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DIREITO GIVIL PORTUGUES

I
PARTE GERAL

Broprlodarla e odi(8u tlo niirt<ir

COIMBRA
IMPRENSA I>.\ IINIVI:RSII>.\I>E

1W.í
Liqaes feitas na Universidade
de Coimbra ao curso da terceira
cadeira da Faculdade de Dgreito
de 190 7-1908.
LIVRO I

Do direito objectivo
CAPITULO I

Noções fundsmentaes

1. - Orlgem do phenomeno jnridico.


Animal politico, n a celebre e Iiiminosa expíessiXo
de Aristoteles, o liornem tende, naturalmente, a
associar-se aos seus semelhantes, inipellido, como
6 , pelo instincto de prover, com o menor esforço,
ás varias necessidades da vida.
Abstraliindo da, evoluçSio dos sentimentos sexuaes
e das relações de parentesco, que determinam o
priiiieiro esboço de nggregaçAo societ,aria e que
podem estender-se ate dar logar á formaqão de um
vercladeiro grupo social, apresenta-se, como prin-
cipal facto gert~dor das primitivas comniunida-
des (I), a cònsciencia da insiifficiencia da força in-

(I) Divergem os sociologos quanto ao facto gerador das


sociedades humanas. Os factores iiivocados a l o de natureza
diversa: physicos (raça, meio physico e geographico), bio-
lògigicos (symbiose ou solidariedade organica, psychismo
eocial, adaptação, gregarismo), econoinicos (evolupão eco-
noinica), psychologicos (condi<iões externas da população,
dividiial e o reconhecimerito da necessidade de,
en-i beneficio communi, fundir e disciplinar a s acti-
vidades singulares.
Attrnhidos os individilos á vida em commum, o
aggregado vae-se constituindo e robustecendo gra-
dualrriente, pelo tlesinvolviniento dos sentimentos
sociaes e syiiip;xtliicos ; e comprehende-se como
devani os irieiiibros do grupo, pela necessidade de
miltiia cooperaç50, :~daptar-sec perder successiva-
mente parte da propria liberdade, pois que n a so-
ciedade liiini:tria, como ein toda a aggregação na-
tural, a integra(;;lo exige o sacrificio da parte de
autonomia indiviílual riecessxria á foririaqRo do
grupo (1).
Por iini processo de abstracção, chega a conce-
ber-se o dever de, liniitando a propria actividade,
ii%oinvadir a espliera da actividade allieia, estabe-
lecendo-se unia especie de equilibrio n a actividade
dos individiios no seio do aggregado. Mais tarde,

consciencia da especie, contracto, imitaçlo, synergia eocial).


Vej. Palante, Pvécis de socioloyi+,, I !?Ol, pag. 38 e segg.
(I) Sobre a origem e evoliipiio dos sentimentos syiiipa-
thicos e sociaes e genése da consciencia jiiridica -veja-se
D'Agiianiio, La gene.si e I'eaolrizione de1 diritto civiie,
1890, pag. 97 e segg. e 129 e segg. ; Letourneau, L'Luo-
lution ju~idiqzie duns lrs tliverses r-uces huntuines, 18!)1,
pag. 21 e segg.
este eqiiilibrio, saindo dos limite$ do grupo, vem
a estabelecer-se entre conimunidades successiva-
niente mais largas e comprehe~isivas.

Assim, as condições da* coexistencia, determi-


nando esta limitação tle nctivitlades, veni originar
R ideia do que 6 coiifornie e tlo que Q contrario As

necessidades da vida social e o sentiniento correla-


tivo. E ílitin~do,pela siiccessiva manifestação d'este
sentiniento diiplanieiite representativo e ego-alte-
ruistico, como diria Spencer ( l ) , se vein a conceber
uin iriodo de coudiicta com que todos se devem
confornlar, sni.ge a ideia do dil'eito.

2. -Primitiva confnsão das normas da vida so-


cial ; nua posterior differenciaeo.
A cziialj-se das socicdticles liumanas, que attingi-
ram iiiii ~ ~ : Lelevado
I I de civilisaçrio, mostra-nos a
coexistencia de varias especies de normas de con-
dl~cta,distinctas pelos seus caracteres e pela sua
fuiicçrio, e traduzindo o principio fiindamental da
divisão do trabalho. NEo assini nas sociedades pri-
mitivas, ciii que, na, massa liomogenea de regras
sociaes, na incerteza nebulosa (10s costiiiiies, appa-

(1) Principes de psycologie, trad. par Ribot et Espinas,


1875, t. Ir, pagg. 605 a 660.
DIB.,3.. CAD. 2
10 DIREITO CIVIL POHTU(;IU&Y

recem confundidas normas respeitantes 4 religião,


á moral e ao direito.
A natiireza, o homem e Deus apresentavam-se
Ct intelligencia do homem primitivo em tima syn-
tliese confiisa : para elle, a natureza B lima revela-
ção exterior da divindade e esta não é mais do que
o espirito que anima e rege a natureza universal ;
a pessoa humana ora toma para elle as proporções
de uma divindade, como o antigo pater-famiZic/s,
ora, parece a personificaç~ode uma determinada
força natnral. As forças natiiraes são por elle syxn-
bolisadas ein outras tantas divindades e a divin-
dade, por seu lado, revela-se em cada phenomeno
da natureza.
Assim, o direito primitivo se, por um Indo, reflecte
a violencin das paixões desenfreadas, que então
%

dorninain, por outro lado apparece circuiiidado por


uma aur6ola religiosa de reverencia e respeito e
promiilgado como uma palavra divina, como um
EISmysterioso, inaccessivel ao vulgo (I).
Fundidas na mesma unidade material e formal,
aquellas varias normas foram-se, pordm, gradual-
mente differenciando e especialisando, por fórma
a sci~idirerii-seem grupos, cei.tatueiite affins quanto

(1) Veja-se Von Ihering, L'esprit du cliqoit vonlciitb rlu81s


les diuerses phases de son déveioppo)zent, trad. par 0. dr
Meulenaire, 1886, t. I, pag. 266 e segg.
ao intuito geral, xnas differentes pelo caracter, pela
estructura, pela esphera de acção, pela funcçgo
especifica e differencial que exercem e pela garan-
tia que as defende e actúa.
Assim é que, na sociedade civilisada contempo-
ranea, vemos, ao lado das nornias religiosas, que,
prescriptas pelas auctoridades religiosas ou eccle-
siasticas e garantidas pelo poder da divindade,
carecem de conteúdo especifico e delimitado, as
normas moraes, cuja observancia é garantida ex-
clusivan~entepela consciencia publica ou indivi-
diial, e as normas juridicas, cujo cnracter especifico
reside em serem reconhecidas e applicadas coacti-
vamente pelo Estado, mediante org8ios proprios.

3. - Moral e direito.
Precisemos os caracteres distinctivos das normas
moraes e juridicas e as relações entre ellas -pro-
blema que, no dizer de Von Ihering, represen;ta o
cabo Horn da philosophia do direito. É que, na
verdade, não s6 hn uma, semelhança innegavel entre
as normas rrioraes e juridicas, pois que ambas tra-
duzem regras de coiidiicta obrigatorias, mas at6 se
confunde parte dos respectivos doininios (1): as

(1) Bentham escreve que as prescrippões juridicas se


podem representar por um circulo inscripto no circulo
maior dos preceitos da moralidade. Pelo contrario Fichte
l? DIREITO <:lVIL I>OI{'I'UOU&~
--
+t----- - -

regras juridicas, por exemplo, que estabelecem


sancções penaes são, siniultaneainente, principios
de moral.
Una e inde~om~onivel, tanto no seii processo
interno como no externo, 4 a acçRo Ilumaria; e,
assirii, não basta affirmar-se o caracter externo do
direito e o interno da moral, porisso que se a moral
se refere, principalmente, d intenção e o direito
respeita, particiilarmente, A a c ~ ã o certo
, 6 que tain-
bem ayuella se estende á acção e este comprehende
a iiitenção. (Uma e o u t ~ onão podem, diz Mira-
glia ( I ) , como ramos da etica, contradizer a siia
origem e abstrahir inteiramente da acção ou da
intenção . J

E não se póde fazer consistir a distincção entre


a moral e o direito no cnracter negativo das nor-
mas nioraes e no caracter positivo das normas jii-
ridicas, como pretendiam Kant e Spencer (2), por-
isso que, se reduzirmos os principios da conducta
social ao principio do respeito miituo, da retribui-
ção e da assistencia reciproca, como fazem, em

propiigna theoria diarnetr;~liiienteopposta, siistentando que


mora1id:~dee tlirrito silo terinos antitheticos. Vej. Marche-
eini, I,n teovici dell'zitile, 1900, pag. 136 e segg.
(1) EilosoJ'iu de2 d i r i t t o , 1903, t. I , pag. 115 e segg.
(2) Veja-se D'Aguanno, Lu JilosoJiu etica-giuridica dz'
Kant e Spencel; 1895, pag. 5 e segg.
geral, os escriptores, teremos de concluir que o
anibitu de efficacia do direito coincide quasi intei-
ramente com a orbita de acqão das nornias de res-
peito reciproco e de retribniçiio e os limites da
moral são circuniscriptos qnasi absolutamente pe-
los limites do principio da reciproca assistencia.
Podemos, entretanto, com Groppali (I), indicar
como caracteristicas differenciaes das normas mo-
raes e-jiiridicas :

a) a indeterminaçslo dos preceitos moraes e a


determinação dae regras jiiridicas. De facto,
emquanto n'estas são rigorosamente deter-
minados tanto o Estado, que impõe coacti-
vamente as norinas, como o juiz que as
applica e o processo a seguir, nos preceitos
nioraes, ao contrario, tudo é abandonado á
opinião publica e ao juizo da consciencia
geral, que, producto dos elementos mais
heterogeneos, nunca 6 iinivoca e concorde.

b) ,z iiiiilntei-alidade das relações'eticas e ,z bi-


Iateraliliade das relações juridicas. Como
norma de garantia dos interesses funda-
iiientaes da sociedade, o direito, eniqixanto,

(1) I caratteri diferemiali ddla moral.ità e de1 diritto,


1901, prigg. 173 e segg.
por iim lado, impõe obrigações, por outro
concede e protege interesses, faculdades e
pretenções, chamadas direitos siibjectivos,
ohrigações e faculdades que reciprocamente
se condicionam, constituindo um binomio
inscindivel. T a l a, obrigaçiio iniposta aos
paes pelo codigo civil de dar a seus fillios
os necessarios alimentos e occupação con-
veniente, conforme as suas posses e esta-
do (I), que presuppõe nos filhos o direito
sul~jectivocorrespondente.
Contriii.iamente, as prescripções da moral
s%o unilateraes, porque, impondo deveres,
não protegem alheias pretenções e exigen-
cias. Assim, os deveres affectivos entre paes
e filhos (2) permanecem sempre dois deve-
res entre si inconvertiveis, sem suscitar o
co~brelatum de um egiial direito, de uma
pretenção exigivel.

c) a, diversa obrigatoriedade das normas nioraw


e juridicas. Ambas traduzem, como disse-
mos, regras de conducta obrigatoria, mas,
ao asso que a coacção exercida por meios

(1) Cod. civ., artt. 140.' e 2379.O. Vej. tambem os


artt. 148.' n.' 2.0 e 224.' n.' 7 . O
(2) Vej. Cod. civ., artt. 142.' e 143."
externos caracterisa o direito, a moral não
impõe, por tal fhrma, os setis preceitos: B
uma norma obrigatoi.ia pela coacçfio intima
que a aconipanha, nitts seni que a nenhiiiii
poder externo, a nenhum orgão especial in-
cumba fazer a todo o custo respeita-la. A
obrigaçao moral iniplica uma relação entre
a lei moral e a vontade do agente, mas re-
laça0 piiraniente interna.

d) o differente grau de protectividade das normas


nioraes e jiiridicas. O direit,~,cnja funcção
social protectorn 13ovio (1) põe em relevo,
constitiie a parte central da vida social:
recorrendo, quando necessario, It coacção,
elle constitiie aquelle vinculu~n humanae
societatis, de que falla o Dante, obrigando
todos os individiios a obedecer a uiiia lei
que poclei'ia dizer-se, ~iniultaneament~e, de
gravitação e de proporçiio social. \A nioral
desempenha uma fiincção perfectiva, atte-
nuando os attritos derivados dos interesses
em conflicto, evitando que sc recorra A ul-
tima ratio da força coactiva do poder para
fazer respeitar uni direito e exercendo uma
pressão doce, mas eficaz, sobre as deternii-
ilações da vontade.
--
(1) FilosoJia de2 diritto, 1885, pag. 216 e segg.
4. -A coacção como elemento do direito.
Intencionalmente destachmos para este logar daa
caracteristicas differenciaes da 11ior:~le do direito
a coacçno, que para a maioria CIOScsciiptores con-
stitue, precisalilente, a raz;hio precipun da distincçiio
entre as normas nioraes e juridicas (1).
ConstituirB, de facto, a coacçso, a sancção do
Estado, pela qual elle reconhece e applica mediante
um orgão especial uma determinada norma de di-
reito, a condiçno imprescindivel d a sua existencia
differenciada do ethos amorpho?
Nilo o cremos. A força, especifica inherente á
nornia juridica concretisa-se, como agiidame~ite
nota Vanni (2), eiri dois niomentos differentes:
n'um revela-se como f o r g a psychica, doutro conio
f o - a physica, como coacçiio.
Sempre, implicita ou explicitamente, aconip;x-
nhads de sancq80, a norma juridica coulpreliende,

(1) Veja-se, n'este sentido, Chironi e Abello, Trattato di


dirz'tto civile italiano, 1904, t . I , pagg. 7 e 8 ; Von Ihering,
-Der Zweck h Recht, 1893, t. I , pag. 320 e segg. ; Siotto
Pintor, I1 I-innovamento sn'entijco de1 cocci detto diritto in-
ternazrionule, 1900, pag. 16 e segg. Indecisamente, adhere
a esta doutrina Cogliolo, FiZosoJiu de1 dirittoprivato, 1891,
pagg. 29 e 30.
( 2 ) Lezioni d i filoso$a de1 divitto, 1904, pag. 97 ; Dii-
guit, L'Btat, le d ~ o i toyectif et lu loi positiue, 1901, t . r,
pag. 114 e segg.
L 2 .
r. - QBBAL 17

aléni das disposições que constituem a substanci,a


do iniperativo, disposições que estabelecem as con-
sequeiicias emergentes da eventual violaçito da
inesnia nornia. Quer pelo motivo, essencialmente
egoista, do temor da sancçno, quer por motivos de
caracter eniiiieritemente social (como o respeito pela
auctoridaiie que ciictou a norma, o sentimento e o
habito clo respeito espontaneo da ordem jiiridica, o
sentiniento da sociabilidade, etc.) (I), o preceito
cumpre-se, normalmente, independentemente da
coacçso ; e, só quando a forqa psychica -a garan-
tia psyclio-social, de que falla Iellinek (2), se mos-
tra insufliciente, se affirma a nornia juridica, em
um segundo nioniento, corno.forçsi physica ou me-
chanica, para constranger ao cumprimento da pre-
scripç5o da iiornia ou para fazer soffi*eras conse-
qiiencias da, sua violaçiio.
A concq%o ~rfectivaniio 6 , pois, elemento essencial
e cnractei~isticadifferencial do direito, mas a pos-
sibilidade eve)ttunl da coacçno.
Derilnis, se a falta do reconliecimento e da appli-
caçiio por parte de um orgiio do Estado implica que

(1) O proprio Von Ihering (obr. cit., t. r, pag. 368)


falla do seqatimento do direito (Rechtsgefiihl) como garantia
do direito. Ngo corresponde esta garantia, precisamente, 9,
sancçf o psychica ?
(2) System des suhjektiven Gfentlichen Rechte, 1892,pag.12.
DIB.?3.8 CAD. 3
o direito ainda não attingiu o ultimo estadio de
evolução e ainda n8o adqiiiriti todos os Retis cara-
cteres differenciaes, n8o impede que elle, enibora
em incompleta formaç%o,jfL exista.
E muitas regras existem mesmo que, consagra-
das :to menos implicitamente pela lei positiva, longe
de serem sanccionadas por meios de coacq;"lo t 1 i i . c ~ -
ctos e iriateriaes, não têm, na realidade, seiiGo i i i i i a ,
sniicqiio por via de coacção psycliologica. N'este
caso :ts leis penaes. E, porque o Estado n5o póde
dirigir-se a si mesmo, foririiilando regras acoriil):i-
nliadns de sancção coactiva, as leis constitucionaes
organicas -supremne Zeges --deixariam de ser nor-
mas de direito.

5. - Funcgno cspeciflca c10 direito.


A furicção especifica da nornia juridicn é, na
expressiio tecliriica, ftincqão de garantia.
Longe de se 1iiiiit:tr a exercer uma fiincç8o
purarriente negativa o i i limitadora, qual é a de
proliibir lesões, o (liroito é tambein, na sua retili-
dade viva, principio rle integraç'iio reciproca entre
os individuos, inipoiido a siiboi.dinaçEo de cada
um aos outros e ao todo organisado.
No primeiro caso, o direito, prohibindo actos
pertiirbadores da espliera d a actividade alheia,
actos que impediriam aos oiitros a realisação de
seus fins, a manutenção de certas condições de
I; -PARTE OERAL 19

vida, prociira garantir o cnmprimento d'estes mes-


mos fins; no segundo, iinpoiido ,z execuç8o das
prestações dependentes da reciprocidade contra-
ctual, o direito tem em vista impedir lesões e, por
consequencin, proctirn ainda garantir a reaiisaçgo
de um detern~inadof i i i i .
Assim, impondo qne a nc+o de cada um se co-
ordeiie coiri os fins dos oiitros e da sociedade, o
direita vim senipre d das condipes de e;cis-
teecia e clcsi~~vo12;imento do individuo e da sociedade.
13ra j!l a, c~oiiccpç%ode Dnnte : #jus cst redis et
personalis I~ominis ud hominem proportio, quae ser-
~ u t a honzinuna
, servat societatem, et corrupta corre~m-
pit n.
0. - D i v i d o do direito :direito natural e posiflvo.
Prendendo-se, pelas stlm raizes remotas, ás dou-
trinas de Socrates e Aristoteles &cerca das (leis
não escriptzls, que eiii toc1:i n parte vigoram, e que
procedein de Deiis)), a coi1cepç:"lo do direito natu-
ral -da veva lex, de Cicero -, em opposição ao
direito l~ositivo,isto 6, ao direito objectivo consti-
tuido e111 lei pelos conipetentes orgiius do Estado (I),

( I ) C'apitaiit, Int~oductiond l'étude d z ~droit civil, 1904,


pag. 8. Sobre o conceito do direito objectivo : Eianchi,
B i n c i p i i generali delle legyi, 1888, pag. 5 e segg. ; Scia-
loja, I1 diritto positivo e léquità, 1880, pag. 21 e segg..
dominoti na philosophia do direito nos seculos XVII
e XVIIT. Partindo da ideia de que o direito B um
prodticto da raz:io humana, independente do meio
social ein que deve vigorar, os jiiriscoiisiiltos da
escola do direito natiira1 ensinam que acima das
legislações positivas existe iini clireito ideal, con-
stituido por iim conjuncto de 1)rincipiosimmutaveis,
permanentes e uiiiversaes, especie de niodelo, do
qual o direito positivo 6 apenas uma imperfeita
reproducçiXo.

Mas esta constriicç~oracionalista do direito, que


chegava ao subjectivisnio puro e siml~lcs,e que
tão decisiva influencia exerceu sobre n organisa-
@o dos codigos dos principios do seculo findo,
caliiu perante a concepção evolucioiiista da escola
liistorica (historische Schule). Para os cliefes d'esta
escola - Savigny, Hugo, Piichta -, o direito 6
i i i i i producto não do raciocinio mas da liistoria ;

n;isce das condições economicas e das aspirações


de cada epoclria, da lucta das classes para a defesa
dos seus interesses divergentes. O seu desinvolvi-
mento, longe de ser arbitrario, Q, de algum modo,
necessario : realisa-se eni harmonia com as tradi-
ções e os costumes do povo, transformando-se in-
cessantemente, insensivelmente, como a propria
lingua.
Cliegando n conclusões excessivas, como a de
I. -PARTE GERAL 21

que a criaç8o do direito era puramente ailtoma-


tica e subtrahida & vontade do homem (I), a escola
liistorica - r escola de scepticismo disfarçado 'com
um nonie novo D , como escreveu Gabba (2), não
conseguiu, pordm, eliminar de todo o conceito do
direito natural, que reappareceu, sob uma nova
fórma.
O direito natural passou a ser constituido por
um pequeno iiuniero de masimas, fiindadas na
eqiiidiitle e no boin senso, que se iinpõem ao legisla-
doi., e segiiiido as qiiaes a obra legislativa poderá
sei. apreciada. O direito natural não 6, diz Planiol(3),
a 14, neiri o idcal da lei: 6 a regra suprema da le-
gisla~%.
constituido por principias superiores & lei,
que inutil seria formular em artigos de direito
positivo.

(1) Sob este aspecto, os partidarios da escola historica


approxiinavain-se do B;iiii, Stuart Mil1 e Spencer, que, ad-
inittindo a oninipotencia do legislador, sustentaiii, todavia,
que o povo 6 puramente inerte, passivo na obra legisla-
tiva, tendo nina consciencia moral e juridica puramente
r~flexa. Vej. De1 Vecchio, I preszcpposti j2osoJici della
t/ueiojic d ~ diritto,
l 1005, pag. 31 e segg.
(21 I/ztorno ad ulcuni più generati problemi della scienza
soriale, 1876, t . I , pag. 21.
(3) Traiti élémentuire de droit civil, 1904, t . r, pagg. 3
e 4.
222 DIREITO CIVIL PORTUUU&~

Contra esta concepçgo metaphysica dos princi-


pios superiores do direito levantou-se a maioria dos
escriptores, contestando uns a existeiicia do direito
natiiral (1),e pretendendo outros ver n'elle as ideias
ou principios fundamentaes que inspiram e dirigem
a orga~iisaçãojuridica, ou, no dizer de Saleilles (2),
o systema de principios qiie deve orientar o legis-
lador na organisaç80 das leis destinadas a realisar
o ideal de justiça proprio de cada sociedade. N'este
sentido comprehenderia o direito natural todas as
instituições juridicas exigidas pelas necessidades
sociaes e ainda não tradiizidas em direito positivo.
Em tal concepção, a distincq80 entre o direito e a
niornl corresponderia, ~pproximadaniente,B dis-
tincção c1:tssica do direito jti coiistitiiido em lei
(de juve constituto) e do direito que I-epresenta em
un-ia dada sociedade airida unia aspiraçNo a coii-
verter-se eni direito positivo (de ju1-Cconstituendo).

7. - Coiitinunqiio : direito pnblieo e pi.ivailo. -


Subdivlaõea.
Distincção f~indamentaldo direito positivo B a

(I) N'este caso o Sr. L)r. Guilherme Moreira, Insfitui-


ç3es clu rlireito civil poj-tt~gzi28,liv. I, pag. 2.
(2) kcole l~istovipueet droit nuturel, apud Reoue t r k e s -
trielle de droit civil, 1902, pag. 81 e segg.
I. -PARTE GERAL 23

qiie o separa em publico e privado, distincçgo j6


traduzida na passagem de Ulpiano :
c H'tgus studii duae sunt positiones, publicum et

p.1-ivaium. Publicum jus est, puod ad statu~nrei Ro-


manae spectat, privaturn yuod ad singulorum utilita-
tem pertinet D (1).
Tem esta distiiicç80 graiitle impoi.tancia jiiridica:
bastaria a regra -jus puólic.um privatorum pactis
mutari non potest -(2) para mostrar qiie em todos
os contractos (nupciaes, successivos, comnierciaes,
etc.) 6 necessario exaniinar a que especie de nor-
mas legaes as partes preteriderani substituir as
proprins disposições.
Tein esta separaçRo scientificd fiindaniento ?
Qual a nota especifica de taes direitos?
l'rescindi'ndo de algiimas distincções feitas pelos
juristas allemães e que, n2o obstante o seu valor
iiitrinseco, nRo sao de acceitar eni face da nossa
organisação juridica, destacaremos, dentre os nu-
merosos criterios distinctivos propostos pelos es-
criptores :

a) criterio do s ~ ~ j e i do
t ~ odireito: o sujeito do di-
reito privado é um particular ou uma pes-

(I) Fr. 152, D. de just. etjlcre, I, 1; a 4, Inst. de just.


et jure, I, 1.
(2) D., 11, 14,38.
soa collectiva privada ; o do direito publico
6 ou o Estado oii outra pessoa social adini-
nistrativa. Mas, aldm de extrinseco e formal,
este criterio não corresponde á realidade
objectiva d a vida juridica, visto qiie nRo s6
um particular póde ser sujeito de diieit,o
publico (v. g., direito de siiffragio), iiias
tambem o Estado o pbde ser de direito 111.i-
vado, como succede quando realiba :Ic*tc> s
de gestão patrimonial (1).

b) criterio do objecto da pr.etenção juridica, se-


giiiido este objecto consiste em unia utili-
dade patrimonial (direito privado), ou 1120
patrimoni a1 (direito publico). Tambem tal
critesio B contrario á realidade: se nem
sempre o caracter não patrimonial do 01)-
jccto da pretenq50 juridicn implica a exis-
teilcin de uma norma de direito piiblico (2),
tninbeni não podemos affiivmar que o cara-
cter putrimonial do mesmo objecto pise-
siipponha iiêcessarianiente a existencia de
normas de direito privado (V. g., direito
tributario).

(1) Vej. .Cod. civ., artt. 3.O, 37.O, 382." # i i i i . , 516.O,


906.0 n.O 1 . O
(2) Vej., por ex., Cod. civ., nrtt. 137 e segg.
c) criterio da acção oii das consequencias jiiridi-
cas do direito: pertencem ao direito privado
as normas a que compete uma acção pri-
vada, constituindo objecto do direito pu-
blico nu normas cuja violaçiio é reinovida
mediante lima acçno publica exercida pelo
Estado.
Mas facil Q de ver que se considera.
assim, coiiio antecedente, o que Q similes-
mente o conseqiiente, porissíb que s natu-
reza privada ou publica da acção depende
precisamente da natureza publica oii pri-
vada do direito.

d)criterio do fim das normas juridicas ou seja o


criterio ronianista da utilidade. Segundo
esta theoria, no direito piiblico o todo, isto
6, a sociedade politicamente organisada,
apreaenta-se corno fim, emqiianto no direito
privado O fim reeide no iiidividuo.
t Se uma certa relaçiio juridica, diz
d'bguanno (I). se refere ao rnodo de ser
ou de funccionar do organismo social, ou
essa relaçlo seja iniciada pela actividade
do individiio, Estsdo oii administração pu-

(1) Obr. cit., pag. 690 e segg.


DIH.,3: CAD.
blica, estamos no dominio do direito publico;
se, porventura, essa relaçgo se refere dire-
ctamente a interesses individuaes - quer
os indivíduos a que pertenceni esses inte-
resses sejam individualidades physicas ou
moraes, quer administrações privadas. en-
contranio-nos na esphein do direito p a i -
vado 3 .
Senielhante criterio incorre no vicio de
abstrahir do elemento da obrigatoriedatle.
absolutamente inseparavel do conceito cle
organisaçito politica : não lia i elaqiio d e di-
reito publico que não implique a relaçffo
de imperizm e: correlativamente, de subor-
dinação. Ora, qiiando o Estado realisa
actos de gestso, enibora tenham por fim
o Estado, :-is rel;tç<les iiiridicas que d'elles
procedeiii são, como já notiirnos, relações d e
direito privado.

e) criterio que attende ao caracter voluntario (11 9

direito privado e obrigatorio do direito pu-


blico. Contrariamente a este, o direito pri-
vado seria. essencialmente alienarei.
Argumento que, parcialmente verdadeiro,
nito 4, todavia, decisiro : tambem o direito
privado póde ser esseiicialmente inaliena-
vel e obrigatorio, v. g. o direito de faniilia.
I. - PARTE GERAL 27

Reconhecendo a impossibilidade de um criterio


escli~sivo-formal ou substancial -de distincção
entre o direito publico e o direito privado (I), os
escriptores prociiraram fundamenta-Ia na natureza
do sujeito da relação jiiridica e no objecto ou na-
tureza, d'essa relaçiio.
Assim, enteiide-se por direito publico o que de-
tei.liiiria e regula a organisação do Estado e de
suas fracções orgrtriicas e as suas relações com os
\
iiidividrios na sua qualidade de cidadãos, isto 6 ,
(:arrio membros do Estado ou d'aquellas fracções

organicas ; e por direito privado o que regula a s


relaçCies sociaes dos individuos considerados como
particulares, e a.s das .entidades sociaes ou corpo-
raçoes quando considemdas tambem coirio parti-
c~ilsres(2).

(1) Pretendendo apresentar rim criterio de distincçÃo


vdrdadeiramente objectivo e intrinseco, Jellinek e Vanni
fizeram consistir tal criterio em que no direito privado o
fim garantido i: predominantemente e immediataiente pri-
vado, emquanto no direito publico esse fim 6 predominante-
inunte yublivo, isto 8, fim da coininunidade organisada em
Estado. Basta o adverbiu p~edominantementepara destruir
- o criterio que se propõe. Vej., para o desinvolvimento
d'esta doutrina, Orlando, P ~ i n z otrattato completo d i diritto
umministrativo italiano, 1900, t. I , pag. 124 e segg. ; Sr.
Dr. Abel Andrade, Commentario ao codigo civil português,
1895, pag. cxrv e eegg.
(2) Impugnando o valor theorico e pratico da divislo
*
28 VIREITO CIVIL POR'I.UGU~S

As normas d o direito publico scinderri-se e m


v a r i o s ramos: assim, o direito pelo q u a l #e consti-

geral do direito em publico e privado, Van Beniinelcn


(Nocionea fundamentales dez dwecho civil, trad. de h'av:ii.ro
de Palencia, 1901, pag. 109) procurou agrupar as diffe-
rentes partes do direito, sob o ponto de vista theorico do
objecto da relaçlo juridica, pela fiirma seguinte:
1) direito ilidividtral (nto economico);
2) direito de faniilia e de protecqfio (não economic.oj;
3) direito econoiliico (relativo aos individiios e tis insti-
tiiições familiares e de protecçgo);
4) direito social ;
6 ) direito politico.
Tomando como base a funcção propria do direito - ga-
rantia das coiidiç8es de existencia e desinvolvimento da
sociedade, o Dr. Garcia (Apontamentos d'alyumas ZigTes d~
sciencia politicu e direito politico) dividiu o direito em
politico, economico, administrativo, moralbadw oii penctl,
em correbpondencia com as condições d e formnçto, con-
stituiçio e renovaçlo da sociedade (yolitica), de vitalidaclr
ou nutrição (economia), de conservação e persistt-11ti:i
(administraç%o), de aperfeiçoamento (moral) e de garttiitiii
(direi to). I

O Sr. Dr. Affonso Costa (LiçOes de 09.ganisaçaojudicia-


riu, 1508, pag 5) divide o direito em econm~ico,fantilial;
adnziltist7.ativo r politico, em harmonia com as quatro scien-
cias sociaes concretas: economia (sustento e reparaçlo das
sociedades por meio da preparaylo, circrilaçto e emprego
das iitilidades), sciencia familiar (estructura e vida da fa-
i~iilia),adrninistraçto (sstructura e vida dos organismos
r. -PARTE GERAL 29

tne o Estado, determinando-se as suas fiinqões


organicas, chama-se p l i t i c o ; o que regula o exer-
cicio d'essas funcções, administrativo; o que deter-
mina os factos offensivos das condições essenciaes
da ordem social (crimes) e os meios de defesa da
sociedade (principalmerite as penas), penal ou cri-
~ninnE;o que regiila a fórma por que nos tribiinaes
competentes se resolvem os direitos controvertidos,
processual.

O direito privado, regiilando, em principio, todos


os actos dos particulares, deveria formar uma

secundarios do ~ s t á d o ) ,politica (funcpElo de coordenapgo


e direcçgo de todas as actividades sociaes).
Em conformidade com a sua classificação de phenome-
nos sociaes, De Greef (Introduction d la sociologk, 1886,
t. I . pag. 158 e segg.) dividiu o direito em:
- 1) direito economico (commercial, industrial, agricola e
predial) ;
2) direito familiar oii genesico (casameiito e divorcio,
. paternidade e filiaçgo) ;
3) direito mixto ou successorio;
4) direito artistico;
5) direito scientifico e philosopliico;
6) direito moral e penal;
7) direito administrativo e piiblico interno;
8) direito internacional privado ;
9)-direito publico externo.
Vej. Roguin, La rwle de d r o i t , 1889, pag. 174 e segg.
massa homogenea e iinica. Conitudo, a diversidade
das relrtç8es de interesse particular, que pódem
surgir entre individiio e individuo, levou á siibdivi-
550 do direito privado - direito civil em sentido
-
lato (I) em ,direito civil propriauiente dito e di-
reito commer&l.
O direito civil ou direito privado commum tem
como instituições fundanientaes a capacidade civil
ou direito de personalidade, a fnmilia, os contra-
ctos, a propriedade e a s successõeri, sendo as iior-
mas constitiitivas d'estes tres institutos applicaveis,
salvas as excepções expressas na lei, tanto aos in-
divicluos, corlio ao Estado e aos oiitros tiggregados
@
socirtes, que, em relações jiiridicas d'esta natureza,
teem os niesinos direito8 que os individuo~.
E, porque, conio nota Thaller (2), o coniniercio

(1) A expressão direito civil Q a tradiicç80 dojus cicib


dos romanos, que, ein opposiçlo ao j u s gentitim - quo
omnee gentes utuntur-, designava o dirvito proprio de um
povo independente - quod quisque popuks &se sibi jits
consrituit IGtii~~s, Instit., I , 1).O conceito foi ~l~cces~ivarnente
variando, passando a designar, primeiro, o direito romano,
em opposiçiio ao canonico ou ecclesiastico, depois todo o
direito privado, e, por ultimo, apenas o direito privado com-
muna. Vej. Derriburg, Pandette, trad. de Cicala, 1906, vol. i ,
pag. 48 e segg. ; Land~icci,.Storia de1 diritto romano dalle
origini fino a Oiustiniano, 1887, pag. I8 1 e segg.
( 2 ) Daité é l é m t a i r e de droit commercial, 1904, pag. 3.
I. -PARTE GERAL 31

tem necessidade de regras juridicas e de institui-


ções favoraveis á rapidee das transaqGes e ao des-
involvimento do credito, criou-se para elle um di-
reito proprio -direito co~nmercial,o qual repre-
senta, relativamente ao direito civil, um direito
singular ou especial (1).
Aasim, não obstalite a noç80 legal do direiia
civil abranger, segundo o artigo 3.', do nosso co-
digo, as relações juridicas do commercio, o legis-
lador português separoii do direito civil um regi-
men juridico especial para o comrnercio, organi-
sando o codigo commercial (2).
E m sentido3estrict0, a expressão direito civil
n5o comprehende esse direito.

A classificação indicada n5o é extensiva exclh-


sivamente, á Iegislaç50 interna, propria de cada
Estado.
d lei de integração, como elemento determina-
dor da vida social, aoiriprehende, dizem Cliironi e
Abello (3), niio s6 a existencia e desiiivolvimento

(1) Nãa assim em todos os paizes: o codigo federal


suisso, que começou a vigorar em 1 de janeiro de 1883,
intitula-se das obrigações e do direito commerc.ia1. Pertence
ao mesino typo a lei federal sobre execuções e sobre que-
bra, de 11 de abril de 1889.
(2) Vej. Cod. com., artt. 1." e 2."
(3) Trattato cit., pagg. 13 e 14.
do8 individuos, mas tambeni as nssociações de in-
dividuss, qualquer que seja a aniplitude dos limi-
tes d a sua actividade : isto explica a necessidade e
a natureza do direito internacional, - e a sua dis-
tincção em publico e privado B . Aquelle regula as
relações que se c150 entre Est;rdos, coiisiderados
como unidades juridicas, coiii perso~r:ilid;tdepropria
(relaqões diplomatieas, tratados, conflictos, etc ) ;
este as relações eritre iiidividiios pertencentes a
nacionalidades diffei.ente,s, oil possuindo bens ou
tendo interesses em diversos Estados.

S. -C o i i t i i i u a ~ :direito univemal e particaiar;


cbommnni e singalar. Direlto individual
ou privilegio.
Porque a integraçgo na sociedade kuiiiana, longe
de se realinar de niodo uniforme e constante, varia
segundo as necessidades e condições peculiares da
sociedade em que se verifica, não podia o direito
- irieio especial de integrsçRo -deixar de reflectir
aquella diversidade de condições e necessidades.
Assirn, pois que, ao lado das condições de vida
social, coninliins a todo o territorio do Estado, ou-
tras ha q u e vilriam de localidade para localidade,
pode haver normas que devam applicar-se em todo
o territorio nacional (direito universal) e outras
que 8 6 sejam applicaveis a determinadas regiões
(diveito particufar). E, embora legitima a aspiração
de unificar o direito na sua spplicaçfo territo~ial,
como iiin dos mais poderosos meios de cohesilo do
ca/racter nacional, essa unificaçfo terá sempre a
contraria-la, se n%o a força das tradições jutidieas,
susceptiveis de apagar-se, a ordem natursl das
cousas, que o legislador n8o poderd alterar.

Tambem a situação especial de certas categorias


de pessoas e a natiireea de deterrriinadas relações
jtiridicas podem exigir, ao lado do direito commum
- constituido por normas juridicas applicaveis a
todas as pessoas e relações, desde que se verifi-
( I I I C I ~ ascondições por acjuellas detern~inadas-
regras singulares de direito, cujo caracter distinctivo
reside na derogaçso (ias nornias geraes fixadas pelo
direito cominum.
A existencia de um jus singuiare -- contra teno-
rem rationis - (I), que, para Pescatore (2), sáe da
esphera juridica, visto repousar sobre principios
de moralidade e utilidade publica, s6 pode justifi-
car-se quando seja deterlilinado pela utilidade
geral, a qual, exigindo que as a,ctividades indivi-
duaes sejain liarmonicameiite coordenadas, impõe

(1) L. 16, D. de Zeg., I , 3 : cizu &ing.nlu~c, quod contra


, .
anorem vationis p~optzlte~. utilitaten~azicto~itatecon-
aZiqz~cr?~l
stituentiunz introductunz est s .
(2) Logicu de1 diritto, 1885, pag. 115 e segg.
Dra., 3.8 CAD. 5
ao mesmo tempo que se estabeleçam normas juri-
dicas adequadas ás condições peculiares de cada
uma d'essas actividades. Longe de representar
unia infracção ao principio da egualdade, o direito
singular, quando determinado por considerações
d'esta natureza, ti.adriz aqiielle niesnio principio :
diversidade de condições, diversidade de garan-
tias (1).

Distincto do direito singular, que contém um


principio de caracter geral, applici~vela todas as
relações Juridicas em (pie se verifiquem as condi-
ções exigidas para n applicaqiio d'esse direito, é o
direito individual ou privilegio, tRo frequente no
nntigo direito (2), com que, ria ternlinologia pre-
dominaiite, se designa nao s6 o acto do poder so-
cial qiie regula uma relaçso jiiridica singular (lax
in p~izioslata), mas tanibeni a faculdade que d7este
iiiodo se cria.

(1) Vej. Pacifici-Mazzoni, Instituzioni d i d i d t o civile


italiano, 1903, vol. r, pag. 8.
(2) A Carta Constit~icionaldeclarou abolidos atodos os
privilegios qua nBo forem essencial e inteiramente ligados
aos cargos por utilidade publicau (art. 145.0 § 15.'). Vej.
Sr. Dr. lfarnoco e Sousa, Historia das instituigões do di-
veito Tomano, peninsular e povtuguên, 1901, pag. 373 e
segg. e 390 e segg.
I. - PARTE GERAL 35

CAPITULO I1

Fontes do direito objectivo

0. -Noeão e distiiicqão das fonm do iíireito.


Contra os exaggeros da concepçRo racionalista,
que coilsicleravn o direito iim producto do arbitrio
ou da sabedoria legislativa, e da escola liistorica,
para n qual o direito 6, oi.igin:ii.iarriente, o produ-
(*to iiiimedi;ito cln :ictividaclc tlo espii.ito do povo,
i.eagiil n scieilcia positiv:i: deiuioristrai~doqiie no
direito entram dois elenlentoq cle egiial importancia
- 11111 ~ ~ n t m ~ec toiiti-o
l Zo+qlco,a socaieclade e o racio-
cinio, a conscieiicia collectiv:~ qiie i.c-flec.te as ne-
cessidades socines e 13resentc :I sua lmssiivel satis-
façzo. e o espirito huniaiio, q i i e foi~niiílaa norma
destiiiacla a obter 21 satisfnq:to (l'essas necessidades.
Taes são as fontes primordiaes do direito.
i\fas, aléin da forqa geradora da regra juridica,
oii o ~ i g e m podem
, as fontes do direito ser conside-
radas -- e 6 este o significado pai-ticular que tem
entre os ciiltores do direito -, coino os orgnos
sociaes e politicos de qiie iiiiiiiediatiiiiieiite deri-
vam as noriii;ts j ~ l . i ( l i c ~011,
s , c1111 11111;~ a(:cepç%o
mais techiiica, os modos de foril~;~ç%o (Ias normas
juridicas ou as fórmas que essas normas reves-
tem (1).

Sem duvida, nas sociedades modernas, a fonte


principal da norma juridica é a lei, que exprime
de modo imniediato e directo a vontade do Estado.
&Ias, aldm da lei propriamente dita, isto 6 , da
lei no seu sentido mais geral de regra social obri-
gntoria - fonte immediata do direito, outras fontes
do clireito admit,tem os escriptores -foiites media-
tas, constitiiidns por normas que, n&otendo de per
si força obrigatoria, a adquirem, quer em virtude
de expressa disposiçRo da lei, quer por sereni ne-
cessarias para a siia iiiterpretação.
A multiplicidade de re1:tyÕes da vida social e o
seu incessante desinvolvimento, 1120 perinittindo
ao legislador formular normas que regulem todos
os casos concretos, e ;i inipossibilidade de, por vezes,
se determinar o sentido do texto legal independente-
mente de oiitros elementos que permittani reconsti-
tiiir o pensament,~do legislador, exl~licama neces-
sidade d'esta segunda especie de fontes do direito.

(1) Haiirioii (L'Histoi1.e extevne dlr dvoit, 1884, pag. 2


e seçg.) distingiie entro fontes e monilinentos do direito :
aqriellns seriam os oi.ganismos politicos de qiie derivani as
norinas iiiridicas, estes os textos qiie as exprimeril.
I. -PARTE GERAL 37

As fontes niedíatas, tamhem chamadas geradoras,


abrangem, para uns (I), o costume; para outros (2),
aquelle e a jurisprritleiicia dos tribunaes; alguns (3),
considerairi tal t:tiiibeni n sciencia do direito; ou-
tros (4) coinpreliericleiri wiiicla, ii'aquella expressgo,
os principias geraes d e dii-eito e a equidade, e,
fiiialiiieiite, oi1ti.o~(5) csteii(lein tal designaçgo ao
dii-eito :iiitonoiiio das 1)csso;i~collectivas.
Notando cliie, se :I form:içiio do direito não Q
obl':~~ X C I I I S ~ V C Ido I<~t;tdo,8, todavia, certo que,
Aparte os exaggeros da escola inglesa de jiirispru-
(1enci;t analytica, yiialqiiev que seja a fonte de que
a norina proceda, í. seiiipre o Estado que, pelo sei1
recoiilieciiiieiito, llie iiiipriiiie o caracter de verda-
deira e propria iioriiia jiiiidica, n6s distinguiremos:

a) as fontes iiiirnediatas ou forn~aes,constituidas


pelas leis - expresszto directa da vontade
do Estado, e pelo costume ;

( 1 ) Planiol, 11i.ait4élhnentaire de droit civil, cit., pag. 5.


(2) Ciipitaiit, Introduction d i'etude d 2 ~droit c i d , cit.,
ltag. 21 e segg.
.
(3) V e j Vali Beminelen, iVociones efzindan~e7ztulea,cit.,
yag. 29 e segg.
(4) Cliiroiii e Abello, ?i.uttato di dil-itto civile italiano,
cit., pag. 22 e segg.
(5) Vanni, Lezioni di Jilosofia del diritto, cit., pag. 83 e
wg.
b) as fontes mediatas, abrangendo a sciencia do
direito e a jui.isprudencia dos tribunaes ;
c) as fontes subsidiarias do direito, isto 6 , os
principios juridicos spplicaveis aos casos
n8o previstos na lei.

10. -- O costume: theoria bistorica.


Na sua manifestnção exterior, o costume apre-
senta-se-nos como uin facto, 011, antes, como uin
conjuncto de factos reveladores de um sentimento
jiiridico, e póde definir-se a observancia iiiiiforme
de u m a norma, cuja força obi.ig,ztoi-ia assenta no
facto c10 seti exercicio prolongado e constante,
acompanhado da convicção da sua necessidade
juridica (opinio j u ~ i s ,opittio necessitatis) (1).
Dois elementos, pois, indissolnveis e coessen-
ciaes h cxistencia do costiinie, podeinos distinguir
n'elle : um externo, ou material, - a c o ~ e t u d odos

(I) Este ultimo elemento, ierdadeirarnente especifico do


costume juridico, exclue do seu dominio certas praticas
sociaes que, embora solidamente estabelevidas, n#o p6dem
constitiiir fontes de direito l)iiva<lú positivo, porque o liso
que as sancciona n2o irnplir:~ideia nlguina de coacçito :
taes as regras de urbanidad~, as praticas moraes e reli-
giosas, os costumes do povo o i i de iiina c.l:isse social, etc-.
Vej. sobre os habitos sociaes r siiu fuiicç,'Lo na vida, Von
Iheriiig, Dey Zweck im fiechf, 1899, t. 11, pag. 50 e segg.
I. - YAHTE GERAL 39

textos latinos, Uebung da clontriria allemã- o ele-


rnerito de h c t o , que scrve ao costume de sub-
stractum nscessario ; outro interno ou psycliol~gico
- opinio necessitatis, Rechtsi~berzeugung,- o senti-
mento da obrignçgo, a crença n a existencia de uma
sancçgo, que irnpriilia ao costiime o caracter de
necessidade jiiridica.
Durarite niuito tenipo, eniquanto doininou como
fonte de direito positivo, não se pensou eiii jtistifi-
car a força crez~dora do costume; invocava-se e
inlpiinha-se corrio um facto iiltliscutivel: a l m An-
funq war die T h a t ~ coirio
, diz Goetlie. Mas, h me-
dicla que, com o alargamento d a esphera das outras
fontes, se restringe a do costiiine, jiilgou-se neees-
sario comprovar a sua airctoridade.
Assim, tres iiinneirtis tle conipreliender este ele-
mento intellectual, yiie transfc,riiiaiii o simples usb
cin regra juridica, teeiii sido, conio diz Laiiibert (1),
successivairieiite adoptadas pelos constriictores d a
doutrina actualmente dominante :

a) A primeira,- a explicação romanista do cos-


tume, niais tarde seguida pelos glosado-
res e post-glosadores, via b elemento psy-
chologico indispensavel ao costiime em uma

(1) Lu fon&ion du droit civil conaparé, 1903, pag. 111


e segg.
40 DIREI? O CIVIIA POPTUOG$S
-- - - - -

especie d e consentimento implicito do povo,


em uma approvação e converição tacita d o
conjuncto dos cidadãos : tacitus consensus
populi, taciia civium conventio (1) -1egiti-
c

mando os factos n~ateriaesdo exercicio d a


norma.
Mas Q visirel que esta theoria, inventada
com o fini excliisivo de dar a esta fonte do
direito o mesmo fundamento que 4 lei, con-
stitiiia antes uma tentativa de explicaçEo do
que uma analyse scientifica do costtiine. A
doutrina romana do costume foi creada
peios jtiriscoi~sultosdominados pela ideia da
ornnipotencia legislativa e pela convicção de
que a auctoridade das regras juridicas não
podia provir senão de uma ordeiii dada ao
individuo pela collectividade oii pelos repre-
sentantes d'esta collectividnde ; e, porque o
phenomeno da creacção esti.:i-legislativa do
direito desirieriti:~:i cada pawo esta coii-
cepção aprioristica tla natureza do direito
positivo, recorrei3:iiii 6 ficçRo do consenti-
iliento tacito. Confiiiidia-se a base natural
do direito coiii o seti fundainento politico.
Substituido o consentimento tacito do

(1) Ulpiano (r, 4) definira elegantemente o costume:


atacitus consenszts populi Zolaga consueiudi~leiltz.eteratusr.
I. -PARTE GERAL 43

rica, se liga directamente 4 repetição de


actos, que elle especifica, e consiste, para
aquelles que os praticam, no sentimento de
que procedem em virtude de uma regra
não expressa, que se impõe como regra de
direito objectivo. A força do costume juri-
dico, como fonte de direito objectivo, reside
no facto de que elle corresponde a uma
verdadeira e permanente necessidade social.
E, com raz,%o diz Geny (I), que use se qui-
zer ir mais nléni e investigar a razgo u l t i m ~
d'esta necessidade social, d'este sentimento
natural, de este reconhecimerito espontaneo
dos interesses implicitos no phenomeno so-
cial do costume, temos que sair do dominio
das realidades objectivas? levando-nos para
o campo das concepqões puramente subje-
ctivas, das hypotheses mais ou menos scien-
tificas. . . r .

11. - Coiitinnaqão :direito poi.tuguên.


Manifestando pela sua yropria origem, a sua

( 1 ) Geny, Me'todo de inferprctación y fi~entes en derecho


privado positivo, trad. liesp., 1903, pag. 314.
Vej. tanibeni Lambert, Une i-4fovme nécessaire des étu-
des de droit civil, apud Reutre ioztarnatio?tale de I'enshgne-
naent, 1900, pag. 216 e segg.
ik
opportunidade, o costume exerceu larga influencia
no direito, precederido não s6 o direito escripto,
mas conservando, quando este começcu a desiri-
volver-se, um lugar importante ao lado d'elle. Mas
6 um plienoineno indisciitivel que, B rnedida que as
relações sociaes se complicam, os grupos ethnicos
se fundem e as aspirac,ões nacionaes se modificam
sob o influxo do cosmopolitismo e tornani necessa-
ria uina forte cent~ralisaçiiopolitica, o poder do
direito consuetiidinario cede ante o logar cada vez
mais preponderante qiie toma a IegislaçRo escripta.
Sensivel este facto j&no direito romano, observa-se
com precisão eni toda a forniaçRo liistorica do nosso
direito: il medida que o Estado se desinvolve, o
costiime, que nos inicios da monarchia cheg4ra s
adquirir predoininio decisivo sobre a legislaç50
escripta de caracter geral (I), restringe-se, em
grande parte, e gradualmente, aos aggregados ali-

(1) Vej. Portuyaliae monunienta historica, leges et con-


szcetzcdines, t. I , pag. 139.
Importantes materias de direito privado se constituiram
pela acçIo qu:lsi exclusiva do costiiine : orgaiiisaçlo da
propriedade immobiliaria, regimen successorio, direito ma-
trimonial, f6rmas de processo executivo, etc. Mesmo em
outras materias, submettidas ao direito roinano ou ao di-
reito cnnonico, a recepção cl'estas. legislações, estranhas ao
fundo juridico nacional, fez-se, quasi sempre, na fórma do
direito consuetudinario.
I. -PARTE GERAL 45

tonomos collocados sob a soberania commum (cos-


tumes locaes) ; mas, desapparecendo a autonomia
d'estes aggregados pela acçKo absorvente do poder
central, limitaram-se, por isso mesmo, as fontes
do costume (1).
Modo inferior e priniitivo d a producção do d?-
reito, o costume encontrava na propria incerteza
a sua condeninação ; e de repellir 4, como cpre-
juizo roiriantico~,na phrase expressiva de Blunts-
chli, a opinião d'aquelles que, ainda hoje preferem
o costixnie á lei, como expressão perfeita do direito
positivo.
Nã.o deixou, todavia, o costiime de continuar a
ser uma verdadeira, e não pouco importante fonte
geradora e formal do direito. Assim o declaram as
Ordenações Pliilippinas (2), que reconhecem o di-
reito consuetudinai.io, constitnido pelos estylos da
còrte e pelos costiimes do reino, os primeiros res-
peitantes ao modo de ordenar o processo e 4 pr*
tica do direito e referentes os segundos ao modo
de julgar. E a lei da boa razão, de 18 de agosto
de 1769, deterniinava as condições a que o costume

(1) Vej. Sr. Dr. Gania Barros, Histovia da administra-


pão publica evz Po~tugalnos seculos xrr a xv, 1885, t . I,
pag. 30 e segg.
(2) Liv. Irr, tit. LXIV, pr. Vej. tambem liv. r, tit. r,
9 37."
devia satisfazer para que devesse ser considerado
direito. Eram :

a) nXo se opp6r á lei escripta ( 1 );


b) ser conforme 4 equidade ;
c) ser immemorial, isto 6, ter, pelo menos, mais
de uiri seculo.

Se, pois, o costume, havia decrescido, eni ex-


tensão, pela menor feciindidade das suas fontes
productoras, tambem a sua foi-ça agora se retrahia'
ante a lei escripta.
E o codigo civil, preceituando, no artigo 9 . O ,
que ningiiem p6de eximir-se de cuinprii*as o1)ri-
gações impostas por lei, com o pretexto t l ~seli
desilso, nRo perrriitte que o costume prevaleqa con-
tra CL lei, j& que, como demonstrou Savigiiy (2),
uso contrario positivamente ct lei (consuetudí, a1)~o-
gato~.Êa)e desuso encaminhado a abolil-a por sim-

(1) (Já o decreto de 4 de outubro de 1628 declarára


que as resolupões com a clausula sendo costume se enten-
dem do costume assentado, fixo, não contrario a algrtma
ordem. . .D Borges Carneiro, Direito civil de Portugal,
1839, t. I, pagg. 57 e 58. Vej. Mel10 Freire, Instifutiones
j u ~ i scivilis lusituni, 1815, lib. I , pag. 7 .
( 2 ) T ~ a i t éde droit romnin, tiad. par Guénoux, 1875,
t. I, pag. 189 e segg.
ples inobservancia (desuetudo) são aspectos idehti-
cos do problema.
Mas, não podendo estabelecer-se pelo costume
direito contra legem, e excliiido o costume secundum
legenz, que nenhum valor póde ter em materias
disciplinadas pela lei, acceitaremos as ideias domi-
nantes na nossa jurisprudencia, que repelle a forç&
geradora do costume praeier Eegem, isto 8, do cos-
tume referente a actos ou relações não regulados
na lei positiva?
Se, tlieoricamente, se impõe a necessidade de
reconhecer o costiime como fonte formal de direito
positivo, tambem, nos doniinios da nossa legisla-
çiio, cremos poder siistentar que, nzio obstante a
disposiç~odo artigo 16.' do codigo civil, o alcance
da disposiçiio imperativa acima referida n8o vae
até ao ponto de negar a, força obrigatoria do coa-
tume constituido parallelamente 4 lei e para sup-
pril-a.
Longe de romper com a tradiçgo juridica pre-
existente, o legislador teria em vista continual-a ;
e, talvez deva ver-se a comprovação d'este asserto
rio uilciicio feito, na comniissgo revisora, em torno
d'este artigo (1), silencio que nial se comprehen-

(1) Vej. Actas das sessões da commissão reviaora do


projecto de codigo civil português, 1869, pag. 8.
Nos jurisconsultos do tempo é, pode dizer-se, commum
48 DIREITU CIVIL P O K T U G U ~ ~ S

deria a respeito de um preceito de lei t8o profun-


damente innovador.
*EB iiossa opinião, que tererrios occasiiio de des-
involver, que o costume pbde servir n&o s6 de
coniplemento ou de extensa0 a uma regra legal,
mediante instituições novas, mas tambem como
meio de esclarecer uma lei obscu~.a,fixar :I sua
applicaç80 na hypothese de nmbiguidade do texto,
e estender a sua acçgo at6 onde a necessidiide o
iiiiponha, desde que não contraríe a. decisão fornial
do legislador.

Negando ao costiinie contra lei os fóros de di-


reito, o codigo civil maiida, no emtanto, por vezes,
attender aos usos e costumes, de preferencia aos pre-
ceitos absolutos da lei (1).

a ideia de admittir o costume para supprir ou interpretar


a lei e repellir o deeuso ou o uso contrario a ella. Vej.
Dalloz, Répertoire, vb. Lois, n.OS 528, 532 e 536; Esch-
bach, Introduction gknérale a l'éttbde du droit, 1856, pag 35.
(1) aFica a apreciaçBo do costume dependente do arbi-
trio do julgador, escreve Dias Ferreira (Codigo civil por-
tuguês annotndo, 1894, t. I , pag. 19), porque o codigo n8o
lhe fixa os requisitos, e em face do art. 5 . O da lei de 1
de julho de 1867 deve reputar-se revogada a Ord., liv. 3 . O ,
tit. 64.O, e a lei de 18 de agosto de 1769 § 14.O, que de-
terminavam as condições do uso e costiime para ser obri-
gatorio; mas deve ser effectivo no acto da proinulgaç%o
A força obrigatoria d'esses usos e costumes não
deriva, conio B visivel, da repetição geral e cons-
tante dos mesnios actos, mas das proprias disposi-
ções d a lei.
Oiitrn, é, porém, o logar em que, sob este aspe-
cto, nos compete tratar do costume.

12. - A lei :nsqso.


Ao lado do coutume - direito não formulado
(unyesetzes Rechv, producto consciente ou serni-
inconsciente do corijuncto dos interessados -, e
superior a elle, apresenta-se-nos a lei - ao verbo
perfeito do direito I , coino lhe chama Rlnntschli (I),
que representa a express80 mais elevada, mais
eminentemente politica do direito, a sua forniula
.mais reflectida e mais pura (gesetzes Recht).
Exprimindo, relativamente á norma. jiiridica que
esta.túe, a vontade de um org2o social determinado,
vasa.do eni lima fórmula verbal que fixa os seus
limites e conteúdo, a lei representa como que a in-

do codigo, # 1." d o art. %O.', e iiniforine p:ira não haver


duvida sobre a sua t.xistenciir, a r t . 16Bd.", inciimbindo ein
todo o caso a prova ao que o allega, ori srja auctor oii réo,
art. 2406.' a . Vej. Revista de Legis ltcçZo e de Jurisp7.i~den-
cia, t. IX, pag. 63.
( 1 ) Le droit public yrí'ikd~al,trad. p a i Rieduiatten, 1883,
pag. (i.
DIH.,3: CID. 7
tegrução da i'deia jixridica que firxctuava indecisa
lia coiisciencia collectiva e que, agora, se conveiSte
em preceito claro, indiscutivelmente obrigatorio.
N'isto reside o valor da lei. E, qualquer que seja
o fiindamento qiie assignetnos 4 siia efficacia obri-
.
gatoria, quer pretendendo ver ii'ella, Com Roiis-
seaii (I), a expressilo da vontade geral, coni intuito
de regular as condiç0es da vida socia,l; quer ooii-
siderando o legislador iim 01-gão artificial e iiii1,c.i.-
feito da consciencia popular, niais real e directx-

;Ifiincy%~exclusiva ílc assegniqai.a 01-clem entre os


nleinl>i.os da communidade social, fixalido o di-
reito (3): qiier vendo n'ella o reconheciniento 1)oi.
parte dos iilte~.essados da sua riorma de
socitil (4) - sempre elln traduz o acto de uni.1 . i 11-
ctoridade social, regularmente constituida e coiii-
petente para dictar regras jiiridicas n a f6i.ni:i de
preceitos obi.igatorios.

( 1 ) C'ontra, social, liv. i ~ cap.


, VI.
(2) Savigny, Trnité de aro2 romai~zcit., t. I, pag. 37
e segg.
( 3 ) Leroy-Besulieii, L'étut moderne et stís fonctions, 1890,
pag. 108 e segg.
(4) Pedro Dorado, F o ~ r c t i o n de lu loi et & I ' , c t c t ~ ~ i . i t ;
dane l'évolzction sociale, apud Recue de droit y~tbll, et
science politique, 1899, p:ig. 5 e segg.
I. -PARTE GERAL 51

Mas, porque, embora entre n6s e nos Estados


em que vigora o systema representativo a funcção
legislativa pertença ao parlamento, é, eni geral,
itttribnida ao poder executivo e ás ai~tarchiaslocaes
competencia para, dentro de certos limites, publi-
carem normas de caracter obrigatorio, a palavra
lei comprehende, n'aqiiella generica accepç80, rino
s6 os diplo1n:as que contenham providencias legis-
lativau, proprianierite ditas, mas tambeiri as deter-
minnções do pocler cxec*iitivo(decretos, regulamen-
tos, instrucções e portarias) e os regulamentos
dos corpos adrriinistrativos (postiiras).
No seu sentido propi.io e teclinico, a palavra lei
designa a cleclaraç;to, feita pelo poder legislativo,
das iioririas ol~rigiitoriaspor qiie deveni regiilar-se
as rclaqões sociaes.

13. - Conlinunqrío : o pt.oblema da autonomia


legihlaii~
a.
A força imperativa da lei estende-se a todo o
domiiiio d:t sobei-ariia riacional. Mas iniplicard o
da lei a excluo50 de
recoiiliec:iiiiento d'oste :~lc:~iice
leis p;ri.ticrilarcu a qiie, ein vii*tude de uiiia certa
:tiitonoiiiia, se ericoritreni siibinetritlos detei~minn-
(10s i~,ggreg;~dos ou coniinunid:tderi, qiie vivem no
seio do I'lstiitlo ?
Acceitaremos, ao contr:ti.io, as ideias de Jelli-
*
nek (I), que estende a funcçbo legislativa a certos
grupos politicos, sociaes ou econo~nicos,sobretudo
nas iriatei-ias relativas 5 siia actividade corpora-
tiva ?
Devendo observar que o pi.oblenia fica limitado
ás regras legislstivas taes como se iinpõeni aos tri-
bunaes do Estado, ~)orissoiiiesnio que facil 6 coii-
ceber unia aiitononiia em sentido niais :iiiiplo eni
favor de certas conimiiiiidades que, enibora \.iiic.ii-
lwdas 5 vida do Estado, exei-ceni unia acçWo coiri-
pletaniente distincta e, em certo iiiodo, paraileltt (2),
n;io diivid:~nios repellir toda ii ic1ei;i de autoriomia
legislativa eiii orgãos indeperidentes do poder
ceiitral.
Certo que o codigo civil portuguls, coriio. c 5 i i i
g,rci.al, os codigos estrangeiros, guardam si l ci i t io
Acerca da extensgo ci'aquell:~ manifestação d i i >o-
berariia a determinados grupos sociaes; mas. wiiid;i

( 1 ) Gezetz und ITerordnung, 1887, pag. 189 e i segg.


Vrj. tarnbem Rogiiin, La ~ i g b
de droit, 1889, pag. 130 e
segg.
(2) Assiin, a Egreja catliolica, que, investida de uma
iniss&o especial e triido uma org;inisa~ãocompleta e inde-
l~eridente, representa uiiia pessoa iritrrnacional. Vej. Fe-
dozzi, Gli enti collettivi nJ diritio internuzio~zrrlrplivato,
1897, pag. 126 e segg.
quando niio quiz6ssenios ver n'squelle silencio a
condemnaçAo do principio da autonomia legislatira,
que, diga-se de passagem, era outr'ora largamente
applicado em favor de cidades, faniilias e corpors-
çOes -, parecer-nos-ia irrecusavel a affirmaçiio de
que a actividade juridica criadoia das pessoas col-
lectivas, quando nAo represente o exercicio de tinia
fiiiicç%o 1nei.amente regulamentar, tradiiz iima de-
l e g i i ~ hdo legislador.
1';. < 1 1 ~ 2 1 ao
~ i ~ direito reconhecido a certas cor-

porações de estabelecer estiitiitos obrigatorios para


seiis niemhros e ciijos effeitos pódem estender-se a
terceiros (I), facil 6 de ver qiie niio traduzem elles
tima verdadeira instituiçiio leginlativa, nina simples-
mente representam n applicaçSo do principio geral
d a aiitononiia da voiitmde (Privat au,tonomie), q u e
cria entre os interessados, não regras de direito obje-
ctivo, mas vinculos de orcieiii puraniente siibjectiva.

1 4 . - Continuação : caracterew essenciaes.


a) A lei positiva contém um yrir~cipiode direito.
Porque estabelece unia. regi-a jiii-idica, n lei

(1) Vej. Lei de 3 de abril de 1896 (syndicatps agrico-


Ias) ; decreto de 2 de outubro de 1896 (associapões de soc-
(.»rros rnutilos); decreto de 18 de abril de 1901 (aesociações
(Ir caracter religioso); lei de 1 7 de abril de 1002 (casas
dê detenção e correcçLo de menores de Lisboa e Porto.
distingue-se do neto individiial que, embora
traduza unia msiiifestação da vontade, u m a
disposiqao obrigatoria, tem por coriteúdo
exclusivaiiiente direitos e deveres iridivi-
duaes. Oppondo-se, por um lado, & aeç4o
jiidicinl (Rechtsgeschaft) e, por oritxo, Q pre-
scripção adniinistrativa (Ve~~~altungsv0i'~~-
chl-ifq, corno distingue Laband (I), o prin-
cipio de direito restringe oii estende H
liberdade dos individuos, fixando os limites
em que p6de exercer-se a actividade dos
cidadã,os e a c10 Estado. Pouco importa que
o principio jirridico seja limitado oii illinii-
tado iio tempo, apylicavel a itm ou ;I nriii-
tos casos oii que niio chegue riiesmo :i \;e- 1

cução : basta cliie se trate de presc i il,c;~;cs


respeitantes R liinitaç6es sociaes. Qii;~iitlo

( 1 ) Le droit picblic de 2'enipil.e rtllel~iund, I!jcll. i i r ,


pag. 260 e segg. Para Arischiitz (L)ie yegenwartigt 11 t l r ~ ( /i-i
cen Q b ~ de11
r R e g r i f d e v gesetzgebenden Gezuuh tind des lcihi.
glichelz T'er~ordnu~zgs~-rrl~t.~ nnch p~ez~,hischenStacrtsi.rcht,
1901, t . i r , piig. I I ) , o ~)i.iiicipiodo direito não é qi~:~lqiiri.
regulairientaçbo (eilze nol-nr), mas uina rrgiiLiiiie:ita@o juri-
dica (eine ItecAts~zoi.,iti,isto é, iiin conjiincto de prescripções
que, em opp0siç:"loás dis~)osi<;ij~s puraiiientr adiriinisti.ativas,
estatuem ordens e proliil)i<;Ges aos cidadãos, iritrressaiido
a sua sit~iaçiiojtiridira er iinpoiido-se por inrio d : ~co:icgku.
por exemplo, se auctorisa a fiindayão de
uma universidade, a conetriicç80 de uni
caniinhu de ferro, tal facto 1150 representa
uma modificaçíio na regulanientaqão do ai-
reito existente; ainda que esses actos sejam
realisados na fbrma de leis, 1150 teein por
conseqiiencia senão deternliiiar a materia
sobre a qual se exerce a actividade admi-
nintrativa, não criani limitação nova Q li-
berdade dos cidadiios e A do Estado : nBo
estabelecem yrincipios de hireito, foririulam
ordens at^lministrativas.

h) A lei positiva é uma r c g ~ ao b ~ i p t o ~ * i A


a . lei,
sendo uma disposição que estabelece uma
regra de direito, não se limita a estabelecer
a fórmula, mas declara, implicitamente,
que esta regra Q obrigatoria : n L e x est quod
populus jubet, atque constituit (1)B . neces-
s-trio, pois, distinguir n a lei dois elenientos,
na generalidade dos casos indissoliivelniente
ligados: o conteudo, qiie B o principio de
direito, e o imperativo positivo (preceito) ou
negativo (prohibiçgo), qiie coiis titue a sua
sancção.
~, seguramente, parte essencial d a ncti-
vidade legislativa a fixação do contei~dod a
lei, rrias a auctoridsde especifica do Estado,
a siia soberania não se manifesta senão n a
sancção qrie elle dB a estas nornias, no mo-
mento em qiie attrilnue força de lei n iim
principio de direito.
E mal se 1)oderA stistentar s opinigo tlos
escriptores que da analyse da fórnin gi ' i i i i -
matical de algiimas leis concliiem pela i i : j o
essencialidade do impei*ativo,visto qiie niin
CL fórnia mas ao conteiido logico se deverb
attender.
O codigo penal portiignês, preceitiinirdo
no artigo 421." que eaqiielle que coniniet-
ter o crime cle furto, subtrahindo fraiiclii-
lentamente uriia cousa que lhe iião pei-tença, i

ser8 condemnado ...3 , sancciona iinia nornia,


L

cujo contebdo logico 4 a prescripç"ao aos -


eidad;ios de n;i"o fiirtnr e a ordem ao jiiiz
para ;i~plicrtr;x pena estabelecida áqrielle
qiie coniiiietta o crime d e fiirto. E o qiie S
evidente para as normas peiiaes resulta de
inodo claro tanibeiii para todits as especies
cle normas preceptivas e proliibitivas (jtts
voyens).
Qiiai~toAs leis dispositiras, de qiie adiaiite
,nos occupiirenios, e qrie s f ) são applicaaveis
I. - PAHTE GERAL 5'7

nos casos eni que os interessaclos 1150 te-


nham disposto 1101. f h m a differeiite, visivel
é n'ellas a existenci:~tlo iniperativo, embora
condicionado ú 1i vpotliese de inexistencia
de disposiçSo eiii coiitrario. Assiin, quando
o cocligo civil decl:ii.;~no artigo 1581.' que
n o veiidetlor 4 obrigado a assegurar a pro-
pi.iecl:ide e posse pacifica do comprador, e
a 1)re~tara evicçAo, nos termos declarados
rios artigos 1046.' e seguintes~, disposição
que póde ser preterida por convenção em
contrario, ordena, n a falta d'esta, ao vende-
dor a watisfaçgo das garantias preceituadas
na lei. Assim, tanibein, as disposições sobre
silccessAo legitima importam, siibordinada-
riiente B inexistencia de testamento, a pres-
cripção a terceiros de respeitar a proprie-
dade do 1ierclcii.o legitimo, aos devedores
do de C L ~ ~ IdeS PiLgar a este herdeiro, aos

legatarios e credores cle exigirem d'este o


p;~gaiileritodos seus creditas. E m taes casos
o inil)ei.;ttiio estft subordiiiado ou b condi-
qiio da esisteiicia de unia determinada rela-
çgo ou á, da-falta de convenc;;"io eiitre a s
partes.
Ainda a objecção se levantou a respeito
das normas, que alargam a esphera de ca-
pacidade de uma categoria de pessoas,
DIR.,3.8 CAD. 8
reconliecendo con1o juridicos actos que
eram, anteriormente, juridicamente indif-
fererites, v. g. a concessiio de capacidade
eleitoral a pessoiL8 precedenteniente exclui-
das do suffragio (alargamento do voto, voto
ás niillheres, etc.) (1). Mas facil d de ver
q1ie em taes casos o iiiiperntivo attinge
tniito os orggos do Estado, que devenl i.c:i-
listir os actos tenclentcs a assegurar :i( i i i - 1-

divid~ioso cxercic1io do seii direito de \.ato,


coiiio a q ~ i d l e scliic, dcc1wr:tiiclo atG ent,?o
li\-reirieiite o clii.eito, serii o conciirso da
voritade popii1:ir oii com o coiiciirso de parte
d'ella, ;igcira soffrem uma limitaçgo cl'esta
siia actividade.

15. - Continoaqão :caracteres não essenciacn.


a) G'cne~aliclnd~ ) ) ~ C I O criterio d a
du ~ E O ~ ~ .jic~-iclica.
generalidircle c' ;I 1)iise esl~licitae implicita
das construcções jiirit1ic;iç de todas as es-
colas de pliilosophia cio direito. A c,\coli~
pythagorica concebe o direito como Iiuinero
e harmonia, por consequenciit, como regra

( 1 ) Vej. Baron, Pandekten, 1893, pag. 28. Tallibem


, droit objectif et lu loipositive, 1901, t. I ,
Dugrdt, ~ ' É ' t a t le
yag. 501 e segg.
I. -PAKL'E GRRAL 59

geral (1); a escola platonica coino ordem


:tb~tritcta(2) ; s escola estoica expressa-
niente declara que n lei é de sua natiireen
geral.
Adoptada pelos jurisconsiiltos roma-
nos (3), esta ideia foi c~g-1i:ilnieiiteabi-açada
iiil edade media pelos escriptoi.es, qiie con-

ceberam o direito como ordeni divina, pro-


1)orçSo, medida. N'ella irisistem os partida-
isios da escola do direito natiiral, não seni
inferir o principio de considerações erro-
rieas e tirar coiicliisões exaggemdas; e os
juristas praticos inglezes põein em relevo s
universalidade do direito. Finalmente, as
escolas historica e positiva, considei-ando o
direito como uni plienon~eiio d e formaçilo
iia.tura1, como a regra de coexistencia dos
iiidividuos em sociedacle, siistentarnni que
as suas leis necessari;ts silo substancial-

(1) Carle, Ln vida tlel c7~veclioen stts relacio9ies con la


vida sociul, vers. de CiiiiOr de 10s Ilios e F1ói.e~Llainas,
1889, t. I, pag. 501 e segg.
( 2 ) Jellinek, obr. cit., p q . 36
(3) Ulpiaiio, i , 8 : o Jura ~ z o nin si7tgrtlas personas, sed
g~lieruliterc o l ~ s t i f 1 ~ 7 i ~;~Celso,
f i ~ i - ) )i , 4 : c(Ex his puae e r t e
rcno crrsu accidere possltnt jicl-a ~ l o ico~~stittitcntrcru
~ . Vej .
Vareilles-Sommibres, Les p r i ~ z c i p e sf z ~ ~ z t l a n a e ~ t f da zrx~droit,
1889, pag. 3 e segg.
mente identicas ás outras leis natiiraes, e,
conseqtientemente geraes.
Mas a doutrina da generalidade da lei,
não obstante as aiictoridades qiie a suffra-
gani, n%o resiste, em iiossa opinizo, A cri-
tica. Pondo de parte as aiitigas ciouti*inas,
baseadas em li~.l)otliesesinclemonstradas
que tomam o logar de deducq0es scieiitifi-
cas, n co1r:par1~çc20com as leis iiaturae.\ 1 i ; i o
fornece argiimento decisivo. Sem duvida,
porque as relaqões individiiaes e sociaes
das persoiialiclndes tendeni a um typo com-
miim, a iilaior parte das i-egiSasde direito
teem, de facto. o cnracter de regras gemes.
Mas este caracter. eleiiteiito natiiral e riao
essericinl tla iiuqSo dc lei, nto é, por isso
inesirio, necessariaiiierite, iriberente ás i , c l ; ~ -
ções sociaes; e, no caso em que relações
sociaes não nos nppareçnrn com tima coiis-
taiicia estabelecicla, nao ha impossibiliclade
logica de criar, para estas relações esc.(&-
pcioilaes, unia regra de direito.
Certo qiie, na generalidade dos casos, as
clecisões iiidivicluaes ser20 actos adminis-
trativos; mas ~ i a d impecle
i~ qiie lima lei es-
tabeleça iiina, regra de direito applicavel a
uni facto oii a, iiina relaç2o de dii.eitos ljar-
titulares. E, qiiando eritendamos a genera-
I. -PARTE GERAI, 61

lidade da lei sob o aspecto da sua duraçto,


incontestavel nos parece a não essenciali-
dade da permanencia. Numerosos exemplos
veem em apoio d'esta opinigo.
Que o principio de direito póde ser tem-
porario, comprovam-o as leis que estabele-
cem u m regimen provisorio e as que reali-
sam reformas sociaes importantes e que,
para attenuar os effeitos de uma briisca
transformaça"~,decidem que segiiirão iiina
evoliiç8o progressiva, estabelecendo-se, du-
rante um periodo determinado, uin regimen
de transiçgo.
Qiie a lei póde ter applicação s6 em um
caso preciso, limitado, demonstram-o as
regras de direito pro$ssionaes, v. g., as que
respeitam aos operarios menores, aos f ~ ~ n c -
cionarios ; as leis locaes, como a s qiie pre-
ceituam Acerca dc regiões florestaes, colo-
nias, etc. E regras de direito p6de haver
que, pela forqa iiiesiiia das coiisas, ngo se-
jani applicaveis seniio a pessoas, cujo nu-
mero é conhecido de antemão e atd mesmo
a uma individualidade determinada.
E o parecer de Dugiiit (1) de que ua lei

(I) Obr. cit., t. I, pag. 525,


não se esgota pela siia a~plicaçKoein u ~ n
caso l?nrticiilar, ficando sempre viva após
as suas multiplas inanifestações, applicavel
aos casos previstos que de iioro se apresen-
tem D , torna-se iiisubsistente ante a existen-
cia de disposições transitorias, que podem
ri20 receber seiiRo uina iinica execução, não
se npplicar senilo a uni individuo e ein um
unico caso.

b ) 112dater~ninn~60 dos casos n que se appliccc. Al-


giiiis escriptores considerain eleniento es-
seiicial da lei :t siia qualidade de regra ngo
iioininat,iva, n%o especia1is:ida. Mas veisifi-
cai.-se-lia mais do que iinia sinil)les tlifle-
reiiça de fhrmn entre o principio qile, c.st:t-
belecido em vista de uiii individuo e sb a
elle applicavel, ii%o o tlesigna seniio por
geraes, al)sti.nctas, e a regra
qiie B fixada para esta mesn1n pessoa, em
termos claros, esplic.itow, com lima indicii-
ção nominativa especial ? de aqiielles riies-
mos escriptores secoi-iliccem que a lei póde
attingir casos deteriniilado~sob a appnren-
cia de abstrncq:io. como n,20 admittir que
esta imprecisilo ii;lu possa ooiistitiiir iiiiia
cli~:~lidadcesseiicinl e que, ein certas cir-
cunstancias, possa c deva desapparecer :r'
Nada impede que 11111 principio de direito
se conceba concreto, ~ s p e c i i ~e,l ;$e a inde-
teriiiiiiaçiio 6 i i i i i cnrauter habitual da regra
de direito, niio é, por fórnia, algiima, seu
elemeiito essencial.

c) Anterioridade da regra. Deveremos considerar


a lei como a regra que só estattíe para o
futuro e que nunca. p6de ter effeito sobre
urna situaçao udqiiiricla ? Deixando para
olitro lagar O problein:~da retroactividade
c: tl:t 1150 retroactividade das leis, bastaril,
para rriostrar que a t~iiterioridadenilo con-
stitue car:içtei- essencial d i ~lei, lembrar qiie
muitas leis, por todos reconliecidas como
regras de direito, têm preceituado valida-
mente Acerca de factos l~assados.
Assim, uma lei iriterpretativa de um texto
anterior produz os seus effeitos desde o dia
da pronlul~qRo da lei que ella explica;
:tssiiii, admitte-se que iiina lci penal nova
se applique retroactivamente, quando favo-
ravel ao accusado, viiido assini a legislar
para o passado; assim, corri as leis de am-
nistia extingue-se uma situação adquirida.

d) Iniciatica e independencia. A lei 6 , para al-


guns, um ncto de aiictoridade inicial, que
n20 se l i g ~por nenliiim laço de subordina-
ç%o a uma prescripçgo positiva anterior e
que, por consequencia, se produz em condi-
ções de soberania particularniente raclicaes:
ao legislador, escreve Artur (I), não é limi-
tado senão pe1:is ideias de razão, de bom
senso, de justiça, de bem communi ; nada
ha nas institiiições hiirrianas que possa de-
tel-o oii pai-alysar a siia a c ç ã o ~ .
Seni diivida, esta seductora concél)c;tto
verifica-se na generalidade dos casos ; e se
é certo qiie o legislador, or@o soberano,
ii:o póde abstraliir da acção dos costumes,

da opinião publica e de factores de urdem


varia que guiam o seli pensamento, n5o se
póde deixar cie i.econliecer que, transfor-
mando regras de conducta em regras le-
gaes, elle realisa um acto reflectido, livre.
E 4 a elle que se liga esta cadeia ininter-
rupta de vontades siiccessivas que se con-
formam com as siias prescripções inicinos.
Mas isto s6 (I: verdadeiro de umainaneira
geral, npproximada: ha casos em que a re-
gra estabelecida constitue certamente um

( 1 ) De lu sépurution des pouvoi~set de lu sépavation des


fonctiona, 1905, pag. 1 e segg.
I. -PARTE GERAL 65

principio de direito e em que, todavia, ngo


podenios attribiiir-lhe o caracter de inicin-
tiva e de independencia. As constituições
sRo leis -supremne leges -; poder& o le-
-gis]ador rnodifica1-as 011. mesmo, desprezar
o seli texto?
NRo ignoi-amos que, excepto nos Estados
IJnidos d a America do Norte, nRo existe,
segundo a doutibina dominante, recurso
contra leis inconstitucionaes. Mas a falta
de sancçiio não altera a regra, que siib-
siste : a 1iberd;ide do legislador 6 liniitada,
circiiiiiscripta pelo poder constituinte (1).
E n50 s6 negativamente: o legislador 6
constrangido pela constitiiição a certos actos.
T a l o caso do artigo 104.qda Carta Cons-
titacioiial, eiii que se consigiiii que unia lei
pnrticiilar esl~ecificai.;ía na tui-eza dos deli-
ctos coiiiiiiettidos pelos ministros de Estado
e ii riiarieira dc 1)rocetler contra elles ; tal a
liypotliese do :ii.tigo 70.' da iiiesinii Carta,
qiie declara qiie iiiii:i lei reguliinientwi. niar-
c;i14 o iiiocio j)i.:~ticoc1;is eleições e o niiniero
(10s depiitndos relativiinlerite á popiilaç?io
do i.eiiio, iriaterias que, caoni varias c ~ ~ t r a s ,

(I) Vej. Carta Constitiivional, artt. 13R.n-1-14.0


DIR.,3.' ÇAD. 9
66 DIBEI'I O CIVIL POK'I'UO~~$I

o artigo 9." do acto addicional de 5 de julho


de 1852 manda determinar n a lei eleitoral.
Constituindo uma regulanientaç50 de direito
e encerrando principios juridicos, a lei elei-
toral é, todaviii, unia, lei subordinada.
O inesnio se verifica quando por uni tra-
tado iinl Estado se obriga a estabelecer
legislaçrio nova sobre deteriiiinadas i i i : i te-
rias (I), e , mnis nitidamente ainda, I I < I I I ~ l o
(,

se trate de Iris iiiterpretativas, limit:i(lii:, á


esplicaç%odo sentido de iim texto anterior.

Para que uma lei exista com força ohrig.itoi.ia,


é iiecessario qiie seja elaborada ou formulad:~ ' O - I),

orgãos competentes, que seja posta em execiiç'; I 0 v


que não tenlia sido substitriida por oiiti.~i,oii deixe
de vigorar por disposiqão da niesnia lei. Assini,
podemos distinguir iio periodo de drii.aç;?o clt. 1111i;t
lei os seguintes monientos ou phases: foi-rn~c;iic:,tlti
lei, promulgaqão, piiblicaçFio, começo de execução

(1) Vej. Convenção internacional de 18 de setembro de


1878, art. 1.": a o s Estados contractiintes couiprornetteni st.
a completar a siia legi~laç?tointerna, coni o fiiri de asspgu-
rar uma acçbo cornmuiii tb efficaz contra a introdiicçiio e
propagação do phylloxerao .
I. - P A I ~ T EQERAL 67

ou vigencia e revogrtçto, isto 6 , tei.1110 ou cessação


d a sua vigencia, momentos que Morelli (1) rediiz
a dois - deliberação ou declaração do direito (con-
teudo) e promiilgação (fórnia).

a) Fo~magdoda lei. O processo de formação da


lei propria,mente dita abrange uma série de nio-
rnentos distinctos, determinados pela maneira conio
est$ organisado e funccioria o poder legislativo. E
diverge elle segundo a organisaçgo politica dos
Estados: nos Estados a~itocraticos,a proposta e a
discussão da, lei não teni logar ou, pelo menos, não
se caracterisa jiiridicamertte ; o contrario succede
lios Estados democratico~puros e representativos,
em que se obsei-va a distincção entre a approvação
das assenibleias legislativas e a saiicção do chefe
do Estado, esta iiltiina siibstituida, em alguns, pela
approvação popular (Bffé~endum, Landsyerneinde).
Segundo os principios do ilosso direito constitu-
cional, o poder legislativo compete ás cortes (ca-
rnrtra dos pares e cama1.a dos deputadog) coin ;L
sancçgo do rei (2).
O priiiieiro momento da forrnaqão d a lei é ;i
apresentaçRo da p~*opostnoii p~*ojectode lei ao par-

(1 ) Lcc fonzione legislati~)u,1893, pag. 210.


(2) Carta Constitiicional, artt. 13.O, 14." e 15." 5 6 . O
lameiito, aquella emanada do goveimo, este da iii
ciativa dos depiltados (1).
Eni conforinidade com as formalidades prescr
ptas no regimentr, e coni a s regias prescriptas 11
lei fundamental, procede-se, depois. A tfisciiss;"to
votaçRo. Approvada por ambas as camaras, a pr<
videncia que foi aubmettida A disciissiio passa
denortiinar-se decreto das c 6 ~ t e sgemes, o (1ii;il r
converte em lei com a sanydo (2), o acto pelo (til:
o rei ;~tlllei.eií declaraç5o das côrtes.
S:~iiccionnclii a lei, fica ella perfeita, niali pai
q i i e se torne obrigatoria carece ainda de duas cor
diçces, de dois iiioiiientos, eni que interrdni o podt
eseciiti\ro, no qiial conipete eniyregar :i foi.(;:i ])i
blica paima fazer cumprir os preceitos 1egisl;it i \ o

( 1) Carta Constitricional, artt. 45.' e segg. ; Regimeii

interno da camara dos senhores deputados, de 23 d e ftcv


reiro de 1896, art. 1 1 4 . O Cj iiiiico.
(i!)Vej. Carta Constitucional, artt. 75 O 5 3.' r 37
a 60.". Originariamente, a aancção era uina furiiicilid:ic
iiiiposta pelos 1inpei.adoi.r~romanos, cuja auctoridade da^
vida B ](.i, com o intuito de evitar ;r piibtiração de norni#
nLo reconhecidas geralmente como justas e necessaria
L. 8, Cud., De leyibus et Coi2utitutiunib~cs.
Sobre a sancçiio : Patina, C'wso di dirz'tto costitaeiolt«l
1881, t. i r , pag. 386 t. srgg.; Sr. D r . Lopes Praga, E'
ticdos sobre ( i ( ' a 7 . t ~C'onstit~~cionul,187!), 2 . a parte, vol.
pag. 296 e begg.
b) Prow~wJgaq~o da lei. O primeiro d'este~1110-
mentos 8 R promulgnqão, isto 8, o acto pelo qual o
rei attesta aos oidad&on a existencia da lei, orde-
nando-lhes que a observem e As aiictoridades que
a executem (1). Carta de lei se charna ao diploma
que, assignado pelo rei e pelo ministro oii niinistros
de Estado retlpectivos, coiitém a lei com a formula
da promulgaqão ; n'esta esta coniprehendida tam-
bem a sancção.
Mas, embora. anibas procedam do chefe do Es-

(1) A sua fórrniila é a seguinte: aDom. . . por graça


de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc. Fazeinos
saber a todos os nossos subditos, que as côrtes geraes de-
cretaram e n6s qiiereinos a lei seguinte (a integra da lei
nas suas disposições sbmente).
Mandamos portanto ;L toda. :ts aiictoridades, a quem o
conhecimento e execuç%o da rvferida lei pertencer, qiie a
cumpram e guardem e fac;ani c.ri!i!prir r, guardar t2lo in-
teiramente como n'ella se c.orit&i~i>,.Vej. Carta Cunstitii-
cional, art. 6l.O. A essencaia da fórmula termina com o
texto da lei : a ordem de ol~\ei.v;irr fazer observar 6 ina-
uifestamente superflua. NHo é a oidein qiie dA auctoridade
A lei, mas B a lei qiie constitue a ordeiii: os eidaditos sào
obrigados a respeital-a simplesmente porque ella existe e
n8o porque Ihes seja ordenado o seu cuniprimento.
Rliniinadas as expressões finaes da formula referida,
poderia, quando muito, exigir-se que uiria lei fixasse, pura
todas as leis, o principio da obrigatoriedade.
tado, n prornulgaqão e a sancçau differeni em
qiie :
a) a SBISCSKO 6 eleniento essencial para a exis-
tencia da lei, emquanto que a promulgação
6 a, affirmaç5o authentica e solemne da lei
já formada ;
b) a sttncç5o 6 dada, pelo rei conio menibro do
poder legislativo, a prorniilgwçi?~ (! feita
pelo rei conio chefe do poder execiitii o ; e
assii~i
c) a sancção 6 um acto livre do rei, que póde
opp6r o seli veto aos deeretos das cortes
gemes, emqitanto que a proinnlgaç50 6 um
acto 0brigitto1'io para O chefe do I+:st:tdo,
visto que ~;tnccionoua lei (1).

4 Piiblicciq40 da lei. O outro rriomento, que re-


presenta a iiltiina phase do processo foi*rnativo da

(1) 0 veto tem effeito absoliito (Carta Cnnstitiiiiuiial,


art. 5 8 . O ) ; coiitrariamente a constituiçiio de 1622 estabe-
lecera, no RRII art llO.O, o veto ~iispensivo. Na generali-
dade d a s constitiiic;ões eiiropeias teiii o veto absoluto : vrj.
Posada, Trutado d e derrcho politico, 1894, t . 11, pag. 5 7 0
e sepg. ; C;irnnieo, Dellií ntnnifeutazionc! delln volontd ilello
Stato lzel cccnzpo dsl diritto arnrni~~iatvcttivo,apud Prinjo

pag, 442 e segg.


I.-PAKTE GERAL 71

lei, como preceito obrigntorio, t? a publicação, isto


8, o acto pelo qual s e dá coiihecimento da lei aos
oidadãos (d.ivulgatioprorrzulgntionZs)e se torna obri-
gatoria.
Com excepção da Inglaterra, onde a declaraç50
d a sancçgo regia no parlamento torna, sem mais
formalidades, obrigatoria a lei, entendendo-se que
todos os cidadgos, por via dos seus representantes,
participam na sua f'ormaçiio, e doa Estados Unidos,
onde a piiblicagtio niio B necessaria, todos os de-
mais Bistados reconhecem a necessidade de tornar
conhecida a lei (1). Constituiiido uma simples so-
lémnidade, que nada accresoeiita ao valor real da
lei, a publicaçiio, que para, alguns escriytores re-
presenta o segundo momento da promiilgaqão (21,
envolve não a certeza do conhecin~entoda lei, mas

(I) O systema adoptado na piibiicaçko das leis, nos di-


vereos tempos e entre os diversos povos, 6 que tem variado
com os progressos successivamente realisados nas fórrnas
de manifestaç80 do pensamento humano. O pregâo, a gra-
vura, a escripta, a imprensa, a affixaç80 - teern sido os
meios empregados, jB sucressiva, já simultarieamente, na
publicação das leis.
(2) Sobre a distincçfo entre proiiiulgaçâo e publicay80:
Huo, Comnlelituire théorique et pratique du code c i ~ i l 1,
t. r, pag. 30 e segg. ; Morelli, Lu fonzione legislativa cit.,
pag. 217 e segg.
72 D1KEIl70 CIVIL POKTUI:UEB

a presumpçih de que todos ficani por esta fórma


notificadoa da sua emistencia com força obrigatoria.
Singueni +de, por consequencia, invocar a igno-
rancia da lei para preterir a siia observancia.
Alguns auctores, stdmittindo o principio geral
de que a ignorancia da lei, depois da piiblicação
d'esta, a nmguem aproveita, entendem, todavia,
que tal principio 6 siisceptivel de algiimas niodifi-
cações na pratica, no caso de força maioi., que
torrie impossivel aos individuos de certa pi.oviiicia
o conhecimento da lei, ou no caso de ausencia eirr
paiz estrangeiro, ao teinpo da p~-orniilgaçãoda lei,
oii na hypothese de se tratas de leis dispersas e
extravagantes.
Mas, se a primeii-a d'estas excepções, Ioiigc (le
destruir o principio. veni corifirmal-o, poris.1, ciiie.
sendo seu fuiidaniento a inipossibilidade dii 1,ii l)li-
caça0 da lei, a ignorancia d'esta deve adrnittir-se,
visto que a sua public,a+io não se fez regulariiierite,
quanto As diias iiltinias affiguram-se-110s ell;~.des-
titiiic1;is de fitndamento, jd porque nAo ha r;tz,lo
para eximir do cumprimento da lei os cidadiios do
Estado, cliitindo as leis de um paiz sobre dadas
riiaterias obrigarii airictu os proprios estrangeiros,
jirL l ~ o r q ~as
i e leis, pelo facto de teimeili sido legitiniit-
niente piiblicadas, obrigiini. indepeiidenteiiiente tla
siia codificação.
Assim o enteiideri o legislador pertuguês, que,
I. -PAILTE GERAL 73

seguindo a tradiçgo romanista (I), mantida ria ge-


neralidade das legislaç6es, forrnilloi~,no artigo 9."
do codigo civil, o principio de que tningriem póde
eximir-se de ciimprir as obrigações inipostas por
lei, com o pretexto de ignoruncia d'esta . . . n .
Mas, susterituretiios, com Silva Bruschy (2), que
o desconhecimento ou ignorancia da lei exime do
crlmpriinento das obrigações, que a mesma lei im-
pCie, desde' que seja um facto real e não uni simples
pretexto '!
Baseada no argumento a contl-avio sensu, esta
interpretaç8,o tem sido unanimemente rejeitada,
por incompativel com a doutrina, que expiisdmos,
sobre o effeito juridico da publica,çRo das leis (3).

