Você está na página 1de 145

DADOS DE COPYRIGHT

SOBRE A OBRA PRESENTE:


A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e
seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer
conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos
acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da
obra, com o fim exclusivo de compra futura. É
expressamente proibida e totalmente repudiável a venda,
aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo

SOBRE A EQUIPE LE LIVROS:


O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de
dominio publico e propriedade intelectual de forma
totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a
educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer
pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site:
LeLivros.love ou em qualquer um dos sites parceiros
apresentados neste LINK.

"Quando o mundo estiver


unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder,
então nossa sociedade
poderá enfim evoluir a um
novo nível."
 
O Segredo
do
Amor Eterno

 
John Powell, S.J.
 
4ª EDIÇÃO
 

Belo Horizonte, 1991


 
"O amor é efetivo para aqueles que cuidam dele"
Aprender a amar e a manter acesa a chama
do amor pode ser um processo construtivo e enriquecedor.
John Powell, com sua mistura especial de insight e humor, ajuda-nos a
descobrir nossa capacidade de dar e de receber amor. Aprendendo
primeiro a amar e aceitar a nós mesmos, desenvolvemos um sentido
interior de celebração e satisfação que se estende às nossas relações
com os outros. Powell ensina como podemos nutrir e fortalecer as
relações afetivas através do "segredo" do amor eterno: a comunicação.
Ele descreve em detalhes o processo do diálogo através de exercícios
simples que nos permitem um conhecimento novo e profundo de nós
mesmos e daqueles que amamos.
Segundo John Powell, "O amor é efetivo para aqueles que cuidam
dele". Vale a pena este cuidado para alcançarmos uma relação de amor
mais forte e mais verdadeira. O Segredo do Amor Eterno pode nos
ajudar a transformar esta relação numa realidade.

 
Este livro é dedicado, com gratidão, a Bernice Brady.
Bee foi uma grande fonte de apoio em muitas de minhas tentativas
prévias de escrever. Ela contribuiu generosamente com um excelente
olho crítico, um senso literário apurado e, em especial, com opiniões
sempre encorajadoras. Era inigualável como revisora.
Ela não pôde ajudar na preparação deste livro.
No dia 11 de junho de 1973,
Bee recebeu uma "oferta melhor".
Ela foi chamada pelo Autor e Senhor do Universo para se juntar à
celebração e ao banquete da vida eterna.
Mesmo em sua ausência, você esteve presente, Bee. Este livro é para
você.
AGRADECIMENTOS
Extrato de Man's Search for Meaning de Viktor Frankl. Beacon Press,
Boston.
Extrato de Modem Man in Search of a Soul de C.G. Jung. Harcourt
Brace Jovanovich, New York.
Extrato de The Art of Loving de Erich Fromm, vol. 9 em World
Perspectives. Editado por Ruth Nanda Anshen. Copyright © 1956 de
Erich Fromm. Por permissão de Flarper Row. Estes extratos também
reimpressos com a permissão de George Allen & Unwin, Ltd., London.
Extrato de Escape From Freedom de Erich Fromm. Holt, Rinehart &
Winston, New York.
Extrato de Markings de Dag Flammarskjöld, traduzido por Lief
Sjoberg e W.H. Auden. Copyright ©1964 de Aifred A. Knopf, Inc.
eFaberSt Faber, Ltd. Reimpresso por permissão de Aifred A. Knopf,
Inc. Este extrato também reimpresso com a permissão de Faber St
Faber, Ltd., London.
Extrato de Conceptions of Modern Psychiatry de Dr.
Plarry Stack Sullivan. W.W. Norton St Co., Inc., New York.
Extratos reimpressos de Letter to a Young Poet de Rainer Maria Rilke,
tradução de M.D. Herter Norton. Por permissão de W.W. Norton St
Company, Inc. Copyright 1934 e 1954 de W.W. Norton St Company,
Inc. Copyright renovado em 1962 por M.D. Herter Norton. Estes
extratos também reimpressos com a permissão de The Hogarth Press,
Ltd., London.
Extrato de The Mirade of Dialogue de Reuel Rowe. Seabury Press,
New York.
 
CAPÍTULO UM
Seja paciente com as coisas não-resolvidas em seu coração...
Tente amar as próprias questões...
Não procure agora as respostas, que não podem ser dadas pois você
não seria capaz de vivê-las.
E o importante, é viver tudo.
Viva as questões agora.
Talvez você possa, então, pouco a pouco, sem mesmo perceber,
conviver, algum dia distante, com as respostas.

Rainer Maria Rilke


 
a condição humana
necessidades
opções
vícios
Minhas Irmãs e Irmãos de nossa Família Humana:
Estou escrevendo de novo porque penso que tenho algo a dizer-lhes.
Talvez vocês já tenham lido alguma coisa que escrevi antes. Na
verdade, isso não tem importância. O que escrevi antes refletia o ponto
em que me encontrava então como pessoa. Este livro é para
compartilhar com vocês o caminho que percorri a partir daquele ponto,
o lugar onde me encontro agora. Na verdade, o que pretendo dizer-lhes
é que penso ter alcançado novas respostas e insights, e quero
compartilhá-los com vocês, saber sua reação diante deles. Há,
naturalmente, muitas questões sobre o mistério de minha pessoa, o
mistério de vocês e o mistério de nosso relacionamento que ainda não
encontraram solução em meu coração. Há tantas questões que preciso
continuar amando porque, por enquanto, não sou capaz de viver suas
respostas.
Nos períodos em que esperamos por respostas, podemos nos sentir
pequeninos e desamparados. Podemos nos sentir dominados e
intimidados pelos "profissionais" que têm as qualificações acadêmicas
e as "credenciais" para nos ensinarem. Gostaria de assegurar-lhes que
não estou aqui como um deles. Não venho aqui como professor, mas
como irmão. Em minhas mãos estendidas, trêmulas e inseguras, está a
minha oferenda, a oferenda do meu próprio ser. O que lhes for
proveitoso, tomem, é seu. O que não for, deixem que se escoe e escape
suavemente por entre seus dedos.
as necessidades humanas
Estou convencido de que o homem foi feito para viver em paz consigo
mesmo, cheio de uma alegria profunda. Estou convencido de que
deveria acontecer no coração de todo ser humano uma celebração da
vida e do amor, não um funeral. Os profetas da tristeza, com sua
mentalidade e seu vocabulário de "vale de lágrimas", sempre soaram
estranhos para mim. Como o velho Santo Irineu do século dois, sempre
acreditei que "A glória de Deus é um homem que vive em plenitude!"
É óbvio, porém, que não existem pessoas sem problemas, nem uma
vida utópica sem dor. A tensão que resulta dos problemas e da dor faz
parte de um todo, e geralmente dirige nossa atenção para uma área da
vida em crescimento, um território em expansão. Quanto a mim, não
me arrependo dos problemas ou da dor pelos quais já passei, mas da
apatia, dos momentos em que não estava "vivo em plenitude".
A tristeza básica de nossa família humana é que muito poucos dentre
nós se aproximam da realização completa de seu potencial. Concordo
com a estimativa dos pesquisadores de que a pessoa comum realiza
somente 10% de seu potencial. Ela vê somente 10% da beleza do
mundo à sua volta. Ouve somente 10% da música e da poesia do
universo. Sente somente um décimo do perfume do mundo, e saboreia
apenas um décimo da delícia de estar viva. Ela está aberta a apenas
10% de suas emoções, à ternura, à surpresa e à admiração. Sua mente
abraça somente uma fração dos pensamentos, reflexões e compreensão
de que é capaz. Seu coração bate somente com 10% de amor. Ela
morrerá sem ter jamais vivido ou amado de verdade. Para mim, esta é a
mais assustadora de todas as possibilidades. Eu detestaria pensar que
você ou eu podemos morrer sem ter vivido e amado de verdade.
a tristeza do fracasso
Se fomos feitos para ser plenamente vivos, por que vivemos tantas
vezes de uma maneira limitada? E que em nossa vida e na vida de
tantos outros falta algo para alcançarmos a plenitude ou, pelo menos,
este algo não está sendo devidamente reconhecido e desfrutado. De
algum modo, em algum lugar, alguma coisa não deu certo. Em algum
lugar do caminho a luz falhou. Em seu poema, "Out of Order", André
Auw descreve sua reação ao observar a cena em que uma jovem mãe
tenta explicar ao filho de quatro anos que a máquina de pipocas está
quebrada e não pode liberar seu conteúdo.
"É, filho, você não vai ter pipoca. A máquina está quebrada. Olha, há
um aviso na máquina."
Mas ele não compreendia. Afinal, ele tinha o desejo, e tinha o
dinheiro, e podia ver a pipoca na máquina.
E, no entanto, de algum modo, em algum lugar, alguma coisa estava
errada porque ele não podia ter a pipoca.
O menino foi embora com sua mãe, e ele queria chorar.
E, Senhor, eu também queria chorar, chorar pelas pessoas que viraram
máquinas trancadas, bloqueadas, quebradas e cheias de coisas boas
de que outras pessoas necessitam e querem e, contudo, nunca poderão
desfrutar, porque de algum modo, em algum lugar, alguma coisa lá
dentro não deu certo.
Todas as formas de vida têm condições ideais e requisitos essenciais
para a saúde, o crescimento e a plenitude. Quando o meio-ambiente de
cada ser propicia essas condições e requisitos, torna-se possível a
plenitude da vida, e a realização das riquezas potenciais. Quando as
pessoas estão inteiramente vivas, dizendo um sim vibrante à
experiência humana total, e um amém do fundo do coração ao amor,
isto é um sinal de que suas necessidades estão sendo atendidas. Mas
quando ocorre o contrário, quando o desconforto, a frustração e as
emoções doentias predominam na vida de uma pessoa, isto é um
indício de que suas necessidades não estão sendo atendidas. Isso pode
ser por uma falha dela ou daqueles que a rodeiam, mas o fato é que ela
não está recebendo aquilo de que necessita. De algum modo, em algum
lugar, alguma coisa não deu certo em sua vida. O definhamento e a
desintegração aí se instalaram.
a necessidade humana fundamental
O homem não é um ser simples. É uma combinação de corpo, mente e
espírito e tem exigências em todos os três níveis de sua existência. Ele
tem necessidades e desejos de ordem física, psicológica e espiritual. A
frustração em qualquer um destes níveis pode levar todo o organismo a
um estado de agonia.
Há, contudo, um consenso cada vez maior no sentido de que existe uma
necessidade tão essencial e tão fundamental que, se ela for satisfeita,
tudo o mais certamente se harmonizará em uma sensação geral de bem-
estar. Quando tal necessidade é bem nutrida, o organismo humano
torna-se sadio e a pessoa será feliz. Esta necessidade é um profundo e
verdadeiro amor ao eu, uma autoaceitação genuína e alegre, uma
autoestima autêntica, que resultarão em um sentido interior de
celebração: "É bom ser eu mesmo... estou feliz por ser eu!"
Você se sentiu desconfortável e inquieto ao ler a afirmação anterior?
Nossa cultura nos condiciona de tal forma que nos tornamos
emocionalmente alérgicos ao vocabulário do amor ao eu. A alegria e a
celebração de nossa bondade única e pessoal parece ser algo muito
distante e estranho. Sobre nossas mentes passam imediatamente
associações de egocentrismo, vaidade e egoísmo, como nuvens escuras.
Suponho que a maior parte das pessoas nunca ultrapassa a crosta deste
vocabulário difícil e desta desconfiança, para descobrir a realidade
mais importante da vida humana e o começo de todo amor.
Às vezes pergunto-me o que nos ameaça mais — a realidade do amor
ao eu e da autoapreciação, ou a reação dos outros diante deste amor e
desta apreciação?
Acreditamos que os outros nos rejeitariam se deixássemos vir à tona
sinais de autoestima em nossa comunicação. Uma vez, fiz uma
experiência para testar nossa atitude social diante dos sinais de
autoaceitação. No primeiro dia de aula, apresentei-me à minha classe
de alunos universitários como alguém que realmente se aceitava, se
amava e acreditava em si mesmo. Disselhes que eu era uma pessoa
muito boa, decente, generosa e cheia de amor. Dei-lhes a garantia de
minha inteligência e de minhas qualidades como professor,
assegurando-lhes que trazia uma mensagem estimulante. Tentei fazer
isto de uma maneira sincera, honesta e direta.
Alguns dos alunos deram risadas nervosas, perguntando-se se eu falava
a sério. Outros olharam-me fixamente, interrogando-se: Devemos atirar
nele ou pulverizá-lo? Uma jovem, que parecia estar sentindo náusea,
voltou-se para a pessoa a seu lado e disse, de maneira audível: "Ufa!
Que convencimento!" Após essa longa autoapresentação como a
espécie-de:professor-que-você-sempre-quis-mas-tinha-medo-de-
desejar, comecei a descrever o programa do curso. Somente na aula
seguinte expliquei aos estudantes o meu experimento (até hoje não
tenho certeza se todos acreditaram na explicação). De qualquer forma,
convidei-os a escutarem de novo suas reações emocionais à minha
apresentação. "Vocês ficaram felizes diante do fato de eu reconhecer e
admitir publicamente minha autoestima? Vocês conseguiram juntar-se a
mim em minha celebração do eu? Ou sentiram ressentimento e
desconfiança?" Tentei convencer meus alunos de que suas reações lhes
diziam alguma coisa a seu respeito, sobre nossa sociedade e sobre
como reagimos à expressão do amor ao eu.
Em seu livro Escape from Freedom, Erich Fromm insiste que o
egoísmo, a vaidade e o orgulho que constantemente suspeitamos
existirem nos outros são, de fato, o oposto da verdadeira autoestima,
autoaceitação e autocelebração.
O egoísmo não se identifica com a autoestima, mas é o seu oposto. O
egoísmo é uma espécie de avidez. Como toda avidez, é insaciável e,
portanto, nunca traz uma satisfação real. A avidez é um poço sem
fundo que exaure a pessoa em um esforço interminável para satisfazer
sua necessidade sem nunca alcançar satisfação... a pessoa egoísta
sempre preocupa-se ansiosamente consigo, nunca está satisfeita, está
sempre inquieta, sempre impulsionada pelo medo de não obter o
suficiente, de perder algo, de ser privada de algo. Ela queima-se
interiormente de inveja diante de alguém que poderia ter mais do que
ela... este tipo de pessoa, no fundo, não gosta de si mesma nem um
pouco, pelo contrário, ela se desgosta profundamente... O egoísmo
está enraizado nesta falta básica de amor por si mesma... o
narcisismo, como o egoísmo, é uma supercompensação pela falta
básica de autoestima... A pessoa não ama aos outros e nem a si
própria.
Temos aqui uma questão sobre a qual cada um de nós deve refletir em
silêncio. Quais são meus verdadeiros sentimentos? Quando ouço um
elogio a alguém, por que digo: "Não conte a ele. Pode subir-lhe à
cabeça"? Por que não quero que os outros estejam felizes com eles
mesmos? Não quero que "isso" lhe suba à cabeça. O que é "isso" que
não quero na cabeça de meu irmão ou irmã? O que é que quero em sua
cabeça? Se uma pessoa se alegra com seu sucesso, por que a acuso
imediatamente de estar se gabando? Por que me tornei um guardião tão
zeloso de sua humildade? Por que isso me preocupa tanto?
Talvez a resposta a estas e a outras perguntas similares me leve a
perceber que eu não quero que a pessoa se ame porque sou incapaz de
amar a mim mesmo. É um truísmo psicológico dizer que nossas
atitudes para com os outros são condicionadas por nossas atitudes
fundamentais para conosco. Se não consigo reconhecer aberta e
honestamente minhas próprias riquezas e qualidades, não posso admitir
que os outros reconheçam as suas. Você e eu precisamos nos deter um
pouco e refletir sobre esta questão, porque a resposta pode estar nos
mutilando seriamente ou nos destruindo pouco a pouco. Quando
perdemos a habilidade de nos apreciar e de nos alegrar por sermos nós
mesmos, toda sorte de coisas sombrias e dolorosas se apressam a
preencher o vazio.
Enquanto caminha pela vida, meu Irmão,
Não importa qual seja sua meta.
Esteja atento ao que você tem,
Não fique preso no que não tem.
Bertrand Russel disse certa vez, "não é possível um homem estar em
paz com os outros até que ele aprenda a estar em paz consigo.” O
Rabino Joshua Liebman defende uma reformulação do mandamento
bíblico do amor de forma a transformá-lo em "Ame e acredite em si
mesmo e você estará amando e acreditando em seu próximo." Um
psiquiatra, porta-voz da clínica Payne-Whitney, de Nova York, disse o
seguinte: "Se as pessoas tivessem um amor saudável por elas mesmas
em vez de se odiarem e nutrirem sentimentos negativos para consigo,
se pudessem amar a criança que existe dentro delas ao invés de
desprezar suas fraquezas, nosso fichário de pacientes cairia pela
metade."
A maior parte da psicoterapia contemporânea tem como finalidade
ajudar as pessoas a adotarem uma atitude favorável, positiva e
receptiva para com elas próprias... Isto é simbolizado pela Análise
Transacional, que vem despertando entusiasmo nas pessoas e cuja meta
central é ensinar-lhes a se sentirem o.k. A maioria das pessoas acham-
se longe disto, embora possamos ser facilmente enganados por atitudes
externas. Através de uma leitura superficial das aparências, poderíamos
concluir erradamente que a maior parte das pessoas na verdade amam a
si mesmas. Na superfície, acusamos e atacamos os outros enquanto nos
justificamos. Contudo, no fundo, em áreas que normalmente tememos
confrontar e explorar, ocorre exatamente o contrário. Damos aos outros
uma condenação e uma pena leves enquanto nos sentenciamos com
todo o rigor da lei. Um psiquiatra da Mental Health Clinic da
Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Sul disse que
"Nossa tarefa principal é a de ajudar os pacientes a descobrirem o que
existe de bom neles. Isto nunca falha: na medida em que começam a
gostar um pouco mais de si, começam simultaneamente a melhorar."
O Dr. Robert H. Felix, ex-diretor do National Institute for Mental
Health, descreve esse amor saudável e autoaceitação como um "...
sentimento de dignidade, de fazer parte de algo, um sentimento de
valorização, de adequação." O Dr. Felix continua: "Precisamos
aprender a nos considerar com compreensão. Preciso aprender a gostar
de ser eu mesmo. Não gostaria de ser ninguém mais. Gostaria de ser só
eu mesmo."
Não tenho a menor dúvida de que uma compreensão profunda de si
mesmo e um esforço sério para alcançar o verdadeiro amor ao eu é o
começo de todo crescimento e felicidade. Em nossos esforços para
estabelecer este fato, gostaríamos, finalmente, de citar o grande
psiquiatra Carl G. Jung, em seu livro Modern Man in Search of a
Soul:
Talvez isto pareça muito simples, mas as coisas simples são sempre as
mais difíceis. Na vida atual, ser simples requer uma grande disciplina,
e a aceitação do eu é a essência do problema moral e a síntese de uma
visão geral da vida. Alimentar os famintos, perdoar uma ofensa, amar
meu inimigo em nome de Cristo — todas essas são, sem dúvida,
grandes virtudes. O que eu faço ao menor de meus irmãos, eu faço a
Cristo. Mas, o que aconteceria se eu descobrisse que o menos
importante dentre os meus irmãos, o mais pobre de todos os mendigos,
o mais insolente de todos os ofensores, o inimigo por excelência —
estão dentro de mim, e que sou eu mesmo quem mais necessita da
esmola de minha própria bondade — e então?... A neurose é uma cisão
interna — o estado de estar em guerra consigo mesmo. Tudo o que
acentua esta cisão faz piorar o paciente. Tudo o que a suaviza tende a
curá-lo.
Aquilo que reluto tanto em conceder aos outros e a mim mesmo é, na
verdade, minha maior necessidade: o verdadeiro amor e apreciação do
eu. A insegurança e o ódio a si mesmo são os cânceres mais comuns
que devastam a humanidade, distorcendo e destruindo os
relacionamentos sociais e a confiança. Estou certo de que quase todas
as neuroses humanas e danos morais têm como ponto de partida a
ausência do verdadeiro amor ao eu.
a origem
de nossos problemas
Naturalmente, tudo começa naqueles anos mais importantes de
qualquer vida humana, os dois primeiros. Um bebê nasce para este
mundo como uma pergunta viva procurando respostas. Quem sou eu?
Qual é o meu valor? O que é a vida? Quem devo ser? O que devo
fazer?
As respostas começam a aparecer sem demora. Se uma criança recebe
afeição, abraços, beijos, cantigas de ninar, sorrisos e calor humano em
quantidade, ela começará a ouvir respostas otimistas e cheias de alegria
a suas perguntas. Estas respostas se infiltrarão na criança e ficarão ali
indelevelmente gravadas. Ela irá tomando conhecimento daquilo que
mais necessita saber: eu sou querida! Não preciso fazer nada ou ser
nada senão eu mesma. Tenho mérito e valor em mim mesma.
Contudo, se seus pais e especial mente sua mãe, com quem no geral
tem mais contato, forem pouco disponíveis ou incapazes de expressar
afeto; se forem frios e distantes, irritados pelas exigências do bebê no
meio da noite ou impacientes com suas fraldas molhadas, a criança
absorverá estes fatos à sua maneira. A comunicação não-verbal desta
irritação, desprazer ou mesmo raiva ficará gravada para sempre no
organismo do bebê. De alguma forma, ele sente que causou estas
reações. Ele não só grava estas mensagens, mas também grava suas
próprias respostas emocionais de dúvida, ansiedade e insegurança. Elas
estarão registradas dentro dele para o resto de sua vida.
Mais tarde, quando a criança começa a falar e a escutar, suas
impressões de si mesma e de seu valor serão aprofundadas através da
comunicação verbal. Se ela escutar palavras calorosas como "Gosto de
você... Queridinha... Bom Menino... Menininha do Papai... etc.", saberá
que é boa e querida. Ela começará a desenvolver um sentido de valor
pessoal e de segurança que a levarão à abertura e amizade para com os
outros pelo resto de sua vida. A criança vai esperar calor humano e
amor das pessoas, estando, portanto, inclinada a confiar e a ser aberta
com elas.
A maioria de nós ouvimos, em maior ou menor grau, uma mensagem
muito diferente. Recebemos amor, mas sempre um amor "condicional".
Um bebê, mesmo em seu primeiro encontro com as palavras, pode
facilmente perceber condições impostas para receber o amor dos pais:
"Se você ficar quietinha... se comer tudo... se não fizer bagunça... se
fizer como seu irmão ou irmã... etc.". Mais tarde, à medida que a
criança se desenvolve, crescem também as cláusulas do amor
condicional. A criança maior escuta um novo conjunto de exigências
para receber amor: "Se você ajudar a limpar a casa... se não sujar a
roupa... se tirar boas notas na escola... etc." Uma coisa é certa,
quaisquer que sejam as condições: há um "preço de admissão" ao amor
e você tem que pagar. Seu valor não está em você mesmo, mas em
alguma outra coisa, em sua aparência, suas ações, seu sucesso, em ser e
fazer o que os outros esperam de você.
Os pais tendem a usar esta espécie de manipulação através do controle
de vários comandos: sorrisos ou cara fechada, afetividade ou frieza,
palavras ou silêncio, etc. É o que chamamos hoje de "modificação do
comportamento". A resposta desejada é alcançada através da atribuição
de recompensas para o acerto e de penalidades para o erro. As
consequências deste tratamento podem ser catastróficas para a criança
em termos de sua autoimagem e capacidade de amar a si mesma. Uma
criança que aprendeu suas lições através de pais que ligavam e
desligavam amor alternadamente, concluirá que seu valor está na
habilidade em atender às necessidades e desejos dos outros. Ela nunca
viverá para si, mas somente para os outros.
As exigências costumeiras feitas pelo amor condicional dos pais são:
submissão, cooperação, conformismo, ser como alguma outra pessoa,
fazer sempre o melhor possível, ser um sucesso, trabalhar muito, não
causar problemas, honrar o nome da família, dar motivos de orgulho
aos pais, etc. Naturalmente, quando todas estas condições são somadas,
representam algo impossível de ser alcançado. Sob tais condições, o
fracasso é inevitável e, como consequência, a criança se vê carente de
afeto. Afinal, o fracasso significa que você não pagou o preço exigido
para a admissão ao amor. Isto, naturalmente, leva a um sentimento de
autodepreciação, consciente ou não. Esta autodepreciação é o começo
de uma vida triste e autodestrutiva. Erich Fromm, em The Art of
1
Loving , escreve: Ser amado por causa de suas virtudes, por causa de
seus méritos, sempre deixa uma dúvida: talvez eu não tenha agradado
a pessoa por quem quero ser amada, talvez isto ou aquilo - há sempre
o medo de que o amor possa desaparecer. Além disso, um amor
"merecido" deixa facilmente um sentimento amargo de que não somos
amados por nós mesmos, de que somos amados somente quando
agradamos e que, em última análise, não somos amados, mas usados.
ajustes à realidade dolorosa
O organismo humano é extremamente hábil em ajustar-se a várias
situações. Ele tem meios de compensar as perdas e de tentar recuperar
o que foi perdido. Quando uma criança não recebe a confirmação de
seu valor e de seu merecimento, ela começa a adaptar-se, a agir e reagir
de modo a não passar pelo crivo da dor e/ou a preencher seus vazios
dolorosos. Algumas de suas estratégias terão como fim evitar mais
sofrimento, enquanto outras terão como meta ganhar amor. Gostaria de
percorrer uma lista breve e incompleta dessas estratégias, sintomas
comportamentais que aparecem nas pessoas que não aprenderam a se
amar e a se estimar. A gravidade do sintoma e a frequência com que é
utilizado serão sempre proporcionais à maior ou menor ausência de
autoestima e amor ao eu.
Exagerar ou contar vantagem. Por definição, a pessoa que conta
vantagem se elogia com o objetivo de ganhar reconhecimento e um
sentido de valor tanto a seus próprios olhos, quanto aos olhos dos
outros. Como percebemos muitas vezes, o contador de vantagem não
apenas tenta nos convencer de suas habilidades ou de seu valor, mas
também tenta convencer a si mesmo; em geral, depara-se com a
descortesia. Muitas pessoas terão prazer em colocá-lo em seu devido
lugar e o resultado é o contrário do que ele espera. O problema é que o
contador de vantagem está convencido de que a aceitação e o amor são
condicionais e ele tenta apresentar suas credenciais como ingresso ao
amor.
Atitude crítica. A pessoa que não se ama pode adaptar-se à sua
situação tornando-se um crítico dos outros, sempre descobrindo e
apontando seus defeitos. Obviamente, estas acusações são sempre auto-
acusações, embora a pessoa não perceba isto. Sua crítica está baseada
em uma projeção daquilo que ela pensa que é. Já que odiar-se a si
mesma por sua falta de valor e por seus erros seria doloroso demais,
ela os projeta nos outros e passa a espalhar seu veneno com propósitos
destrutivos.
Racionalização. A pessoa sem amor por si mesma não tem um sentido
de valor pessoal e se avalia unicamente através do próprio
desempenho. Consequentemente, quando este deixa algo a desejar, ela
imediatamente se desculpa, racionalizando o seu erro. Seria doloroso
demais admitir que está errada e confessar suas faltas e erros. Ela
nunca se permite perder uma discussão ou dar uma informação errada,
etc. O seu valor é sempre condicional e tais erros destruiriam seus
últimos traços de autorrespeito.
Perfeccionismo. Uma pessoa assim tenta obter uma perfeição
meticulosa em tudo o que faz. O bom desempenho é a condição
necessária para obter reconhecimento e amor e assume uma
importância crucial na vida da pessoa. Ela está sempre tentando passar
no teste, pagando o preço de admissão ao sentimento de valor pessoal.
Todo o seu empenho é no sentido de satisfazer às expectativas daqueles
que podem aceitá-la ou rejeitá-la.
Timidez. Já que lhe ensinaram que os outros vão aceitá-la somente sob
certas condições, a reação básica desta pessoa diante das outras é de
medo. Ela tem medo de ser criticada, de ser avaliada e de ser rejeitada.
Para não correr este risco, enclausura-se e protege-se atrás de um véu
de timidez. Em situações nas quais perde a confiança, ela se sente
tímida e retraída. É uma espécie de casulo psicológico contra o
fracasso. O problema é sério, uma vez que sua pessoa e seu valor estão
sempre em julgamento.
Autodepreciação. Para ajustar-se a esta condição dolorosa de vazio, a
pessoa pode pintar um quadro tão depreciativo de si mesma que os
outros não vão esperar muito dela, evitarão criticá-la e podem até
mesmo vê-la com simpatia. A imagem de uma "vítima desprotegida"
não ameaçará os outros e o tratamento que lhe darão pode até incluir
uma tentativa de encorajá-la.
Raiva. A pessoa atormentada pela falta de valor pessoal odeia em
primeiro lugar sua própria inadequação e sua falta de importância.
Estará logo odiando-se a si mesma. Quando esta raiva volta-se para a
própria pessoa, toma a forma de depressão e tristeza, É muito menos
penoso desafogar sua raiva nos outros, expressando a própria dor
através de um ataque de fúria.
Docilidade defensiva. Um outro ajuste possível à ausência de uma
verdadeira autoestima é o de tornar-se um cumpridor submisso de
qualquer regulamento, lei e regra, com precisão mecânica. Muito cedo
em sua vida, esta pessoa aprendeu que a submissão traz recompensas
sob a forma de um sorriso ou um abraço e, assim, ela continua
tentando. Procura ser uma pessoa inteiramente boa e obediente. Sente-
se, com isto, mais segura contra críticas, uma vez que pode esconder
seu verdadeiro eu atrás da obediência às regras. A pessoa busca
continuamente a aprovação dos outros.
Tornando-se um solitário. A pessoa com o ego ferido obviamente vai
se sentir mais segura não se envolvendo com outras pessoas. Estas
poderão descobrir que ela não merece ser amada por si mesma.
Começarão a lhe impor todas aquelas mesmas condições antigas e
repetidas para lhe oferecer reconhecimento e amor. É mais fácil evitar
este jogo cansativo, mantendo-se sozinha. Ela pode fingir uma
sociabilidade superficial, mas no fundo está essencialmente sozinha.
Tornando-se campeão. Em certo sentido, todos acreditamos que o que
fazemos compensará aquilo que não somos internamente. Somos
tentados a perseguir a realização de "grandes feitos", a possuir coisas
grandiosas e magníficas, na esperança de que elas nos tragam atenção e
reconhecimento. Para as pessoas que tentam um ajuste desta natureza,
as realizações e as posses constituem uma extensão do eu e tais pessoas
necessitam de toda "extensão" que puderem obter.
Máscaras, papéis, fachadas. A pessoa que recebeu e conheceu apenas
o amor condicional não pode tolerar críticas a suas ações, opiniões ou à
própria pessoa. Ela foi ferida e não quer arriscar mais sua
vulnerabilidade. A crítica a suas ações ou à sua pessoa arruinaria toda a
sua existência. Ela pode procurar abrigo de tal crítica devastadora
vivendo um papel no palco da vida ao invés de se mostrar para as
pessoas. Se alguém criticar sua própria pessoa ou seus atos autênticos,
ela seria destruída.
Introjeção. Estando basicamente insatisfeita consigo mesma, a pessoa
que se desvaloriza tenderá a identificar-se com uma outra, de
preferência um herói conhecido por todos ou um herói particular. Ela
será como o rapazinho que imita os gestos de um atleta famoso ou a
garota que finge ser uma artista de cinema. Ambos "introjetam"
qualidades e habilidades que não possuem; mesmo não sendo
autênticas, o efeito é consolador.
Amabilidade absoluta. Uma das características mais tristes das
pessoas que não podem se amar é a de serem boazinhas o tempo todo.
Este tipo de pessoa concordará com qualquer coisa a qualquer
momento só para obter algum reconhecimento e aprovação.
Ela não faz isso de maneira genuína, tornando-se triste e acomodada.
Contudo, prefere ser cordata a todo custo do que experimentar uma
solidão absoluta.
Cinismo, desconfiança. Já que não se valoriza, esta pessoa também
não confia em si mesma. Na crença cega de que todo mundo é como
ela, estende e projeta a sua falta de confiança sobre as outras pessoas.
Não acredita e não confia em ninguém.
Retraimento. O retraimento é diferente da timidez, que se refere à
relutância em iniciar relacionamentos pessoais. O retraimento refere-se
ao receio de arriscar, de tentar coisas novas. Receosa de amar e de ser
amada devido ao perigo do fracasso e da rejeição final, a pessoa que
não se valoriza terá medo de tentar qualquer coisa significativa. Ela
está, na verdade, separada de grande parte da realidade por causa do
seu medo. Ela não experimenta o novo por medo de errar. Ela tem
receio de expressar-se porque pode cometer algum equívoco ou alguém
pode opor-se a ela. Tem medo de abrir-se aos outros porque eles podem
desamá-la.
Sumário
Cada pessoa nasce com um valor único e incondicional. Cada um de
nós é misterioso e não se repete em todo o curso da história humana,
criado a partir da imagem e da semelhança do próprio Deus. Mas só
podemos nos conhecer como um reflexo nos olhos dos outros. Assim
sendo, nosso dom da autoestima é, em grande parte, um presente de
nossos pais. Se tivermos percebido — como é o caso para a maioria
das pessoas — que seu amor por nós era condicional; que era "ligado"
só quando satisfazíamos suas condições e "desligado" quando não as
satisfazíamos; que este amor não era baseado naquilo que somos, mas
em nosso desempenho, podemos apenas concluir que nosso valor está
fora de nós mesmos. Não há um motivo interior para o verdadeiro amor
ao eu, para a autoestima e autoapreciação. Não há razão para celebrar.
Quando o critério para merecer amor torna-se uma questão de passar
em testes e preencher condições, começamos a experimentar mais
fracasso do que sucesso. Na experiência repetida do fracasso aparecem
o conflito, medo, frustração, dor e, por fim, alguma forma de ódio de si
mesmo. Passamos o resto de nossas vidas tentando escapar desta dor
através de um dos mecanismos descritos acima. Ou tentamos assumir
uma fachada que agrada aos outros e que nos traga aceitação e amor.
Desistimos de ser nós mesmos e tentamos ser uma outra pessoa,
alguém que seja digno de reconhecimento e afeição.
O que significa amar a si mesmo?
Quando eu era jovem e cheio de entusiasmo, falei a um homem mais
velho e mais sábio sobre minha vontade de ocupar todo o meu tempo e
minhas energias amando os outros. Ele perguntou-me, gentilmente, se
eu ia amar a mim mesmo com a mesma determinação. Respondi que
quando se ama os outros não se tem tempo para amar a si mesmo. Isto
soou muito edificante. No entanto, meu amigo mais velho e mais sábio
olhou para mim durante algum tempo, pensativo, e disse, finalmente:
"Você está seguindo uma rota suicida!" Minha resposta imediata foi:
"Bela rota essa minha, então!" Mas, naturalmente, ele estava certo.
Agora sei o que ele sempre soube: o verdadeiro amor pelos outros tem
como premissa um verdadeiro amor por si mesmo.
Para compreender o que significa amar a si mesmo, vamos primeiro
perguntar o que significa amar o outro. No capítulo seguinte gostaria
de investigar as implicações e os significados mais profundos do amor.
Por enquanto, vamos dizer apenas que o amor envolve estes três
aspectos:
1. O amor reconhece e reassegura o valor único e incondicional do ser
amado.
2. O amor reconhece e tenta atender as necessidades do ser amado.
3. O amor perdoa e esquece as faltas do ser amado.
Quando nos pedem para "amar o próximo como a nós mesmos", a
implicação desta afirmação é evidente: o que fizermos por nosso
próximo devemos primeiro e também fazer por nós mesmos. Em outras
palavras, trata-se de um presente duplo. Você tem duas pessoas a quem
deve amar: você mesmo e o próximo. Não é possível amar um sem
amar o outro.
Para compreender como isto funciona na prática, pode ser útil imaginar
você mesmo como sendo uma outra pessoa, a quem você deve amar de
verdade. Tome uma certa distância e pergunte-se: você tenta realmente
ver e confirmar o valor único e incondicional dessa pessoa (seu)? Tenta
compreender e atender às necessidades dela (suas)? Você perdoa as
faltas e erros dela (seus)? Pense sobre isto. Você considera esta pessoa
tão carinhosamente como faz com os outros a quem mais ama? Você
lhe oferece a mesma espécie de calor e compreensão que oferece a
eles?
Um exemplo final. Vamos dizer que alguém lhe pede um favor. O
mandamento do amor diz que você deve tentar atender às necessidades
de seu amigo, mas há também uma outra pessoa que deve ser
considerada com a mesma atenção: você mesmo. Vamos avaliar suas
necessidades. Uma delas é sair de si mesmo para amar os outros. O
único modo de ser amado é amar. As únicas pessoas realmente felizes
são aquelas que encontraram alguém, alguma causa para amar e à qual
se dedicar.
Além desta, você pode ter outras necessidades a serem Consideradas.
Você pode necessitar de descanso, ou ter uma obrigação urgente a
cumprir, etc. Pode ser que, considerando todas as circunstâncias, você
tenha de recusar o pedido de seu amigo.
O que estou descrevendo não é preocupação consigo mesmo ou
narcisismo. É simplesmente a descrição de um amor equilibrado,
oferecido com a mesma atenção para a própria pessoa e para o
próximo. Este equilíbrio é quebrado quando damos toda nossa atenção
apenas para nós mesmos ou quando a oferecemos apenas para o
próximo. Nenhuma dessas atitudes é humanamente viável. Nenhuma
delas se refere ao verdadeiro amor.
o evangelho de Glasser
Não importa que esta necessidade humana básica seja descrita como
amor ao eu, autoestima, autoapreciação ou autocelebração (cada um
destes termos parece enfatizar uma faceta diferente) — uma coisa é
certa. Esta necessidade não pode ser frustrada seriamente sem haver
um colapso generalizado de toda a personalidade. O Dr. William
Glasser, autor de Reality Therapy, um dos psiquiatras mais brilhantes e
inovadores de nosso tempo, faz duas considerações fundamentais sobre
este sentimento de valor pessoal. Tenho a certeza de que ele está
correto.
A primeira consideração é que todos os problemas psicológicos, das
neuroses mais leves às psicoses mais profundas, são sintomas da
frustração desta necessidade humana básica — a necessidade de um
sentido de valor pessoal. A gravidade e a duração dos sintomas (fobias,
complexos de culpa, paranoia, etc.) são somente indicativos da
profundidade e da duração de privação de autoestima naquela pessoa.
A segunda consideração de Glasser é que a autoimagem de qualquer
ser humano é o fator determinante de todo o seu comportamento. Uma
autoestima verdadeira e realista é o elemento básico na saúde de
qualquer personalidade. As pessoas agem e relacionam-se com outras
de acordo com os pensamentos e sentimentos que têm a seu respeito.
Não é muito difícil concordar em teoria com estas considerações e com
a necessidade básica de autoestima. No entanto, o reconhecimento
prático disto na batalha de cada dia pode ser um ato heroico. Posso
compreender seu comportamento detestável como resultado de uma
luta sem sucesso para alcançar sua autoestima até o momento em que
você me fere. Então minhas próprias feridas psicológicas começam a
doer e eu paro de pensar em você e em suas necessidades. Deixo de
compreender seus problemas para começar a julgá-lo e até mesmo a
feri-lo. Devo dizer-lhe isto. É muito importante que você saiba disto.
Quero lhe oferecer um amor incondicional. Eu sei que você precisa
dele e quero atender a suas necessidades para que você viva em
plenitude. Mas eu não sou capaz disto. Não sou capaz de lhe dar o
amor incondicional de que necessita. Minhas próprias necessidades são
reais demais, limitantes demais, mutiladoras demais. Só posso lhe dizer
que farei o que for possível. Só posso lhe pedir que seja paciente
comigo.
Mas quero que saiba que eu sei do que você necessita, mesmo que não
lhe possa dar isto. Minhas próprias limitações e fraquezas me
embaraçam, mas sei que minha maior contribuição para sua vida será
ajudar você a amar a você mesmo; a pensar melhor e mais
carinhosamente em você; a aceitar suas próprias limitações com mais
tranquilidade; a ver a sua pessoa como um todo, que é valiosa por ser
única. Para poder lhe dar tudo o que você necessita, eu teria que estar
inteiro, de uma forma que não estou. Não posso estar por perto sempre
que você precisa de mim. Tento, com esforço, viver de acordo com
meus ideais, mas isto não é fácil. Posso apenas lhe fazer uma
promessa. Vou tentar. Vou tentar refletir sempre para você seu valor
único e irreproduzível. Vou tentar ser um espelho para sua beleza e
bondade. Vou tentar ler seu coração, não seus lábios. Vou tentar sempre
compreender você ao invés de julgá-lo. Nunca pedirei que corresponda
às minhas expectativas como um preço a ser pago para entrar em meu
coração.
Portanto não me pergunte por que eu amo você. Esta questão só pode
obter a resposta do amor condicional. Eu não amo você por causa de
sua aparência ou porque faz certas coisas ou porque tem certas
virtudes. Pergunte-me só isto: “Você me ama?" Então eu posso
responder: "Sim, amo."
as opções
Defendemos a tese de que o ser humano encontrará uma vida
satisfatória na medida em que se estimar e acreditar nele mesmo. Seria
maravilhoso se pudéssemos simplesmente tomar uma decisão de uma
vez por todas no sentido de amar e acreditar em nós mesmos. Esta
autoconfiança nos livraria de todos os parasitas que nos privam de 90%
de nosso potencial de vida humana. É claro que isto é impossível,
todos concordamos. Não conseguimos alcançar isto sozinhos. Preciso
de seu amor e você precisa do meu. Preciso ver meu valor e minha
beleza refletidos em seu olhar, no som de sua voz, no toque de sua
mão. E você precisa ver seu valor refletido em mim da mesma maneira.
Podemos ter sucesso ou fracassar juntos, mas separados e sozinhos só
podemos fracassar.
As pessoas sem um sentido de autoapreciação só podem sofrer, e
quando este tipo de dor atinge alguém, dói sem parar vinte e quatro
horas por dia. Podemos tolerar dores que nos incomodam, como a dor
de cabeça ou as queimaduras de sol. Sabemos que elas passarão. Mas
como tolerar a dor do fracasso que atinge o próprio centro de nosso ser
e de nossa existência? Quando é que ela vai passar?
E para complicar ainda mais este problema — o mais fundamental dos
problemas humanos — acontece que o amor dos outros, a fonte básica
de autoestima, não pode ser depositado no banco como o dinheiro. A
autoestima flutua. Não podemos nos abastecer de fontes passadas de
autoestima e viver delas para o resto da vida. Deve haver um fluxo
constante de reafirmação do amor dos outros. Quando nos descobrimos
sem amor e sem reconhecimento de nosso próprio valor, sentimo-nos
vazios, derrotados. Dói e dói muito. Estamos conscientes da dor, mas
esse sofrimento é diferente dos outros, não nos conta o que devemos
fazer. Quando toco um objeto muito quente, a dor me diz para tirar a
mão rapidamente. Mas a dor do ódio de si mesmo e da falta do próprio
valor é difusa demais, difícil de entender e de interpretar. Não há um
"manual de instruções" que acompanha essa dor.
A maior parte das pessoas buscam alívio nas distrações, vivendo como
crustáceos pregados na tela de TV; às vezes alienam-se no trabalho ou
no jogo. Mas as distrações não resolvem o problema. Elas só podem
ser temporárias apenas adiam a solução futura da dor. Assim, as
pessoas que fracassaram na descoberta de satisfação e de paz dentro de
si mesmas geral mente recorrem a algumas opções mais permanentes.
Ao descrever quatro destas opções, o Dr. Glasser insiste no fato de que
cada uma representa uma fuga da dor e do fracasso como pessoa. Na
medida em que fracassamos na percepção do próprio valor, buscamos
um abrigo analgésico para nos refugiar.
1 Depressão. A depressão psicológica é um estado emocional de
melancolia e tristeza, variando do desânimo leve ao desespero total.
Quando o motor psicológico está vibrando com uma dor perigosamente
violenta, a depressão é uma diminuição na rotação do motor. Evita que
ele se destrua. A depressão livra a pessoa da agonia de uma dor
profunda, protegendo-a do impacto direto de suas condições
insuportáveis de vida.
É inútil sugerir às pessoas que buscam refúgio nesta opção que "se
animem". Inconscientemente elas devem rejeitar tal sugestão. Se
desistirem de sua depressão e não encontrarem um sentido de valor
pessoal, serão jogadas de volta à dor dilacerante do fracasso pessoal,
da qual a depressão foi uma tentativa de fuga. A depressão é uma
alternativa em meio ao desespero, uma opção, uma proteção contra o
fato insuportável da falta de valor pessoal.
Os jornais do centro-oeste americano noticiaram recentemente que um
jovem esposo e pai, pilotando seu próprio avião quando levava sua
família em férias, desviou-se da rota e o avião caiu. O homem foi o
único sobrevivente. Todos os outros morreram. O pobre homem
organizou os funerais de seus entes queridos e, quando tudo terminou,
suicidou-se. Os amigos disseram que ele não havia demonstrado sinais
de depressão profunda; parecia forte e controlado em seu momento de
dor. Este é o ponto central: se ele tivesse entrado em um estado de
depressão profunda, provavelmente não teria se suicidado. Ao
contrário do que se pensa, as pessoas muito deprimidas não se matam.
A depressão dilui a violência das emoções que frequentemente levam à
autodestruição.
2 Raiva e comportamento antissocial. A segunda opção é a raiva.
Quando escolhemos esta alternativa, estamos extravasando o
sentimento amargo do fracasso e a frustração que acompanha a falta de
valor pessoal. A raiva é quase sempre o resultado de um medo
profundo e de uma insegurança escondidos. Quando nos sentimos
fracassados como pessoas, podemos optar pelo alívio desta dor através
de um comportamento antissocial. Se a dor for bastante profunda,
podemos vir até a matar. Certamente estaremos sempre causando
problemas, descobrindo algum modo de tornar insuportável a vida dos
outros.
Assim como a depressão, o ato de extravasar a raiva livra-nos da dor
profunda do fracasso pessoal. O comportamento agressivo e colérico é
a expressão velada da frustração, do medo e da autorrejeição. Esta
forma de extravasamento é usada frequentemente em psicoterapia.
Através do psicodrama, as pessoas são encorajadas a expressar seus
sentimentos reprimidos sob circunstâncias e condições controladas.
3 Insanidade. Quando o fracasso na busca do amor e de um sentido de
valor no mundo real se torna doloroso demais, podemos optar por
mudar o mundo, ao invés de tentar mudar nossa própria pessoa.
Podemos "inventar" nosso próprio mundo, dentro de nós mesmos, e
nos isolarmos dentro dele. A loucura é essencialmente uma perda de
contato com a realidade. A condição de estar separado desta realidade
(esquizofrenia) pode ser vista não como uma doença, mas como um
método de pensar, sentir e agir, adotado inconscientemente para criar
um novo mundo particular onde não é necessário enfrentar o fracasso
pessoal. Neste sentido a loucura é realmente uma escolha e assemelha-
se à fuga para a fantasia usada pelas crianças nos momentos
traumáticos em que são frustradas. A insanidade é tanto uma escolha
como uma fuga, uma libertação de um mundo e de uma vida muito
desconfortáveis.
4 Doença física. O Dr. Glasser, como a maioria dos médicos, acredita
que a opção mais frequente é a da doença física. Ao tomar este rumo, a
dor psicológica do fracasso é traduzida em sintomas físicos que são, no
geral, muito mais fáceis de suportar. Muitas doenças antes
consideradas como orgânicas estão agora sendo vistas como
"psicossomáticas" porque descobriu-se fatores psicológicos muito
significativos em sua origem.
A doença física é mais fácil de ser suportada do que o fracasso na
descoberta do valor pessoal, porque há menos consciência do
infortúnio e da culpa associados à doença física. É mais fácil dizer que
tenho uma úlcera do que admitir minha falta de valor como pessoa. É
também provável que esta opção envolva uma regressão à infância.
Quando crianças, nossas dores e doenças físicas geralmente evocavam
mais simpatia do que nossa infelicidade pessoal. Um joelho arranhado
conseguia mais atenção e afeto do que um espírito ferido.
De qualquer forma, estima-se que 90 a 95% de todas as doenças físicas
são induzidas psicologicamente. Mesmo doenças tão "objetivas" como
as infecções viróticas ou bacterianas podem ter sua instalação
favorecida pelo fator psicológico. As tensões e frustrações diminuem
os mecanismos de imunização e de resistência do organismo, abrindo
as portas à doença. Também existe, sem dúvida, a ação da
autossugestão. É mais fácil aceitar uma dor física do que um fracasso
pessoal.
O Dr. Glasser conta uma estória interessante sobre um paciente
psicótico que ele visitava em sua corrida de leitos diária em um
hospital psiquiátrico. Um dia este homem, que até então tinha estado
completamente desorientado, pareceu de súbito retomar contato com a
realidade. Ele olhou para o Dr. Glasser e anunciou calmamente que
estava doente. Ao ser examinado, descobriu-se que o homem tinha
realmente uma pneumonia. Durante o período de convalescença, todos
os sintomas de loucura desapareceram. Só aos poucos, depois de
curada a pneumonia, é que estes sintomas reapareceram. A
surpreendente explicação de Glasser: o homem mudou por um curto
período de tempo a opção com a qual aliviava sua dor pessoal. Ele
trocou a loucura pela doença física e voltou novamente para a loucura.
os vícios
Cada uma das opções descritas acima é uma alternativa para evitar o
reconhecimento do próprio fracasso como pessoa. Contudo, apesar de
cada uma destas opções disfarçar e aliviar a agonia básica, a dor ainda
permanece. As pessoas continuam sofrendo e assim, segundo Glasser,
podem voltar-se para alguma forma de vício analgésico, além de
manterem a opção de fuga original. O álcool e as drogas são os
analgésicos mais eficazes, embora causem dependência e sejam
destrutivos. Algumas pessoas os escolhem como uma forma negativa
ou destrutiva de vício. Outras escolhem um vício neutro, como a
comida. Outras escolhem ainda uma forma de "vício positivo" como o
trabalho. Temos assim, entre outras vítimas do vício, os alcoólatras, os
viciados em comida e no trabalho. O que todos têm em comum é o fato
de tentarem entorpecer a dor de sua existência aparentemente sem
valor.
O aspecto frustrante de todas as formas de vício é que, quando a pessoa
consegue remover a dor, ela ameniza o sofrimento e não sente mais
necessidade de buscar e encontrar seu próprio valor. Ela tende a retirar-
se da vida. Uma das tragédias mais assustadoras de nosso tempo é o
enorme número de pessoas viciadas em drogas, muitas delas
consideradas destrutivas a nível biogenético. A parte pior da tragédia é
que, uma vez iniciada em drogas, a pessoa cruza uma ponte para um
mundo irreal, queimando-a depois de cruzá-la. Uma vez vivendo na
irrealidade, ela não pode mais reconhecer o real, ver as coisas como
são na verdade, ouvi-las como são, enfrentá-las como são.
Por causa disto, psiquiatras eminentes, como Viktor Frankl, opõem-se
ao uso de todas as drogas que produzem euforia, incluindo a maconha,
sob o argumento de que os viciados perdem a capacidade de distinguir
entre a realidade e a ilusão, entre os fatos e as fantasias. Igualmente
triste é o fato de que, uma vez estabelecido o vício, o drogado o prefere
a qualquer coisa e a qualquer pessoa.
Conclusão
A dor não é, em si mesma, um mal a ser evitado a todo custo. Pelo
contrário, a dor é um professor com quem podemos aprender muito.
Ela nos instrui, diz que devemos mudar, parar de fazer isso ou começar
a fazer aquilo, parar de pensar de uma forma e começar a pensar de
outra. Quando nos recusamos a escutar a dor e suas lições, tudo o que
nos resta é escapar através das opções e dos vícios. É como se
estivéssemos dizendo: não vou ouvir, não vou aprender, não vou
mudar.
Quase todos os rótulos perdem o sentido quando aplicados a seres
humanos. No entanto, acredito que existe uma distinção que é
realmente significativa, entre pessoas "em crescimento" e pessoas
"estáticas-e-fugitivas". Trata-se de uma distinção entre aquelas que
estão "abertas" ao crescimento e aquelas que estão "fechadas". Pessoas
abertas ao crescimento não se ressentem com a pedagogia da dor e
estão dispostas a mudar. Têm respostas oportunas e fazem ajustes
adequados. Outras pessoas, por razões que desconhecemos,
simplesmente não recorrem às lições da dor. Preferem buscar uma
existência narcotizante e tranquila, uma paz sem recompensa. Estão
dispostas a viver apenas 10% de seu potencial. Estão dispostas a
morrer sem ter vivido realmente.
Há uma coisa que uma pessoa que cresce pode fazer, um modo de
descobrir o valor pessoal, a autoestima, autoapreciação e uma razão
para celebrar. Vamos discorrer sobre isto no próximo capítulo. Através
do amor verdadeiro e duradouro podemos recuperar a aceitação do eu e
a compreensão de nosso valor. Quando isto está presente, tudo o mais
vai se encaminhar na direção do crescimento e da paz interior. Quando
faltam o amor e a valorização pessoal, o que resta é uma existência
parcial. Vamos alcançar somente uma fração do que poderíamos ter
tido. Morreremos sem ter realmente vivido. A glória de Deus — o
homem vivo em plenitude — estará perdida para sempre.

