al., 2015). A grande parcela
restante dos triglicerídeos será acoplada em lipoproteínas produzidas no
fígado, chamadas de VLDL, as quais transportarão essas gorduras nova-
mente a tecidos extra-hepáticos, como tecidos muscular e adiposo.

Catabolismo

Os triglicerídeos, quando catabolizados dentro de células adiposas


ou musculares por enzimas lipases, geram ácidos graxos e glicerol. Os
ácidos graxos são os primeiros substratos transportados pela circulação
Lucas Zeni Montenegro et al. 53

ligada à albumina até os tecidos nos quais serão oxidados pela ß-oxida-
ção, para produção de ATP. De outro modo, o glicerol resultante da hi-
drólise será utilizado no fígado, para síntese de glicose (gliconeogênese)
e corpos cetônicos (cetogênese).
A síntese de ATP a partir da lipolise pode ser analisada durante
exercícios físicos aeróbicos (ß-oxidação), principalmente os de baixa in-
tensidade e longa duração, uma vez que a cadeia de produção de energia
é mais lenta, porém com maior quantidade de ATP. Vale ressaltar que
nem todos os tecidos são capazes de oxidar ácidos graxos, como o tecido
nervoso ou a medula adrenal.

Colesterol

Estrutura

Embora tenha característica de um álcool, por possuir uma hidroxi-


la em sua estrutura, o colesterol é bioquimicamente classificado como li-
pídeo, pois é normalmente encontrado esterificado, isto é, associado a um
ácido graxo. Sua molécula é formada por um núcleo de 4 anéis fusiona-
dos, chamado de ciclopentanoperidrofenantreno, ligado a uma hidroxila
no carbono 3 do anel A, dois grupos metil ligados nos carbonos 10 e 13 e
uma cadeia de 8 carbonos ligada no carbono 17, totalizando 27 carbonos
e uma massa de 386 Da.
Devido ao seu caráter apolar, o colesterol é transportado na corren-
te sanguínea por meio de lipoproteínas, principalmente a low density
protein (LDL) – associada à elevação do risco de doença cardiovascular
– e a high density protein (HDL) – relacionada à redução de riscos para
doenças aterogênicas.

Função

O colesterol possui uma variedade de funções no organismo, como


compor 25% da estrutura da membrana plasmática das células – con-
ferindo-lhes maior fluidez e interferindo na permeabilidade da bicama-
da lipídica (PINTO, 2017). Também possui papel hormonal, tendo como
54 Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos

função ser precursor de hormônios esteroides, formando corticosteroides,


androgênios e estrogênios. Além disso, atua no processo de digestão de
alimentos, uma vez que compõe sais biliares (Figura 2), os quais são
sintetizados pelos hepatócitos e secretados na luz intestinal, auxiliando
na digestão de gorduras por enzimas lipases (BAYNES; DOMINICZAK,
2015). Por fim, o colesterol é matéria básica para formação da vitamina
D3, a qual está ligada ao processo de absorção de cálcio pelo intestino e
reabsorção óssea por osteoclastos (BAYNES; DOMINICZAK, 2015).

Figura 2 – Ácido cólico (ácido biliar) sendo sintetizado a partir de colesterol no fígado

Fonte: adaptado de Harvey e Ferrier (2012).


* Nota-se que a produção desse ácido funciona por meio de feedback negativo, logo, o excesso de
ácido cólico inibe sua própria síntese, assim como excesso de colesterol estimula sua produção. A
imagem da direita mostra as variações do ácido cólico, dependendo da substância ligada a ele (tau-
rina ou glicina).

Logo, percebe-se a importância que essa molécula possui para o fun-


cionamento do organismo, havendo patologias relacionadas a distúrbios do
seu metabolismo, como colelitíase (formação de cálculos nas vias biliares) ou
Lucas Zeni Montenegro et al. 55

aterosclerose. Com relação às mulheres, pode-se dizer que o uso de colesterol


é maior se comparado ao dos homens, pois essa molécula é precursora dos
hormônios reguladores do ciclo menstrual. Devido a isso, atletas e modelos
podem apresentar disfunções no ciclo menstrual por apresentarem baixo
percentual de gordura corporal, podendo apresentar carência na quantida-
de de moléculas de colesterol disponíveis para síntese de hormônios.

Regulação

O controle da quantidade de colesterol presente no organismo ocor-


re pela cadeia de síntese de colesterol no fígado (Figura 3) (há uma pe-
quena produção no córtex adrenal, intestino e gônadas) e pela dieta, sen-
do a porcentagem adquirida pela alimentação menor do que a produzida
(Figura 4).

Figura 3 – Regulação da síntese de colesterol

Fonte: elaboração dos autores.


56 Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos

Figura 4 – Principais fontes de colesterol no fígado e principais rotas de excreção do fígado

Fonte: elaboração dos autores.

O controle da quantidade de colesterol disponível ocorre, basica-


mente, por meio de quatro processos: a) via feedback negativo; b) pelo
balanço da concentração de insulina/glucagon; c) por controle transcri-
cional de receptores; e d) por fármacos (estatinas).
O controle por feedback negativo ocorre por meio da interação da
enzima HMG-CoA redutase (responsável pela síntese de colesterol) com
moléculas de colesterol, uma vez que a concentração elevada dessas mo-
léculas inibe a enzima de continuar produzindo-as.
Há, também, o controle pela relação da concentração de insulina e
glucagon sobre a atividade da atividade da enzima HMG-CoA redutase, em
que a insulina estimula a síntese de colesterol, enquanto o glucagon a inibe.
Quanto à regulação por via de transcrição, esse processo acontece
quando proteínas de ligação a elemento regulador de esterol (SREBPs)
são clivadas, liberando o fator de transcrição de colesterol, que se deslo-
Lucas Zeni Montenegro et al. 57

cará até o núcleo para estimular a produção de mais esteróis (CORTES


et al., 2014).
O uso de estatinas para tratamento de dislipidemia também é um
meio de regulação de colesterol. Esses fármacos promovem uma inibição
competitiva na enzima HMG-CoA redutase, uma vez que sua estrutura
molecular se assemelha ao HMG CoA (Figura 5). A inibição da enzima
impede a síntese de colesterol e reduz a sua concentração intracelular,
levando a um aumento de receptores de LDL para suprir a falta de este-
róis. Esse aumento de receptores de LDL reduz o nível sérico dessas lipo-
proteínas, o qual é o objetivo principal do tratamento (SIRTORI, 2014).

Figura 5 – Cascata de reação para formação de colesterol e local de ação das estatinas

Acetil CoA + Acetoacetil CoA

HMG CoA
Estatinas HMG CoA redutase

Acido Mevalonico

Isopentenil-PP

Geranil- PP

Farnesil-PP

Esqualeno

Colesterol
Fonte: adaptado de Sirtori (2014).
58 Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos

A regulação de colesterol também pode ocorrer com a sua excreção


via ácidos biliares, sendo um mecanismo de menor impacto no controle
da sua concentração.

Degradação

Embora o organismo consiga sintetizar colesterol, ele não possui


capacidade para degradá-lo, restando como alternativa a excreção pela
via dos ácidos biliares que atuam na emulsificação da gordura do quimo
alimentar, bem como na sua absorção. Assim, uma baixa porcentagem de
colesterol será expelida junto das fezes, uma vez que a maior parcela dos
ácidos biliares é reabsorvida pela circulação entero-hepática e reutiliza-
da quando o indivíduo consumir mais alimentos (Figura 6).

Figura 6 – Ciclo de secreção, reabsorção e excreção de ácidos biliares

Fonte: elaboração dos autores.


Lucas Zeni Montenegro et al. 59

Aplicação do conhecimento
Esteatose hepática não alcoólica

A esteatose hepática não alcoólica é uma doença crescente no mun-


do contemporâneo, visto que está relacionada com maus hábitos alimen-
tares e com a falta de atividade física. Essa doença é definida como o
acúmulo de triglicerídeos (TAG) no fígado, sendo já considerado como
esteatose hepática não alcoólica quando 5% do peso hepático se deve à
gordura ou quando 5% dos hepatócitos apresentam gotas de triglicerí-
deos (NASSIR et al., 2015).
Embora seja uma doença benigna, assim que houver processos in-
flamatórios, a esteatose hepática pode evoluir para fibrose, cirrose ou
carcinoma hepatocelular. Resistência à insulina também pode estar as-
sociada à esteatose, e pacientes com essa doença provavelmente possuem
dislipidemia. Seu tratamento envolve mudanças de hábitos de vida como
dieta livre de gorduras saturadas, evitar consumo de álcool e realizar
com regularidade atividade física, além de haver alternativas farmacoló-
gicas, como estatinas para controle de dislipidemia.

Produção de leptina pelo tecido adiposo

Compondo o grupo de adipocinas (grupo de hormônios produzidos


pelo tecido adiposo), a leptina é uma citocina que possui função de si-
nalizar ao sistema nervoso central (SNC) a quantidade de energia ar-
mazenada. Os receptores dessa proteína estão localizados em regiões do
hipotálamo responsáveis pelo controle da fome, como o núcleo arqueado,
o núcleo ventromedial e dorsomedial (CUI; LÓPEZ; RAHMOUNI, 2017).
Assim, o aumento de leptina na corrente sanguínea indica, por meio des-
ses receptores, que as reservas energéticas estão elevadas, gerando a
sensação de saciedade.
Em indivíduos obesos, o mecanismo de sinalização pode estar com-
prometido, havendo uma resistência ao hormônio leptina (semelhante
ao que ocorre na resistência à insulina no diabetes tipo 2). Como terapia,
60 Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos

pesquisas que enfocam no uso de leptina exógena em obesos está em an-


damento, buscando utilizá-la como um regulador da fome (CUI; LÓPEZ;
RAHMOUNI, 2017).

Colesterol no desenvolvimento embrionário e fetal

A participação do colesterol no desenvolvimento embrionário é es-


sencial, visto que atua na estruturação do sistema nervoso central, de
ossos da face e membros (PORTER, 2008). Uma síndrome autossômica
recessiva rara com incidência de, aproximadamente, 1/20.000, chamada
de Síndrome Smith-Lemli-Opitz (SLOS), exemplifica a importância do
colesterol no desenvolvimento fetal. Pacientes que possuem essa síndro-
me apresentam más-formações, como microcefalia, fenda palatina, mi-
crognatia (deformação de mandíbula), sindactilia (união visível de dedos
por má-formação), genitália ambígua, entre outras alterações (PORTER,
2008).
Devido a mutações de genes responsáveis por transcrever a enzima
chamada de 7- Dehidrocolesterol redutase – que atua na produção de
colesterol a partir do substrato 7- Dehidrocolesterol (7DHC), o portador
de SLOS normalmente possui níveis baixos de colesterol, níveis elevados
de 7DHC ou ambos.
É importante ressaltar que, embora os níveis altos de 7DHC este-
jam relacionados com a síndrome, essa molécula também exerce funções
em nosso organismo, como produção de bile ou hormônios esteroidais.

Referências
ALANIZ, M. H. F. et al. Adipose tissue as an endocrine organ: from theory to practi-
ce. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 83, n. 5, p. 192-203, nov. 2007. Disponível
em: http://www.jped.com.br/conteudo/Ing_resumo.asp?varArtigo=1713&cod=&idSe-
cao=3. Acesso em: 18 out. 2018.
BAYNES, J. W.; DOMINICZAK, M. H. Bioquímica médica. 4. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2015.
CORTES, V. A. et al. Physiological and pathological implications of cholesterol. Fron-
tiers in Bioscience, v. 19, p. 416-428, Jan. 2014. Disponível em: https://www.bioscien-
ce.org/2014/v19/af/4216/fulltext.htm. Acesso em: 07 nov. 2018.
Lucas Zeni Montenegro et al. 61

CUI, H.; LÓPEZ, M.; RAHMOUNI, K. The cellular and molecular bases of leptin
and grelin resistence in obesity. Nature Reviews Endocrinology, v. 13, p. 339-351, jun.
2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28232667. Acesso em: 05
nov. 2018.
HARVEY, A. R.; FERRIER, R. D. Bioquímica ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2012.
MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. Bioquímica básica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanaba-
ra Koogan, 2018.
NASSIR, F. et al. Pathogenesis and Prevention of Hepatic Steatosis. Scandinavian
Journal of Gastroenterology, v. 11, n. 3, p. 167-175, mar. 2015. Disponível em: http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27099587%0Ahttp://www.pubmedcentral.nih.gov/ar-
ticlerender.fcgi?artid=PMC4836586. Acesso em: 24 ago. 2018.
PINTO, W. J. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
PORTER, F. D. Smith-Lemli-Opitz syndrome: pathogenesis, diagnosis and manage-
ment. European Journal of Human Genetics, v. 16, p. 531-541, Feb. 2008. Disponível
em: https://www.nature.com/articles/ejhg200810. Acesso em: 07 nov. 2018.
SIRTORI, C. R. The pharmacology of statins. Pharmacological Research, v. 88,
p. 3-11, out. 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.phrs.2014.03.002. Aces-
so em: 16 out. 2018.
62 Capítulo 4 - Principais lipídios plasmáticos

Exercícios
1. Quanto às moléculas de colesterol, pode-se afirmar que:
a) A principal fonte de colesterol provém da alimentação, logo um indi-
víduo com hipercolesterolemia pode reduzir considerávelmente seu
índice reduzindo seu consumo.
b) Altos índices de colesterol são fator de risco para aterosclerose.
c) Colesterol tem pouco efeito sobre as propriedades da bicamada lipí-
dica.
d) A regulação do colesterol ocorre, principalmente, pela excreção jun-
to aos ácidos biliares nas fezes.

2. (ENADE – 2017) O mecanismo de ação da leptina, hormônio produzido no


tecido adiposo, está representado no esquema a seguir.

a) Com base na análise da figura, assinale a opção correta:


b) O aumento da síntese de leptina inibe a sua produção pelo tecido
adiposo, o que caracteriza um processo de retroalimentação positiva.
c) O aumento da concentração plasmática de leptina sinaliza a sacieda-
de, o que implica a diminuição do consumo de alimentos.
Lucas Zeni Montenegro et al. 63

d) O aumento da massa corporal gera maior deposição de tecido adipo-


so, o que diminui a síntese e a liberação de leptina.
e) A diminuição da liberação de leptina estimula maior atividade do hi-
potálamo, diminuindo o consumo de alimentos.

3. (IF-PA -2015) Os triglicerídeos têm sido associados a diversas doenças no or-


ganismo humano, como pancreatite, e provavelmente a formação da placa
ateroesclerótica. É incorreto afirmar que:
a) Os triglicerídeos representam importante fração lipídica da dieta ani-
mal, pois correspondem aos óleos vegetais e a gordura animal.
b) Os triglicerídeos representam importante fonte de reserva energéti-
ca para os seres humanos.
c) O metabolismo dos triglicerídeos provenientes da dieta ou armaze-
nados no organismo se inicia pela hidrólise catalisada pelas lipases,
originando glicerol e ácidos graxos.
d) Os triglicerídeos são formados a partir da esterificação de todas as
hidroxilas do glicerol.
e) Os triglicerídeos são formados a partir da esterificação de moléculas
de colesterol.

Gabarito: 1 – B; 2 – B; 3 – E.
Capítulo 5

Digestão e absorção de lipídios

Luísa Fanton Pelle


Déborah Glimm
Larissa Rosa Eckert
Luciano de Oliveira Siqueira

Objetivos
Explicar a digestão e a absorção dos lipídios por meio das lipases no
organismo. Descrever o destino dos triglicerídeos da dieta, o transporte dos
lipídios na corrente sanguínea e sua associação com apoproteínas. Além
disso, abordar o tema associando-o a patologias como a arteriosclerose.

Introdução
Os lipídios são compostos orgânicos apolares, solúveis em solventes
orgânicos, como acetona e clorofórmio, e pouco solúveis em água. Eles
estão presentes em todos os tecidos e estão implicados na regulação de
diversos processos fisiológicos humanos, agindo como hormônios ou pre-
cursores hormonais, combustíveis metabólicos, componentes estruturais
e funcionais das biomembranas.
Luísa Fanton Pelle et al. 65

Os principais lipídios plasmáticos são: colesterol, ésteres de coles-


terol, triglicerídeos, fosfolipídios e ácidos graxos não esterificados. Dessa
forma, sua importância é crucial para a vida, bem como o entendimento
de sua metabolização é fundamental para a prática da clínica médica,
não só pela sua forma de transporte, digestão e absorção, mas também
pela sua associação com doenças vasculares e cardíacas.

Digestão e absorção dos lipídios da dieta


A gordura absorvida a partir da dieta, dos lipídios sintetizados pelo
fígado e do tecido adiposo deve ser transportada entre os vários tecidos
e órgãos para a sua utilização e o seu armazenamento. As lipases são
um grupo de enzimas esterases, cujo papel é promover a hidrólise de tri-
glicerídeos, também chamados de triacilglicerol (TAG). Sua ação é feita
quebrando a ligação do éster do triacilglicerol em ácido graxo e glicerol.
As lipases exercem um papel central no processo de digestão de gorduras
da dieta e, por essa razão, são produzidas em diferentes tecidos, para que
possam atuar em diferentes órgãos e momentos metabólicos.
Elas são divididas em ácidas e básicas. As lipases ácidas (lipase
lingual e lipase gástrica) atuam em ambientes ácidos ou levemente áci-
dos, ou seja, boca e estômago, e sua ação é relativamente restrita, já
que atuam em triacilglicerol de cadeia média e curta. As lipases básicas
atuam em pH>8,0, logo, agem no duodeno, fazendo a digestão de todas
as cadeias de triacilglicerol (Tabela 1).

Tabela 1 – Ação das lipases


Lipase Produção Ação
Lingual Glândula de Ebner Estômago
Gástrica Estômago Estômago
Pancreática Pâncreas Intestino
Lipoprotéica Endotélio Circulação
Sensível a hormônio Adipócitos Tecido adiposo
Fonte: elaboração dos autores.

A digestão dos lipídios da dieta inicia-se na língua (lipase lingual) e,


posteriormente, segue no estômago (lipase gástrica). Ainda que de forma
66 Capítulo 5 - Digestão e absorção de lipídios

limitada, devido à baixa solubilidade dos lipídios em presença do ácido clo-


rídrico estomacal, as gotas de gordura coalescem, limitando a ação das lipa-
ses, fazendo com que a ação destas se faça somente na interface do lipídio e
do solvente. Dessa forma, estima-se que menos de 30% dos lipídios da dieta
sofram digestão no estômago. Os lipídios que sofreram digestão e foram
transformados em ácidos graxos de cadeia curta e média, liberados pela
lipase gástrica e lingual, são absorvidos para a circulação porta, mas, como
são hidrofóbicos, precisam se associar à albumina para serem transporta-
dos. Vale lembrar que o papel da lipase lingual em adultos é incerto, mas
sua importância em lactentes é determinante durante a amamentação.
À medida que o bolo alimentar começa a passar do estômago em
direção ao duodeno, as células intestinais registram o aumento da con-
centração de gorduras e começam a secretar colecistoquinina (CCK) e
secretina (HALL; GUYTON; ARAUJO FILHO, 2017).
A colecistoquinina (CCK) promove a diminuição da velocidade de
esvaziamento gástrico, ao passo que também estimula a contração da
vesícula biliar, que libera bile no intestino. A bile tem papel fundamental
na digestão dos lipídios, uma vez que os emulsifica, transformando-os
em micelas, facilitando, com isso, a ação enzimática (HALL; GUYTON;
ARAUJO FILHO, 2017).
A secreção de secretina estimula a liberação de suco pancreático pelo
pâncreas. A secreção pancreática é rica em bicarbonato, o qual aumenta o
pH do conteúdo do lúmen intestinal para uma faixa de pH em torno de 6,0,
que corresponde ao pH ótimo para a ação de todas as enzimas digestivas
do intestino, como a lipase pancreática, que também está na secreção pan-
creática e exerce o principal papel na digestão dos triacilgliceróis da dieta.
A lipase pancreática é liberada juntamente com a colipase, a qual
impede a inibição que os sais biliares causam na lipase pancreática. Essa
enzima atua em triacilglicerol de cadeia curta, média e longa, hidrolisan-
do os ácidos graxos nas posições 1 e 3 da porção de glicerol do triacilglice-
rol, produzindo ácidos graxos livres e 2-monoacilglicerol, ou seja, glicerol
esterificado com um ácido graxo na posição 2. Além disso, o pâncreas
também produz esterases que hidrolisam os fosfolipídios pela fosfolipase
A2, resultando em lisofosfolipídio, e o colesterol pela colesterol-esterase,
que forma colesterol esterificado.
Luísa Fanton Pelle et al. 67

Os produtos formados pela digestão enzimática – 2-monoacilgli-


cerol, ácidos graxos, colesterol esterificado e lisofosfolipídios – formam
micelas mistas com os ácidos biliares e as vitaminas lipossolúveis (A, D,
E e K) no lúmen intestinal. Essas micelas são solúveis no meio aquoso
do lúmen intestinal e facilitam a interação com borda em escova dos
enterócitos, permitindo a difusão de componentes solúveis dos lipídios
(RODWELL et al., 2017).
Contudo, vale lembrar que os sais biliares presentes nas micelas
não são absorvidos no duodeno, mas, sim, no íleo. Calcula-se que em
torno de 95% dos sais biliares sejam reciclados e, pela circulação entero-
-hepática, chegam ao fígado, o qual os secreta na bile, para que possam
ser armazenados na vesícula biliar e, posteriormente fazer parte de um
novo ciclo digestivo.
Os produtos da digestão enzimática absorvidos nos enterócitos
sofrem uma reesterificação no retículo endoplasmático liso da célula,
transformando-os novamente em triglicerídeos, colesterol esterificado e
fosfolipídios, sendo, então, direcionados para a circulação linfática. Para
que ocorra a passagem para a corrente linfática e o subsequente trans-
porte de triglicerídeos e colesterol esterificado, é preciso que essas subs-
tâncias se associem ao núcleo hidrofóbico do quilomícrom, uma vez que
o quilomícrom é dividido em duas partes, a parte hidrofóbica, em que os
triglicerídeos e, em menor porcentagem, o colesterol livre e os fosfolipí-
dios se associam, e sua parte exterior hidrofílica, que facilita o transpor-
te na linfa e a posterior distribuição, principalmente pelo ducto torácico e,
depois, sendo associado a apoproteínas e atingindo a corrente sanguínea
(HARVEY, 2015).
De uma maneira simplificada, vejamos a Tabela 2:

Tabela 2 – Diferenciação entre o local de ação das lipases


Estômago Duodeno
Lipase Ácida Básica
Ação TAGc/TAGm Todos TAG
Destino Veia Porta Linfa
Transporte Albumina Quilomícrom
Fonte: elaboração dos autores.
68 Capítulo 5 - Digestão e absorção de lipídios

Síndrome de má absorção e esteatorreia


A gordura proveniente dos alimentos é o nutriente de mais difícil
absorção, o que, em casos especiais, pode resultar em fezes gordurosas
(esteatorreia), sendo sua principal característica. Contudo, nem sempre
a má absorção causa diarreia, já que podem ocorrer sinais clínicos como
deficiências de vitaminas e minerais. Tais distúrbios podem resultar de
diversas condições, incluindo a diminuição da síntese e liberação de sais
biliares e, em uma situação mais grave, a deficiência de lipase pancreá-
tica. A má absorção pode ser decorrente de inúmeros fatores, como cirur-
gias prévias no trato gastrointestinal, cirrose e outras doenças hepáticas.
Contudo, a principal e mais grave deficiência é a enzimática.
A deficiência enzimática pode ser oriunda de uma doença, como
ocorre na fibrose cística, a qual é uma doença autossômica recessiva cau-
sada por mutações no gene para a proteína reguladora da condutância
transmembrana da fibrose cística, que funciona como canal de cloreto
no epitélio. Esse defeito na proteína reguladora resulta na redução da
secreção de cloreto e no aumento da reabsorção de sódio e água. Causa,
portanto, uma menor hidratação no pâncreas, resultando no espessa-
mento das secreções, consequentemente, as enzimas pancreáticas não
são capazes de alcançar o intestino, levando à insuficiência pancreática.
A deficiência na lipase pancreática pode também ser decorrente de
sua ausência congênita ou da destruição da glândula pancreática em
função de pancreatite causada por álcool ou câncer de pâncreas. A lipase
pancreática também pode sofrer desnaturação por excesso de secreção de
ácido gástrico (por exemplo, síndrome de Zollinger-Ellison). O tratamen-
to inclui substituição dessas enzimas e suplementação com vitaminas li-
possolúveis. Colestases também são consideradas causas de esteatorreia,
como colelitíase, coágulos, tumores, parasitos, etc.

Metabolismos das lipoproteínas


As lipoproteínas são fundamentais para a solubilização e o transporte
dos lipídios, que são substâncias geralmente hidrofóbicas, no meio aquoso,
Luísa Fanton Pelle et al. 69

plasmáticas (Tabela 3 e Figura 1). São compostas por lipídios e proteínas


denominadas apolipoproteínas (APOs), têm como função a formação intra-
celular das partículas lipoproteicas (APOs B100 e B48) e a atuação como
ligantes a receptores de membrana (APOs B100 e E, ou cofatores enzimá-
ticos – as APOs CII, CIII e AI). As lipoproteínas são constituídas de dife-
rentes quantidades de colesterol e seus ésteres: triglicerídeos, fosfolipídios
e apoproteínas, que constituem a parte solúvel, devido ao caráter hidro-
fílico das proteínas, e são divididas de acordo com a densidade (Tabela 4).

Tabela 3 – Lipoproteínas
Tipos de
Características principais
lipoproteínas
Produzidas nas células epiteliais intestinais e a partir das gorduras
Quilomícrons
da dieta; transportam principalmente triacilgliceróis no sangue.
VLDL (lipopro-
Produzida no fígado, principalmente a partir dos carboidratos da
teína de muito
dieta; transporta triacilgliceróis no sangue.
baixa densidade)
IDL (lipoproteí-
Produzida no sangue (remanescente da VLDL após a digestão dos
na de densidade
triacilgliceróis); endocitada pelo fígado ou convertida em LDL.
intermediária)
Produzida no sangue (remanescentes da IDL após digestão dos
triacilgliceróis; produto final do VLDL); composta por altas concen-
trações de colesterol, uma única APO lipoproteína (APO B100) e
conteúdo residual de TG; é a partícula lipídica mais aterogênica no
LDL (lipopro-
sangue; endocitada pelo fígado e pelos tecidos periféricos, a expres-
teína de baixa
são dos receptores de LDL nos hepatócitos é a principal responsável
densidade)
pelo nível de colesterol no sangue e depende da atividade da en-
zima hidroximetilglutaril (HMG) CoA redutase, enzima-chave para
a síntese intracelular do colesterol hepático. Logo, sua inibição é
importante alvo terapêutico no tratamento da hipercolesterolemia.
Produzida no fígado, no intestino e na circulação; composta pelas
APOs AI e AII; troca proteínas com outras lipoproteínas; atua no
transporte reverso do colesterol dos tecidos periféricos para o fígado,
HDL (lipoproteí-
onde é captado pelos receptores SR-B1, dessa forma, contribuindo
na de alta densi-
para a proteção do leito vascular contra a aterogênese, com a remo-
dade)
ção de lipídios oxidados da LDL, a inibição da fixação de moléculas
de adesão e monócitos ao endotélio e a estimulação da liberação
de óxido nítrico.
É resultado de uma ligação covalente entre uma partícula de LDL à
Lp(a) (junção de
APO (a); sua função fisiológica não é conhecida, mas em estudos
uma partícula de
mecanísticos e observacionais, ela tem sido associada à formação e
LDL à APO (a))
à progressão da placa aterosclerótica.
Fonte: elaboração dos autores.
70 Capítulo 5 - Digestão e absorção de lipídios

Figura 1 – Metabolismo das lipoproteínas

Fonte: elaboração dos autores.

Tabela 4 – Componentes lipídicos das lipoproteínas


VLDL LDL HDL Quilomícrom
Triglicerídeos 60% 8% 5% 90%
Proteína 5% 20% 40% 2%
Fosfolipídios 15% 22% 30% 3%
Colesterol e colesterol esterificado 20% 50% 25% 5%
Fonte: elaboração dos autores.
Luísa Fanton Pelle et al. 71

Dislipidemias primárias
O acúmulo de quilomícrons e/ou de VLDL no compartimento plasmáti-
co resulta em hipertrigliceridemia, que é originada devido à diminuição da
hidrólise dos TGs ou ao aumento da síntese de VLDL (XAVIER et al., 2013).
O acúmulo de lipoproteínas ricas em colesterol como a LDL no com-
partimento plasmático resulta em hipercolesterolemia. Esse acúmulo pode
ocorrer por doenças monogênicas, em particular por defeito no gene do
LDL-R ou no gene da APO B100, bem como por mutação no gene que codifi-
ca a APO B100, que pode também causar hipercolesterolemia, por meio da
deficiência no acoplamento da LDL ao receptor celular. Mais comumente,
a hipercolesterolemia resulta de mutações em múltiplos genes envolvidos
no metabolismo lipídico, portanto, é resultado da interação entre fatores
genéticos e ambientais, que determinam o fenótipo do perfil lipídico.