(1) É expressa a L. 12, C'od., de juvis et fact. ignorant.:


a Conutitutiones principum nec ignovare qzcemquam, nec dis-
si~nularepermit L Z' T ~ Z C S» .
E n t r e n6s, j B a Ordeiiação Maiioelina declarava, no Liv. I,
tit. LXXVI, que cfizeinos.. . esta Ley e Ordenaçaui, pera
se nom poder aleguar ignorancia~,e a Lei de 9 de setem-
bro de 1749 consignava que anão se deve relevar a igno-
rancia do que a todos se faz puhlico e notorio..
Vej. Sr. Dr. Paiva Pitta, Estudo sobre u igno7.nncia ou
erro de direito, 1871, pag. 17 r segg.
(2) Manual de Direito Civil Portugziês, 1868, t I ,
pag. 8 e segg.
(3) Vej. D r . Dias Ferreira, Codigo ciuil yortzcguês an-
notado cit., t. i , pag. 21 e 22.
IR, 3 a CAD. 10
A piiblic;iç$o d:t lei twneiste n:t siia inserçã,~na
follia officii~l tlo govei-iio, hoje Dicr~iod o Governo,
ein liarnionit coni c) disposto no decreto de 19 de
agosto rle 1833, relativamente ao continente e ilhas
;icl.jaceiites (1).
No Ultramar, t publicaç5o faz-se no Boletim
q'cial de cada prorincin. Em alguns diplorrias
tleclara-se, porem, que se tornam obrigatorios in-
tlependentenieiite d'essa pirblicação, e a port;ii-ia
de 25 de jiilho de 1895 determina, de um niotlo
gerítl, qiie basta a publicação no Boletim o@cz'nl cio
diplonia qiie mandar execiitar as leis ou regida-
nientos no nltramar, se j;6 estiverem em vigor no
contineiitc do reino e, por consequencia? piiblica-
dos no Diai-io do Governo ( 2 ) .

d ) Cvorneço cle t i g m i a da lei. Porque a publicii-


qão da lei não basta para dar-lhe notoriedade, pro-

( I ) A administraçâo geral da Imprensa Naciohal foi aii-


ctorisada a dar á estampa e fazer inserir na collecção
official nal6ni dos diplomas legislativos e regulamentares
publicados no Dialio do Governo, todos os que tiverem
força de obrigar, quer se achem ineditos, quer estejam
impressos em escriptos aviilsosn.
(2) Vej. Portaria de 15 de fevereiro de 1894, Acerca
das regras para a publicapno dos diplomas officiaes nos
boletins dos governos das provincias ultramarinas.
I. -PARTE GERAL 75

curararri, na siia generalidade, as niodernns legis-


lações fixar ilnl perioclo (uc~catioZeges), que se reputa
iridis~)ens:rvel,irias sufficiente, para que ella cEiegiie
ao corilieciiiieiito de todos. Nem todas as legisla-
<;Ges,poriiiii, coiiseguiram emí~ncipar-sedn tradição
roniaiiista, segundo >L qual a lei a . . .die quo pro-
rnzilyat(i est suas vires obtineti, (1).
A niialyse das legislações actuaes perniitte-nos
distingriii. tres systeirias relativaniente ao começo
d a vigencia d a lei :

1) systema da ob~igatoriecladeimrnediata da lei,


seguido pelo direito inglês, austri:~co,ba-
varo, saxoiiio e riisso : a efficacia da, lei e
as consequencia,~ jiiridicas que d'ella deri-
vam começam com a siia prornii1gaç;io.
A inipossibilidade indicada da diffiisão
do conliecimento da. lei, seni o deciirsu de
u m certo praso de tempo, torna este sys-
tema inacceitavel. Como admittir :i presiim-
pção absoluta da possibilidwdc de corilieci-
mento 'da lei, qiiando se deirionstia a real
iinpossibilidnde d'ella sei. coliliecida? Assim,
as legislações pi.ocuiVa,ranifixar um tei6inc)
para obrigatoriedacle.

(1) L 65, C . , De decurion. Foi tambeni o systema ad-


inittido pela legislaçiio da Revoluç50 francesa.
2) systema successivo, adoptado pelo legislador
francês, hollandês, allem8o : estabelece-se
para a vigencia da lei um praso mais oii
menos longo, segundo a distancia da8 di-
versas paistes do territorio do Estado.
Se Q certo que o methodo si~ccessivo
apresenta as vantagens, indicadas por
Fiore (I), da execuç8o da lei apenas l ~ g a l -
irlente conhecida e da impossibilidnde de
fraiides por parte de quem conhecesse a
lei contra aqnelle que a ignorasse, 1150 lo-
gram ellas compensar os gravissiinos in-
convenientes de tal systenia: a falta de uni-
formidade, transitoriamente, n a legisl;ic;.5o
de um Estado e a difficiildade de deciclii. as
controversias sobre cousas ou entre i i 1 1 l i y v i -
duos si~bmet~tidosa leis diversas. E a graritle
facilidade das cnmniunicações veio afastar,
ao menos para o continente, uma das ra-
zões em que se baseava o systema succes-
sivo.

c) systema s y n c h r o ~ ~ou
i c ~in.stnntaneo seguido pela
legislaç8o italiana e belp : a lei torna-se
obrigatoria depois de certo espaço de ternyo

(1) Uelle disy~osizionigenerali sulln pubblicazione, upl)li


cazinne e d interpret~izionedelle leggi, 1890, t . I , pag. 72.
e no mesmo momento para todo o territorio
do Estado. Mais conforme á indole da lei,
e impedindo a possibilidade de diividas e
de questões sobre o obrigatoriedade, o sys-
tema syrichronico é, tambem, como escre-
vem Chironi e Abello (I), mais harmonico
com as condições sociaes de hoje, em que a
imprensa periodicn torna facilmente possi-
vel n todo o cidad Ro conhecer a existencia
e o conteúdo da lei.

Notando que os ternios fixados, em principio,


pelas varias legislações cedem perante disposiçih
em contrario da lei promiilgada, direnios que entre
n6s vigora o methodo successivo, determinando-se
na lei de 9 de outubro de 1841 que a as leis coiiie-
çam a obrigar ein Lisboa e sei1 termo tres dias de-
pois d'aquelle em que foretn publicadas no D i a r i o
do Governo; nas mais terras do reirio quinze dias
depois da mesma piiblicaç80; e nas ilhas adjacen-
tes oito dias depois do da chegada da primeira ein-
barcação para co~iduzira participaçgo oficial da
lei^ (art. 1.').
No ultraniar, as leis começam a vigorar, na ca-
pital da provincia, tres dias depois da sua publica-

(1) Trattato di diritto civile italia.rio, cit., pag. 28.


ção no Boletiv~toficial, e, nas restantes terras, quinze
dias depois.
Applicavel tambem aos decretos e regulamentos,
este methodo foi, todavia, por vezes, preterido pelo
legisladoi., quer eni nome doa interesses geraes do
Estado, qiier ein vistil da boa cornprehensão dos
dil)lonias legislativos e d a exacta tipplicaç5o da lei:
enciirt:indo-se, n o priiiieiro caso (I),e alongando-se,
no seg~indo(2), o pr;iso para R execiição das leis.

(1) Assiin, por exemplo, o decreto de 29 d e março de


1890, que, remodelando os preceitos reguladores da liber-
dade de iiupreiisa, determinava que entraria erri vigor :
em Lisboa, no dia iinmediato ao da sua publicaçEio; nas
proviiiciae, tres (lias depois; e, nas ilhas adjacentes, tres
dias depois d a rhegada da primeira embarcação que con-
cliixisse a participaçao oficial do decreto.
Por rezes, estabelece-$r que deterininado diploma legal
rritrar8 em vigor irumed;ataiiientt A siia publicaçiio : 6 o
que succede com certas ! v i s fiscaes, v. g. o decreto de 31
de dezembro de 1897 (oi~ranisaçffo e adininistraçElo da fa-
zenda publica), art. 70.",r o qiie expressamente r s t a b ~ l e c a
o a r t 6 . O do decreto de 23 do corrente, determinado pela
((necessidade de se tomarem providencias iininediatas e
excepcionaes para frustrar designios criminosos contra a
segurança de pessoas e d a propriedade ou contra a srgii-
.
rança do Estado. . o .
(2) Um diiplo syqtc&matein sido, porém, adoptado pelo
legislador qiiaiido, pela extensgo e complexidade de novos
I. -PARTE GERAL 7'9

e) Revogação da lei. U m a vez publicada.: e R

niiio s e r que ella mesma, iniplicita ou explicita-

diplomas legaes, se torna necessario alongar o praso geral


d a execuç8o das leis. Assim
a) por vezes, ordena-se que esses diplornas entrem ein
vigor decorrido certo praso: tal o caso da carta de
lei de 1 de julho de 1867, que approva o codigo
civil, e que nianda entrar em vigor as disposições
seis meses depois da sua publicação no Diario de
Lisboa (art. 2 . O ) ; da carta de lei de 8 de novembro
de 1876, que approvou o codigo do processo civil
(art. 2 . O ) ;
C) outras vezes, determina-se, precisamente, o dia em
que essas diploiiras coiileçarão a vigorar: n'este
caso, a carta de lei de 28 de junho de 1888, que
approvou o codigo conimercial e que determinou
(art. 2 . O ) que as suas disposições começariam a vi-
gorar no dia l," de janeiro de 1889; o decreto di-
ctatorial de 24 de janeiro de 1895, qne, approvando
o codigo de processo conimercial, declarava que as
suas disposições entrariam em vigor no dia 1 . O de
julho do mesmo anno (art. 2."); o decreto de 28 de
julho de 1899, qiie approvou o codigo de fallenuias.
Mas, a conveniencia de evitar duvidas e difficuldades
sobre a contagem do teinpo torna o segundo systenia cla-
ramente prehrivel.
Porque o começo da vigencia do codigo civil fic4i.a de-
pendente do dia da publicação, surgiram divergencias
Acerca d'aqiielle : uns entendiam que, terminando a puhli-
caçlo do codigo na folha official no dia 21 de setembro de
ment,e, tenha fixado o 1iniit.e da sua vigencia, a lei
não s6 sobrevive It aiictoridade que lhe deu vida,

1867, os seis meses findavam em 21 de março de 1868,


preterindo-se o principio - dies twmini non comp~taturi92
j outros, computando os uieses de 30 dias, opina-
tc,riizi?~o
vain que se deviam contar 180 dias depois do dia 21 de
seteiril>ro, devendo entrar o codigo em vigor no dia 20 ele
iiiai-<;otle 18(i8; outros, finalirivnte, eram de parecer que
os meses deviam ser contados segundo o calendario grego-
riano, e, portanto, de data a data, desprezando-se o dia
em que havia sido ultimada a piiblicaçao na folha official,
devendo entrar o codigo em execuç8o no dia 22 de março
de 1867.
l<elativamente ao codigo de processo civil as mesinas
difficiildades se levantarani. Contando os seis meses ria
razzo de trinta dias cada mês, nos ternios da O~dewação
(liv 111, tit. XIII: .sendo assignrrdo teririo de niês ou de
anrio, o mês se entenderia de trinta dias), sustentavam al-
guns que o codigo de processo civil devia vomeçar a exe-
cutar-se em 9 de maio de 1877, por terem terininado no
dia 8 os 180 dias, contados desde 9 de novembro de 1876,
ein que acabou a piiblicaçh do texto do codigo; outros, e
entre elles Bernardo de Serpa, entendiam qiie aquelle co-
digo devia entrar em vigor eiii 16 de inaio de 1877, porqiir,
contando os seis iiiêses desde 16 de noveiiibro (dia eixi que
teririiriou a publicação no Diccl.io,do Governo, e nào rio dia
!I, como errad;iruente se siippCis, porque as tabelias nfio
tinham sido piililicadas), estes tei+tninavam ein 15 d'aquelle
iiies, de Iiarmoiiia corii ;I Ordenação, coiii o art. 50 d a lei
de 1 6 de junho de 1833, que tornou esta oi.denaçELo exteri-
I. -PARTE GERAL 81

mas siibsiste, eni principio, indefinidamente, atd


que uma lei contraria venha annulal-a, fazendo
cessar a aua força obrigatoria.
A faculdade de revogar as lei^, que deriva, conio
consequencia necessaria, da fiincçiio legislativa,

siva a todos os termos judiciaes, ou fossem fixados pelas


leis ou assignados pelos juizes, com o art. 560.O 5 2." do
codigo civil e com o art. 68.' do codigo de processo civil,
que declaram o mês sempre de trinta dias; a Revista de
Legislação e de Juvi~prudenciu (anno X, pag. 4 e segg.)
secnia opiniso diversa, baseada em que: 1." conforme o
USO vulgar, um grupo de inêees conta-se de data a data,

sejam quaes forein os dias que o calendario assigne a cada


um d'estea, bastando attender ao dia da pratica do acto,
que constituiu o direito e a obrigagho, para imrnediatamente
se determinar o dia em qiie a obrigaçlio se torna exigivel;
2.O - assim ordenava o codigo corrimercial de 1833, então
em vigor, que fossern contados os grupos de inêses (art. 265.O);
3.'-d'este modo se contaram os seis mêses assignados pela
lei de 1 de jiilho de 1867 para a execução do codigo civil,
dos differentes decretos e leis, que successivamente proro-
gam os presos para o registro dos onus reaes de servidão
e quinhgo e para exigencia de fóros vencidos ao tempo da
proiniilgaçiio do mesmo codiao. Para resolver estas duvi-
das, teve de ser expedido pela direcção geral do rninisterio
dos negocios da justiça o offitbio de 17 de abril de 1877,
que assentia a esta ultima opinião. Vej. Sr. Dr. Chaves e
Castro, Orgcrnisngüo e comperencin dos tribunaeu de justiçu,
pag. 50 c segg.
Dra., 3 . O CAD. 11
pertence aos orggos que exereem esta f i i n c ç k :
a oj, e& abro&e leges, rujus esf coade~eD (1). Não
póde, portanto, presumir-e, nem basear-se no des-
uso oii costume contrario A lei. E a natiireza da sua
nuctoridade inteiramente Forinal implica a conse-
quencia de qiie a simples rnodificaç80 das circuin-
stancias, que inspirarani o11 determinaram as per-
scripções da lei (motivos da lei), não iriflue n a sua
efficacia, se não appareee, de um modo indubitnrrl.
uma completa a1teraç;io nas condições dn sua dis-
posiqão.
O cai.:~cter da certeza, que Q o signal distinctivo
d ; ~lei e a torna um modo aperfeiçoado de produ-
C S ~ Ojtlrirlica exige, como diz Capitant ( 2 ) , qiie ii

siiii forqa ohrigatoria nilo possa ser discutida, sob


pretexto dc que as t~~;iiisforin:ições sociaes realisa-
tl;is postei.iorniente t'í s i i i i pi.ornulgaç,?o a tornam
iiiutil oii perniciosa.
S6 ii'aquclle iiltiiiio caso e coni aquella impor-
tante reserva póde ad~iiittir-sea niaxinia -cessante
vatione leyis, cessat ejzis di.cpositio (3).

( 1 ) Vqj. Carta Constitucional, art. 15.", 5 6.O


(3) lntroduction a 2'étlcde du dmit civil cit., pag. 46.
(3) Entre nds, a despeito das disposições insertas nos
cocligos, revogando todo o direito anterior relativo As iiia
terias que se t8ein proposto regiila~.,ainda se eiicontrarii,
todavia, eni vigor antigos actoe It-~gislativos.Vej. Lei de
I. - PAIVL'F:GERAL 83

Por varias fórmau póde o legislador p6r termo


B lei:

1) relativanient,e ao seu conteúdo oii extensão,


consideradas as leis conio diplomas em,que
se contêni differentes dispo~~iqCjes
oii normas,
n força obrigatoriri da lei póde cessar pela
revogagdo total (abrogaçdo) ou parcial ( d e ~ o -
gagão), segundo importa a inefficacia de
todas :LS disposições da lei preexi~t~entes oii
011 s6 de parte d'ellas (1).

2) relativaniente h forma porqiie se manifesta a


vontade do legislador, a revogação póde
sei. expressa oii tacita, conforme resulta da
declaração formal, em lima nova lei, de que
ficam sem effeito ceiqtas leis anteriores, no
todo ou eni parte (ta1 é a i-evog:~~Rodas leis
civis anteriores :to codigo civil, feita pelo
art. 5.' da lei qiie approvoii e prornulgoii o

23 de julho dt11850 (expropiiay5es por titilidade piiblira) ;


Codigo Civil, art. 1 7 0 0 . O , etc. Vrj. S r . Z)r.'í'eixeirti de Abreii,
Liç?ies de direito civil p o ~ t ~ ~ p i d1898,
s , pag. 188 e segg.
(1) aLex abi.ogcltíw, diz Ulpiaiio (Frag. 3, De legibus)
id est priov t e z tollitui~;lex dei.ogc<tuv, irl e ~ tpars , pr-iiune
legis to2litzcrn. Vej . Fiore, Dellu d i s p o s i z i o ~ ~gene~.cili
i vi t . ,
t . 11, pag. 596 e s~gg.
84 DIREITO CIVIL ~ 0 1 2 ~ ~ 0 ~ 8 8
-
mesmo codigo) : OU da incompatibilidade
existente entre as disposições de uma lei
nova e as de outras leis anteriores.

Prefeisivel o systema da indicação taxativa das


leis e das disposições, que devem considerar-se
revogadas, s6 póde elle ser, todavia, facilmente
adopt,ado quando se trate de leis especiaes; na
liypothese de leis geraes ou de codigos, a necessi-
dade de evitar as nntinomias, os conflictos e as
duvidas resultantes das iiievitaveis omissões na
eniiineração das leis preexistentes, impõe a admis-
são da revogação tacita. applicando-se o principio
geral - lex postem'or derogo! priori.
A formi~la--f;ca revoguda a legislaqão em con-
trario, que geralmente constitiie o ultimo artigo
das leis, não é. visto qiie n'ella n5o se determina
essa legislação. seiiAo :I c~onfirinaçãolegal do prin-
cipio da revogaqiio tacita. e evidentemente super-
flua, porqiie, nào podendo coexistir conio noimias
da vida social disposições contrarias e incompati-
veis, ha de ficar vigorando a iiltinia.
O principio geral qiie deve reKiilni. a revogaçso
tacita é o de qiie com a vigenciu da lei nova devem
considerar-se revogadas todas as disposições da lei
antiga que estejam em opposição oii antinoniia coni
aquella, de modo que seja impossivel applical-as
conjiinctamente As i*elações socines que regiilam.
Consequentemente, qiiando a lei nova seja directa-
mente contraria ao principio que serviu de base &
antiga, a revogaq8o deve considerar-se estendida,
indistinctamente, a todas as disposições d'estn:
assim a lei de 1 de jultio de 1867, declarando,
simplesmente, no artigo 1."- tfica abolida a pena
de morte n , veio revogar todos os textos relativos
á pena de morte.
Quando se n50 verifique a absoluta incompati-
, bilidade entre as disposiqões da, lei nova e da lei
antiga, não se dará a revogaçiio -posteriores leges
ar1 piores pertinent nisi contrarice sint, excepto no
c.;iso em qiie aquella reprodilza as disposições d'estn
ou regule inteiramente as relaqiies socines a que
era applicavel ; nem, qiiando a incompatibilidade
seja duvidosa, 6 licito admittir a revogaçlo por
presumpçh, competindo ao interprete fazer deu-
apparecer a antinomia.
E, como a revogaç3o tacita suppõe uma incom-
patibilidade formal, niio resulta ella necessaria-
mente, quanto ás leis que regulam materias espe-
ciaes, do facto d a proniulgaçKto de uma lei geral
posterior: reciprocamente, a respeito das leis ge-
mes, não deriva ella, inevitavelmente, de unia lei
especial posterior. Com eff'eito, se a introducção
de uma excepção não Q incompativel coni a exis-
tencia da regra e, antes, a confirma, tairibeni a in-
trodiicção de lima regra geral não 6 incompativel
com n e~ist~encia, de unia. concepçrio preestabele-
cida : legi speciali yer generalem non dwogatur, nec
gencrclli per specialem.

17. - ContinnaqAo : faculdade regulamentar da


admlnistraq~o.
Se a lei nfto tem como caracter essencial ser
abstracta e geral, nRo 6 menos constante qiie, na
maioria dos casos, ellil se litiiita a eéitabelecer prin-
cipios, sem enti-ar nap niiniicias da sili1 applicaqi?o,
por vezes, mesmo, sem deduzir todas as conseqiien-
cias, que d'elles implicitamente derivam, Tudo o
que, fóra da detei.ii~inaçGodas i-egras fiindamen-
taes e das f6rn)as easenciaes, solicita mais a acç2o
da aiictoridade qiie administra, do qiie R interven-
ção do poder que institúe e cria, entra nn espliera
do regulainen to.
Lei material e acto administrativo foivmnl, o re-
gi~laniento- diplomn eiiiantido de iim orgiio ud-
ministrativo, independentemente do coiicurso clos
orgiXos lej$~l;~tivos -recebe, considei.ndo eiii s t ~ i
aspecto generico (em ol)l,osiçiXo k lei eni seiititlo
tecliiiic=o),e attendendo rí siin divers:~indole, nni:i
triplice denominaçRo :

a) reglilamentos indep~ndentcs: ligo se i1dsti.iii-


gem directanieiite n iitna lei : sRo eriiittidos
eni virtude dos podei.es proprios conferidos
80 rei pela ooi.rstiti~iç&o,
pelas leis e pelos
costumes.

6) i.egulamentos de exem@o: estabeleceni a s


normas secundarias para a effectivaçzo
irnmediata da lei.

c) regulamentos delegados : fundam-se em iimn


auctorisaqiXo legislativo especial, sem serem
de mera execuçiio (1).

Diversas silo a s denominafies que, pela siia


firma e conteúdo, recebem os diplomas que, pro-
venientes do podei. execiitivo, t,radiizrm o regiila-
iriento n'aqiiella ampla accepçiio.
A Carta Constitiicional, visando uma das classes
apontadas, expressamente consigna, entre as attri-
biiições do poder execiitivo, a de n expedir decre-

(1) Os esc*riptor~eallemles distingiieni, geralmente, os


regulamentos em regulamentos juridicos e administrativos
(~'erwu~tur~gsuero~d?~t~ngenj: aquelles contêm normas de
direito objectivo, estes simples instriicgões As aiictoridades
e aos cidadãos, rios limites do direito vigente, para o exer-
cicio da adininistraç20. Vrj. Sr. Dr. Guituariies Pedrosa,
CCL~SQ de seitrzciu d a udminiati-ação e diveito udminist~.atiuo,
Parte ir, 1904, pag. 16.
tos, insti-neqões e regwlamentos adequados B boa
execuçgo das leis D (I),

a) Decretos. -
Distirictos dos deeret,os das côrtes geraes, a que
já nos referiiiios, s50 OS decretos d o poder execii-
tivo, eni qiie Q possivel distingiiir varias especies:

I) decretos contendo materia propriarneiite le-


gislativa, abrangendo :
a) os decretos publicados em virtude d e
uma delegaqão especial e expressa do poder
Zegislativo (2), o qual por vezes delepa n o
governo a faculdade de desinvolvcr c coni-
plet,tr as normas geraes qiie se coritdm n a
lei. Assim, 1101-exemplo, o codigo (.i\il in-
stituindo o regist,o civil, determinou, no ar-
tigo 2457.'. que a parte organica das res-
pectiv;is repartições e a f6rma do registo
seriani determinadas em regulãnicfirito.: es-

( 1 ) Vej. Carta Constitucional, art. 75.' 5 1 2 . O


(2) P a r a designar taes decretos adoptam alguns escri-
ptores a expressão decretos leyislativox; outros prociirain
resuscitar o terino c1assic.o Lsx lata, com qilr, no direito
romano, se indicava t i lei eiiianada do poder rxecutivo
como delegado do legialativo.
I. - P A I ~ T EGERAL 89

peciaes (1). Estas normas constituem parte


integrante dii. lei, tendo, dentro dos limites
das faculdades delegadas no governo, a
niesma forqa obrigatoria que aqiiella. Ein
tal caso, o governo d a r i conta As cbrtes, logo
que estas se reunam, do uso que fez da dele-
gaçuo ou aiictorisação que ellas lhe deram.
O acto do poder execiitivo, que exoi.bite
da delefiaçiio, não tem efficacia de lei e ao
poder judicial compete conheces se a acção
do goveisno se cont61ri justamente nos linii-
tes prefixados pela delegaç50, proniincis~ido,
no caso contrario, a snn inconstitucionali-
dade.
p) os decretos chamados dictatoriaes oii
com f o y de lei, que comprehendem pro-
videncias legislativas qiie o governo toma,
em virtude de circiimstancias que reputa
extraordinarias, 1180 estando reunidas as
cortes, usurpatido fuiicções a estas perten-
centes e assumindo a dictadiirtt.
Tambern n'este caso tem o governo de
siibmetter taes decretos iL apreciação das
côrtes, ~edindo-lhespor meio de uma pro-

(1) Vej. Carta de lei de l de julho de 1867, art. 4 . O e


Regulamento de 28 de novembro de 1878.
DIE.,3.. CAD. 12
posta de lei, pela presidencia do consellio de
ministros, que ellas o relevem da responsabi-
lidade em que incorreu promulg-ando medi-
das de indole legislativa. Ao bill de indemni-
dade ou lei de isençno de responsabilidade
ministerial serve de base aqiiella proposta.
y) os decretos que, occupando uin logar
intermedio eiit,re as duas especies de decre-
tos indicados, comprehendem as medidas
legisla$ivas de caracter urgente, para as
provincias ultramariiias, decretadas em con-
sellio, iio interva.110 das sessões parlamen-
tares (1). Ainda n'este caso, o governo tem
de siibnietter á apreci:tçGo das cdrtes, logo
que se reunam, as medidas tomadas.

2) os decretos publicados pelo governo no exer-


cicio das suas proprias att.ribuiçfjes, com-
prehendendo :
a ) os decretos regulamentares sinlples, -a
fórma adequada aos decretos provenientes

(1) Acto addicional de 5 de julho de 1852, art. 1 5 . O


5 1.".
Sobre a discussão travada nas cortes constitiiintes de
1832 Acerca d'este artigo, vej. Sr. Dr. Lopes Praça, E s -
tudos sobre n Curta Co~istitucional de 1826 cit., t. 111,
pag. 49 e segg.
I. -PARTE GERAL 91

do chefe do estado jure proprio -, que con-


tém as proprias disposições regulamentares.
Sgo, em regra, dados em virtude do relato-
rio do ministro competente.
F) os decretos que approvam regulamen-
tos de adniiiiistração publica, que não in-
cliiem as disposições regulaiiient~irese são
dados pelo chefe do est,ado para revestir d e
aiictoridade os regulamentos tendentes á
eseciição das leis.
i) os decretos especiaes oii individuaes,
que poderiamos clianiar de simples expe-
diente, e qiie não constitiieiii lei, no sentido
de norma juridica de caracter geral : são os
dados em vista do relatorio oii parecer do
ministro para cada um dos actos de admi-
nistraçzo qiie exigem esta f6rma authentica
e solemne de piiblicidade, como os que
concedem pensões oii nomeiam alguein para
fiincções publicas.

Os decretos, qualquer que seja, a sua fórma,


a50 sempre redigidos como se fosse o proprio rei
que em seu nome os fizdsse, e são por elle assigna-
dos e referendados pelo ministro ou ministros das
xespectivas secretarias de Estado (1).
7-

(1) Quando feitos em cumpriinento de uma expressa de-


92 DIREITO CIVIL PORTUQU$S

. b) Regulamentos-
Os regulanientos são cliplomas emanados dos
membros do poder executivo, contendo disposições
que explicam ou desinvolvein o pensamento e os

terminaçfio legal oii no uso da faculdade concedida pelo


acto addicional de 5 de julho de J 852, os decretos coine-
çam por invocar a respectiva disposi$io.
Contendo medidas dictatoriaes, começam, geralnieiite,
pela fórmula: aAttendendo ao que me representaram os
ministros e secretarios de Estado de todas as reparti-
.
qões. . o , introduzindo-se a expressão apara ter força de
lei^, ou mandando-se, em unia disposição final, dar conta
4s cortes das disposições que careçam de sancpão legisla-
tiva.
Os decretos publicados pelo governo no exercicio das
suas prnprias attribiiiçces começam pelos consideraiidos
ou exposiçLo dos motivos, que os fundamentam.
Depois do principio, redigido por qualquer das fórmas
referidas, vem a phrase: «Hei por bein decretaru, seguin-
do-se o conteúdo do decreto, em artigos ou em uma sim-
ples disposição, e terininando pela fórmula : « O ministro
(ou ministros) e secretario de Estado dos negocios de. . .
assim o tenha entendido e faça executaru. Segue-se a in-
a c a ç l o do paço e a data, a assignatura do rei e a refe-
renda do ministro ou ministros.
Nos decretos que approvam regulamentos vem a expres-
d o : uHei por bem approvar o regulaniento que baixa
assignado. . . D ; e nos decretos individuaes diz-se : aHei
.
por bem conceder. . B ou uHei por bein nomear. . D..
I. -PARTE QEKAL 93

preceitos de iirria lei oii de um decreto e que regu-


lani a sua execuç,=io.
N N'estes actos, escreve o Sr. Dr. Lopes Praça (1),

prescrerem-se as niiniiciosidades, os meios, as pro-


videncias iiecessarixs para a mais facil applicação
d a lei e para vencer os obstaculos e difficiildades
que poderiairi impedir a sua execiiçAo. Por elles se
deterniiiia á acção do poder executivo e de seus
agentes no desempenlio de sua,s funcções; sem elles
as leis não poderiani applicar-se, ou exigii-iam con-
tinuadas alterações e mudanças u .
Os regiilamentos que, embora de ordem execu-
tiva, devem ser observados e ciimpridos da mesma
f6rnia q i i e as leis, jA porque o governo 4 compe-
tente para os publicar (2), já porque as normas
executivas se contêeni implicitamente nas disposi-
tivas, - sao mandados executar por decreto do
chefe do Estado.
Porqiie n'estes decretos vem, por vezes, contidas
--

( 1 ) Estudos sobre n Carta Constitucionul cit., t. r i ~ ,


yag. 46.
(2) Carta Constitucional, art. 75.' 5 12.O. Quando con-
tenham normas contrarias A lei, os regulamentos nlo de-
vem cumprir-se.
Vej., n'este sentido, os accordãos do Supremo Tribunal
de Justiía, de 22 de fevereiro de 1901 e 21 de outubro
de 1002.
as disposições regulamentares, d8-se a taes diplo-
mas a designaçAo de decretos ~egulamenta~es.
O decreto 4 assignado pelo chefe do Estado, o
regulamento pelo iniriistro respectivo (1).
Geraes oii especiaes, segundo abrangem os gran-
des serviços publicos, interessaiido a geiieralidade
dos cidadgos, ou i~espeitanis6 a uma deteriliii~ada.
f r a c ç h o10 territorio, instituto publico ou de utili-
dade piiblicix ou corporaçsio, os regillameritos diffe-
reni das leis:

a) as leis estabelecem as normas geraes em cada


determinado assumpto ; OB regulamentos
descem As minucias da execuçiio ;

b) as leis determinani as fórmas essenciaes do


exercicio dos direitos; os regulamentos oc-
ciipam:se de precauções provisorias ou ac-
cidentaes, de objectos variaveis ;

c) as leis deveni ter um caracter d e generalidacle


e de persistencia ; os regulamentos devem

(1) A fórma geralmente adoptada é a de ser o regula-


mento precedido do decreto que o approva, çoiiiecando
aquelle logo pela parte dispositiva, em fórma de artigos, e
terminando com a data e a assignatiira. do ministro ou minis-
tros respectivos. O rei assigna s6 o decreto de approvação.
I. -PARTE GERAL 95

accommodar-se 6s cii-cumstancias, procii-


rando, de liarnionia com ellas, pôr em exe-
cução as regras geraes das leis;

d) as leis emanam do poder legialativo, isto 6 ,


das cortes ooni a sancçto do rei, seguindo
todos os tramites indicados na Carta Cons-
titucional ; não assini os regiilamentos que,
provindo do governo, niio carecem de taes
requisitos (1).

Nos regulamentos devemos distinguir :


1) os Regimentos -diplomas que têm por obje-
cto a organisação ou funccionaniento de tribunaes
ou de corporações ou que determinam as attribui-
ções referentes a um cargo ou officio, ou que fixam
legalmente os preços dos medicamentos, têm a de-

(1) No art. 110.O da Carta Constitucional estabelece-se


que aos conselheiros seriio ouvidos em todos os negocios
graves e medidas geraes de publica adiiiinistraçfo. . . :
mas, tendo passado para outros agentes consultivos attri-
buições de consulta administrativa que anteriorinente coiii-
petiam ao conselho de Estado, são esses agentes (conforme
os casos, o Supremo Tribunal administrativo, a Procura-
doria geral da coroa e fazenda, etc. I os ouvidos aotual-
mente. Vej., sobre a distincção entre lei e regiilamento,
Moreau, Le ~Èglementadministrutif, 1902, pag. 2 e segg. ;
Jellinek, Gesetz und T7erordnang cit., pag. 238 e segg.
96 DIREITO CIVIL POHTU~U$S

signaçgo de regimentos. Tendo a mesma fórma que


OS regulainentos, são, como estes, precedidos do

decreto que os approva ;


2) as P o s t u ~ n s- regiilamentos ordenados pelas
cainaras municipies para a policia do concelho, e
competentemente N P P F O V R ~ O S .

c) Instruc~ões-
Sao os diplomas em qiie os ministros desinvol-
vem e esclarecem os regiilamentos ou ordens clo
governo c resolvem as dificuldades que se susci-
tam na sua execiição. Quando n'ellas intervem o
chefe do E~taclo,s5o 1)r~cedidas de decreto (e entAo
eqiiivalem aos regul;~iiien tos) oii de portaria que
as approva. Silo obi.igatorias simplesmente para
as auctoridades L: qneiii s5io dirigidas e para os
casos a que especialmente se referem (1).

d) Portarias -
São os diplomas qiie contêm as ordens verbaes

(1) Tragadas do siiperioi para o inferior, as instrucções


eRo dadas, por vezes, em fbrma de artigos, como os regu-
lamentos ; outras, em proposi<;?Jesnumeradas ; outras por
divisões, formando capitulas, sem designaçiio de artigos.
SLo datadas do papo e assignadas pelo ministro compe-
tente ou pelo respectivo director geral, ou, ainda, pelo
chefe da repartição por onde corre o assumpto.
1. - PARTE GERAL 91

do rei, expedidas e assignadas pelo ministro respe-


ctivo e dirigidas As auctoridades siibalterrias. São
expedidas em nome do rei, que, todavia, n8o as
a s s i p a (1).
NBo tendo força de lei geral, a s portarias têm,
comtudo, obtido auctoridade em legislaçiXo, como
voto ou interpretaçno do governo, e s f o obrigato-
rias, quando conformes com a lei oii regulamento,
para o caso especial de qiie tratam. Muitas vezes,
equivalem :b provideilcias de caracter geral, como
quando approvam instrucções, e, em ta1 caso, a
sua publicação no jornal official basta para obri-
g:ireni ; quando contên-i providencias isoladas de
serviço piiblico, n5o se torna necessariri. aquella

(1) Principiam, em regra, pelos considerando~que as


motivam, findos os quaes se segue a formula: aHa por
bem Siia Magestade El-Rei resolver o seguinte,, ou outra
sqiiivalente; segue-se a parte dispositiva, se a portaria nPlo
precede instrucções ou providencias ; fecha, sendo datada
do paço e simplesmente assignada pelo ministro respectivo.
Se a portaria approva instrucções, segue-se aos consi-
derando~,quando os traz, a IoauçIo: aHa por bem Sua
Magestade E1-Reie, e, depois d'esta, a indicas80 cappro-
var, ou determinar, as instrucções que fazem parte d'esta
portaria e baixam assignadas pelo ministro e secretario de
estado dos negocios. . .u (da respectiva repartipilo, ou pelo
director geral ou funccionario superior que, de facto, a
assignar).
DIB.,3.8 CAD. 13
publicação, e para qiie tenham força obrigatoria
basta a expediçgo dirigida ao funccionario que terri
de a cuniprir ; se contem providencias referentes a
particulares, devem ser-lhes intimadas (1).

e) Outros diplomas -
1) Alvards: diplonias que, baseados em disposi-
ções legaes existentes, contêm, j&a r.esolii
ção de pedidos dirigidos ao poder executivo,
já, a concess5o de mercês, ji a approvaç5o
de estatutos (2). Tambem estes diplomas

(1) Vej. Coelho da Rocha, Azstituig8es de direito civil


portugui3, 1857, t. 1, pagg. 13 e 14.
(2) Começam pelas palavras: aEu, El-Rei, faço saber
aos que este meu aivará virem, que. . .n , seguindo-se OS
considerandoe, em que se refere o pedido ou a represen-
tação: com a itidiuaç2lo das disposigões legaes que lhe ser-
vem de fundamento e do parecer da entidade competente
(Procuradoria geral da coroa e fazenda ou outrn corpo
consultivo), e vindo, depoia, a resolução: aHei par bem
approvar. . . n , com a designação do objecto. Terminam
com as expressões : apelo que mando rt todos os tribunaes,
auctoridades e mais pessoas, a quem o conhecimento d'eate
meri alvarS competir, que o cumpram e guardem e façam
ciimprir e guardar tão inteiramente como n'elle se cont6m~.
Segue-se a indicação dos direitos de meroê, sello e mais
iinpoatos, e, por fim : aE por firmeza do que dito 8, este
vae por mim assignrido e sellado com o sello das armas
I. -PARTE GERAL 99

podem ser expedidos pelos magistrados ad-


ministrativos ou pelos presidentes dos cor-
pos e corporações administrativas, quando
se trate da nomeação de empregados, ser-
vindo, n'este ultimo caso, de fundamento
ao alvará a deliberação d'aqnellas entida-
des (1).

2) Cartas regias : designação generica, que, al6m


das cartas de lei, a que já fizemos referen-
cia, comprehende : as cartas de naturaíisa-
qão, diploma que, requerido ao governo e

reaes e com o de verbal ; designaçlio do paço, data, aasi-


gnatura do rei e referenda do respectivo ministro.
Tratando-se de approvaçlo ou reforma de eebtutos, se-
guem-se ao alvarti esses estatutos ou a sua reforma, accres-
centando-se, depois da expressno oHei por bem approvar u
e da designação dos estatutos, as palavras «que fazem
parte d'este alvará e com elle baixam nssignados pelo mi-
nistro e secretario de estado. . . u.
(1) Estes alvarás, que terão o sello da repartição com-
petente, n8o serão expedidos sem previo pagamento do
imposto de sello pelo nomeado e sem se mostrar que o in-
teressado satisfez ou foi auctorisado a satisfazer em pres-
tações os respectivos direitos de mercê. Vej. Codigo admi-
nistrativo de 4 de maio de 1896, art. 443.' § 1.'; Lei de
29 de julho de 1899 e regulamento de 23 de deaembra do
mesmo anno.
passado pela secretaria de estado dos nego-
cios do reino, constata a passagem de es-
trangeiro a nacional, e que é precedido do
respectivo processo (1) ; as cartas de conjir-
maqdo e rat2ficqã0, passadas sempre que um
tratado, concordata ou convenç;io realisado
entre Portugal e qualquer potencia estran-
geira, tenha sido approvado e111 cdrtes (2);

(1) Vej. Carta Constitucional, art. 75.O 5 1 0 . O , Codigo


civil, artt. 19.0 a 21.O e decreto de 22 de outubro de 1836.
Tambem : Sr. Dr. Guimarãea Pedrosa, Da nccturalisupão
em I'o~.tugal segzuido o direito moder~to,1881, pag. 20 e
segg.
(2) Vej. Carta Constitucional, art. 75.O 5 8.O ; Acto ad-
dicional de 5 de julho de 1852, art. 1 0 . O . Assim redigi-
das : cDom . . ., por graça de Deus, rei de Portugal e dos
Algarves, etc. Faço saber aos que esta minha carta de
.
confirmaç80 e ratificação virem, que aos . . se concluiu
.
e assignou em . . ., entre mim e . ., pelos respectivos
plenipotenciarios, munidos dos competentes plenos poderes,
um (tratado, con\~enção,concordata), o cujo teor 6 o se-
guinte (tratado na integra e assignaturas dos plenipoten-
ciarios). E sendo-me presente o mesmo tratado, cujo teor
fica acima inserido, considerado e examinado por mim tudo
o que n'elle se contêm, e tendo sido approvado pelas côr-
tes geraes, o ratifico e confirmo assim no todo, como em
cada uma das suas claiisiilas e disposigões ; e pela presente
.o dou por firme e valido para Iiaver de produzir o seu
devido effeito, promettendo observal-o e cumpril-o inviola-
1. -PARTE GERAL 101

as cartas de provimento de cargos publicas,


provimento que, quando referente a empre-
gos e beneficios eccleriiasticos, tem de, pri-
meiramente, ser feito na fórma do decreto (1);

velmente, e fazel-o cumprir e observar por qualquer modo


que possa ser. E m testemunho e firmeza do sobredito fiz
passar a presente carta, por mim assignada e passada com
o sello das minhas armasv. Indicaçlo do paço, data, assi-
gnatura do rei e referenda do ministro:
Por vezes a reproducção do tratado, convençIo ou con-
cordata s6 se faz no fim da carta de confirmação e ratifi-
caçzo.
(1) Vid. Carta Constitucional art. 7 5 . O § 2 . O . É esta a sua
.,
formula: %Dom.. por graça de Deus, rei de Portugal
e dos Algarves, etc. Faço saber aos que esta minha carta
virem que tendo-me sido presente o processo de concurso
.
(se o logar 15 de concurso) para o provimento de . . ; visto
o disposto na legislação vigente, e conformando-me com a
.
proposta de . . e com o parecer de . . .: Hei por bem no-
.
mear para o logar de . . F. Pelo que, mandando E u pas-
sar ao agraciado a presente carta para em virtude d'ella
e na conformidade das leis e regulamentos exercer as fun-
cções do referido emprego com os vencimentos, prerogati-
vas e obrigações que legalmente se a:harern estabelecidas,
Ordeno ás auctoridades e mais pessoas a quem o conh'eci-
inento d'esta carta pertencer, que, indo assignada por mim,
e referendada pelo ministro e secretario de estado dos ne-
gocios de . .., a cumpram e guardem, como n'ella se con-
têm, depois de authenticada com o sello das armas feaes
e com a verba do registo nos livros das repartições com-
as cartas de concessão d e mercês honorifi-
cas (1);a s cartas credenciaes, que um repre-
sentante diplomatico entrega ao chefe de
u m estado, para se fazer acreditar junto
d'elle, e a s cartas recredenciaes, que o repre-
sentante diplomatico entrega, em despedida,
ao sair do mesmo cargo; etc.

3) Decretos sobre consulta do Supremo Tribunal


administiativo : reso'Iuções que, nos casos
em que o tribunal não tem jurisdicção pro-
pria, adquirem força executoria pela inter-

petentes~.Indicaçllo do paço, data, assignatura do rei (com


rubrica e guarda) e referenda do respectivo ininlstro.
Para a apresentaçgo em um beneficio eoclesiastico, a
carta regia, que termina como as anteriores, 6 todavia,
passada como sendo dirigida ao bispo respectivo, decla-
rando-se que o rei houve por bem fazer mercê de apre-
. .,
sentar F. na egreja de . seguindo-se as expressi3es:
apelo que encommenda ao bispo de . . . faça passar carta
em fórma ao sobredito F. da egreja em que estti apresen-
tado e lhe dê letras de confirmaçgo, segundo o estylo, em
virtude d'esta minha apresentaç2lo)).
(1) Começam pelas palavras oEu EI-Rei vos envio muito
saudar)) e slo analogas Ss de concessfo de empregos, sa-
lientando-se, todavia, os meritos do agraciado ou as razões
que juetificam a concessâio da mercê.
posição da auctoridade decretoria do chefe
. do Estado (1).

17. - Continuação:espeeies.
d lei, considerada em relaçgo ao seu objecto,
igto Q, relativamente ao direit,~que estabelecem, B
siisceptivel das mesmas divides que o direito ob-
jectivo. Sob outros aspectos, podemos, poix?m, dis-
tinguil-as.

a) Segundo manifestam a sua força obrigatoria,


ordenando ou prohibindo, as leis recebem
a designaçilo de imperativas ou prohibitivas.
Longe, pordm, de basearmos tal distincção
na materialidade da forniula legal, na sua
fórma positiva ou negativa, circumstancia
em si mesma indifferente e insufficiente
como criterio distinctivò, e que levaria á
i.esurrsição do aphorismo de Dumoulin -
negati* praeposita verbo potest tollit poten-
tiamj u ~ i set facti -, reservaremos, segundo
o seu conteiido, a designaçlo de prohaiti-

(1) A siia formula 6 a seguinte: *Sendo-me presente a


- consulta do supremo tribunal administrativo . . .; indicaçilo
do objecto do recurso, coneiderandos e dispositivo em
forma de decreto; assignatura do rei e referenda do res-
pectivo ministro.
vas para as leis que respeitam a actos ou
factos que o legislador quer impedir que se
i.ealisem, e a de imperativas para as leis que
visani a obter a effectívaçfio de um deter-
minado acto ou facto.
Póde bem succeder, na verdade, que,
eni um texto, materialmente expresso em
fórma prohibitiva, se contenha uma dispo-
sição verdadeiramente iniperativa : tal o
caso do artigo 930.' do codigo civil, em que,
preceituando-se que anão é permdttido de-
ferir o requerimerito para entrega de bens,
na hypothese de casamento de menor, sem
que se mostre averbado de definitivo o re-
gisto provisorio do dote e da hypotheca,
havendo-o. , o legislador pretendeu, para
segurança do dote e da hypotheca em ga-
rantia do dote, ordenar 'a conversão do re-
gisto de provisorio em definitivo (1).
E: por vezes, a formula positiva contêm
U I ~ Rdi~posiçRoprohibitiva : assim, na hy-

pothese do artigo 1096." do codigo civil,


em que se declara que sé licito aos esposos
estipular, antes da celebraçilo do casa-
mento, e dentro dos limites da lei, tendo o

(1) Vej,, tambem, artt. 1097.O, 1591.O, 1679.O.


I. -PARTE QERAL i06

que Ihes sprouver relativamente a seus


bens D, e cujo intuito B impedir que as con-
venções antenupciaes se realisem posterior-
mente á celebração do mratrimonio (1).
Como exeinplos de leis imperativas, indi-
caremos : as que impõem aos prtrbiculares
determinados actos, ou factos ou obriga-
ções, como a que prescreve ra obrigação re-
ciproca de alimentos entre descendentes e
ascendentes e entre irmãos, nos termos dos
artigos 173." e seguintes do Codigo civil,
ou a obrigação por parte do tutor de reque-
rer inventario do patrimonio do menor den-
tro de oito dias desde aquelle em que lhe
for defericio o juramento, segundo preceitua
o artigo 243." n." 4." do mesmo codigo ;-
ou os que prescrevem os actos que os func-
cionarios publicos devem realisar no exer-
cicio das suas funcções, v. g., os que deter-
minam as attribitições, os deveres e a res-
ponsabilidade dos officines do registo civil,
de que se occupam os artigos 2445." e se-
guintes do Codigo civil ;- ou os que de-
claram as regras de direito npplicaveis a
determinadas relações juridicas, como as

(1) Vej. Codigo civil, artt. 1678.O.


DIB.,3." c m .
106 DIREITO CIVIL ~o~~uati&s

referentes A successão testamentaria e legi-


tima, contractos, prescsipção ;-ou os que
prescrevem as formalidades a observar em
deterniinados actos, taes como a forma dos
testameiitos, dos actos notariaes, das provi-
dencias judiciaes.
São leis prohibitivas, por exemplo, as
que impedem a realisação de determinados
actos ou factos, como R disposiçfio do ar-
tigo 1058." do Codigo civil ácerca do casa-
mento antes de certc-Lcilade oii entre deter-
minadas pessoas; ou a do artigo 122.' sobre
a perfilhaç20 dos filhas adiilterinos e inces-
tuosos ; ou a do artigo 2322.",que não per-
mitte ao proprietario estender as suas minas
e excavações altm da linha perperidiculas
divisoria, sem consentimento do seu visinlio;
ou a do artigo 17f,4.0,ácerca da capacidade
testamentaria activa.
As leis imperativas ou preceptivas e as leis
~rohibitivas,n que Dernburg (1) dá a desi-
gnação de comtiuas, 6 que constitiiem pro-

(1) Pandette cit., pag. 77 e segg. Por vezes, emprega-se


a designaçXo de leis preceptivas como abrangendo as im-
perativas e prohibitivas : vej. Bianchi, Princ@ii g e m a l i
cit., pag. 48.
I. -PARTE GERAL 107

priamente o direito objectivo :juspub~icum,


ellas regulam as relações sociaes de fórma
a não permittir as determinações divergen-
tes dos interessados. E, porque, para que o
facto humano produza effeitos juridicos, B
necessario que haja conformidade entre elle
e os principias estabelecidos na lei que o
regula, quer seja especialmente considerado,
quer se contenha no conceito generico fi-
xado pela lei, determina a transgressão da
norma legal a não validade dos factos pra-
ticados contrariamente B lei.
Mas por diversas fórmas se póde mani-
festar o caracter coactivo das leis impera-
tivas e prohibitivas.

1) Umas vezes, as leis ferem de niillidade os


a,ctos praticados contra as suas disposições
-as legespe?fectaedo direito romano. Sendo
principio unanimemente acceite que as nul-
lidades só pelo legislador pódem ser esta-
belecidas, póde, todavia, esta manifestação
de vontade fazer-se de modo expresso oii
tacito : d'ahi a distincqão das nullidades em
textuues e virtuaes, aqinellas expressamente
declaradas na lei mediante a propria ex-
pressão de iiullidade ou outra equiva-
lente (I), estas resultantes dos motivos da
disposiçlo, corn os quaes seria incoiicilia-
vel a validade do acto que a infringiu.
O Codigo civil portiiguês estrtbeleceu, no
artigo 10.", a sancçno geral de nullidade
para os actos praticados contra a disposi-
çBo da lei, prohibitiva ou preceptiva: assim,
declarando-se, no artigo 2022.", que cnin-
gumqpóde acceitar ou repudiar a herança
ou parte, como termo ou condicionalmente r ,
n%oproduz effeito jiiridico algum a acceita-
$%o ou repudio feitos em taes condições (2).
Mas, por vezes, e a despeito da disposiçgo
do artigo lodo,commina-se, por f6rma ex-
pressa, para dados casos, a pena de nulli-
clade : assiin, depois da enumeraçgo dos irri-
pedimentos dirimentes do casamento, de-
clara-se, no artigo 1074."que a infracção
do que a lei a tal respeito dispõe produz a
nullidade do casamento; e, no artigo 1103.",
consigna-se que a ter-se-ha por n;io escripta
qualquer convençlo, que altere a ordem

(1) E nullo, aerá nullo, haver-se-ha por n b escripto,


produz nullidade, etc. Vej. Codigo civil, artt. 684.", 1242.",
1745.O, 683.'.
(2) Vej. artt. 2042.", 1556.".
I. -PARTE GERAL 109

legal da siiccessão dos herdeiros legitima-


rios, ou os direitos e obrigações paternaes
e conjugaes, consagrados por lei, (1). Al6m
da nullidade, póde o acto juridico que in-
volve transgress80 da lei ser punido cri-
ininalmente, coino no caso de venda de cousa
a diversos, em que, nos termos dos artigos
718." e 1579." do Codigo civil, s6 subsiste
a venda antiga ou, quando fôr impossivel
verificar a prioridade da 'data, a transferen-
cia feita ao que se ncliar de posse da cousa,
ficando o vendedor sujeito ás penas estabe-
lecidas para o criine de burla, no artigo 450."
e n." 2.' do Codigo penal ; ou no caso de
casamento de pessoa casada, sabendo que
o seu priuieiro conjuge Q vivo, em que, á
nullidade do casamento accrescerá a pena
dos artigos 337." a 339." do Codigo penal
para o crime de bigamia.

2) Outras vezes, as leis imperativas e proliibiti-


vas, não declarando nullo o acto praticado
contra as suas disposições, comiriinam para
elle uma determinada pena ou estabelecem

(1) Vej. artt. 950.", 954.O, 1242.O, 1310.O, 1371.',


1919.O, 1925.O, 1960.O, etc.
dados effeitos jiiridicos -leges minus quarn
porfectae. No primeiro caso, está, por exem-
plo, a disposiçiio do artigo 1058.' na01."do
Codigo civil, que, prohibindo o casamento
aos menores de vinte e um annos, não eman-
cipados (I),e aos maiores inhibidos de reger
suas pessoas e bens, emquanto não obtive-
rem o consentin~entodos seus paes ou de
quem legalmente os represente, declara, no
artigo 1059.', que a iiifracçRo d'aquelle pre-
ceito legal não ter& outro effeito senão o
de sujeitar os infractores &s penas do ar-
tigo 1060.'; ou a do artigo 1234.' que sii-
jeita a viuva que contrahiu segundas nu-
pcias, antes de tereni decorrido trezentos
dias depois da morte do marido e que não
cumpriu a obrigação de fazer verificar se
estava ou não gravida, á perda de todos os
lucros nupciaes que por lei ou convenção
tenha recebido ou haja de receber por parte
do marido anterior.
A segunda hypothese verifica-se, por

(1) Vej. Dr. Dias Ferreira, CÍ>digo civil annotado cit.,


t. I , pag. 215, t. 11, pag. 297 ; Sr. Dr. Marnoco e Souza,
Inyedimentos do casamento no diveito poduguZs, 1896,
pag. 112 e segg.
exemplo, no caso do artigo 1707.", em que,
prol~ibindo-seos contractos de censo reser-
vativo, se declara, no eintanto, que os esti-
pulados com este nome serão havidos por
emphyt'euticos.

3) Ainda outras vezes as leis nAo comminani pena


alguma -leges imperjéctne, visando simples-
mente a impedir a realisação do acto pro-
hibido. T a l o caso do. artigo 1008.O na05."
do Codigo civil, que prohibe o casamento
dos individuos que tiverem o impedimento
da ordem ou se acharem ligados por voto
. solemne reconhecido pela lei, os quaes, se
ngo podem contrahir casamento catholico
valido, podem casar civilmente, como re-
sulta do artigo 1059." e do artigo 10.O, que
exceptua das suas disposições os casos em
que a lei ordena o contrario (1).

Reservando, para outro logar, o estudo


da analyse dos actos juridicos, diremos,
todavia, que, Aparte os actos que, por falta
dos elementos determinados pela lei para a

(1) Vej. Sr. Dr. Marnoco e Souza, Impedi*zentos do ca-


samento cit., pag.130 e segg.
SUA existencia, são absoliitameute destitui-
dos de efficacia jtiridica, n t o se podendo,
portanto, fallar da sua annullabilidade -
quod nullam est amplius annullari non po-
test -(l), godeni os actos violadores das
leis imperativas e prohibitivas revestir, sob
o ponto de vista da sua a,nniillabilida.de,
cai~acterdiverso.
Da nullidade absoluta, nullidade de pleno
direito, que paralysa o acto no' momento
mesmo em que se realisa, distingue-se a
nullidade relativa, que 86 torna o acto juri-
dico innefficaz quando a annullaçto fôr ju-
dicialmente pedida e decretada. Ao passo
que qualquer pessoa póde, na prinieira 11y-
pothese, allegar a nullidade do acto jiiridico,
como succederia, por exemplo, no caso em
que, feita por escripto particular uma doa-
ção de bens iniiliobiliarios de valor superior
a cincoenta niil reis, mais tarde transferidos
por venda pelo doador, o comprador viesse
repellir as pi.eteilções c10 donatario, invo-

(1) Vej. Drogoul, Essai Zune théorie génél-ale de8 nulli-


tés, 1902, pag. 5 e segg. ; Saleilles, Lle lu declaratioiz de
la volonté, 1901, pag. 324 e segg. ; Capitant, Gatroduction
à l'étude du droit civil cit., pag. 280 e segg.
*. -
I. - PAH'l'E QERAL li8

cancio a nullidade da doação (1); rra segunda


liypothese, niillidade tem de ser irivocada
pelas pessoas a, favor de quem ella haja sido
estabelecidit. Assim, no caso do artigo 99."
do Codigo civil : oa contmctos celebrados
illegitiniarriente pelos menores s6 poy estes
podem ser inipugnados, com invooa~ctoda
sua incapacidade (2).
O nosso Codigo civil declara, no $ unico
do artigo 10.", que a nullidade de qualquer
acto juridico p6de ser sanada pelo consenti-
rxiento dos interessados, quando a lei infrin-
gida, não for de interesse e ordem publica,
permittindo-se, assim, o accordo dos inte-
ressados quando se tratar de leis de inte-
resse e ordem privada.

b) Permissivcts oii facultativas se denominam as


leis que se limitam s reconhecer a facul-
dade de praticar oii rião praticar certo facto.
Enl opposição apparente com o caracter
prolwio e coni o effeito ilecessario das leis,
que é obrigar, as leis permissivas, tornando

(1) Vej. Codigo civil, art. 1459.'


(2) Vej. Codigo civil, artt. 299.O, 695.', 700.O, 822.O,
1433.0 n.O 1." e 1535."
DIB.,3.' CAD. 15
faciiltativa a pratica do acto, contêm, toda-
via, implicitamente, os elementos de uma
ordein ou de uma prohibição, porisso que
impõem :t todos o respeito pelos direitos re-
siiltantes da pei.missão que ellas coricedem
e a todos proliibem a yertiirbação do li-
vre exercicio da fr~culdadereconhxida por
lei.
Nas leis permissivas comprehende Maz-
zoni (1) as leis que têm por fim regular as
condições, as fórmas ou os effeitos de um
determinado acto. Com applauso do Sr.
Dr. Giiillierme Moreira (2), elle assim es-
creve : (0conceito da lei permissiva não B
confoime Ct ideia primitiva da lei, que Q
norma e não permissão de proceder ; a fun-
cção da lei, quando permissiva, é, de facto,
seciindaria, poisque consiste em resolver
authenticamente a duvida sobre se a lei
imperativa, e mais vezes ainda a prohibi-
tiva, nRo abrangeria o acto que ella per-
mitte. Muitas vezes a lei permissiva especi-
fica o acto não ordenado nein prohibido
com o fim excliiaivo de regular a s condi-

(I) Istitttzioni di divitto civile italiano, 1903, t . I , pag. 48.


( 2 ) liastitt~i@esdo direito civil porttcgu2s cit., pag. 5%
I. -PARTE GERAL 115

çoes subjectivas, objectivas ou formaes do


proprio acto, quando algiiem queira reali-
sal-o. Este intuito de regular a formação do
ncto, que niinca vem separado do primeiro,
Q o principal#. Mas, tendo, em tal caso, n
lei por conteúdo a determinaçk dos requi-
sitos, das fórmas ou dos effeitos do acto
n%o prohibido, a disposiç80 assume clara-
mente o caracter de imperativa ou prohibi-
tiva, segundo seja seu intuito irn$dr deter-
minados requisitos ou fórnias, ou estabele-
cer ou excluir certos effeitos. k o que
acontece com o artigo 193.' do Codigo
civil, que, reconhecendo ao pae a facul-
dade de nomear tutor ao filho merior oti
interdicto, se a mãe B fallecida ou se acha
inhibida de exercer o poder paternal, não
representa uma disposição factiltativa, mas
pseceptiva: impõe-se, para o uso d'essa
faculdade, a fórma de testamento ou de acto
authentico entre vivos.

c) Ao lado das leis permissivas e, como ellas,


não coactivas, a,pparecem-nos as leis sup-
pletivas, declarativas ou integ~antes,normas
que, interpretando a vontade das partes,
não manifestada ou s6 parcialmente mani-
festada, determinam as relações que, pgo
116 DIREITO CIVIIA P O ~ ~ T U O U $ S

fixadas por aquellas, derivam de um deter-


minado acto juridico.
Todo o direito civil Q dominado pelo
principio da autonomia da vontqde. Im-
pondo-se, em estado latente, depois do
desapparecirnento das antigas fórmas so-
ciaes (i),accentuado, pelo menos na es-
phera do direito civil, pela decadeiicia do
formalismo juridico, o principio da autono-
mia das vontades individuass representa,
hoje, a expressão de uma candição de equi-
librio reconhecida e necessaria de toda a
nossa organisação social.
Implicitamente contida em disposições
do nosso direito politico (2), teve elle con-
sagraçso plena no Codigo civil, que pro-
clrtmou e sanccionou a liberdade das con-
venções privadas (3). Mas esta independen-

(I) Sob a autonomia. juridica privado no antigo direito


romano, vej. Von Ihering, Lécrprit du d ~ o i roínain
t cit.,
t. ir, pag. 147 e segg.
(2) Carta Constitucional, art. 145.O princ.
(3) Vej. art. 672.'.
a 0 principio da liberdade da vontade deve dominar,
escrevia Von Iliering (l?t?~decomplementairm de l'esprit
d u droit von~aiw,tiad. par 0. de Meulenaere, 1902, t. IV,
pag. 121), toda a materia de direito privado : é preciso
I. -PARTE GIBIUL 117.

cia das partes na"o dispensa o legislrtdor de


prover e regular as diversas relaç0es jnri-
dicas, tornando-se necessario integrar o
que a vontade privada deixou indetermi-
nado, ou supprir a falta de nianifestação
d'essa vontade.
Com esse intuito, o legislador ou pro-
cura, inspirando-se nos interesses gerwes,
estabelecer as regras que niais conforrnee
lhe parecem a esses interesses, ou visa á
reprodiicção da presumida vontade das
partes, regulando a relação juridica como
ellas o fariam, se a tivessem expressamente
regulado.
Assim, ao lado do preceito legal que
permitte aos esposos estipular, antes da
celebraçiio do casamento e dentro dos limi-
tes da lei, o que lhes approver relativa-
mente a seus bens, estabeleceu o legislador
no artigo 1098." o regimen de bens no ma-
trimonio na falta de qualquer accordo ou
convençiio, formulando oiitros regimens
que, com ou sem modificações, elles pódem
escolher; e estabelece, no artigo 1623, que,

nXo repellir nunca uma operap#o juridica, unicamente por-


que 6 contraria aos principios juridicos~.
cquando o tempo do arrendamento dos pre-
dios urbanos não tiver sido determinado
no contracto, entender-se-lia que o dito ar-
rendamento foi feito por seinest-re, ou por
anno, OU por menos tempo, conforme o
costume da terra (1) B .

4 Recebeni a designaçRo de interp~etativasaR


leis que têrn por fim dctcrminar o sentido
e o alcance de tinja lei anterior.
É preciso, todavia, observar que tal de-
noniinação se applica, n%oa todos os actos
do poder legislativo que tenham por fim
reparar a obscuridade ou ambiguidade da
lei ou prover fi insufficiencia das suas dis-
posições, mas unicamente aos actos me-
diante os qiiaes o mesmo poder declara o
sentido a attribuir a anteriores disposições
de lei. Aquelle fim póde ser attingido com
a publicação de outras leis, em que se cor-
rijam os defeitos das nntei.iores; mas, então,
tratar-se-ha de verdadeiras leis novas, que
se siibstitiiem ás precedentes, revogando-as,
ou a ellas se ajustam, completando-as e
aperfeiçoando-as.
Fundada no principio, formulado jA pelos

(1) Vej. Cod. oiv., artt. 378.O, 1799.O.


I. -PARTE GERAL 119

jurisconsultos romanos, de qiie o proprio


riuctor das leis 6 o mais coiiipetente para
as esclarecer -ejus est interpretmi legem
cujus est condere -( l ) ,a interpretação au-
thentica das leis 6 attribiiição do poder le-
gislativo (2). Mas a admissibilidade de leis
puramente interpretadas 6 hoje por muitos
contestada. Quanto a interpretaçno das leis
convem aos magistrados encarregados de
applical-as, tanto ella B inopportuna para
o poder legislativo, especialmente nos esta-
dos representativos. Quando o principe era
o exclusivo orgão declarador do direito,
podia, com verdade, dizer-se que ninguem
seria como elle competente para explicar o
sentido de disposições que eram obra sua
ou dos predecessores, cuja tradição elle
continuava; mas, desde que o poder legis-
lativo 6 exercido por mais corpos, entre os
qiiaes póde não haver perfeita unidade de
vistas e faltar o espirito de uma tradiçgo
ininterrupta, o legislador seria, certamente,
o menos apto interprete das leis anteriores.
O habito de deliberar em vista de exclusi-

(I) L. 12, C'., De legibus et co~istitutionibus.


(2) Carta Constitiicional, art. 15.O 8 6.O.
vas consideraqões de interesse geral facil-
mente levariam o legislador a preterir os
motivos que inspiraram o auctor da lei zt
interpretar ; e as dificuldades avultariam
quando se tratasse de declarar o sentido e
o alcance de leis, emanadas em outros tem-
pos, sob o impulso de outros principios
politicos. Seria sempre de temer que, com
o pretexto de explicar o sentido de leis pre-
existentes, se fizessem na realidade leis no-
vas, dando-lhes effeito retruactivo.
Na0 cremos irrespondiveis taes conside-
raqões. Se Q innegavel que a funcção de
interpretar as leis será mais opportunamente
exercida pelos magistrados, na applicaçgo
aos casos singulares, do que pelo poder le-
gislativo, em fórma geral e obrigatoria-
mente para todos, tambem 6 certo que póde
o interesse publico reclamar, em circums-
tancias particiilares, para determinadas dis-
posições de lei, uma interpretaç50 immuta-
vel, inconipativel coni o modo de ser dos
orgnos judiciarios.
Não basta dizer que a obscuridade ou
ambiguidade de uma lei preexistente póde
ser reparada por outra lei nova, sem recor-
rer, previamente, 6 interpretação legisla-
tiva, pois que, se assim se proviria para
1. - PAItTE GERAL h8 1

casos futuros, não se evitaria o inconve-


niente grave da incerteza e das contradi-
cções cla jiirisprudericia na applicnção de
certas disposições de lei aos casos já veri-
ficados.
Nem B de temer que, sob a apparencia
de interpretar, se venha R innovar, dando
4 disposição effeito retroactivo, não havendo
motivos para que o poder legislativo dissi-'
mule as innovações que queira introduzir
nas leis anteriores.

e ) Proclamado pela r e v o l ~ i ç ~francesa,


o o prin-
cipio da egiialdade perante a lei (1) consti-
tue um dos axiomas fundanientaes da or-
gt1nirsaç80 social: a lei é applicnvel a todas
as pessoas, a todos os bens e a todos os
actos, a respeito dos quaes possam verifi-
car-se as mesmas relações juridicas. N'este
sentido, niss s6 n'este sentido, pbde dizer-se
que todas as leis são gernes. Mas, ao lado
das leis geraes, suiSgeni as leis especiaes,
que têm por fim, obedecendo a considera-
ções politicas ou ecoriomicas, subtrahir ao
direito commiim, á applicaçiio das regras

(1) Vej. Carta Constitucional, art. 145.O.


DIR.,3.. CAD.
gemes determinadas materias, que recla-
niam uni regimen jiiridico differente do que
se acha n'aqiiellas instituido : assim as leis
reguladoras dos actos de cornmercio, as
relativas a minas (I), etc.
Nem s6 as leis especiaes restringem,
por6ni, o campo de applicaçfo das leis ge-
mes. Por vezes, o legislador procura regu-
lar, por niodo contrario ou pelo menos di-
verso do estabelecido na lei geral, certos
factos oii relaçOes juridicas, que por siia
riatiireza, estariam coi~iprelieiididos n'ella.
Trata-se, entiio, de leis exc~~)c~ionaes.
Como as especiaes, excluem as leis exce-
pcionaes a app1icaq:"io a cei.tos factos do
direito geral e commiim ; mas, ao passo
que estas presuppGem, necessariamente, a
existencia de outras leis ou principias ge-
mes, ciijn applicação B por ellas limitada,
siibtraliindo-se ao seu dominio determina-
dos c:~sos,que, seni a lei excepcional, se-
riam regiilados pela lei geral ; as leis espe-
ciaes regulam nssiimptos ou materias di-
vei-sos dos regiilados pela lei geral, podendo
deixar tlc ser ogpostas ou incompstiveis as

( I ) Vej. Cod. civ., art. 467.".


I. -PAKP'E OLYAL 123

respectivas disposições. Consequencia do


que fica dito Q a de que, deverido a regra
geral manter a sua plena efficacia obriga-
toria eiiiquanto o legislador não a tenlia
expressamente negado, 6 riecessario dar B
disposição excepcional interp~etuçRorestri-
ct,issinia. Para qualquer caso, que ngo seja
identicnmente o taxativamente contemplado
na excepção, deve recorrer-se B regra geral:
ra lei, que faz excepçgo ás regras geraes,
diz tambeni o artigo 11." do Codigo civil,
iiAo p6de ser applicada a nenhuns casos,
que não estejam especificados na mesma
lei,. Não assim para as leis especiaes que,
embora não possam ter applicaçiXo a mate-
rias diversas dlaqueHas para que foram par-
ticularmente estabelecidas, pódern, todavia,
por analogia, ampliar-se a casos seme-
lhantes.

jonsideradas em relaqão ao seu objecto, as


leis pódem ser pessones ou reaes, aquellas
referentes ás pessoas, cujo estado e capaci-
dade regulam, quer para todos os actos da
vid2-t civil em geral, quer, em particular,
para deteriiiinados actos, como as que re-
gulani os niodos de adquisiçno e perda de
qualidade de cidadão, as condições para
124 DIREITO CIVIL PORTUQU&S
- - -.-- - --- - -

contrahir mat~.imonio,as que determinam


os effeitos da menoridade, as causas, con-
diç0es e effeitos da interdicção (1); estas
reguladoras da, condiçgo juridica, dos mo-
dos de adqiiisiç80, de conservação e de
transmissiio dos bens, como as que deter-
minam os bens moveis e immoveis, os di-
reitos de que elles pódem ser objecto, os
bens susceptiveis de hypotheca (2).
Mas se, nos exemplos indicados, facil é
distinguir as leis pessoaes das leis reaes,
casos ha em qiie, pela estreita relação que
existe entre a pessoa e os bens, não podendo
o legislador regular em todos os seus effei-
tos a capacidade das pessoas sem tratar dos
bens que constituem seu principal objecto,
nem regular a conservação e a transmissão
dos bens sem fallar das pessoas que pódem
ou não tra,nsniittil-os ou recebel-os, tal dis-
tincção se apresenta difficil(3). Taes as hy-

(1) Vej. Codigo civil, artt. 18.O-23.O, 1058.O- 1082.",


97.O-303.O, 314.O e segg.
(2) Vej. Codigo civil, artt. 373.0-37d.0,2167.O e segg.,
888.O e segg.
(3) A difficuldade de distinguir as leis pessoaes das reaes
levou alguns jiiriscoiisultos a admittir uma terceira especie
de leia - leis mixtas, que teriam, simultaneamente, os ca-
I. - PAltTE GERAL 123

potheses dos artigos 1764.' n.' 2.", qiie es-


tabelece a incapacidade, para os menores
de qiiatorze annos, de dispor de bens por
testamento ; e do artigo 1149.", respeitante
á inalienabilidnde dos bens dotaes, yiie
prove á conservação d'estes bens e estnbe-
lece a incapacidade dos conjiiges para alie-
nal-os.
Como meio de determinas a natureza
pessoal oii real da, lei, attcndesnrri uns Lt
expressão material da lei, R fósma por que
o legislador tiver ti.adueido a proprin dis-
posiç&o,emqiianto outros, segiiindo i i n i sys-
tema bem mais racional, se ligaram ao ob-
jecto principal e essencial, ao fim definitivo
da disposição. Teremos, assiiii, iim:L 1ei pes-
soal quando. seja seu objecto a pessoa e
quando o fim da lei seja o de regular o es-
tado e a capacidade d'aquella de modo geral
e absoliito; uma lei real, qiisndo os bens

racteres de personalidade e de realidade. Esquecendo a


profunda diversidade de caracteres e de effeitos entre as
leis pessones e reaes, esta throria levaria i integraçgo de
quasi todas as leis nas leis mixtae, porisso que, como es-
creve Biiinçhi (Principii g e n e ~ c ~ cit.,
li pag. 71)' anXo ha
lei algilriia que n8o seja feita para as pessoas e que não
tenha, quasi sempre, relação com os bens)).
126 DIREITO CIVIL P O B T U ~ U È S

formem objecto pisincipal e predominante


d a lei, quando o seu fim seja o de regular
os meios d a sua conservaqilo oii transmissão.
Estão no prinieiro o;iso as disposiç6es
dos artigos 1780." e 1782." do Codigo ci-
vil, referentes zi, incapacidade testanientaria
passiva, por indigiiidacle; no segiii~do,as
disposições dos artigos 1784." a 1787.", que
determina,m n legitiilia e a quota disponivel.

g) O principio da aiitonornia da vontade, a que


fizémos referencia (I), deixa de ser respei-
tado sempre qiie se lhe oppõeni motivos de
interesse geral, que affectam condições fim-
dnmentaes da existencia, e da ordem social.
Expressiva.mente escreve Capitant (2) : e O
legislador deve, 6rimeiro do que tudo, evi-
tar que a actividade do hoinem se exerça
em sentido contrario ao interesse d a colle-
ctividnde : a liberdade do individuo s6 póde

(1) Vej. Codigo civil, artt. 4.",10.O, 42.O, 672.O, 684.".


1096.".
Sobre o problenia da autonomia da vontade : Dreyfus,
L'ucte juvidique en clroit iq~tevnationc~lprivi, 1904, pag. 7
e segg.; Trouiller, Dzc role du consentement duns lu fornu-
tions des actes juvidiqzies, 1894, pag. 73 e segg.
(2) Introductioll d l'étude dzc droit civil, cit. pag. 30.
r. - PAKTE GERAL 127

ser util e fecunda quando os seus fins sejam


conformes á ordem social B . n E, para que a
liberdade do individiio seja eficaz, torna-se
necessario que o legislador compense, por
via de medidas protectoras, as desegaalda-
des existentes entre os homens, e provenien-
tes, quer do estado pliysico, quer da situa-
ção economica dos individrios, rt fini de
impedir que, no comrriercio jiiridico, os fo-
cos estejam fL dos fortes,,.
Visarn a esse intuito as leis de interesse e
01-deiri.pz~blicn( 1 ) . Como determinal-as ?
Diremos, com Rossi (2), que OS principios
de ordem publica siio constituidos pelo con-
juncto de normas reguladoras do estado e
da capacidade das pessoas ? Ou, com Bor-
sari (3), que aquelles principios respeitam
B tranquillidade, ao estado politico do pafs,
RO sentiniento da honestidade geral? Ou,

coni Fiore (4),que a ordeni publica com-


preliende as leis, ci!jo fim directo e princi-

( I ) Vej. Codigo cbivil, artt. 10.0 S unico.


( 2 ) Lu eseczcziogle delba 8e1,tenzn e degli utti delle autoritd
straniere, 1876, pag. 1 2 1 .
( 3 ) Codice italiano di procedicra civile annotato, 1881,
t. iv, pag. 264.
( 4 ) Le dl-oit internationul písiad, 1890, t . I, pag. 267,
psl 6 o interesse de terceiros e a conserva-
ção das instituições sociaes? ou, seguiremos
o Sr. Dr. Msriioco e Soiiza (I), que define
principias de ordem piiblica .os preceitos
que se referem á co1istituic;ão fundamental
de cada um dos aggregtidos sociaes e que,
por isso, s5o tanibem condiqcies necessarias
á existencia e desenvolvimeiito do Estado?
ou, Capitant (2), que considera taes todas
as disposiç6es legaes imperativas? ou, Pil-
let (o), e Bustamante (4), para qiicm as leis
de ordem publica, são as qiie resl~citamd
conservação da socieclatle ? oii Litiireiit ( 5 )
que vê ria8 leis de ordeiii piil~liona refereil-
cia directa ao interesse piiblico, gosando
de iima aiictoriclade absoliita c devendo ser

( 1 ) Execzcgüo exterritorinl das sentenças civis e conrwter-


ciaes, 1898, pag. 232.
( 2 ) Introduction d Z'iticde dz6 droit ~iirilecit. pag. 38.
(3) De l'ordre public en droit internationul privi, 11890,
pag. 18. Posteriormente, Pillet definiu as leis de ordem
publica aas que respeitam, sobretudo, á commiiniclade, que
aproveitam egualmente a todos, que 880 escriptas no inte-
resse de todos e não s6rnente no interesse de cada umD.
Vej. Principes de droit inkvnational privé, 1902, pag. 374.
(4) E l orden p266lic0, 1893, pag. 32.
(5) Droit civil international, 1880, t. 11, pag. 341.
I. -PARTE UERAL 129

applicadas em c a d i Estado a nacionaes e


a estrangeiros ? ou sepnrarerrios, com Bar-
tin (I), as leis de ordem publica das leis
penaes e das qiie respeitam aos inimoveirr?
Nao nos cletc.iiclo na annlyse d'estas defi-
niçGes, q i i e tod;i,s ellas não conseguem ir
aldrri do conceito classico de leis de ordem
publica, corno comprehendendo os preceitos (r

destinados a. gt~rantire defender, piaincipsl-


iriente, os interesses cla collectividadem. (Z),

(1) l?lucies de tlroit inte~.nacionrtlp i v é , 1899, pag. 189


e segg.
(2) I'ai.:t a critica das formiilas apresentadas, vej. Va-
rei1les SoiniiiiBres, Iles lois d'ord7.e ptcblic et de la dérogo-
tion nilz lois, 18119, pag. 11 e seg. ; Boiss:irie, De lu
~ ~ o t i oS'ordrt:
n p z ~ b l i ~eiz tivoit interuationd pl-ivé, 1891 ,
pag. 3 e srgg.
Aqiwlle auctor repellr a concepç3o tradicional de or-
deiii piiblica interna, affirinando qiie todas as leis s3,o de
ordeiii piiblica, porisso inesino q i i ~prucuram traduzir in-
teresses grraes. Mas, se B exacto qiie todas as leis têm ein
vista o interesse geral, i i t o 6 initiios certo que, emquanto
iirrias são obrigatorias, no sentido dr que a sua observancia
1150 póde ser oiitr:is são t:~ciiltativas: são a 80-
IiiçIo piira os casos qiie ou actos dos particulares não re-
giilarnin, inas po(lrin ser preteridas por unia vontade con-
ti.aria. Vej. Olive, E t d e szrr lcc thbol-ie de l'autonornie,
1899, pag. 33 e segg. ; Planiol, 75.«ité éle'men'aire de droit
civil cit., t. I , pag. 111 e segg.
DIB.,3 . 9 ~ ~ . 17
diremos qiie s6 eni cada instituiçfo jnridicn
se póde, pela investigaçiio do pensamento
do legislador, determinar qual o grau da
f o t p obrigatoria das leis, 1);ira se concluir
se as partes podem deixar de as observar,
por serem consideradas de ordeni piiblica.
Prendendo-se Bs necessidades fundamen-
taes da vida dos Estados, :~s leis de ordein
piiblicb;~têm por objecto a satisfaçwo das
exigencias eleinentnres da paz, da segii-
rança, da probidade nas relações entre os
cidadiios; e é n considernç%od'este fim com-
miim qiie permitte distingiiil-as em cada
caso concreto.
Porque o 5 unico do artigo 10.' do codigo
civil prohibe derogar por convençffo das
partes as leis de interesse e ordeni piiblica,
pretendeii-se applicar a yiialificaçAo de leis
de ordem publica a todas as leis obrigato-
rias; e, como neni todas estas leis obrigam
os estrangeiros, procurou-se fazer a dis-
tincçiio entre orclem publica interna e or-
dem ptiblicainternacional, comprehenderido
aqiiella todas as leis imperativas e prohibi-
tivas e abrangendo esta exclusivamente as
leis de effeito territorial. Notando que tal
distincçiio Q inexacta, porisso que estende a
noçao de ordem piiblica a1Bm do que per-
I. - PAWE G E R A L 131

mitte o sentido nat11r:il das palavras (i),


diremos qiie revestem, indubita\~elniente,o
caracter de leis de orciem publica as normas
de direito publico, como as qrie determinam
a orgaiiisac;%odos poderes e a competencia,
dos funccionarios publicos, as que regiilam
o exercicio do direito de voto, as que iin-
põem o serviço militar.
'l'anibem taea devemos corisideinr as re-
g r a u d e moral, intiniamente vinciiladas ás
condições de existenciil, do Estado, e que
não adniittem ciistiricq30 neiii transacçio (2).
O direito ecclesiastico, se não pertence, po-
sitivamente, a esta categoria, póde n'ella
entrar por assimilwqão. $ uecesserio, toda-
via, não exaggerar o principio, porisso qiie
nem seiiipre unia regra legal fundada sobre
c:onsiderações riioraes tem valor absoluto :
v. g., os impediiiientos niatrimoniaes, que

(1) Embora as leis de ordem publica tenham, habitual-


mente, onracter obi.igntorio, nRo 6 elle, todavia, essencial :
as leis Acerca da circulaç?io iiioiietaria são leis de credito
publico ás quaes não repugna a derogacão por Gontade dos
particulares. Do inesmo modo as leis yobre a oompetencja,
e, em menor grau, as leis sobre n nacionalidade.
(2) E assiin que a lei n&o perniitte contractos contrarios
A moral publica (Codigo Civil, art. 671.' n." 4.').
132 DIREITO CIVIL P O R T U Q U ~ ? ~

podein ser afastado.; pela concessão de dis-


pensa (1).
N n catcgoi.i:i tlns leis de ordeiil publica
dcveinos t:~iiibeirlincluir as leis respeitniites
;i segiii-aiic;:~das ~ I C S S O R S e dos bens. 850,
gci.aliiieiite, leis peiiaes ; nias, se os actos
:iiitijiii.idicos não coiistitiiem senRo delictos
civis oii, por niaioi-i:i d ; ~razso, qilasi deli-
ctos, :t re~l)ons:~hilitl:ltIe qire ellas consagranl
serh escliisi\-aii!eiite 1)ecirniaria.
Pelo qiie respeit:~As iiornias do direito
1)1.iv;ldo, sBo ern gci'al, consideradas dispo-
sições de orcleirr piiblica :
1) as leis sobre o estado e n c;~pncid:ide
das pessoas, entendendo por estado n sitiia-
ção oii qiialidade do iridiviclrio, de que 11ie
resultairi certos direitos e obrigações, e por
capacidade o podei. de exercer a p r o p r i ~
:~ctividadesegiindo as normas estabelecidas
na lei : menoridade, sexo, naoiorialidade,
doenqns physicns e ineiitaes, etc. ;
2) as 1cis qiie regiilanr a organissção da,
fiiiiiiliu : i.el:~c;oesderivadas do mat,riinoiiio
e da comrriuriiclade do xctngiie, disposições

(1) Vej. Bernardino Carneiro, E l m ~ e n t o sde direito eccle-


siartico portugriês, 1896, pag. 261 e segg.
referentes B fixaqRo cla qiiota legitimaria dos
descendentes e ascenderites, etc. ;
3) As leis rel;iti\~ns:i organisxçiio do re-
giiiieai da propriedi~cle,ein qiie se determi-
ri:~iii os direitos reiies sobre 21s cousas e os
irioclos por que po(leiii ser adquiridos : es-
peçificaç5o clos direitos reses, prescripção,
obrigaçso de 1)errii:tnecer na iiidivislio, etc. ;
4) as n(~riii:tsciestiriadas ;L gar:~ntirter-
ceiros conti-wos pi.(?.iiiizosqiie llies aclveriliani
(10s actos jiiridicos, eni qiie 1120 tenham
toni~idop:irtc. Se as 1);~rtespocleiii reniinciar
As garantias qiie a lei Ilies f:icult,z, não po-
d e i ~ ~todn~ria.
, renunc:i:ir As garantias con-
cedidas a fiivor de terceiro : assirii, se uni
credor liypotliecai-io nao fizer o registo na
corisei~v;~torin, 1150 poder& fazer valer o seu
clireito conti-a terceiros (1).

18.-A sc*ienciaclo direito e a juriwpruclencia .os


tribniiaea.

A cletei-riiin;ic;ilo tlo 10g;ir a ;issigiinr & scie~i(:i:~


do direito e ;i 1~r:iticnjiiris~)riidenci;tl110 conjiincto
tliis fontes (10 direito objectivo constitiie iiin cios
problenias iiiais debatidos n a nioderiia doutrina.

(1) Codigo civil, artigos 949: e segg.


134 DIREITO CIVIL POHTU(.IU$$

aA actividade dos juristas (sciencia do direito


e jurispriidericin) revelain-se, dizem Chironi e
Abello (I), sob dois aspectos principaes : tiieo~icu-
mente, emquanto investigam e expõerri o estado
actual do direito; p~aticamente,emquanto resolvem
as qiiestôes jiiridicas siibmettidas siia decisão. A
doutrina, occupando-se de prefereiicii, do estudo
scientifico do direito, póde mais facil e seguramente
formar a convicgão jum'dicn sobre o conteúdo da lei,
contemplada no seu firn especial e em coordenqão
c0111 todo o direito considerado na sua estructurtt
organica ; a j urisprudencia applica a riornia legis-
lativa aos casos concretos, embora se n5o possa
prescindir da analyse do espi~itoda lei e da. fixaçiio
dos principias juridicos, qiie informam as siias de-
cisões . . . N'esta realisaq30 da fiincyiio social do
direito, doutrina e jurispriidencia auxilianl-se reci-
procamente, esta, :~d;iptando a lei á infiiiidade e
variedade dos casos: aquella corrigindo-a, comple-
tando-a e integrando a, extensão dos conceitos em
scientifica coordenação )I.
Mas deve~eniosver na doutrina e na j ~ r i s p r u -
dencia simples fontps de interpretncn"~c10 (lii*eitol
Integraremos si jurisprudencia no costiime (2) oii
veremos n'ella uma fonte de direito autonoma?

(1) Tq.attato cit., pagg. (i8 e 69.


(2) Os romanos consideravam-a como uma variedade,
I. - PARTE GERAL 135

P a r a a escola dos interpretes do codigo civil, a


codifica(;;io do direito civil teria tido como conse-
quencin a, transformnçRo radical na funcção do
mesnio direito. Ao estudo cio iiioviniento incessante
d a vida j~~l-idica substitl~ii'-se-ia,a arialyse ou rt syn-
these dos testos inertes da IegislaqRo escripta. Ba-
seado na 1ieg;~c;;loda mais certa das leis socio-
logicas, o iiietliodo da escola, clos interpretes leva-
va-os n ~ ~ h s t r a l ida
i r continqencia cia vida juridica
e a 1xoc111'~~i- deduzir dos trxtos legaes, por assim
dizer, iiintlieiiiaticameritc, 1)or iim:L série de racio-
cinios syllogisticos, a soliiç5o facil e prompts para
os probleiiias ainda mais novos e mais delicados
siibmettitlos ao seu exame. Affiriilava-se o postulado
; ~que,
s i n g ~ ~ ltlc ~ . por effeito ria coditicaçRo, o direito
cessaria clc evolucionar livremente, fixando-se as
suas liilhas geriies eiii unia perpetua immobili-
daclc.
Renovando o erro j& coniinettido pelos juriscon-
sultos rornanos e, depois, pelos jurisconsultos iii-

uma forma accessoria do direito consuetudinario. A mesma


opinião é defendida em numerosas obras de aiictores alle-
mfles e austriacos. Vej. Pfaff und Iloffman, Coommentur cit.,
pag. 190 e segg.; Perceron, ,ipropos d'un notcvsuu livre
. méthode d'inte~yretatioiz,apiid Annales de droit com-
n ~ i2e

mwcial, 1900, pag. 1-13 e segg. ; Lambert, DZLcordtrat en


fuuezcr de tiers, 1893, Yréf., pag. I e segg.
gleses (1), a escola dos interpretes chegou, como
aquelles, ao afastamento yi.ogi.essivo entre o direito

(1) Os romanos proteiic1er:iin dotar de apticlgo de appli-


c a y b indefjnida a sua :iiitiga codifii.;iç%odas xii taboas, a s
eonstrucções dos pontifices ou as dos seus priineiros pl-u-
dentes. Mas o rt.,siiltado iiriico d'estil fic.çLo de perprtiiidade
foi a scisão do direito romano em dois sgstenias jiiridicos,
profundamente oppostas no seu espii.ito: o systema (10 j u s
ciuile conjiincto das doi~tririastradiccionaes, que permanecia
theoricainente ein vigor e qiie representava sempre a ex-
pressão official do direito, riias cuja applic;iyAo o magistrado
encarregado da adiriinistraY&oda jiisti7;l piqocirrava paralysar
por iiina serie de procedsos engriiliosos; r o systeina do
direito p~etor.iuno, conjiiricto d e regras novas elaboradns
pela jiirisprudencia, em vista das necessidacleu da sociedade
coriternporariea, e qiie cmoristitiii:lo uriicu systema realmente
em vigor.
Tambeiii, n a I ~ i g l a t e r r ~se
i , attribuiii, desde muito cedo,
á sentença do juiz a f'c~rçn.de pruvar e fixar o costiiine.
Estes precedentes jucticiarios, coinbitiados coni os mais ;in-
tigos estatutos, furm:iraiii desde a edade niedia todo iam
corpo de doutrina - - a com mo^^ lazr., A qiial os juriscon-
sultos inglezes recoiilieceram o cai.;icter de perpetuidade,
dia iiiodo que, originada ciri grande pai,tr no meio feudal,
apropriado a s sirriples i i e c ~ e s ~ i d a dri'este
e~ meio, se impõe
ainda, tlieorieaine~ite, á vivilisação tLo coiriplicada d a Iii-
glaterra contempor;inea. 12:is o esforço dos jurisconsultos
iiiglezes para iiniriobilisai. o direito resultou iriefficaz : ao
ao lado dos tribiiriacs de direito coiiiriiiirii, qiic continuavain
a decidir segiirido os priiicipios da common latu, introdii-
tlieoricamente em vigor e o direito realmente vivo,
entre o que expõeiri os auctores e o qixe applicani
os tribunaes, entre a doutrina de uma parte e a
pratica d a outra. E o phenonieno de dissociação
do direito e da pratica B j A beni visivel no direito
francès ( 1 ) .
Attribuindo ao codigo civil a virtude especifica
de garantir a segurança das relações jaridicas,

ziriiin-se tribiiiiaes de equidade, ciijas divisoes eram mais


conformes com as exigeiicias da pratica. Estes Court oj'
epltity criaram, do seculo X \ ' i a X v i i i , um systeina coiii-
pleto e original de jiirisprudencia sobre todas a s materias
da sua competencia. E a reforma judiciaria d e 1873 (ctct
36 t! .i7 Victoria GG), supprimindo a separaç2o absoluta
entre os tribunaes de colnnton lu10 e UY tribunaes de eqziity,
i120 coiisegiiiu fazer desapparecer esta divisão fundamental
c10 costiime inglês. Vej. Sigfied Brie, Die 1,ehre vom
Gezçoliwheitsrecht, 1899, pag. 101.
O mesmo plienomeno foi estudado para o direito inussul-
mano por Kohler e Goldziher (212 Zeitschrift fiiv verglei-
clientie Rechtswissenechccf't, t. VIII, pag. 406 e segg).
(1) TTej. Mornet, DLLrole e[ des droits de lu jz~vispru-
dence en mcztière ciuile, 3C304, pag. 7 e segg. ; Cliarinont et
Chaiisse, 1,es intelprèt~sd ~ iCode civil, apiid Le Cods civil,
Livre tlu ce~u!enairp,1904, 1. r , pag. 133 e segg. ; Esrnein,
Ln ,jtirisprridence et lu doctrine, apud Revue trimestrielie de
droit civil, 1902, t . I, p a g . J e segg. ; Lambert, Une ré-
forme ne'cessaire des étrcdes de droit civil, apud Revrie Inter-
tzatio~tcifede l'enseignement, 1900, t. ix, pag. 216 e segg.
DIR.,3.. CAD. 18
permittindo, em todos os casos, a revelação certa
do direito, e de assegurar ao individo n protecção
qiie, contra as variações legislntivas, lhe offerece a
ii;ioretroactividade das leis, aqiiella escola, fechando
os olhos sobre o movimento continuo de formaçiio
espontanea do direito, não viu que, se em logar cle
negar a necessidade do trabalho contiiiiio dc ;ida-
ptação do direito e de c0nfia.r essa funcção ex-
clusivamente á jurisprudencia, a doutrina tivesse
n'ella collaborado, esclarecendo a jiirisprudencia,
poder-se-iam em grande parte evitar os inconve-
nientes que a estas fontes é possivel apontar.
Mas se, considerado no estado isolado, fra-
gnientario, o trabalho do jurisconsulto para des-
cobrir, mediante processos qiie em breve estiidrt-
remos, a regra de direito qiie conv6nl applicar,
não apresenta o caracter obrigatorio, que se encon-
tra na base de toda a regra de direito (I),o mesmo

( 1 ) Note-se, porhm, que, eiribora não constitua fonte


creadora de direito, a doutrina dos auctores, quando una-
niine ou quasi i~iianiine,tem decidida auctoridade, embora
nBo vincule absolutamente o juizo do interprete. E póde a
doutrina, pela convicção qiie origina nos intereesadne,
deteriniriar iim coatuirie sobre um ponto de direito não
i.egrilado, deixado em diividn, ou insufíicieiitemente rrgii-
lado pela lei escripta. E ainda iiiria opinifio doutrina1 p6de
afiriiiai.-sc e ruariter-se com força tal que chegue a vencer
tinia jui-ispriidrncia rebelde.
I. - PARTE GERAL 139

nã,o poderemos, porveiitura, dizer da jiirispruderi-


cia dos tribiinaeu, destinada a dar solução effectiva,
e sob a sancção social, ás difficiildades da vida
juridica, quer estranhas a toda a opposiça"~ (pr,<It'1cu
rtotarial, jilrisdicção voliintnria), quer em caso de
litigio e por via contenciosa djurispriidencia das
sentenças).
Certo que a funcção dos tribunries é, na geiiera-
lidade dos casos, a de applicação dos preceitos do
direito vigente, não sendo, portanto, a regra juri-
dica imposta As partes pela decis;io jiidicial urna
criação do juiz, nixs unia sin~plesapplicsção da
lei j& existente.
Mas se, emquanto a jurispriidencia dos tribunaes
se limita a interpretar e applicar textos de leis
existentes e quc, de facto, regulain as questões
submettidss á sua apreciação e julgamento, não
póde ella dar origem a iinia regra de direito, diffe-
rente Q já a hypothese ein que, na falta de disposi-
ção legal, o magistrado tenha de procurar a solu-
ção fóra dos textos, no vasto dominio do direito.
Porque o seu dever é julgar ein todos os casos e
dar ás partes a decisão que d'elle reclamam : para
que os tribiinaes satisfaçam ao fim da sua institui-
çRo, é necessario que se iião recusem, sob pretexto
alguni, a admiiiisti.ar .jiisti<;a, quando se Ihes re-
queira, aliás, a Iticta entre as partes litigante8 seriu
o unico meio de resolver os seus litigios e penden-
tias, e a anarchia social uma conseqiiencia neces-
s;iri:i. E vonlmetter ao poder legislativo a i e s o l u ~ ã n
dos casos omissos ou diividosos ria lei seria entre-
gar a este poder o exercicio do jiidicial, sesiiltando
cl'alii ainda qiie os pleitos ficariani iridefinidiiniente
protelados 6 espera de solução do poder legisla-
tivo (I).
No caso de que se trata, porém, a decisão do
juiz s0 tem efficacia relativa, limitada A questao a
q i ~ erespeita.
1f;las nem sempre 6 assim. a P6de acontecer mui-
tas vezes, diz Capitant (2), que a dispo~iç50legal,

(1) A Novissima Reforma Judicittria no art. 1243.', o


Codigo de processo civil no art, 97.O e o Cudigo adminia-
trativo rio art. 352.' declaram que os tribunaes não podem
recusar-se a jiilgar com fundamento na falta de lei e na
obscuridade ou ornisdo d'ella, e na falta de provas ou por
qualquer outro motivo; a lei de 18 de julho de 1855 im-
poe, no art. 1!1.O, ao juiz oii agente do ministerio piiblico
q u e , seiii inipedimento Iegitiiiio e provado, deixar de pra-
tirar algum scto judicial (ta sua competencia no praso ti-
xado pela mesma lei, s pena de suspensgo at6 seis meses,
alhiii da responsabilidade, por perdas e damnos, para com
n pessoa prejudicada, n das penas mais graves iinpostas
por lei; e o codigo penal pune no art. 286.O, coin suspen-
&O, os juizes que se neguem a administrar a j u s t i ~ aqiie
derem 6s partes, depois dt. se Ihes ter requerido, e depois
cta ad~ertencaiaoii iuaiidado de seus superiores.
( 9 ) hztroduction N Z'étude d;l droit civil cit., pag. 30 e segg.
1. - PARTE GERA& 141
--- ..-. -
-.

applicavel As questões conti-overtidaa, já não esteja


em harnionia com o desenvolvimento economico
presente, embaraçando o movimento do commercio
juridico e levantando protestos, que se inanifestain
sob a fórma d e litigios. Quando assim siiccede, a
jiirisprudencia não fica insensivel ás reclamações
das partes: por lima interpretaçiio livre e auda-
ciosa, procura dar satisfação a estas exigencias,
adoptando uma soluç5o mais equitativa, mais
confornie com as novas necessidades sociaes. E
quando, por uma longa série de decisões, ella con-
sagron, assini, uma regra nove, não é possivel
consideral-a como exprimindo a vontade do legis-
lador; B forçoso reconliecer o seti caracter proprio
e independente. O phenonieno B ainda iiiais fri-
sante qiinndo se tisata de i.esolver as difficuldades
resultantes da concliisãn de novas operações juri-
dicas, originadas nas modificações que se operani
nas condições econoinicas d a sociedade e ainda n t o
previstits pelo legislador.
Eilt;to, o juiz ngo interpreta, cria o direito.
Cria-o. priiiieiro, de iiniw marieira concreta, por-
clue w sua decisão não teiri vnloi. e wnctoridade
seri%) l)xi.x o litigio eni questiio. Ilns quando, em
virtude da reprodiicção da riiesnia especie, a solu-
$20 ;idoljta,da se gerieralisoii e iiniforriiisoii. e deixa
de ser posta em duvida, ella assume, na, opinigo
geiaal, o carncter de um verdadeiro preceito abstrn-
142 DIREITO CIVIL POK'I'UUU&~

cto, acceito por todos como obrigatorio. E este


preceito nAo deve a sua aiictoridncte senso ito coii-
juncto d e decisbes que o formiilai-aiiiB .
Acceitando, eiii principio, as ideias de Capitant.
sobre o poder pretorialio da jurisprudencia,, sob
esta fórina a b s t r a c t ~ ,entendenios, pordm, que a
tendencia, revelada nos trabttllios da maior parte
dos constriictores d a obscura distincção do Vol-
ksrecht e do Jw-istenrecht, para attribuir fi jiirispru-
dencia o valor de fonte positiva, constitutiva d e
iiiii verdadeiro direito consiietudiiiario, desconhece

;i clistincção profunda qiie existe entre a 1)i-atica

judiciaria e o direito constietndiiiario sob todas as


suas fórmas. E póde attribiiir-se á jurispriidenci~i
o valor de fonte positiva independente, sem por
isso, termos de a integrar no costurne.
Com effeito, emquanto no direito consuetudina-
rio 6 a commiinidade social qiie regiila, por si
niesma e directamente, as relações jiiridicas que se
estabeleceni e m seu seio, ria jurisprudencia é u m
tios orgaos da communidade qiie regi~lamenta,em
iioiiie d'esta, essas mesmas relações. N'este ultimo
iriodo de formação do direito, não é a convicçgo
jiiriclica popular que se traduz por actos dos rnem-
hros da collectividade, 4 a convicçiio dos juizes
que se exprime por actos judioiarios.
E se assignarmos ao costiiine, como origeni e
fundamento racional, a vontade oii o sentimento
I. -PARTE GERAL 143

juridico do povo ou dos interessados,torna-se ne-


cessariamente esta noção incompativel corri a de uni
direito consuetudinario criado pela jurispriidencia.
O uso jiidiciario 6, pois, uma fonte particular,
nitidamente differenciada de qiialqiier ctiitra (1).

