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COORDENAÇÃO GERAL

Celso Fernandes Campilongo


Alvaro de Azevedo Gonzaga
André Luiz Freire

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP

TOMO 9

PROCESSO PENAL

COORDENAÇÃO DO TOMO 9
Marco Antonio Marques da Silva

PUCSP
São Paulo
2020
ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
PROCESSO PENAL

ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUCSP | ISBN 978-85-60453-35-1


<https://enciclopediajuridica.pucsp.br>

DIRETOR
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
Pedro Paulo Teixeira Manus
DE SÃO PAULO
DIRETOR ADJUNTO
FACULDADE DE DIREITO Vidal Serrano Nunes Júnior

CONSELHO EDITORIAL

Celso Antônio Bandeira de Mello Nelson Nery Júnior


Elizabeth Nazar Carrazza Oswaldo Duek Marques
Fábio Ulhoa Coelho Paulo de Barros Carvalho
Fernando Menezes de Almeida Raffaele De Giorgi
Guilherme Nucci Ronaldo Porto Macedo Júnior
José Manoel de Arruda Alvim Roque Antonio Carrazza
Luiz Alberto David Araújo Rosa Maria de Andrade Nery
Luiz Edson Fachin Rui da Cunha Martins
Marco Antonio Marques da Silva Tercio Sampaio Ferraz Junior
Maria Helena Diniz Teresa Celina de Arruda Alvim
Wagner Balera

TOMO DE PROCESSO PENAL | ISBN 978-65-990464-4-5


A Enciclopédia Jurídica é editada pela PUCSP

Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo VIII (recurso eletrônico)


: processo penal / coord. Marco Antonio Marques da Silva - São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2020
Recurso eletrônico World Wide Web
Bibliografia.
O Projeto Enciclopédia Jurídica da PUCSP propõe a elaboração de dez tomos.

1.Direito - Enciclopédia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II. Gonzaga, Alvaro. III. Freire,
André Luiz. IV. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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ENCICLOPÉDIA JURÍDICA DA PUC-SP
PROCESSO PENAL

PROVA DOCUMENTAL
Roberto Delmanto Junior

INTRODUÇÃO

Ao preparar o presente verbete, inúmeros novos aspectos sobre o conceito de


prova documental surgiram, sobretudo em razão da tecnologia digital que trouxe todo um
novo e permanentemente mutável universo sobre o tema, e com ele desafios jamais
imaginados. Isso porque, tradicionalmente, ao se falar em documento, tinha-se por
exemplo o clássico escrito em um papel, seja ele manuscrito ou não, com assinatura de
seu autor; por vezes, garantindo-se maior segurança ainda, escrituras lavradas por
tabeliões, guardadas em livros; reconhecimento de firmas mediante selos de segurança
numerados e assim por diante. Igualmente as fotografias, os filmes e assim por diante.
O importante, como veremos, é antes de tudo, a questão da segurança da prova
documental, de sua autoria, data de elaboração e autenticidade, isto é, com a
correspondência entre manifestação de vontade e conteúdo preservados, sem
adulterações. E é justamente a possibilidade de se garantir essa segurança que é o fator
determinante para se poder conceituar determinado registro histórico, seja em que suporte
for, uma prova documental.

SUMÁRIO
Introdução ......................................................................................................................... 2

1. Busca da verdade histórica, prova e certeza............................................................ 3

2. Prova documental. Conceito de documento ............................................................ 5

3. Documento com suporte material ........................................................................... 7

3.1. Documentos clássicos ................................................................................. 7

3.2. Documentos outros .................................................................................... 10

3.2.1. “Decalques” ................................................................................... 10

3.2.2. Documentos em microfilmes e fotos ............................................. 10

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4. Documentos digitais .............................................................................................. 11

4.1. Documentos digitais e prova ..................................................................... 12

4.2. Documento digital e segurança ................................................................. 13

4.3. Assinatura eletrônica ................................................................................. 15

4.4. E-mails e mensagens instantâneas (MSM, Instagram, Facebook, etc.) .... 17

5. Documentos digitais e a legislação brasileira ....................................................... 18

5.1. Lei 11.419/2006: processo judicial eletrônico .......................................... 18

5.2. Lei 12.682/2012 ........................................................................................ 19

5.3. Lei 13.105/2015: Novo Código Civil ........................................................ 19

5.4. Decreto 8.539/2015 – Processo administrativo eletrônico federal ............ 20

5.5. Medida Provisória 2.200-2/2001: Instituto Nacional de Tecnologia da


Informação – ITI e Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP –
Brasil ......................................................................................................... 20

6. Conclusão .............................................................................................................. 21

Referências ..................................................................................................................... 22

1. BUSCA DA VERDADE HISTÓRICA, PROVA E CERTEZA

A maior mazela que pode existir em um Estado de Direito é a do erro judiciário.


