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REVISTA CIENTÍFICA MULTIDISCIPLINAR NÚCLEO DO

CONHECIMENTO ISSN: 2448-0959

https://www.nucleodoconhecimento.com.br

A ESTIMULAÇÃO PRECOCE COMO INTERVENÇÃO NO


TRATAMENTO DA CRIANÇA AUTISTA

ARTIGO DE REVISÃO

NUNES, Mardeli dos Santos 1

2
KESSLER, Élide Ávila

NUNES, Mardeli dos Santos. KESSLER, Élide Ávila. A estimulação precoce como
intervenção no tratamento da criança autista. Revista Científica Multidisciplinar
Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 02, Vol. 01, pp. 05-21. Fevereiro de 2020. ISSN:
2448-0959, Link de
acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/psicologia/estimulacao-precoce

RESUMO

Este artigo descreve estudos sobre autismo e estimulação precoce. O autismo é


considerado síndrome sem fator único determinante, composto por fatores genéticos,
orgânicos e função materna. A estimulação precoce consiste na prática clínica
interdisciplinar que intervém com crianças de zero a três anos com risco para o
desenvolvimento psíquico e sinais de autismo. Objetivos: Verificar a contribuição da
estimulação precoce como intervenção no tratamento da criança autista; Discutir
sobre os achados bibliográficos da estimulação precoce no tratamento do autismo.
Método: Revisão de literatura narrativa com viés psicanalítico. Foram utilizadas obras
clássicas e base de dados PePSIC, CAPES, revistas APPOA, Site do Centro Lydia
Coriat e Site do Ministério da Saúde. Resultados: Constatou-se que a estimulação

1
Graduanda em Psicologia.
2
Mestrado em Educação. Especialização em Educação Especial Inclusiva.
Especialização em Administração e Planejamento para Docentes. Especialização em
Psicologia Escolar. Aperfeiçoamento em Complementação Didático Pedagógica.
Graduação em Psicologia.

RC: 44625
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precoce poderá contribuir no tratamento da criança que apresenta sinais de riscos


para autismo em idade de 0 a 3 anos, possibilitando a constituição do sujeito psíquico
sem desconsiderar os aspectos estruturais e instrumentais nessa fase do
desenvolvimento infantil. Conclusão: A estimulação precoce poderá contribuir no
tratamento da criança autista, evitando ou diminuindo déficit cognitivo, sensorial,
motor, social e linguístico, pois considera o tempo de maturação das estruturas
orgânicas e psíquicas que favorecem a constituição do sujeito, proporcionando melhor
qualidade de vida à criança e aos familiares.

Palavras-chave: Autismo, estimulação precoce, intervenção.

INTRODUÇÃO

A pessoa com autismo poderá ter sérios comprometimentos na área da linguagem e


interação social, apresentando movimentos motores estereotipados, atípicos e
repetitivos; rotina ritualizada e rígida; insistência de hábitos sensorial, deficiência nos
aspectos emocionais e fala segundo o Ministério da Saúde, Brasil (2014). As primeiras
descrições do Autismo Infantil Precoce (AIP) foram feitas pelo psiquiatra Léo Kanner
na década de 40 após observar algumas características comuns como isolamento
extremo, comportamentos atípicos e distúrbios de linguagem aparente nos primeiros
anos de idade da criança conforme Jerusalinsky (2012). Ressaltando que tais
distúrbios afetam a função primordial de reconhecimento recíproco, causando a
exclusão do outro. Seguindo esta linha, a estimulação precoce é uma prática clínica
interdisciplinar, que intervêm com crianças de zero a três anos de idade, que
apresentam algum problema em seu desenvolvimento orgânico e psíquico,
fornecendo-lhe condições de constituir-se como sujeito (JERUSALINSKY, 2002).

Diante da singularidade do autismo, entende-se como um verdadeiro desafio aos


profissionais que atendem crianças autistas. Sendo assim, a relevância desse estudo
se dá em aprofundar o conhecimento sobre EP (Estimulação Precoce) no autismo
infantil, na qual se utiliza abordagem psicanalítica, que prioriza um período
fundamental na constituição do sujeito psíquico. A questão central dessa pesquisa
consiste em, como a estimulação precoce poderá contribuir no tratamento do autismo.

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Tendo como objetivos verificar a contribuição da EP no tratamento da criança autista


e discutir os achados bibliográficos sobre EP no tratamento do autismo.

Essa é uma pesquisa de revisão seletiva e não sistemática da literatura, que utilizou-
se autores clássicos contemporâneos como Alfredo Jerusalinsky e Julieta
Jerusalinsky, além de outros autores que discorrem na pesquisa, artigos e revistas
nos portais PePSIC, CAPES, APPOA, Site do Centro Lydia Coriat e Site do Ministério
da Saúde. Para realizar a busca nos portais online, utilizaram-se as palavras chaves:
autismo, estimulação precoce, delimitando publicações a partir de 2014, em
português. Após leitura seletiva, foram escolhidos apenas os que vinham ao encontro
do tema da presente pesquisa e escritos através do viés psicanalítico.

Nesse estudo é abordado primeiramente o autismo, diagnóstico, etiologia e


tratamento; a estimulação precoce, o bebê, o terapeuta em EP e, na sequência, uma
discussão à luz dos objetivos dessa pesquisa, concluindo-a.