O recoiihecimento da jiirisprudencia moderria


como fonte do nosso direito privado positivo 6,
porém, inconciliavel com os principioa fiindamen-
t t e s da nossa organisação politica. Aos juizes
compete, segundo o artigo 119." da Carta consti-
tucional, applicar a lei ou, melhor, pôr em acçiio
o direito, e, se podem creal-o para uni assumpto
determinado, n90 podem erigil-o em preceito des-
tinado a regular os casos posteriores: o principio
da separaçgo dos poderes, consignado no artigo 10."
da Cartn, niio perrriitte aos juizes foi.mular regras
com força de lei.

1% -- Forites nub~idiariasdo direito.


A complesid:ide, 2% rriiiltiplicida'dé éa-Gcèg~ante
traiisforrnaç%o das i-elações sociaes, por um lado,
e, por outro, a impossibilidade por parte do legis-

( 1 ) Vej. Qeny, Método de inteqwetación y frtentes vit.,


pag. 45.5 e srgg. ; Clierke, Deutsche~ Priaatvecht, 1895,
t. I , pag, 179 e segg. ; Caeiro da Afatta, Theses de Direito,
1906, pag. 19; Mioela, Lu norma giuridica, 1906, pag. 156.
Iador de regiilar e coordenar todas essas rel:ações,
tornani necessnrias as fontes subsidiarias do direito,
isto é, a determinação de pi-incipios qiie, na falta
de disposição legal, devem appliear-se na decisso
das questoes juridicas. fi o qiie se chania dilrito
subsidiai*io.
E a falta de um ol*g<?o permaneiite de interpre-
tação legislativa destina.do a supyrir as insufficien-
cias d~ lei e a inipossibilidade para o juiz de se
recusztr n julgar por qiialqiier niotivo que não seja
a sua incompetencia legal, sendo corisiderada conio
deiiegação da justiça ;L i.eciisa a proferir despacho
sobre qualquer objecto que lhe seja requerido oii
a dar sentença sobre qiiestão pendente, .ou a cuni-
prir, nos ternios da lei, as decisões dos triburiaes
superiores (l),tornam essa determiii:xqilo absoliita-
uiente indispensavel.
Diversas teem sido as fontes s~~bsidiarios de di-
reito ndoptadas pelos 1egisladol.e~:o direito roniano,
o direito canonico, as leis estrangeiras, a analogia,
a équidade, os principias geraes de direito, o di-
reito natural.

-
a ) Direito Tomano Apes;tr de coiistituir a nittis
abundante fonte dos codigos moderrios e

(1) Codigo de Processo civil, artt. 97.O e 1092.O n . O 4.O.


de ter ainda hoje um alto valor historico e
exegetico, o direito romano não pode ser
hoje admittido como direito subsidiario.
Producto natural e necessario das condi-
ções historicas de uni povo e nBo o resul-
tado da imposição despotica e arbitraria do
imperante, o direito reflecte sempre aquela
las mesmas condições : elaborado ha vinte
seciilos, o direito romano, que nc2o se
amolda As condições das actuaes socieda-
des, nRo estA de fórma alguma eni corres-
pondencia com inuitas instituições do direito
moderno. De resto, as disposit;ões aprovei-
taveis do direito romano foram, já ha muito,
assimiladas pelos codigos contemporaneos.
I3 a doutrina de Siipino e Gianturco (I),
que adniitte nos casos oniissos o direito. ro-
inano, riao corno fonte de direito objectivo,
mas como tradiqão e dotitriila scientifica
corifornie coni o direito vigente, vem, em
iiltirna analyse, ti red~iziro direito romano,
assini abstractamente considerado, aos prin-
c i p i o ~geraes de direito.

( I ) Uinberto Grego, Delle fonti sussidiarie de2 din'tto


civile, .npud Rivista ituliccneper le scienze giiwidiche, vol. xvr,
pag. 315 e segg.
DIB.,3 . 9 ~ ~ . 19
Sob o ponto de vista objectivo, nIio póde
aer invocado, de modo algiim, para a de-
oieiio dos casos omissos na lei (1).

(1) As Ordenações Afonsinns (liv. 11, tit. ix, §§ 1.O e 2.')


ordenavam que, nos casos nLo determinadss por leis do
reino ou estylo da corte ou costume d'estes reinos antiga-
mente iisado, se recorresse ao direito canonico, involvendo
elles peccado, e ao direito romano, no caso contrario. Na
falta dpestea, recorrer-se-ia ás glosas e opiniõen de Accur-
sio, depois, 4s de Rartholo, e, ein iiltiino logar, consiiltar-
se-ia o goveriio.
As Orde~iaçõesManoelinus (liv. 11, tit. v) consignaram,
quanto ao direito subsidiario, disposipões analogas, áparte
o recurso ás leis imperiaes, que aera ordenado sdmente
pela boa razSto em que taes leis leis eram fundadas, per-
mittindo -se, assim, aos juizes rejeital-as quando incompa-
tiveis com a boa razão. . .
Tambem nas Ordenaç0es Philippinus (liv. 111, tit. LXIV)
foram adoptados como siibsidiarios um e outro d'aqnelles
direitos e, na sua falta, as opinizes de Accursio e Bartliolo,
quando a opinião commum dos Doutores li30 fôsse con-
traria.
A lei de 18 de agosto de 1769 determinou, no 5 9.O,
que o direito romano fôsse considerado como subsidiario
das leis patrias, sendo conforme oom a boa razão ou di-
reito natural.
E nos Estatutos da Universidade (liv. 11, tit. v, cap. 111)
estabeleciam se as srg~iiiitesregras para verificar se uin
b) Direito canonico -Tendo outr'ora exercido
largiiissin~ainfluencia e11ti.e a, maior parte
dos povos, o direito canonico ainda hoje 8,
entre n6s, zlpplicavel, na falta de leis patrias
e quando tenha sido recebido no reino, em
materia de casamento catholico (1). .
Mas a s exigencias da sociedade civil de
modo alguin se podem conciliar com os
principias do direito canonico : s6 o Estado
Q competente para regular as relações da
vida civil.

c) Leis estrangeiras - r. As leis, já o notava Mon-

determinado preceito das leis romanas era ou não conforme


com a boa razão:
u) verificar se a lei é fundada em alguma razão peculiar
do povo roiiiano ; e
B ) consiiltar o uso qiie da mesma lei fazem as nações
rnoderiias, exaiiiinando as obras dos seus melhores
jurisconsiiltos e as disposições dos seus codigos.
O Codigo civil, ~egiiindoL: corrente das modernas legis-
laçces, proscreveu por completo, o direito roinano. Vej.
Coellio d : ~Roclia, R ~ s c t i osobre u historiu c10 governo e a
legislagiio ern l ' ~ ) * t ~ l y u1843,
l , pag. 119 e 193; Sr. Dr. Clia-
ves e Castro, Estutlo soare o artigo XVI do codigo c i v i l p o r -
tz~gziês,1871, píig. 14 e segg.; Sr. B r . Vasconcellos Porto-
carrero, (Jriestües tle jt~ri.~prctde,lciutheorica epraticu, 1896,
pag. 128 e segg.
(1) Cod. civ., art. 1069.O.
148 DIREITO CIVIL POI<TUGU&J

tesqiiieii (I), devem estar em harmonia com


a natureza e coni os principias do governo
estabelecido oii qiie se quer estabelecer; e
em relação com as condições physicas do
país, com o sen clima, frio, ardente ou tem-
perado, coni a qualidade do terreno, situa-
ção e grandeza, coni o genero de vida dos
~ I O V O S , lavradores, c:içadores ou p:tstores,

com o grau de liberdade que a constituição


politica possa admittir, com a religiao dos
habitantes, e com as suas inclinações, ri-
quezas, numero, commercio, usos e costu-
m e s ~ .Assim, se o exame dos codigos das
nações estrangeiras 6 util conio estudo de
legislaç80 compaiqada, que, extrahindo das
legislações dos paises de civilisação analoga
iim fundo geral de concepções e de maxi-
irias juridicas, perniittirk chegar B constitrii-
$0 de um direito commuiri legislativo (2),

e se é proveitoso conio elemento de inter-


pretaçWo, qiiando sejam fonte de uma de-
terminada lei ;,não póde ser acceito como

(1) L'esprit de8 lois, liv. I , cap. 111. Vej. Nardi-G-reco,


SocioZogia git~vidica, 1907, pag. 323 e segg.
(2) Vej. Weiss, Rôle, folzction et méthode dzt droit com-
puré duns le d m a i n e dlc droit ci,vil, apud Bulletin de la
Société de ldgislation compurée, 1900, pag. 418 e segg.
I. -PAWE GEILAL 149

direito regulador dos casos omissos. E bas-


taria a incerteza e marchia, derivadas do
facto cle que, militas vezes, as regras de
direito sgo differentes 110s codigos, e que
seri:~ni ;I consequencia da adopção de tal
clireito subsidiario, para, repellirnios a opi-
iii;lo cle I3riiscliy (i),qiie ainda reputava os
cotligos modernos u verdadeiro direito sub-
sidia rio do Codigo civil D .

d) Ji'quidncle - Tambem a equidade não póde


ser acceita como fonte subsidiaria de di-
reito. E o primeiro iilconveiliente qiie surge

( 1 ) dlnnz~ulde direito civilpoi*tuguêscit., vol. I, pagg. 25


e 26.
Entre nós, a lei da boa razão de 18 de agosto de 1760
inandoii seguir, nos negocios politicos, economicos, mer-
cantis e maritimos, as leis das nações civilisadas d a Eu-
ropa ; e os Estatutos da Universidade de 1772, procurando
fixar para a boa adniiiiistração da jiistiqa uma norina po-
sitiva, que acabasse com o indefinido e vago da òoa razão,
prescreveram (liv. 2.O) tit. o.', cap. 2." e :+.O), como regra,
o uso moderno que das instituiç8es juridicas romanas fa-
ziam as nações cultas. No projecto primitivo do Codigo
civil proliibia-se (art. 13.O) o recurso a qualquer legislaçIo
estrangeira, a não ser como testemunho da equidade que
devia presidir A decisão dos casos omissos no Codigo civil
português.
para considerar a equidade como elemento
uiibsidiario para a resoluçgo dos casos omis-
sos é o da impossibilidade de definil-a. Com
effeit'o, quer, com Aristoteles (I), a defina-
irias lima iiiitigaqão da lei escripta por
causa das circurnstsncias que occorrem, ern
respeito ás pessoas, As consas, aos logares
e aos tempos ; quer, com Grocio (2)) veja-
mos n'ella tinia virtude correct,iva d'aquillo
sobre que :I lei nada, dispdz; quer, com
Belime (3), entendamos que a equidade se
coritrapõe Q lei positiva, não se di~t~inguindo
do direito natural ; quer, com Ferrer (4),a

(1) Correia Telles, Discurso sobre a equidade, apud


Con~menturwcritico cí lei da boa ruzdo, 1845, pag. 92.
(2) Correia Telles, obr. e loc. cit.
(3) Philosophie dic droit ou cozcrs d'introduction à lu
science d u droit, t. I , pag. 502.
Tainbem os juriscoiisultos romanos integravam a equi-
dade no direito natural o11 ideal. Paulo escrevia : a&cs
plutibue modis dicitur. Uno modo, cztm i d , qwod sempev
aepzczem, ac bonum est, jus dicitur; ut es jzis naluralex,
( L . 11 princ. D. dejust. et jure, r, 1). O iiiesino conceito
apparece em muitos o~itrostextos. A antithese entre a
aepuitas e a substilitas juvis ou vatio scripti jttris encoii-
tra-se, a cada passo, no direito roinano.
(4) I'eJltxÕes sobre os setep?.irnei,ros fi/ulos do livro ?i?~ico
da parte i.ado Projecto do Codigo civil po~.tzcgu2s, 1859,
pag. 58.
I. - PARTE GERAL 151

definamos o exercicio dos direitos tempe-


rado pelas leis da moral; quer, coni o Vis-
conde de Seabra (1), a façamos consistir
iios principios de direito natiira1 ou da boa
razão; quer, conr Chironi (2), a considere-
mos o prodiicto de um conceito silbjectivo
sobre o modo mais jiisto de regular unia
determinada relação; quer, coiii Mazzoni (3),
a definamos a just.iça nntiiral manifestada
pela consciencia juridica do povo ; ou, com
Bianchi (4),vejamos n'ella a suavisaçSo do
rigor da lei escripta; ou, com Gianturco (5),
a façamos equivaler ao direito natural, em-
quanto contribniu para n forrriação do di-
reito vigente; quer, coni Uniberto Greco (6),
Faddit (7), e Scinloja (8), a tomemos por

(1) Resposta ás rc$exões do Sr. l.Tz'cente Fewer Neto


P a i v a sobve os sete p1.inleiro.9 titzdos do Z'rojecto do Codigo
civil po~ticqti2s,pag. 50.
(2) Istitueio~zid i diritto civile italiano cit., t. r, pagg. 12
e 13.
(3) Istituzioni di diritto civile italiano cit., t. I, pag. 2.
(4) l'rincipii generali srdla leggi cit., pag. 156.
(5) Istituzioni d i divitto civile italiano, t. I , 1904, pag. 11.
(6) Della fonti sussidiarie de2 diritto civile cit., pagg. 339
e segg.
( 7 ) IAJepuitd e il metodo nsl concetto dei giureconsulti
romani, 1881, pag. 10 e segg.
(8) I1 diritto positivo e l'epuitd, 1880, pag. 5 e segg.
um sentimento ou um conceito, ora indivi-
dual, ora geral, segundo o qual uma dada
relaçiio deve ser regiilada por um determi-
nado modo, que nRo adquire força obriga-
toria senão quando tenha obtido as provas
necessarias para se tornar lei ; -sempre o
conceito de equidade, de sua natureza in-
determinado, recebe o seu conteíido da con-
sciencia, do sentimento juridico de qiieni
tem o poder de applical-a 11:~ssuas deci-
sões. Subsiste sempre o vago e indefinido (ia
fórmula jiii-idica e, consequenteniente, o
arbitrio dos tribunaes (1).
A equidade só 6 fonte de direito quando
a lei positiva a ella expressaniente se refere:
se a lei dispõe, o poder judicial não póde,
sem infringir o principio constitucional da
divisa0 dos poderes, preterir a prescripçgo
legal. Apreciar coi-rio a equidade deve co-
ordenar-se á fiincç,io social da lei, á estrii-
ctura technica d:t oi.ganisnq:wlo qile a fixa,

(1) No artigo 13.O do projecto do Codigo civil estabe-


lecia-se que, não tiavendo lei expressa ou analoga para
applicar b questtlo, se resolvesse pelos principias geraes
da equidade. Mas aqiiella disposição era logo modificada
no novo projecto, que introduzia a doutrina consignada no
art. 16.O do Codigo.
I. - PARTE GERAL 153
d

t5 o11i.a do legihltltlor ; e ao juiz 86 pertence


;L :~pplic;1(;50do direito, qualqiier qiie seja
a f(íiiiia l~ositivacl;~SU;L exteriorisaçiio, sem
poder decidir clii coriforniidade da lei coni
os pri~icil)iosdti ji~hti(;ii,sem poder par em
:ic.c;;lo o scii seritiiiieiito ( l u equidade para a
sol iic;;io tle dii-uit o pi-oj)riainerite dita, sobre
iis cii~ciinistancias individuaes e especial-
riierite concretas do c;~soque llie tenha sido
siibiiicttitlo.

Q I I : L I ~ (pai-6in1
~O, n lei j~eriiiitte no juiz
dcciclir eni 1i:iririonin coni o seti prudente
arbitiio, teiido erii coiisiderac,:lo deterniino-
das circiiinstltncias, conio nas liypotlieses
11i.evist.a~nos ;xi.tigos 7 1 7." E; 3.' e 1132."
(10 Codigo civil (L), (leve aqiielle julgar
pela fórma yiie Ilie 1)arcç:t iiiais justa, isto 6,
procurando descobi-ir uiiia riova sitiin<;Go
(1

dc equilibrio cori-esporidente a, uma sitiiit-


?

çiio anterior de eqiiilibrio)). E n'este senti-


iiiento do eqi~ilibi-ioqiie reside :L eqiiicli~cle,

(1) Sobre a grande 1:ititiide tleixaila ao juiz pelo novo


Codigo civil allemiio, vrj. Eiideiiiaiiri, Ei~jfiihrungiiz das
~ t u d i u mdes Jjiir.gerlicl~enGeserzbzichs, t. r, 1899, pag. 46
e segg.
DIB, 3.a CAD. 20
sentiniento que se traduz em certas fórmu-
las (1) - as unicas maximas de equidade
que possilirrios :
1) os contraetos devem ser realisados de
boa fQ (Codigo civil, art. 663.') ;
2) os cootrnctos devem ter tima cansa
valida (Codigo civil, artt. 657.' ri.' 2.' e
658." a 660.") ;
3) Q necessario adoptar a soliiçlWo niais
conforme 6 ordem nornial dos factos;
4) todos os cidadzos s3o egucies perante
a lei (Carta Constitucional, a1.t. 145 $ 12.";
Codigo civil, art. 7.')).
A nossa organisação juridica moderna
desconhece o systema dos tribiinaes de
equidade, qiie, ainda ha pouco, desempenha-
vam impo~tantefuncçto na Inglaterra (2),

(1) Vej . Vander Eycken, Méthode positive de E'interpré-


tation juridiqm cit., pag. 332 ; Gény, Método de interpre-
tacidn y j'uentes cit., pag. 512 e segg.
(2) Glasson, Histoire du droit et dea iristitutions de
Z'Angleterre, t. v, 1883, pag. 504 e segg.
Note-se, todavia, que, ein virtude do espirito da sua
institiiição, certas j urisdicções s#o mais particularmente
guiadas pela equidade : v. g., oa tribunaes arbitraes. Vej.
Cod. de Proc. Civ., artt. 44.'-58.O.
I. - PARTE GERAL 165

como a ella B alheio o processo das acções


de boa fd, do direito romano (1).
E a disposiçRo do artigo 3." do Codigo
de processo commercial, de que «o juizo
commercial B essencialmente juizo de eqiii-
dade-, tem necessariamente de conside-
rar-se, como escreve o Sr. Dr. Barbosa de
MagalhAes (2), c simples letreiro decorativo,
ni6i.a declaraçSio theoricn d'uina faculdade,
que n8o póde ser exercida, ou de iiina aspi-

(1) Clausiila exfide bon«,.inserta na foriniiln. Vej. Qirard,


Manuel LlEmentaire de droit ronaain, 1898, pag. 989.
(2) Codigo completo do processo comniercial, 2.a ed ,
vol. I, 1901, pagg. 6 e 7.
A disposiç3o do art. 3.' do Codigo de processo com-
mercial, 6, diz, coin razlo, este escriptor, iiiiitil e perigosa.
Inutil, se qiier signiticar apenas que os tribiinaes do com-
mercio devem recorrer aos principias d e direito natural
na resoliição dos casos nBo especialineiite preveriidus ritis
leis niercanlis, nem analogamente n'outras leis, porque 6
o que Jtí estd determinado no art. 16.O do Codigo civil,
mandado applicar pelo íirt. 3.O do Codigo coininercial.
Perigosa, se se destina a :iuctorisar os juizes w interpretar
e modificar a lei escripta no sentido de uma equidade que
se não detine. E a reproducpão irreflectida do art. 207.'
do Codigo commercial de 1833.
Vej. Itibeiro Rosado, Manuul do pvocesso commercinl,
3.9 ecl., 1882, pagg. 10-14.
!456 UIHELTO CIVIL PO~<~L'U(IU&L

raçRo que nwo p6de ser realisada. A conce-


1 1 ~ 3 0 iritlivii1ii:il da eqliidacle n;io pot1er;i
iiiiiica eiitinr por fiiridaniento de decisões
sujeitiis a recuimso * .

e) Analogia -Iriferiiido :i soliiqRo, para iiiiin de-


teiiriinada sitiiaç5o de facto, de tima seiiie-
lhariça fiindaiiiciit:il entre esta situaç"ao e a
que a lei i~c:_rriloli, a analogia póde clistiii-
giiir-se eiii :iiinlogi;~ílit lei (Gesotzanalogie)
c :innlogii~ de direito (Rschtsannlogie), se-
giiiiclo ;L i ~ i d l i c ç ; ?se~ bapeia ein lima dispo-
s i q h coiicreta e es1w(:iaI da lei ou se apoia
ciii 1)i'ilicil)ioh~ s t ; ~ l ) ~ ' l ~ pela
~ i dlegisli~ç?io,
os
toiii:idos iio seli coiijuncto. Mas tlevemos
iiit(~gr:~i' L: urtalogia na iiiterpi.et;iç%o pro-
pri:~~,~eritc dieta e coiisistirido em investigar
o (111eo Icgislador teria decidido se tivesse
1)revistoa Ilypotliese, ou coiisideinl-a-lieiiios,
no coriti.ario, uni moclo de investigação coiii-
pletaniente diffeisentc da vontade legisla-
tiva?
Conseqiieiiciii, clo postiilndo, adiiiitticlo
pelo systeiii:t tradiciori;il, tlla l)lenitiicle r i
prio~i da IegislaqSo escript:~, e1lteiitli;i-sc
que a an:ilogi;i n%o podia. ser legitiinada
iieiii p~.;~t~ic:ida seli30 coiiio i i i i i xiiodo de in-
terpretação pura da lei, impugnando-se a
4
sua incliisAo entre ns fontes do direito. Ana-
lysando, subtilniente, o pr cesso scientifico
da analogia, a cloiitriiia a1 em2 viril~a,po-
rém, coni Tliiil, iriostrar a distiilcçao entre
ella c: a iilteipretxçRo propriaixente dita ;
coni Waclitei~, insistir sobre o caracter
iniuto da analogia, eni que, todavia, coii-
tinii:ir:i, cni logar pi.eferente, n ideia de
iiitei*p~.etayiio(1% lei ; e, finalniente, coin
l?Tiiidsclieid (I), sustentar qiie n analogia
:tppnrece cnnio iiiii processo intermedio
cntrc a interpretayxo proprininente dita e
;L cl'i:~çRndo direito. u Por u i i ~lado, diz este
e~c:i~il~too",al'oiu-se li:), lei escripta, na qual
encloiiti.n a slia base essencial, e pbde dizer-se
qlic, eiii virtude da hypothese da unidade
orgaiiica, visa a supprir a deficieiicia do
pcns:"~i~nto legislativo e a pi.eencher as la-
ciiiirts cla S I I : ~ hrniiilu; por outro, :~n:iljr-
saiido o espirito gei-al do systemn jriridico
c a s novas i.el:i(;ões cliic sc apresentam R
observaçiio, para integral-ris no qunclro
d'este systeinn, eleva-se necess:iriamente
:iciiria dos textos, 1)i.oc.iir:iiicloe foriiiiilnndo
os priiicipios siiscel)tiveis de receber, I I ~

fórnia de novas I-egras,iiovas ;~daptaçõesB .

(1) Pandekfen cit., t. I, pag. 54 e segg.


Nso parori aqui a pvoliição da doutrina
alleiiiii. Negando todq o valor 4 fioçiio de
que o direito positivo\ constitue, por si s6,

1
uni systema completo, om o poder de auto-
integração, clicgava a azer da analogia um
insti-uniento ilidcpendbiite de elaboraçho
juridica : :i iirialogia dão opéra com a lei

1
senso consiclerando-a omo elemento obje-
ctivo da nossa. organisa 30 social, absoluta-
iiiente destacada da vo tade subjectiva do
legislador, tendo em si mesma, valor pro-
prio, e constituindo, n seu conjiincto, a
orgaiiisação juridica poJitiva (1).
Mas, se 6 de repelli\-, por excessiva, a
doutrina de que o poder I a analogia provdrn
directa e exclusivaniente da vontade do
legislador, devendo, po). consequencia, ir
unida ií lei escripta, tairibeni julgamos in-
adinissivel n tlieoria, dão vigorosamente
npoitidi~por Geny, da ;Uiltonomia absoluta
da analogia. tuo visiiilid da opinigo, emit-
tidn por Rcgelsl>erger (b),
de que a força
cri:tclor:t da aiialogia ~leqe,eiii ultima ama-
lyse,eiitender-se consag~nclapelo costume.

i
(1) Vej Charles Brocher, Atudes zw lesprincipes gén6-
,
T U I C X de l'interpritutiola des lois, 186 pag. 147 e segg.
( 2 ) Vej. GBny, Método de I'inlerpr acidn cit., pag. 521.
I. -PARTE GERAL 159

Nas suas applicações,


por iima verdadeira,
pura interpretação
são analogica de
lada, até A

juridica.

Consideraria o nosso leg slndor a analo-


6
gia corrio simples processo e interpretaçiio
jiiridica ou adoptaria, tanibeni, a analogia
coino fonte si1bsidi:iria de direito ?

l
O artigo 16." do Cocligo ci i1 tleclarn que,
ase as qiiestões sobre direi os e obrigações
n5o pocléreiii ser resolvidasj iieiii pelo texto
da lei, nein pelo seu espi/ito, nem pelos

1
casos annlogos, prevenidos e m outras leis,
serao decididas pelos prin ipios de direito
natiiral, confornie as cir umstancias do
caso#. 01-a,se a analogia 6, com effeito,
iim eleiiiento de iiiteispre ação das leis.
conio vereiiios, e m q u ~ i i t or ferida a leis da
iiiesnia. riatureza, coristitue verdadeiro di-
reito siibsidiario, quando rbferida a leis de
natureza cliversa, como no caso do direito
civil, iios tei.inos do referido artigo.
E, conio tambem tere4os oecasiiio de
ver, a expressRo c outras lei'pu comprehende
toclas as normas de direito posiíivo, todas
as leis 1)ntrias eni vigor, n fórn o codigo
civil (1).

f)Direito n n t r ~ ~ ~--c t lS c :iequidade 6 principilt


vago e iridefiiiitlo, :l que não deve recoi-
rer-se nos casos oiiiissos. o riiesuio siiccede
coin o direito rintrirttl. E:ni to(1os OS tel~ipos
e eiitic todos os povos, se ciiltivoii a ideia
de uni j u s ncrturne, isto é, de uin direito fiiii-
dado nii, c*onstituiçiio inesrna das coiisas.
uiites qlie rio ~ ~ l n c i i t ucios
n ~ legisladores. l'ur
via cIivci.h;~ se cliegou ti esta ideia: ora.
o1)sei~vtiiitlo-sea força de cert;~!:regras cle
direito vigeiltes entre povos os iii;iis reiiio-
t,os ; oiit, pelo conti-alio, ieconliecentlo-se ;i -
necessidade de coarct:tr o arbitiio dos iiii-
perantes e dos juizes mediante o recurso ;i
unia ordem de verdades iiao et3çi.il)tas. Dif-
ferentes foraiii, pordni, a s fói.iiias poi. cyiic.
sc denionstroii :t ;tiictoritlntlc d'cste direito.
iiiiias vezès wpi.eseiit:ido (:oiiio tr:~diicçtnio
da voiit;i(le (li\-iii:~, oii trws (lc(liizitlo zrrialy -
tictinieiitc da i.trz;io Iiiiiiinri:~,o[~ti-tis coriside-
rado coi~io11111 rcflcso t' 11111:1 consecjuenci;~

(1) Sr, Dr. Vasconcellos Portoc~rrero,Qziest8ss d e j i i ~ i s -


p?.udeneiu cit., peg. 103 e segg.
das leis-physicas da vida. E taiiibein a re-
Iaçiio eiitre as inaxinxis do clii.cito natural
e as ilornias jui-itlicas 1)ositivas foi varia-
niente concebicl;i, segiintlo a diversa orien-
taçRo especiilativa e scgiindo os differentes
inoinentos liistoi-icos, j A vendo-se eritre as
diias orderis de tletci.minações lima diver-
geiicia ii-reductivel. jA lima tlifferença entre
genero e especie, j A reconliecendo-se n'ellas
sim~~lesmeiite o diiplo aspecto de uma mes-
Iria realidade. Deve-se, todavia, notar que,
cin vei.clxdc, n cIirei.geiici:~foi, iiiuitas ve-
zes, iiiais prc~fiiiitl;~ nos riietliodos e nos ar-
giiiiieritos, (10 que rias concliisões finaes :
b:~sta R CCBII t II;LI' :I coriliecicla coincidencia
tlas foi~iiiiil;~~ jiiridicns de Kaiit e Spen-
cei (1).

(1) Segundo Spencer (Jnstice, trad. par Castelot, 1903,


pag. 38 e segg.), o principio fundaniental do direito 6 ua
liberdade tle cada utn liiiiitada s6ineiite pela egual Iiber-
dede dos outros,) ; d'onds ;L f<íriiiul:~: «todo o hoiii~in6
livre de fazer o qiie qiier, coiiitnnto qiie liao lese a liber-
dade egual de neiilium oi~truhoinern», nnnloga á de Kant
(Éld,nents métciphgsiqt~e.<de lu rloctrine Si( (iroit, trad. par
Uarni, 1853, pag. XI e segg.): nage extcrnainente de modo
que o livre uso do teii arbitrio possa coexistir com a liber-
dade de qualquer outro, segundo iiina lei iiniversal~. A
profunda diversidade do coiiceito de liberdade apreseiitado
DIB, 8.a CAD. 21
162 1)IltEll'O CIVIL POHTO(IUÊ.(

Certo 6, l)oré~ii,(11le os ~ s f o r ç o sda pro-


l)ri;~CSCOI;L positiva, para dar Lnin base
scieiltifica ao direito natiiral, considerando-o
como iim systema de garantias das condi-
qões de existeiicia qiie derivam da natureza
liiimana naufragaram ante a ii~ipossibilidade
(te estabelecer iim criterio seguro para n
deteriiiinaçtio d'essas condições.
Coni i*azão escreve, pois, o Sr. L)r. Chn-
ves e Castro (1) qixe C 1n;indar recorrer ao
direito natural para supprir os casos omissos
é lançar os trihiinaes na incerteza, e arvorar
a ai.biti-ariedatlc erii silpreiiio julgadorn.

O nosso Cndigo civil adnlitt,~,entretanto,


iio artigo LG.", (:oiiio direito siibsidiario, os
pi.ii-icipios cle direito n;~tur:tl,confornie as
circiiiiistaiicias do CASO. Mas, se nBo se
ptcle dizer que esta f6rniula do direito siib-

por Rant e Spencer dão, comtiido, As diias fói.tniilas u m


significado 1150 ~)c~~feitniiieiite Iioiiiogeiieo. Véj. Aneilotti,
La scuola ciel diritto nntzivule nellu Jilosojrr qiuridica con-
tempo~atzen,1892, 1):ig. 13 e srgg-.; Falclii, fiztorno «I con-
cetto scientijco (li di~mitton(ttzii-cil~e d'epccitu, apiid 12ivista
d i jilosofiu e scienzc ilíji~~i,t V , 1903, pag. 160 e segg ;
Gropr,ali, I / proõlr~rlrr de1 J'ondumento inti-inseco de1 dil-itto
n c l positiuisvto modei.uo, 1905, pag. 59 o segg.
(1) &tiido cit., pag. l i .
sidiario do direito civil resolva todas as
difficuldndes e iricei.tezas, teni a vantagem
de traduzir o espirito do Codigo civil, em
grande parte baseado rios priricipios d a
escola do direito li~tlll'ill(1). E, não m:tn-
(tarido o legislador applicar os principios
de direito iiatiiral, eiri toda a sua pureza,
ilins conforme as circiinistancias do caso,
teiii o juiz qiie attender a todas as condi-
qões qiie uni dado caso reveste e, portanto,
ás condições do país e ao espirito das leis
patrias. Com tal elasticidade, os principios
de direito natrirwl, a que se refere o as-
tigo 16.", confiindeni-se coni os principios
geraes de direito, na, accepção ein que esta
exl~essiio6 toniada 1)elos jurisconsultos.

g) Principias geraes de direito-Diverso tem sido


o alcance assignado ao principios geraes
de direito pelos jurisconsiiltos. Assim, ao
passo que Gioisgi considera equivalentes
as expressões principios geraes de direito e

(1) Para o auctor do P~wjectodo codigo civil, o direito


natiiral cra represeiit:iclo por priiic.il)ius iiiimutaveis e 11e-
cessarios, que eiilanaiii da relaç2o eiitre os tiiis e os riieios
de existeiicia de oada ser ou da prupria iiatiireoa liiiiiiana.
Vej. Antonio Luiz de Seabra, A propriedade, pag. 44.
principias da equidade iiatiiral ; Sareddo (1)
e Bianclii ('2) entendem qiie tini conceito
c-oiril~lexoesth coritido ii'aqiiellas palii~ras,
coiiceito qiie iiitegra as regras fiindanieiitsies
(10 direito piil)lico, as regras do direito pri-
vado, enlqllibllto sZo geraes, e as tradições
legislativas, qiie inspiri~nio direito vigerite:
e Mazzoni (3) define-os as tlieorias tlo (li-
reito, forniadas com o aiixilio da abstra,cc,Go
feita sobre cada iiistituiçRo oii sobre >L legis-
la@ toda.
Qiialquer qiie seja, poréni, a noçr"io apre-
sentada, sempre por pi.iricipios geraes de
ciireito cleveriios entender os que domiiianl
(ilcr l e i t e ~ ~ dGes d ~ o ~ k e e, ) servein de base A
forninç5o das normas relativas a uma insti-
tiiiç") o11 a iini deterrriinado grupo de rela-
ç6cssoci:ies : constituem o inotivo e o ftiri-
daiuerito jiiritlic~oda lei, iL 7-atiojuris. Estes
priiicipios geraes silo fixados pelo cstiido
pliilosopliiço do direito, servindo-se dos
iiititei-iaes de ari;ilyse c cle syiithese foianc-
cidos pelo conhecimento do direito vigente,

(1) Y'rnttnto d t l / e loggi, rol. I, pagg. 326 r 427.


( 2 ) I'vincipii ge7tsrclli stillz ieggi cit., pagg. 13-19.
(3) Istitazioni J i diritto civil ituliui~ocit., t. I , pag. 5.
das tradições legisliitivas q u e , por qiialqlier
f ó r n ~ ; ~o , I)l'ePibP21111, e dos fins eoonomico-
sociacs a q u e a lei qiiiz prover (1).
Por elles se (levert'i dirigir o juiz na re-
solnçRo dos casos omissos.
E se diversa, da que se acha consignada
no direito suisso, -- segiindo o qiial, na falta
de tim texto legal applicavel, o juiz deve
decidir segiindo o direito consuetudiiiario ;
na falta d'este, segunclo as regras consa-
gi.tdas pela cloiiti.ii~ae pel:~jiirisprudencia,
devendo, quando llie iiRo seja possivel re-
correr a :~lg~itis d'estes factos, :i 111)licai.i i s
mesnias regras q i i e foi.iiirilt~ria,se exercesse
11s fiincqões de legisli~clor(2) -6 a cloiitriiia
do artigo 16.' do Codigo civil português,

(1) A expressso principios geraes de direito é toiiiada


em uin diiplo sentido, distingiiindo-se dos principios gorties
de dircito, iitiiversaes e111 jiirisl)rudencia, os principios 1'"-
culiares do direito positivo de certo e detcrminatlo povo.
A priiileira categoria perteiicein, entre outros, os precei-
tos dos artt. 11." e 1 3 . O do (lodigo civil; á segunda os
principios do governo da familia pel:i fiunilia, do trabalho
livre, das restricções do direito de propriedade eiri beneti-
cio da :igricultura, do prerloininio do interesse geral sobre
o particiil:~~.,do (1esf:ivor rl:is sc~g~ind;is
niil)cias, etc.
(2) P?.ojecfo do eodigo civil .\aisso de 28 de maio de
1904, art. 1.O.
166 DIREITO CIVIL I~OJV~~QUEY

indiibitavel 6 que o j u i z IGO pode1.á deixar


de ter eni c~risideraç50,como nota o Sr.
Dr. Giiillierine Rloreira (1), as regras fi-
x;~cl~isl ~ e l o scostuiiies, pela doutrina e pela
jiirislwudeiicin, apesar de a taes regras niio
ter sido attribiiido o caracter de direito
ol~jectivo.

(1) h1stitt~iqiJescit., pag. 34.


CAPITULO 111

Fontes do direito civil português

20. - Direito civil portugu&s: penése hiktorica.


N O plienomeno geral do costiinie, diz Slieldon
Arrins ( I ) , coristitiie o nntecedcrite inirnediuto da
vercladcira lei e existe sern1)i.e a par d'elltt, com-
pletaiitlo-a e reforn1:~ndo-a~.Coin effeito, a fixaçgo
dos usos na lei esci-ipta nilo importa, eu] geral, a
derogaçno dos que ella deixou de fixar, se n2o lhe
forem contrarios, nem inipede que Òs novos costii-
mes, qiie se vtio formando e definindo a par da lei,
tenliani ou venliam a ter força obrigatoria e sejani
coilfirmados em novas leis. Estas VRO apparecendo
snccessivamente, atd que a natural difficuldade
siiscitacln pela ~pplic:~ção e observancia de dispo-
sições v;rriadiusiiiias torna neceusario systeiriati-
sal-as nos cocligos. Unia tal systeinatisaç~onão se
fez, to~litvia,de salto : as Compilngões, as Ordenn-
q k s , as CYon.sulida~ões, e 06 Digestos preparniii e
fr~cilitani a trnrisiçilo das leis escriptns para os

( 1 ) The science of l[tto, 1881, pag. 48; Sr. Dr. Azevedo


e Silva, Cornmentu~.ioao novo codigo comme~.cial português,
1888, fasc. I, pag. 54.
codigos. Deserripeiiliaii(ln ;I, fiiricq:io emineritementc.
progressiv:~ d e \.i\-ific.;i1% e rejii veiiescer o direito
esci.ipto, de coiiil)let;ll-o, i.ef'oi-irial-oe dar-lhe flexi-
bili(lade, o coetiiiiie siibsiste yai.;il!elririiente a elle.

r i
1nl o qiie se obsei.v;i lia foi-ninç,llodo direito civil
l)oi,tiiguês, oiii qiie veiiios concoini*ei*em simiiltanea-
niente o direito geriiiaiiico, o direito coiisuetiidiiia-
rio, cad:i vez ~ii;lissiiboi.dinado ;I tj-pos geraes, cl
direito <::inoiiico e, fiiialiiiente, o clii-eito roiiiaiio.

u) L)ircito ye~,)zt(nico.-As leis C tradiçoes ~ i s i g o -


..
tliicas, qiie o (loiiiiiiio clos sai.r;icenos i i u
peniiisiiln 1130 coiisegiiiii oblitci.;ii., consti-
tiieili, pois via (10 cotligo \~isigotliico,f(~iite
irripurt;~lltcilo dii.cit,o civil (1),lios yi~iiriei-

( I ) O codigo visigothico foi publicado sob o titulo cle


(lodrx legum .ccis.igotl~orurn nos Porttdgaliae monumenta
hisforiç(r, vul. r , I.e!jc?s et consicetudines. Vrj., quanto a
testeiiiiii has e testniiic~ntos,o livro i r ( D e ~zegotiiscazistc-
151~71)); qll;tllto A8 coiidiç5es iiecessarias para iis iiripcias, o
livro rri ( D e o ~ d i n econjiigulij; relati~iiineiitc.~o pai.eri-
tt.sc:o, ~ I I C C C > ~ tlitorts
\ O ~ ' Se, y~ipillos,rxpostus r filiios na-
t I I I . ; L ~ ~2, 11\.1.u 1v (1)e 0 1 igiut, 1~~1tt11'ali); i As doações
( j u ; ~ ito

rili ger;~l,(lo;ic;(ies (l(is ~):~troiios, trocas e vriid.is penhor,


o 1ivi.o v (Do ~~~«nsuctioniGzis); cliiaiitu :i divihão das terras,
ni:ircos e liiiiites, o livro x ( D e dil;isionibus et annoi.to~~
te711~)oi.ibiis
utpuc! 1inritiÒii.Y).
ros tempos d a rnonarchia. E importa não
esquecer que, coirio riota Fiistel de Conlari-
ges jl), ein qoasi todas as sociectttdes existe,
ao lado de uma ordein legal rep~.cseiitadanos
codigos, unia outra ordeiri exti.:t-legal que,
eirrbora iiiiiitas vezes cin coiiki.aclicção com
aquella, não deixa, pai. isso, de ter egiial
força: tal o que succedeu relativamente a
muitos costunies de oi-igein gei-riianica,que,
a despeito de rel~r.ova(llospela. lei escripta,
forairi transniittidos As gei'ações seguintes.
N'este caso, mtii tos cc)stlliiies referentes á
divisiio das tei.ia;~s.
Certo 6 , poréiii, qiie o direito germnnico
1120 pGt1e corisidei.rti.-se hrite precipiia do
(lircito portiiguês. Se ;L obsei~v;tn~iii,das leis
i.oiiiai~:ts, diiruiite o periodo das invasões
barb:~i.icas,e o poderoso iiioviiiiento de re-
riasciiilento do direito roiriario, pela acç5lo
cln escola de Bolonha, impedira os progres-
sos do direito gerninnico, ent,re i16s, o (li-
reito co~isuetiidiniiriodesde rriuito cedo o
oblitei4i.a. Coiii o devirivolviinerito dalegis-
I;iy%~gei.al,ciija existeiiciti, 4 incoiitestavel

(1) Iiistoire íles institutionspolitiq~~es


d e l'ancienneF'~'ance,
t, I, 1889, p:~g.211.
Dllt , 3.' CAD. 23
170 DIPEITO CIVIL POH'I'UGU~S
. -

fio reinado de Affonso 11, deixou d e ser ci-


tntlo nos documentos. A sim infliiencja fica
sendo muito limitada e indirecta.

- b) f i e i t o consuetudinario -A jiirisprudencia
medieval 6 caracterisada pelo predominio
d o direito consiietiidirirtrio sobre a lei com-
miim. E entre n6s ngo teve aqnelle sim-
l~lesmeiitecoixio fiincção excluir a l egislaç80
goda escripta de caracter geral : tambem
se revelou eni P o s , com caracter local,
qiie geralmente representavani o direita
111.ivadn dos concelhos (1). A principio, oa
costumes ei-nrn a lei tradicional ; e só de-
1)ois de regularem, na praxe: por mais c1e
i i i i i oii dois seciilos, os actos da vid:~civil

rios niunicipios, 8, que, porventura, como


nota Herciilano (2), foram reduzidos a es-

( I ) Não obstante conterem os foraes sobretudo disporii-


ções de direito publico, n8o faltam n'elles, absoliitamente,
preceitos de direito privado.
Vrj. Sr. Dr. Gama Barros, Ilistovicc da ad~~~inistração
p~~bliccicit., t. I, pag. 36. S 3bi.e a signiticuç&o das pala-
vras f i r o e f o ~ w l :Alexandre Herculano, Ifistovia de Pov-
tugul, t. iv, 1887, pag. 49 e segg.
(2) Pork~galirte~~zonicnzenta Itistovica, tomo cit., pig. 740
e segg.
C F ~ I ) ~ O .Si30os costiiines os monumentos
Iiietoricos que irielhor nos fazem conhecer,
as relações jiiridicas d a vida civil, no pri-
ineiro periodo tla nossa idade media; e tgo
fi~nclai~iente elles se radicaram que o seu
prcdominio estende-se ainda além do des-
apparecimento das cai'sas que os Iiaviam
determinado.
O costiinie perde o seli caracter local
coiii o desiiivolviinento, desde o seculo xv,
d : ~legislação ger;~I; para esta se transf~in-
diu ii2o só a jiii-ispriidencia consuetiidina-
r i i ~fili:tdit ein antigas tradições juridicas,
da iriais vai'ia origeni, nias tamberii a esta-
belecida pelos estatiitos municipaes e pelas
decisões dos magistrados (1).

c) Di~*eito canonico- Siilieilte é o predoniinio do


direito canoiiico, na mocarcliia portuguesa,
desde rt sria fundac;Wo. Eiii antitliese o di-
reito caiioiiico e o direito romano, dispu-
taiii-se o caiiipo os legisttis oii interpretes
cl'este c os decretistas oii interpretes do
1)riiiieii.o. Prevalece coriio lei principal o

(1) Cfr. supva, n.O 11.


..
direito roiiiano (I), ficarido o direito cano-
nico ooino lei 1~~g111:1(1ora de n):lterins espi-
ritii:~esoii iiiixtzis ~i~intriinoiiio, jui-ntnento,
etc.) e coiito lei sii1)sidiarin oii de comple-
iiierito tlo direito civil. Eiii \7irtiide d e mo-
t i r o s rle oi.tleni viiria, os tribiinxes ecclesias-
ticaos vici-iiiii, 1)0ré111,a clwi(lir iinia g r a n d e
clii:~ntitl:iclc Ue cniisas :iiiid:i piiraniente ci-
vis, f;)iiii:iiido-se, :issim, iiiiia extensa.juris-
prudeiicia canoiiicn iriodificadora d e alguns
iii~titiltosjilridicos ronianos.
A uiititliese entre o direito roniaiio e o
dií.cito c:inoiiico des~tpparece,rio seciilo XIV,
eiii qiie os .jui.isconsiiltos se rnosti.:~m pro-
pensos :I f:izei. penetiaar iio e~l11iei.a d o
priniciro r e g r a s coll~idasdo co~pz6sjz~r&
cnuo7zici.
Assii~isuecedeu. I?, pois, natuial q u e a o
clireito canonico se vão filiar algumas dis-
posições d o iiosso direito Bvil.

(1) Sas cortes de Coimbra, de 121 1, estabeleceu-se que


aiiâo valhain as leis contra os direitos da Santa Igreja de
Roinan; nias esta siiperioridade do direito ranonico, nos
tc rinos genei.i(.os em qrre pnrere ter sido decretada, pbde
srippor-se, diz o Si.. 1)r. (liiiiiil Biti~os(Histo~iacl(c cidrtti-
niptraçZo publica cit., pag. 59), antes urna aspii-a980do
clero do que uma realidade.
d) Direito romano -- A trndição jiiridice rornana
mantem-se n a peninsiila, durante toda a
edade media. Por iiiterrriedio do codigo vi-
sigotliico excixeii o direito romano ante-
jiistiriiaiicii infliieric~i;tein Portiieal desde a
fiiridaç;wLo da i~ionarcliia.
Estiidt~tlolia Italia, desde o seciilo VI (1j
e i.econduzido tiitiis directnniente aos textos
romanos por Iriieriiia e seus successores,
ttiiiibem o direito rornano reforniado foi
ii~trodiizicloeiiti.cbiiós, nbiiiidando os vesti-
gios da siia applicação nas leis geraes e
nos costunles clo seciilo XIII. Recebido conio
d i ~ e i t oco~)irnum,veiii elle n constitiiir a,
principal fonte d o diiqeito iiacioiiwl, a ci~jas
normas seisvia de inodelo, prestando ele-
iiientos para ;i siia iiiterpretn(;Ro e servindo
de direito siibsidinrio nos casos oniissos (2).

(1) Acerca d a sobrevivencia, :iti.avéu de toda a edade


media, de iiina sciencia do direito i.om:ino, vej. Flach,
Etzides c?-itipzics sul. I'histoii-e d7c dvoit ronznin uu moyen-
dge, 1890, pag. 3 e' segg.
(2) Cliegou a publicar se iiin extracto em vulgar do co-
digo de Justiliiario, :icoiiipanhndo da glosa de Accursio e
dos comi~-ieritai.iosde ,Hartliolo, qiie se decretoii c01110 co-
digo nacional. Vej. P o ~ t u y a l i a emolli~menttchistol icu, vol. I ,
pag. 148.
Uma V R S ~ RC 1:11)oriosa interpretação dou-
trin:il du Cbrprls ~ U I - icivzlis
s nrridernisoii o
direito ron1:lilo: 1)i.eparnndo-o para base do
liodicrno direito. E a nossa logica juridica,
o technicismo c10 nosso direito e a pi-opria
t,ermiiiologia derivam do direito roinano.

Com estes eleinentos, aw qaaes as Pnrtidas ou


Ordennqões castelliniias (1) veem jiintai. certas dis-
posições pnrticiil;tres, sc coinl~õci~i, eni 1446, as
OrdennqOcs Afinsintrs, revistas iio sèciilo seguinte
e refiindidas l ~ v i 'D. Matioel (1512 ?), que, refor-
mando a 1egisl:iç:lo foraleira, rediiziu & unidade o
c o r p ~de direito n:ic*i»nal (1517 e 1521). E r a a
conseqiiencia da u~iificaç:lodo pocler, do desinvol-
vinierito da nação portuguesa pela ceiitralisaç5o.

21. - TentaLivas de reforma da legislaçk%o


civil.
Nas cortes de Lisboa de 1641 requereram os
procuradores dos concelhos a formaqao de um
novo codigo civil. As OrdenaqOes compiladas por
mandado de Filippe I, (para eniendiii. a confiis80
das leis e obter a estiina dos ~,oi.tiigiieses~,
neiri

(1) Sobre a iiifluencin (Ias Siete Partidas de Affonso X


na legislapão portugiiesa, vtij. Sr. Dr. Gama Barros, His-
tom'a da adnzin&tragão publica cit., t. I , pag. 65 e segg.
I. - I'ARTE GERAL lT5

representavam, diz o Dr. Diae Ferreira (I),<;ypsme-


cessidncles da el)oca, iieiri ernin jfi ncrnniod~das4
civilisaç%o dos povos.
Ngo foi, pordni, attentlido aquelle requerimento
feito em cdrtes ; e, ao (:oritrai.io, foram aq~iellas
Ordenccqões corifirniad;ts por I). JOGOTV, que as
inandava. guardar a eniqii;into as circiirristancias d a
guerra n%o permittiani ciiidar de iiiria i-iova reeo-
piIaç20 v (2).
As mii1tiplicad:ts provitlenci~s,qiie siiccessiva-
mente se foi.erii proiiiiilgaiitlo, e, sobretudo, a s
largas reforlrias do ~ r i a r q l i ~dez Poinbal, qiie, cins-
piradas iio dese-jo de restituir As leis patriaa a di-
gnidade e considci.;içSo, qiie at6 nlii lhes tinham
negado D, n1ter;iram pi-ofiirit1;iniente:i jiirispriidencia
civil (3), especialiiieiite lia parte riiais ligada com

( 1 ) í!ocligo civil! portrrgzcês an?zotcido, cit., pag. V.


(2) Lei da confirmagiio das Ordenapões de 29 de janeiro
do 1643.
(3) Foram proscriptas, diz Coelho da Rocha (Ensaio
cit., pag. 199), as antigas maximas do direito romano
sobre testaiiientos, segiiidiis pelas 01.denupZes; e consi-
gnoii-se o iiovo principio de que as successões legitimas
eram as inais conforines com a razão, e portanto as que,
em duvida, deviam ser favorecidas; Impoz-se aos senho-
rios directos a obrigação de renovar os praeos de vidas,
n%o só em favor dos ascendente8 e descendentes, mas
ainda dos collateraes do iiltiino possuidor, qiiaesqiier que
fossem as claiisulas da emphyteuse.
a organisação administrativa e politica, tornaram
urgeiite uma nova codificaç;io do direito civil.
Com o firii de pdr tei.riio á coiifiisão das leis,
criava-se elii 1 7 78 uiii:~Junta de jurisconsultos en-
carregados cie eswyinai. :LS leis extravagantes e
coordenar uiii novo codigo (I), e ciijos trab:~lhos,
eiri que lia a ~iotitra i.evisão das materins relativas
a testamentos, siicceasões, nioi-gados e t~itelas,11;'io
cllegarani a ser aproteitados.
Ciiico annos depois (d), era encarregado o grande
jurisconsulto l'a.schoa1 José de Mel10 Fi-eire da re-
form;~dos livros 11 e v da,s 01.denac;ue.s do reino,
o qiial coiicliiiu os seus ti.:~balhos,sendo noineada
uniti coiiiiiiissiio para proceder R sua revisgo.
Iiivocaiido-se as niinierosas providencias legis-
lativas, qiie corit,iiiiia~-xi-iia ser publicadas aviil-
sas (3), eix api.eseilt;itlo nas coites constituintes
de 1821, ein sessno de 8 de fevereiro, um projecto

(1) Decreto de 31 de maqo de 1778. A revisão do novo


codigo foi determinada por decreto de 3 de fevereiro de
1789. Sobre as differenteu fórrnas das leis cl'este teinpo,
vtj. í3oi~ge~~a~iieir.0,
Direito civil de I'ol-tz~ga?,t. I, 1839,
pag. 5 e srgg.
(2) Aviso de 22 de inai.c;o de 1783.
(3) É: notavel a lei de D. Maria I, em que se declara-
ram nullos os esponsaes e foi yrohibida a celebração de
nupcias de filq~sfamilias, sem o consentiinento de seus
paes ou tutores;
de decreto para a formação do novo codigo civil;
e, no anrio seguinte, em sessgo de 27 de agosto,
deliberou-se offerecer o premio de doze contos d e
reis e uma medalha de honra ao auctor do proje-
cto que as cdrtes approvassem (1).
As alterações legislativas, em resultado dos
acontecimeritos de 1820, e as revogações que
d'ellas se fez depois em 1823 tornavam cada dia
mais urgente a necessidade do novo codigo civil.
As ordenações, que continham n8o só disposições
de direito civil, mas de direito criminal, publico,
administrativo, fiscal e ecclesi,zstico, e de processo,
1i:triniii-se tornado incompntiveis com a nova or-
gnnisaqiio da sociedade e coiii os principias pro-
c1am:idos pela revoluçilo liberal ; e, reconhecendo
essa incompatibilidade, o dador da C i r t : ~Consti-
tucional consignava, entre os direitos iridividuaes
oiitorgados aos cidi~di'íosportugueses pela coiisti-
tiiiçiio fundamental, n prorriessa de que se organi-
sarin, quanto antes, um codigo civil e criminal,
fundado nas solidas bases da justiça e equidade (2).

(1) Decreto de 13 de setembro de 1822, publicado na


Carta de lei de 1 G do referido mês. Vrj. Thoiuaz Ribeiro,
Hiutoria da legisl~ção liberal portuguesa, t. 11, 1892,
pag. 136.
(2) Carta constitucional,.art. 145.O 5 17.'.
,
Drn 3.' CAD. 23
Eni 1835 (1) de novo se, offercceu um premio a
quem ;q)rcsentasse até 10 de jaiieiro de 1837 uin
yro,jecto do codigo civil, que merecesse ser appro-
vado, e, volvidos dez annos (2) era nomeada uina
cominissiio eiicarregada de redigir os codigos civil
e penal, cliarnaildo-se, pordm, a sua nttençgo espe-
cialiiiente para este. Neiilinili traballio fez a I-espeito
do codigo civil.

22. - Organisaçiio do projecto do cocligo civil.


Infructiferas as tentativas de reforma, que vimos
de indicar, foi encarregado de e1nboi.a~uni proje-
cto do codigo civil o eniineilte jurisconsulto e ina-
gistrado Antonio Liiiz de Seabra, mais tarde Vis-
conde de Seabra (3).
No mesmo decreto foi nomeada iiriia, coirimissiio
incumbida de rever e examinar, juiit:~iiieritccom o
auctor do projecto do codigo, os traballios por elle
apresentados e dar sobre elles o seu parecer (4).
Os membros d'esta conimiss%oniiida se reunirani
em Coinibra, eni 1850, e em differentes sessões

(1) Decreto d e 25 d e abril d e 1835.


(2) Decreto de 1 0 d e dezonibro d e 1845.
(3) Decreto d~ ti de agosto de 1850.
. (4) E r a composta dos Drs. Vicente F e r r e r Netto Paiva,
Manoel Antonio Coeltio cla Roclia, Joaqiiim JosB Paes da
Silva e Doiniiigos JosB de Souza Magalhges.
I. -PARTE GERAL 179

discutiram o plano geral do projecto do codigo e


iim quadro das materias coriforuies :Lesse plano,
revendo 490 artigos ; mas esse trabclllio ririo pio-
seguiii, resolvendo o visconde de Seabra elaborar
por si i 6 o projecto e apresental-o s6 depois d e
completo.
Ei-ri sess5o do camara dos tlepiitados de 22 d e
junlio de 1855 mandou o visconde tle Seabra para
a mêsa tres cxeniplares da primeira parte do codigo
civil, que se occupavn do estado das pessoas,
com~velieiiclendo14 titulos e 2 8 1 artigos, e, tres
annos clepois, :rpresentnva ao governo todo o pro-
jecto do co(ligo, l):Lra c ~ i j arevisiio e exame era
iioiiicnda unia coiriinissiio (1), de que tambem fazitini
parte os iiieiiibros cla aiiterior, excepto o DI.. Coellio
d a Itoclia, que havia fallecido.

(1) Decreto de 12 de jiilho de 1858. Erani nomeados


de novo : Abel Maria Jordão de I'aiva Manso, Alexandre
Herciilano, Antonio de Azevedo Mello e Carvallio, Anto-
nio Gil, Antonio de Olirrira Mnrreca, Franrisco Antonio
T-ernandes da Silva Ferrão, Frrincisco Jeronymo da Silva,
Jogo Baptista da Silva Ferra0 de Carvallio Martens, Joa-
quim Filippe de Soure, Joaqiiiin José da Custa Simas e
Levy Maria JordLo.
Por decreto de 2G de jiinho cle 1860 foram nomeados
para fazer parte da referida corninissão Rodrigo Nogueira
Soares, Vicente Ferreira Soares, Jus6 Alutoiiio Ferreira
Lima e Jos6 Julio de Oliveira Pinto.
E, para que nada faltasse para a possivel per-
feiçilo de tRo importante tr;~balho,envioii-se o pro-
jecto do codigo civil á Universidade, aos tribunaes
de jiistiçs, ao Conselho de Estado, il ~Ciden1i.z
Real das Sciencias e á Associaçiio dos Advogados
de Lisboa, para que offerecesseni, pela secretaria
de estado dos negocios da justiça, quaesquer emen-
das, siibstituições oii additan~entos,de qiie enten-
dessem que o projecto carecia (1).
A commissiio encarregada de rever o projecto
iriicioti os seus trabalhos eni 9 de inarço de 1XG0,
e no dia 30 de agosto de 1865 reiinia-se, pela ul-
tima vez, a gi.an(ie coiiiiniss;"lo revisara, terido-se
constitiiido uma peqiiena con-iniiss%o(2) a fim de
dar ao projecto do cocligo ta ultima redacç&o.
D a revisão, que ali& melliorou e completoii ein
niiiitos pontos as disposições do projecto, niio se
tiraraili, l)oréiii, escrevia o Dr. Dias Ferreira (3),
todos os resultados que erani de esperar dos pro-
fundos conlieci~iieiitosjuridicos e larga experiericia
do fôro dos vogaes da con~missiio,por se terem le-
vantado entre elles divergencias litterariau. Uma
qilestão de methodologia, que no entender do vis-

(1) Portaria de 12 de julho de 1838.


(2) Composta por Vicente Ferrer, Seabra, Alexandre
Herculano JosB Julio de Oliveira Pinto.
(3) Codigo civil annotudo cit., pag. v11 e vni.
oonde de Seabra, infloia fundamentalmente no con-
texto e organisação da sua obra, deu at6 em resnl-
tado a sua snida da commissão : tal foi a questao
deterniiriada pela eliniinação, pela commissão re-
visora, da materia das acções, que coristituia o
objecto dos titulop I a IX do livro 11 da parte IV do
codigo (1).
Depois de revisto, foi o projecto apresentado fts
cô~tes,sendo approvado rjuasi seni discuas"RO nem
alterações, excepto ria parte relativa ao casamenta
civil, em que se estiibeleceu, alitis, sb apparente-
mente, o principio de qiie esta fórma de casamento
B só para os1150 catholicos.
Pela carta de lei de 1 de julho de 1867 era o
projecto do codigo civil português convertido em
lei do pais.

23. - Pontes do codlgo civil.


As fontes de que se serviu o visconde de Seabra,
na oi.gailisaç%o do seu projecto do codigo civil,
foram :

u) as Orclennqões do Reino;
b ) a Icgislaç?to extravagante, designadamente a

( 1 ) Vej. Actae das sesszes du commissão ~evisoracit.,


pagg. 422, 423 e 427.
188 DIREITO CIVIT, P O R T U U U ~ ~
- . -

do rciriado cle D. JosB e a legislaç8o poste-


rior a 1832;
c) o direito romano e canonico ;
d) as obras dos jnrisconsultos ;
e) os codigos n~odernos.

Ao tempo da publicaç,20 do Codigo civil vigo-


rava, conio fonte de direito com força de lei, alilin
das Oqdencrcões Philippinas, qiie, no livro IV, con-
tinham qnasi todas as disposições de direito civil,
a legisl;tç$o extravagante, isto 4 , a posterior ás or-
deriaqões e que n,2o foi collecionada n~tlient~ica-
rnerite (I), os assentos da Casa da Supplicação e o
direito consuetiidinario.

(i) Esta legislaçzio abrangia :


1) Leis, Cartus de lei ou cnrtas putentes, nas quaeu se
expediam as providencias que deviam ter effeito
permanente de mais de um anno ;
2) Alvurás, pelos qiiaes se expediam as providencias
cujo effeito não devia durar mais de iim anno, ex-
cepto quando continham mercês ;
3) Cartas regias, que muitas vezes continham providen-
cias legislativas ;
4) Decretos, que continham providencias ciga execii:%o
se prescrevia a determinadas auctoridades e repai.
tipões ;
-
5) h'esolugões de consultas confirmações ou desappro-
1. - PARTE GERAL 183

Como fontes subsidiarias, recorria-se : ao direito


romano, que constituis a fonte mais copiosa da
jurisprudencia civil portuguesa; ao direito canonico;
aos escriptos e opiniões dos j~irisconsultos; aos
arestos disyersos pelas obras dos praxistas; e As
leis e codigos mais acreditados das nações mo-
derrias.
D'entre estes, indicaremos:

1) Codigo da Baviera (&dez maxinzilinneus ba-


varicus civilis), piiblicado erri 1 7 5 6 , e que
era mais um tratado de jurisprudencia, em
que se dava a solixç2o de qiiestões duvido-
sas e controvertictas, do que um codigo
propriamente dito ;
2) Codigo da Prussia (Allgemeines Landrecht fih*

vaçIo que o rei dava aos processos e propostas dos


tribunaes ;
6 ) Proukões dos hibunaes, contendo providencias obri-
gatorias nos objectos da competencia d'estes ;
7) Avisos e PortaGas das secretarias de Estado, que
estas expediam como ordens verbaes do rei.

Vej. Liz Teixeira, Curso de direito civil porluguês,


Parte I , 1856, pag. 24 e segg. ; Coelho da Rocha, Insli-
tui~(iesde &I-eito civil portzhguês, t. I , 1857, pag. 18 e
segg. ; Borgee Carneiro, Direito civil de, Portugal cit.,
pag. 2 e segg.
die preussischen Staaten), promulgado em 5
de fevereiro de 1794, por cnrtns patentes
de Frederico Guilherme ;
3) Codigo francês (1 ), que consta de 36 leis suc-

(1) Code civile des fiqangais, na ediç8o de 1804 ; Cede


Napoléon, na de 1807 ; C'ode civil, na de 1 8 10. A desi-
gnação de Code Napoleó~~ foi restabelecida por decreto de
27 de março de 1852, e em 4 de setembro de 1870 sub.
stituida pela de Code civil.
O codigo civil francês penetrou erri iiumerosos paises,
jh imposto por NapoleIo aos povos vencidos, j4 devido d
sua força natural de expansão.
a) Entre os países em que o oodigo francês foi introdu-
zido, seguindo a sorte das arnias de Napoleão, podeiiios
distinguir:

1) Países annexados: Helgica, Luxeitibiirgo, Palatinado,


Priissia Ithenaiia, Hesse Darrrisdadt, Genebra, Sa-
boin, Pieiiionte, diicado de Parina e Placencia;
2) Países subinettidos ao iinperio do codigo em virtude
das victori:is das armas frances:is: Italia (180G),
I-Iollanda(l810), Departamentos ZIanseaticos (1SlO),
Gran-ducado de Berg (1811);
3) Paises que adoptaram voluntariamente o codigo fran-
cês : Westphalia (1808), Napoles (1808)) Hanover
(1810), Gran-ducados de Rade, Fraiicfort e Nas-
sau, Dantzig, Gran-ducado de Varsovia, provincias
illyrias.

b) Pela sua forga de expansão, o codigo civil francês,


cessivnmente promulgndns e qiie fwam en-
corporadas e m virtiide d a lei d e 3f3 rentôse
a n n o XII (21 d e março d e 1804) ;
4) Codig-o aiistriaco, s;tnccion;i,do eni 7 d e jiilho
d e 1810 e pi.omiilg.:acto em 11 d e junho d e
1811;
5) Codigo sardo, publicado e m 1838.

Consultados por niimerosos jilrisconsultos pa-


trios, qiie, freqiienteniente, i. elles se referem (I),

com modificaçces mais ou riienos sensiveis, penetrou ern


uiuitos dos paises de raça latina : Ilespanha (1889), Italia
(1866), d'onde fora excluido coiu o desastre da tentativa
napoleoiiica - 4 excepção de Napoles, Roinania (1865),
as republicas da Arneriea d o Stil, sobretudo, a Bolivia
(1840), o Uruguay (186Y),e a Kepiiblica Argentina (1871;
reformado parcialmente eni 1XX:3), etc.
Sobre elle foraiii aiiidil t;i:~lui;idus o codigo cle Vaud
(1819), das Duas-Sicilitis (1811)), o da Liiisiania (1824),
o de Haiti (1823), de Fiiburgo (1834), de Valais (1853),
dos Paizes-Baixos (1838), das Ilhas Jonias ( 1 842), de Nenf-
chatel (1 855).
Vej. Plsniol, Traité c-it., t. I, png. 52 e segg. ; Amiattd,
APWTÇLL de I'état rtcturl des Irgislutions c i v i / ~ srle Z'Euvope,
de I'Am6riq~ce,etc , 1884, png. 15 e scgg.
(1) O codigo da l'riissia appaiece citado, pela primeira
rneira vez, ein Ooiivei:~Piiito (l'ratado dos testamentos);
o codign francês 6 inericionado por Alineida e Soiiea (IJob2o)
nas BUIIS iiltiiiias obi~a-4;o d tluis sno referidos, coiu grrincle
DIB, 3.a CAD. 24
,186 DIREITO CIVIL P O P ~ ~ U O U $ B
- -- - - --- --- -.- -

forlini estes codigos, ii%oiVaro,iitilis:t(llos pelo aiictor


do 1)rojlec:to do codigo civil. A elles, conio ao pro-
jccto de codific:~ç50da legislaç~ocivil hespanhola,
de 1851 (I), e ainda :tos traballios nisis importan-
tes dos jurisconsultos franceses sobre o codigo
civil, sei.B neceesario recorrer para a interpreta-
ção de algunias disposições do nosso codigo.

24. -Trabalhos preparatorios c10 codigo


Aldin de diversas cdiç0es do codigo civil, antes
de ser coiivertido c111 lei do pais (2), e das actas

frequencia, por Correia Telles (Digesto por.tuguês); e Coelho


da Rocha (histitiric%s t l e direito ciuiq, utilisa-se d'elles e
dos codigos aiistriaco e sardo.
(1) Vej. Garcsia Goyena, Concordancius, nio/ivos y com-
nlcntu~.iosde/ codigo civil espaiEo1, 1852.
( 2 ) Do ~~rojecto do visconde de Seabra, foi, em 1857,
~ ~ i l ~ l i r a dprinieira
a parte, sob o titulo Projecto do codigo
cicil povttcgtcês; em 1888, apparecia o C'odigo cicil portu-
gzids, projecto redigido por Antonio Luiz de Secrbvu; em
1859, a segunda ediç2lo d'este.
Do projecto d6 codigo, revisto pola rommissão revisora,
lia tres edicões: a de 1863, a de 1864 e a de 1865.
D'estes, 6 aprecitivel a ediçfio de 1863, onde, junto de
cada artigo examinado e revisto, se encontram apontados
os artigos correspondentes do projecto do visconde de
Seabra. Traz ein nota algumas resoluções da comhissão.
O projecto foi revisto tres vezes pela commissXo, sendo a
primeira revisão feita sobre o pro,jecto de 1859, a segunda
sobre a edição do projecto de 1863 e a terceira sobre a
edig" 010 projecto de 1864.
I. - PARTE GERAL 187
-

das sessões da conlmissão rei-isni.:i (11, algiins tra-


balhos se pi,blicarriiii 6,cei.cn tlo p~ojectodo codigo,
qiie constituein elementos ;ipi.oveitnveis para a in-
~ algiirnas dispoeiç6cs do codigo (2).
t e r p r e t a ~ ' ?cie

(1) Actus das sesdes d a ~ o m m i s s ã orevisoro do projecto


do codigo cicil yovtugt~ês, 1869.
(2) Publicarem.se os segiiintes trabalhos :
Alberto Antonio de XIoraes Carvalho, Obsevvri~õessobre
u 1." parte do Pvojecto do codigo civil povttcguas, 1857.
Aiitoxiio Luiz de Seabra, Apostibla á c n ~ s a ~doa sr. A l -
berto de Jforues Ccl?.i.,ilho - Trc~brrlhosobre a parte do
Projecto do codigo civil porttig7iCs, 1 XC)h.
Moraes Carvallio, lL>espostaú ctpostillu do sr. Antonio
Luiz de Seabra, 111%.
Seabra, Apostilla n.O 2 (i ceilszcra do ST. Alberto de
Jíoraes Curvcllho, 1858.
Moraes Carvnllio, 12esposta á 2.a apostilla do sr. Anfonio
Lt~i::de nS'etcb?.n, I S50.
Senhra, Apostillu 7a.O 3 á censwa do sr. Alberto de Mo-
raes Carvalho, 1859.
Augusto Teixeira de Freitas, Noaa apostilla á cen8trr.a
d o sr. Alberto de Movaes C'aruulho sobre o Projecto do
codigo civil porttlguZs, 1869.
Seabra, Novissima trpostillu em ~ e s p o s t ati dicttvite do
sr. Augtisto Ibixeiru de $5-eitas contln o Projecto do codigo
civil po~~tugu8s,11159.
Vicente Ferrer Netto Paiva, 12ejlex5es sobve os sete pri-
m e i ? . ~titt~los
~ do livro ~i?zicoda pcivte 1 . V o Projecto do
codigo civil, do sr. Antonio Llciz de Seabru, 1859.
&abra, Resposta r í s rejexaes do sr.. DT. Vicente Femet
Mas se o auctor do projecto apenas nos fornece
esclarecinientos sobre alg-1111s1)ontos especizes nas
varias apostillas qiie piihlicoii, 1150 nos chindo elc-
mentos para a intelligencin e coiiibiilaç50 de dif-
ferentes artigos e ~rovisGes1eg;ics do codigo, tam-
bem a discussRo no seio d a c.oirirriiss%orevisora
foi completaniente desaproveitada, porque das
actas das siias sessões sóiiiente consta a indicaq%o

iV,,tto Puiun, sobre 0 9 sete prirtzeii-os iitcilos do Prq'ecto do


codigo civil p o r t z ~ g u ? ~1859.
,
,Toaqiiirn JosB Paes da Silva, Obsep.vaçc"ies sobre o Pro-
jecto r10 codigo civil, 1859.
Se:~bra, Resposta do auctor do Projecto do codigo civil
cís ohservapões do D r . Joapz~imJosé Paes da Silva, 1859.
Paes da Silva, ATovas 06.~ew1a~17essobi.e o Pt~ojectodo
cudigo civivi7, 1863.
Antonio d i ~C I I I ~ Haiitleiia
I~:~ Pereira de Seiva, Observa-
gVes sobre o Projecto r10 codigo civil, 1860.
Antonio Gil, 1h.evissimas reflexões sobre o titulo 8 . O do
livro zmico d a 1." parte do I'~vjecto, 1859.

Devem notar-se ainda os jornaes juridicos que entiio se


piiblicavam, - A Gnzetrr. dos Il?riblcnaes, Jornal de Juris-
prudencia e Revista de Lagislapüo e dei Jurisprudencia, em
qiie se encontraiii trabalhos importantissimos Acerca do
nosso direito civil depois das tentativas, esforços e traba-
lhos dos poclvres puhlicos para a sua regeneraçiio legal.
Vej. Sr. Dr. IAopt?sPi*:iça, Estritlou sobre v codigo civil,
1871, pag. 5 e segg.
I. -PARTE GEIIAL 189

siiinmariacla. das propostas feitas e das resoluções


tomadas. E nen-i o auctor do psojecto, nem meni-
bro alguni da comniissiio preparo11 iiiri relatorio
ou exposi@o dos motivos do codigo, que lhe ser-
visse de cominentario ou de esclarecimento.
A discuss5.0 parlamentar nenhuns siibsidios nos
ministra: disciiticlo e votado eu1 uma sessão da
cainrira dos deputados, não teve o projecto fortuna
diversa na camara dos pares (1).

25. - Aiteratões no antigo direito português.


i',riil,ora o codigo giiclrdasse em geral o vellio
direito p o ~ . t ~ ~ g ~introdileiu.
lês, elle alterações pro-
fiiiidas ein alguns poiitos do nosso direito civil.
Meiicionarenios :

a) Iiilictc;Ku e udopqXo. - No
direito anterior ao
codigo, podia ser requerida a perfilliaç20,
cujos alvarás eram expedidos pela secretn-
ria do reino (2), tanto pelos paes, como

(1) Vej. D i a ~ i ode Lisboa, de 1867, n." i45 a 148.O.


O parecer da comtnissão da camara dos deputados, de que
foi relator o Sr. Jost5 Luciano de Castro, foi apresentado
ein sessão de 21 de jiinlio, e o relatorio da comtnissão da
cnmara dos pares em sessão de 26 de junho de 1867.
(2) A perfilhação era, nos termos da Ordenaçao (liv. I,
tit. xxxrri, 5 l . O ) , concedida pelo Desembargo do Pago,
pefos filhos ciii vida dos paes ou depois da
sua rriorte, e o requeriiiieilto devia ser iii-
striiido coni escriptura, testamento ou qual-
quer outro documento aiithentico, do qual
constasse o reconhecimento do perfilhante
e a vontade de perfilliar por ailctoridade
real, não se prescindindo, em caso algum,
da auctiencia dos filhos perfilliaiidos.
Podiain ser perfilhados quaesquer filhos
bastardos, natiiraes ou espurios, tivessem
ou não os paes impedimento para casar;
nias o nlvxr5 regio, confiriiinndo o reco-
nheciriieiito, liao dava aos pei.filhados di-
reitos que pelas leis e costumes Ihes niio
pertencessem, assim como n5o obstava a
que a filiação fosse contestada, nos termos
ordinarios, pelos interessados.
O codigo acabou coiri a intervenção da
,ziictoi.idade 1)iiblica i i ; ~ l)erfill~i~c;;io,
coiisi-

passando para os conselhos de districto pelo Codigo adnii-


nistrativo de 31 de dezembro de 1836 (art. 172." 8 3 . O ) ,
e, para a secretaria do reirio pela lei de 29 de oiitulro de
1810 (art. 31.0), expedindo-se os diplomas eiri coriforiiii-
dade com a portaria de 10 de dezembro do mesmo anno,
substituida depois pelo regulamento de 29 de setembro
de 1852.
I. --PAiCTE GERAL 191

derando-a como ncto particular e de puro


direito civil (1).
Deu o patrio poder sobre os filhos peçfi-
1h;~dosaos paes qiie fizessem o reconheci-
mento voluntario (2) ; concedeu ás 111aes " o
patrio poder e o usufructo nos bens dos
filhos, yiie o direito anterior lhes negava,
airida sob :I iiifluencia do vellio preconceito
de que a iiinllier era inferior ao marido na
sociedade conjug,zl (3) ; adniittiu os filhos
perfilliactos a coricorrereni sl successão dos
paes coni os filhos legitinios, ainda que com
quota legitiniaria desegual (4) ; e proscre-
veu a velha distincçãu, qiie, a despeito da
Carta con~tit~uciorial, o uso do foro ainda
respeitava, entre fillio riatiira1 de pae peGo
e fillio natural de pac nobre.
Equiparoii os sncrilegos aos que antiga-
mente se cliailiavani puraniente naturaes,
por n80 considerar impedimento dirimente
do casaniento civil o voto religioso, dei-
xaildo, assini, na classe dos espurios s6 os
adulteririos e os incestuosos (5).

(1) Cod. civ., artt. 123.' e segg.


(2) Cod. civ., artt. 166." e eegg.
(3) Cod. civ., artt. 155.O e segg.
(4) Cod. civ., artt. 1785.O e segg.
(5) Cod. civ., artt. 1058.O e segg. e 122.". Vej. Moraes
Tambeni o Codigo prosereveu a adopção,
de que Iiavia vestigios na legislação ante-
rior, e que perinittia substituir a paterrii-
dade ficticia h paternidade natui*al, reco-
nhecendo c01110 filho por lei o que o 1150 B
por natureza.

b) C'usamento.-Foi em materia de casamento


que mais profundas alterações fez o codigo,
quer negando S mulher o'direito de se re-
servar em contracto ante-niipcial a adnli-
nistraçAo dos bens, privando d'ella o m:t-
rido (1); quer isentando-a de responsabili-
dade, em regra, pelas dividas contrahidns
pelo marido. seni a sua expressa oiitorga (2);
quer restabelecelido o casninento civil (3).
Quanto a este. escreve o Dr. Dias Fer-
reira (4) : cFirmAra a coiiiiiii~sãorevisorn
iim principio eniineiiteiliente progressista,
permittindo 0 c:isaniento civil a todos os

C'rirvallio, Apreciação phitosophica, jutidica e analytica dos


princtjmes ulterugOes feitue P d codigo
~ c i v i l po~tuguêsna
le~islaçctocinterior, 1871, pag. 26 e eegg.
(1) Cod. civ., artt. 1104.O, 1117.0, etc.
(2) Cod. civ., art. 1114.O.
(3) Cod. civ., artt. 1057.O, 1072.' e segg.
(4) Cbdigo civil pol*tuguês annotado i t . , t. i, pag. IX.
I. - PA KTE GERAL 193

portugueses, sem excepç50, fossem ou niio


eatholicos ; e o corpo legislativo, atacando
por ineios indirectos e pouco francos a dou-
trina liberal da conimissRo sobre o casa-
irieiito, substituiii a uni systema, claro n a
redacção e avançado n a doutrina, senão
preceitos conipletariieiite reaccionarios, tal-
vez peor do que isso, um systenia de hesi-
tilqâo e de tibieza, que deixou de difficil ou
de iiiipossivel conciliac;,2o os artigos 1057."
11059.", 1072.", 1081.'j e 1090." do codigo.
Qi~eiiiler os artigos 1957." e 1072." co-
iiliece que o legislador quiz prohibir aos
catliolicos o casarem civilmente. Mas, che-
gando-se á leitiira dos artigos 1081." e
1090.", v6-se logo que lhe faltou o aninio
para declarar nullo o casamento civil cele-
l~rntloentre os catholicos, e que nem ao
irieiios se atreveu a consignar o preceito de
que o official tio registo civil perguntasse
aos contrnlierites pela sua religiRo, tendo,
aliás, obi.igação de Ihes fazer a leitura dos
a r t i g o ~ l 0 5 6 .e~ 1057.", onde se define o
c;tsartiento e se determina qiie o casamento
oatholico é para os catholicos, e o civil para
os nHo catliolicos.
Quem ler os artigos 1058." e 1059.' co-
nliece, á primeira vista, que aos ligados por
DIR, CAD. 25
impedimento de ordem ou de voto solemne
é prohibido o casa,mento, tanto civil como
catholico, mas que, se chegarem n casar
civilmente, este casamento é v8lido. Porém,
no artigo 1072.", o legislrtdor, sem ter a
corageni de dec1ara.r absolutamente nullo
o casamento celebrado contra as dierposições
do artigo 1058.", e de revogar, assim, ex-
pressamente, o preceikuado no artigo 1059.',
declara que produz todos os effeitos civis o
casaniento entre subditos portiigiieses não
catholicos, conformando-se com as disposi-
ções dos artigos 1058." e outros.
Como, porém, o casamento não póde nn-
iiullar-se por motivos de religião, subsiste
ainda a dixvida se é válido, eni face da lei
civil, o casamento dos individuos conipre-
liendidos eni o n." 5.' do artigo 1058.", feito
pela fórma instituida na lei civil a .

Merece ainda referencia a innovaç50 em '

materia de casarrierito de menores ou pes-


soas a elles eqiiipai-adas: prohibixido, como
já se estabelecera na antiga legislaç~o,o
casamento aos menores e aos maiores in-
hibidos de reger suas pessoas e bens, ein-
quanto n5.o obtivessem o consentimento de
sciis paes, e, na falta d'estes, das pessoas
que os representani, na fbrma dos arti-
gos 224." n.' 182, 1058." e 1061, o codigc)
afastou-se d'aqiiella,, não admittindo recurso
quer da concessão quer da denegação de
licença (1).

c) EinnncipqZo e mnwridude. -Ao contrario da


legialaçiio anterior, que estabelecia o prin-
cipio de que i46 a rriaioridade dava ao cida-
dWo o uso amplo dos seus direitos, e que a
ertiancipação do nienor representava uma
simples auctorisação para reger a siia pes-
soa, e administrar os seus bens (2), o codigo
equipara o emancipado ao maior, consi-
gnando o principio generico de que (a,
emancipaçito habilita o menor para reger
sua pessoa e bens, como se fora maior) (3).
-- - . -.-
(1) A lei de 6 de outubro de 1784, prohibindo os es-
ponsaes celebrados sem escriptura publica e sem interveri- '

ção dos paes, tutores, ou curadores, providenciava, para o


caso d e recusa do consentimento, com o recurso ao Des-
embargo do Paço, e aos provedores e corregedores das
comarcas, pelo modo n'ell~i prescripto, auctoridades estas
depois siibstituidas pelos juizes de direito e relações (Aro-
uissinza Eeforma Judiciciav-in, artt. 85." $ '7.' e 346.').
Vej. Cod. civ., art. 1062.".
(2) Decreto de 18 de inaio de 1832, art. &.O;, Novis-
s l ~ c Refovma
t Judicia,<a, art. 458.'.
(3) Cod. civ., art. 305.'.
A epoca da maioridade, fixada aos v i n t e
e cinco annos, pela legislação anterior (I),
Q assignada pelo codigo, sem distincção de
sexo, aos vint,e e uni annos completos (2).

d ) Vendas a remir, sub-emphyteuse, censo reserva-


tivo, puinhdo. - Prohibiu o codigo para o
futiiro o contracto de retroveradendo, venda
a remir ou venda ti retro (3), qiie se verifi-
cava quando o vendedor estipulava queni
podia rehayer a propriedade, restituindo ao
coniprador o preço dentro de certo periodo,
e que constituiam uma fonte perenne de
contractos i~surarios.
E, no interesse da estabilidade e segii-
rança dos contrnctos, proscreveu o codigo
a acçRo de lesão (4), que, não sendo esti-

(1) Orden., liv. I, tit. LXXXVIII e liv. 11, tit. C I I ; De-


creto de 18 de maio de 1832, art. 62.O; Novissima Reforma
Judiciaria, artn 453.'.
(2) Codigo civil, art. 31 1 . O .
(3) Cod. civ., artt. 1586.0-1588.0.
(4) No antigo direito, podia rescindir-se por lesão a com-
pra e venda (Orden., 1. IV, tit. xrrr, fr.) os contractos dos
arrendamentos, aforamentos, escambos, transacpões e quaes-
quer outras avenças, em que se d4 OU deixa urna cousn
por outra (§ 6.0), e a arrematação juridicial, quando não
fosse acompanhada das circiimstancias referidas na Orderi.
cit., 5 7.'.
pulada, n8o pbde hoje ser intentada, eeniio
envolvendo erro que annulle I, consenti-
mento, nos termos geraes de direito (1).
No intento de libertar a terra de oniis e
encargo*, que prejudicam a SUR cultura e
desinvolvimento, e, das complicações resul-
tantes da divisão d0s direitos, que consti-
tuem o dominio, prohibiu o codigo de futuro
o contrecto sub-emphyteuse (2), qualquer
contracto de censo reservativo (3) e a con-

(1) Cod. civ., art. 1582.O. Vej. Sr. Dr. Lopes Praça,
Estudos .*obre o codigo civil - Rescisão do contracto de
compra c vmdu por lesão e aicios vedhihitorios, segundo o
uvt. 1582." do codiyo civil português, 1871, pag. 17 e
segg. ; Dr. Dias Ferreira, Codigo civil porttrguês unnotudo
cit., t. rv, pagg. 48 e 49.
(2) Cod. civ., artt. 1701-1705.". Pelo decreto com força
de lei de 30 de setembro de 1892 foi revogado o art. 1786.O
do Codigo civiil, permittindo-se, em termos restrictos, o
oontracto de; subemphyteuse.
Posteriormente, permittindo-se a constituição da sub-
emphyteuse para aproveitamento de terrenos incultos, i i i -
dependentemente do sentimento do senhorio, quando o tei-
reno desligado do praso. seja dispensavel ao grangeio d'esttt,
e revogoii-se. o art. 1657.O do Codigo civil na parte eni
que prohibia que se convencionasse jaudernio nos empra-
samentos de futuro. Vej. decreto dictatorial de 10 de,ja.
neiro de 1893.
(3) Cod. civ., art. 1707.'.
1% DIREITO CWiL PORTUUU&B
- -- -

stituição de quinhões ( I ) , ficando sujeita


ás disposições que regem a propriedade
eornmum a propriedade a euja fruição fôr
por qualquer modo dada esta ultima fórma.
Permittiu-se ao foreiro o direito de pre-
iierencia ou] prelação, que pelo direito an-
terior s6 podia ser exercido pelo senhorio
directo, e foi abolida a pena de commisso.
como elemento natural do eontracto em-
phyteutico, declara~do-se niilla qualquer
clausula em que se estipulasse aquella
pena (2).

e) Vimulos, prazos de vidas. - Poi.ventura, pelo


receio de que a proposta para a abolição
dos vinculos (3), compromettesse, quando

(1) Cod. civ., art. 2196.O.


