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Intervenção com Agressores com

Traços Psicopáticos

Docente: Professora Patrícia Figueiredo

Discentes:

Bruna Martins a22006722, Gonçalo Pereira a22005860

Inês de Carvalho Marques a22002678, Sara Rodrigues Franco Rosa a22003524

Psicologia Forense | EPCV, Universidade Lusófona – Centro Universitário Lisboa | maio 2023

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Resumo

A psicopatia é um construto psicológico complexo caracterizado por traços como

manipulação, falta de empatia, impulsividade e ausência de remorsos. A presença desses

traços em agressores tem sido associada a comportamentos violentos e criminosos,

representando um desafio significativo para a intervenção psicológica e para o sistema de

justiça criminal. Este trabalho propõe uma revisão sistemática da literatura sobre

intervenções em agressores com traços psicopáticos, com o objetivo de identificar

estratégias eficazes utilizadas na psicologia forense. Revelou-se que as intervenções

eficazes em agressores com traços psicopáticos geralmente envolvem uma abordagem

multimodal, que integra elementos de terapias cognitivo-comportamentais, treino de

habilidades sociais e tratamento farmacológico quando necessário. Além disso, a duração

das intervenções mostrou-se um fator importante, com programas mais longos e

intensivos demonstrando melhores resultados na redução de comportamentos agressivos

e na promoção da reinserção social. A compreensão dessas intervenções é fundamental

para proporcionar uma melhor compreensão das características psicológicas subjacentes

aos comportamentos violentos.

Palavras-Chave: Psicologia Forense; Agressores; Traços Psicopáticos;

Intervenção; Terapia Cognitivo-Comportamental; Comportamento Violento.

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Introdução aos Construtos de Agressores e de Psicopatia

A agressão pode ser definida como “um comportamento perpetrado ou tentado


com a intenção de prejudicar outra pessoa, física ou psicologicamente, ou destruir um
objeto” (Bartol & Bartol., 2014, p. 111), existindo duas formas: agressão hostil ou reativa
e agressão instrumental. A agressão hostil é muito impulsiva e conduzida pela emoção,
resposta perante insultos reais ou percebidos, ataques/ameaças, acessos de raiva
descontrolados. Neste caso, o objetivo do agressor é fazer com que a vítima sofra. Por
outro lado, a agressão instrumental é planeada, controlada e intencional e é usada para
uma finalidade particular, e.g., dinheiro, drogas ou apenas para estabelecer uma posição
dominante. Aqui, o objetivo principal não é, necessariamente, ferir os outros, mas sim
obter o resultado desejado. Alguns tipos de comportamentos, podem ser caracterizados
como indicadores visíveis de agressão, não constituindo, necessariamente, atos de
agressão; são exemplos: mentir, roubar ou vandalizar. A agressão tem dois grandes tipos:
agressão indireta, geralmente verbal, e agressão direta que tende a ser física e evidente.
Existem atualmente várias perspetivas teóricas que tentam explicar a origem do
comportamento agressivo. Dollard et al. (1939), propuseram a hipótese da frustração-
agressão, salientando que pessoas que estão frustradas, contrariadas, irritadas ou
ameaçadas irão comportar-se de forma agressiva, já que a agressão é uma resposta natural,
quase automática, a circunstâncias frustrantes. Contudo, considerando uma hipótese
demasiado simples para definir a relação entre frustração e agressão, autores sugeriram
uma revisão desta mesma hipótese, fundamentando que a frustração aumenta a
probabilidade de um indivíduo ficar zangado ou com raiva e, deste modo, agir
agressivamente, não sendo ela própria a causa direta para a agressão. Assim, um elemento
importante desta hipótese revista é o conceito de metas, ou expectativas, antecipadas, ou
seja, quando um comportamento dirigido a um objetivo ou meta específica é contrariado,
é mais provável que seja desencadeada a frustração. Por conseguinte, a hipótese revista
da frustração-agressão define as seguintes etapas: (1) a pessoa é impossibilitada de
alcançar um objetivo esperado; (2) a frustração resultante pode desencadear a raiva; e, (3)
a raiva predispõe a pessoa a comportar-se de forma agressiva.
O conceito de psicopatia não é novo e é reconhecido em diferentes culturas e
períodos históricos, esta disfunção pode ser definida como uma perturbação da
personalidade que se caracteriza pela presença de um conjunto de traços, que incluem
características interpessoais e afetivas (e.g., manipulação, falta de empatia) e

