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IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

Ilustração da capa
EXPLOSÃO CÓSMICA — Óleo s/tela 56x50 de ZAEL CURSINO

Fotolitos e clichês
CLICHERIA GARCIA LTDA.

Revisão
NAASSON VIEIRA PEIXOTO

Composição e impressão
FOLHA CARIOCA EDITORA LTDA.

Publicado pela EDITORA MANDARINO LTDA.


C.G.C. 34.026.245/0001-00 — INSC. 81.202.540

RUA MARQUÊS DE POMBAL,


172 — CAIXA POSTAL 11000
20.230 — Telefone: 221-5016 —
RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL
GEORGES GONZALES
Secretário-Geral da União Espírita Francesa

O Que Nos Espera


Depois da Morte a
2. Edição

Tradução e Prefácio
do
DR. FRANCISCO KLÖRS W E R N E C K
TRADUÇÕES E OBRAS
DO
DR. FRANCISCO KLÕRS WERNECK

Traduções (editadas)
O ESPIRITISMO E A IGREJA — (Rev.) Haraldur Nielsson (1)
O ESPIRITISMO NA ÍNDIA — (Juiz) Louis JacoUiot (2)
VISÕES ESPÍRITAS NA TERRA E NO AR — (Conde) Cesare de
Vesme (3)
COMO DESENVOLVER A MEDIUNIDADE — Paul Bodier (4)
O LIVRO DO MÉDIUM CURADOR (5); O FENÔMENO DAS MESAS
FALANTES (6) — (Prof.) José Lhomme
FENÔMENOS DE TRANSPORTE (7); LITERATURA D'ALÉM-TÚMU-
LO (8); FENÔMENOS DE TRANSFIGURAÇÃO (9); BREVE HIS-
TÓRIA DOS RAPS (10); MARCAS E IMPRESSÕES DE MÃOS DE
FOGO (11); COMUNICAÇÕES MEDIÚNICAS ENTRE VIVOS (12)
— (Prof.) Ernesto Bozzano
O QUE NOS ESPERA DEPOIS DA MORTE — (Eng.) Georges Gon-
zales (13)

Traduções (a editar)

FENÔMENOS DE BILOCAÇÃO — (Prof.) Ernesto Bozzano (14)


MEU FILHO VIVE NO ALÉM — (Rev.) Walter Wynn (15)
PORQUE EU CREIO NA IMORTALIDADE DA ALMA — (Sir) Oliver
Lodeg 118)
MATERIALIZAÇÕES DE ESPÍRITOS — Paul Bodier/Ernesto Bozza-
no (17/8)
VIDA, MORTE E REENCARNAÇÃO — Quatro autores (19/22)
Obras (editadas)

CRÔNICAS ESPÍRITAS (23)


JESUS DOS 13 AOS 30 ANOS (24)
HISTÓRIA E GENEALOGIA FLUMINENSES (25)

Obra (a editar)

FENÔMENOS E REVELAÇÕES ESPÍRITAS (26)

Em tradução:
O PODER DA PRECE — (Eng.) Georges Gonzales (27)
A VIDENTE DE PREVORST (Med.) Justinus Kerner (28)
TRINTA ANOS ENTRE OS MORTOS — (Med.) Carl A. Wickland (29)
TELEPATIA, TELEMNÉSIA E A LEI DA RELAÇÃO PSÍQUICA — VI-
SÃO PANORÂMICA OU MEMÓRIA SINTÉTICA NO MOMENTO
DA MORTE — (Prof.) Ernesto Bozzano (30)
ÍNDICE

Prefácio da primeira edição brasileira 9


I — Introdução 11
II _ A VIDA: 13
O mecanismo da morte é conhecido 13
O pensamento sem substratum 15
Alguns aspectos da vida 18
Os poderes estranhos 19
A vida dos seres e sua responsabilidade moral 21
III — PREPARAÇÃO PARA A MORTE: 23
A lei da densidade espiritual 23
A aproximação da morte 25
IV — O MOMENTO DA MORTE: 31
V — DEPOIS DA MORTE: 39
As comunicações com o invisível são possíveis 39
Os médiuns . , 43
Temos o direito de evocar os mortos? 48
Os primeiros contatos com a morte 49
As condições do pós-morte 52
A reencarnação e a lei do karma 58
As preocupações terrenas 67
Alguns casos de exatidão e provas de iden-
tidade 70
As aparências em matéria de evolução 73
A sorte dos mortos da guerra e os falecidos
de morte violenta 75
As possibilidades dos desencarnados 80
O papel da matéria através das existências 83
7
A discriminação em matéria de manifesta-
tações de espíritos
Os espíritos se apresentam vestidos?
Meios de apreciação do grau de evolução es-
piritual dos espíritos
O fim da evolução
O desenvolvimento do sentimento do amor
Um exemplo íntimo do processo de uma alma
ALGUNS CASOS PARTICULARES:
A responsabilidade de nossos atos perante a
vida futura
As missões
O que eles nos declaram ou o que verificamos
Onde habitam os mortos: os planos
Prefácio da primeira edição
brasileira

As diversas religiões nos apresentam este tema resolvido por


dogmas antigos, mas hoje, em que as permutas intelectuais são nu-
merosas, somos chamados a tomar conhecimento de textos outros
que não aqueles que embalaram a nossa infância.
Qual é a verdade? A dos materialistas que nos afirma que não
resta mais nada depois da morte; a das igrejas cristãs que nos en-
sina a existência de um paraíso, um purgatório e um inferno; a dos
hindus que nos prende a um ideal em que seremos fundidos no
Deus do Advaitismo ou bem a dos credos que nos diz que dormi-
remos até o juízo final?
Não se pode conhecer a verdade através destas afirmativas
contraditórias, que não se acham mais no nível de nossa sede de
conhecimentos novos.
Os textos antigos possuem certamente o grande mérito de ter
abordado este problema crucial sob um ângulo condizente com os
costumes e as épocas e de ter colaborado com as leis em uso, em
manter os povos sob a moral necessária naqueles tempos primitivos
pouco policiados.
Para conhecer, porém, uma verdade que todos os homens cul-
tos buscam, é preciso outros métodos que não os da crença cega e
dirigida. É necessário renunciar às compilações e recorrer a dados
novos, a uma experimentação convincente tanto mais que sábia e
racional, tudo isto com o auxílio de processos pouco conhecidos
ou esquecidos, que demandam longa paciência, conhecimentos
aprovados, como um raciocínio pertencente a uma ordem elevada
do pensamento humano.
Foi por isto que Georges Gonzales, que consagrou, na França,
sua longa vida ao Espiritismo, resolveu fazer-nos conhecer melhor
este "O que nos espera depois da morte", expondo-nos, na lin-
guagem clara e precisa que lhe é peculiar, suas pesquisas e suas
apaixonantes experiências.
Georges Gonzales, veterano espírita francês, de remota origem
espanhola, apesar de muito conhecido no seu país por seus cinco
beles livros espíritas, dos quais me deu graciosamente autorização
para traduzir e publicar no Brasil, e numerosos e ótimos artigos
doutrinários, além de cargos de relevo na Franca, não o é, infeliz-
mente, no Brasil, por não ter um só de seus livros traduzidos em
português, tarefa que iniciamos agora com a tradução de "O que
nos espera depois da morte".
Georges Gonzales, espírita esclarecido há 50 anos, ê hoje, na
avançada idade de 84 anos, presidente do Grupo Espírita "Amor,
Luz e Caridade" e ainda secretário-geral da "União Espírita Fran-
cesa", de Paris, de cujo órgão La Survie (A Sobrevivência), é ge-
rente e redator principal, bem como membro do Comitê Execuivo
da Federação Espírita Internacional.
Médium auditivo e às vezes clarividente, recebe instrutivas
mensagens de elevada entidade espiritual que se assina com o sin-
gular nome de "Modesto".
Na vida profissional, é engenheiro eletricista aposentado da
Cia. de Transportes Públicos de Paris (Metrôs), cargo em que
prestou relevantes serviços ao s e u país natal.
Apresentando "O que nos espera depois da morte" e o seu ilus-
tre autor, contamos como certa a preferência do público espiritua-
lista ou não para esta preciosa obra, que não deve faltar na estante
dos estudiosos e constituir mesmo um livro de cabeceira.
Que belos exemplos de militança espírita aos 84 anos de ida-
de! Na França: Georges Gonzales; no Brasil: Carlos Imbassahy.
E, em escala bem muito menor, este tradutor que ora com-
pleta 64 anos de idade de nova existência terrena, dos quais 40
anos consagrados ao Espiritismo, e que, com o guia-espiritual "Cris-
to d'Angelo", diz: "Quero ajudar a toda gente."

Francisco Klòrs Werneck

Rio de Janeiro, 28 de março de 1969.

10
Introdução

Se tivesse, no começo desta obra, a idéia de dizer que


estamos vivos, pensarão que eu enuncio um truísmo sobre o
qual ninguém tem necessidade de insistir, porém se com-
plico a frase ao perguntar: "Estamos vivos, mas por quanto
tempo?" penso que pessoa alguma poderá responder-me de
uma maneira certa, pois que a vida é um fator cujas regras
saem do domínio matemático para esposar, por meio de
uma exposição sumária, a mais alta fantasia,
Fiamo-nos muito nas aparências quando na Terra e
assim declaramos que alguém é feliz ou que tem uma exce-
lente saúde quando estamos às vezes em face de um homem
de negócio, rico ou manejando grandes capitais, mas mina-
do realmente por preocupações de uma vida doméstica ca-
prichosa ou bem de um indivíduo que morrerá, em alguns
dias, de uma ruptura de aneurisma, por pletora de carnes
que ele exibe para nossa inveja.
Estamos de tal modo habituados a encarar com um
olhar distraído tudo o que nos cerca que nada nos pareça
extraordinário no dédalo dos fatos diários e, no entanto, se
nos entregarmos a uma observação atenta, perceberemos,
primeiramente, que podemos catalogar, de qualquer sorte, o
que percebemos, em duas categorias: as coisas inertes, de-
pois os objetos possuindo em si elementos de ação.
As coisas inertes são imutáveis em si. Se nada acontece
com elas, permanecem intactas e no mesmo lugar, pelo me-
nos um curto tempo.

11
Os objetos possuindo em si elementos de ação são com-
postos de tudo o que vive: os seres de toda natureza, quer
sejam humanos, animais, vegetais.
Em primeiro lugar, os vegetais são imóveis, mas vê-se
perfeitamente que eles nascem, crescem e se modificam em
cada estação. Quem já não se maravilhou, numa bela ma-
nhã de primavera, ao encarar as árvores cobertas de folhas
novas e a transformação súbita da natureza em alguns dias?
Quem já não aspirou, um instante, no campo, o cheiro de
fenos recentemente cortados ou o das mil corolas abertas
sobre as quais vinham as abelhas pousar?
Ora, que são esses aromas senão as emanações vivazes
de múltiplos vegetais em transformação ou em atividade,
exteriorizando algo de si, algo imponderável, mas destinado
a provar a sua mobilidade, a sua vida, a vida que deixará
um dia!
Devemos então enfrentar um novo período para o qual
não estamos ainda preparados. Nossos pais terão gasto lon-
gos anos para a nossa educação material, mas nada terão
feito por uma existência muito mais longa à qual estamos
destinados, porque, como bem sabemos, nenhum de nós se
livrará da morte.
Nós, os vivos, seremos um dia Nós, os mortos, e lamen-
taremos provavelmente a imprevidência de nossos próximos,
assim como a nossa no que diz respeito a esta importante
questão: a sobrevivência da alma e o não preparo para esta
longa estação que seremos chamados a fazer depois que o
nosso corpo for encerrado no túmulo.

12
A VIDA

O mecanismo da morte é conhecido?


A morte é um fenômeno ainda cheio de mistérios: ela
é verificada, mas ninguém a explica.
Sabe-se bem o que a acarreta: medicamente falando, co-
nhecem-se os males, as afecções, os acidentes que a determi-
nam. Codificaram-se, nos tratados de medicina, todas as re-
gras ou todos os esforços que se tentaram para a evitar ou
para a retardar, de modo que se conhecem as suas carac-
terísticas. Mas a medicina e as ciências materiais, não en-
carando senão o que se vê, ignoram ainda como se produz
a morte. Um indivíduo está de boa saúde, que, a partir de
certo dia, vacila, enfraquece e a medicina rotula de câncer,
de leucemia, de tumor, de tuberculose etc, a afecção de que
ele padece; depois, um dia, o doente deixa de respirar e ve-
rifica-se que o seu coração não bate m a i s . . . Ele está morto.
Por quê? No fundo, acha-se aí toda a questão. Tinha 30, 40
ou 50 anos e estava de boa saúde, que a morte liquidou em
um minuto, uma hora ou seis meses, sendo o resultado o
mesmo. Está morto.
Tudo que compunha o seu atrativo: um corpo bem cons-
tituído, um porte agradável, um rosto bonito, tudo isso co-
meça a se apagar no instante mesmo da morte e, se não se
toma alguma precaução (por exemplo, o embalsamamento,
conservação fria), a decomposição atingirá essa carne como
faz com toda carne abandonada.

13
Assim, apesar de todos os esforços dos sábios, apesar
de descobertas de todas as naturezas, apesar do trabalho de
numerosos especialistas, a despeito de todos os tratamentos
médicos e cirúrgicos, morre-se sempre e a morte reveste as
mesmas características de cem mil anos passados.
Certamente, os trabalhos executados não foram inúteis,
pois que a idade média das pessoas mortas pôde ser retar-
dada de alguns anos.
Por meio de medidas preventivas, principalmente o sa-
neamento dos locais de habitação, a secagem de pântanos
produtores de impaludismo, o isolamento dos contagiosos, a
aplicação de leis sociais de segurança, a criação de preven-
tórios e sanatórios, medidas profiláticas, tratamento de lon-
ga duração nos indivíduos portadores de taras perigosas e
curáveis, auxílios-doenças, férias anuais etc. não assistire-
mos tão freqüentemente às mortes prematuras por miséria
fisiológica ou por esgotamento. O limite da vida ficaria assim
prolongado.
Entretanto, se a tuberculose está em regressão, o cân-
cer parece estar em crescimento, visto que, atualmente, uma
pessoa em sete morre de câncer. Ele é ainda o inimigo pode-
roso contra o qual os recursos da medicina são impotentes.
Outras enfermidades se mostram ainda incuráveis, produzin-
do cada ano numerosas mortes, que são ainda aumentadas
com as guerras e os acidentes de automóveis.
Em suma, não se conseguiu mais prolongar a vida hu-
mana; não se fica mais velho do que antes, porém muita
gente mais se torna velha.
A morte é sempre uma desconhecida formidável que
zomba de todos os processos médicos e que cumpre a sua
tarefa pobre a totalidade dos humanos, substituindo perio-
dicamente uma geração por outra.
Como disse na introdução desta obra, passaremos todos
por ela e, em cem anos, só restarão bem raros elementos
dos que vivem hoje.
Examinemos um pouco o mecanismo da morte.
Um ser está aí, cheio de vida; se, em dado momento, é
privado de respiração durante alguns minutos (enforcamen-
to, afogamento, abafamento), ele morre e, uma vez privado

14
desta vida, apesar do corpo absolutamente intacto, é então
impossível reanimá-lo, de colocar nele o que lhe falta e lhe
permitia pensar, agir, comunicar-se conosco.
Mais ainda, a partir de tal momento, a decomposição
do corpo começa.
A vida é, pois, um tremendo mistério e o homem, se
chega a possuí-la um momento, é incapaz de a conservar e
fazer renascer.
Sabe-se. por exemplo, que a falta de respiração produz
a asfixia e por conseqüência a morte. Entretanto, é certo
que hindus se fazem enterrar vivos sob certas condições e
permanecem várias semanas assim, antes de serem desen-
terrados e revividos. A duração do enterramento é às vezes
de seis semanas.

O pensamento sem substratum


A idéia de que o pensamento provém do cérebro está de
tal modo enraizada na humanidade que pessoas bem espiri-
tualistas, entretanto, formulam esta questão pelo menos
inesperada dos seus lábios: "Pode-se figurar a consciência
sem o corpo, ou, de outro modo, a consciência sem a aqui-
sição do espírito, pois que estivemos na escola e mobiliámos
nosso cérebro, então nosso espírito, de todos os conhecimen-
tos que carregamos na vida."
É, com efeito, um grave problema este do pensamento
sem substratum. Compreendemos perfeitamente que as pes-
soas não familiarizadas com as provas da sobrevivência ou,
pelo menos, com as possibilidades da sobrevivência, as que
não têm senão uma fé incerta neste sentido não possam assi-
milar, de improviso, a independência mais ou menos estrita
da consciência fora do cérebro.
Certamente, a aparência está aí. Quando somos crianças,
os nossos pais nos educam e nos fazem instruir por diferen-
tes mestres, cada um dos quais nos injeta pouco e muito
das suas concepções. Eles nos inculcam idéias que nos segui-
rão provavelmente a vida inteira.
É a eles que atribuímos os nossos sucessos, o nosso
comportamento futuro e às vezes os nobres sentimentos que

l5
formam o fundo de nosso caráter, valorizando a nossa per-
sonalidade.
É certo que os nossos mestres são guias apreciáveis,
pois as suas lições, embora muitas vezes especializadas, nos
guiam, com proveito, nos caminhos produtivos das nossas
carreiras, de acordo com as nossas aspirações, mas os seus
ensinos só valem pelos seus exemplos, tanto assim que nós
dizemos: "Ele disse tal coisa e a executou" e o ato fala me-
lhor para nós do que as palavras.
É, pois, bem evidente que o nosso cérebro, instrumento
de nosso pensamento (na aparência), é o receptor primor-
dial de todas as percepções externas, de todas as culturas
que nos são infundidas e, já que tudo passa por ele, aparece
como o substratum de nossas faculdades, como o motor
principal sem o qual não somos nada.
Todas as aparências estão a favor desta tese, porque,
se tumores do cérebro não impediram homens de pensar,
não é menos verdade que ficaram minguados em um mais
ou menos breve período e que, finalmente, morreram dessa
afecção que os levou ao túmulo, aniquilando, aos olhos dos
vivos, a expressão terrestre, isto é, tangível de seus pensa-
mentos.
À parte os escritos que deixaram, nada mais resta, a
respeito de todos, no que concerne ao pensamento.
As teorias materialistas são numerosas no que visa ao
papel do cérebro no pensamento, por exemplo: a embriaguez
aniquila as faculdades cerebrais, desde que um indivíduo,
que bebeu mais que de costume, não raciocina mais; seu
juízo é influenciado pela quantidade de álcool ingerido, por-
que esse álcool, passando pelo sangue, sobe pelos vasos que
alimentam as meninges.
Acontece o mesmo com os estupefacientes, analgésicos,
barbitúricos e t c . . . que infligem ao pensamento desregra-
mentos importantes, ocasionando uma euforia total, visões
agradáveis ou às vezes idéias nostálgicas e mesmo, como a
cravagem do centeio, levando ao delírio ou à loucura.
Se independência existia, clamam os materialistas, não
poderia haver aí influência, só o corpo seria atingido, mas
não as manifestações do que chamais alma. Então o pensa-
mento está intimamente ligado ao corpo.

16
É, de resto, um problema que será debatido por muito
tempo, porque, quando se trata de argumentação, há tantas
teses em favor quanto em desfavor, visto que os raciocínios
podem sempre mudar e ser interpretados em sentido con-
trário de uma afirmação.
Ora, em todas as alegações que enumeramos, não há
senão aparências, porque o cérebro não é sempre um gera-
dor como se crê, mas é sobremodo um transformador. Ele
recebe o pensamento do indivíduo, isto é, do ego, também
chamado de eu, ou ainda de alma, e transmite ordens ao
corpo, que obedece.
O cérebro é um conjunto complexo destinado a receber
o pensamento. O contato entre a alma e o corpo se opera
1
por numerosos neurônios de superfície do encéfalo. Com-
preende-se então muito bem que todo o desregramento tem
uma formal repercussão nas transmissões e que ele possa,
em caso de excesso, servir-se do desvairo, da titubeação,
assim como de outras manifestações interessando o equilí-
brio das faculdades cerebrais ou as do corpo dependendo
estreitamente do cérebro.
Não podemos, pois, senão registrar esses desregramen-
tos de qualquer causa que provenham, sem que tal infirme
a existência de um princípio exterior ao corpo, isto é, da
alma.
Este princípio é, de resto, fácil de provar, mesmo sem
crer na sobrevivência da alma, porque, se a ciência pura
quer ignorar as manifestações supranormais, que são, em
suma, exceções, elas não deixam de existir menos.
Digo que elas são exceções e, se não o são para nós que
praticamos o Espiritismo, o são para os materialistas que
as toleram às vezes, embora não as busquem, mas as regis-
tram excepcionalmente. É de lastimar que, quando tal acon-
tece, eles as consideram como um efeito do acaso ou não
falam delas, devido às posições tomadas ou o temor de pa-
recer ridículos.
É verdade que os fatos, passando sempre por vias hu-
manas, não são mais reconhecíveis. Não se distingue a mão
do destino senão quando se sabe que a intervenção sobre-
humana é possível.
1 Le Corps et l'Esprit, de Georges Gonzales.
Alguns aspectos da vida

A vida é certamente bem fácil de definir segundo os


conceitos espiritualistas, mas, do ponto de vista material,
as explicações que se lhe dão são bastante surpreendentes.
É assim que eu li, muito divertido, a definição que o dicio-
nário Larousse lhe dá: VIDA: Resultado do jogo de órgãos
concorrendo para o desenvolvimento e a conservação do in-
divíduo.
Esta explicação, bizarra para nós, não é senão o resul-
tado de uma aparência, porque é, ao contrário, o jogo dos
órgãos que é o resultado da vida.
Sem a vida, os órgãos, mesmo intactos, são inertes, caem
em decomposição em breve tempo. Jamais se viu um órgão
ou um complexo de órgãos funcionar sozinhos, sem esta
coisa imponderável: a vida.
O autor da definição compreendeu mal o problema, ele
quis explicar, por uma inversão de funções, um mecanismo
da vida, sem compreender que a vida é uma das proprieda-
des da alma. A vida é eterna; ela está incluída na alma; ela
anima um corpo quando uma alma lhe é ligada e quando
deixa o corpo, esse, mesmo intacto, não é mais do que um
corpo morto para sempre.
A vida é um fenômeno muito complexo, mas não trata-
2
rei dele aqui, pois já o expus em outra obra. Acredita-se
habitualmente que os atentados ao jogo de certos órgãos são
um dano grave às fontes da vida e exceções raras mostram
que não é sempre assim e que a vida não é calcada de for-
ma idêntica em todos nós.
Em 1947, um holandês chamado Mirin Dajo se exibia
em music halls. Ele tinha, na ocasião, 35 anos, mas parecia
ter 50. Era faquir. Todas as noites, fazia perfurar o corpo
em cinco lugares diferentes, sem truque algum. Seu auxiliar,
um antigo açougueiro, tremeu quando da primeira vez o
transpassou.
Mirin Dajo havia treinado durante longos anos. Era
transpassado com uns finos floretes e, para bem mostrar que

Georges Gonzales: Le Corps et l'Esprit.

18
eles não eram simulados, fazia-se atravessar, sob controle
médico, com três compridas cânulas de aço. Quando elas
tinham atravessado o corpo, eram ligadas com uma série de
canudos de caucho, dependurados sobre um conduto dágua
e o líquido, atravessando o faquir, o transformava em uma
fonte viva.
órgãos essenciais eram atingidos: os pulmões, os rins,
o fígado e t c . . . e nenhum dano daí resultava para Mirin
Dajo. Mas esse espetáculo não deixava de causar o seu efei-
to sobre os espectadores que evadiam cada dia em grande
número, porque os seus nervos não suportavam a vista des-
s e . . . divertimento. Em junho de 1947, no Corso de Zurich,
o açougueiro, tendo calculado mal o seu golpe, fez bater a
lâmina contra o osso ilíaco com uma tal força que o faquir
perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos.
Em vista desses fatos, noticiavam os jornais e principal-
mente o Samedi-soir e, em conseqüência de uma petição assi-
nada por numerosos médicos que previam a possibilidade
de um acontecimento fatal, a direção da polícia cantonal
proibiu qualquer representação.
3
Mirin Dajo se recolhia antes da retirada das espadas
de seu corpo, de modo a reter todo o derramamento de san-
gue. Parecia ser assim senhor de sua circulação. Ele ofere-
cia aos médicos um enigma vivo contínuo, pois que violava,
permanentemente, as leis que se atribuem geralmente à carne
e ao sangue, que, nele, possuíam um poder cicatrizante re-
generador absolutamente extraordinário, tanto mais que ne-
nhuma precaução asséptica era tomada em tais experiências.
A assepsia, porém, lhe foi fatal. Mirin Dajo, por gabo-
lice ou nova experiência, tinha engolido, não me recordo
bem, se um punhal de alguns centímetros, e teve de ser ope-
rado. Então, os cirurgiões lhe aplicaram as regras assépticas
nabituais e ele faleceu em conseqüência da intervenção.

Os poderes estranhos
Certas pessoas possuem poderes que nos parecem extra-
ordinários.
3 Ver La Prière-Force, de Georges Gonzales.

19
Por muito tempo são consideradas como seres excepcio-
nais ou não merecem crédito, porque, como todos os seres
humanos, estão sujeitas ao erro e se aproveitam dessa even-
tualidade para refutar todas as exatidões.
Esses poderes se apresentam de tal maneira que não
podemos enunciar as suas leis, pois revestem aspectos e di-
versidades inesperadas.
Certamente eles parecem pertencer quase sempre a pes-
soas cuja religiosidade ou misticismo é patente, mas não é
sempre o caso e muitas vezes essas faculdades não eclodem
senão em razão de certas circunstâncias que fazem nascer
uma série de fenômenos que levam infalivelmente o inte-
ressado na via do imponderável.
Esses poderes parecem escapar a um estreito dogmatis-
mo, pois não favorecem nenhuma crença particular.
É assim que temos conhecimento de marabus, hindus,
orientais e ocidentais que podem apresentar faculdades no-
táveis.
Por exemplo, conheci um homem que, no meio de um
público numeroso, fazia revelar, por uma terceira pessoa,
objetos individuais que essa pessoa colocava logo em enve-
lopes do mesmo aspecto e de igual formato. Na presença
do montão de envelopes, esse homem, de olhos vendados,
os apalpava um a um, anunciava o seu conteúdo e, às apal-
padelas, se dirigia para o possuidor do objeto, à semelhança
de um cão de caça. percorria as fileiras dos públicos muito
rapidamente e entregava a cada um o que lhes pertencia, re-
velando-lhes detalhes de sua vida, saúde etc.
Essas videncias muito espetaculares, bem como a ma-
neira com que este provava a individualidade dos objetos de
cada um, objetos impregnados da personalidade dos donos
de cada um deles, eram verdadeiramente notáveis.
Outros poderes humanos podemos citar, como, por
exemplo, o que tem certos curadores ou indivíduos que pa-
recem conhecer a fundo vosso passado ou vosso futuro ou
são capazes de caminhar sobre o fogo como os pirobatas da
Grécia ou do Romênia que, no dia de São Constantino, exe-
cutam, em procissão, marchas ou danças sobre brasas vivas,
sem receber queimaduras e sem que as plantas dos seus pés,

20
apesar da duração da cerimônia, apresentem o menor traço
de deterioração.
Fenômenos tão perturbadores são registrados na Índia,
ou na Pérsia, onde faquires se fazem enterrar vivos durante
várias semanas e são reanimados, depois de uma espera fi-
xada de antemão, a uma hora determinada de comum acor-
do. Eis um dos fatos referidos acima e extraído da France-
soir, de 7 junho de 1950:

Um faquir austríaco permanece 250 horas a


5 metros debaixo da terra.
"Innsbruck (6 de junho (A.F.P.). Permane-
cendo enterrado vivo durante 250 horas, a 5 me-
tros de profundidade, o austríaco Lehner, de 40
anos de idade e conhecido sob o nome de faquir
Ben Amalfo, acaba de bater, em Innsbruck (Tirol),
o seu próprio recorde mundial.
Foi perante mais de um milheiro de pessoas
e na presença das autoridades médicas que foram
removidos os 7 metros cúbicos de terra que co-
briam o caixão de 2,10 m de comprimento por 70
de largura e 75 de altura."

A vida dos seres e a sua


responsabiladade moral
Para bem compreender a evolução humana e discernir
o caminho que temos a percorrer tanto quando vivo como
depois da morte, deve-se seguir o esquema principal da vida,
de modo que se assimilará melhor as diretivas gerais que
conduzem a nossa sorte e. por conseqüência, as razões que
nos tornam felizes ou desgraçados, as obrigações que decor-
rem de nossa ascensão para o Além, como as descidas que
ali podemos efetuar, os sofrimentos que lá padeceremos ou,
ao contrário, as alegrias que ali experimentaremos, porque
é um imenso problema o de nosso futuro.
Trata-se não apenas de saber o que nos espera depois
da morte, mas igualmente de conhecer porque tal se pro-
duz e, se possível, como evitar o pior para receber o melhor.

21
Não procedemos assim na vida, em que buscamos sem-
pre ter uma sorte desejável, uma situação mais vantajosa,
o que constitui, de resto, a experiência que adquirimos ao
mesmo tempo pela prática e pela teoria.
Não deve ser assim no que diz respeito a este imenso
futuro que nos aguarda a todos no Além e não podemos
fugir, apesar de nossas crenças e de nossas prevenções, sem
experiência suficiente ou sem documentação porfunda.
Assim, podemos já encontrar, na evolução da vida,
apoiados em documentos ao alcance de todos, isto é, pro-
vindos da ciência material, elemento de apreciação que po-
dem esclarecer-nos, de uma maneira geral, sobre os fins
perseguidos.

22
PREPARAÇÃO PARA A MORTE
Preparação para a morte! Que estranha reunião de pa-
lavras! Crer-se-ia, ao lê-las, que o homem é um condenado
à morte que se ignora e da qual o padre vem falar antes
de sua hora fatal. Esta imagem reveste, entretanto, alguma
exatidão, porque o ser humano é bem, com efeito, um con-
denado à morte (pois dela não escapará de forma alguma),
mas que vive inconsciente do seu destino futuro e da data
de seu prazo final.
O tempo de sua preparação dura a vida inteira, mas
quantos a tomam a sério? Não temos senão que avaliar o
comportamento de nossos contemporâneos e o desinteresse
com o qual encaram o seu destino próximo ou futuro. No
entanto, é um outro futuro que surgirá um dia diante de
nós e que será condicionado por uma grande fé.

A lei da densidade espiritual


Os indivíduos que têm na Terra as suas paixões, os que
se aferram intensamente aos bens terrenos e que não tra-
balham senão por uma fortuna sem olhar os meios para a
adquirir. ficam evidentemente agarrados a ela, pois não se
elevam acima do seu nível. Seu psiquismo fica, pois, carre-
gado de partículas materiais que os tornam pesados e eles

23
se tornam incapazes de se elevarem para os planos superio-
res em razão direta dessa densidade.
Ao contrário, o santo, o sábio, aquele que abandonou
tudo o que possuía para esposar uma alta concepção filo-
sófica ou religiosa, não buscam senão um estado celestial
harmonioso, com o pensamento inteiramente voltado para
um futuro espiritual livre das suas tendências terrestres.
Então as partículas pesadas os abandonam e é o seu corpo
psíquico leve que alcançará, logo depois da morte, os sítios
felizes e as altas esferas que permanecerão desconhecidas
aos primeiros.
Então os dois primeiros, existe toda uma gama de si-
tuações intermediárias, em suma, uma escala de valores que
devem abranger todos os humanos. Pode-se passar do esta-
do mais baixo ao mais elevado numa só existência, mas
alguns sobem os degraus mais depressa do que outros ou
mesmo de dois em dois ou de três em três. Cada um deve
saber se quer permanecer neste planeta de provas ou pre-
ferir a vida maravilhosa que se lhe oferecerá no Além quan-
do for chamado para ali ficar eternamente.
É este o motivo desta obra. É a razão de ser destas pá-
ginas que apresentam aos homens o maior dos seus pro-
blemas, o único que merece uma atenção duradoura, o de
uma existência inteira, quando as outras questões só têm a
duração limitada da época em que se vive. Cada instante
tem as suas dificuldades que se resolvem à medida que o
tempo passa e estende sobre nós os véus do esquecimento.
Teme-se a morte, mas não é ela o fim dos nossos males
como o crêem os humanos? Não, porque encontraremos do
"outro lado" um jogo de leis que regem o nosso destino.
Também a designação dos cemitérios como um "campo de
repouso" não é senão uma figura de estilo sem qualquer
realidade. Onde se acha o repouso para um indivíduo que
faliu na sua tarefa ou nos seus empreendimentos? Onde
está a tranqüilidade para aquele que prejudicou o seu pró-
ximo? Onde pode estar a calma para aquele que matou o
seu semelhante, com ou sem armas, quando deveria reparar
as conseqüências de seu ato?
O cemitério não é "campo de repouso", é antecâmara
da vida nova que se vai desenrolar agora.