AUTISMO

O tema autismo, desde sua origem há mais de 70 anos, tem sido pauta de interesse
por várias especialidades devido à sua grande complexidade diagnóstica. Sibemberg
(1998) e Jerusalinsky (2012) citam o trabalho do psiquiatra Léo Kanner, que em 1943
utilizou o termo distúrbios autísticos do contato afetivo para descrever
comportamentos que observou em um grupo de crianças que apresentavam
isolamento extremo, dificuldades nas relações interpessoais, estereotipias gestuais,
distúrbios de linguagem, entre outros, sendo que tais distúrbios aconteciam
precocemente nos primeiros anos de idade. “Desde então, muito se tem debatido em
torno da etiologia, dos critérios diagnósticos e do tratamento do autismo infantil”.
Sibemberg (1998, p. 60). O autismo também pode ser definido como primário e
secundário, conforme descreve Jerusalinsky (2012, p. 65) “inicialmente distinguiu-se
autismo inato - que se chamou de ‘primário’- e autismo adquirido - que se denominou
‘secundário”. O autor explica que o primário são os inatos (nascem com ele), de
origem genética ou de uma estrutura neurológica falha, já os secundários são os
adquiridos por consequências de alguma doença.

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Na obra, Psicanálise do Autismo de Jerusalinsky (2012), o autor relata que Léo Kanner
foi o primeiro a denominar o autismo como uma síndrome, gerando discussões em
torno do diagnóstico, causalidades e intervenções até então. Também ressalta que a
partir da publicação dos estudos do psiquiatra, as mães passaram a serem vistas
como culpadas por seus filhos serem autistas, levando-o mais tarde a se retratar em
seu livro em defesa das mães. No entanto, para a psicanálise é considerada a função
do agente materno e não da mãe na relação mãe - filho. O psicanalista explica que a
função materna não corresponde obrigatoriamente à mãe biológica, mas “a que
sustenta para a criança a possibilidade de seu reconhecimento apesar das variações
semânticas que o pequeno bebê é incluído” (JERUSALINSKY, 1998, p.40 e
JERUSALINSKY et al, 1999, p.186).

Segundo Adurens e Melo (2017), nos dias atuais existem várias abordagens com
diferentes enfoques em relação ao diagnóstico de autismo, gerando uma certa
polêmica em torno desse assunto. Alguns autores referem-se a uma epidemia
diagnóstica do autismo infantil precoce (AIP), no qual consideram que uma das causas
seja a nova classificação do Transtorno do Espectro Autista (TEA), que contribuiu para
o aumento de pessoas com esse diagnóstico. Jerusalinsky (2017), afirma que vem
aumentando consideravelmente o número de crianças de um a três anos de idade
diagnosticadas com suspeita de TEA. A autora considera que grande parte é
consequência da expansão das categorias diagnósticas do DSM- V, que passou a
englobar quadros distintos entre si, fazendo do TEA um grande guarda-chuva. No
entanto enfatiza, “ é preciso sim detectar dificuldades para intervir a tempo
favorecendo a constituição, [...] o melhor diagnóstico para encaminhar a uma
intervenção precoce é, ‘não está bem’ e ponto”. (JERUSALINSKY, 2017, p. 33).

De acordo com o Ministério da Saúde, Brasil (2016), a pessoa com TEA exibe
características de comprometimento global em diversas áreas, especialmente na
comunicação e interação social, apresentando estereotipias e interesses restritos.
Essas características geralmente são percebidas antes dos três anos de idade, sendo
mais comuns em meninos. Atualmente no DSM- V, o TEA abrange condições únicas
que antes eram diferenciadas como autismo e síndrome de Asperger, utilizando-se de

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categorias descritivas e não etiológicas, sendo também considerados como


transtornos mentais.

O Ministério da Saúde, conforme Brasil (2016), evidência estudos que quantificam tais
critérios diagnósticos, conforme a seguinte citação:

[...] estudos recentes sugerem que aproximadamente 70% desses


indivíduos também preencham critério diagnóstico para pelo menos um
outro transtorno mental ou de comportamento (frequentemente não
reconhecido) e 40% preencham critério diagnóstico de pelo menos
outros dois transtornos mentais, principalmente ansiedade, transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno desafiador de
oposição [...]. (BRASIL, 2016, p.02).

Considerando tal complexidade diagnóstica do TEA, faz se necessário uma equipe


multidisciplinar com experiência clínica, além de testes e exames, respeitando
diagnósticos diferenciados devido à grande variação dos sintomas, no qual requer
informações detalhadas de comportamentos em diferentes ambientes, como familiar
e escolar. (BRASIL, 2016).

No Brasil, foi sancionada a lei 13.438 que altera o estatuto da criança e do adolescente
(ECA). Essa lei tem como objetivo tornar obrigatório, na atenção básica do sistema
único de saúde (SUS), a implantação de um protocolo que, segundo o Ministério da
Saúde, Brasil (2017, s/p.), “estabeleça padrões na avaliação de riscos para o
desenvolvimento psíquico infantil”. Proporcionando a identificação precoce, logo nos
primeiros meses de idade, se há riscos para o desenvolvimento da criança, possibilita
o diagnóstico e o tratamento precoce. A caderneta da criança também é vista pelo
Ministério da Saúde como instrumento de orientação, sendo que “em toda consulta o
profissional de saúde deve avaliar e orientar sobre diversos elementos do
desenvolvimento, inclusive psíquico, contendo sessão específica voltada para triagem
de sinais de autismo”. (BRASIL, 2017, s/p.).

