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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

2017•13(1)•pp.20-28 Relatos de Pesquisas | Research Reports

Débora Cristina Fava 1


Janaína Thais Barbosa Pacheco 2
Maus tratos, problemas de
comportamento e autoestima em
adolescentes
Maltreatment, behavior problems and selfsteem in
adolescents

Resumo
Os maus tratos vividos pela criança no ambiente familiar são considerados prejudiciais
ao desenvolvimento da criança e fator de risco para o surgimento de problemas com-
portamentais. Este estudo transversal investigou a relação entre maus tratos, autoesti-
ma e problemas de comportamento. Participaram 84 adolescentes divididos em grupo
caso e controle conforme o histórico de maus tratos. Resultados revelaram que adoles-
centes maltratados na infância, tiveram maior sintomatologia de comportamento ex-
ternalizante e pior autoestima do que aqueles que não sofreram essa experiência. Uma
análise de correlação verificou que a externalização e os maus tratos estiveram posi-
tivamente correlacionados, bem como a sintomatologia de ansiedade, retraimento e
depressão e outros problemas de comportamento. A autoestima esteve correlacionada
negativamente com maus tratos e com problemas de comportamento. Esses achados
auxiliam a compreensão dos efeitos dos maus tratos sobre o desenvolvimento e imple-
mentação de intervenções voltadas para crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Maus tratos; Comportamento; Autoestima.

Abstract
Maltreatment experienced by children in the family are considered harmful to the
child’s development and a risk factor for the development of behavior problems. This
1
Mestre - (doutoranda) - Porto Alegre - RS - cross-sectional study investigated the relationship between maltreatment, self-esteem
Brasil.
2
Pós Doutora - (Professora UFCSPA).
and behavioral problems. Eighty-four teens participated divided into case and control
groups according to the history of maltreatment. Results showed that adolescents
Correspondência: maltreated in childhood had more symptoms of externalizing behavior and poor self-
Débora Cristina Fava.
Instituição: Elo - Psicologia e esteem than those who did not undergo this experience. A correlation analysis found
Desenvolvimento. that externalizing and maltreatment were positively correlated, as well as symptoms
Rua Maranguape, 72/1301.
Porto Alegre - SP.
of anxiety, withdrawal and depression and other behavior problems. Self-esteem was
CEP: 90.690-380. negatively correlated with maltreatment and behavior problems. These findings help
E-mail: deborafava@gmail.com understand the effects of maltreatment on the development and implementation of
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema interventions targeting children and adolescents.
de Gestão de Publicações) da RBTC em 28 de Keywords: Malteratment; Behavior; Self-esteem.
Setembro de 2017. cod. 526.
Artigo aceito em 28 de Abril de 2018.

DOI: 10.5935/1808-5687.20170005

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INTRODUÇÃO Estudos mostram que a exposição aos maus tratos pode