 
CAPÍTULO DOIS
Um pensamento paralisou-me: pela primeira vez na minha vida, vi a
verdade como é decantada por tantos poetas, proclamada como a
sabedoria final por tantos pensadores. A verdade — que o amor é o
objetivo derradeiro e mais alto a que o homem pode aspirar. Então
compreendi o significado do maior segredo que a poesia, o
pensamento e a crença humana têm a conceder: a salvação do homem
se faz através do amor e no amor.
Viktor Frankl, "Man's Search for Meaning"
 
as necessidades humanas e a experiência do amor
a salvação no amor e através do amor
A maioria das pessoas nunca é capaz de alcançar a plenitude da vida —
a glória maior de Deus no homem Elas permanecem para sempre
algemadas por dúvidas, medos e culpas, entregando-se a vícios e a
opções que entorpecem a dor. O mundo da propaganda brinca com o
espírito torturado do homem, prometendo-lhe prazer, férias de céu
azul, colchões melhores, etc... Ele compra estas coisas, esperando voar
agora e pagar depois, até que sua vida fique completamente
atravancada de tantos novos produtos e promoções. Mas o sofrimento
continua.
Mudanças profundas nunca ocorrem de forma rápida ou fácil. Uma
modificação em hábitos e comportamentos, uma revisão nas atitudes
básicas e no estilo de vida, desatar velhos preconceitos e correr o risco
de uma abertura — esta é uma curva larga e aberta que só pode ser
feita vagarosamente, não uma curva fechada que se faz de uma só vez.
Mas uma coisa é certa. Todas as pesquisas psicológicas estabelecem
este fato acima de qualquer dúvida. Mais importante do que qualquer
teoria psicológica, técnica terapêutica ou qualquer doutrina — aquilo
que cura e promove o crescimento do ser humano e a mudança — é a
relação de amor.
a anatomia do verdadeiro amor
Que amor é este que opera o milagre da cura e da libertação humana?
De certa forma, penso que sabemos instintivamente o que o amor
significa, tanto quando amamos como quando somos amados.
Entretanto, será bom falarmos mais especificamente a respeito de sua
natureza. Para uma definição operacional, gostaria de usar a descrição
de amor do Dr. Harry Stack Sullivan em Conceptions of Modern
Psychiatry:
Quando a satisfação, segurança e desenvolvimento de outra pessoa
tornam-se tão significativos para você como a sua própria satisfação,
segurança e desenvolvimento, o amor existe.
Na teoria, o amor implica uma atitude básica de interesse pela
satisfação, segurança e desenvolvimento do ser amado. Na prática, o
amor implica que estou pronto e disposto a esquecer minha própria
conveniência, a investir meu tempo e até mesmo a arriscar minha
segurança para promover a sua satisfação, segurança e seu
desenvolvimento. Se eu tiver a atitude de amor básica e for capaz de
traduzi-la em ação, a suposição é que eu amo você. Mas esta é apenas
uma das definições possíveis. Há muitas outras que devem ser
devidamente reconhecidas na complicada anatomia do amor.
tese um:
o amor não é um sentimento
Tenho a certeza de que a maioria das pessoas que conheço identificam
o amor com um sentimento ou emoção. Elas ora se apaixonam, ora se
desapaixonam, num ritmo acidentado. A chama do amor se extingue
em suas vidas apenas até que um novo fósforo seja riscado. Lembro-me
de uma jovem senhora que me contou como seu marido anunciou que
não a amava mais ao final da lua-de-mel. Isto aconteceu apenas duas
semanas depois de eu ter testemunhado seus votos de casamento; assim
imaginei haver algo errado com ele ou com sua ideia de amor, ao se
casar ou ao proclamar seu desamor.
Todo mundo sabe que os sentimentos são como ioiôs, sobem e descem
dependendo de coisas tão instáveis como o barômetro, a intensidade da
luz solar, a digestão, a época do mês e o pé com que se levanta da cama
de manhã cedo. Os sentimentos são instáveis, e as pessoas que
identificam o amor com os sentimentos tornam-se amantes instáveis. O
romancista francês Anatole France escreveu que "no amor só o começo
é prazeroso. Esta é a razão pela qual estamos sempre começando outra
vez, apaixonando-nos de novo." Quando identificamos o amor com os
sentimentos, passamos a vida buscando "aquele sentimento antigo",
imortalizado nas canções de amor.
É óbvio que os sentimentos estão relacionados ao amor. Em geral, a
primeira atração é experimentada através de sentimentos muitos fortes.
Não posso — a menos que seja herói ou masoquista — colocar sua
satisfação, segurança e desenvolvimento no mesmo nível dos meus
próprios, se não tiver sentimentos de amor por você. Entretanto, no
decorrer de um relacionamento amoroso, teremos de passar por alguns
períodos invernosos de dissabores emocionais para podermos encontrar
um novo florescer do nosso amor na primavera. A bijuteria do amor
inicial é polido e transformado pelo tempo no mais valioso ouro do
amor maduro; durante este processo, haverá ocasiões em que a
satisfação emocional estará ausente e outras em que sentimentos
negativos tornarão sombrio o céu do nosso mundo; mas certamente o
crescimento do amor pressupõe e necessita de um bom clima
emocional a maior parte do tempo.
Seria fatal identificar o amor com os sentimentos por causa da
flutuação natural destes sentimentos. Entretanto, seria também fatal
para uma relação afetiva se sua base não fosse construída a partir de
sentimentos de amor.
tese dois: o amor é
um compromisso e uma decisão
Neste capítulo, estamos considerando o relacionamento interpessoal de
amor. Tal relacionamento admite vários níveis. Posso amar e ser amado
por pessoas como meu pai, minha mãe, meu irmão ou irmã, amigos, o
amigo mais íntimo e confidente, meu marido ou minha mulher. O
contrato de amor é diferente em cada um destes casos. Obviamente,
não posso ter um relacionamento profundo com muitas pessoas. Não
tenho o tempo suficiente nem a capacidade emocional de interagir de
modo profundo e amoroso com tantas pessoas. Erich Fromm escreve:
O amor é uma atividade, não um afeto passivo; é um ato de firmeza,
não de fraqueza. De maneira geral, seu caráter ativo pode ser descrito
dizendo-se que o amor é primariamente dar, não receber.
Não posso ter um relacionamento amoroso com muitas pessoas; ficaria
exausto com o esforço. Portanto, preciso escolher. Naturalmente,
haverá certas obrigações e responsabilidades recíprocas entre eu e
aqueles a quem sou ligado por laços de sangue, mas mesmo aqui há
lugar para a escolha. Posso, de um modo livre e legítimo, escolher meu
pai ou minha mãe como confidente; posso também escolher um de
meus irmãos como um amigo especial. O maior presente que posso dar
ao outro é o meu amor; preciso escolher com cuidado aqueles em quem
investirei esta capacidade sagrada.
Como posso tomar esta decisão? Vários aspectos devem ser
considerados quando decido, desde a quantidade de coisas que posso
compartilhar com o outro, nossa capacidade de preencher necessidades
recíprocas, temperamento, interesses, inteligência, valores, habilidades
artísticas e atléticas, aparência física, até aquela coisa misteriosa
chamada "química corporal". Então olho para aqueles que me rodeiam
e faço minhas escolhas, oferecendo meu amor às pessoas escolhidas.
Pode haver em algum lugar neste universo, alguém inteiramente
adequado para mim, feito sob medida para satisfazer todas as minhas
preferências; mas esta pessoa pode não estar no meu mundo imediato,
o mundo no qual devo escolher aqueles a quem amarei.
Já que o amor pode existir em muitos níveis, é muito importante não se
comprometer quando não há a possibilidade de honrar o compromisso.
Pessoas inexperientes e imaturas tendem a fazer isto — dizer coisas
sob o impulso de fortes emoções ou reações físicas (sob as árvores,
numa noite de luar) e que soam falso na manhã seguinte após o café.
Este é o perigo de uma decisão prematura e impensada. Muitas pessoas
escondem-se atrás de muros protetores, chamados "operações de
segurança" por Harry Stack Sullivan. Estas operações têm a finalidade
de proteger um ego já ferido de uma vulnerabilidade maior. Ao
chamado do amor, estas pessoas saem, talvez hesitantes a princípio,
mas acabam saindo, reasseguradas pelas promessas de afeto. Se eu
tiver feito um compromisso prematuro ou exagerado, mais tarde terei
de retirar minhas promessas. Terei de explicar que realmente não
queria dizer o que disse, ou que mudei de ideia. Deixarei a outra
pessoa dolorosamente nua e desprotegida. Ela voltará outra vez para os
esconderijos de uma nova operação de segurança, para trás de um muro
ainda mais alto e impenetrável. E, estando ferida, ficará duplamente
cautelosa; será necessário um longo tempo antes que alguém consiga
trazê-la de volta — se isto ainda for possível. A pessoa que
experimentou um amor frágil, condicional e temporário, não terá
dúvida de que a aventura da vida humana é muito dolorosa e precária.
O cuidado e consideração ao fazer o compromisso do amor são
importantes. No entanto, isto não exclui o fato de que o jovem à
procura de parceiro para o casamento possa tentar vários
relacionamentos antes de encontrar aquela pessoa com quem irá
compartilhar sua vida. Conhecer e namorar muitas pessoas antes de
fazer a escolha final e se comprometer é certamente um ato de
sabedoria. É preciso apenas ter cuidado para não prometer com excesso
nem fazer compromissos prematuros, especialmente durante este
período de experiência. A antiga canção, "lt's a Sin to Tell a Lie" (É
Pecado Mentir) nos faz lembrar de muitos corações partidos e vidas
desmoronadas "...apenas porque estas palavras (eu te amo) foram
ditas."
tese três:
o amor verdadeiro é incondicional
O amor que se dá às pessoas é condicional ou incondicional. Não há
outra possibilidade. Ou eu vinculo condições ao meu amor ou não.
Gostaria de dizer neste ponto que apenas o amor incondicional pode
operar mudanças na vida da pessoa a quem este amor é oferecido.
Em seu trabalho Conceptions of Modern Psychiatry, de onde tiramos
nossa definição operacional de amor, o Dr. Sullivan fala a respeito do
"suave milagre de se desenvolver a capacidade de amar." Ele descreve
o fato de ser amado como a fonte deste milagre. O primeiro impulso
para a mudança vem muito mais do fato de ser amado do que de ser
desafiado. As barreiras do relacionamento humano só poderão ser
quebradas numa atmosfera de amor incondicional.
Há uma estória de uma dona de casa segundo a qual o afeto de seu
marido parecia estar sempre condicionado à limpeza e organização da
casa. Ela dizia que precisava saber se ele a amava independente do fato
de ela limpar a casa ou não; isto lhe daria forças para fazer seu serviço.
Se você compreende e está de acordo com o que ela diz, você pode
compreender também o que estou tentando explicar. O único tipo de
amor que nos ajuda a mudar e a crescer é o amor incondicional.

