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AFRICANA
AULA 2
CONTEXTUALIZANDO
Ao longo dos milênios, um dos principais anseios do ser humano tem
sido vencer a doença e a dor. Na busca pela saúde, tem-se recorrido a rituais,
poções, compostos químicos e tecnologias das mais diversas. Muitas
técnicas indígenas reaparecem na vida contemporânea revestidas de
cientificismo. Pode ser que as coisas aconteçam, como afirma Said, com
relação ao ressurgimento do passado no presente, sobre novas vestimentas.
“A incerteza se o passado é de fato passado, morto e enterrado, ou se persiste,
mesmo que talvez sob outras formas” (SAID, 1995, p. 11). Como se
mudássemos as máscaras sobre uma mesma face.
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se acreditava, eram responsáveis por patologias como esquizofrenia,
depressão e enxaqueca. Hoje, a intervenção ainda é usada para evitar lesões
neurológicas, aliviando a pressão intracraniana, particularmente após alguns
tipos de traumatismos.” (LEAL, 2016, editorial).
Foi por isso que na nossa aula anterior chamei a atenção para o fato de
que a cosmovisão indígena não esta distante do nosso cotidiano, lembram-se:
“Essa realidade entra em nossas vidas quando tomamos um chazinho para
ajudar na digestão”.
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inacessibilidade dos tabus que rodeiam o local, que pode ser um estranho
afloramento rochoso ou uma caverna no interior de uma montanha.
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TEMA 2: NÍVEIS DE REALIDADE
Há varias formas de exprimir a diferença entre o mundo das essências e
o mundo habitual de fenômenos ou impressões. O mundo dos espíritos contém
e exprime a verdadeira causa das coisas que sucedem no mundo. Os dois
reinos estão ligados de tal forma que os acontecimentos do mundo dos
espíritos produzem efeitos neste mundo. Os espíritos representam a natureza
essencial das coisas e são as causas reais dos acontecimentos no mundo da
percepção comum.
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Ronilda Ribeiro, com respeito ao universo africano, diz que: “não se
pode tocar o menor de seus elementos sem fazer vibrar o conjunto. Tudo está
ligado a tudo, solidária cada parte com o todo. Tudo contribui para formar uma
unidade”. (RIBEIRO, 1996, p. 41).
Ribeiro elucida este tema com a narrativa do grande Deus Maa Ngala,
nos diz:
Não havia nada, senão um Ser. Este Ser era um vazio vivo a incubar
potencialmente todas as existências possíveis. O Tempo Infinito era a
morada desse Ser-Um. O Ser-Um chamou a si mesmo Maa-
Ngala.Então, ele criou ‘FanUm ovo maravilhoso com nove divisões no
qual introduziu os nove estados fundamentais da existência. Quando
o Ovo Primordial chocou dele nasceram vinte seres fabulosos que
constituíram a totalidade do universo, a soma total das formas
existentes de conhecimento possível. Mas, ai! Nenhuma dessas vinte
primeiras criaturas reve-lou-se apta a ser o interlocutor que Maa-
Ngala havia desejado para si. Então, tomando uma parcela de cada
uma dessas vinte criaturas misturou-as. E, insuflando na mistura uma
centelha de seu hálito ígneo, criou um novo ser – o Homem – a quem
deu parte de seu próprio nome: Maa. Assim, esse novo ser, por seu
nome e pela centelha divina nele introduzida, continha algo do próprio
Maa-Ngala. (RIBEIRO, 1996, p. 40-41).
Esta unidade delicada nos chama a atenção para o cuidado que temos
que ter com este tecido, isto porque, um mínimo toque descuidado pode
romper a sua harmonia e instaurar o caos. Temos, por isso, que cuidar com o
carinho do lugar onde vivemos (terra), onde nossos pés estão cravados,
embora nossas asas anseiem por voar para casa, como fazem as aves nas
estações, pois nossa morada é o infinito.
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As culturas indígenas partem de concepções específicas sobre o que
existe (ontologia) e sobre o modo como acontecem as coisas (causalidade). E,
na busca de decifração destes significantes, se empenham com extrema
concentração que os coloca em estados que não são comuns, seja com o uso
da música, da dança ou de ervas propícias, que os auxiliam na obtenção deste
estado de consciência alterado.
“O relógio – diz RIBEIRO (1996, p. 60) - tem lugar [apenas] como objeto
de adorno”. Vivem num tempo determinado pelos eventos cotidianos e seu
entrelaçamento com o movimento natural dos seres que interagem, seja
decorrente do trabalho com os animais domésticos, como na ordenha do
rebanho, seja na decorrência da posição do sol, seja pelos pássaros que se
manifestam sempre no mesmo momento.
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No contexto africano, a relação simbiótica com a natureza (mundo
natural) e com o próprio Deus (mundo sobrenatural) compõe a própria essência
do Homem, que, por sua vez, divide sua essência particular com a totalidade
do universo. Dito de outra forma: o Homem é a microsíntese de todos os
elementos que compõem o universo. Ele é um microcosmo. E, sendo assim, a
viagem do xamã africano pelos muitos mundos é uma viagem em si mesmo, ou
seja, uma viagem em seu mundo interior é, também, uma viagem pelo mundo
exterior, pois uma e outra são expressões de uma realidade totalizante que se
refletem como espelhamentos de uma mesma face justaposta.
Contemporaneamente, alguns conceitos da Ecopsicologia, como o de
“dinamismo de alteridade” e de “dinamismo cósmico”, aproximam o
pensamento ocidental do pensamento indígena, apenas que considerando a
viagem a outros reinos como uma viagem de retorno ao seu próprio reino, ao
reino da sua própria natureza e, por conseguinte, da cura da sua psique.
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A percepção indígena do bem-estar não abrange apenas a saúde física,
num sentido médico, nem se restringe à saúde mental, num sentido
psiquiátrico. Compreende a boa nutrição, a boa amizade, a prosperidade, os
negócios e a guerra bem-sucedidos.
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dizendo, a parte é importante justamente e na medida em que ela é integrante
do todo.
SÍNTESE
Vimos, neste segundo momento do nosso estudo, sobre a cosmovisão
indígena: como as culturas ancestrais estratificam o cosmo, como
compreendem a realidade e que níveis de consciência têm do mundo que os
cerca. Também aprendemos que algumas pessoas, dentre esses povos, fazem
viagens a outros reinos; tudo isso tendo em vista saber como tratam a dor e a
cura.
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médico; nem se restringe a saúde mental, num sentido psiquiátrico.
Compreende a boa nutrição, a boa amizade, a prosperidade, os negócios e a
guerra bem sucedidos.
REFERÊNCIAS
DOMINGUEZ, Teresita. Así como adxentro, afuera. Psicolibros: Montevideo,
2016.
SAID, Edward. Cultura e Imperialismo. Cia das Letras: São Paulo, 1995.
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