24
A aproximação da morte

O momento da morte, por terrível que seja para todos,


sobrevem por acaso ou depois de uma preparação? Para o
estudo que iremos fazer, não devemos duvidar que tal acon-
teça, não importa como. Os poderes que nos dirigem e par-
ticularmente os espíritos encarregados do karma conhecem
de antemão o instante e as circunstâncias de nosso desen-
carne. Sucede que bons videntes lêem a nossa sorte, mas
nem sempre é assim e se algumas visões são às vezes nebu-
losas não é menos verdade que há percipientes que têm
premonições notáveis.
Devemos, entretanto, notar que não existe freqüente-
mente uma claridade deslumbrante nas narrações, pois, na
maior parte das vezes, tratam-se de visões psíquicas com um
simbolismo nem sempre fácil de entender. Quando se tra-
tam de sonhos, eles têm necessidade de serem interpreta-
dos para serem coerentes por uma espécie de código.
Por exemplo, muito recentemente, uma senhora que me
dizia que em maio de 1914, se me recordo bem, sonhara com
um zepelim que sobrevoava uma grande cidade. Ela contou
o sonho à mãe, que exclamou: "Minha filha, é sinal de guer-
ra. Vamos ter guerra!"
A realidade demonstrou que a mãe tinha razão. No en-
tanto, ela não viu senão um balão dirigível, mas não uma
cena de guerra; era, pois, um signo que ninguém poderia
interpretar de outro modo.
Esses sonhos não são propriamente sonhos premonitó-
rios, já que lhes falta a lucidez.
Evidentemente, cada um não pode ter sonhos precisos e
a maior parte das pessoas, como a mãe da moça supracitada
e ela mesma, não sonham senão com objetos que precisam
ser entendidos de acordo com um código estabelecido ou se-
gundo o estado da alma da percipiente.
O sonho premonitório tem por característica a precisão.
Ele descreve, de antemão, como em uma espécie de repetição
psíquica antes da entrada em cena, o acontecimento que se
realizará mais ou menos em breve tempo.

25
Eis um outro fato bem característico, narrado em carta
da Sra. Gautrin, de Paris:

"Em junho de 1935, meu pai, que morava em


Cormolain, pequena região situada a trinta quilô-
metros de Bayeux, resolvera passar alguns dias em
Dreux. Para alcançar a estação de Bayeux, que
fica a trinta quilômetros da casa dele, devia tomar
a condução que passa três vezes por semana.
Um dos seus vizinhos devia partir ao mesmo
tempo que ele, no dia seguinte de manhã.
Ora, na noite que precedeu a sua partida, meu
pai sonhou que a condução sofrera um grave aci-
dente, derrapando e, em seguida, derrubando uma
árvore. Ele via, no sonho, que o vidro partido do
carro, pelo choque, cortara o seu pescoço e sepa-
rara a cabeça do tronco. Ele acordou angustiado
e tomou a decisão de não partir, impressionado
com o que vira.
Assim sendo, no dia marcado, o vizinho partiu
só. Era o prefeito da comuna.
Ora, o carro seguiu como de costume, mas, no
trajeto de Bayeux, o acidente se produziu tal como
havia sido anunciado durante a noite. Na derra-
pagem, um grosso ramo de árvore quebrou um
vidro que decapitou o vizinho do pai da pessoa
autora da carta. Esse se felicitou da decisão que
tomara, "porque, diz ele, eu me teria sentado cer-
tamente ao lado de meu amigo e seria talvez eu
que fosse morto, ou, pelo menos, gravemente fe-
rido."

A narradora acrescenta: "É um dos sonhos mais notá-


veis que já teve, porém, devo dizer, não foi o único. Ga-
ranto a veracidade desta narração."
Recordo-me, a propósito, de um caso que me foi narra-
do pelo meu amigo, o Dr. Fontaine, tenente-médico, duran-
te a guerra de 1914.
Ele fora incorporado a um batalhão de caçadores alpi-
nos. Acabara de ser levado ao seu posto de primeiros cuida-
dos um ferido, de quem uma bala havia atravessado o pes-

26
coço. No fragor da luta, classificavam-se os feridos de acor-
do com a primeira impressão e, vendo o sangue escorrer,
meu amigo acreditou, no primeiro instante, que as duas
carótidas haviam sido cortadas, de modo que fez sinal aos
enfermeiros de que se tratava de um caso desesperado e que
se reservaria de lhe prestar cuidados mais tarde, depois de
atender aos feridos que podiam ser salvos. O ferido pôs-se
a protestar tão bem que Fontaine, observando mais de per-
to, percebeu que as carótidas não estavam lesadas e que ele
ia cometer um erro e assim tratou do ferido.
Ora, acabara-se de levar o soldado, que, de resto, se
restabeleceu rapidamente, quando o comandante Savouret
(penso que do batalhão de caçadores) entrou com os olhos
arregalados na tenda, dizendo:
— Fontaine, acabaste de tratar de um homem que ti-
nha suas carótidas cortadas..." e, antes que o meu amigo
lhe pudesse explicar o que quer que fosse, dizendo:
— Mas meu Comandante...
— Pois bem, agora, Comandante Savouret a mesma
coisa...
E, mostrando o seu pescoço, indicava com os índices o
trajeto imaginário de uma bala lhe atravessara as carótidas.
Fontaine quis explicar, protestar, acalmar o estado de
exaltação em que via o seu chefe, mas o Comandante Sa-
vouret se retirou subitamente deixando o meu amigo algo
perplexo e se perguntando que queria dizer esse reflexo em
um homem habitualmente calmo e sensato. Fontaine me
afirmou que seu Comandante, encerrado no seu Posto de
Comando, não teria podido ver o ferido que fora conduzido
diretamente à tenda de socorros.
Uma hora após, por ocasião de um assalto, teve o Co-
mandante Savouret as duas carótidas atravessadas por uma
bala inimiga, morrendo no campo de batalha.
Assim, a hora da morte e a revelação dos seus detalhes
foram dadas intuitivamente ou por visão àquele que devia
morrer; sua morte não era então devida ao acaso, a uma
eventualidade incerta, mas a uma finalidade reconhecida e
iminente. Seu corpo, aparentemente em bom estado de saú-
de, estava destinado a não ser mais, dentro de uma hora,
senão uma massa de carne privada de vida.

27
Este caso não é isolado, pois numerosos são os que
conheci e que me declararam:
— Sei que não voltarei, ou então, ao contrário: — Bem
sei que voltarei.
Quem não conhece casos deste gênero, onde um dos
nossos amigos ou de nossos parentes figuram, com acon-
tecimentos logo confirmados?
Já vivi também cenas emocionantes, das quais dou aqui
dois exemplos:
Em 1913, era profano nestes assuntos, não tendo deles
senão pouca idéia.
Éramos quatro irmãos: o mais moço acabava de partir
para incorporar-se ao 19.° de artilharia, acantonado em Ni-
mes, que os meus irmãos e eu pensávamos que fosse arti-
lharia de fortaleza.
Certa noite de fins de novembro de 1913, sonhei que
subia um caminho de montanha, chegando a uma caverna
na qual entrei. Lá, um velho, de barba branca, vestido com
uma longa blu°a igualmente branca, achava-se detrás de
uma mesa montada num cavalete. Ele me disse:
— "Viestes por causa de vossa memória (que eu tivera
enfraquecida em um dado momento por causa de uma febre
tifóide, época felizmente passada no momento), mas não vos
inquieteis, pois ides ter a memória de vosso irmão."
— A memória de meu irmão, mas como? perguntei.
— Sim, porque vosso irmão vai morrer!
— Mas qual irmão meu que vai morrer?
— O que é da cavalaria.
Tudo desvaneceu e eu acordei angustiado. "Meu irmão
que é da cavalaria vai morrer, murmurei um pouco arque-
jante, mas, depois que despertei completamente, recapitulei
o caso. Meu irmão mais velho é da infantaria, o seguinte foi
isento do serviço militar e o último é artilheiro. Não tenho
nenhum irmão na cavalaria."
Ora, alguns dias após, uma carta de meu irmão Paul
me anunciava que, em Nimes, ele fora transferido para os
condutores. Era, assim, da cavalaria.
Pertencia à classe que se chamou de classe dos vinte
anos, mobilizada em novembro de 1913, em vista de tensão
política do momento. Recebeu suas divisas de cabo da ca-
valaria por ocasião da partida de seu regimento para a linha

28
de frente e, na aldeia de Lagarde (Baixo-Reno) fez parte de
um reconhecimento com outros jovens cabos, montados,
como ele, o qual foi destruído pelos alemães por ocasião do
combate de 11 de agosto de 1914, em que todo o regimento
foi dizimado.
Seu nome está inscrito no monumento aos mortos de
Nice: Paul Gonzales, e seu corpo jaz no cemitério militar
de Lagarde.
Mais de 9 meses transcorreram entre o aviso recebido
e o fato cumprido. Esta foi a minha primeira premonição.
Tive mais tarde outras que não foram todas de caráter
trágico.
Eis uma das últimas premonições que, como verão, é
múltipla, porque foi tida por vários membros da família e,
porque era absoluta e irremissível, não foi compreendida, já
que os interessados, assim prevenidos, não pensaram em se
precaver.
Ela diz respeito à minha cara esposa, Gabrielle, vice-
presidente do Grupo "Amor, Luz e Caridade", onde empre-
gava todos os esforços por uma obra de caridade e de au-
xílio.
Isso teve início no mês de julho de 1954, quando minha
primogênita, Georgette, sonhou que tocava a campanhia de
sua porta e ela disse ao seu marido:
— Alguém tocou a campanhia, vai atender, porque vem
anunciar que mamãe está falecendo.
O mesmo aconteceu por várias vezes, a intervalos irre-
gulares.
Depois, em 25 de setembro, tive um sonho atroz: Minha
esposa falecera e eu a pranteava, mas, de repente, aparecia
diante de mim e eu lhe dizia:
"Ah! então você não morreu! espantado por haver acre-
ditado na sua morte. Esse sonho me causou profunda im-
pressão e o contei à minha filha Germaine, em cuja casa
almocei no dia seguinte, diante de minha esposa, quando a
minha neta Josiane (18 anos) me contou que ela havia tam-
bém, na mesma noite, sonhado com a morte de sua avó.
Minha esposa tomou a coisa por brincadeira e não tocamos
mais no assunto, pondo de lado a premonição de minha
primogênita.

29
Alguns dias após, tal como foi contado em seguida, meu
genro Lucien Bartout, marido de minha filha Andréa, so-
nhou também que a minha mulher morrera. Não sabendo
de nossos avisos, ela não nos contou nada.
Algo de mais preciso foi comunicado a uma das nossas
amigas, médium, Sra. D., que, na noite precedente, dia 9 de
outubro, sonhou que minha esposa estava moribunda. Como
as nossas relações não eram muito seguidas, não nos disse
coisa alguma.
Uma sexta premonição foi dirigida para Nice, onde re-
side meu irmão. Foi-lhe dito, por comunicação mediúnica,
que a sua cunhada havia falecido, o que, como não era exato,
não se ligara.
Minha querida esposa faleceu, em poucas horas, devido
a uma hemorragia súbita, soltando o último suspiro no dia
10 de outubro de 1954, à 1h 45 min. da manhã.
Como eu havia mandado avisar as nossas filhas, foi
pela meia-noite que a campanhia tocou na porta da casa de
minha filha mais velha para lhe dizer que sua mãe estava
morrendo, cumprindo assim o que ela havia sonhado.
Assim, premonições diversas convergem para anunciar
um falecimento que ainda não se verificara, mas que já es-
tava marcado pelo destino.
Como se tratava de uma pessoa, centro afetivo de uma
família unida, seus membros foram avisados antes, já que
o acontecimento era inevitável, mas de um modo algo con-
fuso e eles não puderam coordenar os seus esforços que
teriam talvez levado a um adiamento.
A prova da irrevogabilidade do fato é a realização da
morte no dia 10 de outubro, data do aniversário do nasci-
mento da minha neta Josiane. tanto mais que outros de-
sencarnes na nossa família e na da desaparecida se deram
precisamente em uma data de aniversário natalício, o que
exclui a idéia de acaso.

30
IV

O MOMENTO DA MORTE
A morte é, pois, um fenômeno estranho correspondendo
a leis ocultas.
Temos tido conhecimento de casos em que, após um
acidente ocasionando um fratura de crânio, ou durante uma
doença mergulhando o enfermo no coma, um espírito ou o
próprio acidentado, se comunicando por médium em transe,
nos anunciar a morte como produzida.
— Ele está morto, dizia-se.
Ora, a vida se manifestava sempre no corpo. Nós pensá-
vamos em um erro do comunicante, visto aquele, de quem
se tratava, se achar mergulhado no coma. Entretanto, a tese
era exata: o espírito já havia deixado o corpo, que não pos-
suía mais do que uma vida vegetativa, retendo os últimos
mecanismos por um processo que nos escapa, mas, como as
últimas oscilações de balancim de um pêndulo chegado ao
fim do curso, estava votado a um repouso completo a algu-
mas horas de distância.
A morte já havia feito a sua obra, a da separação dos
dois princípios: espiritual e material, sem que os olhos hu-
manos dela se tivessem percebido.
Não é sempre assim. porque se pode tratar simplesmen-
te de um estado grave de privação de conhecimento, sem
ruptura com a vida.
Pode-se compreender muito bem, com estas explicações,
que os invisíveis possam nos afirmar, em consideração des-

31
sas duas espécies de comas (um do corpo já morto, isto é,
privado da presença da alma, e o outro continuando sua
ligação com um espírito), que um paciente está perdido ou,
ao contrário, que recuperará a saúde.
A faculdade de visão deles, ultrapassando a nossa, no
que concerne às manifestações do espírito, lhes permite per-
ceber a vida real ou a ausência de todo laço, o que os auto-
riza a fazer diagnósticos e prognósticos precisos neste sen-
tido.
Parece, entretanto, que remissões possam ser obtidas,
assim como já expus. Tive conhecimento de um exemplo sur-
preendente com um dos meus amigos.
Em conseqüência de uma grave enfermidade, estava
agonizando; seus familiares aguardavam o seu fim: o mé-
dico não ousava pronunciar-se. Ora, em dado momento, per-
cebeu diante dele, quando tinha ainda algum conhecimen-
to, seus parentes mortos: pai, mãe, avós, tios e tias, senta-
dos num banco defronte de seu leito e esperando. Só depois
de sarado é que esse fato o surpreendeu; ele pensou que a
sua morte estivera próxima e que seus parentes tinham
vindo buscá-lo. É uma idéia plausível, mas pode-se supor
igualmente que, tendo conhecimento da gravidade de seu
estado, tivessem vindo, ao contrário, ajudá-lo a triunfar da
doença.
Quando o enfermo está em um estado muito grave,
acontece-lhe perceber os invisíveis ou coisas não perceptíveis
aos olhos dos vivos.
Minha mãe se achava em minha casa quando ficou gra-
vemente enferma. Conhecendo o bem que se podia fazer com
os passes magnéticos e embora muito inexperiente então nes-
se assunto que enfrentava pela primeira vez, busquei insu-
flar-lhe um pouco de vida por meio de minha vitalidade com
passes que, não sabendo como distribuir pelo corpo, prati-
quei de cima para baixo e de um lado para outro, cerca de
quinze centímetros um do outro.
Quando ficou curada, minha mãe, que me disse certo
dia:
— Que você fazia sobre mim, durante a minha doença?
Eu o via movimentar a mão da qual saiam umas listas mal-
vas que se entrechocavam com as que colocara transversal-

32
mente; isto, em suma, fluia dos seus dedos e permanecia
como uma espécie de gaiola.
Minha mãe havia, então, visto os fluidos que eu emitia
com o desejo de aliviá-la.
Esses dados escapam evidentemente ao médico mais ex-
perimentado, o que explica a reserva que mantém em pre-
sença de um estado de coma, de que não pode prever o fim,
quando o problema é facilmente resolvido por videntes bem
desenvolvidos.
Tais fatos demonstram que, durante uma longa e grave
enfermidade, pondo em jogo uma vida, o paciente enfraque-
cido experimenta uma estado de dois modos ao mesmo tem-
po: a vida e a morte. Ele fica entre as duas; participa ao
mesmo tempo do que ameaça de deixar e do que pode ser
proximamente a sua sorte. Como vivo, percebe ainda os obje-
tos do mundo sensível e as pessoas que circulam em torno
dele; como quase morto, começa a vislumbrar as coisas que
lhe serão familiares se deixar a existência terrena. Chega,
então, o movimento crucial em que o moribundo espanta os
que o velam com visões que têm pesadelos ou espantos pa-
radisíacos e que se manifestam por palavras de angústia ou
de calma radiosa.
Todos os assistentes ficam angustiados e se perguntam:
irá ele com os espíritos ou permanecerá com os encarnados?
Problema formidável que faz empalidecer de sofrimento os
parentes. Estes o tratam com um devotamento incansável,
despendem forças e energias para arrancar à morte aquele
que amam.
Artur Gonzales, um dos meus primos alemães, falecido
em Auxerre, a 4 de fevereiro de 1903, de tuberculose pulmo-
nar, nos deu um exemplo notável desses desdobramentos
antes da morte.
Ele não acreditava em nada, ou antes, não acreditava
em nada depois da morte, o que é uma crença negativa con-
trária ao Espiritismo, pois que se trata de uma crença, sem
mais fundamento que as outras convicções, se apoiando uni-
camente em aparências exteriores.
Alguns dias antes do seu trespasse, quando, enfraqueci-
do por hemoptises freqüentes em seu leito, dizia a meu pai:

33
— Ah! eis o Dr. Masson que vem me ver; parte da casa
d e l e . . . É na rua do Templo.
E, depois de certo tempo, acrescentou:
— Desce a Rua Joubert... Ei-lo lá na Porta Chante-
pinot. Agora no Boulevard Vaulabelle... Eis que chega.
No mesmo instante, ouviu-se tocar a campanhia da por-
ta: era o Dr. Masson.
Meu primo tinha, então, percebido, pela vidência direta,
os movimentos do médico que cuidava dele, o que mostra
os laços de pensamento que podem produzir uma esperança,
uma afeição, uma intenção.
Ninguém parece duvidar de que os pensamentos fran-
queiam os espaços, atravessando mesmo as paredes mais só-
lidas. Aqui, o médico, preocupado com o estado do seu doen-
te, penalizado igualmente com a próxima partida, para o
Além desse moço que conhecia de longa data, pois era mé-
dico de sua família há numerosos anos, pensou no enfer-
mo que seguia assim todas as fases do seu trajeto.
Falei acima da coincidência da maior parte das datas
de falecimento dos membros de minha família com as de
nascimento. Ora, precisamente o caso de Artur é um deles.
Morreu a 4 de fevereiro de 1903, quando a sua irmã Ga-
brielle nascera a 4 de fevereiro de 1882.
Esse estado, mais de um já o experimentou, quer por
ocasião de uma afeição que se cria perdida, quer no decurso
de uma intervenção cirúrgica. Conheço os dois casos por
narrações orais e ainda recentemente uma criança de 12
anos me contou espontaneamente que, durante uma opera-
ção, quando ainda se achava sob anestesia, se vira subir
até o teto da sala. onde, espantada, contemplava o seu cor-
po adormecido, enquanto o cirurgião agia nele.
Acontecimentos análogos me foram narrados por outras
pessoas que suportaram também o sono artificial. Não são
eles surpreendentes para quem sabe que o corpo e o espí-
rito constituem dois princípios ligados apenas na duração
de uma existência e que conservam, durante esse lapso, uma
certa independência.
Fenômenos bastante inexplicáveis se produzem às vezes
no momento da morte e dificilmente se compreendem os
seus efeitos.

34
Parecem devidos ao acaso ou sujeitos à interpretação
de pessoas supersticiosas, todavia convém examiná-los com
toda a objetividade aqui.
Um dos meus amigos me narrou o seguinte caso:
Sua esposa era cardíaca e tinha um pouco de surdez.
Durante a guerra, ela não ouvia todos os alertas noturnos
em Paris, de modo que pedira ao marido para a despertar
docemente, a fim de não lhe causar palpitações, o que ele
fazia da melhor forma possível.
Certa noite, quando a sirene soava, vendo que a sua
mulher não se mexia, ele a sacudiu suavemente, quando
esta lhe disse:
— Deixa-me, não vê que estou morta!
Curvou-se sobre ela: era verdade, estava morta. Ele
nunca compreendeu esse fenômeno.
Eu tinha 12 anos e meio quando meu pai desencarnou.
Estava doente havia muito tempo e eu cuidava dele o me-
lhor possível quando a minha mãe se achava ausente, de
modo que me lembro perfeitamente dos seus últimos mo-
mentos.
Minha mãe tinha uma aliança enlaçada em duas partes
que se uniam estreitamente formando um só anel. E essa
justaposição se operava por meio de duas pequenas peças
eme se encaixavam uma na outra, sendo que, em uma das
faces internas desses anéis gêmeos estava gravado o nome
de meu pai e na outra o de minha mãe, de modo tal que
os nomes de ambos ficavam um contra o outro, solidamente
unidos.
Certo dia, minha progenitora verificou que os dois
anéis se tinham separado, pelo que teve um funesto pres-
sentimento.
Meus pais não eram místicos, pois foram educados sem
as idéias religiosas, mas minha mãe sabia observar. Ela no-
tou que, no pátio do Liceu onde morávamos (ela era ali en-
carregada da roupa branca), uma coruja piara alguns dias
antes da morte de meu pai e sumira logo a seguir.
Meu pai, nesse 16 de janeiro de 1896, dia do aniversário
4
de seu casamento, me perguntou várias vezes se já não

* Eles casaram a 16 de janeiro de 1882.

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eram nove horas da noite. Ele o perguntou igualmente à
minha mãe, dizendo:
— Ainda não bateu as 9 horas?
Ora, foi às 9 horas que morreu e, coisa mais estranha
ainda, seu relógio de pulso parou precisamente na hora
esperada.
Parece então que tudo se achava previsto para tal mo-
mento crucial; que a hora de sua partida estava marcada;
que ele tinha conhecimento dela pelo menos intuitivamente
e que esse aniversário marcava igualmente a data de seu
trespasse.
Esta espécie de coordenação de avisos, apresentando-se
sob formas diferentes e desafiando todas as suposições, é
perturbador. Embora não se queira deixar levar por crenças
que o século quereria proscrever, é-se obrigado a observar
os fatos e os atribuir a significação que comportam. Con-
fesso que levei muito tempo para compreender estas ver-
dades; foi preciso acontecer, em minha própria família, nu-
merosas coincidências para despertar a minha atenção e ci-
mentar uma convicção fugidia no começo. Agora, não posso
mais duvidar delas e isso depois de muitos anos. Existe um
laço poderoso entre o passado e o futuro, como existe uma
continuidade de fatos que às vezes parecem disparates àque-
les que não querem ver ou não sabem compreender.
Outro fato: A Sra. D. morava em Paris, perto da Porta
Maiolot, no 5.° andar, com a sua filha Helène e o seu ma-
rido. Era um lar unido.
Seu filho François D., o mais jovem engajado da França,
de meu conhecimento, aos 17 anos, durante a guerra de
1914-18, combatia como chefe de um pelotão no 77.° Regi-
mento de Infantaria, diante de Verdun, em 1916.
No dia 9 de maio de 1916, às 3 horas da tarde, a Sra.
D., que cumpria os seus deveres domésticos em sua casa e
quando nada podia pressagiar uma má notícia, ouvia a voz
do seu filho que surgia como um apelo:
— Mamãe, m a m ã e . . .
As palavras eram claras, era o timbre da voz do filho,
sem dúvida alguma e, alguns segundos após, com uma en-
tonação dolorosa e moribunda, exclamava:
— Oh! Mamãe.

36
A Sra. D., muito surpresa e emocionada, acreditou no
momento que seu filho obtivera uma licença e a chamava
lá em baixo da escada do imóvel. Angustiada e perturbada
por um sentimento que ela não podia analisar nem domi-
nar, precipitou-se para a porta e a abriu. Nada viu a não
ser o vestíbulo escuro. Percorreu todo o local esperando ver
a figura de François que chamou por várias vezes, trans-
tornada por aquela presença que sentia, assim como pelo
apelo que acabara de ouvir, mas a escada estava vazia e
nenhum barulho se ouviu a não ser o som de sua voz que
nele repercutia.
A pobre mãe, dominada por uma emoção intensa e a
desilusão experimentada, perdeu o conhecimento e caiu des-
maiada.
No mesmo dia, 9 de maio de 1916, às 3 horas da tarde,
o sargento François D. era enterrado com o pelotão que
comandava, morto por um obus que desmoronara seu abri-
go. Foi na aldeia de Pomereux, estrada de Esnes para Hau-
court, cota 304. diante de Verdun.

37
DEPOIS DA MORTE

As comunicações com
o invisível são possíveis?
Apesar de todas as provas apresentadas pelos diversos
grupos que se ocupam das ciências ditas ocultas ou das ciên-
cias psíquicas há mais de um século, no que dizem respeito
à sobrevivência da individualidade humana depois da morte
do corpo material, o assunto se presta sempre à controvér-
sia, É de se espantar, porque, quem se ocupa de experimen-
tações sérias, parece dever estar plenamente convencido des-
ta tese.
Ora, parece haver uma espécie de prevenção contra toda
experiência por motivo de um descrédito religioso, de um
interdito cultual ou de uma lenda concernente a um perigo
para o equilíbrio mental que seria ameaçado pelo estude
deste assunto particular.
Os que adiantam esta última hipótese crêem, em razão
do medo que experimentam ao pensar na morte, que os pra-
ticantes das manifestações relativas ao assunto não podem
senão estar cheios de terror em face das aparições ou das
relações com os desencarnados, o que torna plausível à sua
compreensão uma possibilidade de acesso à loucura.
Para os que se entregam às pesquisas espíritas, o assun-
to se torna, ao contrário, familiar a ponto de eles banirem

39
todo o receio, e a idéia de se manter em contato com um
desencarnado lhes parece tão natural como a de conversa-
rem com uma pessoa amiga pelo telefone.
Não podemos raciocinar com os que, por preconceito
religioso ou proibição cultuai, recusam abordar este assun-
to de outro modo que não seja sob o ângulo de textos pre-
sumidamente sagrados. Que cada um siga, a propósito, os
ditames da razão ou da fé, pouco nos importa, pois tal em
nada pode modificar os fatos.
Os especialistas nestas questões apaixonantes — quere-
mos falar dos experimentadores nestes domínios e não dos
que se apoiam em textos pela simples razão de serem muito
5
antigos — nos afirmam que eles adquiriram a certeza da
existência da alma, depois da morte; quero dizer, da parte
pensante do nosso eu.
Nossos oponentes ou os indiferentes reagem diversa-
mente e, muitas vezes, sem terem noções do assunto, emi-
tem raciocínios infantis tais como este: "Se fosse eu que
controlasse as experiências, ninguém enganaria", e isto como
se os especialistas em questão fossem esperar a opinião dele
para tomarem todas as precauções desejadas para a vali-
dade de seus trabalhos ou como se fossem todos pessoas
crédulas, iludidas pelas aparências.
Outras objeções são mais sérias:
"Se isto fosse verdade, logo se saberia", ou ainda:
"Se isto fosse verdade, por que não é reconhecida e en-
sinada por toda a parte."
Com efeito, tais argumentos espantariam se não sou-
béssemos que um preconceito singular atinge as ciências que
se ocupam da sobrevivência da alma depois da morte.
Nas ciências em curso, as verificações são consignadas
nos manuais escolares e. depois, ensinadas a todos, mas que
os mesmos sábios que descobriram, por exemplo, a anafi-
laxia, como Richet, os tubos catódicos, como Crookes, pro-
clamam, depois de experiências numerosas e probantes, a
sua certeza na existência da vida depois da morte; as de-
clarações que fazem são abafadas; as suas obras não são

5 Buda, esse grande sábio da índia, dizia: "Não acrediteis nas tradições,
mesmo que sejam em honra de longas gerações e em nime de direitos.
divulgadas e não servem de base para desenvolvimentos
futuros.
Por quê? Porque, nas experiências científicas, uma vez
um princípio formulado, pode-se repetir o fato ao infinito
por meio de aparelhos construídos especialmente ou com
os que a indústria possui, ao passo que, para as manifes-
tações relativas ao Além, somos obrigados a curvar-nos à
vontade das forças invisíveis que têm, como nós, o seu livre-
arbítrio e podem abster-se ou escolher a hora e o local para
as suas provas.
De outro modo, não se escolhe o momento em que um
acidente vai acontecer ou um moribundo vai desencarnar.
As manifestações consecutivas à morte por naufrágio, aci-
dente, doença, anunciadas de longe a pessoas ausentes, não
podem ser relatadas senão graças a testemunhos humanos.
Não são evidentemente provas científicas, entretanto, certos
fatos são narrados com tais certezas como o fossem por
testemunhos semelhantes. Não há um juiz que hesitaria em
condenar um homem de uma maneira formal, aplicando
mesmo a pena capital se o código o indicasse.
A lei precisa, com efeito, de testemunhos, todavia, nes-
te domínio, tratam-se de manifestações do pensamento hu-
mano.
Entre os fatos psíquicos, além da razão acima, devemos
notar que os percipientes de certos fenômenos não os podem
registrar senão porque são produzidos exporadicamente.
Essas condições tornam a observação muitas vezes di-
fícil para um indivíduo determinado, mas o que se chama
de acaso produz corretivos. As experiências feitas nos gru-
pos organizados por pessoas que possuem em alto grau cer-
tos sentidos ultrapassam a norma, fornecendo-nos, tal como
já vimos nas páginas anteriores, provas muitas vezes irre-
futáveis.
E como dizia o escritor Maurice Maeterlinck no seu li-
vro "A Morte":

"É curioso verificar que há realmente apari-


ções, espectros e fantasmas. Uma vez mais a ciên-
cia acaba de confirmar aqui uma crença geral da
humanidade e nos ensina que uma crença deste

41
gênero, por absurda que antes parecesse, merece
ser sempre examinada com cuidado."

Entretanto, o século tornou-se científico; é preciso pes-


quisar. Buscando achar o caminho da salvação, diversamen-
te encarado pelas religiões atuais, os humanos se apegaram
de outra forma a estes problemas, procurando saber dos
que sabem melhor do que os vivos o que se passa depois
da morte, isto é, dos próprios mortos. Na verdade, isto não
é novidade, pois, em todos os tempos, o trato com os mor-
tos foi praticado de maneiras diversas. Sabe-se que as pítias
gregas prediziam o futuro e profetizavam a ponto de que
não se tratava uma batalha importante sem que elas fossem
consultadas, fatos de que encontramos igualmente traços
na Bíblia que deles faz freqüentes citações, como, por exem-
plo, quando Saul foi consultar uma pitonisa (I Reis, cap.
XXVIII) ou Moisés fez evocações (Números, XI, 16/29).
Outras vezes, a Bíblia faz proibições formais (Deutero-
nômio, XVIII, 10/11), ao passo que outras passagens mos-
tram que esses fatos eram praticados e tolerados. De resto,
que nos importam essas proibições antigas ou essas reco-
mendações arcaicas? Cada época raciocina de acordo com
a compreensão dos povos ou dos seus governantes.
Por outro lado, achavam-se muito naturais os massa-
cres, as incitações aos assassinatos, as velhacarias, as cila-
das desleais, as matanças de mulheres, velhos e crianças.
No Êxodo, Deus se digna de falar assim a Moisés:

"E eu passarei pela terra do Egito esta noite


e atingirei a todo o primogênito nascido na terra
do Egito. Ora, o sangue será um signo a vosso fa-
vor. Esse dia será um monumento para vós e o
celebrareis nas vossas gerações."

E, ainda no Êxodo, Deus falou deste modo:

"Aquele que ferir o seu escravo ou a sua cria-


da com o chicote, e que eles morram em suas
mãos, será culpado de crime, mas, se sobreviverem
um dia ou dois, não será submetido à pena, por-
que é o seu dinheiro etc."