O amor condicional sempre degenera num amor do tipo "balança de


dois pratos". Neste tipo de relação, ambas as partes devem colocar uma
doação no prato apropriado de modo que um perfeito equilíbrio seja
alcançado. Mas, mais cedo ou mais tarde, alguma tensão, sofrimento
ou atrito poderá desviara atenção de um dos parceiros, que não fará seu
pagamento mensal a tempo, Assim, o outro parceiro condicional,
recusando-se a ser enganado, retira parte de sua contribuição para ter
certeza de que não está dando mais do que o outro — até que nada
reste além de um divórcio legal ou emocional.
Há ainda uma outra questão, não tão simples assim. Pode-se esperar
que uma das partes em um relacionamento amoroso continue a dar sua
contribuição incondicional e seu compromisso de amor sem uma
resposta encorajadora da outra parte? Teoricamente, acredito que se
uma pessoa continua a oferecer um amor incondicional, a outra
responderá a seu tempo. Mas talvez seja tarde demais. Se a pessoa que
oferece um amor incondicional nada recebe em troca para nutrir sua
própria capacidade e renovar sua força de amar, o relacionamento pode
ser levado a um fracasso inevitável.
Na prática, penso que as pessoas alegam mais do que real mente vivem
esta situação. Elas renegam seus compromissos com as outras, correm
para os tribunais de divórcio e voltam a se apaixonar repetidas vezes
(por pessoas diferentes); nem sequer desafiam seus recursos pessoais,
desenvolvem sua criatividade ou testam seus mecanismos de superar
dificuldades. Já se disse que o amor só é efetivo quando é cuidado.
Acho que isto é verdade, e que a fidelidade será sempre a medida e o
teste do amor.
Nota: "O amor incondicional'' deve ser interpretado como um ideal, um
objetivo que o verdadeiro amor aspira alcançar, mas que realmente não
está dentro das possibilidades do ser humano. Em maior ou menor
grau, estamos todos magoados e limitados pela pulsação de nossas
necessidades e sofrimentos. Somente uma pessoa totalmente livre e
sem cicatrizes poderia dar um amor incondicional de forma
consistente. Tal pessoa, naturalmente, não existe.
tese quatro: o amor é para sempre
Esta tese é simplesmente o corolário da anterior. Um limite de tempo
para o amor seria apenas mais uma das condições que podemos
vincular ao nosso compromisso. Eu o amarei enquanto, até que... No
filme Butterflies Are Free (As Borboletas São Livres), a ninfeta
superficial e descuidada, tão bem interpretada por Goldie Hawn,
aparece fugindo de seu amante cego. Ela explica sua fuga: "... porque
você é cego. Você é um aleijado!" No momento mais comovente do
filme, o jovem responde: "Não, eu não sou aleijado. Eu sou cego, mas
não sou aleijado. Você, sim, é aleijada, porque não se entrega a
ninguém. Você não consegue se relacionar com ninguém."

O compromisso do amor, em qualquer nível, tem que ser permanente.


Se eu disser que sou seu amigo, serei sempre, não enquanto ou até que
algo aconteça. Estarei sempre a seu lado. O amor verdadeiro não é
como a ponta retrátil de uma caneta esferográfica. Se eu disser que sou
seu companheiro, sempre serei, como nas palavras de outra canção
antiga: "When I fall in love it will be forever" (quando eu me
apaixonar, será para sempre).
Qualquer outro tipo de amor perde sua força. Preciso saber que seu
amor por mim é uma oferta permanente antes que eu abandone minhas
operações de segurança, minhas máscaras, papéis e jogos. Não posso
abrir-me para um amor temporário e experimental, para um contrato
que embora bem impresso, está cheio de ressalvas.
tese cinco:
o compromisso do amor envolve: decisões... decisões... decisões...
Já dissemos que o amor é um compromisso que envolve a satisfação, a
segurança e o desenvolvimento da pessoa amada. Amando você, estou
comprometido com a satisfação de suas necessidades, quaisquer que
sejam elas. Mas há uma dupla dificuldade nisto (eu não lhe prometi um
jardim de rosas!): primeiro, as suas necessidades estão constantemente
mudando. Se eu amar você, terei que estar lendo suas necessidades a
todo momento, observando-o com os olhos do amor. Devo estar sempre
perguntando: o que você precisa que eu seja hoje, esta manhã, esta
noite? Você está enfraquecido e precisa de minha força? Você foi bem
sucedido e está convidando-me para comemorarmos e celebrarmos
juntos? Ou você está se sentindo só e precisa apenas que eu coloque
minhas mãos suavemente sobre as suas? Esta maneira empática de
escutar e observar é um dos mais profundos desafios do amor
verdadeiro. Não é fácil saber quem é você, nem o que você precisa que
eu seja a cada momento.
A segunda dificuldade envolvida na prática do amor é a seguinte: sou
eu, e não você, quem deve decidir o que você precisa que eu seja. Não
posso simplesmente perguntar-lhe e confiar na sua resposta para saber.
Pode muito bem acontecer que, de acordo com a minha percepção, meu
maior ato de amor seja dizer-lhe uma verdade que você não quer ouvir;
ou ficar a seu lado mesmo quando você me manda embora de modo
agressivo; ou retomar uma discussão inacabada que você deseja
esquecer. Ao assumir a responsabilidade por estas decisões, posso estar
certo algumas vezes e errado outras. Mas, mais importante do que os
erros e acertos dos meus julgamentos é que, o que eu fiz, fiz porque
amava você. Eu queria o melhor para você. Escolhi sentir-me
responsável por sua vida, pelo seu crescimento e pelo desenvolvimento
de todo o seu potencial humano.
É claro que as minhas decisões jamais deveriam cercear a sua
liberdade. Devo ser eu e oferecer-lhe meu presente, mas, ao mesmo
tempo, devo deixar que seja você mesmo, livre para aceitar ou rejeitar
meu presente. Este é talvez o caminho mais difícil para o verdadeiro
amor: ser eu mesmo e oferecer minha contribuição de acordo com
minha percepção, nunca forçando sua resposta ou aceitação.
tese seis:
a maior dádiva
é a valorização da pessoa
Se o que dissemos no capítulo um - que a habilidade de sentir-se bem
consigo mesmo, de amar, apreciar e celebrar a própria bondade é o
ponto-chave para a saúde da personalidade humana e o ingrediente
básico para a felicidade — então a contribuição essencial do amor está
clara. O meu amor deve impulsionar o outro a amar-se a. si mesmo.
Devemos avaliar nosso sucesso no amor não por aqueles que nos
admiram por nossas realizações, mas por aqueles que atribuem sua
própria inteireza a nosso amor por eles; por aqueles que viram sua
beleza refletida em nossos olhos, que ouviram suas virtudes através do
calor de nossa voz. Somos como espelhos uns para os outros. Ninguém
sabe como é sua aparência antes de ver seu reflexo num espelho. É
absolutamente certo que ninguém reconhece sua própria beleza ou
percebe o sentido do seu próprio valor até que se veja refletido no
espelho de amor e cuidado de outro ser humano.
tese sete:
o amor significa o reconhecimento, não a posse do ser amado
O sentido de seu próprio valor é, sem dúvida, o maior presente que
podemos oferecer a alguém, a maior contribuição que podemos dar a
uma vida. Só podemos oferecer este presente e dar esta contribuição
através do amor. No entanto, é essencial que nosso amor seja
libertador, não possessivo. Devemos sempre dar, àqueles que amamos,
a liberdade de serem eles mesmos. O amor reconhece o outro como
uma outra pessoa. Não devo possui-lo nem manipulá-lo como uma
propriedade minha. Cabe aqui a citação de Frederick Perls: "Você não
veio ao mundo para satisfazer as minhas expectativas. E eu não vim ao
mundo para satisfazer as suas. Se nos encontrarmos será lindo. Se não,
nada há a fazer.''
Em inglês arcaico, a palavra para "amor" é fréon, da qual a palavra
friend (amigo) é derivada. Amar é libertar2. Até na estrutura da língua
inglesa há uma implicação que o amor e a amizade são libertadores. O
amor e a amizade devem ajudar àqueles que amamos a serem pessoas
melhores, de acordo com suas próprias ideias e visões.
Eu quero o melhor para você e tento ser o que você precisa que eu seja.
Apesar disto, sua liberdade de ter seus próprios sentimentos,
pensamentos e decisões deve ser preservada. Se a sua pessoa for tão
importante para mim como a minha própria, e isto está implícito no
amor, devo respeitá-la com todo cuidado e sensibilidade. Quando
reconheço você, meu reconhecimento é baseado no seu valor
incondicional como um mistério da Humanidade — único,
irreproduzível e até mesmo sagrado.
Quando avalio meu amor por você, devo, então, me questionar se este
amor é de fato possessivo e manipulador ou se é positivo e libertador.
Para me ajudar nesta avaliação, posso me fazer as seguintes perguntas:
o que é mais importante para mim — que você esteja satisfeito com
você mesmo ou que eu esteja satisfeito com você? Que você atinja seus
objetivos ou os objetivos que eu tracei para você?
Outro teste é o seguinte: à medida em que lhe ofereço amor e
consideração, você conseguirá relacionar-se melhor com outras pessoas
e eu ficarei feliz com isto. Vou querer que você ame outras pessoas e
que os outros o amem.
Não vou querer tornar-me "sua vida". Uma pessoa "viva em plenitude"
relaciona-se bem com muitas pessoas e aprecia uma grande variedade
de coisas. O meu amor deverá reconhecer e libertar você para uma vida
plena, para que seja capaz de viver todas as suas capacidades e
potencialidades, para que possa experimentar, de maneira completa,
toda a expressão da glória celestial que preenche o nosso mundo.
a dinâmica do amor
Até aqui temos repetido que o fator essencial ao ajustamento da
personalidade humana e a fonte da plenitude da vida é a verdadeira
valorização e celebração do eu. Quando isto está presente, haverá paz e
alegria em quantidade. Quando ausente, haverá tentativas tristes de
fuga para opções e vícios numa busca de se evitar o sofrimento. Como
consequência, se de fato amarmos alguém e quisermos sua felicidade,
segurança e crescimento, este sentido de valor pessoal será a
contribuição principal que podemos dar à pessoa amada e à plenitude
de sua vida. Após termos definido a natureza e a função do amor,
gostaríamos de investigar agora a sua dinâmica, o processo e a
experiência que podem levar a uma autoimagem segura, a um sentido
permanente de valor pessoal e à alegria que preencherá totalmente uma
vida humana.
A verdadeira natureza do homem é dada ao diálogo. A vida humana é
feita basicamente de relacionamentos. O "eu" de uma pessoa está em
busca constante do "tu" de outra e do "nós" de um relacionamento
amoroso. O sucesso ou fracasso desta busca é o sucesso ou o fracasso
essencial de uma vida humana. Ser pessoa tem como implicação amar e
ser amado. A causa básica de todas as doenças mentais e emocionais
está na incapacidade de se estabelecer relacionamentos afetivos
profundos.
A necessidade inata de ser amado se revela nos primeiros momentos da
infância. O sentimento de ser desejado e a satisfação de pertencer a
alguém são necessidades absolutas a partir do momento em que a
criança nasce. Há um consenso universal de que a quantidade de afeto
recebida na primeira infância determina, mais do que qualquer outra
influência, o curso e a qualidade de toda uma vida. O Dr. Lee Salk é
psicólogo e pediatra. Em seu livro What Every Child Would Like his
Parents to Know (O Que Toda Criança Gostaria que Seus Pais
Soubessem), ele resume e apresenta a evidência e a conclusão de que o
nosso bem-estar físico e psicológico é, em grande parte, o produto do
amor recebido na primeira infância.
Mais tarde, muitos jovens são perturbados pela fantasia de não serem
queridos e chegam mesmo a criar jogos para se sentirem mais seguros.
Explosões emocionais, ameaças de fugir de casa, comportamentos
antissociais, etc., são apelos velados àquele conhecimento básico tão
essencial à vida humana: um sentido de valor pessoal que é
reconhecido apenas quando se é amado. Os pais deveriam, de todas as
maneiras possíveis, assegurar a seus filhos o quanto eles são
valorizados e amados. Somente quando a criança sabe que é amada,
pode alcançar a verdade sobre si mesma, de que tanto necessita: ela é
digna de receber amor. E somente quando acreditar nisto é que será
capaz de antever e esperar amizade e amor durante o curso de sua vida.
É nesta condição de segurança e nesta expectativa que uma pessoa será
capaz de amar e confiar, de correr o risco de amar e ser amada.
Se uma criança não se sente segura o suficiente, vai duvidar,
naturalmente, de sua própria capacidade de ser amada e, como
consequência, terá muitas dúvidas quanto à receptividade de outras
pessoas. É inevitável que tal insegurança a leve a mecanismos
defensivos e autoprotetores, aos quais o Dr. Sullivan chama de
"operações de segurança". O apelo ao relacionamento humano, aos
encontros de amor, tão profundamente implantados na natureza
dialógica do ser humano, será frustrado na vida de tais pessoas. E os
próprios "para-choques" colocados para proteger o ego dolorido contra
maiores sofrimentos, evitarão também um contato humano verdadeiro e
a interação do amor.
Depois de alcançar uma segurança libertadora através do contato com a
família na infância, a criança irá procurar, nos primeiros anos de sua
vida escolar, companheiros do mesmo sexo com os quais vai testar sua
capacidade recém-descoberta de fazer amigos. Mas o tipo de amor
mais importante que leva à maturidade e à plenitude do ser humano, se
abrirá para ela no início da adolescência: a amizade com uma pessoa
do sexo oposto. A palavra sexo vem do verbo latino, secare que
significar "cortar". A ideia é que Deus, tendo criado o ser humano,
dividiu-o ao meio, em masculino e feminino. Toda a teoria personalista
da heterossexualidade considera que nenhuma das metades estará
inteira se não estiver, de certa forma, unida à outra. E. E. Cummings
escreve: "um não é a metade de dois, dois é que são as metades de um."
Para que uma pessoa desenvolva seu potencial como ser humano, ela
deve ter a experiência de uma amizade verdadeira e profunda com uma
pessoa do sexo oposto. Embora isto não signifique ter uma experiência
sexual genital, não podemos considerar, real mente, um relacionamento
puramente platônico entre um homem e uma mulher, a partir da
adolescência. Em todos os relacionamentos deste tipo, o sexo será
sempre um elemento forte, consciente ou inconsciente.
Tomando-se as devidas precauções onde e quando necessário, devemos
aceitar este impulso sexual como uma força benéfica e saudável, que
leva a uma realização profunda de toda a personalidade humana e da
capacidade para a vida como um todo. O impulso sexual — e
novamente estou me referindo à sexualidade total, não genital —
oferece uma nova vitalidade, uma nova qualidade para o
relacionamento. Isto é algo que todos nós experimentamos na presença
de uma pessoa do sexo oposto. Uma nova parte de nosso ser parece
ganhar vida e alguma coisa desperta e ganha um novo alento dentro de
nós.
Os psicólogos seguidores de Carl Jung dizem que há um componente
ou função masculina (animus) e uma feminina (anima) em toda
personalidade humana. Para haver um ser humano pleno ou
"individuado" (termo de Jung) ambos os componentes devem ser
trazidos à consciência de uma maneira harmônica. Devido ao
comportamento ensinado em nossa cultura atual, o componente
masculino é tornado consciente para o homem, mas o feminino não.
Com a mulher, dá-se o inverso.
O componente masculino ocupa-se predominantemente de coisas da
cabeça e da vontade: ordem, lógica, poder, coragem, proteção,
confiança. O componente feminino está associado com as coisas do
coração: a apreciação da arte, música, religião, natureza, flores. Seus
talentos principais são aqueles que consideramos como sendo
qualidades "femininas”.
É claro que quanto mais os dois componentes são despertados e
desenvolvidos em qualquer indivíduo, tanto mais completo ele será e
mais plenamente experimentará tudo o que é bom, real e belo no
mundo. Esses psicólogos nos asseguram que o despertar do
componente feminino no homem e do componente masculino na
mulher, tão essencial à plenitude humana, só pode acontecer numa
relação de amor com uma pessoa do sexo oposto.
Uma pessoa do outro sexo pode, mais facilmente, tirar-me da proteção
das minhas operações de segurança e da minha infinita preocupação
comigo mesmo; pode também fazer-me conhecer as possibilidades de
uma verdadeira relação de amor. Sinto-me mais seguro com uma
pessoa do sexo oposto em um aspecto pelo menos: o outro não compete
nem é comparado comigo de maneira tão óbvia. Como consequência, é
mais fácil confiar, revelar meus segredos e arriscar-me a ser
transparente com uma pessoa do outro sexo.
as distorções do amor
O amor entre um homem e uma mulher deveria ser a experiência mais
libertadora, construtiva e completa da vida humana adulta. No entanto,
o tipo de união profunda que leva a esta experiência não é fácil de ser
alcançada. Segundo o filósofo existencialista espanhol Ortega y
Gasset, o amor entre o homem e a mulher está sujeito a três tipos
diferentes de distorções. Estas distorções deformam a personalidade
humana, ao invés de desenvolvê-la.
1 A conquista física. Na primeira distorção, um dos parceiros (ou
ambos) vê o outro basicamente como fonte de prazer físico, sexual. Os
detalhes e as concessões do relacionamento são todos arranjados de
modo a maximizar as possibilidades e oportunidades de gratificação
física. O parceiro é "usado" como uma fonte de prazer corporal, às
vezes por sua própria vontade, sem ser enganado. E, não importa o que
se disser em contrário, ele é visto apenas como uma coisa, um objeto,
uma condição e uma fonte de autogratificação para o outro.
2 A conquista psicológica. Esta segunda distorção é mais maliciosa e
perversa que a primeira. O objetivo aqui é o da conquista psicológica.
As estratégias e movimentos são mais sutis, destinados a seduzir
psicologicamente o parceiro, a fazer com que ele se apaixone e caia aos
pés do conquistador, para ser dominado e submisso não apenas como
um corpo mas como uma pessoa. Quando a estratégia é bem sucedida,
o suposto "enamorado" logo perde o interesse pelo que foi vencido. Ele
ou ela torna-se apenas mais um troféu na coleção do vencedor.
"Quando o peixe está dentro do barco, perde a graça."
3 A imagem projetada. No gerai, quando um homem e uma mulher se
apaixonam, não é pela realidade do outro, mas pela "projeção" do que
o ser amado deveria ser. Pode ser que a imagem projetada seja derivada
de uma mãe, de um pai ou de um sonho. Carl Jung diz que "todo
homem carrega sua Eva dentro de si", o que quer dizer que todo
homem carrega em seu subconsciente a imagem da mulher ideal. Da
mesma forma, é claro, toda Eva carrega dentro de si o seu Adão. Isto
explica porque certos homens se apaixonam por certos tipos de
mulheres e vice-versa. A imagem projetada pode ter, em alguns casos,
muito pouco a ver com a pessoa real. O problema aparece quando a
pessoa insiste em manter a imagem e querer que o outro se ajuste a ela.
Desta forma, ela estará amando apenas uma fantasia, apenas uma
projeção. Ela não chegará sequer a conhecer a outra pessoa.
amor genuíno
Duas solidões que se protegem, se tocam e se acolhem. Aqui
encontramos a única realidade digna de ser chamada de amor. Os dois
parceiros deixam cair, ainda que pouco a pouco, a imagem projetada (a
primeira fonte de atração), para encontrar a realidade ainda mais bela
da pessoa. Cada um quer conhecer e respeitar a diversidade do outro.
Cada um valoriza e tenta promover a visão interior e o misterioso
destino do outro. Cada um considera como seu o privilégio de ajudar
no desenvolvimento e realização do destino do outro. A brilhante
inspiração poética de Rilke parece captar a natureza do relacionamento
do verdadeiro amor:
O amor é... um forte apelo para o indivíduo amadurecer, tornar-se
algo em si mesmo, tornar-se um mundo em si mesmo, tudo isto por
causa de outrem. É uma enorme, absurda demanda sobre o indivíduo,
algo que o absorve e o desperta para coisas imensas. O amor consiste
nisto, em duas solidões que se protegem, se tocam e se acolhem.
Conclusão
Frequentemente, quando o encontro e a verdadeira relação de amor
estão ausentes numa vida humana, é porque a pessoa manteve as portas
de seu coração trancadas e bloqueadas, seja por egoísmo ou por
timidez. A pessoa se sente incapaz ou sem vontade de arriscar uma
transparência, de expor as partes mais sensíveis de sua alma para o
outro. Sem este desejo de arriscar, a vida humana será apenas um longo
e doloroso período de inanição e o mundo, uma sombria prisão.
Responder ao apelo do amor exige muita coragem e determinação,
porque a autoexposição sempre envolve o risco de se sair seriamente
ferido. Mas, sem transparência, o amor é impossível e, sem amor, a
vida humana é seriamente lesada.

Quando a pessoa corre o risco de amar, é, geralmente, correspondida


em seu amor. Aqueles que desejam amar encontrarão eventualmente o
amor. E então o espelho estará lá, refletindo a imagem de uma pessoa
que ama, e este é o início da verdadeira autoestima e autocelebração.
Esta é a razão pela qual Viktor Frankl diz que a origem da verdadeira
autoestima é "a valorização refletida que vemos nas pessoas a quem
amamos."
Tem-se dito, com razão, que a segunda coisa mais difícil do mundo é
enfrentar o desafio de viver intimamente e de crescer junto de outra
pessoa. A coisa mais difícil do mundo é, no entanto, viver só. O amor
é, antes de tudo, um processo gradual, a longa curva que deve ser feita
com cuidado, não a curva fechada que se faz de uma só vez. O homem
e a mulher precisam iniciar uma longa jornada e andar muitos
quilômetros, até que possam encontrar as alegrias do amor. Eles
deverão passar por florestas escuras e fechadas e haverá muitos perigos
no caminho. Eles deverão ter mais cuidado com o amor do que com
qualquer outra coisa na vida. O amor exigirá abstinência de tudo o que
lhe possa ser nocivo. Exigirá também muita coragem, perseverança e
autodisciplina.
A jornada para o amor é a jornada para a plenitude da vida. Só através
dele o ser humano se torna capaz de se conhecer, de amar aquilo que é
e o que virá a ser, e de encontrar a plenitude da vida, que é a glória de
Deus. Só no amor o homem encontrará a razão de uma celebração
eterna.
 
CAPÍTULO TRÊS
Foi no dia em que meu pai morreu. Era um dia triste, chuvoso e frio de
janeiro. No pequeno quarto de hospital, eu o segurava em meus braços
quando seus olhos se abriram de repente, num olhar de pavor que eu
jamais tinha visto. Tive a certeza que o anjo da morte entrara no
quarto. Então meu pai tombou para trás e eu Coloquei sua cabeça no
travesseiro suavemente. Fechei seus olhos e disse à minha mãe que
estava sentada ao lado da cama, rezando:
"Está tudo acabado, mãe. O pai está morto".
Ela me surpreendeu. Jamais saberei porque estas foram suas primeiras
palavras para mim depois da morte de meu pai. Ela disse:
"Ah, ele se orgulhava tanto de você. Ele o amava tanto!"
De alguma forma, soube pela minha própria reação que aquelas
palavras tinham um significado muito especial para mim. Elas eram
como um raio de luz repentino, como um pensamento assustador que
eu não tinha absorvido até então. Junto disto, havia uma pontada de
dor, como se eu fosse conhecer meu pai melhor na morte do que em
vida.
Mais tarde, enquanto o médico atestava a morte, encostei-me no canto
mais afastado do quarto chorando baixinho. Uma enfermeira se
aproximou e colocou um braço reconfortante à minha volta. Não pude
falar através de minhas lágrimas. Gostaria de ter dito a ela:
"Não estou chorando porque meu pai está morto. Estou chorando
porque meu pai nunca me disse que se orgulhava de mim. Ele nunca
me disse que me amava. Certamente esperavam que eu soubesse dessas
coisas. Esperavam que eu soubesse do papel importante que
representava em sua vida e do espaço enorme que ocupava em seu
coração, mas ele nunca me disse."
amor e comunicação
o amor é efetivo para aqueles que cuidam dele
Não importa o quanto os românticos tenham tentado fazê-lo parecer um
mar-de-rosas, ou o quanto os céticos afirmem de modo sarcástico que
ele é supervalorizado: o amor é a resposta segura e essencial para o
enigma da existência, da plenitude e da felicidade humana. Viver é
amar. Mesmo assim é preciso admitir que os céticos têm um quadro
estatístico convincente. Este quadro mostra não só o acúmulo de
divórcios em curso nos Tribunais, mas também a fragmentação geral da
família humana: pais contra filhos, irmãos contra irmãos, etc. Se o
amor é de fato a resposta, parece evidente que os esforços do homem
para encontrar essa resposta em suas relações têm tido uma alta taxa de
mortalidade. O amor é efetivo para as pessoas que cuidam dele. Mas
por que o amor falha com tanta frequência? Qual é o "cuidado" que o
amor exige, e por que algumas vezes não nos dispomos a assumi-lo?
O "cuidado" do amor
O amor pressupõe, consiste em e determina muitas coisas, mas é
basicamente praticado no ato de compartilhar. Duas pessoas que estão
comprometidas numa relação de amor, num certo nível e com
determinada profundidade, precisam compartilhar ativamente suas
vidas, de acordo com este nível e esta profundidade. Outra palavra para
compartilhar é comunicar, o ato pelo qual as pessoas compartilham
alguma coisa ou a têm em comum. Se eu comunico um segredo meu a
você, nós o compartilhamos, ele se torna comum a nós dois. Na medida
em que eu me revelo a você e você se revela a mim, temos em comum
nossos próprios mistérios. Ao contrário, na medida em que nos
retraímos e nos recusamos a uma transparência mútua, enfraquecemos
o amor.
Nesse contexto, a comunicação não só representa o sangue vital do
amor e a garantia do seu crescimento, mas é a própria essência da
prática do amor. Amar é compartilhar e compartilhar é comunicar.
Assim quando dizemos que a comunicação é o "segredo do amor
eterno", o que queremos dizer é que este segredo consiste em amar, em
continuar compartilhando e em manter vivo o compromisso.
Obviamente há um primeiro "sim", um primeiro compromisso feito
com o amor, mas este primeiro "sim" contém um número infinito de
"sim" menores.
Uma das maneiras mais comuns de se fugir da prática das realidades
como o amor é substituir-se a ação pela discussão. Preferimos debater,
pensar e questionar tais realidades do que colocá-las em prática. É
muito mais fácil discutir verdades do que vivenciá-las. Hoje, por
exemplo, discute-se muito o Cristianismo como estilo de vida. Ainda é
possível acreditar? Em que acreditamos de fato? A fé é essencial para a
felicidade? A maior falha de toda a história do Cristianismo é que
temos divagado em discussões abstratas e sem fim ao invés de
fazermos da fé uma prática. Expectadores não comprometidos
imploram que não os ocupemos com debates sobre nossas dúvidas.
Eles pedem: mostre-me como seria se eu acreditasse e se me
comprometesse.
O mesmo acontece com o amor. Preferimos discuti-lo a vivenciá-lo.
Não há preço para ingresso no foro das discussões, mas a prática do
amor é uma aprendizagem cara. Dag Hammarskjöld diz em seu livro
Markings:
O "grande" compromisso obscurece com facilidade o "pequeno". Mas
sem a humildade e o calor necessários ao desenvolvimento das
relações com as poucas pessoas com quem se está pessoalmente
envolvido, nunca será possível fazer alguma coisa para as muitas
outras. Sem isso, vive-se num mundo de abstrações onde... a sede de
poder e o desejo da morte carecem de seu único oponente mais forte —
o amor... Construir um homem bom é melhor para a saúde da alma do
que "sacrificar-se pela humanidade".
unidade, não felicidade
Enquanto suprimos o amor com o "cuidado" ou esforço que ele requer,
é importante que procuremos a unidade, não a felicidade. As pessoas
que iniciam esta viagem têm que lutar por aquele compartilhar, aquela
transparência e comunhão de vida que constituem a essência do amor.
Candidatos a uma relação afetiva de verdade não devem estar medindo
sua temperatura e contando as batidas de seu pulso o tempo todo para
verificarem o quão felizes estão ou o quão bem estão se sentindo.
Viktor Frankl nos tem chamado a atenção, várias vezes, para o fato de
que tal sentimento de conforto e felicidade só pode fazer parte da vida
como um subproduto. Os versos abaixo não deixam dúvidas:
A felicidade é como uma borboleta.
Quanto mais você a persegue, mais ela lhe escapa.
Mas se você volta sua atenção para outras coisas,
Ela vem e suavemente pousa no seu ombro.
Para ser realmente feliz no amor é preciso querer a unidade, a
harmonia, o compartilhar. Algumas vezes esta unidade envolve muitas
condições dolorosas: ser honesto quando seria mais fácil mentir; falar
quando seria mais fácil ficar amuado; admitir sentimentos embaraçosos
ao invés de acusar outra pessoa; permanecer ao invés de sair correndo;
admitir a dúvida ao invés de fingir certeza; e confrontar quando seria
mais fácil ter paz a qualquer preço. Nenhuma dessas condições, que
estão entre os requisitos legítimos do amor, traz paz e felicidade
imediatas; ao contrário, trazem dor e conflito imediatos. Sim, o amor é
efetivo se cuidarmos dele. Cuidar do amor consiste em atingir uma
transparência e honestidade total e estas são conquistas difíceis. Assim,
aqueles que correm numa caçada direta à borboleta da felicidade nas
relações de amor, chegarão de coração e mãos vazios ao fim da
jornada. A condição essencial para se construir uma relação de amor
bem sucedida está na unidade, não na felicidade.
diálogo versus discussão
Gostaria de introduzir aqui uma distinção de conteúdo entre dois tipos
de comunicação. O primeiro se refere à comunicação ou ao
compartilhar de emoções ou sentimentos. A este eu chamaria de
diálogo. O segundo tipo de comunicação se refere ao compartilhar de
ideias, valores, planos e decisões em conjunto — em geral, ás questões
de natureza predominantemente intelectual. A esse tipo de
comunicação eu chamaria de discussão. Claro, esta é uma distinção
arbitrária e estou certo de que nem todo mundo gostaria de usá-la ou
aceitaria a maneira como faço uso destas palavras... na verdade, não é
importante se os outros querem ou gostam de usar esta distinção. O
importante é que fique claro o que estou tentando dizer. Preciso desta
ou de uma distinção qualquer para enfatizar um ponto que julgo
extremamente importante.
Este ponto é o seguinte: deve haver uma liberação de emoções
(diálogo) entre os parceiros envolvidos numa relação de amor antes
que eles possam deliberar (discutir) com segurança sobre planos,
escolhas, valores. O pressuposto implícito nesta distinção — de que o
diálogo é prioritário — baseia-se no fato de que a ruptura do amor e da
comunicação sempre acontece por problemas emocionais. Duas
pessoas que se amam podem continuar a estreitar sua afeição ao
mesmo tempo em que mantêm opiniões contrárias em qualquer área da
vida. Posições intelectuais opostas não constituem obstáculo ao amor a
não ser que um ou ambos os parceiros se sintam emocionalmente
ameaçados.
No primeiro capítulo, dissemos que a necessidade básica da natureza
humana é de autoestima, de autoapreciação e de autocelebração. Posso
abrir mão de qualquer coisa se continuar acolhendo a mim mesmo e a
meu mundo, mas não posso perder a autoestima sem que isso tenha
profundas repercussões em toda a minha vida. A maioria de nós tem
uma enorme gama de emoções, em especial expressões de hostilidade,
prontas para serem detonadas em caso de ameaça à autoestima. Numa
relação de amor, o ódio aparece quando de alguma maneira nos
sentimos ameaçados e amedrontados. Nosso sentimento de valor, a
alegria de ser quem somos e nossas próprias razões para celebrar estão
em perigo. Tudo isto é ao mesmo tempo muito simples e muito
complicado. Mas o que quero deixar claro é que enquanto minhas
emoções estiverem vibrando com esses temores, ódios e necessidades
de autodefesa, não estarei em condições de ter uma discussão aberta,
honesta e afetuosa com você ou com qualquer outra pessoa. Vou
precisar da liberação de emoções e da ventilação do diálogo antes de
me sentir pronto para esta discussão.
O desvio que precisa ser evitado a todo custo é o de confundir um
assunto que pertence ao campo da discussão — por exemplo: o quanto
você gastou com o casaco novo ou o fato de eu não ter ainda
consertado a porta — com assuntos de segurança pessoal que
pertencem ao campo do diálogo. Diz-se que os amantes jamais
discutem a questão verdadeira.
Dissemos que o amor, ao contrário do dinheiro, não pode ser
depositado no banco. Numa relação afetiva é preciso haver uma
sustentação contínua e recíproca de valorização pessoal. Quando há
uma privação prolongada desse reforço, aparece a sensação de derrota
e, com ela, as opções para suavizar a dor desse sentimento de fracasso
total. O problema é essencialmente emocional: como eu me sinto a
respeito de mim mesmo, de meu próprio valor, de minha vida? Tudo o
mais é sintomático. Qualquer outra forma de turbulência emocional, é
apenas uma ondulação desta agonia central.
Com mais frequência do que percebemos, nossos problemas são
basicamente emocionais e sofremos mais por causa daquelas emoções
que brotam quando nosso sentido de valor se encontra ameaçado. A
consequência desta falta de percepção é o que se chama de "emoção
deslocada". O modo como sou tratado no meu trabalho ou na escola
pode fazer-me duvidar do meu próprio valor e resultar num medo de
que ninguém possa de fato me amar, estimar ou se preocupar comigo.
Este é o tipo de ameaça à identidade que geralmente vem à tona não
como medo, mas como hostilidade, como um tipo de ódio
autodefensivo. Quando esse ódio se acumula em nós sem a liberação e
a perspectiva oferecidas pelo diálogo, o ambiente torna-se propício
para o deslocamento de emoções. Se a criança deixa os brinquedos
espalhados pela casa, se o almoço está atrasado, se os pais, bem
intencionados, fazem uma pergunta descontraída — a casa vem abaixo.
Sabemos perfeitamente que nossa hostilidade é pura indignação, a
mesma que Jesus sentiu ao expulsar compradores e vendedores do
templo. Acreditamos que qualquer pessoa ficaria enfurecida em
circunstâncias semelhantes. Mas o ódio e a frustração que sentimos
estão realmente deslocados. Na origem, o problema é o mesmo de
sempre. Sentimo-nos diminuídos em nosso autorrespeito e
extravasamos nosso ódio sobre a vítima mais próxima.
diálogo: a doação de si mesmo