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O centro Lydia Coriat[3], em julho de 2017, publicou uma carta de apoio a lei 13.438
aprovada, citando um trecho da mesma, conforme segue:

5º. É obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos seus primeiros


dezoito meses de vida, de protocolo ou outro instrumento construído com
a finalidade de facilitar a detecção, em consulta pediátrica de
acompanhamento da criança, de risco para o seu desenvolvimento
psíquico. (CENTRO LYDIA CORIAT, 2017, s/ p.).

Tendo em vista a importância de constatar precocemente algumas dificuldades


psíquicas no bebê sem transformar em patologia, com o IRDI (Indicadores Clínicos de
Risco para o Desenvolvimento Infantil) isso será possível. Também cabe ressaltar a
participação do psicanalista Dr. Alfredo Jerusalinsky e da Prof. Dra. Maria Cristina
Kupfer nas pesquisas que possibilitaram a “construção e validação do IRDI e que
contou com apoio e aprovação do CNPQ[4], do Ministério de Saúde e da FAPUS[5]”
(CENTRO LYDIA CORIAT, 2017, s/ p.). O IRDI é um questionário que aponta
sensibilidade para indicar sinais do “transtorno do espectro autista, sendo
recomendado, no entanto, a utilização de mais de um instrumento para a segurança
e melhor assertividade nos encaminhamentos” Adurens e Melo, (2017, p.160). Com a
utilização do IRDI na identificação precoce dos sinais de risco que venham interferir
na constituição do sujeito, é possível encaminhar à intervenção precoce o mais cedo
possível, antes que se instale uma patologia. (ADURENS; MELO, 2017; CENTRO
LYDIA CORIAT, 2017).

ETIOLOGIA

No que diz respeito à etiologia, segundo Jerusalinsky (2013), não há nenhum fator
único determinante do autismo, as causas diferem de um sujeito para outro por haver
componentes genéticos, orgânico e função materna, sendo considerado também que
alguns comportamentos são globais em grande parte dos casos, embora exista a
singularidade de cada sujeito. O autor destaca as hipóteses causais, seguindo a
classificação etiológica como primários e secundários. Os primários referem-se às
hipóteses de transtornos específicos de linguagem, de genética- neurológica e

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psicanalítica (transtornos nos processos de construção do sujeito psíquico), e os


secundários referem-se às deficiências sensoriais, a danos cerebrais e ruptura brusca
dos vínculos primários, que são essências para o desenvolvimento saudável.

Conforme Sibemberg (1998, p.60), “o autismo não é uma doença única, mas uma
síndrome que envolve diferentes variáveis etiológicas, podendo ter associação com
diferentes doenças”. Apresenta déficits na linguagem, interação social e no simbólico/
imaginário, cujas pesquisas realizadas no campo da medicina, psicologia e
psicanálise concordam que há basicamente um distúrbio de linguagem no autismo. O
autor salienta que a psicanálise considera a linguagem como base da constituição do
sujeito psíquico, o Outro é o primeiro na função materna que “através do olhar, do
toque, da palavra, engata a criança em um circuito de desejo [...] vai construindo seus
referentes imaginários e simbólicos, regulando um funcionamento corporal que
transforma um corpo puramente orgânico em corpo erógeno” (SIBEMBERG, 1998, p.
65). A função materna é compreendida como uma troca recíproca entre a mãe e seu
filho de forma inconsciente e com o meio que ocorre espontaneamente, mas quando
há um déficit na constituição psíquica do bebê em apoderar-se dos registros subjetivos
nessa relação, ocorre um desencontro, um desequilíbrio que poderá trazer sérios
prejuízos para criança, na área da linguagem e na sua constituição como sujeito
psíquico (JERUSALINSKY et al., 1999 e JERUSALINSKY, 2012).

O autismo se caracteriza por déficits na formação das redes de linguagem, sendo que
algumas crianças apresentam retardos afásicos (perda completa da linguagem),
disfásicos (prejuízos, dificuldade de linguagem) e, em alguns casos raros, retardos
anártricos (alterações no nível de fonemas e palavras, sendo leve, moderado ou
severo). Tais transtornos linguísticos afetam a função primordial do reconhecimento
recíproco, causando a exclusão do outro e o isolamento externo da criança autista
com o meio, conforme Jerusalinsky (2012). Referindo-se à etiologia do autismo como
o “fechamento da porta de entrada na linguagem que é a função ‘primordial de
reconhecimento’, cujo fracasso pode obedecer às causas mais diversas” Jerusalinsky
(2012, p.63). No entanto, o autismo consiste principalmente no fracasso da construção
das redes de linguagem e o predomínio de automatismos. Então o autor destaca as

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três estruturas psíquicas que a psicanálise trabalha nas psicopatologias, ou seja,


neurose, psicose e perversão, sendo que em cada uma delas o sujeito apresenta
dificuldades para conciliar seus desejos com a realidade. Argumentando que o autista
não se encaixa em nenhuma dessas estruturas, pois o autismo se apresenta como
uma ausência de sujeito.

