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Origem e manutenção do

comportamento agressivo na infância


e adolescência
Patrícia Barros*
Fábio Barbirato Nascimento Silva**

Resumo
O presente estudo possui o objetivo de apresentar uma revisão da literatura a respeito das principais causas e mantenedores
do comportamento agressivo na infância e adolescência. Com a finalidade de favorecer o diagnóstico e a conseqüente intervenção,
esta revisão abordou primordialmente a influência de fatores aliados ao desenvolvimento sócio-emocional, bem como a
participação de alguns dos transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis. Aspectos do temperamento aliados às diversas
influências ambientais (como as práticas parentais, escolares e a mídia) parecem favorecer o entendimento básico do
desenvolvimento sócio-emocional. A manifestação de transtornos neuropsiquiátricos pode ocorrer paralelamente ao processo
de desenvolvimento, tornando-se mais um fator digno de atenção. Neste estudo, abordou-se quatro dessas desordens: o
Transtorno Bipolar do Humor (TBH), o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), o Transtorno Opositivo
Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). As investigações a respeito deles giram, basicamente, em torno de seus
diagnósticos diferenciais e das comorbidades entre eles, gerando uma série de questionamentos a respeito de suas classificações
nosológicas.

Palavras-chave: comportamento agressivo; desenvolvimento sócio-emocional; transtornos neuropsiquiátricos.

Abstract
This study has the purpose to review the literature about the main aggressive causes in childhood and adolescence stages.
In order to facilitate diagnostic and treatment, this review accessed the socio-emotional development influence and the mental
disorders participation. The temperament aspects plus the ambient influences facilitate the basic comprehension about socio-
emotional development. The mental disorders can occur along this process and need to be investigated. This study approached
four mental disorders: Bipolar Disorder, Attention-Deficit Hyperactivity Disorder, Opositive Defiant Disorder and Conduct
Disorder. The investigations about them are, basically, the differential and comorbid diagnostic.

Key words: aggressive behavior; socio-emotional development; childhood mental disorders.

*
Psicóloga clínica, mestranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ.
**
Médico Psiquiatra, chefe do setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.

DOI: 10.5935/1808-5687.20060006
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Introdução tenderem a apontar os pares como causadores dos


conflitos interpessoais (Kendall, 1991).
O desenvolvimento de condutas agressivas ao Além das distorções na interpretação dos
longo da infância e adolescência tem sido alvo de eventos, o processo de solução de problemas parece
inúmeros estudos que pretendem responder, basicamente, acontecer de forma diferente em indivíduos
questões referentes à origem e à manutenção da agressivos. De forma geral, esses jovens geram uma
agressividade durante o percurso da vida. quantidade menor de soluções quando comparados
O comportamento agressivo é próprio da espécie àqueles não-agressivos (Deluty, 1981; Kendall &
humana e apresenta múltiplas configurações. Ele pode Fischler, 1984; Greene & Ablon, 2006). Outras
ser expresso pela via motora, através de movimentos evidências têm mostrado, ainda, que crianças e
de ataque ou fuga; pela via emocional, com a adolescentes agressivos geram menos soluções
experimentação de sentimentos de raiva e ódio; pela via verbais e mais respostas não-verbais se comparados
somática, como a apresentação de taquicardia, rosto aos indivíduos não-agressivos (Asarnow & Callan,
ruborizado, além das demais reações autonômicas; pela 1985; Lochman & Lampron, 1986).
via cognitiva, através de crenças de conquistas sem que Os dados da literatura acrescentam também que
importem os meios, planos de ação que envolvem a déficits em habilidades empáticas relacionam-se
manipulação do meio; e finalmente, a via verbal, da qual intimamente às manifestações de agressividade. Na
o indivíduo vai utilizar-se do sentido das palavras para verdade, a própria definição da conduta agressiva salienta
expressar controle em relação aos outros (Fariz, Mias que a empatia é deficitária: ao invocar um dano a outro
& Moura, 2005). indivíduo, supõe-se que o agressor não reconhece os
Esta abordagem da agressão refere-se à agressão sentimentos alheios ou pouco se sensibiliza por eles. Além
instrumental, ou seja, aquela que apresenta uma função disso, o desenvolvimento de condutas empáticas e
dentro do ambiente em que está sendo utilizada. Isso comportamentos pró-sociais na infância e adolescência
significa que o indivíduo tenta obter o controle de seu aparecem como fatores de prevenção às condutas anti-
meio através de comportamentos agressivos, tais como sociais (Del Prette & Del Prette, 2003).
gritar, ameaçar, quebrar ou xingar (Fariz et al., 2005). Outro fator que pode ser acrescentado às
A partir desta definição, pode-se observar que, investigações sobre as causas da agressividade nos
ao longo do processo de maturação, crianças e períodos da infância e adolescência é a presença de
adolescentes exibem comportamentos agressivos. transtornos neuropsiquiátricos. Em muitos deles, como
Entretanto, se essas condutas se mostram severas e no caso do Transtorno de Déficit de Atenção/
freqüentes, elas podem indicar sinais de psicopatologia Hiperatividade, a origem das condutas agressivas pode
(Kendall, 1991). sofrer influência do fator neurobiológico, podendo
Segundo Kendall (1991), crianças e adolescentes também ser propiciadas e mantidas pelo ambiente
com características agressivas intensas e freqüentes (Barkley, 2002). Nesse caso, o diagnóstico torna-se
parecem apresentar peculiaridades em dois processos fundamental para o entendimento e a intervenção tanto
fundamentais. O primeiro deles diz respeito à percepção psicológica quanto psiquiátrica.