Temos dito que o diálogo deve preceder a discussão. Caso contrário, o


peso morto das emoções não resolvidas e não expressas bloqueará
qualquer tentativa de intercâmbio aberto e livre que leve a planos e
decisões. Temos nos referido a emoções negativas e obviamente nem
todas o são. No caso de emoções positivas, há ainda mais razões para
se praticar o diálogo antes da discussão. Só me torno um indivíduo
transparente e conhecido para você quando falo dos meus sentimentos.
Minhas ideias, convicções, valores e crenças não me tornam uma
pessoa original. Eu os extrai de leituras, de tradições absorvidas, de
ouvir e imitar os outros, através da inevitável osmose resultante do
contágio humano. Minhas ideias e meus posicionamentos podem me
incluir numa categoria como "mineiro", "católico", "conservador" ou
"progressista", mas não podem me tornar transparente e conhecido para
que você possa me experienciar e compartilhar a minha pessoa. Isso só
pode ser feito através dos meus sentimentos, sejam eles positivos,
negativos ou neutros. Meus sentimentos são como minhas impressões
digitais, como a cor dos meus olhos e o som da minha voz: únicos e
irreproduzíveis em qualquer outra pessoa. Para me conhecer é preciso
conhecer meus sentimentos. E só quando você me conhecer através do
diálogo, a qualquer momento de minha vida, você será capaz de
entender minhas ideias, preferências e intenções, compartilhadas na
discussão.
Se você refletir um pouco sobre isto, poderá perceber a verdade
envolvida nesta questão. Talvez você conheça alguém — um professor,
um vizinho, um religioso — que trabalha com ideias, teorias,
ensinamentos, técnicas, etc., mas que mantém suas comunicações
cuidadosamente esterilizadas e sem vida, inteiramente isentas de
qualquer conteúdo emocional. Uma vez assisti a uma série de palestras,
durante oito dias, com uma pessoa assim e ao fim estava certo de que
não a tinha conhecido. Não consegui sequer saber se ela estava
simplesmente repetindo como um papagaio um livro que tinha lido;
comecei a pensar que suas anotações deviam estar velhas e tentei
imaginar quantas pessoas as teriam ouvido. Já percebi que quando falo
em público, a audiência parece "se ligar" quando lhe ofereço meus
sentimentos, não como um demagogo, que tenta manipular, mas como
um irmão que deseja compartilhar alguma coisa. Tenho observado esta
verdade repetidas vezes, em palestras ou debates, em salas de aula, em
conversas de sala de visita e nas comunicações que envolvem duas
pessoas. Minhas emoções são a chave para a minha pessoa. Quando lhe
ofereço esta chave, você pode entrar no meu mundo e partilhar da
minha dádiva mais preciosa: eu mesmo.
Observação importante: Neste capítulo sobre o diálogo demos ênfase
à comunicação de emoções. A tese central é que, quando falo das
minhas emoções ou sentimentos, estou falando do que realmente sou,
estou me dando a você. Apesar da verdade inerente a esta tese, poderia
parecer, ao mesmo tempo, que suas emoções são você. Isso não é
verdade, de maneira alguma. Você e eu somos muito mais que nossas
emoções. Sentimos medo, mas somos muito mais que o medo.
Sentimos raiva, mas somos muito mais que a raiva. Temos uma cabeça
que nos permite conhecer, decidir, aceitar e absorver valores. Temos
desejos também, um coração para amar e criar laços, para se
comprometer e ser fiel. Se você tiver tempo, leia, por favor, o que
3
escrevi em Why Am I Afraid to Tell You Who I Am? a respeito da
integração entre as emoções, a mente e a vontade. Apesar de essenciais
para a comunicação, as emoções não decidem por nós. Só a eterna
criança é governada por seus sentimentos.
Ainda assim, permanece esta verdade, que não se deve deixar de
enfatizar — apenas quando divido meus sentimentos a nível visceral
estou de fato compartilhando minha pessoa. É verdade que meus
valores, crenças e metas são mais importantes que meus sentimentos;
mas somente quando revelo como me sinto sobre esses valores, crenças
e metas, é que você será capaz de perceber minha singularidade. É
verdade que meu amor é mais importante que meus sentimentos; mas
só quando divido com você os vários sentimentos evocados pelo meu
amor. é que você será capaz de percebê-lo como único e irreproduzível.
O diamante é a pessoa, mas são os sentimentos que revelam e ilustram
as várias facetas da beleza da pedra. Sem o encaixe adequado, o
diamante não pode ser visto e admirado. Sem os sentimentos, a pessoa
não pode ser conhecida.
a experiência "culminante"
Em cada ponto de nossa vida, representamos a confluência de muitas
coisas. O ponto central dessa confluência está obviamente na
autoimagem; mas, há muitas outras forças e correntes convergindo para
este ponto, como os raios convergem para o centro de uma roda. Essas
forças são as pessoas e eventos presentes em nossas vidas que podem
ser fontes de grande enriquecimento pessoal. No entanto, assumindo a
postura defensiva da pessoa que teve seu ego ferido e não quer mais
colocar em risco sua vulnerabilidade, a maioria de nós aciona uma das
operações de segurança. Como defesa, filtramos a realidade que chega
até nós através dessas correntes e forças. Assim transcorre a vida para
a maioria de nós, como se estivéssemos num platô. Nosso "ontem"
começa a parecer mais e mais com o nosso "hoje" e o nosso "hoje" a
parecer mais e mais com o "amanhã". Cria-se assim o ambiente
propício à estagnação, que nada mais oferecerá além da procura de
pequenos estímulos ou símbolos de status que se possa admirar como
um velho jogador de futebol admira seus troféus. Este é o retrato da
pessoa que está viva apenas 10%, que foi feita para viajar com oito
cilindros, mas que está usando apenas um.
Seria inútil confrontá-la. A confrontação poderia amedrontá-la e levá-
la a reagir agressivamente, usando uma ofensa hostil, que é
considerada a melhor defesa. Ela nos perguntaria: "Quem diabos você
pensa que é?" As "sessões de sensibilidade", tão populares nos anos
sessenta e que provocavam um tipo de investida frontal e desumana nas
operações de segurança das pessoas, têm sido reavaliadas mais como
um perigo do que uma ajuda. Os momentos de "aprendizado"
raramente ou nunca acontecem quando se retira as máscaras das
pessoas, deixando-as expostas diante de seus próprios fracassos. Há um
risco enorme de elas se fecharem ainda mais dentro de si mesmas.
Só conseguimos sair da rotina, subir acima do platô e escapar da morte
em vida através de experiências "culminantes" de comunicação. Numa
perspectiva maior, a ocorrência ou não de tais experiências é o que
constrói ou destrói uma relação de amor. Sem estes momentos de
ruptura na direção de uma transparência nova e recíproca, o amor se
torna monótono, estagnado e desinteressante. Os parceiros começam a
tatear em algum outro lugar, à procura de alguma forma de ação, de
alguma estimulação para o ego. No jardim da humanidade, o que não
está crescendo, está morrendo.
Vou tentar descrever agora o que entendo como experiência culminante
de comunicação e dar um exemplo a partir da minha própria vida. Em
primeiro lugar, acho que numa experiência deste tipo uma das pessoas
se abre de tal maneira que a outra é chamada a sair de si mesma, a
abandonar suas opiniões, suas posições rígidas e antigas, em troca de
uma nova experiência. Esta experiência não traz apenas um
conhecimento mais profundo da realidade do parceiro, mas traz
também uma nova percepção da própria capacidade e realidade da
pessoa através de uma retração e assimilação posterior. Tal experiência
irá mudá-la para sempre, tornando-a mais aberta, mais afetuosa, mais
viva.

Desde que são as emoções que definem e revelam meu verdadeiro eu,
estarei revelando necessariamente meus sentimentos no momento da
transparência. Quando compartilho meus sentimentos, eu lhe dou a
oportunidade de conhecer-me de uma nova maneira, de conhecer-se a
si mesmo de uma nova maneira e de mudarmos através desse
conhecimento. Talvez isso aconteça enquanto lhe relato um incidente
qualquer ou quando lhe falo do meu amor, mas será o sentimento ou
conteúdo emocional que conterá toda a carga afetiva e lhe oferecerá a
experiência da minha pessoa. Se eu não lhe revelar meus sentimentos,
você simplesmente irá projetar suas emoções em mim. Por exemplo, se
eu lhe disser que fracassei de alguma maneira, sem descrever
claramente minha reação emocional ao fracasso, você poderá concluir
que minha reação foi a mesma que você teria tido em situação
semelhante. No entanto, isto não corresponde, em hipótese alguma, à
verdade. Se nego a você o conhecimento de minhas emoções mais
profundas, você jamais poderá me conhecer ou se enriquecer com o
tipo de experiência culminante aqui descrita.
Por que tais experiências culminantes têm um efeito tão profundo? Em
primeiro lugar, é claro que as pessoas são transformadas a partir de
suas relações mais íntimas. As experiências culminantes de
comunicação injetam uma nova vitalidade nessas relações. Quando
você abre para mim uma parte de si mesmo, uma reação, uma mágoa,
uma ternura ou um medo que eu nunca tinha experimentado em você
antes, torno-me mais consciente de sua profundidade e de seu mistério.
Não vou mais considerar você como uma pessoa garantida; nem vou
acreditar ingenuamente que o conheço tão bem que não preciso
procurar por algo novo, como se você fosse imutável e pudesse
permanecer eternamente aquela pessoa que um dia conheci e amei.
Em segundo lugar, esses momentos culminantes me ajudam a sair de
mim mesmo. Enquanto me fecho, não há possibilidade de mudança.
Isto é tão certo quanto aquele ditado segundo o qual não podemos
aprender nada de novo quando falamos, mas só quando escutamos. A
prisão em si mesmo é um mundo pequeno, solitário e incrivelmente
enfadonho, com uma população de uma só pessoa. Não havendo uma
interação verdadeira, não pode haver crescimento ou mudança. Quando
você revela a sua pessoa e seus sentimentos mais profundos, você me
convida a abandonar minha preocupação comigo mesmo. Isso me faz
sair da monotonia incômoda criada pela preocupação com o eu.
Quando isso acontece, quando saio de mim mesmo, a porta se tranca
atrás de mim. Nunca mais poderei voltar àquele mundo pequeno,
rígido, inflexível. Talvez esta descrição faça a experiência culminante
parecer apocalíptica demais e a mudança resultante irreal, repentina e
profunda demais. A mudança é sempre lenta, mas a ação de mudar e a
esperança de transformação são muito reais.
A experiência da comunicação culminante pode ser comparada a uma
pessoa que permanece sozinha em seu apartamento o dia todo.
Enquanto permanece ali, experimenta uma sensação de segurança. Não
há necessidade de interagir com outras pessoas que possam amedrontá-
la ou feri-la. Suas coisas estão sempre no mesmo lugar: a lâmpada de
cabeceira, o banheiro, o copo d'água. Ela está, no mínimo, a salvo de
todo o perigo em sua própria estagnação. Para ela, o mundo além de
seu pequeno apartamento está completamente perdido. Ela está viva,
mas não muito. Respira, mas não vive realmente. Um dia, vê pela
janela uma pessoa experienciando um momento de intensa emoção.
Isso lhe parece tão interessante e tão atraente, que todos os seus medos
são esquecidos. Destranca a porta, sai ao encontro do outro e, num
momento de encanto e libertação, experimenta um novo mundo.
Respira um ar fresco e renovado. A luz e calor do sol a cobrem pela
primeira vez. E então ela se dá conta de uma coisa. Sua vida foi
ampliada. Ela jamais poderá voltar atrás, jamais poderá ser a mesma
pessoa ou viver a mesma existência estreita e confinada. Ela não mais
se encaixa naquele mundo; e tudo isso porque saiu de si mesma e se
entregou profundamente a uma outra pessoa. Agora, caem por terra
todas as dimensões do seu mundo, todas as previsões e preconceitos
que antes a aprisionavam.
No despertar das experiências culminantes, ambos os parceiros saem
modificados para sempre e de uma forma dramática — toda a relação
adquire nova intensidade e nova profundidade. Cada um verá o outro
sob uma nova perspectiva.
Permitam-me dividir com vocês uma experiência desse tipo que eu
mesmo vivi. Há cerca de cinco anos, os médicos comunicaram a nossa
família que minha mãe, já idosa, parecia ter um câncer de fígado que
não podia ser operado, talvez em fase terminal. Para confirmar o
diagnóstico inicial, os médicos resolveram fazer uma cirurgia
exploratória com a qual todos concordaram. Na noite anterior à
cirurgia, informei à minha mãe sobre o seu estado, com cautela, para
que ela pudesse encarar o mistério da morte da forma mais suave
possível. Muito nervoso, sentei-me na beira da cama e lhe perguntei se
queria se confessar. Na Igreja Católica, os familiares de um padre geral
mente procuram outro padre para o sacramento da penitência, ou
"confissão", como se diz popularmente. No entanto, como minha mãe
sofria de uma artrite grave nos últimos anos, eu me tornei seu
"confessor" nos dez anos anteriores ao episódio daquela noite.
Devo dizer que sou o mais novo dos três filhos de minha mãe, seu
"caçula". Juro que posso sentir esta palavra na sua voz quando
conversa comigo e no seu rosto quando me olha. Há apenas uma
exceção: quando ela se confessa comigo. Nesses momentos torno-me
seu "sacerdote", seu "Padre”. Nesses momentos, ela parece totalmente
transformada pela fé em mim como representante de Deus. Todos os
sinais que identificam seu "caçula" desaparecem.
Na noite anterior à cirurgia, ouvi o que poderia ser sua última
confissão; como sempre, sua pureza transformou este ato num
exercício de humildade para mim. Ao concluir a confissão, assegurei-
lhe que estava levando seu arrependimento a Deus, enquanto lhe trazia
Seu perdão. Diante da possibilidade de estar, ao mesmo tempo, em
contato com Deus e com ela, senti que devia também trazer-lhe a
mensagem do Senhor — as coisas que Ele lhe diria naquele momento
de encontro com a morte. Esta foi a essência da mensagem que eu lhe
trouxe: "Obrigado. Obrigado por todas as noites que você passou em
claro com as crianças doentes; por todas as preces silenciosas que você
fez por elas; por todos os copos d'água que lhes trouxe, pacientemente;
por todas as roupas que costurou e consertou; por todos os sanduíches
que lhes preparou com carinho; por todas as vezes em que..." Ela
escutou com atenção e respeito, porque naquele momento eu era seu
"Padre".
Depois da absolvição e bênção final do rito sacramental, voltei
momentaneamente a ser sua criança e ela tomou minha cabeça em suas
mãos suavemente e me embalou no seu ombro, como fazem as mães.
Colocou seus lábios bem próximos ao meu ouvido e disse: "John, não
fique triste agora. Não fique triste por mim. Se não for amanhã de
manhã, será uma outra manhã; se não for neste ano, será num outro ano
qualquer. Além do mais, seu pai está há muito esperando por mim.
Estou pronta agora para ir a seu encontro. E você — você foi chamado
a viver uma vida bela, a fazer coisas belas por Deus e pelo povo a
quem você serve. Se você ficar triste por mim, vai afastar sua mente e
seu coração da sua vida e de seu trabalho. Não deixe que isto aconteça.
Não se entristeça por mim. Lembre-se de que se não for amanhã de
manhã, será qualquer outra manhã e se não for este ano, será outro
qualquer. Não se entristeça agora." Então ela me beijou.
Foi como aquele momento depois da morte de meu pai. Eu estava
chorando de mansinho de novo e não podia falar, mas, desta vez, a
razão das minhas lágrimas era diferente. Eu tinha, naquele instante,
conhecido minha mãe mais profundamente do que nunca, num
momento em que ela corajosamente se aproximava de sua morte, num
momento em que as pessoas estão reduzidas àquilo que realmente são,
nem mais nem menos.
Aconteceu, porém, que Deus não a estava chamando ainda. Na manhã
seguinte, o médico saiu da cirurgia com um sorriso, assegurando-me
que a suspeita de câncer não tinha sido confirmada e que as causas da
doença de minha mãe tinham sido eliminadas. Ele disse que
poderíamos vê-la rapidamente na unidade de terapia intensiva. Lá a
encontramos, consciente mas de mau humor. Minha irmã tentou
pentear seus cabelos caídos na testa, mas ela reclamou que a escova a
estava machucando. Reclamou até da falta de um aparelho de TV na
UTI. Nada, nem mesmo a boa notícia de que ela se recuperava, parecia
agradá-la. Mantive-me à distância, sorrindo: "Vá em frente, velha
menina, dizia meu coração, ponha tudo para fora. Sua mente está
confusa, seu corpo dói. É assim mesmo na luta diária da vida. Mas
agora há uma grande diferença: na noite passada eu conheci você. Por
trás das palavras que saem de sua boca, mas não de seu coração ou de
sua mente, por trás das queixas superficiais, temporárias, turbulentas,
está você e agora eu a conheço. E sempre conhecerei alguma coisa
sobre você que fará com que todos os outros momentos pareçam muito
menos importantes. E um dia, quando você realmente for ao encontro
de Deus e de papai, acima de tudo vou me lembrar do que você me
disse a noite passada, do que você quis me dizer a noite passada."
Como diz a canção, "É preciso apenas um momento para se fazer
amado para sempre". Não sei se isso é uma verdade literal, mas
acredito que a profundidade e a duração de uma relação de amor
dependerão daqueles momentos ocasionais de encontro chamados
"experiências culminantes".
em situações de conflito
A estória de minha mãe é uma estória feliz, com um final feliz. Essa
estória poderia levar as pessoas a pensarem que o diálogo é sempre
fácil e leva a momentos culminantes, depois dos quais as pessoas
vivem felizes para sempre. Isto não é verdade, é claro. Não devemos
jamais conceber o diálogo como um comprimido contra a dor ou as
experiências culminantes como um tipo de licor forte que mantém as
pessoas num bem-estar constante. Colocar-se disponível à
autodescoberta através do diálogo irá desafiar toda a sua coragem,
determinação e fé. O medo mais universal do homem é o de ser
descoberto, conhecido e então, rejeitado. Na verdade, acho que muitas
pessoas não atendem ao apelo do diálogo ou se recusam a adotar o
evangelho de "unidade e não felicidade" por causa deste medo. Todos
sabemos que isto é um risco. A incompreensão e a rejeição sempre
trazem dor. Mas, num nível mais profundo, se admito para mim meus
sentimentos mais íntimos, pode ser que eu perca o autorrespeito e a
autoconsideração de que tanto preciso, É muito mais fácil discutir um
problema, porque a qualquer momento posso mudar de opinião. É
muito mais difícil expor um sentimento, porque instintivamente, de
alguma forma, sei que estou expondo o lugar onde vivo de verdade. É
muito mais fácil lhe dar uma caixa de bombons ou uma caixa de
charutos do que lhe dar o meu verdadeiro eu. Há um risco muito
pequeno quando lhe dou um bombom, mas quando me entrego a você,
coloco-me à mercê de sua compreensão e aceitação, É muito mais fácil
estar ocupado, muito ocupado, fazendo um milhão de coisas para você,
do que me sentar a seu lado e lhe dizer, confiante, quem sou e como de
fato me sinto em relação a você, a mim, a nós, ao nosso passado,
presente e futuro. Mas a verdade é que nada lhe dou até que eu possa
me dar a você. Não há qualquer outro segredo para tornar o amor
eterno ou para crescer no amor.
uma cena que vale por mil palavras
Se eu pudesse fazer um filme da estória real que se segue, ele ilustraria
melhor que mil palavras o que estou tentando dizer. Um jovem casal
estava à beira do divórcio. O marido, tido como um homem bom e
bem-intencionado, tinha uma "fraqueza” que o preocupava desde a
adolescência, mas que ele tinha ocultado cuidadosamente da esposa e
dos amigos... até a noite em que foi preso por causa da "fraqueza" e a
máscara caiu.
Nos dias que se seguiram ao embaraço da prisão, a jovem esposa e mãe
refletiu sobre sua situação e sobre sua perspectiva futura. Decidiu que
não estava pronta para aquele tipo de luta e que queria o divórcio.
Explicou que não poderia conviver com a incerteza de possíveis
problemas futuros. Um conselheiro lhe pediu, no entanto, que adiasse
sua ação de divórcio, alegando que a recuperação de seu marido
dependia mais de sua aceitação e de seu amor do que de qualquer outra
circunstância ou qualquer forma de terapia. Ela concordou em tentar.
No entanto, nos três meses seguintes, o problema se repetiu várias
vezes, apesar de não ter havido novas prisões. Nesse período, sua
decisão se tornou definitiva: ela queria o divórcio.
Quando o casal entrou no consultório do conselheiro matrimonial, os
dois caminhavam a uma distância de dois ou três metros um do outro,
evitando cuidadosamente que seus olhos se encontrassem. Havia uma
ponta de ódio no tom de suas vozes.
"Preciso do divórcio. Não posso continuar assim!"
"E se ela quer o divórcio, ela o terá. Estou doente e cansado de toda
essa confusão, de ser vigiado. Ela está sempre me acusando..."
Era um caso claro de tentativa de discussão sem diálogo prévio.
Calmamente, o conselheiro pediu aos dois que se assentassem; estavam
ambos enraivecidos, ameaçados e ameaçadores. Ele lhes pediu que
fizessem um acerto emocional, sem julgamentos, sem acusações, sem
referências ao passado. Ele insistiu num diálogo aberto, apenas
sentimentos.
A esposa começou dizendo que seu sentimento principal era o de
insegurança. Ela disse que pensava conhecer seu marido até o
momento em que descobriu a estranha fraqueza que ele tinha lhe
ocultado. Ela sentiu que essa fraqueza era uma parte dele que não lhe
pertencia e isso lhe causava ciúmes. Ela personificava essa fraqueza e a
via como uma rival. Pensava até que poderia conviver com o desafio de
outra mulher, mas não com aquilo. O conselheiro a encorajou a
continuar falando do seu sentimento de insegurança, até que ele se
tornasse bem nítido para todos. Tanto o conselheiro quanto o marido
puderam sentir a textura, experimentar a solidão e ouvir a agonia de
sua insegurança. Então, atendendo ao convite do conselheiro, ela
continuou a falar de outras emoções que sentia em relação ao
problema. Falou de sua tristeza, de sua solidão, de seu desapontamento
consigo mesma por não ter forças para enfrentar a situação. Falou de
uma confusão quase constante em sua vida e do medo do futuro. Para
ela, o divórcio seria uma válvula de escape. Sentia-se como uma
criança fugindo do que não podia enfrentar.
A julgar por sua reação, o marido jamais tinha ouvido qualquer coisa
semelhante antes. Seu ódio inicial transformou-se em surpresa, espanto
e até mesmo esperança. Depois de meia hora de cuidadosa descrição de
seus sentimentos, o conselheiro perguntou à esposa se ela não tinha
sentido ódio, desejo de vingança, desejo de ferir seu marido em
retaliação pela angústia que lhe tinha causado. Seus olhos se encheram
de lágrimas e ela confessou que toda vez que pensava em vingança ou
retaliação, sentia uma profunda tristeza e compaixão, além de afeição.
"Jamais poderia ferir você, de propósito" ela explodiu "porque amo
você demais". Os olhos, os ouvidos e a mente do marido se aguçaram
para captar tudo o que viam e ouviam.
Por sua vez, ele falou de seus sentimentos, sua grande vergonha, sua
alienação, seu afastamento das pessoas. "Li e ouvi dizer que as pessoas
ficam incomodadas com o meu problema, mas não conheço outra
pessoa com este problema. Sinto-me diferente e separado do resto da
humanidade. Sinto-me como um leproso afastado da sociedade". Ele
descreveu com agudeza seu medo de influir psicologicamente nas
crianças, de projetar nelas uma inclinação para a fraqueza que tinha
transformado sua vida num inferno. Falou das vezes que as tirou do seu
colo quando esse medo e esse sentimento vinham aterrorizá-lo.
No momento mais delicado da confissão, a esposa colocou a mão
trêmula no joelho do marido, numa forma não verbal de lhe dizer:
"Estou com você. Ficarei com você". Quase como se as comportas se
abrissem e um sentimento de alivio brotasse, o marido continuou a
falar de toda uma gama de sentimentos: vergonha, medo, solidão,
alienação, desespero. Finalmente, este homem grande e forte admitia
um enorme desejo de estar nos braços de alguém, de alguém com quem
ele não sentisse envergonhado de chorar como um menininho que de
alguma maneira estava dentro dele.
Nesse momento, os dois se levantaram, se abraçaram e choraram
juntos. Ao fim das lágrimas, sorriam um para o outro, se olhando com
compreensão e compaixão. Uma hora antes estavam decididos a se
separar para sempre. Depois de uma hora de diálogo, eles se olhavam e
se abraçavam como se nada jamais pudesse separá-los. Eram pessoas
boas e decentes que quase perderam a chance de se conhecer.
Essa estória também teve um final feliz. Mas não há dúvida de que
essas pessoas terão muitos outros problemas e talvez haja no futuro
alguns momentos em que os laços de seu amor estarão novamente
ameaçados. No entanto, se elas tiverem aprendido que o sangue vital
do amor é o diálogo, poderão superar suas crises. A bijuteria se
transformará em ouro.
Os parceiros numa relação de amor precisam entender que a quebra de
comunicação começa pelo lado emocional. Precisam aprender a
compartilhar seus sentimentos, a dialogar antes de discutir. Precisam
correr o risco da transparência na busca daquela unidade de
conhecimento e aceitação, a partir dos quais só a felicidade poderá
resultar como uma consequência natural. Precisam trabalhar na direção
daqueles momentos ocasionais de "experiência culminante" que
revitalizam, aprofundam e transformam uma relação de amor. Com
esse desejo, e através dele, terão aprendido um segredo valioso: o
segredo do amor eterno e do crescimento no amor.
 
CAPITULO QUATRO
O fim de semana do Encontro de Casais chegara ao fim. Pairava no ar
o aroma habitual do incenso e eu me deleitava com isso. Ao voltar a
Chicago, sentia-me satisfeito e cheio de ternura por todos aqueles
casais que haviam se iniciado na arte do diálogo, começando a se
conhecer mutuamente, aprendendo a se amar com mais profundidade.
Alguém me disse no momento da minha partida: “Obrigado por nos ter
dado um ao outro". Lembrei-me com prazer desse cumprimento
durante todo o percurso de volta a Chicago, saboreando-o como um
sorvete que durasse o dia inteiro; esse cumprimento expressava minha
ambição mais profunda e minha intenção mais sincera. Então, passada
uma semana, chegou-me às mãos a seguinte carta:
"Você e seu maldito diálogo! Acabo de descobrir que meu marido
sempre se sentiu solitário durante todos estes dez anos de casados.
Achei que tínhamos um casamento feliz. Agora me sinto um fracasso e
ele continua solitário. Então, a questão é abrir o coração? E daí? Você
começou isso. O que é que você vai fazer por nós agora?"
Fiquei por um bom tempo com a carta nas mãos, ponderando sobre o
que deveria responder.
sobre as emoções
ninguém pode causar emoções no outro
Se quisermos chegar a uma compreensão de nós mesmos, devemos
aprender a estar muito abertos e receptivos a todas as nossas reações
emocionais. Se o que dissemos sobre as nossas emoções é a chave para
a compreensão da pessoa, devemos aprender a escutá-las para
podermos crescer. Há uma crença básica na qual devo confiar
totalmente se quiser me conhecer: ninguém pode causar ou ser
responsável por minhas emoções. É claro que nos sentimos melhor
quando responsabilizamos o outro por nossos sentimentos: "Você me
deixou com raiva... Você me assustou... Você me fez ficar com
ciúmes", etc. Na verdade, você não pode fazer nada comigo. Você pode
apenas estimular as emoções que já existem dentro de mim, esperando
o momento de serem ativadas. A diferença entre causar e estimular
emoções não é apenas um jogo de palavras. É crucial aceitar esta
verdade. Se acredito que você pode me fazer ficar com raiva, toda vez
que isto acontecer, eu simplesmente responsabilizo e culpo você pelo
problema. Então, posso me afastar de nosso encontro sem nada
aprender, concluindo apenas que você falhou porque me fez ficar com
raiva. Assim, jogando toda a responsabilidade sobre você, evito
questionar a mim mesmo.
Mas se parto do princípio que os outros podem apenas estimular
emoções já latentes em mim, o aflorar destas emoções se torna uma
experiência de aprendizagem. Então me pergunto: Por que tive tanto
medo? Por que aquele comentário me ameaçou? Por que fiquei com
tanta raiva? Minha raiva terá sido uma forma disfarçada de impor
respeito? Já havia algo dentro de mim que esse incidente trouxe à tona.
Do que se tratava? Uma pessoa que realmente acredita em tal
questionamento começará a lidar com suas emoções de maneira
produtiva. Ela não mais se permitirá uma fuga fácil através do
julgamento e da condenação de outros. Ela se tornará uma pessoa em
crescimento, cada vez mais em contato consigo mesma.
em cada emoção uma autorrevelação
Lembro-me de ter recebido, há vários anos atrás, uma carta muito
amarga. O autor me acusava de ser "um sádico... um tirano... um
megalomaníaco." Minha reação foi moderada e compassiva. Eu sabia
que quem a tinha escrito devia ter problemas sérios e comecei a pensar
em como poderia ajudá-lo. A carta me provocou apenas compaixão.
Não tive nenhuma emoção negativa, pois não acreditava nas acusações.
Sei que não sou sádico, nem tirano, muito menos megalomaníaco. O
incidente me ajudou a descobrir uma compaixão terna e profunda
dentro de mim.
Muitas semanas depois, estava conversando descontraidamente com
dois de meus alunos, quando um deles disse brincando: "Você sabia
que algumas pessoas te acham falso?" Subitamente a brincadeira
acabou. Exigi, formalmente, uma definição de "falso". Os dois alunos,
bastante desconcertados, tentaram voltar atrás, insistindo que esta não
era a opinião deles a meu respeito. Mas isso não me bastou. Uma
sensação de raiva intensa tomou conta de mim e continuei a pressioná-
los por uma definição. Finalmente, um deles disse: "Acho que ser falso
significa que você não pratica o que prega."
Já esperando por esta definição, imediatamente declarei-me culpado.
Sabia que pisava em terreno seguro, pois fui capaz de mostrar que
ninguém vive realmente de acordo com seus próprios ideais ou
consegue traduzir suas intenções em ações o tempo todo. Então chamei
sua atenção para um segundo significado de "falso", ou seja, aquele
que não pratica o que prega porque nem mesmo acredita naquilo que
prega. Quanto a esta acusação, declarei-me inocente, solenemente.
Uma vez completada a sangria com precisão cirúrgica, dispensei
minhas vítimas. Naturalmente, percebi de imediato minha imensa raiva
e o quanto tinha sido injusto por causa dessa raiva.
Este é o momento crucial. O único erro verdadeiro é aquele com o qual
nada se aprende. Após um encontro como o que descrevi, restam-nos
duas opções: podemos ir embora ofendidos, bradando aos quatro
ventos sobre a estupidez de alunos ingratos; ou podemos olhar para
dentro de nós mesmos a fim de encontrar a razão de nossas emoções.
Esta é a principal diferença entre a pessoa que está crescendo e a que
não está, entre a autenticidade e a autoilusão. Pelo menos nesta
ocasião, escolhi crescer e ser autêntico. Olhei para dentro de mim
mesmo e escutei cuidadosamente a raiva que aos poucos se acalmava.
Descobri que ela se originara de um medo profundo e arraigado em
mim de que eu pudesse, talvez, ser falso, mesmo no segundo sentido.
Podia reagir com tranquilidade a acusações de sadismo, tirania ou
megalomania, mas a acusação de falsidade tocava num nervo exposto
em mim. Receio que algumas vezes falo mais do que faço, e por causa
disso tenho medo de não acreditar inteiramente em tudo que prego.
(P.S. Pedi desculpas aos alunos. Admiti para eles a origem da minha
raiva e expliquei o que tinha descoberto a meu respeito).
Estamos dizendo que existe algo latente em nós que explica nossas
reações emocionais, mas isso não significa que o que existe aí seja
ruim ou lamentável. O medo que tenho de uma discrepância entre o
falar e o agir em minha vida não é ruim ou lamentável. É o meu jeito
de ser. Da mesma maneira, posso ficar com raiva ao ver um tirano
atormentando uma vítima indefesa e descobrir que a fonte da minha
raiva, aquilo que está dentro de mim, é um senso de justiça saudável e
uma enorme compaixão pelos menos favorecidos deste mundo.