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características de comportamento antissocial (e.g., impulsividade e agressividade).
Outros autores descrevem a psicopatia como uma perturbação do desenvolvimento,
marcada por uma hiporesponsividade emocional, um risco elevado de comportamento
antissocial e um défice na atenção (da Silva, D. R., Rijo, D., & Salekin, R. T., 2012).
Checkley, no seu livro “The mask of sanity” (1941), apresenta os principais traços
característicos da psicopatia: o charme superficial, a ausência de pensamento irracional e
delírios, a mentira, a falsidade, a ausência de culpa ou arrependimento, a existência de
comportamentos antissociais, egocentrismo patológico, frieza emocional, reduzida
capacidade de insight, ausência de objetivos, ausência de ansiedade ou sintomas
neuróticos, ausência de sinceridade, incapacidade de aprendizagem com as vivências,
frieza nas relações interpessoais, comportamento excêntrico, comportamento sexual
promíscuo e reduzidos episódios de tentativas de suicídio. Os 16 critérios, de Cleckley,
foram posteriormente agrupados por Patrick (2006) em três categorias conceituais
distintas: ajustes positivos, desvios comportamentais crónicos e déficits emocionais e
interpessoais (Galão, M. A. G., 2019).
Neste sentido, elevados traços psicopáticos correspondem a uma personalidade
egocêntrica, na qual as relações com o outro terão por base os interesses do próprio sujeito
de forma a alcançar a satisfação pessoal e o prazer imediato, estas serão instáveis e com
poucos vínculos afetivos. A satisfação das próprias necessidades é a prioridade para o
indivíduo, e esta atinge-se por meio da manipulação ou da força, sem que haja
preocupação com o outro ou a capacidade de senso de ética e moralidade.
Os sujeitos tendem, ainda, a exibir uma postura fria e calculista, sendo geralmente
descritos como inteligentes, apresentando as suas capacidades racionais e cognitivas
preservadas dentro ou acima da média. Quando se envolvem em agressões, muitas vezes
são premeditadas e visam atingir um objetivo pessoal, sendo por isso denominadas por
agressões instrumentais, uma vez que têm um propósito e não são reativas, sendo
apresentados três níveis de gravidade para a psicopatia: leve, na qual o indivíduo exerce
pequenos golpes e roubos, sendo na maioria das vezes psicopatas não criminosos;
moderado e grave, tanto o moderado como o grave utilizam métodos cruéis e sentem
prazer em atos altamente brutais (Galão, M. A. G., 2019).
Apesar destes aspetos, sabe-se que os traços psicopáticos se começam a evidenciar
durante a adolescência dos indivíduos, podendo refletir-se em trajetórias criminais
violentas e graves. Os sujeitos podem começar a desenvolver uma carreira criminal
precocemente, podendo traduzir-se em condutas antissociais ao longo da sua vida.