[...] coloca para a psicanálise o problema de como estabelecer uma


estrutura [...] que se encontra fora da linguagem, na medida em que
sabemos que o inconsciente está estruturado como uma linguagem. [...]
a prevalência dos automatismos cria um mecanismo de exclusão da
criança a respeito da linguagem. É por isso que os autistas desviam seu
olhar, não de qualquer coisa, mas especificamente do outro semelhante,
assim como se fazem de surdos não a qualquer som, mas
especificamente ao outro falante. (JERUSALINSKY, 2012, p. 64.65).

Seguindo esse raciocínio, o autor supracitado enfatiza que para a psicanálise, embora
de forma polêmica, o autismo é entendido como uma quarta estrutura, ou seja, a
estrutura da exclusão. Os “[...] autistas podem apresentar condutas evitativas da
comunicação com o outro, ativos ou passivos, como por exemplo: rechaço do contato
humano em geral ou de alguma pessoa em particular” (FOSTER, 1999, p.256).

TRATAMENTO

“Apostar num sujeito é fundamental no tratamento do autismo”. Jerusalinsky (2012,


p.31). O autor ressalta que é possível a cura na psicanálise, por tanto deve-se procurar
o mais rápido possível por tratamento precoce, considerando os três primeiros anos
de idade, principalmente no primeiro, pois as chances de cura serão maiores,
independentemente do tipo de autismo, no entanto, se logo no início alegar possíveis
causas genéticas e declarar a incurabilidade, estará ignorando as possibilidades
dessa criança vir a se constituir como sujeito. O terapeuta psicanalítico deve
considerar o funcionamento psíquico do sujeito, pois com o passar do tempo se torna
fixo e irreversível, dificultando a permeabilidade e flexibilidade que se encontram antes
do terceiro ano de idade. É possível desenvolver novas condições favoráveis à

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constituição psíquica da criança autista, no entanto, a partir do quarto ano de idade,


já poderá ser tarde para acessar essa abertura e alcançar bons resultados.
(JERUSALINSKY, 2012).

Foster (1999) defende a intervenção precoce e preventiva do autismo através de uma


equipe interdisciplinar, de modo a impedir ou minimizar os danos neuropsíquicos,
além de evitar que quadros autistas se consolidem. É essencial o tratamento com
psicoterapia e farmacoterapia complementado com estimulação precoce, terapia
psicomotora e reeducação, pois se deve considerar o tempo de maturação da
criança. O autor enfatiza a importância da função materna para um bom
desenvolvimento e maturação neuropsíquica, pois se não houver estímulos
adequados ou não forem percebidos pela criança, seu desenvolvimento poderá sofrer
um desequilíbrio emocional e neurológico podendo desenvolver condutas autistas, no
entanto “ a criança que não vê, ou vê muito pouco, não olha, não é olhada e assim se
toca e se fala menos com ela, produzindo – se isolamento. Sabemos que, além do
mais, a conduta autista gera atitudes autistas em sua volta, bem como na família”
(FOSTER, 1999, p.253).

Segundo o Ministério da Saúde, Brasil (2014), é de extrema importância buscar por


tratamento precoce logo nos primeiros sinais de problemas do desenvolvimento
infantil, proporcionando melhores resultados as terapias. O primeiro ano de idade da
criança é considerado fundamental na plasticidade das estruturas cerebrais, nas
conexões neuronais e na constituição psicossocial. É essencial intervir precocemente
em casos de sinais que possam ser associados ao TEA, até o terceiro ano de idade.
Considerando que não há psicofarmacos específicos para o autismo, apenas para
tratar os sintomas e condições associadas a ele, “que acabam interferindo na
aprendizagem, socialização, saúde e qualidade de vida” (BRASIL, 2016, p.7).

ESTIMULAÇÃO PRECOCE

“Estimulação precoce? O que isso quer dizer? É uma pergunta escutada inúmeras
vezes por aqueles que se dedicam a tal intervenção clínica” (JERUSALINSKY, 2002,
p.21). Trata-se de uma especialidade clínica que teve início com a Drª. Lydia Coriat

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em Buenos Aires e, na década de 1978 implementou-a no Brasil. Desde então se


trabalha com bebês e crianças pequenas que apresentam problemas de
desenvolvimento infantil. Nessa época os médicos e as famílias passaram a obter
diagnósticos orgânicos, cada vez mais precoces, e não havia uma intervenção clínica
de modo isolado que conseguisse atender os bebês com tal particularidade,
viabilizando assim, o surgimento da clínica interdisciplinar em estimulação precoce
(JERUSALINSKY, 2002). Seguindo esse conceito, o Centro Drª Lydia Coriat em
Buenos Aires e Porto Alegre, utiliza-se da prática interdisciplinar em estimulação
precoce, visando ao estímulo das funções psíquicas do sujeito, estimulando as já
existentes e possibilitando novas condições a partir do nível em que se encontram. É
preciso iniciar a estimulação antes dos três anos de idade, fazendo-se necessário
observar e conhecer as fases do desenvolvimento infantil por parte do terapeuta,
embora não seja uma técnica comportamental. (GORETTI; ALMEIDA; LEGNANI,
2014). A estimulação precoce consiste em restaurar, assegurar ou substituir a função
materna, pois o terapeuta exerce a posição de um terceiro nessa relação mãe - bebê,
no entanto é utilizado um terapeuta único para realizar as intervenções diretas com a
criança, embora seja uma clínica interdisciplinar, pois entende- se que nesta fase do
desenvolvimento, o bebê “ainda não tem uma diferenciação instrumental” (GORETTI;
ALMEIDA; LEGNANI, 2014, p.421 e BONIATTI, 2016).

