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DESAFIOS EM
ELETROCARDIOGRAMA
CY

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K
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Desafios em
CM

MY

ELETROCARDIOGRAMA
CY

CMY

Autoras Coordenadoras
Manuela Almeida Viana
Thainá de Lima Quinteiro
E
L
E
DESAFIO A torção
T
R
O
C
A
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D
I
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Autora Thainá Lima
Revisora Maria Tereza de Magalhães Andrade

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G
R
A Médico Revisor Estevão Tavares De Figueiredo
M
A

Apresentação do caso clínico

Paciente de 70 anos, sexo feminino, cardiopata em uso diário de Amiodaro-


na, internada por um quadro de Delirium devido à infecção do trato urinário,
fez uso de Haloperidol IV (com rápida infusão). Fora feito um ECG no 2º dia
de internação, tendo chamado a atenção uma SVE associada a um intervalo
QT aumentado. No 3º dia de internação passou a queixar de palpitação súbita
evoluindo com síncope. Foi feito eletrocardiograma (Figura 1) e exames labora-
toriais, a fim de avaliar eletrólitos, mas que não apresentaram alterações.

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Figura 1 - Eletrocardiograma durante a queixa de palpitação

Fonte: Smith, SW. 20131.

Laudo sistematizado (R-E-F-O-C-I-S)


Ritmo Ventricular
Eixo Não é possível avaliar
Frequência 214bpm
P: ausente
Ondas
T: ausente
Complexo QRS 280ms – Alargado e com morfologias diferentes
PR: ausente
Intervalos
QT: ausente
Segmento ST Ausente

?
QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1. Qual o diagnóstico mais provável e seus achados no traçado?


2. E qual sua fisiopatologia? O que na história clínica chamou sua atenção e
corrobora com os achados?
3. Quais as causas e fatores de risco dessa arritmia?
4. No caso dessa paciente, qual seria o manejo recomendado?

*A discussão das questões deste desafio encontra-se na página 468

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8. Kreuzig R. Sindrome do marcapasso. Rev Bras Marcapasso e Arritm. 1989;3(2):54-68.
9. Martinelli Filho M, Lorga AM, Vasconcelos JTM, Rassi Júnior A. Guidelines for Implanta-
ble Electronic Cardiac Devices of the Brazilian Society of Cardiology. Arq Bras Cardiol.
2007;89(6):e210-e238. doi:10.1590/S0066-782X2007001800017

59. A torção

1. Qual o diagnóstico mais provável e seus achados no traçado?

Estamos diante de um caso de taquicardia ventricular polimórfica do tipo


Torsades Pointes (TdP). As características tal patologia são: (1) aumento do
intervalo QT que antecede o início da arritmia; (2) FC entre 160 a 250bpm;
(3) Intervalos RR irregulares e (4) um ciclo do eixo do QRS em 180 graus a
cada 5 a 20 batidas2,3.
Na TdP, especificamente, os pontos de maior amplitude dos complexos pa-
recem girar em torno da linha isoelétrica do papel milimetrado, e, por isso,
essa taquicardia ventricular é chamada de Torsades de Pointes ou "torção
das pontas"4,5.

Figura 2 - Derivação D2 mostrando “torção” em uma taquicardia ventricular polimórfica

Fonte: cortesia do arquivo pessoal de Dr. Estevão Tavares de Figueiredo

2. E qual sua fisiopatologia? O que na história clínica chamou sua atenção e


corrobora com os achados?

Torsades Pointes trata-se de uma síndrome do QT longo (SQTL) adquirida


e comumente precipitada por batidas prematuras precedidas de pausas
compensatórias que levam a intervalos RR curtos e longos. Mas qual seria
a relação do uso de antiarrítmicos com a presença dessa arritmia? Existe
uma propriedade dessa classe medicamentosa chamada “dependência do

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uso reverso”, definida como a relação inversamente proporcional entre a
FC e o intervalo QT. A medida que a FC aumenta há uma redução do inter-
valo QT e a medida que a FC diminuí há um aumento do intervalo QT. Essa
propriedade explica porque a TdP induzida por drogas é mais comumente
vista com bradicardia6–8.