O ponto mais importante é a compreensão de que toda reação


emocional nos diz alguma coisa sobre a nossa pessoa. Precisamos
aprender a não responsabilizar os outros por essas reações, preferindo
recriminá-los ao invés de aprender algo sobre nós mesmos. Quando
reajo emocional mente, sei que nem todo mundo reagiria como eu.
Nem todas as pessoas têm armazenadas as mesmas emoções que tenho
dentro de mim. Quando lidamos simultaneamente com muita gente,
encontramos uma grande variedade de reações emocionais. São pessoas
diferentes, com necessidades diferentes; viveram passados diferentes e
buscam metas diferentes. Como consequência, suas reações emocionais
são diferentes, devido àquilo que está no íntimo de cada uma delas. O
máximo que chego a fazer é estimular essas emoções. Da mesma
forma, se quero saber algo sobre mim, sobre minhas necessidades,
minha autoimagem, minha sensibilidade, minha programação
psicológica e meus valores, devo escutar com muita atenção minhas
próprias emoções.
as emoções humanas: o princípio do iceberg
Acredita-se que apenas dez por cento de um iceberg flutuante é visível.
Noventa por cento do bloco de gelo permanece submerso abaixo da
superfície da água. Uma estimativa semelhante foi sugerida em relação
às emoções humanas. A parte que conseguimos ver constitui apenas
dez por cento da realidade total. Isso não quer dizer que as pessoas
mostram apenas dez por cento de seus sentimentos aos outros, mas que
elas próprias só têm conhecimento de uma pequena parcela desses
sentimentos. Escondemos a maior parte de nossas emoções até de nós
mesmos, através de um mecanismo de defesa subconsciente
denominado repressão.
Naturalmente, é muito comum as pessoas não expressarem o que
sentem. Muitas emoções, reconhecidas internamente pela pessoa,
jamais são expressas. Por exemplo: "Ela nunca vai saber que sou
ciumento." Há duas razões básicas para não se expressar sentimentos
dos quais temos consciência. Em primeiro lugar, não temos certeza se
os outros vão compreendê-los. Eles certamente fariam conjecturas a
nosso respeito e, possivelmente, questionariam nossa sanidade ou
nossa integridade. Essa dúvida nos atinge naquela área sensível que
possuímos e que é o centro do comportamento e da existência humana:
nossa autoimagem e autoaceitação, autovalorização e celebração do eu.
A segunda razão possível para a não-expressão das emoções é ainda
mais ameaçadora. Temo que a confissão de minhas emoções possa ser
usada contra mim, de uma forma não proposital ou por pura maldade.
Você pode me "jogar essas coisas na cara" mais tarde — e mesmo se
você não fizer isto de forma explícita, estarei sempre me perguntando
se você está com pena, com medo de mim ou simplesmente se
distanciando por causa dos sentimentos que lhe confidenciei.
Se não é bom deixarmos de expressar nossas emoções, ainda mais
destrutivo é reprimi-las no subconsciente. Reprimir nossos sentimentos
verdadeiros provoca em nós uma dor cuja causa desconhecemos, uma
vez que nós mesmos a escondemos a sete chaves em nosso
subconsciente. Infelizmente, as emoções reprimidas não morrem. Elas
se recusam a ser silenciadas, influenciando e se infiltrando em toda a
personalidade e no comportamento do repressor. Por exemplo, uma
pessoa que reprime sentimentos de culpa passa toda sua vida tentando
se punir, ainda que inconscientemente. Ela jamais vai se permitir ser
bem sucedida ou ter alegrias. Medos e raivas reprimidos podem ser
extravasados fisicamente através de insônia, dores de cabeça ou
úlceras. Se esses medos e raivas tivessem sido aceitos a nível
consciente e relatados em detalhes a outra pessoa, não haveria razão
para a falta de sono, dores de cabeça ou úlceras.
as razões para a repressão
Há três motivos mais comuns para a repressão emocional. Enterramos
emoções indesejáveis porque:
1) Fomos programados para agir desta forma. As "fitas gravadas" de
nossos pais, com as quais nos doutrinaram desde cedo, continuam
repetindo mensagens dentro de nós o tempo todo. Nossos instintos
mais profundos foram influenciados por nossos pais e por outras
pessoas que nos rodearam nos primeiros cinco anos de nossas vidas.
Uma criança de uma família que não se expressa terá, certamente, uma
tendência a reprimir emoções de ternura e afeto. Uma criança que
cresce em meio a constantes brigas de família poderá se sentir muito à
vontade para admitir e expressar sua raiva, mas estará treinada para
reprimir emoções mis moderadas, como a compaixão, o remorso, etc..
2) "Moralizamos" nossas emoções. Dependendo de nosso
"background", tendemos a rotular certas emoções como "boas" ou
"más". Por exemplo, é desejável sentir-se grato a alguém, mas
indesejável sentir raiva ou ciúme. Tolamente, os pais costumam dizer a
seus filhos: "Você não tem o direito de se sentir assim" ou "você não
deveria ter raiva; você deveria sentir pena dele". Por alguma razão,
uma emoção válida que nossa sociedade repudia quase que
universalmente é a pena de si mesmo, a emoção de autocompaixão. Na
verdade, a autocompaixão passou a ser considerada uma palavra
desprezível.
3) O motivo final que nos leva a negar certos sentimentos válidos é um
"conflito de valores". Por exemplo, se "ser homem" tornou-se parte
importante de minha identidade e autoimagem, um valor pelo qual
nutro grande estima, é muito provável que certas emoções sejam
consideradas prejudiciais a essa imagem. Terei que selecionar minhas
emoções com bastante cautela para preservar minha masculinidade.
Até completar quarenta anos, eu próprio não podia admitir que sentia
medo de alguém ou de alguma coisa. Pelo menos era assim que minha
cabeça pensava e minha boca dizia. Mas era meu pobre estômago que
aguentava o peso da minha repressão. De alguma forma, meus
intestinos pareciam também não acreditar em minha cabeça ou em
minha boca. No entanto, eu preferia tomar antiácidos a ter que
enfrentar a verdade.
Às vezes penso que estes três motivos podem ser reduzidos a apenas
um simples motivo. O que eu realmente preciso para continuar vivendo
é de autoaceitação — estima — valorização — celebração. Tentei
construir um tipo de estrutura que me permitisse encontrar esta
autoaceitação. Admito que é como uma casa de palitos de fósforo.
Tenho que protegê-la de todos os tipos de ameaça, sejam elas vindas de
dentro ou de fora. As emoções que surgem de dentro, se consideradas
incompatíveis com a autoaceitação, podem trazer perigo à torre
precária e oscilante da minha autoimagem. Não posso admitir tais
emoções. Portanto, passo a ter dores de cabeça, alergias, úlceras, gripes
e dores musculares. Emoções enterradas são como pessoas rejeitadas;
fazem-nos pagar caro pelo fato de as termos rejeitado. Não há fúria que
se equipare à de uma emoção desprezada.
a verdadeira perda das emoções perdidas
As emoções reprimidas não estão de todo perdidas, na verdade. De
uma maneira ou de outra, elas continuam nos lembrando que não
conseguimos rejeitá-las inteiramente. Além de uma série de sanções
dolorosas, a principal tragédia causada pela repressão é que todo o
processo de crescimento humano fica paralisado, pelo menos
temporariamente. Os psicólogos chamam a este estado de "fixação",
uma parada no crescimento e no desenvolvimento.
Creio que estes fatos foram ilustrados de maneira bastante comovente
pela Dra. Elizabeth Kübler Ross em sua pesquisa e em seus escritos
sobre a morte e o morrer. O que ela escreve sobre a aceitação da morte
parece também se aplicar à aceitação do eu e das realidades da vida.
Ambos os atos de aceitação requerem um encadeamento de reações
emocionais. Cada uma delas deve ser total mente vivenciada para que o
processo se complete com sucesso.
Segundo a teoria da Dra. Ross, o paciente terminal, ao ser informado
que sua morte se aproxima, raramente ou nunca é capaz de aceitar esse
fato de forma imediata e total. Ele deve passar por vários estágios,
sendo o primeiro o da negação. "Não, isso não pode acontecer
comigo". Incapaz de encarar o fato de que sua vida vai terminar em
breve, ele desmancha o que está escrito a seu respeito negando os
fatos. Quando desiste da negação, de acordo com a pesquisa da Dra.
Ross, ele normalmente entra numa fase de raiva, fúria e indignação. O
seu "Não é comigo" torna-se "Por que comigo?" Fica enfurecido com a
luz que se apaga e, por um mecanismo de deslocamento, sua raiva é
frequentemente dirigida à equipe do hospital. Ele realmente não está
dizendo, "A comida está fria... a injeção doeu". Na verdade, o que ele
diz é: "Vocês vão viver. Eu vou morrer. Vocês vão criar os seus filhos e
ver os seus netos. E eu vou ser levado para longe dos meus filhos antes
de vê-los criados." Ele se ressente com a equipe do hospital, não por
alguma das razões alegadas, mas porque eles estão saudáveis e têm a
perspectiva de continuarem vivendo.
No terceiro estágio, essa raiva extrema e essa fúria abrandam-se e o
paciente assume uma postura de barganha. O "Por que comigo?"
transforma-se em "Está bem, que seja comigo, mas quem sabe..." As
primeiras barganhas são feitas com o médico: "Nunca mais vou
fumar!" ou até mesmo com Deus: "Vou à missa todos os domingos!"
O quarto estágio é o da resignação e depressão: "Sim, é comigo, que
droga! Vou morrer e estou resignado com este fato inevitável, mas não
quero morrer". Exteriormente, o paciente passa por um período de
tristeza e relutância silenciosa, mas, neste estágio, ele já consegue
encarar sua morte de uma forma mais realista. Naturalmente, o último
estágio no processo é o da aceitação: "Vou morrer. Minha missão na
terra está cumprida. Estou pronto". Este estágio final de aceitação é
caracterizado externamente por uma paz tranquila e silenciosa.
Aqui, segundo a Dra. Ross, o ponto significativo e relevante é o
processo envolvido nestes estágios. Como os degraus de uma escada,
cada um deles deve ser galgado separadamente e em ordem. Ross
adverte que se alguém interferir no processo, tentando manter o
paciente em um dos estágios, como a negação, por exemplo, ou
tentando levá-lo de um estágio para outro antes que esteja pronto, todo
o processo em direção à aceitação é automaticamente interrompido.
Muitas vezes, a família quer que o paciente terminal jogue o "jogo da
negação". Noventa e cinco por cento de tais pacientes não se deixam
enganar, mas os familiares não lhes permitem experimentar as emoções
mais penosas — em parte porque desejam poupar o paciente, mas
também porque eles mesmos não sabem como vivenciar as emoções
mais difíceis, nem como lidar com elas. Com frequência, dizemos às
pessoas para não chorar a fim de nos pouparmos da difícil tarefa de
termos que lidar com as lágrimas.
A Dra. Ross relata que muitas vezes um capelão bem intencionado
pode tentar persuadir uma pessoa a transformar suas emoções de
resistência, como a raiva e a indignação, em um sentimento de
aceitação, teologicamente mais compatível. Ele balança a varinha de
condão sobre a cabeça do doente e diz: "Seja feita a vontade de Deus".
Se a pessoa tenta alterar seus padrões emocionais para satisfazer o
outro, todo o processo é interrompido. A raiva e a indignação devem
ser reconhecidas e expressas antes que a aceitação se torne possível.
A Dra. Ross relata sua experiência com uma mulher desenganada que
lhe perguntou se havia uma "sala de gritar" no hospital. Quando a Dra.
Ross lhe disse que havia uma capela onde ela podia rezar, a mulher
respondeu com raiva: "Se eu estivesse com vontade de rezar, teria
pedido a capela. O que eu quero é gritar!"
O nosso propósito ao rever a pesquisa da Dra. Ross é sugerir que, além
de estágios emocionais indispensáveis à aceitação da morte, ocorre
também um processo comparável na aceitação do eu e da vida. Assim
como aqueles que vão morrer, os que desejam viver intensamente
devem passar por períodos de negação. Nesses períodos, recusam-se a
se aceitar como são, através da negação de fatos de sua própria
condição humana, que é única. Há também períodos de raiva e de
barganha, e finalmente, uma resignação melancólica. Mas se aqueles
que os amam ficarem a seu lado, mantendo sua própria aceitação sem
quaisquer tentativas de manipulação emocional, o processo
provavelmente terá um final feliz, o castigo pela intrusão e coerção
emocional nesse processo de autoaceitação é o mesmo que ocorre na
aceitação da morte: a fixação. Todo o processo será interrompido.
Como o pó varrido para debaixo do tapete, as emoções rejeitadas serão
levadas aos labirintos do subconsciente, mas o preço será muito alto.
Devemos acolher em nós e nos outros esse processo com todos os
sentimentos que dele fazem parte. Cada emoção está nos dizendo
alguma coisa, levando-nos a algum lugar.
A verdadeira perda das emoções perdidas é a perda do crescimento e,
em última análise, daquela que é a necessidade primordial de cada ser
humano: uma verdadeira autoaceitação — estima — valorização —
celebração.
encontrando emoções perdidas
A recuperação das emoções perdidas é absolutamente essencial ao
crescimento humano. À medida que as reprimimos, perdemos contato
com nós mesmos. Ficamos perdidos atrás de nossas máscaras e de
nossas operações de segurança.
Correndo o risco de simplificar demais, gostaria de sugerir que, se
você quer realmente escutar suas emoções, basta deixar que elas falem
com você. No momento em que você parar de dizer a suas emoções o
que devem ser, elas lhe dirão o que na verdade são. O descobridor do
subconsciente, Sigmund Freud, diz que todas as emoções reprimidas
estão sempre tentando voltar ao consciente. Segundo Freud, isto resulta
numa "formação de reação", ou algum outro meio de repressão
continua. Devemos continuar a agir de forma oposta às emoções que
estão sendo reprimidas. Por exemplo, assumimos uma série de atos
corajosos para compensar o medo que estamos reprimindo. Uma vez
que as emoções reprimidas estão tentando vir à tona, elas só podem
continuar reprimidas através de algum tipo de esforço.
Assim, a primeira coisa que deveríamos fazer seria nos sentarmos
silenciosamente e proceder a um inventário mental de nossas emoções.
Você quer realmente saber o que está enterrado em você? Se um
médico lhe oferecesse o soro da verdade e gravasse todas as suas
respostas, você seria um voluntário disponível ou relutante? Você
estaria disposto a rever as suposições que tem a seu respeito? Você
estaria em condições de admitir que alguns dos motivos alegados para
seus atos são, na verdade, falsos? Você poderia encarar o fato de que
talvez esteja deslocando suas emoções e jogando-as em expectadores
inocentes, acusando outros de coisas que não pode aceitar em você
mesmo? Todas essas possibilidades devem ser consideradas. O quanto
você gosta da verdade e quer realmente conhecer a si próprio?
Minha resposta é que eu quero o tratamento completo, mas em
pequenas doses. Quero toda a estória, mas só posso ler um capítulo de
cada vez. Não me sinto suficientemente forte porque não me amo o
bastante para enfrentar tudo de uma só vez. Acho que esta é a razão
pela qual tantos foram empurrados da beira do precipício para a
loucura pelo uso de drogas que afetam a mente. Como disse um jovem,
depois de experimentar a droga numa "viagem de horror": "Estive em
lugares dentro de mim aos quais ninguém jamais deveria ir."
Felizmente, a natureza é mais generosa e benevolente do que os
narcóticos. O subconsciente divulga o seu conteúdo gradualmente, de
acordo com nossas forças. Na medida em que amamos, valorizamos,
apreciamos e celebramos a realidade do eu, ficamos mais flexíveis ao
conteúdo do subconsciente e mais abertos a todo esse processo.
Quando temos consciência de possuirmos muitas qualidades
desejáveis, ganhamos confiança para enfrentar as que forem
indesejáveis. Assim, o ponto de partida é a disposição e até mesmo
uma certa ansiedade para conhecer a verdade. Somente a aceitação
total de toda a verdade pode nos levar à plenitude da vida.
Abordaremos, a seguir, métodos mais específicos para fazer isto.
a livre associação na amizade
A psicanálise é o processo de desobstrução dos conteúdos e conflitos
reprimidos do subconsciente. Na análise, a "regra fundamental" é
chamada livre associação. O paciente é instruído não a preparar um
relatório para o analista, mas a relatar espontaneamente todas e
quaisquer coisas que lhe venham à mente, mesmo que lhe pareçam
ilógicas ou irrelevantes. Ele tenta se livrar ao máximo dos estímulos
externos e do controle consciente, e é encorajado a verbalizar qualquer
coisa que lhe venha à mente, quaisquer sentimentos que surjam e
quaisquer lembranças repentinas que porventura apareçam. A
suposição é que todas as cargas do subconsciente querem se libertar. E
é na atmosfera da livre associação que o paciente diz "sim" e dá vasão
a todos os seus impulsos, ideias, emoções e experiências reprimidas,
que se refletem inconscientemente em atitudes e comportamentos
mutilados.
Há vários analistas excelentes, capacitados a nos ajudar com este
processo, que é longo e caro. De alguma forma penso que este mesmo
processo pode também ser alcançado através da verdadeira amizade,
embora acredite que são relativamente poucas as "amizades" que
conseguem criar uma atmosfera de liberdade, espontaneidade e
segurança necessárias à liberação dessas cargas subconscientes. Mas o
melhor conselho ainda é - e sempre será — encontrar um bom amigo,
um confidente. Encontre uma pessoa que aceite você com seus altos e
baixos, e que não lhe cobre regras lógicas de coerência na sua
comunicação. Caso seu amigo se torne mais manipulador do que
libertador, fale clara e abertamente. Convença-o de que sua maior
contribuição será no sentido de ajudá-lo a encontrar e enfrentar a
verdade sobre você mesmo.
a autoanálise psicossomática
Há um outro método muito usado para se localizar as emoções
perdidas, uma técnica desenvolvida pelo Dr. Eugene T. Gendlin. Como
todas as outras técnicas terapêuticas, requer prática e já me foi de
grande valia em várias ocasiões. A hipótese subjacente a esta teoria é
que as pessoas começam a progredir — os doentes melhoram e as
pessoas saudáveis se tornam ainda mais saudáveis — quando entram
em contato com suas emoções e com as causas de tais emoções. Penso
que esta é uma suposição quase universal na psicologia moderna. A
teoria de Gendlin também considera que todas as emoções reprimidas
são de algum modo extravasadas em sintomas físicos, sendo os mais
comuns a tensão, a fadiga, dores de cabeça e distúrbios respiratórios ou
intestinais. De acordo com a técnica sugerida, a pessoa começa um
reconhecimento consciente de suas reações físicas, que são, na
verdade, emoções reprimidas convertidas em sintomas físicos.
Através de um diálogo interior com o seu corpo, a pessoa faz a
reconversão da reação física para a emoção original. Para verbalizar
este ato interno, a pessoa diria algo deste tipo à sua dor de cabeça:
"Você era uma emoção que eu não quis experienciar e então você se
transformou numa dor de cabeça. Agora eu quero que volte atrás. Vou
vivenciar você. Estou disposto a sentir você, seja lá a emoção que for".
Depois de tal convite, a reação física se transforma lentamente em um
sentimento — um sentimento de medo, raiva, etc. Ele pode vir
acompanhado de uma imagem como a de afundar em areia movediça
ou andar às cegas numa floresta.
Quando o sentimento se torna relativamente claro, a pessoa então se
pergunta quais seriam as possíveis razões para este sentimento. Ela
provavelmente terá que testar várias hipóteses. Mas quando ela
finalmente localiza a verdadeira emoção e sua causa real, o sintoma
físico começa imediatamente a diminuir e desaparece. A beleza deste
sistema é que ele incorpora um teste de sucesso: o desaparecimento da
reação física.
Talvez um exemplo da minha própria experiência pessoal possa
esclarecer mais. Há alguns anos atrás fui ao Canadá fazer uma semana
de retiro espiritual. O pregador tinha sido bastante recomendado e
minhas primeiras impressões foram extremamente favoráveis. Então a
raiva começou a se apoderar de mim. Sentia-me irritado e comecei a
perceber que sentia uma crescente aversão, tanto pelo diretor do retiro,
quanto pelas outras pessoas presentes. Depois de quatro ou cinco dias,
estava tenso e aborrecido. Sabia que estava reprimindo e deslocando
minhas emoções. O que via, no entanto, era apenas a ponta do iceberg.
Então deitei-me e fiquei quieto na cama, escutando atentamente meu
próprio corpo com suas tensões, sua dor muscular e uma leve dor no
pescoço e nos ombros.
Convidei estes desconfortos físicos a se reconverterem nas emoções
que eu havia rejeitado. Convidei estas emoções a brotarem em mim. Se
Freud está certo ao dizer que temos que nos esforçar para manter
aprisionadas as emoções reprimidas, o relaxamento torna-se, então,
uma parte importante no processo de recuperação das emoções
perdidas. Mas, o ponto crucial é manter sempre uma atitude de
abertura.
De algum lugar do mais profundo do meu ser surgiu não a raiva —
minha raiva, como a maioria dos sentimentos de hostilidade, era apenas
uma máscara — mas um sentimento de tristeza, amargura e de fracasso
pessoal. Em questão de minutos tornou-se claro que essa era a
verdadeira emoção que eu reprimia. Este estranho sentimento de
fracasso tornou-se muito forte em mim. Comecei então a fase final
desse método de autoanálise, deixando que minha mente percorresse
todas as hipóteses. Poderia ser isso... aquilo? Logo, num "insight"
repentino, tudo se tornou muito claro.
O pregador do retiro era um homem puro, amável e dedicado. Ele
aparentava ser tudo aquilo que eu mais queria ser e que de fato não era.
Ao invés de aceitar minhas emoções de fracasso, estimuladas pelo
contato com um homem tão admirável, eu as reprimi através de uma
espécie de formação de reação: sentindo-me hostil exatamente em
relação àquele homem que eu tanto admirava. No momento em que me
dispus a aceitar os sentimentos do meu fracasso e a reconhecer as
razões para estes sentimentos, toda a tensão desapareceu e,
naturalmente, não havia mais necessidade de deslocar meus
sentimentos reais. Experimentei uma profunda paz e, acima de tudo,
aprendi algo sobre mim — meu mais profundo desejo, minha dor mais
profunda.
o método mais popular: a análise transacional
A análise transacional surgiu com o psiquiatra californiano Eric Berne,
sob a forma de um método de terapia de grupo. Berne acreditava que o
ponto de partida na terapia deveria ser a transação ou a interação entre
as pessoas do grupo. Ele achava que a análise dessas transações
revelaria as influências emocionais — reprimidas ou escondidas —
sobre o comportamento.
A pessoa responsável por tornar a AT acessível ao público foi um
discípulo de Berne, o Dr. Thomas Harris, especialmente através do seu
best-seller l'm OK — You're OK4. Harris propõe a AT como sendo um
método para se reconhecer fatores emocionais reprimidos no
comportamento. Ele acredita que somos profundamente influenciados
pelos outros muito cedo em nossa vida, mas insiste no fato de que
somos livres e responsáveis por aquilo que nos tornamos.
É verdade que somos, em grande parte, o produto de experiências
passadas. Todos os fatos de nossa vida e as reações emocionais que os
acompanham estão registrados em nosso cérebro, em cada músculo,
célula ou fibra de nosso corpo. Logo, estes fatos, e especialmente os
sentimentos a eles associados, estão sempre se repetindo dentro de nós,
embora a maior parte de tudo isso fique no subconsciente. Sem a
prática da AT, raramente temos conhecimento da ligação entre fatos
presentes e experiências passadas que estão registradas em nós. Por
exemplo, posso ter uma atitude de hostilidade ou medo diante de todas
as autoridades porque meus pais foram dominadores, embora eu nunca
venha a ter consciência dessa ligação.
A AT é uma forma prática de se entender tais ligações, de se relacionar
emoções passadas ainda vivas dentro de nós com experiências e
comportamentos atuais. Se uma pessoa está disposta a lutar contra
sentimentos castradores ou mutiladores, ela será capaz de mudar seus
hábitos comportamentais e, consequentemente, o curso de sua vida.
Mas o primeiro passo a ser dado é chegar até os sentimentos
enterrados; e o ponto de partida para isso é nos observarmos nas ações
e transações do dia-a-dia.
Cada uma de nossas interações com uma outra pessoa é uma
"transação". Numa transação normal, uma das partes oferece um
"estímulo" — uma palavra ou um gesto — e a outra reage com uma
"resposta” transacional. O objetivo principal ao se analisar as
transações é reconhecer e avaliar as influências emocionais subjacentes
tanto ao estímulo quanto à resposta.
Exemplificando com uma transação: Alguém faz um elogio a você.
Como você reage? Você começa a falar demais? Você gagueja? Muda
de assunto? Enrubesce e olha em outra direção? Sob sua resposta está
um registro emocional. Que sentimento é esse que está subjacente a sua
reação? Você se sentiu feliz de ter seu valor reconhecido? Você ficou
feliz mas envergonhado de mostrar seu sentimento? A prática da AT
nos leva a tomar consciência desta ligação de tal forma que podemos
efetivamente redirecionar nossas vidas. Se não conseguirmos enxergar
e agir contra essas emoções mutiladas, nosso futuro será a mera
execução do que já estava previamente programado. Para a maioria das
pessoas, a característica mais estimulante da AT é exatamente a
esperança de que podemos mudar. Podemos "nos livrar da tirania do
passado... exercitar a auto-orientação e a liberdade de escolha."

A teoria da AT parte da hipótese de Alfred Adler de que todos os seres


humanos se sentem angustiados por profundos sentimentos de
inferioridade, por uma sensação de "não estar OK". Harris acredita que
a maioria das pessoas jamais realiza todo o seu potencial. Elas
permanecem para sempre crianças indefesas, oprimidas por um
sentimento de inferioridade. A sensação de estar OK não implica que a
pessoa tenha se colocado acima de todos os seus defeitos e problemas
emocionais. Implica simplesmente que ela se recusa a ser paralisada
por eles. Ela está decidida a aceitar-se como é, mas também a assumir
cada vez mais o controle de sua vida.
Segundo Harris, há quatro atitudes ou posições básicas que tomamos
em relação a nós mesmos e aos outros:
(1) Eu não estou OK — Você está OK
(2) Eu não estou OK - Você não está OK
(3) Eu estou OK — Você não está OK
(4) Eu estou OK — Você está OK.

A primeira é a posição universal de toda criança de cinco anos. Ela


vive quase que totalmente dependente dos outros. Logo, os seus
sentimentos mais profundos nessa fase de vida são geralmente
sentimentos de dependência e inadequação, e uma enorme necessidade
de aprovação por parte daqueles de quem depende. Embora lhe seja
doloroso fazer tal afirmação, Harris diz que não existe a tão propalada
infância feliz. Todas as mensagens que ficaram gravadas em nós
durante os cinco primeiros anos de vida enfatizam nossa dependência,
inadequação e deficiência. Algumas mensagens vindas de nossos pais
são encorajadoras, mas não a maioria delas. Portanto, a primeira
conclusão a que chegamos sobre nós mesmos é: Eu não estou OK. Não
consigo fazer as coisas certas. E a primeira pergunta que fazemos é: "O
que eu poderia fazer para agradar você?"
Há alguns sintomas definidos que indicam o quanto ficamos parados na
primeira posição de "Não estou OK". Sentimo-nos inferiores ao lidar
com os outros. Precisamos muito de sua aprovação. Sentimos muito
ciúme. Temos uma ambição insaciável de estar tão OK quanto os
outros — tão ricos, inteligentes e bonitos como os outros são. Esta
ambição é geralmente dirigida àqueles que são mais próximos ou mais
importantes para nós. Na medida em que permanecemos nesta primeira
posição, tendemos a viver num mundo de fantasia, a manifestar
hostilidade, depressão e até mesmo desespero.
Se uma criança não receber reconhecimento e amor suficientes, a
primeira posição dá lugar à segunda ainda muito cedo em sua vida.
Esta é basicamente uma posição de afastamento, na qual a criança não
recebeu gestos positivos de elogio e afeto. A atitude interior é: "Eu não
estou OK, mas você também não está OK pois você me feriu. Você não
me amou". E se uma criança é seriamente maltratada, é provável que
ela mude para a terceira posição, uma atitude vingativa: "Eu estou OK
e você não está OK e isso vai te custar caro". Esta é a posição de
Papillon, personagem central do filme de mesmo nome: "Você me feriu
de todas as formas; e eu ainda estou vivo. Agora é minha vez".
Todas estas três posições são adotadas inconscientemente, com base
em sentimentos em grande parte subconscientes. A quarta posição, ao
contrário, é uma decisão consciente e uma escolha baseada na reflexão,
na fé e na ação.
Para fazer essa escolha de forma efetiva, devemos chegar à
compreensão de que existem três componentes em nossa personalidade.
Como percebemos algumas vezes, não somos realmente uma, mas três
pessoas reunidas em uma só. Algumas vezes nos comportamos como
um adulto, racional e maduro, que é capaz de decisões e de um
controle consciente de sua vida. Outras vezes parecemos regredir para
atitudes imaturas e mesmo infantis, exigindo gratificações imediatas,
querendo as coisas "a nosso modo". Há também o lado salutar da
criança em nós; ela gosta de liberdade de ação — correr pela praia,
colher flores, etc. Finalmente, em algumas ocasiões somos a réplica
viva dos nossos pais, um conjunto de todas as suas mensagens
gravadas que se repetem pela vida afora.
Na terminologia da AT, estes são os três "estados de ego" mais comuns:
Pai — Adulto — Criança, que estão dentro de todos nós. Oscilamos
entre um e outro, geralmente sem consciência disto, a menos que
tenhamos trabalhado com a AT. É precisamente esta consciência que a
AT nos ensina. Tanto Berne quanto Harris insistem que podemos
aprender a reconhecer o estado do ego em determinada transação
através de mudanças detectáveis em nossas maneiras, gestos,
aparência, entonação de voz e no próprio vocabulário que usamos.
O pai: O pai em nós é um composto de todas as mensagens gravadas
no nosso íntimo durante os primeiros cinco anos de vida. Agimos no
estado de ego do Pai quando nosso comportamento é determinado por
mensagens que são fixas, imutáveis, dogmáticas. Na sua maioria são
controladoras, críticas, restritivas e inibidoras. Algumas dessas
mensagens podem também proporcionar apoio e um sentido de
afirmação.