Aterogênese
A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica de origem multi-
fatorial que ocorre em resposta à agressão endotelial, acometendo prin-
cipalmente a camada íntima de artérias de médios e grandes calibres. A
formação da placa aterosclerótica inicia-se com a agressão ao endotélio
vascular devido à exposição a diversos fatores que aumentam permea-
bilidade da íntima às lipoproteínas plasmáticas (principalmente LDL),
favorecendo a retenção dessas no espaço subendotelial, onde sofrem oxi-
dação. Esse depósito é o processo principal para o início da aterogênese,
e ele ocorre de maneira proporcional à concentração dessas lipoproteínas
no plasma (GOLDMAN; AUSIELLO, 2009).
Além do aumento da permeabilidade às lipoproteínas, a oxidação das
LDLs estimula o surgimento de moléculas de adesão leucocitária na super-
fície endotelial, que são responsáveis pela atração de monócitos e linfócitos
para a intimidade da parede arterial por meio de proteínas quimiotáticas.
Com isso, os monócitos migram para o espaço subendotelial, onde se dife-
renciam em macrófagos, que captam as LDLs-oxidadas, sendo então cha-
madas de células espumosas (foam cell), as quais são componentes das es-
72 Capítulo 5 - Digestão e absorção de lipídios

trias gordurosas (lesões macroscópicas iniciais da aterosclerose). Uma vez


ativados, os macrófagos são responsáveis pela progressão da placa ateros-
clerótica mediante a secreção de citocinas, que amplificam a inflamação, e
de enzimas proteolíticas, capazes de degradar colágeno e outros componen-
tes das camadas teciduais. Além dos macrófagos, outras células inflamató-
rias também participam do processo aterosclerótico, produzindo citocinas
que modulam o processo inflamatório, como, por exemplo, os linfócitos T.
Alguns mediadores da inflamação estimulam a migração e a prolife-
ração das células musculares lisas da camada média arterial, produzin-
do não só citocinas e fatores de crescimento, mas também matriz extra-
celular, que formará parte da capa fibrosa da placa aterosclerótica, que é
constituída por elementos celulares, componentes da matriz extracelular
e núcleo lipídico e necrótico, formado principalmente por células mortas.
Formam dois tipos de placas: as estáveis e as instáveis. As placas
estáveis caracterizam-se por predomínio de colágeno, organizado em capa
fibrosa espessa, escassas células inflamatórias e núcleo lipídico e necrótico
de proporções menores. As instáveis apresentam atividade inflamatória
intensa, especialmente nas suas bordas laterais, com grande atividade
proteolítica, núcleo lipídico e necrótico proeminente e capa fibrótica. A rup-
tura dessa capa expõe material lipídico altamente trombogênico, levando
à formação de um trombo sobrejacente. Esse processo, também conhecido
por aterotrombose, é um dos principais determinantes das manifestações
clínicas da aterosclerose. O tratamento da aterosclerose é medicamentoso
e com mudança de hábitos, a fim de diminuir, principalmente, o LDL.

Referências
GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil: Medicina. 23. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2009. v. I e II.
HALL, John E.; GUYTON, Artur C.; ARAUJO FILHO, Joaquim Procópio de (rev.).
Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
HARVEY, Richard A. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
RODWELL, V. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto alegre: AMGH, 2017.
XAVIER, H. T. et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Ateroscle-
rose. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2013.
Luísa Fanton Pelle et al. 73

Exercícios
1. Qual das lipoproteínas plasmáticas é melhor descrita como se segue: sinteti-
zada no fígado, contendo alta concentração de triacilglicerol e eliminada da
circulação principalmente pelos tecidos adiposo e muscular?
a) Quilomícrons.
b) Lipoproteína de alta densidade.
c) Lipoproteína de densidade intermediária.
d) Lipoproteína de baixa densidade.
e) Lipoproteína de densidade muito baixa.

2. Qual das lipoproteínas plasmáticas é melhor descrita como se segue: formada


na circulação pela remoção de triacilglicerol das lipoproteínas de densidade
muito baixa, contém colesterol captado da lipoproteína de alta densidade e
entrega o colesterol pra os tecidos extra-hepáticos?
a) Quilomícrons.
b) Lipoproteína de alta densidade.
c) Lipoproteína de densidade intermediária.
d) Lipoproteína de baixa densidade.
e) Lipoproteína de densidade muito baixa.

3. Qual é o mais abundante componente dos quilomícrons?


a) APOB-48
b) Triglicerídeo
c) Fosfolipídios
d) Colesterol
e) Éster de colesterol

Gabarito: 1 – E; 2 – D; 3 – B.
Capítulo 6

Função cardíaca

Martina Souilljee Birck


Gabriela Kohl Hammacher
Larissa Rosa Eckert
Luciano de Oliveira Siqueira

Objetivos
Definir clinicamente a síndrome coronariana aguda, contextualizar
os hábitos de vida da população mundial com o surgimento de ateros-
clerose, entender o processo de formação de uma placa aterosclerótica,
diferenciar infarto com e sem supradesnível de ST, definir os exames
adjuvantes no diagnóstico clínico da síndrome coronariana e conhecer os
biomarcadores de função cardíaca, suas funções e propriedades.

Função cardíaca
Síndrome coronariana aguda

A síndrome coronariana aguda (SCA) é um conjunto de manifes-


tações clínicas e laboratoriais relacionadas à obstrução de uma artéria
Martina Souilljee Birck et al. 75

coronária (BASSAN; BASSAN, 2006). A patogênese da doença está inti-


mamente ligada ao rompimento de uma placa aterosclerótica instável, le-
vando à ativação plaquetária, inflamatória e dos fatores de coagulação, os
quais formam trombos, gerando redução do fluxo sanguíneo e consequen-
te isquemia miocárdica (SANTOS et al., 2017). A SCA pode ser classifica-
da em infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnível de segmento
ST, IAM sem supradesnível ST e angina instável (PESARO et al., 2008).
Quando o fluxo de uma artéria coronária é reduzido, o tecido que ela
irriga pode sofrer uma hipóxia seguida de isquemia, desencadeando um
quadro de angina. No caso de uma isquemia miocárdica grave e prolon-
gada, é possível haver um quadro de necrose tecidual, caracterizando o
infarto (BARRET et al., 2014).

Aterosclerose

A aterosclerose é uma doença caracterizada por depósito de coleste-


rol na camada íntima de uma artéria, causando um processo geralmen-
te obstrutivo e de caráter inflamatório. Atualmente, a aterosclerose é a
principal causa de mortes nos países desenvolvidos. Seus fatores de risco
podem ser classificados como não modificáveis (idade e herança genéti-
ca) e fatores modificáveis (hipertensão arterial sistêmica, hipercoleste-
rolemia – em particular o aumento de LDL – diabetes melito, síndrome
metabólica, tabagismo, sedentarismo, obesidade, redução do consumo de
vegetais e frutas) (SANTOS et al., 2008).
A fisiopatologia da aterosclerose é a seguinte:
1) aumento persistente dos níveis plasmáticos de colesterol LDL;
2) na circulação, o sangue provoca atrito no endotélio e à produ-
ção de óxido nítrico (vasodilatador); nas zonas de baixa força
de cisalhamento (pontos cegos), há menor expressão de óxido
nítrico, aumentando a quantidade de moléculas de adesão de
colesterol;
3) a baixa força de cisalhamento favorece a passagem de coleste-
rol para a camada média da artéria, associada a fatores de ris-
co (tabagismo, sedentarismo, resistência insulínica, diabetes
76 Capítulo 6 - Função cardíaca

e hipertensão), promove um desequilíbrio entre a produção de


radicais livres e antioxidantes, causando um estresse oxidati-
vo que oxida o colesterol;
4) o acúmulo de colesterol oxidado na camada média desenca-
deia um processo inflamatório, que aumenta a produção de
citocinas que promovem a quimiotaxia de monócitos da circu-
lação em direção à camada média da artéria;
5) os macrófagos fagocitam o colesterol oxidado, dando origem às
células espumosas (foam cell);
6) a amplificação do processo inflamatório estimula as células
endoteliais a proliferar, migrar e recobrir a placa de conteúdo
gorduroso e repleto de células espumosas na camada média da
artéria; em conjunto, esses sinais aceleram a transformação da
estria gordurosa em uma lesão mais fibrosa; o desenvolvimento
de tecido fibroso formado pela matriz extracelular e células de
músculo liso caracteriza a lesão aterosclerótica mais avançada;
7) com o tempo, as células espumosas e o conteúdo lipídico dão
origem a um tecido necrótico e extremamente trombogênico;
8) o interferon γ inibe a síntese de colágeno, macrófagos produ-
zem metaloproteinases que digerem a placa fibrosa;
9) a desestabilização de uma fina camada de endotélio e um volu-
moso conteúdo lipídico pode romper, dando origem a um even-
to aterotrombótico. Esse rompimento pode estar associado a
fatores de estresse, atividade física intensa, fortes emoções,
entre outros;
10) plaquetas migram e se aderem ao local, formando um tampão
primário; a hemostasia secundária se forma por meio do depó-
sito de fibrina, a qual consolida o tampão plaquetário inicial
(HARRISON et al., 2017).

A dor do infarto

O coração é mantido majoritariamente pelo metabolismo aeróbico e


minoritariamente pelo metabolismo anaeróbico. Um quadro de hipóxia
Martina Souilljee Birck et al. 77

oriundo de uma diminuição da perfusão tecidual leva a um menor volu-


me de oxigênio que chega até as células arteriais, provocando um quadro
de isquemia.
Dois terços da manutenção cardíaca são derivados da oxidação de
gordura, a qual necessita de oxigênio (metabolismo aeróbio). No caso de
hipóxia, a via alternativa é ativada e o carboidrato é oxidado anaerobica-
mente. Nesse processo, há a conversão de glicose em lactato, que, por ser
ácido, provoca uma queda no pH (acinemia), aumentando a concentração
de cargas positivas no meio intracelular (LIC). Na tentativa de manter
a homeostasia, íons potássio, também com carga positiva, migram do
líquido intracelular para o meio intercelular, causando hiperpotassemia
(HARRISON et al., 2017). A dor da angina, sentida nos casos de infarto,
é resultante de três fatores: hipóxia + acidemia + hiperpotassemia.

Diagnóstico e manejo clínico do infarto

O diagnóstico clínico do infarto agudo do miocárdio (IAM) pode ser


caracterizado por uma tríade clássica: dor pré-cordial, eletrocardiogra-
ma (ECG) compatível e biomarcadores de necrose miocárdica. Existem
outros exames que podem ser realizados no intuito de reconhecer a ate-
rosclerose e, consequentemente, o risco de doença cardiovascular em pro-
gressão, logo no seu estágio inicial e assintomático, mas que são onerosos
para o sistema de saúde. É o caso dos exames de imagem cintilografia e
angiografia (NICOLAU et al., 2015).
O eletrocardiograma (ECG) é o primeiro exame a se fazer com pa-
ciente que relata dor pré-cordial (PINTO, 2017). A partir dos resultados
do ECG, é possível identificar:
1) infarto sem supradesnível de ST:
a) angina instável: quando há dor e ausência de necrose; o trata-
mento é com nitrato, o qual é um venodilatador que atua por
meio de óxido nítrico; sua ação consiste em reduzir a dor;
b) infarto agudo do miocárdio (IAM) sem supradesnível de ST: os
biomarcadores podem ou não estar elevados; o tratamento das
crises não necessita de trombolíticos ou técnicas de revascula-
rização; AAS (aspirina) e heparina são boas opções;
78 Capítulo 6 - Função cardíaca

2) infarto com supradesnível de ST: biomarcadores obrigatoria-


mente elevados; o tratamento é com agentes fibrinolíticos, como Estrep-
toquinase e Alteplase (t-PA); eles são responsáveis pela transformação de
plasminogênio em plasmina, a qual degrada o trombo, assim como técni-
cas de revascularização em conjunto com AAS e/ou heparina (Figura 1).

Figura 1 – Diagnóstico de SCA

Fonte: adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia.1

O diagnóstico diferencial entre IAM com ou sem supradesnível do


segmento ST depende do aparecimento ou não do supradesnível ao ECG.
O diagnóstico diferencial do IAM sem supradesnível de ST e angina ins-
tável depende da presença de marcadores de necrose elevados. O infarto
sem supradesnível apresenta esses marcadores elevados, enquanto na
angina instável há a ausência de necrose (NICOLAU et al., 2015).

Biomarcadores de função cardíaca

É importante ressaltar que os biomarcadores de necrose miocárdica


são indicadores de extensão, progressão e prognóstico de infarto, uma
vez que apresentam sensibilidade limitada (PINTO, 2017) (Figura 2).

1
Disponível em: https://www.cardiol.br/. Acesso em: 13 mar. 19.
Martina Souilljee Birck et al. 79

Figura 2 – Marcadores bioquímicos

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre angina instável e infarto agudo do mio-
cárdio sem supradesnível do segmento ST (2014).

Biomarcadores são entidades que podem ser mensuradas e que in-


dicam a ocorrência de uma função normal ou patológica. São divididos
em três categorias principais: tipo 0, tipo 1 e tipo 2. O tipo 0 corresponde
aos marcadores de história natural de doença.
Os marcadores biológicos cardíacos são, por sua vez, divididos de
acordo com a sua especificidade. Existem os biomarcadores de inflama-
ção e desestabilização de placa, de isquemia, de necrose e de disfunção
cardíaca, o qual é mensurado pós-infarto para checar a perda de função.
Os marcadores bioquímicos são úteis para confirmar o diagnóstico
de infarto. Além disso, fornecem importantes informações prognósticas,
visto que existe uma direta associação entre a elevação dos marcadores
séricos e o risco de eventos cardíacos em curto e médio prazos. (NICO-
LAU et al., 2015).

Biomarcadores de inflamação e desestabilização da placa

Proteína C-reativa (PCR)

É uma proteína de fase aguda e um marcador inflamatório, sendo


assim, estará elevada em qualquer inflamação, o que leva a uma baixa
especificidade. PCR ultrassensível (PCR-US) pode servir como um forte
80 Capítulo 6 - Função cardíaca

preditor de eventos cardíacos futuros, além de um alto valor preditivo


negativo, uma vez que, na ausência de uma doença inflamatória de base,
pode ser indicadora de inflamação endotelial (SILVA; MORESCO, 2011).

D- dímero

É um marcador de degradação de fibrina, o que significa que coá-


gulos estão sendo dissolvidos pela plasmina. A plasmina é proveniente
do plasminogênio e, quando este sofre ação da trombina, há fibrinólise,
como se fosse um mecanismo de contrarregulação: plasmina desencadeia
fibrinólise para limitar a formação do tampão ao local da lesão, caracte-
rizando a hemostasia terciária. A dosagem de dímero D nada mais é do
que os produtos da degradação da fibrina (PDF) determinados laborato-
rialmente (SILVA; MORESCO, 2011).

Biomarcadores de isquemia

1) Proteína ligadora de ácido graxo tipo cardíaco (H-FABP)


Em condições normais, aeróbicas, o coração usa principalmente os
ácidos graxos livres como substrato de energia (2/3 do total). No momen-
to de uma isquemia causada por aterosclerose, há uma condição anaeró-
bica, e o coração não mais consegue oxidar gordura para obter energia,
lançando mão de carboidratos. Assim, os ácidos graxos vão para a cor-
rente sanguínea e se ligam à albumina, podendo ser mensurados (SILVA;
MORESCO, 2011).

2) Albumina modificada pela isquemia (AMI)


A AMI é considerada um marcador capaz de refletir a condição
isquêmica do miocárdio, principalmente no início do evento isquêmico,
quando apresenta maior sensibilidade. A AMI tem maior sensibilidade
em menor tempo de isquemia do que as troponinas, as quais são, hoje,
padrão-ouro na confirmação do diagnóstico de infarto. No entanto, sua
especificidade é baixa, uma vez que não se sabe o local exato da isquemia.
A exposição à isquemia provoca uma alteração no segmento N-terminal
Martina Souilljee Birck et al. 81

da albumina plasmática, pela produção de radicais livres e de espécies


reativas ao oxigênio, impedindo sua ligação por cobalto, com o qual pos-
sui alta afinidade em condições normais. Sendo assim, haverá muito co-
balto livre, e isso será detectado pelo teste (COLOMBO, 2016).

Biomarcadores de necrose

Quando as células miocárdicas sofrem uma lesão irreversível, elas


perdem a integridade de sua membrana celular, e as enzimas que antes
estavam no meio intracelular são liberadas para a corrente sanguínea e
linfáticos. O conjunto dessas enzimas é denominado de marcadores bio-
químicos de lesão miocárdica. Por isso, a dosagem de enzimas no plasma
indica necrose e/ou aumento na velocidade de renovação celular (NICO-
LAU et al., 2015).

Lactato-desidrogenase (LDH)

A LDH participa de uma reação reversível de oxidação de piruvato


em lactato e pode estar elevada em situações de intensa atividade física
e até mesmo convulsões. O aumento dessa enzima não está somente re-
lacionado especificamente ao infarto – compreende um conjunto de cinco
isoenzimas diferentes, que possuem quatro subunidades cada. A isoenzi-
ma 1 é encontrada principalmente nos eritrócitos e no coração; a fração 2,
no sangue; a 3 provém dos pulmões; e as frações 4 e 5 provêm predomi-
nantemente do fígado. É pouco sensível, pois se eleva 24 a 48 horas após
o infarto (LOZOVOY et al., 2008).

Creatina quinase

A creatina é uma amina encontrada e armazenada majoritariamen-


te no músculo esquelético (95%); o restante é armazenado no coração,
nos músculos lisos e no cérebro. O nível de creatina no sangue serve para
avaliar a ação do músculo, sendo, portanto, um bom marcador de função
muscular (GUALANO et al., 2008). A creatina pode ser convertida em
82 Capítulo 6 - Função cardíaca

fosfocreatina por ação da enzima creatina quinase e, posteriormente, em


seu anidrido: creatinina. A creatinina, por sua vez, é um excelente mar-
cador de função renal, pois é filtrada pelos glomérulos renais e normal-
mente excretada (EATON; POOLER, 2016).
A creatina quinase possui três izoenzimas, a creatina quinase MB
(CK-MB), relacionada com a função cardíaca (mais presente no coração);
a creatina quinase MM (CK-MM), que marca função muscular; e a crea-
tina quinase BB (CK-BB), a qual indica função cerebral. Em razão das
características laboratoriais que quantificam os monômeros M, as fra-
ções mensuradas são CK-MB e CK-MM, uma vez que a CK-BB não con-
segue passar pela barreira hematoencefálica.
A determinação laboratorial de CK-MB pode ser obtida pelo méto-
do de CK-atividade ou CK-massa. A dosagem de CK-atividade, como o
próprio nome já indica, determina a atividade da enzima, enquanto a
CK-massa detecta sua concentração, independentemente de sua ativida-
de, o que a torna mais confiável, uma vez que detecta enzimas ativas e
inativas. Apresenta, assim, maior sensibilidade.
Em relação à função cardíaca, a CK-MB é o marcador tradicional-
mente utilizado e deve ser mensurado, preferencialmente, por meio de
sua concentração no plasma (CK-MB massa) em vez de sua atividade,
uma vez que esta metodologia pode sofrer muitas interferências. Isso se
deve à presença de estudos que demonstraram maiores sensibilidade e
especificidade para infarto com o uso de CK-MB massa (sensibilidade de
97% e especificidade de 90%).
A CK-MB apresenta elevada especificidade por estar em maior con-
centração no tecido cardíaco. No entanto, isso não significa que ela não
se eleva em situações de dano em outros músculos lisos e esqueléticos.
Como ela só se eleva em torno de 4 horas após o infarto, possui uma
sensibilidade limitada. Sendo assim, uma CK-MB elevada associada a
pacientes que possuem sintomas de isquemia cardíaca, na ausência de
dano de músculo esquelético, é altamente sugestiva de infarto (NICO-
LAU et al., 2015).
Martina Souilljee Birck et al. 83

Troponinas

Troponinas são proteínas do complexo de regulação miofibrilar que


estão presentes no músculo esquelético. Duas de suas três subunidades
são consideradas marcadores específicos cardíacos: troponina T, troponi-
na I. A troponina C, por ser coexpressa nas fibras musculares lisas, não
é considerada um bom marcador de função cardíaca.
Estudos propõem que as troponinas T e I possuem duas principais
vantagens em relação ao marcador cardíaco CK-MB massa:
• maior especificidade, pois são encontradas somente em mús-
culo, enquanto as creatinas quinase podem também ser en-
contradas em tecidos não cardíacos;
• maior especificidade pela capacidade de detectar lesões mio-
cárdicas em pequenas concentrações;
• seus níveis enzimáticos se elevam um pouco antes, quando
comparadas à CK-MB massa, em torno de 2 a 3 horas após o
infarto, sendo, pois, mais sensíveis.
No entanto, cabe ressaltar que a determinação de CK-MB massa
e troponinas possui um desempenho semelhante para o infarto nas pri-
meiras 12 a 24 horas. Embora sensíveis como biomarcadores de necrose
miocárdica, as troponinas não informam as causas de necrose, que po-
dem incluir etiologias não coronarianas. Isso se faz importante nos casos
em que a apresentação clínica de um paciente não é totalmente condi-
zente com o infarto, devendo o médico buscar outras causas de lesão
relacionadas com a elevação de troponinas.
A troponina ultrassensível (trop-US) é a evolução da dosagem de
troponina, pois permite a detecção de níveis mais baixos de troponina e
em menor tempo após o início da isquemia. Seu poder de detecção é de 10
a 100 vezes maior que as troponinas convencionais, possuindo alto valor
preditivo negativo celular, o qual serve como critério de exclusão, per-
mitindo alta para o paciente e minimizando gastos do sistema de saúde
(NICOLAU et al., 2015).
84 Capítulo 6 - Função cardíaca

Mioglobina

A mioglobina é uma proteína extremamente pequena, responsável


por fixar o oxigênio no músculo, sendo capaz de transportar apenas uma
única molécula de oxigênio. Quando há necrose tecidual, ela é a primeira
a evadir a célula e chegar à corrente sanguínea (se eleva em torno de
uma hora após o infarto). Como está presente em todos os tecidos mus-
culares, apresenta especificidade limitada. Por não ser específica para o
músculo cardíaco, pode estar elevada em condições que lesam o músculo
esquelético, insuficiência renal e após cirurgias, para o diagnóstico de in-
farto agudo são necessários outros marcadores. Entretanto, como possui
uma elevada sensibilidade precocemente, tem um alto valor preditivo
negativo (NICOLAU et al., 2015).

Biomarcadores de disfunção cardíaca

Peptídeos natriuréticos tipo B: Pro-BNP → NT-proBNP → BNP

O peptídeo natriurético tipo B (BNP) é liberado no sangue quando


há aumento de volemia e ruptura das células pela necrose do miocárdio,
secretado pelos miócitos ventriculares, sendo proveniente do NT-proBNP,
o qual, por sua vez, vem do Pro-BNP. Deles, o único peptídeo biologica-
mente ativo é o BNP, capaz de antagonizar o Sistema Renina-Angioten-
sina-Aldosterona por possuir efeito vasodilatador e natriurético. É um
ótimo marcador de diagnóstico e progressão da insuficiência cardíaca,
mas nas síndromes coronarianas agudas não obteve demonstração de
benefício adicional em relação aos outros marcadores para diagnóstico.
Em geral, é mais utilizado para o prognóstico após o infarto, uma vez que
sua liberação, pelo ventrículo esquerdo, está relacionada a um coração
mais fraco e suscetível à insuficiência (SILVA; MORESCO, 2011).
Martina Souilljee Birck et al. 85

Aplicação do conhecimento
Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 68 anos, natural e procedente de Pas-


so Fundo, professor aposentado, relata que, em torno das 20h, apresen-
tou quadro de dor torácica retroesternal em aperto, de início súbito e
de grande intensidade, com irradiação para o braço esquerdo e duração
aproximada de cerca de 10 minutos. A dor ocorreu após desentendimento
com o filho. Paciente portador de diabetes melito tipo 2 controlado, com
hipertensão arterial controlada e tabagista há 30 anos (consumo de 3
cigarros/dia) (WANG et al., 2009).
O paciente procurou, com esse quadro, a emergência do hospital de
sua cidade e foi realizado eletrocardiograma, que demonstrou onda T
apiculada, segmento ST elevado e presença de novas ondas Q (Figura 3).

Figura 3 – ECG de um infarto

Onda T apiculada; C- supradesnível de ST; D- nova onda Q.


Fonte: adaptado de Malcolm S. Thaler (2013).
86 Capítulo 6 - Função cardíaca

O eletrocardiograma sequencial, realizado duas horas após a ad-


missão do paciente, apresentou onda T invertida (Figura 4).

Figura 4 – Onda T invertida

Fonte: adaptado de Malcolm S. Thaler (2013).

Foi administrado ao paciente AAS, heparização plena e nitrogliceri-


na. Assim, houve redução da dor e do supradesnível de ST.

Referências
BARRET, Kim E. et al. Fisiologia médica de Ganong. 24. ed. Porto Alegre: AMGH,
2014.
BASSAN, F.; BASSAN, R. Abordagem da síndrome coronariana aguda. Revista da
Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, a. XV, n. 7, p. 01-06,
2006.
COLOMBO, J. Sensibilidade e especificidade da albumina modificada pela isquemia
em ratos Wistar. International Journal of Cardiovascular Sciences, v. 29, n. 1, p. 19-23,
2016.
Martina Souilljee Birck et al. 87

DIRETRIZES da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e In-


farto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST. Diretrizes 8. Arquivo
Brasileiro de Cardiologia, São Paulo, v. 102, n. 3, Supl. 1, p. 1-61, 2014.
EATON, Douglas C.; POOLER, John P. Fisiologia renal de Vander. 8. ed. Porto Ale-
gre: AMGH, 2016.
GUALANO, Bruno et al. A suplementação de creatina prejudica a função renal? Re-
vista Brasileira de Medicina do Esporte, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 68-73, jan./fev. 2008.
HARRISON, L. et al. Harrison Medicina Interna. 19. ed. Rio de Janeiro: McGrawHill,
2017. v. 2.
LOZOVOY, M. et al. Infarto agudo do miocárdio: aspectos clínicos e laboratoriais. In-
terbio, UNIPAR-Universidade Paranaense, Umuarama, PR, v. 2, n. 1, p. 01-07, 2008.
NICOLAU, J. C. et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tra-
tamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arquivo
Brasileiro de Cardiologia, São Paulo, v. 105, n. 2, supl. 1, p. 1-121, ago. 2015.
PESARO, A. et al. Síndromes coronarianas agudas: tratamento e estratificação de
risco. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 197-204, abr./
jun. 2008.
PINTO, Wagner de Jesus. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2017.
SANTOS, A. et al. Identificação precoce da síndrome coronariana aguda: uma revi-
são bibliográfica. Ciências Biológicas e de Saúde Unit, Aracaju, v. 4, n. 2, p. 219-236,
out. 2017.
SANTOS, M. et al. Fatores de risco no desenvolvimento da aterosclerose na infância
e adolescência. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, São Paulo, v. 90, n. 4, p. 301-308,
abr. 2008.
SILVA, S.; MORESCO, R. Biomarcadores cardíacos na avaliação da síndrome coro-
nariana aguda. Scientia Medica, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 132-142, 2011.
THALER, M. S. ECG essencial: eletrocardiograma na prática diária. Tradução e re-
visão técnica de Jussara N. T. Burnier. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. (Recurso
eletrônico).
WANG, R. et al. Infarto agudo do miocárdio de parede inferior sem lesão obstruti-
va coronária. Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, São Paulo, v. 17, n. 3,
p. 423-426, 2009.
88 Capítulo 6 - Função cardíaca

Exercícios
1. (AMRIGS-2018) O Peptídeo Natriurético tipo B (BNP) é um biomarcador uti-
lizado em conjunto com anamnese e exame físico no diagnóstico de insufi-
ciência cardíaca. Em relação ao BNP, analise as assertivas abaixo:
I. É um hormônio secretado pelos ventrículos em resposta ao aumento
de volume e estiramento das paredes.
II. Sua dosagem não é útil para definir a gravidade da doença em caso
de insuficiência cardíaca crônica.
III. Seus níveis podem estar aumentados em insuficiência cardíaca de
qualquer etiologia.

Quais estão corretas?


a) Apenas I.
b) Apenas I e III.
c) Apenas I e II.
d) Apenas II e III.

2. (SMS-RJ) O infarto agudo do miocárdio é uma das causas mais comuns de


mortalidade e morbidade em adultos, ocorrendo quando o suprimento de
sangue para a musculatura cardíaca fica reduzido, abaixo de um valor crítico.
As dosagens bioquímicas de algumas enzimas complementam os resultados
do ECG. A afirmação correta sobre essas enzimas é:
a) A fração da creatina cinase (CK), que é a primeira a se elevar significa-
tivamente, é a CK-BB.
b) A mioglobina é o marcador cardíaco mais precoce a surgir, sendo de-
tectada de 1 a 3 horas após o infarto.
c) A isoenzima LDH1 não se mostra marcador útil no diagnóstico IM,
pois desaparece rapidamente do soro.
d) A dosagem da troponina não se mostra útil no diagnóstico precoce
do IM, pois carece de sensibilidade e especificidade, não sendo car-
dioespecífica na lesão miocárdica.
Martina Souilljee Birck et al. 89

3. (PRM-UFPR) A sociedade contemporânea vem acompanhando um aumento


no número de casos de infarto agudo do miocárdio (IAM). Os marcadores so-
rológicos de IAM são úteis no diagnóstico, porém não se mantêm constantes
por um período prolongado. Sobre os marcadores sorológicos de IAM, assi-
nale a alternativa correta. (CK = creatinoquinase; LD = lactato-desidrogenase)
a) Após dor torácica aguda, o primeiro marcador a aparecer no soro é a LD.
b) A CK-MB está presente no soro até 36 horas após a dor toráxica aguda.
c) A troponina T é um bom indicador de IAM, pois aparece nos primei-
ros momentos após o infarto, com pico em 2 horas.
d) A CK-MB é uma das isoformas da enzima CK e, por existir somente no
tecido cardíaco, é ideal como marcador de IAM.
e) A LD não pode ser usada como marcador de IAM, pois existe em to-
dos os tecidos do organismo.

Gabarito: 1 – C; 2 – B; 3 – B.
Capítulo 7

Metabolismo de lipídios

Francisco Costa Beber Lemanski


Larissa Eckert
Luciano Siqueira
Luísa Fanton Pelle

Objetivos
Compreender as etapas da síntese e da degradação de lipídios, des-
crever a ação de fármacos hipolipemiantes. Compreender a ß-oxidação,
descrever o mecanismo de ação dos hormônios envolvidos na quebra de
lipídios, compreender a ação da carnitina e sua aplicação clínica. Com-
preender as etapas da formação de corpos cetônicos em situações fisioló-
gicas e patológicas, conceituar cetoacidose metabólica.

