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Autismo e família: revisão

ARTIGO de revisão
bibliográfica em bases de dados nacionais

Autismo e família: revisão bibliográfica


em bases de dados nacionais
Bruna Laselva Hamer; Milena Valelongo Manente; Vera Lucia Messias Fialho Capellini

RESUMO – Os primeiros estudos envolvendo o autismo infantil atribuíam


à família participação no comprometimento do desenvolvimento psicoafetivo
da criança. A proposta deste estudo foi revisar a literatura relacionada ao
autismo e família em duas bases de dados nacionais (Banco de Teses e
Dissertações da Capes e Scientific Electronic Library Online), sem delimitação
de período específico, bem como identificar as principais temáticas focadas.
Foram localizados 29 estudos no Banco de Teses e Dissertações da Capes,
sendo o primeiro registro em 1990 e 12 na Scientific Electronic Library Online,
sendo a primeira publicação de 2001. Os resultados foram agrupados em
sete categorias. As categorias “Qualidade de vida” e “Relações familiares”
concentram a maioria das publicações no Banco de Teses e Dissertações da
Capes. Já na Scientific Electronic Library, a maioria refere-se as “Relações
familiares” e “Revisão bibliográfica”. Identificou-se que nenhuma das teses
ou dissertações foi publicada em formato de artigo científico, prejudicando
a divulgação das pesquisas na área.

UNITERMOS: Autismo. Família. Desenvolvimento infantil. Revisão de


literatura. Transtorno global do desenvolvimento.

Bruna Laselva Hamer – Programa de Pós-graduação Correspondência


em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Bruna Laselva Hamer
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Rua Júlio Maringoni, 8-47, apto. 44 – Vila Nova Santa
(Unesp/Bauru), Bauru, SP, Brasil. Clara – Bauru, SP, Brasil – CEP 17014-050
Milena Valelongo Manente – Programa de Pós-gra­ E-mail: brunah_bru@yahoo.com.br
dua­ção em Psicologia do Desenvolvimento e Apren­
di­zagem, Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mes­­quita Filho (Unesp/Bauru), Bauru, SP, Brasil.
Vera Lucia Messias Fialho Capellini – Programa de
Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e
Aprendizagem, Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (Unesp/Bauru), Bauru, SP, Brasil,

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INTRODUÇÃO Na primeira abordagem teórica, os estudos