Daí a imperiosidade, para que se condene alguém, de que o juízo (singular ou colegiado,
a depender do grau de jurisdição e da competência – Tribunal do Júri) tenha certeza de
que houve o crime (fato típico, antijurídico e culpável) e de que o acusado tenha sido o
seu autor. Desse modo, procede-se, durante o transcorrer do devido processo legal, a uma
verdadeira reconstrução do passado a fim de que a acusação prove o que alega. Quanto
à defesa, não comungo com a ideia de que ela possa se acomodar diante de eventual
dificuldade da acusação provar o que alega; sempre que possível haverá o defensor de
demonstrar a insubsistência da acusação, sobretudo se houver alegação de fatos

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exculpantes ou benéficos ao imputado, como a legítima defesa, o estado de necessidade,


a inexigibilidade de conduta diversa, a coação moral irresistível e assim por diante. Cuida-
se do chamado ônus da prova, conforme clássica doutrina de Goldshcmidt, por meio do
qual cada um há de agir buscando a tutela de seu próprio interesse. Se houver dúvida, há
que se absolver, consoante antiga lição cunhada pelos romanos, em interpolação de uma
sentença de Paolo, que se transformou na máxima in dubio pro reo, traduzida no axioma
de que é preferível absolver um culpado do que condenar um inocente.
A imperiosidade de que a parte prove o que alega é coerente com a proibição da
chamada “verdade sabida”, sendo vedada a condenação com base em critérios subjetivos,
sem concreta demonstração nos autos, o que significaria intolerável arbítrio judicial.
Assim é que toda sentença haverá de ser fundamentada, sob pena de nulidade.
A motivação das decisões judiciais tem dúplice finalidade: a de controle, inclusive por
meio do duplo grau de jurisdição; a de legitimação da decisão perante a sociedade, que
demanda transparência. Entendo que embora a sentença, via de regra, diga respeito
somente às partes (inter partes), não produzindo efeitos perante terceiros (erga ominis),
o jurisdicionado tem o direito público de ter acesso às decisões (publicidade), bem como
de compreender os motivos que a determinaram, a fim de que se alcance a necessária
pacificação social, garantindo-se segurança nas expectativas que todos depositam no
Poder Judiciário.
Nessa árdua tarefa de reconstrução do passado, desponta a necessidade de se
provar, sob o contraditório, o alegado.
Na dinâmica probatória, as partes têm o chamado direito à prova, isto é, o direito
de provar o que alegam a fim de adimplir o seu ônus. Em outras palavras, o direito ao
contraditório pressupõe o direito à prova e o direito à sua valoração. Para tanto existem
os meios de colheita de prova (como a oitiva de uma testemunha, a busca e apreensão de
documentos etc.) para que, assim, seja o seu objeto (o testemunho, o documento etc.)
introduzidos no processo.
As provas ilícitas, desde logo cabe destacar, sequer devem ser introduzidas no
processo, por serem inadmissíveis; se por acaso tiverem ingressado, haverão de ser
desentranhadas.
Quanto ao momento em que a prova ingressa no processo, existem as que são
produzidas sob o contraditório, com a participação das partes que interagem no momento

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de sua realização (como a colheita de um testemunho e a oitiva de um perito) e aquelas


denominadas irrepetíveis, ou seja, que são colhidas antes do processo contraditório se
instaurar, na fase pré-processual do inquérito policial, sendo nesses casos submetidas a
posterior contraditório ou contraditório diferido (por exemplo, o exame de corpo de
delito, o exame toxicológico de determinada substância, o levantamento do local etc.).
Com relação à produção da prova em juízo, a parte primeiramente protesta pela
sua futura produção, para, em seguida, requer que o meio de prova se realize, quando,
então, haverá a sua admissão e realização do ato processual, com a consequente
materialização da prova que, então, ingressa no processo para, ato contínuo, ser
submetida à valoração das partes e do juízo.
Diversos são as provas a serem obtidas mediante colheita ou produção, e assim
introduzidos no processo, através dos instrumentos processuais adequados, denominados
meios de prova. Lembramos, por exemplo: (a) o testemunho, (b) o reconhecimento do
autor realizado pela vítima, (c) o instrumento do crime como a arma apreendida, (d) os
vestígios colhidos no local dos fatos, como uma impressão digital, o material genético, o
sêmen nas vestes da vítima etc., (e) o corpo de delito que por vezes se identifica com o
exame do corpo da própria vítima, dependendo do tipo de crime, e assim por diante.
Dentre elas desponta a prova documental.

2. PROVA DOCUMENTAL. CONCEITO DE DOCUMENTO

O objeto dessa modalidade de prova é justamente o documento.


Entre os clássicos, lembra Francesco Carnelutti 1 que documento, proveniente do
latim docere, é “qualquer coisa que faz conhecer qualquer outra coisa ou pessoa”; é um
instrumento (daí falar-se em instrumento de procuração quando se faz referência a um
documento com outorga de poderes; instrumento público ao se referir, por exemplo, a
uma escritura pública etc.). Ou seja, uma coisa que traz informação, conhecimento, com
conteúdo representativo de algo.
Aquele que tem acesso ao documento haverá de, por meio dos sentidos visual,
auditivo e inclusive tátil, adquirir conhecimento através da representação nele contida.

1
CARNELUTTI, Francesco. Novissimo Digesto Italiano, p. 86.

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Os documentos escritos podem ser de conteúdo (a) narrativo, quando se


