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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

INSTITUTO SAÚDE E SOCIEDADE

DANIELE BATISTA BASSI

ANÁLISE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL COM ENFOQUE NAS


DIMENSÕES QUE ENVOLVEM A FAMÍLIA: REFLEXÕES E
PROBLEMATIZAÇÕES

SANTOS
2023
DANIELE BATISTA BASSI

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ANÁLISE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL COM ENFOQUE NAS


DIMENSÕES QUE ENVOLVEM A FAMÍLIA: reflexões e
problematizações

Trabalho apresentado ao curso de Serviço


Social da Universidade Federal de São
Paulo, Campus Baixada Santista, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, realizado sob a
orientação da Profª. Drª. Rosiran Carvalho
de Freitas Montenegro.

SANTOS
2023
Ficha catalográfica elaborada por sistema automatizado
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

Bassi, Daniele.
B321aa Análise do cuidado em Saúde Mental com enfoque
nas dimensões que envolvem a família: reflexões e
problematizações. / Daniele Bassi; Orientadora
Rosiran Montenegro. -- Santos, 2023.
59 p. ; 30cm

TCC (Graduação - Serviço Social) -- Instituto Saúde


e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo, 2023.

1. Saúde Mental. 2. Cuidado. 3. Família. 4.


Estado. 5. Serviço Social. I. Montenegro, Rosiran,
Orient. II. Título.

CDD 361.3
DANIELE BATISTA BASSI

ANÁLISE DO CUIDADO EM SAÚDE MENTAL COM ENFOQUE NAS


DIMENSÕES QUE ENVOLVEM A FAMÍLIA: reflexões e problematizações

Trabalho apresentado ao curso de Serviço


Social da Universidade Federal de São
Paulo, Campus Baixada Santista, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, realizado sob a
orientação da Profª. Drª. Rosiran Carvalho
de Freitas Montenegro.

Aprovação em:____/____/______

EXAMINADORAS:

______________________________________________________
Profª. Drª. Rosiran Carvalho de Freitas Montenegro.
Universidade Federal de São Paulo.

______________________________________________________
Profª. Drª Gisele Aparecida Bovolenta.
Universidade Federal de São Paulo.
AGRADECIMENTOS

À equipe do meu campo de estágio, pelo suporte concedido

À minha orientadora, pelo amparo na construção deste trabalho

Às minhas amigas, por tornarem mais leve os últimos quatro anos e meio

À minha família, pelo infindável apoio

Muito obrigada por terem feito parte da minha jornada até aqui.
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), analisa o cuidado em saúde
mental sob a ótica das dimensões que abrangem a família e o Estado. A pesquisa
objetiva particularizar as dimensões que envolvem a família no cuidado em saúde
mental; realizar aprofundamento teórico nas produções já existentes sobre a
temática em destaque; estudar o caráter familista das políticas de proteção social e
seus possíveis impactos no grupo familiar sob a ótica da saúde mental e do cuidado;
e realizar considerações acerca do trabalho profissional desenvolvido pelo Serviço
Social em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Para isso, a pesquisa se
orientou no pensamento do materialismo histórico e dialético e foi realizada em dois
processos: de estudo bibliográfico e documental, atravessados pela apreensão
crítica dos conteúdos estudados. Também foram considerados os registros da autora
feitos em seu Diário de Campo de estágio em um Centro de Atenção Psicossocial
Infantojuvenil (CAPSi). Neste trabalho, compreendemos que o modo de produção
capitalista reproduz constantemente formas de opressão e violação de direitos que
geram adoecimento físico e mental e que, portanto, os avanços alcançados no
campo dos direitos da população com transtornos mentais e das pessoas
cuidadoras, são limitados. Com isso, esperamos que o trabalho desenvolvido possa
agregar ao debate sobre os temas de cuidado em saúde mental e sua relação com
as famílias, dando visibilidade às problematizações que envolvem os papéis do
Estado e da família no cuidado das pessoas com transtornos mentais.
Palavras-chave: saúde mental; cuidado; família; Estado; Serviço Social.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I: A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL 9
1. Aspectos históricos da atenção à saúde mental no Brasil 9
2. A Rede de Atenção Psicossocial 16
2. 1. Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil 18
3. Desafios da atualidade 23
CAPÍTULO II: FAMÍLIA E CUIDADO EM SAÚDE MENTAL 30
1. Família e políticas públicas 30
2. A família e o cuidado de pessoas com transtornos mentais 39
3. Reflexões sobre o trabalho profissional de assistentes sociais 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS 52
REFERÊNCIAS 55
7

INTRODUÇÃO
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi construído pelo interesse em
compreender o campo do cuidado em saúde mental realizado no âmbito das
famílias. O disparador desse interesse foi a experiência da autora estagiando em um
Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), que permitiu adentrar nas
produções teóricas acerca dos temas de saúde mental e cuidado, buscando elucidar
conceitualmente as demandas observadas em campo.
A centralização do saber psiquiátrico, os preconceitos em relação às pessoas
que destoavam da concepção social de normalidade e os interesses do capital,
contribuíram para a consolidação de um sistema de internação compulsória como
um recurso de delimitação e controle dos espaços ocupados por pessoas com
transtornos mentais e outras consideradas inaptas ao convívio social. Após décadas
de movimentação da Luta Antimanicomial, o cuidado prestado à pessoa com
transtorno mental se configura de forma diferenciada nos tempos atuais.
Desse modo, este trabalho se ocupa de discutir a realização do cuidado da
pessoa com transtorno mental realizado por um(a) familiar, e problematiza os
processos históricos de atenção à saúde mental e o papel do Estado neste debate.
Compreendemos que há relevância neste debate teórico pois a principal pessoa
encarregada com o papel de cuidadora está passível de sofrer com sobrecarga e ser
afetada em variadas dimensões de sua vida, envolvendo “[...] aspectos econômicos,
práticos e emocionais [...]” (SANT’ANA et al. 2011, p. 53), devido às exigências e
atribuições do exercício do cuidado. Reconhecemos também que as principais
figuras que realizam o cuidado são mulheres, isso devido à estrutura patriarcal da
sociedade capitalista que produz uma assimetria entre os papéis de gênero
socialmente construídos, e que associa à figura feminina, o trabalho de reprodução
da vida humana.
Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é analisar o cuidado em saúde
mental, particularizando as dimensões que envolvem a família e a sua relação com o
membro com transtornos mentais. Os objetivos específicos delimitam-se a
compreender o caráter familista das políticas públicas na esfera da reprodução
social e os impactos do cuidado em saúde mental no grupo familiar; discutir a
política de atenção à saúde mental, as demandas e o trabalho desenvolvido no
8

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com enfoque ao Serviço Social; e refletir


sobre produções na área do cuidado em saúde mental e dimensões que envolvem a
família.
Para dar concretude a esses objetivos, o trabalho teve como fio condutor o
materialismo histórico dialético, e se valeu de estudos bibliográfico e documental,
que possibilitaram o acesso a materiais elaborados por pesquisadores(as) acerca
das temáticas abordadas, e que forneceu informações sobre o mundo do cuidado
em saúde mental na dimensão da famílias através de dados, legislações e afins.
Além disso, as reflexões da autora suscitadas pela sua experiência de estágio, e
registradas em um Diário de Campo, auxiliaram nos processos analíticos da
pesquisa.
Este trabalho está organizado nesta introdução, dois capítulos e as
considerações finais. O Capítulo I traz o enfoque no processo histórico de atenção à
saúde mental no Brasil, culminando nos serviços existentes atualmente para
atendimento da população com transtornos mentais e os desafios que se expressam
atualmente na área de saúde mental. Para esta etapa foram estudadas legislações e
autores como Cruz, Gonçalves e Delgado (2020). O Capítulo II discute o cuidado da
pessoa com transtornos mentais realizado por um(a) familiar, o papel do Estado em
relação ao cuidado, e faz considerações a respeito do trabalho profissional de
assistentes sociais inseridos no CAPS. Para esta etapa, foram estudadas produções
de autoras como Mioto (2020) e Rosa (2003). Nas considerações finais apontamos
breves sínteses, desafios e sugestões relacionadas à temática do estudo.
9

CAPÍTULO I: A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL

Este capítulo se ocupa de discutir o processo histórico da saúde mental no


Brasil, a política de saúde mental, com enfoque na Rede de Atenção Psicossocial e
no Centro de Atenção Psicossocial e, por último, faz algumas considerações acerca
dos desafios contemporâneos em saúde mental. Para isso, fizemos uso de
legislações e dos autores Cruz, Gonçalves, Delgado (2020) e entre outros.

1. Aspectos históricos da atenção à saúde mental no Brasil

Ao longo da história do Brasil, é possível analisar que a “loucura” foi mais


combatida do que a saúde mental foi cuidada. Devido a particularidades das
pessoas com transtornos mentais, desviante da normalidade construída e
reproduzida socialmente, essas pessoas eram julgadas “loucas” e foram
consideradas improdutivas para a sociedade moderna centrada na produtividade,
no trabalho e na razão. Dessa forma,

[...] os loucos, antes da fundação do hospício, se tranquilos, eram


acolhidos pela sociedade e assim podiam circular livremente;
porém, se agitados e agressivos, eram reclusos nas cadeias
públicas. Além do critério comportamental, a classe social também
definia a abordagem do louco, pois os ricos eram tratados
domiciliarmente ou enviados para tratamento na Europa (ROSA,
2003, p.87).

Sendo assim, as pessoas “loucas” pobres e improdutivas ao capital,


consideradas subversivas à ordem e moral pública, estavam suscetíveis à
autoridade e manuseio do Estado sobre seus corpos e liberdade. Antecedendo à
emergência da assistência psiquiátrica no Brasil, as irmandades religiosas eram
as responsáveis pelo tratamento das pessoas com transtornos mentais,
assumindo a administração de hospícios e do trato dos(as) “loucos(as)” através de
uma ação norteada não por um objetivo de cuidado à saúde mental da população,
mas sim de sujeição dos corpos considerados inconvenientes à forma
padronizada de funcionalidade da vida em comunidade.
Contudo, é exigido que o Estado intervenha no problema da “loucura” na
sociedade brasileira a partir dos desdobramentos das demandas:

a) Social, pela intranquilidade provocada pela “loucura solta


na rua” [...] em meio aos riscos de tumultos urbanos, gerados pelo
crescimento do contingente de homens livres e desocupados.
10

b) Clínica, pois os médicos, majoritariamente higienistas, em


nome de princípios humanitários e de higiene pública, passam a
denunciar os maus-tratos a que são submetidos os loucos [...]

c) Caritativa, pois as irmandades religiosas pleiteavam uma


ação sobre a loucura a fim de atenuar os sofrimentos humanos
dela decorrente (ROSA, 2003, p. 87, grifos da autora).

A partir das demandas acima, a assistência psiquiátrica tem seu marco


institucional no país no ano de 1852, com a inauguração do Hospício Pedro II.
Assim, se inicia o processo de intervenção do Estado na questão da “loucura”, a
partir de um modelo hospitalocêntrico de tratamento à pessoa com transtorno
mental que irá sofrer variados encadeamentos em sua trajetória histórica.
Com a criação da Assistência Médica e Legal dos Alienados, em 1890, foi
ordenada a assistência psiquiátrica, de modo a disseminar o padrão de cuidado
hospiciocêntrico pelo território nacional. Um dos métodos a ser utilizado na época
para o tratamento das pessoas com transtornos mentais, foi a implementação das
colônias agrícolas. A ideia dessas colônias era ter o trabalho como peça chave no
tratamento dos pacientes, imputando às pessoas internadas a realização de
trabalho e um modo de vida referente a um mundo rural. Esse método se tornou
alvo de críticas, entre outros motivos, por inserir os(as) pacientes em uma
experiência de mundo rural não-condizente à sociedade que vinha sofrendo um
processo de urbanização, desconsiderando o contraste e desconexão com a
sociedade real, para onde os(as) pacientes deveriam retornar após a sua
recuperação. Presente nas colônias agrícolas, o ideário de profilaxia mental e
higiene foi influenciado pelo pensamento reproduzido pela Liga Brasileira de
Higiene Mental (LBHM). Criada em 1923, a LBHM, que tinha como objetivo,
inicialmente, aprimorar os serviços e os recursos humanos na área de saúde
mental, posteriormente voltou-se para a realização de um trabalho com caráter
reprodutor da norma vigente de padronização, responsabilizando os problemas
sociais aos próprios indivíduos (ROSA, 2003).
Na década de 1930, as pessoas com transtornos mentais são afetadas pela
Segunda Lei Federal de Assistência aos Doentes Mentais, promulgada pelo
Decreto nº 24.559/1934, que instituiu a internação como primazia no tratamento
dos(as) pacientes e que determina que “os Psicopatas [...] são absoluta ou
relativamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil” (BRASIL,
1934). Dessa forma, o Estado dá continuidade à reprodução de um sistema
11

violador dos direitos civis das pessoas com transtornos mentais, que limita a sua
liberdade de ir e vir, confinando-as em locais de tratamento que tinham como
característica “[...] a precariedade em que imperava a superlotação, número
reduzido de pessoal e sua baixa qualificação, bem como a violação de direitos
humanos dos internos” (ROSA, 2003, p. 96-97). As colônias mencionadas
anteriormente, por sua vez, vão perdendo força devido, em parte, ao
reconhecimento de sua desqualificação como método de cuidado à saúde mental.
O pós-64 é marcado por uma massificação da população usuária do
sistema de assistência psiquiátrica “[...] que majoritariamente passa a ser
constituída por trabalhadores previdenciários urbanos, exauridos
psiquicamente pelo uso intensivo de sua força de trabalho no período de
crescimento econômico dos anos 1970 [...]” (ROSA, 2003, p. 100)1. Mais uma vez,
podemos notar a intrínseca ligação entre trabalho produtivo e saúde mental,
inicialmente com a internação daqueles(as) que não eram capazes de serem
inseridos no mundo do trabalho capitalista e, posteriormente, com a internação
daqueles(as) que foram explorados pela indústria e mercado de trabalho de forma
avassaladora.
Nesse mesmo período há o fortalecimento da iniciativa privada na área da
saúde mental, instituindo a mercantilização e indústria da loucura, incentivado, em
parte, pela compra de leitos psiquiátricos para os(as) trabalhadores(as)
previdenciários(as), enquanto aqueles(as) desvinculados(as) à previdência eram
encaminhados(as) ao setor público, instituindo a presença do setor privado e
público na área da saúde mental no país.
Com a emergência do movimento pela Reforma Sanitária na década de
1970, que lutava pela democratização do sistema de saúde e fazia oposição à
ditadura militar, ganha força a Reforma Psiquiátrica Brasileira, que não apenas
age concomitantemente à Reforma Sanitária, mas que deriva dela. A Reforma
Psiquiátrica Brasileira foi profundamente influenciada pela experiência italiana em
sua própria Reforma Psiquiátrica. O movimento italiano, que teve como precursor
Franco Basaglia, inferia na recusa da instituição total, da prática de reducionismo
do(a) paciente à condição de “doente” e à ideologia opressora e violenta
intrinsecamente presente no sistema psiquiátrico. Defendia que era “[...]
necessário não só a destruição e superação dos muros hospitalares em si, mas do
1
Grifos da autora.
12

sistema ideológico em que se sustenta a violência e a exclusão que basearam a


Psiquiatria em todo esse processo” (PEREIRA; GUIMARÃES, 2018, p. 400).
Assim, ocorre no Brasil, com a organização de um movimento denso que
denunciava o modelo hospiciocêntrico, o início do processo de luta organizada,
que aspirava por uma nova forma de cuidar a saúde mental, com respeito à
dignidade humana e aos direitos dos(as) cidadãos(ãs).
A Reforma Psiquiátrica adquire maior autonomia em relação a Reforma
Sanitária a partir de 1978, e a presença do Movimento de Trabalhadores de Saúde
Mental (MTSM), “[...] formado por trabalhadores integrantes do movimento
sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de
profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas” (BRASIL,
2005, p. 7), é ímpar nesse processo.
Em 1982, as lideranças do MTSM se inserem nas secretarias estaduais de
saúde, intervindo nos hospitais psiquiátricos da rede pública e privada guiadas
pelos seguintes objetivos:

● não-criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos


especializados, e redução onde possível e/ou necessário;

● regionalização das ações em saúde mental, integrando


setores internos dos hospitais psiquiátricos ou hospitais
específicos com serviços ambulatoriais em áreas
geográficas de referência;

● controle das internações na rede conveniada de hospitais


psiquiátricos privados mediante centralização das
emissões de AIH [Autorização de Internação Hospitalar]
nos serviços de emergência do setor público;

● expansão da rede ambulatorial em saúde, com equipes


multiprofissionais de saúde mental, compostas
basicamente por psiquiatras, psicólogos e assistentes
sociais e, às vezes, também por enfermeiros, terapeutas
ocupacionais e fonoaudiólogos;

● humanização e processos de reinserção social dentro dos


asilos estatais, também com equipes multiprofissionais
(VASCONCELOS, 2008, p. 33-34).