O autismo é classificado pelo Manual Diag­­­­ sobre o autismo são comumente atrelados aos
nóstico e Estatístico de Transtornos Men­tais-DSM- estudos da família, visto que a família representa
IV1 como um transtorno invasivo do desenvol- um dos principais contextos de socialização dos
vimento (TID), sendo que, para a Classificação indivíduos e primeira mediadora entre o sujeito
dos transtornos mentais e de comportamen­­­to e a cultura. Enquanto matriz da aprendizagem
da CID-10 os indivíduos afetados pelo TID humana constitui uma unidade dinâmica de re-
apre­­­sentam “anormalidades qualitativas nas lações afetivas, sociais e cognitivas. A partir das
interações sociais recíprocas e em padrões de experiências familiares acontece a formação de
comunicação e apresentam um repertório de repertórios comportamentais, de ações e resolu-
interesses e atividades restritos, estereotipado ções de problemas8,9; rede de relações e emoções
e repetitivo”2. onde perpassam experiências de realizações e
Segundo Gadia et al.3, a expressão autismo de fracasso do sujeito10.
foi utilizada primeiramente por Bleuer, em 1911, Dessa forma, as primeiras investigações sobre
“para designar a perda do contacto com a reali- autismo e família visavam descrever caracterís-
dade, o que acarretava uma grande dificuldade ticas comuns entre famílias com filhos autistas,
ou impossibilidade de comunicação”. Em 1943, com objetivo de mapear as interações familiares
Kanner designou comportamentos associados ao que agiam negativamente na afetividade e que
de Bleuer como Distúrbio Autístico do Contato pudessem promover a incapacidade relacional.
Afetivo e, Asperger, em 1944, usou a expressão A preocupação envolvia o estudo das princi­
Psicopatia Autística. Asperger conceituava o Au- pais características dos genitores, avaliados como
tismo Infantil como a existência de uma distorção afetivamente frios e dotados intelectualmente.
do modelo familiar interferindo no desenvolvi- Em estudos mais recentes, os pais deixaram de
mento psicoafetivo da criança em decorrência ser vistos dessa forma, tornando-se cuidadores
do “caráter altamente intelectual dos pais destas que criam e se relacionam de maneira específica
crianças”4, embora o autor tenha também assina- com seus filhos11.
lado a existência de fatores biológicos. Marques Buscando compreender melhor as particula­
& Dixe5 afirmam que a não compreensão do au­­­­ ridades e diferenças existentes numa família
­­tismo, durante muito tempo, ocasionou “diag-
­ que contempla um filho autista, o estudo de
nósticos equivocados, intervenções duvidosas fun­­­damentação teórica sistêmica de Sprovieri &
e pais frustrados”, ressaltando a dedicação dos Assumpção Júnior10 comparou 15 famílias com
pais na luta pela melhoria das opções educativas uma criança autista, 15 famílias com um filho
e desenvolvimento de intervenções adequadas portador de Síndrome de Down e 15 famílias
às necessidades de seus filhos, estando estes pais com filhos assintomáticos, por meio da aplicação
em constante desafio e preocupações. da Entrevista Familiar Estruturada. Os autores
De acordo com Tamanaha et al.6, o desenvol­ concluíram que o primeiro grupo de famílias
vimento dos estudos nessa área é marcado por se mostrou significativamente dificultadora da
duas abordagens teóricas distintas, sendo uma saúde mental dos seus membros quando com-
vinculada a uma “concepção original da etiolo­ paradas às famílias com crianças assintomáti-
gia afetiva e de incapacidade relacional” em con- cas. Discorrem que a característica do autismo
traponto a “uma etiologia orgânica para o quadro expõe os pais a um luto permanente da criança
e o caracterizam, prioritariamente, por falhas saudável que acompanha todas as fases do de­­
cognitivas e sociais”4. Orsati et al.7 consideram o senvolvimento. Também acrescentam que a vida
envolvimento de quatro níveis de conhecimento social e os recursos de comunicação restritos nas
para uma visão completa do quadro autístico: famílias com a criança autista podem favorecer o
etiologia; estruturas e proces­sos cerebrais; neu­­ ressentimento e raiva, a punição, a rejeição e iso-
ropsicologia e sintomas; e comportamento. lamento da mesma no interior da própria família.

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Marteleto et al.12, comparando 118 mães de de 1991 e 2001, envolvendo o impacto psicosso-
crianças com distúrbio de linguagem, crianças cial em famílias de crianças portadoras do trans-
sem patologias encontradas e crianças autistas torno autista. Dentre as bases consultadas, 290
por meio do preenchimento das genitoras do artigos foram encontrados, entretanto 38 eram
Child Behavior Cheklist, encontraram que as repetidos. Dos estudos encontrados, 48 artigos
dos primeiros grupos indicaram mais comporta- lidos na íntegra, os temas frequentes foram o
mentos externalizantes, como agressividade, e funcionamento e as variáveis familiares (estres-
transtornos de humor (ansiedade e depressão). se parental, a comunicação funcional, grupos
Já as crianças autistas demonstraram mais pro- comparativos, interações familiares, estratégias
blemas de pensamento e atenção. de enfrentamento – coping - diante do estresse
Na revisão de literatura de Camargo & Bosa13 parental, resiliência, atendimento psicoterápico
sobre o tema crianças autistas, competência e compreensão do transtorno).
social e inclusão escolar, as autoras encontra- Nos estudos investigados pelos autores, o es­­
ram que as ideias equivocadas dos professores a tresse parental entre os familiares dos filhos au-
respeito desses alunos, principalmente referente tistas parece proporcional ao comprometimento
à (in)capacidade de comunicação, parecem da interação social da criança. Quanto menor a
influenciar as práticas pedagógicas e as expec- responsividade nas interações sociais dos filhos,
tativas acerca da educabilidade dessas crianças. maior é o comprometimento dos pais. Os pais
De modo geral, as dificuldades apresentadas dos autistas se mostraram mais estressados em
pelos professores foram ansiedade e conflito ao relação aos genitores dos filhos com Síndrome
lidar com o “diferente”. As autoras destacam o de Down.
papel fundamental da escola nos esforços para Também em estudo de revisão bibliográfica,
ultrapassar os déficits sociais dos alunos autistas, Fernandes14 não encontrou na literatura interna-
através da ampliação progressiva das experiên- cional trabalhos envolvendo intervenção familiar,
cias socializadoras, permitindo a aquisição de porém não incluiu na investigação, periódicos
conhecimentos e comportamento. O estudo con- das áreas da Educação, Psicologia ou Fonoau-
clui que a competência social dos alunos autistas diologia, se concentrando apenas em periódicos
dependente de um conjunto de medidas como a específicos de autismo.
qualificação dos professores, apoio e valorização Uma intervenção foi proposta por Walter &
do trabalho do docente. Almeida15, com o objetivo de oferecer, treinar e
Para Fernandes14, o autismo caracteriza-se por avaliar um Programa de Comunicação Alternati-
um distúrbio global do desenvolvimento com va (CAA) com familiares de autistas não verbais
alterações graves e precoces na comunicação, e/ou fala não funcional. A intervenção ocorreu
socialização e cognição. Em função disso, o com três mães no decorrer de um ano. As mães
im­­pacto nas famílias é uma área importante de apresentavam seu ambiente familiar como de-
possíveis investigações. A autora avaliou em sestruturado, com necessidade de adaptação
três periódicos (Journal of Autism and Develop­ na estrutura doméstica e escassez social. Um
mental Disorders, Focus on Autism and Other questionário foi aplicado pré e pós-capacitação
Developmental Disorders e Autism) publicações das genitoras e as orientações recebidas foram
entre 2005 e 2009 que envolviam o tema famílias padronizadas. O estudo demonstrou que as mães
de crianças autistas e identificou um reduzido aprenderam a utilizar a CAA com seus filhos no
número de publicações que foram consideradas contexto familiar, conseguindo superar dificulda-
recentes (concentradas nos últimos 18 meses). des comunicativas demonstradas previamente.
Fávero & Santos11 avaliaram sistematicamen- Da mesma forma, em estudo internacional, Rea-
te a produção bibliográfica indexada nas bases gon & Higbee16 treinaram três mães de crianças
de dados Medline, PsycInfo e Lilacs, no período com autismo para promoverem iniciações vocais