que esses indivíduos possuem de seu ambiente: quando Dessa maneira, a conduta agressiva parece se
comparados a indivíduos não-agressivos, eles tendem a manifestar por uma série de razões que podem coexistir
atribuir mais intenções hostis aos demais, além de se ou, até mesmo, serem complementares. Algumas vezes,
mostrarem mais hipervigilantes e hiperesponsivos a esse esse processo se torna complexo e exige que
tipo de estímulo (Milich & Dodge, 1984; Lochman, 1990; compreendamos a participação de múltiplos fatores na
van Honk, Tuiten, van den Hout & Stam, 2001; van Honk formação da agressividade. Tal entendimento pode
et al., 2001). Jovens e crianças agressivos não só auxiliar tanto na investigação quanto no conseqüente
superestimam a hostilidade alheia, mas parecem também tratamento de crianças e adolescentes.
subestimar sua própria agressividade, mostrando que O objetivo dessa revisão de literatura é, portanto,
possuem pouca acuidade da percepção de seus próprios promover informações relevantes a respeito dos
comportamentos (Lochman, 1987). Esse pode ser um principais fatores de origem e/ou manutenção dos
dos motivos que explicaria o fato de muitos deles comportamentos agressivos na infância e adolescência
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com a finalidade de facilitar o diagnóstico e as O estudo de Cloninger, Svrakic e Przybeck (1993)


intervenções psicológicas e psiquiátricas. aponta algumas dimensões básicas do temperamento:
Para isso, utilizou-se como ponto de partida o a) Busca por novidades e sensações – esse tipo
processo de desenvolvimento sócio-emocional, de temperamento é marcado por comportamentos de
explorando aspectos como temperamento, estilos exploração e ativos em relação ao ambiente, condutas
parentais e demais influências ambientais (mídia, escola marcadamente impulsivas, impaciência, irritabilidade e
e relacionamento com os pares). Acrescentou-se a esses busca por gratificações imediatas. A emoção mais
dados, uma breve revisão da literatura relacionando aparente é a raiva e o objetivo maior é a busca por
transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis e a liberdade;
manifestação agressiva. b) Evitação de dano e perigo – nessa classificação
Neste estudo, foram abordados apenas quatro do temperamento é evidente o pessimismo, a evitação,
transtornos: Transtorno Bipolar do Humor, Transtorno a passividade, a timidez e a inibição de comportamentos
de Déficit de Atenção/Hiperatividade e os Transtornos quando há possibilidade de frustração ou ameaça. A
de Conduta (incluindo o Transtorno Opositivo Desafiador emoção que mais se evidencia é o medo e o objetivo
e o Transtorno de Conduta). A escolha de tais transtornos mais marcante é o de preservação;
se deu pelas freqüentes discussões a respeito do c) Necessidade de contato e aprovação social –
diagnóstico diferencial e a presença de comorbidades a natureza nesse tipo de temperamento é afetuosa,
entre eles. Uma vez que a agressividade possa aparecer calorosa e disponível. Há grande sensibilidade nas
em seus quadros, esse estudo procurou relatar e articular relações sociais, o que inclui uma tendência à
brevemente os principais dados da literatura que manifestação da empatia. Por outro lado, há marcante
demarquem algumas características que favoreçam o necessidade de aprovação social. A emoção mais
diagnóstico mais acurado dessas desordens. aparente é o apego e a expressão de afeto.
d) Persistência – Nesse tipo de temperamento,
características como a determinação, a ambição e o
Desenvolvimento sócio- perfeccionismo são as mais importantes. Esses indivíduos
emocional e comportamento tendem a encarar frustrações e obstáculos como
agressivo desafios, abrindo mão de recompensas imediatas e
inconstantes em favor daquelas a longo prazo.
O desenvolvimento sócio-emocional parece tão Segundo Forehand e Long (2003), o temperamento
complexo como o próprio processo de formação da que denominamos de “forte” na linguagem popular
personalidade humana e parece estar diretamente parece ter relação com o estilo em que a busca de
relacionado à construção das habilidades sociais que novidades e sensações é a característica mais marcante.
serão utilizadas ao longo da vida. Entende-se por É nesse tipo de temperamento que a expressão da
habilidades sociais, enquanto constructo descritivo, o agressividade parece acontecer em intensidade e
conjunto dos desempenhos de um indivíduo diante das freqüência maiores quando comparado aos demais
demandas de uma situação interpessoal (Argyle, estilos.
