Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
em
psico-
oncologia
\
\ Organizadores
\ Vicente Augusto de Carvalho
\ Maria Helena Pereira Franco
Maria Julia Kovács
\ Regina Paschoalucci liberato
\ Rita de Cássia Macieira
Maria Teresa Veit
x. Maria Jacinta Benites Gomes
Luciana Holtz de C. Barros
Vários autores.
Vários organizadores.
Bibliografia
ISBN 978-85-323-0383-7
08-05584 CDD-616.9940019
NLM-QZ 266
Summus Editorial
Departamento editorial:
Rua Itapicuru, 613 - 7Ç andar
05006-000 - São Paulo - SP
Fone: (11) 3872-3322
Fax: (11) 3872-7476
http://www.summus.com.br
e-mail: summus@summus.com.br
Atendimento ao consumidor:
Summus Editorial
Fone: (11) 3865-9890
Impresso no Brasil
SUMARIO
Prefácio, 9
Maria Margarida M. ]. de Carvalho (Magui)
Apresentação, 11
Os organizadores
uando fui convidada pelos organizadores para o tratamento científico dado aos temas. Todas as afirma
C -i-dar dos sobreviventes do câncer infantil e de rodos Também se aborda, com muita propriedade, a histó
: > >obreviventes, que vivem com marcas e mudanças, cuidar ria da nossa Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia, no
do estresse dos cuidadores, formais e informais; cuidar das seu pioneirismo e na sua coragem de existir.
questões legais e bioéticas; enfim, muitos são os tópicos Concluo com a certeza de que este é um excelente
abordados neste livro de imenso valor no trato com o pa livro para todos os profissionais da área da saúde que quei
ciente de câncer. ram conhecer a psico-oncologia. Parabéns aos organizado
res e a todos os participantes!
■
APRESENTAÇAO
Os organizadores
PARTE I
psico-oncologia constitui-se em uma área do co O caminho cartesiano foi sendo reforçado pelos es
munologia. Assim, a abordagem científica que fez que as rurgia. O advento da anestesia e o desenvolvimento de
observações convergissem, chegando à intimidade do fun técnicas cirúrgicas possibilitaram a realização de extensas
cionamento do organismo humano, acabou por abrir esse cirurgias nas quais rumores passaram a ser extirpados, ten
foco ao revelar a interação de aspectos físicos e psíquicos. do como resultado a possibilidade de cura. Isso fez que
Além dessa vertente, passou a ser considerada outra, surgisse a noção de que diagnóstico precoce e intervenção
trazida pela percepção de que aspectos psicossociais esta rápida eram elementos importantes, já que possibilitavam
vam envolvidos no adoecimento. a extirpação do câncer antes da formação de metástases.
O câncer é uma doença que desencadeia comporta Criava-se assim a necessidade de que essas noções fossem
mentos peculiares. Sempre foi algo a ser escondido por vir divulgadas para a população.
acompanhado de muitos estigmas, como a inevitabilidade O primeiro esforço de educação pública para o cân
da morte e as explicações equivocadas a respeito de sua cer aconteceu na Europa nos anos 1890. Winter, um gi
etiologia, que atribuíam a sua origem à promiscuidade se necologista da Prússia, propunha que mulheres fossem
xual ou à falta de higiene e transmitiam a idéia de ser uma mais bem informadas sobre os sinais característicos do
enfermidade contagiosa ou repugnante. câncer. Uma campanha jornalística desencadeada naque
O câncer passou a ser visto da mesma forma que a le local em 1903 cornava públicos os sinais de alerta do
lepra e a sífilis, distinguindo-se, no entanto, da tuberculo surgimento de câncer. Na Inglaterra, Childe desenvol
se, que passou a ser vista como uma doença ligada à sen veu uma campanha similar, alertando sobre o fato de
sibilidade do espírito e tratada com certo glamour. Sontag que o diagnóstico precoce fazia que o câncer não mais
(1984, p. 39) cita, em sua obra A doença como metáfora, se caracterizasse como sentença de morte. Também su
que o compositor Camille Saint-Saêns, em 1913, teria afir geriu que se criassem por todo o mundo sociedades de
mado que “Chopin foi tuberculoso numa época em que controle de câncer para rer um público bem informado
boa saúde não era elegante”. (Holland, 1989).
Dada a associação com a idéia de morte inevitável, o Paralelamente a essa nova atitude em relação ao cân
diagnóstico era dado somente a familiares e nunca aos pa cer, continuava o progressivo desenvolvimento dos trata
cientes, prática que permaneceu até pouco tempo em nos mentos médicos. No início da segunda metade do século
so meio. Esse fato trazia algumas conseqüências importan XX, surgiram os primeiros medicamentos que podiam
tes, como o afastamento do paciente do conhecimento de tratar o câncer. O primeiro deles foi derivado da mostarda
um fato que dizia respeito a ele e, com isso, sua exclusão nitrogenada, gás usado como arma química na Segunda
da esfera decisória em relação a condutas que o envolviam Guerra Mundial. No início da década de 1950 conseguiu-
diretamence. Esperava-se a cooperação submissa do pa se o primeiro sucesso no tratamento quimioterápiço do
ciente nas determinações dos médicos e de familiares. câncer, um caso de coriocarcinoma, com o uso de um úni
Ocultar a informação trazia outras conseqüências. A co agente, o metotrexate, inaugurando uma nova era na
comunicação de médicos e familiares com o paciente ficava história dessa doença.
truncada. O segredo a ser ocultado, ao impedir uma comu Passou-se a usar a associação de quimioterapia, ra
nicação aberta, acabava por comprometer o contato mais dioterapia e cirurgia, o que ajudou a ampliar o número
amplo com o paciente, deixando-o numa condição de isola de casos tratados com sucesso, tanto no que diz respeito à
mento, além de infantilizá-lo. Todos se tornavam atores de cura quanto ao aumento da sobrevida dos pacientes.
uma representação de má qualidade na qual paciente, médi Exemplo disso é o fato de que nos Estados Unidos,
cos e familiares fingiam não saber o que sabiam. país que sempre se mostrou pioneiro em pesquisas sobre
Em certo momento da história das doenças, o câncer o câncer e na criação de procedimentos terapêuticos,
passou também a simbolizar as emoções que não podiam obtiveram-se, no tratamento de crianças com leucemia,
ser expressas, ficando reservada ao paciente de câncer a resultados expressivos. Em 1956 todas as crianças com
idéia da incapacidade de lidar adequadamente com as vi esse diagnóstico morriam num prazo de cerca de um
cissitudes emocionais de sua vida, gerando mais um estig ano. Em 1980, 60% a 80% das crianças diagnosticadas
ma (Sontag, 1984). obtinham cura. Dados semelhantes foram observados
O câncer também tem sido usado frequentemente em várias outras modalidades de câncer, como doença
como metáfora de comportamentos e condições sociais de Hodgkin, tumor de Wilms, tumor não-Hodgkin, rab-
que significam destruição ou desintegração moral ou so domiossarcoma, sarcoma osteogênico, neuroblastoma e
cial. Lemos ou ouvimos amiúde expressões como “Os po tumores cerebrais.
líticos são o câncer de nosso país”, o que contribui para a Esses fatos levaram a uma progressiva mudança no
manutenção e ampliação do preconceito. comportamento dos médicos em relação a informar o
Deve-se lembrar que a oncologia, desde fins do sé paciente do diagnóstico. A medida que esse diagnóstico
culo XIX, vem experimentando progressos consideráveis. deixava de ser considerado sentença de morte, a infor
A primeira área a viver avanços importantes foi a da ci mação podia ser dada sem que o médico tivesse de retê-la
PSICO-ONCOLOGIA: DEFINIÇÕES E ÁREA DE ATUAÇÃO 17
ou informar apenas a família, como conduta caridosa em Em 1961 o SNC tornou-se o Instituto Nacional de
relação ao paciente. Câncer, sendo atualmente órgão do Ministério da Saúde.
Hoje em dia esses dados são ainda melhores, Tem como missão realizar “ações nacionais integradas
abrangendo um número maior dc tumores e transfor para prevenção e controle do câncer”, tendo como visão
mando o câncer numa doença crônica, o que resulta em estratégica “exercer plenamenre o papel governamental
grande número de pacientes curados ou vivendo muitos na prevenção e no controle do câncer, assegurando a im
anos com a doença, controlando-a e tratando de seus plantação das ações correspondentes em todo o Brasil, e,
sintomas. Isso levou ao surgimento de uma nova área assim, contribuir para a melhoria da qualidade de vida da
de intervenção psicológica voltada aos cuidados com população” (“Missão e visão”, site do Inca).
os sobreviventes do câncer e suas necessidades de lidar Na década de 1980 o Inca e a Campanha Nacional de
com a condição de cura ou com a cronicidade, com as Combate ao Câncer reonentarani suas ações por meio do
possíveis sensações de insegurança - resultado de terem Sistema Integrado de Controle do Câncer (S1CC). A partir
adoecido e eventuais sequelas, além de sua inserção daquele momento, observou-se uma ação contínua por todo
no novo cotidiano. o território nacional, na forma de programas que abrangiam
Os dados anteriormente citados contribuíram tam vários aspectos do conrrole do câncer, como informação
bém para a mudança no comportamento social de uma (registros de câncer), campanhas contra o tabagismo, pre
parte da população em relação ao câncer. A partir da venção de cânceres prevalentes, educação em cancerologia
década de 1950, inicialmente nos Estados Unidos, algu nos cursos de graduação em ciências da saúde e divulgação
mas pessoas que ocupavam posições de destaque na so técnica e científica, ações que se estenderam are nossos dias.
ciedade começaram a tornar público o fato dc estarem Na década de 1990 tivemos a promulgação da Lei
com câncer e a debater, de forma mais aberta, questões Orgânica da Saúde, que, entre outras medidas, criou o Sis
relativas ao adoecimento, criando programas de apoio tema Único de Saúde (SUS) e reforçou a posição do Inca,
a novos pacientes e contribuindo para a diminuição dos já que ele passou a ser considerado órgão referencial para
estigmas envolvidos. o estabelecimento de parâmetros e a avaliação dc serviços
Em nosso meio o mesmo passou a acontecer. Campa prestados ao SUS. Nos anos subsequentes, 1991, 1998 e
nhas de arrecadação de fundos para a construção e manu 2000, “decretos presidenciais ratificariam a função do Inca
tenção de hospitais específicos para o tratamento do cân como órgão governamental responsável pela formulação
cer ajudaram a colocar em evidência questões relacionadas da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer
a essa doença, tirando-a gradualmente dc um território (PNPCC) e como respectivo órgão normativo, coordena
pouco nítido no qual a sustentação dos preconceitos era dor e avaliador” (“Inca comemora 70 anos: um exemplo
favorecida. Na cidade de São Paulo, pessoas como Car- para a saúde do Brasil”, 2007).
men Prudente tiveram um papel importante nesse pro No ano dc 2000, com o intuito de levar para a po
cesso. Em meados da década de 1940 ela iniciou uma pulação que não vivia cm capitais uma assistência onco
campanha de arrecadação de fundos para a construção de lógica integral, o Ministério da Saúde publicou a portaria
um hospital para pacientes com câncer, o Hospital A. C. 3.535, que regulamentou o Projeto Expande - Projeto de
Camargo, conhecido como Hospital do Câncer, fundou Expansão da Assistência Oncológica - e determinou que
ainda a L iga Feminina de Combate ao Câncer, instituindo o Inca assumisse S ü a coordenação. Para atender às inten
um serviço de voluntárias que contribuíram para essa tare ções desse projeto planejaram-se a criação, implantação
fa, bem como para o apoio aos pacientes. Esse trabalho foi e implementação de centros de oncologia em hospitais
m
ua
de grande ajuda no processo de desmistificação da imagem gerais: os Centros de Alta Complexidade em Oncologia.
u u n 'L. rL JL V
atribuída ao câncer. Serviu também como modelo para ou Dessa forma o Inca pretendia ampliar a oferta de servi
tras iniciativas que se multiplicaram por rodo o país. ços dc diagnóstico, cirurgia, quimioterapia, radioterapia
Simultaneamente, outras ações foram desenvolvidas e cuidados paliativos em áreas do país que não contassem
pelos governos federal e estadual. No âmbito nacional foi com eles. Essa mesma portaria determinou que os servi
criado o Instituto Nacional dc Câncer (Inca), cuja história ços de oncologia a serem credenciados pelo SUS contas
se iniciou em 13 de janeiro de 1937, quando o então presi sem com um psicólogo clínico, refletindo a percepção da
dente Getúlio Vargas assinou o decreto de criação do Cen necessidade de cuidar dos aspectos emocionais envolvi
tro de Cancerologia no Serviço de Assistência Hospitalar dos no adoecimento por câncer. Atualmente o decreto
do Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Em 1941 o gover 741/05 ratifica a obrigatoriedade de suporte psicológico
no federal, buscando desenvolver uma política nacional ao paciente com câncer, e a Agência Nacional de Saúde
de controle do câncer, criou o Serviço Nacional de Câncer (ANS) aponta, no rol dos procedimentos mínimos a se
(SNC). Três anos mais tarde, o Centro de Cancerologia rem cobertos por planos e operadoras de saúde, a psico-
tr 7 w
transformou-se no Instituto de Câncer, órgão dc suporte terapia em situações de crise, o que engloba, indubitavel
’
Em nosso país temos testemunhado um progressivo gresso Brasileiro, as “Recomendações mínimas”1, em que
avanço da psico-oncologia em termos do aumento da de definia normas para cursos de formação em nível de espe
manda de atendimento psicológico por parte de muitos cialização, aperfeiçoamento ou extensão universitária, se
serviços de oncologia, com sua consequente implantação. guindo a Resolução CNE/CES 1, de 3 de abril de 2001.
Define-se a área como de atuação intcrdisciplinar, Já em 2006, foi instituído o certificado de distinção
urna vez reconhecidos os múltiplos fatores presentes na de conhecimento na área de psico-oncologia e, durante o
etiologia da doença, em seu desenvolvimento e em suas 9C Congresso Brasileiro, foi realizada a primeira certifica
condições prognósticas. Configura-se uma equipe de ção, que distinguiu 134 profissionais da área da saúde com
saúde capacitada a atuar de forma integrada, de acordo a habilitação ao trabalho no campo da psico-oncologia.
com uma visão abrangente que não mais se restringe à Hoje o Brasil conta com inúmeras instituições dota
doença, mas contempla o paciente e o meio (interno e das de ações e serviços de psico-oncologia, além de or
externo) em que se insere. ganizações não governamentais que atuam no segmento.
Também tem sido expressiva, nos profissionais, a Contamos, ainda, com importante produção científica na
demanda por formação e treinamento para uma práti especialidade, expressa em trabalhos acadêmicos e publi
ca adequada. A Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia cações diversas.
(SBPO), fundada em 1994, ofereceu cursos itinerantes
de especialização realizados em várias cidades do país. A As Pecomenaações mínimas" podem ser encontradas no site da SBPO:
SBPO apresentou em 2003, por ocasião de seu 8U Con www.sbpo.org.br.
Referências bibliográficas
Holland, J. C. “Historical overview”. Tn: Holland, Sontac;, S. A doença como metáfora. Rio de Janeiro:
J. C.; Rowland, J. H. (eds.). Handbook of psycho-oncol- Graal, 1984.
ogy.- psychological care of the patient with câncer. Nova Temoshok, L; Dreher, H. The type C connection:
York: Oxford University Press, 1989. the behavioral links to câncer and your health. Nova York:
“Inca comemora 70 anos: um exemplo para a saúde RandomHouse, 1992.
do Brasil”. Rede Câncer, Rio de Janeiro, n. 1, p. 22. maio Thomas, C. B; Duszynski, K. R.; Shaffer, J. W. “Family
2007. Disponível em:<http://www.inca.gov.br/70anos/ attitudes reported in youth as potentiai predictors of câncer”.
rcvista/revistaredccancer 1 .pdf >. Psycbosomatic Medicine, v. 41, n. 4, 1979, p. 287-302.
“Missão e visão”. Disponível em: <http://www.inca.gov. Vaillant, G. Adaptation oflife. Boston: Little Brown,
br/conteudo_view.asp?id=55>. Acesso em 23 out. 2007. 1977.
PARTE II
elatos de famílias que apresentam muitos casos de ma da normal e atingem os mesmos órgãos na família,
Quadro 1
Genes implicados/
Síndrome Tipos de câncer associados
penetrância*
MSH2, MLH1, PMS1, PMS2, Cólon e reto, estômago, intestino delgado, útero, ureter
Síndrome de Lynch (NNPCC)
MSH6 - 70 a 90% e pelve renal.
‘Penetrância: refcre-se à freqüência cora que determinado genótipo manifesta-se como fenótipo. Um gene de síndrome de câncer hereditário que apresenta
penetrância de cerca de 100% deve produzir um dos cânceres da síndrome cm praticamente rodos os portadores.
Esse acúmulo de danos genéricos, induzido pela heran descendente de um portador de uma mutação também
ça de um gene mutante, é uma bomba-relógio, tendo herdá-la obedece ao padrão de herança mendeliana
grande probabilidade de resultar em câncer após algu clássica, e é de 50%. Portanto, em uma família com sín
mas décadas de vida. Os genes cujos defeitos produzem drome de câncer hereditário, a possibilidade de cada
as síndromes hereditárias também estão envolvidos na indivíduo vir a ter câncer é bastante variável e depen
vasta maioria dos cânceres não hereditários, mas, nesses de fundamentalmente de dois fatores: a chance de ter
casos, a mutação é adquirida durante a vida, nas células herdado o gene murado e a penetrância dessa mutação.
somáticas, e não durante a fecundação, nas células ger- Lembrando que penetrância refere-se à estimativa da
minativas. Portanto, sem nenhuma surpresa, quando se freqüência com que certo genótipo produz o fenóti
examinam as síndromes de câncer hereditário mais co po. Na maioria das síndromes de câncer hereditário a
muns, verifica-se que são resultado de mutações germi- penetrância das murações é muito alta, indicando que,
nativas em genes que cuidam da integridade do DNA. A uma vez herdada a mutação, a chance de apresentar um
falha na função desses genes, não por acaso, resulta em dos cânceres da síndrome em algum momento da vida é
alta probabilidade de defeitos genéticos em uma célula muito elevada. Em alguns casos, como na polipose ade-
cada vez que se divide. no ma tosa fami liai e na neoplasia endócrina múltipla,
Uma vez que a mutação foi herdada, ela pode ser todos os indivíduos portadores terão câncer se viverem
passada para as gerações subsequentes. A chance de um pelo menos até os .30 ou 40 anos.
0ACONSELHAMENTO GENÉTICO EM CÂNCER 2S
Diagnóstico de síndrome de ou foi instruído por seu médico a buscar mais informações
com aconselhadores genéticos. Nesses casos, a pessoa é
câncer hereditário informada sobre a possibilidade de que o teste produza
Sc uma família apresentar casos de câncer que a tor um resultado negativo, ou seja, que ela não seja portadora
nem suspeita de ser portadora de uma síndrome hereditá da mutação, sem que isso afaste a chance de a família ser
ria, o diagnóstico definitivo dependerá da identificação da portadora de uma síndrome. Essa informação é relevante
mutação no DNA do indivíduo suspeito. Todavia, como os para os demais membros da família.
testes de DNA são ainda muito restritos, pela dificuldade Em resumo, um teste de DNA só é informativo para
de sua execução e pelo custo elevado, a grande maioria o diagnóstico de uma síndrome hereditária se for positi
dos casos, pelo menos no nosso meio, depende exclusiva vo (presença da mutação). E mais provável que um teste
mente do diagnóstico clínico. O grande problema da de seja positivo em um portador de câncer do que em um
pendência exclusiva de um diagnóstico clínico é que essa membro assintomático da família, por isso é preferível re
situação faz que todos os indivíduos da família necessitem alizar testes com o primeiro. Uma vez que um reste resulte
de exames freqüenres de rastreamento para câncer e de positivo em um indivíduo de família suspeita, os demais
acompanhamento médico intensivo. O teste de DNA per membros devem ser testados. Aqueles com resultado nega
mite definir que indivíduo da família é de fato portador da tivo devem ser informados de que seu risco é semelhante
mutação, podendo assim poupar os demais de exames mé ao da população geral no que diz respeito ao desenvol
dicos e laboratoriais permanentes (como colonoscopia ou vimento de câncer. Os que obtiverem resultado positivo
ressonância magnética de mama), que são fonte de grande são portadores e devem entrar em um programa especial
apreensão, além de representarem custos elevados para a de prevenção, de acordo com a síndrome que portam. As
família ou para o sistema de saúde. vezes o teste é duvidoso. Nessas situações, determinada
Em algumas situações, a mutação genética, além anormalidade genética foi encontrada no teste; todavia, a
do risco de promover câncer, também provoca certas sua natureza é tal que não permite identificar se se trata de
anormalidades que podem, se detectadas precocemen um polimorfismo (variação normal) ou de uma mutação
te, auxiliar a decidir se um indivíduo é ou não portador que não terá nenhum efeito deletério sobre o gene (mu
da síndrome, mesmo sem se dispor à realização do teste tação silenciosa). Nesses casos, o laboratório se abstém de
genético. Esse é o caso típico da polipose adenomatosa uma análise definitiva e o resultado duvidoso deve ser es
familial, em que o portador apresenta centenas de póli crutinado pelo aconselhador genético, que buscará mais
pos intestinais que se manifestam em idade muito jovem informações na família, incluindo aí a testagem de outros
(antes dos 30 anos). A pesquisa na família com exames de membros que tiveram câncer.
colonoscopia ou retossigmoidoscopia identifica facilmen
te essas pessoas antes que venham a desenvolver câncer.
No caso da neurofibromatose, a presença de manchas de Prevenção de câncer em
cor café-com-leite na pele e de tumores benignos (neu- portadores de síndrome de
rofihromas) frequentemente antecede o aparecimento de
cânceres. Infelizmente, nos dois tipos mais comuns de câncer hereditário
síndrome de câncer hereditário, síndrome de câncer de As metas fundamentais da identificação de famílias
mama/ovário e síndrome de Lynch, não existe nenhuma com síndromes de câncer hereditário e, posteriormente,
pista que possa auxiliar a diferenciar um portador de um se possível, das pessoas dessas famílias que são portado
não-portador sem teste genético. ras da mutação cancerígena são: a) evitar o aparecimen
to de câncer em portadores; b) detectar precocemente
o câncer em situações em que não pode ser evitado; c)
Teste genético evitar o aparecimento ou buscar a detecção precoce de
O teste genético é feito a partir de uma amostra de um segundo câncer.
sangue, preferencialmente de um portador de câncer da Cada síndrome de câncer hereditário possui uma sé
família suspeita. Muitas vezes, no entanto, o interesse em rie de recomendações para prevenção, elaboradas por gru
se submeter a um teste genético não parte de um porta pos internacionais de estudo que observaram centenas ou
dor de câncer na família. As vezes um falecimento devido milhares de famílias por longos períodos. Evidentemente
ao câncer é o fator motivador para que indivíduos sau as estratégias de prevenção dependem dos tipos de tumor
dáveis procurem serviços de aconselhamento genético mais esperados na família acometida pela síndrome. Por
para realizar esses testes. Outras vezes o interesse parte exemplo, no caso de melanoma hereditário, a avaliação a
de um indivíduo saudável à revelia de outros membros cada três a seis meses de lesões na pele por um dermato
da família que tiveram câncer, porque leu algum arrigo da logista experiente é capaz de determinar com grande efi
imprensa leiga sobre famílias com câncer e testes de DNA ciência estágios iniciais da doença. Síndromes hereditárias
26 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
caracterizadas por câncer de cólon ou estômago exigem casos de câncer hereditário diagnosticados presentemen
exames endoscópicos periódicos; no caso de câncer de te. A seguir relacionamos os achados mais comuns dessas
mama e ovário, exames de imagem (mamografia, resso síndromes.
nância nuclear magnética e ultra-sonografia transvaginai) Síndrome de Lynch: também conhecida pelo acrô
são recomendados anual mente e por período indetermi nimo HNPCC (hereditary non-polyposis colon câncer),
nado. Em algumas situações a remoção do órgão em risco caracteriza-se especialmente por diversos casos de cân
é obrigatória. A retirada da tireoide é fundamental para cer de cólon e de endométrio na mesma família. Casos
portadores de neoplasia endócrina múltipla do tipo 2, de câncer de vias biliares, ureteres, estômago e pâncreas,
já que praticamente todos os portadores dessa síndrome entre outros, são também frequentemente observados nes
terão muito precocemente carcinoma medular, que pode sas famílias. Esta síndrome é provocada por mutações em
manifestar-se em estágios muito avançados e de forma genes responsáveis pelo reparo de defeitos no DNA que
bastante rápida nesses indivíduos. O mesmo ocorre com ocorrem durante a duplicação de suas fitas para a divisão
portadores de polipose adenomatosa familial, em que a celular. Existem testes genéticos disponíveis para o diag
transformação de um dos pólipos em câncer é certa antes nóstico dessa síndrome. A idade média do aparecimento
dos 40 anos. A cirurgia para a retirada do intestino grosso de câncer nessas famílias é de 45 anos, mas não são ín-
é uma medida preventiva eficiente, e os resultados a lon comuns as descrições de casos de pessoas na faixa dos 20
go prazo têm sido animadores para esses pacientes, que anos. Dessa forma, a indicação do momenco cm que os
podem atingir uma sobrevida normal com complicações portadores devem iniciar exames colonoscópicos varia em
toleráveis associadas a esse procedimento. cada caso. Famílias com casos diagnosticados em pesso
As recomendações de rastreamento também sugerem as muito jovens devem ser encorajadas ao rastreamento a
a idade com que uma pessoa deve começar o seu acompa partir dos 25 ou 30 anos. Histcrectomia profilática ainda
nhamento com exames ou com cirurgia. A idade de início é um tema em discussão, já que a chance dc câncer de
dos exames de rastreamento depende do tipo de síndrome. endométrio nessas famílias é de cerca de 40% (a de câncer
Algumas, em que os tumores têm início na infância ou ado de cólon pode ser superior a 80%). O acompanhamento
lescência, exigem que o acompanhamento comece muito com colonoscopia e ultra-som transvaginai anuais é muito
cedo, com a anuência formalizada dos pais. Em casos como eficiente, reduzindo o aparecimento do câncer e a morta
câncer hereditário de mama e ovário, em que os tumores lidade provocada por ele.
ocorrem mais tardiamente, a decisão sobre o início do ras- Síndrome de câncer hereditário de mama e ovário: cs-
treamenro pode ser tomada por um indivíduo já adulto. tima-se que 3% a 5% dc todos os casos de câncer dc mama
Para portadores de uma síndrome de câncer heredi sejam causados por mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2,
tário, na nossa experiência, o momento mais angustiante que estão associados com essa síndrome. O risco de um
refere-se à submissão ao teste de DNA para determinar o portador vir a apresentar câncer dc mama pode chegar a
estado de portador. Uma vez que essa informação é passada 90% c de ovário, 40% a 60%. Dependendo do gene impli
para o portador, todo o detalhamento sobre a sua síndrome, cado, BRCA I ou BRCA2, outros tipos de tumor podem scr
encontrados na família; por exemplo, casos de melanoma,
como os tipos de rotina de exames a que será submetido e
câncer de pâncreas e de estômago foram descritos exclusi
as opções de cirurgia preventiva, pode exigir muitas sessões
vamente em famílias com mutações no gene BRCA2. O au
de atendimento por uma equipe multidisciplinar. Geralmen
mento na frequência de casos de câncer de mama masculino
te, a decisão de se submeter a uma cirurgia para prevenção
e câncer de próstata independe do gene mutado herdado.
de câncer (mastectomia, colectomia etc.) é resultado de um
Os testes de DNA estão disponíveis comercialmente. Os
processo bastante amadurecido, em que o portador sente-
portadores desses genes necessitam de exames de imagem
se ativo na situação. O desgaste emocional produzido pela
para as mamas (mamografia, ressonância nuclear magné
rotina de exames, que criam forte ansiedade, colabora para
tica) e para os ovários (ultra-som transvaginai) antialmen-
a decisão a favor da retirada do órgão em risco. A cirurgia
te, iniciando-se cinco anos antes em relação ao caso mais
para remoção de órgão em risco, quando resultado de um
jovem diagnosticado na família. A cirurgia de retirada dos
processo bem trabalhado com o paciente, além de efetiva-
ovários e trompas (ooforectomia com salpingectomia bila
mente reduzir o risco de câncer a níveis mínimos, produz
teral), realizada após a decisão da paciente de não ter mais
um grande alívio do ponto de vista psicológico.
filhos, reduz em 99% o risco dc câncer de ovário e em 50%
o risco de câncer dc mama em portadoras. A mastectomia
profilática reduz em 90% o risco de câncer de mama. Essas
Síndromes mais comuns de
estratégias terapêuticas, como já foi mencionado, devem ser
câncer hereditário exaustivamente discutidas com o paciente, e seus resultados
As síndromes de câncer hereditário de mama e ovário benéficos devem ser avaliados dentro do contexto sociocul-
e a síndrome de Lynch respondem por cerca de 70% dos tural e emocional do indivíduo.
0 ACONSELHAMENTO GENÉTICO EM CÂNCER 27
rança são questões que ainda precisam ser solucionadas. É estressor que pode resultar em sentimentos de maior vul
necessário que saibamos mais sobre esse universo clínico nerabilidade e impotência, relacionados à crença de que o
para que possamos estabelecer algumas linhas básicas de câncer de fornia geral está escrito no destino desses pacien
atuação, a fim de aumentar a aderência dessas pessoas a tes e não há nada que possam fazer para mudar isso. Ainda
comportamentos de rèdução de risco, como o constante nessa mesma rrilha, sentimentos de isolamento e solidão
monitoramento. estão também por trás do comportamento de pacientes
Atualmente se sabe que os riscos de distúrbios psicoló que evitam falar do “assunto". O voto de silêncio perpe
u 2 .2 ü L mL íl iÜ
gicos diretamente associados ao aconselhamento genético tua e alimenta esses sentimentos, fazendo-os acreditar que
para o câncer esrão relacionados a determinadas condições ninguém realmente os compreende. Por fim, a ansiedade,
preexistentes, como o diagnóstico de depressão e o pró a angústia e a percepção dc risco aumentada levam muitos
prio diagnóstico de câncer. Em geral, o impacto psicológi pacientes a não fazer os exames de rastreamento de forma
co presente no aconselhamento genético depende das ex- mais rigorosa. Assim como a negação, esses sentimentos
pectativas que o paciente (sintomático ou não) tem sobre provocam um abandono à própria sorte. Ou azar.
os resultados da tesragem. Além do estado de seu humor Embora os estudos sejam ainda relativamente escas
- indivíduos que apresentam graus elevados de ansiedade sos, podemos compreender que todos os tipos de câncer
e angústia antes do exame são mais propensos a apresentar hereditário suscitam problemas psicológicos de natureza se
esses mesmos sintomas depois da testagem (Bleiker et ai, melhante em seus pacientes. A questão da hereditariedade
2003) o impacto depende também da existência de su coloca um peso considerável na forma como o indivíduo
porte familiar e social de qualidade. percebe os acontecimentos que geram sofrimento, abalando
Um grande número de pesquisas nessa área tem se sua capacidade de controle c decisão. Parece inquestionável
concentrado no aconselhamento genético voltado para o que a consciência de ser portador de um gene predisponen-
£ 7 * TTTÇ r T 5 7T1 S7TT ? ?TT!
câncer de mama. De certa maneira, o câncer de mama he te a um câncer é uma informação que será preenchida de
reditário, devido às suas peculiaridades, abre-nos os olhos cor e significado de acordo com as crenças pessoais. Dar
para reflexões importantes sobre a qualidade do suporre um senrido a esva informação pode parecer, para alguns,
psicossocial que pode ser fornecido a indivíduos e famílias. a única maneira de recuperar o comando de sua vida. Não
Sabe-se que, para mulheres provenientes de famílias em que saber, para outros, pode ser a chave para maior qualidade
o câncer de mama mostrou-se hereditário, a maior questão de vida. Essas questões dizem respeito ao modo de enfren-
é, sem dúvida, a ansiedade quanto a desenvolver a doença. tamento cCFadversidades utilizado ao longo da vida por es
Quando a mulher atinge a idade em que sua mãe ou irmã ses indivíduos (<coping). Em alguns casos a informação pode
tiveram câncer de mama, atinge também os maiores picos ser uma excelente aliada, uma ferramenta útil para aplacar
de ansiedade. Quanto maior a similaridade entre a mulher a ansiedade. Em outros, a informação sobre seu risco pode
e sua mãe, seja física, seja comportamental, seja no número suscitar ainda mais ansiedade, e o indivíduo prefere não sa
de filhos, maiores a ansiedade e o senso de vulnerabilidade. ber ou deixar a vida conduzi-lo (neste caso, as pessoas que
Isso eleva a percepção de risco dessas mulheres, que acaba procuram o aconselhamento genético mas desistem do tes
sendo superestimado em relação à realidade. Essa percep te podem também ser candidatas à depressão e merecem a
ção trata do risco de desenvolver o câncer que o indivíduo atenção dos cuidadores). Em geral, crenças e valores de vida
atribui a si mesmo, baseado na sua história individual e são o fundamento usado por esses mdivíduos e suas famí
familiar e nos sentimentos relacionados a ela. lias para tomar decisões. A espiritualidade também pode scr
28 TEMAS EM P S I C O - O N C O LO G I A
um fator diferencial A clínica nos dá amplos sinais de sua bomba-relógio prestes a explodir. O apoio e o reconheci
importância, embora ainda faltem estudos conclusivos es mento ao mensageiro dessa informação são importantes.
pecíficos. No entanto, à equipe que recebe um indivíduo ou Se a doença se alastra e o prognóstico não é bom, maior
uma família inteira para aconselhamento é fundamental co a ansiedade relacionada à informação, que deve então ter
nhecer suas crenças e valores espirituais. O aconselhamento o momento certo para ser divulgada, dentro de princípios
genético deve, portanto, conter em sua estrutura um espaço éticos preestabelecidos. Portanto, é muito importante a
para discussões de diversos âmbitos: ético, cultural, psico compreensão da equipe sobre essa dinâmica familiar, que
lógico e espiritual, permitindo que encontrem recursos para pode ser determinante nas escolhas de autoprevenção que
lidar com a ambiguidade e a incerteza e considerando as in essas pessoas poderão fazer.
terpretações pessoais que cada um pode dar aos resultados Outra questão é o que oferecer a partir do teste.
de uma testagem (Vadaparampil et ai, 2004). Quando se rompe a barreira da informação, depara-se
A expectativa é um valoroso medidor de êxito do com a própria utilidade dessa informação: o que fazer com
programa de aconselhamento genético. Em geral, aqueles ela se as medidas profiláticas somente em alguns casos
que possuem uma expectativa mais adequada à realidade podem trazer certezas? Há tipos de câncer para os quais
mostram-se indivíduos mais adaptados e capacitados a li os testes podem oferecer resultados múltiplos e incertos.
dar com essa mesma realidade quando ela se mostra incerta Nesses casos, as decisões sobre as medidas de prevenção e
ou adversa. E lidar com a antecipação e a expectativa das mesmo sobre a divulgação da informação para outros fa
famílias em relação ao resultado é algo que requer sensibi miliares podem ser difíceis. Ao se pesquisar sobre a exis
lidade. Muitas famílias carregam a expectativa de não ser tência de mutações nos genes relacionadas com câncer dc
portadoras de nenhuma mutação genética ou de nenhuma mama e ovário, por exemplo, os resultados podem ser:
condição que as predisporia ao câncer, mas acabam encon positivo (a pessoa carrega uma alteração genérica que a
trando resultados bem diversos e necessitam de maiores predispõe ao câncer); negativo (embora a alteração tenha
esclarecimentos e de apoio emocional. sido identificada em outro membro da família, a pessoa
Com base nessas considerações, algumas questões não possui essa predisposição genética ao câncer); inde
nos parecem bastante importantes: como contatar mem terminado (a pessoa não carrega a alteração que a predis
bros da família para falar sobre o risco de câncer e a ne poria ao câncer e os resultados dos testes dos familiares
cessidade de aconselhamento genético? Como identificar, são negativos ou desconhecidos); inconclusivo (a pessoa
no corpo familiar, aquele indivíduo mais capacitado para carrega uma alteração genética cujo significado ainda
receber e compreender essas informações? Nem sempre o não é conhecido). Diante desse quadro pouco objetivo,
assunto é bem-vindo ou se estimula sua discussão - cultu torna-se necessário um cuidado especial ao divulgar a in
ralmente o câncer ainda é relacionado com imagens ruins formação ou resultado ao paciente, pois essa informação
de sofrimento e morte, sendo em geral banido dos dis em si pode ser mal interpretada, gerando conflitos ainda
cursos familiares, apesar dos esforços da mídia especiali maiores do que os preexistentes. Um teste inconclusivo
zada para desmistiikar a doença. Como e quando contar pode causar muita ansiedade, trazer frustração e medo,
aos familiares sobre a possibilidade dc um gene mutante elevando a percepção de risco do paciente sem oferecer,
estar atravessando gerações e causando tanto sofrimen em contrapartida, benefícios claros. O que informar pas
to? Alguns indícios que sugerem maior vulnerabilidade sa a ser secundário ao como informar. Parece-nos impor
relacionam-se a uma situação cada vez mais comum nos tante concentrar esforços no direcionamento de cuida
centros de aconselhamento: familiares assintomáticos dos para pessoas cujos resultados de testes sejam pouco
que procuram o serviço de aconselhamento genético para esclarecedores (inconclusivos e indeterminados), pessoas
saber sobre o seu risco e descobrem que muitos outros que são assinromáticas mas precisam de suporte informa-
membros da família precisariam também fazer os testes cional c emocional para selecionar as melhores medidas
genéticos, pois podem carregar as mutações que os pre de prevenção, pacientes que se encontram carregados de
dispõem ao câncer. Por outro lado, quando a informa culpa por se imaginarem responsáveis pela doença em
ção sobre a possibilidade de uma família apresentar uma sua família e minorias sobre as quais as diferenças cultu
síndrome hereditária vem de um paciente já acometido rais acabam imprimindo um peso maior na interpretação
pela doença, há também questões específicas que são na das informações.
turalmente levantadas. Uma das mais freqüentes, e já co Com isso, percebem-se a complexidade e a abran
mentada aqui, é a da identificação de um dos membros da gência dessas questões. O aconselhamento genético em
família com aquele paciente que desenvolveu a doença. O câncer é, portanto, uma área ainda em estudo e constante
suporte familiar e social recebido pelo paciente bem como reavaliação, sendo crucial um acompanhamento de cada
a qualidade de suas relações familiares podem então ser caso pela equipe especializada em aconselhar o paciente,
afetados a partir do momento em que a informação so abordando questões de cunho particular e familiar, físico
bre a presença de um gene mutante transforma-se numa e psicológico, ético e espiritual.
0 ACONSELHAMENTO GENÉTICO EM CÂNCER 29
cos encontros ou sc estender na proporção de uma etapa as implicações de um teste genérico possam ser conheci
por encontro, dependendo de cada caso. Todas elas são das e discutidas, por exemplo as implicações de resultados
necessárias para que o programa seja mais do que a infor inconclusivos ou ainda as medidas preventivas existentes
mação de um resultado e conligure-se como um aconse e sua eficácia.
lhamento propriamente dito. Embora esse programa seja No Brasil, os restes genéticos para câncer não estão
trabalhoso e caminhe na contramão de algumas propos disponíveis em larga escala para a população. São muito
tas aruais, em que, assustadoramente, informações estão caros e oferecidos cm centros particulares. Até o momento
disponíveis em sites, sem nenhuma interação ou envolvi há apenas quatro centros que, devido ao seu vínculo com
mento profissional, acreditamos que os benefícios atin universidades, oferecem os testes à população em geral,
gidos justificam os cuidados tomados. Afinal, as novas sem custos adicionais: um no Rio de Janeiro, dois em São
tecnologias sem os cuidados humanos e éticos tornam-se Paulo e um no Rio Grande do Sul. Poucas informações
ferramentas perigosas. são veiculadas pela mídia a respeito do aconselhamento
genético para o câncer. Assim, as informações são escassas
entre a população, aumentando a importância desse pro
Questões éticas específicas fissional e a necessidade dc que muna o paciente de conhe
As questões éticas relacionadas ao aconselhamento cimento sobre o assunto. A questão da confidencialidade é
genético e mais especificamente aos testes genéticos se particularmente importante no caso do câncer pois este já
guem os princípios gerais da bioética, ainda que os casos carrega o estigma de ser uma doença relacionada à morte
devam ser analisados separadamente, levando-se em con e ao sofrimento.
sideração o contexto sociocultural em que se inserem.
O faro de estar relacionado à hereditariedade afeta
Esses princípios são: o respeito pela autonomia, a não-
o indivíduo em sua possibilidade reprodutiva e de seus
maleficência, a beneficência, a justiça e a qualidade. O
familiares, trazendo incerteza, ansiedade, sentimentos de
respeito pela autonomia liga-se à autonomia do desejo
culpa, angústia c frustração. Dessa forma, a confidencia
do paciente em relação ao do médico, e dele deriva a
lidade é uma regra nem sempre tão simples de aplicar. A
importância do consentimento informado. O princípio
definição das situações em que o médico ou enfermeiro
da não-maleficência prevê o dever de não causar danos
deve avisar os familiares de um paciente sobre seu risco
físicos, morais ou psicológicos aos pacientes por meio
dc desenvolver um câncer, desconsiderando o compro
das intervenções médicas. O da beneficência liga-se a
misso ético de sigilo estabelecido com aquele paciente, é
este, ao preconizar a necessidade da tomada de medidas
proativas que levarão ao bem-estar do paciente. Soma-se um tema que necessita de discussão caso a caso. A Socie
a isso a exigência pela qualidade em todos os serviços dade Americana dc Genética Humana sugere que as in
prestados, não importando a cor, a situação financeira, formações relativas ao teste genético devem ser compar
a origem etc. Assim, os princípios da bioética ligam-se tilhadas com os familiares quando se esgotarem todos os
entre si, pois o princípio da justiça assegura que o ônus e esforços para a obtenção do consentimento do paciente
o bônus relacionados a algum procedimento ou decisão para divulgá-las. A divulgação também é admitida quando
médica sejam compartilhados igualmente, com proteção existe uma comprovada chance de prejuízos físicos aos
especial a grupos mais vulneráveis como as crianças ou familiares e a informação sobre o risco existente pode evi
os deficientes mentais. tar esse dano. Somente a informação relacionada à pre
De maneira geral, no entanto, é importante ressal venção deve ser divulgada (Lowrey, 2004). Porém, devido
tar que algumas regras que foram construídas ao longo ao fato dc que nem todo câncer possui uma prevenção
da experiência com os testes genéticos provaram-se essen efetiva que possa realmente evitar o seu aparecimento,
ciais, em especial a confidencialidade e o consentimento essas regras só têm validade quando analisadas dentro de
informado. Um profissional capacitado para fazer o acon um contexto sociocultural e familiar único. No caso de
selhamento genético deve estar ciente das leis do país, testagem genética em crianças e adolescentes, é um con
assegurando que não haverá nenhuma possibilidade de senso que ela é válida quando os benefícios são inegáveis
discriminação após os resultados. Deve prover o paciente e imediatos.
de informações adequadas e suficientes, dispostas no con A natureza sensível do tema dos testes genéticos em
sentimento informado, que deve ser conhecido em toda câncer, o potencial incerto de medidas preventivas c o des
a sua extensão, e, por fim, garantir condições dc manter conhecimento dos danos psicológicos de longo prazo que
confidenciais as informações ligadas ao procedimento, acometem pacientes após decidirem por intervenções pre
desde o início até sua finalização. O consentimento in ventivas mais radicais fazem do aconselhamento genético
formado relaciona-se, como já dissemos, com o princípio em câncer um dos campos de atuação dos mais delicados e
da autonomia do paciente e é sua proteção, tanto moral importantes, demandando maior investigação e discussão
quanto legal. Moral porque garante ao paciente que todas na atualidade.
0 ACONSELHAMENTO GENÉTICO EM CÂNCER 31
KO
ro-
lé
Be-
in-
cr-
\ os
ete
*io
los
Evi-
pre-
ido
ção
*o,
»de
) de
rn-
ieis
cm
fcs-
GUC
PK*
ECO
bs e
fcío
BIOLOGIA DO CÂNCER
Ricardo Caponero
ré o momento em que eu escrevo este capítulo, modifica a composição química ao longo da membrana,
Durante a fase da gastrulação, por um mecanismo precisam ser sincronizados, para que o indivíduo plurice
nda não conhecido mas provavelmente relacionado à lular possa constituir-se num complexo funcional.
- gregação diferencial de proteínas, vários genes passam a GLP-1 é uma proteína transmembrana que funciona
-r expressos assimetricamente no embrião, com a forma- como um receptor para sinais extracelulares. Embora o
de uma lateralidade. mRNA glp-1 esteja presente tanto em oócitos como no
R Até recentemente acreditava-se que com o desenvolvi- embrião, a proteína GLP-1 não é sintetizada nos oócitos,
cnto do embrião, apesar de não haver perda de material ficando restrita à porção anterior dos blastômeros. Isso
. “mico, ocorressem mudanças irreversíveis no núcleo, demonstra que o mRNA é sujeito a uma translação espa
' quais impediam sua total reprogramação, promovendo cialmente restrita.
. desenvolvimento completo e normal quando o embrião Indução é o processo pelo qual um grupo de células
: 'sse implantado em um ovo anucleado. O experimento produz um sinal que determina modificações estruturais e
i ovelha Doliy, no entanto, mostrou que a introdução do funcionais em um segundo grupo de células. Isso envol
núcleo de uma célula diferenciada no citoplasma de uma ve a capacidade de produção de um sinal (ligante) pelas
-Aula-ovo modifica completameme a estrutura do núcleo, células indutoras e a competência das células responsivas
permitindo a formação de um novo indivíduo. para recebê-lo e interpretá-lo por uma via de transdução
Esse fato mudou um dos paradigmas da biologia que do sinal.
zia que toda a informação está contida no núcleo da cé- A diferenciação dirigida e controlada das células é de
k- i. determinada pelo genoma. Hoje sabemos que, apesar importância crítica, sendo regulada não apenas pelos sinais
f"T
nr
to genoma ser o molde para a produção de rodas as exteriores da célula, mas também pela sua capacidade em
in- proteínas, a regulação de sua expressão depende da cons- modular sua resposta aos estímulos externos. Mudanças no
fcda
:uição do citoplasma da célula. mecanismo de transporte nuclear são de crucial relevância
A diferenciação celular é o processo pelo qual distin- na determinação do destino das células. Proteínas de locali
Jão s porções do genoma são selecionadas para expressão zação nuclear - nuclear localizaiion signal (NLS) - ligam-se
diferentes células do embrião. Essa modificação na a importinas-, que por sua vez recrutam importinas- para
6e . <pressão genica e a organização espacial gradualmente mediar a translocação através dos poros nucleares. O subti-
fci- "estringem a potencialidade das células, que passam de po de importina produzido pode ser parcialmente respon
* npotentes a pluripotentes c a tipos celulares determina- sável pela diferenciação. Em embriões dc camundongo, a
cm expressando um fenótipo específico. expressão de importina- 1 mantém as células indiferencia
ide Embora a fertilização resulte na união dos genomas das, ao passo que células que se diferenciam em tecido neu-
materno e paterno, a atividade dos genes do zigoto não é ral passam a expressar a importina- 5.
cje necessária até o estágio de blásrula. Grande parte da ati- Esse complexo sistema leva as células, como unida
lias dade é determinada por mRNA materno acumulado no des funcionais, a se organizar em tecidos, órgãos, sistemas
kni- vulo, o qual governa a embriogênese da primeira cliva- e no organismo como um todo. Mesmo após o embrião
n -■m até a formação da blástula. Após esse ponto a trans estar completo e continuando depois do nascimento, as
tos ação genômica do zigoro torna-se necessária para dar células aumentam em número, mantendo a organização
. ntinuidade ao processo da embriogênese. estrutural, até que rodo o desenvolvimento do indivíduo
Além da segregação diferencial de proteínas e orga- se complete, na vida adulta.
fc> à -ri.is citoplasmáticas, ocorre no embrião uma regulação Após o fim da formação, a comunicação entre as cé
ii a " mslacional, exercida inicialmente pelo mRNA materno lulas passa a ser mais complexa, dependendo não apenas
■ei- cumulado no óvulo, que orquestra os primeiros eventos de sinais de sua vizinhança, mecanismo conhecido como
~ ••fológicos do embrião. É provável que grande parte regulação parácrina, mas também de eletrólitos no líquido
-esse processo ocorra por urna regulação epigenética, em intersticial e de hormônios, produzidos por glândulas es
rrvj v
ter- :ue o mRNA materno, de alguma forma, produza uma pecializadas e localizadas a uma grande distância dos teci-
falas ledlação seletiva de segmentos gênicos do embrião. dos-alvo, o que chamamos de regulação endócrina. ^ Av
A simples divisão e diferenciação celular não ga- Esse ambiente de eletrólitos, hormônios, citocinas e
rase r.in ririam a complexa organização de todo o indivíduo, contato interceiular compõe um complexo sistema de co
tni- r,quanto o embrião ainda c um pequeno aglomerado de municação que mantém o organismo como um todo inte
i de - 'tilas, mudanças bioquímicas e o contato entre as células grado e harmônico.
iuia t 7'dem ser suficientes para garantir uma coesão. A medida Ao longo da embriogênese, durante o desenvolvi
ição ue o embrião cresce, a organização celular passa a depen mento e crescimento, mas principalmente durante a fase
jor- der de uma comunicação interceiular mais efetiva, que dê adulta c senescência, algumas células precisam ser remo
I ser cada célula uma “noção” do todo, ou pelo menos de seu vidas e morrem, não por falta de oxigênio ou nutrientes,
rdi- r ipei no todo. As células não podem se comportar indivi mas por mecanismos programados, num processo deno
dualmente. Iodos os processos de divisão e diferenciação minado apoptose.
34 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Pela parada do crescimento ou pelo equilíbrio entre de crescimento sobre seus próprios receptores, num pro
proliferação e morte celular o organismo mantém-se ínte cesso conhecido como regulação autócrina.
gro, ativo e saudável. Além de poder produzir seus próprios fatores de cres
Alguém poderia perguntar se estamos discutindo a cimento, as células também podem modificar os recepto
biologia celular do câncer ou a embriologia e o desenvol res desses fatores de crescimento.
vimento do indivíduo. Mas o problema é exatamente esse. A Figura 1 ilustra como um gene normal pode sofrer
O que ocorre no processo da carcinogênese é a má utiliza alterações e tornar-se hiperativo. Uma deleção ou mutação
ção de toda essa maquinaria celular, grande parte mantida pontual na sequência genica pode fazer que o RNA seja
quicscente pelo processo de diferenciação. traduzido em uma proteína que, mesmo em quantidade
A célula neoplásica utiliza processos bioquímicos normal, apresenta atividade maior do que a usual, des-
normais, mas de forma desregulada e em momentos regulando o controle gênico. F.ssa forma é a que ocorre
inoportunos, gerando a proliferação celular descontro quando a célula produz receptores de membrana intrinse
lada c demais processos envolvidos na carcinogênese. A camente ativos, independentes do ligante.
célula madura e diferenciada volta a manifestar padrões A segunda forma, muito frequente, é o aumento do
de comportamento de suas ancestrais embrionárias. número de cópia do gene (copy tutmber), processo conhe
Não há nenhum processo na carcinogênese que já não cido como amplificação. Essa amplificação genica leva a
tenha sido empregado em alguma fase do desenvolvi uma produção aumentada de RNA e, consequentemente,
mento do indivíduo. de proteínas, que mesmo com atividade normal passam a
A célula normal é transformada numa célula neoplá desempenhar um papel mais ativo pelo aumento na con
sica num longo processo em que os mecanismos normais centração.
dc regulação da proliferação e diferenciação celular vão A terceira forma de aumento na atividade é o rear-
sendo danificados sucessivamenre. Praticamente é necessá ranjo cromossômico, mutações por transiocação que po
rio que ocorram danos tanto nos sistemas que induzem a sicionam determinado gene sob o controle de outro gene
proliferação como nos mecanismos responsáveis por frear regulador, diferente do original. F.ssa nova regulação pode
esse processo. causar uma produção aumentada da proteína (sobreexpres-
As células com fenótipo maligno caracterizam-se pela são), sem que ocorra a amplificação genica. Ainda nessa
independência de fatores de crescimento. Muitas delas forma, a fusão com genes ativamente transcritos aumenta
produzem proteínas sinalizadoras que atuam como fatores a produção de proteínas, que também são hiperativas.
O estímulo para a proliferação não seria suficiente No indivíduo adulto normal a expressão da hTERT
os mecanismos que freiam essa proliferação estivessem é encontrada em células germinativas, cutâneas epiteliais,
ntegros. Dessa forma a célula com fenótipo maligno tam- células-tronco medulares (stem cells) e células do folíçulo
•T 'T
: m adquire insensibilidade aos fatores inibidores da pro- capilar. Como se poderia imaginar, a expressão da telo
leração, internos à própria célula; mecânicos, por inibi merase não é uma capacidade adquirida por essas célu
ção por contato; e químicos, por regulação parácrina das las, mas a desrepressão de um mecanismo que deve ter
células vizinhas. sido útil durante a formação do embrião, quando todas as
Leonard Hayflick, em 1965, descreveu o fenômeno células precisavam dividir-se inúmeras vezes até formar o
rclo qual células mantidas em cultura de tecido apresenta- indivíduo adulto.
:m capacidade replicativa limitada, independentemente O gene de controle da telomerase foi mapeado em
d i fornecimento de nutrientes, oxigênio e espaço físico, 3p21 (cromossomo 3, braço p - curto, “pouco”, do latim
rara impedir a inibição por contato. Essa observação de pauci lócus 21). Embora o gene da telomerase esteja
_ jc as células eram capazes de um número limitado de di presente cm todas as células, a hTERT está inativada na
r TTT
. que deveria haver algum mecanismo inrracclular que Uma boa descrição de como a telomerase elonga o te
■ sse capaz de monirorar as divisões celulares, como um lômero foi dada por Buys, cm 2000, que explica também
relógio biológico. como esse processo é regulado. Todos os processos celu
Passaram-se vários anos até que se descobrisse que os lares são controlados por diversos mecanismos que se en
*:omossomos acabam em porções de DNA compostas por trelaçam, num sistema altamente complexo de regulação.
centenas de repetições de uma seqüência de seis nucleotí- Não é diferente o que ocorre com o controle do número
Jcos, TTAGGG. Essas porções terminais dos cromossomos das divisões celulares. Várias outras proteínas interagem
' ram chamadas telômeros. No genoma humano há 46 cro nesse processo.
'ssomos e 92 telômeros (um em cada terminação). A pl6 é uma proteína inibitória das CDKs (quinases
A função dos telômeros na célula normal seria a de dependentes de ciclina) que está sobre-regulada em células
- .inter a integridade cromossômica, protegendo a termi- senescentes. Ela bloqueia a divisão celular em resposta ao
ição dos cromossomos e separando um cromossomo do sinal de dano ao DNA e inibe a proliferação. As células
TT
Jtro na seqüência do DNA, diferenciando-a de /.onas de entram cm G2, onde os cromossomos sofrem fusão ter-
igmentação. Sem os telômeros, a terminação dos cro- minoterminal.
- >ssomos seria interpretada como uma quebra na molé- A p21 é uma proteína importante no controle do
- ia de DNA e “reparada”, levando á fusão de cromosso- ponto de checagem, similar à pl6, transcricionalmente
“t e à instabilidade genética maciça. ativada pela proteína p53. As células deficientes em p21
Uma deficiência na duplicação da fita do DNA faz falham em parar o ciclo celular e tomam-se apoptóticas.
i a cada duplicação, durante a fase de síntese, uma por- A p53 é a proteína reguladora gênica mais importan
... final de cada fita não possa ser duplicada, o que causa te. Por isso o gene que a produz, o P53, é conhecido como
encurtamento dos telômeros. Quando esse encurtamen- o “guardião do genoma”. A p53 promove a fosforilação
* atinge um comprimento crítico, a célula o “percebe” de proteínas que levam à transcrição de genes indutores
por meio da proteína p53, indica que sejam iniciados da parada do ciclo celular. A desativação dessa via permi
processos que levam à morte celular, por apoptose. te contornar a senescência. A perda da função desse gene
Alguns tecidos normais, como as células-tronco hema- ocorre em quase todas as neoplasias.
- noicticas, por exemplo, precisam ter capacidade maior de A pRb é uma proteína supressora de tumor. A inte
- visão. Para isso eles lançam mão de uma transcriprase rever gridade dessa via previne a gênese de tumores, ao passo
s a , uma ribonudeoproreína (RNP), uma molécula composta que estímulos como a exposição à seqüência homóloga ao
por uma porção proteica e uma seqüência de nucleotídcos excesso 3’ ativam a p53 e a pRb e levam à senescência em
AAUCCC) complementar à seqüência telomérica. Essa enzi presença de TRF2 (telomeric repeat-binding factor 2).
ma, chamada telomerase, restaura a integridade do telômero, A TRF2, por sua vez, protege a terminação dos cro
retrocedendo o contador de divisões celulares e permitindo mossomos da degradação. Sua inibição resulta na perda
que a célula se divida indeterminadamente. do excesso 3’, induzindo a fusão de cromossomos. Sua ati
A telomerase reversa humana (hTERT) é, então, vidade protetora está relacionada à habilidade de formar
am complexo enzimático ribonucleoprotéico que age as alças-t (t-loops). Todavia, sua sobreexpressão leva ao
como transcriptase reversa (RT), que estabiliza o compri encurtamento do telômero, mas não à morte celular. Em
mento do telômero adicionando repetições hcxaméricas oposição, a TRF l (telomeric repeat-binding factor 1) regu
TTAGGG) no final dos cromossomos, compensando, la negativamente o alongamento do telômero.
dessa forma, a “erosão” dos telômeros causada pela du Existem nas células outros mecanismos, além do en
plicação celular. curtamento do telômero, que podem desencadear o pro-
36 T E M A S E M P S I C C - O N C O L O G I A
cesso de apoptose, como a detecção do dano ao genoma, e outras substâncias que também interferem na célula tu-
por exemplo. Por isso a célula transformada também pre moral, por vezes potencializando seu crescimento.
cisa adquirir mecanismos para inibir essas outras formas A formação desses novos vasos sanguíneos é o pro
de sinalização ou o próprio processo de apoptose. cesso conhecido como angiogênese tumoral e representa
Inibida a morte celular, retirados os freios para a pro um passo importante no desenvolvimento da quase totali
liferação e estimulada a divisão celular, a célula transfor dade das neoplasias.
mada, com fenótipo neoplásico, passa a formar um clone • Dissolvida a marriz e criados os vasos sanguíneos, as
de células, que se expande. células neoplásicas precisam adquirir a capacidade de se
As células não estão apenas aderidas umas às outras, deslocar; para isso elas devem remodelar seu citoesquc-
elas se apoiam numa densa matriz amorfa composta por leto e produzir pseudópodes para migração. As células
uma rede de fibras glicoprotéicas embebida no líquido infiltram os tecidos adjacentes, dando limites imprecisos
intersticial. Essa matriz intersticial, densa, dá sustentação às massas minorais (uma das características das neoplasias
aos tecidos e suporte às células, que para aumentar em nú malignas).
mero precisam conseguir um espaço nessa matriz, liberan A proliferação de vasos sanguíneos e a migração ce
do enzimas proteolíricas, entre as quais estão as catepsinas lular, com a digestão da matriz, acabam por fazer que cé
e as metaloproteinascs da matriz (MMPs). lulas tumorais caiam no interior de capilares linfáticos e
Dissolvidos na matriz estão diversos fatores de cres venosos, de onde são carregadas para a drenagem linfática
cimento. A medida que a célula digere as proteínas, esses regional ou para a circulação venosa, respectivamente.
fatores de crescimento entram em contato com as células, A circulação linfática é mais lenta, sendo mais fácil a
modulando seu comportamento e, por vezes, estimulando sobrevivência das células tumorais, que acabam por che
ainda mais o seu crescimento. gar aos gânglios linfáticos, ou linfonodos, os quais agem
A colônia de células que cresce, formando um clone como filtros nesse sistema. Retidas nos linfonodos, as célu
de células, nutre-se por embebição dos nutrientes dissolvi las Tumorais continuam a proliferar, fazendo aí uma nova
dos na marriz. Mas com o crescimento da colônia de célu colônia de células. A medida que cresce, essa colônia dis
las, formando uma massa tumoral, esse processo torna-se torce a estrutura do linfonodo e acaba por escapar pelo
cada vez mais ineficiente, deixando as células do centro da dueto linfático eferente, indo parar em outro linfonodq_e
colônia cm situação de falta de oxigênio (hipóxia). repetindo o processo sucessivamente, até desembocar na
Na célula tumoral, proteínas responsáveis por moni corrente sanguínea e atingir a circulação sistêmica.
torar a tensão intracelular estimulam a produção do HIF-1 Mas as células neoplásicas também podem inva
(fator induzido por hipóxia-1), que leva à transcrição de dir diretamente os capilares sanguíneos neoformados c
genes e à síntese de proteínas que agem como sinalizado daí atingir as vênulas, as veias e a circulação sistêmica.
ras para a célula endotelial. Enquanto progride para vasos maiores, o fluxo sangüíneo
Diversas proteínas sinalizadoras são produzidas nesse torna-se mais rápido, contando com zonas de turbilhona-
processo, como Ang-1, PDGF (fator de crescimento deri mento e atrito com a parede e bifurcações dos vasos. Para
vado de plaquetas), FGF (fator de crescimento de fibro- sobreviver nessas condições as hemácias apresenram sua
blastos) e, o mais importante, VEGF (fator de crescimento forma bicôncava característica; as plaquetas são corpús
do endotélio vascular). culos muito pequenos c os leucócitos circulam próximo à
Esses fatores de crescimento interagem com recepto parede dos vasos.
res na membrana da célula endotelial e do periciro, célula As células neoplásicas, grandes e não adaptadas para
que recobre as células endotciiais dando estabilidade e re sobreviver na corrente sanguínea, são alvo de traumas me
duzindo a permeabilidade dos vasos sanguíneos. cânicos e ataques do sistema imunológico. Para sobreviver
A interação do VEGF com seus receptores leva à nessas circunstâncias as células tumorais formam êmbolos,
rransdução de sinal na célula endotelial e à transcrição de aglomerados de células tumorais, e agregam plaquetas ao
genes que a fazem entrar em processo de divisão celular, seu redor.
proliferando no sentido da formação celular tumoral. Para Esses “grumos" formados circulam pela corrente san
que isso ocorra a dissolução da matriz intercelular é nova guínea, passam pelo coração e atingem os capilares pul
mente necessária, liberando mais fatores de crescimento e monares, ou passam por aí e vagam pela circulação arterial^
ci toei nas que aí estavam armazenados. até os capilares.
Algumas das citocinas liberadas possuem proprieda Para que esses êmbolos tumorais se desenvolvam c
des quimiotáticas para leucócitos, dando início a um pro preciso que a célula tumoral consiga aderir à parede do
cesso inflamatório local. Esse processo vai levar a vasodi- vaso sangüíneo. Nesse processo as plaquetas que estão
latação, aumento da permeabilidade capilar (para a passa aderidas ao tumor ajudam no reconhecimento do endo-
gem dos leucócitos), aumento da pressão intersticial pelo télio vascular e na retração da célula endotelial, expondo
extravasamento de líquido e liberação de prostaglandinas a membrana basal dos vasos sanguíneos, onde a célula tu-
BiOLOG'A DO CÂNC5P 37
ral inicia novamente o processo de digestão das pruteí- aberrante (epigenético) como consequência de mediação
• Ja matriz extracelular e a migração. de segmentos croinossômicos ou interferência de RN A ini
Autônomas em relação a fatores dc crescimento e en- bitório (RNAi).
. nitrando um ambiente adequado às suas necessidades, O processo de regulação da expressão gêmea é muito
células formam novos clones, completando o processo mais complexo do que aparentava. A reoria dos oper >>:< é
c mhecido como metastatização. hoje uma visão bastante simplista do que deve ocorrer na
Da mesma forma corno nos linfonodos, essas novas realidade.
wolônias crescem, cm hipóxia, desenvolvem novos vasos Muitos conceitos que a maioria de nós aprendeu no
- ingüíneos e reiniciam todo o processo, formando novas colégio, ou até mesmo nas cadeiras básicas da faculdade,
metástases a partir das metástases. estão radicalmente mudados. O primeiro deles, já discuti
A medida que o volume de células rumorais aumenta, do, é o de que o núcleo seria o centro de toda a informação
- concentração das substâncias produzidas por elas cresce da célula e de que toda a informação estaria contida no có
na circulação. Algumas dessas substâncias são as que utili digo genético. Como vimos, a interação com as proteínas
zamos como marcadores tu morais na detecção e no moni citoplasmáticas e com o meio exterior são fundamentais
toramento da evolução dos pacientes. Outras substâncias para a regulação da expressão gênica. Dessa maneira, o
rossuem funções que interferem em processos inflamató- DNA c um mero depositário de moldes para a formação
nos e metabólicos, como interleucinas, citocinas e o fator de RNA e proteínas.
de necrose tumoral (TNF). Essas substâncias podem cau- O outro conceito que sofreu um grande abalo foi o
ar perda significativa da massa corpórea, desnutrição e
Tf 7frHB
pelo tumor.
dindo a morte celular por envelhecimento e apoptose. O
Assim é que os pacientes podem vir a falecer de in-
outro fato que abalou o dogma central foi a descoberta de
ificiência respiratória, por metástases pulmonares ou
que o funcionamento desse processo é muito mais eficien
derrames pleurais; tamponamento cardíaco, por derrame
te e elegante do que se poderia supor.
ha- pericárdico; hipertensão intracraniana, por metástases
Na realidade, o DNA produz longos segmentos de
cerebrais que causam edema do parênquima encefálico
ÍLe mRNA que podem ser editados, ou seja, recortados de
erc. Alguns tumores também podem produzir altera
formas diversas, num processo chamado splicmg seletivo.
fceo ções metabólicas, como a hipercalcemia, pela destruição
Nele, um único gene pode produzir mais de um tipo de
ma- maciça do tecido ósseo ou, mais freqüentementc, pela
proteína, dependendo de como a sequência de aminoá-
hra produção ecrópica de peptídeos metabolicamenre ativos.
cidos é montada ao final do splicing. Ou seja, não vale
[sua )utra forma pela qual os tumores podem causar a morte
dos hospedeiros c por ruptura de vasos sanguíneos ou mais a afirmação “um gene = uma proteína”. Um único
fús-
alterações da crase sanguínea, levando a situações de hi- gene pode produzir diversas proteínas. Esse processo tam
io à
percoagulabil idade. bém ocorre em uma estrutura polipeptídica denominada
O processo é esse, da célula transformada à morte do “spliceossomo”, da qual desconhecemos os mecanismos
para
indivíduo pelas metástases, mas onde foi que esse processo de funcionamento c regulação.
rodo começou mesmo? O que é que deu errado? Com um gene produzindo mais dc uma proteí
I
Kos, As novas tecnologias nos permitem analisar a expres na o Projeto Genoma Humano acabou por descobrir
t- ao são de vários genes ao mesmo tempo, e o que constata um número de genes muiro menor do que se supunha.
mos é que a totalidade das ncoplasias apresenta alterações Consequentemente, se há menos DNA “funcionante”, que
sap- genéticas. No entanto, apenas uma pequena parte dos sc traduz em uma proteína, há mais DNA “lixo”, que apa
jul- tumores (5% a 10% das neoplasias) pode ser considera rentemente não codificava nada.
■ :-4 da de transmissão hereditária. Então chegamos à conclu Esse DNA “lixo” codifica seqüências de mRNA cuja
são de que algumas dessas alterações são causa, outras, função não é a de transcrever proteínas, mas de se ligar a
consequências, e algumas são apenas epifenômenos. determinados segmentos do próprio DNA, servindo como
Bí As modificações do funcionamento gênico podem de uma forma dc silenciamento gênico. Esse RNA, chamado
estão correr de mudanças estruturais causadas por mutações, de- inibitório ou interferente, pode ser responsável pela su
tdo- leções, translocações cromossômicas, amplificações gênicas pressão da função de diversos genes que estão envolvidos
*ndo e polimorfismos de nucleotídeos. As alterações também no controle negativo da divisão celular, causando a perda
b ru- podem ser funcionais apenas, causadas pelo silenciamento dos mecanismos de regulação da proliferação.
38 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
Partes do DNA “lixo” podem ser responsáveis pela com pouca freqüência elas são detectadas pelo sistema
produção do “spliccossomo” e pela regulação de sua fun imunológico. A prova disso é quão ineficiente a imuno-
ção, assim como podem produzir e regular outra estrutura terapia adotiva inespecífica tem se mostrado ao longo da
antes desconhecida, o proteossomo. história da oncologia. O processo imunológico surge, de
Aprendemos os processos pelos quais o DNA sinte forma inespecífica, quando a invasão tecidual libera subs
tiza RNA mensageiro, transportador e ribossômico, que tâncias quimiotáticas para os leucócitos, causando a in
sc combinam para produzir a síntese protéica, mas não filtração do tumor por linfócitos. A presença de intenso
nos perguntávamos o que acontecia com essas proteínas infiltrado linfodtário é característica dos tumores que
depois de formadas. Sc as células fossem apenas formando geram mais reação imunogênica, mas mesmo assim essa
proteínas ao longo da vida, elas se tornariam imensos de infiltração não é suficiente para conter o desenvolvimento
pósitos protéicos. E claro, então, que as proteínas, depois das células neoplásicas.
de cumprida sua função, precisam ser novamente “des A imunoterapia só voltou a ser efetiva quanto con
montadas”. Esse processo ocorre no proteossomo. seguimos identificar alguns alvos tumorais específicos e
Para que o proteossomo possa reconhecer uma pro desenvolver anticorpos murinos, quiméricos ou humani
teína como não sendo mais útil ela deve ser marcada num zados para realizar as funções imunológicas que o organis
processo denominado ubiquitinação, cujo controle tam mo não conseguiu fazer por si mesmo. Ainda assim, apesar
bém ainda não conhecemos, mas é possivelmente mais de muito eficaz em determinadas situações, essa estratégia
complexo do que imaginamos, pois já se descreveram os não se tornou a cura do câncer.
processos de desubiquitinação. O futuro promete ser mais inquietante ainda após
É fácil perceber que, numa célula repleta de proteínas duas observações de laboratório. Uma delas é a de que
funcionais, com mediadores químicos que regulam todos os as células podem modular suas funções e modificar a
_ processos intra e, muitas vezes, intercelulares, a persistên- composição das suas proteínas em resposta a estímulos
) cia de uma proteína “estimuladora” ou a supressão de urna do ambiente. E bem caracterizada a neuroplasticidade de
proteína “repressora” pode causar o mau funcionamento da neurônios expostos a estímulos crônicos como a dor, por
célula. Isso não só é real como já se identificaram alterações exemplo, que modificam sua estrutura e composição para
** desse processo em diversas neoplasias, além de se ter desen se adaptar a um novo ambiente. Essa plasticidade envolve
volvido uma substância, o bortezomibe, que bloqueia o fun a modificação da expressão gênica, com a ativação e o si
cionamento do proteossomo e produz respostas clínicas cm lenciamento de genes específicos.
micloma múltiplo e algumas neoplasias do pulmão. A segunda observação, mais intrigante, é a de que
Entre os processos misteriosos dos quais não conhe algumas espécies de peixe não possuem o sexo determi
cemos os mecanismos de regulação estão a metilação de nado geneticamente; no entanto, na forma adulta todos
segmentos do DNA, causando o silenciamento gênico, e a os indivíduos manifestam características sexuais bem de
própria organização espacial dos cromossomos, ao redor finidas. Numa dessas espécies constatou-se grande dife
das histonas. A acetilaçào e a desacetilação das histonas rença de tamanho entre as fêmeas (maiores) e os machos.
permitem a exposição do DNA para a transcrição ou du Experimentos de laboratório mostraram que a exposição
plicação genica, interferindo diretamente na expressão gê- de alevinos recém-nascidos a modelos plásticos (o que in
nica. Esses são mais dois processos que podem estar sendo valida a hipótese de mediadores químicos) imitando o ta
regulados pelo chamado DNA “lixo”. manho dc um dos sexos causa a diferenciação dos alevinos
Nessa história complexa que vimos até aqui ainda fal no sexo oposto.
ta discutir dois conceitos “populares”: o de que todos nós A análise desses peixes revelou que o estímulo vi
temos células neoplásicas em nosso organismo; e outro, sual qualitativo utilizando modelos pequenos aumenta a
relacionado a esse, que é o da “barreira imunológica”. produção de aromatase no sistema nervoso central, con-
Na verdade, todas as nossas células guardam o geno- seqüentemente aumentando a concentração de estrogê-
ma original, totipotente. Daí vem a pesquisa das clona nios, que levam à diferenciação para o sexo feminino. O
gens e das células-tronco. Por isso, qualquer célula, quan oposto ocorre quando a exposição a modelos grandes não
do transformada, pode se tornar uma célula com fenótipo estimula a produção da aromatase. Na falta de estrógeno,
neoplásico. Se as transformações forem muito dramáti os peixes tornam-se machos.
cas, as células geradas podem ser inviáveis e morrer, mas Quanto dessa capacidade de plasticidade que o am
freqüentemente a carcinogênese é um longo processo de biente pode produzir, modificando a composição bioquí
transformação em que os defeitos vão se somando, culmi mica e biológica das células, ainda pode estar presente em
nando na gota de água que faz o copo transbordar. nossa espécie?
Como essas células expressam características que em A biologia molecular há muitas décadas tem desde
determinados momentos da ontogenese (formação do nhado da hipótese psicogênica do câncer, mas talvez num
indivíduo) estiveram presentes e tiveram alguma função, futuro próximo tenhamos de rever também esse conceito.
BIOLOGIA DO CÂNCER 39
■ 'vin que alterações psíquicas venham n se tornar a “causa” bem como éticas e morais. Como falávamos no início
■- ' câncer, mas não é impossível que processos psíquicos, deste capítulo, a vida não se inicia na fecundação, ela é
«ia iediados ou não pelos sistemas endócrino e imunológico, uma chama que persiste ao longo da existência huma
de r >ssam estar envolvidos no surgimento do fenótipo malig- na. Poderemos conhecer todas as peças e os processos
b>- no, assim como na progressão tumoral. envolvidos na regulação do funcionamento gênico, mas
- As neoplasias são um vasto grupo de doenças distin-
algum dia depararemos com o ponto primordial: desco
ISO -> para as quais não hã uma causa, e sim uma sucessão de
brir onde é que toda essa estrutura iniciou seu funcio
& vemos. Talvez não possamos deter esse processo depois
namento. Aí poderemos responder o que veio primeiro,
isa que ele se consolida, como não podemos deter uma ava-
EO nchc, mas é muito provável que um dia possamos impe o gene ou a proteína.
dir que esses eventos ocorram. Após observarmos essa primeira reação biológica,
m- O conhecimento da biologia celular e da biologia ainda nos resrará perguntar sobre o que nos fez caminhar
se . is neoplasias já tem dado frutos no presenre, modifi- contra o princípio básico da termodinâmica, que diz que
£i" - indo a face da oncologia do século XXL Para prosse tudo caminha para um estado de maior entropia, chegan
guir nesse caminho teremos de vencer barreiras técnicas do aos seres maravilhosamente complexos que somos.
sir
- .1
era
5ye
psi
que
mi
cos
de-
líe-
kos.
cão
iin-
»ta
cos
i vi-
ta a
»n-
•gê-
i. O
cio
mo,
im-
vj?
sem
ade-
:um
sto.
CÂNCER DE MAMA
Alfredo Carlos S. D. Barros
elevada frequência do câncer de mama, aliada nem mesmo o nome do profissional que está encarregado
I
CÂNCER DE MAMA 41
:ir, passando uma mensagem realista, mas otimista (dei cology e a European Society of Medicai Oncology (‘‘AS
-jiglio, 2002). O medo e a fantasia quase sempre fazem CO-ESMO consensus statement on quality câncer care”,
•frer mais que a realidade. 2006). A obediência a esses preceitos torna o seguimento
Assuntos íntimos, como vaidade, auto-estima, vivên- mais efetivo e humanizado.
- amorosa e sexualidade, não podem ser esquecidos e, se A possibilidade da solicitação de testes genéticos em
io aflorarem naturalmente, precisam scr provocados. mulheres que tiveram câncer de mama na pré-menopausa
A equipe deve scr disponível. A paciente precisa estar e provêm de famílias de alto risco no que diz respeito à
>egura sobre onde, quando e como poderá procurar assis- síndrome do câncer hereditário deve ser apresentada às
Tência cm caso de necessidade. que têm acesso ao exame e discutida com elas. Não que
seu resultado modifique a condução do caso, mas pode
determinar estratégias preventivas para familiares e des
Consultas médicas cendentes diretos não afetados.
As consultas são dedicadas a anamnese, exame físico Freqüentemente a paciente manifesta o desejo de
r orientações. Deve-se aconselhar sobre sinais c sintomas uma segunda opinião sobre as modalidades terapêuticas
. r recorrência, novos nódulos e rotina de exames e retor- empregadas no seu caso, e o acesso a outro parecer deve
3S a ser seguida (Khatcheressian et al., 2006). ser facilitado.
Normalmente, ressalvando-se as peculiaridades índi- Opções terapêuticas incluídas na chamada medicina
duais, recomendamos consultas de três em rrês meses complementar ou alternativa carecem de validação por mé
n j primeiro ano, de seis em seis até o terceiro e anual todos científicos, mas são muito populares (Vickers e Cas-
mente a seguir. silerh, 2001; Tripathy, 2005). Se forem importantes para a
O profissional responsável pelo seguimento precisa paciente, do ponto de vista emocional, e promoverem seu
; jnferir se estão sendo feitos coleta de colpocitologia oncó- bem-estar, desde que não interfiram no tratamento padrão
i:ca, planejamento familiar e assistência durante o climatério. cientificamente comprovado nem o retardem, podem ser
suárias de inibidores de arornatasc, principalmente depois seguidas em paralelo, porém não devem ser estimuladas.
:.i quimioterapia, têm grande chance de apresentar osteo-
' rose. Recomendam-se, assim, controle por densitometrias
■sseas e tratamentos comportamentais ou medicamentosos, Detecção de recidivas
necessários. Aquelas que usam tamoxiíeno requerem exa-
locorregionais
ne ginecológico cuidadoso e ultra-sonògrafia endovaginal
nual, além da preocupação com distúrbios visuais e cata A identificação precoce de recidivas locoregionais é
rata. Pacientes obesas merecem orientação e estímulo para desejável, porque seu tratamento oportuno reduz a chance
r b ç - ? p - a-
: correção da massa corpórea, porque a obesidade é, per se, de metastatização. Um exemplo típico é a recidiva local
■ uor prognóstico negativo e o controle de peso é desejado. após cirurgia conservadora. Em cada visita, pela anamnese
O Quadro 1 apresenta recomendações para a quali- e pelo exame físico, o médico procura sinais e sintomas de
ade do cuidado ao paciente com câncer, visto pela óptica recorrência. O auto-exame mensal deve ser ensinado e in
do paciente, segundo a American Society of Clinicai On- centivado, até porque com grande frequência é a própria
paciente que percebe a recidiva. Porém, o fundamental é
a mamograiia.
Quadro 1: Recomendações para melhorar a qualidade de A primeira mamografia é solicitada após seis meses da
. da do paciente com câncer cirurgia conservadora de mama e, a partir daí, anualmente.
Em geral, solicita-se em conjunto a ultra-sonografia, particu
'. Acessoà informação
larmente útil em mamas operadas e irradiadas. Essa rotina
Privatidai ie, confidencialidade* dignidade ainda necessita de comprovação por meio de estudos clínicos,
que nunca foram elaborados com esse objetivo. Grunfeld et
3. Acesso ao prontuário
al. (2002), em revisão sistemática sobre o tema, salientaram
- Assistência médica preventiva esse fato e notaram, pela análise de estudos observacionais,
tas 5. Ausência de discriminação que o método de detecção da recidiva local - exame físico
ta- ou mamografia - não influenciou no prognóstico.
6 Consent imento e escolha do tratamento
D, Uma metanálise publicada por Bock et al. (2004a),
|b- 7. Tratamento multidisdplinar baseada em 5.045 pacientes de doze escudos, evidenciou
S Oportunidade para participar de clinicai :rials que 40% das recidivas locorregionais são descobertas nas
tu- visitas médicas de rotina, ao passo que 60% são eviden
9. Planejamento do seguimento ciadas por manifestações clinicas autoperceptíveis no in
Kos
tn- ' 3. Tratamento de suporte ou paliativo, se necessário tervalo entre as consultas.
42 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Depois da mastectomia a pesquisa de recidiva locor- Hortobagyi (2002) acredita que uma reduzida fra
regional c feita pelo exame físico. Em mamas reconstruí ção das pacientes com metástases a distância (1% a 3%)
das, conquanto a norma não seja consensual, recomenda apresente oligometástases circunscritas, passíveis de cura
mos mamografia anual. com tratamento multimodal. Entretanto, isso precisa ser
confirmado em estudos clínicos.
Para seguimento do câncer de mama já ativamente tra
Diagnóstico de metástases a tado. a recomendação da American Society of Clinicai On-
distância cology, de 2006, não defende como rotina nenhum desres
Vale a pena a vigilância laboratorial e imagenológica testes: hemograma, enzimas hepáticas, marcadores mino
intensiva para descobrir cedo, por métodos subclínicos, rais, radiografia de tórax, cintilografia óssea, ultra-sonogra-
uma metástase a distância? Muda-se a história natural da fia de fígado, tomografin computadorizada, FDG-PET ou
doença ou melhora-se a qualidade de vida instituindo-sc ressonância magnética. Ou seja, o seguimento deve sc basear
medidas terapêuticas precoccmente? somente em parâmetros clínicos, evitando-se gastos desne
Dois estudos clínicos europeus, realizados na Itália, cessários, ansiedade e medo provocados pela realização dos
com metodologia adequada, informaram que não. O es exames. Os sintomas de suspeita de metástase, conforme o
tudo denominado Givio trial (Gmppo Inrerdisciplinare órgão, são os seguintes (Emens c Davidson, 2003):
per la Valutazione dcgli Interventi in Oncologia) arrolou
1.320 pacientes após tratamento de câncer de mama, com • ossos: dor localizada de intensidade progressiva;
idade máxima de "*0 anos, em estádios I, II e III, forman • pulmões: tosse, dispnéia, dor torácica;
do dois grupos: vigilância intensiva (n = 655) e vigilância • fígado: anorexia, perda de peso, desconforto no
mínima (n = 665) (The Givio investigators, 1994). Nos hipocôndrio direito;
dois grupos havia entrevista e exame físico a cada três me • SNC: alteração mental, cefaléia persistente, con
ses e mamografia anual. As que estavam sob vigilância in vulsão.
tensiva tiveram dosagens de enzimas hepáticas no mesmo
intervalo, raios X de tórax semestral e cintilografia óssea e Os marcadores tu morais de câncer de mama, como
ultra-sonografia hepática anuais. A detecção de metástase CA 15.3 e CA 27.29, têm sua indicação rotineira bastante
a distância assintomática foi mais freqüente no grupo de questionada (Carlson, 1999), não obstante existam evi
vigilância intensiva (3 1%) do que no de vigilância mínima dências de que possam se elevar nas metástases, cerca de
(21%). Contudo, depois do seguimento mediano de 71 seis meses antes do aparecimento de sintomas ou imagens
meses, não houve diferença significativa de sobrevida nos patológicas. Esses marcadores são úteis principal mente
dois grupos: 80% contra 78%. para a monitorização terapêutica de metástases sintomá
Outro estudo multicêntrico incluiu 1.243 pacien ticas e como complemento ao diagnóstico diferencial de
tes que passaram por tratamento de câncer unilateral de metástases por métodos de imagem (Barros et ai, 1994).
mama, estádios I, II e III (Del Turco et ai, 1994). No grupo Pelo exposto, não se justifica, como rotina, a prope
de vigilância intensiva, além de consultas periódicas t* ma dêutica baseada em vigilância intensiva. Descobrir uma
mografia, ainda se acrescentaram cintilografia óssea e raios metástase assintomática não significa curar, nem prolon
X de tórax semestrais por cinco anos. Como se poderia gar a sobrev ida ou melhorar a qualidade de vida, na imen
supor, entre as pacientes com vigilância intensiva descobri- sa maioria das vezes. Casos especiais de pessoas que ape
ram-sc mais metástases intratorácicas ou ósseas (112 versus nas se sentem seguras depois de exames com resultados
I no grupo controle). Todavia, não houve diferença sig negativos merecem consideração à parte.
nificativa dc mortalidade em cinco anos nos dois grupos
(18,6% versus 19,5%).
Mesmo considerando o prolongamento do tempo de Diagnóstico de segundo
observação desse estudo para dez anos, não houve vantagem tumor primário e de outras
na sobrevida que justificasse a vigilância intensiva (razão de
chance = 1,05; IC 95%: 0,87-1,26) (Palli et ai, 1999).
intercorrências
Uma metanálisé desses dois estudos citados, com Pacientes com antecedente de carcinoma ductal in-
resultados atualizados, foi divulgada pela Cochrane Li- vasivo de mama apresentam chance de 0,5% a 1% ao ano
brary (Rojas et ai, 2000). Também não se verificou di de desenvolver câncer de mama contralatcral. Por isso é
ferença de sobrevida global (razão de chance = 0,96; IC enfatizada a conduta da mamografia anual.
95%: 0,80-1,15). Não se descobriu superioridade inclu Em pacientes jovens ou com mamas densas, somos
sive em subgrupos de idade, tamanho tumoral e estado partidários da associação, se possível, de ultra-sonografia
linfonodal. e ressonância magnética, que tem sc mostrado útil para
CÂNCER DE MAMA 43
-:ccção dc câncer em mulheres com alto risco e, também, sempre de dificuldades psicológicas e sociais. Estas re
mama oposta. Lehman et al. (2007) verificaram que 30 percutem diretameme no seu bem-estar e na qualidade
969 pacientes (3,1%), dc várias idades, com diagnósti- de vida, cuja manutenção é a motivação maior do ato
. * de câncer de mama unilateral recente (até sessenta dias) médico. A razão de ser da medicina é cuidar e aliviar,
mamografia contralateral normal, apresentaram carcino- mais até do que curar.
la na mama oposta, descoberto por ressonância. Desse jeito, o objetivo do tratamento não é conseguir
te Dez anos depois da cirurgia, a chance de um novo uma pessoa que represente um ponto vivo cm uma curva de
jes ncer de mama é igual ou superior à chance do apareci Kaplan-Meier, mas sim a recuperação e/ou preservação da
I- mento de recorrência. A atenção deve ser redobrada em qualidade de vida. Faz-se necessário apoio para readquirir
- ens (Rosen et al., 1989). bom relacionamento familiar, desempenho profissional, ca
r3-
ou A incidência de câncer de mama contralateral foi de pacidade de elaborar planos e visualizar perspectivas. Esse
t ir aos 20 c 25 anos nos estudos NSABP B-06 e B-04, apoio é sempre mais eficaz, e os resultados aparecem mais
fi- respectivamente (Fisher et ai, 2002a e 2002b). Porém, precocemente, quando compartilhado com um psicólogo
los ?e-se que o fator causador de metástase e óbito é quase especializado na área.
ro nipre o primeiro câncer, tendo em vista que o segundo E sabido que a religiosidade e a espiritualidade in
-iwjba sendo descoberto muito precocemente, salientando- fluenciam favoravelmente na reenergização e no enfren-
assim, a importância da mamografia. tamento da doença. O estímulo à vivência de uma fé re
No câncer de mama hereditário, principalmente ligiosa é importante, ajuda a promover o recobramento
- formas relacionadas à mutação dos genes BRCA1 e nos períodos de crise e pode inclusive provocar reações
: RCA2, é elevada a probabilidade de câncer de ovário (40- orgânicas imunitárias (Choumanova et al., 2006; Sephton
e 10-40%, respectivamente) (Easton et al., 1995). et al., 2001; Ramondetta e Sills, 2004).
essas mulheres a ooforectomia é uma alternativa váli- Dificuldades no exercício da sexualidade são comuns,
- i. geralmente sendo realizada após os 40-50 anos. Caso tanto dc redução da libido, como no próprio ato sexual,
por ansiedade, secura vaginal, baixa auto-estima, altera
se pratique a ooforectomia, solicitam-se dosagem de
ções dc imagem corporal ou inibição do parceiro (Dorval
mo -A-125 e ulcra-sonografia anuais.
et al., 1999). Os obstáculos têm causa psicoaíetiva c não
Complicações e intercorrências tardias conseqüentes
— hormonal, já que os níveis hormonais, incluindo o de tes-
rvi- tratamento não são comuns. No entanto, as principais
tosterona, não se relacionam com o quadro (Speer et al.,
B Je . podem ser diagnosticadas no seguimento são (Partrid-
2005; Broeckel et al., 2002). Orientações simples para o
pns r 2 0 0 1 ; Whitworth et al., 2000):
casal, esclarecendo dúvidas, reforçando as potencialidades
Cite de troca dc carinho e excitação erógena, colaboram para
pú- • cirúrgicas: parestesia, linfedema e erisipela no
que, a seu tempo, tudo se resolva.
í de braço;
Estímulo para lazer, viagens, esportes e atividades re
K).
• quimioterápicas: síndrome leuccmia-mielodispla-
creativas faz parte do papel do médico.
*?e- sia, disfunção cardíaca, neuropatia, infertilidade e
Sinais de parestesias no braço, fibroses na axila,
íma menopausa precoce;
prejuízo na mobilidade do ombro e linfedema (geral
lon- • radioterápicas: pneumonite, toxicidade cutânea;
mente discreto) são freqüentes e merecem cuidado fi-
■en- • hormonioterápicas: tromboembolismo, catarata,
si o terapêutico.
ape- pólipos e hiperplasias endomerriais, osteoporose,
Todas essas funções de apoio são mais bem exerci
fedos dores osteomusculares.
das quando oferecidas por uma equipe multiprofissional,
incluindo enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fi
E comum que a mulher em seguimento oncológico sc sioterapeutas c nutricionistas, que devem participar da
-->aiide da prevenção de doenças crônico-degenerativas em assistência sempre que solicitados. Em serviços públicos,
• ■ . Sendo assim, alem do incentivo à adoção de estilo de com poucos recursos, o ideal é a formação de grupos de
Njudável e eventual encaminhamento para outros espe apoio, em que a equipe multiprofissional entre em contato
rtas, são aconselháveis avaliações periódicas de metabo- com várias pacientes de uma só vez. Nesses grupos, ex-
h mo glicídicp e lipídico, função renal, pressão arterial etc. pacientes e voluntárias desempenham papel relevante. As
I in- atividades são coletivas, porém as necessidades são indivi
jano dualmente identificadas e as providências tomadas (Bock
Lo é Apoio para a recuperação da et al., 2004b; Lane, 2007).
qualidade de vida Uma questão capital é o estabelecimento de vínculo
mos mais forte de referência com um membro da equipe médi
prafia As mulheres que sofreram tratamento de câncer de ca, geralmente o mastologista ou o oncologista, para ser o
para ~-ima, em algum grau e por certo tempo, padecem quase cuidador principal. Deve-se evitar a diluição da atribuição
44 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
da responsabilidade do controle do caso entre os diversos gista para a condução do caso. Um relatório circunstancia
profissionais, corno radioterapeutas, cirurgiões plásticos, do sobre todo o tratamento dispensado, contendo também
ginecologistas e outros. Dependendo da estrutura da equi o roteiro sugerido de medidas para o acompanhamento
pe, o papel de elemento central coordenador do acom futuro, é preparado e entregue. A experiência mostra que
panhamento pode ser realizado por qualquer especialista, o seguimento feito por outros profissionais, não masto-
geralmente aquele com maior formação humanística e logistas e não oncologistas, no momento certo, tende a
vocação. O que não se pode justificar são consultas perió ser mais bem aceito e não leva a prejuízo no prognóstico.
dicas simultâneas com cirurgiões, oncologistas e radiotera A propósito, Gruníeld et al. (2006) compararam o segui
peutas, repetitivas e iatrogênicas. mento feito por médicos de família com o executado por
Depois de alguns anos de seguimento após o trata oncologistas, no Canadá, e observaram nos dois grupos
mento, a paciente tem condições de ser encaminhada para uma taxa semelhante de detecção de eventos desfavoráveis
seu médico clínico geral (médico de família) ou ginecolo e de evolução prognóstica.
Referências bibliográficas
“As( o-esmo consensus statement on quality câncer Easton, D. F.; Ford, D.; Bishop, D. T. “Breast and
care”. Journal of Clinicai Oncology, v. 24, n. 21, p. 3498- ovarian câncer incidence in BRCAl-mntation carriers.
9, 2006. Breast Câncer Linkage Consortium”. The American Journal
Barros, A. C. S. D.; Fry Jr., W.; Nazario, A. C. P.; ofHuman Genetics, v. 56, n. 1, p. 265-71, 1995.
Santos, M. O.; Sato, M. K. “Experience with CA 15.3 Emens, L. A.; Davidson, N. E. “The follow-up of
as a tumor marker in breasc câncer”. European Journal of breast câncer”. Seminars in Oncology, v. 30, n. 3, p. 338-
Surgical Oncology, v. 20, n. 2, p. 130-3, 1994. 48, 2003.
Bock, G. H. de; Bonnema, J.; van der Hàce, J. et al. Físher, B.; Anderson, S.; Bryant, J. et al. “Twenty-year
“Efíectiveness of routine visits and routine tests in detect- follow-up of a randomized trial comparing total mastec-
ing isolated locoregional recurrcnces after treatment for tomy, lumpectomy, and lumpcctomy plus irradiation foi
early-stage invasive breast câncer: a meta-analysis and sys- the treatment of invasive breast câncer”. The New England
tematic review”. Journal of Clinicai Oncology, v. 22, n. Journal of Medicine, v. 347, n. 16, p. 1233-41, 2002a.
19, p. 4010-8, 2004a. Fishf.r, B.; Jeong, J. H.; Anderson, S. et ai “Twenty-
Bock, G. H. de; Bonnema, J. et al. “PatienEs needs five-year follow-up of a randomized trial comparing rad
and prcferences in routine follow-up after treatment for ical mastectomy, total mastectomy, and total mastectomy
breast câncer”. British Journal of Câncer, v. 90, n. 6, p. followed by irradiation”. The New England Journal of
1144-50, 2004b. Medicine, v. 347, n. 8, p. 567-75, 2002b.
Broeckel, J. A.; Thors, C. L.; Jacobsen, P. B.; Small, Grunfeld, E.; Lkvink, M. N.;Juuan, J. A. et ai “Ran
M.; Cox, C. E. “Sexual functioning in long-term câncer domized trial of long-term follow-up for early-stage breast
survivors treated with adjuvant chemotherapy”. Breast câncer: a comparison of family physician versus spedalist
Câncer Research and Treatment, v. 75, n. 3, p. 241-8, care”. Journal of Clinicai Oncology, v. 24, n. 6, p. 848-55,
2002. 2006.
Buber, M. Eu e Tu. São Paulo: Cortez e Moraes, Grunfeld, E.; Noorani, H.; McGahan, L. et al. “Sur-
1977. veillance mammography after treatment of primary breast
Carlson, R. W. “Biomarkers in the surveillance of câncer: a systematic review”. Breast, v. 11, n. 3, p. 228-35,
early breast câncer”. Seminars in Breast Disease, v. 2, p. 2002.
240-3, 1999. Hortobagyi, G. N: “Can we cure limired metastatic
Choumanova, I.; Wanat, S.; Barrf.tt, R.; Koopman, breast câncer?” Journal of Clinicai Oncology, v. 20, n. 3,
C. “Religion and spirituality in coping with breast câncer: p. 707-18, 2002.
perspectives of Chilean women”. The Breast Journal, v. Jfmal, A.; Siegel, R.; Ward, E. et al. “Câncer statis-
12, n. 4, p. 349-52, 2006. ries, 2006”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, v. 56, n.
DEL Giglio, A. “A relação médico-paciente sob uma 2, p. 106-30, 2006.
perspectiva dialógica”. Revista Brasileira de Clínica e Tera Khatcheressian, J. L; Woi.ff, A. C.; Svhth, T. J. et al.
pêutica, v. 27, n. 1, p. 6-8, 2002. “American Socicty of Clinicai Oncology 2006 update of
Dorval, M.; Maunshll, E.; Taylor-Brown, J. “Mar the breast câncer follow-up and management guidelines in
ital stability after breast câncer”. Journal of the National the adjuvant setting”. Journal of Clinicai Oncology>, v. 24,
Câncer Institute, v. 91, n. 1, p. 54-9, 1999. n. 31, p. 5091-7, 2006.
C A N C E P DE V i V - 45
Lane, K. “Tmproving qualiry of care for breasr câncer primary breast câncer. A randomized tria X * 7-
rm • rvivors”. Breast Diseases: .4 Year Book Quarterly, v. 17, search Council Project on Breast Câncer foli< •ss-up”. T h ,
KO p. 328-9, 2007. Journal of the American Medicai Associaiion. v. 2“ 1. n.
^ie Lehman, C. D.; Gatsonis, C; Kuhl, C. K. et al. “MRI 20, p. 1593-7, 1994.
lo- - aluarion of rhc contralateral breasr in women wirh re- Sephton, S. E.; Koopman, C.; Schaal, M.; Th
c1 :.ntly diagnosed breast câncer”. The New England Journal C.; Spiegel, D. “Spiritual expression and immnnc ?ta*Ui
ÍK>. Medicine, v. 356, n. 13, p. 1295-303, 2007. in women with metastatic breast câncer: an exploratorv
P«- Palli, D.; Russo, A.; Saikva, C. et al. “Intensive vs study”. Breast Journal, v. 7, n. 5, p. 345-53, 2001.
por . linicaJ fòllow-up afrer rrearment of primary breast cân Speer, J. J.; Hillenbhrg, B.; Sugrue, D. P. et al. “Study
pos cer: 10-year update of a randomized trial”. The Journal of sexual functioning determinants in breast câncer
íeis the American Medicai Associai ion, v. 281, n. 17, p. survivors”. Breast Journal, v. 11, n. 6, p. 440-7, 2005.
1586, 1999. The Grvio investigators. “Impact of follow-up testing
Partridge, A. H.; Burstein, H. J.; Winf.r, E. R “Side on survival and health-related quality of life in breast câncer
effects of chemotherapy and combined chemohormonal patients: a multicenter randomized conrrolled trial”. The
:herapy in women wirh early-stage breasr câncer”. Journal Journal of the American Medicai Association, v. 271, n. 20,
• the National Câncer Institute Monographs, n. 30, p. 135- p. 1587-92, 1994.
42, 2001. Tripathy, D. “Complementary and alternative med
j Jã 2
Ramondetta, L. M.; Sii.i s, D. “Spirituality in gynecol- icine in breast câncer: models of research”. Breast Diseas
gical oncology: a review”. International Journal of Gy- es: A Year Book Quarterly, v. 15, p. 368-9, 2005.
■: cological Câncer, v. 14, n. 2, p. 183-201, 2004. Veronfsi, U.; Viale, G.; Rotmknsz, N.; Goldhirsch,
Rojas, M. P.; Tf.laro, E.; Russo, A. et al. “Follow- A. “Rethinking TNM: breast câncer TNM classification
up strategies for women treated for early breast câncer”. for treatment decision-making and research”. Breast, v.
ochrane Database ofSystematic Reviews, n. 4, 2000. 15, n. 1, p. 3-8, 2006.
Rosen, P. P.; Groshhn, S.; Kinne, D. W.; Hei lMan, S. Vickers, A. J.; Cassileth, B. R. “Unconvenrional
Irar Contralateral breast carcinoma: an assessment of risk and therapies for câncer and cancer-related symptoms”. Lan
rec- prognosis in stage I (T1NOM0) and stage 11 (TINIM0) cei Oncology, v. 2, n. 4, p. 226-32, 2001.
I for parients with 20-year follow-up”. Surgery, v. 106, n. 5, p. Whítworth, P.; McMasters, K. M.; Tafra, L.; Ed-
b nd 904-10, 1989. wards, M. J. “State-of-the-art lymph node staging for
Rosseu.! Del Turco, M.; Palu, D.; Cakiddi, A. et breast câncer in the year 2000”. American Journal of Sitr-
■ty- .... “Intensive diagnostic follow-up afrer rreatment of gery, v. 180, n. 4, p. 262-7, 2000.
fcad-
cmv
iof
Lin-
reast
ciisr
1-55,
*Vjr-
ieast
1-35,
nric
k 3,
tris-
*. n.
ít j/.
rr of
ts in
124,
CÂNCER E GESTAÇAO
A driana T ourinho F erreira B uzaid ; A ntonio C arlos B uzaid
mamas sofreram poucas alterações fisiológicas. Lesões (categoria C pelo EDA) e â dificuldade de posicionar a pa
. .,:âncas deverão ser analisadas, pois tendem a ficar mais ciente grávida em decúbito ventral (Loibl et al., 2006).
mgmentadas durante a gravidez. Exames que podem ser realizados no estadiamento
Após a identificação de uma alteração no exame físi incluem raios X de tórax com proteção abdominal, US do
co, o temor de complicações maternas e fetais aliado à fal- abdómen (e, se necessário, RNM do abdômen sem gado
0 - de experiência do pré-natalista pode retardar ou adiar línio) e RNM da coluna (sem gadolínio) como forma de
realização de uma biópsia. Um estudo do Memorial rastreamento de metástases ósseas (Nicklas e Baker, 2000).
v >nn-Kettering Câncer Center com 63 pacientes portado- Em pacientes em estádio clínico inicial, recomendamos so
is de câncer de mama associado à gravidez demonstrou mente raios X de tórax e US do abdómen. Em casos de
. menos de 20% dessas pacientes tiveram o diagnóstico suspeita de metástases pulmonares pelos raios X de tórax,
_-;rante a gestação. F.m metade das pacientes o tumor na pode-se realizar uma RNM do tórax para melhor avalia
idez foi diagnosticado dentro de doze semanas após o ção. A tomografia computadorizada e o mapeamento ósseo
- irto, demonstrando a dificuldade do diagnóstico clínico não devem ser realizados durante a gestação (Loibl et ai.
- certa relutância em realizar a biópsia na gestação (Petrek 2006). Embora tenha sido reportado que o mapeamento
tf j/., 1 9 9 1 ). ósseo pode ser realizado em mulheres grávidas com a co
locação de cateter vesical (para diminuir a exposição fetal)
ber conjuntamente com hidratação intensa, essa abordagem
K£- Diagnóstico por imagem não deve ser adotada hoje em dia (Baker et al., 1987). Ade
; tf A maior experiência obtida atualmente é em pacien- mais, McKenzie et al. (1994) demonstraram, em duas mu
£3* ■ > com câncer de mama. A ulrra-sonografia (US) de mama lheres com idade gestacional entre 30 e 32 semanas, que,
■e . sempre o primeiro método de imagem a ser solicitado. embora o esqueleto fetal também capte tecnécio quando
I segura e útil para estabelecer a diferença entre tumores da realização de um mapeamento ósseo, o maior grau de
. >t:cos ou sólidos. A aspiração, presença de líquido e ob- captação vem da bexiga. No caso de sintomas sugestivos
Ma rrvação do desaparecimento do tumor rapidamente dife- de metástases ósseas, recomendamos acrescentar RNM da
'. .ciam um cisto ou galactocele de tumores sólidos. Nem coluna total.
ras pre é possível distinguir os tumores sólidos benignos
pes _ > malignos (Blohmer et al1997).
ida. Com proteção abdominal adequada, a mamografia Diagnóstico citológico ou histológico
■sa apresenta risco para o fero. A tecnologia moderna de As indicações de biópsia na gravidez são semelhantes
res - tmografia usa uma dose de 200 a 400 mGy, que resul- às feitas às mulheres não grávidas. Apesar de a maioria das
tes ,m menos de 50 mrad (0,5 uGy) de exposição para o biópsias de mama realizadas durante a gravidez demons
-j/., ■ -* ou embrião. Esse nível está muito abaixo do de 10 rad trar etiologia benigna, a excisão de tumores suspeitos tem
Iru- 1 mGy), que aumenta o risco de malformações fetais importante papel no diagnóstico definitivo. Sempre que
náo ! o (Mazonakis et al., 2003). Vale ressaltar que essa ex- possível a anestesia local deve ser utilizada. Em locais mais
*n- * ' cão é menor que o próprio risco ambiental, que é de 2 profundos a sedação ou anestesia geral pode ser utilizada
P por semana. Entretanto, as alterações da densidade com razoável segurança. Existem relatos de que a anestesia
16). _ imográfica provocadas por aumento da vascularização, geral pode provocar trabalho de pano prematuro, aborta
> de - aridade, conteúdo hídrico e presença de leite nas lac- mento esponrâneo, além do provável risco de teratogenia
► re contribuem para uni menor contraste com o tecido no primeiro trimestre (Collins et al., 1995). A citologia
nas c.poso, dificultando o diagnóstico do câncer. No Memo- por punção aspirativa com agulha fina (PAAF) pode ser
■ias Sloan-Kettering Câncer Center, 78% das mamografias um método de diagnóstico durante a gravidez, além de
:. -azadas em 23 mulheres com câncer de mama associado sua utilidade na diferenciação entre lesões sólidas e císti
_ gravidez clinicamcnte evidente demonstraram sinais ra- cas. No entanto, alguns casos de citologias falso-positivas
ógicos do câncer (Libcrman et al., 1994). No Princess poderão ocorrer devido ao grande número de mitoses e
rgareth Hospital, o câncer de mama presente no exame à maior celularidade presentes na gestação, sendo funda
' co foi visualizado na mamografia em cinco entre oito mental dispor de um citopatologista experiente no servi
heres grávidas (Samuéis et al.. 1998). A ultra-sonografia ço. Resultados falso-negativos também ocorrem por falhas
» de
suspeita para câncer em duas das quatro mulheres que técnicas, punção ao lado do tumor ou inexperiência do
ceai
- ram o exame. Se a mamografia for necessária em mu- citopatologista. É importante ressaltar que a PAAF tem
Iko
lactantes, deverá ser realizada imediatamente após o maior valor quando é positiva para malignidade; se for
dem
/ amento da mama por amamentação ou bomba. negativa, devemos avaliar a clínica e os métodos de ima
a de
A ressonância nuclear magnética da mama (RNM) não gem para prosseguir no diagnóstico.
écn-
geral usada durante a gravidez, devido à falta de dados A punção aspirativa com agulha grossa (core biopsy
Pro-
~rc sua eficácia, à impossibilidade de usar o gadolínio e mamotomia) apresenta maior grau de confiabilidade
hse,
48 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
uma vez que o diagnóstico c histológico. O risco de fístula zada com a paciente e realizam a pesquisa do linfonodo
láctea é superestimado com biópsia excisional ou do tipo sentinela na gravidez usando radioisótopo com a axila
core, com somente alguns relatos na literatura (Barker, clinicamentc negativa.
I 1988; Schackmuth et ai, 1993).
Radioterapia
Tratamento A radioterapia está, em princípio, contra-indicada
durante a gravidez. O período mais crucial é o primeiro
Cirurgia
trimestre. No tratamento do câncer de mama, sc doses
Em princípio, as cirurgias para os tumores podem padrão de 50 a 60 Gy forem usadas, o feto receberá no
ser realizadas como na mulher não grávida. No câncer de mínimo 2 cGy no primeiro trimestre, enrre 2,2 e 24,6 cGy
mama, os critérios de cirurgia conservadora (quadrantec- no segundo e entre 2,2 e 58,6 cGy no terceiro (Mazonakis
tomia e tumorectomia com margens) versus mastecromia et ai, 2003). Assim, a radioterapia deve ser adiada para
seguem as mesmas diretrizes das mulheres não grávidas, e depois do parto, embora a radioterapia supradiafragmáti-
o procedimento não deve ser adiado por causa da gravi ca para doença de Hodgkin durante a gravidez, com pro
dez. Classicamente, no primeiro trimestre a mastectomia teção ao feto, pareça ser segura (Fenig et ai, 2001). Há, na
tem sido recomendada por vários autores, pois a radiote literatura, relatos dc dois casos de quimioterapia e radiote
rapia adjuvante não deve ser realizada durante a gravidez. rapia combinadas em carcinoma de colo uterino avançado
Entretanto, alguns cirurgiões rêm realizado cirurgia con em mulheres no primeiro trimestre gestacional. Embora o
servadora, iniciando a quimioterapia no segundo trimes tratamento tenha sido possível, não existe análise de toxi
tre c a radioterapia após o parto. No segundo e terceiro cidade fetal a longo prazo (Benhaim et ai, 2007).
trimestres, a cirurgia conservadora (se tecnicamente indi
cada) pode ser realizada com segurança.
Com adequada atenção a posicionamento materno, Tratamento sistêmico
oxigenação e monitorização fetal, a cirurgia com aneste A maior experiência com drogas citotóxicas e hormo-
sia geral pode ser realizada durante a gestação com mí nioterapia durante a gravidez c em pacientes com câncer
nimo risco ao fero ou à continuidade da gravidez (Mazze de mama. As indicações de tratamento sistêmico são as
e Kãllén, 1989). Mazze e Kãllén (1989), com registro de mesmas feitas às mulheres não grávidas. Muitas mudanças
5.405 pacientes grávidas que realizaram algum tipo de fisiológicas ocorrem durante a gravidez, como alterações
cirurgia mamária durante a gestação, concluíram que a na função renal, hepática, no volume plasmático e efei
incidência de malformações e a taxa de natimortos não to do terceiro espaço relacionado ao líquido amniótico, e
foram maiores em relação a mulheres que não sofreram podem influenciar a farmacologia das drogas antineoplás-
cirurgia. Entretanto, observaram aumento na incidên ticas (Doll et ai, 1989).
cia de recém-nascidos com baixo peso, decorrente de
prematuridade e retardo de crescimento intra-uterino.
Duncan et ai (1986) rambém não reportaram aumen Quimioterapia
to de anomalias congênitas em 2.565 mulheres grávidas As informações sobre os efeitos dos antineoplásticos
que sofreram cirurgia versus mulheres grávidas que não durante a gestação se baseiam pnmarinmente em relatos
foram operadas. Nas pacientes ptiérperas que estão ama de casos, pequenas séries e revisões da literatura. Doll el
mentando, é boa norma suspender a amamentação antes ai (1989) consideraram um total de 139 pacientes que re
da cirurgia. ceberam quimioterapia no primeiro trimestre da gravidez
A segurança e eficácia da pesquisa do linfonodo sen para vários ripos de câncer c reportaram uma incidência
tinela não foram sistematicamente avaliadas em pacien de 17% de malformações fetais. A incidência de malfor
tes com câncer de mama associado à gravidez. Gentilini mações para as 150 mulheres que receberam quimiotera
et ai (2004) estudaram 26 mulheres na pré-menopausa, pia durante o segundo e terceiro trimestres foi somente de
não grávidas, com a finalidade de calcular a provável dose 1,3%. A experiência francesa, com vinte pacientes identi
de radioatividade que poderia ser absorvida pelo fero. ficadas por meio de um levantamento nacional e tratadas
Concluíram que a dose absorvida c baixa, no máximo dc com esquemas variados, incluindo 5FU, metotrexate, mi-
44,3 mGy, sem aumento significativo no risco de mor toxantrona, cidofosfamida, doxorrubicina, epirmbicina,
talidade pré-natal, malformações ou distúrbios mentais vincristina e vinorelbina, mostrou dois abortos espontâne
(Keleher et aí., 2004). O corante azul não é aconselhável os cm duas pacientes tratadas no primeiro trimestre, uma
devido ao risco de anafilaxia e ao fato de o FDA não ter morte intra-uterina em uma paciente tratada no segundo
aprovado seu uso durante a gestação (Alho et ai, 2001). trimestre e, entre 17 pacientes tratadas no terceiro trimes
Alguns especialistas recomendam discussão individuali tre, um caso de retardo de crescimento intra-uterino, dois
CÂNCER E GESTAÇÃO 49
C*do n-nascidos com síndrome do desconforto respirató- ainda muito preliminares indicam que o trastuzumabe
tuia - uma morte após oito dias do parto com causa não também pode ser usado com risco relativamente baixo.
“nida (Giacalone, 1999). A quimioterapia deveria ser evitada nas três ou qua
A experiência do MDACC é a única série prospec- tro semanas que antecedem o parto, para evitar a miclos-
.. com 24 pacientes, e foi reportada por fierry et al. supressão transitória fetal e riscos de septicemia e morte.
^9). Todas as pacientes foram tratadas com esquema
cida •a por um número mediano de quatro ciclos no segun-
ieiro e terceiro trimestres da gravidez, e os neonatos tiveram Hormonioterapiâ
fcses implicações comuns: um teve baixo peso, outro síndro- Barthelmes e Gateley (2004) apresentaram uma re
á no - Ja membrana hialina e dois apresentaram leucopenia visão detalhada sobre os efeitos do tamoxifeno durante
icGy - sirória. Recentemente, o grupo do MDACC atualizou a gravidez. Os autores checaram o banco de dados da
ftikis : - olução de quarenta crianças expostas à quimioterapia AstraZeneca, que incluía cinquenta relatos de mulheres
rira ' i-uterina (Hahn et ai, 2006). A avaliação foi feita por usando tamoxifeno durante a gestação. Entre as 3"* das
riti- . -estionário dirigido aos pais ou responsáveis. Entre essas quais se tem informação sobre sua evolução e do feto, oiro
pro- --.irenta, uma nasceu com síndrome de Down, uma com abortaram espontaneamente, dezenove tiveram crianças
á. na :: torto e outra com refluxo ureteral bilateral. Todas as ou- saudáveis, mas dez nasceram com malformações congê
krte- T-as tiveram desenvolvimento normal. Entre as dezoito que nitas, incluindo duas crianças com defeitos craniofaciais.
çado : v.ivam na escola, somente duas necessitaram de cuidados Dos seis casos reportados na literatura, quatro pariram
ora o ■pedais: uma criança com síndrome do déficit de atenção crianças saudáveis (Isaacs et al., 2001; Kpizumi et al.,
ioxi- - i com síndrome de Down. Um estudo retrospectivo in- 1986; Oksuzoglu et al., 2002). Em um caso, o neonato
ndo 28 mulheres de cinco hospitais universitários em que havia sido previamente exposto a tamoxifeno durante
r.dres foi recentemente reportado (Ring et al., 2005). roda a gestação nasceu de 26 semanas com síndrome de
I' 28 pacientes, dezesseis foram tratadas com esquema Goldenhar (displasia oculoauriculovertebral) (Cullins et
ra>cado ern antracíclico c doze com CMF, todas no segun- al., 1994). Em outro caso, o neonato nasceu com genitália
mo- - e terceiro trimestres. Exceto por uma paciente que teve ambígua (Tewari et ai, 1997). Entretanto, uma série in
tcer to induzido por quimioterapia, nenhuma outra pa- glesa que acompanhou 85 pacientes que inadvertidamente
fco as rnte ou neonato tiveram conseqüências adversas sérias. engravidaram durante o uso do tamoxifeno não reportou
inças A experiência com taxanos durante a gravidez é ain- anormalidades fetais (Partridge e Garber, 2000). Portanto,
fcções -. nmitada. Até hoje, oito pacientes, cinco com câncer de embora o tamoxifeno seja potencialmente tcratogênico e,
efei rama e três com câncer de ovário, foram tratadas com em princípio, seja contra-indicado na gestação, a maioria
to, e xanos (docetaxel ou paclitaxel). Todos os casos foram das mulheres expostas a ele durante a gravidez não dará à
irlás- r:ados no segundo e terceiro trimestres da gravidez e luz crianças com anomalias congênitas.
nenhuma publicação foram reportadas malformações
- ngênitas (de Santis et ai, 2000; Ferrandina et ai, 2005;
rjJducci et ai, 2003; Gonzalez-Angulo et ai, 2004; Mén- Conclusões
r’ et al., 2003; Potluri et ai, 2006; Sood et ai, 2001). O principal papel da decisão terapêutica no câncer
KICOS
uso do trastuzumabe é ainda mais escasso. Até hoje há associado à gravidez é oferecer à mãe as melhores modali
rotos nos somente de três casos. Em uma paciente que estava dades terapêuticas enquanto se protege o feto dos efeitos
*:ii ei r-cehendo trastuzumabe na adjuvância e teve o diagnósti- deletérios do tratamento. Em geral, o manejo do câncer na
|*e re- com gravidez de 23 semanas (Watson, 2005), a ulrra- gravidez obedece às mesmas diretrizes usadas para a mu
r^dez mografia demonstrou a presença de oligoâmnio e bexiga lher não grávida. Entretanto, a presença do feto demanda
fcncia pequena, o que causou a suspensão do trastuzumabe. Ou- uma abordagem individualizada.
alfor- ' paciente foi tratada com trastuzumabe c vinorelbina Não é possível estabelecer diretrizes de manejo para
cr.era- . :m 27 semanas de gestação e teve uma criança saudável todos os cânceres. No câncer de mama as recomenda
ce de . m 34 semanas (Fanale et al., 2005). Mais recentemente ções estão mais bem padronizadas, embora haja contro
denti- V.rerston e Graham (2006) descreveram a evolução de vérsias principalmente nos primeiros meses da gravidez.
Eadas paciente que engravidou após ter recebido duas doses Ern nosso serviço, no primeiro trimestre, se a paciente for
t. mi- cc rrastuzumabe adjuvante. Logo após a gravidez ter sido portadora de câncer de mama metastático ou local mente
fccina, _.ignosticada, o trastuzumabe foi suspenso e, a despeito avançado (estádios II1B, IIIC e câncer inflamatório), reco
mine- i exposição do embrião nas primeiras semanas de trata- mendamos fortemente o abortamento terapêutico. Caso a
- uma ~rntp, a criança nasceu sem anomalias ou complicações. paciente decline do aborto, deve-se tentar adiar o início da
r~ndo i suma, o esquema FAC é relativamente seguro durante quimioterapia para o segundo trimestre, se medicamente
tunes- segundo c terceiro trimestres da gravidez, e dados mais possível. Se a paciente for portadora de um câncer inicial
t dois mirados sugerem que os taxanos também sejam. Dados (estádios I e II), recomendamos a mastectomia com lin-
50 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
tonodecromia axilar ou, em casos selecionados, cirurgia No segundo e terceiro trimestres, em pacientes com
conservadora com pesquisa do linfonodo sentinela com câncer metastático, iniciar quimioterapia paliativa. Após o
radioisótopo, seguida, no segundo trimestre, de quimio parto, se indicado, iniciar hormonioterapia. Em pacientes
terapia adjuvante, se clinicamente indicada. Os esquemas com câncer localmcnte avançado, iniciar quimioterapia
AC e FAC são os preferidos pela sua segurança. Embora neo-adjuvante seguida de masteccomia com linfonodecto-
os dados sobre taxanos sejam ainda limitados (oito pacien mia axilar. Radioterapia, hormonioterapia e uso de tras-
tes reportadas), recomendamos discutir individualmente tuzumabe, se clinicamente indicados, devem ser emprega
o seu uso em pacientes com alto risco de recorrência. Em dos após o pano. Em pacientes com câncer inicial, deve-se
pacienres Her-2 positivos, sugerimos administrar toda a considerar a cirurgia conservadora, principalmente naque
quimioterapia adjuvante primeiro c usar trastuzumabe iso las que receberam o diagnóstico no segundo ou terceiro
lado por um ano após o pano (estilo Hera), pois os dados trimestre da gravidez (Kucrer et al., 2002). Após o parto,
dc segurança com essa droga são ainda muito limitados se indicado, deve-se considerar a quimioterapia, radiote
(somente três pacientes reportadas). rapia e hormonioterapia.
Referências bibliográficas
Al BO, D. et dl. “Anaphylactic reactions to isosulían bluc The Journal of the American Medicai Association, v. 271,
dye during sentinel lyniph node biopsy for breast câncer”. n. 24, p. 1905-6, 1994.
American Journal ofSurgery, v. 1X2, n. 4, p. 393-8, 2001. in Sa.viis, M. et al. “Metasratic breast câncer in preg
Andf.rson, J. M. “Mammary cancers and pregnancy”. nancy: first case of chemorherapy with docetaxel”. Euro-
British Medicai Journal, v. 1, n. 6171, p. 1124-7, 1979. pean Journal of Câncer Care, v. 9, n. 4, p. 235-7, 2000.
Auir, V. et ai “Pregnancy among patients with Doll, D. et al. “Amineoplasticagents and pregnancy”.
chronic myeloid leukemia treated with imatinib”. Journal Seminars in Oncology, v. 16, n. 5, p. V17-46, 1989.
of Clinicai Oncology, v. 24, n. 7, p. 1204-8, 2006. Diínc an, P. G. et al. “l etal risk of anesrhesia and snr-
Baker, J. et al. “Bonc scanning in pregnant patients gery during pregnancy”. Anesthesiofogy, v. 64, n. 6, p.
with breast carcinoma”. Clinicai Nuclear Medicine, v. 12, 790-4, 1986.
n. 7, p. 519-24, 19X7. Fanale, M. A. et al. “Treatmeut of metasratic breast
Barker, P. “Milk fistula: an unusual complication of câncer with trascuzumab and vinorelbine during preg
breast biopsy”. Journal of the Royal College ofSurgeons of nancy”. Clinicai Breast Câncer, v. 6, n. 4, p. 354-6, 2005.
Edinburgh, v. 33, n. 2, p. 106, 1988. Ffnic, E. et al. “Pregnancy and radiation”. Câncer
Barnicle, M. M. “Chemotherapy and pregnancy”. Treatmeut Review, v. 27, n. 1, p. 1-7, 2001.
Seminars in Oncology Nursing, v. 8, n. 2, p. 124-32, 1992. Ferrandina, G. et al. “Management of an advanced
Barthelmes, L.; Gateley, C. A. “Tamoxifen and preg ovarian câncer at 15 weeks of gestation: case report and
nancy”. Breast, v. 13, n. 6, p. 446-51, 2004. literature review”. Cynecologic Oncology, v. 97, n. 2, p.
Bhnhaim, Y. et al. “Chemoradiation therapy in preg- 693-6, 2005.
nant patients treated for advanced-stage cervical carcino Gadducci, A. et al. “Chemotherapy with epirubicin
ma during the fírst trimester of pregnancy: report of two and paclitaxel for breast câncer during pregnancy: case re
cases”. International Journal of Cynecologic Câncer, v. 17, port and review of the literature”. Anticancer Research, v.
n. I,p. 270-4,2007. 23, n. 6D, p. 5225-9, 2003.
Berry, D. L. et al. “Management of breast câncer dur- Gentilini, O. et al. “Safety of sentinel node biopsy in
ing pregnancy usiiig a standardized protocol”. Journal of pregnant patients wirli breast câncer”. Amials of Oncol
Clinicai Oncology, v. 17, n. 3, p. 855-61, 1999. ogy, v. 15, n. 9, p. 1348-51, 2004.
Bi akely, L. et al. “Effects of pregnancy after treat- Giac.ai.ONE, P. L et al. “Chemorherapy for breast
ment for breast carcinoma on survival and risk of recur- carcinoma during pregnancy: a Frendi national survey”.
rence”. Câncer, v. 100, n. 3, p. 465-9, 2004. Câncer, v. 86, n. 11, p. 2266-72, 1999.
Blohmer, J. U. et al. “Relevance of sonographic cri- Gon/ai i /-Angulo, A. M.etal. “Paclitaxel chemotherapy
teria to differential diagnosis of mammary tumours”. Eu- in a pregnant patient with bilateral breast câncer”. Clinicai
rnpean Journal of Ultrasound, v. 6, n. 1, p. 35-41, 1997. Breast Câncer, v. 5, n. 4, p. 317-9, 2004.
Coluns, J. C. et al. “Surgical management of breast Haiik, K. M. et al. “Trcarment of pregnant breast cân
masses in pregnant women”. Journal of Reproductive Me cer patients and outeomes of children exposed to chemo
dicine, v. 40, n. 11, p. 785-8, 1995. therapy in urero”. Câncer, v. 107, n. 6, p. 1219-26, 2006.
Culi ins, S. et al. “Goldenhar’s syndrome associated Isaacs, R. J. et al. “Tamoxifen as systemic treatment
with tamoxifen given to the mother duriug gestation”. of advanced breast câncer during pregnancy: case report
CÂNCER E GESTAÇÃO 51
&*m _ iiterature review”. Gynecologic Oncology, v. 80. n. 3, Oksuzoglu, B. et al. “An infertile patient vvith breast
►o : 405-8,2001. câncer who deÜvered a healthy child under adjuvam ta
res Keleher, A. et al. “The safety of lympharic mapping moxifen therapy”. European Journal Obstetrics Gynecolo
çia - rregnant breast câncer patients nsing Tc-99m sulfur gy and Reproductive Biology\ v. 104, n. 1, p. 79. 2002.
Eo- >ld**. Breast Journal, v. 10, n. 6, p. 492-5, 2004. Partridce, A. H.; Garber, J. E. “Long-term outeomes
ns- Koizumi, K. et al. “Pregnancy after combined treat- of children exposed to antineoplastic agents in utero”.
^a- -**: wirh bromocriptine and tamoxifen in two patients Seminars in Oncology, v. 27, n. 6, p. 712-26, 2000.
r-se :h piruitary prolactinomas”. Fertility Sterrlity, v. 46, n. Pf-trek, J. A. “Breast câncer during pregnancy*”. Cân
Re 1. 312-4, 1986. cer, v. 74, p. 518-27, 1994.
tire Kuerer, H. M. et al. “Conservative surgery and Petrek, J. A. et al. “Prognosis of pregnancy-associat-
rro, ---mothcrapy for breast carcinoma during pregnancy”. ed breast câncer”. Câncer, v. 67, n. 4, p. 869-~2, 1991.
*re- -jryt v. 131, n. 1, p. 108-10, 2002. Potluri, V et al. “Chemotherapy vvith taxanes in breast
Liberman, L. et al. “Imaging of prcgnancy-associared câncer during pregnancy: case report and review of the
■ j-ist câncer”. Radiology, v. 191, n. 1, p. 245-8, 1994. literature”. Clinicai Breast Câncer, v. 7, n. 2, p. 167-70, 2006.
Loibl, S. et al. “Breast carcinoma during pregnancy: RiNG, A. E. et al. “Chemotherapy for breast câncer
manonaI recommendations from an expert meeting”. during pregnancy: an 18-year experience from five Lon-
---..cr, v. 106, n. 2, p. 237-46, 2006. don reaching hospitais”. Journal of Clinicai Oncology, v.
ri, Magcard, M. A. et al. “Do young breast câncer 23, n. 18, p. 4192-7, 2005.
* :~ents have worse outeomes?” Journal of Surgical Samuels, T. H. et al. “Gescational breast câncer”. Ca-
rrg- --'jrch, v. 113, n. 1, p. 109-13, 2003. nadian Association of Radiology Journal, v. 49, n. 3, p.
-Yíazonakis, M. et al. “Radiation dose to conceptus 172-80, 1998.
* - : ting from tangential breast irradiation". International Schaçkmuth, E. et al. “Milk fistula: a complication
ry”. \ -nal of Radiation Oncology Biology and Physics, v. 55, after core biopsy”. American Journal of Roentgenology, v.
- 2. p. 386-91, 2003. 161, p. 961-2,1993.
sur- Mazze, R. I.; KãLLÊN, B. “Reproductive outeome after Silipo, V etal. “Malignant melanoma and pregnancy”.
L p. -~=-rhesia and operation during pregnancy: a registry of Melanoma Research, v. 16, n. 6, p. 497-500, 2006.
: - 5 cases”. American Journal of Obstetrics & Gynecology, Sood, A. K. et al. “Paclitaxel and platinum
itast 161, n. 5, p. 1178-85, 1989. chemotherapy for ovarian carcinoma during pregnancy”.
r-s-
McKenzie, A. F. et al. “Teclinetium-99m-mcthylene Gynecologic Oncology, v. 83, n. 3, p. 599-600, 2001.
105. : phosphonate uptake in the fetal skeleton at 30 wecks Tewàri, K. et al. “Ambiguous genitalia in infant
fccer -rstation”. Journal of Nuclear Medicine, v. 35, n. 8, p. exposed to tamoxifen in utero”. Lancet, v. 350, n. 9072,
138-41, 1994. p. 183, 1997.
t:ed Méndez, L. E. et al. “Paclitaxel and carboplatin Waterston, A. M.; Graham, J. “Effect of adjuvam
and . 'rmotherapyadministeredduringpregnancyforadvanced trastuzumab on pregnancy”./o«r«a/ of Clinicai Oncology,
L p. -helial ovarian câncer”. Obstetrics and Gynecology, v. v. 24, n. 2, p. 321-2, 2006.
102, n. 5, p. 1200-2, 2003. Watson, W. J. “Herceptin (trastuzumab) therapy during
kctn Middleton, L. P. et al. “Breast carcinoma in preg- pregnancy: association with reversible anhydramnios”.
rre- women: assessment of clinicopathologic and im- Obstetrics and Gynecology>, v. 105, n. 3, p. 642-3, 2005.
*.v. :nohistochemical features”. Câncer, v. 98, n, 5, p.
1155-60, 2003.
i- in Nioclas, A.; Baker, M. “Imaging strategies in preg-
fcro/- -•r.i câncer patients”. Seminars in Oncology, v. 27, p.
-23-32, 2000.
feast
ley”.
!r3py
ierca/
kan-
i no-
►16.
r.ent
cport
CÂNCER DE PRÓSTATA E DE TESTÍCULO
J orge H allak ; M arcello C ocuzza ; W illiam C arlos N ahas
./.ação do exame sob sedação permite aliviar o incômodo A sensação de orgasmo é invariavelmente preservada,
>im como possibilita a colheita de um número maior dc mesmo quando ambos os feixes são lesados, o que permite
ragmentos, aumentando a precisão do diagnóstico. A bió- relações adequadas com o uso de métodos de ereção artifi
?sia é realizada com antibióticos para a profilaxia, já que cial - medicação por via oral, substância injetada no pênis
próstata é alcançada através do reto, que sabidamente é ou colocação de prótese peniana.
LO habitado por bactérias. Em geral a cirurgia é bem tolerada, com baixa mor*
Uma vez confirmado o diagnóstico, são realizados bidade e mortalidade entre 0% e 1,7%. O paciente rece
HAS
radiografia de tórax, mapeamento ósseo e, em casos sele be alta entre o quarto e o quinto dia de pós-operatório,
cionados, ressonância magnética com bobina endorretal. e a sonda vesical é retirada em nível ambulatorial dez a
Esses exames visam à definição da extensão da doença, catorze dias depois.
localmente ou a distância, para assim completar o seu e$- O uso de material radioativo em doentes com câncer
radiamento. da próstata precedeu as técnicas de radioterapia externa
Não há dúvida dc que a precocidade no diagnóstico e data do início do século XX, por via transperineal, trans-
permite a identificação da doença quando restrita â prós retal ou transuretrai. O desenvolvimento de novos isóto
tata, com grande possibilidade de cura. No passado, em pos e o melhor conhecimenro da doença permitiram gran
mais de 50% dos pacientes o tumor de próstata era diag de evolução técnica, com excelentes resultados. Podem-se
íaini- nosticado com a doença disseminada, ou seja, não passível administrar doses de até 8.000 cGy no tumor, o que per
fcados de cura. mite alto controle local, mas não tem nenhum efeito nos
gânglios pélvicos que possam estar comprometidos. Por
fereo- vezes o uso de implantes pode servir apenas como reforço
ícade História natural de dose no alvo tumoral, sendo complemento de radio
í dura O tumor da próstata tem características muito pecu- terapia externa que envolve campos amplos, incluindo a
dedo ares. Costuma apresentar uma evolução bastante lenta, drenagem pélvica. Após cirurgia prostática, não há con
É par- : >m intervalo variável entre o diagnóstico e a progressão dição de fixação adequada do material radioativo, sendo
jgnós- ie seis meses a vinte anos, dependendo de suas especifici- contra-indicada essa forma de tratamento.
t ides. Entre estas, o valor do PSA, o grau de diferenciação Somente após o desenvolvimento de equipamentos de
• PSA, ulular e o estadiamento da doença quando do diagnóstico megavoltagem, aceleradores lineares, múltiplos pontos de
possi- .o de grande importância. entrada c intensificadores é que os resultados obtidos com
I cer- a radioterapia externa puderam ser sobrepostos à cirurgia.
l pro- O tratamento é incruento, exige seis a oito semanas, com
fcando Tratamento presença diária. Com os novos aparelhos e as técnicas am
laico, O diagnóstico precoce possibilita grande chance de ais conseguem-se oferecer cargas mais adequadas e as com
fcse- :ra, independentemente da forma escolhida de tratamen- plicações radioterápicas para as estruturas adjacentes são
fcide- . Existem crês formas mais empregadas com objetivo de minimizadas. Vale ressaltar que os bons resultados da ra
i deve ■:atamento definitivo: a remoção cirúrgica da próstata e da dioterapia só podem ser alcançados com segurança com os
Cl do esícula seminal, a radioterapia externa e a braquiterapia, novos aparelhos. A localização dos campos por tomografia
t na- 3c é a introdução de sementes radioativas na próstata. computadorizada e diversos programas de dosimetria têm
Lídas A remoção cirúrgica da próstata é a forma consagra- permitido maior precisão com riscos mínimos de seqüc-
cético parn o tratamento. Possibilita a remoção do tecido do- las graves. As complicações são proporcionais ao volume
s e se ::e assim como define a extensão local da doença pelo irradiado; quando se rrata de um campo amplo, ocorrem
>rudo histológico. Com base nesses achados podemos diarréia e sintomas de cistite ou uretrite transitórios. As
- e 10 -T uma previsão mais consistente da evolução da doença sequelas tardias são mais graves e muito menos frequen
20%; - avaliar a necessidade de medidas complementares. Os tes com os novos aparelhos: proctite, úlceras retais, cisti
•> maiores inconvenientes são o risco de incontinência te crônica e estenose de uretra. A impotência é de difícil
► dem rinária e o de impotência sexual. Por um lado, a possi- avaliação; com a radioterapia externa atinge cerca dc 40%
► mos- —dade de haver perdas urinárias contínuas é baixa, algo dos pacientes, e com a braquiterapia, 15%. A radioterapia
tdade - ti torno de 1% a 2% na atualidade. Por outro, o risco de também pode ser empregada para alívio da dor causada
L ~.potência sexual é maior, variando entre 15% e 60%, por metástase óssea.
: acordo com a extensão local da doença, o tamanho do Embora ocorram campanhas esclarecedoras, e ape
mor e a tática cirúrgica. Ocorre por comprometimento sar do emprego de novos métodos diagnósticos, muitos
nervos responsáveis pela ereção que passam ao lado casos em nosso meio se apresentam com doença dissemi
feia da próstata. É mais frequente nos homens com mais de nada. Nessa hipótese, a cura com tratamento local não
Eubu- ■0 anos e naqueles que já apresentam algum tipo de dis- pode ser alcançada. O tratamento sistêmico com drogas
A rea- inção sexual. quimioterápicas mostra resultados alentadores nos últi-
54 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
mos anos, entretanto ainda não de forma definitiva. O vas modalidades de quimioterapia e evolução do estadia
objetivo maior do tratamento é o controle, ou a palia- mento clínico, incluindo métodos sofisticados de imagem
ção, da doença. e marcadores tumorais séricos confiáveis, o prognóstico
O tecido glandular prostático é dependente dos hor desse grupo de indivíduos tem melhorado. No entanto,
mônios masculinos. Há a formação de deidrotestosterona, o atraso no diagnóstico de câncer de testículo continua
a qual se liga a receptores, e esse complexo é incorpora a ser uma questão significativa, por problemas tanto do
do ao DNA nuclear, iniciando uma sequência de reações paciente, que custa a procurar auxílio médico, quanto
bioquímicas necessárias à função e multiplicação celular. das instituições de saúde, que também demoram a fazer
O tecido neoplásico também mostra uma dependência o diagnóstico correto. Massas escrotais não dolorosas são
androgcnica em graus variados, cncontrando-se inclusive frequentemente ignoradas, enquanto tumores de testículo
células independentes. que se apresentam inicialmente com dor são em geral tra
O bloqueio da produção dos hormônios masculinos tados como orquite e/ou epididimite em até 30% das vezes
possibilita a regressão da doença e seu controle por pe (Bosl et al., 1981). Isso faz que até 20% dos pacientes se
ríodo variável. Os efeitos benéficos da terapêutica hor apresentem com sintomas de doença metastática, como
monal de bloqueio androgênico foram descritos no início dor abdominal ou lombar, perda de peso, massa cervical e
do século XX c constituem até hoje importante forma de ginecomastia (Thornhill et al., 1987).
tratamento paliativo. Cerca de 70% a 80% respondem Apesar de a etiologia dos tumores de testículo ain
favoravelmente, até o aparecimento de células indepen da ser desconhecida, existe uma alta correlação, cerca de
dentes, que levam à recorrência da doença. Atualmente 12% dos casos, com a criptorquidia, assim como a ocor
a atividade androgênica pode ser interrompida por meio rência de 20% dos tumores no tesrículo não descido.
de orquiectomia, estrógenos, drogas bloqueadoras da ação Muitos desses indivíduos rcccbcm o diagnóstico em
periférica da testosterona, supressão central do estímulo avaliações de rotina para infertilidade masculina. Nessa po
para produção da testosterona ou drogas que bloqueiam pulação em especial, sua incidência é pelo menos uma deze
a síntese dc testosterona. A terapia não é curativa, porém na de vezes mais comum e mais de dois terços dos pacientes
promove melhora sintomática incontestável e controle da apresentam, inicialmente, alterações da qualidade seminal.
doença por tempo variável. A preservação da fertilidade, uma vez que se constitui
Certamente a realização de campanhas para alertar em doença que acomete o indivíduo jovem, por meio da
a população dos riscos do câncer prostático nos homens criopreservação de sêmen, prévia a qualquer terapia, deve
com mais de 45 anos e a compreensão da importância dos ser fortemente indicada.
exames anuais preventivos têm possibilitado o diagnóstico
precoce para um grande número de doentes e, conseqüen-
temente, a cura na grande maioria dos casos. Tipos de tumor
De forma simplificada, são dois os tipos de neopla-
sias testiculares: os tumores seminomatosos, de compor
Câncer de testículo: tratamento tamento mais lento; e os não seminomatosos, sendo estes
cirúrgico do tumor primário mais agressivos e de tratamento mais difícil na maioria das
vezes, necessitando do uso de quimioterápicos.
Introdução
A incidência de tumores germinativos do testículo, o
tumor sólido mais comum em homens entre 20 c 35 anos, Marcadores laboratoriais dos tumores
tem crescido muito nos últimos anos, particularmente no As células tumorais produzem substâncias que che
mundo industrializado (Bergstrõm et al., 1996; McKier- gam ao sangue, podendo ser detectadas por meio de exa
nan et al1999). Devido ao sucesso do tratamento desses mes laboratoriais. Tais exames devem ser realizados sem
tumores, as taxas de sobrevida evoluíram de 60% a 65% pre no início do atendimento ao paciente, e são muito
nos anos 1960 para acima de 90% atualmente. Constitui importantes no diagnóstico e na quantificação do grau de
um modelo de tratamento de tumores sólidos, mulridis- comprometimento da doença, servindo de parâmetro para
ciplinar e com melhora marcante do resultado indepen o acompanhamento após o tratamento. Os principais mar
dentemente do seu estadiamento. Tanto a cura quanto a cadores são o beta-hCG, o DHL e a alfafetoproteína.
morbidade são sensíveis a detalhes de conduta, particular
mente na abordagem do tumor inicial. O médico que faz
o atendimento c diagnóstico inicial, assim como o pacien Orquiectomia radical
te, tem participação ativa na evolução e cura da doença. A aplicação dos princípios dc cirurgia oncológica
A cirurgia permanece como parte integrante do manejo no tratamento cirúrgico do tumor inicial de testículo é
do tumor inicial de testículo. Com a introdução de no representada pela orquiectomia radical com ligação alta
CÂNCER DE PRÓSTATA E DE TESTÍCULO 55
ki- _ » cordão espermático ao nível do anel inguinal interno. camadas até a pele. É importante a inspeção cuidadosa do
m Constitui-se no primeiro passo do tratamento, sempre pre assoalho da região inguinal c do compartimento escrotal,
ko cedida de biópsia por congelação e confirmação da doença evertendo-se a parede escrotal no campo operatório. Nes
*>, neoplásíca. A orquicctomia proporciona diagnóstico histo- se momento, deve-se proceder à hemostasia cuidadosa dc
ma patológico e categori/ação do rumor (T), é associada com todo e qualquer sangramento, por menor que seja, com
do pouca morbidade e permite o controle local do tumor na eletrocautério, e depois se deve irrigar o catnpo com soro
KO grande parte dos pacientes. Os raros casos cm que o con fisiológico c verificar se restou algum sangramento. Caso
ler trole local não é estabelecido são devidos ao não-rigor nos seja observada fraqueza do assoalho pélvico, pode-se pro
são princípios de cirurgia oncológica, com derramamento local ceder à colocação de tela de Marlex ou semelhante, como
ftio Je células tumorais, falha na retirada do tumor ou acesso em uma cirurgia para hérnia inguinal. Cuidado deve ser
ra cirúrgico por incisão escrotal (Whitmore Jr., 1982). tomado no manejo do nervo ilioinguinal. Não é neces
ies O procedimento pode ser realizado sob anestesia ge- sário o uso de drenagem de nenhum tipo. Geralmente é
\ se r.il ou raquimcdular. O paciente é posicionado em decii- um procedimento cirúrgico ambuiatorial ou de um dia de
no r*:to dorsal horizontal, com o escroto envolto no campo internação hospitalar. E aconselhável o uso de analgésicos
i: e operatório. Uma incisão oblíqua de 5 cm a 7 cm é rea- e medicamentos para controle da dor por alguns dias.
rzada na região inguinal aproximadamente 2 cm acima Vale ressaltar que a via de abordagem das massas tes-
in- . ■ tubérculo púbico. Essa incisão pode se estender até o ticulares é sempre inguinal e nunca escrotal. A violação es
i de escroto alto para facilitar a remoção de tumores maiores. crotal, por meio de punção, orquiectomia escrotal ou bióp
i>r- \s fáscias de Camper e Scarpa são incisadas ao nível da sia transescrotal. com incidência reportada entre 4% e 17%
.-poneurose do músculo oblíquo externo, que, por sua vez, nas grandes séries, altera a drenagem linfática do testículo e
em . incisada na direção das suas libras até o anel inguinal estruturas adjacentes, assim como aumenta o risco de conta
D- nterno. O nervo ilioinguinal é identificado, dissecado, se- minação escrotal por tumor, tornando obrigatória a realiza
Ee- r:irado do cordão e preser\rado. O cordão espermático é ção de hemiescrotectomia, com relato de 11"<> de tumor no
res 'olado genrilmente com uma gaze envolta na ponta do tecido ressecado (Capelouto et ai, 1995). Numa metanálise
bI. iedo, com o objetivo de criar um plano de dissecção entre de casos de violação escrotal, a incidência de recorrência
cui cordão e o assoalho do canal inguinal para que possa local foi de 2,9%, comparada a 0,4% nos pacientes trata
ida rt totalmente solto e clampeado com uma pinça vascular dos por orquiectomia inguinal, sem, entretanto observar-se
leve u com um torniquete de Pcnrose ao nível do anel ingui diferença significativa em termos de taxas de M>brevida, in
nal interno. Essa manobra é mais facilmente iniciada no cidência de merásrasc ou recorrência de doença a distância.
tubérculo púbico. O testículo e suas túnicas são envoltos Nos casos de tumor seminomatoso pode ser necessária a
um saco plástico ou compressa de gaze, separando- extensão do campo da radioterapia, a fim de incluir a região
'í os elementos do gubemáculo. Cuidado deve ser roma- inguinal e escrotal ipsilateral, com, obviamente, maior risco
pia- • ao se aproximar do anel inguinal interno, para que os de infertilidade prolongada (Amelar et al.y 1971).
>or- a sos epigásrricos inferiores não sejam lesados. Caso seja A abordagem inguinal permite o controle do fluxo
sres rlanejada biópsia diagnóstica por congelação ou orquiec- sangüíneo do cordão espermático antes da manipulação
ias >mia parcial, todas as providências devem ser tomadas do tumor, no nível do anel inguinal interno, facilitando,
rara não haver extravasamento de células tumorais no se necessário, um segundo tempo do tratamento, quan
-:mpo operatório ou contaminação pela equipe cirúrgi- do do esvaziamento ganglionar e ressecçáo do cordão
ca. A orquicctomia radical é completada mobilizando-se espermático.
cordão 1 cm a 2 cm dentro do anel inguinal interno e A complicação mais comum da orquiectomia radical
cne- mdo individualmente o dueto deferente e os vasos do são os sangramentos pós-operatórios, que podem ocasio
exa- cordão espermático entre as pinças vasculares. E impor nalmente resultar em um hematoma escrotal e/ou retrope-
cm- tante a colocação de duas pinças vasculares na altura do ritoneal, devido ao fato de o escroto ser uma estrutura com
CTtO vi inguinal interno e dc uma terceira pinça para ocluir grande capacidade de expansão, com tecido arcolar frouxo
i de cordão distalmente ao torniquete de Pcnrose. Os vasos abaixo da derme. Esses hematomas podem se organizar c
^ara cordão espermático devem scr ligados de forma segura, ser confundidos, em um controle futuro, com uma recidiva
6ar- w >m fios inabsorvíveis de algodão ou seda, que podem ser local pela presença de pequeno nódulo. O hematoma deve
Jturamente identificados caso seja necessária a linfade- ser acompanhado e acaba por regredir espontaneamente.
icctomia de retroperitônio, e o cordão deve ser cortado e Outra complicação, menos frequente, é a ocorrência
removido com o testículo do campo operatório. O cordão de hematoma de retroperitônio, caso a(s) ligadura(s) do
- 1 marrado acima da última pinça vascular com um fio de cordão espermático seja(m) inadequada(s) ou haja algum
çca úgodáo-0 ou seda-0. Pode-se colocar uma prótese de tes- grau de lesão imediata ou tardia dos vasos epigástricos. Essa
lo c riculo nesse momento, ou posteriormente. A aponeurose complicação vascular geralmente é descoberta a posteriori
alta • músculo oblíquo externo é fechada, bem como demais e por acaso, quando se faz o estadiamento do tumor com
56 TEMAS EM P S I C 0 - 0 N CO LO G I A
tomografia computadorizada. Quando achada acidental- se forem resfriadas em nitrogênio líquido (N,L) a -196°C.
mente, não requer revisão cirúrgica, havendo absorção Isso significa que as células toleram a exposição a tempera
espontânea. turas não fisiológicas e a mudança do estado líquido para o
A orquiectomia radical em tumores iniciais, desde sólido, já que o gelo se forma em uma temperatura pouco
que respeitados os princípios da cirurgia oncológica e o abaixo de 0°C.
tumor se encontre confinado ao testículo, é um procedi Quando os espermatozóides, os oócitos, os zigotos e
mento com grande potencial curativo. os pré-embriões estão expostos a soluções hiperosmolares,
reagem a elas perdendo água. Quando alguns componen
tes são adicionados ao meio de criopreservação, a relação
Orquiectomia parcial entre sobrevida e temperatura pode ser drasticamente al
Um grupo selecionado de pacientes pode ser candidato terada. A sobrevida das células e dos tecidos vivos criopre-
à orquiectomia parcial. Essa categoria inclui pacientes com servados depende em grande parte do meio crioprotetor.
tumor bilateral de testículo sincrônico e tumor em testículo Entretanto, a criopreservação do sêmen humano resulta
único. A maior casuística da literatura reporta recorrência na diminuição da motilidade espermárica devido a danos
local em somente 2% dos pacientes, e em especial naque estruturais e funcionais. Espermatozóides são células alta
les em que não foi feita radioterapia complementar ou que mente permeáveis ao glicerol (Gao et al., 1992; Gilmore
apresentavam neoplasia intratubular (Heindenreich et al., et ai, 1997).
2001). Tem como objetivo a preservação da espermatogê- Ao comparar e avaliar a motilidade, a morfologia
nese e a manutenção dos níveis de testosterona. Noventa e a integridade da membrana dos espermatozóides an
por cento dos pacientes mantiveram níveis aceitáveis de tes da criopreservação e depois do descongelamento, em
testosterona a médio e longo prazo, ev itando a necessidade dois meios de crioproteção - test-yolk buffer e glicerol
de reposição hormonal. Critérios de seleção favoráveis in concluiu-se que os espermatozóides criopreservados
cluem: lesão confinada ao testículo, não superior a 20 mm; em test-yolk buffer apresentam motilidade, viabilidade e
margens cirúrgicas negativas pós-ressecção do tumor; au morfologia superiores em relação àqueles criopreserva
sência de neoplasia intratubular no restante do parênquima dos em glicerol puro (Hallak et ai, 2000).
testicular. Na presença de neoplasia intratubular, a radiote Mesmo nos casos de pacientes portadores de câncer,
rapia complementar faz-se necessária, com dose entre 13 e em que há má qualidade seminal inicial, a criopreserva
20 Gy, o que provoca um dano irreversível ou muito pro ção de sêmen é benéfica e está formal mente indicada. A
longado na espermatogênese, mas potencialmente preserva utilização dc técnicas de reprodução assistida tem dado
a função hormonal testicular cm níveis adequados para que a esses pacientes a oportunidade de gerar filhos em igual
não seja necessária a reposição de testosterona (Heindenreich probabilidade à da população infértil em geral (Hallak et
et al., 2001; Sheynkin et al., 2004). al., 1998a, 1998b, 1999a, 1999b).
O procedimento propriamente dito é mais bem rea A preocupação imediata dos pacientes que conse
lizado com microscopia com aumento de 24 a 36 vezes e guem atingir a cura da neoplasia envolve, na maioria das
auxílio de ultra-som intra-operatório para definir o nódulo, vezes, o aspecto sexual e reprodutivo. O relacionamento
e por vezes realiza-se a sua marcação com agulhas, quando sexual e a capacidade de gerar seus próprios filhos, seja
não palpável, de forma semelhante aos nódulos de mama por métodos naturais seja por reprodução assistida, es
(Hopps e Goldstein, 2002; Hallak et al., 2005). Após dam- timulam a valorização do próprio paciente, propiciam a
peamento de pedículo e exposição de todo o testículo, como comunicação e a interação familiar, ajudando-o a reinte
já descrito, ele deve ser resfriado por dez minutos e o proce grar-se à sociedade.
dimento é realizado sob hipotermia. Com o uso do micros Inicial mente, existe um tempo muito curto entre o
cópio incisa-se a albugínea, evitando os vasos, e, por meio diagnóstico do câncer, o tratamento proposto para curá-
de manobras rombas e do auxílio da biópsia de congelação, lo e a chance dc criopreservação dc espermatozóides. Há
confirma-se a natureza tumoral, assim como se avaliam suas relatos de casos esporádicos em que se conseguiu gravidez
margens. Com a ajuda de um microbisturi bipolar realiza-se com inseminação intra-uterina simples (Gao et ai, 1992),
hemostasia rigorosa a fim de evitar os hematomas e promo o que é muito difícil devido ao fato dc a qualidade semi
ver a manutenção máxima do tecido testicular. nal inicial ser geralmente abaixo dos níveis considerados
normais e 30% a 70% dos espermatozóides comumente
sofrerem danos subletais ou morrerem diante do processo
Fertilidade e criopreservação de sêmen no de criopreservação/dcscongelamento. E importante que o
paciente com tumor de testículo profissional responsável pelo banco de sêmen tenha um
Todas as células dos mamíferos funcionam com uma comportamento proativo em relação a cada paciente, pois
pequena variação de temperatura, que vai dc 37°C a 39°C, cada uni se comporta de maneira diferente em termos de
e todas contêm água, tornando possível a criopreservação criopreservação, mesmo tendo a mesma doença e o mes-
CÂNCER DE PRÓSTATA E DE TESTÍCULO 57
•6C. esradiamemo. Portanto, deve-se tentar criopreservar geralmenre desenvolvem azoospermia definitiva. Aproxi
pera- dor número possível de amostras e subdividi-las pos- madamente dois terços dos pacientes que recebem radio
fcra o > rmente no maior número possível de frascos para ser terapia profilática para seminuma ficam azoospérmicos
ROUCO .rsos em nitrogênio líquido, lembrando sempre que por um período que varia de 1,5 a 3,5 anos (Berthelsen,
. “ a utilização de técnicas modernas de reprodução 1984; Fossa et ai> 1986).
Kòs e tida são necessários poucos espermatozóides viáveis A quimioterapia tem um papel muito importante no
bres, ~ .ira atingir a fertilização e o desenvolvimento embrioná- tratamento do câncer metastático do testículo. Xo entanto,
iDcn- normal. A terapia que visa à cura do câncer pode ter o efeito colateral tem um impacto negativo muito signifi
bção . mo efeito deletério a perda do mecanismo de emissão e cativo na produção de espermatozóides. As espermatogô-
tc al- . iculaçâo anterógrnda do sêmen, fato paralelo e adicional nias são especialmente suscetíveis durante a divisão celu
K>re- •s efeitos diretos da neoplasia ou de seu tratamento sobre lar à quimioterapia. Aproximadamenre 96% dos pacientes
trtor. . ^ permatogênese. O exemplo mais comum é o próprio submetidos à quimioterapia vão se tornar azoospérmicos
Bulta ;_: cer do testículo, em que a grande maioria dos homens num período curto, após o primeiro ciclo de quimiotera
imos irresenta-se com parâmetros seminais anormais antes pia (Fossa et ah, 1988). Felizmente, 67% desses homens
lalra- -: administração dc terapias gonadotóxicas, e muitos se voltam a apresentar espermatozóides no conreúdo ejacu
c.orc mrnetem a cirurgias retroperitoneais que podem lesar os lado, no período de dois a três anos após o término da
■ ervos simpáticos que controlam o mecanismo normal dc quimioterapia. Porém, 33% continuarão azoospérmicos
t-*gia . missão do sêmen e ejaculação. A aspermia devido à falha (Hallak et al., 1999b). Nesses homens não é comum en
s an- --- emissão é hoje facilmente tratável. Inicia-se com drogas contrar espermatozóides no conteúdo ejaculado, mesmo
R. em ' i-adrenérgicas, como a pseudo-efedrina e, no caso de após centrifugação e métudos especiais de procura.
cerol cesso dessa terapia, a obtenção de ejaciilação por meio Em dez pacientes com câncer submetidos à reprodu
fcüos i- ibroestimulação peniana é geralmente bem-sucedida. ção assistida, que críopreservaram espermatozóides por
bíc C Ao se discutir o aspecto da fertilidade com o pacien- longo período, observou-se que a capacidade de fertili
crva- com câncer, deve-se lembrar que cerca de 67% desses zação desses espermatozóides era equivalente à da po
. enres apresentam inicialmente oligozoospermia e 20%, pulação infértil em geral, com taxas de gravidez de 33%
r.cer, aspermia (Hallak et al., 1998b). Outro dado importan- por ciclo de reprodução assistida, taxa de implantação
rr\a- . c que a incidência dc câncer do testículo na população de 13% e taxa de gravidez por casal de 50% (Hallak et
fe- A ■ rtíl é cem vezes maior que na população geral. Como al1998b).
cado . -. nplo, em 1.689 pacientes examinados consecutivamen- A utilização dc espermatozóides do testículo em re
tgual :~i Alemanha devido à infertilidade primária, a incidência produção assistida acontece quando não é possível obter
bk e/ . neoplasia do testículo foi de 0,5%, portanto muito mais espermatozóides ejaculados ou do epidídimo, com números
:.i do que a taxa de 0,005% registrada na população geral aceitáveis de sucesso (Schoysman et al., 1993). Mesmo nos
cnse- -- mesma região (Behrtet al., 1995; Moeller, 1993). casos de azoospermia não obstrutiva, pós-quimioterapia,
s das A perda de parênquima testicular devido ao tumor e/ dados indicam que existe boa chance de conseguir esper
icnto *. orqniectomia é uma razão óbvia para explicar a menor matozóides testiculares por meio de técnicas específicas,
► *ja lidade nesses pacientes. Entretanto, não é o único faror, como a extração aberta de espermatozóides testiculares (em
L es- cue os pacientes com azoospermia inicial podem recupe- inglês, Tese - testicular sperm extraction). Schlegel tem pre
am a *ar a fertilidade mesmo após a orquiectomia c o tratamento conizado a técnica de microdissecção para esses casos, que
ante- . adjuvanre, o que sugere a presença de um mecanismo ati- utiliza o microscópio microcirúrgico como auxiliar na iden
. causador da subfertilidade (Fossa et al., 1993). tificação de focos de espermatogênese no testículo. Novas
Ec O Como efeitos adjuvantes do tratamento do câncer esperanças são hoje oferecidas ao homem que se manteve
curá- . testículo na fertilidade, homens que recebem doses infértil após a quimioterapia e/ou radioterapia, porém nada
c Há -_:re 20 e 130 cGy apresentam azoospermia temporá- ainda substitui o cuidado da indicação da criopreservação
i dez • i e aqueles submetidos a doses maiores que 1.000 cGy dos espermatozóides antes de qualquer tratamento.
>92),
lemi-
cdos
•ente Referências bibliográficas
cesso Amelar, R. D.; Durin, L.; Hotchkiss, R. S. “Restora- phy in andrological patients”. International Journal of An-
pee o of fertility following unilateral orchiectomy and radia- drology, v. 18, supl 2, p. 27-31, 1995.
i um r. -n rherapy for testicular tumors”. The Journal ofUrology, Bergstrõm, R.; Adami, H.-O.; Mõhner, M. et al. “in-
, pois 106, n. 5, p. 714-8, 1971. crease in testicular câncer incidence in six European coun-
fr* de Behre, H. M.; Kltesgh, S.; Schâdel, R; Nieschlag, E. tries: a birth cohort phenomenon”. Journal of the Natio
r*.es- clínica! relevancc of scrotal and transrectal ultrasonogra- nal Câncer Institute, v. 88, n. 11, p. 727-33, 1996.
58 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Berthelsen, J. G. “Sperm counts and serum follicle- ____ . “Why canccr patients request disposal of
srimulating hormone leveis before and after radiotherapy cryopreserved scmen specimens post-therapy: a retrospec-
and chemothcrapy in men with testicular gerin cell cân tive study”. Fertility and Sterility, v. 69, n. 5, p. 889-93,
I cer”. Fertility and Sterility, v. 41, n. 2, p. 281-6, 1984. 1998b.
Bosl, G.; Vogelzang, N. J.; Goldman, A. et al. “Im- Hallak, J.; Kolettis, P. N.; Sekhon, V. S. et al. “Cryo
pact of delay in diagnosis on clinicai stage of testicular preservation of sperm from patients with leukemia: is it
câncer”. Lancet, v. 2, n. 8253, p. 970-3, 1981. worth the effort?” Câncer, v. 85, n. 9, p. 1973-8, 1999a.
Capelouto, C. C; Ciark, P. E.; Ransil, B. J.; Lou- ____ . “Sperm cryopreservation in patients with restis
ghun, K. R. “A review of scrotal violation in testicular canccr”. Urology, v. 54, n. 5, p. 894-9, 1999b.
canccr: is adjuvant local therapy necessary?” The Journal Hai i ak, J.; Sharma, R. K.i Fitzhugh, M. T: “Cryopre-
ofürology. v. 153, n. 3, 981-5, 1995. servarion of human spermatozoa: comparison of test-yolk
Fossa, S. D.; Abyhoi.m, T.; Normann, N.; Jktnf, V. buffer and glycerol”. International Journal of Fertility and
“Post-rreatment fertility in patients with testicular cân Wonien’s Health, v. 45, n. I, p. 38-42, 2000.
cer. III: influence of radiotherapy in seminoma patients”. Heindenreich, A.; Weissbac:h, L.; Hõi.ti., W. et al.
British Journal ofUrology, v. 58, n. 3, p. 315-9, 1986. “Organ sparing surgery for malignant germ cell tumor of
Fossa, S. D.; Abyholm, T.; Vespestad, S. et ai. “Scmen the testis”. The Journal ofUrology, v. 166, n. 6, p. 2161-5,
quality after treatment for testicular câncer”. European 2001.
Urology, v. 23, n. 1, p. 172-6, 1993. Hopps, C. V; Goldstein, M. “Ultrasound guided needle
Fossa, S. D.; Kiepp, O.; Normann, N. “Lack of local izacion and microsurgical exploration for incidental
gonadal protection by medroxyprogesterone acetate-in- nonpalpable testicular tumors”. The Journal of Urology, v.
duced transient medicai castration during chemotherapy 168, n. 3, p. 1084-7,2002.
for testicular câncer”. British Journal of Urology, v. 62, McKiernan, J. M.; Golubopf, E. T.; Liberson, G. L. et
p. 449-53, 1988. al. “Rising risk of testicular canccr by birth cohort in the
Gao, D. Y.; Mazur, P; Klelnha.ns, F. W. et ai “Glyce- United States from 1973 to 1995”. The Journal of Urolo
rol permeability of human spermatozoa and its activation gy, v. 162, n. 2, p. 361-3, 1999.
energy”. Cryobiology, v. 29, n. 6, p. 657-67, 1992. Moeller, H: “Chies to the aetiology of testicular
Gii.MORE, J. A.; Liu, J.; Gao, D. Y; Critsir, J. K. “De- germ cell rumours from descriptive epidemiology”. Euro
terminntion of optimal cryoprotectants and procedurcs pean Urology, v. 23, n. 1, p. 8-15, 1993.
for their addition and removal from human spermatozoa”. Schoysmàn, R.; Vanderzwalmen, P.; Nij.s, M. et al.
Human Reproduction, v. 12, n. 1, p. 112-8, 1997. “Pregnancy after fertilization with human testicular sper
Hallak, J.; Cocuzza, M.; Athayde, K. et al. “Micro- matozoa”. Lancet, v. 342. p. 1237, 1993.
surgical organ-sparing resection of incidental impalpable Sheynkin, Y. R.; Sukkarieh, T; Lipke, M. et al.
intratesticular tumors with intraoperative ultrasound guided “Management of nonpalpable tesricular tumors”. Urology, v.
needle placemem can be combined with microdissection for 63, n. 6, 1163-7, 2004.
sperm extracrion and cryopreservation in azoospermic pa- Thornhiii , J. A.; Fenneu.y, J. J.; Kfi.i.y, D. G. et al.
rients evaluated for infértility”. Fertility and Sterility, v. 84, “Patients’ delay in the presentation of testis câncer in Ire-
supl. 1, p. SI 1, 2005. land”. British Journal of Urology, v. 59, n. 5, p. 447-51,
Hallak, J.; Hendin, B. N.;ThomasJr., A. J.; Agarwai., 1987.
A. “Investigation of fertilizing capacity of cryopreserved Whitmore Jr.. W. F. “Surgical treatment of clinicai
spermatozoa from patients with canccr”. The Journal of stage I nonseminomatous germ cell tumors of the testis”.
Urology, v. 159, n. 4, 1217-20, 1998a. Câncer Treatment Reporl, v. 66, n. 1, p. 5-10, 1982.
I of
•£3,
ivo-
» ir CÂNCER GINECOLÓGICO: OVÁRIO, ÚTERO E VAGINA
N. J oâo C arlos M antese
rstis
rrc-
folk
land
í ai
r of
H-5,
Câncer do colo uterino ser carcinoma in situ ou invasor. Atualmente, tem-se utili
zado a classificação de Bethesda.
fedlc câncer do colo uterino ainda é de alta preva
Imtal NIC significa neoplasia intra-epitelial cervical e são as
lência em nosso meio. Apesar dos métodos efi
t , v. lesões precursoras do câncer do colo uterino. E caracteri
cientes para seu rastreamento, muitas mulhe-
zada por alterações na maturação do epitélio, aumento da
•inda não fazem periodicamente o exame ginecológico
iL. eí relação núcleo-citoplasma, hipercromasia, pleomorfismo,
. ~ exame citológico. mitoses atípicas e núcleos irregulares. Quando a atipia for
r thc A evolução dc uma alteração leve do epitélio cervical
►o/o- de células escamosas sem significado determinado deno
-:r'mo até o câncer invasivo é muito lenta, de oito a dez
mina-se Ascus, e se a atipia for de células glandulares a
- Bastaria fazer um exame citológico nesse período denominação é Asgus.
fcular ■ que se detectasse precocemente essa alteração celular, A citologia é um alerta quando o resultado apresenta
L'<ro-
"rlizmente, no Brasil muitas mulheres nunca o fizeram NIC. Esse achado deverá ser confirmado por meio da col-
- "ião o fazem periodicamente, por medo ou por não ter poscopia com biópsia. A biópsia revelará a profundidade
£r ai
- cesso ao serviço de saúde. da alteração celular; assim, NIC I (baixo grau) atinge até o
• >pcr-
A alteração celular inicial é a metaplasia, que ocor- terço profundo do epitélio, NIC II atinge até dois terços do
::a região da ectocérvice, ou seja, há a presença de epitélio e NIC III (alto grau) todas as camadas do epitélio.
r ai
. :las glandulares em uma região que não está protegi- Nem todas as alterações celulares evoluem para cân
v.
:: ias agressões do meio vaginal. O local inicial do de- cer do colo uterino. Quando a lesão for de baixo grau,
volvimento do câncer do colo é nessa transição entre 16’% podem evoluir para câncer, enquanto se for de alto
«rf a/,
r?!télio estratificado da ectocérvice e o glandular da grau o número aumenta para 50%.
r. Ire-
r-"océrvice. Esse local é denominado JEC, junção es- O carcinoma do colo uterino é uma neoplasia malig
r-5l,
runocelular. na de evolução lenta, com lesões precursoras até tornar-se
Os causadores de agressões vaginais são: alterações invasivo. Representa 90% dos cânceres do útero. Em rela
imical
*>PH, bactérias, vírus (HPV), sêmen e agentes oncogêni- ção à faixa etária, é predominante em mulheres com idade
fcsris”.
Portanro, seria suficiente diagnosticarmos e tratarmos entre 35 e 55 anos.
: -cs ratores para que se evitasse uma evolução desfavorá- Os fatores de risco são: infecção por HPV, início
vt. para uma neoplasia maligna. precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros, mul-
O rastreamento mais eficiente é, assim, a colpocito- tiparidade, má assistência obstétrica com lesão do colo
z a oncológica (Papanicolau), feita em lâminas ou em uterino, tabagismo, baixo nível socioeconômico (ou seja,
7;.o líquido, que parece ser mais preciso na detecção de baixa escolaridade, falta de informações sobre doenças
. Trrações celulares. sexualmente transmissíveis c acesso limitado ao serviço
A citologia pode ser descrita como: a) negativa para de saúde), não-utilização de métodos de barreira, como
-T alas neoplásicas; b) inflamatória; c) suspeita para célu- anticoncepcional, e cervicites não tratadas.
-• neoplásicas malignas, displasia leve ou NIC I, displasia O diagnóstico é feito por meio de uma detalhada
Jcrada ou NIC II, displasia acentuada ou NIC III; d) anamnese, focando os fatores de risco e sintomas, exame
i.ramente sugestiva de células neoplásicas malignas; c) po- físico geral, ginecológico e exames complementares.
? a para células neoplásicas malignas escamosas, adeno- In felizmente é uma doença praticamente assintomáti-
.:*:;noma ou carcinoma não primário do colo, podendo ca dc início; com a evolução poderá apresentar corrimen-
60 TEMAS EM PSICO ONCOLOGIA
to sanguinolento, sinusorragia e sangramento (hemorra • Estádio III: envolvimento da vagina até .seu rerço
gia) vaginal de odor fétido. inferior ou dos paramétrios até atingir a parede
Ao exame físico geral, as mucosas podem estar des pélvica.
I coradas por perda sanguínea acentuada em casos mais • Estádio IV: extensão da neoplasia além dos órgãos
avançados. Pode chamar a atenção a presença de lesões genitais (bexiga, reto c metástases a distancia).
verrucosas no trato genital, levando à suspeita de infecção
por HPV. Ao exame especular pode-se encontrar a forma A conduta terapêutica será definida pela colpocito-
exofítica com verrugas ou massa de tecido sangrante no logia oncológica:
colo que cresce para a luz da vagina. Há também a forma
endofírica, em que o tumor cresce em profundidade na • Negativa: controle anual.
parede do colo, tornando-o endurecido e com maior vo • Apresentando Ascus ou Asgus: fazer colposcopia
lume. A forma ulcerativa é caracterizada pela presença de com biópsia e tipagem do HPV; controle semestral.
lesão ulcerada na superfície, que pode sangrar ao toque. • Sugestiva de lesão de baixo grau (NIC //N/C II):
Ainda no exame especular se faz o teste de Schiller, que fazer colposcopia, vulvoscopia, biópsia e tipagem
orientará a biópsia, quando for positivo. Deve-se fazer to
de HPV Tratamento: diatermo, eletro ou criocau-
que retal para verificar se houve invasão dos paramétrios,
terização do colo, laserterapia, conização se a le
fato importante para estabelecer o estadiamento e a con
são adentrar o canal cervical, tratamento do HPV
duta terapêutica adequada.
quando presente. Fazer controle colpocitológico
Como exame complementar a colposcopia é impor
semestralmente.
tante pois, por meio de substâncias como o ácido acético,
• Sugestiva de lesão de alto grau (NIC III): fazer col
e pelo reste de Schiller, direcionará a biópsia. Pode-se fazer
poscopia, vulvoscopia, biópsia para confirmar NIC
u exame PCR (polimerase chain reaction) para verificar
Iíl. Tratamento cirúrgico: conização e, se não tiver
qne tipo de HPV está presente; os mais oncogênicos são
margens livres, indicar amputação do colo. Contro
os tipos 16, 18, 32 e 64, enquanto os subtipos 6 e 11 rêm
le trimestral.
baixo potencial oncogênico, sendo associados a lesões ver
rucosas (condilomas).
O exame anatomopatológico selará o diagnóstico. Se o estudo anatomopatológico do cone resultar em
Na grande maioria das vezes trata-se de carcinoma epider- carcinoma intra-epitelial do colo uterino e não houver
nióide ou escamoso (96%). O adenocarcinoma ocorre nos margens livres, deve-se indicar amputação do colo.
casos restantes. F. preciso fazer o estadiamento clínico para a indi
A propagação do câncer cervical uterino se faz por cação do tratamento adequado. Até o estádio lia pode-
contigüidade. No início fica restrito à própria espessura se indicar a cirurgia de Werrheim-Meigs (histerectomia
do colo, mas depois começa a se propagar pelas estrutu total abdominal com anexectomia bilateral, parametrec-
ras vizinhas, como paramétrios, bexiga, reto, e por órgãos tomia e linfadenectomia). Se houver gânglios linfáticos
distantes. ou margens cirúrgicas comprometidos, completar o tra
A morte da paciente geralmente é em decorrência da tamento com radioterapia pélvica e de fundo vaginal.
invasão parametrial com compressão dos ureteres, levan Podem ser feitas radioterapia exclusiva, pélvica e braqui-
do à insuficiência renal. terapia uterovaginal. Os resultados se equivalem.
Nos casos mais avançados deve-se solicitar cistosco- Nos estádios Ilb a IVb, fazer radioterapia exclusiva,
pia, urografia excretora e retossigmoidoscopia para verifi pélvica c braquiterapia uterovaginal. Pode-se complemen
cação dos órgãos vizinhos. tar com quimioterapia.
É importante que seja feito um estadiamento clínico Nesses casos, o seguimento deve ser trimestral no
com a finalidade de estabelecer a conduta terapêutica. Ele primeiro ano, semestral até o quinto ano e, posterior-
pode apresentar os seguintes níveis: mente, anual.
Algumas situações que merecem conduta diferenciada:
• Estádio 0: carcinoma intra-epitelial in situ.
• Estádio I: carcinoma restrito ao colo. Ia: invasão • Gravidez: nas NICs pode-se aguardar o parto, que
do estroma com menos de 5 mm de profundidade poderá ser por via baixa, e deve-se fazer controle
e menos de 7 mm de extensão. Ib: lesão clínica con citológico bimensal e tratamento após o puerpério.
finada ao colo com área superior a 5 x 7 mm. Se o câncer for invasor, deve-se respeitar a vontade
• Estádio II: envolvimento da vagina sem atingir seu da paciente, com conduta individualizada.
terço inferior ou dos paramétrios sem atingir a pa • Adenocarcinoma do colo: cirurgia de Werrheim-
rede pélvica. Ila: não compromete os paramétrios. Meigs nos estádios I e Ila. Se houver margens ou
Ilb: comprometimento dos paramétrios. linfonodos comprometidos, deverá ser feita radio-
CÂNCER G \ N ECO LÔ G ICO *. OVÁRIO. ÚTERO E VAGINA 61
terapia complementar. Nos demais estádios serão de, há invasão do miométrio, do colo uterino e propaga
Ide indicadas radioterapia externa e braquiterapia, ção linfática, comprometendo ovários, vagina, pulmão,
seguidas de histerectomia total abdominal, quatro fígado e cérebro.
fera a seis semanas após o término. O sintoma mais frequente é o sangramento vaginal
na pós-menopausa, e desvios menstruais na perimeno-
pausa, como a hipermenorragia ou a metrorragia. Even-
bo- Câncer do endométrio tualmentc pode surgir corrimento vaginal sanguinolento.
r uma neoplasia maligna que acomete a camada de A dor no baixo-ventre é incomum, mas pode ser um sin
- rstimento interno do útero, o endométrio. O câncer toma tardio.
ndométrio pode ser também denominado câncer do Ao exame físico podem-se encontrar mucosas des
. rr>o do útero. Sua incidência é significativamente mc- coradas, dependendo da quantidade e duração do san
?-
N. - que a do câncer do colo do útero. Acomete preferen- gramento; pode haver hipertensão e obesidade, não
■): Tienre as mulheres na faixa etária de 50 a 60 anos. raramente associadas. Na palpação abdominal pode-se
Os fatores de risco são: idade acima de 40 anos e perceber volume na região hipogástrica devido ao au
-■ i pós-menopausa (80% das doentes) - o risco relativo mento uterino. Ao exame ginecológico, o toque confirma
[1e- . de 2,7 quando houver mãe ou irmã acometidas -, nu- o aumento uterino e, muitas vezes, nota-se uma consis
Tparidade, menopausa tardia, síndrome da anovulação tência amolecida.
rv
- nica (SOP), obesidade, tratamento hormonal somente O rastreamento do câncer do endométrio tem sido
--
: m estrógenos, uso de ramoxifeno, associação com ou- feito com ultra-sonografia pélvica transvaginal, com o ob
> cânceres, como de mama, cólon c ovários, tumores jetivo de mensurar a espessura do endométrio e detectar
XÀ-
-. vário produtores de estrógenos c alterações endome- a presença de pólipos. Atualmente tem-se questionado
BC
- como pólipos e hiperplasias. Há um maior risco de esse procedimento, que deve se restringir somente a mu
ber
7 plasia endometrial quando a paciente for hipertensa, lheres que apresentem alteração menstrual na perimeno-
ro
: i^ética ou obesa. pausa ou sangramento na pós-menopausa e àquelas com
Fatores de proteção: uso de anticoncepcionais (com aumento do volume uterino ao exame ginecológico.
■ relativo igual a 0,5), associação de progestógenos E pela ultra-sonografia (espessamento endometrial)
em
estrógenos na terapia hormonal do climatério, DIU que nos orientamos para o estudo anatomopatológico.
rer
-fdicado com progestógenos. A coleta de amostra para o estudo endometrial pode ser
A fisiopatologia, tanto das hiperplasias como do feita por citologia do lavado endometrial, biópsia aspi-
fedi- r cer do endométrio, está estabelecida no estímulo rativa, cureta de Novak, curetagem uterina de prova ou
ce- histeroscopia de forma mais direcionada.
: trsisrente dos estrógenos sobre as células endometriais,
Kua Com a biópsia confirmando o diagnóstico, é necessá
" a ação antagônica da progesterona. A falta do anta-
ICC- rio fazer raios X de tórax, coluna vertebral, cintilografia
i nismo pode ser devida à carência ou falha da resposta
kos óssea, hepática e pulmonar, assim como ultra-sonografia
- células endometriais à progesterona.
tra- de abdômen total.
Ao exame anatomopatológico macroscópico pode
M- -7 apresentar como massa exuberante, friável, dc aspecto A colpocitologia oncológica e a colposcopia têm impor
|U1- tância para verificação de acometimento da cérvice uterina.
rarecido com carne de peixe, c sangrante, localizada em
área restrita ou distribuída de forma difusa. O estadiamento do câncer de endométrio é clínico-
|v a, Na forma difusa pode se estender por toda a super- cirúrgico. Eis os estádios possíveis:
fcm- ::c:e da mucosa uterina c atingir o miométrio como tam-
em o canal cervical. Há aumento do volume uterino. • Estádio I - la: tumor restrito ao endométrio; Ib: in
I no Quando se apresentar restrita a uma área, pode ha- vasão até a metade do miométrio; k: invasão maior
Bor- -■ crescimento em profundidade ou para a cavidade que a metade do miométrio.
rrina, formando assim um pólipo endometrial. • Estádio II - 11a: invasão do tecido glandular do en
*12: Ao exame microscópico é um adenocarcinoma, ou dométrio; Ilb: invasão do estroma cervical.
: ji. neoplasia maligna que se origina no epitélio das • Estádio III - IIla: invasão de serosa ou anexos, ou
que _ indulas endometriais. As células endometriais podem citologia peritonial positiva; Illb: metástases vagi
role .sentar graus variáveis dc imaturidade e de indiferen- nais; UIc: metástases pélvicas ou para-aórticas.
Eno. .çáo: G1 - adenocarcinoma altamente diferenciado; • Estádio N - IVa: invasão de mucosa da bexiga ou
Lide _ - adenocarcinoma diferenciado com áreas sólidas; do intestino; IVb: metástases a distância ou linfono-
- adenocarcinoma predominantemente sólido ou in- dos pélvicos.
cnn- _’*erenciado.
B OU A evolução do câncer de endométrio se faz inicial- O tratamento do câncer dc endométrio depende do
BÜO* ~rnte envolvendo somente a mucosa uterina. Mais tar seu estadiamento:
62 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
• Estádio I: histerectomia total e anexectomia bila uso de métodos anticoncepcionais hormonais (orais, inje
teral. Se o estudo anatomopatológico indicar car táveis, implantes e DIU medicado com progestógenos). A
cinoma G2 ou G3, deve-se fazer também a radio amamentação também diminui a frequência de ovulações
terapia. e, dependendo de sua duração, pode reduzir em até 25%
• Estádios II e UI: histerectomia total e anexectomia a ocorrência do câncer de ovário.
bilateral, linfadenectomia e radioterapia. Há referências na literatura dando conta de que
• Estádio Na: radioterapia e hormoniotcrapia (pro- mulheres submetidas a ligadura tubária ou histerecto
gestógenos). mia teriam menor incidência de câncer ovariano. Essas
• Estádio Nb: hormonioterapia. cirurgias evitariam o contato de agentes externos onco-
gênicos, as pacientes estariam sob controle médico mais
O seguimento deverá ser trimestral no primeiro ano, freqüente, devendo-se considerar a possibilidade de re
semestral até o quinto ano e, posteriormente, anual, com moção dos ovários no ato cirúrgico sem que haja registro
os seguintes procedimentos: exame ginecológico, ultra- da ooforectomia.
sonografia pélvica e de abdômen total, colpocitologia on Quanto ao tipo histológico, o câncer de ovário pode
cológica e raios X de tórax. ter origem nos tecidos epitelial, conjuntivo, embrionário
ou mista. Os tumores malignos de origem epitelial são:
cistoadenocarcinoma seroso, mucinoso e adenocarcinoma
Câncer de ovário endometrióide. O sarcoma é originado no tecido conjun
E uma neoplasia maligna das células do tecido glan tivo. Do tecido embrionário temos os teratomas imaturos
dular reprodutivo feminino, que pode ser uni ou bilateral. ou embrionários.
A grande maioria é de origem epitelial, ou seja, localizada Os ovários podem ser sede de metástases de tumores
na superfície ovariana. localizados em outros órgãos, como: aparelho gastroin
O câncer de ovário é responsável por 4% dc to testinal (tumor de Krukenberg), mama, placenta (corio-
dos os cânceres na mulher. E a neoplasia que ocasiona carcinoma) e corpo uterino. Existem ainda os tumores do
maior número de mortes entre os cânceres ginecológi seio endodérmico ou de células claras e o coriocarcinoma
cos. Esse dado reflete, em parte, a dificuldade em fazer primitivo ou ectópico.
um diagnóstico precoce e um rastreamento eficiente. O Os tumores funcionantes dos ovários são os produ
diagnóstico é feito na maior parte das vezes em estádios tores de hormônios. Os produtores de estrógenos (femi-
avançados, após o cânccr já ter se disseminado em todo nilizanres) são os tumores de células da granulosa e os
o abdômen. tecomas. Têm 20% de probabilidade de ser malignos. Os
As mulheres brancas têm maior incidência e mor produtores de andrógenos (masculinizantes) são os arre-
talidade em relação a outros grupos étnicos (80%). Em noblastomas, giandroblastomas e gonadoblastomas. São
relação ao grupo etário, há maior incidência em mulhe frequentemente malignos.
res com idade superior a 40 anos, porém pode ocorrer O disgerminoma é um tumor que se origina de células
na infância. ovarianas que não evoluíram para células morfofuncionais
Correm maior risco de desenvolver o câncer de ová masculinas e femininas. Ocorrem com mais freqüência nas
rio as mulheres nulíparas, pois não havendo pausa ovaria crianças e são, na maioria, malignos. Outro tumor eventual-
na de ovulações há maior número de fenômenos regene mente maligno é o estruma ovárico, que é caracterizado pela
rativos do epitélio. presença de tecido tircoidiano funcionance nos ovários.
Quanto ao risco genético, observa-se ser maior em A sintomatologia é gcralmente consequência do au
pacientes com história familiar de câncer de ovário, mama, mento de volume e velocidade de crescimento do tumor.
endométrio ou intestino grosso. Outro fator de risco é a Assim, as pacientes podem referir sensação dc peso no
mutação no cromossomo 17 em seu braço longo, em pa baixo-vencre, distensão abdominal e dor por compressão
cientes com câncer de mama na pré-menopausa (BRCA1). das estruturas vizinhas. Sintomas gastrointestinais são co
A mutação do gene faz que, aos 70 anos, uma mulher te muns, como dificuldade de ingestão e evacuação. Podem
nha um risco de 85% de ter câncer de mama e 63% de ter ter inapetência e grande perda de peso em pequeno espaço
câncer de ovário. de tempo, apresentando caquexia, com comprometimen
Não há um consenso de literatura quanto à idade de to do estado geral. Os sintomas podem variar se houver
ocorrência da menarca e menopausa, assim como quanto complicações como torção, rotura ou infecção.
à utilização da terapia hormonal na pós-menopausa e ao No caso dos tumores funcionantes feminilizantes,
uso de talco na região perineal. as pacientes poderão apresentar desvios menstruais
Qualquer fator que atue para diminuir a ovulação, como hipermenorragia no climatério ou sangramento
poupando o tecido ovarianp, poderá ter uma ação prote vaginal na pós-menopausa. Os tumores funcionantes
tora. A freqüência de ovulação pode scr diminuída com masculinizantes atuam provocando, de início, perda
CÂNCER GINECOLÓGICO: OVÁRIO, ÚTERO E VAGINA 63
,mje- -iributos femininos, para depois ter uma ação viri- pélvis e/ou linfonodos comprometidos retroperi-
K.A :e, representada por perda de cabelo frontal, acne, toniais ou inguinais.
fcções ■ smo, abaixamento do tom da voz e aumento de • Estádio IV: metástases a distância, derrame pleural
15% >3 muscular. com citologia positiva e metástase parenquimatosa
O diagnóstico se baseia em uma anamnese detalhada, em órgãos abdominais.
t que - urando os fatores dc risco de câncer de ovário, exame
rcro- . geral e ginecológico. Em alguns casos pode-se ter di- Nos casos de tumores borderline ou carcinomas no
Essas ~ - d ;de em diagnosticar a origem do tumor abdominal, estádio Ia, o tratamento será exclusivamente cirúrgico.
»co- ~ ' necessária a utilização de métodos propedêuticos Nos demais carcinomas há necessidade de complementa-
mais . ziplementares. ção com quimioterapia. Ao término da quimioterapia, está
k re- A ultra-sonografia pélvica e a transvaginal com Doppler indicada a revisão cirúrgica com a finalidade de avaliar a
pstro - 2e grande utilidade para verificar as características desse eficácia do tratamento estabelecido.
- r. Quando se apresentar sólido ou com áreas sólidas O seguimento dessas pacientes será feito por meio de
rode : . :.cas, vegetações, septações espessas no seu interior e, exame ginecológico, ultra-sonografia pélvica e abdominal,
ririu £ - ppler, com resistência vascular diminuída e aumento raios X dc tórax e dosagem de CA-125. O intervalo de
l são: . . cidade de irrigação, há maior probabilidade de seguimento será trimestral no primeiro ano, semestral até
toma - maligno. Se houver dificuldade em detectar o local o quinto ano e anual posteriormente.
njun- i ::gem do tumor, podem-se utilizar a tomografia c a
ruros • -nãncia magnética.
Câncer de vulva
Sendo a grande maioria dos tumores ovarianos de ori-
cores É uma neoplasia maligna que acomete qualquer estru
. - epitelial, a dosagem de CA-125 pode ajudar na hipó-
troin- tura do órgão genital externo feminino: grandes e peque
- iagnóstica. Quando elevada, há maior possibilidade
corio- nos lábios, clitóris, glândulas vestibulares e parauretrais e
- " ilignidade. A dosagem de alfafetoproteína sérica é
r-s do intróito vaginal. A localização preferencial é nos lábios e
é: ca nos tumores de seio endodérmico e os níveis de
r.oma clitóris (90%); no vestíbulo ocorre em 8% dos casos e é
podem ser úteis no caso dos tumores com origem
muito rara no hímen.
•• ácidos embrionários.
■ dll- Tem baixa incidência, representando 5% dos cânce
rografia excretora e raios X de tórax auxiliam no
ífemi- res genitais.
â _ 'tico de repercussões nas vias urinárias e pulmonar.
i e os Os fatores de risco são: idade entre 50 e 60 anos,
>empre que houver suspeita de câncer de ovário, é
»s. Os na pós-menopausa, baixo nível socioeconômico (ou seia,
.-»ário que se realizem exame endoscópico gastroin-
I irre- baixa escolaridade, falta de informações sobre doenças se
il (colonoscopia) e mamografia, para afastar possível
i. São xualmente transmissíveis e acesso limitado ao serviço de
•' _ n primária do tumor. saúde), presença de HPV, depressão imunológica. Portan
1) estadiamento do tumor deverá ser sempre cirúrgico,
ululas to, sempre se deve insistir na orientação de hábiros de vida
»onais r -da a cirurgia, ao abrir a cavidade abdominal se procede e, principalmente, em métodos de prevenção de doenças
Z2 nas i w ’eta do líquido peritonial pela aspiração direta ou sexualmente transmissíveis.
r.rual- É rndo-se um lavado com soro fisiológico. E imperativa a Existem lesões precursoras, que são as neoplasias
L pela ^ ação de biópsia dc congelação para saber se o tumor intra-epiteliais (NIV), lesões em placa liquenificada, ern
fe. - ;gno ou maligno. Nem sempre esse diagnóstico é pápula ou mácula, que podem evoluir para o carcinoma
au- Não raro, temos um diagnóstico borderline. Quando invasivo. As NIVs podem ser: leves (NIV I), moderadas
LTior. . -firmada a malignidade, fazem-se, de forma geral, (NIV II) e acentuadas (NIV III).
5o no erectomia, anexectomia bilateral complementada por As manifestações clínicas mais frequentes são: pruri
rtssão -lectomia, linfadenectomia paraaórtica e pélvica e do vulvar intenso (excluir casos de diabetes) e tumoração
io co- * : .as múltiplas peritoniais. Devem fazer parte da equipe exofítica ou ulcerada com sangramento. Microscopica
Fuiem - - ca um patologista e um cirurgião habituados a cirurgias mente, é um carcinoma escamoso cornei ficado ou não.
Espaço : '. mas à pélvis. Se o carcinoma for das glândulas vestibulares, será ade-
Bmen- O estadiamento do câncer de ovário pode ser assim nocarcinoma.
b uver '.rresentado: O rastreamento, ainda que possa haver controvérsia,
poderá ser feito, inicialmente, com teste de Collins, o qual
tintes, • Estádio /: tumor limitado aos ovários. consiste em usar azul de toluidina com aplicação de ácido
irruais • Estádio II: tumor envolvendo um ou ambos os acético antes e após. O teste será positivo nas áreas que fica
r.ento ovários com extensão para a pélvis. rem hiperpigmentadas, servindo para orientar a biópsia.
cantes • Estádio III: tumor comprometendo um ou am Sem dúv ida a biópsia dirigida pela vulvoscopia é mais
rerda bos os ovários com implantes neoplásicos fora da eficiente no diagnóstico definitivo do câncer de vulva. A vul-
64 TEMA5 EM PSICO-ONCOLOGIA
voscopia deve ser indicada em todas as lesões de vulva nas que poderá ser intra-epitelial (Niva) ou invasivo. Esse cipo
pacientes na pós-menopausa, inclusive na presença de nevo de câncer é mais encontrado em pacientes com mais idade.
pigmentar, com o objetivo de excluir o melanoma maligno. Podem scr também adenocarcinomas. tumores do seio en-
O estadiamento do câncer de vulva é feito por ava dodérmico e sarcomas botrióides, que ocorrem na infân
liação do tumor (T), acometimento de Iinfonodos (N) e cia. Parece haver certa mulciccntricidade entre os cânceres
presença de metástase (M). de colo uterino, vulva e vagina.
Os tumores podem ser classificados em: T IS - car As lesões precursoras do carcinoma epidermóide são
cinoma m sita (NIV III); TI - tumor limitado à vulva, as neoplasias intra-epiteliais vaginais (Niva), classificadas
menor que 2 cm; T2 - tumor limitado à vulva, maior que em: Niva I (displasia leve), Niva II (displasia moderada) e
2 cm; T3 - tumor invadindo u=retra ou períneo; T4 - tu Niva III (displasia grave).
mor invadindo reto ou bexiga. A disseminação é por contiguidade ou por via linfá
Os Iinfonodos, por sua vez, podem ser divididos em: tica e/ou hematogênica. Devido ao fato de a propagação
NO - Iinfonodos não palpáveis; N I - Iinfonodos com ser por via linfática, há indicação do estudo do linfonodo
metástase em uma das virilhas; N2 - Iinfonodos com me sentinela. A via hematogênica é mais tardia, ocasionando
tástase em ambas as virilhas. metástases no fígado, pulmões, cérebro e ossos.
Quanto às metást3ses, temos as seguintes situações: Os sintomas mais frequentes são: corrimento létido
MO - ausência de metástase; Mia - Iinfonodos pélvicos avermelhado, hemorragia genital e tumoração genital. Sc
com metástase; M Ib - metástase a distância. houver compressão ou disseminação para os órgãos vizi
Assim teremos o estadiamento: nhos, podem surgir sintomas urinários e intestinais.
Ao exame ginecológico os tumores são, em geral,
• Estádio 0: T IS. exofíricos, mas podem ser ulcerados. A localização mais
• Estádio /: TI NO MO. comum é no terço superior e na parede posterior. Essas
• Estádio II: TI NI MO. lesões são detectadas com toque vaginal para verificar o
• Estádio III: T2 N1 MO; T2 N2 MO; T3 N1 MO; T3 tamanho, a consistência e o grau de infiltração. Ao exame
N2 MO. especular observa-se a lesão c se faz a coleta de material
• Estádio ÍVa: T4 N qualquer M ia. para a citologia oncológica. O exame especular deve ser
• Estádio IVb: T4 N qualquer Mlb. feito antes do roque vaginal, quando for feita a coleta. A
complementação do exame a olho nu deve ser feira com
O tratamento do câncer de vulva e da NIV III con colposcopia, vulvoscopia com aplicação de ácido acético,
siste em vulvectomia com linfadenectomia e enxerto de teste de Schiller e biópsia dirigida. Tanto em pacientes
pele normal. idosas como em crianças deve-se ter muito cuidado du
Nos casos de NIV I e II como lesões precursoras po rante o exame especular, sendo muitas vezes feito sob
dem-se utilizar ácido rricloroacético (ATA) a 80%, crio- narcose.
cauterização, termocaurerização, alra frequência ou laser O toque retal é obrigatório para que se avalie o com
na tentativa dc destruição dessas alterações. prometimento parametrial. Quando houver sintomas in
testinais e urinários, após afastar a possibilidade de uma
infecção, uma avaliação urológica c intestinal (proctológi-
Câncer de vagina ca) se faz necessária.
O câncer de vagina é uma neoplasia maligna da muco Como exames subsidiários temos a ultra-sonografia
sa vaginal. Geralmente é secundária a um câncer localiza pélvica de abdômen total e vias urinárias, a tomografia e
do em outro órgão, como colo uterino, vulva, endométrio, a ressonância magnética, com a finalidade de avaliar os
reto, bexiga, uretra e também no caso de coriocarcinoma órgãos genitais internos e Iinfonodos retroperitoniais.
gestacional. É um câncer raramente primário. Para um tratamento adequado é necessário fazer um es
Acomete pacientes com idade mais avançada, entre 50 tadiamento. No caso do carcinoma dc vagina (Figo), temos:
e 60 anos, porém pode ocorrer, com pouca freqüência, na
infância e adolescência. E mais comum na raça branca. Entre • F,stádio 0: carcinoma iti situ.
os cânceres ginecológicos é um dos menos frequentes (1%). • Estádio I: carcinoma limitado à parede vaginal.
A etiologia está relacionada a HPV, doenças sexual • Estádio II: carcinoma que envolve o tecido sub vagi
mente transmissíveis, deficiência imunológica, uso de agen nal, mas não sc estende à parede pélvica.
tes ou traumatismos frequentes na mucosa vaginal e em • Estádio I I I : carcinoma que se estende à parede
prego de estrógenos na gravidez com intuito de provocar pélvica.
abortamento. • Estádio IV: carcinoma que invade outros órgãos.
Considerando o estudo anatomopatológico, 90% das • Estádio IVa: carcinoma que invade a mucosa da
neoplasias da vagina são do tipo carcinoma epidermóide, bexiga e/ou reto. podendo também estender-se à
CÂNCER GINECOLÓGICO: OVÁRIO, ÚTERO E VAGINA 65
cnpo pélvis verdadeira e invadir os linfonodos inguinais A disseminação pode ser por via linfática, hematogê-
aiá e. uni ou bilaterais. nica ou por extensão direta ao peritônio. O estadiamento
fien- • Estádio Nb: metásrases a distância. deverá ser cirúrgico, com avaliação de retroperitoniais,
mzin- omenco e superfície subdiafragmática.
fccres O tratamento poderá ser cirúrgico, com radioterapia Os sintomas mais frequentes são: hemorragia vagi
quimioterapia. O tratamento cirúrgico do carcinoma in nal, dor no baixo-ventre, corrimento vaginal intenso c
k são - tu consiste em exérese incisional ou a laser. Para os es- tumor pélvico.
Cidas dios I e II, no terço superior de vagina, recomenda-se O diagnóstico na maioria das vezes é feito por la
ida) c cirurgia de Wertheim-Meigs com colpectomia total; no parotomia com estudo anatomopatológico. Porranto, pela
■ rço inferior, a vulvectomia radical com esvaziamento in- baixa incidência de câncer dc tuba, é muito raro o diag
kníá- cuinoilíaco bilateral e colpectomia total. Para o tratamen- nóstico pré-cirúrgico.
» desses estádios em toda a vagina indicam-se cirurgia de Para fazer o estadiamento e tratamento da neoplasia
fiodo ■ Axthcim-Meigs, colpecromia total e vulvectomia radicalmaligna das tubas são usados os mesmos parâmetros em
Bndo . >m esvaziamento inguinoílíaco bilateral. pregados nos cânceres de ovário.
O tratamento radioterápico para o estádio I consiste A cirurgia radical inclui: histerectomia total com sal-
fendo pingooforectomia bilateral e omentectomia. Deve-se fazer
•" braquiterapia vaginal. No caso dos estádios II, III e IV
Sc cirurgia citorredutora quando a doença for disseminada. A
•gere-se a radioterapia pélvica externa seguida de braqui-
I vizi-
:crapia vaginal. quimioterapia pode ser realizada como uma complemen-
Há equivalência entre os resultados dos tratamentos tação do tratamento cirúrgico, principal mente nos está
fvral.
. rúrgico e radioterápico. dios avançados e recorrentes. Nos estádios iniciais não há
í mais
A quimioterapia pode ser indicada como tratamen- um consenso sobre a indicação da quimioterapia, apesar
Essas
neo-adjuvante, previamente à radioterapia, nos casos de se relacionar com um melhor prognóstico. A melhor
tar o
i • .inçados e recidivados. taxa de sobrevida está ligada a estádios mais iniciais, com
a.ame
O seguimento será trimestral por um ano; depois, envolvimento limitado das tubas, sem invasão profunda
renal
mestral por cinco anos. Após esse periodo será feito de sua mucosa.
*e ser
- ualmente. O acompanhamento inclui exame ginecoló- Assim como o câncer de ovário, o carcinoma das tu
t:a. A
- co, ultra-sonografia pélvica e de abdómen total e raios bas é muito agressivo, sendo a sobrevida maior que cinco
i com
sruco, X de tórax. anos de cerca de 55%.
lentes A associação câncer de vagina e gravidez é rara, e a O seguimento é o mesmo indicado para o câncer de
b du- - nduta adotada deverá ser individualizada. De maneira ovário.
t sob c.ral, seguem-se as mesmas regras do câncer dc colo de
-icro e associado à gravidez. O fero não é considerado
Câncer ginecológico e qualidade
I com •; 24 semanas. Após esse período, deve-se aguardar a
de vida
es in- abilidade fetal. Não há um consenso sobre que tipo de
arto seria o melhor, porém a cesárea parece apresentar Pouco se sabe a respeito da qualidade de vida da mu
t uma
-ma vantagem. lher com câncer ginecológico, sobre quais seriam os pro
rlógi-
cedimentos necessários para que todas pudessem ter uma
vida digna.
fciratia
raiia e Câncer de tubas uterinas Diferenças no tipo de atendimento podem levar a diver
sos prognósticos, às vezes não relacionados com a gravidade
kir os O carcinoma das tubas uterinas é o menos freqüen-
dos cânceres ginecológicos. Nos Estados Unidos a in- do caso. Há necessidade de entendimenro e desenvolvimenro
■mes de intervenções que possam melhorar a qualidade de vida.
dência referida, por ano, é dc 3,6 casos em um milhão
mos: ce mulheres. Pode haver erro na avaliação da ocorrência, Freqüentemente não se faz uma avaliação global
rois muitas vezes é confundido com carcinoma de ovário, para saber como era a vida dessas pacientes e como mu
ira confirmar o diagnóstico, o exame microscópico deverá dou durante o tratamento do câncer ginecológico. As
. mprovar a neoplasia maligna da mucosa tubária de pa- mulheres com essa enfermidade normalmentc referem
rvagi- _râo papilar. fadiga, diminuição da função cognitiva, mudanças na
pclc e nos cabelos, disfunção sexual e problemas psicos
Há maior incidência entre mulheres de 60 a 65 anos.
parede --aramente ocorre em pacientes mais jovens, antes dos 25 sociais pré-tratamcnto.
>s de idade. A nuliparidade também parece favorecer Assim, torna-se difícil realizar uma avaliação compa
|ros. jcorrência, assim como os cânceres de ovário e endo- rativa após o tratamento primário. Essa noção é funda
Dsi da -.étrio. Os processos infecciosos das tubas podem estar mental para que se possa traçar uma estratégia de acom
kr-sc à acionados com o câncer de tuba. panhamento dessas pacientes.
66 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Referências bibliográficas
American Câncer Society. Câncer facts & figures Koutsky, L. A.; Holmfs, K. K.; Critohiow, C. W et
2007. Atlanta: American Câncer Society, 2007. al. “A cobort study of the risk of cervical intracpithelial
Bradley, W. H.; Boente, M. P.; Brooker, D. et ai neoplasia grade 2 or 3 in relation to papillomavirus infec-
“Hysteroscopy and cytology in endometrial câncer”. tion”. The New England Journal of Medicine, v. 327, n.
Obstetrics & Gynecology, v. 104, n. 5, p. 1030-3, 2004. 18, p. 1272-8, 1992.
Eddy, G. L; Marks Jr., R. D.; Mii i.fr 3*1, M. C. et al. Smith, L. H.; Morris, C. R.; Yasmeen, S. et al. “Ova
“Primary invasive vaginal carcinoma”. American Journal of rian câncer: can we make the clinicai diagnosis earlicr?”
Obstetrics and Gynecology, v. 165, n. 2, p. 292-6, 1991. Câncer, v. 104, n. 7, p. 1398-407, 2005.
Fleischer, A. C; Wheeler, J. E.; Lindsay, 1. et ai MAn “Tili 1988 Bethesda System for reporting cervical/
assessment of the value of ulrrasonographic screening for vaginal cytological diagnoses. National Câncer Insritute
endometrial disease in postmenopausal women without Workshop”. The Journal of the American Medicai Assoei-
symptoms”. American Journal of Obstetrics and Gyneco ation, v. 262, n. 7, p. 93 1-4, 1989.
logy, v. 184, n. 2, p. 70-5, 2001. Thf. Atypical Squamous Cells of Undeterinined Signif-
Friedman, G. D.; Swlling, J. S.; Udaltsova, N .V; icance/Low-Grade Squamous Intracpithelial Lesions Tria-
S.viiTH, L. H. “Early symptoms of ovarian câncer: a case- ge Study (ALTS) Group. “Human papillomavirus testing
control study without recall bias”. Journal of Family Prac- for triage of women with cytologic evidence of low-grade
tice, v. 22, n. 5, p. 548-53, 2005. squamous intracpithelial lesions: baseline data from a ran-
Homesley, H. D.; Bundy, B. N.; Sedlis, A. et al. “As domized trial ".Journal of the National Câncer Instituto, v.
sessment of current International Fedcration of Gynecol- 92, n. 5, p. 397-402, 2000.
ogy and Obstetrics staging of vulvar carcinoma relative to Yancik, R. “Ovarian câncer: age contrasts in inci-
prognostic factors for survival (a Gynecologic Oncology dence, histology, disease stage ar diagnosis, and mortali-
Group study). American Journal of Obstetrics and Gync- ty”. Câncer, v. 71, supl. 2, p. 517-23, 1993.
cology, v. 164, n. 4, p. 997-1003, 1991.
W. et
ihelial
infec-
n.
CÂNCER DE PELE
S érgio H enrique H irata ; F ernando A ugusto de A lmeida ; M auro Y. E nokihara ;
“Ova- I val P eres R osa ; G uilherme O. O lsen de A lmeida
iter?”
r. ical/
Kituce
Issoci-
Signif-
egundo dados de registro do Instituto Nacional de consideradas parte de um espectro cuja evolução final é o
i Tria-
fcrsnng
-:xade
i a ran-
tute, v.
S Câncer (Inca), o câncer de pele é responsável por
25% dos rumores malignos notificados no Brasil.
. acordo com os registros de base populacional, 70%
casos são de carcinoma basocelular (CBC), 25% de
carcinoma espinocelular invasivo. Diferenciam-se deste por
serem processos restritos à epiderme, cuja presença não
implica necessariamente evolução para carcinoma invasi
vo. Pelo risco aumentado de desenvolvimento de câncer
*:moma espinocelular (CEC) e 4% de melanoma cutâ- da pele, pacientes portadores dessas dermatoses devem ser
MC). Dessa forma, totaliza-se 99%, restando 1% rc- tratados e seguidos cuidadosamente.
k inci
: >nado a tipos menos comuns de câncer da pele não
te rrali-
" cificados em dados epidemiológicos.
As lesões pré-cancerosas são lesões precursoras de tu- Queratose actínica
_ -es cutâneos malignos não-melanoma e seu reconheci-
Queratoses actínicas são compostas por proliferações
' : - :o e tratamento são de fundamental importância para de queratinócitos pleomórficos restritos à epiderme, ocor
* r. evenção do câncer cutâneo; assim sendo, serão inicial- rendo em áreas cronicamente expostas ao sol. Clinicamente
“ ;_:te analisadas. se apresentam como pápulas ou placas queratósicas com des*
carnação aderente e seca, localizadas principalmente na face
e dorso dos antebraços e mãos. O vermelhão do lábio infe
-esões pré-cancerosas rior também pode ser acometido. As lesões podem ser úni
o H enrique H irata ; F ernando A ugusto de cas ou múltiplas e geralmente são assintomáticas. A remoção
A _ ' Ei D A das escamas aderentes revela uma superfície hiperêmica com
pontos hemorrágicos. Indivíduos idosos com história de ex
posição solar contínua, pele e olhos claros apresentam maior
ntrodução risco de desenvolvimento de lesões. Como são decorrentes
Algumas lesões cutâneas são consideradas precursoras de dano solar crônico, as queratoses actínicas identificam
- rumores cutâneos malignos não-melanoma e sua presen- pacientes predispostos a desenvolver o câncer da pele.
- : ade indicar risco aumentado para o desenvolvimento O fator etiológico principal é a radiação ultravioleta
. . neoplasias da pele. A identificação c o tratamento des- B. Outras formas de radiação como a ultravioleta A e os
csões são essenciais, pois permitem a redução da in- raios X também estão associadas. A radiação ultravioleta
c.ncia do câncer de pele. Várias são as doenças que se provoca mutações na teiomerase e no gene supressor de
“C-iixam nessa categoria, cujo conceito ainda c rema de tumores P53. Alrerações na teiomerase são precoces e o
"ire. Queratose actínica, queratoses arsenicais, doença aumento da sua atividade retarda a apoptose, prolongan
: Bowen, eritroplasia de Queyrat, papulose bowenóide, do o ciclo celular. Mutações no gene P53 o tornam inca
-.oplasias, radiodermite crônica e cicatrizes de úlceras paz de induzir apoptose em células mutantes, permitindo
- : nicas são as mais comumenrc classificadas dentro desse a multiplicação de células anormais c o estabelecimento
o. Histologicamente, muitas delas, como a doença de da neoplasia. Queratoses actínicas e carcinomas espino
v en e a eritroplasia de Queyrat, são consideradas carei celulares compartilham a mesma alteração no gene P53,
ras espinocelulares bem diferenciados in situ, podendo mas apenas o carcinoma espinocelular apresenta alteração
- classificadas como enfermidades à parte. no PI6, o que pode indicar que a progressão de queratose
A presença de atipia celular, discreta na queratose ac- actínica para carcinoma espinocelular envolva a desativa
■ rs e marcante na doença de Bowen, permite que sejam ção desse gene.
68 T E M A S E M P S I C 0 - 0 N C O L O G I A
Queratoses actínicas podem permanecer estáveis, solar crônico. Existe também associação com a exposição
involuir espontaneamente ou evoluir para carcinomas cs- ao arsênio e relatos ligando lesões múltiplas ou localizadas
pinocelulares. A presença de inflamação pode estar asso em áreas cobertas com malignidades internas. Trata-se de
ciada com a progressão para malignidade. A progressão dado controverso que não justifica a pesquisa de maligni
para carcinoma espinocelular é baixa e depende do nú dades viscerais a não ser nos casos em que haja história de
mero de fatores de risco envolvidos, incluindo o grau de exposição ao arsênio ou HPV
fotoenvelhecimemo da pele e o estado imune do paciente. O risco de progressão para carcinoma espinocelular
Estima-se que o risco varie entre 0,025% c 16% ao ano. A invasivo varia de 3% a 20% para as lesões cutâneas. Nas
relação de queratoses actínicas com o carcinoma espino- lesões localizadas nos genitais o risco é maior.
celular é mais explícita ao se verificar que cerca de 70% a O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras
80% desses rumores se desenvolvem em contiguidade com lesões eritêmato-descamativas, como psoríase e líquen
as primeiras. simples.
O diagnóstico é clínico, podendo ser confirmado Ao exame histopatológico há presença de paraque-
pelo exame histopatológico. A queratose actínica deve ser ratose, hiperqueratose e acantose. Observa-se a existência
diferenciada da queratose seborréica, doença de Bowen c dc neoplasia intra-epidérmica composta de queratinócitos
de lesões solitárias de lúpus eritematoso discóide. atípicos com perda de polaridade, os quais se estendem
Ao exame histopatológico encontram-sc hiperquera- profundamente através do folículo pilossebáceo, perma
rose, paraqueratose e queratinócitos atípicos, muitas vezes necendo a membrana basal intacta.
discretos, restritos à epiderme. Na derme observa-se elas- O tratamento é por meio da exérese cirúrgica, opção
tose solar. que se justifica pela extensão da doença de Bowen abai
Existem diversas opções de tratamento. Mais co- xo do folículo piloso, característica histopatológica típica.
mumente são utilizadas a curetagem e eletrocoagulação, Outras modalidades, como crioterapia e curetagem seguida
aplicação de nitrogênio líquido e cauterização química. de eletrocoagulação, podem ser empregadas com resulta
Aplicações tópicas de preparados com fiuoruracil podem dos variáveis. Existem relatos do uso de terapêutica Itnuno-
ser utilizadas em pacientes portadores de múltiplas lesões. moduladora com imiquimod, laser e terapia forodinâmica.
Lesões espessas devem passar por curetagem e eletrocoagu
lação, procedimentos que permitem que sejam submetidas
a exame histopatológico. Não há necessidade do emprego Eritroplasia de Queyrat
de cirurgia excisional a não ser nos casos em que já foi de A variante da doença de Bowen que ocorre nos ge
tectada evolução para carcinoma espinocelular. nitais é denominada eritroplasia de Queyrat. Acomete gc-
ralmente homens não circuncidados, com idade média de
50 anos. Com frequência ocorre na glande do pênis ou no
Doença de Bowen prepúcio, podendo ocorrer também na região escrotal; e.
A doença de Bowen, descrita inicialmente como nas mulheres, na vulva.
dermatose pré-cancerosa, é reconhecida como neoplasia A lesão se manifesta como uma placa eriremarosa de
intra-epidcrmica da pele. A distinção de um carcinoma es superfície brilhante que pode apresentar descamação fina.
pinocelular in situ “não-Bowen” é controversa. A doença Podem ocorrer lesões múltiplas. O emprego de solução de
de Bowen apresentaria características clínicas e bistopa- azul de toluidina a 1% pode facilitar a visualização da le
tológicas distintas, enquanto um carcinoma espinocelular são. Areas de eritroplasia coram-se cie azul, ao contrário de
in situ “não-Bowen” representaria a transição entre uma áreas de erirema puro, que não se coram. O exame histopa
queratose actínica e um carcinoma espinocelular. tológico corresponde ao da doença de Bowen localizada na
Clinicamente se apresenta como uma placa eritêmato- mucosa. O diagnóstico diferencial deve ser feito com bala-
descamativa e crostosa que gradual mente cresce de forma nopostites, psoríase, dermatite seborréica e líquen plano.
irregular, com as margens bem delimitadas. As escamas são A opção pelo tratamento ideal deve levar em conta a
brancas ou amareladas e destacam-se sem muita resistência, preservação da anatomia e função, oferecendo ao mesmo
revelando superfície granulosa sem sangramento. Acomete tempo alia taxa de cura. Podem ser indicados inicialmente
predominantemente indivíduos idosos; é frequente nos métodos destrutivos menos agressivos, como a crioterapia
membros inferiores dc mulheres idosas ou no tronco, mas e a curetagem seguida de eletrocoagulação. Em casos de
pode surgir em qualquer parte da pele ou mucosa. Na raça recidiva, o tratamenro de escolha é a cirurgia.
negra é incomum, ocorrendo nesse grupo em especial em
áreas não expostas. Existe uma variante pigmentada da
doença de Bowen, de ocorrência mais rara. Papulose bowenóide
A faixa etária mais alta e o acometimento de áreas A papulose bowenóide é uma erupção genital que
expostas sugerem relação da doença de Bowen com dano ocorre principalmente em adultos jovens com vida sexual
CÂNCER DE PELE 69
feição iva e esrá altainente relacionada ao HPV 16 ou 18. do subtípo de HPV é recomendável. O tratamento pode
Cjdas \presenta histologia similar à da doença de Bowen, mas ser mais conservador, com a utilização de curctagem se
rse de manifesta como pápulas eritematosas ou violáceas, guida de èlctrocoagulação ou criocirurgia. Também pode
*■ gni- cqüentemente pigmentadas. As lesões podem ser verru- scr feita a excisão cirúrgica das lesões.
r_j de - >sas e múltiplas; pequenas pápulas coalescentes podem
■ rmar placas. Acomete a glande c o prepúcio nos homens
* alar . a vulva nas mulheres. A maior parte das lesões é assin- Cicatrizes de úlceras crônicas
t Nas Jinática, embora prurido, edema e sinais de inflamação
Lesões queratósicas podem se desenvolver no local de
possam existir.
cicatrizes de úlceras crônicas, ocorrendo, eventualmente,
fr-tras A visualização de lesões subclínicas pode ser favoreci
transformação maligna. Vários processos podem levar a
fcquen da com o teste do ácido acético. O diagnóstico diferencial
esse tipo de alteração: queimaduras (úlcera de Marjolin),
eve ser feito com lesões de condiloma plano, líquen pla-
nque- õ. granuloma anular e psoríase. A distinção de erirropla- osteomielite, lúpus eritematoso cutâneo, hidradenite, úl
léncia a de Queyrat pode ser difícil; ao exame histopatológico ceras dc estase crônicas, entre outras causas. O carcinoma
fentos menor grau de desordem arquitetural favorece o diag- espinocelular resultante pode se desenvolver após vários
riem ~ ástico de papulose bowenóide. anos, com prognóstico possivelmente pior. Pacientes por
cmia- O curso da doença é variável. Podem ocorrer dimi tadores dessas lesões devem ser submetidos a biópsias pe
nuição, desaparecimento ou aumento das lesões com evo- riódicas para detecção precoce de eventual transformação
PPção cão para carcinoma espinocelular invasivo. A tipagem maligna. O tratamento é a excisão cirúrgica.
i abai-
c?ica.
Çaida Referências bibliográficas
salra-
Arlette, J. P. “Treatinent of Bowen's disease and Leffell, D. J. “The scientific basis of skin câncer”.
feino-
_ t) throplasia of Queyrat”. Britisb Journal of Dermatology, Journal of tbe American Acadetny of Dermatology, v. 42,
fciica.
149, supl. 66, p. 43-7, 2003. n. l,p. 18-22, 2000.
Fi;, W.; CocKEREi.L, C. J. “The actinic (solar) kerato- Ortonne, J.-P. “From actinic keratosis to squamous
- a 21st-century perspective”. Archives of Dermatology, cell carcinoma”. Britisb Journal of Dermatology, v. 146,
139, n. 1, p. 66-70, 2003. supl. 61, p. 20-3,2002.
* ge-
te ge-
ta de
Ki no
Bl; e, Carcinoma basocelular maior risco na região Sul: 73 casos por ccm mil habitantes
para o sexo masculino e 85 por cem mil no sexo feminino.
hi de Vauro Y. E nokihara ; F ernando A ugusto de A lmeida Acomete principalmente as áreas anatômicas expostas
> *ina. à radiação solar, em especial tace e pescoço, em pacientes
=•» de O carcinoma basocelular é uma neoplasia maligna de de pele, olhos e cabelos claros, acima de uma linha ima
ca le- rigem epidérmica, derivada das células pluriporenres de ginária que passa da rima bucal aos lóbulos das orelhas;
c j de • iculos pilosos. porém, em cerca de 20% dos casos pode localizar-se em
áreas cobertas e não expostas à luz solar.
hiana
ibala- Epidemiologia
ino. Carcinoma basocelular (CBC) é a forma de câncer mais Fatores de risco
Rira a -'uvalente na raça caucasiana e corresponde a aproximada Fatores de risco relacionados ao carcinoma basocelu
timo mente 75% dos cânceres cutâneos não-melanoma (CCNM). lar são: pele c olhos claros, inabilidade cm se bronzear (pele
tente ' :a incidência cresce nos últimos anos, sendo estimada cm de fototipos 1, 11 e 111), exposição à luz ultravioleta (UV),
crapia - jvecentos mil casos novos por ano nos Estados Unidos. A queimadura solar antes dos 20 anos de idade, presença de
de - ustrália tem a taxa mais alta de CBC do mundo, principal- outras lesões de focodano (por exemplo, queratose actínica
^•ente em pacientes com mais de 60 anos, sendo a incidência e lentigo solar) e intoxicação crônica por arsênico.
->timada em oitocentos casos por cem mil habitantes. Há
: i-ucos relatos sobre estudos populacionais de carcinomas
: asocelularcs no Brasil, ü número de casos novos de CCNM Etiologia e patogênese
I que país, em 2006, foi estimado em aproximadamente 115 A patogênese do carcinoma basocelular parece estar
txual ~ segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), com o relacionada à exposição à radiação ultravioleta, principal-
70 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
mente à radiação ultravioleta do tipo R (290-320 nm). O do pescoço. Pode corresponder a pápula ou nódulo trans
mecanismo está relacionado não apenas às mutações indu lúcido, de superfície lisa, com pontos brilhantes (pontos
zidas por UV mas também à redução da imimovigilância perláceos). A lesão é bem delimitada. Frequentemente se
pelas mutações nos genes supressores de tumor. nota a presença de teleangiectasias arboriformes (finos va
Pacientes imunodeprimidos por doenças linfoprolife- sos na superfície do tumor, que têm aspecto arboriforme
rativas (linfoma ou leucemia) ou por transplante de órgãos ou dicotomizante à dermatoscopia) e erosão central. O
sólidos têm maior risco de desenvolver CCNM, principal- termo rodent ulcer refere-se a lesões maiores, com necro
mente espinocelular (o risco em transplantados renais é de se central. Diagnóstico diferencial: nevo melanocítico in-
82 vezes em relação ao controle), mas também carcinoma tradérmico, híperplasia sebácea, melanoma amelanótico,
basocelular, embora em menor grau. siringoma.
Fatores genéticos podem influenciar a predisposi Pigmentado: variação clínica do CBC nodular que
ção ao desenvolvimento de CBC Sabe-se que o reparo apresenta pigmentação. A evolução clínica é semelhante
do DNA por excisão de nucleotídeos é fundamental na à do nodular. Diagnóstico diferencial: melanoma, nevos
remoção de lesões induzidas pela radiação ultravioleta, melanocíticos, queratoses seborréicas clonais.
sendo as mutações dos genes ligados ao reparo do DNA Superficial: ocorre mais comumente no tronco e cor
que ocorrem em pacientes com xeroderma pigmentoso al responde a uma placa eritematosa e descamativa, bem de
tamente relacionadas à carcinogênese. limitada, que pode apresentar discretos pontos perláceos
A suscetibilidade ao CBC pode também ser hereditá na borda da lesão. Pode ser única ou múltipla. Diagnóstico
ria: síndrome do nevo basocelular ou síndrome de Gorlin diferencial: eczema atópico ou de contato, dermatite se-
é uma alteração rara, autossômica dominante, que leva a borréica, doença de Paget extramamária, doença de
mutações no gene PATCH1, o qual funciona como supres Bowen. Uma lesão de eczema que não responde ao tra
sor tumoral. tamento deve ser submetida à biópsia a fim de excluir o
diagnóstico de CBC superficial.
Esclerodermiforme: subtipo de caráter mais agressivo.