O adulto: O adulto é maduro, decidido, flexível. Enquanto o Pai e a


Criança são estados fixos que não permitem qualquer modificação
depois da infância, o Adulto é o estado que nos dá abertura para a
mudança e o crescimento. Toda a esperança numa existência diferente
e melhor está aqui. O Adulto em nós escuta, revê e avalia as mensagens
fixas vindas do pai, decide quando vai agir a favor ou contra. De um a
cinco anos somos incapazes de avaliar o que é dito ou feito para nós.
Gravamos tudo como "a verdade". A função do Adulto, no que se
refere ao Pai, é reavaliar essas experiências. O Adulto também escuta
as emoções da Criança — sejam elas de tristeza ou alegria, permite ou
não os seus caprichos sob uma ótica de valores maduros e decisões
racionais, É o estado de ego do Adulto que deve dominar a
personalidade, permanecerem ascendência ou, na linguagem da AT,
"ficar ligado".
A criança: A Criança em nós é espontânea, cheia de vida, criativa,
motivada por sentimentos. Todas as reações emocionais — do êxtase
ao desespero — estão armazenadas aqui. A Criança em nós tende ao
primitivismo e à autodepreciação. Ainda assim, ela é capaz de sentir-se
empolgada, maravilhada e eufórica. A Criança pode trazer à nossa
personalidade toda a felicidade que ela traz ao grupo familiar. Assim, o
Adulto em nós deve deixar que a Criança expresse suas alegrias e
entusiasmos.
A genialidade da AT é que ela nos ensina, de maneira prática, a
reconhecer cada um destes estados em nós mesmos. Os pais são
dogmáticos e rígidos. Eles usam palavras como "devia... não devia...
sempre... nunca... de uma vez por todas... se eu fosse você...
bobagem... isto tem que ser feito dessa forma..." O tom de voz é
autoritário ou condescendente. As expressões faciais são de
julgamento, preocupação, espanto, de donos da verdade, etc. A Criança
é encontrada quando alguém se expressa com lábios trêmulos,
beicinho, choramingos, acessos de raiva, olhos caídos, soluços, pulos
de alegria, risadinhas, contorções, gritos agudos. Seu vocabulário é
pontuado por: "Eu quero... eu preciso... eu gostaria... eu não vou... eu
não posso... eu acho... eu não ligo... eu não sei... eu sinto... eu vou...
dê-me...", etc.
Quando a pessoa aprende a entrar em contato com os seus estados de
ego, ela é capaz de emancipar o Adulto, de colocá-lo como o
responsável por sua vida. Então ela não é controlada pelas posições
limitadas e fixas do Pai, nem pelos desejos insaciáveis da Criança. Sua
vida é governada de modo gentil e vigoroso pela razão, embora, ao
mesmo tempo, ela ame e reconheça, com alegria, aquilo que é bom
tanto no seu Pai quanto na sua Criança. Ela aceita os limites e a
sabedoria do Pai, a surpresa, a criatividade e o entusiasmo da Criança.
Podemos nos tornar peritos em um dos métodos recomendados. Com
prática e persistência, podemos aprender a reconhecer as forças
emocionais que formam a base do nosso comportamento. Podemos
praticar a autodisciplina de que necessitamos, agindo contra nossas
emoções quando estas forem mutiladoras e destrutivas. Com a ajuda de
Deus e daqueles que nos amam, podemos reescrever nosso "script de
vida". Só assim poderemos caminhar de forma realista em direção à
autoaceitação, à autoestima, à autovalorização e à celebração do eu.

 
CAPÍTULO CINCO
Eles eram irmãos sacerdotes e irmãos jesuítas. Por muitos anos tiveram
uma amizade rica e recompensadora. Percorreram, juntos, a longa e
penosa caminhada do Seminário. Quando um deles precisava de algo
especial — tempo, alguém para escutá-lo ou qualquer outra coisa, o
outro estava sempre lá.
A amizade terminou abruptamente em tragédia e morte. Um dos
amigos foi atropelado e morto em frente à casa onde moravam com sua
comunidade.
Quando foi informado de que o amigo estava estirado morto sobre o
asfalto, o outro correu, atravessou o cordão de curiosos e policiais e
ajoelhou-se ao lado do velho amigo. Embalou suavemente a cabeça do
homem morto em seus braços e, diante de todas aquelas pessoas
boquiabertas, deixou escapar:
— "Não morra! Você não pode morrer! Eu nunca te disse que te
amava!"
diálogo:
o pão nosso de cada dia
os sinais diagnósticos do diálogo
O diálogo, como já dissemos, está centrado na comunicação ou no
compartilhar de emoções. A finalidade desse diálogo é capacitar os
parceiros a atingirem um conhecimento e compreensão mais profundos
e uma maior aceitação do outro, no amor. O diálogo está sempre se
movendo em direção ao encontro, em direção à experiência mútua das
duas pessoas através deste compartilhar de sentimentos. Seu objetivo
não é resolver problemas, trocar ideias, fazer escolhas, dar e receber
conselhos, fazer planos ou raciocinar sobre qualquer coisa. Tudo isso
pertence ao terreno da discussão. O diálogo efetivo é um pré-requisito
absolutamente essencial para discussões produtivas.
A suposição implícita no diálogo é que todos os sentimentos são
reações muito naturais resultantes de inúmeras influências presentes ao
longo de toda uma vida. Tais sentimentos podem ser estimulados por
outra pessoa mas nunca causados por ela. Eles estão dentro de nós e,
muito provavelmente, foram armazenados desde a nossa primeira
infância. Não representam qualquer perigo e não têm, absolutamente,
qualquer implicação moral. Ninguém precisa de uma razão, desculpa
ou explicação para o modo como se sente. Não há problema em
sentirmos o que quer que seja. O único perigo real ocorre quando
ignoramos, negamos ou nos recusamos a expressar nossos sentimentos.
A repressão ou não-expressão de emoções leva a uma distorção
generalizada de toda a personalidade humana e a uma grande variedade
de sintomas dolorosos.
Não há, em absoluto, qualquer espaço para a argumentação no diálogo,
já que este é essencialmente uma troca de sentimentos e não se pode
argumentar sobre o modo como alguém se sente. Apenas na fase de
discussão há lugar para o debate, e os casais, mais cedo ou mais tarde,
vão passar de um estágio para o outro. Precisamos saber como o outro
pensa e o que ele prefere para que possamos fazer planos e tomar
decisões juntos. Problemas que precisam ser discutidos entram
constantemente em nossas vidas, e devemos lidar com eles, em
conjunto com o parceiro. No entanto, temos que nos certificar que o
diálogo já foi completado antes de iniciarmos a discussão.
Finalmente, o diálogo verdadeiro caracteriza-se por um sentido de
colaboração e não de competição. Se houver algum sinal de disputa na
conversa, isto significa que o diálogo não está acontecendo entre os
dois. Ele só acontece quando há uma simples troca de sentimentos sem
qualquer tentativa de analisar, racionalizar ou atribuir
responsabilidades por estes sentimentos. Portanto, se um dos parceiros
pensa que o outro não deve sentir-se como está se sentindo, o primeiro,
na verdade, não entendeu coisa alguma. Provavelmente ele está
rejeitando toda a ideia do diálogo e, com certeza, rejeitando também o
parceiro. No entanto, se os dois estão descobrindo uma nova beleza e
uma maior profundidade na pessoa do outro, e se têm uma vontade
cada vez maior de se conhecerem, eles estão tendo sucesso na arte do
diálogo.
os motivos para o diálogo
Há muitos anos atrás, li um livro sobre oratória. 0 primeiro capítulo era
intitulado: "Nunca Tente Ser um Orador Melhor do que a Pessoa que
Você É Porque Sua Plateia Vai Descobrir Isto". O título me fez lembrar
a definição de Quintiliano de um bom orador: um homem bom que fala
bem. A implicação óbvia é que acabamos revelando nossas motivações
apesar de nossas tentativas de camuflá-las. Todos nós fomos mal
compreendidos algumas vezes, mas com o correr do tempo, as
intuições de outros sobre nossas motivações são geralmente acertadas,
mesmo quando incompletas. Portanto, as pessoas que tentam dialogar
devem, antes de mais nada, escutar seus próprios motivos. Há três
possibilidades que devem receber uma consideração especial.
Ventilação. Quando ventilamos um cômodo, trocamos o ar de seu
interior. Nós o livramos do ar estagnado e de maus odores. Também as
emoções podem se acumular dentro de nós a tal ponto que sentimos a
necessidade de ventilá-las, de colocá-las "para fora". Existem ocasiões
em que isto é necessário, mas, quanto menos frequentes, melhor será o
diálogo e mais profundo o relacionamento.
A ventilação é essencialmente egocêntrica. Quero me sentir melhor e,
para isso, uso você como um depósito de lixo para meu refugo
emocional. A necessidade ocasional de tal ventilação é compreensível,
mas ninguém quer ser usado sempre como um depósito de lixo ou
como uma toalha de enxugar lágrimas. Despejar os meus problemas
emocionais em você para eu me sentir melhor é um ato egocêntrico. Se
isso se torna um hábito, a pessoa se desenvolve de maneira
egocêntrica, com pouca capacidade para dialogar ou amar.
Manipulação. O segundo motivo a ser considerado é a "manipulação".
O amor, como já dissemos, é essencialmente libertador. Quem ama
pergunta, apenas: "O que posso fazer por você? O que é que você
precisa que eu seja?" A pergunta implícita na manipulação é
exatamente o contrário: "O que é que você pode fazer por mim?" A
manipulação é um modo ardiloso de pressionar o outro a satisfazer
minhas necessidades. Obviamente, haverá ocasiões em que precisarei
que você me ajude, que fique a meu lado, que me escute. É bom me
sentir livre para pedir isto a você sem medo de rejeição.
No entanto, a manipulação, como um motivo para o diálogo, significa
que uma pessoa relata e descreve seus sentimentos à outra para que
esta faça alguma coisa a respeito. O manipulador faz o outro se sentir
responsável por suas emoções. Por exemplo, posso lhe fizer que estou
só. Isto pode se referir ao simples fato de que estou passando por um
período de solidão e quero que você saiba disto para me conhecer
melhor. Ou posso lhe dizer isto de tal modo que fique implícita a sua
responsabilidade de preencher o vazio de minha solidão. Através das
inflexões sutis de minha voz, de minha expressão facial, etc., faço você
sentir a necessidade de suprir minhas carências. Através de meios
indiretos e da sugestão, uso uma "alavanca" emocional esperando que
você resolva o meu problema.
Não há meios de esconder a ventilação ou manipulação como motivos
ocultos no diálogo. Devemos nos lembrar que, se tentarmos ocultá-los,
não adianta declararmos nossa inocência perante os outros ou perante
nós mesmos: as outras pessoas saberão. Nunca tente ser um orador
melhor do que a pessoa que você é, porque sua plateia saberá. Quando
somos motivados pelo desejo de ventilar ou manipular, transformamos
as pessoas em coisas. Nós as valorizamos e lidamos com elas somente
em termos de seu valor, de sua função e utilidade para nós. Quando os
parceiros de um diálogo fazem isso, eles se degradam e destroem seu
relacionamento. Logo são levados ao monólogo, que é o caminho mais
curto para a alienação, para a solidão, para lugar nenhum.
Comunicação. O único motivo que pode levar a um diálogo verdadeiro
é o desejo de comunicar-se. Já dissemos que comunicar significa
compartilhar, e que uma pessoa compartilha seu verdadeiro eu quando
compartilha seus sentimentos. Como consequência, o único motivo
válido para o diálogo é este desejo de dar ao outro a coisa mais
preciosa que tenho: o meu eu, através da autorrevelação e da
transparência alcançadas no diálogo.
Observação. Tenho certeza que algumas vezes você já sentiu, como eu,
que os outros não estão realmente interessados em você. Nem mesmo
aqueles que supostamente nos amam e que nós supostamente amamos,
parecem estar interessados em nos escutar. Conheci muitos maridos e
mulheres que se sentem assim com relação aos parceiros. Escuto, com
frequência, o mesmo relato de jovens cujos pais supostamente não se
interessam por eles. Na verdade, acredito que em muitos destes casos,
ou na maioria deles, a parte "rejeitada” estava usando um dos dois
primeiros motivos para falar de si: a ventilação ou a manipulação. Com
base na minha própria experiência, sei que fico incomodado quando
sinto que estou sendo usado ou manipulado por alguém. Começo a
olhar para o relógio à procura de uma saída. A natureza humana é
essencialmente gregária. A necessidade de companhia está gravada em
nossos corações. No entanto, esse desejo de conhecer e ser conhecido
não inclui o desejo de ser um depósito de lixo ou um "solucionador" de
problemas.
confiar é uma escolha
Quando uma pessoa considera o risco da transparência emocional, ela
se pergunta: Posso confiar em você? Até que ponto? Você vai
compreender ou rejeitar meus sentimentos? Você acharia graça ou
sentiria pena de mim? O procedimento mais comum é fazer como quem
entra na piscina, testando a temperatura da água com a ponta dos
dedos. Infelizmente, a maioria das pessoas decide esperar até que
tenham certeza e, assim, nunca entram nas águas curativas do diálogo.
Esperar até termos confiança absoluta no outro me lembra uma estória
que ouvi certa vez. A mãe de um menino disse a seus amigos, que o
tinham convidado para ir nadar: "Eu não vou deixar o meu filho entrar
na água até ele aprender a nadar". Naturalmente, só se aprende a nadar
entrando na água. Da mesma forma, só se aprende confiar confiando.
O diálogo não pode ser adiado. A corte não pode chegar a um veredito
até que o réu seja posto em julgamento. E assim, o diálogo requer um
ato de determinação: vou confiar em você. Não posso ter certeza.
Talvez você me desaponte. Mas eu vou arriscar, vou lhe revelar meus
sentimentos mais profundos porque quero lhe oferecer o que tenho de
mais precioso... porque amo você. E porque amo você, a primeira coisa
que lhe darei será minha confiança.

o mito da privacidade
Uma de nossas necessidades mais prementes é a necessidade de
segurança, que pode facilmente se tornar uma preocupação neurótica.
Assim, a maioria das pessoas gostam de ter um quarto só para si, com
placas especiais na porta, tais como: PARTICULAR — NÃO
ULTRAPASSE ou NÃO PERTURBE. Queremos um lugar seguro, com
barricadas contra a invasão dos outros que nos sondam e têm a
curiosidade de saber tudo sobre nós. Não há nudez mais dolorosa do
que a nudez psicológica. Desta necessidade de nos sentirmos seguros e
protegidos dos olhos inquiridores dos outros, nasce o mito de que todos
necessitamos de um retiro particular, onde ninguém, exceto nós
mesmos, podemos entrar. É algo que soa bem; parece ser bom; a
maioria das pessoas provavelmente acredita nisso. No entanto, trata-se
de um mito: algo que gostaríamos que fosse verdade, mas que na
realidade não é.
Em vez de um lugar reservado exclusivamente para nós, o que
realmente necessitamos é ter alguém (um confidente verdadeiro) que
nos conheça por inteiro e alguns outros (amigos íntimos) que nos
conheçam muito profundamente. Criamos o mito da privacidade para
termos um lugar para onde correr sem sermos seguidos. Isto, no
entanto, representa a morte para o tipo de intimidade que é tão
necessária à plenitude da vida humana.
Primeiramente, e isto já se tornou um chavão, só posso conhecer de
mim mesmo o que tenho coragem de confidenciar a você. Se eu me
sentir totalmente livre com você num lugar onde não haja placas de
"Não ultrapasse", irei, sem dúvida, a lugares dentro de mim de cuja
existência eu nunca poderia suspeitar. Com a garantia de sua
companhia, irei a lugares onde nunca poderia ter ido sozinho. Preciso
de sua mão e da certeza de seu compromisso e amor incondicional até
para tentar ser honesto comigo mesmo.
Em segundo lugar, seu amor será efetivo na medida em que eu me
entregar a você. Quando você diz que me ama, expressando-se através
de uma maneira ou de outra, quero acreditar que realmente me
conhece. Se me escondi, o significado de seu amor será diminuído. Vou
estar sempre com medo de ser amado somente naquela parte minha que
lhe dei a conhecer, um medo de você não me amar se vier a conhecer
meu eu real, todo o meu ser. O amor depende do conhecimento e,
assim, só posso ser amado na medida em que deixar você me conhecer.
É fato que, em toda comunicação, a cordialidade sem honestidade é
sentimentalismo; mas, do mesmo modo, é fato que a honestidade sem a
cordialidade é uma atitude cruel. A força da comunicação está na
habilidade que a pessoa tem de ser totalmente honesta e totalmente
cordial ao mesmo tempo. É verdade que um dos princípios essenciais
do diálogo é que as emoções devem ser relatadas no momento em que
estão sendo experienciadas e para a pessoa para a qual são dirigidas;
ainda assim, a cordialidade deve estar presente em qualquer forma de
comunicação.
Mas, e aquelas coisas que não são exatamente emoções, mas velhos
“quartos fechados”, parte de nosso patrimônio humano antigo e ponto
de acúmulo de muitas emoções? Muitas vezes, estes “segredos do
passado" têm um efeito decisivo sobre a autoimagem e comportamento
da pessoa. Digamos, por exemplo, que haja uma vergonha secreta, um
fracasso humilhante no meu passado, ou uma inclinação neurótica que
nunca expus a ninguém. Talvez, se eu contasse a meu parceiro, ele teria
uma opinião diferente sobre mim. Ele poderia até suspeitar de mim ou
de minha normalidade.
Alguns dizem que não se pode ser totalmente aberto e honesto com
aqueles a quem amamos. Isso os destruiria. Estas pessoas dizem que
precisamos apenas ser reais naqueles aspectos que decidimos revelar.
Pelas razões citadas anteriormente, não acredito nisso. Acredito que
estas comunicações, que não se referem apenas a emoções, mas que
podem ter profundas implicações emocionais, devam ser feitas no
momento adequado, com cautela.
Cada pessoa deve ter uma ideia clara sobre a estabilidade, a
profundidade da compreensão e da aceitação no relacionamento em que
está envolvida. O melhor é que estas comunicações sejam feitas agora;
se isto parecer imprudente, devem ser feitas no futuro, quando a
profundidade de compreensão e aceitação necessárias forem
alcançadas. A recusa definitiva em fazer tais comunicações acarretará
sempre uma deficiência permanente no relacionamento, um obstáculo
ao amor que poderia ter existido.
é proibido julgar
Uma das maiores ameaças a um diálogo bem sucedido, e que deve ser
evitada com todo cuidado, é a interferência de julgamentos sobre si
mesmo ou sobre seu parceiro no diálogo. Já dissemos que ninguém
pode causar nossas emoções, mas somente estimular aquelas que já
existem dentro de nós. Há uma maneira comum pela qual os
julgamentos aparecem e destroem o diálogo — é quando acredito que
você causou minhas emoções, ou pelo menos, que há uma conexão tão
óbvia entre sua atitude e minha emoção, que "qualquer um teria
reagido como eu." Estas duas reações são baseadas em julgamentos e
estes são falsos.
Por exemplo, combinamos nos encontrar a uma certa hora em um certo
lugar. Você chega meia hora atrasado. Fico com raiva. Eu deveria lhe
contar isto como um simples fato, querendo dizer apenas que há
alguma coisa em mim que me faz reagir com raiva quando me deixam
esperando. Mas imagine todas as acusações baseadas em julgamentos
que eu poderia fazer com minhas palavras, entonação de voz ou
expressão facial:
"Você poderia ter chegado na hora."
"Você não tem consideração por mim."
"Você não liga para os meus sentimentos."
"Você não me ama de verdade."
"Você está sempre atrasado."
"Você é muito egoísta."
"Você fez isso para me machucar ou para descontar alguma coisa."
"É por isso que você não tem amigos."
"Você não pensa nas consequências."
"Qualquer outra pessoa teria chegado na hora", etc.
Observe que todos estes julgamentos me colocam numa posição
superior em nosso diálogo. Este é o tipo de "suposta vantagem" que
não pode haver no diálogo verdadeiro. Posso ter minhas próprias
emoções, como o constrangimento ou a frustração; mas quando decido
que eu é que estou certo e me coloco numa posição superior e
privilegiada, torna-se óbvio que minhas emoções é que devem ser
trabalhadas, não as suas. O julgamento representa a morte para o
diálogo verdadeiro. Além disso, os julgamentos que somos tentados a
fazer geralmente envolvem uma crítica indireta e destrutiva que é fatal
para as atitudes de autoaceitação, autoestima e autocelebração do
outro. E quando essas atitudes desaparecem, o amor se perde.
como conversar no diálogo
A disposição para o diálogo consiste, em resumo, no seguinte: Quero
que você me conheça. Entro no diálogo à procura de compreensão
mútua, e não à procura de vitória. Quero compartilhar o que tenho de
mais precioso com você: eu mesmo. Bandeiras vermelhas de perigo
emocional flutuam por todo lado, dizendo-me que este é um negócio
arriscado, e sei disso. Mas vou correr esse risco porque amo você e
gostaria que esse fosse um ato de amor. Sei que só posso lhe dar o
presente do amor se eu me doar a você através da autorrevelação.
Sei também que estou pedindo alguma coisa quando me revelo. Em
primeiro lugar, estou pedindo sua compreensão e aceitação. Estou
também convidando você a fazer o mesmo, a compartilhar sua pessoa
comigo. Você também terá, instintivamente, uma sensação de risco.
Pode ser que o fato de eu correr este risco por você seja um estímulo
para que você corra um risco semelhante por mim. Quando você estiver
pronto para correr este risco, estarei aqui. Não se sinta obrigado a
responder em meus termos ou no meu ritmo. O amor é libertação, e,
assim, meu amor por você deverá deixá-lo sempre livre para responder
à sua maneira e na sua hora.
A essência do risco é esta: tenho algumas necessidades. Quando eu lhe
revelar meus sentimentos, você as conhecerá. Vou ter de lhe contar
sobre minha solidão, meu desânimo, minha autocompaixão, meu medo
de enfrentar a vida. O mito de minha autossuficiência será destruído.
Não poderei mais me esconder atrás das velhas fachadas de indiferença
ou valentia. Minha autossuficiência é um pretexto para defender e
sustentar meu ego. Mas ela não deixa você conhecer o meu eu real.
Então, vou sacrificá-la por você porque quero que conheça meu eu
verdadeiro. Quando tiver abandonado todos os meus jogos, a proteção
de meus artifícios e pretextos, e quando me desnudar completamente,
você ficará comigo e me agasalhará com as vestimentas de sua
compreensão?
É relativamente fácil ver porque este risco é necessário numa relação
de amor. Dissemos que o amor pergunta: "O que é que você precisa que
eu faça, que eu seja?" Se não estou disposto a reconhecer minhas
necessidades honesta e abertamente, então não há lugar na minha vida
para seu amor. Você jamais poderia sentir que é realmente importante
para mim e, no final, me deixaria. Você jamais desejaria ser apenas
mais um par de mãos a me aplaudir em minha plateia.
Então venho a você aberto ao diálogo, querendo que me conheça e
disposto a correr esse risco essencial da transparência na revelação de
minhas necessidades. Ao fazer isso, devo me lembrar que o que lhe
revelo é uma coisa unicamente minha que tenho a lhe oferecer. A
essência de minhas revelações não está em meus pensamentos.
Qualquer pessoa poderia saber cada pensamento que já tive e, ainda
assim, não me conheceria real mente. Devo compartilhar com você
meus sentimentos mais profundos. Se alguém conhecer meus
sentimentos, esse alguém me conhecerá. Quando lhe dou meus
pensamentos, opiniões e preferências, de certo modo, estou me
livrando de algo que tenho em excesso. Quando lhe dou meus
sentimentos mais profundos, estou lhe dando minha própria essência.
Estou lhe dando o verdadeiro significado do meu eu.
Deve-se também lembrar que cada pessoa sente, à sua maneira, as
emoções comuns a todos os homens. Meus sentimentos de depressão
ou de dor não são como os seus. É verdade também que cada pessoa
reage fisicamente de um modo diferente. Algumas pessoas
desenvolvem fortes sensações corporais sob a influência de certas
emoções, enquanto outras reagem aos mesmos sentimentos tornando-se
entorpecidas e "anestesiadas". As reações sociais são também
diferentes. Quando algumas pessoas se sentem feridas, preferem ficar
sozinhas, enquanto outras, instintivamente, procuram alguém a quem
possam descrever sua dor.
Assim, aquele que estiver falando, num diálogo, deve relatar seus
sentimentos como únicos, da maneira mais descritiva e vívida possível.
Lembro-me de quando Adlai Stevenson II perdeu as eleições
presidenciais pela segunda vez. Ele disse que se sentia como um
garotinho que tinha levado um tombo violento. "Dói demais para rir,
mas sou muito velho para chorar." É claro que ter o dom da eloquência
de Stevenson ajudaria, mas cada um de nós tem de usar os recursos que
possui, mesmo se aquilo que dissermos não for memorável ou citável.
Ainda assim, posso me sentir como "se estivesse de luto em meu
coração... como um grão de areia na praia, como um zero à esquerda na
grande contabilidade da vida."
No diálogo, a pessoa que fala deve, antes de mais nada, tentar sentir
suas emoções o mais profundamente possível. Isso a leva a descrevê-
las de uma forma tão acurada que, quem escuta se torna capaz de
sintonizar essas emoções. A maioria das pessoas não se dá o tempo
suficiente para que as emoções venham à tona e nem para escutá-las
com atenção. Somos, em geral, tentados a ocupar-nos com alguma
distração ou com uma análise intelectual destes sentimentos. Nunca
nos permitimos senti-los de uma maneira real e consciente. É óbvio
que só posso comunicar a você aquilo que estou disposto a ouvir dentro
de mim. Se eu não escutar cuidadosamente as emoções que brotam em
mim, os sons serão vagos e as descrições que eu fizer serão igualmente
vagas. E sons vagos não levam a um profundo compartilhar de
emoções, à experiência culminante da comunicação que transforma e
aprofunda uma relação de amor.
Quando me dirijo a você no diálogo, tenho que ser tão vivido que você
possa sentir e viver minha emoção. Não quero lhe contar sobre essa
emoção; quero transplantá-la para dentro de você. Quero fazê-lo sentir
o gosto de minha amargura, perambular pelas ruínas de meu fracasso,
sentir a descarga de adrenalina de meu sucesso. No diálogo, não estou
lhe dizendo verdades sobre mim, mas a minha única verdade neste
momento de minha vida. Lembre-se que são meus sentimentos que me
individualizam, que me tornam diferente de todos os outros, e que os
sentimentos que estou experimentando neste momento me fazem
diferente do que já fui e do que serei algum dia. Quero compartilhar
com você este momento que nunca mais se repetirá na minha história
pessoal.

Finalmente, o parceiro que fala deve dar ao outro uma noção do


contexto em que estão ocorrendo suas emoções. A comunicação total
pode ser dividida em três partes: (1) uma descrição resumida das
influências físicas e subjetivas que podem estar afetando o seu estado
emocional. Por exemplo, "Estou muito cansado... Estou de regime
absoluto... Parei de fumar há uma semana." (2) Os acontecimentos
específicos do dia que estimularam as emoções que vão ser reveladas.
Por exemplo, "Não consegui o aumento que queria... Eu vi esse filme
e... Fiz uma prova de química péssima... você me disse que estava
muito ocupado e não podia me ajudar." (3) As emoções propriamente
ditas.
Pode-se abordar os dois primeiros pontos resumidamente, já que sua
única função é fornecer algum tipo de contexto e perspectiva para as
emoções, que são o coração do diálogo.
como escutar no diálogo
Deus nos deu dois ouvidos mas somente uma boca, o que foi
interpretado pelos irlandeses como uma indicação divina de que
devemos ouvir o dobro do que falamos. Seja isso verdade ou não, o
fato é que grande parte de nosso sucesso pessoal no diálogo está em
nossa habilidade de escutar. Paul Tournier refere-se aos "diálogos dos
surdos, nos quais ninguém realmente escuta." Quando uma pessoa não
ouve, podemos pensar em duas possibilidades: ou ela não está
interessada, ou está se sentindo ameaçada pelo que possa ouvir. Como
consequência, o verdadeiro diálogo e o verdadeiro escutar pertencem a
um mundo de compreensão e amor. Só aí pode ocorre o verdadeiro
diálogo. Qualquer sugestão ou sentimento de competição, de uma
disputa onde se ganha ou se perde é uma indicação certa de que o
diálogo não foi alcançado. Reuel Howe, no seu livro The Miracle of
Dialogue, diz que "Todo homem é um adversário em potencial, mesmo
aqueles a quem amamos. Somente através do diálogo somos salvos
dessa hostilidade para com o outro. O diálogo representa para o amor o
que o sangue representa para o corpo."
Assim, a maior virtude do ouvinte no diálogo é a empatia. O
verdadeiro ouvinte deseja apenas compreender o outro e atingir o
momento em que pode dizer com sinceridade: "Estou ouvindo você.
Estou compartilhando seu sentimento. Eu o estou sentindo com você."
Para isto, ele precisa estar disponível, precisa sair de dentro de si no
seu ato de escutar. Ele não teme o que vai ouvir porque sua busca é de
compreensão, não de vitória. Ele não tem sugestões prontas, soluções
fáceis, nem pílulas de otimismo para receitar. Ele não interrompe, a
não ser quando isto é necessário para compreender melhor. Ele não
pensa no que vai responder enquanto o outro está falando. E quando as
emoções de quem fala tomam uma forma mais definida, ele as acolhe
dentro de si. Ele não as tolera meramente, nem se coloca na posição de
quem apenas permite que o outro viva essas emoções.
Basicamente, o verdadeiro ouvinte reconhece e respeita a diversidade
daquele que está falando. Muitas pessoas carregam dentro de si uma
pequena lista de checagem com a qual submetem os outros a um teste
de conformidade. Tais pessoas preferem que todo o mundo seja uma
cópia carbono delas mesmas. A figura clássica do não-ouvinte, na
televisão americana, é Archie Bunker. Ele não fala com as pessoas,
apenas despeja suas palavras sobre elas. Ele tem respostas prontas para
todos os tópicos e para todas as perguntas. É um retrato vivo da pessoa
de cabeça fechada. Os assuntos se tornam importantes só quando ele os
conhece. Uma pessoa assim não tem o que ouvir.
Achamos graça do Archie. Ele nos lembra alguém que conhecemos.
Mas, se formos completamente honestos, seremos capazes de admitir
que, dentro de nós, há um pequeno Archie Bunker que realmente não
escuta. Ele está seguro e satisfeito onde está. As outras pessoas são
seus peões, que devem ser manipulados de modo a servi-lo melhor.
Escutar, no diálogo, é prestar mais atenção aos significados do que às
palavras. É ouvir mais com o coração do que com a cabeça. O diálogo
em si é mais uma viagem do coração do que da cabeça. Tal escuta
consiste numa reflexão sobre o sentido das palavras, não num
questionamento desse sentido. No verdadeiro escutar, vamos além das
palavras, vemos através delas, para encontrar a pessoa que está se
revelando. Escutar é uma busca para encontrar o tesouro da pessoa
verdadeira, que se revela verbalmente e não-verbalmente. Há um
problema semântico, é claro. As mesmas palavras têm conotações
diferentes para mim e para você. Consequentemente, nunca posso lhe
dizer o que você disse, mas somente o que ouvi. Terei de redizer o que
você disse, conferindo os significados das palavras para nos
certificarmos que as mensagens transmitidas por sua mente e seu
coração chegaram intactas à minha mente e ao meu coração, sem
distorções.