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Podemos, então, concluir que, agressores com traços psicopáticos são indivíduos
com características de personalidade bastante marcantes, entre elas, falta de empatia, que
pode resultar numa desvantagem, em alguns contextos sociais; ausência de remorsos e
culpa; e, manipulação e desconsideração pelos sentimentos dos outros. Estes indivíduos
têm tendência para se comportar de forma impulsiva, violenta e criminosa,
comparativamente com a população em geral.
Existem diversos fatores que podem contribuir para o desenvolvimento desta
perturbação ou para o evitamento da mesma, denominados de fatores de risco e fatores
de proteção.
O conceito de fator de risco supõe a existência de variáveis populacionais e
individuais, que envolvem o comportamento humano e desvios do mesmo, como
negligência e, abuso ou violência. Estas variáveis poderiam, anteriormente ao
desenvolvimento da doença em questão, ser modificadas ou observadas de forma a evitar
a progressão da mesma. Os fatores de risco associados a agressores com traços
psicopáticos podem estar associados a fatores ambientais, neurológicos e psicossociais.
No entanto, é fundamental compreender que a presença destes fatores não implica
necessariamente que haja um comportamento criminoso ou violento.
Dentro dos fatores ambientais, um ambiente familiar violento, negligência
parental, abuso emocional e físico, abuso de substâncias por parte dos pais, influência de
grupos escolares e da comunidade, fatores biológicos, como perinatais, genéticos,
individuais e familiares (Natrielli Filho et al., 2012).
Existe, também, um grande foco por parte da investigação na parte neurobiológica
como fator de risco, entre estes podemos salientar, disfunções do lobo frontal, que se
associam à agressividade, com evidências de associação entre danos na área pré-frontal e
subtipos de impulsos dos comportamentos agressivos; disfunções na amígdala, sendo esta
fundamental para o reconhecimento de um estímulo como ameaçador ou não, e se esta
estiver hiperativa, pode resultar em agressão defensiva em excesso, no entanto, não há
consenso sobre a hipo ou hiperatividade da amígdala nos casos de agressividade, podendo
esta estar com atividade aumentada ou diminuída dependendo do subtipo de agressão
(Natrielli Filho et al., 2012).
Os fatores psicossociais são bastante diversos tais como, o divórcio dos pais,
comportamento suicida, eventos de vida negativos, abuso sexual na infância, dificuldades
no funcionamento social e dinâmica familiar conflituosa (Natrielli Filho et al., 2012).

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A existência de comportamentos antissociais durante a infância como, mentir,
roubar, atos de vandalismo e crueldade com animais, pode também ser identificado como
um fator de risco para o desenvolvimento de traços psicopáticos na vida adulta. Estes
comportamentos podem ser indicadores precoces da existência de dificuldades na
regulação emocional e falta de empatia (Frick et al., 2014).
Por outro lado, existem fatores de proteção, que irão funcionar de forma contrária
aos referidos anteriormente, ou seja, agir como atenuantes ou protetores do
desenvolvimento da perturbação. A abordagem parental durante o desenvolvimento do
indivíduo é um fator bastante importante para a prevenção desta perturbação, a presença
de pais severos na educação e durante a aprendizagem, rigidez familiar, o investimento
na psicoeducação de pais, de forma a ensinar-lhes a forma correta de interagirem com os
seus filhos, de modo a promoverem comportamentos pró-sociais, além de reduzir
efetivamente as agressões e os comportamentos antissociais, utilizando estratégias
disciplinares não violentas (Natrielli Filho et al., 2012).

Intervenção em Agressores com Traços Psicopáticos

Tal como verificado anteriormente, a psicopatia é considerada através de um

conjunto de fatores, principalmente 3, sendo estes: disfunções biológicas/cerebrais ou

trauma neurológico, predisposição genética e traumas sociopsicológicos na infância,

como abuso, seja ele físico, psicológico ou sexual, divórcio e negligência parental,

violência, etc. Por norma, indivíduos antissociais violentos apresentam um destes fatores,

mesmo aqueles que nascem com uma predisposição genética, mas nem todos os que

sofrem de abuso ou experiências traumáticas na infância se vão tornar psicopatas,

principalmente se não houver alguma influência genética e/ou cerebral para o

comportamento antissocial. Da mesma forma, nem todos os psicopatas têm características

que os vão envolver em comportamentos criminosos, portanto, para uma melhor

compreensão e diagnóstico, temos de ter em conta todos estes fatores (Moreira et al.,

2014). A psicopatia reflete uma forma patológica de personalidade que predispõe os

indivíduos para o risco de perpetração de violência crónica e grave ao longo da sua vida.