Furnahm & Graham, 1981) e da cultura (Del Prette & Na verdade, possuir este ou outro tipo de
Del Prette, 1999). temperamento não se constitui como essencialmente
Alguns autores têm apontado que a diferença na bom ou ruim (Forehand & Long, 2003). É importante
expressão do comportamento social e, portanto, da entender que cada estilo de temperamento pode ser
agressividade tem por base o temperamento humano adaptativo ou desadaptativo, dependendo da situação e
(Lara, 2004). Pode-se definir como temperamento a do ambiente. Além disso, as características
matriz na qual se desenvolve posteriormente a temperamentais podem ser modificadas em algum nível,
personalidade da criança e do adulto (Bee, 2003), apesar das formas de reação mais natural e instintiva
carregado de ampla contribuição genética (Papalia & tender a acompanhar os estilos mais primordiais.
Olds, 2000). Apesar do temperamento não constituir-se Especialmente o período da infância é bastante flexível
na personalidade, ele aparece como influência a mudanças, dado que faz com que muitos autores
importante para sua formação. proponham o estímulo ao desenvolvimento de habilidades
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sociais nessa fase (Del Prette & Del Prette, 2005; Lara, pais poderiam solicitar as informações de seus filhos;
2004). (c) os pais deveriam impor regras e restrições sobre as
Dessa forma, a construção das habilidades sócio- atividades infantis e sobre as companhias das crianças.
emocionais passa também pela influência do ambiente. Tais condutas favorecem a comunicação parental
A forma como a família, a escola e os amigos atuam ou eficaz para se estabelecer vínculos afetivos de qualidade
reagem em função dos comportamentos das crianças é e reforça a autoridade dos pais. Gomide (2003) salienta,
fundamental. Crianças de “temperamento forte” tendem ainda, que autoridade diferencia-se de vigilância e
a se engajar mais freqüentemente em comportamentos controle excessivos. Nesse caso, passamos a tratar da
chamados negativos (como teimosia, birras, atividades monitoria negativa: aquela em que a fiscalização e
perigosas), o que pode provocar nas pessoas que a número de ordens tornam-se exaustivos e estressantes,
cercam reações mais agressivas ou autoritárias gerando relacionamentos hostis e inseguros entre pais e
(Forehand & Long, 2003). filhos.
O temperamento e as variáveis do ambiente No outro extremo da monitoria negativa,
interagem continuamente ao longo do desenvolvimento encontramos a prática da disciplina relaxada, que retrata
da criança e raramente podemos determinar qual dos efeitos tão negativos quanto a primeira. Nesse tipo de
dois aspectos tem maior responsabilidade na formação disciplina, as regras são estabelecidas, os pais até
dos comportamentos agressivos. Apesar da grande ameaçam punições, mas quando são confrontados com
participação do temperamento na formação dos comportamentos desafiadores e agressivos abrem mão
comportamentos, muitos estudos têm mostrado a delas (o que faz a criança entender que seus
relevância dos estilos e práticas parentais no comportamentos são eficazes para conseguirem o que
desenvolvimento social da criança. querem) (Gomide, 2003).
Um estudo de Gomide (2003) mostra, por Além disso, pais ditos negligentes, ou seja, aqueles
exemplo, que estilos parentais que envolvem um conjunto que não são responsivos às necessidades dos filhos,
de práticas tais como a monitoria positiva e o incentivo promovem reações negativas de agressividade pela
da empatia parecem ter relação com baixos índices de pobreza de apego na relação com eles (Gomide, 2003).
manifestações agressivas e anti-sociais. O estudo de Maldonado (1996) demonstrou, por exemplo,
Entende-se por monitoria positiva as condutas de que a falta de calor e carinho na interação com a criança
pais que atentam para as atividades, a localização e as podem desencadear sentimentos de insegurança,
formas de adaptação de seus filhos. São aqueles que vulnerabilidade, hostilidade e agressividade em
proporcionam às crianças um conjunto de regras sobre relacionamentos sociais.
onde devem ir, com quem podem associar-se e quando Dentre os estilos parentais considerados
devem voltar para casa. Além de proporcionar tais reforçadores de agressividade, estão ainda aqueles cujas
regras, a monitoria positiva deve incluir a vigilância sobre práticas envolvem abuso físico e psicológico. O abuso
o cumprimento dos limites, bem como uma ação físico flutua desde a punição corporal leve (instrumental)
disciplinar efetiva quando eles forem violados. e a severa, e muitas vezes, a punição leve avança para
A monitoria positiva, bem como as práticas de manifestações cada vez mais agressivas. O abuso
educação voltadas para o desenvolvimento de psicológico diz respeito ao abuso de poder ou falta de
comportamentos pró-sociais, têm sido relacionados a afeto em relação à criança, traduzindo-se em
baixos índices de delinqüência, hábitos de fumar e usar comportamentos de confinamento em espaços pequenos,
drogas. Além de proporcionar uma relação de qualidade humilhações em público, abuso verbal, ameaças, dentre
entre pais e filhos, cria um lar cujo ambiente é outros (Gomide, 2003). Além da agressividade, ambas
considerado saudável (Statin & Kerr, 2000). as práticas facilitam uma série de conseqüências
Quando se trata de monitoria, Maldonado (1996) negativa para as crianças, tais como dificuldades no
ressalta que os pais devem ter conhecimento das desenvolvimento da autonomia, baixa auto-estima e
condutas de seus filhos a partir de uma linha contínua comportamentos delinqüentes (Maldonado, 1996).