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em situações de brincadeiras, concluíram que Os achados foram agrupados em sete catego­


a intervenção dos pais para a estimulação do rias, de acordo com o conteúdo: Qualidade de
de­­senvolvimento das crianças autistas é eficaz. vida, Relações familiares, Intervenções com
Considerando esses diferentes aspectos so- crian­ças autistas e suas famílias, Adolescência e
bre a temática, este estudo objetivou revisar os autismo, Irmãos de autistas, Dimensões sociais
temas autismo e família em duas bases de dados e Revisão bibliográfica.
nacionais (Scientific Electronic Library Online -
SciELO e Banco de Teses e Dissertações da Ca- RESULTADOS E DISCUSSÃO
pes), incluindo periódicos de diferentes áreas de Na pesquisa de teses/dissertações no Banco
investigação, dando ênfase aos estudos das áreas de Teses e Dissertações da Capes, inicialmente
da Educação e Psicologia. Buscou-se, também, com o descritor “Autismo”, foram encontrados
comparar as teses e dissertações produzidas e as 404 estudos. Quando este foi cruzado com o
publicadas em formato de artigo e ainda analisar descritor “família”, os achados caíram para 56,
os resumos classificando-os em categorias. sendo 11 referentes a teses de doutorado e 45 a
dissertações de mestrado. Porém, na análise do
MÉTODO conteúdo desses achados, apenas 23 atenderam
Para o desenvolvimento da revisão bibliográ­ aos critérios de inclusão.
fica nas duas bases de pesquisa nacionais sele- A pesquisa com o descritor “Autista” resultou
cionadas, não foi estabelecido um período para em 308 teses/dissertações, enquanto que o cru-
a busca, pois a intenção foi mapear o processo zamento com “família” resultou em 39 estudos.
de desenvolvimento de publicações da temática Dentre eles, 19 atenderam aos critérios de inclu-
no país. são, porém, 15 eram repetidos da busca com o
descritor “Autismo”, resultando em quatro novas
teses/dissertações.
Coleta de dados
A busca com o descritor “Transtorno global
Os descritores utilizados foram “autismo”,
do desenvolvimento” resultou em 71 estudos,
“au­­tista”, “transtorno global do desenvolvimen-
que no cruzamento com “família” reduziu para
to”, “transtornos globais do desenvolvimento” e
oito. Dentre eles, três atendiam aos critérios, mas
“família”, sendo que os quatro primeiros termos
dois eram repetidos.
foram cruzados com o último. Para atender aos
Para o descritor “Transtornos globais do de-
objetivos propostos foi estabelecido como critério
senvolvimento” foram localizados 36 estudos, e
de inclusão o conteúdo dos títulos e resumos que no cruzamento com “família” totalizaram quatro,
tinham interface com Educação e Psicologia. porém apenas um estudo atendeu aos critérios.
Esse procedimento foi necessário por existirem Dessa forma, foram localizados 29 estudos que
trabalhos das áreas da Medicina, Fonoaudiolo­ atenderam aos critérios de inclusão no Banco de
gia, Genética, bem como referentes a outras de­­­­­ Teses e Dissertações da Capes, sendo duas teses
ficiências, ou com o foco na educação escolar, os de doutorado e 27 dissertações de mestrado.
quais não eram objeto deste estudo. Na base de dados SciELO, foram localizados
149 artigos com o descritor “Autismo”. No cruza-
Análise dos dados mento com “família”, os resultados caíram para
Os resultados das duas bases de dados foram 18, sendo considerados 11 resultados relevantes
comparados buscando-se identificar a correspon- conforme critérios de inclusão.
dência de publicações, ou seja, se as teses/disser- A busca com o descritor “Autista” localizou 41
tações foram publicadas em forma de artigo por artigos. No cruzamento com “família” totali­za­ram
seus autores, considerando-se que o último tem seis estudos, após análise do conteúdo do artigo e
a função de comunicação e di­­vulgação para a comparação de resultados repetidos, apenas um
so­­­ciedade do conhecimento científico pro­­duzido. artigo atendeu aos critérios de inclusão.