42
Que bela moral!
E, no Deuterônomio, II, 34, lemos:

"Tomaremos nessa ocasião todas as cidades,


mataremos todos os seus habitantes, homens, mu-
lheres e crianças; ali não deixaremos n a d a . . . , mas
os animais e os despojos das cidades nós os leva-
remos. . . , tu dividarás o saque com o exército."

Diante dessas cenas revoltantes, em face dessa barbari-


dade espantosa, temos bem o direito de pensar que a divin-
dade das passagens citadas, e elas são numerosas, é sempre
duvidosa, e que o mesmo sucede com todas as proibições da
mesma natureza. Elas são, como fazem ver os escritos, ma-
nifestações da vontade, dos costumes e dos temperamentos
dos homens, prescrições do governo dos homens pelos mo-
narcas, os profetas antigos ou outros que tivessem o encar-
go de conduzir esta humanidade ainda tão primitiva. Eles
empregavam meios fortes, processos sempre bárbaros e não
tinham ainda senão uma sanção, a morte, para aquele que
cometesse uma falta ou fosse vencido.
Esses processos desumanos não podem mais prevalecer
em nossos dias, pois já mudamos de orientação na vida e
assim não podemos ater-nos a textos caducos no que con-
cernem ao nosso pensar. Era, entretanto, útil que, ?ob o as-
pecto histórico, recordássemos que o trato com os mortos
já era praticado naquelas épocas rudes, como o é sempre
nos tempos atuais, tanto nos países civilizados como em re-
giões ainda primitivas.
Atualmente, os trabalhos relativos à morte são efetua-
dos seja no seio das sociedades espíritas, metapsíquicas, teo-
sóficas e similares, seja por pesquisadores isolados.

Os médiuns
Como funcionam os grupos espíritas? Não há nenhum
segredo. São, como todas as sociedades, dirigidos por uma
diretoria, sob a direção superior e responsabilidade moral
de um presidente, quase sempre eleito por uma assembléia.

43
Realizam sessões públicas ou privadas e fazem experiências
com um ou mais médiuns.
O médium é uma pessoa, homem ou mulher, que tem
possibilidade de recepções psíquicas, isto é, podem entrar em
contato psíquico com os seres espirituais que povoam o In-
finito e conhecer fatos.
É pela instrução ou pela disposição de certas células de
um ser vivo que a mediunidade se torna um fato. Certa-
mente há muitas vezes imperfeições ou lacunas, outras ve-
zes erros, mas cabe à direção, por um trabalho assíduo, por
observações constantes, aperfeiçoar o seu trabalho de cola-
boração com o médium, a quem observa, controla e acon
selha.
Eis um interessante extrato de uma carta da Sra. M.,
cujo nome aparece escrito em todas as cartas na Tribune
Psychique:

"Domingo, 6 de setembro de 1563, na grande


sala de vossa sociedade, tive ocasião de observar
uma vidência da Sra. Christin, a quem eu havia
remetido uma fotografia de meu falecido marido.
A Sra. Christin me deu indicações exatas tanto
sobre questões de sentimentos quanto sobre ques-
tões de ordem material. Ela me disse: "No momen-
to de a deixar, o seu marido quis dizer-lhe algu-
ma coisa mas não o pôde. A Sra. tem um "louis"
de 20 francos que era de seu marido: mora num
6.° andar; há em sua casa um esconderijo; procure
em tal lugar que deve achar alguma coisa. Segun-
do seu marido me mostra, deve procurar na pa-
rede.
Foi o que fiz. Ali encontrei uma carta impor-
tante escrita a meu marido há 28 anos, como o
indica a sua data. Nunca meu marido me havia
falado sobre tal carta."

Eis uma outra, bem recente, obtida em um país estranho,


isto é, na Inglaterra, por um médium francês, durante as
sessões do Congresso trienal da Federação Espírita Interna-
cional na cidade de Londres, em setembro de 1960, conforme
extrato publicado no n.° de nov./dez. da Survie:

44
"A Sra. Lemarié anunciou que ela via um ho-
mem chamado James perto de uma senhora sen-
tada na primeira fila da platéia. Era o seu fale-
cido marido que lhe pedia que prosseguisse na sua
obra de divulgação. A médium forneceu então in-
dicações bem precisas com relação às ocupações
dessa senhora, dizendo que ela era escritora, o que
a mesma confirmou, e que exercia as suas ativi-
dades além-mar, para onde ia voltar. James, o fa-
lecido marido, que presenciava tudo, deu conselhos
de elaboração do trabalho espírita de sua ex-es-
posa, que era, como todos soubemos depois, uma
congressista norte-americana, que ia retornar ao
seu país e que o nosso médium, proveniente da
França, desconhecia totalmente."

Trata-se, na verdade, de um notável caso de vidência


acontecido, ao acaso, numa sala com cerca de trezentas
pessoas.
As manifestações de espíritos, porém, revestem, às vezes,
aspectos de verdadeiras materializações.
Quando de minha estada em Londres, durante o mesmo
Congresso, fui objeto de um fenômeno que relatei no n.° de
jan./fev. da Survie. No meu quarto, no Hotel St. Ermin,
onde me achava deitado, não conseguia dormir naquela noi-
te de 15 de setembro, preocupado com certos acontecimen-
tos, quando vi descer do teto, que não distinguia na escuri-
dão do quarto, uma espécie de cortinado* de uma largura
aproximativa de setenta centímetros. Esse véu descia lenta-
mente. Era muito visível como se fosse aclarado por um foco
luminoso, um pouco mais fraco do que o de uma lanterna.
Chegou a tocar minha cama na altura da meia-coxa, o que
me causou uma sensação muito leve e algo indefinível ou
antes como espécie de enervamento.
Já me aconteceram várias vezes manifestações desse gê-
nero, como uma que descrevi na minha obra La Prière-
Force. Eu olhava, então, com bastante desinteresse essa ma-
nifestação, quando distingui, perto da base, isto é, defronte

Parece tratar-se de uma massa ectoplâstica com essa forma. (N. T.)
de mim, algo se formando. Ao fim de pouco tempo, a coisa
se precisou e tive diante de meus olhos uma criança recém-
nascida, cheia de carne, bem rosada, ligeiramente inclinada,
a cabeça para a direita, os pés para a esquerda, encaixada
no cortinado ou diante de mim, sem poder precisar muito,
pois toda a minha atenção se achava voltada para essa cri-
ança que assim se manifestava. Estava na posição de um
bebê que se deita na caminha, com os bracinhos carnudos
ligeiramente dobrados nesse gesto um pouco torto das crian-
ças dessa idade e as suas perninhas também levemente do-
bradas. Eu o via de perfil e seguia esse espetáculo novo para
mim com uma atenção dobrada. Creio e o digo em alto e
bom som: "Era a materialização de uma criancinha nascida
morta!"
Como o próprio cortinado, ele era bem visível, ligeira-
mente iluminado como tendo em si os seus caracteres de
visibilidade. Tive todo o vagar para o observar, porque pa-
recia incluído no cortinado, apesar de estar em relevo, com
o corpo de uma verdadeira criança. O cortinado continuava
a descer lentamente e logo o corpinho tocou as minhas coxas
sem modificar a ligeira sensação que eu experimentava e
que, aliás, parecia diminuir. Logo, a esse contato, tanto ele
como o próprio cortinado foram reabsorvidos.
Uma outra massa se manifestou mais ou menos na
mesma altura que a anterior: era ainda um corpinho de re-
cém-nascido, mas não tinha a mesma nitidez que o primeiro.
Permaneceu inacabado e se fundiu igualmente como o outro
ao chegar à altura de minhas coxas.
Eu não queria mais dormir, absorvido que estava por
essa coisa que teria desejado tocar, mas temia estragar tudo
e, na posição alongada em que me achava, não poderia to-
car o cortinado. De resto, outra coisa se formava a uma altu-
ra que calculo em pouco mais de um metro e sempre no
cortinado. Era primeiramente uma massa sombria que se
precisou, à medida do movimento de descida do suporte,
como sendo o busto de um homem corado de rosto, que
me olhava fixamente, mas parecendo vivo. Vestia um casaco
preto que (com a visão) me parecia ser da moda masculina
posterior à guerra de 1914, tendo um colarinho com a apa-
rência de celulóide, uma gravata vermelha, cabelos escuros

46
e bigode levantado nas pontas. Tinha a cabeça descoberta
e olhava para mim. Desapareceu igualmente à altura de
minhas coxas.
Foi, em seguida, a vez de uma bonita moça loura, bem
penteada, com um corpete claro que me parecia enfeitado
de florezinhas. Parecia bem de carne, com quarenta e cinco
a quarenta e oito anos de idade e sorria com belos olhos
azuis muito vivos, com os quais me olhava como se me
reconhecesse.
Teve a mesma sorte que os precedentes e o cortinado,
descendo sempre, me trouxe em seguida um homem louro,
de trinta e cinco a quarenta anos, sorrindo igualmente com
os seus olhos azuis e o seu rosto. Sempre em busto redu-
zido à altura do peito, mas de tamanho e aparência naturais.
Ainda houve outros, mas acabei por ficar fatigado com
esse contínuo espetáculo.
Eis um fato do mesmo gênero, que me foi narrado por
uma senhora católica praticante e de modo algum, naquela
ocasião, disposta a aceitar as nossas idéias.
Essa senhora, viúva, perdera seu filho único, de doença,
em 1948. Não tendo senão esse filho, a sua tristeza era ainda
maior, pois não possuía outra afeição. Ela não duvidava da
sobrevivência e sabia que uma prece podia ser atendida.
Orou. pois. na igreja de sua paróquia, pedindo, como graça
do céu, rever o seu filho.
Vários meses decorreram, ela podia pensar que o seu
apelo não seria jamais atendido, quando, certa noite, foi
acordada por uma sensação particular, por um tremor es-
tranho. Era como uma vibração interna, uma espécie de pre-
paro que Feria efetuado no seu organismo para um fenô-
meno iminente. Ela sentia uma presença no seu quarto e,
para vê-la, acendeu a lâmpada de cabeceira. Então viu seu
filho que, apoiando-se no rebordo de seu leito, a olhava sor-
rindo.
Muito emocionada, transbordando de ternura, quis to-
má-lo nos seus braços e estreitá-lo, mas temia que seu gesto
fizesse desaparecer essa visão sensacional. Então exclamou:
"Meu filho, agora que você voltou, eu lhe suplico, não se
vá que eu morrerei!" Mas o espírito não podia manter por
muito tempo sua consistência em plena luz e começou a

47
dissolver-se, recuando lentamente em direção à porta com
a qual se fundiu pouco a pouco.
A senhora em questão ficou transtornada por essa apa-
rição consecutiva, à sua prece, mas feliz por ter revisto o
filho, como havia pedido. O fenômeno durou perto de um
minuto. O tremor, que acometeu a percipiente, durou ainda
uma hora, antes de desaparecer para sempre.

Temos o direito de evocar os mortos?


Certos religiosos, aferrados à letra (A letra m a t a . . .
não nos esqueçamos) ou muito dogmáticos, proibem o Es-
piritismo, porque, dizem eles, "não se tem o direito de per-
turbar os mortos!"
Que devemos pensar desta afirmação tão categórica
quão perturbadora? É verdade que perturbamos os mortos
no seu repouso eterno, que os impedimos de dormir na paz
dos seus túmulos? Em uma palavra, a intervenção dos vivos
é importuna? Não nos parece tal coisa, a julgar pelas de-
clarações dos próprios desencarnados. Alguns deles sofrem
devido ao isolamento em que foram subitamente mergulha-
dos com a morte, que os separou dos entes queridos.
É falso pensar que os mortos dormem nas suas sepul-
turas. Por que estariam mergulhados em sono quando as
suas almas estão vivas, quando devem preparar-se para uma
nova existência terrena em que terão de suportar o peso
de suas faltas passadas ou recolher os benefícios de suas
ações meritórias?
E que dizermos daqueles que não tiveram nenhuma se-
pultura, pois tiveram os seus corpos totalmente queimados,
morreram afogados, foram dilacerados por feras bravias,
sumiram dentro de neves eternas? Repousam eles numa se-
pultura, na paz eterna?
Felizmente que a eqüidade cobre tudo com o seu manto
final, pois todos têm a mesma sorte, já que a morte não
distingue nem ricos nem pobres. Quer tenham uma sepul-
tura rasa, quer tenham um monumento suntuoso, os seus
corpos jazem inertes e os seus espíritos imortais são cha-
mados a viverem uma nova vida, na Terra ou no Além.

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Não há nenhum motivo para que a nossa atenção ou a
nossa caridade os abandonem. Se as almas puras ascendem
quase imediatamente para os lugares chamados celestiais,
as outras devem suportar as vicissitudes da vida antes de
se evolarem para as mesmas regiões, e consideram-se muitos
felizes quando alguém lhes oferece um auxílio moral, apon-
tando-lhes as suas possibilidades no Além e os meios de
galgarem regiões espirituais cada vez mais elevadas.
É sempre uma salvação que se efetua assim.
Os seres, que levaram uma vida dirigida em grande par-
te para a materialidade, e esses formam o maior número,
sofrem, se desesperam, se lamentam e têm muitas vezes me-
do dessa noite que os cobrirá em qualquer lugar. São como
os doentes aos quais não se pode recusar o direito de cuida-
dos, palavras, conselhos.
Os argumentos, que citamos, são de origem egoísta ou
sectária, e não têm nenhum valor em face da realidade de
estudos feitos em obras baseadas em fatos. Eles se levantam
contra uma caridade que não é a deles e que não devemos
levar em consideração, pois agimos de acordo com o nosso
dever e a nossa consciência.
Quando de uma sessão do Grupo Espírita "Amor, Luz e
Caridade" em julho de 1954, um espírito, porta-voz de uma
multidão de infelizes desencarnados, disse aos assistentes:
"Muitos espíritos se comprimem em torno dos médiuns. Eles
se lastimam de terem sido abandonados, dizem que na Terra
não pensam senão no prazer, nas suas distrações, nas férias,
que vivem alheios à sua sorte. E rogam que oremos por eles.
São os desencarnados de morte violenta, de qualquer
idade, jovens e velhos. Eles não sabem onde se acham."

Os primeiros contatos com a morte


Depois da morte, o espírito do morto deixa o seu corpo
de carne. Como se efetua essa importante operação?
Eis um problema notável que muitas pessoas encaram
com terror, tanto pelos sofrimentos que pensam suportar
quanto pelas dúvidas sobre a sua futura situação.
Sabemos apenas que o morto sucumbiu repentinamente
de uma crise cardíaca, de um acidente ou de uma embolia

49
ou bem faleceu depois de longos e penosos sofrimentos, mas,
qual que seja o golpe que o atingiu, mesmo que tenha con-
servado uma máscara de serenidade aparente, nós ignora-
mos qual seja agora sua nova vida.
Considera-se geralmente como desgraça uma longa en-
fermidade e como desejável um fim rápido, mas esta opinião,
baseada em aparências, tem fundamento, já que ignoramos
tudo o que o futuro imediato reserva ao desencarnado, do
qual não registramos mais as reações carnais, com o corpo
ora inerte? Não sabemos se os sofrimentos terrestres, su-
portados no leito de morte, não poupam aos que nos são
caros os mais terríveis males e se a morte súbita não é a
antecâmara de torturas indizíveis, a queda vertical para abis-
mos de decepções e de penas incoercíveis.
O corpo está imóvel e isso parece ser uma operação sú-
bita sobrevinda diante de nós. A pessoa estava viva há pou-
co, deixou de respirar, acabou.
Ora, o exame médico é unicamente a confirmação de
um estado de fato, mas não a observação total do fenômeno
de que a maior parte, a invisível para nós, escapa à visão
normal. Na realidade, a passagem da vida à morte do corpo
não é tão simples, pois que não é o fim total do ser, mas
simplesmente a passagem da vida material à vida espiritual
somente pelo abandono da parte carnal de uma pessoa.
Essa operação, da qual não percebemos senão o desfe-
cho que nos emociona no mais alto grau, é o resultado ter-
minal de uma preparação às vezes longa e minuciosa.
Ela é, de uma parte, o resultado de nossa vida ou de
nossas vidas anteriores, que nos condenam irrevogavelmen-
te a um destino traçado de antemão e de outra parte de
nossa existência atual, que pode ser agravada por falta nos-
sa ou ainda reduzida ou suprimida.
Se a data de nossa morte está inscrita no livro de nosso
destino, pelo menos em teoria (porque pode haver modifi-
cações nela), o suicídio não pertence a esse número, pois
constitui justamente uma das antecipações devidas à von-
tade humana. Podemos, pelo jogo de nosso livre-arbítrio,
abreviar a duração de nossos dias. Não é marcado pelo des-
tino que devemos perecer de alcoolismo, ainda que tudo, em
nosso caráter ou nossa paixão, o possa indicar, mas pode-

50
mos, por um lento suicídio, escolher essa espécie de morte,
do mesmo modo que podemos antecipar a hora fatal por
outros processos que são chamados, na Terra, de alegrias:
prazeres sexuais condenados, abuso de estupefacientes, im-
prudências esportivas ou outras, excesso de alimentação
etc. Cabe-nos recuar ou avançar a hora de nossa partida,
para o Além, por uma conduta irreprovavel ou um acúmu-
lo de vícios.
Quando uma pessoa morre, seu espírito, segundo seu
grau de conhecimentos espirituais e conforme sua elevação
moral, parte para um lugar correspondente, mas relativo à
sua compreensão.
O materialista, que não acredita na sobrevivência, não
sabe o que lhe acontece. Como tudo se modificou em sua
nova existência, e ele não pode conhecer que morreu, crê
sonhar ou pensa que tem febre ou bem que mudou de país.
Alguns deles nos contam que não enxergam nada, que não
ouvem coisa alguma. Já outros narram os sofrimentos su-
portados, referindo-se quer à sua última enfermidade, quer
a uma espécie de estado punitivo em relação com os seus
passados erros.
Não se passa diretamente da vida à morte com uma lu-
cidez constante e igual e isto é bem compreensível. A doença
enfraqueceu o paciente, arrebatou-lhe as forças, manteve-o
debaixo de sofrimentos e o privou das reações de humor que
mantém a saúde. Ora, a morte é pior do que a doença, mais
intensa do que a maior dor, é a separação completa do ser
vital que se destaca de um corpo ou progressivamente da
carne, que vai perecer! É a saída, geralmente lenta e penosa,
da alma para fora do corpo. É, em suma, uma modificação,
mas uma modificação por vezes dolorosa: o rompimento dos
laços sutis que ligam os dois princípios formando o ser hu-
mano e que vão separar-se para sempre.
Essa operação pode demandar um segundo, em caso de
destruição total do corpo por explosivo; alguns minutos,
pelo fogo; várias horas, por doença, ou mesmo algumas se-
manas ou alguns meses.
Sua duração é de uma apreciação difícil e só mesmo
uma elite espiritual pode ter dela um conhecimento apro-
ximativo.

51
As condições do pós-morte
Os dois princípios: o material, isto é, o corpo, e o espi-
ritual, a alma, não se acham unidos, na Terra, senão graças
ao corpo etérico.
O corpo etérico ou perispírito desempenha um papel de
solda ou de ligação. É algo parecido como um fio elétrico
indispensável entre o receptor telefônico e o transmissor.
Ele consta, em primeiro lugar, do espírito, o que quer dizer
que é composto de matéria mais sutil, a mais próxima das
tendências individuais desse espírito.
De outro lado, é composto também de matéria que ele
pode acionar; é atraído pelo peso, quando habitado por pes-
soas de tendências materiais.
Esse fenômeno é compreensível, porque são os desen-
carnados dessa espécie que, chumbados à Terra, erram em
torno de nós sem que os percebamos.
O corpo etérico é modelado pelo nosso corpo material;
é também chamado de "duplo" e todos os antigos monu-
mentos egípcios, em seus hieróglifos, fazem menção desse
duplo a que davam o nome de Kâ. Esse duplo astral tem,
evidentemente, a aparência do corpo vivo. É o que produz
o reconhecimento dos espíritos entre si e nos fornece a pos-
sibilidade de identificá-los pela vidência.
Conheço, particularmente, pessoas bem sensatas que
observaram aparições de defuntos seus, em condições que
excluem qualquer espécie de embuste ou erro.
É o caso da senhora católica, mencionado, e os de todos
os médiuns videntes.
O corpo etérico ou perispírito é, pois, por sua consistên-
cia semimaterial, o laço entre o corpo e a alma. É ele que
permite essa junção inteligente e viva. É o perispírito que
justapõe a alma no corpo, é ele que se destaca progressiva-
mente quando a alma deixa o corpo. É, às vezes, uma ope-
ração penosa e demorada, no decorrer da qual o espírito
está mergulhado em uma espécie de coma de que só sai
paulatinamente. Por esses dados pode-se bem compreender
o estado do "eu" quando se acaba de morrer. Existem dife-
rentes comportamentos deste fato.

52
Apesar disso, interessa antes ao corpo, pois que é ele
quem morre, quando o espírito, imortal que é, se escapa para
outras regiões, tudo dependendo da elevação desse espírito,
isto é, da depuração de sua alma.
Habitualmente, os espíritos encarnados aproveitam, ao
longo da vida, as possibilidades que o corpo lhes oferece. É
por ele que o espírito sente a matéria, que manifesta os
seus pensamentos por gestos, por palavras e por ações. É
por intermédio dele que experimenta os prazeres, os dese-
jos; é ainda por ele que se veste, que come, que bebe, que
respira, que se cuida. O corpo é, para o espírito encarnado,
uma preocupação constante, uma seqüência de cuidados diá-
rios, e é isso que produz o materialismo, pois que, aparente-
mente, é o corpo que impera, desde que se vê só o que é o
instrumento único da manifestação do espírito invisível e
soldado de tal modo estreitamento que não se pode mais
distinguir a parte que toma cada um dos dois princípios no
governo do conjunto.
Entretanto, se se considera que o corpo não é senão um
instrumento desse conjunto, tal como a charrete puxada
pelo cavalo, compreender-se-á que os erros do corpo são
antes do espírito. Em conseqüência, é o espírito que supor-
tará o peso das faltas cometidas na carne.
A sorte do espírito, por ocasião da morte, está, pois,
estreitamente ligada ao seu comportamento quando vivo,
isto é, quando encarnado.
As boas qualidades influem para a ascensão do espírito
e as faltas cometidas lhe pesam na existência. É a soma de
ambas que forma uma equação algébrica representativa do
mérito individual. Achamo-nos na presença de um fato bru-
tal: nossa densidade espiritual que nos classifica imediata-
mente no lugar em que merecemos estar pela lei da gravi-
dade absoluta. Mesmo que um dos nossos semelhantes nos
auxilie, mesmo que um santo nos eleve, eles não podem man-
ter-nos no seu nível senão por um fraco espaço de tempo,
pois o peso de nosso espírito nos arrasta de novo para o
lugar merecido.
Isso não quer dizer que o esforço deles tenha sido inú-
til, pois que nos faz entrever os maravilhosos dias que nos
pode dar a glória de sua companhia e aumentar o nosso
progresso espiritual, mas não podemos conseguir essa solu-
ção senão pelo nosso próprio esforço.
Também o espírito, que cometeu muitas faltas, que apro-
veitou antes de seu corpo de todas as maneiras para gozos
pessoais ou satisfações egoístas, estaciona por longo tempo
antes de tomar conhecimento de sua situação. Isso é com-
preensível; seu espírito, habituado a pensar que o corpo e
ele só são um, não se ajuda a sair de seu invólucro carnal,
a que se agarra solidamente. Os laços que ele criou pelo
cultivo das paixões ou dos interesses materiais são rígidos
e não permitem que o espírito se liberte imediatamente, fi-
cando assim mergulhado em uma espécie de sonolência da
qual não sai senão depois de vários dias, meses ou mesmo
de anos. Seu pensamento fica então aniquilado, ele não se
certifica de seu estado espiritual que atribui a um sono, a
coisas provenientes da enfermidade que o acometeu e da qual
recorda certas fases. Quando ouve dizer que já desencarnou,
tem um sobressalto de dúvidas e, às vezes, de terror.
Esses detalhes podem parecer extraordinários aos que
não têm nenhum conhecimento das leis espirituais, porque
geralmente se imagina que, uma vez desencarnado, não so-
mente não se ouve nada, como não se vê coisa alguma. Ora,
esta concepção é errônea, não porque os desencarnados ve-
jam pelos seus olhos e ouçam pelos seus ouvidos, mas por-
que o seu corpo-espírito, o que chamamos de perispírito ou
melhor de corpo etérico, possui órgãos que dão a impressão
de audição, de visão, de paladar e de outras sensações. É,
de resto, coisa bastante difícil de definir, da qual temos uma
idéia se refletirmos que, em sonho, vemos pessoas e ouvimos
as suas palavras, quando não havia nenhum vivo ao nosso
lado e nenhuma palavra foi proferida. Nos sonhos premo-
nitórios, de que já tratamos, vimos fatos se desenrolarem
e ouvimos alguém nos anunciar um acontecimento, precisar
um fato a acontecer.
Entretanto, não foram os olhos que viram, nem os ou-
vidos que escutaram. Vimos e ouvimos simplesmente com
olhos e ouvidos psíquicos, isto é, com órgãos de nosso pró-
prio espírito.
Ora, o espírito da pessoa, sem nenhuma espiritualidade,
que, quando esteve na Terra, sempre viveu para si, para suas

54
necessidades, seus vícios, suas paixões, não é, de forma algu-
ma, diferente do que era quando vivo, pois conserva seu ca-
ráter dominante. Deixa o corpo na sepultura, mas não deixa
com ele os sentimentos que o dominaram, as aspirações, os
desejos. Esses vão com o desencarnado para além-túmulo e
o fazem sofrer por muito tempo ainda.
É por isto que muitos dos desencarnados ainda se inte-
ressam por nossas vidas ou buscam os lugares onde se de-
senrolaram as cenas às quais gostam de se misturar.
Quando a pessoa é, como eu dizia, muito material, pode
confundir o corpo etérico com o corpo carnal, o que lhe im-
pede de certificar-se de que já desencarnou. Acredita-se sem-
pre vivo se ignorar as leis que apontamos e se não se pre-
parou para o seu novo estado.
Antes de tudo, como se opera a ruptura dos laços que
retém o espírito ao corpo?
Já que a morte parece rápida aos que assistem a quem
foi atingida por ela, pode-se acreditar que o espírito, logo
liberto, parte imediatamente para outras regiões, o eme, na
verdade, não sucede. Alguns realizam logo a sua partida de-
finitiva, coisa que é rara e apanágio dos sábios e dos santos,
bem como dos espiritualistas esclarecidos e virtuosos. Para
outros, um lapso de tempo apreciável decorre e, como disse
mais atrás, pode durar meses e até anos. Muitos ainda não
se libertaram por ocasião de seu enterro e descem com o
corpo para a sepultura.
Permanecem então em uma espécie de letargia que lhes
arrebata todo conhecimento, tanto de um mundo quanto de
outro. Quando despertam desse sono, tomam, pouco a pouco,
conhecimento de seu novo estado, mas tal não basta para
se elevarem. Têm pena de abandonar o seu despojo mortal,
agarram-se a ele e ali permanecem. Conhecemos alguns que
ficaram junto de sua sepultura enquanto havia um pedaço
de carne em seus ossos. (Trata-se sempre de espíritos que
levaram na Terra uma vida muito material). Há alguns tão
densos que não podem franquear as paredes de pedra que
limitam seu túmulo, de modo que a ida de um clarividente
a um cemitério é algo de um tanto penoso. Vêem-se desen-
carnados, bem consistentes, sentados na beira de sua sepul-

55
tura esperando não sabem o que e, quando interrogados,
respondem apenas: "Não vejo nada, não ouço nada."
E isso é verdade. Não percebendo que estão mortos, es-
peram em vão. Não tendo nenhuma inspiração para um ideal
superior, só são atraídos para a Terra onde permanecem de
certo modo estagnados.
É bem aí que reside a recompensa da espiritualidade.
Ela permite, primeiro, olhar-se mais alto, abolir, pelo me-
nos em grande parte, essa atração terrestre, em seguida ter
grandes amigos invisíveis que virão, após nossa passagem,
levar-nos com eles para as regiões radiosas nas quais esque-
ceremos de nossos sofrimentos terrenos. São os novos com-
panheiros que cortarão os derradeiros laços que nos ligam
à Terra, são os anjos das religiões.
É aí que surge, de modo formal, a lei da densidade es-
piritual que já estudamos, já que o material é atraído pelo
material representado pela Terra e o espiritual a que damos
o nome de Céu, no sentido contrário. Um outro fenômeno
se junta a esses: os laços, que ligam o espírito ao nosso
globo, serão mais fortes, porque mais materiais na pessoa
materialista, ao passo que no espiritualista de qualquer ten-
dência, provido de um ideal religioso ou tendo concepções
filosóficas elevadas, esses laços serão forçosamente mais tê-
nues, porque mais etéreos.
Também no mundo dos mortos, vêem-se cenas diversas,
segundo o grau de evolução de cada um. Quando se entra
em contato com esses seres logo após o seu desencarne e
algumas vezes muito tempo depois, percebe-se que os últi-
mos padecimentos deixaram por vezes uma impressão pro-
funda no seu comportamento póstumo. Eles se mostram su-
focados se morreram afogados, se contorcem de sofrimentos
se desencarnaram queimados ou torturados.
Um soldado, tombado na guerra, clama por sua mãe;
um náufrago, que lutou até os últimos momentos antes de
afundar, busca ainda um apoio ilusório; um aviador, que es-
barrou numa montanha e ainda conserva o horror dessa vi-
são dantesca, aferra-se com ambas as mãos a um cabo fan-
tasma buscando sair de seu aparelho antes de se espatifar
contra a superfície rochosa.
Cada um deles recapitula seus últimos instantes ao
entrar em contato com a realidade, a que o classifica defi-

56
nitivamente no mundo dos espíritos que não havia ainda
considerado e que será sua nova morada.
O infeliz materialista fica, pois, em desvantagem com o
espiritualista, que compreende, quase instantaneamente, sua
nova vida. O mesmo acontece com o incrédulo que experi-
menta a maior perturbação. Ele ignora seu novo meio, que
está em oposição formal às suas concepções, e não pode com-
preender logo, o que o faz construir suposições evidentemen-
te errôneas, uma situação que busca ligar às condições da
vida terrena.
Mesmo as pessoas crentes, religiosas por natureza, mais
apegadas a ritos, a observar que ao ensino da sobrevivência
após a morte, suportam sensações análogas. Elas não estão
mais adiantadas que os que não aprenderam nada. Todas
se crêem objeto de pesadelos, de fraqueza mental ou vítimas
de sevícias, de doenças, de acidentes...
Nós lhes dizemos.
— Já morrestes!
— Não, responde cada uma, quereis brincar. Estou bem
viva e a prova é que ouço o que falais.
—- No entanto, não comeis nada?
— É porque não tenho fome.
— Não bebeis também mais?
— Não tenho sede.
— Mas já há seis meses que deixastes a Terra, que já
morreste. Já pensastes em um vivo ficar seis meses sem be-
ber nem comer?
Diante de nossos argumentos, acabam quase sempre por
se inclinarem à verdade, salvo certas pobres criaturas inca-
pazes de compreender um raciocínio qualquer.
Então lhes damos algumas indicações e as entregamos
aos bons cuidados de um guia, que as aconselhará em sua
nova moradia.
Mas os progressos que podem ali fazer são tão lentos
quanto os que fazemos cá embaixo. É preciso ter vontade
de aperfeiçoar-se, ligar-se a uma causa nobre, a um ideal
altruísta para progredir, pois os esforços que devem fazer
são os mesmos que fazemos quando no corpo carnal.
Essa situação inferior, mantendo uma entidade nas re-
giões escuras do astral, é, sobretudo, o destino das pessoas

57
sem um ideal nobre na vida. Temos entrado em contato com
beberrões que há vinte anos estavam privados de todo co-
nhecimento ou toda sensação e se julgavam falecidos de pou-
co. Também, e ainda que seja uma raridade, já nos aconte-
ceu conversar, por meio de um médium, com espíritos desen-
carnados há mais de um século.
O mais antigo, de que tive conhecimento neste sentido,
diz respeito ao espírito de um bandido que levara uma exis-
tência de rapinas, de assassinatos e de violações. Há quatro-
centos ano que havia morrido, com ferro nas mãos e nos
pés, no fundo de uma masmorra, e não voltara ao estado
de consciência. Ele só saíra desse buraco mental, dessa ver-
dadeira morte, alguns momentos antes de vir a tomar con-
tato conosco. Supunha-se sempre encadeado e não pudemos
nunca dirigir seu pensamento para um outro gênero de exis-
tência que a que levara durante a sua vida. Tive de desistir
de lhe fazer admitir que seguira um mau caminho quando
persistia em fazer apologia da bela vida que levara outrora,
como bandido de estrada real, atacando diligências, rouban-
do pessoas, apropriando-se de milhões e bens quando tal lhe
agradasse. Fiquei aflito em fracassar na minha tentativa de
inculcar nesse estranho ser uma concepção mais lógica da
existência e não consegui arrancar de sua alma o rancor
e o ódio que ele contrairá contra a sociedade.
No que concerne aos bêbedos, seu raciocínio é muitas
vezes primitivos, sendo difícil extinguir neles essa sede inex-
tinguível que os persegue no Além como um suplício cons-
tante, recordação de sua antiga paixão terrena. Suas facul-
dades de compreensão são restritas, seus horizontes limita-
dos ao conteúdo do líquido em seu organismo.