(2) Segundo a Ordenaçso (Liv. iv, tit. xx~ix),era de-
volvido o dominio util ao senhorio, ainda na falta de esti-
pulação, desde que o foreiro deixasse de pagar o foro de
dois oii de tres annos successivos, segundo o praso fôsse
ecclesiastico ou profano, responsabilidade que não abrangia
os herdeiros do emphyteuta, visto constituir uma pena.
Vej. Cod. civ., art. 1671.".
(3) Os vinculos- bens perpetuamente annexos a uma
fayilia determinada, por uma fórma especial de successão,
sem poderem ser divididos nem alienados - abrangiam os
morgados e as capellae: aquelles, tendo por fim principal
n'elle consignada, a approva.ção do pro-
jecto, reservou o visconde de Seabra a ma-
teria viiicular para uma lei especial. Mas a
i'ea(:(;%o do espirito publico contra as inst,i-
tiiiqoes do i-egimen feudal e a tendencia para
acabar com as successões anoimaes, levava,
eni breve, á publicaç%oda lei de 19 de rriaio
de 1863, que aboliu os vinculos em todo o
teri-itorio d a n~onarchin,(1).
Os prazos de vidas, especie de morgados
irregulares, que passavam pi-ecipnos ao
siiccessor, chamado por nomeação do em-
l~ilyteutaoii por vocaçiio da lei, e cuja exis-
temia era apenas justificada pela necessi-
dade de arripliar o direito de testar do pae
de familias, foram todos reduzidos a phx-
teusins (2) na mão dos possuidores ao tempo

a conservaçtio de lustre e nobreza de uma fainilia; esta,


cujo tini B a expressão da piedade do instituidor. Vej. Coelho
da Rorlia, I?lstit7~i$7es de direito civil português cit., t. rr,
pag. 390 e segg. ; Almeida e Souza, Trutado p ~ u t i c ,(7,, .
v ) ? o ~ . y ~ d o1807,
s, pag. 48 e segg.
(1) Ve,j. Lei de 30 de julho de 1860.
(2) E r a importante, no antigo direito, a differença entre
pvuzos plerpetz~os O U futeusinu e p r t r ~ a sde vidas. Aquelles
duravam para sempre em poder dos emphyteutas ou seus
representantes e estavam sujeitos ás mesmas regras que
os bens livres, salva A divisihilidade por glebas, que sti
200 DIREITO CIVIL POL~TU(:U%LI

da promulgaç%o do codigo, respeitando- se,.


todavia, os transferidos irrevogavelrnente
com reserva de usufrncto ou mesmo enl
disposiç%o testamentaria, que s6. se torrin-
riam pliateusiils em podei. dos nomea,dos(1).

podia ter Iogar com o consentimento do senhorio. Estes


eram concedidos s6mente a certo numero de pessoas ou
vidas, ordinariamente tres, findas as quaes, pela primitiva
jurisprudencia, se devolviam ao senhorio ; e podiam ser :

a) de livre nomeação : qiiando ao emphyteuta fieava livre


nomear o successor que quisesse, o11 esta liberdade
lhe fôsee expressamente concedida na investidura,
ou se subentendesse por n'ella st. nlo inserir pro-
videncia eiri contrario (Orden., liv. IV, tit. xxxvm
e xxxvii) ;
6 ) de nomeagão restn'cfo ou ds p e t o e providencia, quando
não podiam ser iiomeados aenlo em certa qualidade
de pessoas e a nomeaçiio dependia das clausulas
insertas na investidura, que a OrdenaçZlo (liv. IV,
tit. XXXVIII, 9 2." in .fine) mandava guardar. Estes
ainda se subsidiam ein :
1 ) familiares puros ou de gera@io, nos quaes a
successlo era restricta $0 pessoas de familia, ou
geraçlo da primeira vida;
2 ) familiures mixtos, em que a nomeaçfo s6 era
livre na falta de filhos e descendentes do crnphyteuta.
Vej. Dias Ferreira, (,'odi$o civil portuguê8 annotudo,
t. iv, pag. 108 e segg.
(1) Vej. Cod. civ., artt. 1696.0-1700.".
- 1. -Pdk'PE GERAL
--
201

f)Success&o. - R e l a t i v a m e n t e á faculdade de
d i s y ô r p o r testtiniento, acabo11 o c o d i g o c o m
o s codicillos, r e c o n h e c i d o s n a s O r d e n a g õ e s
d o r e i n o (I), assirn coino c o m d u a s f ó r r n a s

(1) A differença entre o testamento e o codicillo estava


em que o primeiro devia conter necessariamente a institui-
#o de herdeiro, emqiianto que o segundo era tinia dispo-
sigilo de ultima vontade a favor de nlguem, mas sem insti-
tui~% de ~herdeiro. Vej. Orden., liv. IV, tit. LXXXVI, fr.
A legislaçiio anterior no cociigo reconhecia varias fórmas
de testar:

a) testamento aberto feito por t;~l~ejli%o


piiblico, escripto
rias notas (Orduii., liv. i \ - , tit. r,xxx, fr.);
b) testamento cel-rado, coiri instrumento de approvação
(Orden. cit., 3s 1.' e 2.'; :issento de I'i de agosto
de 1811 e 10 de j~iiiliode 1817) ;
c) testamento por insfvunzento pai-ticular, feito pelo tes-
tador, oii por outra pessoa privada, e assigiiado por
seis testeiiiuiilias, devendo ser publicado depois da
morte do testador por anctoridade da justiça (Orden.
cit., 5 3.O) ;
d ) testamento ~ z t ~ n c t y a f i vo11
o , por palavra, feito ao tempo
da morte, com seis testeinurihas, ficando ntillo no
caso de convalescer o testador (Orden. cit., § 4.O);
e) testamentos de soldados e pessoas que morrem na
guerra (Orderi., liv. iv, tit. ~ x x x i r i );
f ) testaiuento nzaritimo (Lei cte 18 de agosto de 1769,
4
5 14.') ;
9) testamento extev~zo(Lei de 18 dc agosto de 1769,s 14.O;
Regtilamento de 26 de novembro de 1851, art. 36.O).
Dia, 3.1 CAD. 26
de testamento, ndmittidas nos artigos 2094.'
e 2095." do projecto primitivo, uma das
qaaes se assenielhava ao testamento olo-
grapho da lei civil fr;iii<~esi~, não exigindo
R iiitervenção de official piiblico e tornando

apenas necessaria a presença de tres teste-


miinhas, e a outra era, verdadeiramente, o
nosso antigo testamento particular aberto.
Kgualmente proscreveu os testamentos niin-
cupntivos, que desde sempre existiram entre
nCs e que no projecto primitivo eram ainda
conservados no artigo 2407.O, correspon-
clente ao artigo 1 9 1O." do cocligo civil ; e, do
niesmo niodo, os testanieiitos reciprocas, em
que, no niesnio acto, duas ou mais pessoas
dispunham dos seus bens, exceptuando uni-
camente os de iri:io commiim, que tivessem
data ai~tlientic:~ i ~ otempo da promiilgaçiio
do codigo e n,ão fosseiri revogados (1).

A capacidade testamentaria activa, que


o direito antigo fazia coincidir, seguindo o
direito romano, coiii :L puberdade, que se
verificava nos hoiriens aos quatorze annos,

(1) Cod. civ., art. 1753.0. Vej. Sr. Dr. Tavares, Suc-
1903, pag. 109 e segg.
cessads e d i r e i t o st~ccessorio, vol. I ,
I. -PARTE GERAL ?o3
-ic---

e nas iniilheres aos doze ( I ) , começa, pelo


codigo, aos quatorze annos, para os indivi-
diios de iim e outro sexo (2), acabando a
incapacidade de testar do til110 familias,
qiie se encontrasse sob o patrio poder, qual-
quer que fôsse r i sua edaclt! c ailida que o
pae lhe permittisse fazer testamento (3).

Quanto á siiccessãolegitinia, a maior altera-


ção que fez o codigo é a do artigo 2003.":o con-
juge viuvo passa a occnpar o prinieiro logar
logo depois dos parentes oriuridos do tronco
coinniuni, isto 6, cle irrnãos e descendentes
d'elles, excepto achando-se judicialmente
separado de pessoa e bens por culpa sua (4).

(1) Ordeii., liv. IV, tit. L X X X ~ .


(2) Cod. civ., art. 1764."n.O 3.". Vej. tatnbem artt. 18b9.O
e 2510.O n.O 3 . O .
(3) Orden., liv. IV, tit. r,xxx~,ej 3:.
(4) No antigo direito (Orden. liv. r, tit. xc, 1.O;

liv. IV, tit. xcrv e tit. xcvr, fr.) definia-se a siircessão le-
gitima, na ordem seguinte:
1 . O - aos descendente8 ;
2.O- aos ascendentes ;
3." - aos collateraes até ao decimo grau;
4 . O - ao conjuge sobrevivo ;
5 . O - ao estado.
Ainda sobre oiit1.0~assilmptos, a r e ~ p e i t odos
quaes era estreniamente cleficieiite a legisln(;;io ali-
terior, providenciou o cnrligo: assim em niateria
de aiisencia, aguas, posw, l ) l ~ e s ~ r i p çcontrc~cto
~o,
de sociedade e ai.rendariiciito, prnvus, etc.

2(1. - 0 ayateina elo coeligo e o probiema da


coclificação elo direito civil : conceito e
lùiicqão cla codiflcaqWo.

IJor codificaç%odevemos entender o processo de


org:i,riisaqRo jiiridica, qiie consiste eni rediizir ii,
codigos as leis dos differentes ramos de direito. E,
iniplicaildo, como dizia Savigiiy (1))a systemati-

(I) Sptiínze du d w i t r o ~ t ~ a iacttcel,


n pag. 112.
A palavra codigo filia-se na expressão latina cn~tdexo11
codex, que, designando, pritnitivamente, tima certa especie
d e madeira, passou, depois, n significar a reilnião tle pe.
quenas taboas de madeira, enceradas (taòuluej, em que se
escrevia por meio de um ponteiro de ferro (stylus). Ao
contrario dos pergaininhos e papeis, em rôlos (volurni~ta),
as taboas eram retinidas de modo a forinar um caderno.
No seculo IV, a palavra codex passou a significar as col-
lecções de leis (Codex Gregoriunus, Hernaogeninn>cs,Theo-
dorianzcs, Justiniuni); e , enibor:~,ti.ansitoi.ianieiite, substi
tuida pela de Leges (Lex saiicu, Lex rontana Wisigotho~*u?n,
Lex romana H~crgu~tdiovurn, etc.), a sua significação man-
teve-se, até que o progresso juridico transformou as anti-
I. - PARTE GERAL 20,5

snq5o reflexivii e co:ictiva (10 direito de iim povo,


uin cocligo 4 a org:.aiiist~ç:"io syntlietic:~,systei~intica.
e scieiititica das leis relutivns a iini cleteriiiinado
ranio do direito de uin povo.
(SII:L~ 6 :L f~11icq;Lodos (:o~liXos ?
( A coclilicação, escreve C'a1,itant (I), serve, prin-
cipal~iieiitc,para iiriifir;ir o (lireito. h assim qiie,
no conieço do seculo xrx, em França, se sentiu a
necessitlacle de cociificai. o direito p r i ~ a d o ,para
pôr terino A diversiclti(1c (10 direito antigo. Do
riiesriio iiiotlo i1 It;ili;i, t l c b l ) o i s ;I Allerrinnlia, tendo
realis;i(lo a s11a ~ i i i i d i t dp~~ l i t i c a ,completaram-a
pela oi.g:inisaç;io cle i i i r i co(ligo civil D.
&Ias, n codificaç2o r i 8 0 tein por funcçffo exclii-
siva, iiein mesmo por fiincç5o principal, a unifica-
çRo legislntivct. Meio de facilitar o conhecimento
do direito, i~ codificação 8, ao mesmo tempo, e
sobretiiclo, coridiç%o do seu progresso, pela sua
rediicção a spsteinatisações scientificamente orde-
nadas.

gas collecções nos modernos codigos. Vej. Planiol, Traité


élsmentaire de droit civil cit., t. I , pag. 7.
Posada (Tratado de derecho administrativo, 1897, t. I ,
pag. 179) assigna origem diffsrente t i palavra codigo,
fazendo-a derivar do latim condere, fundir, reunir, ligar.
(1) Zntrodzcction à Z'gtz~de dzc droit civil cit., pagg. 50
e 51.
A questão da codiiicaç20, que constitue um dos
capitiilos niais importantes da liistoria politico-
juridica moderna, surgiu, na Allemanha, no inicio
do seculo xrx, coni as obras de Zachariae, Scliniidt
e, sobretudo, de Tliibaut (I), em defesa dos co-
digos.
Antepondo ao sentimento exaggerado da riacio-
nalidade o principio da unidade de legislaçZo,
aquelles escriptores, reclamando, niio codigos es-
peciaes para os differentes Estados allemães, inas
uiri codigo unico, exterisivo a toda a grande patria
germariica, qiie cooperasse na poderosa obra de
unificação moral, entso encetada, propugnavam ri,
codificnçiio eni nome da simplificaçZo do direito e
da diffus5o do seli coiiliecimento.
Mas, porque esta escola de juristas, longe de se
limitar a pedir a unidade legislativa, se prendia a
uma nova cstructura dos codigos, que se deveriam
inspirar, nao nas tradições locaes, mas em especii-

(1) Na obra Ueber die Nothwendigkeit eines dlgemeinei~


biirgerlichen Rechts fiir Deutschland, 1814.
Na Inglaterra, a ideia da codificaçlo í. (left?ndida nas '
obras de Bentham, Papers on codijicatio?~,18 17, e Justice
and codt'cation petition, 1829.
lações philosophicas; e porque partia do conceito
de que o direito pertencia 5 (ordem absoluta da
razão D e era uma. e criaçno immediata e directa do
espirito humano, -a ideia devia provocar, neces-
sariamente, viva opposição.
Savigriy (I), romanista eminente, conibatia-a,
notando que os codigos apenas serviam para sub-
stituir uma nionotonn e matliernatica unidade, mo-
delada sobre uni tmyporigido como a e~peciilaç20
do philosopho, á harmonica variedade, As fecundas
e infinitas origens da vida local, que se traduz em
uina grande diversidade de iisos e costumes. Os
cocligos immobilisam e cristallisam o direito ; e,
ericerranclo a jurispriidenciii. dentro dos limites de
uma estreita interpretaç8o exegetica, privam-o de
aperfeiqoamentos successivos, impedindo-se, fatal-
mente, o seu desirivolvimento indefinido.
A Iiistoria do direito roniano, observava ainda
Savigny, demonstra a inopportiinidade da codifi-

( 1 ) Vom B e r i ~ funserer Zeit fii7, Gesetzgebzc~igzcnd Recl~t-


swissenschaft, 18 14.
Vej. Sr. Dr. Luiz Gonçalves, Opro6lema d a codijicapdo
do diveito civil, 1906, pag. 23 e segg. ; Tetnpia, Dellu
codijcazione civih, 11385, pag. 5 e segg. ; Rogiiin, Obser-
vations SZLT lu codiJication des lois civiles, apud Recuei1
publié par I'Université de Laueu~ine, 18'36, pagg. 112
e segg.
csção: quando o direito romano realmente vivia,
quando progredia incessrtnternente, a codificação
ainda nem seqiier fôra 1eiribi.nda ; esta s6 se reali-
sou quando cessou a evoluç8o legislativa. É que os
codigos iião apparecerii nos seculos fortes e podero-
sos, mas s6mente nas epocas de enfi~aquecimento,
em que a consciencia jiiridica se oblitdra.

Apesar doa argiimentos addiizidos pai* Savigny


e pelos sectarios da siia doutrina, manifestou-se no
direito positivo a tendencia para a codificaçao,
tornando-se doniinaiite, e realisnndo-se em qixnsi
todos os povos a codific~ç5odo direito civil, com-
mercial, penal e do processo (1).

(1) Ao movimento geral da codificação s6 resistiram,


pcide dizer-se, os Estados Scandinavos, a Inglaterra e os
Estados Unidos.
Mas se, quanto á. Inglaterra, Smith (Mercantile lato,
pag. 14) pôde dizer que a codificaçno seria para este
país uma desgraça nacional; se outro escriptor (Vej.
Pavitt, Le droit anglais codijé, 1888, pag. 228) escreveu
que tB, porventura, um feliz presagio n8o se ter executado
o projecto de codificar as leis inglesas; o direito rowano
foi codificado quando o iiriperio decallia. . . »;e se Glasson
(Histoire du droit de Z ' A ~ l g b f e r v e ,1881, t. I, pag. xvxrr)
affirmava que a codificação é instiiic.tivainente aiitipathica
4 Inglaterra - cert.0 é que hoje se proclaiila, insistente-
mente, a necessidade de recoilstituir as instituições jiiridi-
cas inglesas pelo syeterna da cudifica<;ão.
I. -PARTE GERAL 209

É que, como escrevia Rodrigues de Brito (I),


#quando as leis em um povo se teem amontoado e
sobreposto durante seculos, as opiniões dos inter-
pretes se dividem e se contradizem, os juizes e a s
leis, os usos e praxes do fôro se enredam e confun-
dem, é indispensavel, para evitar a incerteza do
direito, organisur-se um codigo que, simplificando
a 1egislaç;"loe co:irctando a arbitrariedade judicial,
regule e assegure ao niesiiio tempo o exercicio le-
gitiino dos direitos iiidividuaes, iriiciando os povos
e os iridividuos eni um estado de civilisaç5o mais
perfci ta.
A (:odificaçRo não iilterrompe o desenvolvimento
iiatural d a legislaçZo, nem os trabalhos da scien-
cia juridica, nem destroe os usos e costiimes do
povo ; l)orque, expressando :i I;irrria jiiridica do
tempo, reforma o passado eixi vi,sta das novas ideias
que tendem a implantar-se, e porque, quando as
suas prescripções estejam ein opposiç"ao coni as
novas ideias, e não correspondam ás necessidades
e legitiiiias aspirações do povo, deve o codigo ser
revisto e reforinéido. A feitiira de um codigo 6
seiiipre opportuna, quando se teein satisfeit( as
coiiclições da codific:rç:io : porque o povo vive eiitiio
melhor e progride mais, do cjiie slijeitci á arbitra-

(1) Philosophia do direito, 1871, pag. 376.


DIB.,3.' CLD.
riedade das interpretações e á incerteza dos ares-
tos>).

Os codigos não são criações arbitrarias, mas


fórmas complexas com que um povo manifesta
a siia vontade; a sua f~incção é a de traduzir
o estado juridico de um niomento determinado,
a d e consolidar, especialmente nos periodos de
rnnis amplo desenvolviniento, os progressos rea-
lisados.
E o invocado prestigio iriimobilisador dos codi-
gos, longe clc i.cl)i.esviit~i.i i i i i inconve11iente.da co-
dificiiqão, é antes uni syriiptoma da imperfeiçiio e
coriserv:rntismo do processo legislativo, e, ao mes-
nio tei~ipo,a revelaçgo da falta de energia scienti-
fica e reiiovildora nos ciiltores da sciencia do di-
reito. Neiihum codigo representa o termo da le-
gislaç2o de certo povo. devendo ser reformacio
seiripre qile as necessidades socines o exijam.
Admittindo-se o evoliicionismo jiiridico, implici-
taiiierite se subscreve a vida dos codigos : não se
póde coiiceber o direito senão no seli momenta
clynamico, isto é, como desdobraniento constante
d i ~vida (10s POVOS. É: inconcebivel um codigo im-
riiobilisado nos seus ii~ndnmeritos, resistente ao
progresso da sciencia e da vida, iiiiinutavel no
meio do movimento universal.
Deixe-se ao juiz o ciiidado de integrar, mediante
o sei1 proprio sentimento de justiqa, a regra geral,
I. - PARTE GERAL 211

na siia a.pplicação aos casos pa.rticulares, pertiiit-


ta-se a «individualisaç;io judiciaria do direitor , iia
rexpressiio de Saleilles (I), e, ao mesmo tempo que
desapparecerd,, a despeito da critica de Ferrero (2),
um dos priiicipaes inconvenientes da codificaçlo ,
conseguir-se-ha realisar uma lar&%obra de reno-
vação juridica.
Como em outro logar escrevemos (3), a lei nRo

( 1 ) Introdzcction à 1'6tude d r ~code civil ullemund, 1904,


pag. 100 e segg.
O codigo civil alieinão não reduz a funcyso jiidiciaria :I
eiimples hterpreta$ão dos textos legaes : o juiz púde, em
dados casos, e sob certas condipGes, restringir o exercicio
dos direitos, modificar as obrigações contractunes em
muitos casos, tem um poder discrecionario que lhe permitte
d a r a cada litigio, ela logar de uma solução cujn rigidez
uniforme lhe fosse imposta pela lei, a solupfo mais con-
forme aos f:ictos cle que tem de conherer.
(2) Pretendendo demonstrar que o periodo actual d a
documentayão juridica (periodo du eacmptu) representa
iiina pliase arcliaica, eni confronto com os progressos rea-
lisatlou nas (lerriais espheras da vida social, Ferrero (I,ss
lois I,.sycholo~liqrces t h ~synaòolism~, trad. frtrriy., 1895,
pag. 198 e segg.), baseando-se na psycho-physiologia do
symbolo, que procura explicar pela lei das associações
mentaes, propugna a immediata e completa aboliçlo dos
codigos.
( 3 ) Theses de d i ~ e i t o ,1906, pag. 19. Vej. Charmont,
&&vit et I'esprit d&»zocratigue, 1908, pag. 14.
212 DIREITO CIVIL POKTUGU~~S*

deve considerar-se como iim imperativo perma-


nente, mas susceptivel de ser modificada pela dou-
trina e pela jurisprudeiicia, eiri harnionia com as
exigencias praticas.
6 um instrunieiito de evoliic;ão, e não de imnio-
bilisação.
Hoje não póde impugnar-se a codificação, que
representa, co~noobserva Von Ihering, a npplica-
ção de uiria das leis vitaes da jllrisprl~dencia- a
lei da econoiriia, ; e, uoncord:irido-'se iio recorilieci-
nierito das varitagens (Ia unid;rde legislativa e cla
fixay:"lod:rs leis, apenas se discute se a codificação
será coiiveniente ern relação a deterniinados sairios
de direito, como o aclmiiiistrativo e o internacio-
nal (1).

28. -Contínuaqão : criterio scientlfico da eodi-


íicaqlío.

Para alguns jiirisconsiiltos, a codificaç80 do


direito tem iim fim essencialniente pr at'ico ; na
systemat,isaçBo das riormas jiiridicas, o legislador
nilo tem que attender a oiitro intuito que não seja
o de satisftwer a necessiclade, extensiva a todos,

(1) Vej. Orlando, Pvimu truttato cit., t. I, pag. 1082


e segg.; Sr. Dr. Alvaro Villela, Liq5es de direito inte~-
nacional, 1903-1904, pag. 137 e segg.
I. -PARTE GERAL 213

de .conhecer a lei. E Mazzoni (1) chega a conside-


rar impossivel a ibbordinaç%o da estructura de
qualquer codigo a um systema, scientifico.
Em defesa d'estcz opiniso, invoca-se a diverai-
dade de iixtiireza, de fiincçRo e de fim dos syste-
mas legislativo e scientifico :

a) A 1egislaçiXo 4 tinia sbric de preceitos que


regulam as relnqões jiiridicas ; a sciencia
juridica, 6 o coinplexo ordenado de conheci-
mentos relativos :LO direito. A sciencia ex-
plica a legislaç2o pelas suas razoes intrin-
secas e expõe os preceitos inais como ver-
dadcs do qiie normas ohrigatorins da vida
nas relaçoes jiiridicas.

b) A coesistencia harmonica dos systemas Icgis-


lativo e scientifico exige a realisaqão de
coric1içGes qire difficilmente se coordenam :
a fórma imper;~tivada lei e o formalismo
didactico dos livros de sciencia, a simpli-
cidade dos preceitos juridicos e a coniple-
xidade das fbrmulas abstractas, etc.

(1) Istituzioni di diritto civile italiano cit., t. I, pag. XIII


e segg. Vej. Sr. Dr. Abel Andrade, Commentario cit.,
pagg. L X X X ~ Ie LXXXIII.
c) O systema legislativo nfo deve coarctar o
desenvolvimento do dseito, como sciencia
e factor social: uni livro de sciencia po-
der$ ser completo no momento da sua pu-
blicaçzo ; uni codigo, ao contrario, nunca
pbde estar completo, porque as leis progri-
dem incessantemente.

NRo d~ividamosrepellir a distincção entre o


systema de codificação sob o ponto de vista legis-
lativo e doutrinal.
Certo qiie, prinieiro do que tudo, o codigo deve
reunir as condiqões de toda a obra litteraria, que
se dirige $ intelligencia e á vontade, antes que h
imaginaçao e ao sentimento: unidade, ordem, pre-
cisão e clareza. Mas, B irnpossivel abstraliir da
systematisaçiXo das niaterias, de unia ccrta abstra-
cção ou generalisaçgo do pensamento legislativo.
Por um lado, conio observa o Sr. Dr. Guilherme
Moreira (I), aas instituições que constituerri o ob-
jecto de iinl codigo serão taiito mais claras e com-
preliensiveis, quanto ni:~is natiiral e logica for a
ordem que na sua, distribuiqão se observe.
S6 por esse meio poclerão ver-se os pontos de
contacto ent,re os differentes institutos, as relações

(1) Instituigaus cit., pag. 134.


I. - PAUTE QERAL 215

entre elles existentes e a fiincção que cada um


exerce, formando-se assim uma ideia nitida de
cada um d'elles e do seu conjuncto~.
Por outro lado, o espirito systematico applicado
ao direito, exerceiido reacção sobre o proprio fuiido
do objecto a que se applica, determina uma trans-
forniaçno interna das regras juridicas : reunidas
em uma especie de iiggregado superior, despojadas
do seu caracter de preceitos ou prohibiçoes, as
regras do direito revestem o de elementos logicos
do systema, de qualidatlcs d:is instituições juridi-
cas. Assini se chega á fixação dos principias que
dominani os institutos jiiridicos e ao estabelecimento
de regras respeit'antes á spplicação d'aquelles, de
fórma que, pela technica juridica, essas normas
possam syntlietisar-se em um principio que as vi-
vifique e que abra horisontes para novas applica-
ções.
A disposição systematica das materias de um
codigo teni, pois, a dupla vantagem de facilitar o
estudo e o conheciinento do direito e de represen-
tar iini factor do seti progresso.
Mas qual a distribuição systematica das prescri-
pç0es juridicas ri'uiri codigo ? (1).

(1) Convir& dar. ao texto legal uma feia80 popular ou,


antes, uma f6rma scientifica e propriamente technica?
Sob este ponto de vista, differem profundamente, em-
Restringindo-nos ao campo do direito civil e
abstrahindo da analyse de cada um do? multiplos

bora concordem na sua inspiraçto geral, o codigo civil


allemlo de 1896 (Btcrgerliches Gseetzbuclq) e o projecto do
codigo civil suisso, publicado, sob a sua ultima fórma, pela
mensagem federal de 28 de maio de 1904.
Assim, emquanto, com as suas tendencias generalisado-
ras, com a construcçito estrictamente logica das suas dis-
posições, com a acuidade das concepções em que se ins-
pira, com a homogeneidade da sua syntaxe e o rigor quasi
rnonotono da sua terminologia, o codigo allemão nos appa-
receu como uma obra rigorosamente regulamentadora, e o
conjuncto da sua tecliiiica produz uma impressão de me-
thodo, de rigidez, de coiiseqiiencia logica, que, inquietando
a se~isibilidade, seduz fortemente o espirito -o projecto
do codigo siiiuso p6de car;icterizar-se, corno fez Leroy
(Revue de Puris, 1902, pag. 640), em poucas palavras:
((abundante, simples, popularr.
Acciisando, ao contr;lriu d'aquelle, uma pouco rigorosa
techiiica linguistica, o prujrcto do codigo suisso, que pro-
cura evitar as abstracções, atC mesmo as gc.iiri.alisações,
que separariam os priiiclpios ila sua applicay8o pratica,
quer preterindo a ideia de uma parte geral, quer assi-
gnando As regras orientadoras do codigo tini caracter ni-
tidamente especialisado, limita-se, geralmente, a traçar,
em uma fúrmula larga e flexivel, a direcçãu fundamental
que o legislador quiz Imprimir As instituições jiiridicas pri-
vadas, sein penetrar profiiri(1niiieiite nas iiiinucias da sua
applicaçzo.
A technica ardua, estreita, doiiti.inaria do l)rirneiro, que
I. -PARTE CIWL 217

. s y s t e m a s propostos (1), p r o c u r a r e m o s , tão sómente,


i n d i c a r os principaes t y p o s a q u e e s s e s s y s t e n i a s
p o d e m reduzir-se.

pretende fazer passar todo o direito positivo pelo leito de


Procusto da lei escripta, oppõein-se, por parte do segundo,
processos siinples, malleaveis, elasticos, de um methodo
mais largo e mais humano.
Vej. Kohler, Lekbuch des Bürgerlichen Rechts, 1904,
t. I, pag. 42 e segg.; Geny, Lu téchnique legislative
d u m Zn codification civile moderne, apud Livre du cente-
naire cit., t. 11, pag. 989 e segg.
(1) Pretoriirios, por allieia ao nosso intuito, a debatido
qiiest%o da unificac;%odo direito privado. Pondo de parte
a indicaçzo dos caracteres differenciaes do direito com-
mercial e do direito civil, tão nitidamente notados por De
ia Grasserie (De lu ficsion ~ I droit
L commcrcict~et du droit
civil, 1893, pag. 133 e segg.), limitar-nos-hemoe a expor
os argumentos invocados, contra a autonomia do direito
cbininercial, pela escola fiisionista ou renovadora, Vivante
B frente :

a ) a dualidade do direito privado, inspirada na ideia de


que os cominerciantes formam uma classe distincta
(10s cidadlos, contraria a hoinogeneidade da nossa
conutituip80 social ;

b) determina gravissimas questões de indole social e


politica :
1) porque se conserva em flagrante contraste
com os principios da egualdade social, uma claeee
privilegiada, cuja actividade é regulada por uma
DIR.,3.8 CLD. 28
28. - Continuaqno : Systemnn ale codiíicaq&ode
direito ci\,il.

Analysemos ligeiraniente cada uni d'esses typos.

a) Systema romano das Azstitutas - Systematisa-


ç%o syiitlietioa. do j u s civile, as Institutas

lei especial que a favorece, em prejuizo dos outros


cidadatos ;
2) porque difficulta a administraflo da justiça,
visto reclamar frequentes investigações prelimina-
res sobre se uin determinado acto juridico 6 ou
nZLo de natureza coniinercial, e d'ahi as controver-
sias sobre a çoinpeteilcia dos tribunaes;
3) porque prejudica a applicação do direito pela
ilifficuldade de applicnr as su:is disposiçGes quando
os dois codigou, civil e comniercial, regulam o mes-
ino instituto ;
4) porque exerce tima perniciosa infl~ieiirin no
progresso scientifco, pela grande deficieiicia no
codigo coininei.cial de regras geraes e pela grande
abiindancia de particularidades nas noriiias dos va-
rios institutos ;
. 5 ) porque niio b possivel precisar os limites das
duas leis civil t. cominercial, pela dificuldade de
~ a r a ~ t o r i s aer distinguir nitidamente os actos civis
e commerciaes.

A escola orthodoxa ou conservadora, allega, por seu


lado, pela bocca de Vidari :
a ) a separação do direito commercial e do direito civil
I. -PARTE GERAL 219

obedecem S triplice dirisso d o direito em


pessoas, causas e acções : ormne autem jus

explica-se pela diversa -natureza das relaçoes sociaes


qiie ;iquelles sKo chamados a disciplinar: embora o
corniiiercio deixasse de ser monopolio de lima ordeiri
de cidadilos, as leis cornmerciaes ainda actiialrneiitc~
regiilain o exercicio protissional do conimercio e :L
pratica cle qualquer acto d'esta industria, e, porisso,
uma certa ordem de factos economicos;

b) a dificuldade em assignar os confins das duas legis-


Inções lino 6 razão para negar que se-jain distinctas
e que t~ritiecallas hajam liiuites, da mesma f6rma
que a afiriidade reciproca do direito coristitucional
e (10 direito adi~iiilistrativoe a difficuldade de Ihes
ausignar os liiiiitee, nbo são motivo para unificar
:iq~ielles; e a deteiiiiiiiaç%o dos limites tornar-se-ia
facii coiii a siibstitiiição da distincção entre actos
civis e commerciaes pela distincyiio entre cominer-
ciantes H não comrnerciantes ;

c) o facto de ser :L lei civil insiifficiente para regular


algurnas iristituiçCes, sendo necessario recorrer ti
lei corilniercial, n l o prova contra a autonomia dos
dois direitos, visto que as exigencias de cada uma
clns relaçzes sZo diversas, carecendo as institui.
ções commerciaes de mais liberdade e havendo ins-
titutos e orgãos que seriani inuteis e nocivos na
vida civil ;

d ) sob o ponto de vista patrimonkl, no direito civil, os


qru, zçt.imztr, vel ad personas pertinet, vel ad
res, vel ad actioms (1).
A systeinatisagão tripartida do direito
romano foi universalmente seguida ila
Edade Media, preponderando at6 ao se-
culo XVIII ou, póde niesmo dizer-se, atd &
phase da codificação moderna, iniciada
pelo codigo francês; mas, jd no seculo xvri
ella era fortemente impugnada, sobretudo
na Allemanha, onde os jurisconsultos pro-
clamavam a necessidade de adoptar uni
criterio mais rigoroso, baseado na proprin
classificnçiio dos direitos.
Se o sujeito e o objecto, argumentava
Leibnitz, são elementos essenciaes de todo
o direito, como admittir a logica de nrn
systema que separa, f~indamentale organi-
camente, o estudo das pessoas e cousas?
E o systema classico tem, demais, como

bens sZLo considerados no seu valor de uso, e no


direito commercial no seu valor de troca; etc.
Para mais desenvolvimento, vej. Sr. Dr. Eduardo Sal-
danha, Estudos sobre o direito commercial po~~tuyu2~,
1896,
pag. cLxxvrr e segg.
Tambem : Charles Laurent, De Za fzcsion drr dvoit civil
e du droit commerc2a2, 1903, pag. 5 e segg.
(1) I. de jwr. prs., in princ.
I. -PARTE QEBAL 221

nota o Sr. Dr. Luiz Gonçalves (i),ao grave


defeito de niio estabelecer uma ooordena-
ção logica, organica, entre as diversas par-
tes do direito; ntio dQ tt impressão da vida
do dircito ; 1G.o estuda o direito eni todos
os seus elementos ; n l o separa os principias
geraes das normas especiaes a cada: direito;
enifim, nBo classifica os direitos em si mes-
mo considerados D .

Como variantes do systeme romano,


que, com pequena alteraçto na parte ter-
ceira (De obligationibzls et actionibus), havia
sido adoptado no Codigo da Prussia, deve-
mos mencionar :

-
1) S?jstema do codigo austriaco. Inspi-
rarido-se na doutrina que considerava o
direito, n&o conio systema regulador das
relações sociaes, nias como garantia indis-
cutível da liberdade dos cidadãos, o codigo
austriaco divide o direito civil em tres 1)a.r-
tes -direito das pessoas, direitos sobre as
cousns e disposiqões communs, comprehen-
dciido n'estas a garantia dos direitos e
I

(1) O problema da codi$cagao cit., pag. 66.


obrigações, a ti.nnsformaçBo dos mesmos,
os modos por qiie se extinguem e a prescri-
pç6o e usiicapiSo.
Similliante disposiç3o de niateriaa tem,
porS111, con10 observa Vadalh-Papale (I), o
vicio de contrariar a verdade, a realidade
e a iiatiireza das coiisas : n5o p6de adniit-
tir-se que os direitos individiiaes, qiie se
encontram em certas relações jiiridicas,
sirvam de fundamento a todo o edificio ju-
ridico; como n%o B concebivel que todas
as nornias do codigo sejam destinadas sim-
plesmente a precisar direitos individuaes,
a determinar o seu iriodo de adquisição,
riinnilteriç20 e extincç30. 1:: necessario ço-
meçar por estiidar rio codigo civil a parte
objectiva em que se move o homem, ein
que se encai.n:t atravds do niovimento so-
cial, eiri que se organisa iio cleuenir inces-
sante das sociedades.

2 ) Sysle)nos tle CvimbuZi e Miihlenbruch. -


Para Cimbali (2), 4 impossivel c:li~ssificar

(I) I1 codice civile italiano e lu scienza, 1881, pag. 39


e aegg.
(2) A nova phnse do d i ~ e i t ocivil, trad. de Adlierbal de
Carvalho 1900, pag. 461 e segg.
I. -PARTE QElt6L 223

devidamente a materia juridica, sem consi-


derarmos systematicamente os elementos
constitutivos do codigo de direito privado
social, sob os seus dois aspectos : estatico
e dynamico. Sob o primeiro aspecto, siio
dois os elenient,os con~t~itutivosdo direito ;
pessoas e cousas, subjeitos e objectos, como
são dois os elementos integrantes da vida
em geral: materia e força. Dynaniicainente,
estudam-se as relações em que se encon-
tram os sujeitos e os objectos.
Assim, as part,es fundanientaes de um
codigo devem ser : pessoas, cousas e 1-ekcg8es
juridicas.
Semelhante é o systemã apresentado por
&Itililenbriicli, que dividindo o direi t,o ein
duas partes: geral e especial, subdivide
esta em tres capitulos: pessoas, cousas e
ob?igaço"es.

Se bem que as variantes do systema ro-


mano tenham a vantagem de substituir por
outro grupo de factos jiiridicos a materia
das acções, estranha ao direito substantivo,
apresentam o inconvenient,e de separar os
elementos essencialmente constitutivos do
direito, de si inseparaveis, e de não estabe-
lecer unia coordenaçiio logica entre as dif-
ferentes partes, de modo a mostrar a sua
interdependencia como elementos do mes-
nio todo organico (1).

b) Systema do codigo civil.fra?zcés. -Não diverje,


fiindanientalnieiite, do systema romano o
adoptado pelo codigo francês. São tres as
suas partes fundamentaes (2) :

I -Des personnes (artt. 7.'-5 15.') ;


I1 -Des biens et des dif6rentes rnodzyca-
tions de Ia prop~~iété(nrtt. 516.O-
710.") ;
I11-Des d(fé?*entes rnanièves dont on
acqwic7-t la propri6fé (:~rtt. 7 1 1.O-
2281.").

Como se vê, os livros segiindo e terceiro


correspondem ao tratado das consas Pes)
entre os rornarios, eliniinando-se do codigo
civil: para, sei- integrado no codigo do pro-
cesso, a iiiateria das acqões.
--
(1) Sr. Dr. Tavares, T~wtadocit., pag. 108.
(2) Além dos tres livros, o codigo francês tem um titulo
preliminar, constituido por seis artigos ein que se formu-
lam principios geraes sobre a formaçiio e applicaç8o das
leis.
SYSTEMA DO CODIGO CIVIL
o -Da capacidade civil e da
T i ~ a 1.0

I u
lei que a regula em ge-
ral (1.0-17.0).
9.0-De como 'se adquire a
qualidade de cidsdgo
português (18.0-91.0).
u 3.0-De como se perde a qua-
lidade de cidadtio por-
tuguds (98: e 93.O).

ses em pais estrangeiro


(94.0 e 83.4).
11 8.0-Dos eatrangeiros em Por-
tugal (26.0-31.").

I
PARTE I -ns capaci- LIVRO UNlCO
dade civil (artt. 1.0-388.0)
I1 JI

n
u

)I
6.0-Das p e s s o a s iiioraes
(32.0-39.0).
7.0-Do domicilio (k0.u-64.3).
8.0-Da ausenci;~(55.0-96.0).
9.0-Da incapacidade por me-
noridntle e tlo SPII SUP-
prlmcBnto(97."-313.0).
I) 10.0-Da ineap:~cidadepor de-
mentia (314.O-336.O).
u 11.0-Da incapacidade dos
surdos-mudos (SY7.O-
339.0).
li 12-Da incapacidade dos pro-
digas (34U.O-352.0).
u 13.0-Da incapacidade acci-
dental (3113.4).
u 14.0-Da incapacidade por et-

I
leito de seotenya penal
condeniniitoiin (355."-
358.0).
I TITULO
1.0-Dos direitos origina-
rios (359.0-368.0).
2.0-Das ciiiisas o suas
JJ

1,IYRO 1 dos direitos ori- es,,i,,,ic%s (A6:):-


ginarios e dos que se :18?.1,).
adquirem por lacto e u 3.0-D;ioccul~;i~iio(383.0-
vontadepropria indepen-
I 1i73.0).
dentemente da coope- a 4.0-Dos direitos quc se
ração (['outrem (359.0- adquirem por mera
640.0). posse v prescrip~So
(474.~-566.0).
u 5.0-Do trabalho (567.0-
i
I 640.0).
I

PARTE I1 -Da
TITULO
1.0-DOS contractos e
adquisi~ão dos LIVRO 2."-Dos direitos que
&\igaeões em geral
tliraitos. se adquirem por facto e
(641.0-1056).
vontade proyria e de
u 9.0-Dos contraclos em
outrem conjunctamente
particular (1056.0-
(Gll.o-172%o).
1793.0).

I.IVRO 3.0-Dos direitos quc


TITULO
1.0-Da gestão de no-
se adquirem por mero
gocios ( 1723.0-
facto d'outrein c dos que
1754.1)).
se adquirem por simples
JJ 2.6-Das succcss~es
disposiplodaloi (1793."-
(1738.0-9166.0).
\ 2166.0).
SYSTEMA DO CODIOO CIVIL V

Tirur.~1.0-Disposi~Oes preliminares

I 21670-2170.0).
>, %.-Da propriedade absoluto
e da propriedade reso-
luvel (9171.0-5?174.0).
e 3.0-Da propriedade singular e
da propriedadecommum
1 (2175.0-2186.0).
1) 4.0-Da propriedade perfeita e
da propriedade imper-
feita (2187.0-2286.0).
direito de pro- 5.0-Do direito de IruicBo
(artt. 2167.0-2360.u) JJ

priedade. (2P87.i1-2314.0).
n 6.0--Do direito de transforma-
cào (2315.0-2338.0).
D 7.0-Do dircito de exclus~oe
tlille/;i (2339.0-2361i.o).
N 8.0-Do ilircito dc restituicao e
da indemnisarao dos di-
reitos violados (Td56.0).
J 9.0-Do dircito do alienaciio
I
(4357."-9360.0).
VI SYSTEMA DO CODlaO CIVIL

TITULO1.0-Disposipes preliminares
1 (euol.~-essB..).
1 %.-Da responsabilidade civil
connexa com a res-
ponsabilidade criminal
(3367.0-2399.").
3."-Da reeponsabiliilade mr-
ramente civil (239X0-
2397.1').
>, l.0-Da responsabilidade por
sabilidade civil perd;is e tlamiio~ pro-
1 (2361.0-2103.0) veniente tlo inohservan-
cia de ragulsmeiilos ou
por deslrixo ou inipru-
doiicia (2398.O).
5.*1-l)a responsabilidade por
~ ~ ( b r ~el dannos
as causa-
otirnsa dos (li-
dos por ~mptegadospu-
reitos e da sua\
b l i c o ~no exercicio das
suas funr~fitts(3399.0-
240õ.0)

I.IVRO 2."-Da provi1


dos direitos s d a ) Tinrol.0-Dnspmvas (P891.~-45344~1
I. -A susceptibilidade de direitos e obrigações
constitue a capacidade juridica ou a persona.lidade
(art. 1.')). Essa siisceptibilidade B regulada pela lei,
determinando a condição juridica das pessoas em
suas relações sociaes e attribuindo a toodosos indi-
viduos, em identidade de condições, os mesmos di-
reitos (art. 7.").
Para a adquisição do direito de personalidade
exige o codigo o ilasciniento com vida e figura
liumana (art. 6.")).
O conjuiicto das qualidades juridicas attribuidas
a cada uni, que determiiiam a sua persoiialidade,
constitue o estado. Os priricipaes elementos consti-
tutivos d'este e da capacidade, são : a ii;~cionali-
dade, a familia e o parentesco, o sexo, a idade, o
doinicilio, a ausencia, as doenças pliysicas e men-
taes, a condeinnação penal.

1. -O direito de cidadão consiste na faciildade


de ser niembro de uma sociedade politicamente
organisada, :.osando, nas condigões fixadas na lei,
dos direitos que, como tal, lhe são attribuidos.
VI11 SYSTEMA DO CODIQO CIVIL

Não obstante declarar-se, no artigo 17.", que s6


o% cidadãos portugueses podeni gosar plenamente
de: todos os direitos que a lei civil reconhece e as-
Mgura, affirma-se, no artigo 26." o principio de
que os estrangeiros, que viajam oii sesideni em
Portugal, teem os mesmos direitos e obrigações
civis dos cidadãos portiigiieses, em quanto aos
actos que h50 de produzir os seus effeitos no reino,
excepto nos casos eni que a lei expressamente de-
termine o contrario.
Esses casos s5o os dos artigos,_l9f36$$;: t
.O 2
-
(testemiinliaa instlviiiiientarias entre vivos) BJW&
(testemunhas em testamentos).
A adquisição da qualidade de cidsdRo portugiiês
deriva :

a) do nascimento em territorio português (art. 18."


n.Os 1.O, 2." 44).
6) da rn preferencia reconhecida aos filhos
de pae portugu9a ou illegitimos de mãe
portuguêsa , que nasçam no estrangeiro
(ai%. 18.O n." 3.") ;
c) do niatsinionio de mulher estrangeira com
português (art. 18.' n.O 6.") ;
d) da n a t u a l i s a ç ~ o- acto de graça pelo qual o
poder executivo confere a um estrangeiro a
q u d W e de cidadão português (art. 18."
n."5."). Para que um estrangeiro possa pe-
&YSTE&íA DO CODIQO CIVIL 1X

dir a. carta de natiiralisação, c? necessario,


em geral :
a) que seja maior, em conformidade da
lei do seu país e da portiiguesa (art. 19.').
F) que tenlia, capacit1:id.e para grangear
salario pelo seu tritballio oii outros recursos
parli, siibsistir (art. 1 9 . O n.' 1.');
y) que tenlia i.esidido iini anno, pelo me-
nos, eiii territorio português (&. 19,"n.O2.').
Vej. $ unico do art. 19.", e art. 20."

A perda da qualidade de cidadão português de-


riva :

1) da nntiiralisac,%oem país estrangeiro (art. 22.''


n." 1. O ) ;
2) da ncceitação de fiincções publicas, graça,
pensão ou condecoração de uni governo
estrangeiro (art. 22." 11." 2.");
3) da expiilsRo do reino por sentença, emqnanto
diiram os seus effeitos (art. 22.%."3.") ;
4) do casamento de mulher portuguesa com es-
trangeiro (art. 22.' n." 4.").

Póde, pordrri, readquirir-se n qualidade de cida-


d8o portliguês :

No 1.' c a ~ -
o regressando ao reino, com animo
de domiciliar-se n'elle, e declarando-o assim
Drn., 3.a cau. B
X SYSTEMA L)O CODIQO CIVIL

perante a miinicipalidade do logar que ele-


ger para seu domicilio ;
-
No 2." caso rehabilitando-se por graça espe-
cial do governo ;
No 4." caso-depois de dissolvido o matrimonio,
se a, niulher regressar ao reino com animo
de donliciliar-se n'elle, declarando-o perante
a inuriicipalidade do logar que elcger para
seu doniicilio.

2. --Pessoas moraes são as associações ou cor-


porações, fundadas com algum fim ou por algum
motivo de utilidade publica, ou de utilidade pu-
blica e particular conjunatamente, que nas suas
relações civis representam uma individualidade jii-'
ridica.
O codigo divide as pessoas moraes em tem-
porarias e perpetuas, pertencendo a estas
não s6 as qiie tenham tempo illimitado de
duração, mas ainda as que, tendo tempo
limitado, não tenham .por objecto interesses
materiaes (art. 35." $ 2." n." L" e 2.')).
Das pessoas nioraes distinguem-se as
associações de interesse particular, que se
regulam pelas disposições do cocligo civil
oii do codigo commercial, relativas ao con-
tracto de sociedade, oii por leis especiaes
(art. 39.").
SYSTEMA DO CODIBO CIVIL XI
- - --

3. -Domicilio 6 o logar onde o cidadão tem a


sua, resicleiicia perniaiicnte (art. 41.').
O domicilio pbde ser voluntario ou neces-
sario, g c ~ t r loii especial.
1;: soliiiiterio o fixado livremente pelo in-
tlivitliio, iiecessario o que é designado pela
lei (:~rt.42.') ; geral o que respeita a todos
os direitos e obi-ignqões, rião exceptuados
por lei ou convenç%o, especial o cjiie se
refere a actos jiiridicos determinados (art.
46.").
Teeni domicilio voluntario todas as pes-
soas maiores oii emancipadas, que não sejam
exceptaadas por lei. Teni doniicilio neces-
sario :
a) os menores n%oemancipados, os maio-
resds~ijeitos a tutela e a miillier casada
q u e n 5 0 este-ja judicialmente separada do
(ztrtt. 4 i." a 49.3 :
b) os maiores ou menores eniancipados
~ I I C serveiii oii trabalham habitualmente

em casa de outrem jart. 5 0 . O ) ;


c) os eii1l)regados yublicos que exercerri
as siias fiiiicções em logar certo (art. 51 .O);

d) os militares arregimentados, os mari-


tiriios ( ' o i r l l ) r a ~ ,na
a armada e os que per-
teilceiiicá>ripnlaçh de navio de commercio
oii de barcos costeiros (art. 52.') ;
XII SYSTEWA DO CODIOO CIVIL

e) os condemnados a prisso, desterro oii


degredo (art. 53.").

&- ~ztsonciaB o deanlilinrecirneiito do individuo


do Iogar do seu domicilio ou residencia, sem qiic
d'elle se saiba parte (art. 55.').
O legislsdor i~driiittiutres periodos na
aiisencia :
a) não excedente a quatro annos, se o aq-
sente ngo cleisoii procurador bastante, oii a
dez, se o deixou, contando-se o praso desde
o cles:~ppa~'ecimento do niisente do Iogas do
seu domicilio oix residencia ou da data da
espediç%o das ultimas noticias (art. 64.') :
b) excedente n quatro anrios ou a dez,
nins nzo a vinte (art. 78.' ri." 4."), se o au-
seiite não deixou filhos, ou a dez, se os
cleixoii: relativaniente aos bens que a estes
ficyuelii pertencendo (art. 9 1 .") ;
c) auseiicin por nixis de vinte annos.
A estes tres periodos correspondem as se-
guintes instituições :

(5,'ctrndoriaprovz'so~ia dos bens do ctuseiite -


a)
niera adiiiiiiistiã~;.todos bens.
Y'eriiiiii:~(art. 63.') :
1 ."-pelo regresso tlo aiiseilte ou certeza
da sua existencia ;
8 YS tE;ivlA DO CODIGO CIVIL XIII

2.O -pela coiiiparencia de procurador


bastante ou de queni legalmente represente
o ausente ;
3.' - pela certeza da sua morte ;
4." -pela installação da curadoria defi-
nitiva.
p) CUradoritr. definitiva, em que se attri-
bue aos hertleiros :~lgurisdireitos sobre o
patrimoriio do ausente. Termina (art. 78.'):
1 -pela volta c10 ausente ;
.O

2.' - pela riotiçia da sua existencia ;


3.' -pela certeza da sua morte;
4.' -pelo lapso de vinte annos ;
5.' - contailtlo o ausente noventa e cinco
annos de idade.
Posse dejinitivn dos bens do ausente
pelos herdeiros.

6-O codigo admittiu o systerna de dois graus


na edade : menoridade e maioridude, consideralido
menores, sem distincção de sexo, os individiios que
niio liajam completado vinte e um annos de idade
(urtt. 97.' e 311.').
A incapacidade dos menores 6 supprida pelo
poder paternal e, na falta d'este, pela tutela (artt.
100." e 185.").
O poder paternal, que é constituido pelas rela-
ções entre os paes e os filhos, sendo, especialmente
XIV SYSTl$VfA DO CODIQO CIVIL

attribuido ao pae, como chefe de familia, 6 tnmbem


exercido pela mãe (artt. 137.' e 138."). Do 1ii;~tri-
monio -conti0acto perpetuo entre duas pessoas de
sexo differente, com o fim de constituirem legiti-
mamente a faniilia (nrt. 1056."), deriva a filiação
legitima, sendo 'havidos como legitimas os filhos que
forem concebidos oii nascerem n a constancia do
matrimonio (art. 101.O).
Entre os filhos nascidos oii concebidos f6ra do
matrimonio distingue o codigo :

a) os legitimados, filhos de pessoas que, não es-


tando casados ao tempo rio nasciniento d'el-
les, contrahem yosteriornien te matrimonio
entre si e reconhecem os filhos Iiavidos
antes.
Esses filhos ficam, desde a dhta do nia-
trimonio, em tudo equiparados aos legiti-
mos (artt. 119.' a 121.');
b) oa perjlhados, havidos de pessoas que, não
estando ligados pelo mntriiiionio, os reco-
nhecerani, no assento do nascimento oii de
baptismo ou por oiitiVadecl;ti.nçâo ~ u t h e n -
tica, como fillios, ou foram declarados taes
por sentenga judicial.
c) os espurios, filhas havidos de pessoas que, em
virtude do matrimonio ou dos vinculos de
sangue, n8o podiam, ao tempo da concepção,
SYS'i'E.\lA V 0 CODIGO CIVIL XV

contraliir entre si niatrimonio (art. 134.'); e


,350 :
a) adultere'nos, os havidos por qualquer
pessoa, casada no tempo da concepção, de
outra, que n8o seja o seu consorte (art. 122.'
$ 1.");
P) incestuosos, os havidos de parentes por
consanguinidade ou affinidade em qualquer
grau da linha recta ou de parentes por con-
sanguinidade no segundo grau da linha
transversal (art. 122." § 2.')).

Da filiação ou communidade de sangue resulta


o parentesco por consanguinidade -relação exis-
tente entre as pessoas que proveem directamente
umas das outr:ls oii teem nm tronco comninni. É
legitimo ou illegitiiiio, segundo resulta da filiaçiio
legitima ou illegitiiria.
H a duas especies de parentesco por consangiii-
liidade :

a) em linhcc recta, comprehendendo a serie de


pessoas que descendem umas das outras.
Póde ser ascendente ou descendente, con-
forme se considera partindo do yriniogeni-
t,or para o que d'elle procede ou inversa-
mente (artt. 1973.' e 1975.").
XVI SYSTEMA DO COUIGO CIVIL

b) em linha transversal ou collateral, abrangendo


os parentes que, niio provindo uns dos oii-
tros, teem um auctor conimum (art. 1 974.').

O poder paternal suspende-se pela incapacidade


dos paes, jiidicialmente reconhecida, e pela siia
ausencia, nos termos do ai+. 82.' (art. 168.'), e
teruiina pela morte dos paes oii dos filhos e pela
emancipação ou maioridacle cl'estes (art. 170.').
Como iristitiiiçRo subsidiaria do podei. paternal
apparece L: tutela (art. 185.'), erri ciija organisação
o legislador distingiie entre os fillios legitimos e
perfilliados, espurios, expostos oii abandonados e
de pessoas miseraveis.
A tutela dos filhos legitimos coiiipije-se das se-
guintes entidades: tutor, protutor, ciirador, conselho
de faiiiilia e conselho de tutela (artt. 187.' e 226.').
O tutor taiito póde ser nomeado em testamento,
corrio em acto autheritico entre vivos (art. 193.").
Cllanxt-se, toclavia , testamenta~ia,n5o s6 porque a
noirienç2o se faz 01-rliiinri;iiiiente por testaniento,
nlas tairibern porque sG 1)i.oiliiz effeito por morte
dos pacs, eiribora feita em acto eiiti-c vivos.
h tiitelx legitima 6 deferida em virtude da dis-
posiçilo da lei, aos parentes dos fillios legitirnos,
qiii~ndoos paes não nomearam tutor ou este se es-
cusou, impossibilitoii oii morreu (art. 199.').
A tutela Ativa B deferida pelo conselho de fami-
lia e s6 tem logar n a falta de tut,or testamentario
oii legitimo (art. 202.").
P a r a os filhos perfilliados não lia a tutela legi-
tima (i~rt.278.9). Na tutela dos filhos espurios lia
tres entidades: o tutor, o juiz e o curador dos or-
pliãos (artt. 279." a 283.')). A tutela dos expostos
e abandonados e dos filhos de pessoas niiseraveis
k confiada ás iriiinicipalidu(les (Cocl. adni., art. 50."
n.' 25.' ; Cocl. civ., artt. 284." >t 293.").
O individiio, desde qiie liaja coiripletado os virite
e um annos, fica I ~ I R ~ Oe,F portanto, Iiabilitado para
dispor livremente de siiti I>essoii e bens (art. 31 1.').
Ao maior 6 coiiiplettiiiicrite eyiiiparndo o nierior que
tenlia sido emancil,ciclo (art. 303 ,O).

A eniancipaqgo pode dar-se :


(1) pclo c;is:~riieiito, devidarneite aiicto-
risudo pelos paes oii por qiierii os siibstitua,
aos dezoito :tiinos para o variio, e aos de-
zeseis para a niullier (art. 304.' n.' 1." e
306.") ;
6) por conc,ess30 do pae, da ni2e na falta
d'este e cio consellio de fi~niilialia, falta de
arnbos, aos dezoito itiiiios conipletos, tanto
par8 o homeni como para a mulher (artt.
304.' n." 2.' e 307.").
Os expostos e abandonados podem ser
DII~.,
3.a CAD. O
emancipa.dos aos quinze annos (art. 289.0),
e ficam eiiiancipados de direito aos dezoito
annos (art. 291."). i l emaiicipaç20 por con-
cessso dos paes oii de quem os represente
s6 pode fazer-se consentiriclo o menor (art.
307.") e, uma vez feita, iiao pode ser revo-
gada (art. 310.O).

6-Os mentecaptos -todos aquelles que, pelo


estado anormal de suas faculdades mentaes, se
mostrarem incapazes de g0verna.r suas pessoas e
bens, serno interdictos do exercicio dos seus direitos
(art. 314.').

A interdicçzo pode ser requerida :


a ) por qualquer parente successivel do
desassisado ;
b) pelo seu conjuge ;
c) pelo ministerio publico, na falta das
pessoas referidas, no caso de demencia
acompanliada de furor oii tendo o dessassi-
sado filhos menores, se aqiiellas pessoas a
n%orequerereiii (ai.tt. 315.' e 316.').
Decretada a interdicção, o jiiiz deferirá
a tutela a quem competir (artt. 31'7." e
320.').
Tambem os surdos mudos, que ato tive-
rem a capacidade necessnria para reger
SYSTEJIA L)O COL)IGO ClVIl, XIX

seus bens, serao interdictos do exercicio


dos seus clireitos rios Iiixiites da sua incapa-
cidade (artt. 337." c 338.").
Taiiibeni se baseia. na iiicapsicidade natu-
ral para acliriinistrar os bens a interdicçgo
por pi.odigalidade (ititt. 340.')).
Ao contrario das ii1cap:tcidades ilaturaes,
que siio de natureza permanente, as inca-
pacidades accidentaes simplesmente deter-
mina111 a 111~llidade do acto praticado durante
essa incapacidade (art. 351.').
A intei.tlicç%o civil em virtude de sen-
temia penal i150 existe hoje, tendo sido re-
vogados pela Nova Reforma Penal de 1884
os artt. 355.' a 3.58." do codigo civil.

11. -A) Direitos originarios 850 os que resiiltsm


da propria natureza do honiem e que a lei civil
reconhece e protege como fonte e origem de todos
os oiitros (art. 359."). Sso innlienaveis e s6 podem
ser limitados por lei foriii~de expressa, procluziiido
a sua violaçxo a. obrigaç50 de reparar a offensa,
(art. 368.7).

l+:stes (lireitos s:io :


1) O cli~.cifoI ~ P( J . ~ ~ s ~ P-
~ c que
~ c I compre-

lieiide 1120 sb i~ vida e integridade pessoal


do Iionieni, mas tambem o seu bom nome e
XX SYS'rElIA IjO CODIGO CIVIL

reputação, em que consiste a sua dignidade


nioral (art. 360.')).
2) O d i ~ e i t ode libe~dade- que consiste
no livri exercicio das faciildades physi-
cas e intellectnaes, e con~grehendeo pen-
sanieiito, a express5o e R acçRo (art.
361.").
3) O d i ~ e i t ode associaqfio - oii a facul-
dade de por em coirimum os meios ou es-
forços iiidivirluaes, para qiialqiier fim que
não prejiidiqne os direitos de outrem ou da
sociedade (art. 365.')).
4) O direito de c/prop~iciqEo- que é a fa-
culdade de adqiiirir tudo o qiie fdr condu-
cente & conservaç5o da esistencia, e LL inn-
niitenç50 e ao mclhorwmento da propria
condiç,?~(nrt. 366."). A lei civil si, reconhece
a qt"'ol)ri;iqk\ qci\~andofeita por titiilo o11
imodo legitinio (:ti.t. 366.' liinico), podendo
sei. ol~jectode apropririç5o todas as coiisafi,
qiie 1Goest:nio f61.~(10 coii~nicrcio, ~ ~ osua i'
ii;itiii.ez:\ ou 1'01- (lisposiç2o da lei (art. 372 .O).
Coiisidei.ad;zs ( l o ~ ~objecto
io dos direitos, as
coiipits sr?o de ~ l i v ~ i - Sespecies,
RS que fazerii
V Í I I ' ~ ~aL ~siia sitiia~ão
jiii.ic1ica.
O codigo define, rios artigos 370.' a 372.O,
os termos de tres classificações de cousas:
SYSTEMA DO C O D I W CIVIL XX I

n ) coi,sas no commercio e fóra do com-


n2ercio -(artt. 370.'-372.') ;
b) coiisas inlmoveis (por natureza, nie-
dialite a acqão do Iioiiietn ou por disposiçIo
da lei) e nloueis (artt. 373.'-376.") ;
c) cousas publicas, communs e particulares
(artt. 380.'-382.')).
-
5) O direiio cle deyfEsc6 que consiste n a
faciildacle de o11st;ir :i violayiio dos direitos
naturacs oii ad(liiiridos (art. 367.')).

A adqiiisiçao de ctireitos p o jacto


~ e vontade pro-
pria, indepcndei~temente da cooperaqfio de outrem,
realisa-se pela occiipação, posse, prescripção e tra-
balho.
1) Ucctsptc~fiod a apprehensáo d'ilriia cousa, que
niiiica teve cioiio, ou que foi abandonada ou per-

dida (art. 383.").

P6de recair sobre :


C:\Ç:L (artt. 384.'-394.") ;

ip e s c ; ~(artt. 3'35."-399.");
occ~iil~itç%o de aniinaes bravios que já
«) aiiiinaes 1 tivei.:im dono (:ii.tt. 400.'-403.') ;
occiil):ic,$io clte animaes domesticos abnn-
donados, perdidos ou extraviados (artt.
l 404."-410.").
XXIk SYBTEMA DO COblOO CIVIL

~coiisns inoveis abandonadas (artt.


411." e 412.");
cousas moveis perdidas (art t. 4 13."-

nirnadas. tliesoiiros e coudas escorididas (artt.


422."-427.");
embarcações e outro6 objectos nau-
\ fragados (mt. 428.").

"nguas (artt. 431.'-464.9;

I
C)
productos natu-
mineraes (artt,. 465.'-467.");
raes, cominilns
oii n t o apropria-
substaricias vegetaes, ayuaticas oii
dos. t,errestres (artt. 468.L473.O).

2) Posse Q a retençiio ou friiição de qualquer


cousa ou direito (art. 474.'). Os actos faciiltativos
ou de mera tolerancia não c~nst~itiiem posse (cit.
art. $ 1.').

A posse póde ser adquirida e exercida,


tanto ern proprio nome, conio eiii nome de
outrem, presuinindo-se, em caso de duvida,
que o possilidor possue eni proprio nome.
Tambem a lei estaabelece a yresiinipç80 de
que a posse contiiiúa em ilonie de qiieni a
começou (art. 48 1.O).
O possuidor em nome de outrem não
póde adquirir por preacripção (art. 510.").
SYSTEMA DO CODIQO CIVIL kXlt1

A posse, que se conserva emquanto dura


a retençgo oii fruiçno da coitsa ou direito,
ou a possibilidade de a continitar (art. 474.O,
5 2.9, póde, conio ineio adquirir, ser de boa
J2 ou de md fé: de boa fé aAqiieprocede de
titulo, ciijos virios não s8o conhecidos &
possuidor; de iiih ftl n que se dií na, hypo-
these inversa (artt. 4'75.' e 476.").
A posse presuiiie-se de'boa fé, emquanto
o contrario se nRo provar, salvo nos casos
eili qiie a, lei expressamente n:lo admittir
tal presunipç20 (art. 478.9).

3) Preswipqão é a acc~uisiçãode direitos pela


posse ou a e~t~incção de obi.igaçCies pelo facto de
não ser exigido o seu cilmpi-iinento durante uiii
certo lapso de tempo. No primeiro caso a prescri-
pçgo diz-se positiccc; no segundo chama-se negativa
(art. 505." 5 uri.).

Podem ser objecto de prescripç80 todns


as coiisas, direitos e obrigações que estRo
em comniercio, e que não forem exceptua-
das poi- lei (art. 506.").
A posse, para o effeito da prescripção
deve ser (artt. 517.0-523.0):
1 .O -titulada ;
2.'- de boa fd ;
U I V SYSTEMA DO CODIQO CIVIL

3.O- pacifica ;
4.O -continiia ;
5.' -publica.
Os tres ultiirios requisitos siio esseiiciaes.
Mas a falta dos dois priirieiros i~iiplicao
decurso de mais largos prasos para que
tenha log,zr a prescripç50, e quer se trate de
cousas nloveis, quer de iniilloveis (artt. 527.',
529.O, 532.", 533.').
Ao contrario da prescril>ção negativa,
em que, quanto á boa f4, se nttende ao riio-
niento eni que finda o tenipo da presci.ipçao
(RI-t.535.O), n a yrescripç,2o positiva L: boa
f6 s6 4 iiecess:~riano iriomento da adqiiisi-
$50 (ai?. 520.').
E t;iiiibeni l i a , presci-ipção negativn o f'a-
cto de o devedor se aclinr eni boa oii mA ftl
rleterniinn a1ter:~c;;"lonos 1)rasos.
Alern dos pi-nsos ortliiiarios (art. 533.'),
n lei estabelec~p i ~ ~ s es1)eci;ies
os para a pre-
scripç50 de cei.t;is obi-igi~ções(artt. 538.'-
543.'), resalvaiitlo-se, niiid:~, no art. 547.O,
outras presci*ip<;õesespecialriiente cstabele-
cidas por lei (vej. artt. 635." 668.", 1045.",
1201." n.' 2.", 1414.", 1490.", 1503.', 1522.",
1884.O, 1967.O, 2017.", etc.).

4) Trabalho é a applicação das proyrias faoul-


SYSTEMA DO CODlQO CIVIL XXV
- - - - -- --

dades e industria á prodricçlio, á transforniaçto e


ao comiiiercio de quaesqiier objectos (art. 567.').

O direito de trabalhar livremente s6 pbde


ser liiiiitado por lei expressa, ou pelos regu-
Iaiiiexitos aclniiniutrativos aiictorisados por
lei (nrt. 567." 5 tinico). Mas se qualquel*,
no exercicio do seu direito de trabalho e
industria, lesar os direitos de outrem, ser&
responsavel, na conforinidade das leis, pelos
dnmnos qiie caiisar (art. 568.').
O prodticto ou o valor do trabalho e in-
dustria licitos de qualqiier pessoa Q proprie-
dade sua, e rege-se pelas leis relativas á
propriedade em geral, nffo havendo exce-
p ç h expressa eiii contrario (art. 569.').
Objecto, enl parte, de leis especiaes, a
propriedade litteraria e artistica e dos in-
veiitos foi, no enitanto, regulada, com certa
Iarguesa, no codigo civil, occupando-se os
artigos 570.' a 612.' do traballio litteisario
em geral, dos direitos das aiictores drama-
ticos, da propriedade artistica, obrigações
c10 auctor e responsabilidade (10s contra-
factores ou usui.padores de propriedade litte-
raria oii artisticn, e os artt. 613." a 640."da
propriedade dos inventas, sua transrniss80,
i.es110nsabilidade dos conti~af;ictoi~es, etc.
DIB,3 . 8 CAD. D
XXVI SYSTEMA DO CODIQO CIVIL
-
B) -Dos direitos qz+ese adquirem por facto e von-
tade p1.0p~iae de outrem conjunctamente oc,ciiya-se o
codigo civil, no livro 11, t,ratando, em titulos separa-
dos, dos contractos e obrigações em geral (artt. 641.'-
1055.') e dos contractos em particular (artt. 1056."-
1722."). N'aqiielle procura-se definir e classificar os
coritractos, estabelecendo-se as condições da sua va-
lidade: e regiilaiiílo-se os seus effeitos e cumpriinento,
e a caiiç8o oii garantia dos contractos. Devemos,
todavia, observar que, ila resolução de cada hypo-
these particular, é necessario attender ás disposições
contidas no titulo 11 e referentes ao contrscto em
questiio, e só na falta de disposição particular recor-
reremos aos priiicipios geraes consignados no titulo I.

Contracto é o accordo, por que duas ou mais


pessoas transferem entre si alguni direito ou se
su-jeitnni a algiinia obrigaçiio (art. 641 .O).
Póde ser:

a ) unilateral ou gratuito, qwndo uma parte


promette e a outra xicceita;
11) bilateral oii oneroso, quando as partes trans-

ferem niutuanieiite alguns direitos e mil-


tuamente os acceitam (art. 642.').

Pa1.a qiie o contracto seja valido, 6 necessario


que n'elle se verifiquem as seguintes condições
(art. 643.') :

a) capacidade dos contrahentes; sendo habeis para


SYSTEMA DO CODIQO CIVIL XXVII

contractar todas as pessoas n%o exceptiia-


das pela lei (art. 644.O), e podendo os con-
tractos sei. feitos pelos outorgantes pessoal-
iiiente oii por interposta pessoa, devidamente
auctorisada (art. 645.");

b) mutuo consenso, que deve ser clarainerite ma-


nifestado, por palavra, por escieipto ou por
fz~ctoe d'onde clle riecessariaiiiente se de-
duza (artt. 647.' e 648.");

c) objectopossivsl,physica, elegalinente (art. 669.').


Os conti~actos, legalmente celebrados,
derein ser pontiialniente cuinpridos, não
podendo ser i.evog,zdos oii alterados senão
por iiiutiio consentiiriento dos contrahentes,
salvas as excepções especificadas ria lei
(nrt. 702.') e ficaiido o contraheiite, que
falta ao cuiriprimento do contracto, respon-
savel, em regra, pelos pi.ejnizos que causa
ao oiitro contrahente (art. 705.').
Os direitos e obrigações resultantes dos
contsactos pódeni ser transniittidos entre
vivos o11 por niorte, salvo se esses direitos
e obrigações forem piii.amente pessoaes,
por SLIR natureza, por effeito do contracto
oii por disposiçfo da lei (art. 703.").

Por diversos meios podem as partes assegurar


..
XKVIII BYSTEMA DO CODIGO CIVIL
-

o cumprimento das obrigações contrahidae. Esses


meios sBo :

a ) Fianga -garantia, por terceiro, do ciimpri-


mento das obrigações resultantes de um
contracto, no caso do seu n,2o pagamento
1'0' parte da, pesson afiançada (nrt. 818.').
Podem afiançar todos os qiie podem con-
tractar, excepto as iiiiil1iei.e~n5o conimer-
ciantes (art. 819.O), escepç5o que, por sua
vez, é lirriitnd:~pelo ai-t. 820.".
A fiit~içii,qiie i120 p0de exceder a divida
pi.incil)nl, iieni ser coiitrahida sob condições
mais orierosad (art. 823."), póde ser estipu-
lada entre o li:rdor e o crédor, ainda sem
conseritinierito do devedor, ou do primeiro
fiador, se ella se referir a este (art. 881.').
É niilln :L fi:in(,x qiie reeAe em obrigação que
nao seja vhlida, excepto se a nullidade da
obrigaçno proceder unicaniente de incapa-
cidade pessoal (artt. 822.O, 1535.' e 1536.').

h) P e n h o ~-garantia do cuniprimento da obri-


gaçRo do devedor, pela entrega ao credor
oii ;L qiie~ilO i.epiUescnte,de objecto move1
que llie sirva de segulxnça (art. 855.').
Podeiii ser dados eni penhor todos os
objectos inoveis que podeni ser alienados
SYSTEMA DO COBIGO CIVIL XXIX

(art. 856.'), podendo o penhor ser consti-


tuido pelo proprio devedor oii por terceiro,
ainda sem seli consentimento (art. 859.').
O contracto de penlic~rs6 póde prod~iziros
seus effeitos, eiitre : t s partes, pela entrega
da cousa eiiipenliacla, prcsuppondo a resti-
t u i ~ " ol'csta :I i.escis5o do direito ao rnesmo
penhor, se o credor n;io provar o contrario
(artt. 858.' e 871.").

c) Consignngdo de rendintentos -que se verifica


qiiando o devedor estipula o pagamento
successivo da divida e seus juros: oii s6 do
capital, ou s6 dos juros, pois meio da appli-
caça0 dos rendimentos de certos e determi-
nados bens immobiliarios (art. 873.').
Quando recair sobre bens imnioveia, s6
poderá ser celebi.ado por escriptiira piiblica,
e, para prodiizir effeito para com teiceiros,
deve ser devidamente registado (art. 875.").

d) P.r-ivilegios creditorios, isto 6 , a f:~ciildadeque n


lei concede a certos credores de sereni p ~ g o s
coni ~neferenciaR outros, independentemente
do registo dos seiis creditos (art. 878.").
11:~(luas especies de privilegias credito-
rios : iiio1)ili;ii~iose iiriniobiliarios, subdivi-
dindo-se os priineiros eiu especines, q u e
XXX SYSTEYA DO C O D I W CIVIL

abrangem s0 o r:tlor de certos e determi-


nados bens riiobiliai.ios, e geraes, que abran-
geni o valoi. de toclos os bens mobiliarios
do devedoi.. 0 s iii~imobiliariossão sempre
especiaes (art. 5 i9.').

e) Hfiothpca -direito concedido a certos credo-


res cle sei-eiii l)ag.os pelo valor de certos
bens iirimobi liarios do devedor, e com prefe-
reiicia a outros credores, achando-se os seus
creditos devidamente registados (art. 888.').
A I~ypotlieca, que s6 póde recaír em
beiis iiiiiiiobiliarios, que 1150 estejam fóra
do coniniei.cio (art. 889."), onera os bens
eni c l ~ ~ e r e c ae esujeita-os directa e irnine-
dia t:tiiiente ao cuinpi.imento das obrigações
a qile serve cle segurança, seja querri fôr o
l~ossuicloi.(10s I I I ~ S I X ~ Obens
S (art. 892.").
S6 ~)octeiiisthi.liypothecados (art. 890.'):
1) os bens iiiiiiioveis e os iriiniobilisados,
de que se f i i z nienç5o nos n." 1.' e 2.' do
artigo 375.' ;
2) o iisiifi.iicto dos rnesnios bens;
3) o tloriiiriio directo e o dominio iitil
iios bens eiii~)liytciiticos.
As Iiypothecas sRo legaes OLL voliintarias :
:is pririieii.as resultam inimediittanienbe da
lei, seni (lependencicz da vontade das par-
SYSTEMA DO CODIGO CIVIL XXXf

tes, e existem pelo facto de existir :L obriga-


ç b a que servem de segiii-ariqn ; a s segun-
das iiasceni de cuiiti.;t.cto oii de dinposiçfo
de iiltiiiia vontade (artt. 904.", 905." 910.')).

c f ) Registo -inscri1)ção dos respect,ivos direitos


nos livros da coiiscrvatoriri, para os tornar
coriliecidos de terceiro (artt. 949." e 950.')).
IGstiio siijeitos ao registo :
1) as hypot1iec;tu ;
' 1."aservidão e o coriipasciio;
2." o liso, a liabitaçzo c o iisii-
fructo ;
$.h emphyteuse e a sub-
eiiiphyteuse ;
4.' o censo e o quinliilo;
5." o dote;
16." arrendamento por mais
2) os onus
( de um anrio, havendo
i.e;ies.
/ adiantamento de renda,
e por mais de quatro,
não o liavendo ;
7." A consigiiiic;:lo cle rendi-
iricrit os para paganiento
tle (11i:~ntiadeterniinads
1 oii por cleterniinado nu-
1,niero de annos.
Vej. Codigo de Processo civil, artt. 881 .",
XXXII SYSTEMA DO CO1)lGO CIVIL
- - - -.-- - -

884." e 886." e Regulamento do registo


predial de 20 de janeiro de 1898, art. 89.".
3) as acçijes reaes sobre clesignados bens
iniinobiliarios, c qiitiesqiier oiitras que se
diiigeiii n 1i:ivei. o tloniinio oii a posse d'el-
les ; as acqOes ~sobi-eiiiilliclncle do registo
ou cio seri c:iiicelliiniento; e :is sentenças
pi.oferid;is e 1):issadas em jiilgado sobre
qii:ilqiiei. d1t1st:ls acções ;
4) as tr:iiisiiiissões de propriedade immo-
vel, por titulo grntiiito ou oneroso ;
5 ) 5~ posse, nos ternios (20 artigo 524.";
G ) a penliora em bens iiiimobiliarios.

Os effeitos do registo subsistem emquanto


este n:io í. cnriccllndo (art. 965.')). A falta
de registo dos titulos e direitos a elle sujei-
tos n%o iilipede cjrie sejam invocados em
juizo, entre as piol)iias partes ou seus her-
deiros oii repi.eseiit;intes ; mas, para com
tei.ceiros, os eitèitos de taes titulos ou direi-
tos s6 conieç:iiii desde o registo, excepto
quando se trate i10 ti.nnsmiss%o de proprie-
dade ininiovel indeterminada (art. 951.").

g) NulZidadc dos actos e contractos celebrados em


p~ejuizode te?*ceiro(art . 10 30.9 ).

Podem ser rescindidos a requei.imc!hto


SYSTEMA DO coníao avir, S X ~ I
.A-- - --

dos iiitcrcssados, t;tnto os actos e coiitra-


ctos verdi-ideii.os coiiio os siniiiladamente
celebi.i~(losl~eloscoriti-actantes coiii o fim
d e defraudar os direitos de terceiro; mas
ao passo que os actos e contractos simula-
dos -aqiielles eiii yiie as partes declarani
oii coiifcssaiii f;rlsniiicnte :tlgunia cousa,
qiie n:i. verdade se 1120 l~i~ssoii ou que entre
el1:is n,ão foi coi-irencioiiacla - podem ser
aiiniillaclos e resciiicli~iosa todo o tempo
(art. 1031 .O)), os actos e contractos verda-
deii*os,celebrados pelo tlevedor em prejuizo
do crédor, s6 1)odeiii ser rescindidos, a re-
qiiei.iiriento d'este, tr) se o credito fdr ante-
rior ao dito acto oii coiitracto e b) d'este
c o n t r ~ c t oresiiltnr a irisolvencia do devedor
(zirt. 1033.'). DA-se ;t insolvencia quando tt
soniniu dos bens e creditos do devedoi-,
estiiriados no jiisto valor, n,2o egualn a
somina das suas dividas (art. 1036.").

h) Evic~no,qne coi-isiste no facto de ser o indi-


vidiio, que adqiiiilii iinizi cousa por contra-
cto oiieroso, privado rl'e1l;i por terceiro, qiie
i~iesnia,tililia. direito. Aqiielle facto en-
volve 1,ni.iL o nllieador a, obrigaçfo d e inde-
mnizar o evicto (art. 1046.").
DIR.,3.8 CAD. E
XXXtV SI!BTEMA DO CODIUO CIVIL

A prestaçao clíi, e v i c ç ~ onAo tem, porém,


logar (art. I 05 1."):
1) se assini foi eutipulado oii se, sendo
advertido o adqiiirente do risco da evicçno,
o tomou sobre si ;
2) se, conhecendo o adquirente o direito
do evictor, dolosamente o tiver occultado
ao alheador ;
3) se a evicçffo proceder de causa poste-
rior ao act.o da transferencia, nAo imputa-
vel ao allie;idor, ou de facto do adquirente,
quer seja posterior, qiier anterior ao mesmo
acto ;
4) se o adqiiirente não tiver cliamado It
auctoritb o alheador.

O legislador porttigiiês regiiloii expressamente


quinze contractos. São os seguintes :

a) Casamento -- contrizcto perpetuo feito entre


duas pessoas de sexo differente, com o
f h de constituirem legitimamente a familia
(art. 1056.')).
Ha duas especies de casamento: o catho-
lico, para as pesso:is que professam a reli-
gigo catholica, e o civil, para todas as oiitras
(art. 1057.").
Mas, porque a lei declara que, para a
SYSTEMA DO C'ODIOO CIVIL XXXV

celebração do casamento civil, não possa


haver inquerito prévio Acerca da religião
dos contrahentes (art. 1081.O), nada obsta
a que os catholicos celebrem na presença
do offiçial do registo civil o contracto de
casaiilerito.
O ciisairiento cntholico e6 pbde ser anniil-
lado no juizo ecolesiastico, e rios casos
previstos nas leis da egreja, recebidas no
reino (art. 108G.O) ; a annullaç50 do casa-
mento, contraliido entre siibditos portu-
gueses, pela fbrma instituida na lei civil,
s6 póde ser proferida pelos tribunaes civis
(art. 1089.").
O casaniento, quanto ao regimen de bens,
p6de revestir q~iatsot,ypoa :
1) Cornrnlcnl~~r"~geral de bens, ou segundo
o costume do reino, consistindo na commu-
nhso, entre os conjiiges, de todos os seus
bens presentes e futuros, não exceptuados
na lei (pra.sos de livre nomeação; bens
doados ou legados com a condiç80 da in-
comniiiiiicabilidade ; bens herdados pelo
pae ou mãe viiivos, por moi.t,e de filho de
outro matrimonio, existindo irmãos germa-
nos do fillio fallecido; as duas terças partes
cios bens, qiie possuir o conjiige, qiie pas-
sar a seguiidas nupcias, ou dos que herdar
XXXVI SYSTEhIA 110COD100 CIVIL
--

de seus parentes, tendo, de anterior matri-


nionio, filhos o11 oiitros ascendentes ; vesti-
dos e roupas do uso pessoal dos esposos e
as joias esponsalicias dadas pelo esposo
antes do casanieiito) (artt. 109!3.0 e 1108.'
a 1124.')). A coirimunhão ac;lbs pela disso-
l u ç h do matrimonio ou pela separaçiio, em
conformidade da lei (art. 1121.').
2) Simples commz~nhãode adquifidos, em
que os bens, qiie cada uni dos conjuges
tiver ao tempo do casamento, ou depois
lioiiver por siicccss;io, por outro qiialquer
titulo gratuito o11 por direito proprio ante-
rior, serão considerados e regidos como o
são os bens proprios, quando 6 feito se-
gundo o costiime do reino (artt. 1100.' c
1130." a 1133."). A conimnnlião dos adqui-
ridos acaba, nos rnesmos casos, em que ter-
mina ;iconimiinhrio universal (art. 1132.7).
3) Xcl~irnç80 de bens, em que cada uni
clos cor!jiiges conserva o doniinio tle tiido
qi18nt~oIlie pertence, podendo dispdi dos
respectivos bcris livremente, quando a lei
de oilti';~fdrrll;~1120 disponlin (rirtt. l l O 1 . O
e 11 25." a 112!1."). A separaç8o de bens
acalm nos iiicsiiios c ~ s o s eiri
, qiie termina
a coinniiiriliRo geral de bens (artt. 1126." e
1132.").
SYSTEMA DO CODIQO CIVIL XXXVII

4) ~eyimenciotal (artt. 1102." e 1134."


a 1165.").
A niullier p6de dotar-se a si propria com
os seiis bens, oii sei. dotada por seus paes
ou por outrem, coriit;into que todos os
interessados iiitervenhnm, por si OU por
seus prociiradores, no mesmo contracto
(nrt. 1135."); podendo ser objecto de dote
t:~iito os bens niobiliarios, como os imino-
biliarios, e tarito os bens, qiie a mullier jB
possi~e,como os qiie de futuro venha a ad-
quirir por testamento oii por successào le-
gitima (art. 1136."). O dote estipiilado Q
devido com todos os seus rendimentos desde
a celebração do cnsaniento, se oilti-a cousa
n%otiver sido corivencionadn (art. 1144.").
A sooiedacte conjugal p6de ser interroni-
picl:~, ou pelo qire toca, hs pessoas e bens
dos (:orijiiges, oii s6 pelo qiie respeita aos
bens (;~rt.1203.'). No piqimeiro caso, p6de
ser causa legitima de separação a ) o adul-
terio c l ; ~ inulli~r,b) O adiilterio do marido
corri esci~ridalopiiblico oii completo des-
:iiii1>:~roda iriiillier, ou coin coiiciibina teúdn
e niniiteiícla tio domicilio conjugal, c) a s se-
vicias e injurias geraes ; no segi,ndo caso,
R ni& :~diiiiiiistr;içãodos bens pelo iiiarido,
de iiianeira a achar-se a mulher em perigo
XXXVIII SYSTEMA DO CODIUO CIVIL

manifesto de perder o que B seli (artt. 1204.O


e 1219.')).

b) Sociedade, contracto que se verifica quando um


individuo se associa com outro oii outros,
pondo em conimum todos ou parte dos seus
bens, a siia industria, simplesmente, ou os
seus bens e industria conjnnctamente, com
o fim de repartirem entre si os proveitos ou
perdas que possam resultar d'essn commu-
nlião (art. 1240.').
A sociedade póde existir por convençiio
expressa, ou por factos, de que se deduza ne-
cessariamente a siin existencia, (art. 1241.').
Póde ser :
1) Universal, abrangendo todos os bens
moveis e immoveis, presentes e futuros, ou
s6 os moveis, fructos e rendimentos dos
iinmoveis presentes e todos os bens que se
adquirirem de futuro (art. 1242.').
A sociedade universal de todos os bens
presentes e fritii~oss6 p6de constituir-se
por escriptiira publica (art. 1244.').
2) Y n ~ ~ t i c u l-
a r a qiie se limita a certos
e deterriiiriados bens, aos fructos e rendi-
iiientos cl'estes, ou a certa e determinada
iiidusti.i;t (art. 1249.'). Só por escriptura
publica pbcle ser constituida qualquer socie-
A COD~GOCIVIL
S ~ ~ T E MDO XXXIX

dade particular, em cujos haveres entre a


propriedade de alguni iinmovel (art. 1259.').
3) Familiar -a que se dá entre irniãos,
ou entre p:tes e filhos maiores (art. 1281.').
Póde ser expressa ou tacita, segundo re-
siilta de conven@o expmma ou do facto de
terem os interessados vivido, por Mais de
iirn anno, em communhfo de mesa e habi-
taçao, de rendimentos e despezas, de perdas
e ganlios (art. 1282.'). A sociedade familiar
abrange o uso, e ou rendimentos dos bens
dos socios, o prodiicto do seu trabalho e
industria, e os bens que os socios possuirem
indivisamente (art. 1284.').
4) Pa7-ceviu rural, abrangendo a parceria
agricola e n pecuaria, verificando-se aquella
quando alguma pessoa dá a outreni algum
predio rustico, para ser cultivado por quem
o recebe, mediante o pagamento de uma
quota de fructos, do modo que entre si ac-
cordarem ; e tendo logar a segunda quando
uma ou mais pessoas entregani a outra, ou
oiiti.ns, certos nnimaes ou certo ni1niei.o
d'elles, para os criarem, pensarem e vigia-
rem, com o ajuste de repartirem entre si os
bens futuros em certa proporção (artt. 1298.',
1299.' e 1304.".
c) Mandato ou y ~ ~ o c . u ~ . a d-
o ~contracto
ia pelo
qual uma pessoa se encarrega. de prestar
ou fazer nlgiiiiia. cousa, por mandado e eiri
nome de outiseiri (art, 1318.O).
PbJe ser verbal ou escripto e, n'este caso,
o documento, em que o mandante oii con-
stituiiite exprirrie o seu mandato, chama-se
prow~,(iq&~ O; - e póde sci. :
1) publica, se é feita por tabellião ou
pelo esci.ivão respectivo, sendo enarada eni
alguns autos ;
2) particzclar, se 4 escripta e assignada
pelo mandante, ou escripta por outrem e
assigntda gelo mandante e mais duas tes-
tciiiurilias (artt. 1319.' a 1321.').
Sgo liavidas por publicas a procuração
escripta e assignada pelo mandante, sendo
a letra e a assignatura reconliecidas por
tizbellino ; e a escripta por pessoa diversa
do mandante, mas assigriada por este e por
duas testeniiiiihas, se taes assigriaturas
forem feitas perante tabelliRo, que :issirn
o certifiqiie e reconlieça no pi.oprio tlocit-
mento (art. 1322.').
Qiianto ao seu objecto, a pi*oc.uraç:.Lo
1)óJe
ser (artt. 1323." 1325.'):
1)geral -a que represciita o mandato
para todos e quaesquer actos, sem os espe-
SYS'I'ICMB 1 ) o ('OlflGO CIVIL XLl
- -- - - - -- -- -

cificar, s6 poderido auctorisar actos de mera


iidministraçiio ;
2) Especial - a qiie representa o man-
dato para certos e determinados negocios.
O niaridato póde sei.~udicialou extrajudi-
cial, uegundo se ai~ctorixao n~andatarioa
proceder eni jiiizo oil fhra d'elle (art. 1354.').
P a r a O maiidato judicial, assii-ri como pari1
os actos que teeni de sealisar-se por modo
aii~licntico,ou p:ii.n ciijt~prova 6 exigido
docuiriento aiitheritico, é riecessaria procii-
i-açzo publica ; para os actos, cuja prova só
depende dc dociiiricnto particular, é siiffi-
ciente w 111-ocui.ar;;jopai.tjicului.; para quaes-
quer oiitios actos, é adi-riissivel a prova de
siiriples maiidato verbal (artt. 13.55.' e
1327.' >i 1529.')).
O riiiiildato presume-se gratuito, n%o
tendo sido estipulada reniuneraçiio, exce-
pto se o objecto do iriandato for d'aquelles,
qiie o 1n;iiidatario trata por officio ou fii.ofis-
sRo Iiicrativa (art. 1331 .O).

d) Presta,qXo de serviqos - que p6de revestir di-


versas fhrinas :

1) servi90 don~estico- o que 6 prestado


teiiiporariiiniente 21 qualquer individuo por
Dia., 3.. CAD. F
outro, qiie coni elle convive, mediante certa
retribuiç5o (art. 1370.9.
O contracto de prestação de serviço
domestico, qiie, salvas as disposições dos
artigos 1373." e segg., será regulado a apra-
ziniento das partes (art. 1372.3, quando
estipulado por toda a vida dos coiitralien-
tes, oti de algum d'elles, B i~illlo,e pbde a
todo o tempo ser rescindido por qiiatquer
d'elles (art. 137 1.").
O contracto de serviço de menores s6
póde ser celebrado coin as pessoas, a cujo
c;tlmgoelles estivereni, observando-se, no
caso de nilo ter o menor queni o represente,
o seguinte :
1) se o nienor não exceder dez annos de
idade, sendo do sexo masculino, e doze,
sendo do feminino, 86 poder& ser obrigado
o amo aos alimentos;
2) se excedes esta idade, vencer& tiido o
que fôr de costiiine ]):i, terra, relativan-iente
aos serviçaes da niesina. condição e idade
(artt. 1389." e 1390.9.

2) Serviqo salariado -o qiie presta qiial-


quer individuo a oiitro, dia por dia, oii hora
por hora, mediante certa retribuiçiio relativa
a cada dia oii a cada hora, que se chama
salario (art. 139 1.').
SYSTEMA DO C 0 i ) I G O CIVIL XI,llt

3) Empreitada - que se verifica quando


algiim o11 alguns individuos se encarregam
de fazer certa obra para outrem, com ma-
teriaes subriiinistrwdos, quer pelo dono d a
d a obra, quer pelo empreiteiro, niediante
certa retribuiç80 proporcionada 4 qiianti-
dade do trabalho executado (art. 1396.').

4) Servigos p~.estados nos ezercicios das


artes e pro$'ss0es liberaes (art. 1409.").

5 ) liecovagem, barcagem e alquilaria -


c o n t r a c t , ~por que qualquer ou quaesquer
pessoas se obrigani a ti.anspoi.tar, por
ag11,z ou por terra: quaesqiiei. pessoas ou
anini;ies, alfaias ou niei.cxdoi-ias de oiitrerii
(art. 1410.').
Este contracto sei4 regulado pelas leis
commerciaes e pelos regulanientos adnii-
nistrativos, se os condiictores tivereni con-
stituido alguma empreza ori companhia
regular e permanente. E m qualqiier outro
caso, observar-se-hão as regras gerries dos
contractos civis, coni as niodificaç6es de-
claradas n a Ici para aquelles contractos
(art. 1411.").

6) Albergaria oir pousada -que se dá


XLIV SYSl'fi:,YA DO CODIGO CIVIL
-.

qiiando algiiem pisesta a o~itrcnialbei-gue e


aliniento, oii só albergae, iriediante a retri-
buição ajustada ou do costume (art. 1419.").
Este contracto deduz-se de factos, sem
necessidade de estipulaçgo expi.cssn, quando
o que presta :~lberg~ie é albergueiro por
officio (art. 1 41 9." ~iiiiico).

7) Aprendizagem ou contracto de prestag?io


de sentiqo de ensino- o que se celebra entre
maiores, oii entre maiores e nie~ioresdevi-
damente aiictorisados, pelo qrial iiiria das
partes se obriga a ensinar d oiitra iinia in-
diistria ou iini officio (art. 1424.").
Nenhiiin aprendiz, antes dos qiiatorze
annos, p6de ser obrigado a txaballiar iii:iis
de nove lioras em cada virite e qii;ttro;
riem, aiites dos dezoito, rri:~is rle cloze
í;~i.t. 1427.'). Este coiitracto terniiiia por
iiiorte do iiiestie oii do apreiicliz oii por
clinmnniento c10 niestiSe oii do api-eiicliz ao
cleseinperilio tle scrviqo piiblico, iniposto
por lei, o iliinl seja incompativel com a
coiitiiiiin yso d i i ;i])reilílizngeni (art. 1430.").

8) Uel)osifo-- pelo qual algiiein se obriga


a g~inrt1:ii.e a i.(>stit~iir,
(parido Ilie seja exi-
gido, yiinlquer oI).jecto movel, que de outrem
receba (art. 1431.7,
SYSTEMA 1)O CODIGO CIVIL XLV
--

Este contracto B de siia natiireza gra-


tuito, o que não inipede, todavia, que o dc-
positante possa convencionar a prestnç5o
de qualquer gratificaç5o (art. 1432.").

e) Doaqão, contracto pelo qiial qiialqiier pessoa


transfere o oiiti.eiii gratiiitamerite iima parte
ou a tot:~liclade dos seus bens presentes
(art. 1452."). A doação riso p6cle abranger
bens fiitiiros, isto é, aqnelles beiis, qiie n l o
se :iclinin em poder do doado]., oii n que
este n,%o tem direito ao tempo (I:% donq:uto
(art. 1453.9).
A doaçzo póde ser (art. 1454.') :
1) pura -a meramente benefica e inde-
pendente de qiialquer concliq2o ;
2) cunclicional- a que depciicle de certo
cveiito ou circumstancin ;
3 ) onerosa - a qiie traz comsigo certos
encai-gos;
4 ) remuneratoria -a que 6 feita ein atten-
q?io a se~viçosrecebidos pelo doadoi., qiie
rião tenliam a nntiireza de divida exigivel.
Póde ser feita verbalriiente ou por escri-
pto, tendo, no primeiro caso, e quando a
cousa seja inobiliarin, de ser feita comi tradi-
q50 da cousa (mrt,. 1458.'). Das doações que
tiveirem de produzir os seus effeitos entre
XLVI SYSTLMA DO COD100 CIVIL

vivos e que são irrev~ga~veis desde que


forani acceitas, excepto nos casos decla-
rados na lei (art. 1456.'), distinguem-se
as doações que tiverem de produzir os
seus effeitos por morte do doador, as
quaes teem a nat~irezade disposição de
ultima vontade e ficam sujeitas fie regras
estabelecidas no titulo dos testamentos
(art. 1457.").

Emprestimo-cedencia gratiiita de qualquer


cousa, para que a pessoa a quem Q cedida
se sirva d'elln com a obrigaçno de a. res-
tituir em especie oii em cousa equivalente
(art. 1506.".
O emprestimo diz-se commodato, quando
versa sobre cousa que deve ser restituida
ria mesiiia especie; e mutuo, quando versa
sobre cousn que deva ser restitiiida por
outra do mesmo genero, qualidade e quan-
tidade (art,. 1507.'). É essencialniente gra-
tuito: qua,ndoretribuido, toiiia o comiiiodato
a natureza de aluguer e o inutuo a de usura
(art. 1508.").

g) Contr.nctos aleatorios -pelos qnctes uma pes-


s0:1 se obriga para com outra, ou ambas se
obrigam reciprocamente, a prestar ou fazer
B Y B T E I A DO CVDIGO CIVIL t LVII

certa coiisa, dado certo facto oii aconteci-


mento futuro i n m t o (art. 1537.7).
Póde revestir duas f6rnias :
1) Risco oii seguro, se a presta.ção B eni
todo o caso obrigatoria e certa para unia
das partes, e a outra s6 Q obrigada a pres-
tar 011 fazer algnma cousa erri retribuiçdo
(art. 1538.") ;
2) Jogo oii aposta, se a obrigação de
fazer ou prestar alguma cousa é coninium,
e deve necessariamente recaír em unia das
partes, conforme a alternativa do èvento
(art. 1539.O).
O contracto do jogo iião é perrnittido coiiio
meio de adquirir (art. 1541.').