estar associada a problemas de comportamento externalizantes
As situações de violência e de maus tratos estão relacio- em crianças e adolescentes, bem como dificuldades com a au-
nadas a problemas na saúde mental de crianças prejudicando toestima (Jaffee & Maikovich-Fong, 2011; Kim & Cicchetti, 2003;
o desenvolvimento infantil (Margis, Picon, Cosner, & Silveira, Manly, Kim, Rogosch, & Cicchetti, 2001; McWey, Cui, & Pazdera,
2003). Distintos tipos de violências, tais como física, psicólogica 2010; Shen, 2009). O termo comportamento externalizante en-
ou sexual atingem crianças e adolescentes, constituindo-se em globa os comportamentos que são caracterizados por condutas
fatores de risco para o desenvolvimento (Assis, Avanci, Pesce, desafiadoras excessivas, por problemas como agressividade
& Ximenes, 2009; Ribeiro, Andreoli, Ferri, Prince, & Mari, 2009). contra pessoas e animais ou comportamento transgressor e
Um estudo americano mostrou que aproximadamente delinquente, bem como problemas de impulsividade (Pacheco,
20% da população infantil sofreu algum tipo de maus tratos Alvarenga, Reppold, Piccinini, & Hutz, 2005). De acordo com
nos Estados Unidos em 2010 (U.S. Department of Health & o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais -
Human Services, 2011). No Brasil, no período de 2000 a 2007, DSM-5 (APA, 2013), o Transtorno de Déficit de Atenção e Hipe-
foram notificados 137.189 casos de violência doméstica contra ratividade (TDAH), e os transtornos disruptivos, que englobam o
criança e adolescente, distribuídos em violência física, sexual, Transtorno de Conduta (TC) e Transtorno Desafiador Opositivo
psicológica, negligência e violência fatal, segundo dados do (TOD) exibem critérios de externalização.
Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Em um estudo com 814 participantes, as crianças que
Paulo (Lacri, 2009). De acordo com o Centro de Combate à sofreram maus tratos obtiveram maior escore em sintomatologia
violência Infantil, no Brasil, anualmente, 12% dos 55,6 milhões externalizante maiores índices de agressividade e menor índice
de crianças menores de 14 anos são vítimas de alguma forma de comportamento cooperativo na relação com pares (Manly
de violência doméstica. Esses dados revelam que cerca de 18 et al., 2001).Além disso, crianças que experienciaram maus
mil crianças sofrem violência por dia (Cecovi, 2009). tratos crônicos são menos vinculadas aos seus pares (Kim &
O mau trato à criança constitui-se de todas as formas de Cicchetti, 2004).
tratamento doentio, tanto físico quanto emocional que resulte Lansford et al. (2002), verificaram que adolescentes
em danos reais ou potenciais para o desenvolvimento ou dig- expostos a maus tratos na infância estavam mais ausentes da
nidade da criança dentro de uma relação de responsabilidade, escola e mais propensos a postergar o início da entrada na
confiança ou poder (WHO,1999). Bernstein et al. (2003), fazem faculdade, em comparação aos que não foram maltratados.
referência a cinco tipos de maus tratos: negligência física e Também se verificou que as crianças que sofreram maus tratos
emocional, abuso sexual, físico e emocional. A negligência tinham níveis de ansiedade, agressão, depressão, dissociação,
física é definida como o fracasso de cuidadores em garantir sintomas de Transtornos de Estresse Pós-Traumático, proble-
o atendimento às necessidades básicas, bem como a falta de mas sociais, problemas de pensamento e retraimento social,
supervisão dos pais. Já a negligência emocional é definida maiores do que as crianças não expostas a maus tratos. Em
como a falha dos cuidadores em satisfazer as necessidades um outro estudo, os autores encontraram maior prevalência
emocionais e psicológicas das crianças, incluindo amor e sen- de comportamento externalizante em vítimas de abuso sexual
timento de pertencimento e suporte. (McWey et al., 2010).
Dentre os maus tratos, o abuso sexual é o tipo mais es- A exposição a maus tratos e a insegurança na relação
tudado na literatura nacional (Borges & Dell´Aglio, 2008; Drezett materna parecem prejudicar o ajustamento infantil na medida
et al., 2001). É definido como atos em que o responsável usa a em que afetam negativamente a autoestima e a competência
criança para obter gratificação sexual (Krug, Dahlberg, Mercy, social da criança (Kim & Cicchetti, 2004). A autoestima se
Zwi, & Lozano, 2002). Bernstein et al. (2003), consideram abuso refere a um conjunto de sentimentos e pensamentos do indi-
sexual quando ocorre o contato sexual entre uma criança com víduo sobre seu próprio valor, competência e adequação, que
menos de 18 anos e um adulto; consiste em ser molestado, ser se reflete em uma atitude positiva ou negativa em relação a
machucado caso resista ao abuso, ou ser tocado em partes si mesmo (Rosenberg, 1965). Rosenberg (1965) sugeriu que
íntimas com intuito sexual. A Organização Mundial da Saúde a baixa autoestima enfraquece os laços com a sociedade e
ressalta que ser tocado com intuito sexual ou fazer fotografias esse enfraquecimento diminui a conformidade com as regras
de crianças para obter gratificação já consiste em abuso sexual e normas sociais, nesse sentido é considerada importante
(WHO, 1999). O abuso físico é definido como agressões cor- preditora para o desenvolvimento sadio e um fator de risco para
porais em uma criança por um adulto que represente um risco problemas externalizantes, como delinquência, agressividade
ou resulta em ferimentos. E, finalmente, o abuso emocional e comportamento antissocial(Donnellan, Trzesniewski, Robins,
defini-se por agressões verbais que diminuem o senso de valor Moffitt, & Caspi, 2005; Fergusson & Horwood, 2002). A baixa
e de bem-estar da criança, ou comportamentos dirigidos a ela autoestima é uma possível consequência a longo prazoda
que sejam humilhantes (Bernstein et al., 2003). exposição a maus tratos físicos (Shen, 2009).