Metabolismo de lipídios
O metabolismo dos lipídios envolve, majoritariamente, três proces-
sos metabólicos: a lipogênese, a lipólise e a cetogênese.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 91

Lipogênese

A síntese de lipídios (lipogênese) ocorre no citosol das células hu-


manas, tendo como principal substrato a glicose. Essa via anabólica
ocorre em diversos tecidos, mas principalmente no fígado, nas glândulas
mamárias lactantes e no tecido adiposo (HARVEY, 2015). Carboidratos
e proteínas consumidos em quantidades que excedam as necessidades
energéticas são convertidos em ácidos graxos, que serão armazenados na
forma de triglicerídeos.
O processo se inicia com a via glicolítica: a glicose livre em excesso
no sangue sofre glicólise, produzindo duas moléculas de piruvato. O pi-
ruvato entra na mitocôndria da célula e sofre descarboxilação oxidativa
pela ação da enzima piruvato desidrogenase, produzindo Acetil-CoA, fon-
te primária para a síntese de ácidos graxos.

Como a lipogênese ocorre no citoplasma da célula, é preciso que o


Acetil-CoA mitocondrial atravesse a membrana da mitocôndria para ter
acesso ao citosol, no entanto, a membrana mitocondrial é impermeável
à coenzima-A. Para que esse transporte ocorra, o Acetil-CoA utiliza o
sistema de transporte do tricarboxilato e atravessa a membrana na for-
ma de citrato – produzido pela condensação do oxalacetato (OAA) e do
Acetil-CoA.

Após deixar a mitocôndria e entrar no citosol, o citrato sofre a ação


da ATP-citrato-lipase e é clivado novamente em OAA e Acetil-CoA. O
oxalacetato é reduzido pela Malato-Desidrogenase a Malatato, que, após
sofrer descarboxilação oxidativa (ação da enzima Málica), retornará à
mitocôndria na forma de piruvato para dar continuidade à lipogênese
em um novo ciclo. Por sua vez, o Acetil-CoA citosólico sofrerá a ação da
92 Capítulo 7 - Metabolismo de lipídios

enzima Acetil-CoA-Carboxilase (ACC), tendo como coenzima a biotina


(vitamina B7), e terá como resultado um grupo de 3 carbonos (Malonil) li-
gado na forma de tioéster à coenzima-A: Malonil-CoA (VOET et al., 2014).

A molécula de Malonil-CoA, em seguida, perde sua coenzima-A e


passa a ser transportada por uma proteína carreadora de acilas (PCA),
formando, assim, a Malonil-PCA. Em seguida, ocorrem reações enzimá-
ticas cíclicas em que o Malonil-PCA é unido a outra molécula de Acetil-
-CoA, liberando a PCA, que retorna para o início do ciclo para transpor-
tar outra molécula de Malonil-PCA. Em cada ciclo, a PCA carrega um
novo grupo Malonil, aumentando a cadeia em 2 carbonos. Esse processo
se repete 7 vezes, para que, no final, forme-se uma molécula de palmita-
to – um éster com 16 carbonos.

O palmitato é um ácido graxo saturado de cadeia longa que pode


ser alongado pela adição de 2 carbonos na sua cadeia dentro do retículo
endoplasmático liso das células, formando outros tipos de ácidos graxos.
O encéfalo possui capacidade adicional de elongação, permitindo a pro-
dução de cadeias muito mais longas, importantes para a síntese de lipí-
dios do sistema nervoso central (HARVEY, 2015). A maioria dos tecidos
humanos tem a capacidade de converter esses ácidos graxos em triglice-
rídeos – óleos ou gorduras armazenados nos organismos como reserva
alimentar –, por uma reação de esterificação, na qual 3 moléculas de
ácidos graxos combinam-se com 1 molécula de glicerol, formando, dessa
forma, 1 molécula de triglicerídeo. A produção de triglicerídeos no fígado
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 93

ocorre principalmente para a síntese de lipoproteínas plasmáticas, e não


para o armazenamento de energia, como nos outros tecidos.

Lipólise

A lipólise é a degradação de lipídios em ácidos graxos e glice-


rol – o processo contrário à lipogênese. Em contraste com a síntese de
lipídios (que ocorre no citoplasma), a ß-oxidação da lipólise ocorre na
matriz mitocondrial. Quando há necessidade de suprir as demandas
energéticas das células, os triglicerídeos armazenados nos adipócitos são
mobilizados por ação da enzima Lipase Hormônio-Sensível (LHS). A LHS
é ativada principalmente pelos hormônios glucagon e adrenalina – cha-
mados de hormônios lipolíticos. A LHS realiza a hidrólise da molécula
de triglicerídeo, liberando o ácido graxo e o glicerol no plasma sanguíneo.
Hormônios como a insulina inibem a atividade desta enzima por induzir
a sua defosforilação (HARVEY, 2015). O glicerol liberado nessa degrada-
ção não pode ser metabolizado nos adipócitos (que não possuem a enzima
necessária), então, ele é transportado na circulação até o fígado, para ser
fosforilado. Já os ácidos graxos livres, ao entrarem na corrente sanguí-
nea, ligam-se à proteína albumina, para serem transportados aos tecidos.
Ao entrar nas células, os ácidos graxos precisam ser inicialmente
convertidos em um intermediário ativo, antes de serem catabolizados
– única etapa em todo processo de degradação que requer energia de
um ATP (RODWELL et al., 2017). Assim, a enzima Acil-CoA-sintetase
(tioquinase) catalisa o ácido graxo, transformando-o na sua forma ativa:
Acil-CoA.

Apesar de os ácidos graxos serem ativados no citosol, sua oxidação


só ocorre no interior das mitocôndrias. Todavia, Acilas-CoA de cadeia
94 Capítulo 7 - Metabolismo de lipídios

longa não conseguem cruzar diretamente a membrana interna da mito-


côndria. Para isso, elas são transportadas para dentro da mitocôndria
com o auxílio da Carnitina, a qual converte a Acil-CoA de cadeia longa
em Acil-Carnitina, que é capaz de atravessar a membrana e ter acesso
ao interior da organela para realizar a ß-oxidação. Já dentro da mito-
côndria, a Acil-Carnitina sofre reações enzimáticas e volta a ser Acil-
-CoA, liberando a Carnitina. Ácidos graxos de cadeia curta e média não
precisam do auxílio da Carnitina, atravessam livremente a membrana
mitocondrial.

A oxidação mitocondrial dos ácidos graxos é dividida em 3 etapas.


O primeiro processo é a ß-oxidação, na qual os ácidos graxos sofrem re-
moção oxidativa de sucessivas unidades de 2 carbonos na forma de Ace-
til-CoA. Por exemplo, o ácido palmítico/palmitato (possui 16 carbonos)
passa 7 vezes pela sequência de oxidação, perdendo 2 carbonos na forma
de Acetil-CoA em cada ciclo e produzindo 1 NADH e 1 FADH2 por vez. Ao
final dos 7 ciclos, os 2 carbonos que permanecerem na molécula serão 1
molécula de Acetil-CoA; em suma, a cadeia de 16 carbonos do palmitato,
no final do processo, terá sido transformada em 8 moléculas de Acetil-
-CoA (2 carbonos cada), além disso, terão sido produzidas 7 moléculas de
NADH e 7 moléculas de FADH2 (LEHNINGER et al., 2014).
A segunda etapa da catálise é o ciclo do ácido cítrico, em que os
grupos Acetil da molécula de Acetil-CoA serão oxidados a CO2. Contudo,
essa segunda etapa e, em seguida, a terceira não são exclusivas da lipóli-
se. Quando o Acetil-CoA entra no ciclo do ácido cítrico, ele entra em uma
via comum à glicólise e à oxidação do piruvato.
A terceira fase é a cadeia transportadora de elétrons, em que os
elétrons derivados das duas primeiras etapas (ß-oxidação e ciclo do ácido
cítrico) passam ao gás oxigênio através da cadeia respiratória, fornecen-
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 95

do energia que será, então, conservada na forma de ATP (LEHNINGER


et al., 2014). Por fim, conclui-se que o processo de lipólise produz um
total de 129 ATPs, já que o processo de ß-oxidação produz 131 ATPs e
a ativação do ácido graxo para ultrapassar a membrana mitocondrial
consome 2 ATPs. Ou seja, há um balanço final de 129 ATPs do processo
catalítico inteiro.

Cetogênese

A cetogênese é o processo alternativo de produção de energia do nos-


so corpo. Pessoas bem nutridas produzem corpos cetônicos (cetogênese)
a uma taxa bem baixa. Em situações de jejum prolongado, em que não
há glicose disponível para ser usada como combustível celular, o tecido
muscular esquelético, o coração e o cérebro são capazes de utilizar corpos
cetônicos como fonte de energia para o seu metabolismo celular. O cére-
bro, normalmente, usa apenas glicose como sua fonte de energia, já que
os ácidos graxos não são capazes de atravessar a barreira hematocefáli-
ca, mas, durante um jejum prolongado, os corpos cetônicos tornam-se a
principal fonte do combustível metabólico do cérebro (VOET et al., 2014).
Os corpos cetônicos em questão são: a acetona, o acetoacetato e o D-ß-hi-
droxibutirato.
Durante a lipólise, o Acetil-CoA produzido na ß-oxidação dos ácidos
graxos é oxidado no ciclo do ácido cítrico. Entretanto, esse Acetil-CoA
pode ter outro destino e, em vez de entrar no ciclo, sofre conversão a
corpos cetônicos nas mitocôndrias do fígado. Os corpos cetônicos são pro-
duzidos em períodos de lipólise intensa durante um jejum prolongado,
devido ao aumento da quantidade de glucagon no sangue. Isso ocorre
quando o fígado recebe uma grande quantidade de ácidos graxos mobili-
zados dos adipócitos, excedendo a sua capacidade oxidativa normal; des-
se modo, grandes quantidades de Acetil-CoA excedentes são conduzidas
para a cetogênese.
96 Capítulo 7 - Metabolismo de lipídios

1) Primeiramente, o processo se inicia com a condensação de


duas moléculas de Acetil-CoA, reação catalisada pela enzima
Tiolase, formando o Acetoacetil-CoA.
2) Essa molécula então se condensa com outra molécula de Ace-
til-CoA, sintetizando a HMG-CoA. Em seguida, a molécula de
HMG-CoA é clivada pela enzima HMG-CoA-liase em acetoace-
tato livre e Acetil-CoA.

A partir desse ponto, o acetoacetato pode seguir por três caminhos:


continuar livre no plasma, virar acetona ou ser reduzido a D-ß-hidro-
xibutirato. A formação de acetona pode ser devido à descarboxilação
espontânea do acetoacetato no sangue ou pela ação da enzima Acetoa-
cetato-descarboxilase. Já para a produção de D-ß-hidroxibutirato, o ace-
toacetato é reduzido pela enzima D-ß-hidroxibutirato-desidrogenase na
mitocôndria celular.

Por fim, para serem utilizados como combustível celular, o acetoa-


cetato e o D-ß-hidroxibutirato produzidos no fígado são transportados na
corrente sanguínea até os tecidos extra-hepáticos, onde então sofrerão
oxidação a Acetil-CoA. O D-ß-hidroxibutirato é oxidado a acetoacetado,
que então é clivado pela enzima Tioforase a 2 moléculas de Acetil-CoA –
as quais produzirão energia ao entrar no ciclo do ácido cítrico.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 97

Aplicação do conhecimento
Lipogênese

A enzima Acetil-CoA-Carboxilase (ACC) é controlada por três hor-


mônios: glucagon, epinefrina e insulina. O glucagon e a epinefrina de-
sativam a ação da enzima, interrompendo o processo de lipogênese; já a
insulina tem ação contrária, ativa a ACC estimulando a síntese de ácidos
graxos (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2002). Pacientes com diabetes
melito tipo 1, por esse motivo, possuem o processo de lipogênese deficitá-
rio, caracterizando o seu biótipo com menos gordura corporal.
A Metformina, principal fármaco utilizado no tratamento do diabe-
tes melito, age diminuindo os triglicerídeos do sangue por meio da ativa-
ção de uma enzima (AMPK) que inativa a Acetil-CoA-Carboxilase, expli-
cada anteriormente (SANTOMAURO JUNIOR et al., 2008).

Lipólise

Em razão da sua atuação na ß-oxidação, estudos recentes buscam


formas de suplementar a carnitina para pacientes obesos e esportistas
que buscam melhor performance no seu desporto. Como a ß-oxidação
possibilita uma grande quantidade de substrato para o ciclo de Krebs,
isso produzirá mais energia, resultando num melhor desempenho no
exercício físico. Já como forma de diminuição de gordura corporal, o uso
de suplementação de carnitina aumenta e prioriza a oxidação de ácidos
graxos como fonte de energia, reduzindo os níveis lipídicos de reserva
corporal (MAFFINI; PELOSO, 2017; BARRETO et al., 2010).
Para realizar a ß-oxidação, a mitocôndria possui quatro tipos de
enzimas Acil-CoA Desidrogenases responsáveis pela quebra das cadeias
de ácidos graxos de acordo com o tamanho de cada molécula. A enzima
responsável pela quebra dos ácidos graxos de cadeia média é a Medium-
-Chain Acyl-CoA Dehydrogenase (MCAD). A deficiência de MCAD é uma
doença genética e seus sinais normalmente começam a aparecer entre
3 e 24 semanas após o nascimento. Por ser uma deficiência da enzima
98 Capítulo 7 - Metabolismo de lipídios

MCAD, ácidos graxos de 6 a 10 carbonos não podem ser degradados e


transformados em energia, portanto, alguns dos sinais clínicos apre-
sentados pelo paciente são: letargia, vômito, hipoglicemia não cetótica e
hepatomegalia. Além disso, pode haver acúmulo das cadeias não degra-
dadas nos tecidos e causar danos hepáticos e cerebrais, ocasionando com-
plicações mais graves, como coma e morte (MERRITT; CHANG, 2000).

Cetogênese

Em indivíduos com cetose, condição clínica em que o acetoacetato


é produzido mais rápido do que pode ser metabolizado pelas células, o
hálito acaba adquirindo um odor característico da acetona, já que essa
substância pode ser liberada na respiração, condição chamada de hálito
cetônico.
Pacientes com diabetes melito descompensada não apresentam um
nível satisfatório de insulina no sangue, assim, os tecidos não conseguem
captar a glicose. Nessa condição, os ácidos graxos entram na mitocôndria
para serem degradados a Acetil-CoA – o qual não pode passar pelo ciclo
do ácido cítrico, já que os intermediários do ciclo foram utilizados como
substrato na gliconeogênese. Assim, o acúmulo de Acetil-CoA acelera a
formação de corpos cetônicos; o aumento dos níveis de acetoacetato e
D-ß-hidroxibutirato, por serem ácidos, diminui o pH do sangue, causan-
do acidose metabólica – que pode levar o paciente ao coma e à morte.
Além disso, os níveis de corpos cetônicos começam a aumentar no sangue
(cetonemia) e na urina (cetonúria): condição chamada de cetose. A com-
binação desses dois sintomas leva o paciente ao quadro clínico conhecido
como cetoacidose diabética. O mesmo ocorre no jejum prolongado ou em
indivíduos com dieta hipocalórica. Além disso, o hálito cetônico, também
produzido nesses casos, é um dos principais e mais frequentes sintomas,
sendo útil no diagnóstico (LEHNINGER et al., 2014; HARVEY, 2015).
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 99

Referências
BARRETO, B. R. et al. Revisão bibliográfica do efeito da L-carnitina na redução de
tecido adiposo em praticantes de exercício físico: mitos e verdades. Cadernos Uni-
FOA, Volta Redonda, RJ, v. 5, n. 10, p. 73, 2010.
BERG, J.; TYMOCZKO, J.; STRYER, L. Biochemistry. 5. ed. New York: W. H. Free-
man and Company, 2002.
HARVEY, R. A. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
LEHNINGER, A. L. et al. (rev.). Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2014.
MAFFINI, P. H.; PELOSO, E. F. Efeitos ergogênicos da L-Carnitina no metabolismo
lipídico. Saber Científico, Porto Velho, v. 6, n. 2, p. 90-103, 2017.
MERRITT, J.; CHANG, I. Medium-Chain Acyl-Coenzyme A Dehydrogenase Deficien-
cy. GeneReviews. Seattle: Universidade de Washington, Seattle, 2000 [Atualizado
em 2019]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1424/. Acesso em:
ago. 2018.
RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre. AMGH.
2017.
SANTOMAURO JUNIOR, A. C. et al. Metformina e AMPK: um antigo fármaco e
uma nova enzima no contexto da síndrome metabólica. Arquivos Brasileiros de En-
docrinologia e Metabologia, São Paulo, v. 52, n. 1, p. 120-125, 2008.
VOET, D. et al. Fundamentos de bioquímica: a vida em nível molecular. 4. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2014.
100 Capítulo 7 - Metabolismo de lipídios

Exercícios
1. (HARPER, 2017) A carnitina é necessária para a oxidação de ácidos graxos por-
que:
a) Ela é um cofator para a acil-CoA-sintase, que ativa os ácidos graxos
para a degradação.
b) Acil-CoA de cadeia longa (“ácidos graxos ativados”) precisam entrar
na matriz mitocondrial para serem oxidados, porém não podem atra-
vessar a membrana mitocondrial externa. A transferência do grupo
acil-CoA para a carnitina possibilita que o deslocamento ocorra.
c) Acil-CoA de cadeia longa (“ácidos graxos ativados”) precisam entrar
no espaço intermembrana da mitocôndria para serem oxidados,
porém não podem atravessar a membrana mitocondrial interna. A
transferência do grupo acil-CoA para a carnitina possibilita que o
deslocamento ocorra.
d) Previne a quebra de ácido graxo acil-CoA de cadeia longa no espaço
intermembrana da mitocôndria.

2. (HARPER, 2017) Os ácidos graxos são degradados pela remoção repetida de


fragmentos de dois carbonos na forma de acetil-CoA no ciclo de β-oxidação
e sintetizados pela condensação repetida de acetil-CoA até que é formada
uma longa cadeia saturada de ácido graxo com um número par de átomos
de carbono. Uma vez que os ácidos graxos precisam ser degradados quando
a energia está es- cassa e sintetizados quando ela está abundante, existem
importantes diferenças entre os dois processos que ajudam as células a os
regular de forma eficiente. Qual das afirmativas a seguir relacionada a essas
diferenças está INCORRETA?
a) A degradação dos ácidos graxos ocorre dentro da mitocôndria, ao
passo que a síntese ocorre no citosol.
b) A degradação dos ácidos graxos utiliza NAD+ e produz NADH, ao
passo que a síntese utiliza NADPH e produz NADP.
c) Os grupos de ácidos graxos acil são ativados para separação utilizan-
do CoA e para síntese utilizando a proteína carreadora de grupos acila.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 101

d) O transporte através da membrana mitocondrial de grupos de ácidos


graxos acil e acetil-CoA é necessário para a degradação e síntese de
ácidos graxos, respectivamente.
e) O glucagon promove a síntese de ácidos graxos e inibe a degradação
dos ácidos graxos.

3. (HARPER, 2017 - adaptada) A lipase sensível a hormônio, a enzima que mobi-


liza ácidos graxos a partir dos estoques de triacilgliceróis no tecido adiposo, é
inibida por:
a) Glucagon.
b) ACTH.
c) Epinefrina.
d) Vasopressina.
e) Insulina.

4. Qual dos seguintes sinais e sintomas não é característico de um paciente em


cetoacidose metabólica:
a) Hálito cetônico.
b) Cetonemia.
c) Cetonúria.
d) Diminuição dos níveis séricos de hormônios contrarregulatórios.
e) Em estágios mais avançados, coma.

Gabarito: 1 – C; 2 – E; 3 – E; 4 – D.
Capítulo 8

Eicosanoides e os princípios
da inflamação

Saulo Bueno de Azeredo


Cristian Roman Bonez
Luciano de Oliveira Siqueira
Thiago de Bittencourt Buss

Objetivos
Caracterizar o que são eicosanoides, quais moléculas fazem parte
do grupo e como estas participam dos processos inflamatórios. Com-
preender quais são as aplicações clínicas em que o conhecimento dessas
moléculas pode ser útil e quais classes de medicamentos podem ser usa-
dos a fim de evitar a sua formação.
Saulo Bueno de Azeredo et al. 103

Eicosanoides e os princípios da inflamação


Introdução

Eicosanoides são compostos orgânicos constituídos de 20 carbonos


derivados de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa das séries
Ω-6 e Ω-3, convertidos em compostos como: prostaglandinas, prostacicli-
nas, tromboxanos e leucotrienos, por exemplo. O precursor mais impor-
tante dos eicosanoides é o ácido araquidônico, derivado do ácido graxo
Ω-6, produto da degradação dos fosfolipídios que compõe a membrana
celular. O ácido araquidônico é convertido em eicosanoides por meio
de duas enzimas: ciclo-oxigenases (COX), que origina prostaglandinas,
prostaciclina e tromboxano, e lipo-oxigenase (LOX), que produz leuco-
trienos (MARZZOCO; TORRES, 2018; KHANAPURE et al., 2007).
Ácidos graxos poli-insaturados Ω-3, como os ácidos eicosapentaenoi-
co (EPA) e docosaexaenoico (DHA), são também substratos das enzimas
das vias de síntese de eicosanoide. Os eicosanoides originados do ácido
araquidônico (Ω-6) possuem efeitos pró-inflamatórios e pró-agregantes
de plaquetas muito mais potentes do que aqueles produtos de EPA e DHA
(Ω-3) (MESQUITA et al., 2011; KHANAPURE et al., 2007).
Existe, entretanto, uma competição entre os ácidos graxos Ω-6
e Ω-3, e uma relação desses com as enzimas presentes na célula e do
tipo de ácido graxo existente na membrana plasmática, característica
influenciada pela dieta, justificando-se a recomendação de aumentar a
ingestão de ácidos graxos Ω-3 de cadeia longa. Dietas ricas em EPA e
DHA propiciam maior incorporação desses ácidos graxos nos fosfolipí-
dios componentes das membranas celulares, diminuindo a formação dos
eicosanoides deles derivados, atenuando, assim, a reação inflamatória.
Pesquisas recentes identificaram outros derivados de EPA e DHA que
apresentam efeitos anti-inflamatórios e de resolução da inflamação, de-
nominados apropriadamente de protectinas e resolvinas (MESQUITA et
al., 2011; KHANAPURE et al., 2007).
A suplementação com Ω-3 é de valiosa utilidade em doenças em que
seja necessário o uso crônico de anti-inflamatórios. Entretanto, deve ha-
104 Capítulo 8 - Eicosanoides e os princípios da inflamação

ver uma proporção no consumo de Ω-3 e Ω-6, a fim de se ter uma vida
saudável, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, deve-se res-
peitar a proporção de cinco doses de Ω-6 para uma de Ω-3 (MARZZOCO;
TORRES, 2018).

Ação dos eicosanoides

Os eicosanoides são efetivos em concentrações baixas, não são trans-


portados pela circulação e exercem seus efeitos localmente, por ligação a
receptores específicos das membranas plasmática e nuclear. Tais molé-
culas possuem meia-vida muito pequena (poucos minutos), logo, elas têm
apenas efeito parácrino (nas células vizinhas) ou autócrino (na própria
célula produtora) (MENDES et al., 2012; MARZZOCO; TORRES, 2018).
Tais compostos estão envolvidos em processos fisiológicos muito di-
versificados, desde a contração de músculos lisos, reação inflamatória
desencadeada por lesão ou infecção, manifestação de dor e febre, coagu-
lação sanguínea, até a secreção de muco gástrico. Patologicamente, por
meio de seu potencial inflamatório, são a gênese de doenças, tais como:
doenças inflamatórias agudas e crônicas, autoimunes (artrite reumatoi-
de) e alérgicas (asma ou anafilaxia), aterosclerose, câncer, doença de Al-
zheimer e de Parkinson (MENDES et al., 2012; MARZZOCO; TORRES,
2018).

Produção dos eicosanoides

Quase todas as células nucleadas produzem eicosanoides em res-


posta a infecção, lesão, ação hormonal, dentre outros estímulos, visto que
sua formação representa o caminho enzimático natural após a exposição
dos fosfolipídios da membrana à enzima fosfolipase A2. (MENDES et al.,
2012; MARZZOCO; TORRES, 2018).
As principais enzimas formadoras desses compostos são as ciclo-
xigenases (COX), que são divididas em dois subtipos estrutural e fun-
cionalmente diferentes: COX-1 e COX-2. As COX atuam sobre o ácido
araquidônico, produzindo prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos
Saulo Bueno de Azeredo et al. 105

(Figura 1). A COX-1 é constitutiva, ou seja, está presente em quase todos


os tecidos, com a finalidade de produzir os efeitos fisiológicos já cita-
dos. A COX-2 é induzível, originada a partir de lesões teciduais, infec-
ções ou citocinas promotoras (interleucina 1 e fator de necrose tumoral
alfa) (MENDES et al., 2012; MARZZOCO; TORRES, 2018). A lipoxige-
nase (LOX) atua em via diversa, produzindo apenas leucotrienos (KHA-
NAPURE et al., 2007).

Figura 1 – Via de formação dos eicosanoides mostrando onde atuam os anti-inflamatórios

Fonte: elaboração dos autores.

Representantes dos eicosanoides

Dos representantes dos eicosanoides, as Prostaglandinas (PGE2,


PGF2) são as mais importantes. Seu nome é derivado de próstata, já
que foram primeiramente descobertas no sêmen humano, mas hoje se
106 Capítulo 8 - Eicosanoides e os princípios da inflamação

sabe que são produzidas por todas as células, exceto pelos leucócitos.
Elas atuam de duas maneiras diferentes, interagindo com receptores de
membrana ligados à proteína G, causando cascatas de sinalização in-
tracelular por adenosina monofosfato cíclico (AMPc) e inositoltrifosfato/
cálcio (IP3/Ca+2), e do núcleo, promovendo a transcrição gênica. Certos
eicosanoides, prostaglandinas e leucotrienos, são ligantes endógenos que
estimulam a proliferação de peroxissomos, que regulam o metabolismo
lipídico. Fora isso, prostaglandinas atuam no organismo durante a con-
tração dos bronquíolos, produção de muco gástrico, ao impedir coágulos
e proporcionar a contração uterina no fim da gravidez ou no aborto, por
exemplo. As prostaglandinas E2 e F2 (PGE2 e PGF2) têm atuações con-
trárias, enquanto a primeira contrai vasos e músculo liso, a segunda os
relaxa, estando a PGF2 especialmente relacionada com a indução do par-
to (MENDES et al., 2012; MARZZOCO; TORRES, 2018).
Prostaciclinas (PGI2) são eicosanoides derivados da prostaglandi-
na, produzidos pelo endotélio dos vasos, tendo por função a inibição da
agregação plaquetária, impedindo a formação de trombos (PINTO, 2017).
Tromboxanos (TXA2), também produtos de ácido araquidônico, são
estruturalmente semelhantes às prostaglandinas, contudo, são produ-
zidos sobretudo nas plaquetas, tendo ação contrária às prostaciclinas,
agindo, assim, como fator de agregação plaquetária e vasoconstritor.
Prostaglandinas e tromboxanos são fundamentais para o processo de de-
fesa contra infecções no organismo, já que propiciam a manifestação de
selectinas, moléculas de adesão, pelo endotélio capilar, que funcionam
como marcadores para os leucócitos, propiciando a sua diapedese e a pos-
terior defesa imunológica (RODWELL et al., 2015; ABBAS; LICHTMAN;
PILLAI, 2015).
Os leucotrienos (LTA4, LTB4, LTC4, LTD4, LTE4), produzidos por
mastócitos e eosinófilos por via diversa dos demais eicosanoides, pela en-
zima LOX, estão envolvidos com processos alérgicos, como reações anafilá-
ticas, rinite, psoríase, quimiotaxia, adesão e ativação de leucócitos, e bron-
coconstrição (asma). Agentes terapêuticos que inibem a sua ação, evitando
a broncoconstrição e o excesso de muco, são medidas terapêuticas adota-
das no controle da asma, por exemplo (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2013).
Saulo Bueno de Azeredo et al. 107

Aplicação do conhecimento
Tendo em vista o potencial patogênico que os eicosanoides em
situações não fisiológicas podem gerar, o uso de medicamentos com a fi-
nalidade de diminuir ou até inibir sua produção se torna mais relevante,
a estes damos o nome de anti-inflamatórios (Tabela 1). Dos fármacos com
ação anti-inflamatória disponíveis, vale citar os corticosteroides, como
a dexametasona, e os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) (KU-
MAR; ABBAS; ASTER, 2013).