Quadro clínico Corresponde a uma placa de coloração marfim ou branca
A lesão é papulosa ou nodular com telangiectasias, fa porcelana, de limites imprecisos e consistência rígida, que
cilmente sangrante, de evolução indolente, geralmente du raramente se ulcera. Diagnóstico diferencial: escleroder-
rando mais que um ano. Acomete principalmente áreas foto- mia, atrofodermia, cicatrizes.
expostas como cabeça e pescoço, sendo 39% no nariz, mas
já foi relatada em diversos lugares do corpo, incluindo áreas
não fotoexpostas como região perianal, periungueal, peniana Diagnóstico
e vulvar. O diagnóstico clínico permite sensibilidade de 89% O diagnóstico é clínico, com confirmação histopato-
e valor preditivo positivo para diagnóstico de CBC de 80%. lógica. Recentemente alguns métodos diagnósticos foram
A presença de pápulas ou nódulos brilhantes ou perláceos e sugeridos na literatura (microscopia confocal, tomografia
teleangiectasias arboriformes facilita o diagnóstico. Em estu com coerência óptica), mas necessitam de mais estudos
do recente, Lovatt et al. (2005) sugeriram que carcinomas para validação. Podem, no entanto, auxiliar na avaliação
basocelulares de localização e histologia diferentes estariam de CBC residual, nos casos dc difícil análise clínica.
relacionados às evoluções clínicas distintas e que, portanto,
suas patogêneses deveriam ser diferentes, dependendo de
combinações dos fatores causais para cada tipo dc tumor. Histologia
Ou seja, CBC superficial estaria relacionado a áreas de me O tumor é composto por blocos de células basalóides
nor exposição solar e, portanto, às doses intermitentes de (semelhantes às células da camada basal, ou seja, núcleo
radiação UY a genes de suscetibilidade e ao aparecimento basofílico grande e pouco citoplasma), que se dispõem em
de múltiplas lesões. Em contrapartida, carcinomas basocelu- paliçada na periferia. A característica dos blocos tumorais
lares nodulares seriam mais íreqüentes nas áreas fotoexpos depende do subtipo histológico do tumor. Geralmente fi
tas, podendo estar relacionados à exposição crônica a UV, guras dc mitose não estão presentes e o estroma apresenta
geralmente única. uma retração peritumoral, conhecida como fenda (corres
ponde a artefato de técnica), que facilita o diagnóstico.
O CBC nodular apresenta blocos grandes de células
Tipos de CBC basalóides, além das fendas. O micronodular refere-se a
O carcinoma basocelular pode ser nodular, pigmen blocos menores que 15 /nn. Parece estar relacionado a
tado, superficial ou esclerodermiforme. pior prognóstico, com maior índice de recidivas.
Nodular: o mais comum dos subtipos de CBC (50%- Quanto ao CBC pigmentado, temos situação seme
80%). Ocorre em geral em áreas fotoexpostas da cabeça e lhante ao nodular, porém com melanina dispersa ou no
CÂNCER DE PELE 71
nns- rior dos melanócitos do tumor e também dispersa ou Desvantagens: custo mais elevado se comparado à ci
iBtOS interior dos melanófagos na derme adjacente e na epi- rurgia convencional, impossibilitando seu uso em escala
I: se -rme supra jacente. Trinta por cento dos carcinomas ba populacional, necessidade de maior treinamento, habili
■ va- julares tem pigmentação à histologia, mas apenas 7% dade e aparelhagem específica.
Bcme 1 l " u apresentam pigmentação clínica. A cirurgia de Mohs é a opção terapêutica de esco
tO No CBC superficial pequenos brotos de células basalói- lha para tumores recorrentes e no tratamento de tumores
BCTO- -' se estendem para dentro da derme, a partir da epiderme, primários agressivos à histologia, localizados em áreas de
jd in- paliçada é bem evidente. Pode surgir infiltrado inflamató risco de recidivas (perioral, perinasal, sulco nasogeniano
ãnco, rio crônico na derme. e rerroauricular), de limites mal definidos, e em locais em
No caso de CBC esclerodermi forme, alguns autores que a preservação dc tecidos é importante (asa nasal, lá
r que - nsideram também o termo infiltralivo. Corresponde a cor- bios, pálpebras, genitália, dedos).
kante : Vs de células basofílicas, sem paliçada evidente, embebidos
KYOS - estroma fibroso c denso. Estende-se profundamente na
- erme e com frequência o tiimor é mais extenso à histologia Curetagem e eletrocoagulação
c cor- à clínica. Está relacionado a maior índice de recidiva. São métodos amplamente utilizados, principal mente
c de- para CBCs pequenos (menores que 1 cm). A taxa de cura
Ikeos diminui com o aumento do diâmetro da lesão e aumenta
ktico Tratamento com a experiência do cirurgião. Não são recomendados
K se- A escolha do tipo de tratamento depende da localiza- para CBCs maiores, esclerodermiformes, micronodulares
u de .1 e do subtipo histológico do rumor. As maiores taxas ou recorrentes.
» tra- :cura são obtidas com o tratamento adequado da lesão
kur o -imária, pois tumores recorrentes podem comportar-se
ce maneira mais agressiva, produzir maior destruição local Criocirurgia
ssivo. - recidivar. A decisão por um método deve levar em conta Método destrutivo relacionado a dois ciclos de conge
ranca :axa de cura, os riscos envolvidos, os efeitos colaterais, o lamento da lesão a -50°C, com margem dc segurança envol
l.que - Liltado cosmético pós-tratamento, o custo, as condições vendo o tecido normal a fim de erradicar a lesão subclínica.
loder- rúrgicas do paciente (co-morbidades). As taxas dc cura são semelhantes às dos outros métodos.
Desvantagens: cicatrizes hipertróficas, hipopigmen-
taçâo pós-inflamatória, recorrência do tumor mascarada
i : ‘são cirúrgica convencional pelo tecido dcatricial fibroso.
Permite avaliação histológica de margens do espé-
içato- ..me removido, ao contrário das técnicas de destruição
ioram -widual (criocirurgia, eletrocoagulação, fototerapia). Imiquimod
grafia -.rresenta altas taxas de cura para tumores menores que 2 É um agonista toll-like receptor (TI.R) 7 que provoca
srados . e não agressivos à histologia. E necessária remoção até mudança na resposta biológica por indução de citoquinas,
i^ição subcutâneo. Fatores a serem considerados ao se avaliar a como interferon alfa (IFN-alfa), interleucina 12 (II. 12) c
~ .rgem dc segurança (fatores que influenciam a extensão fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa). Essas citoquinas
clínica do tumor): diâmetro, histologia, localização c induzem o sistema imune ao reconhecimento e à erradica
-mitação da lesão, se primária ou recorrente. ção de antígeno (tumor). A taxa de resultado em CBCs su
Em tumores recorrentes e em áreas com risco de rc- perficiais é de 82% quando usado cinco vezes por semana
ióídes - "éncia, com subtipos histológicos mais agressivos (micro- e 79%, sete vezes por semana.
rãcleo ■ cu lar c esclerodermi forme), há maior taxa de recorrência Um terço dos pacientes apresenta prurido, dor, quei
eu em i cirurgia convencional se comparada à técnica dc Mohs. mação, critema, edema, vesiculação, exulcerações. O cre
corais me tem de ser aplicado à noite, removido pela manhã.
*te fi- Exposição solar direta deve ser evitada.
rsenta rurgia micrográfica de Mohs
BXTes- Permite avaliação histológica intra-operatória por
ko. r > de cortes dc congelação; com isso, possibilita me- Fluoracil
ceiulas - avaliação histológica das margens rumorais e otimi- Quimiotcrápico de uso tópico, muito utilizado no
rt-se a ■ cão da conservação dos tecidos sadios se comparada à tratamento de queratoses actínicas. É metabolizado por
Lido a - "crgia convencional. Para tumores recorrentes a taxa dc diidropirimidina desidrogenase, sendo contra-indicado
'ocorrência em cinco anos foi de 5,6% - com cirurgia con- em pacientes com deficiência dessa enzima. O uso do
'■eme- mcional foi de 17,6%, radioterapia 9,8% e curetagem e 5-fluoracil deve ser criterioso, com a avaliação de custo-
u no r-crrocoagulação 40%. benefício e risco de recorrência (21% em cinco anos).
72 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
Referências bibliográficas
Clayton, T. H. et al. “Photodynamic therapy for super l.hvi, F. et al. “High incidcnce of second basal cell
ficial basal cell carcinoma and Bowen^s disease”. European skin cancers”. International Journal of Câncer, v. 119, n.
Journal of Dermatology, v. 16, n. 1, p. 39-41, 2006. 6, p. 1505-7,2006.
Essers, B. A. et al. “Cost-effectiveness of Mohs mi- Lovatt, T. J. et al. “Associations berween ultraviolet
crographic surgery vs surgical excision for basal cell car radiation, basal cell carcinoma site and liistoiogy, host
cinoma of the face”. Archives of Dermatology, v. 142. n. characteristics, and rate of development of further tu-
9, p. 187-94, 2006. mors”. Journal of the American Academy of Dermatology,
Griffiths, R. W et al. “Do basal cell carcinomas v. 52, n. 3, p. 468-73, 2005.
recur after complete conventional surgical excision?” Madan, V et al. “Genctics and risk factors for basal
British Journal of Plastic Surgery, v. 58, n. 6, p. 795- cell carcinoma”. British Journal of Dermatology, v. 154,
805, 2005. supl. 1, p. 5-7, 2006.
Leibovitch, I. et al. “Basal cell carcinoma rreared with Schultze, H. J. etal. “hniquimod 5% cream for the treat-
Mohs surgery in Australia I. Experience over 10 years”. ment of superficial basal cell carcinoma: resulrs from a ran-
Journal of the American Academy of Dermatology, v. 53, domized vehicle-conrrolled phase TTI snidy in Europe”. British
n. 3, p. 445-51, 2005. Journal of Dermatology, v. 152, n. 5, p. 939-47,2005.
M dor. Carcinoma espinocelular tose vermeiforme de Hopf e albinismo), arsenicismo crô
nico, úlceras de longa duração, certas substâncias químicas
fcdade IML P eres R osa ; F ernando A ugusto de A lmeida (alcatrões), radiodermites, cicatrizes de queimaduras, fís
Sro na tulas crônicas, hidroadenite supurativa e doenças granulo-
Ira de matosas crônicas, como a tuberculose, que são suscetíveis
(fcren- Introdução de transformação maligna para CEC, assim como os trans
brme, O carcinoma espinocelular (CEC) surge de uma pro- plantados, por causa da terapêutica imunossupressora.
fcneu- .iteração maligna de células da camada espinhosa da epi A maior incidência desses tumores está nos países co
i» pul- derme. Localiza-se na pele, semimucosa e mucosa, bem lonizados por anglo-saxões com intensa radiação solar e
como era órgãos internos, por exemplo, no trato respi população de pele muito clara; os exemplos são a Austrália
ratório, digestivo c urinário. Um componente importante e os Estados Unidos. No Brasil, a incidência c maior nos
em relação ao comportamento do tumor é sua diferencia estados mais ao sul. Na raça negra us CECs mais comuns
ção celular. Nesse caso teríamos dois extremos: um bem são os que surgem a partir de queimaduras.
diferenciado, com grande quantidade de pérolas córneas;
I ade-
r outro bastante indiferenciado, sendo muito semelhante
**role Manifestações clínicas
outros tumores, clínica e histologicamente, como mela-
noma amelanótico e sarcoma. Didaticamente poderíamos separar os CECs em de
■bs de
O aspecto clínico apresenta-se como lesão verru- interesse dermatológico e de medicina interna. Os der
fente. cosa que se torna, dentro de meses, friável e sangrante. matológicos são os da pele, semimucosa e mucosa visíveis
i AXJ* Localiza-se principalmente em áreas expostas à luz solar, sem utilização de aparelhos. Isso englobaria os tumores
^vos, porém frequentemente se encontram na mucosa oral ou localizados em toda a pele, na mucosa oral e nos genitais
fll genital. Quanto à sua evolução, existem os estáveis e os externos. Os de medicina interna seriam os CECs gineco
rivel, com comportamento biológico muito agressivo, que apre lógicos e do trato digestivo, respiratório e urinário.
imaih sentam metástases precocemente. Eles podem surgir de O aspecto clínico e a histologia nos casos dc CEC
teivos novo, tendo seu início sem lesão preexistente - porém, correspondem-se; por esse motivo começaremos associan
>s que surgem por causa delas são a maioria. E o segun do o grau de invasão histológica à clínica.
Icon- do câncer cutâneo não-melanoma (CCNM) mais comum, Qualquer CEC in situ na pele é denominado doença
xi !o- - urrespondendo a 15% dos casos. Essa proporção se mo- de Bowen, clinicamente caracterizada por uma ou mais
■ com dilica nos imunodeprimidos, principalmente nos trans placas erirematosas, apresentando também pontos crosto-
plantados, quando se torna um para um. sos, que eventualmente podem sangrar quando trauma
-•*D tizados. O correspondente na mucosa é a eritroplasia de
alizar Queyrat, CEC in situy localizado na glande, com área eri-
|d de Etiologia e incidência tematosa, de aspecto numular, hem definido, de evolução
* pri- A maioria dos CECs surge em lesões preexistentes, crônica e pouco infiltrada.
principalmente nas áreas expostas ao sol de pessoas de pele e Outra doença menos comum, mas importante, é a pa-
hos claros, mas outros fototipos caucasianos, de pele mais pulose bowenóide, que se apresenta sob forma de pápulas
'Cura, também estão sujeitos. Isso demonstra que o sol, acastanhadas múltiplas, semelhantes à ceratose seborréica,
p ar meio dos raios UV, é um fator importante no desenvol- localizadas na pele do pênis, bolsa escrotal e genital exter
mento desse tumor. Os pacientes que geneticamente têm no feminino. Tem evolução benigna, mas, se for realizada
i ceII jefeito na reparação do DNA, lesado pelos raios UV, como, a biópsia, teremos um CEC in situ. Essa lesão tem relação
>9. n. r )i‘ exemplo, no xeroderma pigmentoso, desenvolvem pre- com o HPV 16 e 18. Apesar da histologia, sua evolução é
- 'cemcnte todos os tipos de tumores em que o componente favorável.
r-Díer Jtínico é importante, inclusive o CEC. Esses raios fazem Os tumores invasivos histologicamente podem ter
bosr _ uc as bases de timidina da dupla hélice enrosquem-se umas vários aspectos clínicos. O aspecto mais comum é a pre
r ai- nas outras. Quando o DNA se replica, produz a inserção de sença de uma borda elevada e um centro que poderá ser
-ma base errada, induzindo uma mutação. Se a mutação for ulcerado, verrucoso, vegetante ou uma associação desses
:-ni um gene que regula o crescimento celular, o produto tipos. O CEC nódulo-ulcerado, que é o tipo clínico mais
basal p nal dessa falta de controle será um câncer. Para evitar que comum, é encontrado em várias partes do corpo, como
154, »o ocorra temos os genes que induzem a produção de pro couro cabeludo, face, orelhas, nariz, tórax e membros. Os
pinas P53, que tomam conta do crescimento, corrigindo os invasivos mais bem diferenciados histologicamente apre
,:ros. Quando deixam de funcionar, a reprodução celular sentam, clinicamente, projeções ceratósicas importantes,
I ran- '.,i do controle, resultando em cânceres dc pele. como ocorre no carcinoma verrucoso. Eles podem ser a
brtish Como outros fatores descncadcantes, citaríamos ví base de um corno cutâneo, mas essa base não é sempre um
rus, defeitos genéticos (xeroderma pigmentoso, acrocera- CEC, podendo haver outras causas.
74 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Outro grupo de tumores indiferenciados histolo- celular. Nos dedos temos um ripo incomum, mas muito
gicamente pode surgir de novo, ou secundário a outras semelhante a verrugas vulgares, às vezes tratado como tal.
doenças, como em ulcerações crônicas. Um sinal de trans Ele fica localizado nas dobras laterais ou no leito ungueal.
formação de uma úlcera pode ser a sua náo-cicatrização, Existe também um ripo incomum que surge no espaço in
acompanhada do surgimento de lesões vegetantes. terdigital e é confundido com uma calosidade.
Encontramos CECs com grau de diferenciação histo Na região plantar temos um ripo clínico com apre
lógica intermediário em qualquer local do corpo, mas na sentação extensa, vários centímetros de diâmetro, bordas
área da dermatologia eles são mais vistos na semimucosa elevadas, centro vernicoso ceratósico, evolução arrastada,
do lábio, no pavilhão auricular, nos membros e no nariz. podendo ficar anos sem criar metástases. É o carcinoma
Outra forma de abordagem clínica é a topográfica, cuniculatum (plantar).
porque existem aspectos clínicos específicos de acordo Na glande temos um tipo superficial de aspecto erite-
com a localização. matoso, numular, discretamente descamativo, que consti
Começaremos com o couro cabeludo. Os pacientes tui a eritroplasia de Queyrat.
portadores de CEC de couro cabeludo geralmente são cal Outro tipo surge a partir de um condiloma acumina-
vos, apresentando grande quantidade de lesões querató- do gigante (Buschke-Lowenstcin), que se torna maligno,
sicas e máculas pigmentadas e demonstrando um intenso atingindo grandes proporções. Esse tumor também apre
fator actínico. Geral mente os tumores com essa localização senta aspecto ceratósico importante e tem localização ge
se apresentam com bordas elevadas c centro ulcerado ou nital ou perianal.
vegetante. Possuem diversas dimensões, de menos de 1 cm Os que surgem novamente na glande são vegetantes,
até vários centímetros de diâmetro. Quanto à espessura, sangrantes ao menor trauma, de crescimento rápido e em
encontramos desde os poucos invasivos que comprometem geral muito agressivos, com metástases precoces.
somente a epiderme até os que invadem estruturas ósseas.
Os localizados na face, também de origem actínica,
incluem os in situ intra-epidérmicos e os invasivos nódiilo- Tratamento
ulcerados de vários centímetros de diâmetro. No pavilhão O tratamento começa com o diagnóstico correto.
auricular, o CEC tem comportamento mais agressivo que Quando suspeitamos de um CEC, a primeira coisa que
em outros lugares da face. Isso se deve ao fato dc existir fazemos é uma biópsia. Primeiro para confirmar o diag
pouca quantidade de tecido subcutâneo entre a pele e a nóstico; depois, sc for um CEC, para conhecer melhor sua
cartilagem e a pele e o osso retroauricular. Essa escassez estrutura histológica. É importante sabermos o grau de di
de gordura propicia maior chance de invasão dc estruturas ferenciação celular e, com essa informação, submetê-lo à
profundas, como pericôndrio e periósteo, com muito mais classificação proposta por Broders, que vai dc 1 a IV, sendo
facilidade do que nos locais onde o tecido subcutâneo é o grau l muito diferenciado (menos de 25% de células in
mais espesso. No nariz os fatores são os mesmos do pavi diferenciadas) c o grau IV muito indiferenciado (mais de
lhão auricular. Por esse motivo, vemos nesses locais, com 75% de células indiferenciadas). Feito o diagnóstico histo
mais frequência, invasão profunda e recidivas do CEC. No lógico de CEC, devemos examiná-lo dinicamente, medi-
lábio, ponto freqüente de localização do CEC, as lesões lo, palpá-lo e movimentá-lo, para saber se está ou não
iniciais podem começar como uma pequena ulceração, in aderido a planos profundos. Faz parte também o exame
filtrada à palpação, e depois, com a evolução, tomar gran clínico dos Iinfonodos regionais. Nos casos com suspeita
des proporções. Quanto ao desenvolvimento dos CECs, de metástase, pedimos exames subsidiários, como raios X
uns apresentam grande velocidade de crescimento, outros de tórax e ultra-som hepático. Quando tivermos em mãos
crescem lentamente durante anos. Estes últimos geralmen os resultados necessários, poderemos fazer o estadiamento
te apresentam estruturas queratósicas importantes. Dentro de acordo com os protocolos internacionais. Isso facilita
da boca existe um tipo clínico que começa com várias le a padronização dos tratamentos e também é importante
sões esbranquiçadas, algumas queratósicas, infiltradas, que para termos um prognóstico.
com a evolução podem tomar uma grande área, inclusive a Esse estadiamento baseia-se na classificação TNM.
língua. Esse ripo clínico é denominado papilomatose oral em que T se refere ao tamanho do tumor, N ao linfonodo
florida (Roch-Fisher), resistente ao tratamento cirúrgico e M à metástase. Se encontrarmos um linfonodo aumen
porque recidiva muito. tado, esse aumento pode scr devido à infecção secundária.
No tórax, onde tem localização mais freqüente, en Nesses casos, aplicamos antibióticos e esperamos por trinta
contramos um tipo superficial numular ou arei forme, eri- dias. Se houver regressão, será um linfonodo inflamatório.
têmato-crostoso, caracterizando doença dc Bowen, mas Também poderemos fazer um ultra-som; de acordo com o
poderemos encontrá-lo cm qualquer local. aspecto do linfonodo, teremos diagnóstico de infecção ou
Nos membros encontramos os nódulos ulcerados e os de metástase. Atualmente se discute a validade da retirada
cornos cutâneos que têm como base o carcinoma espino- do linfonodo sentinela nos casos dc CEC.
Buiro O estudo do Unfonodo não retarda o tratamento cirúr- esse motivo, é preciso sondá-lo imediatamente. Uma anal
r ral. r . . Pode-se optar por remover a lesão e, posteriormente, gesia deve ser feita, pois o efeito da anestesia passa rápido
pieal. . ti o resultado do estudo do linfonodo, promover o csva- e o paciente pode reclamar de dor.
P-' in- imento completo da cadeia linfonodal, se indicado.
Existem várias modalidades de tratamento, mas a
iDre- ais utilizada é a remoção cirúrgica com margem de segu- Outras considerações
crdas ■inça que varia, dependendo do tamanho do tumor, entre O aumento dos transplantes, principalmente o renal, e
tida, e 3 cm. Os casos mais complicados, por causa do tama- a necessidade do uso diário de medicamentos iraunodepres-
•oma e do comprometimento profundo, devem contar com sores ocasionaram um aumento da incidência de carcino
- ngelação ou cirurgia micrográfica de Mohs. O ideal é mas espinocelulares. Esse aumento igualou a proporção de
crite- '-alizar sempre o estudo histológico, porque esse tumor carcinomas basocelulares e espinocelulares (um para um),
•nsti- -m potencial metastático. É preciso lembrar que em al- sendo antes de um para quatro. Por esse motivo, todos os
r _ns tipos muito diferenciados de CEC, como o cimicula- transplantados devem periodicamente passar por exame
R*ina- .m. a radioterapia agrava o tumor, transformando-o de dermatológico para que esses tumores sejam diagnosticados
fcgno, "tm diferenciado em indiferenciado. e tratados precocemente. Esses CECs têm prognóstico pior
apre- São válidas também como tratamento a crioterapia e que os dos pacientes não imunodeprimidos.
b ge- i. radioterapia, com a restrição já descrita. Para os CECs O carcinoma espinocelular, diferentemente do baso-
iperficiais são citados laser, 5-fluoracil, imiquimod, ele- celular, geralmente apresenta um infiltrado inflamatório
intes, "ocoagulação e curetagem, shaving e cicatrizaçáo por se- envolvendo a lesão, e a grande questão é se dentro do
>e em :mda intenção e fototerapia. A literatura é rica em pro- infiltrado existem pequenos grupos celulares malignos,
? >stas de tratamento, assim como há estatísticas a favor de responsáveis por sua existência, ou se ele é resultado de
.m método ou dc outro, dependendo da tendência do seu uma infecção secundária do tumor. Existe uma quantidade
utor. Portanto, a conclusão a que chegamos é que vale a significativa de CECs que apresenta infecção e odor carac
. vperiência de cada um. terísticos, diferenciando-os. Para alguns cirurgiões, como
'•-■TO. Na papüomarose oral florida o tratamento cirúrgico nós, por exemplo, o melhor é remover esse infiltrado com
£ que ~2o deverá ser a primeira opção, por causa das muitas re- o tumor, cirurgicamente. Valorizando a inflamação, é im
>diag- divas. Deve-se tentar primeiro o tratamento clínico. Este portante perguntar ao patologista se o infiltrado foi remo
cr sua ■ derá ser feito à base de retinóides orais ou metotrexate. vido completamente com o tumor.
c- di- ->m a diminuição do tamanho das lesões, elas poderão ser
c !o à 'rriradas cirurgicamente ou destruídas com laser. O prognós-
lendo é incerto. O índice de recidiva é alto e a longo prazo Diagnóstico diferenciai
b> in- paciente poderá desenvolver um CEC invasivo, de difícil O diagnóstico diferencial é feito principalmente com
de . nrrole, sendo a cirurgia a primeira opção nesse caso. queratoacantoma, carcinoma basocelular, condiloma acu-
k-pro No carcinoma plantar verrucoso de Akermann a pri- minado, melanoma amelanótico, sarcoma, granulomatose
cedi- :.:ra indicação é a retirada cirúrgica, com amplas e pro- de Wegner, micoses profundas, granuloma inguinal, linfo-
e não :ndas margens laterais, porque existe muita recorrência ma, micose fungóide.
feame local. À radioterapia não deverá ser indicada nesse caso,
speita rque um tumor bem diferenciado poderá se transfor-
tos X ir em um indiferenciado, agravando o problema. Prognóstico
i mãos Os CECs invasivos devem ser sempre tratados com A diferenciação histológica tem importância para o
cento rxérese cirúrgica e ampla margem. prognóstico. Quanto mais diferenciado, melhor o prog
palita O índice dc cura dos carcinomas espinocelulares é nóstico; quanto menos, maior o risco de metástases a dis
rramc to, mas existem recidivas e casos de óbito. tância. Quanto maior o tumor, maior o risco de recidiva
O tratamento da papulose bowenóide deve ser su- e metástases. Infiltração tumoral perineural e êmbolos
FNM, “crficial, com uso de bisturi elétrico, laser ou realização tumorais dentro de vasos resultam em prognóstico pior.
modo - curetagem, por exemplo. A eritroplasia de Queyrat Quanto à localização, os actínicos têm melhor prognós
tmen- também pode ser tratada com métodos destrutivos super tico que os de área coberta. Mesmo os expostos ao sol
KÜria. ficiais, como os que utilizam laser e nitrogênio líquido. têm prognósticos diferentes entre eles: os CECs de lábio
rrinra Os CECs bem diferenciados localizados na glande podem e orelha têm prognóstico pior que os de outros locais. Os
tório. :r tratados sem amputação parcial do pênis, utilizando que surgem em úlceras crônicas e fístulas são mais agres
c >m o _m método consagrado que é o uso do nitrogênio líquido. sivos que os CECs de mesmo tamanho, mas com outras
pio ou - ie é aplicado depois de raspagem na base do CEC, para localizações. Os CECs que surgem em pacientes jovens,
tirada Kilitar sua penetração. O uso do nitrogênio líquido na de crescimento rápido, são de pior prognóstico que os de
ciande resulta em um edema pós-operatório grande; por mesmo tamanho e localização em pessoas mais velhas.
76 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Referências bibliográficas
AzüLAY, R. D.; Azulay, D. R. Dermatologia. 2. ed. Rio Gadelha, A. R.; Costa, I. M. C. Cirurgia dermatoló
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. gica em consultório. São Paulo: Atheneu, 2002.
Bouwks Bavinck, J. N. et al. “The risk of skin câncer Habif, T. P. Dermatologia clínica: guia colorido para
in renal transplant recipients in Queensland, Australia”. diagnóstico e tratamento. 4 ed. Porto Alegre: Artmed,
Transplantation, v. 61, n. 5, p. 715-21, 1996. 2005.
Campbell, R. M. et al. “Post-Mohs micrographic Neves, R. G.; Luim, O.; Talhari, S. Câncer da pele. Rio
surgical margin tissue evaluation with permanent liisto- de Janeiro: Mêdsi, 2001.
parhologic sections”. Dermatologic Surgery\ v. 31, n. 6, p. Otley, C. C. “Organization of a speciality clinic to
655-58, 2005. optimize the carc of organ transplant recipients at risk for
Euvrard, S. et al. “Association of skin malignancies skin câncer”. Dermatologic Surgery; v. 26, n. 7, p. 709-12,
with various and multiple carcinogenic and noncarcino- 2000.
genic human papillomaviruses in renal transplant recipi- Sampaio, S. A. P.; Rivrrrt, E. Dermatologia. São Paulo:
ents”. Câncer, v. 72, n. 7, p. 2198-206, 1993. Artes Médicas, 1998.
Melanoma cutâneo anos. A idade média dos pacientes com melanoma c por
volta dos 50 anos, e a maior frequência é entre a quarta e
F ernando A ugusto de A lmeida ; G uilherme O. a sexta décadas de vida.
O lsen de A lmeida
Fatores de risco
Introdução O principal fator de risco de melanoma cutâneo é a
O melanoma cutâneo é um tumor maligno decorren etnia.
te da transformação atípica dos melanócitos, geralmente São considerados fatores de risco: tipos de pele I
no nível da junção dermoepidérmica. e lí de acordo com a classificação dc Eitzpatrick e Path
Apesar de representar somente 4% dos tumores ma (peles brancas, que se queimam com facilidade c nunca
lignos cutâneos, caracteriza-se por ter elevada morbida- se bronzeiam, ou se bronzeiam muito pouco); olhos e ca
de e mortalidade, sendo responsável por 75% das mortes belos claros (caucasianos); pessoas com maior tendência
causadas pelos tumores curâneos. a se queimar do que a bronzear-sc; história pregressa de
hiperexposição solar (com formação dc bolhas, principal-
mente na infância); presença de múltiplos nevos mclanocí-
Epidemiologia ticos, nevo atípico ou displásico (com maior risco quando
O melanoma cutâneo é mais freqücnte nas pessoas de forem múltiplos), além da presença de lentigos solares e
pele clara que se bronzeiam com dificuldade e se expõem alterações actínicas importantes na pele; história prévia
ao sol de modo inadequado, ou que têm histórico fami de melanoma ou qualquer outro tipo de câncer dc pele,
liar de melanoma e precursores como os nevos atípicos e assim como antecedente familiar de melanoma. A monito
congênitos. rização do grupo de risco, acima descrito, demonstrou ser
A incidência do melanoma cutâneo vem aumentando um método eficaz de diagnóstico precoce do melanoma,
em todo o mundo. Esse aumento já se mostrou indepen representando fator de melhora nos índices de sobrevida,
dente da melhoria nos diagnósticos. A incidência varia por possibilitar que a alteração seja encontrada em seus
de dez a quinze casos por cem mil habitantes por ano na estádios iniciais.
Europa Central e é de cerca de 45 casos por cem mil na
Austrália. No Brasil, a incidência estimada do melanoma é
de cerca de quatro casos por cem mil habitantes. Classificação
Quanto ao sexo, é ligeiramente mais comum no femi Clínica e histologicamente, o melanoma cutâneo
nino, sendo, nos Estados Unidos, o câncer mais frequente pode ser classificado em quatro tipos principais: melano
nas mulheres entre 25 c 29 anos. ma disseminativo superficial, melanoma nodular, mela
O melanoma pode ocorrer em qualquer idade, po noma acral lentiginoso e lentigo maligno melanoma. Há
rém é raro antes da puberdade. A incidência do melanoma outros tipos menos íreqüentes, como melanomas desmo-
na criança é cem vezes menor do que após a idade de 15 plásico, neurotrópico e não classificáveis.
Meíanoma disseminativo superficial (negros, hispânicos e asiáticos). A idade média de apare
O melanoma disseminativo superficial consritui a va cimento é de 55 a 65 anos. O período de evolução é de
Ivolô- riante clínica mais frequente enrrc os indivíduos de pele aproximadamente dois anos e meio.
clara (70%). Localiza-se nas regiões palmares, plantares e siibun-
D pjra Apresenta uma fase inicial de crescimento radial ou gueais, apresentando assimetria, cor geralmente marrom-
kmed, horizontal, que pode estar confinada somente à epiderme escura ou preto-azulada, menos variada em relação aos
e, portanto, é referida como um crescimento apenas in outros tipos. Tem uma fase pré-invasiva. Quando em re
lf. Rio situ. Após certo tempo, que pode variar de um a cinco gião subungueal, pode se apresentar apenas como uma fai
anos, o melanoma disseminativo superficial pode perma xa de cor preta, geralmente com mais de 6 mm de largura
fec to necer como tal ou apresentar uma fase de invasão da der ou mesmo envolvendo toda a unha, deformando-a e até
kk for me ou de crescimento vertical, clinicamente denominada ulcerando o local.
Kl 2, melanoma disseminativo superficial com componente no-
dular. Nessa fase, pode provocar metástases, tanto pela Lentigo maligno melanoma
Paulo: drenagem linfática quanto por via sanguínea. Localiza-se
O lentigo maligno melanoma corresponde a 5%
prefcrencialmente no rronco (dorso) dos pacientes do
dos melanomas nos indivíduos de pele clara. É uma for
sexo masculino e nos membros inferiores (pernas) nos
do sexo feminino. A idade média dos indivíduos é de 40 ma distinta dc melanoma cutâneo, por sua aparência clí
anos. Caracteriza-se clinicamente pela regra do ABCD nica, localização anatômica, evolução lenta e tendência
ic por (assimetria, borda, cor e diâmetro): a aparecer rardiamente (a idade média de surgimento é
Urta c 70 anos).
A) lesões com crescimento assimétrico; Localiza-se geralmente na pele fotoexposta da face,
B) lesões com bordas geográficas ligeiramente ele do pescoço c dos antebraços; as regiões malares e o dorso
vadas, arciformes, cujas margens sâo denteadas e do nariz são as mais frequentemente acometidas.
irregulares, de superfície discretamente elevada; Inicialmente, e por um tempo prolongado, que
C) lesões de coloração variável: marrom, negra, acas pode chegar a vários anos, apresenta-se como uma man
po é a
tanhada, rósea, cinza e branca (sinal de regressão); cha de cor parda, variando até o marrom mais escuro;
D) lesões com diâmetro maior que 6 mm.
pde I pode medir de 1 ate mais de 10 cm e cresce lentamen
c Path te. Nessa fase, o lentigo maligno ainda é considerado
conca uma lesão precursora do lentigo maligno melanoma.
Melanoma nodular
I c ca- A característica da passagem do lentigo maligno para
léncia O melanoma nodular é o segundo tipo clínico mais o lentigo maligno melanoma é o aparecimento de uma
i>a cie comum de melanoma nos indivíduos caucasianos (10% a pápula que, com o tempo, pode se transformar em um
fc::pal- 15%). Ocorre com maior freqúência no tronco, na cabeça nódulo.
inocf- e no pescoço. Pode surgir em qualquer faixa etária, porém
Eando a idade media é acima dos 40 anos.
kre$ e Caracteriza-se por uma evolução rápida, de seis a de Diagnósticos diferenciais
prévia zoito meses. Por não apresentar a fase de crescimento ra Os principais diagnósticos diferenciais do melanoma
i pele, dial detectável, já de início invade a derme. É mais comum cutâneo são feitos com: nevo atípico, nevo de Spitz, car
rnito- iniciar-se na pele aparentemente normal, desenvolvendo cinoma basocelular pigmentado, nevo azul, hemangíoma
dü ser um novo processo, do que começar em nevos melanocíti- trombosado, queratosc seborréica, granuloma telangiectá-
e jina, cos preexistentes. sico, melanoníquia estriada, hematoma subungueal e al
t.ida, Clinicamente, mede de 1 a 2 cm e é elevado em toda guns tumores anexiais raros.
c seus a sua extensão. A cor é escura ou acinzentada. O nódulo
pode crescer e apresentar aspecro polipóide, tornando-se,
às vezes, rosado com traços castanho-enegrecidos na pe Diagnose
riferia. Quando a velocidade de crescimento é rápida, a A dermatoscopia (técnica da microscopia de super
lesão pode ulcerar-se, o que indica um pior prognóstico. fície ou microscopia por epiliimincscência), convencio
rineo nal ou digital, surgiu para o auxílio da difícil tarefa do
fcono- diagnóstico clínico das lesões melanocíticas, consistindo
Melanoma acral lentiginoso
mela- em sistemas de lentes dc aumento que, em combinação
O melanoma acral lentiginoso é o tipo de melanoma com óleo de imersão, sobre a lesão a ser estudada, per
n Há
menos freqüente nos indivíduos de pele clara (2% a 8%), mitem a visualização da pele até a junção dermocpidér-
t>mo-
porém é o mais comum nos indivíduos de pele mais escura
mica, possibilitando a correlação entre estruturas mor-
78 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Biópsia
Toda lesão com suspeita de melanoma deve passar Biópsias que devem ser evitadas
por biópsia. Uma biópsia efetuada corretamente é funda As biópsias por sbaving, curetagem ou por incisão com
mental para o diagnóstico do melanoma. tesoura devem ser evitadas porque, além de traumatizarem a
lesão favorecendo maior disseminação, não oferecem ao pa
tologista material adequado para ser examinado. Portanto,
Biópsia excisionaf
sempre que possível devemos fazer biópsias excisionais.
A biópsia excisional é a melhor maneira de fazer o
diagnóstico de melanoma. Chamamos biópsia excisional
o procedimento de retirada de toda a lesão com margem Estudo anatomopatológico
mínima de até 2 mm, incluindo uma porção de tecido Uma acurada interpretação do exame anatomopato
subcutâneo. lógico é fundamental na orientação do tratamento e do
O sentido da excisão elíptica deve ser longitudinal prognóstico de pacientes com melanoma. Devem-se sem
quando em membros, e prefcrencialmente no sentido da pre avaliar os seguintes parâmetros: espessura do tumor,
drenagem linfática nas lesões de tórax. dada em milímetros - índice de Breslow; nível dc invasão
A biópsia excisional fornece ao patologista toda a de Clark; presença ou ausência de ulcerações; margens;
lesão para ser examinada, e só assim pode confirmar se subtipo histológico; índice mitótico; fase de crescimento
realmente é um melanoma, o seu tipo e, principalmen- (radial versus vertical); regressão; resposta inflamatória
te, o seu grau de invasão histológica, ou seja, o nível c a Iinfocítica e neurotropismo.
profundidade de invasão, que são essenciais para avaliar o Além dos fatores anatomopatológicos, as avaliações clí
prognóstico e o planejamento rerapêurico. nicas multifatoriais têm demonstrado que a localização ana
A biópsia do melanoma pode ser realizada em con tômica, a disseminação angiolinfática, a presença dc micros-
sultório, desde que sejam seguidos os princípios básicos satelitoses e/ou ulcerações e o sexo representam variáveis
oncológicos e de assepsia. Deve-se fazer infiltração lenta independentes de prognóstico quanto ao grau de sobrevida.
com anestesia local, injetando o anestésico ao redor da
lesão e nunca diretamente nela. O trauma da agulha e a
pressão positiva do anestésico poderiam deslocar e disse Estadiamento
minar células neoplásicas. O estadiamento deve ser realizado após o exame anato
A incisão deve observar margem exígua de 1 mm a mopatológico. E fundamental para o planejamento terapêu
2 mm de pele normal e de subcutâneo ao redor da lesão, tico, para avaliarmos o prognósStico do paciente e podermos
suficiente para não deixar parte do tumor no local, pelo comparar nossos resultados com os da literatura.
menos macroscopicamente. Atualmente o estadiamento do melanoma é realiza
A hemostasia deve ser cuidadosa, evitando os hema do pela classificação TNM da American Joinr Committee
tomas e muitos traumatismos na área cruenta, pois ambos on Câncer (AJCC) e da União Internacional Contra o
poderiam impulsionar possíveis células neoplásicas para a Câncer (UICC) de 2002. Esse estadiamento é mostrado
circulação. nos Quadros 1, 2 e 3.
â-adro 1: Tumor primário (T).
pos-
pau Espessura Ulceração
ia a
TI a: sem ulceração e Clark II ou III
Ces- TI < ou = a 1 mm
Tl b: com ulceração e/ou Clark IV ou V
I i a-
T2a: sem ulceração
T2 de 1,01 a 2 mm T2b: com ulceração
a le
T3a: sem ulceração
res, T3 de 2,01 a 4 mm T3b: com ulceração
bíão
J ser T4a: sem ulceração
T4 >4 mm T4b: com ulceração
Com relação aos linfonodos, isto é, à classificação N, atualmente prevalece o seu número e não mais o tamanho.
com
ma
ãiadro 2: Linfonodos (N).
D pa
rto, Classificação Linfonodos com metástases Massa metastática
i.
NI 1 N1 a: micrometástase
N1 b: macrometástase
i
N2 2-3 N2a: micrometástase
paio-
N2b: macrometástase
N2c: metástases em trânsito e/ou satelitose
t do sem linfonodo metastático
Sem
ico r, N3 4 ou mais linfonodos metastáticos
ou linfonodos confluentes, ou
tesão
metástases em trânsito, e/ou
pns; satelitose com infonodo metastático
fcnto
lória
r- clí-
>ma-
Cuadro 3: Metástases (M).
icros-
ttveis
Classificação Localizaçao Dosagem de DHL
r :da.
Cutânea, subcutânea e
Mia Normal
linfonodal a distância
trtee
Ira o
Observação: a micro metas rase é diagnosticada após Conduta terapêutica
crido
- Mjuisa do linfonodo sentinela ou após linfadenectoniía A conduta cirúrgica é o tratamento dc escolha, sendo
- -tiva. A macrometástasc é definida como metástase lin- estabelecida de acordo com o estadiamento de cada caso.
nodal detectável clinicamente ou quando as metástases As margens cirúrgicas são definidas com o auxílio do
bem extensão extracapsular macroscópica. estadiamento e do índice dc profundidade de Breslow:
80 TEMAS EM P S I C O-O N C O LO G I A
• melanoma irt sita: margem mínima de 0,5 cm; A excisão cirúrgica mostrou potencial paliativo eficaz
• menor ou igual a 1 mm: margem mínima de 1 cm; em lesões isoladas recorrentes da pele, do sistema nervoso
• de 1 a 4 mm: 2 cm; central, dos pulmões e do trato gastrointestinal.
• maior que 4 mm: 2 cm. Quanto a outras formas terapêuticas, existem inúmeras
descritas na literatura, entre elas a quimioterapia (mono e
Deve ser feita a palpação cuidadosa dos linfonodos poliquimioterapia), imunoterapia (interferons, interleucinas,
inguinais, axilares, supraclaviculares, cefálicos e cervicais, anticorpos monoclonais), terapia genética, terapêutica adju
com atenção particular para a área dc drenagem primária, vante, incluindo imunoestimulantes (BCG c Corynebacteriwn
já que as metástases em linfonodos, pele e tecido subcutâ paruttm) e iniunomoduladores (lcvamisol).
neo representam 59% das metástases encontradas. Considerando custo, toxicidade e qualidade de vida,
a DTIC permanece sendo a droga que, isolada, oferece a
A presença de comprometimento linfático foi, por
melhor resposta (25% a 30%), utilizada principalmente
muito rempo, sinônimo da controversa linfadenectomia
cm casos de disseminação cutânea. Nos casos de doença
eletiva; atualmente, o que se preconiza é a realização da
visceral, é preconizado o uso da poliquimioterapia, como
técnica do linfonodo sentinela com azul-patente, com base
o esquema cisplatina, sulfato dc vincristina c bleomicina.
na premissa de que cada região possui uma área de dre
Esse tratamento, originalmente, apresentou respostas da
nagem própria, com seu respectivo linfonodo sentinela.
ordem de 48%; porém, esse resultado não foi atingido
Portanto, utilizando-se da técnica de cintigrafia, determi mais tarde, em outras tentativas.
na-se a área de drenagem, explorando-a cirurgicamente, e A radioterapia é classicamente adotada em casos dc
realiza-se a exérese apenas dos linfonodos captantes pre metástases ósseas e cerebrais, procurando-se obter alívio
viamente marcados com a coloração do azul-parcnrc; sua dos sintomas e melhora das condições de sobrevida.
captação radioativa é confirmada por meio de um gnma- Quanto às vacinas, há inúmeros protocolos sendo
probe. Esses linfonodos serão pusteriormente estudados realizados no presente momento, apresentando respostas
pela anatomia patológica com o uso das técnicas de hema- promissoras.
toxilina-eosina (HE), imunoistoquímica (S-100, HMB-45,
PAN) e PCR-mRNA tirosinase.
A pesquisa do linfonodo sentinela permite, portan Seguimento
to, um estadiamento mais acurado, sendo capaz de revelar O seguimento dos pacientes com melanoma depen
micrometástases com precisão era mais de 98% dos casos, de, basicamente, da espessura do tumor, da presença de
apresentando menores traumas locais e menor custo em nevos atípicos e do estádio da doença.
relação à linfadenectomia eletiva. Pacientes com lesões de até 0,75 mm de espessura e no
Linfonodos palpáveis devem ser investigados por estádio 1 devem ser acompanhados a cada seis meses durante
meio das diversas técnicas existentes, como biópsia e aspi o primeiro ano e a cada doze meses nos anos subscqüentes.
ração com agulha fina guiada por ulrra-sonografia (USG), Os que apresentarem lesões de 0,76 a 1,49 mm ou
estando esses pacientes invariavelmente sujeitos à realiza tumores entre 1,5 e 4 mm, no estádio II da doença, devem
ção dc uma linfadenectomia eletiva. ser acompanhados a cada quatro meses nos três primeiros
Nas metástases em trânsito ate um terço distai e na anos e a cada doze meses nos anos subsequentes, sendo
raiz dc membros, quando em membros, preconiza-se res- necessária, neste caso e no anterior, a realização anual de
pectivamente a realização de infusão extracorpórea e per- radiografias torácicas de controle.
Já os pacientes em estádios III e IV necessitam de
fusão extracorpórea, com hipertermia e associação de qui-
radiografias torácicas de controle trimestrais durante os
mioterápicos como melfalana, fator de necrose tumoral e
cinco primeiros anos e anuais após esse período.
imerferon alfa.
Cada visita ao médico deve incluir o exame completo
Na sua impossibilidade, realiza-se a ressecção das
da mucosa e da pele, com atenção especial para o local de
metástases associada à monoquiraioterapia com a dinitro-
lesão e drenagem primárias.
triazcno-imidazol-carboxamida (DTIC). Sempre se deve questionar sobre sintomas pulmona
Pacientes com doença disseminada possuem um prog res, hepáticos, do sistema nervoso central, ósseos e gas
nóstico ruim, com sobre vida esperada de, no máximo, seis trointestinais.
meses. A cura, com qualquer ripo de tratamento, é rara. A A realização de campanhas educativas para a popu
escolha do tratamento a ser adorado deve ter como base lação é de extrema importância, devendo orientar quanto
múltiplos fatores, incluindo o aspecto biopsicossocial, a aos fatores dc risco e sinais clínicos que auxiliam na detec
condição física do paciente, o potencial paliativo e o im ção precoce do melanoma. É sempre bom relembrar que a
pacto do tratamento em sua qualidade de vida. prevenção é o melhor tratamento.
CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO
A nói C astro C ordeiro ; E laine S tabenow
m benefício do melhor entendimento, este ca ambiente físico e social, facultam-lhe interagir, atacar e se
* : ^pensáveis nessa área eram, de um lado, a capacidade pecialistas: cirurgião plástico, oncologista, radioterapeu-
ientificar bem e rapidamente a anatomia regional e, ta, neurocirurgião, otorrinolaringologista, oftalmologista,
-- urro, a ousadia e destreza técnica do operador. Contra profissionais provenientes da odontologia, fisioterapia,
- ativ idade sempre se impunham, na época mais antiga, fonoaudiologia, psicologia, enfermagem e administração
. : r. o perigo do contágio infeccioso e as temidas com- hospitalar, atividades que constituem esteios do tratamen
.ações humorais ligadas aos procedimentos cirúrgicos to atual do câncer avançado da região. O papel do psicólo
~-:to longos. Risco tão grande que demovia muitos ci- go é importante para avaliar a personalidade do paciente e
' -'C-ões de intervir em tumores profundos da cabeça e do ampará-lo, conforme a fase de sua percepção da doença e
■-:oço, em especial nos cânceres que, como bem se sabe, do tratamento necessário.
jern a ressecção de margens sãs bastante amplas para Por fim, o sucesso da especialização da equipe aper
. -ançar a erradicação eficiente. feiçoou a capacidade do cirurgião de cabeça e pescoço
Até hoje, manobras para extirpar o câncer dessa re- para o tratamento não só do câncer como das doenças
- i » podem tangenciar ou ter de franquear o sistema ner- benignas da região.
m * central, ou, ainda, lidar com zonas extremamente Salientam-se, como qualidades indispensáveis para
arriscadas como a do olho ou do aparelho auditivo inter esse operador, o apurado conhecimento da anatomia to
por isso, durante longo tempo a cirurgia era contra- pográfica, funcional e patológica da área. a fina habilida
_ cada para certas doenças da região. Poucos tinham de manual e o temperamento equilibrado, capaz de fazer
- -eriência a esse respeito, não obstante raros cirurgiões bom julgamento dos fatos e conseguir o apoio de uma
£r'ã!s, plásticos e otorrinolaringologistas tenham se des- equipe dedicada. Tudo isso, somado ao estudo diário das
-do pelo empenho em resolver as deficiências por meio minúcias anatômicas e funcionais que devem ser aborda
novações táticas, pesquisas técnicas e associação com das, compõe o alicerce da boa prática cirúrgica regional. O
acrros meios terapêuticos. exercício regular será, então, o caminho do sucesso.
Nesse cenário, a cirurgia de cabeça e pescoço se de- Cinco por cento de todos os novos cânceres humanos
*" - como o ramo especial da cirurgia geral, devotado ao diagnosticados situam-se na região de cabeça e pescoço.
r^iamento de tumores situados ou originados na superfície Predominam no gênero masculino c têm o pico de inci
r-ofundidade do pescoço, da face e do revestimento do dência na sexta década de vida. Entre os fatores causais
io, principalmcnte pelas lesões de natureza neoplásica. continua em destaque o tabagismo crônico que, em vis
7 modo complementar, a especialidade abrange interven- ta da feição mundial do vício, é o fator mais importante.
r - * que por vezes avançam pelas regiões limítrofes, como a
Potencializado pelo etilismo, eleva de dez a quinze vezes
iade craniana, o mediastino, as fossas axilares e outras o risco de aparecimento de carcinoma epidermóide em
--.cs das paredes do tórax. E pode se valer, ainda, de reta- mucosa das vias aéreas superiores. A medida preventiva
hos e transplantes trazidos de outras regiões. mais eficiente parece fácil de ser aplicada: é a cessação do
Considerada a definição, Hayes Martin, na primei- tabagismo. No entanto, é o momento em que o suporte
metade do século XX, foi o primeiro cirurgião geral psicológico tem a maior utilidade.
. jceituado a usar a denominação serviço de cirurgia de De outra parte, o efeito cumulativo da repetida ex
- eça e pescoço em sua Unidade no Memorial Hospital posição à luz solar é reconhecido fator causal do carcino
- enter de Nova York. ma da pele, com maior freqüência, do tipo basocelular.
Progrediu a cirurgia. Avançaram os conhecimentos Sobressai-se na população branca das áreas próximas do
: - patologia e dos meios diagnósticos. Aprimoraram-se Equador. Predomina no sexo masculino na proporção de
i os recursos anestésicos, anti-sépticos e antibióticos, quatro por um. Mais fatores podem estar relacionados
-ç^rfeiçoaram-se os instrumentos e métodos terapêu- com a etiologia do câncer, como o vírus do papiloma hu
-s associados - radioterapia e quimioterapia. Em mano (HPV), o vírus Epstein-Barr (EBV) e o hábito de
. nseqüência, aumentou a esperança de melhora nos mascar noz de areca (bétel).
- mirados do tratamento do câncer da região. Esforços A possibilidade de insucesso do tratamento em cada
mm feitos na prevenção. Confirmou-se o reconheci- caso é ampliada pelo risco significativo de co-morbidade e
mrnto do importante papel do tabagismo como um dos do desenvolvimento de segundo câncer primário. Ambos
rr.ncipais fatores de risco de câncer da região, desde o os eventos se relacionam com a persistência da exposição
cio da década de 1950. crônica do operado aos fatores de risco: tabagismo, etilis
Novos recursos diagnósticos tornaram os limites de mo e radiação solar.
aceção, ao mesmo tempo, amplos e mais objetivos. As A Figura 2 resume a localização mais importante do
nicas do esvaziamento linfático cervical - eixo da espe- câncer no âmbito da especialidade. Para cada sítio são
. . idade - evoluíram. O resultado da terapêutica passou, apresentadas, a seguir, considerações e particularidades
r-:ão, a dever muito ao trabalho multidisciplinar. Juntou- relativas a diagnóstico, tratamento e resultados. Entre es
: ao cirurgião de cabeça e pescoço valioso grupo de es tes se encontram alterações causadas pelo próprio câncer
84 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Figura 2: Sítios da cabeça e do pescoço que podem ser acometidos por câncer.
Crânio
Pele e subcutâneo <, Face
jPescoço
Cavidade nasal e seios paranasais
Rinofaringe
Vias aéreas superiores 1 Orofaringe
Laringe
Traquéia
r Lábio
Sulco gengivo-labial
Rebordo aIveolar
Cavidade oral
Soalho da boca
Língua oral
Palato duro
Base da língua
Vias digestivas superiores
< Orofaringe
Paiato mole
Lojas tonsüares
Parede posterior
Hipofaringe
Esôfago cervical
Glândulas salivares
V
«-
Glândula tireóide
Glândulas paratireõides
Pescoço
Cadeias linfáticas
Espaço vascular
ou decorrentes da intervenção cirúrgica, bem como as lesões mais avançadas. O diagnóstico é feito com recursos
deformidades e as deficiências funcionais na deglutição, clínicos, biópsia e análise histopatológica. A tomografia
respiração, olfato, visão, fonação, mímica e controle de computadorizada e outros exames de imagem têm valor
secreções (Quadro 1). para dimensionar a neoplasia. O tratamento é a exérese
total, com margens de tecido sadio, inclusive em profun
didade. O entendimento entre o cirurgião e os patologis
Pele e subcutâneo tas c crucial para o prognóstico. Conforme a extensão
Em particular nos idosos com tendência à calvície e ressecada, o fechamento pode ser primário ou exigir des
nos profissionais e esportistas com atividade ao ar livre, o lizamento de retalhos ou enxertos. Raramente é necessá
efeito cumulativo da exposição crônica à radiação solar ria radioterapia complementar.
constitui um importante fator causal de carcinoma baso- Metástases linfáticas são excepcionais em casos de car
celular, epidermóide c melanoma da pele da cabeça e do cinoma basocclular em jovem. Mais comuns no carcinoma
pescoço. Muito raros são os lipossarcomas. epidermóide, elas comprometem linfonodos da drenagem
As lesões cancerosas da pele iniciam-sc como nódu cervical e, por vezes, linfonodos intraparotídeos. Identifi
los pequenos, crescem, ulceram-se com facilidade e não cadas ao exame físico e à ulrra-sonografia, sua ressecção
cicatrizam. Sangramento, secreções e dor aparecem nas não raro envolve paroridectomia e esvaziamento cervical.
CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO 85
Quadro 1: Comprometimento mais comum resultante do tratamento do câncer nos diferentes sítios da cabeça e do pescoço.
Comprometimento
Aparência Função
Deformidade
Articulação
Emissão do
de palavras
o
Deglutição
•rtj
Audição
o-
Olfato
Visão
•
som
c§ £L
£ ffl o'
cc
Sítio
Pele
Crânio X X
Face XX X
Pescoço X
Vias aéreas
Narinas e seios XX X XX XX X X
Rinofaringe X X X X XX XX X
Laringe/traquéia X XX XX XX XX X
Vias digestivas
Cavidade oral X X XX XX
Orofaringe XX X XX X
Hipofaringe/esôfago XX XX XX XX X
Glândulas salivares X X
Pescoço
Glândula tireoide X X
Glândulas paratireòides X
ladeias linfáticas X
Espaço vascular X X X X X
Legenda:
\ * pode ocorrer;
XX - ocorre com freqüência.
soriamente, o ar que for inalado pela boca. No entanto, a grande poder de produzir metástases cervicais bilaterais,
passagem da matéria ingerida através da cavidade oral no as quais podem ser o seu primeiro sinal clínico. Outros
sentido das vias estritamente aéreas é de praxe impedida sinais seriam a perda da acuidade auditiva, por obstru
pela função valvular do órgão seguinte, a laringe. A luz da ção da trompa de Eustáquio e a dificuldade à deglutição,
laringe é mantida sempre armada pela estrutura complexa que, junto com a disfonia e a dipiopia, são consequentes à
de músculos, membranas e um delicado esqueleto de car invasão de nervos cranianos. O tratamento é baseado na
tilagens. No espaço criado, há uma fenda, a glote, circuns quimioterapia e radioterapia.
crita pelas pregas vocais, que vibram com a passagem do A laringe está normalmente envolvida com fenôme
ar para produzir a voz. A fim de evitar o ingresso de corpo nos ligados à respiração, fonação e deglutição. Os sintomas
estranho nas porções seguintes das vias aéreas superiores, de carcinomas aí situados dependem da área acometida:
durante a deglutição normal, o cerramento da fenda glóti- supraglote, região glótica (pregas vocais e fenda glótica) e
ca se associa à elevação do corpo da laringe em direção à subglote. Nas pregas vocais, relacionam-se com disfonia.
epiglote e à base da língua. Grandes tumores podem dificultar a respiração ou mesmo
O carcinoma epidermóide é, de longe, o tumor que a deglutição. Nesse caso, pode ser indicada traqueostomia,
mais acomete as vias aéreas superiores e está intimamente um procedimento cirúrgico que visa estabelecer a comu
ligado ao hábito de fumar. Melanoma de mucosa, sarcoma nicação, de modo artificial, da luz da traqueia com o exte
e carcinoma adenóide cístico comparecem raramente. rior do corpo, por meio da colocação de uma cânula.
Além do quadro clínico e dos exames de imagem Laringectomias de extensão variada podem ser reali
(tomografia computadorizada e ressonância nuclear mag zadas como tratamento cirúrgico desses cânceres. A cor-
nética), o exame endoscópico é fundamental para carac dectomia endoscópica - feita sob anestesia geral, com o
terizar as lesões e proceder à biópsia, que permitirá o emprego ou não da vaporização a laser - é indicada para
diagnóstico definitivo. casos de câncer precoce. Os rumores supraglòricos são
Na cavidade nasal e nos seios paranasais a apresen tratados pela laringectomia parcial supraglótica. Os car
tação clínica do câncer pode incluir a presença do volu cinomas da região glótica dão oportunidade de realizar a
me do tumor, obstrução e sangramento. O diagnóstico laringofissura, a laringectomia frontolateral, ou a larin
precoce não é fácil em virtude da limitação anatômica gectomia supracricóidea com crico-hióido-epiglotopexia,
local; por isso, boa parte das lesões é diagnosticada já em em uma escala de ressecção que pode ir, de acordo com o
estado avançado. Dos seios paranasais a neoplasia pode estágio evolutivo do carcinoma, até a laringectomia total.
estender-se à face, cavidade oral e órbita. Anosmia (per Esta, por vezes, é complementada pelo esvaziamento lin
da de olfato) pode surgir no caso de estesioneuroblasto- fático de extensão variada e por radioterapia, que, excep
ma, um tipo de câncer do nervo olfatório que, não raro, cionalmente, pode ser associada à quimioterapia.
invade o crânio. As laringectomias parciais são seguidas de disfonia
O procedimento cirúrgico constitui o tratamento de transitória ou definitiva. Pode haver importante aspiração
escolha dessas lesões. Pode exigir a rinectomia (ressec- de alimentos para a árvore brônquica e o pulmão, e assim
ção do nariz) ou a maxilectomia, as quais invariavelmen condicionar complicações graves. A prevenção consiste no
te causam grande deformidade. Mesmo com o emprego uso de sonda nasoenteral, mantida até que seja possível
de próteses sofisticadas, representam grande obsráculo à reabilirar a deglutição. Provas funcionais pulmonares de
reintegração do indivíduo à sociedade. O próprio acesso vem ser meticulosamente estudadas no pré-operatório.
cirúrgico requer grande descolamento - em certos casos, Na laringectomia total a perda da voz exige intenso es
o facial degloving, que é o descolamento cranial do lábio forço da fonoaudióloga, que utiliza técnicas de reabilitação
superior em conjunto com o nariz e o revestimento mus- como o uso de voz esofágica, diferentes próteses traqueoe-
culocutâneo das regiões malares. É decisivo o suporte psi sofágicas e laringe mecânica. A evidente mutilação e o sério
cológico tanto para o doente como para seus familiares. prejuízo da capacidade de comunicação do operado, bem
Neoplasias mais avançadas precisam de radioterapia como a permanência do traqueostoma, tornam imprescin
e, em casos de tumor irressecável, da associação com qui dível o suporte psicológico. No caso de analfabetismo, as
mioterapia. exigências levadas à equipe de suporte são muito maiores.
Na rinofaringe instalam-se o carcinoma epidermói Uma deficiência pouco divulgada é a perda do olfato
de e o carcinoma indiferenciado. A epidemiologia deste devido à falta de passagem do ar pelos receptores das ca
não é a usual; atinge população mais jovem e é freqüente vidades nasais.
em zonas endêmicas do vírus Epstein-Barr (EBV), como À traquéia pode ser atingida pelo mesmo tipo de cân
na China. Seu diagnóstico em alguns casos depende de cer, não raro como extensão de tumor iniciado na laringe.
demonstração imunoistoquímica. A identificação de anti Para tratamento, pode ser feita sua ressecção segmentar,
corpos séricos anti-EBV tem sido usada para rastreamen- no máximo de seis a oito anéis traqueais, seguida dc anas-
ro e diagnóstico precoce desse tipo de neoplasia, que tem tomose primária.
i:erais, O lábio, principalmente o inferior, além da ação do
Vias digestivas superiores
Outros tabaco, sofre maior exposição ao sol e é o mais atingido
Na prática, a expressão vias digestivas superiores de-
c bstru- pelo câncer. A rcssecçâo do câncer de lábio deve incluir
;na os trechos iniciais do caminho do alimento ingerido
Lüção, margens amplas. Lesões superficiais podem ser extirpadas
. chegar ao estômago. Também inclui uma seqüência
rntes à pela simples mucossectomia. Porém, as mais innlrran\àv
formações tubulares revestidas dc mucosa. Começa na
aio na requerem exérese em cunha, seguida da reconstrução cr m
nda labial e segue pela cavidade oral e orofaringè. Nes-
retalhos locais baseados na artéria labial, ou mesmo com re
. segmento a língua é um importante órgão, pois impul-
nômc- talhos distantes. Acarretam defeitos estéticos mais ou me
ona os alimentos e permite a articulação das palavras,
ptomas nos consideráveis, deficiente contenção do alimento, rcd_-
rm conjunto com a língua e os músculos mastigatórios,
rtrida: ção da abertura bucal (microstomia) e alterações da fala. As
3 dentes são fundamentais para a mastigação do alimento
õcica) c equipes de cirurgia plástica e fisioterapia ajudam a minimi
_ ue segue até o esôfago e desce para o estômago.
sronia. zar tais limitações.
O carcinoma epidermóide é a neoplasia maligna que
cesmo Língua oral, rebordo alvcolar e soalho da boca, quan
-.ais acomete a mucosa desses segmentos, também expostos
k >mia, do acometidos, sofrem ressecções cirúrgicas mais ou menos
- ação carcinogênica do tabaco. Com freqüência é acompa-
comu- amplas c, por vezes, prejuízo da articulação das palavras,
uda de metástases linfáticas cervicais. Carcinoma de glân
c cxte- dula salivar menor pode ocorrer ao longo de todo o trajeto mastigação e deglutição. O câncer, avançado, comprome
L2. —gestivo superior, e o mais comum é apresentar-se na forma te músculos do espaço mastigatório c provoca trismo com
r reali- massas submucosas obstrutivas de caiialículos salivares. séria limitação da abertura da boca.
A cor- O diagnóstico do câncer das vias digestivas superiores Diferentes procedimentos cirúrgicos são aí realizados:
com o -- baseia no quadro clínico e em exames dc imagem. I.esões mucossectomia, glossectomia parcial, ou mesmo total. Esta,
ti para __ cavidade oral podem sofrer biópsias diretamente; nos de- atualmente, deixou de ser indicada em vista do grande pre
xs são ~.ais segmentos, a endoscopia é imprescindível. De qualquer juízo à qualidade de vida, sem expectativa de cura. Cedeu
Ds car- . do, a biópsia deve ser feita por quem vai realizar o trata- lugar ao tratamento quimioterápico e radioterápico. O cân
ihzar a mto definitivo. A cicatrização da ferida consequente a ela cer do rebordo alveolar é tratado pela ressecção segmentar
1 '.arin- - >vie evoluir muito bem, a ponto de não ser loealizável no da mandíbula, o que envolve a perda de dentes. Em ressec
ípexia, mento dc determinar as margens da excisão. ções mais extensas, como a pelviglossectomia com mandi-
• com o Cirurgia, radioterapia ou a combinação destas com a bulectomia, o acesso exige incisões amplas na face seguidas
2 total, . : mioterapia são os principais tipos de terapêutica. A es- de descolamento de retalhos jugais {cheek flap), cujo fecha
co lin- ha depende da região acometida, da extensão do tumor mento cuidadoso pode minimizar defeitos estéticos.
cxcep- is condições clínicas do doente. Seqüela importante Acesso muito usado para grandes lesões do soalho
c pode decorrer do tratamento radioterápico e quimio- anterior da boca é o transmandibular, chamado dc pull-
bfonia :ripico é a mucosite, que, em grau mais intenso, pode tbrough, no qual o cirurgião, após rebater superiormente o
Y- ração nnpedir a alimentação pela boca e impor o uso, ainda que retalho de pele cervical, puxa as estruturas da cavidade oral
í issim temporário, dc sonda. para baixo, através do arco mandibular.
tsre no Grandes excisões de língua ou soalho da boca preci
> ssível sam de retalhos espessos, pediculados, como o miocutâneo
re> de- Cavidade oral de peitoral maior, ou livres, confeccionados com anasto-
no. O vermelhão do lábio, sulcos gengivo-labiais e rebor- mose vascular microcirúrgica. São retalhos de músculo
acso e$- c vs alveolares superior e inferior, palato duro, soalho da reto abdominal, de fíbula, antebraquiorradial e cutâneo
l cação .a e língua oral são as sub-regiões da cavidade oral. O lateral da coxa. Deformidades provocadas tanto na cavi
caeoe- - junto abriga 30% dos tumores de cabeça e pescoço, que dade oral quanto na área doadora requerem sonda para
sério • dem ser causados pelo hábito de fumar e mascar bétel e alimentação e intenso trabalho de reabilitação.
c. bem ras substâncias, depositadas no sulco gcngivo-labial. Ressecções extensas do palato duro, as chamadas ma-
(rescin- Com freqüência as lesões precursoras de carcinoma xilectomias de infra-estrutura, resultam na comunicação
Bno, as - iermóide, eritroplasias e leucoplasias são descobertas da cavidade oral com a nasal. O reparo funcional é feito
■ores. "vio dentista. Lesões invasivas podem apresentar-se sob com base em próteses, que devem ser planejadas caso a
i olfato * jrma dc rumor ulcerado, exo- ou endofítico, hemorrá- caso, ainda no pré-operatório, em conjunto com a equipe
cus ca- ~co, acompanhado ou não de dor. Múltiplas lesões estão dc cirurgiões bucomaxilofaciais.
-'esentes em 4% dos casos.
:: cân- Melanoma de mucosa também ocorre e, muito ra-
annge. -c-nente, pode haver sarcoma de língua e região jugal. Orofaringè
centar, '-reossarcomas de mandíbula ou de palato duro, quando E dividida em sub-regiões: palato mole, base da lín
é anas- • ígem dimensões maiores, provocam grandes deformi- gua (posterior às papilas vaiadas), lojas tonsilares e pare
udes e prejuízos funcionais dc difícil recuperação. de posterior.
88 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
- nal. A punção aspirativa por agulha fina é segura e pro- laringe, motores das pregas vocais. Na face póstero-lateral
: cia material para o exame citológico, que, em conjunto de cada lobo encostam-se as glândulas paratireóides supe
fces:
com os exames clínico e de imagem, ajuda a identificar a rior e inferior.
mre
■ irureza da neoplasia. As neoplasias malignas primárias da glândula tireoide
A dissecção do nervo facial, obrigatória na exérese são originadas de tireócitos ou das células C, parafolicula-
nos
. rúrgica do câncer da glândula parótida, pode provo- res. As primeiras são os carcinomas foliculares, papilíferos
^lia
-3r paresia dos movimentos dos músculos da mímica, e anaplásicos. As parafoliculares são os tumores medulares
\ em
.jm prejuízo da expressão facial, geralmente reversível. que podem aparecer isolados ou associados, em síndromes
--
- ressecção de seus ramos, caso estejam envolvidos pela de neoplasias endócrinas múltiplas tipo 11 (NEM).
kia.
-eoplasia, causa paralisia completa do segmento corres- Os carcinomas papilííero e folicular são qualificados,
nu-
: :idente. O ramo orbicular ocular é responsável pela em conjunto, como diferenciados, e correspondem a 90%
âvc,
-Tvação motora das pálpebras que, no caso de secção, dos carcinomas primários da glândula tireoide. O indife
-ar
- rrmanecem abertas, mesmo durante o sono. Mais do que renciado ou anaplásico é raro, extremamente agressivo,
-.'pecto estético, a preocupação volta-se para complica- resistente às tentativas terapêuticas, e recidiva rápida após
nin-
- n oftalmológicas, como a úlcera de córnea, as quais, a tireoidectomia total. Há casos em que a traqueostomia é
Icil,
-* «nicamente, podem culminar com a perda da acuidade o único recurso útil, por certo tempo.
- al. A retirada dos ramos bucal e marginal mandibular Quanto a neoplasias malignas secundárias, raramente
exic
' voca assimetria labial, dificulta a contenção dos ali a tireoide abriga metástases provenientes de outros órgãos.
roi-
emos, principalmente os líquidos, e compromete a fala. Rim, pulmão e mama são os sítios primários mais citados.
► por
ram descritas técnicas de reconstrução do nervo facial, A diferença entre neoplasia benigna e maligna de
a de
- )m resultado funcional variado. pende bastante do comportamenco evolutivo. O quadro
tulo
A sialadenectomia submandibular é feita para trata- de rouquidão iniciada sem motivo aparente, e acompa
ipor
rnto das lesões dessa glândula e exige o conhecimento nhada de paralisia da prega vocal do mesmo lado do nó
■cão
:: anatomia do ramo mandibular do nervo facial, nervo dulo, leva à suspeita de malignidade. Outro sinal de alerta
i !a- é a liníonodomegalia jugulocarotídea satélite. Aumenta a
gual e hipoglosso. Os dois últimos fazem respectiva-
■ ente a inervação sensitiva e motora da língua. suspeita se houver história de câncer tireóideo na família
■çâo ou de prévia irradiação do pescoço para tratar outro cân
O tratamento cirúrgico do câncer da glândula sublin-
_..ai é a pelveglossectomia. Quanto às glândulas salivares cer ou, antigamenre, para provocar a regressão de rimo,
xece adenoides e lesões hemangiomatosas, principalmente na
enores, a ressecção é estudada caso a caso, dc acordo
. m o sítio acometido. infância.
Radioterapia e quimioterapia são de pouca efetivi- Alguns exames subsidiários, considerados muito úteis
i dos no passado, tal como a cintilografia, feita com radioiodo
_:de para o tratamento do câncer das glândulas saliva-
pos- ou tecnécio, tiveram a importância bastante reduzida ape
São empregadas com intuito paliativo nos casos de
Cior sar de ainda serem úteis em situações especiais. A tiltra-
rressecabilidade.
jão e sonografia e a punção biópsia aspirativa com agulha fina
A xerostomia (boca seca por baixa produção de sali-
b. • - não ocorre com a extirpação cirúrgica dc uma glându- assumem hoje papel fundamental. Tomografia computa
: salivar, mas é complicação que decorre do tratamento dorizada e ressonância magnética servem para aperfeiçoar
Jioterápico do câncer da cavidade oral e orofaringe. A a avaliação de bócio intratorácico, restos pós-operatórios
irradiação destrói quase todo o epitélio produtor de sa- e linfonodos cervicomediastínicos.
pss e O tratamento do câncer da tireoide é a tireoidecto
■-2. A qualidade de vida é prejudicada, há aumento do
can- mia total. Nela deve ser incluído o apêndice piramidal.
* sco de cáries, alteram-se a formação do bolo alimentar,
fc-res O esvaziamento cervical é feito no caso de acometimento
- deglutição e a articulação das palavras, A colaboração
K)do metastático de cadeia linfática cervical.
dontológica por vezes é apenas paliativa.
mte A hipocalcemia transitória é uma complicação que
pode decorrer da manipulação cirúrgica das paratireóides
icen- Pescoço durante a tireoidectomia total. Sua pesquisa é feita pela
tco, dosagem da calcemia e pelo sinal clínico de Cbvostek
ade- Glândulas tireoide e paratireóides (hiperexcitabilidade do nervo facial quando a região pré-
can- A glândula tireoide, de formato bilobado, situa-se auricular é percutida junto ao trago). A presença de sinto
k de -ansversalmente na região cervical, logo abaixo d a mar mas como disestesias ou formigamentos exige suprimento
t-ide eem inferior da cartilagem cricóide, e abraça as faces an- endovenoso de cálcio. O hipopararireoidismo definitivo
: rior e laterais dos primeiros anéis da traquéia. Atrás de ocorre em menos de 1% dos operados por especialista.
lei o -ada lobo lateral corre longitudinalmente o nervo laríngeo Paresia e paralisia de pregas vocais também podem
mci- recorrente que sobe para inervar músculos intrínsecos da ser transitórias ou definitivas e ocorrem quando há lesão
do nervo laríngeo recorrente. O acometimento unilate plasias malignas que acometem a cabeça c o pescoço. A
ML 1
ral provoca disfonia, às vezes recuperada sob orientação drenagem cervicofacial superficial desemboca nas cadeias
de fonoaudiólogo. A lesão bilateral causa insuficiência profundas, que, por sua vez, transportam a linfa para o
respiratória grave e torna necessária a traqueostomia. sistema venoso. Envolve todas as estruturas anatômicas
Nessa eventualidade indica-se acompanhamento psico do pescoço.
lógico. As cadeias linfáticas profundas são divididas dida
A radioiodoterapia aproveita a propriedade do tecido ticamente em níveis: o nível I contem os linfonodos da
tireóideo, mesmo o neoplásico, de concentrar iodo. Após região submandibular; o nível II, os linfonodos jugulo-
a tireoidectomia, a ingestão do iodo radioativo pode ser earotídeos desde a base do crânio até a bifurcação caro-
preconizada para tratamento complementar e também tídea; segue-se o nível III até a intersecção do feixe vas
para localizar e tratar metástases do câncer tireóideo em cular com o músculo omoióideo; o nível IV segue desse
outros órgãos, como pulmão, osso e fígado. ponto até a clavícula. O nível V, também chamado de
Radioterapia externa c quimioterapia devem ser con cadeia linfática do território do nervo espinal acessório,
sideradas apenas para os casos de carcinoma pouco dife compreende os linfonodos situados entre a borda poste
renciado, que não concentrem iodo, e para os localmente rior do músculo esternoclidomastóide e a borda anterior
invasivos, inoperáveis ou de ressecção incompleta. do músculo trapézio. O nível VI, ou compartimento cen
Na paratireóide, a neoplasia epitelial maligna primá tral do pescoço, compreende os linfonodos peritraqueais
ria é o raro carcinoma de paratireóide, às vezes denomina e tireóideos, bem como aqueles que envolvem o nervo
do adenocarcinoma. laríngeo recorrente.
Trata-se de neoplasia muito rara, de início unifocal, Os cânceres apresentados anteriormente neste capí
que de praxe tem progressão lenta e tendência a invadir tulo, em sua grande maioria, alem de se disseminarem pela
órgãos contíguos ou desenvolver metástases tardias por
via hematogênica, com frequência acometem os linfono
via linfática e hematogênica. Quase sempre o carcinoma
dos cervicais. Na investigação diagnóstica é fundamental
paratireóideo aumenta o nível de secreção do paratormô-
o estudo dessas estruturas.
nio (PTH) e provoca o hiperparatireoidismo, que resulta
O tratamento cirúrgico adequado para a metástase
na elevação do cálcio sérico. Parece, porém, haver con
linfática do câncer da cabeça e do pescoço é o esvaziamen
siderável gradiente de malignidade nessa apresentação
to cervical, feito com técnica cirúrgica padronizada que
clínica, e existem, mesmo, referências à discutida forma
ao mesmo tempo permite dissecar e retirar os linfonodos
de carcinoma de paratireóide não produtora de PTH, que
cervicais em monobloco e preservar as estruturas anatô
seria a apresentação mais rara e mais agressiva de câncer
micas vitais. O esvaziamento radical clássico consiste na
paratireóideo.
exérese dos linfonodos dos níveis I a V mais o músculo
Quase sempre o carcinoma da paratireóide apresen
esternoclidomastóide, a veia jugular interna c o nervo es
ta-se isolado, mas pode se associar à hiperplasia primária
difusa das paratireóides e à neoplasia endócrina múltipla. pinal acessório.
Quanto ao quadro clínico, podem ser encontrados os mes Esvaziamentos seletivos deixam apenas cicatriz dis
mos sinais e sintomas ósseos, renais, neuromusculares e creta. O radical clássico causa assimetria na silhueta cer
gerais dos outros tipos de hiperparatireoidismo primário. vical c a falta do nervo acessório promove deficiência
Destacam-se: instabilidade do humor, irritabilidade, an na elevação do membro superior do mesmo lado c dor
siedade, que melhoram com o tratamento do hiperpara crônica na região do ombro, o que requer atenção fisio-
tireoidismo. A recorrência pode manifestar-se por invasão terápica.
de estruturas contíguas ou, em 30% dos casos, pelo desen As doenças linfoproliferativas podem acometer as ca
volvimento de metástases locorregionais e hematogênicas. deias linfáticas cervicais. O diagnóstico é feito pela biópsia
Para diagnóstico são realizados exames de imagem e dosa excisional, sob anestesia local ou geral, e o tratamento é
gem de cálcio e paratormônio. essencialmente quimioterapia».
O tratamento consiste na exérese cirúrgica, em mo
nobloco, da glândula neoplásica e lobo tireóideo do mes
mo lado mais linfonodos da região. Espaço vascular
As complicações cirúrgicas são semelhantes às da ti Os vasos principais do pescoço encontram-se reu
reoidectomia. nidos no feixe vasculonervoso profundo que contém a
artéria carótida, a veia jugular e o nervo vago. Pode ser
sede de câncer. Paraganglioma maligno é raríssimo, bem
Cadeias linfáticas como outros tumores de origem nervosa. O tratamento
Rica rede de drenagem linfática cervical, desem é cirúrgico e muitas vezes acarreta deficiências neuro-
penha a importante função de conter infecções e neo- musculares.
LEUCEMIAS E LINFOMAS
Nelson Hamerschlak
Sintomas mento nessa fase. Remissão não é cura, mas pode signifi
car o primeiro passo para alcançá-la. Os pacientes devem
As células com leucemia (blastos) não realizam as
entendê-la como uma das batalhas vencidas para ganhar
funções normais do sangue, como combate às infecções
a guerra.
(realizado pelos linfócitos), carreação de oxigénio para os
Nos casos de leucemia promielocítica ou M3, um de
tecidos (realizada pela hemoglobina) e dificuldade para
rivado da vitamina A, chamado ácido all-trans-rètinóico
coagulação (função das plaquetas).
(Atra), por via oral, é acrescentado ao tratamento. Essa
Por essa razão, os pacientes com leucemia freqüen-
medicação faz que uma alteração citogenética específica,
temente desenvolvem infecções (devidas à diminuição no
denominada translocação 15:17, ajude na maturação das
número dc linfócitos), anemia (cm virtude da baixa pro
células lcucêmicas desse subtipo de LMA.
dução de hemoglobina) e sangramentos (por causa da de
O tratamento pós-remissão depende da idade do pa
ficiência de plaquetas).
ciente, das condições clínicas e, principalmente, dos resul
É importante que se diga que os sinais e sintomas de
tados da citogenética, podendo variar desde a intensifica
leucemia aguda podem simular qualquer outra doença,
ção das doses de quimioterapia em um ou mais ciclos até
como as infecções virais ou bacterianas, doenças reumato
o uso das diversas modalidades dc transplantes de medula
lógicas e outros tumores. Por essa razão é importante que
óssea (autólogo ou alogênico).
o médico realize um exame clínico minucioso e o interpre
Recentemente, uma droga chamada Mylotarg (anti
te com total critério, para que possa dar um diagnóstico
corpo monoclonal) foi lançada no mercado, e pode ser
seguro da doença. usada em pacientes idosos com recidiva da leucemia pós-
Os principais sinais e sintomas são: febre (que pode
tratamento.
dcver-sc à leucemia ou à infecção associada); fraqueza e
Além disso, cuidados gerais devem ser tomados, como
fadiga; infecções freqüentes; perda de apetite e peso; san a colocação de um cateter vascular para obter uma via ade
gramentos com facilidade; manchas roxas na pele (hema
quada de infusão para quimioterapia, o uso de antibióticos e
tomas e equimoses); suores noturnos; dor nos ossos e nas
a realização de transfusões, que geralmente são necessárias.
juntas; dor abdominal devido ao aumento do baço. O uso de drogas como o alopurinol, que impede o acúmulo
do ácido úrico resultante da destruição das células malignas
pela quimioterapia, é recomendável. Alguns antimicrobia-
Diagnóstico
nos de uso preventivo são também utilizados. Como a qui
Para descobrir a causa dos sintomas, o médico per mioterapia leva a períodos prolongados de diminuição de
gunta sobre o histórico e faz o exame físico, além de testes glóbulos brancos (neutrófilos) com alto risco de infecções
de sangue. Com isso, constrói um diagnóstico presuntivo, graves, podem ser usados medicamentos que estimulam a
ou seja, aventa a hipótese de leucemia, mas a confirmação produção normal dessas células, como G e GM-CSF (fatores
do diagnóstico é feita pela realização de punção da medula estimuladores de colônias de granulocitos de monócitos).
óssea (mielograma).
O diagnóstico definitivo é feito por meio da análise
microscópica da medula óssea e da realização de imu- Leucemia linfóide crônica (LLC)
nofenotipagem (para avaliação do tipo de leucemia) e A leucemia linfóide crônica resulta de uma lesão ad
citogenética (análise das alterações genéticas das células quirida (não hereditária) no DNAdc uma única célula, um
blásticas). O envolvimento do sistema nervoso deve ser linfócito, na medula óssea. A doença não está presente no
avaliado pela coleta e estudo do líquido cefalorraquiano nascimento. Cientistas ainda não sabem o que produz essa
(liquor). lesão no DNA de pacientes com LLC.
A lesão no DNA confere maior capacidade de cres
cimento e de sobrevivência à célula, o que a torna anor
Tratamento
mal e maligna (leucêmica). O resultado desse dano é o
Tão logo o diagnóstico seja possível, os pacientes de crescimento descontrolado de células linfóides na medula,
vem ser submetidos ao tratamento quimioterápico inicial, levando invariavelmente ao aumento no número de lin
denominado indução da remissão. O principal objetivo é a fócitos no sangue. As células lcucêmicas acumuladas na
obtenção da chamada remissão, que é o desaparecimento medula nos casos de LLC não impedem a formação de
das células blásticas na medula óssea. Quando a remissão células normais, como ocorre na leucemia linfóide aguda,
é atingida, a produção normal dos glóbulos vermelhos, explicando o curso insidioso da doença e a sua descoberta,
brancos e plaquetas é restabelecida. geralmente, em pacientes submetidos a exames médicos e
As drogas utilizadas nessa fase são a citarabina ou laboratoriais rotineiros.
Arncytin, por serc a dez dias, e a idarrubicina ou daunor- Esse tipo de leucemia não está associado a altas do
rubicina. Geralmente são utilizados dois cursos de trata ses de irradiação ou à exposição ao benzeno. Observa-se
rrevalência familiar. Sabe-se que a chance de apare- Outro teste importante é a medida da concentração
tem : .» dessa doença é três vezes maior entre parentes de de imunoglobulinas no sangue. Imunoglobulinas são pro
iro grau do que entre pessoas não relacionadas enrre teínas chamadas dc anticorpos, que os linfócitos B dos
. rre em geral em pacientes com idade acima dos indivíduos saudáveis produzem para se proteger das in
i*3e- >. aumentando a incidência à medida que avança fecções. F.las estão frequentemente diminuídas cm pesso
i Raramente ocorre antes dos 40 anos, não sendo as portadoras de LLC. Por essa razão os portadores dessa
= em crianças ou adolescentes. doença são mais suscetíveis às infecções.
ka.
\Ó2S
5 3 e sintomas Tratamento
>P* Os sintomas da leucemia linfóide crônica dcsenvol- Alguns pacientes com LLC têm mínimas mudanças
*ol- . gradualmente. Pacientes apresentam mais cansaço nas contagens sangüíneas: um discreto aumento nos lin
frca de ar durante as atividades físicas. Pode haver perda fócitos e pouca ou nenhuma diminuição nos glóbulos
I JK • -o e presença de infecções recorrentes na pele, no sis- vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. Esses pacientes
fck .írinário, nos pulmões e em outros locais. Muitos pa-
podem permanecer estáveis por longos períodos, não ne
-N apresentam aumento dos gânglios (ínguas). Porém,
cessitando de tratamento. Cerca de 50% dos pacientes
Kn- mente o diagnóstico é feito por acaso, em um exame
não necessitam de tratamento por causa do curso clínico
: ser co regular.
benigno da doença. É muito importante definir os que
: - Ylguns pacientes mantêm, no decorrer do tempo, as
se beneficiarão ou não do tratamento. Mesmo aqueles
contagens de glóbulos brancos com pequenas altcra-
que porventura não precisarem de medicações deverão
■- - . aumento modesto. Esses pacientes usualmente não
se submeter a avaliações médicas periódicas, para que
iie- k» tratados.
É interessante notar que, ao receber o diagnóstico de possam ser detectadas possíveis mudanças no curso da
ÍK»e
ít... ma, a maioria dos pacientes fica preocupada por não doença que impliquem a necessidade de tratamento.
frias.
■ck) :-atada. Cabe ao médico tranquilizá-los e explicar que Quando um paciente portador de LLC necessita de
kr^, c i doença pode ficar estável por muitos anos e que o tratamento, cabe ao seu médico, baseado nas suas con
obia- j- panhamento com exames clínico e laboratorial, com dições clínicas c na análise da literatura, escolher o tra
iqui- 2 r.atologista ou oncologista, deve ser feito regularmen- tamento inicial e as abordagens subsequentes. Entre as
r de fc. aso apresente febre, sinais de infecção ou mudanças drogas utilizadas podemos citar: fludarabina (Fludara);
B^es - ■ cas abruptas, como cansaço e sangramento, o paciente clorambucil (Leukeran); cladribina (Leustatin); doxorru-
m a >er orientado a procurar o seu médico. bicina (adriamicina); prednisona (Meticorten); vincristina
iores Raros pacientes (menos de 3% dos casos) podem evo- (Oncovin); rituximab (Mabrhera); Camparh.
* _ra uma fase aguda, tendo sen prognóstico piorado e O transplante de medula óssea em suas várias moda
'idade de um tratamento mais agressivo. lidades também pode ser indicado em casos selecionados
de LLC.
c ad- T agnóstico
l um O diagnóstico da leucemia linfóide crônica é feito Leucemia linfóide aguda (LLA)
te no exame de sangue (hemograma). Para confirmação A leucemia linfóide aguda resulta na produção des
E essa ti» .ecessárias a avaliação da medula óssea (realização de controlada de blastos de características linfóides, com re
- grama) e a verificação de aumento do número de lin-
dução na produção normal de glóbulos vermelhos, bran
cres- • . . s. O material obtido do sangue e/ou da medula óssea
cos e plaquetas.
i-:r- : . ser submetido à imunofenotipagern (característica
A LLA desenvolve-se a partir dos linfócitos primi
l é o ".□lógica), que, além de confirmar o diagnóstico, com
tivos que podem se encontrar em diferentes estágios de
cuia. a : *erenciação dc outras condições benignas e malignas
desenvolvimento.
K lin- .lamento de linfócitos, propicia a escolha de alteraati-
* i' de tratamento. O principal método de classificação é a imunofeno-
tas na
A biópsia de medula óssea pode ser útil na determi- tipagem. Também aqui a citogenética é uma metodologia
6o de
pida, -.ào da taxa provável de progressão da doença. Além importante para auxiliar no diagnóstico, na classificação,
berra, • . a amostra de células da medula passa por análise no prognóstico e para orientar o protocolo de tratamen
ícos e cenética para verificar se há anormalidades nos cro- to. Também é importante considerar a idade do paciente,
- "Omos, exame não obrigatório para o diagnóstico, a contagem inicial de glóbulos, as condições clínicas e
ts> do- - também pode ajudar na avaliação da progressão da o envolvimento ou não do sistema nervoso, testículos e
na-se ioença. gânglios.
96 EMAS EM PSICO ONCOLOGIA
çualquer
u_j:na nu-
* j r (um
Lramento
[ _.;alquer
ç.- o fato
»ação à
el:c útil e
c. ' casos,
rij óssea:
r r- com-
t situações
CÂNCER GASTROINTESTINAL
José Carlos Evangelista
jrnicas. Imigrantes japoneses mantêm moderado risco O câncer gástrico pode estar associado à anemia por
: desenvolver a doença, sendo que esse risco diminui perda crônica de sangue, muitas vezes detectada pur vin
- nsivelmente na segunda geração. gue oculto nas fezes, mas raramente é causa Jr vingra*
Fatores socioeconômicos e raciais também estão im- mento maciço. No exame físico podemos detectar rr. >
ícados. O tabagismo representa fator de risco, provavel- abdominais palpáveis em menos de 30' do> ca?o>.
AL — rnte pela diminuição dos níveis de vitamina C, enquanto O diagnóstico precoce é a única chance Jc cura.
- consumo de álcool não mostra evidente correlação com que implica a necessidade de investigação
1 5TA queixas mais vagas e, sobretudo, de um programa
desenvolvimento do câncer gástrico.
Outro fator que deve ser considerado na gênese do liação especializada nas populações com mai : n>. N
. iicer gástrico é a ocorrência freqüente de infecção por Japão, mais de 50% dos casos de câncer gástrnx >3. - __
h licobacter pylori (bactéria gram-negativa que cresce nosticados precocemente, enquanto nos países oc:Crr:i >
camada de muco das glândulas gástricas), que pode o diagnóstico é tardio em 80% dos pacientes.
7'_ . ocar inflamação crônica pela produção de amónia A endoscopia digestiva alta c o mais acurado mé
icetaldeídos, observada em áreas de alta incidência todo diagnóstico. Lesões ulceradas suspeitas devem
câncer gástrico, como na América Central (N Engl J ser biopsiadas nos quatro quadrantes (duas amostras
Uid, 1991;. por campo), o que aumenta a eficácia do método. Uma
vez confirmado o diagnóstico histológico, a tomografia
computadorizada deve ser solicitada para a avaliação da
r$iopatologia
espessura da parede gástrica, do envolvimento de estru
O tumor dc estômago mais comum é o adenocarcino- turas vizinhas e linfonodais e para o diagnóstico de me
| u _ que representa 95% dos casos. E um rumor agressivo tástases a distância.
I provoca metástases freqüentes por via hematogênica A ultra-sonografia endoscópica (ecoendoscopia)
I * mfática e muitas vezes invade órgãos adjacentes. O é hoje o método de escolha para o estadiamento pré-
[ *: -crimento da serosa do estômago pode determinar operatório, sobretudo para a avaliação da penetração do
P e r .antes no peritônio (carcinomatose), ou em estruturas rumor na parede gástrica e do envolvimento de linfono-
> iças, como o ovário (tumor de Krukenberg). dos perigástricos.
Os tumores gástricos podem ser classificados, segun-
- American Joint Commirtee on Câncer (AJCC), pelo
çric de penetração na parede gástrica (T1-T4), pelo en- Tratamento
■I unento linfonodal (N0-N2) e pela presença de doença Na ausência de doença metascática documentada,
X3.:cs:árica (M0-M1). O estadiamento TNM pré-operató- o tratamento cirúrgico radical, com ressecção gástrica e
a - caseado em diagnóstico endoscópico e histopatológi- linfadenectomia, é o único potencialmente curativo no
ci rjoendoscopia e romografia computadorizada. câncer gástrico. O procedimento cirúrgico mais adequa
O câncer gástrico precoce, que acomete somente a do depende da localização e extensão do tumor e do es
c . -a ou a submucosa, representa 10% a 15% dos casos tadiamento prévio: gastrectomia total ou subtotal e lin
d._ Micados e apresenta índice dc sobrevida em cinco fadenectomia Dl, quando são removidos os linfonodos
u u.e aproximadamente 85%, enquanto no câncer avan- subjacentes (dentro de 3 cm de distância do tumor) e o
ç*: . em que ocorre invasão da camada muscular (T2-T.3), omento maior, ou D2, em que adicionalmente são res
m . ance de cura é menor porque freqüentemente ocorrem secados os linfonodos do tronco celíaco, hepatoduode-
I cmcc c itases ou invasão dc estruturas vizinhas (T4). nais, retroduodenais e do hilo esplénico (Câncer, 1995
e Lancet, 1995),
Levando-se em conta que somente uma minoria de
It.adro clínico e diagnóstico pacientes pode ser considerada realmente curada e que
Os sintomas na fase inicial são geralmente vagos, 70% a 80% dos pacientes vão apresentar algum tipo de
- recíficos (discreto desconforto epigástrico, dispepsia) recorrência após o tratamento cirúrgico, a quimioterapia
«. : j: isso, ignorados pelos pacientes, que muitas vezes adjuvante pode determinar algum tipo de impacto nos
tratamento para doenças benignas (úlceras e gas- índices de sobrevida, mas os resultados são ainda contro
c pro- e por seis a doze meses, sem avaliação clínica espe- versos, e nenhum tipo de benefício foi consistentemente
jces de | cüazada. observado.
A rápida perda de peso, a anorexia e os vômitos ocor- O câncer gástrico, apesar dos inquestionáveis avan
^ ~ r.a fase avançada, e são os mais freqüentes sintomas. A ços, ainda é uma doença bastante grave: com exceção do
i r oi gástrica é similar à dos processos benignos e muitas câncer precoce, cm que as chances de cura após a cirurgia
- melhora com a ingestão alimentar. Ocasionalmente, são altas (mais de 90%), os índices de sobrevida em cinco
c . r.randida com angina coronariana. anos são baixos (20% a 30%).
102 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
(stents). A esplancnicectomia ou alcoolização de gânglios provavelmente importantes. Também pode haver efeitos
esplâncnicos são procedimentos muitas vezes necessários oncogênicos diretos dos vírus. Aflatoxina induz mutações
para a paliação da dor. no p53, permitindo proliferação celular irrestrita.
A quimioterapia e a radioterapia adjuvantes em pa
cientes submetidos a tratamento cirúrgico podem deter
minar melhor controle local da recorrência da doença e Sinais e sintomas
tratamento da dor (J Cliti Oncol, 1997J. Os sintomas clínicos do HCC são freqüentemente
mascarados pelos da hepatite ou cirrose, e muitas vezes
o único sinal é a descompensação clínica súbita, forma
Câncer do fígado comum de apresentação. Perda de peso, dor no hípocôn-
Epidemiologia drio direito, mal-estar e icterícia são os sintomas típicos da
doença avançada.
O carcinoma hepatocelular (HCC), que representa
90% dos tumores primários do ligado, é um tumor raro
na América do Norte e na Europa Ocidental, sendo um
Diagnóstico
dos mais freqüentes e letais em outras regiões, principal
mente países em desenvolvimento, podendo constituir-se O diagnóstico do HCC deve ser sempre considerado em
num problema de saúde pública. um paciente com cirrose que apresente deterioração clínica.
A incidência do HCC varia muito segundo a região A dosagem de alfa-fetoproteína (AFP) é elevada em 50% a
e correlaciona-se com a infecção pela hepatite B crônica. 90% dos pacientes e comumente relacionada ao tamanho
As taxas mais elevadas observam-se na Asia e na África, do tumor. O diagnóstico do HCC pode scr estabelecido sem
onde 10% a 25% da população está infectada pelo vírus biópsia quando os níveis de AFP forem muito elevados (mais
da hepatite B (HBV), e a incidência do HCC é de 30 a 120 que 10.000 ng/ml) e um estudo de imagem mostrar uma
casos a cada cem mil pessoas, por ano. massa hepática solitária (Ann Intern Med, 1998).
No Japão, o carcinoma hepatocelular é a terceira A ultra-sonografia é o teste inicial usado com maior
principal causa de morte por câncer, principalmente por frequência para detecção de massas hepáticas porque tem
causa da hepatite C. Fenômeno semelhante observou-se custo relativamente menor e apresenta maior sensibilidade
no sudeste da Europa {cinco a dez casos por cem mil por no diagnóstico de pequenas lesões (menores que 2 cm). A
ano) e nos Estados Unidos, onde a incidência aumentou tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear
nas últimas três décadas de 1,4 para 2,4 por cem mil por magnética (RNM) podem ser utilizadas para avaliar a ex
ano, atingindo uma faixa etária mais jovem. Isso é pro tensão da lesão e o acometimento de estruturas adjacentes,
vavelmente conseqüência do aumento da incidência de como também a invasão vascular.
infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) devido à inten
sificação do uso de drogas injetáveis. Os negros são duas
vezes mais acometidos do que os brancos, e os homens Evolução clínica
três vezes mais do que as mulheres. O HCC, em geral, se expande localmente, invadindo
o diafragma, órgãos adjacentes, o sistema portal e veias
hepáticas e enviando metástases para os linfonodos regio
Etiologia nais (periportais), pulmões, ossos, adrenais e cérebro. A
No HCC podemos observar três bem definidas asso sobrevida média é de três a seis meses após o início dos
ciações epidemiológicas: infecção por HBV e HCV, cirrose sintomas. A sobrevida em cinco anos dos pacientes subme
e hepatotoxinas, especialmente aflatoxina BI (toxina do tidos a transplante devido a lesões pequenas é semelhante
Aspergillus encontrada em uma variedade de alimentos à dos transplantados por outros motivos. A sobrevida em
preservados, como amendoim, milho e arroz). A cirrose de cinco anos dos pacientes submetidos a ressecções hepáti
qualquer etiologia é um fator de risco. Outros fatores de cas é de 20% a 40% (Surg Gynecol Obstet, 1992).
risco de HCC incluem a doença de depósito de glicogênio
(doença de Wilson), deficiência de alfa-l-antitripsina, dis
túrbios imunológicos e o uso de esteróides anabolizantes. Tratamento
O tratamento definitivo é o cirúrgico: ressecção
ou transplante (Hepatology, 1996), que pode beneficiar
Fisiopatologia apenas 10% a 30% dos pacientes com HCC. O papel do
Os mecanismos pelos quais a hepatite virai causa transplante no tratamento do HCC ainda não está bem
carcinoma hepatocelular são desconhecidos. A inflama definido, e os índices de sobrevida em cinco anos não são
ção crônica e o aumento do turnover do hepatócito são melhores do que os da ressecção hepática.
:. I Nos pacientes com tumor irressecável, a quimioem- matosos (pólipos verdadeiros, que podem ser benignos ou
■ções nolização (cisplatina-lipiodol) pode reduzir e impedir o malignos) e hiperplásicos (inflamatórios).
crescimento do tumor, como medida paliativa até a rea- A maior parte dos carcinomas colorrctais origina-
ização do transplante, mas com risco de insuficiência he se de pólipos adenomatosos. Cerca de 60% dos casos
pática aguda. de CCR associam-se a pólipos, o que justifica o apare
A radioablação por radiofrequência e a criocirurgia cimento de rumores sincrônicos (aqueles diagnosticados
mcr.zc também podem ser utilizadas como uma alternativa à res- ao mesmo tempo que a lesão primária) e metacrônicos
TCZCS 'ecção do HCC. (lesões tardias).
r—| A história natural da polipose colônica justifica uma
Bcõn- atuação mais agressiva: 24% dos pacientes com pólipos
B» da Câncer colorretal não tratados desenvolverão câncer invasivo em vinte
anos. A remoção por colonoscopia de pólipos adeno
Epidemiologia
matosos (polipectomia) reduz consideravelmente o risco
O carcinoma colorretal (CCR) é a segunda causa de de CCR.
morte por câncer. E curável com o tratamento cirúrgico
- jando o diagnóstico é precoce. A taxa global de sobre-
fcem Ja em cinco anos é de 50%. Observa-se ligeira predo Síndromes hereditárias
fcr^~a. minância de câncer de cólon em mulheres e de reto em A polipose adenomatosa familiar (PAF), caracteriza
-omens. da pela presença de milhares de pólipos, representa 1%
b
■BK
sem
Fatores geográficos c ambientais estão seguramente
rivolvidos na patogênese do CCR. Regiões industriali-
de todos os casos de CCR. É doença autossômica domi
nante, com 100% de possibilidade de desenvolvimento de
idas, como os Estados Unidos, a Europa Ocidental e a câncer. Se a proctocolectomia total não for indicada cedo
if jma Escandinávia, apresentam os mais altos índices da doença. na fase adulta, todos os pacientes com PAF desenvolverão
- > pessoas que emigram para as áreas de alta incidência do câncer ao redor dos 55 anos.
■uior -CR apresentam índices nitidamente maiores, sugerindo O câncer colorretal hereditário não polipóide
r rem fatores ambientais podem ser decisivos no apareci (HNPCC), clinicamente conhecido como síndrome de
biade mento da doença. Linch (I e II), é doença autossômica dominante não poli
te). A
póide, cinco vezes mais freqíiente que a PAF, e representa
■dear
1% a 5% dos casos de CCR. Na síndrome de Linch I o
r a ex Etiologia e fatores de risco acometimento é exclusivamente colorretal, enquanto na
arares. Cerca de 75% dos casos ocorrem em pacientes sem síndrome de Linch ÍI ocorre associação na mesma família
iTores de risco bem definidos, embora vários desses fato- com outros tipos de câncer: de mama, pancreático e en-
r* sejam basrante conhecidos. domerrial.
Fatores dietéticos podem promover ou inibir a carci- O risco do aparecimento de câncer em parentes de
gênese: o alto consumo de carnes vermelhas e gordura pacientes que tiveram câncer de cólon esporádico é cerca
ki ~ ir.:mal, como também a presença de níveis elevados de de duas a três vezes maior em relação à população geral.
r veias . este rol nas fezes correlacionam-se com um maior risco Essa associação se deve mais a fatores ambientais e dietéti
rcgio- . CCR. O mecanismo proposto é uma interação entre cos do que a distúrbios genéticos.
ko. A :beta gordurosa e ácidos biliares. Pacientes com doenças inflamatórias intestinais (re-
•O dos Há muito se supõe que dietas ricas em fibras sejam tocolite ulcerativa) apresentam risco trinra vezes maior de
i-~~ r - - fator de proteção contra o câncer colorretal, com desenvolver CCR.
fcanrc • ' na observação, feita por Rurkitt (1969), da baixa in-
ei em :ència desse ripo de tumor na população negra africana,
- . stumada a alto consumo de fibras na dieta [Lancet, Sinais e sintomas
\ -ó9). Admite-se hoje que o baixo risco nessa população A localização e as características do tumor determinam
kc a também decorrente do pequeno consumo de produ- a maior parte dos sintomas do CCR: sangramento, dor ab
de origem animal. Em relação à primeira suposição, dominal, mudanças no hábito intestinal, anorexia, perda
: .meros estudos epidemiológicos confirmam que dietas de peso e anemia. Sangramentos de pequena monta podem
lecção ~ ' em fibras se associam à redução do risco do CCR. As ser detectados pelo sangue oculto nas fezes, e muitas vezes
irõciar í**.is das frutas e vegetais são mais importantes do que anemia crônica e deficiência de ferro sérico estão associadas
ç*ei do - Jos cereais. a tumor do cólon direito. Toda mudança do hábito intesti
■ bem A polipose do cólon e cio reto é um fator de risco dos nal, principalmente se ligada a alterações na freqüência de
no são r i - importantes no aparecimento da doença. Os pólipos evacuações e calibre das fezes, é um sintoma tão importante
: rretais são classificados histologicamente em: adeno- quanto o sangramento retal, e deve ser investigada.
106 TEMAS EM P S I C 0 - 0 N C 0 LO G I A
Estágio Tumor (T) Linfonodos (N) Metástases (M) Sobrevida em cinco anos
anos fica entre 20% e 30% para as ressecçqes hepáticas. Ü seguimento intensivo nos primeiros cinco anos
Aproximadamente 70% dos pacientes que morrem de portanto é importante para um melhor prognóstico.
CCR têm metástases hepáticas. No seguimento dos pacientes operados de CCR, a
ftzá c O tratamento cirúrgico seguido de quimioterapia ad- American Sociery of Clinicai Oncology (Asco) recomenda:
Livante é a melhor opção para as lesões hepáticas peque avaliação clínica e dosagem do CEA a cada três meses nos
car- nas, ou com grande intervalo desde o diagnóstico do tu primeiros rres anos e a cada seis meses no quarto e quinto
^■ mor primário. Para as lesões múltiplas, volumosas ou com anos; TC de tórax, abdômen e pelve anualmente nos pri
k fc- ntervalo pequeno desde o diagnóstico inicial do tumor, a
meiros três anos; colonoscopia três anos após a cirurgia
P* jimiorerapia neo-adjuvante (pré-operatória) deve ser re
inicial e a cada cinco anos se normal; retossigmoidoscopia
mada durante dois meses e seguida de ressecção hepática
» ser a cada seis meses para pacientes com câncer de reto.
: quimioterapia adjuvante (Buzaid e Hoff, 2007).
Estudos recentes tem confirmado que a cirurgia la-
raroscópica para a ressecção de tumores colorretais é
Rastreamento e detecção precoce
Tecnicamente viável, segura e consegue dissecar o mesmo
i-- .úmero de linfonodos que a cirurgia aberta, mantendo, O rastreamento reduz a mortalidade pela doença de
Í2-« ■ rtanto, os princípios da radicalidade da cirurgia onco- forma significativa no CCR.
L É* gica {Advances in Surgery, 2006), com as vantagens de A pacientes assintomáticos e com baixo risco: reco
menor tempo de hospitalização, menor morbidade e dor menda-se colonoscopia aos 50 anos. Na ausência de póli
" '-operatória, e menor tempo de convalescença. pos, deve-se rcpeti-la em dez anos. Na impossibilidade de
fcvJ-
colonoscopia, deve-se proceder à pesquisa de sangue ocul
to nas fezes em três amostras consecutivas e/ou à retossig
JC-'r- Evolução clínica e seguimento
moidoscopia a cada cinco anos. Na presença de pólipos
tOtt
Cerca de dois terços dos pacientes submetidos a é preciso repetir a colonoscopia em um ano; se negativa,
«Lseri*
—amento cirúrgico curativo para o CCR apresentarão em dois anos e, se novamente negativa, a cada cinco anos.
tf em
recorrência: 85% das recidivas ocorrem nos primeiros
i« i A pacientes de alto risco: recomenda-se a colonoscopia a
_ > anos e meio após a cirurgia, e 15% durante os dois
içeris cada um a três anos, dependendo do caso, com exame ini
»s e meio subsequentes (The M. D. Anderson Surgical
cial aos 40 anos.
cnlogy Handbook, 1999). O risco de recidiva é mais
Para síndromas hereditárias: o rastreamento é anual,
• » nos estágios II c III, anaplasia, aneuploidia ou inva-
com o primeiro exame realizado com cinco anos me
vL de órgãos adjacentes. As recidivas podem ser lòcor-
■Hb - _ionais (principalmente dos tumores do reto, em 20% nos em relação à idade da primeira pessoa da família a
r:ci' •% dos casos) e metastáticas (em 50% dos pacientes ter câncer colorretal, quando do diagnóstico (Buzaid e
c~erados de CCR). Hoff, 2007).
E» cn
»?rt-
Referências bibliográficas
Ashley, S. W.; Wells S. A. “Tumors of the small intes- Di Bisceglif. A. M.; Rustgi, V. K.; Hoofnagle, J.
H: se H. et al. “Hepatocellular carcinoma”. Ann Intern Med
m \ Semin Oncol 15:116, 1988.
CZDCO 108:390, 1988.
Bonenkamp, J. J.; Songun I.; Hermans J. et al.
Ekmrc, H.; Tranberg, K. G.; Anderson, R. et al.
‘"-iidomised comparison of morbidity atxer Dl and D2
“Pattcms of rccurrence in liver resection for colorecta! sec-
4"jction for gastric câncer in 996 Durch patients”. Lancei
ondaries”. World Journal of Surgery, v. 11, p. 541-7, 1987.
'*45:745, 1995.
Ffurucci, J. T. “Liver tumor imaging”. Câncer, v. 67,
Brown, L. M.; Devesa, S. S. “Epidemiologic trends
supl. 4, p. 1 189-95, 1991.
sophageal and gastric câncer in the United States”.
Fong, Y.; Cohen, A. M.; Fortner, J. G. et al. “Liver
•jical Oncology Clinics of North America, v. 11. n. 2, resection for colorectal metastases”. Journal of Clinicai
t 235-6,2002. Oncology, v. 15, n. 3, p. 938, 1997.
Burkjtt, D. P. “Related disease - related cause?” Fong, Y; Kemeny, N.; Paty, P. et al. “Treatment of
- cet, v. 2, n. 7632, p. 1229-31, 1969. colorectal câncer: hepatic metastasis”. Seminars in Surgical
Costa, E; Buzaid, A. C.; Hoff, P M. “Câncer gascrin- Oncology, v. 12, n. 4, p. 219, 1997.
m Manual prático de oncologia clínica do Hospital Frankun Jr., M. E.; Rosenthal, D.; Abrego-Mf.dina,
St~ ^Libanês. 5. ed. São Paulo: Dendrix, 2007. D. et al. “Prospective comparison of open vs laparoscopic
108 TEMAS EM P S I C O - O N C 0 L 0 G I A
colon surgery for carcinoma. Five-year results”. Diseases ly detection programme”. Lancet, v. 361, n. 9368, p.
of the Colon and Rectum, v. 3.9, supl. 10, p. 35-46, 1996. 1491-5,2003.
Gekr, R. J.; Brennan, M. F. “Prognostic indicators Saclarides, T. J.; Bhattachakyya, A. K.; Britton-
for survival after resection of pancrearic adenocarcino- Kuzel, C. et al. “Predicting lymph node metastases in rec-
ma". Am J Surg 165:68, 1993 tal câncer”. Diseases of the Colon and Rectum, v. 37, n. 1,
Giacosa, A.; Hii.l, M. J.; Davies, G. J. “Fibres and p. 52-7, 1994.
colorcctal câncer: should we change our dietary advice on Saeki, H.; Ohno, S.; Miyazaki, M. et al. “P53 protein
prevention?” Digestive and Liver Disease, v. 34, supl. 2, p. accumularion in multiple oesophageal squamous cell car
121-3,2002. cinoma: relationship to risk factors”. Oncology, v. 62, n.
Godwin J. D. “Carcinoid tumors: an analysis of 2837 2, p. 175-9, 2002.
cases”. Câncer 36:560, 1975 Saenz, N. C.; Caoy, B.; McDermott Jr., W. V; Stef.ee
Gudjonsson, B. “Câncer of the pancrcas: 50 years of Jr., G. D. “Liver surgery: experience with colorcctal cân
surgery”. Câncer, v. 60, n. 9, p. 2284-303, 1987. cer metastaric to the liver”. The Surgical Clinics of North
Jatzko, G. R.; Lisborg, P. H.; Denk, H. et ai “A 10- America, v. 69, p. 361, 1989.
year experience vvith Japanese-rype radical Lymph node Sencupta, S.; Tjandra, J. J.; Gibson, P. R. “Dietary
dissection for gastric câncer ourside of Japan”. Câncer fiber and colorectal neoplasms”. Diseases of the Colon and
76:1302, 1995. Rectum, v. 44, n. 7, p. 1016-33, 2001.
Jessup, J. M.; Bothe, A.; Stone, M. D. et al. Soyer, R; Levesque, M.; Elias, D. et al. “Dctccrion
“Preservation of sphincter function in recral carcinoma of liver metastases frorn colorectal câncer: comparison of
by a multimodaliry treatment approach”. Surg Oncol Qlin intraoperative US and CT during arterial portography”.
NorthAm 1: 137, 1992. Radiology, v. 183, n. 2, p. 541-4, 1992.
Kari, R. C; Morse, S. S.; Halpert, R. D.; Clark, R.
Spitz, F. R. et al. “Preoperative and postoperative
A. “Prcoperative evaluation of patients for liver resection.
chemoradiation strategies in patients treated with pancre-
Appropriate CT imaging”. Annals of Surgery, v. 217, n. 3,
aticoduodenectomy for adenocarcinoma of the pancreas”.
p. 226-32, 1993.
JClin Oncol 15:928, 1997.
Liovet, J. M.; Brux, J.; Fusier, J. et al. “Liver crans-
Stocchi, L.; Nelson, H. “Laparoscopic Colon
plantarion for hepatocellular carcinoma. Results of restric-
Resection for Canccr”. Advances in Surgery 59:76, 2006.
tive policy”. Hepatology, v. 24, p. 350, 1996.
Swisher, S. G.; Hiínt, K. K.; Holmes, E. C. et al
Macintosh, E. 1..; Hinuk, G. Y. “Hcpatic resection in
“Changes in the surgical management of esophageal cân
patients with cirrosis and hepatocellular carcinoma”. Surg
cer from 1970 to 1993”. American Journal of Surgery, v.
Cynecol Obst. 174:245, 1992.
169, n. 6, p. 609-14, 1995.
Manabe, T.; Oshio, G.; Baba, N. et al. “Radical pan-
Swisher, S. G.; Mansfield, P “Esophageal carcino
createctomy for ductal cell carcinoma of the head of rhe
ma management”. In: Meyers, M. A. (ed.). Neoplasms
pancreas”. Câncer, v. 64, n. 5, p. 1132-7, 1989.
of the digestive tract: imaging, staging and management.
Midis, G. P.; Feig, B. W. “Câncer of the colon, rec-
Filadélfia: Lippincott-Raven, 1997.
tun and anus”. In: Feig, B. W.; BERGER, D. H.; Fuhrman,
G. M. The M. D. Anderson Surgical Oncology Handbook. Vaporc iyan A. A.; Swisher, S. G. “F.sophageal carcino
Filadélfia: Lippincott Williams ÔC Wilkins, 1999. ma”. In: Feig, B. W; Berger, D. H.; Fuhrman, G. M. The
Normura, A.; Stermmermann, G. N.; Chyou, P. H. et M. D. Anderson surgical oncology handbook. Filadélfia
al. ,lHelicobacter pylori mfection and gastric carcinoma in Lippincott Williams 6c Wilkins, 1999.
a population of Japanese-Americans in Hawair. N Engl J Yeo, C. J.; Cameron, J. L.; Lillemoe, K. D. et ai
Med 325:1132, 1991. “Pancreatoduodenectomy for câncer of the head of the
Pearlstonl, D. B.; Staeey, C. A. “Gastric carcinoma”. pancreas: 201 patients”. Ann Surg 221:721, 1995.
In: Feig, B. W.; Berger, D. H.; Fuhrman, G. M. The M. Yoshida, Y.; Kanematsu, T.; Matsumata, T. et ai
D. Anderson Surgical Oncology Handbook. Filadélfia: “Surgical margins and recurrence after resection of he
Lippincott Williams òc Wilkins, 1999. patocellular carcinoma in patients with cirrhosis: fur-
Peters, U.; Sinhá, R.; Chatterjee, N. et al. “Dietary ther evaluation of limited hepatic resection”. Ann Sun
fiber and colorectal adenoma in a colorcctal câncer ear- 209:297, 1989.
TUMORES DO PARENQUIMA RENAL
Marcus V. Sadi
• nefroblastoma (Wilms)
"umores primários benignos
] Malignos • carcinoma de células
Adenomas
transdonais do sistema coletor
Adenomas são os tumores renais mais freqüentes. Es-
presemes em 7% a 22% das autópsias (Bennington e • sarcoma e outros
ic.kwick, 1975; Bell, 1937). Em geral são assintomáticos, • carcinoma adrenal, pulmão.
• -aenos, de localização cortical periférica e têm aspec-
a - isto lógico papilar. Parece exisrir uma relação entre o estômago, próstata, mama
s.~ dnho do tumor renal e o seu potencial maligno. Àl- Metastáticos • sarcoma retroperitoneal
. " - acreditam que o adenoma é simplesmente um estádio
• rnieloma múltiplo
tu s precoce do carcinoma c sugerem que eles não po-
áem ser distinguidos com certeza das ncoplasias malignas 1 • linfomas e outros
d:.nnington c Beckwick, 1975; Bell, 1937; Weiss et al.y
1995). Por scr extremamente difícil predizer o seu com-
:•'umento biológico, devem-se considerar os adenomas
c potencialmente malignos. Nefrectomia parcial é o nas. Esses tumores têm imagem radiológica característica e
Buumento de escolha para esses casos. são encontrados bilatcralmente em quase 50% dos pacien
tes portadores de esclerose tuberosa (Weiss et al., 1995;
Washecka c Hanna, 1991). Essa síndrome, com anormali
^"giomiolipomas dades nos genes supressores TSC1 e TSC2, é mais comum
Xngiomiolipomas ou hamartomas renais representam em mulheres jovens e caracteriza-se por retardo mental,
_:upo de tumores benignos caracterizado pela presen- adenoma sebáceo da face e hamartomas da retina, pân
células musculares, gordurosas e endotcliais benig creas e rins. Por haver rica vascularização, pode existir
110 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
I--4). Os fatores primários de prevenção mais importan- 1994; Gnarra et d., 1994; Foster et al., 1994; 2006; Maher
ü- : ' estão relacionados ao cigarro e à obesidade. e Yates, 1991; Vira et al., 2007).
O CCR papilífero representa cerca de 15% dos
subtipos histológicos. Tem um aspecto papilar, forman
- : :ogênese e biologia tumoral do arranjos qne muitas vezes podem confundi-lo com o
O CCR apresenta uma forma hereditária e outra es- carcinoma de células transicionais. Pode ser multifocal ou
: ridica. Estima-se que 4% dos casos sejam hereditários bilateral. O CCR papilar tipo 2 tem comportamento mais
CZbar et al., 1994). Os CCRs hereditários são diferentes agressivo e pior prognóstico do que o tipo 1 (Vira et al.,
_ ' tipos esporádicos pois costumam ser multifocais, bila- 2007; Storkel e van den Berg, 1995).
ir-- is e ocorrer em pacientes mais jovens. As lesões genéti- Cerca de 5% dos CCRs compreendem aqueles de cé
mcontradas inicialmente nos CCRs hereditários pare- lulas cromófobas. Esses tumores apresentam um prognós
i também ocorrer nos esporádicos (Zbar et d., 1994; tico excelente (Crotty et al., 1995).
Cnarra et d., 1994; Foster et al., 1994; 2006; Maher e Tumores do dueto coletor são incomuns (menos que
itrs, 1991; Vira et d., 2007) (Quadro 2). 1%) e não apresentam alterações genéticas consistentes.
Quatro subtipos de CCR foram descritos, baseados São tumores agressivos, que desenvolvem metástases ra
i só nos aspectos morfológicos e histopatológicos mas pidamente. Um subtipo recentemente descrito e também
[ i_ ?ém dtogenéticos e moleculares: convencional dc cé- com prognóstico ruim é o carcinoma medular renal, que
claras, de células cromófilas (papilífero), de células surge em pacientes com antecedentes de anemia falcifor-
nófobas e do dueto coletor (dueto de Bellini) (Storkel me (Vira et al., 2007).
sistema vascular venoso, penetrando na veia renal em 10% a Furhman e o estado clínico geral para classificar os pa
20% dos casos e na veia cava em 4% a 10% (Goldfarb et ai, cientes em cinco grupos, cujo prognóstico vai de favorável
1990). Apresenta metástases pelas vias linfática e hematogê- (Uiss-1) até totalmente desfavorável (Uiss-5). A sobrevida
nica. Os linfáticos acometidos são geralmente da região pe- em cinco anos para o Uiss-1 é de 94%, enquanto para o
ri-hilar do rim, porém qualquer linfonodo rerroperito-neal Uiss-5 é de 0%, demonstrando a validade dessa classifica
pode estar comprometido. As metástases bematogênicas se ção (Zisman et al., 2001).
fazem preferencialmente para os pulmões, ossos, pele, fíga
do e cérebro. O estadiamento clínico inicialmente descrito
por Robson serviu de base para a atual classificação TMN Diagnóstico
(Williams, 1992; Robson et ai, 1969) (Quadro 3). As manifestações urológicas consideradas para o
Os maiores determinantes da sobrevida dos pacientes diagnóstico clínico são caracterizadas pela tríade hema
com CCR são: extensão anatômica do tumor (estadiamen túria, massa e dor na região lombar. Menos de 10% dos
to), tipo histológico, grau de anaplasia celular (grau de pacientes apresentam a tríade completa. Hematúria ma
Furhman), estado clínico geral, tempo de aparecimento cro ou microscópica é o sinal urológico mais frequente.
de metástases (sincrônico ou metacrônico com relação ao Está presente em 30% a 60% dos casos. Massa palpável
tumor primário) e presença de netrectomia prévia. Fato no flanco e dor lombar aparecem em cerca de um terço
res secundários incluem ploidia nuclear, índices de proli dos pacientes, isoladamente. Varicocele, devido à obstru
feração celular e densidade microvascular (Mejean et al ção da veia espermática pelo tumor, pode estar presente
2003; Fuhrman et ai, 1982). em 2% dos casos (Eble, 1997; Williams, 1992; Bukowski
Sistemas de prognóstico integrados e nomogramas eNovick, 1997; 2005).
que incluem esses vários parâmetros clínicos, anatomopa O CCR é conhecido pelo grande número de mani
tológicos e laboratoriais têm sido desenvolvidos para ava festações paraneoplásicas inespecíficas e específicas. En
liação dos pacientes portadores de CCR. Estudos atuais tre as inespecíficas, as mais comuns são febre, anemia e
sugerem que esses sistemas são mais precisos do que o uso alterações das provas de função hepática (síndrome de
exclusivo do estadiamento TNM ou do grau de Furhman Stauffer). Entre as específicas, as mais encontradas são
para predizer a sobrevida. Um desses sistemas, denomi a hipercalcemia, a eritrocirose e a hipertensão arterial
nado Uiss, utiliza o estádio TNM, o grau histológico de (Williams, 1992; Bukowski e Novick, 1997; 2005).
Quadro 3: Estadiamento clínico comparativo de Robson e classificação TMN (Williams, 1992; Robson et al. 1969).
•i*
Robson TNM Descrição
Tumor que invade os tecidos perirrenais mas está restrito à fáscia de Gerota ou
II T3
compromete as veias renal/cava inferior
- T3a Tumor que invade a adrenal ou gordura penrrenal mas não além da fáscia de Gerota
Ida T3b Tumor que se estende para a veia renal ou veia cava inferior abaixo do diafragma
Tumor que se estende para a veia cava inferior acima do diafragma ou invade a parede da
llla T3c
veia cava
B-a c
K <ie
B ÚC
114 TEMAS EM P S I C 0 - 0 N C O L 0 G I A
Figura 2: Sobrevida dos pacientes portadores de CCR tratados com nefrectomia radical (baseada em Tsui et ai, 2000).
TUMORES DO PARÉNQUIMA RENAL 115
A NP pode ser feita pela via aberta ou laparoscõpica Em pacientes com tumores renais pequenos mas sem
fcori NPL). O tratamento padrão em 2007 é realizar o proce- condição clínica para suportar um procedimento cirúrgi
: mento por via aberta, pois a NPL c uma tecnologia em co, pode-se realizar ablação tumoral por radiofrequên
: olução ainda restrita a centros especializados (Ono et cia ou crioterapia (Lowry e Nakada, 2003; Powell et al.,
- . 2001; Gill e Kaouk, 2003; Oakley et al., 2006; Aron 2005; Resnick e Zelkovic, 2003). Esse procedimento é
■ ião mj/., 2007). uma alternativa à observação clínica e pode ser realiza
ftcrr. Quanto à monitorização clínica, com o uso generali do por meio de técnicas minimamente invasivas, por via
zado da ultra-sonografia abdominal o número de massas percutânea com controle radiológico. Entretanto, por scr
*c Jas renais menores que 3 cm e de baixo grau histo- tecnologia recente, a efetividade oncológica precisa ser
rco aumentou consideravelmente. Alguns estudos que mais bem avaliada.
■&. A i>: npanharam pacientes com idade avançada ou com
• condições clínicas, portadores de tumores pequenos
Tumores localmente avançados
tfcios *: dentais que foram simplesmente monitorizados com
-mês de imagem periódicos, não demonstraram inter- Comprometimento da glândula supra-renal ocorre
í No-
-réncia na sobrevida. Por causa dessas informações ques- em menos de 5% dos casos e na maioria das vezes rela
Dii
" na-se atualmente se existe algum papel para a monito- ciona-se com extensão direta de grandes tumores do pólo
^çáo controlada de tumores renais pequenos de achado superior. Estima-se que a adrenalectomia contribua para
• - dental, sabendo-se ainda que cerca de 20% dessas mas- o aumento da sobrevida em menos de 0,5% dos pacientes
- podem ser benignas e que a biópsia percutânea não e, portanto, a glândula não necessita ser retirada, como
- boa acurácia para diferenciá-las dos CCRs (Volpe e rotina, nos dias atuais (Sagalowsky et al., 1994).
t -vett, 2005; Rendon et al., 2000; Bosniak, 1995). Até 10% dos CCRs invadem a veia cava inferior.
Não existem parâmetros prognósticos adequados A presença de trombo venoso tumoral não confere pior
- :'i avaliar a agressividade biológica dos tumores renais prognóstico se não houver comprometimento neoplásico
• aienos. Foi realizada uma metanálise de nove estudos dos linfonodos rctroperitoneais. Nesses casos, a NR as
- rdando 234 lesões sólidas renais tratadas de forma ex- sociada à exérese cirúrgica do trombo tumoral deve ser
rectante. Nessa análise, que tratou de tumores com diâ- contemplada, pois esses pacientes têm sobrevida em cin
■ .:xo mediano de 2,5 cm e seguimento de somente três co anos de cerca de 50%, semelhante àquela encontrada
ir s. documentou-se que o crescimento dessas neoplasias nos pacientes com estádio T2 (Novick et al., 1990; Sadi,
wir.ou entre zero e 0,86 cm por ano, com média igual a 2003; Quek et al.t 2001; Vaidya et al., 2003). Entretan
0.28 cm por ano, sugerindo que a maior parte desses casos to, é um procedimento complexo e de grande magnitude,
evolução muito lenta. Não houve diferença de cresci- principahnente quando o tumor se estende para a veia
~ ato entre os oncocitomas e os CCRs. No entanto, cerca cava retro-hepática, acima da veias supra-hepáticas. Quan
um terço dos casos que eventualmente foram operados do o trombo tumoral invade o átrio direito, necessita-se
-• :m de CCR de alto grau histológico, demonstrando que de bypass cardiopulmonar e hipotermia profunda, o que
i _ans desses tumores são muito agressivos mesmo quan- aumenta ainda mais as complicações perioperarórias (No
ão pequenos (Chawla et al., 2006). vick et al.y 1990; Vaidya et al., 2003).
116 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Por sua vez, pacientes com linfonodos envolvidos to derivado de plaquetas) e outros sunitinib (Sutent)
quase sempre apresenram prognóstico ruim, com menos e sorafenib (Nexavar). Essas novas drogas mostram um
de um terço sobrevivendo cinco anos (Giuliani et ai, aumento significativo do tempo de progressão nimoral
1990; Pizzocaro e Piva, 1990; Herrlinger et al., 1991). se comparadas com placebo ou IFN (Eto e Naito, 2006;
Motzer et al., 2007; Reddy e Bukowski, 2006).
Hoje, no tratamento do CCR metastático, existe ten
Tumores metastáticos
dência para o emprego dos inibidores da tirosina-quina
Cerca de 20% a 50% dos pacientes submetidos à NR sc como terapia de primeira linha. No entanto, devido à
para doença localizada apresenram recidiva tardia. Em precocidade dessas informações, estudos futuros deverão
geral, isso ocorre 18 a 36 meses após a cirurgia. Quanto determinar que estratégias oferecerão as melhores pers
maior for o intervalo livre de doença entre a cirurgia ini pectivas a esses pacientes e como deveremos fazer o seu
cial e a recidiva, melhor o prognóstico. Cerca de 5% dos seguimento (Rouviere et al., 2006).
casos são recidivas locais, enquanto a grande maioria tem
metástâses hematogênicas, usualmente nos pulmões, fíga
do, ossos e cérebro (Rabinovitch et al., 1994; Mancuso e Sarcomas
Sternberg, 2005). Sarcomas primários do rim constituem somente 3"
Recidivas locais devem ser ressecadas cirurgicamente. dos tumores malignos desse órgão. O diagnóstico em geral
A radioterapia pode ser utilizada como alternativa, mas é tardio e não existem características específicas que os
tem resultados controversos (Kjaer et a!., 1987). diferenciem dos carcinomas de células renais. Na maioria
Pacientes com metástâses hematogênicas têm sobre- dos casos o diagnóstico é realizado pelo patologista quan
vida mediana menor que um ano e menos de 20% sobrevi do o rim é extraído pela suspeita de um carcinoma. O tip<
vem mais de dois anos (Rabinovitch et al., 1994; Mancuso histológico mais freqíienre é o leiomiossarcoma, seguido
c Sternberg, 2005). Os pacientes com melhor resposta ao do lipossarcoma e do fibrossarcoma. As recidivas locais
tratamento são aqueles que se encontram em bom estado são comuns e o prognóstico não é bom. O lipossarcoma
clínico geral e cujas metástâses, restritas aos pulmões, sur tem crescimento mais lento que os demais e pode atingir
giram após a nefrectomia do tumor primário. grande volume sem a existência de metástâses a distância.
A quimioterapia é pouco efetiva, por causa de uma A sobrevida em cinco anos é de aproximadamente 10%.
expressão anormal do gene MDR-1 (gene de resistência a mas alguns casos podem ter sobrevida prolongada (Bell.
múltiplas drogas) (Yagoda et al., 1995). Imunoterapia com 1937; Eble, 1997; Williams, 1992).
interferon-alfa (IFN-alfa) ou interlcucina-2 (1L-2) foi, até
muito recentemente, considerada o tratamento de escolha
para CCR com metástâses, mas somente 10% dos casos Tumores metastáticos
têm respostas duradouras (Fossa et al., 1992; Fyfe et aí., Metástâses estão presentes em 7% de todos os tumo
1995; Hawkins, 1996; Hutson e Quinn, 2005). res renais encontrados em autópsias. Tumores com me-
Pacientes que se apresentam com metástâses sistêmi tástases nos rins chegam a eles de duas maneiras: disse
cas e não foram submetidos a nefrectomia prévia podem minação por contiguidade, como no caso dos rumores da
beneficiar-se de cirurgia citorredutora: nefrectomia segui adrenal, pâncreas, cólon, sarcoma retroperitoneal e tumor
da pelo uso de TFN-alfa promove um aumento de 50% na do sistema coletor do rim; ou disseminação por via hema-
sobrcvida mediana e deve ser considerada a conduta de togênica, como no caso de melanoma, tumor de mama.
escolha para esses casos selecionados (Flanigan e Yonover, pulmão, estômago e útero. Em geral, quando esses tumo
2001; Sengupta et aí., 2005). res são diagnosticados, já representam um evenro tardio
A imunoterapia com vacinas tem apresentado resul na evolução da neoplasia primária c, por isso, o prognósti
tados preliminares promissores, mas os esmdos ainda são co costuma ser negativo, mesmo quando for possível a re
escassos (Gitlitz et al., 2001). moção do tumor primário e do rim comprometido (Eble.
A perda da função do gene VHL resulta no aumento 1997; Williams, 1992).
de expressão de fatores de crescimento que promovem an- Linfomas e leucemias também comprometem os rins
giogênese e ampliação tu moral (Eto e Naito, 2006). Tera com frequência. No passado, antes do uso dc quimiote
pias antiangiogênese contra alvos moleculares específicos rapia sistêmica, eram encontrados em até 35% dos casos.
foram desenvolvidas: as drogas utilizadas na atualidade O tratamento baseia-se no tumor primário, usualmente
são os anticorpos monoclonais anti-VEGF (fator de cresci com quimioterapia e radioterapia. O prognóstico de
mento do endotélio vascular), bevacizumab (Avastin) - ou pende do curso da doença, porém, com os esquemas de
inibidores da tirosina-quinase com ação múltipla sobre o quimioterapia atuais, as respostas renais são geralmentc
grupo de receptores do VEGF, PDGF (fator de crescimen favoráveis (Eble, 1997).
TUMORES DO PARÊNQUIMA RENAL 117
Referências bibliográficas
Abbou, C. C.; Cicco, A.; Gasman, D.; Hoznek, A.; Eto, M.; Naito, S. “Molecular targeting therapy for
• npHON, P.; Chopin, D. K.; Salomon, L. “Retroperito- renal cell carcinoma”. International Journal of Clinicai
~.\ú laparoscopic versus open radical nephrectomy”. The Oncology, v. 11, n. 3, p. 209-13, 2006.
urnal ofUrology, v. 161, n. 6, p. 1776-80, 1999. Flanigan, R.; Yonover, P M. “The role of radical
Aron, M.; Haber, G. P; Gill, IS. “Laparoscopic par- nephrectomy in metastatic renal cell carcinoma”. Semi
nephrectomy”. BJU International, 99, n. 5, p. 1258- nars in Urologic Oncology, v. 19, n. 2, p. 98-102, 2001.
éi. 2007. Fossa, S. D.; Martinelli, G.; Otto, U. et ai “Re-
Bell, E. T. ‘A classification of renal tutnors with ob- combinant interferon alfa-2a with or without vinblastine
ic-vations on tbe frequency of thc various types”. The in metastatic renal cell carcinoma: results of a European
) imal ofUrology, v. 39, p. 238, 1937. mulri-cenrer phase III srudy”. Annals of Oncology, v. 3, n.
BhNNiNCnoN, J. L.; Beckvíick, ). B: Titmors of thc kid- 4, p. 301-5, 1992.
i . '-enal pélvis and ureter. Washington: Afip, 1975. Foster, K.; ProvcsE, A.; vas den Berg, A. et al. “So-
Biscegua, M.; Galuani, C. A.; Senger, C; Stallone, matic mutations of the von Hippel-Lindau disease tumour
( Sessa, A. “Renal eystie diseases: a review”. Advances in suppressor gene in non-familial clear cell renal carcinoma”.
j Jtornic Pathology, v. 13, n. 1, p. 26-56, 2006. Human Molecular Genetics, v. 3, n. 12. p. 2169-73, 1994.
Bosniak, M. A. “Observation of small incidentally Fuhrman, S. A.; Lasky, L. C.; Limas, C. “Prognostic
I c . . cted renal masses”. Seminars in Urologic Oncology, v. signiHcance of morphologic parameters in renal cell carc
I . n. 4, p. 267-72, 1995. inoma”. The American Journal of Surgical Pathology, v. 6,
Bostwkk, D. G.; Murphy, G. P “Diagnosis and prog- n. 7, p. 655-63, 1982.
I r sís of renal cell carcinoma: highlights from an interna- Fyfe, Gr, Fisher, R. 1.; Rosenberg, S. A.; SzNOL, M.;
I v nal consensus workshop”. Seminars in Urologic Onco- Parkinson, D. R.; Louie, A. C. “Results of treatment of 255
. v. 16, n. 1, p. 46-52, 1998. patients with metastatic renal cell carcinoma who rcceived
Bukowski, R. M.; Novick, A. C. “Clinicai practice high-dose recombinant interleukin-2 therapy”. Journal of
I |c- ielines: renal cell carcinoma”. Cleveland Clinic Journal Clinicai Oncology, v. 13, n. 3, p. 688-96, 1995.
I ( -'edicine, v. 64, supl. 1, p. 511-44, 1997. Gill, I. S.; Kaouk, J. H. “Laparoscopic partial ne
Chawla, S. N.; Crispen, P L.; Hani.on, A. L.; Green- phrectomy: a new horizon”. Current Opinion in Urology,
fc . R. E.; Chen, D. Y.; Uzzo, R. G. “The natural history v. 13, n. 3, p. 215-19, 2003.
nserved enhancing renal masses: meta-analysis and re- Gtll, 1. S.; McClfnnan, B. L.; Kf.rbl, K.; Carbone, J.
I ot the world literature”. The Journal of Urology, v. M.; Wick, M.; Ciayman, R. V. “Ad renal involvement from
I “5. n. 2, p. 425-31, 2006. renal cell carcinoma: predictive value of computerized to-
Cohen, H. T.; McGovern, F. J. “Renal-cell carcinoma”. mography”. The Journal ofUrology, v. 152, n. 4, p. 1082-
B* New England Journal of Medicine, v. 353, n. 23, p. 5, 1994.
24 -90,2005. Gitlitz, B. J.; Brlldegrun, A. S.; Fic.mn, R. A. “Vac-
CouiUARD, D. R.; deVere White, R. W.; Skinner, d. cine and gene therapy of renal cell carcinoma”. Seminars
• _:aery of renal cell carcinoma”. The Urologic Clinics of in Urologic Oncology, v. 19, n. 2, p. 141-7, 2001.
S . d America, v. 20, n. 2, p. 263-75, 1993. Giuliani, L.; Gibfrti, C.; Martorana, G.; Rovida, S.
Crotty, T. B.; Farrown, Ci. M; Lierer, M. M. “Chro- “Radical extensive surgery for renal cell carcinoma: long-
I r hobe cell renal carcinoma: clinicopathological features terin results and prognostic factors”. The Journal of Uro
zí ' cases”. The Journal ofUrology, v. 154, n. 3, p. 964-7, logy, v. 143, n. 3, p. 468-73, 1990.
B1995. Gnarra, J. R.: Tory, K.; Weng, Y. et al. “Mutations
Cuevas, C.; Raske, M.; Bush, W H.; Takayàma, T.; of the VHL tumour suppressor gene in renal carcinoma”.
larc*
I - . J . H.; Kolokythas, O.; Meshberg, E. “Imaging pri- Nature Genetics, v. 7, n. 1, p. 85-90, 1994.
I TLir* and secondary tumor thrombus of the inferior vena Goldfarb, D. A.; Novick, A. C.; Loric», R. et al.
I - : multi-detector computed tomography and magnetic “Magnetic resonance imaging for assessment of vena cavai
» nas
I nance imaging”. Current Problems in Diagnostic Radio- tumor thrombi: acomparative study with venacavography
■soce- V • -.v.35,n. 3, p. 90-101,2006. and computerized tomography scanning”. The Journal of
C2SOÍ. Dunn, M. D.; McDougall, E. M.; Clayman, R. V Urology, v. 144, n. 5, p. 1100-4, 1990.
■cn:e paroscopic radical nephrectomy”. Journal of Endouro- Hansei , D. E. “Genctic alterations and histopathol-
I» de- v. 14, n. 10, p. 849-55, 2000. ogic findings in familial renal cell carcinoma”. Histology
Ife de Eble, J. N. “Neoplasms of the kidney”. In: Bostwick, and Histopãthology, v. 21, n. 4, p. 437-44, 2006.
»er,:c Erle, J. N. (eds.). Urologic surgical pathology. St. Hawkins, M. J. “Immunotherapy wirh high-dose in-
i - Mosby, 1997, p. 83. terleukin 1”. In: Vogelzang, N.; Sgardino, P.; Shipiey W.
118 TEMAS EM P S I C 0 - O N C O L O G I A
et al. Comprehensive textbook of genitourinary oncology. Morra, M. N.; Das, S. “Renal oncocytoma: a review
Baltimore: Williams & Wilkins, 1996, p. 242-54. of histogenesis, histopathology, diagnosis and treatment”.
Herr, H. W. “Partial nephrectomy for renal cell car The Journal ofUrology, v. 150, n. 2, p. 295-302, 1993.
cinoma with a normal opposite kidney”. Câncer, v. 73, n. Motzer, R. J.; Hutson, T. E.; Tomczak, R; Michael-
1, p. 160-2, 1994. son, M. D.; Bukowski, R. M.; Rixe, O.; Oudard, S.; Ne-
Hhrrlinc.er, A.; Schrott, K. M.; Schott, G.; Si- grier, S.; Szczylik, C; Kim, S. T.; Chen, I.; Bycott, P. W:
GEL, A. “What are the henefius of extended dissection of Baum, C. M.; Fjglin, R. A. “Sunitinib versus interferon
the regional renal lymph nodes in rhe therapy of renal alfa in metastatic renal-cell carcinoma”. The New England
cell carcinoma”. The Journal ofUrology, v. 146. n. 5, p. Journal of Medicine, v. 356, n. 2, p. 115-24, 2007.
1224-7, 1991. Novick, A. C.; Kaye, M. C.; Cosgrove, D. M. et ai
Herts, B. R. “Imaging for renal tumors”. Current “Experience with cardiopulmonary bypass and deep hy-
Opinion in Urology, v. 13, n. 3, p. 181-6, 2003. pothermic arrest in rhe management of retroperitoneal
Hutson, T. E.; Quinn, D. I. “Cytokinc therapy: a tumors with large vena cavai thrombi”. Amials of Surgery.
Standard of care for metastatic renal cell carcinoma?” Clin v. 212, n. 4, p. 472-6, 1990.
icai Genitourinary Câncer, v. 4, n. 3, p. 181-6, 2005. Oakley, N. E.; Hegàrty, N. J.; McNfjll, A.; GlLL, 1. S.
Israel, G. M.; Hecht, E.; Bosniak, M. A. “CT and “Minimally invasive nephron-sparing surgery for renal cell
MR imaging of complications of partial nephrectomy”. câncer”. BJU International, v. 98, n. 2, p. 278-84, 2006.
Radiographics, v. 26, n. 5, p. 1419-29, 2006. Oesterling, J. E.; Fishman, E. K.; Goldman, S. M.
Johnson, C. D.; Dunnick, N. R.; Cohan, R. H.; Il- et al. “The management of renal angiomyolipoma”. The
lescas, F. F. “Renal adcnocarcinoma: CT staging of 100 Journal ofUrology, v. 135, n. 6, p. 1121-6, 1986.
tumors”. AJR America?! Journal of Roentgenology, v. 148, Ono, Y.; Kinukawa, T.; Hattori, R.; Gotoh, M.; Ka-
n. 1, p. 59-63, 1987. mihira, O.; Ohshima, S. “The long-term outcome of lapa-
Kjaer, M.; Frederiksen, P. L.; Engelholm, S. A. “Post- roscopic radical nephrectomy for small renal cell carcin
operative radiotherapy in stage II and III renal adeno- oma”. The Journal of Urology, v. 165, n. 6, p. 1867-70,
carcinoma: a randomized trial by the Copenhagen Renal 2001.
Câncer Study Group”. International Journal of Radiation Pisani, P.; Parkin, D. M.; Ferlay, J. “Estimates oi
Oncology, Biology, Physics, v. 13, n. 5, p. 665-72, 1987. the worldwide mortality from eighteen major cancers in
Klein, M. J.; Valensi, Q. J. “Proximal tubular ade- 1985: implications for prevention and projections of fu
nomas of the kidney with so-called oncocytic features: a ture burden”. International Journal oj Câncer, v. 55, n. 6.
clinicopathologic study of 13 cases of a rarely reported p. 891-903, 1993.
neoplasm”. Câncer, v. 38, n. 2, p. 906-9, 1976. Pizzocaro, G.; Píva, L. “Pros and cons of retroperi
Lícht, M. R. “Renal adenoma and oncocytoma”. Sem- toneal lymphadenectomy in operable renal cell carcino
inars in Urologic Oncology, v. 13, n. 4, p. 262-7, 1995. ma”. European Urology, v. 18, supl. 2, p. 22-3, 1990.
Lícht, M. R.; Novick, A. C.; Goormastic, M. “Neph- Porena, M.; Vesrvslyni, G.; Rosi, P. et al. “Incidentally
ron sparing surgery in incidental versus suspected renal detected renal cell carcinoma: role of ultrasonography".
cell carcinoma”. The Journal ofUrology, v. 152, n. 1, p. Journal of Clinicai Ultrasound, v. 20, n. 6, p. 395-400.
39-42, 1994. 1992.
Lowry, P. S.; Nakada, S. Y. “Renal cryotherapy: 2003 Portis, A. J.; Y\n, Y; Landman, J.; Chen, C.; Barrei :.
clinicai status”. Current Opinion in Urology, v. 13, n. 3, p. P. H.; Fentie, D. D.; Ono, Y; McDougall, E. M.; Clay-
193-7, 2003. MAN, R. V “Long-term followup after laparoscopic radicai
Màher, F. R.; Yates, J. R. W “Familial renal cell car nephrectomy”. The Journal of Urology, v. 167, n. 3, p.
cinoma: clinicai and molecular genetic aspects”. British 1257-62, 2002.
Journal of Câncer, v. 63, n. 2, p. 176-9, 1991. Powell, X; Whelan, C.; Schwartz, B. F. “Laparosco
MancuSO, A.; Sternberg, C. N. “Whars ncw in the pic renal cryotherapy: biology, techniques and outeomes”.
treatment of metastatic kidney câncer?” BJU International, Minerva Urologica e Nefrologica, v. 57, n. 2, p. 109-18.
v. 95, n. 9, p. 1171-80, 2005. 2005.
Mejean, A.; Oudard, sS.; Thiounn, N. “Prognostic Quek, M.; Stein, J. P.; Skinner, D. G. “Surgical ap-
factors of renal cell carcinoma”. The Journal ofUrology, v. proaches to venous tumor tbrombus”. Seminars in Urolo
169, n. 3, p. 821-7, 2003. gic Oncology, v. 19, n. 2, p. 88-97, 2001.
Mellemgaard, A.; Engholm, G.; McLaughilin, J. K.; Rabinovitch, R. A.; Zelefsky, M. ).; Gaynor, J. J.;
Olsen, J. H. “Risk factors for renal cell carcinoma in Den- Fuks, Z. “Patterns of failure following surgical resection of
mark. I. Role of sodoeconomic status, tobacco use, bev- renal ccll carcinoma: implications for adjuvant local and
erages, and family history”. Câncer Causes & Control, v. systemic therapy”. Journal of Clinicai Oncology, v. 12, n.
5, n. 2, p. 105-13, 1994. 1, p. 206-12, 1994.
TUMORES DO PARÊNQUIMA RENAL 119
r:- Reddy, G. K.; Bukowski, R. M. “Sorafenib: recent Storkel, S.; van den Bf.rg, E. “Morphological classi-
-pdate on activity as a single agent and in combination fication of renal câncer”. World Journal of Urology, v. 13,
15 irh interferon-alpha2 in patients with advanced-stage n. 3, p. 153-8, 1995.
•rnal cell carcinoma”. Clinicai Genitourinary Câncer, v. 4, Thompson, I. M.; Peek, M. “Improvement in survival
n. 4, p. 246-8, 2006. of patients with renal cell carcinoma - the role of the se-
f^ Rendon, R. A.; Stanietzky, N.; Pánzarella, T.; Ro- rendipitously detected tumor”. The Journal of Urology, v.
rr' - \ette, M.; Klotz, L. H.; Thurston, W; Jewett, M. A. 140, n. 3, p. 487-90, 1988.
' lhe natural history of small renal rnasses”. The Journal of Tsui, K.; Sharvartz, O.; Smith, R. et al. “Renal cell
"rology, v. 164, n. 4, p. 1143-7, 2000. carcinoma: prognostic significance of incidentally detected
Resnick, M. I.; Zelkovic, P. F. “Renal radiofrequency tumors”. The Journal of Urology, v. 163, n. 2, p. 426-30,
—lation: clinicai status 2003”. Current Opinion in Vrolo- 2000.
r/.v. 13, n. 3, p. 199-202, 2003. Uzzo, R. G.; Novick, A. C. “Nephron sparing surgery
Ro, J. Y; Ayaia, A. G.; Sella, A.; Samuels, M. L.; for renal tumors: indications, techniques and outeomes”.
: fANSON, D. A. “Sarcomatoid renal cell carcinoma: clin- The Journal of Urology, v. 166, n. 1, p. 6-18, 2001.
LIS. - 'pathologic. A study of 42 cases”. Câncer, v. 59, n. 3, p. Vaidya, A.; Ciancio, G.; Soloway, M. “Surgical tech
'16-26, 1987. niques for treating a renal neoplasm invading the inferior
Robson, C. ].; Churchill, B. M.; Anderson, W. vena cava”. The Journal of Urology, v. 169, n. 2, p. 435-
S- VL 'The results of radical nephrectomy for renal cell car- 44, 2003.
: noma”. The Journal of Urology, v. 101. n. 3, p. 297- Vira, M. A.; Novakovic, K. R.; Pinto, P. A.; Linehan,
:01, 1969. W. M. “Genetic basis of kidney câncer: a model for devel-
L Ka- Rodriguez, R.; Fishman, E. K.; Marshall, F. F. “Dif- oping molecular-targeted therapies”. BJU International, v.
flaM- 'rrential diagnosis and evaluation of the incidentally dis- 99, n. 5, p. 1223-9, 2007.
ered renal mass”. Seminars in Urologic Oncology, v. Volpe, A.; Jewett, M. A. “The natural history of small
T.n. 4, p. 246-53, 1995. renal rnasses”. Nature Clinicai Practice. Urology, v. 2, n. 8,
Rüuviere, O.; Bouvter, R.; Negrier, S.; Bàdet, L.; p. 384-90, 2005.
_ NNET, D. “Nonmetastatic renal-cell carcinoma: is it Warshauer, D. M.; McCarthy, S. M.; Street, L. et al.
r . ly possible to define rarional guidelines for post-treat- “Detection of renal rnasses: sensitivities and specificities
~ n follow-up?” National Clinicai Practice. Oncology, v. of excretory urography/linear tomography, US, and CT”.
,n. 4, p. 200-13, 2006. Radiology, v. 169, n. 2, p. 363-5, 1988.
Sadi, M. V. “Câncer renal com invasão da veia renal Washecka, R.; Hanna, M. “Malignant renal tumors
• _ cava”. In: Wroclawski, E. R.; Bkndhack, D. A.; Da- in tuberous sclerosis”. Urology, v. 37, n. 4, 340-3, 1991.
* - . R.; Ortiz, V. (eds.). Guia prático de urologia. São Wfiss, L. M.; Gelb, A. B.; Medeiros, L. J. “Adult renal
Ti-lo: Segmento, 2003, p. 349-51. epithelial neoplasms”. American Jourtial of Clinicai Patho-
Sacai owsky, A. I.; KadeSKY, K. T.; Ewalt, D. M.; Kfn- logy, v. 103, n. 5, p. 624-35, 1995.
>:: v. T. J. “Factors influencing adrenal metastasis in renal Williams, R. “Renal, perirenal and ureteral neo
--- carcinoma”. The Journal of Urology, v. 151, n. 5, p. plasms”. In: Gillenwater, J. Y. et al. (eds.). Adult and pe-
.81-4, 1994. diatric urology. Chicago: Year Book Medicai Publishers, v.
Sengupta, S.; Leibovich, B. C.; Blute, M. L.; Zin- 1, 1992, p. 513.
i. H. “Surgery for metastatic renal cell câncer”. World Wolf Jr., J. S. “Evaluation and management of solid
§ mal of Urology, v. 23, n. 3, p. 155-60, 2005. and eystie renal rnasses”. The Journal of Urology, v. 159,
Skinner, D. C.; Coivin, R. B.; Vermillion, C. D.; Pfis- n. 4, p. 1120-33, 1998.
' . R. C.; Leadbetter, W. F. “Diagnosis and management Yagoda, A.; Abi-Rached, B.; Petrylak, D. “Chemo-
rnal cell carcinoma: a clinicai and pathologic study of therapy for advanced renal-cell carcinoma: 1983-1993”.
- cases”. Câncer, v. 28, n. 5, p. 1165-77, 1971. Seminars in Oncology, v. 22, n. 1, p. 42-60, 1995.
r^-is, Smjth, S. J.; Bosntak, M. A.; Megibow, A. J.; Hulni- Zbar, B.; Tory, K.; Merino, M. et al. “Hereditary pa-
: - D. H.; HORH, S. C.; Raghavendra, B. N. “Renal cell pillary renal cell carcinoma”. The Journal of Urology, v.
»i jp. Lircmoma: earlier discovery and increased detection”. Ra- 151, n. .3, p. 561-6, 1994.
w>- - iogy, v. 170, n. 3, p. 699-703, 1989. Zisman, A.; Pantlk, A. J.; Dorey, F.; Said, J. W.; Shvarts,
Steiner, M. S.; Goldman, S. M.; Fishman, E. K. et O.; Quintana, D. “Improved prognosticarion of renal cell
. “The natural history of renal angiomyolipoma”. The carcinoma using an integrared staging system”. Journal of
M-J-*
loB OÍ ) imal of Urology, v. 150, n. 6, p. 1782-7, 1993. Clinicai Oncology, v. 19, n. 6, p. 1649-57, 2001.
II and
U.IL
CÂNCER ÓSSEO 121
Figura 2: Paciente portador de osteossarcoma avançado de Figura 3: Osteossarcoma de úmero proximai avançado devido
*T~.ur com biópsia feita deforma inadequada, por meio de a retardo no diagnóstico, com sinais flogísticos e indicação de
- orme incisão. amputação do membro superior.
Devido à sua enorme facilidade em sc disseminar de infiltração e extensão tumoral local e ao longo do osso
r »ra os pulmões e ossos, a cura é raramente obtida apenas comprometido (Figura 5).
. >m tratamento cirúrgico. A biópsia, sempre que possível por agulha, ou por
A inclusão de poliquimioterapia agressiva no concei pequenas incisões, deve ser feita para obter o diagnóstico
to de tratamento multidisciplinar provocou importante anatomopatológico. Deve-se levar em conta, na escolha
/.cl hora no prognóstico dos pacientes com doença náo do local, o plano cirúrgico posterior para a ressecção de
~etastática de extremidades, alcançando índices de 50% a finitiva do tumor primário, que deverá incluir a área da
• 1'» de sobrevida livre de doença, publicados por diferen- cicatriz da biópsia.
centros especializados (Bacci et al.% 1993; Link et al., No diagnóstico anatomopatológico, encontramos
. 986; Petrilli et al., 1991; Meyers et al., 1992; Bielack et grande variabilidade de padrões histológicos, relacionada
.... 2002; Petrilli et ai, 2006). ao fato de que o osteossarcoma origina-se de células-tron
co mesenquimais capazes de se diferenciar em tecidos fi
brosos, cartilagem ou osso. A presença do tecido osteóide
Diagnóstico é essencial para o diagnóstico. Assim, os tipos histológicos
de osteossarcoma convencional mais encontrados e sua
As queixas mais frequentes são: dor local, aumento de
aproximada proporção são: osteoblásticos (50%), con-
• olume, calor e limitação da movimentação (Figuras 2 e 3).
droblásticos (25%), fibroblásricos (15%), telangectásicos
O osteossarcoma tem como local primário preíeren-
(3%) e osteossarcomas de pequenas células (raros).
w-al os ossos das extremidades. Em estudo recente com
O osteossarcoma convencional de alto grau inicia-se na
”02 pacientes, publicado por Bielack et al. (2002), em
medula óssea; no entanto, mais raramente, ele pode surgir
■ 46 (49,7% dos casos) o tumor estava localizado no fê-
nas variedades paraosteal e periosteal (superfície do osso).
::ur, 451 (26,4%) na tíbia, 172 (10,1%) no úmero e 77
Nessas localizações muitas vezes apresenta-se como de baixo
-,5%) na pélvis. Nesse estudo, 94% estavam localizados
grau de malignidade. Estudo anatomopatológico rigoroso e
as extremidades e 6% no tronco, o mesmo ocorrendo em
correlação radiológica e clínica podem definir a necessidade
r>tudo com população brasileira (Petrilli et al., 2006).
de associação de quimioterapia.
O diagnóstico diferencial com trauma e osteoiniclite
- muitas vezes a causa do retardo na indicação da biópsia.
estudo radiológico é obrigatório. Aos raios X simples, Genética complexa do osteossarcoma
^ões líticas ou blásticas na região metafisária, rompimen- O osteossarcoma, ao contrário dc outros sarcomas, não
> de cortical com invasão dc partes moles, intensa ncofor- é associado com alterações cromossômicas recorrentes; são
ação óssea subperiosteal, levantamento periosteal com tumores que apresentam complexidade cariotípica extrema,
rmação dc triângulo de Codman são as características com inúmeras alterações numéricas e estruturais (Bridge et
idiológicas mais frequentes (Figura 4). al., 1997; Boehm et al., 2000). Segundo Sandbcrg e Brid
O estudo do local primário com ressonância nuclear ge (2003), o osteossarcoma é caracterizado por uma série
agnética ou tomografia computadorizada deve prece- de alterações sequenciais e bem orquestradas, que incluem
- -T, sempre que possível, à biópsia para a real avaliação genes supressores de tumor e oncogenes. Essas alterações
122 TEMAS EM P S I CO - 0 N C O LO G I A
são genica, principalmente por meio de arrays, ainda não de osteossarcoma de fêmur distai com invasão de partes moles.
foi reconhecido no osteossarcoma um padrão gênico re
levante assim como ainda não foram identificados outros
aspectos biológicos que possam ser usados na orientação
terapêutica desses pacientes. «M
Estadiamento e fatores prognósticos
De forma diversa de ourras neoplasias, o planejamen
to terapêutico e a classificação dos pacientes portadores de
osteossarcoma baseiam-se principalmente na identificação
de fatores prognósticos.
Os principais fatores prognósticos que interferem na
determinação do diagnóstico dos pacientes portadores de
osteossarcoma são:
• presença de metástases;
• tamanho do tumor;
• localização (extremidades ou não); Figura 6: Raios X simples de paciente portador de osteossar
• ressccabilidade. coma com múltiplas metástases pulmonares.
s.eossar-
Figura 7: Sobrevida para pacientes com metástase versus pacientes nâo metastáticos ao diagnóstico.
Metástase ao diagnóstico
(— Nâo — Si m l
Probabilidade
£ zortador
moles.
60 80 100 120 160
Tempo de sobrevida global (meses)
No estudo de Bielack et al., 2002, os pacientes por- A localização do tumor nas extremidades oferece
• -dores de metástases pulmonares ao diagnóstico tiveram prognóstico mais favorável.
1.6% de sobrevida em cinco anos, enquanto os nâo me- No estudo de Bielack et al. (2002), a taxa de sobre
istáticos, 70%. Em nossa experiência, avaliando 225 pa- vida global em cinco anos foi de 34,2% para os mmores
. entes tratados pelo Grupo Brasileiro de Tratamento dos localizados no tronco contra 67,3% dos localizados nas
Tumores Ósseos (GBTO) entre 1991 e 1999, obtivemos extremidades.
-0% de sobrevida global em cinco anos para os pacientes A ressecção completa oferece taxas de 70,9% de so
-Io metastáticos e 12% para os pacientes que se apresen- brevida em cinco anos, enquanto apenas 15% dos pacien
ivam com metástases ao diagnóstico (Figura 7). tes que permaneceram com margens com resíduo macros
A extensão do tumor deve sempre ser muito bem cópico sobreviverão.
documentada ao diagnóstico para o adequado planeja
: ■ Fossar- mento cirúrgico. Devemos ainda considerar a avaliação
natomopatológica da peça cirúrgica, com o estudo das Tratamento
nargens de segurança conseguidas pela ressecção e com O tratamento do osteossarcoma de alto grau sempre
avaliação, pelos critérios de Huvos e Àyala, da resposta depende de quimioterapia sistêmica e cirurgia com remo
- tumor à quimioterapia pré-operatória (Huvos et al., ção total do tumor, com margens livres de doença. A res
991). Considcra-se o grau de necrose - graus I e II (me- secção incompleta praticnmente inviabiliza o resultado fa
que 90% de necrose) e graus III e IV (mais que 90% vorável, resultando em recorrência local. Dessa forma, no
:e necrose tumoral) que também tem mostrado ser planejamento a equipe cirúrgica pode optar por amputação
iioi prognóstico importante (melhor índice de necro- ou desarticulação se as condições locais não permitirem a
.. melhor sobrevida). No estudo do GBTO obtivemos ressecção completa com preservação do membro (invasão
-multados de 30% para graus III e IV de necrose. Na de feixe vasculonervoso, grande extensão para partes mo
iteracura encontram-se 40% a 70% de bons índices de les, comprometimento articular importante), o que pode
r>posta. O tamanho do tumor, com mais de 12 cm de ocorrer nos tumores volumosos, tardiamente diagnostica
iiãmetro ou maior que um terço do osso, corrclaciona-sc dos. Com a associação de quimioterapia pré-operatória,
. m o pior prognóstico. que muitas vezes promove uma diminuição importanre nas
124 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Figura 8: Cirurgia conservadora em paciente portador de os- Figura 9:Cirurgia conservadora de paciente portador de os
teossarcoma de fêmur distai - colocação de endoprótese não teossarcoma de fêmur distai - colocação de endoprótese não
convencional de titânio. convencional de polietileno.
dimensões dos tumores e oferece tempo para a confecção 78% para três anos de sobrevida livre de doença em pa
das endopróteses não convencionais, foi possível utilizar as cientes não metastáricos ao diagnóstico.
cirurgias de conservação do membro (endopróteses, enxer O European Osteosarcoma Intcrgroup apresentou na
tos autólogos, enxertos de banco de ossos), com excelentes Siop 2003 o resultado do seu estudo com 504 pacientes
resultados funcionais. Em nosso meio. 66% das cirurgias tratados de 1993 a 2002 com a combinação cisplatina e do
de tumores localizados nas extremidades são conservadoras xorrubicina {standard), contando com um grupo chamado
(Figuras 8 c 9) (Jesus-Garcia et al., 2003). intensificado, que utilizou o fator de crescimento de granu-
Devemos, no entanto, ressaltar que, nesse grupo, o lócitos associado às mesmas drogas. Não houve diferença
número de recidivas locais foi elevado (14%), sendo habi das taxas de sobrevida para ambos os grupos, com 41%
tualmente de 7% a 10%, refletindo a necessidade de crité (standard) e 46% (intensificado) para três anos de sobrevida
rios mais rígidos para a indicação da cirurgia conservado livre de doença e 65% (standard) e 66% (intensificado) para
ra, pois a recorrência local é sempre associada a péssimo três anos de sobrevida global (Lewis et al., 2003).
prognóstico. A toracotomia deve ser indicada sempre que Em nosso meio, os resultados do GBTO. acompa
houver possibilidade de ressecçáo total dos nódulos pul nhando 225 pacientes com tempo médio de seguimento de
monares e repetida mais de uma vez, se necessário. oito anos, demonstraram sobrevida global em cinco e dez
anos de 50,1% e 46,7%, respectivamente (Figura 10).
Os índices de sobrevida global (SG) dos principais es
Quimioterapia tudos estão descritos no Quadro 1.
A poliquimioterapia, que inclui os períodos pre e O atual protocolo do GBTO inclui a associação das
pós-operatório, embasada principalmente na combinação drogas metotrexate em altas doses (12 g/nr), cisplatina e
das drogas metotrexate, cisplatina, doxorrubicina e ifos- doxorrubicina.
famida, oferece um impacto enormemente favorável na Dessa forma, notamos que os principais centros de
evolução dos pacientes com osteossarcoma. tratamento estão alcançando índices de sobrevivência dc
O protocolo cooperativo do Cooperative Osceosar- 60-70% para os pacientes não metastáticos, que se têm
coma Study Group (grupo Coss) (Bielack et al.y 2002), mantido estáveis por muitos anos após a grande melhora
já mencionado e com longo seguimento dos pacientes inicial. Por enquanto ainda não há perspectiva de novas
(1980-1998), divulgou resultados de 1.702 pacientes, in drogas com grande poder de mudar as chances dos pacien
cluindo todos os locais primários, com 59,8% e 49% de tes metastáticos e do restante dos pacientes (30-40%) que
sobrevida global c sobrevida livre de doença em dez anos, ainda morrem dessa doença.
respectivamenre. Importante esforço tem sido feito para o desenvolvi
Em escudo cooperativo americano, Meyers et al. mento de alternativas dc tratamento biológico, com sig
(2005) mostraram, associando as drogas metotrexate, nificativa evolução da farmacogenética. Assim, diferentes
doxorrubicina, cisplatina e, eventual mente, ifosfamida e linhas de pesquisa realizam estudos sobre agentes que pos
aplicando-as em quatro diferences grupos randomizados sam atuar sobre a expressão de genes controladores do ciclo
para estudar o papel da Ifosfamida, resultados de 60% a celular (erh 2), mecanismos de resistência a drogas, agentes
[ r£«ra 10: Sobrevida global e sobrevida livre de doença (total dos pacientes com e sem metástases: ccõ
tiõ-i: --------=----------- =---------- ------------------ --------- =
46,7%
l cm pa- 40 60 80 100
Tempo (meses)
rniou na
pacientes ■ Sobrevida global Sobrevida livre de eventos
ira e do-
rfaamado
le granu- • _ : Pctrilli et ai., 2006.
£ rerença
Em 41%
core vi da
ic- -) para i-jdro 1: Principais estudos realizados para tratamento quimioterápico de osteossarcoma.
T4-T12 279 MTX-AD, Doxo, DDP, BCD 65% em 5 anos Meyers et ai, 1992
ação das
pari na e
OR/OS-4 133 MTX-AD, Doxo, DDP, IFO 56% em 5 anos Bacci et ai, 2001
eitos de NT0133 693 MTX-AD, Doxo, DDP, IFO ± 61-78% em 3 anos (não Meyers et ai, 2005
cncia de "DG-CCG MTP-PE metasrãticos)
t se têm
Eelhora ALL Coss 1702 MTX-AD, Doxo, DDP ± 65% em 5 anos e 59,8% em Bielack et ai, 2002
k novas IFO 10 anos
i pacien-
»- ») que
GBTO 225 CBP-DDP-Doxo 50,1% em 5 anos Petrilli et ai, 2006
IFO-CBP-Epirrub 46,7% em 10 anos
krnvolvi- 60,1% em 5 anos (nâo
com sig- metascáticos)
nics - '.D: metorrexate altas doses; Doxo: doxorriihicina; BCD: bleomicina, ticlofosfaniida c dactmomicina; VCR: vincristina; DDP: cisplatina: rFO; ifos-
wue pos- - : . MTP-PE: murauyl-tripecídeo; CBP: cnrboplatina; Epirrub: epimibicina.
»do ciclo
> cgentes
126 TE MAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Referências bibliográficas
Bacci, G.; Briccou, A.; Ferrari, S. et al. “Neoadju- tumor of bone”. The New England Journal of Medicine, v.
vant chemotherapy for osteosarcoma of the exrremir>’: 348, n. 8, p. 694-701,2003.
long-term results of the RizzolPs 4th protocol”. European Huvos, A. G. Bone tumors: diagnosis, treatment, and
Journal of Câncer, v. 37, n. 16, p. 2030-9, 2001. prognosis. 2. ed. Filadélfia: Saundcrs, 1991.
Bacci, G.; Ferrari, S.; Delepink, N. et al. “Predicrive Jesus-Garcia, R.; Camargo, O. P.; Penha* V. et al.
factors of histologic response to primary chemotherapy in “Osteosarcoma 2000: preliminary results of the Brazil-
osteosarcoma of the extremity: study of 272 patients pre- ian Cooperative Study Group”. International Museulo-
operatively treaced with high-dose methotrexate, doxoru- skeletal Tumor Society Meeting, 12th International Sym-
bicin, and cisplatin”. Journal of Clinicai Oncology, v. 16, posium on Limb Salvage, Rio de Janeiro, abst. 98, p.
n. 2, p. 658-63, 1998. 87, 2003.
Bacci, G.; Picci, P.; Ferrari. S. et al. “Primary chcmo- Lewis, T; Nooij, M.; Wheian, J. “Chemotherapy at
rherapy and delayed surgery for nonmetastatic osteosar standard or increased dose intensity in patients with op-
coma of the extremities: results in 164 patients preoper- erable osteosarcoma of the extremity: a randomized con-
atively treated with high doses of methotrexate followed trolled trial of the European Osteosarcoma Intergroup”.
by cisplatin and doxorubicin”. Câncer, v. 72, n. 11, p. Medicai and Pediatric Oncology, v. 41-4, abst. 100, p.
3227-8, 1993. 202, 2003.
Bielack, S. S.; Kfmpf-Biflack, B.; Dn linc, Ci.; Exnhr, Link, M. R; Goorin, A. M.; Miser, A. W. et al. “The
G. U.; Flegk, S.; Hei mke, K.; Kotz, R.; Salzer-Kuntschik, effect of adjuvant chemotherapy on relapse-free survival
M.; WeRNLR, M.; WlNKELMANN, W; ZoUBEK, A.; J0RCEN5, in patients with osteosarcoma of the extremity”. The Neu
H. ; WiNKi.tR, K. “Prognostic factors in high-gradc osteo England Journal of Medicine, v. 314, n. 25, p. 1600-6,
sarcoma of the extremities or trunk: an analysis of 1,702 1986.
patients treated on neoadjuvant cooperative osteosarcoma Meyers P. A. et al. “Chemotherapy for nonmetastatic
study group protocols”. Journal of Clinicai Oncology, v. osteogenic sarcoma: the Memorial Sloan-Kettering experi-
20, n. 3, p. 776-90, 2002. ence”. Journal of Clinicai Oncology; v. 10, n. 1, p. 5-15.
Bieunc, P.; Rehan, N.; Winlder, P et al. “Tumor 1992.
size and prognosis in aggressively treated osteosarcoma”. Meyers, P. A.; Schwartz, C. L; Kr.au o, M. et al. “Os
Journal of Clinicai Oncology, v. 14, n. 3, p. 848-58, 1996. teosarcoma: a randomized, prospective trial of the addi-
Bleyer, W. A.; Tejlda, H.; Murphy, S. B.; Robison, L. lion of ifosfamide and/or muramyl tripeptide to cisplatin.
L. ; Ross, J. A.; PoLLock, B. H.; Sfverson, R. K.; Brawif.Y, doxorubicin and high-dose methotrexate”. Journal o;
O. W.; SmiTH, M. A.; Uncerleider, R. S. “National câncer Clinicai Oncology, v. 23, n. 9, p. 2004-11, 2005.
clinicai trials: children liave equal acccss; adolescents do Morris, C. D. et al. “Human epidermal growth fac-
not”. The Journal of Adolescent Health, v. 21, n. 6, p. 366- tor receptor 2 as a prognostic indicator :n osteogenic sar
73, 1997. coma”. Clinicai Orthopedics and Related Research, v. 382.
Boehm, A. KL; Squire, J. A.; Bayani, J.; Nelson, M.; p. 59-65,2001.
Nffk, J.; Bridge, J. *\. “Cytogenetics findings in 35 os Petriuj, A. S.; Camargo, B.; Odone, F. V; Bruniera.
teosarcoma specimens and a review of the literature”. R; Brune n o, A. L.; Jesus-Garcia, R.; Camargo, O. R; Pena,
Pediatric Pathology & Molecular Medicine, v. 19, p. 359- W.; Pêricles, P.; Davi, A.; Prospero, J. D.; Alves, M. T. S.:
76, 2000. Oliveira, C. R.; Macedo, C. R. D.; Mendes, W. L; Almei
Bridge, J. A.; Nelson, M.; McComb, E.; McGuire, da, M. T. A.; Borsato, M. L.; Santos, T. M.; Ortega, J.:
M. H.; Rosenthal, H.; Vergara, G.; Maale, G. E.; Spainer, Consentino, Em Brazilian Osteosarcoma Treatment Group
S.; Neff, J. R. “Cytogenetic findings in 73 osteosarcoma Studies 111 and IV. “Results of the Brazilian Osteosarcoma
specimens and a review of literature”. Câncer Genetics Treatment Group Studies III and IV: prognostic factor*
and Cytogenetics, v. 95, n. 1, p. 74-87, 1997. and impact on survival”. Journal of Clinicai Oncology, v.
GoRLick, R.; Huvos, A. G.; Heller, G. et al. “Ex- 24, n. 7, p. 1161-8, 2006.
pression of HER2/erbB-2 correlates with survival in os Petrilli, A. S. et al. “Increased survival, limb prescr-
teosarcoma”. Journal of Clinicai Oncology, v. 17, n. 9. p. vation and prognostic factors for osteosarcoma”. Câncer.
2781-8, 1999. v. 68, n. 4, p. 733-7, 1991.
Grikr* H. E.; Krailg, M. D.; Tarbell, N. J. et al. “Ad- Pizza, P. A.; PoriACK, D. G. (eds.). Principies and
dition of ifosfamide and etoposide to standard chemother practice of pediatric oncology. 4. ed. Filadélfia: Lippincon
apy for Ewing’s sarcoma and primitive neuroectodermal Williams & Wilkins, 2002, 1629 p.
CÂNCER DE PULMÃO
Otávio Gampel
- tumor nâo pode ser aval lado. MX: Nâo foi possível avaüar metástases a distância.
:~m evidência de tumor primário MO: Sem metástases.
á
Estádio II 40%
*
Estádio IIIA 30% Câncer de pulmão de
ifl y m m
Estádio 1IIB 15% pequenas células
Estádio IV 2%
Estadiamento
A doença pode ser classificada em dois estádios: limi
Tratamento tado ou extenso.
Para os estádios I e II, a cirurgia é o tratamento pa Doença limitada: restrita a um hemitórax e linfono-
drão. Para casos mais extensos, a quimioterapia de indu dos regionais, que podem ser envolvidos em um só campo
ção, associada ou não à radioterapia, tem proporcionado de radioterapia.
desenvolvimento na ressecabilidade. A radioterapia pós- Doença extensa: quando atinge ambos os hemitórax,
operatória não tem proporcionado aumento na sobrevida ou na presença de metástases a distância.
global. A quimioterapia adjuvante está indicada em um
total de quatro ciclos, em esquemas com cisplatinas e vi-
Tratamento
norelbina ou outra associação com platina. A sobrevida
global em cinco anos cresceu 4% com a quimioterapia ad O tratamento padrão para ambos os estádios é a qui
juvante (de 40,4% para 44,5%). mioterapia sistêmica, que prolonga a sobrevida e melhora
a qualidade de vida. Mas há algumas especificidades no
Nos casos em estádio III, geralmente há análise dos
tratamento dos dois estádios, descritas a seguir.
pacientes para verificar a possibilidade de tratamento ci
Doença limitada: associação de cisplatina c etoposide
rúrgico radical. Para o estádio Illa, a cirurgia seguida de
combinada à radioterapia é o tratamento preferencial. Os
quimioterapia parece ser a melhor opção. Para o está
pacientes que obtêm resposta completa devem ser subme
dio Nlb, a associação de quimioterapia e radioterapia é
tidos à radioterapia profilática de crânio. A sobrevida me
o tratamento preferencial. Para os pacientes idosos ou
diana c dc doze a vinte meses.
com estado geral mais precário, o tratamento pode ser com
Doença extensa: somente a quimioterapia é o trata
quimioterapia seguida de radioterapia, ou somente radio mento de escolha. Deve-se considerar a radioterapia pro
terapia. filática de crânio nos pacientes com resposta completa. A
No estádio IV o tratamento será paliativo. Esses pa sobrevida mediana varia de sete a onze meses.
cientes já possuem metástases a distância à época do diag O papel da cirurgia no tratamento do câncer de pul
nóstico e a melhor opção é a quimioterapia. Esquemas de mão dc pequenas células não está estabelecido. Os pacien
duas drogas associadas, em geral uma platina combinada tes em estádio I ao diagnóstico, o que ocorre raramente,
com gencitabina ou paclitaxel ou docctaxcl ou vinorelbi- costumam ser tratados com cirurgia seguida de quimiote
na, são os ideais. A taxa de resposta varia de 25% a 30% e rapia, mas a superioridade dessa conduta em relação à qui
a sobrevida em cinco anos é de apenas 2%. Como segun mioterapia e à radioterapia não foi comprovada. A remo
da linha de tratamento, deve-se considerar pemetrexate e ção cirúrgica do tumor residual depois de quimioterapia e
erlotinibe. A radioterapia é indicada como paliativo ein radioterapia pode ser benéfica em casos selecionados.
Referências bibliográficas
Brundage, M.; Mackíllop, W. J. “Lung câncer”. Goss, G. et al. “Use of preoperative chemotherapy
In: Gospodarowicz, M. K. et al. (eds.). Prognostic fac- with or without postoperative radiotherapy in technically
tors in câncer. 2. ed. Nova York: Wiley-Liss, 2001, p. resectable stage IILA non-small-cell lung câncer”. Câncer
351-69. Preventiott & Controls v. 2, n. 1, p. 32-9, 1998.
Dillman, R. O. et al. “A randomized trial of induction Nauljke, T. et al. “Prognosis and survival in resected
chemotherapy plus radiotherapy in stage III non-small-cell lung carcinoma based on the new international staging Sys
lung câncer”. The New England Journal of Medicine, v. tem”. The Journal ofThoracic and Cardiovascular Surgery,
323, p. 940-5, 1990. v. 96, n. 3, p. 440-7, 1998.
CÂNCER DE PULMÃO 133
Parkin, D. M. et al. “Lung câncer: worldwide varia- nine randomized controlled trials”. Lancet, v. 352, n.
• n in occurrence and proporrion artributable to tobacco 9124, p. 257-63, 1998.
Lung Câncer, v. 9, p. 1-16, 1993. Sibley, G. S. “Radiotherapy for patients with mc-
Patz Jr., E. F. et al. “Screening for lung câncer”. The dically inoperable stage I nonsmall cell lung carcinoma:
England Journal of Medicine, v. 343, n. 22, p. 1627- smaller volumes and higher doses - a review”. Câncer, v.
33. 2000. 82, n. 3, p. 433-8, 1998.
Port Meta-analysis Trialists Group. “Postoperative Stahel, R. A. “Diagnosis, staging, and prognostic
* Jiothcrapy in non-small-cell lung câncer: systematic factors of small cell lung câncer”. Current Opinion in
íew and meta-analysis of individual patient data from Oncology, v. 3, n. 2, p. 306-11, 1991.
TUMORES PRIMÁRIOS DO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL
José Marcus Rotta; Fernando Campos Gomes Pinto
Glioblastoma
F x í multiforme
Meningeoma
Astrocitoma anaplásico
Adenoma hipofisárío
Craniofaringeoma
Hl Meduloblastoma
Im-mI -pendimoma
I I Oligodendrogliorna
□ Astrocitoma
20%
loUcl Outros
TUMORES PRIMÁRIOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL 135
GBM
Cromossomo 10
Perda de
Astrocitoma
heterozigosidade
(LOH) anaplásico
P16
Astrocitoma
P53
Astrócito
•-
vulsões, déficits focais, hipertensão intracraniana), sendo O esquema de classificação ideal deveria integrar crité
o diagnóstico estabelecido com volume tumoral variando rios clínicos, tissulares, celulares, bioquímicos, imunológi-
entre 10 e 50 cm3. cos, cromossômicos e genéticos. Porém, tradicionalmente o
sistema de classificação utilizado pela Organização Mundial
da Saúde, originário dos trabalhos de Bailey c Cushing, tem
Classificação como premissa que os tumores cerebrais são resultantes do
A classificação dos tumores primários do sistema ner crescimento anormal de um tipo celular específico.
voso central pretende determinar a história natural e o Segue a classificação histológica dos tumores do siste
padrão dc resposta a estratégias terapêuticas comuns a um ma nervoso central adotada pela Organização Mundial da
subgrupo de tumores específico. Saúde desde 1979.
TUMORES PRIMÁRIOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL 137
Desse modo, como o grau de ressecção cirúrgica rela- 49 meses para mudar de grau e os pacientes submetidos à
ciona-se dirctamente com a melhora do prognóstico (tempo ressecção subtotal demoraram 25 meses (Journal of Neu-
de sobrevida e qualidade de vida/índice de Karnofsky - Fi- rosurgery, jun. 2003).
zura 5), procedimentos poucos invasivos, como a biópsia es-
icreotáxica para glioblastoma multiforme, ficam reservados
apenas (do ponto de vista neurocirúrgico) aos casos de inva Tratamento cirúrgico
do bilateral do corpo caloso e tronco cerebral e, obviamen- O tratamento cirúrgico envolve duas etapas, funda
:e, aos casos de falta de condições clínicas do paciente para a mentais para o sucesso terapêutico: planejamento e execu
realização de craniotomia (cirurgia de grande porte). ção do ato cirúrgico.
Os gliomas de baixo grau de malignidade têm tam
bém indicação cirúrgica: ressecção radical, desde que não
rrovoque déficits neurológicos definitivos. Planejamento cirúrgico
Após a análise de quarenta casos de astrocitoma grau Para o adequado planejamento pré-operatório são
50% tiveram o grau de malignidade modificado na se- itens obrigatórios: a) história clínica detalhada, exame tísico
_ nda cirurgia, lembrando que os que foram submetidos à geral e específico (exame neurológico); b) execução e inter
'.ssecção total na primeira cirurgia demoraram em média pretação maximizada de todos os exames de neuroimagem
KC
Ei óe
100 - Não há queixas, não há evidência
de enfermidade.
00 - Morte.
disponíveis e necessários (tomogratia computadorizada de Estabelece-se então a relação a) tumor/encéfalo/sul-
crânio com e sem contraste, ressonância magnética de encé cos e fissuras pertinentes com h) reparos ósseos do crânio,
falo, angiorressonância de encéfalo, espectroscopia, tracto- que orientará a incisão na pele.
graíia, estudos de perfusão, angiografia digital cerebral); c)
conhecimento da patologia em questão.
Nessa etapa, o conhecimento neuroanatômico aplica Execução do ato cirúrgico
do é essencial, tanto no que diz respeito à macroanatonna De acordo com a idéia de ressecção radical sem adi
como à microneuroanatomia. ção de déficits neurológicos permanentes, utilizam-se co
Do ponto de vista filosófico, cabe ressaltar que o nhecimentos neuroanatômicos já estabelecidos (sulcos e
planejamento do ato operatório deve vir de “dentro para fissuras como meios de acesso à profundidade) e recursos
fora”, ou seja, inicialmente deve-se entender o rumor utili tecnológicos (neurofisiológicos ou de neuroimagem) no
zando exames de neuroimagem (consistência, vasculariza intra-operarório - sistema de navegação encefálica, neuro-
ção, limites, interface tumor/parênquima cerebral, cistos, estimulação cortical e de tratos, ultra-sonografia e resso
necrose, edema perilesional). nância magnética intra-operatória.
Na seqüência, avalia-se sua relação topográfica com o A Figura 6 correlaciona a via neuroanatômica e seu
encéfalo, fazendo a correlação com áreas eloquentes (cór alcance quanto à profundidade encefálica.
tex sensitivo e motor, área motora suplementar, áreas ad- O sistema de neuronavegação intra-operatória permi
jacenres aos tratos motores subcorticais - ínsula, tálamo, te a superutilização de dados neuroanatômicos e neuroa-
lobo temporal mesial, medula; córtex da linguagem e vias natomopatológicos com base em exames de neuroimagem
ópticas) e com sulcos e fissuras que naturalmente permitem feitos no pré-operatório que, submetidos a determinado
acesso cirúrgico sem lesão neurológica adicional (sulco tem- software, permitem, com sistema de fiduetais acoplados ao
poroccipital, sulco frontal superior, sulco central, sulco paciente, monitorado por sistema infravermelho, fornecer
intraparietal, fissura silviana e fissura inter-hemisférica). em tempo real a localização de instrumentos cirúrgicos
Sulcos
c-----------------------------------s\
Infratentoriai supracerebelar Região da plneal
v____________________________y V________ _______/
(----------------------------------------------- ^ r N
Forame de Magendie/ vermis cerebela: Quarto ventrículo
V_________________________________ v ________ y
142 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
nas diversas neuroimagens. A grande desvantagem está no Para mapeamento da linguagem são necessárias ex
deslocamento do cérebro (brain sbift) que ocorre com o posição cortical ampla e condição anestésica adequada,
posicionamento cirúrgico, com a craniotomia e drena com o paciente acordado ou com implante de grui sub-
gem de liquor, aumentando a margem de erro. dural para estudo.
A marcação de alvo profundo com arco de estereotaxia Sabe-se que o limite para ressecção das áreas mapea
também se torna útil para localização tu moral, com a ressal das é a distância maior que 1 cm. Sequelas neurológicas
va de que lesões não nítidas na tomografia de crânio neces adicionais relacionam-se às ressecções realizadas a 1 cm
sitarão de fusão computadorizada de imagens (tomografia e ou menos da área mapeada.
ressonância), o que torna o procedimento mais moroso.
A ressonância magnética encefálica intra-operatória
pode fornecer dados importantes (relações com estrutu Manejo perioperatório
ras neurais delicadas e restos de tumor) cm tempo real, As etapas serão descritas a seguir, de forma esquemática.
permitindo otimização dos resultados operatórios. Toda
via, o alto custo do equipamento e a qualidade regular Pré-opcratório:
da imagem adquirida (0,5 a 1 tesla) propiciam críticas
• pacientes com edema cerebral: no mínimo 72
ao método.
horas pré-operatórias, com administração de 4
O mapeamento da extensão funcional inrra-opera-
mg de dexametasona de seis em seis horas;
tória concorre para o incremento da extensão da ressec-
• controle de crises convulsivas com medicação ann-
ção minorai e evolução dos casos de glioma. Os objetivos
convulsivante;
desse método são: diminuição da morbidade operatória,
• decúbito de 30 graus;
melhora da qualidade de vida e redução do recrescimen-
• condições clínicas adequadas para cirurgia de gran
to tumoral com remoção de cérebro adjacente não fun-
de porte (com realização de avaliação multidiscipli-
cionante pelo risco de recorrência.
nar, se necessário).
O equipamento de neuroestimulação compreende:
eletrodo bipolar e gerador de corrente constante (pulsos
Intra-operatório:
de ondas quadradas constantes, com freqücncia de 60
• rotina usual, com verificação de equipamento;
hertz c 2,5 milissegundos de duração).
• posicionamento e craniotomia apropriados;
As vias sensitivas e motoras e os tratos subcorticais
• neuroanestesia adequada;
podem ser mapeados por estimulação direta. Para mapea
mento de córtex motor abaixo da borda da craniotomia • derivação ventricular externa ou derivação lombar
ou relacionado com a foice cerebral utilizam-se tiras de externa, se necessárias, para auxílio de drenagem
elerrodos. de liquor.
Pós-operatório:
• UTI equipada (com monitor de pressão intracraniana):
• neurointensivista presente 24 horas e equipe para
Figura 7: Pré e pós-operatório em área motora.
médica treinada;
• exames de neuroimagem à disposição (controle
com contraste até 24-48 horas após a operação, to
mografia de crânio e/ou ressonância magnética dc
encéfalo);
• equipe neurocirúrgica sempre disponível.
Resultados
Com o início do tratamento, podem-se obter, geral-
mente, quatro padrões de evolução clínica. Utilizaremos -
esquema a seguir para interpretação dos resultados:
existência de células neoplásicas viáveis, o que ca 3. Tratamento: cirurgia (o grau da extensão da ressec-
racteriza a fase de remissão. Após certo período, o ção relaciona-se com o prognóstico - melhor prog
tumor volta a crescer, nóstico associa-se à ressecção radical, ou seja, de
à Cura. mais dc 95% do rumor), radiação por ionização,
quimioterapia.
I ara atingir a fase de remissão utilizam-se: 4. Índice de crescimento tumoral: determinado por
Ki-67, MIB-1, citometria de fluxo.
• cirurgia radical;
As falhas no tratamento neurocirúrgico relacionam-
• radioterapia;
se com: associação dos tumores com áreas eloquentes ou
• braquiterapia;
paraeloqüentes. volume tumoral, acometimento de mais
• quimioterapia sistêmica;
de um lobo cerebral, localização profunda (lesões a 1 cm
• quimioterapia intra-arterial;
da superfície cerebral da convexidade, intraventriculares,
• quimioterapia no leito tumoral;
em gânglios da base e tronco cerebral).
• inibidor da angiogênese. As recidivas, ou recaídas, a partir da fase de remissão
têm origem mulrifatorial, provavelmente devido a reparo
Quando se atinge a fase de remissão, na qual não há do DNA, mutagênese, aumento da enzima alquiltransfera-
mensurável segundo a ressonância magnética, utili- se, aumento da glutationa transferase e imunocompetên-
r. na etapa de manutenção: cia do hospedeiro.
• imunoterapia;
• inibidor de TNF-alfa;
Futuro da cirurgia
• inibidor de PKC; Considerando-se apenas a neurocirurgia, dentre as
• bloqueio das proteases; modalidades terapêuticas existentes para condução dos
• quimioterapia sistêmica; casos de tumores primários do sistema nervoso central,
c consensual a indicação da ressecção radical do tecido
• inibição da glutationa transferase.
tumoral, sem adição de déficits neurológicos.
Tendo em vista os avanços tecnológicos disponíveis,
são fatores prognósticos dos tumores primários do
o futuro da neurocirurgia oncológica deverá impor a ne
.na nervoso central:
cessidade de neurocirurgiões extremamente familiarizados
Fatores clínicos: idade, índice de Karnofsky, crise
com a microneuroanatomia cirúrgica, com habilidade mi-
convulsiva. croneurocirúrgica em neuronavegador cerebral, estimula
Fatores patológicos: classificação e localização do dor cortical e métodos de neuroimagem em tempo real
tumor (os superficiais têm melhor prognóstico que
presentes na sala de cirurgia.
os profundos).
-eferências bibliográficas
Albert, F. K. et ai “Early postoperative magnctic methyl-CCNU, vincristine, and procarbazine”. Câncer, v. 44,
nce imaging after resection of malignant glioma: n. 3, p. 839-46, 1979.
m rnve evahiation of residual tumor and its influence Burgf.r, P. C; Grf.en, S. B. “Patient age, histologic
- -r^rowth and prognosis”. Neurosurgery, v. 34, n. 1, fearures, and length of survival in patienrs with glioblas-
j -5-60, 1994. toma multiforme”. Câncer, v. 59, n. 9, p. 1617-25, 1987.
àmmirati, M. et al. “Effect of the extern of surgical
Cox, D. R. “Regression models and life-tables”.
m - <>n on survival and quality of life in paticnts with su- Journal oftheRoyal Statistical Society. Series B (Methodolo-
pn níorial glioblastomas and anaplastic astrocytomas”.
gical), v. 34, n. 2, p. 187-220, 1972.
X -- surgery, v. 21, n. 2, p. 201-6, 1987.
Curran Jr., W. J. et al. “Does extern of surgery infLu-
____ . “Reoperation in the treatment of recurrent in-
ence outeome for astrocytoma with arypical or anaplastic
-.--inial malignant gliomas”. Neurosurgery, v. 21, n. 5,
r - ”-14, 1987. foci (AAF)? A report from three Radiation Therapy On-
Andreou, J. et al. MCT prognostic criteria of survival cology Group (RTOG) trials ".Journal of Neuro-Oncolo-
jdnr malignant glioma surgery”. AJNR: American Journal gy, v. 12, n. 3, p. 219-27, 1992.
« euroradiology, v. 4, n. 3, p. 488-90, 1983. Daumas-Duport, C. et al. “Grading of astrocytomas:
Avbj-ANOSA, A. M. et al. “Chemotherapy of nonirradiated a simplc and reproducible method”. Câncer, v. 62, n. 10,
~_r:iant gliomas. Phase 11: study of the combination of p. 2152-65, 1988.
144 T E M A S E M P S I C O - 0 N C 0 L 0 G I A
Earnest 4", F. et al. “Cerebral astrocytomas: histo- Nitta, T.; Sato, K. “Prognostic implications of the
pathologic correlation of MR and CT contrast enhance- extent of surgical resection in patients with intracranial
ment with stereotactic biopsy”. Radiology, v. 166, n. 3, p. malignant gliomas”. Câncer, v. 75, n. 11, p. 2727-31.
823-7, 1988. 1995.
Fadul, C. et al. “Morbidity and mortality of crani- Prados, M. D. et al. “Highly anaplastic astrocytoma:
otomy for cxcision of supratentorial gliomas”. Neurology, a review of 357 patients treated between 1977 and 1989”.
v. 38, n. 9, p. 1374-9, 1988. International Journal of Radiation OncologyBiology
Gehan, E. A.; Walker, M. D. “Prognostic factors for Physics, v. 23, n. 1, p. 3-8, 1992.
patients with brain tumors”. Natiojtal Câncer Institute Quigley, M. R.; Maroon, J. C. “The relationship be
Monograph, v. 46, p. 189-95, 1977. tween survival and the extent of the resection in patiem>
Gii.rf.rt, H. et al. “Glioblastoma multiforme is not with supratentorial malignant gliomas”. Neurosurgery,
a uniform disease!” Câncer Clinicai Trials, v. 4, n. 1, p. 29, n. 3, p. 385-9, 1991.
87-9, 1981. Ringfrtz, N. “Grading of gliomas”. Acta Pathologica
Hammoud, M. A. et al. “Prognostic signiticance of et Microhiologica Scandinavica, v. 27, n. 1, p. 51-64, 195t .
preoperative MRT scans in glioblastoma multiforme”. Salcman, M. “Resection and reoperation in neuro-
Journal of Nenro-Oncology, v. 27, n. 1, p. 65-73, 1996. oncology: rationale and approach”. Neurulogic Clinics.
Harsh 4'", G. R. et al. “Reoperation for recurrent
glioblastoma and anaplastic astrocytoma”. Neurosurgery\
v. 21,n. 5, p. 615-21, 1987.
Hess, K. R. “Extern of rescction as a prognostic vari-
able in the treatment of gliomasv.Journal of Neuro-On-
3, n. 4, p. 831-42,1985.
_____. “Surgical decision-makmg for malignant
brain tumors”. Clinicai Neurosurgery, v. 35, p. 285-31
1989.
Sawaya, R. “Extern of resection in malignant gliomas:
c
cology, v. 42, n. 3, p. 227-31, 1999. a criticai summary”. Journal of Neuro-Oncology, v. 42, n.
Kaplan, E. L; Meier, P. “Nonparametric estimation 3, p. 303-5, 1999.
from incomplete observarionsy\ Journal of the American Sawaya, R. et al. “Neurosurgical outeomes in -
Statistical Association, v. 53, n. 282, p. 457-81, 1958. modern series of 400 craniotomies for treatment of pa-
Kelj.y, P J. “Stereotactic biopsy and resection of thalain- renchymal tumors”. Neurosurgery, v. 42, n. 5, p. 1044-
ic astrocytomas”. Neurosurgery\ v. 25, n. 2, p. 185-95, 1989. 56, 1998.
Kelly, P. J. et al. “Imaging-based stereotaxic serial bi- Scorr, G. M.; Gibberd, F. B. “Epilepsy and other fac
opsies in untreated intracranial glial neoplasms”. Journal tors in the prognosis of gliomas”. Acta Neurológica Scar.
of Neurosurgery 1 v. 66, n. 6, p. 865-74, 1987. dinavica, v. 61, n. 4, p. 227-39, 1980.
Kiwrr, J. C .et al. “Sur vivai in malignant glioma: ana- Segall, H. D. et al. “CT and MR imaging in ma
lysis of prognostic factors with special regard to cytore- lignant gliomas”. In: âpuzzo, M. L. J. (ed.). Maligna'::
ductive surgery”. Zentralblatt fiir Neurochirurgie, v. 57, n. cerebral glioma. Park Ridgc: American Association :
2, p. 76-88, 1996. Neurological Surgeons, 1990, p. 63-77.
Klf.ihues, P. et al. Histological typing of tumours Schmidt, M. H. et al. “Repeated operations for inh -
of the central nervous system. 2. ed. Berlim/Nova York: trative low-grade gliomas without intervening therapj. “
Springer-Verlag, 1993. Journal of Neurosurgery, v. 98, p. 1165-9, 2003.
Kleihues, P. et al. “The ncw WHO classification ol Shafiro, W. R. et al. “Randomized rrial of thre?
brain tumors”. Brain Patbology, v. 3, p. 255-68, 1993. chemotherapy regimens and rwo radiotherapy regimens
Kri- i h, F. W. et al. “Surgical resection and radiation in postoperative treatment of malignant gliomas. Brain
therapy versus biopsy and radiation therapy in rhe treat Tumor Cooperarive Group Trial 8001”. Journal o f N e w -
ment of glioblastoma multiforme”. Journal of Neurosur surgery, v. 71, n. 1, p. 1-9, 1989.
gery, v. 78, n. 5, p. 762-6, 1993. Sm, W. M. et al. “Volumecric measurement of brain
Lai, D. M. et al. “Therapy for supratentorial malig tumors from MR imaging”. JournalofNeuro-Oncology. v.
nant astrocytomas: survival and possible prognostic fac 37, n. l,p. 87-93, 1998.
tors”. Journal of the tormosan Medicai Association, v. 92, Walker, M. D. et al. “Randomized comparisons ol
n. 3, p. 220-6, 1993. radiotherapy and nitrosoureas for the treatment of mal j-
Nazzaro, J. M.; Neuwelt, E. A. “The role of surgery nant glioma after surgery”. The New England Journal *
in the management of supratentorial intermediate and Medicine, v. 303, n. 23, p. 1323-9, 1980.
high-grade astrocytomas in adults”. Journal of Neurosur- Wood, J. R. et al. “The prognostic importance o:
gery, v. 73, n. 3, p. 331-44, 1990. tumor size in malignant gliomas: a computed tonu-
Newall, J. et al. “Glioblastoma in the older patient: graphic scan study by the Brain Tumor Coopcrati.
how long a course of radiotherapy is necessary'"Journal Group”. Journal of Clinicai Oncology, v. 6, n. 2, p. 33 8-
of Neuro-Oncology, v. 6, n. 4, p. 325-7, 1988. 43, 1988.
r: —::
W-
A CIRURGIA DE CÂNCER E SUAS FRONTEIRAS
c A. André Magoulas Perdicaris
Cc^r>
kw
i*sa
lc _T -
da economia humana antes da atuação na especialidade
ia. x. ntrodução
oncológica (Perdicaris, 2005).
câncer, na atualidade, é urn problema de saú
A cirurgia ainda está muito aquém das necessida
í-313.
TJ>
O de pública e um desafio a ela. A estimativa de
incidência do Instituto Nacional de Câncer
.a) para o ano dc 2008 é de 466.730 novos casos.
**-.lizmente, uma significativa parcela desses casos é diag-
des da nossa realidade nacional, repleta de diagnósticos
tardios e casos avançados com prognóstico ruim. Ainda
assim, devemos considerar que: a) o complexo denomina
II - do câncer engloba mais de duas centenas de doenças, com
* -içada tardiamente, com conseqüente prejuízo para a
grande variedade carcinogenética, havendo algumas
: revida e a qualidade de vida desses pacientes.
. com longa latência subclínica, cuja sintomatologia tardia
A cirurgia, a mais antiga modalidade de tratamento
já pode significar estadiamento avançado, do ponto mole
-âncer, ainda é uma das principais armas de combate
cular ou orgânico; b) o campo cirúrgico abrange apenas o
c: :ra essa patologia, além de ferramenta essencial para
setor locorregional, não atingindo as células neoplásicas
bom prognóstico. Trata-sc aqui dc um ramo da cirur-
em circulação (CNC) ou mesmo outros sítios de dissemi
p . voltado à terapia dos tumores malignos; os novos pa-
nação ainda assintomáticos; c) apesar de ainda eficaz e re-
imas biológicos e terapêuticos estão evoluindo para
solutiva, a cirurgia clássica é fenotípica e atua na fronteira
v iizá-lo ou mesmo modificar sua forma de ser e se
■ 80* do visível e do palpável (LI1CC, 1998).
•-sentar, constituindo um recurso de primeira linha,
'' A sistematização da cirurgia, como arte e técnica, teve
íoe oá
i- -xtensão ou diminuição dos seus limites. Em uma vi-
microscópica, o papel do cirurgião, na constelação um grande impulso a partir do século XIX. Um exemplo
marcante teve relação com o tratamento dos tumores ma
cnpêutica atual, c fenotípico, pois ele atua sobre sinais
r -:omas, isto é, de forma extracelular, não genômica. mários. Naquela época, William S. Halsted (1852-1922)
rato significa que o bisturi como arma terapêutica foi o mentor da clássica mastectomia radical (excisão do
cr ;ou a uma fronteira desafiante: o compartimento maciço mamário e da musculatura do pequeno e grande
í zhrcc
- .'ar e os seus códigos genéticos. Considerando essa peitoral, com esvaziamento ganglionar axilar) como forma
i ateira, a atenção do cirurgião, independentemente da de combate ao câncer de mama. Ele tinha como meta um
M-i de atuação, deve também estar focada na biologia controle curativo locorregional, com um entendimento
n ecular e sua expressão no momento da escolha e mo- biológico da doença razoável para a época. Arualmente,
fm ■ ramento da sua terapia. sabe-se que, embora de início localizado, o tumor pode
Durante algum tempo denominada “a cirurgia dos evoluir sistemicamente de forma precoce e insidiosa, gra
hs?**
ãr incos”, os progressivos estudos estabeleceram para ças à combinação do seu perfil biológico com as condições
BC2» ar «- ma crescente complexidade, diante do binômio da homeostátícas do hospedeiro (Halsted, 1907).
fc-iaa e da qualidade, pelas inúmeras variáveis da do- Entretanto, ao longo dos anos, sucessivas observa
pu: <4 e-.: e das suas controvérsias. Atualmente, de forma ções clínicas constataram que aquela tão preconizada
* mòinada ou não, ela participa de todas as fases do rra- “radicalidade” não amplificou significativamente a so-
- ~ t m o oncológico, do ponto de vista diagnóstico, radi- brevida dos pacientes, além de aumentar a morbidade.
tOGSO- - -j paliativo. Há também de se considerar o perfil do Essa questão só foi revista no entardecer do século XX,
pramc *' “'sional atrás do bisturi, pois trata-se de uma terapia como fruto de metanálises, traduzindo um entendimen
J- 33<- « -rcialízada, multiorgânica e abrangente. Esse mosaico to mais racional da biologia cumoral. Associado a esse
- r' unia previa e sólida formação nas diversas áreas perfil, o advento de novas combinações diagnósticas e
146 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
terapêuticas está ajudando a moldar uma representação (1 907) lançou na sua época, ainda são fundamentalmen-
mais otimista do complexo câncer no alvorecer do século te válidos e ecoam em todas as salas operatórias. São
XXI, inclusive com suas análises genética e epigenética eles: manipulação adequada dos tecidos; substituição do
mais acuradas (Ota, 2003). instrumental, dos campos cirúrgicos e das luvas “con
No caso dc um câncer de mama, por exemplo, no taminados” por células tumorais; amplo conhecimento
momento do diagnóstico inicial por autopalpação, o tu anatômico das regiões abordadas. Esses conceitos bási
mor já apresenta, em média, 1 cm de diâmetro, com cerca cos continuam contribuindo para a diminuição de im
de um bilhão de células polimorfas e totipotentes. Se já ti plantes, recidivas e disseminações neoplásicas, com re
ver evoluído com micro ou macrometástases nesse ponto, flexos, em especial, na qualidade de vida, sobrevida e
quer linfáticas quer venosas, isso significa que esse clone recuperação precoce dos enfermos, independentemente
realizou cerca de trinta duplicações, em um período mé de toda a evolução da medicina atual.
dio de seis a sete anos. Em algumas pacientes, a ação de Assim, a cirurgia do câncer também avançou preco
genes como o BRCA1, o BRCA2, o HER-2, a família p53 nizando a integração de conhecimentos microbiológicos
e seus produtos protéicos determina formas muito singu e controle do seu ambiente, a melhor avaliação do me
lares de evolução, sendo necessário, nesse tumor específi tabolismo homeostático do organismo, a segurança da
co, redimensionar sempre o tratamento, principalmente anestesia, o uso das fibras ópticas, as técnicas endoscópi-
individualizando-o em atenção ao seu estado evolutivo, cas miniinvasivas, a engenharia médica e a contribuição
em face da recente técnica de microarray, entre outras, e de todas as áreas do conhecimento humano, diminuindo
utilizando, inclusive, o banco de tumores (Maughan et dl sobremaneira os riscos e as lesões decorrentes da ação
2001; Kallioniemi, 2002; Ozaki e Nakagawara, 2005). do cirurgião ou da patologia per se. No entanto, rodos
Na esteira do Projeto Genoma, a técnica de microar esses saltos científicos positivistas que expõem o ser hu
ray consiste numa tecnologia que permite a análise dc um mano na sua dimensão molecular ressaltam também a
número elevado de genes e suas combinações possíveis. necessidade de um olhar mais atento para a sua mente.
Dessa maneira, é possível estabelecer o comportamento Esta modela o corpo, e vice-versa, com uma abordagem
ncoplásico preditivo reacional observando uma seqüên- “além do bisturi”, qualquer que seja a sua natureza físi
cia de DNAs marcados e conhecidos (bioships) diante do ca, tendo em vista que “as palavras, o olhar, os gestos e
RNA mensageiro obtido do tumor do paciente, o que pro o silêncio podem ser mais cortantes que o mais afiado
porciona, inclusive, um tratamento mais criterioso e indi bisturi ou mais analgésicos que o mais potente entorpe
vidualizado (Lockhart e Winzeler, 2000). cente” (Perdicaris, 2006).
Assim, perante a crescente revolução biotecnológica, Desse modo, o cirurgião deve estar atento às conse-
a cirurgia ultra-radical e mutiladora, em alguns casos, foi qiiências da sua terapia sobre o sistema imunológico, já
sendo gradativamente substituída (com o aumento dos que tanto o tratamento como também a anestesia, depen
diagnósticos precoces) por ações de impacto menos agres dendo da sua extensão e intensidade, têm efeitos imuno-
sivo, porém eficazes, como as tumorectomias, as cirurgias depressores. Nesse caso, a atenção às relações humanas
segmentares e até as linfoadenectomias mais regradas, ou deve ser sempre focada nos processos comportamentais de
mesmo abolida, na dependência da pesquisa de linfonodos adesão ou rejeição às comédias e tragédias do cotidiano.
sentinelas, comprometidos ou não, nas zonas de drena Há uma série de situações traduzidas em um universo de
gem linfárica da mama. (A pesquisa do linfonodo senti frases, questionamentos ou constrangedores silêncios que
nela também está sendo padronizada em relação a outros permeiam o espaço entre o cirurgião e o doente, os familia
rumores, como o melanoma.) res e a própria equipe mulriprofissional responsável. Todos
Com essa mesma visão evolutiva, a combinação da esses portais podem se converter em caminhos positivos ou
cirurgia com outras armas, como químio-hormoniotera- negativos, dependendo da leitura e interpretação daquela
pia, radioterapia c modificadores da resposta biológica, de realidade. Todos os sistemas envolvidos nesse cenário (ner
forma neo-adjuvante (utilização pré-operatória) ou adju voso central, endócrino e imunológico) dialogam entre si,
vante (pós-operatória), revolucionou não só a abordagem contribuindo para reações favoráveis ou desfavoráveis ao
terapêutica de câncer de mama como a de outros tumo complexo câncer e vislumbrando uma nova especialidade:
res, analogamente. As masrectomias totais, hoje, só estão a psiconeuroendócrino-imufwlogia (Moreira, 1992).
indicadas em casos localmente avançados, inclusive com As palavras-chave da cirurgia dc câncer contempo
finalidade higiênica (UICC, 1998; Sherman e Gill, 1998; rânea são multi e interdisciplinaridade, talvez mais bem
Wagman, 2002; Ota, 2003). alocadas dentro da denominação transprofissionalidade,
Entretanto, é importante e oportuno ressaltar que, tendo em vista a complexidade e a singularidade das ma
mesmo após mais de uma centena de anos, mesmo com nifestações da doença. São inúmeros os momentos e as
todos os avanços tecnológicos dessa nossa era pós- representações da patologia, em nível físico, mental e es
industrial, os princípios gerais da cirurgia, que Halsted piritual. É bom ressaltar que, quando um cirurgião aden-
A C I R U R G I A D E C Â N C E R E 5 U A S F R O N T E I R A S 147
t na bolha vital dc um paciente (agente), ele está apenas gens de segurança da zona ressecada. A abordagem pode
-alinhando forças vitais já existentes dentro daquele ser ser extra ou intracavitária.
imano há milhões de anos. Graças aos processos evolu- Cirurgia curativa: as ressecções com intenção cura
vos, lá estão prontos para interagir a resposta metabó- tiva ou radical são executadas quando o estadiamento
:a ao trauma, a velocidade de cicatrização, a vigilância determinou se a doença está ou não confinada ao setor
ziunológica, os neurotransmissores, as endorfinas, as ca- locorregional, inclusive após exame intra-operatório. Essa
)laminas c a vontade de vencer ou dc se adaptar àque- modalidade cirúrgica visa remover o tumor primário com
r nomento. Trata-se de um intercâmbio extremamente ampla margem de segurança, extensiva à sua bacia de dre
ieiicado e cercado de cuidados, quer pela opção pelo aro, nagem linfática e ganglionar, em bloco ou não. Os limites
- irr por sua aceitação, com extremo respeito pelos prin- excisionais de segurança são determinados por exames
- r.os bioéticos (Perdicaris, 2006). anatomopatológicos, requisitados seqüencialmente du
Tendo em vista o caráter prognóstico da cirurgia no rante o ato operatório (exame de congelação). Essas ci
c-~cer, é necessário atentar para a necessidade de uma ava- rurgias podem ser executadas “a céu aberto"' ou de forma
iação acurada das condições clínicas do paciente-agente, miniinvasiva, por meio de tecnologia videoendoscópica.
: correto estadiamento (grau evolutivo da doença) e da Atualmente há estudos sobre a expressão de marcadores
experiência profissional da equipe terapêutica. A conduta tumorais, como o p53, nos limites do tumor como fator
c rjrgica é um somatório de fatores, com base em evidân- predisponente para recidivas, mesmo com margens mi
que determinam uma fronteira ética entre os critérios croscópicas livres, no denominado “campo nimoral**. Essa
licos que indicam, ou não, a ressecabilidade radical e as variação genética altera o “prognóstico curativo” da ci
* "íbilidades biológicas de operabilidade, considerando: rurgia. As recidivas ou as metástases também podem ser
> r que e quanto aquela intervenção beneficiaria o eníer- tratadas com a remoção total, quando isoladas e em locais
. e se alteraria significativamente a história natural da funcional e anatomicamente acessíveis. Isso amplia a so-
t doença; a hipótese de algo mais a fazer, além da cinir- brevida e a qualidade de vida dos pacientes (Nakamura,
. naquele momento (Drumond, 1998). 2004; Ozaki e Nakagawara, 2005).
A cirurgia miniinvasiva hoje ocupa um lugar ímpar
no estabelecimento do diagnóstico, na confecção do esta
Modalidades diamento e na remoção de tumores, sem afetar os princí
Cirurgia diagnóstica: a biópsia cirúrgica é o ponto pios e a abordagem oncológica. O rermo laparoscopia foi
rurtida para o estabelecimento do diagnóstico, me usado pela primeira vez em 1911, por um autor alemão
nte uma suspeita tumoral, e, por conseguinte, o seu chamado Jacobaeus, citado recentemente por D’Ugo et al.
■l a ramento. Esse ato visa fornecer material representati- (2003), cuja técnica, na época, contribuiu de forma signi
rara o exame anatomopatológico e seus marcadores ficativa para o diagnóstico dc enfermidades como cirrose,
>gicos. Deve haver um trabalho e um diálogo sinérgi- tuberculose peritoneal e tumores rnetastáticos abdominais.
rntre o cirurgião e o patologista, pois ambos tem igual Atualmente, a videoendoscopia abrange uma gama imensa
msabilidade e envolvimento nesse procedimento. O de indicações no diagnóstico, no monitoramento e na re
?• T.eiro deve informar o segundo sobre todo o quadro tirada com segurança de tumores em praticamente todas
meo do paciente, para otimizar o diagnóstico, em bc* as cavidades, com vantagens bem mensuráveis quanto à
ficio de todos. morbidade e à mortalidade pós-operatória. A sua execu
Biópsia por punção: a punção com agulhas ou rro- ção deve levar em conta o estadiamento e as condições
dc tecidos de órgãos internos já está estabelecida clínicas do paciente (Sabiston e Lyerly, 1996).
aceita como técnica bem desenvolvida (associada aos Cirurgia paliativa: mesmo sem remover totalmente o
res de imagem - raios X convencionais, romografia tumor ou abordá-lo, a cirurgia pode conrríbuir para a me
rutadorizada, ultra-sonografia) no diagnóstico de vá- lhora da qualidade de vida ou de sobrevida de um pacien
> tumores, em diversas situações clínicas e em distintas te. Derivações, estomias, disposição de próteses intravis-
K JC .irafias anatômicas. Os tumores primários ou secun- cerais ou cavitárias, sbunts venosos são exemplos clássicos
r > mais frcqücnres abordados com esse procedimento dessa modalidade cirúrgica, que pode ser executada por
de mama, tireoide, próstata, gânglios linfáticos, pul- técnica de “céu aberto” ou endoscópica.
1 e fígado. Cirurgia citorredutora: o conceito de que a redução
Biópsia incisional e excisional: a escolha entre a bi- volumétrica primária do rumor melhora a eficiência da
: incisional (fragmentos do tumor) e a excisional (to- quimioterapia ou da radioterapia serve apenas para rumo
- cede do tumor) c determinada pela forma, extensão, res específicos, entre eles os rabdonnossarcomas, na infân
zação e grau de infiltração da neoplasia. Muitas ve- cia, e os tumores de ovário, em adultos. Deve-se deixar
múltiplas amostras devem ser obtidas para um diag- o menor resíduo possível do tumor no leito operatório,
tico mais preciso, inclusive para determinar as mar delimitando a área abordada com clipes metálicos, para
148 TEMAS EM P S I C 0 - O N C 0 L O G I A
orientação terapêutica subseqíiente ou avaliação da sua Finalmente, ainda no campo da cirurgia de câncer,
eficácia. Poderá haver novas intervenções, seqüencialmcn- deve-se considerar que a formação profissional desse te
te, de forma secundária ou mesmo terciária, dentro da rapeuta, nos dias atuais, inclui não somente o domínio
combinação terapêutica. de técnicas e recursos da área, mas principalmente um
Cirurgia preventiva: indicada para lesões considera profundo conhecimento da biologia tumoral e da histó
das pré-malignas de alto risco em várias regiões, como ria natural desse complexo nosológico denominado cân
boca (leucoplasias, eritroplasias), pele (disqueratoses, ne- cer. Impõe-se um olhar para dentro da célula e para os
vos juncionais) e cólon (pólipos adenomatosos vilosos). recursos cuja evolução contribuiu para a adaptação do scr
Em casos de elevada incidência familiar de alguns tumo humano à busca da sua saúde, diante do risco da doença.
res, além de um rigoroso controle, são indicadas cirurgias Suas competências e habilidades (proficiência) devem es
com finalidade preventiva (por exemplo de mama, na ex tar alicerçadas em uma medicina baseada em evidências,
pressão genética de BRCA1 e BRCA2). norteadora dos melhores propósitos e resultados da práti
Cirurgia reconstruí ora: o avanço da cirurgia plástica ca da especialidade (Perdicaris, 2005).
reconstrutora, com o advento de múltiplos e complexos Nesse alvorecer de século, continua óbvio que a ati
retalhos cutâneos, fasciocutâneos, musculares por rotação vidade primordial do cirurgião cancerologista gira cm tor
ou pediculados e a associação da microcirurgia vascular, no da própria especialidade, embora possa ter funções na
abriu novas perspectivas para a reabilitação de pacien área docente, da pesquisa e até administrativa. Entretanto,
tes antes condenados a conviver com as suas mutilações nada disso teria sentido sem a consideração da necessida
e deformidades cosméticas e funcionais. A utilização de de de elaborar uma interlocução competente, diante de
expansores e próteses também se somou a essa gama de todas as variáveis que envolvem a figura do cirurgião e
recursos, em prol da qualidade de vida desses indivíduos, a representação do paciente. Isso sc traduz para o pro
como no caso exemplar da reconstrução da mama. fissional como outro tipo de “estadiamento”, ou seja, a
Há ourras modalidades, tais como acessos venosos ou avaliação emocional ou da concepção espiritual daquele^
arteriais, por meio de cateteres semi ou totalmente im que buscam caminhos para enfrentar a doença (Bevilac-
plantados de forma percutânea ou subcutânea (tipo Porth- qua, 1996).
a-Cath), para a administração de diversos fármacos, prin E nesse contexto o cirurgião deve ter competên
cipalmente quimioterápicos, evitando extravasamentos cia para conjugar o verbo medicar na primeira pessoa
ou rupturas vasculares, com conforto e segurança para os do singular, também olhando para si, nos limites da sua
pacientes. O acesso vascular também permite a utilização humanidade, cuja intervenção objetiva e subjetiva pode
do recurso terapêutico da cmbolização, quando vasos nu mudar o curso dos acontecimentos. Esperança deve ser a
trientes importantes de um tumor podem ser bloqueados sua palavra de ordem, e ética a sua conduta. E com issi
por êmbolos de fibrina ou dipados. Na ausência ou na poder compreender o outro na sua integridade, idenri-
diminuição dc irrigação o tumor pode regredir ou desapa ficando-o, no mais amplo processo de comunicação - c
recer (Wagman, 2002). exercício da empatia.
Referências bibliográficas
Bevilacqua, R. G. “Reflexões sobre o perfil do cirur Lockhart, D. J.; Winzeler, E. A. “Genomics, gene
gião de câncer hoje e do século XXI”. Acta Oncológica expression and DNA arrays”. Nature, v. 405, n. 6788, p.
Brasileira, São Paulo, v. 16, n. 1, p. 42-6, 1996. 827-36, 2000.
Drlmontd, J. P. Medicina baseada em evidências. São Maughan, N. J. et al. “An introducrion to arrays*\
Paulo: Atheneu, 1998. The Journal of Pathology, v. 195, n. 1, p. 3-6, 2001.
D’Ugo, D. xVl. et al. “Laparoscopic staging of gastric Moreira, M. S. “Câncer e psicoimunologia”. Jornal
câncer: an overview”. Journal of the American College of Brasileiro de Medicina, Rio de Janeiro, v. 61, n. 1, p. 4"
Surgeons, v. 196, n. 6, p. 965-74, 2003. 56, 1992.
Halsted, W. S. “The training of the surgeon”. Nakàmura, Y. “Isolation of p53-target genes anc
Bulletin of the Johns Hopkins Hospital, v. 15, n. 267, their functional analysis”. Câncer Science, v. 95, n.
1907. p. 7-11, 2004.
KalliONIemi, A. “Molecular signatures of breast cân Ota, D. M. “WhaFs new in general surgery: surgic
cer”. The New England Journal of Medicine, v. 327, n. 25, oncology”. Journal ofthe American College of Surgeons.
p. 2067-8, 2002. 196, n. l,p. 926 -32, 2003.
a t suas ^ \ r a s *\*&
Ozaki, T.; Nakagawara, A. “P73, a sophisticated p53 Sherman, C. D.; Gill, P. G. “Princípios cirúrgicos",
incer,
fcc tC- imily membér in the câncer world”. Câncer Science, v. in: UICC (União Internacional Contra o Câncer). Manual
toínio 96, n. 11, p. 729-37, 2005. de oncologia clínica. Trad. A. André M. Perdicaris. Sâo
K um Perdicaris, A. A. M. /frrtf atém do bisturi: velhos
Paulo: Fosç^ 1998.
fcisró- ..iminbos, wot/as fronteiras da comunicação médica. San
Uicc (União Internacional Contra o Câncer). Manual
d cán- tos: Leopoldianum, 2006.
____ . “Residência médica cm cancerologia cirúrgica: de oncologia clínica. Trad. A. André M. Perdicaris. São
•ra os
*k> ser ^ novo paradigma, um novo pcrãl profissional”. Revista Paulo: Fosp, 1998.