Os atores do MTSM conseguem dentro das Secretarias Estaduais de


Saúde levantar as pautas acima e lutar por elas, sendo que, dado o contexto da
saúde mental até então, a sua defesa era por algo sem precedentes no sistema
brasileiro. Os sujeitos dos MTSM tornaram-se alguns dos principais atores2 que
2
Uma das figuras que não deve ser esquecida e que contribui na reformulação do pensar a saúde
mental no Brasil, foi Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatra que rejeitou os métodos tradicionais e
violentos de atendimento aos(às) pacientes com transtornos mentais, e implementou um método
13

denunciaram o falho, opressivo e violador sistema de saúde privado


hospiciocêntrico. Foram eles também que contribuíram para que se constituísse o
Movimento de Luta Antimanicomial, que lutava por uma reforma integral da
assistência psiquiátrica e no modo de ver e cuidar das pessoas com transtornos
mentais, denunciando as irregularidades existentes na assistência psiquiátrica da
época, como a “violação de direitos humanos dos portadores de transtorno
mental; abordagem da loucura como fonte de lucro e condições precárias de
trabalho em hospitais psiquiátricos” (ROSA, 2003, p. 105). Assim, cada vez mais,
vai tomando corpo o movimento por um novo sistema de saúde mental no Brasil.
Em junho de 1987 ocorre a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que
incorpora as políticas de saúde mental ao campo da saúde e, como seu
desdobramento, é restituída a cidadania da pessoa com transtorno mental. Em
dezembro do mesmo ano, no II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde
Mental, é construído o Manifesto de Bauru que denuncia a relação entre serviços
de saúde mental e o sistema de reprodução de opressões na sociedade e faz
defesas para além das políticas da área de saúde mental.3
Em 1989, é proposto o Projeto de Lei nº 3657/89 pelo deputado federal
mineiro, Paulo Delgado (Partido dos Trabalhadores), dispondo sobre os direitos
das pessoas com transtorno mental e promovendo a progressiva eliminação dos
leitos e hospitais psiquiátricos; no ano seguinte, ocorre a Conferência Regional
para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, na cidade de Caracas,
Venezuela, organizada pela Organização Panamericana da Saúde, onde os
manicômios são integralmente condenados nos planos:

1 – Ético-jurídico – pela violação dos direitos humanos das


pessoas com transtornos mentais;

2 – Clínico – em função da ineficácia terapêutica e da


condição de agente patogênico e cronificador historicamente
assumido por tais instituições;

diferente que utilizava da arte como um instrumento de tratamento. Além de Nise, uma das figuras
mais emblemáticas na discussão sobre saúde mental, foi Franco Basaglia, o precursor do movimento
da Reforma Psiquiátrica na experiência italiana, e que também influenciou o movimento no Brasil. Em
uma visita aos manicômios brasileiros, Basaglia denunciou à imprensa as violações cometidas contra
os pacientes nas instituições do Brasil. A sua denúncia contribuiu para a mobilização dos(as)
sujeitos(as) na discussão sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais no país (NICÁCIO,
2003).
3
O Manifesto de Bauru está disponível em:
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2017/05/manifesto-de-bauru.pdf. Acesso em: 05 de nov. de
2022.
14

3 – Institucional – devido tais instituições se constituírem


como espaço de violência – “instituições totais”, que mortificam,
sujeitam;

4 – Sanitário – em função da organização do modelo


assistencial figurar como “cidade dos loucos”, produzindo a
loucura administrativa, executiva e organizacional (ROSA; MELO,
2009, p. 77).

Enquanto uma das partes a assinar a Declaração de Caracas4, o Brasil


sofre influências dos ideários e diretrizes da Declaração na constituição do
planejamento e das ações que constituem a construção de um sistema de saúde
mental que visa ser democrático. É por volta deste período que são iniciadas as
experiências de municipalização dos serviços de atenção à saúde mental,
podendo-se identificar suas manifestações em 1989, na cidade de Santos (SP),
com “[...] um fechamento de hospital psiquiátrico municipal e criação dos Núcleos
de Atenção Psicossocial (Naps) [...]” (VASCONCELOS, 2008, p. 35) e com as
criações de Centros de Atenção Psicossociais (Caps) na cidade de São Paulo
(SP) e em São Lourenço do Sul (RS) no ano de 1987 (VASCONCELOS, 2008).
Dessa forma, é possível compreender o papel da Reforma Psiquiátrica
enquanto agente de mudança que lutava por um sistema de atenção à saúde
mental que respeitasse a integridade dos direitos civis, sociais e políticos das
pessoas com transtornos mentais em um movimento de recusa à estigmatização
dessas pessoas; que reconhecesse as dimensões sociais, culturais, históricas,
subjetivas e objetivas na vida dos(as) pacientes, inclusive em seu atendimento,
rompendo com a centralização que a psiquiatria detinha no tratamento da
população psiquiátrica e inserindo uma lógica de cuidado integral e em liberdade,
trabalhando a fim da emancipação e autonomia da pessoa com transtorno mental.
Assim, com vistas nesse processo, é aprovada a Lei Psiquiátrica 10.216, de
06/04/2001, marcando os anos de luta e de conquistas do movimento pela
Reforma Psiquiátrica Brasileira.5
A partir de então, com a instituição de novas políticas que oferecessem um
cuidado integral à saúde mental e com o fortalecimento do financiamento dos

4
Para saber mais sobre as proposições da Declaração de Caracas, o documento está disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_caracas.pdf. Acesso em: 05 de nov. de 2022.
5
A Lei Psiquiátrica 10.216 é também conhecida como Lei Paulo Delgado, tendo sido proposta pelo
deputado federal em 2001. A Lei, entre outras disposições, prioriza o tratamento em serviços
comunitários da área de saúde mental, impondo que se deverá recorrer à internação apenas quando
os recursos extra-hospitalares se esgotarem, tendo a reinserção social como finalidade. A Lei está
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm. Acesso em: 05 de
nov. de 2022.
15

novos serviços e fiscalização dos leitos psiquiátricos,

[...] a rede de atenção diária à saúde mental experimenta uma


importante expansão, passando a alcançar regiões de grande
tradição hospitalar, onde a assistência comunitária em saúde
mental era praticamente inexistente. Neste mesmo período, o
processo de desinstitucionalização de pessoas longamente
internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta
para Casa”. Uma política de recursos humanos para a Reforma
Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do
álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução
de danos (BRASIL, 2005, p. 9).

A partir do processo de Reforma Psiquiátrica brevemente exposto,


estabelece-se os substratos para as futuras ações na área de saúde mental no
Brasil. Apesar disso, não se esgotaram as lutas e defesas que continuam a ser
feitas pelo Movimento de Luta Antimanicomial. Estando ciente disso e
rememorando o Manifesto de Bauru, em 2017 é publicada a “Carta de Bauru - 30
Anos”, que além de dispor sobre as conquistas e enfrentamentos do Movimento,
denuncia o contexto político e econômico de ideologia neoliberal que fragiliza as
políticas de saúde mental, clama pelo respeito à autonomia, liberdade e demais
dimensões da vida das pessoas com transtornos mentais e por serviços de saúde
mental apropriados ao tratamento dos(as) usuários(as). Assim, demonstra que a
luta por um sistema de saúde mental público e de qualidade deve ser permanente,
tendo em vista o persistente cenário de ataque à democracia e aos direitos
sociais. Reafirmando a sua coparticipação com movimentos sociais de outros
segmentos, a Carta declara

[...] que uma sociedade sem manicômios reconhece a legitimidade


incondicional do outro como o fundamento da liberdade para todos
e cada um; que a vida é o valor fundamental; que a sociedade
sem manicômios é uma sociedade democrática, socialista e
anticapitalista (BAURU, 2017, p. 3).

Com base no exposto, notamos que há uma incongruência entre um


sistema de saúde mental que seja anticlassista, único, público, com respeito e
dignidade à população com transtorno mental, que trabalhe pelo desenvolvimento
de sua autonomia e a fim de expandir sua qualidade de vida, e uma sociedade
classista e capitalista que se alimenta da mão-de-obra da classe trabalhadora e
que, ao longo de sua vigência, sempre sobrepujou a vida humana em favor do
lucro, reproduzindo condições e mecanismos exploratórios prejudiciais à saúde e
ao bem-estar da população.
16

2. A Rede de Atenção Psicossocial

Após a breve exposição da trajetória da saúde mental no Brasil, iremos


analisar agora algumas questões referentes à Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) no país. Aprovada em 2011, a Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de
2011, “institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)” (BRASIL, 2011). A
RAPS é criada e formulada a fim de seguir os seguintes objetivos:

I - ampliar o acesso à atenção psicossocial da população em geral;

II - promover o acesso das pessoas com transtornos


mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool
e outras drogas e suas famílias aos pontos de atenção; e

III - garantir a articulação e integração dos pontos de atenção


das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio
do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às
urgências.

[...] I - promover cuidados em saúde especialmente para grupos


mais vulneráveis (criança, adolescente, jovens, pessoas em
situação de rua e populações indígenas);

II - prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras


drogas;

III - reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool


e outras drogas;

IV - promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com


transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de
crack, álcool e outras drogas na sociedade, por meio do acesso ao
trabalho, renda e moradia solidária;

V - promover mecanismos de formação permanente aos


profissionais de saúde;

VI - desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução


de danos em parceria com organizações governamentais e da
sociedade civil;

VII - produzir e ofertar informações sobre direitos das


pessoas, medidas de prevenção e cuidado e os serviços
disponíveis na rede; regular e organizar as demandas e os fluxos
assistenciais da Rede de Atenção Psicossocial; e

VIII - monitorar e avaliar a qualidade dos serviços por meio de


indicadores de efetividade e resolutividade da atenção (BRASIL,
2011).

Para atender a população usuária com transtornos mentais é determinado


que seja desenvolvido um trabalho integrado, articulado e regionalizado, que
17

promova a atenção e acompanhamento em saúde mental através de variados


serviços. Tais serviços se dividem e compõem sete pontos diferentes de atenção,
cada um cobrindo um tipo de demanda, sendo estes pontos a Atenção Básica, a
Atenção Psicossocial Estratégica, a Atenção de Urgência e Emergência, a
Atenção Residencial de Caráter Transitório, a Atenção Hospitalar, a Estratégia de
Desinstitucionalização e a Estratégia de Reabilitação Psicossocial (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2013). É constituída então uma rede de atenção à saúde mental
descentralizada, que se vale de diversos tipos de serviços para atender às
demandas particulares que a população usuária possa requerer. Esses serviços
especializados articulados pela rede são importantes ao “[...] promover a
constituição de um conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher a
pessoa em sofrimento” (MEDEIROS, P.F.P. et al. s/ano), a fim de que seja
garantido o cuidado eficaz da pessoa com transtorno mental e de forma integral
entre serviços e políticas públicas, conforme as demandas do(a) usuário(a).
Para isso, é importante notar a relevância do território na rede, uma vez
que o território “[...] não se trata apenas de uma área geográfica, mas também de
um determinado espaço onde se desenvolvem relações sociais, afetivas e
histórico-culturais” (MEDEIROS, P.F.P. et al. s/ano). Assim, o serviço de base
comunitária e territorial inserido na política da RAPS, caracteriza-se por ser

[...] um serviço de portas abertas (acessível a qualquer pessoa),


localizado o mais próximo possível de onde o usuário vive, de
onde estão a sua família, os seus amigos, as instituições com as
quais tem contato (associações, igreja, terreiro, escola, polícia,
entre outras) e os lugares que frequenta (Unidade Básica de
Saúde, comércio, quadras esportivas etc.)” (MEDEIROS, P.F.P. et
al. s/ano).

Dessa forma, denota-se que a sistematização dos serviços de saúde pós


Reforma Psiquiátrica, contempla uma oferta de serviços democrática que, de
acordo com a diretriz de municipalização e territorialização, atende os(as)
usuários(as) nas próprias regiões em que vivem e que se correlacionam com
outros(as) sujeitos(as) e com os variados serviços provenientes de políticas
públicas, com formas de cultura e lazer. É assim que a nova política de saúde
mental se compromete com a multi-dimensionalidade das pessoas com
transtornos mentais, enxergando-as para além do diagnóstico e compreendendo
que explorar e reconhecer as suas multifacetas é essencial para um trabalho
profissional que se empenhe no processo de (re)inserção dos(as) usuários(as) na
18

sociedade.
Portanto, os serviços componentes da RAPS são regulamentados pelas
diretrizes especificadas na Portaria nº 3.088, que declara o comprometimento com
uma política de atenção à saúde mental que repudia o modelo hospiciocêntrico de
tratamento psiquiátrico. Com vistas nisso, os serviços da rede têm como
norteadores: o respeito aos direitos humanos; cuidado em liberdade; combate a
estigmas e preconceitos; cuidado integral; diversificação das estratégias de
cuidado; promoção de autonomia; estratégias de redução de danos; controle
social dos(as) usuários(as) e de seus familiares; estratégias de educação
permanente; construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS) (MEDEIROS,
P.F.P. et al. s/ano).
Para concretizar tais objetivos e garantir um atendimento digno e justo à
população usuária, é necessária a formação continuada dos(as) trabalhadores(as)
inseridos(as) na rede, esperando-se dos mesmos um posicionamento combativo
ao preconceito e aos estigmas contra as pessoas com transtornos mentais, de
promoção de equidade e com o compromisso em conscientizar e publicizar,
inclusive de forma socioeducativa, os direitos dos cidadãos.
Dessa forma, tendo em vista o esquema de funcionamento da rede, suas
diretrizes e objetivos, fica impressa a responsabilidade dos entes federativos em
implementar, financiar, monitorar e avaliar a Rede de Atenção Psicossocial no
território nacional.