descreve algo vivenciado ou testemunhado, (b) declaratório, nos casos se registra uma
manifestação de vontade, podendo inclusive ser (c) constitutivo, isto é, na hipótese em
que, por meio do documento, são registrados direitos e deveres assumidos pelas partes
que o assinam, ou seja, instrumentalizando e dando segurança a uma relação tutelada
pelo ordenamento jurídico (relação jurídica), através de um instrumento de contrato que,
após entabulado verbalmente (e a lei admite os contratos verbais), passa a ser
documentado, garantindo às partes a devida segurança.
Já outros documentos, como os fotográficos, têm em seu conteúdo a própria
imagem.
Diante de um mundo cada vez mais “digital”, observamos que, por mais que a
tecnologia avance, sobretudo com a biometria (íris dos olhos, digitais etc.), a grafia de
uma pessoa, ao redigir uma carta, ou a sua assinatura, são parâmetros que ainda têm o
potencial de garantir segurança, sobretudo quando se dispõe do original dele.
É fundamental reforçar a necessidade da existência do original – salvo exceções
em que as cópias sejam de muito boa qualidade, somadas à existência de padrões de
confronto –, uma vez que com os atuais scanners e impressoras coloridas, tem sido muito
mais fácil a falsificação de assinaturas. Por vezes, consegue-se provar a fraude justamente
pelo idêntico padrão das assinaturas digitalizadas por imagem, tendo o falsário alterado,
somente, o seu tamanho, mas mantendo-se idênticas proporções. Até a impressão em
assinaturas digitalizadas se consegue fazer em folhas de cheques, por exemplo.
Buscando dar “suporte material” ao “digital”, é comum, hoje, a elaboração de
escrituras públicas na qual o Tabelião imprime determinado conteúdo da internet, de uma
página por exemplo em que existam ofensas a uma pessoa, efetivamente documentando
em um suporte material e com requisitos de segurança (papel com marca d’água, selo de
autenticidade, numeração e armazenamento em livros) para que aquele fato tenha a prova
de sua existência perpetuada. Desse modo, se houver a impressão em papel de segurança,
em cartório, ela passa a ser uma espécie de “documento do documento”, que poderá
garantir maior segurança de sua existência, originalidade e a temporaneidade, que fora
copiado ou digitalizado.

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Por outro lado, se não houver elementos de segurança no suporte material, ter-
se-á o equivalente a uma mera cópia, ou simples impressão, sem nenhuma garantia de
que o seu conteúdo não tenha sido totalmente forjado.

3. DOCUMENTO COM SUPORTE MATERIAL

Tradicionalmente, quando se fala em coisa que traz conhecimento de um fato,


remete-se a algo concreto, com suporte material. Como documento, podemos lembrar,
assim: (a) o papel sobre o qual há texto manuscrito, datilografado ou impresso com tinta,
ou com auto-relevo, como no método Braille; (b) a fotografia; (c) a gravação fonográfica;
(d) o videofonograma; (e) a pintura de dizeres ou de imagens em uma tela; (f) até mesmo
pode ser considerado documento (e) a escrita em uma parede ou (f) em uma pedra.
Refiro-me ao termo tradicionalmente porque, em tempos atuais, vivemos a época
dos revolucionários documentos digitais, que não possuem suporte material algum, são
armazenados em “nuvens” mediante códigos binários e digitais, e que, portanto, não são
“coisa”. A eles faremos referência destacada adiante, inclusive quanto à sua fragilidade.
A fotografia, o vídeo e a gravação são documentos diretos, isto é, que retratam
uma realidade sem a intervenção da mente humana a interpretá-la em seu registro;
diferentemente da escrita, do desenho e da pintura, que são representações indiretas.

3.1. Documentos clássicos

Ao tratarmos de prova documental, defrontamo-nos com a chamada livre


apreciação da prova por parte do Juízo, sendo admissíveis como prova diversos tipos de
documentos, desde que pertinentes, relevantes e obtidos de forma lícita, isto é, admitidos
pelo ordenamento jurídico.
Lembramos, a declaração de próprio punho, um vídeo gravado com uma
mensagem de seu autor, uma fotografia, extratos bancários etc.
Para que possam produzir efeitos jurídicos, há documentos para os quais a lei
impõe formalidades, sobretudo quanto aos contratos (conformidade com a lei, data, local
de assinatura, testemunhas instrumentais etc.), buscando garantir que se tenha
resguardado a voluntariedade e o devido conhecimento do entabulado.

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E, aqui, há exigências mínimas para que determinado documento possa trazer


segurança quanto à representação do fato histórico nele registrada.
É por isso que tradicionalmente se tem exigido suporte material para que se
possam realizar perícias grafoscópicas a fim de se lhe garantir autenticidade.
De longa data, e a título de se garantir segurança, criaram-se no Brasil os
chamados Cartórios de Títulos e Documentos, por meio dos quais são lavrados
instrumentos mediante escrituras públicas, com a participação de escreventes e do
“Oficial Maior” dos chamados “Tabelionatos”, registrados documentos particulares,
reconhecidas assinaturas por semelhança, lançadas ou não na presença do cartorário, ou
ainda a “autenticação” de fotocópias, garantindo-se que elas “conferem com o original”,
com a aposição de “selos numerados” que possuem o devido registro da data de sua
utilização.
Muitas fraudes, por sinal, são descobertas justamente pela falsificação desses
“selos”, por vezes utilizando-se aqueles que foram empregados em outras épocas.
Aliás, no mundo das falsificações, o falsário sempre evita apresentar o original,
por vezes destruindo-o. Opta, somente, por oferecer em juízo as cópias da falsificação
para, assim, dificultar ou impossibilitar perícias. Periciar cópias, somente quando os
elementos nelas contidas sejam suficientes para o expert sentir-se seguro, o que não é
tarefa fácil.
Assim, com o documento original, e de preferência com lançamentos gráficos a
título de assinatura e rubrica, há que se ter como verificar, como salientado anteriormente,
a:
(a) Autenticidade do documento e de seu conteúdo. A peça de exame
apresentada corresponde com a originalmente criada, não havendo adulteração de forma
nem conteúdo. O que está nele registrado, em escrita ou imagem, é efetivamente aquilo
que ele representava no momento de sua criação;
(b) Autoria. Tradicionalmente, quando se pensa em um documento, têm-se o
registro de um fato histórico ou de uma manifestação de vontade em que há referência ao
seu autor, o qual o assina. Mas nem sempre é assim. Existe uma infinidade de situações
em que são apresentados documentos (como minutas contratuais) que não se encontram
assinados e que, mesmo assim, podem fazer prova em juízo, a depender das
circunstâncias.