•ença- Sociedade Brasileira de Cancerologia, São Paulo, v. 32, Wagman, L. D. “Principais of surgi cal oncology”. In:
ttn es* 4, p. 273-7, 2005. Pazdur, R. et ai (eds.). Câncer management: a multidis-
Êrcias. Sabiston, D. C.; Lyerly, H. K. Fundamentos de
ciplinary approach - medicai, surgical & radial ion oncol
Ipriti- ~ -rgia. Trad. Fernando Diniz Mundim et al. 2. ed. Rio
ogy. 6. ed. Nova York: PRR, 2002, p. 1-8.
i aneíro: Guanabara Koogan, 1996.
12 an-
m ror-
èes na
5/te de interesse
rtir.:--. Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC)
essida- www.sbcancer.org.br
■K de
RADIOTERAPIA
J oão V ictor S alvajoli ; M aria L eticia G obo S ilv -
plantes de sementes de iodo no tratamento do câncer de de partículas e elementos emissores de radiação alfa, beta
“■ >stata), caracterizados por utilizar materiais com baixa e gama ganharam grande impulso e desenvolvimento tec
a-vida e energia, que permanecem no paciente (Brad- nológico. Esse progresso tem possibilitado a realização de
t e Perez, 2002).
planejamento computadorizado, mais acurado e em ter
Porque a fonte dc radiação está em contato com a ceira dimensão, que faculta maior segurança ao paciente,
-rerfície tumoral, a dose é detenninada principalmente com danos muito reduzidos aos tecidos normais.
: i lei do inverso do quadrado da distância, detnonstran- Associado ao desenvolvimento dos aparelhos, observa
: a importância da geometria do implante em seu arranjo mos um avanço substancial na ciência da compreensão dos
racial (Khan, 2003). efeitos da radiação sobre os tecidos: a radiobiologia. Con-
l & ü
dose possível no volume tu moral, garantindo maior taxa A utilização da radioterapia pré-operatória baseia-se
de controle da doença e os menores níveis de qualquer na erradicação de doença subclínica ou microscópica além
sequela severa nos tecidos normais adjacentes. Pode ser das margens de ressecção cirúrgica, diminuição de implan
prescrita antes do procedimento cirúrgico (chamada neo- tes cumorais pela redução no número de células viáveis no
adjuvante), como em sarcomas, tumores de reto e canal campo operatório, esterilização de linfonodos metastáticos
anal; é feita posteriormente (adjuvante) em casos de neo- e aumento da ressecabilidade das lesões. Por outro lado,
plasia gástrica, tumores localmente avançados de cabeça e pode interferir na cicatrização dos tecidos normais. Já a
pescoço, SNC, mama, endométrio; associada à quimiote radioterapia pós-operatória fundamenta-se na eliminação
rapia, é bastante empregada atualmente nos protocolos de de rumor residual no campo operatório, na erradicação de
preservação de órgãos como laringe; de forma exclusiva, é doença subclínica adjacente e na possibilidade de doses
usada em neoplasias de colo uterino e próstata. maiores que as usadas na radioterapia neo-adjuvante. A
A prescrição da radioterapia baseia-se nos seguintes associação radioterapia/quimioterapia será discutida en:
princípios: outro tópico (Hellman, 2002).
cosas e medula óssea), com resultantes mucosite, diarréia Um dos avanços mais importantes tem sido a utiliza
e pancitopenia. Já a toxicidade mais importante da radio ção de vários métodos de aquisição de imagens para me
terapia é causada por dano a tecidos de proliferação mais lhor definição do GTV e CTV Ressonância nuclear mag
lenta, como os do cérebro, pulmão e fígado, que tem apa nética, angiorressonância, espectroscopia, Spect e PET
recimento mais tardio. cada vez mais têm sido empregados para suplementar os
De maneira gerai, deve-se reservar a combinação dados obridos pelas romografias (Suir, 2002).
QT-RT para casos em que já exista comprovação de seus O desenvolvimento contínuo de programas para o
benefícios, com prazos longos de seguimento. Na rotina delineamento de estruturas normais e volumes-alvo e para
diária, afora os casos em que a combinação QT-RT já pode a simulação virtual, além da geração de portais eletrôni
ser considerada tratamento padrão, as duas modalidades cos e sistemas de monitoração de dose, vai desempenhar
devem ser usadas com intervalos suficientes para que haja importante papel no controle de qualidade do tratamento
reparo do dano tissular agudo (Simon, 1999). com radioterapia conformada 3-D (Suit, 2002).
A evolução tecnológica e nos estudos de radiobiolo-
gia permitirá melhor quantificação de dose efetiva para o
Perspectivas futuras controle local, com adequada distribuição na área a ser
As novas tecnologias melhoraram significativamente a tratada e menor incidência de efeitos colaterais, decorren
acurácia com a qual a radioterapia é planejada e aplicada. tes da irradiação de tecidos normais (Suit, 2002).
Referências bibliográficas
Bentel, G. C. Radiation therapy planning. 2. ed. International Commission of Radiation Units and Measu-
Nova York: McGraw-Hill, 1996, 643 p. rements, 1993.
Bradley, J. D.; Pfrez, C. A. “Fundamentais of patient ICRU report 62”. Bethesda: International Commis
management in radiation oncology”. In: Govindan, R.;
Arquette, M. A. The Washington manual of oncology. Fi
sion of Radiation Units and Measurcments, 1999.
Khan, F. M. The physics of radiation therapy. 3. ed. (
ladélfia: Lippincott Williams & Wilkins, 2002, p. 50-65. Filadélfia: Lippincott Williams Sc Wilkins, 2003, 560 p.
Chao, K. S. C; Pkrez, C. A.; Brady, L. W. Radiation
____ . Treatment planning in radiation oncology. 2. ed.
Filadélfia: Lippincott Williams 6c Wilkins, 2007,527 p.
oncology: management decisions. 2. cd. Filadélfia: Lippin
Linc, C. C; Chui, C; Losasso, T. et al. “Intensity
cott Williams 6c Wilkins, 2002, 768 p.
modulaced radiation therapy”. In: DeVita, VX; Hellman, S.;
Chu, E.; DeVita, V. T. “Principies of câncer manage
Rosenberg, S. A. Câncer: principies and practice of oncology.
ment: chemotherapy”. In: DeVita, V. T.; Hellman, S.; Ro-
6. ed. Lippincott Williams 6c Wilkins, 2002, p. 777-88.
SENBERG, S. A. Câncer: principies and practice of oncology.
Pinto, A. C. L. C; Leite, M. T. T. “A história da ra
6. ed. Lippincott Williams Sc Wilkins, 2002, p. 289-306.
dioterapia”. Tn: Salvajou, J. V; Souhami, L.; Faria, S. L.
Hall, E. J. Radiobiology for the radiologist. Filadél
Radioterapia em oncologia. Rio de Janeiro: Medsi, 1999,
fia: Lippincott Williams Sc Wilkins, 2000, 588 p. p. 7-18.
Hei i MAN, S. “Principies of câncer management: ra Simon, S. D. “Interações entre radioterapia e quimiote
diation therapy”. In: DeVita, V. X; Hellman, S.; Rosen- rapia”. In: Salvajou, J. V; Souhami, L.; Faria, S. L. Radiote
berg, S. A. Câncer: principies and practice of oncology. 6. rapia em oncologia. Rio de Janeiro: Medsi, 1999, p. 231-6.
ed. Lippincott Williams 6c Wilkins, 2002, p. 265-88. Suit, H. “The Cray Lecture 2001: coming technical
Icru (International Commission on Radiation Units advances in radiation oncology”. International Journal of
and Measurcments). “Prescribing, recording, and report- Radiation Oncology Biology and Physics, v. 53, n. 4, p.
ing photon beam therapy: ICRU report 50”. Bethesda: 798-809, 2002.
c PET
rr os
QUIMIOTERAPIA
pn o R icardo C aponero ; L uciana M. L ag ;
>e para
terôei-
|b ■
U~~ -
■ètoio-
ifura o
» a >cr
C
We must search for magic bullets. We must strike the Cirurgia
parasites, and the parasites only, if possible, and to do John Hunter, um cirurgião escocês (1728-1793), su
this, we must learn to aim with chemical substances! geriu que alguns tipos de câncer poderiam scr curados com
Paul Erlich (1854-1915) a ressecçáo cirúrgica, estabelecendo os primeiros critérios
dc ressecabilidade com base na mobilidade do tumor.
Míisü- Muitas cirurgias foram realizadas para a ressecçáo de
Uma breve história tumores, antes mesmo do surgimento da anestesia. Mas
âncer não é uma doença nova. As mais remotas foi seu aparecimento, na Universidade Johns Hopkins,
p. 3. ed.
Wp.
C evidências de tumores ósseos foram encontradas
em múmias egípcias, e a primeira descrição da
em 1846, que deu início ao período denominado “sécu
lo dos cirurgiões”, quando a cirurgia floresceu e surgiu
. >ença, embora o termo câncer ainda não fosse utilizado, a máxima: “Grandes cirurgiões, grandes incisões”. Idéia
:ara de 1600 a.C., no papiro de Edwin Siuith, que descre- essa que, diga-se de passagem, permaneceu válida até pou
P -«i.
•c oito casos de tumores ou ulcerações da mama, tratados co tempo atrás, quando o advento das cirurgias assistidas
rp.
!■■ min - ‘m cauterização. por vídeo (videotoracoscopia, videolaparoscopia e, mais
A origem do termo câncer é creditada a Hipócrates recentemente, cirurgia periorificial) mudou essa noção.
tx-Ov. S-i
■LTDfcg".- -60-370 a.C.), que utilizou a palavra carcinos para des- Três cirurgiões se destacaram por suas contribuições
-*.ver um grupo dc doenças que se apresentavam como para a cirurgia oncológica: Billroth, Handley e Halsted. Seus
k
kz n- ■-mores e ulcerações. trabalhos levaram às “cirurgias oncológicas”, com o intuito
Com Hipócrates surgiu a teoria de que as diversas de remover todo o tumor em conjunto com os linfonodos da
U S. L
: :-enças eram causadas pelo desequilíbrio entre quatro hu- região em que o tumor estava localizado (Harvey, 1974).
- res (sangue, fleugma, bile amarela e bile negra). O acú- William Stewart Halsted, professor de cirurgia na
p — -: “ ~u\o de bile negra em diversos órgãos era o responsável Universidade Johns Hopkins, desenvolveu a mastectomia
KxixX*- pelo surgimento do câncer, que, dessa forma, deveria ser radical durante a última década do século XIX, com base
Tirado com drenagem, cauterização, exérese e recomen- nos trabalhos de W. Sampson Handley, em Londres, que
.rções dietéticas (Lyons e Petrucclli, 1978). Essas idéias pressupunha que o câncer se disseminava a partir do cres
• -Juraram por mais de 1.300 anos, enquanto proibições cimento iocorregional. Embora com muito menos radica-
* -dosas impediam o progresso no conhecimento do cor- 1 idade do que a proposta por Halsted, a cirurgia ainda é
: humano e suas doenças (Gallucci, 1985). parte fundamental do tratamento da quase totalidade dos
Várias descrições da doença e seus possíveis tratamentos tumores sólidos de adultos e crianças.
acumularam, até o período da Renascença, quando cicntis- Com a descoberta dos microorganismos e das doenças
: como Galileu Galilei e Isaac Newton começaram a utilizar causadas por eles, nos séculos XVII e XVIII, alguns passaram
' ~ étodo científico, posteriormente empregado nas ciências a acreditar que o câncer era uma doença contagiosa. De fato,
-ogicas e no estudo do câncer (Diamandopoulos, 1996). o primeiro hospital para doentes oncológicos surgido na
Em 1761, o italiano Giovanni Morgagni foi o pri- França em 1779 foi forçado a mudar-se para fora da cidade
~r ro a realizar aurópsias correlacionando as doenças em decorrência do temor de que fosse espalhar a doença.
~i os achados após a morte, estabelecendo as bases O século XIX viu o nascimento da oncologia científi
■:-ao estudo da anatomopatologia, fundamental para o ca com a descoberta e o uso dos modernos microscópios.
' ido das neoplasias. Rudolf Virchow (1821-1902), freqiientemente denomi-
156 TEMAS EM P S I C 0 0 N C 0 L O G I A
nado o fundador da patologia celular, forneceu as bases respeito de um novo tipo de raio”, na qual usou o termo
científicas para os estudos Hsiopatológicos do câncer. Se X-ray, com o X sendo o símbolo algébrico para uma quan
Morgagni associou o câncer às alterações anatômicas, foi tidade ignorada. Passaram-se alguns meses e os raios X já
Virchow que o associou às alterações celulares e teciduais estavam sendo utilizados para o diagnóstico de diversas
(Cotran et ai, 1989). enfermidades e, três anos depois, para o tratamento do
Derivada das concepções hipocráticas, perdurou duran câncer. Em 1901 Rõntgen recebeu o primeiro Prêmio No-
te algum tempo a teoria de que o câncer era uma alteração no bel concedido na área de física.
fluxo da linfa. Essa teoria foi rapidamente superada quando Avanços tecnológicos permitiram a gênese de radia
Johanncs Müller, um patologista alemão, em 1838, demons ção ionizante, além da gerada por isótopos radioativos
trou que o câncer era formado pelo acúmulo de células e naturais, assim como a administração da radioterapia de
não de linfa, mas propôs que essa proliferação celular fosse forma muito mais precisa, englobando apenas as regiões
originada de “blasfemas” que se instalavam entre os tecidos que de fato precisam de tratamento.
normais. Foi Virchow, seu aluno, que sugeriu que as células As teorias modernas da carcinogênese se iniciam em
neoplásicas se originavam de células normais. 1911, quando Peyton Rous, no Instituto Rockefeller, em
Virchow propôs que a irritação crônica fosse a causa da Nova York, descreveu um sarcoma em galinhas causado
doença, mas ele acreditava falsamente que o câncer “espa por um vírus, posteriormente denominado vírus do sarco
lhava-se como um líquido”. Karl Thiersch, um cirurgião ale ma de Rous (Rous sarcoma vinis). Por seu trabalho, Peyton
mão, posteriormente demonstrou que os cânceres realizam Rous foi agraciado com o Prêmio Nobel em 1968.
metástases por meio da disseminação de células rumorais. Em 1915 se comprovou a carcinogênese química na
Apesar dos avanços na compreensão do câncer ocor Universidade de Tóquio. Desde então, diversos fatores
ridos entre 1800 e 1920, imaginava-se que alguns tipos etiológicos químicos, físicos e biológicos têm se somado a
poderiam ser causados por trauma físico. Essa crença, ain uma longa lista de potenciais carcinógenos.
da presente no imaginário de muitos pacientes, manteve- As novas teorias não eliminaram os tratamentos ci
se por muito tempo, apesar das constantes falhas em pro rúrgicos e radioterápicos. No entanto, até então, só eram
duzir cânceres por injúrias teciduais repetitivas em animais passíveis de tratamento os cânceres localizados e os mmo
de laboratório. res de mama e próstata que podiam ser paliados com as
ablações hormonais.
Hormonioterapia
Quimioterapia1
Outra descoberta do século XIX originou as bases
para uma nova forma de prevenção e terapêutica das neo- O termo quimioterapia foi empregado pela primeira
plasias de mama. Thomas Beatson, graduado pela Uni vez por Paul Erlich, em 1909, para designar o uso de um
versidade de Edimburgo em 1874, desenvolveu interesse composto de arsênico para o tratamento da sífilis. Em senso
na relação entre os ovários e a formação de leite nas ma lato, quimioterapia é o uso de substâncias químicas para
mas, provavelmente em decorrência de sua origem rural, tratamento de doenças, e essa designação continuou sendo
estando próximo a uma fazenda de criação de ovelhas. empregada para as sulfonamidas, descobertas por Domagk,
Em 1878, Beatson descobriu que as mamas de coelhas e para a penicilina G, descoberta por Alexander Fleming.
inrerrompíam a produção de leite após a remoção dos ová Só mais rccentemenre é que o termo tem ficado restrito às
rios, descrevendo seus resultados para a Sociedade Médi medicações utilizadas para o tratamento do câncer.
co-Cirúrgica de Edimburgo em 1896, conjuntamente com A terminologia, no entanto, ainda não é clara, já
a demonstração de que a ooforectomia produzia melhora que alguns quimioterápicos cirotóxicos (metotrexate, por
em algumas pacientes com tumores de mama. Seus traba exemplo) ocasionalmente são utilizados para o tratamento
lhos deram base para a moderna terapia hormonal, muito de doenças auto-imunes c muitos dos novos medicamen
antes da descoberta do estrógeno e seus receptores. tos antineoplásicos não são citotóxicos antiblásticos clás
Meio século depois, um uroiogista da Universidade sicos (todas as novas classes de anticorpos monoclonais e
de Chicago, Charles Huggins, relatou a regressão de cân terapia de alvo molecular).
ceres de próstata após a remoção dos testículos, um trata
mento utilizado até hoje.
Os primeiros esforços (1940-1950)2
Os primórdios quimioterápicos podem ser traçados
Radioterapia diretamente a partir da descoberta do gás mostarda, utili-
O século XIX estava próximo de terminar quando,
em 1896, um professor dc física, Wilhelm Conrad Rõnt- 1 Kardinal e Yarbro, 1979.
gen, apresentou uma palestra memorável intitulada “A 2 Papac, 2001.
QUIMIOT:- 157
c termo tdo como arma química na Primeira Guerra Mundial e LLA, no tinal dos anos 1940, esses agentes : * -se
Ba quan- rsmdado extensamente durante a Segunda (1939-1945), as primeiras drogas a induzir remissão em cr:- m
•oí X já lando o exérciro americano estava interessado em vários esse tipo cie leucemia. As remissões eram bre - * -
«krersas gentes derivados desse gás com o objetivo de desenvolver princípio era claro: os antifolatos podiam supri" i -
raio do atros mais efetivos e também medidas protetoras. liferação de células malignas e, dessa forma, restar
E:o Xo- Dois farmacologistas, Louis S. Goodman e Alfred função normal da medula óssea.
lilman, foram recrutados pelo departamento de defesa Poderia parecer que a remissão da doença c: _■
fie radia- : )s Estados Unidos para investigar as potenciais aplica ças fosse um apelo fantástico para o desenvolvimer:
fcoanvos res terapêuticas desses agentes. As observações de au- se tratamento, mas Farber encontrou muita resistér. —
DTü de psia de pessoas expostas ao gás mostarda revelaram que conduzir seus estudos em uma época em que a -
i regiões havia uma pronunciada depressão linfóide c mielóide na médica comum era de que as leucemias eram doer;
"tedula óssea (Gilman, 1963). curáveis e devia ser permitido que as crianças mor. -
Bam em Goodman e Gilman imaginaram que esse agente em paz. Em 1948, quando Farber publicou seus estue
íer. em r deria ser utilizado para o tratamento de linfornas, já no New EnglandJournal of Medicine (Farber et a!., 19- ■
cagado .ie eles são tumores das células linfóides. O primeiro encontrou ridicularização e incredulidade.
b sarco- * isso foi estabelecer um modelo animal em camundon- Exatamente uma década depois, cm 1958, no Na
^ffeyton i •> e demonstrar que eles podiam tratá-los com agen tional Câncer Institute, Roy Hertz e Min Chiu Li desc
tes do gás mostarda (Gilman e Philips, 1946). No passo briram que o metotrexate sozinho podia curar o coriocar-
feica na eguinte, em colaboração com um cirurgião torácico, cinoma, uma neoplasia maligna de células germinativas
k tarores xustav Linskog, após injetarem um agente relacionado, originada nas células trofoblásticas da placenta. Esse foi
mado a mustina (o protótipo da mostarda nitrogenada), em o primeiro tumor sólido a scr curado com a quimiotera
im paciente com linfoma não-Hodgkin, eles observaram pia (Li et ai, 1958).
r-.-> cí- ima dramática redução nas massas tumorais do paciente,
sc eram imbora o efeito tenha durado apenas poucas semanas,
■ tumo- esse foi o primeiro passo para a concretização do trata- Os passos seguintes3
icom as lento do câncer por agentes farmacológicos (Goodman Joseph Burchenal, no Memorial Sloan-Kettering
f t a L , 1946). Câncer Center, em Nova York, com a ajuda de Sidney
A mustina serviu como modelo para o desenvolvi Farber, iniciou seus próprios estudos com o metotrexate
mento de uma longa série de agentes antineoplásicos de- e encontrou os mesmos efeitos. Ele então decidiu tentar
■ominados “agentes alquilantes”, que matavam células de desenvolver outros antimetabólitos da mesma forma que
primeira •ipida proliferação por meio de danos causados ao ácido Farber havia feito, ou seja, modificando metabólitos ne
> ie um fesoxirribonucléico (DNA, do inglês). cessários para a divisão celular. Com a ajuda de George
mi senso Em 1950, David A. Karnofsky, imortalizado por sua Hitchings e Gertrude Elion, dois químicos farmacêuticos
cas para ->cala de performance status, publicou uma compilação que trabalhavam na Burroughs Wellcome Company, vá
■ sendo 'bre os usos clínicos da mostarda nitrogenada, o único rios análogos das purinas foram testados, culminando com
fcougk, iimioterápico disponível até então (Karnofsky, 1950). a descoberta da 6-mercaptopurina (6-MP), que mais tarde
Seming- Logo após a Segunda Guerra Mundial, uma segunda mostrou-se altamente efetiva como droga antileucêmka,
itnro às -rordagem ao tratamento farmacológico do câncer teve sendo empregada até os dias de hoje.
cio com os estudos de Sidney Farber, um patologista da Paralelamente, um grupo da Eli Lilly que pesquisa
iara, já H irvard Medicai School, sobre os efeitos do ácido fólico va produtos naturais descobriu que alcalóides da Vinca
pts, por :m pacientes com leucemia. rósea, originalmente rastreados como drogas antidia-
■_ — O ácido fólico, uma vitamina crucial para o metabo- béticas, bloqueavam a proliferação de células tumorais.
bazien- smo do DNA, havia sido descoberto por Lucy Wills em Depois se demonstrou que o efeito antitumoral dos alca
*» dás- 937. Ele parecia estimular a proliferação de células da lóides da vinca (vincristina, por exemplo) era decorrente
B.-nais e eucemia linfodtica aguda (LLA) quando administrado a da sua habilidade em inibir a polimerização de microtú-
crianças com esse tipo de doença. bulos, impedindo a formação do fuso mitótico durante a
Num dos primeiros exemplos de desenho racional de divisão celular.
.rogas (em vez da descoberta acidental), em colaboração Em resposta a esses sucessos preliminares o Con
.um Harriett Kálte e químicos dos Laboratórios Ledcrlc, gresso americano criou, em 1955, o National Câncer
raçados Farber sintetizou análogos dos folatos. Esses análogos, pri Chemotherapy Service Center (NCCSC), que se tornou
b. urili- meiro a aminopterina (muito tóxica) e depois a ametopre- o primeiro programa federal para promover a descoberta
:ma (agora denominada metotrexate), eram antagonistas de novas drogas para o tratamento do câncer, já que, diíe-
io ácido fólico e bloqueavam a função de enzimas depen
dentes de folato. Quando administrados a crianças com 3 Abeioff. 2004
158 TEMAS EM P S I C O - O N C 0 L O G I A
rentemente do que ocorre agora, a maioria das indústrias Emil Frei foi o primeiro a comprovar esse efeito ao
farmacêuticas não estava interessada no desenvolvimento mostrar que doses altas de metotrexate podiam prevenir a
de drogas antineoplásicas. recorrência de osteossarcomas após a ressecção do tumor
Foi o NCCSC que desenvolveu a metodologia a as primário (Jaffe et al., 1981). O 5-fluorouracil, um inibidor
ferramentas cruciais (como linhagens celulares e modelos da síntese de DNA, mostrou ser possível melhorar a sobre-
animais) para o desenvolvimento dos agentes quimioterá- vida de pacientes com neoplasia colorretal operada. Simi
picos. A era da quimioterapia estava iniciada. larmente, os estudos de Bernard Fisher, chefe do National
Surgical Adjuvam Breast and Bowel Project (NSABP), e
de Gianni Bonadonna, trabalhando no Istituto Naziona-
Os esquemas quimioterápicos le dei Tumori, de Milão, provaram que a quimioterapia
Em 1965, um grande salto ocorreu no tratamento do adjuvante após a ressecção cirúrgica completa dc tumores
câncer quando James Holland, Emil Freireich e Emil Frei de mama prolongava significativamente a sobrevida das
lançaram a hipótese de que a quimioterapia deveria seguir pacientes, em particular daquelas com tumores mais avan
as estratégias do tratamento antibiótico para a tuberculo çados (Bonadonna et al., 1976).
se e empregar combinações de drogas, cada uma com um Em 1956, C. Gordon Zubrod, que havia desenvolvi
mecanismo diferente de ação. do agentes antimalária para o exército americano, tornou-
Era concebível que células neoplásicas pudessem se diretor da divisão de tratamento do câncer no NCI e
apresentar mutações que as tomassem resistentes a agen coordenou o desenvolvimento de novas drogas. Nas duas
tes quimioterápicos isolados, mas, utilizando diferentes décadas que se seguiram ao esrahelecimento do NCCSC,
drogas concomitantemente, o desenvolvimento, pelas uma grande rede de trabalhos cooperativos para estudos
células tumorais, de resistência à combinação deveria ser clínicos se desenvolveu, sob os auspícios do NCI, para tes
mais difícil. Eles administraram, então, todas as drogas tar novos agentes antineoplásicos.
quimioterápicas disponíveis na época - metotrexate (um Zubrod tinha particular interesse em produtos natu
antifolato), vincristina (um alcalóide da vinca), 6-mer- rais e estabeleceu um amplo programa para coleta e teste
captopurina (um antimetabólito) c prednisona, referidas de plantas e organismos marinhos - um programa conrro-
conjuntamente como o esquema Pomp - e conseguiram verso, mas que levou ao desenvolvimento das taxanas, em
induzir remissões prolongadas em crianças com LLA. 1964, e das camptotecinas, em 1966.
Com refinamentos sucessivos do esquema original,
desenvolvidos em estudos randomizados feitos pelo St.
Jude Children’s Research Hospital, nos Estados Unidos, As taxanas
pelo Medicai Research Council (protocolos UKALL), no O paclitaxel representou o surgimento de uma nova
Reino Unido, e pelo Grupo Alemão de Estudos Clínicos classe de agentes antineoplásicos. Agindo sobre os micro-
- Berlim-Frankfurt-Münster (protocolos ALL-BFM) -, túbulos, de forma diversa dos alcalóides da vinca, pro
as LLAs em crianças tornaram-se doenças com alta pro movia a estabilização dos micronibulos polimerizados,
babilidade de cura. impedindo sua despolimerização. Infelizmente esse agente
Essa abordagem com a poliquimioterapia foi esten provou ser de síntese bastante difícil, sendo obtido apenas
dida para o tratamento dos linfomas e, em 1963, Vin- da casca do freixo (pacific yew tree - Taxus brevifolia),
cent T. DeVita e George Canellos, no National Câncer o que forçou o NCI a investir em custosos processos de
Institute (NCI), provaram que a união de mostarda ni- extração de substanciais quantidades de freixo de terras
trogenada, vincristina, procarbazina e prednisona - es públicas nos Estados Unidos.
quema conhecido como Mopp - podia curar pacientes Somente após a descoberta de uma fonte muito mais
com linfomas Hodgkin e não-Hodgkin. Atualmente, a renovável, as folhas da Taxus baccata, e do desenvolvimen
quase totalidade dos regimes quimioterápicos de inten to de um processo semi-sintético de produção em 1987
ção curativa utiliza o paradigma de administrar múlti (27 anos depois de sua descoberta), c mais quatro anos de
plas drogas simultaneamente. testes em tumores sólidos, o paclitaxel teve demonstrada
Como previsto em estudos em modelos animais, as sua atividade em neoplasias epiteliais do ovário, sendo seu
drogas quimioterápicas eram mais efetivas quando uti tratamento padrão até hoje.
lizadas em tumores de menor volume. Uma importante Produzido por um processo semi-sintético análogo
estratégia originada dessa hipótese foi a de que, se o vo ao do paclitaxel, também a partir da Taxus baccata, desen
lume tumoral pudesse ser reduzido primariamente pela volveu-se o docetaxel, com características clínicas e farma
cirurgia, a quimioterapia poderia ser capaz de eliminar cológicas que o distinguem do primeiro.
eventuais células tumorais residuais, mesmo que ela não Avanços na química das isosserinas e taxanas facilita
fosse suficientemente potente para destruir, por si só, o ram a síntese de taxanas de segunda geração com atividade
tumor inteiro. em linhagens celulares resistentes.
QUIMIOTERAPIA 159
MT mi Mimm
O DNA é a base do código genético que dá origem a Hoje temos apenas um vago entendimento de como
todas as células. Após aprender a traduzir seu código, os a regulação desses processos de expressão gênica - trans
cientistas eram capazes de entender como os genes funcio lação do mRNA, splicing alternativo e metabolização dc
navam e como eles podiam ser lesados por mutações (mu proteínas - ocorre. Novas abordagens terapêuticas já estác
danças em sua estrutura), desenvolvendo novas técnicas. sendo desenvolvidas com base na ação sobre esses proces
Essas técnicas de química e biologia responderam a muitas sos, mas são esperadas novas e revolucionárias descobertas
questões complexas a respeito do câncer. que nos levarão a uma compreensão ainda melhor - e.
Nesse ponto os cientistas sabiam que, alem de o cân quem sabe, completa - do fenômeno neoplásico.
cer poder ser causado por carcinógenos químicos, físicos
(radiação) e biológicos (vírus), algumas alterações gênicas
poderiam ser transmitidas hereditariamente. À medida Mecanismo de ação
que o conhecimento do DNA e dos genes aumentava, Para a divisão celular são necessários diversos proces
aprendia-se que o dano ao DNA por agentes químicos e sos. O primeiro deles é a duplicação do material genético.
radiação ou a introdução de novas sequências por vírus, Antes que a célula possa sofrer o processo de divisão, é
associados a mutações herdadas, estavam envolvidos na preciso que uma nova fita de DNA seja sintetizada. Essa
formação do câncer. Tornou-se possível determinar o exa etapa ocorre num período denominado fase de síntese
to ponto de dano em um gene específico. (fase S), em que a célula interrompe seus processos me
A carcinogêncse passou a ser a consequência de danos tabólicos usuais e utiliza toda a maquinaria celular para a
genéticos acumulados, levando ao desenvolvimento de um duplicação do DNA. E preciso que as bases nitrogenada"
grupo anormal de células mutadas (chamados “clones”), para a formação do novo material genético estejam dis
que evoluem para clones de comportamento mais maligno poníveis e que ocorram todos os processos enzimático
au longo do tempo. necessários para desfazer a estrutura terciária do DNA, se
O conhecimento da biologia molecular e da genéti parar as fitas complementares c duplicar cada uma delas.
ca, originado nos laboratórios de ciência básica, progrediu A fase de síntese é um processo de mão única e, uma
rapidamente com o advento da polimerase dos termótilos vez iniciado, precisará seguir até o fim. Danos ao DNA
aquáticos (Taq polimerase) e com a possibilidade de sinte que podem ocorrer ao longo dessa fase são detectados e
tizar grandes quantidades de material genético. reparados por DNA polimerases. Os danos irreparáveis
Processos como a angiogênese, a comunicação entre são sinalizados por meio da fosforilaçãu da proteína p5:
as células pela transduçáo do sinal entre a membrana e (a guardiã do genoma), que induz processos de morte ce
o núcleo, a regulação da apoptose e numerosos outros lular (apoptose).
eventos foram esclarecidos e esrão dando origem a novas
formas de tratamento.
Ainda há um longo caminho a scr percorrido. Mudan Antimetabólitos
ças conceituais significativas têm alterado nossa compreen Os quimioterápicos antimetabólitos (metotrexatc
são da biologia molecular normal e da célula neoplásica. pemetrexede, 5-fluorouraciI, 6-mercaptopurina, citara
Processos como a acetilação e desacetilação de histonas bina, gencitabina etc.) agem principalmentc na fase dc
e a mediação de segmentos de DNA e RNA inibitórios síntese, impedindo a sintetização de bases nitrogenadas
produzem um silenciamento gênico por vias epigenéticas, (purinas e pirimidinas), e dessa forma fazem que a célula
modulando a expressão gênica de uma forma até então não renha bases nitrogenadas para compor a nova fita dt
ignorada. ácido nucléico.
A translação do DNA em mRNA, imaginada como Outros antimetabólitos são incorporados ao DNA ou
simples e direta, na verdade sofre um processo denomi RNA no lugar das bases nitrogenadas originais, impedind-
nado splicing, ou fatiamento alternativo, fazendo que a leitura correra da informação genética e a duplicação d<
um único gene possa produzir mais de uma sequência de DNA, sua transcrição em RNA mensageiro e sua transla
mRNAs. As alterações de alguns nucleotídeos na sequên ção em proteínas.
cia do DNA, denominadas polimorfismo dc nucleotídeos
únicos (SNiPs. do termo inglês), são hoje as responsáveis
pela grande variabilidade interindividual e explicam mui Agentes alquilantes
tas das observações práticas. Os agentes alquilantes (cisplatina, carboplatina, ciclo-
As proteínas produzidas ainda sofrem reações de ubi- íosfamida, ifosfamida etc.) formam ligações estáveis entr
quitinação e desubiquitinação, associadas ao processo dc as hélices do DNA e impedem sua separação e, dessa for
degradação exercido por estruturas denominadas proteos- ma, a duplicação do material genético.
Q U I M I O T E R A P I A 161
€ também A interferência nas topoisomerases responsáveis pe Outros antibióticos naturais (bleomicina, mitomicina
las modificações estruturais das hélices de DNA (topote- C, acrinomicina D etc.) intercalam-sc no DNA impedin
> de como cano, irinotecano, podofilotoxinas, ctoposide erc.) leva à do sua leitura correta, levando à transcrição de um RNA
a - trans* rragmentação do DNA e indução da apoptuse. mensageiro que não funciona ou produz proteínas anôma
bação de Uma vez completada a síntese de material genético las. O bloqueio da transcrição do RNA e da sua tradução
fc li estão jom a duplicação do DNA, a célula faz um pequeno inter em polipeptídeos impede a síntese protéica adequada ao
cs proces- valo, denominado G2 (gap 2), de preparação para a mito longo de toda a atividade celular. Por esse motivo esses
Bcobertas se. Esse c um intervalo de duração geralmente fixa c breve, agentes são considerados cicloinespecíficos.
JÉhor - e, após o qual se iniciam os processos da mitose.
Da mesma forma que a síntese, a mitose é um processo
-reversível. Uma vez iniciada, ela precisa ir até o final ou a Poliquimioterapia
célula estará fadada a morrer. Para a mitose os cromosso Um progresso importante foi feito com a descoberta
mos se condensam (prófase) e alinham-se na linha média da da vantagem em combinar múltiplos agentes quimioterá
K proces- célula (metáfase), o fuso mitótico se desenvolve, ligando-se picos sobre o uso isolado deles. Alguns tipos de leucemias
í genérico. . >s cromossomos pela região do centrômero, e as cromáti- de crescimento rápido e linfomas responderam extrema
Éxvisão, é des irmãs são separadas (andfase). O processo se completa mente bem com o uso de combinações de quimioterápi
ttda. Essa cora a reestruturação das membranas nucleares e citoplas cos, e os estudos clínicos levaram gradualmente à melhora
le síntese ma ricas, separando as duas células filhas (cariocinese). das associações de drogas.
essos me- A mitose possui diversos pontos de checagem e é re- O uso de múltiplos fármacos pode fazer que algumas
br para a -ulada por ciclinas e ciclinas dependenres de quinases, mas combinações possuam efeitos antagônicos, ou seja, uma
loeenadas > grandes efetuadores das transformações dessa fase são diminuindo o efeito da outra; mas também pode ocorrer
ram dis- > tnicrotúbulos, formados de polímeros dc tubulina alfa e o efeito aditivo ou, o que é mais interessante, o sinergis-
nmiricos '•eta, que constituem não só o fuso mitótico mas também mo, em que uma droga potencializa o efeito da outra e
ONA, se > citoesqueleto celular. faz que o efeito final seja maior do que a simples soma da
aa delas. ação de cada uma delas utilizada isoladamente.
Ca e. uma A combinação de quimioterápicos rambém permite
ao DNA Antimicrotúbulos que se utilizem drogas com mecanismos de ação diferentes,
rctados e Os alcalóides da vinca (vincristina, vimblastina, vin- somando sua eficácia, mas com distinto perfil de eventos
paráveis :esina e vinorelbina) impedem a polimerizaçáo dos mi- adversos, minimizando a toxicidade geral do esquema.
ieína p53 -Totúbulos e a formação do fuso mitótico, ao passo que as Muitos tumores podem ser curados com o uso apro
cone ce- -i\anas (paclitaxel e docetaxel) e as epotilonas (ixabepi- priado dc combinações de quimioterápicos.
na erc.) impedem a despolimerização do fuso mitótico.
Esses grupos são específicos para células cm divisão celular
produzem a parada do ciclo durante a mitose, induzindo O momento do uso
. morte celular. da quimioterapia
axrexate. Completada a mitose, a célula entra numa nova fase,
c citara- i nominada G1 (gap 1), que pode ser bastante prolonga Tratamento remissivo
i rase de is dando origem a uma fase de quiescência celular do A quimioterapia começou a ser empregada para o tra
cçenadas minada GO (gap 0), quando as células são imunes aos tamento de neoplasias disseminadas ou avançadas demais
í a célula -cmtes quimioterápicos cicloespecíficos. para que pudessem ser tratadas por cirurgia ou radiotera
»a fita de pia. Nessa circunstância o tratamento é denominado remis
sivo, ou seja, ele busca a remissão total ou parcial da doença
iDNA ou Antibióticos naturais neoplásica, com o alívio de sintomas, o prolongamento do
ípedindo A daunorrubicina foi originalmentc isolada a partir tempo para a nova progressão da doença e, se possível, o
cação do c- uma colônia de Streptomyces spy em 1957, e demons- incremento do tempo de sobrevida total do paciente.
I transla- r atividade significativa em pacientes com leucemia Com a multiplicidade de medicamentos e combina
--lóide aguda. Pesquisas subsequentes para induzir va- ções deles, tornou-se possível uma sucessão de esquemas
r antes mutantes do Streptomyces sp resultaram no isola de tratamento cuja eficácia é determinada por meio dc es
mento da doxorrubicina. Embora a distinção entre essas tudos clínicos, estruturados em fases de desenvolvimento.
- - is antraciclinas se limite quimicamente a um grupo hi-
■*. ciclo * vila, existe marcante diferença em seu espectro clínico
entre - r atividade. As antraciclinas exercem sua atividade pela As fases dos estudos clínicos
lessa for- • írferência na topoisomerase II, uma enzima fundamen- Ha todo um desenvolvimento pré-clínico, em labora
- para a duplicação do DNA. tório, com cultura de tecidos e animais de laboratório com
162 TEMAS EM P S I C O - O N C O L O G I A
enxertos de tumores humanos (xenoenxerros), mas após com a observação de taxas de resposta em pelo menos 20%
essa fase os fármacos precisam ser testados em humanos. dos pacientes, são iniciados estudos de fase III.
Denominamos de farmacocinética o estudo do cami Nos estudos de fase III os pacientes normalmente são
nho que o medicamento percorre no organismo, ou seja, sorteados para receber o tratamento padrão para aquela
o que o organismo faz com o medicamento, quanto dele determinada situação clínica ou o novo tratamento, dito
é absorvido e como, por onde ele se distribui, onde é me- “experimental”. Se o novo tratamento for superior, passa
tabolizado e como é excretado. A farmacodinâmica é o a ser o padrão de tratamento. Dessa forma, por meio de
estudo das ações exercidas pelo medicamento sobre o or comparações sucessivas, os novos medicamentos migram
ganismo, seus efeitos terapêuticos e tóxicos. da indicação na última linha de tratamento para a primeira
Como a farmacocinética e a farmacodinâmica variam linha, desde que seu índice terapêutico seja superior.
significativamente entre as diferentes espécies, a primeira
fase dos estudos clínicos é transpor as doses avaliadas em
Tratamento neo-adjuvante
animais de laboratórios para a espécie humana. Não bas
tam os cálculos matemáticos de miligramas por quilograma Uma vez demonstrada a eficácia de um tratamento
de massa corpórea. Nessa primeira fase busca-se estabele na doença avançada ou metastática, parece evidente que
cer a máxima dose tolerada, e a partir dela recomenda-se em pacientes com doenças localizadas, mas onde a cirur
a dose ideal para a segunda fase de estudos. gia seria impossível, difícil ou muito mutiladora, o uso da
Os estudos de fase I podem mostrar alguma evidên quimioterapia poderia diminuir o volume rumoral, per
cia da atividade do medicamento, mas é na fase II que mitindo a realização da cirurgia ou menor radicalidade
esse medicamento, do qual teoricamente já sabemos a cirúrgica.
Considerando a cirurgia como o tratamento princi
dose ideal, é testado contra um painel de diversas doen
pal, o uso da quimioterapia nessa circunstância é denomi
ças. O objetivo dos estudos de fase II é observar a taxa de
nado neo-adjuvância, quimioterapia de indução ou, mais
respostas que o medicamento produz a diferentes tipos
raramente, protoquimioterapia.
de doença. Mais recentemente o tempo para a progres
Em algumas neoplasias em que a quimioterapia neo-
são, além da taxa de respostas, também tem sido utilizado
adjuvante é muito eficaz, como nas de mama, por exemplo,
como parâmetro de avaliação de eficácia.
ela passou a ser utilizada mesmo em situações nas quais o
Obviamente, por questões éticas, não se testa um
tumor primário poderia ser facilmente ressecado. Nesses
medicamento do qual não se conhece a eficácia em uma
casos, não há um ganho evidente de tempo dc sobrevida
situação em que há um tratamento efetivo disponível. As
global, mas a quimioterapia pode permitir cirurgias mais
sim sendo, os estudos de fase II são realizados em doenças
conservadoras ou, o que é mais importante, a observação in
sem um tratamento efetivo disponível ou, então, após a
vivo da resposta. Dessa forma, c possível mudar o esquema
falha dos tratamentos disponíveis.
de tratamento em pacientes que não respondem adequa
Como todos os tratamentos possuem efeitos terapêu damente, ou observar um grupo de pacientes que obtém o
ticos e efeitos adversos, o melhor nem sempre é o mais efi total desaparecimento da doença (resposta patológica com
caz, mas sim o que apresenta a melhor relação de eficácia pleta) e apresentará um prognóstico muito melhor.
e toxicidade, ou seja, o melhor índice terapêutico. A quimioterapia neo-adjuvante também pode ser utili
Quando há mais de um tratamento disponível para zada conjuntamente com a radioterapia, como nos tumores
determinada situação clínica, o tratamento de primeira de laringe e de reto, em que a combinação dos tratamentos
escolha, teoricamente o de melhor índice terapêutico, é contribui significativamente para uma menor radicalidade
denominado tratamento de primeira linha, ou tratamento cirúrgica e aumenta a chance de preservar órgãos.
padrão. Na falha do tratamento padrão, quando dispo Com a possibilidade de mudar o esquema de trata
nível, emprega-se um novo, denominado tratamento de mento neo-adjuvante caso não se observe a resposta dese
resgate ou de segunda linha. jada, também existe aqui a possibilidade de um tratamento
O tratamento de segunda linha pode ser de eficácia neo-adjuvante de primeira e de segunda linha.
menor, mesmo que menos tóxico, ou de maior eficácia, mas
com mais eventos adversos, fazendo que seu índice terapêu
tico seja menor. Tratamento adjuvante
Temos enrão os tratamentos de segunda linha, na fa Ainda hoje a cirurgia é a parte principal do tratamen
lha da primeira escolha, os de terceira linha, na falha da to de muitos tumores. A obtenção de uma ressecção com
segunda escolha, e assim por diante. pleta da doença era considerada a forma mais adequada de
Os estudos de fase 11 são realizados em pacientes que já tratamento. No entanto, observou-se que muitos pacien
foram submetidos a todas as linhas razoáveis de tratamento. tes com doença localizada, mesmo depois de submetidos à
Uma vez constatada a eficácia do medicamento, geralmente ressecção completa, apresentavam recidivas locais, regio-
Q U I M I O T E R A P I A 163
. a distância (mctástascs). A hipótese, nesses casos, é te com base na massa corpórca e na altura, a superfície
e a disseminação de células tumorais tenha ocorrido corpórea tem boa correlação com o volume sanguíneo e o
• da remoção do rumor primário. espaço de distribuição dos quimioterápicos.
Também parece pertinente a idéia de que, se a qui- Diferentemente da ação de outros fármacos, em que
■ terapia pode reduzir o número de células tumorais na a efetividade pode ser dererminada pelos níveis plasmáti-
. ça metastática, talvez ela possa eliminar essa doen- cos dos medicamentos e seus metabólitos, a quimioterapia
-i micrometastática residual. Empregada nesse contexto, efetiva não é a que se encontra no plasma, mas sim a que
[ - * - a realização do tratamento principal, quando não há impregna o ambiente intracelular, onde ela atua.
; -ça residual clinicamente detectável, a quimioterapia é Muitos métodos surgiram para otimizar os esquemas
minada adjuvante. de administração dos quimioterápicos, procurando traba
Os primeiros estudos sorteavam os pacientes alcato- lhar com conceitos de intensidade e densidade da dose.
“a—ente para receber apenas cirurgia, ou cirurgia seguida a idéia dc infusões contínuas com incremento da área sob a
7* : placebo, ou quimioterapia pós-operatória. Na seqiiên- curva da concentração dos quimioterápicos no plasma, c
cii. estabelecidos os primeiros tratamentos eficazes, os es- assim por diante.
-C ' assaram a comparar os tratamentos entre si.
A quimioterapia adjuvante foi primeiramente avalia-
w :m osteossarcoma, mostrando-se efetiva. Mais tarde se Vias de administração
zou o tratamento adjuvante nas neoplasias colorretais, A maior parte dos quimioterápicos é administrada
mama, tumores de células germinativas, de pulmão, es- por via endovenosa, embora exista um número crescente
L —ago, sistema nervoso central e outros. de agentes que podem ser administrados por via oral (por
Ao passo que a cirurgia e a radioterapia são rraramen- exemplo melfalan, busulfan, capecitabina, vinorelbina,
a:* etetivos para o controle locorregional da doença, é a fluorouracil, ciclofosfamida e temozolomida).
.anmioterapia que promove a erradicação de microme- Em alguns casos, sistemas sofisticados de perfusão de
Tss-.a>es sistêmicas. A diferença entre quimioterapia neo- quimioterápicos em um membro isolado podem ser uti
avante e adjuvante, portanto, está não na sua amplitude lizados (principalmente em sarcomas de partes moles e
içá o, mas apenas na inversão da ordem, tratando o lo melanoma), assim como a infusão dc quimioterápicos pela
ca. primeiro c o sistêmico depois ou vice-versa. Ambas as cateterização seletiva de vasos sanguíneos rincipalmcnte
' r~,as de tratamento, no entanto, podem contribuir para para quimioterapia intra-hepática). O principal objetivo
th- >res taxas de cura ou controle mais prolongado da dessas formas de administração c obter maior concentra
| : cnça, com maior sobrevida livre de recorrência. ção dos quimioterápicos nos sítios tumorais, sem causar
A abordagem terapêutica do paciente tornou-se excesso de toxicidade nos tecidos normais do restante do
ri.» científica com a introdução dos ensaios clínicos cm organismo.
ir-i ampla base mundial. Os estudos clínicos comparam Também é possível a administração de quimioterá
feCBO sovos tratamentos com os padrões estabelecidos e con- picos em cavidades naturais. As formas mais usuais são a
UO& Trbuem para uma melhor compreensão dos riscos e be- administração intravcsical, para o tratamento dos tumo
arfícios das diversas terapias. Eles testam desde teorias res superficiais de bexiga; a administração intraperitoneal,
a 'rspeito das neoplasias, elaboradas em laboratórios de para o tratamento das neoplasias do ovário e peritônio; e
w-cncia básica, até as idéias derivadas das observações clí- a administração intratecal (no espaço liquórico), para o
- de pacientes com doenças neoplásicas. tratamento da carcinomatose meníngea.
Só a pesquisa clínica profícua e criteriosa, essencial Infusões venosas prolongadas podem ser administra
riri o contínuo progresso da oncologia, separa a prática das por meio de bombas de infusão, quer em ambiente hos
I mpírica da ciência moderna. pitalar quer em esquemas ambulatoriais com bombas portá
teis. Algumas vezes lançamos mão da instalação de catereres
para a administração de infusões contínuas prolongadas, o
0 tratamento quimioterápico que é muito freqüente, de drogas irritantes para as veias ou
vesicanrcs e em pacientes com acesso venoso difícil.
Doses A potencial toxicidade, por vezes fatal, dos quimio
As doses dos quimioterápicos são o ponto mais crítico terápicos limita a dosagem que pode ser administrada.
^ tratamento. Se forem muito baixas, os medicamentos Assim, alguns rumores, que poderiam ser destruídos por
I õom- ineficazes contra o tumor, ao passo que doses exces- doses suficientemente altas de quimioterápicos, não po
ac-i ic **as levam a eventos adversos que podem ser intoleráveis dem ser curados, em decorrência da impossibilidade de
I : ianosos aos pacientes. administrar doses nesses níveis.
tàáus a Na quase totalidade dos esquemas, as doses são njus- O sucesso do tratamento quimioterápico depende,
reço- :ias pela superfície corpórca. Calculada matematicamen então, do delicado equibbrio entre eficácia e toxicidade
164 T E M A S E M P S I C 0 - O N C 0 L 0 G I A
ar por meses a anos. Urna exceção a esse efeito crônico No entanto, as medicações quimioterápicas são admi
oxaliplatina, que produz alteração aguda na função nistradas conjuntamente com medicações de suporte, com
_ > canais de cálcio, causando, além da neurotoxiddade o intuito de minimizar seus eventos adversos. As medica
--mulativa crônica, uma neuropatia aguda típica, agrava- ções mais freqüentemenre utilizadas incluem os antiemeti-
_i pelo frio. cos, anti-histamínicos e corticosteróides. Essas medicações
A neurotoxiddade também pode atingir estruturas também provocam eventos adversos que muitas vezes são
r ^lãncnicas c causar obstipação (principalmente com a contundidos com os efeitos da própria quimioterapia.
- cristina). que é acentuada pelo uso de opióides e antie- Com o uso dos antieméticos c anti-histamínicos po
- éticos inibidores do receptor 5HT3. dem ocorrer, mais comumente, agitação, sonolência e di
minuição na capacidade dc atenção.
Os corticosteróides podem associar-se com epigas-
Diarréia rralgia, aumento do apetite, alterações do sono c, em al
guns casos, mudanças de comportamento, chegando, em
Em oposição, o irinotecano, metabolizado em SN38
raras oportunidades, ao desenvolvimento de quadros psi
- metabólito ativo) na parede intestinal, pode produ-
cóticos orgânicos.
" diarréia aguda, independentemente da lesão mucosa,
Embora tenham sido descritas ocorrências de neuro-
- no ocorre com outros quimioterápicos.
toxicidade central com o paclitaxel, incluindo raros casos
Afora esses eventos adversos percebidos pelos pacien-
de coma, a ação dos quimioterápicos nas funções cerebrais
• ■ que contribuem frequentemente para o comprometi-
superiores é bem pouco frequente e difícil de ser distinguida
mto da qualidade de vida, podem ocorrer alterações da
da ação concomitante de outros medicamentos, e também
f ção de outros órgãos, identificadas em exames bioquí-
de alterações cognitivo-comportamentais decorrentes de
t - > s realizados durante o tratamento.
fc C
todo o contexto da doença neoplásica e não da ação far
macológica dos quimioterápicos.
Embora muitos profissionais da saúde mental asso
Outros eventos adversos
ciem alguns quimioterápicos a quadros psicológicos de
Os sais de platina, principalmente a cisplatina, po- depressão e ansiedade, é muito difícil explicar esses efei
l e
~i produzir alterações da função renal por dano á fun- tos por mecanismos psicofarmacológicos, assim como é
ç: tubular. Alguns quimioterápicos são hcpntotóxicos, e praricamcnte impossível isolá-los dos efeitos indiretos
is intraciclinas, de forma dose-dependente, lesam as cé- provocados pelo diagnóstico da doença neoplásica e das
t > miocárdicas por estresse oxidativo, podendo levar modificações na imagem corpórea e desconforto somático
.. mocardiopatia crônica. A bleomidna está associada ao produzidos pela doença e pelas seqüelas dos diversos tra
-- envolvimento de doença pulmonar intersticial. tamentos realizados.
Grande parte dos eventos adversos da quimioterapia A poli farmácia é um evento bastante comum em on
: reversível com a suspensão do tratamento, mas podem cologia. Os pacientes geralmente são mais idosos e apre
c. -rrer danos definitivos em relação à fertilidade, quer sentam co-morbidades como hipertensão arterial, diabe
esterilização de células produtoras de gametas (tan- tes, insuficiência cardíaca, hipotireoidismo etc., condições
P2*
I em homens como em mulheres) quer pela indução de essas que precisam ser tratadas paralelamente. Ourros
r-enorréia em algumas mulheres. pacientes ainda recebem associações de tratamentos an-
tidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos para lidar com as
situações adversas do impacto psicossocial do diagnósti
Carcinogenicidade co do câncer. Pacientes com doença em fase mais avan
A ciclofosfamida, paradoxal mente, exerce ação car- çada podem apresentar dor, tratada frequentemente com
cênica e pode ser a responsável pelo surgimento de a associação de analgésicos opióides, antiinflamatórios e
- mias secundárias ao tratamento quimioterápico. Fe- neurolépticos (para alterar o limiar de percepção da dor).
tnente esse evento não é muito frequente, ocorrendo Toda essa medicação pode produzir eventos adversos, que
— cerca de 0,5% das pacientes tratadas por neoplasia precisam ser diferenciados dos efeitos colaterais da qui
ir mama. mioterapia propriamente dita.
Exceção deve ser feita à horrnonioterapia. Os ini
bidores da aromatase estão relacionados com alterações
Efeitos sobre funções cerebrais superiores cognitivas, principalmente alterações referentes à dificul
Uma grande proporção de pacientes apresenta fadiga dade de fixação da memória recente.
A supressão da atividade estrogênica em mulheres
: :■ blemas neurocognitivos, como incapacidade de con-
(por ooforectomia, análogos LHRH, inibidores da aroma
- '"ação, algumas vezes denominada comprometimento
tase c modificadores seletivos do receptor de estrógeno) e
cr.itivo pós-quimioterapia (Tannock et ai, 2004).
166 TEMAS EM P S I CO - 0 N C 0 LO G I A
da atividade androgênica em homens recebendo terapia Inúmeras combinações ainda podem ser exploradas
hormonal para o tratamento do câncer da próstata (or- para aproveitar o sinergismo existente entre algumas me
quiectomia, análogos LHRH, antagonistas do receptor dc dicações.
andrógeno ou derivados estrogênicos) modifica a sexuali Novas formas de administração, como de lipossomos,
dade, em geral com a perda da libido. lipossomos peguilados e nanopartículas de albumina liga
Uma ampla gama de eventos colaterais é possível. Ta dos aos quimioterápicos, têm propiciado maior eficácia e
belas de eventos adversos relacionados à terapia antineoplá- menor toxicidade.
sica e sua gradação, como a NCI-CTCAE v. 3.0 (National Paralelameme, têm-se desenvolvido medicamentos
Câncer Institute common terminology crireria for adverse para reduzir os efeitos adversos da quimioterapia, tais
events, version 3), são facilmente consultáveis na internet. como fatores de crescimento dc colônia (como o fator
Grande parte do progresso no tratamento quimiore- de crescimento de granulócitos, fator de crescimento de
rápico nas duas últimas décadas decorreu do desenvolvi queratinócitos etc.) c agentes quimioprotetores (como o
mento de novas medicações e formas de administração da dexrazoxano e a amifostina).
quimioterapia, permitindo melhor controle dos eventos A terapia lipossomal é uma nova técnica que usa
adversos. Dessa forma e' possível uma me/hor administra drogas quimiorerdpicas ligadas a partículas de lipídeos.
ção das drogas antineoplásicas, com doses e periodicidade formando pequenos corpúsculos, os lipossomos (glóbulos
mais adequadas, contribuindo para maior conforto e se sintéticos de gordura). Os lipossomos permitem uma nova
gurança dos pacientes, e também para maiores taxas de distribuição farmacocinética, facilitando a penetração do
sucesso. quimioterápico mais seletivamentc nas células neoplásicas
e diminuindo possíveis eventos adversos (como alopecia,
náuseas, vômitos, inielossupressão e cardiotoxicidade).
Perspectivas futuras Exemplos de medicações lipossomais são a doxorrubicina
Dentro do espectro da quimioterapia anrineoplásica e a daunorrubicina.
tradicional, novas estratégias têm sido desenvolvidas para Para além da quimioterapia citotóxica tradicional,
aumentar a atividade e reduzir os indesejáveis eventos ad antiblástica, a descoberta de novos alvos terapêuticos per
versos do tratamento. mitiu o desenvolvimento de anticorpos monoclonais e
Novas drogas ainda estão surgindo, em novas clas pequenas moléculas dirigidos a esses alvos. Esses novos
ses terapêuticas: as epotilonas, por exemplo, com eficácia e promissores tratamentos, no entanto, não estão substi
superior à das taxa nas, e ativas mesmo em neoplasias re tuindo a quimioterapia tradicional, mas somando-se a ela
sistentes a elas. na obtenção de melhores resultados da terapêutica.
Referências bibliográficas
ÀBELOFF, M. D. et al (eds.). Clinicai oncology. 3. ed. Gilmàn, A. “The initial clinicai trial of nitrogen
Filadélfia: Elsevier Churchill Livingstone, 2004, p. 408-13. mustard”. American Journal of Surgery, v. 105, p. 574-8,
Bonadonna, G.; Brusamouno, E.; Valagussa, P.; Rossi, 1963.
A.; Brugnàtelli, L; B ram ri li .a, C.; De Lena, M.; Tancini, Guman, A.; PiiiüPS, E. E. “The biological actions and
G.; Bajetta, E.; Müsumeci, R.; Vfronesi, U. “Combinarion therapeutic applications of the B-chloroethyl amines and sul-
chemotherapy as an adjuvant treatment in operable breast fides”. Science, v. 103, n. 2675, p. 409-36, 1946.
câncer”. The New England Journal of Medicine, v. 294, n. Goodman, L. S.; Wintrobe, M. M.; Dameshik, W.;
8, p. 405-10, 1976. Goodman, M. J.; Gilman, A.; McLennan, M. T. “Nitrogen
Cotrax, R. S.; Kumar, V; Robbins, S. L. Robbins’ pa- mustard therapy. Use of methy1-bis(beta-chlorocthyl)amine
tbologic basis of disease. 4. ed. Filadélfia: Saunders, 1989. hydroehloridc and tris(beta-chIoroethyl)amine hydro-
Diamandopoui.oS, G. T. “Câncer: an historical perspec chloride for Hodgkin’s disease, lymphosarcoma, leukemia.
tive”. Anticancer Research, v. 16, n. 4A, p. 1595-602, 1996. and certain allied and miscellaneous disorders”. TheJournal
Farber, S.; Diamond, L. K.; Mercer, R. D.; Sylves- of the American Medicai Association, v. 105, p. 475-6, 1946.
tfr, R. F.; Wolff, V. A. “Temporary remissions in acute Reimpresso no JAMA, v. 251, n. 17, p. 2255-61, 1984.
leukemia in children produced by folie antagonist, 4-ami- Harvey, A. M. “Early contributions to the surgery of
nopteroylglutamic acid (aminopterin)”. The New England câncer: William 8. Halsted, Hugh H. Young and John G.
Journal of Medicine, v. 238, p. 787-93, 1948. Clark”. Johns Hopkins Medicai Journal, v. 135, n. 6, p
Gallucci, B. B. “Selected concepts of câncer as a dis 399-417, 1974.
ease: £rom the Greeks to 1900”. Oncology Nursing Fo- Jaffe, N.; Ljxk, M. P.; Coiif.n, D.; Tragcis, D.; Frei
/-/////, r; /_?. /7. /?. *7-77, J'. )Y4z7j, /2, B/ iAvm/Fr, G. J?f-AnjriSOJV, Jd. T. “HJg}?-
QUIMIOTERAPIA 167
- r methotrexate in osteogenic sarcoma. National Can- Lyons, A. S.; Petrucelli, R. J. Medicine: an illnstrated
- Institute Monograph”, v. 56, p. 201-6, 1981. history. Nova York: Harry N. Abrams, 1978.
Kardinal, C. G.-, Yarbro, J. W. “A conceptual history of Papac, R. J. fcOrigins of câncer rherapy”. YaleJ urna!
BO&. lãcer”. Seminars in Oncology, v. 6, n. 4, p. 396-408.1979. of Biology & Medicine, v. 74, n. 6, p. 391-8, 2001.
liça- Karnofsky, D. A. “Nitrogen mustards in the treat- Rosenberg, B.; VanCamp, L.; Trosko, J.; Man\ k,
Kia c ~ent of neoplastic disease”. Advances in Internai Medi- H. “Platinum compounds: a nevv class of potent antitunu:
. te, v. 4, p. 1-75, 1950. agents”. Nature, v. 222, p. 385-6, 1969.
ma» Li, M. C; Hertz, R.; Bergenstal, D. M. “Thera- Tannock, I. R; Ahles, T. A.; Ganz, P. A.; Van Dam, F
r : of choriocarcinoma and related trophoblastic tumors S. “Cognitive impairment associated with chemotherap;
Í2£C<- :h folie acíd and purine antagonists”. The New England for câncer: reporr of a workshop”. Journal of Clinicai On-
k de urnal of Medicine, v. 259, n. 2, p. 66-74, 1958. cology, v. 22, n. 11, p. 2233-9, 2004.
BO O
C 2Ü
êec*.
sni
fc.do
» •:•
KL> e
M06
K*«=-
Lr4*
rce^
pt ar
fcaG.
. o. p.
4 Fta
Vbç&-
IMUNOTERAPIA E TRATAMENTOS BIOLOGICOS
DO CÂNCER
N ise H itomi Y amaguchi ar ;
câncer é resultante de uma evolução clonal de angiogênese fatores de crescimento como o fator de cres
I !
científicos que comprovaram que as células tumorais têm transplante de medula óssea ou de órgãos (rim, fígado,
moléculas diferentes na sua superfície, que são capazes de pulmão) ou os portadores de síndrome da imunodeficiên
induzir uma resposta do sistema imunológico. Entretan cia adquirida (HIV), têm vinte vezes mais ocorrências de
to, pode haver a produção de substâncias como o tnins- câncer do que o resto da população. Esses pacientes de
forming growth factor-beta (TGF-beta), entre outras, que vem receber maior atenção, principalmente com relação a
í
podem levar o sistema imune a não reconhecer a célula linfomas, leucemias e tumores do tipo epitclial, em espe
tumoral, em um mecanismo chamado evasão tumoral. A cial quando associados ao papilomavírus humano, que é
evasão tumoral é a capacidade da célula tumoral de ser co-causador dc câncer de colo de útero, pênis e ânus, en
pouco vista pelo sistema imunológico, c algumas células tre outros, e cujo papel ainda está sendo discutido. Assim,
í
do sistema imune podem, inclusive, contribuir para que pode haver ações diretas do sistema imunológico, durante
não seja reconhecida pelo sistema imunológico como uma o crescimento de tumores, por atuação de células T cito-
célula a ser destruída (De Visser et al., 2006). O microam- tóxicas ou mesmo por substâncias produzidas por células
Í :
biente tumoral também é rico em substâncias produzidas do sistema imunológico. Pode existir também a atuação de
por células inflamatórias, como interleucina-1 c interleu- anticorpos e de pequenas proteínas relacionadas à destrui
cina-6, estando a produção de ciclooxigenase 2 e metalo- ção de células tumorais (MoccMin et al., 2007). O estudo
proteinase-9 relacionada à proliferação dc vasos tumorais, do sistema imunológico e das células em relação aos tumo
i
em um mecanismo chamado de angiogênese. Atuam na res pode ser mais bem elaborado por meio dc técnicas mo-
demas de desenvolvimento de anticorpos monoclonais, totalmente as condutas técnicas e são de grande ajuda no
de citometria de fluxo e de estudos do DNA (genômica e acompanhamento dos tumores.
imunõmica) e de proteínas produzidas pela complexa rede Com relação ao tratamento, os anticorpos monoclo
de transcrição de genes (proteômica). nais têm a capacidade de se unir a um antígeno específico
O objetivo atual da itnunoterapia do câncer é esti na superfície da célula tumoral, sendo por isso chamado
mular a resposta imune celular e molecular de maneira
30 (/>
que os efeitos deletérios do microambiente tumoral so entretanto, a partícula à qual têm de se ligar, como, por
bre ela possam ser superados (Mufson, 2006). O sonho exemplo, o c-erbB2 no câncer de mama. O c-erbB2 é uma
de poder aplicar terapêuticas de atuação pelo sistema proteína codificada pelo gene HER2-neu, que existe em
imunológico passou por diversas terapias inespecíficas, cerca de 20% dos tumores malignos de mama e acartou
de baixa eficiência, como o propalado uso do BCG para uma evolução mais agressiva. Entretanto, quando detecta
melanoma e, depois, para tumores localizados de bexi do, serve como alvo molecular para o anticorpo monoch -
ga, com um efeito mais irritativo que imunológico, e do nai chamado trastuzumabe (Herceptin). Atualmente esse
Corynebacterium parvum, de uso genérico e também anticorpo é utilizado para prevenção, após retirada de
com dificuldade de mostrar atividade mensurável. Atual tumor sem evidência de metástases, ou para o tratamento
mente, porém, com o advento dos anticorpos monoclo- efe pacientes com metástases e câncer de mama com alra
ai$, muitos novos tratamentos têm sido possíveis, tanto positividade de c-erbB2 ou com aumento do número de
i área do câncer como da reumatologia. Outros meca-
cópias de genes do tipo HER-2. Em casos de metástases,
.smos de indução direta do sistema imunológico serão
esse tratamento aumenta em até 50% a sobrevida das pa
umbém discutidos.
cientes, tendo grande impacto em sua qualidade de vida
e de seus familiares. Esses anticorpos são utilizados em
conjunto com quimioterápicos ou hormonioterápicos, e
Anticorpos monoclonais
têm de ser monitorados com relação aos efeitos colaterais
Uma nova área terapêutica com a utilização de peque-
no coração (Esteva, 2004).
' moléculas envolvidas em diversas etapas da resposta
Tumores sólidos que tenham expressão de fatores de
* unológica, dentro de complexas interações de rede de
crescimento epiteliais (EGFs), como os de cabeça e pes
trole, com a ação de anticorpos contra antígenos pró-
coço c dc intestino, podem ser tratados cm esquemas de
rr.os que precisam ser suprimidos (do contrário, ocorrem
quimioterapia associada ao anticorpo monoclonal chama
- eriças auto-imunes corno a tireoidite de Hashimoto, o
do cetuximab (Erbitux) (Wong, 2005). Existe também a
-rus eritematoso sistêmico, entre outras) e anticorpos
possibilidade de que estudos de câncer de pulmão, mama,
isenciais na defesa do organismo contra vírus, bactérias
esôfago, pâncreas, entre outros, possam se beneficiar do
c “clusive tumores, isolados ou associados à ativação do
uso desse anticorpo monoclonal associado à quimiotera
Br o»
c.: z:plemento ou mesmo de células citotóxicas do sistema
- -ne (Reichert e Valge-Archer, 2007). pia, por enquanto.
L A*- Outro anticorpo muito utilizado atualmente é o inibi
A produção de anticorpos monoclonais foi possível a
I» dor do fator de crescimento de endotélio de vasos (VEGF)
:r dos trabalhos de Kõhler e Milstein, nos anos 1970,
zl - fizeram um hibridoma fundindo células que produ-
que diminui a vasculatura tumoral: o bevacizumabe (Avas-
po:, tin). O VEGF é necessário para o crescimento da maioria
r: — anticorpos contra um antígeno específico com células
bs- dos tumores e vem sendo validado em conjunto com a
á _Lm mieloma (que tinham capacidade de proliferação),
ie jí z i tecnologia viabilizou a produção de anticorpos em quimioterapia no tratamento do câncer de intestino, de
Bi <ár- ^---zdades significativas, de uso diagnóstico e terapêuti- pulmão e de mama, com gradual aplicação em outros ti
I»* w No diagnóstico, os anticorpos monoclonais são usados pos de tumores sólidos (Arsene ct al., 2006).
«?C- cr dos os testes sorológicos do tipo radioimunoensaio Um anticorpo que mudou o controle do linfoma
c • enzimaimunoensaio, responsáveis pela dosagem de B, que tem um antígeno de superfície do tipo CD20,
\h "/.òníos, de anticorpos contra hepatites, citomegaloví- é o rituximabe (Mabthera). Pacientes com esse tipo de
■■ H1V, e também pela dosagem de marcadores tumorais linfoma avançado, ligado h infecção pelo HIV ou não,
- - ersos tumores, como os do tipo CEA (antígeno car- podem ser tratados com quimioterapia, eventualmente
SB • .mbriônico), CA 19-9, CA 15-3, PSA, entre outros. com radioterapia para doenças localmente extensas, e
Â.. _z na área do diagnóstico, definem os receptores hor- com imunoterapia com rituximabe (Mabthera) (Bona-
s ■ ' de estrógeno e progesterona no tecido mamário vida, 2007). Outros anticorpos monoclonais têm sido
p —.eio da imunoistoquímica e auxiliam no diagnóstico úteis contra diversos tipos de leucemia, como o alemtu-
■J ncial de tumores de origens diversas (mostram a di- zumab (Campath), para leucemia linfocítica crônica, e o
• • :a entre um tumor mctastático proveniente da tireói- genuuzumab (Mylotarg), para leucemia mielóide aguda
IBO* é —i do pulmão, por exemplo). F.sses dados modificam (Li e Zhu, 2007).
Diversos outros anticorpos vêm sendo testados, e mentar a imunidade contra as células tumorais utilizando
o conceito de anticorpos específicos contra alvos dc su células tumorais atenuadas ou mesmo partículas de su ft 1
perfície celular de células tumorais de determinada li perfície dessas células. Os estudos científicos ainda são
nhagem é muito importante, já que é uma terapêutica controversos, e as vacinas celulares contribuem para a
muito mais específica e dirigida. Entretanto, como exis melhoria da qualidade de vida somente em alguns pacien
tem muitas variações da expressão das proteínas-alvo, tes, com câncer de rim ou melanoma. O que se sabe é que
em alguns casos o uso dos anticorpos isoladamente não os mecanismos de evasão tumoral atrapalham a resposta
é suficiente. Daí a necessidade de combinação de vários imune c o paciente com câncer em geral chega depau
tipos de tratamento. perado, com muitos dos tratamentos quimioterápicos e
radioterápicos interferindo na sua capacidade de reação,
o que dificulta qualquer tratamento que dependa direta
Citoquinas (interleucina-2 mente da sua resposta imunológica.
e interferon) Vacinas utilizando partículas de superfície de cé
Poucos tratamentos do câncer mereceram tanta aten lulas e mesmo anticorpos antiidiotipo que mimetizem
ção como o que diz respeito às substâncias produzidas por esses antígenos de superfície vêm sendo testadas, como
células do sistema imunológico com potencial atividade de no caso da vacina contra antígeno carcinoembriônico
aumento da resposta imune, a partir dc células NK, linfó- (CEA), MUC-1, Mage e outros. É possível que no futuro
citos citotóxicos e células apresentadoras de antígenos. No possamos vacinar os pacientes contra células de câncer
entanto, as expectativas geradas foram maiores do que os de mama ou melanoma que expressem determinados
resultados reais, e as toxicidades, muitas. O efeito das to epíropos (que funcionam como agentes estimuladores do
xicidades variava dc calafrios c febre até quedas importan sistema imunológico).
tes de pressão, choques e problemas cardiorrespiratórios.
O uso da interleucina-2, aplicada por via endovenosa, de
via ser acompanhado de cuidados de UTI, e alguns esque Agentes de alvo molecular
mas terapêuticos utilizaram a via subcutânea com menor
Receptor de fator de crescimento epitelial
toxicidade, manifestando alguma atividade em câncer de
rim metastâtico e melanoma. Essas são áreas em que o in (EGFR)
terferon alfa (leucocitário) e o beta (fibroblástico) atuam, As células tumorais do tipo epitelial, como, por
com a leucemia de células cabeludas e o linfoma T cutâneo exemplo, o carcinoma não de pequenas células de pul
também respondendo ao uso de interferon. Hoje em dia, mão (CNPCP), o carcinoma de cabeça e pescoço, o carci
para o câncer de rim metastâtico, já estão cm uso agentes noma de pâncreas, entre outros, expressam grande quan
mais ativos, e o interesse pelos interíerons diminuiu. tidade dc receptores de fator de crescimento epitelial. O
erlotinibe e o gefitinibe têm a capacidade de bloquear
a ação desses receptores, levando à estabilização e até
Vacinas mesmo à regressão da doença. Em pacientes com cân
A questão da vacina contra o câncer está no imagi cer de pulmão e expressão muito aumentada de EGFRs.
nário de todos; considerando que a progressão da doen caracterizada por um exame de Fish ou de mutação do>
ça passa por mecanismos de evasão do sistema imune, o receptores, a resposta ao uso dessas drogas chega a 70'
ideal seria que o paciente pudesse ser vacinado contra em casos selecionados.
células ou partículas do seu próprio tumor. Teoricamente
isso seria possível, mas, na prática, em 2007 se restringiu
a situações muito específicas, de caráter mais experimen Inibidores de múltiplas vias de sinalização
tal. A vacina que realmente tem papel definido quanto a
(multi-kinase inhibitors)
proteger os pacientes do câncer é a existente contra o pa-
pilomavírus humano, o HPV. No momento, duas vacinas A possibilidade dc inibir diversos receptores de fa
no mercado induzem uma resposta imune contra tipos tores de crescimento - como o próprio EGFR, mas tam
carcinogênicos de HPV e podem ter papel importante na bém o receptor de fator de crescimento de endotélio dc
diminuição do risco dc câncer de colo do útero, pênis, ca vasos (VEGFR), o receptor de fator de crescimento de
nal anal e alguns tipos de câncer de orofaringe e esôfago rivado dc plaquetas (PDGFR), entre outros - cria um-
com alguma relação com o HPV. Existem outros fatores nova classe de substâncias de ação reconhecida sobre
envolvidos, porém a questão virai deve ser considerada. câncer de rim metastâtico, que vem gradua/niencc mi
Outro tipo de vacina em relação ao qual existe mui grando para novas áreas terapêuticas, pois, em síntese,
ta expectativa diz respeito à possibilidade teórica de au maioria dos tumores sólidos depende dc múltiplos fat<
IMUNOTERAPIA E TRATAMENTOS BIOLOGICOS DO CÂNCER
, crescimento. Ocorre muitas vezes qne determina- da célula tumoral, justifica-se um grande investimento
. medicamento é testado em tipos de tumores para os na área, já que precisamos de muitas estratégias para
' existem poucos tratamentos, devido a aspectos de combater o câncer.
- : t o e regulamentação da liberação para uso em se- Novos paradigmas são mais que bem-vindos no tra
numanos; o medicamento só passa a ser testado em tamento do câncer, uma doença que tem o estigma da
: * >s tipos de tumor mais tarde. Mas a prova do prin- morte, mas, cada vez mais, ao serem desvendados os seus
tem grande validade, pois, se os rumores regridem segredos, se torna uma doença passível de prevenção e
: - “do são inibidos os fatores de crescimento habituais de tratamento.
Referências bibliográficas
Arsene, D.; Galais, M. R; Bouhjer-Leporrier, K.; Rei- peuties for Ieukemia”. Expert Opinion on Biological Ther-
. J. M. “Recent developments in colorectal câncer apy, v. 7, n. 3, p. 319-30, 2007.
::ment by monoclonal antibodies”. Expert Opinion on Mfri.o, L. M.; PEPPER, J. W.; Reid, B. J.; Maley, C. C.
ygical Therapy, v. 6, n. 11, p. 1175-92, 2006. “Câncer as an evolutionary and ecological process”. Nat
Bonavtda, B. “Rituximab-induced inhibition of anti- ural Reviews. Câncer, v. 6, n. 12, p. 924-35, 2006.
protic cell survival pathways: implications in chemo/ Mocellin, S.; Lise, M.; Nitti, D. “Tumor immunol-
• jnoresistance, rituximab unresponsiveness, prognos- ogy”. Advances in Experimental Medicine and Biology, v.
_r.d novel therapeutic interventions”. Oncogene, v. 26, 593, p. 147-56, 2007.
■l 15, p. 3629-36, 2007. Mufson, R. A. “Tumor antigen targets and tumor im-
De Visshr, K. E.; Eichtkn, A.; Coussens, L. M. munotherapy”. Erontiers in Bioscience, v. TI, p. 337-43,
\m~ iradoxical roles of the immune systern during câncer 2006.
.ijpment”. Nature Reviews. Câncer, v. 6, n. 1. p. Reichert, J. M.; Valge-Archer, V. E. “Development
>-37, 2006. trends for monoclonal antibody câncer rherapeuties”. Na
Esteva, F. J. “Monoclonal antibodies, small molecules, ture Reviews. Drug Discovery, v. 6, n. 5, p. 349-56, 2007.
vaccines in the treatment of breast câncer’'. The On- Wong, S. F. “Cetuximab: an epidermal growth factor
rist, v. 9, supl. 3, p. 4-9, 2004. receptor monoclonal antibody for the treatment of colorectal
Li, Y; Zhu, Z. “Monoclonal anribody-based thera- câncer”. Clinicai Therapeutics, v. 27, n. 6, p. 684-94, 2005.
TRANSPLANTE DE CELULA-TRONCO
HEMATOPOIÉTICA: VISÃO GERAL
D aniela C arinhanha S etúbal ; M aribel P elaez D ôro
: _: = :
BBC££
I restante do sangue ao doador (Figura 2). O procedimento sem nenhum tipo de risco para o doador e a parturiente
i-ra cerca de quatro horas e c normalmente realizado no (Figura 3). Até o momento da sua utilização, o SCU fica ar
'.co de sangue ou no quarto do paciente, sem necessi- mazenado nos bancos de sangue de cordão umbilical exis
áe de anestesia ou internação. A administração do fator tentes em várias panes do mundo. O primeiro transplante
crescimento é, em geral, bem tolerada, mas sintomas com sangue de cordão umbilical (TSCU) foi realizado em
no dor óssea ou muscular, febre c sensação de mal-estar 1988 em uma criança com anemia de Fanconi (Gluckman
relatados. Complicações mais graves são infrequentes et al., 1989); desde então, mais de seis mil pacientes já
- correm em menos de 2% das doações (Anderlini et al foram submetidos a essa modalidade de transplante. Por
W6).). Comparado com o de medula óssea, no transplante causa da presença dc linfócitos ditos "‘inocentes”, a inci
: CTHs periféricas o maior número dc linfócitos T conrri- dência da doença do enxerto contra o hospedeiro é menor,
para incidência aumentada de doença do enxerto contra mesmo quando não existe 100% de compatibilidade de
>spedciro crônica (Cutler et ai, 2001). HLA. Existe também menor risco de transmissão de doen
Vários fatores interferem na escolha da fonte de ças infecciosas. O TSCU tem sido muito utilizado princi
CTHs a ser utilizada. A decisão se baseia no tipo da doen- palmente em pacientes sem doador familiar que necessi
(maligna versus não maligna, avançada versus preco- tam de transplante com urgência. Em adultos ou pacientes
. no tipo de transplante (autólogo versus alogênico), no com peso maior, o transplante de duas unidades de sangue
iu de compatibilidade de HLA, nas características e dis- de cordão umbilical confere resultados similares aos do
-ibilidade do doador e do centro transplantador. transplante com outra fonte celular (Rocha et al., 2004;
O sangue obtido do cordão umbilical (SCU) ê rico em üiughlin et al., 2004). A criação de novos bancos de SCU
ís, mas seu volume é limitado - varia de 50 a 200 ml. A pode facilitar a busca de doadores para rransplante e con
[ e o congelamento são feitos logo após o nascimento, tribuir com a cura de pacientes sem doador familiar.
I1
Tipos de transplante Nos transplantes aparentados, pode-se até utilizar doa
dor com incompatibilidade, pois os resultados são simi
de célula-tronco lares aos dos transplantes com doadores totalmente com
Quanto ao tipo de doador, o transplante de célula- patíveis. Para transplantes não aparentados, de medula
tronco é classificado cm autólogo, alogênico e singênico. óssea ou célula-tronco periférica, deve-se escolher un
Transplante autólogo: a célula-tronco é coletada do doador com HLA total mente compatível. Nos casos de
próprio paciente. Há necessidade de que a medula óssea transplante com sangue de cordão umbilical, são acei
esteja em remissão (sem doença aparente) para que cé táveis até duas incompatibilidades de HLA, mesmo qui
lulas malignas ou doentes não “contaminem” a coleta. não seja consangüíneo.
E muito comum a realização de quimioterapia, seguida No transplante alogênico, o paciente é submetido i
pela coleta das CTHs, que são então congeladas. Em uma quimioterapia e/ou radioterapia pré-transplante, na maio
segunda etapa, o paciente c submetido a um novo regime ria das vezes em alra dose, seguida(s) pela infusão de célu
de quimioterapia e/ou radioterapia em alta dose, seguido la-tronco alogênica (enxerto). Para que esse enxerto tenha
pela infusão das células coletadas. O benefício do trans sucesso é fundamental que as células infundidas cheguem
plante decorre desse tratamento com altas doses, capaz até a medula óssea do paciente, proliferem e se adaptem
de erradicar a doença. Nessa modalidade de transplante, ao novo organismo. O sistema imunológico (constituído
as chances de complicações são menores, mas há maior principalmente por células de defesa, produção de anti
risco de recaídas. O sucesso do transplante autólogo
corpos e citocinas) destruído pela quimioterapia/radiote
está associado ao estádio da doença, à situação clínica
rapia será refeito, dessa vez com as células do doador. É
do paciente e ao regime de quimioterapia empregado.
importante que o novo sistema imunológico seja capaz de
Na atualidade sua maior aplicabilidade se dá no trata
tolerar os tecidos do receptor a fim de evitar a doença do
mento de mieloma múltiplo (Attal et ai, 1996), linfomas
enxerto contra o hospedeiro (DECH), às vezes muito gra
(Copelan, 2006) e doenças auto-imunes (Sykes e Nikolic,
ve. Comparado com o autólogo, no transplante alogênico
2005) (por exemplo, esclerose múltipla e artrite reuma-
existem mais complicações (cm especial infecciosas e re
tóide refratária).
lacionadas à DECH), porém a chance de recaída é menor
Transplante alogênico: a célula-tronco é obtida de
uma vez que além da ação do regime de condicionamentí
outra pessoa. Quando o doador é familiar, trata-se de um
há também o efeito do “enxerto contra neoplasia” (células
transplante aparentado ou consangüíneo. Quando não
de defesa do doador “brigando” com as células doentes
existe parentesco entre paciente e doador, trata-se dc
do paciente).
transplante não aparentado ou não consangüíneo. Há
necessidade de que se faça o estudo dos antígenos HLA
- partículas expressas nos leucócitos e nas superfícies das Quadro 1: Modelo de compatibilidade de HLA
células, descritas em números - para que seja analisado o
h DRB1
grau de compatibilidade. O estudo do HLA é feito com
uma pequena amostra de sangue coletada do paciente e 29 35 0802
PACIENTE
seus familiares para identificação de possíveis doadores. 01 07 2303
O ideal é que paciente e doador tenham a mesma tipifica 29 35 0802
DOADOR
ção de HLA, isto é, sejam 100% compatíveis (Quadro 1) 01 07 2303
TRANSPLANTE DE CÉLULA-TRONCO H E M AT O P O I É T I C A : VISÃO GERAL 175
Leucemia mielóide crônica (LMC): o transplante alo advento dos regimes de condicionamento não mieloabla-
gênico é o único tratamento capaz de determinar a cura rivos, menos tóxicos, abre-se nova perspectiva, com resul
definitiva dessa doença. Os melhores resultados, perto dos tados preliminares promissores.
80% (Biggs et ai, 1992), são vistos em pacientes jovens, Leucemia linfocítica crônica (LLC): o papel do trans
na fase crônica da doença, com doador aparentado com plante tanto autólogo como alogênico ainda não está claro
patível e do sexo masculino, e quando o intervalo entre no tratamento da LLC, mas seu uso deve ser considerado
o diagnóstico e o transplante é interior a dois anos. Em para pacientes jovens e com doador aparentado (Khouri
pacientes com fase acelerada da LMC, o resultado após o et al., 1994). Após o transplante autólogo as remissões
transplante é de cerca de 45%, caindo para menos de 10% não são permanentes, e com o alogênico a mortalidade
(Zago et a/., 2001, p. 913-34) para aqueles em crise blásti- relacionada ao procedimento é alta (em torno dc 50%).
ea. No transplante com doador não aparentado os resulta Mais uma vez a utilização de regimes de condicionamen
dos são inferiores devido à maior taxa de mortalidade re to não mieloablativos pode alterar esse cenário, trazendo
lacionada ao procedimento (McGlave et al., 2000), mas é resultados melhores.
uma alternativa viável para crianças e aqueles com doença Mieloma múltiplo (MM): o transplante autólogo,
mais avançada sem doador familiar. Na atualidade, vários mesmo que não curativo, está indicado a pacientes com
outros tratamentos para LMC estão disponíveis, o que idade inferior a 70 anos e situação clínica adequada. Os
torna a indicação do transplante controversa em algumas melhores resultados são obtidos nos pacientes em remissão
situações. da doença, com 2 microglobulina sérica normal, ausência
Síndromes mielodisplâsicas (SMD): por se tratar de de anormalidades citogenéticas desfavoráveis e mieloma
situação heterogênea, manifestada por diversidade de al não IgA. Após o transplante, prolonga-se a sobrevida livre
terações clínicas e laboratoriais, a evolução dos pacientes de doença em até 50% contra 12% com quimioterapia
com SMD é muito variada, o que dificulta a escolha do isolada (Attal et al., 1996). O transplante alogênico é re
tratamento a ser adotado. O transplante alogênico deve servado para pacientes jovens e, ainda assim, a mortalida
ser considerado um recurso terapêutico com potencial de relacionada ao procedimento é em torno de 50%, fato
de cura, principalmente para pacientes com formas mais que limita sua indicação.
avançadas (anemia refratária com excesso de blastos, ane
mia refratária em transformação e leucemia mielomono-
cítica crônica). As limitações da aplicação desse tipo de Doenças não malignas
tratamento se devem à incerteza sobre o melhor momento Anemia aplástica severa (AAS): destaca-se entre as
de indicá-lo, bem como ao fato de que a incidência da sín- doenças não malignas pela alta prevalência e excelente
drome mielodisplásica é maior em pessoas idosas nas quais resposta ao transplante alogênico, alcançando até 90% de
as complicações com o transplante são altas. A maioria cura em casos de pacientes jovens, com pouca transfusãc
dos estudos reporta resultados de longa sobrevida livre de de hemoderivados (menos de 15 UI) e submetidos a trans Com
doença dc 30-40%, taxa de mortalidade relacionada ao plante com doador familiar compatível (Zago et al., 2001.
procedimento de 40-45% e recaída de 20% (Runde et ai, p. 913-34). Os resultados com doador não aparentado sát
1998; Bélanger et ai, 1988; Sutton et al, 1996; Anderson bem inferiores, pois existe alta taxa de mortalidade rela
et ai, 1996). cionada ao procedimento (Kojima et al., 2002).
Linfornas não-Hodgkin (LNH): o transplante de cé Anemia de Fanconi (AF): o transplante alogênico é a
lula-tronco é freqüentemente indicado em determinadas única forma curativa de tratamento da anemia de Fanconi.
fases de praticamente todos os tipos de LNH. O transplan A decisão de realizar o transplante se dá quando os pa
te autólogo é o mais utilizado, pois não está claramente cientes passam a apresentar citopenia de risco, necessida
definido o efeito do enxerto contra linfoma presente após de de transfusões, aumento dc blastos ou alterações dis-
transplante alogênico (Verdonck et al., 1995). Nas formas plásicas e citogenéticas com tendência a desenvolvimento
mais agressivas da doença e de grandes células, o trans de leucemias. Pacientes com anemia dc Fanconi apresen
plante é normalmente realizado nos pacientes em segunda tam maior sensibilidade à quimioterapia e radioterapia,
remissão ou com resposta parcial (Gianni et al., 1997). e nos regimes de condicionamento para transplante são
O transplante alogênico tem sido utilizado nos pacientes normalmente utilizadas doses baixas de ciclofosfamid.
com comprometimento de medula óssea e naqueles que (Zago et al., 2001, p. 913-34) e/ou irradiação corporal
recaem após transplante autólogo, sendo a experiência total. Setenta e cinco por cento dos pacientes com doador
ainda limitada. Nos linfomas dc pequenas células, ditos aparentado atingem longa sobrevida. Nos transplantes
de baixo grau, a indicação do transplante é controversa, com doador não aparentado, há incidência bem maior dc
uma vez que a doença pode levar muitos anos até progre mortalidade relacionada ao procedimento, e resultado?
dir para fases mais avançadas. O transplante é utilizado melhores são obtidos ern pacientes com doadores totai-
quando não há resposta aos tratamentos habituais. Com o menre compatíveis.
Hemoglobinapatias: os tratamentos da talasse mia ser danificadas, levando ao surgimento de microtrombos
* ' • e da anemia falciforme são os que mais freqüente- (coágulos) e, finalmente, à necrose de hcpaiócitos (célu
:e se beneficiam do transplante alogênico. Na primei- las do fígado). Essa complicação, conhecida como doença
' resultados variam dependendo dc fatores como ní- veno-oclusiva hepática (VOD) ou “síndrome da obstrução
* ie ferritina sérica, tamanho do fígado e fibrose portal, sinusoidal", é manifestada por ganho de peso, aumento do
; agrupam os pacientes em classes 1, II ou III. Pacientes tamanho do fígado (hepatomegalia), que se torna doloro
.. .sse 1 possuem resultados melhores, atingindo cerca so, e icterícia (aumento de bilirrubinas que deixam olhos,
-- ’c» de cura com o transplante alogênico. Para pacien- pele e mucosa amarelados). É classificada como leve,
. issificados corno II e III, devido à maior mortalidade moderada e severa, e, nesta última situação, pode haver
cionada ao transplante, as chances de cura variam de comprometimento renal e pulmonar, habitualmente fatal.
•->- a 60% (Lucarelli et al., 1990). A anemia falciforme Como não há tratamento efetivo para essa complicação, a
ém pode ser corrigida pelo transplante alogênico, prevenção é fundamental. A utilização de regimes de con
Hrlili; nminar* mmm
indicação deve ser bem avaliada uma vez que nem dicionamento não mieloablativos parece reduzir o risco de
* ' os pacientes com essa anormalidade se beneficiam surgimento de VOD (Hogan et al., 2004).
•sse procedimento. Pacientes com doença mais grave Mesmo com ótimas medidas de suporte, incluindo
« ide inferior a 16 anos são os mais indicados para o antibióticos, ambiente de isolamento e cuidados com a
>r»lante alogênico (Walters et al., 1.996). higiene, um número significativo de pacientes desenvol
Imunodeficiências congênitas: assim como na ane- ve infecção após o transplante. Danos na boca, pele, in
de Fanconi, apenas o transplante alogênico tem testino, o uso de cateteres e a neurropenia (queda das
curativo. Entre as imunodeficiências, destacam- células de defesa), causados pelo regime de condiciona
> imunodeficiências combinadas graves (SCID) e a mento, contribuem para o surgimento de infecção. No
•ome de Wiskott-Aldrich (SWA). O transplante deve período pós-transplante imediato, principalmcnte nas
ndicado o mais breve possível, pois pacientes com quatro primeiras semanas, bactérias (gram-positivas e
jdeficiènda podem falecer rapidamente como con- gram-negativas) e vírus (Herpes simplex, vírus sincicial
-ncia dc infecção ou sangramento. Resultados com respiratório) são os agenres mais comuns. Infecção fún
- -plante aparentado atingem aré 90% de cura (Myers gica também pode acontecer, e sua presença é maior nos
. 2002). Para pacientes sem doador familiar, o trans pacientes com neutropenia prolongada e naqueles em
ite com sangue de cordão umbilical tem se tornado uso de drogas imunossupressoras (como os corticoste-
o, uma vez que essa fonte de célula-tronco pode ser róides). Agenres como citomcgalovírus (CMV), vírus va-
rida rapidamente. ricela-zóster, Epstein-Barr, Pneumocystis carinii (fungo)
e Toxoplasma gondii (protozoário) também devem ser
lembrados, em especial após o primeiro mês do trans
Complicações pós-transplante plante (Meyers et al., 1982). O uso agressivo de anti
bióticos de largo espectro, antivirais e antifúngicos está
•■ecoces indicado ao primeiro sinal de infecção. A prevenção e o
Entre as complicações precoces, destacam-se aquelas tratamenro precoce de infecções têm contribuído para
- rantes da intensidade do regime de condicionamento os melhores resultados do transplanre nos últimos anos
loterápico/radioterápico, que inevitavelmente provo- (Copelan, 2006).
vicidade não hematopoiética. Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH)
Mucosite é um problema muito comum após o TGTH é a complicação mais importante após o transplante.
iura cerca de sete a quinze dias. É mais freqüente após Decorre de um fenômeno imunológico em que células
transplante midoablativo (em que doses mais altas de imunocompetentes, principalmente linfócitos do doador
[ i. - oterapia/radioterapia são utilizadas). Essa complica- (enxerto), reagem contra células do paciente (hospedei
: caracteriza pela presença de várias lesões, geralmen- ro), pois reconhecem os antígenos estranhos não incluí
- -Lradas, na cavidade oral, e pode acometer qualquer dos nos exames de histocompatibilidade e, certamcnte,
| r-z • revestida por mucosa - como o restante do traro outros ainda não descritos. Idade do paciente e doador,
nvo c a área genital. Dor é o sintoma mais comum, às compatibilidade de HLA, tipo e sexo do doador, fonte
associada a sangramento, diarréia e vômitos. Em ca- dc célula-tronco hematopoiética e regimes de condicio
tijís graves há necessidade dc enmbação orotraqueal namento e imunoprofilaxia são fatores que determinam
* a proteção das vias aéreas. Analgesia é o tratamento o surgimento da DECH. Ela pode ser classificada como
mendado na maioria dos casos. aguda, quando acontece nos três primeiros meses; e crô
O fígado é outro órgão comumente acometido pelo nica, após esse período. Pele, trato digestivo e fígado são
|rr 'piante de célula-tronco hematopoiética. Em decorrên- os locais mais comumente afetados. A DECH aguda é
:a quimioterapia/radioterapia, veias hepáticas podem graduada em esrádios de 0 a IV, sendo os estádios III e IV
178 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
os de maior gravidade. Na pele, a manifestação mais co aconselhado a pacientes que desejam ter filhos biológicos
mum é o eritema maculopapular, normalmente evidente (Lass et al., 2001).
na palma das mãos, planta dos pés, face e dorso. Náusea, Crianças transplantadas podem apresentar problemas
vômitos, diarréia, às vezes com sangramento. inapetên de crescimento e desenvolvimento, mas com reposição
cia e icterícia são achados freqüentes nos casos de DECH hormonal essas complicações são, normalmente, minimi
envolvendo trato digestivo e fígado. Em pacientes subme zadas (Sanders et tf/., 2005).
tidos a transplante com doador aparentado, a incidência Pacientes submetidos a transplante apresentam maior
de DECH aguda varia de 20% a 50%, chegando a 80% chance de desenvolver tumores malignos (Curtis et al..
nos pacientes que utilizam doador não familiar. A forma 1997). Cânceres de pele, língua, cérebro e tireoide podem
crônica da DECH é classificada como limitada e extensa. ser detectados até bastante tempo depois de transplante
Na primeira há comprometimento localizado de pele e/ou alogênico. Mielodisplasia e leucemias agudas são mais de
fígado, enquanto na forma extensa, além de maior lesão tectadas após transplante autólogo em pacientes com lin-
na pele, há também envolvimento de outros órgãos, como foma de Hodgkin e não-Hodgkin (Krishnan et al., 2000
olhos, glândulas salivares, pulmões, fígado e outros do Os pacientes submetidos a transplante de célula-tron
trato digestivo. A DECH crônica é diagnosticada em até co hematopoiética devem ser acompanhados por toda i
35% dos pacientes submetidos a transplante aparentado e vida. A detecção precoce dessas e ourras complicações
em torno de 64% dos pacientes com doador não familiar. como hipotireoidismo, depressão, ansiedade, problema
O tratamento da DECH é feito com imunossupressores, sexuais, é importante na avaliação do paciente (Syrjala et
principalmente corticosteróides, que, por causarem pro aL 2005).
funda imunossupressão e maior predisposição a infecções,
devem ser retirados assim que possível.
A rejeição do enxerto é outra complicação considera Perspectivas futuras
da precoce. Sua incidência varia de acordo com a doença O transplante de célula-tronco hematopoiética c
do paciente, sendo mais comum naqueles com doença não uma modalidade de tratamento que confere cura em
maligna, que utilizam enxerto não aparentado e com in
muitas doenças. Avanços no entendimento e na pre
compatibilidade de Hl A. Infecções, especialmente virais,
venção da doença do enxerto contra o hospedeiro, be~
podem também contribuir para falha do enxerto.
como utilização dc agentes mais potentes no tratamento
Para pacientes portadores de doença maligna, a recor
de infecções, contribuirão para a diminuição da morb
rência da doença continua sendo a causa mais importante
mortalidade desse procedimento. A bioengenharia, po*
de falência do transplante. A chance de recaída é maior no
meio do desenvolvimento de células embrionárias (Bur:
primeiro ano após o procedimento e naqueles com doença
et al., 2004), objetivando a criação de células-tronco
mais avançada. A utilização de linfócitos do doador pode
compatíveis, pode evitar a necessidade de busca de doa
induzir nova remissão, e mesmo cura definitiva (Zago et
dor e até mesmo o uso do regime de condicionament
a/., 2001, p. 913-34).
eliminando, assim, as principais complicações associada
ao transplante.
Tardias
A maioria dos pacientes que sobrevivem vários anos Transplante de célula-tronco
após o transplante é saudável e ativa. As principais compli
cações tardias se relacionam à doença do enxerto contra hematopoiética e suas relações
o hospedeiro crônica e seu tratamento, prevalecendo em psicológicas
pacientes mais velhos que recebem transplante de célu
Mutação: força propulsora da vida
la-tronco periférica e doador não aparentado. A DECH
crônica pode levar a situações como síndrome seca, bron- A história da humanidade, filogenia, ontogenia, cul
quiolite obliterante, má absorção e imunossupressão, que tura, natureza e movimento da Terra em torno do seu eiv
comprometem a vida e a qualidade de vida do paciente. e em torno do Sol, a expansão c contração na evoiuçá.
O uso prolongado de corticosteróide, além de gerar mais cósmica e na respiração. Mesmo a história pessoal esu
imunossupressão, pode causar complicações como necro repleta de informações que confirmam com precisão qu:
se asséptica de ossos, osteoporose, alterações endocrinoló- tudo sc compõe e se integra hierarquicamente cm fastv
gicas (como diabetes melito) e visuais (como catarata), que com peculiaridades temporais e rítmicas. Nascer-morrer.
também trazem sérias restrições aos pacientes. verão-inverno, amanhecer-anoitecer.
Infertilidade, decorrente do regime de condiciona Os impérios e as decadências, o apogeu e a extinçá
mento, é frequente após o TCTH. O congelamento de os conhecimentos oscilando entre estagnações, descobc:
óvulos e espermatozóides antes do transplante deve ser tas e avanços, que se tornam obsoletos na fase seguinte
TRANSPLANTE DE C É L U L A • T R 0 N C 0 H E M AT 0 P 0 I É T I C A V1SÁ0 GERAL 1
. contínua transição é que dá o tom e o movimento de de defesa que entram em ação são pertinente» á história de
ada estágio. vida, à capacidade dos recursos pessoais e a estrutura ar »ua
A escalada do homem é profícua na sua capacidade personalidade.
-volutiva demonstrada pelas transformações contínuas - Alguns pacientes não apresentam reação trr. re_açã
-m que a ação humana implica a combinação dos ingre à negatividade do diagnóstico ou dos resultai - a tra
dientes do espiritual, biológico, psíquico e social que tamento. Demonstram uma passividade que rJ- é herr-
ão identificadas no código genético da base molecular vinda, uma vez que não lutam nem buscam so.açc-rs rara
m ~- -ã hereditariedade, criando um mosaico rítmico e mila- sua condição. Contudo, isso não significa
.iroso da vida pela fecundação, gestação, nascimento, de- controle, ser fatalista e exagerar no pedido d*. - -
- envolvi mento e morte. Isso tudo porque existe coerência seja positivo; afinal, essas atitudes também sã -a:
rvolutiva, mesmo na catástrofe, no desastre do aqueci de risco.
mento global e na morte individual, coletiva ou do nosso Muitas vezes, quando o paciente percebe que. :
rlaneta. familiares mais próximos, o comunicado médico t ar-a-
Dessa perspectiva, o transplante de célula-tronco he- sador, ele pode apresentar comportamentos de conformi
natopoiética também está demarcado pelas peculiarida- dade ou de enfrentamento efetivo ou manifestar a ri ru vir»
ie> e conjunções multifatoriais de cada fase que constitui otimistas e esperançosas, na tentativa de não causar mas
direciona todo o processo, desde o diagnóstico até a re- sofrimento aos seus.
Segundo Ganz e Bower (2004), quando o indiví
' rnada de um novo ciclo de vida.
duo descobre que está doente apenas pela comunicação
diagnóstica, isso significa que não estava consciente dos
Fases do processo do transplante sinais corporais. Assim, a notícia é totalmente inesperada.
Diferente daquele que percebe mudanças sintomáticas c
O processo do transplante de célula-tronco hema-
por isso busca uma avaliação clínica.
. jpoiética pode ser distribuído em cinco fases principais:
Com o diagnóstico, é preciso reorganizar seus rela
::agnóstico; busca do doador compatível; internação para
cionamentos pessoais, sociais e profissionais depois do im
. realização do transplante; sobrevivência a curto e médio
pacto que a notícia causou. E necessário realizar acertos
rrazo; sobrevivência de longo prazo.
e mudanças de condutas, papéis e rotinas para iniciar o
O transplante deixa marcas que transcendem o corpo
tratamento c a busca de um doador. Começa uma luta pela
real. É fundamental, desde o início, compreender, apre
sobrevivência.
nder e integrar harmonicamente as condições físicas e
rsíquicas, uma vez que somos um corpo e isso vai além da
- ncepção de ter um corpo. Busca do doador compatível
No período do pré-transplante, encontrar um doador
é vital, pois a doença continua no seu processo evolutivo.
Diagnóstico
Assim, a ansiedade e vulnerabilidade permeiam essa fase,
Notificar a confirmação do diagnóstico requer muita uma vez que se coloca aí toda a expectativa de sucesso. E
•rsponsabilidade e sensibilidade. Subitamente a vida das comum que os pacientes apresentem reações de irritabili
pessoas envolvidas se transforma e se faz necessária uma dade, impaciência, medo, aflição e instabilidade, devido à
nie de mudanças. Diante de situações de sofrimento, as sensação de estar correndo contra o tempo.
:ações emocionais são as mais adversas possíveis. E co Há um desejo de ganhar tempo e ir ao encontro do
avam observar manifestações de medo, insegurança, in- doador o mais breve possível. Mas, paradoxalmenre, ter
.-iietude, ansiedade, tristeza, revolta, indagações de “por o doador significa ter menos tempo em relação à ameaça
__ie eu”. Mas o questionamento reflexivo não deveria real da intervenção do transplante. Enfim, não é fácil lar
umbém incluir “por que não eu”? gar a rotina da vida, mas também é difícil não ter em mãos
É como uma itnplosão que destrói todas as referên- a possibilidade da vida.
::as de identificação com o saudável. O paciente fica sem A constatação da dependência de um doador e da im
. io e a sensação imediata é de que isso não pode estar potência da sua condição de saúde retira a força c a von
acontecendo com ele; nega essa realidade ou a assume tade de lidar com o cotidiano, pequenas atividades exigem
- *m uma impressão esmagadora de não dar conta do que um grande esforço. A percepção de que a luta, a dor e
em pela frente. o sofrimento podem ser em vão, de que talvez não seja
Pode reagir com enfrentamento, descrença, raiva, possível transpor a falta do doador, torna a expectativa de
csr.r.^o, .gociação de qualquer ordem ou negação (Kübler-Ross, vida sombria.
èrscober- • 996). Porém, seja qual for a reação, ela geralmente repre- O paciente não assume novos projetos e ao mesmo
tegumte. r-enta a psicodinâmica usual do paciente, c os mecanismos tempo não consegue investir naqueles em que estava in-
180 TEMAS EM P S I C O - O N C O L 0 G I A
serro graças à dispersão da sua atenção e à incerteza do Essas vivências possibilitam alterações de humor. No
resultado final. grupo de pacientes com doenças malignas, a incidência de
A indecisão sobre o que fazer (tratamento convencio transtornos depressivos é de 15% a 25%, enquanto na po
nal, transplante, participação em protocolos de novas dro pulação normal é de 6% (Ganz e Bower, 2004).
gas) marca esse período de muita vulnerabilidade afetiva, A ansiedade também é um transtorno frequente que
comportamental e de humor. Assim que se estabelece al pode se manifestar no momento da piora da doença e no
gum plano de tratamento, essas reações são minimizadas. tratamento. Mas, por vezes, faz parte do padrão de funcio
namento do indivíduo, independentemence da enfermida
de. Registros pré-mórbidos mostram a presença histórica
Internação para a realização do transplante de distúrbio de pânico, ansiedade generalizada, fobia, en
Em decorrência do transplante, tanto o paciente tre outros.
como o cuidador-familiar deparam com uma nova situa Todas as incertezas, perdas, ganhos e redimensiona
ção contextuai da enfermidade. Por mais que imaginem ou mentos demandam uma revisão dc vida e advogam mu
observem outros doentes, somente quando são inseridos dança. A ênfase em um fenômeno ou em outro depende de
no contexto do tratamento é que vivenciam a intensa rea alguns fatores, como a estrutura da personalidade de cada
lidade dessa intervenção. um, os tipos de vínculo afetivo estabelecidos e o sentido da
Essa terceira etapa pode apresentar alguns fenôme própria existência.
nos desgasranres por causa do tratamento em si (alopecia, A alta hospitalar pode ser um momento de alívio e
mucosite, perda da defesa imunológica, alterações fisio superação dos medos ou mais uma etapa da difícil separa
lógicas, debilidade física), mas também c estressante por ção da “zona de segurança”, adiando a conquista da auto
conra de todas as fantasias, preocupações e significados nomia do próprio cuidado.
que rondam o mundo simbólico e são inerentes ao con O desejo do fim do tratamento, por vezes, é hipe-
texto do tratamento. restimado, com altas expectativas. Contudo, a idealização
Os sintomas podem aumentar no começo do trata interfere na aceitação do novo estado de saúde e na satis
mento, na perda do enxerto, na recaída da doença, ou na fação com os resultados obtidos.
presença da doença do enxerto contra o hospedeiro. Verifica-se um aumento das dificuldades psicossociais
Apesar de o transplante ser uma proposta que visa a quando existe uma disparidade muito grande entre a ex
uma solução favorável ao paciente, nem sempre é possível pectativa do pós-transplante e os resultados alcançados
chegar ao resultado desejado. (Syrjala et ai, 2005; Aridrykowski e McQuellon, 1999;
Aqueles que estão morrendo podem vivenciar uma Andrykowski et ai, 1999; McQuellon e Andrykowski,
série de fatores de natureza física, psicossocial e espiri 2000; Grnber et ai, 2003). Por isso, deve-se prevenir o
tual: dor, seqüelas, insônia, debilidade, isoíamenro, soli paciente em relação aos resultados pós-TCTH, diminuin
dão, resgate de vínculos, perda de autonomia funcional, do a diferença entre o imaginário e os fatos, uma vez que.
consciência amplificada, tristeza, raiva, medo, sensibili com o preparo emocional para possíveis comprometi
dade aguçada, castigo divino, serenidade, agradecimen mentos, haverá um movimento c um esforço em busca d;;
tos, culpa, acertos de contas simbólicos e reais. Nessas adaptação. Além disso, assim se estimulam a tolerância e
circunstâncias, qualidade de vida é ter conforto físico, a aceitação desse período como uma fase do tratamento t
senso de controle e dignidade, resgate e/ou manutenção não como resultado final.
dos vínculos afetivos. Utilizando o termo de De Masi
(2000), na “antecâmara da morte” é preciso dar atenção
aos últimos desejos do paciente. Sobrevivência em curto e médio prazo
É fundamental que a equipe multiprofissional avalie Após o tratamento emergencial de maior toxicidade,
as condições emocionais do cuidador-familiar e do pa vem um período que é de recuperação e reorganização
ciente, para que possa servir como referência de equilí das posições a serem assumidas, não só do paciente mas
brio e suporte emocional. Assim, apesar da tendência ao também do cuidador-familiar.
esvaziamento comum a essas situações, compete à equipe É uma etapa em que o paciente se recupera dos efeitos
auxiliar o doente e seus familiares, considerando seus va secundários da toxicidade do tratamento. Gradativamente
lores pessoais. retorna às atividades normais de trabalho, de lazer e aos
O cuidador-familiar deve ser considerado alguém que compromissos sociais, apesar do medo da recaída.
requer cuidados tanto quanto um paciente, uma vez que tem Nessas circunstâncias, ele pode apresentar sentimen
a demanda interna e/ou externa de tomar conta da parte tos ambivalentes, uma vez que tem medo de complicações
prática - finanças, cuidados com o paciente e suas limita clínicas, quer a independência anterior e ao mesmo tempo
ções. Além disso, precisa lidar com as suas perdas pessoais não quer perder os cuidados especiais. Desse modo, qual
e concentrar suas forças em prol do paciente. quer sintoma representa um aviso de que algo não está
TRANSPLANTE DE C É L U L A - T R O N C 0 H E M AT 0 P 0 I É T I C A : VISÃO GERAL
m -V e isso é traduzido como um sinal de alerta, que ele Sobrevivência em longo prazo
KS2 ác > consegue desligar. Quer ficar na zona de proteção ao Essa é uma fase na qual por muito tempo não se sabia
topo- 'Tio tempo que quer sair dela. o que fazer, como receber os pacientes ou como orientá-
Retomar sua posição e reassumir o mundo dos sau- los quanto à inserção no próprio viver. Quiçá ainda hoje
* ** - eis é assustador. Em um primeiro momento, o paciente não estejamos tão confortáveis em relação aos conheci
ftCQO >e sente apto e “normal”; percebe-se diferente dos mentos e experiências nesse campo.
- - - -iras, mas principalmente dele próprio, pois a perda da Esse é um período que exige ponderação sobre as ca
ridade diminui a firmeza do seu enfrentamento e a racterísticas peculiares desse grupo, as necessidades que
: -rgurança aplaca o coração em relação ao porvir. surgem nessa condição de sobrevivente e a aplicação de
No tratamento pós-transplante a curto e médio pra- novas estratégias de abordagem terapêutica. Esses indiví
: . as condições físicas podem estar afetadas. São necessá-
duos passaram pela tempestade e nas intempéries da vida
* - alguns ajustes psicossociais e a imagem pessoal precisa
sofreram perdas que deixaram sequelas, apesar dos ganhos
k- reconstruída. Além disso, a presença da fadiga também
ocorridos.
«Sei . ntribui para a insatisfação na vida sexual, no desempe-
Os pacientes dc sobrevivência longa podem convi
t cada físico e na qualidade de vida em relação à saúde.
ver com os efeitos tardios do tratamento, malignidades
Kf- da A infertilidade devida à disfunção gonadal decorre
secundárias, infertilidade, osteoporose, disfunção cardía
é o tratamento e/ou da própria doença aguda, mas mui-
ca, hepática, cognitiva e sexual, menopausa precoce, pro
t - pacientes podem se beneficiar dos espermatozóides ou
blemas na bexiga e no intestino e discriminação social e
I ( • _ os congelados.
trabalhista. Além disso, pode haver alteração de humor,
A menopausa pode levar a uma série dc problemas,
com depressão ou outros transtornos psicológicos (Ganz
* i ' como vagina ressecada, disfunção sexual, perda da li-
e Bower, 2004).
I _ dispareunia, aumento de peso e osteoporose.
Como mencionado, também existem os ganhos.
É importante lembrar que a sexualidade não se limita
Muitos conquistam uma condição tão favorável quanto a
ü intercurso pénis-vagina; os aspectos culturais, crenças
de qualquer pessoa normal, isto é, alcançam posições so
r: çiosas, experiência pessoal, imagem corporal, dispo-
ciais, profissionais, psicológicas e pessoais de sucesso. Em
r - .idade interna para tal entrega e transtornos mentais
relação às limitações ou seqüelas que possam ter ficado,
i "cenciam nessa relação (Hendriks et ai, 1998; Sanders
apresentam um manejo efetivo e eficaz, a ponto de não
pi» «' 1983; Wingard et al. , 1992; Claessens et al., 2006;
1^. interferirem na sua vida.
..hmanovà et al., 2003; Watson et al., 1999).
Atualmente, os pacientes ainda deparam com co- Além disso, a mudança emocional e o amadurecimen
~ rbidades e mortalidades. Contudo, é uma realidade to pessoal propiciam um novo olhar, que redimensiona a
I i- ::ro diferente dos primórdios dessa intervenção. No iní- compreensão da vida. E a postura perante as dificuldades
. a mortalidade era tão exorbitante que o tratamento c a está calcada em valores que qualificam e dignificam a pró
— aipação concentravam-se em conseguir evitar a mor- pria existência.
: Muitas vezes, o resultado era uma sobrevida limitada e De certa maneira a proximidade da morte, dos as
I lacigna de ser vivida. pectos sombrios, conduz ao resgate do desejo da vida. Por
Porém, transcorrido um longo tempo desde a inter- mais paradoxal que pareça, a consciência da importância
. »áo dos tratamentos convencionais e/ou do rransplan- da luz se faz pela sua ausência e não pela sua presença.
- ce célula-tronco hematopoiética, surge um novo/velho Afinal, quando ela está ali, simplesmente esrá, não há
£T_ro, o dos sobreviventes saudáveis. questionamentos ou reflexões sobre isso.
Os avanços científicos, tecnológicos e farmacêuti- Essa analogia também serve para explicar a atitu
CÜL . a abordagem multidisciplinar e os tratamentos al- de comum assumida pelos indivíduos saudáveis: a saúde
zmativos complementares aumentaram a sobrevida dos simplesmente está lá, não precisa ser conquistada. Desse
r I T:->plantados. modo, o indivíduo fica envolto numa névoa ilusória com a
Uma máxima de Aristóteles (Fayers e Machin, 2000) impressão de que estará saudável para sempre.
rr-- I : que o sábio não aspira ao prazer, mas à ausência da dor. F. comum, entre aqueles que não passaram por um
-■-cialmente os pacientes estão voltados a não vivenciar o processo de morte iminente, a presença de um sentimento
i -- -prazer da dor, do sofrimento e do insucesso do trans- de que não se tem tempo. Assim, eles se mantêm num fre
■ _ :c. Mas, na seqüência, eles começam um investimento nesi de conexões com o sistema coletivo e capitalista e aca
~ nteresses que vão além do aspecto da condição físi- bam se distanciando de importante elo de comunicação, o
ta^c<s Acreditam que podem ampliar seus objetivos e sonhar vínculo consigo mesmo. Nesse sentido, ficam alienados,
tes^> a possibilidade de uma vida prazerosa c não apenas apesar de estar ligadíssimos.
:: sobrevivência; iniciam então uma nova construção ou Os sobreviventes de longa data convivem com uma
• CS2 anstrução do desejo. realidade oposta, ou seja, descobrem que tudo tem -
182 TEMAS EM P S I C 0 - 0 N C O L O G I A
rempo e o seu ritmo. A vida c um padrão seqiiencial evo O grupo de pacientes foi composto de 212 sujeitos
lutivo composto por ganhos e perdas, que seguem uma (137 do sexo masculino e 75 do feminino), com idade mé
ordenação natural do processo permanente da mutação. dia de 34,8 anos (havia pessoas de 18 a 68 anos).
A grande maioria dos sobreviventes apresenta um Fm relação às características clínicas dos pacientes,
bom ajustamento e boa qualidade de vida; parece que li 42,5% receberam um diagnóstico de doenças malignas
dar com os problemas diretamente, isto é, ter uma par (leucemia mielóide crônica, leucemia mielóide aguda, lin-
ticipação ariva, ajuda muito. Assim como a presença do foma) e 57,5% receberam um diagnóstico de doenças não
suporte social e familiar também é de grande valia. malignas (anemia falciforme, anemia aplástica severa, sín-
De modo geral, os sobreviventes se sentem mais for drome de Wiskott-Aldrich).
tes e aptos para enfrentar as dificuldades decorrentes da Todos os pacientes eram sobreviventes de longa data,
vida. Os relacionamentos podem se romper se forem fa tendo uma media de sobrevida de doze anos e seis meses
lhos ou então apresentar um fortalecimento dos vínculos. (houve sobrevida de dez a 23 anos e oito meses). A grande
E comum observar os amigos e a célula familiar tornando- maioria submeteu-se ao transplante de medula óssea apa
se uma preciosidade pessoal. rentado, e apenas quatro realizaram transplante alogênico
Freqüentemente constatam que a doença serviu para não aparentado.
“despertá-los” por meio da reflexão sobre o verdadeiro O grupo controle também foi composto de 212
sentido das coisas e sobre a escolha de atirudes perante o sujeitos (103 do sexo masculino e 109 do feminino),
rumo demarcado pela vida. Se ter tempo de vida signifi com idade média de 34,4 anos (havia pessoas de 18 a
ca ter mais possibilidades de acertos e desacertos, então é 64 anos).
esperado que conquistar uma sobrevida longa inclua be A maioria das pessoas dos dois grupos pertencia à
nefícios e riscos. raça branca, tinha como formação religiosa o catolicismo
Com um longo tempo transcorrido após o transplan e era da região Sul do Brasil. Apresentava nível socioeco-
te, observam-se algumas tendências (negativas e positivas). nômico baixo, tendo grande parte da amostra escolarida
As primeiras decorrem da presença de riscos e transtornos de de segundo grau (oito a onze anos de estudo). Porém,
associados com os efeitos da toxicidade do tratamento, existiam indivíduos nos dois extremos, isto é, com apenas
sequelas e o aparecimento de uma segunda neoplasia. As o primeiro grau, por vezes incompleto, e outros com ter
segundas advêm da superação da morbidade e do despon ceiro grau e pós-graduação.
O desenvolvimento do protocolo dc estudo dos
tar da qualidade de vida global. Sendo assim, é premente
pacientes realizou-se no ambulatório do Serviço de
que se invista nessa nova fase, tão pouco explorada, mas
Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas da
com um crescente número de sobreviventes.
Universidade Federal do Paraná (STMO-HC-UFPR). Após
O desenvolvimento dc pesquisas nos serviços de
a consulta com o médico, o paciente era entrevistado pela
transplante de medula óssea fornece indicadores que au
psicóloga do Serviço.
xiliam na elaboração de medidas de intervenção para me
Em relação à avaliação do grupo controle, esta se rea
lhoria na qualidade do tratamento.
lizou no Hcniobanco, um banco dc sangue da cidade dc
Hoje em dia geralmente o doente se envolve com
Curitiba, que recebe doadores voluntários de todo o país.
todos os trâmites do tratamento; muitos, ao serem diag
Após a explicação dos objetivos do trabalho, e do
nosticados, acessam imediatamente a internet c obtêm
consentimento em participar do estudo, ambos os grupos
informações sobre diagnóstico, tipos de tratamento
foram convidados a responder ao questionário demográ
complexos, resultados, estatísticas, novas drogas etc.
fico e preencher todas as escalas auto-aplicativas. Para
Mas nem sempre navegam em sites confiáveis e dignos
avaliar a qualidade de vida foram utilizadas duas escalas:
de nota.
a Whoqol (World Health Organization Quality of Life).
que é uma escala elaborada pela Organização Mundial de
Saúde; e a Facit-F (functional assessment of chronic illness
Serviço de Transplante de Medula Óssea do
- fatigue), que investiga a qualidade de vida em relação a
Hospital de Clínicas de Curitiba fadiga. Para mensurar o transtorno de humor foram usa
O Serviço de Transplante de Medula Óssea (STMO) dos dois instrumentos: BDI (beck depression inventory) e
do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná BA1 (beck anxiety inventory).
(HC-UFPR) já realizou mais de 1.500 transplantes de cé Os resultados em relação à sexualidade demonstram
lula-tronco hematopoiética e inúmeras pesquisas. que, apesar do longo tempo passado, 35,4% dos pacien
A seguir serão apresentados os resultados prelimi tes ainda se queixavam de perda da libido. Considcrandi
nares dc um estudo transversal prospectivo sobre a qua- que esta reduz as fantasias e o desejo de ter atividade
Yrdade dc vida dos sobreviventes de longo prazo após o sexual, conscçüenremente interfere na frcgüência e na
transplante alogônico de medula óssea. satisfação obtida.
TRANSPLANTE DE C É LU L A - T R O N C O H E M AT O P O I É T I C A : VISÃO GERAL
Ao comparar a qualidade da atividade sexual exis- lidade maior dc que se apresente dificuldade na reestru
i4
:4,7% registram insatisfações devido à dispareunia e à satisfeitos com o bem-estar sociofamiliar e 37,3% satisfei
à,m j i ui é a y in : a à a a i,
* 'ia da libido. tos, enquanto 35,4% das pessoas do grupo controle esta
A terapia de reposição hormonal é indicada e 50,7% vam muito satisfeitas e 53,3% satisfeitas.
. — :am ou já a tinham feito. Aquelas que interromperam Uma vasta bibliografia associa a existência de compo
: da terapia hormonal foram motivadas pelos efeitos nentes físicos aos transtornos dc humor e vice-versa, isto
. nerais do tratamento. Além disso, 41,3% manifestaram é, enconrra queixas emocionais nos transtornos físicos.
. -rixas quanto à menopausa precoce e à amenorréia. Sendo assim, esse estudo também se propôs investigar a
Em relação à ocorrência da ejaculação precoce, 8,8% presença de transtornos de humor (depressão e ansiedade)
: pacientes apresentaram queixas, e apenas 4,4% men- e a sua correlação com a qualidade de vida (Colon et al.,
. -.aram ejaculação tardia. A experiência com a disfunção 2002; Hjermstad et al., 2004).
c*. \. foi relatada por 3,6% deles. Constata-se, no grupo dos pacientes, que 86,8%
Quando se compara o grupo de pacientes com o apresentavam grau mínimo de depressão, 9,4% grau leve
cr_: i controle para investigar seu nível de satisfação em e 3,8% grau moderado. No grupo controle, verifica-se que
■- ::ão à qualidade da vida sexual, os resultados são os 88,7% das pessoas apresentaram grau mínimo de depres
:ates: 29,8% dos pacientes estão satisfeitos, enquanto são, 9,9% grau leve e 1,4% grau moderado. Daí se conclui
. çrupo controle, 50%. que o grupo dos pacientes era mais deprimido que o grupo
Em geral, as mulheres apresentam mais queixas do controle, mas não há diferença estatística significativa.
: s homens quando o assunto é a sexualidade. Em relação à presença de ansiedade, constata-se no
Ao comparar as condições funcionais de trabalho, ob- grupo dos pacientes que 75,9% apresentavam grau míni
>se que não há diferença significativa entre os grupos, mo de ansiedade, 14,1% grau leve, 7,6% grau moderado
vez que 71,7% dos pacientes estavam trabalhando, e 2,4% grau grave. No grupo controle, 82,5% das pesso
i mnções intelectuais ou braçais, e 76% das pessoas do as apresentavam grau mínimo de ansiedade, 13,2% grau
► controle também trabalhavam. leve, 3,8% grau moderado e 0,5% grau grave. Enfim, o
Em relação à ocupação acadêmica, 11,3% dos pa- grupo de pacientes era mais ansioso do que o grupo con
■ ?s eram estudantes contra 14,2% do grupo controle, trole, mas não há diferença estatística significativa, com
iodos os participantes desse estudo deram a opinião aqueles apresentando mais queixas de ansiedade do que
*al quanto ao significado de qualidade de vida. Para de depressão.
. esta depende das condições de satide, emocionais, do Conclui-se que os pacientes, quando comparados aos
npenho físico, dos relacionamentos afetivos, do tra- sujeitos representantes da população geral, não apresen
. da satisfação dc necessidades básicas (alimentação, tam diferenças significativas em relação aos transtornos de
ao, moradia), entre outros irens. humor (depressão e ansiedade).
Ao avaliar a satisfação em relação à qualidade de vida Ao correlacionar os dois grupos, os achados mostram
sobreviventes, venfica-se que 70,8% estavam muito sa que, quanto aos resultados alcançados nas condições de
dios com as condições correntes e 26,4% estavam satis- saúde e qualidade de vida, o grupo de pacientes apresen
, enquanto apenas 23,6% das pessoas do grupo contro- ta desempenho superior ao do grupo controle. Contudo,
: . *avam muito satisfeitas, com 58,5% somente satisfeitas. este apresenta resultados melhores quanto às condições do
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) relacionamento sexual.
ers e Machin, 2000), saúde refere-se a um bem-estar A satisfação quanto ao relacionamento sociofamiliar,
mental e social e não meramente à ausência de doen- à condição de saúde e ao bem-estar funcional (capacidade
»o ficou constatado nos achados desse estudo, pois de trabalho) contribui positivamente para a qualidade de
de muitos dos pacientes apresentarem seqüelas e vida dos pacientes.
orbidades, ao serem questionados quanto à satisfação Longa data após o transplante, a intervenção em si
relação às condições de saúde, 79,7% deles disseram não compromete a qualidade de vida dos sobreviventes.
muito satisfeitos e 15,1% satisfeitos. Apenas 29,2% Pelo contrário, possibilita resultados animadores, uma
ressoas do grupo controle estavam muito satisfeitas, vez que, em comparação com os indivíduos do grupo
*4,7% satisfeitas. controle, estão muito bem. Por vezes até melhor que eles,
Quanto ao relacionamento sociofamiliar, observa- os quais não passaram por um processo de morbidades.
- . ae. quando a qualidade do vínculo no pré-transplan- Quiçá por causa da interferência da subjetividade, que de
í>tável e consistente, há uma tendência dc realizar marca as diferenças qualitativas no julgamento dos resul
mírentamento com suporte relacional. Porém, se a tados, já que muitas vezes o olhar interpretativo importa
_ cade prévia do vínculo é precária, há uma probabi mais do que os fatos em si.
184 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Os sobreviventes mudam o foco da perspectiva, isto possibilidades, não mais nas certezas. Além disso, o foco
é, antes de adoecer e sc submeter ao transplante, a ex não está na falta, mas no agradecimento pelo reconhe
pectativa geralmente se centraliza na certeza, enquanto cimento diário de ter sido premiado com uma segunda
U; ( I
após esses longos anos a expectativa tem seu foco nas chance de vida.
ti m 4*1 «nr.
Referências bibliográficas
Anderuni, P. etal. “Clinicai toxicity and laboratory ef- sus-host disease”. The Journal of Experimental Medicine.
fects of granulocyte-colony-stimulating factor (filgrastim) v. 199, n. 7, p. 895-904, 2004.
mobilization and blood stem cell apheresis from normal Busca, A. et al. “Unrelated donor or autologous mar
donors, and analysis of charges for the procedurcs”. row transplantation for treatment of acute leukemia”.
Transfusion, v. 36, n. 7, p. 590-5, 1996. Blood, v. 83, n. 10, p. 3077-84, 1994.
____ . “Peripheral blood stem cell donation: an Carelia, A. M. et al. “Autologous and allogeneic bone
analysis from the International Bone Marrow Transplant marrow transplantation in acute myeloid leukemia in first
Registry (1BMTR) and European Group for Blood and complete remission: an update of the Genoa expcricnce
Marrow Transplant (EBMT) databases”. Bone Marrow with 159 patients”. Annals of Hematologys v. 64, n. 3, p.
Transplantation, v. 27, n. 7, p. 689-92, 2001. 128-31, 1992.
Anderson, E. et al. “Unrelated donor marrow trans Claessens, J. J.; Beerendonk, C. C. M.; Schattenberg.
plantation for myelodysplasia (MDS) and MDS-related A. V. “Quality of life, reproduction and sexuality after
acute myeloid leukaemia”. British Journal of Haematology, stem cell transplantation with partially T-cell-depleted
v. 93, n. 1, p. 59-67, 1996. grafts and after conditioning with a regímen including to
Andrykowski, M. A.; Cordova, M. J.; Han.m, D. tal body irràdiation”. Bone Marrow Transplantation, v. 37.
M.; Jacobsen, P. B.; Fif.lds, K. K.; Phillips, G. “Patients’ n. 9, p. 831-6, 2006.
psychosocial concerns following stem cell transplan Colon, E. A.; Callies, A. L.; Popkin, M. K.
tation”. Bone Marrow Transplantation, v. 24, n. 10, p. “Dcpressed mood and other variables related to bone
1121-9, 1999. marrowr transplantation survival in acute leukemia'’
Andrykowski, M. A.; McQuellon, R. P “Psychological Apud Loberiza Jr., F. R.; Ri/.zo, J. D.; Bredeson, C. N.:
issues in hematopoietic cell transplantation”. In: Thomas, Antin, J. H.; Horowitz, M. M.; Wkkks, J. C.; Lee, S. J.
E. D.; Blume, K. G.; Forxlax, S. J. (eds.). Hematopoietic ‘Association of depressivc syndmme and early deaths
cell transplantation. 2. ed. Oxford/Malden: Blackwell among patients after stem-cell transplantation for ma-
Science, 1999, 1260 p. lignant diseasesn. Journal of Clinicai Oncology, v. 20.
Attal, M. et al. “À prospective, randomized trial n. 8, p. 2118-26, 2002.
of autologoiis bone marrow transplantation and chemo- Copei.an, E. “Hematopoietic stem-cell transplanta
therapy in multiple myeloma. íntcrgroupe Françats du tion”. The New England Journal of Medicine, v. 354, n.
Myélome”. The New England Journal of Medicines v. 335, 17, p. 1813-26, 2006.
n. 2, p. 91-7, 1996. Curtis, R. E. et al. “Solid cancers after bone marrow
Barrett, A.]. et al. “Bone marrow transplantation transplantation”. The New England Journal of Medicine, v.
for acute lymphoblastic leukaemia”. British Journal of 336, n. 13, p. 897-904, 1997.
Haematology, v. 52, n. 2, p. 181-8, 1982. Cutt.er, C. et al. “Acute and chronic graft-versus-host
Bêianger, R. et al. “Bone marrow* transplanta- after allogeneic pcripheral-blood stem-cell and bone mar-
tion for myelodysplastic syndromes”. British Journal of rowr transplantation: a meta-analysis”. Journal of Clinicai
Haematology, v. 69, n. 1, p. 29-33, 1988. Oncology, v. 19, n. 16, p. 3685-91, 2001.
Biggs, J. C. et al. “Treatment of chronic myeloid leuke- De Masi, D. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sexranre.
mia with allogeneic bone marrow transplantation after pre- 2000.
paration with BuCy2”. Blood, v. 80, n. 5, p. 1352-7, 1992. Doney, K. et al. “Treatment of adult acute lympho-
Blaise, D. et al. “Allogeneic or autologous bone mar blascic leukemia with allogeneic bone marrow' transplanta
row transplantation for acute lymphoblastic leukemia in tion: multivariate analysis of factors affecting acute graft-
~UB«
first complete remission”. Bone Marrow Transplantation, versus-host disease, relapse, and relapse-free survival”.
v. 5, n. 1, p. 7-12, 1990. Bone Marrow Transplantation, v. 7, n. 6, p. 453-9, 1991.
I
Burt, R. K. etal. “Embryonic stem cells as an alterna- Fayfrs, P M.; Machin, D. Quality of life: assessment.
te marrow donor source: engraftmcnt without graft-vcr- analysis and interpretaiion. Chichester: Wiley, 2000, p. 404.
TRANSPLANTE DE CÉLULA-TRONCO HEMATOPOIÉTICA: VISÃO GERAL 185
IfOCL Ganz, R A.; Bower, J. E. “Rehabilitation of rhc pa- acute myeloid leukemia”. Bone Marrow Transplantation.
ai th câncer”. In: Arei.OFF, M. D.; Armitage, J. O.; v. 26, n. 7, p. 711-6, 2000.
RHUBER, J. E.; KASTAN, M. B.; McKenna, W G. (eds.). Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer. Sáo Pau
y.cal oncology. 3. ed. Filadélfia: EIsevier Churchill Martins Fontes, 1996, p. 299.
ngstone, 2004, p. 731-47. Lass, A. et al. “Sperm banking and assisted repn>duc-
Gianni, A. M. et al. “High-dose chemotherapy and tion treatment for couples following câncer treatment c:
-ügous bonc marrow transplantation compared with the male partner”. blutnan Reproduction Update, v. ~, n.
\ -a OP-B in aggressive B-celI lymphoma”. The New England 4, p. 3.70-7, 2001.
al of Medicinet v. 336, n. 18, p. 1290-7, 1997. Laughun, M. J. et al. “Outcomes after transplanta
Gluckman, E. et al. “Hematopoietic reconstitntion in tion of cord blood or bone marrow from unrelated do-
::ent with FanconFs anemia by means of umbilical-cord nors in adults with leukemia”. The New England Journal
from an HLA-identical sibling”. The New England of Medicine, v. 351, n. 22, p. 2265-75, 2004.
al of Medicine, v. 321, n. 17, p. 1 174-8,1989. Linker, C. A. et al. “Autologous stem cell transplanta
Gruber, U.; Fegg, M.; Buchmann, M.; Koi.b, H. tion for advanced acute myeloid leukemia”. Bone Marrow
k Hiddemann, W “The long-term psychosocial effects Transplantation, v. 29, n. 4, p. 297-301, 2002.
lematopoetic stem cell transplantation”. European LüCARELU, G. et al. “Bone marrow transplantation in
mal of Câncer Care, v. 12, n. 3, p. 249-56, 2003. patients with thalassemia”. The New England Journal of
Hendriks, M. G.; van Bfijstervfldt, B. C.; Schoutfn, Medicine, v. 322, n. 7, p. 417-21, 1990.
- “The quality of life after stem cell transplantation: McGlavf., P. B. etal. “Unrelated donor marrow trans
- ems with fatigue, sexuality, finances and employ- plantation for chronic myelogenous leukemia: 9 years1 ex-
Nederlands Tijdschrift Geneeskunde, v. 142, n. 20, periencc of the National Marrow Donor Program”. Blood,
52-5, 1998. v. 95, n. 7, p. 2219-25,2000.
Hjermstad, H. J.; Knobel, H.; Brinch, L.; Fayers, P. McMillan, A. K. et al. “High-dose chemotherapy
L >ge, J. H.; Holte, H.; KaasA, S. “A prospective study and autologous bone marrow transplantation in acute
f .alth-related quality of life, fatigue, anxiety and de- myeloid leukemia”. Blood, v. 76, n. 3, p. 480-8, 1990.
:m 3-5 years after stem cell transplantation”. Bone McQueixon, R. R; Andrykowski, M. A. “Psychosocial
w Transplantation, v. 34, n. 3, p. 257-66, 2004. complications of hematopoietic stem cell transplantation”.
H Kr an, W. J. et al. “Hepatic injury after nonmyeloa- In: Atkdjson, K. et al. (eds.). Clinicai bone marrow and
e conditioning followed by allogeneic hematopoietic blood stem cell transplantation. 2. ed. Boston: Cambridge
Tansplantation: a study of 193 patients”. Blood, v. University Press, 2000, p. 1500.
n. 1, p. 78-84,2004. Meyers, J. D. et al. “Nonbacterial pneumonia after
.\HOURi, I. F. et al. “Autologous and allogeneic bone allogeneic marrow transplantation: a review of ten years’
j\v transplantation for chronic lymphocytic leuke- experience”. Reviews of Infectious Diseases, v. 4, n. 6, p.
- preliminary results”. Journal of Clinicai Oncology, v. 1119-32, 1982.
a. 4, p. 748-58, 1994. Myers, L. A. et al. “Hematopoíeric stem cell trans
\ mima, S. et al. “Outcome of 154 patients with seve- plantation for severe combined immunodeficiency in the
::lastic anemia who received transplants from unrela- neonatal period leads to superior thymic output and im-
_: nors: the Japan Marrow Donor Program”. Blood, v. proved survival”. Blood, v. 99, n. 3, p. 872-8, 2002.
n. 3, p. 799-803, 2002. Oh, H. et al. “Chemotherapy vs. HLA-idcntical si-
n )RBUNG, M. et al. “Allogeneic blood stem cell trans- bling bone marrow transplants for adults with acute lym-
::on for refractory leukemia and lymphoma: poten- phoblasric leukemia in first remission”. Bone Marrow
antage of blood over marrow allografts”. Blood, v. Transplantation, v. 22, n. 3, p. 253-7, 1998.
.6, p. 1659-65, 1995. Rocha, V et al. “Transplants of umbilical-cord blood
____ . “Disease-free survival after autologous bone or bone marrow from unrelated donors in adults with a
: mtation in patients with acute myelogenous leuke- cute leukemia”. The New England Journal of Medicine, v.
Blood, v. 74, n. 6, p. 1898-904, 1989. 351, n. 22, p. 2276-85, 2004.
n - íshnan, A. et al. “Predictors of therapy-related Ründe, V et al. “Bone marrow transplantation from
va and myelodysplasia following autologous trans- HLA-identical siblings as first-line treatment in patients
-tion for lymphoma: an assessment of risk facto rs”, with myelodysplastic syndromes: early transplantation is
i.v. 95, n. 5, p. 1588-93,2000. associated with improved outeome. Chronic Leukemia
)GER, N. et al. “Dose-dependent effect of etoposide Working Party of the European Group for Blood and
- mbination with busulfan plus cyclophosphamide as Marrow Transplantation”. Bone Marrow Transplantation,
Mtioning for stem cell transplantation in patients with v. 21, n. 3, p. 255-61, 1998.
186 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
Sanders, J. E.; Buckner, C. D.; Leonard, J. M.; reproductive age vvomen after haematopoictic stem cell
SULLÍVAN, K. M., WriHERSPOON, R. R; Deeü, H. J.; StORB, R.; transplantation for haematological malignancies”. Human
Thomas, E. D. “Late effects on gonadal function of cydo- Reproduction, v. 18, n. 7, p. 1410-6, 2003.
phosphamide, total-body irradiation, and marrow trans Thomas, E. D. et al. “Supralerhal wholc body irradia-
plantation”. Transplantation, v. 36, n. 3, p. 252-5, 1983. tion and isologous marrow' transplantation in man”. The
Sanders, J. E. et al. MFinal adult height of patients Journal of Clinicai Investigation, v. 38, p. 1709-16, 1959.
who received hematopoietic cell transplantation in child- Verdonck, L. F. et al. “Comparison of CHOP chemo-
therapy writh autologous bone marrow transplantation for
hood”. Blood, v. 105, n. 3, p. 1348-54, 2005.
slowly responding patients with aggressive non-Hodgkin‘s
Santos, G. et al. “Marrow transplantation for acure
lymphoma”. The New England Journal of Medicine,
non-iymphocytic leukemia after treatment with busulfan
332, n. 16, p. 1045-51, 1995.
and cyclophosphamide”. The New England Journal of
Walters, M. C. et al. “Bone marrow transplanta
Medicine, v. 309, p. 1347-53, 1983.
tion for sickle cell disease”. The New England Journal of
SUTTON, L. et al. “Factors influencing outcome in my-
Medicine, v. 335, n. 6, p. 369-76, 1996.
elodysplastic syndromes treated by allogeneic bone mar Watson, M.; Wheatley, K.; Harrison, G. A.:
row transplantation: a long-term study of 71 patients. ZirrouN, R.; Gray, R. G.; Goldstone, A. H.; Burnett, A
Société Française de Greffe de Moelle”. Blood, v. 88, n. 1, K. “Severe adverse impact on sexual functioning and fer-
p. 358-65, 1996. tility of bone marrow' transplantation, either allogeneic or
Syk.es, M.; Nikolic, B. “Treatment of severe autoim- autologous, compared with consolidation chemothcrapy
mune disease by stem-cell transplantation”. Nature, v. alone: analysis of the MRC AML 10 trial”. Câncer, v. 86,
435, n. 7042, p. 620-7, 2005. n. 7, p. 1231-9, 1999.
Syrjàla, K. L; Langer, S. L; Abrams, J. R.; Storer, B. Weisdorf, D. et al. “Autologous versus unrelated do-
E.; Martin, P. J. “Late effects of hematopoietic cell trans nor allogeneic marrow transplantation for acute lympho-
plantation among 10-year adult survivors compared with hlastic leukemia”. Blood, v. 90, n. 8, p. 2962-8, 1997.
case-matched Controls”. Journal of Clinicai Oncology, v. WlNGARD, J. R.; CURBOW, B.; BAKER, F.; ZABORA, J
P iantadosi, S. “Sexual satisfaction in survivors of bone
23, n. 27, p. 6596-606, 2005.
Tauchmanovà, L.; Selleri, C; De Rosa, G.; Esposito,
marrow transplantation”. Botie Marrow Transplantation
M.; Orio Jr., F.; Palomba, S.; Bifulco, G.; Nappi, C.;
v. 9, n. 3, p. 185-90, 1992.
ZagOj M. A.; Falcão, R. R; Pasqujni, R. Hematologia
Lombardj, G.; Rotou, B.; Colao, A. “Gonadal status in
fundamentos e prática. São Paulo: Atheneu, 2001.
PARTE III
PREVENÇÃO DO CÂNCER
PREVENÇÃO DO CÂNCER
Rafael A. K a l i k s ; A u r o D e l G j g l i o
e modo geral, podemos subdividir os fatores entre câncer c tempo de abstinência do fumo. Dispomos
Reposição hormonal: a utilização de estrógeno associa • Sigmoidoscopia (em vários países. colonoscopia):
do à progesterona para reposição hormonal em mulheres na início aos 50 anos e, na sequência, a cada três a
menopausa está claramente relacionada com um aumento na cinco anos.
incidência de câncer de mama (Rossomv et al, 2002). Por • Sangue oculto nas fezes: anualmcmc a partir dos 50
tanto, em mulheres que já tiveram câncer de mama a repo anos.
sição hormonal está contra-indicada. Os dados da reposição • Exame da próstata (toque retal): anuaimente após
de estrógeno feita isoladamente são menos contundentes. os 40 anos (item controverso).
Não há dados para contra-indicar o uso dc anticoncepcional • Dosagem de PSA: anual mente após os 50 anos (item
oral em mulheres na pré-menopausa que não tenham histó muito controverso).
ria de câncer de mama ou predisposição genética sabida. • Papanicolau: a cada um a três anos a partir dc três
Dieta: dietas ricas em gorduras estão associadas a anos após o início da vida sexual, ou após os 21 anos,
câncer de cólon e mama. Excesso de proteínas, álcool e até os 65 anos de idade.
calorias também está ligado a aumento do risco de câncer
de cólon. Sabe-se que dieta rica em fibras relaciona-se com A quimioprevenção diz respeito ao uso de substância
menor taxa dc câncer de cólon e, possivelmente, também que possa interferir no processo da transformação de neo
com diminuição do risco de câncer de mama e próstata. plasia in situ em doença invasiva, ou possa evitar o reapa
Infecções: está amplamente documentada a associa recimento de neoplasia maligna. Os agentes usados atual
ção entre Helicobacter pylori e câncer gástrico, e entre mente cm quimioprevenção são drogas antiinflamatórias
papilomavírus humano e câncer de colo de útero. Outros (inibidores de COX-2), antioxidantes e antagonistas hor
exemplos são a infecção por Epstein-Barr e o desenvolvi monais. Do ponto de vista da prevenção por interferência
mento de doença de Hodgkin e carcinoma de nasofaringe; hormonal, pode-se também recorrer a cirurgias com efeiu
infecção por herpesvírus-8 e aparecimento de sarcoma de anti-hormonal, ou mesmo à retirada cirúrgica do órgão
Kaposi. Lamentavelmente, em relação a essas infecções, sob risco de desenvolver câncer (mastectomia profilática,
não temos estratégias que consigam diminuí-las ou evitar em mulheres com mutação de genes e altíssimo risco de
que uma pequena fração dos pacientes infectados (que são desenvolver câncer de mama).
realmente minoria) desenvolva uma neoplasia como con Apesar de terem sido testadas inúmeras drogas e vita
sequência da infecção. A prevenção do câncer de colo de minas com intuito dc quimioprevenção em diversos tipo>
útero, ânus, pênis c vulva será discutida a seguir. de tumores, os dados não são suficientemente robustos
para que se possa fazer uma recomendação formal. Eis as
informações reunidas até o momento:
Prevenção secundária
• Não há quimioprevenção eficaz para câncer de
A prevenção secundária consiste na tentativa de detec
pulmão.
ção precoce das ncoplasias por meio de testes específicos
• Ingestão de betacaroteno, selênio e vitamina E esti
dc rastreamento e do tratamento adequado de condição
associada à diminuição da incidência de câncer gás
pré-maligna ou doença assintomática. A importância dessa
trico em populações orientais.
prevenção reside no fato de que a detecção da doença em
• Há dados convincentes para o uso de anriinfiama-
estágio precoce permite uma alta taxa de cura para a maio
tórios não-hormonais, especialmente inibidores
ria das neoplasias.
de COX-2, na prevenção do desenvolvimento de
A lista que segue cita os testes preconizados na maior
pólipos em pacientes com adenomatose polipóide
parte dos países desenvolvidos. Vale mencionar que infe
familiar.
lizmente ela não leva em consideração aspectos epidemio-
• Dietas ricas em cálcio parecem estar associadas com
lógicos locais de várias regiões menos desenvolvidas.
diminuição do risco de câncer de cólon.
Embora as diretrizes variem de país a país, em linhas
• Pacientes com adenomatose polipóide familiar po
gerais os exames de rastreamento recomendados são os
dem diminuir a chance de desenvolver câncer co-
seguintes:
lorretal por meio de colectomia profilática.
• A vacinação contra hepatite B diminuiu a incidên
• Mamografia: anualmenre a partir dos 50 anos (al
cia de carcinoma hepatocelular em regiões de gran
guns grupos preferem que se inicie aos 40 anos), de incidência.
continuando até os 70 anos (para alguns, até os 75
• Tamoxifeno diminuí em aproximadamente 50% c
anos).
risco de um novo câncer de mama em mulheres que
• Exame das mamas por um médico: anual mente já tiveram o primeiro tumor.
após os 40 anos (para alguns, após os 50 anos).
• Mastectomia profilática em mulheres com mutaçá
• Auto-exame das mamas: mensalmente após os 20 dos genes BRCA 1 e BRCA 2 diminui em 90%
anos (item controverso). risco de desenvolver câncer de mama.
PREVENÇÃO DO CÂNCER 191
• Finasterida (um inibidor da 5-alfa-redutase, que relacionados à presença de mutação dos genes BRCA1 ou
converte testosterona em diidrotestosterona, mais BRCA2, podendo ser inferida com base em história familiar
potente) diminui em 25% o risco de desenvolvi e idade ao diagnóstico (Malone et al., 1998). Uma ve/ que
mento de câncer de próstata, mas naqueles em que esses métodos indiquem que a probabilidade de mutação
o tumor se desenvolveu a doença parece ser mais é significariva, podemos proceder à pesquisa da mutação
agressiva. Essa quimioprofilaxia nào pode ser advo propriamente dita. Filhos e irmãos de pacientes cujo câncer
gada nos dias de hoje. esteja comprovadamente relacionado à mutação de BRCAi
ou BRCA2 poderão então ser submetidos à pesquisa de rr.u-
Vale aqui um parágrafo sobre as novas vacinas com alta tação, e a intervenção nesses casos resulta numa redução u:
texa de eficácia na prevenção de câncer de colo de útero, vul- mortalidade por câncer. A dificuldade maior nessa seqtiér.-
2, pênis e ânus. Sabemos de longa data que essas neoplasias cia de eventos aparentemente lógica e simples é o importan
:) decorrentes da infecção pelo vírus HPV (papilomavírus tíssimo aspecto psicossocial relacionado ao resultado dc >
:_niano). O carcinoma de colo de úrero, extremamente pre- testes - positivo ou negativo - tanto para o paciente quant >
: ?nte em países pobres, poderá scr doença rara em aigu- para cada parente (Biesecker et al., 1993). A investigação e
► décadas se os resultados de alguns estudos prospectivos a implicação dos resultados são tão grandes que a Sociedade
: infirmarem (Future I I Study Group, 2007; Steinbrook, Americana de Canccrologia Clínica (Asco) publicou diretri
S; Joura et cil., 2007). O grau de proteção contra o desen- zes para a realização dessa orientação genética (American
• imento dessas neoplasias (e de lesões verrucosas também Society of Clinicai Oncology, 2003).
nu n i ? m i r m m u i
Referências bibliográficas
American Society of Clinicai Oncology. “American randomized clinicai trials”. Lancet, v. 369, n. 9574, p.
Society of Clinicai Oncology policy statement updatc: 1693-702, 2007.
genetic resting for câncer susceptibility”. Journal of Clini Maione, K. F..; Daung, J. R.; Thompson, J. D.; 0’Brii\.
cai Oncology, v. 21, n. 12, p. 2397-406, 2003. C. A.; Francisco, L. V; Ostrandfr, E. A. “BRCA1 muta-
Biesecker, B. B.; Bof.hkke, M.; Calzone, K.; Markel, tions and breast câncer in the general population: analysc>
D. S.; Garber, J. E.; Collins, F. S.; Weber, B. L. “Genetic in women before age 35 years and in vvomen before age 4'
counseling for families with inherited susceprihility to years with first-degrec family history”. The Journal of the Am
breast and ovarian câncer”. The Journal of the American erican Medicai Association, v. 279, n. 12, p. 922-9, 1998.
Medicai Association, v. 269, n. 15, p. 1970-4, 1993. Miller, A. J.; Mihm Jk., M. C. “Melanoma”. The Neu
Ezzatj, M.; Lopez, A. D. “Estimates of global mortal- England Journal of Medicine, v. 355, n. 1, p. 51-65, 2006.
ity attributable to smoking in 2000”. Lancet, v. 362, n. Rossouw, J. E. et al. “Risks and benefits of estro-
9387, p. 847-52, 2003. gen plus progestin in healthy postmenopausal women:
Future II Study Group. “Quadrivalent vaccine against principal results from the Woinen’s Health Initiative ran
human papillomavirus to prevent high-grade cervical lc- domized controlled trial”. The Journal of the American
sions”. The New England Journal of Medicine, v. 356, n. Medicai Association, v. 288, n. 3, p. 321-33, 2002.
19, p. 1915-27,2007. SrtLVfíKOOK, li. “The potencial of human papillonu-
Joura, E. A.; Leodoi.ter, S.; Hernandez-Avila, M.; virus vaccines”. The New Englatid Journal of Medicine, v.
Wheeler, C. M.; Perf.z, G. et al. “Efficacy of a quadriva- 354,n. ll,p. 1109-12, 2006.
lent prophylactic human papillomavirus (types 6, 11, 16 Thun, jM. J.; Hf.nley, S. J.; Cai.ee, E. E. “Tobacco use
and 18) LI virus-like-particle vaccine against high-grade and câncer: an epidemiologic perspective for geneticists*'.
vulval and vaginal lesions: a combined analysis of three Oncogene, v. 21, n. 48, p. 7307-25, 2002.
PARTE IV
m 1995, durante o Congresso Brasileiro de de avaliação da sua QV, um campo de configuração do seu
dição humana e somos conduzidos a contactar uma compre de o momento de sua internação, a pessoa enferma fique
ensão de sentido quando refletimos sobre o que temos cria exposta a culturas e a regras que não fazem sentido para
do, amado, acreditado...”. Assim, não há linearidade entre ela. O enfermo não tem noção da cadeia de eventos que
o grau de satisfação que uma pessoa pode expressar relativo envolvem a sua própria enfermidade e demandam diferen
ao seu funcionamento e o grau de satisfação de vida. tes formas de enfrentamento psicológico, isso favorece a
Dessa fornia, é possível que uma pessoa mutilada ava perda de sua autonomia e consequente diminuição de sua
lie insatisfatoriamente sua saúde e relate uma sensação de satisfação ao buscar a assistência à saúde.
infelicidade com a vida em geral, enquanto outra avalie Assim, no cotidiano de enfermos, a avaliação da QY
satisfatoriamente sua saúde. Neste último caso, provavel pode, por exemplo, monitorar os efeitos da evolução do
mente, outros fatores produzem uma melhor avaliação processo diagnóstico (Costa Neto e Aratijo, 2005), de te
subjetiva de QV. rapias e de suas seqüelas, contribuindo para a adequação
Assim, a percepção da QV pode ser extremamente dos tratamentos, ao mesmo tempo que proporciona ao
variada e combinada com fatores psicológicos mediadores enfermo um feedback relativo às dimensões física, psicoló
(tais como as estratégias de enfrentamento psicológico, a gica e social de sua saúde (Aaronson et t//., 1988).
percepção da rede de suporte social e o lócus de controle), Pesquisadores ligados à Quality of Life Research
fortalecendo processos de resiliência. Unir, da Universidade de Toronto (2007), categorizaram
Se, por um lado, historicamente a QV foi considerada em três os maiores domínios da vida: a existência (being).
uma entidade vaga c etérea, algo utilizado nos contextos a pertença (belonging) c a ação (becoming), sendo cada uni
da saúde, da política partidária, da economia, entre outras deles especificado a seguir.
áreas, que não se pode claramente conhecer (Campbell, O domínio da existência inclui três subdomínios: a
Converse e Rodges, 1976. apud Cella e Cherin, 1988), e, saúde física, higiene pessoal, nutrição, exercícios, apa
por outro, para alguns a QV pode ser definida de diferentes rência física, cuidados com roupas c acessórios; b) saú
maneiras (De Haes e van Knippenberg, 1989), o cerro é que de psicológica e adaptação, bem como as cognições, os
o estudo sobre a QV em saúde chega aos anos 2000 sem, sentimentos, as avaliações relativas ao eu e o autocontro
ainda, uma clara delimitação conceituai. le; c) existência espiritual, composta de valores pessoais,
Contudo, apesar das dificuldades, o que se verificou, padrões pessoais de comportamento c crenças espirituais,
sobretudo nos anos 1980 e 1990, foi uma tentativa de or associadas a organizações religiosas ou nâo.
ganização, um enfrentamento da tarefa de definir a QV, O domínio da pertença, caracterizado pelos ajustes da
ainda que de forma complexa e controversa, e uma busca pessoa ao seu ambiente, é constituído por três aspectos: a)
por aplicação do conceito na assistência à saúde. pertença física (relacionada a casa, local de trabalho, vizi
Com base em Cella (1995), pode-se supor que a ob nhança, escola e comunidade, por exemplo); b) pertença
servação das mudanças verificadas ao longo do tempo social (ligada a familiares, amigos, colegas de trabalho); c)
deve também elucidar, cronologicamente, a transformação pertença comunitária, que abrange o acesso aos recursos
do significado ou da projeção de fatores ou de dimensões normalmente oferecidos por membros da comunidade (tais
da vida que as pessoas possam considerar preponderantes como serviços de saúde, serviços sociais, empregos, progra
a cada configuração da sua QV. Ou seja, nenhum escore, mas educacionais e recreativos e atividades comunitárias).
por si só, poderá ser suficiente para informar sobre a re O domínio da ação refere-se às atividades proposta^
organização existencial verificada na vida de cada pessoa, c conduzidas por metas pessoais, esperanças e desejos, a
enferma ou não, a cada tempo. partir de ações práticas (do dia-a-dia), dc lazer (promoto
No contexto brasileiro, são muitas as enfermidades ras de relaxamento e redução de estresse) e de crescimento
de estirpes diversas, verdadeiro espelho das contradições (que incluem as que promovem ou mantêm conhecimen
socioeconômicas e culturais, cujos reflexos têm definido o tos e habilidades).
perfil epidemiológico das diferentes regiões. A política de Os fatores que constituem os domínios da existência,
saúde adotada no Brasil para o atendimento das popula pertença e ação, das pessoas na comunidade, fornecem um
ções privilegia a atenção secundária ou curativa, o que, em campo substancial para a intervenção e a investigação da
âmbito técnico e institucional, restringe as possibilidades psicologia aplicada à área da saúde.
de se desenvolverem ações de saúde voltadas para otimizar Adicionalmente, existem diferentes níveis cm que se
a QV da comunidade. podem buscar relações entre as noções de QV. Tradicio
Consequente ao modelo hegemônico de uma cultura nalmente, o conceito de saúde, muito difundido, da World
curativa ocidental, o hospital figura como espaço social Health Organizarion (WHO) menciona um equilíbrio en
que recebe maior investimento para a assistência às ques tre as dimensões biopsicológica e social, da mesma forma
tões de saúde. Como já é lugar-comum, as unidades hospi que instrumentos dc avaliação da QV em saúde sc estrutu
talares se estruturam para o tratamento das doenças e não ram, muitas vezes no mesmo conjunto dc fatores relativos
para a promoção da saúde. Tudo contribui para que, des à saúde (Cummins, 1998).
QUALIDADE DE VIDA DO ENFERMO ONCOLÓGICO... 197
-V»que parece, o elemento central de um bom padrão de clínicos que se vêem regularmente envolvidos com tarefas
. saúde, ainda que certos autores contestem a premissa curativas e/ou paliativas.
: a primeira se esgota na segunda (Stepke, 1998). Mas, A acentuada cronicidade e a crescente taxa de sobre
- . qual o verdadeiro limite entre saúde e QV? Supõe-se, vivência dc enfermos têm feiro que muitos experienciem
■ •a - . que não exista, na atualidade, uma resposta conclusiva períodos de vida bastante estressantes, com freqüentes
5 al pergunta, inclusive porque o próprio conceito de episódios dc dor e de outros sintomas deletérios entre o
* _. tem recebido acepções diferenciadas e cada vez mais diagnóstico e o término do tratamento. Obviamente, sem
-■ ? as. Assim, pode-se ainda supor que a noção de saúde pre se espera que os tratamentos adotados nesses casos
e _.bém difícil de se cristalizar em um único conceito até sejam conduzidos de forma a eliminar ou reduzir significa
*• rque é regida por características como a integralidade, a tivamente tais sintomas e seus efeitos colaterais e, ao mes
ussual idade e a historicidade (Sarriera, 2004). mo tempo, aumentar a habilidade do enfermo em viven-
\ busca da ampliação do período entre nascimento ciar um estágio de vida semelhante ao da fase pré-mórbida
rte faz que o conceito de saúde se torne central em (Moinpour et aL, 1995).
iiquer discussão sobre QV em saúde. Contudo, o que O julgamento clínico das doenças orienta-se basica
>e denominou “saudecentrismo” (Costa Neto, 2002) mente por informações sobre o tempo de sobrevivência,
i. de certa forma, marcado determinada posição ideo- o tempo livre de doença, as taxas de resposta da enfermi
::ea que se vem mantendo mediante a ênfase na de- dade, a duração da resposta e as toxicidades associadas ao
stração prática dos avanços tecnológicos alcançados tratamento, entre outras. É provável que as avaliações da
> mbito da saúde. Talvez seja esse um dos motivos pelos QV de enfermos, que coincidam com tais pontos-chave
. o debate sobre a relação entre saúde e QV, por ve- e considerem as múltiplas dimensões da vida de cada pa
% tenha se arrastado. Além disso, o prolongamento da ciente, possam sugerir, inclusive, mudanças nos procedi
i por meio de recursos tecnológicos tem construído, mentos das equipes dc saúde e nas possibilidades de reabi
• ciedade ocidental contemporânea, um sentido e uma litação dos respectivos enfermos.
_ -umaçáo entre saúde e existência, na acepção mais Tudo indica que alterações na assistência, decorrentes
a que este último termo possa ter. Dessa forma, o da avaliação da QV, possibilitariam o aumento da funcio
er.mdo termo é tomado pelo primeiro, conforme um pa- nalidade nas diversas dimensões da vida (Moinpour et <i/.,
Tbí qma em que a noção de existência, um campo de ma- 1995). Assim, certas dimensões da QV relacionada à saúde
. ução da saúde, tende a se reduzir ao próprio conceito são também funções da própria organização dos serviços
zc •'.nide, que, por sua vez, tem se tornado assimilador de assistência à saúde. Ou seja, qualquer alteração na as
•utro, a todo momento. Nesse sentido, para efeito de sistência prestada por sistemas de saúde terá efeito sobre
~:do do tema dever-se-ia buscar a distinção entre as con- a QV, desde que o contexto assistencial seja incorporado à
*4 . * es objetivas da saúde das populações e as estruturas e subjetividade da pessoa, enferma ou não, e sejam equacio
| festações subjetivas do indivíduo. nados outros fatores representativos de dimensões de QV;
Por essa razão, é oportuno considerar também aqui a sua avaliação seria, assim, elemento dialético (produto c
"ima relação existente entre QV em saúde e aspectos processo) da evidência e da regulação da postura ética em
• : ‘♦económicos, de tal forma que se possa tratar do tema saúde e, portanto, uma prática redutora de iniqüidades.
[ i uma perspectiva ainda mais ampla e dialética, naquilo É possível que a vulgarização do termo qualidade de
se referir à gestão das políticas de saúde e alocação vida verificada no Brasil tenha esvaziado uma discussão
recursos, aos interesses da indústria farmacêutica e aos certamente promissora. Políticos, administradores e mes
_ tmentos e medidas clínicas de doenças específicas. mo profissionais de algumas áreas da saúde passaram a
Determinadas reflexões acerca dos interesses de gesto- fazer generalizações sobre o tema pelo uso, quando muito,
• públicos c de grandes corporações farmacêuticas, se con- de um ou outro instrumento de investigação, sem funda
~ nadas com as necessidades, as expectativas e os níveis dc mentar criticamente a escolha e o uso de metodologias
ração dos indivíduos sadios e/ou enfermos, evidenciam de avaliação e dos conceitos vinculados. Por outro lado,
. _juna entre tais perspectivas, reforçando o senso comum diversos pesquisadores brasileiros vêm se empenhando em
-. que o aparato da assistência à saúde (pública e privada) debater e divulgar estudos de QV realizados no Brasil, a
*: é suficiente para suprir as necessidades dos cidadãos. exemplo dos que compõem a Lista Brasileira cie Qualidade
No campo da saúde, o tema que mais tem sido pes- de Vida, criada em 2000.
. '.ido e mais resultados têm divulgado é o da aplica Nesse sentido, profissionais brasileiros da área da saú
da noção de QV no julgamento clínico. Patologias de têm participado da tarefa de construção de um conheci
■.nicas diversas têm sido investigadas considerando tal mento sólido sobre a QV da população, ainda que perma
:>pectiva, segundo diferentes propostas metodológicas, neça o grande desafio de superar as ações individuais em
rredominantemente as de caráter psicométrico, com o in prol de outras conjuntas, inclusive com o delineamento de
cito de contribuir para o redirecionamento da prática de investigações multicêntricas e inter-regionais.
198 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Quadro 1: Distribuição de instrumentos de avaliação de QV e áreas correlatas segundo a sua categoria de originalidade.
Categoria f (frequência) %
Derivado
I 11,3
Em seguida, os instrumentos foram classificados segundo a principal característica do tipo de sujeito para o qual ha
viam sido construídos (Quadro 2).
Quadro 2: Distribuição dos instrumentos de avaliação de QV e áreas correlatas segundo a característica predominante do sujeito-alvo
í Sujeito-alvo f (frequência) %
Geriátrico (G) 17 I*
t- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 10
Com debiJidade inreiectual (DJQ II w
Psicopatológico (P) 23 4,õ
Foram, então, identificados os 446 instrumentos principais, que foram devidamente organizados por década de publi-
:io (Quadro 3).
i-adro 3: Distribuição de instrumentos principais de avaliação de QV e áreas correia tas por décadas, entre 1930 e 1990.
Década f (freqüência) %
1930 2 0,45
1940 2 0,45
1950 11 2,5
1960 33 7.4
1970 76 17
m
Tr
O primeiro instrumento de avaliação de QV desen- escala análogo-visual. As demais formas de organização
Kk:
• • do para enfermos oncológicos data de 1948 (Perfor- dos conteúdos foram: o índex (3,2%), a lista (2,1%), a
i w~Kcc status scale, de Kamofsky e Burchenal), mas, como entrevista por telefone, as entrevistas estruturada e semi-
9** ser verificado no Quadro 3, a quantidade de instru estruturada e o inventário (cada um deles com 1,1%).
ir :“tos de avaliação de qualidade de vida existentes come- Ainda com base naqueles 94 instrumentos, obser
I f ~ a crescer a partir dos anos 1950, dando-se nos anos vou-se que 56,4% deles foram desenvolvidos especifi
í" o surgimento do maior número de instrumentos de camente para avaliar a QV, enquanto os demais, 43,6%,
j i-ijção de QV avaliavam fatores indiretos ou constructos psicológicos
No Quadro 4 foram dispostos todos os instrumentos mediadores de QV
i -: :raziam, em seu título, a menção literal do termo qua- Segundo esse mesmo estudo, 55% dos instrumentos
h- de de vida, num total de 32. Como é possível observar, (de um total de 94) são específicos, ou seja, pertencem à
« --mimemos de avaliação da QV têm sido desenvolvi- categoria dos desenvolvidos para a avaliação de grupos de
í mais por pesquisadores individuais e menos por gru- sujeitos portadores de diferentes enfermidades (csclerose
1 .. i .
: s de pesquisadores e/ou representantes de organismos múltipla, asma ou câncer, por exemplo), enquanto os de
ç r-namentais. mais (45%) foram desenvolvidos para a avaliação de po
Entre os anos 1940 e 1960, uma expressiva evolução pulações sem diagnóstico clínico que apresentavam perdas
pc rma e conteúdo acompanhou a elaboração dos ins- de funções decorrentes do avanço da idade.
f-remos de avaliação de QV, pela inserção do ponto de Entre as escalas, 22 discriminam o número de pontos
1.
« -i do sujeito avaliado, mesmo que ainda se referindo às usados para cada resposta. Por exemplo, a Performance
restritas da existência. Mas foi sobretudo a partir da status scale (Karnofsky e Burchenal, 1948, apud Cum
c.-..ida de 1970 que se evidenciou a complexidade na re- mins, 1998) é uma escala de onze pontos, que discrimi
g—r-entação desse constructo e teve início uma expressiva na a sensibilidade da resposta para cada um dos fatores
I i' ição de instrumentos de avaliação de QV em distintas analisados. No conjunto, a média de pontos verificada
I f* r Jações com diagnóstico médico. Possivelmente, esse em todos os instrumentos foi de 5,4 (com desvio padrão
• emento esteve associado ao próprio desenvolvimento de 1,54).
psicologia da saúde e à assimilação das diretrizes da Quanto à extensão, verificou-se que 80,85% desses
T HO, desde então reformuladas e apresentadas nas con- 94 instrumentos estudados têm uma média de 33 per
3 r".cias mundiais de saúde. guntas (com desvio padrão de 31,86), com o menor de
Entre os 94 instrumentos de avaliação de QV e áreas les (Global depression index, de Yager e Linn, 1981; apud
. —elatas, para a população com diagnóstico clínico ou Cummins, 1998) compondo-se de uma única pergunta, e
?T-ca de funções estudadas, observou-se, quanto à orga- o maior (Hopes), de 165 (Ganz e cols., 1994, apud Cum
• ração dos conteúdos, o predomínio da forma de esca- mins, 1998). Constatou-se, ainda, que 13,83% dos instru
- ^6,4%), com 4,2% de escala Likert e outros 4,2% de mentos foram desenvolvidos para enfermos com câncer,
200 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Quadro 4: Distribuição de instrumentos de avaliação de QV por título, autoria e ano de publicação, entre as décadas de 1970 e 1990.
enquanto 86,1*7% foram desenvolvidos para pacientes seu ecossistema, que teve maior destaque nos anos 1990
com outras patologias ou perdas esperadas de funções. Nessa mesma década, fatores como a satisfação subjetiva
Conforme pode ser observado no Quadro 5, até os com a vida e a avaliação geral da satisfação com a vida não
anos 1990 os instrumentos de avaliação da QV não deram foram privilegiados nos instrumentos então publicados.
ênfase à atribuição de sentido às patologias. Possivelmen A emersão ou supressão de fatores da QV na produ
te, isso esteve associado ao predomínio de instrumentos ção de instrumentos de avaliação em cada década demons
de avaliação fechados em contraposição aos semi-estru- tra uma tentativa de ajustamento do foco de prioridades
turados. Outra importante constatação é a mudança no relativas à QV, apesar dc também ter cabido à literatura
nível de preocupação, ao formular os instrumentos para sobre QV demonstrar que instrumentos mais complexos
avaliar a QV, com as condições pré-mórbidas dos sujeitos, de uma década podiam, numa única investigação, estar
q u e ceve seu ápice nas anos 1980 e foi hastance reduzida associados a outros menos complexos construídos em dé
nos anos 1990. cadas diferentes.
Outra lacuna que se fez notar (Quadro 5) foram os Entre muitos avanços encontrados no desenvolvi
fatores relacionados à avaliação da QV da pessoa inserta em mento das características formais e de conteúdo ao lon-
QUALIDADE DE VIDA DO ENFERMO ONCOLÓGICO. 201
--adro 5: Principais fatores identificados nos instrumentos de avaliação de QV e áreas correlatas para sujeitos com diagnos*.::
: :o ou com perdas de funções, entre as décadas de 1940 e 1990.
Funcionamento físico
Funcionamento social
Funcionamento familar
Funcionamento laborai
Funcionamento econômico
Funcionamento psíquico
Funcionamento nutricional
Funcionamento relaconal
Funcionamento sexual |
Funcionamento comunitário/cívico
Aspectos psiquiátricos
Condições pré-mórbidas 1
1
Atribuição de sentido à doença
Estimulação ambiental
Lazer
Grau de independência/autonomia
Espirituaiidade/religiosidade
—1
Avaliação global de QV
-
§ zis décadas (Quadro 6), deve se destacar o resgare da apresenta resultados limitados quando comparado a outro
3 Rectiva do investigado, mesmo que em protocolos rraramenro, necessariamente este não seria melhor para o
*:nre fechados. Reafirma-se, acerca desse juízo, que o enfermo do que aquele. Ou seja, a opção por uma cirurgia
— -envolvimento da psicologia da saíide e o consequente mutiladora que garantisse à pessoa alguns meses de vida a
c- r mento de investigações sobre QV feitas por profis- mais do que outra cirurgia menos invasiva, menos agres
i z_iis da área ou orientados por seus pressupostos teóri- siva e com menores chances de sobrevida, mas proporcio
i rodem estar na base dessa mudança de paradigma. nasse uma vida de melhor sentido ao enfermo, talvez não
fosse a melhor indicação terapêutica. Afinal, múltiplas são
as dimensões da vida que devem ser consideradas.
Critérios clínicos para a análise Dessa forma, o profissional de saúde precisa sempre
das medidas psicométricas de considerar questões pertinentes ao melhor caminho a ser
tomado diante do impasse da indicação clínica, baseando-
validade devida se na avaliação da QV do enfermo e, sobretudo, na fala
Para Osoba (1991), seria incompleto analisar a vali- desse mesmo sujeito enfermo. Respostas para questões se
de protocolos de tratamento do câncer apenas con- melhantes não podem mais se apoiar apenas em intuições,
i -.'indo as respostas biológicas e de sobrevida do pa- valores, crenças ou qualquer outro paradigma exclusiva
; - r. Por exemplo, se determinado tratamento médico mente experiencial do profissional de saúde.
202 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Quadro 6: Principais características formais e de conteúdo identificadas nos instrumentos de avaliação de QV e áreas correlatas
desenvolvidos para pessoas com diagnóstico clínico e/ou perdas naturais de funções, entre as décadas de 1940 e 1990.
Abrangência multidimensional
Seriam duas as tendências verificadas historicamente pressão verbal, não restaria ao profissional de saúde outra
nos processos de avaliação da QV dc enfermos. Podemos opção senão a de usar um instrumento de tendência cen
chamar a primeira de centrípeta e a segunda de centrí trípeta. Contudo, em outras circunstâncias, podem ocor
fuga, termos estes emprestados de Gusdorf (1990), que, rer situações favoráveis à tendência centrífuga.
ao analisar os conceitos de interdisciplinaridade, pluridis- E provável que a resistência em tornar rotineira a
ciplinaridade e transdisciplinaridade, julgou que o saber avaliação da QV na assistência à saúde tenha por base 4
deveria ser repensado com base em um movimento centrí as barreiras de atitude, de conceito e metodológica, bem
fugo. Segundo aquele autor, esse movimento centrífugo, como as barreiras práticas de que fala Osoba (1991).
em oposição ao centrípeto, desmembraria e conduziria o As barreiras de atitude indicam a existência de pre-
conhecimento a uma nova organização. concepções entre os profissionais de saúde que não credi
No que se refere à QV, conforme a tendência cen tam valor científico às informações sobre QV. As reações
trípeta de não-desmembramento para uma nova organi são as mais diversas e vão do negativismo (“Isso não tem
zação, há de se considerar, dc forma crítica, o conjunto valor") ao ceticismo (“QV é particular, de foro íntimo;
de estudos que partiram de uma metodologia em que o não pode ser avaliada"), passando pela inércia (“Não te
profissional de saúde (médico, psicólogo, enfermeiro, as nho tempo para isso”; “Estou muito ocupado”), pela ig
sistente social, entre outros) avaliava a QV do enfermo norância (“Não sei por onde começar”), pela incerteza
oncológico com base em critérios prefixados e, portanto, de papel (“Acho que não é função minha”; “Isso não é
passando diretamente pela configuração subjetiva do ob meu trabalho”), pelo cinismo (“Não há QV em câncer’ .
servador - num discurso de fora para dentro. Por outro e culminando na desconfiança quanto ao dado subjetive
lado, conforme a tendência centrífuga de desmembramen (Osoba, 1991). Talvez ações educativas desenvolvidas err.
to para uma nova organização, consideram-se, então, as eventos formais, em contatos face a face ou em processo^
avaliações feitas diretamente pelo próprio sujeito-alvo seletivos acadêmicos e profissionais ajudem a superar tais
sobre a QV - sem critérios prefixados e, portanto, sem barreiras de atitude.
passar pela configuração subjetiva do observador, num Já as barreiras de conceito e metodológica referem-
discurso de dentro para fora. se ao conjunto de indefinições e incertezas acerca da'
Certamente, existem situações em que uma tendên questões-chave a serem investigadas em termos de QV Po;
cia seria mais compatível com a situação real do que a exemplo, alguns pesquisadores clínicos preferem os ins
outra. Por exemplo, para chegar a indicadores da QV de trunientos avaliadores de performance física ou orgânica,
enfermos oncológicos terminais e sem possibilidade de ex preterindo, assim, os instrumentos avaliadores de aspectos
QUALIDADE DE VIDA DO ENFERMO ONCOLÓGICO.. 203
>cionais, afetivos e/ou sociais, certamente porque, até sido usado para medir mudanças ao longo do tempo?
idos da década de 1980, havia o predomínio de grupos Tem sido usado em julgamento clínico?
médicos pesquisadores nos estudos de QV e, conse- Confiabilidade: a confiabilidade desse instrumen:
; -ntemente, o enfoque biomédico teve supremacia em foi avaliada em pré-teste? As taxas próprias dessa versã
* -ção ao biopsicossocial. têm sido comparadas com outras versões observadas?
As barreiras práticas, por sua vez, são compostas, Validade: é acurada a medida de escala quec
• Jominantemente, pela falta de recursos financeiros nário desse instrumento? Identifica mudanças ao longo
-. proporcionariam infra-estrutura adequada ao rigor do tempo e diferenças entre grupos, seja pelo estádio da
itífico. Deve-se, ainda, afirmar que a carência de recur- doença, seja pelo modo de tratamento? Em que medida
* ' humanos capacitados para avaliar a QV agrega-se às correlacionam-se os seus achados com os de profissional
‘-'reiras práticas. treinados para administrar entrevistas padronizadas que
Maguire e Selby (1989) formularam uma proposta para avaliem funcionamento físico, social e psicológico?
*5 :.:zir a oito os aspectos formais que devem ser considera- Tudo indica que a busca de um consenso do que seja
• quando da análise dos instrumentos de avaliação da QV o conceito de QV tenha gerado diferentes tendências de
eles: a função, o formato, a administração, a pontuação, avaliação e, de certa forma, feito que diferentes medidas
i trutura, o uso clínico, a confiabilidade e a validade - cada de QV fossem sendo desenvolvidas paralelamentc ao pro
i associado a determinadas perguntas a serem respondi- cesso de elaboração do mesmo conceito.
pelo pesquisador, descritas a seguir. Para Adorno e Castro (1994), a construção de dese
Função: é específica para uso em caso de um diagnós- nhos de investigação deveria utilizar-se da complementa
particular ou funciona para o câncer em geral? Que ridade das abordagens metodológicas, sobretudo das em
nensõcs da QV poderá esse instrumento medir? píricas com as interpretativas. Nesse sentido, a utilização
Formato: quantas perguntas conrém esse instrumen- da variação metodológica, ou seja, a combinação de ins
De que maneira as perguntas estão nele dispostas? trumentais quantitativos e qualitativos, prescreve o uso de
método de escala adota - análogo-linear, categóri- multimeios de forma a garantir maior validade aos dados
j outro? Há formas alternativas? Que período co da pesquisa, supondo-se que os limites bem como os pro
mes, semana ou dia passado)? Conduz o paciente a blemas de operacionalizaçáo de um método seriam com
7-T-se à sua própria linha de base para responder às pensados pelas características do outro - entendendo-se,
:ões (exemplos: não mais que o usual; muito mais aqui, método como “exercício reflexivo de apreensão de
. 1 usual) ou conduz a níveis absolutos (exemplos: não uma realidade, ou como a expressão da relação sujeito/ob-
KT3 1 nente; muito)? jeto” (Adorno e Castro, 1994, p. 173).
r Administração: é fácil administrar esse instrumento? A combinação de técnicas metodológicas busca ainda,
&. Se» • treinamento? Quanto tempo leva para ser comple- e especificamente, responder ao que se supõe serem duas
? Todos os itens serão facilmente entendidos pelo pressões que recaem sobre os estudos de QV: a primeira,
k rrr- - ente? Todos os itens são aceitáveis e não provocam pública, voltada para a intervenção social promovida pelos
~r>se? Pode o seu/sua questionário/escala ser adminis- grandes grupos, e baseada no conhecimento psicométrico,
' a por computador? geralmente mais rígido, padronizado, que, por isso mes
Pontuação (scoring): é fácil pontuar por meio desse mo, não contempla a perspectiva ética de valorizar a ne
umento? Que pontuações gera (exemplos: escore ge- cessidade do indivíduo; a segunda, individual, constituída
(k 3C- - escores por subescalas; escore para cada item)? Com- pelas demandas que, cada vez mais, os cidadãos fazem aos
pz* £ parâmetros populacionais? Que nível de facilidade gestores dos sistemas de saúde para que aumente a sua
: »sibilita para efeito de análise estatística? participação nos processos de tomada de decisão de forma
Estrutura: que escala/questionário serviu de base a melhorar as intervenções e alcançar a equidade social.
a obtenção de seus itens (foram feitas entrevistas Essas duas pressões compõem, portanto, um cenário de
- pacientes ou usadas escalas já existentes)? Os itens contrastes num mundo cada vez mais globalizado, em que
—am subescalas discretas? As subescalas são baseadas as lacunas se evidenciam.
atores de análise obtidos dos itens? Os fatores estru-
iios têm sido replicados, e com que resultados? Itens
peso elevado numa subescala interferem em outros Abordagem qualitativa para a
atra subescala? Como cada item contribui para o es avaliação da qualidade
ic- á*. merai? Permitem avaliar as formas mais curtas ou
ÇY Por de vida em oncologia
entam formas abreviadas do instrumento (tal como
OS »fr- HOQOL Breve)? Contudo, os dramas mais terríveis não passavam ã
ifi- v-a. ’ >0 clinico: que grupos de pacientes têm complcta- história /.../.
wpcaa* • questionário apresentado nesse instrumento? Tem
Gabriel Garcia Márquez (1994
204 T E M A S E M P S 1 C 0 0 N C 0 L 0 G I A
Era manhã de 2001; dona Anrônia1 entrou com no caso específico, a de enfermos com ncoplasias, deverá
semblante tenso no consultório do serviço de psicologia» estar preparado, também, para responder às demandas
acompanhada de seu esposo, depois de ter sido indicada clínicas que emergirem ao longo da investigação. Tudo
por um médico do serviço de cirurgia de cabeça e pescoço sempre se fará de acordo com a mais tradicional forma de
para avaliação da sua QV Três anos anres ela desenvolvera pesquisa, tão comprometida com a busca de nenhuma ou
um carcinoma espinocelular (CEC) nos seios da face e se de pouca interferência do pesquisador na produção dos
submetera a uma cirurgia que mutilou cerca de um terço dados pelo sujeito. No caso de dona Anrônia, porém, isso
do lado esquerdo do seu rosto. Não lhe tendo sido possí não se aplicava.
vel realizar outra cirurgia, para reparação plástica, convi Tantos exemplos poderiam ser retirados da experiên
via com um curativo que tampava uma extensa abertura cia adquirida no processo dc coleta de dados de pesqui
na pele, a ponto de deixar exposta a sua cavidade oral. sa, em que os sujeitos implicados extrapolavam qualquer
Aquela indicação para avaliação da QV, na compreensão expectativa de ação objetiva diante dos propósitos dc
do médico, dera-se pelo fato de ter sido descoberto um pesquisador. Em outras palavras, as condições clínicas t
segundo tumor na mesma região anatômica da paciente emocionais em que geralmente se encontram os enfermos
e estar, então, a equipe médica discutindo a possibilidade que estão às voltas com o diagnóstico ou com indicações
de uma nova intervenção cirúrgica com possibilidade de terapêuticas para ncoplasias demandam, para o pesquisa
perda total do olho esquerdo. dor do processo de avaliação de sua QV, uma forma dc
Bastante ansiosa e agitada, a paciente logo se pôs a investigação que exige sensibilidade. Nesse caso, não
dizer o motivo pelo qual estava ali, num relato intercalado trata de uma coleta de dados seguindo um roteiro preesta
por episódios de choro. Seu esposo buscava acalmá-la e belecido, supondo-se condições favoráveis ou previsíveis
ela lhe respondia de forma ríspida. Segundo o esposo, o de participação do enfermo. Trata-se de um procedimen
médico lhes havia comunicado, na manhã anterior, o novo to que, não obstante ser orientado por um roteiro, deve
diagnóstico, adiantando-lhes a possibilidade da terapêuti estar aberto às contínuas elaborações do participante que
ca cirúrgica. Durante a noite, ela não dormira, exigindo tanto fazem avançar os conteúdos ou temas inicialmen
que ele também ficasse acordado; além disso, nos últimos te propostos quanto agregam outras dimensões temáticas
dias, ele» que sempre fazia os grandes curativos dos seios que têm sentido próprio ou expressam suas necessida
da face da esposa, estava encontrando dificuldades para des imediatas. Não há instrumentos de investigação que
fazê-los, uma vez que ela reagia acusando-o de a estar ma contemplem toda a incerta, descontínua, flexível e plurai
chucando. complexidade do ser humano. E, muito menos, os seu'
A medida que a paciente e seu esposo continuavam os dramas mais terríveis.
relatos - muitas vezes, sem a necessidade da intervenção Em síntese, pode-se afirmar que nenhum participante
do profissional presente ficava claro que não fazia sen de investigações é mero reagente à estimulação proporei' -
tido, naquele caso, o uso dos instrumentos padronizados nada pelo pesquisador mediante o uso de específicos ins
(escalas e entrevista semi-estruturada) para efeito dc co trumentos dc avaliação dc QV Cada respectivo processo
leta de dados de QV As informações sobre a QV daquela dc consentimento envolve um diálogo entre participante
mulher emergiam em cada palavra que ela proferia, em e pesquisador sobre os objetivos e os procedimentos J_
cada comportamento ríspido que ela adotava e em cada se investigação - o que não equivale a dizer que houve neu
quência de choro que a abalava. Naquele momento de cri tralidade por parte do pesquisador. Tudo se dá com ba>;
se, aquele casal deveria receber outro tipo de atenção, algo na suposição de que, na subjetividade de cada enfermo c
que envolvesse desde a continência da catarse em processo de cada pesquisador), subsiste aquilo que constrói o senti
até o fornecimento de mais informações e orientações. do para todas as dimensões da vida. Consequentemente, _
Por outro lado, é bom lembrar que, se a demanda noção sobre a qualidade de vida de cada enfermo pode ser
psicológica de dona Anrônia tivesse sido criada a partir considerada, sobretudo, uma resultante da apreensão dc
do seu envolvimento com um protocolo de investiga sentidos por ele atribuídos à vida. Daí, talvez, advenha *
ção, o necessário suporte psicológico deveria ter-lhe sido necessidade de se conduzirem as investigações sobre a QV
dado imediatamente, até que ela apresentasse condições de enfermos de uma perspectiva qualitativa que alcance os
de voltar a analisar os aspectos anteriormente previstos. sentidos que cada enfermo (e cada avaliador) atribui à sua
Além disso, há dc se considerar que, para o pesquisador própria vida.
clínico em psico-onco/ogia, o li mire enrre as aòorc/agens Para Spinfc e Gimencs (1994), as práticas tíiscursiv.
da investigação científica e as da psicoterapia é tênue. Ou - por meio das quais as pessoas produzem ativamente _
seja, aquele que pretender pesquisar a QV de enfermos, realidades psicológicas e sociais - são dados empíricos qr
informam sobre o campo intersubjetivo. Assim sendo, aq
^ Nome ficrido. Dona Anrônia morreu em fevereiro de >002, cerca de se supõe que, partindo do discurso do enfermo oncológic
um ano apôs esse encontro, em consequência do cãnce' na cavidade
oral. (sempre que cie se colocar diante da avaliação da própr
■ncn ;íade de vida), bem como de outras formas de expres- to as singularidades são níveis legítimos para a produção
K-"Cls nodem-se encontrar os indicadores que representam do conhecimento. A psicologia, historicamente orientada
. 'Baio ; .Tsidade de seu self. pelas ciências naturais e pelo positivismo, relegou a sin
rj ie Pesquisadores qualitativos (Rey, 1999; Mercado et ai, gularidade a uma posição secundaria, privilegiando os
Ki m 11 apontam ao menos três princípios que orientam os comportamentos, as tendências e os padrõ^ universais.
r i» - dimentos metodológicos numa investigação qualitati- A qualidade daquilo que é expresso por ar:: rar:;c:panre
B. a» primetro refere-se ao fato de ser o conhecimento um deve se sobrepor, em relevância, ao número de partici
ar: _ ato da construção e da interpretação do pesquisador pantes de uma pesquisa: o que e como de\em >e destacar
- mo tal, gerado pela síntese dos indicadores obtidos da diante de quanto. Talvez a resposta a essa questã* esteia
ia investigação, indicadores estes cujos sentidos são embutida no fato dc, muitas vezes, o matéria: e ah rad .
nstruídos e atribuídos também pelo pesquisador. Dcs- com base em indicadores abstraídos da entreviu dc um
. rma, os dados obtidos no momento empírico, em si, participante, por exemplo, proporcionar avanços à n -
► represenrariam a realidade que se estuda, uma vez que lação teórica sem que se siga, necessariamente, a exc. . -
'.ihdade seria indiretamente compreendida num mo obediência positivista às médias de escores. Nesse
to teórico, ou seja, quando da análise do conjunto de vale antes compreender que a ênfase nos indicadores mais
s. Isso indica que as pesquisas sobre a QV de enfermos qualitativos) ou a ênfase nos escores (mais quantirarv >
K rrmi ífimtn
.ógicos - inclusive as baseadas, também, em instru- em si, não comprometem a legitimidade do conhecinic i:
' >s fechados — devem se orientar pela busca de uma produzido, mas sim a forma como uma e outra são ade
?reensáo daquilo que estiver implícito nas diferentes ridas na construção teórica.
restações do enfermo, ou, mais precisamente, daquilo Parece ser consenso na literatura sobre a QV que o
: :> tornar singular. principal aspecto da avaliação da qualidade de vida é a
A base interpretativa da investigação de QV tem sua natureza subjetiva, natureza esta que também legitima
importante alicerce o enfoque fenomenológico que as referências às singularidades de cada enfermo, quando
dar sentido ao dado de pesquisa diante das condi- da construção do conhecimento sobre QV Nesse sentido,
Tibientais e históricas em que foi produzido. estudos de caso legitimam o conhecimento produzido por
0 segundo princípio da investigação qualitativa meio deles. De tal perspectiva, os estudos de caso não po
c-se ao caráter interativo do processo da pesquisa dem mais ser considerados desenhos de investigação de
1999; Mercado eí al., 2002). Ou seja, o conheci- categoria inferior, nem mais práticos, ou menos onerosos
• produzido em pesquisa é fruto da qualidade da in- ou, ainda, de caráter complementar. Hão de ser aceitos
:ão estabelecida entre o pesquisador e o participante como essenciais em estudos qualitativos. Generalizações
mbém, da capacidade de assimilação ou inclusão, na baseadas neles são possíveis, ainda que venham a ser supe
unicação entre ambos, das nuanças que emergem ao radas. Estudos de caso são momentos de avanço e não ins
> da abordagem. F.ntre tais nuanças encontram-se os tâncias acabadas e definidas. Uma prova viva da potencia
--evisros verificados no próprio fluxo de comunicação lidade desse tipo de estudo para a formulação de teorias,
xressos pela linguagem verbal e/ou gestual. Como se conceitos e técnicas de natureza idiográfica é o próprio
de um processo de mão dupla, aquilo que ocorrer conhecimento psicanalítico.
o participante, bem como ao pesquisador, criará um É sabido, no entanto, que estudos de casos podem ter
: ■ recíproco. Por exemplo, se, ao longo da abordagem implicações nas relações de poder estabelecidas entre pes
. coleta de dados, o enfermo extrapolar a sequência quisadores e participantes ao longo das investigações. Tanto
ista pelo protocolo de pesquisa sobre QV, solicitar assim que a efetiva adesão do participante ao processo de
í r^quisador uma informação sobre seu prognostico e investigação poderá estar relacionada ao poder atribuído
obtiver, como resposta, o silêncio ou uma afirmação ao pesquisador (Bourdieu, 2000). A respeito disso, convém
indireta (ou mesmo uma resposta que demons- considerar as três dimensões de poder descritas por Got-
: meo ou nenhum acolhimento da necessidade do tlieb (1993, apud Bourdieu, 2000) ao fazer uma compara
jipante), poderá haver alteração no conteúdo das ção entre a psicoterapia e a pesquisa. A primeira dimensão
'•as do participante no restante da abordagem, seja refcrc-sc a quanta influência o pesquisador exerce sobre o
ae teve sua confiança abalada, seja porque não se participante (se baixa, média ou alta). Por exemplo, se a in
: acolhido, seja porque acreditou ter agido de forma fluência for alta, ela demonstra claramente quanta influên
mranm juada, seja por quaisquer ourros motivos. Então, cia um tem sobre o outro e quanto este é mais vulnerável
*ji:er interativo e intersubjetivo compõe-se tanto da do que aquele. A segunda refere-se a quanto dura a relação
ai» jac . de idéias que pode ser verificada na comunicação (se breve, intermediária ou longa). Finalmente, a terceira
b asa do afeto que nela transitar. dimensão refere-se à clareza do término do procedimento,
tfryçxx O terceiro princípio que orienta a investigação quali- que define quando será encerrada a relação profissional e
frzrrm - Rey, 1999; Mercado ct al., 2002) refere-se a quan se outra, de ordem pessoal, poderá iniciar-se.
206 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
É interessante observar que, após uma abordagem geral dc sua própria QV, mesmo estando outros fatores
para coleta de dados sobre a QV de participantes enfer estáveis. Além disso, a própria validade das medidas de
mos, alguns podem expressar o desejo de voltar ao con QV depende muito da definição operacional da variável
sultório do serviço de psico-oncologia para dar noticias ao medida, o que ainda tem sido objeto de debate entre os
pesquisador sobre o tratamento, enquanto outros podem pesquisadores da área.
solicitar acompanhamento psicoterápico, havendo, ainda, Pm contrapartida, pesquisadores qualitativos ques
outros que podem se limitar à própria entrevista da in tionam o critério de validade nas investigações qualitativas
vestigação. Seja qual for o desfecho da situação de coleta e propõem a substituição do conceito de validade pelo de
de dados, não haverá como negar a influência mútua es legitimação do conhecimento (Lincoln c Guba, 1985). Win-
tabelecida entre pesquisador e participante ao longo de ter (2000), por sua vez, sustenta que o conceito de validade
cada estudo de caso, podendo a qualidade dessa influência não é padrão, não é rígido nem universal, mas uma con
- ou do poder atribuído pelo participante ao pesquisador tingência de constructo, trabalhada no seio de processos t
- estar associada à riqueza de conteúdos emersos no($) intenções de metodologias de pesquisa particulares. Trata
encontro(s) acontecido(s) durante a investigação. se, portanto, de um conceito relativo. Ao contrário do que
As dimensões de poder descritas por Gottlieb (1993, pretende a abordagem positivista com a validade - alcançar
apuã Bourdieu, 2000) contribuem bastante para a reflexão a precisão e a verdade objetiva, padrão e estática do dado
sobre o tipo de relação que se estabelece entre o pesquisa a pesquisa qualitativa faz que a preocupação com a verdade
dor e o participante de pesquisas qualitativas. A qualidade seja substituída pela preocupação com a inteligibilidade
dessa relação provavelmente decorrerá do uso (moderado informação que favorecerá a construção do conhecimento.
ou não) que se fizer do poder. Para Bourdieu (2000), as re E mais: alguns pesquisadores qualitativos têm sus
lações mais comprometidas são as associadas à existência tentado que o termo validade não é aplicável à pesquiv
de alta influência entre os membros, com longa duração qualitativa e vêm apresentando suas próprias teorias sobrt
e término indefinido. Ora, considerando-se o tratamento a validade, sempre gerando ou adotando termos que con
do câncer, geralmente prolongado, seria plausível, tam sideram mais apropriados, tais como: credibilidade, repre-
bém, pensar na existência de diferentes situações de poder sentatividade, plausibilidade, confirmabilidade, relevância,
estabelecidas ao longo da convivência do enfermo com entre outros. Alguns simplesmente rejeitam a noção de
a instituição e com os profissionais de saúde. Não raras validade por considerarem-na inteiramente imprópria ao-
vezes, a liberdade do enfermo é cerceada pelas diversas seus trabalhos (Winter, 2000). Tais fatos sugerem que, d
prescrições médicas, pelos repetidos (e, por vezes, longos) ponto de vista metodológico, estratégias de sistematizaçã:
períodos de internação e pelo controle comportamental e refinamento devam ser perseguidas na pesquisa quali
que a instituição e a equipe de saúde buscam exercer sobre tativa, considerando-se, inclusive, as questões pertinente^
ele. Conseqüentemente, tal situação poderá transpor-se aos estudos de caso como pretexto metodológico para ^
para a relação estabelecida com cada enfermo para efeito emergência de novas formulações.
de avaliação da sua QV o que reforça a necessidade de o
pesquisador ser bastante ético cm relação ao participante.
Afinal, o participante será abordado justamente no mo À guisa de conclusão
mento em que estiver numa instituição, hospitalar ou não, Há uma ética no “fazer saúde”. Muitas pessoas qut
em busca de assistência à sua saúde. conseguem o acesso aos sistemas dc saúde ainda são sub
Na maioria das vezes, os conhecimentos formulados metidas a constrangimentos, que não podem escapar _
com base nos instrumentos de avaliação de QV de natu uma reflexão ética mais profunda. O processo de huma
reza qualitativa sofrem críticas - em especial de investiga nização é ainda premente nos contextos de assistência
dores de formação positivista ou neopositivista, apegados saúde, envolvendo o direito à informação, à privacidade
aos critérios psicométricos de validade e de fidedignidade. à reclamação e à liberdade de locomoção.
Para eles, para calcular a confiabilidade das medidas de Por outro lado, pode-se pensar sobre os deveres que
QV, por exemplo, seria necessário supor a estabilidade cada um tem com os cuidados com sua própria saúde e
da variável medida. Contudo, conforme escrevem Grau com o uso adequado (ou não) dos recursos existentes n :•
Abalo (1998) e Grau Abalo et aL (2005), esse critério não sistema de saúde; ao mesmo tempo, deve-se tomar cuici
é pertinente para muitas medidas de QV cujo constructo do para que não se sustente uma mudança polarizada d
envolve uma série de fatores instáveis: ao longo de uma discurso da vitimação para o da responsabilização, por im
só semana, por exemplo, alterações significativas - com provável que, para boa parte da população, o aprendiza^,
forte peso na avaliação global da QV - podem ocorrer sobre as questões de saúde, infcYizmente3 coincida co/r
em determinado conjunto de fatores relativos à dimensão enfrentamento de doenças.
física do enfermo; a evolução clínica do enfermo com náu A postura ética em saúde rradicionalmcnte se defir
seas e vômitos, num só dia, pode impactar a apreciação baseada em quanto e em como cada indivíduo tem direiu .
QUALIDADE DE VIDA DO ENFERMO ONCOLÓGICO 207
'ência médica. O constructo multidimensional da QV, terapêuticas em geral, inclusive às investigações de QV, em
- ndo, em particular, a sua dimensão psicológica, impli- particular. Nesta última condição, a experiência comprova
_l -ma busca de equidade que favoreça, inclusive, o acesso que, por exemplo, até mesmo os cuidados formais para
k " Stência psicossocial, não como elemento complemen- a obtenção da assinatura ou de digitais dos participantes
nr r acessório da assistência integral à saúde, mas como de investigação científica para o termo de consentimento
r - . "cição também necessária ao bom uso e à devida manu- livre e esclarecido não podem prescindir de um “processo
•_ .lo dos resultados obtidos pela intervenção médica. De de consentimento” (Costa Neto, 2002). Ou seja, a autori
. pcrspectiva, assume grande importância a efetivação das zação efetiva (e afetiva) dada pelo participante ao pesqui
~ r'venções interdisciplinares em psico-oncologia. sador demonstra, de fato, que fazer uso do princípio da
Quando a QV de enfermos oncológicos é conside- autonomia, dentro de uma relação de confiança, reduz a
| r: _ p e l a perspectiva da bioética, o indivíduo que é ob- influência e o uso de poder do investigador sobre o parti
i et .-alvo da assistência passa a ter direito às informações cipante da pesquisa e potencializa a percepção de domínio
.: nossam subsidiar escolhas pessoais de engajamento às do enfermo sobre sua própria existência.
Referências bibliográficas
Aaronson, N. K. “Methodological issues in psycho- De Haes, J. C. J.. M.; Van Knippenberg, F. C. E.
* cal oncology with special reference to clinicai trials”. “Qualiry of life instruments for câncer patients: BabePs
i Vlntafridda, V; van Dam, F. S. A. M.; Yanok, R.; Tam- tower revisited”. Journal of Clinicai Epidemiology, v. 42,
|l.-jNi, M. (orgs.). Assessment of quality of life and câncer n. 12, p. 1239-41, 1989.
I» toeatment. Amsterdã: Elsevier, 1988a, p. 29-42. Eortc Quality of Life Study Group. QLQ-C30: sco-
____ . “Quality of life: what is it? How should it be ring manual. Bruxelas: EORTC, 1997.
'iisured?” Oncology, v. 2, n. 5, p. 69-76, 1988b. Garcia Márquez, G. Do amor e outros demônios. 5.
Aaronson, N. K.; Calais da Silva, F.; Voggt, H. J. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
-njective response criteria and quality of life”. In: Scho- Grau Abalo, J. “La calidad de vida en enfermo de câncer
F. H. et ai (orgs.). EORTC genitourinary group avanzado”. In: Gómez Sancho, M. (org.). Cuidados paliati
nograph S. Nova York: Alan R. Liss, 1988, p. 261-73. vos e intervención psicosocial en enfermos terminales. 2. ed.
Adorno, R. C. F.; Castro, A. L de. “O exercício da sen- Las Palmas de Gran Canária: ICEPPS, 1998, p. 1221-34.
iidade: pesquisa qualitativa e a saúde como qualidade”. Grau Abalo, J.; García-Vintegras, C. R. V; Mf.i.én-
? e Sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 172-85, 1994. dez, E. H. “Calidad de vida y psicologia de la salud”. In:
BayéS, R. Psicologia oncológica. 2. ed. Barcelona: Meléndez, E. H.; Grau Abalo, J. (orgs.). Guadalajara:
tínez Roca, 1991. Universidad de Guadalajara, 2005, p. 201-32.
Bourdieu, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Ber- Gregório, M. A. P. S.; Rodríguez, A. M.; Rodríguez,
nd Brasil, 2000. A. G.; Picabia, A. B. “Calidad de vida en la salud: algunas
Cella, D. F.. “Measuring quality of life in palliative investdgaciones en el âmbito hospítalario”. Revista Colom
e“. Seminars in Oncology, v. 22, n. 2, p. 73-81, 1995. biana de Psicologia, Bogotá, n. 14, p. 64-72, 2005.
Célia, D. F.; Cherin, E. A. “Quality of life during and Gusdorf, G. “Les modeles épistémologiques dans les
cr câncer treatment”. Câncer, v. 14, n. 5, p. 69-75, 1988. Sciences humaines”. Bulletin de Psychologie, Paris, v. 397,
Costa Neto, S. B. Qualidade de vida dos portadores n. 18, p. 858-65, 1990.
Keoplasia de cabeça e pescoço: u bem-estar; o bem-ser, o KovÁcs, M. J. “Avaliação da qualidade de vida etn pa
i-ter e o bem-viver. 2002. 289 f. Dissertação (Doutora- cientes oncológicos em estado avançado da doença”. In:
em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Psico-oncologia no Brasil:
: Brasília, Brasília, Distrito Federal. resgatando o viver. São Paulo: Summus, 1998, p. 159-85.
Costa Neto, S. B.; Akaiijo, T. C. C. F. “A multidimen- ____ . “Qualidade de vida em pacientes com câncer:
nalidade do conceito de qualidade de vida em saúde”. Es- efeitos de um programa de intervenção psicossocial”. Re
r ca
os: Vida e Saúde, Goiânia, v. 30, n. 1, p. 165-79, 2003. vista de Psicologia Hospitalar do HC, São Paulo, v. 4, n. 1,
,poci __. “Calidad de vida de los portadores de neo- p. 7-19, 1994.
>ia de cabeza y de cuello en fase diagnóstica”. Revista LrNCOLN, Y. S.; Guba, E. G. Naturalistic inquiry. New-
lombiam de Psicologia, Bogotá, n. 14, p. 53-63, 2005. bury Park/Londres/Nova Délhi: Sage, 1985.
Cummins, R. A. Directory of Instruments to measure Maguire, P.; Selby, P. “Assessing qualiry of life in cân
ulity of life and cognate areas. Melbourne: Dcakin Uni- cer patients”. British Journal of Câncer, v. 60, n. 3, p. 43”-
^crsity, 1998. 40, 1989.
208 TEMAS EM PSfCO-ONCOLOGíA
Mercado, F. J.; Gastaldo, D.; Caldkrón, C. (orgs.). Espiritualidade e qualidade de vida. Porto Alegre: Edipuc-
lnvestigación cualitativa en saltai en Iberoamérica: méto RS, 2004, p. 77-86.
dos, análisis y ética. Guadala/ara: Universidad de Guada- SpíNX, M. J. H; GlMENES, M. da G. G. “Práticas discur
Iajára, 2002. sivas e produção de sentido: apontamentos metodológicos
Moinpour, C. M.; Savage, M.; Haydia, K. A.; Sawhrs, para a análise dc discursos sobre a saúde e a doença”. Saú
J.; Upchurch, C. “Quality o f lí te assessment in câncer clin de e Sociedade, v. 3, n. 2, p. 149-71, 1994.
icai trials”. In: Dimsdale, J. E.; Baum, A., (orgs.). Quality Stepkií, F. L. “Salud mental y calidad de vida en h
of life in bchavioral medicine research. Hillsdale: Lawren- socicdad postmodema”. Acta Psiquiátrica y Psicológica d-:
ce Erlbaum, 1995, p. 79-95. América Latina, Buenos Aires, v. 44, n. 4, p. 305-9, 1998.
Osoba, D. “Measuring the cffect of câncer on quality Vinacua, S. “Presentación sección especial: calidad
of life”. In: Osoba, D. (org.). Effect of câncer on quality of de vida en salud”. Revista Colombiana de Psicologia, Bo
life. Vancouver: CRC Press, 1991. p. 25-40. gotá, n. 14, p. 9-10, 2005.
Quaíjty of Life Research Unit - Universiry of Toron ViNACCiA, S. et al. “Calidad de vida, personalidad re
to. Disponível em: <hrrp://www.utoronto.ca/qol/concepts. sistente y apoyo social percibido en pacientes con diagnós
htm>. Acessado em: 14 nov. 2007. tico de câncer pulmonar”. Psicologia y Salud, Xalapa.
Rfy, F. G. La mvestigacióit cualitativa en psicologia: 15, n. 2, p. 207-20, 2005.
rumbos y desafios. São Paulo: Educ, 1999. Wínter, G. “A comparative discussron of the notion
Sarr/EKA, J. C. “Saúde, bem-estar espiritual e qualida of ‘validity9 in qualitative and quantitativo research”. 7 v
de de vida: pressupostos teóricos e pesquisas amais”. In: Qualitative Report, v. 4, n. 3-4, 2000. Disponível ein
Teixeira, E. F. B.; Müller, M. G; Silva, J. D. T. (orgs.). < http://www.nova.edu/ssss/QR/QR4-3/vvin ter. html >.
CÂNCER: RECURSOS DE ENFRENTAMENTO
NA TRAJETÓRIA DA DOENÇA
D oris L ieth N unes P eçanha
determinada maneira. Essa disposição traz em si mesma Essa breve exposição visou fornecer uma ideia
uma característica de permanência a exemplo de outros quanto à diversidade na abordagem científica do proble
traços de personalidade. Isto é, a pessoa tende a reagir de ma, sendo essenciais a definição do conceito utilizado
determinada forma diante de eventos estressantes e utiliza quando se fala de enfrentamento ou coping e a adequa
essa forma habitual de resposta também diante do câncer. ção da metodologia aos objetivos de estudo. Neste capí
A primeira concepção apóia-se na teoria cognitiva, en tulo, utiliza-se o termo enfrentamento a fim de manter
quanto a segunda decorre de postulados psicanalíticos so fidelidade ao contexto da psico-oncologia brasileira, em
bre a organização da personalidade. Conforme a posição que é largamcnte utilizado. Prioriza-se a abordagem do
adotada, as pesquisas na área tendem a focalizar processos enfrentamento como um processo multidimensional de
de enfrentamento no primeiro caso e estilos e traços de mobilização do sujeito em termos emocionais, comporta-
enfrentamento no segundo. mentais e cognitivos visando à adaptação a uma situação
Exemplos de enfrentamento como processo po de perigo ou de desafio.
dem ser encontrados na pesquisa de GJmenes e Queiroz
(1997) com mulheres ao longo da trajetória de um câncer
de mama, desde a notícia do diagnóstico, passando pela O processo de enfrentamento
cirurgia e pelos tratamentos, até a remissão ou reincidência Buscando definir o processo de enfrentamento,
da enfermidade. Foi observada importante modificação das Gimenes (1998) salientou o aspecto de novidade e os re
estratégias utilizadas no transcorrer da doença, incluindo a cursos psicossociais extras que são mobilizados na situa
fase terminal. ção estressante da enfermidade, em oposição à maneira
Exemplo de enfrentamento concebido como estilo habitual de reagir de uma pessoa. Segundo essa autora,
enconrra-se na pesquisa descrita em “Avaliação do ‘coping’ as estratégias de enfrentamento constituem o resultado
numa equipe de enfermagem oncopediátrica” (Peçanha, desse processo contínuo de transação entre indivíduo e
2006). Verificou-se o predomínio de um estilo de enfren contexto buscando o bem-estar. Portanto, as estratégia*
tamento numa equipe de enfermagem oncopediátrica. Ou de enfrentamento são contextuais.
seja, no contexto hospitalar em que as enfermeiras tra Destaca-se a importância do aspecto situacionai ou
balhavam, elas tendiam a apresentar uma disposição de contextuai do enfrentamento, pois isso implica a inade
enfrentamento caracterizada por respostas de raciocínio quação da emissão de julgamentos de valor a respeito do
lógico, reavaliação positiva, busca de orientação/apoio e uso desta ou daquela estratégia. De acordo com essa con
tomada de decisão. cepção, não há estratégia per se melhor ou pior; o que im
Em síntese, a pesquisa de Gimenes e Queiroz (1997) porta é avaliar sua funcionalidade no contexto da pessoa
descreve um processo ao longo do tempo, utilizando-se e de sua doença. Para fins didáticos tenta-se fornecer um
para tanto de pesquisa qualitativa que permite analisar o exemplo simples, apesar da consciência da complexidade
discurso dos sujeitos a fim de captar e compreender suas do processo, que está sempre indicando que cada caso é
vivências; enquanto o segundo estudo (Peçanha, 2006) um caso. Pois bem, o pensamento esperançoso na con
apresenta dados de determinado estado, servindo-se de tinuidade da vida física, que, em geral, é avaliado positiva
pesquisa quantitativa por meio de um questionário - o mente, torna-se uma estratégia disfuncional no contex:
inventário de respostas de coping no trabalho (IRC-T) - da doença terminal. Esse tipo de pensamento não garante
que avaliou estilos de coping previamente divididos en o bem-estar de uma pessoa no momento em que a tareii
tre estratégias de enfrentamento ou de evasão. A opção evolucionai que se impõe é o desprendimento dc laços ter
por um delineamento metodológico ou por outro vai renos (Gimenes, 2001) e a preparação para a passagem i
depender da problemática em estudo, das bases teóri um novo estado de ser. No^caso do paciente terminal, ta;*
cas utilizadas e dos objetivos de pesquisa. O uso de in perspectivas de futuro não são realisticamente promiss* -
strumentos padronizados, como o referido inventário, é ras (Bromberg et ai, 1996). O que se quer deixar clar
útil quando se trata de mapear a distribuição dos tipos aqui é a importância do contexto para a compreensão do
de estratégias em determinada população. Entretanto, processo e das estratégias de enfrenramento. A esperam:
é a pesquisa qualitativa que permite a compreensão da como estratégia muda com a trajetória do câncer. Na fa*e
experiência do adoecimento, de como as pessoas mo do diagnóstico a esperança aparece, cm geral, focalizaci
bilizam forças para lidar com a doença e recuperar a na cura; na fase terminal, a esperança pode focalizar os
saúde. Metaforicamente, a pesquisa qualitativa oferece aspectos gratificantes de viver o momento presente. O
um filme, uma história com possibilidade de múltiplas que uma pessoa pode esperar nessa fase da doença é, p
leituras, enquanro a pesquisa quantitativa fornece uma exemplo, uma morte tranquila, indolor, amparada por fa
fotografia. Não há superioridade de um método sobre o miliares e amigos.
outro, o que importa é o rigor metodológico e a humil O enfrentamento vem sendo concebido como u~
dade do pesquisador. fator de grande relevância para a qualidade de vida r.
ersidade. As concepções apresentadas anteriormente 5. A busca do outro, uma estratégia que tem por ob
- no processo ou estilo) trazem importantes impli- jetivo utilizar o apoio social, reconhecendo sua im
-ições para o estudo da qualidade de vida da pessoa com portância para a resolução do problema.
~cer. Apenas para lembrar, pois nâo é esse o foco deste
- itulo, a qualidade de vida também precisa ser mais Vitalino (1985, apud Gimenes, 1997) descreve uma
- ~i definida no contexto dos estudos psico-oncológicos. gama de pensamentos e ações que as pessoas utilizam para
A exemplo da palavra enfrentamento, também aqui o enfrentar o estresse. Esse autor concebe o enfrentamento
t no é utilizado de forma genérica, carecendo de pre- como processo, contando com as seguintes estratégias:
_ conceituai. Apesar da dificuldade operacional desse focalizaçáo no problema, pensamento esperançoso, busca
c nrrueto, importa defini-lo no contexto da investigação de apoio, esquiva, autoculpa, culpabilização dos outros,
‘• nndida a fim de garantir uma estratégia metodológica religiosidade e focalizaçáo no positivo.
3c~:nente, com a utilização de instrumentos válidos para Na literatura encontram-se também referências a
:.i investigação. Nesse sentido, Kovács (1998) apre classificações que designam estratégias físicas (caminhar,
ciou importantes critérios para a seleção de instru- nadar, usar técnicas de relaxamento), psicointclectuais
• :r.:os na pesquisa que desenvolveu sobre a avaliação da (meditação, confecção de trabalhos artesanais, fantasias,
4 i idade de vida em pacientes oncológicos em estágio reavaliação cognitiva), sociais (freqüentar um clube, fazer
inçado da doença. atividades de recreação em grupos, conversar com amigos)
No que tange à psico-oncologia pediátrica, estudos e espirituais (participar de atos religiosos, ler livros religio
[* : .cíficos sobre o enfrentamento cm crianças com câncer sos, conversar com padres ou pastores, rezar) (Lorencetti
pi raros, e aqueles existentes tanto na literatura nacional c Simonetti, 2005).
:o na internacional relacionam-se, em geral, aos pro- Na pesquisa relatada em “Avaliação do ‘coping’
. : mentos invasivos (Motta e Enumo, 2004). numa equipe de enfermagem oncopediátrica” (Peçanha,
2006) foi utilizada a classificação de Shacfer e Moos
(1993) para avaliar as estratégias empregadas por enfer
Classificação e função das meiras para lidar com o câncer em crianças. Esse tra
estratégias de enfrentamento balho inscreve-se na questão do enfrentamento laborai
Inicialmente deve-se lembrar que nenhuma estratégia - que não é o contexto do paciente, foco deste capítulo.
c~ mf reatamento c superior a outra na lida com o estres Entretanto, julga-se pertinente apresentar essa classifi
sada uma tem vantagens e desvantagens dependendo cação, pois suas definições podem nortear outros estudos
ressoa, de seu grupo social, do tipo de câncer e da em psico-oncologia. As respostas ao estresse foram agru
. r: da doença. Também é importante registrar que as padas em dois tipos: de enfrentamento, propriamente
r--' ~>as, em geral, não sucumbem psicologicamente diante ditas; e de evitação, com cada uma delas apresentando
câncer. Comumente elas “se engajam numa transação quatro subcategorias.
JCLimica com o contexto ameaçador do câncer e apre- As respostas de enfrentamento incluem:
- un estratégias diversas de enfrentamento, procurando
«sronder às exigências de cada etapa da doença” (Gime- f. Raciocínio lógico: tentativas cognitivas de com
e Queiroz, 1997, p. 191). preender a simaçáo e se prevenir mentalmente con
Os autores divergem quanto às classificações do en- tra um estressor e suas conscqüências.
I frmamento, variando conforme o referencial teórico e a 2. Reavaliação positiva: tentativas cognitivas de ana
çáo utilizada. Segundo Cohen e Lazarus (1979), as lisar e reavaliar um problema de maneira positiva,
" régias de enfrentamento podem ser classificadas dc aceitando a realidade da situação.
:ordo com cinco situações gerais: 3. Apoio/orientação: tentativas comportamentais de
procurar informações para fins de aconselhamento.
1. A busca de informação, que visa à obtenção de sub 4. Tornada de decisões: tentativas comportamentais
sídios relevantes para resolver o problema ou regu de tomar decisões e lidar diretamente com o pro
lar a emoção. blema.
2. A ação direta, que objetiva resolver o problema
propriamente dito. Já as respostas de evitação compreendem:
3. A inibição da ação, que tem como propósito conter
ações consideradas perigosas pela pessoa. 7. Racionalização evasiva: tentativas cognitivas desti
4. Os esforços intrapskjuicos, que permitem negar o nadas a evitar que se pense sobre o problema de
problema ou esquivar-se dele tendo como objetivo maneira realista.
a regulação das emoções diante da ameaça repre 2. Aceitação resignada: tentativas cognitivas dirigida>
sentada pela questão. à aceitação do problema.
212 TEMAS EM P S I C 0 - 0 N C 0 L 0 G I A
3. Alternativas compensatórias: tentativas comporta- a pessoa se dê um tempo antes que a demanda mude, ou
menrais para empreender atividades substitutivas e para que ela, mais fortalecida, possa desenvolver posre-
criar novas fontes de satisfação. riormente um enfrenramenro direto. As estratégias cen
4. Extravasamento emocional: tentativas comporta- tradas na emoção englobam mecanismos de defesa como
mentais para reduzir a tensão emocional existente. a negação, a repressão, o isolamento e a fuga (Lazarus e
Folkman, 1984). Por se tratar de esforços intrapsíquicos,
As estratégias de enfrenramenro continuam a figurar o referencial psicodinâmico (base psicanalítica) pode ser
na literatura, quer divididas em duas amplas categorias, muito útil na compreensão desse lilrimo ripo de estratégia.
S ^ qner se utilizem padrões diretos ou indiretos (Miller, A teoria psicanalítica e os modelos psicodinâmicos
1992; Lorencerti e Simonetti, 2005). As estratégias diretas dela derivados são muito complexos para ser explicados
S estão relacionadas ao uso de habilidades para solucionar nos limites deste capítulo. Deve-se lembrar qne o mode
problemas, envolvendo o indivíduo em alguma ação que lo psicodinâmico de reação ao câncer continua sendo
afete a demanda ou a situação estressante de certa forma. proveitoso para a compreensão do enfrentamento. Nesse
Por sua vez, as estratégias indiretas não modificam, no sentido, destaca-se um conceito freudiano relevante: o
I mundo exterior, a situação que ameaça a pessoa, mas al- de defesa como processo inconsciente do ego (sede das
! rerám a forma de experienciá-la mentalmente. As primei- emoções) contra determinados impulsos. Anna Freud, em
- 1 ras focalizam o problema (enfrentamento instrumental) e 1936, aprofundou esse estudo, chegando ao conceito e à
., ’ as últimas, a emoção (enfrentamento paliativo). identificação dos mecanismos de defesa que, brevemente e
De forma similar, no que diz respeito às funções de de forma simples, são expostos a seguir.
enfrentamento, predomina a classificação em centrado no Repressão!recalque: a repressão foi o primeiro
problema ou centrado na emoção, embora Cohen c La- mecanismo extensamente estudado pela literatura psica
zarus (1979) tenham nomeado um número maior dessas nalítica. Consiste numa atividade do ego que expulsa da
funções. Elas podem ser sintetizadas da seguinte forma: consciência uni impulso indesejável ou qualquer de seu**
a) alteração da situação problemática; b) avaliação da
derivados, sejam eles recordações, emoções, desejos ou
situação de forma que se tome menos assustadora, per
fantasias de realização de desejos. Uma lembrança re
mitindo um controle emocional do contexto estressante
primida é uma lembrança esquecida do ponto de vista do
(Ciimenes, 1997). Na prática, essas duas funções podem
sujeiro. A repressão (supresión, em espanhol) não pode ser
aparecer simultaneamente com o fim de assegurar o bem-
confundida com uma genuína falta de informação sobre
estar psicossocial de uma pessoa c manter uma qualidade
a doença. Hoje, clinicamentc, distingue-se repressão de
de vida satisfatória. Por exemplo, uma pessoa pode se
recalque (refoulement, em francês). Considerando os ter
semir tão chocada com o câncer a ponto de não pronun
mos em português, fica mais difícil fazer essa distinção,
ciar essa palavra para evitar deprimir-se (enfrentamento
já que recalque, popularmente, tem uma conotação nega
paliativo, centrado na emoção), seguindo, entretanto, a
tiva, e o uso científico do termo no âmbito das neuroses
rotina de tratamento prescrita (enfrentamento instrumen
tal, cenrrado no problema). expressa o contrário. O recalque é uma atividade análoga
Quanto à funcionalidade das estratégias, é necessário à repressão. Nesta última tcm-sc a decisão consciente de
definir o parâmetro de eficácia que está sendo utilizado esquecer alguma coisa e não mais pensar nela (o destino
na sua avaliação, a natureza do evento estressante e as é O pré-consciente), enquanto no recalque a operação de
características da transação pessoa-ambiente em que a es despejo é para o inconsciente, o que requer um esforço
tratégia é aplicada (Gimenes, 1997). Mas, era geral, há permanente e contínuo.
concordância no sentido de que o enfrentamento é efe Negação: Anna Freud empregou essa expressão para
tivo quando serve para amenizar os sentimentos descon se referir à negação de uma parte desagradável da reali
fortáveis, associados a ameaças ou perdas. Por outro dade externa, quer por meio da fantasia, quer por meio
lado, o enfrentamento disfuncional pode comprometer o do comportamento. Trara-se de um poderoso mecanismo
equilíbrio psicossomático numa situação percebida como contra a ansiedade, mas pode causar problemas se levado
extremamente ameaçadora. No último caso as estratégias ao extremo. Por exemplo, pessoas com câncer podem su
são pouco efetivas ou insuficientes para garantir o bem- bestimar a gravidade da doença, continuando a negá-la na
estar emocional e a qualidade de vida da pessoa. fase que seria de tratamento, apesar de terem tido aces
Reitera-se que é preciso conrextualizar a questão. so à informação pertinente. A negação c um mecanismo
Nem sempre as estratégias diretas, ou centradas no pro muito importante no contexto do câncer; c necessário
blema, são melhores do que as indiretas, ou centradas na aprofundar seu estudo para que sc possa identificar uma
As//Jrirrí.jxpodem ser usadaspara que o indivíduo negação adapta ri va, desadapraríva, ou ainda distingui-las
se ajuste a situações que não podem ser resolvidas de ime da repressão, da ignorância (como no caso efe pessoas
diato. O uso do enfrentamento paliativo serve para que que não entendem a terminologia médica) ou de pro-
CÂNCER: RECURSOS DE ENFRENTAMENTO NA TRAJETÓRIA DA DOENÇA 213
fe> OB ' ~ias mentais orgânicos (como no caso de alguém que de regressão, incluindo dependência e passividade, pode ser
■M* “Estou no hospital para me recuperar”, apesar de ter preciso para proporcionar os cuidados necessários ao pa
i ccu- ■ Mstases no cérebro, e falece no dia seguinte a essa de- ciente. Contudo, se a regressão for prolongada, impedindo
Cr “ arição). A negação adaptativa tende a ocorrer logo que o uso de recursos pessoais existentes, poderá restringir a
r_> e r : -.do o diagnóstico de câncer. Uma negação transitória pessoa com câncer a uma condição de infantilização.