2. 1. Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil

Com a reforma da atenção à saúde mental, os Centros de Atenção


Psicossocial (CAPS) tornaram-se o carro chefe da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS), sendo um dos componentes de seus pontos de atenção, a Atenção
Psicossocial Estratégica. O CAPS cumpre esse papel pois é “considerado
equipamento por excelência para organizar a rede assistencial e articular as
condições para a reinserção da pessoa com transtorno mental na sociedade”
(ROSA; CAMPOS, 2013, p. 312), configurando-se como principal serviço
substitutivo aos hospitais psiquiátricos.
A Portaria nº 336 de 2002 define diferentes modalidades de CAPS,
instituindo o CAPS I - que deve atender em cidades com pelo menos 15.000
19

habitantes; o CAPS II - em cidades que tenham a partir de 70.000 habitantes, de


modo que ambas as modalidades devam funcionar apenas em dias úteis; o CAPS
III - em cidades que tenham a partir de 150.000 habitantes, com funcionamento
vinte e quatro horas por dia, incluindo feriados e fim de semana. É atribuído a
todas as modalidades o atendimento de pessoas com transtornos mentais severos
e persistentes “[...] em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo,
semi-intensivo e não intensivo”, sendo que os serviços são classificados e
“definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência
populacional” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).
Dentre essas modalidades há o CAPSi, presente em cidades com no
mínimo 70.000 habitantes e que atende exclusivamente a população infantojuvenil
com transtornos mentais severos e persistentes. Há também em cidades com pelo
menos 150.000 habitantes o CAPS AD, que atende à população com transtornos
mentais severos e persistentes decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Em
2017, com a Portaria nº 3.588, agrega-se às demais modalidades de CAPS, o
CAPS AD IV, especializado em atender a mesma população do CAPS AD, porém
em cidades com no mínimo 500.000 habitantes e em capitais de estados, com
funcionamento 24h.
O CAPS deve contar com uma equipe multiprofissional formada por
assistentes sociais, psicólogos(as), enfermeiros(as), psiquiatras e técnico(a) em
enfermagem e cumprir o princípio de territorialização no atendimento em saúde
mental, de acordo com os ideais da Reforma Psiquiátrica. Em verdade, a atuação

[...] fora do espaço da sua unidade, buscando parcerias na


comunidade e com outros serviços públicos, a fim de facilitar e
mediar as relações dos usuários com pessoas e instituições [...] é
o que permite a reabilitação psicossocial de pessoas que, pelo
sofrimento, pela sua condição social e pelo estigma, vivem
excluídas das relações na sociedade (MEDEIROS, P. F. P. et al.
s/ano).

Ou seja, é imprescindível que os serviços façam uma articulação entre


redes e determinados espaços para que seja garantido o comprometimento com a
(re)inserção dos(as) usuários(as) nos lugares em que habitam. O preceito da
territorialização deve acompanhar a ação profissional, sendo que estabelecem-se
como ações dos CAPS a realização de acolhimento, atendimento individual,
atividades em grupo com os(as) usuários(as) e com as famílias, tratamento
20

medicamentoso, oferecer suporte social à família do(a) usuário(a), realizar visitas


domiciliares, participar de reuniões de rede, participar de matriciamento em
conjunto com as Unidades Básicas de Saúde, promover atividades comunitárias e
culturais e realizar/acompanhar o processo de desintoxicação ambulatorial.
(SCHEFFER; SILVA, 2014).
O objetivo dessas ações que circundam o individual e o coletivo e
acontecem dentro e fora do espaço institucional, é promover um atendimento que
reconheça a noção de processo-saúde-doença, que não admite a redução do(a)
usuário(a) ao seu transtorno mental. A abordagem do CAPS deve ser feita de
acordo com o reconhecimento dos determinantes sociais que atravessam as vidas
dos(as) usuários(as), e agindo sobre tais determinantes conforme as demandas
exigirem. Assim,

[...] cabe à intervenção do Caps propiciar laços sociais e melhorar


a vida cotidiana da pessoa com transtorno mental. O cuidado
oferecido vai além da debelação dos sintomas, abarcando o lazer,
as relações sociais, as condições de moradia, as atividades da
vida diária, a esfera da geração de renda/trabalho, dentre outras
(ROSA; MELO, 2009, p. 80).

É importante que o serviço intervenha, de forma competente e qualificada,


nas dimensões da vida das pessoas que demandem a intervenção profissional,
esta orientada pelo saber de que a pessoa com transtorno mental, antes definida
pelo rótulo de “louca” inclusive por profissionais de saúde, são seres humanos
multifacetados, que inclusive podem ter certas dimensões de si impactadas em
decorrência ou precedência do seu transtorno mental. Através do trabalho em
rede, no que seja referente ao encaminhamento de demandas a outros serviços
das políticas de proteção básica ou da ação direta dos profissionais dos CAPS, a
intervenção do serviço deve ir para além do tratamento do transtorno mental com
foco apenas na sua dimensão psico, e deve inferir
[...] no campo da solidariedade, as possibilidades de afeto e apoio;
no campo da cultura, as possibilidades de autoestima e expressão
coletiva; no campo das instituições, as possibilidades de garantia
de direitos; no campo da economia, as possibilidades de
capacitação, emprego e/ou autogestão; no campo da organização,
as possibilidades de autorregulação e resistência ao controle, à
opressão, à discriminação, à vitimização. O desenvolvimento da
autonomia é um processo de negação da tutela e da
subalternidade pela mediação da afirmação da própria palavra e
da construção das decisões sobre seu próprio destino (FALEIROS,
1999, p. 62).

Tendo em vista que a autora deste Trabalho de Conclusão de Curso conta


21

com experiência na rede de saúde mental, por ter estagiado em um Centro de


Atenção Psicossocial Infantojuvenil em Santos, São Paulo, e pelo fato da cidade
ser referência na área de atenção à saúde mental, foi decidido realizar uma breve
apreensão sobre como a RAPS, especialmente os CAPS, são implementados
neste município. No entanto, antes de falar sobre a Rede, é importante conhecer a
história do município no Movimento da Luta Antimanicomial.
Em 1989, Santos realizou uma intervenção em um hospital psiquiátrico
privado, a Casa de Saúde Anchieta, decretada pela prefeitura e que contou com a
participação de diversos(as) sujeitos(as). Com a intervenção,

[...] não se buscou uma readequação do hospício às normas


supostamente suficientes e tecnicamente fundamentadas que por
qualquer razão teriam sido deixadas de lado pelos gestores, que
poderiam ser desqualificados como maus administradores ou
como gananciosos movidos pelo lucro fácil. Ao invés disso,
partiu-se da premissa que a própria organização da instituição
manicomial é ela mesma geradora de violência e opressão,
porque é parte de uma corrente de relações de opressão e
violência em que os pacientes encontram-se no último anel – o
Circuito do Controle [...] a Intervenção ia bem além dos muros do
hospital... por em cheque estas relações e desconstruir a lógica
que mantém o manicômio como necessário (KINOSHITA, 2009, p.
2-3).

A Casa de Saúde Anchieta sofreu um processo interventivo que durou


anos, sendo fechado definitivamente em 1996 (NICÁCIO, 2003). O município
implementou um processo de democratização dos serviços em saúde mental a
partir da criação dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS). De acordo com
Kinoshita (2009) “[...] os Naps se constituíram como pontos de “apoio” para a
conquista ou ampliação dos espaços na sociedade a serem ocupados com
legitimidade, dignidade e liberdade pelos pacientes” (KINOSHITA, 2009, p. 7). Por
estes e outros motivos, o município de Santos é reconhecido como pioneiro na
Luta Antimanicomial.
A análise da RAPS em Santos utilizou como referência os Planos
Municipais da cidade de Santos e, a partir de dados referentes ao ano de 2016,
podemos ver que em Santos a RAPS era constituída por:
05 Núcleos de Apoio Psicossocial – NAPS;
01 Unidade de Lar Abrigo- SELAB;
01 Centro de Reabilitação Psicossocial;
01 Núcleo de Atenção ao Tóxico-dependente;
01 Centro de Prevenção ao Uso de Substâncias Psicoativas;
01 Centro de Referência Psicossocial do adolescente;
03 Centros de Valorização da Criança: Zona Noroeste,
Orla/Intermediária e Região Central; (CONSELHO MUNICIPAL DE
22

SAÚDE DE SANTOS, 2017, p. 42-43).

Assim, até 2016, os NAPS figuravam o papel de principal serviço e suporte


da saúde mental na RAPS. Para o ano de 2020, por sua vez, foi estipulada a
existência de nove Centros de Atenção Psicossocial na cidade. No mesmo ano, o
município de Santos continha uma população de 433.565 habitantes6, sendo que
se considera “para uma conformação ideal da rede a proporção de um CAPS para
cada 100.000 habitantes” (MACEDO; CAMARGOS, 2020, p. 7). De acordo com o
indicador CAPS/100.000 habitantes, considera-se que o CAPS I responde
efetivamente a demanda de 50.000 habitantes, o CAPS III dá cobertura a 150.000
habitantes, e os CAPS II, CAPSi e CAPSad dão resposta a 100.000 habitantes
(LEJDERMAN, 2020, p.1).
Entre os CAPS estimados, três se ocupavam de atender apenas a
população infantojuvenil. Perpassando o debate sobre o cuidado e atenção à
saúde mental de crianças e adolescentes, iremos rapidamente expor algumas
considerações acerca desse tópico. As infâncias e juventudes brasileiras não se
eximiram de serem atingida pelas políticas estatais repressivas e autoritárias
contra os(as) sujeitos(as) que apresentavam comportamento “anormal” e
desviante do esperado pelas normas sociais:

Na lógica do isolamento dos “desviantes”, a privação de liberdade


por intermédio da institucionalização foi um dos meios
empregados para segregar crianças e adolescentes pobres,
autores de atos infracionais, com deficiências e com transtornos
mentais, entre outros tidos como “incapazes” (BRASIL, 2014, p. 9).

O Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) atende


usuários(as) de 0 a 18 anos incompletos e, assim como as demais modalidades,
deve ter presença considerativa na vida dos(as) usuários(as), no sentido de
conhecer e, conforme necessário, realizar intervenções em variadas dimensões
na vida do(a) sujeito(a), uma vez que

[...] qualquer abordagem voltada à proteção integral de crianças e


adolescentes deve trabalhar com várias dimensões de sua vida,
de modo a construir novas formas de lidar com o sofrimento e,

6
Informação disponível em:
https://institutodelongevidademag.org/longevidade-e-cidades/idl/brasil/sudeste/santos#:~:text=Sant
os%20%7C%
20SP,-%232%20PARA%20IDADE&text=Com%20433.565%20habitantes%2C%20Santos%20abrig
a,com%205
.300%20metros%20de%20extens%C3%A3o.. Acesso em: 29 de nov. de 2022.
23

consequentemente, com o uso de drogas, a transgressão à lei etc


(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014, p. 46).

Isso com a intenção de fornecer um atendimento integral à saúde mental


do(a) sujeito(a), de forma a reconhecer que o processo-saúde-doença é
atravessado por determinantes para além do transtorno mental identificado como
doença, mas abarca também condições de moradia, inserção (ou não) no
mercado de trabalho, vida escolar, convivência comunitária e familiar, cultura,
lazer e etc. Dessa forma, a referência técnica e/ou a equipe do serviço pode
intervir em certas situações e dimensões para “[...] que o usuário possa reconstruir
vínculos e retomar sua vida familiar, escolar e social” (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2014, p. 36-37), a fim de (re)estabelecer a autonomia das pessoas.
Dessa forma, a partir do exposto até o momento, podemos compreender
que o CAPS é um dos serviços que compõem a RAPS, que tem como
compromisso atender a população usuária com transtornos mentais assim como
prestar apoio para o desenvolvimento das particularidades e demandas de sua
vida, entendendo que tratar o transtorno mental é compreendê-lo dentro de um
processo-saúde-doença que abrange a vida da pessoa para além do diagnóstico,
e do tratamento medicamentoso e psiquiátrico, envolvendo ações territorializadas
e articuladas entre redes, de acordo com os objetivos e ideais construídos pelos
profissionais da área de saúde mental, pessoas com transtornos mentais e seus
familiares e todos(as) os(as) demais sujeitos(as) e movimentos que lutaram pela
Reforma Psiquiátrica no Brasil.

3. Desafios da atualidade

A trajetória histórica da atenção à saúde mental é reveladora de avanços na


garantia de direitos pelo tratamento humanizado. Porém, continua sendo um
campo de tensões e disputas que envolve posições opostas no trato da questão.
Apesar dos hospitais psiquiátricos terem sido rejeitados e repudiados com a
construção de uma nova saúde mental que respeita a autonomia e liberdade, a
lógica hospiciocêntrica ainda se manifesta na conjuntura atual. A percepção social
continua a estigmatizar a pessoa com transtorno mental, que historicamente foi
generalizada e caricaturizada na figura do(a) “louco(a)”, relegado a uma condição
de não-pertencimento à cidade e à sociabilidade e que, portanto, deveria ser
afastado da vida em sociedade e aprisionado(a) em serviços psiquiátricos que não
24

possuíam uma prática terapêutica eficaz e que violavam os direitos das pessoas
internadas. Os avanços na legislação na área de saúde mental não resolvem as
questões de ordem moral e os preconceitos reproduzidos cotidianamente, que
continuam a carregar insidiosas concepções e estigmas contra a pessoa com
transtorno mental. Conforme diz Rosa e Campos (2013),

[...] mudanças em processos culturais são mais morosos,


alterando‐se de maneira lenta. Há, consequentemente, não
apenas resistência à mudança social, mas persistências,
elementos de permanência, preservadores da ordem social
(ROSA; CAMPOS, 2013, p. 320).