que envolve três etapas: (a) os filhos deveriam contar Segundo Bee (2003), grande parte dos pais usa a
suas atividades espontaneamente aos pais (e os pais punição para controlar as ações de seus filhos. Na
devem reforçá-los com sua atenção e interesse); (b) os verdade, a utilização da punição é altamente reforçadora
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para os pais porque a criança interrompe o Além dos inúmeros fatores que foram até agora
comportamento de forma imediata. Entretanto, a longo apresentados, existem diversos tipos de situações que
prazo, a mudança não é mantida e os efeitos emocionais podem gerar crenças e estados emocionais que
e comportamentais mostram-se bastante extensos. A predispõem às atitudes agressivas. Fariz et al. (2005)
criança que é castigada por gritar pode passar a evitar relatam várias dessas fontes de estresse: perda de um
falar, por exemplo, ou pode, ainda, exacerbar o nível de dos pais, brigas entre eles, o nascimento de um irmão,
seus gritos. As crianças que são punidas fisicamente solidão ou abandono da criança, ser o último a conseguir
podem também aprender, por modelação (imitação dos algo, ser ridicularizado em classe, mudança de casa ou
modelos), a se comportar da mesma forma, repetindo escola, ir ao dentista ou ao hospital, ou, ainda, possuir
esse tipo de comportamento todas as vezes que alguma diferença marcante.
necessitar obter o que ela deseja.
Não se pode ignorar que, além dos fatores já
apresentados, a escola e a relação com os pares podem Transtornos neuropsiquiátricos
facilitar expressões de agressão. Algumas vezes, os infanto-juvenis e
docentes utilizam a punição em sala de aula e ela comportamento agressivo
proporciona a esses profissionais um resultado imediato
de interrupção do comportamento da criança. Em Talvez seja oportuno dizer que a maioria dos
contrapartida, a reação dos professores pode fazer com comportamentos agressivos ocorre por razões muito
que o aluno perceba uma continuação dos afastadas da esfera dos transtornos psicológicos, como,
comportamentos agressivos na família, o que contribui por exemplo, ganho material, status, vingança, etc.
cada vez mais para sua exacerbação (Fariz et al., 2005). Apesar disso, é fato que comportamentos
Também merece especial atenção a presença da agressivos estão associados a uma série de transtornos
mídia na formação dos comportamentos de crianças e neuropsiquiátricos. De uma maneira geral, a
jovens. Em grande parte dos desenhos animados, a agressividade caracteriza uma quantidade considerável
violência é mostrada como socialmente aceitável ou dos transtornos chamados de externalizantes. Os
como uma boa maneira de resolver problemas. Além problemas dessa natureza envolvem a agressividade
disso, os comportamentos agressivos obtêm ganhos física e/ou verbal, comportamentos opositores,
imediatos e só são punidos ao final do programa. Desse desafiadores e anti-sociais, além de condutas de risco e
modo, dificulta-se a distinção daqueles comportamentos impulsivas (Del Prette & Del Prette, 2005).
que são eficazes para um bom relacionamento social, Entendendo que a agressividade faz parte da
facilitando a identificação das crianças com os “vilões” construção da sintomatologia desses diagnósticos, torna-
dos programas. se necessário abordar alguns deles na tentativa de
Um estudo experimental americano (Boyatzis, descrever as causas da agressividade em cada um,
Matillo, Nesbit & Cathey, 1995, citados por Bee, 2003) facilitando, assim, o diagnóstico diferencial e a presença
expôs crianças escolhidas ao acaso a desenhos de de comorbidades.
conteúdos violentos largamente exibidos na TV. Quando Na composição deste artigo, focalizamos a
comparadas a um grupo que não foi exposto aos mesmos descrição e discussão do comportamento agressivo em
programas, as primeiras crianças tenderam a apresentar diagnósticos de Transtorno Bipolar do Humor (TBH),
sete vezes mais atos agressivos durante as brincadeiras. no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
O estudo de Caspi (1998), envolvendo crianças (TDAH) e nos Transtornos de Conduta (TC) na infância
de 5 a 12 anos, apontou resultados importantes: crianças e adolescência.
mais novas (com idades de cinco e seis anos), oriundas
de famílias punitivas, tenderam a exacerbar
comportamentos violentos quando expostas a programas Comportamento agressivo no
que mostravam agressão. Esses resultados sugerem que Transtorno Bipolar do Humor
a televisão pode até não ser a causa da agressividade,
mas é, sem dúvidas, um componente complementar para O Transtorno Bipolar do Humor (TBH)
a manifestação agressiva. caracteriza-se pela alternância de duas fases distintas:
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a maníaca (ou hipomaníaca) e a depressiva. Os critérios Delbello, Frazier & Beringer, 2002). Sabe-se que nem
diagnósticos para um episódio maníaco incluem um todos os tipos de humor elevado configuram-se como
período distinto de humor anormalmente elevado, positivos, mas sim como estados mais agressivos e
expansivo ou irritável acompanhado de pelo menos três irritados (Lara, 2004). Por outro lado, o estado depressivo
dos seguintes sintomas: auto-estima inflada e é, de igual forma, marcado pela impaciência, irritabilidade
grandiosidade, necessidade de sono diminuída, pressão e pela raiva, o que predispõe o indivíduo a
para falar, fuga de idéias, distração, aumento de atividade comportamentos agressivos (Basco & Rush, 1996).