BkCOk -T-a etapa de crise pode constituir um meio eficaz de Racionalização: trata-se de dar ênfase a uma abord
Kc *^T -- jção emocional. Uma negação desadaptativa ocorre, agem intelectual como forma de negar os aspectos emo
Ksl * r exemplo, quando um paciente, avançando para o es- cionais. Também chamada de intelectual ização, essa modal
> terminal, esquece as informações recebidas relativas idade de enfrentamento foi muito encontrada pela autora
i .i-idados essenciais para a preservação da qualidade de deste capítulo entre os pais (de sexo masculino) de crianças
«ada: não faz perguntas sobre a enfermidade apesar de ter com câncer. Enquanto as mães tendiam a utilizar estratégias
■DÕff-
r mmidades para isso e elabora planos irrealísticos para emocionais, os pais concentravam-se no estudo e na bus
• ~_ruro. Uma negação total como essa tende a ser rara; o ca de informações sobre a doença, tendo dificuldade para
Ke»C
ui' frequente é encontrar flutuações no grau de negação. reconhecer e expressar os sentimentos vi venci ados. Em for
Br •
L -no qualquer outra defesa, ela só pode ser entendida no mas mais graves de racionalização, um dos familiares pode
Ir ix»
o r:exto da pessoa, da doença c de seu ambiente. sc dedicar inteiramente ao estudo do câncer e não falar
C- ra
Projeção: por meio desse mecanismo um indivíduo desse assunto com os demais membros da família, em nada
-
m~ rui um desejo ou impulso seu a outra pessoa ou mesmo contribuindo para o enfrentamento eficaz do problema.
jg~T C
a : rum objeto. É muito utilizada na vida diária. Uma pessoa Voltar-se contra si próprio: um impulso instintivo não
n câncer pode se irritar com seus familiares ou queixar- aceito pelo ego volta-se contra o próprio sujeito. Uma pes
- a equipe médica de forma injustificável. Assim, ela pode soa com muita raiva de ter um câncer, mas sem coragem
nr projetando emoções de tristeza, medo e angústias que para expressá-la, pode direcionar a agressão contra si mes
ki ii
dela e relativas à doença sobre os cuidadores. ma, culpando-se e nào seguindo o tratamento proposto.
Deslocamento: trata-se do redirecionamento das ca- O uso intenso desse mecanismo pode ser muito perigoso
- rnsticas de um objeto para outro que é mais fácil de c evoluir para automutilações e mesmo para o suicídio. As
"entar e está de certa forma associado ao primeiro. O vezes essa estratégia é posta em ação silenciosaincnte. Em
Kl i- casos de suspeita, o terapeuta necessita investigar o seu
de uma jovem paciente que estava morrendo por
é: « de um linfoma raramente a visitava, pois passava uso por meio de questões apropriadas.
KCrr tempo disponível em campanhas humanitárias de Apenas para citar, há ainda outras formas de defesa
►* bate ao câncer. difíceis de identificar e diferenciar no contexto dc uma
Sublimação: esse mecanismo representa um as doença como o câncer. São elas a conversão - expressão
pecto normal de funcionamento do ego, pois se trata de emoções inaceitáveis pela transformação de uma função
4: conseguir o máximo grau de satisfação dos impulsos somática - e a somatização.
* >rma compatível com as limitações impostas peio
mc. ' ente, sendo discutível sua classificação como de-
E: ^ Uma assistente social, zangada com a demora na Enfrentamento e fases da doença
fcs^B *c:enção de um diagnóstico, dedicou suas energias ao Entender os recursos de enfrentamento utilizados por
érsenvolvi mento de melhores serviços de saúde à popu- uma pessoa com câncer e sua família requer o conhecimento
K -C„. de seu bairro. Assim, uma emoção agressiva foi das fases que caracterizam a trajetória da doença. Nesse sen
num alvo edificante. tido, recorre-se a Rolland (1995), que apresentou um esque
Formação reativa: é um mecanismo por meio do qual ma psicossocial que vem contribuindo muito para a com
rito age de forma oposta à pulsão que deseja rejeitar. preensão da doença e a assistência ao paciente oncológico.
o ódio pode ser substituído pelo amor, a crueldade Esse autor distingue as seguintes fases como integrantes da
gentileza etc. Exemplo no contexto do câncer: uma história natural de uma doença crônica: fase de crise, crôni
ter infeliz no casamento que deseja divorciar-se de seu ca e terminal. Cada uma dessas etapas condiciona, em certa
r ir.do torna-se extremamente devotada a partir do mo- medida, diversas maneiras de enfrentar a doença, havendo
per.io em que ele contraiu um câncer. desafios e tarefas-chave que, de forma geral, caracterizam
Regressão: trata-se de um retorno do indivíduo a for- esses diferences estágios, expostos mais adiante.
r: - m interiores de desenvolvimento e de funcionamento, Além disso, os estágios emocionais da doença terminal
CW~-' mecanismo ocupa importante posição entre as ativi descritos por Kflbler-Ross (1987), e largamenre utilizados
rw dades defensivas do ego e é particularmente encontrado no nos estudos dc psico-oncologia, podem servir como referên
* nexto da doença. Pode ser observado em pacientes de cia para a compreensão do tipo de enfrentamento da pessoa
«adas as idades que passam a se comportar como crianças, com câncer em diferentes fases da doença. São eles: negação,
fc pro- c • rma dependente, a partir do adoecimento. Certo grau raiva, barganha, depressão c aceitação. Na primeira fase. a
214 TEMAS EM P S I C O - O N C O L O G I A
da negação, a pessoa não acredira no diagnóstico, julga-o zer, sem hierarquizar o sofrimento envolvido, que é muito
errado, podendo até abandonar o tratamento c passar a agir diferente enfrentar um câncer na infância, durante a idade
como se a doença não existisse. No início de uma doença adulta ou na velhice. Igualmente relevantes são as cara
crônica, é comum que se passe pelo estágio de negação, cterísticas do contexto evolutivo da família no momento
podendo tal necessidade ir e vir de acordo com o grau de do aparecimento da doença. Temos, nesta última rubrica,
elaboração da problemática pelo indivíduo. Geralmente, a os seguintes aspectos: crises previsíveis do ciclo de vida
negação é uma defesa temporária, podendo ser substituída familiar; mudanças bruscas na estrutura ou na dinâmica
por uma aceitação parcial. Após esse estágio, vem a fase da da família; crises decorrentes de elementos exteriores (por
raiva, caracterizada por revolta, ressentimento, inconformis- exemplo, desemprego) ou catástrofes externas (como no
mo e/ou inveja. Vale mencionar que o conceito psicanalídco caso de acidentes); exacerbação de problemas existentes
de pulsão de morte e o estágio esquizo-paranóide, descrito (por exemplo, distúrbios psiquiátricos ou de conduta em
por Melanie Klein, são úteis para a compreensão dessa fase, um membro da família); verificação da quantidade e quali
em que predomina a agressividade. Freqíicntemcnte, toda a dade do suporte social disponível (ou seja, identificação de
raiva do paciente é projetada nos familiares e na equipe de variáveis de risco e de proteção psicossociais).
saúde (por exemplo, quando se diz: “Eles me tratam mal e Salienta-se que, na fase terminal, o apoio social de
são responsáveis pelo meu sofrimento”). O terceiro estágio amigos e familiares cumpre quatro funções que facilitam
é o da barganha, no qual a pessoa tenta negociar a solução o enfrentamento do câncer pelo paciente: a) apoio emo
para o sofrimento gerado pela doença. Nessa fase, o paciente cional: disposição para ouvir e expressar afeto, o que está
tenta algum tipo de acordo que adie o desfecho inevitável, de acordo com a tarefa-chave de fortalecer a auto-estima
com promessas feitas a Deus, por exemplo. O quarto estágio da pessoa com câncer; b) apoio avaliador: esclarecimento
é o da depressão, a qual pode se apresentar sob duas formas: do problema, fornecendo indicadores sobre a evolução da
depressão reativa e depressão preparatória. A depressão rea situação; c) apoio informativo: apresentação de sugestões e
tiva caracteriza-se por uma resposta de tristeza ao contexto mesmo de estratégias adicionais de enfrentamento; d) apoio
da doença e seu sofrimento. Já a depressão preparatória instrumental: ajuda concreta que se traduz materialmente,
muitas vezes surge não somente ligada à situação de morte como na prestação de serviços por uma equipe e pelo sis
física, mas também à morte simbólica, às perdas impostas tema de saúde (Gimenes et al., 1997).
pela cronicidade da doença. Em consequência disso, a pes Outros fatores a considerar no enfrentamento do
soa pode entrar no próximo estágio, que é o da aceitação, no câncer são: precocidade ou não do diagnóstico; tipo es
qual se conforma com o caráter permanente de uma doença pecífico de câncer e possibilidades de rraramento; modali
crônica c o desfecho (morte) que está por vir, e para o qual dades adaptativas do paciente e da família anteriorraente
se preparou. Esse é um momento 'mtegrativo. Paia os que à manifestação da doença; grau de sofrimento e rmitilaçãt
conhecem a teoria kleiniana, o estágio depressivo descreve decorrentes da enfermidade; e significado do câncer par:.
bem o que Kübler-Ross (i 987) define como empa emocionaJ o paciente e para o seu contexto soda) de referência.
de aceitação. Retomam-se as considerações sobre a trajetória da
O conhecimento desses estágios pode ser de grande doença e seu enfrentamento. Para tanto, apresenta-se <
utilidade para o terapeuta que deseja favorecer enírenta- Quadro 1, que objetiva ampliar, de forma didática, as re
mentos mais funcionais. É importante respeitar o momento lações entre fases da doença, tarefas que lhe são corres
do paciente, sem confrontar a defesa ou querer extirpá-la. pondentes e possíveis comportamentos de enfrentamento
Condutas terapêuticas não diretivas, como um questiona familiar (fúncional/disfuncional).
mento delicado e oportuno, podem, aos poucos, levar à A título de ilustração apresenta-se o Quadro 2, que
emergência de uma nova etapa. O objetivo é, essencial também foi elaborado com base na experiência dessa
mente, minimizar o risco de disfuncionalidade no sistema pesquisadora com crianças com câncer, estudadas e atendi
pessoal e familiar pela ressignificação e pela elaboração da das no contexto familiar. Tem-se aí uma síntese do processo
situação, favorecendo assim a qualidade de vida das pes de enfrentamento vivido por uma família com uma criança
soas envolvidas no processo. Elaborar é um termo psicodi- portadora de leucemia. Explicando, na fase diagnóstica,
nâmico que se refere à promoção de um espaço psíquico experienciada como uma grande crise, houve inicialmente
para a expressão de conflitos, medos c angústias, ligados jogos de perseguição e aliança simbiótica entre mãe e filho,
ao câncer e seu tratamento. Mais do que trabalhar esta ou evoluindo posteriormente para uma comunicação mai>
aquela estratégia, é o espaço dc escuta efetiva e de verda realista, com redefinição dc papéis na fase crônica da doença.
deira aceitação do indivíduo por parte do terapeuta que faz Ao longo dessa trajetória, a espiritualidade apareceu como
a diferença no enfrentamento da doença. recurso funcional dc enfrentamento. Na fase de crise, o>
As características da etapa do ciclo vital em que se sentimentos de estranhamento descreveram melhor o que
encontra o indivíduo são condicionantes de grande im se captou como sendo a vivência da família. A barganha,
portância para o enfrentamento do câncer. Isso significa di inspirada no trabalho de Kübler-Ross (1987), não foi en-
CÂNCER: RECURSOS DE E N F R E N TA M E N TO NA TRAJETÓRIA DA DOENÇA 215
Reorganizar responsabilidades;
Partilha de
B: Jt lidar com implicações
Tratamento responsabilidades;
financeiras; lidar com sucessos Rejeição de membros da família.
ffase crônica) planejamento realista do
e remissões no tratamento e
futuro.
com a reabilitação física.
i.____ .
i
Assimilar a noção de Manutenção de um modelo mental de
Assimilar a noção de cura
cura familiar; flexibilidade doença; reações tardias, em particular
t S5E2 Final pessoal; reintegrar-se ao meio
das expectativas; quando a doença foi súbita; desejo de
(Cura) social (família, escola, trabalho,
desenvolvimento de novos ganhos secundários; medo excessivo de
amigos).
papéis no sistema familiar. uma recidiva.
~—
Adaptação à permanência
do desfecho; aceitação
Redefinir a auro-estima e o da pessoa com câncer Não-aceitaçâo da pessoa/contexto ou
Final
significado da vica; encerrar (como ela é e na fase dificuldade para se adaptar às exigências
Fase terminal)
laços com parentes e amigos. terminal); fornecimento de 1 do contexto (morte).
apoio social; aceitação do
encerramento de laços.
i-adro 2: Relação entre fase da doença, sentimentos despertados e dinâmica familiar na trajetória de uma criança em tratamento
3b exemia
P"ü 1
, ___l i
216 T E M A S E M P S I C O - O N C 0 L 0 G I A
contrada e a raiva esteve pouco expressa. Na fase crônica ros instrumentos que avaliaram as estratégias de enfrenta-
houve sentimentos de instabilidade e os pais disseram estar mento (Folkman e Lazarus, 1988; Moos, 2004). Apesar
vivendo numa “montanha-russa”, relatando sua impotên dessa ligação entre enfrentamento e estresse, há outras
cia com o uso da expressão túnel escuro e mencionando possibilidades de investigação do problema, como remetê-
medo da morte e do futuro. Mas, ao mesmo tempo, evi lo às teorias morivacionais, perspectiva essa que foi apon
denciaram maior adaptação ao contexto da enfermidade e tada por Gimenes (1997).
aos cuidados requeridos. Da parte da criança observou-se o O enfrentamento foi explicitado neste capítulo como
desejo de preservar ganhos secundários como a obtenção de processo e como estilo. A ordem de apresentação escolhi
maior atenção da mãe. Conhecer as emoções, motivações e da ocorreu em função da predominância dos estudos pro
objetivos de determinados comportamentos facilita a iden cessuais e não da cronologia dessas abordagens.
tificação de estratégias de enfrentamento da doença. Enfim, A primeira geração de estudiosos do assunto foi a de
para a compreensão desse processo de enfrentamento, essa psicanalistas, que investigaram a questão dos mecanismos
pesquisa/intervençáo demonstrou a importância de atentar de defesa. Essa ênfase nos estilos/traços de enfrentamento
para as emoções caladas por reticências e desvios de tema, cedeu, na década de 1970, à concepção de processo flexí
bem como para os sentimentos expressos em linguagem vel, em que se destacavam os determinantes cognitivos e
metafórica (montanha-russa, túnel escuro), corroborando situacionais. De acordo com essa perspectiva, o enfrenta-
a relevância da pesquisa qualitativa quando se trata de com menro passou a ser visto como um fenômeno transacional
preender um processo. Uma doença crônica, como o câncer, entre pessoa e ambiente. Na atualidade encontram-se es
afeta diferentemente a dinâmica de cada família, podendo tudos que sumarizam essas diferentes abordagens, enfo
constiruir-se numa oportunidade para o desenvolvimento cando os determinantes primários do processo de enfren
de estratégias de enfrentamento funcionais que se traduzem tamento: a pessoa (enfoque dispositivo/estilo), a situação
em qualidade de vida para o sistema familiar. Isso ocorreu (enfoque situacional/estratégias) ou alguma relação entre
no caso citado e expressou-se, principalmente, na redefini das (enfoque transacional/interação).
ção de papéis no interior dessa família. Por fim, a pessoa com câncer utiliza diferentes estraté
Por fim, os esquemas apresentados servem apenas gias para enfrentar a doença ao longo do tratamento, e a
para nortear uma investigação ou sensibilizar o terapeuta compreensão desses processos de enfrentamento é crucial
em relação a realidades que podem ser encontradas, con para um melhor entendimento da qualidade de vida hu
siderando-se a particularidade de cada pessoa atendida, mana. Embora seja tentador considerar as estratégias diretas
do tipo dc câncer que incide na unicidade de um corpo e “ativas” como “melhores” que as estratégias paliativas e
psicossomático e de seu contexto vivencial. centradas na emoção, cada pessoa precisa ser compreendida
e acompanhada na sua maneira de reagir. Além disso, não se
pode desejar que um paciente seja consistentemente positivo
Considerações finais sem lhe possibilitar um espaço para expressar suas tristezas
Múltiplas são as formas de abordar a questão do en e raivas ou sem lhe dar tempo para se adaptar à experiência
frentamento, com o posicionamento teórico do autor con mutável do câncer c ao seu tratamento. E preciso também
dicionando desde a definição do termo até o método de atentar para possíveis mensagens subliminares de culpah-
investigação do problema. lização do paciente por não lutar suficientemente contra 2
Nas definições de enfrentamento destaca-se como doença. Aceitar que o processo saúde-doença é um grande
ponto em comum o fato de que a pessoa deve responder, desafio que requer humildade e depende de muitos fatores,
de uma forma ou de outra, às exigências que lhe são im nem todos governados por escolhas pessoais ou médicas,
postas. E, ainda, esse tema aparece como inseparável da pode possibilitar um sentido de dignidade profissional e de
noção de estresse. Assim, a teoria do estresse inspirou a cuidado que prevalece sobre o desejo de curar todos ou de
maioria dos estudos, bem como a construção dos primei responsabilizá-los inteiramente pelo desfecho do câncer.
Referências bibliográficas
Bfutler, L. E.; Moos, R. H. “Coping and coping Cerqueira, A. T. A. R. “O conceito e metodologia
styles in personality and treatment planning introduction de coping: existe consenso e necessidade?” In: Kerbai ..
to rhe special series”. Journal of Clinicai Psychology, v. 59, R. R. (org.). Sobre comportamento e cognição: psicologia
n. 10, p. 1045-7, 2003. comportamental e cognitiva - conceitos, pesquisa e aplica
Brombfrg, M. H. P F. et ai Vida e morte: laços da ção, a ênfase no ensinar, na inovação e no questionamen:
existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. clínico. Santo André: Arbytes, v. 5, 2000, p. 279-89.
CÂNCER: RECURSOS DE E N F R E N T A M E N T O NA TRAJETÓRIA DA DOENÇA 217
he\, K; Lazarus, R. S. “Coping with thc stress of Lazarus, R. S.; Foi kman, S. Stress appraisal and
i,m i
fti In: Stone, G. C. et ai. (eds.). Health psychology: coping. Nova York: Springer, 1984.
i *; ãbook. São Francisco: Jossey-Bass, 1979. •^/Lorencetii, A.; Simonetti, A. P. “As estratégias de
7 -nandes, I.; Pérez-Ramos, A. M. Q. “Estratégias de enfrentamento de pacientes durante o tratamento de ra
dos psicólogos frente ao stress no trabalho em hos- dioterapia7’. Revista Latino-Americana de Enfermagem,
Psico, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 77-96, 2002. Ribeirão Preto, v. 13, n. 6, p. 944-50, 2005.
m
• jlkman, S.; Lazarus, R. S. Manual for the ways of Mttler,J. F. “Analysis of coping with illness”. In: Mill-
■ cfuestionnaire. Paio Alto: Consulting Psychoiogists er, J. F. Coping with chronic illness: overcoming power-
adolescência pode ser definida como uma fase de dade de conhecer não só as transformações intelectuais, s_- I
rdenado das células, um processo conhecido como nando como “caixa de ressonância” para as ansiedades vi-
-.nogênese. venciadas, pois num momento em que se afasta dos modelos
Atualmente, ele é considerado uma doença grave, de identificação anteriores, de seus pais e de outros adultos
infecciosa, de caráter multifatoriaí, envolvendo fatores significativos, tem necessidade de buscar outros com quem
;ticos e ambientais, e potencialmente curável, enquanto se identifique.
"cmava ser visto como uma doença aguda e fatal. Vendrúsculo (2001) destaca que as restrições impos
Contudo, mesmo com o aumento da cura e da sobre- tas pela doença, as experiências repetidas de dor, passivi
: : ds pacientes, o tratamento do câncer continua sendo dade e separação, assim como o pouco controle sobre os
agressivo e invasivo. E fato que, a partir do diag- procedimentos, medicações e dieta, impedem que o jovem
-co de câncer, a vida da pessoa muda rapidamente, faça escolhas, podendo, dessa forma, gerar um sentimento
eça a viver uma realidade marcada por internações de fracasso, com vivências de apatia e passividade.
hospitais, em um ambiente cercado por pessoas es- Nesse sentido, as orientações psicossociais do Comité
as, e a passar por uma bateria de exames dolorosos, Psicossocial da Sociedade Internacional dc Oncologia
disso, o próprio tratamento produz efeitos colate- Pediátrica (Siop, 2000, p. 5) salientam que os pacientes
•ntensos e às vezes imediatos, como náuseas, vômitos, devem envolver-se de forma ativa em programas destina
Teia, febres e queda de cabelo. A pessoa experimenta dos a “promover sua participação nas decisões que dizem
'ensação de perigo e de medo diante do desconhc- respeito aos cuidados de sua própria saúde”.
vivenciando sentimentos de fracasso, abandono e
da morte, elementos geradores de muita angústia e
edade (Valle, 1997). Caminhos de acesso ao
>egundo Valle (1997), a vivência da criança e do adolescente com câncer:
cente com câncer pode ser dimensionada com base
uma aproximação entre o TAT
nco fases: pré-diagnóstico, diagnóstico, tratamento
e o método fenomenológico
aé
Dessa forma, considera-se o TAT como um reste O pensamento fenomenológico considera que a
projetivo. Isso significa que cada história é compreen existência pode “revelar-se a si mesma pela sua afetivi
dida como uma projeção do sujeito, ou seja, como uma dade, seu discurso, sua interpretação e sua compreensão~
atribuição, dada pelo sujeito, de seus sentimentos, neces (Heidegger, 1989, p. 209). Assim, o modo como a pessoa
sidades e tendências a sujeitos ou objetos do mundo exte experiencia a sua vida é a base da relação que ela estabe
rior que, no caso, são as pranchas (Jacquemin, 1982). lece com o mundo. Na situação de diagnóstico, “a fala d<
As técnicas projetivas têm como base o fato de que a cliente, nas entrevistas e nas provas, é a manifestação de
pessoa estrutura “ativa e espontaneamente esse material, sua realidade, e como tal será investigada. Pela fala será».
revelando deste modo a estruturação de sua própria per desveladas as suas vivências: o tempo>, o espaço, o outro.
sonalidade” (Augras, 1967, p. 184). sua obra” (Augras, 1986, p. 25).
Segundo Anzieu (1986), Murray fundamentou sua O olhar fenomenológico explicita uma perspectr- *
interpretação em uma concepção da personalidade como de compreensão da verdade, o que implica o caráter pr I
um feixe complexo de necessidades e pressões que con visório do que será desvelado. E importante salientar, tam- I
dicionam a conduta do sujeito. Essa concepção, de ins bém, que toda perspectiva de conhecimento da verdade e ]
piração bchaviorista, acabou sendo adotada pela maioria limitada, pois nunca alcança a totalidade do real; e rd.
dos autores. tiva, pois depende do ponto de vista utilizado para acessar
Piotrowski questionou essa concepção de Murray e em o real. Dessa forma, quando uma perspecriva se d e s v e l |
pregou um modelo psicanalítico de interpretação, adotando outra se encobre.
o ponto de vista de Wyatt, segundo o qual o personagem A fenomenologia - formada pelas expressões greg •
considerado o “herói” revela as tendências aceitáveis pela phamómenon e lógos - tem por objetivo a investigação
consciência do sujeito e os outros personagens são os repre direta e a descrição de fenómenos que são experienciad - j
sentantes das outras tendências (Anzieu, 1986). pela consciência, sem teorias sobre a sua explicação causa
Augras (1967, p. 221), criticando essa suposição de e evitando, o máximo possível, pressupostos e preconcei
que o “herói” representa o próprio sujeito e os outros per tos. O conhecimento fenomenológico utiliza a percepçá
sonagens pertencem ao seu ambiente, como projeções de categorial, com a meta de chegar a uma intuição de idéia*
seus familiares, afirma que ao seu modo de entender “to abstratas ou de essências; estas não são explicadas, uma
dos os personagens representam o sujeito que faz o teste”. vez que não resultam de processos de causalidade, o que
Acredita que o que é retratado pelo sujeito não é o mundo implica considerar a fenomenologia como uma atitude
objetivo em geral, e sim o seu mundo, da forma como é perante o conhecer, na qual não cabe nenhum principie
vivenciado e projetado. explicativo acerca do vivido, apenas uma descrição (Mar
Telles propõe que se desvincule o TAT do conceito tins e Bicudo, 1989).
de projeção no sentido psicanalítico, ampliando assim o Realizar as análises das histórias contadas no TAT.
seu uso, argumentando que “uma vez atado às teorias psi- compreendendo-as segundo uma perspectiva fenome-
canalíticas o teste perdeu uma preciosa autonomia teórica nológico-existencial, significa voltar às coisas em si mesmas
que poderia proporcionar-lhe correlações altamente cria com o intuito de desvelar os fenômenos que se aprese-
tivas dentro do estudo do comportamento em geral” (Tell tam nas histórias, buscando revelar a dinâmica interna d >
es, 2000, p. 71). adolescentes e seus modos de vinculação com o mundo.
Defende que a possibilidade de pesquisar e construir
uma teoria com base no material do teste, constituindo uma
metodologia geral diante do seu uso, não necessita ir além Compreensão das vivências de
dos fenômenos que já se encontram presentes no teste.
adolescentes com câncer: análise
Pondera que os conflitos que aparecem na história refer
em-se à produção própria daquela pessoa, sendo dessa fenomenológica do TAT
forma expressão do seu ser. F.m um estudo de base fenomenológica desenvolvid
Romero (1999), baseado em pressupostos existen por Bigheti (2004), colaboraram cinco adolescentes cora
ciais, propõe um enfoque fcnomenológico compreensivo câncer que serão mencionados aqui com nomes fictícios:
do TAT, de acordo com as seguintes etapas: a) realizar Cláudio, de 17 anos; Eliane, de 13 anos; Fabrícia, de le
uma análise das sequências temáticas; b) caracterizar as anos; Carina, de 15 anos; e Gustavo, de 12 anos. A pro
vivências dominantes; c) analisar dimensionalmente as posta do estudo foi procurar novas formas de acessar as I
temáticas. Contrário ao conceito dc projeção, afirma que vivências de adolescentes com câncer, ao realizar um: I
a pessoa, ao contar sua história, está traduzindo sua rea leitura fenomenológica das histórias contadas por eles
lidade pessoal, do modo como acontece em seu campo tendo como estímulos as pranchas do TAT.
imaginário. O sujeito estaria, dessa forma, expondo sua Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética er
maneira de sentir e pensar, suas representações e crenças. Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicin:
COMPREENDENDO AS VIVÊNCIAS DE ADOLESCENTES COM CÃ*. CER 221
Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, foi feito tionamento original; buscar as convergência*. - _
contato inicial com a família para informá-la sobre a cias das unidades de significados encontradas e~~
■ quisa, seus objetivos e os procedimentos a que o adoles- uma das histórias; construir categorias de ac ra c —
:c seria submetido, dando-lhe garantia da preservação as convergências e divergências levantadas, permi: i .
aspectos éticos envolvidos, como a questão do anoni- assim, uma leitura da experiência dos colaboradores r
e do sigilo diante dos conteúdos que emergissem nos relação à questão formulada pelo pesquisador; realizar
- -ntros. A autorização para que o adolescente parrici convergência e a divergência das categorias apontadas e~
da pesquisa foi efetuada pela assinatura de termo de cada história, de modo a obter a estrutura do fenômeno
entimento por parte dos pais e pela assinatura de termo em estudo.
^sentimento por parte do adolescente. Com base nessas etapas, foram feitas cinco análises
No primeiro contato com o adolescente, foi realiza- ideográficas, que, segundo Martins e Bicudo (1989), são
;.Tia entrevista, com o objetivo de colher dados sobre análises individuais ou de uma única siniação. Assim, fo
história e sua forma de vivenciá-la, e aplicado um ram analisadas íenomenoíogicamente as histórias de cada
rei cio de autoconhecimento, denominado auto-retra- colaborador e foi feita uma síntese compreensiva de cada
cesenhado (Serrão e Baleeiro, 1999), para possibilitar uma.
: Aproximação de sua vivência. Nesse exercício, pedia-
- adolescente que desenhasse uraa pessoa da cabeça
rés. Na cabeça dessa pessoa o adolescente deveria As histórias dos adolescentes
ir três valores que não mudariam com o tempo; do com câncer
• direito da boca, uma frase que se arrependia de ter Para ilustrar o estudo, serão apresentadas a seguir
Ei do lado esquerdo da boca, uma frase que não havia duas histórias de cada adolescente.
c dita, mas deveria ser; no coração, três paixões que
. extinguiriam; na mão direita, o que tinha para dar;
r\io esquerda, o que queria receber; no pé direito, Histórias de Cláudio
-jerivos que desejava alcançar; no pé esquerdo, os
> que deveria dar para realizar seus objetivos. Assim Prancha 3RH
- c terminasse essa atividade, deveria apresentar o seu Eu acho que é uma pessoa que não tá alegre. Tá muito
hu eu que havia escrito para buscar compreender triste. Aconteceu algo triste com algum familiar dela que
► ü.--ficado disso para ele. Nesse encontro, já era agen- ela está chorando, está muito aflita. O pai dela está muito
um próximo dia para a aplicação do TAT. Essa apli- doente e eles ainda não descobriram o que é esta doença.
era pautada pela forma reduzida do TAT baseada Eles levaram em tudo. Gastaram um dinheirão mas ainda
-cquemin (1982) e pela escolha de pranchas facilita- não conseguiram descobrir; e eles não confiam no trata
de conteúdos referentes às relações humanas. mento público. [Quem são eles?] A família dela tá pensan
\s pranchas selecionadas para o grupo feminino fo- do que não vai conseguir achar uma cura para o pai dela.
I. 3MF, 4, 5, 7MF, 8MF, 9MF, 12RM, 13M, 18MF. Mesmo que ela pense que não. eles vão conseguir achar
> grupo masculino, as pranchas escolhidas foram: l, cura e, ao contrário do que ela pensa, vai ser por meio
a
4, 5, 7RH, 8RH, 9RH, 12RM, 13R, 18RH. de um hospital público. Vão fazer muitos exames e num
} teste contava com a apresentação das pranchas e o desses vão achar a doença e, consequentemente, acham a
de que se contassem histórias sobre cada uma, com cura. Ai, ela volta a ficar alegre.
do. presente c futuro, sentimentos e pensamentos. As Título: Desconfiança.
as foram transcritas imediatamente pela pesquisa- Prancha 8RH
Em alguns momentos foram feitas intervenções no Uma pessoa do exército foi ferida, levada ao médico
io de esclarecer dúvidas, ou de preencher lacunas às pressas, lá mesmo. Aí, eles estão tentando fazer alguma
: às instruções pedidas. coisa por essa pessoa. O capitão desse soldado está parado,
Após a obtenção das histórias, elas foram analisadas esperando; sério, mas nervoso. Enquanto os médicos ten
jrme o referencial fenomenológico de Giorgi (1978) tam ajudar o soldado, o capitão está pensando: “Será que o
fins e Bicudo (1989), que sugerem as seguintes eta- meu soldado vai sobreviver? Ele é um dos melhores solda
"ranscrever todas as histórias relatadas; ler todas as dos que eu tenho no batalhão. Eu sinto muito afeto como
'ias, tendo como objetivo obter uma configuração do se fosse um pai para ele. E ele deve sentir como se fosse
reler atentamente cada história narrada com a in- meu filho, porque ele não tem pai nem mãe". Os médi
Aaçáo presente, buscando apreender as unidades de cos ta vam pensando: “Será que ele consegue?” Tavam com
-ficados que se mostrarem, lembrando que estas não se muita esperança. O doente tava pensando assim: “Esses
ntram prontas nas histórias, mas existem em função médicos vão me ajudar mesmo? Ou será que são fajutos?**
I ‘'edisposição do pesquisador, tendo em vista seu ques (O que ele sentia?] Tava sentindo muita dor. Os médicos
vão ajudá-lo e ele vai conseguir voltar para o batalhão da e pedia perdão para Deus, pois ela achava que o dinhein
guerra. O capitão só podia ficar olhando, angustiado. Os poderia fazer tudo. Depois de alguns dias, sua filha levan
médicos ajudam. tou-se da cama e foi até o quarto dela dizendo-lhe: “Mãe.
Título: Guerra. estou salva, pois a fé que a senhora tem é maior do que :
dinheiro pode comprar”. Depois disso, aquela senhora rica.
que tinha tudo, acabou percebendo que o dinheiro não faz
Histórias de Eliane tudo na vida de um ser humano.
Prancha 9MF Título: Uma lição de vida.
Antônia e Maria eram irmãs. Elas iam para a escola Prancha 18MF
juntas. Um dia, voltando da escola, elas resolveram pas Algum tempo atrás, havia duas irmãs que faziam tudo.
sar por outro caminho, muito perigoso. Na hora que esta Mas uma delas acabou adoecendo e pediu que aquela outra
vam no meio do caminho, apareceu um urso selvagem e irmã não parasse com sua vida. Ela, sem entender nada, res
começou a correr atrás de Antônia e Maria. Elas gritavam pondeu a ela: “Nada vai acontecer com você, pois esquecei
“Socorro!”, mas ninguém as ouvia, porque ali era um lugar que nós estaremos juntas?” Então, aquela que estava doer.:;
que ninguém se arriscava passar. [O que sentiam f] Tavam disse a ela que não poderiam ficar mais juntas, pois sua mis
sentindo muito medo, pensando que elas iam morrer, que são havia terminado. Pediu a ela para cuidar dos seus filhos
o urso ia comer elas. Felizmente, elas conseguiram escapar como se fossem os dela. Já fraca, quase caindo, respondeu z
do urso e foram correndo para sua casa. ela: “Estarei sempre com você no seu pensamento e um dia
Título: As meninas e o urso. nos encontraremos”. Depois dessa frase, deu um beijo no
Prancha 18MF rosto de sua irmã e fechou seus olhos. Quando ela fechou
Ana morava com sua mãe. Elas se amavam muito e os olhos, a sua irmã percebeu que ela não estava mais al: •:
Ana tinha medo de perder sua mãe, porque ela estava muito percebeu, também, que sua última vontade era que ela con
doente. Um dia, ao chegar em casa, Ana viu sua mãe passar tinuasse a viver feliz.
mal perto da escada e ficou muito preocupada. A sua mãe Título: O pedido.
morreu e ela ficou sozinha. [O que ela sentiu ?] Pensava que
ia ficar sozinha no mundo e sentia-se só. Um dia sua irmã,
que morava em outra cidade, veio e ficou morando com ela Histórias de Carina
e ela ficou muito feliz. Prancha 7MF
Título: Ana, a menina que tinha medo de perder sua A empregada tá contando história pra filha da patn.z
mãe. Tá lendo um livro para ela. Mas ela parece que não está inte
ressada na história. Olhando para o outro lado, querendo sar.
fazer outra coisa. Ela quer brincar fora de casa, mas a empre
Histórias de Fabrícia
gada não deixa porque seus pais não gostam que ela saia prz
Prancha 3 rua. Então, ela fica triste. Vai pedir para a mãe deixar que eiz
{Difícil. É uma mulher aqui?) [Pode ser o que você saia um pouquinho. A mãe diz que só gosta que ela saia cc m
quiser.] (Deixa eu ver como vai ser.) Há muito tempo atrás, ela e com o pai dela, mas, no momento, não pode, porque Li
havia uma família muito rica. Tudo que eles queriam eles ocupada. A garota fala baixinho que ela tá sempre ocupada
conseguiam, pois tinham muito dinheiro. Uma de suas fi Ao perceber que a filha tá bem desanimada e triste, vê que
lhas resolveu mudar a sua vida, pois ela nunca tinha pas não está dando atenção suficiente para ela. Então, deixa :
sado dificuldade, porque tudo que queria ela tinha. Só que que está fazendo, chama a filha e pergunta se ela quer dar u ■ -
ela acabou adoecendo. A sua mãe levou ela para todos passeio no parque. Ela fica muito contente, aceita, e as duai
os médicos melhores do país, mas nada era descoberto. passam um dia muito legal juntas.
Fizeram exames, mas nada tinha. Estava deprimida, sem Título: A garotinha.
comer, e mal conversava com sua mãe. Então, disse: “Pro Prancha 1 8 M F
curei os melhores médicos, tenho tanto dinheiro, mas nada Parece que essa senhora segura outra senhora n .
disso trouxe a cura de minha filha”. Então, refletindo sobre braços, pois ela tá... desmaiando. Está muito assustada r
sua vida, ela pensou consigo mesma: “Nunca pedi ajuda fala para a pessoa reagir. A pessoa desmaiada é a sua mãe.
a Deus, nunca conversei com Deus, pois sempre tive tudo Ela pede por socorro, aparecem outras pessoas e ajudam .
que queria. Agora não tenho mais nada”. Pensou, pensou colocar na cama. Chama um médico, que chega logo. Pede -
muito, e então resolveu: “Começarei a falar com Deus, para sair do quarto e deixá-lo a sós com o paciente. Tod..
pedir ajuda a ele, pois percebi que nem tudo o dinheiro ficam de fora muito preocupados com o que será que ta z
pode comprar”. [O que ela sentia?] Sentia que faltava algo acontecendo. Depois de uma hora o médico sai do quari
na sua vida e era a fé. Ela então começou a rezar, a pedir...
COMPREENDENDO AS VIVÊNCIAS DE ADOLESCENTES COM CÂNCER... 223
ruc não era nada demais. Ela era uma senhora de idade Categorias temáticas
s:ava fraca. Podia não estar se alimentando direito e
Com base nas análises ideográficas de cada colabora
- cisar de tomar vitaminas e que tivesse sempre alguém
dor, foi realizada uma análise nomotética, com o objetivo
.io ela. Sua filha respira aliviada e entra no quarto e
de buscar uma compreensão das convergências e divergên
'<a com sua mãe e diz que vai estar olhando por ela
cias entre os casos individuais. Essa análise resultou em
r. Logo a senhora estava de pé, depois de uns dias, fa-
vinte categorias temáticas, sendo exemplificadas a seguir
■) que o médico ressaltou, obedecendo às orientações com o recorte de apenas uma fala ilustrando os pontos que
-Jico. Logo se sentiu melhor e ficaram todos muito desvelam e apresentam as vivências dos adolescentes com
:tes por não ter acontecido nada mais grave, e agora
câncer.
~ a está sempre contente ao lado dela.
Titulo: Cuidados.
Sentindo-se sozinho
Elas gritavam “Socorro!”, mas ninguém as ouvia [...].
- stórias de Gustavo
Eliane, prancha 9MF.
r' zha 8RH
E um termômetro, né?) (Pode ser o que você quiser.J
. termômetro.) Os navegadores estavam navegando Sentindo-se triste
veio uma tempestade e o mar ficou com ondas e Ela era triste porque não tinha um namorado como as
. u a jogar água no barco e quase que o barco afun- outras moças [...] ficava pensando por que não arrumava
r ff
Eu era o futuro dos meus pais e agora não sou mais". /.../ seus amigos e os amigos ficaram muito felizes /.../. Gustavt.
Não estava contente com as notas que estava tirando até prancha 8RH.
o momento. Ai, conseguiu retomar o seu caminho e tirar
notas altas para orgulhar seus pais e ficou feliz. Cláudio,
prancha 18RH. Sentíndo-se confortável na
companhia de outros
/.../ cheio de amigos para conversar /.../. Levou-a par.:
Sentindo-se passivo e dependente
um lugar bonito e cheio de amigos [...j. Ela fez muita
Certo dia, um jovem que queria muito estudar música amigos [...] e ficou muito feliz. Eá se sentia melhor. Eliant.
ganhou um violino. Pôs este violino sobre a mesa e começou prancha )JM.
a observar até que os seus pais perceberam que ele gostava
muito de música. Então, resolveram colocá-lo numa escola
de música. Cláudio, prancha 1. Idealizando a vivência de um grande amor
Era uma vez um casal de namorados que se chama
vam Maria e Manoel /...]. Manoel amava Maria e Maria
Sentindo desconfiança em relação
amava Manoel. Eles se casaram, tiveram filhos e viverair
à equipe médica felizes para sempre. Elianc, prancha 4.
/.../ levada ao médico às pressas, lá mesmo. Aí, eles
estão tentando fazer alguma coisa por esta pessoa, [...j Os
médicos ta vam pensando: “Será que ele consegue f” Ta- Sentindo-se desconfortável pela
vam com muita esperança. O doente tava pensando assim: condição de pobreza
“Esses médicos vão me ajudar mesmof Ou será que são /.../ gostaria de aprender a tocar violino, mas, por >• -
fa jutas?” Cláudio, prancha 8 RH. pobre, não tinha como entrar numa aula de violino. Fabrí-
cia, prancha 1.
e de se realizar
Aqui estava entrando no escritório para escrever, faz Sentindo dificuldade para alcançar
tempo que não escreve, tá pensando no que fazer para ser seus objetivos
reconhecida novamente, [...j Aí, foi reconhecida como os
Mas esse sonho tinha seus obstáculos [...] pois ei.
melhores escritores da realidade. Fabrída, prancha 5.
tinha medo de altura. Todas as tentativas foram em vão... \
Fabrída, prancha 13M.
Sentindo a necessidade de apoio
Parece que essa senhora segura outra senhora nos Sentindo-se capaz de superar
braços /...]. Ela pede por socorro, aparecem outras pessoas suas dificuldades
e ajudam a colocar na cama. Carina, prancha 18MF.
Aí, ele resolveu se dedicar muito mais ao estude
de música para se tornar um grande cantor. Conseguiu
Sentindo a preocupação do Cláudio, prancha 1.
: ida. Constroem outra coisa. No final, o menino está ao mesmo tempo, indigência e potência, sendo dasein um
uto alegre. Cláudio, prancha 13R. ente que muda e produz mudanças.
A experiência da necessidade é representada por uma Ate ela parece que não está interessada na história.
forma característica de lidar com o tempo; ela é imedi- Olhando para o outro lado, querendo sair; fazer outra coi
arista, tem urgência, quer encurtar o tempo que a separa sa. Ela quer brincar fora de casa, mas a empregada não
da satisfação. deixa porque seus pais não gostam que ela saia pra rua.
O adolescente com câncer vivência o seu tratamen Carina, prancha 7MF.
to como uma imposição que limita a satisfação imediata
de suas necessidades, percebendo muitas dificuldades e Os adolescentes afirmaram que o adoecer contribuiu
obstáculos que frustram seus desejos. Ele depara com o para o seu amadurecimento. Contaram que, antes da
tempo do tratamento e as internações que o retiram de doença, achavam que a vida era só brincar e se divertir
seu dia-a-dia, tendo de vencer muitos obstáculos e sen e que, depois do adoecimento, aprenderam a conversar
tindo que precisa adiar os seus projetos. Assim, o tempo com as pessoas, passando a valorizar mais sua vida e a dos
que o separa da satisfação de suas necessidades parece outros. Percebiam-se envolvidos com temáticas relativas u
muito longo: compaixão e ao perdão.
May (1993, p. 263) considera que a compaixão
[...] colocou o violino em cima da mesa e olhou fixa nasce da consciência de nossa mortalidade, ressaltand»
mente para ele. Em um de seus pensa?nentos veio a seguin que um dos “encantos da mortalidade” é a habilidade dos
te frase: “Oh, meu Deus, quando será que poderei tocar o homens de aprender a amar uns aos outros, salientando
meu violino?" Fabrícia, prancha 1. que “somos capazes de amar apaixonadamente porque
morremos”.
Surgem vivências de desconforto relacionadas a di
ficuldades advindas da condição de pobreza econômica, Poderia doar o amor como doa sangue, para todos te
sendo as dificuldades sentidas como impeditivas da satis rem um pouquinho /.../ todos deveriam ter compaixão para
fação de suas necessidades básicas, tais como comida, mo ajudar as pessoas e ver os problemas das outras pessoas e
radia, conforto e aquisição de brinquedos e objetos. perdoar /.../. Relato de Cláudio.
Uma criança de família humilde [...j porque não tinha Para entender a experiência da dor é preciso conside
o que comer. A sua casa era bem humilde, de madeira. E ele rar que a dor não se limita ao corpo. Ela pertence à exis
pensava: “Por que outras pessoas têm casas melhores que a tência. Surge como desamparo, como algo sem sentido,
minha? E mais brinquedos que eu?" [...] Tá sentindo fome. que não leva a nada.
Cláudio, prancha 13R.
No início não aguentava a quimioterapia, só chorai.:,
Porém, em outras circunstâncias conseguem perceber não aceitava, xingava muito. Relato de Gustavo.
que a satisfação de algumas necessidades materiais não ga
rante a sua felicidade: Traz a sensação de vazio, de falta, mas exatamente
por isso pode funcionar como motivação, para levar a
[...] mas, quando pegou a boneca, ela percebeu que pessoa à sua superação, que pode ser representada pe ;
não tinha compensado, pois tudo aquilo que passava na eliminação da dor:
televisão era cheio de fantasias. Fabrícia, prancha 7MF.
/.../ bateu a cabeça e machucou e ele ficou com muita
A experiência da limitação se traduz no fato de não febre /.../ o navegador estava sangrando muito porque ele
poder tudo. Em essência, o homem é limitado. A limitação tinha batido a cabeça /.../. Ele estava sentindo muita dor
aparece muito ligada à corporeidade, pois o corpo tem na cabeça. [...] Ele estava pensando que iria morrer /.../. £,
limites claramente configurados. depois de passar dois meses, o navegador saiu do hospital e
já estava recuperado [...]. Gustavo, prancha 8RH.
Pois ela sonhava em subir num navio. Mas o obstáculo
que tinha para ela subir naquele enorme navio, pois ela ti A experiência de estar exposto ao olhar do outro é
nha medo de altura. Toda vez que tentava chegar na metade caracterizada pelo fato de o homem não poder se ocul
do caminho, ela descia de volta. Fabrícia, prancha 13M. tar. A existência do homem é sempre exposta ao olhar, à
compreensão e à interpretação do outro. Em seu proces-
■
■ *e adoecimento, os adolescentes percebem no olhar Ele ficou ali a manhã toda, mas não tinha pego nada,
A acro o preconceito, o estranhamento, u medo do mas quando tava desistindo e indo embora fisgou um peixe
c rigio, e sentem-se inferiores. Sua exposição física é grandão. Bem gratidão que quase não conseguiu ura-lo da
-- lutamenre visível; sua aparência está transformada água. Enfim, consegue. Ele fica tão satisfeito que sai cor
' i queda de cabelos, de pêlos, pelo uso de máscaras e rendo e nem lembra de levar o barco emlx >ra. Carina, pran
cinhos. cha 12RM.
Sentia desprezo e muita cobrança porque era o único Quanto a poder ter carinho, Pompéia (2( 4. p. - afir
da família [...]. Alguns colegas o desprezavam, acha- ma que “A condição de ser-no-mundo-corporalmentc-^un-
: que ele era inferior; mas, na verdade, não era. Cláudio, to-aos-outros se caracteriza também por uma necessidade
r-_-jha 18RH. do conraro físico com o outro, sob a forma de carinh / . O
r-.- corpo é a primeira região onde o prazer é expcnenciadc
Como o dasein está sempre no movimento de vir a pelo toque. Assim, o homem precisa de carinho, que nada
:sso significa que ele está sempre se transformando, mais é do que a expressão sensível do afeto.
:ue implica também mudanças corporais, que em al-
momentos representam crescimento e desenvolvi- Eles estão tirando uma soneca e são muito fraternais,
r.:o e em outros trazem a experiência da velhice e da porque deixa o outro deitar em cima das costas. Cláudio,
sdência. prancha 9RH.
Suas pinturas geral mente eram pinturas vivas de cores A experiência do belo {poder ter contato com o belo)
cs [...]. Foi quando, então, passando em um determi- se traduz no prazer proporcionado pelos sentidos quando
nos confrontamos com a beleza, seja ela oriunda da natu
local, avistou uma árvore seca com poucas folhagens,
reza ou da produção de outros homens, como no caso da
: c que no riacho e um barco muito velho. Então re-
obra de arte.
í pintar,; pintou e percebeu que a realidade era muito
ente de suas fantasias /.../ era um quadro que trans-
Olha fascinado porque, lá de cima. dá pra ver toda a
; para as pessoas a crua realidade da vida, pois aquele
cidade. Era uma cidade grande, enorme. Fica um tempão
era um quadro sombrio e muito esquisito por suas
lá em cima, olhando, e perde a noção do tempo. Cari na,
Fabrícia, prancha 12RM.
prancha 13M.
\ experiência de potência de ser refere-se à experiên-
poder fazer, dc poder ter prazer, de poder ter car- 0 mundo humano
de poder ter contato com o belo. É o mundo das relações com os outros. O homem
der fazer.; pois todo fazer do homem nasce da existe em relação com, ou seja, é constitutivo do dasein o
reidade. “Este poder fazer é tão fundamental que, “ser-cora”. Assim, a existência é compreendida como coe
Heidegger, Dasein se constitui como ação antes de xistência. Ao homem só é possível ser no mundo junto aos
:er possibilidade de compreensão de si mesmo” outros homens.
éia, 2004). Ao vivenciar o mundo humano, os adolescentes com
O poder fazer se mostra quando os adolescentes reve- câncer experimentam ambigüidade nas suas relações; as
capazes de realizar o que desejam por meio de seus sim, em alguns momentos percebem os outros numa re
nos recursos. Ajuda o adolescente a resgatar sua for- lação de sintonia com o seu ser, como cuidadores, solidá
. potência, pois, ao perceber-se como capaz de fazer rios e preocupados: identificam o sofrimento dos pais c a
? >r si, por suas necessidades e desejos, experimenta o tentativa de aplacar as suas dores. Sentem que os pais mui
liecimento de si mesmo. tas vezes os superprotegem, tentando compensar o “estar
doente” por meio de concessões materiais, comprando
ele resolveu se dedicar muito mais ao estudo de objetos e brinquedos; e de concessões afetivas, dedicando
: para se tornar um grande cantor. Conseguiu. Cláu- a cies maior carinho e atenção.
~ ancha 1.
I...J eles não sabiam o que fazer para ele. Faziam de
:>tar sujeito às necessidades significa indigência, mas tudo. Agradavam ele ao máximo. Procuravam contrariá-
de ter uma necessidade satisfeita possibilita uma lo o menos possível, pois gostavam muito daquele filho.
r.ència de prazer {poder ter prazer). O prazer só é Cláudio, prancha 4.
ei quando existe, de alguma forma, algum tipo de Há momentos em que percebem a potência dos pais.
^;a, de falta. A satisfação da necessidade é vivida em posição de solicitude, prontos para o atendimento de
alívio que traz bem-estar, que traz prazer. seu filho:
“Lembra do que você falou quando estava machucado?" Relatam a vivência de brigas e da separação:
E ele respondeu: "Não lembro Aí, o navegador falou: “Você
falou que iria morrer, mas nós não deixamos você morrer”. A pessoa vai embora mesmo, pra longe, c ela fica aqui
Gustavo, prancha 8RH. /.../. Carina, prancha 3MF,
Em outros momentos vêem seus pais impotentes para Às vezes experimentam a crueldade, a discriminação
ajudá-los, sentindo-os perplexos, assolados em dúvidas e e o desprezo do outro. Isso gera sentimentos de inferiori
angústias: dade, revolta e injustiça.
O capitão desse soldado está parado, esperando; sé Algumas pessoas tinham um comportamento que ela
rio, mas nervoso [...} o capitão está pensando: “Será que o achava que ninguém poderia ter. Pessoas que faziam coisas
meu soldado vai sobreviveri /.../” O capitão só podia ficar muito más, pessoas que não confiavam em Deus, que nã<
olhando, angustiadoCláudio, prancha 8RH. tinham amor nem alegria, a não ser que prejudicasse al
guém, essa era a alegria deles. Fabrícia, prancha 8MF.
Os adolescentes identificam a alegria e o alívio das
pessoas diante do seu bem-estar: Há momentos em que os adolescentes se sentem des
valorizados e buscam o reconhecimento do outro:
[...] e ficaram todos muito contentes por não ter acon
tecido nada mais grave [...]. Carina, prancha 18MF. f...] os seus livros foram ficando esquecidos [...] ta
pensando no que fazer para ser reconhecida novamente.
Fabrícia, prancha 5.
Nessas relações com os outros, a figura da mãe
aparece de modo particular, como “caixa de ressonân
cia”, descrita como companheira, amiga de todas as horas,
0 mundo próprio
próxima, preocupada:
Rcfere-se à relação que a pessoa estabelece consigo
mesma, com a possibilidade de ser consciente de si e de ter
“Ao perceber que a filha tá bem desanimada e triste,
autoconhecimento, o que implica autotranscendência.
vê que não está dando atenção suficiente para ela. Então,
Para a psicologia fenomenológico-existencial, o auto-
deixa o que está fazendo, chama a filha e pergunta se ela
conhecimento liga-se ao fato de o homem se experimen
quer dar um passeio no parque. Ela fica muito contente,
tar fundamenralmente como um ser que exisre em íntima
aceita /.../. ” Carina, prancha 7MF.
relação com o inundo e consigo mesmo, tendo conheci
mento disso. A sua grande característica é que ele existe c
Em algumas ocasiões os adolescentes idealizam a
sabe que existe.
vivência de um grande amor, caracterizado pela recipro
Assim, o autoconhecimento implica a autotranscen-
cidade do afeto c pela possibilidade de eternizar-se. Todos
dência, ou seja, a capacidade do homem de transcender ^
os adolescentes falaram em seus relatos pessoais, assim situação imediata e se ver ao mesmo tempo como sujeu-
como nas histórias contadas por eles, sobre o desejo de e objeto.
namorar, de encontrar o verdadeiro amor em alguém
muito significativo, sendo “felizes para sempre”. Então, aquela que estava doente disse a ela que nã
poderiam ficar mais juntas, pois sua missão havia termina
“Estou sentindo uma coisa que nunca senti na minha do. Pediu a ela para cuidar dos seus filhos como se fossem
vida." /.../ Ela também falou que nunca tinha acontecido os dela. Já fraca, quase caindo, respondeu a ela: “Estarei
nada igual em sua vida. Acabaram entendendo que não sempre com você no seu pensamento e um dia nos encon
passava de um simples e maravilhoso amor. Ficam juntos. traremos”. Fabrícia, prancha 18MF.
Fabrícia, prancha 4.
Para analisar o mundo próprio do adolescente corr.
Em outras oportunidades, os adolescentes percebem câncer, serão utilizadas as considerações de Yalom (1984
as pessoas numa relação de conflito com o seu ser. Eles a respeito da psicodinâmica existencial.
experimentam dificuldades no relacionamento. São con Em sua formulação, o autor postula que o conteúdc
sideradas dificuldades as vivências do desencontro, da ne do conflito fundamental do homem surge a partir do con
cessidade. de dúvidas em relação ao afeto do outro: fronto com os “presentes” que a existência lhe dá ao nascer.
Ele só brigava com Maria [...]. Um dia, Maria pensou Ele considera como presentes quatro preocupações fun
que ele não gostava mais dela. Eliane, prancha 4. damentais, que são uma parte inevitável da existência dr*
COMPREENDENDO AS VIVÊNCIAS DE ADOLESCENTES COM CÂNCER 229
■ humanos no mundo. Sâo elas: a morte, a liberdade, o O isolamento existencial pode ser vivenciado pelo
me mento e a ausência de significado. conhecimento da condição de tratar-se de um ser para j
fcj ãJUS O diagnóstico do câncer faz que os adolescentes e suas morte, no sentido de que a pessoa morrerá sozinha, de que
* ias enfrentem uma nova realidade: encarar o câncer ninguém morrerá com cia. Também pode ser expericne a -
| i . transformações que ele traz para sua vida cotidiana, do enquanto o indivíduo cresce e se percebe respon>a\ e.
: :sive a possibilidade da morte. Dessa forma, passam a por suas escolhas, portanto pela sua vida, o que signmca
: r-se sozinhos, fragilizados, dependentes dos médicos, sentir-se órfão, sendo condenado a assumir sua prirrj
—^ drogas e dos tratamentos possíveis. Experimentam paternidade.
>ria e descobrem-sc inseguros, desamparados, sendo
[ €■ ~ nados pelo medo do desconhecido, do desabrigo e [...] Mas há a solidão do abandono. Buber relata
i morte. que, numa língua africana, a palavra para dizer “mui
Sentem que a existência pode ser eliminada, sendo to longe” é composta de uma série de palavras aglu
._-j instante ameaçada pelo não-ser. Apresentam-sc de tinadas que, se traduzidas uma a uma, dariam a frase:
— .1 dúbia em relação à possibilidade de cura. Percebem “Lá onde alguém grita: Oh! Mãe! Estou perdido!” O
i ' ::amento revestido de ambiguidade, revelada na vivên- trágico dessa palavra é que o grito nunca será ouvido,
; por receios e esperanças simultâneos. nunca rerá resposta. E solidão. (Alves, 2004)
Tá pensando que não vai conseguir achar uma cura Elas gritavam “Socorro!”, mas ninguém as ouvia
o pai dela. Mesmo que ela pense que não, eles vão Eliane, prancha 9MF.
-seguir achar a cura e, ao contrário do que ela pensa,
- ser por meio de um hospital público. Vão fazer muitos Ao perceberem a condição de isolamento, os adoles
~j -:es e num desses vão achar a doença e, conseqüente- centes se sentem muito tristes:
mente, acham a cura. Cláudio, prancha 3RH.
Ela era triste porque não tinha um namorado como as
Outros revelam-se mais confiantes na possibilidade outras moças [...] ficava pensando por que não arrumava
éc cura: um namorado /.../. Eliane, prancha 8MF.
Eu sei que a minha doença tem cura, eu sei que a E, inicialmente, restringem o contato com os fami
mia tem cura porque o médico me falou. Relato de
-1 liares:
Costavo.
Estava deprimida, sem comer, e mal conversava com
O câncer aproxima a pessoa do seu próprio morrer. sua mãe. Fabrícia, prancha 3.
i Yalom (1996, p. 7), a vida e a morte são inseparáveis:
- -nra o aspecto físico da morte nos destrua, a idéia da A experiência do isolamento existencial provoca an
:e nos salva”. Ou seja, a ideia da morre desperta o sen- siedade, e eles buscam eliminá-la pela fusão com o outro.
► l: urgência da vida, o que pode ajudar a pessoa a sair Dc modo geral, os adolescentes sentem-se confortáveis
i modo de vida pouco verdadeiro, caracterizado por na companhia de outros, sendo o contato uma forma de
versões e banalidades, buscando outro mais autêntico. alívio de suas angústias por serem sós:
...) “Procurei os melhores médicos, tenho tanto di- /.../ e iria precisar de tomar vitaminas e que tivesse
la ’), mas nada disso trouxe a cura de minha filha”. En- sempre alguém olhando ela. Sua filha respira aliviada e en
refletindo sobre sua vida, ela pensou consigo mesma: tra no quarto e conversa com sua mãe e diz que vai estar
" unca pedi ajuda a Deus, nunca conversei com Deus, olhando por ela sempre /.../ e agora sua filha está sempre
- sempre tive tudo que queria. Agora não tenho mais contente ao lado dela. Carina, prancha 18MF.
sa [...] percebi que nem tudo o dinheiro pode comprar
[ t-. Depois disso, aquela senhora rica, que tinha tudo, aca- Em alguns momentos enfrentar os medos parece algo
CW m percebendo que o dinheiro não faz tudo na vida de um muito difícil; assim, eles sc perdem na busca da sensação
■ ".imano. Fabrícia, prancha 3. de eternidade quando tentam negar o tempo. A angústia
vivenciada na dialética temporal é expressa pelo homem
Os adolescentes com câncer vivenciam de forma agu- “pela paralisação no presente. Acreditando-se não esco
i experiência do isolamento existencial, que, segundo lhendo, crê que não corre riscos, por imaginar que desta
1— ,i.m (1996), refere-se à lacuna intransponível entre os forma controla o tempo” (Feijoo, 2000, p. 122).
CJ áoa uma lacuna que existe mesmo na presença de rela- /.../ só que, quando chegou a hora de ir embora, Josefa
oon imemos interpessoais profundamente gratificantes. resolveu ficar morando lá e ela ficou morando lá e ficou
230 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
muito feliz. Só que a escada mágica passou a não existir as suas possibilidades e limites, tem de encarar a liberdade
mais. Lá se sentia melhor. Ninguém sabia da escada mágica absoluta e o nada, tornando-se ansiosa diante deles, uma
e então não existiu mais. Elianc, prancha 13M. vez que somente em contato com a criação de seu próprio
eu ela poderá obter o poder de promover uma mudança
Ao defrontar-se com o câncer, a condição de vulnera em si mesma.
bilidade da existência humana é desvelada e intensificada,
gerando nos adolescentes sentimentos de ameaça à sua Percebendo que seus livros não significavam nada por
vida: serem livros sobre amor, decidiu então mudar a história
e acabou criando um livro que dizia da guerra. [...] Na
Javam sentindo muito medo, pensando que elas iam época as editoras ficaram chocadas, pois a pura realidade
morrer [...J. Elianc, prancha 9MF. da guerra estava escrita. (...} Aí, foi reconhecida como os
melhores escritores da realidade. {...I Percebeu que as pes
e à vida de seus entes queridos: soas precisam daquelas partes que ninguém quer tocar no
assunto. Fabrícia, prancha 5.
Aconteceu algo triste com algum familiar dela que
ela está chorando, está muito aflita. O pai dela está muito A experiência da inevitabilidade da morte e da con
doente e eles ainda não descobriram o que é essa doença. tingência do mundo revela dores que não podem ser elimi
Cláudio, prancha 3 RH. nadas, pois pertencem à existência mesma, podendo, con
tudo, ser preenchidas pela presença de um sentido.
Experimentando a condição de ser lançados no mun
do como algo inevitável, encontram-se frágeis e agarram-se Sentia que na vida tinha que ser e tinha que ter algum
ao outro como se agarram à vida, sentindo a necessidade significado [...]. No começo tava sentindo angústia de não en
de apoio, de receber ajuda das pessoas e de Deus: tender. Depois que ela entendeu por que as pessoas têm com
portamento diferente, melhorou. Fabrícia, prancha 8MF.
Pensou, pensou muito, e então resolveu: “Começa
rei a falar com Deus, pedir ajuda a ele /.../. Sentia que
faltava algo na sua vida e era a fé. Ela então começou a Palavras finais
rezar, a pedir... e pedia perdão para Deus [...]. Fabrfcia, É pertinente destacar que as histórias do TAT, quan
prancha 3. do analisadas à luz do referencial fenomenológico-exis-
tencia/, deixaram transparecer a catidianidadc do exisár
Yalom (1996), apoiado em Heidegger, salienta que dos adolescentes com câncer. As pranchas do TAT forne
há dois modos fundamentais de existência no mundo: um ceram estímulos que criaram a oportunidade de apreen
estado de esquecimento do ser e um estado de consciência der as vivências dos adolescentes com câncer, pelo desve-
do ser. lamento do “fio do sentido” com que as histórias foram
O esquecimento do ser é o modo mais comum da sendo “tecidas” por eles, mostrando, assim, sua forma
existência. Heidegger chama-o de inautêntico, um modo singular de existir e revelando a sua dinâmica interna e
no qual a pessoa não se dá conta de que é ela própria seus modos de vinculação com o mundo.
quem cria a sua vida e o mundo, sempre evita escolhas, Ao adoecer, os adolescentes percebem que muitas
sendo levada por todos e ao mesmo tempo por ninguém. áreas de sua vida ficam restritas. E importante refletir a
Dessa forma. c/a perde o querer próprio, di/u indo-se nos respeito dos modos de vivendar essas restrições impostas
outros. pela doença. Dessa forma, torna-se pertinente tecer algu
Em algumas ocasiões, os adolescentes se mostram mas considerações sobre o ser-doente e o ser-saudável-
passivos, sendo levados pelos outros, sentindo-se depen existencialmente.
dentes do cuidado dos outros para realizar e satisfazer suas Não é unicamente o fato de ser acometido por uma
necessidades. doença como o câncer, por exemplo, que faz uma pessoa
esrar-doente-existencialmente. O que caracteriza a saúde
Juliana era uma menina triste [...] morava em um existencial é o modo como a pessoa vive essa doença que
orfanato. Um dia, foi uma senhora procurar uma criança se apresenta em seu ser corporal (Forghieri, 1993).
para adotar e viu Juliana sentada na beirada de sua cama e Ser saudável existencialmente implica que a pessoa
reconfieça suas flmitaçoes, aceitando e compreendendo o< I
e ela tinha uma mãe agora e não se sentia mais sozinha. paradoxos da existência para poder descobrir as possibili
Eliane, prancha 7MF. dades de seu existir, enquanto o adoecimento existencial
Quando, entretanto, a pessoa enrra no estado de cons pode ser compreendido como a redução das possibilidade
ciência do ser, ela existe autenticamente. Abraçando todas de relações que a pessoa poderia esrabelecer consigo mes-
C O M P R E E N D E N D O A S V I V Ê N C I A S D E A D O L E S C E N T E S C O M C231
ÂNCER.
- . . com o mundo. Portanto, é fundamental refletir sobre Segundo May (1971), para que o homem se rela
: r. 'do como cada um vivência o seu adoecer. cione de forma construtiva com o tempo, é fundamental
Na fase inicial da doença, os adolescentes vivencia- que aprenda a viver a realidade do momento atual. As
- muitas dificuldades - provocadas pelo adoecimen- sim, mergulhando na sua experiência de si mesmo, como
■; sico do corpo, responsável por muitas restrições um eu que existe agora, o homem pode perceber o tempo
icendo-os perceber a si próprios, suas alterações físi- como seu aliado, e não como seu inimigo.
seus temores e as mudanças em sua vida e em seu
tní ~ "do, assim como os limites de sua autonomia. Essas [...] a supressão da vida também está inscrita no
I Ní* - jepções, repletas de dor, revolta e medo, desvelam a processo da vida, e por isso a morte não pode ser
“dição de vulnerabilidade da vida humana, salientada eliminada. Neste ponto costumo dizer que, embora
WC : JÊ pela perspectiva de um final angustiante e tenebroso: a os médicos pensem em salvar a vida. na verdade,
■ 'sibilidade da morte. não é a vida que eles salvam, mas é a morte que eles
r.»
w mm Ao longo do tratamento, alguns adolescentes con- adiam. O que é salvo é o tempo. Só que não é pouca
' " aram encontrando muita dificuldade para lidar com as coisa salvar o tempo. [...] De certo modo, o tempo
- Hções de sen adoecimento. Sentindo-se aprisionados, que os médicos salvam é tudo, pois o tempo é tudo.
rr . aravam desesperadamente escapar dessas limitações e Todo o trabalho dos médicos e dos profissionais da
-: ^car a angústia provocada pelo fato de perceberem-se saúde é permitir que o tempo se alongue (Pompéia,
a idos existencialmente, ao mesmo tempo que se perce- 2004, p. 34).
r -l~i como seres voltados à morte.
Porém, de forma gradual, outros adolescentes tor- Considerando a existência humana como possibili
'-'im-se capazes de lidar com essa facticidade de sua dade lançada para o futuro, sempre imprevisível, finaliza-
ra encontrando recursos para enfrentar as dificuldades se este capítulo com o desejo de que os adolescentes com
~r >>tas à sua existência. Assim, quando o adolescente câncer possam experimentar a vida em sua plenitude,
se: nhece suas limitações e dificuldades, pode chegar a abarcando, assim, a vida e a morte. E de que aprendam
* aceitar mais integral e verdadeiramente, adaptando as a se relacionar de forma construtiva quanto ao tempo,
a -dições de sua vida ao que efetivamente possa realizar, que, compreendido como um aliado, deve se alongar o
-r-3 forma, o adoecer pode ser bem vivido, havendo a máximo possível.
? ->:bilidade da superação das dificuldades, que singulari-
o próprio existir.
-eferências bibliográficas
Anzieu, D. Os métodos projetivos. 5. ed. Trad. Critelli, D. M. Analítica do sentido: uma aproxi
Mana Lúcia do Eirado Silva. Rio de Janeiro: Campus, mação e interf?retação do real de orientação fenomenológ
1^6. ica. São Paulo: F.duc/Brasiliense, 1996.
Algras, M. A dimensão simbólica. Rio de Janeiro: Erikson, E. Identidade, juventude e crise. Trad. Ál
* i a ç á o Getulio Vargas, 1967. varo Cabral. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
____ . O ser da compreensão: fenomenologia da Feijoo, A. M. L. C. A escuta e fala em psicoterapia:
jção de psicodiagnóstico. 3. ed. Petrópolis: Vozes, uma proposta fenomenológico-existencial. São Paulo: Ve
T Í9S6. tor, 2000.
Beckek, D. O que é adolescência. 12. ed. São Paulo: Forghieri, Y. C. Psicologia fenomenológica: funda
Irisiliense, 1994. mentos, método e pesquisas. São Paulo: Pioneira, 1993.
Bessa, L. C. dc L. Conquistando a vida: adolescentes Giorgi, A. A psicologia como ciência humana: uma
- uta contra o câncer. São Paulo: Summus, 2000. abordagem de base fenomenológica. Trad. R. S. Schwartz-
Bicheti, A. Compreendendo o ser-no-mundo do man. Belo Horizonte: Interlivros, 1978.
escente com câncer pela análise fenomenológica Hedstrõm, M.; Haglund, K.; Skolin, I.; von Essf.n,
- histórias relatadas no teste de apercepção temática. L. “Distressing events for children and adolescents with
ryrvsoa . 4.188 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Fac- câncer: child, parem, and nurse perceptions”. Journal of
- -ide de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Pediatric Oncology Nursing, v. 20, n. 3, p. 120-32, 2003.
• ersidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo. Heidegger, M. Ser e tempo. Trad. Márcia de Sá Cav
Carvajal, G. Tornar-se adolescente: a aventura de alcante. Petrópolis: Vozes, v. 2, 1989.
mrj metamorfose - uma visão psicanalítica da adolescên- JacqüEMIN, A. Manual prático do teste de apercepção
cl 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. temática. Ribeirão Preto: Faculdade dc Filosofia, Ciências
232 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
e Letras da Universidade de São Paulo, 1982. Apostila do RümERO, E. Neogênese: o desenvolvimento pessoal
Centro de Pesquisa em Psicodiagnóstico do curso de grad mediante a psicoterapia. São José dos Campos: Novos
uação em Psicologia. Horizontes, 1999.
Kai.ina, E. Psicoterapia de adolescentes: teoria, técnica e Serrào, M.; Baleeiro, M. C. Aprendendo a ser e a
casos clínicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. conviver. São Paulo/Salvador: FTD/Fundação Odebrecht,
Lima, R. A. G. Experiências de pais e de outros fa 1999.
miliares de crianças e adolescentes com câncer: bases para Siop (Sociedade Internacional de Oncologia Pediátri
os cuidados paliativos. 2002. 123 p. Dissertação (Livre- ca). Orientações psicossociais em oncologia pediátrica.
docência em Enfermagem) - Escola de Enfermagem de Trad. L. P. C. Françoso; E. R. M. do Valle. Ribeirão Preto:
Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Pre Comitê Nacional de Psico-Oncologia Pediátrica da Socie
to, São Paulo. dade Brasileira de Psico-Oncologia/Grupo de Apoio à Cri
Martins, (.; Bicudo, M. A. V. A pesquisa qualitativa ança com Câncer, 2000.
em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Telles, V S. “A desvinculação do TAT do conceito de
Moraes, 1989. projeção e a ampliação de seu uso". Psicologia USP, São
May, R. A procura do mito. Trad. Anna Maria Dalle Paulo, v. 11, n. 1, p. 63-83, 2000.
Luche. São Paulo: Manole, 1993. Torres, W. da C. “A experiência com a morte". In:
____ . O homem à procura de si mesmo. Trad. Áurea Torres, W. da C. A criança diante da morte: desafios. São
Brito Wessenberg. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 1971. Paulo: Casa do Psicólogo, 1999, p. 117-59.
Morgan, C. D.; Murray, H. A. “A method of investi - Valle, E. R. M. do. Câncer infantil: compreender e
gating fantasies: the thematic apperception test”. Archives agir. Campinas: Psy, 1997.
ofNeurology and Psychiatry, v. 34, p. 289-306, 1935. ____ . Ser no mundo com o filho portador de câncer:
Murray, H. A. et al. Explorations in personality: a hermenêutica de discursos de pais. 1988. 123 p. Disser
clinicai and experimental study offifty men ofcollege age, tação (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia.
by the workers at the Harvard psychological clinic. Nova Universidade de São Paulo, São Paulo.
York/Londres: Oxford University Press, 1938. Vendrusculo, J. “A criança curada de câncer - mo
____ . Thematic apperception test manual. Cam- dos de existir”. In: Valle, E. R. M. do (org.). Psico-
bridge: Harvard University Press, 1943. oncologia pediátrica. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Oliveira, J. Estatuto da criança e do adolescente. 3. 2001, p. 247-92.
ed. São Paulo: Saraiva, 1993. Yalom, 1. D. O executor do amor e outras estórias so
Osorjo, L C. Adofescente bofe. Porto Áfegre: Artes bre psicoterapia. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese.
Médicas, 1989. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
PoMPfJA, J. A. “Corporeidade ”. Daseinsanalyse, São _____. Psicoterapia existencial. Barcelona: Herder.
Paulo, n. 12, p. 28-42, 2004. 1984.
I
PSICONEUROIMUNOLOGIA
R egina P aschoalucci L iberato
\ finalidade da ciência é uma compreensão tão com- restabelecia uma boa relação com a divindade ofendida.
juanto possível da conexão entre as experiências dos Embora primitivo, não parece um exemplo considerável
> em sua totalidade e, por outro lado, a consecução de abordagem holística e sistêmica?
■bjetivo, valendo-se de um mínimo de conceitos pri- Os neurotransmissores e seus receptores assim como
• e de relações e procurando, tanto quanto possível os imunotransmissores c seus receptores fazem parte de
a idade lógica nas imagens do mundo. uma grande rede de interações informacionais. por meio
Albert Einstein das quais surge a consciência holística do indivíduo.
Como os sistemas fisiológicos endócrino, nervoso e
Dentro da última década uma das inovações em pes- imunológico partilham receptores e transmissores, apre
mais excitantes da psicologia esteve na compreensão sentam-se em conjunto e relacionados entre si, agindo na
nemória e aprendizagem como um processo de cres- manutenção do equilíbrio do organismo e nas reações
:to orgânico. Animais experimentais em ambientes biológicas ao estresse, constituindo uma rede de eventos
:omplexos e estimulantes parecem sintetizar prote- que influencia todo o equilíbrio orgânico. Essa auto-in
mais complexas dentro das células do cérebro. Uma teração dinâmica pode ser demonstrada, de forma mar
■lència devida específica pode ser codificada na síntese cante, mediante experimentos levados a cabo na área da
jléculas de proteína específicas. Se nós extrapolarmos psiconeuroimunologia.
'■esultados à área dos sonhos, perceberemos que os O próprio caminho cartesiano, que é responsável
s, assim como quaisquer experiências da vida real,
pelo grande avanço tecnológico de nossa era, possibilitou
su entemente são experimentados da mesma maneira e,
o encontro entre o modelo de pensamento da Antigüi-
tal, podem conduzir a uma nova síntese de proteína
dade e o modelo atual. Seguindo a tendência cartesiana, o
•:.i nova estrutura dentro do cérebro. Esta proteína e
desenvolvimento das pesquisas levou ao delineamento de
estrutura podem se tornar o núcleo de novos desen-
uma especialidade médica a partir do descobrimento da
: mentos, então, na personalidade.
existência do sistema imunológico - a imunologia.
Ernest L. Rossi (2002, p. 152)
A observação de novos fenómenos evidenciou a in
fluência do sistema nervoso no funcionamento do sistema
uanto mais aprendemos acerca dos correlatos fí
imunológico, dando origem a uma ampliação da especiali
A ênfase nas partes tem sido chamada dc mecanidsta, rer uma favorável e vitalizadora influência. Em tod
reducionista ou atomística, e a ênfase no todo de holística, caso, ele cria uma nova situação, uma vez que o afe:.
organísmica ou ecológica. previamente não-relacionado tem se tornado utr
A perspectiva holística ficou conhecida como “sis idéia mais ou menos clara e articulada, graças à a>-
têmica” no século XX. A principal característica do pensa sistência e cooperação da mente consciente. Esse c
mento sistêmico emergiu simultaneamente em várias áreas início da função transcendente, isto é, da colaboraçá
na primeira metade do século, especialmente na década dos dados conscientes e inconscientes.
dc 1920. Os pioneiros do pensamento sistêmico foram os Apenas quando a mente consciente confronta os prod -
biólogos, que enfatizavam a concepção dos organismos tos do inconsciente uma reação temporária pode segu *
vivos como totalidades integradas. Foi posteriormente en se, determinando o procedimento subsequente. A ex
riquecido pela psicologia da gestalt, pela nova ciência da periência prárica, por si só, pode nos dar uma pista. A:,
ecologia e pela física quântica (Capra, 1997). onde alcança a minha experiência, parecem existir du_
De qualquer maneira, poder observar sistemas inter- tendências principais. Urna é o caminho da formulaçl
comunicantes nos faz ponderar a possibilidade da troca de criativa; a outra é o caminho do entendimento.
informações passíveis de assimilação por outros sistemas
em diversos eventos da existência, traduzidos de maneira Essa citação está em artigos de Jung sobre a “funçã
a privilegiar a adaptação, absorção e ressonância dessas transcendente”, conceito em que ele trabalhou por ma:
informações, interferindo na produção de novos produtos
de quarenta anos (enrre 1916 a 1957), antes de consen* -
pertinentes ao todo.
em sua publicação. Jung descreveu um processo de trar -
De acordo com Rossi, podemos definir consciência
duzir para a consciência a informação ligada ao estan
ou mente como um processo de transduçáo de informação
que codifique sintomas c problemas por “qualquer mo
auto-reflexiva.
dalidade sensório-perceptual-expressiva e que seja ma s
Cari Gusrav Jung foi um dos primeiros exploradores
narural para o paciente” (Rossi, 1997).
da psicologia profunda que utilizou a rransdução de infor
A mente e o corpo não são fenômenos separados. Ar
mação intermodal como método terapêutico. Ele chamou
bos são aspectos de um sistema de informação. A vida é u-
esse processo de integrar os elementos conscientes e in
sistema dc informação. A biologia é um processo de trar-
conscientes de “função transcendente” (Jung, 1969).
dução de informação. Mente e corpo são dois carninh
Quando os pacientes dc Jung eram vencidos por
emoções, ele às vezes os fazia desenhar, pintar um quadro diferentes de conceituar esse sistema informativo único.
de seus sentimentos. Uma vez que os sentimentos eram O relacionamento entre os diversos sistemas q_i
expressos na forma de imagens, era viável um diálogo compõem o ser humano tem ocupado espaço significati-
com elas, c então o paciente era envolvido no processo de num grande número de pesquisas, que buscam traçar
reconciliar diferentes aspectos de sua psique. caminhos naturais da comunicação enrre mente e corpo
Jung (1969) assim descreveu sua abordagem: Temos grandes benefícios advindos do progre>-
científico e tecnológico, como as novas ferramentas a
Na intensidade da própria perturbaç«âo emo imagens cerebrais (tomografia de emissão de pósitrons, inu
cional se encontra o valor, a energia que ele deve gens de ressonância magnética funcional), que mostra—
ria ter à sua disposição, a fim de reparar o estado de quais áreas do tecido cerebral são ativadas durante as ..
adaptação reduzido. Nada é alcançado reprimindo-se rias atividades da experiência psicológica.
esse estado, ou desvalorizando-o racionalmente. Algumas pesquisas importantes citadas por Ross
Portanto, a fim de obter a posse da energia que (2002) enfocaram o modo como as experiências humanas
está em um lugar errado, ele deve fazer do estado subjetivas de emoção, como tristeza, alegria, raiva e mee
emocional a base, ou o ponto de partida, do proce são associadas com o aumento da ativação em diferentr
di menro. Ele deve fazer de si mesmo rão consciente áreas cerebrais. Os achados apontam para a relação e:
quanto possível do estado de ânimo em que se encon tre estados emocionais emergentes da reexperimentaçk
tra, mergulhando nele sem reservas e anotando em voluntária de eventos da vida pessoal e regiões cerebra
um papel todas as fantasias e outras associações que envolvidas na regulação dos estados psicobiológicos c-t
surjam. A fantasia deve ser admitida da forma mais homeostase. Chegaram à conclusão de que seus resulr:
livre possível... dos reforçavam a idéia de que os processos subjetivos ài
O procedimento todo é um tipo de enriquecimen emoções estão vinculados a mapas neurais dinâmicos e~
to e de clarificação do afeto, por meio dos quais o constante mudança, denotando os diferentes aspectos d <
afeto e seus conteúdos aproximam-se da consciência, estados internos de contínua mudança dos organismos.
tornando-se, ao mesmo tempo, mais impressivos e Conforme essa visão, então, a consciência é um ? -
mais compreensíveis. F^sse trabalho, por si só, pode tema adaptativo complexo que usa os mesmos carninh -
psiconeuroimunol :: 237
I kÉBCos da adaptação criativa que qualquer outra dinâmica condições experimentais, como a experiência a . -
•=- : -c o arena u .da. A partir daí, abre-se uma enorme gama de possibi- dade e de um meio ambiente enriquecido na fac: r.izl
rr.ãdo um- Iviadcs para novas descobertas de meios de facilitação da do crescimento e desenvolvimento de novos neur
- ~:.as à a>- I Tiunicação entre mente e corpo nas situações de saúde sociados com novas memórias e aprendizados f * . -
Kte. Esse é o doença. cols. e Gage apud Rossi, 2002).
.aboraçã - Surge o conceito de “rede psicossomática” como a Rossi (2002) defende que, ao utilizarmos a nova ciên
]'* ripai via de comunicação mente-corpo, constituída cia que atualmente surge do Projeto Genoma Hur.r
í produ- ■ r sistema endócrino, pelo sistema mensageiro molecu- relativa à função do gene, poderemos apresentar mocc
•Jr seguir- pelas células receptoras dos sistemas neuroendócrino, criativos que associem a expressão genética com o desen
pente. ex- 'c _ropeptídico, autonômico e imunológico, que per- volvimento humano e a criatividade na vida cotidiana, a-
ra r >ta. A:. x~ m 0 estresse, as emoções, a memória, o aprendizado, sim como com a psicoterapia e as ciências de cura. Ele
1 íxisnr duas • ^rsonalidade, os comportamentos e os sintomas. procurou rraçar os caminhos circulares de comunicação
i - -rmlaçã H Rossi, em seu livro The psychobiology of gene ex- que fluem entre o meio ambiente, a expressão genética. <
Wí^ssíon (2002), demonstra, cm diversas pesquisas cienrí- corpo, a mente c o espírito.
que há uma ligação entre os estados subjetivos da Encontramos na literatura atual, por exemplo,
- iria, emoções pessoais e expressão genética. Propõe pesquisas que mostram que muitos estados e aspectos
modelo de comunicação e cura mente-corpo, ressal- comuns da vida cotidiana, como o trabalho, o estresse, os
' o uso de caminhos da comunicação com trocas de aros de acordar, dormir, sonhar e brincar, estão associado>
mações normalmente envolvidas nos acontecimentos a padrões individuais únicos de expressão genética. Nos
. nidiano, formando as bases de um complexo e im- sos pensamentos, emoções e comportamentos regulam a
“.ínte sistema adaptacivo que estão presentes também expressão dos genes na saúde e no desempenho dinami
j » rdeoterapia e nas artes de cura. zado, assim como no estresse e na doença.
As atuais pesquisas em neurocicncias sugerem que As pesquisas em neurociências atualmente investigam
j que se manifesta como novidade para o indivíduo como a experiência consciente de inovação, o enriqueci
K o enriquecimento ambienta! são alguns dos aspectos mento do meio ambiente e o exercício físico voluntário
- -*>s para criar condições primárias propícias para a podem regular a expressão do gene para codificar nova
I jar-ição de novas memórias, novos aprendizados e novos memória c aprendizado. Isso é denominado “expressão do
~ oortamentos. Os sintomas podem ser convertidos em gene dependente de experiência 011 atividade”. A expe
' c os problemas em recursos criativos. riência consciente intensa pode ativar genes, codificando
Rossi (2002) cita pesquisas 110 campo da psiconeu- proteínas que levam à neurogênese - a geração de novos
anologia que apontam para o esrresse psicossocial neurônios e suas conexões no cérebro. Esse movimento de
'>ivo e ocasionam mudanças na expressão genética, crescimento dentro do cérebro é a base anatômica e mo
> . - resulta na produção de proteínas do estresse asso- lecular de nossa memória, aprendizado e comportamento,
ao mau funcionamento do organismo. Essa c uma em constante mutação.
ie via psicossomática pela qual o estresse psicosso- A maioria dos estímulos psicossociais novos, inte
rònico pode modular a expressão genética, levando ressantes, surpreendentes e excitantes, associados a novas
- : excessiva produção de proteínas de estresse no aventuras, por exemplo, pode induzir a expressão genéti
ção, no fígado, nos rins e provavelmente em outros ca dependente de atividade cm poucos minutos. Ela está
:os c órgãos, da mesma maneira. associada à motivação, particiilarmente às nossas expe
Ainda em Rossi (2002), algumas pesquisas nos mos- riências numinosas conscientes de admiração, mistério,
uma série de estudos experimentais que claramente fascinação, curiosidade e criatividade. Essa associação é
nstram como o estresse psicossocial pode regular a a base do que Ernest L. Rossi chamou de efeito inovação-
"r-são genética, de maneira que o sistema imune se numinosidade-neurogênese, propondo que a função prin
comprometido e mais vulnerável a infecções opor- cipal das experiências inovadoras e numinosas nas ativi
tas. Outras pesquisas mais recentes demonstraram o dades culturais como a arte, a dança, o teatro, a literatura,
:o: como experiências emocionais de suporte ajudam a música, os ritos espirituais, o ato de contar histórias é
r .TÍeíçoar o funcionamento do sistema imunológico e ativar a expressão do gene dependente de atividade para
:~m a regulação da expressão genética. auxiliar a neurogênese e o desenvolvimento.
As recentes correntes de pesquisa apontam para uma
variedade de respostas ao estresse e à plasticidade
* induzida por drogas, por exemplo a desenvolvida Considerações finais
Dtiman e Nestler (2000), a respeito dos meios pelos Para reforçar a confiabilidade de nossas aborda
' a expressão genética e a síntese proteica levam à gens relativas à cura mente-corpo nos mais profundos
• gênese, c trabalhos que revelam a importância de níveis celulares e genéticos, precisamos compreender a
238 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
diferença fundamental entre as alterações na estrutura O corpo humano c suas expressões normais e patoló cm si e iwi
dos genes por meio de mutações do processo evolutivo e gicas passam a ser compreendidos em seus vínculos com ecpenéaã
a modulação da expressão genética com base nos sinais indivíduo a quem pertencem. N —3
ambientais. Com base nesse paradigma integrador, podemos
Acredita-se na hipótese de que a transdução de in pensar num referencial mais humano para a área da saú
formação mente-corpo e a memória, a aprendizagem e de. Assim, o humano recupera seus significados pessoais c
o comportamento dependente de estado, mediados pelo erótico-rclacionais e a medicina recupera seu caráter reli
sistema límbico-hipotalâmico, se caracterizem como gioso, religando os diversos pedaços inter-relacionados =
processos fundamentais de comunicação e cura mente- ressonantes do todo humano dentro de seu ambiente.
corpo. Profissionais competentes c capacitados identificam
A dinâmica básica para facilitar a cura, acessando e por anamnese e exame clínico, hipóteses diagnóstic_
reestruturando problemas com uma nova linguagem de que os direcionam para o uso dos melhores e mais mo
comunicação mente-corpo, é processada por estarmos dernos recursos tecnológicos em busca do defeito qt
constantemente empenhados em ajudar os pacientes a aquele organismo apresenta, para que seja imediatamen
reconhecer os seus sintomas como importantes sinais da te reparado.
mente e do corpo e a utilizar seus problemas psicológicos Não há dúvida sobre o valor dos avanços tecnológic
para explorar e colocar em prática seus recursos criativos.
na aquisição dos conhecimentos científicos. A questão qu
Os sintomas são convertidos em sinais e os problemas re
no entanto, deve ser levantada de forma crítica e reflexiva t
estruturados em recursos criativos.
supervalorização desses avanços em detrimento de um olh ;
Ao receber o paciente em seu consultório, o médi
amplificado para cada uma das facetas do ser humano. 3eferè
co recebe muito mais do que um corpo a ser avaliado.
Mas sempre há algo mais.
Recebe uma pessoa integral, suas particularidades c seus
O mistério da existência humana sc faz presente
relacionamentos. A pessoa apresenta-se exposta em suas U5: J
quando algumas pessoas são fortemente responsivas a
fragilidades.
efeito placebo em alguns procedimentos; quando casos Qsã
Receber a pessoa e não apenas seu corpo implica con
considerados irreversíveis, sem possibilidades terapêur- Btzzjfl
siderá-la na totalidade de sua experiência e na sua dinâ
cas, apresentam remissão da doença; quando, embora n< ;• -
mica pessoal, tentando estabelecer a comunicação de suas
associações e reflexões diante da doença. Esses aspectos concentremos em protocolos absolutamente necessária
pessoais, se considerados componentes do tratamento clí para a administração e organização dc atendimentos ins
titucionais, as pessoas continuam respondendo de form: pe^
nico, vão compor a compreensão diagnóstica, prognóstica
e terapêutica do fenômeno clínico. É preciso considerar a completamente diferentes umas das outras, muitas veze*
nos frustrando ou nos surpreendendo no que concerne * 1
pessoa como um todo, seu corpo, sua estrutura psíquica,
seu relacionamento com o meio circundante e a integra evolução clínica e psicossocial de sua doença.
ção simbólica desses fatores. Após vários estudos em psiconeuroimunoiogia e ne
Os diversos sistemas que compõem o indivíduo - pa rociências, percebi sensações que sempre me impressio
lavra que significa “aquele que não pode ser dividido” navam muito. Primeiro, uma sensação árdua e árida, que
ao estabelecerem uma rede contínua de comunicação e parecia brotar conforme “destrinchávamos” o ser indiv.-
trocas, constroem uma base estrutural dinâmica em trans sível humano. Depois, uma sensação de explosão. Pareci
formação constante. que aquela partícula de conhecimento que alcançavam
Há necessidade premente de nos organizar em grupos transformava-se de novo num complexo imenso, cheio
para rrocas de saberes e experiências, pois certamente so facetas diferentes, transformadas e prontas a scr descober
zinhos seremos sempre deficitários no que diz respeito ao tas novamente, de outra maneira.
conhecimento de um ser multifacetado e complexo como Sempre me vinha uma imagem de fogos de artifíci
o humano. O conhecimento da compreensão simbólica na e com ela uma gama variada de possibilidades e recurs -
abordagem da doença orgânica possibilita instrumentali criativos. E tudo se repetia de maneira completamente mo
zar os profissionais para uma prática formalmente inclu dificada. Assim como a experiência dos ritmos circadian <•
siva dos diversos significados que a doença orgânica pode e ultradianos na nossa vida cotidiana, que se repetem nu-
representar, fornecendo referenciais diagnósticos, tera nunca sem o caráter numinoso da novidade.
pêuticos e prognósticos mais abrangentes e dinâmicos. Gosto de pensar que estamos lidando com uma crh
E preciso recuperar a consideração da estruturação ção divina com um olhar humano. Uma criação da divind:
erótica do corpo humano na perspectiva do saber e da prá de que foi muito elaborada e gerou uma obra multifacctacL.
tica médica. Deve-se levar em conta o princípio de Eros, que com conexões internas complexas que fazem que o orgi-
iIL
une, liga e promove trocas dentro de um organismo. Ainda nismo consiga feitos quase perfeitos; que, ao se relacione
une esse organismo a outros formando comunidades. com o outro e o mundo, promova alterações significadv _
P S I C O N E U R O I M U N O L O G I A 239
Bi no mundo, possibilitando que vivamos num nível de Está na hora de unificar o organismo. Está na hora
gerência completamente plástico e mutável. de descobrir um gene mais social, um gene cuja função é
' -mos apenas humanos. Mas a centelha da divindade integrar algumas das muitas funções do corpo e uni gene
e— > de cada um de nós faz que, muitas vezes, consiga- cuja existência torna mentira a dualidade mente-corpo [...]
■» r arricipar da reorganização e reconstrução dessa obra O cérebro, o corpo e o genoma estão conectados, todos
mr:.. observando, acompanhando e compartilhando os três, em uma dança. O genoma está tão sob o controle
2T -rmações impressionantes e imprevistas. dos outros dois quanto estes são controlados por ele. Isto
E preciso transitar fluentemente na dinâmica das explica parcialmente por que o determinismo genético é
wr.z: que constituem o todo e do todo que se transforma um mito. A ativação e a desativação dos genes humanos
— irtes, que se unem novamente e formam outras ex- podem ser influenciadas por ações externas conscientes
- -es e codificações; esse movimento circular, cíclico ou inconscientes. Genes precisam ser ativados, e eventos
--.i-nciado me parece completamente pleno de libido, externos - ou atos de vontade própria - podem ativar os
escria sabiamente por Cari Gustav Jung como a energia genes (...) Influências sociais sobre o comportamento fun
_ _ ite de viver a vida. cionam ativando e desativando genes /.../ O psicológico
precede o físico. A mente comanda o corpo, que por sua vez
comanda o genoma.
Mau Ridley (2001)
Referências bibliográficas
Bear, M. F.; Connors, B. W.; Paradiso, M. A. Neuro- tre hormônios, neurotransmissores e emoções. São Paulo:
feri -:as: desvendando o sistema nervoso. Trad. Jorge Al- MG, 2006.
fc- Quillfcldt. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. LeDoux, J. E. O cérebro emocional: os misteriosos
Bizzarri, M. A mente e o câncer: um cientista explica alicerces da vida emocional. Trad. Terezinha Batista dos
m— .7 mente pode enfrentar a doença. São Paulo: Sum- Santos. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
Lb,2001. Lf.nt, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos funda
Boff, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão mentais de neurociência. São Paulo/Rio de Janeiro: Athe-
m - Terra. 3. ed. Pctrópolis: Vozes, 1999. neu/Faperj, 2002.
Byington, C. Dimensões simbólicas da personalidade. Marino Jr., R. A religião do cérebro: as novas desco
Si- Paulo: Ática, 1988. bertas da neurociência a respeito da fé humana. 2. ed. São
____ . Pedagogia simbólica: a construção amorosa Paulo: Gente, 2005.
■I . nhecimento de ser. Rio de Janeiro: Rosa dos Tem- Mello Filho, J. de et al. Psicossomática hoje. Porto
1996. Alegre: Artmed, 1992.
Capra, F. A teia da vida: uma nova compreensão Moyers, B. A cura e a mente. Trad. Heliete Vaitsman.
■t" :inca dos sistemas vivos. Trad. Newton Roberval Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
fcj-emberg. São Paulo: Cultrix, 1997. Olbricht, I.; Baumgardt, U. (orgs.). Um caminho
DamáSIO, A. R. Em busca de Espinosa: prazer e dor para começar de novo. Trad. Ingrid Lena Klein. São Paulo:
m. ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Círculo do Livro, 1991.
Letras, 2004. Ramos, D. A psique do corpo: uma compreensão sim
____ . O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro bólica da doença. São Paulo: Summus, 1994.
ml :ano. Trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. 1. ed. Ridley, M. Genoma: a autobiografia de uma espécie
li Paulo: Companhia das Letras, 2006 em 23 capítulos. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro:
Di Biase, F. O homem balístico: a unidade mente- Record, 2001.
\c::treza. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. Rossi, E. L. A psicobiologia da cura mente-corpo:
Dossey, L. A cura além do corpo: a medicina e o al- novos conceitos de hipnose terapêutica. 2. ed. Campinas:
zzxce infinito da mente. Trad. Gilson César Cardoso de Psy, 1997.
flfc jsa. São Paulo: Cultrix, 2004. _____. The psychobiology of gene expression: neuro-
Grinberg, L. P. Jung - O homem criativo. São Paulo: Science and neurogenesis in hypnosis and the healing arts.
F7D, 1997. Nova York: W. W. Norton Company, 2002.
Jung, C. G. The strueture and dynamics ofthe psyche. Serino, S. de A. L. Diagnóstico compreensivo simbóli
- rd. Princeton: Princeton University Press, 1969. co: uma psicossomática para a prática clínica. São Paulo:
Klf-pàcz, S. Uma questão de equilíbrio: a relação en Escuta, 2001.
PARTE V
Quadro 1: Especificadores.
Reatividade do humor,
hipersonia, aumento do
Especificadores de episódios Com características Episódio depressivo maior,
apetite, sensação de peso em
depressivos atípicas transtorno bipolar 1 e II
membros, sensibii idade à rejeição
interpessoal
mobilidade motora ou
niperatividade motora,
Com características Episódio depressivo maior,
negativismo ou mutismo,
catatônicas transtorno bipolar 1 e II
movimentos estereotipados,
ecolõlia ou ecopraxia
i-adro 2: Episódios.
r
z— sódio Mínimo de duas • Crianças e adolescentes No mínimo cinco Sintomas centra t
-ec'essivo maior semanas com podem ter humor sintomas presentes 1) humor deprimido, tr ste
sintomas, em irritável. no mesmo período, desesperançado; 1 cera a :::
quase todos os • A presença dos sendo pelo menos um interesse ou prazer.
dias. sinTomas deve dos sintomas humor Outros; 3) insônia ou hipers
ser recente ou ter deprimido ou anedonia. 4) perda ou ganho significa:!.o
daramente piorado de peso; 5) agitação ou -eia'3 ;
em comparação com o psicomotor, fadiga ou perca
estado pré-episódico. de energia; 6) sentimento de
culpa e inutilidade excessiva
7) prejuízo da capacidade
=
pensar, concentrar-se ou tomar
decisões; 8) pensamentos sobre
morte 1 1 tes, ideação
fcsódio Mínimo de uma • Humor anormal e Durante a perturbação Sintomas centrais: 1) humor
^■aniaco semana com persistentemente do humor, persistência eufórico, incomumente
a presença de elevado, expansivo ou de três ou mais bom, alegre ou excitado,
sintomas, em irritável. sintomas (quatro se com qualidade expansiva
quase todos os • A perturbação do o humor for irritável) caracterizada por entusiasmo
dias. humor deve ser e presença em grau incessante e indiscriminado por
acompanhada de pelo significativo. interações interpessoais, sexuais
menos três sintomas ou profissionais.
adiciona is Outros: 2) auto-estima inflada
• 5e o humor for irritável, ou grandiosidade; 3) redução da
pelo menos quatro necessidade do sono; 4) pressão
sintomas devem estar ao falar ou maior loquacidade do
presentes. que a habitual; 5) hjga das idéias;
—=
• Deve haver ocorrência 6) distratibilidade; 7) aumento da
de um episódio atividade dirigida a objetivos ou
maníaco e outro agitação psicomotora;
depressivo maior. 8} envolvimento excessivo em
atividades prazerosas com alta
! possibilidade de conseqüências
dolorosas.
1 zz :õdÍo misto Mínimo de uma • Presença ranto de Satisfação dos critérios Sintomas centrais:
semana com episódios depressivos tanto de episódio 1) alternância rápida de humor
a presença de maiores quanto de maníaco quanto do {tristeza, irritabilidade, euforia),
sintomas, em episódios maníacos. episódio depressivo acompanhada de sintomas
quase todos os maior. do episódio maníaco e ce um
dias. episódio depressivo maior.
Outros: 2) agitação; 3) insônia;
4} desregulação do apetite;
5) características psicóticas;
6) pensamentos suicidas;
7) pensamento ou
comportamento desorganizado,
com maior disforia e
possibilidade de busca de
auxílio.
Continua
246 TEMAS EM P S I C 0 - O N C O LO G I A
Continuação
* E m todos os episódios, há prejuízo dinieamente significativo do funcionamento social, profissional ou dc outras áreas da vida do indivíduo. Mesmo c -
o funcionamento possa parecer normal em alguns casos, há um esforço acentúadamenre aumentado. Os sintomas não podem ser explicados por condicl
médica geral ou ser efeitos fisiológicos diretos de unia droga dc abuso ou de medicamentos, tratamentos ou exposição a uma toxina.
Transtorno De acordo • Jamais houve um episódio maníaco, um episódio • Ao menos um único episód.c
depressivo maior com a misto ou um episódio hipomaníaco. depressivo maior (episódio
definição • Episód io depressivo maior.** único).
de episódio • Ao menos dois episódios
depressivo. depressivos maiores {episódic
recorrente).
Transtorno Ao menos • Ausência de episódio depressivo maior durante os • Humor deprimido com dois
distímico dois anos primeiros dois anos de perturbação. ou mais sintomas depressivos
de humor • Jama»s houve um episódio maníaco, um episódio adicionais, sem satisfazer
deprimido na misto ou um episódio hipomaníaco. os critérios para transtorno
maior parte • Jamais foram satisfeitos os critérios para transtorno depressivo maior.
do tempo. ciclotímico.
• A perturbação não ocorre exclusivamente durante
o curso de um transtorno psicótico crônico, como
esquizofrenia ou transtorno delirante.
Conti
TRANSTORNOS DO HUMOR EM PSICO-ONCOLOGIA 247
_ . Kiinuaqão
Transtorno Episódio maníaco (episódio maníaco único). Pelo menos dois episódios de
bipoiar I** Houve pelo menos um episódio maníaco ou episódio humor distintos.
misto (episódio mais recente hipomaníâco). Pelo menos um dos episódios
Houve no mínimo um episódio depressivo maior, não pode ser episódio
episódio maníaco ou episódio misto (episódio mais depressivo, ou seja, precisaria
recente maníaco). ser um episódio maníaco,
Houve pelo menos um episódio depressivo maior, hipomaníaco ou misto.
episódio maníaco ou episódio misto (episódio mais
recente maníaco).
Houve pelo menos um episódio maníaco ou episódio
misto (episódio mais recente depressivo).
Houve pelo menos um episódio maníaco ou episódio
misto (episódio não especificado).
Transtorno Pelo menos Numerosos períodos com sintomas hipomaníacos e Sintomas hipomaníacos e
ciclotímico** dois anos depressivos que não satisfazem os critérios para um depressivos, sem satisfazer
com episódio depressivo maior. os critérios anteriores para
períodos de Durante os dois anos estipulados, o indivíduo não episódios maníacos e
presença de deixou de apresentar os sintomas por mais de dois depressivos maiores.
sintomas. meses consecutivos. Após os dois anos iniciais
(um ano para crianças e
adolescentes) do transtorno
ciclotímico, pode haver
sobreposição de episódios
maníacos ou mistos, ou
de episódios depressivos
"ranstorno Alternância muito rápida (dias) entre sintomas maníacos Este caso é incluído para
bipoiar e depressivos que não satisfazem os critérios de duração codificação de transtornos
sem outra mínima para um episódio maníaco ou depressivo maior com aspectos bipolares que
especificação Episódios maníacos recorrentes sem sintomas não satisfazem os critérios
depressivos intercorrentes. para os transtornos bipolares.
Episódio maníaco ou misto sobreposto a transtorno
de irante, esquizofrenia residual ou transtorno
psicótico sem outra especificação.
Episódios hipomaníacos juntamente com os sintomas
depressivos crônicos, que não sejam freqüentes a ponto
de se qualificarem como um transtorno ciclotímico.
Situações nas quais há presença de transtorno bipoiar
sem, porém, condições para que se determine se este
é primário, devido a uma condição médica geral ou
indução por alguma substância.
Zn ;odos os episódios, há prejuízo clinicamente significativo do funcionamento social, profissional ou dc outras áreas da vida do indivíduo. Mesmo que o
mmento possa parecer normal cm alguns casos, há um esforço acenniadamcnte aumentado. Os sintomas não podem ser explicados por uma condição
i geral ou ser efeitos fisiológicos diretos de uma droga de abuso ou dc medicamentos, tratamentos ou exposição a uma toxina.
,io pode mais ser hem explicado como um rranstorno esquizoafetivo nem esrá sobreposto a esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno
-;e ou transtorno psicótico sem outra especificação.
±: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR, 2003.
248 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Transtorno depressivo maior (TDM): é caracterizado cência ou no começo da vida adulta, sendo possível um iní-
por um ou mais episódios depressivos na vida. Aproxima cio insidioso e um curso crônico, com risco de 15% a 50
damente 50% a 60% dos pacientes que apresentam um de desenvolvimento subscqüente de um TB I ou TB II.
episódio depressivo único podem desenvolver um segun Transtorno bipolar sem outra especificação: c incluí
do episódio. Indivíduos com dois episódios têm 70% de do para codificação de transtornos com aspectos bipola-
chance de desenvolver um terceiro episódio. O primeiro res que não satisfazem os critérios para qualquer um dos
episódio geralmente ocorre mais tardiamente do que no transtornos bipolares específicos. Em geral, há alternância
transtorno bipolar, em pessoas com uma média de 50 anos rápida (em questão de dias) entre sintomas maníacos c de
de idade. Dura cerca de três a doze meses, mas reapare pressivos que não satisfazem os critérios para um episódio
ce com menos frequência; além disso, sua recuperação c depressivo maior ou maníaco.
habitualmente completa, exceto em alguns pacientes que Transtorno do humor devido a uma condição médi
podem desenvolver depressão persistente, em especial na ca geral: é caracterizado por perturbação proeminente
velhice. Há valores variáveis para o risco desse transtorno, persistente do humor e considerado consequência fisiol<
tendo oscilado, durante a vida em amostras comunitárias, gica direta de uma condição médica geral. Estimativas c.
de 10% a 25% para as mulheres e de 5% a 12% para os ho prevalência apontam para quadros com características de
mens. Episódios individuais de qualquer gravidade podem pressivas, observando-se que 20% a 40% dos indivíduo-
ser desencadeados por eventos de vida estressantes. com certas doenças neurológicas (Parkinson, Huntingur.
Transtorno distímico: é caracterizado por pelo menos esclerose múltipla, acidente vascular cerebral, Alzheimer)
dois anos de humor deprimido na maior parte do tempo c desenvolvem perturbação depressiva acentuada em ajgiiir.
acompanhado por sintomas depressivos adicionais que nâo ponto durante o curso da doença. Quando não há envolvi
satisfazem os critérios para um episódio depressivo maior. A mento direto do sistema nervoso central, os índices variair.
prevalência desse transtorno durante a vida é de aproxima de mais de 60% na síndrome de Cushing a menos de ü"i
damente 6%, com ou sem sobreposição de transtorno de na doença rena! terminal.
pressivo maior. A prevalência-ponto, ou seja, a quantidade Transtorno do humor induzido por uma substância
de afetados no momento, é de aproximadamente 3°/o. conta com uma perturbação do humor advinda de uma
Transtorno depressivo sem outra especificação: é um droga de abuso, um medicamento, outro sintoma somática
diagnóstico de exclusão, quando ocorrem sintomas de para depressão ou exposição a uma toxina. Pode ocorre:
pressivos sem satisfazer os critérios para os transtornos em associação a uma intoxicação por álcool, anfetamina c
depressivos (TDM, distímico, de adaptação com humor substâncias semelhantes, cocaína, alucinógenos, inalam e>
deprimido ou misto de ansiedade c depressão). opióides, fenciclidina e substâncias assemelhadas, sedar-
Transtorno bipolar (TB): conta com dois ou mais episó vos, hipnóticos e ansiolíticos. Também pode aparecer em
dios afetivos, e pelo menos um deles não é depressivo. Exis associação com a abstinência das seguintes substância-
tem dois subtipos oficiais. O TB tipo / conta com a presença álcool, anfetamina e similares, cocaína, sedativos, hipnóti
de um ou mais episódios maníacos ou mistos, geralmente cos, ansiolíticos e outras.
acompanhados por transtornos depressivos maiores. E um Transtorno depressivo menor: de acordo com a des
transtorno recorrente, mais de 90% dos indivíduos que têm crição no DSM-IV, possui como característica um ou ma
um episódio maníaco único terão episódios futuros, e cerca períodos de sintomas depressivos de duração idêntica
de 60% a 70% desses episódios frequentemente precedem dos episódios depressivos maiores, envolvendo, porém
ou sucedem episódios depressivos maiores, em um padrão menos sintomas e menor prejuízo.
próprio da pessoa em questão. O TB II é caracterizado por Transtorno do humor sem outra especificação: satisi^_
um ou mais episódios depressivos maiores acompanhados critérios para qualquer transtorno do humor específico, sen
por pelo menos um episódio hipomaníaco. Aproximada do difícil distinguir entre transtorno depressivo sem outra
mente 60% a 70% dos episódios hipomaníacos ocorrem especificação e transtorno bipolar sem outra especificação.
imediatamente antes ou após um episódio depressivo maior. Para complementar, a classificação do transtorno dc
Embora a maioria dos indivíduos retorne a um nível plena- pressivo maior é feita segundo: episódio depressivo únic
mente funcional entre os episódios, aproximadamente 15% ou episódios depressivos recorrentes (dois ou mais epi
continuam apresentando humor instável e dificuldades in sódios), ü episódio (ou o último episódio, no caso à:
terpessoais ou ocupacionais. episódios depressivos recorrentes) pode ser classificada
Transtorno cidotímico: conta com a presença de pelo como: leve, moderado ou severo, com ou sem sintoma?
menos dois anos com numerosos períodos de sintomas hi psicóticos, em remissão parcial ou completa.
pomaníacos que não satisfazem os critérios para um epi Nesse contexto, pode-sc incluir o transtorno dc
sódio maníaco ou hipomaníaco e numerosos períodos de adaptação (Manual diagnóstico e estatístico de transtor
sintomas depressivos que não satisfazem os critérios para nos mentais: DSM-TV-TR, 2003) ou dc ajustamento (Clas
um episódio depressivo maior. Geralmcntc surge na adoles sificação de transtornos mentais e de comportamento da
TRANSTORNOS DO HUMOR EM PSICO-ONCOLOGIA 249
ID-10, 1993, F43), que consiste no desencadeamento Percebe-se, portanto, que o DSM-IV apresenta uma
sintomas emocionais ou comportamentais significa- extensa variedade na classificação dos transtornos do hu
>»'<$ em resposta a um ou mais estressores psicossociais mor, requerendo a atenção dos especialistas para a realiza
cerni ficáveis, desenvolvendo-se dentro de um período de ção de diagnósticos precisos, em especial quando apresenta
rés meses após o início do estresse. Em geral, surge como dos juntamente a outro quadro clínico, como um câncer. A
. mseqüência direta de estresse agudo ou de trauma cond Classificação de transtornos mentais e de comportamento da
ado, considerando-se o evento estressantc ou o contínuo ClD-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas (1993) é
er como fatores causais determinantes. Cada sinto- outra referência utilizada em diagnósticos clínicos.
i individual da reação aguda a estresse e de ajustamento No Quadro 4 apresentam-se os critérios utilizados
presenta algumas fornias especiais de manifestação que pela CID-10 e pelo DSM-IV para o diagnóstico de epi
itificam a inclusão desses estados como entidade clínica, sódios de transtornos do humor, de forma a verificar as
aspectos relativamente específicos e característicos. peculiaridades e as diferenças entre ambos, tornando a
> é, uma reação aguda a estresse se caracteriza por vulne-compreensão mais fácil para os profissionais da saude.
?ilidade individual, dificuldade de adaptação, “atordoa- Pode-se observar uma estrutura semelhante entre ambas as
ento”, estreitamento do campo da consciência, diminuí classificações. Percebe-se que a CID-10 apresenta informa
da atenção, incapacidade de compreender estímulos ções clínicas mais concisas e com maior flexibilidade. Há
desorientação. Esses aspectos podem ser considerados também uma introdução geral, encontrando-se para cada
apostas mal-adaptadas a estresse grave ou continuado, categoria uma descrição clínica, as diretrizes diagnósticas e
serferindo no mecanismo de adaptação e ocasionando os quadros nosológicos, com rígidos critérios diagnósticos
problemas ao funcionamento social. Assim, pode ocorrer para pesquisa, coincidindo com o sistema de classificação
sofrimento acentuado, maior que o esperado, devido do DSM-IV. Porém, o critério do DSM-IV busca manter
, natureza do estressor ou a um prejuízo significativo no uma abordagem categorial, com modificadores que indicam
acionamento social ou profissional. Tal quadro pode gravidade e curso para alguns dos transtornos alistados.
gir após uma reação depressiva aguda (F43), que é uma Encontram-se também fatores diagnósticos, transtornos e
adição transitória de gravidade significativa, podendo aspectos específicos dc idade relacionados à cultura ou ao
desencadeada por forte experiência traumática, como sexo dos pacientes, dados epidemiológicos como prevalên
nações de séria ameaça à segurança e à integridade física cia, incidência e risco, padrão de curso e de evolução, pos
paciente ou de outras pessoas. A persistência desse qua- síveis complicações, fatores predisponentes, dados sobre
na vida do indivíduo pode causar-lhe danos signihcati- existência ou não de um padrão familiar c os diagnósticos
> nas esferas social, profissional e pessoal, deteriorando que merecem ser considerados para o estabelecimento de
i qualidade de vida. um diagnóstico diferencial (Brasil et ai, 2006).
ijadro 4: Quadro de sintomas dos episódios de transtornos do humor de acordo com os critérios da ClD-10 e do DSM-IV.
Continua
250 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
Continuação
O DSM-IV possui cinco eixos diagnósticos: Já a CTD-10 possui três eixos diagnósticos, os quai;
cm niuitos aspectos coincidem com os do DSM IV. C
Síndromes clínicas e outras condições que possam 1 engloba os diagnósticos clínicos tanto mentais quanto
ser foco de atenção clínica. físicos, sendo correlato aos três primeiros do DSM-ÍY.
'Vi Jí Ui IO —
Os três eixos diagnósticos da Cl D-10 são: moralização” vivenciada e um forte agente escressor, não
se pode permitir sua banalizaçáo, ou melhor, a ocorrência
1. Diagnósticos clínicos: de um subdiagnóstico. Além disso, devem-se considerar o
• transtornos mentais; impacto significativo da miiltimodalidade de tratamentos
• transtornos físicos. (cirurgia, radioterapia, quimioterapia, entre outros) bem
2. Incapacidades: como a lentidão do processo e a dificuldade de adaptação
• cuidados pessoais; à nova situação, que estão associadas ao crescente risco de
• ocupação; síndrome psiquiátrica (Pasquini e Biondi, 2007).
• família; Dados epidemiológicos apontam também que, inde
• contexto social mais amplo. pendentemente do país ou da cultura, a depressão unipolar
3. Fatores contextuais (códigos Z): é mais prevalente no sexo feminino. As razões desse fato
• estressores psicossociais e ambientais. ainda são desconhecidas, mas podem incluir variados es
tresses, parto, modelos comportamentais de aprendizado
da impotência e efeitos hormonais (Kaplan et al., 1997).
Epidemiologia Alguns tipos de câncer estão mais fortemente associa
A incidência da depressão na população em geral dos à depressão, tais como: câncer orofaríngeo (22-57%),
'r~ aumentado significativamente, com prevalência de pancreático (33-50%), de mama (1,5-46%) e de pescoço
15 a 25% em mulheres (Forlenza, 2000). Estudos re- (11-44%). Menor incidência ocorre em câncer de cólon
-rnies apontam 4,4% de prevalência do transtorno de- (13-25%), ginecológico (12-23%) e ern linfoma (8-19%).
:"r>sivo maior, estatística semelhante à da isquemia do A seguir, apresenta-se uma breve revisão dos estudos que
coração ou diarréia; além disso, o potencial de incapaci- enfocam a correlação entre depressão e os diferentes tipos
profissional prevê ocorrência maior de depressão de ncoplasia (Massie, 2004).
-o que de câncer ou Aids, ou seja, serão perdidos mais
:_i> de trabalho por depressão do que por câncer ou Aids.
egundo estudos, há prevalência de 20% a 50% de trans Depressão e câncer de mama
armos afetivos (e não apenas do transtorno depressivo Pesquisas apontam para conseqüências psicossociais
~ • or) em pacientes com tumores sólidos. Entretanto, significativas cm mulheres com câncer de mama e depres
~ um estudo que envolveu 201 diagnósticos de câncer, são. Um estudo realizado com uma amostra de 160 mu
I" satisfizeram critérios para transtorno depressivo lheres aguardando cirurgia mostrou que 22% das mulhe
- i or. Outro estudo fez uma estimativa de 8% de pacien- res que sofreram mastectomia apresentavam o transtorno
•.-> com depressão, a maioria deles com a doença inativa. afetivo. No estágio inicial da doença, 8% das mulheres já
Uc a amostra de pacientes hematológicos (com leucemia) apresentavam depressão. Em um ambulatório com mulhe
* ornados apresentou 9% com depressão maior, a mes- res há cinco anos em tratamento, foi detectado um índice
r i porcentagem que em pacientes com câncer de mama de 30% de sintomas de ansiedade e depressão. Aquelas
Aisquini e Biondi, 2007). cuja mastectomia era parcial estavam sendo tratadas com
Em uma amostra de 222 mulheres com diagnóstico radiação e apresentaram melhor auto-imagem, mas ansie
T’.coce dc cânccr dc mama, foi detectada a prevalência de dade e sintomas depressivos, além de medo de recidiva,
^rressão e ansiedade de 33% no momento do diagnós- semelhantes em relação àquelas com remoção total da
.. >. 15% um ano após a notícia e 45% após a realização mama. Outro estudo abrangeu uma amostra de 578 mu
ao diagnóstico. Aproximadamente 10% a 25% dos indiví- lheres no estágio inicial do câncer de mama, submetidas à
|«è: :>s com câncer apresentarão, além da reação “normal” escala Hads (hospital anxiety and depression scale), entre
rsrerada, episódio de depressão maior ou de ansiedade quatro e doze semanas e doze meses após o diagnóstico, à
Iroyíe e Rowland, 2003). mental adjustment to câncer scale e à Conrtanld emotional
Resultados de pesquisas apontam para a hipótese de control scale. Observou-se que a depressão está associada
Ter mais comum observar o transtorno depressivo ao redor a pouca possibilidade de sobrevivência entre as mulheres.
- > 40 anos, já que 50% de todos os pacientes apresen- Mais um estudo, realizado em 133 ambulatórios, onde pa
cm um início entre 20 e 50 anos. Em contrapartida, da- cientes com câncer de mama se submetem à radioterapia
epidemiológicos atuais sugerem que o transtorno esteja após a realização da mastectomia ou da lumpccromia, en
.--tentando entre pessoas com menos de 20 anos e que, controu nível baixo de depressão (1,5%), mas com alta in
c~ geral, se possa observar alta incidência da depressão em cidência de ansiedade (14%). Em contrapartida, uma pes
*-'>oas que possuem pobres relações interpessoais íntimas quisa com 123 pacientes indicou alto nível de depressão:
*- >áo divorciadas ou separadas (Kaplan et al., 1997). 50% em casos de mastectomia, 50% nos de himpectomia
Apesar de a depressão ser uma reação esperada em com radiação versus 41% cm casos de lumpectomia pura.
lentes com diagnóstico de câncer, sendo ela uma “des Tais índices elevados podem ter sido alcançados por meio
252 TEMA5 EM PSICO-ONCOLOGIA
da escala de depressão [Center for Epidemtology self-report to. Uma pesquisa com 357 pacientes relatou a presença dc
depression scale), sendo este considerado um método mais um alto nível de transtornos mentais associado a pessoas
eficaz do que somente a utilização do DSM-1IIR em entre com menor status social c doença mais avançada.
vistas clínicas. Foi encontrado também um índice de 26%
de depressão moderada ou severa em mulheres que sofre
ram mastectomia, comparando-se com 12% de depressão Depressão e câncer de pescoço
em mulheres no início da doença. Outro estudo detectou Em 129 pacientes com câncer de pescoço, pré e pós-
32% de transtorno afetivo em uma amostra de 166 mulhe diagnóstico, foram encontrados 10% com sintomas de
res com cirurgia marcada, mas 24% desse transtorno em ansiedade severa e 12% com sintomas depressivos. Outro
156 mulheres que também estavam no estágio inicial da estudo, realizado com 987 pacientes, mostrou que a pre
pacientes cujo futuro se apresenta incerto, permeado por reflexão sobre questões antes consideradas “intocáveis”.
angústias e medos, do que em pacientes em fase terminal. Portanto, para que a vida pós-diagnóstico flua natural e
Estes últimos passam por um período em que revêcm sua beneficamente, os especialistas devem assumir a grande
história dc vida preparando-se, principalmente emocional responsabilidade de propor as melhores e mais dignas
e cspiritualmente, para o fim. condições de tratamento, sejam paliativas ou curativas.
sintomas somáticos não devem ser respeitados como crité dos sintomas. Alguns estudos sugerem maior eficácia de
rio diagnóstico). Como exemplo desta última, foi proposto terapia cm grupo, embora essa possibilidade deva levar
t, 4inifímii!LíjfíT!Mísnju1 i!íi!i?i:
que a fadiga associada à depressão em pacientes tratados em conra caracterísricas particulares de cada caso. Apesar
com quimioterapia seja um sintoma removido dos critérios do aparente benefício do tratamento psicológico, é muite
do DSM-IV, excluindo, assim, um componente emocional. difícil quantificá-lo cientificamente, tendo-se em vista
O mesmo ocorreria com a anorexia no Memorial Sloan- grande número de diferentes técnicas existentes, dificul
Kettering Câncer Center, requerendo somente quatro sin tando a contribuição metodológica na área e ocasionan
tomas diagnósticos. do um número restrito de estudos controlados. A isso se
Em suma, apesar da alta incidência a depressão ain soma a escassez de psicólogos devidamente treinados e
da tem sido subdiagnosticada e, muitas vezes, tratada de especializados em psico-oncologia.
maneira inadequada, com subdoses de medicamentos e Não obstante os obstáculos inerentes às abordagens
manutenção de sintomas residuais que comprometem a terapêuticas para o tratamento de pacientes com algum
evolução clínica do indivíduo (Teng et al., 2005). Um fator tipo de neoplasia e depressão, é imprescindível o trabalhe
agravante c a superposição de sintomas provenientes tanto em conjunto entre profissionais de diferentes áreas, como
do câncer quanto da depressão, dificultando o diagnóstico médicos e psicólogos.
(Fisch, 2004). Mesmo que existam estudos que sugiram a
piora do prognóstico do tratamento do câncer com a co-
morbidade câncer e TDM, ainda não é possível associá-la a Conclusão
um aumento da mortalidade (Bailey et al., 2005). A associação entre câncer, quadros depressivos e ou
tros transtornos do humor é frequente e pode estar rela
cionada a uma pior evolução clínica e à má qualidadejie
Tratamento vida dos pacientes (Chiu, 2000). A depressão não produz
Talvez a questão mais importante no que concerne somente incapacidade e declínio na vida dos indivíduos,
ao tratamento da depressão em pacientes com câncer seja mas também pode interagir com outros sistemas corporais
a concepção errônea de ser normal que eles estejam de associados a doenças somáticas, muitas vezes concomi
primidos. Apesar de grande parte dos oncologistas não tantes. Assim, a depressão atinge negativamente diversas
estar familiarizada com transtornos de humor e acreditar esferas da vida dos indivíduos (social, ocupacional, física
que a depressão seja tanto inevitável quanto intratável, o e emocional) e o desempenho de seus papéis, prejudican
não-tratamento é injustificável. Seria necessário estabele do a qualidade de vida (Manual diagnóstico e estatísticr
cer um tratamento padronizado, mas ainda não dispomos de. transtornos mentais: DSM-P/-TR, 2003).
de dados suficientes sobre o assunto. Além dos efeitos devastadores da depressão, o câncer
O tratamento farmacológico da depressão não difere revela ao indivíduo um corpo finito e falível. Estigmas
muito do usual: antidepressivos tricídicos, inibidores de envolvem a doença, como a crença de que está ligada à
recaptaçao de serotonina (ISRS) c psicoestimulantcs (Fisch, resignação, aos sofredores e aos não sensuais, afligindo a-
2004). Os psicoestimulantes têm mostrado resultados
pessoas e provocando uma inaceitabilidade social. Dessa
bastante promissores, em especial o metilfenidato. Isso
forma, os pacientes com algum tipo de neoplasia se vêerr
se deve à sua rápida ação em relação aos antidepressivos
fadados a dor, mutilação, deformação, desfiguração,
e à melhora significativa dos sintomas de fadiga, falta de
apreensão com a auto-imagem, perda de peso e
concentração e sedação. Ao se prescrever antidepressivos
possibilidade de morte (Angerami-Camon, 1994). Enfim,
a um paciente com câncer, deve-se ter em mente os
desenvolver urn câncer pode ser equivalente a vi vendar
possíveis efeitos adversos causados por essas drogas.
um estresse muito perturbador ao indivíduo, o qual
Tricídicos causam hipotensão, vertigem, boca seca
pode ser definido tanto pelos estímulos externos que (
e obstipação; os ISRS podem desencadear diarréia e
envolvem quanto pela sua maneira de encarar e enfrentar
vômitos. Psicoestimulantes muitas vezes pioram o apetite,
tal experiência (Bailey et al., 2005).
além de causar cefaléia. Também deve-se levar em conta o
Com a finalidade de encontrar uma abordagem
tratamento quimioterápico e as outras medicações em uso,
para evitar interações medicamentosas. adequada aos pacientes oncológicos com depressão, es
lá o tratamento psicológico inclui intervenções psi- tudos tentam comprovar a inter-relação entre os traços
coeducacionais e terapia com diversas abordagens, sen de personalidade melancólicos, os eventos estressante-
do a maior parte dos estudos encontrados conduzida por da vida do indivíduo e o desenvolvimento de câncer
terapia cognitivo-comportamental. A base do tratamento Alguns pesquisadores crcern que haja uma significativa
psicológico é estabelecer uma relação próxima e respeito alteração do sistema neuroendócrino, levando â imuno-
sa, com foco na escuta cuidadosa. Deve-se tentar manter depressão e predispondo o indivíduo ao surgimento dc
o foco também na reabilitação, em vez de na etiologia câncer (Aro et al., 2005).
i MH
Nesse contexto, existem duas. linhas que permeiam noaudiologia, nutrição, terapia ocupacional, entre outras),
nter-relação: uma que aborda a depressão como um ou seja, uma abordagem multidisciplinar.
■ de risco de câncer, e outra que vê a depressão como Isso se torna ainda mais importante porque o
consequência do diagnóstico e dos tratamentos do indivíduo se encontra inserto num contexto que pode
,er. Há uma terceira linha, porem não tão bem apre- influenciar na maneira como lida com o agente estressor.
_i, que investiga a incidência e o impacto da depressão Os valores e as crenças culturais podem influir no modo
câncer como uma co-morbidade, ou seja, ambos sendo como a pessoa percebe a depressão, bem como outro
rcomitantes, não esrando necessariamente relacionados transtorno mental ou somático (Croyle e Rowland, 2003).
íoyie e Rowland, 2003). Há casos em que o contexto cultural (ambiente externo)
NTo que condiz aos possíveis fatores predisponentes, do indivíduo pode ser pouco tolerante às limitações
res se referem aos componentes pessoais que podem funcionais, potencializando o problema de saúde em
rar a probabilidade de ocorrência da depressão, hm questão. Além disso, a sua personalidade e as experiências
entes jovens, por exemplo, a sua ocorrência depende de doenças prévias também influenciam no modo de
susceptibilidade genérica (presença forte de história de enfrentamento tanto dos sintomas somáticos advindos da
stornos afetivos na família) e/ou de privações e dificul- neoplasia quanto dos psíquicos eliciados pela depressão.
cs na infância, ou seja, aspectos sociais e psicológicos Pessoas cuja história de vida retrata maior independência
!vidos (pobreza, abuso sexual, separação dos pais, e autonomia podem sentir maior dificuldade em aceitar e
'ia da mãe durante a primeira infância). Já a ocorrência enfrentar a problemática, agravando consideravelmente
repressão em início tardio depende de fatores neuro- seu quadro clínico geral (Blay, 2000).
jgicos (alterações estruturais, vasculares, neuroendó- Por Hm, pode-se constatar que a ciência ainda não
a>, bioquímicas e predisposição genética) ligados à chegou a um consenso no que tange à relação causa-con-
nça física (Kaplan et al., 1997). seqüência em pacientes com câncer e depressão ou ou
Dessa forma, pode-se notar a importância do desenvol- tro transtorno do humor. Além disso, a problemática do
ento de mais estudos na área para tomar o diagnósrico diagnósrico surge como um desafio, assim como muitas
i vez mais específico e evitar a superposição de sintomas outras questões que se encontram indefinidas, sugerindo
incos e psíquicos que possam ocasionar equivocadas um amplo leque de atuação para estudiosos da área. Ape
ições clínicas, postergando a melhora no quadro clínico sar de tantos obstáculos, a psico-oncologia é exatamente
pacientes, Essa insistência na importância de uma abor- uma das novas áreas que vêm emergindo e se consolidan
em precisa e adequada está relacionada ao sofrimento do como especialidades, permeando o campo entre a me
indivíduos que se encontram diretamente vinculados dicina e a psicologia. Divergências quanto à metodologia
reculiaridades de uma doença (câncer) traiçoeira, mobi- sempre existirão; entretanto, tal ligação entre ambas as
: ra de sentimentos de tristeza, desamparo, inseguran- ciências parece signiHcar um caminho no qual deve ser
cerca do futuro e abalo na identidade pessoal e social. semeada uma rica comunicação, em que os saberes pos
contexto, a ocorrência da depressão pode ser per- sam se somar e se multiplicar com o objetivo primordial
-iniente compreendida e deve ser relacionada à doença de melhor atender às necessidades dos pacientes e lhes
Jtica, utilizando-se para isso a soma do conhecimento proporcionar, mediante um trabalho conjunto, uma qua
i:versas ciências (medicina, psicologia, fisioterapia, fo lidade de vida mais digna.
Referências bibliográficas
Angeramj-Camon, V. A. “O psicólogo no hospital”. Blay, S. L. “Fatores de risco psicossociais da de
Angerami-Càmon, V. A. (org.). Psicologia hospitalar: pressão em idosos”. In: Forlenza, O. V.; Caramelü, P.
i e prática. São Paulo: Pioneira, 1994. (orgs.). Neuropsiquiatria geriátrica. São Paulo: Atheneu,
Aro, A. R.; Df Koning, H. J.; Schrfck, M.; Hen- 2000.
\, M.; Anttii.a, A.; Pukkala, E. “Psychological risk Brasil, M. A. A.; Botega, N. J.; Hetem, L. A. (eds.).
s of incidence of breast câncer: a prospective cohort PEC - Programa cie Educação Continuada da Associação
_ in Finland”. Psychological Medicine, v. 35, n. 10, p. Brasileira de Psiquiatria: textos de aulas: título de especia
15-21,2005. lista etn psiquiatria: provas 2004-2005. Rio de Janeiro:
Bailey, R. K.; Geyen, D. J.; Scott-Gurnell, K.; Hipouto, Guanabara Koogan, 2006.
H M.; Bailey,T. A.; Beai,J. M. “Understandingand treating Chiu, E. “Demência, depressão c qualidade de vida”.
-.ssion among câncer patients”. InternationalJournal of In: Forlenza, O. V; Caramklu, P. (orgs.). Neuropsiquiatria
[ C cological Câncer, v. 15, n. 2, p. 203-8, 2005. geriátrica. São Paulo: Atheneu, 2000.
256 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
peru yl
á&sso.
éan ad
anda pdi
terapia. E
mus men-
ier. Porto
i psiens
Aes?ztule.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE
EM PACIENTES COM CÂNCER
Vicente Augusto de Carvalho
câncer tem sido desde sempre associado à mor de compreensão da enfermidade e dc seus rraramcnrus,
A ansiedade pode estar presente em todas as etapas da História familiar de câncer pode fazer que a ansie
evolução da doença - prevenção, diagnóstico, tratamen dade surja. Em pacientes com fortes antecedentes fami
tos, exames de controle, recidiva, espera de tratamentos liares de câncer de cólon, a simples colonoscopia com
novos e terminalidade diferentemente de outros trans resultado negativo pode não ser suficiente para diminui
tornos psiquiátricos que apenas incidem em uma ou outra ção significativa da ansiedade. A experiência mostra que
das etapas de evolução da doença, como a depressão e o esses pacientes reagem dc forma adversa à colonoscopii
delirium (Quadro 1). (Williams et al., 2006).
Considerando a ansiedade na fase de diagnóstico, Quando se considera a fase de tratamento, pode-se
Lampic et al. (2001) referem que mulheres que foram também observar a presença de ansiedade. Cirurgias, qui
submetidas a mamografia e chamadas para reavaliação do mioterapia e radioterapia são tratamentos que carreiam
exame, mas receberam de imediato o diagnóstico de benig medo e ansiedade. A própria internação hospitalar com
nidade ou de normalidade, tiveram diminuição da ansieda intuito de instituição de tratamentos desencadeia reaçõe
de estatisticamente significativa. Já aquelas que precisaram emocionais. O ambiente hospitalar pode ser sentido com ■ ■■
aprofundar a pesquisa mediante biópsia mantiveram os ín hostil e ameaçador, sobretudo para os pacientes que nác
dices de ansiedade bastante altos. No entanto, a experiên estão familiarizados com ele e não têm informação sobre
cia de terem sido chamadas para reavaliação não resultou rotinas e procedimentos. Em nossa experiência, o escla
em ansiedade a longo prazo para a maioria das mulheres recimento a respeito dos procedimentos a que o paciente
pesquisadas. será submetido, bem como das rotinas hospitalares, dirninu
Da mesma forma, mulheres que foram submetidas sensivelmente a ansiedade dos pacientes. Isso resulta num*
a mamografia com resultados falsos-positivos desenvol atitude mais colaboradora, com maior adesão aos tratamen
veram ansiedade. Yasunaga et al. (2007) recomendam tos e menor demanda em relação à equipe de saúde. Esc
que essas pacientes sejam muito bem informadas de ma nossa observação é confirmada por revisão levada a efeito
neira que haja equilíbrio entre a ansiedade e os benefí por Shuldham (1999), que afirma que intervenções psicoe-
cios do exame. ducacionais em que são explicados todos os procedimento
Barton et al. (2004) estudaram também mulheres desde o momento da internação até o da cirurgia, levam £
que tiveram diagnóstico falso-positivo em mamografias c menor tempo de internação hospitalar pós-operatória, me
observaram que, três semanas após o exame, os índices nor grau de ansiedade e dor e maior satisfação.
de ansiedade ainda permaneciam altos comparados aos Segundo Magalhães Filho et al. (2006), a visita pr;
daquelas que tiveram mamografias normais. Citam que a anestésica é um fator importante na diminuição da pre\
leitura e interpretação imediatas das mamografias podem lência e dos níveis de ansiedade em pacientes que ser'
trazer uma diminuição da ansiedade. submetidos a tratamento cirúrgico. Esses autores refere-
Heclcman et al. (2004) confirmam o aumento de an ainda que pacientes que podem expressar seu entendimen
siedade em mulheres que foram chamadas para repetir a to sobre os procedimentos cirúrgicos tem maior reduç:
mamografia em função de dúvidas no diagnóstico. dos níveis de ansiedade.
Prevenção
Fases Delirium Ansiedade
T Depressão
P/ê-diagnóstico
Diagnóstico
,
!1 ! í
.
i
X X
Pós-tratamento X X
Recorrência X X
Vi 1
Progressão da doença X X
Terminalidade - tratamento X X X
paliativo
Fonte: Teng, C. T. (2006), modificada por Carvalho, V. A. de.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM PACIENTES COM CÂNCER 259
Nessa mesma linha de pensamento, médicos que in- Quando se trata de pacientes terminais, a presença
* * _ :m melhor seus pacientes podem conseguir diminui- de ansiedade e depressão parece ter papel importante no
ansiedade. Assim, Missiha et al. (2003), que es- desejo de acelerar a morte. O manejo adequado dos sin
«--iram pacientes com melanoma, se surpreenderam ao tomas psicológicos parece ser um aspecto importante dos
: trar níveis de ansiedade significativos em pacientes cuidados paliativos para reduzir o desejo de antecipação
- diagnóstico de melanoma in situ. Atribuem esse acha- da morte (Mystakidou et al. , 2005).
- - tato de que os médicos nào informaram adequada- Hm função das consequências da existência de um
esses pacientes sobre sua condição de portadores de transtorno de ansiedade, é imperativo o seu diagnóstico
::agnóstico bastante favorável. e manejo em pacientes com câncer. Vale lembrar que o
Algumas situações podem levar a um aumento da an- tratamento adequado apresenta bons resultados.
dade em pacientes com câncer. Desse modo, quando o A prevalência da ansiedade em pacientes com câncer
a mento escolhido for invasivo, como a cirurgia, o nível é um aspecto que precisa ser considerado. Vários têm sido
angústia dos pacientes tende a aumentar considerável- os estudos que visam estabelecer a prevalência de trans
trazendo consigo efeitos indesejáveis ao tratamen- torno de ansiedade em pacientes com câncer. No entanto,
Medeiros e Nunes, 2001). esses estudos usam metodologias e populações diferen
Norton et al. (2004) afirmam que a ansiedade pode tes, dificultando a clareza dos resultados. Derogatis et al.
lis freqüente em alguns tipos de câncer do que em (1983), num estudo amplamente aceito sobre prevalência
tos. Assim, mulheres com câncer de ovário podem de transtornos psiquiátricos em pacientes com câncer,
resentar maiores índices dc ansiedade do que aquelas constatam a alta incidência (44%) de transtornos relacio
i câncer em outros órgãos. nados ao eixo 1 do DSM-III1, o que pode ser visto no
Matsushita et al. (2005) recomendam que especial Quadro 2.
c^ão seja dada a pacientes jovens submetidos à cirurgia
^ Cc jVucer, dado o alto risco de ansiedade, sobretudo no
? - do que antecede a alta hospitalar.
Quadro 2: Prevalência de transtornos de ansiedade.
Norton et al. (2004) ainda assinalam que mulheres
> jovens, com doença avançada ou recorrência ou aque-
Burgess et ai (2005), estudando mulheres com câncer lizada (transtorno do estresse pós-traumático). A ansiedade
inicial de mama, mostraram que as prevalências anuais de pode ainda estar na categoria relacionada a causas médicas.
depressão, ansiedade ou de ambas, considerando inclusive como dor fora de controle, alterações metabólicas, efeitos
casos borderline, do primeiro ao quinto ano após o diagnós colaterais de medicamentos, estados de abstinência e tumo
tico eram, respectivamente: 48%, 25%, 23%, 22% e 15%. res produtores de hormônios (Quadro 3).
Mesmo em pacientes em cuidados paliativos, a inci
dência de transtornos de humor e de transtornos de ansie
dade é considerável. Esses transtornos podem se manifes O diagnóstico de transtorno de
tar associados, o que leva o paciente a apresentar grandes ansiedade
dificuldades (Wilson et al., 2007). O diagnóstico de transtorno dc ansiedade cm paciente'
Noves Jr. et ai (1998) afirmam que são poucos os com câncer pode apresentar algumas dificuldades cm funcã
trabalhos encontrados na literatura que medem a ansieda de que alguns sintomas desencadeados pelo câncer e sei:
de independentemente de estresse psicológico, bem como tratamentos podem se sobrepor a sintomas de ansiedade.
os que identificam a ansiedade patológica. No entanto, apesar das dificuldades que veremos .1
De qualquer forma, é amplamente aceito que a ansie seguir, a equipe médica consegue diagnosticar a ansieda
dade c mais incidente em pacientes com câncer do que em de com mais facilidade do que o fazem com a depressa*
grupos de controle. No entanto, a ansiedade frequente (Lampic e Sjòdén, 2000).
mente se apresenta com outros transtornos, como depres O próprio DSM-TV inclui sintomas autonômicos n
são e estados mistos. caracterização da ansiedade. Esse fato introduz dificuldade
A ansiedade em pacientes com câncer pode ser enqua no diagnóstico de ansiedade em pacientes portadores 2c
drada nas seguintes categorias: ansiedade reativa c ansiedade doenças orgânicas, jâ que os sintomas físicos passam a -
relacionada a transtorno de ansiedade preexistente - trans pouco confiáveis por poderem estar relacionados ao cân
torno do pânico (fobias) e transtorno de ansiedade genera- cer ou a efeitos colaterais dos tratamentos. Para contornar
essa dificuldade, é preciso haver maior consideração a- -
sintomas psicológicos presentes, sem deixar de lado o qua
Quadro 3: Modalidades de ansiedade em
dro médico do paciente.
pacientes com câncer Os sintomas psicológicos estão no grupo de sinto
mas considerados como expectativa ansiosa e vigilância.
Ansiedade reativa Os sintomas ligados â expectativa ansiosa são: ansiedade
excessiva e preocupações incontroláveis; os ligados à vi
Transtorno de ajustamento com humor ansioso gilância são: sentimento de estar no limite, reação de sur
presa exagerada, dificuldade de concentração, sensação dr
Transtorno de ajustamento com características emocionais
mistas “brancos” pela ansiedade, dificuldade de conciliar o sonc
e mantê-lo, e irritabilidade (Quadro 4).
Transtornos de ansiedade preexistentes Sabe-se que alguns eventos dc ordem médica poderz
desencadear um quadro de ansiedade, ou estar associados
Transtorno do pânico a ele. Assim, muitos quadros de ansiedade em pacientes
com câncer estão incluídos na categoria transtornos mer
Fobias
tais, devido a uma condição médica geral, ou em transtor
Transtorno de ansiedade gsnemlizada nos relacionados a substâncias, que fazem parte do eiv !
do DSM-ÍV. O próprio DSM-IV afirma que para que se\*
Transtorno do estresse pós-traumático feito o diagnóstico de transtorno de ansiedade ligado :
categorias citadas é necessário que sejam atendidas algn
Ansiedade relacionada a causas médicas
mas condições, como: a existência de uma relação tempe
Dor fora de controle rai entre o início do quadro de ansiedade e a condição me
dica em questão ou o início do uso dc alguma substâne:.
Causas metabólicas que possa desencadear esse quadro psiquiátrico; a presen
ça de algumas características que não sejam típicas de un
Efeitos colaterais de medicamentos
transtorno primário de ansiedade; e, por hm, a evidêncii.
Estados de abstinência citada na literatura médica, de que a condição orgânica
ou o uso de determinada substância podem desencadear |
Tumores produtores de hormônios quadro de ansiedade. No Quadro 5 estão relacionadas
Fonte: Breitb.-irt e Hollaml (1993). possíveis causas médicas que podem ser fatores etiológi:z
de ansiedade.
Ulll
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM PACIENTES COM CÂNCER 261
i'rn
No entanto, cm pacientes com câncer também podem
ã-adro 4: Sintomas de ansiedade, segundo o DSM-lll-R, estar presentes outros tipos de ansiedade, como transtor
t _ 'térios para diagnóstico de transtorno de ansiedade
no de pânico (com ou sem agorafobia) e fobia específica,
^~íra(fzac/a, segundo o DSM-/V.
quando há ansiedade clinicamente significativa provocada
pela exposição a situações ou objetos específicos e temi
Expectativa ansiosa
dos, frequentemente levando a um comportamento de es
edade excessiva* quiva. O transtorno de ansiedade pode também apresentar
outras formas, como o transtorno obsessivo-compulsivo,
^eocupação incontrolavel* que se caracteriza pela presença de obsessões que causam
acentuada ansiedade, sofrimento e/ou compulsões que
Tensão motora têm por função neutralizar a ansiedade. O transtorno do
estresse pós-traumático pode também estar presente e se
emores, tensões e sensação de trepidação caracteriza pela revivescência de um evento extremamente
traumático, acompanhada por sintomas de excitação au
-osâo muscular, dores e dolorimentos* mentada e esquiva de estímulos associados ao trauma. O
transtorno do estresse agudo se apresenta com um quadro
' quietação* semelhante ao anterior, ocorrendo, entretanto, imediata
mente após o evento traumático. Por fim, o transtorno de
-r jiaamento fácil* ansiedade generalizada, que se caracteriza por pelo me
nos seis meses de ansiedade e preocupação excessivas e
Hiperatividade autonômica
persistentes (Diagnostic and statistical manual of mental
disorders: DSM-TV, 1994).
-rsoiração curta
Quando estão presentes quadros de fobia, pode ha
_ 2 tações e taquicardia ver um constrangimento por parte do paciente em revelar
o fato, o que também dificulta o diagnóstico. Vale lembrar
- - jorese ou mãos úmidas ou frias que algumas fobias podem comprometer a capacidade de
o paciente colaborar com alguns procedimentos. Assim,
- ; a seca fobias específicas podem impedir o paciente de se subme
ter a exames como ressonância magnética e tomografias
’:niura ou sensação de cabeça leve ou à radioterapia. Fobias a sangue ou agulhas também po
dem ser limirantes.
ijsea, diarréia ou outro distúrbio abdominal No processo de diagnóstico de ansiedade há de se
considerar ainda o pos/cronamcnro de membros cia equipe
das de calor ou arrepio de saúde, que podem considerá-la como um evento natu-
rãTdo adoecimento por câncer e, assim, não valorizar da
cç ao frequente dos que levem ao diagnóstico de transtorno de ansiedade
e, consequentemente, ao tratamento adequado.
_ -c jldade de engolir ou sensação de "boia na garganta" A ansiedade, quando perdura por mais de duas sema
nas e ocupa mais de metade do dia, caracterizando-se por
preocupação ou apreensão de moderada a severa, que seja
incontrolável e domine a atenção, pode ser considerada
patológica.
Há outras características a ser consideradas no diag
nóstico de ansiedade patológica. São elas: dificuldade de
entender o que é dito, dificuldade de compreender a doen
ça e decidir sobre tratamentos, dificuldade de cooperar
com os tratamentos, redução do limiar da dor, insônia e
comprometimento da realização das funções habituais.
Do ponto de vista clínico, a ansiedade pode se apre
sentar como condição aguda e transtornos crônicos pre
existentes.
A ansiedade aguda provoca os seguintes sintomas: hu
mor ansioso, sentimentos de perturbação por sensações de
dificuldade, irritação, sensação de desprazer devido à crise,
Problema médico Exemplos
Dor mal controlada Medicamentos para dor insuficientes ou prescritos só quando necessário.
Estados metabólicos anormais Hipóxia, emboiia pulmonar, sepse, delírio, hipoglicemia, hemorragia, oclusão coronária
i ou insuficiência cardíaca.
Tumores secretores de hormônios Feocromocitoma, adenoma ou carcinoma tireóideo, adenoma paratireóideo, tumores
que produzem ACTH e insulinoma.
incapacidade de relaxar, pensamentos intrusivos e imagens dada a multiplicidade de fatores envolvidos em sua genes,
do câncer. Podem também estar presentes medo de morte ou e a conseqüente diversidade de ações necessárias.
de deterioração do corpo, inquietação e necessidade de obter Como primeira medida é preciso que sempre seji
ajuda imediata, além de ações que se caracterizam por tentati dado suporte emocional, o qual deve scr oferecido por to
vas de evitar ameaças e pensamentos catastróficos. As pessoas dos os profissionais de saúde envolvidos em qualquer uim
com ansiedade aguda podem transformar riscos improváveis das fases do adoecimento em que se encontre o paciente,
em prováveis, ter a sensação de que sua situação é insolúvel e considerada aqui inclusive a fase pré-diagnóstico, ou seja
se sentir como vítimas sem possibilidade de ajuda. durante os procedimentos de prevenção.
A ansiedade apresenta sintomas autonômicos, alguns F.m relação a essa fase, Allison (2003) afirma qut
mediados pelo sistema nervoso simpático e outros pelo pa- quando se obtém a diminuição da ansiedade consegue-s.
rassimpático. Os sintomas mediados pelo sistema nervoso aumento da adesão a programas de prevenção.
simpático são: taquicardia, sudorese, sensação de pressão Holland (2007) considera muito grave que um serv
no estômago, ataques dc ansiedade tendendo ao pânico. ço de tratamento de pacientes com câncer desconsidere o_
Podem ainda estar presentes alguns sintomas cardiovascu minimize a importância do impacto emocional do câncer
lares e respiratórios, como sensação de pressão no peito, A triagem dos pacientes que apresentam diagnósric
respiração curta, tonturas e parestesias. de algum transtorno na esfera psíquica pode ser feita c:
Os sintomas que sc referem à ação do sistema ner forma rápida. Holland (2007) sugere que, a exemplo d
voso parassimpático são: tensão abdominal, náuseas, que se faz com o diagnóstico de dor, em que se pede «a
diarréia, perda de apetite e perda de interesse sexual. Os paciente que defina a imensidade de sua dor numa escai:
pacientes também podem se apresentar distraídos, perple de zero a dez, o mesmo se faça em relação â presença dr
xos, emocionalmente labeis, inquietos c trêmulos. Podem estresse, pedindo ao paciente que defina seus sentimen
ainda apresentar fadiga secundária à insônia, intolerância tos de ansiedade ou depressão numa escala de zero a de^
a frustrações secundária à fadiga e checagem compulsiva índices acima de quatro, segundo essa aurora, indicam :
em busca de sinais de recorrência. necessidade de cuidados especializados.
Os transtornos crônicos preexistentes são: transtorno Marrs (2006) afirma que muitas vezes o paciem.
de ansiedade generalizada, transtorno do pânico e transtor sente-se mais à vontade para falar de questões emociona
no do estresse pós-traumático, que podem apresentar ree- com enfermeiras, e não diretamente com seus médico
mergência ou intensificação das crises. Podem estar presentes Sugere que treinamento adequado para enfermeiras fac •
fobias a sangue ou agulhas ou claustrofobia, eventos que difi litaria abordagens mais eficientes, com claros reflexos na
cultam algumas condutas médicas, como já referido. melhora da qualidade de vida dos pacientes.
Sabemos que a informação é um recurso importante r,:
diminuição da ansiedade. Ela elimina o elemento-surprl :
O tratamento da ansiedade em relação aos procedimentos médicos, bem como preer
Talvez a expressão tratamento da ansiedade não seja che a lacuna que, de outra forma, seria ocupada por fanta-
./ sL/c-a/,- c? rrre//rc/r aterr/a ./ e.KpressJo r/frf/reyn t/l/ SJ3S quase sempre ma/s assustadoras do que a realidade.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM PACIENTES COM CÂNCER 263
A informação deve abranger dados sobre a doença e preocupação em se tornar um peso para a família e preo
at procedimentos. Geralmenre é dada pelo médico, como cupações de ordem espiritual precisam ser considerados.
~'rntor do conhecimento indispensável para apropria- Em algumas dessas demandas é essencial o papel do servi
:: esclarecimento do paciente sobre suas necessidades e ço social. E essencial também a visão sensível do médico
T lução de suas dúvidas. E necessário que se considere para encaminhar essas questões.
kicquadamente cada paciente em suas características pes- No manejo dos eventos psicológicos do paciente
*- - s, de maneira que a informação não tenha um formato com câncer a participação da família poderá se reves
Ti -rão. Vale lembrar que cada paciente tem necessidades tir de relevância. Geralmenre são os membros da família
*- prias e condições emocionais particulares, devendo a que desempenham o papel de cuidadores informais. Se
~ rmação corresponder à necessidade de cada um, bem os familiares forem vistos como elementos significativos
cemo à sua disponibilidade emocional para recebê-la e dentro do sistema de tratamento, poderão colaborar de
i .a capacidade de elaborá-la. E importante considerar forma considerável, ajudando a fornecer a necessária
;:: todo indivíduo tem um tempo próprio de elabora* sustentação emocional ao longo de todo o processo do
- da informação, de modo que novas perguntas surgi- adoecimento. Assim, a aliança terapêutica, elemento fun
*: gradualmente, demandando do profissional de saúde damental na relação paciente-profissional de saúde, passa
-ronibilidade emocional para retomar alguns temas ou a ser ampliada, incluindo os familiares, que, na vigência
ampliar, também de forma gradual, as informações. de uma doença grave, sempre participam do binômio fa
Joncs et ai (2006) mostram que a informação perso- mília-paciente, ângulo pelo qual deve se orientar a abor
«i :zada é mais eficaz na diminuição da ansiedade do que dagem terapêutica.
ja .formação geral dada por livretos. A ampliação da gama dc pessoas envolvidas nos cui
Pacientes que. em consulta com seus oncologistas, dados do paciente com câncer deve também envolver
•c.^beram informações segundo suas necessidades, perce aquelas que não são parentes mas constituem uma rede
bi cjs pelo médico, tiveram redução significativa da ansie- social de apoio, como amigos e conhecidos. Esse grupo de
situacional. Assim, a consulta moldada ao paciente é pessoas pode desempenhar também uma função significa
■h.iz na redução da ansiedade (Kahán et ai, 2006). tiva no apoio emocional ao realizar ações necessárias ao
A informação pode, portanto, ser dada de forma in- suporte do paciente, aqui incluídas medidas que possibili
_ dual, como também em grupos de pacientes especial- tem a solução de questões cotidianas.
Ecnte programados para esse fim. Esses grupos podem, A identificação de fatores que aliviem «a ansiedade
9 ' exemplo, ter como objetivo informar pacientes com em pacientes com câncer é importante para o seu manejo.
fcr-rgia, quimioterapia ou radioterapia programadas. Po- Assim, a identificação pela família, amigos e médico das
áem ser dadas informações a respeito do funcionamento melhores formas dc enfrentamento apresentadas pelo pa
-D nospital, dos procedimentos cirúrgicos, dos procedi- ciente pode ser relevante na escolha das medidas de apoio
iscntos de enfermagem, da rotina da quimioterapia e ra- (Missiha et ai, 2003).
a -crapia e seus possíveis efeitos colaterais, bem como Burgess et ai (2005) afirmam que serviços psicológi
£z Mrma de contorná-los, da necessidade de atender às cos efetivos são importantes no atendimento a mulheres
ruminações dietéticas e da fundamentação dessa neces- com câncer de mama, sobretudo no primeiro ano após
•; ide, e também dos recursos disponibilizados pelo servi- o diagnóstico e durante a recorrência. Mulheres que es
m ie assistência social. tão livres de câncer mas apresentam risco de desenvolver
Vale lembrar que muitos dos tratamentos do câncer depressão e ansiedade têm maior probabilidade de se be
podem acarretar níveis importantes de ansiedade, como neficiar de atendimento psicológico que leve em conta o
- • i citado. A quimioterapia é um desses tratamentos amplo contexto social do câncer, incluindo intervenções
q. podem desencadear sérios efeitos colaterais com con- que melhorem o sistema social de apoio. Os autores afir
Krõente surgimento de ansiedade. Quando é grande a mam que melhorar o sistema social de apoio pode também
■: aridade dos efeitos colaterais, o paciente pode ser le- limitar a instalação de depressão e/ou ansiedade crônicas,
ü: a interromper o tratamento por superação de sua em especial naquelas mulheres que vivem a falta de rela
idade de lidar com os sintomas. Nesses casos, são ções íntimas de confidência.
-*r > intervenções que reduzam a ansiedade c aliviem os A família também pode sofrer consequências do ad
■ 'mas dos tratamentos. Intervenções como informação oecimento de um de seus membros e apresentar alterações
pccjcação (Williams e Schreier, 2005). de ordem emocional que necessitem atenção. Um estudo de
Os fatores práticos devem ser adequadamente avalia- Couper et ai (2006) mostrou que companheiras de pacientes
- á que problemas da vida podem ser fonte importante com câncer de próstata apresentaram, num primeiro momen
insiedade. Assim, aspectos financeiros, sofrimento fí- to, o dobro de depressão e transtorno dc ansiedade genera
■ - . incertezas sobre o futuro, perda de independência, lizada do que a população geral e índices significativamente
’ :*i-i de papéis sociais, medo de como ocorrerá a morte, mais altos do que os apresentados pelos próprios pacientes.
264 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
Seis meses depois da primeira observação, constatou-se que aquisição e desenvolvimento de estratégias de enfrenta-
as perturbações emocionais nas mulheres decresceram e au mentoT treinamento comporramental.
mentaram nos homens; no entanto, a satisfação marital nas Muito tem se publicado a respeito dos efeitos da inter
mulheres se deteriorou. venção grupai em pacientes com câncer, desde a elevaçá
Muitas vezes as condições psíquicas do paciente exigem da qualidade de vida pela melhora da ansiedade e depres
tratamento psicológico, ocasião em que cabe a intervenção são até o aumento do tempo dc sobrevida dos paciente-
do psicólogo, que, por meio de técnicas adequadas, pode (Simonton et al., 1977; Dcrogatis et al., 1979; Greer c*
minimizar o sofrimento e favorecer a adesão aos tratamen al., 1979; Thomas et al., 1985; Collinge, 1987).
tos. Desnecessário falar da importância de melhor condição Spiegel et al. (1989), em um trabalho clássico em
emocional em função dc melhor qualidade de vida, de ade que submeteram mulheres portadoras de câncer avançac
são aos tratamentos e melhor funcionamento imunológico, de mama a um programa dc psicoterapia de grupo e a>
com repercussão no prognóstico do paciente. compararam com um grupo controle, obtiveram aumer-
Algumas vezes pode ser necessária a intervenção me to significativo da sobrevida das pacientes que recebcrar
dicamentosa com o manejo adequado de ansiolíticos, po psicoterapia.
dendo ser feita pelo médico que atendeu o paciente até Muitas vezes também é necessário o tratamento far
então, mas preferencial mente por um psiquiatra com ex macológico, o qual c feito pelo uso de alguns medicame:
periência na área oncológica. tos ansiolíticos e, evcmualmente, antidepressivos.
Como já foi citado, alguns pacientes podem ser as Os ansiolíticos geralmcnte usados são as benzodiaze-
saltados por pensamentos intrusivos. Intervenções psico pinas, que podem ser prescritas em várias situações, com
lógicas podem diminuir esses pensamentos, bem como a em casos de ansiedade, insônia, náuseas e vômitos quimi -
ansiedade deles decorrente (Antoni et al., 2006). terápicos ou náuseas e vômitos antecipatórios e fobias a
Quando se considera o adoecimento por câncer, deve- procedimentos.
se lembrar que alguns sintomas podem aparecer em con Os benzpdiazepínicos apresentam algumas outra>
junto e assim devem ser considerados, ou seja, como um vantagens que podem servir para que tenham outros uso?
conjunto de sintomas. O conjunto de sintomas é definido Têm efeito miorrelaxanre, sedativo c amnéstico, facilitar
como a presença de três ou mais sintomas relacionados do a execução de procedimentos médicos.
uns com os outros. Sintomas “relacionados” são aqueles Em quadros de pânico é indicada a associação de
que partilham mecanismos e cuja intensidade está conec cidepressivos aos ansiolíticos. Comumente os antidepres--
tada. No câncer de pulmão, por exemplo, podem estar vos usados são a imipramina, em doses gcralmente baix~-
associados a dispnéia, fadiga e ansiedade, podendo cons- e a paroxetina (Quadro 6).
tituir-se num conjunto de sintomas. Esse quadro tem alta De qualquer forma, a intervenção psicológica deT c
prevalência, embora com intensidade moderada, e deve estar sempre integrada ao tratamento do câncer. Assim
ser manejado levando-se em conra o conjunto de sintomas o psico-oncologista deve fazer parte da equipe multid.
(Chan et al., 2005). ciplinar que atende o paciente. Esse profissional deve te:
No que diz respeito às intervenções psicológicas pos um papel ativo na equipe de saúde. Pugliese et al. (200*
síveis, as mais freqüentemente citadas são: intervenção assinalam que quando isso acontece é possível idenrifici*
educacional, treinamento comporramental. psicoterapia melhora da ansiedade, da qualidade de vida, da depressá
individual e intervenções grupais (Fawzy et al., 1995). e das relações interpessoais.
A educação tem como objetivo básico substituir a Deng e Cassileth (2005) citam a possibilidade Ce
sensação de desamparo pela noção de que o paciente pode adotar tratamentos complementares para aliviar sintoma*
ter controle sobre sua vida. Como resultado o paciente psicológicos. Assim, acupuntura, meditação, massagem
poderá assumir uma atitude ativa, inclusive em relação aos técnicas de relaxamento, imagens mentais podem ajudi-
tratamentos. Isso implica também participar dos processos a atenuar os sintomas e incrementar o bem-estar físico r
decisórios quanto à terapêutica. mental. A acupuntura alivia a dor e, em consequência, c
O treinamento comportainental tem como meta di minui a ansiedade. A massagem e a meditação melhorm
minuir o estresse físico e emocional. Para isso, pode-se a ansiedade. Técnicas de relaxamento, imagens mente
lançar mão de técnicas de relaxamento muscular progres guiadas c meditação têm sido objeto de pesquisas rand
sivo, hipnose, respiração profunda, meditação, biofeed- mizadas e controladas e se mostrado eficazes na reduç.
•Kick e visualização. de ansiedade e melhora de transtornos de humor. A mc
A psicoterapia individual tem por objetivo a diminui lhora tem-se mantido por até seis meses.
ção do estresse e melhora da capacidade de enfrentamento. As terapias complementares em pacientes adequad.
As intervenções grupais têm objetivos semelhantes mente selecionados podem reduzir o uso de medicamen
aos da psicoterapia individual e geralmente usam recursos tos. Ainda permitem que o paciente recobre ou desc:
de educação, apoio emocional, administração do estresse, volva a sensação de algum controle sobre o seu process
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM PACIENTES COM CÂNCER 265
itirenta-
dro 6*. Orogas usadas no tratamento da ansiedade.
kíi mrcr- Nome da droga Dose inicial j Absorção Metabólitos
•ctcsjçk)
Benzodiazepinas
e riepres-
poacnres Alprazolan (Frontal) 0,25-5 mg, 3 x/dia intermediária s»m
Crcer cr 10-15 mg, 3 x/dia lenta-intermediária não
Oxazepan
► OKTZS Neurolépticos
BS 0404- Haloperido! (Haldol) 0,5-1 mg, 2 x/dia
II- zir-
Tioridazina (Melleril) 10-50 mg, 2 x/dia
*àc 20- Antidepressivos
tprcssi-
Imipramina (Tofranil) 10-75 mg, 1 x/dia
ktus,
Paroxetina (Aropax) 20-40 mg, 1 x/dia
i------------------------------------ -
a ácvc - Adaptada dc Payne c Massic (2000).
-■-—
waàssc
b t ter
l2 •- : como a certeza de participar dc forma mais ativa em No Quadro 7 estão relacionados alguns dos produ
i tratamentos. tos firoterápicos mais comumente usados, suas indicações,
Muitas vezes os pacientes buscam apenas tratamentos seus efeitos e reações adversas.
j-T-rnativos. Nesses casos, o paciente deve ser propriamen- Assim, em função dos efeitos adversos desses medi
dc ác "ormado sobre danos ou ineficácia desses tratamentos, camentos, os pacientes e familiares devem ser alertados
a - de graves prejuízos que o abandono de terapêuticas para os inconvenienres do seu uso sem o conhecimento c
nhecidamente eficientes pode acarretar. a orientação médica.
Entre os tratamentos complementares a que os pa- Como já foi visto, a intervenção psicológica diminui
[ cantes muitas vezes recorrem está a fitoterapia. Geral- a ansiedade e a depressão, melhora a qualidade de vida e
~. me o fazem seduzidos pela falsa idéia de que sendo as relações interpessoais, assegura maior adesão aos tra
.camentos naturais são inofensivos. tamentos e menor tempo de internação. Além disso, tem
No que diz respeito à ansiedade e à depressão, bá também reflexos no sistema imune.
. _amas ervas de fácil aquisição que são comumente usa- Há muito que se estuda a relação entre estados emo
como suplementos alimentares. Muitas dessas ervas cionais e competência do sistema imune. Nesse sentido, há
i ~s princípios químicos ativos que podem interferir em trabalhos clássicos como o de Temoshok (1992), que estu
c ndutas médicas como a quimioterapia, radioterapia ou dou pacientes portadores de melanoma e identificou um ripo
nn
~->mo nos procedimentos cirúrgicos e anestésicos. Po- específico de comportamento que chamou de tipo C, em
c; n também causar interações medicamentosas, alterar a analogia ao tipo A, característico dos pacientes portadores
. agulação sangiiínea ou modificar o nível dc enzimas que de doenças cardíacas e coronarianas. O tipo B de comporta
* meipam do metabolismo de drogas. mento é o do indivíduo considerado normal.
266 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
O indivíduo com tipo C de comportamento tem Esses trabalhos confirmam, do ponto de vista da me
tendência a apresentar diminuição da competência do lhora da competência do sistema imune, a importância d-
sistema imune. intervenções psicológicas em pacientes com câncer.
Hidderley e Holt (2004) pesquisaram a intervenção
psicológica com melhora de condições psíquicas e conse-
qüentes alterações do sistema imune. Trabalharam com
Ansiedade em pacientes sob
mulheres portadoras de câncer inicial de mama que se cuidados paliativos
submeteram a um programa de treinamento autógeno. Transromos psiquiátricos são eventos presentes quane
Compararam essas pacientes com um grupo controle não o paciente chega à fase de cuidados paliativos. A percepçi
submetido ao mesmo treinamento. O primeiro grupo por parte do paciente de que as medidas médicas não te
mostrou mudanças estatisticamente significativas, com a mais intenção curativa, mas apenas paliativa, pode dese-
melhora da ansiedade e depressão, bem como dos índices cadear quadros de ansiedade e de depressão. A percepçâ
das células CD8 e natural killers (NK). de que a expectativa de vida diminuiu, assim como O mec
Nessa mesma linha, Andersen et al. (2004) traba de progressiva limitação, aumentando a dependência, o dc
lharam com pacientes que receberam intervenção psi figuramento e o medo da morre, pode fazer que surja
cológica em sessões semanais por quatro meses, usando aumente a ansiedade do paciente e, eventualmente, de se
estratégias para diminuir o estresse, desenvolver hábitos familiares. A própria deterioração da condição física do pi-
de vida saudáveis, obter melhora de humor e maior ade ciente pode também favorecer o aparecimento de quadr -
são aos tratamentos. Observaram melhora do sistema mentais orgânicos como o delmum.
imune representada pelo aumento da proliferação de No que tange à prevalência de ansiedade em pacien
linfócitos T paralelamente às mudanças psicológicas. tes com câncer e sob cuidados paliativos, vale notar q
Nan et al. (2004) referem que a ansiedade pode ser não há manutenção dos padrões habituais, ou seja, a as*
um dos fatores envolvidos na gênese da depressão, e esta, dação com o sexo feminino e o fato de ser mais prevak-*:
por sua vez, levaria à redução da competência do siste em jovens e pessoas de baixo status socioeconômico. -
ma imune em pacientes com câncer gástrico, representa medida que o câncer progride, fatores demográficos pi
da pela diminuição da contagem de células NK (natural sam a ser menos importantes (Payne e Massie, 2000).
killers) e trombócitos, embora em seu estudo a relação Segundo Derogaris et al. (1983), a prevalência de a-
CD4/CD8 não tenha se mostrado significativamente siedade em pacientes com câncer é da ordem de 21%. A
alterada. teratura cita vários trabalhos afirmando que a prevaléi . _
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM PACIENTES COM CÂNCER 267
-- ansiedade em pacientes com câncer é maior do que em da presença ou não de um quadro compatível com algum
* _:víduos sadios e aumenta conforme o declínio gradual transtorno psiquiátrico.
f ua condição física. Hoje, em nosso país, sobretudo em cidades que con-
R,a de se considerar tamóéín que em pacientei sob cam COm ccnrros mcd/COs dese/ivoJridos, dor .m-n
dados paliativos há a possibilidade de encontrarmos ção e cuidados. Técnicas de manejo de dor são conhecidas
o-morbidade. Assim, a ansiedade pode aparecer associa- e aplicadas, e o uso adequado de medicamentos antiálgicos
12 • depressão. Quando o paciente preenche os critérios também está presente. Há não muito tempo o uso de opiói-
* depressão e ansiedade, geralmente apresenta grandes des era bastante reduzido, já que essa classe de medicamen
- -culdades, sobretudo se comparado àqueles que apre- tos era tratada com muitos preconceitos e restrições.
r~:am apenas depressão. Chama a atenção o fato de que Deve-se considerar que também em pacientes termi
- ; pacientes referem um grau de sofrimento global de nais eventos médicos podem desencadear quadros que se
derado a severo. Estudos mostram, no entanto, que es- assemelham à ansiedade. Assim, alterações metabólicas
*:• quadros geralmente são subdiagnosticados e submedi- podem se apresentar por meio dc sintomas de ansiedade.
__ s. não recebendo tratamento ansiolítico e antidepres- Um quadro de ansiedade com dor no peito c desconfor
adequado (Wilson et al., 2007). to respiratório pode indicar embolia pulmonar. Pacientes
Payne e Massie (2000) ainda afirmam que pacientes com hipóxia podem se mostrar ansiosos e com medo dc
rase terminal da doença têm aumento da ansiedade estar sufocando ou morrendo. Alguns medicamentos que
r.hém porque passam a ver seus médicos com menos geralmenre são usados em pacientes com condições respi
Irrcüência, sentindo-se, por isso, desprotegidos, alem de ratórias crônicas, como broncodilatadores e estimulantes
"girem preocupações a respeito da eficácia dos trata de receptores beta-adrenérgicos, podem causar ansiedade,
r-tos aos quais estão submetidos. Isso traz a percepção irritabilidade e tremores. Quadro de delirium pode tam
[•- .ie estio perdendo a luta contra o câncer c de que a bém se apresentar com ansiedade e agitação. Payne e Mas
•:e está inexoravelmente próxima. sie (2000) lembram que esses quadros de confusão mental
Em pacientes terminais a ansiedade se manifesta podem ter múltiplas etiologias, como hipogli cernia, falên
n d em outras fases da doença, embora possa ser dé cia de órgãos, desequilíbrio hidroeletrolítico, déficit nutri
cada ou exacerbada pelas condições próprias dessa cional e infecções.
Esses pacientes geralmente apresentam sintomas Como já citado (Quadro 5), também em pacientes
-tivos de antecipação ansiosa, apreensão e medo. Os terminais alguns tumores secretores de hormônios podem
mas são cognitivos e somáticos. Os mais evidentes desencadear sintomas de ansiedade. São eles: feocromo-
*n somáticos; entre eles estão taquicardia, sudorese, citoma, rumores de tireoide e de paratireóide e tumores
rnéia suspirosa, tensão gastrointestinal e náusea. Ou- produtores de hormônio adenocorticotrófico (ACTH).
sintomas comuns de ansiedade são: perda de apetite, Para maior clareza vale citar que vários medicamen
- nuição de libido e insônia, além de um sentimento tos usados em cuidados paliativos podem causar sintomas
ipervigilância e irritabilidade. Pacientes terminais de ansiedade. Assim, corticosteróides podem desencadear
:m apresentar pensamentos invasivos, desagradáveis quaciros psiquiátricos. Isso geralmente depende da dose
: Tjorrentes a respeito da morte, acompanhados de sen- utilizada, e os sintomas podem persistir mesmo com a
t
entos de medo. dosagem diminuída. A acatisia, que é um efeito colate
Em pacientes com câncer, de modo geral, e em pã ral bastante comum com o uso de ncurolépticos, é outro
es sem possibilidade terapêutica de cura, em parti- evento que pode se apresentar como sintoma de ansieda
r.“ã dor não controlada é um dos fatores que podem de e inquietação. O tratamento desse quadro é bastante
encadear ansiedade. Skaug et al. (2007) comenta que simples, podendo ser feito com algumas drogas adequa
: na fase terminal de pacientes com câncer de pulmão das, como benzodiazepínicos, betabloqueadores ou dro
b “i evento muito freqüente (85%), bem como sintomas gas antiparkinsonianas.
c 'lógicos (71%). Pacientes jovens e tumor de pequenas Pacientes que faziam uso de álcool, opióides ou ben
as são fatores de risco desses ripos de sintoma. zodiazepínicos e tiveram imposta sua supressão podem
"Vale lembrar que a qualidade de vida de pacientes com apresentar quadro de abstinência que também se expressa
ica comprometida. Dor fora de controle pode levar ao com ansiedade e agitação.
mento de ideação suicida e mesmo ao suicídio. É sempre importante estar atento à etiologia desses
Em crises de dor aguda, o paciente fica tenso e fre- transtornos para um diagnóstico correto e, consequente
itemente agitado, além de apresentar sudorese. O mente, uma intervenção adequada.
Iro desencadeado pela dor pode se assemelhar a Tanto em pacientes em tratamento de câncer quanto
- >s transtornos psiquiátricos, de forma que nenhum naqueles em tratamento paliativo a abordagem terapêutica
nóstico psiquiátrico pode ser feito na vigência de dor. deve abranger os múltiplos aspectos que estão envolvidos
nas após a cessação da dor é que se pode ter clareza com a ansiedade. E claro, no entanto, que em pacientes
268 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Referências bibliográficas
Allison, F. “Information on oral câncer encourages Colunce, W. B. Effects of complementary catu A
primary-care patients to accepr oral câncer screcning and therapy program on coping and quality of life. 1987. D..
reduces associated anxiety”. Evidence-Based Dentistry, v. sertação (Doutorado - Serviço Social) - Universidade
4, n. 3, p. 68-9, 2003. xs ofl
Califórnia, Berkeley, Califórnia.
ÀNDF.RSFN, B. L. et al. “Psychological, behavioral and CoUPER, J. W.; BlOCH, S.; LOVE, A., DUCHESNF, G-í
immune changes after a psychological intervention: a clin MACVEAN, M.; Kissane, D. W. “The psychosocial imp_.-
icai trial”. Journal of Clinicai Oncology, v. 22, n. 17, 2004. of prostate câncer on patients and their partners”. 7 •
Antoni, M. H. et al. “Reduction of cancer-spedfic Medicai Journal of Australia, v. 185, n. 8, p. 428-:1
thought intrusions and anxiety symptoms with a stress 2006.
management intervention among vvomen undergoing Dahi., A. A.; Haaland, C. F.; Mykletun, A.; Bremnl*
treatment for breast câncer”. The American Journal of R.; Dahl, O.; Klepp, O.; Wist, E.; Fossa, S. D. “Stud;. efl
Psychiatry, v. 163, n. 10, p. 1791-7, 2006.
anxiety disorder and depression in long-rerm survivors f
Barton, M. B.; Morley, D. S.; Moorf, S.; Aij.en, J.
testicular câncer ".Journal of Clinicai Oncology, v. 2;. -J
D.; Kleinman, K. R; Emmons, K. M.; Fletcher, S. W. “De-
10, p. 2389-95, 2005.
creasing women’s anxiety after abnormal mammograms: a
Dfng, G.; Cassii fth, B. R. “Integrative oncoloc :i
controlled trialn. Journal of the National Câncer Institute,
complementary therapies for pain, anxiety, and mood c ■
v. 96, n. 7, 2004.
turbancc”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, v. 55.
Brf.itbart, W.; Holland, J. C. (eds.). Psychiatric as-
2, p. 109-16,2005.
pects of symptom management in câncer patients. Wa
Derocatis, L. R.; Abeloff, M. D.; Meusaratos, N
shington: American Psychiatric Press, 1993.
Burgess, C; Cornf.uus, V; Lovh, S.; Graham, J.; “Psychological coping mechanisms and survival time _i
Richards, M.; Ramirez, A. “Depression and anxiety in metascatic breast câncer”. The Journal of the America*
vvomen with early breast câncer: five year observational Medicai Association, v. 242, n. 14. p. 1504-8, 1979.
cohort study”. BMJ (British Medicai Journal), v. 330, n. Durocíatis, L. R.; Morrow, G. R.; Fetting, J. et z .
7493, p. 702, 2005. “The prevalence of psychiatric disorders among can.:*
Chan, C.; Richardson, A.; Richardson, J. “A study to patients”. The Journal of the American Medicai Asse - -
assess the cxistence of the symptom cluster of breathlcss- ation, v. 249, n. 6, p. 751-7, 1983.
ness, fatigue and anxiety in patients with advanced lung DiagkostíC and statistical manual of mental disordt rrr
câncer”. European Journal of Oncology Nursing, v. 9, n. DSM-IV. 4. ed. Washington: American Psychiatric Asscc -
4,p. 325-33,2005. ation, \994.
TRANSTORNO DE ANSIEDADE EM PACIENTES COM CÂNCER 269
:OT, F. I. et al. “Criticai review of psychosocial psychooncology: psychological care of the patient with
zntions in câncer care”. Archives of General Psycbi- câncer. Nova York: Oxford University Press, 1989, p.
v. 52, n. 2, p. 100-13* 1995. 300-9.
_eer, S.; Morris, T.; Pettingale, K. W. “Psycholo- Matsushita, T; Matsushima, E.; Maruyama, M. “An
response to breast câncer: cffect on outcome”. Lan- xiety and depression of patients with digestive câncer”.
L 2. n. 8146, p. 785-7, 1979. Psychiatry and Clinicai Neurosciences, v. 59, n. 5, p. 576-
H ggerty, J.; Tudiver, F.; Brown, J. B.; Hfrrfrt, C; 83, 2005.
A.; Guibert, R. “Patients’ anxiety and expecta- Medeiros, R. H. A.; Nunes, M. L T. “A influência do
how they influence family physicians’ decisions to vídeo na informação adicional em pacientes submetidos à
câncer screening tests”. Canadian family Physician, mastectomia: o estudo da ansiedade”. Psicologia em Estu
r. 1658-9, 2005. do, Maringá, v. 6, n. 2, p. 95-100, 2001.
HrCRMAN, B. D.; Fisher, £. B.; Moxsees, B.; Mf.r- Missiha, S. B.; Solish, N.; From, L. “Characterizing
M.; RisiveDT, S.; Bishop, C. “Coping and anxien anxiety in melanoma patients”. Journal of Cutaneoiis Me
omen reealled for addirional diagnostic procedures dicine and Surgery, v. 7, n. 6, p. 443-8, 2003.
ng an abnormal screening mammogram”. Health Mystakidou, K. et al. “Desire for death near the end
. *gy, v. 23, n. 1, p. 42-8, 2004. of íife: the role of depression, anxiety and pain”. General
- ddkrley, M.; Hoi.t, M. “A pilot randomized trial Hospital Psychiatry, v. 27, n. 4, p. 258-62, 2005.
ng rhe effects of autogenic training in early stage Nan K. J.; Wei, Y. C; Zhou, F. L; Li, C. L.; Sui, C.
■ patients in relation to psychological status and im- G.; Hin, L. Y.; Gao, C. G. “Effects of depression on para-
t. r. system responses”. European Journal of Oncology meters of cell-mediated immunity in patients with digest
ag, v. 8, n. 1, p. 61-5, 2004. ive tract câncer”. World Journal of Gastroenterology, v.
- lland, J. “How’s your distress? A simple interven- 10, n. 2, p. 268-72, 2004.
iddressing rhe emorional impact of câncer can help Norton, T. R. et al. “Prevalence and predictors of
I* ‘care’ back in caregiving”. Oncology, v. 21, n. 4, psychological distress among women with ovarian cân
Kry cer”. Journal of Clinicai Oncology, v. 22, n. 5, p. 919-26,
~ MPHRis, G. KL; Ireland, R. S.; Field, E. A. “Ran- 2004.
j ed trial of thc psychological effect of information Noyes Jr., R.; Holt, C. S.; Massie, M. J. “Anxiety
**• oral câncer in primary care settings”. Oral Oncolo- disorders”. In: Psycho-oncology. Nova York: Oxford Uni
ir 37, n. 7, p. 548-52, 2001. versity Press, 1998.
í nes, R. B. et al. “Effect of different forms of Pandfy, M. et al. “Distress, anxiety, and depression in
Tagay, S. et al. “Health-related quality of life, depres- Wiluams, S.; Schreier, A. “The role of educatki
sion and anxiery in thyroid câncer patients”. Quality of managing fatigue, anxiety, and sleep disorders in womer
Life Research, v. 15, n. 4, p. 695-703, 2006. undergoing chemotherapy for breast câncer”. Appl
Temoshok, L. Jipe C connection: the hehavioral link to Nursing Research, v. 18, n. 3, p. 138-47, 2005.
câncer and youv health. Nova York: Random House, 1992.
Wilson, K. G.; Chochinov, H. M.; Skriko, M. C
Tf.ng, C. T. Comunicação pessoal, 2006.
Au aro, P.; Chaky, S.; Gagnon, P. R.; MacMillan, K..
Thomas, P. D.; Goodwin, J. M.; Goodwin, J. S. “Effect
of social support on strcss-rclatcd changes in cholesterol Lucca, M.; 0’Shea, F.; Kuhl, D.; Fainsinger, R. L.; Cu
levei, uric acid levei, and immune function in an elderly CH, J. J. “Depression and anxiety disorders in palliati
sample”. The American Journal of Psychiatry, v. 142, n. 6, câncer care”. Journal of Pain and Symptom Managemen:
p. 735-7, 1985. v. 33, n. 2, p. 118-29, 2007.
Verdonck-de Leeuw, 1. M; Eerenstein, S. E.; van der Lin- Wronska, I. “The quality of women's life after ma*-
den, M. H.; Kuik, D. J.; de Bree, R.; Leemans, C. R. “LXstress tectomy in Poland”. Health Care for Women Intemat
in spouses and patients afrer rrearmenr for head and neck cân
nal, v. 24, n. 10, p. 900-9, 2003.
cer”. The Laryngqscope, v. 117, n. 2, p. 238-41, 2007.
Yasunaga, H. et al. “Wome^s anxieties caused :
Williams, G. L; Clarke, P; Vellacott, K. D. “An-
xieries should not be forgotten when screeníng relatives false positives in mammography screening: a continge"
of colorectal câncer patienrs by colonoscopy”. Colorectal valuation survey”. Breast Câncer Research and Treatmer -
Disease, v. 8, n. 9, p. 781-4, 2006. v. 101, n. 1, p. 59-64, 2007.
REAÇÃO DE AJUSTAMENTO EM ONCOLOGIA
Pedro Altenfelder Silva; Carolina de Mello-Santos
I 31
■c- r»
uando falamos cm reação ele ajustamento fo física séria). O agente estressor pode ter afetado a integri
cada em pacientes oncológicos, devemos antes dade das relações sociais de um indivíduo (por perdas ou
nos ater ao impacto psicossocial relacionado à experiências de separação) ou o sistema mais amplo de
; do diagnóstico de câncer. Não podemos esquecer suportes e valores sociais, podendo envolver somente o
de todas as doenças, o câncer é a que carrega o mais indivíduo ou também seu grupo ou comunidade.
«o impacto psicológico - traz consigo o estigma da As manifestações psíquicas variam e incluem humor
mação com a morte, muitas vezes caracterizado por deprimido, ansiedade, preocupação, sentimento de inca
rrocesso lento, progressivo, doloroso e em alguns ca- pacidade de adaptação, incapacidade no planejamento do
mutilante. Não se trata de uma enfermidade com o futuro e algum grau de incompetência no planejamento
—. de doenças clínicas conhecidas por nós, como dia- da rotina diária. O indivíduo pode se sentir propenso a
meliro, quadros infecciosos ou afecções cardiovas- comportamento dramático ou explosões de violência, que
:es, que de certa forma possuem um curso crônico e ocorrem raramente.
:mento conhecido, imaginando que o corpo, auxiliado O início do quadro se dá, usualmente, após um mês
-: > por tais terapêuticas, possa se recuperar. O fato de da ocorrência do evento estressor, e a duração dos sinto
- ^móstico de câncer trazer uma percepção de incura- mas em geral não excede seis meses, exceto no caso de
de, bem como o temor de que a terapêutica possa reação depressiva prolongada.
efeitos colaterais agressivos ao organismo, muitas O critério que estabelece o tempo necessário para o
revelados pela auto e heteropercepçáo física, oca- início dos sintomas é o que difere a conceituação da reação
sentimentos muito intensos que levam à chamada de ajustamento da CID-10 da descrita no DSM-IV-R; en
: > de ajustamento, que será aqui explorada (União quanto na CID-10 os sintomas devem aparecer em um pe
^nacional Contra o Câncer, 1999). ríodo de até um mês após o evento estressor, no DSM-IV-R
A reação de ajustamento é um transtorno frequente tais sintomas podem começar a surgir em um período de
ridentes internados em hospital geral que, pela própria até três meses (American Psychiatric Association, 2002).
rão clínica, apresentam-se em situação de vulnerabili- Embora exista nos manuais diagnósticos de psiquiatria
: Os fatores que determinam as respostas individuais a uma clara definição da reação de ajustamento, mediante a
Tuações não são conhecidos em sua totalidade. O que pesquisa de artigos, notamos que existe certa confusão no que
"r cebe é que a intensidade da reação de ajustamento tange à conceitualizaçáo de reação de ajusramento e episódio
conforme a absorção do significado pessoal e subje- depressivo. Para alguns autores existe uma sobreposição diag
da doença física, que está ligada a características de nóstica entre as duas entidades (Akizuki et al., 2005); para
nalidade, circunstâncias pessoais e à própria natureza outros, os dois processos se desenvolvem de forma sequen
_ ença e de seu tratamento (Borega, 2ÜÜ6). cial, sendo o sintoma predominante na reação de ajustamen
Segundo a CID-10 (Organização Mundial da Saúde, to o humor depressivo (o paciente com reação de ajusta
: . a reação de ajustamento é classificada como estado mento frequentemente experimenta os sentimentos de
iHgústü subjetiva c perturbação emocional, usualmente tristeza e angústia), o que se torna fator confusionai na dis
—erindo no funcionamento e no desempenho sociais, tinção de ambos os processos. Ainda como faror de maior
- r >urge em um período de adaptação a uma mudança dificuldade diagnóstica, temos o fato de que muitos dos sin
ncativa de vida ou em consequência de um evento es- tomas físicos apresentados por pacientes oncológicos são so
' .me (incluindo a presença ou possibilidade de doença brepostos aos sintomas físicos da síndrome depressiva, como
fadiga, perda de peso c anedonia. Devido a esses fatores, as mente necessária, pois impede a desestru tu ração psíquica
escalas diagnósticas apresentam falhas na distinção entre as do indivíduo, fazendo que seu mundo interno consiga ab
duas doenças (reação de ajustamento e transtorno depressi sorver o impacto em um tempo mais adequado.
vo), o que exige do profissional envolvido muita sensibilidade A raiva surge quando o paciente não pode mais ne
e conhecimento na determinação do diagnóstico e no estabe gar; tomado pelo ódio, pode apresentar condutas violenta
lecimento de estratégias de tratamento (Akizuki et ai, 2005; - mostrar-se agressivo e desafiador, atacando nido e tode
Angelino e Treisman, 2001). Muitas vezes, a raiva pode estar direcionada aos profissionais
Ao falarmos dc reação dc ajustamento, considera que acompanham o caso, que por sua vez devem ter habi
mos importante abordar sucintamente um conceito que dade para identificá-la e não compartilhá-la com o pacieru..
estrutura sua ocorrência, que c o conceito de mecanismo entendendo suas raízes e, assim, colocando-a de lado.
de defesa do ego. Nas reações de ajustamento, o paciente A negociação sc constitui em importante estado em -
encontra-se em siruação de vulnerabilidade diante de um cional da reação de ajustamento em pacientes oncológic ..
evento de vida potencial mente agressivo. Em tais situações incluindo aceitação da realidade pela inclusão dc metas
é natural a identificação do surgimento desse mecanismo. objetivos estabelecidos perante a deterioração física, estru
Freud descreveu tal mecanismo quando se deu conta turando o paciente diante das propostas dc tratamento. )
da resistência que surgia ã medida que seus pacientes tra paciente muitas vezes tende a efetuar “barganhas” que Irt
ziam à consciência conteúdos intrapsíquicos penosos. Essa possibilitem, por meio dc uma visão não totalmente realís
atitude defensiva foi considerada o mecanismo principal tica dos fatos, aproveitar melhor o tempo que lhe resta.
na etiologia da histeria. Em “Inibição, sintoma e angús A depressão seria o estágio da elaboração dos lut ■
tia” (1926/1996), Freud definiu os mecanismos dc defesa das perdas potenciais em seu campo vivencial perante -
como meios usados pelo ego para se defender da ameaça possibilidade da morte. O paciente apresenta-se introspe:
da ansiedade. Anna Freud, desenvolvendo conceitualmen- tivo, entristecido, evitando o contato com pessoas que ni.
re tal proposição, chamou a atenção para o perigo de eli respeitem seu momento. Por outro lado, necessita muite
minarmos as medidas defensivas do ego sem estarmos em da companhia de alguém que respeite c compreenda
condições para ir diretamente ao seu auxílio. Os processos estado (Botega, 2006).
defensivos não devem ser vistos como sinônimo de pa Finalmente, a aceitação chega como um estágio n
tologia, mas como o mais primitivo recurso do ego para qual o paciente superou os anteriores, caracterizado per
permanecer ínregro e integrado (Botega, 2006). grande paz e tranquilidade. Aqui ocorre a despedida d s
Após a introdução do conceito de mecanismos de de entes queridos e das experiências vividas. Os pacienta
fesa do ego, cabe citar os estados emocionais desenvolvidos aceitam o fato de que estão próximos da morte e vão pri>
por Kübler-Ross, que ocorrem com frequência em pacientes gressivamente diminuindo seus interesses, observações òi
terminais sob uma variedade de combinações c sucessões ambiente e comunicação até o momento de seu falecimen
envolvidas diretamente com a reação de ajustamento. to, que ocorre de forma tranquila. Nem todos os pacier : $
Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra suíço-americana atingem essa fase; os que atingem, em geral, são os que
considerada autora pioneira nos estudos dc tanatologia, obtiveram ajuda adequada no decorrer de seu processo . r
constatou, por meio de observação e do estudo de cente adoecimento e ajustamento.
nas de entrevistas com pacientes terminais, que existem A atitude do paciente em relação ao câncer e, c~
padrões de fantasia, comportamentos, ansiedades e defesas conseqiiência, a intensidade de sua reação de ajustamen:.
que auxiliam o profissional de saúde a perceber os meca variam consideravelmente segundo o stat-us cultural, - -
nismos dc defesa utilizados pelo paciente perante a ameaça ciai, econômico e educacional. O medo pode scr colocac :>
de morte (reação de ajustamento) e a lidar com eles. Esses como o sentimento preponderante em tais pacientes e sc js
mecanismos foram agrupados em cinco estágios pelos quais familiares - medo da morte, medo da dor, medo da muti
os pacientes passam a partir da notícia do diagnóstico de lação, medo do tratamento e seus efeitos colaterais.
doença com um mau prognóstico; são eles: negação, raiva, Os profissionais envolvidos devem ser capazes de re
negociação, depressão e aceitação (Kübler-Ross, 2005). conhecer as atitudes manifestas, entendendo de onde e i
A negação costuma ser o primeiro estado emocional surgem, com base em características de funcionamemt
presente na reação de ajustamento de um paciente oncoló psíquico estruturais do paciente.
gico que recebe a notícia acerca do diagnóstico. Constitui- É fundamental que tais profissionais estejam ajnos -
se em defesa emocional que prioriza a recusa a entrar em instruir os pacientes e seus familiares acerca da doença,
contato com um fato que implica sofrimento emocional. seu tratamento e controle de efeitos colaterais. A inforr
O indivíduo, ao vi vendar esse estágio, pode postergar ou ção exerce um papel relevante no sentido dc neutralizar
abandonar o tratamento ou não acreditar no resultado medo do paciente e, consequentemente, amenizar a inten
dos exames, agindo de forma dissociada, como se nada de sidade de sua reação de ajustamento (União Internado na
grave estivesse ocorrendo. Tal defesa por vezes é extrema Contra o Câncer, 1999).
REAÇÃO DE AJUSTAMENTO EM ONCOLOGIA 273
ça. Estudos mostram grande preocupação relacionada a O traramento dos pacientes com reação dc ajusta
pacientes terminais que apresentam reação de ajustamen mento impõe uma atenra avaliação da gravidade e natu-
to, pois tal ocorrência traz um grave impacto negativo reza do distúrbio, levando em conta a presença dc fat
na vida, marcado por imenso sofrimento e consequente res associados com maior seriedade e duração da doença
eclosão de sentimentos que levam ao desejo de morte- Intervenções destinadas a minimizar o impacto dessr-
breve, pedido de eutanásia e elevação das taxas de idea estressores no dia-a-dia do paciente devem ser considr
ção suicida, o que piora a qualidade de vida do paciente radas. E fundamental entender o significado do estress *
e aumenta o estresse de familiares e amigos dispostos a para o paciente (em nosso caso, o câncer) e por que e.c
ajudar (Akechi et ai, 2006a). parece estar associado com o desenvolvimento dos sint
Com respeito ao câncer de cabeça e pescoço, a re mas psiquiátricos. Além disso, o médico deveria avali -
ação de ajustamento é novamente a afecção prevalente seu nível de vulnerabilidade e capacidade de adaptaçã
quando comparada ao transtorno depressivo maior (14% O paciente, que era uma pessoa saudável, com bom fu--
e 7%, respectivamente). Em relação a rodos os distúrbios cionamento, no contexto de estresse mais sério tornou--,
psiquiátricos, nesse tipo de câncer a reação de ajustamento sintomático? Ou é alguem com problemas crônicos e n._
não é prevalente, diferenciando-se dos outros. O transtor definidos no enfrentamento das dificuldades da vida q
no prevalente é a dependência do álcool (33,6%), seguida está tentando lidar com uma variedade de circunstâncL
da dependência de nicotina (32%). Quanto aos pacientes difíceis há muito tempo?
com reação de ajustamento e transtorno depressivo maior, As estratégias de tratamenro que podem ser co:
foram encontrados alguns fatores de risco associados, en sideradas para indivíduos com reação de ajusramen:
tre eles: menos que nove anos de escolaridade; ser solteiro incluem uma vasta gama de intervenções psicodinârr
fc 1»
ou viúvo; morar sozinho; abuso de álcool; estadiamento cas e comportamentais de apoio, aconselhamento sob-,
avançado do câncer (Kugaya et al., 2000). problemas existenciais e auxílio concreto na resoluç:
Malignidade ou benignidade do câncer não se mos
dc circunstâncias problemáticas. O tratamento a cur
traram como fatores de distinção na prevalência em re
prazo pode ser suficiente para muitos pacientes, embo-
lação à reação de ajustamento; ambas as características
possa ser necessário um encaminhamento para uma t-
apresentaram prevalência de aproximadamente 28%. A
rapêutica mais prolongada após o restabelecimento c
diferença ocorre no que diz respeito ao diagnóstico global
funcionamento psíquico basal. A intervenção em cri^r
dos transtornos psiquiátricos nesses dois grupos, apresen
pode ser apropriada para diminuir o estresse e faeTíT:: -
tando o do câncer benigno 30% e o do maligno 46% de
o desenvolvimento de um suporte externo. Tratamem
prevalência. Esse fato pode ser atribuído principalmente à
individuais ou cm grupo podem ser empregados. A p
diferença da prevalência do transtorno depressivo maior
coterapia individual constitui uma preciosa ferramenu
em cada um dos grupos, sendo de 1% no grupo dos cân
oferecendo ao paciente uma oportunidade de cntentT.*
ceres benignos e de 10% no grupo dos malignos (Phuphai-
melhor o significado pessoal do câncer e as conseqüé-
bul e Muensa, 1999).
cias que ele trouxe para a vida.
Os dados relatados também sustentam a importância
São poucos os estudos que avaliam a eficácia de in
do estabelecimento de um correto diagnóstico da reação dc
tervenções farmacológicas em pacientes com reação
ajustamento, para que esses pacientes obtenham um acompa
ajustamento; entretanto, o uso criterioso desses tra:
nhamento adequado dc forma precoce (Miller et al., 2005).
mentos pode ser razoável para apresentações sintoma
cas específicas. Essa abordagem pode ser particularme: .
Tratamento da reação de relevante para psiquiatras insertos em equipes oncolóp
cas mulcidisciplinares.
ajustamento nos pacientes O uso de anridepressivos pode ser considerado r
oncológicos caso de pacientes que apresentam reação de ajustamen:
A reação de ajustamento apresenta sintomatologia com predomínio de sintomas depressivos, bem como _
polimóríica, levando à sobreposição diagnóstica de outros pacientes que desenvolveram episódios depressivos ap
distúrbios psiquiátricos, de modo que não há uma inter a reação de ajustamento. Benzodiazepínicos podem
venção terapêutica única que possa ser recomendada. Exis prescritos quando o paciente apresenta predomínio
tem poucos estudos sobre o tratamento do paciente com sintomas ansiosos. Cabe salientar que a intervenção
esse transtorno. Na realidade, pouco se sabe a respeito da macológica nesses pacientes incrementa, mas não subs
identificação do diagnóstico e do tratamento correto. Visto tui, as estratégias psicossociais. São necessários ensai
que a reação de ajustamento é um dos diagnósticos psi clínicos controlados para indicar mais precisamente op-
quiátricos mais comuns em pacientes oncológicos, ensaios pel da farmacoterapia na reação de ajustamento (Kapk
clínicos sistemáticos são justificáveis. et al., 1999).
REAÇÃO DE AJUSTAMENTO EM ONCOLOGIA 275
deferências bibliográficas
Akechi, T. et al. “Psychological distress experienced vention with early-stage breast câncer patients”. General
:* families of câncer patients: preliminary findings from Hospital Psychiatry, v. 23, n. 3, p. 145-51, 2001.
chiatric consultation of a Canccr Center Hospital”. Ja- Kaplan, H. et al. “Adjustment disorder”. In: Tratado
nese Journal of Clinicai Oncology% v. 36, n. 5, p. 329- de psiquiatria. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, v. 2, 1999, p.
1. 2006a. 1418-24.
__. “Screening for depression in terminally ill Kirsh. K. L. et al. “DifHculties in screening for ad
[cir.cer patients in Japan”. Journal of Pain and Symptom justment disorder, part I: use of existing screening instru-
snagement, v. 31, n. 1, p. 5-12, 2006b. ments in câncer patients undergoing bone marrow trans-
Akizuki, N. et al. “Development of an impact thermo- plantation”. Palliative & Supportive Care, v. 2, n. 1, p.
r:er for use in combination with the distress thermome- 23-31,2004.
as a brief screening tool for adjustment disorders and/ Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o morrer. Trad. Paulo
H £ BI major depression in câncer patients”. Journal of Pain Menezes. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
í Symptom Management, v. 29, n. 1, p. 91-9, 2005. Kucaya, A. et al. “Prevalence, predictive factors, and
American Psychiatric Association. Manual diag-
screening for psychologic distress in patients with nevvly
tico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-
diagnosed head and neck câncer”. Câncer, v. 88, n. 12. p.
■ 7-TM. Trad. Cláudia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre:
2817-23,2000.
àrrmed, 2002.
Mti.lfr, S. L. et al. “Psychiatric sequelae following
Angelino, A. K; Ireisman, G. J. “Major depression
breast câncer chemotherapy: a pilot study using claims
demoralization in câncer patients: diagnostic and
data”. Psychosomatics, v. 46, n. 6, p. 517-22, 2005.
'-.itment considerations”. Supportive Care in Câncer, v.
Organização Mundial da Saúde. CID-10: classifica
K n. 5, p. 344-9, 2001.
Botegà, N. J. (org.). Prática psiquiátrica no hospital ção estatística internacional de doenças e problemas rela
il: interconsulta e emergência. 1. ed. Porto Alegre: Art- cionados à saúde. 9. ed. São Paulo: Edusp, v. 1, 2003.
i, 2006. Phuphaiblu., R.; Muensa, W. “Negative and positive
Freud, S. (1926). "inibição, sintoma e angústia”, fn: adapüve behaviors oíThui school-agcd children who have
' ILD, S. Obras completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de a sibling with câncer”. Journal of Pediatric Nursing, v. 14,
: eiro: Imago, v. XX, 1996. n. 5, p. 342-8, 1999.
Fritzsche, K. et al. “Psychosocial distress and need SiENEOs, P. E. “Affect, emotional conflict, and déficit:
dt psychotherapeutic treatment in câncer patients under- an overview”. Psycbotherapy and Psychosomatics, v. 56, n.
| | ng radiotherapy”. Radiotherapy and Oncology, v. 72, 3, p. 116-22, 1991.
2. p. 183-9, 2004. Uniào Internacional Contra o Câncer. Manual de
Hosaka, T. et al. “Effccts of a modified group inter- oncologia clinica. São Paulo: Springer-Verlag, 1999.
Ç* *
u-
■ JÇO*
OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS
EM ONCOLOGIA
Rodrigo Fonseca Martins Leite; Chei Tung Teng
- je surgiram lesões orgânicas ou outras complicações, são o álcool, os opióides e o tabaco. No caso do tabaco, a
Tcluindo consequências de acidentes e outras intercor- maior importância está na sua conhecida associação com
'.ncias clinicas. a indução e o agravamento da maioria dos tipos de cân
Uso nocivo ou abuso: uso de substâncias de forma cer, com as conseqüências psíquicas e comportamentais
: al adaptativa, com conscqüências adversas e significa do seu uso criando problemas pouco significativos.
is do ponto de vista físico, legal, social e intcrpesso- Álcool: o consumo de álcool está associado a vários
i Na CID-10, é necessário que apresente prejuízos à tipos de câncer. Um estudo de metanálise mostrou que o
lúde. Esse diagnóstico exige que haja uso minimamente uso de álcool aumenta os riscos de câncer de cavidade oral,
acorrente, mas não satisfaz critérios para dependência faringe, esôfago, laringe, estômago, cólon, reto, fígado,
substâncias. mama e ovário. Existe associação entre a dependência de
Síndrome de dependência: corresponde a um conjun- álcool e transtornos de humor, transtornos dc ansiedade,
jfc> de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológi- esquizofrenia, transtorno dc personalidade anti-social. O
• que se desenvolvem após consumo repetido de uma uso concomitante de tabaco, que é comum entre usuários
-Estância. As principais características clínicas são: de álcool, potencializa o risco de câncer de trato digestivo
e respiratório superior. Pacientes com câncer torácico e
• forte desejo de consumir a droga; dc cabeça e pescoço apresentam risco de abstinência de
• dificuldade de controlar o consumo; álcool e nicotina, sendo os sintomas ansiosos os mais co
• utilização persistente apesar dos prejuízos evidentes; muns, devendo ser utilizados benzodiazepínicos e nicotina
• prioridade dada ao uso da droga em detrimento de transcutânea (Kaplan e Sadock, 1999).
outras atividades e obrigações; E muito comum que pacientes em tratamento onco
• desenvolvimento de tolerância pela droga, que se lógico e dependentes de álcool minimizem ou omitam a
refere à diminuição dos seus efeitos e necessidade dependência, que só é explicitada quando o paciente sus
de aumento da dose administrada para obtenção do pende por conta própria o uso do álcool, por saber que
mesmo resultado; está em tratamento oncológico ou por internação hospi
• estado de abstinência física, referindo-se à ocor talar. O quadro de abstinência pode ser confundido com
rência de síndrome de abstinência, que decorre da efeitos adversos dos tratamentos oncológicos ou piora do
abrupta redução ou descontinuação do uso da subs quadro clínico geral do paciente devido à evolução do
tância ou ainda da utilização de antagonista farma câncer. Os sintomas de abstinência do álcool estão des
cológico. critos no Quadro 2. Apenas cerca dc 5% dos indivíduos
com dependência de álcool chegam a experimentar com
Essas características clínicas não necessitam estar plicações mais graves da abstinência, na forma de delirium
esentes em todos os casos de síndrome de dependência, tremens - cujos sintomas estão descritos no Quadro 2, em
Rpecialmente os estados de abstinência, que não são bem síndrome de abstinência moderada/grave - ou dc convul
nidos para a dependência de Cannabis. sões de grande mal, que são frequentemente fatais.
As substâncias relacionadas a abuso e dependência de O tratamento da síndrome de abstinência do álcool
or relevância na abordagem dos pacientes oncológicos é sempre médico, com o uso de benzodiazepínicos e te-
■ :otma Humor disfórico ou deprimido, insônia, irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração, inquietação,
ganho de peso, bradicardia.
-leool Sudorese, elevação da frequência cardíaca, tremor intenso, insônia, náuseas ou vômitos, alucinações ou ilusões
visuais, táteis ou auditivas, agitação psicomotora, ansiedade e convulsões.
Humor disfórico, fadiga, sonhos vívidos e desagradáveis, insônia ou hipersonia, aumento do apetite, retardo ou
agitação psicomotora.
TTO
Quadro 2: Sintomas de abstinência do álcool.
■■
Intensidade da síndrome Sintomas
de abstinência do álcool
Síndrome de abstinência leve - sintomas autonômicos (no início): tremores, sudorese, taquicardia,
i-
aumento da pressão arterial;
- náuseas, vómitos, diminuição do apetite;
- paciente consciente e parcialmente orientado;
- alucinações ou ilusões transitórias;
- 90% dos casos com resolução autolimitada em até 5-7 dias. — «.
rapcutica de suporte clínico. A síndrome de dependência usuários de Cannabis, o uso não é suficientemente pesado
deve ser tratada de acordo com propostas tradicionais, por e frequente para promover câncer. Em usuários crônico >.
meio de estímulo à participação cm grupos de auto-ajuda foram encontradas alterações epiteliais pré-cancerosas na:
(como Alcoólicos Anônimos), tratamentos psiquiátricos, vias respiratórias. O uso de tabaco c freqüentemente as
incluindo o uso de naltrexone para diminuir a compulsão sociado ao consumo de Cannabis, potencializando o riso.
ao consumo, c suporte psicológico com estratégias de pre de câncer. O uso medicinal dc canabinóides sintéticos eu:
venção contra recaída. oncologia tem sido estudado para tratamento da anore
Opióides: na clínica oncológica, os opióides estão xia associada ao câncer, náuseas e vômitos decorrentes da
mais relacionados a abuso e dependência (Derogatis et ai, quimioterapia e como paliativa cm pacientes termina.? moà
1983). Entretanto, a prevalência de abuso c dependência Um estudo holandês com amostra de 24 pacientes não de
de opióides no Brasil ainda é baixa em relação à Europa monstrou interação medicamentosa com os quimioteráp:-
e aos Estados Unidos. Muitos profissionais supõem que cos irinotecam e docetaxel (Engels ei ai., 2007).
a síndrome de abstinência de opióides pode ocorrer em Crack e cocaína: o consumo de crack está associado i
qualquer paciente que recebeu doses regulares por poucos alterações histopatológicas na árvore respiratória precur
dias. O tratamento com opióides é rotineiramente inter soras de câncer. Deve-se ressaltar o padrão dc uso conco
rompido sem dificuldade em pacientes com câncer cuja dor mitante de tabaco e Cannabis nessa população, aumentan
desaparece com um tratamento antineoplásico eficaz. A ex do o risco de cânceres aerodigestivos. A literatura indica o
periência clínica com opióides utilizados criteriosamente potencial carcinogênico da cocaína inalada.
não mostra que a tolerância seja um problema significativo Solventes: os solventes orgânicos com potencial de
nos pacientes. Vários estudos demonstraram que a maior abuso e dependência, como o tolueno, estão associados :
parte dos pacientes se mantém com doses estáveis por lon TtTfiM
cânceres como as leucemias.
gos períodos. Pacientes com abuso de drogas prévio po
dem apresentar tolerância e necessitar de doses maiores de
analgésicos; pacientes com dor crônica pelo câncer podem Transtornos mentais orgânicos nos «Bi
ter problemas de dependência. O abuso de substâncias sem
ocorrência prévia em pacientes com câncer é muito raro
pacientes oncológicos - delirium
(Sees e Clark, 1993). Eventualmente, alguns pacientes de Os pacientes oncológicos são suscetíveis a apresen mr*2M
pendentes podem simular quadros oncológicos, por meio tar transtornos mentais orgânicos por inúmeros fatores,
de relatórios médicos e exames laboratoriais dúbios, para distúrbios metabólicos e eletrolíticos secundários ao cân m» i
obter receitas de opióides. cer, desidratação, carência nutricional, ocorrência de me-
Cannabis: o consumo de Cannabis, na forma de tástases cerebrais, efeito de medicações como analgésicos
fumo, contém carcinógenos que estão presentes no taba opióides, sedativos, antidepressivos, antibióticos e outras,
co, como hidrocarbonetos aromáticos e derivados nitroge- quadros infecciosos, síndromes paraneoplásicas, tumores
nados. Entretanto, no que concerne à grande maioria dos primários do sistema nervoso central. Quadros psiquiá-
OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM ONCOLOGIA 279
tricôs estão presentes em quase todos os pacientes com O delirium pode acarretar desconforto aos membros
tumores do sistema nervoso central, como alterações de da família que estão acompanhando o paciente. Um esmdo
personalidade e transtornos ansiosos e de humor (Kaplan (Morita et ai, 2004) avaliou o nível de desconforto familiar
c Sadock, 1999). Metástases cerebrais ocorrem em 20% a associado a doze sintomas de delirium (insônia, sonolência,
50% dos pacientes. Tumores de pulmão representam .55% disrúrbios de memória, dificuldade de raciocínio, dificul
a 40% das metástases cerebrais. Tumores de mama, rins e dade de comunicação, desorientação, discurso incoerente
cólon respondem por 15% cada um. Metástases menínge- ou irrelevante, alucinações, delírios, inquietação, compor
as são encontradas em 5% a 8% dos pacientes com tumo tamento inadequado e labilidade de humor). Esse estudo
res sólidos, em 5% a 29% dos pacientes com linfoma não- foi realizado em setenta unidades dc cuidados paliativos,
Hodgkin c em 11% a 70% dos pacientes com leucemia baseado em um questionário que foi enviado a trezentas
(Kaplan e Sadock, 1999). A seguir, destaca-se um desses famílias. Das 195 respostas analisadas, 74% referiram que
transtornos mentais, o delirium. o paciente tinha sintomas de inquietação, 62% referiram la
Tipicamente, delirium é um transtorno mental orgâni bilidade do humor, 37% mencionaram sintomas psicóticos,
co com apresentação aguda, de características confusionais, 92% relataram sonolência e 50% a 72% referiram sintomas
jue se caracteriza por um comprometimento dos níveis de cognitivos como dificuldade de comunicação e prejuízo de
. msciência e atenção, ilusões e alucinações mais comumen- memória. Cerca de 70% das famílias consideraram todos os
:e visuais, idéias delirantes frouxas, prejuízo de memória, sintomas de delirium, excetuando a sonolência, desconfor
terações do ciclo sono-vigília, desorientação temporal e táveis ou muito desconfortáveis. Cerca dc 36% das famílias
:>pacial e perturbações como irritabilidade, medo, ansie relataram níveis altos de desconforto na presença de inquie
dade ou humor depressivo. E importante não confundir o tação, labilidade de humor e sintomas psicóticos.
rermo delirium com o conceito de delírio (Quadro 3, pági Os membros das famílias de pacientes terminais com
na 283). Delirium c um diagnóstico neuropsiquiátrico asso câncer experimentam níveis altos de desconforto ao pre
ciado a rebaixamento qualitativo da consciência, enquanto senciar os sintomas cognitivos e a agitação do delirium
delírio é o sintoma presente em quadros psicóticos, relativo terminal. Intervenções mulridisciplinares da equipe de
crenças irredutíveis e não compartilháveis cultural mente, cuidados paliativos, incluindo prevenção da agitação com
. mio os delírios persecutórios e o delírio de ciúme. Deli- mudanças no ambiente, diálogo com a família, aplicação
rum é uma complicação neuropsiquiátrica comum durante de medicações psicotrópicas como os antipsicóticos para
hospitalização de pacientes com câncer. Na oncologia, a alívio dos sintomas e abordagem psicoeducacional, são ne
ncidência de delirium varia, ocorrendo em 18% a 85% dos cessárias para o manejo dessa condição, que gera sofrimen
"acientes internados (Gaudreau et al., 2005). to para o paciente e seus familiares.
O delirium na doença oncológica avançada em geral é O controle de variáveis ambientais como permanên
~ouco reconhecido ou trarado inadequadamente. O mane- cia no mesmo quarto ou leito, presença de relógio, dis
> do delirium abrange o acesso de causas potenciaimente ponibilidade de óculos para leitura e acompanhamento
reversíveis em associação a medidas ambientais, psicológi constante de membros da família pode contribuir para a
cas e psicofarmacológicas para o controle dos sintomas. Es- diminuição do risco de delirium, principalmente em pa-
rs conhecimentos são essenciais para a equipe de cuidados cienres idosos com câncer (McCusker et al., 2001).
:o pacienre crítico. De todos os fatores de risco de deli- Nas unidades de cuidados paliativos, a prevalência
- um, o uso de medicações é um dos poucos que podem ser de transtornos psiquiátricos é elevada, chegando a atingir
■ gnificativamente atenuados com a troca ou diminuição 76% dos pacientes, como relataram Ita et al. (2003). Nes
ie dose das medicações. As classes dos benzodiazcpínicos, se estudo, o diagnóstico de delirium esteve presente em
pióides, anticolinérgicos e corticosteróides são as mais as- 50% dos pacientes com câncer de próstata avançado, 45%
->ciadas à ocorrência de delirium (Gaudreau et al., 2005). daqueles com tumores cerebrais, 20% dos casos de câncer
O início do quadro é rápido e a sintomatologia flutua ao de pulmão e 16% dos de câncer de intestino.
>ngo dos dias. Quando o quadro confusional é superficial, Frequentemente, o delirium se apresenta com lenti
rode haver momentos claros de lucidez, entremeados por dão psicomotora, sendo denominado hipoativo. Esses pa
momentos de confusão mental, labilidade do humor e agres- cientes podem ser menos notados e assistidos que os com
\ idade. A atenção dispersa e a dificuldade cm focar e manter agitação {delirium hiperativo), além de poder ser diag
- atenção são características que auxiliam muito no diagnós- nosticados erroneamente como portadores de depressão.
~co do delirium. O paciente lembra-se com frequência dos Um estudo que considerou cem admissões em unidades de
momentos de confusão como se fossem um sonho perturba cuidados paliativos encontrou delirium em 29% da amos
do. E comum que haja predomínio de sonolência durante o tra, sendo delirium hipoativo em 86% dos casos (Spiller e
-ia e agitação à noite. A maior parte dos quadros de delirium Keen, 2006).
remite em quatro a seis semanas. Entretanto, não é incomum Essa modalidade de delirium implica redução de au
que o quadro se estenda por até seis meses. tonomia e pragmatismo, dificuldade de comunicar queixas
280 TEMAS EM PSIC0-0NC0L0GIA
aos profissionais da equipe e riscos clínicos secundários tes de abandonar o tratamento (Kaplan e Sadock, 1999).
ao estado acamado, como infecções respiratórias e fe Estima-se também que 80% dos esquizofrênicos sejam fu
nômenos tromboembólicos. Visando corrigir o prejuízo mantes; esses indivíduos tendem a fumar muito e escolher
cognitivo desses pacientes, os psicoestimulantes como o cigarros com alto teor de nicotina. Existe a possibilidade d.
metilfenidato vêm apresentando resultados positivos, me subdiagnóstico dc câncer em relação a esses pacientes p< >:
lhorando o nível de vigilância, as alterações de fala e o dificuldade de acesso aos serviços de saúde, adesão deficien
nível de energia. O metilfenidato é também empregado te aos tratamentos e prejuízo cognitivo e de entendimento
em transtorno de déficit de acenção/hiperatividade, trans quanto ao autocuidado e a riscos para a saúde.
tornos mentais orgânicos com presença de apatia e como Por muito tempo imaginou-se que pessoas com esqui
potencializador na depressão refratária e nas depressões zofrenia teriam menor risco de câncer do que a população
secundárias, como os quadros depressivos associados ao geral. Entretanto, em um estudo britânico de análise dc
câncer avançado (Gagnon et ai, 2005). admissões e óbitos ocorridos na rede hospitalar do Serviç
O delirium impede uma comunicação adequada e Nacional dc Saúde (NHS) no período entre 1963 e 199 \
efetiva, contribuindo para o sofrimento do paciente com na região Sudoeste da Inglaterra, que comparou 9.649 por
câncer avançado. De acordo com dados de Lawlor et al. tadores de esquizofrenia com seiscentos mil não portade
(2000), na admissão hospitalar o quadro foi diagnostica res, o risco total de desenvolvimento de qualquer tipo c
do em 42% dos pacientes. No seguimento, o delirium se câncer não foi significativo. Neoplasias malignas de pele.
desenvolveu em 45% deles. A reversão ocorreu em 49% cólon e reto foram menos comuns na população com es
dos casos. O delirium terminal precedeu 88% dos óbitos. quizofrenia, porém essa diminuição não foi relevante. Pe-
Aspectos associados à irreversibilidade do quadro foram soas com esquizofrenia têm altas taxas de mortalidade p< -
encefalopatia hipóxica e fatores metabólicos. Pacientes causas não naturais (Goldacre et al., 2005).
com delirium tinham taxas de mortalidade maiores que os Os transtornos esquizofrênicos se distinguem em ger
do grupo controle. por distorções fundamentais e características do pensante-
Apesar de o delirium ser uma complicação frequente to e da percepção, além de afetos inapropriados ou embr
do câncer avançado, e de sua presença estar associada a lados. Usualmente se mantêm claras a consciência e a capa
mau prognóstico, diversas condições clínicas que o cau cidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam
sam são reversíveis, mesmo em um paciente oncológico evoluir no curso do tempo. Os fenômenos psicopatológio -
grave. As causas potencial mente reversíveis, como uso de mais importantes incluem o eco do pensamento, a imposi
medicação psicotrópica e desidratação, são corrigíveis com ção ou o roubo do pensamento, a divulgação do pensamen
medidas clínicas como ajuste de dose ou suspensão de me to, a percepção delirante, idéias delirantes de controle, c.
dicações e hidratação endovenosa (Lawlor et al.r 2000). influência ou de passividade, vozes alucinatórias que faze
Portanto, uma pesquisa de causas clínicas do delirium que comentários ou discutem com o paciente na terceira pessoa,
sejam reversíveis, junto com os procedimentos necessários transtornos do pensamento e sintomas negativos.
para o controle delas, pode melhorar o prognóstico ime A evolução dos transtornos esquizofrênicos pode ser
diato e a qualidade de vida do paciente. contínua, episódica com ocorrência de um déficit pn
Outras apresentações dos transtornos mentais or gressivo ou estável, ou comportar um ou vários episódi* -
gânicos podem mimettzar síndromes psiquiátricas como seguidos de uma remissão completa ou incompleta. Nâ
transtornos de humor ou de ansiedade, e transtornos deli se deve fazer um diagnóstico de esquizofrenia quando
rantes e alucinatórios (Quadro 3, página 283). quadro clínico conta com sintomas depressivos ou manía
Concluindo, os pacientes internados com ou sem cos no primeiro plano, a menos que se possa estabelecer
história psiquiátrica que apresentem mudanças graves dc sem equívoco que a ocorrência dos sintomas csquizoírê:
comportamento, como agi ração, alterações de discurso ou cos é anterior â dos transtornos afetivos. Além disso, nã
sintomas psicóticos, necessitam de ampla investigação clí se deve fazer um diagnóstico dc esquizofrenia quando
nica para identificação de causa orgânica subjacente. Nes doença cerebral manifesta, intoxicação por droga ou abs
ses casos, o diagnóstico psiquiátrico primário só pode ser tinência de droga, que podem estar associados a quadr -
firmado quando as alterações clínicas forem descartadas. de delirium, dificultando o diagnóstico (Quadro 3). (
transtornos que se assemelham à esquizofrenia, mas oo -
rem no curso de uma epilepsia ou de outra afecção cere
Esquizofrenia bral, devem ser classificados, de acordo com a CID-10. e
O câncer não é raro em esquizofrênicos. A psicose in F06.2 (transtorno delirante orgânico - tipo esquizofrêni
terfere na adesão aos tratamentos propostos e no diagnós co); os transtornos que se assemelham à esquizofrenia m
tico precoce. A equipe necessita de protocolos claros sobre são induzidos por drogas psicoarivas devem ser classifica
medidasa serem tomadas diante da agitação psicomotora cdos cm fJOrFJP /transtornos mentais e com/forramentj .