Dessa forma, a relação entre a sociedade civil, a população com


transtornos mentais e as instituições de saúde mental está imbricada dos
processos sócio-históricos e culturais, portanto, está atravessada por preceitos
hospiciocêntricos. A Lei Psiquiátrica de 2001 é um marco por instituir o repúdio ao
formato manicomial de atendimento à população psiquiátrica e por afirmar um
compromisso, em nível federal, com o atendimento à saúde mental das pessoas
com transtornos mentais sem inferir na integralidade dos seus direitos civis e
políticos. Apesar disso, não foram anulados os esforços, nos últimos anos, de uma
vertente conservadora e agressiva em retomar os moldes do “tratamento”
manicomial, ou ao menos, em garantir a estagnação — ou retrocesso — dos
direitos à saúde mental.
Componente integrante do início do recente período de desmonte das
conquistas da luta antimanicomial, é a Emenda Constitucional 95/2016, que
estabelece um teto de gastos para as políticas de proteção social por um período
de vinte anos, o que agrava a condição precária de financiamento de políticas de
saúde.
A Portaria 1.482 de 2016, publicada pelo Ministério da Saúde, inclui as
comunidades terapêuticas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES), permitindo que recebam verbas públicas. No ano seguinte, a Resolução
32 da Comissão Intergestores Tripartite (CIT)

[...] traz pela primeira vez, desde que a Reforma Psiquiátrica


passou a pautar as políticas de saúde mental, o hospital
psiquiátrico como parte integrante do cuidado na rede, além de
apontar para um maior financiamento deste (CRUZ; GONÇALVES;
DELGADO, 2020, p. 5),

O que atribui ao modelo hospiciocêntrico uma valorização de seus métodos


25

de tratamento.
Em 2017, no Plano Nacional de Atenção Básica, ocorre “[...] a retirada das
palavras ‘democrática’ e ‘humanização’, sendo que uma se referia, na PNAB de
2011, ao formato das práticas de cuidado e de gestão, e a outra era apresentada
como um dos princípios, respectivamente” (MELO et al. 2018, p. 43). Tal ocorrido
é um indicativo da direção em que a saúde mental estava sendo levada,
desvinculando não apenas palavras, mas suas significações dos preceitos da
saúde mental.
Ainda em 2017, é criado, através da Portaria 3.588, o CAPSad IV,
mencionado no item anterior. A sua idealização e implementação é alvo de críticas
devido ao que esta modalidade de serviço se propõe a realizar: com a proposta de
atuar especialmente em locais onde ocorre a utilização de drogas ilícitas pelos
usuários, e de forma emergencial, o serviço é completamente contraditório à
proposta de construção e reparação de vínculos dos(as) usuários(as) com os
espaços em que vivem, comprometendo também o trabalho em rede e,
consequentemente, uma atenção integral à saúde das pessoas atendidas,
fixando-as à condição de usuárias de drogas e ignorando a diretriz que dispõe
sobre o trabalho territorializado.
A mesma Portaria tem consequências desastrosas ao agir como uma
espécie de incentivo à internação de longa-duração e ao aumento de leitos
psiquiátricos:

[...] a portaria MS 3.588 aumenta o valor da diária de internações


em hospitais psiquiátricos em mais de 60% e muda as regras para
o estabelecimento de leitos de saúde mental em hospitais gerais,
de tal forma que apenas hospitais com um número maior destes
leitos (oito) possam ser credenciados – mas, como este número
deve ser proporcional ao tamanho do hospital e este deve estar de
acordo com a população do município, as cidades menores não
poderão ter este recurso, necessitando enviar seus pacientes a
hospitais psiquiátricos centralizados nos municípios maiores. Além
disso, onde estes leitos funcionarão haverá um incentivo financeiro
para aqueles que se mantiverem com taxa de ocupação de ao
menos 80%, podendo incentivar a indicação de internações e levar
ao prolongamento do tempo de internação (CRUZ; GONÇALVES;
DELGADO, 2020, p. 7).

Dessa forma, o(a) munícipe que precisar de internação em leito psiquiátrico


em uma cidade que não tenha demanda suficiente para oferecer o serviço
necessário, precisaria acessar um serviço de outra cidade, comprometendo a
ação profissional interventiva que atua na construção e manutenção de vínculos
26

entre o(a) usuário(a) e os espaços, instituições e sujeitos(as) que fazem parte de


sua vida cotidiana. Além disso, ocorre o incentivo à internações, em especial de
longa permanência, através da compensação financeira, o que pode resultar em
reclusões e internações a longo prazo inadequadas e desnecessárias às
necessidades reais dos(as) usuários(as).
A Portaria GM n. 3.992, de 2017, altera o sistema de designação de verbas
a determinados serviços, alocando toda a verba em um mesmo bloco e permitindo
que verbas que a princípio seriam destinadas aos CAPS possam ser realocadas e
enviadas para comunidades terapêuticas. Nesse mesmo processo de facilitação
de investimento público em serviços de saúde mental privados e do Terceiro Setor,
em 2018, o Edital 1/18, publicado pela SENAD/MJ (MS, MT e MDS), habilitou
comunidades terapêuticas para o recebimento de verbas da União7, agravando o
aumento de outro setor que não o público, na oferta de serviços de saúde mental.
Todas essas resoluções e portarias, e outras que não foram citadas aqui,
que se configuram como uma ofensiva à saúde mental pública e de qualidade, se
expressam, dentre outras formas, na formulação da Nova Política de Saúde
Mental ou Nota Técnica n. 11/2019 - CGMAD/DAPES/SAS/MS, de 20198.

Essa ‘nova política’ se caracteriza pelo incentivo à internação


psiquiátrica e por sua separação da política sobre álcool e outras
drogas, que passou a ser denominada “política nacional sobre
drogas”, tendo esta grande ênfase no financiamento de
comunidades terapêuticas e numa abordagem proibicionista e
punitivista das questões advindas do uso de álcool e outras drogas
(CRUZ; GONÇALVES; DELGADO, 2020, p. 2).

Ainda, a Nota Técnica inclui de forma questionável a eletroconvulsoterapia


em seu texto9, referenciando o tratamento com eletroconvulsoterapia como um

7
O Edital 1/2018 da SENAD está disponível em:
http://www.confenact.org.br/wp-content/uploads/2018/10/CTs-Credenciadas-Edital-01-2018-CONFEN
ACT.pdf?utm_source=Republicadores&utm_campaign=5c013a3466-EMAIL_CAMPAIGN_2020_10_3
0_04_01&utm_medium=email&utm_term=0_069298921c-5c013a3466-288598377&mc_cid=5c013a3
466&mc_eid=[d680b34410]. Acesso em 15 de fev. de 2023.
8
A Nota Técnican. 11/2019- CGMAD/DAPES/SAS/MS de 2019 está
disponível em: https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf. Acesso
em: 13 nov. de 2022.
9
Apesar da eletroconvulsoterapia ser um método de tratamento indicado em determinados quadros, é
preciso reconhecer o uso irregular desse tratamento em pessoas “loucas”, especialmente antes da
Reforma Psiquiátrica nos manicômios. Por isso, não é recomendável, assim como é preocupante, que
a Nota Técnica tenha indicado a eletroconvulsoterapia como um dos melhores aparatos existentes de
tratamento dos pacientes (FUJITA, 2020).
27

dos melhores aparatos terapêuticos existentes, sem reconhecer o modo irrestrito e


punitivista em que era utilizado em hospitais psiquiátricos. Quanto a população
infantojuvenil atendida pela Rede, a Nota decide focalizar o debate sobre a
internação de crianças e adolescentes, dando ênfase que não há restrição
absoluta nem impedimento legal para que seja realizada a internação, restringido
o campo de debate sobre a população infantojuvenil inserida na RAPS a essa
única dimensão, com um teor de “naturalização” da internação. Ademais, abre
precedente, ao desagregar a Política Nacional sobre Drogas da Política Nacional
de Saúde Mental, para a formulação e publicação do Decreto 9.761 de 2019, que
tem como uma de suas diretrizes “estimular e apoiar, inclusive financeiramente, o
trabalho de comunidades terapêuticas [...]” (BRASIL, 2019).
As comunidades terapêuticas são entidades privadas sem fins lucrativos,
que pretendem acolher e atender pessoas usuárias de álcool e outras drogas a
fim de sua reabilitação, no entanto, são desqualificadas para isso. É atribuído às
comunidades terapêuticas, entre outras coisas:

a) contarem com equipe sem formação, boa parte sendo voluntários(as) e/ou
pessoas que “superaram” o uso abusivo que tinham com drogas e tentam
“ajudar” o próximo a seguir o mesmo caminho;
b) guiarem-se pela ideia de que o uso abusivo de álcool e outras drogas é
consequência de uma falha moral, espiritual e individual, tentando “corrigir”
a dependência nesses níveis, com alta vinculação ao cristianismo, impondo
a religião da entidade nas pessoas acolhidas, desrespeitando a laicidade
garantida constitucionalmente;
c) não trabalham na perspectiva de redução de danos, componente da RAPS,
impondo a abstinência total;
d) além do exercício de espiritualidade, impõe a reabilitação através da
laborterapia, utilizando da mão-de-obra das pessoas acolhidas para realizar
trabalho que deveria ser feito por trabalhadores(as) contratados(as);
e) não oferecem condições salubres no espaço de acolhimento e são
recorrentemente acusadas de abuso e violência contras os(as)
usuários(as);
f) estão em locais isolados e de difícil acesso, o que não permite ações
socioeducativas de criação de vínculos com a comunidade e de construção
28

de autonomia dos acolhidos, sendo também um fator isola e dificulta a


saída de acolhidos do serviço.10

Uma entre as muitas outras pessoas que sofreram com o método de


tratamento de uma unidade de comunidade terapêutica, foi Kleidson Oliveira
Bezerra, vice-presidente do Coletivo de Luta Antimanicomial Nacional, que, em
entrevista à Pública11, relata ter precisado caminhar por quase quarenta
quilômetros até encontrar uma rodovia depois de ter fugido de uma comunidade
terapêutica. “Alguns dias antes, ele tinha entrado na Kombi de uma igreja – da
qual nem lembra o nome –, convencido por missionários que abordavam
moradores de rua prometendo libertação do uso abusivo de drogas” (CORREIA,
2020). Por esses motivos, a existência de comunidades terapêuticas ameaça um
retrocesso aos avanços na área de políticas de saúde mental e são espaços de
reprodução de violência contra as pessoas internadas (CRUZ; GONÇALVES;
DELGADO, 2020).
Em contrapartida ao desenvolvimento e financiamento das comunidades
terapêuticas, ocorre a decrescência no número de aberturas de unidades de
CAPS no território nacional:

Fonte: CRUZ, Nelson F. O.; GONÇALVES, Renata W.; DELGADO, Pedro G.G, 2020, p. 14

10
A Nota de Avaliação Crítica da Nota Técnica 11/2019, assinada por acadêmicos e profissionais da
área da saúde e do Serviço Social, explana sobre os pontos aqui brevemente citados a respeito das
comunidades terapêuticas. Disponível em:
http://www.crprj.org.br/site/wp-content/uploads/2019/02/Note-tecnica-Saude-Mental.pdf. Acesso em:
14 de nov. de 2022.
11
De acordo com informações disponibilizadas em seu site, a Pública se define como uma agência de
jornalismo investigativo sem fins lucrativos.
29

Essa é uma ocorrência preocupante pois para que o CAPS seja de fato um
serviço substitutivo dos hospitais psiquiátricos, é necessário que tenham unidades
suficientes do serviço para que ele consiga abranger e atender integralmente a
população com transtornos mentais. O baixo número de incremento do CAPS
ameaça o efetivo acesso da pessoa com transtorno mental ao serviço público de
saúde mental.
Devemos mencionar que o baixo número de CAPS é algo que atinge
principalmente as pessoas das camadas mais pobres da sociedade. Apesar do
SUS e o CAPS serem pluriclassistas e não terem restrição ao seu acesso com
base em condição socioeconômica, são os mais pobres que dependem
exclusivamente da rede pública de saúde para serem atendidos, ao contrário das
camadas mais abastadas financeiramente que costumam deter os meios para
recorrer aos serviços privados.
Dessa forma, com base no que foi exposto, podemos perceber que há um
efetivo campo de tensões que entrelaça a política de saúde mental no país, uma
vez que, apesar dos avanços da ofensiva neoliberal de mercantilização da
“loucura”, a resistência por parte da oposição também é constante, sendo que
entidades como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva e o Conselho Nacional
de Saúde, assim como diversos outros atores, incluindo a própria população
usuária dos serviços e seus familiares, que continuam a resistir e reivindicar os
direitos das pessoas com transtornos mentais, e lutam por uma política de saúde
mental universal e de qualidade.
30

CAPÍTULO II: FAMÍLIA E CUIDADO EM SAÚDE MENTAL

Este capítulo aborda temáticas como o Estado, a iniciativa privada e a família


na provisão da reprodução social dos(as) sujeitos(as), o exercício do cuidado da
pessoa com transtornos mentais no grupo familiar e o trabalho profissional de
assistentes sociais na área de saúde mental, valendo-se de autoras como Mioto
(2020) e Rosa (2003) para dar suporte teórico à discussão. Além disso, parte das
reflexões presentes foram inspiradas nas considerações registradas no Diário de
Campo do estágio da autora em um Centro de Atenção Psicossocial em Santos.

1. Família e políticas públicas

Historicamente, existiram diversos modelos de composições de família, sendo


a família “[...] a instância predominantemente responsável pela sobrevivência de
seus componentes; lugar de pertencimento, de questionamentos; instituição
responsável pela socialização, pela introjeção de valores e pela formação de
identidade [...]” (LOSACCO, 2002, p. 64), ocupando um espaço importante de
relação entre o público e o privado. Antes da existência do modo de produção
capitalista, a produção e a reprodução social não possuíam valores diferentes e
hierárquicos, mas ambas eram compreendidas como processos de relevância para a
vida humana se desenvolver e, conforme Montenegro (2021), esse processo
econômico costumava ser compartilhado entre sujeitos(as) ligados(as) por laços de
parentesco.