A reencarnação e a lei do Karma


Por que acontece que há pessoas cheias de vícios, dadas
a bebidas, preguiçosas, fúteis, ao passo que há outras cheias
de virtudes, trabalhadoras, prestativas ou se tornam gênios?
É culpa de pais imprevidentes, de uma natureza imper-
feita ou parcial? No entanto, observamos que pais de cére-
bro bem organizado, de altas posições, têm filhos que se

58
lhes assemelham em disposições intelectuais ou bem, ao con-
trário, ficam desapontados porque a sua descendência não
chega a nada que se preste. Daí o provérbio: "Para pai ava-
rento filho pródigo", que se opõe ao dito: "Tal pai tal filho."
Existe então um mecanismo ignorado que, os que desco-
nhecem nossa ciência não podem compreender, que explica
essas diferenças e que parece de tal modo lógico, filosofica-
mente falando, que se pode espantar que a idéia não seja
mais difundida. É a reencarnação.
A reencarnação, ensinada em todas as épocas, é a mi-
gração das almas. É conhecida a famosa frase de Jesus a
respeito de Elias: "Elias já voltou e não o reconheceram."
Seus discípulos compreenderam que ele havia falado de
João Batista (Mateus, XVII, 12/3). A certeza da reencar-
nação é ensinada nas principais religiões da índia e faz par-
te da doutrina pitagórica.
Em nossos dias, os teósofos, os rosa-cruzes, os espíritas,
os ocultistas, em geral, ensinam esta doutrina de acordo
com as antigas tradições ou as revelações de além-túmulo.
A doutrina da reencarnação é, de outra parte, bem ló-
gica, pois explica por que as pessoas têm graus de inteligên-
cia bem diferentes. Uma pessoa que está nos seus primeiros
dias na Terra como ser humano não pode ter a compreen-
são tão viva quanto a que já tem um número apreciável de
vidas anteriores e nas quais fez algum progresso moral e
intelectual. Um músico, por exemplo, voltando à Terra, já
possui em alto grau o sentido musical, compreende os ritmos
desde sua mais tenra idade, o que explica os gênios. Esse fe-
nômeno não é só peculiar à música, mas diz respeito tam-
bém ao trabalho intelectual e é assim que vemos precoci-
dades de todas as formas. Alguns têm o dom de línguas, que
eles aprendem com muita facilidade, outros já têm queda
para as matemáticas, a química etc, de modo que uma única
existência não poderia produzir nada disso.
Portanto, voltamos à Terra várias vezes para o fim de
uma perfeição cada vez maior, tanto do ponto de vista mo-
ral, intelectual e mesmo físico (pois que é preciso dominar
o seu corpo), quer para adquirir uma experiência juntamen-
te com os seres terrenos, tomando existências diferentes que
lhes permitirão apreciar com mais objetividade as situações
que defrontarem.
Há um detalhe importante a observar. Se não souber-
mos empregar em nosso benefício e do próximo os bens ma-
teriais que nos foram concedidos na Terra, numa próxima
reencarnação nasceremos pobres e desprovidos de qualquer
recurso. Raríssimos são os ricos que não pensam senão em
gozar dos bens monetários e enriquecer mais a sua família,
esquecidos dos deserdados da sorte.
As vidas sucessivas são verdadeiras lições práticas.
Aprende-se a viver e defrontar-se com vários gêneros de
vida até que se tenha compreendido o ensino que cada uma
delas comporta, a saber: a grande solidariedade que deve
unir os seres numa imensa cadeia de amor. A indiferença
pela sorte alheia, o egoísmo de amealhar bens terrenos sem
olhar as necessidades alheias e outras coisas mais produzem
as guerras, as diferenças de situações sociais bem chocantes
com todas as conseqüências de lutas, ódios e rancores.
Aquele que cultiva o egoísmo produz o ódio e o amar-
gor. O rico só pen^-a em ficar mais rico.
A reencarnação é. pois, uma medida lógica e grandiosa.
Ela nivela, no decurso dos séculos, as injustiças aparentes
da Terra; é um fator de progresso moral, aperfeiçoa a hu-
manidade terrena ao nos dar posições diferentes, níveis so-
ciais progressivos, estudos variados, afeições que derrubem
as aversões, pois cada um passa pelas mais diversas condi-
ções de vida. Ela é completada por uma outra grande lei:
6
a lei do Karma, que é um complemento indispensável da
lei da reencarnação, é uma conseqüência imediata dela ao
mesmo tempo que uma das dirigentes.
É baseada nos seguintes princípios:
1.°) Uma única vida não podendo bastar para a evolu-
ção total de um ser, ele voltará à Terra tantas vezes quantas
forem precisas para aperfeiçoá-la.
2.°) Tudo que é material engendra uma conseqüência
material de modo que tudo que for feito na Terra deve ser
sancionado na Terra.
3.°) O ser humano volverá à Terra em encarnações
enquanto não se mostrar apto a passar sem seu corpo e en-
quanto não tiver aplicado integralmente a grande lei do
Amor.

6 ;Le problème de la destinée, de Georges Gonzales.

60
Em razão destes três princípios e para realização do
primeiro, o homem ou a mulher, para cumprir uma evolu-
ção total, deve passar por todos os estágios ou situações
equivalentes: o homem, com o encargo de família, traba-
lhando para o bem de todos, a mulher, com qualidades di-
ferentes, se devotando, de outra maneira, ao seu marido e
aos seus filhos, com carinho e devoção.
É preciso, no entanto, alterar os sexos, de modo que
possam suportar todas as espécies de provas, embora a evo-
lução possa ser feita em um único sexo.
Cada um deverá ser, por sua vez, rico ou pobre, traba-
lhador manual ou intelectual.
Para a realização do segundo princípio, o homem come-
te faltas, mas também pratica boas ações. Já que na Terra
pode dissimular tão bem as suas taras quanto os seus mé-
ritos (o que é mais raro), preciso é que volte ao nosso globo
e em condições tais que seja obrigado a encontrar-se em
circunstâncias onde tenha a liberdade de pagar seus erros
passados. Se não compreender esta lição voltará ainda nas
mesmas condições até que sinta confusamente em si a ne-
cessidade de purgar essa dívida que contrairá em uma exis-
tência anterior.
Para a realização do terceiro princípio, recebe sempre
pais capazes de lhe mostrar algum exemplo benéfico e, se
tal não vier da parte dos seus, o papel será entregue aos
mestres, aos amigos, ao outro cônjuge, a um padrinho ou
a um patrão que o tomará sob tutela. Ele pode também
fazer conhecimento com um companheiro mais experimen-
tado ou ter um guia mais elevado.
Quando o homem ou a mulher tiver atingido a perfei-
ção, quando tiver cumprido todos os estágios necessários:
da mão-de-obra grosseira ao talento, da escolaridade ao pro-
fessorado, do estudo ao mestrado, da iniciação ao adaptado,
da filosofia à sabedoria, terá atingido o limite das reencar-
nações. Ele não precisará mais voltar à Terra em um corpo,
a menos que seja por razões superiores e com sua aquies-
cência.
A reencarnação e o karma, estas duas grandes leis do
destino, nos mostram que a vida e a morte são dois está-

61
gios conexos e que se renovam. O vivo é um futuro morto,
ao passo que o morto é um futuro vivo.
Estas palavras fazem melhor compreender a importân-
cia destes dois princípios.
O peso do karma, a existência de meios punitivos ou da
gratificação de nossas ações, não impedem, de modo algum,
o jogo de nosso livre-arbítrio, que joga sempre de forma a
justificar as palmas ou as sanções. Somos, pois, nós que
forjamos o nosso destino, e nós somente.
Certamente Deus nos ama, ele é bom, é dotado de todas
as virtudes que gostamos de lhe atribuir, mas, antes de tudo,
é justo e estabeleceu leis diante das quais todos devemos
curvar-nos pela força mesmo de acontecimentos nos quais
nos achamos envolvidos. Não se trata de favor, e a teoria
da graça, que favorece uns ao passo que se esquece de
outros, é antes uma teoria antiga baseada no favor que exer-
ciam outrora os soberanos. Se os reis podiam, à sua vonta-
de, elevar ou rebaixar quem quer que fosse, se o seu poder
era considerado como um direito divino, por costumes es-
tabelecidos por eles e por séculos que mantiveram esse esta-
do de coisas, mas, como justamente eram considerados re-
presentantes de Deus sobre a Terra, em razão de crenças mi-
lenárias, era natural que se considerasse que Deus podia
igualmente fazer prova das mesmas parcialidades.
Essas idéias não têm mais curso nas teorias espiritua-
listas atuais. Compraz-se em pensar, ao contrário, que Deus
representa a eqüidade. Pode-se admitir a justiça, a respon-
sabilidade de cada um, a recompensa do mérito individual e
sua sanção perante o destino, se se trata da prática do bem-
querer, do julgamento da afeição ou da repartição de tare-
fas desiguais onde as palmas são distribuidas de antemão,
como na teoria da graça, cara a diversos cultos?
Isto nos parece ilógico porque os espíritos que nos
guiam são dirigidos por Deus. Eles têm conhecimento de
nosso karma, portanto de nosso futuro: podem estar cientes,
melhor do que o somos, de nossa sorte, e isto é uma felici-
dade, pois essa nossa ignorância dele nos enche de uma eu-
foria constante que nos permite fazer projetos até na vés-
pera do dia em que iremos deixar a vida.

62
Essa euforia é enganosa e pode induzir os vivos ao erro,
mas, no entanto, é necessária. Se a morte fosse anunciada
a todos para tal época, mais de um tremeria de medo, outros
poderiam ser levados a gestos lastimáveis antes de deixarem
a vida: deboches, desonestidades, assassinatos de inimigos,
;
suic dios ou outros atos diminuidores de sua conduta passa-
da. Além disso, que tristezas em perspectiva, que terrores isso
poderia ocasionar, quando a ignorância, que paira constan-
temente sobre a época fatídica, é um motor necessário aos
nossos pensamentos, às nossas obras, às nossas aspirações.
É preciso uma certa força de caráter para encarar-se a
morte face a face. O herói, que parte para o combate, pode
crer que voltará são e salvo ou apenas com uma ferida ra-
zoável, mas, a menos que já estejam cansados da vida, pou-
cos são capazes de praticar um gesto de envergadura sa-
bendo que a morte é uma conseqüência inevitável dele den-
tro de poucas horas.
Viu-se, recentemente, durante a última guerra, o que se
chamou de missões-suicidas com os aviões. Aviões japoneses
atacavam os navios aliados com suas máquinas cheias de ex-
plosivos, afundando assim os barcos por mais sólidos e me-
lhor protegidos que fossem. Sabiam conscientemente que
iam para a morte, e eram todos voluntários, mas tinham a
promessa de que seu devotamente à pátria seria recompen-
sado com uma parte importante no paraíso de seus pais e
ganhariam em evolução no sacrifício de suas vidas. Não nos
cabe dizer se promessas desse gênero são mantidas. Certa-
mente aquele que dá sua vida por uma causa nobre se be-
neficia com um adiantamento, mas esse adiantamento pode
igualmente ser efetuado por outras vias mais pacíficas, e não
é certo, mesmo para a pátria, que a destruição de numerosas
existências seja encorajada pelo Além.
Nos casos correntes, é preciso um alto grau de evolução
para encarar a morte com a serenidade dos grandes sábios
como Sócrates, que, bebendo a cicuta que o levaria à morte,
continuava a filosofar com os seus discípulos.
Diz-se que grandes sábios da índia têm um poder extra-
ordinário sobre o fim de suas existências e seus renasci-
mentos. Lendas existem que há lamas que pretendem saber

63
a hora de sua própria morte, mencionando-as quando são
convidados para uma importante cerimônia, dizendo:
— Podereis começar a cerimônia, porque não estarei
mais neste mundo, naquela ocasião. Não? Então combinado;
esperarei para morrer quando ela tiver terminado e me irei
logo depois.
E a morte do lama chega, com efeito, naturalmente, de-
pois da reunião acabada.
Essas previsões, entretanto, não ultrapassam o quadro
de nossos melhores videntes atuais.
O Figaro Litteraire, de 30 de janeiro de 1934, relatou um
caso de predição da estigmatizada alemã Teresa Neumann
nos seguintes termo:

"Teresa Neumann havia anunciado ao religio-


so (o padre Naab) que ele morreria no claustro
onde pronunciara seus votos. Ora, naquela época,
parecia bem uma impossibilidade: tratava-se do
convento de Koenigshofíen, no subúrbio de Stras-
burg. Lá mesmo foi que a predição de Teresa se
verificou. Depois de alguns dias de permanência no
estrangeiro, o padre Naab teve precisão de reto-
mar uma vida ativa e projetou entrar em contato
com a resistência alemã ao nazismo. Durante a
viagem de volta, ele parou no convento de
Koenigshofíen, onde lá morreu, como Teresa Neu-
mann lhe havia predito."

A época e as circunstâncias da morte podem, pois, ser


preditas por quem tem meio de o fazer, mas é preciso evi-
dentemente estar provido de uma bela fé para ficar impas-
sível diante de tal revelação. Seria de desejar que todos os
espiritualistas se habituassem a essa idéia de partida para
um mundo que lhes deve parecer melhor do que o que su-
portamos todos os dias, se a sua conduta estivesse sempre
em relação com o que eles ensinam, isto é, com a doutrina
das vidas sucessivas e a interferência do karma em nossa
vida. Esse conhecimento nos coloca na obrigação de um
aperfeiçoamento constante de nós próprios e uma elevação
na vida.

64
Se formos beneficiados com esse progresso espiritual,
não temos mais que temer a passagem para a outra vida,
pois estaremos colocados um dia em melhores condições
quando voltarmos à Terra.
Existem, pois, no Além, lugares de punição de algumas
espécies e que não são senão a conseqüência da densidade
espiritual muito forte que arrasta as criaturas para as re-
giões inferiores do astral, onde sofrem de todas as maneiras.
Assim é que temos conhecido espíritos, pela incorporação,
que suportam verdadeiros suplícios por motivo de fatos
cometidos anteriormente. Alguns são perseguidos por suas
antigas vítimas ou por animais psíquicos ou bem se acham
obrigados a repetir eternamente um gesto fatal.
Eis um caso recente que extraímos do n.° de 1.° de
setembro de 1953 de L'Aurore:

"A rainha-mãe Elisabeth vai habitar um cas-


telo assombrado em companhia da "moça de ver-
de".
Londres, 31 de agosto de 1953 — Dentro de
alguns dias, a rainha-mãe da Inglaterra deixará
o castelo de Balmoral, onde passa as suas férias
com os filhos e netos, para ir repousar no seu cas-
telo de Mey.
Ela deverá ali encontrar-se no momento da
aparição da "moça de verde".
A "moça de verde" é o fantasma familiar da
velha fortaleza. Na lua cheia, ao soar da meia-noi-
te, em meados de setembro, uma pesada porta de
carvalho se abre ao pé da sombria torre do Este
para deixar passar uma vaporosa silhueta de mo-
ça que geme e torce as mãos, atravessando o ves-
tíbulo do castelo e depois dasaparecendo no pátio.
Conta a lenda, que, no século VI, o conde de
Caithness, senhor de Mey, tendo surpreendido o
segredo de sua filha enamorada de um guarda de
rebanho, a encerrara na torre. Certa noite, a in-
fortunada se escapara para ir se atirar no poço do
pátio. Depois disso, seu fantasma em desassossego
repete, incansavelmente, o gesto fatal.

65
Esse fantasma emocionante e trágico não apa-
vora a rainha-mãe Elisabeth, pois o sobrenatural
lhe é familiar. Tal foi c clima de toda a sua in-
fância e de sua mocidade até o seu casamento com
o futuro rei George VI, no castelo assombrado de
Glamis, onde ela nasceu e onde Shakespeare situou
o drama de Macbeth.
Ela e sua irmã, lady Rose, afirmam ter visto
muitas vezes o fantasma de um cavaleiro que nada
tinha de espantoso.
A rainha-mãe, apesar das modernizações que
introduziu no castelo de Mey, respeitou o aspecto
antigo, a atmosfera um pouco misteriosa da velha
moradia, a fim de não espantar a "moça de verde"."

Esta narrativa é extremamente interessante, primeiro


em razão da alta personalidade da paciente em questão,
depois pela persistência do fenômeno que já durava séculos.
A Inglaterra conhece muitos castelos assombrados pelo mo-
tivo provável de numerosos crimes cometidos por ocasião
das guerras dos senhores entre si. As assombrações, que vêm
de séculos, constituem, entretanto, certa anomalia, pois que
parece que, pelo jogo das reencarnações, os espíritos pode-
riam continuar com a sua evolução ou purgar os erros come-
tidos, em vez de reproduzirem tão longo sofrimento.
Como quer que seja, numerosas lendas ou aparições sub-
sistem nas mansões feudais. Pensa-se sempre que são os pos-
suidores de antanho que voltam para lembrar às famílias
descendentes dos espoliadores a origem das suas fortunas
ou bem criminosos arrependidos ainda presos aos lugares
das suas faltas.
7
Descrevi o caso dos Habsburgs numa obra minha, onde
se poderão ler casos mais completos do que os que cito aqui.
Que nos baste saber, para objeto do presente estudo
que os espíritos sofrem quando praticam o mal e que su-
portam, em sua, o que as igrejas denominam "tormentos do
inferno".
Não se trata de chamas de fogo, mas de remorsos, de
pesos da consciência. Por exemplo, uma pessoa, que praticou

7 Georges Gonzales: Le problème de lé destinée.

66
abortos ou os ajudou, sofre das suas mãos e se expõe a ficar
privado desse órgão quando de uma nova reencarnação.
É então que o karma agirá e nós compreendemos, per-
feitamente, com esse mecanismo, como se podem efetuar
curas pré-natais, dirigindo-se àqueles que presidem esse tri-
bunal formidável da justiça suprema, a esses executores, sem
apelação, de sentenças terríveis e que os teósofos chamam
de "Senhores do karma". São grandes espíritos equitativos
que regulam definitivamente a sorte dos vivos de acordo com
os procedimentos passados. Aqueles que penetram no Além,
8
isto é, aqueles que usam a prece poderosa, estão muitas
vezes bem colocados para obterem, em circunstâncias gra-
ves e excepcionais, a modificação de um karma ou a corre-
ção de um destino.
Conhecemos alguns casos, onde tudo, medicalmente fa-
lando, fazia presumir o nascimento de uma criança anormal
em conseqüência de taras dos pais, taras que já haviam cau-
sado mutilações em vários filhos anteriores. Pois bem, tais
casos puderam ser resolvidos, de uma forma definitiva e ca-
tegórica, pela prece a entidades elevadas, porque o karma
foi interrompido ou atenuado. Não houve milagres da carne,
mas apenas as entidades elevadas invocadas substituíram o
espírito que devia nascer por outro que não tinha que su-
portar pena do mesmo gênero, o que permitiu a criança
nascer sem qualquer defeito congênito.
Deixo de fazer maior explanação aqui, pois este caso
9
já foi exposto em outro livro meu.

As preocupações terrenas
A permanência dos desencarnados, no Além, pode ser
algo perturbada por uma preocupação terrena. O que per-
tence à Terra só pode ser resolvido na Terra.
Eis dois casos típicos:
"Há pouco mais de trinta anos, em Neuilly, recém-casa-
dos haviam comprado uni imóvel para viverem em paz. Essa
sonhada tranqüilidade foi logo duramente perturbada por

8 Georges Gonzales: La prière-force.


9 Georges Gonzales: Le problème de la destinée.

67
um fato anormal: ouviram, durante a noite, ruídos singu-
lares e teriam jurado que alguém aplainava tábua no celeiro.
Os moços ficaram, na verdade, com medo, porque tudo o
que tentaram para acabar com o tal barulho não dera re-
sultado. Então, aconselhados por alguém que entendia do
assunto, procuraram um grupo espírita.
O espírito barulhento manifestou-se na sessão espírita
por um médium de incorporação e, às perguntas que lhe fo-
ram formuladas, respondeu assim:
— Esta casa é minha. Estou na minha casa e não com-
preendo por que essa gente se instalou nela sem minha auto-
rização. Procurei expulsá-los, mas, quando lhes dirijo a pa-
lavra, não me respondem e passam de lado, sem me ligarem
importância, de modo que, para obrigá-los a partir, subo
para o meu celeiro e plaino tábuas durante a noite. Assim,
eles não podem dormir e acabarão por irem-se embora.
— Mas morrestes, replicou-se-lhe. Eles compraram a
casa de vossos herdeiros, portanto, estão na propriedade
deles como a estáveis quando vivo. Por que quereis então
perturbá-los?
— Ah! então morri? É por isso que experimentava uma
modificação absolutamente inexplicável.
E, como lhe fossem dadas mais explicações, ele concluiu:
— Então, se já morri mesmo, não tenho mais necessi-
dade de casa e vou-me e m b o r a . . .
Depois daquele dia, a casa ficou completamente livre de
todo muido."
Eis um segundo caso, narrado por Edmond Haraucourt
(então diretor do museu de Ciuny) em Le Journal de 27 de
novembro de 1937:

"Uma das mais curiosas aventuras, nesta


ordem de idéias, consiste numa surpresa enviada
de além-Mancha. Numa quinta-feira, o porteiro me
apresentou um cartão de visita com o nome da
duquesa de Douglas.
Mandei-a entrar. Então apareceu-me uma da-
ma baixa, miúda, uma boneca de 50 anos, de ca-
belos ruivos e seguida de um escudeiro colossal,
que levava no braço esquerdo a peliça de sua se-
nhora. Antes do mais, ela me perguntou se o dire-

68
tor do museu, que tinha diante de si, era bem o
mesmo homem que o poeta Haraucourt, autor de
um poema onde está contada a morte do duque
de Douglas, amigo e irmão de armas de Robert
Bruce?
Diante de minha resposta afirmativa, levan-
tou os olhos para o céu e murmurou em francês:
"Obrigada, meu Deus":
Com um gesto imponente, ela despediu o cria-
do e. quando estávamos sozinhos, precipitou-se
para mim, tomou-me as mãos e exclamou:
— Eu vos procuro há meses!
Com os olhos marejados de lágrimas, longa-
mente e não sem dificuldades, explicou-me que
era espírita, que se achava em comunicação diária
com a alma de seu bisavô, o marechal Douglas,
que morrera a serviço da França. Ele me havia
apontado a ela como o homem mais qualificado
para prestar à sua memória a homenagem que lhe
era devida e que lhe dera ordem para pôr-se à mi-
nha procura.
— Em que podeis servi-lo? Não sei de nada,
mas eu vos encontrei e ireis saber em que consiste
o vosso papel.
O mais bizarro, com efeito, é que eu havia
descoberto, nos subterrâneos do museu de Cluny
os fragmentos de um troféu em mármore preto e,
em alto relevo, um escudo de armadura que uma
família francesa reivindicava como seu.
Ora, eu pretendia reconhecer ali as armas dos
Douglas e me perguntava se tudo não provinha do
monumento erigido em Saint-Germain-des-Près,
no túmulo do marechal, monumento destruído no
ano de 1793.
Não estando certo de nada, conduzi o meu in-
quérito muito cuidadosamente, sem dizer palavra
a alguém, mas o espírito do marechal, do fundo
do outro mundo, me espreitava. Supondo, sem dú-
vida, que eu não agiria com bastante presteza, lan-
çava sobre mim sua descendente.

69
Eu a levei diante do troféu de armas, ela o
reconheceu em soluços, embora nunca o houvesse
visto. Um cónego de Saint-Germain nos mostrou
uma estampa antiga em que aparecia o túmulo e
eu obtive do ministro autorização para entregar à
velha abadia os fragmentos que lhe pertenciam.
Eles estão sempre lá, adaptados à parede da ca-
pela onde se erigira outrora o monumento do ma-
rechal."

Eis, pois, dois fatos formais, um dos quais narrado por


uma das mais belas figuras da época, um acadêmico doublé
de sábio.

casos de exatidão e provas


de identidade
Alguns desencarnados se esforçam por nos fornecer,
para o fim de uma identificação certa, particularidades ex-
cepcionais de sua antiga vida terrena, tendentes a reconhe-
cê-los.
Essas precauções podem, à primeira vista, parecer inú-
teis, mas as pessoas, quaisquer que sejam, não mudam ao
transporem a barreira da morte. Já o explicamos mais de
uma vez. O desencarne não modifica ninguém e assim o men-
tiroso continua mentiroso, o enganador não melhora pelo
menos certo tempo. A passagem da vida para a morte não
lhes confere nenhuma virtude suplementar e é ainda uma
prova de identidade certa que nos permite reconhecer os
nossos e os demais.
Além destas considerações, as relações desse gênero são
úteis, porque um preconceito desfavorável se liga muitas
vezes à experimentação das manifestações da alma. Diz-se
freqüentemente que elas são mal observadas, outras vezes
demoníacas ou errôneas e a maior parte do tempo se des-
pejam nos seus ambientes sofismas muito afastados da es-
trita veracidade.
Em meios se não hostis, pelo menos que nos são pouco
favoráveis, tem-se o hábito de dizer que os desencarnados

70
não podem dar nenhuma prova de suas identidades; nas co-
municações que nos dão pelos diversos meios empregados
não nos traziam absolutamente nada que não conhecêssemos
e (é sempre a tese dos metapsiquistas) nós poderíamos muito
bem imaginar uma espécie de criptestesia, possibilidade de
nossos sentidos, permitindo-nos colher em uma memória
universal as informações que são dadas assim.
Ora, a memória universal é muito provavelmente uma
realidade absoluta. O fato de os metagnomos poderem, por
meio de um objeto pertencente a alguém, descrever aconte-
cimentos contemporâneos do objeto, mesmo que tal remonte
a uma época afastada, a destruição de Pompeia, por exem-
plo, demonstra que os objetos ou pelo menos certos objetos
são os sustentáculos dessa memória.
É bem o objeto que fornece as informações ou um laço
psíquico que liga esse mesmo objeto a um reservatório mis-
terioso, conservando, cuidadosamente classificadas, as atas
da natureza ou habitantes que foram chamados a passar
perto deles? É um problema dir-se-ia insolúvel pelo menos
no estado atual da ciência e para o qual fortes hipóteses
foram adiantadas. Tudo me permite crer nessa memória uni-
versal, no entanto ela não explica tudo. Nas comunicações
dos desencarnados, ela se acompanha de propósitos como-
vedores, que não são do domínio da memória, mas de afei-
ção ou de emotividade.
Eis um caso que me foi comunicado pela Sra. Constant.
Diz respeito à Sra. D e s t . . . , residente em Sèvres.
Nem o médium, nem eu, nem as testemunhas, conta a
Sra. Constant, conhecêramos a filha dessa Sra. D e s t . . .
(ambas de origem italiana), a qual falecera com a idade de
19 anos, havia 8 anos e fora enterrada no cemitério de
Sèvres. O prenome gravado na sepultura é Hiacintha. É o
único conhecido do médium e de mim mesmo.
Em um fim de junho, a Sra, D e s t . . . , muito incrédula e
desdenhando das nossas crenças e práticas, achou-se presen-
te, de um modo todo fortuito, a uma de nossas sessões, na
ocasião mesmo em que solicitávamos a manifestação de es-
píritos. Pela escrita automática, apresentou-se um espírito
que pretendia ter sido a filha da Sra. D e s t . . . , mas dizia cha-
mar-se Catarina.

71
Confesso que, à vista deste prenome, pensei logo que a
prova, para sua mãe, iria ao encontro do que eu esperava
(sua convicção) e as suas ojerizas por água abaixo.
A entidade comunicante continuava, entretanto, a escre-
ver pela mão dócil com muita facilidade, feliz, enfim, dizia
ela, de poder dar notícias suas aos seres queridos que dei-
xara na Terra, confortando-os carinhosamente e lhes desa-
conselhando certa viagem à Espanha ainda em projeto e
depois suplicando que continuassem a freqüentar essas ses-
sões. Chamava a mãe de mama mia, acompanhando estas
palavras de amorosas frases em italiano, língua que o mé-
dium ignorava. Depois assinou a mensagem com o nome
de Cathleen.
Quando a mensagem terminou, disse à Sra. D e s t . . .
"Creio que é vossa filha quem me comunicou, mas ela se
apresenta com o nome de Catarina, que não é o dela,"
Verificou-se então uma cena patética, bem comovente,
que deixou todos transtornados. A Sra. D e s t . . . , caíra em lá-
grimas e dizia:
"Catarina é o nome dela; era assim que nossa família
italiana lhe chamava."
"Mas, disse eu, ela se assina Cathleen."
E a mãe respondeu no meio de lágrimas:
"Sim, senhora, era o nome que eu lhe dava na intimi-
dade. Minha pequena Cathleen!"
Eis, pois, um fato formal: um espírito, apoderando-se
de um braço dócil, faz mover um lápis sobre uma folha de
papel e menciona, diante da mãe incrédula, os nomes pelos
quais era chamada em sua infância e que não tinham ne-
nhuma possibilidade de conhecer tanto o médium quanto a
senhora em cuja residência se fazia a sessão. Não somente
essas pessoas não conheciam esses prenomes como também
pensavam que tinha apenas o prenome gravado no túmulo
e que sabiam devido às suas relações com a Sra. D e s t . . .
De outra parte, as palavras italianas lhes eram desconhe-
10
cidas. Não se pode verdadeiramente supor que esses fatos
foram colhidos na memória da natureza e a única explica-
ção lógica é a de que foi bem o próprio espírito que se ma-

10 A Sra. Constant era florista, o que explica suas ligações com a Sra.
Dest..., e seu conhecimento do túmulo da moça.

72
nifestou, levando, como prova de sua identidade, justamente
fatos ignorados dos organizadores da sessão.
Acontecimentos deste gênero são comuns nas ciências
psíquicas, demonstrando uma vez mais que os ditos mortos
podem comunicar-se conosco e dar-nos provas formais de
sua sobrevivência.