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A literatura sugere que a relação entre a exposição a da rede pública de ensino de Porto Alegre. A descrição dos
maus tratos, problemas de comportamento e autoestima, re- participantes por grupo está apresentada na Tabela 1.
percute em um prejuízo para o desenvolvimento do indivíduo,
manifestado através de dificuldades no relacionamento interpes-
Instrumentos
soal (Jaffee & Maikovich-Fong, 2011), menor eficácia social(Kim Os instrumentos utilizados neste estudo foram:
& Cicchetti, 2003) e déficits em resolução de problemas no Ficha de Dados Sociodemográficos. Esse instrumento
âmbito social(Levendosky, Okun, & Parker, 1995). Lansford investigou informações acerca do gênero e da idade, bem como
et al. (2002), destacam ainda as dificuldades acadêmicas e o nível de escolaridade e o histórico de repetências escolares,
psicológicas também ligadas à exposição a maus tratos em e informações sobre a configuração familiar na moradia.
criança e adolescente (Lansford et al., 2002). Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2008).
Sabe-se que crianças negligenciadas por suas famílias É um instrumento que avalia o nível socioeconômico e o grau
tendem a acreditar que são incapazes de alterar seus ambientes de instrução do chefe da família de acordo com o sistema de
em situações difíceis, acabam se intimidando, não revidando ou pontos do Critério Brasil (ABEP, 2008).
não procurando a ajuda de professores e amigos, o que pode Questionário de Traumas na Infância - QUESI (Grassi-
reforçar os ciclos negativos da impotência (Fosse & Holen, -Oliveira, Stein & Pezzi, 2006) é uma medida de autorrelato
2007) e gerar estratégias comportamentais desadaptativas que avalia a presença de histórico de situações de abuso ou
como a externalização (Donnellan et al., 2005; Tracy&Robins, negligência durante a infância do participante. Cinco subescalas
2003). Estudos nessa área são fundamentais para promover o compõem o instrumento e são analisadas separadamente, são
avanço de novas ações de intervenção em prevenção de maus elas: abuso sexual, abuso físico, abuso emocional, negligência
tratos infantis. Nesse sentido, o objetivo geral desse estudo foi física e negligência emocional. Na análise do instrumento,
comparar adolescentes expostos e não expostos a maus tratos pontuações um ou dois em cada uma das subescalas indicam
quanto às variáveis problemas de comportamento e autoestima. que não houve exposição a maus tratos na infância; pontuações
três ou quatro indicam a exposição do indivíduo a maus tratos.
MÉTODO Youth Self-Report - YSR (Achenbach & Rescorla, 2001)
traduzido e validado por Silvares, Rocha e Equipe Projeto
Enurese (2007) é também um instrumento de autorrelato que
Delineamento
investiga competências e problemas a partir da visão do próprio
Trata-se de um estudo transversal, comparativo e de participante e se dirige a jovens com idade entre 11 e 18 anos. A
correlação. análise do instrumento possibilita a delimitação de nove escalas
de problemas de comportamento. Neste estudo foram analisadas
Participantes
as seguintes subescalas: Ansiedade/Depressão, Retraimento/
A amostra deste estudo foi composta 84 adolescentes, Depressão, Comportamento de Quebrar Regras e Compor-
desses, 66,7% eram do sexo feminino (n=56) e 33,3%, do sexo tamento Agressivo. As escalas são reunidas em três grupos:
masculino (n=28), com idade entre 13 e 17 anos, estudantes Problemas Internalizantes, Externalizantes, e Problemas Totais.

Tabela 1. Descrição dos participantes por grupos nas variáveis sociodemográficas.


GCt MT MTM
F P
N=41 N=24 N=19
Média DP Média DP Média DP
Idade 14,00 1,47 14,21 1,41 14,21 1,69 0,203 0,816
Anos de estudo 7,41 1,14 7,33 1,24 7,58 1,54 0,204 0,816
Número de repetências 0,71 0,96 0,96 1,16 0,74 0,93 0,493 0,612
Idade da mãe 40,13 6,94 39,41 6,95 40,28 5,74 0,107 0,898
Idade do Pai 44,66 12,52 41,04 8,10 44,21 5,52 0,926 0,401
Número de irmãos 4,38 1,54 2,22 1,57 3,67 3,20 0,279 0,757
ABEP Total 23,47 5,28 21,41 5,86 23,00 6,13 0,865 0,426
Grau instrução chefe da
4,28 2,30 3,75 2,11 3,21 1,81 1,650 0,199
família
Nota. gl = 2.