Para Boniatti (2016), a estimulação precoce consiste na formação psíquica do bebê


sem desconsiderar os aspectos biológicos e estruturais desta fase do
desenvolvimento, que é fundamental para a estimulação da neuroplasticidade em
crianças com transtornos globais do desenvolvimento que não conseguem encontrar
uma significação para si e o mundo externo. Algumas crianças com problemas na
constituição psíquica apresentam condutas atípicas e estereotipadas, sendo
importante a detecção e intervenção precoce o mais cedo possível, possibilitando uma
reinscrição funcional da estrutura psíquica e menos chances da patologia se instalar
plenamente.

Segundo Foster e Jerusalinsky (1999), a estimulação precoce é um método utilizado


com crianças que apresentam problemas de desenvolvimento, podendo superar ou

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moderar seus efeitos, pois, se a criança receber a estimulação adequada, favorecerá


sua maturação psíquica. Os autores destacam “os engramas constitucionais que
incidem na relação mãe-filho, focos de observação para antecipar possíveis
dificuldades, sendo os reflexos arcaicos, tônus musculares, sistemas posturais,
gestualidade reflexa e os ritmos biológicos” (FOSTER, JERUSALINSKY, 1999, p.275).
Portanto, a estimulação precoce se utiliza dessas experiências como via de acesso e
elementos para reconstruir a relação da mãe com a criança.

A estimulação precoce, conforme Jerusalinsky et al. (1999), encontra uma fenda no


desencontro da relação mãe-filho e no desejo dos pais em resolvê-lo, pois ao nascer
um bebê com deficiência, os pais vivenciam o luto pela perda do filho idealizado,
afetando profundamente a relação da mãe com o filho desconhecido, então se faz
necessário reconstituir os aspectos deteriorados desse relacionamento, assegurando
ou substituindo a função materna até que a mãe se restabeleça desta crise, pois o
distanciamento prolongado da mãe poderá trazer prejuízos irreversíveis à criança,
podendo até mesmo se instalar traços autistas.

A fragilidade desta criança não admite muita demora, uma vez que as
consequências de um distanciamento materno podem ser graves e, se
prolongadas por meses, irreversíveis. Sendo assim, podem se instalar
‘traços autistas’, pode se perder a oportunidade de moderar expressões
patológicas no sistema nervoso e neuromuscular, características
hipotônicas podem se acentuar e se transformar em mais permanentes
ou pode se acentuar a lentidão de uma maturação já originalmente
comprometida. (JERUSALINSKY et al., 1999, p.100).

Seguindo essa premissa, conforme Jerusalinsky (2002), a clínica de estimulação


precoce age nos tempos primordiais do desenvolvimento infantil, intervindo nos
aspectos estrutural (aparelho orgânico e psíquico) e instrumental (mecanismos que
possibilitam a troca com o meio) dos bebês que apresentam um problema, sem se
limitar a esperar por definição ou confirmação diagnóstica orgânica, pois se considera
as condições de constituição da criança e não a patologia. A autora comenta que
muitas vezes recebe bebês para estimulação, “aos quais os médicos percebem que

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‘algo não está bem’, ainda que, exame após exame, não se encontre neles nenhum
comprometimento orgânico de base” (JERUSALINSKY, 2002, p.36). Também
enfatiza a importância da clínica interdisciplinar por se tratar de bebês e crianças
pequenas.

O Ministério da Saúde, conforme Brasil (2016), compreende a estimulação precoce


como uma técnica sistemática e continua que se utiliza de vários recursos terapêuticos
capazes de estimular a plasticidade cerebral, respeitando o tempo de maturação dos
aspectos estruturais da criança. O período de zero a três anos de idade é fundamental
para iniciar a estimulação precoce, possibilitando evitar ou amenizar déficits nas
funções motoras, cognitivas, sensorial e interação social. A participação ativa da
família também favorece a interação recíproca, sendo importante para o bebê que o
“ambiente familiar seja estimulador a cada troca de posição, troca de roupa, oferta de
brinquedos, banho, devem ser acompanhados de estímulos verbais e táteis”.
(BRASIL, 2016, p.94).

O BEBÊ DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE

Os bebês e as crianças pequenas são encaminhadas para tratamento em estimulação


precoce por profissionais que atendem a infância como os pediatras, neurologistas,
orientadores educacionais, entre outros. “[...] alertam que há algo que não anda bem
com o bebê e que o problema por ele apresentado excede o âmbito do
acompanhamento médico e educacional de rotina”. Jerusalinsky (2002, p.24).

Assim, chegam até nós pacientes com indicações de tratamento por


causas bastante amplas: síndrome genética, lesão neurológica,
malformação congênita, deficiência sensorial, deficiência física, atraso
global do desenvolvimento, imaturidade generalizada, atrasos sem
causas orgânicas definidas, condutas atípicas e problemas na relação
mãe- bebê, são alguns dos mais recorrentes. (JERUSALINSKY, 2002,
p. 24).