Essa situação se altera a partir da separação entre sociedade civil e


Estado, a partir do final do século XVIII, o qual inaugura o ambiente
de trabalho fora do contexto familiar, instituindo as relações nesse
novo ambiente, alterando, inicialmente, a função econômica da
família e mantendo a função assistencial e educativa.
(MONTENEGRO, 2021, p. 36)

Com a dissociação entre trabalho produtivo, associando-o à esfera pública, e


trabalho reprodutivo, vinculando-o ao espaço privado do lar, ocorre uma reafirmação
dos papéis sociais de gênero, com a relegação do trabalho doméstico à mulher,
atribuindo-lhe o “dever” de trabalhar no lar através de um discurso impositivo que
afirma ser destino da mulher a realização de tarefas que permitam a reprodução
social dos membros da sua família, como se tal “dever” fosse determinado
biologicamente. Por sua vez, ao homem fica atribuído o papel de representação
31

pública e moral da sua família e o papel de provedor do lar. Esse processo de


reordenação dos papéis de gênero, dentro do processo econômico, separado entre
os espaços público e privado, está relacionado ao desenvolvimento do sistema
capitalista, que inicia por volta da metade do último milênio.
A reprodução social no grupo familiar e as políticas públicas do Estado têm
em comum o objetivo de proporcionar bem-estar àqueles sob sua proteção. Porém,
tais políticas de proteção são recentes na história do Estado brasileiro. Na época da
colonização, a responsabilidade do cuidado — conjunto de ações necessárias para
garantir a manutenção e continuidade da vida — e reprodução, recaía sobre a
família e a Igreja.
No final do século XIX, deu-se início o processo histórico e contínuo de
proteção social assegurada pelo Estado, através da Lei 3.397 de 1888 e Decreto
565 de 1890, que “[...] estabeleceram socorro e aposentadoria a funcionários da
Estrada de Ferro Central do Brasil” (MONTENEGRO, 2021, p. 63). Vê-se que o
primeiro ato do Estado pela proteção da vida dos(as) cidadãos(as) esteve vinculado
à condição do cidadão ser trabalhador, na iniciativa pública, da Estrada de Ferro,
associando o direito à proteção social do(a) sujeito(a) à sua produtividade.
O Estatuto da Família, de 1941, determinou a concessão de auxílios para
trabalhadores, possibilitando que as famílias que tivessem algum membro
trabalhador pudessem receber alguma forma de proteção.12 Àquelas famílias que
não se encaixavam nos critérios do Estatuto e não pudessem arcar com a provisão
do bem-estar para os(as) seus(suas) próprios(as) membros(as), restavam as ações
das instituições de filantropia (MIOTO, 2020). Esses foram alguns dos primeiros
esforços do Estado para, aos poucos e de forma seletiva, se responsabilizar pela
garantia do bem-estar da população. Pode-se ver então, expresso pela política
estatal, o caráter capitalista e exploratório do Estado burguês brasileiro,
assegurando bem-estar apenas àqueles aptos à participação na produção social de
riquezas, ao mesmo tempo em que o trabalho reprodutivo é invisibilizado, apesar de
ser intrínseco para a manutenção da vida dos(as) trabalhadores(as) e, por fim, da
mão de obra utilizada pelo maquinário do capital.
Na época do Brasil escravista, o bem-estar dos(as) cidadãos(ãs) era algo com

12
Importante considerar que o mundo do trabalho era ocupado primordialmente por homens brancos,
fazendo com que parte das mulheres dependessem do salário e proteção adquiridos pelos seus
maridos. Esse sistema também penalizava os(as) negros(as) que não eram admitidos(as) pelo
mercado de trabalho após a abolição da escravidão.
32

que eles(as) próprios deveriam arcar, o que obviamente não era possibilitado para
as pessoas negras historicamente escravizadas e privadas de qualquer forma e
garantia de proteção social dentro da exploração sofrida na sociedade escravista.
Percebe-se que, apesar de séculos de lutas e resistências contra a opressão dos
não-brancos pelos brancos, a sociedade escravista deu lugar à uma forma social
escravista,13 que continuou a privar os direitos de parte da população, inclusive
privando negros(as) do acesso ao mercado de trabalho após a abolição da
escravidão. A opressão de gênero também fica nítida quando se considera que as
mulheres, em relação aos homens provedores, dependiam da renda do
companheiro homem, sendo que o trabalho realizado por elas, de reprodução da
vida no espaço do lar, não era reconhecido como um trabalho de fato, devido à sua
naturalização como uma “atividade feminina”.
Após a Segunda Guerra Mundial, começou a ser implantado o Estado de
Bem-Estar Social em alguns países, notoriamente europeus, visando a ampliação
estatal na provisão de bem-estar à população. A experiência brasileira com o Estado
de Bem-Estar Social não se equipara à experiência europeia que conseguiu realizar
ações mais efetivas, apesar disso, foi construída uma noção de Estado protetor a
partir do desenvolvimento de políticas sociais que impactou os grupos familiares.
Partilha-se do entendimento de que a família foi um importante pilar
na instituição do Estado de Bem-Estar Social, atuando na reprodução
social dos seus indivíduos, através do trabalho masculino e sua
inserção no sistema previdenciário, mas essencialmente, através do
trabalho não pago da mulher na realização das atividades
domésticas e de cuidado aos membros da família (MONTENEGRO,
2021, p. 38).

Com a promulgação da Constituição de 1988, o Estado assume através da


Carta Magna o seu dever de garantia de proteção social aos cidadãos brasileiros.
Em sua redação original, no artigo 6°, afirma:14 "São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição".15 Apesar de garantir em seu texto os direitos sociais, o faz de fato
apenas para os(as) mais desamparados(as) da sociedade e de forma focalizada,

13
Conforme vídeo-aula de Muniz Sodré do curso Ler o Brasil, promovido pela Casa Sueli Carneiro,
2023. (Sem link disponível).
14
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 06 de abr. de 2023.
15
As Emendas Constitucionais n° 26 de 2000, n° 64 de 2010 e n° 90 de 2015 inserem,
respectivamente, a moradia, a alimentação e o transporte aos direitos sociais presentes no artigo 6°
da Constituição de 1988.
33

isentando-se da responsabilidade de ser um Estado provedor da população


brasileira ao todo, deixando à terceiros o cumprimento dos meios para oferecer
serviços de proteção social:

Os Estatutos e políticas instituídos a partir da década de 1990,


imprimem a família como instituição prioritária na responsabilidade
pelo cuidado de seus membros expressa no arcabouço legal e
conjunto de várias políticas sociais. A explicitação é clara: primeiro a
família deve proteger seus membros e apenas quando exauridas
suas possibilidades e as iniciativas da sociedade, é que deve entrar a
figura do Estado (MONTENEGRO, 2021, p. 40).

Os outros meios possíveis para satisfação das necessidades e direitos


básicos da população englobam os serviços privados que mercantilizam o acesso à
educação, saúde, alimentação e entre outros. A presença do setor privado no campo
dos direitos sociais expandiu com a ofensiva de instituições e grupos financeiros a
serviço do capital contra o Estado como provedor de bem-estar social. Isso, pois, a
partir das últimas décadas do século XX, a ideologia liberal começou a se imbricar
insidiosamente na política governamental brasileira, influenciando a criação,
planejamento e gestão de políticas públicas e sociais, instaurando um Estado
mínimo de baixa presença na provisão de bem-estar à população, com políticas
sociais caracteristicamente focalizadas e fragmentadas, destinando políticas para os
mais vulneráveis socioeconomicamente.
Para se ter uma reprodução social com presença mínima do Estado, ganham
espaço o mercado, a filantropia e a caridade como meios de manutenção da vida.
Além deles, é claro, têm-se a família, que historicamente é responsabilizada pelo
cuidado e proteção dos(as) seus(suas) membros(as), de forma a ser o recurso
primário para garantia da reprodução dos seus membros. Conforme Mioto (2007),
"[...] dilui-se a responsabilidade coletiva da proteção social e recolocou-se em cena a
tese da responsabilidade dos indivíduos, ou melhor de suas famílias na provisão do
bem-estar [...]" (MIOTO, 2007, p. 1).
A fim de que a família assuma e internalize a responsabilidade do cuidado e a
moral conservadora aliada à ideologia neoliberal, foram desenvolvidas estratégias
pelos capitalistas:
[...] para que de fato ocorresse uma incorporação da concepção
neoliberal por parte da população foi necessário que os capitalistas
recorressem às tradições e valores culturais. A retórica neoliberal
enfatizava as liberdades individuais, a política da identidade, o
multiculturalismo e o consumismo desenfreado. Nesse sentido, o
pensamento pós-moderno foi peça-chave, já que ele privilegia o
individual, o intimismo, a família e o privado, sendo compatível com o
34

que o neoliberalismo buscava para a construção de uma cultura


populista, fundada nos interesses do mercado (PASSOS, 2018, p.
80).

O pensamento individualista imbricado de ideias conservadoras, incide na


responsabilização das famílias a resolverem seus “próprios problemas” no espaço
do lar, o que desvincula as dificuldades enfrentadas à forma social, esta que causa
implicações nas famílias e na sociedade, fazendo com que a família se culpabilize
pelos comportamentos “desviantes” dentro de seu núcleo, de modo a tornar a família
“[...] alheia ao processo histórico” (MIOTO, 2020, p. 27). Com uma funcionalidade
adequada às exigências do modo de produção capitalista, o modelo de “[...] família
constituída por homem/pai - mulher/mãe e filhos” torna-se ideal para o “[...]
cumprimento de suas funções [...]” (MIOTO, 2020, p. 26). Essas funções seriam,
entre outras, o empenho de garantir a harmonia entre as pessoas no espaço do lar,
produzir mão-de-obra à disposição do capital e garantir a reprodução dos membros
da família (leia-se garantir a manutenção dos trabalhadores produtivos utilizados
pelo capital).

As políticas sociais vêm sendo construídas com base no princípio da


intervenção mínima sobre a família, já que o Estado, nesses
contextos, teria um interesse implícito no apoio aos padrões
tradicionais e de gênero do cuidado. Dessa forma [...], a ideologia do
familismo vem subsidiando os formuladores de políticas como uma
justificativa para a ausência de investimentos em ações robustas
para acompanhar a crescente demanda por políticas de cuidados, já
que caberia à família a responsabilidade central por suprir essas
necessidades (GROISMAN, 2015, p. 59).

O familismo, conforme comentado por Groisman (2015), ganha forças nas


políticas estatais de proteção social e atribui à família como principal responsável
pelo zelo e reprodução de seus(suas) membros(as), devendo o setor público intervir
quando o grupo familiar não conseguir suprir as suas necessidades sociais. Dessa
forma, o Estado se restringe a agir como socorrista das famílias em situação de
vulnerabilidade e pobreza que não conseguem "adequadamente" realizar a
manutenção da própria vida.
Pensando na questão de gênero dentro desse debate, ao impor sobre as
famílias os cuidados em relação à própria reprodução, o Estado está implicando
sobre as mulheres a carga do trabalho de cuidado no lar, uma vez que a divisão
sócio-sexual do trabalho acompanha o espaço privado.

[...] essa divisão ressignifica as atividades realizadas em cada lugar


social. Cria uma hierarquia entre elas, fato que particulariza a
35

sociedade moderna, qualificando a atuação masculina como


trabalho, porque realizado na esfera produtiva, coletiva, extralar,
mediante remuneração, que permite ao homem assumir a condição
de provedor financeiro do grupo familiar.
Nessa perspectiva, o trabalho feminino é descaracterizado enquanto
tal, transformando-se em ‘ato de amor’, por isso, não-trabalho,
realizado gratuita e individualmente, no espaço privado, sem
visibilidade social e circunscrito à esfera do consumo e da
reprodução social do grupo familiar (ROSA, 2003, p. 49).

A família heteronormativa cumpridora dos papéis sociais aqui mencionados,


foi essencial para a desenvolução do capitalismo e, apesar do capitalismo não ser o
criador da família nucler, é ele quem cria a “família moderna” (ARTOUS, 2021), onde
são atribuídos os papéis e expectativas sócio-culturais e a publicização do trabalho
produtivo e a privatização do trabalho reprodutivo, ou seja, o modelo de família aqui
exposto, serve aos propósitos de acumulação de riquezas pelos capitalistas, uma
vez que, conforme Andrade (2015),

ao não se ver obrigado a pagar pelas horas de trabalho despendidas


pelas mulheres dentro de casa, a figura do patrão ficaria camuflada
por detrás da do marido, que assim aparenta ser o único a usufruir do
trabalho doméstico (ANDRADE, 2015, p. 284).

Assim, o trabalho não remunerado de reprodução social realizado no lar,


implica na viabilização e manutenção da vida de trabalhadores(as) produtivos(as), o
que beneficia os capitalistas que são favorecidos pela naturalização das tarefas
domésticas como um “dever” feminino, o que auxilia a sustentar as estruturas do
modo de produção capitalista.16

Na realidade, para o capitalista seria o ideal que o trabalhador fosse


reduzido ao mínimo de suas necessidades biológicas, como
acontece com algumas políticas sociais que oferecem um mínimo
que nem sequer atende a essas necessidades de sobrevivência, o
que denominamos biologização do social (FALEIROS, 2013, p. 88).

Assim, o espaço do lar não está dissociado da esfera pública, tendo em vista
que a reprodução que ocorre no ambiente privado, possui implicações para além do
lar. “A dona de casa [...] apenas parece estar cuidando das necessidades privadas
de seu marido e de suas crianças, mas os reais beneficiários de seus serviços são o
atual empregador de seu marido e os futuros empregadores de suas crianças”
(DAVIS, 2016, p. 222).

16
Nesse sentido, poderia-se dizer que a família se encontra em uma instância público-privada.
Porém, de forma a facilitar a compreensão de que o trabalho doméstico/reprodutivo não é
compartilhado socialmente, existindo de fato uma dicotomia e diferenciação entre mulher-privado e
homem-público, referimo-nos ao espaço do lar como privado.
36

O debate sobre o cuidado deve ser analisado em consideração com os


marcadores sociais que atravessam os(as) sujeitos(as) e em como eles têm
impactos reais sobre as famílias e determinam processos de diferenciação entre os
grupos, a partir das interseccionalidades vividas:

[...] a realidade tem demonstrado que quanto mais responsabilidade


pelo bem-estar é delegada à família, maior é o incremento da
desigualdade. Isso porque as famílias estão clivadas pelos três
grandes eixos da desigualdade: classe, gênero e etnia, além das
diferentes formas de organização e de relações com as políticas
sociais (MIOTO; DAL PRÁ; WIESE, 2018, p. 2-3).

Devido a profunda desigualdade de classes, as famílias brasileiras vivem sob


condições materiais extremamente diversas, dependendo da camada social a qual
pertencem. Para as famílias mais abastadas financeiramente, a contratação de
terceiros para a realização do trabalho doméstico em seu próprio lar torna-se um
recurso muito utilizado. A pessoa a ser contratada terá grandes chances de ser uma
mulher negra, tendo em vista que esse é o perfil da maioria das empregadas
domésticas do país. De acordo com dados levantados pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua entre o fim do ano de 2019 e de 2021, 92% das
pessoas ocupadas em trabalho doméstico eram mulheres, destas, 65% eram
negras17. Ou seja, para além da mulher negra cuidar do bem-estar de outras
pessoas, ela será responsabilizada pelo cuidado da própria reprodução e da sua
família, cuidado esse que pode ser prejudicado devido às circunstâncias da sua
ocupação:

Devido à intrusão adicional do racismo, um vasto número de


mulheres negras teve de cumprir as tarefas de sua própria casa e
também os afazeres domésticos de outras mulheres. E com
frequência as exigências do emprego na casa de uma mulher branca
forçavam a trabalhadora doméstica a negligenciar sua própria casa e
até mesmo suas próprias crianças (DAVIS, 2016, p. 225).