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A propósito, no universo das perícias grafoscópicas é consenso o entendimento


de que o melhor documento para se examinar é o documento escrito de próprio punho,
onde, graças à morfologia da escrita e da assinatura de cada um, poder-se-á, com toda
segurança, declarar a sua autenticidade, inclusive temporal. Isso porque a grafia de todos
muda com o passar de anos e, havendo “padrões de confronto”, a acuidade da análise será
irretorquível.
Por outro lado, há documentos que, apesar de anônimos, permitem a descoberta
de sua autoria, mediante (a1) exame grafoscópico no qual se comparam lançamentos
manuscritos, ou análises de outra natureza, como (a2) das antigas máquinas de escrever
que tinham sutilezas únicas na forja metálica de determinadas letras, (a3) impressoras
matriciais que também têm características únicas etc. O grande problema é que com as
atuais impressões a “jato de tinta” ou “laser”, são cada vez mais difíceis essas
verificações, tornando perícias quase impossíveis, quando não há assinaturas lançadas de
próprio punho;
(c) Temporaneidade. O ideal é que todo documento seja datado, a fim de que
possa, com segurança, servir como prova de um fato histórico. Hoje, inclusive fotografias
são por vezes datadas, embora seja de fácil adulteração essa referência temporal,
bastando-se alterar a data na máquina fotográfica.
Pode ocorrer de um determinado documento não estar datado e, mesmo assim,
ser original. Pelas referências neles feitas, e pela comparação da grafia de seu autor.
Na denominada perícia ad perpetuam rei memoriam é comum fotografar-se,
juntamente com o local a ser registrado, a primeira página do jornal do dia; com isso, uma
coisa é certa: a imagem foi feita após aquela data.
Não obstante, é possível estar datado e ser falso; por sinal, não é incomum a
contrafação de documentos em nome de pessoas já falecidas visando o malfeitor habilitar-
se no seu espólio.
(d) Isenção de vícios de vontade quanto de sua confecção. Tratando-se de
contratos, as chamadas testemunhas instrumentais, ou seja, da assinatura do instrumento,
foram criadas por lei justamente para garantir a voluntariedade de sua assinatura, pelas
partes, inexistindo coação. Ademais, quando o documento é todo manuscrito, será mais
difícil ao seu autor alegar, posteriormente, ter havido vício de vontade.

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Como visto, quanto mais robustos os elementos acima referidos, maior será o
valor probatório desse documento.
Embora não se negue a possibilidade de existirem documentos apócrifos, como
uma denúncia anônima enviada por carta, por certo nenhum valor probatório ele haverá
de ter.

3.2. Documentos outros

Cumpre destacar que, como prova documental, existem diversas situações em


que as autoridades se depararão com documentos nada usuais e que, nem por isso, vão
deixar de ser documentos, aptos a documentar um fato histórico em um suporte material.

3.2.1. “Decalques”

No encantador mundo dos vestígios, que alimentam a criminalística forense, já


se comprovou casos de ameaças à integridade sexual de uma jovem, por exemplo,
mediante o “decalque” das páginas de seu “diário”, uma vez que a página original, onde
ela havia narrado as agressões, havia sido arrancada e destruída.
Em um atropelamento com choque de veículos e morte, tendo havido a evasão
do autor, já se provou a sua identidade mediante a discreta impressão que a placa do
veículo havia deixado no parachoque abalroado, dele retirando-se o chamado “decalque”.
Tratam-se de vestígios probatórios que, feito o “decalque” (mediante, por
exemplo, a utilização de grafite sobre os sulcos deixados na peça de exame) desses
vestígios se obtém um documento comprobatório de sua existência; com o documento do
“decalque”, se colhe o vestígio através de um documento. Com efeito, tanto a página do
diário abaixo da que foi arrancada, com a impressão por pressão da escrita feita na página
sobreposta, como até mesmo o para-choque com a impressão da placa do veículo, são
suportes materiais que documentam um fato.

3.2.2. Documentos em microfilmes e fotos

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Quando se fala em documentos microfilmados ou fotografados, há, sempre, o


“documento original”, com suporte material, o qual teve sua imagem capturada e
registrada, seja em outro suporte material, como o negativo ou o papel fotográfico.
No caso do microfilme (que já são antiquados), por anos as instituições bancárias
incineravam os cheques emitidos, registrando as suas imagens em filmes, o qual passo a
ser o novo suporte material daquele documento que era o cheque. Pode-se chamar o
microfilme como “documento do documento”.
O problema é que um microfilme, como documento em si, pode não ser apto para
servir de prova de autenticidade de determinado lançamento gráfico, salvo se a
falsificação for grosseira, do documento que deu origem às imagens microfilmadas.
Já na outra situação da fotografia, poderá haver ou não a sua impressão. Estando
ela impressa, passa-se a ter aquele documento original reproduzido em outro suporte
material, como uma xerocópia, mas em papel fotográfico.