Tabela 1 – Correlação terapêutica – clínica

Classes Mecanismo de
Nome comercial Efeitos
terapêuticas ação
Alívio de dor de baixa
Ácido acetilsalicíli- intensidade, ação
Inibição não
Salicilatos co (AAS), Difunisal, antipirética, efeitos em
seletiva da COX
Salicilato de sódio trato gastrointestinal
(TGI)
Potência moderada,
Diclofenaco sódico, efeito anti-inflamatório
Derivados do Inibição não
Indometacina, Ceto- comparável aos salicila-
ácido acético seletiva da COX
rolaco, Tolmetina tos, baixa ação em TGI,
potente analgésico
Derivados
Antagonista direto de Inibição não
do ácido Ácido mefenâmico
certas prostaglandinas seletiva da COX
fenilantranílico
Derivados da Modesta seletividade Inibição não
Nimesulida
Sulfonanilida para COX-2 seletiva da COX
Derivados do Ibuprofeno, Napro- Efeitos comparáveis a Inibição não
ácido propiônico xeno, Cetoprofano outros AINEs seletiva da COX
Derivados do Piroxican, Meloxi- Modesta seletividade Inibição não
ácido enólico can para COX-2 seletiva da COX
Inibição seletiva
Derivados Celecoxibe, Rofe- Menor índice de reações
para COX-2
coxibes coxibe adversas em TGI
(isCOX2)
Indicado para profilaxia
Montelucaste Inibição seletiva
Montelucaste sódico e tratamento crônico da
sódico para LOX
asma
Fonte: elaboração dos autores, 2019.
108 Capítulo 8 - Eicosanoides e os princípios da inflamação

Anti-inflamatórios esteroidais e não esteroidais

Os corticosteroides inibem a fosfolipase A2 e, com isso, impedem


toda a rota metabólica que originará o ácido araquidônico, substrato de
todos os eicosanoides. Já os (AINEs) afetam a síntese das prostaglan-
dinas, principalmente, pela inibição das COX. A inibição das COX-1 e
COX-2 consiste em competição dos fármacos com o ácido araquidônico
pelas enzimas, causando as ações anti-inflamatória, antipirética e anal-
gésica. Essas mais envolvidas com a COX-2, já que os efeitos deletérios,
como pirose ou, mais tardiamente, úlcera, estão envolvidos com a COX-
1, constitutiva que produz prostaglandina H2 (PGH2), estimuladora da
produção do muco gástrico. Vale lembrar que os AINEs, como AAS, ibu-
pofreno, diclofenaco, piroxicam, entre outros, bloqueiam apenas a subdi-
visão da via que origina prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos,
não atuando sobre o metabolismo dos leucotrienos, o que pode sugerir
perigo aos asmáticos (MARZZOCO; TORRES, 2018; RODWELL et al.,
2015).
O ácido acetilsalicílico (AAS) tem sido usado para a prevenção de in-
fartos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais, por evitar a forma-
ção de trombos; isso ocorre devido à inibição da cascata bioquímica das
COX-1 e COX-2, o que impede a síntese de tromboxanos, que estimulam
a agregação plaquetária, o passo inicial da coagulação sanguínea.

Referências
ABBAS, Abul; LICHTMAN, Andrew; PILLAI, Shiv. Imunologia celular e molecular.
8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.
KHANAPURE, Subhash P. et al. Eicosanoids in Inflammation: Biosynthesis, Pharma-
cology, and Therapeutic Frontiers. Current Topics in Medicinal Chemistry, Lexington,
v. 7, p. 311-340, 1. fev. 2007.
KUMAR, V.; ABBAS, A.; ASTER, J. C. Robbins – Patologia Básica. 9. ed. Rio de Ja-
neiro: Elsevier, 2013.
MARZZOCO, Anita; TORRES, Bayardo Baptista. Bioquímica básica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.
Saulo Bueno de Azeredo et al. 109

MENDES, Reila Tainá et al. Inibição seletiva da ciclo-oxigenase-2: riscos e be-


nefícios. Revista Brasileira de Reumatologia, São Paulo, v. 52, n. 5, p. 774-782,
out. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0482-50042012000500011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 14 ago. 2018.
MESQUITA, Tamirys Ribeiro et al. Efeito anti-inflamatório da suplementação dietéti-
ca com ácidos graxos ômega-3, em ratos. Revista Dor, São Paulo, v. 12, n 4, p. 337-341,
dez. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1806-00132011000400010&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13 ago. 2018.
PINTO, Wagner de Jesus. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2017.
RODWELL, Victor et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre:
AMGH, 2017.
110 Capítulo 8 - Eicosanoides e os princípios da inflamação

Exercícios
1. (Residência médica – HIAE 2018) Mulher, 20 anos, com história de asma des-
de a infância, procura atendimento ambulatorial porque apresenta crises de
dispneia e sibilância quase todos os dias. Refere despertar noturno por falta
de ar, pelo menos duas vezes por semana. Diversas medidas ambientais fo-
ram adotadas, todas sem sucesso. Está em uso de corticoide inalatório e beta
2 agonista de longa duração, ambos em dose baixa, além de medicação de
resgate. Quanto ao próximo passo, de acordo com o GINA (Global Initiative
for Asthma), uma opção é:
a) Aumentar a dose do corticoide inalatório e introduzir antagonista de
receptor de leucotrieno.
b) Reduzir a dose de beta 2 de longa duração e aumentar a dose do
corticoide inalatório.
c) Aumentar a dose de beta 2 de longa duração e diminuir a dose de
corticoide inalatório.
d) Introduzir anti-IgE.
e) Aguardar o resultado da espirometria para decidir o que fazer.

2. (Residência médica - UFA 2017) Na etiopatogenia da Dismenorreia Primária,


há alteração na produção de:
a) Prostaglandinas.
b) Progestogênio.
c) Testosterona.
d) Estrogênios.
e) Endorfinas.

3. (Residência médica - AMRIGS 2014) Analise as seguintes assertivas sobre a


indução do parto:
I. No escore de Bishop a posição da cérvice é o fator mais importante.
II. É indispensável a avaliação, pelo toque vaginal, antes da indução.
III. Os efeitos colaterais da ocitocina são apenas maternos.
IV. O gel de prostaglandina, além de amadurecer o colo, pode induzir o
parto.
Saulo Bueno de Azeredo et al. 111

Quais estão corretas?


a) Apenas I.
b) Apenas IV.
c) Apenas I e III.
d) Apenas II e IV.
e) I, II, III e IV.

4. (Residência médica - AMRIGS 2013) Jovem, 17 anos de idade, menarca aos 12


anos, refere cólicas menstruais mais intensas no primeiro dia de fluxo, porém
não incapacitante. Informa que as cólicas se tornaram mais frequentes nos úl-
timos anos, quando os ciclos menstruais passaram a ser mais regulares. Nega
dispareunia e dor pélvica fora do período menstrual. Faz uso de preservativo
masculino como método anticoncepcional e apresenta exame ginecológico
normal. Com relação ao caso clínico, analise as assertivas abaixo.
I. Trata-se de dismenorreia primária, cuja fisiopatologia inclui secreção
aumentada de prostaglandina pelo endométrio secretor.
II. São opções terapêuticas os anticoncepcionais hormonais e os anti-
-inflamatórios não esteroides.
III. Faz-se necessária a realização de ultrassonografia transvaginal para o
correto diagnóstico, inclusive para afastar endometriose.

Quais estão corretas?


a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e II.
e) I, II e III.

Gabarito: 1 – A; 2 – A; 3 – D; 4 – D.
Capítulo 9

Integração do metabolismo

Thiago de Bittencourt Buss


Luciano de Oliveira Siqueira
Luísa Fanton Pelle
Saulo Bueno de Azeredo

Objetivos
Esclarecer as funções da insulina e do glucagon no organismo; elu-
cidar como o corpo maneja a falta de nutrientes em períodos de jejum;
compreender como os diferentes tecidos agem juntos para alcançar a ho-
meostase energética.

Integração do metabolismo durante o estado


alimentado e de jejum
O estado alimentado (absortivo ou pós-prandial) pode ser definido
como aquele que ocorre em um período de duas a quatro horas após uma
refeição (HARVEY, 2015). Nesse intervalo, há quatro principais tecidos
que interagem entre si e com os demais para buscar a homeostase meta-
bólica e energética da qual necessitamos:
Thiago de Bittencourt Buss et al. 113

a) o fígado, pelo qual passa a vasta maioria dos nutrientes que


ingerimos;
b) o tecido adiposo, responsável pelo armazenamento de energia
na forma de triglicerídeos, e sua mobilização, quando neces-
sário;
c) o tecido muscular, responsável por grande parte do gasto ener-
gético corporal, devido aos vários movimentos do corpo, como
a deambulação, a respiração, o peristaltismo e os batimentos
cardíacos;
d) o encéfalo, responsável pela maior parte do controle do corpo,
agindo como um verdadeiro centro de comando, ao coordenar:
regulação neural, controle nervoso, processamento de infor-
mações, memória, controle hormonal, entre várias outras fun-
ções, usando como substrato energético a glicose.
Hormônios são substâncias lipídicas, proteicas ou derivadas de ti-
rosina, que são secretadas na corrente sanguínea e servem como sinali-
zadoras para um sítio distante de onde foram secretadas, agindo como
mensageiras em prol da homeostasia. A insulina e o glucagon são exem-
plos de hormônios peptídicos que são produzidos nas células beta e alfa
do pâncreas, respectivamente (VILAR, 2016).
A insulina pode ser considerada um hormônio anabolizante, ou seja,
promove a síntese de novas substâncias quando seus níveis estão ele-
vados. Isso é verdade para proteínas nos músculos, lipídeos nos adipó-
citos e glicogênio no fígado. Já o glucagon é considerado um hormônio
catabolizante, visto que promove a quebra de moléculas, sobretudo para
utilização como substrato energético, como é feito com glicogênio (glico-
genólise), lipídeos (lipólise) e proteínas (proteólise) durante o estado de
jejum prolongado (VILAR, 2016).
A insulina é quem coordena os processos metabólicos durante o es-
tado alimentado, enquanto o glucagon o faz durante o jejum, como ilus-
trado na Figura 1.
114 Capítulo 9 - Integração do metabolismo

Figura 1 – Gráfico da concentração sérica de insulina, glucagon e glicose em função do


tempo

Fonte: elaboração dos autores com base em Harvey (2015).

O encéfalo
Os livros de anatomia apontam que o encéfalo está acondicionado
dentro de “uma caixa fechada, com volume definido”: o crânio. Portanto,
qualquer sangramento importante dentro da cavidade pode mostrar-se
extremamente grave, pois, apesar de o encéfalo possuir certos mecanis-
mos compensatórios, ele não pode acomodar nenhuma quantidade muito
grande de volume extra. Por esse mesmo motivo, o encéfalo não possui
nenhuma reserva energética significativa e, desse modo, necessita que
sua alta demanda energética seja suprida por fontes externas a ele cons-
tantemente.

O encéfalo durante o estado alimentado

O encéfalo é quase completamente dependente de glicose energeti-


camente, sobretudo durante o estado alimentado. Fisiologicamente, até
120 g/dia de glicose são gastos pelo tecido, com sua entrada nas células
Thiago de Bittencourt Buss et al. 115

sendo mediada via GLUT1 e GLUT3, independentes da insulina (MA-


LHEIROS, 2006). Portanto, em qualquer situação de hipoglicemia, o
encéfalo é o primeiro a demonstrar alterações, podendo ser graves se a
situação não for rapidamente controlada.

O encéfalo durante o jejum

Em situações de jejum prolongado, por mais de três semanas, o teci-


do encefálico para de usar exclusivamente a glicose, como faz nos primei-
ros dias (resultantes de rotas gliconeogênicas no fígado), e passa a usar
os corpos cetônicos, que passam a se acumular no organismo como fonte
energética. Assim, poupa-se o tecido muscular da proteólise e assegura-
-se o suprimento combustível (HARVEY, 2015).

O fígado
Por sua posição anatomicamente privilegiada, recebendo via siste-
ma porta os nutrientes absorvidos pelo intestino, o fígado exerce uma
função importantíssima no metabolismo de diversas substâncias, ainda
mais no manejo que o corpo faz durante os períodos alimentado e de
jejum. Dependendo do momento, o fígado pode funcionar como centro
distribuidor, local de armazenamento ou gerador de energia a partir de
substâncias que outros tecidos não conseguem utilizar. Discorreremos
primeiro sobre o metabolismo dos carboidratos, tanto em jejum quanto
alimentado, e então sobre os lipídeos e as proteínas, de forma a dar uma
visão fluida e de conjunto sobre os tópicos.

O fígado e o metabolismo de carboidratos

Durante o estado alimentado

Nos hepatócitos, o transporte de glicose é efetuado por GLUT2, o


que garante que seus níveis fiquem iguais aos da corrente sanguínea.
Entretanto, o tecido hepático só é capaz de utilizar a glicose se ela for fos-
forilada, processo realizado pela glicoquinase, uma enzima que, apesar
116 Capítulo 9 - Integração do metabolismo

de seu papel, possui baixa afinidade com a glicose. Graças a isso, o fígado
só será capaz de fosforilar e, assim, utilizar a glicose se houver um nível
sérico suficientemente elevado (MALHEIROS, 2006). Devido a esse me-
canismo, os hepatócitos não utilizam primariamente a glicose como fonte
energética, preferindo outros substratos, como ácidos graxos ou aminoá-
cidos, reservando a glicose para os tecidos que são mais dependentes
dela, como o encéfalo. Só haverá uso de glicose no tecido hepático se as
taxas de insulina estiverem bastante elevadas, associadas a um alto ní-
vel de glicose sérica, ativando a rota glicolítica e armazenando glicogênio.

Durante o jejum

Durante o jejum, algumas horas após a última refeição, os níveis de


glicose sérica já estão baixos, e o fígado tem de lançar mão de outros re-
cursos para manter o seu metabolismo e o do resto do organismo funcio-
nando. Com os altos níveis de glucagon agora presentes, os hepatócitos
começam a degradar o glicogênio que foi armazenado durante o período
alimentado, ao mesmo tempo que inicia uma discreta gliconeogênese.
Após cerca de 10 a 18 horas de jejum, a reserva hepática de glicogênio já
foi exaurida e não pode mais ser usada. O tecido hepático, então, orien-
tado por isso e pelos altos níveis de glucagon, passa a realizar gliconeo-
gênese, utilizando substratos como aminoácidos, lactato e glicerol para
continuar a fornecer glicose para o organismo (HARVEY, 2015). Mesmo
após uma alimentação subsequente a um jejum prolongado, o fígado con-
tinua a fazer gliconeogênese, de forma a reestabelecer os estoques de gli-
cogênio perdidos, processo conhecido como gliconeogênese pós-prandial.

O fígado e o metabolismo dos lipídeos

Durante o estado alimentado

No estado alimentado, se forem ingeridas mais calorias do que ne-


cessitamos para nosso metabolismo, o tecido hepático se preparará para
o próximo período de privação, quer ele ocorra ou não. As reservas de gli-
Thiago de Bittencourt Buss et al. 117

cogênio são muito limitadas, cerca de 80 g no fígado e mais 400 g no mús-


culo esquelético. No tecido adiposo, virtualmente, não há limite para o
quanto de energia que pode ser armazenado. O fígado, então, sinalizado
pelos altos níveis pós-prandiais de insulina, inicia a produção de ácidos
graxos a partir da acetil-coa, que serão transportados por apoproteínas
via VLDL para o tecido adiposo, onde serão armazenados (MALHEIROS,
2006).

Durante o jejum

Durante o jejum, o fígado realiza o papel inverso, passando de sin-


tetizador para catabolizador de ácidos graxos. Ele, então, capta os ácidos
graxos que foram mobilizados do tecido adiposo e inicia a beta-oxidação
em acetil-coa, de forma acentuada, sobrecarregando o ciclo de Krebs e
formando corpos cetônicos (HARVEY, 2015). Isso é importante porque
esses corpos cetônicos servem como fonte energética para tecidos extra-
-hepáticos, notadamente o Sistema Nervoso Central (SNC). Além disso,
caso o organismo dependesse apenas da gliconeogênese durante o estado
de jejum, a depleção muscular ocorreria muito mais rapidamente, já que
o músculo não é tão capaz de armazenar energia quanto o tecido adiposo.
Uma complicação que pode ser decorrente desse sistema, sobretudo
em pacientes portadores de diabetes melito tipo 1, é a cetoacidose diabé-
tica, explicada adiante.

O fígado e o metabolismo de proteínas

Durante o estado alimentado

Após uma refeição especialmente abundante em carnes, laticínios


ou ovos, contendo grande quantidade de proteínas, a concentração de
aminoácidos na corrente sanguínea aumenta substancialmente. No fí-
gado, então, há uma produção de proteínas para repor as que eventual-
mente tenham sido degradadas no período de jejum anterior (HARVEY,
2015). Após essa demanda estar completa, os aminoácidos passam a for-
118 Capítulo 9 - Integração do metabolismo

necer uma quantidade importante de energia para o tecido hepático, por


meio da oxidação, sendo convertidos em glicose ou corpos cetônicos.

Durante o jejum

Durante o jejum, o fígado passa a receber os aminoácidos do tecido


muscular, que são usados na gliconeogênese, produzindo energia. Além
disso, possui papel importante no catabolismo de proteínas durante o ci-
clo da ureia, além de fazer a produção de todas as proteínas plasmáticas,
exceto as imunoglobulinas (MALHEIROS, 2006).

Tecido adiposo
O tecido adiposo é, sem dúvida, o maior armazenador de energia
do corpo. Devido ao valor altamente calórico dos triglicerídeos, eles são
capazes de “guardar” a energia de forma muito mais eficiente do que
proteínas, por exemplo. Para se ter uma ideia, enquanto a média de 6 kg
de proteína que possui um indivíduo de 70 kg tem valor energético de,
aproximadamente, 24.000 kcal, seus 15 kg de lipídeo somam incríveis
35.000 kcal (HARVEY, 2015). Isso, somado ao fato de que não há limite
para o crescimento do tecido adiposo, o torna o silo de energia ideal. É
importante notar, no entanto, que, mais do que um mero tecido arma-
zenador de energia, o tecido adiposo tem revelado importante função
endócrina, produzindo, por exemplo, lectina, TNF-alfa, interleucinas e
angiotensinogênio (WAJCHENBERG, 2000).

Tecido adiposo durante o estado alimentado

Durante o estado alimentado, o transporte de glicose para dentro


dos adipócitos é feito por GLUT4, sensíveis à insulina que se encontra
em alta concentração no sangue. A disponibilidade de glicose no meio in-
tracelular promove o início da rota glicolítica, fornecendo substrato para
a produção de triglicerídeo. É importante notar que a síntese de ácidos
graxos no tecido adiposo não é uma rota importante, sendo a maior parte
Thiago de Bittencourt Buss et al. 119

deste nutriente fornecida pela dieta ou pelo fígado. Se a refeição conter


lipídeo, a hidrólise dos triacilgliceróis da quilomicra e VLDL fornece ao
tecido adiposo os ácidos graxos, liberados pela ação da lipase lipoproteica
(HARVEY, 2015).

Tecido adiposo durante jejum

Durante o jejum, com maior presença de glucagon do que de insu-


lina, há a ativação da lipase sensível a hormônio, que quebra os trigli-
cerídeos em ácidos graxos e glicerol (VOET; VOET; PRATT, 2002), que
vão para a corrente sanguínea e são captados pelo fígado, de forma a dar
energia para o organismo, como já discutido anteriormente. Devemos
lembrar, ainda, que os hormônios T3 e T4, GH, cortisol e catecolaminas
também são importantes ativadores da rota.

Tecido muscular
O músculo estriado esquelético difere um pouco dos outros tecidos,
por ser influenciado não apenas pelo estado alimentar do organismo,
como também por seu nível de atividade. No metabolismo basal, o tecido
muscular é responsável por cerca de 30% do nosso consumo de oxigênio,
enquanto que em momentos de intensa atividade, como corridas de ex-
plosão, natação e musculação intensa, esse nível de consumo pode chegar
a até 90% (HARVEY, 2015).
O músculo tem a capacidade de utilizar corpos cetônicos e ácidos
graxos, além da glicose, para manter seu metabolismo. Em momentos de
atividade física de alta intensidade e curta duração, ele passa a dar prio-
ridade para a glicólise anaeróbia, pois sua velocidade é maior do que do
ciclo de Krebs. Para tanto, o tecido deve manter uma reserva de glicose,
para que possa desempenhar suas atividades mesmo quando esta não
estiver corrente no sangue. É por isso que possuímos em nossos múscu-
los aproximadamente 400 g de glicogênio muscular, que, diferentemente
do glicogênio hepático, não será transportado para outros tecidos (CURI
et al., 2003).
120 Capítulo 9 - Integração do metabolismo

Devido à glicólise anaeróbia, há uma grande produção de lactato


pelo tecido muscular, que será, então, captado pelo fígado e usado como
fonte energética, regenerando, por meio da gliconeogênese, a glicose.
Essa cadeia de reações é conhecida como Ciclo de Cori (MALHEIROS,
2006).
Vale ressaltar que em exercícios de resistência (baixa intensidade
e longa duração), como maratonas, ciclismo de longa distância e afins, o
substrato energético de preferência passa a ser os lipídeos, em especial
os presentes no próprio músculo.
Durante o repouso e em estado alimentado os altos índices de in-
sulina sinalizam ao GLUT4 para transportar a glicose para o meio in-
tracelular, a fim de gerar energia e repor os estoques de glicogênio que
tenham sido eventualmente gastos. Isso difere do estado de jejum, em
que o substrato energético principal se refere aos ácidos graxos e corpos
cetônicos (HARVEY, 2015).
Durante o repouso, nos primeiros dias de jejum, o músculo continua
consumindo corpos cetônicos e ácidos graxos para sua manutenção. Após
cerca de três semanas, entretanto, o tecido muscular passa a utilizar
quase exclusivamente ácidos graxos, aumentando ainda mais a carga de
corpos cetônicos produzidos, que serão utilizados pelo encéfalo na situa-
ção de jejum prolongado. Além disso, nos primeiros momentos de jejum,
a proteólise é intensa, fornecendo ao fígado os aminoácidos necessários
para a gliconeogênese. Na situação prolongada, esse quadro muda, e a
proteólise decresce, pois o encéfalo não mais necessita de glicose para se
manter, utilizando, para tal, os corpos cetônicos.

Aplicação do conhecimento
Caquexia

A caquexia pode ser vista como um estado extremo de desnutri-


ção, como observado em pacientes oncológicos em estado avançado da
doença ou mesmo em tratamento. A principal diferença entre desnutri-
ção e caquexia é a preferência por mobilização de gordura, poupando
Thiago de Bittencourt Buss et al. 121

o músculo esquelético na primeira, enquanto, na caquexia, há igual


mobilização de gordura e tecido muscular (DAVIS et al., 2004). As cé-
lulas tumorais utilizam principalmente a glicose em seu metabolismo,
e sua demanda energética pode ser de 10 a 50 vezes maior do que a de
uma célula comum, mas, ao contrário do que seria de se esperar, os ní-
veis plasmáticos de glicose permanecem constantes. Isso ocorre devido
à gliconeogênese hepática, em que o fígado utiliza diferentes substra-
tos para fornecer a glicose que o organismo necessita para se manter.
Assim, em sua tentativa de manter o organismo funcionando, o fígado
passa a usar a massa muscular como substrato na produção de glicose,
o que predispõe o paciente a infecções, maior dificuldade em cicatrizar
feridas, fraqueza generalizada e perda da capacidade funcional (SILVA,
2006).

Resistência insulínica

A obesidade é, reconhecidamente, uma das maiores epidemias glo-


bais da atualidade, atingindo até cerca de um terço da população ame-
ricana. A obesidade cursa como fator de risco para inúmeras doenças,
como para doenças cardiovasculares, neoplasias e, o que abordaremos
agora, diabetes melito. Existem dois principais tipos de diabetes meli-
to: o tipo 1, de causa majoritariamente idiopática, que corresponde a
cerca de 10% dos casos, e o tipo 2, que representa 90% dos casos, está
estritamente relacionado à obesidade e à resistência insulínica, além
de estar em franco aumento de prevalência, sobretudo em crianças (VI-
LAR, 2016).
A resistência periférica insulínica pode ser compreendida como a
dificuldade que tecidos dependentes de insulina, como o adiposo e o
muscular, têm de captar a insulina circulante e, assim, realizar as fun-
ções que são sinalizadas por ela. Dessa forma, mesmo que os níveis de
glicose plasmática estejam bastante elevados, devido à resistência in-
sulínica, os tecidos não conseguem “perceber” isso e continuam agindo
como em estado de jejum. Isso é especialmente problemático no tecido
hepático, que passará a realizar neoglicogênese, o que aumentará ain-
122 Capítulo 9 - Integração do metabolismo

da mais a glicemia, o que pode acarretar danos, como problemas ma-


crovasculares, microvasculares e mesmo nervosos, como o pé diabético
(POLONSKY; LARSEN; MELMED, 2010)

Cetoacidose diabética

Como visto anteriormente, em períodos de jejum prolongado, o fíga-


do passa a fazer a degradação de ácidos graxos, com a consequente pro-
dução de corpos cetônicos para a alimentação do sistema nervoso. Esse
é um processo fisiológico, que não acarreta maiores complicações em in-
divíduos saudáveis, porém, em pacientes com diabetes melito tipo 1, não
há insulina circulante no organismo, o que torna esse processo exacer-
bado. A cetoacidose diabética ocorre quando há uma descompensação da
betaoxidação dos ácidos graxos livres no fígado, produzindo exagerada-
mente acetil-coa, que excedem a capacidade oxidativa do ciclo de Krebs,
que os convertem em corpos cetônicos, e que passam a se acumular.
Por apresentarem caráter ácido, os corpos cetônicos (acetoacetato,
beta-hidroxibutirato e acetona) podem consumir o sistema tampão e pro-
vocar uma queda no pH, desencadeando um quadro de acidose metabó-
lica, que, nesse caso específico, será denominada cetoacidose. De outro
modo, a acetona produzida em razão de seu caráter volátil pode ser expe-
lida pela respiração, provocando o chamado hálito cetônico. Os principais
sintomas da cetoacidose são poliúria, polifagia, polidipsia, cansaço, cefa-
leia, desidratação, hálito cetônico, taquicardia e alterações respiratórias,
caracteristicamente respiração de Kussmaul (BARONE et al., 2007). A
cetoacidose, ainda, configura-se como o fator diagnóstico em cerca de
25% dos pacientes com DM1.
Thiago de Bittencourt Buss et al. 123

Referências
BARONE, Bianca et al. Cetoacidose diabética em adultos: atualização de uma com-
plicação antiga. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, [s. l.], v. 51,
n. 9, p. 1434-1447, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0004-27302007000900005&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 15 ago. 2018.
CURI, Rui et al. Ciclo de Krebs como fator limitante na utilização de ácidos graxos du-
rante o exercício aeróbico. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, [s. l.],
v. 47, n. 2, p. 135-143, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0004-27302003000200005&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 17 ago. 2018.
DAVIS, Mellar P. et al. Appetite and cancer-associated anorexia: a review. Journal of
Clinical Oncology, [s. l.], v. 22, n. 8, p. 1510-1517, 2004.
HARVEY, Richard A. Buiquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
MALHEIROS, Sônia Valéria Pinheiro. Integração metabólica nos períodos pós-pran-
dial e de jejum - um resumo. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia
Molecular, [s. l.], n. 1/2006, 2006.
POLONSKY, Kenneth S.; LARSEN, P. Reed; MELMED, Shlomo. Wiliams Tratado de
Endocrinologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SILVA, Manuela Pacheco Nunces da. Síndrome da anorexia-caquexia em portadores
de câncer. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 59-77,
2006.
VILAR, Lúcio. Endocrinologia clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2016.
VOET, D.; VOET, J. G.; PRATT, C. Fundamentos da Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
WAJCHENBERG, Bernardo Léo. Tecido adiposo como glândula endócrina. Arquivos
Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 13-20, 2000.
124 Capítulo 9 - Integração do metabolismo

Exercícios
1) Levando em conta seus conhecimentos, assinale a alternativa correta:
a) O encéfalo, por sua extrema importância no corpo, é capaz de usar
muitas substâncias como substrato energético;
b) Os hormônios são substâncias proteicas;
c) Insulina é produzida nas células alfa das ilhotas pancreáticas, en-
quanto o glucagon é produzido nas beta;
d) O glucagon é um hormônio catabolizante, enquanto a insulina é ana-
bolizante.
e) Nenhuma das afirmativas acima;

2) Assinale a assertiva incorreta:


a) A insulina coordena os processos metabólicos durante o estado ali-
mentado, enquanto o glucagon controla no jejum;
b) O encéfalo é completamente dependente da glicose, não sendo ca-
paz de utilizar qualquer outra substância como substrato metabólico;
c) O encéfalo independe da insulina para fazer o transporte de glicose
para dentro de suas células;
d) O cérebro mantém o mesmo metabolismo, seja em estado pós-pran-
dial ou de jejum;
e) Nenhuma das afirmativas acima;

3) Assinale a assertiva correta:


a) Devido à sua posição privilegiada, o tecido hepático utiliza preferen-
cialmente a glicose em seu metabolismo;
b) A glicoquinase possui alta afinidade com a glicose, devido ao seu pa-
pel de fosforila-la;
c) Os níveis de insulina circulante não influenciam o metabolismo do
fígado, tendo apenas o glucagon essa função;
d) No momento em que uma pessoa em jejum se alimentar, o fígado
interrompe o processo de gliconeogênese;
e) Nenhuma das afirmativas acima;
Thiago de Bittencourt Buss et al. 125

4) Assinale a alternativa Incorreta:


a) Nossos estoques de glicogênio giram em torno de 400g no músculo
esquelético e 80g no tecido hepático;
b) Em situações de jejum prolongado, até mesmo a proteína muscular
pode ser mobilizada para a produção de glicose;
c) Os corpos cetônicos são prejudiciais, mesmo em quantidades baixas,
pois podem gerar cetoacidose;
d) O fígado, apesar de produzir ácidos graxos, não o armazena, e se isso
ocorrer, causa um quadro conhecido como esteatose;
e) Nenhuma das alternativas acima;

5) Assinale a alternativa correta:


a) Na desnutrição, há a preferência por mobilização de gordura, en-
quanto na caquexia tanto gordura quanto músculo são usados;
b) O tecido hepático é o único afetado pela resistência insulínica;
c) O transporte de glicose para dentro dos adipócitos é feito sobretudo
por GLUT2;
d) A respiração de Cheyne-Stokes é o principal achado durante o exa-
me físico da cetoacidose diabética;
e) Nenhuma das alternativas acima está correta;

Gabarito: 1 – D; 2 – B; 3 – E; 4 – C; 5 – A.
Capítulo 10

Função hepática e
metabolismo da bilirrubina

Thiago de Bittencourt Buss


Gabriela Kohl Hammacher
Larisa Rosa Eckert
Luciano de Oliveira Siqueira

Objetivos
Compreender como se dá o metabolismo da bilirrubina; diferenciar
os tipos de icterícia; avaliar as condições associadas à icterícia; descrever
o sistema p450, como ele funciona e qual sua importância; caracterizar
os principais biomarcadores de função hepática e o que cada um deles
significa; demonstrar situações clínicas em que se aplicam os conheci-
mentos deste capítulo.