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Inventário de Depressão Infantil – CDI (Kovacs, 1992; A partir da divisão dos grupos feita através dos dados já
adaptado por Gouveia, Barbosa, Almeida & Gaião, 1995). Tem coletados pelo grupo de pesquisa, entrou-se em contato com
como objetivo detectar a presença e a severidade do transtor- a escola dos adolescentes e os mesmos foram convidados
no depressivo na infância. Destina-se a identificar alterações a participar da segunda parte da coleta de dados realizada
afetivas em crianças e adolescentes dos sete aos 17 anos. individualmente em um local indicado pela escola. As pesqui-
Composto por 27 itens, e uma escala Likert de três pontos, sadoras que aplicaram os instrumentos individualmente eram
onde o sujeito deve escolher o que melhor descreve o seu cegas quanto à condição do participante (caso ou controle). A
estado no período atual. redução no número de participantes, considerando a amostra
Escala de Autoestima de Rosenberg. Original de (Ro- inicial do banco de dados do PNPD, deve-se a dois fatores: 1)
senberg, 1965) a versão utilizada parauma amostra brasileira dificuldade no pareamento dos indivíduos dos dois grupos; 2)
foi adaptada por Hutz & Zanon (2013). Trata-se de uma medida perda de adolescentes que não foram localizados ou não foram
unidimensional, tipo Likert, composta por dez afirmações em autorizados pelos responsáveis para participar.
relação à satisfação consigo, com suas próprias qualidades e Dos instrumentos utilizados na análise para o presente
capacidades, bem como sentimento de inutilidade e sensação estudo, o QUESI, o YSR, o CDI, a Ficha de Dados Sociodemo-
de fracasso. gráficos e o Critério de Classificação Econômica Brasil foram
aplicados coletivamente na primeira parte da coleta e a Escala
PROCEDIMENTOS de Autoestima de Rosenberg, exclusivamente aplicada para
esse estudo, foi aplicada individualmente, pois os adolescentes
também responderam a dois sub testes da Escala Weschler de
Coleta dos Dados
Inteligência, em que os resultados estariam sendo avaliados no
Este estudo é derivado de um projeto do Programa Na- estudo de outra integrante do grupo de pesquisa.
cional de Pós-Doutorado (PNPD) desenvolvido pelo Programa
de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Psicologia/ Análise dos Dados
PUCRS, intitulado “Exposição a maus tratos na infância e a Os dados deste estudo foram alocados no software Sta-
relação com a cognição, a adaptação psicológica e a ocorrência tistical Package for Social Science versão 16.0. Com o objetivo
de psicopatologia em adolescentes, adultos e idosos”. O projeto de refinar a análise dos dados desse estudo, realizou-se a uma
do PNPD envolve adolescentes, com idade entre 12 e 18 anos, análise descritiva de frequência que permitiu a identificação de
alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e indivíduos que foram expostos a apenas um tipo de maus tratos
privadas. Para a seleção dos participantes foi elaborada uma (MT), com 24 participantes, e indivíduos que foram expostos a
lista com todas as escolas que tinham ensino fundamental e maus tratos múltiplos (MTM), com 19 participantes. Indivíduos
médio completos, de Porto Alegre. Posteriormente, foram sele- que pontuaram no QUESI três ou quatro em apenas um subtipo
cionadas, por sorteio, 18 escolas da rede pública e privada. Nas de maus tratos, foram incluídos no grupo MT; indivíduos que
escolas que concordaram em participar, todas públicas, foram obtiveram essa pontuação em dois ou mais subtipos de maus
coletados dados coletivamente em uma turma de cada série, tratos foram incluídos no grupo MTM e, finalmente, o Grupo
da 6ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. Controle (GCt) foi constituído por 41 participantes que pontu-
Em um segundo momento, a partir do banco de dados aram um ou dois no QUESI, indicando ausência de exposição
formado pela coleta coletiva, foram identificados os indivíduos a maus tratos.
caso e controle. O Grupo Caso (GC) foi constituído por 42 ado- Os dados apresentaram distribuição normal de acordo
lescentes que relataram terem sido expostos a maus tratos a com o teste Kolmogorov-Smirnov. Para a comparação entre os
partir do instrumento QUESI. O Grupo Controle (GCt) foi forma- grupos, utilizou-se a análise de variância simples One WayANO-
do por 42 adolescentes não expostos a maus tratos. Os grupos VA para a comparação entre os três grupos quanto às médias
foram pareados de acordo com sexo, idade e escolaridade. das variáveis sociodemográficas. A avaliação da associação
Os critérios de inclusão para o grupo caso foram: 1) entre as variáveis foi realizada através do teste Qui-Quadrado.
ter obtido escores três ou quatro em uma das sub escalas Para a comparação entre os três grupos quanto às médias
de abuso sexual, abuso físico, abuso emocional, negligência das variáveis utilizou-se a análise de variância simples One
física ou negligência emocional do instrumento QUESI; 2) ter WayANOVA com post hocBonferoni. A Correlação de Pearson
respondido integralmente aos instrumentos utilizados no es- foi utilizada com a finalidade de investigar correlações entre
tudo e 3) concordar em participar do estudo, assim como ter as variáveis.
autorização dos seus responsáveis pelo TCLE. Os critérios de
inclusão para o grupo controle foram: 1) ter obtido escore um Considerações Éticas
ou dois no QUESI; 2) ter respondido integralmente aos demais O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
instrumentos; 3) concordar em participar do estudo, assim como da PUCRS sob o número 93.690. Posteriormente, foi solicitada
ter autorização dos seus responsáveis pelo TCLE. a assinatura aos responsáveis do Termo de Consentimento

