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DISCENTE: KELLY CRISTINE CANEDO ARAUJO Nº USP: 13804498

DOCENTE: GABRIEL LORETTO LOCHAGIN


DISCIPLINA: DIREITO FINANCEIRO

O SEQUESTRO ORÇAMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

Os entes de um Estado têm atribuições a cumprir e para cumpri-las precisará de


recursos. Desse modo, precisarão de poder para pôr em marcha esse exercício financeiro,
variando as atribuições a depender do ente. O Estado, assim, adquire receitas e emprega
despesas, precisando ser responsável ao arrecadar e empenhar o arrecadado, nos limites da
prestação de contas, legalidade e transparência, inerentes à democracia.

Nesse diapasão, no presente trabalho será discutido o instituto do orçamento secreto


enquanto um mecanismo de captação orçamentária pelo congresso. Esse comportamento
pode ter como um dos fatores o estabelecimento do teto de gastos em 2016 e como
consequência o aumento cada vez maior de gastos sem devida transparência. Dentre outras
razões, o orçamento secreto passa a ser mais do que uma captação de recursos orçamentários,
mas, antes, um efetivo sequestro.

O DEVER SER ORÇAMENTÁRIO


O orçamento público trata-se de um instrumento que, através da previsão de receitas e
fixação de despesas de forma transparente e equilibrada para um determinado espaço de
tempo, pretende o planejamento, a gestão e o controle financeiro do Estado (ABRAHAM,
2022). Sendo assim, pode-se dizer que é esse orçamento um ato de organização e, para além
disso, por ser público, tem a peculiaridade de ser um ato de autorização, conforme leciona o
clássico jurista nessa matéria Aliomar Baleeiro (1997, p. 387).

Tal caráter autorizativo decorre da própria natureza do mesmo o qual, ao invés de ser
uma norma impositiva, é um prognóstico do futuro, sujeito à falibilidade, dotado, assim, de
flexibilidade, sendo, basicamente, o limitador, não o alvo, da atuação dos entes públicos.
Portanto, quanto ao princípio da legalidade, corolário do Estado Democrático de Direito, o
orçamento tem apenas a forma de lei, sendo a sua natureza de ato administrativo, a saber, de
efeitos concretos – voltados a um sujeito (administração pública) num espaço de tempo
(exercício financeiro) determinado.

Diante disso, justifica-se a competência primária, a iniciativa legislativa do executivo


no tocante ao orçamento, pois, da mesma forma que o Congresso não interfere nas escolhas
da administração pública em seus decretos, não há porque haver interferência do mesmo no
exercício orçamentário, dada sua natureza. Trata-se de uma decorrência do princípio da
separação de poderes, fundamento da República Federativa.

É também parte da separação de poderes, porém, o sistema de freios e contrapesos,


isto é, que os poderes fiscalizam-se uns aos outros. Nesse sentido, numa dimensão política, o
orçamento é uma limitação do poder executivo de modo que o gestor não pode arrecadar do
que ou quanto ele quiser e também não pode gastar naquilo que bem entender. Portanto, cabe
ao poder executivo a preparação anual dos projetos de leis orçamentárias, as quais serão
encaminhadas para apreciação e votação pelo Congresso. O Congresso Nacional terá como
responsabilidade deliberar sobre tais leis e proceder à fiscalização, à medida que é ele o poder
responsável por representar a coletividade.

Geralmente, em projetos de iniciativa do executivo, como o orçamento, não há


possibilidade da existência de emendas parlamentares, isto é, inserção de novas matérias,
institutos ou cláusulas. No orçamento (Lei Orçamentária Anual – LOA), porém, é possível e
necessária tal possibilidade dada a própria natureza autorizativa do orçamento.

O artigo 166, §2º a 4º da Constituição da República Federativa do Brasil tratam das


emendas parlamentares ao orçamento. As emendas poderão ser utilizadas para trazer algum
novo gasto ou corrigir algum trecho textual, valor, etc, desde que compatíveis com o Plano
Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Ademais, existem dotações que já foram
feitas para serem anuladas ou substituídas por emenda, isto é, que já abrem espaço para tal.

Nesse interregno, as emendas constitucionais nº 86 de 2015 e nº 100 de 2019


estabeleceram as chamadas emendas parlamentares impositivas. Alteraram substancialmente
o artigo 166 da CF/1988 e acresceram-no. Estas podem ser individuais ou de bancada e são
aquelas de execução obrigatória durante o exercício financeiro. A tentativa era extinguir a
postura do executivo de não alocar determinado recurso para certas matérias ou interesses a
não ser que o parlamentar atendesse a determinadas exigências de aprovação no Congresso.
Tentou-se, assim, diminuir a manipulação.

A medida, no entanto, foi verificando-se ao longo dos anos como complicada pois é
quase impossível que haja um ano em que o orçamento é integralmente executado. Diante
disso, instituiu-se o impedimento de ordem técnica, segundo o qual a impossibilidade de
cumprimento da emenda impositiva permitia a sua substituição.

Após, instituído o chamado orçamento secreto, objeto de análise a seguir.

O ORÇAMENTO SECRETO

A transparência, ao lado da legalidade, é um corolário do Estado Democrático de


Direito e é inerente ao orçamento público. O artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF) assegura a transparência em duas vias: (i) pela disponibilização, ao público, em meios
eletrônicos, das versões completa e simplificada das leis orçamentárias, (ii) bem como das
prestações de contas e relatórios de execução orçamentária e gestão fiscal (PISCITELLI,
2022). A despeito disso, desde 2020, o orçamento secreto, assim chamado pela imprensa a
partir da reportagem veiculada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, tem sido grande alvo de
críticas por vilipendiar, ou melhor, ignorar o tão prezado princípio da transparência.