O fígado
O fígado é a maior glândula do corpo, com função tanto endócrina
quanto exócrina, localizando-se no hipocôndrio direito, protegido pelo re-
Thiago de Bittencourt Buss et al. 127

bordo costal, logo abaixo do diafragma, com quem mantém importante


relação anatômica. Possui uma posição privilegiada em relação à vascu-
latura do organismo, recebendo o sangue rico em nutrientes, proveniente
dos intestinos, pela veia porta, agindo ao mesmo tempo como filtro con-
tra substâncias indesejáveis e também como centro de distribuição de
diversos nutrientes.
Suas células, os hepatócitos, organizam-se em cordões, formando
um hexágono ao redor de uma veia centrolobular. Entre esses cordões,
correm os sinusoides hepáticos, que transportam sangue, e os canalícu-
los biliares, que transportam bile. Nos vértices desses hexágonos estão
os espaços porta, compostos por ramos da artéria hepática, veia porta e
tributários dos canais biliares. É interessante notar que o sangue corre
em direção centrípeta, isto é, da veia porta para a veia centrolobular,
enquanto a bile corre em direção centrífuga, para os canais biliares (KU-
MAR et al., 2010).

Metabolismo da bilirrubina
Os eritrócitos, popularmente conhecidos como hemácias, possuem
um papel fundamental na manutenção da homeostase do corpo humano,
levando o oxigênio coletado nos pulmões até todos os tecidos do corpo e
fazendo o caminho inverso, carregando o gás carbônico, produzido pelos
tecidos, para que possa ser exportado. Após 120 dias, no entanto, essas
células devem ser captadas e degradadas, principalmente no fígado e no
baço, e novas células devem tomar seu lugar.
A hemoglobina é a principal proteína eritrocitária e responsável
pelo transporte de oxigênio, sendo constituída de uma parte proteica (a
globina) e de uma parte não proteica: a heme. Por sua vez, o agrupa-
mento heme é constituído de um agrupamento prostético tetrapirrólico
(protoporfirina) e um átomo de ferro.
Em sua degradação, a hemoglobina é separada em três partes: glo-
bina, ferro (que são reciclados) e o agrupamento tetrapirrólico, que será
clivado oxidativamente em biliverdina, um pigmento verde e hidrossolú-
vel. A biliverdina é, então, reduzida enzimaticamente em bilirrubina, um
128 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

pigmento vermelho-alaranjado apolar (BAYNES; DOMINICZAK, 2015).


Por sua característica apolar e por ser insolúvel no plasma, a bilirrubina
não pode ser transportada sozinha no sangue. Portanto, ela se une à albu-
mina, formando a bilirrubina indireta ou não conjugada, forma pela qual
ela é transportada na corrente sanguínea até o fígado. Esta classificação
é de especial importância na prática clínica, para determinar a afinidade
da bilirrubina com os tecidos e sua repercussão no quadro do paciente.
Chegando ao fígado, a bilirrubina é captada pelos hepatócitos e, sob
a ação da enzima glicuronil-transferase, é conjugada com duas moléculas
de ácido glicurônico, formando então a bilirrubina direta, diclicuronídeo
ou conjugada (HARVEY, 2015). Esse processo é feito a fim de aumentar
a solubilidade da bilirrubina, tornando-a polar e facilitando sua excreção.
A bilirrubina conjugada é então ativamente secretada para os canalícu-
los biliares, tornando-se parte integrante da bile.
Ao chegar ao duodeno por meio dos ductos biliares, a bilirrubina
conjugada sofre ação das glicuronidases das bactérias da microbiota, for-
mando os urobilinogênios (MARTELLI, 2012). A maior parte do urobi-
linogênio é oxidada por bactérias intestinais, formando a estercobilina,
que dá a cor castanha característica das fezes. Dessa forma, entende-se
porque a acolia (fezes esbranquiçadas) é um dos sintomas confirmadores
de icterícia, quando a causa é obstrutiva. Parte do urobilinogênio, no
entanto, é reabsorvida pelos enterócitos, volta para a corrente sanguínea
via sistema porta e é recaptada pelo fígado, reiniciando o processo. Uma
pequena fração dos urobilinogênios do sangue é captada pelos rins, onde
são convertidos em urobilinas e excretados, sendo eles que dão à urina
sua cor amarelo alaranjada característica (HARVEY, 2015). Mais uma
vez, podemos fazer a correlação clínica da colúria (urina muito escura)
com a icterícia, devido ao excesso de urobilinas na urina.

Icterícia: tipos e características clínicas


A icterícia é uma manifestação clínica que pode ser definida como
um amarelamento da pele e das mucosas, devendo ser pesquisada so-
bretudo nas escleras, na mucosa labial e no leito ungeal. Só é detectável
Thiago de Bittencourt Buss et al. 129

quando os níveis de bilirrubina são maiores do que 2 mg/dl (PORTO,


2014).
Os tipos de icterícia podem ser classificados como:

a) Icterícia hemolítica ou pré-hepática:


Ocorre quando há uma lise maciça de eritrócitos em um curto pe-
ríodo de tempo, como causado por anemia falciforme, malária ou doença
hemolítica do recém-nascido. Há uma produção em massa de bilirrubi-
nas, o que excede a capacidade do fígado de metabolizá-las, um valor de
cerca de 3.000 mg/dia (HARVEY, 2015), gerando, assim, um acúmulo de
bilirrubina não conjugada, o que leva à icterícia.
A síndrome de Crigler-Najjar resulta de uma mutação no gene que
codifica a enzima glicuronil-transferase. Ela pode ser classificada em
dois tipos: tipo 1, caracterizada por falência total da glicuronil-transfera-
se, gerando um nível sérico de bilirrubina, maior do que 20 mg/dl (MUR-
RAY et al., 2014), o que pode ter um desdobramento grave, sobretudo em
neonatos, por levar à condição conhecida como kernicterus; e tipo 2, em
que parte da ação enzimática é conservada, e os níveis de bilirrubina
geralmente não ultrapassam os 20 mg/dl, possuindo evolução mais be-
nigna que a de tipo 1. A diferença clínica entre os dois tipos da doença é a
resposta ao uso medicamentoso de fenobarbital, efetivo no tipo II, e não
no tipo I (LABRUNE, 2004). O kernicterus é causado por um aumento
da bilirrubina livre no sangue, ou seja, quando ela não está ligada à
albumina. Por ser apolar, a bilirrubina não conjugada tem a capacidade
de atravessar livremente a barreira hemato-cefálica e apresenta grande
afinidade com os núcleos da base, onde se deposita, com consequências
geralmente fatais (SHAPIRO, 2005).

b) Icterícia hepática:
Geralmente provocada por uma lesão nos hepatócitos, como na
cirrose ou pelas hepatites, a icterícia hepática causa um aumento da
bilirrubina não conjugada, pela incapacidade do fígado de realizar pro-
priamente a conjugação, e da bilirrubina conjugada, por não escoá-la
130 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

propriamente para os canalículos biliares (HARVEY, 2015). Isso gera,


então, a acolia e a colúria características, devido ao acúmulo de bilirrubi-
na no sangue e à sua deficiência de chegar ao duodeno.
A síndrome de Gilbert é uma situação benigna causada pela defi-
ciência na ação da enzima glicuronil-transferase, a mesma que causa
a síndrome de Crigler-Najjar, codificada pelo mesmo gene (LABRUNE,
2004). Na síndrome de Gilbert, há uma leve hiperbilirrubinemia não
conjugada, geralmente não ultrapassando 3 mg/dl. Afeta cerca de 6%
da população, e a maioria dos afetados não sabe que é portadora até a
puberdade, geralmente após jejum prolongado ou alguma doença menor
(BANCROFT; KREAMER; GOURLEY, 1998).

c) Icterícia obstrutiva ou pós-hepática:


A icterícia obstrutiva é caracterizada por um bloqueio no fluxo da
bile no trajeto do fígado até o duodeno, podendo ser causada por tumo-
res, colelitíases, coágulos ou mesmo por parasitoses. Essa condição é
também conhecida como colestase (FRANCHI-TEIXEIRA et al., 1997).
Com a obstrução, a bilirrubina conjugada fica incapacitada de chegar ao
duodeno, o que gera a acolia característica, e é então transportada para
o sangue, gerando hiperbilirrubinemia, sendo lentamente eliminada na
urina, deixando-a com coloração escura como café (colúria). As litíases bi-
liares são a principal causa de obstrução das vias. Para lembrar de quais
são os pacientes mais predispostos a essa afecção, destaca-se a mnemô-
nica dos 5 Fs, do inglês “female, fat, forty, family and fertility” (mulheres,
obesas, acima dos 40 anos, que possuem histórico familiar para litíase e
que possuem filhos). Deve-se considerar, também, que o tipo de icterícia
causado por litíases é do tipo flutuante, ou seja, alterna entre períodos de
pele ictérica e pele normal. Isso ocorre porque o cálculo pode sofrer uma
espécie de “rolamento” e, assim, deslocar-se mais adiante na via, permi-
tindo que parte do fluxo biliar siga adiante, aliviando a icterícia. Assim,
caso um paciente com essas características desenvolva icterícia, ter-se-á
um maior nível de suspeita clínica (COELHO, 2012).
Além disso, deve-se ter atenção redobrada nesses casos, pois litíases
biliares podem se tornar complicadas, caso migrem e obstruam a papila
Thiago de Bittencourt Buss et al. 131

de Vater, causando pancreatite aguda, ou obstruam a válvula ileocecal,


por exemplo (ROHDE; OSVALDT, 2018).
No Quadro 1, estão listadas as principais causas de icterícia.

Quadro 1 – Principais causas de icterícia


Icterícia Principais causas
Transfusional, anemia falciforme, malária, doença hemolítica do
Pré-hepática
recém-nascido
Hepática Hepatites e cirrose
Pós-hepática Colelitíase, tumores, parasitoses e coágulos
Fonte: adaptado de Rohde e Osvaldt (2018).

Propriedades e funções do sistema P-450


Toda vez que nosso organismo entra em contato com um xenobiótico,
como um fármaco, por exemplo, ele tem a tarefa de metabolizá-lo e ex-
cretá-lo, para que possa manter sua homeostase, uma vez que altas con-
centrações dessas substâncias, geralmente, mostram-se danosas. E essa
é a função do citocromo P450-monoxigenase. Essa importante proteína
incorpora um átomo de oxigênio molecular no substrato em que está
trabalhando, criando um grupo hidroxila. Nesse sistema, o NADPH+H,
oriundo do ciclo das pentoses, proporciona os redutores usados nessa
reação (HARVEY, 2015), esquematizada a seguir:

R-H + O2 + NADPH + H⁺ g R-OH + H2OH2O + NADP+

a) Sistema P-450 mitocondrial: o sistema citocromo P-450 mi-


tocondrial está presente sobretudo nos tecidos produtores de
hormônios esteroides, como o córtex adrenal, os ovários e a
placenta. Ele é responsável por hidroxilar os compostos e tor-
ná-los hormônios esteroidais (HARVEY, 2015).
b) Sistema P-450 microssomal: o sistema microssomal está pre-
sente nos retículos endoplasmáticos, sobretudo do fígado, e tal-
vez seja o mais importante para a prática clínica. É o respon-
sável pela detoxificação de substâncias estranhas e por 75%
132 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

de toda degradação e modificação de substâncias que ocorrem


no organismo (MURRAY et al., 2014). Ao hidroxilar fármacos,
substâncias químicas e outros compostos, o sistema citocro-
mo P-450 microssomal torna-os mais hidrossolúveis e, assim,
mais fáceis de serem transportados na corrente sanguínea e
eliminados na urina, afetando diretamente sua depuração.

Para o entendimento do funcionamento desse sistema, é impres-


cindível a compreensão da farmacocinética de uma grande variedade de
medicamentos, sobretudo os medicamentos de ação central.
Na aplicação clínica, qualquer pessoa que realizou tratamento com
isotretinoina (Roacutan®) foi orientada por seu dermatologista a não
consumir álcool durante o tratamento, devido ao potencial hepatotóxi-
co da mistura, por ambas as substâncias serem depuradas via sistema
citocromo P-450. Ainda, sabe-se que algumas substâncias, como o feno-
barbital, possuem o potencial de induzir a síntese de citocromos P-450
(MURRAY et al., 2014).

Biomarcadores de função hepática


Aminotransferases

O primeiro passo no metabolismo de aminoácidos é a transferência


de seus grupos alfa-amino para o alfa-cetoglutarato. Ao aceitar os agru-
pamentos amino de diversos aminoácidos, o alfa-cetoglutarato transfor-
ma-se em glutamato, um aminoácido não essencial. Essa transferência
de grupos amino é catalisada por um grupo de enzimas chamado de ami-
notransferase, que são mais bem conhecidas por seu uso como biomarca-
dores de função hepática, e é exatamente este o seu interesse clínico. As
duas reações mais importantes são catalizadas por:
a) alanina-aminotransferase (ALT): antes denominada como
glutamato: piruvato-transaminase (TGP), ela retira o agrupa-
mento amino da alanina e produz glutamato e piruvato. Na
prática clínica, a ALT é considerada o biomarcador mais sen-
Thiago de Bittencourt Buss et al. 133

sível e relativamente mais específico para a função hepática.


Entretanto, devido à presença de fontes não hepáticas de ALT,
existe o risco de falsos positivos. É importante notar, ainda,
que a ALT é uma enzima predominantemente citosólica, o que
significa que, se comparada à AST, representa um dano mais
extenso, como nas hepatites, e que, passadas entre 24 e 48
horas da lesão, seus níveis costumam ser maiores do que os de
AST, devido ao seu maior tempo de meia-vida (GOMES, 2014);
b) aspartato-aminotransferase (AST): antes denominada gluta-
mato: oxalacetato-transaminase (TGO), faz o caminho inverso
da maioria das transaminases, transferindo grupos amino do
glutamato para o oxalacetato, formando então aspartato, utili-
zado como fonte de nitrogênio no ciclo da ureia. Está presente
em diversos tecidos do organismo, notadamente, coração, mús-
culo esquelético, rins, cérebro e pulmões, diminuindo sua espe-
cificidade para a lesão hepática. Assim, mesmo que possua alta
sensibilidade, é bastante inespecífica para a função hepática.
Para fins diagnósticos, a relação AST/ALT é tão importante
quanto seu valor absoluto: por ser essencialmente uma enzima
mitocondrial, valores elevados de AST indicam um dano mais
profundo, e uma relação AST/ALT ≥ 1 é um forte indicativo des-
se tipo de dano, como cirrose, por exemplo (GOMES, 2014).

Fosfatase alcalina (ALP)

A fosfatase alcalina é uma enzima presente na membrana plasmá-


tica e que toma parte no transporte de resíduos metabólicos para o meio
extracelular, presente principalmente nos tecidos hepático e ósseo. Por
estar presente nos canalículos biliares, seus valores costumam aumen-
tar de um a dois dias após um evento colestático, podendo atingir valores
de até 15x os de referência, sendo essa medição um de seus papéis como
biomarcador (GOMES, 2014). Fisiologicamente, pode-se encontrar valo-
res elevados de ALP durante a adolescência, em virtude do acelerado
crescimento ósseo.
134 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

Pode ser considerada como um marcador pouco específico, uma vez


que é encontrada na mucosa intestinal, no fígado (canalículos biliares),
nos túbulos renais, no baço, nos ossos (osteoblastos) e na placenta. Por-
tanto, mesmo que seus níveis se encontrem elevados, isso não necessa-
riamente é condizente a uma moléstia hepática, podendo significar, por
exemplo, osteomalácia, fratura óssea, pancreatite aguda ou crônica, ou
mesmo gravidez, já que seus níveis costumam aumentar no terceiro tri-
mestre de gestação, devido à produção placentária (MOTTA, 2009).
Por fim, é importante lembrar que todos os biomarcadores de lesão
devem ser tratados como adjuvantes no diagnóstico clínico, sempre am-
parados por uma boa anamnese e analisados à luz do contexto clínico do
paciente, devido às chances de falsos positivos e negativos.

Gama-glutamil transferase (GGT)

A gama-glutamil transferase é uma enzima presente na membra-


na e no citoplasma, que participa do metabolismo da glutationa. Sua
concentração é grande em: fígado, rins, intestino e pâncreas, com maior
atividade no fígado, servindo, portanto, como um importante marcador
hepático. No entanto, seus níveis podem sofrer alterações devido a fa-
tores não hepáticos, tais como lesão hepática e DPOC, além de fatores
não patológicos, como idade, consumo de álcool e sexo (GOMES, 2014).
Portanto, apesar de ser um marcador bastante sensível, ele é pouco es-
pecífico para função hepática, devendo ser então associado a outro mar-
cador para ter maior valor diagnóstico, como a ALP, por exemplo. Vale
ressaltar que, por ser uma enzima microssomal, sofre ação do citocromo
P-450. Dessa forma, sofre também influência do consumo de álcool e me-
dicamentos, sendo usado na medicina ocupacional como um biomarcador
de consumo abusivo de álcool (ALCÂNTARA, 2007).
No Quadro 2, estão listadas as propriedades laboratoriais das enzi-
mas hepáticas.
Thiago de Bittencourt Buss et al. 135

Quadro 2 – Propriedades laboratoriais das enzimas hepáticas


Marcador Sensibilidade Especificidade Valor de referência
ALT + +/- 10-40 U/L
AST + - 10-30 U/L
ALP + - 25-100 U/L
G-GT + - 2-30 U/L
Fonte: Goldman e Schafer (2014).

Aplicação do conhecimento
Colestase

A colestase pode ser definida como uma alteração da secreção da


bile, envolvendo todos os seus componentes. A causa geralmente é uma
obstrução mecânica na árvore biliar, como causada por um cálculo, um
tumor, ou mesmo por parasitose (Ascaris lumbricoidis). No entanto,
outras afecções podem causar colestase, como causas metabólicas, por
exemplo, o que caracteriza a colestase intra-hepática (PORTO, 2014).
O sintoma mais frequente é a icterícia, característica de grande par-
te das doenças hepáticas. Ainda, pode-se observar prurido, pois os sais
biliares que ficam retidos podem extravasar para o sangue e se acumular
na pele; xantomas também são frequentes, devido ao colesterol em ex-
cesso. Característica também é a esteatorreia, já que os sais necessários
para a degradação da gordura nunca chegam ao colo, além de, em casos
prolongados, deficiência de vitaminas lipossolúveis, que devem ser admi-
nistradas como suplemento (GOLDMAN; SCHAFER, 2014). Em nível la-
boratorial, quando não associada a nenhuma outra moléstia, a colestase
promove alteração da fosfatase alcalina e da gama-glutamil transferase,
enquanto os níveis de aminotransferase podem estar normais.

Cirrose

A cirrose, ao contrário do que se imagina popularmente, que é uma


afecção causada apenas pelo consumo exagerado de álcool, na realida-
de é o estádio final de qualquer doença hepática crônica (GOLDMAN;
136 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

SCHAFER, 2014). É caracterizada pela fibrose do parênquima hepáti-


co e pela perda da organização lobular normal. As principais causas da
cirrose são a hepatite C crônica, a doença hepática alcoólica, a doença
hepática gordurosa não alcoólica. Laboratorialmente, são indicativos de
cirrose os seguintes achados: diminuição do nível plaquetário, alterações
nos níveis de aminotransferase e gama-glutamil transferase.

Esteatose hepática não alcoólica

O fígado é, fisiologicamente, um órgão produtor de triglicerídeos.


No entanto, é importante notar que ele não é um armazenador; quando
isso acontece, temos caracterizada a esteatose hepática (EH). A EH pode
ser causada pelo consumo abusivo de álcool, mas focaremos na variante
não alcoólica da doença. Histologicamente, podemos ver no tecido hepáti-
co afetado a disposição de gotículas de gordura, tanto grandes (macrove-
sicular) quanto pequenas (microvesicular), acumuladas nos hepatócitos.
Se houver, além disso, inflamação do parenquima, morte de hepatócitos
e fibrose sinusal, está caracterizada a esteato-hepatite (KUMAR et al.,
2010).
Epidemiologicamente, a esteatose não alcoólica é uma doença extre-
mamente importante, devido ao enorme e crescente número de acome-
tidos, pois os fatores de risco estão aumentando, já que está associada à
obesidade, ao diabetes, à síndrome metabólica e à dislipidemia. Estima-
-se que esteja presente em 80% dos diabéticos tipo 2 e em 90% dos obesos
mórbidos, além disso, estima-se que um terço da população adulta nor-
te-americana esteja acometida por essa doença (GOLDMAN; SCHAFER,
2014).
O diagnóstico é feito a partir dos achados clínicos, que incluem:
fadiga, dor no quadrante superior direito do abdome, hepatomegalia e
eritema palmar, além de características da insuficiência hepática, como
ascite e circulação colateral, em casos mais avançados. Aliado a isso, os
exames laboratoriais, como transaminases elevadas em pacientes de ris-
co (obesos, diabéticos, etc.), sendo a ALT maior que a AST, e os exames
Thiago de Bittencourt Buss et al. 137

de imagem contribuem para o fechamento do diagnóstico (GOLDMAN;


SCHAFER, 2014).

Encefalopatia hepática

A encefalopatia hepática pode ser definida como um mau funcio-


namento do sistema nervoso central devido a uma má função hepática,
que deixa de filtrar os metabólitos produzidos pelo organismo, sobretudo
substâncias nitrogenadas, como amônia, que acabam por interferir nas
funções do sistema nervoso. As principais manifestações são sintomas
neuropsiquiátricos, principalmente alterações no nível de consciência
(BLEI; CÓRDOBA, 2001). O diagnóstico é feito por exclusão, após terem
sido investigadas outras causas mais prováveis, como infeções, outros
distúrbios metabólicos e eventos vasculares intracranianos.

Referências
ALCÂNTARA, Luciana Inácia de. Avaliação dos níveis de gama-glutamil transpep-
tidase sérica em pacientes hepatopatas e sua utilização como marcador bioquímico
para consumo de álcool. Dissertação (Mestrado em Toxicologia) – Faculdade de Ciên-
cias Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
BANCROFT, J. D.; KREAMER, B.; GOURLEY, G. R. Gilbert syndrome accelerates
development of neonatal jaundice. Journal of Pediatrics, v. 132, n. 4, p. 656-660, 1998.
BAYNES, John W.; DOMINICZAK, Marek H. Bioquímica médica. 4. ed. Rio de Ja-
neiro: Elsevier, 2015.
BLEI, Andres T.; CÓRDOBA, Juan. Hepatic Encephalopathy. The American Journal
of Gastroenterology, [s. l.], v. 96, n. 7, p. 1968-1976, 2001. Disponível em: https://msu.
edu/~ferrervl/ACG/ACGLBP/assets/HepaticEncephalopathy.pdf. Acesso em: 21 out.
2018.
COELHO, Júlio Cezar Uili. Aparelho digestivo - clínica e cirúrgica. 4. ed. São Paulo:
Atheneu, 2012.
FRANCHI-TEIXEIRA, Antonio Roberto et al. Icterícia obstrutiva: conceito, classifi-
cação, etiologia e fisiopatologia. Medicina, [s. l.], n. 159, p. 159-163, 1997.
GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldmand Cecil Medicina. 24. ed. [S. l.]:
Elsevier, 2014.
138 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

GOMES, Duarte Leandro Ferreira. Biomarcadores para avaliação da lesão hepática


induzida por fármacos. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) – Uni-
versidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia Departamento de Química,
Bioquímica e Farmácia Biomarcado, Algarve, 2014. Disponível em: https://sapientia.
ualg.pt/handle/10400.1/8027. Acesso em: 13 ago. 2018.
HARVEY, Richard A. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
KUMAR, Vinay et al. Robins & Cotran Patologia – bases patológicas das doenças.
10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
LABRUNE, Philippe. Crigler-Najjar syndrome. Orphanet Encyclopedia, 2004.
MARTELLI, Anderson. Síntese e metabolismo da bilirrubina e fisiopatologia da hi-
perbilirrubinemia associados à Síndrome de Gilbert: revisão de literatura. Revista de
Medicina de Minas Gerais, [s. l.], v. 22, n. 2, p. 216-220, 2012.
MOTTA, Valter T. Bioquímica clínica para o laboratório. 5. ed. Rio de Janeiro: Me-
dbook, 2009.
MURRAY, Robert et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 29. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2014.
PORTO, Celmo Celeno. Semiologia médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2014.
ROHDE, Luiz; OSVALDT, Alessandro Bersch. Rotinas em cirurgia digestiva. 3. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2018.
SHAPIRO, Steven M. Definition of the clinical spectrum of kernicterus and bilirubin-
-induced neurologic dysfunction (BIND). Journal of Perinatology, v. 25, n. 1, p. 54-59,
2005.
Thiago de Bittencourt Buss et al. 139

Exercícios
1) Em relação à bilirrubina, é correto afirmar que:
a) Sua porção direta é assim chamada pois é formada diretamente no
sangue, sendo carregada até o fígado por proteínas, onde sofrerá
conjugação;
b) A bilirrubina indireta é polar, não necessitando de proteínas para seu
transporte;
c) A bilirrubina conjugada é excretada primariamente pelos rins;
d) A acolia é causada pela falta de bilirrubinas, enquanto a colúria é cau-
sada pelo excesso dela;
e) Nenhuma das alternativas acima é verdadeira.

2) Levando em conta seus conhecimentos clínicos sobre a icterícia, qual das as-
sertivas a seguir é verdadeira?
a) A icterícia só é perceptível nas mucosas a partir de valores séricos de
5 mg/dl na mucosa e a partir de 7 mg/dl na pele;
b) Consideramos como icterícia obstrutiva apenas os casos causados
por litíases biliares;
c) A icterícia observada em casos de erros de transfusão sanguínea é
devido ao aumento da bilirrubina direta;
d) O kernicterus é uma afecção benigna, comum em neonatos, e que
pode ser tratada apenas com a fotoexposição;
e) Nenhuma das alternativas acima é verdadeira.

3) Das assertivas abaixo, assinale a incorreta:


a) O sistema citocromo P-450 é responsável pela metabolização de
grande parte dos fármacos que usamos;
b) O citocromo age unindo um grupo hidroxila a seu substrato, tornan-
do-o mais polar;
c) O sistema microssomal está presente sobretudo na placenta;
d) O citocromo P-450 é uma das razões para a contraindicação de con-
sumo de álcool durante o uso de vários fármacos, pois ambos são
metabolizados nele;
e) Todas as alternativas acima estão corretas.
140 Capítulo 10 - Função hepática e metabolismo da bilirrubina

4) Com base em seus conhecimentos, assinale a assertiva correta:


a) As aminotransferases fazem o deslocamento dos agrupamentos ami-
no durante o metabolismo dos aminoácidos;
b) Níveis altos de fosfatase alcalina são altamente específicos para mo-
léstia hepática;
c) Exames de Gama-GT não precisam ser associados a outros, devido à
sua alta sensibilidade e especificidade;
d) TGO possui maior especificidade do que TGP;
e) Nenhuma das alternativas acima é verdadeira.

5) Paciente feminina, 36 anos, dona de casa, procura atendimento ambulatorial


devido a “amarelão”. Refere que sua pele começou a amarelar a cerca de duas
semanas, mas que como havia melhora do quadro espontaneamente, não
procurou atendimento. Relata ainda que suas vezes tem aspecto de “massa
de vidraceiro” e que sua urina tem cor de “Coca-Cola”, além de sentir descon-
forto abdominal ao ingerir alimentos gordurosos. Ao exame físico, apresenta
pele ictérica (++/4) e desconforto à palpação no hipocôndrio direito. Em rela-
ção a essa paciente, responda:
a) A paciente apresenta todos os Fs da vesícula biliar;
b) Acolia e colúria, associadas a icterícia flutuante aumentam a suspeita
diagnóstica para icterícia obstrutiva;
c) A icterícia flutuante denota causa hemolítica, devido ao padrão de
rompimento que as hemácias apresentam;
d) O desconforto à ingesta de alimentos gordurosos não é importante
para o diagnóstico;
e) Nenhuma das alternativas acima é verdadeira.

Gabarito: 1 – D; 2 – C; 3 – C; 4 – A; 5 – B.
Capítulo 11

Função renal

Francisco Costa Beber Lemanski


Anna Laura Duro Barp
Luciano de Oliveira Siqueira
Victor Emanuel Angeliero

Objetivos
Definir os principais marcadores bioquímicos envolvidos na análi-
se da função renal; compreender como a depuração (clearance) renal é
útil na análise clínica; definir marcadores específicos e sensíveis a al-
terações renais; compreender como a dosagem de ureia sérica renal é
analisada clinicamente; entender a importância clínica da dosagem de
creatinina; compreender como a dosagem de cistatina c é analisada cli-
nicamente; conceituar proteinúria; diferenciar hematúria glomerular e
não glomerular; conceituar albuminúria; conceituar fração hepática de
proteínas ligadas a ácidos graxos; exemplificar possíveis falsos-negativos
e falsos-positivos nos exames.
142 Capítulo 11 - Função renal

Função renal
Cada rim contém aproximadamente um milhão de néfrons – sua
unidade funcional e estrutura capaz de formar a urina (HALL; GUY-
TON; ARAUJO FILHO, 2017). A principal e mais importante função dos
rins é a filtração do plasma sanguíneo, para a excreção de substâncias
tóxicas e indesejáveis. No entanto, define-se que as funções do rim são:
filtração, reabsorção, secreção e excreção.
No exame clínico de uma patologia ou anormalidade do sistema
urinário, a análise da função renal por meio de exames laboratoriais é
um fator decisivo e uma importante ferramenta tanto para o diagnós-
tico quanto para o acompanhamento de doenças renais pré-existentes
(RIELLA, 2010). Durante o exame da função renal, diversos biomarcado-
res são utilizados a fim de se verificar três possíveis e principais altera-
ções no funcionamento adequado dos rins: análise da filtração glomeru-
lar, da função renal e de lesão renal.