dirigida ao objetivo e excessivo envolvimento em Além da agressividade, as crianças com TBH
atividades prazerosas que tenham conseqüências tendem a apresentar também extrema variabilidade de
negativas (APA, 2002). humor, altos níveis de distração e fraco alcance da
A primeira questão levantada sobre o TBH na atenção (Kaplan et al., 2003). Elas costumam comportar-
infância e na adolescência põe dúvida a respeito de sua se de forma hiperativa e a falar muito rápido e mais do
existência. Em um passado recente, a presença desse que o costume.
transtorno nestas fases era bastante discutida na Diferente do Transtorno de Déficit de Atenção/
literatura, especialmente porque os sintomas ocorrem Hiperatividade, os pensamentos no TBH surgem
de forma diferente daqueles que caracterizam o abundantes na cabeça, podendo aparecer fugas de idéias
transtorno na etapa adulta. (idéias abundantes e desconexas). Podem surgir também
Atualmente, o foco das pesquisas parece apontar idéias fantasiosas e de grandeza como, por exemplo, a
para o preenchimento de algumas das lacunas sobre as de possuir poderes mágicos ou de certeza de que será
características desse transtorno nas fases iniciais da bilionário (Carlson, 1990; Craney & Geller, 2003).
vida. Alguns dados têm apontado que, na infância e na Os comportamentos mais extravagantes e a
adolescência, a duração e a intensidade dos episódios hipersexualização são muito mais evidentes na
parecem ser peculiares: as fases não são claramente adolescência, enquanto a irritabilidade e a labilidade
marcadas como no caso dos adultos e, além disso, emocional ocorrem mais freqüentemente em crianças
crianças e jovens tendem a apresentar fases abaixo dos nove anos. Euforia, exaltação, paranóia e
hipomaníacas (com sintomas de intensidade mais leve) delírios de grandeza são relatados com maior freqüência
de ciclagem rápida (Geller, Zimerman, Williams, em crianças maiores. A diminuição do sono aparece
Bolhofner Craney, Frazier & Beringer, 2002; Kaplan, também como sintoma significante em todas as idades
Sadock & Grebb, 2003). (Carlson, 1990; Craney & Geller, 2003).
Outro estudo de Geller, Zimerman, Williams, A fim de detectar precisamente a ocorrência do
Delbello, Frazier e Beringer (2002) aponta, ainda, que TBH em crianças e adolescentes tornou-se necessário
as características consideradas atípicas nos adultos são estabelecer critérios que diferenciassem esse transtorno
comuns em crianças. Nessa faixa de idade, costumam de outras desordens neuropsiquiátricas. Especialmente
acontecer com mais freqüência episódios maníacos o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
atípicos, com a presença de comportamentos agressivos (TDAH) tem sido estudado tanto como comorbidade
cíclicos: as crianças podem se auto-agredir e serem quanto diagnóstico diferencial em relação ao TBH.
agressivas com os demais, sendo freqüentes os relatos A segunda pergunta sobre o TBH é a respeito da
de crianças-modelo que, de maneira súbita, tornaram- comorbidade com TDAH. O questionamento parece ser:
se extremamente agressivas. os sintomas do TBH são condições secundárias ao
A agressividade parece estar aliada principal- próprio diagnóstico de TDAH? A dúvida se dá porque,
mente ao humor irritado, apresentando-se como um de acordo com os critérios do DSM-IV-TR (APA, 2002),
estado explosivo. Como este tipo de humor se três sintomas estão em sobreposição: distratibilidade,
caracteriza como um dos sintomas mais comuns do agitação motora e fala em demasia. Os estudos que
TBH, o comportamento agressivo poderá acontecer com tentam responder a esta questão parecem encontrar
freqüência. A irritabilidade, apesar de não ser dificuldades metodológicas, especialmente em relação
patagnomônica para o diagnóstico, está presente na à validade do diagnóstico de TBH em crianças. Apesar
maioria dos casos e se manifesta em ambos os pólos de disso, aqueles que se empenharam nessa proposta
oscilação do humor (Geller, Zimerman, Williams, aplicaram-se, basicamente, em reconhecer a intensidade
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dos sintomas sobrepostos e diferenciais em cada um Os sintomas de hiperatividade resumem-se à


dos problemas. agitação das mãos ou os pés; abandonar a cadeira em
Na distinção entre TBH e TDAH, alguns sala de aula ou outras situações nas quais se espera que
sintomas aparecem como diferenciais: euforia ou permaneça sentado; correr ou escalar em demasia, em
humor expansivo, grandiosidade, fuga de idéias, hiper- situações nas quais isto é inapropriado; dificuldades para
sexualidade e necessidade reduzida de sono (Geller, brincar ou se envolver silenciosamente em atividades
Zimerman, Williams, Delbello, Frazier & Beringer, de lazer, estar “a mil” ou muitas vezes age como se
2002; Craney & Geller, 2003). Os mesmos estudos estivesse “a todo vapor”; e falar em demasia. A
confirmam, como era esperado, que os sintomas de impulsividade é caracterizada pelas seguintes
irritabilidade, agitação motora e a fala em demasia eram características: dar respostas precipitadas antes de as
pouco específicos para diferenciar os dois quadros. perguntas terem sido completadas; dificuldade para
Desta forma, o comportamento agressivo que, na aguardar sua vez; interromper ou intrometer-se em
maioria das vezes, está aliado à irritabilidade, também assuntos de outros.