Para a população mais abastada financeiramente do país, o recurso


financeiro torna possível garantir/comprar o próprio bem-estar, apesar disso não
garantir a qualidade do serviço adquirido. Tendo em vista isso, como as famílias
desprovidas de recursos materiais e financeiros podem cumprir o papel de
manutenção da própria vida, que deveria ser efetuado pelo Estado? Tornou-se
prática comum a culpabilização das famílias que não conseguem cuidar de sua

17
Disponível em: https://www.dieese.org.br/infografico/2022/trabalhoDomestico.html. Acesso em: 06 de abr. de
2023.
37

própria reprodução e bem-estar. A pobreza e as condições de miséria foram


naturalizadas e, com a desvinculação do econômico do social, na política neoliberal,
o Estado burguês não é configurado como a instituição a ser responsabilizada pela
miserabilidade existente na sociedade, mas sim as próprias famílias em situação de
miséria, vitimizadas por uma economia que reproduz compulsoriamente um sistema
em que as pessoas pobres empobrecem cada vez mais, e os ricos, a minoria da
sociedade, enriquecem cada vez mais.18
O familismo, além de isentar o Estado de sua responsabilidade como
provedor de proteção-social, contribui para a criação de um senso comum que diz
que se as figuras responsáveis em uma família não conseguem “dar conta” de suas
próprias necessidades sociais, então elas são negligentes. Não acomete, de modo
geral, a noção popular, denunciar o Estado pela miserabilidade generalizada
enfrentada por tantas famílias brasileiras,19 mas sim denunciar as próprias famílias,
em um movimento de judicialização de famílias pobres acusadas de “negligência”
por não conseguirem assegurar o bem-estar de seus(suas) integrantes, sem realizar
considerações acerca das privações de direitos e cidadania que possam ter levado
tais famílias à situação considerada de “negligência”.

Ao mesmo tempo em que se discursa em nome da proteção da


família, solapa-se as suas bases de sustentação, especialmente das
famílias pobres, ao realizar o desmonte da seguridade social, da
educação e de outras políticas setoriais (MIOTO, 2020, p. 37).

A ideologia neoliberal reproduz que investir em direitos sociais causará um


déficit orçamentário, mas que socorrer os bancos privados é essencial para que
possa sobreviver a economia do país. A lógica vigente atualmente estratifica as
massas, dificultando a existência de um sentimento de solidariedade a partir de um
discurso profundamente individualista e competitivo, que naturaliza a venda de
direitos sociais enquanto ocorre o sucateamento dos serviços públicos planejados
para atender os mais desprovidos socioeconomicamente, através de um sistema
seletivo em que o(a) sujeito(a) só pode “receber” determinado direito se comprovar a

18
Conforme dados publicados pelo World Inequality Database (WID), referentes ao ano de 2021, 1%
da população brasileira detinha 49% do total da riqueza no Brasil. Enquanto isso, 50% da população
estava na margem negativa, possuindo -0,4% da riqueza nacional. Informações disponíveis em:
https://oiceberg.com.br/distribuicao-da-riqueza-no-brasil-e-no-mundo/#:~:text=O%20top%201%25%20
mais%20rico%20do%20Brasil%2C%202%2C1,19%2C2%20milh%C3%B5es%20de%20pessoas.
Acesso em: 10 de abr. de 2023.
19
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (2022), do IBGE, em 2021, 29,4% da população
brasileira vivia na pobreza e 8,4% em situação de extrema pobreza.
38

própria privação de cidadania.


A lógica familista está tão imbricada na concepção popular que ao acessar
algum serviço público, o(a) usuário(a) geralmente se sente agradecido(a) pelo
serviço prestado, como se os(as) profissionais do serviço estivessem fazendo um
“favor”, e não exercendo um trabalho assalariado que viabiliza o acesso do(a)
cidadão(ã) ao seu direito.
Toda e qualquer pessoa deve ter a sua cidadania garantida e assegurada
pelo Estado, tendo em vista que todos os seres humanos carecem de cuidados e
proteção para o seu bem viver. No entanto, para que isso ocorra, alguns desafios
são impostos principalmente pelo capitalismo neoliberal que sobrepõe as
necessidades da população aos seus próprios interesses econômicos. A moral
conservadora contribui na cristalização dos papéis de gênero definidos socialmente
que dividem as funções e categorias de trabalho entre os sexos, de modo que

[...] além de minar uma divisão equitativa de responsabilidades sobre


as tarefas de cuidado entre homens e mulheres, afeta a definição de
temas e prioridades das políticas públicas, resultando em uma
não-abordagem das questões do cuidado por parte do Estado e no
conseqüente déficit aos serviços públicos dedicados à cobertura
dessas tarefas (KUCHEMANN, 2010, p. 4).

A precarização das condições de vida e trabalho e a concentração de renda


em grupos de maior poder aquisitivo, fazem com que seja prevalente a desigualdade
social. Estes fatores contribuem para que a maioria da população em condição de
vulnerabilidade social não consiga sequer recorrer às alternativas de mercantilização
impostas pelo modelo do Estado Mínimo. É importante deixar nítida a ideia de que,
independentemente de existirem pessoas que possuem os recursos financeiros que
possibilitam a aquisição de serviços que satisfaçam as suas necessidades sociais, a
existência de uma lógica que privatiza direitos sociais, atua mediante o objetivo de
expansão do capital, sem qualquer compromisso com a efetivação da cidadania da
população, vinculando o acesso aos direitos sociais à condição socioeconômica das
pessoas, que acabam transmutando para o lugar de clientes, ao invés de
sujeitos(as) de direitos.
Dessa forma, fica ameaçada a responsabilização do Estado como ente
protetor da população, que ao invés de criar planos para a universalização dos
direitos sociais, recolhe-se a um papel de implementador de projetos focalizantes
que fragmentam a classe trabalhadora em diferentes níveis socioeconômicos,
39

atendendo aqueles(as) que se encontram nas situações mais graves de


miserabilidade e de vulnerabilidade socioeconômica.

2. A família e o cuidado de pessoas com transtornos mentais

No cotidiano, é costume a ocorrência da utilização de termos como “louco” e


“doido” para se referir a alguém com um comportamento atípico ou para justificar a
ação repremendatória de alguém, de acordo com as normas sociais. Isso evidencia
o pré-conceito equivocado e negativo que associa a “loucura” às pessoas
consideradas moralmente "incorretas". Com isso, pode-se entender que a discussão
sobre transtornos mentais não está presente no cotidiano dos(as) sujeitos(as), de
forma que persevera uma impressão deslocada da realidade sobre as pessoas com
transtornos mentais. Quando é dito que alguém com comportamento "inaceitável"
deve “voltar para o hospício” ou “tem que ser internado”, percebe-se a permanência
da lógica hospiciocêntrica no discurso popular, que reproduz o discurso de que
“lugar de louco é no hospício”.
A família e os(as) seus(suas) sujeitos(as), em constante relação com a
sociedade e as instituições, reproduzem as ideias e preconceitos presentes na moral
hegemônica. Não é raro que quando confrontada com a realidade de que um dos
seus membros possui transtorno mental, a família tenha que lidar com um processo
complexo de compreensão do que é aquele transtorno, e de aceitação que seu
familiar possui um transtorno mental. A família não espera e não está preparada
para ter alguém com transtorno mental e as suas possíveis implicações no seu
grupo. Além disso, quando defrontada com sintomas provenientes do sofrimento
emocional de um(a) de seus(suas) membros(as), a família tende a interpretá-los
como da ordem da moral e de falha de caráter do(a) sujeito(a), e não como sintomas
de um possível transtorno/doença, algo que tende a ocorrer em casos em que as
pessoas “[...] se mantém lúcidas, orientadas espacialmente e em relação ao próprio
eu” (ROSA, 2003, p. 259). Ademais, podem ocorrer questionamentos como “o que
eu fiz de errado?”, na qual o familiar toma para si a responsabilidade e culpa pelo
transtorno mental do outro. Dessa forma,

[...] quando emerge uma pessoa com transtorno mental as famílias


são demandadas primeiramente a enfrentar a nova situação, tendo
que ao mesmo tempo compreender a própria enfermidade, a
dinâmica dos serviços de saúde mental e manejar seus próprios
40

sentimentos e recursos (ROSA; MELO, 2009, p. 98).

Dada a implementação de políticas familistas, “[...] os pacientes recebem o


acompanhamento médico que necessitam, em regime ambulatorial, e permanecem
com suas famílias” (SANT’ANA; PEREIRA; BORENSTEIN, 2011, p. 51), atribuindo
ao arcabouço de deveres já existentes sobre a família, o cuidado do(a) membro(a)
com transtorno mental. A institucionalização é um recurso buscado por muitas
famílias, uma vez que elas enfrentam o despreparo para cuidar de alguém com
transtorno mental. Vale mencionar que, em uma pesquisa realizada por Rosa (2003)
com responsáveis de pessoas com transtornos mentais, foi descoberto que uma
quantidade expressiva de famílias monoparentais e chefiadas por mulheres estava
presente no universo pesquisado, permitindo à pesquisadora sugerir “[...] que as
famílias que não mantém a divisão de gênero tradicional tendem a procurar mais a
internação psiquiátrica como recurso no rol de suas estratégias de sobrevivência”
(ROSA, 2003, p. 238).
Conforme diz Montenegro (2021), apoiada em Guimarães (2020), o exercício
do cuidado pode se dar encarregado do sentimento de obrigação para com o outro,
envolvendo amor e responsabilidade. Sabendo que a figura de cuidadora recai
principalmente sobre a mulher por já ter imbricada em sua socialização o dever do
cuidado, o trabalho de cuidado se reveste com o chamado “mito do amor”, que
implica na mulher realizando tarefas impostas socialmente para a garantia da
reprodução do grupo familiar, sob o véu de que “cuida porque ama”. Esse cenário
constitui a base para que a mulher se torne a principal cuidadora do(a) familiar com
transtorno mental, resgatando os sentimentos de que é dever da família cuidar ou,
mais apropriadamente, é dever da mãe e/ou qualquer outra mulher do grupo familiar
cuidar, de forma a realizar essa tarefa de forma isolada. Sant’Ana, Pereira e
Borenstein (2011) encontraram em sua pesquisa as seguintes questões referentes à
responsabilidade do cuidado da pessoa com transtorno mental:

Uma das participantes (filha) enfatizou a falta de interesse dos outros


membros da família em se responsabilizar pelo cuidado da mãe, que
vive com ela e fica somente sob os seus cuidados, como referido a
seguir: [...] eles acham que não tem compromisso e eles fazem só
quando eles querem [...] (SANT’ANA; PEREIRA, BORENSTEIN,
2011, p. 53).

Caso além do trabalho reprodutivo, a mulher também se ocupe com trabalho


produtivo, então ela é acometida por uma dupla jornada de trabalho, ou tripla, em
41

casos, por exemplo, que presta cuidados à pessoas fora do seu lar, como sogros e
etc. Ou seja, a exploração e opressão da mão de obra feminina pode se acumular
por meio de diferentes dimensões da sociedade. Em um contexto de uma família
com uma pessoa com transtorno mental, “naturalmente” irá recair sobre a mulher o
dever de ser a principal cuidadora do membro com transtorno mental, o que pode
implicar na intensificação da já existente jornada de trabalho da mulher. Como o
cuidado de alguém com transtorno mental é algo que, a depender do grau de
sofrimento, exige atenção constante e disponibilidade imprevisível, muitas das
cuidadoras recorrem ao trabalho informal para, de alguma forma, conseguir
assegurar renda, e estar disponível para as necessidades que surgirem em relação
a pessoa que recebe os cuidados, como é o caso dessa cuidadora entrevistada por
Rosa (2003): “Vendo perfume de catálogo que é o que facilita cuidar dele por que
não tem hora, nem chefe e qualquer emergência posso correr” (ROSA, 2003, p.
288).
O impacto nos grupos familiares de baixa renda com algum membro com
transtorno mental se difere daqueles com maior poder aquisitivo. O diagnóstico de
transtorno mental e suas implicações no grupo familiar se agregam e/ou agravam as
condições objetivas e subjetivas de existência particulares às famílias mais
vulneráveis socioeconomicamente.20 Além disso, as famílias pobres costumam
contar principalmente apenas consigo mesmas, e/ou com os integrantes da rede de
apoio a qual pertencem para realização dessa tarefa, uma vez que os serviços de
saúde mental e seus recursos, por vezes, não são suficientes para cobrir
integralmente as demandas da população que necessita de atendimento. Vale
ressaltar que as pessoas de baixa renda não ficam “presas” ao seu núcleo familiar,
mas que se articulam em rede, tendo em vista que para elas, o vínculo familiar pode
existir para além dos laços consanguíneos e se estender àqueles que, apesar de
não possuírem laços de parentesco, são pessoas com quem se pode contar, em
uma relação baseada em solidariedade e reciprocidade, mediatizada por ações de

20
Rosa (2003) diz: “Nas famílias em situação de pobreza, assalariadas urbanas com parcos e
insuficientes recursos econômicos, fato que as torna vulneráveis em suas condições de vida em
geral, apreender o impacto do transtorno mental é uma tarefa complexa, pois, se é impossível isolar o
fenômeno, que, por si só, é complexo e multifacetado, visto que engloba a dimensão biológica,
psicológica, social e econômica, por outro lado, os problemas sociais nas famílias pobres tendem a
ter uma complexidade peculiar. Às privações econômicas, que em geral antecedem as enfermidades,
associam-se cotidianamente o analfabetismo, a violência doméstica, o alcoolismo, a família
monoparental, o desemprego, o subemprego, a submoradia e a destituição de direitos conjugados ao
estigma da pobreza (ROSA, 2003, p. 237).
42

ajuda mútua e/ou por sentir-se obrigado a retribuir alguma ajuda anterior
(MONTENEGRO, 2021).
Assim, para além dos impactos materiais, tais famílias também são
acometidas na dimensão subjetiva. O cuidado realizado no âmbito da família e por
seus(suas) integrantes “[...] pressupõe cuidado material, que por sua vez implica
trabalho, cuidado econômico que implica custo econômico e cuidado psicológico que
implica vínculo afetivo, sentimental e emotivo” (MIOTO; DAL PRÁ; WIESE, 2018, p.
2). Para a família que tenha um(a) ou mais membros(as) com transtornos mentais,
apresentam-se algumas particularidades provenientes do cuidado de alguém com
transtorno mental, sendo que tornam-se

[...] parte da rotina familiar: garantir as suas necessidades básicas;


coordenar suas atividades diárias; administrar sua medicação;
acompanhá-los aos serviços de saúde; lidar com seus
comportamentos problemáticos e episódios de crise, fornecer-lhes
suporte social; arcar com seus gastos; e superar as dificuldades
dessas tarefas e seu impacto na vida social e profissional do familiar
(SANT’ANA; PEREIRA, BORENSTEIN, 2011, p. 51).