Análise de filtração glomerular

Depuração (clearance)

O primeiro passo para a formação da urina ocorre com a chegada do


sangue ao rim pela arteríola aferente até a rede de capilares glomeru-
lares (glomérulo renal), onde ocorrerá a filtração do plasma sanguíneo e
serão removidos água e outros solutos que, posteriormente, serão elimi-
nados na urina (HALL; GUYTON; ARAUJO FILHO, 2017).
A depuração renal, ou o clearance renal, é a medida utilizada para
designar o volume de plasma que é necessário ser filtrado a fim de eli-
minar completamente determinada substância do sangue (HALL; GUY-
TON; ARAUJO FILHO, 2017). Ou seja, determinar a intensidade com
que certas substâncias são depuradas pelos rins é uma das formas clíni-
cas de medir a eficiência da filtração glomerular e, dessa forma, analisar
possíveis alterações patológicas na filtração do glomérulo.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 143

O clearance pode ser quantificada por meio do volume que deter-


minada substância deixa o corpo por unidade de tempo – refere-se ao
volume de plasma que é preciso fornecer aos rins para que determinada
quantidade de uma substância seja excretada na urina por unidade de
tempo. Por exemplo, se o plasma que passa nos néfrons contém 1 mg de
determinada substância a cada 1 mL de plasma, se 1 mg dessa substân-
cia também for excretado na urina a cada minuto, 1 mL/min do plasma é
depurado da substância.
Para isso, utiliza-se a seguinte fórmula para quantificar a depura-
ção renal (RIELLA, 2010):

D= U.F
P

Sendo: D = depuração da substância;


U = concentração da substância na urina;
F = intensidade do fluxo urinário;
P = concentração da substância no plasma sanguíneo.

Substâncias que são livremente filtradas no glomérulo e não são


reabsorvidas nos túbulos renais possuem a taxa de filtração igual à taxa
de excreção urinária, ou seja, são totalmente depuradas do plasma. Mo-
léculas que possuem tal característica, como a creatinina e a inulina,
são boas ferramentas para avaliar a filtração renal, pois ambas são fil-
tradas e totalmente excretadas – não são reabsorvidas (RIELLA, 2010).

Análise de função renal

Ureia

A ureia é um dos derivados do catabolismo de proteínas no nosso orga-


nismo. Proteínas ingeridas na alimentação sofrem o processo de proteólise,
formando aminoácidos. Em seguida, ocorre no fígado a desaminação desses
aminoácidos, removendo um grupo amina da sua estrutura e formando,
144 Capítulo 11 - Função renal

então, amônia. A molécula de amônia é tóxica para o corpo, sofre ação do


ciclo da ureia e é, no fígado, convertida a uma substância atóxica: a ureia.
Após sua síntese hepática a partir da amônia, a molécula de ureia
é transportada pelo sangue até os rins, onde será filtrada e excretada. A
concentração plasmática de ureia depende de vários fatores, e o seu valor
pode ser constantemente alterado durante o dia (SODRÉ; COSTA; LIMA,
2007). Alguns fatores podem influenciar no aumento da taxa de ureia
sérica, como: ingestão excessiva de proteínas na dieta, sangramentos
gastrointestinais, febre e uso de certos fármacos, como corticosteroides.
De outro modo, casos de hipouremia (baixa concentração de ureia
no plasma) podem ocorrer em quadros de insuficiência hepática (em que
a proteólise está deficitária) ou em pacientes com desnutrição (devido à
baixa ingesta de proteínas). Por isso, a concentração de ureia plasmática
pode sofrer grandes variações na sua concentração, sem que isso signifique
grandes mudanças no clearance de ureia nem alterações na função dos rins.
A hipouremia sérica, portanto, dificilmente representa alterações
na função renal, pois esse quadro está principalmente relacionado a mu-
danças na dieta e enfermidades hepáticas, como dito anteriormente. Já o
aumento da ureia (hiperuremia) pode ser um indicador de falha renal e
precisa ser analisado com cautela. Tendo em vista que aproximadamente
50% da ureia filtrada nos glomérulos é reabsorvida no túbulo proximal,
os valores de seu clearance serão menores que os valores da sua taxa de
filtração – sendo maior ou menor de acordo com a volemia do paciente.
Somado a isso, as possibilidades de variações na concentração da ureia
por fatores externos previamente ditos a tornam um biomarcador sen-
sível a alterações, no entanto, pouco específico à função renal; para ser
usada para tal, precisa ser analisada em conjunto com a creatinina.
Quadros de hiperuremia podem ter três causas principais: pré-re-
nal, renal ou pós-renal. O aumento da ureia plasmática somado a valores
normais de creatinina indicam causas pré-renais, como alto teor proteico
na dieta, por exemplo. O aumento na concentração sérica de ureia e de
creatinina indica que ambas não estão sendo excretadas corretamente
pelo sistema urinário; isso pode ocorrer por dois motivos principais: lesão
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 145

renal, indicando perda da função como ocorre em nefropatias; ou obstru-


ções pós-renais, como dos ureteres, por exemplo, em que a atividade dos
rins não está alterada, mas a ureia e a creatinina não podem ser excre-
tadas e são reabsorvidas pelo sangue.

Creatinina

Um dos biomarcadores mais utilizados pelos profissionais da área


da saúde para averiguar a função renal é a creatinina. Nas células mus-
culares, a creatina (composto formado por três aminoácidos – glicina, ar-
ginina e metionina) é metabolizada em fosfocreatina, para fornecer a
energia inicial para a contração muscular rápida. O catabolismo da fos-
focreatina, com a finalidade de gerar energia, produz ATP e creatinina, a
qual não possui nenhuma função metabólica considerável.

A creatinina na corrente sanguínea chega até os rins, onde é filtrada


pelos glomérulos renais e é quase totalmente excretada (não é reabsorvi-
da), dessa forma, a sua taxa de filtração é praticamente igual à sua taxa
de excreção urinária. No entanto, a creatinina não pode ser considerada
um biomarcador impecável, pois, apesar de ter sua maior porcentagem
filtrada no glomérulo, uma parcela dela é secretada pelos túbulos con-
torcidos proximais na urina – ainda que as partes filtradas e secretadas
sejam excretadas na urina juntas (HALL; GUYTON; ARAUJO FILHO,
2017). Em razão disso, a depuração de creatinina na urina será sempre
maior que a sua taxa de filtração glomerular.
Pelo fato de ser derivada do catabolismo muscular, a taxa de creati-
nina no plasma é proporcional ao volume de massa muscular do indiví-
duo, bem como ao metabolismo proteico. Por essa razão, a concentração
de creatinina é normalmente maior em homens do que em mulheres, e,
dessa maneira, a excreção de creatinina na urina é maior no sexo mas-
culino do que no feminino, devido a uma maior massa muscular presen-
146 Capítulo 11 - Função renal

te nos homens; porém, isso não é uma regra. Em atletas que praticam
exercício físico intenso, é esperado que a creatinina esteja aumentada no
plasma após o desporto, tendo em vista possíveis traumas musculares
decorrentes da atividade. Por essa razão, é aconselhado evitar a prática
de atividade física por no mínimo 8 horas antes da coleta do sangue para
dosagem, de modo a não alterar o resultado. O mesmo ocorre com o consu-
mo de carne vermelha cozida (deve-se evitar a ingestão nas 24 horas que
antecedem a coleta), já que o processo de cozimento converte a creatina
da carne em creatinina, que, posteriormente, será absorvida na digestão,
aumentando a concentração sérica (ABENSUR, 2011; PINTO, 2017).
Por esses motivos, é preciso ficar atento a pacientes com pouca mas-
sa muscular, uma vez que seus níveis de creatinina podem estar normais
ou abaixo da referência e mesmo assim apresentarem um quadro de dano
glomerular com filtração diminuída. Além disso, em diversas outras si-
tuações, a baixa concentração sérica de creatinina não representará uma
atividade renal adequada: em pacientes com perda muscular, seja por
um quadro de desnutrição, seja após a amputação de algum membro,
a taxa de creatinina no plasma poderá ser menor que o esperado para
o nível de filtração glomerular, podendo ocultar alguma nefropatia no
exame bioquímico.
O aumento da concentração plasmática de creatinina pode ser de-
corrência de três causas majoritárias: pré-renais, renais e pós-renais.
a) pré-renais: o aumento de creatinina não indica dano renal,
como nos casos de rabdomiólise ou trauma muscular;
b) renais: por lesões no glomérulo ou nos túbulos, há uma redu-
ção da capacidade dos rins de filtrar o plasma – uma redução
de 50% da taxa de filtração glomerular dobra a concentração
plasmática de creatinina, ou seja, um pequeno aumento de
creatinina já significa uma grande alteração da função renal;
c) pós-renais: em casos de cálculos nas vias de excreção ou de
hipertrofia prostática.
A creatinina é amplamente utilizada clinicamente para análise de
função renal por três fatores:
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 147

a) apesar de não serem iguais, o clearance da creatinina apresen-


ta uma relação razoável com a sua taxa de filtração glomeru-
lar, sendo, assim, confiável para analisar a sua atividade;
b) a creatinina é excretada quase que constantemente durante
todo o dia;
c) a sua análise bioquímica é relativamente fácil e barata.

Apesar de ser relativamente específica para doença renal, pois qual-


quer redução na filtração glomerular reduz a excreção de creatinina, a
dosagem de creatinina não é um marcador sensível para nefropatias. O
seu valor plasmático só começa a se alterar (estar acima da concentração
de referência) quando o néfron já perdeu de 50% a 60% da sua capacida-
de de filtração glomerular, retardando a sensibilidade do exame.
Para tentar tornar os valores da taxa de filtração glomerular (TFG)
mais precisos em relação ao clearance de creatinina, algumas equações
foram desenvolvidas para tentar eliminar as possíveis variáveis no seu
resultado (ditas anteriormente). Entre essas equações, as mais utiliza-
das, globalmente, são: a de Cockcroft-Gault, a Modification of Diet in
Renal Disease (MDRD), e a Chronic Kidney Disease Epidemiology Colla-
boration (CKD-EPI).
A fórmula de Cockcroft-Gault, de 1976, é útil para uma análise rá-
pida do clearance de creatinina, sem necessitar da coleta de urina para
análise da excreção de creatinina. Na sua formulação, é considerado que
existe uma relação inversa entre a idade do paciente e a sua excreção de
creatinina pela urina – quanto maior a idade, menor a excreção diária de
creatinina, devido a uma menor taxa de massa muscular (COCKCROFT;
GAULT, 1976). Porém, essa equação não leva em consideração a super-
fície corporal, uma vez que pacientes obesos, por exemplo, apresentam
peso elevado relacionado ao aumento de tecido adiposo, mas um menor
clearance de creatinina, devido a uma menor porcentagem de massa
muscular (BRITO; OLIVEIRA; SILVA, 2016).

Clearance de creatinina (mL/min) = (140 – idade) x peso (kg) x (0,85 se for mulher)
72 x creatinina sérica (mg/dL)
148 Capítulo 11 - Função renal

A equação MDRD, de 1999, diferentemente da Cockcroft-Gault, não


determina a depuração de creatinina, mas, sim, a taxa de filtração glo-
merular (em mL/min/ 1,73 m2). Ela calcula a TFG, tendo como variáveis
a taxa de creatinina sérica, a idade, a raça e o gênero do paciente, a
fim de observar as diferenças causadas pela massa muscular e, assim,
demonstrar, de uma forma mais confiável, a TFG em pacientes idosos.
Como o seu cálculo inclui muitas variáveis, é preciso um programa de
computação para realizá-lo. Contudo, existem tabelas desenvolvidas, di-
vididas por sexo, que permitem determinar a TFG do paciente.
A equação CKD-EPI, de 2009, usa as mesmas quatro variáveis que
a equação do MDRD (creatinina sérica, idade, sexo e raça), no entanto, a
primeira está sendo considerada como o melhor padrão para estimar a
função renal. Esse fato se deve ao melhor desempenho e à previsão de ris-
co da CKD-EPI, além de apresentar uma maior acurácia, principalmente
nas faixas de TFG > 60 mL/min/1,73 m2, do que o estudo MDRD. No en-
tanto, é consenso que ambas as equações, CKD-EPI e MDRD, apresentam
limitações como marcadores de filtração glomerular. Já que são equações
baseadas na filtração da creatinina, ambas podem sofrer variações fisio-
lógicas nos seus resultados: como levam em consideração apenas idade,
sexo e raça, diversos fatores que são capazes de alterar os resultados são
desconsiderados, como a perda extrema de massa muscular (pacientes
com idade avançada e caquéticos) e pacientes com dietas especiais.

Cistatina C

A cistatina C é uma proteína de baixo peso molecular responsável


pela inibição das proteases cisteínicas dos tecidos – enzimas que que-
bram ligações peptídicas entre os aminoácidos das proteínas. Nas últi-
mas décadas, ela vem sendo considerada um biomarcador mais útil que
a creatinina, pois possui produção constante pelas células nucleadas, é
livremente filtrada no glomérulo renal, devido ao seu baixo peso mole-
cular, e não sofre influência de fatores extrarrenais. Sua característica
mais marcante no que tange à sua superioridade como biomarcador de
função renal é o fato de que a cistatina C, após ser filtrada, é comple-
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 149

tamente reabsorvida e destruída, não sendo excretada pela urina nem


retornando ao sangue após o processo. Portanto, em razão desses fatores,
a cistatina C reproduz, exclusivamente, a filtração glomerular e seu au-
mento plasmático indica falha na filtração glomerular.
Diferentemente da creatinina, a concentração sérica de cistatina C
não sofre influência de sexo, idade ou porcentagem de massa muscular;
além disso, um estudo mostra que o aumento no nível sérico de cistati-
na C foi detectado entre 1 a 2 dias antes do que o aumento da taxa de
creatinina no sangue (HERGET-ROSENTHAL et al., 2004). Por essas
razões, a cistatina C é considerada um biomarcador altamente específico
para doença renal, bem como altamente sensível para detectar pequenas
alterações na taxa de filtração glomerular, mesmo quando a creatinina
apresenta valores de referência normais.

Análise de lesão renal

Proteinúria

A membrana capilar do glomérulo renal normalmente não é per-


meável a proteínas, logo, elas não são filtradas e permanecem no plas-
ma. Apesar disso, proteínas de baixo peso molecular podem ser filtradas
livremente pelos glomérulos, porém, geralmente, são reabsorvidas nos
túbulos renais. Dessa forma, a quantidade total de proteínas na urina
é mínima. O aumento da concentração de proteínas na urina (> 300 mg/
dia) é chamado de proteinúria e corresponde a um defeito glomerular ou
a um defeito tubular.
A proteinúria por defeito glomerular é caracterizada pela presen-
ça de albumina na urina, além de outras proteínas plasmáticas com ta-
manhos moleculares semelhantes. Entre as proteínas que podem estar
presentes na urina junto com a albumina, destacam-se a transferrina,
a alfa-1-glicoproteína ácida e a antitrombina; quanto maior o tamanho
molecular da proteína detectada na urina, maior o dano glomerular. A
proteinúria acompanhada de albuminúria é um quadro comum em pa-
cientes portadores de diabetes melito tipos 1 ou 2 (principal causa de
150 Capítulo 11 - Função renal

proteinúria glomerular), em que o aparecimento desses sinais evidencia


nefropatia diabética por dano glomerular.
A proteinúria tubular é constituída por proteínas de baixo peso mo-
lecular presentes na urina. Normalmente, a concentração não ultrapas-
sa os valores de 1 g/dia. Entre as proteínas de baixo peso encontradas
na proteinúria tubular, as mais frequentes são a alfa-1-microglobulina,
a beta-2-microglobulina e a proteína carregadora de retinol (RBP). Qua-
dros como esse ocorrem quando essas proteínas são filtradas no glomé-
rulo, mas não são reabsorvidas nos túbulos renais devido a danos nas
células tubulares.
A diferenciação entre os dois tipos de proteinúria é feita por meio de
um exame de urina, no qual é feita a análise do tipo de proteínas presen-
tes na amostra. Vale ressaltar que na proteinúria por defeito tubular não
é encontrada albumina na urina, ao contrário da proteinúria glomerular.

Hematúria e dismorfismo eritrocitário

A eliminação anormal de hemácias na urina é chamada de hema-


túria. Tendo em vista que hemácias, normalmente, não são filtradas no
glomérulo renal, raramente elas se moverão do plasma até o filtrado
glomerular e, consequentemente, até a urina. Por isso, em função da lo-
calização do dano, a presença de hemácias na urina pode ser classificada
de duas maneiras: hematúria glomerular ou não glomerular.
A hematúria de origem nefrótica é a hematúria glomerular, em que,
por algum defeito no glomérulo, as hemácias estão sendo filtradas e ex-
cretadas pelo rim. Já na hematúria não glomerular, as hemácias são
provenientes de lesões no baixo trato urinário, como nos ureteres (ge-
ralmente algum tipo de trauma). Para se diferenciar esses dois quadros
com sinais semelhantes, mas com etiologias tão diferentes, é realizado o
exame de análise das hemácias, buscando dismorfismo eritrocitário.
A pesquisa de dismorfismo eritrocitário é o exame que busca eritró-
citos dismórficos na urina, ou seja, hemácias danificadas com alteração
no seu formato. A diferenciação morfológica das hemácias é crucial na
busca pela etiologia da hematúria, já que é característico na hematúria
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 151

glomerular haver hemácias dismórficas, pois os eritrócitos sofrem alte-


ração em sua forma ao passar através do glomérulo renal danificado. A
busca por dismorfismo eritrocitário negativa significa que as hemácias
estão com sua forma normal, isomórficas, classificando-se, assim, a fonte
do sangramento como não glomerular ou pós-glomerular, já que as he-
mácias não foram danificadas pelo glomérulo e estão sendo excretadas
na sua forma normal.
Além da análise morfológica das hemácias, outros artifícios e subs-
tâncias podem ser usados para identificar a causa de hematúria. Primei-
ramente, a cor e o aspecto da urina: hematúria glomerular possui uma
coloração amarelada e um aspecto límpido; já a hematúria não glomeru-
lar possui tons avermelhados e um aspecto turvo. Ademais, a urina com
sangramento proveniente de dano no glomérulo possui uma concentra-
ção menor de hemácias, marcadores de proteinúria positivo (pois proteí-
nas podem ter ultrapassado a barreira glomerular devido ao defeito no
glomérulo) e cilindros hemáticos, que são marcadores de estase urinária.
Contudo, é necessário ressaltar que nem sempre a presença de cilindros
hemáticos na urina é sinônimo de hematúria glomerular (VASCONCEL-
LOS; PENIDO; VIDIGAL, 2005) – é preciso ficar atento ao diagnóstico
diferencial para glomerulonefrite. As diferenças entre a hematúria glo-
merular e a não glomerular estão especificadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Comparação entre o exame de urina com hematúria glomerular e não glomerular
Hematúria glomerular Hematúria não glomerular
Cor Amarela Avermelhada
Aspecto Límpido Turvo
Concentração de hemácias Baixa Alta
Aspecto das hemácias Dismórficas Isomórficas
Presença de proteínas Positivo Negativo
Presença de albumina Positivo Negativo
Presença de cilindros Positivo Negativo
Fonte: elaboração dos autores.
152 Capítulo 11 - Função renal

Albuminúria

A albuminúria pode ser definida como a presença de 30-300 mg/24ho-


ras de albumina na urina ou ter uma taxa de excreção de 20 a 200 µg/min
(ALMEIDA, 2001). Quando o dano renal não está avançado o suficiente
para serem detectadas grandes quantidades de proteína na urina, mas ain-
da assim pequenas quantidades de albumina são descobertas na amostra
(levando em conta os valores de referência), tem-se um resultado positivo
para albuminúria. Como o exame possibilita detectar concentrações muito
pequenas de albumina na urina, a albuminúria é um marcador precoce de
lesões no glomérulo, sendo positivo antes mesmo da elevação da creatini-
na sérica ou de quadro de proteinúria (ALMEIDA, 2001). Por isso, como
biomarcador de dano renal, a albuminúria serve basicamente para um mo-
nitoramento precoce de nefropatias, uma vez que, após haver danos mais
extensos, outros exames são mais úteis, como a creatinina e a proteinúria.
Levando em consideração que a albuminúria tem como base um
processo inflamatório generalizado que afeta o endotélio capilar e au-
menta a sua permeabilidade, esse biomarcador vem sendo utilizado não
só para avaliar dano renal, mas também como marcador de lesões vas-
culares sistêmicas. O aumento da permeabilidade seria responsável pela
saída da albumina a partir do capilar, danificando sistemicamente o sis-
tema venoso do corpo humano. Estudos comprovam que a análise de al-
buminúria serve também como marcador para identificar pacientes com
risco cardiovascular, devido ao fato de a fisiopatologia do biomarcador es-
tar relacionada com o sistema vascular (ZANELLA, 2006). Seu uso para
rastrear lesão renal segue a mesma lógica: devido a essa permeabilidade,
moléculas de albumina seriam capazes de ultrapassar os capilares do
glomérulo e, dessa forma, ser excretadas, sendo detectadas no exame de
urina como positivo para albuminúria.
Algumas situações são capazes de provocar um exame positivo para
albuminúria sem haver lesão renal, dentre elas processos infecciosos, febre
e atividade física (RIELLA, 2010; ZANELLA, 2006). Por isso, além de ser
indicada a abstenção de exercícios físicos nas 24 horas anteriores ao exame,
o profissional da saúde precisa estar atento a essas outras situações que
podem alterar os resultados na hora de interpretar o exame de urina.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 153

Aplicação do conhecimento
Depuração (Clearance)

A depuração de creatinina endógena (DCE) é o exame que relaciona


a concentração de creatinina na urina e a fração sérica durante um pe-
ríodo de 24 horas. Os resultados da DCE são mais sensíveis do que ape-
nas a dosagem sérica de creatinina, uma vez que o seu valor plasmático
só começa a se alterar quando o néfron já perdeu aproximadamente 50%
da sua capacidade de filtração glomerular, enquanto a DCE é capaz de
detectar disfunção a partir de 30% de perda.
Outro exame para analisar a depuração renal utiliza a inulina, um
polímero da frutose. A substância é considerada um marcador ideal para
filtração glomerular por ter a taxa de filtração igual à taxa de excreção.
Entretanto, por ser uma substância exógena, precisa ser injetada por
via intravenosa antes da realização do exame. Todavia, por possuir um
custo de realização muito alto, risco de hipersensibilidade e de não haver
uma padronização técnica para análise, torna-se um biomarcador pouco
utilizado na clínica médica, dando-se preferência, portanto, à creatinina.

Ureia

Em pacientes com insuficiência renal, a ureia sérica está alta – de-


vido à dificuldade de excreção –, dessa forma, grandes quantidades de
ureia são absorvidas a partir do sangue pelo intestino, aumentando a
sua concentração entérica. A ação intestinal da enzima Urease sobre a
ureia torna-se uma fonte clinicamente importante de amônia, contri-
buindo para um quadro de hiperamonemia.

Creatinina

Pacientes com rabdomiólise – síndrome em que ocorre destruição


maciça dos músculos esqueléticos – apresentam níveis elevados de crea-
tinina no sangue, devido à extensa liberação dessa substância no plasma.
154 Capítulo 11 - Função renal

Porém, idosos – devido ao envelhecimento natural – possuem a massa


muscular diminuída, o que reduz a depuração de creatinina e mantém
a concentração plasmática normal. Esse fato pode ocultar danos de até
50% na filtração renal e passar despercebido, já que os valores séricos
estarão normais, pois o idoso possui menos creatinina a ser excretada.

Cistatina C

A cistatina C como biomarcador de função renal permite o diagnós-


tico precoce de lesões renais em diabéticos antes que a doença renal se
torne crônica, identificando, laboratorialmente, redução da função renal
antes do exame de taxa de filtração glomerular (PERKINS et al., 2005).
Além disso, um estudo francês, também realizado com diabéticos, veri-
ficou que, devido à sua alta sensibilidade, a análise plasmática de cista-
tina C é superior para a avaliação da função renal quando a creatinina
sérica apresenta valores normais (PERLEMOINE et al., 2003).

Proteinúria

A presença excessiva de proteína filtrada nos túbulos renais pode


provocar inflamação das células dessa região e, dessa forma, causar in-
flamação, fibrose e até necrose tubular, agravando a doença renal.

Albuminúria

A nefropatia diabética (ND) é uma das complicações mais graves do


diabetes melito. Na doença renal do diabetes (nefropatia diabética), ocor-
re a dilatação das arteríolas aferentes (devido à hiperglicemia) somada
a uma constrição das arteríolas eferentes do glomérulo (a insulinopenia
do DM causa um aumento do Glucagon e do GH, que, juntamente com
o óxido nítrico – vasodilatador – causam vasodilatação), aumentando,
dessa forma, a pressão dentro da cápsula. Esse aumento de pressão gera
um dano na parede do capilar e uma hiperfiltração. Por causa disso, es-
capam proteínas, gerando a microalbuminúria.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 155

Referências
ABENSUR, H. Biomarcadores na Nefrologia. 2011. Disponível em: https://arquivos.
sbn.org.br/pdf/biomarcadores.pdf. Acesso em: ago. 2018.
ALMEIDA, F. A. Microalbuminuria como marcador precoce de comprometimento da
função renal. Revista Brasileira de Hipertensão, São Paulo, v. 8, n. 3, 2001.
BRITO, Tereza Neuma de Souza; OLIVEIRA, Arthur Renan de Araújo; SILVA,
Adrielly Karingy Chaves da. Taxa de filtração glomerular estimada em adultos: ca-
racterísticas e limitações das equações utilizadas. Revista Brasileira de Análises Clí-
nicas, Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 7-12, 2016.
COCKCROFT, D. W.; GAULT, M. H. Prediction of creatinine clearance from serum
creatinine. Nephron, v. 16, n. 1, p. 31-41, 1976.
HALL, John E.; GUYTON, Arthur C.; ARAUJO FILHO, Joaquim Procópio de (rev.).
Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
HERGET-ROSENTHAL, S. et al. Early detection of acute renal failure by serum
cystatin C. Kidney International, v. 66, p. 1115-1122, 2004.
PERKINS, B. A. et al. Detection of renal function decline in patients with diabetes
and normal or elevated GFR by serial measurements of serum cystatin C concentra-
tion: results of a 4-year follow- up study. Journal of the American Society of Nephro-
logy, v. 16, p. 1404-1412, 2005.
PERLEMOINE, C. et al. Interest of cystatin C in screening diabetic patients for early
impairment of renal function. Metabolism, v. 52, p. 1258-1264, 2003.
PINTO, Wagner de Jesus. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2017.
RIELLA, Miguel Carlos. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.
SODRÉ, Fábio L.; COSTA, Josete Conceição Barreto; LIMA, José Carlos C. Avalia-
ção da função e da lesão renal: um desafio laboratorial. Jornal Brasileiro de Patolo-
gia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 43, n. 5, p. 329-337, 2007.
VASCONCELLOS, Leonardo de Souza; PENIDO, Maria Goretti Moreira Guimarães;
VIDIGAL, Pedro Guatimosim. Importância do dismorfismo eritrocitário na investi-
gação da origem da hematúria: revisão da literatura. Jornal Brasileiro de Patologia
e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 41, n. 2, p. 83-94, 2005.
ZANELLA, Maria Teresa. Microalbuminúria: fator de risco cardiovascular e renal
subestimado na prática clínica. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabolo-
gia, São Paulo, v. 50, n. 2, p. 313-321, 2006.
156 Capítulo 11 - Função renal

Exercícios
1. Indique substâncias que, por serem livremente filtradas no glomérulo e não
serem reabsorvidas, são totalmente depuradas pelo rim, sendo, assim, bons
marcadores para avaliar filtração renal:
a) Creatinina e ureia.
b) Creatinina e inulina.
c) Ureia e inulina.
d) Cistatina C.
e) Creatinina, apenas.

2. Assinale a alternativa que não indica corretamente um marcador de função


renal:
a) Creatinina.
b) Ureia.
c) Cistatina C.
d) Albuminúria.

3. Assinale a alternativa que indica incorretamente um dos fatores que podem


alterar os valores do exame de creatinina:
a) Perda de 10% da função renal.
b) Exercício físico intenso.
c) Consumo de carne vermelha cozida 24h antes da coleta.
d) Pacientes com pouca massa muscular.
e) Rabdomiólise.

4. Assinale a alternativa que corresponde a apenas características da hematúria


glomerular:
a) Cor amarela, aspecto turvo, baixa concentração de hemácias.
b) Cor amarela, presença de proteinúria, alta concentração de hemácias.
c) Cor amarela, baixa concentração de hemácias e prevalência de he-
mácias dismórficas.
Francisco Costa Beber Lemanski et al. 157

d) Cor vermelha, alta concentração de hemácias e prevalência de hemá-


cias isomórficas.
e) Cor vermelha, aspecto turvo e alta concentração de hemácias.

Gabarito: 1 – B; 2 – D; 3 – A; 4 – C.
Capítulo 12

Obesidade e resistência insulínica

Déborah Glimm
Luciano de Oliveira Siqueira
Luísa Fanton Pelle
Vanessa Guse

Objetivos
Caracterizar o mecanismo de funcionamento da resistência insulí-
nica, definir e conhecer as propriedades do teste oral de tolerância à gli-
cose (TOTG), diagnosticar os sinais clínicos da hipoglicemia, analisar as
características clínicas e laboratoriais da síndrome metabólica e definir
o pré-diabetes.

Características e mecanismos de resistência


insulínica
A resistência insulínica é um dos mecanismos responsáveis pelo de-
senvolvimento do diabetes melito tipo 2. Ele consiste na incapacidade de
os tecidos dos órgãos alvo reconhecerem a insulina presente na corrente
sanguínea. Dessa forma, as proteínas transportadoras de glicose (especial-
Déborah Glimm et al. 159

mente GLUT4) não veem necessidade de carrear as moléculas de glicose


no sangue para dentro da célula, causando um estado de hiperglicemia.
A insulina é a responsável pela sinalização celular para passagem
da glicose do meio extracelular para o meio intracelular. No entanto, em
situações de disfunções dos receptores (por número insuficiente ou res-
posta pós-receptor inadequada), ocorre um acúmulo de glicose no meio
extracelular, provocando a hiperglicemia, o que caracteriza um quadro
de resistência insulínica.
Essa resistência faz as células entrarem em estado de alerta e
agirem como se não estivessem recebendo glicose no meio intracelular,
essa interpretação promove um estímulo para o fígado produzir glicose
(neoglicogênese e glicogenólise) e o músculo degradar moléculas, com a
mesma finalidade. Isso acaba potencializando o estado hiperglicêmico e
acarretando ainda mais complicações.
A obesidade é um dos maiores fatores de indução à resistência insu-
línica. Estudos mostram que certas substâncias produzidas pelo tecido
adiposo – leptina e adiponectina – podem contribuir para a evolução da
resistência insulínica. Por isso, pacientes com sobrepeso ou obesos são
mais propensos a esse distúrbio, por terem grandes quantidades de teci-
do adiposo.