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A violência imputável a pessoas psicopatas constitui uma parte substancial do ónus social

para os sistemas de saúde pública e de justiça penal, pelo que requer uma atenção

significativa por parte dos especialistas em prevenção e intervenção (Reidy et al., 2013).

A intervenção psicológica requer uma abordagem multidisciplinar e colaborativa,

envolvendo profissionais da saúde mental, do sistema judicial e de campos relacionados.

Além disso, intervenções baseadas em evidência e adaptadas para esta população

específica são essenciais para obter resultados eficazes. É um processo complexo que visa

reduzir comportamentos violentos e promover mudanças positivas na personalidade e nas

atitudes desses indivíduos. Na intervenção psicoterapeuta, pacientes com perturbação de

personalidade antissocial podem compor um grande desafio, visto a desenvolvida

capacidade e tendência de manipulação, mentira, bem como comportamentos mais

agressivos e impulsivos, sejam eles físicos ou verbais. Embora a psicopatia seja um traço

de personalidade de difícil modificação, podem ser feitas intervenções com o objetivo de

minimizar os danos causados pelos comportamentos agressivos. Nas últimas décadas,

várias abordagens e técnicas têm sido propostas para intervir em agressores com traços

psicopáticos. Algumas dessas intervenções incluem: terapia cognitivo-comportamental

(TCC); treinamento de habilidades sociais; psicoterapia baseada na mentalização; e,

psicofarmacologia, quando necessário.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido amplamente utilizada no

tratamento de agressores com traços psicopáticos. Essa abordagem procura identificar e

modificar padrões de pensamento distorcidos e comportamentos desadaptativos,

promovendo a aquisição de habilidades sociais e o desenvolvimento de empatia.

Davidson et al. (2008), através de um estudo longitudinal, utilizou a TCC em indivíduos

com perturbação de personalidade antissocial que cometeram atos de agressão até 6 meses

antes do estudo. A TCC foi aplicada através de um modelo que tenta desafiar as cognições

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e comportamentos desadaptativos, bem como ajudar o paciente a compreender melhor a

sua psicopatologia, os seus pensamentos e comportamentos, e as suas consequências. Para

isto, é necessária uma participação assídua e ativa do cliente, e a realização de trabalhos

para casa, algo bastante comum na terapia cognitivo-comportamental. Doze meses depois

da realização do estudo e da aplicação da TCC, foi feito um follow-up que mostrou que

os pacientes experienciaram uma diminuição dos comportamentos agressivos, tanto

físicos como psicológicos, e uma alteração no pensamento. A TCC adaptada para

agressores com traços psicopáticos pode se concentrar em metas concretas, como reduzir

comportamentos agressivos e promover habilidades de resolução de problemas. A

abordagem pode envolver ensinar esses indivíduos a reconhecer sinais de aviso nos seus

próprios comportamentos, como pensamentos e sentimentos que podem preceder atos

agressivos, e desenvolver estratégias para interromper esses padrões. Skeem & Patrick

(2012) abordam a teoria cognitivo-comportamental na intervenção em agressores com

traços psicopáticos, numa revisão da literatura existente sobre o tratamento cognitivo-

comportamental em indivíduos com perturbação da personalidade antissocial e traços

psicopáticos. Eles discutem os princípios da terapia cognitivo-comportamental e como

podem ser aplicados especificamente a essa população. Os autores também examinam os

resultados de estudos empíricos que avaliaram a eficácia da intervenção cognitivo-

comportamental em agressores com traços psicopáticos. Eles discutem os desafios e as

limitações do tratamento nesse contexto, bem como as áreas promissoras para futuras

pesquisas.