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A pesquisa de “Transtorno global do desen- Qualidade de vida


volvimento” identificou dois estudos, porém o Nessa categoria, estão os trabalhos relaciona-
cruzamento com o descritor “família” não resul- dos à qualidade de vida de mães, irmãos, fami-
tou em nenhum artigo correspondente. liares e autistas, envolvendo fatores emocionais,
Para o descritor “Transtornos globais do de- estresse, suporte social, estratégias de enfrenta-
senvolvimento” foram localizados três achados, mento e brincadeiras de crianças autistas.
porém quando associado à “família”, apenas
um estudo foi localizado, mas este já havia sido Relações familiares
incluído nos achados com outro descritor. Desse Os estudos sobre a dinâmica familiar abran-
modo, a pesquisa na SciELO totalizou 12 artigos gem a percepção do sistema familiar, depressão,
pertinentes à investigação. expectativas dos pais em relação ao filho autista,
A comparação entre as duas bases de dados perda ambígua, coparentalidade, dinâmica do
demonstra que, dentre as 29 teses/dissertações casal e relação com o filho autista, a percepção
relacionadas a autismo e família, apenas três materna sobre o transtorno e sua contribuição no
foram publicadas em forma de artigo disponíveis diagnóstico, padrões de relacionamento intrafa-
na SciELO. miliar e social e negligência materna.
Os resultados também foram classificados de
acordo com as datas de publicação e agrupados
em períodos de cinco anos. As teses e dissertações
registram o primeiro resultado em 1990 e os ar­­
tigos da SciELO são publicados a partir de 2001,
conforme apresentado nas Tabelas 1 e 2.
Os resultados, em relação ao conteúdo dos
estudos, foram agrupados em sete categorias,
relacionadas às temáticas apresentadas nos
títulos e resumos (Figuras 1 e 2).

Tabela 1 – Publicações no banco de teses e


dissertações da Capes, a cada cinco anos.
Período Teses/Dissertações
Figura 1 – Teses e dissertações publicadas no banco de teses
1990-1994 1
e dissertações da Capes, agrupadas em categorias.
1995-1999 4
2000-2004 8
2005-2009 11
2010-2011 5

Tabela 2 – Publicações na Scientific Electronic


Library Online – SciELO, a cada cinco anos.
Período Artigos
2000-2004 2
2005-2009 5
Figura 2 – Teses e dissertações publicadas na Scientific
2010-2011 5 Electronic Library Online – SciELO, agrupados em categorias.