I&) Compra e venda,- contracto em que uni dos


contralientes se obriga a entregar certa
cousa,, e o outro se obriga a pagar por ella
certo preço em dinheiro (nrt. 1544.7).
Se o preço da cousa consiste, pnrte em
dinlieiro, e pa,rte em oiitra cousa, o con-
trncto serct de veiida, quando a parte em
dinlieiro for a niaioi. das duas; será de troca
ou escanibo, quando essa parte em dinheiro
fôr a de nienor valor; e presiiniir-se-ha qiie
o contracto B de veiida quando os valores
das partes foretii eguaes (art. 1545.')).
Podem ser objecto de c0mpi.a e venda
todas as coiisas que estiio no commercio, e
n&o s8o exceptuadas por lei ou pelos regu-
lamentos administrativos (art. 1552.").
O contracto de compra e venda de bens
niobiliririos nRo depende de fornialidade
alguma especiiil (art. 1589."). 0 contracto
de compra e venda de bens iinmobiliarios
sei4 senipre reduzido a escripto :
1) se o valor dos ditos bens 1150 exceder
a ciiicoerita mil réis, poderlt :i venda ser
feita por escripto particular coni a assigna-
tura do vcridedor, o11 de outi.ein a seu rogo, .
n5o s;il)crido elle escrever, e de mais duas
testeniiiii1i;is qiie escrevani os seus nomes
por inteiro ;
2) se o dito valor *xceder a cincoenta
iiiil i-éie, a venda s6 poderti ser feita por es-

criptura p~iblica(art. 1590.").

i) Escarnbo oii troca -- coritracto por que se dsl


uma cousa por outra, ou uma especie de
nioeda por outra especie d'ella (art. 1592.')).

j) Locaqão-que se vei.ifica quando algiiem tres-


p:issa a outrem, por certo tenipo, e mediante
certa retribuiçso, o liso e fruição de certa
cousa (art. 1595.").
SYSTEMA DO CmIQ.0 CIVIL &Ix:

A locaçlo diz-se amdamento, quando


versa sobre cousa immovel ; aluguer, quando
versa sobre couaa move1 (art. 1596.'), não
fuilgivel, que esteja no commercio (art.
1633.')).
A fbrnia (10 arrendamento dos bens do
l'lstado, e de quaesqiier estabelecimentoi
piiblicos Q regulada pela legislação admi-
nistrativa (art. 1604.').

L) a u r a , que se dEt quando algnem cede a 011-

treni dinheiro, oii qualquer outro objecto


fiingivel, coiii obrigaçiio de restitiiir uma
somrrla equivalente ou iim objecto egual,
iiiediitnte certa retribuiçfio em dinheiro ou
eni clonsa de lliitra especie (art. 1636.").
Os contrahentes poderlio convencionar a
retribuiçiio que bein lhes parecer; e nos
casos em que tiver de fazer-se computação
ou calculo de juros, na falta de estipula-
ç,%o,serão estes calculadoa annualmente em
cinco por cento do capital (art. 1640.')).

Z) Renda ou censo consignativo -contracto pelo


qual uma pessoa presta 2% outra uma certa
soinma ou capital, para sempre, obrigan-
do-se aquelle que o recebe a pagar certo
interesse anniial, em geiieros ou em di-
DIR.,3.' CAD.
L SYSTEMA DO CODIQO C1VlL

iiheiro, consignando em alguns, certos e


determinados, immoveis, a obrigação de
satisfazer ao encargo (art. 1644.').
É: da natureza d'este coritracto a cessão
11erl)etiiado capital prestado; poréni a obri-
gt~qiiode pagar o interesse estipulado póde
ser ou perpetua ou temporaria (art. 1645.9.
O censo, ou perpetuo ou por mais de vinte
:[rinos, é distractavel rio fim d'este praso,
querendo o censuario, por meio de restitui-
ção da somma prestada (art. 1648.O).

m) Ernpl*azam~nto,r$wnmercto ou emphyteuse,
que se vei.ific:i ciiiando o proprietario de
c1iialqiier prcdio transfere o seli doniinio
iitil 1)ara ~iltritpessoa, obi-igando-se est:i
a 11;~gar-llie:~iiiiii~lmente certa pensãod ( 8 -

termiliada, a que se chama f ô ~ ooix ccinosz


(;irt. 1653.').
O coiitrncto de emphyteiise é perpetiio;
os contractos que forem celebrados c0111 o
nome e f'6r111:~( 1 ~ : eiiipli\.teiise, mas estipu-
1:~tlospor teiripo liiiiitntlo, serão tidos como
arreridairicritos c. choiiiotaes. regulados pela
Iegisl:iç2o rcsl)cc*tiv;~ (;ii.t. 1654.').
Sb podeiii sei. objecto de emprazamento,
em regra, os bens imnioveis alienaveis
(artt. 1664."~ l(iCi6.O): e, se se tratar de
SYSTEMA M) CODIOO CIVIL LI

predio iirbnno oii de ch8o para edificar, o


foro serA sempre a dinheiro (art. 1658.').

n) Censo reservatz'vo- contracto por que qual-


quer pessoa cede algum predio, com a sim-
ples reserva de certa pensão ou prestação
aniiud, que clcve ser paga pelos fructos e
reiicliirieiitos (10 iiicsnio predio (art. 1'706.").
O (:otlig-o caivil 1)rohibiii para o futuro os
ooiiti.:icbtos de ceiiso reservadivo, nittndando
(:oiisitlcr;~r como empliyteiiticos oe,cjue se
cstipiilitrem coin este iioine (art. 1707.O).
IIaverido duvida Acerca do contrncto, se B
ceiisitico oii se é ciiil)liyteutico, presumir-
se-ha que r5 ceiixitico, enrquanto não se
provar O contrario (art. 1709.')).

o) 'r?.ansug80-pela qiial os transigentes pre-


viriem ou terniinani uma contestação, ce-
dendo um d'elles, ou ambos, de parte das
siias pretenqões. ou prometteiido um ao
outro algiinia cousa eili troca do reconheci-
nieiito do direito coritest:tdo (art. 1710.').
i\ traris~tcç~o pcícle se,. .j~~c/iciul
ou êxtru-
judicicll, confornie n lwiitlencin se acliar, ou
n b , eni jiiieo (ait. 1 7 1 1.'). Esta s6 p6de
ser feita por escripto 1)articular, o11 publico,
ou em auto de conciliuçBo, mas, versando
sobre direito immobiliario, s6 p&de ser feita
por escriptura ou por auto de co~iciliação
(art. 1713."); nquella far-se-ha por escri-
ptiira publica junta aos autos, ou por termo
nos mesmos autos (art. 1713.=).

C) -No Liv. 3.' da Parte 2.a tracta O Codigo


dos direitos que se adquirem pml m e r ~ ~ f a cde
t o outvem
e dos que se adquirem por simples disposigão d a lei.
Esses direitos podem derivar da gestão de ne-
g o c i o ~ou da successão.

u) Gestiio de negocios -administrnçRo voluntaria


de negocios alheios sem auctoriaaç~ode
seu dono (art. 1723.').
O que se intromette nos negocios de ou-
trem recebe a designaçRo de gestor de ne-
gocio~;n pessoa a quem os negocios perten-
ceni (-. o proprietario ou dono dos negocios.
O gestor 6 responsnvel para com o pro-
prietario dos negocios e para com aquelles
coiii quem contractar eui nome d'elle
(;ii.t,. 1723.'). A ratificação d8 gestão pelo

1)i.opi.ietario produzirá os mesmos effeitos


q ~ i eproduziria o mandato expresso (art.
1726.").
Aql~elle que se intsometter na gestgo
de negocios, será obrigado a concluil-os,
SYSTEMA DO CODIGO CIVIL LI11

se o yroprietario nRo mandar o contrario


(art. 1733.").

b) Successcies. -A siiccessão, em sentido subje-


ctivo - direito que tem uma pessoa a rece-
ber os bens que ficaram de um defuncto,
coin seus encargos -oppõe-se a successão,
cm senticio objectivo, isto 6 , a universali-
dade oil niassa de taes bens. A esta corres-
ponde a, heranqa, que abrange todos os bens,
direitos e obrigações do aiictor d'ella, que
não forem meramente pessoaes, ou exce-
ptuaclos por disposição do dito auctor ou
da lei (art. 1737.").
Aquelle qiie succede na totalidade da he-
rança, ou em parte dlella, sem determinação
de valor oii de objecto, diz-se herdeiro;
aqiielle, em cujo favor o testador dispõe de
valor ou objecto determinados ou de certa
parte d'elles, diz-se legatario (art. 1736.').
A success5o pode ser:
1) testamenta7*ia, que tem logar quando
algueiii siiccede, por morte de outrem, eiri
todos oii eiii parte dos seus benn, por dis-
posiçgo cfe ultinitt vontade (art. 1735.'). O
acto pelo qual alguem dispoe, para depois
da sua morte, de todos ou de parte dos
proprios bens, chama-se tesimumto. O tes-
LIV SYSTEMA DO CODIGO CIVIL
-

taniento 6 acto pessoal, que niio póde ser


feito por procurador, nem deixar-se depen-
dente do ,arbitrio de outrem, quer pelo
que toca á instituiçgo de herdeiros e de
legatarios, quer pelo que respeita ao obje-
cto da Ilernric;:~.quer, finalmente, pelo que
pertcricc i1 o cumpriniento ou nRo cumpri-
ineiito tlo iiicsino testamento, podendo, toda-
via, o ~ c s ~ : L ( oomnietter
~oI' ;L terceiros a re-
parti~% da~ li(>~-ança,
qi~:iii(loiiistitiic certa
generalicliide tie pessoas (art. 1740.").
O testwirierito pbcle ser livreniente revo-
gado, iio todo oii eiri l ~ i ~ r tpelo
e , testador,
que 11:nío 116dc reiliinciui. este direito (art.
1'754.') ); iiins esta revog;iqh ssó 1)óde ser
feita ein outro testamento, çoni t i s solemni-
dndes legaes, ou por csc.i.iptiii.a yiiblicit, ou
pelo facto de haver o testador alienado,
antes da sua morte, os objectos testados
(art. 1755.").

Podem testar todos aquelles a quem a lei


ex1)ressamenEe o n%o prohibe (art. 1 7 63.").
Esta IxoliibiGko respeita (ait. 1764.") : ,
1."-aos que n t o estiverem em seu per-
feito jiiizo ;
2."-aos menores de quatorze nnnos, de
um e outro sexo,;
SYSTEMA DO CODIUO CIVIL LV

-
3." 6s religiosas professas, emquanto
se nno secularisaren~,ou as suas communi-
dacles não forem supprimidas.
Casos de incapacidade de testar, relativa,
verri indicados nos artigos 1764.9 iunico,
1766."-1769.", 1774." e 1775.0.

S6 podem adcl~iii-irpor test:tinento as


creat,uras esisterites, entre as quaes 6 con-
tado o embrino; reputando-se existente
o enibriAo, qiie nasce com vida e figura
Iiiiinana clentro de trezentos dias contados
desde n iriorte c10 tcstt~dor(art. 1776.').
Ser&, conitiido, vAlic1a L: dis~~osição a favor
dos nascitiiros, descendentes em primeiro
g r a de
~ certas e c1ctcriiiiii;lcl:~spessoas vivas
ao tempo da iriorte tlo tcut;tdor, posto que
o fiitiiro lierdeiro ou 1cg;it:irio venlia á luz
f6ra do prazo dos trezentos dias (art. 1777.').

As pessoas moraes podem succeder por


testamento, tanto a, titulo de hei*deiros,
conio de legatarios, A excepção clns coipo-
rações de iristitiliç50 ecclesinsti(.:~;cliie só
poderiio succeder at4 o valor do terço dn
terqa do test:~Oor(art. 1781.").
Sb 11odem adqiiirir por testamento, a. ti-
tulo de alimentos, ou por legacio e111 cliiiheiro
ou em outras cousas uiobiliarias, os religio-
LM SYBTEMA DO CODIGO CIVIL

aos professos, emqiianto se não secularisa-


rem ou a s suas coiiiiniiriidades não foreni
supprimidas (art. 1779."). Outras pessoas
h a qiie riao poderri aproveitar-se das dispo-
sições feitas em seu beneficio, conio, por
exemplo, os que houverem atteiitado coiitra
a vida do testador (artt. 1780.', 1782." e
1783.").

Yóde o testador siibstit,uir tima oii niais


pessoas ao herdeiro oii lierdeiros institui-
dos, ou aos legatarios, quando elles 1150
possairi oii 1120 queirarn acceitar a heranqa,
quando falleçani arites da edade, em qiie
podem testar, oii quando só devam gosar
r
os bens por siia vida. 1<:o que se cliariia
substit~~iqno.

O Codigo civil adniitte cinco especies de


siibstituição :
1) l~ulgnroii cEil.ectn, para o caso em que
os herdeiros ou legatarios niio possam ou
n,2o cyueirarri acceitar a Iieranya ou o le-
gado.
Esta siibstitiiiçiio expira, logo que a lie-
raiiqn seja aacceite (srt. 1858.' e unico).

2) P,cpEllal*, se o test~idornomeia quem


deve succeder ;tos fill~ose oiitros descen-
dentes, qiie estejnni sob o seu poder, e não
1iaj;~nide ficar, por s u a iiiorte, sob o poder
de outro ascendente, quando aqiielles ve-
nham a f;tllecer i~ritesde corril)let:~reniqiia-
torze aiinos de ed,ide: sem distincqão de
sexo (irt. 1859.').
A substituição pupillar fic:irá seni effeito,
logo que o substitiiido perf:tqa aqiiella edade
oii fillleça clcixaiirlo clesc.eiideiites siiccessi-
veis (nrt. 1860.0).

3) Qunsi-pl~pillnr,qiiese verifica nas mes-


nias coiidições (]:L wiitccedciite, ruas sern
distincç5o de edacle, no citso eni q11eo filhoou
oiiti-o desceiideiite seja clciiierite, comtanto
qiie a deiiiencia tcnlia sido jiidicialmente de-
claradik (wt. 1116 1.").
Erra siibstitiiiqXo f cii sem effeito se o de-
nieiite reciiperar o juizo (art. 1862.").

4) Reciproça, se OS coh~rdcirosoii legata-


rios por partes egunes forem siibstituidos
recil~t-ocaiiieiite.
Entende-se, n'este caso, que o foram na
mewiria prol~orção;e, se os chamados fl wub-
stit.uiç8o forern mais que os institiiidos, e
nada se declarar, entender-se-ha que foram
DJB.,3.9 C L D . B
substituidos em partes eguaes (art. 1865.'
e unico).

5j l+'idcicommissariaou~fideicomm&so,que é
a disposiçWo testnmentaria? pela qual algum
herdeiro ou legatario é encarregado de con-
servizr c transmittir por sua morte a um
terceiro ;L herança ou o legado (nrt. 1866.").
SHo tambem havidas por fideicommissa-
rias :
a) as disposições com prohibiçiio de alie-
li ar ;

P) as disposições, que cliamarem um ter-


ceiro ao qiie rcstar da, lierançsi, ou do legado,
por inorte do lierdeiro oil do legatario;
r) as ;lisl,osições, qiie i~iil~oseremao her-
deiro ou ao legatario o encargo de prestar
a ninis de uma pessoa, successivaniente,
certa reiicln ou pensão.
SRo proliibidas, para o futuro, as substi-
tiiições ficleicoinniissarias, escepto :
a) as feitas por pae ou inae nos bens dis-
po~iiveis,ein proveito dos netos nascidos ou
por ~n;~scer ;
P) as feitas eni favor dos descendentes,
em primeiro grau, tle irmSos do testador
(xrt. 1867.') ;
y) as prestações de qualquer quantia,
s Y s ~ ~ r DO
. 1 ~CODIGO CIVIL Llã
-

impostas aos herdeiros ou aos legatarios 'a


favor dos indigentes, para dote de rapari-
gas pobres, ou a favor de (lualqiicr estabe-
lecimento oii fundação de niera utilidade
publica (art. 1872.").

Mas a disposiçilo testnmentnria, qualquer


que seja n su:i iiatureza, n8o póde, em
regra, prejudicar os Iterdci~os legitinlarios,
isto 6, aquelles que teem tlireito a legitima.
Lcgitinza B a porção de bens, de que o
testador 1150 pócle diepôr, por ser applicada
pela lei aos lierdeiros eni linha recta ascen-
dente ou descendente (art. 1784.O).
Esta porçilo consiste, geralmente, nas
duas terças partes dos bens do testador
(artt. 17134." 5 i~nicoe 1786."); mas se o
testador s6 tiver, ao tenipo da siia morte,
outros ascendentes, que niio sejam pae ou
mãe, consistir8 a legitima d'elles em metade
dos bens da herança (art. 1787.O).
Os herdeiros legitimarios podem, toda-
via, ser privados pelo testador da siia legi-
tima, ou des1ierd;tdos nos casos eni que a
lei expressamente o perniitte (art. 1875.'),
s6 podendo, por&m,esea des1iei~ctac;ãoorde-
nar-se em testaniento c com expressa de-
claração da causa (art. 1880.O).
..
LX., SYSTICJIA DO COI>IGO CIVIL
-..- - -. .. -

O filho póde ser deslierdado por seus


paes (art. 1876.') :
1."- se, coiitra a pessoa d'elles, com-
metter delicto a que caiba pena superior á
de seis mêses de prisão;
2."- se, jiidicialmeiite, acciisar ou de-
, nunciar seus paes por delicto que n,?o seja
contra a pessoa d'elle, ou coiiti.a as de seus
coiijiiçes, ascendentes, desceiidentes ou ir-
1 1 1 ~ ;0 ~

3.' - se, sem justa causa, recusar a seus


paea os devidos alirnentos.
Os paes podem ser des2-lei-dadospelo filho,
qi~andocontra este praticarem algixm dos
factos mencionados no art, 1786.0, appli-
(;:indo aos paes o qixe alli se diz Acerca dos
fillios; e, beiii assim, o pae, se attentar
coiitra a vida da mãe ou esta, se attentar
coritra, a vida do pae, e não se hoiiverem
reconciliado (art. 18'78.').

O testador pbde nomear unia oix mais


pessoas que fiquem encarregadas de fazer
cumprir o seu testamento, no todo ou em
parte, e que siio denoiniiii:~d;istestamentei~os
(art. 1885.').
0 ehcai'go de testanienteiro 6 gratuito,
salvo se alguma retribuição Ilie foi assi-
SYSTEMA DO CODIGO CIVIL LXI

gnada pelo testador (art. 1892.'), e não se


transrriitte a herdeiros, nem póde ser dele-
gado (art. 1906."). Os testamenteiros tergo
na r~ttribiiiçõesque o testador Ihes conferir,
dentro dos limites da lei (art. 1894,").

Quanto ti fórma, o testamento póde ser


(art. 1910." :

cr) 2mblic0, quando é escripto por tabellião


iio seii livro de notas (art. 1911.O).
O testador, que quizer fazer testamento
por. esta fórma, tleclai.ai.lt :L siia iiltima von-
tade perante qiinlqiicr t;~l)elliRoc cinco tes-
teniunhas idoneas (art. 1912.7 ; mas, se o
testador iizo souber ou 1150yodér escrever,
devei%o assistir il (lis1)osiqRo seis testemu-
nhas, qut~lqiierdas quaes assignará a rogo
do mesmo testador (art. 1916.").

6) cerrado, quando é escripto e assignado


pelo testador, ou por outra peasoa a rogo do
testador e por este assignado (art. 1920.").
A pessoa, qiie assignar o testamento,
deve riibricar todas as folhas d'elle; e o
testador s6 póde deixar de assignal-o n t o
sabendo ou nlto poderido fktzel-o, o que no
mesino testament,~será declarado ($ unico
do art. 1920.')).
LKII SYSTEMA DO COUIQO CIVIL

Os que não sabem ou ngo podem ler são


inhabeis para dispdr em testamento cerrado
(art. 1923.')).
Para produzir effeitos precisa o testa-
mento cerrado de ser devidamente appro-
vado por tabellião, a quem o testador o
apresentará, perante cinco testemunlias,
declarando que elle contdm a sua ultima
vontade, lavrando o tabelliã~o competente
auto logo em seguida á assignatura do
mesmo testaniento (artt. 1921.O e 1922.").

c) militar, o que B feito por militares ou


empregados civis do exercito, em campanha
fóra do reino, oii ainda dentro do reino,
estando cercados em praqa fechada, ou re-
sidindo ein terra, cujas comniii~iicaçõesconi
outras estejam cortadas, se n'essa praça ou
terra não houver tabellião (art. 1944.').
O testamento niilitar ficará sem effeito
passado um m&sdepois do regresso dotes-
testador ao reino, ou de ter cessado o cerco,
oii a inconimtinicabilidade da terra onde o
mesmo testaniento foi feito (art. 1945."
,s 5.O).

O testamento niilitar p6de ser dictado


pelo testador, e escripto por outrem ; ou es-
cripto pelo proprio testador e por este apre-
SYSTEMA DO CODIQO CIVIL LXII~

sentado ao auditor ou a quem legalmente o


p6de substituir para este effeito (art. 1946."
§ 2.").

d ) maritimo, o que é feito no alto niar, a


bordo dos navios do Estado, por milita-
res ou eiripi*egadoscivis em serviço publico
(art. 1948.').
P6de este testamento ser escripto pelo
testador, ou por elle dictado ao escrivno de
bordo, na presença do commandnnte da
embarcaqão, e de testeniunhas idoneas. O
primeiro carece, porém, de ser devidamente
autlienticado, para produzir os seus effeitos
(artt. 1949." e 1951.").
O testa~nentomaritimo deve ser feito em
duplicado (art. 1952."), e s6 produzirá effeito
fallecendo o testador no mar, ou dentro de
uni mês, contado desde o desembarque
do dito testador em territorio português
(art. 1958.").

e) externo ou feito em pnfs estrangeiro, o


que é feito f6ra do reino, por portugueses
ou por estrangeiros.
Os testamentos feitos por portugueses
ein pais estrangeiro produziriio os seus
effeitos legaes no reino, sendo formulados
autlienticairiente, em conformidade da lei
do país onde foram celebrados (art. 1961.') ;
os testamentos feitos por siibdito não por-
tiiguês, fóra de Portugal, produzirão n'este
reino os seiis ef'feitos legaes, ainda com
relaçiio aos bciis ii'elle existentes, obser-
vando-se iio testainerito as disposições
da legislaç20 do país onde foram feitos
(art. 1965.").
Os consules oii vice-coilsules portiigue-
ses podei.ão servir de t;~belliães,na cele-
brac,%o e approvaçno dos testamentos dos
subditos portiigileses, conitanto que se con-
for~iiemconi a lei yoi~tuguesa,excepto no
qiie diz respeito ii riacionalidade das teste-
niunlias, qiie pcder50, n'este caso, ser es-
trangeiras (art. 1962.').

2 ) Successão legitima, que tem logar quando qual-


quer pessoa se finar, serri dispor de seus
bens, ou dispozer sb em parte, ou se, ha-
vendo disposto, o testameiito fôr annullado
ou caducar (art. 1968.").
Defere-se na ordem seguinte (art. 1969.'):
1.O -aos descendentes ;
8." -aos ascendentes, salvo o caso do
artigo 1236,';
3."-aos irmiios e seiis descendentes;
SYSTEIA DO CODIGO CIVIL LXV

4." -ao conjuge sobrevivo ;


5 .O -aos transversaes não comprehendi-
dos no n." 3.", at6 ao dec,imo grau;
6.' - -á fazenda nacional.

O parente niais proximo em grau ex-


cluirá o mais remoto, salvo o direito de re-
presentação nos casos em qiie este vigora
(nrt. 1970.')). DO-se o direito de represerita-
950 quando a lei charn:~certos parentes de
uma pessoa fallecida a succeder eiri todos
os direitos em que essa pessoa succederia, se
fosse viva (art. 1980.O). As pessoas iricapa-
zes de adquirir por testamento tambem
ngo podem adquirir por successiio legitima
(nrt. 1978.").
Os filhos legitimos e seus descendentes
succedeni aos paes e deniais ascendentes,
sem distincçâo de sexo nem de edade, posto
que procedam de casamentos diversos
(art. 1985.',); e para que os filhos illegiti-
mos succedani ab-intestato a seus paes devem
ser perfilhados ou recoiiliecidos legalmente
(art. 1989.").

A herança póde ser acceita pura e sim-


ples, ou sel-o L: berieficio de iriventario
(art. 2018."), sendo a acc:eitação da Iierança,
DIR.,3.. CLD. I
LXVI SYSTEMA DO CODIQO CIVIL

conio o repiidio? um acto inteiramente vo.


luntario e livre (art. 2021.'), e podendc
acceitar oii repudiar todos os que tem a livre
administração de seus bens (art. 2023.').

A acceitação póde ser (art. 202'7.'):

a) expressa, quando o herdeiro toina este


titulo ou qualidade em algum actu publico
ou privado.

b) tacitn, quando o herdeiro pratica a1-


gum facto, de que necessariamente se de-
diiz a iiiter1ç:nto de acceitar, oii de tal na-
tureza, que elle não poderia pratical-o
senão na qualidade de herdeiro.
Se o herdeiro fallecer sem acceitar ou
repudiar a Iierança: passará a seus her-
deiros o direito de acceitar ou repudiar
(art. 2032.').
O repudio deve ser feito por termo, assi-
gnado pelo repudittnte ou por seu procura-
dor, perante o juiz do logar da abertura d a
Iierança (art. 2034.').
Ningiieni póde, todavia, nem sequer por
coptracto antenupcial, renunciar á succes-
são de pessoa viva, ou alienar, ou obrigar
os direitos, qiie eventiialmente possa ter 4
siia herança (art. 2042.').
SYSTEBIA V 0 CODIGO CIVIL LXVII

Haverá sempre inventario, quando qual-


quer dos herdeiros fôr menor, interdicto,
ausente ou desconhecido (art. 2064."); entre
maiores, que tenham a livre administração
de sens bens, ou que não estejam compre-
Iiendidos n'aquelle artigo, s6 poderá, fazer-se
inventario judicial, sendo reqtierido por
alg~lrndos coherdeiros (art. 2065.').

Á pessoa, que B ericari.egada de arrolar


e dar A descripçzo e partilha os bens da
lieraiiça, dA-se o nome de cabeqa de casal
(art. 206 7.'), incunibindo tal encargo (art.
2068." e 2069."):
a ) ao conjuge sobrevivo, lios casamentos
por communhão, e, nos outros, tRo sómei~te
na parte em que elle p6de ter partilha;
b) na falta de conjuge sobrevivo e nos
casos em que elle niio póde ser cabeça de
casal, ao fillio ou coherdeiro qiie estivesse
vivendo com o fallccido, não seiido incapaz ;
c) se nenhum dos filhos ou herdeiros es-
tivesse vivendo com o fcillecido, ou se, pelo
contrario, estivessem t0(10s, ao filho varão
ou herdeiro mais velho, e, na falta d'estes,
ci irmã ou herdeira mais velha, não sendo
incapazes ;
d) se uma parte dos filhos ou coherdeiros
. i
LXVIII SYSTEMA DO CODIUO CIVIL

estivesse vivendo com o fnllecido e outra


não, áquelle #entre os primeiros a quem
fôr applicavel a disposição. da alinea ante-
cedente ;
e ) n5o havendo irmao oii irmã, ou co-
herdeiro maior, ou sendo todos incapazes,
servirá de cabeça, de casal o tutor.

Diz-se colla~ãoa restitiiiçao, que os her-


deiros legit,imarios, que pretendem entrar
na siiccessão, devem fazer á massa da he-
rança, dos valores que Ihes houverem sido
doados pelo auctor d'ella, para o calciilo da
terça e egiialaç50 da partilha (art. 2098.').
A collação podei.d escusar-se entre os her-
deiros legitininrios, se o doador houver
assim declarado, ou o donatario repudiar
R herança, salvo o direito de reducção, no

caso de inofficiosidade (art. 2099.').

11I. -A parte terceira do Codigo civil trata do


direito de propriedcldf~,c1 eterrniriando a, sua noçiio,
estabelecendo as differeiites classificações da pro-
priedade e decompondo-a nos seus elementos ou
direitos coi~stitutivos.
Propriedade ou direito de propriedade é a facul-
dade qiie o homem tem de applicar á conservação
da siia existencia e ao melhoramento d a sua con-
SYSTEMA DO COD1C.O C I V I L LXIX

dição tiido quanto para esse fiiii legitimamente


adquirili e de que, portanto, l)í,tle dispor livremente
(art. 2167.").
d propriedade 6 abso1nt;t ou resoliivel, singular
oii coinmiim, perfeita ou imperfeita (art. 2168.'):

o) ab,soluta, a que, pelo titulo da sua constitui-


(;%o,não póde ser revog-:ida senão por con-
sc>iitimentodo propriet;~rio,excepto no caso
de expropri~ç0opor utiliclade publica (art.
2 1 71.O). A proprieclade presiime-se abso-
Iiitii eiiiqiianto o contrario se não provar
(art. 2172.').

b) ~esoluvel,a que, pelo titulo da sua constituição,


estA sujeita a ser revogada independente-
iiierite da vontade do proprietario (art.
2171.').

c) singztl(w, a qiie pertence a, lima iinica pessoa


(nrt. 21 75.').

d) cotnmzcm, a que pertence a. clua,s ou mais pes-


soas simultaneamente (art, 2175.").
O uso e administr21ç;io tlii cousa ou do
direito comirium ser80 regiilados pelo que
fica disposto nos artigos 1249."e seguintes
(art. 2179."). Neritiiim coiiipropiietario será
LXX SYSTEMA DO CODIQO CLVIL

obrigado a permanecer na indivisão, e poderá


em todo o tempo requerer partilha, excepto:
1.O -nos casos de casamento ou socie-
t l i ~ ~ l eern
, conformidade das respectivas
disposições d'este codigo ;
2 . " se a coilsa oii o direito fôr de sua
natureza n%o-psrtivel (axt. 2 180.').
A divisão dos bens immobiliaiios 6 nulla,
não sendo feita em escriptiira ou auto pu-
blico (art. 21 84.").

e) perfeeitb, c2 que consiste na fruiçHo de todos os


direitos contidos no direito de propriedade
(art. 2187.").
Esses direitos são (art. 2169.'):

1 ) direito de Jhiqão, que abrange (art.


21 69.9 :
a) o direito de perceber todos os fructos
naturaes, indiistriaes ou civis da cousa
propria ;
(5) o direito de accessão.
Dá-se a accesaão quando, com a cousa
que 6 propriedade de algiieni, ou une e en-
corpora outra cousa que llie não pertencia.
Póde ser produzida pela acção da natureza
ou por industria do homem (art. 2389.').
Pertence ao dono da coiisa ou do predio
BYSTEMA DO CODIQO. CIVIL LXXI

tudo o que, por effeito d a natureza ou ca-


sualmente, accrescer 4 mesma cousn ou a o
niesmo predio (art. 2290.").
DA-se accessão industrial quando, por
facto do liomeni, se confundem objectos
pertencentes a diversos donos ; ou quando
um individixo applica o proprio trabalho n
materia que pertence a oiitrem, confundindo
o resiiltado d'esse trabalho, propriedade
siia, com R propriedade alheia.
Esta accessão p6de ser mobiliaria ou im-
niobiliaria, conforme a natureza dos obje-
ctos (art. 2'298.").
y) o direito de accesso ou transito.
Os proprietarios de terrenos entravados,
isto 6, que i1go tenham communicação al-
guma com as vias publicas, podem exigir
carninlio ou passagem pelos predios visi-
nhos, indemnissndo o prejuizo, que com esta
passagem venham a causar (art. 2309.").
Se fôr indispensavel, para reparar algum
edificio, levantai. andaimes, collocar alguns
objectos sobre predio allieio, ou fazer pas-
sar por elle os niateriaes para a obra, ser4
o dono do dito predio obrigado a consen-
til-o, cointanto que seja indemnisado d e
qualquer piejuizo, que d'ahi lhe provenha
(art. 2314.").
LXXII SYSTFAA DO CODIGO CIVIL

2 ) direito de transformaqiko, que abrailge


a faculdade de modificar ou alterar por
qnalquer maneira, em todo ou em parte, e
atd de destruir a siibstaricia da coiisa pro-
pria (art. 231 5:").

3 ) di~eitode exclusno e defesa, pelo qual


o proprietario tem o direito de gosar da
sua cousa com ~ X C I I I S de
~ O qualquer outra
pessoa, e de enipregar para esse fim todos
os meios que as leis rião vedam (art. 2339.").
Este direito abrange:
a) o direito de demarcação.
O proprietario, e bem assim qualqiier
usuf~iictuario ou possuidor em proprio
nome, tem o direito de obrigar os donos
dos predios confinantes a concorrerem para
a demarcação das respectivas extremas
.

entre o seu predio e os d'elles (art. 2340.').


Este direito 6 iinprescriptivel, salvo o di-
reito- de prescripção pelo que respeita á
propriedade (art,. 2345.').
P) o direito de tapagem.
Todo o proprietario pbde murar, vallar,
rodear de sebes a sua propriedade, ou ta-
pai-a de qualquer modo, conformando-se
com a disposição da lei (art. 2346.").
o direito de defesa.
SYSTEMA DO CODIQO CIVIL LxXm

Todo o proprietario tem o direito de de-


fender a, siin propriedade, repellindo a f o r p
pela forqa, ou recorrendo ás auctoridades
competentes (art. 2354.O).

4 ) direito de retribu@o e indemnizqtao,


pelo qual aquelle, cuja propriedade ou
ci~josdireitos forem violados ou usurpados,
será restituido e indemnizado, nos termos
declarados no Codig-o civil e no Codigo de
processo (art. 2356.").

5 ) direito cle alienag80, pelo qual o pro-


prietario póde alienar a sua propriedade,
por qiialquer dos modos por que esta póde
ser adquirida (art. 235 7.").
O direito de propriedade e cada um
dos direitos especiaes que esse direito
abrange, 1150 tcem outros limites senão
aqiielles que Ilies forem assignados pela
natureza das cousas, por vontade do pro-
prietario, ou por disposição expressa da lei
(art. 2170.").

f ) im.e~;jei~u,
a que c0nsist.e na friiiçlto de parte
dos direitos contidos no direito de proprie-
dade (art. 2187.O).
DIR.,3.8 CI.D.
L!X~V YYSTEMA DO CODIGO CIVIL

São propriedades imperfeitas as seguin- ,


tes (art. 2189.') :
1 .O -a emphyteuse e a sub-emphyteuse
(nrt. 1653.') ;
2.' -o censo (art. 1644.');
3 . O - 0 quinhão, que 6 o direito que
qualquer pessoa tem de receber uma quota
parte da renda de um predio indiviso, en-
cabeçado eni um dos comproprietarios do
mesmo predio e por elle possuido.
O comproprietario, em que o predio esth
encabeçado, tem o nonie de possei~o; os
outros comproprietarios o de puinhoeiros
(art. 2190." e $ 1.')).
4.' -o usufiucto, o uso e a hnbitaqão.
O usufructo B o direito de converter em
utilidade propria o uso ou producto de
coiisa alheia, niobiliaria ou iinmobiliaria
(art. 2197.')).
Póde ser constituido por acto entre vivos,
por ultima vontade o11 por disposiç8o da
lei (art. 2198." e condicional ou puramente
(art. 2200.')).
O direito de uso consiste na faculdade
concedida a alguina ou a algumas pessoas
de servir-se de certa cousa alheia, tão s6-
mente emqnanto o exigirem as suas iieces-
sidades pessoaes quotidianas (art. 2254.').
SYBTi3fA 1)0 CODIGO CIVLL LXXV

O direito de habitaçso (! o direito de uso


referido a casa de riiorada (§ unico do
;(ri. 2254.').
Os direitos de uso e liabitaçEo consti-
tiiein-se e extinguem-se pelos mrsnios rrio-
tios qiie o iisiifructo, c sEo egnnlinente re-
gu1:idos pc.10 seli titulo constitutivo, obser-
vaiiclo-se, lia sua falta ou deficiencia, as
disposiqões dos artigos 2356.' e segg. (art.
2255.9.
5." o compasczco, que consiste na com-
niuiili,2o de pastos de predios pertencentes
a diversos propi.iet:irios (art. 2262.").
Só póde ser constitiiido por concess80
expressa dos proprietrtrios,, resiiltante de
contracto ou de disposiçÃo de ultima von-
t;~tlc(art. 2264.') ; c s6 é permittido esta-
belecer tal direito sobre predios certos e
detei~miiiados, e por convençgo expressa
entre iridividuos tanibem certos e determi-
nados (art. 2265.').
6 .O - a servidão, encargo imposto em
cltlalyiler ~ r e d i o em
, proveito ou sei.viço de
oiif 1.0 1)1-'vlio1)ertciiceiite a dono difiereiite.
(_) pretlio sujeito A servid2o diz-se ser-
viente, e o qiie d'ella se iitilisa do,rril~tcnte
(art. 2267.').
As servid6eu, qiie aa"o insepttraveis doa
LXXVI SYSTEMA I>O CODICO CIVIL

predios, a que, activa ou ~)assivtimente,per-


tencem (art. 2268.'), podeiri ser :

a ) quanto ao seii exercicio:


1) contiu.zcas, aqiiellas cujo liso d ou póde
ser incessante, independeriteriiente de facto
do horrieni ;
2) descontinuns, :is que cleperidem de facto
do horrieni (art. 2 2 7 0 . 9 s 1.' c 2.").

b) quanto 4 siia fórma:


1) nppczrentes, as que se revelam por
obras on signaes exteriores ;
2) nr?o opparenies, ns qiie 1 6 0 apresen-
tem indicio algunl exterior (ast. 2270.'
$ 5 3 . O c 4.O)
c) quanto A sua origem:
1) convencionnes, as constituidas por facto
do hornem;
2) natuvaes, as que derivam da natiireza
das cousas;
3) legaes, as derivadas da lei (art. 2271 .O).

As servid0es continiias, apparentes, p6-


dem ser coristitiiidas por qualquer dos
modos de adqiiirir declarados no codigo
(art. 227'2.') e aiiida por destinação do pae
S Y 8 T E I A DO CODIQO CIVIL LXXVJI
-- .- -- - -

de fainilias (art. 2274.'); as servidões con-


tinuas, niio apparentes, e as descontiniias,
apparentes ou nao apparentes, tanibem ,

pbdem ser adquiridas por qualquer modo,


excepto por prescripção (art. 2273.").

As servidões acabam :
1) pela reunigo (10s doi^ preclios, dominante
e serviente, iio tloniinio da mesma pessoa ;
2) pelo nxo iiso, durante o tempo neces-
sario ~ ; L P S Lhaver prescripção ;
3) pela renuncia, oii aedencia do dono
do predio clominante (iirt. 2279.,).

I!. -Tiata. a parte qiiarta do Codigo civil da,


ofensa dos di~eitose da sua repav3aqão.

A) Da responsabilidade civil occiipa-se o livro I,


começando-se por declarar que todo aquelle, que
viola ou offende os direitos de outrem, constitue-se
na obrigação de indemnisar o lesado, por todos os
prejuizos que lhe caiisa (art. 2361.').
Os direitos pódeni ser offendidos por factos ou
por omiss5o de factos (art. 236%.'), factos oii ornia-
soes de factos qiie pódem prodiizir responsabilidade
criminal, oii ~implesmenteresponsabilidade civil,
ou tima e outra responsabilidade siniultanenmente
(:irt. 2363.').
DIB(3.0CAD.
LXXVII 1 SPSTEMA DO CODIOO ClVIL

A responsabilidade criminal consiste n a obriga-


qno, em qiie se constitue o auctor do facto ou da
omissão, de subrnetter-se a certas penas decretn-
das na lei, as qiiaes s , ? ~a reparação do danino
causado B sociedade n a ordem moral. A responsa-
hilidzde civil consiste n a obrigação, em que se
constitiie o auctoimdo facto ou da omissiio, de res-
tituir o lesado no estado anterior á lesão, e de sa-
tisfazer as perdas e daninos que lhe haja causttdo
(art. 2364.').
O direito de exigir reparação, bem como a obri-
gação de a prestar, transmitte-se com a herança,
escepto nos casos em que a lei expressamente de-
tei-inina o contrario (art. 2366.').

R) Prova 15 a demonstraça"~da verdade dos


factos allegados erri juizo (2404.").
A obrigação de provar incumbe Squelle que
allega o facto, excepto se tiver eni sei1 poder al-
guma presumpç80 de direito (art. 2405.").
Os ixnicos iueios de prova admit$tidospelo Codigo,
sao :

1) C'onjssão das partes -reconhecimento ex-


presso, que :L parte faz, do direito da parte
contraria oii da verdade do facto por esta
allegado (art,. 2408.').
RYS'IEMA DO CODIGO CIVIL LXXIX

Póde ser :
a) judicial, a que se faz em jiiizo compe-
tente, por termo nos autos, nos articulados,
ou eni depoimento pela propria parte, ou
por seu procurador com poderes especiaes
(art. 2410.').
P) extrajudicial, a que se faz por modo
diverso do que acabamos de indicar (art.
2414.").Póde ser authentica ou particular,
segundo se faz em escriptura ou auto pu-
blico ou verbalmente ou por escripto par-
ticular (art. 2415.').

2) T72sto~ioinse exames -meios de prova applica-


'
veis (i averiguação de fados que tenham
deixado vestigios, ou possani ser sujeitos a
inspecção ou exame ocular (art. 2418."). ,

A prova, que resultar da vistoria ou do


exame, ser& avaliada pelo julgador, con-
foriiie as circiimstancias ou demais provas
da causa (art. 2419.').

V) Prova doo~m,enttsl- a que resulta de docu-


niento escripto (art. 2420.7).
Os dociimentos para o effeito da prova
podem ser :
a ) azcthenticos, os exarados por official pit-
blico ou com a intervenção d'este exigida
por lei (art. 2432.").
LXXX S Y S T K I A DO COl>iGO CJ\'IL
--- - - - -- --- - -- - -.. -- --.
-.

são :
a) o$rciaes, os que foreni exarados ou
expedidos pelas repartições do estado, ca-
maras miinicipaes ou auctoridades eccle-
siasticas prepoetas á administração das
dioceses, e bem assim os actos judiciaes e
os documentos lançados nos registos de
todas as repartições publicas, quer extin-
ctas, quer existentes.
p) ertra-oflciaes, os instrumentos, actos
ou escripturas, exarados por officiaes pu-
b l i c o ~ou com sua intervenção, nos casos
em que por lei é exigida, e destinados á
verificação de c~ntract~os ou á conservação
ou 4 transn~issãode direitos (art. 2423.').
b) particulares, os escriptos ou assigiiados
por qualquer pessoa, sem intervenção cle
official publico (ttrt. 2431.').

4 ) Caso julgado, que 6 o facto ou o direito to].-


nado certo por sentença de que j B nso lia
recurso (art. 8502.').

5) Prova testcnzmhal- aiidiqRo c1e testeiiiuiilias


sobrc certos factos.
A prova, por testeiniirihas adiriittii--se-ha
eni todos os casos eni qne não seja expres-
sairiente defesa (art. 2506.').
SYSTEMA DO CODIOO CIVIL LXXXI

I? iriadrnissivel :
a) em contrario oii al6m do conteúdo de
documentos aiithenticos, excepto sendo ar-
giiidos de falsidade (art. 2507.O) ;
b) eni contrario ou a14m do conteíido de
escriptos particulares legalisados, nos ter-
nios dos artigos 2432.' c 2433.', excepto se
esses csci*iptos
,
forem arguidós de falsidade,
erro, d610 ou violericia (art. 2508.').

6 ) Pres7impgOes, que siio as consequencias ou il-


lações que a lei (presnnipções legaes) ou o
jiilgador (presumpqões judiciaes) deduz de
um facto coriliecido para firmar um facto
desconhecido (art. 2516.').
As presurripções legaes podem ser illida-
das por qualquer prova em contrario, ex-
cepto nos casos eni que a lei absolutamente
o proliibir (art. 2518.'): as primeiras di-
zem-se tantum juris, as segundas juks et
de jure.
As presiimpções, que não forem estabe-
lecidas por lei, dependem do prudente ar-
bitrio do julgador; nias s6 podem ser ad-
niittidas nos casos em que a prova teste-
munhal B de receber (nrt. 2519.').

7 ) Juramento. Não póde, como meio de prova,


LXXXII SYSTEMA DO CODIUO CIVIL

ser prestado por procurador, nem recaír


sobre factos que ngo toquem pessoalmente
á parte a quem Q deferido (art. 2520.").
Póde ser :
a) decisorio, o que uriia das partes defere
oii refere B outra, para decisiio do plcito ;
b) suppletorio, o que Q deferido pelo juiz
a alguma das partes, para complemento da
prova (art. 2522.").
DIREITO CIVIL PORTUGUOS
-
2.asérie
CAPITULO I V

Principios sobre a applicação e a interpretação


das leis (1)

1. - dpplicação e interpretação da lei.


A execuçilo das leis, na sua. adaptaç80 As diffe-
rentes relações sociaes, faz-se natural e exponta-
iieariiente eniqri;~ntose não levantam divergencias
ou questões clc interesses inconciliaveis. ,

Mas, como semelhantes qiiestões surgem todos


os dias, no commercio constante das relações so-
ciaes, foi necessario crear uni orgão especial (poder
judicial), encarregado de resolver as questões de
direito, declarando eni cada caso particiilar , con-
trovertido entre os interessados, qiial a lei appli-
cavel, e o sentido em que deve ser executada.

(1) Para n l o preterirmos materias cujo conhecimento,


ii'esta cadeira, 6 indispensavel, reproduziiiios, a titulo
provisorio, das liç0es do Sr. Dr. Tavares, o objecto dos
c;~pitulosiv e V. Este facto n%oimpede, poréni, n conti-
nuação tla publicação das nossas liçcSes, que fivarlo com-
pletas, na parte referente ao direito objectivo, no actual
anno lectivo.
..
P a r a isso Q necessiirio, pois, tornar as leis intel-
ligiveis, deterniinaiido o seu rigoroso sentido em
relaqao com os differerites factos da vida, humana,
que ellns devein regular.
Em siiiriiiin, B necessario interpretar as leis ; e a
SII;L interpret:i<;Ro L, pois, ;i prinieira condiqão iie-

cess:ii.i:~ p;riS;l que ellas possani ser rectariiente


applicnclus.

2. - Noçf o e rieee*widncle da interpretação das


leis.
A it~lerp-eta@odas leis define-se gerali-iieiite
coiiio seiido a reconstriicç~5odo peiisanieiito oii d a
voiititde do legislador (Savigny), oii niiidn, como o
coiiiplexo de meios ou processos empregados nessa
investigaç5o.
Mas como a iieaessidade de interpretar a s leis
se revela 1)riiicipiilrneiite 110 iiionierito da s u a appli-
caçso lios factos, outros a teem definido: a exacta
detewninugüo do sentido da lei, na sua a p ~ ~ l i c n ~aosão
factos.
Esta noçao parece-lios mais perfeita, porque
bein p6de a lei ser justamerite applicada a factos
que ntio estivesseiri na mente do legislador n;
moiiierito d : ~siia coilfecç80.
I? tiinibeiii :i, doritrina de Chironi e Abello, di-
zendo qiie o objecto e a essencia da iiiterj)ret;iç?io
n%o SG consistem na reconstrucção do pensamento
dp legislador, mas tambeni na declcrrnqfio do c o t ~ -
t&do do di?*eito, sendo por isso constituida pelo
complexo de investigaqões aptas a determinar exa-
ctamerite o significado da lei (I).
&Ias serai a iiiterpret:~ç%o riecessari;~para todas
as leih ?
T'ai.ec:e A grinieira ristii, qiie as leis formiiladi~s
com clareza e precisso niio carecem de ser iiiter-
pretadiis (2).
Mas é fiicil de ver que não 4 :issiiii.
I', pcl:i. iiitespretaç.io das leis ( ~ t i se
e (lct(~rnii~~arli
21s ~.el(cc;cSesqiie ell:~s regii1;iiii. ;L elctensito das nor-
iii:~s( ~ 1 contocni,
1 ~ e os cfcci/o. sua applicwção.
E coiiio a lei, emquitnto vi~oi-a,deve ap1)licar-se
sempre, o interprete tem de ;L estiidnr de modo a
torna-la adnptavel As diversas c*ircunstaricirise nio-

(L) Cliiroiii e Abello, pag. 56.


(2) E asuiin o nosso gi.:~iid~~ mcstrr Corllio da Rocha
(no 5 44), bein como Liz 'i'rixrii:t (no Curso de diveito
civil 1)»~tugtcez, png. 29) referiam a interpretas50 só ás
leis O ~ S C ~ L ~ 011 ~ s .O :~llctorisadoprofessor e
- I ~ Sr i ) ~ l l ) i , q ~ i ~13

civilistx italiano Chironi dizia, cin 1888, no volume I das


suas Istituziolri Ji diritto civile italiano: aQuando a lei 6
cl:ir;t a iritei.l)i*rtaç%onão 6 necessaris, mas a clareza 1180
deve [iinitur-se simplesmente á locuçiion.
Mas iiu iiioderno Y'raftato d i diritto civile italiano, de
Cliironi e Abello, pag. 5Ci, segiie-se a doutrina contraria
da neoessidade da interpreta~zopara todas as leis.
dalidades, eni que podem apresentar-se os factos
jiiridicos silbordinados ao seu regimeri, d'onde re-
sulta que leis apparentemente muito simples e cla-
ras se tornam a cada passo de difficil intelligencia
e applicação.
, ((De resto, diz bem uni illustre jurisconsulto, a

clareza ou obscuridade de uma lei ti sempre rela-


tiva, depende sempre do grau de intelligencia e da
maior ou menor illustraç%odo interprete ( I ) .

3. - Differentes especien d e iiiterpretaqiío.


A interpretação p6de considerar-se sob diversos
pontos de vista,: eni relaçiio B origem ou fonte de
que deriva: eni relação aos irieios oil processos de
investigayão ; e eni relação aos seus effeitos.
Sob o primeiro ponto de vista, a interpretaqão
8 puúlicc~e p i v a d a ou d o u t ~ i n a l :n prinieira é feita
pelo poclrr legislativo, e então chama-se legislativu
ou nuti~enticn,ou pelos tribunaes, e então chama-se
judicial; a segunda é feita pelos particulares, pro-
fessores, ac-tvog:~dos,escriptores, etc. (2).

(1) Dr. Vasconcellos Portocarrero, cit. 1)r~oxt<"icsde j w i s -


priirlenc;~,pag. 73. 30mesmo sentido Ilr. Teixrir;~d'Abreii,
Lig. cit., pag. 62. E j$ Ulpiano dizia: Q u a n l ~ i ssit rl~ul~i-
Praeforis, attamen non est ~z(>gZigenda
festissinzicr~~/';~lictu)l~
irtterpretntiu ejus.
(2) Alguns escriptores dividem a interpretap?io, sob este
Em relação aos meios de investigação distin-
gue-se a interpretação grammatical e a loyica, con-
forme se exerce apenas sobre as palavras ou ex-
pressbes da lei, ou se attende a outros eleinentos,
que podem concorrer para determinar o seritido da
lei.
E m relação aos seus effeitos, a interpretação
póde ser declarativa, extensiva, restrictiva, e corre-
ctiva ou modijcativa, conforirie o texto da lei ex-
prime o mesnro, ou mais o11 menos, ou nlgiima
cousa qualitativamente diverso do que o legislador
quiz dizer (I).
Mas e? claro que estas diversas especies sito ape-

ponto de vista, em authentica ou le@8btiva, e doutrÉna2,


siibdividindo esta em jv.dicial e privada - Dr. Vasconcel-
10s Portocarrero, ob. cit., pag. 73 e segg.
Outros, como Demolombe e Bianchi, dividem-na em
anthentica ou 2egislatiuu, judicial ou usuat, e p ~ i v a d aou
doutrinal.
Mas a classificaçLo do texto é a seguida pelos modernos
escriptores, e com razão, porque, tendo a interpretapito
dos tribunaes folga o6rigato~-ia,embora só em relaçto S
causa ou questao que por ella foi julgada, tem o caraeter
de interpretaplo publica, como a legislativa ou authentica.
Cfr. Dr. Teixeira d'Abreu, Lip. cit., pag. 62; Lacantinerie
e IIoucques-Fourcade, pag. 198 ; Chironi e Abello, pag. 36.
(I) Dr. Teixeira d'Abreii, pag. 70; e Chironi e Abello,
pag. 60, nota.
VQI DIREITO CIVIIA POILTUGtias

nas uma subdivisão da interpretação logica, porqiie


a grammatical s6 p6de ser declarativa, não podendo
alterar por si s6 o significado das palavras da lei.

4. - Interpretação pubiica e privada. Leis inter-


pretativas. A jurisprndencia dos tribunaes
e a doutrina
A interpretação authentica ou lcgislativa, con-
sistindo em uma lei, que tem por fim determinar
e fixar o sentido de uma lei anterior, 6 lima attri-
buição propria e exclusiva do poder legislativo.
Por isso a Carta Constitucional dispõe, no 6.O 5
do art. 15.' :
a f i da attribuiçgo das Côrtes fazer leis, interpre-
tal-as, suspendel-as e revogal-as. ))

Sendo assim, pódo parecer que este devia ser o


meio regular e ordiilario de interpretar as leis.
X:LS1150 6, nem póde ser, porqiie, sendo geral e
constaiitc ;L iiecessidade da interpretaçgo das leis,
a consequencia seria que o poder legislativo se
ericontrtiria a toda a liora na necessidade de func-
cionar, exclusivamente para fazer leis interpreta-
tivas.
Por isso OS escriptores s5o concordes na doutrina
de que s6 raras vezes, ou excepcionitlmente, se
deve recorrer á interpretac;;~ ailtlientica; isto deve
acontecer, quando sobre uma certa questão de di-
reito se nRo consegue obter nos tribunaes unifor-
niidaclc de iiiterpret;iq;io, oii cliiando n jurisl~ruden-
cia clos tribiiii:les se fiu:i, 1)or iiiiia fórma injusta ou
contrtiria ao verdaclciro sigiiiiicado ou conteúdo
da lei (1).
A lei iiiteipretativti, que constitue precisamente
a intei.l)ret:iç%o autlitiitica, coiifiinde-se, pois, com
a lei iriterl)ret;lcla, fOriri:irido coin esta a mesma
uiliclude de peiisaiiieiito.
I'oi. isso :\lgiiiis esc.i,il~roi.esiieg:liii ás leis inter-
1)ret:~tiv;icr o caractcr de I i ~ i , c. ciitre elles sobre-
saliiii I11t~rcadé, para qiic-iii a iiiterpi.ettiçr20, qual-
quer que seja L: forite de clnv tleriva, 6. sempre
docctl-inal, visto qiie iião coriteiii iieiii i i n i preceito,
iieiii uma yrohibic,.ão, iieiii urria j1~7-1r~iss80, qiie n5io
existisse já anteriorniente, fiiltaiitlo-llie assim o
otilracter essencial dc todas as leis, qiie é a
ordem (2).

(1) Alguns escriptores, poréiii, coino o Dr. Teixeira


d'Abreu, eiiteiideni que iitJstr iiltiino caso iilo se deve
fazer iiina. lei i~zte~~~~.statiua, ruas sim urna nova lei dbpo-
sitiiw, 1'oi.q11e o pi.iric.il~io (1;~ aepriraçlo organica dos pode-
rrs o i i i i i i i ~ ( ; G t l %soc.i:ic.s n%» periiiitte que o poder legiela-
tivo coiiti~:il)oiili,iiiiiia interpi.c.tag8o i ckitla pelo poder
jiitliciiil, que 6 seili duvida iiiais coiiil~etetitrp,ira u exer-
cicio d'esta fiincc;ão-Li$. cit. pag. !)(i.
(2) Marcadé, Idxplication theóriyziect pratique du Code
I , 41 e 42.
iVapolLo~~,
DIR, 3.0 ÇAD., 8.8 ~ L R I P . u
X l>IREITO CIVIL POPTUGU$S
- -- -.- .-.

Mas esta doutrina 1180 Q acceitavel, porque,


observa jiistainente o Sr. Dr. Teixeira d'Abreu, a
interpretação legislativa Q obl*igato?.iapara todos,
e na ordem de ser assim coinprehendida e obser-
vada a lei interpretada está o caracter da lei inter-
pretativa (1).
d distiiicç5o entre as leis interp~~etativas e dis-
positivas tem grande importancia, como já disse-
mos, porque, nos termos do artigo 8." do cocligo
civil, podem as primeiras ser applic,adas retro-
sctivainente, desde que não offendani direitos jA
adquiridos.
%, pois, necessnrio adoptar iiin criterio qualquer
para avei*iguar a. (:;~i.;irterdas leis novas.
E visto que n intei.l,retaçRo ailtl-ientica s6 exce-
pcionalmente deve fazer-se, sempise que o legis-
lador n,20 qualifiqiie de interpretativa a lei, deve
ella considerar-se como dispositiva, a iiiio ser que
se prove por tini modo certo e evidente que ella,
1120 tem outro objecto oii fim, se nao esclarecer
uma lei ailterior.
A interpretação judicial constitue o que se
char11;t ;t jurisprzbdencicr, dos tribunaes, :L q i i a l con-
siste propriamente nos casos julgados e nos con-
siderandos, ou fundameritos, que justificam os

(1) Sr. Dr. Teixeira d'Abreu, Lig., pag. 94.


despachos, as sentenças e os wccord5,os dos diffe-
rentes tribunaes, em que s5,ojulgados os referidos
CRSOS.

A jurisprudencia dos trib~inaes,sobretudo a dos


tribiiiiaes superiores, e especialmente a do Su-
premo Tribunal de Justigu, ciijn funcção caracte-
ristica, mas irrealizavel, E estabelecer a unyor-
midade dn jurisprudencia, tem unia grande ancto-
ridade, porque se impõe aos tribnriaes inferiores.
l'or sei1 lado, a interpretação privada, que se
encontra 110s livros e nas revistas de direito, nas
lições dos professores e nas consultas ou pareceres
dos advogados, consiituindo o que se chama a
doutq-ina, auxilia poderosamente a jurisprudencia,
fornecendo-lhe os mais variados elementos de in-
vestigaçiio e demonstração, para a verdadeira e
mais justa applicaçsio da lei aos factos purti-
culmres.

Sendo a vontade do legislador traduzida pelas


palavras da lei, póde parecer que o interprete s6
tcrri qrie examiliar o sentido dessas palavras, quando
teni cle applioar a lei 110s casos particularetl.
NSo G poréiii assiiii.
Acontece senipre qiic o legislndor, por niais ex-
perimeiitatlo, iiitclligcii tc e ininucioso que elle
..
seja, eni todo o deciii*so da e1;iboraqk ole qualquer
lei, rião consegue prever todos os factos póssiveis
no deserivolvirriento das i-claç8es socines e jiiridicas
q n e ~ r o c ~reglilar
~ r : ~ e garantir.
Esta iiisiiiliciencia das tiisposições legaes d ge-
ralniente inevitavel, ainíla niesmo qiie o systenia
legislati170 adopte o processo analytico, descrip-
tivo, niiiiii(:ioso ou casiiistico das velhas collecções.
Mas ell;~L!, sob o ponto de vista litteral, miiito
nitiior iios niodernos SS-steirias legislativos da co-
difio;iq:lo, orientados 1)rincipalniente pela reducç;"lo
a fbi.niulas geraes e simples dos ])i-iiic*i!)ios
positivos
clo direito.
C) conceito das fbrniirlas geraeu te111 o grande
merito de rediizii. o direito positivo a, fórmas sim-
ples, systernatisadas niini corpo organico de dori-
trina; liias tem militas vezes o iilconveniente de
riso inostrar, por iii~iairialieira espiaessa e visivel,
qiial deva ser :I regr:i, jiiridica up1)licavel a um
grande riumero de factos particulares e concretos
da vida real.
Dahi resiilta que se o interprete devesse ciri-
gir-se LLs disposiqões meramente litteraes da lei,
encontrar-se-liia a cada passo na inipussibilidade
dc applicar rectamente a vontade do legislador ás
necessiclades da vida ~)r(lt;cn.
Esta difficuldade d tanto niais grave e frequente
quanto 6 certo que, nao sendo geralmente o legis-
DIREI'I'O C I V I L P O P T U Q U ~ ~ S XIII
--- --

lddor o purista infallivel da lingiiageni, tendo


mesnio as palavras diversos sentidos, conforme a s
oircumstancias, acontece iniiitas vezes que, ou a
lei se :ipresenta iiiintelligivel, confusa, duvidosa ou
ambigiia,, pelo simples exanie das siias palavras,
ou o SCII verdadeiro e proprio sentido graminatical
ligo c.orrcspoiide ao peiisaniento nem A vontade do
legislaclor.
É: por isso q ~ i c:Lj11risl)rudenciade todos os povos
cultos acceit:~uiiariiirieniente o principio de que as
leis deveni entender-se pela sua raziio logica, tanto
pelo seu espirito corno pela sua lettra.
Foi rnariifestamente em obediencia a este prin-
cipio fiindarnental da interpreta950 das leis que o
aiictor do codigo civil redigiu o art. 16.' : P S e as
quedtões sobre direitos e obrigag3e.s nXo podérem ser
~~csolvz'das, nem pelo texto d a lei n e m pelo seu espi-
raito, nem pelos casos ci)itrlogos p~euenidos em outras
leis, s e ~ ã odecididas pelos principios de direito natu-
7 . ~ 1 , conforme as ci~cunstanciasdo caso. B

Vê-se que o art. 16.' compreliciide duas partes:


;L primeira cst:~belcce os elenieritos da lei a qiie o
jiiiz deve recorrer, pi1i.a :i interpretar e a1)plicar
ao ju1g:~rnento(1:~scliicstAe!: ; a scgiiiid:i dctern~ina
o direito a que olle deve recoiSrer1):ira a decisão
dos casos oiiiissos, isto d, dacliiclles casos que,
I ~ H O tendo sicio 111.evistos l)elo legislador, se n;Co
eiicontraiii regulados nas suas disposipões. É
XIV DIREITO CIVIL POHTUGUÊS

só da, primeira parte que tratamos neste para-


grapho.
Nos termos da primeira parte do art. 16.' são
dois os elementos a que o interprete tem de re-
correr para determinar o sentido da applicaçiio
da lei aos factos particiilares: o texto da lei e o seu
espirito.
O prinieiro elemento coiistitue a chamada &ter-
pretacão gl-nm?naticcll, que tem por fiin determinar
o sentido das leis pela investigação do sentido pre-
ciso dos terinos de tyiie o legislador se serviu, e
do valor que elle quie ligar ás suas expressões, se-
gundo as regras geraes da linguagem e as determi-
nações da sua vontade.
O art. 16." tio codigo civil indica em prinieiro
logar o texto da lei, porque sendo esta a expressão
directa do pensamento do legislador, é elle que
deve servir de principal norma ao juiz nos seus jul-
gamentos (1).
Mas como, por virtude de circurnstancias varias,
riiuitas vexes aountece não representar o texto da
lei o verdadeiro e exacto pen~ament~o do legis-
lador, convem que iiiesmo nos limites da inter-
preta~% grair~iliatical
~ o interprete se niio prenda
exclusivaniente ao simples sentido litterazl e etymo-

(1) Dr. Vasconcellos Portocarrero, Questaes de Jut-ia-


prudenciu theorica e pvatica, pag. 7 8 e 81.
logico das palavras, procurando em todo o caso
determinar o sentido que mais provavelinente llies
foi attribuido (1).
Sempre que seja insufficiente a. analyse gram-
matical, para deteriiiinar a regra juridica, qiie no
sentido da lei deve applicar-se, recorrerA o juiz
ou interprete ao seti espi~sito,isto 6, ao exame das
necessidades sociaes que o legislador se propoz
satisfazer (finz d n lei) e :to corijiiricto de razões que
levarani o legislador :L decretar a lei para realisar
aquelle fim (motivos da lei) (2). $l o qiic constitue

(1) Para este effeito ha varias regras, que Gianturco,


notavel jurisconsulto e eminente estadista italiano, for-
múla assim :
1. As palavras deveni entender-se na significapito que
tinham ao tempo da proini1lgac;Tio da lei.
2. As palavras devern entender-se ria sua geral connex80.
3. Deve-se attribuir ás palavras a significapão corres-
pondente ao uso linguistico technico juridico, e não a que
lhes é dada nas relações do coiumorcio quotidiano.
4. E m caso de duvida, as palavras devein ser tomadas
em toda a generalidade do principio - Lege non distin-
guente, nec nos distinguere debenaw.
5. As leis devem interpretar-se de modo que nada con-
tenham de superflao.
Gianturco, Sistema di diritto civile italiano, pag. 25 e 26.
(2) ($e esta B a significaçto das palavras -espirito d a
lei - dizem-no claramente os Estatutos da Universidade,
de 1772, liv. 11, tit. VI, cap. VI, 19, estabelecendo a
XVI DIREITO CIVIL POBTUBUÊS

a chamada interpretaqão logica, a qual procura


deterniinar o verdadeiro sentido da lei pelas
r e l q õ e s de coexisteiicia v iiitei-peiidencia entre as
suas differentes disposiçCes, e pelo fim e motivos
da lei.
A iiiterpretaqiio logiw í. ele diff'erentes especies,
conforiiie a s u ; diversa
~ f ' i i i i c ~ ; : o : d~clarotiva,
quando
se liniita a explicar e esclni.ecer palavras ou phra-
ses da lei, qiie são ainbiguas, inconipletas, ou
obsciiras ; c.rte?zsicn, quando amplia a disposição
da lei a relrtçc",esoii casos que, einborn se não con-
tenham expiessaniente n a sua letra, se comprehen-
dem logicnrnente no seu espirito - Ubi eadem est
rutd'u legis, eadern est ejus dispositio; restrictiva,
q~iandorediiz os casos compi.clicndidos n a gene-
ralidade dn letra d : ~lei sh Ac~iielles que logicu-
mente se podeiri ;idmittii rio seli espirito -
Cessante ratione leyis, cc2ssat ejus dispositio (1) ; e

orientaçlo que o professor deve dar ao ensino do direito


positivo: uDar-lhes-lia n coiiliecc~i.,q ~ i : ~6l, e em que con
siste, o. Verdadeiro E'spivito das Leis. . . Mostrando con-
sistir o dito EspzTito no complexo de todas as determinações
individuaes; de todas as circunstanoias especificas, ein que
o Legislador concebeu a Lei, e quiz que ella obrigasse; e
do fim, e da raz(io, que o moveram a estabelece-lau.
No mesmo aentido, Suvigny, Il'raité de droit rornain,
vol. 1 . O , pag. 221 e seg.
(I) Gianturco, obr. cit., pag. 28, estabelece as seguintes
modijkativa ou correctiva, quando altera a disposi-
Ç ~ d O a lei, por se reconhecer que nella hn erro oii

equivoco.
As qilatro funcções da interpretnc,:?~logica cor-
respondeni ás quatro especies de disposições da
lei, que precisam de ser iiiterpretadas; disposições
da lei, qiie precisniri de ser iiiterpretadas: disposi-
qões iniritelligiveis, obsciii-as o u :tmbigu:is ; dispo-
siqões riiiiito restrictas; disposic;Gi.s iiiiiito extensas ;
e disposiqõcs ec~iiivocixsnii erroneas.
IJni exeinplo r1e intci.1)i.etiy5o irieraiiicrit e decla-
rativa S a c10 art. 1867.", ~>arit se deterniiiinr se a s
siiiis excel~ções:ibi.arigeiri sí, OS fideicon~niissosdo
art. 1866.", ou se tiiiiibein os do art. 1871.".
Exeriiplo de iiiterl)ret:ic;2o extensiva rL do art.
1862.O, qiic por aii:ilogi:l tlo nrt. 1860.", e pelo
respeito do principio das legitiiiias, (leve iii~ipliar-se
ao caso de o demente deixar descendentes silcces-
siveis.

regras para a interpret:~(;lo restrirtiva. Ella póde ba-


sear-se: a) no argumento ud ubsl~rii~ern, quando a lei, en-
tendida seni restricçiies, implica i i i n ; ~ contrlitlic~ào; 6 ) na
consideraçào de que o d i r ~ i t o sirigi~lar estal)elerido em
favor de algiimas pessoas nRo 1)tidt: coiivertri. a r eiri seu
prejiiizo ; c) lia regra da qiit. os direitos singiilares e os
privilegios deverii entender-se tle niodo que se afastem o
menos .poseivel do direito comiiiiiiii.
Dra , 3 . a CAD., 2.a ~ L R I E . C
SVIII DIREITO CIVIL PORTUGU&S

Exemplo de interpretação restrictiva 6 a do


art. 1073.", n."".O e 3.", qiie abrange s6 os paren-
tes por consangiiinidade, embora a palavra parentes
comprehenda taniheni a affinit1:ide.
Exeniplos de interpretação modificativa são : a
do art. 72." onde a expressgo succeder-lhe deve
modificar-se suhstitiiindo-a por s~~ccede~*-lhes, por-
que se refere aos bens e di~eitos,de que fall:~o ar-
tigo, e não aos herdeiros do ausente; a do art. 1863.",
onde se 16 substituto, em vez de substituido; s do
art. 1149.", $ 1.", onde a p:~lavra inzvzobilia~*ios
deve substituir-se por nzobilin~ios,porque só assini
B coinpi.eheiisive1 a doutrina do referido 5 I.",
que s6 cl'este modo póde harnionisar-se com os
artt. 1148." e 1151.".
Note-se, porknl, qiie alguns jurisconsul tos con-
sideram estes exeniplos como sendo de interpreta-
declarativa, porque ii,?o adinitteiii a modifica-
tiva (1).

0. - Elementon tie interpretriçl?~logiea.


A interpretaçno logica 6 inspirada por dois
elementos: o histol-ico e o systenzatico. O primeiro
deterniina o alcance clunia. lci pelas relações exis-
tentes entre ellu e o direito que a precede11 oii se-

(1) Dr. Portocarrero, pag. 86 e 87.


DIREITO CIVIL PORTUOUI~S XIX

gniii, c pelas condições sociaes qiie pi-ovocaram :I


SIM elaboraqão; o segundo exerce a iiiesnia fim-

cç<?o pelo exame das relaqões de solidariedade e


dependencia que prendeni as diversas instituições
do direito, como corpo de doutrinas scientifica-
mente organisado.
O elemento h i s t ~ r i c orepresenta iim papel dos
mais importantes entre os diversos rrieios de inter-
pretar as leis, por isso mesmo que o direito, em
vez de ser lima creação arbitraria do legislador, t5
pelo contrario u m a resultante necessaria do con-
junto tlns necessidades e relações soci:tes que elle
é destinado a garantir e desenvolver. D'ahi a fun-
cq" eminentemente scientifica e pratica da historia
do direito, cujas instituições encadeadas por uma
successiva e natural evolilçRo s6 podem compre-
hender-se no seu organismo e funccionamento eiii
cada phase d a sua existericin pelas relaqões coni :is
anteriores e pelas condições socies eni que foram
elaboradas.
E assim, para a comprehensiio exacta (Ias leis
vigentes, B iridispensavel muitas vezes o cxanie
~ ; L suas
S fontes e dos seiis trabalhos preparatorios
(q~rojectos,relatorios, actas das commissões, e dis-
cuss6cu tanto purliiiiiciit~rescomo cxtrapsrlanien-
tares) (1).

(1) Sobre os traballios preparatorios das leis, como.ele-


..
R e l a t i v a m e n t e a o n o s s o codigo civil, p o u c o s
elementos n o s forncceni os t.rabalhos l)iseparato-
rios.
O codigo n5o foi preceditlo, c o m o é costiiine,
de relatorio o u exposiç:""io d o s iilotivos e fim da lei.
A s a c t a s da c o m m i s s ~ oi-evisor;~s:lo niuito resii-
m i d a s , Iiiiiitiiiido-se A iric1ic:iç~od a s p r o p o s t a s 3pi.c-
senta,d;rs pelos v o g a e s c sciitido tln siia vota.çSo.
A disciissSc) ~):ii.liiiiieiitwi.fi>i (1ii:~si niilla, coilio

mento liiutorico (1%interpretaçRo, foririúla Gianturco, obr.


cit., png. 27, as segiiiiitc.~regras:
a) As declarações da.; dii;is cnm;ii.as, qiie se completam
rec!iprocameiite, coiicorrriii siiniiltarie:iriieiite para a inter-
pretaqilo ;
h ) Prevalecem sobre as dec.ltlraçGrs que se refereni ao
conceito geral da lei, as que dizem respeito a um artigo
em especial, eiiibora contrariem as primeiras;
c) As declaruyZes do gorerno e das c=ommissões parla-
mentares teem iriaior iiiiportanc~ia que as de qualquer
membro do Parlameiito, :I nzo ser qiie delle tenha emanado
a proposta de acldiçbo, siihstitiiiç20 o11 contra-projecto;
d) A norina juridica contida no projt.oto tle lei e depois
supprimida nzo póde derivar-se por analogia das outras
disposições, a n3o ser qiie a siippi-essLo tenha sido inoti-
vada pela consitleraçRo de que a iiornia siipprirnida já
transpareci:~claramente das clisposisões approvadas, e de
que era preferivel deixal-a B interpretação dos juriscon-
oultos.
DIREITO CIVIL. ~~OICTUGUÊS XXI

A discuss20 extra-yarlaineiltnr é que nos fornece


a I g ~ r ~ s s ~ ~ b ~espalliados
i ~ i i o s , nos folhetos qiie foram
~>iiblicndos sob o projecto cio codigo (1).

( I ) Esses tralallios de polemica s l o :

Obse~.i)açiJessobre a 1." prtrte d o projecto do codigo civil


portztguez, por Alberto Aiitonio de Moraes Carvallio (1857);
Apostilla á censzt7.a do 81.. Alberto de Mornes Caro.nlho,
sobre a pl.imeira parte do projecto do Codiyo civil, por.
Antonio Luiz de Seabra (1858);
Respostu ri 1 . a npostilla do Sv. Antonio Luiz de Scaõra,
por A. Antoiiio de Moraes Carvallio (1868);
Apostilla n.O 2 ú censuro do S r . Alberto de Moraes
Caraaiho, por Antonio Liiiz de Seabra (1858);
Resposta á 2." upostilla do 87..Antonio Luix de Seabra,
por Alberto cle Moraes Carvalho (1850);
Apostilla n,.' 3 d censura do Xr. Alberto de Moraes
Carvalho, por Antoiiio Luiz de Seabra (1839);
~Vo?>caApostillu ú censuvcr do ST. Alberto de Morues
Curvalho, nobre o Projecto do Codigo civil l ~ o r t z ~ g z ~ por
ez,
Aiigusto Teixeira de Freit:is (1839);
Novissima apostilla em 9.espostn (í rliafriòe do S r . Au-
gusto Teixeira de fi-eitas, contra o Pvojecto do Codigo
civil yovtrtgzrez, por Aiitonio Liiiz de Seabra (1850);
Bcflexiies &obre os sete primeiros. titt~losdo livro ~rnicod a
parte do projecto d o Codign civil, do Sr. Antonio Luiz
de Seabra, por Vicente Ferrer Netto Pait-a (1839);
Resposta ~ í sveJEexÔes do S r . Dr. Vicente Ferrer Netto
XXII DIREITO CIVIL PORTUGUIES

#Oelemento system~tico,diz o Dr. Portocarrero,


attcnderido ao 1;lço intiino que une e relaciona as
institiiiq6es e regras do direito, e encarando a le-
gislaçRo na unidade syntheticn, procura determi-
nar o logar proprio da lei oii disposição de que se
tisacta, e as relações que a ligani á s outras do sys-
tema geral, afiin de investigar o pensamento do
legislador e descobrir o criterio que o dirigiu.,
Este cleinento funda-se no valor logico do con-
texto e dos logares y a ~ a ~ l l e l o( s1 ) .
O valor logico do contexto, que B formado pelas
relnçcies da disposiç5o que se deseja interpretar
com as epigraplics a que está siibordinnda e com
as oiitras disposições que a precedem e seguem,
resulta da linrrrioilia que em todas ellas se deve

Paiva, sobre os sete pvi~neiros titulos do Prcijecto do Codigo


civil portzcguez, por Antonio Luie de Seabra (1859);
Obseruacões sobre o I'rojecto do Codigo civil, pelo Dr.
Joaquim JosB Paes da Silva (1859) ;
Ilesposta do azcctor do Projecto do Codigo civil ás obser-
vações do D r . Joaplci~nJosé Paes d a Silva (1859);
Novas 06servaço"es sobre o Projecto do Codigo civil, pelo
Dr. Joaquim JosB Paes da Silva (1563);
ObservagOes sobre o Projecto do Codigo civil, pelo Di-.
Aiituiiio da Cunha Bandeira Pereira de Neiva (1860) ;
Rrevissiriius rejexões sobre o t d . 8 . O d o livro unico d a
1.' payte d o IJ~cLjecto,por Antonio Gil (1859).
(1) Dr. Portocarrero, obr. cit., pag. 95 e 96.
DIREITO CIVIT,PORTUGU~~S XXIII
--.- -

suppdr, por virtude da presiimida coherencia do


legislacior. E egual valor teem os logares parale-
los, qiie sRo as disposições legaes testiialmente
afastadas do qiie se pi-etende interpretar, mas tam
relacionadas entre si e com esta, que a iriterpi*ctnç;io
de uma, deve necessariamente influir na das outras.

7. - ProceíJsoíJ da lnterpretagão logica.


Da doutrina exposta resiilta que para bem de-
terminar o espii-ito da lei, tl: preciso niiiitas vezes
recorrer aos seguintes processos :
a) Compnrnr a lei com out~asdispnsii0es lrgislati-
vas, concebidas na n2esma ordenz de idcias; porque
as differentes disposições legaes, qiie tutelani uma
certa ordem de relações jiiridicas, quer a sua ma-
teria seja a mesma, qiier se-ja differente, nias ana-
Ioga, devem ser todas siihordinadas aos niesnioa
principias directivos, (pie s6 podem bem determi-
nar-se approxiinnndo-as tot1:i q, e comparando-as.
b) Determinar. cts suas f Úntes: se a lei reprodiiz
uni preceito de lei anterior, nacional oii extran-
geira, deve presumir-se qiie foi seu intuito conser-
var n nicsm;i, doiiti-ina; e se altera oii modifica
esse preceito 1,:~rcialmente~convein examinar os
c ~ n i n ~ e n t a r i ode
s que a lei referida foi objecto,
pois iiitiitas vezes acontece que as :tlteraçÕes feitas
se esplicani pelas criticas de que ella tinha sido
alvo, por ser dever do legislador evitar erros jLi,
conhecidos, ou melhorar disposições averbadas
justamente de incorrectas.
É por isso que o estil(lo conipiirailo do nosso
codigo com os codigos cstraiigeiros, qiie Ilie servi-
ram em grande parte tlc t;)iite proxiiiin, & tle uiii;~
grande iniportancii~l)r;íti(*;t,enibora por vezes in-
conscienterriente iii;ilsiii;itlo por qiieni 11%) sabe
conipreliender o v:~lord'rste iiieliridroso tri~ballio.
E: (leve tiar-se pref'erencia piii';~este estudo aos
coiiinieritadores, que o auctor da lei compulsou,
por ter siclo nhi que o sei1 espirito se orieiitoii
antes de pro(luzir a lei.
c) CYo?tst~ltt~7'
OS t~~crbaiitos p~epcr~*rrtoriosd a lei, y iie
são, p;~rit O codigo civil, os que acinia enuiiie-
rbnios.
Co111o os artigos do8 diversos prqjectos se nRo
ajusttani na siia niirricri~çBo aos do codigo civil,
para a determinaçgo dos lognres corresporideiltes,
póde consultar-se o livro do illustre Procurador
Regio junto da 12elaç5o do Porto, DI.. Ferreira,
Augiisto, intitiilado Sttbsidios para n boa interyre-
tcxqXo do Codigo Civil português.
d ) Apreciar as consec/uencias ~ ~ e s ~ i l t n ~de l t ecada
s
uma dcts interpretucCes ( L yzLe u ~*etlacgi?od a lei se
prestu, 1 ~ 1 ~ ~ f e ~ ian cqucí
l o j'ot* mais ctyuz'tativn; pois
riso podeiido auppòr-sc que o Iegis1,zdor preten-
desse afertsr-se das ideias rrioin:Les do scti tempo,
deve repellir-se toda a interpretaçiio qiie levar a
DIREITO CIVIL PORTUGU~S xxv

consequencias injustas, ou absurdas, desde que


outras sejam possiveis.
Taes sRo as regras fiitidainentaes, aconselhadas
por :tlgiins escriptores, para se poder determinar
o sentido cla lei, e R sua applicaçAo a cada um dos
casos particulares, que nella se coniprehendam (1).

8. - Processos ou argumento@espeeiaes e l a in-


terpretaçiio logiea.
A determinacão do espirito da lei obtem-se
muitas vezes por meio de processos especiaes de
liernierieutica, e qiie sRo : o argumento por analo-
gia, o argumento à fortiori, e o argumento rZ con-
trario sensu.
O argumento de analogia consiste em ampliar
uin preceito da lei a casos analogos aos qiie nella
forani previstos.
A rrnalogicc 6, corii effeito, um importante pro-
cesso de detliicç,?~logica, fiiiidi~clolia idciitit1:ide
ou paridade dc i,az;"io,ii;i Iioiiiogeiit~itladetliis ma-
terias, e na senielhanç:~cricleiite dos c:isos coiiipa-
rados. Na iriterpretaç3n jiiii(1ioa tem o seli fiinda-
rrieiito natural nas relaç6cs de caiisa ~ ~ I effeito,
Y I

existeiit,es entre o fini e motivos da lei e as suas


disposições.

(1) Raudi-y - Lacantinrrie, Précis de rl,.oit civil, I , 191;


Dr. Teixeira d'Abreu, pag. 66 e 617.
DIR, 3.. LAU., 2.. B~RIE. D
XXVI DIREITO CIVIL PORTU(;IU&O

A analogia é um processo muito efficaz, e per-


feitamente legitimo, da interpretaç30 juridica, por-
que se funda na presumpção, egiialrnente legitima,
de que o legislador, se tivesse previsto os casos
não expressos n a lei, os teria regulado pelas mes-
nias ou analogas disposições com que regulou os
casos identicos ou semelliantes.
M a s sendo assim, B claro que a argunientação
por analogia s6 p6de logicamente empregar-se
quando forem bem definidas as relações de seme-
Iliaiiça ou identidade entre os dois casos comparados.
12 lia entretanto casos em que a analogia nao
p6de empregar-se por virtude da propria lei logi-
canierite interpretada. Taes são :
a) A lei, que faz excepção ás regras geraes, não
póde ser applicadx a nenhuns casos, que não este-
jani especificados lia iiiesnia lei (cod. civ., art. 11.');
ò) Tainbeiii as tlisposições taxativas não podem
ser ampliadas pela analogia, nem por qualquer
oi~ti.omeio de iriterpretação, a casos não compre-
liendidos nellas ;
c) Tambem nHo p6de ampliar-se por arialogia a
disposiqão legal, 11;lscondições da aliiiea d) acima
referida eiii iiot:~,sobre as regrari da interpretaçzo
ftiiiditda no elemento historico dos trabalhos pre-
y:~ratorios (1).

(1) Dr. Portocarrero, pag. 102. Cfr. supra nota da


pag. 134.
DIREITO CIVIL PORTUOU~S XXVII

Mas, sendo, em geral, perfeitamente legitimo o


emprego da dediicç5lo logica das leis por meio d a
analogia, 4 comtudo necessario usar della coni todo
o rigor e precisão, isto 4, sómente nos casos em
que liaja verdadeira semelhança ou identidade
entre as duas especies coniparadas e que em am-
bas se verifique a mesnia raz:io de decidir. Coxrio
diz Coelho d a Roclia, ti necessai.io que n razão
seja precisaniente 8 mesma, ou a mesmissima, n a
phrase dc Correia 'i'elles, aliAs ser& arriscada a
interpretaçgo (1).
Conio se vê, o :~rg~imeiito da analogia faz parte
integrante dos elementos de interpretaçgo logica,
é do espirito da lei, e, por isso, é que n6s conside-
rámos a aiiologia consignada no art. 16.' como
fonte subsidiaria do direito.
D a niesina fórma entra~rina interpretação logica
os argumciltos afo?*tiorie a contrario sensu.
O argiiinento a fortiori tem o mesnio f ~ ~ n d a m e n t o
que a a92trlogin, e por isso está sujeito aos inesnios
priilcipios regiiladores do seu emprego. A cliffe-
rençu c1iti.e os dois está eni que na aaalogit6 se
deíiiiz por identidude, e no outro por maiol.2tr de
razao.
O argiiniciito cr ,fi)7ztiori. o 1 1 iii~giiiiit~iito
( 1 i)lnjori

--
(1) Cot;llio da Rocha, vol. I , p:ig. 2cj; Dr. Dias Fer-
reira, Codigo civil portuguez annotado, vol. V, pag. 233.
..
XXVIII DIREITO CIVIL POHTUGUÊS

ad nzinus, e n minori nd rnajus applica o preceito


duiria lei a casos, que ella não especifica, mas onde
se verificnin razões mais fortes p:lra os submetter
A niesnia disciplina, do que nus liyyotheses pre-
vistas na referida lei.
Assim, por exemplo, o art. 1867.' do codigo
civil l~roliibe a s siibst,itiiições fideiconimissarias,
excepto sendo feitas a favor dos netos, oii dos so-
brinhos, iillios de irriigos ; e no art. l871.', ri." 2.",
dispõe-se que serao liavidas por fideicornmissarias,
e coirio taes defêsas, as diiiposições, que chamarem
um terceil-o ao que restar cla lierançn oii do legado,
por paite do herdeiro oii do legatario : sem dizer
se est,:ts sei.50, o11 1150 válidas, quando aquelle
tercei7-o for neto oii sobrinho do testador.
Os que siistent:~iii a vnlidacle destas disposições,
;t favor dos riet,os ou cios sobrinhos, empregam o

argumento cl jòrtiori, tlizeiitlo qiie permittindo a lei


ao testador nome&-los fidciconimissarios de todos
os seus beiis, ;«o?- mnioritr t7e rciziio lhe deve per-
iriittir noiiieii-10s apeliw s fideiconiniissariofi de parte
desscs riiesiiios bens.
E o q11e vvi11g;~riiieritc:se eiiiincia iio adagio juri-
dico : quem po'dc o mais, p6de o ntenos.
O arguineiito CL conf~*cwioteiri logar quando uma
disposi@Io, regiiladora de certos factos, se apre-
senta com um caracter de .tal modo especial ou
excepcional, qiie logicainente póde concliiir-se ter
DIREITO CIVIL P O R T U O U I ~ ~ XXIX

o legislador sujeitado os casos nella nno compre-


hendidos a uma regra opposta o11 muito different,e,
por virtude das niaximas- Qui de uno dicit, de
altero negat -Inclusione unius fit exclusio alterius.
O ai-gumento a contrai-io carece, pordiii, de ser
empregado s6 com a maxima cautela e prudencia,
porque muitas vezes póde por si s6 levar a f a l ~ a s
e absurdas conclusões, senipre que n8o se attenda
coiii os outros eleinentos da interpretaçso ao ver-
dadeiro sentido da lei (1).

(I) Para evitar o perigo do argiimento a contravio sensu,


deve ter-se sempre em vista as seguintes regras, expostas
e demonstradas pelo notavel jurisconsulto Brocher :
a) E necessario que a disposição, em sentido contrario
d a qual pretendemos argumentar, seja de caracter verda-
deiramente excepcional por siia natureza, ou seja pelo
menos nina disposição especial que, sem constituir exce-
ppão a alguni principio geral, nem por ieso assente menos
sobre considerações unica e particularmelite applicaveis
aos casos que ella textualmente prevê;
b ) l? preciso que a disposipão de que se tracta, por mais
excepcional ou especial que pareça na forma, não derive,
d e facto, de um principio geral;
c) E preciso verificar-se, admittindo uma regra especial
para certos e determinados casos, o legislador teria real-
mente a intençzo de submetter os outros casos a uma
regra oppostci ou differente, e se em todo o caso essa regra
se encontra em qiialquer outra disposiç?io da lei e 6 di-
XXX . DIREITO CIVIL P O I I T U G ~ ~ S

Note-se por fim qiie sso todos os factores da in-


terpretaçso jiiridica empregados siniultaiieamente,
e não iiin por um, separadamente, que coiri niaior
probabilidade de certeza podem levar o espirito do
interprete B deteriniiiaç5o c10 exacto pensamento
do legislador e do verdadeiro sentido da lei.
Mas, entretanto, 6 certo tambem que o elemento
simplesmente graminatical, quando for claro e ex-
presso, póde prevalecer por si só, ainda que vá de
encontro Bs razões de conveniencia e ordem social,
que deviam inspirar o legislador.
Quando a lei 6 clara, não 6 permittido contra-
riar o seu texto invocando o seu espirito -Dura
lex, sed lex.
--
versa da que resultaria da simples applicação do argumento
a contrario;
d ) Embora este argiimento seja baseado no antagonismo
de fim e inotivos, que deve existir entre a disposiqào in-
vocada e a que [L contra&o desta se deduz, é comtudo
necessario que entre os respectivos casos -o regtilado e
o nfto previsto-haja alguma relação logica, de modo a
levar a crer que o legislador teria enunciado esses diver-
sos casos na mesma diposiçgo, se os quizesse sujeitar d
mesma regra.
Cfr Clitirles Rrocher, Études s i ~ rles principes générales
de Z'inter2we'tution des lois, pag. 111-133.
Para desenvolvimento completo dos principio5 e regras
da interpreta~aojuridicti, caoiii especial applicaçiio a aigu-
mas disposições do nosso codigo civil, deve ver-se o refe-
rido estudo do Dr. A. Portocarrero.
DIREITO CIVIL PORTUQUI~S XXH

9. - Regras particular- cle applicaqlío das leis.


Aldm dos principios geraes da npplicac,iio e in-
terpretaçgo das leis, é necessario ter em vista
certos preceitos especiaes forniula,dos no codigo
civil, que devem observar-se na determinaçik das
relações juridicas.
Esses preceitos, que se encontram consignados
nos artt. 7.O, 12.", 13.", 14." e 15.", reduzem-se a
tres principios ou maximas fundamentaes :
a ) o principio da egualdade da lei;
h) o principio da legitimidade dos meios indispen-
saveis para o exercicio dos direitos ; e
c) 9 principio da conciliação e harmonia dos di-
reitos e interesses oppostos.
A analyse d'estes principios, que faz objecto dos
tres paragraphos seguintes, B a que se encontra, e
foi feita pelo Sr. Dr. Teixeira d'Abreu, nas suas
lições de direito civil, para o curso do primeiro
anno em 1903.

10. - Principio da egualdade da lei.


Este principio é assim consignado no art. 7.':
a A lei civil B igual para todos, e niio faz distin-

cçgo de pessoas, nem de sexo, salvo nos casos que


forem especialmente declarados a .
Niio faz a lei civil distincçgo de pessoas nem de
sexo na determinação dos direitos de cada um, a
niio ser para devidamente proteger e amutelar os
XXXII DIREITO CIVIL PORTUGUBS

interesses dos m a i ~fracos, o11 para determinar a


cada um logar egual a todos os outros, que se en-
contram em situaçiio identica, mas diversa da que
na ordem juridica pertence e deve pertencer aos
que se encontram em situação differente. Estas
excepções são, em todo o caso, expressamente de-
claradas na lei; de ruodo que o juiz, ao resolver
os pleitos submettidos 4 sua decisão, ter6 de inves-
tigar primeiramente se algum dos litigantes, em
rasão da sua idade ou do sexo, está sujeito ou não
a quaesquer preceitos espeoines, que devam prevs-
lecer sobre o direito commiim.
Quando taes pi.eceitos não existam, a idade e o
sexo são condiç6es seni valor para collocarem em
situaçRo desegiial os litigantes.
JA n Ctxrt'a Constitucional dispunha, no § 12.'
do art. 145.",que aa lei será egual para todos, quer
proteja qrcer castigue, e recompensará e m proporçdo
dos merecimentos de cada umn; e no § 1.5.' do mee-
mo artigo, determina-se que aJicam abolidos todos
os yrivi/e.yios que n.Xo forem esselacial e inteiramente
ligados ctos cargos por utilidadepzlhlica~. Esta egual-
dade legal de todos os cidadãos portugueses, Q na
ordeni civil mais latitudinaria cio que na ordem
politica, gois a mullier, por exemplo, que politica-
mente B quasi incapaz, tem no cainpo do direito
privado uma sitiiação qiiasi eqilivalente 4 do ho-
meiii ; sendo desde muito profiados os exforços de
hlguns pensadores no sentido de se estabelecer a
perfeita egiialdatle civil do^ dois sexos:
Essa egiii~ltliide,I I O sentido de identidade de
direitos c obrigações, parece-nos irrealisavel, por
niio poder a lei apagar cliffereiiç;~~, que a natiireza
6stal)eleceii ; 111~s poderri c tlcveiii des;ipparecer da
nossa 1egisl;iq:lo alguns l~rcc.clitos inspirados por
iiirin I'tllsa e iiijiistificavel i i.;itliçRo.
N;?o se criteiidi~,1)oi'éi11.qiie a egualdade de
todos pei.niite ;i lei ci\ il. voiisignada iio art. '7.' do
respectivo cociigo, sigriilic;~trile todos os cidadãos,
qiialqiicr cliic sqja a hiiiiii(;:i~)de ,facto em que se
encoritrei-ii, gosttiii cle egilaes f;~c.illtl;icles; pois B já
ailtig-n e brliii coriliecida a n i i i s i i i i : ~tlc. quc1 0 verda-
d e k a eyualdade consiste e m tr.ntuv dcseyualmente as
pessoas co2locadas e912 condic;Ges deseguaes.
A egualclade estabelecida iin lei d sbniente para
a nicsnin ordeiii dc factos, de modo que rião haja
possibilidade d e applicaç5o divergente d a lei a
pessoas eiri identica situaqao de facto. Por outras
palavras poderiamos eiiiiiiciar o mesmo priiicipio,
dizendo que a lei disciplina e rege os factos, sein-
pre pela rriesriia fhririw, qiial(~iierqixe seja a pessoa
a queni ellcs possa111 iritel.esear - salvo iios caso8
especialiriente except~iatloscl'esta 1.cgi.a pela mes-
ma lei.
S6 assim póde e deve entender-se o art. 7." do
aodigo civil.
Dia ,3."~n, 2.. ~~RII:.
11. - Priiicipioda legitimidade dos meios jnri-
dicos indispensaveis.