As aparências em matéria de
evolução
Já ouvimos pessoas, que perderam alguns dos seus, di-
zerem muitas vezes perto de nós:
— Deve estar muito bem lá no Alto, porque era uma
pessoa (homem ou mulher) muito notável, dotada de todas
as boas qualidades.
E isto porque os que nos estimam têm por nós um amor
que lhes faz aumentar nossas qualidades e ocultar nossos
defeitos, que não percebem mais.
Ouvi muitas vezes frases semelhantes, e os que as pro-
feriam estavam persuadidos de que seu pai, sua mãe ou seu
filho, era uma espécie de santo chegado a uma perfeição
total.
Difícil é discutir em casos semelhantes, pois ninguém é
bem conhecido dos seus familiares. Uma pessoa, por qual-
quer coisa que seja, não é julgada do mesmo modo pelos
seus parentes, chefes, colegas, amigos, filhos e subordina-
dos. Os elogios de uns são, às vezes, transformados em blas-
fêmias por outros. O amor não julga de maneira semelhante
em casos diversos.
Assim, não podemos nunca apreciar a elevação real de
um espírito quando desencarna, isto é, calcular o lugar em
que ficaria um mortal no seu decesso. As aparências são,
às vezes, bem enganosas. Tive assim conhecimento da sorte
de um político que dirigiu a França em horas amargas de
sua história durante a guerra de 1914-18. Sua energia soer-
gueu o país. Ele não passava por santo nem o queria ser;
governava apenas; seu fim era o de salvar a França. Fiquei
muito espantado em saber que seu grau de elevação, que

73
verifiquei várias vezes, era muito grande. E, como me es-
pantasse um dia de seu realce, de seu brilho e de seu talhe
espiritual, meu guia e amigo me esclareceu:
"A fim de que pudesse cumprir a tarefa que lhe foi assi-
nalada, qualidades particulares lhe foram ocultas. Ele era
crente sem o saber. Se tivesse feito funcionar suas virtudes
espirituais, seria um místico e, como tal, não teria sido es-
colhido nunca como político de fama e não teria jamais che-
gado a ser presidente do Conselho de Ministros. Era preci-
so, pois, que o misticismo fosse obumbrado nele e que não
aparecessem aos olhos dos vivos, como aos seus próprios,
senão qualidades terrestres e ainda somente as aptas a lhe
permitir chegar ao posto que lhe fora destinado e a preen-
chê-lo corretamente. Os defeitos humanos, que aparentava,
eram, em suma, uma máscara necessária para lhe permitir
chegar ao fim que ele mesmo ignorava, mas que as Enti-
dades Elevadas, alertadas para a forma do karma nacional
de vosso país, lhe destinaram desde seu nascimento. Fora
mantido em reserva para esta circunstância trágica, facil-
mente previsível e, por conseqüência, conhecida de antemão
por aqueles que podiam tomar conhecimento do facho idis-
pensável do futuro da França."
11
Os que leram minha obra Le Corps et l'Esprit com-
preenderão facilmente o mecanismo que permite, agindo so-
bre os neurônios, em serviço, ocultar, provisoriamente ou
por toda a vida, qualidades ou defeitos.
De outra parte, há vivos, que levaram uma vida santa,
que não encontram no Alto a recompensa que se acredita-
ria, à primeira vista, dever lhes ser atribuída. Isto é devido
a erros de princípios. Quando se acredita no plano espiri-
tual, tem-se certamente uma fé poderosa que se procura di-
vidir com os outros. A boa vontade, infelizmente, não basta,
porque há umas cinqüenta, pelo menos, religiões no mundo,
cujos padres e seus fiéis afirmam que detêm a verdade. É,
pois, compreensível que, pelo menos, uma grande parte deles
ensinem erros ou inexatidões.
Ora, se o que é material não pode ter repercussões se-
não no plano material, o desprezo pela orientação espiritual
pode ter por efeito retardar as pessoas bem intencionadas

11 Georges Gonzales: Le Corps et l'Esprit.

74
na sua possibilidade de ascensão do seu "eu" para o Céu,
isto é, para uma evolução maior.
Esses erros, quando praticados formalmente, escudados
na proibição de estudar outros textos que poderiam ser úteis
ao interessado, retardam, nas mesmas proporções, aqueles
que os cometerem. Que importam os motivos de fé, de cer-
teza interior, o resultado obtido, pois que o Direito francês
no artigo 1.382 do Código Civil estabeleceu: "Todo indiví-
duo que cometer dano a outro é obrigado a repará-lo."
O mestre deverá então procurar os seus alunos no Além
ou na Terra, onde voltará para anular seu ensino que con-
tinha inexatidões.
Esta solução de um ato é lógica, porque o erro, seja
religioso ou político, tem conseqüências incalculáveis. Hou-
ve outrora massacres sob pretextos religiosos, deram-se as
guerras chamadas santas, como se estas duas palavras: guer-
ra e santidade pudessem unir-se. São guerras ideológicas sob
o mesmo título de guerras políticas. São a conseqüência da
intolerância dos homens: "Não pensas como eu, então eu
te detesto, eu te odeio."
E a conversão de fé foi muitas vezes operada por meio
de sangue.
Comportava um erro grosseiro essa frase pronunciada
no tempo das guerras de religião por um dos chefes do mas-
sacre ao qual se pediu que era preciso poupar alguém e ele
respondeu: "Matai-os a todos; Deus reconhecerá os seus!"
Esse homem estava convencido de que agia bem e, por-
que pronunciasse o nome de Deus, Deus aprovava o seu ato.
Era apenas um criminoso que tirava a vida de muitas pes-
soas que não pensavam como ele e julgavam também estar
com a razão.

A sorte dos mortos da guerra e os


falecidos de morte violenta
Conforme vimos, os desencarnados podem levar para o
Além uma parte de seus males e particularmente experimen-
tar ainda os sofrimentos que lhes causaram a morte. Sabe-

75
mos que alívios são dados aos que os merecem. Eis uma men-
sagem de um grande amigo espiritual a este respeito:

1.° de novembro de 1944.

"São ramos de flores que serão depositados


hoje nos túmulos de mais de um dos heróis tom-
bados nesses dias gloriosos que vivestes há pouco
tempo, como os que vão ornar os sepulcros dos
que pereceram antes pela salvação da pátria. São
brancas, vermelhas e de outras cores. Que impor-
tam as suas cores se representam todas uma ho-
menagem, uma recordação de atos heróicos no
curso dos quais perderam a vida sob o fogo do
adversário.
Ai de nós, a França ficou ensangüentada e foi
posta fora de combate.
Agora, esses mortos, esses heróis, esses márti-
res, repousam, segundo nossa expressão, no campo
dos mortos, mas, do ponto de vista psíquico, se-
guem a sua sorte de acordo com o seu mereci-
mento, em situações diversas, segundo o seu esta-
do dalma, seu adiantamento, suas virtudes.
O ato que os enviou para o Além não é deter-
minante absoluto de seu estado psíquico, como se
crê comumente. Não é por causa de terem derra-
mado seu sangue em defesa de sua pátria que irão
ocupar um lugar privilegiado, porque, se, perante
os homens, eles foram heróis e mártires, esse fato
passou despercebido a seus olhares.
Alguns, em face da morte, choraram, treme-
ram, tiveram medo. e isto é humano. Certamente
alguns houve prontos a denunciar seus camara-
das, ao passo que outros, contendo as dores, sela-
12
ram os lábios sobre os nomes que exigiam deles.
Eles morreram de modos diferentes; alguns
foram heróis, outros pobres homens. E se hoje têm
direito ao vosso respeito, pois que contribuíram

12 Trata-se aqui de pessoas conhecedoras dos segredos da resistência fran-


cesa, aprisionados e torturados pelo ocupante.

76
para a vossa libertação, só Deus pode conhecer o
fundo do coração de cada um deles, os intuitos
que os fizeram agir e o seu comportamento no
instante em que a morte ou o suplício os liquidou.
Assim, desse comportamento diferente resul-
ta sua elevação espiritual ou sua estagnação, por-
que se o fato não intervém como uma decisão de-
finitiva sobre a sua sorte depois do decesso, ele
vale por uma fração importante, pois que se trata
de um fato grave possuindo sobre outros atos um
poder adicional. É o último ato de uma vida; ele
põe em jogo a coragem e aciona os sentimentos
mais nobres em face do perigo iminente.
A maior parte deles, de conformidade com a
sua têmpera, agiram intuitivamente segundo o seu
grau de evolução, ao passo que outros ultrapassa-
ram esse grau, projetando-se por cima de suas vir-
tudes e seus defeitos para além delas, realizando
um progresso certo.
Assim, a sorte deles, se é invejável, conforme
vossas canções e doutrinas patrióticas e religiosas,
o é, às vezes, na realidade. Ela o é quando foi o
gerador de um avanço os situando de um só golpe
mais alto do que os que morreram num leito e que
não fizeram mais do que suportar a doença e a
morte sem muitas vezes pensar que iam tombar
na sepultura.
O dinamismo da ação, que faz com que uma
pessoa sucumba como herói, é importante; essa
façanha é muitas vezes exaltada pelo homem. Som-
brios dramas se elaboram nas almas daqueles que
estão encerrados nas prisões, mas o cativeiro sus-
cita também pensamentos exaltando as virtudes
cívicas, inclusive a coragem, num grande número.
O caso é análogo ao do combatente que é,
ele também, outro condenado, cuja morte não po-
derá ocorrer no momento, mas que sabe que corre
um perigo um pouco menos certo, embora muitas
vezes renovado. Aqueles devem também enfrentar
a morte com serenidade e com tanto mais cora-
gem, porque sabem muitas vezes que, se escapam,

77
podem ficar atrofiados de tal maneira que não se-
rão mais do que trapos humanos.
Todos eles têm direito ao respeito dos homens.
Todas as suas ações tiveram conseqüências visíveis
sobre o seu psiquismo.
Certamente o último ato não anula todas as
suas faltas, mas, sendo o último, ele possui um
determinismo que atenua o que sua vida comporta
de erros. Ele exalta, em suma, a sua existência e,
conforme o que foram, acham-se numa situação
um pouco privilegiada pela força mesma das coi-
sas perante aquele que não passou por provas se-
melhantes.
Com certeza não é a subida direta ao paraíso
para todos, assim como é, às vezes, representada,
mas é, no entanto, a abertura de novos caminhos
iluminando o psiquismo com uma claridade suave
e benéfica concedendo-lhes possibilidades futuras
de evolução. Isto pode fazer com que cheguem
muito mais depressa ao caminho que é nosso, o
caminho que nos conduz a Deus."

Modesto

Tive ocasião de observar a veracidade desta mensagem


no plano astral, em conjunturas particulares, a propósito de
um morto por fuzilamento depois de uma resistência pa-
triótica no momento da ocupação. O corpo estava lá, palpi-
tante, e a alma, aturdida pelo choque das balas, ia deixar
a carne com a qual havia coabitado algum tempo. Ela se
demorava em razão desse laço poderoso e teria ainda fica-
do provavelmente bem longos instantes, como nos casos de
morte comum. Ela era terna e mostrava as cores correntes
das almas da Terra: o cinza, o pardo e alguns tons de co-
loração mais viva devido aos pensamentos nobres que o mo-
ribundo havia tido.
No momento em que a separação foi efetiva, isto é, no
instante preciso em que o princípio espiritual, imortal, dei-
xava o despojo terrestre, tudo se iluminou. Foi como se o
raio o tivesse tocado e ele ficasse dependurado um pouco,
como se uma chama breve tivesse acompanhado essa alma,

78
espalhando uma claridade durável. Era, em suma, uma mar-
ca indelével, fixada agora nesse espírito: ela será a sua de-
terminante futura, a característica reconhecível desta vida
terrestre ceifada em plena vitalidade e retirada de nosso
mundo no momento em que tantas outras não têm outras
preocupações que suas diversões passageiras.
Porque, já o sabemos, a vida não é vivida senão para um
18
fim evolutivo. Em outra obra, dissemos que a regra geral
é o Amor. Ora, este não pode ser praticado senão pela per-
feição do "eu" e o esquecimento de si mesmo.
14
Expliquei também em outra obra, que, para tal, é pre-
ciso construir seu corpo, dominá-lo e excedê-lo. O homem,
fuzilado, que citamos antes, tinha cumprido os dois últimos
mandamentos pelo menos em um breve momento: tinha
dominado seu corpo, afrontando a morte pelo exercício de
uma ação que sabia ser perigosa e o tinha excedido no mo-
mento do suplício final, recusajndo revelar os nomes de
seus camaradas, quando sabia que não escaparia. Por esses
dois atos, ele se achou no caminho ascendente, o que não
leva mais em consideração o corpo.
Entretanto, ele podia ter graves defeitos e voltou para
corrigi-los. Ele podia ter cometido erros e malversações;
essas serão cortadas pelo karma, mas as sanções, se elas exis-
tem, serão atenuadas pelo ato de seu sacrifício.
Esta lição é de reter-se, porque se compreende muitas
vezes mal a tragédia desses mortos da guerra, tombados em
plena mocidade por balas inimigas e obrigados a demonstrar
certa coragem, embora a educação de família lhes houvesse
ensinado a doçura e a bondade. Em um conflito armado,
todos são convocados: trabalhadores, comerciantes, patrões,
empregados, escritores etc. Todos servirão perdidos na mul-
tidão anônima dos pais de família e solteiros que se ombream
cada dia. Eles estariam como nós partilhando das alegrias
ou das penas do mundo. Quem sabe se teriam talvez uma
vida de misérias, de trabalhos, de dores, de desilusões, en-
quanto que nós os lastimamos de terem desaparecidos tão
cedo aos nossos olhos no momento em que o futuro pare-
cia querer mostrar-se a seu favor.

13 L'Evolution Spirituelle.
H Le Corps et l'Esprit.

79
A existência, para todos os que tiveram a mesma sorte,
terá agora um outro sentido. Quando eles reencarnarem
para uma nova tarefa terrestre, possuirão certa gravidade
particular das almas amadurecidas cedo, começarão a cum-
prir atos meretórios de progresso e evolução e se acharão
no caminho que conduz às carreiras espirituais.

As possibilidades dos desencarnados


Temos, na Terra, o costume arraigado de tudo fazer por
intermédio da mão-de-obra humana que não compreendemos
que um espírito, privado de seu corpo, possa agir.
Nos lugares onde se pratica um Espiritismo simples,
com as chamadas "mesas falantes" para se distrair um pou-
co, tem-se o hábito de fazer à mesa perguntas particulares
como estas:
— Qual era o nome de vosso marido?
— Terei filhos?
— Ficarei rico etc. etc.
como se os espíritos devessem tudo saber. É evidentemente
que alguns erros ocorrem porque a morte não lhes concede
a sabedoria integral e muitos desencarnados devem aprender
mais do que os vivos.
A maior parte dos espíritos passados recentemente para
o Além nada sabem e ainda tomam o seu corpo-espírito por
corpo-carnal. Estão, portanto, numa situação de não pode-
rem responder coisa alguma, pois ainda não conhecem a sua
própria sorte.
Alguns deles podem, entretanto, fazer mover certos obje-
tos, como mesas, pranchetas etc, mas não espíritos ainda
muito materiais e não se pode fiar em suas declarações. Não
se trata de um juízo pejorativo, porque outros espíritos,
mesmo elevados, podem desenvolver bastante força para
obter resultados análogos e nos fornecer indicações certas,
se as sessões forem sérias. Quero simplesmente dizer que não
se pode acreditar, de modo absoluto, numa comunicação,
quer seja oral ou escrita, batida por uma mesa ou recebida
de outra forma, sem ter provas absolutas e anteriores de
que o comunicante sabe de quem fala e dá habitualmente
indicações exatas.

80
Muitos espíritos, quando desencarnam, permanecem um
tempo bem longo, às vezes, na Terra e, se gostavam de men-
tir, continuam a mentir, se gostavam de enganar, continuam
a enganar, mesmo depois de sua morte. Conheci um homem,
inexperiente nas coisas espíritas, que conversava com espí-
ritos enganadores e, aconselhado por eles, remetia certas im-
portâncias, a pretexto de caridade, para endereços que lhe
davam pela escrita aiitomática. Várias remessas foram de-
volvidas, mas outras se perderam, pois haviam dado nomes
e endereços ao acaso.
Tive ocasião de ler numerosos poemas assinados por
Alfred de Musset, Victor Hugo, Lamartine etc., e que podiam
passar, à primeira vista, por serem desses autores já no Além,
mas nenhum deles podia resistir a um exame aprofundado.
Quando era a mesma pessoa que recebia os poemas, trata-
va-se sempre do mesmo espírito que, por orgulho, tomava
nomes que não seu, a fim de impor as suas idéias. Observa-
vam-se sempre os mesmos modos de dizer, as mesmas faltas
de prosódia, se ali houvessem, ou o emprego das mesmas
palavras.*
Isto nos ensina o quanto devemos desconfiar das men-
sagens firmadas por grandes homens de Terra, seja poeta,
santo ou sábio, razão por que, antes de se entregarem às
práticas espíritas, é preciso conhecer o Espiritismo, ler as
suas obras fundamentais.
Como já dissemos, a morte não muda o caráter de uma
pessoa e mesmo um bêbedo permanece um bêbedo, apesar
da ausência dos órgãos de degustação. Aqueles que se com-
prazem nos lugares onde se bebe, se não se podem embriagar
no Além, gostam de acompanhar os que ainda o fazem na
Terra, divertem-se na sua companhia, seguem-nos sempre,
deleitando-se em vê-los absorver bebidas alcóolicas com cujos
cheiros e gostos se deleitam. Um verdadeiro espiritualista
não deve nunca beber, pois isto explica o chamado "vício
da bebida/', para não dizer uma obsessão espiritual.
Nem sempre, evidentemente, tal acontece. Temos cá no Brasil o "Par-
naso d'Além Túmulo", sempre com novas tiragens aumentadas, em que
numerosos poetas brasileiros e portugueses desencarnados ditaram ao
conhecido médium Francisco Cândido Xavier as .suas poesias conservan-
do o mesmo estilo e o mesmo gênero, poesias que são recebidas já ri-
madas e metrificadas e foram reconhecidas como próprias de seus au-
tores. (N. T.)

81
A sensualidade é da mesma ordem. Um espírito, que foi
viciado na Terra e dado aos ditos prazeres da carne, busca
satisfazer ainda o que constituía o seu gozo freqüentando
lugares mal-afamados e suspeitos, e compraz-se em cenas
lascivas, pois a facilidade que tem de atravessar portas e
paredes lhe fornece mil oportunidades de assistir a espe-
táculos deprimentes que podem satisfazer as suas horríveis
paixões.
Essa facilidade de atravessar coisas sólidas parece um
absurdo, mas lembremo-nos de que os desencarnados pos-
suem agora um corpo fluidico, algo vaporoso, que não co-
nhece obstáculos.
Já a opinião deles não é a mesma, pois nos dizem:
"— É bem o contrário do que pensais: é justamente por
que somos muito mais duros que as paredes que as podemos
atravessar. Elas nos parecem assim como um vapor ou um
leve nevoeiro, e é por isto que as atravessamos facilmente.
Somos da verdadeira matéria, a que penetra as substâncias
que considerais como as mais sólidas."
Esta opinião é certamente surpreendente à primeira vis-
ta, mas é mais bem compreendida quando tomamos conhe-
cimento das teorias atuais da constituição da matéria, que
é formada de minúsculos grãos de energia muito espaçados
uns dos outros, proporcionalmente ao seu volume.
Assim sendo, eles não mudam; continuam como tais
além da morte e, em grande parte, buscam as sensações ter-
renas a que estavam habituados. Isto é bastante animador
para nós que temos altas aspirações, pois teremos mais fa-
cilidade para as realizar quando, por nossa vez, atingirmos
as regiões espirituais aonde a sorte deve enviar-nos.
Entretanto, quando se trata de um espírito muito ma-
terial, a consistência do perispírito é tal que, sendo quase
igual à matéria, ele pode aí ter algumas dificuldades de pe-
netração, e nós temos conhecimento de espíritos desencar-
nados que permaneciam encerrados, emparedados nos seus
túmulos de pedra porque as suas densidades muito grandes
não lhes permitiam sair deles facilmente. É o tempo o
grande curador dessa espécie de sofrimento; eles acabam por
compreender onde estão e encontram uma saída.
Em sua obra La morte et son mystère, conta-nos Flam-
marion o seguinte:

82
"O Sr. Stainton Moses, professor da Universidade de
Londres, tinha o hábito de escrever automaticamente na so-
lidão de cada manhã. Depois de ter pedido ao seu espírito
familiar que lhe enviasse um desencarnado que pudesse ler,
esperou algum tempo.
"Rector está presente."
P. — S. M. — "Podeis ler?"
R. — (a escrita mudou). "Sim amigo, mas dificilmen-
te."
P. — "Podeis ir à biblioteca, ver o penúltimo volume da
segunda prateleira e me ler o último parágrafo da página
94? Não sei qual é o livro e ignoro mesmo seu título."
Depois de um certo lapso de tempo, o Sr. Stainton Mo-
ses, escrevendo sempre automaticamente, traçou as seguin-
tes palavras:
"Provarei por uma breve narração histórica que o pa-
pado é uma novidade que gradualmente se elevou, engran-
decendo, desde os tempos primitivos do Cristianismo puro;
não somente desde a época apostólica, mas até mesmo de-
pois da lamentável união da Igreja e do Estado pelo impe-
rador Constantino."
O volume em questão era mesmo uma obra bizarra e
trazia um título bem fantástico: Anti popepriestian, an
attempt to liberate and purify Christianity from politi-
kirkalty and priestule, de Roger. A tradução do título do
livro é: Ensaio para libertar e purificar o Cristianismo do
papismo, da política clerical e do governo dos padres.
A citação era exata. Vê-se que foi um poder absoluta-
mente notável o de ler, num livro fechado, algumas linhas
desconhecidas. Nenhuma pessoa, penso eu, poderia facil-
mente realizar esse fato no seu estado normal.
Meu grande amigo espirtiual me deu a seguinte men-
sagem relativa ao assunto:

O papel da matéria através das


existências
"Já que estais prontos a trabalhar, vou aproveitar-me
de vossa disposição para vos dar um pequeno curso sobre

83
um assunto que diz respeito ao Além. O desenvolvimento
dos sentidos transcendentais (para os que estão prontos a
adquiri-los) não se verifica senão progressivamente, porque
não é da noite para o dia que se adquirem novos dons, que
demandam trabalhos e anos. Com efeito, os sentidos, se-
jam quais forem, devem tornar-se um costume, um hábito.
Só o exercício lhes proporciona a extensão necessária. Eles
não se fundam nem no acaso nem num terreno movediço,
nem atingem o apogeu num solo sem adubo. Vamos ver
como fazê-lo. Cabe-vos primeiramente buscar o seu cresci-
mento por um exercício diário e, em seguida, o seu apura-
mento por uma perfeição de vós mesmos. O adubo repre-
senta justamente as virtudes que se lhes deve ajuntar, vir-
tudes que não aparecem sempre nos homens porque são
constituídas pelos esforços destinados a vencer a carne. Uma
pessoa que se liga solidamente ao seu corpo não terá senão
virtudes carnais.
Como se formula o problema? É preciso, em suma, tor-
nar puro o espírito, o que não se pode fazer senão pelo rom-
pimento progressivo dos laços terrenos. Só se é puro espí-
rito quando a morte passou e, em seguida, como o termo
o indica, se desligou totalmente da carne, isto é, elevou-se
a regiões espirituais onde a felicidade é eterna.
Lá não temos mais matéria; rompemos com o mundo
no que diz respeito às nossas possibilidades de volta. Se de-
vemos retornar para uma determinada tarefa será preciso
revestir-nos dessa substância terrestre que nos permitirá o
exercício de nossa missão.
Esse domínio da matéria é indispensável para permitir-
nos formar um corpo que não saberíamos fazer mover sem
partículas numerosas a densas, porque esse corpo é consti-
tuído, por inteiro, de carne molecular, de acordo com os
grosseiros materiais de que vos servis diariamente. Para as
missões, pois é preciso que sejamos terrenos em lugar de
permanecermos os puros espíritos que éramos.
Tal implica para nós uma conseqüência grave: já não
poderemos conservar as possibilidades de correspondência
com o mundo que acabamos de deixar senão mantendo as
aquisições, isto é, permanecendo puro espírito, guardando
nosso desapego à matéria que nos envolve como um manto.
Eis a imagem: devemos aceitar uma espécie de capa sem a

84
qual não podemos abrigar o corpo. Não é preciso que seja-
mos nós mesmos esse manto do qual seremos parte inte-
grante; devemos constituir uma dualidade nítida e não um
todo como acontece com a maioria dos vivos. Devemos, em
suma permanecer separados e prontos a deixar o nosso
;

envólucro a qualquer momento. Se há defeitos, falta de cor-


te ou de talhe, isto não deve importar-nos, pois se trata
de uma veste que deixaremos um dia e cujas imperfeições
não devem ser senão físicas e não afetarem o todo.
Isto é um pouco difícil de compreender, porque existe
uma margem que parece pouco fácil de transpor, entretanto,
vou sugerir-vos uma imagem que vos fará melhor discernir
a coisa.
O escafandrista veste uma roupa pesada que tolhe todos
os seus movimentos; com o decorrer do tempo, ele adquire
a lentidão característica proveniente do que o incomoda
constantemente no fundo dos oceanos. Observai as pessoas
que, de hábito, calçam grossos sapatos; elas são prejudica-
das, mesmo estando de chinelos, pelo passo pesado com que
se acostumaram com o peso de seus calçados. Outrora, os
antigos forçados eram reconhecidos pelo seu andar; elas
arrastavam o pé ao qual se tinha acorrentado a bola de ferro
que os impedia de fugir.
Pois bem, o espírito puro, que quer permanecer tal, não
deve calçar sapatos pesados, não deve nunca deixar-se ligar
ao peso da matéria. É-lhe preciso permanecer sempre não
mais sob o domínio das coisas carnais, mas sob as do es-
pírito.
Se, na vossa vida anterior, fizestes aquisições que vos
permitiram uma ascensão aos planos em que nos achamos,
voltando novamente à Terra, deveis procurar reencontrar o
fio condutor, o fio telefônico, em suma, que vos porá em
correspondência com o vosso antigo nível e, se ainda não
chegastes até nós e desejais atingir a estas elevadas regiões
do espírito, vos será preciso conquistar as qualidades ne-
cessárias para encontrar as possibilidades. Em ambos os
casos, sois vós que deveis esforçar-vos.
Vossa matéria vos comprime, ela vos impele a necessi-
dades, vos dá hábitos que precisais vencer e por cima das
quais deveis elevar-vos. Uma vez dado esse passo, encontra-

85
reis ou reencontrareis o caminho do Espírito, a Rota Divi-
na que está muito afastada da matéria.
Nós mesmos já fizemos esses esforços; nós sabemos
quão penosos são eles e como é fácil cair, mas a luta retem-
pera o caráter. A justiça, o desapego, a bondade, não são
caminhos de fraqueza, mas caminhos de força de caráter.
É preciso possuir uma têmpera de caráter para agüentar
com as vicissitudes de vosso globo, a luta constante pela
vida eterna, munidos da serenidade da alma que, deixando-
vos indiferentes aos assaltos do mal, vos permite cultivar
o desapego às coisas carnais."

Modesto

A discriminação em matéria de
manifestações de espíritos
As manifestações e s p i r i t a s são inúmeras e variadas,
de modo que importa conhecê-las bem a fim de as distin-
guir de outros fenômenos devidos à vontade dos vivos. Com
efeito, é preciso saber que os vivos são espíritos encarnados,
assim como os mortos são espíritos despojados do corpo
carnal. Ora, assim como já vimos, o espírito pode, momen-
taneamente, agir sem seu corpo e produzir então fenômenos
do domínio da Metapsíquica. São ideoplastias ou fenômenos
devidos unicamente a vivos.
Já foi demonstrado, pela experimentação, que uma pes-
soa, sugestionável ou debaixo da influência da hipnose, podia
reproduzir, na superfície de sua pele, marcas, sinais ou le-
tras. Assim é que se explica atualmente o aparecimento de
certos estigmas nos místicos, sem que isso seja uma prova
absoluta de que tais fenômenos não são produzidos de outra
sorte.
É preciso proceder com muita cautela quando se quer
determinar se se trata de fenômenos produzidos por seres
desencarnados ou por um dos nossos.
A mediunidade tem sido estudada, com cuidado, sob
estes dois aspectos: o da mediação entre os mortos e nós e

86
o da produção voluntária ou involuntária de fenômenos se-
melhando-se estranhamente aos primeiros.
Isso nos mostra que a nossa cautela deve ser grande e
estar sempre atenta quando estamos a ponto de atribuir tal
ou qual fato a uma ordem formal.
O pensamento é a emissão de uma força proveniente de
nossa individualidade, é uma realidade concreta; assim as
múltiplas experiências que têm sido feitas demonstram que
estão aí as causas das manchas na pele das mulheres grá-
vidas se decalcando na carne das crianças em gestação e de-
formando os rostos de certas pessoas. É o resultado de um
forte pensamento que foi assim impresso no feto em for-
mação.
Bem sei que a correlação das manchas e dos sinais nas
crianças é muito controvertida, mas muitas mulheres se re-
cordam de que, estando grávidas, tiveram uma mancha ou
levaram um susto e chegaram com a mão a um dado lugar
do corpo que foi seguida marcado na criança a nascer. Isso
não pode evidentemente significar que todas as manchas
da pele tenham essa origem. Entretanto, eu penso que pode-
remos obter uma correção possível dessas marcas fazendo
a mulher grávida pensar que seu filho terá uma pele per-
feita. Os gregos aconselhavam às mulheres a irem contem-
plar as estátuas para que os seus descendentes tivessem um
corpo perfeito.

Os espíritos se apresentam vestidos?


Eis uma pergunta bastas vezes formuladas, porque mui-
tos dos que não estão a par das coisas espirituais podem
crer que os espíritos devam apresentar-se nus, Já que não
há fazendas no Céu ou outro meio de vestir os desencarna-
dos e que só a alma volta e não as roupas.
Jeanne d'Arc teve que resolver o mesmo problema quan-
do de seu processo. O bispo Pierre Cauchon, no meio das
perguntas insidiosas que fazia à Jeanne, a fim de a condenar
com mais segurança, lhe perguntou:
— São Miguel apresenta-se nu?
— Pensais que Deus não tem com que vesti-los res-
pondeu ela.