não pode ser considerado aspecto diferencial entre os O DSM-IV-TR (APA, 2002) ainda divide o
dois transtornos. Além disso, crianças com TBH TDAH em três subtipos: predominantemente desatento,
apresentam maior comprometimento de humor e suas em que predominam os sintomas da desatenção (seis
atividades tendem a ser mais direcionadas do que ou mais deles), predominantemente hiperativo/impulsivo,
crianças somente com TDAH. A ocorrência de destacando-se os sintomas de hiperatividade e
sintomas psicóticos em alguns casos de (hipo)mania e impulsividade; e o subtipo combinado, onde estão
ausentes nos casos de TDAH também parece auxiliar presentes, pelo menos, seis dos sintomas da desatenção
nessa distinção (Fu-I, 1996). e mais seis dos sintomas de hiperatividade/impulsividade.
Para facilitar a diferenciação entre os dois Em muitas ocasiões, as crianças portadoras de
transtornos faz-se necessário, ainda, que se conheçam as TDAH são qualificadas como agressivas. Na maioria
características do TDAH, seus critérios diagnósticos, bem delas, as causas das condutas agressivas são a
como, os fatores precipitantes do comportamento agressivo. hiperatividade e a impulsividade. Isso nos leva a concluir
que, muitas vezes, os comportamentos considerados
como agressivos, podem não ser intencionais, ou seja,
Transtorno de Déficit de Atenção/ podem ser frutos de condutas hiperativas ou impulsivas.
Hiperatividade e comportamento Na tentativa de diferenciar tais comportamentos,
agressivo Orjales (2001) apresenta, em um dos seus trabalhos, as
características das condutas hiperativas em contraste
O Transtorno de Déficit de Atenção/ às condutas agressivas. Tropeçar nos companheiros que
Hiperatividade (TDAH) é caracterizado pela seguinte estão numa fila, por exemplo, pode se apresentar como
tríade de sintomas: desatenção, hiperatividade e conseqüência da hiperatividade, o que se diferencia do
impulsividade. comportamento de empurrar esses companheiros para
Os sintomas de desatenção são descritos pelo chegar primeiro. Analogamente, não fazer os deveres
DSM-IV-TR (APA, 2002) através de características porque a criança corre pela casa, diferencia-se da
como dificuldades de prestar atenção a detalhes ou conduta socialmente agressiva de negação e desafio aos
cometer erros por descuido; dificuldades para manter a pais quando estes pedem para que se faça a tarefa.
atenção em tarefas ou atividades lúdicas; não escutar Barkley (2002) concorda que TDAH não é
quando lhe dirigem a palavra; não seguir instruções e sinônimo de conduta agressiva e que a presença desse
não terminar deveres escolares, tarefas domésticas ou tipo de comportamento está mais vinculada às condutas
deveres profissionais; dificuldades para organizar tarefas parentais do que necessariamente ao transtorno. Pais
e atividades; evitar ou relutar para envolver-se em tarefas de crianças TDAH com comportamentos agressivos
que exijam esforço mental constante; perder coisas apresentavam maiores índices de problemas
necessárias para tarefas ou atividades; distrair-se psiquiátricos, do que pais de crianças sem manifestações
facilmente por estímulos alheios à tarefa; e apresentar de agressividade. Isso significa que, famílias com
esquecimento em atividades diárias. membros em desajuste psicológico podem propiciar o
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aparecimento de comportamentos agressivos e até anti- maior probabilidade, a evoluir para práticas anti-sociais
sociais em crianças portadoras de TDAH. (Gross & Koch, 2005).