Este principio (I: constituido pelas duas regras


conuigri:iclas rios artt. 12.' e 13.':
a Tod;i a Ici, qiic i.econliec*enni direito, legitíma

os nieios inc1ispeiis;tveis I)ar:t o sei1 exercicio. B


(Quem, ein conforiiiiclade coni a lei, exerce o
p o p r i o direito, n:o resporicle pelos prejiiizos que
possam resultar d'esse mesmo excrcicio. D
A regra enunciacl:~no art. 12." teni sido o11ser-
vada desde o tenipo (10s roiiinnos; e Coellio da,
Rocha, ciiiinierantlo-n eiitre as coritli(;ões do elrerci-
cio dos clireitos, fiitid>iriienta-< e111 (Xois textos do
Digesto (1).
Foi segiiramente A obra d'este insigne juriscon-
sulto qiie o : L U C ~ Odo~ codigo a foi beber, para a

legislar clepois, reconliecendo assini o gr:incle f'iindo


de justiça, qiie ;L rnesi11;l encerra.
Na verdade, tão clara e palpavel 6 a razgo de
ta1 preceito, que irlittil se torna alargni. a sua ex-
plicac,;2o; pois o clii.eito wria coiisa iriutil se a lei
negasse os iiicios do sei1 exerc~icio:to respectivo
titular.
De nzeios inclis11enscil;ci.s falla, poi.&ni,o codigo ;
e por isso, não póde o sujeito do direito, na falta

(1) Coelho da Rocha, obr. cit., 5 49;.


D I ~ E I T OCIVIL PORTUOU$S xxxv

de indicação, geral ou esl)ccinl, dos irieios para. o


seu exercicio, iisar iii(liff'ereritenierited'aquelles que
mais agradnveis lhe foreiii, pois ;L lei s6 legitima
os indispensaveis.
Assiiri, por exemplo, o 2ii.r. 480." (10 codigo civil
recorihece ao possuidor, qiie fôr perturbado ou es-
biillrado da sua posse, o direito de se niariter ou
restituir por sua propria fOrç;i e auctoridade, com-
tanto que o faça eni act,o ~onsecutivo;mas n=&o
define eni parte alguriia qiiaes os meios, pelos
qiincs pódc exercer este direito.

Poder& elle, acaso, iisai- de cluaesqiler rneios de


forca para se manter oii i.estitiiir A siin posse?
Seguramente nzo: a lei s0 legitíiii~ios,factos in-
disl~ensc~veis,
ou seja na hypothese, o emprego da
forqa sbiiiente nos liiiiites em que ella se torna.
precisa para os indicados fins ; sendo illegal, e até
crimirioso, o liso de violencias desnecessarins por
parte do possuidor.
Por esta fórnia, se uni indivíduo entra no yredio,
que eri possuo, dizendo-se dono d'elle, e :~l)ropriaii-
do-se de certos fructos, eu posso usar da força
pura o impedir de levar esses fructos, e atd para o
collocar f6ra do predio. Mas se, e111 vez de assim
exercer o meu direito, eu empunhasse iiin revol-
ver, e Ilie vasasse ;L (~a\)e(;aC G uma ~ bala, o meu
acto niio seria. legitiiiio, 1)orcjiie o meio de que usei
..
XXXVI ~ i ~ e i CIVIL
~ro POH'L'UGU~~S

niLo era indispe~~snvel


para o exercicio do iiieu di-
reito.
Qiiando, poréiri, i i i r i iiidividiio, arniado c vio-
lento, cresce sobre niini l5ar:l iiic tirar pela força
o oljjccto, ryiie eu possuo, e eii só posso evitar este
esbiillio iisniiclo egualiiieiite tie violeiici:i, esta,
sendo eiitao ~ n e i oindisy~l~!lsnvol p:ir;~O c~xerciciodo
nieii clii-eito, í. perfeitiinieiitca legitiirin.
O iiicsiiio podianio,i dizer para, as liypotlieses
dos x t t . 2354.", 2367." c 2370." do co(ligo civil.
Uiii:~c1:is especies, ern qiie iiiais vulgz.;iriiicntese
recorre ao preceito do art. 12." (10 c.o(ligo civil,
corno jristificaçgo de ;ictos pi*atic.wdosá s01ii1)r:~'10
çitaclo tii-t. 4 8 G . O , 4 a da posse das s~1*i~itl5es,espe-
citiliiiciitc tlns deecoiitinii:~~.
Coino, pelo disposto no w t . 490.", as acç6es pos-
sessorias &o, em geral, iiiupplicaveis As servidões
contiriiins n,?o apl)ai.erites, e As descoiitiiiiias, o
possoidor d'ellas, qii;intlo 1)ertiirbaclo oa eshulliado
da siin posse, costiiiii:i valer-sc da, p ~ o y x i n,forqa,
para se iii:iiiter oii rc>stitiiii., a fiiri cle evitar os i r i -
coiiveniciites e desp('s:is da respectiva :~c.c;;"ioordi-
naria,, aiiicla qiie, na opinigo de :tlgi~iis,este meio
é inniliiiissivel, nos cnsos em qiie nqiiellas acções
não podeiii ter logar (1).

(1) O nosso povo, diz o Dr. Teixeira d'Abreri, seinpre


astuto na defesa dos seus interesses, usa geralmentu dum
A regrzi eiiiinci;td:i n o ai-t. 13." 6 ainda lima illa-
7% n e c ~ s s a r i :cios
~ pi-ir-icil)ios estabelecidos, e tain-
bem eiicoiitra :L siin oriyeiii n o direito romano ; e
fui rel,i.odiizitln pelo iioqso Coelho d a Rocha, n o
citntlo 49.' d:is sii;~s/~t.qtitzli+cs, com ri, resti.icç;Fo
apeiras de rliie, n a li(;,lio d'este escriptor, o siijeito
do direito respondii~1)elos pi~ejiiizos cnilsndos a
outrerri, cyucsnclo erclnz produzitios sain nenhum inte-
resse, e só poi. emuln,cr(o.
0 cocligo civil alargoli o preceito antigo, certa-
mente pela consideração d e qiie n5o viola direitos
alheios, quem :ipeii;is exerce o direito proprio ; e,
por isso, os 1)rcjiiizzos i.csultantes, p;ii.:i terceiro,
deste mesiiio exercicio nunca pociem SCL. i l l ~ t i v ode
sesponsabilid:icle l):Lra qilein os prodiiz, visto cliie a

processo facil para expoliar pacificamente o possuidor das


servidoes de passageni, quando estas são de p é e cnryo;
deitam-se oil sentarii-se algiirnas pessoas no Jogar por oride
o carro tem tle passar, e assiiii consegiieiri qilasi sempre o
seu desejo, porqiie o possuidor não qiier nveiiturar.se a
esmagh-Ias sob as rodas do carro, e vê-se por aqliclle meio
irnpossibilitrtil~de passar.
Oiitras vezes abrem sulcos largos o profiindos na terra,
que nieo podem ser de prompto atulhados, de niodo que a
passagem se torna tambem iiripossivel de niomeiito, obri-
gando o possuidor a vir com a ac-ç80 ordinaria, onde a
prova da existencia de taes servidoes é qiiasi sempre arris-
cada e sempre difficil.
responsabilidade civil sómente se origina na offensa
ou violaç50 dos direitos alheios, c.onio se reconhece
expressa,mente no art. 236 1.O do niesiiio codigo.

No entanto, 6 nccessario que o direito seja exer-


cido c11a confirmidade com a lei, como tesniiiiante-
mente se dispõe no citado art. 13.'; pois o direito
sb existe, para os effeitos leqaes, nos precisos ter-
nios erri que a lei o define e especifica.
Assini, por exemplo, o art. 2317." do codigo
civil permitte no dono de qualqiier predio plantar
arvores ou arbustos a qualquer distancia da linha
(livisoria, que separa o psedio vizinho daquelle em
que a plaiitaçao fdr feita ; mas declara tambem que
o proprietario vizinlio póde cortar as raizes e os
i.amos que se estenderem para o seu pi-edio, se o
dono cla arvore, sendo rogado, não o til-cr,fbitodu-
rante tres dias.
Deste modo, o direito do propsietai.io vizinho a
cortar ramos e as raizes da arvore s6 póde exer-
cer-se nos precisos termos da lei ; isto 6 : depois
de avisado o dono da arvore para que o faça, e
depois de passarem tres dias sobre esse aviso ; o
qual, segundo a jurispriidencia corrente, tanto
p"de ser feito judicialniente, como particularniente,
lia presença de duas testeiniinhas, em 11:i~rmonia
com o disposto, para caso analogo, pelo art. 711.'
do codigo civil.
Erri taes condições, se do córte feito resultar a
morte da arvore, ou a perda dos fructos, ou quaes-
quer oiitros prejnizos para quem a plantoii, por
elles riso icsporide a cloiio do predio vizinho, por-
qiie expiceu apenas o seli direito, em c o ~ f ô ~ ~ ~ ~ ~ i d a d c
com a lei.
Caso, poidiii, elle tenlia feito o córte das raizes
ou dos ranios sem l~ievioaviso, ou ~iltrapassando
:I, linlia divisoria dos dois predios, entxo j4 responde

pelos pseji~izos caiis;iclos, nAo por ter exercido o


seu diimeito, iiiiis l ) o ~ t- w violado o direito alheio,
qiie ~ : \ Y : L ellc se tr;\(ll\zi;~
II:\S obrigaçGes iiiclicadaa.

E: p6de até cabeis-llic i.es~)orisaluilidadec1 irninal,


se tiver procedido coni dolo, ao aprurnctf7a arvore,

Este 1)riiicipio 6 co~isigriaclo nas regras dos


artt. 14.' e 15.":
s Qucni, exercendo o proprio direito, pro-
c1ii.a interesses, d e ~ eeni
, collisilo e na falta
de pruvidencia especial, ceder a queni pre-
tende evitar pre,juizos. D
Ein concurso dc direitos iguaes ou d a
nlesnia especie, deveni os interessados ceder
re~iprocament~e o nec:essario para que esses
direitos produzani o seu effeito, sem maior
detrinierito dc uni:t que da outra parte,»
As regras dos artt. 14.' e 15."previnem a hypo-
these de liaver colli~%o de direitos, isto 6, de con-
correrem simultaneiiniente dois direitos oppostos,
cuja realização integral 6 inipossivel por virtiide
das cii.cuiiistaiiuias de facto que se vei.iiic:tiii no
caso; e resolrciii essa collisiio por iriodo a cvit:ir
pr.juizos, o iiiais (liie fUi. 110ssivel.
1;: i ~ s ~ i l qiie
i l i i i I collisiio de dircitos ryiiacs, o ~ i
da iilesilla esl)ecie, d(~\.eitiurtibos os iritei-essados
cetlei. cri1 partes lii.ol)orcioiiacs, clc niodo n nRo ser
iiiaior o pi.ejuizo de uiii (10 ( ~ I I ( o, (10 ( ~ ~ t p~1.t.
i ' o 15.');
c sc i i i i i n (ias partes 1)ictuiidc uvitar pi.ejiiizos, e a
oiltr;~I ) I ' O C I ~ S ~n1canq:li.
L iiitei.esses, estit deve ceder
Aqiiclla (art. 14.").

Um exeniplu viilgar da priruieira regra encon-


trci-se ria divis8o do activo de qunlqiier devedor
iiisolvente pelos credores comi~inns,pois nRo clie-
gxndo os beris para a todos pagar iiitegralnieiite,
rccebe apenas cada iiiii parte do sei1 credito, de
iiiodo .ct perdcreiii toclox por egrial; v. gr.: se Paiilo
deve a Manuel 6008000 reis, e a João 400$000
reis, não tendo mais 'de 500$0(30 reis p a ~ / apagar
aos dois, Mailuel recebe apenas U00$000 reis, e
João 200$000 reis, perdendo, assini, cada uni me-
tade do seu credito.
Coni respeito 6 regra do art. 14.' com razão diz
o Dr. Dias Ferreira, que não sabe a applicação
DLKEITO CIVIL POI(.LUGU$J ELf

que possa ter este artigo, porque eni raras hypo-


theses apparecerão direitos, que procurem interes-
ses, e que tendam a evitar prejuizos, em que se dê
collisão, sem haver providencia especial (1).

(1) Dr. Dias Ferreira, ohr. cit. ediç,), I, 35.

Dia ,3.8 CAD., 2.1 B ~ S I E .


CAPITULO V

Applicação das leis no tempo

I&.- O problema da aypilcação das Itria no


tempo. IBisposiqõe cle direito Cransi-
tnrio.

D a propria natureza d a s leis, coiiio regin;t de


vida social dotadas de força obrigatoriih, resulta o
principio geral de que ellas sC podeni applicar-se
desde o começo da s u a vigeiicia até ao momento
da sua revogaç5o.
Kste principio, reduzido <t sua fórnia mais sini-
ples, significa que n lei si5 s~ 111qdict1 nos f i ~ t o s
?.eulisados dug-ante o tempo em y7cc ella vigó1.a. .
Mas coriio os fitctos juridicos ii~iiitasvezes ~011s-
tituem uma serie de acoiitecimeiitos oii actos, liga-
dos entre si por u m a relaçiio de dependencia, conio
:t de causa e effeito, siiccedc As vezes que n lei

~ I O V R , seii(Xo promiilgada, e eiicoritrando rio sei1

campo de tipplicaqHo i i i u i t ; ~cX'


~ est;bs series coniple-
xas tie relaçGcs juridicws, tem de regcr Jactos
anteliores tr ella, o11 periiiittir que a lei antiga
continue a reger ,/actos yostcl-iuves d sua revogclçfio.
Quando UI~I;L lei 6 proiiiulgad:~podeilios consi-
..
XLIV I ~ I R E I T OCIVIL P O R T U G U ~ ~ S

dera-la eiri relaçgo a tres categorias de actos ou


relações juridicas :
a ) actos integralmente realisados ao tempo eni
qiie a lei 6 posta ein vigor ;
b) actos iniciados depois de vigorar a nova lei ;
c) actos iniciados sob o, doiiiinio da lei antiga,
mas que s6 veeni a realisar-se integralmente no
doniinio da lei nova.9
Para as duas primeiras\categorias não offerece
o problenia difficiildade alguma., . .
Mas eiri relaçzo á terceira 6 que por vezes se
apresentam graves difficuldades, para se determi-
nar quando deve applicar-se a lei nova, oii, pelo
contrario, iiianter-se o reginien da lei anterior.
Geralnieiite o legislador tem o cuidado de esta-
belecer preceitos especiaes, destinados a regulaq
as condições em qiie deve ser applicada a lei nova;
estes preceitos, tendo por fim regular a transiçiio
de um regimen juridicò para outro,-sno conhecidos
pela designaçiio de disposiç6es de direito t~ansitorio
ou disposiqões transitorias - do latim transire (pas-
sar) (1).
Mas qiiando faltam, ou são deficientes, taee dis-
posições, 6 necessario recorrer a :~lpiirncriterio ÓLI
principio jiiridico, que deve ser precisamente o

(1) Dr. Teixeira d'hbreu, Lip. cit., pag. 85.


DIREITO CIVJIA ~ o~~uaufis XLY

mesmo que inspira o legislador na confecção dos


preceitos do direito transitorio.

14. - A thcoria da niio-retronetividacle das leis.


O criterio juridico que tein sido geralmente ado-
ptado, para resolver o problema dos limites da
applicwç:20 (1:~s leis no tempo, traduz-se no clasaico
principio da nZo-~*et~.ocictivi(I(~(If~
das leis.
Este priiici1)io costiime, ser eniiiiciado : ou sob a
f6rm:t negativa da nzo-retro~(:tivid:itle,dizendo-se
que as leis não teem efeito ret~ouctivo,isto 4, que
nRo regularri os effeitos ou coilsequencias de factos
:interiores á sua vigencia, desde que a sua applica-
960 o f e n d a direitos adquiridos; ou sob a fórma
positiva de que as leis teem <feito retroactivo, em-
quanto n5o offendem direitos adquiridos.
A jiistificn(;;io d'este principio B rriiiito sirriples :
a lei nora, re~)i.escnt;~i~do :Lultiiiia exl>ress%odo
progresso k ( l i ~ si~eccssidades sociaes, deve ter
applicaçao imiiiediat;~; iiii~snão liaveria segurança
alguma para os particulares, desapparecendo a
confianç:~ nas leis, se os seus direitos, :L siia for-
tuna, a siia coridiç50 pessoal, os effeitos dos setis
netos e c*on11.;ictos,l)iidessetii a cttdii iiistaiite ser
yiiestionados, iiioclificados, ou supyriinidos, por
virtude de niiiclança da vontade do legislador ; o
interesse geral, qiie niio B sen8o a, resultante dos
interesses individuaes, exige, pois, que tudo aqui110
que foi regularmente feito sob o imperio de uma
lei seja considerado como válido, e, por conaequen-
cia, se conserve estavel ati.avPs das mildanças de
legislkç30 (1).
E, assim, o principio da ngo-retroactividade das
leis encontra-se jB formulado no direito romaiio :
Leyes et co~zstitutionesjuturis certum est dure for-
m a m negotiis, non ad facta praete~*itarevocari.
E do rilesino modo se encontra consignado nas
constitiiições c nos codigos modernos, como rio
art. 2." dos codigos civis francês e italiano, onde
se dispõe :
u A lei nXo disp6e senão para o JUturo ; ella não

tem efeito ~etroactivo.n


Mas, tomando em consideraçAo o facto de que,
apezar d'este priricipio, as leis muitas vezes se
applicain indirectamente a factos antdriores A sua
vigencia, e querendo eni todo o caso affirniar-se a
doiitririu da n'io-retroactividade das leis, n niaior
parte dos jurisconsultos fixarani-se n a seguinte
noçgo juridica :
A lei é retroactiva quando altera ou supprime
direitos já definitivamente ctdyuir*idos; mas iiKo o 4 ,
quando se Iiinita a offerider simples direitos possi-
veis ou mems espectativns (2).
--
(1) Planiol, pag. 95.
(2) Planiol, pag. 95 e 96; Lacantinerie e Houcques-
DIREITO CIVIL POI~TUUU&S XLVII

Mas adeante veremos que esta noção da retro-


actividade não 6 inteiramente adoptada pelo nosso
codigo civil.
E certo 6 que aqiiella não 6 a verdadeira noç8o
da retroactividade, pois que esta se refere 4 appli-
caçRo das leis a factos passados anteriormente 4
sua vigencia, ou hs consequencias e effeitos d'estes
factos, produzindo-se já no dominio da sua vi-
gencia.
Foi principalmente para esta segunda categoria
de relações juridicsts que os legisladores formula-
ram o principio da nã6-retroactividade, porque
para os factos integralmente realisados jR, o prin-
cipio é tão intuitivo, que desnecessario era consi-
gna-lo expressamente.
Resumindo : as difficuldades do problema da
retroactividade ou nzo-retroactividade das leis re-
ferem-se precisamente B sua applicaç8o a factos
presentes ou futilros, nias que são apenas a conti-
niiaç:"io ou o effeito de factos anteriores B sua vi-
gencia.
Foi exactamente para resolver essas difficuldades
que se estabeleceu ;L distincção entre os direitos
adquiridos e as simples esperanqns ou expectativas de
direitos.

Fourcade, pag. 101 e 102; Dr. Teixeira dlAbreu, Lig.


cit,, pag. 85; Capitant, pag. 45, nota.
E assim as leis teeni ou não applicaçiio imme-
diata a todas as relações juridicas que se realisam
sob a sua vigencia, quer dizer, podem ou não ter
effeito retroactivo, conforme offeilderem simples
expectativas ou direitos já adquiridos.
De iiiodo que, como justamente observa o Dr.
Teixeira d7Abreu,n ~zcio-retroactividadeda lei tem
uma significação tecliriica, que as palavras niio
traduzem com rigor, pois que este principio no que
verdadeiramente consiste 6 em excluir a applica-
ç h da lei a factos occorridos no seu dominio, rnns
que S ~ apenas
O o natural desenvolviiriento de outros
praticados iio cloiiiiriio da lei anterior, e que por
isso continiiam R ser por esta reg~ilados.
Por outkas palavras, a TZXÓ-ret~*oactividade da lei
nova sigiiiiic:~antes a sobrevivencia da lei anterior,
para regular ainda certos factos posteriores & sua
revogaçilo.
D7nqui resulta que, muitas vezes, relações juri-
dicas identicas estão simultaneamente sendo regi-
das por diversa disciplina, t,%o sómente porque
umas se iniciaram em certo tenipo, e outras pos-
teriormente.
4 Assim, por exeinplo, em 1887 piiblicou-se tima

lei sobre decima de j~rro.s,qiie faz recahir esta sobre


o credor, declarando niill:r a condição, ao tempo
muito vulgar nas escril>turasde usura, de ser paga
pelo devedor ; cieclaraiido, pordm, subsistente esta
DIREITO CIVIL PORTUUU&S HLIX
-
condição nos contractos anteriores, onde tivesse
sido estabelecida (1).
A expressão retroactiuidade da lei B que em
certo modo traduz uma ideia exacta, significando
a applicaçno da lei, a factos, que, por serem uma
consequencia de relações juridicas anteriores, póds,;t
alterar as condições em que estas foram estabele-
cidas.
Mas em todo o caso não Q uma expressão intei-
ramente exacta, emquanto se refere n factos pro-
duzidos sob o dominio da lei applicavel.
E por isso que As express8es empregadas para
exprimir este problema da applicação das leis
-niao-retroactidade, irretroactizidade, retroaetivi-
dade, efeito ret~oactieoou .forca retroactiva das leis
-deve preferir-se a epigraphe d'este capitulo, o11
como diz Planiol, a de duraqtio d a applicagdo das
leis.

16. - A distineq50 entre as simples expectativas


e os direitos adquiridos.
Esta distincção, que, no dizer do professor Pla-
niol, póde considerar-se conio a fórmula do direito
francês moderno sobre a qiiestZo, parece ter sido
exposta nitidamente pela primeira vez por Blon-
deau, em 1826 ; foi entiio adoptada por todos os

(1) Dr, Teixeira d'Abreu, pag. 98.


,
Dra 3.. CAD., 2.n 8 8 ~ 1 ~ .
jurisconsultos, serido desenvolvida notavelmente
por Valette, nas suas riotas sobre o tratado De
l'état d e s p e r s o k n e s , de Proudhon, e por Demolonibe,
no primeiro volume do seu curso, e foi reproduzida
em quasi todos os livros e applicada pela jurispru-
dencia (I)..
As diffici~ldadesque por vezes se levantam para
qualificar- certos factos conio direitos adquiridos,
ou como simples expectativas, e as divergencias
que por isso se teem accentuado entre os proprios
partidarios da distincqNo, teem levado muitos dos
modernos e mais auctorisados civilistns (Planiol,
Capitant, Vareilles-Somrriibres, Chironi e Abello,
e outros) n criticar a doutrina classica, inipugnando
aquella LiistincçSo, e p rociirando construir em
novas bases a doutrina da applicação das leis no
tempo (2).

(1) Planiol, pag. 95, nota, e 96.


(2) VareiIles.Soriiuiibres foi o escriptor q u e mais ener-
gicamente criticoli a distiiicção classicu dos direitos adqui-
ridos, num artigo piiblicado na lievve critique, de 1893,
intitulado Une t l ~ é o ~ ~~oecvell(?
ie sur Ia rétroactivité des lois,
onde procurou deinonstrar a inexactidão da doutrina clas-
sica, desafiando os mais aiictorisados civilistas a dar defi-
niçõee satisfactorias do direito adquirido e da simples ex-
pectativa. Esta critica 6 inteiramente applaudida pelo
professor Planiol, que affirma ser a distincçLo falea no
ponto de vista scientitico, e artificial e viciosa no ponto
Geralmente, dizem os adversarios da distincçZo,
entende-se por direito adquirido uin direito defini-
tivo, que n%opbdo ser tirado bquelle que o possue,
einqiianto que a expectativa t5 um direito ainda
n%oconstituidu, unia esperança que póde desappa,-
recer.
Mau a distincçgo assim apresentada tem o in-
conveniente de não fornecer criterio algum.
Dizeni oiitros que lia a direitos adqiliridos D
qi~andoa lei antiga se applica com excli~sãoda
nova, e ~(siinplesexpectativas , qiianclo os inte-
D

resses soffrem o effeito da miidanqa de 1egislaq;io.


Mas estas expressões tradiizeni os restdtndos (Ia
distincçgo, sem darem na realidade iim meio de ;L
fazer, quando o que jnstan~enteB preciso explicar
Q a razão porque a lei nova se applica oii nRo a
certas sitiiações constitiiidas sob o irnperio da lei
anterior.
Para evitar esta difficuldatle, apresentou Lanrent
uma outra distincçno, para s~ihtitiiira cltlesica
1
entre o direito e o interesse (1).

de vista pratico, pois qiie nenhuma das duas categorias


apresenta um só caracter qiie Ihe seja proprio. - Planiol,
pag. 96 e nota.
(1) Laiirent, Principcs de droit civil, I , nn. 153 a 161.
Esta distincpHo foi adoptada por IIlic, no seu (Jonzmenlai~.e
thdoripue et pratique du code civil, i, n . 60.
LI1 DIREITO CIVIL POKTUGU&S

Mas a verdade B que esta distincção, al6m de


não ter valor scientifico, porque o dire.ito não é
senão um interesse reconhecido e garantido pela lei,
dA logar ás mesmas ou a maiores difficuldtides (1).
Vejamos, porém, as principaes definições que
teerri sido apresentadas para os direitos adquiridos,
porque s6 assim podemos avaliar do alcance d'esta
critica.
Meyer chama direitos adquiridos: os que se tor-
naram propriedade de quem os exerce, que d'elles
póde dispor do modo mais absoluto.
Reinhardh define-os: os que resultam de nego-
cios effectuados antes da nova lei, mas cujos effei-
tos não foram ainda consumados.
Para Demolombe, são as consequencias de factos
realisados sob o imperio da lei antiga.
Segundo Savigny, são os direitos fundados num
facto juridico já realisado, mas que ainda se não
fizeram valer.
Interessantes são as definições dos modernos
civilistas allemães :
Os direitos que pertencem aos seus sujeitos em
virtude de um titulo especial de adquisição (Gierke,
Deutsches PrÊvatrechts, I, png. 192) ;
Os direitos que por um acto de vontade parti-
cular do individuo foram adquiridos e feitos seus
--
(1) Planiol, pag. 96.
por elle (Lasalle, System der erworbenene Rechte, I ,
pag. 6 1);
Deve entender-se por direitos adquiridos sómente
aquelles ern que unia possibilidade de querer con-
tida no direito objectivo se realisou como estado
juridico concreto de um sujeito individual, por um
processo qixalquer, quer seja iim acto jiiridico, um
facto creador de direito ou uma lei (Gerber, Grun-
dziigs des Staatrechts, pag. 39).
Entre n6s o problema do conceito dos direitos
adquiridos tem sido examinado por alguns juiis-
consultas, nomeadamente pelo Dr. Dias Ferreira,
que, á semelhança de Meyer, os define como sendo
aquelles de que o sujeito está definitivamente in-
vestido, de que tem j&a posse e realisação effectiva,
e pelo Dr. Teixeira d'Abre4 que adoptou o con-
ceito de Reinhardh e Demolombe, considerando-os
os efeitos necessarios de factos realisados no dorninio
da lei antiga, e, portanto, regulados por ella (1).
Gabba, confrontando as diversas definições dos
direitos adquiridos, faz notar que estes teem sido
considerados sob dois pontos de vista differentes :
1."o da sua origem, e 2." o da sua relação com o
interesse do individuo; e que esta diialidade de
pontos de vista resulta, em parte, da circumstancia

(1) Dr. Dias Ferreira, I, pag. 19; Dr. Teixeira d'Abreu,


pag. 91.
de alguns os definirem independentemente d a es-
pecial opportunid:~deda definição para o problema
da retroactividade, emquanto que outros attende-
rani precisamente a este fim.
E, por outro Indo, observa Gabba que a expres-
são direitos adquiridos, alBm d e dever encarar-se
por ambos aqinelles aspectos, nzo deve, na theoria
d a retroactividade, tomar-se no seu significado
niais geral, que coxnprehende tarnbeni os direito
já. consiixi-iados, mas significa sóriiciite os direitos
que forarri adquiridos, mas n8o foram ainda effe-
ctuados e consumados.
E assini Gabbn a,presentou a seguinte definiçiio,
que foi perfilhada,, entre outros, por Mazzoni e
Lomonaco :
CÉdireito adpttirido todo o direito, qiie B con-
sequencia dom facto idoneo para produzi-lo, em
virtude d a lei do tempo em que o facto foi reali-
sado, embora a o c c ~ s i ~de
o o fazer valer se não
tenha apresentado antes d a vigencia de uma nova
lei relativa ao niesnio, e que, nos termos da lei sob
a, qual se realisou o facto eni que tem a sua ori-
gem, entrou immediatamente a fazer parte do pa-
tm'monio do que o adquirili (1).
E m todo o caso, o certo é que a noção claseica,

(1) Gabba, Teo~iadella ~etroattivitdh l l a legge, vol. I,


liv. 11, cap. 11; Lomonaco, i , pag. 73.
geralmente acceite em niateria de retroactividade,
6 a do conceito patrimonial dos direitos adquiridos.
A definição classica de Merlin, que os define -
direitos que entraram no nosso dominio, que dells
Jaze~nparte, e que não póde mais tirar-nos aquelle
de quern os adquiriqnos -foi reproduzida de lima
maneira mais ou rrienos explicita pelos mais aucto-
risados jurisconsnltos franceses e belgas (Aiibry e
Rau, Demolonibe, Laurent, e outros). ,
Mas este conceito tem sicio niodernarriente criti-
cado, porque, emquanto, por um lado, h:t direitos
adquiridos que iião figurani no nosso patrimonio,
taes como os direitos constitutivos do estado das
pessoas, por outro Indo, li:& f;~culdadeslegaes, que
niio nos podem ser tiradas, desde que nbs as pos-
silimos, a não ser o proprio legislador que no-las
reconheceu, e que todavia não constituem direitos
adquiridos, no sentido da theoria da retroactivi-
dade das leis, coino acontece com os direitos
constitiitivus da capacidade politics.
Recoriliecenrlo esta iii11)erfciçãoessencial da dis-
tincçiio ciitre direitos acl(~iiiridose simples especta-
tivris, conio criterio determinador da não-retroacti-
vidade das leis, apresentaram Haudry-Lacantinerie
e Iloucques-Fourcade um criterio novo, com o qual
suppõem evitar as criticas e resolver a s lfifficiilda-
cles do problema.
Segundo estes aiictores, por direitos adquiridos
LVI DIREITOCIVIL POMTUGUÊ~

deve entender-se as faculdades regulamente exerci-


das, e por espectativas ou interesses as que o nào
eram ainda no momento da mudança da legislação.
Entretanto, a verdade B que este criterio Q ape-
nas a expressão dos conceitos de alguns escriptores
allemães, por uma fórma mais simples e intelli-
givel.
O valor d'este criterio foi tambem impiignado
por Vareilles-Sonimibres, com o fundamento de
que todos os nossos direitos, mesmo os que pro-
veem de uma faculdade exercida, não são para o
futuro senao faculdades não exercidas. Assini, o
direito de propriedade sobre uma cousa 6 a facul-
dade n&o exercida de usar d'ella, de colher os seus
fructos, de a transforinar, de a alienar.
A esta critica respondem os auctores do novo
criterio que se confunde o proprio direito com o
modo ou a faculdade de o exercer, sendo certo que
a6 esta constitue, para o futuro, uma faculdade
não exercida (1).
O criterio das fac~lda~des legaes exercidas pare-
cenos ainda imperfeito, por outra, razRo iiiais sub-
stancial : é que os direitos são iriteresses garantidos
pela lei, e que não deixam de o ser, ainda que o
respectivo sujeito ou titular os nao exerça durante

(1) Lacnntinerie e Houcques.Fourcade, png. 104 e segg.


DIREITO CIVIL PORTUGUÊS LVII

um grande periodo de tempo, emquanto se não


verifique a prescripçno.
Quer dizer: ha direitos adquiridos, mesmo sem
o exercicio das respectivas faculdades legaes.
De tudo o que fica exposto, Q forçoso concluir
que a 'doiitrina classica dos direitos adquiridos Q
incapaz de definir o principio da não-retroactivi-
dade das leis.

16. - A theoria da appiieagão das leis no tempo


segundo a natureza da lei.
Alguns jurisconsiiltos pretenderam que as leis
tivesseni, ou não, iirna auctoridade absoluta, ~ e n d o
applicadns, ou não, irrimediatamente a todos os
factos da, sua esphera de acção, conforme n sua
natureza especial llies deve attribuir uma maior ou
menor força, obrigatoria.
E, nesta ordem de ideias, einquanto que alguns
toniaranl corno base a distincçiio entre as leis de
interesse e ordem publica e as de mero interesse
privado, outros tomaram em consideração a diffe-
rença entre leis probibitivas e imper at'ivns.
E, assim, os primeiros attribuirain effeito retro-
activo 6s leis de ordem publica, e os segundos
attribuirani-no As leis yroliibitivas ; e esta coinci-
dencia explica-se pelo facto de muitos jiirisconsul-
tos terem considerado como sendo de ordem publica
todas as leis prohibitivas.
I)rn ,3.0 CAD., 2.a ~ L B I ~ . II
Esta tlieoria 8, pelo menos, tani imperfeita coino
a dos direitos adquiridos, sob o ponto de vista das
duvidas e difficuldades a que dá logar n a sua
applicaçgo.
Mas, alQm d'isso, tem o defeito de ser niiiito
nlais ai~ti-scieiitifica,porque pretende attribiiir Qs
differerites esl)ecies de leis uni diverso grhii de
força obl.igatoria, que a propria natureza d a lei
não periiiitte (I).

17. - C'iua nora tlieoria da rião-i.etroaetiviclade,


de Yareilles-SommiGres.

Foi n o artigo jB refei~ido,publicado n a Revue


Critique, eili 13'33, cliie este jurisconsulto, ao mes-
nio tenipo que rriostrou n insufficiencia da doiitrina
olassica dos direitos adquiridos, a k r s e n t o u a sua
tlieoria.
Acceitando o principio geral da não-retroactivi-
dade das leis, trata de determinar as condições em
que a lei B retroactiva.
Unia lei,. 6 indisciitiveliiiente retroactiva tqua.ndo
siippriiii~iiopassado os effeitos j B produzidos de
unl facto ou de um acto anteriora.
&Ias se-10-ha ainda quando (modifica ou sup-

(1) Póde verm a indica<;fio e critica de diversas theo-


rias ainda menos importantes, em Chironi, DeZla n o n ~ e t r o -
uttivitd delba legge, pag. 27 e segg.
DIREITO CIVIL. POBTUQUÊI~ LIX

prime os effeitos a prodiizir on fiitiiros, ci'este facto


oii d'este acto, isto G, I);irn o futiiro, iim cios nossos
direitos nctiit~es,pois que todo o direito Q conse-
queucia de iini acto oii de um facto? I? conforme.
A lei 6 retroactiva qixando amodifica ou siip-
prime este direito por caiisa de tim facto passado^,
qiialqiicr quc elle seja, quer elle tentia dado origem
oii nRo a este direito.
Pelo contrario, a lei não d retro:~ctiva, quando
moc1ific:t oii siipprime iim direito, não em r;iz%o
dum facto 1>ass:~il0,111:~s por causa dos iriconvc-
nientes oii perigos quc offerece este direito erri si
niesino. l<lla, respeita o direito no passado, e liso
llie toca para o fiitiiro, seniio em virtiitle ile coiisi-
dera?õcs gemes, qixe se inspiram nas necessidades
sociacs para os tempos fiitiiros.
O lcgislaclor triodifica, assim os cffeitos do acto,
mas E pciisantlo no fiitiiro, e ngo no passado. Ora,
o fiitiiro ú o doniinio das leis riovss, e ningiiern
pótle qiieix:tr-se de que, por motivos de interesse
geral, os sciis direitos actiiaes se-jani modificados
in .futlil.zcrn.
I<, :issirii, o interprete, para detcrrninn,r se a. lei
nova clcve oii n5,o applicar-se retroactiritineiite,
tem a, investigar não que fnciildadc ella nos retira
oii niociificasfn_as p o r =e- ---motivo ella no-la tira.
-_a--_-

A iiovn theoria n%o coiisegiie resolver síttisf:t-


ctoi.i:tnieiite as difficultlndes tlo pi.ol)lei~i;i,l~rccis;i-
mente não é facil dizer-se quando é que o legisla-
dor modifica o direito, por caiisa do passado, ou
em attenç20 ao fiituro, parecendo até que as mu-
danças de legislação são sempre determinadas pelo
futuro da vida social.
Mas, além dlisso, a theoria de Vareilles-Soni-
mières leva a conclusões, em certas questões de
direito, (pie SRO na verdade incomprehensiveis e
iiiítdniissiveis.
l? assim que, segundo esta theoria, n2o deveni
considerar-se retroactivas as leis que extinguiram
u escravatura, quando é certo que taes leis tive-
ram precisamente por fim annullar um facto pas-
sado (1).

18. - A theorirr dos factos realisadoa ante# da


nova lei.
Segundo alguns escriptores, para determinar a
lei applicavel a uma dada relação juridica, o que
importa 6 averiguar se. esta resultou, ou não, de
un1,fiicto realisado sob o dominio da lei antiga, eni
harmonia com o regimen juridicn então vigente.
No caso affirmativo, o principio' da não-retro-
actividade da lei nianda respeitar o regimen da lei
anterior, sob o qual se constituiu a situaçao juri-
dica, que se prolonga no dominio da lei nova,

(1) Lacantinerie e Houcques-Fourcade, I, pag. 112.


DIREITO CIVIL P O B T U O U ~ ~ S LXI

Esta theoria, que B defendida especialmente por


Chironi (I), n3o é, na essencia, diversa da theoria
classica dos direitos adquiridos.
k simplesmente uma questso de diversa termi-
nologia, red~iziiido-se a, considerar como direitos
que n;io podem ser alterados pela lei nova (direitos
adquiridos) os que RLZO consequencias necessarias
de um acto realisado sob o doniiriio, e lios termos
da lei antcrior.
É o que explica o facto de o Dr. Teixeirs n'Al>reu
ter construido uma theoria dos clireitos adquiridos,
que coincide com a dos factos realisados no tempo
e nos terinos d a lei antiga.
O Dr. Teixeira d'Abreu forniúla assim a sua
theoria :
zk
«NGo ha dire' os adquiridos, sem que estejam
~ealisadosos factos de que os mesmos dimanam ; e
esses factos, sendo regidos pela lei antiga, sl~boi*di?zam
a ella todos os seus efeitos necessarios, embora alguns
sbmente se verijiquertb no d m i n i o d a lei nova, salvo
nos casos em que esta expressamente determinar o
contrario D (2).

(1) Chiroiii, pag. 65 e segg. ; Cliironi e Abello, pag. 85


e segg.
(2) Para completo conhecimento d'esta theoria, segue-se
a sua exposição analytica, tal coino se encontra nas citadas
Ligí3es do Dr. Teixeira d'Abreu, pag. 86 a 91.
aA nosso ver a soluç3o mais justa do problema tem de
LXII DIREITO CIVIL POI~TUO
tifi~

18. -Conceito e caracter do principio dn Irretro-


netivtdade das leis.
O p r i n c i p i o cia i r r e t r o a c t i v i d a d e , c o m o c r i t e r i o
r e g u l a d o r da a p p p l i c a ç 2 0 das leis iio teilipo, é

levar em conta a propria natiireza da lei, que se pretende


applicar, verificando eni primeiro logar se acaso se trata
ou de algum preceito com caracter sfc~qdetivo,e tomanclo
em consideraçko o facto em qiie o direito se origina, os
effeitos j4 realisadoe, e os ~ I I Painda deveria produzir.
aDeste modo, suppondo qitv Peiilo einprestou a Pedro a
quantia de 6:0008000 réis, por titulo particular, antes do
Cod. Civ., e que ao tempo da vigencia da lei nova o di-
nheiro ainda não tinha sido pago, deverá ou nfio este con-
tracto siibsistir em face do art. 1534.O do mesmo Codigo,
que exige esoriptiira pixblica para prova dos contractos
cf'esta natureza?
ccEntendeiiios que o juiz neste caso deve applicar a lei
antiga, porque o facto, que originoii o direito de Paulo ct
demandar Pedro pelo pagamento, foi pratirado em harino-
nia com a lei vigente ao tempo d a celebraçbo do contracto.
l'oi então que elle adquiriu este direito; e não póde a lei
nova priva-10 delle, como siiccederia se it hypotheae fosse
applicada a lei nova; pois a falta de prova iclollcci equivale
nos seus effcitos, d falta do direito, c i ~ ~ jexiutencia
a se nno
prova.
«E o que succede com este contracto, succede com todos
os outros; de onde podemos já c*oiirliiir qiie tcsfimnalida-
des externrcs de q2babplce9. acto dei.em scr reg~siadnspelu lei
em vigor ao tempo enz que o mesrno joi celebrado.
«E pela mesma lei ctevern ser tambeui apreciadas as
apenas u m principio g e r a l , p o r q u e , segundo a
d o u t r i n a g e r a l i n e n t e acceita, s6 obriga o juiz, luas

condições iiecessarias para a sua validade : a capacidade


(10s contrahen/es, a do abjecto, a p~.estac.dodo
conseutimento, e as cla~cszclasnelle estabelecidas; porqiie foi
no proprio morrieiito da celebraqão que a relação juridica
se creou, adpzcirindo cada um dos pactuantes os direitos
que a lei, ao tempo vigente, Ihes assegurava.
aMas al8in das clausiilas e coiidiçGes expressa7nelite esta-
belecitlas no contracto, tem este ainda outros effeitos, que
dimanando irninediatainerite da lei, seria iii~itilconsignar
no respectivo documento.
«Ora, siippondo que a lei nova d:i aos contractos d'aquella
especie cfleitos diversos dos qiie Ilie attribiie a lei antiga,
qual das ditas deve ser applicada, desde que esses effeitos
venhain a produzir-se jh no doininio da nova lei?
aA ilatiireza szcppletiva do direito contractual indica-nos
qiie deve iia hypotliese applicar-se a lei antiga. Na ver-
dade, desde que os eíl'eitos do cauiili.:tc6tos8o apenas deter-
rniriados pela lei com o fim cle supprir a oiriissão dos
pactuantes, é claro qiie estes preceitos legaes nlo podei11
ter mais va!or, do qiie o teriam as regras ou clausulas
ajustadas por aqoelles. Por isso, devendo cstas manter-se
e respeitar-se, quando a lei do tempo as periuittia, tairtbein
devem ser mantidos e respeitados os preceitos suppletivoe
da mesma lei, porque estes representam verdadeiros direi-
tos adpui?.idos pelas partes.
uPodemos, pois, çoncltiir do exposto, que os preceitos
du lei antiga, com cai.acte~suppletiuo, regem os efeito8 dos
ngo o legislador, que p6de attribuir As leis effeito
retroactivo, sempre que o julgue necessario e con-

actos e contractos roalisados antes d a lei nova, embora


aquelles efeitos s6 mais tarde venham a produir-se.
aQuanto As leis, que n3o teem caracter suppletivo, 6
preciso distinguir se ellas sito prohibitivus, iwtperativas ou
facultativas.
((Sendo a lei antiga prohibitiva, é claro que ;I sombra
d'ella se não podem praticar factos, que originem direitos
para aquelle que os pratica; mas podem esses direitos
apparecer para terceiros quando se d4 a violapão das mes-
mas leis.
aTal era, por exemplo, a prohibição, estabelecida no
direito previgente, de qualquer pessoa abrir no seu predio
uma cisterna ou poço a menos de cinco pés das paredes
do vizinho.
oEsta lei, sendo prohibitiva, implicitamente concedia ao
dono do predio vizinho o direito de se oppôr As obras feitas
a menos de cinco pés da. sua parede, ou a fazer desinan-
char essas obras depois de feitas, além da consequente
exigencia das perdas e darnnos.
rOra suppondo que lJCiiiloabriu urna cisterna a menos
do que aquella distancia, mas dentro dos limites fixados
administrativaniente, nos termos do art. 232:l.' do Cod.
Civ., poder4 o dono c10 predio vizinho, depois do Cod. Civ.,
obrigh-10 a desmanchar as obras feitas?
uPor outras palavras : as relaçoes juridieas entre os dois
proprietarios regulam-se pela lei antiga ou pela nova?
aEntendemos que 6 pela lei antiga; visto que a applica-
çâo do Cod. Civ. iria ferir os direitos adquiridos pelo dono
veiiiente para a niellioi. garantia das relaqões so-
ciaes.

do predio vizinho de Paulo, desde que este praticou o facto


prohibido pela lei.
((E esta conclusão é tanto mais jiistificada, qiiarito 6
possivel ter do mesmo facto resultado prqjuizos para o
diçto proprietario, á iiidemriisução dos quaes tinlia ao tempo
d a nova lei incoiitestarel direito. ,--
aPor isso, podenios taii1l)eiri concluir qiita os direitos re-
sultcintes da vio/(qüo de leis p~.oltibitivasmesnzo sem caracter
suppletioo, regem-se pela lei que vigocavu ao h p o d a vio-
lação.
«Se a lei 6 preeeptiva, verifica-se caso identico ao que
deixamos registado; pois a lei que manda praticar certos
factos a uma pessoa, implicitamente reconhece a outras o
direito de a isso a compellirein. -
aPortanto a omissão d'aquelle, a quem a lei mandava
praticar certos factos, creou o direito de tevceiro, a quem e
mesma omiiiissão prejudicou. Este direito estava, por isso,
legitimamente adquiqido ao tempo da lei nova, ainda que
o seu titular o n%o tivesse reulisado praticamente; u teni,
consequenteirieiite, de ser iiiiintido e respeitado, qiiaesquer
que sejam a s disposições d'esta a respeito de casos iden-
ticos.
devemos, porbin, observar que alguinas leis prccepsivus
não consignam obrigaçoes, cujo n%o cnmpriiiiento v& ferir
direitos de terceiro ; pois silo estabelecidas com certo ca-
racter de generalidade, qiie mais iiilplica com a boa ordein
social, do que coiii os dircitos inciividuaes. A este numero
pertencem as que determinam as obrigações dos fi~?tccio-
DIR, 3.' CAD., 2.' SÉBIE.
LXVI DIREITO CIVII, POKTUGU$S

E, assim entendido, o principio t,radiiz a p e n a s o


conceito d e q u e as leis s6 regiilani para o fiituso,

narios publicas, no exercicio de suas funcçiies; e , por isso,


n%o se filiando nestas quaesquer rela~õesjuridicas, ciijos
effeitos possam vir a produzir se na vigencia da lei nova
-a não ser pelo que respeita 4 fo'rnaa externa dos actos
e contractos, de que j á trat8mos-não ha que respeitar
direitos udyziiridos, nem que applicar-llies a theoria da não-
retroactividade das leis.
a n o exposto podemos, pois, concluir que os direitos re-
sultantes do não ct~n~prirnento de leis preceptivas, cria omis-
d o ufectuva direitos individt~aes,devem reger-se pela lei
que vigorava ao tempo em que a omnzissão se deu,
q e i i d o a lei caracter facultativo, a anica relação juri-
dica que pode verificar-se á sombra d'ella, emquanto a
faculdade legal não é objectivada, reduz-se 4 obrigaçáo
negativa imposta a todos, de noio impedirem o exercicio
da mesma faculdade áquelle, a quem a lei a confere; e
depois de objectivada a faculdade, traduz-se na obrigaçgo
de respeitar os effeitos do mesmo acto.
aconseqiientemente, se aquelle a quem a lei conferiu
certas faculdades usou d'ellas, os effeitos d'esse liso legi-
timo constituem direitos ndpi~iridoa,que a nova lei não
pbde affectar, tendo de ser apreciados pela lei antiga.
«Assim, por exemplo, o direito anterior ao Cod. Civ.
permittia ao proprietario deitar os beiraes da sua casa para
o lado do predio do vizinho, desde que deixasse o inter-
sticio de dois palmos; e por isso, se a construcçgio se fez,
ou mesmo se jA estava principiada, embora 56 venha a
concluir-se depois de vigorar o Cod. Civ., n l o é este appli-
e n%opara o passado, sendo por isso que os effei-
tos naturaes, usuaes ou legaes, de um facto juri-
dico, praticado sob o dominio de certa lei, conti-
nunin a reger-se por esta, embora só venham a
realisar-se sob o dominio de uma lei nova.
De modo que o principio da irretroactividade da
lei nova refere-se menos a esta, do qne B lei ante-
rior, significando, como jB atrás nothnios, que esta
continua a npplicr~r-se,iriesnio depois da sii:t re-
vogaqgo. nos actos que foi-tini praticados no seu
reginieri jiiridico.

cave1 á Iiypothese, mas sim o direito anterior (Coellio da


Roclia, I ~ a t . , 594.",2."). X3o póde, consequenteinente,
o proprietario vizinlio oppor-se a que as obras se concluam,
fundado no art. 2327.O do Cod. Civ., mas súmente ba-
seando-se no direito antigo.
«Quando, porém, as faculdades legaes n&o liajam tido
realisaçgo, mesmo inicial, falta o facto que legitima a
adquisigiio do direito individii:il ; e por isso a nova lei
substitue inteiramente a anterior.
aE assim, se na liypothese apresentada, o dono do pre-
dio nlo houvesse iniciado a construcç?io ao teinpo em que
o Cod. Civ, começou a vigorar, só poderia depois fazê-lo
em harmonia com os preceitos do mesiiio Codigo.
«De onde podeinos tnniteni concluir que os direitosfun-
dados em leis f~c~tltcitiuns pelu lei que vigorava
?.e~rilanz-se
ao tempo em que elles comecuram a exercer-se; e se taes fu-
ctclclacles nzbncu -fofol.amifol?%cicilmente
realisadas, cessam pe-
rante u nova lei. D
LXVIII DIREITO CIVIL YOI~TU(:UÊS

N40 sendo geralmente o principio da irretro-


acti17idníle considerado como iini preceito constitu-
cional, critelideili os jurisconsiiltos qiie o effeito
retroactivo cla lei p6de ser nianifestado pelo legis-
lador exljressa ou tacitamente.
E alguris chegam inosrno a siistentar, que sendo
o Iegisl;iclor o oi.giYo do interesse geral, o juiz deve
a v e r i g ~ i ; ~ser :I gai-antia d'esse interesse exige, que
a lei seja retroactiva, o que eni principio geral
acoiitece senipre coni a s leis de interesse e ordem
1)~11~1ica (1).
Alas esta doutrina 6 inacceitavel, porque desna-
tura :L filncç20 do poder judicial, que s6 é compe-
tente 1)ilra ; ~ ~ p l i c aa r lei, tal como ella 6, e não
coiiio devia ser.
I

E a intenqzo real e effectiv:~dos auctores d a lei,


tal como ella resulta d a sua letra e do seu espirito,
e s6 elln, qiie deterniina o seu sentido e os seus
effeitos.
,
li: pois necessario que :L forq;~retroactiva d a lei
seja expressa e claraiiieiite estabelecida, para que
o juiz seja aiictoris:itlo n considera-la como tal.
Seiiclo certo qiie ;L liso retroactividade d a lei 6
uni princil~ioqiie 1.6obriga O juiz, mas não o legis-
Ixlor, qiie 1,Ucle niociifica-lo oii revoga-lo, quando
o iiitei.essc social assiiii o exigir, p6de, porem, dis-

(1) Laurei-it, Principes de dvoit civil, I, n.O 164 e segg.


DIREITO CIVIL P O ~ ~ ' ~ U G U J ~ LXIX

ciitir-se se é iini principio constitu(:ioiial, que s6


póde ser alterado pelas cortes coilstitilintes, oii se
o p6de ser tambem pelas cbrtes ordinarias.
Entre n6s a duvida provem do facto de ser o
principio consignado no $ 2."do art. 145." da Carta
constitiiciorial incluindo na categoria dos inviola-
veis direitos dos cidadgos, constitiii~idoassim mw-
teria constitzccional, que nos termos dos artt. 140.'
e seguintes da Carta, não póde ser alterada pelas
côrtes ordiiiarias, nias só pelas Co~zstituintes,eleitas
com a attribuiç,ão especial de reformar certos pre-
ceitos da Constitiiiçi20.
E assim parece que o principio da não-retro-
actividade s6 poder& ser derogado por côrtes
constitiiintes.
Mas todavia 6 certo que muitas vezes o legisla-
dor o tem desattendido, fazendo leis applicaveis a
factos passados, sobretudo eni materia, de reforma
de serviços na administração publica e em refor-
mas do direito processual o11 j~idiciario,e ainda
mesino eni materia de direitos privados, como, por
exemplo, nos artt. 564.' e 565." do codigo civil.
Isto significa que o principio da nao-retroactivi-
dade é apenas um principio geral, enibora de di-
iseito constitucional; quer dizer: nâo podem as
cortes ordinarias revoga-lo inteiramente, estabele-
cendo o principio contrario, mas podem. em certos
e determinados grupos de relações juridicas fixar
LXX DIREITO CIVIL POI~TUGUÊS

o alcance da lei, tornando-a extensiva, a factos an-


teriores a ella.

20.- O principio cla rião-retroactividade segundo


a Carta e o cocligo civii.
Confrontando o $ 2.' do art. 145.' da Carta
constitlicional com o art. 8.' do codigo civil, tem
de concluir-se que lia dois conceitos diversos do
principio da não-retroactividade das leis.
Segiindo a Carta o 6 geral para todas
as leis, quer sejam innovadoras, quer sejam apenas
interpretR t'~ V M .
Segiindo o codigo civil, 6 preciso distinguir
entre as duas esyecies de leis; para as primeiras
o principio é o mesilio ; mas para as segundas o
principio da ngo-retroactividade s6 se impõe em
face de direitos adpuie*idos.
Quer dizer: p;ii.a as leis interpretativas, o prin-
cipio da sua itp~)l)lic:~q;nio
no tempo é a retroactivi-
dnde, salva ;L excepq3o dos direitos adqniridos.
Eriiquanto qiie o 5 2 . " d o art. 145.' da Carta se
liniit:~a dizer qiie c c n disposição da lei não ter6
efeito vetronctivo~,o codigo civil dispõe no art. 8.":
A lei civil não tem efeito ~etroactivo.Exceptua-se
a lei inte~ywetntiva,a qual é applicada retroactiva-
mente, salvo se d'essa applicaç80 resulta ofensa de
direitos trdyuiridos. B
O q u e se vê é que R doiitrina da Carta se refere
DIREITO CIVIL POBTUOUÈS LXXI

ao conceito classico da retroactividade da lei, de-


terniinado pela, distincção entre meras e:cpectativas
e direitos uclquiridos.
Segundo esse conceito, a lei s6 6 , ou a6 se con-
sidera retroactiva, quaiido offende direitos já defi-
nitivaniente constituidos, e n i o quando se limita a
niodificar ou alterar simples expectativis ou legi-
timas espei.,zriqas de direitos.
O codigo civil, porém, refere-se a um outro con-
ceito mais aniplo da retroactividade, declarando
que as leis interpretativas podeni ser applicadas
retroactivamente, se da siia applicação niio resultar
offensa de direitos adquiridos. Isto equivale a dizer
que a lei é retroactiva, sempre que se applica a
factos anteriores a ella, ainda que não constituam
direitos adquiridos.
Comtudo, já alguns escriptores, partindo do pre-
supposto de que a lei s6 póde dizer-se retroactiva,
quando da sua applicação resulta offensa de direi-
tos anteriormente adquiridos, teem identificado o
art. 8." c10 codigu civil com o § 2.' do art. 145.'
da Carta, entendendo qiie as leis interpretativas
t a s niesmos principias qiie as leis
estão s ~ ~ ~ j e iaos
innovadoi.as, embora da palavra c exceptua-se, , da
segunda parte do art. 8." do codigo civil, pareça
deprehender-se o contrario (1).

(1) Dr. Dias Ferreira, I, pag. 24.


LXXII UIREITO CIVII, PORTOGUPB
- --

BIas esta interpret:ií;50 6 iiiadmissivel, por ser


c\lwcssan~ente coittr:~dictada pela disposição d a
lei, e porque se fiiiid;~iiilrii significado cla expres-
são -retroactiz~idtrcle t l t c lei- que estas palavras
li50 justificam. pois que ti, lei é realmente retro-
activa, n2o sh quantlo nltei-:i direitos anteriormente
aclquiridos, mas turiil)eiri quando se al~plicaa factos
1):tssados, airidn que sejam simples esperanças de
direitos.
Sirriplesmentc a retroactividade B iriadniissivel
xio prinieiro caso, einquanto que no segundo póde
niuitas vezes ser admissivel, e at6 niesmo imposta
pelo bom senso e pelas necessidades d a justiça
social.
Os partidarios da identidade das leis dispositi-
vas e interpret;~tivaspartein da ideia de que tendo
estas leis por uriico fim explicar o sentido de uma
lei anterior, e lino envolvendo, portanto, preceito
algum innovadoi., i120 podeni ser applicadas diver-
samente d a lei iiiteipretada.
E, assim, nerii iliesnio p6de dizer-se, coni rigor
de linguiigeiii, qiie a lei interpretativa retroage,
pois clla nianteiri a disciplina juridica anterior nos
seus precisos termos, sendo promiilg-ada siniples-
uieiite parti pôr ternio Ls divergencias da inter-
pretaçRo judicial oii particular.
aMas corrio a iiiterpretaçiio legislativa a todos
obriga, e o ~ ) i * w t ~ idat o nova lei veni, por assim
dizer, substituir-se ao da lei interpretada, para ser
app1ic:ido a todos os casos, que por esta deviam
ser regidos, diz-se que ella tem effeito retroactivo,
porque a s suas disposições obrigani mesino áqiiel-
les n queni a errada interpretaçgo da lei anterior
aprovei tava w (1).
De niodo que entre as leis dispositiv~se as in-
tei.prei;iitiva,s h a diflerençns fundamentaes, a res-
peito da sua applicação iio tenipo:
a) eniqiisnto que, pn1.a ns prinieiras, o principio
para as segundas 6
geral B ;L ri~o-retro:t(:ti~~i(lii(lt!,
a reti.o;tctividade ;
b) a lei innovnciora 1150 se ayplica niesnio aos
factos pile se realisarii j;L n a siia vigencia, iiias oiie
sRo effeitos necessarios de actos legalniciite reali-
sados iio doniinio da lei antiga, enirliiaiito que a
lei iiitcrpretativa regiiln os effeitos de iictos ante-
riores, respeitando apeii:is os tlircitos j A adquiridos.
P a r a bern se con~l)i.c~licridei
e acceiituar a diffe-
rença entre a, lei innov:ttlora c ;ilei iiltei.pretntiva,
it respeito da retroactividade, 4 necessario verificar
a ~ 1 1 ;diversit
~ app1icaç;io a unia determinada ques-
t3o de tlireito.
Siipl)onhanos, por exemplo, que unia nova lei,
rtiodificaiido ou comp1et;tndo as disposições do co-
digo civil s o l ~ r ea siiccessiio legitima, veni reco-

(1) Dr. Teixeira d'bbreu, pag. 98.


DIR, 3.a CAD., 2.1 S~RIE.
LXXIV DIREITO C i V 1 1 ~P O K T U G ~ $ S

nliecer csl)i.essamente o direito dos netos illegitimos


a siic.c.c.clci. R seiis avós.
S c o codigo civil consignasse expressan~enten
doutrina contraria, a nova lei seiia com certeza
innovadora, e, conio tal, não poderia applicar-se ás
successões jií abertas ao tempo da sua promulga-
ção, i~idependeriteinented e haver, ou nRo, sobre
taes success0es direitos adquiridos, pois que a lei,
n;io teiido effeito retroactivo, não póde applicar-se
a factos passados.
Mas scrido certo que, no regimen do cocligo civil,
B unia tluestiio duvidosa a siiccesa8o dos netos ille-
gitinios, se a nov;t lei tem de sei. <:oiisiderada,como
mei.aiiieiit,e iiitei-pretativn, deve :ipl)licni.-se tanlbem
Bs success0es abertas anterioriiiente, desde que
sobre ellas não liaja direito j A defiriitivaniente
adqiiirido.
Torn:t-se, pois, inrlispensavel dcterniiiiar ;LnoçAo
dos (til-eitos adqiiiridos, segnrido o cotligo civil,
para fixar a espliera de acç8o retroactiva das leis
intei.pret1 t'ivns.

21. - A noqgo dos direitos adquiricios segundo o


riosso caodigo civil.

Do qiie fica dito resulta que a riecesaihade de


definir os direitos adquiridos, em inateria de retro-
activitlade, 4 s6 para as leis interpretativas, e não
para as dispositiv:~~,que nunca pe applicnm a
DIREITO CIVIL P O R T U G U ~ S LXXV

factos píi~sados,ainda que não constitiiani verdn-


deii-os direitos adquiridos, a não ser que o legisla-
dor expressamente as formille com effeito retro-
activo.
(1 1 ) ~'i'eixeira
. d1Ahreu prociiroii fixar a noçiio
concreta, e pratica dos direitos adquiridos nos se-
griirites termos :
Seiitlo i b ordein juiaidicn anterior & lei inte1.pi.e-
twt,iva i1 riiesm:~, que por esta ficou est:il>elec:ida,
1150 11a coiiflicto de clisposiq6e.; coiiti.i~tlictoi.ias,
como aqiielles eiii qiic se ii1)oi;i i1 tlieoriii geri11 dn
ri5oq.etronctivid;lde d;i lei.
% Alei nova, poi.tnnto. 1120 pbde offender em
caso ;ilgi11ii cli~eitosatlc/tri~~irlo.i., poi'qiie s6 lia diveito
adquirido quando ii11i:i lei anterior o reconheceu,
e um fhcto, proprio ou allieio, o individualisou ;ora
sendo i L lei antiga egiial k lei nova, porqiie esta, se
v;te iritegrar ilaqiiell;~,é claro que se a, lei inter-
pretativa ferisse corn os seiis pi-eceitos urna certa
condicicinalidiide, tC' porqiie esta era illegnl, e por
isso n;to coiietitui:i Z L I ~direito.
Sb ~~oclenios, conscquenteniente, entender aqui
por d i l ~ ~ i t oasd q ~ ~ i r i d oas
s vantagens oii garantias
defiilitivtiiiieiite ci.ead:~s,S sombra da erriidi~inter-
pi.etwç5o da lei, por i i i i i facto ii.i.evogavel. tal como
a seriteriça. jiidicial coiii transito em jiilpado, ou a
ti.:irisação.
((l? o iriesino que siircede. independentrniente
LXXVI DIREITO CIVIL PORTU(~U$S

de leis interpretativas, coni a errada interpretaçAo


dada pelos tribiinaes ou pelas partes a qiialquer
preceito de lei: pois, embora o erro seja depois
recoiihecido, os direitos clefii~itivamentereconl-ieci-
dos valem, como se na propria lei se apoiassem.
(Assim, por exemplo, se um neto illegitimo re-
claniou judicialmente a hernriça do av6, e a seu
favor se proferiu sentença com transito em jul-
gado; o ~ ise amigavelmente os interessados con-
cordain eni reconliecer esse direito, e fazem parti-
111:~dos bens por documento legal ; einbora venha
depois iima lei interpretativa dizer que, em face da
lei interpretada, e il sorribra da qual se proferiu
sentença, ou se fez o accordo, elles não deviam
sncceder, ayuelles (lireitos assim de$nitiva~nente
reali.sado,s nzo podem ser 1)or esta attingidos consti-
tiierii, lia plirase do artigo 8." do Codigo Civil,
direitos adquiridos.
bEni todos os oiitros casos, a lei interpretada
legislativniuente será sem11i.e applicada no sentido
da lei interpretativa, qualquer que seja o tempo
em que o acto se realisou.
6 Tal nos parece ser o pensamento do legislador ;

ta1 a iinica soluqão racional do problema, em face


dos principias u .
Esta doutrina do illustre civilista e professor,
sendo fiindanieiitalliierite verdadeira, póde á pri-
meira vista parecer incoiripleta, porque entre os
DIRFiI'IO CIVIL POHTUGUÊS LXXVII

factos qiie coiistitueni direitos definitivamente ad-


quiridos, conio o caso j u l e d o e a transacção, n3o
se pbde deixar de iiicliiir t,anibttm a prescripção.
E assiiii, no exeiiiplo apontado do neto illegi-
, timo, se estk yi,siuii! os beg da herança durante
o tempo e iiae coridições neoesaiarias para se d a r a
presr,ripsXo, ndquiriui por esfe meio iim direito de-
finitivo'e irrovogavel, que nem niesmo a lei inter-
pretiativa lhe pbde ji tirav:
Deveria, pois, :+nlpllar-se o coiiceito dos direitos
aclqui?*idosri, todo& os tctw que, segundo a lei
civil, ~otifereinAS pessoas qdPr: nelles interveem um
direito c e r i o li gaianticlo?
De resto, a deterniiii:@o d'estes factos adquisi-
tivos du;.i cdireitos encoritra-me no proprio systema
organico da ~:*jdigo, que d'elles trata na segunda
pa,i.te, ~:egulaiido na terceira parte a fruição dos
direitos assixri wdyiiiridon.
O (.<)digoeliiprega iiiesmo ;L espressãu (direitos
a d p i ?idos), l;3r exen~plo,no :ii.t. 2173.", para si-

&p
gnificar m~~~ii'estrtriiente
-a L uelles qiie o iiidividuo

oprion por dgum des@ieios legitimos -occu-


3
, posse, pnesrripqdo; fi&~aha~lto,contrncto, gestdo
$de nkgocios, ou su~c&,o-exercidos nos termos da
!hei., '

e r liferi, tratando-se da irpylicação retroactiva de


1 ~htdbktiiefiq Ea necessidade do conceito
t:ao anlplo de direito^ adqiiiriclos, porque na ver-
dade s6 a transacçi?~ou o caso jiilgado A que
podem constitiiir dii.eiton contra a disposiçã.~da
lei autlieriticaniente iiitei.lu.eta tlr~,presiipponclo ser
eni hnrmonia cotii ella. (,)iia~\dose respeita iliii di-
reito atdqiiirido poi. presc+i.ii,~:ào;(i 1)oi. caiiha da lei
reguladoi~iitl'este fiicto, c ii;io 1)or (:alisa (1;) lei in-
terpretada.

22. - Applieaeão tIo 1rr.irit6i1,iocla iiiio-rcti-oncti-


viclade.

Pitrn sc fii~ei.;L ;il)l)lií.:ic;:io 1)i.iiicipio d;i iião-


retro:~ctiviciade, tal colrio se encoiiti.:i coirsigii:iclo
no codigo civil, deve ter-se eiii vista:
a) q u e L: este priri(:ipio s(í clr~vei.ecori.6i.-se qiiando
I-, legislaclor n5o teiilla esl)ecaiitliiiente clisposto por

meio de clisposições tralisitori;rs ; e


b) nestes casos, para qiie a lei se-ja retrh~ctiva,
não é preciso que, na siiii applicaçBo ao l ~ a ~ ~ n d o ,
ella vilL ofiencler direitos r~tJl~r~iridos, sendo silffic.ierite
qiie ellit niodifiyue qiiiil~~iiri' situação oii relação
jui-idica xiiterioi.rneiite f'orinada; o respeito dos
direitos ní~qiiiiidos 4 lima excepção ao principio
da retroactividade das leis interpretativas.
Supponl~:~rnos, por exenlplo, que o cotligo civil
na, consigiiava o preceito d~ li1.t. 565.", (liir 6 urna
disposiçRo de direito traiisitorio na pi.cs(:i~ip(;Ko.8 e
tal contece cesse, tini direito decli~radoiri11)rescripti~
vel pelo cndigo, riias qiie jA tivesse começado a,
UIRElTO CIVIL POHTUQU&S LXXIX

prescrever nos terinos 4a lei antiga, deveria aca-


bar de prescrever, eni vil-tiide do principio da não-
retroactiviclade, a ii&o ser '
que o art. 565.' fosse
nieranieiite interpi~ctativo,porque então applicar-
se-hia iiriiriedi;~tariit.iite As prescril,ções airida n5o
concliiitl:is, por não sereni estas direitos jfL adqui-
rido~.
Uiiia tlas ;tppliciiyÕe~classic:is, mas ii;io obstante
diivitlosa, do principio tl;~i i : i o - i ~ e t i ~ ~ i i ~ ~ t i ~fiiii-
i(li~tle,
dado na. distincçRo ('iitre tlii.ritos ;ttl(liiiritios e sim-
ples espectativas, é a (pie scl i-eferc A riiiidariça das
leis sobre o teiiipo (li1 in~iioi~i~l;rde.
A generalidade dos .j~iiisconsiiltqs, sobretudo
franceses e italianos, suszerit;im que uma lei nova,
augmentaildo o tempo da menoridade, não tem
applicaç20 Bquelles qiie it epocha da sua promul-
gação jh t,inhani attingido a maioridade, porque
este f>cc.toconstitue jA L I I ~direito adquirido (1).
Mas iniiitos jurisconsiiltos alleinães, e alguns
dos niais notaveis eiitre os fri~riceses,como Demo-
lombe, Aubry e Ri\ii, fornianclo dos direitos ~ d q u i -
ridos iini conceito iii:~is restricto e rigoroso, sus-
tentani x doutrina conti.aiin, argunrentando qiie a
iiiaioridade coiisti tiie apenas a ~,ossibilidaclelegal

(1) Cliironi e Abello. p a g 89 90; Gabba, ir, pag. 70


e segg.
de praticar certos actos juridicos, serri constituir
em si niesnla uni dii.cito ndqnii.ido (1).
Mas em face da vc~i.d:tclcii.;~ doutrina, qiie nos
parece ser conwigii:ida i i o art. H." do nosso codigo,
não h a que recorrer :to systeni:~dos direitos adqiii-
ridos, para se decitlii que A lei nova nGo tem
a p l ~ l i c a q k:tos i iidividiios declarados j A niaiores
pela lei aiitci.ior. 1)oi'qiic o coiitrario seria a nega-
ção do priiicipio t l ; ~r4o-i-etroactividade.
Coiii relação aos diq-eitos renes, a lei nova que
moclifiasse antiga sobre :L idoneidade das cousas
qiie d'clles podciii ser objecto, sobre o conteúdo d a
propriedade, o11 sobre os modos de a adquirir, não
se applica ás relações juridicas .jtí coiistituidas, aos
factos j;i praticiidos ein 1i;lriiioiiia coni n lei antiga.
Ti~iiibeiii a s obrigaq0es s,2o reguladas n a sua
origem, effeitos e qtiricção, pela lei vigente ao
tempo eni qiie foraiu coiistit~iidas; por isso, se a s
partes modificaram iinl:t tlisposiç%o que a esse
tempo n5o era consider:rdii, de orclem publica, o
facto é valido, aSrl(1:~que a sua execução s6 venha
a realisnr-se sob o tloiniilic-Icte iima lei que declare
tal disposição insusceptivel de sei. ;iltei.ada pela
vontade ~lils1)artes.
Do niesmo intxlo, ttii-iiheiii é pel:i, lei vigente a o
tempo do acto Ajuridico141i(: se regularii os qnez'os

(1) Cliiroiii e Alrlll:. pag. 90, riota.


DIREITO CIVIL POI~TUGUÊS LXXXI

de prova, porque estes fazem parte integrante da


constituição juridica das obrigações.
E m materia de successdo, os actos de ultima
vontade e as relações derivadas da success80 legi-
tima são reguladas lia substancia das suas ciispo-
sições pela, lei vigente ao tempo da abertura d a
successão, isto 8, ao tempo da morte do auctor d a
herrtilçn, porque B entzo que se verifica o facto jii-
ridico da siiccesstio.
A f i r m a clos actos juridicos, i ~ t oC, o modo clspe-
cial, ou o conjiincto de formalidades, coirio ;L escri-
ptiira e ns testeiiiiinhas, que :I lei irianíla realizar
na sua celebraç20, para qiie possam produzir os
seus effeitos, 6 regulada pela lei vigente ao tempo
em que sgo praticados.
E assim, em materia de testamento, emquanto
que as disposições da ultima vontade do testador
teern de se subordinar fi lei vigente ao tempo da
sua morte, a f61,iria do docurriento Q regulada pela
lei vigente ao tempo em qiie B feito (cod. civ.,
art. 1762,')).
CAPITULO VI

Applicação das leis no espaço

23. - Constitniqão das relações juridicas inter-


nacionaes.

Observando a evoliição historica, do direito inter-


nacional, o espirito do sociologo ou do jurisconsulto
reconhece necessariamente, embora com pezar, este
facto doloroso para a aspiração generosa d a con-
fraternidade universal - a marcha extraordinsria-
mente vagarosa do progresso juridico das relaçbcts
internacionaes. Para se chegar a reconhecer ao
estrangeiro a capacidade e o exercicio dos direitos,
que são condições necessnrias ao desenvolvimento
integral da personalidade hiimaria, para se inscre-
verem nos codigos modernos as disposições mais
ou menos liberaes sobre os estrangeiros, que lenta
e laboriosa evolução teem atravessado os princi-
pios juridicos e sociaes ! Durante muito tenipo a
concessão dos direitos civis aos estrangeiros foi
por illustres escriptores considerada uma offensa
ao supremo principio da soberania territorial !
Ainda em algumas recentes theorilrs, em confronto
LXXXIV L)IREITO CIVIL PORTUGUES

com as antigas, muito mais liberaes, a condição


juridica dos estrangeiros B respeitada por virtude
de considerações de int,ei.esse e opportunidade po-
litica., fillias mais dos germens de construcções
tl.ieoriciis, iiinis ou menos scientificas, do que dos
e1einent;ti.e~principias do direito e da justiça so-
cial (1).
Felizmente o estado social e jiiridico das socie-
dades ii~odernas,deteririiiiaclo por uma evoIução
necessaria, resultante (10 progresso econoniico,
moral e iiitellectuul, tem activa,do e multiplicado
por f'6i.in:i tao intensa e geral as relações interna-
ciori:ies dos povos, que os Estados teem sentido a
iiecessiclacle constante e inevitave1 de regular por
iimn maneira mais ou menos liberal e equitativa a
condiqRo jnridics dos estrangeiros dentro do seu
territorio, a dos seus cidadãos em paiz estrangeiro,
e n dos actos e contractos por uns e outros cele-
brados, i.econlieccnclo ate certo ponto e em certa
medida o caracter uiiivei.sa1 e cosmopolita da vida
juridicn cu~temporairea.Numa palavra, o estado
socinl e juridico da, vida liodierna reclama frequen-
temente a applicaq50 estr:~territorialdo direito.
O certo é que, em face daa necessidades econo-

(1) Prospero Feddozzi, GEi mti collectivi nel diritto


internazionale privato, pag. I .
micas, inoraes e intellectuaes de todas as socieda-
dea, a sciencia juridica proc1:tma em muitas e
variadas circiinistancias a i~pplicação do direito
estrangeiro para resolver os cnnflictos de leis nas
relações entre pessoas, cousits e actos pei*tencentes
,
a diversos Estados. E esta npplicnç50 estr:~t,errito-
ria1 do direito que coiistit,ue a scielicii~d o cliamado
direito privado interrincional.

24. -Theorias fuiiclnineiitaen c10 tlii.ello inter-


iiacional. - .1 theorin saciologicn.

Mas ao cspirito de todo o sociologo jurisconsulto


inil)õe-se niitilral e necessariamente o problema da
determinaq%odo fundailiento scientifico d7esteramo
da sciencia juridica. Qiial é na verdade a raz8o de
ser, o priricipio fundariiental da extraterritoriali-
dade do direito ?
A primeira theoria que pretendeu dar uma so-
luqão scientifica ao problema baseia-se no principio
natural de psychologia collectiva da existencia de
certos deveres de cortesia e1iti.e os differentes Es-

delicadeza entre os individuos. *


tados, tão iiaturaes conio os proprios deveres de
a tlieoria. cha-
iiiada da cortesia internacional -a co~nitasy ~ n t i u m .
A doutrina da cornitas gentium 6 eni grande
parte fundada no simples interesse de reciproci-
dade, pois, com effeito, a cortesia internacional,
como a cortesia interindividual, 86 existe geral-
mente emquanto 6 retribuida por eguaes ou seme-
lhantes attenções.
De fhrnia que, nos termos d'esta theoria, s6 por
anmbilidade, ou por uma especie de concessão
graciosa, as diversas nações permittiriam a appli-
cação do direito estrangeiro dentro do seu terri-
torio (1).
Mas semelhante theoria foi já abandonada por
quasi todos os internacionalistas, porque, como
observa e demonstra o Dr. Teixeira d'Abreu, ella
é falsa nos seus principias, perigosa nas suas coii-
sequencias, e absurda nas suas applicações (2). E
com razSio assim foi julgada esta doutrina, porque
na verdade a cortesia internacional está longe de
ser um facto constante na vida dos povos, e ainda
- .

que o fosse, como simples manifestação d'urn phe-


--
nomeno meramente psychologico ou interesseiro -

(1) Dr. Teixeira d'Abreu, Das relações civis inte~rzacio-


naes, n.O 2 ; Dr. Marnoco e Souza, Ezecução extraterrito-
~ i a dcu
l sentenças civeis e commwciaes, n.O 10; e auctores
por estes citados.
(2) Obr. cit., n.OS 2 e 3. A theoria foi desenvolvida por
varios eacriptorea (Voet, Bouhier, Huber, Bullenois, Story,
Vheaton, Philimore) e ainda hoje 6 adoptada pelo illustre
internacionalirrta Foelix (Traité de droit international privé,
vol. 2 . O , pag. 40). Veja-se : a obra citada do Dr. Marnoco,
n.O 10; e Dr. Arthiir Montenegro, Da unidade e univer-
salidade da fallencia, pag. 5 , 11 e 12.
DIREITO CIVIL PORTUGUÈS LXXXVII

d a s nações, nunca poderia aer elevada B categoria


- -
d'um principio positivo d a ordem juridica inter-
nacional.
Abandonada a doutrina da comitas, que, no dizer
do Dr. Teixeira d7Abreix, continlia iniplicitamente
8 negação do proprio direito internacional, pro-
curaram os jiirisconsultos assentar definitivamente
a base scientifica d'esta manifestaç5o do direito.
Foi o notavel Savigny que primeiro pretendeu
firmar o verdadeiro fundamento do direito privado
internacional com a sua classica theoria da com-
munidnde de di~eito.O Dr. Teixeira dlAbreu re-
sume assim esta theoria :
#Partindo do principio de qixe entre todos os
povos chegados a um certo grau de desenvolvi-
mento existe uma certa comrnixnidade de direito,
isto é: uma maneira uniforme de coniprehender e
resolver os problerrias juridicos, reconliece, é certo,
o accordo aniigavel dos Estados na adiliissão das
leis originarialilente estrangeiras entre as fontes a
que os seus tribunaes deveni recorrer para julgar
muitas relações; mas esse accordo não é, como na
comitas, o effeito d'uma pura benevolencia, o acto
revogavel d'uma vontade arbiti.ai.ia, inae sim um
desenvolvimento proprio do direito, seguindo em seu
conciirso a mesma marcha que a s regras sobre
collisões entre os direitos particulares d'uni mesmo
Estado. Por esta fórma uma relriçào juridica deve
LXXXVIII DIREITO CIVLL POHTUQ~SS

ser uniformemente apreciada em todos os paizes,


4 face dos principias da razão universal. Não 6
portanto por cortesia internacional (comitas) que
se acceita a applicação d'uma lei estrangeira, es-
creve Despagxiet, mas antes para realizar uma
S O I U Ç ~racional
O imposta pelo estudo d'uma relrtçfio
de direito (1).
Mas a theoria da communidade de direito tem
sido objecto cle vivas criticas, e não nos parece
realriieiite clestinada a forrriar doutrina definitiva (2).
Effectivairieiite o principio da communidade
--- de
corresponde, nem jimais
iilgamos, 4 realidade dos
ridica. A diversidade do
ção juridica das clifferentes
quencia natural e riecessa-
nica dos POVOS e das na-
. Dr. Guirnarlies Pedrosa,

(1) Dr. Teiseira dlAbreu, obr. cit., n.O 4 ; Despagnet,


Droit intemzntioncrl privé, pag. 171 ; Dr. Giiimar2tes Ye-
drosa, IntroducçZo ao estudo do direito p ~ i o a d ointernacio-
nal, pag. 213 e 216; Savigny, l'raité de d ~ o i tromain,
vol. 8.O, pag. 18-31.
A tháoria rla communidade de direito é ainda
ferida por muitos escriptores (Mancini, Fiore,
Raisini, e outros). - Veja-se a obr. cit. do Dr. Marnoco,
n.O 13.
(2) Veja principalmente a obra do Dr. Marnoco, n." 13.
DIREITO CIVILPOHTUQUES LXXXIX
-- -- - -- .
- - -

póde affoiitamente :iffii.mar-se qiie a coexistencia


de nações é iini f;icto fatal, necessario, constante,
indefinido, assim no esl):tc,o como no teilipo ; e por-
qiie as leis, como cliz Montesqiiieii, sno ; ~ srelações
necessr\i.i;is (pie d(,i.ivani da n a t i ~ r ~ das
z : ~ coiisas,
;t di.c~ersid:idedas 1egisl:iqOes positivas cios diffe-

rentes l)ovos, qiie no presente e rio passado Q iiina


verrlacle prtente e iiitiiitiva, serh iini facto egual-
mente caoiistnnte e riecessnrio no futiiro (1).
A affirriiaqilo (10 principio da conimiinidade de
direito entre os povos representa, pois, qiiando
muito, o desejo ci'uma aspiraç50 do direito univer-
sal, nias B necessariamente irrealizavel, dadas a s
naturaes e profi~ndasdivergencias das condições
sociaes de existencia e desenvolvimento dos diver-
sos povos.
Se, pois, s communidade de direitr, B um prin-
cipio--abstracto e inexistente n a vida jilridica univer-
sal, insubsistente 6 , por cr>nseqnencia,a, explicaq50
que Ilie cCl L Savigny conto sendo uni resiiltncio do
dese~zvolvimentoyroprio d o direito. E :linda qiie ver-
dadeiro fosse o principio. inadmissivel era i1 expli-
cação -evoliitiva,
- pois qiie precisamente o desc~n-
volvimento proprio- do direito se opera em sentido
inverso do principio da -cornmunidtx(1e. O rlesenvol-
vimento proprio do direito. seiido uma con~equencia

(1) Dr. GuimarFLes Pedrosa, ohr. cit., pag. 1'1.


DIR.,3.' CAD., 2.. SÉRIB.
natiiral das condições particulares de cada povo,
opera-se, pelo contrario, no sentido da mais pro-
funda differenciaçao correlativa 4 mais accentuada
diversidade d e habitos, costumes e modo de vida
das diversas raças.
Póde, (I certo, operar-se o dese~-ivolvimeritod o
direito no sentido da maxima approsimação entre
os ~ ) o v o s d aniesma raça, que tecni i i i r i modo d e
vida soc.i:d arialogo ou quasi ideiitico, como acon-
tece, por exeiiiplo, entre os povos da raça latina.
Mas o cleaerivolviinento jiiridico entre os povos d e
raça differente, que teeiii um rriodo tle vida social
muito diverso, opera-se iieccssarii~iiieiiteno sentido
d a iiiais precisa clifferenciaç20, eni linrmonia com
a real diversidade de costiinies, traclições, habitos
e de todas :LS condições socines. I? o que necessa-
rianiente acontece coni os povos latinos, slavos,
aeri?ianicos e anglo-sasoiiicos.
Coiii effeito, ningueni ignora que o estado social
presente attingiu a inaxinia differenciaçao dos sys-
temas jiiridicos positivos, inglês, allemão e latino,
e que dentro dos l~ovosd a mesnia raça latina h a
profundas divergencias entre o systema franc6s e
o italiano, pelo menos eiri grande parte dos insti-
tutos juridicos.
Nestas condições, dada a inefficacia completa do
*principio da comnzunidade de direito, tambem não
podia ser feliz a explicaq80 que pretendeu dar-lhe
o notavel Mancini, fazendo-o derivar, ngo do des-
envolvimento proprio do direito, mas da communi-
dade e da sociabilidade da natureza humana, que
os Estados não podeili violar sem se tornarem
membros rebeldes e refractarios da sociedade iini-
versa1 (1).
Pcw isso doutrinas mais recentes teem abando-
iiaclo a tlieoria classica da communidade juridica,
procurando fui~d:ir a vida extraterritorial do di-
reito em priricipios mais scientificos.
41
A doutrina mais geralmente aeeeika-Qa da soli-
dariedade social e iiniversal, interpretada e expli-
cada por principios de ordem diversa.
O principio da solidariedade internacional tem
sido considerado : por uns, dever de assistencia ou
auxilio, qiie o vinculo da caridade na ordem social
impõe a todos os homens (2); por outros, como
uina necessidade evidente da justiça das nações,
que impõe o respeito e a observancia do direito
nacional al6m das proprias fronteiras (3) ; e por

( 1 ) Mancini, Règbs potir ass~trer la décision uniforme


des conjita, na Revzie de droit international, vol. 7.O,
pag. 327 ; Dr. Marnoco, o b ~ cit., . n.O 13.
(2) J u a n de Dios Frias, Fundamento racional de ta extra-
territorialidad, na Revieta juridica da Cr<ta?uAa,vol. 3.0,
pag. 795.
( 3 ) Fleischlen, L ' a u t d é de Ea choae j u g h et de la litis-
XCII DIREITO CIVIL POKTUOU$B

outros, como uma --- .consequencia


- - -
natural e logica
dos direitos naturaes do Iioniem, que se inipõem
ao respeito iiniversal (1).
&Iasum simples e siiperficial exanie d'estas theo-
rias facilnleilte revela a sil;~, insiifficiencia perante
o carctcter positivo cln scien-cia social contempo-
ranea.
A tlieoi.ia da assisteiicia
- -- interiiwcional n5io B mais
do que iiiiin nora fórintt da comitas gsntium,depri-
mida niiida coiri o conceito dct caridade, repellido
pela escol:t socialista scieiitifica, até mesmo nos
deveres cle calda Estado para, com os seus cida-
daos (2).
O p r i i ~ i p i oda soliilariedade~yidenteda iustiçt
entre as iiaqoes 4 a11eii;ts - uixia nffirmaqão-. - de facto,
de ciija explica@o -- -- e- f -u i i d a s n t o precisamente a

scieiicia (a:-. -
De resto, a vellia tlleoria dos--- direitos iiaturaes,
7
aqui, como em qiiasi todos os problemas, passou
já á liistoria da Pliilosophia do Direito coiii grande
gloria, Q certo, inas iinpotente para explicar e des-

pendunce en d ~ o i tinte~.nationalpriv4, na Revz~ede droit


international privé, vol. 28.", pag. 678.
(1) Marino, Pvincipii di divitto internazionale, pag. 100.
( 2 ) E m vez de semelliante principio a escola reclama o
direito 4 existencia ou dirhto ao trabalho - Charlee Gide,
Principes d'économie politique, pag. 459.
envolver o estado social e jiiridico presente. .Os
direitos nati~raes são iinia piira pli:iiltasia, uma
verdadeira chimera, um mytho philosopliico, pois
os seus caracteres absolutos, imniiitaveis, egiiaes
para todos os povos e ljara todos os tempos, con-
stituem uma abstracçRo sem realidade alguma, visto
o direito ser iima formac,%oiiatiiral, i i i i i organismo
que se clesenvolve e transforriiu erri liarnioriia com
a s condições sociaes D (1).
Enl presença da derrocatln cie t:iint:is tlieorias,
propagadas pela voz auctoriz:icla de tão notaveis
escriptores sociologos e juriscorisiiltos, onde estará
ent8o ;I verdade scicntifica do furidniiieiito da vida
extrnterritorial do direito?
e

O espirito d'um observador, que examinar des-


prevenidamente, isento de qiiaesqiier ideias pre-
concebidas, o modo de ser da vida social, ha de
iiecessurianieiite reconhecer que o verdadeiro fun-
daniento do direito internacion:~lé fornecido pelos
dados da Sociologia, que nos apresenta o desen-
volvimento das relações internacionaes sob a fbrma
e as manifestações vitaes d'iim organismo, resul-
tante da coordenaçgo necessaria, que cada vez
niktis estreitamente prende todas as riaçiies cliama-
das a tomar parte no convivio universal, moral,

(1) Veja-se a judiciosa critica feita pelo Dr. Marnoco,


na sua obra j B citada, n." 14.
XCIV DIREITO CIVIL POKTUO(~$S

intellectual e politico, mas principalmente econo-


mico, das sociedades modernas.
As sciencias, as artes e as industrias, vivificadas
constantemente pelo engenho assombroso do espi-
rito hiiniano, por tal f6rma teem diffiindido o pro-
gresso social atravbs de todos os povos, facilitando
as commiiiiicações e universalizando o coqmercio,
que lioje beni se póde affirmar liao Iiaver já fron-
teiras algunias que separem a vida dos povos ; e
as suas condições de existencia e desenvolvimento
s80 por isso de facto tam solidarias e interdepen-
dentes, que todas as perturbações locaes, como
observa De Greef, se repercutem quasi ao mesmo
tempo em todas as partes de varios continentes,
como as sensações em todos os centros nervosos
do organismo individual (1).
Sendo assini, n theoria sociologica, como doii-
trina positiva e real, colloca todos os Estados na
situação natural e necessaria de harmonizar as
proprias garantias de defesa, conservaç50 e vida
nacional, coni as condições correspondentes de
existencia e desenvolvimento de todos os outros,
contribuindo numa cooperação harmonica e soli-

(1) De Greef, I~ttroduction à lu Xociologie, vol. 1 . O ,


pag. 74 e 75. Sobre a formação e caracteres do organismo
internacional, veja: Dr. Marnoco e Souza, obr. cit., n.O 15,
e auctores ahi citados.
DIREITO CIVIL P O R T U G U ~ ~ S xcv

daria para o desenvolvimento da vida de todo o


organisnio internacional.
Nestas condiqões, a doutrina sociologica impõe
a todos os E<tndos a obrigaçiio de reconhecerem
reciprocanierite os seus res1)ectivos systemas juri-
dicos nas relações do organisnio jntèrnacioml,
tanto quanto possivel, :ttd ao lirilite em que o con-
sentem a sua propria aixtonomia e independencia
e as suas fundamentaes garantias de vida interna.
E 6 precisamente na deteriiiinaç,20 das condições
em que cada Estado póde c deve recoriliecer o di-
reito estrangeiro, que consiste o objecto e a essen-
cia do direito internacional.
E assini, o que primeiro iiiiporta 8 scieiicia é
averiguar e fixar o principio que deve deterininar
a lei reguladora das relações jiiridicas iiiternacio-
naes.
A extrema complexidade do organisnio inter-
nacional complica de tal niodo a soluç%odefinitiva
do problema, que as theorias successiva~ilentear-
chitectadas para o resolver teem tido geralmente
a niesma sorte que as doutrinas exposta? sobre o
fundamento do direito internacional.

25. - A personaiidade e a territoriaiidade das


lei&
Na evoluçaio hietorica do direito internacional
apparecem primeiramente, e foram coneegrados
XCVI DIREITO CIVIL POPTUGUÊS

dois systemas, disputando cada uni o seli imperio


exclusivo : a personalidade e a ter~itorialidadedas
leis.
Assini define lucidamente cada um d'estes sys-
temas o illiistre professor de direito, Dr. Teixeira
d7Abreii: .#Pelo primeiro cada Estado estende o
seu imperio sobre todos os seii's cidadgos, mas s6-
mente sobre elles ; o e~t~rangeiro fica inteiramente
siibordiiiado & siia lei originaria, tanto no qiie res-
peita á sua pessoa, como no que respeita aos seus
actos, e ao seu patrimonio. Ao contrario d'este, no
systernti, da, tenitoriczlidade, cada Estado legisla
para todas as coiisas e para todas as pessoas que se
encontram no seu territorio, qualquer que. seja a
nacionalidade d'aqiiellas ; mas nenhum imperio
teni sobre os seus iiacionaes desde que sahem do
pais D (1).
Ambos os systemas, com o seu caracter de ex-
clusivismo, decahiram com o direito que os arvo-
rou eni bandeira suprema.
E assim tinlia de ser necessariamente, porque
qualquer d'elles 6 absurdo e desastroso em suas

(1) D r . 'l'rixeirn dlAbreu, obr. cit., n." 9. O systema


da pevso~zalidadedominou no direito barbarico, e já era do
direito roiiiaiio, segundo conject'rava Savigny ; a territo-
rialidride doiniiiou iio regiuien feudal. Idem, n.08 6, 7 e 8,
e auctores ahi citados.
consequencias, e de mais a mais contradictorio
com a propria existencia do direito intern:icionnl.
O systema da personalidade, impondo, em cada
relação juridicn e dentro do mesmo tei.i.itoi-i(,,;i
applicsção siniiiltanea de diversas e t:iiit:is leis
quantas as nacionalidades clos iritlivitliios cjiie iiell;~
intervem, nldiii cle ser a negaça0 da l~i.ol)i.insobe-
rarii:i (10 T<stntlo, torna- . insoliiveis
--- os conflivto:,
ZiiGc~l:is Icis seii1pi.e q i ~ e e " ~ l ;sejam
is ienlnieiitr
diffei.erites.
O syht~'111:1il:~ tc~rritoriali(l:t(Ic,tc.ililo l)oi. iiin
lado a ;il)l~ni-ente vantngeiii cle toi*ii:ir iiril~ossivcis
os c~oriflictos,vihto ( 1 1 1 ~11111:1 s0 lei, x tei.ritorial,
iniperà, cni c:itl;i 13st:ido, teiii por o1iti.o lado o in-
conveiiieilte gr;~vi~siillr) e irreparavel de se oppôi
tenazilieiitc
-- -
no d'esenvolviiricnto (ias relaqões inter-
n3cionaes.
- e de siibstituii. o cliieito pelo arbitrío,
pois que perante elle ligo lia direitos certos, e tiido
depencle tlo sirii1)les facto d'iini deslocamento terii-
torial. Aquelle que é nmioi iiiim país, ser& menor
noiitro onrle viaje ou fixe, enibora terriporariamente,
a siin residencia, e os contractos são válidos ou
nullos, coriforme o logar ein que se encontrem os
contr;~liei~tes, ou mesmo conforme o logar oiidc
hajarr) de se ciimprir e produzir os seus effeitos (1).
Reconhecidos os perigos insanxveis de qualqiier

(1) Dr. Teixeira diAbreu, obr. cit., n.O 10.