3. Quais as causas e fatores de risco dessa arritmia?

Medicamentos são uma causa comum de TdP adquirida, entre eles estão
os antiarrítmicos como: Amiodarona, Quinidina, Procainamida, Sotalol e
outros. Além dos antiarrítmicos, drogas psicotrópicas como Haloperidol
também se associam a presença de TdP, com risco maior ainda quando
associado a medicamentos que prolongam o intervalo QT. Os distúrbios
hidroeletrolíticos são outra causa importante do prolongamento do inter-
valo QT e, consequentemente, dessa arritmia, principalmente a hipomag-
nesemia e a hipocalemia que podem ocorrer juntos, já que a hipomagne-
semia predispõe a hipocalemia. A hipomagnesemia prejudica a função da
bomba ATPase de sódio-potássio, levando à redução das concentrações de
potássio intramiócito. As mulheres são mais suscetíveis à inibição induzi-
da por drogas da IKr e têm intervalos QTc inerentemente mais longos do
que os homens adultos, o que predispõe as mulheres ao prolongamento
do intervalo QTc e à TdP. Doença cardíaca estrutural, incluindo infarto do
miocárdio e insuficiência cardíaca também são fatores de risco para TdP8.
A associação de fatores de risco também indicam maiores riscos para TdP
e, entre eles e presentes no caso descrito, estão: infusão intravenosa rápi-
da de fármaco que prologa o intervalo QT; uso concomitante de mais de
um fármaco que pode prolongar o intervalo QT; idade avançada3,6.

4. No caso dessa paciente, qual seria o manejo recomendado?

Diante de uma Torsades Pointes a primeira coisa a se fazer é identificar si-


nais de instabilidade hemodinâmica, pois isso definirá qual conduta mais
adequada a ser tomada. A paciente em questão apresenta-se com palpi-
tações e episódio de síncope, achados suficientes para caracterização de
instabilidade hemodinâmica. O tratamento, nesse caso, deve ser uma ime-
diata cardioversão elétrica sem sincronização, ou seja, desfibrilação, pois
a sincronização requer a identificação de QRS durante os ciclos, o que não

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é possível no caso de polimorfismos. A administração do magnésio não
deve ser na fase aguda da instabilidade e sim posteriormente para preven-
ção de novos episódios9.

Referências

1. Smith SW. Dr. Smith’s ECG Blog: Polymorphic Ventricular Tachycardia. http://hqmeded-ecg.
blogspot.com/2013/10/polymorphic-ventricular-tachycardia.html. Published 2013. Accessed
November 12, 2018.
2. Pastore CA, Pinho JA, Pinho C, Samesima N, Pereira-Filho HG, Kruse JCL, Paixão A, Pérez-
-Riera AR, Ribeiro AL, Oliveira CAR, Gomes CIG, Kaiser E, Galvão F, Darrieux FCC, França FFAC,
Feitosa-Filho G, Germiniani H, Aziz JL, Leal MG, Molina M, Oliveira NMT, AS. III Diretrizes Da
Sociedade Brasileira de Cardiologia Sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos.
Arq Bras Cardiol., 2016;106(4, Supl. 1):1-23.
3. Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, eds. Braunwald: Tratado de Doenças Cardiovascula-
res. 10th ed. São Paulo: Elsevier Editora Ltda.; 2017.
4. Friedmann AA, ed. Eletrocardiograma Em 7 Aulas: Temas Avançados e Outros Métodos. Ba-
rueri: Manole; 2011.
5. Sanches PCR, Moffa PJ. Eletrocardiograma: Uma Abordagem Didática. São Paulo: Roca; 2010.
6. Figueiredo ET, Cintra FD. Guia Básico de Eletrocardiografia. In: Lopes AC, Tallo FS, Coelho OFL,
eds. Tratado de Medicina de Urgência e Emergência. Da Graduação à Pós-Graduação. São
Paulo: Atheneu; 2018:571-583.
7. Priori SG, Wilde AA, Horie M, et al. HRS/EHRA/APHRS expert consensus statement on the diag-
nosis and management of patients with inherited primary arrhythmia syndromes. J Arrhyth-
mia., 2014;30(1):1-28.
8. Trinkley KE, Lee Page R, Lien H, Yamanouye K, Tisdale JE. QT interval prolongation and the risk
of torsades de pointes: essentials for clinicians. Curr Med Res Opin., 2013;29(12):1719-1726.
9. Gonzales MM, Timerman S, Gianotto-Oliveira R, et al. I Diretriz de Ressuscitação Cardiopul-
monar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Arq Bras Cardiol., 2013;101:1-221.

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