87
A resposta foi certa, mas como interpretá-la? A morte
não é apenas uma poesia; ela é igualmente uma realidade
e muitas vezes uma bem triste realidade que enche de um
luto doloroso uma vida inteira, semeando a tristeza em sua
passagem. Compreender-se-á o desgosto em que se acharia
colocado quem, tendo conhecido uma mulher elegante, sem-
pre coquetemente vestida, a reencontrasse no plano astral,
depois da morte, gasta pela idade, com a pele enrugada e
todos os inconvenientes da velhice que os aparelhos femini-
nos ocultam aos olhares de todos?
Seria quase uma profanação. Quem ousaria apontar, sal-
vo a alguns, as decrepitudes e os mistérios de um corpo que
as vestes ocultam aos olhos? Só os jovens ou as pessoas bem
feitas se permitiriam apresentar-se quase nus.
Penso que essa razão deva ser a determinante das con-
dições nas quais se manifestam os desencarnados. Quando
os vemos, eles nos aparecem como os conhecíamos, com as
mesmas roupas às quais estavam habituados. Um oficial apa-
receria com seu uniforme costumeiro, que seria para nós
uma prova absoluta de sua identidade. Os videntes, quando
assinalam, no meio de nós, a presença de um desencarnado,
descrevem as suas vestes minuciosamente. Se se trata de uma
religiosa, ela aparece com os véus ou o capuz; se um bretão,
ele traz o boné característico da região em que vivia; se
um trabalhador, ele está muitas vezes vestido com o seu ca-
saco de trabalho que o classifica ao primeiro olhar e que
permite ao vidente fazer uma descrição ainda mais exata.
Muitas vezes mesmo o desencarnado se apresenta com
os utensílios de que se servia quando vivo: um metro, um
compasso, um microscópio. Isso pode parecer paradoxal, por-
que um microscópio não morre e não tem fantasma fluidico,
lhe sobrevivendo, mas existem lá as ideoplastias criadas pelos
desencarnados ou pelos guias que ajudaram a manifestação
para permitir uma identificação mais fácil. Com efeito, não
teríamos necessidade dessa espécie de encenação, pois ape-
nas o rosto avivaria a nossa memória, mas temos tido co-
nhecimento de aparições de espíritos descritos apenas assim:
"Está presente um homem magro, alto, que pode ter os seus
sessenta anos." Tal descrição pode perfeitamente correspon-
der à do parente que perdemos, mas ela pode ser também
a do pai ou do irmão de tal pessoa igualmente na sala. A

88
prova de identidade não deve ser feita apenas pelos traços
fisionômicos, mas também por vários outros detalhes par-
ticulares a cada um.
Isso é tanto mais verdade porque, quando se encontra
uma pessoa, mesmo bastante familiar, mas tendo mudado
de penteado e de trajes, custa-se, às vezes, a reconhecê-la.
Se em descrições de espíritos que nos são feitas: "Há,
diante de mim, um padre que se anuncia com um nome
famoso", ou bem, "um oficial superior de um exército es-
trangeiro", as nossas recordações serão logo orientadas,
todavia, não devemos mais fiar na nossa memória visual,
mas na enunciação do que se nos faz. Isso nos levará infa-
livelmente àquele que quer manifestar-se.
Nas aparições, não é de espantar-nos que os desencar-
nados se mostrem vestidos como quando vivos e, sobretudo,
tais como tínhamos o costume de vê-los na época em que os
conhecêramos. Isso, em primeiro lugar, é útil, depois é de-
cente e mesmo necessário. Acontece, entretanto, sobretudo
quando a manifestação é rápida, que o espírito apareça um
pouco apagado, como que cercado de um véu. Só o rosto
aparece nítido e bem terminado. É o caso das aparições de
espíritos destinadas a serem reconhecidos pelos parentes. O
traje é muitas vezes inútil, pois uma mãe reconheceria fa-
cilmente seu filho.
Nas sessões de materializações, por meio de formações
ectoplásmicas, acontece igualmente que os desencarnados se
apresentem cobertos de véus sendo só a parte superior do
corpo claramente visível. É assim que se manifesta o espí-
rito de Ben-Boá ao professor Charles Richet nas sessões rea-
lizadas na Vila Carmen, em Alger. Ben-Boá pôde ser foto-
grafado por várias vezes e os clichês têm sido conservados.
Quanto a mim, várias vezes vi espíritos de pessoas de-
sencarnadas. Vi-as sempre vestidas como se ainda perten-
cessem ao plano terrestre ou provavelmente quando o de-
sejassem aparecer assim, porque a matéria astral, sendo mui-
to maleável, permite a criação instantânea, ou quase isso,
de uma espécie de materialização do pensamento. Mas eu
penso que, para os desencarnados surpreendidos, de qual-
quer sorte, em suas novas ocupações, a ideoplastia não tem
lugar, pois não há tempo para tal. É antes neste sentido
que é preciso buscar a realidade.
Vi bem. distintamente a minha esposa, depois do seu
desencarne. Falecida aos 65 anos, vi-a como se estivesse nos
30, delgada e viva, com os seus belos cabelos dourados caí-
dos sobre os ombros.
Ora, quando vistos imprevistamente, são facilmente re-
conhecíveis pelo rosto, marca de sua personalidade, mas o
resto do corpo é antes apagado que completo. Se estão no
soalho de um quarto, por exemplo, os seus pés parecem ine-
xistentes. Eles flutuam de certo modo, a uma pequena dis-
tância do solo, avançam sem caminhar, deslizam no ar.
Podem estender para nós mãos que separam os véus ou o
que parece tal à nossa percepção, dirigir para um objeto
um dedo indicador, no qual distinguiremos as falanges bem
formadas, sem que isso seja para nós uma certeza de que
tenha braços como nós.
Numa sessão de materialização, fui tocado pela mão de
um espírito que eu via e que se achava a mais de um metro
de mim; o que lhe servia de braço era então mais comprido
do que um braço comum.
Não é senão quando eles o querem que terão seus pés
como os nossos e que estarão calçados, tal como aquele anti-
go senhor que percebi certo dia, de calções e botas. Tinha
a mão na guarda da espada em um gesto de defesa formal,
ou aquele padre defunto de sobrepeliz que, com uma sacola
na mão, ia de porta em porta, acompanhado de um menino
do coro.
As visões que eu tive em Londres, no Hotel St. Ermin
e que descrevi no capítulo "Os médiuns", são bem caracte-
rísticas a este respeito, pois não me mostraram entidades
completas, mas apenas os bustos, parecendo vivos e vestidos,
salvo nas duas formações primárias de crianças antimortas
e nuas, que estavam viradas de lado.
Parece, pois, tratar-se, em todos os casos, de aparições
preparadas e não espontâneas.
A forma humana é um apanágio da Terra e os grandes
espíritos não a revestem senão por necessidade de identifi-
cação. Nas ocasiões em que são vistos, parecem mais a luzes
do que a seres humanos. Quando não estão mais sujeitos às
leis da reencarnação por motivo de sua alta evolução, quan-
do se tornarem gigantes do Espaço, não são mais do que

90
vibrações compactas que percorrem as imensidões celestiais
no cumprimento de tarefas desconhecidas dos terrenos.
Certo dia, vi uma dessas enormes criaturas: era como
uma nuvem estendendo-se até o horizonte; as palavras de
seu pensamento desciam sobre mim e estimaria dizer tudo
que ela falou. Em dado momento, como eu perguntasse
quem era essa imensidão, uma das extremidades da nuvem
se modelou e tomou uma forma humana em que tive a gran-
de surpresa de reconhecer um dos grandes guias da huma-
nidade que, no último século, iluminou a filosofia indiana.
Foi uma coisa emocionante e grandiosa.*
Esse não é um fenômeno isolado. Já descrevi em outro
volume alguns desses imensos espíritos.
O último em data aconteceu quando de uma viagem de
avião. Eu ia à Argélia e, quando sobrevoávamos o Mediter-
râneo, vi um desses grandes guias acima de nós, estendendo
os braços para nós como em um gesto de proteção. O que
é curioso é que ele apresentava um pouco as mesmas carac-
terísticas que as fotografias tomadas de muito perto: seu ros-
to era enorme e o resto do corpo diminuía ao longe, per-
dendo pouco a pouco seu volume. Sucedia o mesmo com
suas mãos que se mostravam enormes ao passo que a gros-
sura de seus braços diminuía segundo as leis da perspectiva.
Tinha cinqüenta quilômetros de comprimento ou tre-
zentos, não sei, pois nenhum objeto visível podia servir de
comparação; só o mar uniforme, a duas milhas e quatro-
centos metros abaixo, o teria podido dizer na sua estranha
fixidez aparente.
Podemos entrar em contato com uma gama imensa de
espíritos, tanto em valor espiritual quando em possibilidades.
Tudo depende do grau de evolução deles. Quando se
trata de espíritos imensos tendo vivido já há alguns milha-
res de anos, podemos dar-lhes ainda o nome de desencar-
nados? Eles são agora quase deuses quando a sua tarefa
foi grandiosa.

* Não nos admiremos do que conta o autor deste belo livro. Na Bíblia
há várias passagens dizendo que um espírito se destacou ou saiu de
uma nuvem e falou a um mortal, no caso um clariaudiente. Na con-
versão de Saulo em Paulo (Atos dos Apóstolos, IX, 1/5), a voz saiu
do meio de uma luz. (N. T.)

91
Meios de apreciação do grau de
evolução espiritual dos espíritos
Dois casos se nos apresentam: o espírito está encarnado
ou então pertence ao mundo invisível.
Não devemos nunca esquecer-nos de que um vivo é um
espírito revestido de um corpo e que um desencarnado é um
espírito sem um corpo carnal. A diferença provém simples-
mente da presença de uma massa de carne cercando um e
ausente do outro. Não é então mais uma questão de natu-
reza, porém, em suma, de apresentação.
O espírito é o único a considerar-se; é ele primordial no
caso. O corpo não é senão uma veste passageira que envolve
o espírito para o cumprimento de determinadas tarefas ma-
teriais e que lhe permitirá um dia domesticar a matéria, su-
jeitá-la e depois dominá-la. É um instrumento de escolha que
é preciso dirigir, mas não é senão um aparelho de que se
deve desligar mais tarde e que não deve nunca ditar as suas
leis. Com efeito, nosso futuro é o de viver em lugares onde
estaremos libertos das reencarnações e, por conseqüência,
desprovidos de matéria para sempre, tornando, destarte, pu-
ros espíritos.
Como isso se verificará então?
Sabemos que o corpo tem uma aura, espécie de nuvem
psíquica de diversas colorações (conforme as pessoas) se es-
tendendo a distâncias variáveis em torno de nós, distâncias
que habitualmente não são bem grandes. A existência da
aura foi posta em evidência já há bastante tempo por meio
de experiências feitas com écrans de azul de metileno líquido
ou simplesmente violeta. Percebe-se a alguns milímetros do
corpo uma zona mais ou menos fácil de distinguir, zona
essa que se pode estender até a um centímetro.
A aura é complexa; ela pode revestir a espessura de
alguns milímetros ou atingir vários centímetros na huma-
nidade atual. Para nós. espiritualistas, ela é mais extensa
e pode atingir de quinze a vinte centímetros. Já se viu mesmo
uma aura que ultrapassava o corpo em mais de um metro.
A aura é cinzenta, quando pertence a uma pessoa preo-
cupada, sobretudo, com coisas materiais; cinza ou castanha,

92
pardo carregado e. às vezes, vermelho sombrio, quando se
trata de uma pessoa sensual.
À medida que o espírito da pessoa em questão se eleva,
a aura cresce em volume e, ultrapassando-o, as cores escuras
se esclarecem, pois são substituídas por tonalidades suaves,
agradáveis à vista.
Já nos vivos, pode-se verificar, pelo exame da aura,
quando se tem essa possibilidade, o grau de adiantamento
espiritual, mas es~a aura, sendo, em suma, a parte psíquica
da personalidade em causa, a segue na morte. Pode-se, então,
verificar facilmente o grau de elevação espiritual do desen-
carnado.
Há outros critérios. Com efeito, já explicamos no capí-
tulo II (A lei da densidade espiritual) que os espíritos
ocupam no espaço o nível exato correspondente ao seu mé-
rito, por uma lei análoga à do peso, mas agindo unicamente
do ponto de vista espírita. Pois bem, quando se verifica que
a entidade em causa se acha colocada muito mais alta que
outras, pode-se deduzir formalmente que a sua elevação es-
piritual é maior.
Há ainda um outro critério: é o volume do espírito.
Conhece-se o fenômeno que se produz quando da ascen-
são dos balões: à medida que a aeronave sobe na atmosfera,
a densidade ambiente, sendo mais leve a pressão interna do
gás, tende a distender os tecidos da esfera do balão, se bem
que o aeronauta seja obrigado a proceder a um afrouxamen-
to do gás.
Um fenômeno análogo se produz no que concerne às
almas; quando elas sobem no espaço espiritual, uma espé-
cie de dilatação as afeta; as entidades dos planos elevados
se nos apresentam muito mais graúdas que o corpo vivo
nos aparecia; assim, os grandes espíritos merecem bem o
título de grande.
Vi um dos que haviam deixado a Terra relativamente
há pouco tempo, como, por exemplo, o de que falei na par-
te precedente. As aparências, em matéria de evolução, já
tinham um belo desenvolvimento, isto é, dimensões maiores
do que as de um homem ordinário. Mas, não é ainda nada,
comparativamente aos que pude perceber em minhas incur-
sões psíquicas em elevadas regiões.

93
Um deles, que mostrou por mim alguma afeição, tinha
um tamanho que eu avalio em uns trinta metros. A visão
era de tal modo bela e luminosa que, na minha inexperiên-
cia (porque eu não havia ainda visto um de tal tamanho),
o tomei por Deus. Depois, vi outros deles, imensos, e des-
crevi o fenômeno no meu livro L'Evolution Spirituelles. São
gigantes que se assemelham a imensidades.

O fim da evolução
Pelos exemplos, pode-se conceber que, no reino humano,
apresentam-se enormes margens.
A responsabilidade varia com a cultura, com o grau de
desenvolvimento da alma, com a raça, a espécie, o país, o
meio em que o interessado foi educado.
No fundo, os fatores são diversos, porque as possibili-
dades de expansão são diferentes.
Certamente, ao primeiro olhar, todos os humanos são
semelhantes. Não é senão uma aparência, porque só consi-
deramos o exterior da pessoa e não seu comportamento
íntimo.
Isso se adivinha, de resto, pelo aspecto do rosto. É por-
que a face é indicadora das qualidades e das taras que nas-
ceu a fisiognomonia, essa arte que consiste em adivinhar o
caráter das pessoas pelo exame dos traços do rosto.
A semelhança dos seres humanos é, pois, superficial,
porque as suas falhas e as suas qualidades podem impregnar
bem profundamente os seus corpos para que outras pessoas
já possam ter deles um resumo geral.
Quando o homem apareceu na Terra, ele não era como
hoje. Embora melhor armado que os outros animais da cria-
ção, não deixava de ser um animal, um pouco da espécie
do macaco que conhecemos.
No decurso de mais de um milhão de anos, ele se tor-
nou o que vemos hoje e ainda não em todas as partes, pois
que há na África Central e na Austrália seres ainda bem
primitivos, que, se têm a aparência humana, só possuem um
raciocínio embrionário e costumes bem atrasados.

94
É muito difícil resumir os fins da evolução, pois, embo-
15
ra já lhe tenha consagrado um volume inteiro, não pude
enunciar-lhes senão as linhas gerais.^
De começo, pode-se dizer assim: construir seu corpo,
aprender a servir-se dele, aperfeiçoá-lo, dominá-lo, ultrapas-
sá-lo, em seguida e, paralelamente, à medida das possibi-
lidades, edificar o seu mental, aperfeiçoá-lo, utilizá-lo, do-
16
miná-lo.
Isto quer dizer que, no decurso de reencarnações suces-
sivas, deve-se aperfeiçoar o corpo, este instrumento terrestre
de nossa evolução, e aprender a ultrapassá-lo de maneira
que, um dia, saibamos viver sem ele.
Enquanto nos apegarmos a ele, voltaremos à Terra, vis-
to que estamos sujeitos à morte. Devemos, pois, pouco a
pouco esquecê-lo e praticar o altruísmo que nos obriga a
preocupar-nos com o próximo.
É a lei do amor universal.

O desenvolvimento do sentimento
do amor
Eis como nosso grande amigo "Modesto" me apresentou
o fim da evolução:

"No começo da evolução, de acordo com as


teorias atuais, os dois sexos estavam reunidos na
mesma pessoa, isto é, ela era hermafrodita, Alguns
se perguntam qual foi a utilidade da separação dos
sexos.
Se houve divisão, isto é, complicação dos
meios de procriar o ser vivo, é porque o herma-
froditismo correspondia a um estágio primário.
O hermafroditismo existe ainda nos feres
ainda pouco aperfeiçoados, no começo de suas evo-
luções: as plantas, os animados quase monocelu-
lares, os.; infusórios, os pequenos invertebrados...

15 L'Evolution Spirituelle, de Georges Gonzales.


l6 Le Corps et l'Esprit, de Georges Gonzales.

95
Por todas as partes, aliás, é preciso a separação
dos sexos. A função sexual é complexa; ela não
pode cumprir-se só com uma pessoa, em razão da
dualidade das substâncias a serem postas em fun-
ção.
A diversidade das qualidades requeridas para
engendrar a vida requer condições físicas e ener-
géticas de uma dualidade tal que a separação dos
sexos se tornou necessária há milhões de anos. Se
isso se fez, assim como verificais atualmente, não
é para voltar a um estado primitivo que colocaria
o problema na antiga ordem. É preciso, ao contrá-
rio, aperfeiçoar de novo.
A união dos sexos, o parto, têm inconvenien-
tes, pois que leva a sentimentos bestiais, pelo me-
nos na aparência, mas esse sentimento sutil possui
grandes vantagens, já que criou um defeito ao
qual a busca da perfeição leva as pessoas de elite
a escaparem.
A sexualidade é um dos meios que a natureza
suscitou para levar os habitantes da Terra a se
aproximarem e a se amarem.
Se o ato sexual não existisse, alguns perma-
neceriam em um estado de frustração, selvagem,
miserável, quando, pelas leis da natureza, o ser
mais primitivo é obrigado a operar esse contato
que continuará sempre, como meio de evolução
em vários domínios.
Os sexos foram, então, criados para facilita-
rem essa aproximação do homem e da mulher. É
a lei do amor em seu aspecto mais inferior. O ins-
tinto impele as diferentes formas animadas. Não é
ainda o verdadeiro amor esse sentimento obscuro
e trivial. Vede a manta, carnívoro que devora o
17
próprio macho.
Para todos os vertebrados, o momento de dar
à luz é doloroso em si mesmo, em razão da dispo-
sição dos órgãos. As forças da fêmea se esgotam
17 A manta priora é um inseto ortóptero, verde, da tamanho de um ga-
fanhoto, que devora seu macho ainda ligado a ela depois do esforço
gerador.

96
em um desfecho, trazendo ao mundo um ou vários
filhos.
O parto deixa, durante algum tempo, sem for-
ças todos esses montes de carnes traumatizadas.
A mãe fica impossibilitada então de ir buscar o
alimento preciso. É, pois, nesse momento que o
macho intervém, por instinto de afinidade, e supre
a falta involuntária de sua fêmea. Ele provê a ali-
mentação de todos e cuida sozinho das necessida-
des imediatas de sua família.
Isso se passa com todos os animais organiza-
dos, aperfeiçoados: o macaco, o leão, o elefante, o
gato, o cão e, em geral, com todos os mamíferos.
É assim que se faz a aprendizagem para um amor
mais elevado. Certamente esse amor não é profun-
do; ele não segue, como no homem, uma linha
contínua, com todos seus sacrifícios, seus devota-
mentos, suas abnegações, mas vós deveis elevar a
família para a sociedade; lá, também, armadilhas
vos serão estendidas pelo conjunto das leis divinas
ou humanas, porque essas últimas foram muitas
vezes inspiradas para vos encaminhar para esse
estágio e a vaidade é uma delas. Ela vos dirige
para posições honoríficas destinadas a vos fazer
aceitar um papel ou, numa organização, vós ocupa-
reis de outrem. Por certo que é uma armadilha;
a pessoa sonhou conquistar um pedaço de fita em
tempo mais ou menos longo; ele aceita interessar-
se pela sorte de seus semelhantes no meio de uma
obra algo altruísta e, por esse fato, não tem gran-
de mérito, entretanto, ele adquire pouco a pouco
o báhl+o de ultrapassar o círculo reduzido de suas
afeições terrenas e de tomar o partido do que está
encarregado de defender.
Assim, como o vedes, o círculo é vasto e
meios não faltam para o vosso encaminhamento
progressivo para este amor que será vosso prêmio
um dia. A complicação cada vez maior dos senti-
mentos que pondes em jogo, durante a evolução,
vos faz entrever os que não podeis compreender
porque sois ainda bem pequenos e que vos é impos-

97
sível conhecer outras coisas que o que pertence a
Terra e que está revestido de suas cores.
Outras forças, outros sentimentos, são postos
em ação. O exemplo que acabo de dar mostra a
amplidão de uma questão só. Podeis adivinhar que,
no decurso da evolução, outras qualidades mais
apuradas, mais aperfeiçoadas, irão aparecendo.
Vós não podeis ter atualmente uma idéia de-
las, não posso exprimi-las, porque palavras me fal-
tam para expor o desenvolvimento de faculdades
que ainda não estais em condições de compreender.
Eis, amigo, o que eu desejava dizer-vos neste
dia de São Modesto em que pensaste em mim.
Sou o vosso afetuoso amigo."

Modesto

Um exemplo íntimo do progresso de


uma alma
Poderia parecer que os detalhes que damos são, sobre-
tudo, devidos aos nossos desejos e às nossas convicções, sem
provas mais precisas.
Quero aqui ilustrar um caso que chamo de dolorosa-
mente vivido.
Disse mais atrás que sofri a perda de minha esposa.
Tínhamos 46 anos de vida comum e, durante este longo
espaço de tempo de perfeita intimidade, os nossos psiquis-
mos haviam adquirido uma profunda faculdade de interpe-
netração. Era muito freqüente que um de nós pensasse
numa coisa ao mesmo tempo que o outro.
Minha esposa se ocupava das mesmas ciências que eu,
ajudava-me muitas vezes em meus trabalhos, compartilhava
de minhas alegrias e penas, aceitava as minhas concepções
e possuía inúmeras provas práticas das realizações que eu
efetuava ou lhe relatava.
Não é então de espantar, nesta contínua troca de idéias
sobre um assunto particularmente atraente, que, desde seu

98
desencarne, ela buscasse fazer o que ouvia eu fazer pelos
outros e quisesse comunicar-se comigo.
Se já, quando viva, o nosso pensamento se confundia,
se a telepatia se dava entre nós, é bem compreensível que
a morte não o suprimisse.
Assim,, pude receber notícias dela cinco dias após o seu
decesso e tal se reproduziu por diversas vezes.
No começo, tive audições nítidas, acompanhadas de vi-
sões parciais ou completas mais ou menos importantes. As
audições se verificaram sob a forma de conversas em que
trocávamos de assuntos como se estivéssemos ambos em nos-
sos corpos. As primeiras audições foram quase tão fortes
como se ela tivesse falado em voz baixa ao meu ouvido, mas,
à medida que os dias de sua partida escoavam, esse fenô-
meno se atenuava de tal sorte q u e , na quinta vez, as pala-
vras eram apenas perceptíveis. Parecia que ela se achava
cada vez mais longe e, no fundo, isso era real, porque havia
satisfeito seu desejo de se elevar, sabendo que era o único
meio de escapar aos sofrimentos da separação dos seus.
A princípio, ela queria saber o que lhe havia acontecido,
perguntando-me:
"— De que morri?
— De uma hemorragia cerebral.
— Ah! ouvi tudo que o médico dizia, mas não com-
preendi todas as coisas.
— Nossas filhas chegaram muito tarde, quando você
estava em coma.
— Não as vi, pois sofria muito.
— Você seguiu o seu enterro? Havia muita gente o
acompanhando e flores em grande quantidade.
— Sim, vi, mas não percebi que era a mim que enter-
ravam."
Ela me falou das filhas, de coisas que havia deixado.
Percebi que me acompanhava e que tinha conhecimento de
muitas coisas de minha vida e pude assim acompanhar de
muito perto as fases de sua evolução.
Paralelamente a essas conversas noturnas, porque se
verificavam no silêncio de meu quarto, quando me achava
calmo e deitado na cama, tive outras conversas, em nossa
sociedade, com o auxílio de um médium. Lá, o fenômeno,

99
se não se revestia da mesma intimidade, pois que não po-
dia por uma sala inteira a par de nossos assuntos parti-
culares, era mais direto, mais animado, mais vivo e eu não
poderia fazer melhor que recorrer aos textos estenografados.
A primeira vez que ela se incorporou foi um acena pe-
nosa. Havia quatro dias que nos tinha deixado e ela tomou
o médium com uma força insuspeitada. Possuía ainda quase
todas as forças da Terra, toda a energia de que era capaz
quando viva e, ainda que os laços com a matéria pareces-
sem como rompidos aos olhos dos vivos, eles possuíam ainda,
por intermédio desse perispírito, não destruído, os meios de
intervir poderosamente sobre um corpo humano, agindo
sobre os neurônios, por uma transposição de que ela pos-
suía os rudimentos.
A prática que possuía de nossas reuniões a auxiliava,
porque ela utilizava conhecimentos que adquirira durante
quinze ou vinte anos.
Era ao mesmo tempo doloroso e confortador, mas não
pôde exprimir-se com muita lucidez. Estávamos na presença
de uma manifestação inesperada que nos perturbava muito
para que lhe pudéssemos fazer perguntas precisas e, de seu
lado, pela tristeza de ter sido arrancada bruscamente à vida
carnal, não podia exprimir-se senão com lágrimas.
O médium, por meio do qual ela se manifestou, sentiu-
lhe os efeitos durante vários dias.
A segunda manifestação foi mais calma. Eis um resumo
dela. Foi no dia 34 de outubro de 1954, isto é, 14 dias após
o seu decesso.
Tinha dificuldade em falar devido à paralisia súbita que
a levara e parecia ter os maxilares presos, todavia ainda
nos disse:
"Eis-me aqui, sou eu mesma, hoje mais sossegada. No
outro dia estava um pouco espantada. Sofre-se sempre
quando se deixa os seus na Terra. Derramei mais lágrimas
do que nunca em minha vida. Agora me acho melhor, mais
calma, pois todos me ajudaram: vós e o guia."
"Ao meu redor não está sombrio, mas não muito claro.
Percebo como uma neblina. Bem sei que é normal no co-
m e ç o . . . e depois sinto sono."
E, sobre certa pergunta, ela respondeu:

100
"Estou repousando; ando um pouco para aqui um pou-
co para lá, pois não vejo claro. É bom saber o que se passa
do outro lado, mesmo quando se tem surpresas."
Vê-se, por essas manifestações, que as pessoas que co-
nhecem a possibilidade da comunhão dos vivos e dos mortos
têm sobre as outras uma grande vantagem: podem mani-
festar-se mais ou menos rapidamente e são poderosamente
auxiliadas pelos pensamentos de seus amigos e pela inter-
venção dos seus guias habituais; em seguida, podem cair, no
começo, em condições precárias e fugidias, mas, tendo uma
realidade certa, o contato físico com os seus parentes, se
esse foi rompido bruscamente.
É um grande privilégio, tanto para o defunto quanto
para 03 seus parentes.
Isso, certamente, não lhes confere um adiantamento
imerecido, mas simplesmente lhes dá uma experiência que
escapa aos outros humanos. É parecido um pouco como na
Terra quando um homem habituado aos trabalhos manuais
pode fazer obras que outros não podem realizar. Não há aí
recompensa imerecida, mas simplesmente aquisição de ex-
periência.
Há aqui, absolutamente, a mesma coisa, com a única
diferença que é preciso por em prática o que aprendemos
cá na Terra e que parece a muitas pessoas uma coisa tola,
não verificada, uma doutrina sem uma realidade objetiva.
A terceira manifestação revestiu um caráter talvez um
pouco mais dramático e se produziu uma quinzena após.
Minha querida esposa, revivendo um pouco melhor seus
últimos momentos, logo que incorporada no médium, come-
çou se queixando de suas pernas, depois soluçou e, como eu
não compreendesse bem que era ela e sabendo que eu tinha
o hábito de interromper as manifestações muito penosas ao
médium, disse-me, passando os braços em volta de meu
pescoço:
— "Não me afaste, eu lhe peço, sou eu! Não se recorda
de como tinha dificuldade para me levantar? Como o fiz
sofrer.
Fiz o médium experimentar a mesma coisa, pois, sem
isto, como teria você compreendido que se tratava de mim?

101
Sofri bastante. Senti minhas pernas inertes, meu cora-
ção parar.
Por que parti tão depressa?
Gostaria de falar com todos, mas não pude. Tinha
tanto medo de ficar paralítica, lembra-se? Que sofrimentos
eu suportei de seu lado! Não pude falar com você e como
estimaria abraçar a todos.
É duro, eu sei, partir sem abraçar as filhas. Senti a
morte vir buscar-me e não pude defender-me. Reuni todas
as minhas forças para ainda poder ver nossas filhas che-
garem, a fim de lhes dizer ainda algumas palavras, mas não
consegui. Não deixe de dizer-lhe que eu não pude falar. É
isto que desejo que elas saibam. Eu não as tinha visto.
Georges... G e o r g e s . . . lembre-se do que fazíamos por
elas... sobretudo, eu vou pedir-lhe uma coisa: é preciso não
se fatigar tanto. Você deve repousar, porque, você perto de-
las, sou eu que ainda estarei l á . . . Compreende?
E agora eu compreendi que tudo não são senão vibra-
ções. Vivo por essas vibrações, essas sensações.
É preciso que lhe diga que, se eu tivesse vivido muito no
seu círculo, teria aproveitado mais. Apesar de tudo, as suas
reuniões me ajudaram, porque eu utilizo tudo o que ouvi
ali. Vou para perto de uns e de outros e muitos lhe dirão
18
que sentiram a minha presença. Posso dizer-lhe que fiquei
surpresa com a qualidade dos pensamentos de todos aqueles
de que me aproximei.
"Freqüentam-se reuniões, mas se conhece mal ou não
se conhece o fundo dos corações nos quais se observariam
muitas vezes as falhas de cada um. O meu obrigado àqueles
que vieram, que eu visitei e que ví. Já não sou mais o peso
pesado que você levantava: estou leve.
Ainda não fiz laços espirituais, mas há um meio, um
grande meio. Creio bem que você remexeu todo o Céu. Você
fez nele um belo trabalho. Tive as repercussões disto, mas,
apesar de tudo, é preciso que meu tempo de provas decorra,
é necessário que o vença passo a passo. Foram-me COnce-

38 isso corresponde a uma realidade. Várias pessoas sensitivas, médiuns


ou outras, me avisaram de que haviam recebido algumas indicações de
minha cara esposa. Algumas não conheciam nenhum de nós nem sa-
biam desta mensagem. E perguntavam em volta delas como me prevenir.

102
didos alguns favores porque eu o auxiliei em seus trabalhos,
o acompanhei, o secundei...
Como eu estou bem perto de você, eu o sinto tão bem,
isso me dá uma grande calma.
Sentia aproximarem-se as festas da família e desejava
ainda estar lá."
Vê-se por estas passagens que ela agora percebia tudo
o que passava e que retomava completamente a sua perso-
nalidade, ao mesmo tempo que começava a evoluir. Certa-
mente tinha ainda muitas preocupações materiais, porque
era, sobretudo, afetiva.
Essa afetividade não a abandonou nunca e ela se insur-
ge, às vezes, contra a espera de sua volta. Em janeiro, ela
nos disse:
"Não posso mais esperar, é muito demorado. Aguardo
este minuto de vida que retomo, este minuto de felicidade,
este momento de consolo ao mesmo tempo que cruel. Ele
representa para mim um alívio, tudo que um ser humano,
tudo que um espírito pode pedir.
Deixe-me dar vazão à minha inconformidade; eu não
estava enfraquecida pela doença, parti com plena força. Não
se pode romper fibras maternais em um instante.
Compreendi tudo bem, mas é preciso de qualquer forma
um certo tempo para afrouxar esses laços de família para
que este penar desapareça. Mais tarde eu lhe trarei calma,
porém, no momento, estes minutos são perturbadores. Tal-
vez tenha sido muito egoísta: não executava senão uma par-
te: a minha. Isso representa tudo. Minhas filhas e meus
netos, como os amava. Olhe. Já compreendi tantas coisas. De
São Vicente de Paula muitas delas, que o ensinaram a que-
brar os seus laços familiares para se consagrar a uma ta-
refa humanitária. Esses, quando partem da Terra, não dei-
xam ficar nela mais nada, porque souberam desligar-se de
tudo durante a vida terrena e agora gozam de beatitude.
Sim, compreendo que era o único meio de atingir os
planos divinos, mas ainda não estou lá. Não consigo rom-
per estes laços afetivos, é a única razão que me impede de
me elevar hoje.
No momento eu me instruo, há uma espécie de preparo
a receber antes de executar uma tarefa e, todavia, eu expe-
rimento sempre esta atração para você.