(/as questões mét/íco-íegaís referentes ao direito dos pacien devido ao uso de substância psicoativa).
OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS E M ONCOLOGIA 281
A avaliação de queixas somatoformes do paciente on Um estudo avaliou sintomas somáticos consider. 3
cológico deve levar em conta o diagnóstico clínico, o grau dos não relacionados ao câncer ou grosseiramente for^
de comprometimento e gravidade, os efeitos colaterais das de proporção em relação à patologia conhecida e~
medicações em uso e o comportamento do doente em re 98 casos. Os somatizadores tinham depressão (53 4
lação ao sintoma. transtornos ansiosos (12%) e transtorno somatofor
Sintomas somáticos podem decorrer de quadros an me atípico (27%). No seguimento, pacientes somar Sm
siosos, depressão, somatização, manifestação da doença de zadores com depressão melhoraram clinicamente, er. ftfadta
base ou em função do tratamento. A ocorrência de trans quanto aqueles com transtorno somatoforme atípic %
torno somatoforme em pacientes com câncer complica não melhoraram ou até pioraram (Akechi et al., 200 m zsn
o tratamento e o prognóstico. Os sintomas mais comuns Chaturvedi et al., 1993). Após quatro a seis meses vi;
são dor, fadiga, anorexia, exaustão, fraqueza, letargia e tratamento psicofarmacológico e psicoterapêutico pa-.
tremores. Também são comuns sintomas ansiosos como depressão e ansiedade, houve redução significativa do§
falta de ar, dor muscular, tontura c palpitação. Preocupa sintomas somáticos. A hipótese é a de que boa par:
ções somáticas são muito frequentes. Tais sintomas podem dos sintomas somáticos na oncologia esteja relacionac.
ser tratados com aconselhamento e psicofarmacoterapia com transtornos psíquicos que requeiram intervenç;.
(Akechi et al., 2003; Chaturvedi et al., 1993). psiquiátrica e psicológica.
Referências bibliográficas
Akechi, T. et al. “Somatic symptoms for diagnosing Goi.dacre, M. J. et al. “Schizophrenia and câncer: :
major depression in câncer patients”. Psychosomatics, v. epidemíological study”. lhe British Journal of Psychiair
44, n. 3, p. 244-8, 2003. v. 187, p. 334-8, 2005.
Boffetta, R “Involuntary smoking and lung câncer”. Goodman, A. et al. “A staff dialogue on a socia
Scandinavia?i Journal of Work, Environment & Health, v. distaneed patient: psychosocial issues faced by patien:
28, supl. 2, p. 30-40, 2002. their families, and caregivers”. The Oncologist, v. 4, n. 5
Chaturvedi, S. K. et al. “Non-organic somatic symp p. 417-24, 1999.
toms in câncer”. European Journal of Câncer, v. 29A, n. 7, Harris, D. “Delirium in advanced disease”. Postgrad
p. 1006-8, 1993. ate Medicai Journal, v. 83, n. 982, p. 525-8, 2007.
Chaturvedi, S. K.; Maguirk, G. P. “Persistem somati- Ita, D. et al. “Psychiatric disorder in a palliati :
zation in câncer: a controlled follow-up study”. Journal of care unit”. Palliative Medicine, v. 17, n. 2, p. 212-v
Psychosomatic Research, v. 45, n. 3, p. 249-56, 1998. 2003.
Citf.ro, V. de A. et al. “Clinicai and demographic pro- Kapi AN, H. 1.; Sadock, B. J. (eds.). Tratado depsiqu
file of câncer patients in a consulrarion-liaison psychiatric tria. Trad. Andréa Caleffi, Dayse Batista, Irineo C. S. Ot-:
Service”. São Paulo Medicai Journal, v. 121, n. 3, p. 111-6, tiz, Maria Rita Hofmesiter, Sandra de Camargo Costa. -
2003. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
CiASSincAÇÃü de transtornos mentais c de comporta Kugaya, A. et al. “Prevalence, predictive factors, a-:
mento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósti screening for psychologic distress in patients with new
cas. Coord. Organização Mundial da Saúde. Trad. Dorgi- diagnosed head and neck câncer”. Câncer, v. 88, n. 12. -
val Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 2817-23,2000.
Derogatis, L. R. et al. “The prevalence of psychiatric Lawi.or, P G. et al. “Occurrence, causes, and outeo:
disorders among câncer patients”. The Journal o f t h e Am of delirium in patients with advanced câncer: a prospt.
erican Medicai Association, v. 249, n. 6, p. 751-7, 1983. tive study”. Archives of Internai Medicine, v. 160, n. 6. -
Engels, F. K. et al. “Medicinal cannabis does not in- 786-94, 2000.
fluence the clinicai pharmacokinetics of irinotecan and do- Manual diagnóstico e estatístico de transtornos me
cetaxel”. The Oncologist, v. 12, n. 3, p. 291-300, 2007. tais: DSM-IV-TR. Trad. Cláudia Dornelles. 4. ed. rev. Por
Gagnon, B. et al. “Methylphenidate hydrochloride Alegre: Artmed, 2003.
improves cognitive function in patients with advanced McCusklr, J. et al. “Environmenral risk factors r -
câncer and hypoactive delirium: a prospective clinicai stu- delirium in hospitalized oldcr people”. Journal of r
dy”. Journal of Psychiatry & Neuroscience, v. 30, n. 2, p. American Geriatrics Society, v. 49, n. 10, p. 1327- 4j
100-7,2005. 2001.
Gaudreai!, J. D. et al. “Psychoactive medications and Morita, T. et al. “Family-perceived distress from ct
risk of delirium in hospitalized câncer patients”. Journal of lirium-related symptoms of terminally ill câncer patient''
Clinicai Oncology, v. 23, n. 27 p. 6712-8, 2005. Psychosomatics, v. 45, n. 2, p. 107-13, 2004.
OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM ONCOLOGIA 283
da Dor (Iasp), dor é definida pela sensação desagradável, sensação da dor aguda e bem localizada. A via lenta z
subjetiva, relacionada a urna lesão real ou potencial, ou ativada por fatores químicos.
Se, por exemplo, um indivíduo levar um soco, a sen
descrita em termos de tal lesão.
O câncer causa dor quando invade ossos, músculos sação de dor imediara é a rápida, em virtude das força»
ou órgãos internos. O tratamento do câncer também pode mecânicas que estiram o tecido conjuntivo onde se Ir:
ser um fator associado â geração de estímulos dolorosos, lizam receptores de dor. A duração dessa dor é muito li
mitada. Mas à medida que o tecido morre, extravasam*
como urna cirurgia oncológica ou o uso de medicamen
o conteúdo celular com diversas substâncias, e chegarr. i
tos que causam lesão aos tecidos nervosos periféricos, tia
região danificada as células inflamatórias, a dor que pe*-
também pode aparecer quando o tumor comprime nervos
manece é a dor conduzida pela via lenta. Por conta dc".
e vasos sanguíneos, ou quando produz alguma inflamação
evolução, sabemos que um feto humano tem condições
local. No entanto, a dor apresenta várias dimensões, que
neurológicas de sentir dor a partir da 281 semana.
vão além da explicação física. Quanto mais a dor persiste,
maior o sofrimento causado, pois, na presença dela, sabe
mos que atividades simples como comer, vestir-se, andar A dor e o cérebro
podem estar seriamente comprometidas. A presença cons A dor produzida pela via lenta é aquela que tem nu
tante da dor também pode causar ansiedade, depressão ou expressão do ponto dc vista do tratamento. A via rápida
raiva. Prejudica a dignidade pessoal, atrapalha a relação produz apenas sensações de dor localizadas e dc duraçk
com amigos e familiares. H uma experiência única, viven- relativamente curta que permitem ao organismo afastar-*
ciada de maneira solitária e diferente por cada pessoa, que do agente que produziu a dor, mas geralmente não é
também pode ser distinta para a mesma pessoa em tempos racterizada como a causa de síndromes em que a dor se.
diferenres do processo da doença. o principal foco da programação terapêutica. F no cor;
A compreensão de que a dor é uma experiência in cerebral que se dá o processamento da qualidade emoc -
dividual, um sofrimento íntimo, pode nos fazer enten nal ou afetiva da dor (sistema límbico), enviando irnpuh -
der que sua intensidade seja variável em decorrência de de volta para o córtex somatossensor. E aí que se originai
diversos fatores, como raça, sexo, idade, suporte social qualidades mais precisas, como tipo de dor, localizaçác ; I
e cultura, e que muitas vezes não dependa somente do ansiedade emocional. Nesse ponto encontramos a dimea- j
tipo de estímulo que a causa. O mesmo estímulo pode são emocional ou o “significado” da dor.
cansar variados padrões de resposta dolorosa em dife Os principais processos envolvidos na experiêncai
rentes indivíduos, mesmo que consritucionalmenre se sensorial da dor sao a percepção da dor e a reação à dor.
melhantes.
Vias da dor
Temos basicamente duas vias de transmissão do es As vias aferentes ou receptores da dor
tímulo nervoso, a via rápida e a via lenta. A via rápida Os elementos que captam os estímulos a sere~ I
leva os estímulos desencadeados por ativação mecânica transmitidos ao sistema nervoso central, para uma an^-1
ou térmica, principalmente. Essa é a via que produz a lise e possível reação, são chamados receptores. Os r: I
DOR E CÂNCER 289
»lenta i atores são tecidos nervosos especializados, sensíveis a dem estar envolvidos nessa diferença relatada na maioria
bierações específicas. dos artigos de avaliação epidemiológica sobre o assunto.
As modalidades de sensação podem ser percebidas e Essa revisão aponta a existência de diferenças significa
i 'tinguidas umas das outras graças aos diferentes tipos tivas entre os sexos na percepção e experiência da dor.
:í receptores. A pesquisa fisiológica demonstrou que esti Entretanto, as causas para tais diferenças ainda não foram
los específicos são captados por receptores específicos, identificadas claramente.
im, por exemplo, os receptores da dor somente respon- Medo: o limiar diminui à medida que o temor au
com a sensação de dor a estímulos que atinjam seu menta. Os pacientes medrosos e apreensivos tendem a
mar de excitação. aumentar exageradamente sua expectativa negativa. Esses
pacientes são hiper-reativos e tornam a dor desproporcio
nal em relação ao estímulo que a causou. E essencial que
3 que é um limiar de dor o operador adquira a confiança do paciente para levar o
Representa o estímulo mínimo capaz de gerar um tratamenro a bom termo.
cpulso nervoso no nervo sensitivo, suscetível de ser
rercebido. Quando o estímulo é insuficiente para gerar
impulso, é chamado subliminar. O limiar de dor é Diagnóstico diferencial da dor no
ersamente proporcional à reação à dor. Um paciente câncer
elevado limiar doloroso é hiporreativo, enquanto
ele que tem baixo limiar é hiper-réativo. Em conse- Em relação à classificação da dor no câncer temos,
éncia, o limiar de dor, alto ou baixo, indica a reação quanto à sua origem:
r.sciente do paciente a uma experiência desagradável
: -'pecífica. Induzida pela doença:
Mesmo admitindo-se que a percepção da dor seja • infiltração local;
uai em pessoas sadias, alguns fatores, como estado emo- • metástases.
nal, fadiga, idade, cultura, sexo e medo, têm influência
iiida sobre o limiar de dor de cada indivíduo. Vamos Induzida pelo tratamento:
iihá-los a seguir. • cirurgia;
Estado emocional: o limiar depende cm grande parte • radioterapia;
~ intude do paciente diante do procedimento do operador • quimioterapia;
= : ; ambiente. Como regra geral, pacientes emocionalmen- • imunoterapia.
: nstáveis têm baixos limiares. Pessoas muito preocupadas,
nopas •esmo que suas apreensões não estejam relacionadas com Mão relacionada com o câncer:
cu problema, têm seu limiar de dor diminuído. • osteoartrite;
Fadiga: é fator de grande importância para o limiar • neuroparia diabética;
dor. Os pacientes descansados que tenham dormido • discopatia degenerativa.
antes de uma experiência desagradável têm um li-
ir de dor muito mais alto que outros, fatigados c com De acordo com a descrição que o paciente faz da pró
r.i>. É essencial que uma boa noite de sono preceda o pria dor, podemos distingui-la entre dor somática, visceral
iramento. ou neuropática:
Idade: os adultos tendem a tolerar mais a dor, apresen-
Ju portanto limiar mais alto que os jovens e as crianças, Dor somática:
vez a compreensão de que experiências desagradáveis • descrição: monótona, com agulhadas, contínua e
parte da vida influa na pessoa. Nos casos de senilidade latejante;
: r -Tcepção da dor pode apresentar-se alterada. • constante e bem localizada. Ex.: dor óssea;
Cultura: indivíduos mais emotivos, como os latíno- • geralmente bem controlada se a causa for tratada.
ericanos e os europeus meridionais, em geral têm li-
ir mais baixo que os norte-americanos e os europeus Dor visceral:
:entrionais. • descrição: profunda, monótona, contínua, com
Sexo: o homem tem limiar mais alto que a mulher. aperto ou sensação de pressão;
1 talvez reflita o seu desejo de manter a impressão de • episódica ou com cólicas;
erioridade, fazendo esforço maior para tolerar a dor. • frequentemente mal localizada;
ma revisão de literatura publicada recentemente sobre • causada por extensão ou distensão de musculatura
'crenças da percepção de dor entre homens e mulheres, lisa visceral, isquemia ou irritação de mucosa ou se
0*3 -utor conclui que fatores biológicos e psicossociais po rosa de vísceras.
290 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
• Para pacientes adultos, sem déficit cognitivo significativo: uso da escala visual numérica associada com a escala
de sedação.
• Para crianças de 0 a 2 anos: escala Nips.
• Para pacientes com dificuldade de comunicação: escala de faces.
Escala visual numérica: o paciente é questionado quanto à intensidade de sua dor numa escala de zero a
dez, em que zero representa o estado sem nenhuma dor e dez o estado com a pior dor possível.
5 6 8 10
BÊÊ
Sem dor A pior dor possível
# H)
Sem dor
2
Dor leve Dor moderada
©
Dor insuportável
DOR E CÂNCER 291
Esses instrumentos de avaliação são unidimensionais, Analgésicos opiáceos fortes: morfina, metadona, oxi-
permitindo quantificar apenas a intensidade da dor. codona, fentanil, meperidina. O efeitos colaterais mais co
muns são náuseas, vômitos, constipação intestinal, sono
lência, prurido, depressão respiratória c confusão mental.
Tratamento medicamentoso da dor Medicamefitos adjuvantes: antidepressivos, neurolép-
Os medicamentos mais utilizados no tratamento da ticos, anriconvulsivantes.
: jr são o.s analgésicos não opiáceos, os opiáceos e os me-
^-camentos adjuvantes. Tal classificação permite que essas
drogas sejam categorizadas em ordem de grandeza de sua Tratamento não medicamentoso da dor
: jtência analgésica. Estimulação cutânea
A Escada Analgésica da Organização Mundial de Saú- Hidroterapia
-e estabelece como primeiro degrau o uso de medicamen- Ultra-som
' não opiáceos. Essas drogas permitem o controle anal- Exercício
çésico de dores leves, com escore até 4 na escala numérica, Acupuntura
eguir, no segundo degrau, temos os analgésicos opiá- Massagem
>> fracos, que permitem o bom controle de dores con- Terapia comportamental
^eradas moderadas, de escore 5 a 7, na escala numérica, Técnicas cognitivas - relaxamento
fira o tratamento eficaz das dores intensas, com escore 8, Radioterapia
* e 10, temos a indicação do uso de opiáceos fortes. Os Intervenções anestésicas e neurocirúrgicas
edicamentos adjuvantes podem utilizados isoladamente
?ara tratamento das dores neuropáticas ou em associação
Orientações para tratar com sucesso
os opiáceos ou não opiáceos, a fim de melhorar a
zrència analgésica, evitando o uso de doses mais elevadas a dor no câncer
- que têm maior potencial de provocar efeitos colaterais 1. Acreditar no paciente. Os pacientes com dor crô
í difícil manejo. nica relacionada ao câncer percebem que sua dor é in
Analgésicos não opiáceos: diptrona, paracetamol, an- tensificada quando há alguma sobrecarga social (dor da
nflamatórios. separação, dependência financeira, incerteza do futuro) e
Analgésicos opiáceos fracos: tramadol e codeína. espiritual (falta de sentido da vida e da morte, religiosi-
Opióide
forte + não
opióide + /-
adjuvantes
EVN até 4
EVN 5 a 7
292 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
dade, sentimentos de culpa). A dor referida pelo paciente A avaliação do paciente com dor envolve um diagn.
deve ser compreendida com base no conceito de dor to tico adequado, sendo assim o alicerce de um iratamen: ]
tal, constituída pela dor somática, psicológica, psicosso bem-sucedido. A avaliação inadequada da dor pode lev -
cial e espiritual. aos mais variados erros de escolhas terapêuticas, principc
mente quando não se acredita na queixa do paciente. Y
2. Usar analgésico apenas como parte do tratamento. lembrar que os pacientes portadores de dores crônicas .
A administração do analgésico deve ser inserida no trata foram submetidos a diversos tratamentos e orientações,
mento a fim de reduzir o sofrimento do paciente. Porém, com freqüência encontram-se confusos e com tendência -
deve-se lembrar que existem certos tipos de dor que não não aderir adequadamente a nenhuma nova proposta ter-
são tratáveis com analgésicos. pêutica. Então, a avaliação cuidadosa do paciente, coma
do com história clínica detalhada e exame físico completa
3. Se a dor for contínua, prescrever o analgésico con e a observação de aspectos emocionais, sociais e cultura
tinuamente. A manutenção da prescrição do analgésico envolvidos no processo de doença dolorosa são capazes a:
deve estar baseada na meia-vida da droga. Esquemas de encontrar o foco do problema e apontar a melhor forr;
prescrição de medicamentos “se necessário" devem ser terapêutica.
evitados ou até abolidos.
Freqüentemente, na prática clínica, deparamos com a capacidade do paciente de fazer novas descobertas, n -
algumas situações específicas relativas à comunicação no significar relações afetivas importantes e estar atento à sua
que diz respeito à dor entre paciente e os aqui denomina reinserçâo social é muito pequena. A dor do paciente on
dos “cuidadores”. Utilizaremos esse termo em todo o texto cológico prejudica a compreensão do presente, afetam: ,
por percebermos que muitas das pessoas próximas aos pa consequentemente, seus projetos para o futuro. Podem»
cientes não apresentam vínculo consanguíneo com eles. inclusive, afirmar que a dor em alguns casos chega a para
Há casos em que os pacientes não expressam a real lisar a vida do doente e de seus cuidadores.
intensidade da dor com o objetivo claro de poupar o cui Como cada caso é sempre único, suas particularida
dador do sofrimento, da angústia e da sensação de im des e especificidades devem ser respeitadas para um me
potência por não conseguir reverter o quadro álgico. Em lhor resultado do trabalho psicológico. O tamanho da
outras situações, muitos cuidadores não conseguem aco lesão e a intensidade da dor não apresentam relação c
lher o paciente pela dificuldade em se confrontar com a reta (Kovács, 1999), demonstrando quanto a dor é unti
gravidade da condição clínica, pois, como vimos, a dor experiência subjetiva. Cada pessoa a vivenda de um mod •
é uma forma de concretização da doença. Questões refe particular. O psicólogo deve saber ouvir e compreender
rentes ao manejo da relação entre o paciente e o cuidador essa vivência do paciente, o que será fundamental para
serão abordadas em um tópico específico. ajudá-lo a desenvolver recursos para enfrentar sua ik u
A dor intensa e constante perturba a percepção do realidade de progressão da doença, diagnosticada a parti
paciente sobre a realidade e, consequentemente, sua com do surgimento da dor.
preensão do que está acontecendo. A dor oncológica, O objetivo geral da intervenção psicológica é melh -
quando não tratada adequadamente, ocupa todo o univer rar a qualidade de vida do paciente, considerando os sc_^
so psíquico do paciente. indicativos individuais. Dentro dos limites impostos peia.
doença, tratamento e dor, deve buscar as melhores fonr_-
de fazer que o paciente participe de atividades prazem^
A atuação do psicólogo que lhe propiciem bem-estar e conforto. Deve favorecer .
sobre o paciente resgate da autonomia e individualidade, permitindo qut
Ao longo de todo o capítulo falamos sobre dor em desenvolva suas atividades no contexto familiar e cultura:
oncologia, mas gostaríamos de ressaltar que, embora a dor Esse trabalho baseia-se na psicoterapia breve. Isso significa
física possa ter origens semelhantes em todos os casos des estar atento ao foco, ou seja, fazer que o paciente compre
critos, ela é uma experiência subjetiva e particular. Sendo enda o significado, desenvolva recursos de enfrentamente .
assim, o psicólogo trata do paciente com dor, dos proble aprenda técnicas de alívio da dor para lidar com a atual rec
mas advindos pelo quadro álgico para aquela pessoa, no 1 idade e, como um todo, melhorar sua qualidade de vida.
contexto em que ocorre. Os objetivos específicos da intervenção psicológica
O psicólogo avalia a experiência da dor e seu impac em relação ao paciente são:
to na vida do paciente visando identificar o significado
dela na sua história pessoal. Esse trabalho deve ser feito • identificar e favorecer o desenvolvimento de recur
com postura acolhedora, que respeite o paciente e suas sos de enfrentamento para lidar com sua nova rei
questões e preocupações, seus valores e crenças, conside Iidade como um todo;
rando suas atitudes e seu ambiente socioculrural. • identificar e favorecer o desenvolvimento dc recur
A dor incomoda e pode, dependendo da sua intensi sos de enfrentamento específicos para lidar com sua
dade e frequência, demandar mais do paciente do que a dor;
própria doença. • favorecer a capacidade do paciente de identificar -
fatores causadores da dor e os elementos que fav -
"Quando estou com dor, até esqueço a minha doença, reçam a tolerância a cia;
de tanto que a dor me incomoda, me atrapalha, não deixa • buscar a elaboração c aceitação da sua atual rea
eu fazer as minhas coisas. "(Paulo1, 41 anos, tumor de pul lidade.
mão com metástase óssea.)
A técnica mais indicada para iniciar a avaliação p»
Em muitos casos, como no de Paulo, a dor evidencia cológica c a entrevista semi-estruturada. Outros recurso*,
as impotências do paciente, diminuindo seu sentimento como testes projetivos ou escalas, deverão ser adaptado*
de auto-estima e utilidade. Ela favorece o desânimo, a ir a cada situação.
ritabilidade, a hostilidade, a desesperança c a ansiedade, Ao avaliarmos o paciente oncológico com dor, alguns
podendo até levar o paciente à depressão. Nesse contexto. dados são relevantes para definir a intervenção. A seguir,
as diretrizes para essa avaliação serão descritas.
I Todos os nomes utilizados são fictícios.
m
»
f
Diretrizes para avaliação do paciente ciente tem a oportunidade de perceber quão importante é
f
• Em que momento do ciclo vital estava quando rece como o paciente está se sentindo. Sua postura c expressão
beu o diagnóstico oncológico? facial, por exemplo, indicam se ele está ou não com dor. O
f
• Assume posturas passivas ou ativas perante a vida? paciente pode referir ou não a dor verbalmente, mas a ex
• Tem sonhos e planos? Quais são? pressão física da dor, muitas vezes, escapa do seu controle.
f
tricos?
va fortes dores na coluna. Ela estava internada principal
mente para o controle do quadro álgico, que piorara nos
» n
• Como o paciente entende a dor dentro do contex nente. Nessa internação, para controle da sua dor, ela teve
to oncológico? muita dificuldade de expressar quão intensa ela era, pois
n n :
• O que ela representa? as pessoas da equipe que entravam no quarto sempre viam
• Interfere significativamente no sono, no humor e uma expressão facial boa e corada. Durante uma sessão dc
no relacionamento com as pessoas à sua voltar suporte psicológico, ela mencionou:
• Há ganhos secundários envolvidos?
• Como as dores vividas no passado afetam a com “Minha dor nas costas é muito forte; tenho medo de
preensão da sua dor atual? mexer e a dor piorar: Cada vez que me olho no espelho, me
• Como imagina que estará sua dor no futuro? sinto ainda pior; pois me vejo bonita e lembro como fui
• Como está sua imagem corporal? Há influência ingênua em acreditar que essa maquilagem permanente era
da dor? sinônimo de felicidade permanente. "(Amanda, 53 anos,
tumor de mama com mecástase óssea.)
As entrevistas, principalmente as iniciais, oferecem
iço para que um vínculo entre paciente e psicólogo co- Amanda demonstra nessa fala a crença de controle
a se delinear. Por mais focada que seja a atuação psico- absoluto sobre a própria vida. A dor oncológica confronta
. não podemos nos esquecer dc que estamos cuidando e anuncia a provisoriedade e fragilidade humanas. Ao tra
pessoas, e pessoas que esmo passando por momentos balharmos diretamente com o paciente, podemos perceber
-. ; larmente difíceis, os quais temos a oportunidade de que o sistema de crenças exerce função importante, pois
r-partilhar com elas, auxiliando-as. O vínculo terapêutico afeta sua vivência. Consideramos que essas crenças são
-
t ferramenta importante, que deve ser bem cuidada. pautadas cm aspectos históricos vindos desde sua infân
A investigação dos recursos de enfrentamento indica cia, religiosos e culturais. As crenças, em relação à dor c à
» o paciente lida com situações difíceis ou limites. A compreensão sobre o quadro álgico, dentro do contexto
ração da percepção da intensidade da dor, o manejo e oncológico, têm, como vimos, interferência direta sobre a
I . ância a ela são influenciados por esses recursos de tolerância à dor, atitudes e sentimentos acerca da própria
írentamento do paciente. A utilização de recursos pas- vida (McMahon e Koltzenburg, 2006; Wool et ai, 2005).
-
sugere pouca flexibilidade para enfrentar situações Possibilitar um canal de comunicação aberto entre o
: exigem readaptações, como c o caso do tratamento do paciente e o psicólogo é uma importante ferramenta de
-er. Por outro lado, pacientes com uma postura mais trabalho. Baseado nos recursos emocionais que o paciente
i rèm maior facilidade de encontrar novas alternativas apresenta, o psicólogo busca desenvolvê-los para que pos
: driblar a dor e conviver com ela sem que o incapacite sa lidar com sua atual realidade, identificando os elementos
incativamente. Ao se aproximar dessa temática, o pa
estressores, emocionais e aqueles que oferecem suporte para
298 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
obter alívio ou melhora significativa da dor (Almeida, 2004 treitos impostos pela doença e por suas dores. Quanc
e 2005). O paciente deve sentir-se acolhido e respeitado essa situação começa a acontecer, gradativamente a qua
quanto a suas falas e sentimentos; deve ser incentivado a fa dade dc vida do paciente vai melhorando.
lar sobre sua dor e a questioná-la quando julgar necessário.
Saber escutar as questões do paciente, respeitando o
que ele sabe e até que ponto deseja saber sobre sua si Relação entre a dor oncológica e os
tuação clínica, é uma das peças fundamentais do nosso transtornos psiquiátricos
trabalho. Enquanto existem pacientes que percebem sua
Alguns quadros psiquiátricos são comumente obser
piora física e precisam da confirmação da sua percepção,
vados em pacientes oncológicos com dor. E importan
existem outros que optam por não falar sobre o assunto.
te investigar transtornos de sono, humor, ajustamen:
Omitir a notícia da recidiva ou da progressão da doença
agressividade, ansiedade, depressão e redução da lib i
não necessariamente diminui o sofrimento do paciente. A
(Perissinotti, 2005; Figueiró, 1999).
sensação de estar sozinho, sem ter em quem acreditar e
Os transtornos de sono e humor tendem a pre
confiar pode causar muito padecimento. O psicólogo deve
car significativamente a qualidade de vida do pacier:-.
sempre estar ao lado do paciente, respeitando seu ritmo,
Por não conseguir dormir ou ter o sono interrompido p •-
para que as questões possam ser trabalhadas à medida que
causa da dor, pode haver alterações de humor e, c -
tenha necessidade e estrutura psíquica. O paciente merece
consequência, posturas agressivas podem surgir (Millc: m
sempre ter conhecimento da verdade, mas é ele quem vai
al., 2001). A falta de sono reparador prejudica a compr?
nos dar o tempo do que, como e por quem quer saber.
ensão e interpretação adequada da realidade, fazendo -jz.
A prática clínica demonstra que a manutenção do canal
seu discurso não traduza o que está acontecendo e dib.ve
de comunicação aberto com a equipe de cuidados favorece
tando a ação da equipe, que não será suficientementt r-
uma intervenção mais efetiva, que pode atuar diretamente
ciente. Quando não há melhora da dor, inicia-se um n<
naquilo que o paciente diz precisar. No caso de Amanda,
a intervenção da psicóloga possibilitou que médicos e en ciclo de alteração do sono, do humor etc.
fermeiros ficassem especialmente atentos ao seu discurso E comum depararmos com pacientes que apresentai
verbal, em contraponto à sua linguagem corporal. transtornos de ajustamento. Devido à dor, o paciente p >_:
Como a atuação do psicólogo está inserta num con ficar mais desanimado c denotar embotamento ater :
texto de tratamento multiprofissional, sua intervenção visa Certo grau de desajustamento é esperado numa fase ;
também aumentar a adesão ao tratamento medicamento agravamento do quadro clínico, o que não caracteriza j
so e físico, que, conseqüentemente, diminui os sintomas rranstorno depressivo. E necessário permitir que o pac .
e principalmente a dor, demonstrando quão importante te vivencie seu sofrimento psíquico, pois esse é o cam:~ -
é a atuação de uma equipe integrada no cuidado com o para uma reestruturação de sua vida.
paciente com dor. Em contrapartida, quadros de ansiedade e depres
Não raro, na prática da psico-oncologia, pacientes que são são comuns e exigem uma intervenção psicolóc
rem saber o resultado da intervenção multiprofissional em especializada.
outros casos. Respostas pontuais contemplando a verdade, A ansiedade é comumente encontrada tanto no :
mas diferenciando cada situação, são indicadas. Trabalhar e ciente como nos cuidadores. O grau de incapacitação q
acompanhar o paciente no processo de descoberta de novas a ansiedade provoca na vida do paciente é um fator dea
formas de viver e possibilitar que se viva da melhor forma vo para distinguir ansiedade reativa de ansiedade desadi
possível, mesmo estando com câncer e com dor, caracteriza tativa. Um psicodiagnóstico preciso permite a escolha
a intervenção como efetiva. Viver com dor não é fácil, mas medidas adequadas para o melhor tratamento da situaÇ
é possível um controle significativo do quadro álgico, que A relação entre dor e ansiedade é complexa e bidirecior.
afetará o modo que cada um escolherá de viver o tempo as interações ocorrem em níveis fisiológicos e psicológx
que ainda lhe resta, independentemente da quantidade de (Thielking, 2003).
tempo. Essa forma de compreender a situação autentica a A depressão é encontrada em 87% dos pacientes cr
importância de uma postura ativa no controle da dor. dor crônica (Kollner et al2004; International Associan
A prática clínica corrobora a literatura (Ameringer et for the Study of Pain, 2003b; Valentine, 2003). A depresi
al., 2006; Chang et al2005) c demonstra que os pacien tanto pode ser um quadro basal do paciente quanto i:
tes sentem-se mais confortáveis e mais inclusos no proces recer cm decorrência do reconhecimento de que os rec
so de tratamento quando bem informados sobre provável sos de tratamento estão estreitando-se. Nessas siruaçõ
surgimento ou piora da dor, bem como sobre os possíveis o humor deprimido, melancólico, irritadiço e a falta
recursos a serem utilizados. esperança associada ao negativismo comum ao dcpríri
Nesse processo, o paciente conseguirá descobrir no afetarão significativamente as estratégias e a capacidact
vas maneiras de viver apesar dos limites cada vez mais es enfrentamento do paciente e dc seus acompanhantes. Li
DOR: ASPECTOS MÉDICOS E PSICOLÓGICOS 299
^cientes referem maior intensidade de dor, têm menor dis- um contato com grupos educativos aos pacientes oncológi
* •siçáo para realizar suas atividades e menor controle sobre cos e seus cuidadores. Esses grupos visam ensinar os meca
: própria vida. O trabalho psicológico deve ser focado no nismos de funcionamento da dor, despertando nos pacientes
sjporte emocional e ajudar o paciente a ressignificar alguns uma atitude ativa, de autocuidado, procurando descobrir o
. rectos da sua vida em busca de sentido. A depressão inte- que melhora e o que piora o quadro álgico. O que o paciente
*ige com a dor crônica elevando os índices de morbidade e sabe, espera, teme e o significado dado a cada situação vão
- rtalidade (Perissinotti, 2005; Valentine, 2003). influenciar diretamente em quanto dói e no modo de lidar
A ideação suicida é comum entre os pacientes onco- com a dor. Para a maioria dos pacientes, receber informações
I fc zicos com depressão ou dor (Valentine, 2003). A dor sobre a origem e o tratamento da dor é fundamental para
ncomrolável aumenta o risco de depressão e suicídio desenvolver formas adequadas de lidar com ela. Esses grupos
tlzrernational Association for the Sudy of Pain, 2003a). propiciam bons resultados no que se refere ao conhecimento
Lr rretanto, a prática demonstra que as pessoas com o qua- adquirido pelos pacientes e seus cuidadores, que assumem
iro descrito referem um desejo de morrer como forma de uma postura mais ativa de cuidado, aumentam sua tolerân
■mboiizar a morte, considerando-a uma alternativa cro- cia à dor, a aderência aos tratamentos farmacológicos e não
aologicamente próxima e digna. farmacológicos e a sensação de controle da dor. Todas essas
Em 80% dos pacientes oncológicos com dor são ob- mudanças proporcionam melhora na qualidade de vida (Ya-
l*' adas manifestações de delirium em função de distúr- tes et al., 2004; I^ai et ai, 2004; Pimenta, 2003).
& í elctrolíticos ou pelo quadro consumptivo decorrente
Ud câncer (International Association for the Sudy of Pain,
. !>3a). Esses pacientes apresentam alucinações, dificuldade Programas cognitivo-comportamentais
ir jonccntração, insônia durante a noite e sonolência du-
Esses programas acontecem em grupos e mesclam in
|*L-:e o dia, pesadelos, agitação psicomotora, irritabilidade,
tervenções físicas e psicológicas. A abordagem física inclui
II rersensibilidade à luz e ao som, ansiedade, labilidade emo-
a prática regular de exercícios específicos. A abordagem
■feonal, déficits de atenção e memória, choro alto, e demons-
psicológica instrumentaliza o paciente para o alívio do es
nm desconforto constante. Para os cuidadores, parece que
tresse, o desenvolvimento de formas de enfrentamento para
M doente está sentindo uma dor incontrolável, o que muitas
melhor lidar com a sua realidade, o manejo da dor e a am
fcrzes cria uma situação difícil de lidar.
pliação de atividades que possam ser feitas rotineiramente.
A associação dos transtornos psiquiátricos com a dor
Os programas cognitivo-comportamentais incentivam os
l*~ -ológica promove um cenário de desconforto a todos os
pacientes a ter uma postura ativa no processo de tratamen
mn olvidos. O psicólogo pode trabalhar dirctamente com
|« raciente e/ou cuidador e, indiretamente, com a equipe, to. Consideram a relação causal entre ambiente e compor
mediante orientações sobre o quadro psíquico e as atitudes tamento e desenvolvem a capacidade do paciente em am
ll::ipêuticas que potencialmente podem colaborar para o pliar o repertório de respostas a uma mesma situação. Além
lc Trole da disfunção presente. Alem disso, a solicitação disso, veem como primordial que a pessoa seja a agente da
■L avaliação psiquiátrica deverá ser considerada para o própria mudança (McMahon e Koltzenburg, 2006).
panejo da situação. Robb et al. (2006) e Tatrovv et al. (2006) demons
tram em seus estudos que pacientes que participam desses
grupos referem melhora de 70% da dor e do estresse pro
Estratégias não farmacológicas vocado por cia. Além desses aspectos, os programas cog
nitivo-comportamentais diminuem a interferência da dor
sara o manejo da dor
no sono, nos relacionamentos pessoais, na capacidade de
As estratégias de intervenção para o manejo da dor
se movimentar e nos sintomas de confusão mental (Dalton
fc^critas a seguir rem sua utilidade comprovada e devem es-
et al., 2004; Chen, 2003).
fcr disponíveis ao psicólogo que trabalha com pacientes on-
< «gicos com dor. O referencial teórico deve servir de base
■ora a compreensão do conteúdo trazido pelo paciente. A Técnicas de relaxamento, hipnose e imagina
pr>.olha de uma técnica sempre deverá ser cuidadosamente
Jr i pelo profissional, considerando as características do ção dirigida
f.- -nte, sua condição clínica no momento da aplicação, Técnicas de relaxamento, distração, imaginação di
j - d a clara determinação do objerivo a ser alcançado. rigida e hipnose têm se mostrado de grande utilidade no
tratamento de pacientes com dor crônica (Anderson et al.,
2006). O relaxamento, a distração e a imaginação dirigida
Grupos educativos proporcionam momentos de alívio da dor e distanciamen
Como a vivência da experiência dolorosa também en- to da realidade, que é, em geral, vivenciada com pesar.
mk'- e aspectos cognitivos e emocionais, é necessário oferecer Além disso, o relaxamento pode aumentar sua consciência
corporal e explicitar a necessidade de um cuidado mais Como a dor é uma experiência subjetiva, alguns cu -
efetivo com seu corpo. Com a técnica da distração, os be dadores não entendem sua real intensidade e duvidam d
nefícios observados são um acréscimo no nível de tolerân que o paciente refere. Não raro, o próprio paciente per
cia c a sensação de controle da dor. cebe a desconfiança do acompanhante e não se sente bt ~
Sentir-se capaz, potente o bastante para conseguir re com a situação. Nesse cenário, co mu mente ocorrem brig ->
solver uma situação que incomoda, é extremamente posi e discussões quando os cuidadores não dão o devido vai -
tivo do ponto de vista psicológico. Nesse mesmo sentido, à queixa do paciente.
cuidadores devem ser orientados a deixar o paciente rea O incentivo para um canal de comunicação aberto con
lizar as tarefas para as quais se julga apto e não poupá-los o paciente é pertinente, uma vez que os cuidadores tende-
ou superprotegê-los. A dimensão das coisas ganha um sen a assumir uma postura de controle no que tange à maior-*
tido diferente quando se está com câncer e dor: realizar das decisões sobre os tratamentos, esquecendo-se de que »
atividades que antes pareciam pequenas e sem valor agora paciente é capaz de exercitar sua participação nesse proces
indica que o paciente ainda tem forças e condições de as so. Tais comportamentos se devem à tentativa de presen ar:
sumir algumas de suas próprias questões. proteger o paciente do que ocorre. O perigoso nessa posti *a
A hipnose promove analgesia e dissociação c au é o cuidador não reconhecer que o que é bom para ele :
menta a resposta de relaxamento; pode facilitar a utili é necessariamente a escolha do paciente. Alem disso, algi -i
zação de habilidades que o paciente possuía previamente doentes expressam de forma minimizada a intensidade : i
mas estavam em desuso ou subdesenvolvidas. Todas essas sua dor para não preocupar os acompanhantes. Nesse cj' .
técnicas, quando bem aplicadas e em pacientes dispostos, o controle da dor poderá ser ineficaz, e a aproximação er—:
podem lhe propiciar a sensação dc controle da situação paciente e cuidadores pode ficar prejudicada, desenhar _ >
(Carvalho, 1999; Figueiró, 1999). Tal sensação é extre um quadro em que ambos sofrerão isoladamente.
mamente importante, pois pode retirar o paciente da O psicólogo, nessas situações, pode fazer um tra: :-
sua impotência, aumentar sua auro-estima e mostrar que lho de orientação a ambas as partes para favorecer uzj
parte do seu cuidado está nas suas mãos. As técnicas des encontro mais efetivo entre paciente c cuidador, no u J
critas podem ser auto-aplicadas, oferecendo ainda mais essas diferenças possam ser mostradas e aceitas. É pos>
autonomia ao paciente. vcl também uma intervenção específica de apoio e supc—r
ao cuidador. A falta dc apoio afetivamente significar i
conrribui para o aumento da percepção da dor entre ti
Representação gráfica da dor pacientes oncológicos.
A prática clínica demonstra que a utilização de técnicas Assim como os pacientes, os cuidadores também p-t-
projetivas, como o desenho da dor, favorece seu reconhe cisam de tempo e espaço para elaborar c aceitar a pe~r:
cimento e de suas características, como localização, inten gradativa de vida do ente querido. Sentimentos de ra .
sidade, fatores de melhora e piora, e facilita sua expressão e desapontamento são comuns entre os que percebeu y
verbal. A sensação de aproximação concreta de aspectos agravamento do quadro e querem, de todas as formas, rei
subjetivos promovida pelo ato de dar forma à dor permite verter a situação. O suporte psicológico para os cuidac -
a desmistificação de crenças de descontrole ou outras fanta res mostra-se aqui como um espaço em que essas quest - 1
sias que se façam presentes. Nesse sentido, a representação podem ser trabalhadas.
gráfica favorece o processo de apropriação do paciente. Validar a relevância da atitude de estar ao lado de 113»
ente querido gravemente enfermo e demonstrar qua--*
ele é importante, não deixando que se sinta sozinho e
Suporte e orientação aos cuidadores samparado, colabora para que a sensação de impotêr. x
O papel de cuidador de um doente oncológico com do cuidador seja amenizada.
dor constitui uma tarefa que potencial mente proporcio
na grande desgaste e exaustão psíquica. Isso se intensifica
quando a presença da dor e do sofrimento fica escancarada Dor e cuidados paliativos
na fisionomia e nos comportamentos do paciente. Muitos A dor em doentes oncológicos acontece, como virr J
relatam culpa por não estarem sendo suficientemente efi quando a doença esta em estágios avançados, dificultar»
cientes no cuidado. Outros não percebem a importância da a elaboração e aceitação de mais um limite importante - -
própria presença para aquele que sofre. posto pela doença.
Como mencionado, os cuidadores também podem Esses pacientes lidam com muitas situações difícr
precisar de orientações e suporte psicológico, pois cada ao mesmo tempo: a prolongada batalha contra o cânc :
situação, por mais que se repita, é experimentada como questões emocionais advindas dessa realidade, a mudar j
única também pelo cuidador, que tem maneiras peculiares repentina de planos de vida e de expectativa de futuro. .-Ü
de enfrentá-las. progressão da doença e o conseqüente aumento da depes -
DOR ASPECTOS MÉDICOS E PSICOLÓGICOS 301
aència física pioram significativamente o enfrenramenro ridas e os demais não cuidarem delas como eles cuidam,
~ ãor e influenciam negarivamente na sua qualidade de além de medo de morrer (Kovács, 1999).
mz . Surgem questões referentes ao medo da morre, pesar Quando o controle da dor é atingido, os medos di
■ :*o antecipatório. minuem um pouco e voltam a aparecer quando a doen
Renata, 59 anos, tinha câncer de ovário havia três ça mostra outro sinal de progresso, o que vem acompa
n - e descobriu, devido a intensas dores no quadril, me* nhado, muitas vezes, do agravamento e da intensificação
toà-- se óssea na bacia. das dores. Nesse segundo momento, os medos ganham
espaço nas sessões de suporte psicológico. Quando per
"Parece que a minha doença não me dá descanso. Ago- cebem a aproximação da morte, pacientes questionam o
m estava vivendo uma fase boa, me sentindo melhor; sentido do sofrimento e da vida, e o modo como viveram
m -guindo fazer minhas atividades, e aparece essa dor. A até então. E nessa fase que a apropriação da morte pode
m • ioía bastante, mas fazer os exames e constatar a pro- ficar mais evidente; as crenças espirituais se destacam e
da doença dói mais."(Renata, 39 anos, tumor de o paciente inicia movimentos de despedida e desapego
m irio com metâstase óssea.) mesclados com a vontade de continuar lutando. A práti
ca clínica mostra que nesses momentos muitos pacientes
Quando a doença avança e as metástases ósseas apa- começam a enxergar a morte como uma alternativa digna
Kíhi ou se disseminam, muitos pacientes perdem signi- a essa realidade.
ul-' ivamente a mobilidade; alguns ficam presos no leito
■: encontrar um controle efetivo da dor. Nessa fase,
knentam as chances de o paciente apresentar sintomas Considerações finais
ie iepressão, hostilidade, impaciência consigo próprio e O trabalho do psicólogo especializado em atender pa
- " os ourros e até desesperança quanto à melhora da cientes oncológicos com dor visa abarcar os aspectos especí
pnaçáo. ficos da vivência da doença, abrangendo as questões existen
A interferência da dor no cotidiano gera um sofri- ciais que surgiram ao longo do processo de adoecimento.
: : > psicológico importante, com muita dependência do A ação psicoterapêutica possibilitará que o paciente
~ para atividades simples, irritabilidade e sensação de elabore e ressignifique sua atual realidade - antes contem
r Jtència em relação à própria vida. Nessa situação, cabe plava o diagnóstico oncológico e agora acompanha a pro
rocólogo traçar intervenções que atendam às demandas gressão da doença, com fortes dores -, sendo potencialmen
incomodam o paciente e possam contribuir para que te capaz de desenvolver novos hábitos e comportamentos.
*r bem-estar seja alcançado. Pacientes oncológicos e com dor são doentes em es
Pacientes oncológicos com doença avançada que apre- tado grave e com prognóstico reservado. O benefício do
■ 3m dor referem medo de um sofrimento interminável, suporte psicológico dentro do contexto multidisciplinar,
:do de não ter forças para continuar, medo de se tornar como discutido, tem-se mostrado efetivo.
í > dependentes, medo de deixar algumas pessoas que-
deferências bibliográficas
Almeida, I. M. O. de. “Aspecros psicológicos do pa- but not long-term effecciveness”. Câncer, v. 107, n. I, p.
cer.:e com dor’\ Palestra ministrada no curso dc especia- 207-14, 2006.
: -ão Cuidado ao paciente com dor. São Paulo: Instituto Carvalho, M. M. M. J. “A hipnoterapia no trata
-nsino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, 2005. mento da dor”. In: Carvalho, M. M. M. J. (org.). Dor:
____ . “Questões relativas à qualidade dc vida no um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999,
: ente com dor crônica”. Palestra ministrada no curso p. 222-47.
crole da dor: uma questão de qualidade na assistência. Chancí, Y. et al. “Câncer patient and staff ratings of
Paulo: Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sí- caring behaviors: relationship to levei of pain intensity”.
-Libanês, 2004. Câncer Nursing, v. 28. n. 5, p. 331-9, 2005.
Ameringer, S. et al. “Concerns about pain manage- Chln, M. L. “Pain and hope in patients with câncer:
: among adolescenrs with câncer: developing the ado- a role for cognition”. Câncer Nursing, v. 26, n. 1, p. 61-7,
..nr barriers questionnaire”. Journal ofPediatric Oncol- 2003.
\itrsing, v. 23, n. 4, p. 220-32, 2006. Dalton, J. A. et al. “Tailoring cognitive-behavioral
Andersok, K. O. et al. “Brief cognitive-behavioral au- treatment for câncer pain”. Pain Management Nursing, v.
'ipe interventions for cancer-related pain: immediate 5, n. l,p. 3-18,2004.
302 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Figueiró, J. A. B. “Aspectos psicológicos e psiquiátri McMahon, S. B.; Koltzf.nburg, M. (eds.). Wall ana
cos da experiência dolorosa”. In: Carvalho, M. M. M. J. Melzack's texlbook of pain. 5. ed. Filadélfia: Elsevicr
(org.). Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Sum- Churchill Livingstone, 2006.
mus, 1999, p. 140-58. Millfr, K. E. et al. “Challenges in pain managemen:
Flor, H. et al. “Efficacy of multidisciplinary pain at the end of life”. American Family Physician, v. 1, n.
treatment centers: a meta-analytic review”. Pain, v. 49, n. p. 1227-34, 2001.
2, p. 221-30, 1992. Perissinotti, D. M. N. “Abordagem psicológica á >
Gómez-Batiste, X. et al. “Breakthrough câncer pain: doente com dor crônica”. 7Ü Simbidor: Simpósio Brasil. -
prevalence and characteristics in patients in Catalonia, ro e Encontro Internacional sobre Dor. São Paulo, 20* .
Spain”. Journal of Pain and Symptom Management, v. 24, p. 345-50.
n. l,p. 45-52, 2002. Pimenta, C. A. M. “Dor oncológica: bases para a
Helman, C. G. Cultura, saúde e doença. Porto Ale liação e tratamento”. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. _ \
gre: Artmed, 2003. n. 1, p. 98-110, 2003.
International Assoeiation for the Study of Pain. Robb, K. A. et al. “A pain management progr- :
“Pain control ncar the end of life”. Pain Clinicai Updates, for chronic cancer-treatment-related pain: a preliminar
v. 11, n. 1,2003a. Disponível em: <http://www.iasp-pain. study”. Journal ofPain, v. 7, n. 2, p. 82-90, 2006.
org/AM/Templare.cfm?Section = Home§ion = Pain_ Saarto, T. et al. “Palliative radiothcrapy in the trea:-
Clinical_Updatesl &template=/CM/ContentDisplay. ment of skeletal metastases”. European Journal of Pain
cfmôcContentFildD= 141 >. 6, n. 5, p. 323-30, 2002.
____ . “Pain in depression -depression in pain”. Pain Sakata, R. M. “Dor no câncer”. In: Sakata, R. K r
Clinicai Updates, v. 11, n. 5,2003b. Disponível em: < http://
al.; Issy, A. M. (coords.). Guias de medicina ambulator
www.iasp-pain.org/AM/Template.cfm?Section=%20 e hospitalar - UnifesplEscola Paulista de Medicina: dor. t
Home&csection = Pain_Clinical_Updacesl&:template=/ rueri: Manolc, 2004, p. 117-25.
CM/ContentDisplay.cfmSíContentFileID= 137>.
Saunders, C. Hospice and palliative care: an interc -
____ . “What causes câncer pain”. Pain Clinicai Upda
ciplinary approach. Londres: Edward Arnold, 1991.
tes, v. 10, n. 2,2002. Disponível em: < http://www.iasp-pain.
Silva, M. A. S. “PCA evidências: vantagens e desva- -
org/AM/Template.clm?Section=Home&:section = Pain_
tagens”. In: 7C Simbidor: Simpósio Brasileiro e F.ncon - n
Clinical_updatcsl &ctemplate=/CM/ContentDisplay.
Internacional sobre Dor. São Paulo, p. 82-8, 2005.
cfm&ContentFilelD=186>.
Suresh, S. “Chronic pain management in childre-*
Kitayama, M. “O desabo da dor sem fim: reflexões
In: Benzon, H. T. et al. (cds.). Essentials of pain medie r
sobre a intervenção psicológica junto a pessoas portadoras
and regional anestbesia. Nova York: Elsevicr, 2005. -
de dor crônica”. In: Brusgyto, W. et al. (orgs.). A prática
433-42.
da psicologia hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas
Tatrow, K. et al. “Cognitive behavioral therar r
páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicó
techniques for distress and pain in breast câncer patierr-
logo, 2004, p. 127-34.
a meta-analysis”. Journal of Behavioral Medicine, v. 29. -.
Kollner, V et al. “Psychoonkologie: Neue Aspekte fíir
die Urologie”. Der Urologe A, v. 43, n. 3, p. 296-301, 2004. 1, p. 17-27,2006.
Kovács, M. J. “Pacientes em estágio avançado da
Teixeira, M. J. “Dor no doente com câncer”. In: T
xeira, M. J. (ed.). Dor: contexto interdisciplinar. Curitiba!
doença, a dor da perda e da morte”. In: Carvalho, M. M.
M. J. (org.). Dor; uni estudo multidisciplinar. São Paulo: Maio, 2003, p. 327-42.
Summus, 1999, p. 318-37. _____. “Síndromes dolorosas”. In: Cvrvalho, M. M
Laj, Y. H. et al. “Effects of brief pain education on M. J. (org.). Dor: um estudo multidisciplinar. São Paui
hospitalized câncer patients with moderate to severe pain”. Summus, 1999, p. 77-86.
Supportive Care Câncer, v. 12, n. 9, p. 645-52, 2004. Thiei.king, P. D. “Câncer pain and anxiety”. Cunr
Loduca, A. “Atuação do psicólogo em um serviço Pain and Headache Reports, v. 7, n. 4, p. 249-61, 2001
~u tidisciplinar de tratamento de dor crónica: experiência Valfntine, A. D. Câncer pain and depression: mana^
j-i rmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo”. menr of the dual-diagnosed patient. Current Pain and h
In: CaryaiHO, M. M. M. J. (org.). Dor: um estudo multi- adache Reports, Filadélfia, v. 7, n. 4, p. 262-9, 2003.
disciplinar. São Paulo: Summus, 1999, p. 196-221. Wool, M. S. et al. “A multidimensional model for u:
L t.A, A.; Samuellan, C. “Avaliação psicológica do deirstanding câncer pain”. Câncer Investigation, v. 23.
doenre com dor”. In: Teixeira, M. J. (ed.). Dor: contexto 8, p. 727-34, 2005.
interdisciplinar. Curitiba: Maio, 2003, p. 191-204. Yates, P. et al. “A randomized controlled trial or ; |
AÍant m diagnóstico e estatístico de transtornos men nurse-administered educational intervention for improviaa
tais: D SM-IV Trad. Dayse Batista. 4. ed. Porto Alegre: Ar câncer pain management in ambulatory settings”. Pa th
tes Médicas, 1995, p. 441. Education and Counseling, v. 53, n. 2, p. 227-37, 2004.
SEXUALIDADE E CÂNCER
Rita de Cássia Macieira; Maria Fernanza Maluf
aparecimento de uma doença como o câncer A sexualidade feminina permaneceu renegada t ig
Qualquer distúrbio ou dor associada ao inrercurso Para realizar esses diagnósticos, é necessário que
sexual pode caracterizar disfunção sexual, determinada critérios estejam concomitantemente presentes: crirér
por um distúrbio no processo que caracteriza o ciclo de característica do transtorno sexual; critério B, capacic
resposta sexual (American Psychiatric Associarion, 2Ü02). de causar sofrimento ou dificuldade interpessoal; crii.r
Segundo o DSM-IV-TR-TM (American Psychiatric C. impossibilidade de ser mais bem explicado por *
Associarion, 2002), as disfunções sexuais podem ocorrer desordem do eixo 1 (exceto outra disfunção sexual)
desde o início da vida sexual do indivíduo (disfunção pri sendo causado exclusivamente pelo efeito fisiológio
rero de uma substância (por exemplo, abuso de dr .
mária) ou depois de determinado evento (disfunção secun
medicações) ou pela condição médica geral (Ame
dária), por exemplo, tratamento de câncer.
Psychiatric Associarion, 2002).
O diagnóstico deve scr realizado por meio de entre
No caso de pacientes com câncer sem disfunçò< >
vista, na qual será coletado todo o histórico de vida do
xuais prévias, o diagnóstico de disfunções sexuais
indivíduo, focando sua história sexual, além de exames frequentemente, relacionado à condição médica gera
físicos e psiquiátricos cuidadosos (Abdo, 2000). Segundo o DSM-IV-TR-TM (American Psychic
As disfunções sexuais femininas e masculinas são Associarion, 2002), os tratamentos para o câncer comi j|
apresentadas nos Quadros 1 e 2.
1 '
Transtorno do j Desejo sexual hipoativo (302.71)| Ausência de fantasias e de desejo de atividade sexuô'
desejo
Aversão sexual (30279) Aversão ã atividade sexual e sua evitação ativa.
Incapacidade de obter ou manter a ereção até o fim da I
Transtorno de excitação Ereção masculina (302.72)
relação sexual.
.
—urgia, a radioterapia e a quimioterapia possuem efeitos senciais para personalizar o atendimento do paciente (Tal
aterais que, por sua vez, podem ser causadores de dis- e Mulhall, 2006).
-mções sexuais. O treinamento dos profissionais de saúde torna-se
Dessa forma, ao diagnosticar a presença de disfunções imprescindível para que possam atuar de forma a identifi
sexuais em pacientes com câncer, é preciso levar em consi- car e assistir os indivíduos com maior risco de desenvolver
i.rução (American Psychiatric Assoeiation, 2002): critério disfunções sexuais; essa identificação pode ser feita com
- disfunção sexual clinicamente significante que resulte base em idade, sexo, tipo de câncer, tipo de tratamento e
‘ acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal, pre- presença de doenças físicas e psicológicas concomitantes.
minante no quadro clínico; critério B - há evidência
peh história, exames físicos ou achados laboratoriais de
-r a disfunção sexual é plenamente explicada pelo efeito Câncer de mama
reto da condição médica geral; critério C - o distúrbio As mulheres vêm, ao longo das épocas, buscando se
» pode scr mais bem explicado por um transtorno men- adaptar às mudanças nas normas sociais que estipulam
-omo o transtorno depressivo maior. diferentes padrões estéticos para o protótipo do corpo
A classificação das disfunções sexuais em razão da feminino sensual e atraente. Atualmente deve ser bem tor
r.dição médica geral inclui o nome da condição mé- neado e definido, com suas formas valorizadas por meio
geral do eixo 1 seguido pelo código da condição das vestimentas: justas e/ou curtas, com decotes, fendas,
uica geral do eixo 3 (Quadro 3). feitas com tecidos que modelam esse corpo “esculpido” e
extremamente sexualizado.
Assim, quando uma mulher se submete à mastecto-
Disfunções sexuais nos principais sítios mia como forma de tratamento de um carcinoma, esse
A grande maioria dos problemas sexuais que costu- ideal de corpo perfeito sofre um “corte” em sua harmonia,
surgir em pacientes com câncer pode ser prevista tomando-se imperfeito. Essa visão de “imperfeição” pode
base em um correto diagnóstico e minimizada com causar diversos problemas, incluindo aspectos ligados à
: nselhamento psico-oncológico. sexualidade, podendo estes estar ou não associados dire
Mo paciente oncológico, três aspectos da sexualidade tamente à cirurgia realizada (Miller e Graham, 1975; Litn
nana podem estar comprometidos: imagem corporal, et ai, 1995). No caso dc mulheres submetidas à quimio
-.hdade reprodutiva e funcionamento sexual. A ima- terapia e com mudanças em suas condições hormonais,
corporal pode ter sofrido alterações pela perda ou existe risco ainda maior de virem a apresentar alguma dis
ho de peso, alopecia, mucositc, fadiga e uma variedade função sexual após o tratamento (Kaplan, 1992; Thors et
Dr mudanças que talvez não sejam vistas por outros, mas ai, 2001). Em revisão de literatura elaborada por Hoga
-em causar decréscimo na auto-estima, autopercepçáo e Santos (2003), “concluiu-se que o tratamento sistêmico
na atividade sexual. Em consequência da terapêutica interfere na função sexual e pode ocasionar a menopausa
c zada, pode acontecer infertilidade temporária ou per- prematura. A consequente perda de estrogênio provoca
nente. E o funcionamento sexual, por numerosas ra- atrofia vaginal e diminuição nos níveis de androgênio e,
, também pode sofrer efeitos colaterais do tratamento como conseqüência, a diminuição do desejo sexual”.
. ia cirurgia (Krebs, 2006). Após a mastectomia, a reconstrução mamária pode ou
Conhecer os diferentes componentes da sexualidade não ser realizada. Na primeira opção, há diminuição dos
fases do desejo sexual, entender a etiologia do proble- efeitos negativos do câncer de mama no que diz respeito
i e perceber outras co-morbidades que possam afetar a ao bem-estar sexual psicossocial da mulher, principalmen-
osta sexual, tais como fadiga, astenia e dor, e, ainda, te quando a reconstrução mamária é imediata (Al-Ghazal
nosticar c tratar a depressão e ansiedade são passos es et ai, 2000a e 2000b; Rowland et ai, 2000).
adro 3: Diagnóstico de disfunções sexuais devido à condição médica geral (DSM-1V-TR-TM, 2002).
Os seios parecem representar “proteção psicológica” Essas dificuldades emocionais mostradas pelos man
e confirmação cia feminilidade. Constituem símbolos do dos estão, muitas vezes, relacionadas às tensões por es:r
feminino, da sexualidade, maternidade e beleza. Portanto, manifestadas e relatadas. Elas incluem: solidão, incerteza
mulheres que têm as mamas preservadas ou optam pela modificações nos padrões de comunicação com a parceir;.
reconstrução mamária podem se sentir mais confortáveis confusáo sobre o que contar aos filhos, dificuldade relaci
diante da própria nudez e em relação às carícias, sobretu nada ao aumento de suas atividades no lar e temor concer
do as mais jovens (Hoga e Santos, 2003). nente ao impacto que a doença de sua esposa terá sob-?
Já pacientes submetidas à mastectomia sem recons toda a família (Rabinowirz, 2002).
trução costumam ser acometidas por maior morbidade No caso da recorrência do câncer de mama, fator t
psicossocial, causada por fatores relacionados à ansiedade, como suporte, incerteza, sintomas de dor e esperança e
depressão, auto-imagem, sexualidade e auto-estima (AI- piicam a divergência existente entre a angústia das esposa
Ghazal et al., 2000a e 2000b). Por outro lado, havendo a e a dos maridos (43% e 32%, respectivamente), além ci
reconstrução, a cirurgia tem efeito menos impactante sobre mudanças relativas aos papéis dc marido (57%) e mulh.-
a vida sexual da mulher, diminuindo a morbidade (Schover, (66%). Os sintomas de angústia e esperança explicarr .
1994; Rowiand et al., 2000; Ganz et al., 2003). maioria das mudanças adaptarivas em mulheres e nos r |
Maluf (2006) avaliou a presença de problemas rela veis de adaptação dos maridos. Uma relação positiv _ c ,
cionados à sexualidade em pacientes submetidas à mas significativa foi encontrada enrre as mulheres e as con:. |
tectomia radical com e sem reconstrução mamária. Foi gens adaptativas dos maridos, indicando que o casal ic~
observada menor tendência a obter o orgasmo entre as uma influência recíproca. Os resultados sugerem que hj 1
mulheres submetidas à mastectomia radical sem recons múltiplos fatores que influenciam a adaptação do ca>* i
trução (intervalo de confiança, 1C 04,6-08,6) em relação recorrência do câncer de mama. Esses resultados devesa
àquelas que realizaram mastectomia radical com recons ser levados em consideração no planejamento do cuidai
trução (TC 02,3-14,3), e 66,66% obtiveram pontuação com as mulheres e seus maridos (Northouse et al., I9*v
mínima nesse grupo de questões. Considerando-se a pon Hoga e Santos, 2003).
tuação total (grupo com reconstrução: 46,7 pontos; grupo Quanto às mulheres solteiras, estas podem temer : i
sem reconstrução: 46,44 pontos), nota-se um leve indício um parceiro em potencial as rejeite, em virtude das mu
de que aquelas que fizeram reconstrução são mais felizes e danças físicas ocorridas como resultado do tratamento ám\
ativas sexualmente que as demais. câncer de mama, como os efeitos da quimioterapia, c.
A inatividade sexual total entre as participantes foi de sofrer pelo medo de perdê-lo, com a recorrência do câncrr
63,15% (ocorrendo em igual porcentagem nos grupos), de (Holmberg et al., 2001).
vido à falta de parceria, o que vem ao encontro dos achados For meio da técnica de grupos focais, Holmberg c. \
de Meyerowitz et al. (1999). A procura do parceiro pela al. (2001) avaliaram o impacto do câncer de mama sobrei
relação sexual parece não ter sido influenciada pela mas dimensões específicas do relacionamento em dez muihs- ■
tectomia radical entre as pacientes com vida sexual ativa, res, das quais duas foram submetidas à tumorectomia e
porém algumas não manteriam relações se a iniciativa para demais à mastectomia radical. Enrre as últimas, uma rea 1
tal partisse delas, por causa de suas inseguranças quanto ao lizou mastectomia radical profilática na outra mama, se 1
próprio corpo, como conseqüência da mastectomia. realizaram reconstrução mamária e uma não a fez. A faixa
Essa pesquisa também observou depressão ou indí etária era de 31 a 68 anos (média: 48 ± 1,9 ano), sen:. J
cios de depressão em 31,57% das pacientes, havendo em quatro delas solteiras e as demais casadas (cinco marid
15,78% dos casos tentativa de suicídio, o que vem mostrar participaram do estudo; média etária de 55 ± 1 ano).
a importância do tratamento das co-morbidades psíquicas. As mulheres solteiras eram notavelmente mais tris:- ;
O marido ou companheiro desempenha papel relevante e abaladas do que as casadas. Os relacionamentos íntimo»
e singular no processo do câncer de mama, sendo provedor dessas mulheres foram problemáticos, causando um ccr j
de suporte instrumental ou prárico, ou afetivo-emocional. siderável sofrimento durante o processo diagnóstico : |
Em grande parte dos casos, o marido está acostuma câncer dc mama, sendo este um catalisador para um fina]
do e consegue fornecer um suporte instrumental, porém infeliz e, em um caso, uma relação destrutiva.
a experiência relativa ao suporte emocional encontra-se Uma preocupação presente nesse grupo de rnu/f: j
diminuída. As mulheres com câncer de mama às vezes res era relativa a como informar o novo parceiro sobrrl
queixam-se de que seus maridos são maravilhosos quando seu diagnóstico de câncer e sua aparência física altera
há algo concreto para fazer, como buscar receitas, fazer (cicatriz cirúrgica e a diferença entre a mama natural e . I
anotações, organizar o transporte e encontrar informações reconstruída). Esse fato foi tratado penosamente por efes.1
na internet, mas têm dificuldade com as tarefas mais “sen sugerindo que nenhuma delas estava apta a propor ur^
timentais”, como escutar, dar as mãos, tocar, mesmo que boa solução para a questão de discutir sua doença com ls
svwj s//& siçaà&p /Qkiâ.jç )998). futuro parceiro, que viesse a se interessar por elas.
SEXUALIDADE E CÂNCER 307
Já para as mulheres casadas ou com relacionamento Scott et al. (2004) avaliaram os efeitos do “treinamen
ivel, os parceiros proviam todo o suporte instrumental to” para adaptação ao câncer em 94 casais no momento do
cessário. Porém, em relação ao exercício da sexualidade, diagnóstico, pós-operatório e de seguimento (seis e doze me
mulheres sentiam-se parcialmente responsáveis por ses). Havia 57 mulheres com câncer de mama e 37 com cân
aualquer diminuição na atividade sexual. Referiram seu cer ginecológico. Entre as primeiras, 53% (n=30) foram sub
próprio decréscimo na resposta sexual e no desejo, sempre metidas à tumorectomia seguida por dissecção axilar e 44%
ribuído aos efeitos do tratamento tais como fadiga, alte- (n=25) à mastectomia radical. Uma paciente foi submetida à
ações corporais promovidas por sintomas de menopausa tumorectomia bilateral e outra à mastectomia bilateral.
t sentimentos de depressão e perda do desejo sexual. De modo geral, houve melhoras significativas na co
Em relação à resposta sexual, nenhuma das mulheres municação do casal, com diminuição no sofrimento psico
adas referiu alguma dificuldade de seu parceiro em res- lógico, incremento no esforço de enfrentamemo e aumen
nder sexualmente. No entanto, os homens revelaram to no ajustamento sexual. O “treinamento” do casal se
- suas entrevistas que seu desejo sexual havia diminuí- mostrou mais eficiente em facilitar a adaptação ao câncer
Falaram ainda do grande estresse que experimentaram do que aquele realizado somente pela paciente.
ando cogitaram a possível perda das parceiras. O sexo As estimativas indicam que de um quarto a um ter
, nessa ocasião, considerado um “não-evento'’, mesmo ço dos casais estão propensos a experimentar dificuldades
'i os jovens recém-casados. sexuais após o diagnóstico de câncer de mama (Hordern,
Os homens foram unânimes em expressar que a mu- 2000). No entanto, a experiência de câncer de mama pa
-ça na aparência das esposas não era importante, sendo
rece nâo aumentar o número de separações, embora possa
. brevivência e a boa saúde os aspectos mais relevantes. criar uma tensão conjugal.
lt3 eles, a cirurgia de reconstrução era completamente Reações de ajustamento ou mesmo depressão e an
-.ecessária ou poderia resultar numa dor inútil e em siedade têm forte impacto sobre a sexualidade e, muitas
"imento para as parceiras, apesar de sentirem pesar pela vezes, a mulher se sente culpada por achar que está pri
rda da mama de sua esposa. Metade dos maridos foi vando seus parceiros de atividade sexual. Para casais em
multada quanto à reconstrução antes da decisão. idade reprodutiva, principalmente para aqueles sem pro
Casamentos constituídos por uma sólida relação an- le, outro agravante significativo é o medo da infertilida
: io surgimento do câncer de mama costumam se tomar de (Cantinelli et al., 2006). Por esse motivo, lidar com a
> consistentes (Dorval et al., 1999), o que já não ocor- saúde reprodutiva da mulher é de suma importância na
iaqueles em que o ajustamento conjugal no momento qualidade de vida, incluindo aí a vivência da sexualidade.
iíagnóstico passa por dificuldades (Oktay, 1998). A se-
ração ou o divórcio não sâo comuns em pacientes com
cer de mama quando comparadas ao grupo controle, Câncer ginecológico, pélvico e cervicouterino
n entre aquelas submetidas à mastectomia versus tumo- Conversar sobre intimidade, relacionamentos, ques
*omia (Kornblith e Ligibel, 2003). tões sexuais e demais aspectos que envolvem o câncer
No câncer de mama, assim como em outros diagnós- ginecológico e cervicouterino e suas conseqüências não
de câncer, o ajustamento entre o paciente e seu par- costuma ser algo fácil para os profissionais de saúde. É
: - está significativamente inter-relacionado: se a adap- possível que muitos desses profissionais se sintam descon
io do paciente melhora, o mesmo aconrece com a do fortáveis, incomodados ou inseguros e, consequentemen
cciro, c vicc-vcrsa (Kornblirh e Ligibel, 2003). te, se restrinjam aos estados clínicos das pacientes, campos
Os resultados de pesquisas sobre o impacto do câncer
para os quais foram preparados.
mama na relação conjugal indicam evidencias empíricas
No entanto, essas questões devem sempre ser aborda
csraditórias a respeito tanto do grau como da duração
das no período pré-cirúrgico para que se iniciem o vínculo
sofrimento psicológico no relacionamento (Mahoney e
com a equipe e a confiança nela durante o percurso do
rroll, 1997).
tratamento. Para Melo (2001):
Em 2001, Ben-Zur et al. mostraram essas evidências,
ram recrutadas 73 pacientes com câncer de mama, casa-
No caso do câncer ginecológico, sangramentos
. com idade entre 30 e 66 anos, e seus maridos (idade
pós-coito, infecções virais, prurido vulvar e odor vagi
Te 33 e 86 anos). Essas pacientes foram submetidas à
nal resultam na perda de sensação e desejo. Tais altera
•rectomia (79,2%) ou à mastectomia (20,8%) e, em
ções na sexualidade acarretam sentimentos de rejeição,
maioria (95,8%), estavam em tratamento quimiorerá-
ansiedade, depressão, medo, raiva e, muitas vezes, sen
(63,9%), radioterápico (51,4%) e hormonioterápico
timentos de culpa, encarando tais conseqüências como
1.5%), com 26,4% recebendo tanto tratamento quimio-
ipico quanto radioterápico e 5,6% recebendo trata- punição de comportamentos sexuais do passado (ex.:
ncmo radioterápico e hormonal. masturbação, abortos, casos extraconjugais).
308 TEMAS EM PSIC0-0NC0L0GIA
Para que o paciente lide melhor com estas questões vada ao macho, mas também por causa da dificul
é necessário clarificar a compreensão da etiologia da dade de acesso aos serviços de saúde, desconheu-
doença e a desmistificação. mento da doença e fatores socioeconômicos;
• idade: por causa do estereótipo do homem velfc
Frequentemente, fatores culturais influenciam no sintomas como disfunção sexual, incontinência un-
aparecimento de problemas sexuais nos cânceres gineco nária e redução das atividades são vistos como pi
lógicos. Mulheres com conceitos negativos sobre a sexua te do processo normal de envelhecimento;
♦ orientação sexual: homossexuais apresentam r*i
lidade teriam menos probabilidade de reassumir relações
dificuldade em procurar orientação e tratamer*
sexuais ou de ter uma boa performance sexual depois do
para câncer de próstata.
tratamento para o câncer ginecológico (Ballone, 2001).
Em geral a saúde sexual, marital e social não é afeta
O tratamento abrange técnicas cirúrgicas a i.
da, embora o aconselhamento psico-oncológico seja im
aberto, como a prostatectomia retropúbica e perineaL e]
portante, principalmente para as mulheres com carcinoma
a prostatectomia radical por laparoscopia - uma técnica
cervical e câncer pélvico. Em estudo feito por Frumovitz
minimamente invasiva (Litwin et al., 2001). E tido cu—
et al. (2005) foram entrevistadas mulheres com câncer
curador quando a cirurgia é seguida por radioterapii : |
cervical depois de cinco anos do tratamento inicial. Entre
terna e intersticial, braquiterapia ou paliação, quand< -a
elas, aquelas tratadas com radioterapia reportaram signi-
manipulação hormonal (Fragas, 2003).
fícantemente mais somatizações, transtornos depressivos
Aproximadamente 70% dos homens tratados :-r
e de ansiedade e tinham pior funcionamento sexual do
câncer de próstata terão algum tipo de disfunção sex . i
que aquelas que realizaram somente histerectomia radical
(Waldron, 2002), havendo cerca de 45% de recupera.; 1 >
e dissecção de linfonodos. Por essa razão, são fortemente
parcial da função sexual (Litwin et al., 2001), sendo p-u . *
recomendáveis o uso de dilatadores vaginais ou a manu
lente a disfunção erétil secundária à prostatectomia radial
tenção do intercurso sexual tão logo esteja completo o ci
(33% a 86%), devido à lesão ou ressccçao do nervo per._-
clo de radioterapia.
no durante a cirurgia (Staerman et al., 2006).
O auxílio terapêurico especializado, trazendo infor Nesses casos, quando tratamentos orais, ereção ínci-
mações esclarecedoras, pode aliviar o receio de recidiva zida a vácuo ou injeções intracavernosas falham, a uti
do tumor em virtude do retorno das atividades sexuais. zação de prótese peniana faz-se necessária para o retorr»:
Cabe ao profissional especializado em psico-oncologia da atividade sexual satisfatória (Staerman et al., 20*’-
desmistificar eventuais sentimentos de culpa e identificar Gromatzky, 2000).
a depressão, visando à melhoria na qualidade de vida das A colocação da prótese peniana oferece aumento *i
pacientes e de seus parceiros. função sexual após a prostatectomia radical, com gr xi; |
Segundo Bernardo (2005), é virai favorecer a insta crescimento nos índices (95,3%) de satisfação.
lação de serviços de orientação sexual, que auxiliem as O câncer dc próstata e seu tratamento podem causar
pacientes a ter melhor desempenho sexual e trabalhem problemas na vivência da sexualidade, pois:
na remoção de mitos produzidos pelo senso comum, rais
como a equivocada transmissibilidade do câncer pela re • os homens podem tornar-se impotentes caso a gii--
lação sexual. Esse preconceito pode ser responsável pela de e as vesículas seminais sejam retiradas;
abstenção da prática sexual e por abandono, separação ou • a prostatectomia pode levar a distúrbios ejacula:
divórcio após o tratamento do câncer. rios;
• a fibrose na área pélvica pode causar incômodo;
• o tratamento hormonal geralmente diminui a lihi
Câncer de próstata
A incidência do câncer de próstata enrre os homens Se não for adequadamente tratada, a disfunção errd
é de 47.280 novos casos (51,41%) (Inca, 2007). Segundo pode perpetuar a perda de auto-estima e do sentimento de
Pirl e Mello (2002), embora o câncer de próstata seja virilidade. O diagnóstico precoce abrangente e a intervençà
relativamente freqüente, vários fatores interferem can na disfunção sexual são as metas. Os pacientes podem expe
sando dificuldades na busca do tratamento. Entre eles rimentar temores, com freqüência irreais, de danos pot^
estão: ciais a si ou a seus parceiros durante a atividade sexual, exx
cialmente no decorrer do tratamento continuado do cân.r-
• o papel tradicional de homem forte e saudável, que Por esse motivo, eles devem ser encorajados a discutir se
dispensa serviços médicos; temores e outras questões sexuais com seus parceiros e c
• raça: homens afro-americanos morrem duas vezes os profissionais e a retornar à atividade sexual, se possh d
mais de câncer de próstata devido à imagem reser logo após o tratamento de câncer (Pirl e Mello, 2002).
SEXUALIDADE E CÂNCER 309
vários cânceres, esse é um tipo de doença que exige fre tos biológicos, psicológicos e socioculturais que envolv*.
1
quentes internações hospiralares e tem maior incidência a sexualidade do paciente portador de doenças ont -
11
leucemia (média etária: 20,1 anos) e um grupo controle sensuais, em decorrência das alterações físicas provocai
dc cinquenta pessoas saudáveis, mostrou que a frequência de pela doença ou pela quimioterapia, como as alterações u
relações sexuais e as opiniões sobre o comportamento se cor e textura da pele, a alopecia e as variações do pe-
xual eram semelhantes nos dois grupos. No entanto, para Outros agravantes são as sensações de fraqueza e desãr
as sobreviventes de câncer foram observadas diferenças mo, comuns no início da doença, as constantes internaç - i]
significativas quanto a: ter identidade sexual mais infan- hospitalares, a falta de privacidade, o medo de infecçãt cm
til, menos feminina (p < 0,002); imagens de sexualidade outros aspectos psicológicos relacionados à doença.
mais submissas, restritivas e passivas (p < 0,001); baixa A presença dos problemas relacionados aos aspecr
confiança na masturbação (p < 0,001); pouca experiência sociais (85%) deu-se, principalmente, pelo medo dc ad-l
sexual (p < 0,03); pouca iniciativa nas relações sexuais quirir infecção decorrente da baixa imunidade provoca iM
(p < 0,003); capacidade reduzida de expressar seus de pela doença e tratamento (Melo, Carvalho e Pelá, 20» -
sejos sexuais ao parceiro (p < 0,001); menos prazer nas Um dos problemas freqüentes entre os paciente- .
relações sexuais (p < 0,01). de disfunção gonadal. Para Tabak (2006), a rccuper-.i
Persson, Rasmusson e Hallberg (1998) avaliaram da fertilidade após o transplante de medula óssea (TV i,
pacientes com diagnóstico de leucemia aguda e linfoma depende tanto da patologia original quanto da idade e
altamente maligno e seus parceiros e verificaram que os que é feito. Em mulheres, a recuperação da função gor
últimos respondem à doença em três categorias princi ocorre em menos de 10% dos casos, e a observação dc
pais: 1) o par agindo como uma unidade; 2) o par agindo tações é inferior a 3%. Existe também um risco elevado ; a
independentemente, em termos iguais; 3) o par agindo abortos espontâneos. O retorno da função gonadal acc:
separadamente, com um deles numa posição inferior. Os tece em menos de 15% dos pacientes do sexo mascuhz:
parceiros mais capazes de enfrentar o diagnóstico autori Como esse aspecto é muito relevante no reladonamera
zavam-se a procurar apoio e utilizar recursos. Em consc- sexual e conjugal, deve haver uma discussão detalhada ac
qüência dessa adaptação, estratégias eficientes de comu alternativas ainda no período pré-transplante.
nicação e habilidades de enfrentamento adequado foram Entre as alternativas estão a implantação de embnõ
desenvolvidas, atendendo ao curso da doença. Já os pares criopreservados e a criopreservação do sêmen ou de tec
que operavam independente ou inferiormente eram mais do ovariano pré-transplante.
descontentes, com sentido de ineficácia, subdesenvolvi Saito et al. (2005) verificaram que 70% dos par
mento de habilidades de enfrentamento, falta de apoio tes jovens que fizeram criopreservação de esperma an*H§
mútuo e incapacidade de usar recursos externos. da quimioterapia quiseram ter filhos após o tratamen: A
Resultados de pesquisa realizada por Melo, Carvalho Ainda assim, 60% dos pacientes estavam preocupac •
e Pelá (2006), com o objetivo de caracterizar os aspec com a infertilidade, apesar da criopreservação de seu
SEXUALIDADE E CÂNCER 311
-erma. Nenhum paciente queria usar o esperma criopre- a sexualidade diretamente. Outros podem afetar a resposta
'crvado para gerar um filho se sua espermatogênese fosse sexual, embora não interfiram sobre o desejo e o interesse.
*t>taurada. Mas a maioria dos pacientes recomendou o Outros ainda podem ter efeitos diretos sobre a auto-ima
rrocedimento de criopreservação a outros com o mesmo gem, como o câncer de cabeça e pescoço (Katz, 2005).
rxoblema. Prestar atendimento integral ao paciente significa que
Com o crescente aumento do número de sobreviven- todos os aspectos do funcionamento humano precisam ser
a função sexual e a fertilidade deixam de ser vistas cuidados.
orno frivolidade ou aspecto irrelevante perante a dimen- A sexualidade é uma parte importante da qualidade
I do tratamento do câncer (Schover, 2005). No enranto, de vida, mas apenas alguns pacientes discutem esponta
. disfunção sexual permanece como um dos problemas de neamente esse tópico com seus cuidadores profissionais.
|fa :ga duração mais frequentes e persistentes (Syrjala et al., Muitos casais têm dificuldade em discutir os problemas,
1 i)5). Intervenções que previnam ou revertam esse qua- preocupações, preferências e medos em relação à sexuali
áro contribuirão positivamente para a qualidade de vida e dade, qualquer que seja a situação. Diante da situação do
i -aúde sexual dos pacientes. câncer e ameaça de morte, c possível que considerem a se
xualidade um item de importância menor. Ao reassegurar
que a atratividade e o desejo ainda estão presentes, a vivência
0 câncer e a vivência da da sexualidade satisfatória pode trazer de volta a confirma
:onjugalidade ção afetiva, a cumplicidade e o prazer, que darão sabor à
reestruturação da vida, auxiliando-a.
O exercício da conjugalidade é uma das formas de
No entanto, os profissionais dc saúde, muitas vezes,
i ?nciar a sexualidade. Envolve intimidade com o pró-
não conferem a devida importância ao tema, não têm tem
no corpo e com o corpo do parceiro e seu conhecimen-
po, sentem-se embaraçados por temerem uma invasão de
Segundo Costa de Paula (2004), por conjugalidade ou
privacidade ou não se encontram preparados para ques
entidade conjugal entende-se a maneira singular como
tionamentos sobre sexualidade.
:asal escolhe ser e interagir e que define sua existência
Parte da responsabilidade deve-se à formação pro
ijugal, características e limites. Já que cada casal é úni-
fissional. Como consequência, perguntas sobre o fun
. também sua forma de enfrentamento das dificuldades
cionamento sexual não costumam ser incluídas nos pro
-bstáculos será peculiar.
tocolos de avaliação. Esse lapso deve ser corrigido por
Cabe ao profissional especializado em psico-onco-
meio de leituras, discussões, encontros e palestras que
na desenvolver um olhar mais acurado e sensível para
incluam esse tema e, também, do incentivo dos profis
c rceber os possíveis efeiros do câncer ou seu tratamento
sionais a pensar sobre a importância da sexualidade em
ire o casal e atuar de forma a minimizá-los. Entre os
sua própria vida.
dados deve-se incluir a sexualidade do casal, já que am-
Lidar com aspecros da vivência sexual, sem preconceitos
> sofrem. Mesmo que antes do aparecimento da doença
ou avaliações preconcebidas, auxiliará o profissional no esta
runcionamento sexual do par fosse considerado satisfa-
belecimento da comunicação curariva com seus pacientes.
io, o estresse físico e emocional, a dor, a insegurança e Uma maneira de contornar o problema é incluir roti
Tiedo decorrentes do diagnóstico ou do tratamento do neiramente nos históricos perguntas acerca da sexualidade
[ dncer podem desorganizar o casal. Muitas vezes, a tenta- que incorporem não apenas os aspectos físicos, mas também
. a de proteção ao outro conduz cada um dos cônjuges a as mudanças de padrão de comportamento sexual, visando
! *rer isoladamente, não compartilhando a dor, a solidão ao acompanhamento e à orientação a serem exercidos tão
: a tristeza. precocemente quanto possível. E necessário lembrar que o
Ao trabalhar a reestruturação e reabilitação da inte- exercício da sexualidade pertence à pessoa, tendo parceiro
f dade conjugal, o tratamento deve incentivar a expres- ou não. Mas pode ser também uma forma de relaciona
: > dos problemas ligados à sexualidade: depressão, falha mento íntimo entre duas pessoas. E, nesses casos, torna-se
. desejo, diminuição da libido, dificuldade de orgasmo essencial incluir o cônjuge na unidade de cuidados.
ainda, o estranhamento do próprio corpo em virtude Os profissionais de saúde têm acesso especial a aspec
> mudanças corporais. tos ínrimos da vida de seus pacientes. Cabe a eles, utili
zando conhecimentos trazidos pela psico-oncologia, abrir
um espaço em que as preocupações sobre a sexualidade
Psico-oncologia e tratamento das possam ser legitimadas.
disfunções sexuais Algumas perguntas sobre a qualidade dos relaciona
O câncer ou seus tratamentos podem ser causas de dis mentos ínrimos podem auxiliar o paciente a discorrer so
crições sexuais posteriores. Alguns tipos (câncer de mama, bre seus potenciais problemas e preocupações, facilitando
rróstata ou genitais e cérvico, por exemplo) podem afetar o encaminhamento aos tratamentos especializados:
312 TEMAS EM P S I C O * O N C 0 L O G I A
• De que forma sua condição influencia seus sentimen 1. Realizar entrevista com o paciente antes do inío:
tos sobre você mesmo(a) como homem/mulher? do tratamento oncológico, investigando sobre a -
• Como o que você está passando influencia seus re xualidade. Para que se tenha um parâmetro no d:
lacionamentos? correr do tratamento, é preciso estabelecer a quar- <
• Como sua condição interfere em sua forma de ser tidade de relações, se há ou não satisfação sexual .
como esposo(a), parceiro(a)? presença de algum problema ou queixa que quer.
• Como sua doença afeta, ou afetou, sua vida sexual? compartilhar.
2. Avaliar se o paciente (homem ou mulher) tinha c»-
Todavia, a forma mais adequada é incluir questio
função sexual anterior ao aparecimento do câncer
namentos sobre qualidade de vida que abarquem tópicos
3. Pesquisar sobre o relacionamento do casal (afetr-o-
como lazer, espiritualidade e sexualidade para todos os
sexual) antes do aparecimento do câncer.
novos pacientes, com seguimento durante e após o trata
4. Quando a disfunção se instalou com o tratamenr:
mento para o câncer.
oncológico, verificar se foi ocasionada por lesã' :
Importa recordar que muitas pessoas têm pouco co
rúrgica. Por exemplo, disfunção erétil secundárii .
nhecimento a respeito da anatomia dos órgãos sexuais e
prostatectomia, sendo necessário determinar o gr„ ]
do ciclo de resposta sexual, o que leva a expectativas er
da lesão. Para isso, deve-se encaminhar o paciert;
rôneas sobre o funcionamento sexual após o tratamento
para avaliação urológica.
do câncer. Também que, embora a sexualidade integre a
5. Associar as queixas trazidas pelos pacientes às que*- ,
vivência da conjugalidade, a última é muito mais ampla, tões sexuais: aqueles que estão utilizando quiir.:
e que as pressões emocionais do diagnóstico e tratamento
terápicos podem ter diminuição do desejo sexua. r
continuado podem aumentar as tensões matrimoniais an
ressecamento vaginal (mulheres) - o que requer •
teriores, atuais ou subjacentes, que, por sua vez, afetam o uso de cremes (gel) lubrificantes à base de água ...
relacionamento sexual. rante o intercurso sexual -, dor à relação, ardênc _
Um dos fatores mais importantes do ajustamento de entre outros sintomas genirurinários.
pois do câncer são os sentimentos pessoais sobre sua pró 6. No caso de pacientes jovens com necessidade de su>
pria sexualidade antes da doença (National Câncer Institute, meter-se à quimioterapia, que pode comprometer .
2007). Questionar sobre a vida sexual pregressa serve para fertilidade, o esclarecimento sobre seu possível r:
levantamento não apenas dos problemas, mas também de torno após o término do tratamento é importar.::
dados sobre como ajudar o paciente a descobrir seus pró Mas também é relevante assinalar os casos em c_c j
prios potenciais e recursos, explorando esses fatores. há a necessidade da criopreservação de embriõc
A avaliação da sexualidade deve focar itens como: es e/ou gametas c por que se deve fazê-la.
tado conjugal, interesse sexual, incapacidade de penetra 7. Hm tratamentos que requerem amputação, a abc
ção, dor à penetração, satisfação, frequência e importân ração da imagem corporal pode promover alter
cia da vida sexual - prévia e atual presença de outra dor ções no ciclo de resposta sexual, por diminuição w
ligada ao câncer, ansiedade, depressão ou outros transtor auto-estima e sentimento dc estranheza em relaçá:
nos psiquiátricos associados, uso de medicamentos que in a si mesmo, ocasionando, por exemplo, falta ou c
terfiram no funcionamento sexual e mudanças na imagem minuição de desejo.
corporal e auto-estima. 8. Observar sintomas secundários associados às dishr
Para pacientes com parceria fixa deve ser incluída a ções sexuais, tal como a incidência de depressão. Â.
avaliação também com o parceiro. Casais jovens podem detectá-los, encaminhar o paciente imediatamer*:
ser ainda mais vulneráveis do que aqueles casados há mais ao psiquiatra para diagnóstico e tratamento.
tempo. Por isso, merecem atenção especial. 9. O encaminhamento para tratamento por profissr-
Os problemas sexuais mais comuns em pacientes com nal especializado em sexualidade humana será re_
câncer incluem perda de libido, disfunção erétil em ho lizado sempre que o paciente relatar sofrimen::
mens, certos efeitos da cirurgia e irradiação em mulheres, relacionado às alterações na vivência de sua sexua
dificuldades de orgasmo, confusão acerca do papel sexual dade. Se essa demanda já tiver sido detectada ant:
ou capacidade de atração, prejuízo da imagem corporal, do início do tratamento oncológico, este pode sr-
dores, fadiga, depressão e/ou ansiedade e infertilidade. iniciado concomitantemente, já que a sexualidade t
influenciada por aspectos biopsicossociais.
Protocolo de avaliação
Para realizar o tratamento das disfunções sexuais Conclusão
oriundas da terapêutica oncológica devem-se considerar A sexualidade é parte importante da vida. Com o a
os itens enumerados a seguir. mento dos casos de cura e de sobrevida dos pacientes dc
SEXUALIDADE E CÂNCER 313
cria-se a necessidade de estudos e pesquisas espe- conforto dos profissionais de saúde na abordagem das ques
's sobre o tema, para que os profissionais da saúde tões sexuais e encorajar a comunicação entre os parceiros.
J*-im realizar intervenções mais eficazes. A compreen- As intervenções psicológicas e/ou medicamentosas
— :e que o câncer não torna o indivíduo assexuado, sem vindas de profissionais sensíveis, amorosos e criativos po
— .aja preconceito em se tratar da sexualidade, será de dem servir de apoio e auxílio à aceitação do corpo trans
:r~‘ ie auxílio na reestruturação da qualidade de vida dos formado e à reconstrução da auto-estima, auro-imagem
BBreviventes. e autoconceito. Ao profissional especializado em psico-
Para tanto, é necessário vencer as barreiras e o silêncio oncologia cabe ajudar na reintegração do eu, favorecendo
■L- involvem esse tópico. É preciso dedicar tempo para ava- a melhoria da qualidade de vida dos pacientes, com a in
tÉL.I dos problemas, sobrepujar o constrangimento e des- clusão do bem-estar sexual.
:eferências bibliográficas
Abdo, C. H. N. (org.). Sexualidade humana e seus < http://www.abep.org.br/fotos/Dir_Sau_Rep.pdf >.
tonstomos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Lemos, 2000. Costa de Paula, S. T. “A vivência da conjugalidade
Al-Ghazàl, S. K. et al. “Comparison of psychologi- após o diagnóstico de câncer de mama”. Boletim Eletrônico
er. -spects and patient satisfaction following breast con- SBPO, 2004. Disponível em: <http://www.sbpo.org.br/
«r ng surgery, simple mastectomy and breast recon- producao/vivencia.pdf>.
<nction”. European Journal of Câncer, v. 36, n. 15, p. Dorval, M. et al. “Marital stability after breast cân
- * -43, 2000a. cer”. Journal of the National Câncer Institute, v. 91, n. 1,
. “The psycholoRical impact of immediate rather p. 54-9, 1999.
tez delayed breast reconstruction”. European Journal of Fragas, R. “Prostate câncer and sexuality”.
Oncology, v. 26, n. I, p. 17-9, 2000b. International Journal of Impotence Research, v. 15, supl.
American Psychiatric Assoeiation. Manual diagnóstico 3, p. S7, 2003.
m cjtlstico de transtornos mentais: DSM-IV-TR-TM. Trad. Frumovitz, M. et al. “Quality of life and sexual func-
ta.-dia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. tioning in cervical câncer survivors”. Journal of Clinicai
Ballone, G. J. “Disfunção sexual nas pessoas Oncology, v. 23, n. 30, p. 7428-36, 2005.
m câncer”. ín: PsiqWeb Psiquiatria Geral (Psiquiatria Ganz, P. A. et al. “Breast câncer in older women: qual
ta-ilógica), 2001. Disponível em: <http://gballone.sites. ity of life and psychosocial adjustment in the 15 months
* :om.br/psicossomatica/cancer4.html >. after diagnosis”. Journal of Clinicai Oncology, v. 21, n. 21,
Ben-Zur, H. et al. “Coping with breast câncer: pa- p. 4027-33, 2003.
{■i . spouse, and dyad models”. Psychosomatic Medicine, Grinyer, A.; Thoaias, C. “Young adults with cân
L . n. J,p. 32-9, 2001. cer: the effect of the illness on parents and families”.
Bernardo, B. C. Disfunção sexual em pacientes com International Journal of Palliative Nursing, v. 7, n. 4, p.
m er do colo uterino submetidas à radioterapia exclusiva. 162-70, 2001.
■ *. Dissertação (Mestrado em Saúde Materno-Infantil), Gromatzky, C. “Disfunção erétil dc etiologia orgâ
ta mto Materno Infantil Professor Fernando Figueira nica: aspectos terapêuticos”. In: Abdo, C. H. N. (org.).
ta" pL Recife, Pernambuco. Sexualidade humana e seus transtornos. 2. ed. rev. e ampl.
Breitbart, W.; Hollanü, J. C. “Head and neck câncer”, São Paulo: Lemos, 2000.
p Holland, J. C.; Rowland, J. H. (eds.). Handbook of Hoga, L. A. K.; Santos, L. “Mastectomia e sua influên
mr - - oncology: psychological care of the patient ivith can- cia sobre a vivência da sexualidade: análise da produção
■r \Tova York: Oxford University Press, 1989, p. 232-9. do conhecimento utilizando uma base de dados informati
Cantinelu, F. S. et al. “A oncopsiquiatria no câncer zada”. Revista Mineira de Enfermagem, Belo Florizonte, v.
ta -ama: considerações a respeito de questões do femini- 7, n. 2, p. 145-51, 2003.
■ Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 33, n. 3, Holland, J. C; Rowland, J. H. (eds.). Handbook
Inca (Insrituro Nacional de Câncer), Ministério da Mii.ler S. H.; Grahàm W. P. “Breast reconstructu
Saúde. Disponível em: <http://ww\v.inca.gov.br>. Acesso afrer radical mastectomy”. Am Farm Physican”, v. 11.
em: 14 abr. 2007. 5, p. 97-101,1975.
Kapi an, H. S. Transtornos do desejo sexual: regula Monga, U. et al. “Sexuality in head and neck canc:*
ção disfuncional da motivação sexual. Trad. Jussara N. patients”. Archives ofPbysical Medicine and Rehabilitat: r
Burnier. Porto Alegre: Artmed, 1999. v. 78, n. 3, p. 298-304, 1997.
_____ . “A neglected issue: the sexual side effecrs of National Câncer Institute. “Sexuality and repr
current treatments for breast câncer”. ] Sex Mar Ther. v. ductive issues - Supportive care statement for heab-
18, n. 1, p. 3-19, 1992. professionals”. MedNews. Acessado em 4 abr. 200”.
Katz, A. “The sounds of silence: sexuality informa- Disponível em: <http://www.meb.uni-bonn.de/cancer.g
tion for câncer patients”. Journal of Clinicai Oncology, v. CDR0000062859.html >.
23, n. l,p. 238-41,2005. Northoüse, L. L. et al. “Factors affecting coupies
KlNSEY, A. C. et al. Sexual behavior in the human fe- adjustment to recurrent breast câncer”. Social Scienct :*
male. Filadélfia: W. B. Saunders, 1953. Medicine, v. 41, n. 1, p. 69-76, 1995.
Kornbuth, A. B.; Ligibel, J. “Psychosocial and sexual Oktay, J. S. “Psychological aspects of breast cance-
funcrioning of survivors of breast câncer”. Seminars in Lippincotts Primary Care Practice, v. 2, n. 2, p. 149- -
Oncology, v. 30, n. 6, p. 799-813, 2003. 1998.
Krebs, L. “Whar should 1 say? Talking vvith patients Pfrsson, L.; Rasmusson, M.; Hallberg, I. R. “Spou^ - I
about sexuality issues”. Clinicai Journal of Oncology view during their partners’ illness and rrearment”. Cen: -
Nursing, v. 10, n. 3, p. 313-5, 2006. Nursing, v. 21, n. 2, p. 97-105, 1998.
Lesko, L. M. “Surviving hematological malignancies: Pirl, W. F.; Mello, J. “Psychological complicatiom
strcss responses and predicting psychological adjustment”. prostate câncer”. Oncology (Williston Park)y v. 16, n.
Prog Clin Biol Res., n. 352, p. 423-37, 1990. p. 1448-53, 2002.
Lim J. et al. “Sexuality of vvomen after mastectomy”. Puukko, L. M. R. et al. “Sexuality in young wom *
Ann Acad Med Singapore. v. 24, n. 5, p. 659-63, 1995. surviving leukemia”. Archives of Disease in Childhooa. v
Litwin, M. S. et al. “Life after radical prostatectomy: 76, n. 3, p. 197-202, 1997.
a longitudinal study ".Journal of Urology, v. 166, n. 3, p. Rahinowitz, B. “Understanding and intervening *
587-92, 2001. breast cancer’s emotional and sexual effects”. Currc-\
Mahoney, J. M.; Carroll, R. A. “The impact of Women's Health Reports, v. 2, n. 2, p. 140-7, 2002.
breast câncer and its treatment on marital functioning”. J Rowland, J. H. et al. “Role of breast reconstir:
Clin Psychol Med Settings, n. 4, p. 397-415, 1997. tive surgery in physical and emotional outcomcs amor*
Màluf, M. F. M. Mastectomia radical e sexualidade breast câncer survivors”. Journal of the National Car.j ri
feminina. São Paulo: Livraria Médica Paulista, 2006. Institute, v. 92, n. 7, p. 1422-9, 2000.
Masters, W. H.; Johnson, V E. Human sexual re Sàito, K. et al. “Sperm cryopreservarion before cir-J
sponse. Boston: Little, Brown and Company, 1966. cer chemorherapy helps in the emotional battle agair *1
Melo, A. G. C. “Aspectos psicológicos da infertilida câncer”. Câncer, v. 104, n. 3, p. 521-4, 2005.
de decorrente d o tratamento oncológico”. Apud Bai.i.onf, Sanders, S. et al. “Coupies surviving prostate caiKr-
G. J. “Disfunção sexual nas pessoas com câncer”. In: long-term intimacy needs and concerns following treii ,
PsiqWeb Psiquiatria Geral (Psiquiatria Oncológica), 2001. ment”. Clinicai Journal of Oncology Nursing, v. 10, r..
Disponível em: <http://gballone.sites.uol.com.br/psicos- p. 503-8, 2006.
somatica/cancer4.html>. Schover, L. R. “Counselling câncer patients ab J
Melo, A. S.; Carvalho, E. C; Pelá, N. T. R. “A sexua changes in sexual function”. Oncology, v. 13, n. 11, n]
lidade do paciente portador de doenças onco-hematológi- 1585-91, 1999.
cas”. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão _____ . “Sexuality and body image in younger wr -
Preto, v. 14, n. 2, p. 227-32, 2006. cn with breast câncer”. Journal of the National Car.^rl
Meyerowitz, B. E. et al. Sexuality following breast Institute. Monographs, n. 16, p. 177-82, 1994.
câncer. J Sex Marital Ther. v. 25, n. 3, p. 237-50, 1999. _____ . “Sexuality and fertility after cance-’]
Michei one, A. de P. C.; Santos, V. L. C. G. “Qualidade Hematology /The Education Program of the Amer.csti
de vida de adultos com câncer colorretal com e sem osto- Society of Hematology, p. 523-27, 2005.
mia”. Revista Latino-Americana de Enfermagem. Ribeirão _____ . “The impact of breast câncer on sexuai : 3
Preto, v. 12, n. 6, 2004. Disponível em: <http://\vww. body image and intimate relationships”. Ca: A Cancem
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&:pid=S0104- Journal for Clinicians, v. 41, n. 2, p. 112-20, 1991.
11692004000600005&;lng=en&nrm=iso>. Scott, J. L. et al. “United wre stand? The effe.T-J
SEXUALIDADE E CÂNCER 315
couple-coping intervention on adjustment to early óssea”. Abrale: Associação Brasileira de Linfoma e Leu
breast câncer or gynecological câncer”. Journal of cemia, 2006. Disponível em: <http://www.abrale.org.br/
sulting and Clinicai Psychology, v. 72, n. 6, p. 1122- apoio_profissional/anigos/efeitos_tardios.php>.
2004. Tal, R.; Mulhall, J. P. “Sexual healdi issucs in men
Staerman, F. S. et al. “Impotence after radical pros- with câncer”. Oncology (Williston Park), v. 20, n. 3, p.
: -Tomy for prostate câncer: results of penile prosthesis 294-300, 2006.
• uitation: MP-085”. The Journal of Sex Medicine, v. 3, Thors C. L. et al. “Sexual functioning in breast
5, p. 432, 2006. câncer survivors”. Câncer Control. v. 8, n. 5, p. 442-8,
Syrjala, K. L. et al. “Late effects of hematopoietic 2001.
rransplantation among 10-year adult survivors com- Waldron, T. “Sexual dysfunccion after prostate
with case-matched Controls”. Journal of Clinicai câncer”. Cure, v. 1, n. 1, p. 36-8, 2002. Disponível em:
cilogy, v. 23, n. 27, p. 6596-606, 2005. <http://www.curetoday.com/backissues/v1n1/depart-
Tabak, D. “Efeitos tardios do transplante de medula ments/dysfunction/index.html >.
TERAPIA ANTIEMÉTICA EM QUIMIOTERAPIA
J ames F arley R afael M aciel ; C elso M assum :*:
no a via efetora, pela qual uma variedade dc estímulos Êmese aguda: ocorre até 24 horas após a administra
rentes desencadeia náuseas e vômitos. ção dos quimioterápicos. O pico da intensidade geralmen
Adicionalmente, alguns neurônios associados às cé- te é atingido depois de cinco ou seis horas.
• enterocromafins enviam aferências diretamente para Êmese tardia: desenvolve-se em pacientes após 24 ho
N rS e o núcleo motor dorsal do vago, na proximidade ras do recebimento dos agentes quimioterápicos. Apesar
\TS, em um mecanismo independente da mediação de a intensidade ser usualmente menor que a da síndrome
área postrema (Saito et ai, 2003). aguda, seu curso pode ser mais protraído, resultando em
Em relação às respostas motoras do trato digestivo as dificuldades significativas em relação a hidratação, nutrição
adas à êmese, estas podem ser organizadas em fase de e condição clínica {performance status). Ocorre comumen-
i e fase de expulsão. Durante a fase de ânsia, músculos te com o uso de cisplatina, carboplatina, ciclofosfamida e
) diafragma e da parede abdominal simultaneamente se doxorrubicina. No caso da cisplatina, as náuseas e os vômi
n:raem ou relaxam. Durante a fase de expulsão, ocorre tos alcançam intensidade máxima entre 48 e 72 horas após
contração prolongada dos músculos abdominais que a quimioterapia e podem durar até seis ou sete dias.
t . - ordenada com a atividade da musculatura intercostal Êmese antecipatória: ocorre antes da dose do próxi
t i s músculos da faringe e laringe. A glote se fecha e há mo ciclo de quimioterapia naqueles pacientes que experi
ação do palato mole. Ocorrem contração retrógrada mentaram controle insuficiente das náuseas c vômitos em
nte dos intestinos e relaxamento do fundo gástrico, ciclos prévios. Pacientes mais jovens são geralmcnte mais
..íal é um evento prodrômico essencial para a êmese. acometidos em virtude de regimes mais agressivos e por
.~iento da freqüência de pulso e respiração, além de su- terem globalmente pior controle de êmese que pacientes
•^se, ocorrem concomitantemente (Lang, 1990). mais idosos.
Êmese de escape (breakthrougb emesis): náuseas e vô
mitos que ocorrem a despeito de tratamento profilático
Sindromes clínicas adequado ou requerem medicação de resgate.
Êmese refratária: náuseas e vômitos que ocorrem du
Sáuseas e vômitos induzidos
rante ciclos de tratamento subsequentes quando a profila
:cr quimioterapia xia antiemética e/ou o resgate falharam nos ciclos iniciais.
Náuseas c vômitos induzidos por quimioterapia po-
ser classificados em agudos, tardios, antecipatórios,
ir rscape ou refratários (Kris et ai, 1985) (Figura 1). Em Náuseas e vômitos induzidos por radiação
□de de serem sintomas comuns entre pacientes com O surgimento de náuseas e vômitos em pacientes
cer, outras etiologias além da quimioterapia devem ser sob tratamento radioterápico relaciona-se com variáveis
csideradas, sendo as mais importantes: obstrução intes- como sítio irradiado (principalmente abdômen superior
tl, metástases hepáticas, comprometimento do sistema e na irradiação corpórea total), dose fracionada diária,
rvoso central, disfunção vestibular, distúrbios metabóli- dose total, quantidade de tecido irradiado e associação
^hipercalcemia, hiperglicemia, hiponatremia, uremia) com outras modalidades de tratamento (quimioterapia e
: - edicaçõcs como os analgésicos opióides. imunoterapia). Os esquemas de profilaxia antiemética são
Antecipatórios
Dias de 0
tratamento
TERAPIA ANTIEMÉTICA EM QUIMIOTERAPIA 319
i iponibilidade de administração dos agentes antieméti- tardios conhecidos dos corticostcróides não são considera
pelas vias oral, retal, intramuscular e intravenosa. A dos aqui, visto que na terapia antiemética são empregados
■ia oral é tâo eíicaz quanto as outras vias, sendo, além em ciclos curtos de tratamento.
n>so, segura, mais confortável e menos onerosa, devendo
<2 a preferida para os pacientes que a toleram. Como são
cerebral, proporcionando um mecanismo complemen trole da êmese aguda (p = 0,33), porém houve melhí
tar para o controle da êmese induzida por quimioterapia estatisticamente significante (p < 0,001) no controle c.
(Dando e Perry, 2004). êmese tardia (Tremont-Lukats et al., 2004).
Ensaios pré-clínicos de antagonistas NK-1 sugeriam O aprepitante é simultaneamente um substrato, inc.
fortemente a possibilidade de atividade desses agentes tor moderado e inibidor moderado do citocromo P45
na êmese aguda induzida pela cisplatina (dc Wit, 2003). isoenzima 3A4 (CYP3A4). Ele também é indutor da is -
Ensaios clínicos posteriores validaram o benefício do enzima CYP2C9. Os seguintes agentes não devem •
aprepitante nessa situação clínica e em esquemas de tra usados concomitantemente, sob risco de elevação de s_.
tamento não baseados em cisplatina (Gralla et ai, 2005; concentração sérica e consequente aumento do índice cc
Poli-Bigelli et al2003; Herrstedt et al., 2005; Warr et efeitos adversos importantes: pimozida, astemizol, cisapr
al2005a e 2005b). Em estudo clínico de fase 3, com da e terfenadina. O aprepitante mostrou também inter;.; -
866 pacientes, conduzido por Warr et al., a adição de com diversos outros fármacos não quimioterápicos, er.-
aprepitante ao regime de profilaxia antiemética padrão eles a varfarina, a dexametasona, a metilprednisolor.2 t
(ondansetron e dexametasona) para a prevenção de êmese contraceptivos orais (Shadle et al., 2004).
aguda em pacientes recebendo quimioterapia moderada- A dose utilizada nos diversos estudos clínicos de -
mente emetogênica, não baseada em cisplatina, demons 3 é de 125 mg, a qual demonstrou o melhor perfil de r
trou benefício em relação ao tratamento convencional co-benefício em um estudo clínico randomizado que a 2
isoladamente (resposta completa: 75,7% versus 69%; p liou doses pré-quimioterapia na faixa de 40 a 375 mg r. :i
= 0,034), com reflexos também no controle da êmese profilaxia de êmese aguda em regimes baseados em cisr-
tardia, porém em menor magnitude (resposta completa: tina (Chawla et ai, 2003). As doses subsequentes foram ._r
55,4% versus 49,1%; p = 0,064) (Warr et al., 2004). 80 mg no segundo e terceiro dias.
Análises do efeito do aprepitante no controle da êmese Os principais efeitos adversos do aprepitante, c -
em regimes baseados em altas doses de cisplatina também intensidade de leve a moderada descrita nos ensaios dis
demonstram benefício da combinação dessa droga com os cos de fase 3, foram: soluços, astenia/fadiga, elevação oe
antagonistas 5HT3 e corticosteróides (68% de resposta ALT, constipação, cefaléia e anorexia.
completa contra 48% do grupo que não utilizava aprepi A dose do aprepitante não precisa ser ajustada ea
tante; p < 0,001), como observaram Gralla et al. (2004) insuficiência renal (inclusive terminal), insuficiência her.
em avaliação combinada de dois ensaios clínicos de fase tica de leve a moderada (não existem dados disponível
3. Naqueles pacientes em que a terapia oncológica in sobre o uso em pacientes com insuficiência hepática gr a*.
cluía outro agente de alto potencial emetogênico (doxor- ou em pacientes idosos.
rubicina ou ciclofosfamida), o regime com aprepitante O surgimento do aprepitante, uma droga que bem
apresentou diferença significativa (59% versus 26%; p < ficia o manejo da êmese associada à quimioterapia (alu
0,001) diante da terapia padrão. Após avaliações indivi e moderadamente emetogênica, baseada ou não em c
duais do controle das êmeses aguda e tardia, essa droga platina) e com perfil de segurança interessante, vem r
mostrou ser superior em ambos os contextos. Metanálise crementar o arsenal terapêutico atualmente disponór
recente, abrangendo sete ensaios clínicos randomizados tornando-o mais eficaz em especial no controle da êm- -
com 1.568 pacientes avaliáveis recebendo quimioterapia tardia, o que o converte em agente de primeira linha ne-
altamente emetogênica com alta dose de cisplatina, não sa situação, com os antagonistas 5HT3 e corticosteróiur^
demonstrou benefício do aprepitante, usado isoladamen (Kris et ai, 2005; National Comprehensive Câncer N-
te ou associado à terapia antiemética padrão, no con twork, 2005).
Referências bibliográficas
Cassileth, P. A.; Lusk, E. J.; Torri, S.; Gerson, S. L. câncer chemotherapy”. Europcan Journal of Câncer
“Anriemetic efficacy of high-dose dexamethasone in induc- Clinicai Oncology, v. 19, n. 2, p. 203-8, 1983.
tion therapy in acute nonlymphocytic leukemia”. Annals Dando, T. M.; Perry, C. M. “Aprepitant: a revira
of Internai Medicine, v. 100, n. 5, p. 701-2, 1984. of irs use in the prevention of chemotherapy-induc: j
Chawla, S. P.; Grunberg, S. M.; Gralla, R. J. et ai nausea and vomiting”. Drugs, v. 64, n. 7, p. 777-9-,
“Establishing the dose of the oral NK1 antagonist aprepi- 2004.
tanr for rhc prevention of chemochcrapy-induced nausea OE W'rr, R. “Currenr posrrrbn o( SHT3 antagom?'
and vomiring*. Câncer, v. 97, n. 9, p. 2290-300, 2003. and the addivional value of NKl antagonists; a new c/a
Coates, A.; Abraham, S.; Kaye, S. B. et ai “On the of antiemeties”. British Journal of Câncer, v. 88, n. 12, r
receiving end - patienr perceprion of rhe side-effects of 1823-7,2003.
TERAPIA ANTIEMÉTICA EM Q U I M I OTE R A P I A 321
Eisenberc, P; Figueroa-Vadillo, J.; Zamora, R. et aí. Kris, M. G.; Gralla, R. J.; Clark, R. A. et al. “Jncid-
Mmproved preventíon of moderately emetogcnic chemo- ence, course, and severity of delayed nausea and vomít-
.-rapy-induced nausea and vomiting with palonosetron, ing following the administration of high-dose cisplatin”.
T . phânnacologieally novel S-HT3 receptor antagonist: Journal of Clinicai Oncology, v. 3, n. 10, p. 1379-84,
trsults ofa phase III, sing/e-cfose criai versus doiasetron ”. 1985.
-'jcer, v. 98, n. 11, p. 2473-82, 2003. Kris, M. G.; Hesketh, P J.; Herrstedt, J. et al. “Con-
Goedhais, L.; Heron, J. F.; Kleisbauer, J. P. et al. sensus proposals for the prevenrion of acute and delayed
' ontrol of delayed nausea and vomiring with granis- vomiting and nausea following high-emetic-risk chemo
plus dexamethasone or dexamethasone alone in therapy”. Supportive Care in Câncer, v. 13, n. 2, p. 85-96,
_:;ents recciving highly emetogcnic chemorherapy: a 2005.
i ible-blind, placebo-controlled, comparative study”. Lang, I. M. “Digestive tract motor correlates of vom
ir.nals of Oncology, v. 9, n. 6, p. 661-6, 1998. iting and nausea”. Canadian Journal of Physiology and
Gralla, R. J.; Warr, D. G.; Carides, A. D. et al. “Ef- Pharmacology, v. 68, n. 2, p. 242-53, 1990.
[ É- _: of aprepitant on antiemetic protection in parients re- Laszi o, J.; Clark, R. A.; Hanson, D. C. et al. “Loraz-
Cí.ving moderately emetogcnic chemotherapy plus high- epam in câncer patients treated with cisplatin: a drug hav-
• cisplatin: analysis of combined data from 2 phase III ing antiemetic, amnesic, and anxiolytic effects”. Journal of
[ Randomized clinicai trials”. Journal of Clinicai Oncology, Clinicai Oncology, v. 3, n. 6, p. 864-9, 1985.
12, n. 14S, p. 8137, 2004. Latreille, J.; Pater, J.; Johnston, D. et al. “Use of
Gralla, R. J.; de Wrr, R.; Herrstf.dt, J. et al. “Antiem- dexamethasone and granisetron in the control of delayed
efficacy of the neurokinin-1 antagonist, aprepirant, plus emesis for patients who receive highly emetogenic chemo
[ J HT3 antagonist and a corticosteroid in patients receiving therapy. National Câncer Insritute of Canada Clinicai Tri
-r*iracyclines or cyclophosphamide in addirion to high-dose als Group”. Journal of Clinicai Oncology, v. 16, n. 3, p.
Icsriatin: analysis of combined data from two phase III ran- 1174-8, 1998.
acmized clinicai trials”. Câncer, v. 104, n. 4, p. 864-8, 2005. Marty, M; Pouillart, P; Scholl, S. et al. “Com-
Hain5worth, J. D. “Nausea and vomiting”. In: Abf- parison of the 5-hydroxytryptamine3 (serotonin) antag-
. M. D. et al. (eds.). Clinicai oncology. 3. ed. Filadél- onisr ondansetron (GR 38032F) with high-dose metoclo-
Elsevier Churchill Livingstone, 2004, p. 759-74. pramide in the control of cisplatin-induced emesis”. The
Herrstedt, J.; Muss, H. B.; Warr, D. G. et al. “Ef- New England Journal of Medicine, v. 322, n. 12, p. 816-
and tolerability of aprepitant for the prevention of 21, 1990.
rmotherapy-induced nausea and emesis over multiple Morran, C.; Smith, D. C; Anderson, D. A.; McAr-
:!es of moderately emctogenic chemotherapy”. Câncer, dle, C. S. “íncidence of nausea and vomiting with cyto-
chrome P450 3A4 and 2C9 activity”. Journal of Clinicai vomiting after one cycle of moderately emetogen .
Pharmacology, v. 44, n. 3, p. 215-23, 2004. chemotherapy: a randomized double-blind criai in s- -
The Italian Group for Antiemetic Research. “Dexa- parients”. Journal of Clinicai Oncology, v. 22, n. 14S. p
merhasone alone or in combination with ondansetron for 8007, 2004.
the prevention of delayed nausea and vomiting induced by Warr, D. G. et al. “Efficacy and tolerability of aprer
chemotherapy”. The New England Journal of Medicine, v. tant for the prevention of chemotherapy-induced nausr.
342, n.21, p. 1554-9, 2000. and vomiting in patients with breast câncer after moder
Tremont-Lukats, I. W.; Gonzàlez-Barboteo, J.; Bru- ately emetogenic chemotherapy”. Journal of Clinicai O
era, E.; Brescia, F. J. “Meta-analysis of neurokinin-1 re cology, v. 23, n. 12, p. 2822-30, 2005a.
ceptor antagonists (NK-1 RA) for chemotherapy-induced _____ . “The oral NK(1) antagonist aprepitant for c:
nausea and vomiting (CINV ) ” . Journal of Clinicai Oncol- prevention of acute and delayed chemotherapy-induc-.
ogy, v. 22, n. 14S, p. 8047, 2004. nausea and vomiting: pooled data from 2 randomizei
Vardy, J.; Chiew, K. S.; Galica, J.; Pond, G. R.; Tan- double-blind, placebo controllcd trials”. European Jourr.s
NOCK, I. F. “Side effects associated with the use of dexa- of Câncer, v. 41, n. 9, p. 1278-85, 2005b.
methasone for prophylaxis of delayed emesis after mod- Z.AG LAMA, N. E.; Rosenblum, S. L; Sartlano, G. F: -
erately emetogenic chemotherapy”. British Journal of al. “Single, high-dose intravenous dcxamerhasone as
Câncer, v. 94, n. 7, p. 1011-5, 2006. antiemetic in câncer chemotherapy”. Oncology, v. 43. -
Warr, D. G.; Eisenberg, R; Hesketh, R. J. et al. l,p. 27-32, 1986.
“Effect of aprepitant for the prevention of nausea and
rmetogenic
* il in 86í-
— n. 14S, p.
fcry oi aprepi-
ibced nausea COMPLICAÇÕES ORAIS DO TRATAMENTO ONCOLÓGICO
moder-
M arcos M artins C uri
*:nical On-
iNO, G. P. e:
•sone as ar
v. 43, a. oncologia é uma das especialidades médicas em Conduta odontológica durante as cirurgias
dessa região, o que tem diminuído sensivelmente a incidên falta de lubrificação dos tecidos bucais também difict:
cia das complicações orais. Apesar desse contexto, o cirur ta funções básicas como a fala, alimentação e deglutiçã
gião-dentista ainda tem papel fundamental no diagnóstico, A associação bastante comum de xerostomia e mucos::?
na prevenção e no tratamento dessas complicações bucais. leva a uma condição extremamente dolorosa, sendo mu -
Os efeitos na boca são causados por danos diretos sobre os tas vezes necessário interromper o tratamento radioterá-
tecidos locais provenientes tanto da cirurgia como da radio pico para proporcionar um intervalo de recuperação d
terapia. Entre as alterações mais frequentemente observadas tecidos bucais.
podemos citar: xerostomia, mucosíte, alterações de paladar, Como foi dito anteriormente, diante dos avanç
trismo muscular, cárie de radiação, alterações na odontogê- das tecnologias empregadas na radioterapia, atualmertí
nese e distúrbios de crescimento ósseo. Todas essas compli é possível minimizar o aparecimento da xerostomia cc=
cações podem ser evitadas ou pelo menos minimizadas por o uso da radioterapia modulada, que tem como objeti
meio da avaliação odontológica prévia à radioterapia. vo irradiar o tumor em altas doses e preservar os tecid
sadios e suas funções (glândulas salivares, por exemp
Outra alternativa de prevenção da xerostomia é o uso (Lí
Mucosite
rio e prévio às sessões de radioterapia de um medicame-
Como o próprio nome diz, é uma complicação oral de to citoprotetor (amifostina), que protege as células a c . - .
origem inflamatória, decorrente da ação direta da radiação res das glândulas salivares contra o efeito radioteráp:;
sobre as células epiteliais da mucosa oral, alterando e dimi Apesar de todas essas possibilidades de prevenção, nea
nuindo a replicação celular e, consequentemente, o reco todos os centros oncológicos e radioterápicos dispõez
bri mento normal das estruturas bucais. Essa afecção pode
desses recursos, o que dificulta a aplicação em pacic:
ter ampla variação de intensidade, apresentando desde um
menos favorecidos. A xerostomia é tratada com o uso I
simples desconforto local até condições graves de disfagia,
substitutos de saliva ou saliva artificial, que proporcion-
impossibilidade de fala e alimentação. Outro aspecto im
lubrificação dos tecidos e podem ser encontrados en. zz
portante em pacientes com mucosite é a maior dificuldade
ou spray. No entanto, alguns pacientes não se habitar a
de realizar higiene oral satisfatória, o que favorece o apa
com esses produtos e preferem carregar constantcm?- :
recimento de infecções oportunistas (bacterianas, virais ou
uma garrafa de água.
fúngicas), propiciando um ambiente bastante favorável para
a evolução de quadros de bacteriemia e sepse.
A mucosite oral geralmente aparece durante a pri
Cárie de radiação
meira semana de tratamento radioterápico, com regressão
Essa complicação oral ocorre tardiamente, ou ? _ H
total entre dez e quinze dias após o fim da radioterapia. O
aparece meses ou anos após o fim da radioterapia, tirl
cirurgião-dentista pode prevenir e minimizar a incidência
da mucosite oral por meio de um atendimento odontoló- razão de alterações físicas e químicas nos dentes irraci*^
gico prévio à radioterapia, no qual é feita uma adequação dos, e resulta em dentes friáveis e quebradiços. Em et-I
da boca, que consiste na eliminação de focos de infecção e ral, o esmalte dentário perde as propriedades quírr..:^J
agentes irritantes locais e na orientação quanto a cuidados que mantêm seus prismas de esmalte unidos, tornara
específicos de higiene bucal. O tratamento da mucosite os dentes friáveis; a dentina também perde sua capa;
oral é bastante desafiador e visa principalmente ao alívio de de formação de dentina reacional diante de proce m\
dos sintomas do paciente (uso de analgésicos, antiinfla- cariosos, o que deixa os dentes extremamente dolor- mi
matórios e anestésicos) e ao estímulo da cicarrização das c sensíveis; a polpa transforma-se em um tecido p __ >
lesões ulceradas (laserterapia). celularizado e hipóxico. Esses fatos, aliados às altera, r
de saliva e alimentares (pacientes irradiados mudan
dieta em razão da falta de saliva e passam a alime-o-
Xerostomia se com comidas mais pastosas e industrializadas, se—3 tj
Essa complicação oral é bastante frequente e afeta muitas vezes mais cariogênicas), proporcionam o apirçJ
significativamente a qualidade de vida dos pacientes ir cimento da cárie de radiação, um processo carioso zü-I
radiados na região da cabeça e do pescoço, já que essa to rápido e agressivo. Clinicamente, a cárie de radi:;ãJ
alteração é permanente e irreversível. A xerostomia é caracteriza-se por um processo rampanre, com iníc: |
caracterizada pela secura da boca devido à falta de pro colo do dente e possível resultado final desastroso. : r
dução da saliva pelas glândulas salivares maiores. Além a destruição total das coroas, fenômeno conhecide
da quantidade de saliva diminuída, a radiação também “amputação das coroas dentárias”. A reabilitação dt-z> I
provoca alterações na sua qualidade, como diminuição da ria dos pacientes com essa complicação é extremam?
capacidade tampão da saliva, função muito importante complexa, em razão da contra-indicação de exodor: a
na remineralização do esmalte em cáries incipientes. À nesses pacientes (pela possibilidade de desencade.- al
COMPLICAÇÕES ORAIS DO TRATAMENTO ONCOLÓGICO 325
'reorradionecrose), sendo necessários um tratamento cadas. Dependendo da instituição analisada, essa incidência
tryii odon to lógico conservador - com o intuito de preservar tem variado de 1% a 40%. Ela é dependente, portanto, de
is raízes dentárias - e a realização de próteses fixas ou vários fatores, incluindo programas de prevenção que 1
amovíveis sobre essas raízes. A prevenção da cárie de eliminar os riscos de desencadeamento dessa complicaçã<
iJiação deve ser o objetivo principal em todos os pa- Até meados da década de 1980, a osteorradionecr
-lentes submetidos à radioterapia na região da cabeça era caracterizada por uma tríade de radiação, trauma e in
r do pescoço. Esse programa de prevenção consiste na fecção, sendo enfatizado, de maneira errônea e excessiva, o
nesma avaliação odontológica prévia à radioterapia e, na papel de agentes microbianos em sua patogênese. A partir da
?qüência, na implantação de uma conduta odontológi- definição proposta por Robert Marx em 1983, a patogênese
-i rigorosa, com base nas condições dentárias, no prog- da osteorradionecrose foi considerada uma conseqüência da
■ istico oncológico, nas condições socioeconômicas e na radiação, com formação de um tecido hipovascular-hipoce-
otivaçáo do paciente. lular-hipóxico seguida de rompimento da barreira da muco
sa bucal (de maneira espontânea ou traumática), resultando
em um processo não cicatrizante. Essa definição modificou
Osteorradionecrose de maneira acentuada seu tratamento e sua prevenção.
Essa é a complicação oral mais grave advinda do tra- O reconhecimento das injúrias da radiação sobre os
umento radioterápico de tumores de cabeça e pescoço. A tecidos c de fundamental importância para a prevenção e
tzuir descreveremos seus aspectos clínicos, seus fatores o tratamento da osteorradionecrose. Mesmo sabendo que
risco, sua prevenção e seu tratamento. as células dos tecidos variam amplamenre em relação à
sensibilidade à radiação, também é verdadeiro que todos
esses tecidos sofrem algum grau de injúria. A variação de
lefinição e aspectos clínicos sensibilidade entre as células dos tecidos resulta em diferen
O termo osteorradionecrose tem sido discutido por tes proporções de células imediata ou tardiamente mortas
Tirios autores nas últimas décadas. Todos concordam que pela radiação, com outras sobrevivendo aos seus efeitos,
. melhor definição de osteorradionecrose é: uma seqüela porém perdendo a capacidade de replicação. Quando não
idvinda da radioterapia, caracterizada pela perda da mu- há reparação e/ou substituição, o tecido irradiado evolui de
:osa dc revestimento ou do tecido cutâneo da boca, com maneira progressiva e inevitável para um ambiente hipovas-
. nseqüente exposição do tecido ósseo necrótico por dc- cularizado e hipocelularizado, sendo o grau dessas injúrias
‘rrminado período. No entanto, existe grande discordân- ao tecido irradiado basicamente dependente das doses total
na entre os autores sobre o período mínimo necessário de e diária de radiação e proporcional a elas. Quanto maiores
xposição óssea para que se confirme o diagnóstico, va forem as doses, maiores serão os efeitos sobre os tecidos e
iando esse tempo de tres a seis meses. Essa exposição ós- mais refratário ao tratamento conservador será o quadro,
fci é geralmente acompanhada de outros sinais e sintomas e vice-versa. Entre os efeitos deletérios aos tecidos pode
: .micos, como fístulas orais e/ou cutâneas, trismos museu- mos destacar alguns que ocorrem durante ou imediatamen
ares, drenagem de secreção purulenta, algia, desconforto te após a radioterapia, por exemplo a hiperemia, a morre
. dificuldades mastigatórias. O diagnóstico de osteorradio- celular e outros efeitos tardios que ocorrem meses ou anos
-rcrose é baseado na história médica do paciente associada após o fim da radioterapia, como fibrose, hipovasculariza-
: m os aspectos clínico e radiográfico, mas às vezes pode ção, trombose e hipocelularidade.
5cr difícil pelo fato dc nenhum desses sinais e sintomas ser Os pacientes afetados pela osteorradionecrose em ge
ratognomônico, sendo necessária a diferenciação, princi- ral são do sexo masculino e estão acima dos 40 anos de
?almcntc, dc recorrências tumorais e processos infecciosos idade, obedecendo ao perfil de pacientes portadores de
(por exemplo, a acrinomicose). tumores de cabeça e pescoço. O sítio anatômico mais aco
A osteorradionecrose pode apresentar diferentes metido é a mandíbula, pelo fato de apresentar estrutura
. mportamentos clínicos, variando de pequenas exposi- óssea mais compacta e densa c menor fluxo sanguíneo em
- es de tecido ósseo, que não geram sintomas e descon- relação à maxila. Radiograficamente, a osteorradionecrose
' rtos ao paciente, a processos agressivos e agudos, que apresenta uma imagem radiolúcida pouco definida e sem
evoluem rapidamente para fraturas patológicas do osso margens escleróticas, mas frequentemente sc observam
iretado. imagens radiopacas quando há a formação de seqüestros
ósseos.
~cidência e patogênese
Apesar dos avanços tecnológicos em aparelhos de ra Fatores de risco
dioterapia e da melhoria das técnicas cirúrgicas, a incidência A osteorradionecrose é um processo que pode oc r-
exarar * de osteorradionecrose não tem diminuído nas últimas dé- rer espontaneamente ou ser desencadeado por um tr
326 TEMAS EM PSICO ONCOLOGIA
Em geral, as espontâneas estão relacionadas com a dose de aparecimento foi de dezoito meses após o fim da radio
total e/ou diária recebida pelos tecidos irradiados, sendo terapia (com variação de três meses a quinze anos). O pn-
raramente observadas em casos irradiados com doses to meiro pico de incidência ocorreu durante o primeiro an-
tais inferiores a 50 Gy e com mais freqüência identificadas e o segundo pico entre o segundo e o quinto ano após .
em casos em que as doses superam 65 Gy. Nesses casos, a radioterapia. Nesse contexto, urna informação interessante
osteorradionecrose inicia-se no interior do tecido ósseo, pode ser identificada no que diz respeito aos traumas de-
com o posterior rompimento da mucosa da boca, sendo sencadeadores de osteorradionecrose nos diferentes pico*
o primeiro sinal a identificação de imagens radiolúcidas e de incidência: as cirurgias oncológicas são responsáveis
pouco definidas em exames radiográficos de controle pós- por 50% dos fatores desencadeantcs no primeiro pico, oTa
operatório. seja, durante o primeiro ano após a radioterapia, devid:
Os tipos de aparelho e o modo com que são emprega à necessidade de intervenções cirúrgicas para controle d:
dos nos tratamentos radioterápicos dos tumores de cabeça recorrências tumorais; no entanto, após o crítico període
e pescoço têm sido relacionados com o desencadeamento de possibilidade de recidivas tumorais, os fatores mais cc
da osteorradionecrose. A associação da teleterapia com a muns de desencadeamento de osteorradionecrose são d:
braquiterapia tem sido apontada como um importante fa origem bucodentária e representam 60% dos casos durante
tor de risco desse desencadeamento. o segundo pico de incidência. Aparentemente, há um des
A osteorradionecrose induzida por trauma representa cuido dos profissionais em períodos mais tardios, quand
aproximadamente 90% dos casos. Vários fatores têm sido os pacientes procuram tratamentos reabilitadores com o in
reportados na literatura como de risco, entre eles: sítio ana tuito de melhorar sua qualidade de vida e são submetidos z
tômico do tumor primário, estádio clínico do tumor, trata procedimentos cirúrgicos odontológicos, como exodontia-
mento cirúrgico, dose e tipos de radiação, condições bucais cirurgias periodontais etc.
e tempo entre o fim da radioterapia e o aparecimento do
processo. Em relação ao sítio anatômico do tumor primá pn
rio, ncoplasias localizadas na cavidade bucal apresentaram Tratamento
maior risco de desenvolver osteorradionecrose que outras O tratamento da osteorradionecrose não pode ser es
neoplasias de outras localidades anatômicas, provavelmen tabelecido por um protocolo rígido para todos os casos
te pelo fato de os tratamentos cirúrgicos dos tumores de cada caso deve ser avaliado individualmente. Hoje ná_
boca consistirem em osteotomias e/ou ostectomias neces existe um protocolo aceito por todas as instituições. Nc
sárias para a ressecção tumoral, representando um trau contexto exposto, devemos estar cientes da patogênese da wl a
ma maior para o tecido ósseo. Outro fator analisado foi o osteorradionecrose a fim de empregar o tratamento melh :
estadiamento do tumor primário; os tumores inferiores a e menos custoso, tanto para o paciente como para o profis
T4 não influenciaram no aparecimento de osteorradione sional. Ao relembrarmos que até meados da década de 19$1
crose, porém, em neoplasias que invadiram o tecido ósseo a osteorradionecrose foi considerada um problema prino
subjacente, houve aumento acentuado do risco de desen paimente infeccioso, verificamos que o tratamento consistia
cadeamento do processo. As razões identificadas para esse basicamente na tentativa dc identificação e eliminação do*
risco maior estão relacionadas a tumores irressecáveis sub agentes que infectavam as feridas após o rompimento dz
metidos à radioterapia, evoluindo para necrose tumoral, e barreira protetora da mucosa. O termo osteorradiomieliu
cirurgias agressivas com tempo insuficiente de cicatrização empregado amplamente nessa época, baseava-se no princ*
da ferida cirúrgica previamente ao início da radioterapia. pio da infecção do tecido ósseo irradiado exposto ao me:
Outra informação interessante encontrada nesse estudo foi bucal contaminado. Nesse período, o tratamento caracten-
o risco aumentado de desenvolver osteorradionecrose em zava-se pela limpeza e debridamento da ferida com soluções
pacientes NO, ou seja, com ausência de liníonodos cervicais an ti microbianas e instrumentos cortantes, respectivamente
no momento do diagnóstico. A razão para tal fato é que esses A utilização de antibióticos por longos períodos e em alta
pacientes apresentaram melhores taxas de cura e sobrevida dosagens era freqüente. Os procedimentos cirúrgicos utili --i
e por isso foram mais suscetíveis a desenvolver o problema zados eram de pequeno porte c somente empregados em
ao longo dos anos, graças à exposição aos fatores de risco casos cm que fosse identificada a formação de sequestro*
de origem bucodentária. ósseos. O uso de analgésicos c antiinflamatórios era reser
Existe muita discussão quanto ao risco de desenvolvi vado aos momentos de agudização do processo para o cor.
mento de osteorradionecrose em relação ao tempo decor trole da dor e dos sinais ílogísticos.
rido após o fim da radioterapia. As injúrias aos tecidos pro Com o melhor conhecimento da patogênese da osteor
vocadas pela radiação parecem ser progressivas ao longo radionecrose e o advento da oxigenação hiperbárica, o tra
dos anos, e de intensidade cada vez mais severa. Em nosso tamento tem visado principalmente melhorar as condiçõe
estudo identificamos dois picos de incidência de osteorra de hipóxia local pela revascularizaçâo dos tecidos irradia
dionecrose induzida por trauma, mas em média o período dos e sua associação com intervenções cirúrgicas. A terapia
C O M P L I C A Ç Õ E S O R A I S D O T R A T A M E N T O O N C O l O G C : IT?
. ti oxigênio sob alta pressão atmosférica cem sido empre desses profissionais, menores serão as iatroger -- rr
ga por muitos anos nas mais variadas áreas médicas. O cadas pelo tratamento. A osteorradionecrose, >cr._
«ferro alcançado por essas a/tas pressões sobre o organismo seqüeía originária do tratamenro cirúrgico-radioterar .
' imano é essencialmenre mecânico e se relaciona à ação de de cabeça e pescoço, e desencadeada principalmentc
=-i>sas de gases. Além dessa ação mecânica, obtém-se uma maneira traumática, pode ser uma complicação pass/.:
serie de efeitos biológicos que são de grande utilidade para de prevenção e/ou de minimização. Sabemos, pek .
tratamento de muitas patologias, em especial relaciona foi exposto, que a cirurgia de resgate na área de cabeça r
is à isquemia, hipóxia e infecção. Esses efeitos fisiológicos pescoço representa 50% dos fatores de risco responsável
I) causados pela hiperoxigenação do tecido, que sofre um pelo desencadeamento de osteorradionecrose no prime:* >
ncremento dc 20% a 30% do conteúdo de oxigênio no ano após a radioterapia, por algumas razões que, na ma: - -
angue durante a aplicação em pessoas normais e de até ria das vezes, poderiam ser prevenidas. Além do próp-
ter z«er-»ar ò em pacientes com anemia. Os efeitos conhecidos pro trauma da cirurgia sobre os tecidos, esse sim não passh c
56 ~H25 CS- sados pela oxigenação hiperbárica são: neovasculariza- de prevenção, nessas cirurgias é freqüente que ocorrarr
pese são £ io, angiogênese, aumento da atividade celular, bacrericida problemas relacionados com fixação interna rígida, osteo-
■CS : >u bacteriostática, aumento da colagenase etc. tomia próxima e secção de raízes dentárias, arestas óssea'
ki ^ ao- Uma série de patologias pode ser tratada de forma ex- remanescentes cortantes, que imediatamente podem de
- -siva ou combinada com oxigenação hiperbárica (HBO). sencadear a osteorradionecrose. Portanto, o planejamen
- osceorradionecrose é apenas uma delas, e o emprego da to cirúrgico entre o médico e o dentista é extremamente
-’BO combinada com cirurgia tem sido uma modalidade importante, visando eliminar focos infecciosos de origerr
terapêutica amplamente utilizada por várias instituições, dentária, evitar osteotomias cm regiões de ápices radicula-
-rualmente, parece consensual que a osteorradionecrose res e empregar os melhores métodos de fixação e conten
deva ser manipulada inicialmente de maneira conservado- ção maxilomandibular.
' t, por meio de debridamento e limpeza da ferida cirúrgica As osteorradionecroses induzidas por trauma, origi
- m soluções antimicrobianas, antibioticoterapia e cirurgias nadas cm períodos mais tardios e desencadeadas principal
ic pequeno porte (seqüestrcctomia). Em casos refratários mente por procedimentos odontológicos podem e devem
tratamento conservador, deve-se indicar a terapia de oxi- ser evitadas por meio de uma avaliação odontológica prévia
r-nação hiperbárica associada com cirurgia. Existem vários à radioterapia. Essa avaliação deve ser ampla e complexa,
:: -tocolos de tratamento com HBO que basicamente con- levando em conta o estado dentário, as condições socioe-
-'tem em trinta sessões diárias de oxigênio a 100%, com conômicas e culturais do paciente, o prognóstico e plane
“ressào de duas atmosferas, de noventa minutos cada uma, jamento do caso e a estrutura física de atendimento, para
mando essa terapêutica é realizada de maneira exclusiva. que se determine, em cada caso, a melhor conduta odonto
1>'C protocolo pode ser intercalado por procedimento ci- lógica anterior à radioterapia. Pacientes que apresentarem
rirgico, realizando-se vinte sessões pré-operatórias e dez riscos maiores de cárie de radiação (complicação descrita
sessões pós-operatórias. O tratamento com oxigênio puro anteriormente) devem ser orientados e submetidos a exo-
-■-de ser realizado com o uso de uma máscara ajustada ao dontias previamente à radioterapia. Nos casos em que esses
paciente, colocado no interior de uma câmara pressurizada riscos forem menores, os pacientes devem ser orientados e
. :m ar conhecida como câmara multiplace (vários lugares). motivados a manter a boa condição dos dentes por meio
Esse método de aplicação da terapia tem a vantagem de rea- de medidas preventivas de higienização, que incluem uti
kzãr o tratamento em vários pacientes de maneira simulrâ- lização de flúor tópico em domicílio e visitas regulares ao
*ea, mas necessita do acompanhamento de um membro da dentista para detecção e tratamento de cáries e problemas
r:aipe no interior da câmara. Outro método de aplicação periodontais incipientes.
i utilização das câmaras denominadas monoplace (um lu- Uma grande discussão na literatura refere-se ao tem
çar), que são portáteis e não requerem máscaras. po necessário de cicatrizaçáo da ferida cirúrgica antes do
Apesar de tudo que foi exposto, o tratamento da os- início da radioterapia, variando esse período de cinco a
- Tradionecrose é extremamente difícil e os resultados trinta dias. Nossa experiência mostra que esse tempo é ex
io são previsíveis; a melhor maneira de manejo é sua tremamente variável de paciente para paciente, tornando
prevenção. imprescindível a avaliação clínica pós-operatória em todos
os casos. Porém, julgamos que somente a cicatrizaçáo ini
cial da mucosa bucal seja suficiente para a liberação do pa
Bievenção ciente para o tratamento radioterápico, o que demora em
O cirurgião-dentista e os médicos radioterapeuta e de média de sete a catorze dias. Após o início do tratamento
- beça e pescoço são responsáveis pela prevenção e pelo irradiante, o paciente deve ser acompanhado semanal
Titamenro dos efeitos secundários da terapia oncológi- mente durante toda a terapia, visando minimizar os efeitos
- : portanto, quanto mais harmonioso o relacionamento imediatos da radiação, como a mucosite e a xerostomia.
328 TEMAS EM PStCO-ONCOLOGIA
por meio de soluções específicas para mucosire e saliva minada pelos efeitos indiretos dessas medicações sobre :
artificial. Nessa fase, pacientes portadores de próteses re organismo dos pacientes, que estabelecem condições ;:
movíveis são orientados a utilizar somente o necessário a imunossupressão, anemia e plaquetopenia. Essas alteraçe-r
fim de evitar possíveis traumas na mucosa bucal inflamada. hematológicas podem provocar o aparecimento de infecçc-r-
Terminada a radioterapia, novas próteses devem ser plane oportunistas (bacterianas, virais ou fúngicas), sangramenr
jadas e confeccionadas considerando as amais condições espontâneos ou induzidos, além de sintomas locais.
bucais, com a utilização de materiais menos resilientes e
condicionadores de tecido.
Outra situação clínica que requer atenção quanto à Mucosite oral
prevenção de osteorradionecrose é a de pacientes irradia A mucosite é a principal complicação oral decorre-
dos que apresentaram cárie de radiação. Nesses casos deve te da quimioterapia. Geralmente, essa alteração apare:,
mos procurar utilizar todos os recursos oduntológicos pos entre a primeira e a segunda semana após um ciclo q_
síveis com a finalidade de manutenção dos dentes, mesmo mioterápico e varia de um simples desconforto local
que sejam necessárias “amputações das coroas” seguidas de condições extremamenre dolorosas, com formação òt
tratamento endodôntico e obliteração dos condutos radicu- úlceras múltiplas na boca, resultando em grave disfag _
lares com materiais restauradores. Esse procedimento evita Clinicamente, esse quadro é semelhante ao da mucos::;
a necessidade de exodontia e proporciona a possibilidade induzida pela radioterapia. Os casos mais graves de muc
de confecção de próteses parcial ou totalmente removíveis, site, caracterizados pelas lesões ulceradas, são uma pon
reabilitando o paciente sem que seja exposto a riscos de
de entrada para os microorganismos da boca e orofarinç;
desenvolvimento de osteorradionecrose.
criando alto risco de bacteremia e, conseqüentemente. ::
sepse. Hoje é sabido que, quanro melhores são as conc
ções de saúde bucal, com manutenção de boa higiene *1
Trismo
e orientação sobre cuidados locais, menores são os risc
Essa complicação do sistema estomatognático decor
de desenvolvimento da mucosite oral. Portanto, pacientr
re da fibrose dos músculos mastigatórios envolvidos nos
que serão submetidos ao tratamento quimiocerápico àt-
campos de radiação, associada freqüentemente com a ci-
vem realizar uma cuidadosa avaliação odontológica pr;
catrizaçáo pós-operatória de cirurgias oncológicas. Com a
via, visando à identificação de possíveis focos infeccio^
alteração da abernira bucal, a qualidade de vida do paciente
sua eliminação imediata.
piora, em razão das dificuldades de mastigação, manuten
ção de higiene oral adequada e, por fim, da impossibilidade
de execução de procedimentos reabiliradores, por exemplo Infecções oportunistas
próteses dentárias. Nesse contexto, os pacientes são orien
Essas complicações bucais decorrem da condição ie
tados a realizar fisioterapia no pós-operatório e a continuar
imunossupressão que os pacientes desenvolvem por
com os exercícios fisioterápicos por alguns meses após o
indireta das drogas antineoplásicas. O organismo imun.-r
fim da radioterapia. Os exercícios são geralmente bastante
suprimido está bastante sujeito a desenvolver infecçõe^ r
simples e podem ser realizados em domicílio com o auxílio
cais a partir de problemas dentários (dentes com problema
de prendedores de roupa, espátulas de madeira ou da pró
periodontais avançados, cáries extensas, lesões apicais cr -
pria palma da mão. Os pacientes são instruídos a realizar
nicas etc.), como também de infecções oportunistas (bac*:
os exercícios após aplicação de calor (depois do banho) na
região massetérica, procurando fazer movimentos mandi- rianas, virais e fúngicas). Entre essas infecções, a mais r
bulares de abertura da boca e desvios laterais. Atualmente, qíiente é a candidíase (monilíase), infecção fúngica cau'_^
existem estudos de tratamento do trismo após a radiotera principalmente pela Candida albicans, que faz parte da f!: -
pia com o uso concomitante de vitamina E c pentoxifilina. microbiana normal da boca e, em regra, não afeta pes^ .
No entanto, os resultados, apesar de animadores, ainda não cujo estado de saúde é considerado normal. A candic::.
são amplamente conhecidos. pseudomembranosa é a mais comum, sendo caracterizada
por placas brancas distribuídas por toda a mucosa, vulgs:
mente conhecidas como sapinho. O tratamento consist- ::
Odontologia e quimioterapia melhorar a higiene bucal e aplicar terapia antifúngica (: _:
A quimioterapia é uma modalidade de tratamento on ca e/ou sistêmica).
cológico amplamente empregada nas terapias de rumores Outra infecção oportunista muito comum é o herr:
sólidos e hematológicos. As complicações orais decorrentes simples. Essa infecção virai está relacionada com o \;r_
desse tratamento acontecem de duas formas: a primeira ca Herpesvirus hominis, que, após a infecção primária (in:i-
racteriza-se pelo efeito direto dos agentes antineoplásicos cia), desloca-se pelos nervos sensitivos e permanece late-
contra as células da mucosa da boca; a segunda é deter te por longos períodos no gânglio trigeminal. A infecçi
COMPLICAÇÕES ORAIS DO TRATAMENTO ONCOLÓGICO 329
mum o uso de pamidronato (Aredia, Novartis). Em dois aviso sobre o possível desenvolvimento de osteonecre-:
dos casos a osteonecrose apresentou-se após exodontias, nos maxilares. A Novartis também recomenda que usuá
e no outro surgiu de maneira espontânea. Todos os casos rios. de Aredia e Zometa evitem cirurgias odontológk
foram submetidos a tratamento cirúrgico, que resultou em invasivas, como exodontias e implantes osseointegradr
espécimes cujos exames histopatológicos revelaram so Ainda não se sabe se a interrupção do uso dos bisfosfor..
mente necrose óssea, sem evidência de doença metastática. tos apresentaria algum significado na diminuição do ri>_
Naquele momento, os autores atribuíram a causa da osteo e da evolução da osteonecrose dos maxilares.
necrose ao tratamento quimioterápico, em razão do des Diante do conteúdo exposto, seguem algumas rec -
conhecimento de possível complicação pelo uso de bisfos- mendações e considerações.
fonatos, mas posteriormenre o fator causal foi retificado, 1. Pacientes oncológicos com doenças avançadas e rr.
indicando a provável indução pelo uso de bisfosfonatos. tastáticas recebem altas doses dos bisfosfonatos mais pote-
Na mesma época, Marx et al. publicaram um estudo tes (nitrogenados), em particular Zometa e Aredia, assoe:
clínico com 36 pacientes portadores de osteonecrose dos dos a drogas quimioterápicas e corticóides. Todos esses ite— ►
maxilares que faziam uso de pamidronato (Aredia, Novar contribuem positivamente para o desenvolvimento de
tis) e zoledronato (Zometa, Novartis) para o tratamento de teonecrose; no entanto, os casos de osteonecrose relatac
doenças ósseas associadas a tumores metastáticos, mieloma apresentam em comum somente o uso de bisfosfonatos.
múltiplo e osteoporose. Os fatores desencadeantes da osteo
2. Existe pouca informação na literatura a respe
necrose na grande maioria dos casos foram procedimentos
to de bisfosfonatos não nitrogenados, menos potente
cirúrgicos odontológicos (exodontias e implantes osseoin-
prescritos freqüentemente no tratamento de osteopor -
tegrados), mas em aproximadamente 30% dos casos esse
se, em relação ao risco de desenvolvimento dc oste -
evento ocorreu de maneira aparentemente espontânea.
crose dos maxilares.
Starck e Epker, em 1995, relataram o caso clínico de
3. Osteonecrose é uma condição resrrira à max _
uma paciente com osteoporose em que o uso de etidro-
mandíbula. Os casos de necrose espontânea apresenr^-i
nato (bisfosfonato) foi apontado como possível causa de
maior incidência na região posterior lingual da mandíH J
insucesso da reabilitação dentária com implantes osseoin-
próxima à linha milo-hióidea.
tegrados. Os autores descreveram a perda da reabilitação
4. A prevenção dessa seqüela é fundamental; p< *-]
protética após cinco implantes osseointegrados, aproxi
tanto, devem-se adotar medidas de prevenção de cár r i
madamente seis meses depois do início do uso de etidro-
e doenças periodontais, evitar a instalação de implar- ►
nato, e recomendaram a contra-indicação de instalação de
osseointegrados e utilizar condicionadores no reemb^.
implantes dentários em pacientes sob terapia por bisfos
fonatos e vice-versa. Até o momento, não temos informa mento de próteses parciais e totais.
ções de publicação adicional sobre os efeiros da terapia 5. Protocolos de prevenção similares aos de osteor.
por bisfosfonatos em implantes osseointegrados m vivo. dionecrose cm pacientes que serão submetidos à rac *-
Clinicamente, a osteonecrose é caracterizada pela ex rapia devem ser estabelecidos também para pacientes q
posição do tecido ósseo necrótico, acompanhado de fís- serão submeridos ao uso de bisfosfonatos, por exempb n
nilas, secreção purulenta e dor local, aspecto clínico bas realização dc exodontias e cirurgias invasivas com te:* :
tante similar ao quadro de osteorradionecrose. Essas duas suficiente de cicatrização antes do início da sua utiliza^ .
seqüelas do tratamento oncológico apresentam muitas 6. Etn pacientes em tratamento com bisfosfonatos ii ■
similaridades, porém são entidades clínicas bastante dis vem-se evitar a realização de exodontias e a insralaçá- _
tintas. Osteorradionecrose, uma seqüela da radioterapia, implantes osseointegrados. Caso alternativas a esses pr •
é caracterizada por alterações tcciduais provocadas pela dimentos sejam impossíveis, o paciente deve ser inforn.a. t
radiação, resultando em um tecido hipóxico, hipocelular, sobre os riscos dc desenvolvimenro de osteonecrose t •
hipovascular e bastante suscetível ao desenvolvimento de cirurgião-dentista preparado para o diagnóstico e traü •
necrose. Já a osteonecrose induzida pelos bisfosfonatos mento dessa complicação.
promove alterações ósseas suficientes para o comprometi Concluindo, a osteonecrose parece ser uma seq2:
mento da capacidade de cicatrização após pequenos rrau- do uso de bisfosfonatos. Esse fato é especialmente imr-op-
mas originários de cirurgias bucais. tante em razão de seu amplo uso médico no tratamento $à
Apesar de poucas informações e muito a ser aprendi várias condições ósseas benignas e malignas. O c o n a j J
do sobre os mecanismos de ação dos bisfosfonatos e seus do presente capítulo visou alertar o cirurgião-dentista.
efeitos, parece prudente alertar os profissionais e pacientes especificamente o implantodontista, sobre a possib:
sobre os riscos em potencial dessa medicação. A Novar de de necrose óssea medicamentosa. O implanrodoc-M
tis, indústria farmacêutica responsável pela fabricação do pode ser o profissional responsável pelo desenvolv •- -j.
Aredia (pamidronato) e do Zometa (zoledronato), acres ro dessa condição; portanro, deve ser capaz tambérr a <
centou recenremenre na bula desses medicamentos um diagnosticá-la e trará-/a.
COMPLICAÇÕES ORAIS DO TRATAMENTO ONCOLÓGICO 331
deferências bibliográficas
Aitasalo, K. et al. “A modified prorocol for early Koka, V. N. et al. “Osteoradionecrosis of the mand -
~ ::ment of osteomyditis and osteoradionecrosis of the ble: suidy of 104 cases treated by hemimandibulectomv '
- d i b l e ” . HeadNeck, v. 20, p. 411-7, 1998. J Laryngol Otol, v. 104, p. 305-7, 1990.
Bhanot, S.; Alex, J. C. “Current applications of Man, D.; Piosker, H.; Wini.and-Brown, J. E. “The
fi:*elet gels in facial plastic surgery”. Facial Plast Surg, v. use of autologous platelet-rich plasma (plasma gel;
p . n . l , p . 27-33, 2002. and autologous platelet-poor plasma (fibrin glue) in
Cárter G. D.; Goss, N. A. “Bisphosphonates and cosmetic surgery”. Plastic Reconst Surg, v. 107, p. 229-
[»- cular necrosis of the jaws”. Aust Dent J, v. 48, n. 4, 37, 2001.
9 268, 2003. Marx, R. E. “Osteoradionecrosis: a new concept
Cheng, V S. T.; Wang, C. C. “Osteoradionecrosis of its pathophysiology”. 7 Oral Maxillofac Surg, v. 41, p.
pfthe mandiblc rcsulting from externai megavoltage radi- 283-8, 1983.
* n therapy”. Radiology, v. 1 1 2 , p. 685, 1974. ______. “Pamidronate (Aredia) and zoledronate (Zo-
Coleman, J. J.; Wooden, W. A. “Mandibular recon- meta) induced avascular necrosis of the jaws: a growing ep-
~~~rrion with composite microvascular tissue transfer”. idemic”.7 Oral Maxillofac Surgr v. 61, p. 1115-7, 2003.
te / Surg, v. 160, p. 390-5, 1990. ______ . “Platelet-rich plasma: evidence to support its
Curi, M. M.; Dib, L. L. “Osteoradionecrosis of the use”.7 Oral Maxillofac Surg, v. 62, p. 489-96, 2004.
\m : a retrospective study of the background factors and Marx, R. E.; Johnson, R. P. “Studies in the radiobiology
~ :ment in 104 cases”.} Oral Maxillofac Surg, v. 55, p. of osteoradionecrosis and their clinicai significance”. Oral
- -4, 1997. Surg Oral Med Oral Pathol, v. 64, p. 379-90, 1987.
Curi, M. M.; Dib, L. L.; Kowalski, L. P. “Management Marx, R. E. et al. “Platelet-rich plasma: growth factor
j«i refractory osteoradionecrosis of the jaws with surgery enhancement for bone grafts”. Oral Surg Oral Med Oral
m adjunctive hyperbaric oxygen therapy”. bit] Oral Ma- Pathol Oral Radiol Endod, v. 85, n. 6, p. 638-46, 1998.
- fac Surg, v. 29, p. 430-4, 2000. Meio, M. D.; Obeid, G. “Osteonecrosis of the maxilla
Ducrillon, A. et al. “Autologous concentrated in a patient with a history of bisphosphonate therapy”. J
m - iet-rich plasma (cPRP) for local Application in bone Can Dent Assoe v. 71, n. 2, p. 111-3, 2005.
Éfr:neration”. bit J Oral Maxillofac Surg, v. 31, n. 6, p. Merkesteyn, J. P R.; Bakker, D. J.; Borgmeijer-Hoe-
■* 5-9, 2002. i.en, A. M. M. J. “Hyperbaric oxygen treatment of osteo
Epstein, J. B.; Wonc, F. L. W.; Stevenson-Mcxwe, P. radionecrosis of the mandible. Experience in 29 patients”.
r*fo:eoradionecrosis: clinicai experience and a proposal Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v. 80, p. 12-6, 1995.
m ' dassification”. / Oral Maxillofac Surg, v. 45, p. 104- Miguorati, C. A. “Bisphosphanates and oral cavity
t».. 1987. avascular bone necrosis”. 7 Clin Oncol, v. 21, n. 22, p.
Freymiller, E. G. “Platelet-rich plasma: evidence to 4253-4, 2003.
■-:?ort its use”. J Oral Maxillofac Surg, v. 62, n. 8, p. Mont, M. A. et al. “Osteonecrosis of the femoral
»^-8, 2004. head. Potential treatment w i t h growth and differenti-
Freymiller, E. G.; Aghaloo, T. L. “Platelet-rich ation factors”. Clin Orthop, v. 355 (Suppl), p. 314-35,
■. .Tia: ready or not?”7 Oral Maxillofac Surg, v. 62, n. 4, 1998.
- -S4-8, 2004. Neovius, E. B.; Ijnd, M. G.; Lind, F. G. “Hyperbaric
Greenberg, M. S. “Intravenoiis bisphosphonates and oxygen therapy for wound complications after surgery in
Kconecrosis”. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Ra- the irradiated head and neck: a review of the literature
- Efidod, v. 98, n. 3, p. 259-60, 2004. and a report of 15 consecutive patients”. Head Neck, v.
Hao, S. P. et al. “Systematic management of osteora- 19, p. 315-22, 1997.
- lecrosis in the head and ncck”. Laryngoscope, v. 109, Oyama T. et al. “Efficacy of platelet-rich plasma in
? .324-8, 1999. alveolar bone grafting”. J Oral Maxillofac Surg, v. 62, n.
Hidalgo, D. A. “Fibula free ílap mandibular recon- 5, p. 555-8, 2004.
“.ction”. Clin Plast Surg, v. 21, p. 25-35, 1994. Pogrel, M. A. “Bisphosphonates and bone necrosis”.
Jaquiery, C. et al. “Reconstruction of maxillary and man- 7 Oral Maxillofac Surg, v. 62, n. 3, p. 391-2, 2004.
defects using prefabricated microvascular fibular grafo Robinson, N. A.; Yeo, J. F. “Bisphosphonates - A
osseointegrated dental implants - A prospecrive study”. word of caution”. Ann Acad Med Singapore, v. 33, n. 4
Oral Implants Res, v. 15, n. 5, p. 598-606, 2004. (Suppl), p. 48-9, 2004.
Kluth, E. V. et al. “A study factors contributing to the Rosen, I. B. et al. “Application of microvascular free
- -iopment of osteoradionecrosis of the jaws”. J Prusthet osteocutaneotis flaps in rhe management of post-radiation
Jtesr, v. 59, p. 194-201,1988. recurrem oral câncer”. Am J Surg, v. 150, p. 474-9, 1985.
332 TEMAS EM P S I C O - O N C O LO G I A
Ruggiero, S. J.; Rosenberg, T. J.; Engroff, S. L. oradionecrosis of the mandible”. Head Neck, v. 19, -
“Osteonecrosis of the jaws associated with use of bisphos- 406-11, 1997.
phonates: a review of 63 cases”. ] Oral Maxillofac Surg, v. Starck, I. W. J.; Epker, B. N. “Failure of osscointec-
62, p. 527-34, 2004. rated dental implants after diphosphonate therapy for o*-
Schilephakk, H. “Bone growth factors in maxillofa- teoporosis: a case report”. Int J Oral Maxillofac. Implanu.
cial skeletal reconstrtiction”. Int J Oral Maxillofac Surg, v. v. 10, p. 74-78, 1995.
31, n. 5, p. 469-84, 2002. Thorn, J. J. et al. “Autologous hbrin glue with grow
Schmitz, J. Hollinger, J. O. “The biology of factors in reconstrucrive maxiJJofacial surgery”. Int] Oral
platelet-rich plasma”. / Oral Maxillofac Surg, v. 59, n. 9, Maxillofac Surg, v. 33, n. 1, p. 95-100, 2004.
p. 1119-21,2001. Urken, M. L. et al. “Oromandibular reconstructi -
Schusterman, M. A. et ai “A single center’s experi- using microvascular composite flaps”. Arch Otolaryng
ence with 308 frce flaps for repair of head and neck câncer Head Neck, v. 124, p. 46-55, 1998.
defects”. Plast Reconstr Surg, v. 93, p. 472-80, 1994. Wang J.; Goodger, N. M.; Pogrel, iVl. A. “Ostc
Schwartz, H. C. “Osteonecrosis and bisphosphona- necrosis of the jaws associated with câncer chemotherap>
tes: correlation versus causation”. J Oral Maxillofac Surg, / Oral Maxillofac Surg, v. 61, n. 9, p. 1 104-7, 2003.
v. 62, n. 6, p. 763-4, 2004. WONC, J. K.; Wood, R. E.; McLEAN, M. “Conserr-
Shaha, A. R. et al. “Resection and immediate mi- ative management of osteoradionecrosis”. Oral Surg O
crovascular reconstruction in the management of oste- Med Oral Palhol, v. 84, p. 16-21, 1997.
PARTE VII
INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS
REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DO PACIENTE
COM CÂNCER
A ngela D amasio da C unha ; F rida A bezgauz R umen
■
336 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
Sempre escolhia o que e com quem desejava falar sobre encaminhada, pela mastólogià, ao ambulatório do serviv.
a sua situação, na maioria das vezes, de maneira indireta de oncologia clínica de um hospital público da cidade :
ou simbólica. Rio de Janeiro, em 2004, com o diagnóstico de carcinoma
O setor de atendimento psicossocial da casa traçou ductal infiltrante, localmente avançado, na mama esquerda
estratégias de intervenção efetivas da fase de diagnóstico A conduta médica indicada - quimioterapia neo-adjuvan:..
da doença até a morte de J. G., com o objetivo de ampliar visando reduzir o rumor, para provável mastectomia
e equilibrar competências e desempenho, diminuir o im dical - não surtiu o efeito esperado e a disseminação cLis
pacto das situações de risco e fazer que utilizasse todos os metástases para os ossos contra-indicou a cirurgia. O t:_
seus recursos disponíveis: os pessoais, as redes de apoio tamento oferecido, radioterapia c quimioterapia, passou
social c da comunidade. objetivar o controle, e não mais a cura da doença.
Algumas ações imples foram logo implementadas v i O serviço de psico-oncologia atendeu M. E. logo apo*
sando diminuir as perdas. Foram providenciados alimen- a primeira consulta com a oncologista. Chorando mui: .
tos dejjua região, o que melhorou consideravelmente sua falava do medo de morrer e de deixar as duas filhas com o
alimentação. Uma parceria com uma empresa de relefonia marido, também doente - portador de afecção neurolcç
permitiu o uso dc um cartão telefônico semanal para que ca, a qual praticamente não tratava - e agressivo, irrespt
pudesse falar com seu pai, seu grande ídolo. Algumas ati sável; dizia que o doente cra ele e não ela. Não entendi:: r
vidades de lazer foram planejadas para J. G. e os outros não aceitava o que estava acontecendo. Veio sozinha à c< -
adolescentes da casa de apoio, sendo a escolha do local sul ta, trazida por um carro da prefeitura da cidade or.c-r
feita por eles, o que os aproximou c permitiu a criação de morava, a uma hora e meia da capital do Rio de Janei: .
novos e fortes laços de amizade. Dizia também que não conseguia compreender por c_-
Com o fortalecimento do vínculo com as terapeutas, não teria a mama operada se isso aconteceu com todas »
J. G. foi permitindo que seus desejos e sentimentos fossem pessoas conhecidas que tinham o mesmo problema.
descobertos e compreendidos, abrindo um espaço para es- Ao longo das consultas posteriores outras questõri
rabeleccr metas de vida e buscar alcançá-las. surgiram. O ganho financeiro da família dependia pr -
A perda da escolaridade foi substituída por atividades cipalmente do seu trabalho, já que o marido recebia
em que desenvolvia o raciocínio, a lógica, a compreensão nas o auxílio-doença da Previdência Social. A limitac
e a interpretação, entre outras habilidades necessárias para funcional do braço esquerdo a impedia de trabalhar r.
a sua ação no mundo. Paralelamente, começou a aprender quele momento. Além disso, estava muito debilitada pe. v
informática, seu grande sonho. Seu interesse em aprender efeitos adversos da quimioterapia, em especial o enjôc. *
era tão grande que rapidamente dominou os conteúdos e náusea c a fadiga. A preocupação com o futuro e o me. >
passou a estagiar na área administrativa da casa de apoio. de morrer a deixavam muito ansiosa, e ela afirmava es-:
Sentia-se incluído, necessário e valorizado. Estava feliz por deprimida. O sono foi bastante prejudicado, como ccr-
estar produzindo e por suas necessidades estarem, de fato, seqüência desse quadro. O conforto maior acontecia : >
sendo levadas em conta. Baseado em uma solicitação da culto evangélico que frequentava com as filhas.
instituição, fez questão de criar uma planilha de controle, Atualmente, com três anos de sobrevida, a análise c i
que é utilizada até hoje pelos funcionários. percurso do enfrentamento da doença e do processo
Na fase final, demonstrava saber da gravidade de seu reabilitação psicossocial de M. E. nos revela alguns pon: i
estado, mas lutou, após decidir o que queria fazer, para, fundamentais.
com uma participação ativa, deixar sua marca no mundo. A atenção ao cuidado integral do paciente onco -
Mesmo com a progressão da doença, J. G., por um gico, oferecida pela equipe interdisciplinar desse serviç .
bom tempo, não demonstrou muita fragilidade física ou permitiu que M. E. tivesse suas necessidades psicossoe: »
psíquica, o que permitiu sua atuação na área administra diagnosticadas e atendidas como parte de seu rratamen:
tiva da instituição acé o início da semana em que morreu. A primeira delas, a necessidade de compreensão^: i
Ele readquiriu o controle de sua vida, deu um sentido a ela peculiaridades do seu câncer, das indicações terapêutica*
e, com autonomia, pôde efetuar suas escolhas, que con específicas e da finalidade não curativa do tratamento, _ -
tribuíram para a sua reabilitação psicossocial. J. G. teve mandou um trabalho conjunto da oncologista, das ení;>
respeitadas as suas potencialidades, competências c limi meiras, da psicóloga e da médica paíiativista. A inforr -
tações, podendo gerar normas e ações para viver até o fim ção adequada, em linguagem apropriada, com clarez- :
com qualidade. objetividade, abada à consolidação do vínculo de confiar.-
ça com sua médica, esclareceu dúvidas e reforçou a ade>z :
ao tratamento. A administração de ansiolftico contevc~>
Caso 2 descontrole emocional e melhorou a qualidade do sonu.
M. E., 38 anos, empregada doméstica, casada, com Não houve indicação de uso de antidepressivo. Oriente
duas filhas (de 12 e 14 anos) e nível de instrução básico, foi ções sobre o autocuidado das lesões na mama, além c;
REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL DO PACIENTE COM CÂNCER 339
: .aminhamento para a fisioterapia, também foram im- carentes, na prefeitura. No intervalo de um mês, sua fi
■ rtantes. Passo a passo, a participação de M. E. tomou- lha mais velha foi contratada, tendo sido garantido que
v mais ativa. A restauração do controle cognitivo e emo- a mais nova também seria chamada quando completasse
aonal da situação, nesse momento, foi decisiva para que 14 anos. A perspectiva de autonomia das filhas trouxe, de
*--icsse não só dispor dos recursos pessoais habitualmentè fato, grande alívio. Por outro lado, M. E. também buscou
zados no cnfrentamcnto ac situações de crise, como recursos na própria comunidade, no posto de saúde local e
■"bém abrir perspectivas para que encontrasse novas es- no conselho tutelar para lidar melhor com o marido doen
T^régias de adaptação. te. A atitude de assertividade, antes desconhecida, passou
Unia dessas estratégias foi assumir o papel de “agente a fazer parte de seu repertório.
- - saúde informar na sua comunidade. M. E. passou a vir A fé religiosa e o envolvimenro nas atividades da igreja
là' consultas com a irmã ou com amigas, não com a intenção também foram importantes para a reabilitação psicossocial
Cc *er acompanhada por elas, mas de que fossem examina- de M. E. Ela organizou grupos dc visita a pessoas enfermas
c_'. por suspeitar que também tivessem câncer de mama. - que precisavam mais do que ela, segundo dizia - e aceitou
: hora tenha sido solicitada a presença de um cuidador, coordenar o coro das crianças. Assim, ao ajudar e ser aju
. notícias sobre a evolução da doença c do tratamento têm dada, estabeleceu um padrão de cnfrentamcnto eficiente, já
* c • dadas à própria M. E., já que o marido não participa que se reconhecia como doente, mas não incapaz.
jlas consultas mesmo quando vem com ela, no carro da A inclusão de novos papéis e a reformulação de ou
”, feitura, e as filhas ainda são menores dc idade. tros delinearam uma perspectiva menos sombria, apesar
O tema mais recorrente - o futuro das filhas, depois do prognóstico limitado e das inquietações diante dele.
:t >ua morte - foi tratado sob vários aspectos. A reabilita-
ç: - para o trabalho foi um deles. As limitações funcionais
íecorrentes da extensão do tumor e dos efeitos da qiumio- Considerações finais
irnpia a impediam de executar tarefas que envolvessem A eficácia dos novos tratamentos oncológicos e o
ssrorço físico. M. E. e as filhas, juntas, buscaram alterna- conseqüente aumento da sobrevida chamam a atenção
tv3s de renda para a família. As três passaram a vender para o surgimento de seqüelas físicas e psicológicas que
s:r.3uíches e docinhos, feitos em casa, na escola, na rodo- podem comprometer a qualidade dc vida do paciente.
■ -fia e na igreja. Ao mesmo tempo, M. E. foi orientada Dessa forma, o foco do cuidado agudo amplia-se e passa
. ^rocurar a secretaria de Assistência Social de sua cidade a englobar o manejo do estresse e dos efeitos, a médio e a
•--a pleitear o benefício a que tinha direito. Lá, também longo prazo, do câncer e de seus tratamentos no bem-estar
1 informada de um projeto de emprego para menores completo, biopsicossocial e espiritual.
Referências bibliográficas
Amarantk, P. (org.). Loucos pela Ma: a trajetória da Mandelblatt, J. S. et al. “Proposed agenda for the
nna psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Na- measurement of quality-of-care outeomes in oncology
- nal de Saúde Pública, 1995. practice”. Journal of Clinicai Oncology, v. 17, n. 8, p.
Amin, V; Silva fii.ho, J. F. Reabilitação: da ergonomia 2614-22, 1999.
. Cadernos do Ipub, Rio de Janeiro, 1995. Organização Mundial de Saúde (2001). Relatório
Carvalho, M. M. M. J. de (coord.). Introdução à sobre a saúde no mundo - saúde mental: nova concepção,
o-oncologia. Campinas: Psy, 1994. nova esperança. Disponível em: <http://www.dgsaude.
Dietz Jr., J. H. Rehabilitation oncology. Nova York: pt/upload/membro.id/ficheiros/i006020.pdf>. Acesso em:
Viey, 1981. 8 nov. 2007.
Holland. J. C. “Psychological care of patients: psy- PiTTA, A. (org.). Reabilitação psicossocial no Brasil.
mt >oncology’s contribution”. Journal of Clinicai Oncol- São Paulo: Hucitec, 1996.
- . v. 21, supl. 23, p. 253-65s, 2003. Saggese, E.; Leite, L. C. “Saúde mental na adolescên
Jorge, M. S. B.; Silva, W. V da; Oliveira, F. B de
cia: um olhar sobre a reabilitação psicossocial”. Cader
'ís.). Saúde mental: da prática psiquiátrica asilar ao ter-
nos Juventude, Saúde e Desenvolvimento, Ministério da
L*:ro milênio. São Paulo: Lemos, 2000.
Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Brasília, v. 1, p.
Katz, A. “The sounds of silence: sexuality informa-
197-205, 1999.
: m for câncer patients’'. Journal of Clinicai Oncology, v.
Saracf.no, B. “Reabilitação psicossocial: uma estratégia
- .n. 1, 2005, p. 238-41.
para a passagem do milênio”. In: Pitta, A. (org.). Reabilita
Kuff., D. W. et al. Câncer medicine 6. 6. ed. Hamilton/
ção psicossocial no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.
[L .viston: BC Decker, 2003.
340 T E M A S E M P S I C 0 - 0 N C 0 L 0 G I A
Tunkel, R.; Passik, S. “Rehabilitation”. In: Hoi land, cer”. Journal of Clinicai Oncology, v. 25, n. 13, p. 1691-'.
J. C. et al. (eds.). Psycho-oncology. Nova York: Oxford 2007.
University Press, 1998, p. 828-36. World Health Organization. International cias.
Valle, E. R. M. Câncer infantil: compreender e agir. fication of impairments, disabilities, and handicaps: .
Campinas: Psy, 1997. manual of classification relating to the consequences s
Wilson, K. G. et al. “Suffering wich advanced cân disease. Genebra: World Health Organization, 1980.
PSICOTERAPIA
R egina P aschoalucci L iberato ; V icente A ugusto de C arvalho
~^..imos de sonhos, fantasias, imaginação, de voos, de E se o encontro de fato acontecer, assim como o pen
• ada, de margem, /ògo, paixão, de homens e mulheres, sador e médico psiquiatra Cari Gustav Jung vislumbrou,
comunidades utópicas, relações, amizades, de criativi certamente as duas pessoas não serão mais as mesmas. Se
dade e de Ser. rão transformadas alquimicameme.
Lesas idéias, símbolos e modos de ser representam meu re- Para sempre.
-ascimento para a vida. Esse círculo sagrado que nos abar-
- hoje simboliza a nova vida que foi criada por meio de
wvnha relação com você.
Conceitos gerais em psicoterapia
ra estou aprendendo a fazer essas coisas por mim mesma e Muitos são os significados atribuídos à psicoterapia.
:i descobrindo que tudo é sagrado, que tudo tem sentido. Caracteriza-se como um evento que começa no ins
. ibém descobri uma fonte eterna de força e de profunda tante em que duas pessoas se colocam face a face.
. -gia, em cujos domínios profundos eu progressivamente Sentado ou deitado, o paciente discorre sobre seus
cprendo a ter acesso à minha alma e a cuidar dela. Mi- problemas.
- -• alma fala comigo, e eu continuamente busco meios de Fixa seus olhos na pessoa que está escutando.
Revela com o corpo. Desvela a alma paulatinamentc.
- menta-la, cultivá-la e comunicar-me com ela.
A interação que começa a traçar seu contorno inclui
•_ caminho está bem na minha frente, e não há volta.
duas pessoas interessadas na mesma causa com relativa
Lonnie, Resumo poético de sua terapia (citado em
disponibilidade inicial.
« ons,2000, p. 112)
É uma atividade colaborativa entre o paciente e o te
rapeuta, que visa à descoberta de recursos criativos, que sc
comportam como facilitadores internos e externos.
Introdução
São métodos de tratamento pelos quais uma pessoa
ncontro. treinada, mediante a utilização dc meios psicológicos, es
Espera-se apoio, suporte. Busca de autoconheci- tabelece uma relação profissional com a pessoa que busca
mento. ajuda, visando remover ou modificar sintomas existentes,
Sagrado? retardar seu aparecimento, corrigir padrões disfuncionais
Um encontro entre pessoas que não se conheciam de relações interpessoais bem como promover o cresci
•*:viamente, que não possuem a intimidade necessária mento e o desenvolvimento da personalidade (Wolberg,
rira refletir sobre questões importantes da existência hu- citado em Cordioli, 1998, p. 19).
~ na, muitas vezes complexas, difíceis e dolorosas, mas Diferem em relação às técnicas utilizadas, às teorias
• irarão a maior parte do tempo cm que estiverem juntas nas quais se baseiam, aos objerivos, à frequência das ses
3 «.ando intimamente nas feridas do corpo e da alma. sões e ao tempo de duração.
Em pouco tempo, é provável que ambas formem uma Psicoterapeuta e paciente sentam-se frente a frente,
rirceria de valor. ou então o paciente deita-se num divã e o terapeuta fica
Esperam-se fala e escuta. próximo a ele, alguns do lado, outros atrás, em uma ou
Emoções e expectativas surgirão. mais sessões semanais, quinzenais c até mensais.
Sonhos serão gestados e paridos para o mundo, feito Nas psicoterapias de grupo, um ou às vezes mais de
' _s espalhados pelo ar que se dirigem para afunilar uma um terapeuta encontram-se simultaneamente com vários
"rlodia. pacientes, num mesmo local, com freqüência variável.
342 T E M A S E M P S I C 0 0 N C 0 L O G I A
Suas origens situam-se na medicina antiga, na reli tamentais têm no risco do câncer e na sobrevivência do-
gião, na cura pela fé e no hipnotismo. Foram assimiladas pacientes oncológicos.
ao tratamento das doenças nervosas e mentais apenas no Fornece instrumentos a profissionais para lidar con
final do século XV111, tornando-se uma arte médica restri o paciente inserto em seu meio familiar, voltando-se par;
ta aos psiquiatras. as necessidades desse rodo sistêmico, em que a famíTtã
Desde meados do século XX, temos observado enor os cuidadores são vistos como provedores de cuidado nu-
mes esforços de pesquisa para sua validação por meio da também com carências específicas de cuidados, o que justi
comprovação de sua efetividade e dos seus resultados. fica uma abordagem centrada em suas necessidades ath-u
Como conseqüência, algumas formas vêm impondo- e adaptativas.
<c ao longo do tempo, seja pela comprovação clínica de A possibilidade de repensar a vida com um cunho «i;
sua utilidade no campo da saúde mental e da saúde em recomeço pode proporcionar a reconstrução de valores:
geral, seja pelo resultado das pesquisas. a descoberta dc potenciais ainda desconhecidos.
() conceito de aliança terapêutica refere-se à co Alguns eventos da vida têm uma função social.
laboração e à parceria que devem ocorrer para o bom A aids uos fez pensar nas relações interpessoais, na ex
andamento da terapia entre paciente e psicoterapeuta. pressão das diferenças sexuais, no sistema de cuidados qut
As pesquisas, de forma consistente, têm observado uma adoramos em relação à nossa saúde e ao nosso bem-estar.
correlação entre a qualidade da aliança e os resultados Que reflexões o câncer pode nos propiciar?
terapêuticos. Quais são os ensinamentos e os recursos de expansã •
Para uma boa aliança é indispensável, ainda, um bom da vida resultantes de um evento tão dramático?
vínculo afetivo entre o paciente e o psicoterapeuta. Todos os acontecimentos da nossa existência são bi-
polares. De qualquer evento pode-se extrair estrutura par^
Caracteriza-se, ern parte, por elementos inerentes à
evolução.
relação terapêutica e existentes em qualquer relação hu
O câncer apresenta-se como um grande desafio atuaL
mana de boa qualidade: emparia, calor humano, apoio,
Aínda hoje associado à dor, ao sofrimento e à morte, re
compaixão, amorosidade e autenticidade.
quer tratamentos dolorosos, invasivos, muitas vezes muu-
Baseia-se no uso adequado da relação interpessoal,
ladores, que comprometem a qualidade de vida.
no levantamento e na avaliação dos dados psicodinâmicos
Caracteriza-se como uma doença que impõe mudan
e psicossociais associados aos problemas do paciente.
ças significativas na vida de quem se relaciona com ei
A escuta especializada é a principal ferramenta de tra
ocasionando uma alteração repentina em seu curso, im
balho de um psicoterapeuta.
pulsionando o doente, de maneira imperativa, para nova?
Algumas psicoterapias utilizam especialmente a co formas de enfrentamento do cotidiano.
1
municação verbal e a relação terapêutica com o objetivo
Impõe cuidados que necessitam de uma parcela ct
li
7 «j I
I*
de favorecer o paciente com a possibilidade de alterar
■!■« kl . Ei
tempo considerável, inclusive na administração dos efei
emoções, pensamentos, atitudes ou comportamentos con tos colaterais do tratamento, muitas vezes interferindo n;
siderados desadaprativos. desempenho geral.
Estão presentes e são comuns em qualquer tipo de Mal-estares que colocam em pauta a necessidade de re
psicoterapia a aceitação do paciente e o apoio a ele por pouso em horários imprevisíveis do dia, dificultando o cu m
parte do terapeuta, proporcionando-lhe oportunidade primento de alguns compromissos; provedores que passam
para expressar emoções perturbadoras, o contrato tera ser cuidados por outros componentes da família, que muim
pêutico e uma teoria na qual a técnica específica se fun vezes nunca tiveram essa incumbência; agenda excessivamen
damenta (Orlinsky, Howard e Altshulier, apud Cordioli, te ocupada por visiras aos médicos para a realização de e\:
1998, p. 19). mes e procedimentos necessários ao acompanhamento c_
doença; mutilações que os colocam diante de adaptaç»>
de toda ordem; a dor do abandono de sonhos e projetos
Conceitos gerais: psicoterapia em alguns temporária, outros definitivamente; mudanças signif-
psico-oncologia cativas nos relacionamentos sexuais c nas relações afetivas.
A psicoterapia com pacientes oncológicos sugere uma É muito comum que as pessoas envolvidas decla
rem não conseguir mais viver a vida como antes.
compreensão abrangente sobre aspectos orgânicos, psico
lógicos e fatores sociais. O câncer desestrutura a vida de quem se relaciona
com ele direta ou indiretamente e implanta uma gama át
A psico-oncologia aborda, nos tratamentos, tanto o
experiências que implicam o surgimento dc aspectos emo
impacto do câncer nas funções psicológicas do pacien
cionais conflitivos pertinentes desde o choque do diac
te, da família e da equipe de saúde (unidade cuidadora),
nóstico à incerteza do prognóstico. Esses aspectos estão
quanto o papel que as variáveis psicológicas e compor-
presentes no enfrentamento dos efeitos colaterais da qu
P S I C O T E R A P I A 343
rerapia e da radioterapia, na expectativa da recidiva, tes com câncer, elas não se atêm unicamente aos aspectos
•o medo da dor c do sofrimento de uma morte indigna. psicológicos, mas se propõem a lidar com a dinâmica psi
cossocial que está sempre presente. É natural desejarmos
oferecer programas de assistência psicossocial ao paciente
"tervenções psicossociais e sua família; no entanto, alguns pacientes não apresentam
Quais são os principais elementos componentes de disponibilidade para receber ajuda.
l—.a intervenção psicoterapêutica relacionada a indivíduos A intervenção psicossocial contribui para o tratamen
apresentam uma demanda específica como uma doen- to clínico atendendo às necessidades que surgem durante
grave - que ameaça a vida e propõe mudanças significa- a trajetória do paciente oncológico: desde a situação do
- as no esrilo de vida de quem se relaciona com ela? diagnóstico, o enfrentamento dos tratamentos, à reabilita
Existe um descompasso entre o desenvolvimento ção e aos cuidados paliativos, em busca de melhor adap
T- técnicas ligadas ao tratamento médico e o desen- tabilidade do paciente ou da família aos desdobramentos
Ivimento de técnicas psicoterapêuticas com relação com os quais deparam.
. câncer. Os aspectos emocionais envolvidos nessa As intervenções psicossociais em psico-oncologia
-.manda possuem uma abrangência que se inicia an- podem prover a unidade cuidadora de informações so
*rs mesmo do próprio adoecimento c atingem também bre a doença e seus desdobramentos; oferecer apoio psi
-miliares do paciente. cossocial e psicorerapêutico; propiciar um espaço seguro
Como o câncer ainda é visto como uma ameaça à vida, para a expressão de sentimentos; descobrir meios para
-frentá-Io desencadeia reações emocionais específicas. O a diminuição do estresse, da ansiedade e da depressão;
~edo desencadeado pelo estigma do câncer muitas vezes mobilizar recursos mais criativos para o enfrentamento
carda a procura por serviços médicos e, conseqüente- da doença; aprimorar a comunicação interpessoal; prio
~ente, o diagnóstico, que feito tardiamente pode ter con- rizar a qualidade de vida de maneira mais abrangente;
xqüências graves. e criar um campo fértil para o desenvolvimento da es
Devemos comsiderar também as reações emocionais perança e a busca dc novos significados para o processo
-'acionadas à proximidade dos exames de controle para de viver.
iqueles que já possuem um diagnóstico definido, que tan- Podem auxiliar na compreensão do diagnóstico e do
podem resultar no retardamento dos exames corno prognóstico; na adesão aos tratamentos nas diversas fases
-Tibém numa adesão menor ao tratamento, e ainda cons- da doença; no enfrentamento da medicação e de seus efei
* :uir uma forma significativa de estresse que certamente tos colaterais; na adaptação ao novo estilo de vida e nível
. -ntribuirá para uma pior evolução da doença. de funcionamento geral; e no estabelecimento de relacio
Os procedimentos cirúrgicos, muitas vezes mutilado- namentos de qualidade com familiares, amigos e equipe
res, provocam mudanças no esquema corporal e diversas de cuidados.
■ -‘cessidades de adaptação. Considerando o manejo psicológico como um ele
Tratamentos radioterápicos e quimioterápicos carac- mento de singular importância na composição de uma
■fnzam-se por múltiplos efeitos colaterais, bastante per- equipe de atendimento interdisciplinar, com habilidades
■-rbadores. que contribuam para o alívio do sofrimento humano,
Há o temor pela queda dos cabelos, causada por em prol de melhor qualidade de vida dos indivíduos
- guns quimioterápicos. Temos acompanhado algumas envolvidos, podemos contar com diversas intervenções
ridentes que se adaptam com relativa facilidade à alo- psicológicas, que respeitem a fundamentação teórica do
-feia; outras apresentam grande sofrimento pela perda profissional; técnicas específicas como escuta ativa, re
r ,>s cabelos. laxamento, visualização, imaginação ativa, e técnicas de
A radioterapia pode trazer fantasias assustadoras. Te- expressão pela arre, pelo teatro e por miniaturas; pro
T.os observado em algumas pacientes o medo de se torna gramas especiais tais como grupo de informações, grupo
rem radioativas e contaminarem outras pessoas. Isso resul- de apoio e psicoterapêutico, voltados para o cuidado
-: geralmente em constrangimento e retração social. sistêmico de pacientes oncológicos e seus provedores de
No caso da terminalidade, é importante que nos de- cuidados.
riquemos a aprimorar o acompanhamento aos pacientes Os temas mais presentes tocam em áreas de extre
e suas famílias. ma relevância, como identidade e auto-estima, imagem
Trabalhos propõem cuidados com indivíduos enluta corporal, sensualidade e sexualidade, relacionamen
dos para que o risco de adoecimento possa ser diminuído tos interpessoais, relações de amor, reinserção social e
~or meio de programas que os ajudem no processo de luto adaptação profissional, a complexidade do sofrimento
. readaptação à vida. humano, a fínitude de nossa existência, entre outros. A
Chamamos as intervenções em psico-oncologia de in- maior parte deles envolve a questão relacional, pertinen
: e rven ções si cossoci a is, uma vez que, no caso dos pacien te à existência humana.
344 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
ic angústia A cura total após o diagnóstico de uma doença que de areia, a expressão corporal e as dramatizações, entre
m^cz cr-se a -'rega os estigmas que o câncer possui pode exigir inter- outras tantas técnicas.
■aco. Esse ção psicológica. Da mesma forma, um longo período É preciso atentar para o fato de que, quando rece
C quesno- e de doença, mas que exija acompanhamento médico bemos um paciente ou nos oferecemos a ele, precisamos
6» c ex»- ódico, ou a condição de doença crônica que requeira definir primeiramente um diagnóstico, que no nosso caso
tecomoi mpanhamento constante e reabilitação são situações pode ser uma visão geral da psicodinâmica e da proble
Kr^essoa^ podem acarretar importante estresse e pedir assistên- mática do paciente. A construção de uma anamnese bem
O paciente que evolui para a morte frequentemente estruturada e o levantamento de necessidades e recursos
arader sua essita da atenção psicológica. disponíveis são passos importantes para compor um pla
Há situações em que o paciente pode apresentar di- nejamento estratégico e uma forma de avaliação dos re
Dt> c rcxias Idade em aceitar determinados tratamentos. Esse é sultados.
pas modn momento que exige avaliação cuidadosa e sensível, Esses procedimentos são pertinentes ao processo
pcdcm SCT ro está que a recusa pode se prender a uma escolha psieoterapêutico e várias vezes acontecem natural mente
sciente feita pelo paciente, calcada cm avaliações e durante o tratamento, em especial na modalidade da psi-
icionamentos existenciais bem fundamentados. Nes- coterapia breve.
Bsearofa-
feecessida-
jaso cabe ao psicólogo ou ao psiquiatra apenas traba- Essa especialidade desenvolve seu trabalho sobre
còiri o paciente para, com ele, avaliar suas rnotiva- metas limitadas e características técnicas próprias e essen
sem demo vê-lo de sua posição. Se for confirmada ciais; existe uma determinação de limites de tempo para
posição, cabe ao profissional de saúde mental acom- o tratamento. Possui planejamento e objetivos definidos
| rzailsa-
ar o paciente na trajetória por ele escolhida. No que apontam para a superação de sintomas e problemas
fcX doTQ
tanto, muitas vezes, podem estar envolvidas nessa si atuais da realidade e a clarificação e resolução de parte da
irrspcr^
lo a presença de estados confusionais secundários problemática do paciente.
>ença, a existência de estados psicóticos ou outras Técnicas auxiliam o aprimoramento da comunicação
Kúr> r«a-
rbações de ordem psiquiátrica que levem à perda com o paciente.
fenãv à
.ontrolc de impulsos. As estratégias em psico-oncologia visam principal
Esses eventos fogem à prioridade da nossa atual visão mente: desenvolver formas mais eficientes de enfrenta-
re saúde, que é recuperar aquilo que não anda como mento da doença; promover a expressão de emoções
cria. Reparamos o defeito e esquecemos o objeto, an- como possibilidade de comunicação intra e interpessoal
defeituoso e agora perfeito. mais autêntica e fluida; entrar em contato com o sistema
i rsaraz- Pensar na readaptação do indivíduo que precisa con- de crenças e possibilitar mudanças nos estigmas relaciona
Bc^r. 3t rr com suas dores e limitações, fornecer mecanismos dos ao câncer, facilitando a revisão de valores e princípios
a que ele possa viver com qualidade, apropriar-se da de vida; aprimorar a qualidade de vida dos pacientes com
ti . ; * - vência humana imperfeita, mas valiosa, e aceitá-la, e câncer; buscar significados para os acontecimentos da vida
mpanhar nossos parceiros de vida durante o proces- e estabelecer uma rede social eficiente e significativa.
T in®. Je morrer com amorosidade e compaixão são novos Procuram desenvolver maior senso de significância
m £25rr- fios que o futuro nos impõe com a proposta de uma do indivíduo, fazer que ele firme um maior compromisso
pn operiência mais tolerante, cooperativa e pacífica. consigo mesmo. Buscam a ampliação da autoconfiança, o
desenvolvimento de uma atitude vigorosa com relação à
vida, a sensibilização de recursos pessoais para que as si
laracterísticas das intervenções tuações sociais possam ser enfrentadas e o estabelecimento
íti psico-oncologia dc uma rede de apoio bem estruturada.
As intervenções podem ser efetivadas individual-
te ou em grupos, e possuem objetivos que podem ser
racionais, terapêuticos ou psicoterapêuticos. Muitas Processo de enfrentamento
:es faz-se necessário o atendimento de casais ou com As estratégias de enfrentamento da experiência do
patü' iliares. lorosa dependem do estágio do desenvolvimento biológi
r aújp- O atendimento comporta diversas abordagens teóri- co, pessoal e social do indivíduo, do estilo intrapessoal,
já que a especialidade pode ser compreendida c expli- evidenciado pelos recursos de personalidade, mecanismos
de formas diferentes. pessoais de enfrentamento e de defesa, c das fontes
Podemos utilizar intervenções verbais; várias técni- interpessoais, tais como os suportes familiar e social.
de abordagem corporal, como o relaxamento; téc- O mesmo acontece com indivíduos que tenham re
Is imaginativas, tais como visualizações, imaginação cursos pessoais para enírenrar situações sociais ou possam
'.gida, imaginação ativa e hipnoterapia; técnicas ex- contar com uma rede social de apoio. Pessoas estruturadas
->sivas, tais como o trabalho com miniaturas na caixa psicologicamente costumam scr socialmente competentes
346 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
e cm 8era^ possuem uma rede social de apoio bem estrutu conhecida a associação entre doenças de natureza p^
rada. Pessoas que se sentem menos apoiadas por sua rede quiátrica e várias doenças físicas. E o caso do câncer, e~
social tem a tendência de criar redes sociais mais amplas, que podemos enconrrar cerca de 50% dos pacientes s
porém mais superficiais. frendo de distúrbios que merecem intervenção psiquiá
As pesquisas (Raltrusch etal., 1998) também apontam trica adequada.
para o fato de que perdas e separações parecem constituir Alguns aspectos relacionados à qualidade de vida cr
elementos importantes na desestabilização da saúde. pacientes oncológicos e seus familiares são: a forma con
Muitos pacientes podem desenvolver estratégias que se enfrenta a doença; as convicções em relação à doenç_
lhes possibilitem lidar com o adoecimento e seus trata a expressão de emoções como possibilidade de uma con:
mentos. Essas estratégias poderão ser gradualmente modi nicaçâo mais autêntica; a busca de significado c valor:
ficadas ao longo da evolução da doença ou dos tratamen cão da vida; uma rede social significativa.
tos. Elas “compreendem a busca de informação, a ação Intervenções que tragam a oportunidade de condições
direta, a inibição da ação e os processos intrapsíquicos” melhores para que o paciente enfrente a vida dc forr i
(Gimenes, 1997, p. 154). mais eficaz, de maneira que a adesão aos tratamentos br -
Temos observado que, sempre que um paciente pode como a relação com a vida se tornem mais eficientes, 'I
buscar ou receber informações a respeito da nova realida de extrema importância para que se consigam melhores :
de que se impôs, há não só uma diminuição da ansiedade, sultados quanto ao encaminhamento do processo dc vive- I
como também a possibilidade de melhor preparo para uma Enfrentar a vida de forma mais eficiente pode sign -
ação direta. car o atendimento de necessidades pessoais.
Com relação à qualidade de vida, precisamos con
derar os aspectos subjetivos e as diversas áreas que dime
Estresse sionam o bem-estar.
Para falarmos sobre psicotcrapia em oncologia é pre E preciso acompanhar, com aquele que sufre, a a _
ciso considerar alguns conhecimentos básicos a respeito liação que ele faz a respeito das suas condições de • —
dos aspectos emocionais do paciente com câncer, tanto e conhecer as expectativas que nutre, de acordo coir .
os que contribuem para a evolução da doença quanto os visão que define a expressão do ser humano integral, co-
oriundos da instalação da doença, que venham também siderando as áreas física, emocional, funcional, sqci
contribuir para determinado sucesso. espiritual.
Pesquisas desenvolvidas a partir de 1930 revelaram a As atitudes e intervenções técnicas do psicólogo iè~
influência dos estados emocionais e das estruturas de per como objetivos evitar que as situações de crise se torrr-
sonalidade no funcionamento de vários sistemas orgâni crônicas, auxiliar na criação de um novo sentido da evr
cos, podendo ocasionar uma perturbação da homeostase riência dolorosa e fazer que o indivíduo retome seu e^r:-
do organismo. ço_no mundo, participando da busca do estado de sau^.
Estudos revelam que pessoas que lidam de maneira que implica conviver com as demandas que o ato de ^ :
mais eficaz, no nível cognitivo e emocional, com as vicis envolve.
situdes da vida, aquelas que apresentam um senso de sig-
nificância de si mesmas, de compromisso consigo, e uma
atitude auroconfiante e vigorosa quanto à vida, têm menor Dor e sofrimento
probabilidade de desenvolver doenças quando submetidas No trato com a demanda do câncer, percebemos
a situações de estresse. a dor é um elemento ao qual devemos estar sempre a:.-
Receber um diagnóstico de uma doença grave c sub- tos. O paciente com dor pode apresentar quadros que ara-
meter-se aos tratamentos habituais, em si, já constituem rentemente são psiquiátricos. O diagnóstico psiquián-o
elementos estressantes, de modo que a abordagem tem de um paciente com câncer somente poderá ser feito cc s |
também por objetivo fazer que esses pacientes possam esta segurança quando da ausência de dor, evento que p> >_
belecer autocontrole durante o embate com a doença. desencadear ansiedade, depressão, tentativas de suicídio
Somente nos últimos anos, em nosso meio, o tr -
mento da dor tem recebido a atenção merecida. Algu~ j
Qualidade de vida medidas que antes eram adotadas com restrições, como m
A cada dia cresce a preocupação em viver com qua uso de morfina, atualmente têm maior aceitação. Prece -
lidade. ceitos têm sido derrubados, dando lugar a uma condi
A assistência psicológica aos doentes de câncer, desde que leva em conta o sofrimento do paciente. Muitos gr.
1950, tem intensificado a ênfase nessa área. pos especializados no tratamento da dor foram formac
Psiquiatras começaram a se interessar por pacientes e as condutas preconizadas pela Organização Mundia __
que apresentavam doenças orgânicas. Hoje é bastante Saúde passaram a ser seguidas.
PSICOTERAPIA 347
A dor faz parte da nossa vida desde o nascimento até a redescoberta de significados para a vida, resultando na
'lorte. É fundamental para a nossa sobrevivência. Sua melhora da sua qualidade.
Lsa tem sido pesquisada ao longo do tempo. Foi consi- Nosso corpo é simbólico, é um canal natural pelo
:ada castigo de deuses ofendidos e atribuída aos maus qual nossos símbolos estruturam nossa consciência.
píritos em outras épocas. Muitas vezes mais temida do Segundo Byington (1988), o corpo simbólico é o
: a morte, é capaz de comprometer seriamente a quali- conjunto de significados psicológicos do corpo somático.
ie de vida do indivíduo. Escutá-lo, conhecê-lo e respeitá-lo são atitudes íntimas.
É definida como uma experiência sensorial e emo- E um recurso vital para quem enfrenta uma adversidade
onal desagradável, decorrente da lesão real ou potencial como a doença.
tecidos do organismo. E uma experiência pessoal e Corpo e psique não são duas polaridades do mesmo
letiva, somente descrita a contento pelo relato pessoal eixo, visto que fazem parte de uma totalidade interativa.
-nele que a sofre. Nosso corpo é também psique, nossa psique também é
Demovida a causa, ela deve desaparecer. Porém, mui- corpo, já que, se concebermos psique e corpo como duas
j vezes persiste, seja porque a causa não foi detectada, instâncias separadas e inter-relacionadas, admitiremos
porque a medicação utilizada não foi eficiente, seja um engano. Participamos de um equívoco antigo e fatal:
~que os múltiplos e complexos fatores envolvidos não a proposta de dividir o indivisível - o homem mesmo
que seja na tentativa de compreender essa complexidade
deram ser resolvidos ou mesmo compreendidos.
divina que é o ser humano.
Sabemos que a dor é uma experiência psicofisioló-
O que ocorre conosco se manifesta na integralida-
envolvcndo não apenas a percepção de estímulos
de da nossa expressão. Está explícito nas nossas atitu
fcicos, mas também uma interpretação e uma avaliação
des, no nosso ethos, na nossa relação com a humani
s>es estímulos pela pessoa que experimenta o evento
dade e com a natureza, assim como no funcionamento
>roso. A dor precisa ser vista como um processo pato-
de nossos sistemas, nas alterações bioquímicas e neuro-
nco e não como um simples sintoma.
hormonais.
O sofrimento causado é influenciado e alterado por
A imagem corporal se constrói no contato consigo e
ores psicológicos, sociológicos, culturais e espirituais, e
com o outro. E a representação simbólica do nosso corpo
difica a sensação de dor.
em nossa vida psíquica.
Há um nível pessoal e um nível interpessoal na dor.
Manifesta-se como símbolo, pleno de sentido.
No primeiro, ela é considerada subjetiva e individuali- Na experiência com a mãe, a primeira experiência
, definida pelo próprio indivíduo que a experimenta. estruturante com produção de símbolos na construção
Já o nível interpessoal contempla a experiência da da nossa consciência, nosso corpo é extremamente ex
comunicada, compartilhada com outra pessoa. Esses pressivo. E a base da experiência ligada à nutrição e à
> níveis estão inter-relacionados. fertilidade.
Portanto, hoje é necessário que o trabalho psicoló- Trata-se de uma experiência primitiva, pré-verbal,
..) com a dor não se restrinja apenas ao seu alívio, mas completamente constituída por resultados de uma comu
ntemple o alívio do sofrimento implicado em senti-la, nicação construída por símbolos plenos de afeto.
ompreendendo, respeitando e acolhendo, em suas sin- A experiência inicial que envolve a relação mãe-filho
aridades, aquele que vive a experiência dolorosa. requer proximidade, roque, proteção, aconchego, carinho,
O conceito da dor total acompanha a transforma cuidado, e nosso corpo expressa esses símbolos. Por meio
da medicina, mais integrada e em busca do paciente dele podemos tocar e ser tocados, alimentar e ser alimen
no um todo, e traz à baila a discussão sobre qualidade tados, acariciar c ser acariciados, aconchegar e ser aconche
vida. gados, cuidar e ser cuidados. E o corpo expressando toda
a rica simbologia da experiência do materno, constituinte
da dimensão corporal arivada nas situações que envolvem
corpo mutilado: futuro corpo transmutado proximidade, toque, proteção, aconchego, carinho, cuida
Outro aspecto a ser considerado na vida emocional do etc.
■ paciente com câncer é o surgimento de fantasias liga- A imagem do corpo é uma unidade passível de
à destruição e decomposição do corpo em vida e à transformação, na qual todos os sentidos colaboram
rte.Tats fantasias podem estar envolvidas com outros mutuamente.
nrimentos, como culpa, medos, angústia. Facilitar a ex- Os órgãos dos sentidos participam da imagem do
->são desses sentimentos e dessas fantasias tornará pelo corpo como contribuições anatômicas c fisiológicas. Por
enos observáveis os sistemas de crenças do paciente e a meio deles, conhecemos a propriedade física dos corpos e
õseqüenti mudança de caráter adaptativo, quando for o percebemos, em cada momento da vida, as múltiplas qua
rDéssa forma, serão possíveis a revisão de valores e lidades do ambiente em que vivemos.
348 TFMAS EM PSICOONCOLOGIA
Imagem corporal, corpo sutil, corpo pneumático, in A família do paciente com câncer
consciente somático, corpo onírico, corpo subjetivo são
todos conceitos que se referem a um terceiro fator que e a equipe de saúde
transcende a dicotomia corpo-psique: o símbolo. Tendo em vista que todo paciente oncológico prove- I
As mutilações podem atingir órgãos que participem de um núcleo social primário, temos de considerar as impfr»
primordialmente de funções importantes da personalida cações de sua situação de doença nesse contexto, que repr- I
de (a sexual, por exemplo) e da construção da identidade, senta um papel muito importante para as condições de vaj I
o que causa dores de diversas ordens. tamento clínico. Esse núcleo social geralmente é a famílu I
Com a mudança corporal, é provável que a pessoa A família do paciente com câncer pode também n; I
se sinta vulnerável. A adaptação às mudanças do corpo cessitar de cuidados psicológicos ou mesmo psiquiátric. I
pode ser gradual, pois muitas vezes elas têm relevância no A tensão prolongada a que estão sujeitos e a exausú
que diz respeito ao funcionamento geral, à identidade e ao provocada quando algum dos familiares tem o papel
contato com outras pessoas. cuidador, aliadas a aspectos de personalidade que pode I
A reconstituição da auto-esrima c a construção de facilitar o estabelecimento de conflitos com a equipe .- I r
relacionamentos qualitativos, não somente do relaciona saúde, podem ser elementos predisponentes a estado» I
mento amoroso mas também de envolvimentos de ami agressivos.
zade, de companheirismo, de compartilhamento, são de A coesão familiar está relacionada também a mai r I
extrema valia. bem-estar psíquico. Mulheres que possuem famílias be~ I
estruturadas, que lhes acolhem quando adoecem, mesrr I
em situações de adoecimento grave, podem mais facilme- I
0 paciente ativo te atingir altos níveis de bem-estar psicológico. Esse dac I
A medida que forem surgindo tratamentos mais efica é coerente com várias referências da bibliografia especn I
zes para o câncer, com o conseqiicnte aumento da sobre- lizada, que assinalam que a rede social de apoio exer.-.
vida, a relação do médico com seu paciente será também importante papel na manutenção da saúde bem como r: I
mais duradoura, com maior tempo de exposição de um melhor evolução quando do adoecimento. ■BL
ao outro. Há famílias que usam métodos ineficazes para lidar
Uma relação médico-paciente qualitativa, constituída com o estresse, o que aumenta sobremodo a tensão ex - I
de autenticidade e confiança, pode facilitar a adesão do tente, podendo atingir as relações com a equipe.
paciente ao seu tratamento geral. A internação de paciente em fase terminal pode >:• ■er» wtxa
As pesquisas apontam resultados qualitativos com rela um elemento desencadeador de grandes tensões. NV> ■ar m
ção à participação ativa do paciente em seu processo de saú sa fase podem estar presentes frustrações em função c
de. Fntrc os benefícios gerais que a psicoterapia em oncolo desenlace iminente e sentimentos de culpa projetados : .
gia pode oferecer, temos: obtenção de formas mais eficazes equipe de saúde, com consequentes sentimentos de rai _
para lidar com as vicissitudes da vida, melhor adaptação ao c agressão. « li
processo de estresse e melhoria no estado geral de saúde. Inveja e ciúme em relação à equipe também pode- I Ét
Na avaliação da qualidade de vida precisamos con ser elementos que estabelecem conflitos. O familiar p<. J_
siderar a necessidade da intimidade, que se relaciona se senrir deslocado de seu papel de cuidador, com sensa
com a proximidade e o compartilhamento que temos ção de perda de poder, e passar a hostilizar profission^
com algumas pessoas, mas também com a possibilidade envolvidos no tratamento do paciente.
de aproximar-se de si mesmo, ‘"estar íntimo de si”, em Quando se estabelece hostilidade à equipe, esta pods «: 7*r o:
contato com seus recursos criativos, preservando a ca sc tornar arredia e também hostil, com comprometimen:
pacidade de participar da vida, responsabilizando-se por do atendimento à família e ao paciente. Cabe aqui a intt: I
suas escolhas e decisões c usufruindo a abrangência da vençáo do profissional dc saúde mental para dcsenvolvr-
sua experiência de viver. um trabalho psicológico, tanto com a família como com i I
Fazer parte da equipe de cuidados, com direito a re equipe de saúde.
colher informações, avaliá-las e tomar decisões com base Há dc se considerar também eventuais alterações dc I
nas opções que os especialistas propõem, cria condições comportamento do parceiro em função da mudança q u r I
para que o indivíduo eleja recursos de autocura para oti se instala. Temos testemunhado, muitas vezes, reações óz I
mizar seu tratamento geral. indignação por parte da equipe de saúde diante de cor ConsN
Assim é possível devolver ao homem, no seu processo portamentos inadequados dos parceiros de pacientes qut
de vida e em contato com os seus mais profundos dese- sofreram mastectomia. Vale lembrar que, em casos dcs\: | fl
ios, a possibilidade de escolha, de autonomia, do controle natureza, mesmo um bom nível de informação pode u' frrn ?
da própria vida, inclusive o direito de morrer dignamente ser suficiente para garantir a permanência do comporta
como parte da sua jornada heróica. mento sexual que o parceiro apresentava antes do adoc- 1 SDK SC
PS I COT ER AP IA 349
~;nto. É importante considerar que reações emocionais pecial condição do paciente, e aprender com ela, antes de
l : fogem ao controle podem estar se manifestando. Nes- fazer juízos ou intervenções psicológicas relativos ao caso.
i ziso, o parceiro deve ser visto como uma pessoa que É fundamental que a visão multifatorial se instale em
L":ám necessita de cuidados. cada um de nós, para que possamos dar o devido valor a
Transtornos sexuais podem também ser desencadea- nossas atuações quando em conjunto, sem correr o risco
t -'elo câncer ou seus tratamentos. A mudança da anato- de supervalorizar ou menosprezar nenhuma delas, e aces
- _i causada pe\a doença ou pe\a dmtgia, no caso do câncer sar cada vez ma\s a visão da situação como um todo, fun
.. mama, pode provocar alterações no comportamento se- cionando como pane de uma equipe una e coesa.
. assim como a diminuição ou perda da libido podem Na questão do diagnóstico, evoiuiu-sc ce • ; r - -
-i->ar constrangimentos que. por sua vez, podem levar à ção de nada dizer ao paciente, para oi;t'- - L ...................... -
oração e negação do relacionamento afetivo-sexual. o diagnóstico, esquecendo-se muitas vezes d cu u.
E importante lembrar também, considerando o prepará-lo e esperar pelo momento em que =s:e r' --
'do câncer de mama, que o marido ou companheiro to para lidar com uma situação tão difícil. E—.
c^ralmente a pessoa mais intimamente envolvida no também requer sensibilidade e tato em relaçõc* •
** cesso de adoecimento da paciente. O câncer, além é preciso perceber que o familiar do paciente r *
-. :razer uma séria ameaça à vida, transtorna os hábitos como interlocutor em relação à doença.
«ncriormentc estabelecidos. Por outro lado, é o mari- As intervenções em psico-oncologia têm obtid ~ r - -
. > que passa a se defrontar com sérias necessidades de tados importantes no enfrentamento da doença, na re~.:-
o por parte de sua esposa. A dinâmica da relação ção e controle do estresse e na melhora da qualidade
rc;>a por profundas alterações, que podem se refletir na vida das pessoas que se relacionam direta ou indiretamen
estrutura do casal. te com o câncer: pacientes e seus familiares e a equipe ie
Grandstaff (1976), em um estudo citado por Hoskins cuidados.
m jI. (1996), refere ter encontrado, no acompanhamen- Sabemos que a porcentagem dos cânceres que podem
m de setenta mulheres que sofreram mastectomia e seus ser prevenidos é significativa. Isso mudaria completamen
-a-idos, uma importante influência do comportamento te nosso contexto atual em saúde.
- parceiros no processo dc ajustamento entre eles. O Porém, para que a prevenção seja um procedimento
ü 'tamento variava segundo a fase da doença e dos cra- eficiente, é preciso que fiquemos atentos em relação a nós,
umentos considerada. Assim, no período da cirurgia, os cuidadores. É primordial que cuidemos de nós mesmos
'•evalcciam medo e apreensão. Após a cirurgia, havia enquanto cuidamos dos outros. A profilaxia tem um ca
-cior preocupação com mutilação e conseqüente desfi- ráter de aprendizagem, é educativa. E preciso reverter es
riramento, e, um mês após a cirurgia, surgiam questões tilos de vida, formas de perceber a realidade, modificar a
zadas à intimidade física. qualidade da presença nas relações.
Nesse mesmo trabalho o autor comenta que estressores Então, ouvir nossos ruídos internos, conhecer nosso
• demandas foram identificados em mulheres com câncer corpo c nossa alma, bem como nossas necessidades, são
nama e seus maridos. Assim, sentimentos de impetên- passos imprescindíveis.
ambivalência, necessidade de reestruturação de papéis, E difícil acompanharmos o paciente sem dispor de
n.crdependênda e incertezas caracterizaram todas as fases recursos diagnóstico-terapêuticos (cirurgias, endoscopias.
i: doença; os maridos necessitaram adequar sua vida aos exames, medicamentos vários) que nos dêem a sensação de
-aramemos de suas mulheres e sentiram-se incapazes duran- termos a força, o novo, o mágico, a cura, e continuarmos
períodos difíceis. O autor comentou ainda que, quanto apenas com a nossa “conversinha”, mantendo a convicção
-iior a demanda que os maridos sentiam, maior era a sua de que temos realmente algo a fazer por aquela pessoa. Po
opressão, a qual comprometia o ajustamento conjugal. rém, ainda temos outros recursos que nos colocam perto
Assim, avaliações precipitadas podem ter efeito ia- do nosso “próximo"’.
• gênico, comprometendo ainda mais a dinâmica con- Evitar os psicologismos que não contribuem para
z.il, além de desperdiçar uma oportunidade de inter compreender ou para ajudar o paciente, e tanto nos afas
nação eficaz. tam da prática médica e da vinculaçáo com as equipes de
saúde, também deve ser uma das nossas maiores preocu
pações.
Considerações finais E preciso distinguir a nossa tarefa profissional do que
Todas as etapas do diagnóstico e tratamento do cân- podemos oferecer como recurso componente de um plano
:rr são difíceis e exigem tato e conhecimento na aborda- estratégico para aqueles que sofrem, fazendo parte de unu
—• m dos problemas psicossociofamiliares. linguagem comum entre vários profissionais que possuer*
E preciso que o psicoterapcuta tenha humildade e o mesmo objetivo ao acompanhar pessoas que enfrentam o
•ssa inicialmente captar a realidade medica daquela es adoecimento.
350 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Referências bibliográficas
Baltrusch, H. J. F. et al. “Psychological stress, aging Gkandstaff, N. W. “The impact of breast canc.*
and câncer”. Ann. N. York Acad. Sei., v. 521, 1988. on the family”. In: Vaeth, J. M. (org.) Frontiers of rc
Bizzarri, M. A mente e o câncer: um cientista ex diation therapy and oncology. Basiléia: Kragel, 19"
plica como a mente pode enfrentar a doença. São Paulo: p. 146-56.
Summii5, 2001. Hoskins, C. N. et al. “Adjustment among husban^
Boff, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão of women with breast câncer”. Journal of Psycbosoc:..
pela terra. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. Oncology , v. 14, n. 1, p. 41-69, 1996.
Botura Jr., W. (org.). Destruição e resgate do feminino K ast, V Crises da vida são chances de vida. São Paul
no homem e na mulher. São Paulo: República Literária/ Idéias ôc Letras, 2004.
Edições OLM, 1999. Leloup, J. Y. O corpo e seus símbolos: uma antropol
Burkhàrd, G. Homem-mulher: a integração corno gia essencial. Petrópolis: Vozes, 1998.
caminho de desenvolvimento. São Paulo: Antroposófica, LeShan, L. O câncer como ponto de mutação: U"
1999. manual para pessoas com câncer, seus familiares e profu
Byington, C. Dimensões simbólicas da personalidade. sionais de saúde. Trad. Denisc Bolanho. 4. ed. São Pau!
São Paulo: Ática, 1988. Summus, 1992.
____ . Pedagogia simbólica: a construção amorosa do Maroni, A. Jung, o poeta da alma. 2. ed. São Paul
conhecimento de ser. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, Summus, 1998.
1996. Mf.llo Filho, J. de e cols. Psicossomática hoje. Por
Campbell, J. O poder do mito. Org. Betty Sue Flo Alegre: Artmed, 1992.
wers; trad. Carlos Felipe Moisés. 14. ed. São Paulo: Palas Moyf.rs, B. A cura e a mente. Trad. Heliete Vaitsmar
Athena, 1996. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico-
Olbrjcht, I.; Baumgardt, U. (orgs.). Um camin *
oncologia. Campinas: Psy, 1994. para começar de novo. Trad. Ingrid Lena Klein. São Pau
____ . Resgatando o viver: psico-oncologia no Brasil. Círculo do Livro, 1991.
São Paulo: Summus, 1998. Orlkixsky, D. E.; Howard, K. I.; Althlsser, K. G
Carvalho, V. A. Psicoterapia em oncologia. In: Bren-
In: CoRDiOü, A. V. Psicoterapias: abordagens atuais. Por.
TANT, M. M. et al. (orgs.). Bases da oncologia. São Paulo:
Alegre: Artmed, 1998.
Lemar, 1998.
Ramos, D. G. A psique do corpo: uma cotnpreensã
CoRDiOLi, A. V. Psicoterapias: abordagens atuais. Por
simbólica da doença. São Paulo: Summus, 1994.
to Alegre: Artmed, 1998
Remen, R. N. O paciente como ser humano. Trad. Dt-
Elkins, D. N. Além da religião - um programa perso
nise Bolanho. São Paulo: Summus, 1993.
nalizado para o desenvolvimento de uma vida espirituali
Slrino, S. A. L. Diagnóstico compreensivo simbólic
zada fora dos quadros da religião tradicional. São Paulo:
uma psicossomática para a prática clínica. São Paulo: Ef
Pensamento, 2000.
cuta, 2001.
Fjgueiró, J. A. B.; Angelotti, G.; Pimenta, C. A. de
Wolberg, L. R. “As psicoterapias mais comuns e sua*
M. Dor & saúde mental. São Paulo: Átheneu, 2005.
indicações”. In: Cordiolí, A. V Psicoterapias: abordagem,
Gimenes, M. da G. G. (org.). A mulher e o câncer.
atuais. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Campinas: Psy, 1997.