O treino de habilidades sociais envolve a aprendizagem e a prática de

comportamentos sociais adequados, como comunicação efetiva, resolução de conflitos e

empatia. Essa abordagem procura desenvolver competências sociais que possam ajudar o

agressor a interagir de forma mais saudável com os outros. Yockey et al. (2014),

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descrevem e avaliam um programa de treino de habilidades sociais específico para

adolescentes com traços psicopáticos. Eles discutem a importância das habilidades sociais

nessa população, considerando as suas dificuldades em interagir de maneira adequada e

empática com os outros. Os autores descrevem o programa de treino de habilidades

sociais desenvolvido, que envolve o ensino e a prática de habilidades como comunicação

assertiva, escuta ativa, resolução de conflitos e empatia. Fornecem uma avaliação da

eficácia desse programa, com base em estudos controlados e medidas de resultado

relacionadas a melhorias nas habilidades sociais, comportamentos agressivos e

ajustamento psicossocial. Este artigo oferece uma abordagem específica de treino de

habilidades sociais direcionada a adolescentes com traços psicopáticos, destacando a

importância do desenvolvimento dessas habilidades para promover interações sociais

mais saudáveis e reduzir comportamentos agressivos. No entanto, é importante mencionar

que a pesquisa sobre o treino de habilidades sociais em agressores com traços psicopáticos

é um campo ainda em desenvolvimento.

A psicoterapia baseada na mentalização refere-se à capacidade de compreender e

interpretar os pensamentos, sentimentos e intenções dos outros. A psicoterapia baseada

na mentalização procura promover a capacidade de mentalizar, nos agressores

psicopáticos, ajudando-os a reconhecer e a compreender as emoções e perspetivas dos

outros, bem como a refletir sobre suas próprias motivações e ações. Essa abordagem visa

melhorar a empatia, a autorreflexão e a capacidade de estabelecer relacionamentos

saudáveis. Embora a psicoterapia baseada em mentalização não seja amplamente

estudada ou aplicada, especificamente em agressores com traços psicopáticos, algumas

pesquisas exploraram o seu uso em populações criminosas em geral. Por exemplo, o

trabalho do autor Anthony Bateman e colaboradores sobre a terapia mentalizante tem sido

amplamente estudado em relação a transtornos de personalidade e psicopatia.

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Um dos instrumentos de avaliação da psicopatia mais utilizados e investigados é

a Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R; Hare, 1991, 2003), uma escala de

classificação de 20 itens para a construção de sintomas. A PCL-R é amplamente

conceptualizada como sendo composta por dois fatores correlacionados, o Fator 1 (F1) a

explorar os traços de personalidade interpessoais e afetivos e o Fator 2 (F2) a explorar os

comportamentos crónicos antissociais e mal regulados e o estilo de vida

instável/disfuncional. Pode parecer intuitivamente óbvio que o tratamento da psicopatia,

uma perturbação da personalidade, se deva centrar na melhoria da perturbação e, assim,

reduzir o risco de violência associado à mesma; no entanto, a ligação entre os traços de

personalidade fundamentais da psicopatia e a violência é ténue (Wong et al., 2012).

Embora a associação entre a psicopatia avaliada pelo PCL-R (definida pela pontuação

total do PCL-R) e a violência esteja bem estabelecida (Hare, 2003), surge um quadro

diferente quando os fatores do PCL-R são considerados separadamente. De particular

relevância para o tratamento da psicopatia com vista à redução da violência, é a

associação diferencial dos traços F1 e F2 com a violência.

A noção de que a intervenção e o tratamento da psicopatia se devem centrar tanto

na redução da violência e da criminalidade como na gestão dos comportamentos que

interferem com o tratamento dos psicopatas deve ser considerada. A diferença entre a

utilização de intervenções de redução de risco vs. intervenções de mudança de

personalidade, para reduzir a violência e a reincidência, é uma distinção teórica crítica a

fazer na conceção e implementação do programa da intervenção. Enquanto a abordagem

de redução de riscos se basearia no que ‘‘funciona’’ e na literatura, a abordagem de

mudança de personalidade basear-se-ia numa literatura diferente, como as várias terapias

para intervenções sobre perturbações da personalidade (Wong et al, 2012).