4. DOCUMENTOS DIGITAIS

Vivemos, atualmente, no mundo digital. Imagens de pessoas ou coisas passaram


a ser armazenadas em algoritmos, em sequências alfanuméricas, em pixels, em memórias
“flash” e também “discos rígidos”, acessíveis por meio de computadores, smartphones,
tablets etc. (hardware), acompanhados dos correspondentes programas de computador
(software).
Hoje, há documentos, portanto, como as fotografias digitais (de imagens e textos
por exemplo), sem nenhum suporte material, sequer originalmente; há documentos que
podem nunca ter sido impressos, existindo somente no mundo virtual. Aliás, essa é a
tendência mundial.
Os sistemas de armazenamentos de dados tornaram-se, em todo o universo
humano – financeiro, bolsa de valores, registro da identidade das pessoas, habilitação para
dirigir veículos, transações comerciais com apuração de impostos etc. – o que há de mais
sensível em termos, justamente, de segurança. Não se divulga muito, mas hoje a principal
ameaça terrorista é justamente a que envolve o armazenamento de dados e, assim, de seus
documentos. Basta imaginar o sistema bancário; a cada dia que passa, poucas pessoas

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guardam recibos de depósitos impressos, extratos bancários e assim por diante. Se há um


black out, um total pane no armazenamento de dados, seria o caos.
Esse exemplo traz a lume a importância dos “bons e velhos” documentos
impressos em papel de segurança, com selos oficiais e numerados de reconhecimento da
autenticidade etc., como medida adicional de segurança.

4.1. Documentos digitais e prova

Para que um documento possa ser apto a provar algo, isto é, demonstrar com
segurança que determinado episódio ocorrido no passado efetivamente se deu, é
fundamental que dele se possa extrair, com segurança, alguns aspectos: (a) autenticidade,
isto é, que o documento apresentado é de fato o originalmente elaborado, estando íntegro,
isto é, com seu conteúdo imutável, significa dizer que embora o suporte seja original, ele
não foi adulterado; (d) autoria, podendo-se afirmar com segurança quem foi o seu
elaborado; (c) temporaneidade, ou seja, que a sua criação tenha efetivamente se dado na
data em que se alega ter ele sido constituído; (d) inexistência de vícios de vontade, em
outras palavras, conferindo-se segurança de que não houve coação ou erro.
Essa análise demanda a possibilidade de o documento ser periciável,
consubstanciando-se em peça de análise por experts, mediante o denominado exame de
corpo de delito direto. Tem-se, via de regra, portanto, que a parte apresente o original
para que dele se possa extrair as análises a fim de confirmar a sua higidez como prova.
Ocorre que, no mundo digital, não existe suporte material, o que nos faz refletir,
inclusive, sobre a questão do corpo de delito.
Aqui, os vestígios de um crime, por exemplo, são algorítimos, perícias que
denotam ter havido alterações em sistemas de dados.
Daí, para que se possa provar algo, quando somente se tem um documento
digital, como o screen shot (fotografia da tela) de um computador, tablet ou smartphone
com mensagens ofensivas, por exemplo, tem se recorrido ao bons e velhos cartórios de
títulos e documentos.
Buscando dar “suporte material” ao “digital”, é comum, hoje, a elaboração de
escrituras públicas na qual o Tabelião imprime determinado conteúdo da internet, de uma
página por exemplo em que existam ofensas a uma pessoa, efetivamente documentando

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em um suporte material e com requisitos de segurança (papel com marca d’água, selo de
autenticidade, numeração e armazenamento em livros) para que aquele fato tenha a prova
de sua existência perpetuada. Desse modo, se houver a impressão em papel de segurança,
em cartório, ela passa a ser uma espécie de “documento do documento”, que poderá
garantir maior segurança de sua existência, originalidade e a temporaneidade, que fora
copiado ou digitalizado.
Por outro lado, se não houver elementos de segurança no suporte material, ter-
se-á o equivalente a uma mera cópia, ou simples impressão, sem nenhuma garantia de
que o seu conteúdo não tenha sido totalmente forjado.
Enfim, por mais que a tecnologia avance, sobretudo com a biometria (íris dos
olhos, digitais etc.), a grafia de uma pessoa, ao redigir uma carta, ou a sua assinatura, são
parâmetros que nunca deixarão de garantir segurança, sobretudo quando se dispõe do
original dele. É fundamental reforçar a necessidade da existência do original – salvo
exceções em que as cópias sejam de muito boa qualidade, somadas à existência de padrões
de confronto –, uma vez que com os atuais scanners e impressoras coloridas, tem sido
muito mais fácil a falsificação de assinaturas. Por vezes, consegue-se provar a fraude
justamente pelo idêntico padrão das assinaturas digitalizadas por imagem, tendo o falsário
alterado, somente, o seu tamanho, mas mantendo-se idênticas proporções. Até a
impressão em assinaturas digitalizadas se consegue fazer em folhas de cheques, por
exemplo.

4.2. Documento digital e segurança

Diferentemente do fato de um documento tradicional ser digitalizado, isto é,


transformado em uma fotografia que é convertida em imagem digital, formatada em bases
informáticas como os denominados por extensões PDF, JPEG, IMG etc., que podem ser
facilmente adulterados, vivemos em um mundo digital no qual nos deparamos com a
existência dos documentos digitais.