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Nessa citação, a autora enfatiza o quanto é importante a prática interdisciplinar com


bebês, principalmente pela especificidade que acometem a infância. Sendo possível,
através de indicadores clínicos e cuidados parentais, observar se há déficits na sua
constituição, possibilitando intervir com a estimulação precoce em momentos de
estruturas mais permeáveis a inscrições e reinscrições. (JERUSALINSKY, 2002). O
bebê que chega para estimulação precoce encontra-se fragilizado em sua
constituição, tornando essencial “provocar a inscrição da paixão de objeto, geradora
da força psíquica e o entusiasmo de viver”, segundo Molina (1998, p.11). A autora
ressalta que é crucial favorecer ao bebê, condições para sua constituição subjetiva e
cognitiva. Também é fundamental, considerar a singularidade e o tempo de maturação
de cada sujeito, portanto, a constituição psíquica, resultará das capacidades de
aquisição instrumental que acontecem na vida da criança (JERUSALINSKY, 2002).

Na obra “ Enquanto o Futuro Não Vem”, Jerusalinsky (2002), sob o ponto de vista
neurológico, enfatiza que nos primeiros anos de idade, a criança está se constituindo
como sujeito, passando por um processo de maturação das estruturas anátomo-
fisiológicas; adquirindo linguagem, psicomotricidade, aprendizagem e também as
primeiras inscrições psíquicas. A autora ressalta que o primeiro ano de idade da
criança é a fase mais importante do desenvolvimento cerebral, pois as influências do
ambiente são absorvidas como parte das estruturas dos neurônios, pois esse é um
período de grande plasticidade cerebral e propício às intervenções com estimulação
precoce. Segundo Jerusalinsky (2002, p.84), “O ambiente rico em estímulos produz
córtex mais grosso, com mais irrigação sanguínea, maiores neurônios, mais enzimas
e maior ramificação das dendritas". A autora descreve como se dá a estimulação
sensorial dos bebês na clínica.

[...] um dos caminhos terapêuticos propostos consiste em expor o


sistema sensorial do bebê a uma ampla gama de estímulos: tocam-se
buzinas com diferentes volumes e timbres, acendem-se e apagam-se
luzes de variadas cores, passa-se a mão do bebê por placas de texturas,
lisas, rugosas ou ásperas. (JERUSALINSKY, 2002, p.51).

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Embora seja importante essa variedade de estímulos sensoriais para o bebê, a autora
ressalta que existem estudos que alertam em caso de bebês prematuros, ou seja, não
se deve aplicar essa gama de estímulos, pois, se expostos constantemente a fortes
estímulos do meio como luz e ruídos na sala de internação, poderá causar efeitos
contraditórios e desorganizador ao recém-nascido, comprometendo sua melhora
(JERUSALINSKY, 2002).

O TERAPEUTA DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE

Quantos terapeutas para cada criança? Alfredo Jerusalinsky aborda o tema nas obras
Escritos da Criança em 1998 e Psicanálise e Desenvolvimento Infantil em 1999, nas
quais explica a necessidade de uma equipe inter e transdisciplinar trabalharem com o
terapeuta único. Ressalta que era comum crianças nos anos 60 e 70 receberem cinco,
seis ou mais tratamentos simultâneos em que cada terapeuta fazia a sua parte,
causando uma fragmentação imaginária e trazendo prejuízos psíquicos à criança que
se desorganizava com tantos discursos. Não possibilitando a constituição de um
sistema de significantes no bebê, cujo código da língua encontrava-se tão
fragmentado quanto os terapeutas que intervinham, os pais pouco participavam ou
eram excluídos da instalação da língua de referência para a criança, contribuindo
assim para se instalarem efeitos autísticos e próprios da psicose.

Era necessário devolver a estas crianças sua chance de entrar na


linguagem, além de recuperar seus diversos handicaps. Ou seja, de
entrar no humano, apesar de suas inabilidades. É assim que surgiu a
idéia do terapeuta único, diante dos efeitos autísticos e psicotizantes
provocados pela intervenção multidisciplinar com bebês.
(JERUSALINSKY,1998, p.40 e JERUSALINSKY et al, 1999, p.186).

Seguindo essa linha de raciocínio Jerusalinsky et al. (1999), dá ênfase às condições


desejáveis para o terapeuta desempenhar com sucesso sua função, pois deverá ter
conhecimento técnico e habilidades específicas para conduzir a restauração das
funções afetadas. Também é papel do profissional colocar a criança como sujeito no
desejo do Outro. Ele é o único agente que trata direto com a criança, o único

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intermediário dos diversos discursos técnicos, científicos e outros saberes, utilizando-


se da transferência que está em jogo para facilitar os registros e a compreensão dessa
criança.

Como se vê, trata-se de um terapeuta único trabalhando em uma equipe


interdisciplinar, guiado por uma transdisciplinar especificamente clínica
que lhe permite, primeiro colocar seu saber específico a serviço da
situação psíquica na qual a criança se encontra, e, segundo,
reconhecendo a cada passo os limites de seu saber, tanto do lado clínico
como do lado da subjetividade em jogo. (JERUSALINSKY,1998, p. 43 e
JERUSALINSKY et al, 1999, p.189).

A função do terapeuta segundo Molina (1998, p.12) “[...] deverá alicerçar as


possibilidades da família para operacionalizar a integração comunitária da pequena
criança, [...] pelas suas capacidades, potencialidades e por sua singularidade pessoal
do que somente seja rotulado por sua patologia”. Cabe salientar que o terapeuta deve
colaborar com o psicólogo psicanalista na assistência aos pais, visando ajudá-los na
ressignificação da destituição narcísica prematura, levando-os a perceberem seu filho
para além da patologia, que embora não tenha sido o idealizado, porém poderão
vivenciar produções animadoras com o filho real. (MOLINA, 1998).