DIII.,3.. CAD., 2..
d'estes syatemas, como principio exclusivo, e jiil-
@da, como conseqiiencia necessnria, a sua in-
admissibiiidade, desde logo se empenharam os
mais notavein jtirisconsultos eni construir uma
theoria que fosse c.apaz de resolver scientifica-
mente os conflictos jiiridicos internacionaes.
Foi dos seus esforços conjugados, iniciados pela
escola dos glossadores, que nasceu a classica theo-
ria dos esttrtutos.

A tlleoria dos estatutos appareceu principalmente


coiiio unia satisfa<;8o As necessidades urgentes do
commeicio, deterrriinad:~~ pelo seli crescente des-
envolvimento internacional, qiie reclairitvitm a cada
passo o trtttamento favoravel da coiidição juridica
dos estrangeiros. Foi sob a influencia d'estas neces-
sidades que se estabeleceu a distincçi?~,nas leis
ay>plicaveis As relações juridicas, entre as locaes
o u territoriaes (estatuto real) e as nacionaes do es-
trangeiro que lhe deveriam ser respeitadas (estatuto
pessoal) (1).
Mas, nestes termos vagos, a distincção nada 6
ainda, e, quando muito, servia para indicar os
lineamentos periphericos da theoria. O que impor-
tava, pordrn, era determinar com precisão o seu

(1) Despagnet, obr. cit., pag. 145.


DIREITO CIVII, PORTUGUBS XCIX

conteúdo central, era definir quaes as rela~õesju-


ridicas, on elementos d'ellas, que deveriam ser re-
guladas 1~eloestatuto real, e as qiie deveriam ser
reguladas pelo estatuto ~)essoxl.
Esta tentativa foi encetada pelo celebre juris-
consulto Bartolo, inns coni tanta carencia d e rigor
scientifico, qiie beni depressa foi abandonada e ri-
dicu1aris:~di~ pelos seus prol~riosdiscipulos e secta-
rios, q u e a qiialificaram de l~iieril.
A tlieoii;~distinctivn c1e R:irtolo era: o estatuto
B pessoal se (:omeça pela pessoa, por exemplo : Prz'-
mogenitus sztccedcrt i n ornnibus bor~is;e real, se em
primeiro logar ti.nct:t dos bens : Bona decedentium
ceniant i n jn.irnogenite~?n(1).
Procuraram então os jurisconsultos dar Q theo-
ria dos estiitiitos lima consistencia mais solida ba-
seando-a na distincçgo juridica das pessoas e das
cousas, e firmando-a Dnmoulin no seguinte princi-
pio: si stntuttcm nyit in Tem, reale est; si in perso-
num, personnle est. E como as leis se referem quasi
Sempre conjiinctamente ás pessoas e ás cousas, os

(1) Ora, com effeito, a distincção 6 pueril, ou, pelo me-


nos, isenta de qualquer criterio logico, nHo obstante o es-
forço de La~irentem defender Bartolo contra a accusação
de puerilidade (Dmit civil intemutional, vol. I.', 5 216.')).
Veja-se a obr. cit. do Dr. Teixeira d'Abreu, n.O 12, e
auctores ahi citadoe.
partidarios da theoria, completaram-na, dizendo
que a lei fazia parte do estatuto pessoal quando se
referia principal e directamente ás pessoas, e do
estatuto ' w a l se se refèria yriiicipal e directamente
AS C O U S ~ S . Nestas corit1ic;ões ;L tlieoria resolvia os
conflictos de clircito interiincioii:~l~applicando o
estatiito real, se a re1nt;;io jiiridica inc'idin l)riil(:i-
palinente
- --.sobre coiis:is ,711 bens, e o pesso:~l,isto
6, a lei cln nacionalidaíl(: tlos interess:~tlos,h(: .\cs
_ _ ._- _ - -hs pessoas.
referia priiicipalmente
C:orno pordm Iiavin, e l i : ~egiii~lilieiitelioje, iiiria
infinidade cle relaqões jiiridicas qiie tanto eiivolvem
as pessoas como as oousas, e até os actoh, :%conte-
cia qiie a immensa diversidade de soluções dadas
pelos jiii.isconsiiltos clesthronava a cada passo a
:~uctoi.itlndeda tlicoriti.
Para resolver est3s diflic~iildades,inodificou dlAr-
gentrè a classificaç~otlos Estatutos, acrescentan-
do-llie unia terceira, (1;specie- os estatritos rnixtos,
abrangendo nestes todas as relaçijes jnridicas que
não tivessem exc1iisir:enieiite por objecto as pessoás
oii a's coiisiis. Mas esta n1odificac;;io tla tlieoria, alem
de riao diminuir as difficii1dadcs, visto que-pusas,
-neiihiirria relaç5o juridica liaja que com-
preliendn exclusivanieiltc pessoas oii cousas, era
inutil, pois que o seu auctor equiparava os estatu-
tos niixtos aos reaes, fazendo prevalecer a respeito
d'elles a lei territorial. De resto, a creaçao dos es-
tatutos mixtw não fez senão levantar maiores
difficuldades, porque os ji~risconsultos reclama-
vam, em obediencia. aos priricipios cl;~theoria, que
se applicassem simultaneamente, a respeito d'elles,
a lei territorial e a pessoal, esta para a parte rela-
tiva 6, pessoa, e aquella para a relativa aos bens.
por fim a confusão foi tal que Roiihicr Voet
propuseram que um estatiito se çorisiclerasse real
ou pessoal, segundo era de facto npplicndo ou não '
f6ra do territorio onde tinha força cle lei, o que en-
volvia iiiiia petição de principio 8 (1).
Nestas condições, a theoriii, estatutaria não podia
reallilente resistir aos enibntes da sua proy~riairi-
siiflicieilcis, e muito iiienos ao influxo dos novos
principios da constituição orgariica do direito inter-
nacional.
Entretanto devemos confessar não s6, com Veiss
e Savigiiy, que a theoria dos estatutos representa
uni progresso notavel sobre os principios absolutos
e exclusivos da personalidade e da territorialidade,
e que n;lo póde considerar-se completamente falsa,
porque ella B susceptivel de muitas interpretações
e applicações justas, mas tambem, e brevemente o
verificaremos, que a essencia da sua doutrina póde
ser restaurada, em termos diversos, 6 claro, como

(1) Dr. Teixaira dAbreu, obr. eit., n." 14, k auctoree


ahi citados.
expressão da theoria que melhor se harnionisa com
as condições de desenvolvin~entodo organismo in-
ternacional.

27. - A theorin dn vontade das partes.


Uma theoria singiilar sobre a lei reguladora das
relações jurirlicas iriternacionaes é a defendida por
Hauss. k a da lei p~eswnidarnenteacceita pela von-
tade das partes.
O Sr. Dr. Teixeira d'Abreu p6e completamente
de parte senlelliante doiitrina, allegando, em pri-
.meiro logar, perinittir ella que, por uma subordi-
nação voluntaria B lei estrangeira, as partes illu-
dani as prescripções, ainda as mais imperativas,
da sua lei nacional, pondo, assim, a vontade d'ellas
acima da, do proprio legislador, o que nxo se co-
aduna com OS direitos da soberania; e que, por
outro lado, ella envolve enormes difficuldades de
app1icaç;io pela quasi impossibilidade de descobrir
qual seria a vontade das partes, quando ellas a
não tenham manifestado claramente (1).
Realmente a theoria é insiistentavel, porque o
seu principio é illusorio e contrario ao caracter
imperativo e prohibitivo das leis. Comtudo Q certo
que ella teni unia applicação exacta eni relação 4s
formalidades externas dos actos, que, segundo o

(1) Dr. Teixeira d1Abreu, obr. cit., n.O 17.


principio hoje universalniente acceito -ZOC'LLS regit
actum, -são reguladas pela lei do logar onde são
celebrados. Ora, este principio d ein parte o reco-
nhecimento da soberana vontade das paiatesnesta
categoria particular de gsrant,ias juridicns.

28. - A tlieoria do criterio Juridicso c10 juiz au


do legi~lador.
Perante a iriconsisteiici:~ de t:~nt:ts theorias,
baseadas iiuin iinico pi.incipio, iiia is ou ineilos
unilateral e exclusivo, I I I R ~ S O U menos 1)lastico e
adaptavel 6s diversas especies de relaçGcs jilridi-
cas, Savigny e JC'aeclitcr, despreiiclendo-se do
conceito d7um principio iinico, particular, fixo e
geoirietricamente dciiiliclo, iiiiagiri,zr:~in construir
uiua doutriiia mais scieiitifica e pratica, baseada
num principio generico, susceptivel das mais rigo-
rosas e logicas applicações.
Na doiitrina de Savigny e Waechter, com base
no principio da communidride de direito, o primeiro
dever do juiz, ou do legislador, que se encontre
em presença dum conflicto de leis, 6 egaminar com-
---- -da r e l q ã -o jiiridica,
todo o cuidado a iiahreza - -.- e,
-
determinada ella, applicar-lhea lei que nielhor - 9
resolver, sem se preoccupar coni o facto de ser ella
zt obra d'um legislador estrangeiro (I).

(1) Dr. Teixeira d'Abreu, obr. cit., n.08 19 e 25.


CIV DIHEITO CIVIL POKTUQUÊS

Mas ainda nesta tentativa sossobraram por com-


pleto os esforços de t5o notaveis jurisconsultos.
Esta cloutrina 1150 p6de mesmo ser elevada Lt cate-
goria d'illl~;~ tlleori;~scientifica, porque Ilie falta o
alicerce cl'uiii l~riiicipioèni que se funde.
QII;LI6 O criterio corri que esta pretendida theo-
ria deteriliiii;~i1 lei regi~ladorados diversos grupos
de relaqOes jiiridic:is ? Eis o que :I tlicori:~iiciii se
atreve a dizer. O principio que deve inspii~nr.o juiz,
ou niesmo o legislador, é qiie constitiie lwecisa-
iiieiite o problema a resolver. Iras a tlieoi.ia nada
diz.
O proprio Savign!-, iio desen\70lvinieiito da sua
theoria, 6 que teve de se snbstitnir ao legislador e
ao jiiiz, 1)ni.a dcteriiii!i:ii. n lei regiiladora dos di-
versos griipos de relaqões jiiridic.as, conclilirido por
estabelecer os seguinte?: 111-iilcipios: o estado e a
capnciclade das pesso:tscleveni regular-se pela lei
do seii doniicilio ; t i s coiisas, quer moveis ou immo-
veis, pela lei d ; ~ sii:~+itiiagão; a fórda externa dos
actos 1)ela lei do logar onde forem praticados ; a
validade intririseca e os effeitos das obrigações,
pela lei do logar onde devam ter execuç40, a não
Uer qiie outra seja a vontade claramente manifes-
tada das partes, ou que a natureza das coilsas im-
ponha outra solução.
Ora, se rias conclusões da doutrina de Savigny
é que deve consubstanciar-se a sua theoria, então
facil 6 de ver que ella ngo 6 mais do que uma sim-
ples modificac;ão da tlieoria dos Estatutos. Com
effeito, a lei do domicilio outra cousa nso é senso
o estatuto pesso;tl, yiie t;lnto póde ser a lei do do-
i~~icilio,como a da nacionalidade, ou mesmo a da
vontade das l ) a r t ~ s ,conforme o principio que se
qiiiser adoptai.. E :i, lei do logar da fórma dos actos
ou da siin execuç5o r5 precisamente o estatiito real.

20. - A teri.itorialidaale ala escola anglo-ameri-


cana e a personalidade da escola italiana.

l? singiilar que no meio das incertezas e liesita-


qões dos principios fundamentaes do direito inter-
nacional tentaram renascer e consolidar-se os velhos
principios da territorialidade e da personalidade,
embora modificados no seti primitivo excli~sivismo
pelas condições da propria existencia do direito
internacional moderno.
A doutrina anglo-americana? nas suas tendencias
aiictoritnrias e absorventes, defende ainda a terri-
torialidade das leis, embora temperada pelas con-
I
cessões e exigencias da cortesia internacional. Mas
o. direito internacional vae repellindo cada vez com
maior energia semelhantes tentativas.
A renovação do principio da personalidade,
iniciada pelo eminente Mancini, e seguida por
n o t ~ v e i sinternacicnali3-tr. entre outros Weiss e
DIH..3: cm.? -I)? s ~ s m N
CVI DIREITO CIVIL PORTUGU~B

Fiore (1),é que parece dominar o espirito dos juris-


consultas modernos, principalmente da escola ita-
liana. Não se trata, porém, da simples restauraçgo
do antigo principio exclusivo da personalidade das
leis, mas sim da sua renovação limitada por prin-
c i p i o ~positivos do moderno direito internácional.
A nova theoria, affirmando o conceito do cara- .-

cter- essencialmente pessoal de todas as leis de


iilteresscs privados, visto que ellas teem sempre
em-vista . .a iitilidade das pessoas, estabelece como
consequencia necessaria o principio de qiie ellas
--
deveni reger todos os--individuos para quem forani
feitas. em todos os l o"~ a r e se em todas as Telacões
-.
.--- - -- -
juridicas, salvas as excepções impostas pela Z d e m
publica inte~.na.cional,pela regra -locus regit actum.
- e pela autonomia da vontade (2).
Examinando a nova theoria italiana da persona-
lidade do direito, facil é demonstrar que, comquanto
ella tenha o merito de fixar em principios geraes,
mais ou menos precisamente definidos, a lei regu-
ladora das relações juridicas internacionaes, com-
tudo nem satisfaz as- eaigencias sckn-

(1) W e i s s , Tvaité élémentaire de d~oitintemationalprivé,


pag. 241 ; Fiore, Le droit internationa1 privé, vol. I.',
pag. 57. Veja-se Dr. Marno20, obr. cit., n.O 1, in fine, e
nota 5.
( 2 ) W e i s s , obr. cit., log. cit.
DIREITO CIVII, PORTUGUÊS CVII

tificas, nem mesmo constitue uma theoria nova,


conio pretendem os seus fundadores. Com effeito,
ella resolve-se eni ultima analyse ria classica theo-
ria dos Estatutos. A regra locus regit acttbm e as
excepções derivadas da ordem publica internacional,
impondo a applicaçgo da lei territorial n5o são
outra cousa differeirte da applicação do estatuto
real; por seu lado, o pretendido principio generico
da lei nacional e as excepções impostas pela legi-
tima autonon-iia da vontade das partes, constitileni
precisamente duas fbrmas do estatuto pessoal, que
tanto póde ser determinado pela lei nacional, conio
pela do domicilio, conio pela da vontade das par-
tes, conforme os criterios adoptados ; na verdade,
tão pessoal B a lei nacional ou a do domicilio, como
a escolhida pelos proprios interessados.
0' proprio principio fundamental da theoria,
alem de não ter caracter de generalidade, visto
que as excepções t20 amplas e variadas o inutili-
sam, não corresponde n uma verdade scientifica-
mente verificada. A nffirffirniaçâo
de que as relações
juridicas internacionaes derem, em principio geral,
ser reguladas pela lei pessoal (a da nacionalidade)
das partes, com o fundamento de qne as leis de
interesse privado teem sempre em vista a utilidade
da pessoa; carece de realidade e de base scientifica;
as leis não teem um caracter essencial e exclusiva-
mente pessoal; o que ellaa teem é um caracter
.-
essencialmente social, referindo-se ao homem so-
cial e não á pessoa individual. E sendo assim,
constituindo as leis de cada Estado um conjuncto
de condições de existencia e desenvolvimento do
seu organismo social proprio, póde dizer-se que
as leis de cada pais, representando as condições
juridicas do organismo Estadoa1 (do Estado) respe-
ctivo, cujos elementos physicori, ou materiaes se
iritegaui exclusivamente no seu territorio, teeni
antes de tudo, e principalmente, um caracter terri-
torial.
E d'este modo, em principio geral, contraria-
mente 5 escola italiana, poderia talvez affirmar-se,
com a doutrina anglo-americana, o principio da
I erritorialidade.
Esta simples critica mostra como é perigoso
ai.vorar em principio geral qualquer dos dois ca-
racteres do direito, a territorialidade ou a persona-
lidade.
Mas não páram aqui as difficuldades da t.heoria
do graiide esyirito de Mancini. As hesitações e in-
certezas na S U A applicaçiio levantam-se a cada
passo, principalmente a respeito das excepções,
que pela sii;i aniplidão e enorme plasticidade con-
stitiieni outros tantos principias geraes e, por vezes,
indefinidos. TBo grande d a difficuldade de definir
e precisar as excepções derivadas da ordem publica
internacional que nenlium jurisconsulto teve ainda
DIREITO CIVIL P O R T U G U ~ ~ S CIX

a felicidade de fixar e determinar a sua f'6rmula


concreta positiva.
Desde o proprio Mancini (1) at8 aos iiltiniok tra-
balhos scientificos (2) do iiosso conl~eciinento,que
se o c c u ~ a r a n ido problema, todas as tentativas se
teem resolvido ein fórrriiilas vagas e iridefinidas,
insiisceptiveis de al)plica(;Ro directa e precisa. As
fórmulas que por erilqu;uito 1)redoiriinam são a de
Despag.net (3), ou a do Llr. Marrioco e Souza-
aEntende-se por ordew publica intel-nacional o- con- - -
juncto de disl)osiqões legaes que, segiirido as ideias
adiliittidas nuiri país, são consideradas
- -- como res-
peitando aos interesses essenciaes d'esse niesmo
pais; oii eritao, o conjuncto de preceitos legaes,
q u e coilstitiieni condiç0es essenciaes á existehcia
e desenvolvinicnto organico d'um Estado B .
Independeiiteiriente de qiialquer analyse critica,
6 evidente ;L iiisi~fficiencia,a indeterminaçfo de
ciui~lquer d'estes principios, embora fundameiltal-
mente verd;xdeii.os. Em nosso entender, devo iiie-
sino reconliecer-se a impossibilidade de definir por
iima f6rmiiIa geral todos os principios oii preceitos
(Ia ordem publica internacional. E por isso ao le-

(1 1i~q)portu E'institut de droit inte~national,na uessfto


de Haya, em 1-74 e 1875.
(2) Obr, cit. do Dr. Marnoco e Souza, n." 84.
(3) 06r. cit., pag. 175.
CX DIREITO CIVIL PORTUQU&S

gislador 4 que compete determinar, para cada ins-


tituto ou grupo de relações jiiridicas, quaes as con-
diçõe que por siia natureza essencial pertencem á
ordem publica.
Como excepção ao principio da nacionalidade,
acceita a escola italiana, bem como quasi todos os
escriptores, a regra locus reyit actum, para as for-
malidades extrinsecau dos actos.
(Esta norma, que os auctores antigos, como
Hert, fundamentavam na submissão voluntaria do
estrangeiro á lei do pais onde se realisava o acto,
que Bar justifica pelo consentimento iinanime d a s
nações, e que os aiictores melhor orientados expli-
cam, theoricamente, provando que a lei territorial
6 a mais competente para determinar as garantias
de que o acto deve ser revestido, e praticamente,
mostrando a impossibilidade de em muitos casos
se observar a lei estrarigeira sobre a fórma externa
dos actos, é hoje universalmente admittida como
principio de jurisprudencia internacional, (1).
. Mas profunda divergcricia existe entre os escri-
ptores sobre o caracter imperativo e necessario, ou
facultativo, da observancia da regra, sustentando

(1) Dr. Marnoco e Souza, Dae letras no direito com-


mercial portugz~ez,n.O 19; Dr. Teixeira d'Abreu, o b ~ cit.,
.
n.O 22; Despagnet, 06r. cit., pag. 348 ; Weias, obr. cit.,
pag. 253; Fiore, 0 b ~ cit.,
. vol. l.O, pag. 239.
uns o caracter sempre imperativo, outros o facul-
tativo, e outros uma ou outra das doutrinas, con-
forme a natureza, importancia e circumstancias
particulares dos diversos actos jiiridicos (1). E esta
ultima nos parece a mais razoavel doutiina, como
adesiite teremos occasiao de verificar.
Emfirri, na legislação de todos os povos ha um
vasto systema de regras puramente voluntarias.
São qiiasi todas as que teem unicamente por fim
acautelar os interesses particulares e exclusivos
dos cidadãos, na supposição de que os proprios
interessados deixam muitas vezes de os prever e
regular nos seus actos e contractos. #Esta parte
do direito dos povos póde considerar-se, pois, como
verdadeiramente subsidiaria da vontade das par-
tes ; onde estas guardam silencio vem o legislador
afirmar qual foi a sua intenção. É por isso da
propria natureza d'essas disposições o poderem
ser ou não reupeitad:~~ pclas partes; de razão 6 ,
yuis, que as leis não imponham aos estrangeiros a

(1) Su~tentam o caracter imperativo e necessario da


regra, entre outros, Lomonaco, Gary, e entre n6s, releti-
vamente ás letras, o conselheiro BeirTo (Da Icb*a ds cam-
bio em direito internaaonal, pag. 6 1).
PorBm, a grande maioria doi irremacionalistas sustenta o
simples caracter facdtrrtivo (Eeprrson, Despagnet). Veja-se
Dr. Marnoco e Souza, Dor ? d r a , e cit., log. cit.
CXII DIREITO CIVIL POKTUGG&S

subordinação a regras que os seus proprios nacio-


naes podem deixar de cumprir.
Tal B o f~indanientoda ultirria restricção imposta
pela escola italiana ao principio da personalidade
das leis (1).
Resiimindo agora as conclusões da exposição e
critica da tlieoria italiana, podemos dizer:
a) ella ncto Q uma theoria completamente nova,
e póde resolver-se n u m a rnodificayão da tlieoria
dos Esta,tiitos; e
ò) não satisfaz As exigencias da sciericia positiva
conteniporanea.

30. - Principias fnndamentaes nobre aw relaqões


juricliciin internacionaen.
Tendo em vista as c.onsidera~õesexpostas sobre
as diversas tlieorias, podemos estabelecer os se-
guintes principios :
1 As leis de cada Estado são principalmente
.O

territo~iaes;
2." Mas 4 certo que ellas s5o destinadas a ga-
rantir os clii.eitos e obrigações da pessoa dos seus
cidadãos, e, por conseqiiencia, s3o tambeni essen-
cialmente pessoaes ;
3." Sendo as leis de cada pafs simultaneamente
de caracter territoria1 e pessoal, ambos estes ele-

(1) Dr. Teixeira d7Aùreu, obr. cit., n.O 23.


DIREITO CIVIL POKTUGUÊS CXIII

mentos devem ser respeitados nas relações juridi-


oas internacionaes ;
4." E, port,niito, modificnntlo a theoria dos Es-
tcztutos, no seiitido de tleiiiiir os seus termos, n&o
pelo ol)jccto d a i,elti(;i?oj iii.iili(.;i (1)essoa ou coiisas),
mas siiri l ~ e l 1t.i ; ~ a~)l)licnvc~l, c desdobrando os ter-
mos c10 est;~tilto l~(~hhoal. eht;t tlieoria, sob unia
nova fói.nia, l ~ ( í f lser c resta rii.;icla, i10 sentido de ser
tocls a i-eliiqão juritlioi~intei !i;icional regulada iie-
cessari:~niente 1 ~ 1 lei : ~ye$~orrlo i i pela te~*ritoriol;
5." O c . . s / v f ~ t ! d I , ~ . s s o ~hei.;;
~ l a lei ii;ici~iial,a do
doiiiicilio o i i ;i tla propria oiitutlc (1:;s ptirteu, coii-
forme a ii;itiii.eza l>;ii~ticiiliii d i ~reliiq;io jiiiidira ;
6 . " E 1 iiiialirieiitc, o ciitci-io c10 lc.gislutl«r i i i ~
fixação d;t lei rcguladorii, das diversas relaqí5es
juridicas iiitci~i~i~cionacs serh o mesmo d:i f ~ r i n a -
çiio das leis em geral, coiiibiiiado com o priiicipio
fiinda1nent:~lde que c:ida Estado deve ha,rmoiiisal-
as suas coiidições de vida c:oiii c?, de,todos os oiitrus,
respeitando a legislaq5o tl'elle lias relaq0es iiiter-
nacionaes, até onde o periiiittii.eiri as suas proprias
condições de vida e os direitos tlos seus proprios
cidadãos mais filiidameiitados do que os corres-
pondentes dos estrangeiros.
h'o deseiivolvimento d a regulaiiiciittição juridica
iiiteriiacioiial dos diversos elementos dos actos jiiri-
dicos viirlios verificar s precisa applicaç8o d'estes
principias hndameiitaes.
DIH.,3.' CAD., 2.' SLBlh
CXIV DIREITO C ~ V I LP O I ~ ~ C ' G G Ê S

31. - Ohjcc-to tlo tlireito yrir-ntlo inderiineional.

Do facto da diversidade das leis (10s differentes


p~~ísees,que (];i. logai. ;i necessit1a;le de fixar n lei
;il~plicaveln cada rela(;%o jrii.ic1ic.a iriteriiaciorial,
resiiltou que a geiiei.aliti:ide (10s escriptores teeili
liiriitado o o1)jecto cl'este rniiio de tlireito 6 resolu-
ç5o clos cor?f/ic.tos qiie poclerri dai.-se entre a s leis
(tos cliverhoc, I.'.stntlos.
li por isso cI"e muitos adop?;mi pni.:i rstc ramo
í1:b sciel~ci:i jcil.iClica a designaq.20 dc t l ~ c o ~ idos
a
~ O t ~ f / i d O tlus
.< leis.
RIotlei-ri;ririeiite alguns internacionalistas t e e n ~
procurado deterininar, por uma, fórniri iiiais pre-
cisa e coiiipleti~,a esphera de ncç,?o do direito in-
tern:~cioristl,r~ttribuindo-lheiini triplice objecto :
a) deterniinaç:"lo dos direitos c obrigaç5es dos
estrangeiros em cada pais ;
b) resolução dos conflictos entre as legislações
dos differentes países ;
c) determinaç20, em cada pais, dos effeitos dos
actos juridicos praticados no estrangeiro (1).
1i:ntretarito é certo que estes tres aspectos do

( 1 ) Pillet, Principes de droit international privé, pag. 27


e segg. ; Dr. Alvaro Villela, LipBes de direito internacional,
pag. 749 e segg.
DIREITO CIVIL PORTUGUBS cxv

direito internacioiial podeni ser syiitlietisados nesta


fórinul a :
O direito infe~nacionaltem p o objecto
~ a determi-
naqão da lei applicavel aos factos juridicos, q w , p e l o
seu sujeito ozc pelo seu conteu'do, se refeq-em a dois ou
mais Estaclos.
E , assiiii, o qiie importa B determinar a lei regu-
ladora dos ftzctos juridicos nas relações internacio-
naes, coiisideriirido-a nos diversos elementos qiie
os constitiieiii, visto que CSSiL lei 1130 serA sempre
c1eteriuiii;iil;~pelo mesiiio principio, ~.:tl.iuntlocom
a natureza do acto, e no i-iiesmo acta ainda será
vxriavel com os diversos elenientos que entram na
siia const,it-iiiçSojuridica.

32. - Font ew clo alireito internacional.


As fontes, o11 os modos de ser em que se concre-
tisa o direito internacional, são :
17) as leis foi~inulaclaseni cada pais para regiilnr

a s reldqões iiiternac-ionnes, que liajam de rea1'isar-se


parcial ou integralmente no territorio da sua sobe-
rariia ;
i,) os trclrndos o11 cunvençdes iIrtemux&~~~.es cele-
hi,idoe entre ct-rtos Estados ;
c.) 0 cosi , ilie iiitei.naciona1 ; e

d) a doti! -zn~ ou a sciencia do direito inteina-


cional.
Cada Estado, v i m tb seu direito de sobe-
railia, forniiíla iis leis, que julga necesa~riase con-
vciiieiites, para deterniinnr e regular a natureza e
:i 1v;iiicc (1;is i.el:~çõesjiiridicas internacionaes, que

1 1 ; i j ; i i i i (Ie l)r~odtizireffeitos dentro do seli territorio.

1.: ;~ssiili +e O nosso codigo civil regulou, nos


artt. 24.", 26.' e 27.", >i deterniiiia(;%o do estado e
c:ipac:idnde civil dos port~iguesesiio estr:ingeii.o e
.dos estrangeiros em Portilgal, :i situnçgo juridica
da l,rol':.ied,zcle iiiiiriobi1iari;i sitii:~d:i,no reino, e a
f(\i.rii;l extei-na clos actos juridicos 1~r;iticndosno

ebti.>iiigc.iro.
Eos ; ~ r t t .25.O. 28.', 29.' e 30." determinou a
coiri1,ett"ici;i (10s ti-ibui~aesportiigiieses, de prefe-
~e1ic.i;~ aos estrnilgeii.os, para julgzii. cei.t;~squestões
eiit:.e iiiicioiines e esti.;ingeiros ou entre estes s6-
J I ~ ~ I I ~ C .

Ko art. 3 1.O deteriliinoii a auctoridade que teem


eiri Portugal as seilteriç:ts proferid~ispor tribunaes
estrangeiros.
Seiiiel1i;tiitemente dispôs o codigo commercial
nos artt. 4 . O , S.', 6 . O , 12.' e outros.
12el;itivaiiiente B acção judiciaria internacional,
d i s l ~ ~ ~ ' . e r cio
n n lmesmo niodo o codigo de processo
civil, iio art. SO.', e o de processo commercial, no
art. 7,'.
Os tratados são verdadeiros contractos celebra-
dos entre os Estados, que, nas relações juridicas
interiiacionaes dos seus respectivos cidadãos, ngo
julgarn suficientes os preceitos das siias respecti-
vas leis.
Na coilstitiiiçiio do clii-eitointernacional por meio
d e tratados ou conver:qõe~,verificaranl-se jCt duas
pEiases evolutivas. A primeira 6 a rlos ti:itados sin-
gulares, isto 4, concliiidos entre dois JCstados, para
i*eguli~r 11t1, esphera j~ii.isdicion:tlde (;iid~tiim n cori-
diçtto juriclica dos nacionnes do oiitro; a segiinda
é u dos tratados collectivos, coiilo as coriveiições da
TIiiya, de4 1896 e 1902, ctestiiiados a, estzibelecer
uni regimen juridico de relações iiiternizcionaes
corntnuiis c2 11111 maior nurriero de Est:idos. 1': o
idt3:il ser& iiriia terceira pliasc eni qiie os tratados
sejalii u~~ive~.saes, abrangciido pelo riicnos todos os
Estados civilisados (1).
Enifini, na falta de lei escripta oir de tratado,
nRo po(lem deixar de ser consideradas, c o p o fontes
(10 direito internacional, o costume, a doiitrina e a
j iiri -lxudencia, conio nianifestaç0es concretas do
direito natural.

33. Coiicliqão juridica dos estrangeiros.


1 sitiia?" juridica dos estrangeiros, em cada
1 II-
t teni sido determinada por tres 83-stemas tli-
(srsos: O sptenla das incnpcrcidcrdes, o cla recip~o-
cidade e o da egztaldade.
-- *

(1) Dr. Villela, pag. 77%


O primeiro consiste em declarar o estrangeiro
incapaz de certos direitos, como, por exemplo, o
de adquirir propriedade immovel.
O segundo consiste em o Estado reconhecer aos
estrangeiros os rnesmos direitos que os respectivos
Estados reconhecem :ios cidadãos d'aquelle ; tal 6
o caso do art. 5713.' do riosso codigo civil, que re-
corihece aos auctores estrangeiros os mesmos direi-
tos de propriedade litteraria, que noe seus países
são recoiihecidos aos auctores portuguees.
O systema da egualdade, que equipára os nacio-
naes e os estrangeiros, 6 sem duvida o que impi5em
necessariamente os progressos e as condições de
desenvolvimento da sociedade internacional ; e por
isso tem sido adoptado por quasi todos os povos
civilisados.
E m m-ateri de direitos civis ou privados, a que
deve restringir-se este principio, bem entendido, os
codigos civil e coinmercial consignam expressa-
niente esta doutrina.
O codigo civil dispõe no art. 26.':
a o s estrangeiros, que viajam ou residem em
Portugal, teem os mesmos direitos e obrigações
5
civis dos cidadAos portugueses, emquanto aos actos
que Iiiio de prodiizir os seus effeitos neste reino ;
excepto nos c:isos em cliie a lei expressamente de-
termine o contrario. «li se existir tratado ou con-
vençzo especial qiie determine e regule de outra
fórma os seus direitos. B
DIREITO CIVIL YOKTUUUÊI CXIX

Senielhantemente, e por iiiriít f6riiin ai;id:t mais


geral, dispõe o art. 6.' dO cocligo coiiiinei-cial :
todas as disposiyões cl'eitc codigo ~ e r 3 onppli-
caveis As relações conimerc*iaes coni oh wtrangei-
ros, excepto nos casos C I ~ Ique :i lei exl~ressariiente
determine o contrario, ori sc esistir tratado ou con-
venção especial que de outra f6rma as determine
e regule. D
O codigo civil, além da, excepçiio LjL refkrida de
i.ecil)ro(:idade para a propriedade litteraria (art.
578.7, consigna uma outra excepçcão relativa As
testeiiiiiniias instrunientarias, tanto enl actos entre
vivos c01110 eili actos de iiltirriavontade (artt. 1966.'
e 24!)2.Oj, que n5o podem ser estrangeiras.
Mas estas excepções, que alids deviam ser bani-
das do codigo, n5o contradizem o principio geral
da egualdade.
Este principio da egiialdade juridica dos nacio-
I
ii,ic-- e estrangeiros t! tambem applicavel bs pessoas

niornes ou juridicas constitui;ias no estrairgeiro,


sa1v:is as condições que hajam de +ntisf;izer, para
sa1v;igii:~rdaclos intere~qesnxcioiiaes, coiiio a ; L I I C ~ O -
i.ihac;$o governament;il clue nos termos do clecrttto
1;.i de abril cle 1901. ú izece-daria para as axvl-
cinçGes religiosa. e-traiigeiras se estabelecerani
entre 116s.
do estado e da capacidade
34. - Lei i-cgulatir~ra
daw pessoas.

A situaçao juridica de cada pessoa depende


em grande parte do seii cstado e d a sua capaci-
dade.
O estado das pessoas designa a sua qualidade
juridica, iinia detei,iiiiir:idii situaç80, em virtude d a
qual iima pessoa goza de cei.tos direitos e est&su-
jeita a certas ohrigaqões.
Taes são os estados de maior ou menor, de solteiro
oii de casado, de filho legitiii~oou illegitimo, etc.
A ccc2~'lcidflt!e é, como já dissémos, a aptidão de
gozar e exercaer direitos e obrigações.
Foi a condic;;"iojririclica (iii.; pessoas, determinada
pelo scu estado e l)c.l;i > ~ I : L capacidade, o primeiro
facto jl~ridico q i ~ c~ C Zsentir n necessidade de se
adoptar unia, lei l)e\soal com applicação perma-
nente, uriiversal e cstr:iterritorial.
E r a u m i~bs1ir(lo juridiço que um individuo
fosse maior oii nienor, casado ou solteiro, capaz
ou incapaz de 11rntic;ir actos juridicos, conforme
se eiicontrasse riiim ou rioutro pais, onde as leis
fosseiii differentes.
A lei ou o estatuto pessoal do individiio, gover-
nando o seu estado e a siia capacidade, deve ser
perriiii~iente e csti.ateri.itoria1, sem embargo de se
subordinareiri, sob d i ersos~ pontos de vista, o s
DIREITO CIVIL POKTU(IUÊJ CXXI

actos por elle praticados A lei do logar onde forem


celebrados - lei territoria1 ou estatuto real.
A extraterritorialidade da lei reguladora do es-
tado e da capacidatle constitue um principio de
direito cornrriiirn geralmerite acceito.
Simplesmerite se discute se essa lei deve ser a
da nacionalidade do iiiclividuo ou n do seli domi-
cilio, sendo ceiato que :L iiiilior parte dos juriscon-
sultos 011tiini ji~sti\nieiitepela primeira, por ser a
ni:iis propria e coiiil,eteiite, pois que, tratando-se
de cleteriiiiiiar 111na lei de e protecção pes-
soal, deve recorrer-se ao Estado a que o individuo
pertence.
E, coni effeito, se a capacidade é, como deve -
ser, unia resultante das condições inesologicas,
zlnthropologicas e socines, do meio cm que vive o
individuo, é certo que sb a lei do Estado a que os
individuos pertencem, B i1 competente para a de-
terminar e regulai~. ,
J\ verdade q i ~ epois este iiiotivo deveria preíe-
rir-se n lei do doiiiicilio l)ai.:t os individuos que.
desde a siia jiiveiitudc, se eiicontram doniiciliados
niini país estrangeiro.

JIas esta sitiiaçiio muito excepcional niio 4 suffi-


cic~ntepara invalidar aquelle principio geral.
Por outro lado. a applicaçào da lei nacional n8o
pbde fazer-se m s individiios que não teem nacio-
nalidade, ou que, em virtude das diversas condi-
DIR.,3.. CAD., 2. s i x r ~
CXXII DIREITO CIVIL PORTUOUÊS

ções de adqiiisiçiio e perda da qiialidade de cidadão,


se encontram com duas ou mais nacionalidades.
3la.s nada se oppõe, e antes os principias acon-
selli:ini, a que, no primeiro caso, se applique a lei
do doniicilio, como sendo a que mais se approxima
da lei nacional, e, no segundo, :t lei da, nacionali-
dade de origem, ou a do doiriicilio, se este coincide
com alguma das nacionali(1ndes.
Algniis escriptores tlistingiiern entre a capaci-
(1;icle geral ou nbst~.actc~, isto 6 , a aptidão geral de
exercer certas categoria8 de direitos, como os de
maior, de filho legitimo, etc., e a capacidade con-
( w t ( i OU especial, que se refere t i certos e determi-
iiados actos, dizendo que sb para, a primeira deve
regular a lei pessoal, ficando a segunda sujeita It
lei do logar em que o ncto é celebrado (lex Eoci
nctus) (1).
Esta doutrina funda-se na consideraç80 de que
se deve imputar a iini individuo a responsabilidade
oii a conseqiiencia de n3o conhecer a incapacidade
do estrangeiro com quem contracta, segundo a sua
lei pessoal ; ao estrangeiro Q que cunlpria não con-
tractar, devendo por isso subordinar-se a sua ca-

(1) É neste sentido que alguns jurisconsultos italianos


interpretam o art. 58.O do seu o&igo commercial, dizendo
que nos actos e contractos commerciaes tambem a capa-
cidade dos individuos 6 regulada pela lex loci.
DIREITO CIVIL PORTUOUÊS CXXIII

pacidade d lei do logar, para que o outro contra-


hente não seja victima da confiança que nelle tinha
-pui cunz. alio contrahit, tanquam szlbditus tempo-
rnrius legibus loci szbbjicitu7-.
A doutrina contrariíi, que faz senipre prevalecer
a lei pessoal, funda-se no principio opposto -pui
cum alio cont?*ahit vel est vel debet esse non ipzarus
conditione ejus.
L Realmente assirn deve ser ; oii então deveria
applicar-se aqiielle luesmo principio tanibem á ca-
pacidade geral, para que o individiio capaz não
ficasse A disposição do incapaz, e isto tanto em
direito interiiacional conio eni direito interno.
Aquella distincqZo teria, além d'isso, o effeito de
iniitilisar a lei pessoal, qiie teria de ceder em cada
contracto d lex loci, excluindo assim o principio d a
estabilidade e pernianencin da capacidade dos in-
dividuos, que é precisamente a razto de ser da lei
pessoal.
A applicaç8o d'esta lei tem comtudo as exce-
pções impostas pelos principios f~indamentaesde
ordem publica, que o legislador de cada pais con-
4ag-ra como inviolaveis, e por isso devem excluir
: i i jplicaç5o das leis estrangeiras em contrario.

-\+sim. por exemplo, nos paises em que a familia


Q monoganiica e indissoluvel, n3o póde um estran-
geiro contraliir segiiilclo casaniento emquanto for
vivo o s e a conjuge. iit-ui i~l'derequerer o diwr-
CXXIV DIREITO ClVIL WIWUUI~ÊS

cio, embora no seu pais sejam permittidos esses


factos.
A doiitrina e q ~ o s t nfoi .jB consagrada eiri 1880
pelo Instituto de direito iiiternacional, na sessão de
Osf'ord, ficando as suas i.esoliições conhecidas pelo
nonie de yeyras de O%fOrd.
F, os iiiesiiios principios fundnnientaes se encon-
trani expressaniente consignados nas nossas leis,
rias disl)c-siqõesdos artt. 24.' e 27." do codigo civil,
e no art. 12." do codigo c.oiiiiiiercia1.
A 1nesni:i applicaç8o t l : ~lei 1i:~cionaldeve verifi-
car-se nas relações de f':iiliili:l, casamento, relações
conjugaes e paternaes, divorcio e separação, tutela
e ciirntela, e parentesco, caorii escepção da fórma
tios actos, ciiie é regii1;~tlw pela lei do logar d a sua
celebrnqiio (Codigo civil, nrt. 24.') (I).

35. - Lei rcguladorn do objecto dos actos jnri-


clieox - Consan e obrigaqões; snbstancia
e efleitos clos acato*.

Os escriptores costiiiii:iiri exaiiiiriar separada-


mente o regimen juridico iriternwcioiial dos bens
ou das coiisas iuiniobilinrias e iiiobiliarias.
N5o nos parece scientifico este methodo, porque
verdadeiramente não se p6de dizer que a lei ;egula

(1) Sobre estas differentesquestiies, p0de ver-se a citada


obra do Dr. Alvaro Villela, pag. 829 e segg..
DIREITO CIVIL PORTUGU~~S cxxv

as comas, iiias sim que deterniina e regula as re-


lações juridicas que as ligam ás pessoas.
Nestes termos o que importa 6 determinar n lei
reguladora do conteíido e c~oiiseque~lciris dos diffe-
rentes actos juridicos, ou seaja, a deterniiriaquo dos
direitos e obrigações, que d'elles resiiltani.
Entretanto, para se fazer ideia da doiitrina,
como ella teni sido exposta, conieçarenios por iiidi-
car sunimariamente os systenias qiie teeiil sido
adoptados para a condiçzo jiiridicn, das coiis:xs.
~intigamente(1istingui:t-se entre cousas immobi-
liarias e iliobil iarias, siij eitaiido aquellas no esta-
tiito real (Ze,c ~ z e isitue), e estas ao estatuto pessoal,
isto 4, B lei da ii,zcion;tli(lade oii á, do domicilio do
seu proprietario.
Esta distiricçRo tendo-se fundado em razões his-
toricas beni coiiliecidas, isto c', ria grande impor-
tancin que antig;~incntese attriJ)~ii:~ & propriedade
i I i i i i iovel, sobretiido no regirneri feud:tl, qiie fundiu
a soberania coni a propriedade da terra, bende por
isso mesmo R clesapparecer, pois que nos tempos
niodernos a propriedade ino1)iliaria adquiriu tanto
oii 111ais vtilor e iniportanci:~ que a propriedade
iiiniavel.
1 )'um modo geral, póde dizer-se que os jiiriscon-
sliltos affirniani sempre o iniperio da lex rei situe
para a s cousas imnioveis, porque assim o impõem
a soberania territorial e o interesse publico.
Isto equivale a, dizer que a condiçsio juridica
dos iriimoveis ou a organisação da propriedade,
sendo uma quest5o de interesse e ordem publica
para o Estado a que pertencem, deve ser regulada
pela lei da sua situaç,cio. E, assim, 6 pela lei terri-
torial que devem resolver-se as questões sobre a
natureza juridica das cousas, isto 6 , se silo mobi-
liarias ou immobiliarias, se estão no commercio ou
fóra do commercio, se silo publicas, communs ou
particulares ; 6 pela mesma lei que se regulam os
direitos reaes sobre os immoveis, conio a hypo-
theca, a servidiio, o iisufructo, etc.
É tambem pela ler rei situe que se regulam, em
geral, os modos por que se póde adquirir, alienar
ou onerar a propriedade immobiliaria. É assim
que, nos ternios do art. 964.' do Codigo civil, a
hypotheca, que não esteja registada na conserva-
toria da comarca onde está o predio, não produz
effeitos para com terceiros, ainda que haja sido
constituida em país estrangeiro, e os devesse ter
pela lei d'este pais.
Tambem o prazo e as condições para se adqui-
rir por prescripçiio se regulam pela lei territorial,
porque são niateria de interesse e ordem publica.
Mas j5 a capacidade para adquirir oii alienar
bens immoveis não 6 regulada pela mesma lei,
porque pertence ao principio geral da lei pessoal.
Tambem os direitos de successão, embora rela-
tivos aos immoveis, sgo regiilados pela lei pessoal
do aiictor da herança, segundo a doutrina e a juris-
prudencia geralmente estabelecida.
Para as coiisas niobiliarias teem sido adoptados
os tres systernas - lei do dornicilio, lei da nacio-
nalidade, e lei da sitiiação.
O primeiro funda-se no principio - mobilia per-
sonam sepuuntur.
Mas este principio, se por vezes traduz uma
realidade, iiiiiitas outras n5o passa de ficção.
No prinieiro caso coincide com o systema da lex
rci sitae. Ko segundo é um artificio, incompativel
coin o caracter da sciencia positiva e verdadeira.
Então seria preferivel o systenia da nacionali-
dade, defendido por Mancini e adoptado rios codi-
gos italiano e liespanhol, porqiie, se se ~ r e t e n d k
que existe unia intima ligaçiio eritre as c011sas mo-
veis e a pessoa do seu proprietario-mobilia ossibus
i i , l ~ c l rent-
c :t lei niais competente é a lei que regula
o seu direito de personalidade, a siia lei pessoal, a
da sua nacionalidade.
Mas por isso mesnio que tal ligaqgo não existe,
(, porque do que se trata é cle fixar o estado juri-
cIi,.o clas cousas objectiraniente consideradas, somos
Ir vados conclus~oj A estabelec.ida por Savigny,
que, á semelhança das cousas inimohiliarias, tam-
bem as mobiliarias devem ser reguladas pela lei
da sua situaçiio.
CXXVIII DIREITO CIVIL PORTUGU@S

Será a doutrina exposta a perfilhada pelas leis


portuguesas ?
P a r a as coiisils inimobiliarias nAo h a duvida,
porque o art. 24." do codigo civil expressrtnlente
subordiiia á lei portilgiiêsn a propriedade immobi-
liaria situada rio i,eiiio, e pertencentes a portugue-
ses que viajnril OLI i.esidnni 110 estrangeiro; e o
niesnio sc cleprelieride dos artt. 2G.O, 27.O, 964:' e
1107." yara L: 1->i.ol)1*iedndeimmobiliaria pertencente
a estrangeiros.
Relativameiite As cousas mobiliarias ha, pordm,
prof~~nda, divergencia entre os nossos jurisconsul-
tos, siistc1it:tiiclo uns, como o Dr. Dias Ferreira,
qtie são regulaí1:is pela lei pessoal do proprietario,
determinada, pelo seli doiiiicilio (1'1,oiitros pela lei
d a nacioriali~1:~cXe (21, e outros. conio o Dr. Teixeira
d'Abreu, pela les rei silae (3).
Esta divergeiicia resiilt:~de n%use encontrar no
codigo disposiçso que expressaniente regule os mo-
veis.
D e modo qiie ilo art. 24.' pretende-se concluir
à. contrario sci,szl que os moveis são regulados pela
lei pessoal.

(1) Dr. Dias Ferreira, I, pag. 51 e 52.


(2) Moraeu de Carvalho Junior, na Gazeta da Associa-
ção dos Advogados, 11, pag. 263.
(3) Dr. Teixeira dlAbreu, Das relações ciub internacio-
naes, pag. 68 e segg.
Mas a verdade 6 que o argiinieiito ii contrario
sensu, em geral pouco seguro, nRo é concludente
neste caso.
Antes os arth. 26." e 27.hrriostrairi que tarribem
as cousns nioveis estno si!jeitas iL lei do lognr d a
s i ~ asitliaç20, pois cjiie a Ici pessoal <r s6 para o
estado e cal~acidadecivil, tendo, de resto, os es-
trangeiros eiii l'ortugal os mesmos direitos e obri-
p ç 0 e s dos cid;~dãosportugueses.
I3sta concliis20 6 confirm:ttia pelo facto de o
auctor do nosso codigo se ter orientado por Savi-
gny, eiii materia de direito internacional, segundo
elle mesirio confessou, e resiiltrt ainda da polemica
cpl(b elle siistentou coni Moi.aes (te Carvalho.

Sobre esta cjtiest50, e a l~ropositodos artt. 26.'


e 32." do pro.jecto, coi.res~)oricleiites;tos artt. 24.'
e 26." do codigo, dixin o Visc.oric1c tle Seahra:
u Potlerh iiot:ir-se, que se 1150 erico1lti.a no codigo

(li>l)osiy%oinlg~iriaexpress:] relativa fL propriedade


niobiliaria, sendo graiide n coiitroversia entre os
aiictores, se deve ser regicl:~pelo l~statiitopessoal
oii pelo 11:statnto real. Req~oiidereinos,que muito
de pensado nRo toc:irnos este ponto 11:~i.ao deixar
;to- priricil~ios gemes. Se e s t , ~propriedade nao

er1ti.a na esyhera das leis concernentes á capaci-


dade, ou na espherti das lei< inimobiliariaa ; se niio
lia excepção, fica evidente que êstar4 sujeita & lei
geral cio paiz. E que diz esta lei? - que os estrnn-
L)IX., 8.' CAD., 2.. mLXXX e
cxxx b l R E í T 0 CIVII. POHTUG~ÊS

geiros ter50 os niesinos direitos e obrigações civis


que os portugiieses, ernqiianto aos actos que hoii-
vereni de produzir os seus effeitos no reino (urt.
28."). A palavra actos está aqui na sua maior gene-
ralidade. Se os riioveis se acliam em pais estran-
geiro; se os actos praticados Acerca d'elles nilo
lioiiverem de produzir os seus effeitos no reino, E
claro que a lei portiiguêsa os não póde alcançar;
t,er&a seu respeito logar a disposiçh dda lei estran-
geira, ou por oiitras palavras, o direito rei situe,
que E a doutrina mais racional e justa, (1).
A doutrina do codigo civil, eni materia de direito
internacional, teni de completar-se com o art. 4."
do codigo coininercial, que deve applicar-se tani-
bem Bs relações civis, sempre que as disposições
d'nqiielle codigo sejairi insuficientes, nos termos
do art. 16.".
L)iz o art. 4." do codigo comiiiercial :
r Os actos de coinniercio ser50 regnlados :
1." Quanto (i substcmcin e {feitos clfrs ob~igaqtios,
pela lei do lagar onde forem celebrados, sctlvo conzyen-
qão e m contrwio;
2." Quanto cro modo d o seu czcn~primei~to, pela do
logar o~ztleeste se ?.ealisa~;
3." Quanto t o j i ~ v n aexterna, pela lei clo logar onde

(1) Apo.sti2Za n." 3 á. censura 'clo Sr. Alberto de Moraes


C:irvaltio, pag. 19.
DIRNI'CO CLVIL P O I ~ T U Q U & ~ CXXXI

forem celebrados, salvo nos casos em que a lei expres-


samente ordenar o contrario.
5 unico. O disposto no n." I." d'este al-tigo não
se)-ct npplicavel, quando d a sua execugdo resultar
ofensa ao direito pu,blico português ou aos prinoipios,
de ordena publica » .
A materia d'eete artigo foi extrahida em parte
(o n." 3.") do s r t . 24.' do nosso codigo civil; o iin.
foi tirado da doutrina do n.' 5.' ds art. 1088.O do
nosso codigo de processo civil ;-e o resto, compre-
herideiido tczmbem o li.' 3.", tem por fonte directa
oo artt. 9.' e 10.' das disposições preliminares do
cocligo civil italiano e o art. 58.' do codigo com-
niercial italiano (1).

(I) Disposições preliminares do codigo civil italiano :


art. !)." aAs fórinas extriiisecas dos actos entre vivos e
dos de iiltima vontade determinar-se hao pelas leis do logar
onde se praticam. O s contrahentes e os testadores terão,
aitida assim, a faculdade de segiiir a fóriria das suas res-
pectivas leis nacionaes, sempre que ella seja commum a
todas as partes. O f~indoe os ef'feitus das doações e dispo-
sições de ultiilia vontade reger-se hão pela* leis nacionaes
dos oiitorgantes. A substunciu e efeitos das obrigac8es de-
verüo reger-se pelas leis do logar em que se lhes de^ acula-
me~ito;*e,se os contrahentes forem estraiigeiros e de na-
ciònalidude commum, pelas leis do mu país. Tudo sem
prejtbizo de pzce se rnunzyeeste rtma c & a b ddive~sau;art. 10.'
U Acompetencia e a s formaa de pproceseo reger se-h80 pe1.a~
..
CXXXII L)IHEI'L.OCIVII. POI~TUGUÊS

A doutrina, consignada no art. 4.' refere-se aos


tres elenieiitos coiistitutivos do organismo juridico
de todos os actos e contractos - condiqões e ele-
mentos iritrinsecos da siia validade e existencia
(substancia e efeitos), fórmas e processos de reali-
saçiio effectivn e posteriok das obrigiçôes d'elles
emergentes (modo do seu cumprimento), e condições
extrinsecas oii elementos formaes da sua celebração
ou constitiiiçiio (f6rnla externa).
E as disposições d'este artigo são applicaveis

leis do logar em que se proseguir o pleito. O s meios de


prova das obriguçaes determinar-se-h80 pelas leis do logar
em qiie se outorgoli u contracto. As sentenças proferidas
por aiictoridades estri~ngeirasem materia civel, cumprir-
se-lifio no reino qilando tenham sido declaradas executivas
na fórrna estabelecida tios codigos de processo civil, salvo
o disposto nos trnt:idos ititernacionnea. A s f u i m a s de exe-
CZL$O dos c0)2t4~1ctose seriteiiças rege?.-se-hão p 3 a lei do
logar em que Itajum de c n ~ i i j i , v i ~ . - s ~ ~ .
Codigo comrnercial italiano, art. 58.": N Af ó m a e OS
requisitos essenciaes (?tis oÕvigaq3ea commerciaes, a fórrna dos
actos necessarios pava o exe~.cicioe conseruapiio dos diveitos
qrce d'e1la.s deriaa~i,olc pa9.u a sua exectiçCo, e os ~$ez'tosdos
mesmos actos sZo regttlndos rapectivanjente pelas b i s 011
pelos usos do logur onde se contvahem as obvigaçties e onde
se fazem O Z L ufectz~amos .qoi)~editosactos, salvo eni todo o
caso 'n excepção estabelecitla no art. 9 . O das disposições
preliminares do codigo civil piira aquelles que estão sujei-
toa a uma inesma lei nacionais.
DIRLITO CIVIL POK.1UOUÊS CXãXIII

em materia civil, em harmonia com os hrtt. 16.O,


24." e 26." do codign civil.
Para entendermos a expressão ~substanciadas
obrigações~,empregada no li."." do art. 4.O, B neces-
sario attender aos elementos e condiçees qiie entram
na forniaçno dos contractos, dando-lhes validade e
existencia jiiridica, e qiie determinam o conjuncto
de direitos e obrig;tções d'elleli emergentes.
Essas condições são, eni primeiro logar, as essen-
ciaes e communs a todos os contractos: capacidade
dos contrahentes, rnlctuo consentimento e objecto juri-
dicamente possiuel (cod. civ., art. 643.').
I<, siio, aléni Testas, as condições tambem essen-
ciaes, mas particiilares As differentes especies de
contractos, qiie individiialisani e caracterisam cada
iim d'ellex, t;~escomo, por exemplo, no contracto
de sociedade, a entrada de todos os socios com a
sii;i incltistriw o11 com os seiis bens para a forniação
do fundo oii activo social, e a sua cominum parti-
cipação nos liicros e nas perdas da empresa colle-
ctiva.
Umas e outras sRo essencialmente conatit~itivas
da validacle e existencia juridica do acto, consti-
tueni a sua propria subsiancia, e por isso siio cha-
m:idas fórmas o11 condiqões int~~anas oii risceraes, em
opposição As condiçòes o11 elementos meramente
formaes dos actos e contriictos, que apenas inter-
veeiii ás vezes para certiticai. e authenticar s sira
existencia, e que por isso se chamam fdrmas oii
firrnnlidades exterlnas (cod. civ., ~ r t 686.'
. e cod.
com., nrt. 4.', n.' 3,")(1).
I

E certnn-iente ás condições e elementos essen-


ciaes oii internos do acto a que se refere a expres-
são st~bstancia,excluindo, porBin, a capacidade, que
B regulada por outros principias (cod. com., art. 12.'
e cod. civ., art. 27."), e que nrio B proprianiente da
snbstaiicia objectiva do acto, mas antes uma qua-
lidade subjectiva necessaria na pessoa do contra-
liente.
E que foi este o sentido da expressão substancz'a,
na niente do legislador, denionstia-o clnramente a
referencin que na caniara dos dep~itadosfez o re-
latos, Sr. Vicente Moriteiro, á fonte directa do
art. 4." : a o que se diz no artigo é o que se diz no
artigo analogo do codigo italiano B .
Ora, o codigo italiano no artigo analogo (58.")
diz a requisitos essenciaes das obrzj.aq8esrn ,em vez de
substancia, como se exprinieni o nosso codigo com-
mercial e o ait. 9.' das disposic;Ões preliiriinares
do codigo civil italiano.
A expressão substancia significa, pois, tudo o que
as partes qiiise~am,no acto ou coiitracto, com effi-

(1) Laurent, Principes dr d r o i t civil, vol. ].O, pag. 153


e segg. ; Coelho da Rocha, InstituiçiJes de direito civilpor-
tuguês, vol. 1 .O, 3 95.
DIILICITO CIVII, P O B T U G U ~ S CXXXV
J

cacia legal, comprelienclendo todos os elementos e


requisitos essenciaes da existencia jiiridica das
obrigações, como a prestaç;jo do mutiio consenti-
mento e a, sua viciaçRo por algrima causa illegitiniil
(erro, dolo ou coacç80, cod. civ., artt. 647." e seg.),
a possibilidade juridica do objecto cin obrigaçgo
(cod. civ., artt. 669.' e seg.), e, eni geral, as claii-
s ~ i l a se condições que constitueiii o corpo do con-
tracto.
SobrB o alcance da expressiio tefeitos das obri-
( I ( I < ~ ( ~ . sé~ inuito incerta e divergente a doutrina dos

jiiris(~onsii1tos.
Niitii seriticio, geralmerite acceito, considernni-se

(jli;d o s dos coiitractos e das obrigaqGes, apenas as


consequencias que directa e i~n~nediclta~zente derivam
dos mesmos contr.actos, e que as partes tinham na
mente quando se obrigaram, excluindo por6m a s
oritras corisequencias que, embora relacionadas
( . o i i i esses coiitr;ictos, derivam de factos ou omis-

sòcs posteriores h siia celebração.


Differeiite é a doiitrina dos escriptores que,
conio Foelix e Jferlin, distirigrieni entre efeitos e ,
r072 scque,lcins das coiivenções.

Segundo Foelix, os efeitos são os direitos e obri-


gii~õesque as partes quiseram crear, que são inhe-
rerites ao contracto, encontralido-se iielle expressa
oii irnplicita~nentecontidos: clericanclo d'elle nie-
diata. oii immediatuliente. P o r seu lado as conse-
CXXXVI IJIIIEITO CIVIL PORTUQUAS
- - - - .

qzlencias são os direitos e obrigações que o lcgisla-


dor faz nascer tlo acto qiie nito teem uma causa a
elle inliererite, mas surgem nos acontecimentos
posteriores por virtude das circuinstancias em que
o coiitracto çollocoii a s partes (1).
A importaiicia (i'est:~distincçso est4 no seguinte :
os iiiteri~aciorialistnsqlie ,z adoptam sujeitam os
efeitos Q lex loci co~ztr.actuls,e as conseqwncias á lex
loci solutio~zis,isto é, & lei do logar d a execução do
acto ou contracto.
Mas muito hesitante, e por isso mesmo destituida

(1) Esta 6 tambem a doutrina de Merlin; wgundo este


juiisconsulto, é consequenciu, e não effeito, - ce qui a ~ r i v e
ri, i'occrrsior~d t ~cuiltt-ut, mais n'u pus une criuae ilahevente
a u coi~irclt T ~ C I I I C Cfr.
. Xepertoire, verb. Efet retroactllf,
sec. 111, 9 I V .
Nesta doutrina, considera Foelix, como efeitos dos con-
tractos : a entrega da cousa vendida, o pagainento do
preço, a acçLo de evicção, a divida de juros, o tempo da
execuç20, a anniillaqlo da venda por virtude d'um pacto,
do não cumprimento da condiçso, o11 de lesão de mais de
rrietade, as questões de solidariedade entre os clevedores,
a fóriiia dii quitação, etc.; e considera como consequencias:
:rs perclas e damiios qiie resultaiii do dolo, da Kdta ou mdra
do drredor, a restituiç?tc, por inteiro do principal, a con-
firiiia~ãodos cont.ractos niillos, defeitiiosos ou iesrindiveis,
e, emfim, o modo de execuçlo. Veja Foelix, Dvoit inter-
national pric;, 4."d., pag. 247 e segg.
DIREITO CIVIL P O B T U G U ~ ~ S CXXXVII

d e base scientifica, B esta distincçgo. O proprio


Merlin confessa a difficuldade de deterniinar rigo-
rosamente as consequencias e distingui-las dos
efeitos : a O que 116s chaiiiamos coni Hlondenu -
effeitos e consequeiicinu - c.li:~,ma-lhes M. Meyer
- consequencias iiriniediatws e n e c e ~ s ~ r i ae scon-
sequencias accidentaes ou remotasu . I< o proprio
Foelix, adoptantlo :L doutrina cie Merliri, diverge
muitas vezes d'elle na. :bpplicaqão dos priiicipios.
a 0 aiictor francês, escreve T,aiirent, colloca a res-
cisa"o por les3o entre os cffeitos c1:i venda, emqii:iiito
que o jiirisconsulto hollandês diz que a rescis50
n5o B senão uma consequencia accidental e remota
do c~oiitracto,porque n%o é inherente 4 vend;i,
a qiial p6de receber inteira e plena execuqto, seni
haver questão de lesZop. E por seu lado Merlin
diz que este exernplo é mal escolllido, porque a
acç5o de rescisgo tem a sua causa no proprio con-
ti.;icto a, que B inliermte e que o torna desde o
principio capaz de rescisiio (1).
Nestas condições, a classica distincçgo entre
efeitos e consep.ilencias, 1150 obedecendo a uni cri-
terio positivo, a um principio certo e defiiiiclo:
succiinlbe inevit:ivelniente sob o desenvolvinieiito
scieiirifico do direito internacional.

(1) Foelix e Merlin, log. vit. : Lanrent, Dvoit civil inter-


nutional, vol. l . O , pag. S1 e sta.
DIR.,8.. CAD., 2.. h
Mas o que deve então entsnder-se pela expressão
c efeitos das obrigaqõesm , empregada já no art. 9.'

clas disposições preliminares do codigo civil ita-


liano ?
Esta expressão significa e comprehende, como 6
iiaturttl e logico, o conjuncto dos direitos e obriga-
ç5es respectivas que derivam da obrigaçao legal-
ineiite contrahida.
Tal 6 a interpretação corrente n a doutrina dos
jiiriscorisixltos italianos, e que a logica juridica
inanda, a(1;~ptarao art. 4.' do nosso codigo (1).
E assirn, os ef&tos das obrigações comprehen-
dein nno s6 as conaequencias que as partes tiveram
na meiite qiiando se obrigararri, mas tambem as
(:oiiseci;uericiasusuaes e legaes (Cod. civ., art. 704.')).
r i s a d a a noção de csubstanciu e efeitos das obr2-
y i q õ e s ~ vejamos
, qual deva ser a sua lei reguladora
na vida juridica internacional.
A cluatro systemas se podem reduzir as soluções
do 1woblenia: a lei nacional das partes, a do domi-
cilio, a tem-itorial, isto 6, a do logar da celebraçgo
ou da execuç5o (lex loc.i), e a da vontade das partes.
O systenia da lei nacional das partes funda-se
rio principio da. personalidade do direito. Mas foi

(1) esta a doutrina referida por Bolaffio, como ex-


pressão do pensamento geral e commum. Rolaffio, li? codice
di commercio ituliano commentuto, pag. 724.
DIREITO CIVIL PORTUGUÊS CXXXIX

jb abandonado pela propria escola italiana, que


defende a doutrina do art. 9.' das disposições pre-
liminares do seu codigo civil, e at6 pelo seu mais
eminente representante (Maricini), qiie o sacrificoii
completainente no art. 58." do seu codigo comrrier-
cial, nicsmo eni re1:tçiXo d capacid;~ded r ~ spessoas,
qixe, segundo a doutrina mais seguida na Italia, é
ein materia de commercio regulada peli~lei do
logar da celebração dos actos (1).
A lei nacional das partes, no codigo civil it a.1'iano
(art. O." das disposições preliminares), s6 excepcio-
nalinente é cliamada a regular a substancia e os
effeitos das obrigações, quando os conti-nhentes ein
pais estrangeiro são concidadãos do meemo Estado.
E, na verdade, juridico n5o é o systemn d a na-
cionalidade, porque, alérn de ni3o exprimir uma
relaç5o directa nem necessaria com os actos de
mero interesse particiilar, offerece graves difficul-
c1;ides de realisaç:20, niio s6 quando as lxrrtes per-
tencem a nacionalidades diversas, mas ain(la mes-
mo quando, embora da mesma na,ciona,lid;ide,póde

1i Cfr. Boiaffio, Esegmi dell'nrt. 58 del codice d t' com-


~iícrcioit+, na Rivista italianu per le scieaze yiuridiche,
vol. xxm, p y . 217 e segg.; e a obr. cit. do mesiiio aiictor,
do comrnent.r5 ao~mesmoartigo; G d o Bonoüs, na revista
a 1 1 diritto c o ~ e vol. ~ X V, ~ 1899,
, &c. 2.", pag. 370
e segg.
CXL DIREITO CIVIL POHTUGUÊS

alguma d'ellas pertencer a mais do qiie unia, ou


qiiarido, e isto acontece frequcilternente com os
eniigrantes, não é facil averigiiiir a yatria de qual-
quer dos coritraherites.
O systenia do doiiiicilio P clcfeiidido por De Bar,
priiicipnlriierite em attenqRo ;LO priilcipio de que,
tratando-se de interpretar a vontrtcle das partes,
sem diivida deve-se partir da pi.csiinipção de que
cada UIII:Lse exprimiu eiii confoi-niidade com as
leis do seii coiiliecirnento, com ;LS si~iisleis pessoaes,
que s2o naturalrriente :LS do seu tlonlicilio (1).
Naturalmente para evitar a difliculdade resul-
tante de terem a s partes diverso doniicilio, o que é
muitissimo frequente, os partidarios dleste systerna
teeiri de optar ou pelo domicilio do credor oii pelo
do devedor.
O systen~ado domicilio do credor E mencionado
por De Bar, ias sem citar escriptor algum qiie o
adopte. E segundo refere Roliii, iriternacionalista
recente e muito :inalytico, parece não liaver auctor
que o tenha proposto como these geral, nem como
tal elle pótle ser defendido coni argumentos de
valor. Para que suppôr que o devedor se submet-
teu Squella lei antes do que á sua propria? E r a ao

(1) De Bar, Theovie und Praxis des internationalen


Privatrechts, vol. 2 . O , pag. 13 e segg. ; AlbQric Rolin, obr.
cit., pag. 463.
DIREITO CIVIL P O R T U G ~ ~ S CXLI

credor que competiria prova-lo, quando por mais


não fosse, pelo principio trctor probat actionem (1).
Por isso os defensores cio systema do doniicilio
~ ~ concordes
7 0 em escolher o cio devedor. E nestes
termos o systenia tem ganho :~lgumterreno n a
Alleiiianlria , onde teni riov:iis represeritarites (Thol,
Windsclicid, Mommseri, IZotli, Stobbe) (2).
Ser& k~cceitaveleste systema? Enteilclernos que
não.
A presumpqso em que elle se baseia iião cor-
responde militas vezes á verdade dos f:xctos. E
niesmo quand verdadeira, o sj-sterna luva ntaria a s
f)

niesirias, e niiicla mais gravea difliciildacies, que o


da nacionalid:icic.
Como resolver, os coiiflictos, que lei deveria
applicar-sc, nos casos frequentes de niuitos com-
devedores, ou cl'um devedor com varios domicilios,
o11 rriesriic, seu1 doniicilio cei-to, fixo ou conlieciiio?

O systéiiia 6 pois anti-scieritifico.


Exaniinemos o da E m loci, que teni por si o
niaior nuiiiero de adeptos e dos mais nuctorisados
internacioiialistns, divergindo, porérii, e isto é fun-
daiiieiital. vntre a lei do logar da celebraçilo do
i i c t i ) ou contracto (lex Zoei rontractus) e a do logar

d a siia execução (Zex l o a solutionis).

(1) Albóric Rol& pag. 464 e 463.


(2) Albéric Rolin, pag. 465,
CXLII DIREITO CIVIL P O I ~ T U ~ E ~ S

Relativamente á, stbstancia, os auctores são geral-


mente coiicordes na adopçzo da lex Zoei actus, ha-
vendo, poréni, liriia oii outra opiniâo singular a
favor da lcx loci solutionis (1).
Relativamente aos efeitos, os auctores que, como
já vinios, perfilhnrn a classica distincção das conse-
puencias, sii.jeitaiii nqiielles 5L lex loci actus, e estas
á lex loci solutionis.
Mas, dada a inefficacia d'aqiiella distincção, a
maior parte dos internacionalistas abandonam o
systema dualista, para, se fixarem na applicação
d'uma sb lei aos effeitos e consequencias directas
das obrigações.
O systema da lex loci contrcrctus, á parte algu-
mas reservas e varias excepções, 6 o defendido por
quasi todos os aiictores franceses e italianos (Aubry
e Rau, Weiss, Laurent, Fiore, Esperson, Lomo-
naco, Rocco, Bolaffio, etc.) (2).

(1) Ediiardo Saldanha, pag. 181. Este foi tambem o


systema preferido pelo notavel Savigny.
(2) Cfr. AlbBric Rolin, pag. 452 e segg. ; Bolaffio, n.O 329,
pag. 724 e segg. k de notar que perante o codigo commer-
cial italiano poderia parecer B primeira vista que a lea: loci
contractus s,; 6 applicavel tí substancia, sendo os effeitos
regulados pela lex loci solutionis.
A verdade, porém, é que neste ponto restricto o codigo
commercial não modificou a doutrina do art. 9 . O das dispo-
sições preliniinares do codigo civil, entendendo os juris-
Segundo o testemunlio dos eercriptores referidos,
a jiirispnidencia francêsa tem seguido qiiasi uni-
forme e invai*iavelmenteeste systeiria, admittindo
comtudo :i convençao das partes, eiil contrario,
I)ai.ai se siijeitarern a unia outra lei.

Nos mesmos ternios, e ainda com a excepçao


fundada na naciona1id:zde conimiliri clas partes,
porque iicstes casos 6 a lei nacional (pie regula, é
elle consignado no art. 9.' das disposiq8es prelimi-
nares do codigo civil italiano. E por unia fórma
mais r;iclical foi consignado no art. 58.' do codigo
cle coiiiinrrcio, que n;?o admitte :I conveiiçiio das
partes em contrario, sendo nestes terinos calorosa-
iiiénte defendido por Bolaffio.
O fundamento d a Eex loci contrnctzcs estA na pre-
sumpçao de que as partes, nlio declarari20 todos os
elementos da substancia e effeitos dos seus actos
e contractos. quizeram naturalmente proceder em
coi~forriiid:ide das leis do logar onde pactuaram.
Aldm cl'isso, tem o grande valor pratico de fixar
nitidamente a lei upplicavel, evitando as graves e

<:onsiiltoe que a expressZo ((requisitosessenciaeso do art. 58.O


do c "digo dt- commercio tem no fundo o mesmo alcance
que a expressão asubstancia e eff&ss d'aquelle art. 9.O.
Os effeitos de que falla o art. 58.. do codigo de commer-
cio não s%o os do propno acto originario das obrigaçaee,
inas sim os dos actos d~ exrcaçã 1.
CXLIV I>IREITO CIVIL PORTUUU$S

frequentes difficuldades a que dgo logar os outros


systemas (1). (Assim como a pessoa, escreve Bo-
laffio, B regulada pela sua lei nacional, ou pela do
seu domicilio, fóra e dentro do Estado a que per-
tence ; assim o conti.:xcto tira a sua vida jnridica
da lei do logar eiri que surge e essa lei o acompa-
nha para to& a parte attribuindo-llie a seguranqa
da sua in~lter:i(litefficacia. Nem coni isto B violada
a autonomia dos contralientes, pois que, na,fórma
como na siibst:iiici:~,a referencia A lei do logar do
contracto 6 a i i i ~ i sfirme presumpç50 da vontade.
das partes, as cliiaes, sendo da inesmn iiacionali-
dade, pocleni adoptar a sua lei comrniiin. Fica assim
excliiido o arbitrio injustificavel de ser licito As
partes a adopq:"to da lei qut: niellior llies agrade
para a substnncict e effeitou das suas obrigações
commerciaes. A referencia generica a uma lei es-
trangeira 4 niuitas vezes dolosa; clieia pois de ini-
previstas coiisequencias para o contrnhente inge-
nua, (2). E assini, affirma o iiotavel commercia-

(1) k por isso que este systema 6 reconliecido pelo direito


das nações inais praticas, a inglesa e a norte-americana,
embora dando ás partes a faculdade de escolher expressa-
mente como lei regiiladora do coutracto a do logar da sua
execuç?io. Cfr. Bolaffio, n." 329, pag. 725, nota 1 ; Story,
Commentaries on the conjlict of Ewujs, 88 233, 248 e 280.
(2) Bolafio, pag. 726. Esta doutrina é mesmo perfeita-
DIREITO CIVIL POHTUGUP~S CXLV
-.

lista italiano, para as obrigações coinnierciaes,


locus ~egitarttcm yz~oad~fov~nnrn et su7).s~cr~ztianz (1).
O systenin q u e sujeita :I s o b s t a n c i a c os effeitos
tlzis obrigaqoes A lei c10 log:ii* 4n s u a esecuç%ofoi
la;.g:liiiciite c.sposto e pi-o1)iiyiiado p o r S a v i g n y (2),
t e n d o Iluiliei.osos a d e p t o s iiti A1lem:iiilia ( W a l t e r ,
Urigei., Blui-~tsclili,G e r b e r , I ) e i . r i l ~ t i i . etc.).
~. ;~lguns
lia Tngl:itei.i.:i, (13ui.g.e c J'liilieiiioie i:<),c teiii sido
e n t r e 116s (lcfeiitlitlo p o r algiins ~ ~ m n i ~ i . c . i i i l i s t(4).
ii.;
O f'ui1d:riiiento d o s y s t e ~ i i :tfe
~ Savigiijr t: ;L sub-
~lii.csfior.ol7c1rtctr'rtr das p:irtc* ii lei c10 lí>g;ii.c l ; ~sdde

tlrr ob~,iyaqclu,cliianto ao scu ;ilcaiic.e. ao iiioclo de

rnente harmonica com os principios fiiiidanirritaes (10 direito


oontractual no codigo civil italiano, para o qual a lei do
I

logar do contracto completa e esclarece a voiit:~de das


partes sobre os effeitos e a interpretnçbo dos seus coiitra-
<.tos. Os artt. 11 24.' e 1134.O d'aqiielle codigo syiitlirtisain
bein este* principio. Segundo o art. 11i4.0 os coiitractos
obrigam não s6 a quanto 6 nellrs chxpresso,irias tniiibem a
todas as consequencias que, segcinclo u liso, a equidade ou
a lei d'elles derirnin ; e segundo o art. 1 1 31.", o pacto
ani1)iguo interpreta-se confor~iieo qiie se pratica no país
pag. 726, nota 1.
onde foi eetipiilado o coritr;rcto. I">olaf%o,
(1) Rolaffio, p:ig. 725.
(2) Savigny, uhr. cit., vul. S.", pag. 178 e segg.
, (3J Cfr. A!b4ric Rolin, pag. 462 e nota.
(4) Eduardo Saldanlia, Estudos sobre direito commercial,
pag. 176 e 177.
DIH.,3: CAD., 2.' SERIR.
eseciiç%o e ti jurisdicção competente para cl'ella
coiiliecer. E como a sdde d a obi.igaqRo 4 o logar
onde ella tem de ser cumprida, segiie-se que ella
deve ser regiilada, pela lei d7estelogar, quanto it
S L siibst:tiicia
~ e aos seus efieitos.
Qual 6 o verdadeiro nierito do systeilia?
Exariiinado eni tliese geral, riiini l~oiitode vista
strictanierite logico e juridiro, 6 certo que elle pa-
rece a niais exacta, soltição do problema. Qiie logi-
camente as obi-igaçoes devessem ser regidas pela
lei do logar da, siii d t l e oii execuqRo, parece &
primeira vista iini pi.iiicipio iigorosi~nientescienti-
fico e juridico, íligiio cle sei. oo1is;igrado eni these
geral, se nesta riiateria liiidesse fixar-se uma regra
unica, se a obrigaçi-io houvesse seiiipre de ser exe-
cutada niini s6 e determinado lognr, o que muitas
vezes n%o acontece.
Acoinpanliarido Albdric Rolin, parece-nos n a
verdade muito absoluto decretar que, se n execii-
ção das obrigações l~oiiverde realisar-se num logar
differcnte do do acto ou contracto, ou meanio do
domicilio das partes, deva applicar-se sómente e
obrigatoriamente a Ici d'esse logar, por virtude da
subinissão voluntaria das partes. Poderá bem pre-
suniir-se que cllrts ncceitarain em todos OS casos,
de olhos fecliados, as disposições d'essa lei? O
coritrurio nos parece evidente. Se o logar d a exe-
cuçiio ngo é, nem o do coritracto, nem o do domi-
DIREITO CIVIL POKTUGOÊS CXLVII

cilio, neni o do pais d'iima das partes, pelo menos,


nilo só ellas não conhecem as leis que alii estrio
eni vigor, mas ser-lhes-ha iriiiitas vezes difficil in-
forni2tr-se d'ellas, e seria embaraçar singiilarmente
;i liberdade das convenções colloca-las i i r ~iiecessi-

dade de verificar bem, antes de coilti-ac.t;ii., :i vali-


dade, a existencia c os effeitos clo viiiciilo ohriga-
torio segundo a lei do Iogar da, euecuçRo.
Aléin d'isso, nas obrig,~c;ões hilatei.nes póde
haver, e ha frequenteiriente, riiuitus logarcs d e
eseciição. Xo systenia cle Savigriy n obrigaçgo de
cada uiiia das partes é entzo regida por iiil~alei
clivei.sa. As obrigaqões ~eciprocas,diz Savigny, po-
cleni sei. regidas pov leis d#erentes. Isto compre-
hende-se quando se trata de certas questões relati-
vas As fórmas da execuçso. Mas quando se trata de
apreciar a propria substancia das obrigações, a
siia i~iedidae o seu alcance, como por exemplo:
se iiiiia. oii c)iitrn tlns partes teni o direito de se
retratar, cle desistir. e em cliie condições, se teiii o
direito de revogaçao, de pedir a rescisão do con-
tracto, se este p6de ser rescindido por falta, do seu
cuiiipriniento, se certas faltas cle cumpriinento cle-
tei.iiiirinm a rescisgo ipso ,facto, i.esolver, einfiiii,
totl:is as questões cliie derivam d a substctncia e dos
efeitos (Ias obrigaqks. isto 6, que dizeni respeito á
existencia, natureza, villidade e extensão do vin-
ciilo obrigatorio; parece-nos jiiridicaniei-ite impos-
sivel separar a obrigaç5io d'umtt das partes d a
obrigação das outras, porque todas dependem entre
si e se completam reciprocamente, integrando-se
no n~esmovinciilo jilridico (1).
Para, completar o exrtrrie dos diversos systenias,
resta ainda o d a vontade das partes, oii da siia le-
gitima tt.zctonomia, como se exprimem os juriscon-
sultos alleiniies.
Este sFstexiia, tein por fitiidarrieiito a propricl
natureza das leis coiitractiiaes, que isso eni gi.aiide
parte c1estinad:is esclusivnnientc a interpretar e
garantir a expressão CIR livre e consciente vontade
das partes, e s5o niiiitas vezes siniples regras a
que o legislador presuiiic terem-se sujeitado os
contract:intes no si1encio das suas disposiç8es con-
trnctiines. 6 por esta razâo, e neste sentido, que se
diz serem lei entre as partes os coiitractos legal-
mente celebrados, e que n supreiua lei dos contra-
ctos 6 a propritt vontade das partes.
Mas, conio já observámos, o systeina da lei da
vontade ou azltonomia das partes, para regiilar os
actos jiiridicos na sua vida iriternacional, é in-
admissivel como principio geral e exclusivo.
Mesmo dentro de cnda E ~ t i t d e~ apenas
, na sva
vida nacional, os contrrtctos n5o podem ser regu-
lados exclusivnmente pelas disposiç0es voli~ritarias

( I ) AlbBric Rolin, pag..463 e 464.


DIREITO CIVIL POKTUUUÊS CXLlX

das partes, porque, com effeito, em todos os con-


tractos lia, condições de interesse, geral, qiie preci-
sam de ser ciinipridas, c qiie por isso as leis ini-
põeni obrigatoriamente.
Coiiverii fiiialmente notar qiie iieiii n sciencizi
nem u lei teciii consi~gradociu;ilqiiei' (10s systemas
como pi-iiicipio unico e excliisivo.
O proprio codigo coiiiinei.ciii1 itnliwiio (art. 58.O),
que é de todos o mais radicaal nesta iiiiiteria, ado-
ptando O principio geral d:trim loci actus, estabe-
lece coiijiiiictaiiiente o systema da lei nacional,
pain:t o caso especial de serem os contractarites d a
iiiesiiiti iiacionalidade. JI: 4 iiestes ternios qiie o de-
teiideiii algiins dos setis inais iiotaveis coninienta-
dores.
Outras legislações e outros juriscorisultos eata-
belecein, ora o spsteiria da lex loci actus, combinado
com o d a lex loci solutionis, ora qualqper d'estes
coiii o da vontccde tlws partes, e ainda com a lei do
domicilio do devedor. I
E qual dever6 ser I: co111bin:~çaopreferivel?
O systema tla lez loci acfus é razoavel e scienti-
fico, como priiicipio geral. inits não unico e exclu-
sivo. coriio resiilta das c~nsidci~aqões expostas.
Por seii lado, o pi,incipio da autonomia da von-
tade das partes, coiiio regra geral, enquanto não
offende as garantia:: do iiiteresse social, que por
isso devein ser lei obrigatoria, é taniberri razoavel
e scientifico, por ser uma caracteristica da propria
natureza do direito contractual.
13 assim podemos desde j B dizer que a combina-
q2o d'estes dois principias coi.responde ás indica-
ções da sciencin e s a t i s f : ~AS
~ iecessidades ria vida
juridica.
E, n a vei-d;~de,é preferivel esta coiiil>iiiil~%~ 6
do codigo ittiliano. Coni effeito, o principio cia iin-
cionalidade coniniuiri s 0 6 n(liiiissive1 no caso es-
pecial de se eiicoriti.ai.eiii :ts 1)artes sb :ic~cidental-
mente coritractarido r i i i r i i país sobre actos que
liajam de procliizir os seris effeitos rio seu pais
comniiiiri. De resto, eni toclos os oiitros casos niio
h a realmente i~iotivo.;de v;~lor,iierri considernçCes
de oppo~.tunidncieou rel;ic;go clii.ectn, qiie cieteriiii-
nem a applicaqão d'ririin lei estranlia no campo
d'ucçgo dos actos e contractos a regular.
Foi a combinar50 qrie jii1g;~mos preferivel a
adoptada pelo nosso 1egisl:~doi..
A siiiiples 1eitrir:t do n."." do art. 4.' iriostra
claramente que o nosso codigo coniniercial adoptou
para a regiilaiiientac,ão iiitei.niic.ioiia1 dos actos d e
comniercio, pelo que i.espeita á, substancia e nos
effeitos das obrigações d'elles emergentes, o sys-
teina da lex loci actus conibinaclo coin o da .z$ontcrde
das partes.
A redt~cqiiod:i, parte final (10 n." 1." poderia B
primeira vista dar a entender que o codigo formu-
DIREITO CIVII. PORTUOU$S CLI
-

leu como systeiiin e principio geral apenas a dez


loci nctus, itdiiiittiiido sómente a titulo de excepçfo
a voritade das partes.
A verdade, poréiii, 6 qiie a vontade das partes
(: tanibem adinittida corrio i-egra geral; e tanto
assim 6 que por ell:~,e sb pai. clln, irianda, o codigo
regulai. os iictos de coniiiiercio seiiipre que tenha
sido clai-amente nianifestnds.
E 4 taiiibeili certo qiie a disposisiio do li." l."se
applica egiinlinente a todos os actos de comiiiercio,
praticacios no reino e Eeus cloniiiiios, ou praticados
no estrangeiro, sejam nacioiiaes o11 estrangeiras a s
pes.;oas que nelles iiiterveem, visto que a lei 1130
distingne, inas antes 6 foriniilacln em termos geraes.
E qiiando quaesqner daviclas liouvesse a este
respeito, resolvem-nas categoricaniente as seguin-
tes considerações : eni prirrieiro logar, o facto de se
referir o projecto priniitivo (10 codigo apenas aos
actos coninierciaes praticatllos por estrangeiros em
territorio iiacional, apparecendo depois o projecto
ministerial e o codigo a referir-sc a todos os actos
d e comiiiercio sem restricçiio ;leili distincção ; e
eni segiindo logar, o f';xcto de ter o par do reino
Sr. Gonçalves de E'reitits proposto a mudança de
logarca dos artt. 4.' e Fi."sob o fundamento de que
o art. 4.' se appliixa\7;1 apeii:ts aos portugiieses no
estrangeiro, e ter ;r con~iliiss;io de legislaç?io d a
camars dos pares rejeitado es3n proposta, porque
CLII DIREITO CIVIL POKTUQUÊS

aos preceitos dos n." I.", 2." e 3." e § iinico do


art. 4.' poderii ter referenciri n obrigações contra-
liitlas no reino, so contrario cio que, para funda-
nientar II siia proposta, pareceu ao digno p a r ) (1).
Por consequencia, sempre que tenlia de appli-
car-se o I:." 1." do art. 4." do codigo conimercial
português, deve attender-se : ci) á lei do l o g ~ da
r
celebraq?io do acto, se as partes não convenciona-
ra111 d90uti*omodo ; b) ;ia convenções das partes
que tivereni sido licitamente estipiiladas; c) il lei
do logar e ás convenções das partes sirnultanea-
niente, se estas não tive]-eni convencionado todas
as condições e c.laiisiil:~sdo acto ou contracto.
Mas q i i d é o sentido cla palavra conwnqão do
n."l." do art. 4." ?
Ser& necessario que a convençiio seja expressa
e claramente forniiiladn? Ou bastará que tenha
sido tacitaiilente micriifestada pelas partes por meio
de quaesqiier factos de que ella necessarianiente
se deduza, embora não tenham express~mented ~ -
clarado quaes as leis n qiie qiiereni sul~inetter-se,
oii quaes as (:ontii<;Ges eiii que fazerii o seu coii-
tracto ?
A f6rrnula gera1 da lei, 113oestabelecendo dis-

(li Cfr. o parecer iln ciiniiirn dc s pares, no Appendice


uo codigo comme~ciul, pag. 456.
tincçiio, dá a entender que 6 bastante a convenção
tacita.
E esta doutrina B ainda confirmada pela inter-
preta~% logica
~ e principalmente historica do n.' 1.'
(10 art. 4.'. Com effeito, nos termos do art. 648.'
do codigo civil, a manifestaçno do coiisentimento
nos contractos póde sei*feita por palavra, por ea-
cripto, ou por factos d'onde elle necessariai?iente
se deduza. Por outro lado. o :irt. 4.', no pro.jecí;o
p~~imitivo c10 codigo (onde era o 5."), exigia que a
convenção eni coiltrario fosse expressa, Inas essa
exigencia foi logo abandonada no projecto iiiinis-
terinl.
Jlellior seria, porém, que o codigo tivesse coii-
servado a exigencia da convenç5o expressa, por-
que os consentimentos tacitos são quasi sempre de
defficilima prova e determi&ação.
A 5
regra do n.' 1.' do art. 4.' oppõe o tinico a
esccpc;;lo do direito piiblico portiiguês e dos prin-
c i p i o ~de ordeni publica. Quer dizer: sempre que
a substancia e os effeitos dos actos de corrimercio
praticaclos rio estrangeiro possani ter alguma reali-
z a $ ~ em Portiig-al, nlas offendam o direito publico
po~.tiigiièsou os principios de ordeni publica, niio
l)(lclem ser regiilados, nesta parte offensiva, pela
lei do logar onde forani celebrados nem pela coii-
venç.50 das partes, mas teein, pelo contrario, de
sujeit,ai--seA lei portuguêsa.
DIR.,8.. CAD., 2.. S~BIE.
CUV UIREITO CIVIL POKTUGUES
-- -.- .
-p

A excepção, que no projecto da camara dos de-


piitados compreliendia apenas as convenções das
partes, foi na camttra dos pares applicada a toda
a regra do n." 1.' do art. 4.O, abrangendo tambem
a lei estrangeira reguladora do acto de comrnercio
internacional.
O fundamento justificativo d'est-rt doutriila ,está
no principio da ordem publica internacional, geral-
mente admittido pelos internacionalistas, segundo
o qual devem respeitar-se sempre as condições
fundamentaes da organizaç30 e vida de cada Es-
tado, collocando a sua garantia acima da^ con-
venções das partes e dos direitos permittidos nas
legislações estrangeiras. Como justamente observa
Weiss, embora o Estado deva em geral admittir no
seu territorio a applicaç80 das leis estrangeiras,
niio se lhe póde negar o direito de se conservar e
defender, e por consequencia de repellir as leis
que est8o em contraste com as bases fundamentaes
da sua organizaçgo. Havendo dois interesses em
lucta, d'um lado o interesse da sociedade local e
do outro o interesse garantido por unia lei estran-
geira, B este que deve ceder (1).
Negando execuqiio a principios attentatorios da
ordem publica, não mira o Estado exercer represa:
lias contra o estrangeiro que os invoca, mas trata

( l j Weiss, obr. cit., pag. 245.


DIREITO CIVIL PONTUUUÊY CLV

simplesmente de exercer o direito e cui-iiprir o dever


de garantir a segiirança interna, material e nioral
da sociedade, exerce unia fiincção de legitiilia de-
fesa da siia vida nacional (1).
Na teririinologia do iinico do art. 4.",tirada do
li." 5." do art. 1088." do cotligo de processo civil,

constituem a ordem publica internacional (3 d i ~ e i t o


publico po~*ti~guês e O S principias de ordem publica.
A prinieira tliivida que resulta tl'esta pliraseo-
logia tl se as diias expressões teeiii a incsrrin ou
digcrente significaçiio.
Jii se tetii siisteiitado que ellns teeni na lei o
iiiesiiio sentido, visto que na discussRo por que
1)"rssou O artigo 4.' no seio ela conimissão da ca-
mara dos deputados se resolveu additar ao $ unico
as palavras equivalentes cio n." 5 . q o art. 1088.O
do codigo de processo civil, upcwa evitcir que pareqa
haver distinc~rioou difeerenqa nas dflns loczqões D (2).
i1 verdade, porkrn, B que esta passagem das
actas d'aquella conimiss,ão ngo auctoriita seme-
lhante interpretaçso; as actcih ntio se i'eferem h
distincçzo oii differenqa entre as duas expressões

1J Eduardo Saldanha, obr. cit., pag. 192 e 193.


(2) Tal C a doutrina que consta das liçoes do Sr. Dr.
Dias da Silva, seguiido as cit. 1i~Ceslytographadas por
Affonso Augiisto da.Costa, pag. 137, e 6 egualniento pei-
filhada pelo Sr. Eduardo Sddanha, obr. cit., pag. 194.
..
CLVI DIREITO CIVIL POKTUGGÊS

do 5 unico, mas sim & que poderia sappor-se exis-


tente entre a locução do 5 unico do art. 4.' do pro-
jecto, que s6 cornprehendia o direito publico por-
tuguês e a lociiq50 do n."."o art. 1088.O dc,
codigo dc processo civil, que abrange tanibem cs
principios da ordeni publica.
Ora, foi precisanicnte para evitar a differença
entre os dois codigos, como t? expressa a acta na
parte citada, qiie se additou ao $ unico a phrase
(ou aos principios de ordem piiblica~.
De resto, é evidente que as duas expresclões teem
diverso sentido iião s6 iio ponto de vista puramente
scientifico mas ainda na, propria dispokição da lei.
Bastará notar qiie a expressão up~incipipiosde ordem
publicau compreliende tambem muitos preceitos que
na terminologia !cgal s%odo direito privado.