Em um de seus estudos, o mesmo autor dividiu a É importante ressaltar que crianças e
amostra em dois grupos: crianças com TDAH adolescentes podem apresentar comportamentos
(subdivididas em crianças com e sem comportamento agressivos, desafiadores e anti-sociais ao longo do
agressivo) e crianças normais, fazendo com que cada desenvolvimento considerado normal, especialmente em
uma delas interagissem com seus pais. Os resultados idades pré-escolares e na adolescência. Eles poderão
apontaram que as interações de crianças TDAH não- brigar com os irmãos ou com os pares, fazer birras, ou
agressivas com suas famílias eram bastante parecidas quebrar brinquedos e objetos em geral. Mas o que
com as de crianças normais. Em contrapartida, no grupo caracteriza um comportamento anti-social? O que parece
TDAH agressivo, as interações eram mais negativas, descrever a patologia do comportamento anti-social é a
com a presença de insultos e respostas impertinentes existência de um padrão consistente dessas condutas e
uns contra os outros. o grau de prejuízo que elas causam aos demais e à
Além do fator familiar, outros estudos têm sociedade em geral (Bee, 2003; APA, 2002).
apontado que a agressividade pode surgir como Os principais transtornos envolvidos com a
conseqüência dos próprios sintomas do TDAH expressão de comportamentos anti-sociais ou
(Goldstein & Goldstein, 1992). Essas crianças e desafiadores são o Transtorno Opositivo Desafiador
adolescentes são impulsivos e pouco capazes de (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). O TOD
cooperar e dividir com seus pares (Barkley, 2002), caracteriza-se especialmente pela presença de condutas
tornando-se pouco populares, rejeitados e isolados pelos de oposição, desobediência e desafio. Os compor-
colegas, aumentando assim, a probabilidade de se tamentos opositivos e desobedientes podem ser
engajarem em comportamentos anti-sociais (Del Prette “passivos”, uma vez que a criança pode não responder
& Del Prette, 2005). ao pedido, mas pode apenas permanecer inativa. Os
Dessa forma, o comportamento agressivo parece comportamentos desafiadores, ao contrário, incluem
não ser característica essencial do TDAH, aparecendo verbalizações negativas, hostilidade e resistência física
muito mais em função de comorbidades com Transtorno que podem ocorrer junto com a desobediência (Luiselle,
de Conduta e o Transtorno Opositivo Desafiador. 2005).
O diagnóstico de TOD tem sido um preceptor
importante para a evolução do problema ao Transtorno
Comportamento agressivo e de Conduta, sugerindo que haja um contínuo entre estas
Transtornos de Conduta duas patologias. As condutas das crianças com TOD
são menos severas do que aquelas apresentadas no TC.
O comportamento agressivo e as condutas anti- Além disso, elas não incluem agressão a pessoas ou
sociais costumam estar profundamente relacionados. animais, destruição de propriedades ou um padrão de
Para traçarmos tal relação é necessário definir o furto ou defraudação. O Transtorno Opositivo Desafiador
comportamento anti-social. em geral se manifesta antes dos oito anos de idade e
Ao longo dos anos, as condutas anti-sociais tem pouca probabilidade de se iniciar depois do início da
receberam uma série de nomes, incluindo os de adolescência. Os sinais opositivos freqüentemente
delinqüência, comportamentos exteriorizados e problemas emergem no contexto doméstico, mas é comum
de comportamento. Atualmente, a definição de estender-se a outras situações (APA, 2002).
comportamento anti-social compreende qualquer conduta Em geral, os aspectos do TOD estão presentes
que reflita a violação das regras sociais ou atos contra no TC, e não se faz o diagnóstico de TOD se são
os outros, incluindo comportamentos como roubo, satisfeitos os critérios para TC. Isso significa dizer que
mentiras, vandalismo e fugas. A expressão agressiva é o Transtorno de Conduta é um quadro mais amplo e
justamente aquela que invade o direito alheio, não mais complexo que o TOD (APA, 2002).
respeitando os limites de convivência em sociedade. O curso do TC é estimado segundo uma série de
Deste modo, pode-se sugerir que uma criança que fatores. Crianças que iniciaram precocemente (antes
apresenta comportamentos agressivos, tenderá, com dos seis anos) os sinais de comportamento desafiador
Origem e manutenção do comportamento agressivo na infância e adolescência 63

(provavelmente aquelas que receberam o diagnóstico Tais articulações entre os quatro transtornos,
de TOD durante a infância) tenderam, em maior apesar de não concederem embasamento suficiente,
probabilidade, a expressarem comportamentos anti- servem como incentivo para se pensar o comportamento
sociais na vida adulta. Além disso, a amplitude do agressivo como um dos principais pontos de interseção
comportamento desviado é relevante: crianças que entre os distúrbios abordados aqui. Conclui-se, portanto,
apresentam esse tipo de conduta em casa e na escola que a resposta para os questionamentos levantados exige
tendem a correr maior risco (Webster-Stratton & Hebert, investigações mais extensas que sejam capazes de
1994). demarcar limites e interseções entre os quatro
Um terceiro fator diz respeito às características transtornos, bem como entre eles e as demais desordens
de freqüência, intensidade e diversidade dos que envolvam o comportamento agressivo.