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Como ensina Emanuele Florindi-Massimo Brazzi,2 tratam-se dos alcunhados


paperless documents (documentos em papel) que se contrapõe às chamadas hard copies
(cópias duras).
É fato, como afirmado acima, que existem várias formas de registrar um fato
histórico, garantindo-se segurança futura em termos de prova de que ele realmente
ocorreu. Tem-se, assim, os documentos que podem se manifestar no mundo concreto
como escritos em papéis ou outro suporte físico (que são os mais comuns, abrangendo
cartas, contratos, declarações, escrituras etc.), as imagens capturadas em fotografias
(que atualmente dispensam os tradicionais filmes, sendo digitais em sua grande maioria)
ou microfilmes (rememorando os antigos microfilmes de cheques bancários), os
fonográficos (dos quais é exemplo a interceptação telefônica) e os videofonográficos (que
são os filmes, igualmente registrados atualmente em bases digitais, em sua grande
maioria).
Quando se fala em documento eletrônico, como salientado pelo autor acima
referido, não se trata de uma nova forma (escrita, oral, videofonográfica ou de imagem),
mas sim de um novo suporte em que essas manifestações são registradas, suporte esse
que não é material.
Eis aqui o grande desafio a ser enfrentado: a possibilidade de se falar na
existência de um documento que é virtual, podendo estar armazenado em uma “nuvem
de dados”, seja ele representante de algo manuscrito em imagem (hoje já existem
assinaturas de cartão de crédito feitas em telas de dispositivos eletrônicos), ou de
conteúdo fonográfico ou videofonográfico armazenado da mesma forma: sem papel, sem
fitas de áudio ou vídeo, sem revelações em papel fotográfico etc.
A “nova tinta”, segundo Brazzi, bem como o “novo papel fotográfico”, “a nova
fita magnética de registro de som ou de imagem”, passa a ser a energia elétrica com os
bits representados por caracteres alfanuméricos, um verdadeiro novo “alfabeto”
internacional.
Contudo, para que esses registros eletrônicos de fatos históricos se
consubstanciem em documentos, ou melhor, em paperless documents, que possuem
“suporte digital”, é fundamental aferir se deles se podem extrair as mesmas

2
BRAZZI, Emanuele Florindi-Massimo. Computer e diritto, pp. 146 e ss.

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características mínimas dos documentos com suporte material, para que se tenha
segurança: (a) Autenticidade do documento e de seu conteúdo, não tendo sido alterado
posteriormente, dotado de imutabilidade; (b) Autoria; (c) Temporaneidade; e (d) Isenção
de vícios de vontade quanto de sua confecção.
Nesse novo universo, os desafios a fim de se garantir essas qualidades mínimas
para que o registro eletrônico de fatos históricos possa ser chamado de documento, e,
portanto, ter valor probante, são enormes.
No Brasil, na esteira do que vem ocorrendo em outros países, quase todos os atos
da vida civil, do Poder Público em todas as esferas, inclusive do Judiciário, têm sido
registrados mediante documentos digitais.

4.3. Assinatura eletrônica

Da mesma forma que ocorre com os documentos tradicionais, em que há suporte


material, podendo eles serem apócrifos ou subscritos, os documentos informáticos
também podem assim ser criados.
É evidente que um “documento apócrifo”, como uma carta anônima, pouca
relevância poderá ostentar em termos probatórios embora ela tem sido admitida, na forma
de “denúncia anônima”, em nossa jurisprudência para dar início a investigações
criminais, inclusive. Jamais, conduto, medidas cautelares como busca e apreensão.3
Para que qualquer documento tenha validade, como já referido, é fundamental
haver a garantia de se ter segurança quanto a sua (a) autoria, (b) que o seu conteúdo seja
preservado ao longo do tempo, restando íntegro; e que (c) ninguém o tenha modificado,
fraudando-o. Eis o grande desafio das assinaturas eletrônicas.
Quanto à autoria, diferentemente de uma assinatura em um documento
manuscrito em um papel (por vezes papel “de segurança” com marca d’água), é
importante lembrar que, à exemplo do que acontecia com os antigos lacres de cera ou

3
Assim decidiu, por exemplo, o STJ na famosa “Operação Castelo de Areia”, ao julgar, em 05.04.2011, os
Habeas Corpus 159.159 e 137.349, e decidir que denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva
para que a Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. Essa decisão vem sendo
mantida, tornando-se um paradigma. Veja-se, por exemplo, o julgamento realizado pelo STJ, no Habeas
Corpus 190.334, logo depois, em 10.05.2011.

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selos, a assinatura eletrônica, por meio de microchips e senha, de certa forma deles se
assemelha.
Uma terceira pessoa que tenha acesso ao cartão com chip de seu titular, e que
consiga obter a senha, terá a possibilidade de “assinar” documentos eletrônicos como se
fosse ele, sendo quase impossível prova em contrário; salvo eventual registro em vídeo
de seu real autor no terminal do computador por meio do qual foi o documento assinado,
no horário em que tiver sido enviado.
Daí estarem sido já desenvolvidas outras tecnologias, sobretudo a da biometria
para garantir que a pessoa que assina determinado documento digital, é ela mesma. Têm-
se técnicas como a da impressão digital e a da leitura da íris do olho, que demandam
suporte de dados como parâmetro.
Desse modo, a chamada assinatura eletrônica simples, como ensina Brazzi,4 é
aquela em que existem dados eletrônicos a partir dos quais são anexados ou logicamente
associados outros dados eletrônicos que servem como método de autenticação; em
linguagem mais apropriada, “impressão eletrônica” ou também “chave eletrônica”; como
se utiliza em perícias, hash.
Ocorre que quando se utiliza o hash como autenticação eletrônica, tem-se a
transformação de um texto em um “cordão” ou “linha” alfanumérica de tamanho fixo que
representa a assinatura eletrônica de todo o texto. Com o hash é possível autenticar que o
texto original não foi adulterado com toda a segurança. Documentos idênticos geram,
cada um deles, um hash idêntico ao outro.
O sistema senhas eletrônicas se utilizam muito do hash, onde a senha em si não
aparece, mas somente o seu código hash. Porém, não se garante, necessariamente, a
autoria do próprio documento.
Já com a assinatura eletrônica avançada, chamada de “certificado eletrônico”,
vincula-se a identidade a identidade do titular dos dados utilizados para verificar a firma
eletrônica, estando conexos a um documento informático ao qual a assinatura se refere.
Existem exigências legais para esses certificados digitais: registro do titular do
certificado, data de validade e assinatura eletrônica de quem expediu o certificado.