Tmtm 6. Pode ter havido suscetibilidade à influencia de fe
itrodução
nômenos de estresse e a vários fatores psicológicos
processo de viver nos surpreende com certos
tanto no aparecimento quanto no desenvolvimento
352 T E M A S E M P S I C O 0 N C O L O G I A
preender as diferenças individuais e maximizar a adapta no nível emocional e no físico, além dos recursos pessoa
ção psicossocial da pessoa e sua família à adversidade. e sociais disponíveis para lidar com ela. Nesse sentido, c
A seleção das estratégias de enfrentamento e sua con enfatizada a importância da avaliação c da perspectiva qi_:
sistência diante de contextos difíceis são condições essen a pessoa constrói com base em suas crenças, valores e t
ciais para a identificação parcial daqueles que sobrevivem pecrarivas diante do estresse, ou seja, diante do contex:
física e emocionalmenre à adversidade. Além disso, as es específico da doença e de sua própria morte, em detrime:
tratégias de enfrentamento utilizadas também podem estar to da atribuição do significado consensual oferecido pe
associadas a comportamentos preventivos. contexto cultural em que está inserta.
Os aspectos psicossociais presentes acarretam uma Consideramos especial o trabalho de Cicely Saundtr
série de problemas que ultrapassam a dimensão física, ao sobre o que ela denominou dor total. Sua concepção a;
se associarem à morte, à dor e ao sofrimento. A extensão pliou a nossa compreensão sobre dor, chamando a atençâ
e a duração desses problemas podem ser influenciadas para o processo de sofrimento que qualifica a expericnc .
pelas estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar de quem vive a doença.
com a doença. Em sua experiência com pessoas no processo de mt -
O modo como as pessoas enfrentam situações estres- te, afirmou que a dor física não explica a totalidade c
santes passou a scr visto como sendo mais relevante ã saúde sofrimento e que este atinge o indivíduo em rodas as su
e ao funcionamento social e emocional da pessoa do que a dimensões (física, psíquica, social, espiritual), contand
freqüência e severidade da situação estressora em si. com uma expressão completamente singular, própria c
Situações problemáticas podem não apenas resultar quele que sofre a dor.
em grande estresse emocional, como também, a longo pra Com base nesse conceito e levando-se cm conta i
zo, apresentar efeitos cumulativos, tanto de natureza física características próprias do câncer, que exige cuidad
como de natureza psicológica, em todos aqueles que lidam múltiplos, passou-se a associar aos cuidados cssenctalmei
direta ou indiretamente com a doença. te médicos outros que contemplassem as necessidade1' d -
Além disso, tem sido demonstrado, também, que si pacientes, garantindo qualidade de vida.
tuações problemáticas e estressantes podem favorecer a Assim, os procedimentos visando ao diagnóstico
adoção de estratégias de enfrentamento que minimizem à intervenção precoces, o próprio diagnóstico, os trar.
a experiência desgastante e facilitem a manutenção de ní mentos ambulatoriaís ou hospitalares, a terminalidade .
veis razoáveis de bem-estar psicológico diante do contexto a cura e a consequente readaptação do paciente passaram i
do estresse. Ou seja, o estresse pode ser predominante, exigir um olhar amplo em que o conceito do cuidado in:;
mas não necessariamente patogênico. gral estivesse presente. Certamente esse olhar amplo nã
No estágio do final da vida, a pessoa depara simul pode partir de um único observador.
taneamente com o estresse sistêmico ou fisiológico, o O câncer caracteriza-se como um evento mulrifaccü-
estresse psicológico e o social. O estresse fisiológico é do, que insere modificações diversas na vida das pess :
experimentado pela pessoa diante de um quadro clínico que se relacionam direta ou indiretamente com ele, c
que se deteriora progressivamente, causando continuado manda intervenções de profissionais de áreas especiairza-
desconforto físico após ura período longo de tratamento, das nas várias fases do tratamento.
muitas vezes agressivo e mutilador. O estresse psicológi É preciso também repensar o significado do cu:vi
co é experimentado por meio de “mecanismos” cogniti do. Encarar o cuidado como uma atitude facilitadori „
vos que levam a pessoa a considerar a situação estressora ampliação e expansão da condição humana, que impliu I
como extremamente ameaçadora ao seu funcionamento ocupar-se com e responsabilizar-se pelo envolvimento v
**ico e psicológico. O estresse social é experimentado por tivo com o outro.
~f:o da ruptura que se estabeleceu entre a pessoa e o seu O ato de cuidar deve compreender o objetivo ac
—reina social e familiar. curar, mas não apenas importar-se com a cura, já q^r
As percepções e os pensamentos utilizados para ava- cuidar tem uma abrangência muito maior, devendo ser en
e interpretar o contexto estressante em que se está tendido como um processo de enfrentamento com qua_
- '-rro são fundamentais na determinação do nível de e$- dade das vicissitudes que a vida nos encaminha.
- psicológico a ser enfrentado. Baseada na avaliação O cuidador é aquele que colabora para a cura e :. -
do cr-ntexto, a pessoa orientará sua relação com o ara- ciona como facilitador do fator curativo.
. . delineará as estratégias de enfrentamento a serem No entanto, cuidar do outro implica primordial e ^
-ada>. Fia avalia cada interação com o ambiente para cessariamente reconhecer aquilo que precisa ser cuidai
—13t seu significado para o seu bem-estar físico e naquele que cuida. O importante é notar que o reconhei-
— ; nai. Essa avaliação abrange o julgamento, tanto mento da própria ferida, vivida e experimentada, func
c r.sciente quanto inconsciente, no nosso caso, a iminên- na como valioso guia de conhecimento e orientação rin
crààaõores.
■■■
Quando falamos sobre cuidadores, referimo-nos a lações; procedimentos médicos invasivos e dolc r s exa-
ptoa> as pessoas envolvidas no processo do cuidar: cuida- mes de acompanhamento da evolução da doença que -i
£ -es familiares, cuidadores profissionais/acompanhantes cercados de expectativas e temores; efeiros coiarera.f r -
e . :dadores profissionais da equipe de saúde. tratamentos que não raro alteram intensamente o conda:..
A vivência da doença crônica desequilibra o paciente, com eventual perda de autonomia e mudanças drást.c.i>
~ família e os profissionais envolvidos. O paciente pode papéis sociais; processo dc despersonalização do pacier.':.
'-irrnanecer doente, desamparado e dependente por um tensões ligadas à dinâmica da relação da equipe de saúde
çnnde período. São vários os sentimentos negativos que com o paciente e a família, além de aspectos psicodinânucos
er rgem em qualquer dos estágios da doença: o choque do paciente com a própria família.
- diagnóstico, a incerteza do prognóstico, os efeitos cola Na fase final da vida é preciso dar atenção especial
vais do tratamento, o medo do sofrimento e da experiên- novamente à comunicação, desenvolvendo a expressão
i de uma morte indigna. dos sentimentos e a escura atenta a si e ao outro. E impor
tante também lidar com a possibilidade da morre, questão
interdirá em nossa cultura. Faz-se necessário enfrentar a
ntervenções psicossociais finitude do ser humano.
As intervenções psicossociais abrangem ampla gama No processo do morrer é preciso, muitas vezes, aju
-- .ventos que são desdobramentos da experiência com dar o paciente a resolver questões pendentes de sua vida,
- doença. Muitos desses eventos são de ordem emocio- facilitando assim a diminuição de angústias que possam
*ai: outros podem ser de ordem social, extensivos à esfera comprometer a qualidade de vida em seus momentos fi
_ >cional. A identificação de sua natureza é importante nais. Vale lembrar que os cuidadores, formais e infor
“í'.i o estabelecimento das estratégias de intervenção. mais, freqüentemente precisam ser preparados para lidar
No que diz respeito às reações emocionais, é impor com perdas em geral, o que os torna mais aptos ao de
te que se considerem o momenro da doença, a fase sempenho de suas funções, além de prevenir o eventual
desenvolvimento do paciente e as características da adoecimento psíquico.
. mça em si. Várias são as intervenções possíveis e geral mente
Na fase de diagnóstico vários sentimentos podem es- propostas. Elas possuem objetivos psicoeducacionais, tera
: presentes. Sentimentos denunciadores da fragilidade pêuticos e psicoterapêuticos. Serão efetivadas por profis
■ uica, muitas vezes advindos da fragilidade física. E co- sionais diferentes respeitando a limitação da especialidade
r_Ti depararmos com angústia e ansiedade, raiva, medo, e do próprio profissional, porém são diversas as estraté
" rgurança, sensação de impotência, sentimentos de per- gias disponíveis para as várias situações que demandam a
i: vergonha, desespero e fantasias de morte. atenção da unidade de cuidados, constituída por paciente,
Fm função do surgimento dessas reações emocionais familiares e equipe de profissionais de saúde envolvidos.
o momenro do diagnóstico, sempre há necessidade de Com a aplicação adequada e pertinente dessas in
- r ima intervenção psicossocial. Esse procedimento deve tervenções, podemos conseguir melhora da qualidade de
• realizado já num primeiro momento pelo próprio mé- vida dos pacientes e de seus cuidadores, além da adap
nco. podendo haver, no entanro, a necessidade de uma tação dc formas de enfrentamento da doença e de seus
-rvenção especializada, de acordo com a evolução do efeitos ao paciente, à família e equipe de saúde, com re
paramento. sultados significativos na redução dos efeiros parogênicos
E importante ter presente que exatamente pelo im do estresse crônico. Também podemos desenvolver con
pero da notícia c por suas reações pode não ser possí- dições de vivenciar o cuidar como experiência inerente à
•- para o paciente ou familiar absorver e elaborar roda vida, encarando o cuidado como uma atitude integrada
- informação recebida. Assim, cabe ao profissional rcr à experiência cotidiana do viver. A abordagem adequada
oonibilidade interna para retomar questões já tratadas, deve propiciar, portanto, o alívio da dor total que atinge
: • ando em conta o ritmo de cada um no processo de ela- a unidade de cuidados.
* "ação das informações. As intervenções podem ser realizadas individualmen
Sabemos, graças a diversas pesquisas, que a comunica te ou em grupos. E possível também que as intervenções
ção é uma área muito importante no tratamento de doenças sejam feitas com casais e famílias. Intervenções verbais são
e~. geral. No caso do câncer, informações transformam-se freqüentemente utilizadas, com resultados significativos.
e- extraordinários recursos para o enfrencamento da do- São várias as abordagens usadas para avaliação e
e planejamento de uma vida com qualidade. acompanhamento. Podemos citar a abordagem corporal,
Já na fase de tratamento ourros sentimentos e eventos que, por meio de uma leitura específica, nos propicia o
rodem surgir: necessidade de lidar com o próprio processo uso de técnicas como toques sutis, auto-relaxamento, rela
doença e sua evolução; eventual presença da dor; trata*- xamento e calatonia, as quais comprovadamente auxiliam
~ -itos cirúrgicos que algumas vezes podem implicar muti não só na resolução de problemas c na expansão de con**-
Mil HUI Mi MM MMIMEÜ IHMM í Ml 4 MMM í
354 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
ciência como também na administração do estresse e no Lidar com uma doença como o câncer, que impõe a
aumento da qualidade de vida. necessidade de atingir o indivíduo nos diversos níveis c_:
Podem-se também usar os recursos da imagética, que o caracterizam, implica obrigatoriamente uma experiênoi
nos possibilita utilizar técnicas como visualizações, imagens multifacetada, que não pode ser compreendida por apenas
dirigidas, imaginação ativa e hipnoterapia, as quais ajudam a um dos prismas do verdadeiro caleidoscópio que é a cor-
compor o diagnóstico simbólico do processo da pessoa, cons dição humana.
telando tanto dados da doença como de sua saúde geral. Então, todos nós que lidamos com essa demanda ne
Técnicas expressivas como a arteterapia, a musicote- cessitaremos entrar em contato uns com os outros.
rapia e a oficina de criatividade apresentam a possibilidade Estar em contato significa aprender a expressai-,
de exprimir de maneira mais abrangente os símbolos que com a preocupação de se fazer entender; abrir-se para _
permeiam a experiência do adoecer. vir completamente o que o outro tem a dizer; preparar >:
É importante que se estabeleça um ambiente seguro para aceitar diferentes concepções, depositando-as den—.
e confortável para a revelação de sentimentos e fantasias de si, até que, após serem ruminadas e digeridas, poss ~
presentes, além da expressão de emoções que levam à mo ser avaliadas e devolvidas com alterações, adicionar:
bilização de recursos e ampliação da consciência. É essa am suas contribuições.
pliação, com a nomeação dos conteúdos psíquicos, que per Vale a pena, então, discutirmos a inclusão também -
mite uma elaboração das questões conflitivas e ameaçadoras sistema de saúde.
com conseqüente diminuição de tensões internas. Esse fato Para que a campanha da humanização na área da sa
pode também levar à redescoberta de significados de ex de tenha uma discussão mais completa, precisamos pen>ar
periências existenciais, o que pode apresentar um caráter nesse tema muito atual, considerado assunto impresci::: -
adaptativo, especialmente relevante para continuar vivendo vel para a qualidade ética da experiência humana, por;-
de maneira eficiente após o diagnóstico da doença. com aplicabilidade variável e muito controversa.
Pode-se ainda obter, ao longo desse trabalho, a trans Martin Buber (1965, p. 81) refere-se à inclusão cor
formação das crenças e convicções em relação à doença “um impulso audacioso - que exige uma mobilização r _
pela identificação c eliminação de estigmas, permitindo to intensa do próprio ser - para dentro da vida do outn
que a pessoa que sofre a doença possa seguir um trajeto
genuíno e pleno de seus recursos criativos. Você pode ver, sentir e experienciar colocar:,
Entre os objetivos das intervenções psicossociais não se nos dois lados. Do seu próprio lado, vendo, « *-
se pode excluir a importância dc mobilizar e desenvolver servando, conhecendo e ajudando o outro - do so
uma rede social de apoio mais significativa e efetiva. São próprio lado e também do lado dele. Eu me aven
vários os trabalhos que mostram o valor da existência de turaria a dizer que você pode experienciar com nr: -
uma rede social de apoio como elemento que contribui força o lado dele da situação. (Buber, 1965, p. 1”
para a manutenção da saúde. Pessoas bem estruturadas Ao mesmo tempo é preciso manter-se centrado em
psicologicamente em geral estabelecem redes sociais mais
firmes e também adoecem menos (Baltrusch et ai, 1988). Para Richard Hycner (1995, p. 59), “a inclusão é _3
Essa tarefa pode ser desenvolvida pelo psico-oncologista e movimento de ir e vir; estar centrado na própria existem
pelo serviço social. cia e ainda assim ser capaz de passar para o outro lade *
A progressiva percepção da complexidade do trata “Experienciar o outro lado” requer um senso afir.:_
mento do paciente com câncer fez que se tornasse indis do seu próprio centro, assim como flexibilidade existe
pensável a associação de várias outras especialidades na ciai e psicológica para experimentar o que significa o _a
abordagem dessa doença. Assim, além das especialidades de expressão do outro, para entendimento, aceita: I -
eminentemente médicas, como oncologia clínica, cirurgias e confirmação da legitimidade do outro.
especialidades voltadas ao diagnóstico, outras foram sendo Confirmação do outro significa validação da sin:_ _
anexadas ao tratamento. Entre elas, a própria enfermagem, ridade, o reconhecimento da especificidade daquele o i
que desenvolveu características próprias para lidar com o quem nos relacionamos. E mais do que se entende r
paciente oncológico, a nutrição, a odontologia, a fisiotera aceitação, embora ela seja parte da confirmação.
pia, a fonoaudiologia, a clínica de dor, a psicologia, a psi É receber c validar o genuíno no outro.
quiatria, o serviço social, o suporte espiritual e religioso. Para que isso seja viável, é preciso lidar com man:*
tações de poder e dc controle. Elas surgirão, com ce::r _ J
porém é necessário que haja um espaço aberto e ser - »]
A diversidade profissional para que sejam acolhidas e transformadas em recur
Compartilhar diversidades é uma experiência abran criativos de autoconhecimento e de expansão.
gente. Embora árdua, quando conseguimos efetivá-la re Seja como for e até o limite que a nossa disponibili—
vela-se muito criativa e compensadora. de convivência permitir, teremos de considerar a quesü
TERAPIAS INTEGRADAS À ONCOLOGIA 355
-. ãsão com a devida importância. Certamente da nos aju- de trabalho, com o investimento integrado de conheci
_a desenvolver formas mais cooperativas, ou seja, me- mentos em favor do paciente e de seu tratamento (Bian-
competitivas de relacionamentos em geral, e, somente a chini, 1999).
' irnr daí, poderemos de fato falar sobre humanização. As ações terapêuticas são distribuídas entre os mem
Ao surgir simultaneamente em trabalhos de pesquisa- bros da equipe, segundo a formação e capacitação profis
. res como Jean Piaget, Erich Jantsch e Edgar Morin, o sional de cada um. Consideramos necessários treinamento
—no transdisciplinaridade tinha a incumbência de trans constante, reciclagem contínua e desenvolvimento pessoal
ar fronteiras, indo a\ém das várias disciplinas que con- do profissional para a capacitação ampla, o que inclui pen
f vem e trocam produtos entre si. A harmonia entre os sar na formação do profissional como ferramenta essencial
ireres pressupõe que sejam a priori compreensíveis. ao seu trabalho, ao desenvolver seus pontos de vista e con
A necessidade indispensável de laços entre as diferen- ceitos, buscando diminuir a incidência de preconceitos e
*r> disciplinas traduziu-se no surgimento da multidiscipli- ampliar a conformidade com a humanidade.
^-iridade e da interdisciplinaridade por volta da metade É necessário que a instituição se organize e se prepa
c século XX. re para adotar formas mais adequadas de planejamento
A multidisciplinaridade diz respeito ao estudo de um terapêutico, viabilizando, inclusive, a inserção de diversos
e - eto de uma mesma e única disciplina por várias disci- profissionais nas equipes em busca do aprimoramento da
' nas ao mesmo tempo. O objeto sairá enriquecido pelas qualidade do serviço prestado.
- ■ ersas disciplinas que se manifestam em relação a ele. O As muitas especialidades médicas associadas à diver
- nhecimento do objeto é ampliado pelos diversos olhares. sidade de outros profissionais da área de saúde oferecem
A interdisciplinaridade implica diversos saberes com- a oportunidade da experimentação de vários formatos de
• -rilhados e diz respeito à transferência de métodos de equipes integradas que promovam saúde, bem-estar e qua
-~.a disciplina para outra. Exige postura de abertura em lidade de vida entre os beneficiários internos (equipe) e
ação ao conhecimento alheio; disponibilidade para uma externos (pacientes e familiares).
municação apropriada tanto na emissão quanto na re- É legítimo pensar que uma equipe de profissionais pro
; nção, cuidando para que a linguagem seja acessível e a motores da saúde, que realiza constante intercâmbio de ex
rscuta generosa; persistência ao lidar com sentimentos e periências e conhecimentos, poderá desenvolver um traba
í ~oções que brotem de uma relação caracterizada pela di- lho mais íntegro e mais gratificante, com efeitos qualitativos
'.rmça; humildade para aceitar adições vindas do outro; no crescimento profissional e pessoal (Menziens, 1970).
t reciprocidade nas trocas estabelecidas.
A transdisciplinaridade se reporta àquilo que está ao
_:>mo tempo entre as disciplinas, através das diferentes Considerações finais
: ciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a O câncer é uma doença vinculada à pessoa integral
t mpreensão ampla e abrangente, em busca de uma unidade do paciente, então precisamos considerar suas relações
conhecimentos. Uma busca ambiciosa, talvez. Por en- com os diversos sistemas com que interage. Como o pa
u ;mto, esperamos que, pelo menos, possamos nos colocar ciente cuida de si e privilegia sua saúde, como estabelece
caminho da construção de relações que formem uma suas relações pessoais, como encaminha sua vida familiar e
b :íe sólida para a transformação do atendimento na saúde. social, como administra seu lar, como escolhe a alimenta
Vamos, então, nos contentar em falar sobre trabalho ção para o seu corpo e para a sua alma, qual a sua ativida
"regrado. de física preferida para ficar saudável, que tipo de ligação
O trabalho integrado garante as especificidades de tem com as outras pessoas e com o local onde vive - todas
cida área componente da equipe, fazendo da proposta essas questões são componentes do indivíduo que está à
njunta um instrumento facilitador na abordagem da nossa frente e sofre.
■ndade cuidada e possibilitando uma atuação mais ínte- Os danos decorrentes do câncer são significativos.
-• a . dinâmica e multidimensional. Pacientes se vêem diante da morte e da dor, com sinto
Esse enquadramento sustenta melhor assistência à mas aversivos e perda das habilidades funcionais e vo
jr pulaçáo atendida e garante legitimidade c rcconheci- cacionais, experimentando frustrações e incertezas em
"ento da capacitação da equipe de cuidadores, buscan- relação ao futuro.
. o aproveitamento máximo de cada componente por Com o avanço da medicina, muitos cânceres podem
' ito de ações gerais que promovam saúde e bem-estar apresentar elevado índice de cura se detectados precoce
-ira seus participantes, pacientes e familiares (Catropa e mente e se os tratamentos adequados forem ministrados
Massa, 1987). Enfrentaremos questões abrangentes ao cuidarmos
Trata-se de um formato de equipe de trabalho que daqueles que lidam com uma doença crônica.
irrmite e encoraja o intercâmbio de informações e a Necessitaremos de humildade e dignidade para con
nstruçáo de uma unidade, criando perspectivas únicas vivermos, sem disputar a posse do paciente, e cumprir-
356 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGlA
mos o nosso voto de acompanhar o outro no seu trajeto, direito de viver (e morrer como parte da experiência
diminuindo sua dor e seu sofrimento, dentro dos limites viver) com plenitude e dignidade.
humanos. Aprenderemos a cooperar uns com os outros Enquanto cuidamos, podemos antecipar, intuir, pres
em busca de melhores fontes de enfrentamento da doença, sentir eventos e seus desdobramentos e resultados, adar
que implicam desenvolver mecanismos e estratégias pes tando nossas ações à prevenção de estados, hábitos, esti. •
soais ou coletivos, que nos propiciem respeito aos nossos de vida que não priorizem a saúde geral do humano hoT
direitos e melhor qualidade de vida. rico, visto igualmente em todos os níveis de expressão.
Encarar o cuidado como uma atitude presente na Deve-se pensar na inclusão como possibilidade a
nossa expressão natural facilitará nosso comprometimen ampliação de entendimento do nosso próximo. De fato,
to com formas preventivas de cuidar, investimos muito permitir que as diferenças convivam. Buscar soluções para
mais em ações recupcrativas do ser humano, em geral. que possamos incluir. Incluir nossos defeitos, nossas ri
Programas educacionais e intervenções preventivas ainda lhas, nossas melhores qualidades, nossos anseios, nos>_í
são incipientes, não somente na área da saúde. dúvidas, nossos direitos. Incluir o outro, tão diferente .
Mais de 40% de todos os cânceres do mundo podem nós, nos mesmos lugares que freqüentamos e com as mes
ser prevenidos: sabemos que o tabaco e as bebidas alcoó mas possibilidades que temos.
licas estão direta e indiretamente envolvidos em diversos Assim, humanizar.
tipos de câncer; que a incidência de raios solares sobre a Tornar humano, com a tarefa divina de chegarrr.. *
pele, sem proteção adequada, produz mutações que levam ao máximo possível, partindo do mínimo, ao nascimento.
a diversos tipos de câncer de pele; que uma alimentação Em comunidade.
saudável reduz significativamente o risco da doença; que Ao lidar com enfermidades de maneira sistêmica, er-
o estresse e a depressão interferem no funcionamento dos volvemos diversos profissionais de várias áreas, ressaltan
sistemas endócrino e imunológico, contribuindo para um do o trabalho conjunto da equipe interdisciplinar, a quaí
contexto em que a doença pode se instalar e progredir; que apresenta um produto compartilhado, que transcende
a participação ativa no cuidado consigo e a preocupação que é múltiplo e integra pela capacidade relacional, soli
com a qualidade de vida estão diretamente relacionadas à dificando bases seguras e constituindo campos protegic:
prevenção, valioso dispositivo de saúde, que consolida o para o desenvolvimento do trabalho.
Referências bibliográficas
Bai.TRUSCH, H. J.; SeIDEL, J.; SlANGEL, W; WaLTZ, M. Cfsarino, A. C; Mezhfr, A.; Gonçalves, C. S.; D
E. “Psychosocial stress, aging and câncer”. Armais of the Niz, D.; Marino, M. J.; Brito, V; Almeida, W C. de. -
New YorkAcademy of Sciences, v. 521, p. 1-15, 1988. ética nos grupos: contribuição do psicodrama. São Paui)
Baracat, F. F.; Fernandes Jr., H. J.; Silva, M. J. da. Ágora, 2002.
Cancerologia atual: um enfoque multidisciplmar. São Pau De Marco, M. A. (org.). A face humana da medicine
lo: Roca, 2000. do modelo hiomédico ao modelo hiopsicossocial. São Pai
Bianchint, M. C. “O trabalho em equipe multiprofis- lo: Casa do Psicólogo, 2003.
sional”. In: Df Marco, M. S. A. A face humana da medi Di Biase, F. O homem holistico: a unidade menti
cina: do modelo hiomédico ao modelo hiopsicossocial. São natureza. Petrópolis: Vozes, 1995.
Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. Gimenes, M. da G. G. (org.). A mulher e o cânce-
Boff, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão Campmas: Psy, 1997.
pela terra. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. Guggenbühl-Craíg, A. O abuso do poder na psicote-
Botura Jr., W. (org.). Destruição e resgate do feminino rapia e na medicinaserviço social, sacerdócio e magistério
no homem e na mulher. São Paulo: República Literária/ Rio de Janeiro: Achiamé, 1978.
Edições OLM, 1999. Holland, J. C. et ai (eds.). Psycho-oncology. Nom
Buber, M. The knowledge of man: selected essays. York: Oxford University Press, 1998.
Nova York: Harper Row, 1965. Hycner, R. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógicz i
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico- Trad. Elisa Plass Z. Gomes; Enila Chagas; Mareia Porte
oncologia. Campinas: Psy, 1994. 3. ed. São Paulo: Stimmus, 1995.
. Resgatando o viver: psico-oncologia no Brasil. Krejnheder, A. Conversando com a doença: um diá
São Paulo: Summiis, 1998. logo de corpo e alma. Trad. Vera Maria Bertacchi Palma
Catrop.a, S. L. M.; Massa, A. M. “As vicissitudes no Ed/th M. Elek. São Paulo: Summus, 1993.
trabalho em equipe multiprofissional”. Boi. Psiquiatria, v. LeShan, L. O câncer como ponto de mutação: //"
20, p. 17-8, 1987, manual para pessoas com câncer,; seus familiares e profis-
TERAPIAS INTEGRADAS À ONCOLOGIA 357
mais de saúde. Trad. Denise Bolanho. 4. ed. São Paulo: Muraro, R. M.; Boff, L. Feminino e masculino: uma
'.immus, 1992. nova consciência para o encontro das diferenças. Rio de
Lirfrato, R. M. P. “Desafios da prática: o paciente e Janeiro: Sextante, 2002.
continente - o resgate do feminino na saúde”. Anais do Olbricht, I.; Baumgardt, U. (orgs.). Um caminho
dl Congresso Latino-Americano de Psicologia Junguiana, para começar de novo. Trad. Ingrid Lena Klein. São Paulo:
'.ilvador, 2003. Círculo do Livro, 1991.
____ . “Feridas invisíveis: o papel do câncer gincco- Petrone, L. Qualidade da vida e doenças psicossomá
•gico na individuação feminina”. Jung & Corpo, São Pau ticas. São Paulo: Lemos, 1994.
Pttta, A. Hospital: dor e morte como ofício. São Pau
lo, ano III, n. 3, 2003.
Mello Filho, J. de e cols. Psicossomática hoje. Porto lo: Hucitec, 1994.
Ramos, D. G. A psique do corpo: uma compreensão
Alegre: Artmed, 1992.
Monteiro, D. da M. R. Mulher: feminino plural - mi-
simbólica da doença. São Paulo: Summus, 1994.
Remen, R. N. O paciente como ser humano. Trad. De
>logia, história e psicanálise. Rio de Janeiro: Rosa dos
nise Bolanho. São Paulo: Summus, 1993.
lempos, 1998.
Serino, S. A. L. Diagnóstico compreensivo simbóli
Moyers, B. A cura e a mente. Trad. Heliete Vaitsman.
co: uma psicossomática para a prática clínica. São Paulo:
mo de Janeiro: Rocco, 1995.
Escuta, 2001.
A FAMÍLIA EM PSICO-ONCOLOGIA
M aria H elena P ereira F ran :
q adiados: novas responsabilidades., pressão do tempo, • participação nas diferentes fases, para r:-:-
eitos financeiros. Pode surgir a preocupação de que a de controle;
coença cause problemas de saúde aos outros membros da • sistemas de apoio informal e formal disc r
imília, não por ser contagiosa, mas por deixá-los estres-
idos, pelas novas responsabilidades e mudanças. Nessa Os fatores complicadores são:
<àl£ ase, temos claramenre uma crise familiar caracterizada
~tla contínua incerteza e ansiedade, que afetarão canto • padrões disfuncionais de relacionamento, inten
o paciente como sua rede de suporte, mas especialmente ção, comunicação e solução de problemas; ^
família, que já se encontra em crise. Esse é um período • sistemas de suporte formal e informal não existen
~ qual a família começa a experimentar o luto anteci- tes ou ineficientes; ^
"i-ório, diante das mudanças e perdas que ocorrerão. O • outras crises familiares simultâneas à doença;
feito do diagnóstico afeta todo o sistema familiar. • falta de recursos econômicos e sociais, cuidados
Essa é uma fase descrita como crônica, caracteriza médicos de pouca qualidade e dificuldade de co
municação com a equipe médica;
is pela necessidade de se adaptar às condições anormais
• doenças estigmatizantes e pouca assistência.
-i.indas da doença, juntamente com a necessidade de
-unter padrões normais, rotineiros, previsíveis. Paciente
Silva et al. (2002) exploraram as alterações ocorridas
família aceitam mudanças decorrentes de exacerba-
no cotidiano de famílias de pacientes com doenças crônicas,
.óes e crises agudas, ao mesmo tempo que lamentam a
sobretudo câncer, residentes em regiões urbanas do Nordes
•.rda da identidade pre-doença. A família com bom nível
te brasileiro c com baixo nível socioeconômico, buscando
i- informação tenta equilibrar necessidades de cuidados
caracterizar as redes de apoio das famílias. As autoras en
- m outras necessidades.
trevistaram dez familiares (irmãos e cônjuges), organizando
pbznK * Na fase terminal, quando uma pessoa não pode mais
os dados da entrevista por meio de análise temática. Três
. ^empenhar os papéis ou funções que lhe foram deter
categorias foram citadas, sendo enumeradas a seguir.
minados pela dinâmica familiar, ocorre uma alteração 1. Alterações estruturais e emocionais: a limitação
— portante no equilíbrio da família. Quando ela tem um funcional do membro afetado e os gastos com o
-r seus membros em condição de terminalidade, enfren- tratamento da doença provocaram alterações orça
i não somente a constatação de que aquela pessoa está mentárias e mudança de papéis sociais. Quando o
r. _ rrendo como também a morte da família como existia membro afetado era o provedor da família, as alte
r- então. rações foram mais significativas. Sentimentos como
Já a partir do diagnóstico, a família muda seu equi- aflição, insegurança e preocupação também foram
-'io, e isso se dá de maneira mais intensa algum tempo descritos.
mies da morte do paciente. 2. Envolvimento familiar: os sujeitos relataram au
Ò ajustamento emocional da família à doença faz uso mento da cooperação e do envolvimento entre os
algumas estratégias de controle, como a confiança no membros na tentativa de buscar resoluções para as
iintrole preditivo, com expectativas positivas, ou a atri- dificuldades.
rlição de poder ao setting medico. Ela pode também utili 3. Formação de redes sociais de apoio: as famílias pro
zar-se de pensamento mágico, que lhe dê controle ilusório curaram variadas formas de apoio social, recor
f: enfrentamento por sorte ou desejo. rendo a parentes próximos (tios, primos e avós),
Por outro lado, a família desenvolve mecanismos para amigos e profissionais da saúde. Nos casos em que
zntificar ou escolher um cuidador enrre seus membros, o paciente era o principal provedor, as famílias
: - existência de um cuidador na família chama a atenção buscaram o auxílio de outros familiares, sejam eles
• ira suas necessidades específicas, relativas a saúde, ques- da família nuclear (pai, mãe e filhos) ou parentes
r$ de sexo (feminino ou masculino), desenvolvimento de próximos. As autoras concluíram seu estudo en
Alidades, vínculo conjugal, sexualidade. fatizando a importância do apoio social para um
No enfrentamento da doença pela família, há fatores melhor enfrentamento da condição crônica, bem
--ditadores e fatores complicadores. Entre os facilitado- como a necessidade de maior aproximação dos
res, encontram-se: profissionais de saúde para facilitar o confronto
com as adversidades. Embora a amostra seja peque
• estrutura familiar flexível que permita reajuste de na e desuniforme, visto que foram caracterizadas
papéis; diversas doenças crônicas, os sujeitos representam
• boa comunicação com a equipe profissional e entre (qualitativamente) a grande maioria da população
os membros da família; ^ brasileira, ou seja, famílias com baixo nível socio
• conhecimento dos sintomas e ciclo da doença; econômico.
Com isso em mente, cabe ainda destacar as tarefas de A aceitação do diagnóstico é um processo difícil, ir
enfrentamento da família, descritas a seguir. vando os pais a se questionar muitas vezes sobre a condir:
Negação versus aceitação da doença e da morte: as de educação e de cuidados com o filho doente. Assim,
mudanças decorrentes do adoecimento podem abrir pers sumem a culpa dessa situação e por vezes responsabiliza -
pectivas interessantes de crescimento, desde que não se um ao outro. A negação e o sentimento de raiva tornar
jam negadas as perdas aí presentes. se muito presentes nesse momento. As reações da famfi _
Estabelecimento de relação com os cuidadores profis são complexas c particulares a cada membro. Eles reag^
sionais: um novo universo se abre para a família com o não somente à doença da criança, mas também às reaçôc
contato com os representantes do sistema oficial de saúde. dos outros familiares. Pode-se separar a evolução des?_
Trata-se de uma relação entre duas culturas, a daquela fa reações em três fases:
mília em particular e a dos profissionais de saúde.
Atendimento das necessidades da pessoa que está doen • um período de choque inicial;
te ou à morte: é preciso manter a relação com a pessoa • um período de luta contra a doença;
doente, responder às necessidades apresentadas por essa • um período prolongado de reorganização c act
pessoa, mantê-la incluída na família. tação.
Admissão de que a morte se aproxima e as necessida
des seUJteram: esse é um grande passo para a saúde e o Por vezes, o choque inicial pode ser tão abrupto 2
equilíbrio entre os membros da família. Isso significa su ponto de causar a desorganização familiar; outras vez^
portar a miríade de sentimentos e reações do luto anteci- pode ser rápido e facilmente vencido.
patório que surgem a partir da situação atual, mas também Quando a estrutura familiar é funcional, a doença po_;
de perdas anteriores. vir a fortalecer ainda mais os seus laços e a criança pode e-
Enfrentamento do luto, antes e depois da morte: o contrar o suporte necessário; porém, quando a estrutura =
luto se inicia antes da morte, a partir da constatação da disfuncional, os laços tendem a sc enfraquecer e a criam,
doença, sendo intensificado pelas perdas dela decorrentes. pode sentir-se rejeitada. As mudanças são inevitáveis, c 2
Assim sendo, o reconhecimento desse luto antecipatório família é obrigada a se adaptar a essa situação.
trará à família condições para um adequado desenrolar do A rotina muda, especialmente para aqueles que ve
processo do adoecimento, sem dispêndio desnecessário de de outros estados para que o tratamento seja realizado; r.
energia psíquica e de reguladores afetivos. uma ruptura nessa estrutura familiar, já que a criança e
Manutenção do equilíbrio funcional: exatamente adulto acompanhante afastam-se do restante da família
em razão das mudanças, que trazem consigo novas ne Vale ressaltar que o tratamento de câncer é um proces'
cessidades, é que a manutenção do equilíbrio funcional longo, demorado, abalando ainda mais o dinamismo de-
permitirá novas respostas, adequadas às demandas. Isso se sistema. Muitos pais deixam dc trabalhar para cuia
implica manter-se isolado da pessoa doente. Embora seja dos filhos, irmãos sentem-se injustiçados por não receber _
algo oposto ao que foi dito anteriormente, esse aspecto atenção dada ao filho doente; assim, muitas mudanças sã
também é necessário para ressaltar a importância do re produzidas devido a essa situação de enfermidade.
conhecimento, por parte de cada membro da família, das O sentimento de impotência e incerteza se faz prese
suas necessidades individuais e da tolerância do fato de te em todas as etapas da doença; caso as éxpectativàs th-
que aquela pessoa está doente, de que não existe a mesma gativas sobre o curso da doença persistam em detrimen:
perspectiva de vida que havia antes da doença, entenden das expectativas reais, haverá implicações negativas na in
do que, se ela morrer, os demais continuarão a existir. tervenção. Se a descrença for apenas por parte dc um do?
Estabelecimento e regulação das relações afetivas, pais, um tentará persuadir o outro; a oscilação da incerte
nessas condições críticas, dentro e fora da família: a sábia za faz que mantenham o tratamento e se inteirem acere _
medida entre o que sempre foi feito e aquilo que a realida dos aspectos da doença, das terapêuticas e possibilidade?
de impõe agora é um caminho para o estabelecimento e a Brun (1996) afirma que, no hospital, os pais perder
regulação das relações afetivas. parte de suas responsabilidades, já que as decisões, p> -
Adaptação às mudanças de papel: cada membro deve mais que sejam consultados, não cabem mais a eles, e sir
se acomodar às novas demandas impostas à família. aos profissionais que estão cuidando do seu filho; isso fa^
que o sentimento de impotência cada vez mais se tome
presente.
Os familiares e o câncer infantil Devido a isso, esquecem que servirão de exemple
A dinâmica familiar, com a notícia da doença de um dos para a criança, que os julga mais experimentados, e que
seus membros, desestrutura-se, pois sofre inúmeras transfor representam aqueles em quem ela pode confiar. O adultc
mações. O câncer na infância é uma situação estressante que não está livre de angústias e medos, principalmente em
traz inúmeras questões a cada membro dessa família. uma situação dessas, e a criança percebe esses sentimen-
A FAMÍLIA EM PSICO-ONCOLOGIA 361
>s, o que aumenta mais ainda seus medos e anseios e a estabelecer uma relação de desconfiança com seus pais, já
•2z sentir-se incapaz de atender às expectativas parentais, que, com a omissão de sua real condição, ela se questio
guardando para si seu sofrimento e suas dúvidas. nará sobre o que mais foi escondido dela, surgindo assim
Segundo Bowlby (1995), a ausência da mãe na in- fantasias e medos sobre a gravidade da doença.
. mação hospitalar tem um efeito perturbador; há uma Quando a criança tem conhecimento sobre a e: *. -
ir.tranqüHidade diante da possibilidade de separação. A dade e sente-se doente, a abordagem de todos os p-
presença da figura materna aumenta a confiança na figu mas fica mais fácil, pois ela compreende que o tratar -
ra de apego. Essa confiança se esvai quando essa figura a que será submetida é necessário. No entanto, dura-:
- agente voluntária ou involuntária da frustração, isto é, fase de manutenção, em que a internação não se faz
quando as figuras de apego não correspondem às suas necessária e os incômodos físicos são raros, a criança
atribuições, há efeitos graves e persistentes, pois estão em entende por que precisa ser submetida a exames dolorc
logo necessidades afetivas essenciais (segurança e amor) e continuar o tratamento. Assim, fica mais difícil expl
"ara o desenvolvimento da criança. Pais encorajadores, so o problema à criança, pois ela se sente “curada*.
lários e cooperativos criam a criança com senso dc valor Finalizando, cabe destacar a importância de conside
: competência e crença no apoio, propiciando um modelo rar a família como incluída, juntamente com o paciente,
:^orável para a construção de relações interpessoais; as- entre os que receberão cuidados multiprofissionais para o
rscm a r.m, situações de infortúnios e doenças serão elaboradas e enfrentamento do câncer.
enfrentadas por eles. Questões como fertilidade e sexualidade fazem parte
E de extrema importância que os pais participem do do universo de assuntos a serem abordados pela equipe.
tmento em que se expõe à criança o seu diagnóstico e a Falar em prevenção envolve a família, sobretudo quan
i adem a entender o que é ter um câncer. As figuras paren- do sc pensa em aspecros genéticos e hábitos de vida (ali
u-s trazem segurança e reafirmam o vínculo de confian- mentação e higiene, por exemplo). A discussão sobre o
. 2 quando estão presentes em situações difíceis. Convém tratamento coloca a família em posição dc parceria com
lembrar, porém, que o conhecimento das crianças sobre a equipe profissional. O tema da morte também envolve a
a doença vinha de outras fontes, como a televisão. Rece- família, enlutada e portadora de necessidades específicas,
frndo as informações por fontes indiretas, a criança pode relacionadas a essa condição.
LC*
Referências bibliográficas
B owlby , J. A secure base: clinicai applications of the Nascimento, C. R. R. “Relações entre a resposta de
:::jchment theory. Londres: Routledge, 1995. ansiedade de pais e mães e a resposta de ansiedade de seus
Brown, F. H. “O impacto da morte e da doença grave filhos”. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 18, n. 2, p.
nre o ciclo de vida familiar”. In: Cárter, B.; Mc.Goldrj- 17-28,2001.
:x. M. et ai (orgs.). As mudanças no ciclo de vida familiar: Rolland, J. “Doença crônica e o ciclo de vida fami
mrna estrutura para a terapia familiar. Trad. Maria Adriana liar”. In: Cárter, B.; McGoldrick, M. et ai (orgs.). As
I Veríssimo Veronese. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, mudanças no ciclo de vida familiar: urna estrutura para a
- *95, p. 393-414. terapia familiar. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese.
Brun, D. A criança dada por morta: riscos psíquicos 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
~ cura. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. Silva, C. N. Como o câncer (des)estrutura a família.
McGoldrick, M.; Walsh, F. Morte na família: sobre- São Paulo: Annablume, 2001.
endo às perdas. Trad. Cláudia Oliveira Dornelles. Porto S ilva , L. de F. da et al. “Doença crônica: o enfren
[ Alegre: Artmed, 1998. tamento pela família”. Acta Paulista de Enfermagem, São
Murray, J. S. “Self-concept of siblings of children Paulo, v. 15, n. 1, p. 40-7, 2002.
* :h câncer”. Issues in Comprebensive Pediatric Nursing, Thaler-Df.Mers, D. “Sexuality, fertility issues and cân
.24, n. 2, p. 85-94, 2001. cer”. lllness, Crisis & Loss, v. 10, n. 1, p. 27-41, 2002.
L - '
INTERVENÇÕES EM PSICO-ONCOLOGIA
EM INSTITUIÇÕES
M aria T eresa V eit ; L uciana H oltz de C amargo B ar -
Necessidades impostas pela doença Por outro lado, conforme aponta Mariano Bizzarr
(2001), ila mente pode modular de modo significativ» _
inesperado, o temível c o novo desencadeiam
reações endócrina, imunológica, nervosa e comportamc
: pacientes particulares, cujos tratamentos oncológicos se tivos de maior cooperação e melhores índices de satisfação,
• -iizaram em diversas outras instituições de saúde. por parte de pacientes, familiares e cuidadores informais,
(/> >
çâo de diagnósticos de câncer, depende, basicamente, dos sendo realizado em diversos serviços de oncologia, per-
seguintes aspectos: te que sejam revistos os modelos de distanciamento “p:
teror” a fim de que possam ser substituídos por ourr d
Reconhecimento do direito do paciente às informa mais abertos e saudáveis para todos os envolvidos.
ções sobre sua saúde. Pode ser extremamente útil a oportunidade de um
Entendimento de que pacientes e familiares ade gundo tempo” para pacientes e familiares que são inforr^-i
quadamente informados tornam-se aliados da pro dos de um diagnóstico de câncer. Uma forma de proporá ■
üüi mmin i: r j : j ; m i
posta terapêutica. nar esse tempo é a disponibilidade de assistência psicolóc ...
Respeito ao paciente, com referência a “quanto”, ao criar-se um momento para a retomada da informaçã* .: i
“quando” e “como” prestar a informação. modo que esta venha a ser integrada à realidade de
Domínio de estratégias de comunicação. paciente e contexrualizada de acordo com ela.
Conhecimento dos mecanismos psíquicos próprios
que entram em ação na situação específica e capaci
dade para suportar sua expressão. Consentimento informado
O consentimento informado é um elemento caract -
O contexto institucional oferece inúmeras oportu rístico do atual exercício da medicina. Não é apenas iir^a
nidades para que sejam contemplados os aspectos men doutrina legal, mas um direito moral dos pacientes, ç~?S
cionados. gera obrigações morais para os médicos.
De modo formal ou informal, os direitos de pacien Segundo Ahronheim (1994), o consentimento inr •
tes, assim como os princípios que norteiam a seleção das mado é composto de três elementos básicos: competêm ii
melhores estratégias para comunicação, são objeto de dis ou capacidade, informação e consentimento.
cussão cm reuniões clínicas, contatos diretos entre profis Os quatro elementos necessários para que um cci-1
sionais e encontros multiprofissionais. sentimento informado seja considerado válido são >
Adicionalmente, a avaliação psicológica, já apresenta seguintes: fornecimento de informações; compreensã..
da e descrita, oferece inúmeras informações sobre a psico- voluntariedade; consentimento. O que observamos, c~i
dinâmica de cada paciente, informações estas que se tornam nossa realidade, é que informação e consentimento verc: -
subsídios inestimáveis à determinação da qualidade, oportu deiros não ocorrem necessariamente na rotina hospital
nidade e quantidade de comunicação sobre o diagnóstico. especialmente quando se trata de procedimentos clínic
Além do foco no paciente, profissionais de psico-
habituais. A prática acaba por resumir-se a uma formalida
oncologia mantêm-se atentos à dinâmica psíquica dos cui
de vazia, sem que sejam respeitados seus fundamentos.
dadores e estão aptos a propor manejos de comunicação
Consideramos que a leitura assistida, acompanhada
que levem em coma também o profissional que comunica
pelos esclarecimentos que sc fizerem necessários, é pre-rr
o diagnóstico.
quisito imprescindível ao cumprimento dos fundament;-i
No dia-a-dia dos departamentos de oncologia, cemos
sobre os quais se baseia a idéia do consentimento informa
identificado inúmeros médicos - especialmente aqueles
do. A experiência da assistência do paciente por profiss.
mais jovens - que se propõem a hercúlea tarefa de, a rodo
nal da psicologia, sendo estimulado a expressar dúvida^:
custo, suprimir o sofrimento. Partem do entendimento
recebendo as orientações suficientes, tem mostrado que,
de que essa é a principal - se não a única - tarefa do
de fato, a assinatura aposta a um documento pouco com
médico e mostram-se imensamente frustrados quando,
preensível não significa voluntariedade na decisão.
com freqüência muito maior do que imaginaram, não
Deve-se levar em conta que tanto paciente quanto
conseguem atingir aquela meta. De forma quase automa
familiares tendem à adoção do mecanismo de defesa d:
tizada, passam a evitar a emersão de qualquer indicativo
idealização da figura médica, um recurso que lhes alivia i
de sofrimento, procurando acreditar que se algo não é
angústia da fragilidade que a doença desperta, já que p_'
expresso é porque não existe. Esse mecanismo de evita-
ção das emoções amplia-se gradativamente para todos os sam a depositar no profissional toda a sabedoria e o pode-
sentimentos que permeiam a vida profissional, não se res que julgam necessários para salvá-lo. Nessas condições,
tringindo mais, exclusivamente, aos conteúdos dolorosos, como hesitar cm consentir na realização dos procedimen
sofridos ou tristes. Estabelece-se assim o distanciamento tos propostos?
entre profissional e paciente e, o que é ainda mais grave,
entre profissional e seus próprios conteúdos psicológicos.
Orientação de conduta visando à adesão
Com o passar do tempo, essa atitude pode cristalizar-se e
incorporar-sc à sua personalidade. e aderência
A manutenção de um canal permanentemente aberto Uma vez informado de seu diagnóstico, o pacientt
fel a
II
para acolhimento e discussão dessas questões, o que vem oncológico, via de regra, depara com uma infinidade dt
INTERVENÇÕES EM P S l CO - O N C O LO G I A EM INSTITUIÇÕES 365
"rovidências práticas a tomar, que envolvem ações va sugere deslocamento do sentimento diante da doença ou
lidas, ligadas a exames complementares, comunicação a das crenças anteriores...
.imiliares, organização de responsabilidades profissionais, Nossa orientação para o manejo dessas e de tantas ou
rlanejamento financeiro, entre outras. tras manifestações leva sempre em conta que não se trata
Por vezes perdido nesse emaranhado de solicitações de momento adequado para interpretações ou elaborações
. não raro, sentindo-se amedrontado e frágil, esse pacien- em profundidade. Indica-se a paliação do sintoma e, sem
. >e beneficia significativamente de orientações de condu- pre que possível, a orientação para que o próprio paciente
J que lhe permitam assumir um papel ativo, mantido ao venha a conhecer e aplicar técnicas de alívio sintomático
:>ngo das próximas fases da doença e do tratamento. de forma autônoma e independente. São extremamente
Numa proposta eminentemente prática, é preciso que úteis as técnicas de visualização direcionada, relaxamen
"c sejam apontadas soluções simples para situações que, to muscular, respiratório e mental, além de recursos de
< não atendidas nesse estágio, podem vir a representar arteterapia.
mpecilhos maiores em momentos futuros. A utilização desses recursos tem sido prática cons
Os diversos profissionais que compõem a equipe de tante em nossa experiência e seus resultados se mostram
assistência oncológica, devidamente preparados, devem efetivos tanto nas situações de natureza genérica quanto
assumir o papel de orientadores em várias questões. O es naquelas mais específicas, como episódios de hipertensão
guio permanente à formulação direta de dúvidas sobre arterial não responsivos a manejo farmacológico.
medicação e tratamentos dirigidas ao médico é acompa
nhado por indicação clara de direito de transporte público
iratuito, local para aquisição de perucas ou outros com- Tratamentos
aéementos, meios para obtenção de atestados específicos Estabelecido o diagnóstico, segue-se a definição dos
a-j organismos públicos e/ou profissionais, procedimen- planos de tratamento.
I > para internação e muitos outros itens. Tratamentos oncológicos podem envolver cirurgias,
É significativo e incontestável o grande número de li- quimioterapias, radioterapias, hormonioterapias. Esses
~-.ações impostas pelos tratamentos de câncer. No entan elementos podem ser empregados de forma isolada, se-
to. há muito que preservar em termos de atitudes, escolhas qüencial ou mesmo de modo simultâneo.
r niciativas dos pacientes. Tudo que puder ser mantido Todos eles precisam ser compreendidos por pacientes
ieve ser estimulado: rotina profissional e social, atividades e familiares, a fim de que possam conduzir-se de modo a
lazer, responsabilidades. evitar sofrimento desnecessário e venham a se beneficiar
dos melhores resultados do esquema terapêutico proposto.
z^ergentes psicológicos
Convencionamos chamar de emergentes psicológicos Questões gerais referentes à internação hospitalar
aqueles conteúdos, próprios dc cada indivíduo, que, uma Informações claras e completas devem estar disponí
* r: estimulados por situações de estresse - positivo ou ne- veis para a rotina de internação hospitalar. Folhetos infor
ítivo venham a manifestar-se ou pela intensidade do mativos podem ser úteis, desde que elaborados em lingua
Kímulo ou pela desinibição dos controles habituais. gem compreensível e acompanhados de esclarecimentos
Por diversas vezes, no contato direto com pacientes verbais, quando se fizerem necessários. E importante que
ecológicos, tem-nos parecido que as situações diagnósti- sejam listados os itens que devem ser trazidos para o hos
-os e de tratamento atuam como verdadeiras lentes de au- pital e se mencionem o regime de acompanhantes c visita
eato sobre as configurações psicodinâmicas individuais, ção e a previsão de alta.
ata-se, sem dúvida, de excelentes oportunidades para o
—ibelecimento rápido de uma hipótese psicodiagnóstica,
c ”10 também de um momento em que conteúdos enier- Grupos pré-cirúrgicos e pré-quimioterápicos
-:_tes requerem atendimento pronto e focal. No que se refere a procedimentos cirúrgicos, há
As manifestações se tornam, assim, pontos de urgên- orientações específicas que devem ser disponibilizadas. Os
: para o manejo terapêutico. grupos pré-cirúrgicos são caracterizados por uma ativida
O planejamento das intervenções deve levar em con- de multiprofissional informativa e integrativa, desenvolvi
-|ue muitos dos emergentes em pauta são as expressões, da em encontro único com grupo de três a oito pacientes,
~ is ou menos refinadas, de mecanismos de defesa de que cujo plano de tratamento já foi definido cm termos cirúr
t :ndivíduo em sofrimento lança mão. gicos. Têm por objetivos prestar informações, esclareci
Essa compreensão elucidará insônias inexplicáveis mentos e orientação sobre os procedimentos, relativos a
..r encobrem o medo de anestesia ou de morte, hiperso- todos os segmentos da equipe multiprofissional, e ofere
3 que traduz evitamento ou negação, agressividade que cer apoio emocional ao paciente com indicação cirúrgica.
um m
além de humanizar o atendimento hospitalar, enfatizar a têm por objetivos o compartilhamento e a continência
importância do atendimento mulriprofissional e suas van pontual de questões emergentes e a eventual indicaçã
tagens para o paciente. Acima de tudo, lidam com dúvidas para avaliação ou suporte psicológico subseqüente, alé~
e expectativas comuns - referentes a anestésicos, dores, de disponibilização de subsídios, para a equipe médica
drenos, limitações e outras reduzindo a ansiedade c o referentes ao manejo psicológico do paciente.
desconforto diante do novo e do desconhecido. A escuta se processa por contato psicológico do tir
Desse grupo, de encontro único, participam repre bedside e visa ao levantamento da compreensão dos mo-
sentantes dos cuidados médicos, de fisioterapia, enferma vos da internação, do grau de ajustamento emocional .
gem, psicologia e nutrição. Temos registrado resultados momento e às circunstâncias e da demanda por avaliaçi
interessantes e positivos a partir do momento em que nos psicológica formal, continuidade de assistência psicolóç
dispusemos a convidar um acompanhante por paciente ca ou psicoterapia breve. Durante todo o contato, dispor
para integrar a atividade. biliza-se o acolhimento às questões pontuais (de pacier*:
Os resultados do encontro traduzem-se em melho ou familiar), evitando interpretações e mantendo inte*
res condições de enfrentamento para o paciente durante venções aplacadoras e de suporte emocional. O resultada
o pré-cirúrgico, os procedimentos da intervenção e o pós- esperado é a aquisição por parte do paciente de melhorr
cirúrgico; melhor adesão aos tratamentos a que precisará condições emocionais para enfrentamento dos proceti
ser submetido; instituição de clima de compartilhamento mentos clínicos/cirúrgicos necessários.
e continência por parte da equipe de cuidadores (família
e equipe de saúde): compreensão dos procedimentos pelo
paciente, para que colabore com a equipe de enfermagem, Manejo de efeitos colaterais
facilitando as ações necessárias; diminuição da ansiedade Além das cirurgias, que, em sua maioria, requerer
diante da situação desconhecida; aderência do paciente às internação hospitalar, outras modalidades de tratamer-
avaliações pré-cirúrgicas, tratamento e prevenção de linfe- to, que podem ser administradas de forma ambulatoria.
dema e outros efeitos colaterais possíveis. geram freqüentemente efeitos colaterais indesejáveis e de
O grupo de orientação para pacientes que vão iniciar difícil manejo.
o tratamento quimioterápico constitui-se em rotina com Destacamos a quimioterapia, por sua natureza espe-
periodicidade estabelecida segundo a demanda de pacien cialmente agressiva, quando administrada em esquema
tes novos e é conduzido por profissionais de psicologia, mais intensivos, dada a natureza da doença.
nutrição e enfermagem. Em nosso serviço, desenvolvemos um protocolo pari
Os principais assuntos abordados no grupo são: efei manejo de efeitos colaterais de náusea e vômito em pa
tos colaterais esperados na quimioterapia - o que são e cientes submetidas a quimioterapias adjuvantes ou ne -
como se preparar para enfrentá-los; noções de urgência adjuvantes para câncer de mama, tendo por objetivo a re
médica e de quando entrar em contato com a equipe; di dução e/ou eliminação dos sintomas de ansiedade, náusei
cas nutricionais e de como higienizar corretamente os ali e vômito decorrentes direta ou indiretamente da droga,
mentos; apresentação dos aspectos emocionais acarreta pela aplicação de técnicas psicológicas de relaxamento ;
**
1*
dos pelo câncer e seus tratamentos; e, por fim, abertura de visualização selecionadas para cada caso.
í
espaço para exposição de medos, preocupações e dúvidas Os resultados observados têm representado estímul
diante do tratamento. Linguagem acessível e compreensão permanentes à continuidade das ações.
do que está sendo dito são primordiais.
Em diversas clínicas, os serviços de psicologia e nu-
rrição são benefícios oferecidos a todos os pacientes em Cuidados psicológicos específicos
tratamento. Pesquisas mostram que o paciente informado Internados ou não, pacientes podem vir a apresenta:
é mais participativo e reage melhor ao tratamento, o que a necessidade de intervenção psicoterapêutica específica,
propicia um fortalecimento do vínculo com a equipe. segundo demandas individuais. Sejam essas necessidade?
decorrentes de experiências da vida pregressa, sejam elas
instituídas ou desencadeadas pela situação de doença,
Ronda de estimulação psicossocial no leito fato é que precisam ser atendidas, não apenas pelo sofn-
O período de internação suscita inúmeras reações, mento psíquico que acarretam, mas também porque pe
que vão do sentimento de desamparo, experiências de dem constituir-se em entraves significativos à plena recu cea
desconforto físico, medo diante de novos procedimentos, peração do paciente. Situam-se nesta última condição os
insegurança quanto à alta hospiralar até a perda dos refe mecanismos de não-aderência a tratamentos, os conluios
renciais da vida corrente. inconscientes entre psiquismo e doença, com a finalida
As visitas ao paciente acamado provêem contato psi de de perpetuação de benefícios colaterais da situação de
cológico para acolhimento de manifestações psíquicas e dependência e cuidado, e todos os mecanismos de defesi
INTERVENÇÕES EM P S I C O - 0 N C 0 L O G I A EM INSTITUIÇÕES 367
- -ie, imprescindíveis à sobrevivência do ego, podem vir a pode significar oportunidade de introdução a algum cami
. jncretizar-se em atitudes nefastas à saúde física ou psí- nho de profissionalização.
- jica do indivíduo. Os programas que visam educar, brincar, divertir e
Nessas condições, entendemos que a linha de cuida- permitir os sonhos são elementos imprescindíveis à recu
. ?s psicológicos mais adequada à realidade institucional/ peração integral dos pacientes, e é preciso desenvolvê-
jspitalar é a psicoterapia breve focal, com foco e tempo los se temos em mente o tratamento integral do paciente
-etermínados no início do tratamento, visando à melhoria com câncer.
sintomática, à resolução da problemática focal e ao forta A hospitalização pode afetar o desenvolvimento da
lecimento egóico. criança e alterar a qualidade de sua vida. Motta e Enumo
O contrato verbal realizado com o paciente define (2002) apresentam o brincar como estratégia de enírenta-
■netas, duração e freqüência da psicoterapia, além das mento da hospitalização infantil e concluem que o tipo de
- armas de sigilo; determina o foco a ser trabalhado, o brincadeira não interfere no resultado do trabalho.
. jal, na vigência do tratamento clínico-médico, deve in-
uir a relação com a doença, assim como o vínculo e a
: ierência ao tratamento. Ao final do tratamento, pacien- Reabilitação
'» e terapeuta fazem, em conjunto, a avaliação dos resul-
Qualidade de vida e convivência com seqüelas
—dos, e, em caso de necessidade, procede-se ao encarni
çamento para aprofundamento terapêutico de questões A manutenção da qualidade de vida do paciente com
t crrafocais. câncer hoje em dia é vista como ponto primordial. Até
Em termos técnicos, a flexibilidade instrumental mesmo diante da escolha dos tratamentos tem-se levado
'rrmitida pela proposta da psicoterapia breve auxilia o esse ponto em consideração.
indamento do tratamento e a própria sensibilização para Sabemos que o tratamento é, por vezes, desgastante e
processo terapêutico que teve seu início marcado pela desestruturante, e que fica muito difícil para o paciente vol
çexistência da demanda psicológica formal, explicitada tar a considerar a qualidade da sua vida da mesma forma.
■ r parte do paciente. Mudanças na rotina, nos papéis sociais e alterações físicas
Não raro, podemos observar que, uma vez trabalha- podem acontecer e precisam ser trabalhadas e assimiladas.
- > rerapeuticamente os elementos direta ou indiretamen- O trabalho psicológico contínuo para equipe e familiares é
: associados ao adoecer, o paciente passa a compreender um elemento fundamental de suporte nessa fase.
: câncer como oportunidade de crescimento e reposicio- Um dos grupos de reabilitação para pacientes que
" imento diante da vida. tiveram câncer de mama caracteriza-se por atividade de
senvolvida para grupos de até oito participantes, com
plano de tratamento cirúrgico definido por mastectomia
z'eparação para a cura e reinserção psicossocial ou setorectomia. Visa à troca de experiências e ao com
Parte integrante dos objetivos psicoterapêuticos ou partilhamento entre as participantes, ao esclarecimento
Cc qualquer ação que se volte ao paciente em tratamen- de dúvidas e expectativas comuns, à redução de ansiedade
> deve ser sua preparação para a cura. A rotina do tra e desconforto diante da necessidade de novos exames e
tamento, com as preocupações e ocupações que lhe são consultas de controle, ao reforço de atitudes de respon
crentes, frequentemente cria exímios doentes, dotados sabilidade diante da saúde e à orientação psicoprofilárica
:: expertises próximas às dos profissionais de saúde, que, e preventiva.
~:rém, se esquecem de como é viver com saúde. Daí a Após o término dos dezoito encontros semanais pro
* rcessidade de evitarmos, tanto quanto possível, a passivi-gramados, de duas horas cada um, temos constatado me
cade e o distanciamento das atividades normais. lhores condições de enfrentamento das pacientes durante
Instituições hospitalares precisam ter vida, já que, e após o tratamento, e também no período dos exames
- determinadas circunstâncias, serão o palco de ensaio de controle ou procedimentos médicos a que devem ser
?rra o retorno à vida que corre fora delas. Seguindo esse submetidas. Além disso, podemos observar a instiruição
: sarnento, atividades culturais e de lazer que se inse- de clima de compartilhamento e continência por parte da
nos espaços institucionais são a garantia de conexão equipe de cuidadores (família e equipe de saúde).
c o m a vida exterior, de manutenção dos vínculos com a Outra experiência interessante está na ação dos gru
* Jiedade. Isso é espedalmente importante no que se re- pos aberros de qualidade de vida, uma atividade regular
rre a crianças, para quem, além das demais necessidades, que, divulgada de modo permanente, convida pacientes
sergirão questões como reinserção escolar e recuperação e familiares próximos à discussão e reflexão sobre fato
Zr algumas etapas de desenvolvimento e formação, preju- res intervenientes na qualidade de vida de mulheres que
i.cadas pelo tempo de tratamento. Ainda, para segmentos foram submetidas a cirurgias mastológicas, em virtude de
~::s desfavorecidos da sociedade, o tempo de tratamento diagnóstico de câncer. Entre os diversos assuntos aborda-
368 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
dos estão questões sobre retorno ao trabalho, sexualidade, A cada momento correspondem ações importar.:.
obesidade, tabagismo, reconstrução de projetos de vida, que devem estar perfeitamente articuladas entre os mer-
culpa e remorso, além daqueles que respondem a deman bros da equipe de saúde. Entre estas, destacamos:
das específicas de cada grupo.
• manejo dos quadros de dor, em suas dimensões::
ca, psíquica, social e espiritual;
Controles e seguimentos • acolhimento e encaminhamento de pendências r
Diante do término dos tratamentos, é muito comum dividuais, ou, ao menos, oferecimento de espi.
o paciente sentir-se novamente inseguro e preocupado. para que o próprio paciente as mencione e reveia.
Ele depara com uma fase sem tratamentos e, ao mesmo • fornecimento de espaço para tomadas de dec i
tempo, com o fantasma de um câncer que pode voltar. referentes à terminalidade (onde morrer, defini,;
Essa fase merece muita atenção, pois o paciente está da extensão dos cuidados, designação de pts>a*
retornando à sua vida normal, que pode estar muito dife apta a tomar decisões etc.);
rente do que era antes do tratamento. Por outro lado, ele • preparação para a morte;
mesmo sofreu modificações significativas, o que delineia • prevenção de luto complicado.
um cenário em que importantes ajustamentos de atitudes
serão necessários. Algumas dessas ações são desenvolvidas direta ep
Os intervalos dos seguimentos médicos podem variar soalmente com o paciente. Outras admitem situações ui
de três a seis meses, e, a cada retorno, toda a angústia acar grupo, em que seu manejo pode tornar-se muito efeth .
retada pelo medo da volta da doença está presente.
Diante da confirmação de uma recidiva, os pacientes
Ambiente hospitalar
vivem novamente toda a angústia inicial do diagnóstico,
aumentada agora pela fantasia da aproximação da morte. Cabe aos profissionais de toda a equipe de aten>_
A quimioterapia passa a ser vista pelo paciente como a mento o cuidado com a qualidade, presteza e eficácia d
única forma de se manter vivo. atendimento prestado em qualquer situação. E prec:
E!videncia-se, assim, a importância do acompanhamen levar em conta que, em situação de incerteza e/ou de fra
to psicológico desse paciente também nesses momentos. gilidade, o paciente requer atenção especial a uma ganu
de necessidades que, por vezes, transcendem o objeto es
pecífico da demanda.
Paliação
Nem sempre os tratamentos resultam em cura. O que
Prontidão e qualidade do atendimento
não significa, dc modo algum, o esgotamento das possibi
As informações prestadas devem ser claras, focai> t
lidades de assistência ao paciente e a seus familiares.
sempre que possível, acompanhadas por registro escr
“Curar algumas vezes, aliviar muitas vezes e conso
que as confirme. Isso é cspecialmente indicado no caso _ .
lar sempre.” Esse aforismo, atribuído a diferentes autores,
agendamentos, encaminhamento para cirurgias ou tra:i
inclusive a Hipócrates, sintetiza o pensamento que atribui
mentos específicos, solicitação de documentação de ape
à equipe de saúde uma responsabilidade que vai além da
para qualquer procedimento.
quela focada exclusivamente na cura.
Funcionários responsáveis pela recepção e inforrr
Há muito a ser feito no tratamento permanente dos
ção devem passar por treinamentos que, além de rec -
sintomas de doentes oncológicos que não têm perspecti mendações posturais usuais em outras situações, devtz:
va de cura. A duração dos períodos curativo e paliativo é incluir a sensibilização a dererminadas particularidade
extremamente variável de um paciente a outro. O perío do paciente oncológico. A compreensão desses mecanis
do curativo se refere àquele período compreendido entre mos se presta, por exemplo, à redução de sentiment -
o diagnóstico e a constatação de evolução local incurável persecutórios que podem ser desencadeados quando y -
ou de metástasc. De modo geral, os tumores metastáti- cientes deslocam suas reações de agressividade e frustra
cos são ainda considerados incuráveis. Dessa forma, o ção diante da situação de doença para os profissionais
período dito paliativo, que se seguirá até a morte, pode que os atendem.
durar muitos anos, como no caso dos tumores de mama
ou próstata. Pode ser dividido em duas etapas: período
em que se espera uma remissão (da data da recidiva até Situação em sala de espera
o início da fase terminal) e período em que o conforto é A sala de espera, ao mesmo tempo que sc constitui
o único objetivo, que se sucede ao anterior e constitui-se em espaço de irritação e ansiedade, pode sediar atividade*
na fase terminal. de relaxamento, distração e psicoeducação.
INTERVENÇÕES EM PSICO-ONCOLOGIA EM INSTITUIÇÕES 369
Recursos como vídeos que convidam a um momen- cazes para os melhores resultados globais dos tratamentos
de distração saudável, música ambiente e decoração propostos se forem desenvolvidas de forma integrada, com
-r bom gosto induzem um estado psicológico mais fa- real compreensão de cada um do trabalho de todos.
rável às consultas médicas ou aos procedimentos que
:ão a seguir.
O espaço e o tempo podem também ser aproveitados Reuniões clínicas
' ;ra atividades focadas em orientação c esclarecimento Os encontros multiprofissionais constituem-se em
*>bre saúde em geral ou ainda sobre aspectos específicos oportunidades especiais para o aprendizado, a troca e a
is questões que são atendidas no espaço clínico. integração. Situações clínicas, apresentadas de maneira
Consideramos especialmente apropriadas as infor- adequada e com espaço para contribuições dos represen
~ações c explicações que levam à melhor compreensão tantes de todas as especialidades, permirem que as condu
dos exames e procedimentos que, de modo geral, são pre- tas estabelecidas levem em conta aspectos diversos de cada
. riidos de temores e ansiedades (ressonâncias, mamogra- indivíduo, garantindo resultados clínicos mais favoráveis.
radioterapias, biópsias), e também as atividades que As discussões podem versar sobre casos em andamento,
emulem as práticas preventivas e de detecção precoce com o intuito de que sejam escolhidas as condutas mais
: ~ diferentes modalidades de câncer. adequadas. A seleção de casos de cunho didático, com si
As atividades desenvolvidas em sala de espera, usual- tuações não usuais ou de resultado insatisfatório, é extre
rente por psicólogos, assistentes sociais ou enfermeiros, mamente rica por permitir uma análise crítica com resul
resultam em melhores condições dos pacientes para os tados significativos de aprendizado.
** cedimentos médicos a que serão submetidos, além da
ritauração de clima de compartilhamento e continência
* : parte da equipe de saúde. Tem por objetivos gerais: Comunicação permanente entre participantes da
equipe de cuidados
• humanização do contexto hospitalar;
• redução de ansiedade e desconforto resultantes da É imprescindível que os mecanismos para fluxo con
expectativa de exames e consultas; tínuo de informações entre os profissionais da equipe este
• distração para amenizar a espera; jam disponíveis permanentemente. O prontuário de cada
• reforço de atitudes de responsabilidade perante a paciente é o meio tradicional para que esse fim seja atin
saúde; gido. No entanto, a prática tem mostrado uma utilização
• orientação psicoprofilática e preventiva; insuficiente da ferramenta e pouco interesse real de cada
• identificação da necessidade de assistência psicoló profissional nos conteúdos registrados pelos colegas.
gica; O paciente oncológico pode ter inestimáveis benefí
• observação geral das dinâmicas individuais. cios advindos de uma ação articulada entre todos os pro
fissionais de saúde que o assistem. Suas necessidades, de
A atividade psicocducativa em grupo, voltada à ordens variadas, devem ser coordenadas pelo médico res
r-.enção e detecção precoce do câncer de mama, vem ponsável pelo tratamento, de modo que não se sinta per
Kmdo, há mais de cinco anos, um destaque importante dido entre procedimentos e orientações pouco coerentes
: nossas ações cm sala de espera para exames de mamo- ou até mesmo contraditórios.
~*na e ultra-som mamário. Tem por objetivos principais No Instituto de Ginecologia e Mastologia do Hospi
citituir a prática do auto-exame mensal, conscientizar a tal Beneficência Portuguesa de São Paulo foi desenvolvida
-iTher quanto à relação entre detecção precoce e prog- uma ferramenra informatizada para o exercício da trans-
* rico favorável de câncer de mama, desmitificar a doen- disciplinaridadc e para a formação de uma base de dados
-i- remover as barreiras psicológicas impeditivas ao au- em oncologia, focada em ginecologia e mastologia. Trata-
■frcuidado (desinformação, medo e ansiedade), identificar se de sofisticado sistema dc comunicação, previsto para
ridentes com necessidade de atendimento ambulatorial aplicar-se às demais áreas da oncologia, cuja concepção foi
■ ' coterapia breve) e incentivar o acompanhamento mé- norteada pelo entendimento dc que a integração das in
^co regu/ar. formações essenciais provenientes de cada uma das espe
cialidades - referentes a avaliações, tratamentos e resulta
dos- compõe um arsenal insubstituível para a formulação
iteração e integração da equipe profissional de caminhos mais adequados a cada caso. Esse sistema de
Não podemos imaginar um grupo de profissionais tra- apoio à atuação clínica contínua subsidia tomadas de deci
* libando de forma desconexa. Por mais que a soma das habi-
são, gera relatórios clínicos e laudos e, além disso, permite
i^Jes individuais aponte para um conjunto impressionante a correlação entre variáveis escolhidas pelos profissionais,
:: nabilidadcs do grupo, estas só serão verdadeiramente efi mesmo que provenientes de diferentes especialidades.
370 TEMAS EM P S I C O • O N C O LO G I A
Acolhimento às necessidades psicológicas dos como intercorrências inesperadas nos quadros clínicos
dos pacientes apresentam forte potencial de impacto >
integrantes da equipe profissional de cuidados
bre o grupo.
Não podem ser esquecidos, também, os afetos que
permeiam naturalmente as relações de membros da equi
pe, frequentemente associados a relações com os pró 1. Uma visão de conjunto
prios pacientes ou familiares. Situações de óbito podem O Quadro 1 recompõe, de forma sistemática, as c
desencadear reações de frustração e sentimentos de per versas ocasiões em que podem ser oportunas as diferente-
da que precisam ser compreendidos e acolhidos, assim intervenções que apresentamos até aqui.
Emergentes psicológicos X X X
Controles e seguimentos X X
Paliaçâo X X
Reuniões clínicas X X X X
• oncologista;
Por falta de informações
• enfermeiro especializado;
médicas.
Desconhecimento de pesquisas, • membro da equipe multíprofisslonal.
1 ratamentos e suas conseqüências,
1 "jemandas sobre prognóstico funcional
I ou vital. • psiquiatra;
Por dificuldade na assimilação
• psico-oncologista;
das informações médicas
• documentação informativa.
• oncologista;
Dores não controladas pelos
• grupo de dor;
tratamentos em curso.
• meios complementares não farmacológicos.
• cirurgião;
• psico-oncologista;
2 Desestabilizaçâo psicológica ligada a • educação funcional, próteses etc,
Mutilações cirúrgicas.
^m efeito iatrogênico, à progressão da
doença ou a quadros dolorosos.
• fisioterapia;
• documentação informativa (folhetos, vídeos etc.).
• oncologista;
Intolerância a sequelas de
• radioterapeuta;
tratamentos radioterápicos ou
medicamentosos.
• psico-oncologista;
• documentação informativa.
• familiares;
• amigos e vizinhos;
4 Sofrimento por solidão afetiva e A própria condição de doença
• organizações de doentes;
•flacional, familiar ou social. ou tratamento.
• grupos organizados por psico-oncologistas;
• organizações de caridade.
Referências bibliográficas
Ahronheim, J. C. et al. Ethics in clinicai practice. toures les phases de la maladie cancéreuse: vers la m -
Boston: Little, Brown, 1994. en place de structures pluridisciplinaires des soins or-
Angerami-Camon, W. A. (org.). £ a psicologia entrou cologiques de support”. Bulletin du Câncer, v. 88, n. .
iI
no hospital. São Paulo: Pioneira, 1996. p. 321-8, 2001.
Bizzarki, M A mente e o câncer: um cientista explica Mello Filho, J. de. Concepção psicossomática: viss
como a mente pode enfrentar a doença. São Paulo: Sum- atual. 9. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
mus, 2001. Mello Filho, J. e cols. Psicossomática hoje. Por:.
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico- Alegre: Artmed, 1992.
oncologia. Campinas: Psy, 1994. Motta, A. B.; Enumo, S. R. F. “Brincar no hospital:
_____. Resgatando o viver: psico-oncologia no Brasil. câncer infantil c avaliação do enfrentamento da hosp:
São Paulo: Summus, 1998. talização”. Psicologia, Saúde & Doenças, v. 3, n. 1. r.
Clotet, J. aO consentimento informado nos comitês 23-41, 2002.
dc ética em pesquisa e na prática médica: conceituação, Pf.tti, D. A. et al. “Efeitos colaterais em quimi>
origens e atualidade’’. Bioética, v. 3, n. 1, p. 51-9, 1995. erapia: identificação e manejo de aspectos psicológico
Costa Jr., A. L. “Psico-oncologia e manejo dc pro associados - relato de quatro casos”. Anais Paulistas
cedimentos invasivos em oncologia pediátrica: uma re Medicina e Cirurgia, São Paulo, v. 131, n. 4, p. 51 *
visão de literatura”. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto 2004.
Alegre, v. 12, n. 1, p. 107-18, 1999. Santos, G. C. dos; Gonçalves, L. L. C. “Mulheres
English, D. C. Bioethics: a clinicai guide for medicai mastectomizadas com recidiva de câncer: o significado _
students. Nova York: W. W. Norton, 1994. novo ciclo dc quimioterapia”. Revista Enfermagem UERj.
Holi-AND, J. C.; Rowiand, J. H. (eds.). Handbook Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 239-44, 2006.
of psychooncology: psychological care of the patient with Silva, V C. E. A revelação do diagnóstico de câncr
câncer. Nova York: Oxford University Press, 1989. para profissionais e pacientes. 2005. Dissertação (Mestra
Krakowsky, I. et al. “Organisation coordonnée do em Enfermagem) - Escola de Enfermagem dc RibcirI
de la prise en charge des symptômes et du soutien à Preto, Ribeirão Preto, São Paulo. i
A PSICO-ONCOLOGIA E O ATENDIMENTO DOMICILIAR
EM CUIDADOS PALIATIVOS
M arco T ullio de A ssis F igueiredo ; V era A nita B ifulco
ro descanso após um sofrimento atroz. Deveríamos, por decisões devem ser soberanas. Devem ainda ser ajuda_
ínfimos minutos diários, ter por hábito pensar em nossa na administração de sua vida, pois isso traz ao doe"*
finitude; isso porque, ao pensarmos no fato dc que, um dia, conforto e segurança ímpares. Quando o paciente já rã
tí y
nosso tempo de vida será extinto, fechando o ciclo, como pode controlar uma situação interna, como, por exe~-
é natural a tudo que é vivo, sentimos a necessidade de re plo, o agravamento da sua doença, deve ser capaz de de
pensar a vida que levamos. Levamos a vida ou é ela que nos cidir sobre questões externas; seu querer deve ter v< z
leva? E, se a levamos, como efetivamente fazemos isso? ser ouvido.
O conhecimento da finitude humana é essencial z
saber dc todos os que lidam com as áreas da saúde.
.1 .
Psico-oncologia jam eles profissionais da saúde, membros da comunidade
Os cuidados que garantem melhor qualidade de vida ou pessoas da família/cuidadores, pois a morte fará parri
se ancoram na concepção da visão holística do homem, mais cedo ou mais tarde, de seu cotidiano.
tratando de todos os aspectos que o norteiam, sejam eles Infelizmente, a maioria dos profissionais de saúde
de caráter físico, emocional, espiritual, social ou cultural. não tem preparo para falar a respeito da morte. A nnsii
Esses aspectos se interligam mutuamente, interagindo de dos profissionais de saúde não termina com a capacidade
forma global nas respostas dos pacientes e familiares, nos de salvar. Se não entendermos nem a morte nem os senti
m.mm.ii!
diversos estágios em que se encontram; constituem uma mentos que a cercam, como entenderemos aquele paciente
unidade a ser atendida pelos profissionais de saúde. Assim, que tem seus dias limitados por anseios, medos, dúvidas
a psico-oncologia atinge seu objetivo melhorando a qua inquietações? Como, efetivamente, poderemos auxiliá-.
lidade de vida de todas as pessoas envolvidas no processo quando sua cura já não for possível? Que recursos, disp
da doença, em todas as suas etapas: a prevenção do câncer, níveis em nós, como seres humanos e profissionais, se-
o momento do diagnóstico, o tratamento e sua finalização, rão nesse caso?
a cura ou a terminalidade. Didaticamente, temos cinco estágios pelos quai^ -
Faz-se necessário o entendimento de que o cuidado pacientes passam durante um processo de doença cr -
com as emoções desencadeadas pelo adoecimento é im ca progressivamente debilitante e letal. Esses estágios nd
portante para os tratamentos e a manutenção da qualida ocorrem necessariamente um após o outro, seguindo uru
de de vida tanto do paciente quanto da família e/ou dos ordem perfeita; porém, por questões didáticas, é bom tê-1 -
cuidadores. O homem aprende com as crises que enfrenta; como base, pois, além de servirem para entender melhor
essa compreensão pode transformar o sofrimento em ex paciente e assessorá-lo da maneira mais adequada possív z
periência de vida, e c na experiência de vida que habita o proporcionam à família o entendimento de muitas das
crescimento íntimo, individual e singular de cada pessoa. ções do doente, as quais, em geral, são incompreendida
O desafio que permanece sempre é o de aliar com mal interpretadas e, conseqiien temente, malconduzidas p
petência técnico-científica com humanismo, expresso no todos aqueles que lhe dispensam cuidados e atenção.
ato de cuidar com profissionalismo, ternura, sensibilidade Esses estágios foram arrolados por Elisabeth Kübkr
e ética. Ross, médica psiquiatra suíça que viveu e exerceu a mec
Com o avanço da ciência, temos, de um lado, uma cina nos Estados Unidos e foi a pioneira do estudo sobre
gama imensa de drogas capazes de controlar a doença e, a morte e morrer.
muitas vezes, levar à cura, mas, de outro, o medo da morte, Kübler-Ross traçou o que reconheceu como sendo c
chegando a caracterizar o câncer como uma doença que cinco estágios pelos quais as pessoas passam após o diz^ £
deve ser curada custe o que custar. O tema da morte não nóstico de um mal incurável: negação, revolta, barganhz.
seria tão chocante se tivéssemos tempo de discuti-lo em depressão e, finalmente, aceitação. A negação dificulta
vida. Ninguém conversa sobre as expectativas que nor diagnóstico precoce; por sua vez, um diagnóstico corre
teiam o viver e o morrer, e isso contribui para criar pessoas to leva ao tratamento eficaz. A raiva deve ser entendi,
despreparadas para a morte. Quando cuidamos de alguém como não pessoal. Não é direcionada exclusivamente a
médico, à esposa, ao marido ou ao cuidador; é uma ra
UH
gravemente enfermo ou vivendo sua terminalidade, depa
ramos inconscientememe com nossa própria finitude, o que da situação cm si, que não pode scr mudada, não pode '
pode causar a eclosão de sentimentos e emoções novos. E revertida. Não há outra vida a ser vivida, em que os err
preciso criar um espaço para facilitar a expressão dessas serão reparados. Não há outra chance. O doente dep;
emoções. Uma escuta ativa por parte dos cuidadores e pro com uma realidade só dele, a qual deve aceitar como
fissionais da saúde envolvidos no processo de cuidar pode O acolhimento dessa situação, sem levá-la para a esfc*
contribuir muito para uma adaptação melhor do paciente e pessoal, facilita que o paciente vivencie sua raiva, ente
de sua família ao seu processo de doença e/ou morte. da à qual natureza pertence e trabalhe suas defesas pa:_
Nesse cenário, os doentes precisam ser consultados melhorar sua qualidade de vida. Há, ainda, um tempo c.
sobre seus desejos, respeitados em seus valores, e suas vida a ser vivido, e as coisas que pudermos fazer aco:
A P S Í C O - O N C O L O G I A E O A T E N D I M E N T O D O M I C I L I A R .375
:cr trarão uma sensação de liberdade e conquista para da institucionalização dos pacientes. O ambiente tem pa
sso paciente. Quero relatar aqui o que disse uma vez pel fundamental na qualidade de vida e no nosso bem-es
-ma paciente quando conversávamos sobre sua doença: tar. Ele integra o conjunto de atributos físicos, sensoriais,
£u me dediquei sempre aos outros, deixei de viver para cognitivos, afetivos, espirituais, climáticos e funcionais
mar conta de todo mundo, sacrifiquei-me cm prol dc- presente no dia-a-dia e do qual fazemos parte. O ambien
e, agora, estou aqui, fechada neste quarto de hospital, te doméstico envolve a interação constante entre espaços,
: _>ente, e eles lá fora, vendendo saúde”. pessoas, atividades, pertences, preferências, lembranças,
Vocês podem imaginar a intensidade desses dizeres? espiritualidade e possibilidade de mudança. E a referên
vidades dessa equipe aré os dias atuais, esse trabalho tem riza sua personalidade como um todo e o acompanha e~
rido caráter fortemente afetivo, de voluntariado. todos os processos da vida diária.
O professor sempre foi um “contador de ca usos”. Fo O doente conduz a doença como conduziu toda .
calizo esse aspecto pois, cm nossa prática clínica, como cita sua vida. Ele é o dono de seu corpo, a morada de su
Alves (2002), médicos e enfermeiras são ao mesmo tempo alma, e no decorrer de toda uma vida, exceto em circun*
técnicos e mágicos, a quem é dada a missão de consertar tâncias externas à sua vontade, foi ele o responsável poc
os instrumentos (pacientes) e despertar neles a vontade de suas escolhas. Somos os únicos responsáveis por noss^
viver. Nunca sabemos de antemão o que vamos encontrar, escolhas, c mesmo quando uma doença nos surpreenãe
qual a demanda de nossos pacientes, e é pelos relatos dc no transcorrer da vida, atingindo ou não a fase termina
vivências, pelas informações passadas de maneira simples, dependerá de nós, com vontade soberana, a condução de
seja pela família, seja pelo próprio paciente, que passamos seu desfecho.
a definir as prioridades dos procedimentos. A doença como caminho acrescenta algo à experiên
O avanço da ciência permitiu que tratamentos especí cia da humanidade, assim como o estudo da morte e
ficos fossem desenvolvidos, fazendo que doenças que cos morrer acrescem consciência e sabedoria ao modo comei
tumavam causar a morte fossem bem controladas, tornan vivemos.
do-se crônicas, ou, em alguns casos, propiciando a cura. O Diante do doente, podemos levantar as seguinra
grande desafio para o profissional de saúde surge quando, questões: que lugar essa doença ocupa na sua história ae
ao perceber que a doença evoluiu a ponto de a cura não ser vida? Em que fase de sua vida cia surgiu? Que conseqüéa-
mais possível, ele vê claramente que a aproximação ine cias ela trouxe tanto para o doente como para o contcx?:
xorável da morte inutiliza quaisquer conhecimentos pro familiar? Como o doente conduziu sua vida?
duzidos pelas ciências e tecnologias de intervenção. Nesse Atrás da doença há um ser humano que clama não
momento, o tempo disponível para escuta do enfermo e pelo alívio e controle da dor e do sofrimento físico, mau
da família se mostra como atributo indispensável no pro pela valorização do ser humano que habita naquele corpo»
cesso de construção de identidade profissional e instru com todas as limitações que a doença acarretou.
mento imprescindível de ajuda ao paciente. É imperioso darmos um novo direcionamento : J
E essencial que a equipe cuidadora tenha conheci critérios concernentes à qualidade, ao valor e ao sign;-
mento adequado não só do controle da dor, mas também cado da vida. Darmos condições ao doente de lidar coa
de sua abrangência multidimensional, além de estudos essa situação e redescobrir o sentido da vida no momeir
voltados para a área da tanatologia que forneçam subsí vivenciado por ele. A doença e a morte trazem imbuídc*
dios para lidar também com os que estão diante do pro esses propósitos; cabe a nós tentar decifrá-los.
cesso de morrer. A qualidade de vida como objetivo que perme .
O processo de adaptação do paciente tratado em do nosso atendimento niultiproíissional nos coloca pen
micílio depende da idade, do estágio do desenvolvimento te esse universo imensurável que somente a experiê:
familiar, da natureza da doença, da trajetória ou padrão de cia prática do atendimento domiciliar nos proporcionjJ
enfrentamento, da experiência prévia, individual e fami pois cada caso é um caso, ímpar e singular, porém mu:? i
liar, em relação à doença e/ou morte, do status socioeco- útil para o entendimento, a compreensão e condução átí
nômico e das variáveis culturais envolvidas (Melo, 2001). outros casos.
A consideração desses itens é indispensável para que o cui Em nossos atendimentos e na condução dos casd&J
dado atinja seu objetivo. vemos a possibilidade de qualidade de vida, para noci
A vida é uma criação de intensa sabedoria; nada nela grata satisfação. Nossos pacientes, com raríssimas exce
acontece sem ser fruto de um amadurecimento físico, men ções, seguem até seu desfecho (a reabilitação, a cura e ?
tal e espiritual, a tríade que forma o ser humano. Na prática os cuidados paliativos) no aconchego de seu lar, rodead e|
psicológica de atendimento domiciliar aos doentes com ou por familiares, nunca sozinhos, e mantendo a referem _
sem recursos terapêuticos de cura, essa sabedoria se mostra de seu meio, envolvido por cuidados que visam acolhr-
nítida em cada caso que atendemos. A generalização é um preservar, acarinhar e dar condições físicas, mentais, e>r -
erro, pois, mesmo sabendo que algumas sintomatologias rituais e sociais, além de preservar ao máximo a autor >
acompanham a regulação temporal da finitude, deparamos mia funcional do paciente.
com reações distintas e singulares de paciente para paciente. Algumas atitudes devem ser preservadas nos aten_
As vezes, somos surpreendidos por comportamentos ines mentos domiciliares a pacientes graves, adotando os
perados, mas com o passar do tempo compreendemos que guintes princípios:
também eles faziam parte de um processo de espera que ca
racteriza a personalidade daquele doente. • deixar o paciente falar;
Não esqueçamos nunca que o doente lida com sua • quando não há o que ser dito, o silêncio fala po:
doença de acordo com um perfil psicológico que caracte próprio;
A PSICO-ONCOLOG I A E O ATENDIMENTO D O M I C I L I A R ... 377
• gestos como um olhar, segurar a mão, afagar a Casos clínicos do ambulatório de cuidados
cabeça fazem que o paciente perceba que não
paliativos da Unifesp/EPM para discussão
está sozinho em um momento que envolve tanto
mistério; didática
• o paciente sabe mais que qualquer um sobre ele A maior satisfação do grupo de cuidados paliativos é
mesmo, e cabe a nós conduzir esse entendimento; o surpreendente resultado alcançado com os pacientes e
• a vontade do paciente é soberana; seus familiares. Os cuidados com os doentes são efetuados
• nunca negar a esperança: ela é um direito do pa por uma equipe multiprofissional que trata do sofrimento
ciente até seu último minuto de vida; físico (médico, enfermeiro, farmacêutico, terapeuta ocu-
• aceitar o paciente dentro de sua individualidade pacional, fisioterapeuta, nutricionista), mental (psicólogo,
- ele pode ser diametralmente oposto a nós, e isso psiquiatra) e espiritual (padre, pastor, rabino, monge bu
não deve alterar em nada a nossa conduta; dista, representante espírita ou da linha religiosa seguida
• não devemos julgar, mas acolher e cuidar. pelo paciente e/ou pela família). Os sintomas são abran
gentes e o seu controle é ponto de honra para esses profis
Vivemos tempos de grande avanço tecnológico, sionais. A equipe multiprofissional surge como um reflexo
mas ainda nada substitui o tratamento humanizado, da tendência de ver o ser humano de fornia global, apoia
-ada é mais importante do que preservar o doente den- do em sua tríade: corpo-mente-espírito.
:ro de seu contexto domiciliar. Oferecer assistência de A experiência da equipe multiprofissional abre novos
qualidade aos pacientes e familiares é promover ajuda caminhos na compreensão dos problemas enfrentados por
no local em que esse paciente puder ficar o mais con- pacientes sem recursos terapêuticos de cura e no estabe
• ortável e adaptado possível. A grande maioria dos pa lecimento sistêmico de soluções para seus problemas. A
cientes atendidos elege o domicílio como o local mais equipe aprende a ouvir o doente, ser solidária e ter pa
idequado para receber cuidados até o final de sua vida. ciência, e esrá sempre acessível, 24 horas por dia, tanto
No domicílio há a segurança oferecida pela preserva- para aqueles que estão internados como para os que são
ráo dos aspectos que integram o processo de cuidar, atendidos em domicílio.
rrincipalmente o espiritual, além da permanência de O breve relato de casos faz-se necessário para a me
_m ente querido a seu lado. A casa agregada à família é lhor compreensão e julgamento de nossa luta.
-m facilitador no processo de enfrentamento da doen- O paciente envelhece, adoece e morre como viveu. Em
.i. extensivo à presença de amigos e vizinhos num con- nossa prática constatamos que o paciente conduz sua doen
:inuo e profundo inter-relacionamenco do doente com ça e a dinâmica doméstica conforme sua personalidade.
xxt meio.
O domicílio também auxilia a equipe no trabalho
no luto antecipatório. Uma família bem assistida, nesse Caso 1
. >ntexto, dificilmente terá seqüelas e apresentará um luto Paciente: T. O., 57 anos.
: implicado. A depressão após o luto é questão de saú- Diagnóstico: carcinoma de cavidade bucal com me-
ne pública, pois desencadeia a somatização de doenças, o tástases na região cervical lateral.
, ae leva a custos extraordinários. Preservar a saúde física, Número de atendimentos: três, sendo o primeiro am-
lental e espiritual da família também é tarefa da assistên- bulatorial e os demais domiciliares.
: a prestada em domicílio. Cosrumo fazer uma analogia Tempo de atendimento: 24 dias.
com os jogos de futebol: quando um time joga em casa, Equipe: Vera de Fátima (enfermeira) e Vera Bifulco
s comentaristas dizem que sua chance de ganhar é maior, (psicóloga).
-.ssim também acontece com o cuidado cm domicílio: o
-me que reúne o paciente, sua família e os profissionais de O paciente foi operado em 31 de outubro de 2001,
-aúde que o assistem senre-se mais à vontade trabalhando no Hospital São Paulo, de um carcinoma espinocelular
re acordo com o referencial de vida do paciente, ou seja, retromolar, com ressecção de glândula submandibular e
tm seu domínio, sua casa; portanto, a chance de esse time linfonodos cervicais. O laudo histopacológico revelou
nar certo é realmente muito maior. margens de segurança livres e metástasc linfonodal de um
O atendimento cm domicílio agrega conceitos como terço. Ele foi submetido à radioterapia em 8 de janeiro
conforto, dignidade e cuidados sociais, psicológicos, es- de 2002 e à quimioterapia em 21 de outubro do mesmo
rirituais e culturais, além dos procedimentos clínicos, ano. Mais tarde, a neoplasia recidivou na região cervical
:>tando longe de ser tarefa fácil. Da equipe são exigidos e subauricular, ulcerando a pele. Na ocasião foi colocada
conhecimento profundo c interdisciplinar, compromisso, uma sonda nasogástrica.
:;sponibilidade e desapego à aparelhagem sofisticada que Geralmente as pessoas que são atendidas no ambula
caracteriza o ambiente hospitalar. tório, devido à distância e ao estado avançado da doença,
378 TEMAS EM P S I C O - O N C O LO G I A
chegam extremamente cansadas; nas visitas domiciliares Quero registrar também que o senhor T. O. cor.-
subseqüentes, já os encontramos mais descansados e no nuou exercendo sua atividade de gráfico. Escreveu exp _
aconchego de seu lar, o que nos dá uma visão diferente cando que aquilo que antes executava em três horas r_
do caso. Podemos avaliar melhor a dinâmica que envolve sou a executar em seis. Só ia trabalhar quando se se nr.
tanto o paciente quanto seu meio, seu cuidador (ou cuida mais disposto, e contava sempre com a ajuda da esp _
dores), as dificuldades e as facilidades. não só em seus cuidados pessoais, como também no tra
No caso do senhor T. O., qualifico nossas visitas balho da gráfica.
como muito satisfatórias. Saímos de lá com a sensação Após o falecimento do senhor T. O., tive grande . -
gratificante de termos feito o melhor para aquele casal. É tade de conversar com sua esposa e saber um pouco m_
o que sempre sinto, mas gosto de enfatizar que é pouco o sobre a personalidade de seu marido.
que damos perto do que recebemos. Ele faleceu aos 59 anos, tendo sua doença sido diag
Ele se sentiu cuidado, valorizado, querido, aceito in- nosticada aos 57. Nesses dois anos o que o deixou m_ -
tegralmente, incluindo sua conduta física e emocional de revoltado foi o fato de, ao precisar fazer a cirurgia par,, a
encarar e conduzir a doença. Não podemos deixar de lado retirada do tumor na garganta, os médicos não terem s*á •
o fato de que esse senhor aceitava sua patologia mas não honestos com ele, não lhe dizerem com toda franqueza a aa
seu estágio terminal. talvez essa cirurgia o deixasse mutilado irreversivelmer--
Ele permitiu que documentássemos a visita com fo Ele imaginava que seria uma operação semelhante à ci-
tos, ao que retribuí pedindo a ele que também tirasse uma tração de amígdalas; em vez disso, voltou da cirurgia c -
foto nossa. um corte imenso que o deformou irremediavelmente, c
Quando lhe perguntei como se sentia desde sua últi conseqüente dificuldade para deglutir e falar. A todo n»
ma visita ao hospital, fez um gesto indicando que estava mento sentia necessidade dc escarrar, c dc fato apresem a
bem melhor. Ele tinha um certo grau de dificuldade em se muita secreção.
comunicar, em falar. Também tinha uma constante neces Com raiva, ele acusava todos de terem permitido qjffjj
sidade de eliminar secreções (catarro) por meio de expec- isso ocorresse, principalmente sua esposa.
toração; queixava-se de que, mesmo expelindo-as, havia Ele reagiu bem ao diagnóstico de câncer; o que rei
uma produção constante. mente o revoltou foi a mutilação causada pela cirurgia
Sua esposa havia comentado, logo na chegada, que dical, sem aviso prévio de sua extensão.
ele tinha dificuldade de dormir, em parte pela dor e por Um pouco antes do surgimento do câncer, a família r a-
temer não acordar mais. Pedi a ele que relatasse como era sou por um período difícil financeiramente, quase chega
a hora de ir se deitar. Ele se queixou de que sentia mui do à falência. O senhor T. O. tinha, na época, 54-55 an>.
ta dor; disse que esperava até ter bastante sono e ficar Contraíram dívidas com agiotas c tiveram de sair de o&ae
muito cansado, então tomava seu último remédio para moravam pois os cobradores não os deixavam em paz.
aliviar a dor, e só assim conseguia dormir. Perguntei se a O senhor T. O. e sua esposa eram casados há 36 r :s
dor era o único motivo que o impedia de pegar no sono. e tiveram 3 filhos adotivos, dois homens c uma mulher.
Ele pediu papel e caneta e escreveu: “Tenho medo de dor Ele tinha personalidade forte, era controlador,
mir e não acordar mais”. Estava pela primeira vez sendo lherengo, bebia e gostava de sair à noite, mas também
exteriorizado seu medo de morrer. Indaguei se a melhora muito trabalhador. Começou a beber no período da qui-
do desconforto causado pela dor amenizaria seu medo de sc falência da gráfica. Quando bebia se alterava muito. iJ
adormecer. Ele respondeu com um gesto positivo. isso era refletido na relação com os filhos e com a espo-i
Tomei nota de todos os medicamentos que estavam Nunca deixava faltar nada em casa, às vezes havia conr-
sendo administrados a ele e prometi que faríamos o me da em excesso, porém tudo, tudo mesmo, era controlac
lhor possível para controlar sua dor e seus incômodos Havia uma reserva financeira na sua casa, e tudo que fosse:
- para isso, a ação da enfermeira foi fundamental, em gasto deveria ser justificado. Controlava a vida dos filh
pregando procedimentos envolvendo curativos e métodos da esposa e era enérgico com os empregados da gráf;;
para minimizar os efeitos causados pelas ulcerações. - qualquer erro era severamente repreendido.
Foi notória a satisfação do senhor T. O. diante do Ele controlou tudo até o último minuto conscien:;
nosso carinho e interesse em cuidar dele, com um clima antes de dormir; estava fazendo as contas do que fora ç;
ameno e muito simpático, até alegre, resultante do entro- to no dia.
samento informal e muito afetuoso. Esse relato foi feito em conversa telefônica com a v
Sua esposa também teve oportunidade de esclarecer posa do senhor T. O., no dia 14 de agosto de 2003, ccr
dúvidas, tanto comigo como com a enfermeira, desabafar sua permissão para a reprodução.
a respeito de seu cansaço e sua dedicação exclusiva ao ma O senhor T. O. não negava a gravidade cic sua doe-
rido. Foram apresentadas a ela algumas técnicas para fazer ça, porém negava sua terminalidade: “Não é porque t
curativos e novas medicações tópicas. renho câncer que é o fim!”
A PSICO-ONCOLOGI A E O ATENDIMENTO D O M I C I L I A R .. 379
que S. J. L. fosse até Salvador para uma consulta médica. Porém, a condução do caso não foi tão favoráv.
Lá se diagnosticou o câncer, com necessidade de sessões Após as últimas consultas, detectou-se que o câncer ha^ _
de radioterapia. Estas não puderam ser feitas por dois evoluído, com o aparecimento de novos rumores, o q_
motivos: porque S. J. L. estava grávida de poucos meses impossibilitava a colocação da tão esperada prótese. Pa-:
e porque ela não tinha documentos (RG, CPF, carteira que ela pudesse ser colocada, a área cirúrgica para retira
de trabalho). desses novos tumores se estenderia até o olho esquerd
Voltando a Palmares, terra natal do casal, Z., seu ma A escolha agora se resumia em manter o olho restante <
rido, providenciou os documentos necessários, e de posse ficar sem visão nenhuma, mas com a prótese.
deles resolveram não mais ir a Salvador, mas ir direta- Nesse momento, toda a esperança, toda a força
mente para São Paulo, pois achavam que lá teriam mais acompanhou essa mulher, desde que chegou da Bahia, .
recursos de tratamento. No primeiro hospital procurado tentativa de voltar bem e recuperada, caiu por terra. L
sugeriu-se o encaminhamento para o Hospital São Paulo, sabia desde o início que tinha câncer e, como a maior i
onde haveria maior especialização relativa ao caso. dos pacientes, travou uma luta contra a doença, luta
Da primeira consulta no Hospital São Paulo até o saudável, buscando vencê-la. Alguns conseguem e outro»
retorno, passaram-se seis meses sem que nada fosse feito vêem-se presos a obstáculos aparentemente intranspo:
nem cogitado. Somente nessa segunda consulta S. J. L. foi veis, como no caso dessa paciente. As trocas da vida _
encaminhada à cirurgia. vezes são cruéis.
Nessa ocasião foi esclarecido a ela que a extensão Chegou o momento de contar com um milagre.
da cirurgia dependeria do que os médicos encontrassem; Aprendemos com nossos pacientes que há um m -
ou seja, seria algo imprevisto. Foi explicado também que, mento em que a negação não consegue mais sustentar i
caso fosse necessário, retirariam o olho direito (S. J. L. ocorrências, a verdade da incurabilidade se torna um
nunca se conformou com isso, e até hoje diz: “Me tiraram real e o milagre passa a ser a única alternativa ainda
uma vista boa, eu enxergava normalmente com ela!”). e confiável. O milagre não depende mais dos médicos
Foi realizada uma hemifacectomia direita, com esva dos pacientes, ele está nas mãos do único ser que tem
ziamento ganglionar cervical à direita. Houve, com isso, a poder de conferi-lo: Deus.
retirada do maxilar direito, de metade do nariz e parte dos O controle da vida não está mais em mãos humam
lábios, e seu olho direito foi enucleado. mas divinas.
S. J. L. teve cinco gestações. Na primeira, aos 21 Durante algum tempo, S. J. L. viu-se à espera
anos, esperava uma menina, com feto natimorto; na se um milagre. Freqüentou igrejas que garantiam que is>
gunda, aos 22 anos, também uma menina, hoje com quase era totalmente possível e decidiu aguardar um poucc
6 anos. Na terceira, aos 25 anos, um menino, que faleceu antes de voltar para casa e se unir à sua família. Tinr;
com dois meses, devido a uma pneumonia. Após a quarta uma sensação de derrota, depois de tanto ter investic
gravidez, aos 26 anos, teve uma menina, hoje com 3 anos. em um final completamente oposto. Mas esse tempo f
E por último, aos 27 anos, teve outra menina, que faleceu importante para que ganhasse uma força extra, uma c
com dois meses; nesse período do falecimento da quinta ragem que começava a nascer dentro dela. S. J. L. sem
filha, S. J. L. já se encontrava em São Paulo. pre teve uma capacidade de recuperação física e menu
A cada gestação, como esperado, ocorria um agrava extraordinária.
mento da doença. O casal conseguiu passagens de volta para a Bahn
S. J. L. passou por sucessivas perdas e lutos (vale lem e regressaram felizes, unos. S. J. L. tinha certeza de q_:
brar que o luto sempre está ligado a perdas irreversíveis). mesmo sem um olho conseguiria ajudar a mãe (por co:~
Destacam-se aqui dois desses momentos: a perda resultan cidência, sua mãe também perdeu uma vista por causa át
te das mutilações físicas (de parte da face direita, dando um sarampo, e vive bem com um olho só), já idosa, a to
ênfase ao olho perdido, à visão) e a perda da última filha, mar conta da casa e das meninas, das quais sentia mu::;
sem que pudesse acompanhar os rituais do enterro. Os saudade. Afinal, como ela mesma fez questão de enfatiza
rituais servem para ajudar a finalizar, dar o encerramento voltava sem um olho, mas estava curada.
a determinada vida. Eles nos fazem lidar melhor com uma A negação, por vezes, acompanha todos os estág: a
perda que sabemos ser irreversível. do luto. F.m parte isso é saudável, pois possibilita que «
Com a primeira cirurgia, após grande sofrimento na doente continue lutando pela vida. É comum encontr- ]
recuperação provocado pelo uso de sonda enteral, por essa reação em pacientes que têm filhos ainda pequen
bom tempo responsável por sua alimentação, S. J. L. viu- para cuidar.
se esperançosa com a possibilidade de uma nova cirurgia Esse foi o caso mais longo que acompanhamos, <
que proporcionaria a colocação de uma prótese facial; desfecho foi sem óbito, com uma viagem de volta pa.
com isso, poderia voltar para sua terra natal com uma casa. Teria o mesmo destino sem o acompanhamento
aparência melhorada. equipe de cuidados paliativos?
A PSICO ONCOLOGIA E O ATENDIMENTO D O M I C I L I A R ... 381
M— ISO
Is vil vil
dbcos cm
zerr. o
tpera óe
ISSO
■ pouco
B- Tinha
KV estldo |
BpO fOt |
, q*na CO-
l L. sem-
e mental
I i Bahia
B de que
lF^ coin-
r causa de
bsa, a to-
cu muita
eararizar.
■ estágios
fcu que o
meontrar
rvquenos
cr s, cujo
*:>ita para
Kzento da
CUIDADOS PALIATIVOS
M aria das G raças M ota C ruz de A ssis F igueire : :
Os princípios éticos que norteiam o tratamento de ainda podemos buscar ua cura da morte”, como se fôsst-
pacientes em cuidados paliativos podem ser expressos pe mos vítimas ingênuas da cegueira arrogante da ciência.
los seguintes itens: Não podemos ser curados da nossa mortalidade, *.
este é o grande desafio: viver intensamente a vida e ace -
• todo tratamento nos moldes de cuidados paliativos tar a morte com humildade, cuidando desde o nascime”
deve incluir e respeitar as necessidades da família; ro para que ela seja justa e digna quando ocorrer, sea
• todo doente tem o direito de ver aceita e acatada abreviá-la ou prolongá-la, mas minimizando o sofrimen:
por toda a equipe a sua autonomia em relação ao inerente a ela.
tratamento, inclusive para abandoná-lo, mantendo-
se cuidado no que diz respeito aos sintomas;
• a equipe de profissionais deve avaliar as vantagens A quem é indicado o tratamento
do tratamento a cada momento da doença, pon em cuidados paliativos
derando os riscos que acompanham o benefício dc
O adoecer e o morrer podem ocorrer de forma súb
cada ação proposta;
ta, inesperada e violenta (acidentes, assassinato, suicíd:: J
• o doente tem direito a obter os melhores cuidados
doenças fulminantes), ou lenta e gradativa (doenças crõr
profissionais disponíveis, ser respeitado na sua dig
cas com diferentes formas e tempos de evolução).
nidade, ser apoiado e cuidado nas suas necessida
Ao segundo caso se aplicam os princípios e a prátxj
des;
de cuidados paliativos. Idealmente as ações de cuidac -
• o paciente tem o direito de ser informado clara
paliativos deveriam ser iniciadas já no instante do di-i;
e detalhadamente sobre a sua doença, respeitada
nóstico, mas nesse momento costumam ficar em seguni
a sua capacidade de suportar progressivamente a
plano em relação às ações curativas. A medida que a doe--
verdade;
ça progride e a cura ou mesmo o retardamento do cur>.
• o doente tem o direito de participar das decisões a
da doença se tornam objetivos mais longínquos, as ações
respeito do seu tratamento, cabendo-lhe a palavra
paliativas alcançam precedência em relação às curativa
final, desde que adequadamente esclarecido a res
até o momento em que se tornam exclusivas.
peito dos fatos que lhe dizem respeito;
• o doente tem o direito de recusar tratamentos fú A evolução natural de cada doença também imprime
teis e dolorosos com o objetivo de prolongamento particularidades na aplicação e na imensidade do trais-
do tempo de vida no caso de doenças incuráveis, mento paliativo.
tendo, também, o direito de reverter essa escolha a Em pacientes com câncer, por exemplo, alguma
qualquer momento; questões são singulares: o diagnóstico ainda é muito
• cada ato e decisão devem ser documentados de for pactante, com caráter de sentença de morte; a evolução na
ma clara e por escrito no prontuário do doente. maioria das vezes é relativamente rápida; os tratamem >
são caros e dolorosos; os sintomas debilitantes são m_-
Mas não se pode esquecer que, por mais meritória tiplos, a dor relativa à progressão da doença ou ao p:.-
que seja a discussão a respeito da dignidade da morte, no prio tratamento é bastante frequente. Por outro lado, *•
Brasil, assim como em todos os países em desenvolvimen serviços de cuidados paliativos especializados em cân<.r*H
to, o desafio ético primordial ainda é considerar as ques são muito mais frequentes do que os relacionados coa
tões não resolvidas da dignidade da vida antes de abordar qualquer outra doença, e a experiência dos profissioni.-
o direito à dignidade da morte. no manejo de sintomas é maior.
Os direitos anteriores e obrigatórios para que se exer Já para os portadores de doenças crônico-degeiit-
ça o último deles, o da morte humana, ainda precisam ser rativas, como as síndromes demenciais e as falência
garantidos (saneamento básico, saúde materno-infantil, crônicas de sistemas (nefropatias, cardiopatias, pneumo-
educação, informação de qualidade, políticas públicas patias, hepatopatias, vasculopatias etc.), o agravamei.:.
transparentes e honestas etc.). da doença pode ser muito mais lento, a evolução o
Isso porque não se pode esquecer que a qualidade da déficits muito mais gradativa, e o movimento desecz-
morte repete a qualidade da vida que se teve, e que as con dente da doença é marcado por intercorrências súbita
siderações devem ir além da dimensão físico-biológica e que provocam um declínio abrupto da curva. A cada re
da perspectiva médico-hospitalar, incluindo os aspectos so cuperação, o patamar anterior não é mais alcançado. A
ciais e psicológicos do indivíduo. Acima de tudo, é preciso rerações de consciência podem ser comuns e dificulti-z
que sejam levadas em conta as grandes perguntas da huma bastante os cuidados.
nidade sobre o sentido da vida e sobre a sua finitude. Mas as práticas paliativas podem e devem ser ap
E nós, profissionais da saúde, se não podemos etica cadas a toda e qualquer doença crônica, apenas coa
mente aceitar a morte pela violência ou pela fome, menos a variação do momento e da intensidade dc cada p' -
C U I D A D O S P A L I A T I V O S 385
cedimento. Para auxiliar o profissional na escolha do Isso efetivamenre ocorre em várias ocasiões, de acor
melhor procedimento para a fase em que se encontra o do com o relato dos profissionais que trabalham nos nos
doente, criaram-se escalas de desempenho, das quais as sos hospitais, freqüentementc nos hospitais públicos.
mais comumente utilizadas são a escala de Karnofsky e Por ourro lado, a perseverança e a resistência à frus
a escala adaptada por Harlos, a PPS (palliative perfor tração desses mesmos profissionais certamente têm au
mance scale) (Harlos e Woellc, 2002). Porém, a aplica mentado o espaço de atuação dos cuidados paliativos no
ção dessas escalas não deve ser uma ação que referende Brasil, já que a educação em cuidados paliativos infeliz
as condutas paliativas isoladamente, e sim um comple mente ainda é uma utopia neste país continental.
mento ã observação e ao acompanhamento do paciente Pelo que se pôde verificar, apenas a Universidade Fe
pelo profissional. deral dc São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/
Nunca é demais lembrar que a família bem esclareci
EPM), sob a responsabilidade do professor doutor Marco
da e apoiada é a maior aliada do profissional de cuidados
Tuííio de Assis Figueiredo, e a Faculdade de Medicina de
oaliativos na prevenção de riscos e complicações.
Caxias do Sul, sob a responsabilidade do professor doutor
Se pensarmos que paliar é confortar, aliviar sinto
André Borba Reiriz, têm disciplinas (eletiva e obrigatória,
mas, ouvir, respeitar, compartilhar, acolher, acompanhar
respectivamente) de cuidados paliativos na graduação de
::é o fim da vida, e depois do fim, o doente e os fami-
medicina e enfermagem.
ares, pode parecer um pouco estranho que se respon
Portanto, talvez valha a pena correr os riscos conti
sabilize por essas tarefas uma “equipe especializada em
nuados de “expulsão” a que estão sujeitos os serviços de
cuidados paliativos”, e não os próprios profissionais que
cuidados paliativos que funcionem dentro de hospitais no
icompanharam o doente durante o esforço de cura.
Brasil, em troca da conscientização lenta e gradativa que a
É fato que o corpo dc conhecimentos da paliaçáo hoje
proximidade física dos serviços traz.
é vasto e complexo. Mas, ainda assim, como exercício dc
reflexão, talvez coubesse a pergunta: por que profissionais Também é preciso considerar que o ambiente hospi
diferentes para lidar com a vida e com a morte se ambas talar não é propício à maior parte das atitudes desejáveis
são continuidade uma da outra num mesmo corpo e numa para o conforto do paciente sob cuidados paliativos: o ba
mesma doença? rulho e a falta de privacidade e de conforto são excessivos,
as rotinas são rígidas demais, a comida é padronizada c
ii
parte do serviço, de providenciar o atestado a qualquer gia (HO), 1989, doutor Evaldo de Abreu, Rio òe |
hora e em qualquer circunstância, o que, na visão da auto Janeiro (RJ).
ra, compromete gravemente a assistência integral à família Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon), 1984.
no pior momento: o da perda do ente querido. doutora Maria Tereza Schoellcr, Florianópc’:
(SC).
Departamento de Oncologia da Faculdade de Me
Serviços de cuidados paliativos no dicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC
mundo e no Brasil dc Sorocaba, 1990, doutor Gilson Lucchesi Del
Recentemente o International Observatory on End gado, Sorocaba (SP).
of Life Care (loelc), da Lancaster University (Reino Uni Faculdade de Medicina de Botucani - Universidact
do), divulgou os resultados de um estudo realizado cm Estadual Paulista (Unesp), 1990, doutor Lino Lc-
235 países membros da Organização das Nações Unidas mônica, Botucatu (SP).
(ONU). Hospital Amaral Carvalho, 1992, doutor A. C. Ca- I
Esse estudo separou os países estudados em quatro margo de Andrade Filho, Jaú (SP).
grupos, de acordo com a quantidade e qualidade dos servi Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puc
ços de cuidados paliativos existentes em cada um deles: camp), 1992, doutora Sílvia Regina Scolfaro, Can I
pinas (SP).
• Grupo 4 (35 países): possui serviços bem estrutu Hospital Pérola Byington, 1993, doutor Juvena. I
rados de cuidados paliativos e políticas muito bem Mutolla Jr., São Paulo (SP).
definidas. Grupo Interdisciplinar de Suporte Terapêutico Or- I
• Grupo 3 (80 países): possui serviços isolados, sem cológico (Gisto) - Hospital Erasto Gacrtner, 199-. I
políticas estruturadas e com pouco intercâmbio en doutor Roberto Teixeira Betrega, Curitiba (PR).
tre eles. A este grupo pertence o Brasil, onde foram Hospital Nossa Senhora da Conceição, 1995, doL-
identificados catorze serviços. tor Francisco Aires Neto, Porto Alegre (RS).
• Grupo 2 (41 países): não há serviços estabelecidos, Hospital das Clínicas, 1995, doutor Toshio Chiba.
mas existem iniciativas isoladas e ainda pouco efi São Paulo (SP).
cazes. Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulhc:
• Grupo 1 (79 países): não há sequer iniciativas de (Caism) - Universidade Estadual de Campinas
formação de pessoas ou serviços (Wright, 2006). (Unicamp), 1995, doutora Nancy Mineko Kosek_
Campinas (SP).
O Brasil se ressente da falta de iniciativa oficial de Hospital da Lagoa - Sistema Único de Saúde (SUS .
listar, conhecer e congregar as diversas atividades em cui 1996, doutor Dante Pagnoncelli, Rio de Janeir
dados paliativos. A autora tem conhecimento apenas do
(RJ).
esforço particular do professor doutor Marco Tullio de Grupo de Apoio Paliativo ao Paciente Oncológicc
Assis Figueiredo de enviar a diversas regiões do país, e a
(Gappo), 1996, enfermeira Itacenira Dalya Bende-
profissionais que conhecera em reuniões de trabalho no
zú, Goiânia (GO).
Brasil c no exterior, um questionário solicitando aos servi
Fundação Centro de Controle de Oncologia (Ce-
ços existentes em 2001 que se apresentassem e se dessem a
con), 1997, doutora Mirlane Guimarães de Mele
conhecer (estudo não publicado e gentilmente cedido por
Cardoso, Manaus (AM).
comunicação pessoal do professor doutor Marco Tullio).
Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho, 1997, dou
A autora tentou completar essa lista, mas antecipadamen
tora Sandra Cordeiro Medina e Coeli, São Paulo
te se desculpa por possíveis incorreções e pela eventual
(SP).
indelicadeza em não citar algum serviço, por desconhe
cimento. Instituto de Infectologia Emílio Ribas, 1999, dou
No Brasil, a primeira iniciativa de formação de um tora Elisa Miranda Aires, São Paulo (SP).
serviço de cuidados paliativos de que se tem notícia se Hospital do Servidor Público Estadual, 2000, dou
deve à doutora Miriam Martelete, em 1983, no Hospital tora Maria Goretti Sales Maciel, São Paulo (SP).
de Clínicas de Porto Alegre. Instituto da Criança Professor Pedro Alcântara
Seguiram-se: - Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Me
dicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
• Santa Casa de São Paulo, 1986, doutor A. C. Ca 2001, professora doutora Sílvia Maria Macedo
margo de Andrade Filho, São Paulo (SP). Barbosa, São Paulo (SP).
• Suporte Terapêutico Oncológico (STO) - Instituto Ambulatório de Cuidados Paliativos - Universidade
Nacional de Câncer (Inca) e Hospital de Oncolo Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
CUIDADOS PALIATIVOS 387
(Unifesp/EPM), 2001, professor doutor M arco hintkiC fdlüddêMana urna iniciativa continuada de
Tuüío de Assis Figueiredo, São Paulo (SP). relacionar periodicamente os serviços existentes e propi-
• Hospital A. C. Camargo {Oncopedhtm), 290 c/ara c o / n c o m tatue eacce codós.
doutora Beatriz Camargo, São Paulo (SP). Também se faz urgente no Brasil - sob pena de o de
• Hospital A. C. Camargo (Oncologia - adultos), senvolvimento das unidades de serviços paliativos no país
2004, doutor Císio Brandão, São Paulo (SP). se fazer a passos muito curtos perto da necessidade exis
• Hospital do Servidor Público Municipal, 2004, tente - que as universidades e as faculdades que formam
doutora Dalva Yukie, São Paulo (SP). os profissionais requeridos para a prática de cuidados pa
• Hospital de Câncer de Barretos, 2005, doutor Leo liativos cumpram o seu papel. E premente que profissio
nardo Consonim, Barretos (SP). nais interessados em promover a assistência integral aos
• Hospital de Sapopemba Dr. David Capistrano, pacientes com doenças crônicas e potencialmente morrais
2007, doutora Sílvia Maria Macedo Barbosa, São não mais precisem sair do país ou, num autodidatismo
Paulo (SP). custoso e sofrido, scr os seus próprios formadores.
Os pioneiros da implanraçio de cuidados paliativos no
Alguns desses serviços já não existem, outros muda- Brasil não são cremos e se afastarão um dia da lida diária.
Tim de coordenação, possivelmente outros se formaram. E quem os substituirá?
Referências bibliográficas
Comunicações pessoais do professor doutor Marco Secpal (Sociedade Espanhola de Cuidados Paliativos).
Tu 1 lio de Assis Figueiredo, chefe da disciplina eletiva de “Historia de cuidados paliativos y movimiento hospice”.
Cuidados Paliativos e da disciplina eletiva de Tanatologia Disponível em: <http:/Avww.secpal.com> [entrar em
li Unifesp, não publicadas. Presentacíon e depois em Historia de los CP]. Acesso em:
Foiey, K. M. “The past and the future of palliative 15 de fev. de 2006.
-ire”. The Hastmgs Center Report, v. 35, n. 6, p. S42-6, World Health Organization [Organização Mun
2005. dial da “Better palliative care for older people”.
Saúde].
Harlos, jYL; Woei.k, C. “Guideline for estimating Genebra: WHO, 2004.
;ngth of survival in palliative patients”, 2002. Disponível Wright, M.; Wood, J.; Lynch, T; Clark, D. Map-
:n.: <http://palliative.info> [entrarem Local (Winnipeg) ping leveis of palliative care development: a global view.
: acessar o link Guidelines for Estimating Prognosis]. Lancaster: International Observatory on End of Life Care
Acesso em: jun. de 2007. - Lancaster University, 2006.
APROXIMAÇÃO DA MORTE
M aria J ulia K ovác :
A morte não é algo que nos espera no fim. Moritz (2005) realizou estudos com estudantes ±
E companheira silenciosa que nos fala com voz branda, sem profissionais e verificou que estes prescrevem coisas a seus
querer aterrorizar, dizendo sempre a verdade, convidando à pacientes que não gostariam que fossem prescritas a eles
sabedoria... mesmos quando estivessem doentes ou próximos da rm r-
te. Atualmente uma grande parte das mortes ocorre nas
(Alves, 2002, p. 67)
UTIs, onde a possibilidade de tratamentos fúteis tem mm-
uando se considerava a morte como evento me chance de acontecer, provocando mais sofrimentos do q :e
Muitos desses pacientes acabam internados em UTIs, nar quando a vida se encerra. A morte deixou de ser um
passando por muito sofrimento, como aponta o estudo acontecimento súbito e passou a ser um processo evoluti
mencionado. Algumas pessoas expressaram que gostariam vo, uma complexa sequência de eventos terminativos.
de ter controle no final de sua existência e que seu médi A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM)
co, em muitos casos, não levou em conta os seus pedidos. 1.805/2006, de 28 de novembro de 2006, permite ao médi
Essas conclusões trouxeram como resultados um avanço co a suspensão de procedimentos e tratamentos que prolon
dos cuidados paliativos dirigidos a pacientes gravemente guem a vida do doente em fase terminal, portador de enfer
enfermos e o desenvolvimento das diretrizes avançadas midade grave e incurável, respeitando a vontade da pessoa
envolvendo cuidados no fim da vida, principalmente ren- ou de seu representante legal. Cabe ressaltar que o doente
tando-se evitar sofrimentos pelo prolongamento da vida. continuará recebendo todos os cuidados necessários para
Ribeiro (2005) afirma que as diretrizes avançadas da aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurando-
vida (living wills) são documentos que descrevem o que o se assistência integral, conforto físico, psiquiátrico, social
paciente quer dos tratamentos a que está sendo submeti e espiritual. Ainda há aqueles que julgam que a suspensão
do, podendo incluir a sua interrupção. Trata-se de um do de tratamentos, nesse caso, deve ser vista como crime ou
cumento validado em cartório, que apresenta a declaração infração da ética. Mas o que dizer da distanásia, que pro
sobre o fim da vida, o desejo de não reanimação em caso longa tratamentos que infligem dor e sofrimento sem pra
de parada cardíaca e de não-submissão a tratamentos cujo ticamente nenhuma melhora? Essa resolução se apresenta
objetivo seja apenas o prolongamento da vida. É muito como uma possível resposta para essa questão.
importante que as pessoas possam falar com um médico Quando o tratamento não leva à melhora e, além dis
ce confiança e divulgar aos familiares e amigos o seu de so, causa desconforto, podemos estar no terreno da futi
sejo de não ser submetidas a certos tratamentos, ou ter lidade médica. Não é a complexidade do tratamento que
c vida prolongada indefinidamente. A opção pela recusa define a futilidade médica, e sim os seus objetivos.
de tratamento presente nas diretrizes avançadas recebe o Chatterjee (2003-2004) afirma que conceituar a mor
nome de suspensão do esforço terapêutico, banindo tra te, pensar sobre ela e estar diante de sua facticidade são
tamentos que só visam adiar a morte. Essa suspensão, no coisas muito diferentes. Há poucos trabalhos que conside
entanto, deve garantir os tratamentos para alívio e contro ram o não ser, mas aqueles que estão diante da morte a re
le de sintomas. latam como um processo muito solitário. E uma experiên
Para esse autor, as pessoas têm direito dc deliberar cia própria e singular, dificilmente poderá ser coletiva. É
sobre a própria morte. O direito á vida não é antônimo um reino sem espaço, tempo, definição; representa grande
ie direito à morte. Este último não deve ser visto como
mudança no mundo físico. Estudos sociológicos sobre a
am estímulo para que alguém se mate, mas para que se
morte envolvem a narrativa como forma de expressão
ãeixe morrer com serenidade. A Lei Covas (Estado de São
do sofrimento. Estar no fim da vida com a perspectiva
Paulo) - 10.241/99 - oferece o direito de recusar trata
de morte próxima é diferente de estar doente, mesmo no
mentos dolorosos, oferecendo a possibilidade de morte
caso de uma doença sem cura.
cigna, sem dor c sofrimento, ou a garantia que estes sejam
minimizados em conformidade com o desejo das pessoas.
Uma das possibilidades mais requisitadas é a morte em do Pacientes gravemente enfermos
micílio, com hospitalização somente quando for necessá-
*.a, escapando-se da solidão e da distanásia nas UTIs.
- familiares, sintomas e sofrimento
O tempo de morrer foi prolongado em aproximada Pacientes no fim da vida, com alta dependência, pre
mente dez vezes em comparação com o que se observava cisam contar com a família, padecendo todos de muito
antes das grandes inovações tecnológicas. Infelizmente, sofrimento. Em muitas UTIs há uma preocupação mui
que vemos atualmente é que os jovens médicos são to grande com os aspectos biológicos e as funções cor
mais treinados nas técnicas mas não são preparados para porais em detrimento da pessoa e da sua biografia. Há
dar com a morte. Não respeitar o direito de morrer uma atração maior pelos ponteiros e monitores do que
"ão é crime, mas com certeza constitui uma situação de pela pessoa. O estudo Support, já mencionado, indicou
. Tnstrangimento. que 20% das pessoas morrem nas UTIs. Entre aqueles
Pessini (2005) apresentou as recomendações propos que esriveram nas UTIs e saíram, 76% relataram des
tas pela Associação Médica Mundial no Chile, em 2005, conforto, 72% referiram ter muita sede, 68% sentiram
cefendendo o respeito aos direitos do paciente: o direito à sono, 63% ansiedade, 56% dor e 52% raiva. Portanto,
'iã dignidade e a ter o seu sofrimento aliviado, tornando observa-se um grande índice de sofrimento, que se agra
i morte tão digna quanto possível. va ainda mais naqueles casos em que a doença chegou a
Ayer (2005), discutindo sobre a terminalidade da um ponto de irreversibilidade e em que medidas invasi-
ida, indicou que ainda há grande dificuldade em determi vas se tornam inúteis.
390 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Segundo Alves (2002), a dor é o que há de mais ter mento físico e psíquico. Para alguns dos pesquisadores, fo:
rível na condição humana; quando esra é forte demais, o a primeira vez que tiveram contato com essa clientela.
desejo de morrer surge, pois na morte não se sente dor. De acordo com a autora, as vicissitudes do agrava
Há certas condições que podem levar ao subtrata- mento da doença colocam a unidade de cuidados (pacicr-
mento da dor; uma delas é a aceitação dos sintomas como te e família) diante de decisões, lembranças e questões
naturais em pacientes com câncer ou em idosos, por acre que trazem preocupações. O objetivo do estudo foi des
ditar-se que ter dores é algo que faz parte da doença ou da crever e analisar as necessidades dos pacientes terminais,
idade avançada. Outro grupo também vulnerável é cons sua família e, com base nos dados obtidos nessa análise,
tituído pelas pessoas com demência, pois, como há difi estabelecer os princípios adequados para o funcionamen
culdade na compreensão e na comunicação, não se presta to de uma unidade de cuidados paliativos. Trata-se dt
atenção ao que está sendo expresso. estudo descritivo com sessenta pacientes e familiares nc
Outro preconceito muito presente em relação à me ambulatório de oncologia da Faculdade de Medicina cí
dicação é o temor da adição à morfina. Muitos pacientes, Pontifícia Universidade Católica de Sorocaba (São Paulo .
familiares e, lamentavelmente, também alguns profissio Para realizar a avaliação foi utilizado o Stas (support team
nais consideram que a morfina só deve ser oferecida no assessment schedule), elaborado por Irene J. Higginson em
fim da vida por abreviá-la. Muitos pacientes sofrem inutil 19901. Embora sejam definidos como unidade de cuida
mente de dores atrozes por pouco conhecimento dos pro dos, o paciente e a família têm necessidades que podem ser
fissionais ou preconceito dos familiares, confirmando um muito diferentes. Os pacientes relataram grande deficiên
dos estigmas ainda arraigados de que a morte por câncer é cia na comunicação com os familiares e com os médicos e
dolorosa. Perguntamos: sofrer de dor intensa desnecessa uma significativa piora na qualidade de vida, com o pre
riamente não é uma forma de encurtamento da vida? domínio de dificuldades para realizar as atividades diárn
Além da dor há inúmeros outros sintomas presentes por causa da fraqueza e da fadiga. Afirmaram também que
em pacientes com câncer avançado: fadiga, anorexia, pro eram infantilizados, sentiam-se abandonados e solitários.
blemas gastrointestinais, dispnéia; e, em relação a todos Já a família tinha muita dificuldade de perceber t
esses sintomas, devem-se considerar os seguintes aspectos: aceitar a piora; por vezes, culpava o paciente pela soí
intensidade, início, duração e freqüêncta. doença, sem conseguir manter uma comunicação aberta.
Hennezel (1997) observou, durante o cuidado com A grande carga de trabalho e sofrimento esteve presemt
pacientes gravemente enfermos, que para alguns a aproxi nos cuidadores principais.
mação da morte desperta medos e inseguranças. As defesas Concluiu-se que, se o paciente tem os seus sintomas
se tornam frágeis, os sistemas de proteção falham e há uma controlados, os familiares sentem-se mais aliviados e me
sensação de vulnerabilidade. Segundo a autora, é muito nos ansiosos. Quando a comunicação flui, o sofrimen::
importante criar um ambiente de segurança c acolhimento, diminui. Infelizmente, em muitas instituições o cuidadc
com a família deixa a desejar. Os pesquisadores verifica
como um abraço que envolve com amor e firmeza.
ram que a semana que precedia à morte do paciente era
Hm pesquisa realizada em 1998 na Unidade de Terapia
muito sofrida, com a intensificação dos sintomas.
da Dor e Cuidados Paliativos do Hospital Amaral Carvalho
A dispnéia é um dos sintomas que causam mais sofri
(Jaú, São Paulo) com cinquenta pacientes em estágio avan
mento, elevando a ansiedade e podendo levar ao pânico.
çado da doença, observamos que a dor é o sintoma mais
E fundamental esclarecer pacientes e familiares, indicando
incapacitante e temido e que os pacientes estavam muito
medidas que possam trazer alívio e potencializar os efeitos
satisfeitos com o programa por seu alívio imediato. As gran
da medicação. Alguns dos sintomas, como depressão e fa
des preocupações desses pacientes se relacionavam com a
diga, não são devidamente reconhecidos, o que pode le\ ar
família e o seu sustento; tinham muito receio de se tornar
a tratamentos inadequados.
uma sobrecarga para os familiares. Uma grande porcenta
O que todas essas pesquisas revelam é que pacien
gem desses pacientes, ligada ao SUS, tinha história de pere
tes oncológicos em estágio avançado apresentam multi
grinação por vários serviços antes de chegar àquela unida
plicidade de sintomas, alguns muito incapacitantes, que
de, trabalhara por toda a vida e não tivera tempo dedicado
necessitam de tratamentos especializados e de alta com
ao lazer ou à busca de atividades prazerosas, o que ficava
plexidade. Observou-se também que a comunicação sofre
ainda mais evidente com o agravamento da doença. Muitos k T-i.-
perturbações nesse período pela presença dc sentimentos
nunca tinham pedido ajuda aos outros e também não o con
intensos e por vezes ambivalentes.
seguiriam fazer naquele momento de sua vida. Ficou bem
claro quanto precisavam falar de si, de sua vida, de seus sen
timentos e de suas preocupações futuras (Kovács, 1998). Para ma s informações sobre essa escala, consultar Bromberg, M. H. F -
Bromberg (1998) realizou um estudo com pacientes 'Cuidados paüativos para o paciente com câncer: uma proposta ir*J
grativa para equipe, pacientes e famílias". In: Carvalho, M. M. J de (c-:. I
gravemente enfermos e seus familiares, apontando as difi Resgorondo o vivei: psico-oncologto no Brasil São Paulo Summus, 199*5 '
culdades para abordar pessoas no fim da vida e com sofri p. 186-231
APROXIMAÇÃO DA MORTE 391
grande erro médico da atualidade. Não cabe ao médico A morte é parte fundamental da existência humana,
determinar o momento da morte, e sim constatá-lo. por isso pode ser planejada, com direito à autodeterr
Há uma estigmatização do paciente gravemente en nação. Sabemos que esse é uni ponto polêmico que ainda
fermo, ainda nomeado como paciente terminal, associan- demanda muita discussão. Partindo para questões mais
do-se o estado com o “nada mais há a fazer”. Além disso, íntimas, pessoas têm desejos e expectativas diferentes: al
há uma expectativa de muito sofrimento e dor na hora da guns preferem que haja a proximidade de pessoas, outros
morte, principalmente relacionada com algumas doenças preferem estar sós, dormindo ou despertos, alimentan
como o câncer, o que em parte é verdade. Esses pacientes do-se ou não mais. Por isso defendemos a necessidade dc
podem ficar isolados, pois há o temor do contágio pelo se falar mais sobre o tema da própria morte, informar as
sofrimento c pelo sentimento de impotência. Essas pes pessoas próximas sobre os seus desejos, configurando :
soas podem se ressentir do distanciamento da família e do que denominamos educação para a morte, o planejamento
trabalho; de perdas financeiras, da autonomia e do corpo final da existência (Kovács, 2003).
saudável. Têm medo da dependência, da dor, da degene Pedidos de morte podem ter os mais variados m -
ração e da incerteza. Vivem o$ processos de luto da perda tivos, entre os quais a consideração de que se chegou ao
de si e das pessoas próximas. final de uma existência. Podem ser também a denúncia dc
Esse grande temor do sofrimento no momento de que há muito sofrimento, por vezes intolerável. Pesquisas
morrer pode estar envolvido com a discussão sobre eutaná realizadas por Chochinov et ai (1995) indicam que ur
sia e o aumento das associações pró-morte com dignidade. dos grandes motivos do pedido de morte é a intenção do>
A morte nos desafia como profissionais de saúde, pois pacientes de poupar os familiares. Ao solicitar a mon:.
fomos treinados para salvar vidas. Pacientes gravemente a pessoa espera minimamente que haja a escuta dos seus
enfermos, sob cuidados principalmente relacionados com motivos e o empenho do profissional em cuidar daqui,
qualidade de vida e não com cura, acabam tornando inú que precisa ser cuidado. E ainda uma possibilidade de li
teis muitas das aprendizagens técnicas para manutenção berdade para aqueles que estão chegando ao fim da vida.
da vida, ainda muito enfatizadas na formação dos profis Outro grande motivo do pedido de morte é o sofrimen:'
sionais dessa área. intenso pela dor e outros sintomas, e nessas situações i
Stcdeford (1986) menciona que alguns médicos morte pode ser um alívio para todo esse sofrimento.
apresentam-se mais reservados em sua relação com pa Achille e Ogloff (2003-2004) realizaram um estue
cientes, principalmente com aqueles em fase final da com pacientes gravemente enfermos e verificaram que
vida, por terem a consciência dos riscos de vir a sofrer 70% deles consideravam o suicídio assistido aceitável dc
emocionalmente quando estes morrerem, utilizando ponto de vista moral e até se imaginavam nessa situaçã...
então mecanismos de defesa como a racionalização e a mas apenas 7% pensavam nesse ato como uma possibili
intelecrualização, numa tentativa de evitar o sofrimento dade para si, o que nos faz imaginar que os pedidos de
da perda ou a vitória da doença em detrimento da sua morte podem estar fortemente relacionados com situações
ação profissional. de grande sofrimento e sentimentos de desamparo. O re
Green (2003) destaca o desconforto com que os mé ferido estudo foi feito com pacientes com esclerose lateri
dicos lidam com pacientes próximos à morte, referindo-se amiotrófica, mas as suas conclusões podem ser estendida
a sentimentos como remorso, raiva, culpa e inadequação. a pacientes oncológicos em estágio avançado da doença.
Essa autora entrevistou vinte médicos e identificou os se Foram considerados nesse estudo os pacientes que
guintes mecanismos de enfrenta mento: medicalização da solicitaram a morte c as pessoas com quem eles conver
morte, desumanização, raiva dirigida ao paciente, uso de savam a esse respeito: parceiros, cônjuges, companheiros,
eufemismos, humor, falta de habilidade e choque. Esses filhos, familiares, médicos ou outros profissionais. Os pc-
profissionais referiram-se à importância do trabalho em didos tinham relação com as seguintes variáveis: status da
equipe e do compartilhamento de experiências. Segundo a doença e funcionamento físico, depressão, estresse perce
autora, os pacientes referiram o afastamento dos médicos bido, apoio social e formas de enfrentamento.
com o agravamento da doença. Foram contra o suicídio assistido aqueles com incli
Como alguns escritos já apontaram (Kovács, 1992 e nação religiosa; e, muitas vezes, a consideração da própr -
2003), o grande desafio hoje se transfere da morte cm si morte promoveu aproximação com os familiares; nesses
para o processo de morrer, que apesar do grande avanço casos, o desejo de morrer ficava em segundo plano.
tecnológico, ou por causa dele, pode ocorrer com muito A sociedade consegue aceitar a idéia de que uma pes
sofrimento. soa gravemente enferma queira morrer, mas a questão do
A identidade da pessoa se mantém até a sua morte. suicídio assistido ainda é polêmica.
Privar o ser da sua humanidade em favor da técnica com Mishara (1999) declara que há várias categorias dc
certeza não é o melhor caminho. E algo utópico pensar pacientes terminais que contemplam o suicídio ou desejar,
que a técnica sozinha pode garantir uma boa morte. a morte precoce. Muitos se sentem deprimidos, estão so-
APROXIMAÇÃO DA MORTE 393
litários e assustados com o que terão de enfrentar e, além Cuidados no fim da vida
disso, percebem-se como uma soòrecarga para a fámf/fa.
Alguns programas iniciam os cuidados paliativos
O autor considera que muitos desses pedidos podem ser
quando os pacientes estão próximos da morte, mais especi-
revertidos. tícamente seis meses antes da data de morte prevista. Esse
Pode-se olhar a questão de outro ângulo; solicitar a procedimento teve dc ser revisto com o prolongamento
morte ou considerar o suicídio pode ser uma forma de dos processos de várias doenças, como no caso do câncer.
ter o controle da vida, uma forma de enfrentamento da No estágio final da doença há uma multiplicidade de sinto
siniação. mas, demandando tratamentos de alta complexidade.
Um dos aspectos mais temidos do fim da existência é Os cuidados paliativos estão em pleno desenvolvi
a dependência de alguém para a realização das atividades mento, mas muitos profissionais ainda não reconhecem
:otidianas, a qual pode ser mais assustadora do que a pró a sua importância no caso de pacientes gravemente en
pria morte. O prolongamento da vida, sem preocupação fermos. Acreditam que são tratamentos de segunda linha.
:om a sua qualidade, pode favorecer um dos grandes estig Os cuidados paliativos se configuram atualmente como
mas arraigados em nossa sociedade: o de que a morte por programas altamente especializados, o que demanda dos
algumas doenças é sempre acompanhada de muita dor, profissionais conhecimento específico para o controle de
sofrimento e de grande deterioração corporal e psíquica; sintomas e o alívio de sofrimento em várias esferas da exis
rsse ainda é o caso do câncer, embora existam atualmente tência. A aproximação da morte demanda cuidados, mo
tratamentos medicamentosos e não medicamentosos para nitoração e acompanhamento, para que o sofrimento seja
alivio eficiente dos sintomas no fim da vida. o mínimo possível.
O processo de adoecimcnto pode provocar sofrimen A obra básica para os especialistas em cuidados pa
to em várias esferas da existência, envolvendo, além de liativos é o Oxford textbook ofpalliative medicine (2004),
kb-
problemas somáticos, isolamento, sensação de abandono, um compêndio informativo sobre várias áreas de cuida
*alta de sentido na vida, dependência de cuidados dc ou dos, envolvendo os múltiplos sintomas e áreas de sofri
tras pessoas para a realização de todas as atividades. Trata-
mento de pacientes gravemente enfermos. Um grupo de
-c de um viver em agonia, tanto para os pacientes quanto trabalho do Conselho Regional de Medicina de São Paulo
?ara os familiares, que pode levar anos. Alguns pacienres vem se reunindo desde 2006 para escrever um texto com
çravemente enfermos podem se perceber já como mortos, as mesmas características para os profissionais brasileiros.
cm 'cesinvestidos” pelas pessoas próximas. Sentem que estão Pessoas gravemence enfermas apresentam múltiplos
sintomas e demandam cuidado especializado, que deve ser
rivendo demais e afirmam que se deve cuidar principal-
ajustado às características pessoais dos pacientes. Alem de
nente dos mais jovens, que têm a vida pela frente. Muitos
oferecer controle dos sintomas, é importante garantir con
ião de fato abandonados, ou se sentem muito solitários,
forto e bem-estar.
: afirmando a sua percepção. Nesses casos, preferem falar
Pacientes em estágio terminal passam por fases que
ir sua morte antes que outros o façam.
necessitam dc cuidados especiais. Na primeira fase o con
Um dos grandes problemas observados nos dias de
forto e a funcionalidade são muito importantes, então as
~ >je é a diminuição do número de cuidadores familiares.
medidas de cuidado devem potencializar esses aspectos.
i prolongamento da vida, principalmente no caso de
Na segunda fase, a perda de funções já é mais evidente
c.enças altamente incapacitantes, pode provocar proccs- e as medidas de conforto se tornam a questão principal
b > alternativos de preparação para morrer e melhoras,
dos cuidados. Na terceira fase (final), a sedação pode ser
: m o retorno ao domicílio. Outro problema a se conside necessária para controle de sintomas refratários. Ela reduz
rar reside no fato de que os cuidados especializados para o nível dc consciência e só pode scr realizada com o con
kicientes gravemente enfermos têm altos custos. Nesses sentimento do paciente ou dos familiares, quando aquele
I casos pode-se falar em “eutanásia econômica”, ou seja, só não puder mais responder por si.
;■ de ser bem cuidado aquele que tem possibilidades fi- Segundo Sâmio Pimentel Ferreira2, os sintomas de
•anceiras. Hospitais não têm como objetivo principal os controle mais difícil são o delirium, a dor e a dispnéia.
iraidados com pacientes com doenças crônicas. E também Aqui, é preciso enfatizar que a sedação paliariva não é
' hospital, particularmente nas UTls, que podem ocorrer eutanásia. A intenção é diferente nas duas situações: na
r-ocessos distanásicos, principalmente com idosos porta- sedação a intenção é de alívio de sintomas, na euta
m. .ui . res de doenças com prognóstico reservado quanto aos násia é a morte. A sedação diminui a consciência e a eu-
• aramemos, que mais prolongam o sofrimento do que pro-
? rcionam melhoras ou qualidade de vida. lnfelizmente,
2 Em apresentação oral no Grupo de Trabalho sobre Cuidados Paliativos,
| essas situações são muito freqüemes para pacientes com organizado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em
ijicer em estágio avançado nos dias de hoje. 2006.
394 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
tanásia elimina a vida. Hm relação às drogas, na sedação a Os cuidados paliativos resgatam a morte com digm^ =• mm
sua aplicação envolve o alívio de sintomas, e na eutanásia de, tarefa essencial dos profissionais paliativistas. Esslin^r- pra;
conduz à morte. O resultado final da sedação é o alívio e (2003) apresenta reflexões sobre o que seria a boa morte: A: rw
o conforto, e da eutanásia é a morre. são arrolados os seguintes pontos para esse bem morrer »d
O grande temor e a polêmica envolvendo a sedação anc*
paliativa se devem aos efeitos secundários, entre os quais a • com conforto respiratório;
abreviação da vida. Por isso o seu uso deve ser uma decisão • sem dor;
de equipe, envolver o consentimento do paciente e de seus • na presença de familiares;
familiares e ser iniciado quando todas as outras medidas • com os desejos realizados;
de cuidados já tiverem sido experimentadas. E o fato de • com suporte emocional e espiritual; Km
iniciar a sedação não implica a suspensão das medidas, que • sem sofrimento hospitalar (evitando-se prócer * Sd|
contemplam cuidados para a higiene e o conforto. E funda distanásicos). •acTs
mental que o trabalho seja acompanhado pelos familiares,
que seja explicado e haja cuidado com os sentimentos, que Para essa autora, o psicólogo tem um trabalho relatn
podem se tornar ambivalentes com a percepção de que se ao cuidado da alma, com o ser como um todo, envolves
está induzindo a morte do paciente. do escuta e acolhimento, ouvindo histórias, reconhecenj.
E necessário também esclarecer que algumas mani sentimentos, utilizando os sentidos - o olhar e o toqut
festações físicas que ocorrem no fim da vida e parecem Algumas pessoas expressam os seus desejos finais e alg-:^
extremamente assustadoras, como é o caso do ronco res deles podem ser atendidos, o que é muito importante pan
piratório, já não são percebidas pelo paciente, que não proporcionar conforto e dignidade. Caso não possam ser
está mais consciente. atendidos, deve haver escuta e acolhimento. Enfatizamos
O luto antecipatório é o processo que ocorre antes que a boa morte é aquela que cada um gostaria para si.
da morte concreta, devendo haver um trabalho com o A possibilidade dc morrer com dignidade traz ura:
paciente e seus familiares concernente a essa etapa. No discussão muito importante para os dias atuais. Qualidact * .*
caso do paciente, envolve as perdas de si, da saúde, da de vida no processo da morte e prolongamento da vida
vida e a separação das pessoas queridas. O luto anteci não deveriam estabelecer uma relação de incompatibilida
patório para os familiares envolve as perdas relacionadas de, e sim de complementaridade. Fazer tudo que é possívti
ao adoecimento, a perspectiva da morte e a sensação de deve envolver também parar no limite do razoável. Muita? wê trr
sobrecarga por parte dos cuidadores. Os familiares devem pessoas pedem que se faça tudo, pois temem que, com : A
ser considerados no caso dos cuidados institucionais ou interrupção dos tratamentos, não se faça nada, resultando K 7
em domicílio, já que muitas vezes o cuidado totalmente no abandono.
voltado para o paciente não lhes concede a possibilidade Para o exercício da autonomia a informação e o escla
de demandar cuidados para si. recimento são essenciais. A arte da comunicação, de acor
Corr, Doka e Kastenbaum (1999) lembram que as do com reflexões de Silva (2002), é a dosagem da infor
despedidas no fim da vida, à beira do leito, são prejudi mação passada, facilitando a compreensão. Os paciente:
cadas pela hospitalização, com horários restritos de visita. gravemente enfermos imediatamente procuram os olha A. J
Entre as representações de boa morte, uma das mais fre do familiar ou profissional para saber o que estão pen
quentes é o fim da vida no próprio leito, em casa, rodeado sando ou sentindo, para que se confirme ou se negue um:
de familiares, e nao atado por tubos e ligado a monitores informação que já está presente.
numa unidade de terapia intensiva. Na situação de adoecimento, ou na aproximação da
Os limites dos tratamentos devem ser informados e morte, podem ocorrer graves distúrbios de comunicação. -~q
esclarecidos para evitar os processos distanásicos, que po Uma dessas distorções é a dupla mensagem, que se caracre- 1 KLÍÍ3T
dem aumentar o grau de sofrimento. Cabe ressaltar que riza por uma inconsistência entre a mensagem verbal e a não femei
há limites para os tratamentos, mas não há limites para verbal, procurando-se ocultar nas palavras os sentimento? m rsa
os cuidados em todas as esferas. Não há solução para a que o agravamento da doença c a proximidade da morte Ai iriá
morte, mas se pode ajudar a morrer bem, com dignidade, provocam e sc estampam nos olhos. Há o mito da mútua
facilitando os processos de finalização. proteção: nem paciente nem família expressam o que estão
O que se propõe como cuidados no fim da vida não sentindo, superficializando a comunicação e, com isso, au
deveria envolver atitudes autoritárias e paternalistas, e sim mentando o sofrimento. Acreditamos que muitos paciente:
movimentos de solidariedade, compromisso e compaixão. gostariam de falar mais abertamente sobre si, sua doença e
O grande desafio é permitir que se viva com qualidade a a aproximação da morte, configurando a consciência aber
própria morte. Não sc improvisa a morte, como afirma ta, como postulam Glaser e Strauss (1965).
Cesar (2001); ela demanda preparação, cuidados, acom O cuidado deve buscar a promoção de alívio, confor
panhamento e alguém que esteja muito próximo. to, bem-estar, mas infelizmente, graças ao grande desen-
APROXIMAÇÃO DA MORTE 395
volvimento tecnológico, há uma probabilidade de confi flito está presente e precisa ser debatido com a razão e
guração de processos distanásicos com o prolongamento também com a emoção numa configuração multidiscipli-
do processo de morte. Uma das grandes tarefas dos profis nar, o que permite vários olhares.
sionais, e nesse caso se inclui o psicólogo, é a de evitar que Defendemos a idéia de que o paciente tem o direi
processos distanásicos se infiltrem nos cuidados de pacien to de recusar tratamentos quando sente que a sua qua
tes gravemente enfermos, principalmente no fim da vida. lidade de vida está ameaçada para que possa finalizar a
A dor e o sofrimento aumentam e podem se tomar in sua existência com dignidade, da maneira como se deseja.
toleráveis quando há medo, incompreensão ou depressão. Assim ocorre o exercício da autonomia até o final da vida.
O ideal é encontrar um canal para a sua expressão. O sofri Se levarmos cm conta o aspecto da competência técnica,
mento deve despertar no profissional o desejo do cuidado, talvez não seja a melhor escolha. Como decidir? Se os
a emparia e a compaixão. Se levar ao distanciamento, à profissionais impingem um tratamento contra a vontade
indiferença, ao tecnicismo, com certeza há algo de errado, do paciente, como garantir que está sendo considerado o
como aponta Saunders (1993). Para cuidar c preciso se dei princípio da beneficência? Quem deve decidir como será
xar tocar, acionar as antenas da sensibilidade para captar os o final da existência de uma pessoa?
sinais emitidos por aqueles sob seus cuidados. Mais do que a ciência ou a lei, busca-se a dignidade
Na discussão da questão dos cuidados o envolvimen humana em todas as etapas da vida. Uma vida conduzi
to e a relação pessoal são valores essenciais. Não há espaço da por princípios e valores deve terminar com a presença
rara neutralidade. A neutralidade e a impessoalidade são deles. O bom cuidado é sempre vinculado a uma equipe
formas de defesa para não sc contagiar pelo sofrimento, multidisciplinar afinada, sintonizada e harmônica, da qual
como afirma Carvalho (1996). o psicólogo é parte integrante.
Marie de Hennezel, psicóloga francesa, escreveu um Masters (2003) mostra como a literatura para o pú
vro com o título original dc La rnori intime, traduzi- blico leigo pode ajudar na preparação para a morte ou
io para a língua portuguesa como Diálogo com a mor perda de pessoas próximas. Indica as obras iniciais de
te (1997), trazendo à tona a questão da aproximação do Kübler-Ross, citando o livro Sobre a morte e o morrer
r.m, em tempos de morte interdita. Relata o privilégio de (1987), que se tornou um best-seller, trazendo a questão
acompanhar pessoas que estão à beira da morte. O livro c da morte à vida das pessoas em geral, e mais particular
•esultado da experiência de sete anos com pessoas grave-
mente aos profissionais de saúde. Cita também o livro
mente enfermas. Tuesdays with Morrie', de Mitch Albom, que durante
A autora declara que há uma maneira de cuidar dc
duzentas semanas esteve entre os mais vendidos. Nesse
.ma pessoa gravemente enferma que lhe permite sentir
livro são descritos os encontros entre Morrie (professor
>aa alma viva até o fim, criando-se um ambiente caloro
de jornalismo moribundo) e Mitch (seu ex-aluno, agora
so e calmo ao redor de um doente angustiado. Quanto
jornalista), que ocorriam às terças-feiras. Destacam-se o
aqueles em relação aos quais a medicina tradicional afirma
quarto encontro, em que Morrie fala da sua preparação
_ue não há nada a fazer, ela diz que há muito que fazer,
para a morte, encarando a própria mortalidade, e o 14°,
tnvolvendo cuidados corporais, escuta de suas histórias e
em que relata como dizer adeus.
acolhida do sofrimento.
Indicamos outra obra recente: Claro como o dia:
Pacientes gravemente enfermos podem solicitar a
como a certeza da morte mudou a minha vida (2006). O
morte, como mencionado, e o nosso dever é escutá-los com
autor é Eugene 0’Kelly, que recebe o diagnóstico de um
itenção e verificar se a motivação está relacionada com a
câncer cerebral em estágio avançado, tendo pouco tempo
necessidade de um cuidado específico, que não está sendo
de vida. Ele se refere à maneira como organizou a sua vida
rerecido. Mas, antes de qualquer ação, a escuta atenta
depois dc descobrir a doença, utilizando a sua experiência
rermite uma diferenciação muito importante apontada por
como empresário para gerenciar o fim de seus dias.
Hennezel (2001): o pedido para morrer não é um pedi-
Esses livros podem servir como inspiração para lidar
io para se matar. O desejo de morrer é do paciente e não
com o fim da própria vida, entretanto não devem ser vis
profissional, por isso não cabe a defesa da eutanásia.
tos como padrões rígidos de enfrentamento.
Também não cabe classificar esse pedido como um desejo
ae suicídio ou resultado de depressão, como forma de des Preparar-se para morrer significa aprofundar a rela
cartar rapidamente um contato mais próximo com o pa ção com os outros. Hennezel (1997) aprendeu três coi
rente. O pedido para morrer pode configurar um pedido sas muito importantes com pessoas moribundas: a) não
de não-distanásia, e não de eutanásia. se deve impedir a morte de ninguém; b) o ser humano
De acordo com toda a inspiração bioética que esta- é muito mais do que se possa imaginar; c) o ser huma-
Tios apresentando neste capítulo, demandam-se discussão,
rianejamento e cuidado. Lembrando as palavras de Segre 3 Albom, Mitch. A última grande lição. O sentido da vida. Rio de Janeiro: Sex
í ( ohen (1995), consoante ao paradigma da ética, o con tante, 1998.
396 TEMAS EM P S I C 0 -O NC 0 LO G I A
no sempre pode acrescentar alguma coisa, sempre pode situações, contemplando as fases do desenvolvimento. .
se transformar nas crises, realizar-se em várias situações e perda de pessoas significativas, as doenças, os acidentes t
provocações da existência. o confronto com a própria morte (Kovács, 2003).
Educação para a morte no processo de sua aproxima
Estou convencida de que essas experiências com .
ção envolve o desenvolvimento pessoal de maneira inte
realidade da morte enriqueceram mais a minha rui:
gral, o desenvolvimento interior que se propõe durante o
do que quaisquer outras experiências que haja tiac
existir. Esse desenvolvimento pressupõe uma preparação
Significa encarar a questão básica do significado ds\
para a morte que não precisa obrigaroriamente ser rea
lizada no topo de uma montanha, com doentes agindo vida. Se realmente desejamos viver,; devemos ter a c -
como ermitões, ou dentro de casa, isoladamente, mas sim ragem de reconhecer que a vida é, no final das contai
no seio da sociedade da qual somos membros integrantes. muita curta, e que tem importância tudo que fazem: &
Frequentamos escolas por vinte anos e assim nos prepa No entardecer de nossa vida queremos esperanças*-
ramos para a vida social; da mesma forma, deveríamos mente ter a oportunidade de recordar e dizer - Valei» z
ter os mesmos vinte anos para preparar o fim de nossa pena, realmente vivi.
existência. Essa educação inclui a comunicação em várias Kübler-Ross (1975, p. 16>
Referências bibliográficas
Achille, M. A.; Oglokf, J. R. P. “Attitudes toward Doyle, D. et al. (eds.). Oxford textbook of palliath* 4
and desire for assisted suicide among persons with amyo- medicine. 3. ed. Oxford/Nova York: Oxford UniversRi i
trophic lateral sclerosis”. Ornega: The Journal of Death Press, 2004.
and Dying, v. 48, n. 1, p. 1-21, 2003-2004. E ss UNGER, I. “O paciente, a equipe de saúde e o cui
Ai.bom, M. Tuesdays with Morrie: an old man, dador: de quem é a vida afinal? Um estudo acerca do im r-
a young man, and life's greatest lesson. Nova York: rer com dignidade”. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 2~
Doubleday, 1997. n. 3, p. 373-82, 2003.
Alves, R. O médico. 2. ed. Campinas: Papirus, 2002. G las F R , B. G.; Strauss, A. L. Awareness of dying
Bromberg, M. H. P. F. “Cuidados paliativos para o Chicago: Aldine, 1965.
paciente com câncer: uma proposta integrativa para equi Hennezel, M. Diálogo com a morte. Lisboa: Notícia*,
pe, pacientes e famílias”. In: Carvalho, M. M. M. J. de 1997.
(org.). Resgatando o viver: psico-oncologia no Brasil. São _____. Nós não nos despedimos. Lisboa: Notícia*
Paulo: Summus, 1998, p. 186-231. 2001.
Carvalho, V. A. “A vida que há na morte”. In: Kovács, M. J. “Avaliação da qualidade de vida en
Bromberg, M. H. P. F.; Kovács, M. J.; Carvalho, M. M. pacientes oncológicos em estágio avançado da doença'
M. J. dc; Carvalho, V A. Vida e morte: laços da existência. ln: Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Resgatando o viver:
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. psico-oncologia no Brasil. São Paulo: Summus, 1998, p
Cesar, B. Morrer não se improvisa: relatos que ajudam 159-85.
a compreender as necessidades emocionais e espirituais da Kovács, M. J. Educação para a morte: temas e refle
queles que enfrentam a morte. São Paulo: Gaia, 2001. xões. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Chatterjee, S. C. “Understanding the experien- ____ (coord.). Morte e desenvolvimento humano. '
tial world of the dying: limits to sociological research”. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
Omega: The Journal of Death and Dying, v. 48, n. 3, p. Kübler-Ross, E. Morte, estágio final da evolução. R..
195-202, 2003-2004. de Janeiro: Record, 1975.
Cheyfitz, K. “Who decides? The connecting thrcad ____ . Sobre a morte e o morrer. Trad. Paulo Menezes
of euthanasia, eugenies, and doctor-assisted suicide”. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
Omega: The Journal of Death and Dying, v. 40, n. 1, p. Lynn, J. et al. “Pcrceptions by family members of the
5-16, 1999-2000. dying experience of olderand seriously ill patients”. Annais
Chochiniov, H. M.; Wilson, K. G.; Enns, M. et al. of Internai Medicine, v. 126, n. 2, p. 97-106, 1997.
“Desire for death in the terminally ill”. The American Masters, J. L. “Thursdays with Morrie: the use of
Journal of Psychiatry, v. 152, n. 8, p. 1185-91, 1995. contemporary literature in a death and dying course".
Corr, C. A.; Doka, K. J.; Kastenbaum, R. “Dying and Omega: The Journal of Death and Dying, v. 47, n. 3, p.
its interpreters: a review of sclccted literature and some 245-52, 2003.
comments on the State of the field”. Omega: The Journal Mishara, B. L. “Synthesis of research and evidenct
of Death and Dying, v. 39, n. 4, p. 239-59, 1999. on factors affecting the desire of terminally ill or serious-
TRABALHO COM PESSOAS ENLUTADAS
M aria H elena P ereira F ras :
foco deste capítulo está na seguinte questão: de mudanças e suas implicações: aprender novos papé^
: versos papéis, com a sobrecarga do luro dos demais ele • cuidados compulsivos por outras pessoas, com au
mentos da família, agravada pelas reações próprias do luro toconfiança exagerada;
"dividual. A reorganização só poderá se dar após o en- • sintomas de identificação: acidentes e queixas de
Tentamenro dessa crise que, sozinha, obstaculiza qualquer problemas de saúde semelhantes ao do morto.
mudança. Para encarar a morte na família, são necessários
DAS um rearranjo do sistema familiar e, como conseqüência, Vemos que crianças têm necessidades específicas rela
: construção de uma nova identidade, um novo nível de cionadas à perda de uma pessoa significativa, principalmen
equilíbrio. te se for um ou ambos os pais, e essas necessidades estão
Bowen (1991) apresenta o conceito de “onda de cho vinculadas ao desenvolvimento psicológico. Por essa razão,
que emocional” para descrever a sucessão de acontecimen- é difícil generalizar os efeitos do luto em crianças. A reação
s no âmbito familiar resultantes da perda de um de seus da mãe ou do pai sobrevivente (no caso de morte de um dos
membros. O autor chegou a esse conceito por meio de pais) é de importância vital, pois poderá dar ou não à crian
pesquisa multigeracional com famílias, motivada por sua ça a possibilidade de entender sentimentos de tristeza, culpa
mrcepçáo de que uma série de eventos importantes ocorria ou surpresa e lidar com eles. É frequente, porém, que o
. m os membros no período posterior a uma doença séria pai ou a mãe tenha dificuldade em ajudar a criança, por es
- morte de um familiar. O que parecia ser coincidência, tar absorvido(a) em seu luto pessoal. O adulto enlutado não
. .ando passou a ser sistematicamente investigado, mostrou pode cuidar dos filhos da mesma maneira que fazia antes da
i existência de uma conexão clara, que pode ser descrita perda; alguns tentam esconder da criança sua tristeza, por
. mo uma rede subterrânea de dependência emocional en- considerar que esta seria uma carga muito pesada para ela.
re os membros da família. A importância da identificação Isso faz que a criança sofra mais, em função dos problemas
ui onda de choque emocional está em permitir uma ava- dos pais. A infelicidade silenciosa traz mais complicações
içáo do impacto da morte sobre a família. Ou seja: esse para a criança do que o luto exposto.
npacto não é apenas imediato e pode ser encontrado em Quando se trata da morte de um dos irmãos, a criança
_ íerentes comportamentos ou formas de reação. sofre o impacto adicional causado por sentimentos de cul
Bowlby (1980) aponta as variáveis que influem no pa, surgidos das experiências mais banais de ciúme entre
imdamento do luto da criança e do adolescente. Segundo irmãos e também por ter de lidar com o luto de seus pais, o
r.r. essas variáveis são semelhantes às dos adultos, embo- que pode representar outra perda, pela falra de atenção às
k> 2 ■ crianças e adolescentes sejam particularmente sensíveis suas necessidades. Há o risco de essas crianças se dirigirem
condições que precedem, cercam e seguem uma perda para uma identidade de substituição, na qual suas qualida
«gnificativa. São elas: des particulares não são reconhecidas ou valorizadas.
O luto infantil é freqüentemente considerado um fa
• as causas e circunstâncias da perda, principalmcnte tor de predisposição para muitos distúrbios psicológicos
no que se refere ao que é contado à criança, e as na vida adulta, variando desde a excessiva utilização dos
oportunidades que ela tem para perguntar sobre o serviços de saúde até o aumento do risco de distúrbios
que aconteceu; psiquiátricos. Schmale Jr. (1958) sugere que adultos que
• as relações familiares após a perda, especialmente apresentam câncer teriam tido experiências dc privação e
quanto às mudanças de padrão de relacionamento perda na infância, ficando com pontos vulneráveis que po
no caso de permanência com o pai ou a mãe sobre deriam ser ativados por outras perdas. Estas atuariam no
vivente; sistema imunológico e endócrino, pela depressão. Outros
• os padrões dc relacionamento da família anreriores estudos (Kaffman e Elizur, 1979; Raphacl, 1983; Elizur
à perda, notadamente entre os pais e de cada um e Kaffman, 1982; Van Ecrdewegh et al., 1982) mostram
deles com a criança. que o sofrimento inicial da criança é muito alto. Black
(1978) levanta três razões para isso: o pensamento oni
Há alguns traços encontrados em crianças que são potente da criança, que a coloca como a causa de todas
semelhantes àqueles de casos de luto crônico ou ausente as coisas, inclusive da morte que a faz sofrer; a dificulda
em adultos. São des: de em conceituar a morte; as grandes mudanças às quais
terá de se adaptar, como resultado da morte de um ou
• ansiedade persistente: medo de outras perdas ambos os pais. Nos estudos mencionados, observa-se que,
(em especial de um dos pais), medo de morrer no primeiro ano após a morte de um dos pais, cerca de
também; 50% das crianças abaixo de 17 anos ficam marcadamen-
• esperança de se reunir com o morto: desejo de te afetadas em seu funcionamento cotidiano por sintomas
morrer, comportamento de risco; como ansiedade, depressão, dificuldades de aprendizagem
• culpa persistente; e disrúrbios de comporramento. Há evidências também de
• hiperatividade: repentes agressivos e destrutivos; que crianças enlutadas pela perda de um dos pais são mais
400 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
vulneráveis, durante a infância e também na vida adulta, a A perspectiva de considerar o impacto do luto como I
outras perdas que podem precipitar a depressão. tendo efeito sistêmico na família é fundamental. Autores
De acordo com Torres (1999), a criança terminal vive como Walsh e McGoldrick (1988,1995), Raphael (19831
um processo de luto antecipatório, envolvendo a dor pela Kissane e Bloch (2002) têm enfatizado essa importância,
separação das pessoas queridas. fartamente evidenciada na prática clínica. Uma vez çut
A experiência da hospitalização pode ser sentida a família é uma realidade social, sistemicamente signin-
como perda da vida conhecida, dos familiares, dos ami cada, e não a soma de realidades individuais, as variáve *
gos, da escola e das brincadeiras. A ansiedade surge dian que se interpenetram envolvem problemas em diferentes
te de procedimentos muitas vezes dolorosos e invasivos. escalas, como:
O medo da dor e do sofrimento também se faz presente,
e, conforme a fase do desenvolvimento em que a criança • dificuldades práticas do adulto enlutado em as—
se encontra, são necessárias explicações sobre o que está mir funções do morto, às quais não estava acosto-
ocorrendo (Kovács, 1992). mado;
• sintomas físicos, que sâo decorrências fisiológicas j
normais do enlutamento, mas podem ser autoper-
O luto pela doença e o luto por petuados pelas preocupações do enlutado em reli- ,
ção à sua saúde futura;
morte na família
• solidão e isolamento, freqüentemente aumenrac t I
Quando consideramos o conceito de ciclo vital fami
pelo embaraço e a inabilidade da comunidade e-
liar como referente às chegadas e saídas de membros da
mencionar a morte ou o morto;
família, com alterações na composição que requerem mu
• ter de lidar com o luto de outros membros da fa
dança no desempenho de papéis, estamos levando em con mília, além do seu próprio - particularmente difíd
ca outro enquadramento para a compreensão do impacto para o pai ou a mãe com filhos pequenos;
de uma perda sobre o grupo familiar. Esse enquadramento • forte intensidade do luto, às vezes acompanhada
não significa, porém, uma tentativa de normatização, e por sentimentos de pânico ou idéias suicidas;
sim uma contextualização para uma melhor compreensão • medo de colapso nervoso, muitas vezes referiòc
da perda e dos recursos disponíveis dentro do grupo fami após a experiência de ver ou ouvir o morto;
liar. A colocação do ciclo de vida familiar como ponto de • falta de um contexto para expressão de culpa ou *i-
referência para essa compreensão é, então, uma forma va, uma vez que a família em sua totalidade e tam
de organizar a complexidade da vida familiar por meio de bém em sua especificidade está enlutada e, muna»
padrões significativos. vezes, não oferece espaço para essas manifestações. J
A influência é sistêmica entre doença, morte e ciclo
de vida familiar. O ajustamento às condições de vida após Há alguns marcos do ciclo de vida familiar que per
a morte dc um dos membros é um trabalho a ser resolvido mitem a verificação dessas condições. Como o luto ni
a curto e a longo prazo, e a importância disso parece não tem início no momento da morte, e sim a partir da rela
ter sido percebida em sua totalidade pelos teóricos das rela ção previamente existente, essa relação determinará, r~
ções familiares. Conhece-se muito acerca do luto individual grande parte, a qualidade do luto, normal ou patológic ^
e pouco sobre o familiar. A razão pode estar, como apontam e indicará sua duração. Em paralelo à questão da relaçái
Walsh e McGoldrick (1988), na forma de compreender a prévia, fica evidente que há, no entanto, momentos m.u-
questão da perda, mais como conteúdo do que como proces delicados para a vivência de uma perda e sua conseqüci
so. Para essas autoras, a perda é uma transição que transtorna te elaboração.
os padrões de interação do ciclo vital, implica reorganização Quando essa perda é resultado da morte de um filh c
familiar e desafios compartilhados para a adaptação. tem efeitos devastadores sobre o sistema familiar. O lure
De acordo com o ciclo de vida familiar, geralmente dos pais é freqüentemente misturado com raiva, culpa,
quando os filhos são pequenos a família está em um mo auto-reprovação por sua inabilidade em impedir a mont
mento de estabilidade, após a experiência de ampliação, bem como com a sensação de estarem sendo vítimas c;
com o nascimento dos filhos. Dessa forma, uma morte, seja uma injustiça (Miles e Demi, 1986). Podem ocorrer sérias
de adulros, seja de crianças, atingirá a família em sua con consequências para a saúde do casamento após acusações
dição de estabilidade, que terá sido determinada pela qua mútuas de omissão nos cuidados devidos à criança, pc:
lidade das relações existentes nas fases que a precederam. exemplo (Schatz, 1986a e 1986b). Quer no caso de mor
Há fatores complicadores em relação a esse tipo dc luto. te repentina quer no falecimento após longo período cr
Se a morte foi de um dos filhos, o sistema familiar se vê so doença, os adultos envolvidos - e aqui sc inclui a família
brecarregado, principalmente quanto ao funcionamento do estendida - apresentam enorme gama de sentimentos arr
subsistema parental, dificultando o manejo da situação. bivalentes, evidenciando que a morte de um filho quebra
TRABALHO COM PESSOAS ENLUTADAS 401
de maneira definitiva um padrão estabelecido, pondo em Aqui, significado é entendido pelas representações
risco a estabilidade possível e necessária. cognitivas mantidas na mente de cada membro familiar,
No caso de pais com filhos portadores de uma doen mas construídas interativamente dentro da família, sendo
ça potencialmente fatal, consideramos que o enlutamento ao mesmo tempo influenciadas pela sociedade, cultura e
tem início a partir da comunicação do diagnóstico. Encon período histórico.
tra-se com freqüência nessas situações uma reação de en Há fatores estimuladores e inibidores na família:
torpecimento, de negação, como se vê na primeira fase do
luto. O fato de a criança estar viva traz uma diferença em • estimuladores: promovem o processo de constru
relação à fase de negação da morte: tem-se a negação da ção de significado da família, incluindo rituais fami
precisão do diagnóstico e, em especial, do prognóstico. liares, efeitos na família estendida, tolerância pelas
A família com adolescentes vive um momento parti diferenças, qualidade e freqüência das interações;
cularmente traumático, pois ficam sobrepostas duas expe • inibidores: impedem o processo, incluindo regras
riências de perda: uma pela morte em si e a outra inerente familiares que proíbem que se converse sobre as
ao processo de desenvolvimento do adolescente. Segundo suntos delicados, proteção e aspectos da dinâmica
Walsh e McGoldrick (1995), essa morte é considerada a familiar, como exclusão de membros.
situação mais difícil para a elaboração do luto no sistema
familiar, dentro do âmbito das mortes prematuras, que Nesse processo de construção de significado para o
quebram o ciclo vital. Para a família, essa morte é vivida luto, as famílias utilizam-se de estratégias, ou seja, meios
latJt am como uma injustiça, com grande peso sendo colocado nos ou métodos pelos quais constroem o significado da perda,
conflitos preexistentes, por exemplo apoio insuficiente incluindo comparações, caracterizações, questionamentos,
»àl» dos pais ao jovem em seu processo de crescimento. referências, discordâncias.
k .ino. Geral mente, a morte do adolescente se dá como con- Contudo, nem todos os significados são positivos. A
seqüência de acidentes, suicídio, homicídio e câncer, o que morte pode ser entendida como um teste, um modelo para
gera sentimentos conflitantes em pais e irmãos, como: rai outros; pode ser-lhe atribuído o objetivo de unir a família;
va do morto, frustração pelo comportamento impulsivo pode ter causa genética; pode-se imaginar que o morto
e tristeza por aquela morte tão prematura. Nos casos de não está em lugar algum, ou que está no céu, cuidando dos
| câncer, devido às fases da doença, que acarretam muito outros; pode-se considerar que o morto queria morrer. O
£ 3C9- sofrimento pela íreqüente resistência em submeter-se ao significado mais difícil: a morte poderia ter sido evitada.
tratamento, os pais sentem-se responsáveis pelo resultado, Algumas categorias de significados geralmente en
conseqüentemente adicionando à dor uma profunda frus contradas são:
tração por aquilo que consideram como seu insucesso.
Podemos entender o processo do luto analisando suas • O que a morte não foi.
rases, assim descritas por Bowlby (1980): • “Não faz sentido.”
Kl V • Morte injusta (coisas ruins acontecendo com pessoas
• entorpecimento; boas; morreu a pessoa errada; muito cedo/tarde).
ssn. =s • busca e saudade; • Significados filosóficos (fatalidade, propósito da
kiÇCft. • desorganização e desespero; morte).
1,» • reorganização. • Vida após a morte (existe/não existe).
• Significados religiosos (revelação, reunião, recom
fcC^IüO' Podemos também entendê-lo considerando a realização pensa; um teste; causada por Deus).
ce algumas tarefas; são elas, segundo Worden (1993): • Natureza da morte (evitável pelo(a) morto/famí
r lia/sistema de saúde; causa biológica; momento da
.O JB' • aceitar a realidade da morte; morte; morte antes da morte).
• vivenciar o pesar; • Atitude do morto em relação à morte (não queria
• ajustar-se a um meio no qual o falecido não mais se morrer, estava pronto para morrer, desejava, sabia,
KL» JK encontra; foi como queria).
• retirar energia emocional e reinvesti-la em outra • Como a morte mudou a família.
relação. • Lições aprendidas, verdades vividas (não ter cer
tezas, estabelecer prioridades, viver a(o) vida/
No entanto, uma visão que permite uma compreen momento).
são mais dinâmica e próxima da vivência particular é a do
.ato como um processo de construção de significados, pois Esse processo de construção de significado pode ser
permite revisões de identidade, relações sociais, relações visto pela maneira de a família lidar com crises, analisada
JlâBS com o morto, sistema de crenças. quanto à comunicação e ao compartilhamento:
402 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
• Família que compartilha: desejo dos membros de planos para o futuro de maneira que não sejam sentid -
conversar entre si sobre a morte; significa desejo/re como traição ao doente.
lutância cm compartilhar; há condições necessárias Finalizando, considera-se que lidar com o luto, ap.
para o compartilhamento. sar de suas inúmeras possibilidades de particularizaçã
• Família que compartilha significados: necessidade implica, de acordo com Doka (1993):
de que outros ouçam e tenham o que comparti
lhar; não julgam necessário falar sobre coisas muito • aceitar a realidade da perda;
perturbadoras; sentem-se melhor falando (bem) de • enfrentar as emoções do pesar;
quem morreu, e não da morte. • adaptar-se à vida sem a pessoa;
• Consenso familiar: consenso puro (100%) rara- • encontrar maneiras adequadas para lembrar o fa
mente é encontrado; há membros da família que lecido;
pressionam os demais para que pensem como eles; • reconstruir a fé e os sistemas filosóficos abala; -
diferenças de significado afetam consistentemente pela perda;
a família. • reconstruir a identidade e a vida.
Na situação do luto em razão de uma doença com ris Lidar com o luto implica, portanto, a necessidac;
co de morte, destaca-se o conceito de luto antecipatório, de reconhecer a particularidade da experiência para
como descrito por Rando (1986). E aquele que permite indivíduo e para a família, requerendo do profissiori.
absorver a realidade da perda gradualmente, ao longo do cuidadosa formação, uma vez que o fenômeno poct
tempo; resolver questões pendentes com a pessoa doente facilmente ser confundido com outros de maior com
(expressar sentimentos, perdoar e ser perdoado); iniciar plexidade e ter sua condução por vias não adequada .
mudanças de concepção sobre vida e identidade; fazer demanda.
Referências bibliográficas
Black, D. “The bereaved child”. J. Child Psychol. Miles, M. S.; Demi, A. S. “Guilt in bereaved parenr--'
Psychiat., v. 19, p. 287-92, 1978. In: Rando, T. A. (ed.). Parental loss of a child. Champa: ~
Bowen, M. “Family reaction to death”. In: Walsh, F.; Research Press, 1986.
McGoldrick, M. (eds.). Living beyond loss: death in the Rando, T. A. (cd.). Parental loss of a child. Cha^-
family. Nova York: Norton, 1991. paign: Research Press, 1986.
Bowlby, J. “Loss, sadness and depression”. In: Bowi- R aphahl, B. The anatomy of bereavement. Nova Y rt
by, J. Attachment and loss. Nova York: Basic Books, v. 3, Basic Books, 1983.
1980. Schatz, B. D. “Grief of mothers”. In: Rando, T. A
Bromberg, M. H. P. F. Psicoterapia em situações de (ed.). Parental loss of a child. Champaign: Research Pre
perdas e luto. Campinas: Psy, 1994. 1986a.
Doka, K. J. Living with life-threatenmg illness: a guide ____ . “Grief of fathers”. In: Rando, T. A. (ed.). Pas
for patients, their families, and ca regi vers. Nova York: Le tai loss of a child. Champaign: Research Press, 1986b.
xington Books, 1993. Schmale Jr., A. H. “Relationship of separation
Euzur, E.; Kaffman, M. “Children's bereavement re- depression to disease. I: A report on a hospitalized me;
actions following death of the father: IP. Journal of the ical population”. Psychosomatic Medicine, v. 20, n. 4. r
American Academy of Child Psychiatry, v. 21, n. 5, p. 474- 259-77, 1958.
80, 1982. Torres, W. da C. A criança diante da morte: desaf. _
Grebstfin, L. C. “Family therapy after a child’s São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
death”. In: Rando, T. A. (ed.). Parental loss of a child. Van Eerdewegh, M. M. et al. “The bereaved chilc'
Champaign: Research Press, 1986. The British Journal of Psychiatry, v. 140, p. 23-9, 1982.
Kaffman, M.; Elizur, E. “Children’s bereavement re- Walsh, F.; McGoldrick, M. Living beyond loss: dej-
actions following the death of the father”. International th in the family. Nova York: W. W. Norton, 1995.
Journal of Family Therapy, v. 1, n. 3, p. 203-29, 1979. Walsh, F.; McGoldrick, M. “Loss in the family -r
Kissane, D. W.; Bloch, S. Family focused grief ther cyclc”. In: Falicov, C. J. (ed.). Family transitions: cor-
apy: a model of family-centered care during palliative tinuity and change overthe life cycle. Nova York: Guilto*;
care and bereavement. Buckingham/Filadélfia: Open Uni- Press, 1988.
versity Press, 2002. Worden, W. J. Grief counseling and therapy: a hanc-
Kovács, M. J. Morte e desenvolvimento humano. São book for the mental health practitioner. Londres: RourJe.
Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. ge, 1993.
A COMUNICAÇÃO ESSENCIAL EM ONCOLOGIA
A. A ndré M agoulas P erdicaris ; M aria J úlia P aes da S ilva
enter o Logo abaixo da ponta do bisturi, eis o paciente- O binômio saúde-doença constitui uma metáfora privi
Ecmo. agente mobilizando todas as suas forças vitais através de legiada para explicar a sociedade: engendra atitudes, com
Kxnicos seus filtros sensórios e espirituais. Agregados à sua fé ou portamentos, e revela uma concepção do mundo. Bela expe
iconec- crença, lá estão os neurotransmissores, o sistema imuno- riência proporcionada por esse fenômeno, as pessoas falam
iógico, a resposta metabólica ao trauma cirúrgico e a ci- de si, do que as rodeia, de suas condições de vida, do que as
loino. catrização, decodificando a singularidade do seu adoecer oprime, ameaça e amedronta. Expressam também suas opi
t anva- e da sua vontade ou não de viver. Para tal, não basta que niões sobre as instituições e sobre a organização social em
■uve o o cirurgião desbrave alguns tecidos, pois inúmeras são as seus substratos econômico, político e cultural. Saúde e doen
fcbcra- variáveis orgânicas interagindo com o meio. E necessário ça são também metáforas de explicação da sociedade sobre
b hip<>- algo mais, um resgate pelo complexo universo da comu si mesma: de sua anomia, seus desequilíbrios e preconceitos.
kópico nicação interativa; não se trata apenas de A transmitindo O status de representação significante privilegiada se deve
fczir o algo a B, ou vice-versa, mas do que A transforma em B, ao fato de que a noção de saúde-doença está intimamente
» vasos e B modifica em A e em muitos outros. Trata-se de um vinculada ao tema existencial e inquestionavelmente expres
a «a- hipertexto biossocial. sivo que envolve a vida e a morte (Minayo, 1991).
i <2o es* Perante esse fato, o terapeuta precisa atentar mais A avalanche de informações que chega ao médico e
Besto ?ara as suas posturas verbais e não verbais. E preciso que, aos demais profissionais da área da saúde, no seu coridia-
ilém do texto, considere também o contexto e o ambien no, deve ser filtrada e decodificada cm resoluções práticas,
tuib- te como elementos-chave no desencadear desse complexo que os ajudem a superar, inclusive, os seus próprios es
E pSt- processo biológico neuroendócrino-imune. Há, ainda, di tresses na tomada de decisões. Dessa forma, o profissional
torctc- ferenças marcantes quanto ao sexo, à idade e à singula- rem de se apresentar como aprendiz, confidente, terapeu
po ie ndade das histórias a serem vivenciadas, interpretadas e ta, educador e, sobretudo, como um ser humano sensível,
ci^ea contadas, capazes de influenciar o seu resultado final. E capaz de superar os seus limites em prol do próximo. No
c. s»- Mndamental lembrar que o terapeuta-comunicador é um seu diálogo deve estar implícita a arte de tecer o presen
mediador das intenções explícitas ou implícitas do discur- te, sintetizar o passado e preparar para o futuro, com um
>• - interativo estabelecido com os seus pacientes, familiares compromisso ético.
r equipes de trabalho, e não somente um transmissor ou Atualmente, de atores principais a coadjuvantes na
tradutor de mensagens. peça saúde versus doença, os médicos deveriam atentar
Perceber n si, os outros e o meio é o passo inicial ao que Bcrnie Siegel pergunta em seu livro Pazamor e
de qualquer processo de comunicação entre os seres hu cura (1996): quem cura e quem é curado? Essa indagação
manos. Desde os primórdios da humanidade, mesmo de sintetiza um estudo sobre a influência da mente sobre o es
rmas díspares, já que temos mentes tão diversificadas e tado de saúde do organismo. Ele defende veementemente
Lssimétricas, as inrer-relaçõcs dos sistemas imune, nervoso que a doença c uma espécie de recado do corpo: um sinal
. endócrino desempenham um papel reacional balizador, de que é preciso reavaliar o rumo da vida. A cura está
:apaz de conduzir a ações de luta ou fuga, ou mesmo de na atenção a essa linguagem e na humanização da relação
idaptação a situações extremas. Nesse sentido, no orga- médico-paciente.
■ smo sucedem-se variações comportamcntais, lidando Em outra obra. Amor, medicina e milagres (1989),
com a precisão/imprecisão, o certo/ambígtio, o completo/ Siegel já propunha um novo processo de cura em que o
ncompleto, a ordem/desordem. amor - pela vida e por si mesmo, com coragem e auto
Assim, articular um discurso no plano verbal ou não consciência - consegue verdadeiros milagres, unindo fra
verbal, como recurso terapêutico, implica o domínio de ternalmente médico e doente. Ambos podem, assim, ex
múmeras facetas do processo dc comunicação, tais como plorar todos os nexos possíveis entre mente e corpo, para
-ururalidade, credibilidade da fonte de informação, fluên combater as doenças.
cia linguística e expressão corporal adequada ao contexto, O psicoterapeuta Lawrence LeShan, em O câncer
sando a uma melhor aderência ao que a ciência pode como ponto de mutação: um manual para pessoas com
ferecer como suporte para uma boa qualidade no viver câncer, seus familiares e profissionais de saúde (1992),
vr• j a dignidade no morrer. afirma que
n:m:
Paroni Filho, eni Você é o remédio (2000), defende encruzilhada amplificam esse cenário. Nesse sentido. >
a idéia básica de que a doença é uma mensagem que pre comunicar não representa apenas monitorar o paciente .
cisa ser decifrada, havendo a necessidade da construção a sua família ao dar boas ou más notícias, mas, princip:
de uma sabedoria para manter a saúde e compreender a mente, busca estabelecer um diálogo de qualidade, empe
moléstia. A prática profissional diária implica a adoção de nhando-se em destrancar portas, com a chave correta ru
modelos de intervenção no fenômeno do câncer tanto do fechadura adequada. Assim, no cotidiano dos médicos í
ponto de vista biológico como do social, principalmente dos pacientes, são enfrentadas situações-limite, nas qui.;
na esfera cirúrgica, convivendo com boas e más notícias, noto empiricamente que a palavra, o olhar, o gesto ou mes
diante de prognósticos favoráveis ou desfavoráveis. mo o silêncio podem ser mais cortantes que o mais afias
Mariano Bizzarri, médico oncologista, compartilha bisturi ou mais analgésicos que o mais potente entorpecen
essa visão em A mente e o câncer: um cientista explica te (Perdicaris, 2006).
como a mente pode enfrentar a doença (2001), ao refletir Entretanto, essas “realidades” tornam-se apenas pu*:
sobre essa relação e a sua influência crítica na história clí possibilidade, já que a mensagem pode percorrer qualque-
nica das neoplasias. Aborda questões que vão além da bio rota, determinando por vezes respostas inesperadas, des
logia, discutindo a relação dos atores médico e paciente, proporcionais ou irrefletidas, dependendo do contexrc
inclusive segundo o prisma existencial. Já está amplamente cultural, educacional ou sensorial dos elementos expostos
comprovada a tese de que a simples presença do terapeuta a essa experiência social. E crucial e extremamente neces
e do seu toque pode ser suficiente para trazer, tal qual um sário que os dois lados sintam isso de forma precisa, par:
efeito placebo, alívio de dores, tensões e angústias. codificar, decodificar e mediar o complexo terapêutico,
Herbert Benson (1998), que vem estudando as re mobilizando todos os seus recursos para o enfrentamen:;
lações entre a mente e o corpo há mais de trinca anos, do momento.
refere-se ao “efeito placebo” como um bem-estar evo Há, ainda, outro aspecto a considerar, na área c
cado, refletindo a capacidade do organismo de se curar verbal e do não verbal, no “discurso oncológico” rclan-
com base em crenças e expectativas geradas pelo doente, vo ao trabalho dc equipes muldprofissionais. Trata-se ái
pelo médico e pelo entrosamento sociocultural de ambos. harmonia do “texto” a preservar diante das diferença
Nesse caso, vale a interpretação do cérebro e não especifi interprerarivas do grupo, considerando tanto a realidadt
camente o princípio ativo de algum fármaco. Ao médico, textual como contextuai do doente e seus familiares, a:
em geral, e ao cirurgião, em especial, cabe reconhecer a tentar convencer pela lógica ou persuadir pela emoçác
existência de um vasto campo de ação no seu imaginário O que comunicar, na perspectiva da equipe, diante da ex
e no dos seus pacientes, tão ou mais importante que a pectativa do enfermo? Qual o acervo comunicativo dessem
representação física do seu corpo. E, assim, a evolução do profissionais e quais as suas competências e habilidade^
conhecimento faz que velhos dogmas cartesianos curvem- nesse campo?
se perante resultados empíricos comprovados. O corpo O quey o que não, quem deve, como, onde, quanà:
nunca foi separado da mente: de a molda e é moldado e quanto dizer, sem infringir aspectos de ordem ética, c-,
por ela, de forma consciente ou não. hierarquia e, principalmente, de humanismo, sem ferir c
O ato médico exige a intenção correta na busca da paciente-agente mais que a própria doença ou impregná-
saúde do paciente-agente e que esse seja o principal foco lo de desesperança? Reconhecer e respeitar o momento d-:
do profissional, associado à expectativa bipolar da cura. outro, aprendendo com o seu sofrimento, não são atribu
Outro componente dessa relação é a atenção plena, ma tos de apenas um maestro, mas sim de toda uma orquestn
nifestando-se na percepção das reações do profissional sintonizada nos compassos da doença, nas suas diversa»
diante do doente, da sua doença e do contexto, pela per- manifestações. Não há fórmulas mágicas para ativar oa
meação verbal e não verbal desses momentos. Nas cha desativar um campo minado de dúvidas quanto ao desc
madas doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), em nhecido, ainda mais quando a doença vem acompanhada
particular no câncer, a captação visual e narrativa, não de sinais e sintomas severos.
somente da clínica do doente, mas da sua história vivida, No diálogo entre dois indivíduos, há sempre a buses
com os seus capítulos e associações, favorece a conciliação da eficiência pela obediência a certas regras. Isso signifia
de uma série de acontecimentos inerentes ao diagnóstico, que, mesmo inconscientemente, falante e ouvinte joga—
tratamentos e possíveis resultados. com normas lingüísticas, dentro de um sistema cooperati\
E imprescindível lembrar Goffman (1996), quando (princípio da cooperação). Eles buscam, por meio de uir
este vislumbrou que “parece não haver qualquer agente conjunto de estratégias, garantir o êxito comunicativo.
mais efetivo que outra pessoa para fazer que o mundo re Entretanto, a obediência irrestrita a essas regras tor
nasça para alguém ou paralisar a realidade, na qual está naria as conversas altamente aborrecidas. Na verdade, i
alojado, através de um olhar, um gesto ou uma observa verbalização ou as posturas, na maioria das situações, nãc
ção”. A perspectiva ou a presença da doença como uma seguem máximas ou mesmo regras predeterminadas. Ato^
L• explosivos ou retrações sociais podem ser desencadeados • ver o ser humano de forma sistêmica e biopsicos-
de forma inesperada, bastando que os interlocutores te social;
nham chegado ao seu limite de tolerância consigo mesmos • trabalhar com sentido de equipe;
ou com os outros, e bastando aquela gotinha a mais “para • pautar-se pelos princípios éricos;
entornar o caldo”, frustrando qualquer que fosse o objeti • atuar como um poderoso medicamento para aliviar
vo daquele momento. Se existir um modelo para tal situa sofrimentos;
ção, ele deve sem dúvida considerar o seguinte: “Nunca • possuir autoconhecimento como pessoa e como
deixe alguém acuado ou sem saída; você não sabe do que profissional;
ele é capaz”. • atuar com foco no cliente (no caso, o paciente-
Há uma nova ordem mundial. As mudanças que se agente).
desencadearam no contexto profissional atingem todos os
>egmentos da sociedade e não diferem para a classe médi A relação entre profissionais e pacientes basicamente
rniimi «ma um
ca e os demais profissionais de saúde. O mercado de tra pode apresentar-se seguindo três modelos:
balho e a sua clientela estabelecem estratégias e ações para
rromover as transformações, exigindo um novo perfil de • Modelo ativo!passivo: surge quando os profissio
rrestador de serviços, em que a qualidade de atendimento nais decidem o tratamento de forma praticamente
atinge o seu ponto máximo. São diversas pressões que se unilateral.
desdobram de várias formas, provocando desde a simples • Modelo de cooperação: segundo esse modelo, o
roca de um médico ou serviço por outro até ações judi diagnóstico é estabelecido c as opções terapêuticas
ciais de perdas c danos, no caso de imperícia, imprudência são apresentadas (inclusive com a participação de
u negligência que por atos ou palavras constituam uma familiares) para que se busque a melhor solução.
-itrogenia ou erro médico. Segundo Sanvito (1994), nun- • Modelo de participação e consentimento mútuos:
-.1 na história da humanidade a sociedade foi tão marcada nessa modalidade, os profissionais têm o papel de
relas mudanças. Vivemos a era da impermanência e corre- ajudar o cliente a se ajudar. São parceiros, cada qual
nos todos os riscos resultantes disso. com atribuições e responsabilidades, no resgate do
Não se devem desqualificar, minimizar e, princi- melhor de si, na busca de um equilíbrio psicosso-
ralmente, desvalorizar aquelas mensagens; é necessário ciobiológico. Esse modelo é aplicável nas chamadas
entar analisar o que vem embutido nelas. E preciso ser doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), entre
>olidário e acolhedor sem falsos paternalismos; revestir as quais se encontra o câncer. Nos países desenvol
rrognósticos de esperança antes de finalizá-los; “ouvir” vidos, cada vez mais os indivíduos exigem infor
i própria fala, para cada vez mais acreditar nela. O olhar mações adequadas, inclusive para que possam se
io profissional tem de ter a mesma configuração da sua auto-ajudar e controlar a saúde, de maneira mais
~oca ou do seu toque. integrada e integradora.
isíüdüíi
insana e desnecessária, em que palavras de conforto são teorias ou ter certas opiniões sobre o assunto, pois para
substituídas por zunidos c pela pressa. dirigir um carro com segurança não é necessário saber de
Dessa forma, com a ajuda da prosa poérica de Rubem talhes da sua construção, e sim exercitar-se, avaliar os seu>
Alves (1995), pode-se enrender o seguinte: resultados e corrigir os seus erros, e isso é um caminho a
percorrer, na dinâmica do dia-a-dia.
[...] a morte tem dois lados. Um deles é a sua
realidade física, e nisto todas se parecem. O outro
são as palavras que dizemos uns aos outros, diante Da prática
dela. E aqui que se encontra a diferença [...]. O que Em pesquisa realizada no Brasil por Pan Chacon, Ko-
nos difere não é que alguns sejam sadios e outros en bata e Liberman (1995), analisaram-se as respostas de
fermos. A diferença está nos poemas que recitamos médicos (fase 1) após ter sido perguntado como se compor
diante do horizonte que se aproxima. tariam com seus pacientes, familiares e até consigo mesmos
se tivessem em mãos um diagnóstico de câncer e se ser:
Moacyr Scliar, no seu livro A paixão transformada adequado dizer explicitamente o diagnóstico ou não.
(1996), posicionou-se da seguinte forma: Na segunda fase interrogaram 118 adultos, que- I
tionando sobre como gostariam que os seus respectiv -
A história da medicina é uma história de vozes. As médicos os tratassem caso tivessem câncer. Verificou-':
vozes misteriosas do corpo: o sopro, o sibilo, o borbo- uma postura bastante paternalista por parte dos médicos. I
rigmo, a crepitação, o estertor. As vozes inarticuladas com somente 22% deles não utilizando, na comunica- I
do paciente: o gemido, o grito, o estertor. As vozes ção, a “mentira piedosa”. Seus adepros nunca explicita- I
articuladas do paciente: a queixa, o relato da doença, claramente o diagnóstico; argumentam que o doente, ni
as perguntas inquietas. A voz articulada do médico: realidade, não quer saber a verdade até porque já descon
a anamnese, o diagnóstico, o prognóstico. Vozes que fia dela, e por isso geralmente não faz nenhuma pergunta
falam da doença, vozes calmas, vozes ansiosas, vozes objetiva nesse sentido. Muitos médicos se sentem alivia
curiosas, vozes sábias, vozes resignadas, vozes revolta dos dessa carga já que o doente não deseja abordar
das. Vozes que se querem perpetuar: palavras escritas assunto e, também, a família em geral prefere que a ver- I
em argila, em pergaminho, em papel: no prontuário, dade não seja dita ao doente. Todos, porém, sem exec- I
na revista, no livro, na tela do computador. Vozerio, ção, consideram que a família precisa ser informada n; |
corrente ininterrupta de vozes que flui desde tempos apenas do diagnóstico mas também da real gravidade da I
imemoriais e que continuará fluindo. situação do paciente. Citam ainda que o nível intelectui
torna mais difícil, se não impossível, enganar “de fat* '
Outro aspecto a ser considerado em termos da comuni alguns pacientes.
cação, além do compromisso assistendal, é a necessidade de Paradoxal e inexplicável, pelo menos aparentemenr .
trabalhar para a promoção da saúde, pela influência compor- é a postura que adotariam se fossem eles os doentes. Nes;_ I
tamental. Assim, deve-se vislumbrar o papel social da comu situação, segundo a pesquisa, desejariam ser informad:- ,
nicação no resgate da responsabilidade do profissional-edu da verdade por se julgarem capazes de administrar sat -
cador. Essa necessidade de mediar os fenômenos biossociais fatoriamente seu impacto. Acrescentaram que precisariam* ]
interagindo com a comunidade deve estar sempre implícita dessa informação para atendimento de seus interesses e dos I
nas atividades da área da saúde. Nesse sentido, é imprescin de sua família. Entre 80% e 90% desejariam saber toda :
dível que o profissional também aprenda a conjugar o estar verdade mesmo quando a única alternativa de tratamento
sadio ou doente na primeira pessoa do singular e do plural, e se resumisse a uma cirurgia paliativa. Argumentaram que
não apenas nas terceiras. gostariam de manter o poder, que habitualmente lhes -
Para tal, o profissional, antes de intervir na vida de retirado, de decidir, eles próprios, sobre o tratamento pr - I
seus semelhantes, deve buscar um crescimento interno posto e sobre o seu futuro (Pan Chacon et al., 1995).
que se traduza, principalmente, na percepção da natureza Esse paradoxo é importante quando se discute a c - I
da sua missão. Na nossa realidade universitária esse ideá municação porque, quando se pensa nas suas premissa- I
rio humanista ainda está distante de ser alcançado no que entende-se que não existe neutralidade na maneira coir
diz respeito a um conteúdo curricular integrado. A falta nos relacionamos com as pessoas. Alem de uma informa I
dessa prática ou as lacunas decorrentes das suas distor ção ou de algum dado objetivo, o que se sente em relaçá
ções ecoam pelas enfermarias, ambulatórios e consultó ao que está sendo transmitido é sempre passado, e semp-r
rios, mundo afora. perceptível, pelo tom de voz utilizado para transmitir : I
Talvez as principais questões sejam: onde, quando mensagem, peias palavras escolhidas, pela ênfase que :
e como obter competências e habilidades para essa área dada a determinadas palavras, pela postura corporal a- I
complexa e extremamente dinâmica? Não basta conhecer sumida ao transmitir a mensagem, pela capacidade (<;. I
A COMUNICAÇÃO ESSENCIAL EM ONCOLOGIA 409
incapacidade) de olhar para o rosto, para os olhos da pes quer saber; identificar o que a família sabe e o que ela quer
soa ao falar com ela, pela distância mantida entre as pesso saber; utilizar frases simples nas explicações, nos contatos;
as (Silva, 2005); ou seja, quando existe uma contradição verificar o entendimento de tudo que é dito; ouvir, porque
entre o que se sente e o que se verbaliza, ela acaba emer quando ouvimos percebemos o que o doente sabe (por
gindo na forma como o médico transmite a informação que ele acaba dizendo o que sabe, o que quer saber, o rit
para o paciente. mo com o qual deseja saber e a quantidade de informações
Para exemplificar quando essa comunicação, cha desejada) (Dondoni et al1999; Silva, 2004).
mada de não verbal (Silva, 2005), influencia na postura, Esse ouvir envolve estar atento à postura corporal
node-se citar um estudo de Sulmasy e Rahn (2001), que adotada diante do doente, ao tom de voz que se utiliza
concluiu, após a observação de vídeos que documenta ao explicar algo que é questionado pelo paciente e sua
vam cuidados com pacientes com câncer, aids, demência família, à expressão facial receptiva e à própria gestualida-
avançada, entre outras doenças graves, que os pacientes de (o que fazer com as mãos: desenhos em algum papel,
seriamente enfermos recebem visitas mais rápidas dos desviando o olhar? Balançando as pernas?). É necessário
profissionais da área da saúde, ficando sozinhos a maior ter consciência de como portar-se diante do que o pacien
?arte do tempo, aproximadamente dezoito horas por te e sua família estão falando (Silva, 2005; Mebane et al.,
iia. Com essa atitude e comportamento, a mensagem su- 1999). Esse ouvir capacita para a identificação das emo
rliminar para o paciente, a equipe, os familiares é: “Não ções envolvidas diante da enormidade de facetas que po
há mais nada a fazer”. dem se apresentar nos pacientes, e permite que se conclua
Poderiam ser citados como objetivos de uma comuni cada interação como mais um passo para ajudá-los a viver
cação adequada (Silva, 2006): da melhor forma possível.
Na comunicação inicial com o paciente, também é
• conhecer os problemas físicos e pessoais do doente; importante identificar o que ele já sabe, o nível de com
• obter informações básicas para seu diagnóstico e preensão da doença que ele tem, o que ele quer saber e
tratamento; adequar o vocabulário a ser empregado, estando atento
• fazê-lo sentir-se cuidado e acompanhado (até o fi aos pequenos sinais não verbais utilizados (com tanta fre
nal, se for o caso); quência!) quando não se quer dizer tudo que se pensa e
• conhecer previamencc sua reação à doença, seus te sente (Silva, 2004). Se surgirem dúvidas, o médico pode
mores e ansiedades; lançar mão de perguntas como: “Você gostaria de saber
• facilitar o alívio sintomático eficaz e melhorar sua detalhes sobre o tratamento?”; “Você gostaria que eu lhe
auto-estima; desse mais informações sobre o seu diagnóstico?” Caso o
• oferecer informações verdadeiras, de forma delica paciente não queira saber o diagnóstico, deve-se mostrar
da c progressiva, segundo suas necessidades, para a ele que sua escolha será respeitada. Se o paciente esti
planejar seu futuro; ver em um momento de negação, o médico também deve
• ajudar a manter sua esperança; diagnosticar o mecanismo de defesa, sem confrontá-lo, e
• conhecer os itens que podem aumentar o seu bem- a informação deve ser transmitida a um familiar ou um
estar; amigo, se ele desejar (Dondoni et ai, 1999).
• conhecer seus valores espirituais, ctilturais e medi Na comunicação verbal devem ser evitados jargões
das de apoio; científicos; as frases podem ser simples e sucintas, comu
• ajudar a vencer o tabu da morte; nicando o sentido exato do que se quer dizer. Pode-se ve
• dar tempo para que se resolvam assuntos pendentes; rificar o entendimento das informações perguntando-se:
• reforçar o princípio da autonomia; “Estou sendo claro?”; “Está acompanhando o meu racio
C- r • detectar as necessidades da família; cínio?” Após cada conversa c adequado resumir em poucas
• melhorar as relações com seus entes queridos; frases o que foi discutido e programar o próximo encon
• tornar mais direta e interativa a relação médico- tro, deixando claro quando ele aconrecerá e explicitan
I C» paciente. do os passos a serem tomados entre o encontro atual e o
próximo. Alguns estudos indicam, ao questionar pacientes
Diante de todos esses objetivos da comunicação pode- imediatamente após uma consulta, que a porcentagem das
— >e supor que é fundamental que o médico se prepare para informações que ficam retidas é muito menor do que po
conversar adequadamente durante todo o processo de tra deríamos imaginar (Silva, 2004). O toque afetivo, se bem
tamento. E o que é adequado depende da situação e do utilizado e no local correto, na hora certa, com a pessoa
momento. Primeiro, é preciso criar um ambiente propício certa e por tempo adequado, é um fator de aproximação
rara que se atinjam todos esses objetivos; depois, prestar e de reforço do encontro. Iniciar e encerrar os encontros
irenção na postura que assume diante do paciente; identi- com um aperro de mão pode ser muito bem-aceito pelos
ãcar o que o paciente sabe sobre a sua doença e o que ele pacientes (Silva, 2005).
410 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
A informação deve ser dosada de acordo com a ca A cultura, a classe social e as experiências famiLs^s
pacidade do paciente em captá-la, mas é fundamental são a terceira fonte de códigos não verbais. As caraci;n-
que todas as informações que forem transmitidas sejam ticas culturais e sociais provocam variações na intensicadfc
verdadeiras; a mentira bem-intencionada tem um efei e na expressão dos sentimentos de uma coletividade. Ilus
to destrutivo sobre a confiança que o paciente deposita trando essa influência, temos o caso dos latinos, que
no seu médico. Em nenhum momento ela deve limitar zam, durante a comunicação, gestos amplos e usam tom ct
a ação do médico com relação ao que pode ser feito. E voz mais alto, diferentemente de membros de outras comu
importante entender que o fato de as pessoas viverem nidades, como a germânica, cuja comunicação é pautam,
uma doença, muitas vezes incurável, não implica a ine pela contenção de gestos e palavras (Silva, 2005; Sulrru- e
xistência de cuidados ou tratamentos, a impossibilidade Rahn, 2001; Huebner-Dimitrius e Mazzarella, 2000).
de aliviar o sofrimento ou minimizar os medos desse Incluem-se na terceira fonte da comunicação não • cr-
momento. Os profissionais de saúde não podem deixar bal os artefatos que as pessoas utilizam ou colocam no lz-
que o paciente e seus familiares se sintam sozinhos ou biente. A postura de uma pessoa permite identificá-la c —
abandonados. Essa talvez seja a intenção primeira da co pertencente a determinada classe social. Os códigos dt-re
municação com os pacientes. volvidos pelas famílias permitem a comunicação por rr.zsm
Admite-se, portanto, que o ser humano possui, simul de gestos. Um olhar pode dizer: “Cale-se”, “Fique c_*i-
taneamente, duas dimensões ou modos de comunicação to”, “Mude de assunto” (Sulmasy e Rahn, 2001; Hueb-r-
para expressar as suas necessidades ao mundo (Pan Cha- Dimitrius e Mazzarella, 2000; Gaiarsa, 2000).
con et al., 1995; Silva, 2005; Sulmasy e Rahn, 2001):
mento? O paciente, por exemplo, pode: encobrir a cabeça maior quando os pacientes são recebidos com um aperto
com o lençol, ficar voltado para a parede, fingir que está de mão, com um toque (Silva, 2005).
dormindo, responder com monossílabos às perguntas fei Vale lembrar que, quando tocamos alguém, estamos
tas, deixar de olhar o profissional nos olhos etc. invadindo seu espaço pessoal e, portanto, precisamos estar
Outro conceito é o da territorialidade. Nesse caso, atentos aos sinais não verbais que demonstram consenti
há urna espécie de área física que demarcamos como nos mento ou não nessa invasão, como a expressão facial, rigi
sa, onde quer que estejamos. E por isso que os estudantes dez muscular, direção do olhar etc.
possuem a tendência de sentar na mesma cadeira, demar A paralmguageni, ou par a verbal, estuda o tom de voz,
cando-a como sua. O paciente também sente necessidade a ênfase dada a determinada palavra, os grunhidos que utili
de demarcar o seu território no hospital. Quando ele é zamos ao falar, o silêncio etc. Esses itens demonstram senti
admitido, recebe a informação de que “aquele” é o seu mentos (quando estamos ansiosos, por exemplo, nossa voz
.eito ou “aquela” é a sua mesa de cabeceira; logo, sente-se treme), características de personalidade (os introvertidos
impelido a demarcar o seu território com um objeto pes costumam ter o tom de voz baixo), atitudes (existem muitas
soal, algo que indique: “Este é o meu lugar!” maneiras de dizer um “sim”), tipo de relacionamento inter
Algumas instituições públicas não permitem que o pa pessoal (a voz pode se tornar mais doce, mais áspera, por
ciente utilize nem mesmo o próprio pijama; sendo assim, exemplo) e autoconceito (Sulmasy e Rahn, 2001).
chinelo, único objeto seu no hospital, é o instrumento O conhecimento da linguagem paraverbal permite,
de demarcação do seu território. Infelizmente, pelo fato de ao profissional de saúde, compreender que o silêncio pode
profissional de saúde em geral não estar atento a esse existir em situações ligadas ao terapeuta ou ao próprio
::po de linguagem, muitas vezes, ao se aproximar do leito paciente. O doente pode estar calado por vergonha, raiva,
rira cuidar do paciente, chuta o chinelo para debaixo do ou pode estar testando o terapeuta para ver se este ficará
rito, desrespeitando o território demarcado (Sulmasy e ao seu lado mesmo quando estiver quieto. A pessoa pode
Rahn, 2001). estar em silêncio por não saber o que dizer, estar confuso
A tacêsica estuda o toque, não apenas como instru ou deprimido. A interpretação do significado do silêncio
mento de sensação, mas também como expressão de afe- dependerá do conhecimento que o profissional tem a res
■ vidade. Dependendo do modo como nos aproximamos peito do paciente (Dondoni et al1999; Silva, 2004).
para tocar, da pressão exercida no toque, do tempo de Instrumentalizado pela linguagem paraverbal, o pro
: intato e da parte do corpo tocada, passamos determina fissional de saúde percebe quando deve utilizar o silêncio
do significado à pessoa que é tocada. Percebemos a inten como meio de comunicação. Em muitas situações, como já
ção da pessoa no toque (Montagu, 1986). referido, o ato de ouvir é uma ação terapêutica.
O profissional de saúde, ao compreender a linguagem Alem desses tipos de comunicação, o profissional dc
zo toque, descobre que a ação de tocar o paciente não é saúde deve estar atento às características físicas do paciente,
ipenas instrumental (que é o contato físico deliberado, ne- que podem apresentar sinais importantes para um correto
-rssário para o desenvolvimento de uma tarefa específica), diagnóstico; assim como os clientes estão atentos às carac
nas é, também, afetiva (Montagu, 1986). Deve-se ficar terísticas físicas do profissional, fazendo observações como:
isento, ainda, às diferenças individuais e culturais, as quais “Ele se mantém limpo”, “E bem cuidado”, entre outras. Os
:nsinam que uma atitude mais introspectiva, por exemplo, objetos utilizados pela pessoa, os móveis e os artefatos pre
rode provocar inicialmente rejeição ao toque, lembrando sentes no ambiente, o número de saídas do local e o signifi
:ue existem culturas mais ou menos acessíveis ao toque (os cado que o ambiente expressa quando estamos dentro dele
-itinos aceitam melhor o toque do que os ingleses) (Mon- são alguns dos elementos que auxiliam o profissional de
ugu, 1986). saúde a apreender a realidade do seu paciente e dificultam
Por estar muitas vezes preocupado em tocar os artefa- ou facilitam o seu bem-estar (o ambiente permite maior ou
:os utilizados pelo paciente, o profissional dá ao toque um menor formalidade, maior ou menor exposição, maior
:aráter meramente instrumental, sem afetividade, o que é ou menor comodidade).
'falmente lamentável, pois são muitos os estudos que têm Estudiosos afirmam que dois terços do que comuni
lemonstrado quanto o contato é importante para a ma- camos nas interações face a face são transmitidos por meio
■utenção e para a qualidade da vida (Montagu, 1986). De dessa linguagem não verbal (Pan Chacon et al., 1995; Sil
laneira geral, o paciente aceita melhor o toque quando se va, 2005; Huebner-Dimitrius e Mazzarella, 2000). E ela
ente sozinho, quando está morrendo, com dor, com a au- que nos ajuda a expressar os sentimentos, os pensamentos,
:>estima e auto-imagem diminuídas, quando está triste e as dúvidas e demonstrar que há coerência entre a intera
:om a consciência reduzida (lembrando que a audição é o ção e o nosso discurso. Nesse caso, seu objetivo é o de
áltimo dos sentidos perdidos pelo paciente quando ocor- complementar o verbal.
*r alteração de sua consciência). Também foi comprovado A leitura da comunicação não verbal pode, por outro
rue a aceitação aos processos psicoterapêuticos tende a ser lado, contradizer uma fala. Uma pessoa que diz: “Muito
412 TEMAS EM P S I C O 0 N C 0 L O G I A
prazer”, mas não sc volta em direção à pessoa que cum sam ficar à vontade, sem o constrangimento da presença
primenta, não presta atenção à maneira como a toca ou a de outras pessoas, é essencial, pois nos nossos hospitai>.
toca como se precisasse lavar as mãos em seguida, contra onde freqüentemente temos três ou quatro pacientes na?
diz o seu cumprimento. enfermarias, é necessário muitas vezes esperar um horá
A comunicação não verbal pode scr usada, também, rio mais adequado, ou até mesmo levar o paciente pari
em substituição à verbal. Durante uma conversação, não outra sala, para que se possa ter uma conversa com _
precisamos dizer a rodo instante: “Estou prestando aten máxima clareza e calma.
ção”, “Estou ouvindo”; um meneio de cabeça c o olhar Sempre que possível, o médico e o paciente devem
são suficientes. estar sentados, de preferência no mesmo nível, para que
Ela permite, também, demonstrar e reconhecer os a altura dos olhos coincida. Isso representa um esforço
sentimentos. Ao interagirmos com o outro, podemos do médico para colocar o paciente numa postura partici
apresentar reações de alegria, tristeza, ansiedade, dúvida, pativa (Silva, 2006; Dondoni et al., 1999; Mebane et ai.
medo etc. Percebendo a comunicação não verbal de forma 1999). É importante que, ao sentar-se com o paciente, _
consciente, podemos compreender e qualificar a tônica profissional tente manter a calma e deixe claro que aque
e os sentimentos que permeiam a interação. Além disso, les minutos, mesmo que sejam poucos, passados com
quanto maior o grau de consciência que uma pessoa tem paciente são também importantes para ele. Mesmo haven
de si e do que está expressando, maior será a sua habili do um limite, um horário a cumprir, esse “pouco” temp:
dade em lidar com os outros (Silva, 2005; Silva, 2006; deve servir para que o médico olhe nos olhos do paciente
Hucbner-Dimitrius e Mazzarclla, 2000). e também fique em silencio, ouvindo as frases ditas p- :
ele até o final, a fim de observar seu balanço de cabeça,
significando concordância, enquanto ele escuta, e o tocar
Considerações finais também, afetivamente.
Não existem fórmulas para a “melhor” comuni Deve ficar claro para o médico que, embora aquele
cação com os pacientes, mas são fatores importantes a seja um dos muitos pacientes com quem ele conversari
privacidade e o cenário onde ocorrem as interações. A naquele dia, para o paciente aquele pode ser o moment:
procura de um ambiente onde o paciente e o médico pos mais importante de todo o dia, de toda a semana.
Referências bibliográficas
Aguiar, V. T. O verbal e o não-verbal. São Paulo: Huebner-Dimitríus, J.-E.; Mazzarella, M. Decifrar
Unesp, 2004. pessoas: como entender e prever o comportamento huma
Alves, R. “Sobre jornais e aleluias”. Folha de S.Paulo, no. 3. ed. São Paulo: Alegro, 2000.
São Paulo, 12 nov. 1995. Caderno Opinião, p. 3. Kiecolt-Glaser, J. K. et al. “Hypnosis as a modula-
Benson, H.; Stark, M. Medicina espiritual: o poder tor of cellular immune dysregulation during acutc stress”.
essencial da cura. Trad. Mary Winckler. Rio de Janeiro: Journal of Consulting and Clinicai Psychology, v. 69, n. 4.
Campus, 1998. p. 674-82, 2001.
Bizzarri, M. A mente e o câncer: um cientista explica LeShan, L. O câncer como ponto de mutação: um
como a mente pode enfrentar a doença. São Paulo: Sum- manual para pessoas com câncer, seus familiares e profis
mus, 2001. sionais de saúde. Trad. Denise Bolanho. 4. ed. São Paulo:
Broyard, A. apud Lown, B. A arte perdida de curar. Summus, 1992, p 11
Trad. Wilson Velloso. São Paulo: JSN/Fundação Peirópo- Mebane, E. W; Oman, R. F.; Kroonf.n, L. T; Gold-
lis, 1997. stein, M. K. “The influence of physician race, age, and gen-
d’Épinay, M. L. Groddeck: a doença como linguagem. der on physician attitudes toward advance care directives
Trad. Graciema Térreos. Campinas: Papirus, 1988, p. 63. and preferences for end-of-life decision making”. Journal of
Dondoni, A. P. E; Braga, C. F.; Barrios, C. H. “Como the American Geriatrics Society, v. 47, p. 579-91, 1999.
transmitir aquilo que não gostaríamos de ouvir? A comu Minayo, M. C. S. “Um desafio sociológico para a edu
nicação de notícias difíceis na relação médico-paciente”. cação médica”. R. Bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, v. 15.
Acta Médica, Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 383-95, 1999. n. 1, p. 1-32, 1991.
Freire, P. Educação e mudança. 15. ed. Rio de Janei Montagu, A. Tocar: o significado humano da pele
ro: Paz e Terra, 1989. Trad. Maria Silvia Mourão Netto. 3. cd. São Paulo: Sum-
Gaiarsa, J. A. O olhar. São Paulo: Gente, 2000. mus, 1986.
Goffman, E. A representação do eu na vida cotidiana. Pan Chacon, J.; Kobata, C. M.; Liberman, S. P. C.
Trad. Maria Célia Santos Raposo. Petrópolis: Vozes, 1996. “A ‘mentira piedosa’ para o canceroso”. Revista da As-
A COMUNICAÇÃO essencial em oncologia
açao Médica Brasileira, São Paulo, v. 41, n. 4, p. . PaZy amor e cura: um estudo sobre a relação
r--6, 1995. corpo-mente e a autocura. São Paulo: Summus, 1996.
Paroni Filho, C. Você é o remédio. São Paulo: Lú- Silva, M. J. P da. “Comunicação com o paciente fora
, 2000. de possibilidades terapêuticas”. In: Figueiredo, M. T. A.
Perdicaris, A. A. M. Além do bisturi: novas fronteiras (org.). Diagnóstico e tratamento em clínica médica. São
^ormmtcaçâo médica. Santos: Leopoidianum, 2006. Paulo: Atheneu, 2006.
Pixheiro, R. Escolha e abandono de médicos: o po- ____ . “Comunicação com o paciente fora de pos
r Jo cliente. Salvador: Raimundo Pinheiro Consulro- sibilidades terapêuticas: reflexões”. In: Pessint, L.; Berta-
Uo 02. chini, L. (orgs.). Humanização e cuidados paliativos. São
Sanvito, W. L. A medicina tem curai Uma abordagem Paulo: Loyola/Edunisc, 2004, p. 263-72.
tca da medicina contemporânea. São Paulo: Atheneu, ____ . Comunicação tem remédio: a comunicação
nas relações interpessoais em saúde. 10. ed. São Paulo:
Loyola, 2005.
SüLMASY, D. P.; Rahn, M. “I was sick and you carne to
visit me: time spcnt at the bcdside of seriously ill patients
with poor prognoses”. The American Journal of Medicine,
v. 111, n. 5, p. 385-9,2001.