30. - Algumas applicações do principio cla (#ler


locil).
Para conctuir a analyse do n.".' do art. 4.'
verifiqiiernos a sua applicação a alguns casos par-
ticulares.
Qual é a lei reguladora dos actos praticados por
intermedio de terceiro ?
Se o terceiro B uin inandatario que procede e
contracta dentro dos limites dos poderes conferidos
pelo mandante, não lia duvida de que deve appli-
car-se, na falta de c,onvenção especial, a lei do
DIREITO CIVIL POBTUGUÊS CLVII

logar onde o mandatario pratíca o acto, pois que


este para todos os effeitos representa o constituinte,
e o acto fica perfeito seni necessidade de qualquer
ratificação.
L i duvida surge, porrlm, quando o inandatario

não procede juridicamente iiesta qiialidade, prati-


cando actos não auctorizados pelo mandante.
É claro que estes actos sAo nullos ein relação ao
constitiiinte, se niio forem por este ratificados (cod.
civil, art. 1331.O). I

Alas sendo ratificados, e por consequencia vali-


dados, qual deverá ser a sua lei reguladora, a do
logar da celebração ou da ratificação?
Segundo Asser e Rivier deve ser a lei do logar
da ratificaçgo do acto -c'est l à seulement qu'il s'est
formé une obligation valable.
Entendenios, pelo contrario, com Weiss, dever
applicar-se a lei do logar da realização do acto.
h ratificação equivale ao mandato; nquelle que
a presta auctoriza retroactivamente as operações
feitas em seu nome como se estivesse presente, na
pessoa do mandatario, no momento e no logar da
ren1iz:iqiio do acto (1).
1: c.l;iro. pordm, que fica salvo o direito da rati-
i i t n , i i i t e para rejeitar as consequencias do acto de-

(1) Weiss. obr. cit., pag. 636; Eduardo Saldanha,


pag. 182.
CLVIII DIREITO CIVII, PORTUGUÊI~

terminadas pela lei do logar d a sua celebração,


podendo limitar-se a ratificar sómente nos termos
que lhe convierem. Mas é necessario que essa rati-
ficação especial seja expressa e acceite pela outra
parte interessada.
A mesma doutrina (? applicavel 4 gestão de ne-
g o c i o ~(cod. civ., art. 1726.' e seg.).
I

Mas difficil é a soluç5o do problema qualido se


trata de contractos celebrados entre ausentes por
meio de correspondencia epistolar, telegraphica ou
mesmo telephonica.
Tres soluções teem sido apresentadas com certo
caracter de valor juridico: a) lei do logar da pro-
posta ; b) lei do logar da acceitação ; c) lei do logar
onde o proponente teve conhecimento da accei-
tação.
O systema da lei do logar da proposta funda-se
naturalrnerite no facto de ser, esta niio s6 uma con-
dição essencial do contracto, mas até a sua parte
principal, a primordial, a iniciativa do negocio, de-
vendo presumir-se que o proponente a fez em har-
monia com o direito vigente no logar onde exerce
o seu commercio, que t? geralmente o logar d'onde
emitte suas propostas.
Por seu lado, o systema da lei do logar da accei-
taçgo tem o mesmo fundamento de ser esta unia
condição egualmente essencial do contracto? e a
presumpção mais veridica de que o acceitante, na
impossibilidade de conliecer o direito de todos os
paises d'onde possa receber propostas, se refere
n'aturaliilente á lei do logar onde as acceita.
a lei do lagar onde o proponente
O s ~ ~ s t e i nda
teni coiihecimento da :~cceitrtqiio, adoptado pelo
codigo comniercial italiano (art. 36.O), foi justifi-
cado pelo principio de que o logrtr onde a acceita-
ção produz todos os seus effeitos jixridicos B onde
o proponente a recebeu, pois qiie s6 alii apparece
'i conjuncção das duas vontades necessaria para a

Luriiiaç20do tinculutn j7u.k constitutivo do contra-


cto : 6 alii que o contracto foi celebrado.
Jfas c: facil de ver qiie eate systema nã6 traduz
irrn:i soliição rigorouainente jul'idica. Se o lognr do

conhecimento da acceitação 4, como deve ser nor-


malmente, o da proposta, o systema coiif~~nde-se
com o primeiro. Se, porém, 6 variavel e reconhe-
cido como tal qualquer logar onde o proponente
I c.c.t.l,e a noticia, o syst,enia 6 injuridico, porque

adopta para criterio determiliador do direito appli-


cave1 uma circumstancia accidental e desnecessaria
á perfeiçao substancial do contracto, a qual se ve-
rificou no proprio momento em que a proposta foi
xcceite.
I< com a acccitaç5o que se realiza a coexistencia
dos consentimentos necessarios e siifficientes para
se celebrar o contracto pro~)osto. I
Por consequencia, entre os dois prihieiros sys-
temas 6 preferivel o da lei do logar da acceitação
da proposta. E 6 seili duvida esta a doiitriria que
resulta, entre n6s, da applicação do n." 1."do art. 4:'
do codigo commercial, visto que nos termos do ar-
tigo 649." do codigo civil o contracto fica perfeito
com a acceitação da propostti, excepto nos casos
em que a lei exige nutis algiiiii;~form:tlidatle. Nes-
tes casos escepcionaes, o contracto ser&regiilado
pela lei do logai. onde se celebrareni as formali-
dades necessarias para a sua. perfeiqzo (1).
Não deve, porkili, considerar-se como logar da
acceitação qualqiier logar onde accidentalmente
ella seja consentida ; nias sim o logar por onde foi
eniittids a proposta, pois B a este que o proponente
refere a celebraçb do contracto. A não ser assim,
ficaria no arbitrio do acceitante a escolha da lei
reguladora do contracto, com grave risco para os
interesses do proponente.

(1) E de notar que jb entre nds se sustentou que, pe-


rante o n." 1.O do art. 1.O do ccdigo cominercial e os
artt. 651 .O e 652." do codigo civil, deve considerar-se o
contracto como celebrado rio logar onde o proponente teve
noticia da acceitayso da proposta, e portanto regular-se
pela lei d'esse logar. - Rcuista de Direito C'onlmevcial,
3." anno, 1897, pag. 201 e 202.
A verdade, poréui, 6 que os artigos citados nilo aucto-
risam semelhante aonclus?io.
(Sua1 deve ser a lei reguladora dos actos prati-
cados e das obrigaqoes contraliidas em navio, no
alto mar ?
Eiii direito internacional niaritimo idniitte-se o
1" iticuipio de que o navio constitue como que uma
parcella do Estado a que perteilce ; e por conse-
qiiencia deve applicar-se, cle liarmoilia com os
principias estabelecidos e coin a doutrina do n.' I."
do art. 4.", a lei da nacionalidade do navio.
Dcve, poi.ém, ter-se sempre em vista que o di-
i t,itc iiiaritimo é regiilaclo por principiou especiaes,
I

cllle o c'onstitiiem coiiio qiie iiiim ramo A parte

5 1 1 . , t t . 103.' e 485." e seg.).


( . ~ i i i .u

I.. 1 1 1 1 1 ' isso, da regra geral do ii.V.O do art. 4."


exceptuani-se miiitos actos de conimercio maritimo,
que a lei expressamente manda regular de modo
diverso. Assiin : as avarias grossas oii commiins
serao regiiladas pela lei cio logar onde n carga fôr
~.iiti exiie (art. 650.') ; as questões sobre abalroa-
ç&) s:w regiiladas iirnus vezes pela lex Zoei e outras
pela lei da nacionalidade dos navios (art. 674.") ;
do niesmo modo as questões sobre a salvaç5o e
,t+i,teiicia (artt. 690.' e 601 .".
I ' I Y : ~concluir a applicação do li.".' do art. 4."
.I S L L I I J C;ISOS vej:tmos por que lei se
tleternlina o caracter civil nii cc ~iiimercialdas obri-
gações internacioni~es.
O problema apparece frequentemente na vida
U I I ~3..
., CAD., 2.. S É ~ E u
CLXII DIREITO CIVIL POHTUG~ÊS

do direito conimercial por virtude da diversa am-


plitude com que as differentes legislações determi-
nam quaes sejam os actos de commercio.
Deve applicar-se a lei do país onde o acto ou
contracto 6 celebrado, ou a do país onde elle pro-
duz os seus effeitos ?
A primeira vista p6de pareèer logico, quando o
acto juridico produz seus effeitos num dado país,
determinar pela legislação que rieste vigorar o seti
caracter civil ou comnierci:tl.
Mas attendendo a que a natureza juridica civil
ou conimercial tlo acto p6de influir essencialmente
nas condiçijes da siia e~istcricine validade, fazendo
assim parte cla siia hlibbtancia e dos seus effeitos,
deve ella ser :~ljreciiida,nos termos do n."l."o
art. 4.O, segundo a lexe loci actus ( 1 ) .
Tratando-se, pordi~i,tie determinar ,z competea-
cia dos tribuiiaes qiie devem julgar as questões
emergentes cio acta: teiii de applicar-se a lex loci
solutionis, niio s6 porque as leis que determinam e
'regulam a coinpetenci;t dos tribunaes são de inte-
resse e de orcieiii publica, mas porque a acça"ojiidi-
ciaria tem por firii assegiirar o cuniprimento das
respectivas obrigacões, que está sujeito ao imperio
da lei do logar onde se realizar (n." 2."do art. 4.').

( 1 ) Asser-Rivier, cit. 12liments de droit internationa1


pvivé, n." 91 ; Bolaffio, o b ~ cit.,
. pag. 726.
37. - Cumnprimento das obrigaqíles.

O codigo commercial não adoptou a classica


disti11cc;iio dos efleitos e das con.seque.~zciasdos actos
c, obrig;~qGes.
Mas separou dos efeitos tias obrigações o .modo
do seu cz~mprimento,niiti i d:iildo-o regular pela. lei
do logar onde se realizar ( 1 i . 9 , ~do art. 4.').
O que é, pois, o rrtodu tle cvcuzpri~ner~toclii:: obi-i-
gações coiniiierciaes '? Coirio distiiipií-10 dos sciia
,.!hi(.'
C;erslmente costuma-se coiisiderar modo de ctirn-
,/ ;,,I/ 1110 tllilo O que diz respeito G realizaçiio effe-

% r i \ ,i tias obrigaq0es coiltrrtliidas : a f6rnzu de paga-


~rzelsto, a especie e o tempo em que deve ser feito, a
mdru e seus efeitos, coino por exemplo, o pagamento
dm indemnisngo"es por perdas e damnos ~*esultnntes
da mbru, etc. (1).
certo, porBrn, que esta no+ coinprehensiva
do modo de cuiiiprimerito carece de rigor logico, e
confunde-se f ~ ~ n d a n ~ e n t n l r n econi
i ~ t e os effeitos e
coni a propria substaiicia tlas obrigações.
Os setis proprios pai.tid;ii.ios reconliecem a fra-
gilic\ade da distinc(;ao, iiotando que, por exeniplo,
i ft'li,iiia de pagsmento póde ser regiilada pela con-

(1) LigZes byth~gra~liadas,


cit., paq. 168; Eduardo Sai-
danha, pag. 180.
CLXIV I>IKE:ITO CIVIL PORTUQUÊS
- - -- -- -

veilção das partes e fazer, por conseqiiencia, parte


do proprio contracto, 110s ternios do art. 672.' do
codigo civil, podendo portarito ser regulada pela
lei do logtr do contracto ou pela do logar do seu
cuniprimento (1). O mesmo se póde dizer da espe-
cie e do tempo eni que o pagamento deve ser feito,
e ainda rnais propri:ainente da iii6i.a e seus effeitos,
que fazem parte das condições juridicas intrinse-
cas da vida dos Coiitrrtctos. Tudo isto é da essen-
cia dos direitos e obrigações etiiergentes do acto
oii contracto.
O que deve, poi.s, entender-se por modo de cunz-
p ~ i m e n t odas obrigações ?
Peiisamos que de liarriionia com o art. 58.' do
~ o d i g ocommercial italiario, fonte directa do nrt. 4.'
do nosso codigo, deve entender-se por esta espres-
siio a f i r m a dos actos a fazer-se para o exercicio e
conse7wagiio dos direitos, que d'ellas (das obrigações)
derivam, ou p a r a n sua execuqi?~,e ainda os efeitos
d'estes mesmos actos. S l o os actos que Foelix chama
efeitos de natureza exec1cto7sia dos contractos (2).
No modo de cumprirriento das obrigações com-
prehendem-se portanto todos os actos, jiidiciaes ou
extrajiidiciaes, que posteriormente ao acto origi-
nario liajam de fazer-se para assegurar a execução

(1) Eduardo Saldanha, pag. 180.


(2) Foelix, obr. cit., n . O q 0 9 e 110.
DIREITO CIVIL POBTUGU&S CLXV
---

das obrigações e direitos d'elle emergentes, como


são as acções e a fórma do processo, o protesto
.das letras por falta de acceite ou de paganiento,
e outros sen~elliant~es. P6de comprehender-se tam-
l j c ' i i l a, cspecie do pagaiiiento, mas s6 quando não

tiver sido convencionada, porqiie 110 caso contrario


faz parte da essencia do proprio contracto, isto 6 ,
da Riia substancia e effeitos.
Nos termos do ri." 2." do art. 4.", o modo de
cumprimento das obrigações regula-se pela lei do
lognr onde se realiza.
E effectivamente para esta pliase da vida das
obrigações o systenia da ler loci sol~itionisé o que
iiiclllor se liarinoniza com as condições do direito
.
iiiternacional.
Sendo os actos constitutivos do modo de cuni-
primento apenas rneios posteriores de assegurar
as respectivas obrigaçces, seni as alterar, nem por
nugmento neni por diiiiiniiiçc50, seria arbitrario, e
por vezes juridicamente inipossivel, não os sujeitar
á lei local, s6 pelo facto de terem as mesmas obri-
gações sido contrahidas em país estrangeiro.
E seria, com effeito, miiitas ve:<es irnpossivel,
l'orque os nieios, principalmerite os judiciaes, de
;Ls>egurar o cumpi.iniciito das obrigações variam
profundamente d'uiii para outro país.
De resto, a applicaq?io da lex loci executionis ao
modo de cuml~rimeiltonflo tstii, como para a siib-
CLXVI I>IHEITO CIVIL POIITUOUÊS
.
- --
-- - - -- - -

stancia, e effeitos, o inconveniente de sujeitar o


mesmo acto oil (.ontracto a diversas medidas de
direitos c obi.igr~c;<?es, visto que coniprehende s6-
mente os actos posteriores necessarios 4 siia reali-
zaçUo e garantia effectiva.
As applicações do n." 2." tio act. 4." podem le-
vantar rios casos concretos di8fficiildades,sobretudo
quando as partes teem con~~encionado algiinias
claasiilas sobre a f6rma do cumprimento das obri-
gações.
Admittir4 a lei taes c.citivenções ?
O facto de não*ter o 11." 2." do art. 4 . O , á, senie-
Ihsnça do n." I.", sal~iitloa coiivenção das partes
parece significar qiie ii:"to, devendo em todos os
.
casos sujeitar-se o iiio(1o cle ciimprimento 6 lei do
C

logar onde se re.<i1'1zar.


Entendemos, 1)or41n, que o simples facto da
f6rma litteral da redacç5o não auctoriza seme-
lhante doiitrina.
As convençiies das partes fazem parte do corpo
do coiitracto, da siia si~bstancia,portanto ; tudo o
que valiclanlerite se convencionar, constittiindo o
conjuncto de direitos e obi-igações do acto, deve
por isso regular-se nos termos do n." 1." do art. 4.'
5
e do respectivo unico.
Assim: se unia letra sacada em Paris sobre
Lisboa não designar a especie em que ha de ser
paga, deve regular-se pela lei portuguesa o modo
DIREI'I'O CIVIL POI<TUQUÉS CLXVII
--A-

do seu pagitiriento; nias se foi. designada a especie


de pagamento, 6 por esta qiie deverá fazer-se;
quttndo se tiver estipulado a especie de metal e se
tiver oinittido a ebpecje de moeda, o paganiento
(levei.& fazer-se segundo a estipiilaç2o a, respeito
do metal, e segundo a lei poi*trigiieusi.eniquanto á
especie de moeda cl'esse nietnl ; qui~iidose tiver
estipulado iiiiia e oiitra, deverá observar-se a con-
venqlio (cod. civil, artt 722.' e 726.'), se existir
legalmente ;i iiioeda conveiicionada, porque no
caso contrario far-se-ha o pagalilento na fibrnia do
Í
art. 625." do codigo c i ~ i l .

3%. - F6rmas esiernnb alas aeto%.


O codigo civil, no art. 24.", in fine, e o codigo
commercial, no n." 3." do :trt. 4.', estabelecem a
regra de qiie n f6rmn extevna dos actos é regulada
pela lei do loga~uonde scio celebl-uclos.
I'ara se deterniinar o alcance d'esta regra. 4 ne-
oessario dizer em primeilu> logar o que significa a
fdmna externa doa actos.
Todo o acto juridico consta necessariamente de
duas partes bem distinctas: a vontade das pessoas
cluc. o praticani dando consentimento sobre as con-
cii(,Ges e elementos intiinsecos da sua validade e
existencia; e o modo como se realiza a manifesta-
ção sensível e exteipa d'esba vontade.
A primeira não ccihe, iieni póde cnliii., sob a
CLX\'IlI DIREI'TO CIVIL P O I I T U G U ~ ~

acção da lei, eniqi~nrito se rião iiianifesta externa-


mente por meio da segiirida; e é por isso que em
todos os terripos, e eni todos os logares, os legisla-
dores teem procilrado senipre clcscrever com todo
o cuidado as forniiilidacles riecessarias ti manifes-
tação externa dos mais impoi.tantes actos juridi-
cos (1).
Não é posqiie : ~ s formalidades d a manifestação
exterior dos actos se.j:ini essencialmente neeessarias
para a sua existencia, a qual de facto se verifica
desdc que sobre ob.jecto juridicamente possivel se
accord011 O conseiitiniento regiilar e licito de pes-
soas capazes de exercer seus direitos (cod. civil,
nrtt. 643.' e seg. e 686.')).
Mas é porque a vida jnridica de muitos actos,
para decorrer norrilal e regiilarmente, livre de pos-
siveis perturbações, carece muitas vezes de ser
attestada por unia fórnirt bem visivel, mais ou
menos rigorosa, mais ou menos solemne, conforme
a siia natureza e importaiicia. Por isso n lei faz
em niuitos casos clepenilei. a validade dos actos e
contractos d'iim certo systeina de formalidades
externas (cod. civil, art. 686.').
No seu significado mais aniplo, a fórma externa
dos actos, é, pois, o riiodo como a vontade de quem

(1) serafini, Sulla ntd1ifb degli uki giu-ridici cornpiuti


seticaI'ossel-va~izadelle forme yrescritte dal2a legge, pag. 5.
DIREITO CIVIL PORTUGU$S CLXU

dispõe ou contracta se manifesta com efficacia


legal. O escripto, a palavra, o gesto, o simples
proceder coiistituem outras tantas fórnias por que
a vontade juridica p6de livremente manifestar-se.
Sem a fórma nno existe acto juridico, como nzo
existe corpo seni as tres dimensões (1).
Não 6, pordm, rieste significado geral e amplo
que deve entender-se a expressito legal cfbrma
externa dos actos D , pois neste sentido todos os actos
carecem da fói-ma externa de nianifestação ; em-
qu:irito qiie lia doutrina legal e juridica, o principio
é precisamente o opposto: a existencia e validade
dos actos e contractos não dependem de formali-
dades externas, salvo nos casos e condições pre-
scriptas na lei (cod. civil, art. 686.') (2).
No sentido legal deve, pois, entender-se por
fórma externa dos actos o modo especial por que n
lei os m'anda celebrar necessariamente para que a
vontade das partes produza todo o resultado juri-
dico que se propõe.
A fórma externa 6, portanto, o conjiincto de con-
dições e elementos extrinsecos o11 formaes que a lei
declara necessarios para a nianifestaçno externa

(1) Rolaffio, pag. 734.


(2) Cfr. o nosso Tratado das sociedades comme~ciaes,
vol. 2.0, n . O 1."; Giorgi, Teoria della obligazioni, vol. I.',
n.O 291.
Drn., 3.. CAD., 2.1 skun
CLXX uIREITO CIVIL PORTUGUBS

do acto, e que independentemente do acto juridico


em si mesmo, que jfL existe, não tem outro fim
senso o de attestar externamente a sua existencia
e garantir a. sua prova.
I? como dizia o nosso Coelho da Rocha: a re-
u n i %das~ circtimstancias ou solemnidades chama-se
JÓ7viza; esta ou 4 interna, quando se refere ao obje-
cto e conteúdo do acto; ou externa, quando as so-
lemiiidiicles qiie se devem praticar no momento da
siia celebraçiio, conio a escriptura e as testemu-,
n l ~ a s(1).
Os codigos civil e coinmercial mandam regular
;I fhrrna, externa dos actos pela lei do logar onde

foretii celebrados, acceitando assim a regra uni-


versalmente adoptada com maior ou menor ampli-
tude na doutrina e jiirisprudencis internacional na
fbrriiiilrt jiiridica -locus regit actum.
Qiial 6 o fundamento d'esta regra?
Ditas theorias singulares pretenderam justifi-
ca-la, uma pela yresunipçilo da s~ibinissiTovolun-
taria das partes ft lei do logar do acto (Hert), a
outra pelo consenso iinaninie dos povos, pelo cos-
tume constante e tiniversal (De Bar). Mas funda-
nient:rlnieiite injiiridicas são estas theorias. Para
Hert 8 6 se j ~ i ~ t i f i ~ aar i*egra
i i ~ sendo facultativa a

de direito po~tuguês,v01. I.', 5 95. Cfr.


(I) I~~etituições
o nosso Trntndo das sociedades commerciaes, vol. 2 . O , n.O 1.
sua observancia, quando B certo ella ser defendida
com caracter imperativo por quasi todos os inter-
nacionalistas, pelo menos a respeito dos actos mais
import:intes da, vida juridica.
Para De Bar n regra 1130 tem a final uin funda-
mento scientifico, visto que se limita a traduzir uni
facto constante da vida juridica consuetiiclinaria,
sem explic~ra razão de ser do consenso unanime
das nasces prestado a este costume.
Outros auctores pretendem justifica-la pelo prin-
cipio de que as leis relativas á fórnia s5o de ordeni
publica ; e esta these foi recentemente desenvol-
viclti por um jurisconsulto italiano : (AS leis rela-
tivas R fórma dos actos, dizendo respeito á moral,
R religião, ao interesse politico e economico do pais
em que teem vigor, são leis de ordem publica. Ora,
sendo incontestavel o direito do Estado a prohibir
em nome da propria soberania e independencia,
iios limites do seu territorio, qualquer violação ao

direito e B ordem pnblica do país, d'ahi deriva que


o legislador póde e deve sujeitar indistinctamente
o cidadão e o estrangeiro Bs leis reguladoras da
fórma, negando reconliecii~ientoe effeitos juridicos
aos actos celebrados em fórnin diversa) (1).

(1) Buzzati, L'atdofita d& luggi straniere elat tive alta


forma degli utti civili -Locus wgit actum, pag. 118 e 119.
.-
CLXXII DIREITO C ~ V I LPOKTUGCÊS

Com quanto seja certo em these geral que as


condições de f6rma são de interesse e ordem pu-
blica, tambem 6 certo, pordm, que este fundamento
n20 tem valor scientifico.
Com effeito, as conclições de fórma dos actos, taes
como são impostas em cada pais, siio de interesse
geral para a vida jiiridica d'este pais, mas s6 para
elle; e não para os outros que adoptam muitas
vezes formalidades muito diversas ; quer dizer,
são de ordem publica interna, mas não interna-
cional.
i3 o legislador, quando formúla a regra Eoncs
regit nctum, attende aos actos praticados no e8tra.n-
geiro ou em territorio nacional, que possam pro-
duzir effeitos no seu país, e não aos actos que
hajani de os produzir no estrangeiro, embora pra-
ticados no territorio nacioiial. ,
I
De resto, ti theoria da ordem publica applicada 1
ás fórmas externas d contradictoria comsigo me-
smo, porque faria respeitar em cada Estado as leis
estrangeiras, mesmo contra a sua ordem publica
interna.
Por isso outros internacionalistas justificam-na 1
por motivos de necessidade e conveniencia, visto
que em muitos casos, dadas as especialidades da
organisação das instituições juridicas de cada Es-
tado, seria difficillimo, se não impossivel, certificar
e authenticar certos actos segundo as formalidades
..
DIREITO CIVIL P O R T U G U ~ ~ S CLXXIII

diversas das impostas e reguladas pela lei do pais


onde são celebrados (1).
Mas esta observaqão, embora verdadeira, não
justifica a regra como principio geral, tal como
ella 6 adoptada, pois que ria maioria dos casos Q
possivel e mesmo facil seguir, por exemplo, a s for-
malidades da lei nacional das partes oii qiialquer
outra. E de harmonia com aquella, doutrina s6 de-
veria observar-se a regra l o c ~ ~ se y i uctzbm
t quando
n,%opudesse applicar-se qualquer outra lei.
O verdadeiro fundaniento da regra locus
nctu~ndeve, pois, procurar-se em motivos de mais
elev,tda consideraçto, de caracter mais scientifico
1. geral.
Esse fundamento encontra-se naturalmente nas
mesmas raz6es que determinam para a substsncia
e effeitos do acto a applicação da E m loci actus,
,linda mais justificadas para a f 6 m a externa, pela
raz51) de que esta lei 6 , em geral, a mais compe-
tente e adequada para determinar as formalidades
de que o acto deve ser revestido e que o tornam
mais capaz de assegurar as respectivas garantias
c~ssenciaes.
('omo nota o Dr. Teixeira d'Abreu, as fórmas
i ~ t w n a sdo acto teerii por fim assegurar a livre e

sincera expressão da vontade das partes que nelle

(1) Weiss, obr. cit., pag. 253 e segg.


CLXXIV DIREITOCWIL PORTUGUÊS

outorgam ; estão por isso intimamente ligadas ás


condições peculiares do pais, á moralidade e ao
caracter dos seus habitantes, devendo portanto va-
riar d'um para outro logar ; fórmas que aqui offe-
recem plena garantia, ser80 al6m justamente con-
sideradas inefficazes (1).
@ que, como diz Grasso, a fórma doa actos B
connexa com a organisaçã~judiciaria do pais e
com as instituições com ella relacionadas; ora, se
ha leis que tenham profundamente impresso o ca-
racter da territorialidade são de certo estas (2).
Depois das corisideraç0es expostas, o fundamento
que justifica a devolução da fórma á competencia
legislativa da lei do logar onde o acto ou contracto
d feito, parece-nos evidente. É ahi que o acto surge
com a efficacia juridica que a Eex loci actus Ilie
attribue; B n sua lei, como a lei nacional B a do
estado e capacidade das partes. Surge valido, por-
que essa lei assim o considera. Tem a extensão e
produz os effeitos que a vontade das partes e a lei
do logar lhe 'attribuem. É, emfim, a lei do logar
que lhe d&a vida juridica., que o completa, que o
esclarece, que o acompanha em todo o seu movi-

(1) Dr. Teixeira dlAbreu, cit. Relaçaes civis internacio-


naes, pag. 7 8 .
(2) Grasso, Principii d i diritto internazionale, pag. 274.
DIREITO CIVIL POHTUOUBB CLXXV
-

iiiento economico e juridico (1). Deve, pois, ser a


mesma lei que o organize na sua constituição ex=
terna.
Mas qual B e deve ser a :tniplitiide ou a extensão
(ia regra locus regit actunz ?
Comprehenderá ella s6 os actos de fórma authen-
tica, que s.50 feitos por official piiblico competente
ou pelo menos com a sua intervenção ? Ou com-
prehenderlt tambem os actos píira os quaes são
safficierites os documentos particulares ?
Póde dizer-se que na doutrina, como n a juris-
prudencia do direito positivd). a regra 6 iiniverílal-
i~ieilteadtnittida mesnio para os actos celebrados
1 ~oi.clocumeiito particiilar,
1; esta 6 tanibem a solilqGo manifestamente ado-
tada pelas disposiqc7es do codigo commercial e do
codigo civil, que forniixlani :t regra em toda a sua
qeneralidade, sem restricçâo alguma, que não seja
. i 3:t parte final - c salvo nos casos em que rt lei

oxpi.ess;iniente ordenar o eontrarioa.


Assim, eni toda a generalidade, 4 defendida e
regra locus regit actum por qiiasi todos os interna-
cbionalistas (Laurent, Weias, De Bar, etc.). O funda-
iiitAiito d'estn, doutrina traduz-se n a observaqwo de

,I
Irc.i.al~iienteos documentos ,particulares não
sào feitos pelas proprias partes, e, quando o s80,

(1) Bolaffio, pag. 733.


CLXXVI DIREITO CIVIL POKTUGUÈS

é por conselho de agentes de negocios, advogados,


procuradores, notarios, etc., visto sereni poucas as
pessoas com conhecimeritos juridicos bastantes
para regularem por si s6 os negociou ; ora, suppor
que estas pessoas, a cluc111 as partes se dirigem,
teem coiiliecimento das lei3 estrangeiras que regem
a fbrma dos actos a fim cle poderem esclarece-las
Q desconhecer a realidade das cousas (1).
Mas n6s pensamos, pelo contrario, que para os
dociinientos particulares 1150 ha necessidade nem
razão rigorosamente scientifica que justifique a
applicaçgo constante da regra locus iiaegit acturn:
em primeiro logar, aqiiella observaçãu não t? geral-
mente exacta ; qiiasi se1ripi.e as pessoas que na vida
juridica internacional fazeiii contractos por docii-
mentos particulares são corrimerciantes ou indivi-
duos sufficientemente illustrados para prescindirem
do conselho dos teclinicos em actos tão simples;
em segundo logar, a razão justificativa da regra
não a torna necessaria para os documentos parti-
culares, que precisamente pela sua simplicidade e
isenção de fórmulas publicas e solemnes não de-
pendem esse~icialnientedas instituiqões juridicas
, d'um dado pais, podendo egualmente celebrar-se

em toda a parte do mundo; e emfim a iniposição


da regra aos proprios documentos particulares,

(1)'Dr. Teixeira dlAbreu, obr. cit., pag. 80 e 81.


precisaniente porqiie rielles n l o intervem official
publico, póde iniiitas vezes difficultar a efficacia
juridica do acto, desde que ou coxitrahentes não
tenliaiii o cuidado de observar as pequenas forma-
lid;icles que as diversas leis prescrevem. E r a sem
duvida iiiais natiiral e logico deixar A vontade dos
interessados a escollia da fórmi~dos actos de cara-
ctei. particular, jiilgando-os validairlente celebra-
dos, quer o fossem pela lei do logar, quer pela da
nacionalidade ou do doiiiicilio d'alguni d'elles,
q11(~ainda pela do logar onde o acto haja de pro-
duzir alguni effeito (1).
.\Ias, como dissenios, é certo que o nosso codigo
.egiiiii a correlite geral.
Tomada, porém, em toda a sua generalidade,
xniiitos jurisconsiiltos recusam-se a acceitfi-la d'urri
moclo absoliito a respeito dos actos que na jiiris-
prudencia classica scio coriliecidos pelo rionie de
solemnes.
O problema t! geralmente posto nestes termos :
para se deteriiiinar se um dado acto deve ou nZo
ser feito coin certirs solemnidades, deverá atten-
der-se B lei do logar onde é celebrado oii antes á
d';iciuella onde teni de ser executado?

( 1 ) N; ~entidoda nossa opinilo póde ver-se a interes


sante monog;.aphia de Duguit -Des c o g i t e de Zégielcction
relatfi a lu forme des actes ciuils, pag. 32 e segg.
DIX.,8.0 o u . , 2.. ~ E R I E . x
Mais concretamente, e com applicação ao nosso
país, a diividtt é a seguinte : a f6rnia dos actos que
segundo a nossa legislação carecem de certas for-
malidades poderão ser praticados sem ellas no es-
trangeiro, ainda que hajani de produzir effeitos em
Portugal, se a legislação do país em que foreni
celebrados as não exigir?
Entre os jurisconsultos h a unia corrente que
restringe a applicaçgo da regra locus regit actum iL
fórma das so1einnid;tdes do acto, sujeitando, porém,
a determinação d'estas solemnidades iL lei do logar
onde o acto h a de produzir seus effeitos (Laurent,
Durariton, Albéric Roliri, e oiitros) (1).
Estes auctores frindani-se principaln~ente no
absurdo juridico que resiiltaria da applicaçiio da
regra aos actos que são solemnes nuns paises mas
r120 em outros.
Actos solemnes são aqiielles cuja existencia e
validade dependem essencialmente de serem pra-
ticados com certas formalidades, distinguindo-se
dos não solernnes, porque estes, embora careçam
tambem de formalidades, estas s6 servem para a
sua prova, e nâo affectam a sua validade. É a

(1) Laiirent, Principes de clroit civil, vol. 1.0, pag. 155


e 156; Droit civil internucionul, vol. 2.O, pag. 433-444;
Duranton, Cours de droit civil, vol. 1.O) na0 91 ; Albéric
Rolin, vol. 1.O, n.O 190.
DIREITO CIVIL P O K T U G U ~ S CLXXIX

classica distincção das forinalidades ad solemnita-


tem rel ad szrbstantium e crd probationem (I).
Segiindo a doutrina d'uquellas escriptores, seria
nbsiirdo applicar seiii restricções a regra 4 deter-
iiiiiiaqão dos actos soleiiines, porque se poderiam
assim facilmente illiidir e defraiidai. as leis que
imybeiii certas solemnidades para a validade d'al-
guns zictos, e que ~ ã de o ordeiii publica. Bastaria
qiie os individuos nitcioiiaes ou habitantes do país,
1120 querendo siijcitar-st~aos rigores da legislaçtio
d'este. para celebraieni iim ceiato acto, se transpor-
titsse~ia uni outro pniu onde taes solemnidades
f , ,s.eiii dispensadas.
Deiiiais, accrescentam, se as f6rmas solenines
siio condições essericiaes á, validade d'um certo
acto, num dado pais, conio ha de a f i n d admittir-se
neste niesmo pais a validade do acto em que ellas
nRo foram observadas 3
12 faoil de ver comtiido qrie esta doutrina restri-
ctiva da regra locus reyif acium niio tem justificação
verdadeiramente juridica.
O direito nioderrio vae abandonando a velha
(listiiicçilo classica dus formalidades ad substantiam
e acl yrobationem.
Hoje o direito formulnrio não impõe formalida-

(1) Vej. o nosso Tr&o dfld sociedades comm~~ciaes,


vol. 2 . O , n.' 1.
CLXXX DIREITO CIVIL POKTUOUÊS

des sacramentaes por simples motivo de solemni-


dade appnrntosa.
As condições de fhrnnia, s%odeterirlinadas apenas
conio fiincç3o de garantia, da rida juridica dos
actos e contractos, como rrieios de authenticar e
assegurar a sua prova, para se obter corri certeza
jiiridica o seu cumprimento.
Ainda que as condições de fbrma sRo nuni certo
sentido de interesse e ordem publica, não se trata,
como já observamos, da ordem publica do país
onde o acto se executa, mas sim da do país onde
6 celebrado, porque B neste q i i e mais propriamente
se poderri determiriar as coiiclições necessarias e
siifficientes para assegiirar a livre e exacta expres-
s2o do consentinierito das partes.
E, finalmente, embora ;i. formalidades se consi-
dereni essenciaes B validade dos actos, deve appli-
car-se a regra locus rcgit ( ~ ( ' t ~ pela
m , mesnia razão
que se applica & siibstaric.in dos nniesmos, que prin-
cipalmente traduz :i< coiidições fundainentaes da
sua existencia e validade.
O iinico argiimento com apparencias de rigor
jiiridico em que se funda a doutrina contraria 4 a
possibilidade, ou mesmo facilidade, em que ficam
os cidadãos d'utn dado pais, de illiidir as cautelas
d:i siia lei nacioiial, indo contractar ao estrangeiro.
Mas dizemos (com :ipparencias~, porque no
fundo o argumento não te111 valor. Pois que im-
DIREITO CIVIL P O ~ ~ T U ( : U ~ J CLgXXI

porta, na verdade, que, por exemplo, dois portil -


gueses v20 de proposito ao estrangeiro para prati-
car um certo acto, a fim de o sujeitarem a formali-
dades nienos rigorosas ?
K%o 6 mesmo prov:~velque tal aconteça, porque
os incornmodos de semelhante viagem são certa-
mente bem iriais graves do qiie o excesso das for-
*
maliilacles esigidas pela lei nacional.
Repiitanios por isso pueril, o11 pelo menos de
niera subtileza, a cjuestão apresentada por alguns
internacioilalistas, como Laurent, sobre a validade
ou iiiillidade do acto feito por um individuo d'uma
iiac A o que propositodarnente vae a um pais estian-
ceii.0 para illudir a sua lei nacional e evitar as for-
iiinlidades por ella impostas. E pela mesma razão
reptitamos anti-jiiridica a soliição da niillidade.
É de accordo com a doiitriiia exposta que evi-
dentemente a nossa lei coiisigria a regra locus ?*egit
~ t c t r r ~em
n toda a 8ua generalidade, sem admittir me-
snio a excepç8o da ordem pi~blicn,feita pelo § unico
ao n." 1."do art. 4."do codigo cornmercial.
Portanto, segundo esta regra, os actos pratica-
dos no estrangeiro, quer por esti-angeiros, quer por
l~o~,tngneses, s%ovalidos e reconliecidos erri Portu-
gal, desde que satisfqain ;is condições de fbrma
da lei do país onde são celebrados, ainda que, se-
gundo a lei portugiieãa, e e1i1 Portugal, devani ser
feitos segundo outras formtilidades.
CLXXXIl DIRtiI'L.0 CIVIL t>~lt'l'~~ti~s

O exeniplo niais caracteristico do conceito abso-


Iiito de generalidt~deda regra locus regz't actzcm en-
contra-se no art. 1085.0 do nosso codigo civil, a
ivespeito do ciisainento celel>raclo eni pais estran-
geiro.
Para determinar o mais ;i1)1)roxiniadameritepos-
sível a extensso o u o alcance d'esta regra, impopta
ainda fixar bem a especie das formalidades ester-
nas a que ella s,e applica.
Na doiitfiiia das fornialidades distinguem-se
geralmente quatro categorias : a) extrin.reccts, as
fórmas iriateriaes que teeiii de ciiniprir-se lia cele-
bração do acto, quer para, assegurar a livre e re-
flectida inanifestaçKo da vontade das partes (ins-
trumentarias), quer para garantir a sua prova (pro-
batorias); b) instrinsecas, internas ou visceraes, as
que constitiiein a propria substancia do acto (con-
sentimento, objecto, direitos e obrigações constitu-
tivas do mesmo acto); c) hrrbilitantes, as qne tornam
capazes de praticar certos actos pessoas que, pelo
seu estado, n5o teeni essa capacidade (auctorizaç50
paternal, marital, tu telar, etc.) ; d) meczctorias, as
que teem de pratictir-se na e x e c u ç b do acto (como,
por ex., as fórnias de processo) (1).
Ora, d'estt~sfornii~lidndes,s6 s8o da fbrma ex-

( I ) AlbBric Rolin, n . O V 7 2 e 114 ; Weies, pag. 231, e


riota.
DIREITO CIVIL POH'I'UGU&S CLXXXIII
-
.

terna as extrinsecas e as executorias, pois que a s


habilitantcs, dizendo respeito á capacidade, per-
tencem Cts intrinsecas, e são reguladas pela lei
nacional (cod. com., ait. 12.').
Por sei1 lado, a s executorias, pertencendo ao
inodo de cuinpririieiito, &o reguladas pela lex loci
executionis (art. 4.'; li.' 2.').
Mas a regra apylica-se egiialmerite; rio systenia
do nosso codigo (Zex loci actus), As fornialidades
intrinsecas, nos tei.nios do n." I." do art. 4.'
SIas lia muitos actos que teem de sujeitar-se,
.~lCitidas fornialidades extrinsecas da sua celebra-
(::i ;I outras que teem de praticar-se posterior-
1.

i i i t iite rio interesse geral dos terceiros, coi~iosão o

registo e outros meios de publicidade, e que sZio


de certo formalidades externas.
Regular-se-hão tambem estas fornialidades pela
lei do logar onde o acto (I feito ou ter20 de subor-
liliar-se á lei do logar onde Iiaja de produzir seus
effeitos ?
Os aiictores sã9 unaninies erri as sujeitar á lei
do logar dos effeitos do acto. E assim deve ser,
porque essas formalidades ordenadas para garantir
o> legitiiiius interesses dos terceiros, não poderiam
deixar de se cuml~riri10 pais onde são obrigato-
rias, sob pena de se tornar completamente illusoria
a cautela, da lei, coni grave risco para a ordem
juridica nacional. L)e mais a niais, estas formali-
CLXXXIV DIHEI'I'O CIVIL POK'I'UGUÈS
--

dades niXo fazeni pnrtc da f6isrna externa do proprio


acto, mas s6 deveni ser observndns posteriormente
á sua celebraqão para que elle possa jiiridicamente
prodiizir effeitos eni i.el;iqiio a terceiros.
- Por isso, coni i.az:?o, jA rios cLongressosde direito
internacional, sobretudo a ~)impositodos actos das
sociedades coiiiiiierciaes: se teri1 concordado em
sujeitar o registo e ;I pitblic;iç5o A lei do logar
onde estes actos foreiri exigidos (1).
O nosso codigo liao tl expresso sobre o alcance
d a regra a respeito d'eatas formalidades; mas, em
vista da unaniniidadc d : ~doutrina e d a jurisprii-
dencia internacioii;~l,deve entender-se a generali-
dade do n . 9 . " do art. 4." restricta ás formalidades
externas necessarias no momento da celebraçiio do
acto.
Examinada a gerierolidade d a regra locus x g i f
actum, pergunta-se : ell:~deveria ser consignada,
na lei como preceito imperativo e obrigatorio, ou
simplesiiiente coni car:tcter faciiltativo, deixando
As partes a libertlade de segiiir L: lei nacional de
qiialqiier d'ellas, oii de todas, a. lei do sei1 domi-
oilio, ou ainda a do logar onde o acto deva execu-
tar-se ?
A regra locus verjit crct~cnz parece ter appnrecido

(1) Cfr. ~ ~ o s Trtrtatlo


so drrs socierltrdss cun~merciaes,v 0 1 . 2 . ~ ,
n " 9, 10 e 11.
apenas com caracter facultativo como uma especie
de revolta contra o principio da stricta territoria-
lidade dos estatutoti oii dos costumes. Mas moder-
namente ella t! defendida e applicada, em quasi
toda a parte e por quasi todos os auctores, como
um preceito obrigatorio (1).
É certo, p o ~ d m que
, o fundamento da regra não
a justifica, com este caracter, senão para, os actos
que teem de celebrar-se por fbrnia publica e au-
thentica.
Para os actos de caracter particular, em que
não ha necessidade de intervenção de official pu-
l)lico, seria mais razoavel deixar a escolha da
fdriiia externa B legitima autonomia da vontade
das partes.
P

E demasiado rigoroso e arbitrario n5o secorilie-


cer a validade d'uni docuniento assigiiado por uni
iiidividuo, pela simples raz5io de que elle não 12
feito de harmonia coiii todas as prescripções da lei
do logar, enibora satisfaça As da sua lei nacional
ou do seu doniicilio.
Por isso entendemos que, pelo menos em relaçiio
i \ O S dociimeiitos particiilnres: a regra devia ser de

caracter meramente facultativo.


E inais razoavel nos parece tambcin qiie mesmo

(1) Iluzzati, obr. cit., pag. 152 e segg.; Laurent, vol. 2 . O ,


pag. 245 e segg.
Dra., 3.. can., 2.. S ~ E .
d'um modo g e r d a regra devia ser faciiltrttiva
sempre qiie as partes pudessem praticar os, seus
actos corif'orrriemeiite A lei que preferissem.
Neste sentido se tecili recentemente proiii~nciado
alguns clns inais notaveis internacionulistas (Weiss,
Despagnet, De Bar, Lomonaco e outros) (1).
Mas o certo 6 que a nossa lei consagrou a cor-
rente geral do caracter imperativo e obrigatorio
da regra, salvando coriitiido os casos em que a lei
ordenar o contrario.
Nos termos da parte final do n." 3.' do art. 4.",
esta regra não teni app1icaç:to nos casos especiaes
em qiie a lei regiile por outra fórnla. D'estes casos
regulados por outr:i fórma s5o exemplos frisantes
os artt. 110.", 490.", § 2.", 516.O, 5s
2.' e 3." e
591.", '$'$ 1." e 2.", do codigo coniiriei.cial.
Era iiiesmo desnecessaria ac.jnell;~dcclaraç20 d a
parte final do n." 3.' do itrt. 4."' porque os casos
especialniente regulados por disposi<;so d : ~lei são
sempre exceptuados das regras geraes.
Aldm d'isto, taiiibem os tratados interiiacionaes
(art. 6.") podeni regular diversamente a f6rrna ex-
terna dos actos eni que interveeni cidadãos dos
Estados contractanteu, conio acoritece, por exemplo,

(1) AlLéric Rolin, ri.' 180 ; Eduardo Saldanha, pag. 190


e 191.
DIREITO CIVIL POILTU(I@Y CLXXXVII

com o tratado de Portiignl com,a Fr:tnçn, dc 11 de


julho de 1866 (1).

(1) Assim, dispõe-se neste tr:ttado, art. 7 . O :


@Osconsules geraes, consiiles e vi:e-consules ou agentes
consulares dos dois países oii seus chancelleres poderão
reaeber na sua chancellaria, no doiuicilio das partes ou s
bordo dos navios, as declarações e outros actos que o0 ca-
pitâes, equipagens, passageiros, negociantes ou cidadãos da
sua naçilo quizrreiii ahi celebrai,. e até os seus testainentos
e disposiçijes de ultiina vontade e totlos os outros actos de
notario, inclusivi: os contractos de qualquer especie. Estes
actos serão redigidos pelas f6rmns reqiieridas pelas leis do
l<:stado, salvo o ciiinpriuiento de todas as formalidades exigi-
tias pelas leis do pais eni que o acto deve receber execuç5o.
oSe o acto tein por objecto uma constituição de hypo-
theca ou tima outra qualquer transacção sobre immoveis
situaclos no país eni que o C O I I S I I ~ reside, deverá ser cele-
1)i.arlo segundo as fhrinas requeridas e segundo as disposi-
23as especiaes d'esse mesino pais.
tAs expedicõee dos autos, legalisados pelos consules,
vice-consules ou agentes consulares e munidas do sinete
especial do sei1 consulado, farão ft: tanto em justiça como
fóra d'ella, perante todos os tribiinaes, juizes e auctorida-
des de França e Portugal nas niesinas condiçOes que os
origiii:irs, e terão respectivamente a mesina força e valor
que tt.i.iain se os actos liouvessem sido ce1rl)rados peraiite
notarios, escrivães o11 outros officiars piiblicos do pnísn.
Cfr. Durand, Essui dc droit international prive, pag. 714
e segg.
Para maior deeenvdvimento no estudo da regra l o w
/ / .
CLXXXVJII D ~ ~ K I TCIVIL
O POKTUG~ÊS

38. - Lei reguladora das succesmõe~.

A evolução do direito internacional, em liiateria


de successão, tem-se realizado no sentido de se
estabelecer os seguintes yrincipios fixndamentues :
a) egusldnde entre nacionaes e estrangeiros pelo
qne respeita ao gabo do direito de transn~ittire
adquirir por nieio de suecessão ;
b) adopção de uma lei unicn para regular a
transmissão integral da lierança, quer os bens
sejam nioveis, quer sejam imrnoveis, c qualquer
que seja o logar da sua sitiinção;
c) applicsção da mesma lei á siiccessRo legitim&
e á testanientnria ; e
d) escolha da lei pessoal do aiictor da herança,
considerando-se conio mais competente a lei da
sua nacionalidade.
I? a doutrina que tem sido expressamente eon-
signada pelos codigos modernos, designadamente
o italiano (art. 8.' das disposições preliminares), o
hespanliol (art. 10.') e o allemiio (artt. 24.' e 25.'
da lei de introducção).
Assim se exprime o codigo italiano, que foi o

regit actum póde vêr-se o artigo do Dr. Alberto dos Reis


-FGrma externa dos aclos no direito internacional, nos
Ertudos Juridicos, I , pag. 36 e eegg.
DIREITO CIVIL P O R T U G U ~ B CLXXXIX

primeiro a consagrar legislativaniente aqi~elladou-


trina, no citado art. 8.' : :As s~iccessõeslegitinias
e testamentarias, seja quanto B ordeni de succeder,
seja Acerca da medida dos direitos ~iiccessorios,e
dil intrinseca validade das disposic,Ges, sRo regula-
dos pela lei nacional da pessoa de cuja lierariqa se
trata, de qiialqiier natiireza que sejarri os bens e
em qixalqiier pais qixe se encoritrem. u
Esta 6, coiii effeito, a doutriria que se inipõe,
em face dos priiicipios juridicos applicaveis na
niateria.
O direito successorio 6 uma emanaqgo da, pro-
p i a l)erhonalidnde ou do poder juridico do niictor
li^ Iierança, e por isso deve ser regiilndo: na sua
existencia e no seu modo de ser, pela sua lei pes-
soal.
A siiccess%olegitima, especialmente a legitinia-
ria oii forqada, B urna conseqiiencia do estado de
f;tniilia, e por isso deve indiscutivelmente regular-se
pela lei pessoal.
E do mesmo modo a success50 testamentaria,
em tudo o que rito fôr determinado na disposiç30
da. iiltiiii;~ vontade do testador, porque é legitima
a prc*iinipção de que elle quiz referir-se á siia lei
pessoal.
O vellio principio a tot haereditates quot territo-
ria^ , applicavel á successão dos immoveis, devia
justaniente ser banido da %gislxç~o,niio a6 pelas
cxc DIREITO CIVIL POHTUQUÈS
-

graves complicaç0cs c iiicongruencias a que dava


logar, mas airida poiVquemilitas vezes contrariava
a vontade do auctor da I~erançw.
Mas ser& esta a doutrina legal iio direito portu-
guês ?
Nem o codigo civil, nem qiialquer outra lei, tem
disposi@o regiiladora da siiccessEo eiri direito iii-
ternacional.
Trata-se, pois, de tini caso oiilisso, que, nos
termos do art. 16." na f:ilt;~de disposiç;io regula-
dora de iim caso annlogo, deverá ser regulado
pelos principios do direito n;~tiiral.
Esta simples consideraçso E bastante para nos
vencer de que tairiberii entrc nós se dcvem appli-
cnr os mesinos principios ao direito siiccessorio
internacional, como sendo fundados precisamente
no dii-cito natiiral scientifico.
Esta é tnmbern a doiitrina sustentada pelos
nossos melhores escriptores, co111o os Drs. Dias
Ferreira, Villela e Alberto dos Reis, eiribora por
Iins e outros fundada em razões diversas.
& assim que o Dr. Dias Ferreira chega n esta
concliisão, por integrar o direito successorio na
mnteria da capacidade civil (1) ; enquanto qiic os
Drs. Reis e Villela se furiiian~no conjilncto de

(1) Dr. Dias erre ira,'^, pag. 54.


L)lRI~:ITO CIVIL POK'I UGU$S CXCI
- - ----

principio~que constituem o direito privado inter-


naciorial (1).
Mas por isso mesnio que :L doutrina da lei na-
cional do auctor da lierariqa resiilta da applicaçRo
dos principias fiind:tiiientaes tlo direito intci.nncio-
nal, dado o silencio da nossa lei eni materia de
auccessi%o,8riatiira1 taiiibeni que n niesma doutrina
soffra as restricçQes qiie eiii direito internacional
6 costiinie itnpôr i108 nles~nospriiicipios fiinda-
mentaes.
E uma clas restricções geralrilente estabelecidas
4 a dos priiicipios oii leis de iiiteresse e ordem pu-
blica, ciiie faz prevnlccer senipre a lei territoria1
coiitra a lei estrangeira.
E assim (5 discutirei se o testaniento de uni iii-
glês ou ariiericano, eni qiie sXo cleslierclados os
descendentes oii ascendentes, hei11 cixus:t justificacla,
coiiio 6 per~nittidopela sun lei deverh ser
i.ehl'eitado pelos ti.ibunaes portugiieses, havendo
de produzir effeitos em Portiigd, visto qiie o di-
reito 8 legitima p6de e deve ser coilsiderado como
de interesse e orcleiii piiblica.
O l~rincipio da ordem publica internacional,
sciitlo expi-essnnieiite consignado no codigo de

(1) .Dr. AlLertu dos lieis, Das s~iccess0esn o direito inter-


nacio~zalp r i ~ u d o ,pag. !I2 r seg.; Dr. Villela, pag. 830 e
seg.
CpCI1 1)lltElTO C1VIL YOL~TUUUEG
-

processo civil (art. 1088.", n." 5.9 e no codigo


comniercial (5 unico do art. 4." e art. 12.O), deve
prevalecer 'tambeni eiii direito civil.
Por outro lado, talribem o principio geral da lei
pessoal soffre a restricqão do principio da autono-
mia da vontade, pois que em testamento s6 se
applica na parte que iigo tiver sido legitimamente
regiilada e deterniinada pelo testador.
Emfini, exceptua-se taiiibem a fórma externa do
testaniento, que, nos teriiios do art. 24.O,e em har-
monia com os artt. 1961.' a 1965.", 6 regulada
pela lez loci.

Como teiiios visto, iiiiiitas vezes R lei de um pgfs


1ri:iiida applicar as disposições de lei de outro país.
Mas quaes sao as disposições da lei d'esse pais
que deveili applicar-se - as disposiç0es do seu di-
reito interno (as disposições materiaes do seti di-
reito, dizeni oiitios) ou as disposições do seu direito
internacional ?
A priiiieira soluçiio constitue a doutrina tradi-
cional e classica ; luas ultiniarriente, diz o Dr. Al-
berto dos Reis, tem-se nccentundo d'um modo
sensivel um movimento favoravel á segunda, mo-
vimento coiiliecido pela denoiriinaç,%o da, theoris
du renvoi, de1 ?*invio,de?*RucX: ttnd It%iterveiweisung,
e que n6s designamos pela expres&o -iheo~iada
devoluq&.
Buzzati e Laind formulain a theoria do seguinte
modo : a lei estrangeira que a lexfori declara appli-
C

cave1 para reger uma relqão juridica dada, não é a


disposi@ estrangeira de direito civil, .mas a disposi-
ção estrangeira de direito internacional privado, cor-
respondente á disposiqão de di~veito internacional
privado da lex fori (1).
Para se ver bem o alcaiice pratico da theoria,
supponha-se que uni americano, residindo e tendo
bens em Portugal, faz testniiiento desherdando os
seiis filhos, como Ilie 8 perniittido pela siia lei na-
cional, sendo certo, por oiitro lado, que segundo o
direito internacional dos Estados-Unidos a succea-
são deve regular-se pela lei do doniicilio do auctor
da herança.
A tlieoria da devolilçso, applicada a este caso,
invalida aqiielle testanieiito.
A theoria nso se restriiige ao direito successo-
rio, mas refere-se priricipalmente &s leis pessoaes.
Tendo j& a seu favor utna jiirispriidencia im-
portante e a acceitação de muitos dos mais notaveis
interriucioiialistas (Von Bar, Brocher, Fiore, Neu-
man, Roliii, Weiss, etc.), teve tan~hemjá a siia
consagraçiio legielativa em alguns cantões suissos,
--
(1) Dr. Alberto dos Reis, pag. 128 e 129.
DIB.,8.. o u . , 2.. siram
CXCIV DIl1EITO CIVIL POIZTUBUÊS

sendo tambem adoptada pelo codigo allem8o (art.


27." da lei de introdiicçgo).
a Haya a aanccionoii
Tnmbem a c ~ n f ~ r e n c ide
em liiateria de casamento.
Apezar de tantas consagrações, o systema da
devoluç8o teni sido modernamente combatido e
criticado com grande força e velieinencia (Bartin,
Buzzati, Catellani, etc., e entre 116s Drs. Reis e
Villela).
E m favor da devoluçZo, diz-se :
a) respeita-se a vontade do legislador local, por-
qiie mandando applicwr a lei estraiigeira, refere-se
n todas as disposiç0es d'essa lei, sem distinguir
entre as cle direito interno e as de direito inter-
nacional ;
b assegura-se n execuçiio extraterritorial das
sentenças, porque, cixrnprindo o juiz os preceitos
da lei nacional das partes, ter& a sentença mais
probabilidade de execução, sem necessidade de
novos processos para se npplicarem esses preceitos;
c) obteiri-se assim uniformidade de jiilgados nos
dois países entre os qnaes se dá a devoluç2o; e
d) finalmente, respeita-se tambeni a vontade do
legislador do Estado a qiie pertence o estrangeiro,
que B o unico corripetente para fixar as leis de pro-
tecção pessoal dos seus cidadiios.
Mas em contrario allega-se :
a) quando o legislador de um pais remette para
DIREITO CIVIII PORTUQU&S cxcv

uma lei estrangeira, não B para qiie se venha a


applicar a sua lei nacional, mas sim para que se
appliquem as disposições da lei estrangeira diver-
sas das suas, por entender que cssas regulam me-
lhor a situação dos estrangeiros ;
b) a maior segurança na execiiç%o da sentença,
que applicou a lei estrangeira pelo systema da de-
vol~ição,não tem realidade desde que ella haja de
executar-se em qualqber outro pais ;
c ) a uiiiforiiiidade de jiiigados nos doia pdses,
entre os qiiaes se dá a. devoliição, B meramente
ill~isoria,porque devendo os juizes de ambos os
países regular-se pelo mesmo criterio, subsiste
sempre o conflicto entre as duas leis, e n devolu-
ção transforma-se num circiilo vicioso, do qual se
não póde sair; e
d) finaliiiente, iiâo tem valor o argumento que
nianda respeitar a vontade do legislador do Estado
a que pertence o estrangeiro, porque o julgador de
cada Estado s6 tem que respeitar as disposições
1

das suas proprias leis (1).


Confrontando as consideraç6es invocadas p o e
cmttrrc a devoliição, parece-nos que pfevalecem as
que defendem este systema.

(1) Dr. Alberto dos Reis, pag. 133 e eegg. ; Dr. Viliela,
pag. 861 u 862.
CXCVI DIREITO CIVIL POHTUGUE~S

41. - A aaqiíojndiciaria ent,ronacionaes e estran-


geiros.
A s condições em que nos trilunaes portuguêses
podem ser accionados ou demandados portuguêses
e estrsrigeiros, por obrigações contraliidas no reino
ou f6i.a d'elle, 850 cleterminadas pelo codigo civil,
nos aiStt.25.O, 28.": 29." e 30.", pelo codigo do pro-
cesso civil, no art. 20.", pelo codigo cominercinl,
que no art. 7.' reprodiiziu o referido ~ r t 5.. O .
O codigo civil dispõe:
u Art. 26.' Os portzcgucues, que contrahem oòriga-

qoes em yaiz e s t ~ a n g e i r *podem


~, se?. df~rt/c~?z(lados no
reino pelos nacionaes, ou est~.a/yril*c~s com quem as
hajam contrahido, se n'elle tiverenz doj,tic*ilio.a
(I Art. 28." Os estranyei~,os,sendo cncont~.adosn'este
~ e i n opodem
, ser demandados perante usj.c~siigaspor-
tuguezas, pelas obrigagões contrahidas em pais estran-
geiro. ))

Art. 2 9 . O Os estrangci7.0~ podem, igualmente, se?-


demandados por outros rsf~w)lgeiros p e ~ n n t cas j~bsti-
qas port.rcguezas, por obi.igaqões contrahidas n o reinu,
se n'elle forem encontrados. n
a Art. 30." O disposto nos dois a~qtigosprecedentes
deve entende?.-se sem ~ ~ ~ e j udo i z que
o Jica ordenado
n a ultima parte do c17.t. 26."~
O codigo de processo civil dispõe no art. 20.':
a O portuguez ou est13angeir0, que tiver domicilio

f h do~ reino, póde ser deninndado perante as just.iças


DIREITO CIVIL POHTUQUÊS CXCVII

portuguezas d o logar onde ,#ar encontrado, j i ~ n d a n -


do-se a causa e m obrigagno por elle contrahida no
reino, o u com y o ~ t u y u e ze m pcriz estrangeiro. B
O codigo commercial, no art. 5 . O , e o de processo
coiiiniercial, no art. 7.", dispõem :
a 0 s portzcguezes que, entre si ou com estrnngeiros,

contrahirena obrigaqôes com1ne7*ciciesJOra do reino, e


os estrangeiros que, entre si ou conz yortuguezes n o
reino as contral~ire?n,podem se)+demandados perante
os comnpetentes fribunaes do reino pelos nncionaes ou
estrccngei7-os c0112 qzíenh L ~ Sk ! j a m contl-ahido, se n'elle

A acçiio jiicliciaria iriteriiacional entre iincionaes


(.straiigeiros póde abranger as seguiiites liypo-
tlieses :
a ) portugiiês contra pol-tligilês
b) l ) o r t u ~ ~ ~ ê s c o nestrangeiro
tm
c) estraiigeiro contra portiiguês
(1) estrangeiro contra estrangeiro
,
i
poiUobrigac,Ges
contr:~llidas
f6ra do reino.
e ) português contra estrangeiro por obrigações
i
f ) estrai-igeiro coiitríi pl ~ r t ~ i g n ê s c o n t ~ ~ a h i d a s
g) estrangeiro contra estrangeiro) rio reino.
Um simples confronto d'estas differentes hypo-
theses coni a doutrina do art. 20.' do codigo de
processo civil. app1ic:xvel eiii riiateria cominercial
(cod. de proc. coni., art. 1.O), mostra claramente
que todas eHas são por elle comprehendidas, exce-
pto a liypothese d). qiie, coiii effeito, deve jiiridicil-
mente ser excluida da esphera da acçiio judiciaria
internacional.
Para que seria, pois, incluido no codigo com-
rnercial o art. 5." ?
Reparando eni que este diz af&ra do reino a , em
vcz de #pais estrangeiro)), como se exprimem os
codigos civil e de processo civil, conclue-se natu-
ralmente que foi para abranger a acção judiciaria
por obrigações contraliidas iio alto mar (I).
Mas, coin esta niodificação, coniprehenderá o
art. 5.' do cociigo comiiiercial todas aquellas seis
hypotlieses, qiie nianifestaniente são abrangidas
no art. 20.' do codigo de processo civil?
Se'attenderiiios s6 ;i lettra do art. 3 . O , vê-se que
elle sb comprelieride as liypotheses a), c): e ) e 9). E
assim, a, acção jiidiciaria con~mercialentre nacio-
naes e estrangeiros seria iiiais restricta do que a
acção jndiciarin civil.

(1) Com effeito, ao tempo da elaloi.a<;ãodo codigo com-


mercial duvidava-se se, em face dos codigos civil e tle
processo civil, os tribunaes portugueses eram competentes
para conhecer da acsão judicinria entre iiacionaes e estran-
geiros por obriga~0escontrahidas rio alto mar, que, por
n3o ser de aguas territoriaes, iibo faz parte de pais algtiin.
Veja-se a este respeito a questão do abalroamento do C'z'ty
of Meca com o huulano, nas Pri71zeiras explicaç2les ao co-
digo comme~cialpo~-tug&s, do Dr. Alves de Sd, a pag. 320
a 333.
Este siinples facto, que B um contrasenso juri-
dico, por ser contrario ao espirito evidente de ge-
n e r a l i z a ~ %do~ direito mercantil, 4 bastante para
nos advertir de qiie a ititer1)retnqão litteral do
art. 5.' não deve ser adinittida.
O intuito do legislador foi certaniente syntlieti-
sar, e mesmo gerierdizar, o principio da acçzo
judiciaria internacional consignado nos referidos
artigos dos codigos civil e de processo civil. Pelo
menos, o art. 20.' do codigo de processo civil nRo
póde deixai. de ter applicaqzto eni niateria de coni-
mercio, por força do disposto no art. 1."0 codigo
de processo conimerciul.
k:ra uni absurdo injiistificavel, qiie n;io 15 licito
presumir-se na mente do legislador, admittir que
os tribiiriaes portugiieses s;io competentes para
conhecer d'uina acção entre i i i i i nacional e iiin es-
traiigeiro, por obrigações coiitraliidas fbra do reino,
quaiido o nacional fôr rc'tr, iiias que o não s8o
quando fôr auctor, e vice-versa, por obrigaçies
contraliidas no reino.
O qne a lei n8o adinitte 6 acção entre estran-
~c~iros por obrigações contrahidas fOra do reino.
i3 este pensamento foi bem expresso e jiistificado
no seio da commissão de legislação commercial da
camara dos depiitados (1).

(1) O Dr. G. Pedrosa levanta a duvida sobre o caso de


h< que a competencia dos tribiinaes relativamente
a obrigação entre nacionaes e estrangeiros justifi-
ca-se bem pela nacionalidade de todas ou de algu-
mas das partea, quando sRo contrahidas fóra do
reino, e pelo principio da soberania territorial,
qiiando são contrahidas no reino.
Mas nenhum d'estes principios a justifica sobre
obrigações entre estrí~ngeiros,quando contrahidas
fóra do país.
Note-se fiiialmente que nos termos dos artt. 20."
e 16." do codigo de processo civil, e 5." do codigo
conimercial, o tribunal de coniiiierciio competente
é o do doriiicilio do réu, e, na falta cle cloinicilio, o
do logar onde elle fôr encontraclo. SEo por conse-
quencia condições riecessarins para se propor n

dois estrangeiros fOra do reino estabelecerein por convençiio


fôro em Portugal, d o tendo aqui doiriicilio, nerii sendo eii-
coiitr;~dos,ou ;~cliando-seem alguma d'estas c.ircuristancias,
nias não Iiaveiido ~stipiiladoforo, e sobre o ponto discdr-
rerarri os Drs. Dias Ferreira, Brand?to, Barbosa Maga-
lhiies, Laranjo, relator e ministro, approvando-se a final o
artigo sem additamento, por se julgar que para o primeiro
caso seria desnecessario porque bastava a convençlo, e
para o segundo por ser perigoso e contrario o alargamento
obrigatorio d a jurisdicçso dos nossos tribiinaes, O que po-
deria occasionar confiictos, vista a discordancia em que
ficaria com os principios de direito internacional u. Veja a s
Actas da commi~são,pag. 3.
ULREITO CIVIL PORTUQUBS CCI

:acç%o ou que o i.611, portugi~êsoii egtrarigeiro,


tenlia doniicilio rio reino; ori, não o teri(lo, que
nelle seja encontraclo.
A lei dcterrriiria as coiidic,ões em qrie os tribu-
ri:ies l)ortngiieses conipetriites podeni conhecer dtts
ncqões corri1lierci;ies eiitre nscionaes e estrnngeii.os.
Mtts n(%odcclarw cs~)scssi~rnente qual (leva ser a, lei
applicarel para se deteritiinax. essa coiiipcteiicia e
a fórnia, de processo que deve seguir-se rias cliffe-
rentes tzcq6es.
No art. 10." da.: suas tlisl)osiç5es preliininsres,
o codigo civil italittiio. c j r ~ (nc..-:ta
~ liiateria foi fonte
dii-ectn do nosso cndigo co~tliiieicial,nianda expres-
- ' i i c iite isegul:ir :I crtiii~eterici:te as f 6 r i l i ~ sde pro-
cclsso pela lei do lognr onde se prcisegiiir o pleito.
E t~ rnesma,'dol~trinafoi manifestanieiite acloptada
no art. 58.' do codigo coniniercial i tnliaiio, tzlnibeni
foiite tlirecta cio nosso.
1.: nssiiii deve ser, porque a s leis cietcrniinado-
ras da competencia e cia f6rma do processo jiiclicial,
seiido cle interesse e ordem publica, niio podeni,
perante os bons priiicipios c10 direito intci-nacional,
ser alteradas netn pela \7ont:zdc das partes nem
pela lei estrangeira, salvo no.; casos especiaes em
qiic.';i inesmp lei nacional exl)iess;~irieiiteo aucto-
riza.
Mas, dada a, omissão, pelo iiienos apparente, d a
lei poitiiguesa sobre esta iiiaterin, poder& admit-
L)II<.,
3.' CAD., 2.# SPRIE:
tir-se qiie a deteririinação c l ; ~competencia e d a s
fóriiias de processo, lia acç5o jiidiciaria internacio-
nal perarite os tribiiriaes portugiieses, se faça. por
uma fórnia 011 lei differente da nacional?
I'arece-nos evidente que liso. Adinittindo mesmo
que o codigo fosse omisso a, este respeito, deveria
entender-se a omiss5o no seiitido de que o iegisla-
dor portugiiês, se nzo exarou expressamente aqiielle
preceito do artigo 10." das clisposiç6es preliniinares
do çodigo civil italiano, é porque o julgoii incluido
rias regras geraes do direito iriternacional, univer-
salniente admittidns. -
Mas a esta consideraç50 itccresce ainda a cir-
cunistanciu de que o nosso cridigo corniriercial não
B realiiiente omisso nesta 11i:tteria. Coin effeito, a
competeiicia e as fórnias do processo fazem neces-
sariamente parte do modo de cr~~npr.i~onto das obri-
gaqoes, que nos teririos do li.' 2." do art. 4.' se
rewula pela lei do 1og:lr onde se re a1'iza.
E, pois, nos termos dos codigos de processo
commercial e civil portugueses que terii de deter-
minar-se a competeiicia e as fóririas de processo
para as acç6es entre ri;~cionaese estiaangeiros ins-
tauradas perarite os nossos tribunaes. D'alii resulta,
e n t i ~outras conseqnencins, qiie o preceito de com-
petencia do art. 5.' do codigo comiiiercial B faciil-
tativo e não obrigatorio, i10 sentido de que as par-
tes podem livremente escolher o fôro perante o qual
DIREITO CIVIL POKTUGU&S CCIII

dever50 ser comyellidits ao onrriprinieiito de seus


contractos e obrigaçoes (codigo de processo civil,
art. 21.' n.' I .O e codigo de l)rocbesso commercial,
art. 1.O) -fom~nz contractus, fb.i.1~1ntlestinatae solu-
tioltis ( 1 ) .
Tanibem o codigo niXo ~leclitru por qiie lei se
devem deterniinai. os meios de prova na acção jii-
diciari;~iiiternaciorial.
O referido art. 10.' das disposições preliminares
do codigo civil italiano foi explicito, mandando re-
gular os meios de prova das obrigações pelas leis
do 10gikr onde foram contrahidas.
E consignou assim a verdadeira doutrina, por-
~ 1 1 O1 S~ iiieios de prova constituem essencialn~ente

o s eleiiicntus i i )tt.gr:t(lorcs da obrigaçilo, destinados


a demonstrar a sua existencin e ,z siia medida,
quando urna ou outra d contestada. I? si> acciden-
tt~ltiienteqiie constitiiem formalidades do processo.
E como a existe~iciae a medida das obrigações
fazem parte da sua, substaricia e effeitos, e se veri-
ficam precisamente pelos elerrientos constitiitivos
d a fbrrna externa, B logiço e rigorosamente jtiridico
que se regulem tnmhem pela Eex Eoci actus (2).

(1) Eduardo Saldanha, png. 201.


(2,) Esta 6, com effeito, a doutrina geralmente acceite
pelos internacionalistas - TVeiss, pagg. 808 e 810 ; Loino-
pag. 244 e segg. ; Bo-
naco, Diritto civile inter~zazio~tala,
Tal B doutrina j A amplanieiite estabelecida
>L
pelo Institiito de Direito Iiiteriiacional em 15 7 7,
que nas siias sessCes (le 10 e 11 de setenibro, eni
Zurich, votou a segiiinte regra : a A ndmissibilidacle
dos meios de prova (documental, te.ste.mzcnhccl,ju~.n-
wzento, livros de commercio, etc.) e s ~ i njorga proba-
to& se9,ão determinadas pela lei do l o g a ~onde se
passou o facto ou neto pzbe se I~cttnde provar.. A me-
sma ?-ey!/1.a
s e ~ dufq~licrrda(í ccqjcrcidade das testcmzb-
nhns, salvas as ~xc.epqi7esqclr os Estados julgarem
conveniente sa~zccioncil~ por trtrtados D (1).
É de liaritioiiia clolri estes pi.iiicipios geraes e
com o n.' 1.' do :irtt. 4." do nosso cotligo comrrier-
cial que deve tniiibciri entre nós regular-se a prova,
das obrigaç6es.
Mas ein contrario tla douti.iiin qiie jSi, entre n6s
tem sido ensinada, p:trece-nos ii~adniissivel,pelo
menos, de jure constitccto, a ap111icaç:"lo da mesma
regra á capacidade das testeiniiiilias, deferitlida
pelo institiito de Direito 1nter1i:icioiinl. Com effeito,
j& entre n6s se ensirioii, de 1iai.irioiiii~coiri alkuns
internacionalistas, qiie perante os tribunaes portu-
gueses podeni ser aclniittidos conio t,esteiiiiinlias,
para prova de coiitr;~ctose nbriga(;Ges contrallidas

laffio, obr. cit., pag. 'i35 t. 734; E'ioii, Diritto internuzionale


privato. vol. 1 .O, li." 101.
(1) Eduardo Saldanha, pag. 202 e 203.
DIREITO CIVIL PORTUGUÊS CCY

fóra do reino, nienores de qiiatoi-ze annos, contra


a prohibiqiio do n." 3." c10 art. 2510.Vlo cocligo
civil, desde que pela lei do 1og:ii- oiidc o acto foi
praticado esses nleiioses sejnin adinittidos a teste-
rnu~ilmr(1).
Senielliante doutrina, enuncind:~assim eni regra
geral, 6 contraria no principio que, i:iiito eni direito
civil coiiio coiiinici.cia1, niaiicla reg-iili~i.n capaci-
dade (Z~LSPCSSOLLSpela siia lei nacional. Nos tribu-
+.
11;bc~s l)ortllglleses, eiii questGcs de direito civil ou
comiiierc:ial, o nierior de ciiiaioi-ze anrios s6 poder6
ser testc~iriiiiilia,se fòr esti-aligeiro e se a SIIR legis-
IaçNo o ~lerniittir.
S ó iicstas restrictas coiidiqGes é :~dniissivel
,~qc~ell:i cloiitrina; e ainda :issirri, é por virtude do
principio i*eg~ilarlor da capacidade, e ii;"iopor effeito
d a regra que subordin:~os meios de prova 6 lei
reg111atloi.ada obrigaqao.
1 )os priiiciyios ospostos sobre a condição juri-
dica internacional dos actos c obrigações resulta
evideiitei-iieiite que os tribuiines portngueses, colno
em geral os tribiin:tes dos outros países, teeni de
applic:ais iriiiitas vezes disposiçiies de leis estran-
gc 1 l'R.4.

. (I J Cit. Liçaes lytoyl.aphadas de diveito combze?~.citrl,de


1891-1893, pag. 191; Lomonaco, pag. 244 e ;egg.; Massè,
vol. 2 . O , ir." 270.
CCVI DIRP:I'TO CIVIL YUH.TUQ~$S

E era certaniei-ite por isso que no projecto do


codigo commercial se enconti.nva sob o n.' 4."o
seguinte artigo : a -1 lei est~clngeirasei á npplicavel
em quesWes co~~z~)zc~~ciaes q71(/n(/0,720s t e m o s d'sste
codigo,fiSr n que deva . ~ q z i l t r ??to
. caso. B
Foi, porém, este artigo siil~primidol ~ e l acom-
missno de legislaçilo c:omniercial da cairiara dos
deputados.
.
Mas foi supprimido por ser julgado inutil e até
perigoso, e não para se rejeitar a sua doutrina, o
que seria absurdo e iuicompativel com os artt. 4.",
12.' e outros do codigo (1).
É, pois, certo que lios tribunaes portugueses
dever& applicar-se a lei estrangeira sempre que
nos ternios do codigo ella fôr npplicavel, precisa-
iiiente como declarava o supprimido art. 4." do
projecto. E tambeni n esta applicaç80 da lei estran-
geira deve estender-se a regra do art. 97.' do co-
digo de processo civil, segundo o qual o juiz n8o

(1) $ o qrxe ee vê clarissimamente da respectiva passa-


gern daa actas da referida cornmisslo, onde se diz o se-
guinte: a 0 Sr. Dias Fei.reir:i propoz a eliminação porque
ou a lei extranha estX refriida iio codigo e é inutil o ar-
tigo, oii i120 estii, e o artigo fira sendo de maior perigo.
O Sr. Brandão sustenta a conservaçno do artigo, modifi-
cando-ee a redacção. Posta a votos, foi approvada a elimi-
nação». Actas cit., pag. 2 e 3.
DIREITO CIVIL POKTUUUÊS CCVII '

póde abster-se de jiilgar sob pretexto de falta ou


obsciiridade das disposiqões legaes.
Mas sendo certo que os tribiinaes portugueses
rnaiitas vezes teem cle ;~pplicnro direito estrangeiro
lia acçiio judiciaria iiitcrilacional, é necessario de-
terminar os termos e coridições eni que os juizes
devem reconhecer :i, siin existencia e fazer :L devida
applicaç5o clas sinas disposições.
A verdadeira doutriii;~, sobre a applicaqRo do
direito estrangeiro cricoritra-se exposta rios traba-
lhos de Goldschrnidt. c foi iiltegraln~enteadoptada
por Bar, iim dos mais iiotaveis eocriptores do nio-
derno dircito internacioiial lia Allemaiilia (1).
F(~giinc10estes cscriptores, >L doutrina d : ~appli-
uaçàu do direito estrangeiro iios tribiinaes nacio-
n w s reduz-se As seguintes proposições :
:ia) o juiz deve npplicar o direito estrangeiro
iiieciiio sem reclarnaçiio da parte interessada, e
i~ic-iiiosem necessidade (1;~ apresentação da lei
estrangeira applicavel ao fncto juriclico controver-
tido ;
b) se o juiz n%o conliece perfeitamente a lei es-
ti.ziii~eii.;iapplicavel, deve ordenar que a parte in-
c - - ; i t l , ~prove a existenvia (i:i iiiesma;

(I) Goldscliinidt, Hcindbucl/ d ~ sIIandels~echt, vol. 1,O,


5 3$,e, pag. 383-387 ; Bar, Theovie ~ c n dPrtrxis des .inter-
matiunalen privatrechts, vol. 1 .O, n . O s 37 a 39, pag. 132-144.
c) a invocaç;io d : ~lei esti.aiigeircr applicavel é
adniissivel eni qrialqiicr est,;ido do processo ; e,
assini, ;L violr?q;;io (Ir? iiiesnii~,1)or f i ~ l t :o11
~ ertada
applicação feita ])elojiiiz nacioiial, p6de ser objecto
do recurso dc i.c\-isti\. p:ira o ti.ihiiiia1 suprenio ;
d) se a disposi~50rht lei c.strangeir:i. :~pl,lica-
vel n;io se al)icsenta (livei.sn da nacioli::l, o liiiz
. .
pbde applicar esta pi.esiirriinclo-a, concoi.clante com
aqiiella, ;
e) a prova da (Xisposiq<r(ode lei estrangeira, des-
conhecida do jiiiz, iriciiinbe i< 1):irte qiie sustenta a
diversidade d : ~corrc1:i t iva disposição c10 direito
iiwcionnl.
'1';~mberii esta tloiitiina d geralniente perfilliada
1)c)los conimerci:ilistas it:tliaiios, e conforirie coiii os
priricipios c10 direito 1)ortiigiiês (1).
O direito esti-angriio qiie por disposi~50da lei
nacional deve :il)l,licar-sc a certos factos constitue
verdadeiraniente lei; e, corno tal, (S da funcção do
juiz npplica-10 niesmo rlr qf';cio. A lei estrangeira
é em tal caso t5o obrigatoria yara o juiz conio a
propria lei iiacional. h niitiireeu do facto juridico
determina a lei upplicavel, e o juiz deve applica-la,
quer seja nacional quei. esti.angeir:x, porque a sua
obrigaçgo B conforiiiar-se coni a lei; e de certo não

(1) Sobre este importante problema póde vêr-se ti obra


citada de Rolafiio, pag. 754 e segg.
I ~ R E I T OCIVIL POK'L'UGUÊS CCIX

se conformaria coni ella, se decidisse iima contro-


versiu com a lei do proprio país, quando a lei na-
cional nianda applicar o direito estraiigeiro ( I ) .
Mas comprehende-se bem que, ri50 conliecerido
o juiz a lei estrangeii.:~invoc:ada, ou sendo esta
contestada, 4 fL parte interessada que iiiciimbe a
prova da siia alleg:.n(;%o,em ht~rmoniaconi os prin-
c i p i o ~geraes do direito e corri a cloiitrina dos artt,
2305." 2406." c10 iiosso codigo civil.

42. - Esecuq5o tl;in sentenças dos trtbnnaes eir-


tr~11gtfilws.

O direito internacional reclama, não 86, eni


niiiitas circunistanci~is,ii apl~licaqãndirecta do di-
reito estritngeiro, nias tainbem, como compleniento
natural c logico, a siia applicaç,?~iiidirecta, ou
seja, o recwnheciiiieiito das sentenças ou jiilgamen-
tos 1)rofeiiclos pelos tril~unaesestrangeiros.
Aiitig:iiiiente, cctnio acontece ainda ho-je em al-
giiiis países mais :itrazndos rio convivio d a socie-
dade internacioilal, ei.;iiii rxcliiidas da vida jiiridica
nacional :is scnteii(;:ls esti.:tiigeiras, sendo riecessa-
rio q ~ i e o sinteress;idos iristitiirasseni i i i t i processo
eni cada país eni cjuo tivessem um mesnio direito
a fazer ciirriprii..
O prinieiro passo para o regimen d a slpplicaç8o

(1) Laiirent, Dvoit c i r i ? internntional, vol. 2.O, ri.' 263.


ccx DIREITO CIVIL PORTUQUÊS

extraterritorial das ~entençasconsistiu em se per-


mittir ou recusar a execuç8o de sentenças estran-
geiras, conforme a vontade do poder executivo.
Mas este systema representa ainda a negação do
direito internacional.
O primeiro systema de direito internacional
nesta materia consiste em reconliecer as sentenqns
estrangeiras, não como titulos executorios s6 de
per si, 111~scomo titulo ou meio de prova solemne
da obrigação ou do direito, que nas mesmas se
contdm.
Quer dizer: o interessado tem de propor unia
nova acçgo, mas Q sufficiente para a sua prova a
sentença estrangeira, desde que n8o seja invali-
dada por algum vicio fundamental, como a incom-
petencia do tribunal, existencia de algum erro de
direito ou de processo, interesse do juiz que a pro-
nunciou, opposição com a justiça natural, como,
por exemplo, a condemnação do r60 sem cita-
ç80, etc.
Tal Q o systema adoptado na Inglaterra, na Di-
namarca, e nos Estados-Unidos.
.
Outro systema Q o da reciprocidade, que consiste
em cada pais executar ou não uma sentença estran-
geira, nos mesmos termos adoptados no pais onde
esta foi proferida, eni relação ás sentenças do pri-
meiro.
Este systema da reciprocidade de facto tem sido
DIBEITOCIVIL PORTUQU~~S CCXI

adoptado principalmente nos pafses da raça ger-


n~anica,sendo por isso denominado germanico por
alguns escriptores ; mas Q tambem ainda hoje ado-
ptado por muitos outros paises, como a Hespanha,
a Rumania, a Russia, varios cantões suissos, e
miiitos dos Estados americanos (Brazil, Bolivia,
Equador, Mexico, Guatemala, e outros).
O systema da reciprocidade, representando já
rim progresso importante na evolução do principio
da execução extraterritoria1 das sentenças, Q com-
tudo milito imperfeito, porque traduz em ultima
analyse uma disparidade de regimen juridico,
dentro do mesmo país, que Q inadmissivel.
O principio da unidade do direito, que deve pre-
sidir B organização de cada instituto juridico levou
naturalmente os juriscon~ultose legisladores a ado-
ptar systemas mais precisos e definidos.
Estes systemas podem reduzir-se a um principio
geral, que consiste em reconhecer força execiitoria
4s sentenças estrangeiras, sendo revistas e confir-
madas por um tribunal do pais.
S5o tres estes systemas: o da revisão de merito
em absoluto, a revisffo de merito d'um modo rela-
tivo, e o systema da revisão restrictn a certos re-
quisitos f~indanientaes da justiça internacional,
conhecido pelo nome de systema da delibação.
O primeiro systema consiste eni rever integral-
mente, n8o s6 a sentença, mas toda a essencia do
CCXII DIREITO CLVII, POL<TL'GGÊS

processo, de: modo que a caus:i \-e111 a ser de novo


julgada, tendo o tribunal de apreciar todos os factos
allegados e assistir a todo o deseiivolvimento das
provas, para verificar se a sentença estrangeira fez
uma recta applicsç%oda lei.
86 depois d'esta verificação Q cliie o tribunal re-
visor confere ou recusa o czeptbcctur.
Este systema é inadiiiissivel, porque esta revisiio
equivale n unia nova acçilo, e iio fuiido é, porjcon-
seqiieiicia, a iiegação do proprio instituto da exe-
c u ç h extraterritoi.i;~l das sentenças.
Entretalito teiii sido defendido por alguns escri-
ptores iuodernos, coino Lacantiiierie e Despagnet,
e 4 ainda adoptado em Frariqa, lia Belgica e em
alguns cantões siiissos.
Por isso, desde muito teiiipo os ~j~irisco~isultosn
teeiii criticado, defendendo a, revisgo de merito s6
d'urn modo relativo.
Assim alguns, como Fiisinato e Marino, is6 o
admittem quando a sentença estrangeira applique
unia lei nacional.
Outros escriptores só defendem a revido de
merito para as sentenças dos países pouco civili-
zados.
Outros a6 defendeiii a, revisilo de merito para as
sentenças proferidas contra i-iaciouaes.
Mas estas restricções ao systenia da revisiio de
merito em absoluto sEo ;iiiida insuficientes para
dar ao problema uina soluçno justa e positiva, em
harmonia com os principios fundamentaes do di-
reito iriternaciocal ~~rivaclo.
Por i ~ s oa, maior p:~rtedos escriptores modernos
(Fiori, De Rossi, Weiss. e, entre n6s, Drs. Tavares
de Medeiros, Montenegro e Marnoco e Souza) de-
fendem o systema iriais liberal, conhecido pelo
nome de sj.stema da delibaçiio.
Segundo este systeiiia, confere-se força executo-
ria a todas as sentenr;as estrangeiras, mediante uni
juizo suinniario (juizo de delibaçgo), por meio do
qual se verifica se stctisfazerri a certos requisitos
fuiidamentaes exigidos pelas condições da existen-
caia da justiça internacional.
E :issim, o jnizo cla delibação deve verificar a
autlienticidade da sentença, a competencia. do tri-
bunal que a proferiu, a citação das partes, o seu
oaracter cle caso julgado e a sua não opposiçlo
coiii os principios ou leis de interesse e ordem pii-
hlica.
Este systema foi inaugurado pela Italia, onde se
encontra consignado no art. 941.' do codigo de
processo civil. E r a natural que assim fosse, porque
:i Italia representa, tanto na doutrina, como na le-

gislação, o pais mais avançado na marcha evolu-


tiva do progresso juridico. l i .

Da, Italia passou o systema para outos paises


(Bulgaria, Republica Argentina, Portiigal, etc.).
CCXIV DIREITO CIVIL POHTUQU%B

O nosso codigo civil dispõe no art. 31.':


(As sentenças 'proferidas nos tribunaes estran-
geiros sobre direitos. civis, entre estrangeiros e
portugueses, podem ser esecutadas perante os tri-
bunaes portugueses, nos te-os prescriptos no co-
digo do processo S .
Nos termos da redacção d'este artigo nãc 11-
.tb

contra definido o systema de revisão adoptado.


Mas o art. 1088." do codigo de processo civil
%'

mostra claramente que Q o systema dzk delibação.


Com effeito, nos termos do Cj 1."d'estebrtigo, a
revisão e confirmação da sentença estrangeira s6
póde ser impugnada pelos seguintes fundamentos :
a) duvida sobre a authenticidade do documento
ou intelligencia da sentença ;
b) nito ter a sentença passado em julgado;
c) ser proferida por tribunal incompetente;
cF) não terem sido as partes devidamente citadas,
ou não se ter legalmente verificado a sua revelia
quando deixassem de comparecer ;
e) conter a sentença decisões contrarias aos 111i i i -
cipios de direito publico português, ou offensivas
dos principios de ordem publica ;
f ) ser a sentença proferida contra algum subdito
português, em opposição aos principios de direito
civil português, quando por este devesse ser resol-
vida a questão.
De resto, no processo da revisão nito Q admissi-
DIBFXTO CIVIL PORTUGIU&S CCXV

vel producç80 de provas sobre o fundo da questão,


como dispõe o 5 3." do referido art. 1 088."
Qual será o alcance do art. 3 1.O do codigo civil,
relativamente As sentenças estrangeiras que, para
terem força executoria, precisam de revisão nos
termos do codigo do processo?
Uma interpretação, adstricta 4 letra do artigo,
Q que a6 abrange as sentenças, sobre direitos civis,
entre estrangeiros e portugueses, excluindo, portanto,
as sentenças entre estrangeiros ou entre portu-
gueses.
Outra interpretação, tão forçada que traduz
precisamente o contrario do que está na letra do
artigo, Q que abrange as sentenças 96 entre estran-
geiros ou entre portugueses, excluindo as sentenças
entre estrangeiros e portugueses (1).
Outra interpretação 6 que abrange as sentenças
entre estrangeiros e portugueses, entre portugue-
ses sómente, e exclue as sentenças entre estran-
geiros (2).
Outra interpretação mais ampla é que abrange
qa tres grupos de sentenças (3).

I (1) O Direito, I, pag. 241 e 387.


(2) Accordam da Relaplo do Porto, de 5-111-1872, no
Direito,IV, pag. 303.
(3) Gazeta do8 Zbibunaes, de 1868-69, pag. 76; Dr. Dias
b e r r e i r i I, pag. 59.
Segundo oiitra interpretaç50 demasiadamerite
liberal, o art. 31." do codigo civil sujeita ao pro-
cesso da revisiio apenas RS sentenças entre portii-
giieses e estrangeiros, podendo as sentenças eiitrs
portugueses oii entre esti.angeiros ser executadas
seni A confirmaqh por aquelle processe, por forqa
do preceito do art. 2430." (1). Segiiiitio esta - '1

pretaçao, o art. 31." não d seniio iimu excepçiio , .I

art. 2430.",justificada pela necessidade de garantir


os nacionaes contra qualqiier injustiqa que lhes
possa ser feita por tribiinaes estrangeiros, ein acção
com algiini estrangeiro cidadão do pais onde foi
proferida a eentença (2).
Parece-nos que a verdadeira interpretação B a
que abrange as tres categorias de senten(;:%s.
E m contrario tem-se dito que a espreasãc) / ))!

e~tran~qeeirose port.zrgtceses; empregada pelo codigo,


nunca abrange as tres hypotheses, conio se vê rios
nrtt. 1065.O, 1066.", 1106." e 1107." (3).
Mas a verdade B que naquelles artigos do co-

(1) Art. 2430.0 aos documentos autlienticos passados


em paiz estrangeiro, na conformidade da lei d'esse paiz,
farno prova neste reino, como o fariam documentos da
inesmá natureza, exarados ou expedidos nelle».
(2) Guzeta dos Tvibunaes, de 1868-69, pag. 75. ' "
(3) Dr. hfarnoco e,Souza, Bxecrcçüo extraterritoriuiul das
pag. 1 1 9 .
sentenças ciueis e co~nmei.cicie~,
digo civil não se eucontra a referida expressiio d o
art. 31."
E se effectivainentc ii tliividn 4 legitima perante
a eupressa0 a entre est~*nngeiro.~ P por.t?~yuesesn , que

parece restrictiva. essa diivida deve desappai-ecer


perante o codigo de processo civil, clile no art. '798.O,
n." 2.", declara titiilos exequiveis as senteriç:is pas-
sadas em julgiido. sein restricy5o As seriteliças rias-
cionaes. E o art. 805." do niesnio oodigo declara
que a s sentenqrs prgeridns pelos tribuncies estrnlzgei-
7.os, seni fazer yiialquer restricção, precisam de ser
revistas e confirniadas por um tribuncil de segiiridw
iiistaiicia, para serem titulo8 exeqiiiveis.
$: certo q i i p o i1l.t. 108i.O d o iiiehrno rodigo, onde
se começa a regular o processo da revisso, tlillw
das eenteiiças cs que se wfere o crrf. d o cudiyo
civil.
Mas esta refei.eiici:i c10 iirt. 1087,"do c.o(ligo do
processo não deve ser siificirntta 1);ii'iI intei.pi.ettzr
restrictivamente a expres40 P n / ? ' P ~)oi-ftt,qzlo.sese
est~-c/npiros u do art. 3 1." do coclign civil, pai-qiie

riBo deve ter sido esse o pensaiiierito do niictoi.


d'urluelle codigo.
De resto, a vei-diide é que it c>spi.ess$o eertfjn
estrangez~.os e y o r t ~ ~ y u r s,Ie,s eritcridida 6 leti.;r, oii
iiitei.pietatlii logicanieiite, iibi.aiige tiiirlberii a s Iiy-
lmtheses s6 entre esti-i~iigeirosou sci entre portii-
gueses.
hr.. Ya LAD., 2.' ~LI~IE. ÇC
OCXVIII DIREITO CIVIL P O K T ~ ~ U É ; ~

.
pocierão a s sentenças estrarigeiras protlii~ir
entre nbs oiitros effeitos do caso jiilgailo, i~léiiii i
da, execução, sem necessidade da revisiio e confir-
1iiaça"o
J á se snsteiitoii que n5o. coiii o funtlaiiierito de
r p e n soberania e rk iiidepeiideri(:ia clo ljaís nFio
coripeiiterri que niagistrri(1os estràrigeiros tl( (.1 I
;i lei e o direito, qiie deve vigorar eiii Portiigal (i.).

IC certo, pordi11, que i~ revisso das seilte~içilses-


trriiigcwt\sss6 é iiecess;iri>~ parti ellas podereni sei.
execiitad;is jiidicialirieiitc, iios terilios cios artt. i 9 h .
e seg~iiritesdo codigo tlt. pi.oresso caivil; e , por cori-
.;eq~ieiici:j,para os outros effeitos do c:;tso ju1g;iflo.
c.oiiio titiilo de prova, basta que a sei1tenç:t se apre-
sente devicliiiriente leq;iliz:ida, e ucoiiipanhada de
tlociinieirto egilaliriente legalizado, qiie prove ter
1)assal'io eni julgado.
,
1C o t111e resulta nec.ess;trianierite do confroi~to
(10s ;iiStt. 31 .h24330." do codigo civil com os artt.
805.'' e 10X7.0 do cotligo c30 processo.
(NTío se deve, conitiirlo, exagei-ai. a efficaci'a
extr:i territorii~ldo caso jiilgndo, a ponto de siisten-
tar qiie ella, iiao. poss;i sc.1. irripiignaclt-Lcorn os nie-
smos iiiotivos de opposiq50 iidniitti(1os no jiiizo da
tlelibuqao 0 (2).

(I) R ~ v i s t ndos T~.ibu~zues,


I X , pag. ;l4().
(2) ~ r ivrar110~0
. e SOUZ;L, ll:lg. I:{].
Antei.ioririente i&()~ ~ d i gdeo processo coinnler-
- ~ <o' ~)i.oc.'sso da i.evis:io titniberri
cial d i ~ ( : l ~ t i i ~se
seria atiplic:;ivel bs seiite11q;is cv->iiiriiei.oi;ies.
Afas este (*o(ligo;ic.;il)oil caoiii its diividas, dis-
I)OIL(IO logo 1 1 0 art. 1." que o l ~ o c e s q o(:~ir~lrierciaI,
eni tii(lo o qiie 110 riiesiiio c*ociigoiiso f'ôr preveniclo,
serh i.egiil;ido pelo ceodigo (10 processo civil.
PARA A 3,* CADEIRA

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