TOTG: Definição, características e propriedades

O TOTG é um exame laboratorial que deve ser indicado apenas aos


pacientes que estão sob suspeita de glicemia de jejum alterada ou diabe-
tes gestacional, visto que o exame pode apresentar diversos vieses, não
sendo, isoladamente, diacrítico para o diabetes. Além disso, é um exame
com menor especificidade do que a glicemia de jejum, por exemplo, e com
uma possibilidade de mal-estar para o paciente, além de levar mais tem-
po e, consequentemente, ser mais oneroso de ser realizado.
O exame consiste em um procedimento em que é retirada, inicial-
mente, uma amostra de sangue do paciente para se medir a glicemia de
jejum e, posteriormente, o paciente ingere 75 g de glicose anidra dissolvi-
da em aproximadamente 250 ml de água. Após 2 horas é feita uma nova
160 Capítulo 12 - Obesidade e resistência insulínica

coleta para se dosar a glicemia. Dependendo do resultado do exame, o


paciente é classificado de acordo com a Tabela 1.

Tabela 1 – Interpretação de diagnóstico


Glicemia de jejum TOTG Interpretação
70 a 100 mg/dL < 140 mg/dL Tolerância normal à glicose
Entre 101 e 125 mg/dL Entre 140 e 199 mg/dL Pré-diabetes
> 126 mg/dL > 200 mg/dL Diabetes
Fonte: adaptado de Vilar (2013).

Caso o paciente seja positivo para diabetes em apenas um dos exa-


mes e negativo em outro (glicemia de jejum e TOTG), ele pode ser consi-
derado pré-diabético e deve ser monitorado anualmente.

Diagnóstico e características clínicas da hipoglicemia

A hipoglicemia é definida como uma condição clínico-laboratorial


em que a glicemia está igual ou abaixo de 50 mg/DL. Ela pode ocorrer
tanto em indivíduos saudáveis quanto em indivíduos diabéticos, no en-
tanto, em pacientes saudáveis ela é, na maioria das vezes, autolimitada,
pois esses pacientes apresentam mecanismos contrarreguladores que es-
tão ausentes em pacientes diabéticos. É considerada a complicação mais
frequente do tratamento do diabetes e a causa mais comum de coma,
sendo também uma das complicações agudas do diabetes, junto com ce-
toacidose diabética (CAD) e estado hiperosmolar.
As principais causas da hipoglicemia são atraso das refeições, erros
na administração de insulina e/ou de hipoglicemiantes orais, excesso de
álcool e exercícios físicos intensos e prolongados. A hipoglicemia apre-
senta uma classificação dividida em leve, moderada e grave, dependendo
dos níveis glicêmicos. No entanto, ela nem sempre é sintomática, espe-
cialmente em pacientes que têm um ótimo controle glicêmico, os quais,
muitas vezes, estão com glicemia menor que 50 mg/dL e mesmo assim
não apresentam sintomas. De outro modo, pacientes que não têm um
bom controle podem sentir os sintomas de uma hipoglicemia até mesmo
quando estão com níveis glicêmicos maiores do que 70 mg/dL.
Déborah Glimm et al. 161

O quadro clínico da hipoglicemia pode apresentar sintomas relaciona-


dos ao excesso de adrenalina circulante, como sudorese, tremor, taquicar-
dia, ansiedade e fome, além de sinais da baixa oferta de glicose para o cére-
bro, como vertigem, cefaleia, mal-estar, confusão mental, convulsão e coma.
Normalmente, os primeiros sintomas a serem notados são os decorrentes
da ativação do sistema nervoso autônomo (tremor, sudorese, irritabilida-
de). Caso a hipoglicemia não seja corrigida rapidamente, esses sintomas
evoluem para quadros mais graves – confusão mental, convulsão e coma.
Para todo paciente que dê entrada em um serviço de emergência em
coma sem causa aparente, deve-se levantar a suspeita de hipoglicemia,
especialmente se ele for diabético ou aparentar ter feito uso abusivo de
álcool. A conduta a se tomar nesses casos é a coleta de sangue para ava-
liação glicêmica, seguida de administração imediata de glicose intrave-
nosa. A resposta do paciente costuma ser rápida e positiva, no entanto,
deve-se mantê-lo em observação, visto que, se a causa da hipoglicemia foi
a administração errônea de algum tipo de insulina de longa duração, as
crises hipoglicêmicas podem se repetir, mesmo após a infusão de glicose.
Fisiologicamente, o que acontece em uma hipoglicemia é que muita
glicose é consumida, baixando os níveis glicêmicos. Em um paciente saudá-
vel, quando a glicemia fica abaixo de 80 mg/dL – valores abaixo de 70 mg/
dL são considerados hipoglicêmicos –, a insulina para de ser secretada, e
isso estimula a gliconeogênese, a glicogeonólise e a lipólise; esses meca-
nismos, então, inibem o consumo de glicose pelo músculo. Caso a glicemia
continue a diminuir e chegue a níveis menores que 65 mg/dL, o glucagon
aumenta sua secreção, estimulando a gliconeogênese e a glicogenólise he-
pática. A adrenalina, a noradrenalina, Growth Hormone (GH) e o cortisol
também atuam caso a glicemia chegue a níveis muito baixos, como meno-
res que 60 mg/dL. Já no paciente diabético, que apresenta uma deficiência
na produção de insulina (DM1) ou resistência insulínica (DM2), a insulina
não inicia o ciclo e a glicemia não consegue ser controlada sem o estímulo
externo da ingestão de glicose (HALL; GUYTON; ARAUJO FILHO, 2017).
A hipoglicemia é uma complicação aguda de fácil manejo, porém de
grande gravidade, porque ela pode evoluir rapidamente para um estado
de convulsão, coma e, até mesmo, morte do paciente. E essa evolução é
162 Capítulo 12 - Obesidade e resistência insulínica

individual de cada paciente, visto que os níveis glicêmicos dependem de


como é feito esse controle diariamente. O mais importante é conhecer a
hipoglicemia e seus sintomas, para poder identificar o paciente que pode
estar tendo uma crise hiperglicêmica e realizar a conduta necessária o
mais rápido possível.

Síndrome metabólica: definição, características clínicas e


laboratoriais

A síndrome metabólica é um conjunto de sintomas que aumenta


muito o risco de o paciente desenvolver doenças cardiovasculares, diabe-
tes melito tipo 2 e suas complicações, que são as patologias que mais oca-
sionam mortes no mundo. A constelação de sintomas é variada, mas tem
como base fatores como obesidade, circunferência abdominal aumentada,
dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia, estado de hipercoagubilidade,
resistência insulínica, entre outros.
Há diversas classificações para síndrome metabólica, no entanto, a
mais usada é a da International Diabetes Federation (IDF), que diz que
a obesidade central é obrigatória para o diagnóstico, sendo ela acompa-
nhada de dois ou mais fatores, sendo eles representados na Tabela 2.

Tabela 2 – Classificações de Síndrome Metabólica

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2017-2018).


Déborah Glimm et al. 163

Quanto mais comorbidades o paciente apresentar, mais grave é a


sua síndrome metabólica e maiores os riscos, se comparado a pacientes
sem síndrome ou com síndrome mais leve, de ter eventos cardiovascula-
res como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico, entre
outros, além de diabetes melito tipo 2 e suas complicações.
A prevalência da síndrome metabólica em indivíduos obesos nos Es-
tados Unidos chega a 60%. Os dados do Brasil ainda são escassos, no
entanto, sabe-se que é um distúrbio que vem aumentando sua prevalên-
cia nas últimas décadas, devido ao alto consumo de alimentos ricos em
carboidratos associado ao sedentarismo. Evitar, diagnosticar e tratar a
síndrome metabólica é uma questão de saúde pública, visto que ela au-
menta os riscos de os pacientes terem doenças cardiovasculares e diabe-
tes, duas das patologias que mais geram mortes no mundo, acarretando
custos e danos para o Estado e para a sociedade como um todo.
A síndrome metabólica é um combinado de fatores ambientais e ge-
néticos, visto que ela está diretamente relacionada com o excesso de peso,
mas não somente a ele. Estudos mostram que a síndrome metabólica
está diretamente relacionada a um desequilíbrio entre os dois tipos de
adipócitos, existindo um excesso de adipócitos viscerais perante os cutâ-
neos. O corpo humano apresenta basicamente dois tipos principais de
adipócitos: subcutâneos e viscerais. Os subcutâneos são células peque-
nas, apresentam facilidade de se multiplicar, armazenam grandes quan-
tidades de ácido graxo livre e produzem poucas citocinas inflamatórias.
Em compensação, os chamados adipócitos viscerais são grandes, têm bai-
xa taxa de multiplicação, são metabolicamente mais ativos, acumulam
menos ácido graxo livre e secretam grandes quantidades de citocinas
inflamatórias (NELSON; COX, 2014).
Esse desequilíbrio acarreta uma maior quantidade de ácidos graxos
livres e maiores quantidades de citocinas inflamatórias liberadas, entre
outros achados, causando danos ao organismo, visto que o excesso de ci-
tocinas inflamatórias gera uma inflamação local que pode se disseminar,
tornando-se sistêmica, acarretando danos como aterosclerose, estresse
oxidativo e resistência insulínica.
164 Capítulo 12 - Obesidade e resistência insulínica

O tratamento para a síndrome metabólica tem por objetivo dimi-


nuir os riscos cardiovasculares do paciente e consiste, essencialmente,
na mudança do estilo de vida. É necessário que o paciente perca peso,
realize atividades físicas e tenha uma alimentação balanceada. A redu-
ção de peso auxiliará o paciente não só na síndrome metabólica, mas
em todas as outras comorbidades relacionadas à obesidade: hipertensão,
dislipidemia, hiperglicemia, etc. A melhor forma de prevenir a síndrome
metabólica é evitar o ganho de peso, no entanto, após a síndrome instau-
rada, é importante que o paciente seja diagnosticado e orientado para a
redução de gordura corporal, evitando, assim, desfechos desfavoráveis.

Pré-diabetes: definição, características clínicas e


laboratoriais

O diabetes melito é uma patologia em que o diagnóstico é baseado


no resultado de dois exames laboratoriais: glicemia de jejum e TOTG. A
normalidade dos exames é caracterizada por glicemia de jejum menor
que 100 mg/dL e TOTG menor que 126 mg/dL. Valores acima de 126 mg/
dL para glicemia de jejum e acima de 200 mg/dL no TOTG confirmam
o diagnóstico de diabetes melito. Como pode se perceber, existe uma la-
cuna existente nesses resultados: glicemia de jejum entre 100-126 mg/
dL e ou TOTG entre 100-200 mg/dL. Pacientes que se enquadram nesse
intervalo são considerados pré-diabéticos.
Os chamados pré-diabéticos apresentam alto risco de desenvolver
diabetes melito dentro de 3 a 5 anos, especialmente quando apresentam
alteração tanto na glicemia de jejum quanto no TOTG. Os sinais clínicos
desse distúrbio estão geralmente ausentes, assim como no diabetes melito,
dificultando o diagnóstico. No entanto, realizar esses exames em pacientes
obesos e com histórico familiar de diabetes é de suma importância, visto
que, com o diagnóstico precoce, é possível retardar ou até mesmo prevenir
o surgimento do diabetes melito tipo 2, patologia que apresenta diversas
complicações e é uma das maiores causas de mortalidade no mundo.
Assim como no diabetes melito, para o pré-diabético, a prevenção é
sempre a melhor escolha. A conduta a ser usada varia de paciente para
Déborah Glimm et al. 165

paciente, mas consiste em mudança de hábitos, perda de peso e prática


de atividades físicas. A terapia medicamentosa pode ser uma opção, de-
pendendo da história do paciente e de sua adesão a dieta e exercícios.
O pré-diabetes deve ser tratado com a mesma importância de dia-
betes melito, visto que ele apresenta risco de complicações e aumento do
risco cardiovascular, mesmo que em menor taxa. Além disso, as chances
de remissão ou redução dos danos causados são de mais fácil manejo do
que de um diabetes melito já instaurado, visto que o organismo está há
menos tempo com esse desequilíbrio.

Aplicação do conhecimento
O conhecimento sobre resistência insulínica e obesidade é muito im-
portante, visto a epidemia de obesidade que vem crescendo exponencial-
mente na sociedade atual. Entender seu mecanismo de funcionamento é
imprescindível para que se trate e previna essas doenças e todas as suas
comorbidades.

Referências
HALL, John E.; GUYTON, Arthur C.; ARAUJO FILHO, Joaquim Procópio de (Rev.).
Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
NELSON, David L.; COX, Michael M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2014.
PINTO, Wagner de Jesus. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA. Exame
para obtenção do título de especialista em endocrinologia e metabologia. 2008. Dispo-
nível em: https://www.endocrino.org.br/media/fotos/TEEM-2008.pdf. Acesso em: 19
ago. 2018.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA. Exa-
me para obtenção do título de especialista em endocrinologia e metabologia. 2015.
Disponível em: https://www.endocrino.org.br/media/uploads/PDFs/teem2015_prova_
te%C3%B3rica_vers%C3%A3o2.pdf. Acesso em: 19 ago. 2018.
VILAR, L. Endocrinologia clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
166 Capítulo 12 - Obesidade e resistência insulínica

Exercícios
1. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA, 2008) Com
relação a fisiopatologia e diagnóstico da síndrome metabólica, é incorreto
afirmar que:
a) níveis elevados da enzima 11β-hidroxiesteroidedeidrogenase tipo 1
na gordura visceral podem levar a maior produção local de cortisol a
partir da cortisona;
b) pessoas com sobrepeso já podem apresentar resistência insulínica e
síndrome metabólica;
c) na população de origem asiática, a obesidade abdominal é definida
por uma circunferência de cintura maior ou igual a 90 cm nos ho-
mens e 80 cm nas mulheres;
d) o processo lipolítico é mais ativo na gordura subcutânea do que na
gordura intra-abdominal;
e) níveis séricos de leptina e interleucina-6 correlacionam-se direta-
mente com a quantidade de gordura corporal, ao contrário do obser-
vado com os níveis de adiponectina.

2. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA, 2008) A


obesidade foi categorizada como a “epidemia do final do século” pela Organi-
zação Mundial de Saúde, num documento de 1998. Assinale a alternativa que
apresenta um conceito CORRETO com relação a esta nova epidemia:
a) A definição prática atual de obesidade baseia-se na relação do índice
de massa corporal (IMC) com morbidade e mortalidade ao invés de
sua relação com composição corporal.
b) A distribuição do tecido adiposo corporal tem pouca importância na
patogênese das morbidades associadas à obesidade.
c) Aspectos étnicos podem influenciar a distribuição corporal de gor-
dura, mas não a prevalência de morbidades associadas ao IMC.
d) Obesidade, mas não sobrepeso, aumenta o risco de diabetes melito
tipo 2.
e) O risco de câncer de mama é maior em mulheres com sobrepeso e
obesidade tanto antes como após a menopausa.
Déborah Glimm et al. 167

3. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA, 2008)


Mulher de 26 anos de idade queixa-se de sintomas compatíveis com hipo-
glicemia e diz não fazer uso qualquer medicação. Na avaliação laboratorial
constatou-se: glicemias de jejum = 40 e 42 mg/dL; insulinas basais (dosadas
juntamente com as mencionadas glicemias) = 24 e 26 mU/L (VR:2-19); peptí-
deo C = 0,2 ng/mL (VR: 0,36–3,59). A hipótese diagnóstica mais plausível é:
a) Insulinoma.
b) Hipoglicemia autoinduzida por insulina.
c) Hipoglicemia autoinduzida por sulfoniluréia.
d) Nesidioblastose.
e) Hipoglicemia mediada por IGF-II.

4. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA, 2015) Em


relação à patogênese da resistência à insulina (RI) do obeso com excesso de
gordura visceral, assinale a alternativa INCORRETA:
a) A liberação de ácidos graxos na circulação portal por lipólise de de-
pósitos viscerais é maior que a derivada da gordura subcutânea.
b) Em mulheres idosas, a adiposidade periférica exerce efeito antiatero-
gênico.
c) A infiltração macrofágica do tecido adiposo visceral é responsável
pela maior parte da produção do fator de necrose tumoral-alfa e da
interleucina-6.
d) A maioria dos indivíduos com RI tem sobrepeso, mas nem todos os
indivíduos com sobrepeso apresentam RI.

Gabarito: 1 – D; 2 – A; 3 – B; 4 – A.
Capítulo 13

Diabetes

Déborah Glimm
Luciano de Oliveira Siqueira
Luísa Fanton Pelle
Vanessa Guse

Objetivos
Diferenciar os tipos de diabetes, conhecer as características e o ma-
nejo de cada classificação da doença, definir as complicações tardias do
distúrbio, analisar o impacto do estresse oxidativo, da hiperosmolarida-
de e da glicação não enzimática de proteínas no desenvolvimento do dia-
betes e compreender neuropatia, nefropatia e oftalmopatia.

Tipos, características, manejo e complicações


tardias
O diabetes é uma doença metabólica que acomete um número cres-
cente de pessoas e é responsável por milhares de óbitos todos os anos.
Atualmente, o diabetes e suas complicações são a terceira maior causa
Déborah Glimm et al. 169

de morte nos Estados Unidos. Compreender a doença, sua prevenção,


seu diagnóstico e seu tratamento é uma questão de extrema importância
para a saúde pública, tendo em vista a sua prevalência e a sua gravidade.
O diabetes consiste numa doença em que há uma hiperglicemia re-
sultante de resistência insulínica e/ou deficiência de secreção de insulina
pelas células beta do pâncreas. Em torno de metade dos pacientes com
diabetes não são diagnosticados – especialmente porque a forma mais
prevalente da doença se manifesta assintomática ou oligossintomática
em mais da metade dos casos –, e isso acarreta diversos problemas, visto
que a hiperglicemia descontrolada e persistente pode acarretar diversas
complicações irreversíveis, como retinopatia, neuropatia e nefropatia.
Com o aumento da obesidade na população, o diabetes se tornou ainda
mais prevalente e precoce, sendo já estudado um tipo de diabetes (muito
similar ao tipo 2) que acomete crianças e adolescentes obesos que de-
senvolvem resistência insulínica muito mais precocemente do que o foi
notado até hoje.
Conforme o Quadro 1, o diabetes se manifesta, essencialmente, de
quatro formas: diabetes melito tipo 1, diabetes melito tipo 2, diabetes
gestacional e outros tipos.

Quadro 1 – Classificação etiológica do diabetes melito (DM)

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018 (OLIVEIRA; MONTENEGRO JU-


NIOR; VENCIO, 2017).

O diabetes tipo 1 é uma doença que acomete em torno de 10% dos


portadores de diabetes. É um distúrbio que, na maioria das vezes, inicia
na infância ou na adolescência e consiste na falência das ilhotas pan-
creáticas beta, responsáveis pela produção de insulina, por algum motivo
170 Capítulo 13 - Diabetes

ainda não muito bem esclarecido. Existem alguns autoanticorpos que


foram identificados como marcadores da destruição autoimune da célula
beta, sendo os principais autoanticorposanti-ilhotas (ICA) e anti-insuli-
na (IAA), antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD65). As células
responsáveis pela produção do hormônio insulina vão perdendo sua fun-
ção ao longo dos anos, e quando chegamos perto de 70% de falência, o
quadro, geralmente, se inicia. Deste estágio até a falência completa das
ilhotas, tem o período chamado “lua de mel”, que é quando o pâncreas
ainda produz certa quantidade de insulina, mas não a necessária para o
suprimento das necessidades do corpo humano (PINTO, 2017).
Os principais sintomas do diabetes tipo 1 são: polidipsia, poliúria,
polifagia, prostação e perda de peso. O exame laboratorial de glicemia
de jejum alterado somado aos sintomas principais já são suficientes para
o diagnóstico de diabetes tipo 1. Como esse tipo de diabetes resulta em
uma deficiência total de produção de insulina, é necessário o tratamento
com reposição do hormônio imediatamente. O paciente se torna insu-
linodependente de forma imediata e deverá manter acompanhamento
médico, alimentação adequada e aplicação de insulina exógena de forma
vitalícia.
Além disso, há o diabetes tipo 1B, chamado de idiopático, que são
casos de diabetes tipo 1 que não são autoimunes nem se relacionam ao
human leukocyte antigen (HLA). Indivíduos com esse tipo de diabetes
cursam com cetoacidose episódica e apresentam diferentes graus de de-
ficiência de insulina entre os episódios. A etiologia ainda é desconhecida.
Um tipo de diabetes tipo 1 que se manifesta em adultos é chama-
do de diabetes autoimune latente em adultos (LADA) e ocorre na faixa
etária de 30-50 anos. A destruição das células beta do pâncreas ocorre
de forma mais lenta, sendo assim, o quadro abre mais tardiamente. São
frequentemente diagnosticados como diabéticos tipo 2, porém apresen-
tam os autoanticorpos contra as células beta (anti-GABA, ICA, IAA). Os
critérios para o LADA são faixa etária compatível, não apresentar ce-
toacidose diabética ou hiperglicemia sintomática nos últimos meses e a
presença de autoanticorpos, especialmente o anti-GAD.
Déborah Glimm et al. 171

Há também o diabetes autoimune latente do jovem (LADY) que são


casos de crianças e adolescentes que desenvolvem DM2 com autoimuni-
dade pancreática muito precocemente. Ainda está sendo estudado e ava-
liado, alguns autores estão chamando de “diabetes híbrido”, “diabetes
1,5”, por apresentar características tanto de DM1 quanto de DM2.
Já o diabetes tipo 2 acomete mais de 80% dos casos. A fisiopatolo-
gia da doença envolve resistência insulínica, secreção deficiente de in-
sulina pelas células β do pâncreas, produção de glicose pelo fígado em
resposta à resistência insulínica. Como a insulina não consegue entrar
na célula porque os receptores não estão mais a reconhecendo, o fígado
entende que o corpo está sem estoque de glicose, produzindo ainda mais,
agravando o quadro. O paciente portador de DM2 é diagnosticado, ge-
ralmente, depois dos 40 anos; e 80% dos pacientes apresentam sinais
de obesidade. De 70% a 90% dos pacientes também apresentam síndro-
me metabólica (ver capítulo 12), um conjunto de sintomas (dislipidemia,
obesidade, hipertensão arterial, etc.) que aumenta o risco cardiovascular
do indivíduo. Em metade dos casos, o portador não apresenta sintomas
e não tem episódios de cetoacidose diabética. Os fatores de risco para
o desenvolvimento de diabetes melito tipo 2 são variados e comuns na
sociedade.
Ainda, durante a gestação, existe o risco de desenvolver a diabe-
tes gestacional (cujos fatores de risco estão citados no Quadro 2), que
é a principal complicação metabólica da gestação, estando presente em
7,6% das gestações do Brasil. É definida como a intolerância à glicose,
de qualquer grau, diagnosticada pela primeira vez durante a gestação e
que pode ou não persistir após o parto. Consiste em um distúrbio em que
a placenta produz hormônios hiperglicemiantes, resistência insulínica e
degradação da insulina por enzimas placentárias. O quadro geralmente
se reverte após o parto, mas pode ressurgir em outras gestações. Além
disso, grávidas com diabetes melito gestacional estão mais sujeitas a
complicações obstetrícias e apresentam maior risco de desenvolver, fu-
turamente, DM2, dislipedemia e hipertensão. A principal anormalidade
fetal é a macrossomia, em que o bebê nasce com mais de quatro quilos.
172 Capítulo 13 - Diabetes

Felizmente, a doença só se manifesta depois da 24º semana, não impli-


cando risco de teratogênese.

Quadro 2 – Fatores de risco para diabetes melito gestacional (DMG)

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018 (OLIVEIRA; MONTENEGRO JU-


NIOR; VENCIO, 2017).

A gravidade do diabetes está presente principalmente nas suas


complicações que acometem grande parte dos pacientes, já que, dos 50%
dos pacientes que sabem que têm diabetes, cerca de 25% não realizam
o tratamento adequado. As complicações podem ser macro ou microvas-
culares, agudas ou crônicas. A fisiopatologia são: retinopatia, nefropatia,
neuropatia, pé diabético, hipoglicemia e cetoacidose diabética.

Impacto do estresse oxidativo, hiperosmolaridade e glicação


não enzimática de proteínas na gênese das complicações
tardias do diabetes, retinopatia, nefropatia, neuropatia

O diabetes melito é uma patologia que consiste no aumento de gli-


cose sanguínea. Esse estado hiperglicêmico é responsável por diversas
alterações metabólicas que podem vir a culminar com as complicações
micro e macrovasculares da doença. Conhecer o mecanismo de ação pa-
togênico do excesso de glicose no sangue é essencial para prevenir e re-
conhecer os sinais das complicações de um diabetes sem controle ou com
controle inadequado.
Déborah Glimm et al. 173

Quadro 3 – Critérios de diagnóstico do diabetes baseado na glicemia

OMS: Organização Mundial da Saúde; HbA1c: hemoglobina glicada; DM: diabetes melito.
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2017-2018).

O estresse oxidativo consiste em um estado em que os mecanismos


antioxidantes são insuficientes, permitindo que os radicais livres perma-
neçam circulando pelo corpo do indivíduo. Esses radicais livres, especial-
mente as espécies reativas ao oxigênio, são formados por diversas vias
que são hiperestimuladas pela hiperglicemia, acarretando a produção
dessas moléculas. A hiperglicemia pode, isoladamente, contribuir para
as complicações microvasculares do diabetes melito, visto que ela ativa
a via do poliol e da proteinoquinase C (PKC), acelera o fluxo da via he-
xosamina e acumula produtos de glicação avançada, as chamadas AGEs
(BENDER; MAYES, 2017b).
A via do sorbitol (também chamada de rota dos polióis ou rota da al-
dose redutase) é uma via em que ocorrem diversas reações enzimáticas em
que a glicose é transformada em sorbitol, uma molécula que não se difunde
de forma eficaz por entre as membranas celulares, com o auxílio da enzima
aldoseredutase, que está presente na retina, no glomérulo, etc. Com a hi-
perglicemia, há um incremento de sorbitol nas células, causando prejuízos
celulares decorrentes do efeito osmótico (BENDER; MAYES, 2017b).
174 Capítulo 13 - Diabetes

Já na via da hexosamina, o excesso de glicose tem importância por-


que ela se transforma no fator precursor da via, aumentando sua me-
tabolização. O aumento dessa via pode ocasionar diversas complicações
microvasculares, entre elas a oclusão microvascular decorrente da dimi-
nuição da fibrinólise (NELSON; COX, 2014).
O acúmulo de produtos da glicação avançada ocorre porque o estado
hiperglicêmico facilita as reações de Maillard, produzindo mais produ-
tos de Amadori. Assim, as complicações tardias do diabetes podem ser
agravadas com a glicação não enzimática de proteínas. Ela ocorre por
uma reação entre glicose e valina aminoterminal de cadeia beta. Essa
reação ocorre na hemoglobina A e é favorecida pelo estado hiperglicêmico,
aumentando a porcentagem de hemoglobina glicada, que é o principal
exame para acompanhamento do tratamento de diabetes, visto que essa
porcentagem indica como foi o controle glicêmico nos últimos 90 dias. O
aumento da hemoglobina glicada está diretamente relacionado ao incre-
mento de complicações como neuropatia, nefropatia e retinopatia, que
serão discutidos adiante, neste capítulo (Figura 1).

Figura 1 – HbA1c e o risco relativo de complicações microvasculares - DCCT

Fonte: elaboração dos autores.

Em um estado geral, a hiperglicemia acarreta diversas alterações


nas vias metabólicas (Figura 2), que, cada uma à sua maneira, promo-
Déborah Glimm et al. 175

vem um maior número de radicais livres disponíveis, gerando um estres-


se oxidativo, o que contribui para as complicações microvasculares, em
especial a neuropatia diabética periférica.

Figura 2 – Mecanismos de desenvolvimento das complicações crônicas do diabetes

Fonte: elaboração dos autores.