A depender de quem tem o transtorno mental no grupo familiar, os impactos


se diferem. Caso seja o homem a ter o diagnóstico, a sua figura de representante da
moral e da família no espaço público tende a ficar comprometida, voltando-se ao
espaço privado do lar. Estar relacionado ao espaço privado, por vezes
impossibilitado de manter um trabalho e continuar o seu papel de principal provedor
do lar podem levar a um comportamento agressivo do homem, que se encontra
envergonhado com a sua condição. A mãe que tem transtorno mental causa os mais
profundos impactos na família, isso por ser o “[...] elo organizador do grupo. Por
intermédio dela ocorrem as transações e intermediações no grupo” (ROSA, 2003, p.
266). Em ocasião de estar comprometida devido ao seu grau de sofrimento
emocional, trinca-se o pilar que sustenta a harmonia do grupo familiar. Nos casos
em que os(as) filhos(as) possuem o transtorno mental, os impactos são de menor
gravidade, tendo em vista que já se encontram numa condição de dependência.
O cuidado em saúde mental é complexo e duradouro, o que exige vínculo e
manutenção de informações e trocas sobre os processos de cuidado entre o(a)
usuário(a), a família e o serviço de saúde mental. Quando isso não ocorre, pode
gerar inseguranças e descrédito na proposta de cuidado da equipe profissional por
parte da família. A adesão aos acompanhamentos de saúde é responsabilidade, em
parte, das equipes, uma vez que a elas cabe a tentativa de estabelecimento da
43

relação entre a família e o serviço. Assim, a falta de conhecimento que a família


possui sobre o processo saúde-doença pode ser um indicador de uma falta dos
serviços ao não informarem efetivamente as famílias, o que demonstra a dificuldade
em efetivar uma relação educativa e transparente entre os(as) profissionais dos
serviços e as famílias. Ocorre então um desgaste com o serviço público, que
costuma ser utilizado apenas quando o sofrimento emocional da pessoa com
transtorno se agrava e a sua conduta foge do controle da família.
Para explicar algumas das atividades presentes na realização do cuidado,
dispomos uma divisão entre três segmentos que expõem as atribuições existentes
no universo do cuidado.21 Cuidar exige zelo; mediação entre a pessoa com
transtorno mental, as equipes técnicas de saúde mental e os(as) demais integrantes
da família; ter atenção constante, possuindo um “papel de observador, avaliador,
determinando as ações e decisões a serem tomadas, surgindo assim o estresse e
ansiedade pela transformação das situações vivenciadas” (SANT’ANA; PEREIRA;
BORENSTEIN, 2011, p. 54). A convivência da família com uma pessoa com
transtornos mentais, a depender do grau de adoecimento, pode gerar inseguranças
e ansiedades em como lidar com situações de crises, as quais podem se manifestar
de forma que represente perigo a ambos. Uma cuidadora entrevistada por Rosa
(2003) relata: “Se eu pego no sono fico com medo dele me matar. Já peguei faca
debaixo do colchão dele várias vezes” (Rosa, 2003, p. 254). Um profissional de um
serviço de saúde entrevistado na mesma pesquisa refere: “A reação que o paciente
apresentou em casa, de violência, de agressividade foi tão grande que a família
apavorada, no momento da admissão já prefere que o paciente fique aqui o maior
tempo possível” (Rosa, 2003, p. 254).
Cuidar implica em profundo envolvimento emocional; gastos financeiros;
administração de medicamentos; acompanhamento em consultas; doação do próprio
tempo; diminuição do acesso a espaços de convivência, socialização e lazer,
apontada pela “ausência a festas e eventos, diminuição do número de visitas a
amigos e parentes” (SANT’ANA; PEREIRA; BORENSTEIN, 2011, p. 53). E ainda,
“[...] a interrupção das contribuições previdenciárias em empregos formais e a
‘opção’ pelo mercado informal de trabalho – tendo em vista as ‘facilidades’ desta

21
Importante ressaltar que não há a intenção de determinar que as cuidadoras de pessoas com
transtornos mentais devam cumprir tais tarefas, mas sim, de exemplificar parte das dimensões
existentes no espectro do cuidado e o conjunto de elementos que podem recair sobre a figura da
cuidadora.
44

modalidade para a conciliação entre trabalho remunerado e cuidado domiciliar”


(MIOTO; DAL PRÁ; WIESE, 2018, p. 8). Isso resulta no comprometimento da renda
da cuidadora; falta de tempo para cuidados consigo mesma, incluindo de sua saúde;
dificuldade em criar e concretizar projetos pessoais; enfim, a secundarização da vida
da cuidadora.
Os achados de Rosa (2003) em sua pesquisa com cuidadores de pessoas
com transtornos mentais confirmam esses apontamentos: ‘São 24 horas por dia
acompanhando em remédio, solidariedade [...] é viver eternamente sem dormir,
preocupada”, afirma uma entrevistada. Outra cuidadora também afirma: “Toda minha
vida está comprometida porque tenho que dar atenção direto a ela e sou a única
filha. Meu irmão ajuda, mas é com dinheiro” (ROSA, 2003, p. 286).
Quanto mais a pessoa com transtorno mental resiste ao seu diagnóstico e
tratamento, mais esforço precisa despender a sua cuidadora para poder realizar as
atividades necessárias do cuidado, como dar medicação e levar a consultas. Esse
processo, quando dificultado pela pessoa com transtorno mental, acarreta em
estresse para a cuidadora. Na verdade, devido às implicações de natureza subjetiva
que resultam da realização do cuidado, pode acabar ocorrendo o desenvolvimento
de transtornos mentais e/ou sofrimento emocional por parte da cuidadora. Isso pode
ser notado a partir dos registros de Rosa (2003): “Sou perturbada com 4 filhos
doentes mentais. Tenho medo também de ficar doente. Tenho três em casa. É um
inferno. O outro tá na penitenciária [...] tentou me matar. É muito sofrimento. Sofre
ele e sofre a gente” (ROSA, 2003, p. 284).
Apesar de toda a complexidade que envolve o exercício do cuidado e em
como as cuidadoras podem ser impactadas por esse trabalho, as mesmas não
podem contar com uma forma ou garantia de reconhecimento ou compensação pelo
esforço despendido no cuidado, uma vez que se ela deve doar a sua vida em prol do
cuidado, então o faz porque é o seu “dever”, conforme preconizado socialmente.
Assim, o cuidado da pessoa com transtorno mental tem consequências no grupo
familiar em suas condições subjetivas, sociais e materiais, especialmente em
famílias de baixa renda e com implicações mais profundas na figura da cuidadora
principal. A cuidadora tem a “[...] sua individualidade invadida pelas exigências do
cuidado” (ROSA, 2003, p. 302) e sofre em “primeira mão” os desgastes das relações
familiares provenientes da complexidade envolta do cuidado da pessoa com
transtorno mental.
45

3. Reflexões sobre o trabalho profissional de assistentes sociais

O Serviço Social foi concebido, na sociedade brasileira, como uma ocupação


com vínculos estreitos com o empresariado e a Igreja Católica. A princípio, os(as)
trabalhadores(as) do Serviço Social deviam corresponder a características
específicas que englobavam a sua personalidade, rede social e reputação. A missão
dessas assistentes sociais no princípio da profissão era atender pessoas
desprovidas socioeconomicamente, prestando atendimento em uma lógica
individualizante e moralizante, descolada da realidade macrossocial e dos
determinantes sócio históricos, atribuindo aos(às) sujeitos(as) a responsabilidade
pela situação de suas vidas e de violação de direitos. A partir disso, percebe-se que
a lógica individualista que esteve presente na saúde mental hospiciocêntrica,
também se manifestou no trabalho de assistentes sociais no país, de forma
hegemônica no seu início.
Com o Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina,
foi desencadeado um processo de surgimento e embate entre tendências
divergentes a respeito do exercício profissional.

O movimento foi construído por segmentos expressivos de


profissionais - intelectuais de Serviço Social que, em diferentes
países, desencadearam a crítica ao Serviço Social tradicional,
desenvolvido na América Latina desde sua origem, com a criação da
primeira escola de formação de profissionais, fundada no Chile, em
1925 [...] É deflagrado em um contexto de profunda agitação social
(constituída pelos movimentos progressistas e revolucionários do
final da década de 50 e início da década de 60, animados,
destacadamente, pela vitória da Revolução Cubana, em 1959; e
também pelos movimentos de resistência à contrarrevolução que se
organizava e se impunha através das ditaduras militares) (LOPES,
2016, p. 240).

O período de Renovação do Serviço Social brasileiro, por sua vez, foi


marcado por vertentes ideológicas distintas que atravessavam o corpo profissional.
De acordo com Netto (2011), “a renovação implica a construção de um pluralismo
profissional, radicado nos procedimentos diferentes que embasam a legitimação
prática e a validação teórica, bem como nas matrizes teóricas a que elas se
prendem” (NETTO, 2011, p. 131).
O Congresso da Virada ou III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
46

(CBAS), de 1979,22 foi um marco para a profissão, que possibilitou a construção do


Código de Ética do/a Assistente Social em 1993 com um projeto profissional
hegemônico, comprometido com a luta da classe trabalhadora em um campo de
tensões entre a demanda institucional e neoliberal e a demanda do grupo
populacional explorado pelo capital. Assim, o objeto de trabalho dos(as) assistentes
sociais é identificado nas expressões da questão social23, reproduzida
compulsoriamente a partir da contradição entre capital e trabalho. Apesar disso, e
em respeito ao pluralismo, a categoria profissional dos(as) assistentes sociais
consiste de sujeitos(as) com variadas posturas éticas e princípios que norteiam o
seu trabalho, o que permite um Serviço Social heterogêneo no que se refere às
ideologias presentes na composição de seu corpo profissional.
Conforme sabemos, a saúde mental brasileira sofreu um processo de
Reforma Psiquiátrica em um movimento contra, entre outras coisas, o modelo
hospiciocêntrico, de ênfase na psiquiatria e às profundas violações dos direitos
humanos e sociais dos pacientes. No entanto, mesmo com a Reforma, algumas
contradições se mantiveram na área da saúde mental referente ao trabalho de
assistentes sociais. Conforme diz Bisneto (2007),

[...] deparamo-nos com duas grandes restrições: a) os assistentes


sociais não são capacitados pela formação universitária para
entender a loucura na sua expressão de totalidade histórica, social e
política; b) a psiquiatria reformada quer abrir o campo para o ‘social’,
mas o movimento de renovação é heterogêneo dentro da categoria e
nem todos psiquiatras visam rever os mandatos sociais e sua
hegemonia no espaço profissional (BISNETO, 2007, p. 37).

Apesar disso, devido à reforma foi possibilitado que profissionais do Serviço


Social, competentes em sua formação crítica e social, pudessem trabalhar com
os(as) usuários(as) e com as equipes multidisciplinares dos serviços de atenção à

22
“O III CBAS representou um elo na transição histórica entre a ditadura e o processo de construção
democrática no Brasil. Assim como um elo de ligação das assistentes sociais com os trabalhadores,
da identificação com as lutas mais gerais da sociedade, e como uma ruptura de um modelo de prática
de adaptação, para reforçar uma articulação da profissão com as transformações das relações sociais
de dominação e exploração no cotidiano de sua atuação” (SALAZAR; NICÁCIO, 2020). Disponível
em:
http://www.cress-es.org.br/41-anos-do-congresso-da-virada-do-servico-social-brasileiro-a-importancia-
da-consolidacao-teorico-pratica-e-do-projeto-etico-politico-em-nossa-historia/. Acesso em: 10 de maio
de 2023.
23
Conforme Iamamoto (1998), “A Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões
das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é
cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos
seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 1998, p.
27).
47

saúde mental, visando o desenvolvimento e fortalecimento da autonomia e cidadania


dos usuários e promovendo seu acesso aos direitos que lhe são assegurados.
Assim, por mais que as contradições estejam presentes no campo de trabalho de
assistentes sociais na área da saúde mental, Robaína (2011) reitera que

O campo da atenção psicossocial aqui é entendido como o plano que


envolve as questões de assistência, moradia, trabalho, cidadania...
relativos aos usuários dos serviços de saúde mental, que não pode
ser confundido com paradigma psicossocial onde é atribuída ao
assistente social a prática de terapias (ROBAÍNA, 2011, p. 343).

A partir da experiência de estágio em um CAPS no município de Santos, foi


possível a observação da relação entre o Serviço Social e a instituição dentro do
serviço de saúde mental. Como parte do processo de estágio, foram registrados
alguns aspectos sobre o cotidiano no serviço, que contribuíram para a articulação
dos pensamentos expostos neste texto. É possível perceber que, de modo geral, as
demandas e prioridades institucionais divergem daquilo que o(a) assistente social
deve realizar, se cumprindo um projeto profissional alinhando ao Código de Ética24 e
às Atribuições Privativas25 da profissão.
O Serviço Social, atuando em um CAPS, deve articular com a equipe
multiprofissional do serviço, além de participar em reuniões de matriciamento com
Unidades Básicas de Saúde (UBS) na área de abrangência do CAPS, em reuniões
de equipe e de rede, com serviços para além do campo da saúde, conforme a
necessidade. Fica claro, dessa forma, que o trabalho de assistentes sociais é
atravessado por relações interprofissionais e marcado pelo contato com as redes de
serviços de proteção social, uma vez que, em determinados casos, há o
acompanhamento de diversos(as) profissionais de áreas de atuação e serviços
distintos. Nesse sentido, pode-se pensar que há uma tentativa de quebra da
centralidade de um saber científico específico dentro da instituição.
A partir dos preceitos do movimento da Luta Antimanicomial, os(as)
profissionais, independente de sua especialidade, que atuam em CAPS, devem
estar comprometidos(as) com o reconhecimento da relação saúde-doença
espacializada em um determinado território inserido na sociedade, reconhecendo os
percalços sociohistóricos que afetam as dimensões psicológicas e clínicas das
24
Para mais informações sobre o Código de Ética do/a Assistente Social (1993), acesse:
https://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf. Acesso em: 10 de maio de 2023.
25
Caso tenha interesse em ler sobre as Atribuições Privativas do/a Assistente Social (2013), acesse:
http://www.cfess.org.br/arquivos/atribuicoes2012-completo.pdf. Acesso em: 10 de maio de 2023.
Em 1993 é promulgada a Lei nº 8.662 que regulamenta a profissão de assistente social.
48

pessoas, para que dessa forma haja enfrentamento à patologização de sintomas


causados e/ou potencializados por determinações familiares, societárias e históricas.
O profissional que exerce sua função na área da saúde deve atender os(as)
pacientes através de uma apreensão totalizante e conjuntural dos processos que
os(as) atravessam, munindo-se de uma perspectiva pluridimensional que se esforce
para compreender o(a) paciente em suas variadas dimensões, relações e tensões
vivenciadas, uma vez que, de acordo com a Lei 8.080/90, a saúde é “[...]
determinada por uma série de fatores básicos para a sobrevivência cotidiana, tais
como: alimentação, moradia, saneamento básico, acesso ao trabalho, educação,
lazer etc”.
Assim, cabe refletir e identificar questões além do indicador biológico dado,
que possam interferir na saúde do paciente, fazendo-se necessário pensar em
variáveis como estilo de vida, acesso (ou não) aos direitos sociais, território e etc.
como possíveis causadores e/ou catalisadores de doenças. Para isso, é necessário
o exercício contínuo de um olhar sensibilizado para com as questões da vida do
outro, o que possibilita a percepção de nuances e fenômenos que impactam o viver
das pessoas atendidas. O trabalho das equipes poderá contribuir na identificação da
origem dos fenômenos que atravessam as condições de sofrimento emocional e
transtornos mentais das pessoas, uma vez que todas as informações e reflexões
apreendidas são passíveis de contribuírem para a realização de um melhor
desempenho por parte da(o) profissional na intervenção das demandas daquele(a)
que atende.
Naturalmente, a capacitação ou educação permanente para os(as)
profissionais é condição para qualificação do trabalho e percepção das questões que
envolvem a vida dos(as) sujeitos(as) em sua totalidade, depreendendo-se de
apreensões a-históricas e a-críticas a respeito das vivências e demandas das
pessoas atendidas.
A fim de nortear o atendimento dos usuários do CAPS, deve ser construído
um Projeto Terapêutico Singular (PTS) pelo(a) usuário(a), por sua referência técnica
dentro do serviço e por outros(a) profissionais, conforme necessário.