Gabriel Marcel diz que "a presença e a disponibilidade” são a essência


do amor. Preciso estar livre (disponível) deixando meu eu e minhas
preocupações egocêntricas para alcançar você numa prontidão total
para ouvir e me envolver (presença). Enquanto estou ouvindo, você se
torna o centro de meu mundo, o foco de minha atenção. Minha
disponibilidade pressupõe que eu esteja preenchido por minhas
emoções num nível tal que eu possa deixá-las por algum tempo e possa
apenas escutar, com empatia profunda, você e seus sentimentos. É
difícil livrar-me do narcisismo da autopreocupação, especialmente
quando minhas emoções são dolorosas; mas isto é uma necessidade
vital para o escutar e para o diálogo verdadeiro. Não posso
simplesmente aparentar interesse por você e pelo que você está dizendo
quando, na verdade, estou sendo distraído por muitas outras coisas.
Tenho que sentir e transmitir a você a realidade de que meu tempo,
minha mente e meu coração são seus, e de que ninguém é mais
importante em todo mundo para mim, neste momento, do que você.
Se eu tiver sucesso em escutar, transmitirei ao meu interlocutor um
animador: "Estou escutando você!" E sua reação será algo como:
"Graças a Deus! Finalmente alguém sabe como eu sou."
Um bom ouvinte tem um respeito permanente pelo mistério inesgotável
que existe no ser humano e em suas infinitas variedades. Cada
experiência num diálogo é uma nova descoberta, uma aventura rumo ao
desconhecido. Um bom ouvinte não tem expectativas definidas, pré-
fabricadas e antecipadas com relação à pessoa do outro e suas
revelações. Ter tais expectativas aprisiona a pessoa numa caixa de
"deveres e obrigações", e esta categoria não é aplicável à riqueza das
emoções humanas.
Finalmente, uma palavra de advertência sobre as "técnicas de
supressão". Como todos sabem, a comunicação pode ser verbal ou não-
verbal. Podemos suprimir a comunicação do outro também de maneira
verbal ou não-verbal, e provavelmente fazemos isto quando nos
sentimos ameaçados pelo diálogo. Posso dizer alguma coisa irônica ou
destrutiva, ou posso sabotar sua comunicação de modos sutis e não-
verbais. Posso bocejar, olhar para o relógio, apertar os dentes, franzir
os olhos, levantar as sobrancelhas, recostar-me na cadeira, mudar o
volume ou o tom de minha voz. De qualquer forma, estarei me
comunicando através de "sinais codificados", e você saberá que há algo
errado. Os psiquiatras que usam o divã tradicional geralmente sentam-
se fora do campo de visão do paciente. Isso evita que alguma reação
inadvertida do psiquiatra seja mal interpretada pelo paciente e que esse
se feche em sua concha.
Ao avaliarmos nossa habilidade de escutar, devemos checar se estamos
usando essas técnicas supressivas. No entanto, a reação de nossos
parceiros é mais confiável do que nossas próprias conclusões, e
certamente mais importante para o sucesso de nossas tentativas de
diálogo. Deveríamos perguntar-lhes, abertamente, com que frequência
e através de quais maneirismos ou "sinais codificados" eles se sentem
"cortados". Lembre-se: o que vale não é o que você diz às pessoas, mas
o que elas escutam.
o caso do parceiro que não coopera
A objeção e a pergunta formuladas com mais frequência em relação ao
diálogo são: "E se eu tentar e o meu parceiro não quiser cooperar? Ele
simplesmente não expõe seus sentimentos". Muitas pessoas relatam
esta experiência frustrante de autorrevelação não correspondida, cujas
causas são muito difíceis de serem diagnosticadas.
Entretanto, há algumas conjecturas e sugestões que uma pessoa nesta
situação pode investigar e avaliar com toda honestidade de que é
capaz. Primeiro, presumo que todos os seres humanos desejam se abrir,
ser conhecidos e amados. A solidão e a alienação são condições
dolorosas, e só as suportamos quando tememos alguma coisa pior. Se o
meu parceiro permanece fechado, ele tem ou pensa que tem algo a
temer. Não fui capaz de lhe transmitir uma sensação de confiança.
A maioria dos psicólogos acredita que se uma das partes numa relação
de amor se abre à outra, de verdade, num ato amoroso de
autorrevelação, esta logo se abrirá de modo recíproco. O raciocínio
subjacente a tal reciprocidade é: você confiou em mim. Vou confiar em
você. Portanto, as pessoas que têm parceiros que não cooperam
deveriam se perguntar:
1. Estou me abrindo de verdade num ato de amor? Ou estou
simplesmente ventilando minhas próprias emoções, manipulando meu
parceiro?
2. Será que desejo realmente alcançar a unidade, conhecer e ser
conhecido, ou os meus esforços no diálogo são apenas uma busca de
minha própria felicidade e satisfação?
3. Será que convido o meu parceiro a se abrir através da minha
abertura, ou eu o pressiono com perguntas inquisitivas, entrando em
áreas que ele não expôs voluntariamente? Será que eu o forço a
assumir uma postura defensiva com meus ataques frontais à sua
privacidade?
4. Sinto que somos colaboradores ou competidores? Quero que meu
parceiro seja aberto para seu bem ou para meu próprio bem? Se ele se
abrisse, será que eu sentiria que foi uma vitória da minha perseverança
ou uma vitória dele sobre suas próprias inibições?
5. Quais técnicas supressivas posso estar usando mesmo sem saber?
Será que pareço tão deprimido e frágil que ninguém se atreve a me
dizer a verdade? Ou será que pareço tão dominador que ninguém quer
arriscar sua individualidade comigo?
6. Como recebi as tentativas de abertura de meu parceiro no passado?
Será que já usei sua autorrevelação para "jogar-lhe na cara" mais tarde
em uma discussão?
7. Será que expus minhas necessidades, deficiências e imperfeições de
tal modo que meu parceiro saiba que não precisa me temer? Será que
meu parceiro sabe da minha necessidade de conhecê-lo, de
compartilhar o que ele é como pessoa e o que tem dentro de si?
8. Será que sou o tipo de pessoa que está sempre pronta a dar
conselhos? Será que normalmente penso saber o que é melhor para as
pessoas mesmo quando elas não o percebem por si mesmas?
9. Como falo com meu parceiro sobre confidências que escutei de
outras pessoas? Será que ele veria em mim uma pessoa julgadora, dura
ou condescendente? Ele pode ter visto o sangue seco de outros em
minhas unhas, e, por isso, não quer arriscar sua própria pele.
10. Será que estou tão repleto de minhas próprias emoções que isto me
impede de estar verdadeiramente presente e disponível para meu
parceiro?
emoções negativas
A questão mais espinhosa sobre o diálogo refere-se às emoções
negativas. O que faço quando me sinto hostil, ou mesmo com
sentimentos homicidas em relação a você? É claro que isso acontece
nas melhores famílias. Mas existe um perigo e um risco muito grande
quando lhe exponho meus ressentimentos, minha raiva, amargura ou
hostilidade. Há, por outro lado, pouco ou nenhum risco em dizer a você
de meus sentimentos de gratidão e de amor.
Em primeiro lugar, estou certo de que o crescimento do verdadeiro
amor exige um compromisso de honestidade total entre os dois
parceiros. Eles devem concordar desde o início que as emoções
negativas serão tão bem-vindas ao diálogo quanto as emoções
positivas. Há um fato que devemos encarar para que não haja
obstáculos a este compromisso de honestidade total: quando não
compartilhamos no diálogo, só nos resta a alternativa de extravasar
estes sentimentos negativos de uma outra forma. Podemos extravasá-
los em nós mesmos (dores de cabeça, úlceras, etc.) ou no outro (longos
períodos de emburramento, pequenos jogos de ofensa, sonegação dos
sinais de afeto etc.), ou em pessoas que nada têm a ver com isso (gritar
com as crianças, ficar irritado com as pessoas no trabalho ou na escola,
etc.).
Em segundo lugar, devemos estar convencidos de que a expressão de
emoções negativas não é, de modo algum, um mau sinal, mas um
indício de saúde e vitalidade num relacionamento. A ausência de
tensões ou atritos é sempre um mau sinal: o relacionamento deve estar
morto ou agonizando. Onde há vida, há sempre alguma tensão
pulsando. Gibran diz que podemos nos esquecer facilmente daqueles
com quem rimos, mas nunca podemos nos esquecer daqueles com
quem choramos. É natural que todo relacionamento passe por crises.
Na verdade, elas são convites a nos elevarmos acima daqueles platôs
onde queremos permanecer para sempre. As crises são convites ao
crescimento, e aqueles que aceitam esses convites com coragem
encontrarão uma dimensão nova e estimulante na relação de amor.
Hoje em dia, mais e mais pessoas, educadas pelo mundo da
propaganda, são levadas a acreditar que a gratificação e o sucesso
imediatos são regras de vida. Assim, abandonam e quebram seus
compromissos amorosos sem nunca real mente testarem suas
habilidades de enfrentar problemas. Uma situação quase tão triste é
aquela em que as pessoas se recusam a ter crises porque não são
capazes de suportar as tensões dolorosas que fazem parte de um
relacionamento amoroso em crescimento. Melancolicamente, decidem
ficar naquela zona intermediária chamada "trégua''.
Entretanto, se você está realmente "comprando o que estou tentando
vender”, ficará claro que há muito pouco perigo de "superaquecimento
do motor" através da comunicação de emoções negativas. O que já foi
dito é que ninguém causa nossas emoções e que todos os outros
julgamentos, acusações e atribuições de responsabilidades não fazem
parte do verdadeiro diálogo. "Estou com raiva", diz o mestre na arte do
diálogo. "Estou com raiva porque você chegou atrasado. Sei muito bem
que esta raiva é simplesmente minha reação à situação por causa de
alguma coisa que está dentro de mim. Sei também que há outras
pessoas menos marcadas do que eu, que reagiriam de modo diferente,
talvez até com simpatia. Mas este sou eu neste momento de minha
vida. Estou com raiva e tenho até vontade de vingar. Tenho vontade de
fazer você passar por algum tipo de frustração ou desconforto, de fazer
você esperar por mim na esquina de uma rua solitária. É claro que não
farei isso. Minhas emoções não tomam decisões por mim. No entanto,
quero apenas que você saiba que é assim que estou me sentindo.
Percebo que estou cheio de raiva e desejo de vingança e quero que
você saiba disto porque quero que você me conheça".
uma pergunta que cura
Esta não é estritamente uma parte do diálogo, já que envolve
julgamentos e uma decisão, mas é algo quase mágico para fazer aflorar
e facilitar o diálogo. Trata-se de um simples pedido: "Me perdoa?" O
começo da maioria dos rompimentos que minam o amor e o diálogo se
origina no que chamei de um "espírito ferido". Por exemplo, falo com
você de uma certa maneira, ou digo alguma coisa que o machuca.
Posso perceber, ou não, os efeitos de minhas atitudes ou palavras sobre
você, mas o fato é que num grau maior ou menor, você fica arrasado.
Pode ser que você não me fale de sua dor, mas a desconte em mim.
Podemos, então, facilmente ficar presos num jogo de "acertar as
contas”, numa disputa mútua. Quando este processo se inicia, as vias
de comunicação se interrompem, o relacionamento está sangrando e há
uma grande necessidade de cura.
O que estou sugerindo é que a maioria dos relacionamentos enfermos
podem recuperar sua saúde quase milagrosamente por meio deste
pedido simples mas sincero: "Me perdoa?" Quando lhe pergunto isto,
não estou assumindo toda a culpa. Nem estou julgando quem está certo
e quem está errado. Estou simplesmente lhe pedindo que me aceite de
volta no seu amor, do qual fui afastado. Reconhecer a necessidade do
perdão é o meio mais efetivo de se curar espíritos feridos. Nenhum
relacionamento pode durar muito tempo se não soubermos fazer este
pedido.
a recompensa emocional pela perseverança
Já dissemos que qualquer traço de competição destrói uma relação
amorosa e a prática do diálogo. A atitude apropriada ao diálogo é a da
colaboração. Esta é uma postura que tem como certo o compromisso de
um parceiro com o outro, no amor; a disposição para carregar os fardos
um do outro e para compartilhar as alegrias de cada um. Perdemos dois
''Eus" para nos tornarmos somente um "Nós". Podemos lutar juntos
contra os desafios da vida. Algumas vezes vamos ganhar, outras vamos
perder, mas estaremos juntos. Esta sensação de "juntidade" pode ser a
consciência mais agradável e reconfortante que teremos. É a alegria de
alcançar algo juntos através da colaboração e da unidade.
Se a autoestima e a autocelebração são realmente o começo do amor e
a plenitude da vida, nós as alcançaremos juntos. Você olhará nos meus
olhos e verá neles a maior razão para a celebração do seu "eu"; nos
seus olhos, verei minha beleza e meu valor refletidos. Quero ser o
primeiro convidado para sua festa de autocelebração. E quero que você
venha à minha festa porque sem você, ela jamais poderia acontecer.
Onde existe tamanha unidade, a borboleta da felicidade não deve andar
longe.

CAPÍTULO SEIS
Se eu tivesse pouco tempo de vida, buscaria todas as pessoas a quem
realmente amei e faria com que soubessem o quanto as amei. Depois,
ouviria todos os discos de que mais gosto, e cantaria minhas canções
favoritas E ah! eu ia dançar. Ia dançar a noite toda.
Eu olharia para todos os meus céus azuis e sentiria o calor do sol. Diria
à lua e às estrelas como são lindas e encantadoras. Diria adeus a todas
as pequenas coisas que possuo, minhas roupas, meus livros e minhas
bugigangas. Então, agradeceria a Deus pelo imenso presente que é a
vida, e morreria em seus braços.
de um "Jornalzinho" de Colégio
exercícios de diálogo
depoimentos de transparência
Quando comecei a lecionar na "maior universidade particular" do
estado de Illinois, percebi um pouco do anonimato massificante sentido
pelos estudantes: uma ausência de identidade e de reconhecimento
como pessoa. Eu me perguntei o que poderia fazer para minimizar o
problema, e decidi que, no mínimo, deveria aprender o nome e o último
sobrenome de cada aluno. Assim, passei a levar uma câmara Polaroid
para a primeira aula de cada curso, pedindo a meus alunos que
posassem em grupos de seis e escrevessem seus nomes atrás das fotos.
À noite eu decorava todos os nomes e fisionomias.
Durante os poucos anos em que fiz isso, não percebi quantas coisas
mais eu poderia fazer. Havia nomes e rostos familiares, um clima de
relacionamento amigável, mas eu não conseguia conhecer as pessoas
por trás daqueles nomes e rostos.
Assim, tentei uma nova técnica para complementar o trabalho das
fotos. Pedi a cada aluno que escrevesse um "diário pessoal", escutando
e registrando seus sentimentos mais profundos em relação a vinte
tópicos que enumerei numa lista. O exercício era obrigatório, mas disse
aos meus alunos que não o leria se eles não quisessem. Eu não queria
confidência sob pressão. O resultado foi que quase todos se mostraram
desejosos ou até mesmo ansiosos para que eu lesse seus diários. Talvez
esta disposição para confiar em mim fosse uma resposta deles à minha
própria tentativa de abertura. Eu lhes havia dito, em sala, de meus
próprios sentimentos e respostas em relação aos vinte tópicos.
Transparência gera transparência. A abertura é contagiosa.
Estou certo de que os estudantes se beneficiaram muito com isto. O
inesperado foi o que aconteceu comigo. De repente, começaram a
tomar forma pessoas que combinavam com aqueles nomes e rostos:
conturbadas e tranquilas, simples e complicadas, misteriosas e
transparentes, tudo ao mesmo tempo. Eu havia dito aos meus alunos
sobre as transformações que resultam de experiências culminantes de
comunicação. E agora, tudo isso estava acontecendo comigo. Eu sabia
que jamais seria o mesmo outra vez, que jamais pensaria novamente
nos "meninos da universidade" como meninos. Muitos já haviam
suportado o peso de cargas adultas em suas vidas. Suas emoções
tinham cicatrizes deixadas por raivas intensas e violentas, por
depressões suicidas, e, acima de tudo, por medos paralisantes jamais
expressos diante dos olhares gelados das outras pessoas.
Nossa autoimagem e autoestima são influenciadas principalmente por
aqueles que estão mais perto de nós. Na sinceridade de seus diários, eu
havia me aproximado dos alunos e compartilhado de seus segredos.
Assim, eu sabia que precisava oferecer-lhes uma razão para que
aceitassem a si mesmos em paz e alegria e para que encontrassem um
bom motivo para a autocelebração. E isso eu poderia fazer através da
minha própria aceitação e do meu amor por eles.
Os diários pessoais resultaram, é claro, em várias amizades entre os
próprios alunos. Havia um clima de confidência e confiança mútua que
inevitavelmente levou a uma troca de diários. Um dos formandos me
perguntou se eu sabia que eles agora se conheciam bem, safam juntos e
que alguns haviam se tornado amigos íntimos. Sou muito grato por
poder contribuir para a vida e para a felicidade de meus alunos.
Lecionar é uma parte importante do meu "laboratório de vida", onde as
teorias e práticas sugeridas neste livro têm sido experimentadas e se
mostrado úteis, pelo menos para mim.
exercício 1
um inventário emocional
Seria bom iniciar este exercício de diálogo fazendo um inventário de
emoções a partir de nossa própria experiência. É muito importante
desenvolver uma consciência de nossas emoções. Não podemos
entendê-las de verdade ou compartilhá-las se não as reconhecermos em
nossa vida diária. A maioria das pessoas, quando começam a registrar e
relatar suas emoções, não percebem os vários tons e nuances de
sentimentos dos quais nós, humanos, somos capazes.
O que se segue é uma lista parcial (e incompleta) das emoções que uma
pessoa normal sente vez por outra. Este exercício de reconhecimento
foi elaborado para nos ajudar a checar nosso desempenho na
identificação e expressão dos sentimentos. Para isso, você deve copiar
o número ou o nome das emoções listadas à frente, examinando pelo
menos dez por dia.
Use a seguinte escala ao avaliar sua experiência:
nunca 1
raramente 2
ocasionalmente 3
frequentemente 4
muito frequentemente 5
a maioria das vezes 6
quase constantemente 7
Após o nome ou o número de cada emoção, indique com dois outros
números da escala acima:.a) a frequência com a qual você experimenta
esta emoção, e b) a frequência com a qual você relata esta experiência
para os outros. Pode haver uma variação em qualquer das frequências.
Por exemplo, pode ser que você se sinta "enraivecido" muito
frequentemente (5), mas que você manifeste tal sentimento apenas
raramente (2). Ou pode ser que a variação seja para o outro lado. Pode
ser que você se sinta "deprimido" ocasionalmente (3), mas fale sobre
isto muito frequentemente (5).
Importante: Depois de completar este inventário emocional, mostre-o
e comente sobre ele com seu parceiro de diálogo. Este inventário foi
elaborado como uma ajuda para a autorrevelação e um trampolim para
outros diálogos. Ao responder o questionário, você provavelmente terá
dúvidas sobre o significado ou descrição exata de muitas das emoções
da lista. Não é muito importante o que diz o dicionário. O que importa
é o significado e a interpretação que você dá às emoções. Assim, no
diálogo que virá após o preenchimento deste questionário, você deverá
explicar a sua interpretação para seu parceiro e o que certas palavras
significam para você. Sentir-se "enraivecido” pode significar uma coisa
para uma pessoa e ter um significado diferente para outra. Em vista
disto, a explicação é essencial. Este intercâmbio deve levar cada pessoa
a dar uma descrição mais completa das emoções sentidas e/ou
relatadas. Consulte as sugestões, dadas no capítulo anterior, sobre
"como falar" e "como ouvir" num diálogo efetivo. Tente, também,
descobrir as possíveis razões pelas quais você se sente assim,
localizando algo dentro de você e não culpando outras pessoas. Tente,
também, expressar as razões pelas quais você relata ou não este
sentimento. Acima de tudo, concentre-se em evitar "eu devo" e "eu
tenho que". Lembre-se que as emoções não precisam ser justificadas,
explicadas ou desculpadas. Não existe emoção moral ou imoral, nem
sentimento razoável ou despropositado.
Exemplo:
1. aceito 5 2
Interpretação do exemplo: Eu me sinto "aceito" muito frequentemente
(5), mas relato ou expresso este sentimento para os outros raramente
(2).
lista de checagem emocional
1. aceito
2. afetuoso
3. agitado
4. alarmado
5. alienado
6. amado
7. amável
8. ambivalente
9. ameaçado
10. amedrontado
11. amigável
12. amparado
13. ansioso
14. ansioso para agradar os outros
15. apaixonado
16. apático
17. apreciado
18. arrasado
19. arrependido
20. aterrorizado
21. atraente
22. autoconfiante
23. bem-humorado
24. bem-sucedido
25. bonito
26. calmo
27. cansado de viver
28. carente
29. carinhoso
30. censurado
31. cheio de amor
32. com vontade de chorar
33. com remorso
34. com pena de si mesmo
35. comovido
36. compadecido
37. competente
38. compreensivo
39. comprometido
40. confiante
41. confortável
42. confuso
43. contente
44. controlado
45. corajoso
46. covarde
47. criativo
48. cruel
49. cuidadoso
50. culpado
51. curioso
52. decepcionado
53. dependente
54. deprimido
55. derrotado
56. desajeitado
57. desamado
58. desanimado
59. desapontado consigo
60. desapontado com os outros
61. desconfiado
62. descontraído
63. descontrolado
64. desejoso de fugir
65. desesperado
66. desesperançado
67. desgastado
68. desligado
69. desorientado
70. desprezado
71. detestável
72. dissimulado
73. dividido -
74. dominado
75. dominador -
76. embaraçado
77. emburrado
78. empático
79. enciumado
80. enganado
81. enraivecido
82. envolvido
83. esgotado
84. esperançoso
85. estúpido
86. Eufórico
87. excitado sexual mente
88. excluído
89. falso
90. fatalista
91. fechado
92. feio
93. feliz
94. feminino
95. fiel
96. fingido
97. flexível
98. fracassado
99. fraco
100. fragilizado
101. frustrado
102. galanteador
103. generoso
104. genuíno
105. grato
106. gratificado
107. hipocondríaco
108. hipócrita
109. homicida
110. hostil
111. humilhado
112. ignorado
113. imobilizado
114. impaciente
115. inadequado
116. incapaz
117. incoerente
118. incompetente
119. incompreendido
120. inconstante
121. indeciso
122. independente
123. indiferente
124. indolente
125. inerte
126. inferior
127. influenciável
128. inibido
129. injustiçado
130. inquieto
131. inseguro
132. invejoso
133. irado
134. isolado
135. inútil'
136. jovial
137. julgador
138. leal
139. limitado
140. livre
141. magoado
142. maldoso
143. manipulado
144. manipulador
145. masculino
146. masoquista
147. medroso
148. melancólico
149. mentiroso
150. nervoso
151. otimista
152. orgulhoso de outra pessoa
153. orgulhoso de si mesmo
154. paranoico
155. passivo
156. pecador
157. perdedor
158. perplexo
159. perseguido
160. pesaroso
161. pessimista
162. possessivo
163. preconceituoso
164. preocupado
165. preocupado com os outros
166. pressionado
167. privado de alguma coisa
168. protetor
169. radiante
170. receptivo
171. recompensado
172. rejeitado
173. religioso
174. repelido
175. reprimido
176. repulsivo
177. rígido
178. sádico
179. satisfeito com as pessoas
180. satisfeito consigo mesmo
181. sedutor
182. seguro
183. sem amigos
184. sensível
185. sensual
186. sexualmente anormal
187. simpático
188. sincero
189. solitário
190. suicida
191. superficial
192. superior
193. teimoso
194. tímido
195. tolerante
196. tolhido
197. tolo
198. tranquilo
199. triste
200. usado
201. vaidoso
202. vencedor
203. vingativo
204. violento
205. vítima
206. vulnerável
 
nunca 1
raramente 2
ocasionalmente 3
frequentemente 4
muito frequentemente 5
a maioria das vezes 6
quase constantemente 7
 
exercício 2
escrevendo e trocando "diários pessoais"
A maioria de nós pensa que fala melhor do que escreve, o que pode ser
verdade, uma vez que falamos mais do que escrevemos. Entretanto, eu
gostaria de enfatizar a necessidade de escrever, especialmente no início
e durante períodos críticos de uma relação de amor.
Primeiro, quando escrevemos, corremos menos risco de sermos
interrompidos pelas técnicas de supressão. Uma face humana é capaz
de mil expressões, novecentas das quais podem ser interpretadas como
ameaçadoras. Uma página em branco tem apenas uma expressão, que
não costuma assustar ninguém. Segundo, quando você está indo ao
fundo de si mesmo, tentando encontrar as palavras certas para
expressar as emoções únicas de um momento que não se repetirá,
haverá, sem dúvida, pausas longas, meditativas. As pessoas em geral
não sabem esperar. A página espera. Ao contrário das pessoas, ela nada
mais tem a fazer.
Por fim, há vezes em que a vontade de dialogar não atinge os dois
parceiros ao mesmo tempo. Rapidamente promessas e boas intenções
tomam o lugar do diálogo, que se torna mais uma daquelas muitas
coisas que você pretendia praticar. Enquanto isso, sua vida amorosa
torna-se mais e mais insípida. Com o uso de diários, cada um dos
parceiros pode escolher a hora mais oportuna e escrever o quanto
quiser.
Iniciado na Espanha, o Encontro de Casais é um movimento que
promove o diálogo e a expressão dos sentimentos entre os casais. O
movimento tem sido bem recebido nos Estados Unidos. Durante o
Encontro, os casais são encorajados a se expressar em diversas áreas da
relação amorosa. A maioria dos participantes do Encontro tem
considerado esta prática de valor inestimável e insubstituível.
Diariamente, cada um dos parceiros escreve durante dez minutos no
seu diário, após os quais mais dez minutos são gastos na troca de
diários e no diálogo sobre o que foi escrito. A maioria dos casais
asseguram que este "hábito de 10/10" (dez minutos para escrever e dez
para compartilhar) garante um aprofundamento progressivo de
compreensão, aceitação e afeto. O amor e a felicidade que estes casais
exalam parecem reforçar o seu testemunho. Estou certo de que muitos
dos casais que conheci no movimento de Encontro de Casais
representam os casamentos mais harmoniosos e as pessoas mais felizes
que já conheci.
O Encontro é para as pessoas casadas, mas você não precisa ser casado
para experimentar o valor do diálogo. Assim, arranje um caderno de
anotações, uma caneta e comece agora a descobrir, junto com seu
parceiro, o que o diálogo pode significar numa relação de amor. Nas
páginas seguintes você encontrará 40 sugestões de tópicos para o
diálogo. É recomendável que você se ocupe de um por dia. Leia todas
as perguntas sugeridas. Depois, preste atenção às suas próprias
respostas e reações emocionais. Tente verbalizá-las tão vividamente
quanto possível em seu diário.
Algumas das linhas de reflexão sugeridas em cada tópico podem
parecer dirigidas mais para a mente do que para as emoções. Lembre-
se, no entanto, de que é o conteúdo emocional de sua resposta que se
torna único para você. É através da comunicação de suas emoções ou
sentimentos que você estará se comunicando da maneira mais efetiva
possível com o seu parceiro de diálogo. Finalmente, você poderá se
surpreender sentindo emoções contraditórias em relação a um mesmo
objeto ou pessoa. Cada um de nós é uma mistura única de tais emoções
desencontradas e ambivalentes. Sentimos amor e ressentimento, certeza
e dúvida, alegria e tristeza, esperança e desespero nascendo em nós
simultaneamente. Ao tentar verbalizar seus sentimentos em cada item
do diário, esteja pronto para acolher tais sentimentos ambivalentes a
respeito de um mesmo tópico.
tópicos para o diálogo
1
mensagens transmitidas pelos pais
Quais foram as mensagens mais fortes gravadas em você durante sua
infância e que ainda influenciam seu comportamento e suas atitudes
presentes? Não é necessário lembrar-se de nenhuma palavra especial
ou afirmações formais feitas a você. Um exemplo é mais eloquente que
várias palavras. Você saberá quais são as mensagens mais fortes e
influentes a partir dos padrões, impulsos e inibições emocionais que
você experimenta atualmente. O que lhe disseram seus pais (e outras
pessoas influentes) a respeito de: a) Você e seu valor? b) Outras
pessoas: Pode-se confiar nelas? Elas são boas? Você deve tomar
cuidado com elas? c) Vida: Para que serve a vida? Para conquistar
alguma coisa? Para trabalhar duro? Para se ter segurança? Depois de
registrar estas mensagens, escute e relate suas reações emocionais.
Você sente simpatia, ressentimento ou pena de seus pais e de outras
pessoas que lhe transmitiram estas mensagens?

2
a criança em mim
A criança em nós se localiza no conjunto de respostas aos
acontecimentos dos cinco primeiros anos de nossa vida, que gravamos
e guardamos desde então. Uma vez que a maioria das respostas nesta
idade se encontra num nível de sentimento, a criança é nosso depósito
emocional, a nossa parte onde todas as emoções residem, desde a
alegria até o desespero. As outras pessoas podem estimulá-las, mas não
fazer com que elas nasçam em nós. Escute bem a "sua criança" e tente
descrever tão vividamente quando possível suas emoções
predominantes. Estas emoções acumuladas e armazenadas nos seus
primeiros cinco anos podem ser reconhecidas através de suas reações
emocionais mais consistentes. Por exemplo, a sua criança se sente
rejeitada, solitária, interiorizada? Algumas vezes ela se mostra alegre,
exuberante, criativa, extravagante? Ela gosta de cantar e dançar? Ela é
livre o bastante para fazer coisas inofensivas, mas excêntricas? Ela se
sente perseguida ou vigiada? Ela tem muita raiva acumulada? Na
maioria das vezes, ela se sente segura ou insegura, confortável ou
desconfortável?

3
o passado
Você tem lembranças agradáveis do seu passado? Ou você teme que ele
um dia retorne com todos os seus fantasmas para assombrá-lo? A
lembrança de derrotas ou culpas passadas põe em risco a confiança que
você está tentando adquirir agora? O fato de ter sido rico, pobre ou da
classe-média, de pertencer a um determinado grupo étnico — será que
isso lhe desperta sentimentos agora? Como você se sentiria se voltasse
ao seu antigo bairro ou visse seus amigos de escola agora? Você sente
alguma vontade de mostrar-lhes o que você é neste momento? É
agradável ou desagradável falar a respeito (compartilhar) de seu
passado com aqueles que lhe são mais próximos agora? Você gosta de
ressuscitar ou prefere enterrar seu passado? Levando tudo isso em
conta, quando pensa sobre seu passado, você se sente privilegiado ou
frustrado, grato ou ressentido?

4
você em dois adjetivos
Se lhe perguntassem "Quem é você?" para que respondesse usando dois
adjetivos descritivos ao invés de seu nome, quais você escolheria?
Quais são os dois adjetivos que captam melhor o seu verdadeiro eu e os
traços dominantes de sua personalidade neste momento de sua vida?
Depois de escolhê-los, descreva em detalhes vividos o que cada um
deles significa para você. (Pode ser também interessante selecionar
dois adjetivos que você considera adequados para descrever seu
parceiro de diálogo e pedir a ele que escolha dois adjetivos que melhor
lhe representem. É estimulante, após termos observado e escutado a
nós mesmos, saber como os outros nos veem e escutam).

5
autobiografia em dez afirmações
Se uma outra pessoa quisesse conhecer a fundo seu verdadeiro eu,
quais as dez coisas mais essenciais que ela teria que saber a seu
respeito? Nestas dez afirmativas não inclua quaisquer fatos externos
que sejam visíveis para todos que o conhecem. De preferência, elas
devem revelar a pessoa sob as roupas e papéis que desempenha, a sua
realidade mais profunda em oposição à sua aparência superficial. Por
exemplo, "Sempre tive medo do sexo oposto... O ponto crucial na
minha vida foi a morte de minha mãe..." Apesar de cada sentença
expressar um sentido claro e completo, é óbvio que este significado
terá que ser ampliado no diálogo quando os cadernos de anotação
forem trocados.

6
seu obituário
Geralmente dizemos uma série de coisas boas a respeito das pessoas só
depois que morrem. Jamais dizemos coisas agradáveis a respeito de nós
mesmos, pelo menos não de maneira explícita. No seu ''obituário
antecipado", tenha a coragem de verbalizar tudo de bom, decente e
agradável que você tem. Se você fosse morrer agora, como iria resumir
sua vida e sua pessoa? Não use a fórmula usual de "quem — o quê —
onde — quando." Tente descrever quem você realmente foi, sua maior
realização, sua virtude mais constante, a coisa mais diferente a seu
respeito, sua qualidade mais cativante, sua maior habilidade, e a coisa
pela qual você será sempre lembrado. Finalmente, ao término de seu
obituário, componha um epitáfio para ser inscrito no seu túmulo, que
resumiria tudo isso. "Aqui jaz..."

7
a maior necessidade emocionai
No desenvolvimento da personalidade humana, o não atendimento de
necessidades, especialmente nos estágios iniciais da vida, pode deixar
um vazio que tentamos preencher pelo resto de nossa existência. De
uma certa maneira, qualquer um poderia dizer honestamente que sua
maior necessidade emocional é o amor de outra pessoa. Entretanto, o
amor pergunta: "O que você precisa que eu faça, que eu seja para
você?" É certo que nossas necessidades mudam dia a dia, mas qual é a
resposta geral que você daria a uma pessoa que lhe perguntasse num
ato de amor: "O que você precisa que eu faça, que eu seja para você?"