comportamentos anti-sociais. Quanto maior o número,
a gravidade e a complexidade dos atos, maior é a chance
do Transtorno evoluir para a idade adulta (Robbins, Tipp Considerações Finais
& Przybeck, 1991). Finalmente, o papel da família e de
suas características sugere que quanto mais a família O comportamento agressivo constitui-se de uma
apresenta condutas anti-sociais ou agressivas pior é o gama de atitudes sociais inábeis. A expressão agressiva
prognóstico da criança na vida adulta (Kazdin, 1995). freqüente e intensa na infância e na adolescência
apresenta inúmeras conseqüências desfavoráveis a curto,
médio e longo prazo. Por esse motivo, são inúmeros os
TBH, TDAH e Transtornos de estudos que têm abordado o presente tema na tentativa
Conduta: qual a relação? de aprimorar a prevenção, bem como o processo de
avaliação e tratamento das condutas agressivas nessas
Uma vez analisadas as características do TBH, fases da vida. Muitos deles têm realmente contribuído
do TDAH e dos Transtornos de Conduta (TC e TOD), de forma eficaz para o alcance desses objetivos.
pode sugerir-se que, entre os pontos comuns entre eles, A formação desse tipo de comportamento parece
está a presença do comportamento agressivo. Além ocorrer de forma análoga ao desenvolvimento sócio-
deste, uma série de outros sintomas são partilhados emocional e possui origem multifatorial. Os papéis do
entre eles. A partir desses pontos comuns, surge a temperamento e do ambiente são variáveis que
indagação: os transtornos em questão seria parte de influenciam na expressão da agressividade em maior ou
um mesmo fenótipo? Em virtude dessa dúvida, alguns menor grau. Reconhecer as maneiras como cada um
estudos têm se proposto a investigar os referidos desses fatores interfere na formação e manutenção da
transtornos a fim de obterem dados que ajudem a agressividade propicia a intervenção e a prevenção de
entender a relação entre eles. formas adequadas, evitando negligências no tratamento
Apesar de considerarem a possibilidade do desse déficit social.
diagnóstico diferencial entre tais transtornos, alguns Além disso, a presença de transtornos
estudos sugerem que a equação TBH + TDAH + psicológicos parece influenciar na manifestação da
Transtornos de Conduta pode formar uma entidade agressividade, ressaltando, entretanto que, o processo
diagnóstica com fenótipo específico (Papolos & Papolos, de desenvolvimento e a presença do transtorno na
1999; Papolos, 2003). Alguns estudos parecem sustentar formação do comportamento agressivo interagem de
essa hipótese através da afirmação que, na base dessa forma recíproca. Assim, o profissional que tem por
relação, estariam condições hereditárias. O estudo de objetivo realizar tais diagnósticos deve também levar em
Faraone, Biederman, Menin e Russel (1998), por consideração uma série de aspectos do desenvolvimento
exemplo, concedeu suporte para a sugestão de que os sócio-emocional.
referidos transtornos podem ser diferentes Algumas vezes, os transtornos aqui abordados
manifestações de uma mesma condição familiar. Os apresentam a agressividade como uma de suas
resultados da investigação de Coolidge, Thede e Young conseqüências principais, como no caso dos Transtornos
(2000) com gêmeos apontam, ainda, que o TDAH divide de Conduta. Outras vezes, as características primordiais
grande carga genética com os transtornos de conduta. do transtorno parecem favorecer o desenvolvimento de
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2006 Volume 2 Número 1 55-65
64 Patrícia Barros e Fábio Barbirato Nascimento Silva

condutas agressivas, como no caso do TDAH. Em phenomenology and longitudinal course. Bipolar Disord,
determinadas ocasiões, as variações de humor 5 (4), 243-56. Review.
favorecem a expressão da agressividade, como acontece Cloninger, C. R.; Svrakic, D. M. & Przybeck, T. R. (1993). A
no TBH, enquanto, em outras, como no TC, esse tipo de psychological model of temperament and character.
conduta é planejado e tem por objetivo alcançar um Archives General Psychiatry, 50 (12), 975-990.
ganho para si próprio em detrimento do sentimento alheio. Coolidge, F. L.; Thede, L. L. & Young, S. E. (2000).
Em contrapartida, estudos têm mostrado, ainda, que a Hereditability and the comorbidy of attention deficit
união de tais transtornos pode corresponder a uma hyperactivity disorder and behavioral disorders and
entidade nosológica específica, tendo por base uma executive functions deficits: A preliminary investigation.
herança genética comum. Developmental Neuropsychology, 17 (3), 273-287.
De forma geral, portanto, a compreensão do Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (1999). Psicologia das
desenvolvimento infanto-juvenil parece conceder Habilidades Sociais: Terapia e Educação. Petrópolis: Vozes.
padrões mais amplos para o entendimento do Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2003). Aprendizagem
comportamento agressivo. Por outro lado, a investigação socioemocional na infância e prevenção da violência:
diagnóstica criteriosa de alguns dos transtornos questões conceituais e metodologia de intervenção. Em:
neuropsiquiátricos associados à agressividade influencia Z. A. P. Del Prette & A. Del Prette (Orgs.). Habilidades
diretamente a intervenção psiquiátrica e psicológica. Tais sociais, desenvolvimento e aprendizagem: Questões
investigações, entretanto, parecem carecer de mais conceituais e metodologia de intervenção (pp. 83-128).
estudos, especialmente aqueles que se detenham às Campinas: Alínea.
questões sobre classificação nosológica na infância e Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2005) Psicologia das
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REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2006 Volume 2 Número 1 55-65

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