O PTS é um organizador do cuidado que inclui a família, a biografia,


o território geográfico onde a pessoa habita, os recursos desse
território e o que é mais difícil de considerar: o território existencial
(GUATTARI, 1992) do usuário e seu contexto. E, por fim, inclui
também a potencialidade do sujeito individual e coletivo em questão
(LANCETTI, 2015, p. 4).
49

Ao construir um PTS, “[...] é preciso considerar as demandas, as


necessidades e projetos potencializadores” (LANCETTI, 2015, p. 13). Entretanto,
dada a cotidianidade presente na rotina do trabalho, número de demandas
incompatíveis com os recursos humanos e etc., por vezes, o PTS acaba sendo um
instrumento no qual é registrada a agenda de atendimentos do(a) usuário(a) no
CAPS, desviando-o de sua proposta.
A apreensão das demandas e experiências de vida da pessoa atendida,
quando suspendidas do contexto em que está inserida, pode levar a não
compreensão dos determinantes históricos que implicam no(a) sujeito(a). Assim, é
importante reconhecer o papel de uma apreensão teórica social e crítica da
sociedade na qual os(as) usuários(as) estão inseridos(as). O Serviço Social é regido
por um Código de Ética alinhado aos preceitos da Reforma Sanitária e da Luta
Antimanicomial, ímpares no processo sócio histórico de luta por um acesso universal
à saúde mental pelos cidadãos brasileiros. Portanto, é necessário uma postura ética
e profissional que esteja de acordo com as defesas e princípios dos movimentos e
normativas que regulam a profissão e que a orientam de modo que os(as)
usuários(as) atendidos pela categoria profissional sejam compreendidos(as) na
totalidade de suas vivências e demandas.
A pessoa com transtorno mental normalmente já carrega um estigma social
devido ao seu estado de saúde mental e/ou sofrimento emocional, que pode se
manifestar nas relações sociais na cotidianidade. Assim, é de suma importância que
o(a) usuário(a) seja integralmente acolhido(a) e, além do(a) usuário(a), é preciso
pensar também na família.
A reprodução de discursos insensíveis e alienados em relação ao(à)
usuário(a) e sua família correm o risco de deslegitimar a experiência das figuras
envolvidas, havendo o risco de impor sobre o(a) usuário(a) e/ou sua família o papel
de “bode expiatório”, em uma leitura que necessita ser reformada por uma visão
ética e compreensiva dos processos e experiências que marcam cada grupo familiar.
Assim, é importante acolher a família tanto quanto o(a) usuário(a), uma vez
que a família também pode ser impactada pela condição da pessoa com transtorno
mental, podendo, inclusive, desencadear ou catalisar o sofrimento emocional no(a)
familiar, sendo que uma intervenção profissional nesses casos pode promover os
processos de saúde e as relações entre os(as) sujeitos(as). Isso é importante pois,
apesar de ser feita uma intervenção pela equipe técnica no CAPS, a mesma é
50

limitada, compreendendo que o(a) usuário(a) é atravessado(a) por relações para


além do espaço institucional que podem potencializar a sua saúde ou agravar o seu
processo de saúde-doença. Conforme Rosa e Melo (2009),

O assistente social, frequentemente, contribui com os cuidadores


familiares através do trabalho sócio-educativo, promovendo a troca
de informações e vivências, para que, sobretudo os cuidadores
familiares saiam de seu isolamento pessoal e social, tendo sua carga
de trabalho aliviada, apoiada. Quando passam a trocar informações
com outros cuidadores familiares é comum perceberem que muitas
vivências são semelhantes e que não foram os “únicos escolhidos
para sofrer neste mundo”. Inclusive há uma pressão social para que
as famílias não publicize, não remeta para a arena das políticas
públicas a sua situação (ROSA; MELO, 2009, p. 99-100).

É preciso que o(a) profissional se atente às atribuições privativas que regulam


o seu trabalho, e que mantenha em mente a função do Serviço Social dentro da
organização. A exposição constante a métodos e saberes relacionados à psicologia
e à medicina não devem interferir no trabalho de assistentes sociais, que não devem
fazer determinações diagnósticas dos(as) usuários(as), uma vez que não são
capacitadas(os) para isso em sua formação acadêmica. A(o) assistente social
precisa ser ímpar na sua apreensão das demandas familiares, sociais, culturais,
econômicas e entre outras, que englobam o(a) usuário(a). “Cabe ao Serviço Social o
esforço de mostrar que existem relações entre os problemas sociais e os problemas
mentais, explicando as mediações entre uns e outros” (BISNETO, 2007, p. 165).
Tendo em vista a necessidade contínua de um debate sobre a relação entre o
Serviço Social e a saúde mental, denuncia-se a incompatibilidade entre a demanda
da população a ser atendida e a quantidade de profissionais que compõem a equipe
técnica do serviço. Uma das consequências da insuficiência de serviços públicos de
saúde mental, recai sobre os(as) trabalhadores(as), incluindo assistentes sociais,
que sofrem com obstáculos para cumprirem seus projetos profissionais, devido a
limitações institucionais. Bisneto (2007) faz uma crítica contundente às tensões e
demandas contraditórias no cotidiano de trabalho de assistentes sociais.

De fato, o assistente social tem de atender a diversos ‘amos’: os


usuários diretos, os indiretos (a família, por exemplo), a organização
institucional, o Serviço Social, a psiquiatria. A autonomia do
profissional depende da articulação que faz de sua atuação junto aos
diversos ‘senhores’ (BISNETO, 2007, p. 163).

Há de se atentar, também, ao fato de que a exposição diária ao sofrimento


emocional dos(as) usuários(as) tem o risco de causar um impacto na saúde
51

emocional e mental dos(as) trabalhadores(as), que não são acobertados(as) por


uma estratégia ou política para a prevenção ou redução desses impactos nos(as)
trabalhadores(as) em saúde mental, deixando-os(as) sujeitos(as) ao próprio
adoecimento.
Permitir se envolver nas sensibilidades e fragilidades da vida de quem se
atende, é uma forma de impulsionar a qualidade e efetividade do trabalho
profissional e que pode resultar em reflexões que o(a) trabalhador(a) levará para
além da esfera profissional, causando reflexões em sua vida diária e pessoal, uma
vez que o trabalho, sendo constituinte do ser humano, não deveria ser apenas um
anexo à vida do(a) sujeito(a), como ferramenta que garante a sobrevivência do(a)
sujeito(a). Apesar disso, deve-se reconhecer que a relação existente entre
empregador e trabalhador, opressor e oprimido, na qual o(a) trabalhador(a) é
manuseado(a) como uma engrenagem a ser utilizada e explorada na máquina de
produção de capital e mais-valia, dificulta a concretização desse processo de
aproximação da vida fora do trabalho com o trabalho em si. Isso só seria possível
em uma sociabilidade estabelecida por uma ordem social que não transformasse o
trabalho, lócus de realização humana, em uma ocupação alienante recompensada
por um salário, em uma sociedade que mercantiliza todas as relações sociais
possíveis.
Em uma nova ordem social, livre de opressões, o(a) sujeito(a) estará livre
para uma relação com o trabalho que permita a manutenção de uma relação
saudável dentro do processo saúde-doença, e em que os aprendizados no trabalho,
possam ser compartilhados com a vida pessoal, estremecendo o paradigma que
produz a dicotomia entre cidadão, com escolhas reais para reprodução de sua vida,
e trabalhador, que vende o seu corpo para um capitalista que o expropria da sua
produção.
52

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, debruçamo-nos sobre questões referentes ao papel das
famílias e das políticas públicas em saúde mental em relação ao cuidado das
pessoas com transtornos mentais. Para isso, a pesquisa se valeu de um método de
análise bibliográfica de obras que versam sobre as temáticas de família, cuidado e
políticas de saúde mental e que possibilitaram a compreensão e análise crítica dos
elementos estudados. Além disso, as elaborações presentes no texto derivaram das
reflexões da autora registradas em Diário de Campo de estágio em um CAPSi,
experiência que possibilitou o seu contato com as demandas e política de saúde
mental, sendo que foi a partir do seu estágio que surgiu o interesse em pesquisar
temas relacionados à saúde mental.
Dessa forma, a apreensão dos processos históricos e das relações sociais
investigadas neste trabalho contribuíram na elucidação de alguns questionamentos
que inicialmente moveram a sua realização. Uma das explanações auferidas neste
estudo envolve a trajetória de atenção e tratamento prestado às pessoas com
transtornos mentais. Estudamos como o tratamento dessas pessoas em hospícios
eram marcados por violações de direitos, tornando-se uma fonte de renda para
aqueles que lucravam com os serviços manicomiais, devido a lógica de
mercantilização da “loucura”.
Historicamente, a família é uma figura de referência no cuidado dos seus
membros, porém, com a reprodução das relações e processos sociais capitalistas, é
intensificada a responsabilização primária da família na garantia da reprodução da
vida dos(as) sujeitos(as). Constituindo essa relação, o Estado assume um papel de
“socorrista” para as famílias e pessoas mais intensamente agravadas pelas relações
desiguais socioeconômicas que atravessam a vida em sociedade. Um fator que
ocasiona isso é a expansão do setor privado que privatiza os direitos sociais,
inclusive o direito à saúde mental.
Encontrando-se em um contexto no qual um de seus membros possui
transtorno mental, a família, de acordo com o caráter familista das políticas de
proteção social, fica encubida de prestar os cuidados necessários que não são
acobertados pelos serviços de saúde mental. Tendo em vista que nas relações da
vida cotidiana e em sociedade os assuntos relacionados aos transtornos mentais
não estão substancialmente presentes, a descoberta do transtorno mental, assim
como as suas implicações, pode ser algo que esteja recoberto de uma falta de
53

conhecimento por parte da família. No tratamento à pessoa com saúde mental, o


grupo familiar no qual o(a) usuário(a) está inserido, deve ser considerado e acolhido,
não apenas para a equipe se munir das informações necessárias para construir um
PTS que contemple a realidade do(a) usuário(a), mas também para que a família
não esteja desamparada e para que as suas próprias demandas não sejam
invisibilizadas.
Dessa forma, a fim de orientar e acolher as demandas das famílias com
membros(as) inseridos(as) em serviços de saúde mental, a implementação de
grupos de famílias socioeducativos e de escuta podem contribuir na apreensão
acerca de transtornos mentais, e do processo de saúde e adoecimento mental, além
de propiciar um espaço de compartilhamento de experiências e identificação de
similitudes com as histórias e demandas de outras cuidadoras, de forma a
desindividualizar experiências em comum. Isso se faz necessário especialmente em
relação à principal cuidadora no grupo familiar, ordinariamente mulher, que costuma
ser profundamente impactada devido à sua ocupação de cuidadora em variadas
dimensões de sua vida.
A falta de debate sobre o familismo invisibiliza a sua existência e dificulta a
sua problematização, perpetuando um modelo de Estado neoliberal que
sobrecarrega as famílias e principalmente as mulheres. Não deve ser ignorado pelas
políticas de proteção social (incluindo saúde mental), a responsabilidade atribuída às
mulheres e o que ela determina em suas vidas. Faz-se necessário visar a
construção de políticas públicas que enfraqueçam a centralidade da família na
reprodução social, e que eliminem a fragmentação e focalização presente nas
políticas atuais, a fim de universalizar o acesso ao cuidado e reprodução da vida
humana sem sobrecarregar nenhum gênero humano. Importante destacar que o
cuidado representa o que for necessário para garantir a reprodução e bem-estar do
outro, portanto é algo intrínseco para a vida de todas as pessoas, sendo importante
a implementação de políticas de cuidado que atendam integralmente às demandas
da população.
Destacamos a importância do trabalho de assistentes sociais, inseridos na
área de saúde mental, estar alinhado com os princípios do Código de Ética da
profissão e com os preceitos que nortearam a Reforma Psiquiátrica e às
elaborações técnicas e legais em relação aos serviços de saúde mental. Assim,
cumprem-se os valores éticos que orientam o Serviço Social no que se refere à
54

emancipação e fortalecimento da autonomia dos(as) usuários(as). Uma das ações


pelas quais o(a) assistente social pode cumprir o seu dever ético-político pode ser
através do incentivo e apoio para que a população ocupe espaços de controle social,
na perspectiva de luta por direitos sociais que contemplem a saúde mental e as
políticas de cuidado.
Os espaços de elaboração e implementação de políticas públicas estão
atravessados por interesses divergentes, que também se fazem presentes no
trabalho profissional de assistentes sociais, os quais são requeridos(as) a
corresponder demandas divergentes, quando confrontam-se os interesses
institucionais e os interesses da população usuária. Por isso, é importante que
os(as) assistentes sociais possam exercer, conforme possível, a autonomia que
caracteriza o seu trabalho, desenvolvendo ações que reafirmem o seu compromisso
com a luta pelos direitos da classe trabalhadora.
A despeito dos desafios apontados acima, cabe a compreensão de que a
emancipação humana e a garantia de uma vida desprendida dos meios
compulsórios de adoecimento humano não é possível ser alcançada em uma
sociedade gerida por um Estado capitalista, por este priorizar os interesses da
classe burguesa, que constitui sua riqueza através da exploração da classe
trabalhadora e que cria e mantém mecanismos de adoecimento das massas. É
contraditório ao modelo capitalista a reprodução de uma sociedade com valores
comunitários, coletivos e sociais, com a devida presença de um Estado protetor.
Portanto, faz-se necessária a constituição de uma outra forma de sociabilidade,
inserida em um modo de produção que não reproduza sistematicamente violações
dos direitos de grupos sociais, que respeite a vida humana e o direito a ser cuidado
de todos(as) os(as) sujeitos(as).
Compreendemos que o trabalho realizado não esgota a temática abrangida, e
que há infindáveis formas de estudar e aprofundar as proposições aqui
desenvolvidas. Apesar disso, esperamos ter lançado luz às questões estudadas e
que possamos ter contribuído no entendimento da relação existente entre família,
cuidado em saúde mental e Estado.
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