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Intervenções com crianças autistas e suas pequena considerando a relevância de pesquisas


famílias voltadas à família e a implicação das mesmas
Nessa categoria, se encontram pesquisas no processo de desenvolvimento da pessoa com
vol­­tadas a relatos e avaliações de intervenções. autismo. Sifuentes & Bosa17, em estudo sobre co­­
Os trabalhos se constituem em programas de parentalidade em pais de crianças autistas, con-
treinamento para pais (orientações para mães a firmam que as pesquisas nessa área referem-se,
respeito de comunicação e linguagem, programa predominantemente, ao desenvolvimento típico,
de atendimento domiciliar) e análises de proces- deixando uma lacuna no que diz respeito a pais
sos terapêuticos com as famílias. de crianças com deficiência.
As temáticas abordadas pelas teses e disser-
Adolescência e autismo tações estão predominantemente voltadas para
A temática dessa categoria compreende as- Relações familiares e Qualidade de vida, totali-
pectos relacionados à população adolescente zando 65%, sendo o estresse dos familiares e a
com autismo, contemplando comportamentos in­­fluência da dinâmica familiar na pessoa com
agres­sivos, reconhecimento da sexualidade e autismo, aspectos em destaque nesses trabalhos.
constituição da subjetividade. Dentre os artigos publicados na SciELO, 42%
são relacionados a Relações Familiares e 25% a
Revisão bibliográfica.
Irmãos de autistas
A categoria Intervenções com crianças au­­­
Foram agrupados nessa categoria trabalhos
tis­tas e suas famílias representa 17% das publi­­
referentes a habilidades sociais de irmãos de
cações no Banco de Teses e Dissertações da Ca-
au­­tistas e rastreamento de sinais de transtorno
pes e 8% da SciELO. Para Dessen & Costa Jr.18,
do espectro autístico em irmãos.
faltam no Brasil programas de rastreamento e
atenção para pais em situação de transição no
Dimensões sociais desenvolvimento como após o nascimento dos
Os trabalhos classificados nessa categoria filhos. Sifuentes & Bosa17, investigando cinco
abordam dimensões sociais nas quais as famílias pais com filhos supostamente autistas em idade
estão envolvidas e que interferem no processo de pré-escolar, evidenciaram que as mães são as
desenvolvimento da pessoa com autismo, ou seja, principais responsáveis pelas atividades diárias
as lutas sociais dos pais pelo direito à educação do filho, agregando ainda o transporte e os cui-
e o itinerário terapêutico das famílias. dados de saúde, esse cenário favorece na sobre-
carga e comprometimento emocional das mães.
Revisão bibliográfica Os autores concluem que conhecer a dinâmica
Essa categoria é destinada a trabalhos de re­­­ e a percepção de uma família com um membro
visão bibliográfica, destacando famílias com autista favorece na disponibilização de recursos
crianças autistas na literatura internacional, in- de enfrentamento como solicitar o auxílio da rede
tervenções psicoeducacionais e autismo infantil de apoio disponível.
relacionado ao estresse familiar. Uma experiência de grupo de pais de crian-
A partir dos resultados apresentados é possí- ças e adolescentes autistas e psicóticas19 aborda
vel levantar aspectos referentes à situação das dificuldades de separação e reconhecimento de
publicações sobre autismo e família. No período qualquer alteridade dos filhos quando ingressam
de 1990 a 2011 foram publicadas 29 teses/disser- na escola. Além disso, se percebem como pessoas
tações acerca dessa temática representando 3,5% de referência para a criança, que apenas com
das 819 publicações relacionadas ao autismo. a separação identificam o estabelecimento do
Os artigos publicados na SciELO representam vínculo afetivo não demonstrado anteriormente
6% do total de publicações. Essa quantidade é pelo filho.