DISCUSSÃO

A estimulação precoce para Foster (1999) é uma das formas de intervir precocemente,
em caráter preventivo e interdisciplinar, no tratamento do autismo. Por se tratar de
uma prática clínica, que prioriza o tempo de maturação da criança, evitando ou
diminuindo os prejuízos neuropsíquicos e a consolidação de quadros autistas. Sendo
assim, os primeiros meses de idade do bebê são os principais na estimulação da
linguagem, psicomotricidade e aprendizagem, pois nesse período da vida estão
ocorrendo as primeiras inscrições psíquicas e o processo de maturação das estruturas
cerebrais, é uma fase de grande capacidade neuroplástica. Além disso, Jerusalinsky
(2002) confirma a estimulação precoce como forma de intervenção, que respeita o

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tempo de maturação de cada criança, singularidade e capacidades de se constituir


como sujeito psíquico.

Outro fator importante a ser considerado é a função materna, cujo papel é fundamental
na maturação neuropsíquica do sujeito. Deste modo, Foster (1999) afirma que
havendo um desencontro na relação mãe-filho, em que a criança não receba
estímulos adequados ou não consiga se apropriar destes, poderá causar sofrimentos
emocional e neurológico, podendo até mesmo, desenvolver condutas autistas, bem
como, atitudes autistas a sua volta.

Vale salientar que Jerusalinsky (2012) também entende a função materna como uma
troca recíproca e inconsciente na relação mãe-bebê, pois, ao surgir alguma
intercorrência nessa função, e o bebê não conseguir apoderar-se dos registros
subjetivos necessários para a sua constituição como sujeito, ele poderá apresentar
déficits na área da linguagem. O fracasso na formação das redes de linguagem é
percebido principalmente em crianças autistas, comprometendo as funções
primordiais de reconhecimento recíproco, ou seja, a diferenciação de si em relação ao
outro, causando isolamento externo. O psicanalista compreende o autismo como uma
ausência de sujeito, devido à exclusão do outro e o predomínio de automatismos.

Devido a tais circunstâncias, o enfoque da estimulação precoce é intervir com crianças


de zero a três anos de idade, que apresentam sinais de risco e comprometimento nas
fases do desenvolvimento infantil. Além disso, é considerado que, futuramente, alguns
casos possam vir a ser relacionados ao autismo. Essa técnica poderá contribuir para
o desenvolvimento da criança autista, evitando ou amenizando o déficit sensorial,
motor, cognitivo, linguístico e social. Sendo assim, o Ministério da Saúde, Brasil (2014-
2016), enfatiza a urgência de intervir precocemente, considerando o tempo de
maturação e plasticidade das estruturas cerebrais, ressaltando a importância da
participação parental na construção de um ambiente estimulador, que através dos
cuidados diários com a criança, possa favorecer a relação recíproca.

Seguindo essa linha de raciocínio, Jerusalinsky et al. (1999) ressalta que a


estimulação precoce se utiliza de uma brecha na função do agente materno, para

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intervir, na construção ou substituição dessa função, pois o bebê em condição de risco


psíquico encontra-se muito frágil e a ausência da função materna muito prolongada
poderá causar danos irreversíveis, assim como instalar “traços autistas”. Boniatti
(2016) também reconhece que o sujeito com déficit na constituição psíquica poderá
apresentar condutas atípicas e estereotipadas, portanto se intervir com estimulação
precoce nos primeiros meses de idade, poderá evitar ou minimizar as chances de
anomalias se instalarem.

Tendo em vista que a estimulação precoce intervém nos primórdios da constituição


do sujeito, entendendo que nessa fase o bebê ainda está em processo de construção
dos instrumentos de intercâmbio com o meio, hábitos e rotinas diárias, também não
consegue diferenciar-se em relação ao outro, Jerusalinsky (1998) e Jerusalinsky et al.
(1999) asseguraram a ideia do terapeuta único, por entenderem que as intervenções
multidisciplinares com bebês causavam- lhes prejuízos psíquicos, devido a vários
discursos e terapeutas diferentes, em que cada um fazia “sua parte” literalmente,
podendo provocar efeitos autísticos e psicotizantes. Portanto, o terapeuta único faz a
mediação de outros saberes utilizando-se da transferência dessa relação como
facilitadora dos registros da criança.

Seguindo esse pensamento, as autoras Goretti; Almeida; Legnani (2014) e Boniatti


(2016) também defendem a importância de o terapeuta ser o único a intervir, sendo o
terceiro na relação mãe-bebê, pois, nesse período, não há diferenciação instrumental
formada. Dessa forma é necessário que o profissional conheça as fases do
desenvolvimento infantil, embora conte com uma equipe interdisciplinar. Além do
mais, deverá intervir urgente com o bebê que se encontra fragilizado, “provocar a
inscrição da paixão de objeto, geradora da força psíquica e o entusiasmo de viver”
conforme Molina (1998, p. 11), e igualmente colaborar junto ao psicólogo psicanalista
com a finalidade de ajudar os pais a ressignificar a destituição narcísica prematura,
levando-os a perceberem o filho para além da patologia.