8
três experiências de humilhação
Relate em seu diário três experiências ou incidentes, um de sua
infância, um de sua adolescência e um de sua vida adulta, nos quais
você se sentiu subjugado, magoado, humilhado. Descreva o incidente
em detalhes, e, em especial, seus sentimentos, naquele momento.
(Compartilhar tais experiências produz um incrível efeito de "abertura"
entre os parceiros de diálogo. Compartilhar antigas mágoas e carências
remove, de alguma forma, os véus de nossa máscara e nossa pretensa
autossuficiência. £ uma maneira eloquente de dizer: "Você não precisa
ter medo de mim. O garotinho que ficou chorando sozinho no pátio da
escola ainda está dentro de mim. Eu preciso de você." Nada é mais
reconfortante para um parceiro de diálogo hesitante e medroso do que
saber que o outro viveu estas experiências).
9.
o desempenho de papéis
Cada um de nós quer ser reconhecido como um indivíduo e encontrar
um sentido de valor pessoal único. Cedo na vida escolhemos um papel
a ser desempenhado para sermos notados e apreciados por nossos pais.
Se um dado papel já tiver sido escolhido por um irmão ou irmã mais
velha, geralmente procuramos uma outra posição. Por exemplo, se
minha irmã mais velha é "o cérebro" e meu irmão é "o bonitão", terei
que me especializar em alguma outra coisa. Posso ser o filho
"engraçado" ou "religioso". No caso de uma pessoa achar que não tem
qualidades ou talentos que a tornem única, ela pode escolher o caminho
da chamada "identidade negativa", o papel do causador de problemas.
Ela terá seu reconhecimento ou será "marcada" como aquela que tira a
paz de todo mundo. É claro que estas identidades mudam ao longo da
vida, mas é importante reconhecer e compartilhar nossa tendência
atual. Por mais admirável que uma "identidade" possa ser, ela é sempre
um obstáculo à comunicação completa. Por exemplo, se minha
identidade é a de ser um "ajudador", vou tentar conseguir meu sentido
de valor pessoal e suporte emocional a partir desta identidade. Como
consequência, vou "selecionar" minha comunicação de modo a
representar sempre o papel de ajudador diante do ajudado. Não lhe
direi sobre minhas carências, nem lhe pedirei ajuda porque isto seria
uma inversão de papéis, estaria colocando em risco minha identidade e
ameaçando meu senso de valor pessoal. Qual é o papel que você
desempenha? Como consequência, o que você acha mais difícil de
compartilhar?

10
ser amado
Se alguém de sinceridade inquestionável e bom discernimento dissesse,
"Eu te amo", como você reagiria interiormente? Você é capaz de
aceitar o amor com alegria? Você se entrega à felicidade de ser amado
sem suspeita de estar sendo enganado ou medo de ser rejeitado no
futuro? Você se sente livre para ser você mesmo com alguém que o
ama, ou toma um cuidado extra para não desapontar a pessoa e perder
seu amor?

11
a emoção recente mais forte
Nos últimos seis ou doze meses, qual foi a sua emoção mais intensa e
mais profunda? Se foram várias, escolha qualquer uma. Registre alguns
aspectos da ocasião e das circunstâncias que lhe serviram de estímulo.
Descreva, acima de tudo, o sentimento tão vividamente quanto
possível, de maneira que seu parceiro de diálogo possa experimentá-lo
com você.

12
autoconhecimento
Como você se sente a respeito do autoconhecimento? Você gosta de
fazer testes psicológicos ou de analisar sua grafia? Como você se
sentiria se um psiquiatra se oferecesse para injetar-lhe um "soro da
verdade" e para gravar suas respostas a perguntas minuciosas sobre
você mesmo, seus sentimentos, motivações e desejos verdadeiros? Suas
emoções quanto a isto são ambivalentes, em parte curiosas e em parte
temerosas do que você possa descobrir a seu respeito?

13
sentimentos dirigidos a você mesmo
Em uma escala de 1 (mais baixo) a 10 (mais alto), classificando os
seres humanos que você conhece, onde você se classificaria? Para
lembrar-se de seus sentimentos mais habituais e verdadeiros acerca de
você mesmo, sugiro o seguinte: feche os olhos por um minuto e tente
se ver entrando por uma porta, encontrando um grupo de pessoas e se
relacionando com elas. Observe e escute a si mesmo. Observe sua
reação típica quando lhe pedem um favor, quando riem de você,
quando o elogiam, quando o criticam. Você gosta ou não da pessoa que
esteve observando? Como você a compara às outras? Ela é digna de
pena por alguma razão? Há alguma pergunta que você desejaria fazer a
ela? Você gostaria desta pessoa como amigo? Ela parece ser
compreendida ou mal compreendida, apreciada ou não pelas outras?
Depois de identificar seus sentimentos por esta pessoa, registre sua
reação emocional a estes sentimentos. Por exemplo, gostei de mim,
mas me senti embaraçado ao reconhecer isto. Ou não gostei de mim e
isto me fez sentir desanimado.

14
roupa
É costume dizer-se que toda roupa comunica alguma coisa. Estamos
dizendo e revelando algo a nosso respeito através das cores e estilos de
roupa que escolhemos. O que você está dizendo com suas roupas? Você
adota a última moda, as roupas do tipo "in" porque você se sente
obrigado a ser como os outros ou por puro prazer? Você escolhe e usa
seu tipo de roupa mais para agradar a você mesmo, a alguém mais, ou
às outras pessoas em geral? Você tende a ser mais conservador ou
extravagante? As roupas para você devem ser mais funcionais ou
decorativas? Você gostaria que as pessoas olhassem para você por
causa de suas roupas atraentes, ou isso o deixaria constrangido? Em
geral, que sentimentos afloram em você quando pensa em roupas e nas
mensagens que está transmitindo através delas?

15
corpo
Na última vez que você se postou nu diante de um espelho de corpo
inteiro, quais foram suas reações? Você sentiu-se gratificado ou
embaraçado com a visão de seu corpo? O que é mais importante para
você, a saúde ou a aparência do seu corpo? Você faria uma dieta
radical, possivelmente prejudicial à sua saúde, se soubesse que isso
melhoraria em muito sua aparência? O que você sente quando percebe
que alguém está olhando para o seu corpo? Quais as suas
características físicas que você mais aprecia e aquelas que menos
aprecia? Qual parte ou órgão do seu corpo é mais susceptível à doença?
Qual é sua reação emocional habitual ao ver fotos suas? Como você se
sente a respeito do contato físico? Você se sente bem ou mal ao ser
tocado? Você é do tipo que toca as pessoas? Em caso afirmativo, o que
você acha que está tentando dizer com seus toques?

16
sexualidade
Você se sente confortável ou desconfortável com o seu sexo? Quais
foram seus sentimentos quando viu que este era o próximo tópico de
seu diário? Você se sente perturbado por sentimentos e fantasias
sexuais, ou consegue aceitá-los como uma parte saudável, natural e boa
de sua natureza humana? O que significa emocionalmente para você
ser um homem/uma mulher? Você se sente seguro(a) em sua
masculinidade/feminilidade? Ou você sente necessidade de "afirmar-
se"? Você vive sua sexualidade de maneira coerente com seus valores
sexuais? Em sua mente e em seu coração, amor e sexualidade são
inseparáveis?

17
fraqueza
Até que ponto você se sente confortável com sua condição humana de
fraqueza? Até que ponto você sente um ímpeto de racionalizar e
justificar seus erros? Você fica embaraçado ou irritado ao ser
surpreendido em alguma forma de erro? Como você se sente a respeito
das fraquezas inegáveis do seu passado? Você tem medo de falhas
futuras? O reaparecimento de fraquezas o surpreende? O que é mais
difícil aceitar em si mesmo: fraquezas psicológicas (medos,
complexos) ou morais (pecados)? Que fraquezas específicas, por
exemplo, timidez, explosões emocionais, comida e bebida em excesso,
etc., lhe causam mais desconforto emocional? Você acha mais fácil
perdoar as fraquezas dos outros ou as suas?

18
uma mudança em você mesmo
Qual é a sua maior limitação no contato com as pessoas? Qual é o
maior obstáculo para a autoaceitação, autoestima e autocelebração?
Qual a limitação que você mais se esforça para esconder das pessoas?
Pense na mudança que você mais gostaria de fazer em si mesmo. Seria
a mesma escolhida pelas pessoas mais próximas? Que sentimentos
surgem em você quando pensa na característica ou limitação que
gostaria de mudar? Você tem alguma sensação de derrota por não ter
ainda realizado esta mudança? Que obstáculos estariam impedindo esta
mudança?

19
posses
Quando você leu a palavra "posses", você pensou primeiro em coisas
materiais ou em qualidades e habilidades pessoais? Em termos de suas
reações emocionais, as suas riquezas estão dentro ou fora de você? De
todas as suas posses materiais, a qual você se sente mais apegado? Se
houvesse um incêndio em sua casa, o que você salvaria do fogo em
primeiro lugar? Descreva seus sentimentos a respeito deste objeto e
tente explicar por que está tão apegado a ele. Você já sentiu alguma vez
que suas posses materiais são uma extensão de si mesmo, como um
reforço àquilo que você é? Como você se sente ao mostrar sua casa ou
suas posses às pessoas? Você já sentiu um conflito de valor entre
pessoas e coisas? Quando você é apresentado a pessoas de condição
financeira melhor que a sua, os seus sentimentos são os mesmos que
quando você conhece pessoas de um nível econômico igual ou pior que
o seu? Das suas habilidades pessoais, em qual você confia mais, qual
lhe agrada mais, e qual você mais detestaria perder?

20
minhas coisas versus suas coisas
(Esta questão diz respeito às atitudes mútuas dos parceiros de diálogo).
A maioria dos meus sentimentos a respeito de nossas habilidades estão
associados a competição ou a colaboração? Sinto que estou sempre em
vantagem? Sinto-me envolvido em uma disputa ou em uma união de
talentos? É mais importante para mim sair como vencedor ou realizar
alguma coisa junto com você? Reconhecemos "áreas de competência"
de cada um, mas competimos em outras áreas? Após termos discordado
em algum assunto, quais são os meus sentimentos quando concluímos
que eu estava certo? E quando você é que estava certo? Eu me alegro
de verdade com suas conquistas ou sinto também inveja e medo de que
seus sucessos possam obscurecer os meus? Será que o sexo de cada um
(masculino/feminino) afeta estes sentimentos de competição e
cooperação?

21
as fontes da maior satisfação
O prazer é certamente uma parte essencial da plenitude da vida.
Entretanto, cada pessoa obtém prazer de suas próprias fontes especiais:
fazer uma caminhada, ler um livro, arrumar a escrivaninha, praticar um
esporte, tocar um instrumento musical, conversar com um amigo, etc.
Há uma sensação de paz ao fim de um "dia perfeito”, pleno de todas
aquelas fontes especiais de gratificação. Descreva sua ideia de um dia
perfeito e os sentimentos associados a este dia. A realização de uma
tarefa ou um trabalho é mais satisfatória para você que um encontro
agradável com outra pessoa? O seu dia perfeito é preenchido, na
maioria das vezes, por coisas, ideias ou pessoas?

22
atitude fundamental diante das pessoas
Quais são suas reações iniciais ao encontrar pessoas pela primeira vez?
Você espera gostar de todas até que alguma evidência em contrário
exclua algumas, ou você espera gostar apenas de umas poucas que
sobrevivam a um exame cauteloso? Você é guiado mais por seu
coração ou por sua cabeça ao relacionar-se com elas? Descreva como
você se sente ao entrar em uma sala cheia de pessoas estranhas. Você
se entusiasma de início com as pessoas, mas depois sente-se magoado e
desapontado ao descobrir que elas têm falhas e limitações reais? Ou
você é bastante cético de início e sua apreciação por elas aumenta aos
poucos? Como você se sente sendo como é diante das pessoas?

23
intimidade
Você se sente à vontade ou não com a perspectiva de estar muito
próximo de outra pessoa, de conhecer e tornar-se conhecido
inteiramente por ela? A intimidade tem aspectos ameaçadores para
todos. O que lhe daria mais medo em uma situação de intimidade?
Você acha mais fácil tornar-se íntimo dos familiares ou de pessoas que
não são da família? Até que ponto os amigos são importantes em sua
vida? Se você tivesse que se mudar de cidade, quanto lhe afetaria a
perda da presença dos amigos? Você se sente mais inclinado a
expressar seu amor pelas pessoas através de um compartilhar pessoal e
profundo ou fazendo coisas por elas? Você já fez algum investimento
emocional considerável em relações de amizade? Como você se sente
quanto às suas atitudes atuais diante da intimidade com as pessoas? Se
você tivesse que chamar alguém no meio da noite em uma emergência,
quem você chamaria e por que?

24
responsabilidade
Você sente uma compulsão de ajudar as pessoas, mesmo além dos
limites razoáveis? Seu senso de responsabilidade está associado a um
julgamento prudente de suas capacidades? Você se sente responsável
por problemas sociais maiores, como favelas, aumento da
criminalidade, serviços de saúde, doenças mentais? Você se sente
obrigado a se envolver politicamente? Você às vezes se sente culpado
por não conseguir se envolver mais? Você pensa que não tem poder
para resolver alguns problemas e, por isto, sente-se aliviado de
qualquer responsabilidade? Muitas ou poucas pessoas confiam seus
problemas a você? Como você interpreta isto? O que isto lhe diz a seu
próprio respeito? Que sentimentos isto lhe provoca?

25
fontes de apoio emocional
Alguns estudos mostram que as pessoas com um senso maior de
responsabilidade têm uma necessidade maior de apoio emocional por
parte de outras pessoas. Por outro lado, têm também dificuldades em
aceitar esse apoio. Classifique e descreva a sua pessoa, seus
sentimentos e inclinações diante desta afirmação.

26
a necessidade de outras pessoas
Em termos emocionais, é satisfatório ou humilhante para você precisar
de outras pessoas, ter que pedir ajuda? Quando auxiliado, você sente
um ímpeto de retribuir, de "equilibrar e balança" o mais rápido
possível? Você consegue compreender que deixar que as pessoas o
ajudem é um modo de amá-las? Há problemas específicos para os quais
você tem dificuldades emocionais em pedir ou aceitar ajuda? Você
consegue falar facilmente a respeito de seus problemas com outra
pessoa? Você consegue pedir e aceitar ajuda sob a forma de atenção?

27
privacidade
Existem áreas em sua vida em volta das quais você prefere que haja
uma barreira? Quando lhe perguntam por onde você anda, suas
atividades, etc., você sente como se estivesse sendo "fiscalizado",
invadido ou de certa maneira ameaçado? Você sente "claustrofobia
psicológica" quando pressionado ou exposto às pessoas? Você tem
técnicas especiais para defender sua privacidade, por exemplo, fazer
graça, mudar de assunto, dar respostas vagas e abstratas? Quais são
seus motivos para desejar privacidade? Será isto um hábito aprendido
com a família, ou uma necessidade resultante de sentimentos de culpa?
Ou talvez um medo de ficar vulnerável ao se tornar conhecido?

28
diálogo
De maneira geral, suas emoções aproximam ou afastam você do
diálogo? Em que aspectos você poderia ser ameaçado pelo diálogo? O
que você tem a perder? O diálogo representa um risco especial para
você? Qual é a sua necessidade em relação ao diálogo? Que
necessidades emocionais poderiam ser preenchidas com o diálogo? Até
que ponto a autodisciplina necessária ao diálogo diário afeta sua
avaliação dessa atividade? Como você compara sua atitude em relação
ao diálogo com a de seu parceiro? Alguma emoção especial resulta
desta comparação?

29
compromissos
O amor verdadeiro é uma decisão de compromisso com a satisfação,
segurança e desenvolvimento de uma outra pessoa. Feito este
compromisso, a grande questão é: você será fiel porque tem que ou
porque quer? Como você se sente em relação a compromissos já
tomados? Há mais ocorrências de um triste "tenho que" ou de um
alegre "quero"? Como você se sente ao chegar ao início de um novo e
possível compromisso? Você tem medo de estar assumindo alguma
coisa irrevogável, de estar entrando em algo e não ser capaz de sair?
Seus compromissos sempre resultam na sensação de "areia movediça"?
Quando as coisas vão mal em seu relacionamento, você se sente
desencorajado e impelido a desistir, ou mais determinado e estimulado
pelo desafio? Você sente que saiu da trilha certa e enveredou por um
caminho errado em algum ponto de sua vida por causa de seus
compromissos?

30
figuras de autoridade
Onde quer que estejamos, não importa a nossa idade, há sempre figuras
de autoridade à nossa volta: o professor cobrando o exercício de casa,
o chefe conferindo nosso trabalho, o policial nos mandando parar o
carro, etc. Há duas reações básicas diante de autoridades e que têm
sérias implicações emocionais. A primeira é aquela da pessoa que
tende a ser conformista e tenta agradar às pessoas que detêm a
autoridade. Ela tem medo do conflito e evita ter problemas. Prefere a
lei e a ordem, é cuidadosa ao usar os códigos postais e manda seus
cartões de Natal com antecedência. Ela encontra satisfação em fazer
sempre "a coisa certa". A outra reação básica é aquela do rebelde.
Quaisquer símbolos de autoridade provocam-lhe uma descarga de
adrenalina. Os que têm poder estão sempre errados: o presidente, o
papa, o prefeito, o diretor da escola, etc.. Todos eles estão associados a
más notícias. Os chefes nunca são razoáveis e os professores são
injustos. A Criança do conformista é predominantemente dócil, sempre
procurando estar OK e ser aprovada. A Criança do rebelde é zangada,
revelando com isso as primeiras influências dos pais, que reaparecem
em qualquer figura de autoridade: ''Você não está O.K. Você me
magoou, e vai pagar caro por isto!" É claro que há milhares de
variações destas duas pessoas e posições. Verifique e descreva o padrão
de suas reações emocionais diante de figuras de autoridade.

31
a emoção mais difícil de compartilhar
Às vezes nós nos permitimos experimentar emoções (não as
reprimimos), mas não conseguimos admitir ou expressar essas emoções
para outras pessoas. Esta inibição tem sua origem provavelmente em
nossa programação, em algum conflito de valores ou em um medo de
que as pessoas não nos compreendam. Talvez nossa sociedade ou o
grupo ao qual pertencemos tenha rejeitado certas emoções, como sentir
pena de si mesmo ou sentir ciúme. Na maioria das vezes, os homens
são incapazes de admitir medo ou expressar ternura. As mulheres
relutam, com frequência, em expressar hostilidade ou inveja. Descreva
a emoção que você sente mais dificuldade em admitir e expressar, e, se
você conseguir localizá-las, as razões de tal dificuldade. Por exemplo,
eu tenho grande dificuldade em admitir medo porque meu pai me disse
que um homem de verdade não sente medo.

32
Deus
Que emoções o pensamento de "Deus" estimula em você? Em geral,
você se sente uma criança no colo de seu pai, um aluno em sala de
aula, um devedor diante de seu credor, um escravo perante o dono? A
que o pensamento de Deus está associado para você: segurança?
repreensão? medo? apoio? consolo? libertação? inibição? Se Deus
tivesse um rosto, que tipo de olhar ele teria? Descreva este olhar. O que
Deus está lhe dizendo? Você já teve raiva de Deus alguma vez — uma
emoção perfeitamente legítima — por não lhe conceder um favor ou
por tomar-lhe algum ente querido? Você já se sentiu separado, distante
ou apartado de Deus? Qual é sua reação emocional quanto a conversas
teológicas a respeita de Deus? Será que estes sentimentos refletem
outros sentimentos mais profundos em você? Quais foram seus
sentimentos na época de sua vida em que Deus lhe pareceu mais
"real"?

33
pais
Todas as pessoas têm dentro de si toda uma gama de emoções dirigidas
ao pai e à mãe, desde a afeição mais suave até o ressentimento mais
amargo. No entanto, esta é uma área na qual todos recebemos uma
programação psicológica cuidadosamente supervisionada. Nossas
atitudes foram modeladas por nossos pais e por outras pessoas. Como
consequência, tendemos a censurar nossos sentimentos para com
nossas mães e pais, especialmente se um deles estiver morto. Descreva
aqui suas reações emocionais mais básicas em relação a seu pai e sua
mãe. Lembre-se que emoções negativas não são uma condenação de
seus pais. Seus sentimentos são o resultado não do que eles disseram,
mas apenas do que você escutou. Seu pai ou sua mãe foi/é tanto um
amigo e confidente quanto um pai ou uma mãe para você? Que
sentimentos esta última pergunta e sua resposta provocaram em você?

34
família
Tente verbalizar a mensagem mais fundamental que você já ouviu de
seus familiares mais próximos sobre você e sobre seu relacionamento
com eles. É uma mensagem de aceitação ou mera tolerância, afeto ou
desafeto, desejo de estar mais próximo ou mais distante, de admiração
ou de reprovação? Lembre-se, mais uma vez, você está verbalizando
apenas o que escutou. Por isso, você não precisa de uma razão, prova
ou desculpa. Isto é o que você ouviu e estes são seus sentimentos. Após
verbalizar as reações e mensagens de sua família para você, tente
verbalizar seus sentimentos para com sua família da mesma maneira.

35
metas
Nenhuma vida é completa sem uma razão ou motivação, sem alguma
coisa ou alguém para se amar. Quais são as suas metas e sua tarefa na
vida neste momento? Você fez algum investimento emocional profundo
na direção destas metas ou elas servem apenas para “consumo
externo", mais assunto para conversa do que um estilo de vida? Na sua
escala emocional, quais são as cinco coisas mais importantes na vida e
pelas quais vale a pena trabalhar? A sua ocupação principal, aquilo que
mais lhe requer tempo e energia, reflete suas prioridades na vida? Você
gasta a maior parte de seu tempo e energia em algo que você sente ser
importante e valioso? Como você se sente em relação a isso?

36
ciclos vitais
A vida é um ciclo de morte e ressurreição. Em todo momento há uma
morte, um abandono do que já foi, e um nascimento, um passo em
direção àquilo que é e vai ser. Estamos sempre deixando coisas para
trás: o calor do ventre de nossa mãe, o status privilegiado de criança,
os brinquedos da infância, as alegrias irresponsáveis da juventude, a
proteção da família e o status de dependente, empregos, lugares, etc. E,
ao final, perdemos gradual mente nossa força física, nossos dentes,
nossa visão e audição. Há uma tensão emocional constante na maioria
das pessoas entre querer voltar e recuperar o que já se foi e um ímpeto
de abraçar o novo. Descreva seus sentimentos de tristeza, medo,
esperança, expectativa, etc. Ao atravessar estes estágios inevitáveis,
você se sente na maior parte das vezes corajoso ou amedrontado, alegre
ou triste, um amante dos "bons velhos tempos" ou esperançoso de que
o melhor ainda está por vir?

37
o futuro
Descreva sua reação emocional predominante com relação ao futuro.
Você anseia por ele ou teme suas incertezas? Você se apavora com as
coisas que lhe parecem inevitáveis? Calcule o melhor que puder onde
você estará e o que estará fazendo em cinco anos, em dez anos. Esta
perspectiva lhe parece assustadora, enfadonha, aterrorizante ou
encantadora? O que você sente quanto a quem decidirá seu futuro?
Você sente que está no controle de sua vida? Você espera determinar
seu próprio futuro? Ou você tem sentimentos fatalistas de que "a sorte"
boa ou má decidirá, em grande parte, seu destino e seu futuro?

38
o envelhecimento
O que você sente quando alguém lhe pergunta quantos anos você tem?
Que idade você gostaria de ter? Alguém já disse que "o pessimista vê
uma dificuldade em todas as oportunidades, e o otimista vê uma
oportunidade em todas as dificuldades". Envelhecer lhe parece uma
dificuldade, ou você vê uma oportunidade nisso? Robert Browning
escreveu: "Envelheça junto comigo!/O melhor ainda está por vir,/ O
fim da vida, para o qual o começo foi feito...". Que sensações estas
linhas lhe provocam? Quando você vê pessoas idosas, quais são seus
sentimentos por elas? Que sensações elas lhe provocam quanto à
perspectiva de seu próprio envelhecimento?

39
dor e sofrimento
A maioria das pessoas suporta melhor um tipo de dor ou sofrimento do
que outro. Quais formas de dor ou sofrimento são mais difíceis para
você? Por que? Há alguma dor ou sofrimento pelo qual você nutre
pavor ou mesmo fobia? Qual é o sofrimento mais frequente em sua
vida? Intelectualmente, sabemos que o sofrimento pode ser muito
proveitoso e até que alguns sofrimentos passados já nos trouxeram
grandes bênçãos. Você já se sentiu grato ou receptivo em meio ao
sofrimento? Se alguém pudesse lhe oferecer uma pílula cujo efeito
fosse eliminar o sofrimento para o resto de sua vida, você a tomaria?
Por que sim ou por que não? Você daria tal pílula àqueles que você
ama? Você sente alguma urgência interna em eliminar todo o
sofrimento de sua vida e das vidas daqueles que você ama? Você
experimenta alguma satisfação ao ver uma pessoa lutando? Você tem
esperança de que ela se torne uma pessoa melhor? Qual dor ou
sofrimento no último ano o afetou mais profundamente?

40
morte
Na sua imaginação, veja-se em seu leito de morte. O médico diz que
agora é uma questão de horas. Como você se sentiria? Descreva
quaisquer medos, arrependimentos, alegrias, sensações de paz, pânico
ou esperança que poderia experimentar. Se você estivesse
completamente consciente e lúcido, o que faria com estas últimas horas
de vida? Num outro exercício de imaginação, tente se visualizar num
consultório médico, recebendo o diagnóstico de uma doença terminal,
com meses ou talvez um ou dois anos de vida. Descreva sua reação
emocional. Diz-se que todos nós negamos nossa mortalidade, que
fingimos que não vamos morrer. Você reprime ou evita o pensamento
da morte? Você pensa raramente, algumas vezes, ou sempre a respeito
de sua morte? Quais foram suas emoções mais profundas diante da
perda de um ente querido? Você acha difícil a confrontação com a
morte em velórios? O que lhe incomoda mais? Você sente que "tem
que" ou gostaria de dizer algo à família enlutada para ajudar a suportar
a perda? Você preferiria que a pessoa que você mais ama no mundo
morresse antes ou depois de você? O pensamento ou crença numa vida
depois da morte influencia ativamente suas reações emocionais diante
da morte?
exercício 3
tópicos para exercícios diários de "dez e dez"
Como um incentivo final para um diálogo permanente, gostaria de
deixar-lhe uma lista de tópicos para o diálogo do dia-a-dia. Considero
os quarenta tópicos da seção anterior como o "material essencial" para
a autorrevelação. Num diálogo permanente, eles deveriam ser revistos
a cada ano, uma vez que as reações e padrões emocionais mudam à
medida que reformulamos nossas prioridades e revemos nossos
preconceitos. Entretanto, a vida é repleta de muitos outros momentos
maravilhosos, divertidos e traumáticos. As perguntas que se seguem
tentam capturar alguns deles, mas a lista jamais será completa. Você
pensará em muitos outros. Por último, lembre-se que qualquer coisa
que cause reações emocionais é um bom tópico para o diálogo. Ao
entrar cada vez mais em contato com suas emoções, sua lista pessoal
desses tópicos preencherá muitos cadernos. Por ora, examine estes e
escolha os que mais ressoam emocionalmente em você. Cada parceiro
deve refletir e escrever por dez minutos, para depois compartilhar e
dialogar durante dez minutos sobre o que foi escrito.
como me sinto quando
... você me surpreende com algo agradável?
... você parece gostar de mim?
... você ri de minhas graças?
... penso no que nossas crianças estão se tornando?
... penso que você não está atento às minhas necessidades?
... faço um erro e você o aponta?
... você me segura em seus braços?
... nossas rotinas ou interesses diferentes nos separam?
... me atraso e você tem que me esperar?
... você se atrasa e eu tenho que esperar?
... você está muito interessado em alguma coisa que não posso
compartilhar com você?
... tento convencê-lo de algo e você não aceita?
... você parece estar rejeitando meus sentimentos?
... você me elogia ou me cumprimenta?
... quando me deparo com ou imagino aquilo que mais temo?
... penso que você está me julgando?
... você fica com muita raiva de mim?
... penso em rezar com você?
... você faz um sacrifício por mim?
... as pessoas notam nossa proximidade?
... nós nos apresentamos como um casal e não apenas como indivíduos
isolados?
... penso que você me ama?
... você parece aborrecido comigo?
... tenho a oportunidade de estar só, gozar um pouco de solidão?
... nós estivemos separados por um longo tempo?
... penso que estamos crescendo em conhecimento mútuo?
... estamos de mãos dadas?
... fazemos planos juntos?
... lhe compro um presente?
... acho que você está tomando uma atitude superior em nossos
diálogos e discussões?
... não consigo alcançá-lo?
... você franze a testa para mim?
... você é duro demais consigo próprio?
... você sorri para mim?
... você se aproxima para me tocar?
... me aproximo para tocá-lo?
... você me interrompe numa conversa?
... estamos em algum tipo de competição, como um jogo de baralho ou
praticando um esporte?
... você diz "não" a um pedido meu?
... penso que magoei você?
... você me pede desculpas?
... passamos uma noite tranquila juntos?
... você me ajuda a identificar meus sentimentos?
... as pessoas me contam que você debochou de mim?
... as pessoas me contam que você reclamou de mim?
... algum outro interesse parece mais importante para você do que eu?
... você parece estar escondendo algo de mim?
... estou escondendo algo de você?
...você olha para outras mulheres (homens) com interesse óbvio?
...as pessoas olham para você com interesse óbvio?
... você chora?
... você está doente?
... penso sobre sua morte, e como seria a vida sem você?
... escutamos a "nossa música"?
... você me convida para dançar?
... você me pede para ajudá-lo?
... penso que você não acredita em mim?
... tenho que pedir-lhe desculpas?
... etcetera
 
conclusão
O diálogo é para o amor o que o sangue é para o corpo. Quando o
fluxo de sangue é interrompido, o corpo morre. Quando o diálogo é
interrompido, o amor morre e nascem o ressentimento e o ódio. Mas o
diálogo pode ressuscitar um relacionamento morto. Na verdade, este é
o milagre do diálogo.
Reuel Howe
"The Mirade of Dialogue"
Não há vencedores nem vencidos no diálogo, apenas vencedores. Não é
preciso que qualquer um dos parceiros desista ou se renda mas apenas
que dê, que dê a si mesmo. No diálogo, jamais terminamos com menos
do que começamos, mas sempre com mais. Viver em diálogo com outra
pessoa é viver duas vezes. As alegrias são duplicadas com a troca e o
peso é dividido através do compartilhar.
O ouvir e o falar no diálogo, cada um com suas consequências
particulares, são dirigidos à outra pessoa. O diálogo é essencialmente
centrado no outro. O diálogo é essencial mente um ato do mais puro
amor e o segredo do amor eterno.

Sequência do best-seller de John Powell,


Por Que Tenho Medo de lhe Dizer Quem Sou?
SOBRE O LIVRO
O segredo do amor eterno é a comunicação.
Na verdade, o maior presente que podemos oferecer ao outro é a nossa
própria pessoa, compartilhando de maneira honesta sentimentos e
emoções. Uma relação em crescimento está comprometida com uma
expressão aberta e genuína, que só pode ocorrer num clima de amor. E,
muito mais do que um simples sentimento, o amor é uma decisão e um
compromisso assumido para sempre e incondicionalmente.
John Powell, muito popular entre leitores de todas as idades, explora a
condição fundamental para um compartilhar profundo: uma aceitação
alegre e genuína do eu e a habilidade de dizer "Estou muito feliz por
ser eu mesmo!"
O autor nos mostra também como o conhecimento de nossas emoções
nos diz muito a nosso respeito. O capítulo final do livro inclui alguns
exercícios práticos que foram usados com sucesso por parceiros de
diálogo, com a finalidade de aprofundar a comunicação entre eles.
Uma mistura irresistível de seriedade e humor. Este segredo não é para
ser dito ao pé do ouvido — passe-o para frente.
SOBRE O AUTOR

John Powell é professor da Loyola University, Chicago. Sua formação


em áreas tão diversas como Literatura, Inglês, Psicologia e Teologia é a
base para sua poderosa combinação de habilidade e perspectiva.
Notas
[←1]
N. T. "A Arte de Amar", publicado no Brasil pela Editora Itatiaia, Belo Horizonte.
[←2]
N. T. O verbo "libertar', em Inglês, é "to free", que vem da mesma raiz de "fréon".
[←3]
N.T. "Por Que Tenho Medo de lhe Dizer Quem Sou?", publicado no Brasil pela Editora Crescer, Belo
Horizonte.
[←4]
N. T. "Eu estou OK — Você Está OK", publicado no Brasil pela Editora Artenova, Rio de Janeiro.

Você também pode gostar