103
Em torno de mim está muito mais claro. Chegarei a
dar-lhe belas coisas."
Chamando para junto de si uma de nossas filhas, ela
lhe disse:
"Não chore mais. Minha tarefa está terminada, mas a
sua continua. Deus determina para as suas criaturas um
tempo que não pode ser ultrapassado. É preciso virar a pá-
gina e, sobretudo, que em seus lares nada reflita a minha
partida.
Gostaria de estender-me mais. É um alívio para mim."
E ela ainda repetiu:
"Os meus! É tudo que posso dizer. Isto encerra tudo."
No fim de janeiro, ela se exprime numa linguagem que
já reflete novos sentimentos:
"Na última vez que dei livre curso à minha dor, não
falei senão de mim e dos meus. Quero reparar esta lacuna,
que não foi um esquecimento de minha parte. Não acredite
nunca mais em minha fraqueza; fui sempre uma pessoa
forte diante das provas e perante a adversidade, mas quero
que você compreenda o que é este instante perturbador em
que utilizamos um outro órgão, em que fazemos funcionar
o cérebro de um outro ser pelo qual transmitimos os nossos
pensamentos pelas nossas vibrações. Pense no trabalho que
é preciso fazer. É uma adaptação estranha e o mais sensível
para mim, porque eu era companheira daquele que lhes per-
mite assistir a essas demonstrações.
Parece-me como se eu ainda estivesse hoje entre vocês.
Não esperava que chegasse a minha vez de fazer este tra-
balho.
Agradeço de todo o coração a todos os que se presta-
ram ao desenrolar destes fenômenos; eles são grandiosos,
pois que nos permite exprimir as nossas penas e as nossas
dores e de produzir em vocês algum consolo.
Agradeço a Deus por tê-los permitido, porque sei que
em breve estarei livre. Minhalma £erá libertada de seus la-
ços materiais; ela poderá tomar seu rumo em direção às
altas esferas.
No momento, permito-me dizer que alguns dentre vocês
exteriorizam pensamentos extremamente poderosos, princi-
palmente dentre os meus. Eles me atraem como um imã,
eles são como lâmpadas em torno das quais voam borbole-

104
tas. Não pense que o lastimo, pois, ao contrário, é com sa-
tisfação que venho até vocês."
Eu lhe disse então: É preciso que você se eleve, pois so-
frerá menos.
"Bem sei, meu sofrimento diminuirá, mas logo que seus
pensamentos forem menos fortes. Você me chama sem o
querer e ouço nossas filhas dizerem a cada instante: "Ma-
mãe, por que a senhora nos deixou?" Ouço estas palavras
todos os dias e assim volto.
Agradeço os bons pensamentos de todos e reconheço
a grandeza de suas almas. Sei que você me perdoou esse
momento de aflição. Bem que me disse que um dia você co-
nheceria esta aflição como eu, mas sabe que, uma vez livre
a alma de seus laços carnais e familiares, ela desfere seu vôo
para as esferas em que tudo é soberbo, resplendente, mara-
vilhoso."
A partir daquele dia, em nossa família, nós mudamos
um tanto a forma de nossos pensamentos. Em lugar de la-
mentar a partida dos que amávamos, dirigíamos nossos vo-
tos pela sua evolução, pedindo a nossos guias que os aju-
dassem a se libertarem completamente do ambiente terreno
e o resultado não se fez esperar, pois, já em fevereiro, nos
anunciava:
"Devo dizer-lhes que fiz ato do resignação. Fazer ato
de resignação de um lado como de outro é uma virtude a
conquistar. Peço perdão a Deus pela tristeza que se apoderou
de mim e agradeço a você por me ter aberto os olhos espi-
rituais. Agradeço-lhes também o conforto dos bons pensa-
mentos, pois eles formam um feixe levando incenso para
o Céu.
Apesar de todas as nossas qualidades, precisamos ae um
auxílio e porque seu grupo é bem dirigido fez ele um tra-
balho maravilhoso em favor dos que partem da Terra.
Sinto que me torno leve, mas isto não se faz tão de-
pressa. Não vejo ainda grande coisa, mas um tanto melhor
e hoje sou feliz por não sofrer mais. Sinto-me bem."
E numa sessão posterior, dizia:
"Parece-me normal retomar o meu lugar entre vocês,
mas sob outra forma, certamente: participo dos seus traba-

105
lhos. Na última vez, levei diante de mim almas em tristeza.
Agradeço-lhes o conforto que lhes deram.
Hoje já colaboro com vocês: trago-lhes almas infelizes.
Que sofrimentos, meus caros amigos, que incidentes diários
de todas as espécies. Quantas almas abandonam o seu cor-
po carnal sem nenhum preparo espiritual, sem mesmo saber
o que lhes acontece. Um único pensamento já as auxilia
r
e, . e esses pensamentos são generosos, eles formam um
apoio sólido para essas almas, ajudando-as a se elevarem
mais alto.
Sinto-me transtornada com tantas infelicidades; não te-
nho tempo de pensar em mim, fico, de tal modo, tonta. Isto
também me ajuda a elevar-me.
O caminho da espiritualidade é maravilhoso. Que con-
solo! Que luz!"
Sua vinda, a partir daquele dia, é menos freqüente. Ela
se omite para deixar os sofredores se manifestarem, os que,
desencarnados, sem fé, têm necessidade de um conforto
imediato.
Em março de 1955, cinco meses após a sua desencarna-
ção, ela me fala assim:
"Preparo este minuto com grande cuidado, um pouco
assim como a aranha tece a sua teia. Eu teço os meus flui-
dos para que vocês se reúnam. Também estou lá, bem perto
de vocês, ouviram, bem perto de vocês.
Vocês falaram há pouco na prece. Eu sinto esta prece
em sua grandeza e em toda a sua profundidade:
— a prece é um fluido purificador.
— a prece é um veículo da alma rumo ao seu Criador.
— a prece é uma oferenda.
— a prece é um laço entre vós e nós.
— a prece é o pensamento em ação.
— a prece é a união entre os homens e Deus."
Vê-se por esta magnífica mensagem o progresso espiri-
tual de uma alma já adiantada e de bem grande força de
vontade.
Os estados dalma refletidos demonstram que, ao cabo
de alguns meses, os laços com a Terra se afrouxaram em
benefício da espiritualidade. As preocupações das coisas ter-

106
renas prevaleceram a princípio, mas o altruísmo e o desejo
de elevar-se em um azul radioso se mostraram depressa.
No mês seguinte, o fenômeno se acentua e ela nos diz:
"O campo da visão humana, daqui de cima, não é mais
estável. À medida que sofremos transformações, não temos
a mesma maneira de ver de vocês. Muitas coisas se esfu-
mam; são os olhos do espírito que a g e m . . . Não temos mais
matéria, não somos mais que espíritos, vibrações, sensações.
É tudo o que existe em nós, agora que não somos mais
palpáveis.
"Fui designada hoje como mensageira entre vocês, para
lhes trazer palavras de nossos caros mortos.
A primeira mensagem é: "Sejam bons uns para os
outros."
"Pensem que o seu amor pode derramar-se sobre todos
os seres humanos. Vocês verão que, amando os seus, pen-
sando nos outros, o amor de todos engrandecerá, se tornará
divino."
Dia 22 de maio. Ela chora e nos conta que teve traba-
lho de voltar a nós.
E, quando lhe pergunto qual a causa de sua tristeza,
responde assim:
"A espera é tão longa e deve ter tanto trabalho para vir
até vocês.
Agora, que estou livre, posso subir esta escada da espi-
ritualidade e. Quanto mais avanço, mas eu veio que é preciso
elevar-me ainda e mais dificuldades tenho a enfrentar.
Quero pedir à médium que procure elevar-se por sua
vez, a fim de que me seja menos penoso incorporar-me. É
necessário que ela procure, que faça esforços e será recom-
pensada por isto. Eu sei que tem pena de não me sentir
com a mesma força e que isso a contraria, mas deveria
poder chegar a me cantar os pensamentos, como fazia quan-
do me aproximava dela.
No dia em que chegar a sair um pouco mais longe de
seu corpo, ela se sentirá melhor e eu sofrerei menos.
Esta afinidade se estabelecerá, podemos ficar tranqüi-
los. Já lhes disse que penetrei numa atmosfera de paz e de
calma.

107
Sinto-me muito feliz. Temos todo o tempo para estu-
dar a nós mesmos, para conhecer os erros que cometemos.
É por isso que lhes digo que é preciso se controlarem. O
controle de si é um ato de fé, é o domínio do ser.
Vocês não devem ser indulgentes com vocês mesmos,
mas com os outros, e verificarão que, controlando-se cons-
tantemente, uma metamorfose se operará em cada um.
Eis o que aprendi nesta esfera de paz e de tranqüili-
dade. Aqui aprendemos também a preparar as nossas pró-
ximas reencarnações, para saber nos fortalecer e nos pre-
venir contra tudo que é mau."
No mês de junho de 1955 ainda, antes da partida de
nosso grupo em férias, ela deu ainda uma interessante men-
sagem:
"Meus amigos, eu queria que cada um de vocês pudesse
executar o trabalho que sou obrigada a fazer para chegar
até cá, e isto apenas uma vez.
Compreenderão melhor as vantagens e os inconvenien-
tes dele. Há primeiramente ondas a regular entre a médium
e eu. Para transmitir uma mensagem, é preciso que a im-
prima no seu cérebro; é, às vezes, no atraso que surge a
possibilidade de erros.
Se meus pensamentos são absorvidos e se a médium
experimenta a menor perturbação, a emissão suporta as
conseqüências por falta de regulagem.
Hoje, por exemplo, não compareceram muitos amigos,
o que muda o ambiente.
Não mais senti, como antes, os meus ao meu redor;
eles me ajudam habitualmente com os seus fluidos e os seus
pensamentos. Tudo isso perturba um pouco a atmosfera
que não tem mais a condutibilidade costumeira, o que im-
pede de dar-lhes a mensagem que me havia prometido
transmitir."
Vêem-se por aqui os progressos feitos pelo espírito de
minha esposa, que, pouco a pouco, se tornou um dos guias
da sessão.
No começo, ela não pensava senão em sua dor, em mim
e em nossas filhas, depois recuperou, aos poucos, a cons-
ciência de seu novo estado. Ao cabo de quatro ou cinco
meses, analisa, observa, procura praticar a caridade espi-

108
ritual e sete meses após adquiriu se não domínio sobre sua
nova situação pelo menos compreendeu a grande lição da
morte e pede à médium para se elevar, a fim de reunir-se
a ela em sua morada.
Nossa sorte será algo semelhante a isto.
Deveremos nós, espíritas praticantes e experimentado-
res, enfrentar os mesmos obstáculos que compreendemos
melhor do que os desencarnados ignorantes de nossa ciên-
cia, poderemos vencê-los melhor e adquirir, por nossa vez,
o conhecimento desse mundo invisível onde seremos chama-
dos um dia a viver.
Estes exemplos estão ao alcance de todos. Tive, no meio
da grande dor que experimentei em minha afeição, a ale-
gria de saber que possuo conhecimentos profundos no do-
mínio da morte por experiências vividas e tão férteis em
ensinamentos.

109
VI

ALGUNS CASOS PARTICULARES

A responsabilidade de nossos atos


perante a vida futura
Estamos habituados à idéia de uma justiça suprema, rí-
gida, apreciando os atos dos humanos de acordo com regras
absolutas... Certamente, na Terra, há Faculdades de Direi-
to, onde se ensinam as leis e as maneiras de aplicá-las. O
Direito Penal é sempre punitivo; ele não se ocupa, em suma,
senão de faltas e não vem certamente ao pensamento de
ninguém recompensar aquele que cumpriu corretamente o
seu dever.
A lei humana é indicativa das penas que punem aquele
que viola as regras comuns. Ela é dura, ela não admite
que um indivíduo possa ser diferente de um outro, apesar
de admitir atenuantes de responsabilidades para julgar um
mesmo caso.
No dia em que devemos prestar contas dos atos de nos-
sa existência, achar-nos-emos diante de apreciações seme-
lhantes, quando se tratar de fixar as bases de nosso futuro.
Evidentemente cada um não tem as mesmas oportuni-
dades nem as mesmas aptidões durante a existência; os
móveis são forçosamente diferentes um do outro para uma
circunstância igual; a responsabilidade de nossos atos su-

111
porta correções segundo os fatos. É a justiça e os humanos
não são, em tudo, comparáveis.
Já que o fim da evolução é o altruismo governado pelo
Amor, ele reveste diferentes aspectos na Terra, tanto em
suas expressões positivas quanto negativas. Ele é deforma-
do por inúmeros fatores, pelas circunstâncias de mérito, de
educação etc.
Assim, ele apresenta três aspectos claros pesando na
balança, quando do juízo supremo, que nos classifica em
uma categoria em que seremos chamados a estagiar.
Negativo — É o ódio. O indivíduo odiento procura fa-
zer o mal a outro pelo prazer de vê-lo sofrer. É, em resumo,
o contrário do altruismo, mas apresenta formas diversas.
Alguns não odeiam senão uma única pessoa, uma família,
um povo, uma categoria de gente, seja por interesse, por
patriotismo, por sectarismo político. Podem, ao contrário,
ter afeição ou amor por alguém.
Os misantropos têm aversão por todos.
ódios diferentes podem se exprimir por simples pala-
vras, por atos nocivos e, às vezes, por crimes.
Neutro — É o egoísmo. Quem é egoísta não pensa se-
não em si; os outros lhe são indiferentes. Ele não consi-
dera os humanos senão através de seus interesses pessoais,
incapaz de ter um sentimento que não diga respeito à sua
pessoa.
Positivo — Este aspecto é o do verdadeiro amor, o de
quem não pensa senão na satisfação de outrem. Aqui, igual-
mente, uma gama considerável escalona os móveis e os
condiciona.
O egoísmo pode surgir como o ódio na expressão de
amor, porque o altruista pode trabalhar por uma família,
uma seita, um partido, uma religião, excluindo de sua ação
os que não apresentam tais características. Ele pode não
amar senão uma pessoa, devotar-se a ela de corpo e alma,
mas com um fim determinado.
O amor carnal existe muitas vezes no começo dessas
paixões, mas pode modificar-se e transformar-se em amor
puro.
O amor familiar pode estender muito longe as suas ra-
mificações, em uma família numerosa, mas pode, ao contrá-
rio, se limitar a alguns membros dela.

112
Já o amor da humanidade pode suscitar sublimes de-
votamentos, fazer com que um ser se sacrifique por ela, se
expatrie, consagre a sua vida a uma obra anônima, onde
fará um trabalho obscuro.
É mais ou menos o apogeu na Terra.
Mesmo que se trabalhe por uma obra qualquer, o fato
de se esquecer o seu interesse terá, sobre o seu futuro
eterno, uma repercussão enorme, engrandecendo-se de uma
maneira considerável.
O móvel age então como atos individuais. As intenções
entrarão em linha de conta, pesarão na balança dos fatos
quando da apreciação de nosso passado.
Outros móveis surgirão dentro dos acontecimentos aos
quais os humanos se acharem metidos. Com efeito, a res-
ponsabilidade moral não pode ser a mesma em diferentes
Lugares da Terra, pois existem enormes margens.
Assim, um indivíduo educado em meio pouco civilizado
não reagirá como um letrado ocidental. Na Terra, há luga-
res: África Central, América do Sul, Austrália, onde imensos
espaços, não policiados, são habitados por povos autócto-
nes levando uma existência primitiva e utilizando práticas
ainda afastadas da civilização.
Essas gentes não podem compreender um assassinato
tal como o fazemos. Para eles é uma necessidade ou um
costume. Não têm concepções e não podem assimilar os
nossos raciocínios. O sentido moral deles é quase inexisten-
te, é condicionado somente pelas preocupações cotidianas
da vida quase animal que enfrentam todos os dias, pois o
seu pensamento não visa senão à satisfação de suas neces-
sidades.
Na Europa, que consideramos como uma espécie de alto
gabarito dos costumes e do saber, os hábitos não são uni-
formes. Uma mesma ação é diversamente interpretada;
assim, nor exemplo, o fato de oferecer um presente à sua
hn<?nedpira. delicadeza admitida pelo menos na França e nos
países vizinhos, é considerado um ato atrevido pelo marido
da senhora a quem se o ofereceu nos países nórdicos, onde
é hábito se casar por experiência, ao passo que aqui se es-
força por guardar as moças de família puras até o casa-
mento.

113
Uma infinidade de costumes, de regras estabelecidas há
longos tempos, através dos povos, conduzem indevidamente
a uma apreciação diferente de um mesmo fato. Também o
problema da responsabilidade é complexo, tanto mais que
se devem considerar os diferentes graus da inteligência e
da moralidade de cada um.
Este último ponto é, de resto, um problema que os juí-
zes devem apreciar quando julgam os móveis de um crime.
Compreende-se facilmente que os mortos sejam julga-
dos segundo a sua evolução, em razão de um mesmo ato.

As missões
Missões, eis bem uma grande palavra para, por vezes,
uma pequena tarefa. A palavra missão é empregada bastas
vezes com um grande excesso. Uma missão parece ser o
exercício de um labor considerável na escala dos seres e
dada por Deus mesmo a um indivíduo que se torna assim
um missionário, personagem muito em relevo entre os vi-
vos. .. Certamente existem belas missões, ainda que de há-
bito um missionário não diga que o é; ele o sabe, é o prin-
cipal. É como um iniciado, um iniciado que nunca se van-
gloria de o ser, quando há muitos que o desejariam ser
ou pelo menos fazer crer que o seja para se gabar. Eis os
resultados das vaidades humanas a compelir as gentes a se
atribuírem méritos que não possuem. Os clarividentes ver-
dadeiros não se enganam nunca. Eles. têm meios ao f=eu
alcance para observar aqueles que citei no capítulo anterior.
No fundo, pode-se bem dizer que quase todos os desen-
carnados, durante o período que se estende entre duas en-
carnações, têm uma missão ou missões definidas, das quais
não podem falar, porque estão ligados por uma espécie de
segredos lhes impondo a lei do silêncio. Não é à toa que a
barreira da morte é quase impenetrável. São raras as pes-
soas que possuem alguns desses segredos ou pelo menos
algumas informações sobre as tarefas nobres conferidas
quer aos espíritos encarnados quer aos espíritos desencar-
nados. Não se sabe. quando se está na Terra, para que se
foi destinado. É a lei do karma que nos guia e na Terra há

114
seres excepcionais, muitas vezes sem saber que o Céu os
mantém em reserva para uma tarefa importante a cumprir
na época precisa.
Eis o que me dizia "Modesto" certa vez:

A profissão ou a conformação original do in-


divíduo não tem senão raras relações com o que
se tornará mais tarde algumas vezes. Na Terra,
quereis, fora de tempo, os segredos de um êxito
famoso. O homem, que confia tudo aos seus sen-
tidos terrestres, crê descobrir a chave do mistério
em alguns conceitos primitivos que ele não viu
em seguida. Na realidade, as possibilidades de um
indivíduo são às vezes apontadas por alguns tra-
ços marcantes, mas elas não se descobrirão senão
no momento em que o destino tiver que agir, no
instante em que ele se vai realizar.
Tal cantor não despertou a atenção de seu
auditório por uma voz particularmente ampla na
sua juventude. Foi uma felicidade para ele, por-
que, de outro modo, não teria podido fazer pro-
gredir sua arte em um ritmo novo, encerrado que
ficaria em formas clássicas e em barreiras da tra-
dição.
Todos os grandes inovadores hão procedido
pelo fornecimento de fatos novos em um domínio
que lhes tinha sido algo interdito e onde eles eram
novatos, o que tornou original a sua participação
e o seu sucesso. Foi justamente porque souberam
escapar a esse classicismo rotineiro que se guin-
daram por cima das cabeças dos seus conterrâ-
neos.
Os Ferdinands de Lesseps não saem todos de
19
escolas de engenharia, do mesmo modo que os
20
Pasteurs, de escolas de medicina, mas a ciência
não admite senão dificilmente o aparecimento des-
sas plantas raras fora das suas platibandas onde

19 Ferdinand de Lesseps, que perfurou o canal de Suez e começou o do


Panamá, não saiu de uma escola de engenheiros.
20 Pasteur não era médico, mas químico.

115
elas não foram catalogadas. Tal infringe o seu re-
gulamento que ela quer impecável, pois os inova-
dores destroem a etiquetagem que ela mantinha
minuciosamente. O destino não conhece limites;
por que se revelaria antes de sua hora aos inte-
ressados? Perderia seu efeito de surpresa, de es-
pontaneidade, pois que, tal como é estabelecido,
ele não tem necessidade de se dobrar aos capri-
chos do homem, quando é este que cumpre suas
vontades.
Se os vossos contemporâneos possuíssem in-
dicações suficientes sobre os nossos poderes, eles
os canalizariam de tal sorte que, encerrados em
regras estreitas, comportados de certo modo e um
pouco burocratizados, os homens não poderiam
mais escapar ao quadro corrente; ninguém pode-
ria mais ultrapassar senão fracamente a cabeça
dos mais fortes ou mostrar a nota original, o tra-
ço de gênio que vem revolucionar os vossos cos-
tumes e os vossos séculos. '
Em certos domínios, é difícil produzir leis de
exceção, fugir de uma escolaridade forçada limi-
tando o jogo dos indivíduos, mas ali nós podemos
do mesmo modo afastar a dificuldade inerente a
este problema por meio de combinações bastante
engenhosas.
As marcas do destino não se acham todas nas
predisposições reveláveis de um indivíduo, mas
uma espécie de mediunidade de adaptação no mo-
mento desejado.
Cabe aos homens chegarem a distingui-los,
porque o domínio do futuro individual lhes será
sempre vedado de modo a impedi-los à descoberta
desse segredo que permanecerá sempre como tal
para eles: O SEGREDO DO FUTURO, levando
eternamente a marca capital: O SELO DE DEUS."

É antes do renascimento, isto é, quando o espírito está


ainda revestido do título de falecido, que se fazem os altos
preparativos. O espírito preparado encarna-se no momento
preciso.

116
É isso que faz com que, quaisquer que sejam as cir-
cunstâncias (e a França já conheceu momentos terríveis),
surja sempre uma homem apto a resolver os duros proble-
mas que produz uma trágica situação.
Há sempre alguém pronto a aparecer.
Para tal, o destino não se fia nos homens que podem,
apesar dos cuidados com que os candidatos aos altos pos-
tos são cercados, ser vítimas de uma fraqueza ou bem ser
retirados do jogo pelo mecanismo de uma eleição ou pela
vontade de outros homens, pois que o livre-arbítrio subsis-
te sempre.
Os grandes artesãos do karma não se concentram então
sobre uma só cabeça e mantêm prontas algumas almas de
elite que chamarão no momento chegado ou delas se utili-
zarão uma única, deixando as demais em suas ocupações.
Não é grande mal que não sejam utilizadas, pois, com tal,
terão mais tempo para adquirir conhecimentos novos des-
tinados a fazer progredir a humanidade.
Entretanto, no que diz respeito às missões, todos não
podem ter a mesma tarefa como, por exemplo, a de salvar
um país. Já demonstrei que há missões bem modestas. Quais
são elas? Aqueles que falam delas o fazem em termos assaz
vagos, sem permitir que se tenha uma idéia precisa a seu
respeito.
Um de meus irmãos, falecido na guerra de 1914, me
explicava alguns anos depois de seu decesso, que ele traba-
lhava com outros espíritos na elevação da condição da mu-
lher na Turquia. Nesse país, as mulheres ainda andavam
veladas, de acordo com o costume muçulmano. Três ou qua-
tro anos depois dessa comunicação, o sultão proclamou
a libertação, se ouso dizer, da mulher que ficou livre para
andar sem véu e que conquistou o direito de voto. O anún-
cio, que o meu irmão me fizera, tinha então se realizado,
o que torna plausível a missão que ele e outros estavam
cumprindo.
Ainda recentemente, em incorporação, o espírito de um
morto nos pediu licença para abreviar a sua permanência
entre nós, porque, dizia ele: "Trava-se agora um combate
na Indochina e eu tenho o encargo de proteger o mais pos-
sível os nossos soldados." E como lhe perguntássemos como

117
tal se fazia explicou-nos que, quando um perigo os amea-
çava, ele os instruía a mover-se, por exemplo, no momento
em que balas deviam atingi-los, isto é, no instante preciso
em que um soldado inimigo manobrava a metralhadora ou
bem procurava desviar a atenção desse soldado inimigo,
quer lhe criando um pensamento divergente, falta de aten-
ção ou alucinação visual, de modo a abandonar o fim em
vista.
Outros já nos expuseram que eram prepostos à prepa-
ração da morte daqueles que deviam morrer, consistindo
a sua tarefa em suavizar a desencarnação e, se fossem fe-
ridos gravemente, tentar, antes, tornar as feridas menos
dolorosas.
O labor ao qual se entregam os espíritos elevados é
muito variado; embora alguns deles sejam de certa sorte
especializados. Tal é espantoso? Não o creio, porque, segun-
do as tendências, os caracteres de cada um, seus hábitos
e muitas vezes as opiniões que eles professavam quando de
sua permanência na Terra ou bem de acordo com a sua
cultura, suas preferências, são mais dispostos que outros a
aceitar, em suma, tal posto que lhes convém mais parti-
cularmente. Eis por que o labor, que lhes está afeto, é di-
ferente. Certos têm por missão, por exemplo, prevenir te-
lepáticamente os parentes de uma notícia fatal. Tais pes-
soas serão, de certa forma, preparadas para receber um
choque, atenuado pelo fato do aviso psíquico. Verão, em
sonho direto ou simbólico, o luto que as atingirá e se o
golpe que receberem for tão duro, pelo menos, subsistirá
uma leve dúvida até a chegada da notícia oficial.
De outra parte, a utilidade de tais manifestações é a de
entreter, no mundo terreno, uma crença mínima de modo
que a humanidade não caia em um materialismo que seria
inevitável com a cultura científica, porque seus represen-
tantes atuais têm tendência para considerar os fatos psíqui-
cos no número das superstições. As manifestações psíquicas
são, pois, um contrapeso às constatações materialistas.
Há espíritos que têm o papel de instruir os que acabam
de morrer, de os guiar em sua nova morada e o fazer de
modo a atenuar a pena que devem experimentar, porque os
mortos recentes, sobretudo os que não percebem nada, sen-

118
tem-se infelizes quando ninguém se ocupa deles e se sentem
abandonados.
Se os espíritos elevados encontram logo liberdade de
escolha, por motivo de seu desapego às coisas terrenas, os
que não se preocuparam principalmente senão com sua vida
material, com seu futuro próprio e seu conforto, sofrem
evidentemente pela sua falta de elevação espiritual e isola-
mento no qual se mergulharam.
O papel de guia ou de protetor é, pois, diferente, se-
gundo o caso; os espíritos, que estão em redor de nós, são
os que os antigos romanos chamavam de Deuses Lares. São
os nossos amigos e geralmente os nossos parentes pelo que
nós lhes atribuimos, por esse fato. qualidades que nem sem-
pre possuem, em razão da afeição que lhes dedicamos.
Quando esses não se ocupam diretamente de nós, por mo-
tivos que nos escapam, o papel é cometido a espíritos bem
intencionados e caridosos. Em todo caso, são sempre indi-
vidualidades em acordo pelo menos nas linhas gerais com
o nosso caráter e as nossas maneiras de conceber as coisas.
Não há choques de conceitos flagrantes entre nós, porque,
de outro modo. estariam mal colocados para executar a sua
obra e nos abandonariam mais cedo ou mais tarde.
Se se quiser bem compreender esse mecanismo e ter
uma idéia do valor exato de nosso espírito familiar, de nos-
so guia intimo, basta se figurar um leque. É o leque da
progressão humana através das vidas sucessivas.
Estamos, individualmente, na base de uma das varetas
do leque. É o lugar preciso que nos pertence em razão de
nosso grau moral, ao qual nos conduz nossa densidade es-
piritual. Depois de nossa morte, tal como expliquei acima,
permanecemos afetados por essa densidade que não muda
pela nossa desencarnação, permanecemos na mesma vare-
ta, mas no alto da vareta, pois que já somos espíritos.
Por ocasião de nossa reencarnação, se tudo tiver indo
bem e temos merecido, passamos para a vareta seguinte, mas
já em baixo, pois que estamos de novo na matéria e, a se-
guir, subimos por essa mesma vareta, já como espírito, e
assim sucessivamente.
Pois bem, o nosso espírito familiar é justamente um
espírito da mesma vareta com a única vantagem sobre nós

119
que já é um desencarnado que levou, antes de nós, uma
existência análogo que fortaleceu a sua experiência. Esta é
apenas uma indicação, pois pode haver aí algumas exceções
à regra.
Na maior parte dos casos, alguém nos acompanha no
momento em que devemos deixar a vida. Ele surge, então,
espontaneamente, no instante do trespasse e, se não pode
sempre fazer-se percebido por quem protege, o intui por
pensamentos que impregnam o seu psiquismo. Os espíritos
amigos fazem ouvir a sua voz consoladora ao ensinar, no
Além, os primeiros passos a esses infelizes para os quais
uma estada recente nas trevas das regiões inferiores é um
suplício assaz duro.
Eles têm diversos meios para nos prevenir, quando se
trata de comunicações telepáticas. Parece às vezes que uma
sorte nefasta seja evitável e que os nossos amigos invisí-
veis fazem todo o possível para prevenir uma catástrofe
antes que ela se verifique.
As experiências feitas neste sentido mostram que qua-
se todos os vivos possuem certa sensibilidade psíquica: eles
podem perceber se as mensagens telepáticas provêm de
vivos ou de mortos. O estado de sono é o mais favorável
a essa manifestação. Quando alguém dorme, a sua alma
não está mais em relações tão estreitas com o corpo; ela
é susceptível de ser então alcançada por ondas provindo de
pensamentos diversos emanados de um espírito, quer seja
de vivo, quer seja de morto. Tal como já vimos, essa sen-
sibilidade pode ser inata, adquirida ou temporária; pode
ser constante ou, ao contrário, só se apresentar uma ou
várias vezes no decurso de uma existência.
Em 1934, o jornal Excelsior relatou o seguinte:

"Filme, 26 de agosto — Uma cena espantosa


e terrificante acaba de verificar-se perto de Por-
toré, a 12 quilômetros de Sussak, arrabalde de
Fiume.
Uma estudante, Srta. Zurka Prino. de 16 anos
de idade, de Lubiana, em vilegiatura em Portoré.
tinha ido tomar o seu banho diário e se afastara
a nado uns trinta metros das redes aue, t»or cau-
tela, cercavam os estabelecimentos de banhos.

120
De repente, os banhistas ouviram um grito
dilacerante e, horrorizados, perceberam a jovem
imprudente abocanhada na cintura por um enor-
me esqualo do qual se percebiam distintamente a
cauda e as nadadeiras dorsais.
Os tubarões não são, aliás, raros neste lugar,
por motivo das pescas de atum que aí se fazem.
Quase em seguida, o animal desaparecia sob
as águas, com a presa viva, ao passo que um largo
rasto de sangue se diluía na superfície do mar.
Alguns pescadores acorreram ao lugar em bar-
cos com motores, mas não puderam achar traço
da infeliz moça.
Amigas da estudante contaram às autoridades
iugoslavas que alguns dias antes ela recebera de
seus pais uma carta lhe recomendando prudência
e cuidado com os tubarões. A moça mostrara, rin-
do, essa carta às suas companheiras, declarando
que não ligava nenhuma importância às premo-
nições desta espécie."

O sonho de sua mãe fora, no entanto, muito claro e


a jovem pagou com sua vida o desprezo pelo conselho dado
pelo Além; porque, não se pode duvidar disto, havia nele
um esforço dos amigos invisíveis, que, antevendo a moça
aventurar-se muito longe, tinham avisado à mãe durante a
noite, para que ela pusesse a filha em guarda e evitasse um
acidente mortal.
Os avisos podem não ser de um caráter tão trágico;
podem ser referentes a um fato de importância banal, casos
em que têm simplesmente o fim de atrair a nossa atenção
ou nos mostrar a possibilidade das comunicações com o
Além.
Eis um pequeno exemplo dessas possibilidades.
Eu era, na ocasião desse fato, engenheiro da Compagnie
des Chemins de fer Métropolitains de Paris. Em dia do mês
de novembro de 1941, vi, num sonho premonitório, um de
meus amigos, o Sr. Rousseau. Ele estava sentado no seu es-
critório, tinha as mãos uma nota de cem francos e algum
dinheiro miúdo que não contei e dizia sorrindo: "Eis o que
ireis receber a mais."