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Num estudo, com a participação do mesmo autor, Olver & Wong (2015),

verificou-se que as pontuações da faceta Estilo de vida e Antissocial (Fator 2) estavam

significativamente correlacionadas de forma negativa com todas as variáveis de idade,

exceto a idade da última condenação. Em contrapartida, as pontuações das facetas

Interpessoal e Afetiva (Fator 1) estavam, na sua maioria, positivamente correlacionadas

com as variáveis etárias, mas apenas a primeira atingiu significância para todas, exceto a

idade da primeira condenação. As pontuações totais da PCL-R refletiram o padrão de

correlação das pontuações relativas ao estilo de vida e ao antissocial, mas com uma

magnitude reduzida. A duração da carreira criminal foi positivamente correlacionada com

todas as medidas da PCL-R, com níveis de significância variáveis. A faceta afetiva

destacou-se sem correlação significativa com qualquer variável de idade.

A idade de libertação deve ser a variável etária mais estreitamente ligada à

reincidência, uma vez que assinala o início do período de risco do infrator. A idade mais

avançada está significativamente associada a reduções de risco para todas as medidas de

reincidência, períodos de acompanhamento e para os grupos de psicopatia superior e

inferior, embora com efeitos mais pronunciados para os primeiros, em especial no que se

refere a infrações violentas. Embora se tenha demonstrado que a idade, a psicopatia e a

reincidência estão fortemente ligadas, é necessário separar as contribuições individuais e

únicas destas variáveis, bem como examinar a possível presença de diferentes tipos de

associações (por exemplo, linear vs. curvilínea) e interações.

A reincidência em agressores com traços psicopáticos é uma preocupação

significativa, dada a natureza persistente desses traços de personalidade e a tendência em

envolverem-se em comportamentos antissociais. No entanto, várias intervenções têm sido

exploradas na tentativa de reduzir a reincidência nessa população. Um estudo relevante

para entender a reincidência em agressores com traços psicopáticos é feito por Douglas

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et al. (2018), onde os autores revêm a literatura existente sobre a relação entre psicopatia

e reincidência criminal. Destacando que indivíduos com traços psicopáticos têm maior

probabilidade de reincidir e de se envolver em comportamentos criminais repetidos,

devido à sua falta de empatia, baixa responsabilidade pessoal e tendência pela procura de

recompensas imediatas. Sendo importante mencionar que, intervenções em agressores

com traços psicopáticos, são desafiadoras porque esses indivíduos tendem a apresentar

resistência à mudança, falta de empatia e manipulação. Além disso, a literatura anterior

confunde constructos ao agregar medidas e constructos divergentes de psicopatia (por

exemplo, psicopatia, personalidade antissocial, distúrbio de conduta), assim como

resultados de tratamento (por exemplo, abuso de substâncias, impressões de mudança do

terapeuta, reincidência, violência) e os tipos e grau de intervenção (por exemplo,

farmacoterapia, psicodrama, treino de competências sociais, aconselhamento de carreira,

tratamento de abuso de substâncias), o que potencialmente turvou as águas e obscureceu

o conhecimento da resposta dos psicopatas ao tratamento (Reidy et al.,2013).

É, ainda, importante repetir que, nem todos os agressores psicopáticos respondem

positivamente às intervenções e que podem apresentar altas taxas de reincidência. Sendo

importante salientar que os psicopatas podem tanto melhorar como piorar, no sentido de

obterem mais técnicas de manipulação durante a intervenção (Moreira et al., 2014).