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Livre e Esclarecido (TCLE) e aos participantes do Termo de siedade (p≤0,001) e maior índice da mesma sintomatologia do
Assentimento. Aos participantes identificados com histórico de que os indivíduos que sofreram apenas um tipo de violência
maus tratos na infância sugeriu-se para a escola que fizesse (p≤0,05).
seu encaminhamento para o Núcleo de Estudos e Pesquisa O grupo MT e MTM apresentaram maiores escores
em Trauma e Estresse (NEPTE) da PUCRS, que é um serviço depressivos (CDI), quando comparados ao GCt, mas não se
ambulatorial gratuito que se localiza na PUCRS. Além disso, diferenciaram entre si.
foi oferecida uma lista com locais de atendimento psicológico No item retraimento/depressão, sub escala do instru-
gratuito ou de acordo com a renda do paciente para possíveis mento YSR, o grupo MTM também obteve significativamente
encaminhamentos. maior presença de sintomas do que o GCt. Por outro lado, com
relação aos sintomas de ansiedade/depressão, todos os grupos
RESULTADOS diferenciaram-se significativamente entre si. O grupo MTM teve
maior sintomatologia do que o grupo MT, e esse, maior média
A análise através do Qui-Quadrado não demonstrou de sintomas quando comparado a GCt.
diferença significativa na distribuição de sexo entre os grupos Com relação à autoestima, o grupo que sofreu apenas
(X2=1,206;p=0,547). O GCt foi composto por 61% de meninas um tipo de mau trato foi o que apresentou menor média de au-
e 39% de meninos. No grupo MT, 71% eram do sexo feminino toestima comparada aos dois outros grupos, seguido pelo MTM.
e 29% do masculino. Já no grupo MTM, 74% eram meninas e A Correlação de Pearson foi utilizada com a finalidade de
26% meninos. investigar correlação entre as variáveis ansiedade/depressão,
A Tabela 1 apresenta a comparação entre os grupos em retraimento/depressão, violação de regras, agressividade e total
relação às variáveis sociodemográficas. Utilizou-se a análise de de problemas no comportamento, e as variáveis autoestima,
variância simples One WayANOVA para a comparação entre total de experiências de maus tratos (CTQ total) e média de
os três grupos quanto às médias das variáveis. Não houve comportamento externalizante. A Tabela 3 apresenta as correla-
diferenças entre os grupos. Dentro do grupo MT, 33% sofreram ções significativas encontradas entre as variáveis investigadas
negligencia emocional e 17% dos participantes foram vítimas (p≤0,05). Apenas os itens agressividade e violação de regras
de negligência física. Com relação aos abusos, 38% sofreram e externalização não se correlacionaram com a autoestima, as
abuso emocional, 8% físico e 4% do subtipo sexual. No grupo de demais variáveis todas tiveram correlação positiva ou negativa
MTM, 58% dos participantes afirmaram ter sofrido negligência entre si.
emocional e 37% negligência física. Já em relação aos tipos A autoestima esteve negativamente correlacionada com
de abusos, 89% relatam abuso emocional, 47% abuso físico sintomas de ansiedade/depressão, retraimento/depressão, total
e 28% abuso sexual. de problemas e histórico de maus tratos.
Para a comparação entre os três grupos quanto às Quanto ao histórico de maus tratos, a variável se cor-
médias das variáveis sintomas depressivos, autoestima, e relacionou positivamente com todas as demais variáveis ana-
problemas de comportamento, utilizou-se a análise de variância lisadas (ver Tabela 3). Resultados indicam que a presença da
simples One WayANOVA com post hocBonferoni (Tabela 2). experiência de qualquer tipo de violência contra criança está
Conforme pode-se verificar, os grupos apresentaram diferenças associada a problemas de comportamento. Especificamente, a
estatisticamente significativas em todas as variáveis investi- sintomas de externalização (incluindo agressividade e violação
gadas (exceto nos escores de agressividade e de violação de de regras) e a internalização, como sintomas de ansiedade,
regras). retraimento e depressão.
Agressividade e violação de regras são subescalas As variáveis violação de regras e agressividade foram
que compõe a escala comportamento externalizante no YSR. positivamente correlacionadas com a exposição de maus tratos
Isoladamente, cada uma dessas subescalas não apresentou e presença de externalização. Essas duas variáveis são sub
diferenças significativas, porém, quando tomadas em conjunto escalas que compõem o item comportamento externalizante
no item total de externalização, as médias foram diferentes, no instrumento YSR, o que pode justificar a alta correlação
GCt (56,51), MT (59,42) e MTM (62,95), tendo significância na (R=+0,797 e R=+0,895, respectivamente).
relação MTM e GCt (p≤0,05).
Comportamento externalizante e problemas na conduta DISCUSSÃO
apresentaram médias significativamente maiores no grupo em
que os participantes sofreram mais de um tipo de maus tratos, O objetivo desse estudo foi comparar adolescentes
quando comparados ao GCt. Estas diferenças não foram es- expostos e não expostos a maus tratos quanto às variáveis pro-
tatisticamente significativas quando se comparou MTM e MT. blemas de comportamento e autoestima. No instrumento YSR,
De forma significativa, os adolescentes que sofreram a escala de comportamento internalizante é composta por itens
maus tratos múltiplos tiveram médias maiores do que o grupo referentes à ansiedade e depressão (Achenbach & Rescorla,
controle nos itens referentes a sintomas de depressão e an- 2001). Porém, autores consideram que essa sintomatologia tam-