Também chamado de emendas de relator ou RP 9, em suma, o instituto surgiu no


interregno da implementação do explicado orçamento impositivo, e confere ao parlamentar
que for relator daquele orçamento o direito de apresentar emendas para despesas que
deveriam ser priorizadas pelo executivo (PISCITELLI, 2022). Tais emendas, constaram na
LDO de 2020 e 2021 e, apesar de públicas, contavam com pouquíssimos mecanismos de
controle.

Decerto, é importantíssimo para o presidencialismo já explicado poder legislativo na


elaboração orçamentária, fazendo parte do processo, em qualquer democracia, a negociação
política. No entanto, conforme defendem Paulo Hartung, Marcos Mendes e Fabio Giambiagi,
esse processo deveria obedecer a alguns requisitos:

1) não comprometer a qualidade do Orçamento; 2) atender a uma lógica coletiva; e


3) ser objeto de escrutínio público. Nenhuma das condições está sendo obedecida
atualmente. (HARTUNG; MENDES; GIAMBIAGI, 2021)
Quanto ao comprometimento do orçamento, em setembro de 2021, as emendas já
estão tomando cerca de 15% de toda a despesa de livre alocação do Orçamento. No tocante à
lógica coletiva, foram denunciados já vários casos de gastos completamente desvinculados
dos interesses difusos como a compra de tratores e instrumentos agrícolas a preços mais do
que 200% mais altos através das emendas de relator. Quanto ao escrutínio público, nesse
sentido, também há uma dificuldade imensa pois foi autorizada a aplicação desses recursos
por transferência direta, sendo quase impossível um controle de fato.

A REALIDADE ORÇAMENTÁRIA BRASILEIRA

Desde a emenda constitucional que estabeleceu o teto de gastos, em 2016, precisou-se


passar a escolher de onde os recursos deveriam ser retirados, pois, a partir disso, se quisesse
aumentar o gasto na área A, por exemplo, deveria-se diminuir o gasto na área B, e vice-versa.
A discricionariedade do executivo quanto aos gastos, assim, já vinha diminuindo. Dessa
forma, no Congresso, passou a ser muito comum um mecanismo para aumentar o seu poder
sobre o orçamento público: a captação de recursos orçamentários (HARTUNG; MENDES;
GIAMBIAGI, 2021).

Diante disso, o parlamento passou a caminhar em reformas tanto à Constituição,


quanto a outras normas, para que pudessem ter cada vez mais e mais acesso a esses gastos,
agora limitados, deixando-os à mercê do executivo. Tem o teto de gastos, portanto,
importante papel para o deslocamento de prerrogativas do governo para o Congresso.
Analisando as emendas aqui analisadas, pode-se dizer que o deslocamento se deu
principalmente pela maior facilidade de fraudes de desvios, dada a falta de efetiva
transparência. Destarte, as emendas de relator entram nesse grupo de medidas para captação
do orçamento.

Ademais, o atual presidente Jair Bolsonaro alega não distribuir cargos para ganhar
favores do Congresso, porém há quem aponte que essa ampliação sem precedentes das
emendas de relator em seu governo, transferindo o controle de bilhões de reais para
parlamentares seria a moeda de troca de seu governo. A diferença é a total falta de
transparência, em lesão a toda a sociedade brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O orçamento, portanto, tem caráter autorizativo, e por sua natureza material de ato
administrativo, é de iniciativa do poder executivo. O legislativo, porém, no exercício dos
freios e contrapesos, analisará tal orçamento, podendo apresentar emendas. Tais emendas
podem ser individuais ou de bancada (as quais são impositivas) ou podem ser de relator, as
quais são chamadas de orçamento secreto por ser difícil de identificar quem está por trás das
propostas e como de fato se dão, à medida que são feitas por transferência direta.
Portanto, apesar de haver a posição de que, antes, o executivo tinha maior
discricionariedade, antes também os parlamentares viam-se obrigados a adquirir cargos ou
ficar à mercê do outro poder para conseguir os recursos que necessitam para o exercício de
suas funções. Nesse sentido, viu-se que, a partir das emendas do relator, as fraudes poderiam
ser mais sutis, pela falta de transparência. Decerto, se as emendas do relator tiverem critério
igual dos individuais, será o fim do que resta de discricionariedade ao executivo. Contudo, o
modo como vem-se dando o orçamento secreto, não tem tido qualquer razão de ser
republicana e democrática, sendo, ao contrário, prejudicial à higidez das contas públicas e da
democracia.
Pelo seu volume e danos, provavelmente irreversíveis, à sociedade brasileira através
da alocação de recursos totalmente política, ou melhor, apolítica nas emendas de relator, mais
do que uma captação, o orçamento secreto é um sequestro de recursos orçamentários. Caso
não haja uma efetiva mudança desse sistema, o “resgate” pode ser alto demais.

REFERÊNCIAS

ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. Barueri: Grupo GEN, 2020.
E-book. ISBN 9788530990596. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530990596/. Acesso em: 04 dez. 2022.

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1997.

GIAMBIAGI, Fábio. HARTUNG, Paulo. MENDES, Marcos. As emendas parlamentares


como novo mecanismo de captura do Orçamento. Conjuntura Econômica. Setembro, 2021.
Disponível em:
<https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rce/article/download/84801/80249>. Acesso
em: 04 dez. 2022.

PIRES, Breno. Orçamento secreto bilionário de Bolsonaro banca trator superfaturado em


troca de apoio no Congresso. O Estado de São Paulo. 08/05/2021. Disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-cria-orcamento-secreto-em-troca-de-
apoio-do-congresso,70003708713>. Acesso em: 04 dez. 2022.

PISCITELLI, Tathiane. Direito Financeiro. Barueri: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559772995. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559772995/. Acesso em: 04 dez. 2022.

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