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Fernandes et al.20 também identificaram di­­ Os trabalhos que não foram transformados
ficuldades emocionais da família num estudo em artigo têm reduzidas as possibilidades de
com 26 díades mães-criança com diagnóstico divulgação de seu conteúdo, limitando à popu-
de espectro autístico. A finalidade foi checar a lação o conhecimento científico produzido nos
eficácia de orientações de um serviço especiali- programas de pós-graduação, comprometendo,
zado na comunicação e linguagem da criança em ainda, o fortalecimento da ciência nacional. Da
cinco sessões de acompanhamento. O tema mais mesma forma, Teixeira et al.23 concluíram, em es-
frequente nessas sessões filmadas envolviam as tudo de revisão da produção científica de autores
dificuldades com os comportamentos do filho em brasileiros sobre Transtorno do espectro autista
situações de aglomeração, ambientes ruidosos (TEA), a concentração em dissertações/teses e
e desconhecidos. Enaltecendo a atenção a pais a minoria de artigos científicos publicados em
em grupos, as autoras concluíram como eficaz revistas com elevado fator de impacto.
a intervenção, pois mostrou progresso em 96% Além disso, os estudos que se referem a disser­
dos sujeitos com aumento da interpessoalidade e tações de mestrado, não divulgados em formato
comunicação. Os autores discutem a escassez de de artigo, não são prosseguidos no doutorado, o
trabalhos, no Brasil, que retratem intervenções que implica na redução de experiências de in-
tervenção com a população investigada, já que,
para pais de filhos com autismo, favorecendo o
geralmente, é nessa etapa acadêmica que se
isolamento social, a vulnerabilização ao sofri-
concentram estudos com esse enfoque. Apenas
mento, o aparecimento dos transtornos mentais
um pesquisador concentrou-se nessa área no
e a manutenção do estresse crônico.
mestrado e doutorado.
O Brasil precisa avançar nessa área, pois há
Nota-se um crescimento das publicações a
mais de 30 anos já é sabida a importância de um
par­tir de 2005, que se intensificou a partir de
processo educacional formal em parceria com
2010, representando avanços na área. A diversi­
família, que na literatura é denominado de in-
ficação das temáticas envolvendo autismo e
tervenção precoce ou essencial21. família descrita nas sete categorias demonstra
Fernandes & Amato22 referem-se a um estudo que o crescimento de pesquisas ocorre tanto quan­­­
realizado na Espanha contendo várias estraté- titativamente quanto em amplitude, e apesar
gias para pais no processo de intervenção com da predominância de estudos publicados em re­­­
seus filhos e sugerem a adaptação para a apli- vistas científicas voltados à Qualidade de Vida
cação com famílias brasileiras. e Relações familiares, é necessário que outras
Relevante assinalar que, dentre as cinco te- especificidades relacionadas à temática sejam
ses e dissertações sobre a temática, nenhuma aprofundadas e publicadas em formato de artigo.
foi publicada em forma de artigo, pois o único
artigo identificado nessa categoria na SciELO CONSIDERAÇÕES FINAIS
não corresponde a nenhuma das teses e disser- Essa revisão bibliográfica buscou identificar
tações deste levantamento, o que se aproxima publicações de teses e dissertações e artigos
dos achados de Fernandes14. em duas bases de dados nacionais voltados ao
Ainda em relação à publicação de artigos a autismo e família e identificou uma porcenta-
partir das teses e dissertações, é interessante gem muito baixa de publicações relacionadas
notar que isso ocorreu em apenas três casos, à família no universo de pesquisas de autismo,
re­­lacionados às categorias Qualidade de vida e embora reconheça um crescimento de estudos
Relações Familiares. Ademais, um autor aparece nos últimos anos.
nos resultados das duas bases de dados, porém A escassez de publicações de artigos a partir
o artigo publicado, embora esteja relacionada dos resultados das teses e dissertações limita a
a autismo e família, não é resultado da tese ou veiculação do conhecimento científico produzido
disser­­tação. na área. Outro fator preocupante é o reduzido

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número de teses de doutorado, demonstrando que vantamento poderá contribuir para alertar sobre
os pesquisadores após o término do mestrado a necessidade de pesquisas na área visando ao
não têm dado continuidade em suas pesquisas. desenvolvimento psicoafetivo da criança com o
Embora a coleta de dados deste estudo limi­ autismo, a partir da contribuição da família nesse
tasse-se a apenas duas bases de dados, esse le- processo.

SUMMARY
Family and autism: literature review in national databases

Early studies involving childhood autism attributed to family involvement


in impairment of psycho-emotional development of the child. The purpose
of this study was to review the literature related to autism and family in
two national databases (Theses Database of Capes and Scientific Electronic
Library Online) without defining a specific period as well as identify the
main thematic focused. Were located 29 studies in Theses Database of Capes,
the first record in 1990 and 12 in Scientific Electronic Library Online, the
first publication in 2001. The results were grouped into seven categories.
The categories “Quality of Life” and “Family Relations” concentrate most
of publications on Theses Database. Already in Scientific Electronic Library
Online, mostly refers to the “Family Relations” and “literature review”. It
was found that none of theses or dissertations was published in scientific
paper format, hampering the dissemination of research in the area.

KEY WORDS: Autism. Family. Child development. Literature revision.


Global development derangement.

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Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação Artigo recebido: 27/3/2014


em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Aprovado: 11/4/2014
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(Unesp/Bauru), Bauru, SP, Brasil.

Rev. Psicopedagogia 2014; 31(95): 169-77

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