4
BRAZZI, Emanuele Florindi-Massimo. Computer e diritto, pp. 145-146.

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Por sua vez, a assinatura digital é aquela baseada em um sistema de dados


criptografados, com uma chave pública e outra privada correlatas. Como ensina R.
Borrusco:
“As novas assinaturas, de um ponto de vista ontológico, nada tem a ver
com uma assinatura no sentido tradicional, não reproduzem o nome e o
sobrenome de ninguém, não são palavras, nem desenhos, não possuem,
portanto nada a ver com a auto grafia e nem mesmo com a grafia. Se
quisermos encontrar uma analogia com o passado, se pode dizer que a
assinatura digital ou eletrônica e mais similar a um selo (de metal ou de
cera) ao invés de uma assinatura”.5

4.4. E-mails e mensagens instantâneas (MSM, Instagram, Facebook, etc.)

Lembramos os casos de e-mail e de mensagens eletrônicas fotografadas.


É comum no dia-a-dia forense que tais mensagens digitais venham a ser
fotografadas, transformadas por meio de softwares como o denominado PDF – Portable
Document Format, ou seja, “formato portátil de documento”, sendo em seguida impressas
e anexadas a processos físicos, assim sendo também denominados documentos.
Afinal, neles se têm manifestações de vontade ou registros de fatos históricos,
que foram impressos em um suporte material.
Contudo, fato é que toda imagem, seja de texto ou não, é facilmente manipulável;
essa manipulação, uma vez impresso o documento final, é de difícil comprovação.
Desse modo, se a parte contrária não os questiona e admite a sua autenticidade,
poderão ser considerados como prova documental; porém, se houver questionamento e
não for possível provar a sua veracidade, o valor probatório desses documentos será nulo.
A questão da necessidade de haver suporte material é desafiada pela tecnologia.
Isso porque, nos processos eletrônicos, são formuladas petições digitais, sem
sequer haver necessidade de impressão, bem como a elas anexadas “documentos”, isto é,
imagens que podem ter origem em verdadeira fotografia de um documento que alguma

5
BORRUSO, R. Il documento informatico, la firma elletronica e la firma digitale alla suce delle ultime,
p. 152.

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vez já tenha sido materializado, ou mesmo que nunca tenha sido, em sua existência,
transformado em coisa palpável. Igualmente, em arquivos PDFs.
Nesse passo, se de um lado em toda auditoria contábil é regra exigir-se a
conferência do documento físico (uma nota fiscal, um pedido etc.), é fato que isso tem
mudado, sobretudo no mundo do direito, em que tudo, ou quase tudo, tem acontecido de
forma digital, não tendo jamais ocorrido a impressão.

5. DOCUMENTOS DIGITAIS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

5.1. Lei 11.419/2006: processo judicial eletrônico

Ao disciplinar o processo judicial eletrônico, o art. 11 da Lei 11.419/2006


expressamente cuidou dos documentos eletrônicos, estabelecendo diretrizes para a sua
utilização e acerca de seu valor probante. Assim estabeleceu, entre outas coisas:
(a) que os documentos eletrônicos são considerados originais;6
(b) que “extratos digitais” e “documentos digitalizados” têm a mesma força
probante dos originais, salvo motivada alegação de adulteração, antes, durante ou depois
da digitalização;7
(c) que os originais dos documentos digitalizados deverão ser preservados
pelo seu detentor;8
(d) que somente as partes terão acesso, mediante rede de internet externa, aos
documentos eletrônicos.9

6
“Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia
da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os
efeitos legais.”
7
Art. 11,§ 1º: “Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da
Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades
policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força
probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o
processo de digitalização”.
8
Art. 11, § 3º: “Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no § 2º deste artigo, deverão ser
preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do
prazo para interposição de ação rescisória”.
9
Art. 11, § 6º: “Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis
para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público,
respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça”.

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Com o Processo Judicial Eletrônico, em que sentenças são proferidas por


Magistrados com “assinatura digital”, sem papel, sem tinta, sem assinatura de próprio
punho; testemunhos são gravados em vídeos, debates registrados igualmente em suporte
digital houve, de fato, uma revolução digital; o paperless process.
Sobre o tema, salientam Patrícia Martinez Almeida e Vladmir Oliveira da
Silveira, que:
“Não se trata de mera digitalização do processo, mas de efetiva
implantação de processo totalmente eletrônico, ou seja, com a elaboração
de documentos processuais no próprio sistema, por meio de um editor de
texto integrado ao navegador da WEB, mesmo sistema utilizado na
execução de e-mails e postagens em blogs”.10

5.2. Lei 12.682/2012

A digitalização de documentos com suporte material é tratada, entre nós, pela


Lei 12.682/2012, sendo expressa em afirmar que “entende-se por digitalização a
conversão da fiel imagem de um documento para código digital”, aduzindo que os
registros públicos originais, mesmo depois da digitalização, deverão ser armazenados.
Criou-se a denominada “Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP
Brasil” com o objetivo de emitir e gerir certificados digitais para garantir a integralidade,
autenticidade e, se necessário, a confidencialidade do documento, com proteção de
acesso, uso, alteração, reprodução ou destruição, salvo quando autorizado.