Thaker, P. H. et al. “Chronic stress promotes rumor
growth and angiogenesis in a mouse modeí of ovarian car
cinoma”. Nature Medicine, v. 12, n. 8, p. 939-44, 2006.
ESPIRITUALIDADE NO ENFRENTAMENTO DO CÂNCER
Regina Paschoalucci Liberato; Rita de Cassia Macieif-;
Houve um tempo em que todos os seres humanos de ocorrência de quase 470 mil casos novos de câncer no
eram deuses, mas abusaram tanto de sua divindade que Brasil, sendo 231.860 casos para o gênero masculin
Brama, o deus de todos os deuses, decidiu tirá-la deles e 234.870 para o gênero feminino.
escondê-la onde jamais pudesse ser encontrada. Diversos avanços técnicos ocorridos nos últimos an - 1
Para tanto, Brama convocou um conselho de deuses têm contribuído para o aumento da sobrevivência e a rr.r 1
para ajudá-lo a decidir. “Vamos sepultá-la no fundo da lhoria da qualidade de vida do paciente com câncer, a!é~ ]
terra”, disseram os deuses. Mas Brama respondeu: “Não, da redução do impacto emocional por ele sofrido. M^.
isso não adiantará, pois os humanos cavarão a terra e a devido provavelmente ao diagnóstico tardio, o cânct' I
encontrarão”. Então, disseram os deuses: “Vamos afundá- continua a ser uma das maiores causas dc mortalidade.
la no oceano mais profundo”. Ao que Brama respondeu: O diagnóstico de câncer e seu subseqüente tratamen:
“Não, lá não, pois eles aprenderão a mergulhar no oceano têm impacto significativo no funcionamento físico, na sa_- I
de mental e no bem-estar, incluindo aspectos emociona.-. I
e a encontrarão ”. Então, disseram os deuses: “Vamos levá-
na sexualidade e na autopercepção, causando uma ruptura r.
la para o cume da montanha mais alta e escondê-la lá”.
qualidade de vida e conduzindo a um processo de estres
Porém, mais uma vez, Brama contestou: “Não, também
(Kinney et ai, 2003; Pandey et ai, 2005). Tanto a pes* .
não funcionaria, porque eles podem escalar, por fim, todas
com câncer quanto seus parceiros e demais membros I
as montanhas e recuperar sua divindade”. Então os deuses
família podem apresentar níveis clínicos de depressão, i*
desistiram, dizendo: “Não sabemos onde escondê-la, pois
siedade ou sintomas físicos de estresse, tais como: dor.
parece não haver lugar na terra ou no mar que os seres
de cabeça, aumento da pressão cardíaca, perda de son: -
humanos algum dia não possam alcançar”. Brama refletiu apetite, entre outros (Edwards e Clarke, 2004).
durante algum tempo e depois disse: “Eis o que faremos: Como conseqüência da doença, podem surgir proK:
esconderemos sua divindade bem fundo, no centro de seu mas práticos e materiais e, ainda, preocupações emociona
próprio ser, pois os humanos nunca pensarão em procurá- e não materiais. Entre os primeiros estão as preocupaçõr I
la a li”. Todos os deuses concordaram que esse era o lugar financeiras, como possível perda de emprego ou relativ*
perfeito para escondê-la, e assim foi feito. E desde então os aos custos do tratamento. Os problemas emocionais r.
homens têm ido de um lado para o outro da face da Terra, não materiais podem estar ligados a dificuldades em cor
cavando, mergulhando, escalando e explorando, procuran viver com a doença, medos das perdas ou problemas r.
do algo que já está dentro deles. relacionamentos interpessoais. Por essa razão, os cuidad
Antiga lenda hindu com o paciente e familiares devem incluir o trabalho de
médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, rt-
ligiosos e outras pessoas que possam oferecer suporte :
Introdução orientação no âmbito psicossocial (Haagedoorn, 2000).
esquisas mostram a todo momento que medidas As pessoas que recebem o diagnóstico de câncer ex
Meraviglia, 2006). A valorização de aspectos da espiri Tal como o corpo, a alma tem necessidades, deman
tualidade, como propósito e significado da vida, preces e da cuidados. Mas vivemos numa sociedade que presta
perspectiva espiritual, é benéfica e diminui o impacto do pouca atenção a ela. Banalizamos a experiência humana,
câncer (Gall e Cornblat, 2002). desprezando a dimensão sagrada da vida.
Sentimentos de desesperança, medo de perda do Em Man and bis symbols, Cari Gustav Jung (1964)
. mtrole e prejuízo da auto-imagcm podem ser agravados escreveu: “Temos despojado todas as coisas de seu misté
rela destruição de valores sociais e espirituais. No sentido rio e de sua numinosidade; nada mais é sagrado”.
espiritual, o câncer tem limitações. E preciso demonstrar Vivemos um momento existencial que apresenta pa
i pessoa com câncer que, no nível de sua existência espi- tologias de todas as ordens. Adoecemos com uma faci
r.mal, a doença não deve estraçalhar a esperança, destruir lidade incrível. Conforme fortificamos nosso arsenal de
^ fé, corroer as relações significativas, matar o amor e a defesas, nossos oponentes fortificam-se também. Isso vale
amizade, acabar com a paz, silenciar a bravura e as memó- tanto para remédios e agentes de doenças, como vírus
' as. tomar conta da alma e furtar a vida que se tem a viver e bactérias, como para nossas necessidades egoístas e as
Salazar e Motta, 2007). respostas cada vez mais intensas e violentas da natureza.
A privação espiritual está na raiz de muitas patolo
gias clínicas.
Conceituando a espiritualidade
A espiritualidade faz a alma despertar, coloca-nos
A palavra espiritualidade vem da raiz latina spiritus, que diante da dimensão sagrada da existência humana e colo
sunifica sopro, o princípio que anima, o sopro da vida. re com cores intensas nossa vontade de viver.
Pode ser definida como “um modo de ser e de sentir
Desperta-nos para que aceitemos e sigamos com
cje ocorre pela tomada de consciência de uma dimensão
coragem e dedicação o nosso destino, seja ele qual for,
ranscendente, sendo caracterizado por certos valores
demonstrando participação e dignidade.
cientificáveis com relação a si mesmo, aos outros, à natu
Se quisermos viver verdadeiramente, precisaremos
reza, à vida” (Elkins, 2000).
considerar a alma, assim como o corpo, como um dos
Baseia-se na crença da existência de duas dimensões
pontos de referência do nosso destino.
realidade, a material e a imaterial. A realidade rnate-
A alma incita a natureza essencial das pessoas. Ca
~i. refere-se ao mundo concreto e à realidade tangível,
racteriza-se pela individualidade.
-1-15 coisas que podemos conhecer pelos cinco sentidos. O
Thomas Moore (apud Elkins, 2000, p. 62) escreveu
- >rpo, a terra, o mar, as árvores, o sofá da sala de estar, o
que “muitos de nós gastam tempo e energia tentando ser
traio de comida à minha frente e os animais fazem parte
algo que não são. E um movimento contrário à alma,
mundo material.
Há outra dimensão, igualmente real, que é o mundo já que a individualidade emerge da alma, como a água
material, o mundo do qual os artistas, poetas, profetas, emerge das profundezas da terra”.
|*imãs e filósofos se ocupam frequentemente. Trata-se O desenvolvimento espiritual não está relacionado
ic uma realidade que, apesar de não ser material nem com práticas ritualistas e religiosas, e sim com o milagre
palpável, é de extrema importância para a existência hu- da vida.
Tiana. Nela encontramos nossos valores e significados Estar vivo e experimentar o acontecimento da vida,
trais profundos; é o mundo das realidades espirituais e participando dele e interferindo nos efeitos que cada ex
fcoomenológicas. periência provoca no contorno plástico que a humanida
A espiritualidade é universal. Está disponível para de possui, é em si uma bênção divina. E a expressão do
■oalquer ser humano. Não se restringe a uma religião, sagrado em essência.
nrirura ou um grupo de pessoas. No fundo do coração de cada ser humano há um
E um fenômeno humano, um potencial inato e na- profundo anseio por uma vida que faça sentido.
íitiI do ser humano. E manifestada de diversas formas Pode-se dizer que separação entre espiritualidade
|c caracterizada por uma ânsia comum pelo sagrado, um e religião é uma das maiores mudanças sociológicas de
jo universal de tocar e celebrar o mistério da vida. nosso tempo. Por quase dois mil anos, a Igreja manteve
Invade nossa alma e é cultivada por experiências re- o monopólio da espiritualidade no Ocidente, e em todo
A.:onadas ao sagrado. Sua natureza surge na expressão esse período cuidar da alma foi uma tarefa da religião.
£ mistério da vida e das profundezas do nosso ser. Atualmente, não é mais.
O cuidado com a alma é essencial para a saúde Essa perspectiva totalmente diferente é o resultado
racológica, e o desenvolvimento espiritual não é uma das mudanças ocorridas na Era Moderna. Nos tempos
fceolha. Ele acontecerá naturalmente de acordo com o medievais, a Igreja se posicionava como a autoridade no
lesenvolvimento geral do indivíduo, respeitando suas que dizia respeito às questões religiosas, mas também às
^feiitações. artes e às ciências.
416 TEMAS EM P S I C 0 - O N C O L O G I A
Durante o Renascimento, as artes e as ciências rom A imagem da água da vida que flui é perfeita par^
peram com a Igreja e começaram a se estabelecer como presentar a dimensão espiritual. Sem cercas, sem cadea^ •
disciplinas independentes. e sem regras estabelecidas pelo coletivo.
Nos 350 anos seguintes, a ciência lentamente se esta Quem enfrenta seu caminho de provas, ocupanc »
beleceu como autoridade na cultura ocidental e expandiu lugar do herói mitológico, cresce e evolui a cada pa-
nosso conhecimento sobre a origem e natureza do univer ao conseguir alcançar seus objetivos, respeitando ritir. > c
so e da humanidade. limites pessoais, aproveitando todas as oportunidade^ x]
O caminho para tornar-sc um indivíduo único, ge aprendizado que surgirem e conscientizando-se da p
nuíno, está ligado à tomada da responsabilidade pelo seu nificância dos seus pares em sua vida por meio da c --
desenvolvimento espiritual, aprendendo a cultivar a pró paixão.
pria alma, independentemente dos métodos, estratégias e
instrumentos que venham a ser utilizados.
Segundo Elkins (2000, p. 26), Os componentes da espiritualidade
Alguns fatores, enumerados a seguir, interferem -_J
Nossa identificação move-se para alem dc nos expressão da dimensão espiritual e procedem à sua ca-^-l
so clã, em direção à espécie humana como um todo, terização.
quando percebemos que os anseios espirituais de nos 1. Há uma crença baseada na existência de uma dimes-l
so próprio coração são a canção universal da huma são transcendente da vida. As representações dc-n
nidade. O universo torna-se o nosso templo, a terra, dimensão podem se manifestar de formas que á ]
o nosso altar e a vida diária, o nosso pão sagrado. desde a visão rradicional de um Deus pessoal a ■ I
As tradições orais, a literatura da sabedoria e o acer visão psicológica de que a dimensão transcender-- ■]
vo espiritual do mundo tornam-se nossas escrituras, emerge da ampliação da consciência, pela assiraúa-
e toda a humanidade, independentemente de nação, ção de aspectos inconscientes ou de aspectos do scrl
raça, cor ou credo, torna-se a nossa congregação. ou si mesmo.
2. Não importam as representações que o indivíca
A história a seguir, conforme atesta o analista jun- utiliza para descrever a dimensão transcendente. (W
guiano Robert Johnson (apud Elkins, 2000, p. 33), era que importa é acreditar na dimensão não tangível c
uma das prediletas de Cari Gustav Jung: na possibilidade de um contato harmonioso e adar-
tativo com ela.
A água da vida, querendo ela própria se fazer 3. Há uma preocupação a respeito da busca por sena
conhecer na face da terra, borbulhou num poço arte do e propósito para a própria existência. O fur.r-
siano e fluiu sem esforço ou limitação. As pessoas vie mento e o conteúdo desse sentido variam de pe» .
ram beber da água mágica e saciaram-se dela, pois era para pessoa.
muito limpa, pura e revigorante. Mas a humanidade 4. Desenvolvem-se um sentimento de responsabilidade
nào estava contente em deixar as coisas nesse estado para com a vida e a expectativa dc um destino A
edênico. Aos poucos começaram a cercar o poço, a cumprir.
cobrar entrada, alegar a propriedade das terras em 5. Existe uma crença de que a vida está permeada pe :
volta, elaborar leis para aqueles que conseguissem sagrado, e frequentemente se tem um sentimerr
chegar ao poço e a pôr cadeados nos portões. Logo o de reverência diante dela. Percebe-se o sagrado nc
poço se tornou propriedade dos poderosos e da elite. cotidiano, nas experiências simples e nas coisas c -
A água ficou zangada e ofendida, ela parou de correr muns.
e começou a borbulhar em outro lugar. As pessoas 6. Acontece a descoberta da dimensão trágica da ex.
que tinham a posse da propriedade em torno do pri tência humana. Aparece a consciência da dor e d
meiro poço estavam tão absorvidas em seus sistemas sofrimento humano, e emerge a disponibilidaa-.
de força e propriedade que nem notaram que a água para se aproximar deles. Dcsenvolvem-se a con-
tinha desaparecido. Continuaram a vender a água paixão pelo próximo e a necessidade da ação jusu
que não existia, e muito poucos notaram que a verda e amorosa direcionada a ele, ampliando a compre
deira força havia ido embora. Vias alguns insatisfeitos ensão de que somos parte de um todo. Encontr;
empreenderam uma busca com grande coragem e en mo-nos em iguais posições na humanidade.
contraram o novo poço artesiano. Logo que o poço 7. Emerge a necessidade de buscar a melhora da
ficou sob o controle dos detentores da propriedade, existência, confiando no poder de transformação
sobreveio a mesma sina. A fonte mudou-se para ou do humano. Como resultado, ficam evidencia
tro lugar - e o mesmo foi se passando ao longo de das a aceitação, apreciação e valorização da vida
toda a história de que se tem notícia. como ela é.
ESPIRITUALIDADE NO E N F R E N T A M E N T O DO CÂNCER 417
8. Por fim, podc-se perceber que a espiritualidade tem haveria a compreensão de tantos fenômenos em relação
um efeito visível sobre a relação consigo mesmo, à saúde (Vasconcellos, 1998).
com os outros, com a natureza e com a vida. No anu de 2001, Larson, Larson e Koenig (2001a)
realizaram uma revisão sistemática de mais de 1.600 es
tudos epidemiológicos, publicados em língua inglesa, re
Medicina e espiritualidade lacionando envolvimento religioso no enfrentamento das
Na modernidade, com o avanço da medicina cien doenças e seus resultados sobre a saúde. Essa revisão de
tífica, buscou-se orientar e explicar o processo de adoe- monstrou um amplo uso das crenças religiosas como for
cimento e cura de maneira desvinculada da espiritualidade ma de lidar com o estresse causado pela doença, reter o
e religiosidade (Vasconcelos, 2006). No entanto, estudos senso de controle, manter a esperança e o senso dc signifi
antropológicos atuais têm mostrado que a visão religiosa cado e propósito da vida.
desses processos continua presente em todos os extratos A espiritualidade, independentemente da denomina
sociais, como parte integrante da compreensão do proces ção religiosa, está também associada com a promoção e
so saúde-doença e no enfrentamento das crises pessoais e manutenção da saúde, além de prover aos pacientes espe
familiares que acompanham as doenças graves. Também rança, significado para a doença e um sentido para a vida
para muitos profissionais de saúde, a vivência religiosa de (Larson, Larson e Koenig, 2001b; Okon, 2005).
sempenha papel estruturante para o sentido e significado de Na cultura ocidental, a vivência da espiritualidade
suas práticas clínicas, além de orientar suas condutas éticas, costuma acontecer pela religiosidade, que é a conexão
embora seja desprezada nos debates médicos e nos centros com um ser supremo pela religião. Esse caminho para
de formação e pesquisa (Ibanez e Marsiglia, 2000). a religiosidade tem sofrido crescente diversificação em
O paradigma newtoniano-cartesiano adotado pela me razão das muitas tradições religiosas. A espiritualidade
dicina científica vê o scr humano, suas doenças e estraté oriental enfatiza a conexão profunda com a totalidade do
gias de cura pelo modelo biomédico. O papel reservado aos universo, buscando a não-dualidade entre o ser e o todo
profissionais de saúde é intervir, física ou quimicamente, (Boff, 2001).
para consertar o funcionamento inadequado do mecanismo A vivência da espiritualidade pode trazer significado
biológico, tendo como foco central doenças como entida e sentido à vida. Significado de vida, conceito explorado
des patológicas. Esse modelo trouxe avanços consideráveis por Viktor Frankl (1997), representa o processo de encon
ao alívio do sofrimento, ao aumento do bem-estar e ao pro trar pleno sentido de significância e propósito em quais
longamento da vida. Entretanto, desvalorizou as percep quer circunstâncias; esse sentido poderia se expressar por
ções oriundas dos sentimentos, da intuição, da inspiração meio de pensamento criativo, experiências e atitudes dc
?oética e da vivência religiosa (Vasconcelos, 2006). valor. Ele afirmou que o “homem não é destruído pelo
Na segunda metade do século XX, o modelo newto sofrimento; ele é destruído pelo sofrimento sem sentido”.
niano-cartesiano começou a entrar em crise, devido à insa Segundo Frankl (1985, p. 25),
tisfação social provocada pela progressiva percepção dos
limites do caráter especializado e fragmentado da prática De forma alguma podemos falar do homem in
médica, por seu alto custo e sua insuficiência no enfrenta- tegral em termos de uma unidade psicossomática. O
mento de doenças crônico-degenerativas. Nesse ínterim, corpo e o soma podem formar uma unidade - uma
dentro da própria medicina, ampliou-se o estudo sobre as unidade psicofísica, mas esta unidade ainda não re
dimensões sociais e psicológicas envolvidas no processo presenta o todo do homem. Sem o espiritual como
de adoeci mento, de cura e prevenção. Mesmo com essa base essencial, esta unidade não pode existir. Enquan
transformação cultural, a incorporação dos aspectos re to falarmos apenas de corpo e psique, a integridade
ligiosos e espirituais continua estigmatizada nos debates ainda não está dada.
acadêmicos (Vasconcelos, 2006).
Não obstante, nos últimos quinze anos, o crescen Para Gimenes (2002), espiritualidade é a busca indivi
te número de pesquisas e publicações que relacionam dual pelo sagrado ou divino, por meio das experiências de
religião, espiritualidade c saúde tem demonstrado o in vida, pertencente a indivíduos ligados ou não à instituição
teresse de parte da comunidade científica em entender religiosa. Espiritualidade implica a procura por respostas
como esses fatores podem influenciar, de forma posi satisfatórias para questões essenciais do homem, como o
tiva ou negativa, a saúde da população (Larson et al., sentido da vida, da doença, da morte ou do sofrimento, e
2001a; Struve, 2002). O bem-estar espiritual é uma das a possibilidade de encontrá-las. Trata-se de um processo
dimensões de avaliação do estado de saúde, junto com de extrema importância em momentos difíceis, que pro
as dimensões corporais, psíquicas e sociais (Sousa et porciona uma visão própria da vida e do inundo. Pode
a/., 2001). E a ciência parece ter entendido que, se não favorecer o amadurecimento pessoal, trazer significado,
fosse considerado o estudo da dimensão espiritual, não integridade e melhor enfrentamento da situação vivida.
Astrow et ai (2001) afirmam que muitas pessoas ex centrado na emoção busca adequar a resposta emociona,
pressam sua espiritualidade na prática religiosa. Outras ao evento estressante, já que não é possível controlá-lc
a expressam exclusivamente na sua relação com a natu (Pimenta et ai, 2004).
U M M U 1
reza, música, arte, estabelecendo crenças filosóficas, ou Alguns estudos mostraram a importância da religião
no relacionamento com amigos e família. Essas formas espiritualidade e, mais especificamente, da prece no com
alternativas de espiritualidade podem requerer intenso portamento de enfrentamento adotado pelos pacientei
comprometimento. Religião, por sua vez, é um conjunto com câncer, destacando que muitos desses pacientes tor
de crenças, práticas e linguagem característico de deter nam-se mais religiosos depois de um diagnóstico de neo
minada comunidade que busca o significado da transcen plasia maligna (Dann e Mertens, 2004).
dência de modo particular, geralmente baseada na crença Autores como Bowie et ai (2001), Manning-Walsfe
em uma divindade. (2005) e Choumanova et ai (2006), objetivando estudar
Estudos correlacionam espiritualidade e crescimento de que forma mulheres com câncer de mama usavam a
pessoal, principalmente em situações de crise. A espiritua espiritualidade e a religião no enfrentamento da doença,
lidade está relacionada com atitude, ação interna, amplia observaram que quase todas as pacientes endossaram a
ção da consciência, contato do indivíduo com sentimentos crença de que a fé espiritual pode ajudar na recuperação.
e pensamentos superiores e, ainda, com o fortalecimento e Essas mulheres viam a espiritualidade e a religião como cr»
amadurecimento que esse contato pode trazer para a per primeiros recursos a serem utilizados, e manifestavam *
sonalidade. Isso pode acontecer, por exemplo, por meio espiritualidade pela prece, dependendo de Deus para in
da meditação (Elias, 2003). terceder e guiar seus pensamentos sobre a doença ou bus
Assim sendo, é possível falar em espiritualidade sem cando suporte social de pessoas de sua comunidade reli
envolver princípios religiosos, respeitando a crença de giosa. As doentes reportaram, ainda, que o câncer induziu
cada um. Algumas pessoas, sem crença religiosa anterior, uma ênfase crescente na religião e na espiritualidade em
recorrem às religiões em busca de conforto e apoio, prin sua vida, pelo aprofundamento da fé em Deus.
cipalmente em casos de quadros crônicos ou terminais. Dados recentes mostram que um terço dos adultos
Outras apenas se mantêm positivas e se enchem de espe americanos usam a espiritualidade e a prece quando estãc
rança na luta contra a doença, ainda que não busquem as preocupados com diagnósticos indefinidos, agravamemt
dos sintomas e tratamento de depressões e dores em ge
religiões (Macieira, 2004).
ral (McCaffrey et ai, 2004). Segundo Siegel et ai (2001 .
esse é o motivo pelo qual as pesquisas referentes à asso
Uso da espiritualidade/ ciação entre variáveis religiosas e ajustamento psicológict
são feitas, mais freqüentemente, com pacientes com cân
religiosidade no enfrentamento cer e idosos hospitalizados ou cronicamente doentes. O
O termo enfrentamento, usado com o mesmo sentido uso da espiritualidade, tanto no contexto de saúde quant<
da palavra inglesa coping, significa a estratégia ou o esforço no de doença, pode trazer a facilitação do acesso a rede»
cognitivo e comportamental que o indivíduo emprega para de suporte e de integração social.
administrar as exigências impostas por um agente estressor A espiritualidade, como um eixo central da vida dc
(Lipp, 2003). Segundo Cohen e Lazarus (apnd Gimenes, paciente, atende às suas necessidades oferecendo crenças,
2001), de modo geral, são cinco as principais funções do histórias e práticas que facilitam a criação de um mundo
enfrentamento. A primeira consiste em reduzir as condições pessoal significativo, uma “realidade'1 construída em face
ambientais que causam dano, para aumentar as possibili da doença, incapacitação ou morte (Daaleman, 2004).
dades de recuperação; a segunda função refere-se a tole Após a comparação com outros métodos não religio
rar eventos ou realidades negativas ou adaptar-se a eles; a sos de enfrentamenro (distração, aceitação do problema,
terceira diz respeito a manter uma auto-imagem positiva manutenção de estado de ocupação, meditação etc.) usa
diante da adversidade; a quarta função consiste em manter dos por adultos hospitalizados, notou-se uma correlaçãc
o equilíbrio emocional, enquanto a quinta concerne à ma significante e inversamente proporcional entre religiosida
nutenção de relacionamentos satisfatórios com os outros. de e espiritualidade no enfrentamento e sintomas de de
Dessa forma, a pessoa tenta resolver o problema e pressão (Koenig et d/., 1998; Koenig et ai, 2004).
regular o estresse emocional dele advindo. A consequência De fato, muitos estudos têm documentado uma as
pode ser ou não o controle da situação ou a diminuição da sociação positiva entre envolvimento religioso e espiri
resposta emocional. Tecnicamente, o enfrentamento pode tualidade e um melhor enfrentamento e maior adaptação a
ser dividido cm: centrado no problema ou centrado na doenças sérias, propiciando menos sintomas de depressão,
emoção, embora ambos se influenciem mutuamente e as favorecendo a adesão ao tratamento, aumentando a qua
pessoas utilizem as duas formas. O enfrentamento centra lidade de vida e resultando em comportamento saudáveL
do no problema visa atuar sobre o fator de estresse. O sentimento de eficiência e redução do estresse (Koenig er
-í/., 1998; Harrison et ai, 2001; Culliford, 2002). Outras cia espiritual e a resposta de relaxamento obtida com a
formas dc enfrentamento positivo incluem pensamentos prece ou com a meditação podem trazer benefícios ao pa
:gados à benevolência dc Deus, busca de conexão e cola- ciente que atuem em seu sistema imunológico.
?oração com entidades espirituais, suporte emocional de Para O. Cari Simonton et al. (1987), aspectos espiri
-iérigos e membros da comunidade religiosa e experiên tuais utilizados na busca da cura precisam ser examinados,
cia de crescimento psicológico por meio dos problemas pois potencializam os recursos internos do paciente, tor
'tressantes de saúde. Os resultados enfatizam que essa nando-o mais receptivo e aderente aos tratamentos. Para
relação - relacionamento com Deus, com outros e consi esse autor, espírito é o princípio virai, o lado sensitivo e
go mesmo - tem consequências importantes sobre a saúde motivador da vida.
mental, especialmente com respeito ao enfrentamento dc No entanto, a religião pode apresentar, em alguns ca
-ificuldadcs como aquelas que acompanham doenças sé- sos, um potencial deletério, ampliando o sentimento de
nas e incapacidade crônica. culpa e fracasso (Larson et al., 2001a) ou gerando com
Crenças religiosas e práticas espirituais podem redu portamentos obsessivos de busca de cura unicamente pela
zir o senso de perda de controle e de isolamento e prover fé, o que retarda ou impossibilita um tratamento médi
melhor estruturação cognitiva, reduzindo o sofrimento co efetivo, além de aumentar a dor psíquica (Macieira,
r aumentando o propósito e significado da vida (Breitbart e 2001). Embora a tendência da relação religião-saúde seja
Heller, 2003). Conseqüentementc, a fc e a espiritualidade predominantemente positiva, a diversidade de correla
rodem auxiliar na capacidade de relaxamento que per- ções entre práticas e inúmeras crenças religiosas requer
nite ao corpo curar a si mesmo, processo prejudicado na que intervenções clínicas sugeridas incluam advertências
rresença de alta ansiedade, auto-estima diminuída e de- cautelosas. O julgamento de um Deus benevolente foi as
rressão (Koenig, 1999). Para Ricchclmann (2001), tratar sociado com baixo índice de depressão, mas quando visto
- depressão é cuidar da pessoa em sua totalidade, já que como uma entidade punitiva contribui para o seu aumento
ninguém consegue ficar deprimido apenas mentalmente (Milstein, 2004).
'ím se deprimir de forma orgânica e vice-versa. Segundo Certos tipos de sintomas depressivos, como perda
rsse autor, é fundamental não esquecer que depressão sig de interesse, sentimento de insignificância ou indigni
nifica imunodepressão. dade, retraimento da interação social, perda de esperança
A importância da espiritualidade no enfrentamento e energia, perda de peso, insônia e decréscimo de con
joping) de doença terminal tem sido constantemente de centração, podem surgir como consequência de enfrenta
monstrada. O bem-estar espiritual oferece proteção contra mento espiritual inadequado. Religião e espiritualidade,
: desespero no fim da vida, trazendo paz e significado para principalmente se ligadas a sentimentos de abandono e
iqueles na iminência da morte. Esse achado tem relevante culpa, podem ser usadas para justificar raiva, ódio, agres
Tiplicação nos cuidados paliativos (McClain et al., 2003; sões, discriminação e julgamento de outros, restringindo e
r.aa 'hochinov e Cann, 2005). No entanto, investigações so confinando socialmente.
K ---» rre intervenções espirituais em pacientes com câncer são Crenças religiosas que promovem generosidade, per
.resproporcionalmente poucas se comparadas com a im- dão, entendimento e compaixão freqüentemente estão
portância dada pelos pacientes à religião e aos fatores es- relacionadas à saúde física e mental. Aquelas que, entre
rirituais como estratégias de enfrentamento (Nairn et al., tanto, separam famílias, encorajam devoção inquestioná
-.003). Para Kinney et al. (2003), o componente espiritual vel, obediência cega a líderes religiosos ou promovem a
do constructo corpo, mente e espírito, assim como a com- religião como única prática de cura, excluindo os cuidados
:inação dos três, tem recebido menos atenção de pesquisas médicos tradicionais, afetam adversamente a saúde. Parga-
do que os componentes corpo e menre individualmente. ment (1997) ressalta que o enfrentamento espiritual pode
As crenças religiosas e a fé podem exercer um papel trazer problemas como o uso exclusivo das explicações re
rositivo significativo como estratégia de enfrentamento ligiosas em detrimento de outras e o abandono dos meios
das situações causadas pelo diagnóstico e tratamento do clínico-científicos de tratamento.
câncer, conforme relato de sobreviventes. Podem, tam- O enfrentamento negativo pode resultar em piora na
rém, trazer senso de disciplina e esperança, possibilitando qualidade de vida e insensibilidade com outros. Isso pode
melhor submissão e adesão ao controle médico. acontecer quando o paciente entende a doença como pu
O próprio tratamento de câncer é, inegavelmente, es- nição de Deus, sente-se excessivamente culpado ou, ainda,
'-'essante e exacerba senrimenros negativos. Implica perdas quando tem absoluta crença na associação entre prece e
múltiplas: da saúde, da autonomia, da ilusão de invulne cura e esta não ocorre. Na maioria das vezes, a espiritua
rabilidade, do papel social e as decorrentes de mutilações lidade conduz a um enfrentamento positivo, em que o
Carvalho, 1994). Além de recursos psicológicos - como paciente sente-se como parceiro de Deus, perdoando-se e
iuto-aceitação, conforto emocional, sensação de pertinên- aos outros e achando suporte em sua comunidade religio
:ia -, sentimentos e pensamentos despertados pela vivên sa (Puchalski, 2001).
420 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
Qualquer doença traz ameaça psicológica, mais Sendo assim, todos os eventos que acontecem ao s_ -
ainda se for uma doença associada a tantos mitos, pre humano podem constituir-se em fenômenos psicossomá
conceitos e inverdades, como o câncer. De acordo com ticos, isto é, encontram correspondência em sua psique
Holland e Rowland (19X9), são essenciais os esclareci (cognição, emoção e intuição) e cm seu corpo (soma
mentos acerca do câncer e seu tratamento e a aplica Pierrc Marty (1993) afirma que o homem é psicossom
ção de todos os recursos disponíveis para enfrentá-lo, tico por natureza, portanto toda doença o atinge em vr .
incluindo aí o amparo dos aspectos espirituais. A reli corpo, sua mente e suas emoções.
giosidade e a espiritualidade podem auxiliar na formu A fé, como experiência subjetiva, carregada de em -
lação de orientações cognitivas e avaliações de situações ções, pode provocar alterações na ligação entre a psique t
vitais. Portanto, apresentam potencial para exercer uma o sistema nervoso central, imunológico e endócrino. Pt .
função mental de busca de sentidos para viver, tendo, vivência espiritual, emoções corno ansiedade ou esperan..
conseqüentemente, uma capacidade preventiva quanto podem influenciar os resultados clínicos.
aos transtornos mentais. A chave para o enfrentamento emocional de docr.^u
sérias e incapacitantes é frequentemente encontrada na
matriz espiritual do paciente, sendo responsável pela dc-
Espiritualidade/religiosidade e nição de como ele manejará o estresse advindo da doe- ..
psiconeuroimunologia (Post et al2000). Estudos planejados pela Universidade
de Stanford e pelo Johns Hopkins Centcr examinaram *
As inter-relações do corpo com os aspectos psicosso
correlação entre prática religiosa e funcionamento endò-
ciais e espirituais do ser humano foram abordadas e estu
crino e imunológico do câncer de mama. As pacientes re
dadas consistentemente, durante o século XX, por diver
lataram a importância da expressão religiosa e espiritai
sos médicos, psicólogos, enfermeiros e outros estudiosos
em sua vida. Na conclusão desses trabalhos, a expres*á
da área da saúde. Entre os pesquisadores encontram-se:
da religiosidade e espiritualidade apresentou relação c -
Freud (1975), Simonton et al. (1987), Mayol (1992), Car
a melhora da contagem de células imunológicas (Schaai «r
valho (1994), Melo Filho (1979), Figueiró (1999), Kovács al1998; Becker, 2000).
(1999), Koenig et al. (2004), Breitbart et al. (2004), Perdi- Há evidências quantitativas de forte associação e**-
caris (2006) e muitos outros. tre o envolvimento religioso e a melhoria de situações
Crenças religiosas e conceitos de espiritualidade doença, a prevenção de complicações e o bem-estar, tenu
constituem uma parcela importante da história de vida das esse envolvimento sido correlacionado com o reforço cí
pessoas. Com o avanço da psiconeuroimunologia, a comu comportamentos saudáveis, o alívio do estresse, a insp -
nidade científica e acadêmica em geral começa a perceber ração de emoções positivas, a estimulação dos sistema
que os valores e significados dessas crenças podem atuar endócrino e imunológico e o incentivo ao desenvolvimen
sobre o estresse causado tanto pelo diagnóstico quanto to de crenças e estilos de personalidades adequados ao|
pelo tratamento de diversas doenças. Para Benson e Stark enfrentamento de situações de crise. A prática religiosa
(1998), o corpo humano está direcionado a Deus, e crer espiritual pode favorecer, ainda, o fortalecimento de rcce*.
firmemente em uma força superior produz efeitos benéfi sociais de apoio mútuo.
cos sobre a saúde física. Segundo esses autores, a fé ativa Considerando-se que o estado emocional é um im-J
caminhos neurológicos de cura. portante regulador da vivência dolorosa, a assoeiaçáoi
Na mesma linha, pesquisas na área de saúde realiza depressão-dor pode agravar os sofrimentos físicos, men
das por Newberg e Lee (2005) têm enfatizado a busca da tais e espirituais, comprometer a adesão ao tratamen*
relação entre espiritualidade e neurociências. Nesses es e a resposta aos analgésicos, acarretar isolamento sócia.
tudos, os achados neurocientíficos têm, consistentemente, desesperança e privação de cuidados (Sasdelli e Miranda.
demonstrado a associação de modificações neuroclctricas 2001). Ainda em relação à dor, pesquisa realizada na Esc -
e neuroquímicas com a espiritualidade. la de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Pimenta
O organismo humano, assim como qualquer ourro et al., 2004) refere que a maioria (71,5%) dos doentes re
sistema vivo, possui um padrão de organização em redes lata a existência de práticas espirituais relevantes, e 21,3%
interconectadas, que se auto-atualizam constantemente dizem que elas os ajudam no controle da dor. Dos 89
em uma relação sistêmica. Para Freud e Jung, o funciona doentes avaliados, dezenove (21,3%) afirmam que práti
mento do aparelho psíquico depende das instâncias cons cas espirituais os auxiliam no controle da dor, número es^r
cientes e inconscientes que o compõem e da relação de bastante significativo. Rezar e pensar em Deus, entre ou
troca destas com o meio ambiente. Esse aparelho capta tras práticas, pode confortar as pessoas de vários mod<»v
mensagens vindas tanto do exterior quanto do interior provendo amparo espiritual ou estratégias para diminuira
do próprio corpo e responde a elas física c psiquicamente atenção à dor. Na opinião das pesquisadoras, essa é uma
(D’Andrea, 2003). área rica que deve ser mais bem estudada.
ESPIRITUALIDADE NO ENFRENTAMENTO DO CÂNCER 421
9 iCT Estudo realizado cm mulheres com câncer de mania, dade. Há ainda, entre os que se declaram católicos, aqueles
correlacionando religiosidade com sintomas de depressão envolvidos com outros movimentos. A pesquisa Gallup de
e dor, concluiu que a alta religiosidade estava significante- 1990 encontrou os seguintes números: 76,2% católicos;
mente relacionada com a baixa prevalência de depressão, 14,6% seguidores de outras religiões; 9,2% sem religião.
mas não com a percepção da intensidade de dor. Alto nível Para Antoniazzi, a declaração “sem religião” mais parece
de religiosidade esteve mais presente em mulheres mais indicar uma “desinstitucionalização” da religião e a emer
idosas, com menor nível educacional, desempregadas e gência da chamada “religião invisível”, na qual os indivídu
com maior número de filhos. O tipo de cirurgia e o está os não aderem mais a uma religião institucionalizada.
gio do tumor não se associaram com as categorias de de A espiritualidade e a religiosidade continuam sendo
pressão ou religiosidade, mas mulheres mastectomizadas parcelas importantes da vida dos brasileiros. Ainda que
pertencentes ao grupo de alta religiosidade tiveram menos não se declarem como membros de determinada religião,
depressão (Aukst-Margeti et ai, 2005). as pessoas vivenciam sua espiritualidade/religiosidade
como uma sensação de pertinência ou um sentimento
pessoal, íntimo, não acompanhado pela participação em
Espiritualidade no enfrentamento comunidades ou instituições religiosas.
do câncer de mama em mulheres O fato de nenhuma das mulheres participantes do
estudo ter se declarado pertencente ao grupo dos sem-
Objetivando avaliar a espiritualidade no enfrenta
religião institucionalizada, embora possam ser espiritua
mento do câncer de mama em mulheres, foi realizada re
lizadas, ou ao grupo dos ateus, pode ser devido ao redu
centemente uma pesquisa (Macieira, 2007) utilizando um
zido tamanho do grupo. No entanto, é possível supor,
instrumento adaptado à população brasileira, dadas a sua
ainda, que tal fato esteja relacionado à situação específica
diversidade cultural e as suas especificidades religiosas.
do enfrentamento de uma doença carregada de estigmas,
Como boa parte da literatura e inúmeros estudos afirmam
potencialmente fatal, que gera medos e preocupações
que o diagnóstico e o tratamento do câncer correspondem
quanto à vida, à morte e à pós-morre. Estudos posterio
a situações de estresse, foi aplicada a escala de coping re
res, com amostras que abrangessem o colorido sociocul-
ligioso-espiritual abreviada (escala CRE). Adaptada da es
tural da realidade brasileira, fizessem o pareamento com
tÜínÜII mmilíUiltJil
Como todas as mulheres declararam pertencer a al mento positivo diante de Deus”. Esse fator revela a busca
guma religião, tais resultados são bastante relevantes. In de Deus como fonte de apoio e força, ou ainda em ações in
dicam que a ampla maioria das participantes utiliza a espi- dividuais independentes da Sua ajuda. O fato de as mulhe
ritualidade/religiosidade de maneira adequada. res dessa amostra, que anteriormente ao câncer de mama _
A razão entre a utilização dos fatores negativos c po se identificavam com determinada religião, continuarem _
sitivos da espiritualidade é o índice obtido pela divisão buscar amparo em Deus é bastante significativo.
simples entre os valores médios de CRE negativo (Cren) e O menor valor médio encontrado foi o do fator P~
os de CRE positivo (Crep). O valor da razão pode situar - “Busca pessoal de conhecimento espiritual”. Esse fat r
-se entre 0,2 e 5. Quanto mais baixo esse valor, maior o representa a busca por maior conhecimento religioso-
uso do Crep em relação ao Cren. Estudos sobre a asso espiritual, com o intuito de se fortalecer, entender a situa
ciação entre qualidade de vida e espiritualidade/religiosi ção enfrentada ou lidar com ela. Significa a possibilidade
dade mostram que valores menores ou iguais a 0,5 estão de um acréscimo intelectual, que pode ocorrer por meio da
relacionados a indivíduos com melhor qualidade de vida leitura de revistas ou livros com ensinamentos espiritua.*
(Panzini e Bandeira, 2004). ou religiosos, cursos e, mais recentemente, pela mídia tele
No estudo, a proporção entre o uso do CRE negativo visiva. Uma possível interpretação do resultado obtido er-
e do CRE positivo (razão Cren/Crep) foi menor ou igual relação a esse índice refere-se ao reduzido hábito de leitura
a 0,5 para 66,7% das mulheres estudadas. Isso significa que ainda caracteriza o povo brasileiro.
que dois terços das mulheres com câncer de mama, cola Com relação aos valores médios dos fatores nega: -
boradoras naquele trabalho, encontravam-se na faixa que vos que tiveram menor e maior expressão, o fator Nl -
corresponde à qualidade de vida satisfatória, apesar do “Reavaliação negativa de Deus” - obteve o menor valor,
câncer de mama. o que configura poucos pensamentos ou sentimentos dt
Os cinco principais índices da escala CRE também po revolta ou mágoa contra Deus, questionando seu amor.
dem ser utilizados para qualificar os valores médios obtidos proteção ou até sua existência. Mesmo encontrando-se
pelo conjunto da amostra. O valor médio para o CRE posi faixa de baixa utilização, o fator N2 - “Posicionamento
tivo corresponde à utilização positiva dos aspectos ligados negativo diante de Deus” - teve o maior valor médio en-
à espiritualidade. Nesse estudo, o Crep foi igual a 3,56, tre os fatores negativos. Representa o comportamento no
indicando alto uso positivo desses fatores. Para o CRE ne qual a pessoa pede ou simplesmente espera que Deus tome
gativo, ou seja, a utilização negativa dos fatores ligados à o controle da situação c sc responsabilize por resolvê-la.
espiritualidade, o valor médio encontrado foi de 1,67, su sem a sua participação individual. Pode expressar-se pela
gerindo baixo uso negativo desses aspectos. Diante desses delegação religiosa passiva perante uma situação diante da
resultados, é possível concluir que a relação com os aspec qual a pessoa sente-se impotente, incapaz de resolvê-la. De
tos positivos da espiritualidade/religiosidade encontra-se acordo com a experiência clínica, um índice elevado nesse
preservada na população estudada. A não-preservação das fator, no caso da pessoa com câncer, exigiria melhor estude
crenças que sempre nortearam a vida dessas mulheres e/ou para diagnóstico diferencial. Poderia tratar-se de entrega
O alto uso da dimensão negativa acarretariam acréscimo de passiva, desistência ou mesmo depressão.
estresse e poderiam comprometer o tratamento. A mudança de padrão de comportamento diante dr
O CRE total praticado por essa amostra foi igual a Deus ou das crenças religiosas como conseqüência do fa
3,74. Ou seja, as mulheres estudadas apresentaram alto uso tor estressante configuraria o que no DSM-1V é conhecido
total da espiritualidade/religiosidadc no enfrentamento da como problema espiritual ou da religião. As alterações se
situação de tratamento do câncer de mama, denotando a im caracterizariam pelo coping negativo e poderiam se mani
portância dessa dimensão na vida das pacientes analisadas. festar por insatisfação espiritual, insegurança, pensamento?
Dados obtidos por Holland e Rowland (1989) indi referentes a um Deus punitivo, descontentamento com as
cam que o estresse e, consequentemente, a qualidade de relações intrapessoal e interpessoais ou dúvidas religiosas.
vida variam de acordo com a fase de tratamento do câncer.
As fases de maior estresse são: o período seguinte ao diag
nóstico; momentos que antecedem à cirurgia, ao início da A dimensão espiritual no encontro
quimioterapia ou radioterapia e à possibilidade de alta. terapêutico
O estudo descrito abrangeu mulheres que se encontra
Deus habita onde O deixam entra'.
vam na fase pós-cirúrgica, mas ainda em tratamento. Possi
Ensinamento hassídicc
velmente o resultado seria diferente caso a pesquisa coinci
disse com o período imediatamente após o diagnóstico do Normalmente, pensamos muito mais nas dimensões
câncer, devido ao impacto causado por essa notícia. intrapessoal e interpessoal do encontro humano, mas po
Entre as médias alcançadas pelos fatores de Crep, demos refletir a respeito de outra dimensão, que funda
aquele que apresentou maior valor foi o P4 - “Posiciona menta as outras duas e se manifesta por meio delas.
ESPIRITUALIDADE NO ENFRENTAMENTO DO CÂNCER 423
Trata-se da impressão causada pela constatação de Somos seres sociais, mas também seres espirituais
que não somos seres isolados. Somos parte de uma totali com um télos ou um misterioso propósito individual.
dade maior da existência e estamos em conexão uns com Mais uma vez, Jung (apud Holllis, 1995, p.136) de
os outros. clara que
Quando estamos isolados em termos da relação com
os outros e do sentido da vida e de uma realidade mais A individuação arranca a pessoa do conformismo
ampla, experimentamos a sensação de vazio e angústia. pessoal e conseqüentemente da coletividade. Esta é a
Tentamos preencher esse vazio de maneira linear e culpa que a pessoa que passa pelo processo de indivi
mecânica, materialista e parcial, e, assim, alastramos mui duação deixa atrás de si para o mundo, essa é a culpa
to mais as bordas das nossas feridas. que ela precisa se esforçar para redimir. Ela precisa
oferecer um resgate em seu lugar, ou seja, precisa tra
O espírito humano nunca pode ser apreendido zer à tona valores que sejam um substituto equivalente
em termos racionalistas; muito menos pode ser ade para a sua ausência na esfera pessoal coletiva.
quadamente tratado dessa forma. Tentar fazc-lo c um
desserviço grave para com a nossa existência e apenas A riqueza da jornada da alma não pode ser descoberta
contribui para o sentido de alienação e isolamento que sem nossos recursos espirituais, como armas especiais para
já forma o substrato da vida contemporânea. A vida que o pequeno herói caminhe corajosamente no seu trajeto.
privada do espiritual é uma vida amortecida. Nós nos
tornamos tão enamorados de nossas atividades racio
nais e científicas que nos esquecemos do “milagre” Espiritualidade e religiosidade
mais primordial de todos: nós existimos. O fato de que nas relações com profissionais
nós somos ofusca, de longe, qualquer coisa que, como
de saúde
humanos, possamos fazer. (Hycner, 1995, p. 85)
Um simples questionamento sobre a religiosidade e es
Nosso viver é completamente atrelado à dimensão es piritualidade do paciente, feiro pelo médico, aumenta seu
piritual, que possui infinitas formas de manifestação: pela entendimento de como ele enfrenta ou aceita sua doença,
expressão religiosa; pela produção artística e criativa que especialmcnte em momentos de dor e sofrimento. Pode
toca a dimensão arquetípica do mundo; pelos relaciona conduzir, também, a novas formas de enfrentamento, a no
mentos profundos e qualitativos que estabelecemos com vas vias de acesso ao suporte social e ao aconselhamento
nossos pares; pela nossa disponibilidade para suportar e pastoral, ou ainda a novas fontes de coragem e esperança.
amparar a imensa gama de dores da humanidade; pela Silvestri et al. (2003) concluíram que, embora exis
atenção que dedicamos à natureza interna e externa, cui ta uma diferença marcada no modo como pacientes, seus
dando do universo para que possamos viver em paz e com cuidadores e médicos vêem a influência da fé na tomada de
maior qualidade e ter uma vida comunitária harmoniosa. decisão médica, o conhecimento, pelo médico, das crenças
“O homem não pode aproximar-se do divino indo pessoais do paciente e o respeito a elas levarão, freqüen-
além do humano; ele pode aproximar-se Dele, tornando- temente, a uma alta satisfação com o processo de tomada
se humano. Tornar-se humano - é para isso que cada ho de decisão por parte de todos os envolvidos. Além disso,
mem foi criado” (Buber, citado em Hycner, 1995, p. 90). os estudos de MacLean et al. (2003) e os de Breitbart et
Jung privilegiou o processo dc individuação valori al. (2004) mostraram que os pacientes desejariam maior
zando a tarefa de tornarmo-nos quem somos destinados a envolvimento do médico em seus interesses religiosos ou
nos tornar, o mais completamente possível. espirituais após o aumento da severidade de sua doença.
A necessidade de encontrarmos nosso caminho é in E, quando os pacientes sentem que suas necessidades espi
fimamente verdadeira. Enfrentaremos obstáculos, porém rituais são negligenciadas no meio clínico padrão, muitos
existirão guias para as energias da alma. deixam de fazer um tratamento médico efetivo.
Jung (apud Hollis, 1995, p. 135) declara que o hu Conflitos entre a posição dos cuidadores profissionais
mano e as crenças espirituais dos pacientes costumam acontecer
quando as doutrinas religiosas e as recomendações médi
(...J possui uma existência inconsciente a prio- cas são inconciliáveis, em alguns casos envolvendo exten
ri, mas existe conscientemente apenas na medida em sas polêmicas sociais, e, certamenue, quando os pacientes
que uma consciência da sua natureza peculiar esteja escolhem a fé em detrimento do tratamento médico. Nes
presente [...]. E necessário um processo consciente de sa hipótese, os médicos tentam persuadir os pacientes a
diferenciação, ou individuação, para trazer a indivi seguir as recomendações médicas (Curlin et al., 2005).
dualidade à consciência, ou seja, para elevá-la acima Os estudos sobre o tema têm implicações para a
do estado de identificação do objeto. prática de profissionais da saúde, em especial para psi-
424 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
cólogos. Nesse sentido, Faria e Seidl (2005) sugerem ser o foco de atendimento e tratamento psiquiátrico, e
que se propicie aos pacientes a escuta de conflitos psi de que muitos desses problemas não são atribuíveis a um
cológicos de origem religiosa, assim como se faz com transtorno mental. Os problemas religiosos são: questõe>
os demais aspectos da vida, de forma a possibilitar aco associadas à conversão a uma nova religião, intensifica
lhimento e, quando necessário, a sua ressignificação. A ção da aderência a crenças e práticas religiosas, perda
religiosidade é parte relevante da vida de muitas pessoas ou questionamento da fé, discussão de outros valore'
e não pode ser negligenciada no contexto do atendimen espirituais que não são necessariamente relacionados i
to psicológico. As mesmas autoras afirmam que aspectos uma igreja organizada ou instituição, experiências mís r^-oa
éticos e pessoais podem estar envolvidos na dificuldade ticas, experiências de quase morte (NDE), emergência CTItCJ
dos psicólogos em abordar a religiosidade em seus aten espiritual e meditação, entre ourros (Lukoff, 2003). Essa I
dimentos ou no contexto psicoterapêutico. Portanto, questão gerou, inclusive, o surgimento, nos Estados Uni
configura-se a necessidade de inclusão desses temas nos dos, de formação universitária em religião e problemas
estudos e debates desses profissionais, em seu processo relacionados.
de formação e qualificação. As autoras também ressal Ao conhecer as tradições religiosas c entender o pa
tam o imperativo da realização de mais pesquisas que pel da fé e da espiritualidade no tratamento do câncer,
investiguem a interface entre religiosidade/espiritualida os profissionais de saúde sentem-se mais confortáveis par.
de e saúde na população brasileira, cujas características estabelecer diálogos com pacientes e familiares sobre suas
culturais englobam aspectos religiosos muito particula preocupações e medos (Ramondetta e Sills, 2003; Chochi
res, o que pode levar a resultados diferenciados dos en nov e Cann, 2005). Isso é ter atitude terapêutica, que, do
contrados em outras culturas. ponto de vista da psicossomática, não deve ser confundida
O profissional da saúde, ciente da fundamental uni com o exercício da psicoterapia. A atitude terapêutica faz
dade do ser humano e do papel integrador da narrativa parte do âmbito da consulta médica. Constitui-se em um
construída na psicologia cotidiana, promoverá, proveito conjunto de procedimentos que têm em comum o efeito r ct
samente, a interação dos recursos médicos com os recur terapêutico sobre o equilíbrio psicossomático do pacientr
sos espirituais. (Riechelmann, 2001). Je
Pacientes procuram o oncologista primeiramente por
seu saber médico. Vias os médicos precisam ter, também,
recursos disponíveis para responder a difíceis dilemas hu Reflexões que nascem
manos de maneira empática (Astrow et ai, 2005). Assim da experiência vivida: a
sendo, a formação médica precisará ser revista. Para Per-
dicaris (2006, p. 122),
espiritualidade na doença1
Em minhas experiências, nos anos de mocidade,
[...] uma nova base humanística assume impor como enfermeira das áreas de Obstetrícia e Neuropedia-
tância ímpar, na qual as chamadas ciências compor- tria, presenciei, inúmeras vezes, o que em antropologia se
tamentais estabelecem um elo integrador entre o chamam o rito sagrado do nascer - passagem da vida es
pensar; o saber, o fazer e o sentir do estudante de me piritual para a vida física - e o rito ainda mais sagrado do
dicina, ampliando seus horizontes gnósticos, para a morrer - passagem da vida física para uma vida mais plena
construção diária do seu conhecimento para si e para convivendo, até os dias de hoje, com centenas de be
aanrr 2
os outros, como um alicerce para tomada de decisões bês, crianças e jovens portadores de múltiplas deficiências,
cada vez mais compartilhadas. que, contudo, irradiam coragem e força emersas de suas
potencialidades interiores.
Em parte como consequência desses muitos estudos, Essas experiências me proporcionaram o privilégio e
a Associação Psiquiátrica Americana passou a incluir no a surpresa de observar como e quanto o bem-estar espiri
DSM-TV uma nova categoria diagnóstica: “Problemas es tual pode influenciar nos resultados da reabilitação e na ■»- a
pirituais e religiosos (emergência espiritual)”, que foi in qualidade de vida de todas as pessoas. Principalmente em
cluída no eixo 1, no item “Outras condições que podem situação especial de abertura para a interioridade do ser.
ser um foco de atenção clínica”, com a intenção de evitar que ocorre, com intensidade, nos momentos em que no>
falha de diagnóstico e de tratamento, pesquisa e teoria ina tornamos pacientes.
dequadas e uma limitação no desenvolvimento pessoal dos E na interioridade do ser que está o centro de nossa
próprios psiquiatras ao negligenciar as questões espirituais natureza espiritual, gratificante compensação às limita
e religiosas (Almeida et ai, 2000). ções à plenitude da saúde, fruto inesperado da própria
rari i. v*
Pela primeira vez, no DSM-IV (Diagnostic and sta- limitação.
Na
tistical manual of mental disorders, 1994), há o reconhe
1 Este Tópico foi escrita com a colaboração de Nancy Puhlmann Di Girc-
3Q qat à
cimento dc que problemas religiosos e espirituais podem
lamo.
Sobre o tema - a espiritualidade cm oncologia - ocor- e a variedade religiosa do meio brasileiro diante dos direi
r-me lembrar uma facilidade e uma respeiráve) dificulda tos que reconheciam ser dos pacientes. Refiro-me a fatos
de. pois ele contém uma assertiva ligada a um desafio. ocorridos no Hospital São Paulo, da então Escola Paulista
É fácil torná-lo uma afirmativa, cada vez mais in- de Medicina, no meu tempo de estagiária e aluna de enfer
-mrestada. Porém, é muito difícil cxplaná-lo de forma magem. Éramos inrernas e nossas mestras de enfermagem
ijequada à sua relevância, dianre da pluralidade cultural eram freiras franciscanas, lideradas por madre Domineuc,
--ie caracteriza a nossa modernidade e da diversidade de uma das fundadoras, juntamente com o saudoso doutor
rropostas contidas na emergente questão da atualidade, Álvaro Guimarães, do Amparo Maternal de São Paulo.
colocando a ciência à frente da religiosidade tradicional. Eu provinha de uma família espírita e compartilhava
Redefinições e reconceituações se impõem para o en- o quarto com Edite, filha de conhecido pastor presbiteria
. muro de uma terceira posição, capaz de harmonizar o no. Todas as outras colegas eram freiras ou postulantes,
^ber experimental, trazido com a ciência, com o saber dominicanas, da Irmandade de São José, de São Camilo e
m m m M mnintii
icipação do paciente na própria saúde e nos processos de de Simonton, com seu método de visualização mental, e
lioecimento por meio de crenças, sentimentos e atitudes sobre atos religiosos nos hospitais refere-se à espirituali
unte da vida. Essa abordagem nos lembra o mestre Jesus dade, digamos, operativa: a do poder interior que envolve
r-egando o amor ao próximo, o valor do amor a si mesmo, a consciência humana quando despertada para esse poder,
sermos que indicam auto-responsabilidade sobre o próprio e do poder das religiões quando envolvidas por um autên
destino, como pessoa e como ser de nanireza gregária, em tico sentimento de fé.
me reciprocidade social. O assunto “aspectos espirituais” passa por esses ca
Fm artigos recentes publicados nos jornais de São minhos, mas os transcende, abrangendo nido que não está
riulo, mencionou-se a nova mentalidade, presente até nos enraizado ou engessado na visão materialista da vida.
meios mais resistentes, que estão relacionados com a me- Dissemos que o tema tem uma facilidade, essa das
cicina ocidental. observações anteriores, e uma dificuldade, sua dimensão
Atualmente, esse refletir da comunicação popular é transcendente, atingindo a qualidade intuitiva da mente, a
-m fio que parece muito fino e frágil. Conrudo, é o que práxis e a essência do ser, mesmo quando manifestada em
iadi
com o despertar da consciência interior, em busca da es outra causa; a doença é causa e efeito, e assim por diarr*
sência do próprio ser. Então se diz que o efeito contém a causa, tanto quar: i
Outra dificuldade é a compreensão de como isso causa contém em si o efeito. De certa forma, é como d^z-
ocorre. Haverá uma área, um espaço delimitado para o parafraseando Fcrnão Capelo Gaivota (Bach, 2005), q_; ;
espiritual, dentro da pessoa? No seu corpo físico? Na sua problema, como causa ou como efeito, é a solução. Nt e
alma? O espiritual é difuso ou concentrado? E crença ou está a reversibilidade solucionadora. Nele estão embuci - nc u
é certeza, ou está além das certezas, da razão e das pala seu significado e, portanto, sua resposta, bastando assm
vras? Então deduzimos que cada um de nós tem, na pró compreendê-lo.
pria situação em que se encontra, o modelo seguro para A viciosidade dos três Cs, quando encontra o eleme-
a sua resposta, e nela a sua cura ou a sua vitória, que nem to intrínseco em cada passo, pode quebrar o vínculo e ' -
sempre está na cura do corpo. nar-se espiral ascendente solucionadora.
Numa dimensão ligada à práxis, lembremos o IV Ousamos utilizar a causação circular cumulanvjL
Congresso Internacional de Transpessoal, ocorrido em acrescida da idéia da diversidade de possibilidades - _r
Salvador, Bahia, cujo tema central foi original e instigan- da probabilística -, envolvendo tanto causas como ef-. •*»
te: a tecnologia do sagrado. Estavam presentes Stanislaw multifacetados, para afirmar que o elemento cuja falta :s-
Groff, Pierre Weil, centenas de médicos, psiquiatras, psi cha os círculos da vida está no “aspecto espiritual”, conr-
cólogos, sociólogos, antropólogos de vários países, além do em cada unidade de ação c em cada ponto da linha
de estudantes, grupos folclóricos, xamânicos, representan vida, unificando em si todas as variedades e roda a extc~
tes de tribos conservadoras e de medicações alternativas, são do movimento.
espiritualistas e neopositivistas, enfim, uma miscelânea, Na dinâmica da vida, o conteúdo interior não ide-
permitida pelo desafio contido na junção do sagrado an tificado pode ser a “essência da espiritualidade” traduzic.
tropológico com a tecnologia dos tempos pós-modernos, na falta de ânimo para o trabalho, que geraria recurso,
A tecnologia do sagrado conseguiu unir mentes diversas que criaria pesquisas, que descobriria curas, que vencera
em uma mesma busca, identificando a presença do espi a doença. Assim como a presença dos aspectos espirinu.
ritual na práxis da vida e, ao mesmo tempo, situando-a aumentaria a força interior do paciente, que acionaria o
na consciência em seu estado considerado normal, com a poder da mente e criaria impulsos que levariam as célula
expansão para os estados alterados e “estados ampliados” doentes a ser substituídas por células sadias, trazend: ,J
de consciência, segundo a conotação de Stanislaw Groff. saúde. Em situação peculiar, a influência espiritual aumen
Estudantes de física quântica apresentaram as imen taria a fé, que destruiria o temor, levando ao renascime--
sas possibilidades das direções do movimento e a situa interior, que prepararia a mutação da vida limitada e c :
ção da partícula que se torna onda, relacionando forma e corpo cansado em vida plena, e no corpo glorioso a que
energia, abrindo um caminho inédito para novos aspectos referia Paulo de Tarso.
que, ousamos dizer, buscavam espiritualidade, embora Falamos do conteúdo interior, ainda abstrato, ix»l
com nomes variados. aspectos espirituais. E justo lembrarmos que, entre
Um respeitável líder espiritualista explicou que há avanços do nosso tempo, a nova teoria celular vem
dois elementos gerais no universo: o espiritual e o mate mostrar a admirável e surpreendente potencialidade ce._
rial, e, acima deles, unindo-os, Deus, o que nos leva a de lar do nosso corpo físico, capaz de tornar as células indirt-
duzir que o criador dos elementos coloca sua marca cria rendadas em células diferenciadas em processo, até onte-
dora tanto no material como no espiritual, de forma que insuspeitado, de auto-regeneração. Experiências com i
em ambos está a essência divina, bastando encontrá-la. terapêutica celular, ainda preliminares, causam admiraçk
Existe uma dicotomia: a tradicional oposição entre o em nossa inteligência, e nossa alma venera o criador ^
materialismo e o espiritualismo. Entretanto, o amadureci vida, que assim a dotou, para que, em momento oportuna
mento intelectual leva a pensar que dois opostos, quando pudéssemos atingir a certeza de que não há uma doen._
considerados em suas abrangências, são, na realidade, com sem que a cura esteja prevista, quer por meio de recurs
plementares, numa inequívoca tendência à religação do co externos, quer de recursos potenciais, otimizando a mu
nhecimento, renovando um monismo não reducionista mas nífica, formidável experiência de vida na Terra, em c_r
unificador, para o conhecimento e a expansão do ser. a espiritualidade está semi-oculta, para resplandecer tzr
Lembro a figura dos três Cs - causação circular outras modalidades de vida fora da Terra, previstas pc__
cumulativa utilizada em algumas análises de problemas religiões - por todas elas - e ainda a serem descober-^
sociais. Há um círculo de ação e reação, em nível mais pelas ciências.
complexo de causa e efeito, que pode se tornar repetitivo O século XXI, ano a ano, está trazendo as bases para
com pequenas variáveis, fechado sobre si mesmo, forman o paradigma do futuro, salienrando-se, entre elas, a bu>di|
do o círculo vicioso. Por exemplo, o desemprego pode ser da espiritualidade pela convergência entre ciência e rc
o efeito da pobreza (a causa), que por sua vez é efeito de gião, fé e razão. Emerge uma visão renovada sobre a taro-
€SF<«( rc/A c(OA of a a cartear* meara o a cKacex *zr
cologia, por meio de pesquisas sobre a morte, com conse- mas como oportunidade de aprendizado e crescimento in
qüências importantíssimas para a valorização da vida em terior, desde que busquemos compreendê-las. Médicos e
seu conúnuum e oferecendo comprovações às afirmativas atentos pesquisadores do comportamento humano esrão
sobre a imortalidade da alma, contidas no cerne de todas as identificando as relações entre as emoções e as doenças, e
religiões. Um repensar ético-moral desafia as consciências entre o sofrimento e a maneira com que as finalidades da
individual e coletiva a uma revisão. Surpreendentemente, vida são vistas.
constata-se que antigos aforismos reaparecem intactos no Vás têm sido as tentativas do mundo ocidental, ins
cenário da modernidade. Impressionante atualidade assu pirado no positivismo e entusiasmado com sucessivas
mem os conceitos de Hipócrates - o pai da arte de curar - descobertas no campo material, de omitir o espiritual na
e as frases do mestre nazareno, no Sermão da Montanha. realidade da vida. A área da saúde se torna cada vez mais
O centro do paradigma é a espiritualidade. Progra multidisciplinar e transdisciplinar, incluindo o paciente
mas internacionais estão reunindo elites intelectuais e lide como principal terapeuta de si mesmo e uma visão do cor
ranças religiosas para o estudo de questões pela primeira po humano numa perspectiva bio-holística. Os próprios
vez propostas em plenário diversificado, como resposta a pacientes estão proporcionando aos profissionais a com
uma necessidade nova: a revisão do conhecimento diante provação de que a influência do aspecto espiritual é um
do mundo em transformação. Está identificada a limita fator relevante para o bem-estar humano.
ção do materialismo monolítico que não mais satisfaz à Cada vez mais os meios de comunicação, as univer
maturidade atingida no pensar, no sentir e no fazer. sidades e o povo nas ruas, com palavras diversas mas sig
A inteligência humana é hoje plural, de forma a abran nificado único, vêm percebendo que as mudanças mais
ger segmentos que buscam entre si a unificação para subir intensas e velozes, nesse momento peculiar que a Terra
ao degrau mais alto no caminho da procura da verdade. atravessa, estão ocorrendo muito mais nas idéias do que nos
Como desdobramento da inteligência emocional, movimentos ameaçadores para a sobrevivência, e que a
emergiu a inteligência espiritual, ressaltando a importân direção dessas mudanças diverge: enquanto as alterações
cia do questionamento para chegar à autenticidade, tam- físicas amedrontam o futuro físico do planeta, as idéias,
ném exigida nos tempos modernos. como sementes de um novo renascimento histórico, estão
Estão previstos encontros e conferências internacio germinando no pensar humano (além e apesar dos compu
nais multidisciplinares, sem hegemonias, para estudos de tadores), gerando, pela primeira vez, jubilosos frutos com
questões como: pode a ciência nos aclarar quanto à espiri sabor de felicidade para a humanidade do porvir.
tualidade? Procedimentos terapêuticos podem incluir aju- Com surpresa - e talvez a contragosto - a própria
ia das tradições espirituais da humanidade? Os campos da ciência de ponta dos dias atuais reconhece, utilizando no
ciência e da religião são complementares ou mutuamente mes arbitrários, que a fonte central da vida e dos seres
exclusivos? transcende à matéria e mesmo à energia já incluída na
As universidades, em todas as partes do mundo, es- matéria, atingindo o que as religiões denominam Deus, o
:ão discutindo temas que nos lembram a conhecida questão centro da espiritualidade.
shakespeariana, “Ser ou não ser”, e, motivadas por divul As idéias como sementes, as raízes do alvorecer, estão
gação de partes da física quântica, forma e energia voltam presentes no encontro com a espiritualidade, cuja descober
i se encontrar como duas situações unidas por um vértice, ta altera profundamente todo o pensar, o sentir e o fazer hu
que é o espiritual ou a espiritualidade. mano, inclusive aclarando a magnificência e a perfeição do
As modernas teorias sociológicas, salientando-se a processo da vida. Os opostos mostram sua complementari
cibernética social de Waldemar de Gregori, superam o dade e resolvem dilemas como os caracterizados por justiça
nositivismo inicial, destacando a relevância dos aspectos e amor, guerra e paz, doença e saúde. Pensamos que a cura
espirituais na dinâmica das mudanças e acionam, osten- realmente decisiva para todas as patologias, físicas, sociais,
vamente ou de forma sutil, a movimentação social. Os psíquicas e morais, está à disposição de todos, de acordo com
adeptos dessas novas teorias falam de sistemas e subsis- a conscientização de que, sob a natureza material, temos a
:rmas sociais interagindo no holograma geral da vida hu natureza espiritual, e sua união pode ser denominada espi
mana, hoje mais possantes que no passado antropológico, ritualidade. Assim como o Sol, astro que rege nosso sistema
quando o espiritual e a espiritualidade eram vistos como planetário, energiza toda a vida física da Terra, a espirituali
sobrenaturais, restritos à teologia. dade, centro energético dos seres criados por Deus, energiza
No conceito de saúde da Organização Mundial da a vida humana, dentro ou fora do ambiente terreno.
xaúde, como hem-estar físico e psicossocial, não se pode
rx-cm» I
Referências bibliográficas
Almeida, A. M. de et al. “Núcleo de estudos de pro Astrow, A. B. et al. “Inter-religious perspectives
blemas espirituais e religiosos (Neper)”. Revista de Psi hope and limits in câncer treatment”. Journal of Clinicjk I
quiatria Clínica, São Paulo, v. 2, n. 2, 2000. Oncology, v. 23, n. 11, p. 2569-73, 2005.
Antoniazzi, A. “As religiões no Brasil segundo o Censo Astrow, A. B.; Puchalski, C. M.; Sulmasy, D. E “RrfcJ
de 2000”. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, n. 2, p. gion, spirituality, and health care: social, ethical, and p-:
75-80, 2003. Disponível em: <hrtp://ww\v.pucsp.br/rever/ tical considerations”. The American Journal of Medicine.
rv2_2003/p_antoni.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2007. 110, n. 4, p. 283-7, 2001.
ESPIRITUALIDADE NO ENFRENTAMENTO DO CÂNCER 429
Aukst-Margeti, B. et al. “Religiosity, depression and Edwards, B.; Clarke, V. “The psychological impact
pain in patients with breast câncer”. General Hospital of a câncer diagnosis on families: the influence of family
Psychiatry, v. 27, n. 4, p. 250-5, 2005. functioning and patients’ illness characteristics on de-
Bach, R. Fernão Capelo Gaivota. Trad. Ruy Jung- pression and anxiety”. Psycho-Oncology, v. 13, n. 8, p.
mann. 11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. 562-76, 2004.
Becker, D. “Prayer in black women with breast cân Elias, A. C. de A. “Ressignificação da dor simbólica
cer”. Baltimore: Johns Hopkins Center for Health Pro- da morte: relaxamento mental, imagens mentais e espiri
motion, 2000. tualidade”. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 23,
Benson, H.; Stark, M. Medicina espiritual: o poder n. 1, p. 92-7, 2003.
essencial da cura. Trad. Mary Winckler. Rio de Janeiro: Elkins, D. N. Além da religião: um programa persona
Campus, 1998. lizado para o desenvolvimento de uma vida espiritualizada
Boff, L. Espiritualidade: um caminho de transforma fora dos quadros da religião tradicional. Trad. Saulo Krie-
ção. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. ger. São Paulo: Pensamento, 2000.
Bowie, J. et al. “The rclationship between religious Faria, J. B. de; Seidl, E. M. F. “Religiosidade e en-
coping style and anxiety over breast câncer in African frentamento em contextos de saúde e doença: revisão da
American women”. Journal of Religion and Health, v. 40, literatura”. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.
n. 4, p. 411-22, 2001. 18, n. 3, p. 381-9, 2005.
Breitbart, W. “Spirituality and meaning in support- Figueiró, J. A. B. “Aspectos psicológicos e psiquiá
ve care: spirituality- and meaning-centered group psycho- tricos da experiência dolorosa”. In: Carvalho, M. M. M.
rherapy interventions in advanced câncer”. Supportive J. de (org.). Dor: um estudo multidisciplinar. 1. ed. São
Care in Câncer, v. 10, n. 4, p. 272-80, 2002. Paulo: Summus, 1999, p. 140-58.
Breitbart, W.; Gibson, C; Poppito, S. R.; Berc, A. Frankl, V E. A presença ignorada de Deus. Trad. Esly
“Psychotherapeutic interventions at the end of life: a fo- R. S. C. Hoersting; Zilda C. de Souza; Walter O. Schlupp.
cus on meaning and spirituality”. Canadian Journal of Porto Alegre/São Leopoldo: Imago/Sinodal, 1985.
Psychiatry, v. 49, n. 6, p. 366-72, 2004. ____ . Em busca de sentido: um psicólogo tio campo
Breitbart, W.; Hellek, K. S. “Reframing hope: mean- de concentração. Trad. Walter O. Schlupp; Carlos C. Aveli-
:ng-centcred care for patients near the end of life”. Journal ne. 7. ed. São Leopoldo/Petrópohs: Smodal/Vozes, 1997.
of Palliative Medicine, v. 6, n. 6, p. 979-88, 2003. Freud, S. Obras psicológicas completas de Sigmund
Carvalho, M. M. M. J. de (coord.). Introdução à psi- Freud. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, v. 23,
concologia. Campinas: Psy, 1994. 1975, p. 165-237.
Chochinov, H. M.; Cann, B. J. “interventions to Gall, T. L.; CornbI-AT, M. W. “Breast câncer sur-
enhance the spiritual aspects of dying”. Journal of Pallia- vivors give voice: a qualitative analysis of spiritual factors
::ve Medicine, v. 8, supl. 1, p. S103-15, 2005. in long-terin adjustment”, Psycho-Oncology, v. 11, n. 6, p.
Choumanova, I. et ai “Religion and spirituality in 524-35, 2002.
coping with breast câncer: perspectives of Chiiean wo Gimenes, M. da G. G. A mulher e o câncer. 2. ed.
men”. The Breast Journal, v. 12, n. 4, p. 349-52, 2006. Campinas: Livro Pleno, 2001.
Culliford, L. “Spirituality and clinicai care”. BMJ: ____ . Passagem: um desafio ao amor. São Paulo:
British Medicai Journal, v. 325, n. 7378, p. 1434-5, 2002. Portallis; 2002.
Curi.in, F. A. et al. “Whcn patients choose faith over Haacedoorn, E. M. L. et al. Oncologia básica para
medicine: physician perspectives on religiously related profissionais de saúde. São Paulo: Associação Paulista de
conflict in the medicai encounter”. Archives of Internai Medicina, 2000.
Medicine, v. 165, n. 1, p. 88-91, 2005. Harrjson, M. O. et al. “The epidemiology of reli
Daaleman, T. R “Religion, spirituality, and the prac- gious coping: a review of recent literarure”. International
Tce of medicine”. The Journal of the American Board of Review of Psychiatry, v. 13, n. 2, p. 86-93, 2001.
Family Practice, v. 17, n. 5, p. 370-6, 2004. Holland, J. C; Rowland, J. H. (eds.). Handbook
LVAnorfa, F. F. Desenvolvimento da personalidade. of psychooncology: psychological care of the patient with
16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. câncer. Nova York: Oxford University Press, 1989.
Dann, N. J.; Mertens, W. C. “Taking a ieap of Hollis, J. A passagem do meio: da miséria ao signifi
*aith’: acceptance and value of a câncer program-spon- cado da meia-idade. São Paulo: Paulus, 1995.
iored spiritual event”. Câncer Nursing, v. 27, n. 2, p. Hycner, R. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialó-
-.34-41,2004. gica. Trad. Elisa Plass Z. Gomes; Eníla Chagas; Mareia
DiAGNomc and statistical manual of mental disorders: Portella. São Paulo: Summus, 1995.
DSM-IV. 4. cd. Washington: American Psychiatric Associa- Ibankz, N.; Marsiglia, R. “Medicina e saúde: um
*jon, 1994. enfoque histórico”. In: Canesqui, A. M. (org.). Ciências
430 T E M A S E M P S I C 0 - 0 N C O L O G I A
sociais e saúde para o ensino médico. São Paulo: Hucitec/ de Medicina, Universidade de Santo Amaro, São Pau!
Fapesp, 2000, p. 49-74. São Paulo.
Inca (Instituto Nacional de Câncer). Disponível em ____ . O sentido da vida na experiência da morti
< http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp ?id= 1793 >. uma visão transpessoal em psico-oncologia. São Paul
Acesso em: 29 jan. 2008. Casa do Psicólogo, 2001.
Jung, C. G. (ed.). Man and bis symbols. Garden City: MacLhan, C. D.; Susi, B.; Phiff.r, N. et al. “Patie--
Doubleday, 1964. preference for physician discussion and practice of sp -
Kast, V Crises da vida são chances de vida: crie pon iruality”. Journal of General Internai Medicine, v. 18, -
tos de virada. Aparecida: Idéias ôt Letras, 2004. l,p. 38-43,2003.
Kinney, C. K et al. “Holistic healing for women with Manning-Walsh, J. “Spiritual struggle: effect on qui_-
breast câncer through a mind, body, and spirit self-empow- ity of life and life satisfaction in women with breast c_-
erment programJournal nf Holistic Nursing, v. 21, n. 3, cer”. Journal of Holistic Nursing, v. 23, n. 2, p. 120-í
p. 260-79, 2003. 2005.
Koenig, H. G. The healing power of faith: Science ex Marty, P. A psicossomática do adulto. Trad. P. C. R:
plores medicins last great frontier. Nova York: Simon 6c mos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
Schuster, 1999. Mayol, R. Câncer, corpo e alma. São Paulo: Os Ma
Koenig, H. G.; George, L. K.; Trrus, P. “Religion, gos, 1992.
spirituality, and health in medically ill hospitalized older McCaffrey, A. M. et al. “Prayer for health concerr
patients”. Journal of the American Geriatrics Societyy v. results of a national survey on prevalence and patterns e
52, n. 4, p. 554-62, 2004. use”. Archives of Internai Medicine, v. 164, n. 8, p. 85 *
Koenig, H. G.; Pargament, K. I.; Nielsen, J. “Reli- 62, 2004.
gious coping and health status in medically ill hospitalized McClain, C. S.; Rosenfeld, B.; Breitbart, W. “Efre-
older adults”. The Journal ofNervous and Mental Diseasey of spiritual well-being on end-of-life despair in termina,
v. 186, n. 9, p. 513-21, 1998. ill câncer patients”. Lancet, v. 361, n. 9369, p. 1603-"
Kovács, M. J. “Pacientes em estágio avançado da 2003.
doença, a dor da perda e da morte'’. In: Carvalho, M. M. Mklo Fii.ho, J. de. Concepção psicossomática: visx
M. J. de (org.). Dor: um estudo multidisciplinar. 1. ed. São atual. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979. :
Paulo: Summus, 1999, p. 318-37. 1-19.
Larson, D. B.; Larson, S. S.; Koenig, H. G. “Religion Mf.raviglia, M. “Effects of spirituality in breast cân
and coping with serious medicai ilíness”. The Afinais of cer survivors”. Oncology Nursing Forum, v. 33, n. 1, p
PharmacotherapVy v. 35, n. 3, p. 352-9, 2001a. El-7, 2006.
____ . “The patient’s spiritual/religious dimension: Milstein, G. “Handbook of religion and health - The
a forgotten factor in mental health”. Directions in Psychi- link between religion and health: psychoneuroimmun»
atry, v. 21, n. 21, p. 307-34, 2001b. ogy and the faith factor”. American Journal of Geriatr.
Lipp, M. E. N. Mecanismos neuropsicológicos do Psychiatry, v. 12, n. 3, p. 332-4, 2004.
stress: teoria e aplicações clínicas. São Paulo: Casa do Psi Nairn, R. C.; Merluzzi, T. V “The role of religion
cólogo, 2003. coping in adjustment to câncer”. Psycho-Oncology, v. 11
Lukoff, D. “Spiritual emergence and spiritual prob- n. 5, p. 428-41,2003.
lems”. Oficina realizada no IV Congresso Internacional Nf.wberg, A. B.; Lee, B. Y. “The neuroscientific stuj
e 1 Encontro Alubrat/Atrc: Ecologia da consciência - da of religious and spiritual phenomena: or why God does:
harmonia interior à reconciliação planetária. Cascais (Por use biostatisties”. Zygon, v. 40, n. 2, p. 469-89, 2005.
tugal), 9-12 out. 2003. Okon, T. R. “Spiritual, religious, and existential asJ
_____. “Spirituality and recovery”. Califórnia Insti- pects of palliative care”. Journal of Palliatwe Medicine.
tute for Mental Health, 6 dez. 2005. Disponível em: 8, n. 2, p. 392-414, 2005.
<http://cimh.networkofcare.org/downloads/handouts/ Paiva, G. J. “Espiritualidade e qualidade de vida: pes
Handout%20CIMH%20Spirituality%20and%20Reco- quisas em psicologia”. In: Teixeira, E. F. B.; Müller, M
very.doO. Acesso em: 12 abr. 2007. C.; Silva, J. D. T. da (orgs.). Espiritualidade e qualidade sc
Macieira, R. de C. “A fé e o sagrado no caminho da vida. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2004, p. 119-30.
cura”. In: Macieira, R. de C. (org.). Despertando a cura: Pandey, M. et al. “Quality of life determinants m
do brincar ao sonhar. Campinas: Livro Pleno, 2004, p. women with breast câncer undergoing treatment with cur-
73-98. ative intent”. World Journal of Surgical Oncology, v. 3, 7
_____. Avaliação da espiritualidade no enfrentamen- 63, 2005.
to do câncer de mama em mulheres. 2007. 62 p. Disserta Panzini, R. G. Escala de coping reiigioso-espiritua
ção (Mestrado em Saúde Materno-Infantil) - Faculdade (escala CRE): tradução, adaptação e validação da escc.s
ESPIRITUALIDADE NO ENFRENTAMENTO DO CÂNCER 431
cirurgia é normalmente o tratamento mais fre diversos recursos que normal mente não fazem parte de
•
Os principais objetivos do tratamento são:
diminuir a dor;
divas locais e possíveis metástases. Independentementc da • melhorar a função respiratória;
extensão da cirurgia, as recidivas também podem ocorrer • recuperar os movimentos;
nos linfonodos próximos à região ou em áreas distantes • recuperar a funcionalidade;
'metástases a distância). Por essa razão, além do tumor • estimular a circulação linfática;
rrímário, o cirurgião quase sempre retira um (linfonodo • contribuir para uma cicatrização adequada;
sentinela) ou mais linfonodos próximos. A análise desses • prevenir complicações físicas, como retrações, ade
linfonodos removidos ajuda o oncologista a avaliar o qua rências, limitação articular e linfedema;
dro real da doença e a estabelecer a estratégia do trata • diminuir a ansiedade;
mento: quimioterapia ou não? Radioterapia com quimio • tratar de complicações, inclusive linfedema;
terapia ou sem? • auxiliar na reabilitação psicológica, social e profis
Não é difícil concluir que a cirurgia pode ser mais sional dos pacientes.
ímpia ou mais conservadora em função do tamanho, do
npo e do local do tumor. Em todas as situações ocorre um Vários estudos comprovam que o paciente que começa
trauma cirúrgico sobre pele, tecido subcutâneo, músculos, um programa fisioterapêutico precoce, já no primeiro dia
nervos e vasos sangüíneos e linfáticos. Essas estruturas fi- pós-operatório, tem recuperação de movimentos e remis
:am alteradas e se inflamam, acarretando sintomas como são da dor mais rápidas, podendo iniciar, quando prescri
tores, edemas e dificuldades de movimentação. Apesar de ta, a radioterapia sem atraso e ficando menos vulnerável a
naturais, eventualmente passageiros e esperados, esses sin complicações respiratórias, circulatórias e de cicatrização.
tomas são desagradáveis e podem alterar a qualidade de
ida do paciente, além de retardar o ritmo do tratamento
t da recuperação. Se o paciente não for orientado e auxi- Programa de intervenção
:ado adequadamente nessa fase pós-operatória, as dores
fisioterapêutica
r os edemas, entre outros sinais e sintomas, persistirão,
podendo se agravar, e os movimentos poderão ficar defini- Inicialmente, divide-se a intervenção da fisioterapia
: vamente restritos. Nesse caso, não só fica prejudicado o em fases:
andamento do tratamento oncológico (radioterapia) mas
ambém aumenta a possibilidade de complicações, como • fase imediata: quando se inicia do primeiro ao dé
retrações, aderências, cicatrizes hipertróficas e linfedema. cimo dia após a cirurgia;
E de suma importância a intervenção da fisioterapia • fase tardia: com início após esse período.
que possa não apenas contribuir para a diminuição da dor,
io edema e da dificuldade de movimentação iniciais, mas O início imediato proporciona segurança ao pa
também prevenir outras complicações físicas. O fisiotera ciente, alívio da dor e recuperação dos movimentos mais
peuta deverá rer formação em oncologia, pois empregará rapidamente, além de contribuir para o prosseguimen-
to do tratamento oncológico (começo da radioterapia e movimentos, diminuir a dor e levá-lo a retomar suas atr -
quimioterapia). dades normais mais rapidamente. E de extrema importân yõn a
A intervenção fisioterapêutica utiliza recursos como: cia, nessa fase, que o paciente saiba que os exercícios são
imprescindíveis e devem ser feitos de forma suave e lenta,
• exercícios respiratórios; segundo o que for possível naquele momento, e que, po -
• relaxamento; isso tudo, não há risco de prejuízo à cirurgia, de que
• exercícios de amplitude de movimentos (quando os pontos abram, de que o dreno saia etc. A relação dr
necessário, com o auxílio do fisioterapeuta); confiança entre terapeuta e paciente é fundamental nes' 2
• técnicas especiais de massagem; fase. O fisioterapeuta experiente faz uso de técnicas qut
• drenagem linfática manual; possam facilitar os movimentos; em geral, ele inicia o pro
• reeducação urológica; cesso exercitando as articulações mais distantes da regjâ: opcog
• reeducação da marcha c do equilíbrio; operada, para melhorar a circulação, relaxar os múseul - a» m
• cuidados com a pele; e preparar o paciente para a realização dos movimente Z3M9C |
• orientações de automassagem; mais difíceis e dolorosos. Por exemplo, numa paciente rt- -
• eletroterapia: laser, Tens, dualpex, US, FES. cém-operada da mama esquerda, os movimentos do braç
esquerdo (principalmente do ombro) são difíceis e prov -
cam dor. Os exercícios começam, então, pelos movimen
tos do pescoço, braço direito, cotovelo e mão direitos. N
Fase imediata final, com a musculatura mais preparada e o paciente maif
confiante, realizam-se os movimentos do ombro esquerdr.
i
Dor e recuperação de movimentos sempre de maneira suave e respeitando o limite de dor.
23*>3C
A primeira preocupação do fisioterapeuta é recuperar Na fase imediatamente pós-operatória, a cicatrização
os movimentos. Os músculos, já muito contraídos e tensos ainda está se processando e os movimentos não devem tra-
■4
desde antes da cirurgia pelo estresse do diagnóstico e pela cionar as bordas cirúrgicas, o que poderia provocar altera
expectativa da cirurgia e do tratamento pós-operatório, ção na cicatrização ou criar condições para outras compli
EZ
ficam ainda mais tensos pela dor da cirurgia e pelo medo cações. Por essa razão, o paciente deve sempre contar com
de se movimentar e “abrir os pontos” após a cirurgia. A a supervisão e orientação de um fisioterapeuta, que lhe
dor, com esse aumento de tensão muscular, também fica indicará as melhores condutas e o melhor momento para
exacerbada, tornando, para o paciente, cada vez mais difí interrompê-las ou incentivá-las.
cil a realização de qualquer movimento. Independentemente da região que sofreu a operação
No entanto, para superar esse problema é preciso e também do tipo de cirurgia realizada, todos os pacien
quebrar o círculo vicioso constituído por medo, tensão tes necessitam de intervenção fisioterapêutica, pois com
e dor. O primeiro passo é intervir na musculatura para muita treqiiência surgem sequelas e/ou complicações que
deixá-la mais relaxada. Aqui se iniciam os exercícios de demandam a ação do fisioterapeuta.
recuperação, que devem ser aplicados de maneira lenta e
gradualmente progressiva, respeitando os limites da dor e
o processo de cicatrização. Drenagem linfática manual e automassagem
Sugere-se que todos os pacientes submetidos à cirur O edema presente imediatamente após a cirurgia c
gia de câncer devam iniciar a fisioterapia com exercícios normal c pode perdurar por meses, dependendo do local
respiratórios. Além de aumentar a capacidade pulmonar, e da intensidade da abordagem cirúrgica. Já a retirada de
os exercícios respiratórios acalmam, diminuem a ansieda linfonodos isolados ou em bloco das diversas regiões do
de e a dor e ajudam no relaxamento muscular. Com isso, corpo (axilar, cervical, inguinal), além de diminuir a defe
preparam os músculos e o paciente para os outros exercí sa local, altera a circulação linfática daquela região. A linfa
cios. Devem ser realizados de maneira lenta e profunda, é um líquido incolor, transparente, que circula nos vasos
procurando expandir o máximo possível o tórax e o abdô linfáticos, é filtrada pelos linfonodos e posteriormente
men; podem ser praticados várias vezes ao dia. devolvida ao sistema venoso. É essa terceira circulação,
Para a diminuição da dor e da tensão muscular, exis depois da arterial e da venosa, que será responsável pela
tem ainda outros meios que o fisioterapeuta pode utili absorção do excesso de líquido gerado pelo ato cirúrgico.
zar: toques suaves e movimentos de massagem nas regiões Com a ressecção também dos linfonodos, a passagem dc
contraturadas (tensas), além de aparelhos de eletroterapia, linfa poderá eventualmente ficar mais difícil, lenta, crian i rs
como a Tens (estimulação elétrica transcutânea), que pro do um acúmulo; assim sendo, a região vai se tornando I•
duz analgesia. mais inchada e o linfedema poderá se instalar. J3
Após os exercícios respiratórios e o relaxamento, o Felizmente, o corpo humano tem outras vias de
paciente deve iniciar os exercícios que vão recuperar os passagem da linfa: os vasos linfáticos e suas inúmera- ±-
inastomoses, as quais, normalmente inativas em situa O linfedema é uma doença crônica que, em fase ini
ções normais, podem ser ativadas quando houver neces- cial, tem maior probabilidade de cura. Em fases mais adian
'-dade. Ainda não está totalmente claro o mecanismo tadas, pode ser tratado com sucesso, mas requer cuidado e
_ue faz que elas entrem em funcionamento. No entanto, manutenção constantes, pois pode recidivar. Os linfedemas
- -nhece-se a existência de vias anatômicas linfáticas de mais comuns em oncologia são o de membro superior, nas
rivativas ou acessórias que entram automaticamente em mulheres operadas de câncer de mama; e o de membro
rancionamento sempre que houver um estímulo adequa- inferior, nos pacientes que sofreram cirurgias pélvicas (em
10. Vários são os mecanismos conhecidos que podem útero, ovários, vulva, ou ainda pênis e próstata). Embora
-stimular o funcionamento do sistema linfático. A dre- com menor frequência, também pode ocorrer o linfedema
“ agem linfática manual ou linfodrenagem é uma técnica de face, cabeça e pescoço nas cirurgias com retirada de lin
.ípecial de massagem, que começou a ser desenvolvida fonodos cervicais. O tratamento do linfedema será aborda
r • final do século XIX por Alexander von Winiwarter do mais à frente, mas obviamente, por ser uma patologia
como uma técnica de massagem estimuladora da ab- crônica e de terapêutica prolongada, o ideal é preveni-la.
-r-rção e fluxo linfáticos. As manobras dessa massagem Um dos principais aspectos da prevenção é a adoção de
sempre são suaves, lentas, devendo seguir uma direção cuidados específicos que diminuam as possibilidades de in
:»pecífica em cada caso e também ser realizadas por um fecções, inflamações, retrações cutâneas, bridas cirúrgicas,
aderências e outros distúrbios linfáticos associados.
isioterapeuta habilitado. O paciente é orientado a aju
dar no processo dc sua recuperação realizando a auto-
-zjssagem, um resumo simplificado das principais ma-
Fase tardia
■ >bras de drenagem linfática manual, desenvolvido pelo
Como já foi dito, o ideal é que haja uma intervenção
ü>ioterapeuta.
fisioterapêutica precoce. Quando se iniciam, de preferên
A automassagem, assim como a drenagem linfática
cia logo após o período pós-operatório, os exercícios e a
nanual, é diferente para cada pessoa e depende de uma
automassagem c o paciente é orientado com relação aos
-fie de fatores, como tipo, extensão e local da cirurgia
cuidados necessários, sua reabilitação é mais rápida, me
■flizada, órgão operado, condições da pele e de cicatri-
nos dolorosa, e é possível minimizar várias complicações.
:ação do paciente.
No entanto, algumas vezes o paciente só inicia o pro
grama de fisioterapia posteriormente. Isso pode ocorrer
por várias causas:
Cuidados
Muitas vezes, nas cirurgias de câncer, ocorre a retira-
• o estado clínico inicial do paciente;
ca de um grupo de linfonodos próximos ao local do tumor.
• inexistência de fisioterapia especializada;
Embora necessária para auxiliar o médico a estabelecer a
• falta de encaminhamento médico;
conduta terapêutica posterior, essa remoção traz algumas • atraso ou recusa do tratamento por parte do pa
conseqüências. Os linfonodos fazem parte da defesa imu-
ciente.
“ lógica. A sua remoção significa uma diminuição da de-
*t-a da área correspondente. Essa área, pela diminuição da
F. óbvio que é possível começar o tratamento em qual
iefesa, fica mais sujeita a inflamações e infecções.
quer momento. Porém, os resultados poderão ser diferen
Deve-se informar esse fato ao paciente para que ele
tes, assim como os objetivos do tratamento. Mesmo que o
7 ssa colaborar tomando certos cuidados, como evitar paciente tenha se submerido à cirurgia há meses ou anos, as
qualquer tipo de lesão - cortes, queimaduras, micoses, orientações sobre cuidados e automassagem serão importan
issaduras, picadas dc insetos, contusões, alergias - na re- tes; se o paciente não teve complicações, elas ajudarão a pre
pâo vulnerável do corpo. Se algum tipo de lesão ocorrer, veni-las e, se o paciente apresentar linfedema ou outra com
: mentará o risco de uma infecção (erisipela, celulite ou plicação, auxiliarão no tratamento. Quanto aos exercícios,
mfangite). serão imprescindíveis se houver limitação de movimentos,
Os sinais de erisipela ou linfangite podem surgir até contratura ou retração muscular, retração cicatricial, ade
horas após a lesão: manchas ou vergões vermelhos, dor, rência, dor ou alteração postural. Aliás, todas essas situações
edema e calor na área corporal, ou até mesmo febre. Na podem ocorrer exatamente pelo fato de o paciente não ter
rresença dessas manifestações, o paciente deve ser orien- tido orientações ou intervenção prévia fisioterapêutica.
udo a procurar atendimento médico de urgência. Durante Pode-se citar como exemplo o caso de uma pacien
o período medicamentoso a fisioterapia fica suspensa, até te encaminhada pelo médico para tratamento de linfede
que termine o processo infeccioso. No entanto, a infecção ma no membro superior. Submetida à mastectomia havia
pode deixar uma seqüela indesejável: o edema crônico da dois anos, nunca tinha feito fisioterapia e apresentava
;ona afetada, denominado linfedema. dor no ombro, pescoço e braço. Do ponto de vista on-
438 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
cológico estava muito bem e a saúde geral estava ótima. Devem ser evitadas as comidas gordurosas, fritura ^ -rs
Psicologicamente, estava abalada pelo incômodo da dor, carnes gordas, embutidos ou alimentos com gordura sa:_- as j
por não ter disposição para fazer nada e por todo mundo rada, bem como o excesso de doces e massas. O pacienrr
perguntar o motivo de o seu braço estar inchado. Ao exa não deve engordar demais, pois a obesidade é um dos fat>
me físico, observou-se uma postura inadequada e alterada, res de predisposição para o linfedema e piora do quadr
com os ombros protraídos, uma hipercifose e contratura caso já exista. Ele deve então manter hábitos alimentar—
da musculatura cervical e da cintura escapular. A pacien sadios e, quando necessário, consultar um nutricionista
te conseguia realizar movimentos com os braços, mas, do para o estabelecimento de uma dieta adequada.
lado da cirurgia, o braço não se elevava totalmente (em
comparação ao do outro lado) e a dor aumentava. Ela foi,
então, orientada a realizar uma serie de exercícios e a auto- Atividades manuais
massagem em casa. Recebeu também todas as explicações Para os pacientes que gostam de trabalhos manua •. £
sobre os cuidados gerais necessários e sobre o liníedema. alguns cuidados são imprescindíveis. Atividades como cos
Após algumas terapias, estava bem melhor, sem dor, com turar, bordar, tricotar, pintar etc. são realizadas com ro> ?Ci ,
movimentos mais amplos, com uma postura melhor e com vimentos repetitivos e, por isso, é aconselhável que seja—
maior disposição. O linfedema também havia diminuído. acompanhadas de pausas constantes, para descanso da mus
O tratamento prosseguiu com drenagem linfática manual, culatura. E também importante o uso de dedal nas ativica
realizada pelo fisioterapeuta no ambulatório, e com as re des com agulha, para evitar picadas nos dedos. Isso se apliez
comendações de exercícios e automassagem cm casa. Em principalmcnte às mulheres operadas de câncer de mama. zan ;
um mês, a paciente estava recuperada e recebeu alta da --
fisioterapia. Esse exemplo mostra uma situação freqüente,
em que o paciente sofre desnecessariamente com dores e Atividades domésticas
limitação de movimentos, além de ter um grande risco de É impossível impedir uma dona-de-casa de se cont
adquirir um linfedema crônico - tudo isso pode ser evita ou se queimar durante as atividades do lar. No entanto, z
do com a fisioterapia pós-operatória imediata. importante que o paciente:
H
Independentemente do tratamento médico clínico ou
$0
cirúrgico realizado, a partir do momento em que o pa
• use luva de borracha quando for utilizar algum r:
ciente tiver alterada sua qualidade de vida por restrições
terial de limpeza (detergente, água sanitária, sabi
físicas, passíveis de ser corrigidas ou amenizadas com a
desinfetante etc.), para evitar irritações, alergias e
intervenção da fisioterapia, é imprescindível que a equi
jn
ressecamento da pele;
pe multiprofissional que estiver cuidando desse paciente o
• use luva térmica ao manipular forno e fogão,
encaminhe para uma avaliação fisioterapêutica.
evitar queimaduras;
• use luvas próprias para jardinagem ao lidar coa:
Cuidados gerais para pacientes plantas, para evitar pequenos cortes ou lesões;
• utilize colheres ou garfos de cabo longo em par.z
submetidos a tratamento las no fomo/fogão, para diminuir o risco de quei
oncológico maduras;
A orientação dada pela equipe de fisioterapia a to • evite movimentos repetitivos e fortes, como
dos os pacientes submetidos a tratamento oncológico visa feitos ao varrer o quintal ou lavar e esfregar :
melhorar sua qualidade de vida, intervindo com medidas calçada;
profiláticas e curativas o mais precocemente possível. Os • não carregue pesos excessivos, com os quais não es
principais cuidados necessários serão descritos a seguir. teja acostumado, pois isso pode gerar uma lesão ea
tendões ou músculos e favorecer o aparecimento
do linfedema.
Alimentação e excesso de peso
A alimentação tem um papel primordial na nossa
vida. Principalmente no período pós-operatório, em que Atividades profissionais í*- ae
há uma natural e esperada debilidade ou fraqueza, ocasio Os pacientes devem retomar suas atividades profissx - Cttrra
nada pela anestesia, pela relativa perda de sangue e pelo nais assim que tiverem retirados os pontos e drenos, caso
estresse emocional, a boa alimentação é necessária para o não apresentem problemas com a cicatrização. Mas a segu
bem-estar, para uma recuperação mais rápida e uma res rança maior só será atingida quando sua amplitude de mo -«)er
posta melhor aos eventuais tratamentos que se seguirão à vimentos tiver sido restabelecida e a força muscular estiv;: AI
cirurgia (radioterapia e/ou quimioterapia). normal, fazendo que o paciente sinta-se pronto para voltar
FISIOTERAPIA EM CÂNCER 439
a realizar a atividade. Não há restrições quanto às ativida neutro. Ela é a principal condutora da circulação linfática
des profissionais. Apenas devem ser seguidos os cuidados e sua saúde e manutenção são essenciais para a prevenção
gerais aqui descritos. Por exemplo, as pacientes que são em do linfedema. Qualquer tipo de lesão ou alergia deve ser
pregadas domésticas, lavadeiras, faxineiras ou cozinheiras imediataniente lavada com água e sabão e desinfetada.
devem utilizar luvas de borracha para evitar contato da pele Unhas: devem ser cortadas com cuidado e podem
com produtos de limpeza; os pacientes que trabalham como ser esmaltadas. No entanto, deve-se evitar a remoção da
digitadores, caixas ou em outras funções que exijam movi cutícula com alicate, que normalmente ocasiona pequenos
mentos repetitivos devem seguir as orientações de pausas cortes ou lesões e possibilita a entrada de bactérias, poden
periódicas e exercícios de alongamento específicos. do gerar infecção e em seguida desencadear o linfedema.
Quando houver merástases ósseas que comprometam A cutícula, sempre que possível, deve ser mantida intacta.
o trabeculado ósseo, podendo gerar riscos de fraturas pa Desodorantes: podem ser utilizados os desodorantes
tológicas, a atividade profissional deverá ser avaliada pelo neutros, líquidos e sem perfume. Os desodorantes perfu
fisioterapeuta, com o médico assistente, para que se decida mados contêm álcool, que resseca a pele; os desodoran
pela continuação ou não da atividade profissional exercida tes em creme bloqueiam o funcionamento adequado das
pelo paciente previamente à cirurgia. glândulas sudoríparas. Ambos podem favorecer irritações
No caso de pacientes que tenham ficado com seqüe- na pele ou lesões dermatológicas. Os antitranspirantes são
las musculares, articulares e ligamentares, pela retirada ou desaconselhados.
transposição de músculos e de pele, a fisioterapia reedu Banhos: recomenda-se não molhar o curativo, mas,
cará outros músculos que possam suprir ou compensar a assim que o corte estiver cicatrizado, os banhos ou duchas
função das estruturas lesadas ou retiradas. Infelizmeme são permitidos, evitando-se o uso de água muito quente e
isso nem sempre é possível, pois, principalmente nas cirur de sabonetes ou outros produtos que provoquem alergia.
gias de cabeça e pescoço, as abordagens cirúrgicas ainda Após o banho, é importante secar bem e em seguida hidra
são muito extensas e acarretam muitas sequelas. tar a pele da região operada, para evitar o aparecimento
Nesse sentido, é igualmente importante a intervenção de micoses e fungos.
de um terapeuta ocupacional, visando encaminhar esse Depilação: a depilação da axila do lado operado, por
paciente para alguma outra atividade profissional na qual exemplo, após as cirurgias de mama, só pode ser feita cor
essa seqüela não influencie seu desempenho. tando-se os pêlos com uma tesoura pequena ou usando-se
depiladores elétricos que aparem os pêlos e não os puxem
como pinças. A depilação com cera, cremes ou líquidos
Cuidados médicos depilatórios, lâmina ou pinça pode cortar ou irritar a pele
Consideramos aqui os procedimentos adotados em da axila e causar o linfedema.
hospitais, laboratórios, farmácias e consultórios.
Deve-se evitar, no lado operado, onde os pacientes
roram submetidos a tratamento cirúrgico com linfade- Sol, piscina e mar
nectomias (por exemplo, linfadenectomia axilar direita Não há restrições quanto aos banhos de mar ou de
- membro superior direito): piscina após a cicatrização completa da cirurgia. São be
néficos os efeitos relaxantes da água para a musculatura
• aplicação de injeções e vacinas (inclusive de qui e a natação é recomendável assim que o paciente estiver
mioterapia); com os movimentos recuperados. As piscinas aquecidas
• coleta de sangue; costumam ter uma temperatura adequada, não prejudicial
• acupuntura; à circulação linfática.
• medição da pressão; Tomar sol é importante para a saúde, mas devem
• aplicação de calor (compressas ou bolsa de água ser evitadas as exposições prolongadas nos horários mais
quente, banhos de luz etc.). quentes do dia (das 10 às 16 horas), principalmente no
verão. E altamente recomendável o uso de protetores ou
Em todos os tipos de tumor, deve-se evitar a aplica bloqueadores solares.
ção de calor, pois isso pode aumentar a possibilidade do Os pacientes com metástases ósseas se beneficiam da
aparecimento de edema ou linfedema. hidroterapia (realizada por fisioterapeuta habilitado) e da
hidroginástica, pois as articulações e os ossos passam a ter
menor risco de fraturas, assim como a dor pode ser redu
Higiene e cuidados pessoais zida. O objetivo principal é manter a integridade articular
A pele de toda a região circundante à cirurgia deve sempre que possível, diminuir contraturas e minimizar a
>empre estar bem cuidada e hidratada com creme de pH dor.
440 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
pontos Cuidados para pacientes Também os calçados devem ser macios e confortáveis,
1a pró- de modo que não machuquem os pés e não favoreçam o
inüia. submetidos a cirurgias pélvicas aparecimento de calos ou deformidades, por exemplo o
■no àc (com retirada de linfonodos joanete.
KCnZC SC
inguinais e/ou pélvicos)
*de es
Os pacientes que tiveram linfonodos removidos da re Automassagem para pacientes que
ta e os
gião inguinal ou do abdômen terão comprometida a circu
lação linfática de membros inferiores, nádegas e abdômen sofreram linfadenectomia
do lado da cirurgia, já se a retirada de linfonodos for bila Recomenda-se que rodos os pacientes que tiveram
e coo-
teral, toda a região do corpo abaixo da cintura (incluindo linfonodos retirados de qualquer região do corpo, prin
:s membros inferiores) ficará mais sujeita a inflamações e cipalmente dos grupamentos linfonodais mais superficiais
infecções. Os mesmos cuidados descritos se aplicam a es (axila, inguinal e cervical), realizem a automassagem. Ela
ses pacientes. Entretanto, para diminuir a possibilidade de visa estimular a absorção e o fluxo linfáticos de outras re
infecções e consequente linfedema em membros inferio giões do corpo, conforme vários relatos da literatura. Essa
res, é necessário enfatizar a higiene, os cuidados pessoais e massagem c realizada nas regiões de grupamentos linfono
: atenção ao vestuário e aos calçados. dais não manipulados pela cirurgia, que estejam íntegros.
O grande objetivo é ativar caminhos alternativos, as vias
derivativas, presentes no membro superior (por meio das
Higiene e cuidados pessoais vias supraclavicular e subescapular posterior) e no mem
Banhos: ao tomar banho, o paciente deve lavar e bro inferior (por meio da via suprapúbica), e também es
enxaguar muito bem a área entre os dedos dos pés, para timular as inúmeras anastomoses linfolinfáticas presentes
que não fique nenhum resíduo. Da mesma forma, após em abundância em todo o corpo.
dos o banho é fundamental secar bem com a toalha e talvez Os movimentos são circulares e devem ser realizados
até com secador essa mesma região, para que não fique por pelo menos cinco minutos, várias vezes ao dia.
úmida: a umidade favorece o aparecimento de fungos e Cada região operada requererá uma orientação dife
micoses. rente para o paciente. No entanto, é importante ressaltar
Hidratação: a pele das pernas, pés e dedos dos pés que, em qualquer situação, é necessário procurar a orien
ieve estar saudável, sem descamações, ressecamento ou tação do fisioterapeuta especializado, que é o profissional
rachaduras. Para isso, é muito importante uma boa hidra mais indicado para acompanhar o tratamento, informar
tação com creme neutro, principalrnente após o banho. sobre cuidados especiais com a pele e a cicatriz e ensinar os
Depilação: para as pacientes que queiram depilar as movimentos de automassagem específicos a cada caso.
pernas, a recomendação é a mesma dada quanto à depila
ção da axila no caso do câncer de mama - evitar lâminas,
:era, líquidos e cremes depilatórios. O ideal é utilizar um Linfedema
iepilador elétrico semelhante aos barbeadores. Linfedema é uma doença crônica que se caracteriza
Cuidados com os pés: as unhas devem ser cortadas por um inchaço em determinada região do corpo. Esse
de forma reta nos cantos, para evitar a unha encravada. inchaço se manifesta pelo acúmulo de líquido nos teci
Não é recomendável a retirada da cutícula com alicate, dos, que ocorre em consequência de uma dificuldade na
que pode ferir e causar inflamação indesejável; a cutícula circulação linfática. Os pacientes submetidos a linfade-
pode ser apenas empurrada com cuidado. Não há proble nectomias são mais propensos a ter esse distúrbio, pela
ma quanto ao uso de esmalte. Ao menor sinal de micose alteração definitiva na circulação linfática. Entretanto, as
nas unhas ou entre os dedos, o paciente deve procurar um cirurgias oncológicas não são as únicas responsáveis pelo
dermatologista para o tratamento. aparecimento do linfedema. Outros fatores podem contri
buir para esse quadro:
Freqüentemente, as infecções de pele (erisipela), das normais, semelhantes às do lado são. Ao chegar a esse
que podem ocorrer após algum ferimento, queimadura ponto, o tratamento prossegue para a segunda fase.
ou alergia, são fatores que desencadeiam essa patologia. Segunda fase: é a fase de manutenção, que tem como
Com a infecção, a quantidade de líquido no local aumenta objetivo manter os resultados obtidos na primeira fase.
muito e a circulação linfática não é capaz de remover o Nessa etapa, dependendo de cada caso, o paciente é acon
excesso de linfa, que então se acumula. selhado a usar uma braçadeira, luva ou meia compressiva
Por ser crônico, o linfedema raramente tem cura to medicinal. Seu uso é constante e eventual mente poderá ser
tal. No entanto, existe tratamento, capaz de reduzir o ede acompanhado de um enfaixamento. Além disso, o pacien
ma em cerca de 70%, segundo vários autores. E necessário te é orientado a manter os cuidados, principalmente com
o controle constante, senão o linfedema pode recidivar, a pele, além de realizar a automassagem e os exercíci« -
sendo necessária, novamente, a intervenção da fisiotera diariamente. O seguimento desse paciente é feito mensa -
pia, voltando à primeira fase do tratamento. mente, sendo avaliadas as condições da compressão elás
tica prescrita, o membro acometido, a situação da pele. :
postura e a saúde articular e muscular.
Tratamento E importante ressaltar que, ao menor sinal de edema
O linfedema é uma patologia complexa que exige do membro, o paciente deve logo procurar o tratamento
um tratamento complexo. Quando inicial e ainda dis fisioterapêutico, pois, quanto mais cedo for iniciado, me tntre
creto, é algumas vezes possível revertê-lo com drenagem lhores serão os resultados obtidos. Os pacientes não trata
linfática manual, automassagem e exercícios intensivos dos e que permanecem com linfedema ficam mais sujeitos
durante um período variável de quatro semanas. No en a infecções freqüentes (como a erisipela, por exemplo;,
tanto, se o edema já tiver atingido grau de moderado a pelo fato de a linfa não estar circulando adequadamentr
grave, com aumento significativo de volume e apareci no local. E, a cada novo processo infeccioso, as condições
mento de fibrose, causada pela organização das proteínas dos vasos linfáticos c da circulação se agravam, aumentan
extravasadas no interstício, será necessário um tratamen do ainda mais o edema naquele membro.
to mais longo. Esse tratamento pode ser realizado com Evidentemente, o tratamento do linfedema é desa
várias técnicas, entre elas a linfoterapia, que é dividida gradável, pela necessidade de enfaixamento e uso contí
em duas fases: nuo de compressão elástica e por exigir rigoroso controle
% sn :m
durante toda a vida. Portanto, vale lembrar, o ideal è j
Primeira fase: tem como objetivo reduzir ao máxi prevenção: cuidados com a pele, automassagem e exerci
mo o volume e a dureza do edema. Pode durar desde três cios adequados desde os primeiros dias após a cirurgia sãc
semanas até três meses, dependendo de vários fatores, meios extremamente eficazes para diminuir os riscos di
como fase do linfedema, tempo de instalação, modo de instalação do linfedema.
desenvolvimento, idade e condições clínicas do paciente. O objetivo deste capítulo foi dar uma noção geral da in
As sessões devem ser diárias ou em dias alternados. Em tervenção fisioterapêutica no paciente com câncer ou naque
cada terapia, o fisioterapeuta realiza a drenagem linfática le que se submete ou se submeteu a tratamento oncológico.
manual e o enfaixamento do membro ou do local acometi Longe de ser conclusivo ou aprofundado, quis-se,
BI lí
do com faixas inelásticas, para que os movimentos possam simplesmente, fornecer informações básicas e sucintas i
ser executados. O paciente permanece com as ataduras no outros profissionais da saúde para que estes possam me
membro até a sessão seguinte, devendo realizar exercícios lhor acolher o paciente oncológico.
e automassagem em casa. O edema se reduz gradualmentc, Muito mais poderia ser dito, mas isso fugiria ao esco
até estacionar ou até que o membro fique com as medi po deste capítulo.
ABORDAGEM NUTRICIONAL NO TRATAMENTO DO
PACIENTE ONCOLÓGICO
Claudia Cristina Alves; Lilian Mika Horie; Letícia De Nardi; Dan Linetzky Waitzberg
Quadro 2: Características de três questionários para pacientes com câncer, adaptado de Huhmann e Cunningham (2005).
Proteína 12 horas índice prognóstico Distúrbio hepático, Valores inferiores a 3 mg/dl indicam
transportadora do de gravidade inflamação, desnutrição
retinol diminuição de
vitamina A e zinco
Fonte: Coppini (2004).
ABORDAGEM NUTRICIONAL NO TRATAMENTO DO PACIENTE ONCOLÓGICO 447
A hemoglobina é uma proteína de transformação marcada, e estimadas por meio de fórmulas. As fórmu
metabólica muito lenta e sua diminuição ocorre mais las utilizam variáveis como peso, altura, idade, sexo e
tardiamente na depleção protéica. É um índice sensível, superfície corporal e são muito utilizadas na prática clí
mas pouco específico, da desnutrição, podendo alterar-se nica, pois envolvem cálculos simples, não são invasivas,
quando há perda sanguínea, estados de diluição sérica e
não têm custo e são de fácil acesso (Matarese, 1997). As
transfusões sanguíneas (Waitzberg e Ferrini, 2000).
equações mais utilizadas para estimar o gasto energéti
A contagem total de linfócitos (CTL) ou linfocito-
co são a de Harris-Bcnedict (Harris e Benedict, 1919)
metria mede as reservas imunológicas momentâneas, in
dicando condições do mecanismo de defesa celular do (Quadro 5) e a de gasto energético total baseado no peso
organismo. Quando são encontrados de 1.200 a 2.000 (Quadro 6).
linfócitos por milímetro cúbico, tem-se depleção discre O fator atividade relaciona-se com a capacidade de
ta; de 800 a 1.199, depleção moderada; menos que 800, locomoção do indivíduo, apresentando os seguintes valo
depleção grave. res: confinado à cama (fator = 1,2), deambulando pouco
(fator = 1,25) e deambulando (fator = 1,3).
Segundo Long et al. (1979), a pacientes com câncer e
Necessidades energéticas também àqueles em tratamento quimioterápico e/ou radio-
A necessidade energética diária de pacientes com terápico recomenda-se aplicar um fator estresse de 1,25.
câncer varia de acordo com diversos fatores: idade, sexo,
O fator térmico relaciona-se à temperatura corporal
peso, altura, atividade, composição corporal e condições
elevada, correspondendo 38°C ao fator 1,1; 39°C ao fa
àsiológicas (Justino e Waitzberg, 2000).
tor 1,2; 40°C ao fator 1,3; e 41°C ao fator 1,4.
A recomendação de ingestão proteica e de micronu-
Necessidades nutricionais trientes para pacientes com câncer varia em função de ida
As necessidades nutricionais energéticas de pacien de, estado nutricional prévio do paciente, tipo de tumor,
tes adultos podem ser calculadas por diversos métodos, tratamento adotado e condição clínica. Em geral, seguem-
como calorimetria indireta, direta e água duplamente se os critérios apresentados no Quadro 7.
Quadro 5: Fórmula para cálculo da necessidade energética estimada por meio da equação de Harris-Benedict.
Equação de Harris-Benedict
rF-B = gasto energético basal (kcal/dia); GET — gasto energético total; FA = fator atividade; FE - fator estresse; FT = faror térmico. Peso cm kg; altura
=m cm; idade em anos.
Quadro 6: Fórmula para cálculo da necessidade energética estimada por meio de valor calórico preestabelecido e peso corpóreo do
idivíduo.
Xerostomia Avaliar a necessidade de saliva artificial, estimular o consumo de balas de limão e/ou hortelã,
alimentos com consistência de purê à líquida
Estomatites e mucosites Evitar alimentos irritantes (picantes, ácidos, salgados) e temperaturas extremas. Preferir alimentos
macios, em pequenos pedaços e de fácil deglutição.
Diarréia Evitar alimentos gordurosos, cafeína, álcool, tabaco, condimentos, leite (temporariamente). Aumentar
o consumo de líquidos e fibras solúveis.
Síndrome de Dumptng Oferecer refeições pequenas e frequentes (a cada duas horas) e limitar a ingestão de carboidratos
simples.
Constipação Aumentar gradualmente a ingestão de fibras, líquidos (de preferência sucos laxativos) e a atividade
física. Evitar o consumo de maisena, creme de arroz e fubá.
Náuseas e vômitos Evitar alimentos com odor muito forte, gordurosos e picantes. Dar preferência a alimentos mais secos
e frios, não ingerir líquidos durante as refeições e não se deitar logo depois delas.
Saciedade precoce Evitar a ingestão excessiva de fibras e gorduras. Preferir refeições pequenas e freqüentes (a cada duas
horas) e ingerir líquidos somente entre elas.
administração de nutrientes na forma de compostos in A seleção da fórmula de NE dependerá das necessida
dustrializados (líquidos ou em pó) nutricionalmente com des nutricionais, das condições fisiopatológicas concomitan
pletos, utilizando-se sondas de alimentação, que podem tes com a doença neoplásica, do acesso ao tubo digestivo,
sir sondas nasoenterais (com localização gástrica ou pós- entre outros fatores. A Figura 1 ilustra uma proposta para
nlórica), gastrostomias ou jejunostomias, dependendo da seleção da fórmula de NE para pacientes com câncer.
indicação e das condições do trato gastrointestinal do pa-
dente. Nessas condições, a nutrição enteral será sempre
preferencial à nutrição parenteral, por ser mais fisiológica, Nutrição parenteral (NP)
mais segura, mais simples e de menor custo (Nitenberg A nutrição parenteral (NP) está indicada quando há
. Raynard, 2000; Tchekmedyian, 1998; Bozzetti et al., alguma anormalidade no trato gastrointestinal na sua for
‘999; Braunschweig et ai, 2001). ma anatômica ou funcional. A NP é feita por meio da ad
A NE precoce (nas primeiras 48 horas) tem apresen ministração de nutrientes diretamente na corrente circu
tado resultados satisfatórios como alternativa para nutrir latória, à custa de um cateter colocado no sistema venoso
paciente no período de pós-operatório imediato, princi (veia periférica: soluções isotônicas ou ligeiramente hiper-
palmente se comparada com a nutrição parenteral. tônicas; veia central: soluções hipertônicas) (Waitzberg et
Papapietro et al. (2002) avaliaram a tolerância gás al., 2000). Vale lembrar que, no momento adequado, a
trica de 28 pacientes submetidos à gastrectomia total. mudança de regime parenteral para enteral e oral deve ser
De forma randômica, receberam nutrição enteral ime- realizada de maneira gradativa.
diatamente após a operação ou após a recuperação do O uso da nutrição parenteral em pacientes com câncer
eo pós-operatório, em paralelo à nutrição parenteral. é sujeito a controvérsias. Atualmente, a NP é indicada no
Os autores não observaram diferença significativa na pré-operatório a pacientes gravemente desnutridos, subme
ocorrência de diarréia. No entanto, após o oitavo dia de tidos a cirurgia gastrointestinal de grande porte, ou a pa
pós-operatório, o grupo com nutrição enteral precoce cientes submetidos a transplante dc medula óssea (deve-se
apresentou melhores resultados nos níveis de albumina, considerar a oferta de glutamina). O uso exclusivo de NP
pré-albumina sérica e no balanço nitrogenado. O índice no pós-operatório é contra-indicado e pode aumentar a in
de hiperglicemia e a permanência hospitalar foram sig cidência de complicações sépticas (Torosian, 1999).
nificativamente menores nos pacientes que receberam Em pacientes sob tratamento radioterápico e qui-
-utrição enteral precoce. De acordo com os autores, esse mioterápico os resultados da NP são controversos, as
■ :po de nutrição seria seguro e efetivo mesmo durante o sim como seu uso em portadores de neoplasia cm estágio
oeríodo de íleo pós-operatório. avançado (Hoda et al., 2005).
450 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Há má digestão ou sim
intestino curto Fórmula oligomérica - elementar
moderado?
Referências bibliográficas
Andreyev, H. J. N.; Norman, A. R.; Oates, J.; Cunni- mulas in trauma patients”. Pharmacotherapy, v. 14, n.
gham, D. “Why do patients with weight loss have a worse p. 314-20, 1994.
outcoine when undergoing chemotherapy for gastrointes Buzby, G. P.; Mullen, J. L.; Matthews, D. C.; H -
tinal malignancies?” European Journal of Câncer, v. 34, n. BBS, C. L.; Rosato, E. F. “Prognostic nutritional index -
n. 1, p. 28-33, 2001. Hoda, D.; Jatoi, A.; Burnes, J.; Loprinzi, C.; Kelly,
Decker-Baumann, C.; Buhl, K.; Frohmüller, S.; Von D. “Should patients with advanced, incurable cancers ever
Herbay, A.; Dueck, M.; Schlag, P. M. “Reduction of che- be senr home with total parenteral nutrition? A single
**
Matarese, L. E. “Indirect calorimetry: technical as- intestinal câncer. The response to glucose infusion and Vja
pectsJournal of the American Dietetic Association, v. 97, parenteral feeding”. Annals of Surgery, v. 205, n. 4, p. bo i
n. 10, supl. 2, p. S154-60, 1997. 368-76, 1987.
McCallum, P. D.; Pousena, C. G. The clinicai guide Steven, B. H.; Baunmgartner, R. N.; Pan, S. “Ava
to oncology nutrition. Chicago: American Dietetic Asso- liação nutricional da desnutrição por métodos antropo-
ciation, 2000. métricos”. In: Shii.$, M. E.; Olson, J. A.; Shike, M.; Ro->'.
McMillan, D. C; Scott, H. R.; Watson, W. S.; A. C. (orgs.). Tratado de nutrição moderna na saúde e tu
Preston, T.; Milroy, R.; McArdle, C. S. “Longitudinal doença. 9. ed. Barueri: Manole, 2003.
study of body cell mass depletion and the inflammatory Tchfkmedyian, N. S. “Pharmacoeconomics of nutri- m_ y.
response in câncer patients”. Nutrition and Câncer, v. 31, tional support in câncer”. Seminars in Oncology, v. 25, n.
n. 2, p. 101-5, 1998. 2, supl. 6, p. 62-9, 1998. 2n«
Méier, R.; Steüerwald, M.; Waitzberg, D. L. “Imu- Thompson, M. P.; Cooper, S. X; Parry, B. R.; Tu-
nonutrição em câncer”. In: Waitzberg, D. L. (org.). Die Ckey, J. A. “Increased expression of the mRNA for hor-
ta, nutrição e câncer. Rio de Janeiro: Atheneu, 2004, p. mone-sensitive lipase in adipose tissue of câncer pa-
630-7. rients”. Biochimica et Biophysica Acta, v. 1180, n. 3, p.
Mili.er, A. L. “Therapeutic considerations of L-glu- 236-42, 1993.
tarnine: a review of the literamre”. Alternative Medicine Tisdale, M. J. “Câncer anorexia and cachexia”. Nu
Review, v. 4, n. 4, p. 239-48, 1999. trition, v. 17, n. 5, p. 438-42, 2001.
Nitenberg, G.; Raynard, B. “Nutritional support of ____ . “Câncer cachexia”. Anti-cancer Drugs, v. 4, n.
the câncer patient: issues and dilemmas”. Criticai Reviews 2, p. 115-25, 1993.
in Oncology/Hematology, v. 34, n. 3, p. 137-68, 2000. ____ . “Câncer cachexia: metabolic alterations and
Ottery, F. D. “Definition of srandardized nutritional clinicai manifestations”. Nutrition, v. 13, n. 1, p. 1-"*.
assessment and interventional pathways in oncology”. 1997.
Nutrition, v. 12, supl. 1, p. SI5-9, 1996. ____ . “Molecular pathways leading to câncer cache-
____ . “Rethinking nutritional support of the câncer xia”. Physiology, v. 20, p. 340-8, 2005.
patient: the new field of nutritional oncology”. Seminars Todorov, R; Cariuk, P.; McDevitt, T.; Coles, B.:
in Oncology, v. 21, n. 6, p. 770-8, 1994. Ffaron, K.; Tisdale, M. “Characterization of a canccr
Papapiftro, K.; Díaz, E.; Csendes, A.; Díaz, J. C.; cachectic factor”. Nature, v. 379, n. 6567, p. 739-42.
Burdiles, P.; Maluenda, F.; Braghetto, I.; Llanos, J. L.; 1996.
D’Acijn'a, S.; Rappoport, J. “Early enteral nutrition in cân Todorov, P. X; McDevitt, X M.; Meyer, D. J.; Ueya-
cer patients subjectcd to a total gastrectomy”. Revista Mé ma, H.; Ohklbo, I.; Tisdale, M. J. “Purification and char
dica de Chile, v. 130, n. 10, p. 1125-30, 2002. acterization of a tumor lipid-mobilizing factor”. Canccr
Park, K. G.; Heys, S. D.; Blessing, K.; Kelly, P; Mc- Research, v. 58, n. 11, p. 2353-8, 1998.
Nurlan, M. A.; Eremin, O.; Garlick, P. J. “Stimularion Torosian, M. H. “Perioperative nutrition support
of huinan breast cancers by dietary L-arginine”. Clinicai for patients undergoing gastrointestinal surgery: criticai
Science, v. 82, n. 4, p. 413-7, 1992. analysis and recommendations”. World Journal of Surgery.
Rivadeneirà, D. E.; Evoy, D.; Fahey 3*°, T. J.; Lieber- v. 23, n. 6, p. 565-9, 1999.
MAN, M. D.; Daly, J. M. “Nutritional support of the cân Vigano, A.; Watanabe, S.; Bruera, E. “Anorexia and
cer patient”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, v. 48, n. cachexia in advanced câncer patients”. Câncer Surveys, v.
2, p. 69-80, 1998. 21, p. 99-115, 1994.
Rouse, K.; Nwokedi, E.; Woodliff, J. E.; Epstein, J.; Waitzberg, D. L. “Câncer”. In: Waitzberg, D. L.
Klimberg, V. S. “Glutamine enhances selectivity of chemo- (org.). Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clíni
therapy through changes in glutathione metabolism”. Ati ca. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2000.
nais ofSurgery, v. 221, n. 4, p. 420-6, 1995. Waitzberg, D. L; Caiaffa, W. X; Correia, M. I. “Hos
Sanchez, M. D. Dieta progressiva versus dieta livre pital malnurrition: the Brazilian national survey (Ibranu-
no pós-operatório de operações eletivas sobre o trato di rri): a study of 4000 patients”. Nutrition, v. 17, n. 7-8, p.
gestivo e órgãos anexos. 2001. Dissertação (Doutorado em 573-80, 2001.
Cirurgia) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal Waitzberg, D. L.; Ferrini, M. X “Avaliação nutricio
de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais. nal”. In: Waitzberg, D. L. (org.). Nutrição oral, enteral e
Schattner, M. “Enteral nutritional support of the parenteral na prática clínica. 3. ed. São Paulo: Atheneu,
patient with canccr: route and role”. Journal of Clinicai 2000.
Gastroenterology, v. 36, n. 4, p. 297-302, 2003. Waitzberg, D. L.; Pinto Jr., P. E.; Cecconello, 1. “In
Shaw, J. H.; Wolfe, R. R. “Fatty acid and glyce- dicação, formulação e monitorização em nutrição paren
rol kinetics in septic patients and in patients with gastro teral total central c periférica”. In: Waitzberg, D. L. (org.).
TERAPIA OCUPACIONAL EM ONCOLOGIA
Marilia Bense Otherc
é uma] experiência pessoal, complexa, multidimensional, as relações, as diferenças precisam ser contemplados na
mediada por vários componentes sensoriais, afetivos, cog assistência ao paciente com câncer.
nitivos, sociais e comportamentais”. Lacerda e Valia (2006) propõem que para compreen
Por isso, muitos autores, como Schisler (1997), Ko- der a natureza do sofrimento humano e do adoecimento
vács (1999), Pimenta (2003) e Pessini (2004), entre ou seria preciso transcender a dualidade corpo-mente e cui
GIA tros, utilizam o conceito de dor total, que traz contribui dar dos sujeitos como uma totalidade, em uma atitude de
ções importantes para a reflexão sobre o câncer. compaixão, solidariedade e apoio mútuo, implicando uma
Esse conceito foi proposto pela doutora Cecily Saun- abordagem e um trabalho interdisciplinares. Os autores
ders, pioneira no cuidado com pacientes terminais. Para afirmam que, para essa compreensão ampliada, os profis
Schisler (1997), dor total significa que não existe apenas sionais precisam, cm sua prática clínica cotidiana, levar em
o aspecto físico da dor, mas que há uma gama de sofri consideração como cada indivíduo ficou afetado em sua
mentos que cercam a experiência da doença, envolvendo existência, bem como os sentidos e significados trazidos
aspectos emocionais, sociais, culturais e espirituais, bem pela situação de adoecimento à vida de cada um.
como questões financeiras, o relacionamento interpessoal As ações curativas - quando necessárias - devem ser
e familiar. A pessoa em sua totalidade está sofrendo. realizadas, mas o foco das intervenções deverá ser am
O fato de estar doente ou ser doente pode representar pliado, abordando todas as demandas e necessidades do
uma vida totalmente diferente para o indivíduo, pois pode paciente e de sua família. As intervenções no campo da
rá estar excluído de suas atividades e papéis sociais, sentir- saúde devem ser pautadas por referenciais mais amplos e
se impotente, ter seus medos e inseguranças aumentados e humanizados, sendo construídas de maneira que pacien
•>ua integridade ameaçada. O adoecimento e o sofrimento tes, familiares e profissionais possam compartilhá-las, para
podem destruir seus sonhos, projetos e esperanças, c todas que a meta de melhoria da qualidade de vida seja efetiva
essas dimensões devem ser consideradas no processo que mente alcançada.
envolve saúde e doença (Lacerda e Valia, 2006). Para Lacerda e Valia (2006), cuidar é uma atitude
Além disso, não é apenas o portador da doença que so interativa que inclui o relacionamento entre as partes en
fre; como já mencionado, com o câncer os familiares tam volvidas, compreendendo acolhimento, escuta dos sujeitos
bém enfrentarão situações difíceis. Uma pesquisa (Othero e e, algo fundamental, respeito pelo seu sofrimento e pelas
De Cario, 2006) relacionou dificuldades bastante relevantes suas histórias de vida.
mencionadas pelos familiares, como mudanças e rupturas Em consonância com esse paradigma, atualmente
no cotidiano, situações de sofrimento, medo do diagnós existe o conceito de cuidados paliativos, referencial muito
tico, estigma do câncer (relacionado à morte), períodos de difundido e utilizado no campo da oncologia. Segundo a
hospitalização, entre outras. Incertezas e ambigüidades de Organização Mundial da Saúde (OMS), cuidados paliati
finem o processo, com momentos de angústia e isolamento, vos são o conjunto de medidas capazes de prover melhor
pela própria fase que estão vivenciando. E, de acordo com qualidade de vida à pessoa com alguma doeuça que amea
Silva (2001), uma crise ameaçadora, que exige mudanças ce a continuidade de sua existência, bem como a seus fa
de papéis, construção de estratégias para o enfrentamento miliares, com suporte emocional, social e espiritual dado
dos problemas, transformações nas atitudes perante a vida, por equipe multiprofissional. Essa abordagem propõe a
além de um período de adaptação às mudanças. atenção integral aos pacientes e seus familiares, desde o
Diante de um panorama tão complexo, abranger nas momento do diagnóstico até a fase final de vida.
intervenções em saúde apenas o aspecto físico da doen Kovács (1999) complementa essa definição ao ressal
ça não é mais suficiente. Para que essas vivências possam tar que, nos cuidados paliativos, deve-se favorecer todo
>er enfrentadas e transformadas, é preciso que paciente e e qualquer tratamento que promova a qualidade de vida
família estejam em um ambiente hospitaleiro, com uma do paciente e o alívio do sofrimento, até o momento da
equipe de profissionais que forneça apoio, por meio de morte. Segundo Maciel (2006), a grande contribuição dos
fc*gg»- acolhimento, escuta e intervenções técnicas. Portanto, sur- cuidados paliativos está em: saber cuidar e aliviar a dor
-te um novo paradigma como base para a atuação profis e o sofrimento sem abreviar a vida; tornar vivos os mo
sional: o cuidar. mentos que restam ao paciente (tenha ele um prognóstico
Nessa perspectiva, segundo Pessini (2004), as ações que lhe dê alguns anos ou alguns dias); estabelecer uma
estarão orientadas para o alívio do sofrimento, com foco comunicação verdadeira; respeitar a autonomia; orientar
prevalente na pessoa doente e não na doença em si. A dor os familiares e oferecer a eles suporte adequado; prover
e o sofrimento devem representar a mais alta prioridade assistência durante todo o processo de morte, bem como
das ações na área da saúde; o compromisso é com o bem- no período de luto.
T estar do indivíduo, com o “estar junto”, fazendo-se todo Em 1990, a OMS reconheceu e recomendou os cui
ã: ad o possível para aliviar as dificuldades enfrentadas. Com dados paliativos como um dos pilares integrantes da as
isso, a história de vida, os valores, os projetos, os desejos, sistência ao câncer. Esse referencial pode ser adotado em
458 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
todos os estágios da doença, já que é sempre possível in formas produtivas, a vida cultural são alguns exen -
cluir nas propostas terapêuticas o controle de sintomas e o pios de remas que referendam, conectam e agenciam
cuidado psicológico, emocional, ocupacional e espiritual, experiências, potencializam a vida, promovem trar.--
além do suporte aos familiares. formações, produzem valor.
controle cicatricial, posicionamento, uso funcional do e, assim ampliar suas relações e participações em outros
membro superior, bem como adaptações funcionais para espaços e vivências.
execução das atividades de vida diária. Também existem profissionais atuando em centros
Porém, nesse período o foco da atuação pode estar de tratamento da dor, utilizando técnicas específicas
na própria hospitalização, enfatizando-se os aspectos para controle de dor e fadiga, como abordagens de in
^eaai emocionais, as rupturas e as limitações decorrentes des tegração físico-psíquica (relaxamentos, consciência cor
se processo. As mudanças no cotidiano são radicais, com poral, massagens etc.), exercícios, treinos dc atividades,
restrições e poucas possibilidades de escolha; o terapeuta confecção de órteses e outros dispositivos para posicio
ocupacional pode ajudar os pacientes a ter, dentro de um namento e adaptação. Pengo e Santos (2004) afirmam
ti espaço despcrsonalizante, maiores realizações, atividades que fazer atividades significativas facilita o controle da
D* 3X significativas, autonomia e senso de controle sobre a vida. dor, uma vez que o índice de endorfina do indivíduo
m ?« Essa maneira de intervir pode ser parte do cuidado em aumenta e, com isso, diminui a necessidade do consumo
i '.ajf todas as etapas da doença, com a ruptura vivenciada pelo de analgésicos. Completam dizendo que as atividades
»xr> processo de hospitalização já requerendo os serviços da lúdicas, expressivas, musicais, de leitura, somadas às in
RT -LTTT terapia ocupacional. tervenções não medicamentosas, têm mostrado efeitos
k Ejb Nos ambulatórios, a ênfase também estará nas positivos no alívio da dor.
possibilidades de reabilitação e ganhos funcionais do Nos estágios terminais da doença e no momento da
. jrrog paciente, permitindo a ele maior independência na rea morte, o terapeuta ocupacional, segundo Picard e Magno
lização de suas atividades. Muitas vezes, o câncer, os (1982), terá o papel de dar continuidade aos sentidos que
irraní tratamentos e os procedimentos feitos podem deixar a vida tem segundo o paciente, mesmo que essa vida seja
seqüelas no paciente; sendo assim, o trabalho estará de poucos dias. Toda a atuação estará voltada a adicionar
voltado para a melhora da capacidade motora (força, vida aos dias remanescentes do paciente.
amplitude de movimento, coordenação, destreza), a Sendo assim, as atividades significativas devem estar
prevenção e/ou minimização de deformidades, a con presentes até a morte, pois contribuem para que o sujeito
fecção e indicação de adaptações para a realização das continue autônomo, construindo sua história, relacionan
atividades da vida diária, os treinos e exercícios funcio do-se com pessoas e fazeres, tendo prazer.
nais, entre outros. Em todas as fases da doença, a atuação também
No nível ambulatorial, também podem ser desenvol- pode acontecer no domicílio do paciente, adequando-o
\idas ações de retomada do estudo e do trabalho. Na me à sua condição de saúde, tornando-o mais acessível e
dida de suas possibilidades, é fundamental que o paciente também possibilitando-lhe maior independência na rea
vem possa continuar desenvolvendo essas ocupações durante lização de atividades de vida diária e de vida prática no
L ar- o tratamento; com o seu término, ele precisará ainda de seu ambiente domiciliar.
E3» apoio, auxílio e orientações na retomada definitiva dessas Um aspecto que deve ser necessariamente ressaltado
atividades. é a assistência pediátrica, pois traz particularidades impor
Quando a ênfase está nos aspectos reabilitativos, tantes. O objetivo geral permanecerá e todas as estratégias
é preciso mencionar que o objetivo maior deve ser a citadas poderão ser urilizadas, mas o brincar e a infância
qualidade de vida global do paciente com câncer, para deverão ter papel central nas intervenções do terapeuta
permitir-lhe a realização de suas atividades significativas, ocupacional; há, inclusive, espaços específicos de atuação
de maneira autônoma. De acordo com Pengo e Santos nesse campo, como as brinquedotecas, por exemplo.
(2004), os recursos utilizados pelo terapeuta ocupacional Outra questão a ser destacada é o papel da terapia
possibilitam ao paciente tornar-se independente em suas ocupacional nas ações preventivas, cujo trabalho leva em
atividades de manutenção, profissionais e de lazer. conta o cotidiano, o estilo de vida e a busca dos fazeres
Nas unidades de transplante de medula óssea, a significativos. Segundo Lewis (2003), muitos profissio
atuação da terapia ocupacional é indispensável, uma vez nais vêm atuando satisfatoriamente em programas que
que o paciente precisa ficar por muito tempo em situação ajudam o indivíduo a perder o hábito de fumar, por
de isolamento no quarto e, segundo Mastropietro et al. exemplo, bem como no desenvolvimento de estratégias
(2006), são muitas as limitações decorrentes do próprio dc redução do estresse.
tratamento, como impossibilidade de exercer atividades Resumidamente, alguns autores, como Palm (2007) e
que exijam esforço físico, uso intenso de medicações, re Oliveira et al. (2003), enumeram os objetivos da atuação
tornos ambulatoriais freqiientes, possibilidade de recaí da terapia ocupacional em oncologia, facilitando a visuali
das, entre outras. Para os autores, um papel fundamental zação e o entendimento desse vasto campo de práticas. A
do terapeuta ocupacional é ajudar o paciente na recons seguir, serão descritos alguns tópicos levantados por eles.
mu
trução de seu cotidiano, oferecendo a ele espaços de saú Para Palm (2007), os objetivos gerais são: intervir
de, nos quais seus fazeres particulares possam acontecer no ambiente hospitalar, ambulatorial ou domiciliar para
460 TEMAS EM PSfCO-ONCOLOGIA
em sua atuação, especialmente no campo da psicologia e Em cada atendimento é feita uma análise das ativida
assistência social. des a serem desenvolvidas, integrando aspectos da execu
Além disso, Pengo e Santos (2004) destacam que o ção da atividade com as capacidades do indivíduo e seus
terapeuta ocupacional deve conhecer as condições an interesses, contemplando as adaptações c outros recursos
teriores ou concomitantes à doença (estresse, conflitos, que sejam necessários. Esse processo tem como objetivo
traumas), para compreender melhor a situação atual dos possibilitar que o sujeito realize a atividade desejada, tra
pacientes e familiares, considerando as dificuldades e as zendo a experiência da potencialidade e do controle sobre
negações muitas vezes vivenciadas. a vida e sobre as suas ações.
Lacerda e Valia (2006) afirmam que o sofrimento Para cada paciente é criado um projeto terapêutico
pode levar o sujeito a perder a esperança em sua própria individualizado, conforme seus desejos, necessidades e in
existência, não mais acreditando que determinadas situa teresses, construído pelo olhar conjunto do terapeuta e do
ções possam se modificar; porém, afirmam ainda que ao paciente, a fim de que o cotidiano seja permeado por ativi
encontrar um sentido para a própria vida e adquirir o con dades significativas, com a realização de projetos em curto
trole da situação os sujeitos tornam-se capazes dc transfor prazo e a vivência de experiências de potência. O trabalho
mações, e o sofrimento também é aliviado. em terapia ocupacional não é esvaziado de significados ou
Os atendimentos propostos têm como objetivo prin distanciado da realidade e das demandas do sujeito.
cipal o resgate das potencialidades e dos fazeres dos indi Os diálogos sobre a morte e o morrer rêm espaço
víduos, ou seja, a realização de atividades significativas em no atendimento terapêutico ocupacional. Segundo Ko-
jm momento de limitações importantes e finirude, preser vács (1999), a acolhida e a compreensão do falar sobre a
vando o controle sobre a própria vida. Castro et al. (2001, morte (e, às vezes, do “desejo de morrer” - o qual pode
p. 49) arrematam: “A partir do encontro inicial entre te ser relacionado com o desamparo, o medo, a inseguran
rapeutas e pacientes estabelece-se um resgate biográfico ça), sem preconceitos ou recriminações, podem aliviar
no campo das atividades, no qual se descobrem interes os sentimentos de solidão e incompreensão. E, muitas
ses, habilidades e potencialidades que delineiam caminhos vezes, fazer atividades possibilita a abertura de outros
possíveis no rol das atividades e produções humanas”. canais e elos de comunicação, auxiliando o doente nesse
Assim, os atendimentos da terapia ocupacional po- processo.
iem ser individuais ou grupais, e diversas atividades são Castro et al. (2004) trazem ainda outra dimensão
desenvolvidas - artesanais, manuais, expressivas, musicais -, para as atividades no hospital: a possibilidade de manter a
:odas de acordo com a necessidade, o interesse e a história singularidade de cada sujeito dentro de um espaço homo-
de cada paciente. geneizador, construindo com ele um cotidiano mais rico,
I» Para aqueles com maior grau de limitações e depen próprio, e trazendo para o ambiente hospitalar aspectos
dência, a música é um importante recurso a ser utilizado, culturais da vida fora dele.
?ois possibilita o estímulo à memória afetiva, a (re)criação Segundo Lacerda e Valia (2006), quando privados
ce sua história e de sua presença no mundo, além de con do convívio social, os sujeitos perdem a referência in
forto emocional e espiritual. A leitura de poemas, contos terna, sua identidade. E, por isso, é fundamental que
r poesias também é um recurso interessante a ser utiliza vivenciem experiências compartilhadas; “vida de huma
do, com bons resultados observados na prática cotidiana. no é memória e convívio. Sem um ou sem o outro, de
rtt - Os pacientes cm condição clínica mais instável são saparece o Homem, embora possa ele, ainda, sobreviver
.ransferidos para a unidade semi-intensiva do hospital, na inteiramente desafortunado” (Valadares apud Lacerda e
qual podem ser monitorados continuadamenrc. A desper- Valia, 2006, p. 97).
s a a Min
"onalização do espaço fica ainda mais marcante, com sons Nessa perspectiva, o atendimento em grupo é uma es
e ruídos constantes, bem como aparelhos ao redor de toda tratégia fundamental, pois permite a convivência, a interação
2 unidade. Assim, o uso da música também pode propiciar e as trocas entre seus participantes (trocas de afetos, de sabe
a instauração de um ambiente mais acolhedor, digno e sin res, de hisrórias, de experiências), possibilitando estreitamen
gular para cada um daqueles que ali estão. to de vínculos e construção de diferentes formas de apoio.
No caso de indivíduos com maior capacidade funcio Além disso, permite que o familiar, o cuidador e a equipe
nal, buscam-se as atividades significativas para eles, sejam percebam potencialidades remanescentes dos pacientes e que
atividades que deixaram de fazer pela doença sejam novos sejam criadas novas formas de relacionamento entre eles.
462 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Oficinas de atividades são uma abordagem grupai paliativos é apresentada, além de as produções ficarem ao vfl
utilizada, sendo coordenadas pelo terapeuta ocupacional. expostas. Toda a equipe, familiares e pacientes que ji àt resa
Elas possibilitam a existência de espaços de criação, ex estiveram no hospital são convidados, criando um mo A
pressão e experimentação, além da ampliação do reper mento importante de troca e resgate do processo de fazer
tório de atividades dos pacientes, entre outros aspectos atividades.
já mencionados. Familiares podem participar dos grupos, Nesse sentido, Castro et al. (2001, p. 53) afirmam:
inclusive crianças, criando momentos de convivência fa põec 1
miliar e trocas afetivas muito significativos. Promover exposições, festas, participação em ei» qm
Pintura em tela, cm tecido, em madeira, artesanato com eventos, feiras, enfim, experiências em espaços de
jornais, colagem, découpage, utilização de cartões em di maior liberdade e trânsiro social, permite a constru ai» oc
ferentes datas comemorativas, fabricação de bijuterias e ção de um novo cotidiano e auxilia na transformação
reciclagem são alguns exemplos de atividades desenvolvi cultural [...]. Essas situações produzem efeitos nos
das nas oficinas. expositores e no público, transformando as relações
Para os pacientes que se alimentam por via oral, é in entre eles e redimensionando o trabalho nos grupos
dispensável a existência de estratégias para estimular e fa de atividades em que as produções artísticas são rea çàdii
cilitar a alimentação autônoma e independente. Com essa lizadas. Processo e produro passam, nesse contexto, 2
finalidade, são realizados jantares em uma sala de refeições formar uma unidade de sentido.
especial, que permitem aos indivíduos inreragir entre si e
estar à mesa fazendo refeições com a família, aspectos tão
significativos na cultura brasileira. Atendimento domiciliar
Esses grupos estão insertos em um projeto maior, De acordo com a proposta de cuidado integral,
denominado “Cuidando de Quem Cuida”, criado pela é fundamental disponibilizar aos pacientes que têm
psicóloga, pela terapeuta ocupacional c pela então psi alta hospitalar um serviço de atendimento domici
quiatra do serviço que serviu de modelo para essas ob liar, com a cobertura de convênios e seguradoras de
servações. Inicialmente planejado como um projeto vol saúde. Além da tradicional composição da equipe,
coe 2 f
tado à atenção e orientação aos familiares, cuidadores com a presença de médicos e profissionais dc enfer
e equipe, também desenvolveu atividades nas quais os 2T7Z^13J
magem, há a necessidade da participação de profis
ac xsa
pacientes estão insertos. sionais de saúde mental de diferentes áreas: serviço
O projeto inclui sessões mensais de cinema, definidas social, psicologia e terapia ocupacional.
com base nos temas de interesse dos pacientes e cuidado O paradigma do cuidar e a abordagem dos cui
res que se encontram na instituição naquele momento. dados paliativos têm servido como referência para as
A assistência à família é parte imprescindível do práticas, o que contribui para um olhar mais integra!
cuidado com o paciente oncológico; portanto, existem do sofrimento humano, assim como para a atenção ao<
ainda as ações especificamente voltadas aos familiares e familiares e cuidadores, além de proporcionar maior
:a
cuidadores e à própria equipe do hospital, com parti autonomia e qualidade dc vida aos pacientes.
cipação ativa do terapeuta ocupacional. Há grupos de A atenção ao grupo oncológico é uma das prio
aâiçcaf
acolhimento e de orientação sobre o cuidado, outros ridades dessa equipe multidisciplinar, sendo definida
c npa
de trocas de saberes e fazeres, dinâmicas sobre o cuidar, pelos seguintes critérios: complexidade das demandai
Cm
entre outras ações. envolvidas e possibilidade de integração com o servi
Em casos mais pontuais e específicos, o terapeuta ço hospitalar de referência.
ocupacional também atende individualmente familiares Muitas vezes, as limitações trazidas pela doença
de pacientes, resgatando atividades que esses cuidado permanecem quando o paciente está em casa, causando
res deixaram de fazer ao assumir esse papel, bem como um empobrecimento do cotidiano. Na proposta de aten
possibilitando novas experiências de porência, aprendiza dimento domiciliar, o terapeuta ocupacional mantém
do e descoberta. Pintura, bordados, origami são algumas seus objetivos principais: o resgate da autonomia e da
das atividades já realizadas. Essa modalidade de atuação é independência no cotidiano (atividades de vida diária, de
proposta nos casos em que o cuidador passa por situação vida prática, de lazer e de trabalho), bem como a realiza
significativa de sobrecarga, podendo ser outra estratégia ção de novas atividades e projetos, com base na vivência
de cuidado, acolhimento e apoio. da doença e dc acordo com os interesses e as possibili
í úo 34
Com algumas produções das oficinas e dos atendi dades do paciente.
*-
mentos são feitas exposições internas, organizadas con Com isso, as intervenções podem funcionar como
áwxsd
juntamente entre terapeutas, pacientes, familiares e cui facilitadoras de um processo de reconstrução da autono
dadores. Nelas, a proposta do hospital e dos cuidados mia no lar e no convívio familiar e do resgare das ativida-
TERAPIA OCUPACIONAL EM ONCOLOGIA 463
Referências bibliográficas
Castro, E. D.; Lima, E. M. F. A.; Brunello, M. I. B. Nascimento-Schulze, C. M. “As contribuições do en
“Atividades humanas e terapia ocupacional”. In: DE Carlo, foque psicossocial para o cuidado junto ao paciente por
M. M. R. do E; Bartalotti, C. C. (orgs.). Terapia ocupa- tador de câncer”. In: Nascimento-Schulze, C. M. (org.
cional no Brasil: fundamentos e perspectivas. São Paulo: Dimensões da dor no câncer: reflexões sobre o cuidado in-
Plexus, 2001, p. 41-59. terdisciplinar e um novo paradigma da saúde. São Paulo:
Castro; E. D.; Lima, E. M. R A.; Casticlioni, M. C.; Robe, 1997, p. 31-48.
Silva, S. N. P. “Análise de atividades: apontamentos para Oliveira, A. S. de; Silva, A. A.; Albuquerque, L:
uma reflexão atual”. In: de Carlo, M. M. R. do P.; Luzo, Akashi, L. T. “Reflexões sobre a prática de terapia ocupa
M. C. dc M. (orgs.). Terapia ocupacional: reabilitação cional cm oncologia na cidade de São Carlos”. Cadernos
física e contextos hospitalares. São Paulo: Rocca, 2004, de Terapia Ocupacional da UFSCar, São Carlos, v. 11, n
p. 47-73. 2, p. 118-23,2003.
Ferrari, M. A. C. “Lazer e ocupação do tempo livre Othero, M. B.; de Carlo, M. M. R. do P. “A famíln
na terceira idade”. In: PapalÉO Netto, M. (org.). Geronto- diante do adoecimento e da hospitalização infantil: desa
logia: a velhice e o envelhecimento em visão globalizada. fios para a terapia ocupacional”. Prática Hospitalar, São
São Paulo: Atheneu, 2005, p. 98-105. Paulo, ano 8, n. 47, p. 100-4, 2006.
Guimarães, S. S. “Introdução ao estudo da dor”. In: Palm, R. C. M. “Oncologia”. In: Albuquerque e Sou
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Dor: um estudo multi- za, A. C. de; Galváo, C. R. C. (orgs.). Terapia ocupacio
disciplinar. 2. ed. São Paulo: Summus, 1999, p. 13-30. nal: fundamentação & prática. Rio de Janeiro: Guanabara
Kovács, M. J. “Pacientes em estágio avançado da Koogan, 2007, p. 487-92.
doença, a dor da perda e da morte”. In: Carvalho, M. M. PENGO, M. M. S. B.; Santos, W. A. “O papel do tera
M. J. de (org.). Dor: um estudo multidisciplinar. 2. ed. São peuta ocupacional em oncologia”. In: de Carlo, M. M.
Paulo: Summus, 1999, p. 318-37. R. do P.; Luzo, M. C. de M. (orgs.). Terapia ocupacio
Lacerda, A.; Vai.la, V V “As práticas terapêuticas de nal: reabilitação física e contextos hospitalares. São Paulo:
cuidado integral à saúde como proposta para aliviar o so Rocca, 2004, p. 233-55.
frimento”. In: Pinheiro, R.; Mattos, R. A. de (orgs.). Cui Pessini, L. “A filosofia dos cuidados paliativos: uma
dado: as fronteiras da integral idade. 3. ed. Rio de Janeiro: resposta diante da obstinação terapêutica”. In: Pessini, L.:
IMS-Uerj/Cepesc/Abrasco, 2006, p. 91-102. Bertachini, L. (orgs.). Humanização e cuidados paliativos.
Lewis, S. C. Elder care in occupational therapy. 2. ed. São Paulo: Edunisc/Loyola, 2004.
Thorofare: Slack, 2003. Picard, H. B.; Magno, J. B. “The role of occupational
Maciel, M. G. S. “A terminalidade da vida e os cui therapy in hospice care”. The American Journal of Occu
dados paliativos no Brasil: considerações e perspectivas”. pational Therapy, v. 36, n. 9, p. 597-8, 1982.
Prática Hospitalar, São Paulo, ano 8, n. 47, p. 46-9, Pimenta, C. A. M. “Dor oncológica: bases para ava
2006. liação e tratamento”. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 27.
Mastropietro, A. R; Santos, M. A. dos; Oliveira, E. A. n. 1. p. 98-110, 2003.
“Sobreviventes do transplante de medula óssea: construção Schisler, E. L. “O conceito de dor total no câncer”.
do cotidiano”. Revista de Terapia Ocupacional da Universi In: Nascimento-Schulze, C. M. (org.). Dimensões da dor no
dade de São Paulo, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 64-71, 2006. câncer: reflexões sobre o cuidado interdisciplinar e um novo
Mello, M. A. F. de; de Carlo, M. M. R. do P.; Bar paradigfna da saúde. São Paulo: Robe, 1997, p. 49-62.
roso, P. N.; Seabra, R. C. “Processo avaliativo em terapia Silva, C. N. Como o câncer (des)estrutura a família.
ocupacional”. In: de Carlo, M. M. R. do P.; Luzo, M. São Paulo: Annablume, 2001.
C. de M. (orgs.). Terapia ocupacional: reabilitação física e Universidade de São Paulo. Disponível cm:<ww\v.
contextos hospitalares. São Paulo: Rocca, 2004, p. 74-98. fm.usp.br/to>. Acesso em: 20 fev. 2008.
h* FONOAUDIOLOGIA EM CÂNCER
Lica Arakawa Sugueno; Alessandra Cristina dos Santos Fornari
i. u
IL *.
tensidade, modulação e projeção apropriadas para o sexo pregas vocais. Os fonoaudiólogos identificarão uma voz tomií á
e a idade do falante, e transmite a mensagem emocional rugosa, tensa e soprosa, vista apenas como “rouca” pele loddadi
do discurso (Behlau et al2001). paciente, apresentando as seguintes características: sor mamrea
mais grave, com ruído, saída de ar e esforço maior à fala. de se ca
Quando a doença se inicia em outras regiões da laringe, jos; p a
Motricidade orofacial nem sempre a mudança na voz é percebida por não espe : -
A área de motricidade orofacial envolve as funções cialistas. As queixas relacionadas ãs funções de deglutição
estomatognáticas, ou seja, as funções baseadas nas estru e respiração são mais notadas. Os sintomas ligados à de têm a ±
turas que compõem o sistema formado pelos ossos fixos glutição - dor ao engolir e engasgos - são mais comuns em se-o. pa
da cabeça, a mandíbula, o hióide e o esterno, os múscu pacientes com câncer na região supraglótica. ração e
los da mastigação, da deglutição e faciais, as articulações tem- No câncer de boca e orofaringe, o maior comprome fali_ Q*i
poromandibulares e dentoalveolarcs, os dentes e tecidos timento c na fala c na deglutição. A doença não interferí car í a
anexos, o sistema vascular, e dependem do sistema ner diretamenre na fonte sonora, e sim em sua modulação,
voso central e periférico (Felício, 2004). A fala, sucção, devido às alterações no trato vocal. Há uma tendênci:
deglutição, respiração, mastigação e mímica facial estão ao aumento da nasalidade por incompetência do véu pi- co e dal
compreendidas nessa área. latino ou mesmo pela dificuldade em abrir a boca, dire enfoca
A deglutição é um processo complexo, dependente cionando uma quantidade maior de ar para a cavidadr eatre sa
da coordenação e integridade de várias estruturas correla nasal. A tensão na região faríngea aumenta, produzinc:
cionadas, desde a cavidade oral, faringe e laringe até o esô uma voz com uma característica “metálica”, como se es
fago. Para que ocorra de maneira segura e eficaz, depen tivesse sendo utilizado um microfone com amplificaçã:
de de um controle neuromuscular fino coordenado pelos de baixa qualidade. GooçaÀ
nervos encefálicos, córtex e tronco cerebral. Sua função A articulação ficará modificada, pois o volume tum Nj
primordial é conduzir o alimento, a saliva e os resíduos do ral, a redução na abertura da boca e a dor causada pela le otacni
trato respiratório pela cavidade oral até o estômago, pro são afetam os movimentos dos órgãos fonoarticulatórios. çãc ài f
movendo hidratação e nutrição adequadas e colaborando prejudicando a inteligibilidade da fala. r_;i j
com a higiene da via aérea (Marchesan, 1996). Disfagia Com relação à deglutição, são comuns queixas de cKüd
é um conjunto de sintomas que afetam o processo de de dor, engasgos, dificuldade para mastigação e percepçã: aso ?rd
glutição durante o transporte do bolo da cavidade oral ao do alimento. A consistência do alimento sólido é referida axao ã
estômago (Gaziano, 2002), em decorrência de alterações como a mais difícil.
orgânicas ou funcionais, interferindo na nutrição, hidrata A mímica facial é um instrumento importante na o - Ai
ção e proteção da via aérea. municação não verbal, auxiliando na transmissão de senr- ,~AÍ1 1 i
mentos, pensamentos e emoções. Tumores do nervo facia
podem levar a uma paralisia ou paresia da musculatura di raç> a
Câncer e fonoaudiologia mímica, gerando um impacto estético, emocional e social. A
Entre as regiões anatômicas, os tumores neurológicos Segundo Lazarini et al. (2002), a ocorrência de paralisia-
e os que se desenvolvem na região da cabeça e do pescoço faciais de origem neoplásica perfaz um total de 5%. São
são os que mais freqüentemente acometem as funções re decorrentes da compressão extrínseca do nervo pelo ru
lacionadas à área fonoaudiológica. mor ou de neoplasia de manifestação sistêmica, como i
Considerando o câncer de cabeça e pescoço, a altera leucemia, levando a um quadro de paralisia facial unilate
ção decorrente do câncer de laringe é a mais conhecida e ral ou bilateral.
estudada no meio fonoaudiológico. Segundo o Ministério Pacientes com câncer de tireoide, ou doenças benignas
da Saúde, aproximadamente 60% dos pacientes que têm dessa glândula, podem apresentar alterações funcionais oe. As j
câncer de laringe apresentam alterações vocais referidas mesmo antes do tratamento. A literatura relata, em espe m ca
como “rouquidão”, porém essa queixa não necessariamen cial, uma relação da disfonia com o volume tumoral, hipo
te conduz o paciente brasileiro a um médico, pois a nossa ou hipertireoidismo e tipo de doença. Tal fato parece es
cultura valoriza, de cerro modo, a voz discreta ou até mo tar relacionado com compressão do nervo laríngeo, ramo
deradamente rouca. Uma campanha internacional iniciada do décimo par craniano, o vago, edema de pregas voca:>
no Brasil, que proclamou o dia 16 de abril o dia da voz, sa ou mesmo alterações respiratórias causadas por distúrbios
lienta a importante orientação de que a voz agradável deve metabólicos (Stemple et al., 2000; Stojadinovic et ai. 1
ser uma voz saudável (Svec e Behlau, 2007). 2002; Pereira et al., 2003).
Independentemente da sua localização específica Em tumores do sistema nervoso central, o impacr
(pregas vocais, supraglote, subglote), o câncer causa al maior ocorre na linguagem, na fala e na deglutição, com ac» a
gum tipo de alteração vocal; porém, a mais audível ocorre risco de complicações pulmonares devido à aspiração dt
quando a doença inicia-se no nível glótico, ou seja, das saliva ou alimento. A ocorrência e o grau dos sinais e sin-
FONOAUDIOLOGIA EM CÂNCER 4«7
Kl «■ tomas funcionais dependem da natureza, extensão e ve c glândulas salivares manifestadas pela inflamação de mu
r nr» locidade de crescimento do tumor, e do local da lesão. A cosa que causa dor à fala e deglutição, pela xerostomia,
fc vCS manifestação dos sintomas envolve a perda da capacidade ou seja, secura da boca ou espessamento da saliva, pela
de se comunicar e de expressar as necessidades e os dese alteração no paladar e pelo aumento de infecções orais, e
jos; pode haver a súbita necessidade de traqueostomia e de a rigidez e fibrose dos tecidos irradiados.
ventilação mecânica, o que exige um intenso programa A voz tende a ser tensa e rugosa, ouvida como áspera,
de intervenção fonoaudiológica. Tumores de lobo frontal soprosa, muitas vezes sussurrada e bastante instável, com
têm a disartria como transtorno motor mais freqüente, ou inícios bruscos na fala, finais de palavras ou frases quase
SK seja, prejuízo na articulação, fonação, ressonância, respi sem sonoridade e mudança entre grave e agudo durante
ração e prosódia, havendo prejuízo na inteligibilidade da uma frase, havendo diplofonia, ou seja, dois sons ao mes
fala. Quando a lesão está em lobo temporal, pode prejudi mo tempo, em alguns momentos. E importante ressaltar
car a linguagem, causando afasias, com prejuízo principal que a mudança no ciclo respiratório é também perceptível.
mente das habilidades discursivas. Prejuízo na percepção Habitual mente se nota ciclo curto, com queixa de falta de
e integração das informações somestésicas, quadro apráxi- ar. Isso pode ocorrer porque há intenso escape de ar
co e disfagia podem estar presentes quando o tumor está por incoordenação durante a fala, mas também pode ser
em lobo parietal. Tumores de tronco cerebral podem ter, resultado de obstrução ou alteração na luz da via aérea,
entre suas manifestações, a paralisia ou transtorno da sen que deve ser investigada.
2LL*0 sibilidade facial, a disfagia e a disartria. Já no tumor cere- Quando a área envolve a região do terço inferior da
C Vt S6r belar, o aparecimento de quadro de mutismo é relatado, face, há evidente comprometimento dos movimentos arti-
com maior frequência em crianças (Luiz e Mansur, 2000; culatórios da fala, principalmente devido à falta de aber
Gonçalves et ai, 2007). tura da boca causada por rigidez e fibrose tecidual, mas
Na disfagia por tumores do sistema nervoso central, também por retração dos tecidos, quadro inflamatório,
?CL1 ir- observam-se aumento do trânsito oral e faríngeo, diminui dor e secreções mais espessas e viscosas.
k:qok. ção da sensibilidade oral, incoordenação motora oral e re Quanto à deglutição, pode haver alteração em todas
dução de força dos músculos orais e faríngeos (Logemann as fases, levando à disfagia. Nas fases preparatória oral e
ÊLB âf e Kahrilas, 1990). A alteração do nível de consciência e o oral, ocorrem aumento do trânsito do bolo, dificuldade
uso prolongado de sonda para alimentação apresentam-se de retração no movimento de posteriorização da base da
como fatores de risco na manutenção de disfagia crônica língua, redução da mobilidade e força da língua, escape
íGillespie et al., 2004). prematuro e estase oral (Cintra et ai, 2005; Logemann
e tlí z&- A mudança de voz é comum e está normalmente asso et al., 2006; Lazarus et ai, 1996). A alteração de paladar
Dc *=rr- biada a alterações articulatórias da fala; porém, muitas vezes ocorre pela atrofia das papilas gustativas e pelo aumento
não é a prioridade da reabilitação. De acordo com a locali da viscosidade da saliva (Almeida et ai, 2004), associados
zação do tumor cerebral, as manifestações podem variar. à restrição alimentar e perda de apetite. Na fase faríngea
A paralisia laríngea pode ocorrer por compressão há mais ocorrências de aumento de resíduos faríngeos,
ou invasão dos tumores, estejam eles localizados em área com atraso no início da deglutição faríngea, redução na
central, em região periférica no nervo vago ou em ramos elevação laríngea, estase valecular, diminuição do tempo
laríngeos. A manifestação pode incluir, alem da disfonia, de fechamento do vestíbulo laríngeo e de abertura do seg
alteração respiratória e disfagia. No que diz respeito à voz, mento faringoesofágico (Cintra et ai, 2005; Logemann et
que sofre o maior impacto nesses casos, ela pode tornar-se ai, 2006; Lazarus et ai, 1996). Observam-se episódios de
discretamente rugosa ou instável c até mesmo ser, em últi aspiração de líquido, com prevalência de aspiração após a
ma instância, sussurrada, ou seja, sem nenhuma sonorida deglutição. Na fase esofágica têm-se redução da abertura
de. As alterações de deglutição encontradas variam desde do segmento faringoesofágico e diminuição no peristaltis-
uma discreta presença de resíduo alimentar na região da mo esofágico (Lazarus et ai, 1996). As seqüelas podem
oro e hipofaringe até a aspiração de alimentos e necessida conduzir a uma disfagia severa (Cintra et ai, 2005), o que
de de uma via alternativa de alimentação. requer intervenção fonoaudiológica imediata e, muitas ve
zes, uma indicação de via alternativa de alimentação.
Pode haver dificuldade respiratória, e em pacientes
Efeitos da radioterapia cuja irradiação envolve a porção cervical há risco da ne
Quando o campo de irradiação atinge os órgãos fono- cessidade de uma traqueostomia para permitir que haja
articulatórios ou nervos relacionados a mobilidade, tônus uma via respiratória mais segura durante ou algum tempo
e sensibilidade dessa região, certamente há um impacto após o tratamento.
desse tipo de tratamento sobre os aspectos funcionais. A radiação cujo campo atinge a região próxima ao
nç*o jc São inúmeros os efeitos esperados da radioterapia. osso temporal pode levar a alterações de mímica facial,
BS í SC- Os que atingem as funções orais são as reações de mucosa por retração de tecido ou pelo comprometimento de ra
468 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
mos do nervo facial, e prejuízo da função auditiva ou ves para determinar as sequelas, devendo ser considerada z
tibular. Observam-sc casos de perda auditiva condutiva de individualidade dos pacientes.
diferentes graus (Smouha e Karmody, 1995), devidos a al Estudos sobre alterações audiológicas e na motrici
terações em orelha média e/ou orelha interna, que podem dade oral após quimioterapia nos casos de leucemia sá:
surgir de maneira aguda ou tardia. conhecidos; porém, uma pesquisa recente demonstra que
A indicação da radioterapia para o tratamento do há alterações também nos pacientes com tumor de Wilrrs,
câncer é antiga, mas recentemente os protocolos de pre com prejuízo da audição, voz e deglutição (Gonçalves -
servação de órgãos estão sendo cada vez mais utilizados. al., 2006).
Associa-se a radioterapia à quimioterapia em doses não A combinação da radioterapia com a quimioterapi:
convencionais. A proposta principal é oferecer chance aumenta a chance de diminuição do limiar audiométrico.
de resposta ao tratamento oncológico similar à tradi A ototoxicidade dos medicamentos é potencializada corr
cional, porém com mínima mutilação cirúrgica. Nos a radiação, apresentando como decorrência seqüelas irre
últimos anos, os estudos relacionados à qualidade de versíveis (Menezes, 1999).
vida após o protocolo de preservação de órgãos foram É comum que o paciente apresente irregularidade
muitos, exatamente porque não há absoluta confiança maior nas emissões vocais, com quebras dc sonoridade 111
na afirmação de que esse tratamento oferece melhores discreta rugosidade e soprosidade. A falta de potência n:
resultados e melhor qualidade de vida quando compa voz e a fadiga durante a fala são nítidas devido ao estade
rado à cirurgia. físico geral e à dificuldade em utilizar o controle pulmonar
As manifestações encontradas podem ser temporárias adequadamente.
ou duradouras, de acordo com a dose aplicada e também
com a fonoterapia e adaptação do paciente ao tratamento.
Alterações funcionais após o
Efeitos da quimioterapia tratamento cirúrgico
Os efeitos da quimioterapia na voz são pouco abor Citaremos aqui alguns tipos de tratamentos cirúrgicas
dados na literatura. Muitas vezes há dificuldade em definir mais realizados e as manifestações funcionais relacionada'
o efeito específico das drogas por haver outras causas en à área fonoaudiológica.
volvidas, como a doença em si ou outro tratamento asso Laringectomia total: o trabalho fonoaudiológico nc
ciado - a cirurgia e a radioterapia, por exemplo (Murphy área de cirurgia de cabeça e pescoço iniciou-se com a rea
et ai, 2006). bilitação vocal de pacientes que passaram por esse tipo dc
As ocorrências de mucosite relacionada à radiotera rcssecçào, no qual todo o esqueleto cartilaginoso laríngec
pia ou quimioterapia são similares em suas características e o osso hióide são retirados. A necessidade da ressecçãc
clínicas. As manifestações da quimioterapia aparecem após da hipofaringe e do esôfago será determinada pela exten
alguns dias de tratamento e as da radiação podem começar são da doença. A perda da voz laríngea é irreversível c
apenas na segunda semana de tratamento (Franceschini et de extremo impacto, assim como a traqueostomia perma
al., 2004; Murphy et al., 2006). nente. Há três possibilidades de reabilitação da voz, ma'
Estudos sobre a radioterapia associada à quimiotera nem sempre há opções, já que cada uma delas necessita
pia relatam que essa combinação produz um efeito sinér- de certas condições para a adaptação. São elas: a eletro
gico, potencializando o grau das alterações inflamatórias laringe, a voz esofágica e a voz produzida com o uso da
da mucosa oral. prótese traqueoesofágica. A reabilitação será abordada a
Durante o tratamento quimiorerápico, pode haver seguir. Quanto à deglutição, podem ocorrer disfagia coir
lesão no sistema auditivo dependendo da droga utiliza a ingestão de sólidos e refluxo nasal com líquidos.
da, afetando desde o sistema auditivo até o vestibular. O Laringectomia parcial vertical: a ressecção parcial da
comprometimento da base da cóclea interfere na captação laringe pode ser realizada de diferentes formas, de acord<
das frequências altas (Fausti et al1993; Pasic e Dobie, com a extensão da doença. São incluídas nessa categoria
1991), podendo, ao atingir seu ápice, danificar também de cirurgia desde uma cordectomia, ou seja, ressecção de
a captação das médias e baixas frequências (Garcia et al., prega vocal unilateral, a uma hemilaringectomia amplia
2003; Jacob et al., 2006). A administração dessas drogas da, na qual a metade da laringe, considerando a linha me
em doses altas afeta mais a audição do que a mesma do diana, e mais uma parte da outra metade são ressecadas
sagem fracionada. A influência da cisplatina é muito es A soprosidade é a característica vocal mais comum nesses
tudada devido a seu alto poder de toxicidade. Tem como doentes, já que falta aproximação de estruturas. Além dis
seqücla a perda auditiva neurosscnsorial, bilateral e simé so, é esperado que a irregularidade e a rigidez do tecido
trica, principalmente em relação às altas frequências. No remanescente não promovam uma qualidade de vibração
entanto, nem o tratamento nem a droga são imperativos que produza ciclos de frequência sonora agradáveis, tor-
nando a voz áspera e tensa. Observa-se disfagia temporá Ressecçáo de glândulas salivares: o risco de alteração
ria, que muitas vezes não necessita de intervenção fonoau da mímica facial ocorre principalmente com a parotidecto-
diológica (Carrara-De Angelis et ai, 1998). mia, e com menor freqücncia após a ressecçáo da glândula
Laringectomia pardal horizontal: a ressecçáo supra- submandibular. Escape extra-oral de líquidos e dificuldade
cricóidea é no nível glótico, ampliando-se para cima ou na mastigação do lado da paralisia podem ser observados.
para baixo em alguns casos. A reconstrução típica é cha A lesão ou ressecçáo do nervo vestibulococlear du
mada cricoioidoepiglotopexia ou cricoioidopexia, devido rante o ato cirúrgico podem trazer prejuízos à audição,
à junção das estruturas remanescentes supra e subglótica. zumbido e/ou falta de equilíbrio.
A voz possível é produzida pela região vestibular ou falsas
pregas vocais. E também chamada voz de banda. Muitas
vezes, antes da terapia fonoaudiológica, a qualidade vo Intervenção fonoaudiológica
cal é sussurrada, sem nenhuma produção sonora, pois a A intervenção fonoaudiológica em relação a pacientes
ativação compensatória da região supraglótica nem sem com comprometimento da linguagem exige uma avaliação
pre ocorre automaticamente. Outra ressecçáo horizontal precisa dos sintomas, das funções motoras e cognitivas. O
é a supraglótica. Pelo próprio nome, entende-se que nesse diagnóstico neurológico é imprescindível para o planeja
tipo de cirurgia a fonte glótica como produtora do som fica mento da terapia. O objetivo envolve a prevenção dos fato
preservada. O que comumente ocorre é uma alteração na res de risco de complicações, orientação aos familiares e cui
qualidade do som, e não a impossibilidade de produzi-lo. dadores sobre as seqüelas temporárias e permanentes e a terapia
Por mudanças estruturais no trato vocal, o paciente tende propriamente dita, tanto na fase aguda como na fase dita
a produzir uma voz mais grave, com reduzida modulação de reabilitação, analisando-se a capacidade de aprendiza
quanto às variações de freqüência (aguda e grave). Outra gem do paciente (Luiz e Mansur, 2000). O trabalho envolve
característica que pode ser identificada nesses pacientes é a os cinco subsistemas da linguagem: pragmática, semântica,
dita “voz molhada”. Como perdem a sensibilidade laríngea sintaxe, morfologia e fonologia (Mota, 2004).
devido à lesão do nervo laríngeo superior, têm grave alte A American Speech-Language-Hearing Association
ração na deglutição e não percebem a presença de saliva na (Asha, 1994) propõe um protocolo para monitorar a fun
região laríngea, o que dá a característica de voz com cons ção auditiva dos pacientes submetidos a tratamentos com
tante secreção. Na laringectomia parcial horizontal há alte drogas ototóxicas, a fim de otimizar a detecção precoce.
ração importante da deglutição, com risco de aspiração. Sugere uma anamnese completa, a realização de otosco-
Ressecções de boca e oro faringe: a qualidade vocal pia, audiometria tonal liminar bilateral com freqüência
pós-operatória tende a ser hipernasal, mesmo quando não convencional e de altas frequências (acima de 8.000 Hz).
há ressecçáo de estrutura que estabeleça a comunicação O uso da via óssea, da logoaudiometria e de medidas de
entre a cavidade oral e a nasal. Notam-se mais tensão e imitância acústica somente é indicado se forem observa
rugosidade (“rouquidão”) também no pós-operatório, po dos déficits nos exames realizados. Os testes objetivos,
rém de modo mais discreto em relação aos pacientes que como a audiometria de tronco cerebral e as emissões oto-
sofreram ressecções de laringe. Quanto à fala, a inteligi acústicas, são indicados na impossibilidade de realização
bilidade é bastante comprometida, especialmente naque dos testes audiológicos subjetivos. O monitoramento deve
les cuja ressecçáo envolve a língua anterior ou quando a ser baseado na programação do tratamento; deve ocorrer
nasalidade é extrema. No que se refere à deglutição, pode entre dois e tres dias após a utilização de aminoglicosídeo
haver incontinência oral, redução da pressão intra-oral, e semanalmente no caso dc tratamentos com cisplatina e
aumento no tempo de propulsão alimentar, acúmulo de derivados. Diante da impossibilidade de seguir o monito
resíduos de alimento, alteração na mastigação, refluxo ali ramento, sugere-se manter a máxima freqüência possível.
mentar para a cavidade nasal, dificuldade no controle e na Se a perda auditiva for detectada, o teste deverá ser refeito
propulsão do bolo, aumento no tempo de trânsito oral, al dentro de 24 horas; caso seja confirmada, é preciso avisar
teração no início da fase faríngea, penetração do alimento o médico responsável para que avalie a possibilidade de
na via aérea, com sua aspiração (Carvalho, 2000). fracionamento da droga.
Tireoidectomia parcial ou total: apresenta disfonia, O acompanhamento fonoaudiológico de crianças na
disfagia e dispnéia como possíveis complicações. Essas idade escolar e na fase de aquisição de linguagem é impres
disfunções podem estar associadas à manipulação ou lesão cindível, a fim dc evitar prejuízo no aprendizado decorren
do nervo laríngeo durante a cirurgia ou a outras causas, te do comprometimento auditivo (Jacob et al., 2005).
como entubação orotraqueal, hipo ou hipertireoidismo e Na área de voz, o fonoaudiólogo realiza o diagnóstico
manipulação da musculatura cervical extralaríngea. Quei essencialmente por meio da avaliação perceptivo-auditiva e
xas comuns após a tireoidectomia são: dificuldade para fa acústica. Escalas com classificações de características vocais
lar alto, para cantar, fadiga na fala e dificuldade para engolir e graus determinados são utilizadas para mensurar a qua
líquidos e grãos. lidade vocal, o que é útil não somente para o diagnóstico,
470 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
mas também para o processo terapêutico e análises com esôfago. O som emitido vem do esôfago, porém não é ne
parativas entre sujeitos. Na acústica, diversos programas cessária a introdução de ar pela boca, o que permite unu
vêm sendo desenvolvidos para medir parâmetros do sinal fluência maior por uso de ar pulmonar. A colocação de-
sonoro. Entre eles, os mais analisados são a freqüência fun sa prótese pode ser realizada no período inrra-operatór
damental do indivíduo, ou seja, a freqüência habitual e os ou num segundo momento, desde que seja confecdonac: -
índices de irregularidade de freqüência e intensidade. A uma fístula que permita sua fixação no trajeto traque - aa
eletroglotografia, eletromiografia de superfície, entre ou esofágico. O aprendizado envolve a oclusão do estor:
tros instrumentos, são também utilizados por fonoaudiólo- traqueal após a inspiração para que o ar seja direcionac
gos, porém não fazem parte da rotina de avaliação. para o esôfago, além de articulação e modulação da fa i uc a
Exames de imagem devem ser solicitados para avalia As maiores desvantagens são o alto custo da prótese e _ ção. 9
ção de possíveis lesões em toda a região do trato vocal e necessidade de troca (ambulatorial) de oito em oito me
também para a análise do comportamento na função fona- ses, aproximadamente. A principal causa da necessidade
tória. A nasofibrolaringoscopia é a mais indicada na rotina de troca é a proliferação de cândida.
de atendimento, com melhor análise quando dispõe da luz No caso das ressecções parciais de laringe, a inte'
estroboscópica, que permite uma visão mais minuciosa da venção pós-operatória deve ser iniciada ainda em leito,
mucosa laríngea. tanto em relação à voz como à deglutição. Essa interven -
A assistência fonoaudiológica ideal para o paciente ção, sempre após discussão entre os membros da equipe
oncológico deve ser iniciada antes de qualquer tratamen sobre possíveis complicações ou contra-indicações, deve
to. Em casos de lesões pré-malignas em prega vocal, como ser iniciada em média entre o terceiro e o quinto dia apc~
a leucoplasia, pode haver desaparecimento da lesão ape a cirurgia, com acompanhamento realizado em ambulató
nas com tratamento vocal. Obviamente, a possível con rio ou consultório, mais frequente caso haja alteração dj
duta terapêutica vocal para esses pacientes deve scr bas deglutição. Técnicas específicas de voz são utilizadas n:
tante analisada, exigindo uma ação conjunta intensa entre processo de reabilitação, com foco em coaptação de estru ao cca
médico e fonoaudiólogo. Em casos de doença maligna, turas remanescentes, equilíbrio ressonantal, regularidade
independentemente da localização, a atuação envolve a do ciclo vibratório, extensão de freqüência e aumento da
orientação sobre as possíveis alterações devidas à doença intensidade. O paciente deve ser constantemente informa So T
ou ao tratamento, mudanças no comportamento vocal de do sobre a qualidade vocal esperada, bastante diferente da
modo preventivo e restrito, fonoterapia antes do trata voz que apresentava antes da doença. 4
mento oncológico previsto. O tratamento da disfagia requer uma equipe mul- a
Após a laringectomia total, como já foi dito, as pos tidisciplinar composta de fonoaudiólogo, nutricionista, 3C2 2 S
sibilidades de reabilitação estão ligadas ao uso da laringe fisioterapeuta, psicólogo, médicos, cirurgião-dentista, en
eletrônica, da voz esofágica e da prótese traqueoesofágica. fermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais.
A laringe eletrônica é um objeto que produz um som A utilização de uma via alternativa para alimentação
metalizado. Colocada sobre a pele do pescoço, produz pode ser indicada antes mesmo do início do processo te por ~ii
uma vibração que transmite ondas sonoras, mas a fala de rapêutico do câncer. Ela é recomendada caso haja altera
pende da articulação do paciente. O som nem sempre é ção da deglutição com risco de desnutrição, desidratação
considerado agradável para o paciente e para o ouvinte, e infecções respiratórias decorrentes de aspiração do ali
havendo maior dificuldade caso tenha passado por radio mento atingindo a via aérea. Cada caso deve ser analisado A tera
terapia após a cirurgia. Outra desvantagem é o custo do separadamente, com o levantamento de sintomas, riscos e Ai
aparelho e das baterias necessárias para seu uso. A grande prognóstico da alimentação por via oral. OCX» 2
vantagem é que o aprendizado é rápido. A intervenção fonoaudiológica prévia ao tratamento rr -
A voz esofágica é o tipo de reabilitação mais anti selecionado fornece ao paciente e aos familiares informa noartjo
go, c marca o início da terapia fonoaudiológica voltada ções referentes às alterações de deglutição durante ou após
a pacientes com câncer. Exige um tempo de aprendizado o tratamento, orientando a respeito do processo terapêu via aérea
maior, porque o paciente precisa aprender a técnica de tico, avaliando a capacidade de realização e aprendizado Pm
introdução de ar pela boca e emissão sonora pelo esôfago, das manobras necessárias para a proteção da via aérea e te qnzii
devolvendo o ar articulado e modulado. A voz resultante desenvolvendo um vínculo com o paciente. raroceof
é grave e rugosa. Pacientes do sexo masculino, apesar da A avaliação funcional da deglutição deve abranger rrrr
grande diferença em relação a uma voz laríngea, apresen uma análise clínica detalhada do sistema estomatognático, -rr:
tam maior compatibilidade com esse recurso. Para mulhe com o objetivo de definir o utensílio, volume, consistên
res, o impacto da voz na qualidade de vida é maior. cia, postura e manobras eficazes para uma deglutição segu senão a
A terceira possibilidade de reabilitação é o uso da ra ou indicar uma via alternativa de alimentação. mane I
prótese traqueoesofágica. Trata-se de uma válvula unidi- Além disso, devem-se verificar: os mecanismos de
recional que viabiliza a passagem de ar da traquéia para o proteção da via aérea, como força de tosse espontânea e
reflexa, capacidade de pigarrear, manutenção de apnéia inteligibilidade, do aumento da abertura da boca, do au
r - durante a deglutição; a capacidade para realizar postu mento da pressão intra-oral com direcionamento de fluxo
ras cervicais e manobras de proteção da via aérea, e de aéreo e da redução da tensão faríngea para o equilíbrio
reproduzi-las; a presença de sinais indicativos de aspira da ressonância e projeção vocal. A indicação e adaptação da
ção, como tosse, voz molhada, alterações dos parâmetros prótese restauradora de palato, assim como da rebaixa-
clínicos de freqüência cardíaca e respiratória (Furkim e dora, são comuns nesse tipo de reabilitação, numa ação
Silva, 1999). integrada com o odontólogo e o protético.
rr^w»g Os exames funcionais de imagem mais solicitados A atuação na alteração de mímica facial ocorre de
ti são a nasofibroscopia e a videofluoroscopia da degluti acordo com a fase da manifestação da paralisia: fase fláci
SCSI ção, os quais devem ser realizados na presença de um da ou fase de seqüela. A fase inicial é a flácida, que apre
E ar- fonoaudiólogo e um médico, sendo de competência do senta flacidez da musculatura no repouso e ausência ou di
primeiro o laudo funcional e a solicitação de manobras minuição de movimento; há possibilidade de regeneração
posturais ou de proteção das vias aéreas, a fim de de e retorno da mobilidade. As reinervações desordenadas do
linear o desempenho do paciente e definir propostas nervo facial podem evoluir para sincinesias, contraturas e
terapêuticas. graus variados de paralisia, caracterizando a fase das se-
Instrumentos complementares são utilizados na ro qüelas (Goffi-Gomez et al., 1999).
tina de avaliação clínica, possibilitando um maior enten Na fase flácida o prognóstico depende do tempo de
dimento da disfagia. O mais utilizado é o estetoscópio evolução da paralisia facial, ou seja, uma intervenção fo
ou microfone, acoplado à região cervical, que, por meio noaudiológica mais precoce apresenta maior chance de
dos sons decorrentes da respiração e da fase faríngea da recuperação funcional. No entanto, na fase de seqüela o
Ç* deglutição, pode detectar a disfagia e a probabilidade de prognóstico independe do período de evolução da para
aspiração. Apresenta grande potencial para o uso adjunto lisia e está relacionado ao grau de conscientização do pa
ao exame clínico na avaliação da disfagia por ser um mé ciente (Goffi-Gomez et al., 1999).
todo não invasivo, requerer pouca cooperação do pacien O tratamento da paralisia facial deve ser precoce e
te, poder ser realizado à beira do leito e ter baixo custo. englobar a estética c a funcionalidade de cada musculatu
No entanto, são necessários treinamento e experiência do ra. Para a fase flácida, são propostos exercícios isométri-
fonoaudiólogo para maior precisão na interpretação dos cos repetidos acompanhados de massagens indutoras no
dados da avaliação. sentido do movimento, sendo realizados exercícios isotô-
Outro instrumento é o oxímetro de pulso, que veri nicos para estimulação funcional dos grupos musculares
fica a saturação de oxigênio arterial na circulação perifé envolvidos após a observação de movimento da muscula
rica e sua variação durante a oferta do alimento. Estudos tura. Na fase de seqüela, o foco do trabalho está na dis
sugerem que seja utilizado apenas como instrumento clí sociação de movimentos associados. Utilizam-se técnicas
nico adicional, e não como determinante do diagnóstico, passivas e ativas de alongamento da musculatura contraí
por não discriminar a disfagia nem a aspiração (Collins e da em repouso. O relaxamento e os exercícios isotônicos
Bakheit, 1997; Colodny, 2001; Wang et al., 2005). contribuem para melhorar a elasticidade da musculatura
contraída. Todos os exercícios devem contar com o con
trole voluntário do paciente, pois sem a conscientização,
A terapia ou seja, a conexão com o sistema nervoso central durante
A reabilitação fonoaudiológica deve abranger exer o exercício, o resultado não alcançará seu objetivo de re
cícios de língua, lábios, bochechas e mandíbula, com o programação (Goffi-Gomes et al., 1999).
propósito de potencializar os movimentos dos órgãos fo- A eletroterapia não é muito recomendada, pois o es
noarticulatórios por meio do emprego de técnicas de mu tímulo pode causar espasmos e contraturas que são muito
danças posturais de cabeça, de manobras de proteção da mais difíceis de ser tratados, e, na maioria das vezes, o
via aérea e de estimulações tátil, térmica e gustativa. paciente não obtém melhora significativa (Guedes, 1999).
Para Logemann (1983), a conscientização do pacien Ultimamente, cada vez mais o profissional tem se
te quanto à proteção da via aérea durante a alimentação preocupado em criar instrumentos para mensurar a visão
favorece o controle do bolo alimentar, evitando o escape do paciente quanto à sua doença e a seqüelas funcionais.
prematuro. Assim, os pacientes com distúrbios motores Entre eles estão os protocolos específicos dc deglutição e
apresentam melhor prognóstico do ponto de vista fono- voz relacionados â qualidade de vida (McHorney et al.,
audiológico, devido à preservação das funções cognitivas, 2002 e 2006; Hogikyan e Sethuraman, 1999). No que
sendo a melhoria da deglutição alcançada mais rapida se refere à função vocal, o “questionário de avaliação de
mente (Logemann e Kahrilas, 1990). qualidade de vida em voz”, cuja versão para o português
Quando o foco é a fala, trata-se essencialmente da do Brasil foi validada em 2006, vem sendo utilizado na
adaptação de novos pontos articulatórios para melhora da clínica hospitalar e em consultórios.
A intervenção fonoaudiológica ideal para o paciente possível. Quando há indicação de cirurgia, busca-se a ama-
com câncer deve ocorrer assim que a doença for identi ção precoce visando minimizar compensações inadequada>
ficada, nos casos em que houver disfunção presente ou e estabelecer adaptações funcionais mais seguras e compe
previsão de alteração decorrente do tratamento proposto. tentes, levando-se em consideração as condições clínicas e
Durante a radioterapia ou quimioterapia, as sessões tera os riscos possíveis. Para tanto, o trabalho integrado com a
JL
pêuticas fonoaudiológicas devem ser mantidas sempre que equipe multiprofissional torna-se imprescindível.
Referências bibliográficas
Almeida, F. C. S. de; Cazal, C; Durazzo, M. D.; Llvíongi, S. C. O (orgs.). Tratado de fonoaudiologia. Sã<
Ferraz, A. R.; Silva, D. P. da. “Radioterapia em cabeça c Paulo: Roca, 2004, p. 195-211.
pescoço: efeitos colaterais agudos e crônicos bucais”. Re Fontes, M. A. S.; Madureira, S.; Camargo, Z. A. In
vista Brasileira de Patologia Oral, São Paulo, v. 3, n. 2, p. trodução ao estudo dos sons da fala. São Paulo: Pontifícia
62-9, 2004. Universidade Católica de São Paulo, 2000.
Asha. “American Speech-Language-Hearing Associa- Fornari, A. C. S.; Andrade, C. R. F. de. Ausculta cer -c v«
rion guidelines for the audiologic management of individ vical: estudo dos sons da deglutição. 2006. Monografia H
uais receiving cochlcotoxic drug therapy”. Asha, v. 36, n. (Conclusão de curso - Capacitação em Fonoaudiologia
12, p. 11-9, 1994. Disponível em: <http://www.asha.org/ voz, comunicação e sociedade num contexto multipro- -QOL
docs/htmL/GL1994-00003.html#secl.3>. fissional) - Faculdade de Medicina, Universidade de Sã<
Bfhlau, M.; Azevedo, R.; Madazio, G. “Anatomia Paulo, São Paulo. S- ? - 1
da laringe e fisiologia da produção vocal”. In: Behlau, M. Franceschini, C; Rosa, T. C. da; Kadlktz, B.; Aman *
(org.). Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revin- te, C. J. “Osteorradionecrose e necrose de tecidos moles: ra
ter, v. 1, 2001, p. 2-51. relato de caso”. Revista Brasileira de Patologia Oral, Natal,
Carrara-De Angelis, E.; Brandão, A. P; Martins, N. v. 3, n. l,p. 36-40, 2004. vt>.IQÍ
M.; Fúria, C. L. B. “Rumos atuais da fonoaudiologia em Fukuda, Y. “Anatomia da orelha e fisiologia do apare
oncologia”. Fonoaudiologia Brasil, São Paulo, v. 1, n. 1, p. lho auditivo”. In: Fukuda, Y. (org.). Guia de medicina am :•
46-53, 1998. bulatória,l e hospitalar UnifesplEscola Paulista de Medicina: r .2-2Í
Carvalho, V. A. “Influência das próteses obturadoras otorrinolaringologia. Barueri: Manole, 2003, p. 4-15. L-âj
e rebaixadoras de palato na terapia fonoaudiológica”. In: Furkim, A. M.; Silva, R. G. Programa de reabilitação Pt. Gj
Barros, A. P. B.; Arakawa, L.; Tonini, M. D.; Carvalho, V. em disfagia neurogênica. São Paulo: Frõntis, 1999.
A. Fonoaudiologia em cancerologia. São Paulo: Fundação Garcia, A. P.; Iorio, M. C. M.; Petrilli, A. S. “Moni _ ■CO*
Oncocentro de São Paulo/Comitê de Fonoaudiologia em toramento da audição de pacientes expostos à cisplatina”. kx i
Cancerologia/Imprensa Oficial, 2000, p. 93-7. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. _
Cintra, A. B.; Vale, L. P. do; Feher, O.; Nishimoto, 69, n. 2, p. 215-21, 2003.
I. N.; Kowai^ki, L. P.; Carrara-De Angelis, E. “Deglutição Gasparini, G. Validação do questionário de avalia
após quimioterapia e radioterapia simultânea para carci ção de qualidade de vida ern voz (QW). 2005. Disserta
nomas de laringe e hipofaringe”. Revista da Associação ção (Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana The • -y
Médica Brasileira, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 93-9, 2005. - Fonoaudiologia} - Universidade Federal de São Paulo/ La
Collins, M. J.; Bakheit, A. M. “Does pulse oximetry Escola Paulista de Medicina, São Paulo. tOÊL1n® é
reliably detect aspiration in dysphagic stroke patients?” Gaziano, J. E. “Evaluation and management of oro-
Stroke, v. 28, n. 9, p. 1773-5, 1997. pharyngeal dysphagia in head and neck câncer”. Câncer
Colodny, N. “Effects of age, gender, disease, and Control, v. 9, n. 5, p. 400-9, 2002.
multisystem involvement on oxygen saturation leveis Gillespie, M. B.; Brodsky, M. B.; D ay, T. A.; Lee, F.
in dysphagic persons”. Dysphagia, v. 16, n. 1, p. 48-57, S.; Martin-Harris, B. “Svvallowing-related quality of life
2001. after head and neck câncer treatment”. Laryngoscope, v. LaZa
Fausti, S. A.; Frey, R. FE; Henry, J. A.; Olson, D. J.; 114, n. 8, p. 1362-7, 2004.
Schafef.r, H. I. “High-frequency testing techniques and in- Goffi-Gomez, M. V S.; Bogar, P; Bento, R. F.; Mini-
strumentation for early detection of ototoxicity”. Journal n, A. “Exercícios miofaciais e paralisia facial idiopática:
of Rehabilitation Research and Development, v. 30, n. 3, p. relato preliminar”. Revista Brasileira de Otorrinolaringo rreareCL i
333-41, 1993. logia, São Paulo, v. 62, n. 4, p. 322-30, 1996.
Fflício, C. M. “Desenvolvimento normal das funções Goffi-Gomez, M. V. S.; Vasconcelos, L. G. E.;
estomatognáticas”. In: Ferreira, L. P.; Befi-Lopes, D. M.; Moraes, M. F. B. B. de. “Trabalho miofuncional na parali-
FONOAUDIOLOGIA EM CÂNCER 473
sia facial”. Arquivos Internacionais de Otorrinolaringolo B. ; Arakawa, L.; Tonini, M. D.; Carvalho, V A. Fonoau
gia, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 30-4, 1999. diologia em cancerologia. São Paulo: Fundação Oncocen-
Gonçalves, M. L R.; Campos, M. C; Radzinsky, T. tro de São Paulo/Comitê de Fonoaudiologia em Cancero-
C.; Ruiz, A.; Araújo, N. S. S.; Silva, N. S. da; Chiari, B. logia/lmprensa Oficial, 2000, p. 121-44.
M. “Late effects regarding speech pathology alterations in Marchesan, I. Q. “Disfagia”. In: Marchesan, 1. Q.;
children treated for leukemia and Wilms tumors”. Pediat- Bolaffi, C.; Gomes, I. C. D.; Zorzi, J. L. Tópicos em fono
ric Blood & Câncer, v. 47, n. 4, 2006, p. 490. audiologia. São Paulo: Lovise, v. 2, 1996.
Gonçalves, M. I. R.; Radzinsky, T. C.; Silva, N. S. McHorney, C. A.; Martin-Harris, B.; Robbins, J.;
da; Chiari, B. M.; Consonni, D. “Speech-language and Rosenbek, J. “Clinicai validity of the SWAL-QOL and
hearing complaints of children and adolescents with brain SWAL-CARE outeome tools with respect to bolus flow
t um o rs”. Pediatric Blood & Câncer, 2007. measures”. Dysphagia, v. 21, n. 3, 2006, p. 141-8.
Guedes, Z. C. F. A atuação do fonoaudiólogo na McHorney, C. A.; Robbins, J.; Lomax, K.; Rosenbek, J.
equipe multidisciplinar que atende o paciente portador de C. ; Chignell, K.; Kramer, A. E.; Brickhr, D. E. “ThcSWAL-
paralisia facial periférica. 1999. Dissertação (Doutorado QOL and SWAL-CARE outeomes tool for oropliaryngeal
em Distúrbios da Comunicação Humana - Fonoaudiolo dysphagia in adults: III. Documenration of reEability and
gia) - Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista validity”. Dysphagia, v. 17, n. 2, p. 97-114, 2002.
de Medicina, São Paulo. Menezes, M. Efeitos da radioterapia sobre a audição
Hogikyan, N. D.; Sethuraman, G. “Validation of an em pacientes portadores de tumores de cabeça e pescoço.
instrument to measure voice-related quality of life (V- Monografia. São Paulo: Centro de Especialização em
RQOL)”. Journal of Voice, v. 13, n. 4, p. 557-69, 1999. Fonoaudiologia Clínica (Cefac), 1999.
Jacob, L. C. B.; Aguiar, F. R; Tomjasi, A. A.; Tschoekh, Mota, H. B. “Fonologia: intervenção”. In: Ferreira,
S. N.; Bitencourt, R. F. de. “Monitoramento auditivo na L. P.; Befi-LopeS, D. M.; Limongi, S. C. O. (orgs.). Tratado
ototoxidade”. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004, p. 787-814.
São Paulo, v. 72, n. 6, p. 836-44, 2006. Murphy, B. A.; Barbara, A.; Lewin, J. S.; Ridner,
Jacob, L. C. B.; Stumpf, C. C; Bitencourt, R. F.; S.; Trotti, A. Mechanisms of weight loss in patients with
Marques, J. M.; Puppi, C.; Gonçalves, P. T. “Avaliação au- head and neck câncer ivho were treated with chemoradia
diológica cm indivíduos com neoplasias expostos a agen tion. Alexandria: American Society of Clinicai Oncology,
tes quimioterápicos”. Fono Atual, São Paulo, v. 31, n. 8, 2006, p. 340-4.
p. 12-25, 2005. Pasic, T. R.; Dobif, R. A. “Cis-platinum ototoxicity
Lazarini, P. R.; Fernández, A. M. F.; Brasileiro, V. S. in children”. The Laryngoscope, v. 101, n. 9, p. 985-91,
B.; Custódio, S. E. V. “Paralisia facial periférica por com 1991.
prometimento do tronco cerebral: a propósito de um caso Pereira, J. A.; Girvent, M.; Sancho, J. J.; Parada, C;
clínico”. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Sitges-Serra, A. “Prevalence of long-term upper aerodi-
Paulo, v. 68, n. 1, p. 140-4, 2002. gestive symptoms after uncomplicated bilateral thyroidcc-
Lazarus, C. L.; Logemann, J. A.; Pauloski, B. R.; Col- tomy”. Surgery, v. 133, n. 3, p. 318-22, 2003.
angelo, L. A.; Kahrilas, P. J.; Mittal, B. B.; Pierce, M. Smouha, E. E.; Karmody, C. S. “Non-osteitic com-
“Swallowing disorders in head and neck câncer patients plications of therapeutic radiation to the temporal bone”.
treated with radiotherapy and adjuvant chemotherapy”. The American Journal of Otology, v. 16, n. 1, p. 83-7,
The Laryngoscope, v. 106, n. 9, p. 1157-66, 1996. 1995.
Logemann, J. A. Evaluation and treatment of swal- Stemple, J. C; Glaze, L. E.; Gerdeman, B. K. Clini
lowing disorders. San Diego: College-Hill, 1983. cai voice pathology: theory and management. 3. ed. San
Logemann, J. A.; Kahrilas, P. J. “Relearning to swal- Diego: Singular, 2000.
low after stroke - application of maneuvers and indirect Stojadinovic, A.; Shaha, A. R.; Orlikoff, R. F.; Nis
biofeedback: a case study”. Neurology, v. 40, n. 7, p. san, A.; Kornak, M. F.; Singh, B.; Boyle, J. O.; Shah, J.
1136-8, 1990. P.; Brennan, M. F.; Kraus, D. H. “Prospective fnnctional
Logemann, J. A.; Rademaker, A. W.; Pauloski, B. R.; voice assessment in patients undergomg thyroid surgery”.
Lazarus, C. L.; Mittal, B. B.; Brockstein, B.; MacCrack- Annals of Surgery, v. 236, n. 6, p. 823-32, 2002.
en, E.; Haraf, D. J.; Vokes, E. E.; Newman, L. A.; Liu, D. Svec, J. G.; Behlau, M. “April 16th: the World Voice
“Site of disease and treatment protocol as correlates of Day”. Folia Phoniatrica et Logopaedica, v. 59, n. 2, p. 53-
swallowing function in patients with head and neck câncer 4, 2007.
treated with chemoradiation”. Head & Neck, v. 28, n. I, Wang, T.-G.; Chang, Y.-C; Chen, S.-Y.; HsrAO, T-
p. 64-73, 2006. Y “Pulse oximetry does not reliably detect aspiration on
Luiz, M. R.; Mansur, L. L. “Atuação fonoaudiológica videofluoroscopic swallowing study”. Archives of Physical
em tumores de sistema nervoso central”. In: Barros, A. P. Medicine Rehabilitation, v. 86, n. 4, p. 730-4, 2005.
ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
M aria L ydia M ello de A ndréa
fância tem um componente genético não hereditário. Uma drome de Klinefelter (47XXY) aos disgerminomas, tu coovj
translocação cromossômica, deleção ou qualquer outra mores germinativos e ao câncer de mama (Manuel et al..
alteração genética ocorrida durante a formação daquele 1976; Chaussain et al., 1980).
embrião, em determinado clone, e não detectada poderá
ser o fator causal. Sabemos, porém, que esse fator não é
por si só suficiente para provocar o câncer, necessitando Principais neoplasias na infância
provavelmente de um ou mais fatores exógenos, ambien e suas implicações diagnósticas e
tais, que funcionem como fator desencadeante (Knudson
Jr., 1971). Entre os fatores ambientais, merecem citação
terapêuticas
a exposição às radiações ionizantes, aos raios X no pe Tumores do sistema nervoso central (SNC)
ríodo pré-natal, para exames diagnósticos, o tratamento Os tumores do SNC, como dito anteriormente, estão
radioterápico antigamente usado para hipertrofias tímicas entre as neoplasias mais frequentes na infância. A inci
benignas, hipertrofias das tonsilas, tine a capitis (Ron et al.,
dência nos últimos anos, maior em relação aos anteriores,
1988) e, ainda hoje, para tratamento dos tumores do siste
parece se dever aos métodos diagnósticos mais apurados,
ma nervoso central. Não podemos deixar de citar os testes
como a ressonância magnética (Steinberg, 1986; Steinberg
nucleares de Nevada, Hiroshima e Nagasaki, responsáveis
et al., 1985). Essa incidência é de aproximadamente 3,3
por milhares de casos de neoplasia na população atingi
casos a cada cem mil crianças. Os tumores do SNC con
da. A ação de produtos químicos, como no caso da con
tinuam sendo um desafio para o oncologista pediátrico.
taminação da água pela dioxina em Seveso, na Itália, e
Embora os avanços diagnósticos e terapêuticos sejam mui
pelo tricloroetano em Massachusetts, nos Estados Unidos,
to grandes, são os tumores de maior morbidade e mortali
pode resultar em uma maior incidência de leucemias na
dade. A morbidade da doença e a do tratamento, associa
população atingida. Os inseticidas de uso agrícola têm
das, são responsáveis por seqüelas físicas e intelectuais, o
sido relacionados à maior incidência de tumor de Wilms
que traz ao doente, à família e à equipe de saúde envolvida
em filhos de agricultores. Parece claro, hoje, que há a ne
maior sofrimento.
cessidade de dois eventos para o aparecimento do câncer.
Os tipos mais freqüentes são os meduloblastomas
Provavelmente, ocorre uma interação entre ambiente e ca
(10-20%), os astrocitomas cerebelares (10-20%), os astro-
racterísticas genicas. Os estudiosos consideram a alteração
citomas supratentoriais de baixo grau (10-25%) e os de
genética a arma e o fator ambiental o gatilho.
alto grau (10-20%), os gliomas (10-20%), os craniofarin-
geomas (6-10%) e os ependimomas (5-10%).
Hereditariedade Dois fatores são responsáveis por aumentar o risco
de aparecimento de tumores do SNC em crianças, embo
O papel da transmissão hereditária no câncer infantil
ra menos de 10% deles estejam associados a esses fato
é pequeno. Associados à transmissão hereditária, temos
res: a exposição às radiações ionizantes (Ron et al., 1988;
o carcinoma de adrenal, em 50-80% dos casos, os glio-
mas ópticos em 45%, os retinoblastomas em 40%, os feo- Narod et al., 1991) e algumas síndromes genéticas, corno
cromocitomas em 25% e os tumores de Wilms em 3-5% a síndrome de Li-Fraumeni e as neurofibromatoses.
(Narod et ai, 1991).
Algumas patologias genéticas hoje são consideradas
Sinais e sintomas
fatores de risco de neoplasias, merecendo citação a síndro-
me de Down, cujos portadores apresentam risco vinte vezes Os sintomas de um rumor do SNC variam principal-
maior que o da população geral de desenvolver uma leuce mente com a idade da criança. Se o tumor compromete o
mia (Zipursky et al., 1987; Avet-Loiseau et al., 1995). lactente antes da soldadura das fontanelas, o que permite
Mecanismos genéticos múltiplos aumentam o risco de maior acomodação, os sintomas poderão ser mais insidio
aparecimento do tumor de Wilms. A síndrome conhecida sos: perda do apetite, irritabilidade, regressão no desen
como WAGR, incluindo tumor de Wilms, aniridia, anor volvimento, aumento do perímetro craniano, abaulamen-
malidades genitais e retardo mental, ocorre em conseqüên- to da fontanela, desvio do olhar para baixo, conhecido
cia da deleção do cromossomo 11 pl 3, envolvendo o gene como “olhar de sol poente”.
WT1; a síndrome de Denys-Drash decorre de mutação Para crianças maiores, com mais de 18 meses de ida
no WT1; e a hemi-hipertrofia e a síndrome de Beckwith- de, os sintomas dependem da localização e do tamanho do
Wiedemann devem-se a alterações do cromossomo 1 lp 15 tumor. Algumas vezes, antes dos sinais clássicos de hiper
Bonalti-Pellié et al, 1992; Elliott et ai, 1994). tensão intracraniana como cefaléia e vômitos, os tumores
Patologias ligadas aos cromossomos sexuais (X e Y) supratentoriais (do cérebro, gânglios basais, tálamo, hipo-
t -rtáo estar relacionadas a neoplasias: a síndrome de tálamo e quiasma óptico) podem se manifestar por meio
45X0) relacionada ao gonadoblastoma, e a sín de hemiparesias, perda de sensibilidade, hiper-refiexia,
ONCOLOGIA PEDIÁTRICA 479
convulsões c queixas visuais. Tumores localizados no lobo visando à diminuição do rumor e à melhora das condiçõe-v
frontal podem se manifestar por meio de mudanças de gerais do paciente, com abordagem cirúrgica propriamen
comportamento, algumas vezes por longos períodos. te dita posterior.
Os tumores infratentoriais (do cerebelo e tronco) têm A radioterapia, outra modalidade terapêutica para os
como principais manifestações as ataxias e a dificuldade tumores do SNC, requer conhecimento dos seus efeitos
na escrita, na fala e na deglutição. Paralisias oculares e dé sobre o desenvolvimento do cérebro da criança, mais rá
ficits do nervo facial ou trigêmeo são fortes indícios do pido durante os três primeiros anos de vida. Os efeitos
comprometimento do tronco cerebral. do tratamento são mais intensos nesses primeiros anos.
Os principais sinais de alerta para o diagnóstico de provocando lesões cerebrais graves, o que constitui seu
tumores do SNC estão caracterizados em crianças com ce- principal fator limitante. As toxicidades aguda e subaguda
faléia persistente, principalmente noturna, que acordam do tratamento radioterápico são moderadas e geralmente
com dor de cabeça, muitas vezes acompanhada de vômi contornadas sem maiores consequências. As seqiielas tar
tos, e referem melhora da dor após vomitarem, ou com dias são as que merecem maior atenção. A irradiação cra-
crise convulsiva mais freqüentemente focal, devendo ser nioespinal em menores de 3 anos de idade está associada a
submetidas à tomografia computadorizada ou ressonância déficits psíquicos, do desenvolvimento e neuroendócrinos
magnética cerebral. (Kiltie et ai, 1997).
A indicação da radioterapia depende fundamental
mente do tipo histológico do tumor - daí a importância
Diagnóstico da biópsia prévia, a não ser em situações de exceção já
Após suspeita clínica, o diagnóstico dos tumores do citadas - e da idade da criança.
SNC é confirmado por meio da tomografia computadori A quimioterapia tem ocupado cada vez mais espaço
zada e/ou ressonância magnética do encéfalo. Fazem parte no tratamento dos tumores do SNC em crianças. Os co
da investigação diagnóstica e da programação terapêutica nhecimentos modernos relativos a drogas capazes de atra
a ressonância da coluna e a análise do líquido encefalor- vessar a barreira hcmatoliquórica muito contribuíram para
raquidiano, além dos exames laboratoriais para avaliação o sucesso dessa modalidade terapêutica. Grande parte dos
global do paciente. tumores é sensível à quimioterapia, que poderá alcançar
bons resultados.
Tratamento
O tratamento dos tumores do SNC varia muito con Leucemias
forme o tipo de tumor, exigindo muitas vezes estratégias As leucemias também estão entre os tipos de câncer
individualizadas. Para a maioria desses tumores a cirurgia mais freqüentes na infância e adolescência. Correspondem
é o passo inicial, para diagnóstico histológico ou para res- a aproximadamente 30% das neoplasias nessa faixa etária.
secção total ou parcial. O tratamento de alguns, como os Noventa e cinco por cento são agudas, sendo apenas 2-5%
gliomas difusos, biologicamente malignos e muito infiltra- do tipo crônico.
tivos, tipicamente detectados pela ressonância magnética, De acordo com a origem das células responsáveis
não se beneficiará de cirurgia nem mesmo da biópsia, visto pela proliferação maligna, as leucemias agudas podem ser
que o resultado histológico não o influenciará (Albright linfóides (85-90%) ou mielóides (10-15%).
et al., 1993). Frequentemente, a primeira cirurgia visa à
colocação de derivação ventrículo-pcritoneal, procedi
mento de emergência que poderá garantir a sobrevivência Leucemias linfóides agudas
da criança com hipertensão intracraniana. A radicalidade Um dos maiores avanços diagnósticos e terapêuticos
depende fundamentalmente da localização do tumor e do das últimas décadas refere-se à leucemia linfóide aguda.
comprometimento de estruturas vitais. Os conhecimentos adquiridos quanto ao tratamento qui-
O tratamento é sempre multidisciplinar, devendo ser mioterápico e aos meios diagnósticos permitiram que nos
coordenado por um oncologista pediátrico. Após o diag últimos cinqüenta anos ela evoluísse de uma doença quase
nóstico por imagem, exames de estadiamento capazes dc 100% fatal a um mal com 70-80% de chance de cura.
definir o grau de evolução do tumor, incluindo averigua Entre três e quatro em cada cem mil crianças brancas,
ção de comprometimento fora do encéfalo (coluna) e ava aproximadamente, desenvolvem leucemia nos Estados
liação neurocirúrgica, poderão definir a melhor conduta Unidos; no Brasil ainda não dispomos desses dados, vis
terapêutica: abordagem cirúrgica para tentativa de retirada to só contarmos com casuísticas regionais. A incidência
ou apenas biópsia diagnóstica; em casos mais raros em que é maior em meninos do que em meninas, principalmente
o diagnóstico é feito pelo achado de células tumorais no entre 2 e 5 anos de idade (Avet-Loiseau et al.y 1995).
liqTibr, o primeiro tratamento poderá ser a quimioterapia,
480 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
ciclo de quimioterapia (Woods et al., 1993; Woods et ai, enferma, com prejuízo do estado geral, dores ósseas di poder, c j
2001). A radioterapia do SNC faz parte de alguns proto fusas, manchas roxas pelo corpo devido à plaquetopenia, com a.c-3
colos terapêuticos modernos (Creutzig et ai, 1992). sendo a mais típica na pálpebra superior (racoon face), e Drash.
tumorações ósseas mais freqüentes no crânio. Os neuro Beckv* irãt
blastomas são compostos de catecolaminas que podem dade vir*
Neuroblastomas provocar diarréia crônica, hipertensão arterial e, algu ções
Neuroblastomas são tumores de linhagem simpáti- mas vezes, episódios de sudorese intensa e taquicardia. permite ;
co-adrenal da crista neural que podem se desenvolver em genética*
qualquer local do sistema nervoso simpático. A maioria mor de 1
ocorre no abdômen (65%), sendo metade destes primá Diagnóstico diferenta
rios da glândula adrenal. Outras localizações freqüentes O diagnóstico do neuroblastoma é feito em três eta estromal
incluem o pescoço, o tórax e a pélvis. pas. A primeira consiste no exame clínico, quando os si impomn
Esses tumores são responsáveis por mais de 7% das nais e sintomas levantam a hipótese de um tumor com as em cu*-: l
neoplasias em menores de 15 anos e por aproximada características descritas. A seguir são feitos os exames de de forrzj
mente 15% de todos os óbitos em pediatria. Essa cate imagem, como os raios X, tomografias e mapeamentos, vorávei e
goria representa o tumor sólido exterior ao crânio mais que poderão determinar a localização precisa do tumor Outros d
comum na infância e a neoplasia mais diagnosticada em e evidenciar as eventuais metástases. Os locais mais fre comas dl
lactentes. Tem um comportamento clínico extremamente qüentemente comprometidos, alem do local primário, com praf
variável. A probabilidade de cura tem grande variação são a medula óssea, o fígado e os ossos. O diagnóstico neoplasaa
segundo a idade ao diagnóstico, extensão da doença e será confirmado pela biópsia da massa ou pela detecção hoje a - 3
características biológicas do tumor. Os neuroblastomas de células malignas na medula óssea, enviadas aos seto temos: cd
são classificados, de acordo com o grau de disseminação res de anatomia patológica e imunoistoquímica. Poderá 2 — ressí
da doença, em cinco estádios: estádio 1 - quando a doen colaborar com o diagnóstico a dosagem do ácido vanil- resíduos:
ça é localizada e passível de ressecção cirúrgica comple mandélico ou homovanflico, presentes na urina dos pa comproa
ta; estádio 2 - quando a cirurgia não permite margens cientes com neuroblastoma em 90% dos casos. Algumas pulmão,
microscópicas; estádio 3 - quando existe tumor residual variáveis biológicas são importantes para o diagnóstico sentes; ã
após cirurgia ou linfonodos comprometidos; estádio 4 - dos neuroblastomas e a classificação de grupos de risco. comproa
quando há comprometimento a distância por via hema- A aberração genética mais associada ao prognóstico é a
togênica, mais freqüentemente nos ossos, medula óssea amplificação genica do N-MYC. Ocorre em aproximada
e/ou fígado; estádio 4S - um grupo especial que acomete mente 20% dos pacientes e está fortemente correlaciona
lactentes, com tumor primário em estádio 1 ou 2 e com da com a doença avançada e falha de tratamento.
prometimento hepático maciço, envolvimento de medula
óssea e de pele, mas sem comprometimento ósseo. Os
estádios 1, 2 e 4S são considerados de melhor prognósti Tratamento
co, sendo observada regressão espontânea neste último. O tratamenro do neuroblastoma está baseado em
Apesar dos avanços das últimas décadas, o neuroblas- quatro armas terapêuticas: cirurgia, quimioterapia, ra
toma de alto risco, estádios 3 e 4, em crianças maiores dioterapia e bioterapia; casos especiais como os tumores
de 2 anos de idade e com expressão aumentada do gene ÍVS do lactente poderão sofrer involuçáo espontânea.