Além disso, tendo o estado hiperglicêmico, podemos evoluir para


uma condição chamada estado hiperosmolar, em que a hiperglicemia é
agravada por algum fator (geralmente falta de administração de insu-
lina ou ingestão de drogas hipoglicêmicas), e isso acarreta a diurese de
água, eletrólitos e glicose. Isso reduz o volume de sangue circulante, ge-
rando um estresse que piora a resistência insulínica e a hiperglicemia.
Esse episódio é comum em pacientes com DM2 idosos, que, muitas vezes,
têm mais dificuldade de sentir sede ou de ingerir líquidos. O estado hi-
perosmolar pode levar à morte e deve ser corrigido rapidamente com a
aplicação das doses necessárias de insulina e hidratação adequada.
176 Capítulo 13 - Diabetes

A retinopatia é uma complicação muito comum em diabéticos e a prin-


cipal causa de cegueira não reversível em pacientes entre 25 e 75 anos de
idade. Ela apresenta vários graus e pode ser, inicialmente, assintomática,
podendo evoluir para manchas no campo visual, redução da acuidade vi-
sual e distorção de imagens. A fisiopatologia ainda não está totalmente
esclarecida, no entanto, sabe-se que a base da doença se concentra na mi-
croangiopatia (espessamento da membrana basal do capilar) e que esta
está direta e indiretamente relacionada aos aumentos da glicose sanguí-
nea. Juntamente com a hiperglicemia crônica, a microangipatia e a oclusão
capilar são a essência da patogênese da retinopatia diabética, essas altera-
ções acarretam diversas anormalidades nos olhos, como hipóxia retiniana
e aumento da permeabilidade vascular. Em consequência dessas anormali-
dades, podem ocorrer hemorragias, edemas retinianos e exsudatos.
Todas essas alterações apresentam diversos fatores de risco que são
muito importantes para um melhor acompanhamento do surgimento e
da evolução da retinopatia. Quanto maior o tempo de diabetes, maior a
chance de desenvolver essa complicação. Por isso, é imprescindível um
cuidado com os portadores de diabetes tipo 1, visto que eles têm um longo
período de diabetes pela frente. Há estudos que mostram que a taxa de
retinopatia diabética chega a 100% em pacientes com mais de 30 anos de
doença. Além disso, quanto melhor o controle da glicemia, mais tardio é
o surgimento da complicação e melhor seu prognóstico. Durante a gesta-
ção, a retinopatia já existente pode piorar consideravelmente. O mesmo
ocorre em pacientes com hipertensão arterial, outro fator de risco para
o desenvolvimento da patologia. Tabagismo, obesidade, dislipidemia e
anemia também são agravantes.
O diagnóstico é feito por meio da história clínica e do exame físico
do paciente, juntamente com um exame oftalmológico completo, de pre-
ferência com exame de dilatação da pupila. Os microaneurismas são os
sinais mais precoces da doença, juntamente com a perda de pericitos.
O tratamento da retinopatia mais eficiente é a prevenção, tendo um
bom controle da diabetes e bons hábitos de vida. Caso o paciente ainda
não tenha acompanhamento nutricional, isso se faz imprescindível. Além
disso, controlar os fatores de risco também é uma medida essencial para
Déborah Glimm et al. 177

um melhor prognóstico da doença. Assim como o diabetes, a retinopatia é


uma doença progressiva e, por isso, deve ser monitorada desde o diagnósti-
co do diabetes, para que se faça sua prevenção ou que seja diagnostica em
estágios iniciais, existindo a possibilidade de se retardar sua progressão.
A nefropatia é outra complicação bastante comum em diabéticos,
sendo presente entre 25% e 40% dos pacientes. Consiste em alterações
renais que podem evoluir e levar à falência renal completa. Cerca de
metade dos pacientes que apresentam doença renal crônica são portado-
res de diabetes, evidenciando a importância do diagnóstico e tratamento
dessa complicação, que pode se tornar muito onerosa ao paciente e ao
sistema público de saúde como um todo.
O principal marcador da doença renal do diabetes é o aumento de
albuminúria na urina. No entanto, pacientes com albuminúria normal,
muitas vezes, têm Taxa de Filtração Glomerular reduzida, o que também
pode ser indício de doença renal. Por isso, o rastreamento da nefropatia
deve incluir uma estimativa da TFG. Essa investigação deve ser realiza-
da no ato do diagnóstico para pacientes com DM2 e no quinto ano após
diagnóstico para pacientes DM1, devendo ser repetido anualmente em
todos os pacientes diabéticos (HALL; GUYTON; ARAUJO FILHO, 2017).
Diversos fatores são considerados de risco para o desenvolvimento e a
evolução de doença renal do diabetes, como controle glicêmico inadequado,
duração do diabetes melito, hipertensão arterial, dislipidemia e fatores ge-
néticos. Dessa forma, pacientes que não apresentam um bom tratamento
do diabetes melito, associado a maus hábitos de vida, estão mais sujeitos a
sofrerem as complicações da doença, entre elas, a nefropatia.
O tratamento varia de acordo com o grau de lesão renal, sendo as
primeiras terapias utilizadas as que afastam os fatores de risco: melhora
do controle glicêmico, dieta equilibrada (incluindo uma alimentação à
base de carne de galinha ou de soja, com restrição proteica), prática de
exercícios físicos, uso de drogas anti-hipertensivas, manejo da dislipi-
demia e suplementação de vitamina D. Pacientes que apresentam ou
evoluem para graves lesões renais, chegando à falência completa, devem
ser encaminhados para hemodiálise e, futuramente, podem ser indica-
dos para a realização de transplante renal.
178 Capítulo 13 - Diabetes

A complicação mais comum do diabetes melito é a neuropatia, que


consiste no acometimento do sistema nervoso periférico, podendo ser focal
ou difuso, sensório e/ou motor, ou, até mesmo, autonômico. A mais comum
se apresenta na forma de polineuropatia sensório-motora distal simétrica.
A patogênese da complicação é resultado de diversos fatores, especial-
mente a hiperglicemia crônica, tanto que há estudos comprovando uma
redução da incidência de neuropatia diabética em pacientes DM1 com
controle glicêmico intensivo, enquanto para pacientes DM2 os resultados
são controversos, já que no DM2 a hiperglicemia crônica teve um maior
tempo de exposição devido ao comum diagnóstico tardio da patologia.
O quadro clínico da neuropatia diabética é variado, devido às di-
versas formas que ela pode apresentar. A mais comum é a que afeta os
membros inferiores e superiores, na distribuição em forma de “luvas e
botas”. Cerca de 50% dos pacientes são assintomáticos, mas aqueles que
têm manifestações clínicas podem ter efeitos positivos – sendo eles dor,
queimação, choques, câimbras – ou negativos – sensação de pés gelados,
perda da sensibilidade. Quanto maior for o trajeto das fibras nervosas,
mais precocemente será o acometimento, por isso, os primeiros sinais
geralmente se manifestam nos membros inferiores (VILAR, 2013).
O exame físico completo deve ser realizado em todos os pacientes
DM2 no diagnóstico e após cinco anos de doença em pacientes DM1, de-
vendo ser repetido anualmente em todos os pacientes. Como todas as com-
plicações da diabetes crônica, o maior fator de risco é o mau controle glicê-
mico, associado a outras comorbidades, como hipertensão e dislipidemia.
O tratamento consiste na prevenção, tendo um melhor controle glicê-
mico. Pacientes com DM1 tiveram uma redução de até 70% na incidência
de neuropatia diabética ao realizarem um controle rigoroso dos índices gli-
cêmicos. Associado a isso, deve-se controlar a hipertensão e a dislipidemia,
visto que são fatores de risco para o desenvolvimento e a evolução da doença.
Com a neuropatia já instaurada, deve-se controlar a evolução da doença e
seus sintomas, visto que eles podem ser muito prejudiciais para a qualida-
de de vida do paciente. Não há medicamentos específicos para neuropatia,
deve-se avaliar o paciente e o seu quadro clínico, tentando sempre amenizar
seus prejuízos e garantir a melhor qualidade de vida para o paciente.
Déborah Glimm et al. 179

Aplicação do conhecimento
As informações advindas da leitura e compreensão deste capítulo
são de suma importância e de cunho essencialmente prático. Ao se in-
terar sobre os tipos de diabetes, suas classificações e características, a
identificação da doença se torna mais fácil, podendo auxiliar melhor os
pacientes. Além disso, entender a fisiologia da doença faz com que se
possa explicar ao portador como o diabetes funciona e suas complicações,
aumentando as chances de adesão do paciente ao tratamento, visto que
há um maior entendimento da situação. Assimilar os riscos da doença e
entender que a prevenção é o melhor cenário é imprescindível para que
as complicações ocorram em menores número e gravidade.

Referências
BENDER, D. A.; MAYES, P. A. Bioquímica do Envelhecimento. In: KENNELLY, P. J.
Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017a. p. 755-767.
BENDER, D. A.; MAYES, P. A. Radicais livres e nutrientes antioxidantes. In: BEN-
DER, D. A. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017b.
DCCT RESEARCH GROUP. Diabetes Control and complications Trial (DCCT). The
effect of intensive treatment of intensive treatment of diabetes on the development
and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus.
N Engl J Med, n. 329, p. 977-986, 1993.
HALL, John E.; GUYTON, Arthur C.; ARAUJO FILHO, Joaquim Procópio de (Rev.).
Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
MELMED, S. et al. Williams Textbook of Endocrinology. 13. ed. United States of
America: Elsevier, 2016.
NELSON, David L.; COX, Michael M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2014.
OLIVEIRA, José Egídio Paulo de; MONTENEGRO JUNIOR, Renan Magalhães;
VENCIO, Sérgio. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018. São Pau-
lo: Clannad, 2017.
PINTO, Wagner de Jesus. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
VILAR, L. Endocrinologia clínica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
180 Capítulo 13 - Diabetes

Exercícios
1. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA COMISSÃO
DO TÍTULO DE ESPECIALISTA) Assinale a alternativa correta com relação ao
diabetes tipo 1:
a) O diabetes tipo 1B corresponde a pacientes com diabetes tipo 1 sem
marcadores indicativos de processo autoimune destrutivo das célu-
las beta.
b) A maioria dos pacientes com diabetes tipo 1 tem história de parente
de 1º grau com a doença.
c) O distúrbio auto-imune mais comumente associado com diabetes
tipo 1 é a Doença de Addison.
d) A presença de obesidade afasta a possibilidade do diabetes tipo 1A
em crianças e adolescentes.
e) Diabetes tipo 1A se desenvolve antes dos 30 anos de idade.

2. (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA COMISSÃO


DO TÍTULO DE ESPECIALISTA) A retinopatia é uma das temidas complicações
crônicas do diabetes. Assinale a alternativa incorreta:
a) Exame oftalmológico deve ser realizado no momento do diagnóstico
no diabetes gestacional uma vez que a gestação acelera a progres-
são da retinopatia nestas mulheres.
b) Cerca de 20% dos pacientes com diabetes tipo 2 apresentam algum
grau de retinopatia no momento do diagnóstico.
c) A causa mais comum de perda visual em diabéticos é o edema macular.
d) A chance de uma retinopatia não-proliferativa evoluir em 1 ano para
a forma proliferativa varia entre 1 e 45%, dependendo da severidade
do quadro oftalmológico.
e) Hematócrito baixo é um fator de risco independente para retinopatia
e está associado com formas mais graves da doença.

Gabarito: 1 – A; 2 – A.
Capítulo 14

Equilíbrio ácido-base

Anna Laura Duro Barp


Cristian Roman Bonez
Francisco Costa Beber Lemanski
Luciano de Oliveira Siqueira

Objetivos
Conhecer os mecanismos de controle acidobásico corpóreo e enten-
der os principais distúrbios ácido-base e suas correlações clínicas.

Metabolismo ácido-base
Entende-se por ácido as substâncias que, em uma reação, doarão
íons H, como o ácido clorídrico (HCl) ou o ácido carbônico (H2CO3). Já as
bases são substâncias capazes de receber o íon H+, reagindo e removen-
do-o do meio – bicarbonato (HCO3) ou amônia (NH3), por exemplo. Os
íons hidrogênio são altamente reativos e interferem, principalmente, no
funcionamento das proteínas, as quais estão envolvidas em praticamen-
te todos os sistemas enzimáticos corporais. Como será mostrado a seguir,
em nosso organismo há uma predominância de mecanismos que promo-
182 Capítulo 14 – Equilíbrio ácido-base

vem um excesso de ácidos. No entanto, para que os processos fisiológicos


ocorram, é essencial a manutenção desses íons em baixa concentração
(RIELLA, 2010).
Alguns dos processos que causam o acúmulo de íons H+ no organis-
mo:
a) o metabolismo de gorduras e carboidratos origina CO2 e H2O
e seu acúmulo forma H2CO3 – ácido que se dissocia liberando
íons hidrogênio;
b) substâncias de nossa dieta que, quando metabolizadas, for-
mam ácidos, a exemplo disso tem-se a hidrólise de proteínas e
ácidos nucleicos formando ácido fosfórico;
c) condições patológicas, como a cetoacidose diabética ou a into-
xicação alcóolica;
d) no metabolismo de medicamentos, como o ácido salicílico;
e) na produção de ácido lático, produto do metabolismo anaeróbi-
co da glicose no músculo.
Por isso, a manutenção da quantidade de hidrogênio ou – como é
mais comumente expressa – do pH no organismo é necessária para im-
pedir que haja uma variação muito intensa da concentração dos prótons.
A equação de Henderson-Hasselbach determina os componentes meta-
bólicos e respiratórios que regulam o pH sistêmico: a tensão arterial de
CO2 (PaCO2) e o bicarbonato plasmático (HCO3-) – regulado pelos rins,
sistema nervoso central (SNC) e sistema respiratório (RIELLA, 2010).

Figura 1 – Equação de Henderson-Hasselbach: descrito em escala logarítmica, os valores


menores de pH representam estados mais ácidos

Fonte: adaptado de Riella (2010).

Valores normais de pH arterial sistêmico estão entre 7,35 e 7,45, e


há mecanismos biológicos de tamponamento acido-básico envolvendo o
Anna Laura Duro Barp et al. 183

sangue, as células, os rins e os pulmões, para que esses valores sejam


mantidos.

Sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato

Quando um ácido é introduzido no sangue e se dissocia liberando


H , o sistema tampão age ligando-se imediatamente ao hidrogênio extra.
+

O sistema ácido carbônico/bicarbonato em que o H2CO3 (formado pela


ligação do H+ com HCO3) dissocia-se em CO2 e H2O e, no fim, podendo
ser eliminado por intermédio dos pulmões é um exemplo. Além disso,
as próprias albumina e hemoglobina no sangue agem no tamponamento
não realizado pelo bicarbonato, já que possuem grupamentos capazes
de receber prótons em sua estrutura. No espaço intracelular, proteínas
fazem o tamponamento seguindo o mesmo raciocínio. A necessidade de
tamponamento constante na acidose crônica causada pela insuficiência
renal crônica pode ter a dissolução óssea como consequência, já que os
ossos contêm cerca de 60% do CO2 formando complexos com outros mine-
rais – como o cálcio na forma de carbonato (CO3 2-) – ou então na forma de
bicarbonato, associado à hidroxiapatita.

Controle respiratório da PCO2

O controle pulmonar age de minutos a horas, variando a PaCO2, e


consegue, baseando-se na equação de Henderson-Hasselbach, variar o
pH sistêmico. A ventilação responde a estímulos do centro respiratório,
no bulbo, dependente da concentração hidrogeniônica; assim, os produ-
tos das reações do sistema de tampão químico podem ser rapidamente
eliminados pelos pulmões. Quando há aumento da concentração de H+,
ocorre a ligação com o bicarbonato, formando o ácido carbônico que se
dissocia, formam-se água e gás carbônico, podendo ser eliminados pela
respiração:

H+ + HCO3 - → H2CO3 → H2O + CO2


184 Capítulo 14 – Equilíbrio ácido-base

Controle renal

O sistema renal age de 24 a 48 horas e funciona pelo controle da con-


centração do bicarbonato e do H+ na urina, eliminando os ácidos não voláteis
– como os provenientes da dieta. É o mecanismo mais duradouro, porém é
lento, se comparado aos outros sistemas. Funciona por meio da reabsorção
do bicarbonato filtrado ou da secreção nos túbulos do hidrogênio.

Figura 2 – Esquema do tamponamento sistêmico

Fonte: adaptado de Riella (2010).

Aplicação do conhecimento
Principais distúrbios de pH

O desvio do pH arterial acima de 7,45 é chamado de alcalemia, e


processos que tendem a esse aumento do pH chamam-se alcaloses. Po-
dem ocorrer duas alterações primárias:
a) alcalose metabólica – quando ocorre elevação do HCO3 ou per-
da de íons H+;
b) alcalose respiratória – quando ocorre redução da PCO2.
O desvio do pH arterial abaixo de 7,35 é chamado de acidemia, e
processos que tendem a essa redução do pH chamam-se acidoses. Podem
ocorrer, também, duas alterações primárias:
a) acidose metabólica – quando ocorre elevação dos íons H+ ou
perda de HCO3;
b) acidose respiratória – quando ocorre aumento da PCO2.
Anna Laura Duro Barp et al. 185

Pode-se conferir, no Quadro 1, um roteiro para o diagnóstico dos


distúrbios acidobásicos, baseado na análise do pH, PCO2 e HCO3.

Quadro 1 – Roteiro de diagnóstico dos distúrbios acidobásicos pela análise do pH, PCO2
e HCO3-
Distúrbio pH PCO2 HCO3-
Acidose metabólica Diminuído Diminuída (secundário) Diminuído (primário)
Alcalose metabólica Aumentado Aumentada (secundário) Aumentado (primário)
Acidose respiratória Diminuído Aumentada (primário) Aumentado (secundário)
Alcalose respiratória Aumentado Diminuída (primário) Diminuído (secundário)
Fonte: adaptado de Riella (2010).

Acidose metabólica

É a elevação da concentração de hidrogênio, diminuindo o pH baixo


do LEC. O bicarbonato está reduzido, nesse caso, por estar sendo con-
sumido no sistema tampão. Ocorrerá hiperventilação compensatória ao
estímulo dos centros respiratórios pelo excesso de H+, com movimentos
respiratórios profundos (Respiração de Kussmaul). Observam-se vômi-
tos, dores pelo corpo, fadiga, redução do débito cardíaco e diminuição do
nível de consciência.
Fatores que podem levar o paciente à acidose metabólica são:
a) deficiência de excreção renal dos ácidos nos túbulos: ocorre
por defeito na excreção renal de H+ ou na reabsorção de HCO3.
Pode ser consequência de insuficiência renal crônica, secreção
insuficiente de aldosterona (doença de Addison), além de ou-
tros distúrbios adquiridos ou hereditários que afetem os túbu-
los renais;
b) formação de quantidade de ácidos excessiva e/ou além da ca-
pacidade renal: a acidose lática, por exemplo, ocorre quando
há produção excessiva desse ácido ou quando sua utilização
é diminuída. Sua produção está aumentada quando há dimi-
nuição da oferta de oxigênio para o tecido. Caso isso ocorra
por choque hipovolêmico, além do ácido pirúvico estar sendo
preferencialmente convertido em ácido lático pela queda no
186 Capítulo 14 – Equilíbrio ácido-base

suporte de oxigênio, o uso do ácido lático também estará dimi-


nuído pela queda na perfusão hepática e renal, aumentando
ainda mais a sua concentração;
c) adição de ácidos ao corpo por ingestão/via parenteral: é uma
causa incomum, porém a ingestão de algumas drogas ácidas
pode levar à acidose metabólica grave, como na intoxicação
por ácido acetilsalicílico ou metanol (que forma ácido fórmico
em sua degradação);
d) perda de base dos líquidos corporais: a diarreia grave é uma
das principais causas, pois as secreções gastrointestinais pos-
suem grande quantidade de bicarbonato e a sua perda resul-
ta em uma deficiência de bases no corpo. Desse mesmo modo,
vômitos de grande quantidade de conteúdo intestinal terão as
mesmas consequências.
O tratamento da acidose metabólica consiste na eliminação dos qua-
tro possíveis fatores supracitados. Problemas crônicos como insuficiência
renal são mais difíceis de tratar, nesses casos, podem ser administradas
substâncias que favorecerão o sistema tampão para ajudar a neutralizar
o excesso de ácido ou suprir a falta de base. Costuma-se usar lactato de
sódio ou gluconato de sódio por via intravenosa (RIELLA, 2010; HALL;
GUYTON; ARAUJO FILHO, 2017).

Acidose metabólica na cetoacidose diabética

Posteriormente, neste livro, o mecanismo da cetoacidose diabética


será mais detalhadamente explicado. Brevemente, no diabetes melito
descompensado, a insuficiência de glicose dentro das células, devido à
deficiência de insulina, causa a degradação excessiva de lipídeos. A li-
pólise, por sua vez, tem como produtos o ácido acético e o ácido beta-hi-
droxibutírico – aumentando, dessa forma, a produção endógena de áci-
dos. Por meio do sistema tampão químico, ocorre redução do bicarbonato
do LEC pela associação com o hidrogênio liberado por esses ácidos, com
consequente queda no pH. A reação compensatória do organismo é a hi-
Anna Laura Duro Barp et al. 187

perventilação, numa tentativa de restaurar os níveis normais de pH ao


reduzir a PaCO2 (RIELLA, 2010; KASPER et al., 2017).

Alcalose metabólica

Ocorre por perda de íons H+ ou acúmulo de HCO3- no corpo. Normal-


mente, os rins conseguem eliminar quantidades de bicarbonato suficien-
tes para equilibrar o pH novamente, a menos que haja perda continuada
de hidrogênio ou administração excessiva de bicarbonato. Além disso, o
sistema tampão químico age imediatamente por meio da saída de ácido
lático do músculo, para tamponar o bicarbonato extra no LEC. Haverá
aumento da PaCO2 por meio de hipoventilação como reação compensa-
tória. Os sintomas dependerão da doença de base, podendo ser resultado
de diversos mecanismos:
a) uso de diuréticos: o fluxo de líquidos aumentado nos túbulos
renais causa um aumento da troca de todos os íons e, especifi-
camente, do sódio. A reabsorção aumentada do Na+ causa uma
excreção do H+, já que no túbulo contorcido proximal e na alça
de Henle ascendente essas trocas são acopladas – a reabsor-
ção aumentada do Na+ torna o túbulo mais eletronegativo, o
que diminui a reabsorção de H+, facilitando sua excreção. As-
sim, como a reabsorção está como um todo aumentada, ocorre
também o aumento da reabsorção de bicarbonato;
b) hiperaldosteronismo: a aldosterona promove a reabsorção de
Na+ nos túbulos renais. Como explicado anteriormente, devido
ao acoplamento da reabsorção do Na+ com a excreção do H+,
ocorrerá uma alcalose metabólica se houver excesso de secre-
ção de aldosterona pelas suprarrenais.
c) perda de conteúdo gástrico: o vômito do conteúdo gástrico cau-
sa perda do HCl secretado pela mucosa gástrica, causando de-
pleção de ácido no líquido extracelular.
d) ingestão de agentes alcalinos: ocorre principalmente pela in-
gestão excessiva de fármacos alcalinizantes para o tratamen-
to de desconforto gástrico – como na doença do refluxo gas-
188 Capítulo 14 – Equilíbrio ácido-base

troesofágico. Além disso, a administração de álcali exógeno


em caso de acidose láctica ou na cetoacidose pode causar uma
alcalose, já que o lactato e o beta-hidroxibutirato regeneram o
bicarbonato ao serem metabolizados.
O tratamento da alcalose metabólica consiste, novamente, em eli-
minar a causa do desequilíbrio. Além disso, pode-se fazer a correção do
pH com o uso de fármacos que causem a liberação de ácido e diminuam
o pH dos líquidos corporais (HALL; GUYTON; ARAUJO FILHO, 2017).

Acidose respiratória

Acidose respiratória ocorre pela hipoventilação e consequente hi-


percapnia, elevando a PaCO2 no sangue. Mais comumente, é consequên-
cia de doenças que reduzam ou impeçam as trocas gasosas no pulmão,
como pneumonia, enfisema, obstruções no trato respiratório ou doenças
neuromusculares que comprometam a ventilação. O comprometimento
dos centros respiratórios no bulbo, acarretando a perda na regulação
do ritmo respiratório, também pode ocorrer. Baseando-se na equação de
Henderson-Hasselbach, a concentração de bicarbonato no LEC deve au-
mentar em busca do equilíbrio do pH.
A hipercapnia pode causar confusão mental, letargia, flapping (mo-
vimento involuntário das mãos semelhante a um “bater de asas”, quando
os braços são mantidos estendidos em posição horizontal, é um achado
comum em pacientes hepatopatas, sendo consequência da encefalopatia
hepática) e coma. O tratamento consiste em resolver a causa da hipoven-
tilação. Exemplo: desobstrução das vias respiratórias (RIELLA, 2010;
LOPES; LOPES; VENDRAME, 2005).

Alcalose respiratória

Alcalose respiratória ocorre quando há redução do CO2 (hipocapnia)


no organismo por queda na PaCO2. É causada pela hiperventilação e
as causas patológicas são incomuns, ocorrendo mais frequentemente em
distúrbios psicológicos em que a frequência das incursões respiratórias
Anna Laura Duro Barp et al. 189

pode aumentar. Apesar disso, pode ocorrer em caso de alterações neu-


rológicas, como em neoplasias ou AVE, além de estados de hipóxia per-
manentes, como na insuficiência cardíaca congestiva. Na hipocapnia,
ocorrem reações inversas daquelas que ocorrem na retenção de CO2. Há
a liberação de hidrogênio do LIC e redução do bicarbonato no LEC, de
modo a compensar a queda na concentração plasmática de hidrogênio.
A alcalose respiratória pode ocorrer de modo fisiológico quando, em
altitudes elevadas, a disponibilidade de oxigênio no ar é reduzida e aca-
ba por estimular o aumento da frequência respiratória, causando uma
perda excessiva de CO2.
As manifestações clínicas, além daquelas em consequência da doen-
ça de base, são parestesias nas extremidades e região perioral, alteração
na consciência e espasmos carpopedais. O tratamento consiste em corri-
gir o distúrbio que causou a hiperventilação. Pode ser administrada más-
cara com uma mistura de gás carbônico a 5% (RIELLA, 2010; LOPES;
LOPES; VENDRAME, 2005).

Referências
HALL, John E.; GUYTON, Arthur C.; ARAUJO FILHO, Joaquim Procópio de (Rev.).
Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
KASPER, Dennis L. et al. Medicina Interna de Harrison. 19. ed. Rio de Janeiro: Mc-
GrawHill, 2017. v. 2.
LOPES, A. C.; LOPES, R. D.; VENDRAME, L. S. Equilíbrio ácido-base e hidroeletro-
lítico. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
RIELLA, Miguel Carlos. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.
190 Capítulo 14 – Equilíbrio ácido-base

Exercícios
1. (VUNESP - 2015 – HCFMUSP) A Hipoxemia aguda de qualquer causa, levando
à estimulação reflexa da ventilação, é indicativo de:
a) acidose metabólica.
b) alcalose respiratória.
c) acidose respiratória.
d) cetoacidose respiratória.
e) cetoacidose metabólica.

2. (FGV - 2014 - SUSAM) A gasometria arterial é utilizada para avaliar equilíbrio


ácido-base do paciente. A respeito da gasometria arterial, assinale V para afir-
mativa a verdadeira e F para a falsa.
( ) Um dos seus valores de referência é o seguinte: HCO3: 22-26 mEq/L
(22-26 mmol/L).
( ) O sistema tampão atua por meio da alteração de íons de hidrogênio.
( ) O pH > 7,45 é considerado aumentado.

As afirmativas são, respectivamente,


a) F, V e F.
b) F, V e V.
c) V, F e F.
d) V, V e V.
e) F, F e V.

3. (INSTITUTO AOCP - 2014 - UFC) Sobre o equilíbrio ácido-base, é correto afir-


mar que:
a) o mecanismo respiratório para regular o equilíbrio ácido-base é mui-
to lento, demorando horas para iniciar sua correção, sendo este pou-
co eficiente.
b) somente o mecanismo metabólico pode produzir uma acidose.
c) se uma acidose, onde o pH é inferior a 7,35, estiver acompanhada de
uma PaCO2 superior a 45 mmHg, estaremos diante de uma acidose
respiratória.
Anna Laura Duro Barp et al. 191

d) a elevação do bicarbonato no sangue causa acidose ou neutraliza


uma alcalose.
e) quando a acidose ocorre com a PaCO2 normal e o bicarbonato baixo,
estamos diante de uma acidose respiratória.

Gabarito: 1 – B; 2 – D; 3 – C.
Sobre os autores

Anna Laura Duro Barp – acadêmica da Faculdade de Medicina da Univer-


sidade de Passo Fundo. E-mail: annalaurabarp@gmail.com

Cristian Roman Bonez – acadêmico da Faculdade de Medicina da Univer-


sidade de Passo Fundo. E-mail: 171085@upf.br

Déborah Glimm – acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade


de Passo Fundo. E-mail: dehglimm@hotmail.com

Francisco Costa Beber Lemanski – acadêmico da Faculdade de Medicina


da Universidade de Passo Fundo. E-mail: franlemanski@hotmail.com

Gabriela Kohl Hammacher – acadêmica da Faculdade de Medicina da


Universidade de Passo Fundo. E-mail: gkohlhammacher@gmail.com

Larissa Rosa Eckert – acadêmica da Faculdade de Medicina da Universi-


dade de Passo Fundo. E-mail: larissa291@hotmail.com

Lucas Zeni Montenegro – acadêmico da Faculdade de Medicina da Uni-


versidade de Passo Fundo. E-mail: lucaszm35@gmail.com

Luciano de Oliveira Siqueira – graduação em Farmácia e Bioquímica pela


Universidade Federal de Santa Maria (1997). Especialização em análi-
ses clínicas e toxicológicas (1999). Título de proficiência em laboratório
de hematologia clínica emitido pela Sociedade Brasileira de Hemato-
Sobre os autores 193

logia. Mestrado em Ciências Biológicas (Bioquímica Toxicológica) pela


Universidade Federal de Santa Maria (2002) e doutorado em Ciências
Biológicas (Bioquímica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2009). E-mail: luciano@upf.br

Luísa Fanton Pelle – acadêmica da Faculdade de Medicina da Universida-


de de Passo Fundo. E-mail: luisafantonpelle@gmail.com

Martina Souilljee Birck – acadêmica da Faculdade de Medicina da Univer-


sidade de Passo Fundo. E-mail: tinabirck@hotmail.com

Rodrigo Alberton da Silva – acadêmico da Faculdade de Medicina da Uni-


versidade de Passo Fundo. E-mail: rodrigoalbertondasilva@gmail.com

Saulo Bueno de Azeredo – acadêmico da Faculdade de Medicina da Uni-


versidade de Passo Fundo. E-mail: saulodeazeredo@yahoo.com.br

Thiago de Bittencourt Buss – acadêmico da Faculdade de Medicina da


Universidade de Passo Fundo. E-mail: 171511@upf.br

Vanessa Guse – acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade


de Passo Fundo. E-mail: gusevanessa21@gmail.com

Victor Emanuel Angeliero – acadêmico da Faculdade de Medicina da Uni-


versidade de Passo Fundo. E-mail: victorangeliero014@gmail.com

Você também pode gostar