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Tabela 2. Comparação entre os grupos quanto às médias dos sintomas depressivos, autoestima, comportamento externalizante e
outros subtipos de problemas de comportamento.
Controle Um subtipo Múltiplos
F p Post hoc
N=41 N=24 N=19
Média DP Média DP Média DP
CDI Total GCtxMT*** e
6,37 4,76 12,96 6,58 13,95 6,32 16,183 0,000
GCtxMTM***
Nível de Ansiedade GCtxMTM***
60,32 7,94 63,42 9,20 69,84 7,20 8,833 0,000
e Depressão – YSR e MTxMTM*
Nível de Retrai-
mento e Depressão 58,54 7,35 63,46 8,91 65,42 8,58 5,673 0,005 GCtxMTM**
– YSR
Total de Autoestima 30,02 4,50 27,25 3,84 29,95 5,20 3,214 0,045 GCtxMT*
Total de Compor-
tamento Externali- 56,51 9,84 59,42 8,18 62,95 8,77 3,281 0,043 GCtxMTM*
zante
Nível de Agressivi-
59,20 8,55 60,46 7,28 64,68 9,33 2,801 0,067 -----
dade – YSR
Nível de Violação
56,15 6,23 58,46 5,89 59,79 8,03 2,250 0,112 -----
de Regras – YSR
Nivel de problemas
49,49 19,65 57,42 13,89 61,26 9,19 3,978 0,022 GCtxMTM*
na conduta – YSR
Nota. gl = 2; * = p≤0,05; ** = p≤0,01; *** = p≤0,001.

Tabela 3. Correlações significativas encontradas entre as variáveis do YSR, autoestima, escore total do CTQ e nível de externalização.
Autoestima Escore Total de Maus tratos Nível externalização
Ansiedade /Depressão R (força da correlação) -0,284 0,347 0,384
p(significância) 0,009 0,001 0,000
Retraimento/Depressão R -0,209 0,400 0,297
P 0,057 0,000 0,006
Violação de regras R -0,184 0,345 0,797
P 0,093 0,001 0,000
Agressividade R -0,168 0,379 0,895
P 0,127 0,000 0,000
Total de problemas R -0,279 0,455 0,795
P 0,010 0,000 0,000
Nível de Externalização R -0,149 0,389 -----
P 0,177 0,000 -----
Total de Maus tratos R -0,223 ----- -----
P 0,041 ----- -----

bém é encontrada na classe de comportamento externalizante retraimento/depressão, ansiedade/depressão, do instrumento


(McWey et al., 2010; Reppold & Hutz, 2003). A psicopatologia YSR e o nível total de sintomas depressivos do instrumento CDI
descritiva refere os transtornos ansiosos e depressivos em na análise, como sintomas também associados com problemas
crianças como podendo apresentar sintomas específicos, tais de comportamento ou comportamento externalizante.
como agressividade, agitação psicomotora e irritabilidade (APA, Os resultados sugerem que crianças que sofreram maus
2013), que são sintomas descritos na externalização. Além dis- tratos apresentam maiores prejuízos psicológicos e comporta-
so, é frequente a comorbidade entre transtornos de depressão mentais na adolescência quando comparados àquelas que não
e ansiedade e transtornos externalizantes (Bahls, 2002; Rohde, tiveram a mesma experiência. Esses dados são semelhantes
Barbosa, Tramontina, & Polanczyk, 2002). Portanto, justifica- aos encontrados na literatura (Jaffee & Maikovich-Fong, 2011;
-se através da literatura apresentada a inclusão das variáveis Kim & Cicchetti, 2003; Manly et al. , 2001; McWey et al., 2010).