121
Na última semana de novembro, fui chamado pela dire-
toria, quando o engenheiro-chefe me comunicou que os meus
prêmios mensais receberiam um reajustamento de quarenta
francos.
Não pude deixar de pensar que a minha visão apresen-
tava uma inexatidão e, em casa, disse à minha esposa: "Fal-
tam-me sessenta francos, pela minha conta, pois que sonhei
com cem francos e alguma coisa."
Todavia, no fim do mês, o pagador me entregava os
meus emolumentos e percebi que, em razão de uma variação
de taxa de indenização de residência, eu recebia 4.327 em
lugar de 4.224, ao todo, 103 francos a mais que de costume.
Isso compreendia, em todos os pontos, ao meu sonho da
quinzena anterior.
A manutenção da vida nos corpos humanos é igualmen-
te uma belíssima missão; os que participam desses trabalhos
se esforçam por manter, com saúde, as pessoas das quais
estão encarregados. Assim, enquanto certas pessoas são vo-
tadas à morte por uma terrível infecção, outras subsistem
como por milagre, porque um espírito de' envergadura pôde
tratá-las e retirá-las do grupo daquelas que iam morrer.
Eis exemplos de proteção:
Certa senhora, que eu conhecia, descia os degraus da
escada externa de uma igreja quando tropeçou; ela ia cain-
do quando sentiu que uma mão a retinha pelo braço e virou
para agradecer... Estava sozinha; não fora, pois, um vivo
que a segurara.
Os jornais narraram por várias vezes o seguinte caso:
um viajante, que, por um incidente qualquer, perdeu a par-
tida de um avião que se espatifou a seguir contra uma ele-
vação rochosa ou desapareceu no mar. Ele teve a sua vida
salva graças a uma coisa comum, mas providencial.
Não é por uma injustiça de sorte que uns sejam assim
protegidos quando outros são condenados, mas simples-
mente porque a hora ainda não chegou para aqueles ou
porque estão reservados para uma tarefa ou para um outro
gênero de morte, em uma outra época. A lei do karma está
sempre agindo, com a sua justiça imanente.
Eis. de resto, algumas indicações que nos foram dadas
em várias épocas pelos desencarnados com respeito aos tra-
balhos em que se acham empenhados:

122
"Estou com muita pressa, devo ir muito longe para so-
correr as vítimas da guerra. É o meu trabalho. Cuido igual-
mente dos feridos."
Pergunta: — Quando vos ocupais de uma mutilação ca-
pital, por exemplo; quando cuidais de alguém que teve sua
cabeça arrancada, o corpo psíquico já se separou?
Resposta: — Não busco, absolutamente, o corpo carnal,
mas o corpo psíquico. Ele vem a mim. Creio ficar bastante
luminoso quando me percebe; é o momento que me ocupo
dele. Não tenho nunca essa visão de duas partes do corpo
separadas, mas observo logo uma diferença que me indica
onde está o mal e onde é preciso que os meus esforços se-
jam empregados.
Pergunta: — Se não estivésseis lá, que aconteceria?
Reposta: — Haveria outros que se ocupariam deles.
Esses grandes seres cuidam, de alguma sorte, desses fe-
ridos, de modo que o golpe, que lhes cortou a vida terres-
tre, não tenha repercussão durável sobre o corpo psíquico
e não prejudique, por certa enfermidade, uma nova vida na
ocasião das reencarnações,
Um outro nos disse:
"Meu encargo é bem simples. Em princípio, eu me ocupo
das doenças da Terra e, algumas vezes, dos planos inferio-
res, depois, embora não me julgue capaz, sigo os vossos
amigos."
Todas as missões, porém, são agradáveis. O karma di-
rige os atos humanos, mesmo que seja em desfavor de
alguém ou de um grupo de indivíduos. É-lhe preciso então
um instrumento. Esse será odiado, detestado, vilipendiado,
mas, seja como for, será preciso que o destino se cumpra.
De um desses homens que tiveram uma triste celebri-
dade conduzindo um povo ao seu trágico destino e que teve
ele mesmo um fim memorável, um guia nos disse certo dia:
"Devemos lastimá-lo. É um homem que veio expressa-
mente para cumprir uma missão má; é preciso que os ho-
mens que ele dirige se sublevem, que pensem por si mesmos.
Ele é um grande culpado e ao mesmo tempo, uma vítima;
teve essa terrível missão de manter as pessoas em alerta e
fazê-las refletir.
Seu povo mereceu o seu destino, mas é um povo que,
em geral, tem pessoas valentes, que possui pensadores, sá-

123
bios. Entretanto, esse povo é um rebanho louco que sem-
pre seguiu a tropa, os sabres, os comandos.
Essas gentes amam tudo o que ressoa: as cornetas, os
tambores, as vozes de comando e sabem se inclinar diante
do que é forte. Foi preciso que sentissem pesar sobre elas
o que sempre admiraram. É necessário que, por excesso
desse poder, que suportam por gerações e gerações, tomem
consciência de seu destino trágico se continuarem presos às
suas idéias atuais.
21
É preciso, em suma, que elas reaprendam a pensar."
Estas indicações foram dadas em 1939, antes da grande
tormenta...
Existem, ao contrário, missões sublimes. Um grande
instrutor me contou:
"Meu encargo é bem insignificante; consiste em dar luz
aos que a procuram. Gostaria de fazer mais e melhor.
Há sempre no ser um instante em que eleva o seu pen-
samento para Deus (que renega também muitas vezes), mas
eu o percebo. Rápidos os pensamentos deles vêm ao meu
conhecimento e é o momento que ajo."
Esse espírito, se ocupa assim da direção religiosa do
misticismo para fins da evolução humana. Ele combate a
descrença, contribuindo, com intuições e, às vezes, com a
produção de fenômenos, para manutenção da crença na
Terra, de maneira a não deixar cair no materialismo que
tem igualmente a sua utilidade, mas que não deve ultra-
passar certo grau.
Este papel é também o de um outro guia, que nos deu
o seguinte ensinamento:
"Formamos um certo número, ocupado em esclarecer e
impelir para a luz espiritual a maior quantidade de hu-
manos."
E ele desenvolve o método:
"Procuro primeiramente os intermédios, isto é, pessoas
que receberam, anteriormente, uma formação análoga à que
pude receber quando eu estava na Terra. É uma questão de
afinidade, em suma, uma das grandes leis da evolução e ten-
des direito em meditar nela. Tudo se faz de maneira a man-

21 Para compreender exatamente esse problema, recomendamos Le Dua-


lisme du Bien et du Mal, de Georges Gonzales.

124
ter as pessoas na espiritualidade e de ajudá-las a se agru-
parem.
Quando encontro esse intermediário, eu o intuo e, às
vezes ele acredita que o raciocínio é seu, quando lhe incul-
;

quei as bases.
Assim, procurais ir mais adiante e me acho dentre vós;
procedo da mesma maneira com todas as pessoas que se
reúnem para um fim espiritual concorde com as minhas
concepções. Não pretendo dirigir, mas aconselhar; escolho
para isso os mais receptivos, já que não posso sempre in-
tuir outros. O sucesso dos empreendimentos espirituais
não é devido a mim mesmo, mas somente aos vossos es-
forços do qual ele é função."
São, pois, essas missões que transpõem o quadro indivi-
dual para se situarem no quadro coletivo, mas aí a gama é
imensa, pois a coletividade vai de uma sociedade a toda uma
nação.
Nesse domínio, um grande guia nos disse em 1943,
quando a França atravessava horas penosas para todos:
— "Tudo vai bem!"
E, como ficássemos espantados com esta asserção rela-
tiva ao nosso país, ele repetiu:
— "Eu disse: Tudo vai bem, p o i s . . . Não estou lá? Não
sou o único a me ocupar da França; há um belo trabalho
de fato, que vai aumentar, é preciso. A mesma pergunta
que a vossa me é formulada por todos que vêm juntar-se
a mim e o que lhes respondo lhes dá coragem para o cum-
primento das missões que lhes agradam e das quais desejam
participar.
Na nossa esfera, a transmissão do pensamento basta,
Ah! vossas palavras, vossas pobres palavras! Como poderia
explicar-me com elas? São auxiliares de todos os países; elas
pertencem a não importa qual nacionalidade. Ah! meus ami-
gos, meus bons amigos!
Tende confiança, a coisa está em bom caminho."
E. numa outra sessão, o grande espírito, que se fez cha-
mar "O chefe desconhecido" e que dirigiu a França no mo-
mento penoso da I Grande Guerra (1914-18), nos explicou
esse trabalho difícil de definir e de compreender.
Ele reunia espíritos desencarnados de todos os países,
os intuia, lhes expunha o seu plano de maneira que esses

125
levassem às suas próprias nações, com as afinidades de um
mesmo povo, as ordens, as palavras, as intuições, as idéias,
para que, no dia de derrocada final, os desabamentos se
produzissem por todas as partes, depois de virarem fendas,
enfim, rupturas definitivas. Foi por um trabalho subterrâ-
neo desse gênero que foi facilitado o desmoronamento dos
dois países que nos faziam a guerra naquele momento.

O que eles nos declaram ou o que


verificamos
Pode acontecer que certos espíritos, embora merecedo-
res, fiquem para trás por diversas razões, seja porque se-
guindo uma via progressiva não sabem aproveitar ocasiões
que lhes são oferecidas, seja porque fazem,mal uso de suas
situações, seja porque não querem avançar sem as almas
que lhes foram confiadas. Lembramo-nos a este propósito
as seguintes palavras de Santa Teresa do Menino Jesus:
"Deixarei o meu Céu para fazer o bem na Terra."
Tal declaração, que mostra a nobreza e a elevação da-
quela que a fez, nos indica, se as intenções persistem, que
a santa preferiu retardar a sua evolução em benefício dos
que sofrem.
Certa vez, achamo-nos, numa sessão de incorporação,
na presença de um espírito que nos disse ter sido irmã de
São Vicente de Paula. Esperávamos que nos descrevesse re-
giões paradisíacas inefáveis. Ora, ela só via poucas coisas,
pois. de alguma sorte, estava numa situação de expectativa.
Só tinha um desejo, o de voltar à Terra, não para um ta-
refa útil, mas antes pelo amor da solidão. E nos dizia:
"Quando se está em um convento, tem-se uma vida
assegurada. Certamente a disciplina é dura, mas se obedece;
está-se ao abrigo das tentações da vida, tem-se um trabalho
regular, leva-se durante todo o tempo uma vida garantida,
em suma, é muito mais feliz que as outras que são mães
de família e que têm o encargo e a preocupação de educar
crianças. Além disto, usa-se um hábito que é respeitado."

126
Assim, levando uma existência que se imagina piedosa
e santa, se achava na mesma situação de não importa qual
criatura humana com pequenas preocupações ditadas pelo
egoísmo e o desejo de solidão e sossego.
Comunicou-se também conosco um padre desencarnado
que ficara, também ele, para trás porque sua fé não fora
bastante forte e exercera sacerdócio como uma simples fun-
ção. Um deles ia esmolar junto a outros espíritos como se
o dinheiro ainda tivesse curso no outro lado da vida.
Vimos, ao contrário, um padre que ficara na retaguar-
da por devotamento. Um de seus paroquianos dizia que ele
era um cura de pulso.
Quando perguntei a esse cura, que desencarnara rela-
tivamente jovem, por que estagnava nas regiões inferiores,
respondeu que não queria separar-se das ovelhas que lhe
haviam sido confiadas e que, quando ascendesse, queria que
seu' fiéis seguissem consigo. Não compreendia a sua evo-
lução sem a dos paroquianos. Havia-lhe ensinado a verdade
e entendia que a ascensão deles seguisse a sua. Era um belo
exemplo de devotamento. Era, de resto, apesar do qualifi-
cativo de "cura de pulso", dado pelos seus paroauianos, um
espírito de uma grande delicadeza e de uma bondade to-
cantes.
No que concerne às crianças em tenra idade, o caso não
é o mesmo que o dos outros espíritos. Eles evoluem rapida-
mente, quando a sua pureza o permite. Naturalmente têm
como os outros um momento de indecisão, perambulam
algum tempo, mas esse tempo é bastante curto, e continuam
então seu progresso, retomando a sua personalidade ante-
rior, a que tinham antes de se reencarnarem.
Nós, os vivos, consideramos a morte sob um ângulo pe-
jorativo, nós a tememos, porque, em suma, é o desconhecido
para quase todos os vivos, mas, às vezes, e mesmo, muitas
vezes, é uma recompensa que coroa a carreira do vivo, se
essa carreira foi nobre e sábia, se foi útil e devotada.

Onde habitam os
Quando os mortos são interrogados, fica-se surpreso
com as diferentes respostas que nos dão a esse respeito.

127
Uns dizem que vivem numa escuridão quase absoluta;
outros, numa região cinzenta; outros, que os lugares em
que vivem são agradáveis.
Isto, entretanto, é compreensível, pois os espíritos su-
portam primeiramente os efeitos da lei de densidade espi-
ritual, que os arrastam para a Terra e outras vezes acima
de sua superfície ou bem, ao contrário, os projetam a dife-
rentes alturas. Podem, assim, ficar presos à matéria, mistu-
rados com as multidões e viver igualmente nas casas ou lu-
gares terrestres, ou. ainda, a alguma distância da Terra um
metro, dez metros, cem metros ou mais e terem uma sorte
diferente.
Eu me perguntaria como me exprimir para considerar
todas as indicações que pude recolher, mas precisaria eu
mesmo efetuar um trajeto análogo, mergulhar-me realmen-
te no mundo que habitam, quando de incursões astrais,
para melhor compreender, porque, quando se possui uma
indicação, de qualquer natureza que seja, não deixa de ser
senão uma indicação. Uma narração, de poucos minutos que
seja, permanece uma narração e como tal contém lacunas,
omissões, apreciações especiais ao caráter ou às concepções
do narrador. A imaginação do ouvinte põe em jogo, além
disto, uma parte de dúvida ou de certeza. Se se diz a alguém
que uma parede está coberta de folhas de papel de flores
vermelhas, por exemplo, ele não pode reproduzir o aspecto
exato do que lhe foi descrito assim, porque flores podem
ser rosas, gerânios, dálias, cravos ou outras flores; elas po-
dem ter folhas, pétalas, galhos, ser dobradas em buquê ou
separadas de maneira mais ou menos afastada; o papel
pode ser também de uma coloração de origem amarela, cin-
zenta ou azulada e t c , enfim, a descrição é incompleta. Qual
a parte da parede que foi coberta: o alto, o baixo, o lado?
Tantas perguntas que não nos põem no ambiente real.
Quando se viu a cena, quando a ela se assistiu, guarda-se
de memória uma expressão viva do que foi a realidade,
mesmo por um breve instante, porque, no Além, o menor
detalhe pode ter uma importância absoluta.
Nas incursões que pude fazer, entreguei-me a observa-
ções que me apressei a consignar logo após, de modo a não
deixar apagar as minhas recordações, porque, no fim de
certo tempo, é um detalhe que foge da memória, depois é

128
um outro e quando se busca recordar um fato importante,
mas antigo, uma boa parte dos detalhes já desapareceu. O
método, que consiste na anotação imediata, é o único que
convém para as pesquisas ou fatos notáveis. Eis, pois, como
se pode apresentar o Além quando se acha em escala inferior
de planos.
Devemos notar, primeiramente, que a expressão "plano"
é imprópria. Trata-se de zonas concêntricas à Terra, isto é,
de zonas esferóides.
Se nos achamos em um "plano", não nos apercebemos,
não mais que na Terra, dessa esferoicidade, o que faz com
que a denominação "plano" possa ser conservada, pois é
de uso corrente.
Existe então, primeiramente, um lugar escuro onde fo-
ram projetados os que tiveram um passado nocivo, lugar
onde não se vê quase absolutamente nada, onde a claridade
é antes dada pela luminescência da vida que possui cada
ser, o que faz com que ele inclua em si mesmo o seu cará-
ter de visibilidade. Isto nos explica porque podemos per-
ceber, em um lugar escuro, espíritos que parecem pretos em
razão de suas impurezas psíquicas, havendo uma lumines-
cência fraca, emitida para cada um deles.
A distância da visão, isto é, a capacidade visual, é, pois,
mínima e não se percebem os habitantes desses lugares
sombrios senão quando estão ao lado de nós.
É lá a morada dos homens que cometeram faltas pe-
sadas, dos criminosos endurecidos, dos que só conheceram
gozos vis, que não tiveram senão relações de ódio ou mal-
vadeza com seus semelhantes. Quantos ficarão nesses luga-
res? Mistério! Dez anos ou dez séculos? Ninguém pode
prever.
Em uma outra escala, quero dizer um pouco mais alto
no espaço e provavelmente na superfície da Terra ou bem
pouco acima, vivem os que ficaram ligados à matéria, que
viveram para si mesmos, sem ideal, sem fé, que não fizeram,
entretanto, muito mal, mas não fizeram nada de bem. São
muito numerosos... não vêem outra coisa que um nevoeiro
cinzento. Muitas vezes, ouvem vozes, quer de seus guias, quer
de seus parentes, quer dos vizinhos que não percebem, mas
que adivinham no meio dessa espécie de fumaça sem fim

129
que os faz ignorados uns dos outros, pois não se capacitam
de sua situação espiritual e se perguntam, às vezes, por que
estão lá, sempre vivos, eles que não acreditavam na sobre-
vivência.
Se se deslocam, a câmara, na qual se acham assim en-
cerrados, se move com eles, pois que é sua zona de visibili-
dade, isto é, sua aptidão a perceber a bruma que os envolve.
Está aí quase todo o segredo: o da extensão da visibi-
lidade, na qual reside a medida da evolução de uma pessoa.
Mais ele sobe e mais vê longe, um pouco do que está
na Terra quando se ascende a cumes elevados.
Quando o espírito começa a evoluir um pouco (ou já o
é por ocasião de seu desencarne), sua zona de visibilidade é
mais importante e, em lugar de achar-se encerrado num es-
paço reduzido, sem contato com outrem, encontra-se numa
câmara, onde pode mover-se melhor. Certamente não é ainda
uma coisa agradável, é sempre o que chamamos o plano
cinzento, mas pode-se ver a dois ou três metros de distân-
cia, depois um pouco mais, a cinco ou seis metros, aconte-
cendo pensar-se estar num grande vestíbulo. Pode-se, então,
perceber as outras almas que ali perambulam e estagiam.
Quanto mais se evolui tanto mais a visibilidade aumen-
ta; não é mais uma sala, um vestíbulo, porém espaços cada
vez maiores, cada vez mais claros. É ainda o plano cinzento,
mas não por longos espaços, porque outras colorações apa-
recem; casas, se existirem, não são mais cinzentas e devo
aqui uma menção particular a essa palavra "casa", porque
existem casas no Além, salas, quartos e até monumentos...
Fica-se, nesse plano cinza, em plena ilusão. É o Kamaloca
dos teósofos. Um homem morreu, não compreende que mor-
reu, diz que está enfermo, que tudo mudou ao seu redor,
que é preciso alimentar-se e procura o seu leito para repou-
sar, porque se sente fraco; o seu pensamento age, pensa no
seu leito e esse surge da matéria de seu pensamento; ele
julga que está na sua casa e reconstitui, pelo pensamento,
o seu interior, tal qual era. A casa está aí, ou bem uma outra,
com seus móveis ou móveis diferentes; ele os vê, os toca,
se serve deles e vive com eles, mas, se qualquer pensamento
destrutivo sobrevêm, tudo desaparece. Então ele pensa: "Eu
sonhei, tudo isto não existia," porque tudo desagregou, tudo

130
que ele pode, se quiser, reconstituir ou destruir. Mas os es-
pirito dessa região ignoram tais possibilidades; eles traba-
lham a matéria astral como se\ trabalhassem a matéria
quando estavam na Terra. Vêem-se facilmente pedreiros ou
talhadores de pedra criar, pelo pensamento, blocos que
talham em seguida com o cinzel ou que amontoam uns sobre
os outros para construções diferentes, de modo que, os que
conhecem essas verdades, podem, por um esforço de pensa-
mento, construir um edifício inteiro de um só golpe.
Vi muitas vezes, em minhas incursões, desses trabalha-
dores, como percebi mortos nos cemitérios, sentados na bei-
ra de seus túmulos, esperando não sabiam o que, pois a sua
visão era limitada pela pedra tumular debaixo da qual re-
pousavam.
À medida que a evolução se processa, o morto descobre
novos horizontes, vê mais espaço diante de si e percebe que
os objetos se coloram. É a parte superior do plano cinzento
que é mais claro e, por um momento, parece ser a luz mais
viva, um pouco assim como no espaço ensolarado, o que dá
uma impressão de amarelo, razão por que certos espíritos,
com os quais entramos em comunhão, a chamam de "plano
amarelo".
Parece-nos, porém, faltar exatidão a essa denominação,
porque as colorações dominantes vão da luz atenuada ao
ensolaramento intenso. Os pintores têm o costume de repre-
sentar, em seus quadros, os lugares vivamente claros por
tintas amarelas ou puxando a amarelo. Só são impressões
que desaparecem quando se os contempla no todo, quando
não se notam mais os amarelos da luz, nem os azuis da
sombra, porém uma rua ou uma paisagem claras. É um
pouco isso que um guia nos expôs em termos um pouco si-
bilinos. Dizia-nos ele que, na realidade, as colorações que
notamos ao atingirmos esses planos não eram senão mati-
zes fictícias para nós vivos, mas irreais para eles, habitan-
tes definitivos dessas regiões. Segundo esse guia, trata-se
antes de vibrações correspondendo a sentimentos, nor exem-
plo: bondade, amor, devoção, altruismo, caridade, vontade
de ajudar e t c . . . as colorações seriam, então, uma percep-
ção, para os sentidos humanos, do efeito de uma vibração,
um pouco assim como no nosso mundo material se perce-

131
bem cores que não são senão uma decomposição fracionária
da luz branca, que, ela própria, não é senão uma onda.
Os mortos não perceberiam, como nós vivos, esses ma-
tizes, mas é bastante difícil de compreender porque parece,
à primeira vista, que, quando se está desprendido de seu
corpo, mesmo no estado de transe ou de desdobramento,
pode-se misturar aos desencarnados que são vislumbrados
perfeitamente e com os quais pode-se entrar em íntimo con-
tato.
Essa coloração amarela, que nós vivos podemos obser-
var, quando temos a possibilidade de passar ao outro lado,
não é exclusiva de outros tons. Se a luminosidade for boa e,
por conseqüência, a possibilidade para um desencarnado de
ver bem longe, existem variantes importantes, segundo o
lugar do plano onde ele se encontrar.
Não há diferenças muitos nítidas entre a parte superior
do plano cinzento e a do plano amarelo. Não é um contraste
absoluto, mas um encaminhamento bem rápido, à maneira
da saída de uma sala para a atmosfera externa. Mas o con-
junto do plano é diferente, porque ele apresenta as carac-
terísticas de um estágio mais elevado. É lá a morada de in-
telectuais, de artistas, de professores, de todos os que tive-
ram o intelecto como ideal. Eles não estão em má situação
e o processo que descrevi da construção por braçagem e
modelagem do éter é no caso empregado com mais sucesso
e vigor, porque os habitantes desses lugares compreendem
perfeitamente a sua situação e se aproveitam dela. Os arqui-
tetos moderno preparar planos e os realizar construindo ca-
tedrais ou monumentos de importância que destroem a
seguir, caso queiram, para construírem outras coisas.
Essa facilidade de escultura ajuda muito ao desenvolvi-
mento da arte e da experimentação. Mesmo os músicos po-
dem aproveitar-se da circunstância para procurar fazer re-
ter no éter os sons que se materializam de um modo mais
objetivo que na Terra, pois que não se trata, propriamente
falando, de sons que são emitidos, mas de vibrações ao mes-
mo tempo audíveis e visíveis por seqüência dessa síntese dos
sentidos que temos o hábito de na Terra decompor por in-
termédio de nossos seis ou sete sentidos conhecidos.
Eis, a esse respeito, o final de uma mensagem que nos
deu o nosso grande instrutor espiritual:

132
"Em suma, o dinheiro é a armadilha estendida aos hu-
manos para obrigá-los a se ocupar do alheio e, como todos
os objetos materiais, é mal utilizado e mal repartido.
Se fosse bem conhecido, esse meio ideal, ele representa-
ria a contraparte exata do esforço de cada u m . . . e é porque
o ouro, sinônimo de moeda de troca, constitui cá no alto o
brilho das esferas agradáveis. A cor amarela deslumbrante
é um dos aspectos de nossas moradas. Como os raios dou-
rados que emanam de vosso sol terrestre, eles derramam uma
bela claridade que reveste igualmente outras colorações tão
puras, tão matizadas, tão etéreas.
Esse ouro não tem defeito, não é martelado, não é for-
jado, Se tem às vezes, entre vós, os aspectos rígidos que
observais na Terra, tem uma outra flexibilidade, uma outra
ornamentação. É aqui que podereis, às vezes, admirar as
cinzeladas prodigiosas dessas barras dispostas em desenhos
harmoniosos, produtos das vibrações rítmicas.
Ouro. Quem o quer? Temo-lo em profusão. Utilizamos
aqui, se o quisermos, barras de dimensões consideráveis e
podemos, com um só esforço de nosso pensamento, cons-
truir, de um jacto, uma casa desse metal puro com colunas
de todas as formas.
Quem quer ouro?
Vós o tereis, caros amigos, tanto quanto quiserdes,
entre nós, quando, com qualidades adquiridas, soubestes es-
capar de seus tentáculos na Terra.
Não é mais um pouco de metal penosamente amassado
que vos oferecemos, do qual não podereis nunca utilizar se-
não uma parte, em troca de uma matéria mais macia, po-
rém ouro em quantidade ilimitada, correndo de todas as
partes sobre vós, inundando-vos com a glória resplanden-
cente dos eleitos.
Amai e orai. Trabalhai e aperfeiçoai-vos."

Modesto

Eis um estágio superior, encontramos um outro plano


freqüentado por desencarnados da tal evolução. Nota-se ali,
pelo menos com as limitações de nossos sentidos psíquicos
um pouco aparentados com os sentidos terrestres, uma co-
loração azul, o que nos faz conferir o epíteto de "plano

133
azul". Repito que esta expressão não é exata, porque ela
não corresponde, segundo o ensino que nos foi dado, senão
a uma impressão que nos faz assimilar as percepções su-
perficiais às colorações terrenas. Compreendemos tanto mais
este estado de semi-realidade, porque tivemos conhecimento,
nesses mesmos espaços, de tintas diferentes: violeta, rosa
claro etc, correspondentes a expressões dos elevados senti-
mentos que ali são praticados. Se o amarelo corresponde à
presença de manifestações sobretudo intelectuais, o azul é
o índice de qualidades morais elevadas. Existem lá médicos
de qualidades, quer tenham sido diplomados ou não; quer
esteiam ou não com doenças na Terra, são portadores de
radiações que comunicam aos vivos para fins caritativos,
coisas que fazem agindo diretamente sobre o enfermo, seja
dando aos médicos ou curadores as radiações necessárias,
radiações que chamamos fluidos entre nós.
A transmissão direta das radiações ao doente é rara. É
preciso habitualmente, para toda comunicação de desencar-
nado a vivo, de um intermediário, isto é, um médium, de
modo a facilitar a radiação de fluidos ao emitente deles.
Como quer que seja, as entidades elevadas fornecem aos
que estão sofrendo e precisam de alívio e cura as radiações
sutis necessárias.
Eis alguns trechos de conversas que permitirão ao lei-
tor formar uma opinião sobre os diversos estados da alma
e as indicações que nos foram permitidas dar a respeito:
"Não vejo nada; tudo está escuro ao meu redor. Onde
estou eu? Não compreendo o que me aconteceu; parece que
a minha cabeça foi arrancada."
Trata-se de um morto da guerra, cuja cabeça foi des-
truída por um obus.
Um outro:
"Não sei de nada; estou louco para dormir."
Depois de algumas explicações, ficou-se sabendo que
esse homem morrera em conseqüência de uma congestão
por bebedeira, dormindo.
Eis agora a informação de um de plano mais elevado:
"Não é como nesta sala; há muito espaço. Vêem-se nu-
merosas mulheres cantando lindas coisas. Do ponto de vista
da claridade, é muito mais claro, mais belo, não se percebem
ali tintas cinzas. A imensidão é azul, mas de um azul bem

134
agradável, de um belo azul carregado. Meu encargo não é
fácil de explicar todavia, ei-lo: "O Espaço se apresenta
;

como andares diferentes, então eu desço esses andares e


vou ver os que sofrem para levar-lhes o alívio de que neces-
sitam.
É muito belo onde estou; não tenho palavras para ex-
primir-me. Como não temos corpos, nós nos deslocamos com
grande facilidade; aproximando-nos de elevados espíritos
que nos confortam se estamos às vezes um pouco fatigados
os se um instante de desânimo, que não pode ser senão pas-
sageiro, nos acomete. Não podeis imaginar as belezas dos
planos superiores. Mesmo os que estão em outros planos
podem subir até eles para visitar os seus amigos, mas só
por breves momentos concedidos a título de recompensa.
Os que estão sujeitos a voltar à Terra conservam des-
sas regiões uma lembrança imperecível que levam com eles
e que lhes traça um ideal admirável.
Mas lá a prece é constante; quando vos elevardes até
essas regiões colhereis as forças necessárias a toda uma
existência. Pela prece, por esse amor de Deus que produz
uma fé indestrutível sentireis chegar a vós essa força que
22
pode fazer de vós super-homens."
Assim, a recordação dos momentos espirituais passados
no Além pode, ao mesmo título que as experiências terres-
tres, ser um fator de evolução. É lá que se vê bem que a vida
e a morte formam um todo indissolúvel, uma continuando
a outra. Não há ruptura entre os dois princípios. Quer entre
a vida e a morte, quando o morto se apodera do vivo, quer
entre a morte e a vida quando o morto retoma um corpo
para nova encarnação, existe uma continuidade absoluta,
permitindo a cada instante a escalada para os cimos da
espiritualidade.
Essas possibilidades são grandes. Já tivemos formal co-
nhecimento de situação de grandes espíritos que nos incitam
a tentar algum dia. Certamente não será coisa fácil. Espe-
raremos talvez vinte mil anos, mas o tempo nada é diante
da eternidade. Que é um século perante dez mil anos? Um
centímetro. Que são vinte mil anos em face de dois milhões

22 Ver La Prière-Force, de Georges Gonzalss.

135
de anos? Igualmente um centímetro, e dois milhões de anos
não são toda a eternidade, não são senão parte ínfima de
vima fração. Importa-nos, pois, considerar que se deve come-
çar logo e desde então trabalhar sempre.
É tudo a felicidade de um futuro imenso, cujo esquema
se apresenta desde agora diante de nós.
Podemos um dia aspirar, não imediatamente, porém
mais tarde, a contemplar os grandes espírito do espaço. Tra-
ta-se de espíritos imensos cobrindo uma extensão conside-
rável e que, para nós, formam a face de Deus.
São, evidentemente, os auxiliares de Deus.
Seus ensinamentos nos trazem uma felicidade indescri-
tível e eu termino aqui, caros amigos leitores, vos concitan-
do a trabalhar bastante para adquirirmos uma espirituali-
dade suficiente para percebê-los e amá-los.
nos diz bem de sua
vivência no meio es-
pírita.
"Fiamo-nos muito
nas aparências quan-
do na Terra e assim
declaramos que al-
guém é feliz ou que
tem uma excelente
saúde quando esta-
mos às vezes em fa-
ce de um homem de
negócios, rico ou ma-
nejando grandes ca-
pitais, mas minado
realmente por pre-
ocupações de uma vi-
da doméstica capri-
chosa ou bem de um
indivíduo que morre-
ra, em alguns dias,
de uma ruptura de
aneurisma, por pleto-
ra de carnes que ele
exibe para nossa in-
veja.
"Nós os vivos sere-
mos um dia Nós os
mortos, lamentaremos
provavelmente a im-
previdência de nossos
próximos, assim como
a nossa no que diz
respeito a este impor-
tante questão: a da
sobrevivência da alma
e o náo-preparo para
esta longa estação que
seremos chamados a
fazer depois que o
nosso corpo for en-
cerrado no túmulo."
ALGUMAS DE NOSSAS EDIÇÕES
DEUS É O ABSURDO — Luciano dos Anjos — Prefácio de Newton Boechat
CASOS E COISAS ESPIRITAS — Dr. Francisco Klõrs Werneck.
COMO DESENVOLVER A MEDIUNIDADE — Paul Bodier — Trad. Dr. F.
Klõrs Werneck.
FENÔMENO DAS MESAS FALANTES — Dr. José Lhomme — Trad. Dr. F..
Klõrs Werneck.
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO — Allan Kardec — Trad.
J. Herculano Pires.
FREUD E AS MANIFESTAÇÕES DA ALMA — Dr. Carlos Imbassahy.
JESUS DOS 13 AOS 30 ANOS — Dr. Francisco Klõrs Werneck.
O LIVRO DOS ESPÍRITOS — Allan Kardec.
O LIVRO DOS MÉDIUNS — Allan Kardec.
O LIVRO DO MÉDIUM CURADOR — Dr. José Lhomme — Trad. Dr. F.
Klõrs Werneck.
LITERATURA DE ALÉM-TÜMULO — Ernesto Bozzano — Trad. Dr. F.
Klõrs Werneck.
MATERIALIZAÇÕES DE ESPÍRITOS — Paul Gibier, Ernesto Bozzano —
Trad. Dr. F. Klõrs Werneck.
FORÇAS LIBERTADORAS — R. A. Ranieri.
A MORTE NAO EXISTE — Rev. Walter Wynn — Trad do Dr. Francisco
Klõrs Werneck.
O PODER FANTÁSTICO DA MENTE — Dr. Carlos Imbassahy.
PRECES DO EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO — Allan Kardec.
A PRECE SEGUNDO O ESPIRITISMO — Geraldo Serrano.
PRECES ESPIRITAS — Bezerra de Menezes.
PRECES CURADORAS — Cândido Emanuel Félix.
O QUE NOS ESPERA DEPOIS DA MORTE — Georges Gonzales — Trad.
Dr. F. Klõrs Werneck.
O QUE É O ESPIRITISMO — Allan Kardec.
O SEXO ALÉM DA MORTE — R. A. Ranieri.
VIDA, MORTE E REENCARNAÇÃO — Gustave Geley, Charles Lancelln,
Paul Bodier e Francesco Zingaropolli — Trad. Dr. Francisco Klõrs
Werneck.
JUDAS ISCARIOTES E A SUA REENCARNAÇÃO COMO JOANA D'ARC
— José Fuzeira.
A MORTE E OS SEUS MISTÉRIOS — Ernesto Bozzano — Trad. Dr. F.
Klõrs Werneck.
ESPIRITISMO E VIDAS SUCESSIVAS — Prof. Celso Martins.
VISÕES ESPIRITAS NA TERRA E NO AR — C. de Vesme — Trad. Dr.
F. Klõrs Werneck.
EXTRAORDINÁRIAS CURAS ESPIRITUAIS — Aureliano Alves Netto.
A MORTE É A VERDADEIRA VIDA — W. F. Neech — Trad. do Dr.
Francisco Klõrs Werneck.
O ESPIRITISMO E AS MANIFESTAÇÕES PSÍQUICAS — Ernesto Bozza-
no — Trad. Dr. Francisco Klõrs Werneck.

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