Portanto, seguindo esse viés o terapeuta psicanalítico, especialista nas


particularidades do autismo, consegue desenvolver novas situações favoráveis à
formação do sujeito psíquico, precisando constituir a função primordial de

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reconhecimento por ser vital na relação parental e ser a porta de entrada da criança
no mundo da linguagem. Considerando essas afirmativas, o psicanalista Jerusalinsky
(2012) acredita na cura do autismo pela psicanálise, porém ressalta a urgência de
intervir precocemente nos primeiros meses do bebê por ser um período de grande
flexibilidade e permeabilidade do funcionamento psíquico em que as chances de cura
serão mais amplas. O psicanalista afirma que independentemente do tipo de autismo,
se declarar a incurabilidade desde o início, incluirá a criança e os pais em uma
“profecia auto-cumprida: nunca pode acontecer aquilo que nem se tenta fazer”
(JERUSALINSKY, 2012, p. 67).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste estudo, verificou-se a complexidade do diagnóstico de autismo, suas


variações e particularidades desde suas primeiras descrições por Léo Kanner em
1943 até os dias atuais. O autismo tem despertado muitos interesses por áreas de
diferentes abordagens, portanto, seguindo o viés psicanalítico, a literatura nos mostra
que se trata de uma síndrome e pode ser agregada a outras doenças, não há
tratamento único, nem um fármaco específico. Portanto é fundamental detectar o mais
rápido possível e intervir com estimulação precoce nos primeiros três anos de idade,
priorizando o primeiro, devido ao processo de formação dos aspectos estrutural
(orgânico e psíquico) e instrumental (possibilitam a troca com o meio) do
desenvolvimento infantil, possibilitando impedir ou diminuir as chances de anomalias
se tornarem permanentes.

Diante da importância em detectar precocemente os déficits psíquicos do bebê e da


pequena criança, foi desenvolvido o IRDI, um instrumento que ajuda avaliar se há
sinais de risco para autismo, sendo possível fazer o encaminhamento para
intervenção com estimulação precoce o mais rápido possível. Constatou-se que a
psicanálise tem desenvolvido estudos de relevância no tratamento do autismo, assim
como as contribuições da estimulação precoce em equipe interdisciplinar com
terapeuta único e a participação na construção e validação do IRDI, um instrumento
que pode mensurar os sinais de riscos para o autismo e ao mesmo tempo tem o

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cuidado de não tornar em patologia antes mesmo de ser, preservando a criança em


idade tão precoce.

Observou-se que há uma concordância nos estudos consultados nesta pesquisa em


relação à estimulação precoce com criança autista em relação ao tempo de maturação
das estruturas psíquicas, a neuroplasticidade cerebral e a importância da função
materna como estrutura do sujeito. Embora o autismo apresente uma composição
genética, orgânica e função materna, não há um fator que o determine em sua
singularidade, ou seja, é diferente de um sujeito para outro, apresentando-se como
ausência de sujeito devido à exclusão do outro e o predomínio de movimentos
automáticos e repetitivos. Entendendo a função materna como a principal no
favorecimento das condições necessárias em um ambiente estimulador para a
constituição do sujeito psíquico.

Percebe-se que há um grande desafio para os profissionais que intervêm com bebês
e crianças pequenas que apresentam sinais de risco psíquico para seu
desenvolvimento, bem como para autismo. A participação da família é fundamental
no tratamento, tanto na detecção quanto na intervenção. Mas a atuação do terapeuta
em EP também é essencial para assegurar a função materna, real, imaginária e
simbólica (cuidados primários são o real, tradução da linguagem imaginária/ simbólica
e triangulação edípica/simbólico) com a finalidade de favorecer a criança na sua
constituição como sujeito de desejo, contribuindo para a inserção dela no campo da
linguagem, pois é fundamental para um sujeito funcional.

Conclui-se a importância de intervir com a estimulação precoce, principalmente em


sinais de autismo, pois se acredita em uma possível cura pela abordagem
psicanalítica com a intervenção precoce. Por se tratar de uma prática clínica
interdisciplinar, que prioriza os tempos primordiais de constituição do sujeito psíquico
e orgânico, utiliza-se terapeuta único no atendimento direto com os bebês e crianças
pequenas, considerando que a maturação e a aquisição instrumental ainda não estão
formadas nesta fase da vida. Tendo em vista que o autismo também está associado
ao fracasso das redes de linguagem, entende-se que a estimulação precoce poderá
contribuir no desenvolvimento da criança autista, evitando ou diminuindo os déficits

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cognitivo, sensorial, social e linguístico, proporcionando melhor qualidade de vida à


criança bem como a família. Vale ressaltar que novos estudos sobre estimulação
precoce no tratamento do autismo se fazem relevantes no sentido de aprofundar
melhor o tema, trazendo novas contribuições a essa síndrome tão complexa.

REFERÊNCIAS

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Porto Alegre: Publicação do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, 1998. n.5. p. 11-14.

SIBEMBERG, Nilson. Autismo e Linguagem. In: Escritos da criança. Porto Alegre:


Publicação do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, 1998. n.5.p. 60-72.

APÊNDICE - REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

3. Segundo o site www.lydiacoriat.com.br; o Centro Lydia Coriat é uma clínica


interdisciplinar especializada em diagnóstico e tratamento dos problemas do
desenvolvimento na infância e adolescência.

4. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

5. Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo.

Enviado: Agosto, 2019.

Aprovado: Fevereiro, 2020.

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