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No estudo de McGee, Wolfe e Wilson (1997) e de Jaffee e Outros estudos sugerem que sofrer maus tratos na infância
Maikovich-Fong, (2011) os maus tratos estiveram presentes compromete a autoestima do indivíduo, tornando-a mais baixa
tanto na explicação dos sintomas externalizantes quanto nos do que em indivíduos que não sofreram maus tratos (Kaufman &
internalizantes. Já, Lansford et al. (2007) constatou que ado- Cicchetti, 1989; Shen, 2009). No estudo de Kaufman e Cicchetti,
lescentes que tinham sido abusados fisicamente na infância, (1989), as crianças que sofreram múltiplos maus tratos tiveram
eram mais propensos a terem se envolvido com crimes. Além autoestima mais baixa do que as do grupo controle. Igualmen-
disso, apresentavam mais problemas de comportamento, brigas te, quando os autores compararam por grupos específicos de
nos relacionamentos com pares, e dificuldades ocupacionais, maus tratos também não houve diferença significativa. Shen
como não conseguir terminar a faculdade ou não se manter (2009) comparou grupos de adultos que, na infância, ou foram
em algum emprego. abusados fisicamente, ou presenciaram brigas conjugais dos
Comportamento externalizante e problemas na conduta pais, ou tiveram ambos os tipos de experiência. Neste estudo,
apresentaram médias significativamente maiores no grupo em os indivíduos que sofreram ambos os tipos de experiências
que os participantes sofreram mais de um tipo de maus tratos, tiveram menor autoestima do que os que presenciaram apenas
quando comparados ao GCt. Porém, estas diferenças não foram um tipo ou que não tiveram nenhum desses dois históricos.
estatisticamente significativas quando se comparou MTM e MT, Apesar de alguns estudos demonstrarem que a autoes-
o que sugere que, para essas variáveis, sofrer um tipo ou mais tima está correlacionada negativamente com a externalização,
de um tipo de maus tratos não parece ser significativo. Outros que envolve violação de regras e agressividade (Donellan et
estudos encontraram dados similares nos quais a externaliza- al., 2005; Fergusson & Horwood, 2002), resultados desse
ção também foi mais encontrada em crianças maltratadas do estudo não mostraram qualquer correlação significativa. Tais
que não maltratadas (Jaffee & Maikovich-Fong, 2011; Kim & resultados envolvendo a autoestima não se apresentam de
Cicchetti, 2004; Manly et al., 2001). forma consistente na literatura. Alguns estudiosos tiveram
Achados como os de Manly et al. (2001), em que 64% resultados demonstrando a correlação negativa entre autoes-
da sua amostra foi composta por crianças que sofreram dois tima e externalização, e sugerem que a baixa autoestima está
ou mais tipos de maus tratos, as diferenças também não fo- associada com problemas como a delinquência, por exemplo.
ram significativas para problemas de comportamento quando Tracy e Robins (2003) sugerem que indivíduos se protegem
comparou-se grupos com um tipo e dois tipos de maus tratos. contra sentimentos de inferioridade através de comportamentos
Baseados nesse estudo de Manly et. al. (2001), Kim e Cic- de externalização, movidos pela raiva e hostilidade para com
chetti (2004) optaram por utilizar apenas grupos de crianças outras pessoas. Por outro lado, autores que não encontraram
maltratadas e não maltratadas. Apesar das considerações de correlação entre as variáveis (Kirkpatrick, Waugh, Valencia, &
Manly et. al. (2001) e Kim e Cichetti (2004), o presente estudo Webster, 2002; Twenge & Campbell, 2003), discutem que a au-
identificou que quanto mais tipos de maus tratos o indivíduo toestima poderia ter um papel muito pequeno na agressividade,
experienciou, maior foi a média referente à presença dos diver- mas que o narcisismo do indivíduo e a rejeição social que foi
sos tipos de sintomatologia analisados. De forma significativa, simulada nesses estudos, podem ter um papel mais importante
os adolescentes que sofreram maus tratos múltiplos tiveram do que a baixa autoestima na correlação com comportamentos
médias maiores do que o grupo controle nos itens referentes a agressivos.
sintomas de depressão e ansiedade e maior índice da mesma Donellan et al. (2002) têm razões teóricas para supor que
sintomatologia do que os indivíduos que sofreram apenas um a autoestima não tenha se correlacionado com a externalização
tipo de violência. em seus estudos. Discutem que a boa autoestima pode ser um
O grupo MT e MTM apresentaram maiores escores sentimento altamente duvidoso de superioridade pessoal, que
depressivos (CDI), quando comparados ao GCt, mas não dife- é inflado muito além do que os fatos justificariam e por isso
renciaram entre si. O que sugere que sofrer apenas um tipo de pode estar propenso a flutuar em resposta a eventos diários.
mau trato ou diversos não parece influenciar na sintomatologia Esta heterogeneidade parece minar a utilidade da autoestima
depressiva, mas sim o fato de haver presença de um tipo de por si só para prever a agressão.
mau trato já influenciaria nos sintomas depressivos. Já no que Quanto ao histórico de maus tratos, a variável se correla-
se refere ao conjunto de ansiedade/depressão, todos os grupos cionou positivamente com todas as demais variáveis analisadas.
diferenciaram-se significativamente. Esses dados sugerem que, Resultados do presente estudo indicam que a presença da
para os sintomas ansiosos/depressivos, existe uma diferença experiência de qualquer tipo de violência contra criança está
sobre a presença do histórico de um ou mais tipos de maus associada a problemas de comportamento. Especificamente, os
tratos na infância do indivíduo, tendo maiores prejuízos os sintomas de externalização (incluindo agressividade e violação
indivíduos que sofrem mais de um tipo de maus tratos. de regras) e de internalização, como sintomas de ansiedade,
Com relação à autoestima, o grupo que sofreu apenas retraimento e depressão.
um tipo de mau trato foi o que apresentou menor média de au- Alguns autores citam que, dentro de um quadro depres-
toestima comparada aos dois outros grupos, seguido pelo MTM. sivo na infância, as queixas de sintomas físicos são seguidas