Tendo em conta o potencial de iatrogenia (estado de doença com efeitos adversos

ou complicações causadas por/ou resultantes do tratamento médico) de pelo menos

algumas pessoas psicopatas, em determinadas condições de tratamento, pode justificar-

se um pressuposto mais conservador/neutro quando se considera a violência como um

resultado, até que investigações mais rigorosas do ponto de vista metodológico possam

identificar componentes específicos do tratamento que conduzam, de forma fiável, a

reduções da violência psicopática.

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Skeem (2002), examinou os efeitos da dosagem do tratamento, comparando

grupos de contacto de alto e baixo tratamento, com resultados que indicam taxas mais

baixas de violência entre os pacientes psicopatas que recebem doses maiores de

tratamento. Relatou, ainda, um efeito de dose, em que os pacientes com psicopatia elevada

que receberam 7 ou mais sessões de tratamento foram menos violentos do que os

pacientes psicopatas que receberam menos sessões.

Apesar das fortes especulações a favor e contra a eficácia do tratamento de

indivíduos psicopatas, existe uma relativa escassez de investigação sobre este tópico,

particularmente quando se aborda a violência como um resultado. A interpretação mais

otimista é que, com uma intervenção intensa e rigorosa, o risco de violência pode ser

reduzido em pessoas psicopatas, mas os dados que apoiam esta suposição são

aparentemente minoritários (Caldwell, 2011; Caldwell, Skeem, et al., 2006).

Conclusão

Em conclusão, a intervenção em agressores com traços psicopáticos é um tema

complexo e desafiador, que exige abordagens multifacetadas e baseadas em evidência.

Neste trabalho científico, exploramos os contributos e as limitações dessas intervenções,

bem como possíveis direções para futuros estudos.

Os estudos revistos, neste trabalho, indicaram que intervenções direcionadas aos

agressores com traços psicopáticos podem ter resultados promissores em termos de

redução de comportamentos violentos e aumento da empatia e do controle emocional. As

estratégias cognitivo-comportamentais, como a terapia cognitivo-comportamental e a

terapia de modificação de comportamento, têm sido amplamente utilizadas e

demonstraram eficácia na redução de comportamentos agressivos e criminais. Além

disso, intervenções baseadas na abordagem psicodinâmica, com foco na compreensão dos

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fatores de personalidade e história de vida do agressor, também se têm mostrado úteis

para a promoção da mudança e redução da agressividade. A terapia de grupo e o

treinamento de habilidades sociais podem ser complementares a essas abordagens,

proporcionando um ambiente seguro para a prática de comportamentos pró-sociais e o

desenvolvimento de empatia.

No entanto, existem limitações importantes a serem consideradas. Os traços

psicopáticos são intrinsecamente resistentes à mudança e podem ser persistentes mesmo

após intervenções intensivas. Além disso, a adesão do agressor ao tratamento e a sua

motivação para mudar podem ser desafiadoras, o que pode comprometer os resultados

alcançados.

Para futuros estudos, é fundamental investigar abordagens inovadoras e aprimorar

as intervenções existentes. Estudos longitudinais, que acompanhem os agressores ao

longo do tempo, podem fornecer informações valiosas sobre a eficácia a longo prazo das

intervenções. Pesquisas que explorem intervenções específicas, para diferentes subtipos

de traços psicopáticos, podem contribuir para uma compreensão mais refinada e

personalizada do tratamento. A integração e utilização de tecnologias inovadoras, como

realidade virtual e bio feedback, também podem ser consideradas, podendo oferecer

novas possibilidades para o treino de habilidades/competências sociais, emocionais e

comportamentais.

Em suma, a intervenção em agressores com traços psicopáticos representa um

desafio importante no campo da psicologia forense. E, embora as intervenções atuais

tenham mostrado resultados promissores, é necessário continuar a investigação e o

desenvolvimento de abordagens mais eficazes. O aprimoramento das intervenções

existentes e a busca por novas estratégias terapêuticas podem contribuir para a redução

da violência e a promoção da reintegração destes indivíduos na sociedade.

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