5.3. Lei 13.105/2015: Novo Código Civil

O novo Código Civil passou a tratar, expressamente, da validade da prova


oriunda de documentos eletrônicos.
Em um primeiro dispositivo, esclarece que nos processos que tramitam de forma
física, os documentos eletrônicos haverão de ser impressos, com verificação da fidelidade

10
ALMEIDA, Patrícia Martinez; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Processo judicial eleletrônico e
segurança de dados: a proteção digital como novo direito humano. Revista Mestrado em Direito, ano 13, nº
2.

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da impressão (art. 439).


Porém, nos dois artigos subsequentes, textualmente dispôs que “O juiz apreciará
o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso
ao seu teor” (art. 440) e que “serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e
conservados com a observância da legislação específica” (art. 441).

5.4. Decreto 8.539/2015 – Processo administrativo eletrônico federal

Ao disciplinar procedimentos administrativos no âmbito da administração


federal e de autarquias, o Decreto 8.539/2015 traz, de forma didática, os seguintes
conceitos:
(a) documento - unidade de registro de informações, independentemente do
formato, do suporte ou da natureza;
(b) documento digital - informação registrada, codificada em dígitos binários,
acessível e interpretável por meio de sistema computacional, podendo ser:
(b.1) documento nato-digital - documento criado originariamente em meio
eletrônico; ou
(b.2) documento digitalizado - documento obtido a partir da conversão de um
documento não digital, gerando uma fiel representação em código digital.
Além de regrar todo esse modo eletrônico dos processos administrativos, quanto
aos fundamentais elementos de segurança, aduz que “a autoria, a autenticidade e a
integridade dos documentos e da assinatura, nos processos administrativos eletrônicos,
poderão ser obtidas por meio de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de
Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, observados os padrões definidos por essa
Infraestrutura” (art. 6º), sem prejuízo de outros meios de comprovação, inclusive de
nome, usuário e senha, bem como de proteção desses documentos digitais (art. 18).

5.5. Medida Provisória 2.200-2/2001: Instituto Nacional de Tecnologia da


Informação – ITI e Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP – Brasil

Para viabilizar que documentos digitais tenham segurança, seja quanto à autoria,
momento de sua criação, integralidade de seu conteúdo e controle de toda e qualquer

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alteração, a fim de que possam efetivamente documentar de maneira confiável fatos


históricos, declarações de vontade etc., o Governo Brasileiro criou o Instituto Nacional
de Tecnologia de Informação, o qual tem a incumbência de criar e gerir a Infraestrutura
de Chaves Públicas Brasileira, que é instrumento fundamental para a denominada
“certificação digital” desses documentos, bem como para a operacionalização prática de
sua utilização.

6. CONCLUSÃO

Como pudemos verificar nessas breves considerações, o tema da prova


documental, que é fundamental para o processo judicial na medida em que documentos
registram e preservam fatos históricos, declarações de vontade, transações comerciais e
assim por diante.
Ocorre que, graças à tecnologia, o tradicional conceito de documento, atrelado a
um suporte material (usualmente papel) no qual são apostos dizeres mediante grafia,
datilografia ou impressão, tem sido objeto de profundas transformações atinentes a novos
suportes e também a novas maneiras de registrar, como a gravação fonográfica,
videofonográfica e fotográfica.
Em meio aos novos suportes, para além das antigas fitas magnéticas e filmes
fotográficos tratados quimicamente, surgiram os computadores e os softwares de que é
exemplo, entre tantos, o PDF – Portable Document Format, que dispensam qualquer
suporte físico como o papel, sendo armazenados em memórias digitais, que podem
inclusive serem armazenadas em qualquer computador do mundo, nas chamadas
“nuvens”.
E com essa tecnologia toda, surgiu o processo digital, no qual são aportados
tanto documentos que foram digitalizados (ou seja, transformados em imagem digital
tendo-se por base um documento físico em papel) ou que foram, desde o sempre, criados
já em ambiente digital (não se originando em um documento impresso) e que podem, até
mesmo, nunca serem impressos.
Garantindo-se segurança, mediante “certificação digital”, com certeza quanto à
sua autoria, data de sua criação, originalidade e veracidade do conteúdo, não tendo
havido adulteração, esse novo universo dos paperless documents (documentos sem

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papel) já é uma realidade na vida forense, e por esse motivo foram aqui abordados.
De tudo, uma coisa é certa: os tradicionais documentos, lavrados em papel de
segurança, com selos públicos, com o testemunho de tabeliões, serão sempre uma garantia
adicional, por mais que a tecnologia avance. Igualmente, cartas manuscritas são fonte
segura de autoria, uma vez que a perícia grafoscópica tem plenas condições de, havendo
padrões de confronto, atestar cabalmente a sua originalidade e, inclusive, época da
elaboração do documento, pois a grafia de uma pessoa se altera no tempo.
Enfim, se todo processo judicial se baseia em fatos da vida humana que são
trazidos para a apreciação do Poder Judiciário, os documentos (que por vezes se
sobrepõem inclusive a outras provas, como a testemunhal, no livre convencimento
judicial), são essenciais para que esses fatos sejam reconstruídos no processo, sendo
cabalmente demonstrados e provados, para que se minimizem as possibilidades de ocorrer
injustiça, ou seja, que venha a ter concretude o fantasma, sempre presente, do erro
judiciário.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Patrícia Martinez; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Processo


judicial eleletrônico e segurança de dados: a proteção digital como novo direito humano.
Revista Mestrado em Direito, ano 13, nº 2. Osasco, jul./dez., 2013, pp. 323-343.
BRAZZI, Emanuele Florindi-Massimo. Computer e diritto. Torino: Giuffrè
Editore, 2012.
CARNELUTTI, Francesco. Novissimo Digesto Italiano. Torino: UTET, 1957.
Volume VI.

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