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por ansiedade, agitação psicomotora ou hiperatividade e irrita- REFERÊNCIAS


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positivamente correlacionados com externalização. Neste
crianças e adolescentes brasileiros em relação à saúde mental e à
estudo verificou-se ainda que às variáveis violação de regras violência. Ciência & Saúde Coletiva, 14(2).
e agressividade estão positivamente correlacionados com ex-
Bernstein, D.P., Stein, J.A., Newcomb, M.D., Walker, E., Pogge, D., Ahluva-
periência de maus tratos e presença de externalização. Outros lia, T., Stokes, J., Handelsman, L., Medrano, M., Desmond, D., & Zule,
estudos também encontraram uma associação entre maus tra- W. (2003). Development and validation of a brief screening version of
tos e sintomas externalizantes (Jaffee & Maikovich-Fong, 2011; the Childhood Trauma Questionnaire. Child Abuse Neglect, 27,169-
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lência física - Estatísticas. Disponível em: .
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Este estudo avaliou a diferença entre grupos de adoles-
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lescentes que não tiveram essa experiência. Verificou-se que em João Pessoa. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 44(7), 345-349.
os indivíduos que sofreram maus tratos apresentaram médias Grassi-Oiveira, R., Stein, L.M., & Pezzi, J.C. (2006). Tradução e validação
maiores de sintomas ansiosos, depressivos e de externalização, de conteúdo da versão em português do Childhood Trauma Ques-
bem como menor autoestima, que podem representar prejuízo tionnaire. Revista de Saúde Pública, 40(2), 249-255.
no desenvolvimento. A externalização e sintomas de ansiedade Hutz, C. S. & Zanon, C. (2011). Revisão da adaptação, validação e norma-
e depressão estão positivamente associados aos maus tratos lização da escola de autoestima de Rosenberg. Avaliação Psicológica,
na infância, enquanto a autoestima esteve negativamente cor- 10 (1), pp. 41-49.
relacionada com histórico de maus tratos. Os dados revelaram Jaffee, S.R. & Maikovich-Fong, A.K. (2011). Effects of chronic maltreat-
ainda que adolescentes que relataram ter sofrido dois ou mais ment and maltreatment timing on children’s behavior and cognitive
tipos de maus tratos apresentaram maiores índices de ansieda- abilities. Journal of Child Psychology and Psychiatry. 52(2), 184-194.
https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.2010.02304.x
de, o que pode contribuir para a presença de comportamentos
externalizáveis. Kaufman , J. & Cicchetti , D. (1989). Effects of Maltreatment on School-Age
Children’s Socioemotional Development: Assessments in a Day-Camp
O número total de participantes dessa amostra foi con-
Setting. Developmental Psychology,25(4), 516-524. http://dx.doi.
siderado satisfatório para todas as análises, porém, não foi org/10.1037/0012-1649.25.4.516
possível realizar análises considerando tipos específicos de
Kazdin, A. E., & Marciano, P. L. (1998). Childhood and adolescent depres-
maus tratos, apenas divididos nos grupos com um tipo (MT) sion. In E. J. Mash & R. A. Barkley (Eds.). Treatment of childhood
e com diversos (MTM), em função do tamanho reduzido da disorders (pp. 211-248). New York, NY, US: Guilford Press.
amostra. Sugere-se que novos estudos contemplem amostras
Kessler, R. C, Avenevoli, S., & Merikangas, K. R. (2001). Mood disorders in
maiores para possibilitar mais divisões para análises dos children and adolescents: an epidemiologic perspective. Biological
diferentes tipos de maus tratos. Outra questão que pode ser Psychiatry. 49(12), 1002–1014. https://doi.org/10.1016/S0006-
explorada em pesquisas futuras é a inclusão de participantes 3223(01)01129-5.
de escolas particulares na amostra. Este e muitos outros estu- Kim, J. & Cicchetti, D. (2003). Social self-efficacy and behavior problems
dos são compostos unicamente por participantes de classes in maltreated and nonmaltreated children. Journal of Clinical Child
socioeconômicas vulneráveis e de escolas públicas. Encontrou- and Adolescent Psychology, 32(1), 106–117.Hhttp://doi/10.1207/
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quando o tema maus tratos era abordado aos diretores e res- Kim, J. & Cicchetti, D. (2004). A longitudinal study of child maltreatment,
mother–child relationship quality and maladjustment: The role
ponsáveis pelas instituições, por esse motivo, não foi possível
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