N-MYC, permanece um desafio para o oncologista pe Os rumores localizados passíveis de ressecção cirúr
diátrico, com índices de cura inferiores a 40% (Maris et gica completa poderão ser curados apenas com essa mo
al., 2007). dalidade terapêutica. Os tumores avançados são o grande
desafio dos oncologistas pediátricos, destacando-se que,
apesar do uso de quimioterapia, cirurgia, radioterapia e,
Sinais e sintomas mais recentemente, com o transplante de medula óssea, Diag~cs
Os sinais e sintomas são muito variáveis e depen permanecem com índices de cura inferiores a 50%. A de
dem do local primário do tumor e da presença ou não de finição do tipo e da intensidade do tratamento depende
metástases. Para os tumores localizados (40%), os sinais da idade do paciente, estadiamento e histopatologia do
vão desde a palpação de um tumor cervical ou abdomi tumor e expressão do N-MYC.
nal até um achado acidental de uma massa supra-renal
ou paravertebral em ultra-sonografia pré-natal ou mes
mo em raios X de tórax para investigação de processo Tumor de Wilms
infeccioso no lactente (Mahoney et al., 2006). Os tumo O tumor de Wilms, o mais frequente tumor renal
res avançados (estádios 3 e 4) ao diagnóstico apresentam da criança, é responsável por 6% das neoplasias da in
quadro clínico característico de uma criança gravemente fância. Acomete crianças com idade média de 3 anos,
ONCOLOGIA PEDI AT RICA 483
podendo atingir um ou os dois rins. Pode relacionar-se X de tórax imprescindíveis na avaliação inicial para o
■I i k H à ,
com algumas síndromes genéricas, como WAGR, Denys- estadiamento. A confirmação diagnóstica por meio do
Drash, hemi-hipertrofia, associada ou não à síndrome de estudo anatomopatológico se dá por ocasião da cirurgia,
Beckwith-Wiedemann (Miller et ai, 1964). Na atuali na maioria das vezes após tratamento quimioterápico.
dade sabemos que o tumor de Wilms resulta de altera
ções genéticas ligadas ao gene supressor WT1, o que nos
permite compreender sua associação com as síndromes Tratamento
genéticas também ligadas a esse gene. A histologia do tu O tratamento do rumor de Wilms implica o uso de
mor de Wilms varia de acordo com a proporção dos três quimioterapia e cirurgia para todos os estádios e tipos
diferentes tipos celulares do rim normal - blasrematoso, histológicos, com intensidade e tempo de tratamento
estromal e epitelial. Uma característica histopatológica
í! - « * A i n .4 j .M h a - * « b .! k à
i|J ú
confirmação histopatológica o paciente deverá ser sub dos que têm mantido altos índices de cura são o ABVD
metido a uma série de exames que visam determinar os (doxorrubicina, bleomicina, vimblastina e dacarbazina) e
locais comprometidos. São considerados indispensáveis o OPPA (vincristina, procarbazina, prednisona e doxor
os raios X de tórax, o ultra-som de abdômen e pélvis, a rubicina), cuja combinação de agentes ativos não tem de
tomografia computadorizada de tórax e abdômen, o ma monstrado resistência cruzada.
peamento com gálio, a biópsia de medula óssea, além do
teste hematológico e testes bioquímicos para avaliação de
função renal e hepática. Com esses dados o paciente será Linfomas não-Hodgkin (LNH)
enquadrado em um dos quatro estádios, o qual, associa Muitos dos cânceres são proliferações neoplasicas dc
do aos fatores de risco anteriormente citados, determina um órgão ou tecido em uma localização anatômica cir
rá o prognóstico e o melhor tratamento. cunscrita, podendo disseminar-se do local de origem por
A seguir, o estadiamento da doença de Hodgkin se invasão das estruturas vizinhas ou por metãstases. Os lin
gundo a classificação de Ann Arbor: fomas não-Hodgkin são oriundos de células do sistema
imunológico presentes em todo o corpo. Isso nos permite
• Estádio 1: envolvimento de um único linfonodo compreender a enorme variação de quadros clínicos. Na:
ou local extralinfático. maioria das vezes são doenças disseminadas, que obede
• Estádio 2: duas ou mais regiões de linfonodos cem ao padrão de migração das células linfóides normais
comprometidas, ou um local extralinfático mais (Magrath, 1981). A transformação maligna poderá ocor
o linfonodo, de um só lado do diafragma. rer em qualquer subpopulação de células linfóides fun-
• Estádio 3: comprometimento acima e abaixo do cionalmentc diferente ou, mais provavelmente, em seus
diafragma, que pode ser acompanhado de envol precursores.
vimento do baço. Muitos dos linfomas não-Hodgkin na faixa etárn
• Estádio 4: envolvimento difuso ou disseminado pediátrica são neoplasias, com altos índices prol iterativo?,
de um ou mais órgãos extralinfáticos ou tecidos, sendo classificados como linfomas dc alto grau de malig
com ou sem comprometimento de linfonodos. nidade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), os linfomas não-Hodgkin pediátricos são classifi
Todos os estádios são classificados em A ou B de acor cados em três grandes grupos: linfomas de Burkitt, oriun
do com a presença ou não dos sintomas não específicos. dos de linfócitos B maduros; linfomas linfoblásticos, dc I
ONCOLOGIA PEDIÁTRICA 4S5
linfócitos pré-T ou pré-B; e linfomas de grandes células, de tebral, passando à compressão medular, o que caracteriza
células T ou nulas. uma emergência, visto que o retardo na descompressão
Os linfomas não-Hodgkin são muito mais frequen poderá ser responsável por paraplegia irreversível.
tes em crianças que em adultos, e sua frequência varia em Os linfomas Iinfoblásticos acometem em especial a
diferentes locais do mundo. Na África, 50% dos cânce caixa torácica, particularmente o mediastino (50% a 70%),
res na infância são linfomas, com prevalência de linfomas estando freqüentemente associados a derrame pleural. Os
de Burkitt (Magrath, 1991). Na Europa e nos Estados sintomas podem incluir dor, disfagia, dispnéia, edema de
Unidos, 30% dos linfomas são iinfoblásticos, 50% são lin pescoço, face e fossa supraclavicular, devido à obstrução
fomas de Burkitt e 15% são de grandes células. No Brasil da cava superior. Essa situação é extremamente grave, e,
temos uma freqüência maior de linfomas de Burkitt, cuja anre a suspeita do diagnóstico, é fundamental que se inicie
ocorrência, em algumas regiões, chega a 70%. O Burkitt o tratamento para descompressão da cava superior, que
africano, também conhecido como endêmico, é diferen poderá salvar a vida da criança. Os procedimentos diag
te do encontrado em outras partes do mundo, conhecido nósticos, principal mente a anestesia geral para a realização
como esporádico. Ele difere dos outros não só pela fre de biópsia, poderão ser responsáveis por parada cardior-
qüência como pela proporção de tumores associados ao respiratória e óbiro. Esses pacientes deverão ter o menor
vírus Epstein-Barr (EBV): 95% dos africanos contra 15% grau dc manipulação possível; tentativas de diagnóstico
dos de forma esporádica ou do tipo americano. Na maio por métodos menos invasivos deverão ser feitas. A punção
ria das vezes, apresentam alteração cromossômica no gene do líquido pleural e/ou o mielograma poderão oferecer
c-myc. O ponto de quebra observado no cromossomo 8 é diagnósticos rápidos e com menos riscos. Em situações
também diferente no tipo endêmico em comparação com extremas, o tratamenro deverá ser iniciado e a biópsia
o esporádico. A realidade brasileira está mais próxima da diagnóstica feita assim que as condições forem melhores
africana quanto â frequência de associação com o vírus EB, (Sandlund e Magrath, 1997). Os linfomas Iinfoblásticos
sendo o ponto de quebra do cromossomo 8 intermediário pré-T ou pré-B podem se manifestar ainda por meio de lin-
em relação ao observado no africano e no americano. fadenopatia periférica, sendo a região cervical o local mais
acometido. Quanto aos linfomas de grandes células, é nes
Sinais e sintomas se grupo que verificamos a maior variação de quadros clí
Os sinais e sintomas dos linfomas variam com o lo nicos. São tumores de progressão mais lenta, muitas vezes
cal primário de acometimento e com seu tipo histológico com meses de história. Freqüentemente estão associados
e/ou sua origem celular. Como já dissemos, o LNH pode a sintomas sistêmicos como febre e perda de peso (Reiter
se manifestar em qualquer parte do corpo onde o sistema e Riehm, 1997; Reiter et al., 1994). Em geral apresen
imunológico esteja presente. Apesar disso, alguns quadros tam comprometimento nodal, ao contrário dos demais,
clínicos são mais freqüentemente observados de acordo que são extranodais. Poderão se manifestar em linfonodos
com cada um desses locais. O linfoma dc Burkitt ameri periféricos, abdominais e torácicos. São muitas vezes con
cano acomete principal mente o abdômen. A manifestação fundidos com a doença de Hodgkin, principalmente quan
primeira de dor abdominal (cólica) é devida à obstrução do o local primário de acometimento é o cervical. Entre
intestinal da válvula ileocecal. Há, algumas vezes, evacua os linfomas da infância, são os que mais atacam a pele
ções sanguinolentas, náuseas e vômitos, pela intussuscep- (Tomaszewski et ai, 1999). Podem atingir múltiplos ossos
çáo de alça. É freqüente o envolvimento de linfonodos re- e ser originados neles (Nagasaka et al., 2000). Raramente
troperitoniais, assim como de rins e pâncreas. Os ovários acometem o SNC e a medula óssea.
podem ser atingidos; ascite e infiltração de medula óssea
poderão estar presentes. O comprometimento do fígado Diagnóstico
e do baço é menos observado. As doenças no SNC são O diagnóstico dos linfomas não-Hodgkin ainda
menos freqüentes nesses pacientes. O Burkitt endêmico, se baseia na histologia. E importante que essa informa
por sua vez, se caracteriza por envolvimento da mandíbula ção seja complementada com o fenótipo e, sempre que
e ou maxiía em uma alta proporção dos casos, principal- possível, o estudo citogenético. Muito freqüentemente o
mente em crianças menores de 5 anos. O envolvimento laudo histopatológico nos fornece o diagnóstico de tu
abdominal é também comum, porém atinge principalmen mor de células redondas pequenas e azuis, que tem como
te linfonodos retroperitoniais e o omento, dificilmente diagnósticos diferenciais os sarcomas de Ewing, os rab-
acometendo a fossa ilíaca direita. Esses pacientes têm um domiossarcomas e, algumas vezes, os ncuroblastomas. O
quadro dc evolução mais lenta, com aumento de volume antígeno leucocitário comum, que não está presente nas
do abdômen, dores difusas, sem características obstrutivas, outras patologias, nos dá a confirmação de uma população
o que geralmentc provoca um atraso no diagnóstico, que é linfóide. A partir daí, precisaremos da pesquisa de outros
feito mais tardiamente que o do tipo americano. Os LNHs marcadores específicos para o diagnóstico dos diferentes
do tipo Burkitt podem ser originários da região paraver- subgrupos de linfomas. Os linfomas de Burkitt têm uma
aparência histológica bastante característica e apresentam intermediário e alto risco, e será tratado com intensida Sinas i
elevado potencial proliferarivo evidenciado por alra posi- des crescenres de quimioterapia, de modo a manter os
O»
tividade do Ki-67 ou MIB-1. O linfoma de Burkitt expres mesmos índices de cura, evitando que as crianças sejam dcrlc j
sa ainda imunoglobulina de superfície (IgM), associada a subtratadas ou supertratadas. A radioterapia, a princí Munas
cadeias leves capa ou lambda. Outros antígenos relacio pio, não melhora o prognóstico dos pacientes pediátri 5 '• - ra
nados que caracterizam as células B maduras são CD 19, cos e tem sido reservada para situações especiais. geos. ca
CD20, CD22, CD79a e CD77. O CD 10 poderá ser positi Os transplantes de medula óssea poderão ser indi da boca
vo, porém a deoxinucleotidil transferase terminal (TdT) é cados a pacientes em segunda remissão, como consoli ciímcas
sempre negativa. A confirmação do diagnóstico é feita por dação terapêutica. tairaorí
meio da citogenética, em que as translocações t(8; 14) ou
O*
t(14;18) são observadas. Os linfomas linfoblásticos quase
mesjse ai
invariavelmente apresentam TdT positiva, porém a pre Rabdomiossarcomas
róide ; i
sença de TdT não determina o diagnóstico de neoplasia Sarcomas são tumores malignos de origem epitelial. djicrr €
linfóide, visto que ela também pode estar presente nos me- Podem ser de musculatura esquelética, musculatura lisa. ereção a
duloblastomas. A maioria desses linfomas tem sua origem gordura, tecido fibroso, ósseo e cartilaginoso. Os rabdo alguns z
em células T precursoras do timo e expressa os antíge miossarcomas têm origem em células mesenquiinais ima Dor de j
nos CD7, CD5, CD2, CD1 ou CD4 dependendo do grau turas da musculatura esquelética, mas podem aparecer em são r ~~i
de imaturidade do tumor. Geralmente expressam CD10 locais onde normal mente essa musculatura não é encon Om
(Calla). Finalmente, linfomas anaplásicos de grandes cé trada, como a bexiga. É o sarcoma de partes moles mais dpi-—j
lulas têm o diagnóstico histopatológico complementado comum na infância, com 22% desses rumores atingindo o
pela positividade do antígeno CD30, antígeno epitelial de iinnirq
sistema geniturinário, 18% as extremidades, 16% sendo cossang
membrana (EjMA), que pode levar a diagnóstico errôneo
parameníngeos, 10% de cabeça e pescoço, 9% da órbita dor>: i
de carcinoma. Podem ou não expressar CD45 e CD 15 ou
e 25% tendo outras localizações (Maurer et ai, 1988). àuzezz |
outros antígenos associados à linhagem T. Muitos desses
A idade média ao diagnóstico é de 5 anos, e a doença é integra
tumores apresentam a translocação t(2;5), que não é con
diagnosticada em quase dois terços dos pacientes até os _ : -
siderada essencial para o diagnóstico.
10 anos. Aproximadamente metade dos doentes apresenta et jL. 11
um tumor que não pode ser ressecado ao diagnóstico. De zações. t
Estadiamento
acordo com as características histopatológicas, 53% são são: cra
Como ocorre com a totalidade dos tumores pediá
do tipo embrionário, 21% alveolar, 6% botrióide, 8% in nmtada
tricos, o diagnóstico e a condução terapêutica dos linfo
diferenciado e 1% pleomórfico (Crist et al., 1995). reievira
mas dependem de um estadiamento correto. Todos os
O estadiamento dos rabdomiossarcomas, segundo
pacientes deverão ser submetidos à avaliação hematológi
o Intergroup Rhabdomyosarcoma Study Group (ÍRSG),
ca, compreendendo hemograma completo e bioquímica.
prevê quatro estádios: 1. tumor localizado, confinado ao Dag-:*
Também deverão ser feiras provas de função hepática e
local de origem, totalmente ressecável; 2. tumor locali
renal para avaliação do grau de comprometimento des Api
ses órgãos. Especificamente a desidrogenase lática (DHL), zado, com possível ressecção macroscópica, porém com QÓSOCO 4
enzima intracelular, é um fator prognósrico importante, tumor residual microscópico; 3. tumor localizado, mas de mes de m
principalmente para os linfomas B, e sua elevação caracte impossível ressecção - apenas a biópsia pode ser feita; 4. uiira-sc*
riza doença avançada e dc pior prognóstico. São obrigató qualquer tumor com metástases a distância. como rei
rios alguns exames de imagem: raios X de tórax, ultra-som Algumas variáveis têm apresentado valor prognóstico ahdorr -
de abdômen e pélvis, mielograma de três pontos e análise em relação a esses tumores. Essas variáveis definem grupos magnrtg
do liquor. As tomografias não são obrigatórias, mas são de pacientes de excelente prognóstico, muito bom, inter do ra— a
freqüentemente úteis para dirimir dúvidas a respeito de mediário e mau prognóstico: a) presença ou ausência de coço 'õ:*
.ocais de comprometimento. metástases a distância; b) local de origem do tumor, sendo com a re
o mais favorável a órbita e o menos favorável as extremi çáo de 3
Tratamento dades; c) ressecabilidade cirúrgica, sendo os estádios 1 e to com i
O tratamento do LNH na infância é eminentemente 2 melhores que o 3, excluindo-se a órbita; d) histologia: detecção
quimioterápico. De início o paciente deverá ser enquadra tumores embrionários são melhores que os alveolares e mâhrar-a
do em um dos três grupos de linfomas na infância, cada indiferenciados; e) idade: menores de 10 anos têm melhor áifererra
:m com seu protocolo terapêutico específico: linfoma de prognóstico (Gehan et al1981). Algumas poucas exce dos os pa
Burkitt ou Burkitt-like, linfoma linfoblástico e linfoma ções merecem ser citadas, como pacientes portadores de perifènal
áe grandes células. Após a definição do protocolo específi- rabdomiossarcoma alveolar, metastático ao diagnóstico, após 2 hm
. . o linfoma em questão, de acordo com suas característi que, quando apresentam a translocação PAX7-FKHR, têm mor e : 4
cas* prognósticas, será classificado em de baixo risco, risco um prognóstico intermediário (50%). toquzmaa
-
ONCOLOGIA PEDIÁTRICA 487
atingindo seu pico de concentração entre doze e cator tor de risco dc desenvolvimento de tumores testiculares é
ze semanas de gestação e caindo gradualmente até níveis a presença de um testículo fora da bolsa escrotal (crip-
inferiores a 10 ng/dl, quando a criança está com cerca torquidia) (Giwercman et al.y 1987). Aproximadamente
de 1 ano de idade (Gitlin et al., 1972). Desde 1974 foi 75% desses tumores são de células germinativas; dois ter
estabelecida a relação entre a elevação de AFP e a histó ços são de seio endodérmico e uma pequena proporção
ria natural dos tumores germinativos de adultos. Níveis é de teratomas. Quase todos os tumores de testículos são
elevados no sangue ou coloração indicativa de alfafeto- identificados como massas sólidas irregulares e endureci
proteína denotam a presença de componentes malignos, das. A falta de sinais e sintomas associados é a principal
especialmente tumores do seio endodérmico (yolk sac tu responsável pelo atraso diagnóstico de meses e até anos
mor) ou carcinoma embrionário. (Brosman, 1979). Pode haver metástases para linfonodos
A elevação de beta-HCG em pacientes com tumores retroperitoniais e pulmão. A observação do nível sérico
germinativos implica a presença de coriocarcinoma ou de de alfafetoproteína e beta-HCG é essencial para o diag
células gigantes do sinciciotrofoblasto, encontrado com nóstico, estadiamento e seguimento. A ultra-sonografia é
freqüência nos germinomas (seminomas puros ou disger- a principal arma para a localização da massa, permitindo
minomas) e ocasionalmente no carcinoma embrionário. A o diagnóstico diferencial entre uma simples hidrocele e
alfafetoproteína poderá ser detectada pela coloração com uma hidrocele reativa associada a um tumor testicular. A
imunoperoxidase (Nakahuma et al., 1983). avaliação para o estadiamento deverá incluir ultra-sono
A elevação rápida de alfafetoproteína e/ou beta-HCG grafia, tomografia de abdômen, pélvis e tórax e cinti
pode surgir durante a lise tumoral pós-quimioterapia sem lografia óssea.
significar piora do quadro, mas sim resposta à terapia.
externas. A incidência de malignidade é relativa ao tipo drossarcoma justacortical) (Dahlin e Unni, 1986). Cada
(38% no ripo 4 e 8% no tipo 1), à idade ao diagnóstico um deles com características distintas em relação à faixa
e ao sexo. Os elementos malignos mais frequentes são os etária mais atingida, ao local primário comumente afeta
tumores do seio endodérmico e o carcinoma embrionário. do, aos aspectos radiológicos e ao curso clínico.
A principal arma terapêutica é a cirurgia. Em geral o paciente é levado ao médico com queixa
de dor. A presença de tumor no local, a princípio, pode
não ser notada. Mais comumente acomete ossos longos,
Tumores do mediastino próximos aos joelhos (fêmur distai c tíbia proximal). O
São mais comuns no sexo masculino. Adolescentes comprometimento de ossos chatos é mais raro.
geral mente apresentam uma evolução assintomática, e o Cerca de 15% a 20% dos pacientes com osteossarco
diagnóstico na maioria das vezes é acidental. Lactentes e ma têm doença merastática ao diagnóstico. Os locais mais
crianças pequenas desenvolvem insuficiência respiratória atingidos são o pulmão, principalmente, e outros ossos
severa, inclusive hemoptise. Estão quase sempre associa (Dahlin e Unni, 1977).
dos à síndrome de Klinefelter. Mais recentemente esses O tratamento do sarcoma osteogênico implica con
tumores, considerados de péssimo prognóstico devido à trole local da doença pela cirurgia, visto que a sensibilida
frequente impossibilidade de cirurgia radical, tiveram um de à radioterapia é baixa. Por outro lado, com a cirurgia
aumento do índice de sobrevida (57-88%) com o uso dos radical (amputação), mais de 50% dos pacientes apresen
derivados da platina (Baranzclli et ai, 1999). taram metástases pulmonares nos primeiros seis meses. As
séries históricas deixaram claro que 80% dos pacientes
sem doença metastática visível tinham metástases micros
Tumores intracranianos cópicas, no momento do diagnóstico, não detectáveis pe
Os tumores intracranianos de células germinativas los métodos disponíveis. Até a década de 1970, o prognós
podem estar localizados na glândula pineal (62%), na tico de pacientes com sarcoma osteogênico era péssimo e
região supra-selar (31%) ou em ambas (7%). Os sinais e a expectativa de vida além de cinco anos não passava de
sintomas dependem da intensidade do crescimento e do 20%. A quimioterapia adjuvante, segundo alguns traba
npo histológico do tumor. Podem se manifestar por meio lhos, levou à melhora da sobrevida, que não foi confirma
de distúrbios visuais, diabetes insípido, hipopituitarismo, da por outros. Mais recentemente, o uso de quimioterapia
síndrome de Parinaud (nistagmo convergente), anorexia c pré-cirúrgica, visando facilitar cirurgias conservadoras, e
puberdade precoce. Os níveis dc alfafetoproteína e beta- de endopróteses vem melhorando significativamente as
HCG podem ficar elevados. A tentativa inicial de cirurgia chances de cura desses pacientes. Os métodos de avalia
para ressecçlo do tumor ou para realização de biópsia de ção de resposta à quimioterapia prévia, como tomografias,
verá ser feita. Os germinomas respondem bem à radiote ressonância magnética e cintilografias, nem sempre se cor
rapia; muitos desses rumores respondem a esquemas tera relacionam de forma perfeita com o grau de resposta his
tológica do tumor. Pacientes que respondem intensamente
pêuticos com carboplatina (Hoffman et ai, 1991; Finlay
et ai, 1992). à quimioterapia - com menos dc 2% de células viáveis
após ressecção cirúrgica - têm melhor prognóstico. Hoje
em dia, diante da suspeita de um tumor ósseo é realizada
Tumores ósseos uma biópsia diagnóstica; após a confirmação, os sarco
mas osteogcnicos recebem quimioterapia intensiva e, na
Sarcoma osteogênico seqüência, os pacientes são submetidos à cirurgia conser
É o mais frequente tumor primário ósseo na infância vadora, se possível, ou à amputação. A resistência do sar
c adolescência. O pico de incidência ocorre na segunda coma osteogênico à quimioterapia é bastante conhecida, e
década da vida, durante o estirão da adolescência (Huvos, as drogas que têm mostrado resultados mais promissores
1991). são a doxorrubicina, altas doses de metotrexate, a cisplati-
O diagnóstico de osteossarcoma é baseado em cri na e a ifosfamida (Winkler et ai, 1988).
térios hisropatológicos e sua correlação com os achados Embora os resultados do tratamento do sarcoma os
radiológicos. O diagnóstico histopatológico depende da teogênico venham melhorando, a morbidade relacionada
presença de estroma sarcomatoso francamente maligno ainda permanece bastante elevada. Muitos pacientes ainda
associado com a produção de tumor osteóide. Compõem precisam passar pela amputação para o controle da doença
a família do sarcoma osteogênico o fibrossarcoma, o con- primária. Apesar dos avanços nas técnicas de cirurgia con
drossarcoma, o osteossarcoma convencional, o osteoblás- servadora, a toxicidade do tratamento e os efeitos tardios
rico, o condroblástico, o fibroblástico, o teleangectásico, ainda precisam ser levados em conta. Os efeitos emocio
o osteossarcoma de células pequenas, o mui ti focal, o pa- nais dos procedimentos cirúrgicos de amputação e mesmo
raosteal (osteossarcoma justacortical) e o periosteal (con- da cirurgia conservadora são dramáticos.
Tumores da família do sarcoma de Ewing paciente portador de um tumor da família do sarcoma c? Aconse
O sarcoma de Ewing recentemente teve confirmada Ewing deverá ser tratado por uma equipe multidisciplin .
Ar-
a sua origem neural. Embora seja mais frequentemente experiente, treinada para utilizar, em cada momento, _ blastoc*
melhor arma terapêutica. A quimioterapia sistêmica de\-
um tumor ósseo, hoje sabemos que pode se originar de filho cc
rá incluir a vincristina, adriamicina e cidofosfamida. Pari
esrruturas não ósseas (partes moles), sendo denominado chance i
pacientes com doença localizada, a ifosfamida e o etopov-
sarcoma de Ewing extra-ósseo. Uma espécie ainda mais famxiur
de têm mostrado bons resultados.
diferenciada, conhecida como tumor neuroectodérmico por 3*3
primitivo periférico (PPNET) ou neuroepiteiioma, poderá se possa
ter origem no osso ou em partes moles. O termo que hoje chance 4
Fatores prognósticos
engloba todos esses tipos e que usaremos a seguir é tumo
res da família do sarcoma de Ewing (ESFT). Sabe-se que O mais importante fator prognóstico é, sem dúvidi
87% desses tumores se originam nos ossos, 8% sáo extra- a presença ou ausência de doença metastática detectá\r Man ~-
Não sc concebe hoje um diagnóstico de patologia câncer deverá fazer parte, permitirá o diagnóstico. t~i
neoplásica sem análise patológica, imunoistoquírnica e sistema de saúde em que raras vezes a criança é vi^*:
citogenética. No caso das doenças hematológicas, a mor seguidamente pelo mesmo médico impede o acomp
fologia da célula doente, imunofenotipagem, citogené nhamento real dos sintomas. Invariavelmente, cria. •
tica e biologia molecular são responsáveis por um diag ças com queixa de dor abdominal recebem tratamen: >
nóstico completo, capaz de determinar o grupo de risco para verminose, sem que seja feita uma investigaçã *
do paciente, permitindo a escolha terapêutica ideal, com mais detalhada. Outro fator capaz de interferir de for
altos índices de cura e poucas seqüelas. No Brasil, e na
ma grave é o estigma da doença. O enfrentamento do
maioria dos países em desenvolvimento, a maior dificul
diagnóstico é muito difícil para a família e para o p .-
dade dos oncologistas pediátricos, sendo o fator que nos
diatra geral. O otimismo que nega a hipótese mui:.:,
distancia dos grandes centros europeus e americanos de
vezes atrasa o diagnóstico. Por outro lado, algumas vc-
tratamento, é o diagnóstico precoce. Ainda hoje, poucos
zes o pessimismo após a confirmação da hipótese, mar
são os pediatras com uma formação que os capacite a
cado pela idéia de que é inútil correr porque o óbito é
diagnosticar precocemente o câncer na infância.
Não existe um sinal ou sintoma patognomônico do certo, ainda tem prejudicado nossas crianças.
câncer infantil. O câncer mimetiza as doenças pediátri O diagnóstico precoce e preciso é indispensável.
cas, e só sua evolução e o seguimento com proximidade Quanto mais rapidamente a criança chegar a um centr.
da criança permitem ao médico perceber que a sua pri especializado com os recursos necessários, mais cedo
meira suspeita não parece se confirmar e que uma cha poderá conseguir resultados. Alto índice dc suspeição ;
ve mais ampla de diagnósticos diferenciais, da qual o competência clínica são a chave do sucesso.
Referências bibliográficas
Albright, A. L.; Packer, R. J.; ZlMMERMAN, R. et al. Brosman, S. A. “Testicular tumors in prcpubertal ch:.
“Magnetic resonance scans should replace biopsies for the dren”. Urology, v. 13, n. 6, p. 581-8, 1979.
diagnosis of diffuse brain stem gliomas: a report from Chaussain, J. L.; Lemerle, J.; Roger, M. et a'..
the Children’s Câncer Group”. Neurosurgery, v. 33, n. 6, “Klinefelter syndrome, tumor, and sexual precocity”. T/.v
p. 1026-9, 1993. Journal of Pediatrics, v. 97, n. 4, p. 607-9, 1980.
Creutzig, U.; Ritter, J.; Heyen, P. et al. “Effect or
Avet-Loiseau, H.; Mf.chinaud, F.; Hàrousseau, J. L.
“Clonal hematologic disorders in Down syndrome: a re cranial irradiation on rate of recurrence in children with
vi ew”. Journal of Pediatric HematologylOncology, v. 17, acute myeloid leukemia: initial results of the AML-BFM
n. l,p. 19-24, 1995. 87 study”. Klinische Pàdiatrie, v. 204, n. 4, p. 236-45.
Bale, P. M. “Sacrococcygeal developmental abnor- 1992.
Crist, W.; Gehan, E. A.; Ragab, A. H. et al. “The
malities and tumors in children”. Perspectives in Pediatric
Pathology, v. 8, n. 1, p. 9-56, 1984. Third Intergroup Rhabdomyosarcoma Study Journal o-
Bàranzelli, M. C; Kramar, A.; Boltfet, E. et al. Clinical Oncology, v. 13, n. 3, p. 610-30, 1995.
“Prognostic factors in children with localized malignant Cronen, P. W.; Nagaraj, H. S. “Ovarian tumors in
nonseminomatous germ cell tumors”. Journal of Clinicai children”. Southern Medicai Journal, v. 81, n. 4, p. 464-8.
Oncology, v. 17, n. 4, p. 1212, 1999. 1988.
Barrett, A.; Crennan, E.; Barnes, J.; Martin, J.; Dahlin, D. C; Unni, K. K. “Bone tumors: gene
Radford, M. “Treatment of clinicai stage I Hodgkin’s di- ral aspects and data on 8,542 cases”. 4. ed. Springfield
sease by local radiation therapy alone”. Câncer, v. 66, n. Thomas, 1986.
4, p. 670-4, 1990. ____ . “Osteosarcoma of bone and its importam
Bernstein, L.; Smjth, M. A.; Liu, L. et al. “Germ cell, recognizable varieties”. The American Journal of Surgica.
rrophobJastic, and orher gonadal neoplasms”. In: Ries, L. Pathology, v. 1, n. 1, p. 61-72, 1977.
A. G.; Gurney, J. G.; Linf.t, M. et al. (eds.). Câncer inci- Donaldson, S. S.; Whitaker, S. J.; Plowman, P. N.;
dence and survival among children and adolescents: United Link, M. R; Malpas, J. S. “Stage I-II pediatric Hodgkin’s
States SEER program 1975-1995. Bethesda: National disease: long-term follow-up demonstrates equivalent
Câncer Institute/SEER Program, 1999, p. 125. survival rates following different management schcmes”.
Bonaíti-Pellié, C; Chompret, A.; Tournade, M. Journal of Clinicai Oncology, v. 8, n. 7, p. 1128-37,
F. et al. “Genetics and epidemiology of Wilms’ tumor: 1990.
patjesrs
the French Wilms’ tumor study”. Medicai and Pediatric Eiuorr, M.; Bayly, R.; Cole, T. et al. “Clinicai fea-
Oncology, v. 20, n. 4, p. 284-91, 1992. tures and natural history of Beckwith-Wiedemann syndro-
ONCOLOGIA PEDIÁTRICA 493
me: presentation of 74 new cases”. Clinicai Genetics, v. treated with craniospinal irradiation under three ve-
46, n. 2, p. 168-74, 1994. ars old”. Medicai and Pediatric Oncology, v. 28, n. 5. p.
Einlay, J.; Walker, R.; Balmaceda, S, et ai 348-54, 1997.
“Chemotherapy without irradiation for primary central Kfmbau Dalton, V M; Gelber, R. D.; Li, F. et al.
nervous System gerni cell tumors: report of an interna- “Second malignancies in patients treated for childhood
tional study”. Proceedings of the American Society for acute lymphobJasric leukemia”. Journal of Clinicai
Clinicai Oftcology, v. 11, p. 150, 1992. Oncology, v. 16, n. 8, p. 2848-53, 1998.
Francke, U. “Retinoblastoma and chromosome 13”. Ksíudson Jr., A. G. “Muration and câncer: scac/sri-
Cytogenetic and Cell Genetics, v. 16, n. 1-5, p. 131-4, cal study of retinoblastoma”. Proceedings of the National
1976. Academy of Sciences of the United States of America, v. 68,
Gatti, R. A.; Good, R. A. “Occurrence of malig- n. 4, p. 820-3, 1971.
nancy in immunodeficiency diseases: a literature review”. Kramárová, E.; Stiller, C. A. “The international clas-
Câncer, v. 28, n. 1, p. 89-98, 1971. sification of childhood câncer”. International Journal of
Gehan, E. A.; Glover, F. N.; Maurer, H. M. et al. Câncer, v. 68, n. 6, p. 759-65, 1996.
^Prognostic factors in children wirh rhabdomyosarcoma”. Krikorian, J. C.; Portlock, C. S.; Mauch, P. M.
National Câncer Institute Monograph, n. 56, p. 83-92, “Hodgkims disease presenting below the diaphragm: a re
1981. view”. Journal of Clinicai Oncology, v. 4, n. 10, p. 1551-
Gitlin, D.; Perricelli, A.; Gitlin, G. M. “Synthesis of 62, 1986.
s -fetoprotein by liver, yolk sac, and gastrointestinal tract La Quaglia, M. P.; Ghavimi, F.; Herr, H. et al.
MPrognostic factors in bladder and bladder-prostate rhab
of the human conceptus”. Câncer Research, v. 32, n. 5, p.
979-82, 1972. domyosarcoma”. Journal of Pediatric Surgery, v. 25, n. 10,
Giwfrcman, A.; Grindsted, J.; Hansen, B. et al. p. 1066-72, 1990.
“Testicular câncer risk in boys with maldescended testes: Loworn 3w, H. N.; Tucci, L. A.; Stafford, P. W.
a cohort study”. The Journal of Urology, v. 138, n. 5, p. “Ovarian masses in the pediatric patient”. Aorw Journal, v.
1214-6, 1987. 67, n. 3, p. 568-76, 1998.
Gurney, J. G.; Severson, R. K.; Davis, S.; Robison, L. Macramm, I.; Abramson, D. H.; Ellsworth, R.
L. “lncidence of câncer in children in the United States: M. “Optic nerve involvement in retinoblastoma”.
-tr Ophthalmology, v. 96, n. 2, p. 217-22, 1989.
>ex-, race-, and 1-year age-specific rates by histologic
type”. Câncer, v. 75, n. 8, p. 2186-95, 1995. Magrath, 1. T. “African Burkitt’s lymphoma: history,
cm Hashimoto, H.; Kiryu, H.; Enjoji, M. etal. “Malignant biolog}', clinicai features, and treatment”. The American
neuroepithelioma (pcripheral neuroblastoma): a clinico- Journal of Pediatric HematologyiOncology, v. 13, n. 2, p.
pathologic study of 15 cases”. The American Journal of 222-46,1991.
Surgical Pathology, v. 7, n. 4, p. 309-18, 1983. ____ . “Lymphocyte differentiation pathways: an
Hays, D. M.; Raney Jr., R. B.; Lawrence Jr., W. essential basis for the comprehension of iymphoid neo-
et al. “Bladder and prostatic tumors in the Intergroup plasia”. Journal of the National Câncer Institute, v. 67, p.
mm Rhabdomyosarcoma Study (IRS-I): results of therapy”. 501-14, 1981.
Câncer, v. 50, n. 8, p. 1472-82, 1982. Mahoney, N. R.; Luj, G. T; Menacker, S. J.; Wilson,
Hoffman, H. J.; Otsubo, H.; Hendrick, E. B. et al. M. C.; Hogarty, M. D.; Maris, J. M. “Pediatric Horner
"Intracranial germ-cell tumors in children”. Journal of syndrome: etiologies and roles of imaging and urine stud-
Neurosurgery, v. 74, n. 4, p. 545-51, 1991. ies ro derect neuroblastoma and other responsible mass
Horowitz, M. E.; Tsokos, M. G.; DeLaney, T. E. lesions”. American Journal of Ophthalmology, v. 142, n.
"Ewing’s sarcoma”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, 4, p. 651-9, 2006.
v. 42, n. 5, p. 300-20, 1992. Mandell, L. R.; Mvssey, V; Geuvlui, E. “The influen-
HUVOS, A. G. “Bone tumors: diagnosis, treatment, ce of extensive bone erosion on local control in non-orbital
and prognosis”. 2. ed. Filadélfia: WB Saunders, 1991. rhabdomyosarcoma of the head and neck”. International
Ioachim, H. L; Cooper, M. C.; Hellman, G. C. Journal of Radiation Oncology, Biology, Phystcs, v. 17, n.
~Lymphomas in men at high risk for acquired immune de- 3, p. 649-53, 1989.
nciency syndrome (AIDS): a study of 21 cases”. Câncer, v. Manuel, M.; Katayama, P. K.; Jones Jr., H. W. “The
56, n. 12, p. 2831-42,1985. age of occurrence of gonadal tumors in intersex patients
Karcioglu, Z. A.; Al-Mesffr, S. A.; Abboud, E. et al. with a Y chromosome”. American Journal of Obstetrics
■"Workup for metastatic retinoblastoma: a review of 261 and Gynecology, v. 124, n. 3, p. 293-300, 1976.
patients”. Ophthalmology, v. 104, n. 2, p. 307-12, 1997. Marina, N. M.; Cushing, B.; Gii.ler, R. et al.
Kiltie, A. E.; Lashford, L. S.; Gaitamaneni, H. R. “Complete surgical excision is effective treatment for chil
“Survival and late effects in medulloblastoma patients dren with immature teraromas with or without malignant
494 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
elements: a Pediatric Oncology Group/Children’s Câncer Münster group studies”. Journal of Clinicai Oncology, v
Group Intergroup Study ".Journal of Clinicai Oncology, v.12, n. 5, p. 899-908, 1994.
17, n. 7, p. 2137-43, 1999. Ries, L. A.; Percy, C. L.; Bunin, GR. “Introduction-
Marina, N. M.; Etcubanas, E.; Parham, D. M. et al. SEER pediatric monograph”. In: Ries, L. A. G.; Gurnp.
“Peripheral primitive neuroectodermal rumor (peripheral J. G.; Linet, M. et al. (eds.). Câncer incidence and survh -
neuroepithelioma) in children: a review of the St. Jude al among children and adolescents: United States SEER
experience and controvcrsies in diagnosis and manage- program 1975-1995. Berhesda: National Câncer Institute
ment”. Câncer, v. 64, n. 9, p. 1952-60, 1989. SEER Program, 1999, p. 1-15.
Maris, J. M.; Hogarty, M. D.; Bagatell, R.; Cohn, Ron, E.; Modan, B.; Boice Jr., J. D. et al. “Tumors of
S. L. “Neuroblastoma”. Lancet, v. 369, n. 9579, p. 2106- the brain and nervous system after radiotherapy in child
20, 2007. hood”. The New England Journal of Medicine, v. 319, n.
Malrer, H. M.; Beltangadv, M.; Gehan, E. A. et al. 16, p. 1033-9, 1988.
“The Intergroup Rhabdomyosarcoma Study-I: a final re- Sandlund, J.; Macrath, I. T. “Therapy of lympho
port”. Câncer, v. 61, n. 2, p. 209-20, 1988. blastic lymphoma”. In: Magrath, I. T. (cd.). The non-
Hodgkin's lymphomas. 2. ed. Londres: Edward Arnold.
Miller, D. R.; Leikin, S.; Albo, V. et al. “Prognostic
importance of morphology (FAB classification) in child- 1997, p. 813-28.
hood acute lymphoblastic leukaemia (AUL)”. British Shurtleff, S. A.; Buijs, A.; Behm, F. G.; et al. “TEL
Journal of Haematology, v. 48, n. 2, p. 199-206, 1981. AML1 fusion resulting from a cryptic t(12;21) is the mos:
Milur, R. W.; Fraumeni Jr., J. R; Manninc, M. D. common genetic lesion in pediatric ALL and defines a sub-
“Association of Wilms* tumor with aniridia, hemihyper- group of patients with an excellenr prognosis”. Leukemia.
trophy and other congenital malformations”. The New v. 9, n. 12, p. 1985-9, 1995.
England Journal of Medicine, v. 270, p. 922-7, 1964. Sreekantaiah, C.; Ladanyi, M.; Rodriguez, E.:
Nacasaka, T.; Nakamura, S.; Medeíros, L. J. et al. Chaganti, R. S. “Chromosomal aberrations in soft tissue
“Anaplastic large cell lymphomas presented as bone le- tumors: relevance to diagnosis, classification, and mole
cular mechanisms”. The American Journal of Pathology, v.
sions: a clinicopathologic study of six cases and review of
the literature”. Modern Pathology, v. 13, n. 10, p. 1143-9,
144, n. 6, p. 1121-34, 1994.
2000. Steinbhrg, E. R “The status of MRI in 1986: rates oi
Nakahuma, K.; Tashiro, S.; Uemura, K. et al. “Alpha-
adoption in the United States and worldwide”. AJR: American
fetoprotein and human chorionic gonadotropin in em- Journal of Roentgenology, v. 147, n. 3, p. 453-5, 1986.
bryonal carcinoma of the ovary: an 8-year survival case”. Steinberg, E. P.; Sisk, J. E.; Locke, K. E. “X-ray CT
Câncer, v. 52, n. 8, p. 1470-2, 1983. and magnetic resonance imagers: diffusion patterns and
Narod, S. A.; Stillhr, C.; Lenoir, G. M. “An estima-
policy issues”. The New England Journal of Medicine, v.
te of the heritable fraction of childhood canccr”. British
313, n. 14, p. 859-64, 1985.
Journal of Câncer, v. 63, n. 6, p. 993-9, 1991. Tomaszkwski, M. M.; Moad, J. C.; Lupton, G. P.
Oberlin, O.; Levf.rger, G.; Pacquement, H. et al. “Primary cutaneous Ki-1 (CD30) positive anaplastic large
“Low-dose radiation therapy and reduced chemothera- cell lymphoma in childhood”. Journal of the American
py in childhood HodgkiiEs disease: the experience of theAcademy of Dermatology, v. 40, n. 5, p. 857-61, 1999.
French Society of Pediatric Oncology”. Journal of Clinicai Tsokos, M. “Peripheral primitive neuroectodermal
Oncology, v. 10, n. 10, p. 1602-8, 1992. tumors: diagnosis, classification, and prognosis”.
Pui, C. H.; Behm, F. G.; Downtng, J. R. et al. “Ilq23/
Perspectives in Pediatric Pathology, v. 16, p. 27-98, 1992.
MLL rearrangement confers a poor prognosis in infants Wharam, M.; Beltangady, M.; Fíeyn, R. et al.
with acute lymphoblastic leukemia”. Journal of Clinicai “Localized orbital rhabdomyosarcoma: an interim report
Oncology, v. 12, n. 5, p. 909-15, 1994. ofthe Intergroup Rhabdomyosarcoma Study Committee”.
Raney, R. B. “Spinal cord ‘drop metastases’ from Ophthalmology, v. 94, n. 3, p. 251-4, 1987.
head and neck rhabdomyosarcoma: Proceedings of the WiuciNS, R. M.; Pritchard, D. J.; Blrgert Jr., E. O.;
Tumor Board of the Children’s Flospital of Philadelphia”.ÜNNI, K. K. “Ewing’s sarcoma of bone: experience with
Medicai and Pediatric Oncology, v. 4, n. 1, p. 3-9, 1978. 140 patients”. Câncer, v. 58, n. 11, p. 2551-5, 1986.
Reiter, A.; Riehm, H. “Large cell lymphomas in chil WiNKLFR, K.; Beron, G.; Delling, G. et al.
dren”. In: Magrath, I. T. (ed.). The non-Hodgkin’s lyntpho-
“Neoadjuvant chemotherapy of osteosarcoma: results of a
ms. 2. ed. Londres; EdmrdAraold, 1997; p. 813-28.ranc/omizec/ cooperatíve tria/ (COSS-82) with safvage che
Reiter, A.; Schrappe, M.; Tíemann, M. et al. motherapy based on histological tumor response”. Journal
“Successful treatmem strategy for Ki-1 anaplasric large of Clinicai Oncology, v. 6, n. 2, p. 329-37, 1988.
cell lymphoma of childhood: a prospective analysis of 62 Wolff, L. J.; Richardson, S. T; Nfibf.rger, J. B. et
panents enrolled in three consecutive Berlin-Frankfurt- al. “Poor prognosis of children wich acute lymphocytic
ONCOLOGIA PEDI At RICA 495
leukemia and increased B cell markers”. The Journal of Woods, W. G.; Neudorf, S.; Gold, S. et ai “A com-
PediatricSy v. 89, n. 6, p. 956-8, 1976. parison of allogeneic bone marrow transplantation, au-
WoODS, W. G.; Kobrinsky, N.; Buckley, J. et ai tologous bone marrow transplantation, and aggressive
“Intensively timed induction therapy followed by autolo- chemotherapy in children with acute myeloid leukemia in
gous or allogeneic bone marrow transplantation for chil- remission”. Blood, v. 97, n. 1, p. 56-62, 2001.
dren with acute myeloid leukemia or myelodysplastic syn- ZiriiRSKY, A.; PEETERS, M.; Poon, A. “Megakaryoblastic
drome: a Children’s Câncer Group pilot study”. Journal leukemia and Down’s syndrome: a review”. Pediatric
of Clinicai Oncology, v. 11, n. 8, p. 1448-57, 1993. Hematology and Oncology, v. 4, n. 3, p. 211-30, 1987.
Quadre 1
partir da década de 1960, com o advenro de ção aos efeitos orgânicos adversos, além das dificuldadõ
Agentes alquilantes,
Gônadas Esterilidade masculina e menopausa precoce em mulheres
procarbazina
Os procedimentos cirúrgicos (Quadro 3) deixam se- em comparação com a população geral, sobreviventes da
qüelas cicatriciais e podem levar a mutilações musculoes- doença de Hodgkin apresentaram um risco onze vezes
quelécicas e eventual ausência dc órgãos, dependendo o maior de desenvolvimento de câncer (Maule et al2007).
comprometimento estético e funcional da amplitude ci Oeffinger e Hudson (2004) relataram os efeitos tar
rúrgica e da capacidade do jovem em adaptar-se física e dios da terapia do câncer em extensa revisão de estudos.
psicologicamente às suas limitações. Oeffinger et ai (2006) fizeram um estudo retrospectivo
Cerca de 8% a 10% de crianças e adolescentes sub com 10.397 sobreviventes de câncer tratados entre 1970
metidos ao tratamento de câncer correm o risco de desen e 1986 e verificaram que, após trinta anos do término da
volver uma segunda neoplasia, relacionada ao potencial terapia, três quartos dos sobreviventes apresentaram um
mutagênico da quimioterapia e radioterapia associado aos problema crônico de saúde, com múltiplos efeitos tardios
fatores genéticos predisponentes (Cullen, 1991). em um terço dos casos.
Um estudo cooperativo realizado com uma amostra Em outro estudo, Oeffinger et al. (2000) analisaram
de 16.540 adultos sobreviventes de hemopatias malignas 96 adultos jovens, maiores de 18 anos, encontrando trinta
na infância mostrou 133 segundas neoplasias, cuja quanti sem evidencia de efeitos tardios. Nos demais 66 pacien
dade variou de 2,4% após o tratamento de leucemias agu tes, encontraram um total de 115 efeitos tardios, sendo 29
das a 31,9% após o tratamento de linfoma de Hodgkin; com sequelas de toxicidade de moderada a severa.
498 T E M A S EM P S I C O - 0 N C 0 L 0 G I A
Pele/tecido subcutâneo/
Estéticos, atrofias, fibroses
músculos CkOSIM
Malformação de esmalte e raízes, xerostomia, aumento de risco de cáries e doença n ué
Dentes/glândulas salivares M zjm
periodontal
1
Olhos Catarata, ceratoconjuntivite, retinopatia
Esplenectomia Diminuição da função imune e aumento do risco de sepse por bactérias encapsuladas
Gecnen et aí. (2007) estudaram 1.362 sobreviven O grupo cooperativo americano Children’$ Oncolog) ÒtSCM
tes de câncer na infância, cuja média de idade por oca Group (COG), sob a coordenação da doutora Melissa Hud- r.ioa
sião do estudo era de 24,4 anos. Encontraram em 40% son, desenvolveu um guia de efeitos tardios, com base no
dos sobreviventes pelo menos uma sequela de risco para programa de estudos de sobreviventes de câncer na infância, g
a saúde física, relacionada principalmente com a radio relatando todos os fatores de risco e apresentando orienta rcvca
terapia. ção para a intervenção multidisciplinar precoce relativa às
Ness et al. (2005) analisaram o desempenho físico sequelas. Esse guia foi publicado por Landier et al. (2004) e
e as limitações nas atividades diárias de 11.481 sobrevi está disponível em http://www.survivorshipguidelines.org.
ventes de câncer na infância, comparando-os com seus Além das conseqüências físicas, o jovem recuperado
irmãos. Concluíram que há um risco 4,7 vezes maior, em do câncer pode apresentar manifestações neuropsicosso-
relação ao grupo controle, de perda de habilidades coti ciais, comprometendo a aprendizagem escolar, a reinte ie
dianas e referentes a cuidados pessoais e 5,9 vezes maior gração na sociedade, o convívio familiar, a conquista de
de surgimento de dificuldades no trabalho e na escola. empregos e a vivência afetiva (Nagarajan et al., 2003).
mm
das inseguranças relacionadas à sua capacidade em cui associados ao tempo de ausência das salas de aula. Essas
dar adequadamente do filho. Por outro lado, a maioria crianças tendem a demonstrar sintomas de depressão, e os
dos adolescentes apresentou um sentimento de bem-estar, estudos geralmente os associam ao período deltospitalTza-
retomada dos vínculos sociais e afetivos e ampliação do ção durante o tratamento (Lopes et ai, 2000).
universo pessoal e social, encontrando-se mais bem adap A preocupação com o desenvolvimento da aprendiza
tados do que seus pais. gem e a socialização da criança c do adolescente com cân
As reações das crianças e dos adolescentes a uma doen cer encontra-se na interface entre a busca da recuperação
ça e ao seu tratamento refletem interferências não apenas da saúde e a preservação do direito à educação. Cabe aos
de sua idade mas também do estágio de desenvolvimento profissionais que lidam com o paciente (e seus familiares),
cognitivo, emocional, social em que se encontram; do des numa intervenção preventiva primária, buscar formas de
conforto gerado pela doença e pela dor; do tipo de trata tratá-lo dignamente, procurando favorecer a percepção
mento e das limitações impostas por ele, bem como de seus das suas condições de desenvolvimento e o incentivo a
efeitos colaterais; do entendimento da doença e dos signifi elas, respeitando suas competências e a possibilidade de
cados atribuídos a ela; das reações da família, comunidade, participação ativa no processo de construção do conheci
sociedade; das informações e orientações sobre os efeitos mento e da cidadania. Tais iniciativas objetivam prevenir
tardios físicos e psicológicos, assim como da constituição e minimizar possíveis sequelas psicológicas e cognitivas,
emocional dc cada um deles (Wasserman, 1992). além de garantir a melhora da qualidade de vida e o cum
Assim, a etiologia psicossocial ainda necessita de primento dos princípios estabelecidos especificamente em
maiores estudos e investigação. Se, por um lado, os fatores nosso país pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei
predisponentes ao câncer ainda não são totalmente conhe 8.069, de 13 de julho de 1990.
cidos, o comprometimento da esfera psicossocial guarda A abrangência dos aspectos relacionados ao trata
íntima relação com o processo de desenvolvimento de mento do câncer e suas interligações com a qualidade de
doença/tratamento e a particular subjetividade na maneira vida dos pacientes curados tem estimulado novos estudos
de enfrentamento de cada paciente. e aumentado o interesse pelo tema.
Preconceitos e expectativas dos adultos que rodeiam A avaliação da qualidade de vida dos sobreviventes
a criança ou o adolescente doente interferem nas atitudes do câncer na infância é um novo campo de pesquisa, im
tomadas por eles perante a doença, influenciando suas rea portante para obter melhor entendimento da percepção
ções à situação vivenciada, já que o adulto traz, de alguma do paciente durante o tratamento e poder aprimorá-lo
maneira, a expressão da aceitação social. (Parsons e Brown, 1998).
A piora da função psicológica muitas vezes pode ser Nos últimos anos, tem sido frequente e cada vez maior
atribuída à toxicidade do tratamento, bem como à perda a preocupação com o que se chama de “qualidade de vida"
da motivação por diminuição de energia física. Os efeitos e sua abrangência nas mais diversas dimensões. O concei
tóxicos da quimioterapia e/ou radioterapia e o isolamento to passa a ser objeto de indagação e ação, sendo estudado
que o paciente sofreu, imposto pela doença ou pelo trata com base em valores humanos, evidentemente multíplices
mento, podem ocasionar déficits neuropsicológicos, com em todos os seus aspectos (Wallander et al., 2001).
sequelas psicológicas como a diminuição do desempenho De acordo com Aaronson (1991) e outros estudiosos
escolar ou social. (Gotay e Moore, 1992; Fraser, 1993), é consensual afir
Pesquisas realizadas por Moore et al. (1992) para in mar que qualidade de vida é um constructo mulddimen-
vestigar os efeitos tardios da terapêutica médica do câncer sional, com contribuições de vários e diferentes campos
têm demonstrado que as crianças curadas, quando compa ou domínios da vida, sendo mais do que só uma pondera
radas com grupos de controle, apresentam, em diferentes ção sobre o estado de saúde (isto é, bem-estar físico, psi
graus: pior desempenho escolar, declínio intelectual, défi cológico e social) porque incorpora outras experiências
cits cognitivos de atenção e memória, especialmente quan de vida, tais como aspectos econômicos, ocupacionais e
do submetidas à irradiação e quimioterapia direcionadas doméstico-familiares.
ao sistema nervoso central. A partir da definição de saúde dada pela Organização
Um trabalho realizado por Jannoun e Chessells Mundial da Saúde (OMS), como um estado de completo
(1987) com crianças tratadas de leucemia mostrou que bem-estar físico, mental e social e não meramente de au
5 delas revelaram problemas de aprendizado após sência de doenças, percebe-se uma redução da dimensão
cinco anos do término do tratamento e 61% apresenta biomédica, reconhecendo-se a importância do compo
ram concentração diminuída. nente subjetivo, psicológico, da saúde mental como fator
Por meio da literatura pode-se observar que os desa- importante para a qualidade de vida dos indivíduos e dos
ustamentos psicológicos não parecem estar diretamente grupos, como aspecto essencial que não pode ser omitido
associados à morbidade do tratamento sofrido; porém, no planejamento dos cuidados com a saúde em qualquer
aspectos fígados ao desempenho escolar estão daramente nível (WHO, 1946).
EFEITOS TARDIOS DO TRATAMENTO DO CÂNCER NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 501
Qualidade de vida representa, assim, a sensação sub sava de analgesia freqüente, e outro, apesar da analgesia,
jetiva de bem-estar que envolve a avaliação feita pelo in encontrava-se incapacitado para a realização das ativida
divíduo sobre vários aspectos que considera importantes des diárias. Quanto ao estado emocional, cinco pacientes
na sua vida atual e, de forma global, em sua vida inteira ficavam ocasional mente deprimidos ou de mau humor e
(Garcia Riano, 1991). dois sentiam-se assim freqüentemente.
O WHOQOL Group (1998), da Organização Mun Considerando qualidade de vida como um conceito
dial da Saúde, inclui em sua definição a percepção do que envolve fatores objetivos e subjetivos, derivados dos
indivíduo quanto à sua posição na vida, no contexto cul valores, sentimentos e crenças do paciente, esses estu
tural e no sistema de valores em que vive, em relação a dos representam uma contribuição científica para futuras
seus objetivos. pesquisas e programas de ação preventiva direcionados
A qualidade de vida como importante aspecto de às crianças e adolescentes com câncer, durante e após o
medida da significância clínica de práticas e resultados tratamento.
terapêuticos tem estimulado inúmeros estudos e o desen Nem sempre o que consideramos qualidade de vida
volvimento de vários instrumentos, voltados principal corresponde à visão dos pacientes. Nem sempre aquilo que
mente para a população adulta. Em relação à população consideramos como sequelas é percebido pelos pacientes
infantil, é grande a carência de trabalhos. Entretanto, a como algo prejudicial à sua qualidade de vida.
relevância dessa avaliação e a preocupação com aspec Isso nos leva a considerar a possibilidade de desco
tos conceituais e metodológicos estão trazendo reflexões nhecimento, negação emocional ou adaptação biopsicos-
sobre sua utilização de modo a garantir às crianças o social. A severidade da doença e as seqüelas decorrentes
atendimento de suas necessidades de desenvolvimento e do tratamento marcam a história do sujeito de maneira
a manutenção do seu bem-estar (Harding, 2001; Wallan- particular, dependendo de sua capacidade de adaptação e
der et ai, 2001). aceitação da realidade vivida.
Para crianças e adolescentes doentes o “bem-estar” Percebe-se, então, que o câncer traz, desde seu início,
pode significar quanto seus desejos e esperanças se apro uma série de conseqüências psicossociais que perduram,
ximam do que realmeme está acontecendo. Portanto, as alteram-se ou somam-se durante o tratamento e mesmo
condições promotoras da saúde são essenciais em função após a alta. Essas complicações exigem, sempre, uma aten
da vida que terão pela frente. ção especial c envolvem variados aspectos da vivência psí
Com o objetivo dc avaliar a qualidade de vida em quica e social da criança ou adolescente com câncer e de
pacientes curados após transplante autólogo de medula seus familiares.
óssea, Kanabar et al. (1995) analisaram seus pacientes
segundo os sinais e sintomas apresentados. Esses pacien
tes foram submetidos a altas doses de quimioterapia e Seguimento após o término
apresentavam chance de morre bastante grande. Nesse da terapia
estudo, de 81 pacientes que receberam tratamento com O programa de acompanhamento dc sobreviventes
autotransplantc (Atmo), após recidiva, foram avaliados dará ao paciente e sua família a oportunidade de escla
trinta pacientes. A distribuição quanto à doença de base recimento sobre a doença e o tratamento que enfrenta
foi a seguinte: sete pacientes com neuroblastoma, cin ram no passado, além de educá-los quanto aos riscos de
co com rabdomiossarcoma, seis com sarcoma de Ewing, seqüelas tardias e orientá-los a respeito de como preve
quatro com linfoma não-Hodgkin, dois com doença de ni-las, ou pelo menos minimizá-las, e conviver com as
Hodgkin, quatro com leucemia linfóide aguda, um com limitações.
tumor de Wilms e um com tumor de células germinati- Pais, médicos e os próprios pacientes curados preci
vas. Destes, dez apresentaram alterações quanto à sen sam de orientações claras para saber o que devem espe
sação ou mobilidade. Na avaliação de sensação, quatro rar para os próximos anos, uma vez que a maioria dos
pacientes apresentaram alguma dificuldade visual, neces sobreviventes de câncer infanto-juvenil tem probabilidade
sitando de óculos, ou alguma dificuldade auditiva, exi de apresentar pelo menos um efeito tardio, o qual pode
gindo o uso de aparelhos. Quando avaliados em relação trazer seqüelas graves Iimitantes ou ameaça à vida.
à mobilidade, seis pacientes não conseguiam andar, cor O Comitê Psicossocial da Sociedade Internacional
rer, pular tão rápido quanto pessoas da mesma idade. de Oncologia Pediátrica (Siop), que tem como objetivo
Todos os pacientes, exceto um, apresentaram bom de definir algumas diretrizes para a assistência psicossocial
sempenho referente aos cuidados pessoais: comer, beber, à criança com câncer nas diferentes etapas do tratamen
tomar banho, vestir-se e tratar da própria higiene. Na to, elaborou as orientações necessárias para a assistência
avaliação relativa à dor, em sete pacientes cia foi conside aos curados, ressaltando a importância da promoção da
rada ocasionai, não interferindo nas tarefas do dia-a-dia saúde física, psicossocial e socioeconômica, além da pro
e não requerendo analgesia. Apenas um paciente preci dutividade. A proposta do programa de curados definido
502 T E M A S EM PSICO-ONCOLOGIA
pelo Comitê estabelece que o atendimento às necessida para o clínico geral, mudança de endereço, falta de mo
des psicossociais da criança com câncer deve ter início tivação para freqüentar um serviço médico. Por insegu
no momento do diagnóstico, continuando até o fim do rança, ausência de orientação ou porque foi dissipada a
tratamento, e ajudá-la na fase de reinserção social. Para chance de recorrência, a família pode não querer voltar
isso, deve contar com uma equipe multiprofissional que a um ambiente que traz más lembranças.
estabeleça um plano de ação de acordo com as necessi A atenção ao jovem curado de câncer deve ser mul
dades individuais de cada criança curada, considerando tiprofissional e multidisciplinar, incluindo a monitoriza
suas particularidades bem como seu desenvolvimento, e ção do crescimento e do desenvolvimento, atenção aos
elabore uma documentação com todas as informações aspectos emocionais, integração social7ãconselHãmento
disponíveis sobre as crianças curadas, para que esses da genético, estímulo aos hábitos saudáveis de vida, orien
dos possam ser utilizados por outros serviços médicos, tação c favorecimento quanto à inclusão no mercado de
quando necessário. E importante salientar que o pro trabalho.
grama tem como base a assistência médica e psicossocial A equipe multiprofissional deve estar atenta ao modo
preventiva, marcada pelo aconselhamento psicológico, de vida anterior ao câncer e buscar recursos físicos, emo
pela reabilitação física e pelo suporte informativo. Traz, cionais e socioeconômicos que privilegiem o bem-estar do
ainda, contribuições ao campo da educação da popula paciente, sua individualidade e suas necessidades.
ção, enfatizando a necessidade de informar e conscien O seguimento a longo prazo dos jovens curados de
tizar o público em geral a respeito da normalidade e da câncer na infância deve ter como meta a promoção da
produtividade dos curados dc câncer, de ajudar na cria qualidade de vida e do desenvolvimento de pesquisas
ção de políticas públicas para prevenir discriminações ou cujos resultados possam contribuir para o melhor conhe
fazer frente a elas e de educar curados para que sejam cimento dos efeitos tardios da terapia antineoplásica em
protagonistas de seu futuro econômico e social (Masera rodos os seus aspectos biológicos, emocionais e sociais,
et al., 1996). Essas orientações da Siop (2004) podem ser além de colaborar para a elaboração de novos protocolos
encontradas em português no site da Sociedade Brasileira de tratamento, procurando aumentar a sobrevida ao mi
de Psico-Oncologia (SBPO). nimizar a toxicidade.
Ainda são poucos os serviços de oncologia pediátrica Apesar das sequelas, devem ser consideradas as al
que oferecem uma atenção específica ao seguimento após ternativas que assegurem o bem-estar do jovem por meio
o término de terapia, apesar de ser um consenso, entre os da satisfação de suas necessidades básicas, respeitando sua
membros da equipe oncológica, a necessidade desse cui individualidade. A assistência multiprofissional deve for
dado especial. talecer a recuperação biopsicossocial do jovem após o tér
Segundo Oeffinger e Wallace (2006), algumas dificul mino da terapia, contribuindo para que assuma seu espaço
dades afastam o paciente do serviço de oncologia, como a social e possa ser o agente da construção de seu futuro e
ampla distância etária envolvendo a transição do pediatra sua história.
Referências bibliográficas
Aaronson, N. K. “Methodologic issues in assessing Chii.dren’s Oncology Group. Long-term follow-
the quality of life of câncer patients”. Câncer, v. 67, supl. up guidelines for survivors of childhood, adolescent, and
3, p. 844-50, 1991. young adult cancers, 2006. Disponível em: <http://www.
Bearison, D. J.; Mulhern, R. K. (eds.). Pediatric survivorshipguidelines.org/>. Acesso em: 15 ago. 2007.
psychooncology: psychological perspectives on children Cicognani, A.; P as INI, A.; Pession, A. et al. “Gonadal
with câncer. Nova York: Oxford University Press, 1994. function and pubertal development after treatmenr of a
Bleyer, W. A. “The impact of childhood câncer on childhood malignancy”. Journal of Pediatric Endocrinol-
the United States and the world”. CA: A Câncer Journal ogy & Metabolism, v. 16, supl. 2, p. 321-6, 2003.
for Clinicians, v. 40, n. 6, p. 355-67, 1990. Cullen, J. W. “Second malignant neoplasms in sur
Bottomley, S. J.; Kassner, E. “Late effects of child vivors of childhood câncer”. Pediatrician, v. 18, n. 1, p.
hood câncer therapy”. Journal of Pediatric Nitrsing, v. 18, 82-9, 1991.
n. 2. p. 126-33, 2003. Dalton, V. K.; Rue, M.; Sulverman, L. B. etal. “Height
Cadiz, D. V; Rona, R. E. “Problemas psicológicos and weight in children treated for acute lymphoblastic
después de finalizado el tratamiento en el nino y su famí leukemia: relationship to CNS treatment”. Journal of Clin
lia”. In: Becker, K. A.; Vargas, P. L. Dejé atrás el câncer: icai Oncology, v. 21, n. 15, p. 2953-60, 2003.
una guia para el futuro. Santiago: Fundación Nino y Cán- Dreyer, Z. E.; Buvrr, J.; Bleyer, A. “Late effects of
cer/Pinda, 2004, p. 47-67. childhood câncer and its treatment”. In: Pizzo, P. A.; Po-
EFEITOS TARDIOS DO TRATAMENTO DO CÂNCER NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 503
plack, D. G. (eds.). Principies and practice of pediatric Maskra, G.; Chesler, M.; Jankovic, M. et al. “Siop
Sr |. oncology. 4. ed. Filadélfia: Lippincotr Williams ÔC Wi- Working Committee on Psychosocial Issues in Pediatric
lkins, 2002, p. 1431-62. Oncology: guidelines for care of long-term survivors”.
Fraser, S. C. “Quality-of-life measurement in sur- Medicai and Pediatric Oncology, v. 27, n. 1, p. 1-2,
gical practice”. The British Journal of Surgery, v. 80, n. 2, 1996.
p.163-9, 1993. Maule, M.; ScÊLO, G.; Pastore, G. et al. “Risk of
Friedman, D. L.; Meadows, A. T. “Late effects of second malignam neoplasms after childhood leukemia
m mm childhood câncer therapy”. Pediatric Clinics of North and lymphoma: an international study”. Journal of the
irr-K America, v. 49, n. 5, p. 1083-106, 2002. National Câncer Institute, v. 99, n. 10, p. 790-800, 2007.
Gamis, A. S.; Nesbit, M. E. “Neuropsychologic (cog- Meadows, A. T.; Krejmas, N. L.; Belasco, J. B. “The
nirive) disabilities in long-rerm survivors of childhood medicai cost of cure: sequelae in survivors of childhood
câncer”. Pediatrician, v. 18, n. 1, p. 11-9, 1991. câncer”. In: VAN Eys, J.; Suluvan, M. P (eds.). Status of
•ai García Rjano, D. G. “Calidad de vida: aproximación the curability of childhood cancers: the University of Texas
histórico-conceptual”. Boletín de Psicologia, v. 30, n. 20, System Câncer Center; M. D. Anderson Hospital and Tu
p. 55-94, 1991. mor Institute 24th Annual Clinicai Conference on Câncer.
Geenen, M. M.; Cardous-Ubbink, M. C.; Kremer, L. Nova York: Raven, 1980, p. 263-76.
C. et al. “Medicai asscssment of adverse health outcomes Moore 3*°, B. D.; Copeland, D. R.; Ried, FL, Levy,
in long-term survivors of childhood câncer”. JAMA: The B. “Neurophysiological basis of cognitive déficits in long-
jmi Journal of the American Medicai Association, v. 297, n. 24, term survivors of childhood câncer”. Archives of Neuro-
Dcae- p. 2705-15, 2007. logy, v. 49, n. 8, p. 809-17, 1992.
n s* Gleeson, H. K.; Shalet, S. M. “Endocrine complica- Nagarajan, R.; Neglia, J. P.; Clohisy, D. R. et al.
tions of neoplastic diseases in children and adolescents”. “Education, employment, insurance, and marital status
Current Opinion in Pediatrics, v. 13, n. 4, p. 346-51, 2001. among 694 survivors of pediatric lower extremity bone
K sSs Gotay, C. C.; Moore, T. D. “Assessing quality of life tumors: a report from the childhood câncer survivor
in head and neck câncer”. Quality of Life Research, v. 1, study”. Câncer, v. 97, n. 10, p. 2554-64, 2003.
n. l,p. 5-17, 1992. Ness, K. K.; Mertens, A. C; Hudson, M. M. et al.
Gurney, J. G.; Ness, K. K.; Stovall, M. et al. “Fi “Limitations on physical performance and daily activities
I» mm nal height and body mass index among adult survivors of among long-term survivors of childhood câncer”. Annals
r iv- childhood brain câncer: childhood câncer survivor srudy”. of Internai Medicine, v. 143, n. 9, p. 639-47, 2005.
The Journal of Clinicai Endocrinology and Metabolism, v. Nucci, N. A. G. A criança com leucemia na escola.
88, n. 10, p. 4731-9,2003. Campinas: Livro Pleno, 2002.
Fíardlng, L. “Children’s quality of life assessments: a Oeefinger, K. C; Eshelman, D. A.; Tomlinson, G.
review of gencric and health related quality of life measures E. et al. “Grading of late effects in young adult survivors
completed by children and adolescents”. Clinicai Psychol- of childhood câncer followed in an ambulatory adult set-
ogy & Psychotherapy, v. 8, n. 2, p. 79-96, 2001. ting”. Câncer, v. 88, n. 7, p. 1687-95, 2000.
Jannoun, L.; Chessells, J. M. “Long-term psychol- Oeffinger, K. C.; Hudson, M. M. “Long-term com-
ogical effects of childhood leukemia and its treatment”. plications following childhood and adolescent câncer:
Pediatric Hernatology and Oncology, v. 4, n. 4, p. 293-308, foundations for providing risk-based health care for sur
-i -
1987. vivors”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, v. 54, n. 4,
Kanabar, D. J.; Attard-Montalto, S.; Saha, V; Kin- p. 208-36, 2004.
gston, J. E.; Malpas, J. E.; Eden, O. B. “Quality of life Oeffinger, K. C; Mertens, A. C; Sklar, C. A. et al.
in survivors of childhood câncer after megatherapy with “Chronic health conditions in adult survivors of childhood
autologous bone marrow rcscue”. Pediatric Hematology câncer”. The New England Journal of Medicine, v. 355, n.
and Oncology, v. 12, n. 1, p. 29-36, 1995. 15, p. 1572-82, 2006.
Landier, W; Bhatia, S.; Eshelman, D. A. et al. “De- Oeffinger, K. C.; Wallace, W. H. “Barriers to
velopment of risk-based guidelines for pediatric câncer sur follow-up care of survivors in the United States and the
vivors: the Childrems Oncology Group Long-Term Follow- United Kingdom”. Pediatric Blood & Câncer, v. 46, n. 2,
Up Guidelines from the Children\s Oncology Group Late p. 135-42, 2006.
Effects Committee and Nursing Discipline”. Journal of Cli Parsons, S. K.; Brown, A. P. “Evaluation of quality’
nicai Oncology, v. 22, n. 24, p. 4979-90, 2004. of life in childhood câncer survivors: a methodological
«rasat
f ü- Lopes, L. F.; Camargo, B. de; Bianchi, A. “Os efei conundrum”. Medicai and Pediatric Oncology, supl. 1, p.
tos tardios do tratamento do câncer infantil”. Revista da 46-53, 1998.
ecT=> :f Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 46, n. 3, p. Pui, C. H.; Cheng, C; Leung, W. et al. “Extended
I 277-84, 2000. follow-up of long-term survivors of childhood acute
504 T E M A S EM P S I C O - O N C O LO G I A
lymphoblastic leukemia”. The New England Journal of on the mother-child relationship” (8rh World Congress
Medicine, v. 349, n. 7, p. 640-9, 2003. of Psycho-Oncology). Psycho-oncology, v. 15, supl. 2, p.
Rajt, D. S.; Ostroff, J. S.; Smith, K.; Cella, D. F.; Tan, S426, 2006.
C; Lesko, L. M. “Lives in a balance: perceived family func- Valle, E. R. M. do. “Vivências da família da crian
tioning and the psychosocial adjustmenr of adolescent cân ça com câncer”. In: Carvalho, M. M. M. J. (org.). In
cer survivors”. Family Process, v. 31, n. 4, p. 383-97, 1992. trodução à psico-oncologia. Campinas: Psy, 1994, p.
Schwartz, C. L. “Long-term survivors of childhood 219-42.
câncer: the late effects of therapy”. The Oncologist, v. 4, Vasconcellos, E. A.; Perina, E. M. “Recursos arte-
n. 1, p. 45-54, 1999. terapêuticos na psicoterapia de grupo: compreenden
Sexson, S. B.; Madan-Swain, A. “School reentry for do a expressão lúdica e imagética de adolescentes com
the child with chronic illness”. Journal of Learning Disa- câncer”. In: Perina, E. M.; Nucci, N. A. G. (orgs.). As
hilities, v. 26, n. 2, p. 115-25, 1993. dimensões do cuidar em psiconcologia pediátrica: desafios
Siop (Sociedade Internacional de Oncologia Pediátri e descobertas. Campinas: Livro Pleno, 2006, p. 204.
ca). Orientações sobre aspectos psicossociais em oncolo Wauander, J. L.; Schmitt, M; Koot, H. M. “Quality
gia pediátrica. Trad. Luciana Pagano Castilho Françoso; of life measurement in children and adolcscents: issues.
Elizabeth Ranier Martins do Valle. Ribeirão Preto: Grupo instruments and applications”. Journal of Clinicai Psycho-
de Apoio à Criança com Câncer, 2004. Disponível em:
<http://www.sbpo.org.br/images/pdf/siop_2004.pdf>.
Smith, M. A.; Ries, L. A. G. “Childhood câncer: in-
cidence, survival and mortality”. In: Pizzo, P. A.; Popla-
logy, v. 57, n. 4, p. 571-85, 2001.
Wasserman, M. D. A. “Princípios de tratamento psi
quiátrico de crianças e adolescentes com doenças físicas”.
In: Garfinkel, B. D.; Carlson, G. A.; Weller, E. B. Trans
T
algun» i
ck, D. G. (eds.). Principies and practice of pediatric on- tornos psiquiátricos na infância e adolescência. Porto Ale
cology. 4. ed. Filadélfia: Lippincott Williams &. Wilkins, gre: Artes Médicas, 1992. uso de i
2002, p. 1-12. Who (World Health Organization). Constitution of mando <
Steinherz, L.; Steinherz, P. “Delayed cardiac toxicity the World Health Organization: Basic documents. Gene doenças
from anthracycline therapy”. Pediatrician, v. 18, n. 1, p. bra, 1946. querez3
49-52, 1991. Whoqol Group. “Development of the World Health hospital
Sylos, M. D.; Perina, E. M.; Mastellaro, M. J.; Organization WHOQOL-BREF quality of life assessment”. te. em s
Aguiar, S. S. “Childhood câncer and cure: reflections Psychological Medicine, v. 28, n. 3, p. 551-8, 1998. que srm
ano no i
cnançai
uma doi
cnarças
torsos |
termo» i
ta. envi
prohssai
mobtkai
cessana
uma
e seus á
taiizaçãi
drversas
Cm
algumas
tões r-^
seusizm
por ekrs
A crii
s4
o inír ?
0 CÂNCER NA CRIANÇA: A DIFÍCIL TRAJETÓRIA
Elizabeth Ranier Martins do Valle; Mirian Aydar Nascimento Ramalho
odas as pessoas, sejam elas crianças, jovens, adul idade, não distinguindo sexo, raça, cultura, nível socioe-
do diagnóstico e do afastamento do lar, passarão a con Atualmente o tratamento pode ser feito por meio de
viver com pessoas estranhas em um ambiente regido por três métodos, utilizados isoladamente ou em associação
regras que dificilmente são modificadas, relativas a reali quimioterapia, radioterapia e cirurgia. Cada qual tem sua-
zação de exames, horários de refeições e dietas especiais, indicações, limites, efeitos positivos e complicações. O;
por exemplo. Os modos de enfrentamento da doença e do médicos especialistas na área definirão o tratamento mau
tratamento são diversos, dependendo da idade da criança apropriado após a consideração dos benefícios e dos risco;
e de seu nível maturacional, além do modo como ela e sua potenciais em cada caso.
família lidam com situações adversas. Por isso, a equipe de Quimioterapia: consiste no emprego de medicaçõo
saúde deve estar preparada para atender às variadas ne que exterminam as células cancerosas. No entanto, pode
cessidades físicas, psicoemocionais e sociais que poderão afetar as células de outros tecidos de crescimento rápido,
surgir no curso da doença e de sua terapêutica. como as do cabelo e das mucosas. O tratamento quimio-
H importante salientar que desde o diagnóstico da terápico é muito complexo, podendo variar de meses a
doença, e durante os procedimentos terapêuticos e possí anos, e as medicações podem ser ministradas em casa e
veis complicações, é preciso realizar uma série de exames e ou no hospital, por via oral ou por meio de injeções, coir macia 'a
investigações para acompanhar a evolução do tratamento. a utilização de soros. A frequência de sua aplicação varie mtroC-j
Os mais comuns são: exame de sangue, que é retirado de de acordo com o tipo de câncer, podendo ocorrer eir diação a
uma veia no braço ou na mão, eventualmente podendo dias seguidos, alternados, em intervalos semanais, quin- extenua
surgir uma mancha roxa no local da punção (hematoma); zenais ou até anuais. A quimioterapia costuma causar quanòo:
exame de urina, que é recolhida em recipiente estéril; pun apatia; perda de apetite; queda de cabelo (que crescerr cemia zm
ção lombar, para obtenção do líquido cefalorraquidiano, novamente após o término do período de medicação) venooqg
mediante a punção do canal da medula óssea por meio de diminuição da resistência da criança devido à diminuição éjo
uma seringa com uma agulha longa e fina. Esse procedi de um dos componentes do sangue, os glóbulos bran de um 1
mento pode causar sensações de mal-estar que costumam cos, responsáveis por combater as infecções; hematoma? imTdõõãJ
desaparecer após o repouso da criança por cerca de 24 ho (manchas azuladas na pele) e sangramento nasal provo
ras. Além desses temos a radiografia, que permite a visuali cados pela baixa taxa de plaquetas no sangue (células res
zação de imagens do interior do corpo por meio dos raios ponsáveis por sua coagulação); edemas (inchaços); afta^
X; as tomografias, que possibilitam a obtenção de imagens na boca; náuseas; vômitos; diarréia.
de cortes transversais do local examinado; a ressonância Radioterapia: utiliza radiações produzidas por uma
magnética, em que a criança é colocada em um tipo dc máquina, em local do corpo delimitado pelo radiotera-
túnel, também para que sejam obtidas imagens do interior peuta por meio de marcas de fuesina (espécie de tinta
do corpo. Esses procedimentos são indolores, mas exigem feitas na pele, que não devem ser apagadas. O número
que a criança permaneça quieta durante sua realização. A de sessões é determinado pelo especialista e varia con
ecografia por ultra-som é especialmente útil para o estudo forme cada caso. Para esse tipo de tratamento, a família
dos órgãos internos, sendo realizada com a aplicação de e o filho devem ser informados com antecedência de que
um gel sobre a pele próxima da região a ser examinada. A a criança ficará sozinha em uma sala especial onde de
endoscopia também possibilita a visualização do interior verá permanecer na posição indicada pelo técnico. Esse
de órgãos como esôfago, estômago, intestino e pulmões, ambiente deve ser visitado antes do início das aplica
mediante a introdução de um endoscópio (tubo flexível ções. Também se deve frisar que o tratamento é indolor
conectado a uma câmera minúscula). Os exames histológi e não a tornará radioativa. O contato prévio com o lo
cos são realizados por estudo microscópico de tecidos para cal do tratamento e as explicações dos especialistas, de
que se descubra se a doença está sendo ou não controlada. modo simples e claro, aliviam medos e reduzem as fan
Nem todos esses exames são necessários. Sua necessidade tasias a respeito desse tipo de terapêutica. Alguns efei
dependerá do tipo de câncer que a criança desenvolveu, tos secundários podem surgir com a radioterapia, tais
tumor sólido ou leucemia (AECC, 2008). É preciso ser como: alterações cutâneas no local da irradiação (maior
ressaltado, em relação ao diagnóstico, que tanto a família sensibilidade, descamação, prurido, edema/inflamação):
como a criança devem receber explicações prévias sobre o queda de cabelo; modificação do paladar; diminuÍ£ão
porquê desses procedimentos e como eles serão realizados. da salivação; surgimento de aftas (quando a irradiação é
C níorme se constata na prática, pais e filhos participam na cabeça); alterações digestivas (ligeira dificuldade para
mais ativamente do tratamento, com maior colaboração, engolir, diarréias, perda de apetite), quando a irradiação
quando adequadamente informados. é feita no tórax e abdômen; fadiga.
Cirurgia: é o método mais antigo utilizado nos tra
"Eu queria saber, como numa aula, os caminhos e os tamentos oncológicos e a terapêutica de eleição para a
cuidados para o tratamento dessa doença ” (pai de Cláudia, maioria dos tumores. Consiste em extrair o tumor e os
13 anos). tecidos próximos a ele. Após a cirurgia, e dependendo
—
de sua exrensão, a criança costuma ter dores que podem • A criança não deve ter contato com pessoas porta
ser controladas por medicamentos analgésicos. Nos ca doras de doenças infectocontagiosas, como rubéo-
sos de grandes cirurgias, como as amputações, ocorrem la, varicela, gripes etc.
deficiências ou impedimentos de algumas funções do • A criança não deve permanecer em lugares fecha
corpo, o que demandará uma readaptação e reabilitação dos com muitas pessoas. Se ela freqüentar a escola,
dessas funções, muitas vezes por meio do uso de próte deve sentar-se em local ventilado, próximo às jane
ses. Nesse momento é muito importante a participação las, e evitar aglomeração na sala ou no pátio.
da equipe e da família no sentido de ajudar a criança a • Em caso de febre, a criança deve ser levada ime
ter uma boa recuperação e a levar uma vida integrada à diatamente ao hospital onde realiza seu tratamen
sociedade. to. Tentar controlar a febre por conta própria pode
Outros tratamentos podem ser utilizados, como custar a vida dessa criança.
a imunoterapia, que visa ao fortalecimento do sistema • As vacinas próprias a determinadas idades só pode
imunológico da pessoa; a braquiterapia, também cha rão ser ministradas com a autorização expressa do
mada radioterapia interna, porque a fonte radioativa é médico responsável.
introduzida no organismo em cápsulas com doses de ra • A higiene pessoal (relativa ao corpo, cabelos e den
diação pequenas se comparadas com as da radioterapia tes) e alimentar precisa ser muito bem feita. Verdu
externa; o transplante de medula óssea (TMO), indicado ras e outros alimentos crus não devem ser ingeridos,
quando algum tipo de câncer, como, por exemplo, a leu a não ser quando preparados conforme orientação
cemia mielóidc aguda, não responde bem às terapias con do médico e/ou do nutricionista.
vencionais. O I MO pode ser autólogo, quando o doador • Não se deve permitir que a criança realize ativida
é o próprio paciente; ou alogênico, quando a medula é des violentas, como jogar bola, andar de bicicleta
de um doador compatível, geralmente um irmão, ou de ou correr, pois durante o tratamento quimioterápi-
um doador estranho à família, encontrado por meio do co pode haver a diminuição do número das plaque
chamado banco de medula. tas do sangue, podendo ocasionar hemorragias se
Qualquer que seja o tratamento, é importante re-
a criança sofrer quedas ou impactos. É importante
:embrar que a família e a criança devem estar muito bem
também observar a cor da urina, para detectar uma
informadas acerca do porquê de sua realização, dos proce
possível hemorragia.
dimentos que serão utilizados, dos esperados efeitos cola-
• E preciso que a criança tenha o repouso necessário,
Tcrais, com disponibilidade constante por parte da equipe
pois freqüentemente ela pode sentir cansaço devi
?ara aclarar dúvidas e acolher preocupações.
do ao tratamento e às suas consequências, entre
elas a anemia.
“Por que tem crianças que ficam internadas e outras
• Deve-se buscar a orientação do médico se houver
que vêm fazer a químio e vão embora pra casa ?” (mãe de
problemas de pele ligados à radioterapia. Ele po
Tiago, 4 anos).
derá indicar medicações e pomadas adequadas caso
haja coceiras ou manchas no local irradiado.
O tratamento de câncer pode ser feito, em boa
parte do tempo, de forma ambulatorial, isto é, sem que
Apesar de todos esses cuidados, é essencial que a fa
c criança fique hospitalizada. Conforme o tratamento
mília procure manter a vida no lar o mais normal e ativa
prescrito para sua doença, ela chega ao hospital pela ma
possível, sendo orientada c recebendo suporte para tal.
nhã, geralmente se colhe o sangue c, dependendo dos re
sultados do exame de sangue, são aplicados os quimiote-
rápicos ou a radioterapia. Não havendo intercorrências,
O impacto do câncer no
ela volta para casa. Isso significa que ela pode preservar
parte de sua rotina doméstica e escolar. As internações desenvolvimento da criança
no hospital acontecem quando ocorrem infecções, quan Embora o curso de desenvolvimento da criança pos
do há necessidade de cirurgia ou de um tratamento mais sa ser alterado pela doença, o processo evolutivo básico
agressivo, ou ainda quando o estado geral da criança não continua, com as necessidades próprias de cada idade, que
é bom ou se agrava. incluem os aspectos psicossociais e emocionais, a escolari
Os médicos costumam fazer algumas recomenda dade e o relacionamento com os pares.
ções à família e à criança para prevenir possíveis compli Holland e Rowland (1989) apresentam o desenvol
cações durante o tratamento, uma vez que a criança, nesse vimento infantil, considerando os aspectos físicos, cogni-
período, pode estar imunodeprimida, isto é, com as defe rivos, emocionais e sociais do nascimento à adolescência,
sas do sangue baixas. Entre tais recomendações podem ser segundo uma estrutura cronológica que inclui os períodos
citadas as seguintes: descritos a seguir.
.
Do nascimento aos 2 anos tesse no rosto. Tal fato deixava a equipe de enfermagem uma í c z z a
desnorteada e ofendida com tanta agressividade. Quandt concerto p
O bebê parte de uma inteira dependência, passando
questionado sobre o porquê de sua atitude, o menino dis tar o i: t
pelo processo maturacional, que o tornará capaz de andar,
se: “Essa bruxa [a mâe] deixou essa mulher [enfermeira] de reia ~ 3
falar, alimentar-se de forma independente. As primeiras
me furar, agora ela tem que apanhar”. ambos os 1
experiências com seus cuidadores, em especial a mãe, e
Os pais tentam proteger a criança, seguindo instruções vimen- r
o meio ambiente lhe possibilitarão desenvolver um sen
médicas, em especial relacionadas à prevenção de quedas, ~~
timento de confiança básica, conforme conceitua Erikson
limitando seu entusiasmo e iniciativa. Muitas vezes tentam íncapaodb
(1972). Trata-se da aquisição de uma segurança advinda
uma compensação ao não impor limites e fazer mimos ex devem
da conduta dos seus provedores externos, mas também de
cessivos. Tais atitudes podem ter como resultado uma crian sos distv*
si próprio e da capacidade dos próprios órgãos de respon
ça medrosa, passiva, dependente dos adultos, ou mesmo um. ameaça *í
der aos seus impulsos e anseios.
“pequeno tirano”, dificultando sua vida em sociedade.
Os pais de um bebê acometido por uma doença gra lhos. A ^
ve sentem-se frustrados e muitas vezes incapacitados para grau eic-n
atender às demandas do tratamento, sendo necessário que Dos 6 aos 11 anos o abar, ca
a equipe de saúde volte sua atenção para eles, apoiando-os
Esse período é marcado principalmente pelo início
e cuidando deles, para que possam lidar com seus senti Xaa
da escolaridade formal, sendo a escola um ambiente dc
mentos e suprir as necessidades de seu filho. São vrm
socialização fundamental para a criança nessa faixa etá
Nesse período, a presença física e emocional dos pais meado 5SM
ria. Ela aprende a ser competente e eficaz em atividade1
é fundamental, apresentando, nas relações com o bebê, sen valorizadas pelos pais e adultos em geral. A enfermidade dewàc a i
sibilidade às suas necessidades c demonstrando a convicção
pode interferir nos relacionamentos com os companhei
de que existe um significado nas suas ações. O senso de con Om
ros, pois as constantes idas ao médico implicam faltas às
fiança e esperança da criança surge não só de seus estímulos adesão jf
aulas, mudanças corporais, como queda de cabelo e perda
internos, mas também do reconhecimento de padrões con ou aumento de peso, cansaço e limitação da participação qüente m
sistentes de resposta de seus provedores (Erikson, 1972). em jogos e brincadeiras. Essas diferenças podem levar os buscando
colegas a evitar ou isolar a criança doente. No modelo pendèüca
eriksoniano, o senso de competência e atividade pode ser pode se 1
Dos 3 aos 5 anos cas (Yend
prejudicado se a criança se sente inadequada entre seii'
Com o aumento das habilidades motoras, a criança pares, insegura em relação à sua capacidade de realização, ies que «
desenvolve a autonomia e o autocontrole, marcando a sua com perda da auto-estima e um sentimento de inferiori esperara
primeira emancipação em relação à mãe. Ela passa por um dade, provocando uma falta de perspectiva e descrença estão irm
aperfeiçoamento da linguagem, entendendo e indagando quanto ao retorno à vida normal. nss
incessamemente, amplia a imaginação, apresenta um sen Em nosso meio, nas classes sociais menos favoreci abande^i
timento de iniciativa e associa-se aos pares de sua idade. das, é comum que a família não encoraje a volta à escola, posto oori
Segundo Erikson (1972), a criança, nesse estágio, en mesmo quando é uma proposta medica. tamentr. I
volve-se no empreendimento, planejamento e realização tou qoe 1
de tarefas (iniciativa versus culpa), e manifesta um senso “Minha mãe disse que eu não preciso ir à escola por os eiras
primitivo de moralidade. que estou doente e eu não quero ir porque vão rir de mim” a pena 3
Holland e Rowland (1989) destacam o fato de que (Joana, 9 anos). empresa
crianças nessa fase acreditam que há regras para a manu
tenção da saúde, sentindo-se culpadas quando adoecem. -fci
Podem apresentar níveis altos de estresse durante procedi Adolescência: dos 12 aos 18 anos de noz>: 1
mentos médicos (colocação de cateteres, punções lomba Esse período é marcado pela transição de criança a
res) ao se sentirem confusas e ameaçadas, ou punidas por adulto, quando o jovem adquire uma identidade pessoal, Cm
suas más ações. Nessa idade, a criança depende de seus assumindo um papel sexual adulto e desenvolvendo rela senvoiva
pais para protegê-la. Sua inabilidade em ajudá-la a lidar cionamentos maduros com seus pares de ambos os sexos. ra^âo át
com os procedimentos dolorosos pode provocar muita Ele busca obter independência do núcleo familiar e come nénoa d
ansiedade. As respostas à dor e o medo tornam-se exacer ça a se preparar para o futuro, vislumbrando seu auto-sus- mintas 1
bados, e a criança pode apresentar retraimento, pânico, tento e a formação de sua própria família. 2 atençi
obstinação, acesso de raiva ou agitação motora. O adolescente com câncer enfrentará as alterações fí- aquá*
Rodrigo, de 3 anos, apresentou acessos de raiva sicas, a falta de autonomia e a dependência forçadas pela zando-st
quando necessitava ter uma veia puncionada: esperneava presença da enfermidade e do tratamento, em um momen o«
e gritava palavrões, principalmente dirigidos à sua mãe. to em que se preocupa com a aparência e valoriza o fato iecncia 1
Esta, por sua vez, quando ele exigia, permitia que lhe ba de ser fisicamente arraenre, inviabilizando a construção de jescerrr
O CÂNCER NA CRIANÇA: A DIFÍCIL TRAJETÔR.A 509
uma identidade física e sexual segura, bem como de um ma que possam reconhecer e antecipar o estresse de seus
conceito positivo de si próprio. Esses conflitos podem afas pacientes a fim de ajudá-los, e também a seus familiares, a
tar o adolescente do convívio social c do estabelecimento lidar com a doença, o tratamento e suas conseqüências dc
de relacionamentos significativos com companheiros de forma adequada.
ambos os sexos, retardando ou distorcendo seu desenvol A medida que o câncer infantil foi se tornando uma
vimento psicossexual sadio (Vendmscolo e Valle, 2007). doença passível de cura, pelos avanços da ciência, obser
Um aspecto importante a ser observado é a possível vou-se que aspectos psicológicos relacionados ao impac
incapacidade reprodutiva após os tratamentos. Os jovens to do diagnóstico e ao tratamento vêm sendo enfatizados
devem ser informados sobre essa questão e sobre os recur pela relevância dos serviços de suporte psicossocial para
sos disponíveis, como bancos de sêmen e óvulos. Com a a criança e sua família. A Sociedade Internacional de On
ameaça representada pela doença, tendem a pensar mais cologia Pediátrica (Siop), em 1991, constituiu um comitê
intensamente no futuro, visualizando uma família com fi- de trabalho sobre os aspectos psicossociais em oncologia
Ifvys. A impossibilidade de se tornarem pais os leva a um pediátrica, que desenvolveu um documento relacionando
grau elevado de frustração e ansiedade, que pode implicar objetivos e recomendações e resumindo as experiências
o abandono do tratamento. dos maiores centros de tratamento. Esse documento foi
publicado em 1993 e atualizado em 2003, tendo sua di
“Como vou ter uma mulher se não posso ter filhos? vulgação recomendada à comunidade de oncologia pediá
Mão vou poder casar ” (Marcelo, 12 anos, ao ser comu trica; recebeu tradução brasileira em 2004 (Siop, 2004).
nicado sobre a necessidade de radioterapia nos testículos Nessa mesma linha de recomendações, foi publicado
devido à infiltração leucêmica). pelo National Institute for Health and Clinicai Excellence,
de Londres, o manual Improving outeomes in children and
O adolescente com câncer é mais suscetível à não- young people witb câncer (Nice, 2005).
adesão ao tratamento pela negação da doença, com conse- Mirchell et al. (2006) realizaram uma pesquisa no
qüente ameaça à sua vida. Nessa fase, quando o jovem está Reino Unido com 303 famílias, na qual pais e crianças sub
buscando sua independência, e tem de se submeter a de metidas ao tratamento de câncer responderam sobre sua
satisfação com os serviços de suporte e também sobre áreas
pendências forçadas pela enfermidade e pelo tratamento,
de necessidades psicossociais não atendidas pelos serviços.
Xí ?ode se recusar a seguir ou boicotar as orientações médi
Os resultados encontrados mostraram que os seguintes as
cas (Vendruscolo e Valle, 2007). O contato com ex-pacien-
pectos psicossociais foram satisfatórios:
:es que vivenciaram o câncer na adolescência promove a
esperança e maior aceitação da situação por aqueles que
• suporte oferecido pelos profissionais;
estão iniciando o tratamento.
• informação médica e preparação para o tratamento;
José, 16 anos, mosrrava-se depressivo e decidido a
• oportunidade de envolvimento e participação no
abandonar o tratamento de leucemia, quando lhe foi pro
planejamento de cuidados;
posto conversar com Válter (22 anos), que terminara o tra
• suporte aos familiares e amigos;
tamento há cinco anos, também de leucemia. Este lhe con
• oferra de lazer e jogos.
tou que havia passado por momentos muito difíceis com
os efeitos adversos da quimioterapia, mas que tinha valido
Os fatores deficientes foram:
a pena ter insistido, pois terminara seu curso escolar, tinha
emprego, estava noivo e pretendia se casar em breve. • insuficiente espaço de estacionamento no hospital e
custo elevado;
“Foi bom conversar com Válter; o cabelo dele cresceu • a qualidade das refeições: os centros não oferecem
de novo e ele leva uma vida normal” (José). comida adequada ao gosro infantil e não é permiti
do que a família prepare sua própria refeição;
Conforme descrito, podemos observar como o de • edifícios e atividades não apropriados à idade da
senvolvimento da criança e do adolescente implica a supe criança, especialmente aos adolescentes;
ração de várias etapas. Enfrentar um câncer é uma expe • informações oferecidas sem adequação à idade do
riência devastadora para a criança e sua família, deixando paciente e aos diferentes grupos étnicos;
muitas marcas. Com os recentes avanços no tratamento, • escassez de psicólogos e de serviços de suporte
a atenção da equipe de profissionais tem se voltado para emocional e aconselhamento;
a qualidade de vida durante e após o tratamento, minimi • falta de suporte para avós e irmãos das crianças e
zando-se os efeitos negativos da doença. adolescentes com câncer;
O conhecimento dos diferentes aspectos e demandas • pouca atenção aos procedimentos de transição na
de cada período de desenvolvimento da criança e do ado volta ao lar e à escola e pouca informação e discus
lescente torna-se primordial para os profissionais, de for são sobre a fertilidade.
510 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
Os resultados, embora limitados a uma amostra cons mentosos que vêm ocorrendo e mostram altos índices dc seu XTâzi-
tituída por uma população predominantemente branca e cura em grande parte dos cânceres infantis, o diagnóstie tas são i- .
de uma região desenvolvida, oferecem pontos para refle de câncer referente a um filho marca um momento de incer não sã^ a
xão no que concerne aos aspectos psicossociais a serem tezas, de angústia diante da possibilidade de morte. Sáo co e isso t ã
observados em serviços de suporte de forma que aten muns as reações iniciais de incredulidade, dc desespero, ct tratamerta
dam de modo mais satisfatório às reais necessidades da busca de uma causa. Nas hipóteses explicativas da famílTT-, precisa —:
criança com câncer e dc sua família. mesmo da criança, há uma tentativa de relacionar o apare ta vulnr'2
cimento da doença a alguma situação que lhes faça sentid
por a criança não comer determinado alimento (como, p *
A família e a história da doença exemplo, o feijão, fazendo que a anemia virasse leucemia - 0 trata*"
e do tratamento o que não é verdadeiro), por um familiar já ter tido a doen 11
“ - *
ça, por uma “falta” cometida pela criança ou pelos pais, pc • rapta e paa
um castigo por algo que foi ou deixou de ser feito. mento. ~-
0 período pré-diagnóstico Atualmente, cada vez mais há um consenso entre equ- filha"
pes médicas de todo o mundo segundo o qual o diagnósrit:
A história do câncer infantil geiahnemc tem início
deve ser ouvido conjuntamente pelos pais e pela criança, O C3É
com o aparecimento de alguns sinais e sintomas: febre de
devendo o médico procurar utilizar palavras simples e in tamento i
origem ignorada, palidez, dor óssea, manchas roxas (pe-
formativas que possam ser compreendidas por uma família - o mu'J
téquias) pelo corpo, massas palpáveis, transtornos neu
em desespero. Assim, ele deve nomear as partes do corpo nhar rr .
rológicos, entre outros. Por serem alguns desses sintomas
afetadas, explicar como chegou ao diagnóstico, mencionar quimi *:*
comuns a diversas doenças infantis e até por o câncer ser
os possíveis meios de tratamento, a sua provável duração, interna :k
raro na infância, há uma queixa geral das famílias de haver
as chances de cura e, então, falar da esperança dessa cura. méstk -
uma demora muito grande, em muitos casos, em se chegar
A esperança permite que as pessoas se defrontem com uma cuida- ia
ao diagnóstico de câncer, às vezes de vários meses.
realidade hostil e conservem razões para lutar, enfrentar um com rr ci
tratamento agressivo, confiando que a criança se cure. A Como ca
“Levei meu filho a três pediatras, eles diziam que ele
esperança nos ajuda a investir na vida enquanto há vida. ce?) e~ re
estava com anemia e davam ferro. O quarto médico foi
Além da “verdade” médica é preciso que o profissio empreso.
quem desconfiou e mandou o Rodrigo para Ribeirão para
nal também permita que a família e a criança contem as
fazer exame no Hospital das Clínicas. Ele estava é com a famíLa
suas “verdades” acerca do adoecimento, sejam elas claras
leucemia " (mãe de Rodrigo, 6 anos).
ou obscuras, coerentes, fragmentadas ou aberrantes. Isso doente i
pode acontecer não só no primeiro encontro, possibilitan diante oj
A família fica extremamente preocupada nesse perío do ao médico a compreensão desses momentos vividos e que Lev
do de pré-diagnóstico, diante da demora em se descobrir Por
pela família, o que ensejará o esclarecimento de dúvidas e
o que a criança realmente tem. De algum modo, costuma
favorecerá a construção de laços de confiança indispensá mente t
pressentir que alguma grave ameaça paira sobre seu filho, veis nessa relação. O reconhecimento por parte do médico mais c z
algo desconhecido e incontrolável contra o qual não en- dos modos pelos quais a família encara o adoecer de seu men:- :
contra condição para sc defender, nem a seu filho. Esses filho permite que ela se sinta considerada e integrada à de for~-i
momentos são vividos com intensa apreensão relacionada realidade que está vivenciando, e não afastada pelo poder sente->c <
à revelação do mal que acomete a criança, e podem levar médico (Oppenheim, 1989). te pari :
a culpas futuras dos pais ou acusação por parte destes con A família espera do medico não apenas competên corripe -rs
tra os médicos que não souberam, de pronto, dar-lhes o cia técnica, mas também o compromisso de uma presença dar ir 3
diagnóstico. constante ao longo de todo o tratamento. Ela espera contar -
com ele para que possa ter confrontadas suas interrogações inquieta
e inquietações relativas à doença e aos sentidos que ela vai não azâ
0 diagnóstico
tomando, buscando tecer uma história compartilhada. A podendl
“Quando o médico falou que era câncer,; pareceu que família precisa ter a “garantia” de que não estará só. dide. í
um buraco se abriu no chão e eu afundei lá dentro, e não No momento do diagnóstico e nos primeiros tempos Ai
conseguia mais sair de dentro dele” (mãe de Lídia, 4 anos). que se seguem a ele, há uma grande dificuldade em aceitar cessões
tal acontecimento na vida do filho e na própria vida. Mui mais pm
A partir da revelação do diagnóstico de câncer, os te tos pais afirmam que a vida sofre uma paralisação: eles ela, poii
mores da família sc concretizam e ela passa a sofrer pro não conseguem rrabalhar nem cuidar da casa e dos outros OS OGtSI
fundas alterações - a unidade familiar fica afetada, como filhos, não têm vontade de sair nem para ir ao supermer vidaòes
também o relacionamento de seus membros com outras cado, não querem tomar banho ou se arrumar. As dificul dá prwfl
pessoas. Mesmo com rodos os avanços médicos e medica dades estendem-se também à compreensão do câncer e de
O CÂNCER NA CRIANÇA: A DIFÍCIL TRAJETÓRIA 511
seu tratamento, o que para eles é muito complexo. Mui transformando em uma pequena tirana, cheia de manhas
tas são as dúvidas e preocupações, principalmente porque e vontades^ exigente e egoísta, conforme o que é iiun:^
não são encontradas explicações causais para a doença, vezes relatado pelos pais (Valle, 1997).
e isso pode interferir na própria decisão sobre realizar o
tratamento. Além dos médicos, toda a equipe de saúde “A Fernanda é chantagista. Está usando a doença para
precisa mostrar-se acolhedora, numa circunstância de tan obter coisas... Mas o que eu posso fazer? Já basta o sofri
ta vulnerabilidade familiar. mento dela aqui... leva picadas... Então em casa eu poupo:
ela quer, a gente cede. Eu me sinto melhor fazendo tudo
que ela pede. Ela já sabe que em casa é dona da situação ”
0 tratamento (mãe de Fernanda, 6 anos).
“[...) ela já operou, agora está começando a quimiote
rapia e passa mal... Tenho medo da químio, é muito sofri Aspectos regressivos de seu desenvolvimento podem
mento, mas sei que é a única coisa que pode salvar minha também aparecer devido ao tratamento da doença, reque
e rja- filha” (mãe de Janatna, 9 anos). rendo ainda mais a presença dos pais: o filho não come a
não ser que a comida lhe seja dada diretamente na boca;
O enfrentamento da realidade de ter um filho em tra só toma a medicação quando a mãe é quem lhe dá; às ve
tamento de câncer significa conviver em um novo mundo zes é preciso que lhe dêem banho e o troquem por ter sido
- o mundo do hospital, com idas e vindas para acompa submetido à cirurgia e estar com o corpo limitado ou por
nhar procedimentos dolorosos (como tirar sangue, fazer realmente se sentir debilitado por causa do tratamento.
quimioterapia, tirar líquidos da medula), com períodos de
internação, com a necessidade de um planejamento do “O Roberto pediu que eu desse sopa na boca dele”
S 31 méstico (Com quem ficam os outros filhos? Quem pode (mãe de Roberto, 10 anos).
cuidar da casa? Quem vai levar os outros filhos à escola?),
com problemas financeiros (Como conseguir transporte? As transformações pelas quais uma criança em tratamen
Z^-T - Como comprar medicamentos que o hospital não forne to de câncer pode passar - desde o emagrecimento, cicatrizes
ce?) e problemas profissionais (ausências frequentes do e queda de cabelo até amputações, enucleação ocular e este
emprego, “não ter cabeça” para trabalhar). rilidade - acarretam conseqücncias às famílias que variarão
Ao lado de seus medos, inquietações e preocupações, conforme sua cultura, o meio social e a idade das crianças.
i i irm a família precisa encontrar forças para ajudar a criança
doente a reagir bem, tanto física como emocionalmente, “Quando olho o meu filho e vejo como ele mudou
c diante das condições que a doença e o tratamento impõem depois do tratamento, ponho na minha cabeça que esse vai
n*k» e que levam a criança a intenso sofrimento. ser o preço para tê-lo comigo” (mãe de Gabriel, 11 anos).
f cí e Por ver o filho passando por tais situações de sofri
mento e pelo medo de vir a perdê-lo, uma das atitudes Para Oppenheim (1989), o olhar dos pais sobre seu
KT.Ifl mais comuns manifestadas pela família durante o trata filho é o resultado de um compromisso frágil entre três
mento é a superproteção à criança. Ela passa a ser tratada imagens: a imagem ideal - da criança maravilhosa com
de forma diferente da que tinha sido empregada até então: quem eles sempre sonharam; a imagem real - à qual, pou
d >3prr sente-se observada o tempo todo, apalpada freqüentemen- co a pouco, eles estão se habituando; a imagem futura,
te para que se verifique se tem febre, controlada em seus com planos para o destino de seu descendente e na qual
içtgg- comportamentos, não lhe sendo permitido jogar bola, an investem as expectativas para o seu futuro.
dar de bicicleta, sair sozinha ou com os amiguinhos, ir à O câncer e seu tratamento podem transtornar todas
■ Lzrrx escola. Os pais acabam por transmitir ao filho toda a sua essas expectativas, de modo que os pais eventualmente se
cçaçiTf inquietação e angústia, e ele pode se ver como um ser que sintam traídos pela própria vida. Ficam confusos diante da
CS2« não está correspondendo às expectativas de sua família, situação não escolhida nem esperada por eles, revelando,
biOL A podendo advir, assim, sentimentos de fracasso, de fragili por vezes, uma grande revolta:
à. dade, de ameaça à própria vida.
A família diante dessa realidade costuma fazer con “Eu me sinto impotente, tenho que aceitar um tra
cessões à criança doente, tanto de ordem material (dá tamento que é um jogo... e minha filha é um objeto desse
fc. Msl- mais presentes, compra alguns alimentos exclusivos para jogo, que pode ser ganho ou perdido... Não se pode fazer
f»-' =» ela, pois nem sempre dispõe de recursos para gastar com nada... é um sofrimento geral” (pai de Cláudia, 13 anos).
os^outros filhos) como de ordem afetiva (a poupa de ati
vidades que antes fazia, dedica-lhe mais tempo e atenção, Outras vezes, surge forte ressentimento para com as
dá prioridade a seus desejos e vontades, preterindo os ou pessoas estranhas ao ambiente hospitalar que demonstram
tros filhos). Assim, pouco a pouco a criança pode ir se curiosidade ou aversão pela aparência da criança:
“No começo da doença eu até evitava sair de casa para físico, preocupação e tristeza (Pedrosa e Valle, 2000). Os dicama
ir ao supermercado. O Bruno estava barrigudo, as pessoas pais sentem-se tão assoberbados por tantas dúvidas e te
olhavam, perguntavam... Parecia que todo mundo comen mores ao cuidar de seu filho doente que quase nunca con recidr» o
tava... era desagradável” (mãe de Bruno, 4 anos). seguem lidar com os problemas dos outros filhos ou man tonai r
ter com eles uma interação adequada, de modo a poHer meses, i
O medo e a insegurança sempre aparecem: aliviar suas tensões. O irmão de uma criança com câncer, sem cu
pelo afastamento a que é submetido, costuma fantasiar so tanie
“Tenho observado a postura da Ana. Ela está dife bre o tratamento c seus procedimentos. criança
rente, não sei se é dela ou próprio da doença. O jeito E comum também, durante o tratamento, que o ir com a a
de andar, de correr com insegurança... tortinha” (pai de mão sadio apresente alguns sintomas, como dor de cabeça impo na
Ana, 6 anos). e dor de barriga, para “chamar a atenção” dos pais sobre equipe, i
si. A falta às aulas, alegando os sintomas mencionados, é sisrenre
Os pais senrem-se confusos diante das incertezas e outro recurso utilizado, que culmina em uma queda do seu
inseguranças que vivenciam durante o tratamento. Em seu desempenho escolar. É preciso que a equipe de saúde tas
grande parte das vezes podem mostrar passividade e con fique atenta a essas questões e possa, efetivamente, pro carreira
formismo cm relação ao que têm de passar, apoiando-se por condições para amenizar essa situação: permitir que maior sc
na religião e em Deus para suportar tamanha provação: o irmão visite o hospital e acompanhe um dia de trata roda i a
mento da criança com câncer, que tenha um atendimento físicos i
“A gente fica triste, sofre, mas tem que aceitar. Se eu psicológico de apoio para que suas dúvidas possam ser aspecraa
pudesse, tirava essa doença, mas como é impossível agente esclarecidas, assim como seus sentimentos contraditórios Ga
tem que confiar em Deus, aceitar o filho que Deus deu e se e suas preocupações relacionados ao irmão doente. Atual pessoas
conformar...” (mãe de Roberval, 9 anos). mente, existem livretos interativos que tratam da situação se aí c ^
de ter um irmão em tratamento de câncer, os quais podem a ajucj •
Assim, os pais, durante o tratamento, parecem pro ser utilizados para um trabalho com o irmão sadio, fun vizinho*
curar por uma força dentro de si, geralmente calcada na cionando como um instrumento de ajuda nessa situação puderas
fé e na religião. No fundo, permanece a intensa preocu (Pedrosa, 2001). longo e |
pação com a doença, que os incomoda o tempo todo. Ao mais ?oí!
mesmo tempo que dizem confiar em Deus, na cura do terem v«
filho, questionam-se sobre a razão que faz que ele não 0 fim do tratamento: a sobrevivência da
lizadas. t
>are e choram. criança ao câncer consnr_a
“Eu guardei uma garrafa de champanhe para estourar
hoje, para comemorar a nossa vitória... o fim do tratamen
Os irmãos to. Está todo mundo muito feliz lá em casa. Mas, doutor, A mort
Os outros filhos, durante o tratamento de câncer, sem o remédio... dá um medo de a doença voltar... Mas Àpe
sentem-sc “deixados de lado”, podendo manifestar revolta tenho fé que não” (pai de Felipe, 7 anos). iníann. j
com a proteção e com a atenção especial que os pais dão resporie
à criança doente. Quando o tratamento termina, é comum que os pais infecção i
se sintam divididos, isto é, se por um lado estão felizes por Qaa
“O Flávio [irmão mais velho] está revoltado. Ele não o filho ter superado um “inimigo” tão agressivo e temero longa o i
se conforma com essa situação, que está sem pai e sem mãe. so, por outro lado rêm medo de que, sem a “proteção” dos supom»
Eu estou sentindo muita rejeição dele. Acho que ele pensa medicamentos, a doença possa voltar. Portanto, nessa fase, filho. c*
sue fui escolher justo agora que ele está de férias para ficar não é simples retomar o mundo anterior, livre da doença, A ann_^
:mge dele [no hospital, com o irmão]. O pai já explicou com as trivialidades de um cotidiano do qual se afastaram, pois
que porque o Rafael está doente tem que ficar no hospital, posto que todas as questões dos últimos tempos giravam frontani
mas ele não compreende " (mãe de Rafael, 5 anos). em torno do câncer de seu filho (Valle, 1997). Pode
contra a
Portanto, além de todas as dificuldades e da agres “Será que não seria bom dar umas químios de vez em radora. f
sividade do tratamento vivenciadas pelos pais, é preciso quando, por garantia?” (pai de Márcio, 5 anos, na consulta mentos a
enfrentar o ciúme do irmão doente manifestado pelos de em que foi finalizado o tratamento quimioterápico). promessa
mais filhos e sua carência afetiva pela ausência dos pais, nesse na
que necessitam acompanhar o filho doente ao hospital Nesse sentido, é importante lembrar que os laços orienta-Ji
para o tratamento; há ambivalência afetiva em relação ao que unem a família ao hospital não são cortados ime diz K)|fl
-mão doente com a presença de sentimentos contraditó- diatamente com a finalização do tratamento. Mesmo charnaca
como cTó, raiva, rejeição, vergonha de seu aspecto fora do processo Terapêutico, as crianças voltam perio- com r-na
0 CÂNCER NA CRIANÇA: A DIFÍCIL TRAJETÓRIA 513
dicamente ao hospital para uma avaliação médica para produtos tóxicos que podem comprometer, ainda mais,
verificar o desenvolvimento infantil e se a doença náo
k É,
o estado da criança.
recidivou. Inicialmente mensal, esse retorno ambula- Diante do estado de sofrimento do filho, os pais
torial é gradativamente ampliado para três meses, seis sentem-se impotentes e, para eles, é inimaginável não
meses, um ano. Costuma-se dizer que, após cinco anos poder fazer mais nada para aliviá-lo. Nesse momento,
sem doença, as chances de o câncer retornar são bas quando os médicos também nada mais podem fazer para
tante remotas. Nesses retornos surge a oportunidade à mantê-lo vivo, alguns pais reúnem coragem e assumem-
criança e à família de reavivarem os relacionamentos se autenticamente, marcados por sua angústia, como
com a equipe e com outros pacientes e seus familiares. E pais de uma criança com uma doença grave que está à
importante que, além do médico, outros profissionais da morte. São pais que encaram de fato a situação em que
equipe, como enfermeiro, psicólogo, nutricionista e as foram lançados, sem recorrer a subterfúgios e sem es
sistente social, possam também acompanhar a família e quivar-se. Enfrentam a situação e, revelando um amor
seu filho após o final do tratamento. Para lidar com cer maior, aceitam perder o filho à custa de sua própria dor,
tas questões, relacionadas a escolaridade, sexualidade, pois vêem na morte a libertação da criança de tanto so
carreira profissional, por exemplo, é necessário adquirir frimento (Valle, 1988).
maior segurança no manejo da vida, que se apresenta em
toda a sua diversidade. Por essa razão, não só os aspectos “Ve/o meu filho sofrer muito... Agora eu enfrento o
físicos da criança devem ser avaliados, mas também os que meu filho passa, antes eu só chorava... Meu choro não
aspectos psicossociais. resolveu nada, ele não sarou... Se Deus for tirar ele de mim,
Cada família evolui de acordo com suas possibilidades eu não quero que ele fique sofrendo, quero que tire rápido e
pessoais e as condições em que viveu a doença, incluindo- dê toda a força para mim” (mãe de Rodrigo, 3 anos).
se aí o tipo de cuidado que recebeu por parte da equipe e
a ajuda de familiares, dos empregadores, dos amigos, dos Alguns pais podem se sentir aliviados da angústia pe
vizinhos, enfim, de todos aqueles que, de algum modo, los caminhos da religião e da fé. Então, na experiência
puderam cooperar para a realização de um tratamento tão religiosa, pode surgir a aceitação da realidade pessoal - ser
longo e tão doloroso. Algumas famílias passam a sentir-se mãe ou pai de uma criança que está morrendo.
mais fortalecidas do que antes, julgando-se vitoriosas por
terem vencido a luta contra o câncer. Outras ficam fragi “Sou conformada... a gente não pode fazer nada. O
lizadas, sentem ameaças pairando o tempo todo sobre si, que Deus faz está bem-feito. O que Deus fizer estará bem...
constituindo um grupo de risco (Valle, 1997). e a gente aceita " (mãe de Rogério, 8 anos).
suas dúvidas, aliviando suas “culpas”, ajudando-os a vis tão sofridos ali passados. Cada um (pai ou mãe) expressa o
lumbrar outras verdades, outras possibilidades. luto ao seu modo. E é preciso que isso seja compreendido e OUtTiS |
Para os pais há algo de intolerável na possibilidade de respeitado por todos - familiares e profissionais. da ena
sobreviver ao seu filho, e tal acontecimento os deixa impo Portanto, quando a criança morre no hospital, os famiim
tentes diante da doença e do que ela significa: a morte do profissionais de saúde devem acolher os sentimentos dos envoíTf
filho, revertendo, para eles, a “lei natural” segundo a qual pais, compartilhar sua perda e dar-lhes tempo para ficar quem «
os pais devem morrer antes dos filhos. com seu filho morto, tocá-lo, prepará-lo e cuidar de seu de ue «
corpo, se quiserem. Devem descobrir se eles preferem rer texro r
alguém do seu lado, nesse momento, ou estar a sós com de raro
0 luto familiar seu filho. Desse modo, já estarão ajudando a família a ela
A partir da aceitação da perda do filho, sentimentos borar o seu luto.
de luto já começam a cercar os pais. A morte de uma Também para os profissionais esse é um momento
criança cronicamente doente é mais bem suportada muito difícil. Sentimentos de fracasso, de impotência, as
quando os pais podem passar por um trabalho de luto exigências para a retirada do corpo revelam o lado desen
progressivo, após terem cuidado dela e lhe dado o me cantado do cuidar. Françoso (1993) traz o depoimento de
lhor de si (Valle, 1997). uma enfermeira que mostra quão conflitante pode ser essa
O enlutamento pode ter início no momento da co situação, pois muitas vezes a instituição hospitalar exige repre-vaj
municação do diagnóstico de câncer, quando os pais po rapidez no preparo do corpo e em sua retirada da enfer mer.ro> <
dem reagir com entorpecimento e negação da realidade maria onde ocorreu o óbito, não dando espaço nem tem definsa
(Bromberg, 1996). A dificuldade de separação da crian po para que a família possa estar com o filho que acaba de a e$tãE3
ça pode ser maior quando, na fase terminal, há uma morrer e chorar ao seu lado. liar. Ma
grande aproximação entre ela e os pais, uma vez que Quando deixam o hospital levando a criança morta, J' r-;_
geralmente sâo necessários cuidados diretos e intensos em geral os pais sentem grande desamparo, vivenciando
nessa fase. sozinhos a enorme perda. Isso ocorre porque, no caso do
Entretanto, o luto antecipatório é uma situação-ddi- câncer, é frequente que a criança passe períodos prolon talvez a
cada, revestida de grande complexidade, já que não pode gados no hospital, com o rompimento dos vínculos com a isso k i
ser expresso, pois a criança que está morrendo não deve equipe de saúde representando uma perda adicional para de Elazm
perceber que os pais não estão mais investindo nela como a família. Cientes dessa realidade, existem hospitais que
ser vivo, diante da ameaça que paira. Os pais precisam de mantêm uma equipe de ligação com a família da criança
tempo e repetidas oportunidades para discutir o que está que morreu, oferecendo-lhe apoio e cuidados nos primei
acontecendo e compartilhar seus sentimentos com outros ros tempos após o óbito (Herbert, 1996).
familiares e com a equipe dc profissionais. Há equipes que enviam uma carta aos pais ou lhes
Para Herbert (1996), apesar de qualquer tipo de pre telefonam, mostrando-se sensibilizadas com o acontecido
paro e de expectativa dos pais, a morte do filho, inevita e compreensivas quanto à sua dor, colocando-se à dispo
velmente, é um trauma devastador. Os últimos instantes sição para conversar com eles. Para Alby (1983), é preciso
de vida e o momento da morte requerem muita dedicação que os pais tenham a opção de vir ou não ao hospital
dos pais e dos profissionais. após a morte da criança. Deixar a porta aberta para a
E um consolo saber que o filho querido foi bem cui família significa que ela virá se quiser, mesmo porque, em
dado, que tudo que foi possível foi feito por ele. isso tam alguns casos, o luto se faz à custa de uma ruptura com o
bém pode auxiliar no processo de elaboração do luto. lugar onde a criança morreu. Cada um constrói o luto de
acordo com o seu modo de ser e com o que lhe faz senti
“Na hora da morte da Aline, no meio de todo aquele do: indo todos os dias ao cemitério, ou não indo nunca,
desespero, eu vi uma lágrima brilhando no canto do olho conservando ou doando todos os pertences da criança, fa saudaoc
do médico que cuidou dela. Aí eu tive a certeza de que fize lando ou silenciando a seu respeito, revisitando o hospital
ram tudo por ela, mas tinha chegado a hora dela mesmo” e reencontrando ali os cuidadores de seu filho ou nunca
(mãe de Aline, 7 imos). mais retornando. rindo~ j
Bromberg (1996) discorre com bastante clareza tavú la%
Essa mãe voltou espontaneamente ao hospital algumas e propriedade sobre o luto familiar, vivenciado como
semanas após a morte da criança. Dizia ela que o motivo de uma crise de ordem emocional e relacional que desa
estar ali era rever o hospital e agradecer às pessoas que cui ba sobre todos os membros após a morte de um ente
daram tão bem de sua filha. Para essa mãe, esse foi um modo querido e desorganiza toda a família. Podem ocorrer:
de lidar com a perda de sua menina, com o seu luto. Entre sintomas físicos, decorrentes do próprio enlutamento.
tanto, há outras famílias que nunca mais querem sequer ver que podem se autoperpetuar pelas preocupações do en
de longe o hospital ou alguém que fez parte dos momentos lutado em relação à sua saúde futura; solidão e isola-
0 CÂNCER NA CRIANÇA: A DIFÍCIL TRAJETÓRIA 515
mento, freqüentcmente aumentados pela inabilidade das progresso linear. Há dias melhores e piores, mas pouco a
outras pessoas em mencionar algo relacionado à morte pouco notam que já podem suportar melhor a vida e estão
da criança; necessidade de lidar com o luto de outros sobrevivendo ao acontecido.
familiares, principalmente dos outros filhos, que pode
envolver experiências extremamente desgastantes para “Vai passar? Não sei. As lágrimas vão parar? Não sei
quem está tentando elaborar o seu próprio luto; medo se isso passa, mas vou tentando levar a vida o mais próxi
de um colapso nervoso; falta de um espaço, de um con mo do normal possível” (mãe de Elaine, 7 anos).
texto para a expressão de seus sentimentos de tristeza,
de raiva, de culpa, entre outros. Os pais também percebem que não são mais as mes
mas pessoas e a família já não é a mesma. Não é possível
“Fui pôr isso na minha cabeça depois de um mês, mais dizer quando as coisas começam a mudar, pois o ritmo do
ou menos, de que a Bianca não ia voltar. Fico no calmante processo de luto varia de acordo com o modo de ser de
até hoje” (mãe de Bianca, 6 anos). cada um.
O luto é um tempo de buscas, um tempo em que há
Quando morre um filho, a família sofre efeitos devas- um esforço para encontrar um sentido para tudo que
tadores. A perda mescla-se com raiva, revolta, culpa, auto- aconteceu. Alguns pais dizem que, quando seu filho mor
reprovação pela incapacidade de impedir a morte, senti re, uma parte deles morre também e que não são mais
mentos de injustiça. A morte de um filho quebra de maneira os mesmos depois da perda. Mudam suas relações com o
definitiva um padrão familiar estabelecido, pondo ern risco cônjuge, com os outros filhos, com as outras pessoas (Rei
a estabilidade possível e necessária para a convivência fami mer e Davies, 1995).
liar. Muitas famílias buscam algum tipo de explicação para a
doença e para a morte que possa consolá-las: “Parece que fiquei até com birra das pessoas que não
têm nada a ver com o que aconteceu [morte da filhaj...
“Eu acho que a doença, por algum motivo, veio nela... com o marido... com a família até mesmo... uma frieza
talvez para a purificação plena dela... para que ela levasse egoísta ” (mãe de Maíra, 5 anus).
isso lá pro alto... ou para me ensinar alguma coisa” (mãe
de Elaine, 7 anos). Uma forte característica da vivência do luto de mães
de crianças com câncer é a ambiguidade, que faz que a
Após a morte da criança, cabe à família a realização proximidade de parentes ora seja louvada, ora seja ab
de algumas tarefas, as quais, de algum modo, ajudam na solutamente indesejável; que seja triste lembrar, mas se
elaboração do luto: decidir o que fazer com os objetos mantenha contato com os companheiros de tratamento;
pessoais, com as roupas, com os brinquedos, com o quar que tenham raiva das pessoas ou as queiram ao seu redor
to, o que pode levar certo tempo; rever foros e rememorar (Sousa e Valle, 2000).
momentos significativos nos quais o filho ainda era saudá A morte de um filho jamais é esquecida. Algumas pes
vel; ter de falar sobre a morte do filho com pessoas que soas relatam que parte delas permanece triste para sempre.
não souberam do ocorrido, encontradas casualmente ou Entretanto, aprendem a acalentar as lembranças do filho,
ao telefonarem (Sousa e Valle, 2000). a viver com sua dor e a levar a vida adiante. Permanece o
Nos primeiros tempos após a perda, é bastante co amor que elas compartilharam com a criança como parte
mum, segundo Reimer e Davies (1995), que a mãe sonhe integrante do seu ser.
freqüentemente com seu filho, pense ouvir seus passos Finalizando, vale mencionar que as citações das
ou sua voz chamando-a. Rememorações de seu jeito de crianças e de pais aqui incluídas foram coletadas ao longo
ser, de suas qualidades, fazem parte de um cotidiano de de seu convívio com os profissionais. O intuito ao citá-las
saudade: foi de aproximar o leitor das vicissitudes relacionadas ao
câncer infantil, propondo caminhos para um melhor cn-
“Ela era a minha flor... era a mais doce... sempre sor frenramento da situação, tanto por parte da criança e sua
rindo... sempre de bem com a vida... não reclamava... Gos família como da equipe de saúde.
tava tanto de sorvete!” (mãe de Janaína, 9 anos).
[...) longa ou breve, a existência é sempre a mesma:
Mas, gradual mente, quase imperceptivelmente, mui ela tem um começo e um fim, e entre os dois ela nos dá o
tas coisas vão mudando no modo como os pais sentem e tempo de viver e de descobrir o nosso mundo.
percebem a perda. Começam a se envolver com as peque E assim que acontece para as plantas, para os animais,
nas coisas do dia-a-dia, tomando parte nos acontecimentos para as pessoas jovens ou velhas... Mesmo para os me
familiares com maior facilidade. Essa mudança não signi nores insetos... Para todos!
fica que cies pararam de sofrer, mesmo porque não há um Mellonie e Ingpen (1989)
516 T E M A S EM P S I C 0 - O N C O L 0 G I A
Referências bibliográficas
AECC (Asociación Espanola contra el Câncer). El cân Oppenreim, D. “Denfant, son câncer, ses parents, ses
cer en los ninos. Disponível em: <http://www.todocancer. soignants”. In: Lfmerle, J. (ed.). Cancers de Penfant. Paris:
com/NR/rdonlyres/02E0C816-0875-4528-BBB8-0C900A- Flammarion, 1989, p. 218-31.
D57A94/0/GUIAREDUCIDA.pdf>. Acesso em: 4 jan. 2008. Pedrosa, C. M. João e seu irmão. Ribeirão Preto: Fa-
Alby, N. “La mort chez Penfant, son retentissement pesp/Gacc/Abraccia, 2001 (livreto).
chez le parents et les soignanres”. Bruxelas, 1983 (confe Pedrosa, C. M.; Vai.ee, E. R. M. do. “Ser irmão de
rência não publicada). criança com câncer: estudo compreensivo”. Pediatria (Sã
Bromberg, M. H. P F. “Luto: a morte do outro em Paulo), São Paulo, v. 22, n. 2, p. 185-94, 2000.
si”. In: Bromberg, M. H. P. F. et al. (orgs.). Vida e morte: Reimer, J. C.; Davies, B. Finding your way: griev-
laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. ing the death of your child. Vancouver: Canuck Place.
Erikson, H. F.. Identidade, juventude e crise. Trad. Ál 1995.
varo Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. Siop (Sociedade Internacional de Oncologia Pediátri
Françoso, L. R C. Enfermagem: imagens e significa ca). Orientações sobre aspectos psicossociais em oncolo
dos do câncer infantil. 1993. 145 p. Dissertação (Mestra gia pediátrica. Trad. Luciana Pagano Castilho Françoso:
do em Enfermagem) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Elizabeth Ranier Martins do Valle. Ribeirão Preto: Grupe
Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. de Apoio à Criança com Câncer, 2004. Disponível em
Herbert, M. Supporting bereaved and dying children < h ttp://www. sb p o. or g. br/i m ages/ pd f/s i o p_2004. p d f >.
and tbeir parents. Leicester: The British Psychological Sousa, J. P. M.; Vali.e, E. R. M. do. A vivência do luto
can<
Society, 1996. de mães de crianças com câncer. 2000. Trabalho de con
JHolland, J. C.; Rowland, J. H. (eds.). Handbook clusão de curso (Bacharelado em Psicologia) - Faculdade
°f psychooncology. Nova York: Oxford University Press, de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universi
1989. dade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo. çao i30
Mellonie, B.; Ingpen, R. Le temps de la vie: la nais- Valle, E. R. M. do. Câncer infantil: compreender e
sance, la vie, la mort. Toulouse: Milan, 1989. agir. Campinas: Psy, 1997.
Mitchell, W.; Clarke, S.; S lo PER, R “Care and support ____ . Ser no mundo com o filho portador de câncer:
needs of children and young people with câncer and their hermenêutica de discursos de pais. 1988. 123 p. Disserta
parents”. Psycho-oncology, v. 15, n. 9, p. 805-16, 2006. ção (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia.
Nice (National Institute for Health and Clinicai Excel- Universidade de São Paulo, São Paulo.
lence). Improving outcomes in children and young people with Vendruscolo, J.; Valle, E. R. M. do. “Câncer infantil:
câncer: the manual. Londres, 2005. Disponível em: <http:// o impacto no desenvolvimento”. Disponível em: <http:
w\v\v. ni ce\ org. uk/nicemedki/pdf/C&YPManual. pd f >. www.sbpo.org.br>. Acesso em: 27 abr. 2007.
A REINSERÇÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER:
DESENVOLVIMENTO DE UMA PROPOSTA INTERPRO-
FISSIONAL DE APOIO EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA
Gisele Machado da Silva; Elizabeth Ranier Martins do Valle
IMAÁ
o desempenho acadêmico comprometido pelas faltas, a O maior problema encontrado após esse estudo en
assistência inadequada da escola por não saber lidar com tre as crianças com câncer na escola foi a intimidação,
a situação, relações sociais e de amizade enfraquecidas e relatada três vezes mais pelos pacientes em comparação
envolvendo certo estranhamento (Chesler, 1990). com os demais grupos, sendo igual mente relatada por
Normalmente as crianças com câncer têm boa compre professores. Os autores sugerem que a intimidação esteja
ensão dos efeitos da doença e do tratamento em sua vida e se relacionada à aparência das crianças doentes e ressaltam
preocupam em conseguir cumprir as exigências físicas e aca a importância da atenção a esse aspecto durante a sua
dêmicas requeridas pela frequência escolar, a qual se configu reinserçáo escolar.
ra como um problema para metade das crianças participantes Casos de câncer no sistema nervoso central (SNC
do estudo de Henning e Fritz (1983). apresentam especificidades com relação aos demais ti
Lahteenmãki et al. (2002) ressaltam que o conhecimen pos da doença e se constituem cm uma experiência de
to acumulado pela literatura internacional sobre a escolari morbidade física e psicossocial graças às sequelas que co-
dade de crianças com câncer inclui problemas emocionais e mumente se seguem à terapêutica. Segundo Glaser et al.
adaptativos, como: fadiga, introversão, mudanças de humor, (1997), as crianças curadas de câncer no SNC demonstram
depressão, baixa auto-estima, habilidades sociais empobre relutância em participar de atividades físicas organizadas
cidas, comprometimentos somáticos, dificuldades de apren e dificuldades cognitivas, emocionais e de auto-estima.
dizado c memória, baixos níveis de competência atlética c preocupam-se mais que seus irmãos (grupo controle), mas
frequência em atividades físicas. O estudo desses autores, frequentam a escola com boa vontade, interagem normal
realizado na Finlândia, envolveu a participação de crianças mente com seus pares e têm expectativas. Assim, a des
e adolescentes com diversos tipos de câncer, exceto casos de peito das dificuldades apresentadas, o ajustamento sócia!
câncer no sistema nervoso central, seus irmãos, professores e a integração escolar são considerados bons, refletindo
e crianças saudáveis componentes de um grupo controle. intensivo suporte social e terapêutico recebido pelas crian
Esses participantes responderam a questionários específicos ças participantes do estudo durante o tratamento.
voltados para questões escolares abrangendo as realizações Visando sintetizar os aspectos comportamentais mais
acadêmicas (percepção sobre problemas de aprendizagem, comuns entre crianças com câncer em sala de aula, con
necessidade de programas de educação especial), os relacio tamos com a colaboração de Vancc e F.iser (2002), que.
namentos na comunidade escolar (amigos, problemas com revisando a literatura a esse respeito, citaram dezenove es
professores), além de problemas escolares. Os resultados tudos pertinentes a essa temática. Esses autores enfatizam
desse estudo mostraram que 7% dos pacientes e seus irmãos que, internacionalmente, as pesquisas sobre aspectos com
haviam iniciado a escolaridade mais tarde que o normal, o portamentais de crianças com câncer na escola tendem a
que não ocorreu com nenhuma criança do grupo controle. usar as escalas comportamentais child behavior checklis:
Todavia, com relação à necessidade de repetir o ano escolar, (CBCL), de Achenbach (1991 apud Vance e Eiser, 2002,
não houve diferença estatisticamente significativa entre pa p. 13), e Deasy-Spinetta behavioral questiomiaire (DSBQ:
cientes, seus irmãos e o grupo controle. Nenhum paciente (Deasy-Spinetta e Spinetta, 1980). Ressaltam ainda que.
ou irmão integrou programas de educação especial, devendo usando o CBCL, os estudos geral mente não encontram
ser ressaltado que 30% dos pacientes requereram professo diferenças comportamentais entre as crianças com câncer
res particulares extras, contra 15% das crianças do grupo e grupos controle, de acordo com a visão de pais e profes
controle. No que tange ao absentismo escolar, também não sores. Entretanto, com o uso do DSBQ, alguns problema^
foram encontradas diferenças estatisticamente significativas foram notados, tais como menos energia e maior mudança
entre os pacientes e os demais participantes; porém, no pe de humor nas crianças doentes. Todavia, as crianças man
ríodo imediatamente posterior ao diagnóstico, o número de tiveram boa vontade com relação à freqüência escolar, nãc
faltas tendeu a ser maior. As notas escolares não diferiram sendo mais apegadas aos adultos ou dependentes deles que
de modo significante entre os grupos de participantes; entre os demais (Vance e Eiser, 2002).
tanto, as notas em matemática e línguas foram piores entre os Os estudos de Noll et al. (1990 e 1992) indicam que
pacientes do que entre os demais grupos. professores tendem a considerar as crianças com câncer
Os autores verificaram, ainda, que apenas 53% dos como diferentes das crianças saudáveis em áreas-cha
pacientes tinham certeza de que seus colegas haviam sido ve, como a social, tendo restringidas as habilidades sociais
informados sobre sua doença, o que é feito usual mente e de liderança.
pelos professores. Cerca de metade das crianças com cân Em estudo posterior, Noll et al. (1999) observaram
cer participantes do estudo acreditava que a informação que as crianças com câncer foram mais frcqiientemente
sobre sua doença poderia ser dada pelo professor ou por citadas por seus pares no que tange a sensibilidade/isola
um representante do hospital. Somente 15% das crianças mento do que as crianças saudáveis. Essas diferenças não
pensavam que a informação poderia ser dada por um dos foram encontradas nas respostas das próprias crianças
pais ou por cias mesmas. doentes. De modo idêntico, os colegas não relataram di-
A REINSERÇÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER 519
ferenças entre crianças com câncer e as demais no que diz modo significativo em sua progressão no sistema de ensino.
respeito à popularidade ou à quantidade de amigos. Todavia, os efeitos do preconceito, da curiosidade e do
Segundo Vance e Eiser (2002), pode-se concluir, com medo da exposição social na escola são estressantes para
base na literatura, que para professores, colegas e também as crianças doentes, causando-lhes sofrimento psíquico.
para os pais, as crianças com câncer têm empobrecidas Entende-se também que o atendimento psicossocial
suas habilidades sociais no ambiente escolar. prestado às crianças com câncer pelos centros de saúde
Com referência ao desempenho acadêmico, nota-se possa ter influência em sua adaptação e bem-estar no
a presença de associações entre menores índices de apren ambiente escolar, bem como no período de seu absentismo
dizagem e câncer infantil, embora a maioria das crianças (Vance e Eiser, 2002).
apresente um bom desempenho considerando-se os limites Quando indagadas, as crianças doentes referem o de
da normalidade. Os fatores que mais contribuem para as senvolvimento de atividades informativas sobre o câncer
dificuldades acadêmicas são: aspectos psicossociais, radio em sua escola como um importante apoio no momento
terapia craniana, distúrbios de aprendizagem1 e os efeitos da reinserção, contribuindo para a compreensão dos co
cumulativos do absentismo escolar. legas a respeito da doença e facilitando, assim, o acolhi
E compreensível que os efeitos colaterais do trata mento às suas necessidades e a obtenção da tranqüilidade
mento, a doença e/ou as seqüelas psicossociais associadas necessária para o desempenho das atividades acadêmicas
m provavelmente contribuam para o absentismo; entretanto, e sociais pertinentes à sua faixa etária (Moreira, 2002). A
não se deve deixar que a criança se acostume a ficar em discriminação e o isolamento que, por vezes, acometem as
casa, apresentando queixas somáticas para tal. O tempo crianças com câncer são manifestações da ignorância e do
entre o choque inicial diante do diagnóstico e o retorno medo relativos à doença. A alternativa a esses problemas
escolar deve ser considerado, pois a criança e a família é uma educação informativa a toda a equipe escolar, a fim
necessitam dele para se adaptar às mudanças práticas e de criar um ambiente mais “responsivo” à criança doente
psicossociais decorrentes da situação de adoecimento. A (Chesler, 1990).
natureza e o grau da doença, assim como o estágio de de Tal como todas as doenças graves, o câncer infantil
senvolvimento em que a criança se encontra, são fatores confronta a família com sofrimentos e expectativas de di
mutáveis que afetam o aprendizado e a escolaridade das ferentes ordens, desencadeando profundas mudanças na
crianças, que também têm íntima relação com os padrões vida de pais, mães, irmãos, avós, tios, enfim, daqueles que
comportamentais e emocionais preexistentes ao diagnós convivem em maior proximidade com a criança doente e
tico de câncer. A tolerância individual aos efeitos adversos seu principal cuidador (Valle, 1997).
do câncer e do tratamento é variável, sendo que algumas O câncer infantil traz consigo a perda do filho sau
crianças podem ter saúde e condições físicas suficientes dável e da rotina, a separação dos membros da família
para realizar suas atividades na escola (Valle, 1990). em decorrência da hospitalização, muitas vezes a separa
Há vários aspectos que precisam ser reconhecidos no ção das pessoas do círculo social mais amplo, a incerteza
momento em que a criança e o adolescente retornam à quanto ao sucesso terapêutico, entre muitos sentimentos
escola ou iniciam sua vida escolar como sobreviventes ao angustiantes.
câncer, tais como a intimidação a que as crianças podem Desde o período pré-diagnóstico, a família é imersa
ser submetidas na escola, a curiosidade e o preconceito em em um contexto de crise, o qual, de acordo com a cultu
torno da aparência modificada pela doença, o incentivo a ra oriental, é entendido pelo contraponto “perigo versus
atividades de socialização, a atenção às necessidades físicas oportunidade'1, podendo trazer à família tanto transforma
peculiares que as crianças podem ter. ções destrutivas, por exemplo o isolamento dos seus mem
Apesar dos problemas apresentados, as crianças bros e a separação conjugal; como construtivas, ampliando
revelam uma visão muito positiva com relação à os canais de comunicação existentes (Lopes, 2001).
escolaridade, manifestando esforço pessoal e boa vontade, O modo como a família reage e age diante do cân
a fim de evitar o absentismo. Os problemas fie socialização cer infanti} é dinâmico e rehciona-se diretamente com as
ou aprendizagem associados às crianças com câncer não características da doença, com as estruturas psicossociais
inibem a freqüência escolar nem mesmo interferem de da criança que adoece e da própria família, com as possi
bilidades práticas de cuidado disponíveis (condição finan
A s deficiências de aprendizagem são definidas como uma discrepância ceira, proximidade do centro de tratamento), entre outros
■■■ entre a habilidade e o desempenho. Por exemplo: as crianças que apre aspectos (Lopes, 2001).
sentam um distúrbio de aprendizagem têm um coeficiente intelectual
A família de crianças com câncer vivência um verda
(Ql) dentro dos limites da normalidade, mas seu desempenho acadêmi
co mostra-se inferior em decorrência do comprometimento das ha deiro turbilhão emocional que inclui desde o medo da con
bilidades de aprender (processamento auditivo, cálculos mentais). Os firmação da doença a sentimentos de raiva, culpa e isola
distúrbios do aprendizado podem preceder o diagnóstico de câncer ou
mento. Aos poucos, a família vai desenvolvendo modos de
ser adquiridos como resultado da doença e do tratamento, quer direta
ou indiretamente (Noll eia/.. 1990).
lidar com a nova situação, havendo uma tendência à super-
520 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
proteção da criança, gerada por medos diversos calcados Fonte de estabilidade e segurança, a família é, por
em um medo maior, que é o da perda. Até que ocorra o tanto, indispensável à criança no momento de enfrentar o
desfecho positivo da doença, com a cura da criança, tem-se câncer, mas também pode se constituir em um problema
um momento de adaptação a uma nova realidade, que pode para a reinserção escolar. Os pais podem isolar o filho do
criar incertezas e ansiedades no seio familiar (Valle, 1997). ambiente da escola na tentativa de protegê-lo do estresse
Os familiares também têm de aprender a se relacio físico r emocional exigido pelas atividades escolares e pc
nar com a equipe de saúde, distinguir as funções de cada e receio de que ele seja objeto de preconceitos, entre ou
profissional e os modos de ser de cada um. O ideal é que tras possibilidades.
se estabeleça uma aliança terapêutica entre as famílias Nesse sentido, entende-se que uma posrura clara e
e a equipe de saúde, na qual todos tenham seus direitos e atuante da equipe de saúde para incentivar a escolaridade
deveres respeitados. e criar canais de comunicação com a escola pode auxiliar 2
Cabe às equipes de saúde respeitar as famílias em suas família e a criança na tarefa de retomar a atividade escolar
diferenças subjetivas, culturais ou econômicas, além de (Siop, 2004).
assegurar a compreensão do diagnóstico e da terapêutica. Por outro lado, o confronto com o câncer infantil
O suporte psicossocial deve ser oferecido com o incentivo também gera conflitos no ambiente escolar, de acordo
do retorno da autonomia após os retrocessos e restrições com o que é ilustrado no exemplo seguinte:
ocorridos durante o tratamento (Siop, 2004).
Por outro lado, à família também são atribuídos de Para a professora era impossível tratar aquela
veres como os de assegurar uma comunicação aberta entre criança como uma criança normal, bem como res
seus membros, solicitar informações à equipe, dar informa ponder ao pedido dos pais tal como era formulado.
ções relevantes para as intervenções médicas ou psicosso
Prensada entre a representação da criança normal e
ciais, entre outros (Siop, 2004).
a da criança que encarnava a morte, ela também não
Nesse contexto emocionalmente complexo e abran
sabia como abordá-la. Exasperada pelos bons conse
gente encontra-se a questão da reinserção escolar da
lhos dos pais, de qualquer forma resolve um dia esti
criança. O absentismo começa, geralmente, no período
mulá-la e vê, encantada, a criança se pôr a brincar, a
que se segue ao diagnóstico. O início do tratamento re
dançar, a comportar-se, enfim, como os outros. Mas.
quer atenção e cuidados intensos relacionados à saúde da
diante dela, que já não esperava tanto, a criança aca
criança, sendo comum a ocorrência do abandono escolar
ba caindo e “rachando a cabeça no aquecedor”! A
decorrente de demandas do adoecimento, tais como hos
expressão é exagerada, naturalmente, mas foi a que
pitalizações prolongadas devido a cirurgias, quimiotera
pias mais invasivas e frequentes, entre outras situações. ela empregou para explicar o medo que sentiu. Medo
Entretanto, com o avanço do tratamento ambulatorial, esse redobrado pelo fato de que a criança havia sido
a família pode se reorganizar a fim de se adaptar à nova operada e tratado dois anos antes de um tumor no
situação, voltando-se para as responsabilidades corriquei cerebelo. (Brun, 1996, p. 12-3)
ras do dia-a-dia, sendo posta em pauta, nesse período, a
questão da escolaridade. A citação anterior relaciona-se ao contexto francês,
A própria equipe de saúde deve encorajar a família mas é representativa do conflito vivenciado por profes
a manter a criança na escola. Cabe ao médico fornecer sores de crianças com câncer nas mais diversas partes do
um parecer sobre' a saúde da' criança, ressaltando suas inundo (Nucci, 2002; Moreira, 2002).
possibilidades físicas, além dos prováveis riscos à saúde O estigma de fatalidade incutido no diagnóstico de
encontrados na escola, para que a família seja orientada uma neoplasia maligna pode se tornar maior que a própria
quanto aos cuidados necessários com a criança fora de percepção que o professor tem das possibilidades e dos
casa (Siop, 2004). limites da criança, criando-se uma dificuldade emocional
Nesse ponto, a preocupação dos pais com a integri no relacionamento com esse aluno que pode oscilar entre
dade física da criança é primordial, e eles necessitam estar a superproteção e o distanciamento (Brun, 1996).
seguros de que seu filho não estará sujeito a lesões ou a Baskin et al. (1983) já salientavam a importância de se
infecções na escola. Após essa questão, os aspectos referen pensar a respeito das necessidades emergentes dos profes-
tes à importância social e profissional da escolaridade da sores no confronto com suas atitudes e seus medos diante
criança podem ser discutidos. A reação das famílias no que do adoecimento e da possibilidade de morte de seu aluno.
concerne à escolaridade da criança está interligada com as Isso porque o desconforto dos professores perante a criança
características próprias de seu modo de ser, de suas crenças doente certamente seria comunicado a cia de algum modo.
e de sua história. Algumas famílias podem recear e pro Os professores ficam inseguros em relação ao que es
telar essa escolaridade, outras podem ser mais abertas e perar da criança que retorna â escola durante o tratamen
flexíveis; todavia, a preocupação com o bem-estar físico e to oncológico, necessitando de apoio informativo sobre a
emocional da criança é comum (Valle, 1997). doença (Sloper et al.y 1994).
■
Estudos mostram que, freqüentemente, os professo Além disso, informações sobre a concepção que a
res tendem a avaliar as crianças com câncer como sendo criança tem de seu adoecimento e da morte, de acordo
diferentes de crianças saudáveis pertencentes a grupos de com seu nível intelectual, são consideradas importantes
controle. No estudo de Sloper et al. (1994) foram detec instrumentos para os professores no momenro de receber
tados, pelos docentes, problemas de concentração, de o aluno com câncer cm sala de aula.
desempenho acadêmico e de popularidade das crianças Orientações sobre as peculiaridades da família em li
com câncer, ressaltando-se que, para os pais, seus filhos dar com o adoecimento da criança podem facilitar o rela
doentes também apresentavam dificuldades de ajustamen cionamento entre a escola e os pais, criando um ambiente
to social. Em contrapartida, quando ouvidas, as próprias acolhedor para ambos.
crianças com câncer não revelaram a percepção de diferen As informações e orientações são importantes ins
ças entre elas e seus colegas no que se refere à auto-estima, trumentos de ação para os professores, pois lhes permi
ansiedade, competência e relação com os pares. Os auto tem antecipar e identificar questões, podendo intervir no
res referidos sugerem que as distinções entre crianças com sentido de amenizar problemas apresentados pela criança
câncer e saudáveis encontradas nos relatos dos professores doente ou em seu relacionamento com os demais alunos
(Baskin et al., 1983).
podem ser o reflexo de expectativas negativas nutridas em
Professores do Reino Unido que participaram de
relação a pacientes oncológicos ou à doença em si.
palestras antes do retorno do aluno doente à escola re
As questões emocionais e culturais ligadas ao medo
lataram que as discussões e reflexões proporcionadas os
do câncer e ao estigma que o associa à morte permeiam a
auxiliaram a explicar aos demais alunos o que esperar da
convivência da criança com a doença nos vários espaços
criança com câncer e a orientá-los sobre as atitudes a se
sociais envolvidos e no ambiente escolar. Desse modo,
rem tomadas no dia-a-dia com essa criança. Alguns profes
é importante que se reconheçam alguns desses aspectos
sores encorajaram a própria criança a contar aos colegas
psicológicos, buscando lidar mais objetivamente com o
sobre seu adoecimento (Gregory et al., 1994).
aluno, numa relação mais profissional e menos pessoal ou
Os professores são cruciais para o sucesso da rein
subjetiva (Chekryn et al., 1987). serção escolar de crianças com câncer, pois eles julgam a
Nucci (2002) realizou uma pesquisa envolvendo
performance acadêmica dos aíunos e estabelecem os pa
129 professores de crianças com leucemia, distribuídos drões de relacionamento a serem seguidos pela turma.
por oito estados brasileiros, e suas conclusões indicaram Desse modo, o clima em torno do câncer infantil pode ser
que cerca de 70% dos professores apresentavam conhe mais velado ou, ao contrário, a doença pode ser tratada
cimentos adequados, embora parciais, sobre a leucemia e com naturalidade e as informações requeridas pela classe
seu tratamento, havendo, entretanto, a tendência a uma podem ser transmitidas realisticamente, dependendo da
visão emocional da experiência de ter um aluno com cân postura do professor e do diálogo estabelecido entre este,
cer, com a priorização da atenção às necessidades psico a família da criança e a equipe de saúde.
lógicas da criança em detrimento das pedagógicas. Entre A aceitação dos colegas também é um aspecto rele
as necessidades psicológicas atribuídas às crianças doen vante para o sucesso da reinserção escolar de crianças com
te citadas com maior frequência pe)os professores estão câncer. No encanto, em geral eles têm um conhecimento
a necessidade de igualdade, de afeto e de atenção. Já en apenas parcial a respeito da problemática enfrentada pela
tre as necessidades referentes aos professores de crianças criança enferma, apresentando uma visão distorcida da
com câncer estão as condições psicológicas, a informa doença. A educação e a informação ensinam os colegas a
ção, a necessidade de preparo acadêmico específico e de diferenciar verdades e mitos sobre o câncer, diminuindo
nteração entre professor, família e equipe de saúde. os medos no contato com a criança doente. Quando as
Em outro estudo realizado no interior paulista, os fantasias são derrubadas, os colegas revelam maior dispo
professores de crianças com câncer também referiram sição na interação com ela (Baysinger et al., 1993).
sentir a necessidade de maior informação sobre a doença A literatura sugere gue informações sobre o adoeci
de seu aluno, a presença de uma reação emocional diante mento devem ser transmitidas aos colegas antes mesmo
da situação e a dificuldade em falar com a classe sobre o da reinserção escolar da criança com câncer. Deve ser en
adoecimento da criança (Gonçalves e Valle, 1999a). fatizado que a criança continua sendo a mesma pessoa de
Segundo Baysinger et al. (1993), para promover o antes e que o relacionamento com ela também deve ser o
bom ajustamento social da criança com câncer na esco- mesmo (Treiber et al., 1986).
a os professores devem ser adequadamente informados Treiber et al. (1986) buscaram compreender o impac
'obre as especificidades da doença de seu aluno, sobre os to de um worksbop informativo sobre o câncer infantil nos
avanços terapêuticos recentes, sobre problemas e questões alunos, e as conclusões desse estudo mostraram que os co
que podem surgir durante a reinserção dessa criança, entre legas tinham conhecimento limitado a respeiro do câncer,
outros temas. com os de menor idade apresentando as maiores limita-
çõcs. Os colegas manifestaram atitudes negativas dirigidas fessores britânicos que participassem de um “dia de es "O aft
à criança com câncer antes das atividades informativas. A tudos” sobre o câncer infantil em um centro médico “flora
eficácia do workshop foi marcada pelo significante aumento regional. Após essa atividade, os professores demonstra simpse
do conhecimento sobre o câncer e pela maior predisposição ram significantes ganhos em conhecimento a respeito da Q
para a interação com a criança doente. Houve, contudo, di doença e confiança para lidar com problemas e situações serção
minuição da preocupação e do contato com a criança com típicos encontrados no retorno da criança com câncer à câncer
câncer, manifestada um mês após o trabalho, sugerindo a escola. Os ganhos relatados pelos professores referem-se com a
necessidade de retomar o tema com os colegas, o que pode a itens como: entendimento dos efeitos da quimioterapia câncer
ser feito por meio de intervenções mais breves no dia-a-dia e da radioterapia, conhecimento sobre o impacto de uma com d
das crianças em sala de aula. doença infectocontagiosa na saúde do aluno com câncer, de
Mabe et ai (1987) e Benner e Marlow (1991) também esclarecimento sobre o tipo de atenção médica que pode .—■•
estudaram a eficácia de atividades informativas dirigidas aos ser oferecida ao aluno doente na escola, instrumentaliza ' 'T--*
colegas de crianças com câncer, que responderam ao câncer ção para responder a perguntas dos colegas a respeito da mação;
knowlcdge questionnaire (CKQ) antes e depois dessas ativi saúde do aluno com câncer e informá-los sobre o câncer ça ?asm
dades. O CKQ mede o conhecimento e o conceito sobre o infantil, mais familiaridade com possíveis reações emocio Bi
câncer, além do desejo de interação com a criança doente. nais que a criança doente possa apresentar, conhecimento remseq
Os autores dos dois estudos referidos concluíram que as sobre a possibilidade de participação do aluno doente em educad
atividades informativas são a chave para um contato mais atividades físicas, nos deveres de casa e atividades cm clas torrea
positivo entre ambos: colegas e crianças doentes. se, ajuda para evitar o absentismo, compreensão sobre os impac3
Outro ponto a ser considerado é o fato de que co efeitos do tratamento na aprendizagem do aluno e sobre educ&s
legas informados sobre o câncer são menos propensos a suas experiências no hospital, conscientização da possibili interra
intimidar fisicamente as crianças doentes (Lãhteenmãki dade de ajuda efetiva no relacionamento entre os colegas e psicoidji
et ai, 2002). a criança doente. Antes do “dia de estudos”, 37% dos pro maior i
fessores tinham sentimentos negativos quanto ao câncer devido
infantil; e, após as atividades informativas, esse percentual interna
Programas de apoio à reinserção foi reduzido para 3%. Pode-se entender que todos os pon base^-i
escolar de crianças com câncer tos citados como sendo mais bem compreendidos após as mtenn
Ajudar a criança a viver plenamente durante e após o atividades informativas têm o potencial de se configurar até o 4
adoecimento pelo câncer vem sendo o objetivo de equipes como pontos conflitantes para os professores, o que pode pais, pi
de saúde e também dos programas de comunicação entre ser minimizado após uma ação específica voltada aos do
hospital e escola - os chamados programas de reinserção centes, conforme o estudo mostrou. Sac
escolar. Em síntese, esses programas visam gerar uma ati Enquanto a criança está no hospital, destaca-se a im de area
tude na família e na escola que permita à criança crescer portância dc atividades lúdicas, recreacionais e da classe desenvá
e se desenvolver normalmeme, do mesmo modo que seus hospitalar. Quando a criança pode voltar à escola regular, é a solcçã
pares, a despeito de seu adoecimento. De maneira geral, essencial o papel dos programas de reinserção escolar, que acesse j
as estratégias para encorajar o retorno precoce da crian devem incluir a abertura de canais de comunicação entre difiaiüi
ça com câncer à escola são consideradas importantes do o hospital e a escola, cabendo à equipe de saúde informar escola- -
ponto de vista educacional e social. Ressalta-se a necessi os professores sobre as condições médicas específicas da coroo Q
dade de informar os professores sobre o câncer, sobre o criança, estando, ainda, pronta para falar sobre a doença mação %
diagnóstico, prognóstico e protocolo terapêutico do alu aos colegas de classe do paciente, se possível com a presen o mcóo
no, para que possam ajudá-lo no momento da reinserção ça de um médico. O fornecimento de material impresso, promovi
escolar (Labay et ai, 2004). como manuais para professores, incluindo informações tiva de i
Deve ser enfatizada a importância da compreensão sobre a doença e sobre como lidar com a criança doente, suporte i
por parte dos pais da necessidade da escolaridade do fi que os ajude a lembrar que seu papel é ensinar, enquanto si
lho doente e da criação de uma boa comunicação com a o do hospital é tratar, é altamente recomendável. Os pro criança
escola. Família e hospital, juntos, devem transmitir à es gramas devem propor estratégias que auxiliem a criança cífico. o
cola informações claras sobre as necessidades da criança, doente na manutenção do contato com sua escola, mesmo ram qae
favorecendo, assim, seu processo de aprendizagem e não quando ela estiver em casa. Devem ser feitas sugestões aos idade, a
a extensão do hospital ao ambiente acadêmico. Devido à professores sobre como facilitar a adaptação da criança vio cora
longevidade do tratamento e suas peculiaridades, a comu doente na escola, reduzindo a ansiedade relacionada à sua doençe.
nicação deve ser contínua e não restrita ao momento do doença, mas dando a ela liberdade para expressar o que atitude 3
diagnóstico (Deasy-Spinetta, 1981). quiser (Siop, 2004). ela. Beta
Com o intuito de estreitar relações entre hospital e Há o reconhecimento de que os programas devem workská|
escola, Larcombe e Charlton (1996) propuseram a pro responder a algumas questões que podem surgir na escola: do
A REINSERÇÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER. 523
“O aluno doente vai morrer?”; “Ele está muito fraco?”; sejo de interação com um colega com câncer e utilizando o
“Por que a criança doente é enviada à escola? Ela não pode mesmo CKQ, atingiram resultados muito semelhantes no
simplesmente brincar?” (Baskin et ai, 1983). que se refere à associação entre conhecimento e desejo de
Gregory et al. (1994) atribuem ao programa de rein- interação com a criança doente.
serção escolar proposto a crianças tratadas na unidade de Vance e Eiser (2002), revisando a bibliografia sobre a
câncer infantil do Royal Victoria Infirmary, na Tnglaterra, experiência escolar de crianças com câncer no período de
com a participação dos professores em seminários sobre o 1981 a 2000, encontraram onze estudos acerca dos pro
câncer infantil, a inexistência de diferenças entre crianças gramas de reinserção escolar. Analisando esses estudos, as
com câncer, seus irmãos e um grupo controle em termos autoras concluíram que os colegas podem se beneficiar de
de dificuldades de aprendizagem, socialização e problemas sessões interventivas breves que tratem da etiologia e tera
comportamentais. Nesse centro, duas enfermeiras e três as pêutica do câncer, assim como os professores, que passam
sistentes sociais são contratadas para prover suporte e infor a ter mais confiança cm suas ações.
mação a pais e professores durante o tempo em que a crian No Brasil, em um recente levantamento bibliográfi
ça passa pelo tratamento de câncer e freqüenta a escola. co efetuado por Silva et al. (2005), abrangendo o perío
Baysingereí #/. (1993) desenvolveram um programa de do de 1998 a 2004, foram encontrados cinco trabalhos
reinserção escolar que visa: proporcionar uma experiência específicos sobre a escolaridade de pacientes oncológi
educacional positiva para que as crianças com câncer se cos, sendo dois capítulos de livro (Gonçalves e Valle,
tornem adultos produtivos e bem-sucedidos; reduzir o 1999b; Moreira e Valle, 2001), uma dissertação de mes
impacto dos efeitos tardios do tratamento na performance trado (Moreira, 2002), um livro publicado com base em
educacional de crianças com câncer; promover uma uma dissertação de mestrado (Nucci, 2002) e um artigo
intervenção na comunidade de base, incluindo avaliação (Gonçalves e Valle, 1999a).
psicológica e de saúde mental, direcionada a crianças com De acordo com esse levantamento, percebe-se, na
maior risco de apresentar dificuldade de aprendizagem atualidade, maior interesse pelas questões relacionadas à
devido ao tratamento oncológico. O programa de escolaridade de crianças com câncer no contexto nacional,
intervenção educacional proposto pelos autores citados visto que, até 1998, não foram referidos estudos brasilei
baseia-se na trajetória do tratamento da criança, com ros específicos sobre o assunto e, a partir desse ano, foram
intervenções que ocorrem desde o período do diagnóstico encontrados trabalhos integralmente publicados.
até o de sobrevivência à doença, sendo voltado aos
pais, pacientes, professores e colegas e conduzido por
enfermeiros especializados em oncologia pediátrica. A história de um programa de reinserção
Sachs (1980) descreve um programa bastante amplo escolar de crianças com câncer desenvolvido
de atenção à reinserção escolar de crianças com câncer
juntamente com o GACC-RP2
desenvolvido em Clcveland (Estados Unidos), abrangendo
a solução de problemas práticos relacionados a transporte, Em um estudo bibliográfico sobre publicações brasilei
acesso a salas de aula para crianças amputadas ou com ras relacionadas a aspectos psicossociais do câncer infantil
dificuldades sensoriais, necessidade de informar a equipe (Moreira e Valle, 1999b), que abrangeu o período dc 1980
escolar sobre a doença, entre outros. Essa autora, assim a 1997, foi traçado um panorama sobre as pesquisas brasi
m como Chesler (1990), atenta para o fato de que a infor leiras em psico-oncologia pediátrica, sendo possível a veri-
mação clara e consistente sobre o câncer pode substituir
o medo e os rumores muitas vezes provocados por ele, 2 O Grupo de Apoio à Criança com Câncer de Ribeirão Preto (GACC-RP) é
promovendo, no ambiente escolar, uma experiência posi uma entidade filantrópica. Conta com uma casa de apoio, situada den
tiva dc aprendizagem e dando aos colegas e professores o tro da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, cedica pela
universidade. Conta também coma participação de docentes da Escola
suporte necessário para atender o aluno doente.
de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP) e da Faculdade de Medicina de
Mabe et al. (1987) estudaram o conhecimento de Ribeirão Preto (USP), profissionais do Hospital das Clínicas da Faculdade
crianças sobre o câncer utilizando um questionário espe de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP), profissionais contratados,
cífico, o câncer knowledge questionnaire (CKQ). Concluí estagiários da área de psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto (USP) e voluntários, que atuam nas áreas téc
ram que o conhecimento sobre o câncer aumenta com a nico-científica e assistencial. O atendimento é prestado ã criança com
idade, mas é limitado, e se beneficia de um contato pré câncer e à sua família, visando a uma atenção física e psicossocial. Para
vio com a doença, o que pode acarretar menos medo da tanto, o GACC-RP, conta com uma equipe rnultiprofissional, composta
de médicos, dentista, psicólogos, assistente social, nutricionista, entre
doença, menor preocupação com a criança doente e uma
outros, que trabalham no HCFMRP-USP e na própria casa de apoio. Há
atitude que predispõe à sua aceitação e à interação com reuniões semanais da equipe para a discussão dos casos, na busca de
ela. Benncr e Marlow (1991), estudando o efeito de um um atendimento global à criança e sua família. São desenvolvidas ativi
ivorksbop sobre o conhecimento dos estudantes a respeito dades de pesquisa nas diversas áreas de atuação profissional do GACC
RP, e o conhecimento produzido tem sempre se revertido na melhora
do câncer infantil, suas concepções sobre a doença e o de do atendimento à clientela.
524 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
ficação de tendências e lacunas. Entre as lacunas apontadas, 0 contato com as crianças com câncer; suas
a inexistência de trabalhos discutindo especificamente a
famílias e escolas
escolaridade das crianças saltou aos olhos da equipe mul-
O primeiro passo é a identificação de crianças em
tiprofissional do GACC-RP, o que a levou a refletir sobre a
fase de reinserçáo escolar atendidas no HCFMRP-USP,
emergente demanda por uma atenção voltada ao tema.
por meio de contatos com a equipe de saúde (psicólogos,
Em meio a esse contexto, a professora doutora Eliza-
assistente social, nutricionista e médicos).
beth Ranier Martins do Valle passou a supervisionar um
Então ocorre o contato com a criança com câncer e
novo estudo (Moreira e Valle, 1999a). Tratava-se de
sua família para a apresentação do trabalho informativo
uma pesquisa exploratória com o objetivo de investigar
que poderá ser desenvolvido na escola. Explica-se que esse
como crianças saudáveis, escolares, sem contato anterior trabalho pretende informar sobre o câncer infantil, sua etio
com o câncer infantil, entre 8 e 12 anos de idade, rece Ar
logia, tratamento e efeitos colaterais, bem como esclarecer
beriam informações sobre a doença, tendo um desenho rio
que o câncer não é contagioso, que a queda dos cabelos se eu ’
animado da turma do Snoopy como disparador temático. deve à medicação, que o uso da máscara tem a função de
Os resultados indicaram que as crianças compreenderam proteger a criança doente, entre outras questões.
Ç2
as questões biológicas e emocionais suscitadas pelo cân Ressalta-se à família que o diagnóstico da criança se
cer e se mostraram potencialmente solícitas e abertas ao tornará público na escola após o trabalho informativo.
convívio com um colega doente. Após o consentimento da criança e de sua família,
«a l€*
As conclusões desse estudo reforçaram a relevância contata-se a escola (direção e professores) e uma reunião é
da informação sobre a doença como forma de facilitar o agendada na própria escola com o objetivo de informar a
convívio escolar das crianças em tratamento dc câncer. direção sobre o diagnóstico de câncer de seu aluno e sobre
Vale ressaltar que, nessa época, as queixas apresentadas o câncer infantil e suas implicações no cotidiano escolar .lí rrO
ao serviço de psicologia do GACC-RP por pais e pacien da criança, tais como faltas, não-participação nas aulas es
tes indicavam discriminação e preconceitos decorrentes portivas, cuidados especiais com higiene e alimentação e
da ignorância quanto ao câncer infantil, manifestados possível medicação dessa criança na escola. São entregues
por colegas em relação à criança doente, como os princi materiais impressos elaborados pelo GACC-RP: “Carta ao
pais entraves à sua escolaridade. professor de uma criança com câncer” (Tone et al.y 1990)
A seguir, após pesquisa com base na literatura exis e “Seu colega tem uma doença chamada câncer” (Sgar-
tente, a fim de buscar maior compreensão acerca do fe bieri, 2000), por exemplo. Nessa reunião, uma assistente
nómeno da escolaridade de crianças com câncer para que social e uma psicóloga representam a equipe de saúde.
pudesse ser revertida em alguma forma de atuação tera Na seqüência é proposta, na escola, a realização do
pêutica, constatou-se que as demandas por atividades de trabalho informativo, a ser executado por uma psicóloga
intervenção relacionadas à escolaridade das crianças em do GACC-RP.
tratamento de câncer, sentidas na prática pelos profissio Com a obtenção das autorizações por parte da famí
a§a
lia da criança com câncer e da escola, é iniciado o trabalho
nais do GACC-RP, se inspiravam nos estudos internacio
informativo com os alunos que estudam no mesmo perío
nais, dada a escassez de pesquisas brasileiras.
do que a criança doenre.
Assim iniciou-se uma proposta de intervenção que
culminaria na dissertação de mestrado A criança com
câncer vivenciando a reinserçáo escolar: estratégia de ■' ••
0 trabalho informativo
atuação do psicólogo (Moreira, 2002). Esse estudo ouviu
O trabalho informativo sobre o câncer realizado
crianças doentes cujas escolas participaram de uma estra
na escola obedece aos seguintes passos: apresentação da
tégia de intervenção pautada na informação sobre o cân
psicóloga aos alunos, exposição feita pela pesquisadora
cer, que se revelou facilitadora da escolaridade por criar
acerca do motivo de sua presença e exibição de filme in
um clima acolhedor, com menos preconceitos e curiosi
formativo.
dades suscitados pela doença c seus efeitos.
A exibição do filme, com duração aproximada de 22
Desse modo, foram lançadas as bases do Programa minutos c intitulado Não tem choro (Schuiz, 1990), é feita
de Reinserçáo Escolar de Crianças com Câncer atendidas aos alunos que esrudam no mesmo período que a crian
no HCFMRP, em desenvolvimento ainda hoje e subsidia ça doente e aos respectivos professores, em sala de aula,
do pelo GACC-RP. O referido programa será descrito a utilizando uma fita dc vídeo. Nesse filme, sob a forma de
seguir, passo a passo, com o intuito de aumentar a com desenho animado, é contada a história de uma menina que
preensão do leitor referente à proposta de intervir direra- adoece de câncer e interrompe a freqüência às aulas para
mente no contexto escolar das crianças doentes. se tratar. O desenho trata da questão do câncer infanril de
modo simples, didático, natural e lúdico, sendo, porranro,
A REINSERÇÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER 525
instrutivo e divertido, apesar de abordar a questão de for culdades advindas do estranhamento das demais crianças
ma séria e real. Traz informações esclarecedoras a respeito relativo à alteração da aparência física do colega decorrente
da etiologia do câncer, de seu tratamento, das questões de do adoecer (careca, mais magro, usando máscara protetora,
relacionamento social relacionadas com a problemática, entre outras mudanças já mencionadas).
entre outras. A reinserção escolar durante o tratamento oncológi
E feita uma recapitulação livre, com os alunos, dos co é vista como geradora de benefícios emocionais e so
principais aspectos abordados no filme, levantando questões ciais às crianças doentes, adquirindo uma conotação que
como: etiologia da doença, diagnóstico, tratamento, possibi extrapola os ganhos acadêmicos comumente atribuídos a
lidade de cura, importância do apoio à criança doente. essa atividade.
No começo, não c dito o nome da criança doente. Informações sobre o câncer infantil disseminadas na
Após os alunos assistirem ao desenho, durante os comentá escola por meio de um programa de reinserção escolar
rios finais, menciona-se o retorno do colega que se encontra são importantes e bem-vindas por sanar dúvidas e in
em tratamento de câncer no HCFMRP. Retomando o filme compreensões práticas sobre o processo de adoeci mento
exibido, são discutidas as necessidades e condições da crian e suas implicações no cotidiano escolar e por facilitar a
ça que retorna à escola durante o tratamento de câncer. comunicação entre os envolvidos na situação. O progra
Após a execução do trabalho informativo, são deixa ma de reinserção escolar constitui-se em um ponto de
dos os telefones do hospital, colocando-se a pesquisadora apoio emocional, dando tranqüilidade e amenizando as
e a equipe de saúde à disposição para quaisquer esclareci responsabilidades individuais quanto ao sucesso da tarefa
mentos ou eventualidades. empreendida.
Com o estabelecimento desse programa, como parte Tais informações, além disso, fazem parte de um pro
da rotina de atendimento às crianças com câncer em ida grama educacional que, tendo cm vista as futuras gera
de escolar, configurou-se uma situação na qual pesquisas ções, ajuda a desmirificar e desmistificar o câncer.
acadêmicas3 puderam ser revertidas simultaneamente e a
médio prazo em uma atuação terapêutica.
Todavia, novas inquietações se apresentaram e leva Considerações finais
ram à realização de um trabalho com o objetivo de ouvir Na atualidade, ecoa unanimemente a idéia de uma
mães, professores e colegas de crianças com câncer cujas atenção inter e multiprofissional às crianças com câncer.
escolas foram atendidas pelo programa (Silva, 2006). Com Há uma efervescência na literatura em favor dessa idéia,
os relatos obtidos nesse novo estudo, foi vislumbrada a e novas especificidades de atuação na área da oncologia
possibilidade de traçar um panorama sobre o fenômeno pediátrica se descortinam, tal corno a psico-oncologia.
da escolaridade de crianças com câncer precedido por es No momento, as publicações de pesquisas nacionais e o
tratégias de intervenção informativa. relato prático dos centros brasileiros dc atendimento ao
Apesar do reconhecimento formal da importância câncer infantil caminham lado a lado com as tendências
da reinserção escolar durante o tratamento de câncer, as mundiais.
crianças doentes, as mães, os professores e colegas têm Todavia, quando se adentra nos meandros desse aten
sentimentos ambíguos quanto a essa atividade, prevale dimento interprofissional buscando uma atuação que saia
cendo ora o desejo da reinserção, ora o medo de enfrentar do âmbito da doença, física ou emocional, e visando à aten
o desafio que se apresenta. ção aos aspectos de integração social, qualidade de vida e
A reinserção escolar é estressante para os envolvidos qualificação profissional, percebe-se, no Brasil, uma escas
por ser algo novo em sua vida, sendo necessária a concilia sez de propostas nesse sentido e de estudos publicados.
ção de sentimentos e emoções pessoais e necessidades prá Programas de reinserção escolar desenvolvidos nos
ticas em uma situação dc convívio social na qual existem moldes aqui propostos não foram encontrados na literatu
objetivos acadêmicos predefinidos a serem cumpridos. ra nacional, o que não significa necessariamente que não
Considera-se a reinserção escolar de crianças com estejam sendo empregados esforços nessa direção, mas sim
câncer uma atividade difícil, que gera grande expectativa, que não se tem publicado estudos a esse respeito. Algumas
repleta de mitos e fantasias negativas, mas na prática aca hipóteses, descritas a seguir, podem ser apresentadas a fim
ba por se revelar menos ameaçadora. Prevalecem as difi de melhor entender o porquê dessa constatação.
Dificuldades financeiras dos centros de saúde levam à
primazia do atendimento médico e assistencial sobre a aten
Todos os estudos desenvolvidos no GACC-RP sâo submetidos à apre
ciação da chefia do Departamento de Pediatria e Puericultura e do
ção a aspectos psicossociais, sobretudo àqueles que envol
Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP-USP, respeitando a exigência vem outras esferas institucionais, tal como a educacional.
da assinatura, pelos participantes ou responsáveis, de unn termo de con Há, também, a indisponibilidade de profissionais li
di 2 sentimento pós-informado,que explicita os objetivos da pesquisa e seus
gados à saúde dispostos e autorizados a cumprir uma jor
procedimentos, além de assegurar sigilo e prever possíveis desconfortos
dos participantes e/ou benefícios a eles. nada de trabalho fora da instituição hospitalar.
526 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Outro fator a ser considerado é a migração das crian desvantagens, potencialidades e capacidades, a fim de
ças pelo território nacional em busca de tratamento, que evitar atitudes baseadas em preconceitos. Além disso, é wtn
costuma ser encontrado em centros de excelência distan importante que haja a mudança do foco do processo de Hfcsjl
tes de sua cidade. Tsso as afasta da sua escola e as direcio educação do ensino para a aprendizagem, de modo a não C
na para as classes hospitalares durante o período cm que importar o que o professor ensina, mas conto ele ensina e
estão sendo tratadas. quanto seu aluno aprende. O acompanhamento da equipe
E preciso mencionar também a valorização de uma escolar por pessoal especializado na área da educação é
“cultura” de atuação curativa em saúde, voltada principal considerado fundamental para que haja a discussão e o casca
mente para o tratamento das patologias, em detrimento de esclarecimento das peculiaridades do aluno. O esclareci uitr c
ações dirigidas à prevenção. Nesse caso, os programas mento pode possibilitar a mudança de aspectos técnicos, I
de reinserçáo escolar são entendidos como ações preventi comportamentais e afetivos, para facilitar a aceitação da cer ia
vas de seqüelas emocionais e sociais ligadas ao adoecer. diferença e, com isso, favorecer a composição de uma co Onsa
Apesar de serem uma novidade no Brasil, os progra munidade escolar verdadeiramente integrada. C
mas de reinserção escolar são uma realidade nos países da Assim, entende-se como essencial o apoio da equipe de D . A-
Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, sendo conside saúde à equipe escolar quando um dos alunos é acometido -z- *
rados essenciais para a oncologia pediátrica (Siop, 2004). por uni câncer, pois aquela será responsável por informar,
A reinserção das crianças com câncer na sociedade esclarecer e preparar os profissionais da escola, o que legiti
como um todo faz parte de uma mentalidade inclusiva, ma e enfatiza o desenvolvimento dos programas de reinser-
difundida no mundo ocidental, voltada não só às crianças çáo escolar em oncologia pediátrica (Siop, 2004).
doentes e/ou deficientes, mas a grupos considerados Nesse sentido, há consonância entre o que é ressalta
excluídos culturalmente, como os negros, os índios, os do na literatura e as necessidades das pessoas envolvidas CTLI-jÇ
homossexuais e as mulheres. Os movimentos inclusivos no processo de reinserçáo escolar das crianças com cân EC*
retomam a luta pelo cumprimento da Declaração Universal cer, já que, segundo as próprias crianças doentes, sua mãe, çssca
dos Direitos Humanos, de 1948. seus professores e seus colegas reafirmam a importância
Em se tratando de escolaridade, a inclusão retoma o do programa de reinserçáo escolar na facilitaçáo da tarefa pr—LM
ideal de uma educação de qualidade para todos, abrangen de voltar às aulas durante o tratamento (Moreira, 2002). toiogj
do não só as crianças com algum tipo de deficiência mas Somente com o apoio dos institutos de fomento à E
também aquelas que, mesmo sem déficits orgânicos, são pesquisa (Capes e Fapesp) e de instituições não governa canca
excluídas do processo formal de aprendizagem, princípio mentais como o GACC-RP foram possíveis a idealização e I
defendido na Declaração de Salamanca, dc 1994. Nesse o desenvolvimento do programa de reinserçáo escolar pro tbc c*
contexto, entende-se que a escola reflete os sentimentos e posto. Atualmente esse programa está integrado ao serviço
atitudes da sociedade como um todo e, por isso, deve ser do GACC-RP; todavia, não existem garantias formais que OgT M
a base para a inclusão social, constituindo-se no cerne da assegurem sua continuidade a médio e longo prazos. 1
mudança de atitude (Amiralian, 2005). A publicação e divulgação de estudos como esse, cm XX
Segundo Amiralian (2005), para que as escolas pos meios científicos, podem ser uma forma de voltar a atenção Jour**
sam cumprir satisfatoriamente a responsabilidade de in dos profissionais de saúde para as necessidades existentes -
cluir/integrar seus alunos com algum grau de dificulda durante o processo de reinserçáo escolar das crianças com scbod
de ou de deficiência é preciso que haja uma verdadeira câncer. E, além disso, podem incentivar a participação di }■: w
compreensão a respeito desse aluno: de suas limitações, reta desses profissionais nessa realidade. L
Referências bibliográficas
Amiralian, M. L. T. M. “Desmistificando a inclu Benner, A. E.; Marlow, L. S. “The effect of a
são”. Psicopedagogia, São Paulo, v. 22, n. 67, p. 59-66, workshop on childhood câncer on students1 knowledgc,
2005. concerns, and desire to interact with a classmate with cân
Baskin, C. H.; Saylor, C. F.; Fiirey, W. M. et ai cer”. Children' s Health Care, v. 20, n. 2, p. 101-7, 1991.
“Helping teachers help children with câncer: a workshop Brun, D. A criança dada por morta: iíscos psíquicos da
for school personnel”. Children's Health Care, v. 12, n. 2, cura. Trad. Joaquim Pereira Neto; José de Souza e Mello
p. 78-83, 1983. Werneck. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
Baysinger, M.; Heiney, S. P.; Creed, J. M.; Ettincer, Carey, P.; Sloper, P.; Charlton, A.; While, D. “Cân
R. S. “A trajectory approach for education of the child cer education and the primary school teacher in England
/adolescent with câncer”. Journal of Pediatric Oncology and Wales”. Journal of Câncer Education, v. 10, n. 1, p.
Nursing, v. 10, n. 4, p. 133-8, 1993. 48-52,1995.
A REINSERÇÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM CÂNCER... 527
Chekryn, J.; Deegan, M.; Reid, J. “Impact on reachers _____. “Conhecendo o câncer infantil: intervenção
when a child with câncer retnrns to school”. Children’s junto a escolares do lfl grau”. Doxa: Revista Paulista de
Health C'are, v. 15, n. 3, p. 161-5, 1987. Psicologia e Educação, Araraquara, v. 5, n. 1, p. 7-30,
Chesler, M. A. “Surviving childhood câncer: the 1999a.
strugglc goes on”. Journal of Pediatric Oncology Nursing, ____ . “Esmdos bibliográficos sobre publicações bra
v. 7, n. 2, p. 57-9, 1990. sileiras relacionadas a aspectos psicossociais do câncer in
Deasy-Spinetta, P. “The school and the child with fantil”. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro,
câncer”. In: Spínetta, J. J.; Deasy-Spinetta, lí (eds.). Living v. 45, n. 2, p. 27-35, 1999b.
with childhood câncer. St. Louis: Mosby, 1981, p. 153-68. Noll, R. B.; Bukowski, W. M.; Rogosch, F. A.; LeRoy,
Deasy-Spinetta, P; Spínetta, J. “The child with cân S.; Kulkarni, R. “Social interacrions betwecn children
cer in school”. American Journal of Pediatric Hematology with câncer and their peers: teacher ratings”. Journal of
Oncology, v. 2, n. 1, p. 89-94, 1980. Pediatric Psychology, v. 15, n. 1, p. 43-56, 1990.
Glaser, A. W.; Abdui Rashid, N. F.; U C. L.; Walker, Noll, R. B.; Gartstf.in, M. A.; Vannatta, K.; Cor
D. A. “School behavior and healrh status after central reu.,].; Bukowski, W. M.; Davi es, W. H. “Social, emotion-
nervous system tumours in childhood”. British Journal of al, and behavioral functioning of children with câncer”.
Câncer, v. 76, n. 5, p. 643-50, 1997. Pediatrics, v. 103, n. 1, p. 71-8, 1999.
Gonçalves, C. F.; Valle, E. R. M. do. “A criança com Noll, R. B.; Ris, M. D.; Davies, W. H.; Bukowski,
câncer na escola: a visão das professoras”. Acta Oncológi W M.; Koontz, K. “Social interactions between children
ca Brasileira, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 280-7, 1999a. with câncer or siclde cell disease and their peers: teacher
____ . “O significado do abandono escolar para a ratings”. Journal of Developmental and Behavioral Pedia
criança com câncer”. In: Valle, E. R. M. do; Françoso, L. trics, v. 13, n. 3, p. 187-93, 1992.
P. C. (orgs.). Psico-oncologia pediátrica: vivências de crian Nuca, N. A. G. A criança com leucemia na escola.
ças com câncer. Ribeirão Preto: Scala, 1999b, p. 123-43. Campinas: Livro Pleno, 2002.
Gregory, K.; Parker, L; Craft, A. W “Returning to Sachs, M. B. “Helping the child with câncer go back
primary school after treatment for câncer. Pediatric Hema- to school”. The Journal of School Health, v. 50, n. 6, p.
tology and Oncology, v. 11, n. 1, p. 105-9, 1994. 328-31, 1980.
HENNING, J.; Fritz, G. K. “School reentry in childhood Schulz, C. M. Não tem choro. [Desenho animado.]
câncer”. Psychosomatics, v. 24, n. 3, p. 261-9, 1983. Stanford: Mendelson & Charles M. Schulz Creative Pro-
Labay, L. E.; Mayans, S.; Harris, M. B. “Integrating duction Associarion, 22 min., 1990.
the child into home and community following the com- Sgarbif.ri, U. “Seu colega tem uma doença chamada
pletion of câncer treatment”. Journal of Pediatric Oncol câncer”. Ribeirão Preto: Grupo de Apoio à Criança com
ogy Nursing, v. 21, n. 3, p. 165-9, 2004. Câncer, 2000.
Lãhteenmàkj, P. M.; Huostila, J.; Hinkka, S.; Salmi, Silva, G. M. da. Compreendendo a escolaridade de
T. T. “Childhood câncer patients at school”. European crianças com câncer: visão de mães, professores e colegas
Journal of Câncer, v. 38, n. 9, p. 1227-40, 2002. assistidos por um programa de reinserção escolar. 2006.
Larcombe, 1. J.; Charlton, A. “Children’s return to Tese (Doutorado em Ciências: Psicologia) - Faculdade de
school after treatment for câncer: study days for teachers”. Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universida
Journal of Câncer Education, v. 11, n. 2, p. 102-5, 1996. de de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo.
Lopes, D. de P. L. “A organização familiar e o aconte Silva, G. M. da; Teles, S. S.; Valle, E. R. M. do.
cer do tratamento da criança com câncer”. In: Valle, E. R. “Estudo sobre as publicações brasileiras relacionadas
M. do (org.). Psico-oncologia pediátrica. São Paulo: Casa a aspectos psicossociais do câncer infantil - período de
do Psicólogo, 2001, p. 13-74. 1998 a 2004”. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de
Mabe, P. A.; Riley, W. T; Treiber, F. A. “Câncer Janeiro, v. 51, n. 3, p. 253-61, 2005.
knowledge and acceptance of children with câncer”. The Siop (Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica).
Journal of School Health, v. 57, n. 2, p. 59-63, 1987. Orientações sobre aspectos psicossociais em oncologia pediá
Moreira, G. M. S. A criança com câncer vivenciando a trica. Trad. Luciana Pagano Castilho Françoso; Elizaberh
reinserção escolar: estratégia de atuação do psicólogo. 2002. Ranier Martins do Valle. Ribeirão Preto: Grupo de Apoio
175 f. Dissertação (Mestrado em Ciências: Psicologia) - Fa à Criança com Câncer, 2004. Disponível em: <http://www.
culdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, sbpo.org.br/images/pdf/siop_2004.pdf>.
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo. Sloper, X; Larcombe, 1. J.; Ceiarlton, A. “Psychoso-
Moreira, G. M. S.; Valle, E. R. M. do. “A continuidade cial adjustment of five-year survivors of childhood câncer”.
escolar de crianças com cânccr: um desafio à atuação multi- Jourrud of Câncer Education, v. 9, n. 3, p. 163-9, 1994.
profissional”. In: Valle, E. R. M. do (org.). Psico-oncologia Tone, L. G.; Valle, E. R. M. do; Freitas, D. M. V de;
pediátrica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001, p. 215-46. Lima, R. A. G.; Spanó, C. M.; Carvalho, A. M. R; Corrêa,
528 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
C. C; Zanetti, R. M.; Issa, A. A.; Vieira, M. N. C. M.; gy Colloquium/Il Congresso Nacional de Psicologia Esco
Retamal, E. M.; Sgarbieri, U. C. R.; Riul, S.M. uCarta ao lar. Campinas, 1994.
professor de uma criança com câncer”. Revista Brasileira de ____ . Câncer infantil: compreender e agir. Campi
Saúde Escolar, Porto Alegre, v. 1, n. 3/4, p. 6-13, 1990. nas: Psy, 1997.
Treiber, F. A.; Schramm, L.; Mabe, P. A. “Children’s ____ . “Fragmentos do discurso da família da crian
knowledge and concerns towards a peer with câncer: a ça com câncer: no hospital, em casa, na escola”. Pediatria
workshop intervention approach”. Child Psychiatry and Moderna, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 21-5, 1990.
Human Development, v. 16, n. 4, p. 249-60, 1986. Vance, Y. H.; Eiser, C. “The school experience of the
Vajlle, E. R. M. do. “A importância da escola para a child with câncer”. Child: Care, Health and Development.
criança com câncer”. XVII International School Psycholo- v. 28, n. l,p. 5-19, 2002.
PARTE X
valores
mudanças
de consenso e manejo de encontros e reuniões. A habilidade valores do grupo. Adicional mente, devem assumir iguais
de trabalhar efetivamente durante um encontro ou uma reu responsabilidades pelo sucesso comum e reconhecer que
nião indica a eficácia do desempenho do grupo no dia-a-dia. os comportamentos e as posturas individuais afetam, de
Clima: o modo como os membros se sentem a respeito alguma forma, a efetividade da equipe.
da forma de funcionamento do grupo, incluindo as normas O desenvolvimento e fortalecimento de cada um dos
de comportamento predefinidas, constitui o clima de traba elementos identificadores de uma equipe de alto de
lho. Se este não for positivo, honesto e aberto, não haverá sempenho requerem instrumentos adequados de análise
confiança plena entre os integrantes da equipe, o que a enfra diagnóstica, que serão discutidos mais adiante. A propos
quece. Os processos de comunicação intra e extragrupal são ta de transformação de grupos de trabalho em equipes de
indicativos importantes, que merecem atenção cuidadosa. alto desempenho será muito mais bem-sucedida se o pro
Coesão: refere-se ao nível de reali/ação que o grupo cesso de atenção aos indicadores mencionados se tornar
é capaz de atingir. A coesão requer acordos e compromis um hábito. A esquematização de sua dinâmica pode ser
sos diante do propósito comum (definição de objetivos e verificada na Figura 2.
metas) c também a seleção de meios para alcançá-lo (esta
belecimento de prioridades e procedimentos).
Nível de contribuição dos membros do grupo: diz Multiprofissionalidade, multidisciplinaridade,
respeito à compreensão que cada membro do grupo tem interdisciplinaridade, transdisciplinaridade
daquilo que se espera dele, como parte do time, e à sua A proposta de trabalho de equipe em psico-oncologia
condição de corresponder a essa expectativa. F.spera-se precisa levar em conta uma postura integrada, compatí
que membros de uma equipe compartilhem informações, vel com a visão integral do ser humano e a inter-relação
comuniquem-se abertamente, tenham participação ativa permanente em que operam seus diferentes componentes
e mostrem compromisso e afinidade com os objetivos e orgânicos, afetivo-emocionais, intelectuais e espirituais.
534 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
trai>al
Figura 2: Esquema de transformação de grupos de trabalho em equipes de alto desempenho.
sem i
oferta
/ \ de açâ
r Análise de grupo do soa
V_______________ /
I
r--------------------------- \
Docj
-\ Identificação dos fatores
Revisão impeditivos ao alto
VOS d
V ________ J desempenho ao grupo
v.______ _______________ / cus à
mulsf
preás
aplica
certüãc
---------------------------------------------------------------------------- -• (----------------------------------------- > çáo àa
Criação de compromissos Intervenções para a remoção dos zaçii.
para a ação fatores mpeditivos merrai
\___________________ -■ V_____________ ______________>
proceí
Identificação de e zirm
estratégias de A
desenvolvimento vos át
^__________________________________ .y
alç-urs
orgzm
reado
Fonte: Rangel (1994).
A idéia de interdisciplinaridade originou-se dos con com isso, aos avanços na produção de novos conhecimen
tan -•
ceitos de multiprofissionalidade e multidisciplinaridade. tos ou à instituição de novas subáreas de conhecimento.
Começaremos, então, por estes últimos. Acontece, portanto, a transposição de uma postura multi
Um grupo de profissionais de diferentes especialidades * ^.para uma postura inter> em que não é mais suficiente ape
Fer^a
e formações atua em conjunto, de forma multiprofissional, nas somar, é preciso integrar. Partimos da fragmentação
C
uma vez que cada um coloca a serviço do paciente os conhe rumo à integração.
põea
cimentos e técnicas de sua área de competência. Lado a lado e Já a transdisciplinaridade visa articular uma nova
que se
em paralelo, são desenvolvidas as ações médicas, psicológicas, compreensão da realidade entre as disciplinas especializa
do ã i
de enfermagem e tantas outras que compõem o cuidado dedi das e para além delas. O termo foi criado por Piaget, que.
pSCCM
cado às múltiplas necessidades do paciente com câncer. no I Seminário Internacional sobre Pluri e Interdiscipli-
mcha
Quando, além da atuação clínica, esses profissionais naridade, realizado na Universidade de Nice, divulgou-o
ÍMÉ|
se dispõem a elaborar trabalhos científicos que abarquem pela primeira vez, dando então início ao seu estudo e con
nais a
as diversas linhas de conhecimento que eles representam, vidando os participantes a pensar no assunto.
C
temos uma postura de multidisciplinaridade. A transdisciplinaridade é, em suma, uma abordagem levaoa
Configura-se a interdisciplinaridade quando ocorre a feita entre as disciplinas, além e por meio delas, em busca da direi*
integração de dois ou mais componentes curriculares na compreensão da complexidade de fenômenos e processos. docaa
construção do conhecimento. Ela surge como uma das res Atualmente, o Centre International de Recherchcs esped
postas à necessidade de uma reconciliação epistemológica, et Etudes Transdisciplinaires (Ciret), na França, é um dos
processo necessário devido à fragmentação dos conheci principais centros mundiais de estudos em transdisciplina moed
mentos que ocorreu com a Revolução Industrial e à conse- ridade (http://nicol.club.fr/ciret/index.htm). por M
qüente demanda por mão-dc-obra especializada. Em termos ideais, a proposta de um caminho para res Vol a
A interdisciplinaridade teve por objetivo a concilia ponder à complexidade das questões levantadas em psico- --:T*
ção entre conceitos dê^diferentes áreas do saber, visando, oncologia deve passar pela construção de uma forma de nação
SERVIÇOS DE PSICO-ONCOLOGI A: CONFIGURAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO 535
trabalho interdisciplinar e transdiscipUnar. Q resultado Além dos dados levantados na análise formal, aspectos
seria uma atuação harmônica dos integrantes da equipe, subjetivos e contextuais estão permanentemente presentes e
oferecendo ao paciente, à família e ao cuidador o produto interferem de forma significativa na dinâmica institucional.
de ações e conhecimentos que transcendem as dimensões Conhecê-los e compreendê-los permite a atribuição de sen
do somatório do conhecimento das especialidades. tido e significado a cada um dos aspectos formais, motivo
pelo qual merecem atenção e estudos adequados.
O modelo metafórico proposto por Gareth Morgan
Documentação institucional (rotinas, descriti (1996) defende a utilização de metáforas como forma de
vos de cargo, planos de carreira e benefícios) pensar e de ver a instituição e pode ser útil para o estabe
Trata-se de documentos descritivos das diversas for lecimento do diagnóstico de problemas e situações orga
mas de atuação dos profissionais que integram a equipe nizacionais.
multiprofissional, que devem ser expressos em linguagem Cada uma das metáforas propostas faz a leitura insti
precisa e basear-se no referencial teórico da área a que se tucional de acordo com um ângulo específico, o que con
aplicam. Constam das exigências de muitos sistemas de duz a conclusões sobre diferentes aspectos.
certificação de qualidade e têm por objetivos a padroniza A metáfora da máquina parte de uma visãc^organi-
ção da atuação, a revisão e a crítica aos modelos em utili cista da instituição. Ilustra a presença desse estilo de pen
zação, o compartilhamento de informações entre os vários samento nos alicerces do desenvolvimento da organização
membros da equipe multiprofissional, a dcsmitificação de burocrática. Nesse caso, organizadores tendem a adminis
procedimentos especializados pouco conhecidos pelos trar e planejar suas instituições como máquinas compostas
membros da equipe e a parametrização para treinamentos de partes que se interligam, cada uma com um papel iso
e garantia da continuidade. lado c perfeitamente definido, para o funcionamento do
A formatação de rotinas, protocolos e dos descriti todo. Esse enfoque, muitas vezes altamente eficaz, pode
vos de cargos e planos de carreira e benefícios obedece a ser desastroso, por não levar em conta aspectos relacionais
alguns padrões preestabelecidos, visando à classificação, à que interferem diretamente no resultado final.
organização e ao controle de versões e revisões. Seu con Se as organizações forem vistas como organismos, o
teúdo deve incluir cabeçalho, conceituação, indicação de foco passará a ser, em vez das partes do todo, a compreen
agentes, definição clara de objetivos, descrição das ações são e a administração das necessidades organizacionais e
mencionadas, indicadores de desempenho esperado e de suas relações com o ambiente, das quais a visão buro
menção a pontos críticos e riscos. crática faz parte. Apresentam-se diferentes espécies, mais
Constituem-se em ferramentas de trabalho que facili ou menos talhadas para lidar com as demandas de am
tam o exercício da inter e da transdisciplinaridade. bientes diversos. Dessa forma, aumenta-se a capacidade de
desenvolver interessantes teorias sobre as relações entre
organizações e ambientes, passando pelas fases de nasci
Ferramentas de análise
mento, crescimento, desenvolvimento, declínio e morte,
O diagnóstico de cada um dos elementos que com além de adaptações a ambientes em mutação. Enfatizam-
põem a fisionomia institucional c o primeiro passo para se, nessa visão metafórica, as relações entre as espécies e os
que se possa traçar o esboço de um planejamento destina padrões de evolução encontrados na ecologia inter e intra-
do à implantação ou ao desenvolvimento de serviços de organizacional, que muito têm contribuído para teorias
psico-oncologia. A formulação de um diagnóstico acurado modernas de administração.
inclui o levantamento de aspectos formais e informais da E se usarmos o modelo do cérebro para a análise da
instituição analisada e também as condições inter-relacio subjetividade que permeia a organização? Nesse caso, os
nais em que operam seus colaboradores.
focos seriam o processamento de informações, a aprendi
Os aspectos formais de uma análise institucional são
zagem e a inteligência presentes em todos os processos.
levantados de modo sistemático por meio de observação
Transpondo esse referencial para as instituições oncoló
direta, entrevistas abertas ou semidirigidas, consulta a
gicas, procuraríamos identificar, tanto nos profissionais
documentação ou outras formas adequadas ao contexto
quanto nos pacientes e familiares, como circulam as in
específico. É preciso que contemplem o maior número
formações - inclusive aquelas voltadas à comunicação de
possível de informações. Apresentamos, no Quadro 1, o
diagnósticos e prognósticos como acontecem os apren
modelo de psicodiagnóstico institucional desenvolvido
dizados de especialidades e de formas de conduta e, tam
por Maria da Glória Gonçalves Gimenes e Maria Teresa
bém, de que forma a inteligência e a intelectualidade são
Veit, adaptado do roteiro utilizado no curso de psicologia
colocadas a serviço do melhor tratamento. A utilização
hospitalar do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) da Asso
ciação de Combate ao Câncer em Goiás. do paradigma do cérebro deve ser precedida por uma re
flexão sobre suas funções: podemos entendê-lo como um
536 T E M A S E M P S I C O - O N C 0 L O G I A
sistema operacional semelhante aos computadores ou, di relevantes. À medida que o grupo profissional, por me___
ferentemente, compará-lo com um holograma, capaz de inter-relações adequadas, forma uma equipe de alto desem
cxpWtivr e e&tahelecct t\oya& dimensões com base nos da penho, as questões referentes aos interesses dos pacientes
dos disponíveis. vão sendo mais bem equacionadas, permitindo o alçar, cr c.
Como culturas, as instituições serão vistas conforme melhores propostas terapêuticas e de manejo geral.
idéias, valores, normas, rimais e crenças que se explicitam A observação das inter-relações pode utilizar diferen
em suas ações e relações. E imprescindível que qualquer tes referenciais, entre os quais salientamos, como indica d,
proposta de implantação ou desenvolvimento de serviços a qualidade da administração de conflitos interpessoais e
na área da saúde leve em conta os determinantes culturais intergrupais apresentada. Cabe assinalar que a emersão de
institucionais e que o projero proposto respeite os limites conflitos, simplesmente, não se constitui em indicativo su
impostos por eles. ficiente, uma vez que estes fazem parte das relações saudá
Se tomarmos por ponto de partida uma metáfora po veis e são esperados em ambientes onde exista o exercício
lítica, esta privilegiará o olhar sobre diferentes conjuntos da liberdade de expressão e de manifestação. Assim sendo,
de interesses, conflitos e jogos de poder. O conhecimento sua inexistência seria alvo de preocupação, indicando re
de princípios políticos que delineiam a vida organizacio pressão de assuntos que merecem atenção e cuidado. São
os recursos de administração dos conflitos narurais que ca
nal é estrategicamente valioso para a aceitação de propos
racterizam uma inter-relação tida como saudável.
tas que venham a ser apresentadas às organizações.
Em termos metodológicos, consideramos aconse
Outro olhar se configura quando tomamos por base
lhável o levantamento dos indicativos de configuração
idéias, pensamentos e crenças que se originam na dimen
de equipes de trabalho de alto desempenho apresentados
são inconsciente dos indivíduos e os levam às tomadas de
no item “Grupo/equipe” deste capítulo. Entrevistas semi
decisão e atitudes que nortearão a vida organizacional. A
abertas, grupos de discussão e observação sistemática são
metáfora da prisão psíquica oferece importante contribui
extremamente úteis para esse fim. O material desenvolvi-
ção para o levantamento da psicodinâmica e dos aspectos
do por LesJie Bendaiy (1996) apresenta um caminho prá
ideológicos que regem a organização.
tico para o diagnóstico inter-relacionai.
Metaforizar o contexto institucional como fluxo con
tínuo em transformação significa procurar a compreensão
da lógica da mudança, que dá forma à vida social como Ferramentas de avaliação
um todo. Enfatizam-se três diferentes lógicas: a primeira A medição sistemática de resultados é uma rotina im
é a dos sistemas autoprodurores, que se criam com base prescindível ao crescimento dos serviços de psico-oncolo-
em suas próprias imagens; a segunda sublinha os ciclos gia. Trata-se de meios de aferição dos resultados relativos a
de feedback positivo e negativo como geradores dos mo indicadores preestabelecidos, que trarão informações sobre
vimentos; a última sugere que os fluxos são produtos da a necessidade - ou não - de reajustes de ação e conduta.
lógica dialética, em que cada fenômeno tende a gerar o A seleção de indicadores é parte integrante do plane
seu oposto. jamento de implantação e sua aferição é obrigatória para
Finalmente, podemos considerar a metáfora do poder, o desenvolvimento dos processos.
que entende a organização como instrumento de domina A avaliação de desempenho é fundamental e consiste
ção e foca seu interesse em seus aspectos potencial mente no acompanhamento das ações definidas como rotinas ou
exploradores. A organização, por vezes, repousa sobre um protocolos de determinado serviço a fim de que se consta
processo de dominação, em que certas pessoas impõem te se seus objetivos e o desempenho esperado estão sendo
seus desejos a outras. alcançados.
A utilização de ferramentas que levem aos compo A natureza dos indicadores é diretamente ligada aos
nentes subjetivos das instituições de saúde deve, necessa objetivos de cada atividade. Se, por exemplo, pretendermos
riamente, trazer à discussão as implicações dessa subjetivi determinar a eficácia de encontros clínicos interdisciplinares
dade na relação médico-paciente, nas formas de tomadas - considerando-os uma ação útil à definição de planos tera
de decisões clínicas, nas posturas quanto à participação de pêuticos e ao crescimento da equipe interdisciplinar-, pode
pacientes e familiares nas decisões sobre tratamentos, nas remos estabelecer como indicativos a presença dos membros
práticas diante da terminalidade, no exercício de interdis- da equipe aos encontros (indicador quantitativo) e seu grau
de participação nas discussões (indicador qualitativo).
ciplinaridade e nos demais aspectos presentes nas neces
Uma vez compilados c discutidos os resultados da
sidades do paciente oncológico, conforme discutido em
avaliação, planos de intervenção específica devem ser im
outros capítulos desta obra.
plementados.
Aspectos interativos ou, em outras palavras, a forma
A avaliação de satisfação permite um olhar que nasce
como se relacionam internamente os profissionais que aten
de outro ângulo de observação, o do cliente.
dem o paciente oncológico e seus familiares também são
538 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
O cliente é, por definição, aquele a quem se presta terminar ou verificar a posição estratégica dc empresas
algum tipo de serviço. Assim sendo, configuram-se como no ambiente em questão. Essa técnica é creditada a Al-
clientes, entre outros, os pacientes de um médico ou de bert Humphrey, que liderou um projeto de pesquisa ns
uma clínica, os fregueses de determinada loja, os consti Universidade de Stanford nas décadas de 1960 e 1970.
tuintes dos advogados. usando dados da revista Fortune sobre as quinhentas
Também são considerados clientes os profissionais maiores corporações. Não há registros precisos sobre a
que trabalham em determinada organização, tendo em origem desse tipo de análise; segundo Hindle (1994).
vista os serviços prestados a eles pelo departamento de ela foi criada por dois professores da Harvard Business
recursos humanos, por exemplo. No serviço de saúde, School: Kenneth Andrews e Roland Christensen. Por ou
recepcionistas agendam exames, constituindo um serviço tro lado, Tarapanoff (2001. p. 209) afirma que a idéia
prestado aos médicos, psicólogos e demais integrantes da da análise Swot já era utilizada há mais de dois mil anos
equipe. Configura-se aqui o cliente interno, enquanto, no ao citar, em uma epígrafe, um conselho de Sun Tzu
parágrafo anterior, falamos do cliente externo. (c. 500 a.C.): “Concentre-se nos pontos fortes, reco
Tanto o cliente interno quanto o cliente externo têm nheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se
expectativas e fazem avaliações referentes ao serviço que contra as ameaças”. Apesar de ser um conceito bastante
lhes é devido e/ou prestado. A satisfação dessas expectati divulgado e citado por autores, é difícil encontrar obras
vas, medida por instrumento adequado, serve como indi que abordem diretamente esse tema.
cador adicional para as aferições de resultados.
Quais são (ou podem vir a ser) os pontos fones des
E imensa a variedade de instrumentos que se prestam
se serviço? Quais são (ou podem vir a ser) as fragilidades
às avaliações de satisfação, e sua escolha depende de fa
desse serviço? Quais são (ou podem vir a ser) as opor
tores como cultura da organização, estratégias globais de
tunidades do caminho que temos a percorrer? Quais são
marketing e outros. No entanto, consideramos relevantes
(ou podem vir a ser) os riscos do caminho que temos a
alguns critérios para apreciação de material existente ou
percorrer? O objetivo dessas formulações é a definição de
desenvolvimento de novos, a saber:
planejamentos estratégicos que potencializem pontos for
tes, combatam fragilidades, aproveitem oportunidades e
• possibilidade de anonimato para o autor de avalia
definam mecanismos de prevenção de riscos.
ções de satisfação, dando-lhe liberdade de expres
são isenta de riscos e constrangimentos;
• formulações não indutoras, que garantam a auten
Ferramentas de intervenção
ticidade das apreciações;
• proposição clara de itens constantes das avaliações A escolha de ferramentas de intervenção deve ser fei que. 1
de desempenho, indicando os parâmetros que de ta após a identificação dos elementos que necessitam de
vem ser levados em conta; aprimoramento ou fortalecimento, e o instrumental a ser
• preservação do direito de reserva e não-exposição utilizado faz parte das técnicas da psicologia clínica e or
dos avaliados, no caso da avaliação de desempenho; ganizacional e da pedagogia.
• caráter interativo de avaliações de desempenho, Identificados a natureza e o foco da ação, deverão ser
permitindo a justificativa de cada um dos itens c utilizadas todas as ferramentas adequadas a esses fatores.
reflexões sobre motivos que interferem no referido Temos aplicado, com resultados bastante efetivos,
desempenho; técnicas grupais que envolvem vivências e dinâmicas de
• fornecimento de feedback sempre que se proceder a conteúdo lúdico e componentes metafóricos, cujos aspec
algum tipo de avaliação. tos são facilitadores de um clima prazeroso, havendo re
torno rápido e possibilidade de retomada posterior.
Sc, por alguns momentos, pudermos abstrair os Utilizamos, de forma complementar, uma abordagem
profissionais do serviço e levarmos em conta apenas didática, que inclui o ensino de estratégias para aplicação
seus movimentos gerais, poderemos propor algumas no dia-a-dia. Prestam-se a essa abordagem, entre outras,
questões de avaliação dos rumos que este vem seguindo, estratégias para a administração de conflitos, de exposição
configurando a avaliação do serviço em si. Nesse caso, adequada de situações de desconforto e de manejo situa-
quatro questões devem ser consideradas, cujas respos cional de estresse profissional.
tas servirão como base para importantes planejamentos Além disso, levando-se em conta uma proposta de
estratégicos de melhoria continuada. Essas questões são prevenção primária diante da potencial emersão de difi
apresentadas no sistema conhecido como Swot (do in culdades, vemo-nos permanentemente empenhados no
glês: strenghts, weaknesses, opportunities e threats; em desenvolvimento de ferramentas íacilitadoras das relações
português: forças, fraquezas, oportunidades e ameaças). que se desenvolvem na realidade institucional. Citamos, a
A análise Swot é um sistema simples, destinado a de título de exemplo:
SERVIÇOS DE PSICOONCOLOG I A: CONFIGURAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO 539
• programação cuidadosa de discussões clínicas, que Novas séries e versões da ISO vão-se tornando dispo
não sejam restritas ao manejo de questões referen níveis para o atendimento das necessidades de diferentes
tes aos pacientes, mas ampliem-se e contemplem as organismos.
implicações que recaem sobre cuidadores informais Já a Joint Commission (antiga Joint Commission on
e equipe profissional; Accreditation of Healthcare Organizations - JCAHO) é
• programas de cuidados aos cuidadores, com o in uma organização norte-americana, sem fins lucrativos, que
tuito de prevenir o burnout profissional; tem como objetivos desenvolver padrões de qualidade na
• disponibilidade de ciclos dc compartilhamento de área de cuidados com a saúde e avaliar instituições de saú
conteúdos didáticos de cada especialidade entre to de quanto à sua adequação a esses padrões.
dos os componentes da equipe interdisciplinar; Ela toma por padrões para análise quinze funções
• desenvolvimento de prontuário eletrônico integra (assuntos), divididos em três grupos: funções voltadas ao
do, especificamente destinado à oncologia, com paciente; funções organizacionais e funções estruturais.
ênfase na integração dos pareceres das especiali Aponta como vantagens para a instituição a garantia de
dades e na oportunidade de acesso de cada um dos qualidade em todos os serviços, diferenciando-a dos de
profissionais «às demais áreas de atendimento ao mais hospitais, e a competitividade por meio da melhoria
paciente; constante baseada em competências.
• avaliações de desempenho interativas, com parti Para que o processo de certificação aconteça, supervi
cipação ampla do avaliado nas reflexões sobre as sores são enviados às instituições de saúde para avaliar suas
condições de trabalho oferecidas pelo serviço. práticas operacionais. Desde janeiro de 2006, as vistorias
não são mais anunciadas, diferentemente do que ocorria
até então, quando as visitas e auditorias eram previamente
Processos de acreditação e credenciamento agendadas.
Referendar um serviço ou uma instituição permite Os procedimentos necessários à acreditação são ex
aos usuários cm geral a discriminação da ampla gama de tremamente valorizados, pelo fato de que a certificação
possibilidades que lhes é apresentada em termos de opções passa a atuar como facilitadora de determinadas condições
de diagnósticos e tratamentos, sem que corram o risco de de reembolso de serviços prestados.
submeter sua saúde ou a de seus entes queridos a estrutu As duas entidades mencionadas gozam de credibili
ras pouco sérias ou responsáveis. dade nacional e internacional, por sua conduta idônea e
E nesse contexto que se inserem alguns organismos responsável.
que, mediante critérios isentos e técnicos, dispõem-se a
emitir suas chancelas às organizações de saúde.
Cronograma de ações para os serviços
A Organização Internacional para Padronização
(International Organization for Standardization - ISO) de psico-oncologia
é uma organização internacional que aglomera os ór • Definição de valores, missão, objetivos e metas do
gãos de padronização/normalização de 157 países. A projeto.
ISO aprova normas internacionais em todos os campos • Análises formal, subjetiva e relacional da organi
técnicos, exceto nas áreas de eletricidade e eletrônica. zação.
Numa visão sistêmica da organização e de seus objetivos, • Elaboração do diagnóstico institucional.
a série ISO 9000 foi desenvolvida por iniciativa do Insti • Planejamento de ações e intervenções.
tuto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade • Definição de indicadores.
Industrial (Inmetro) e do Comitê Brasileiro da Qualida • Apresentação do projeto para aprovação das ins
de da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/ tâncias decisórias.
CB-25), disponibilizando, de forma mais eficiente, in • Implementação das ações, se necessário em módulos.
formações sobre empresas com certificação oferecida • Elaboração de documentação institucional.
por organismos credenciados pelo Inmetro na área de • Seleção das ferramentas de atendimento à equipe
gestão de sistemas da qualidade. Trata-se de instrumento de trabalho.
de referência para a gestão da qualidade. Além da infra- • Levantamento de resultados, segundo os indicado
estrutura formal, são enunciados os princípios da quali res preestabelecidos.
dade e os mecanismos de sistematização de análises críticas
de resultados, comunicação interna e externa, melhorias E preciso, continuamente, observar:
contínuas do desempenho. Adicionalmente, apresentam-
se as abordagens de processo, precondição para as ges • o foco em prevenção, tratamento e/ou cura do
tões competitivas. câncer;
540 TEMAS EM PSIC0-0NC0L0GIA
• o desenvolvimento e a seleção de instrumental ou cida, por exemplo grupos da área de dor, de fisioterapia, de
Figura -
meios de encaminhamento para o atendimento às psicologia, podem temer a diluição de sua força ao se torna
necessidades globais do paciente oncológico; rem integrantes de uma equipe de psico-oncologia. Torna-se
• o empenho na produção de conhecimento; necessária, portanto, uma abordagem clara, que demonstre
• a realização de avaliações permanentes dc satisfa os objetivos maiores que estão em jogo e garanta o respeito
ção e desempenho; às especificidades e dimensões de cada área de atuação.
• o planejamento de intervenções adequadas às Mais adiante terá de ser considerada a questão da
necessidades. remuneração das ações empreendidas. Atualmente, no
A representação gráfica do processo de implanta Brasil, não há uma postura única quanto à remuneração
ção de um serviço de psico-oncologia está ilustrada nas de alguns desses profissionais, especialmente psicólogos,
Figuras 3 e 4. terapeutas ocupacionais e assistentes sociais. O que predo
mina é a situação na qual estes são contratados pela ins
tituição de saúde, cobrando-se produtividade expressiva,
Sustentação financeira e fontes pagadoras que venha a compensar os custos que representam. Fica
Não é possível encerrar este capítulo sem trazer à assim criado um cenário em que produtividade pode signi
reflexão aspectos que se referem à viabilidade prática da ficar insuficiente dedicação a diversos aspectos que não se
instalação de serviços de psico-oncologia. Estes dizem res prestam à quantificação por uma medida de tempo.
peito, basicamente, às possibilidades de custeio de algu De certo modo há de se considerar que ações de psico-
mas ações e às fontes para remuneração dos profissionais oncologia representam valores agregados. Em verdade,
prestadores de serviço. seus resultados, na maioria das vezes, se somam aos de
O primeiro movimento voltado à composição de uma outras especialidades, garantindo maior índice global de su
equipe interdisciplinar deve priorizar o recrutamento de cesso no atendimento ao paciente oncológico, a seus fami
grupos já atuantes na instituição. Algumas vezes, essa fase liares e à equipe de cuidados.
suscita percepções de perda de identidade ou de status já ad Determinadas ações podem e devem ser alvo de remu
quiridos. Grupos que têm sua forma de atuação já estabele neração específica, para a qual cabe a cobertura de segura-
Redefinição Avaliação
de caminhos
Estabelecimento Estabelecimento
de objetivos de metas
—
Aprimoramento Desenvolvimento
das relações de ações
Visão
SERVIÇOS DE PSICO-ONCOLOGIA- CONFIGURAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO 541
4ifHI4mAt«h1JBv
doras, convênios e demais operadores de saúde. É o caso feito no sentido de estabelecer regras e orientações efi
de programas de psicoterapia breve focal, de grupos tera cientes e adequadas para a inserção dessa modalidade
pêuticos com objetivos c focos específicos, de programas de em hospitais, clínicas e demais serviços de atendimen
terapia ocupacional. Hm todas essas situações, nossa expe to em oncologia. Instituições públicas e privadas, órgãos
riência aponta para a escolha de um sistema misto: avalia governamentais, como o Instituto Nacional de Câncer
ções de todas as áreas seriam absorvidas pela instituição (em (Inca) e o Ministério da Saúde, e ONGs, além de pro
alguns casos cabendo a esta o reembolso às devidas fontes) fissionais independentes, têm se dedicado à regulamen
e pacotes de planos de cuidados teriam direta remuneração tação do exercício da especialidade e à definição do seu
aos profissionais, feita por convênios c seguradoras. campo de ação.
E imprescindível observar, no entanto, que o exercício Admiráveis programas de atendimento às necessida
profissional em psico-oncologia requer formação específica, des de pacientes com câncer e de seus familiares são postos
respaldada e referendada por instituição idônea. Em 2006, em prática nas mais diversas regiões do Brasil, com resul
a Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia instituiu a Certifi tados que estimulam o desejo de que se multipliquem e se
cação de Distinção de Conhecimento na Área de Psico-On- expandam.
cologia e certificou profissionais por todo o Brasil que cum Sc pudermos estabelecer bases para uma formatação
priram os pré-requisitos básicos ao exercício da modalidade. menos dispersa das muitas ações empreendidas, certamen
A certificação não se restringiu a psicólogos, mas contem te contaremos com melhores condições para o comparti
plou também, entre outros, médicos, enfermeiros, musicote- lhamento do conhecimento adquirido, para a comparação
rapeutas, terapeutas ocupacionais, advogados e educadores. entre as diferentes abordagens e para a implementação de
Está prevista a repetição periódica dessa certificação. novos projetos.
As idéias aqui apresentadas têm por finalidade pro
por a discussão sobre uma matriz de referência que via
Conclusão bilize a comunicação entre serviços e a integração de suas
A psico-oncologia institucional não dispõe, ainda, conquistas, cm prol dos pacientes com câncer.
de sistematização suficiente. Apesar disso, muito se tem
Referências bibliográficas
Bendaly, L. Games team play: dynamic activities for Holland, J. C; Rowiand, J. H. (eds.). Handbook
tappingwork team potential. Whitby: McGraw-Hill Ryer- of psychooncology: psychological care of the patient with
son, 1996. câncer. Nova York: Oxford University Press, 1989.
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico- Krakowski, 1. et al. “Organisation coordonnée de
oncologia. Campinas: Psy, 1994. la prise en charge des symptômes et du soutien à rou-
_____ . Psico-oncologia no Brasil: resgatando o viver. tes les phases de la maladie cancéreuse: vers la mise en
São Paulo: Summus, 1998. place de structures pluridisciplinaires de soins oncolo-
Chang, R. Y. O sucesso através das equipes. Trad. giques de support”. Bulletin du Câncer, v. 88, n. 3, p.
Eduardo Laserre. São Paulo: Futura, 2000. 321-8, 2001.
Gimenes, M. G. “Definição, foco de estudo e inter Lucas, J. R. Ilusões gerenciais: como evitar que as
venção”. Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à ilusões impeçam o sucesso de sua empresa. Trad. Nivaldo
psico-oncologia. Campinas: Psy, 1994, p. 35-56. Montingelli Júnior. São Paulo: Futura, 1998.
Guns, B. A organização que aprende rápido: seja com Morgan, G. Imagens da organização: edição executiva.
petitivo utilizando o aprendizado organizacional. Trad. Ba- Trad. Geni G. Goldschmidt. São Paulo: Atlas, 1996.
c
zán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 1998. Rangel, A. Cliente interno: o mexilhão. São Paulo:
Hindle, T. (ed.). Fieldguide to strategy: a glossary of M. Cobra, 1994.
essential tools and concepts for today's manager. Boston: Tarapanoff, K. (org.). Inteligência organizacional e
Harvard Business School Press, 1994. competitiva. Brasília: Ed. UnB, 2001.
A
proc
çó«.
ccrd
vez i
*iz I j
SC 22
. fll H l ü
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICO-ONCOLOGIA
M aria J ulia K ovács ; R ita de C ássia M acieira ; V icente A ugusto de C arvalho
r w t f t, * f n f *
câncer sempre foi visto como sinônimo de dor, A ação na área da psico-oncologia se vincula aos três
dos c constituída pelo paciente e por sua família, a qual Educação tem também um caráter preventivo, por A
deve ser alvo de rodos os cuidados. Os tratamentos a serem preparar profissionais ou estudantes, oferecendo-lhes re psico-«
realizados deverão ser os mais eficientes, e o paciente deve cursos para que possam enfrentar a rotina de trabalho. amarei
rá ser devidamente informado sobre benefícios e eventuais Gimenes et al. (2000) apresenram o histórico da for com d
efeitos colaterais, para que possa participar de forma plena mação em psico-oncologia no Brasil. Um dos principais ças c M
do processo decisório, envolvendo procedimentos diag pilares do desenvolvimento dessa área em nosso país se O SXJCáS
nósticos e tratamento. O paciente e sua família têm direito vincula aos Congressos Brasileiros de Psico-Oncologia. B
à assistência multidisciplinar, cujo objetivo principal deve que tiveram início em 1989, em Curitiba, e já abordaram
ser a qualidade de vida, nas dimensões: física, social, psí várias temáticas. Em 2006 agrcgou-sc a esse evento o II
quica e espiritual, como é preconizado pela OMS. Encontro Internacional de Psico-Oncologia e Cuidados
Dadas as evidencias científicas atualmente conhecidas, Paliativos, ocorrendo o primeiro desses encontros no Chi
a SBPO recomenda que o atendimento psico-oncológico le, em janeiro de 2004.
passe a fazer parte dos protocolos de atendimento de to Em 1993, foi criado o curso de expansão cultural,
das as instituições de saúde do país que tratem de pacien no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, organizado
tes oncológicos. e coordenado pela professora Maria Margarida Morei
Os cuidados com pacientes e familiares devem obe ra Jorge de Carvalho, que originou o livro Introdução à
decer a princípios éticos, favorecendo os conceitos de be psico-oncologia (1994), trazendo na forma escrita as au
neficência e não-maleficência, a autonomia do paciente e a las desse curso. Em 1998, esse curso se transformou em
equidade. Os esforços devem visar, antes de tudo, à quali um curso de especialização e passou a ser coordenado por
dade de vida, à dignidade e à diminuição do sofrimento. Vicente Augusto de Carvalho, em conjunto com a pro
As pesquisas em psico-oncologia devem obedecer aos fessora Maria Margarida. Um pouco mais adiante foram
princípios norreadores do Conselho Nacional de Saúde, incluídas no grupo de coordenação as professoras Maria
segundo a Resolução 196/96. Os procedimentos não de Helena Pereira Franco Bromberg, Maria da Glória Gime
vem colocar em risco a vida dos pacientes nem causar so nes e Marisa Terra. Posteriormente, passaram a fazer parte
frimento adicional. O paciente deve receber explicações da coordenação Mirian Aydar Ramalho, no lugar de Ma
de forma clara e compreensível. Sua não-inclusão em pro risa Terra, e Regina Liberato. O programa desse curso será
tocolos de pesquisa não deve excluí-lo dos tratamentos aos apresentado a seguir.
quais precisa ser submetido; além disso, o paciente tem o A Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia encam
direito de abandonar a pesquisa sem que isso resulte em pou esse projeto e passou a colocá-lo em prática em vá
alteração de seu tratamento. rias regiões do país, formatado em módulos, tornando-se
o seu curso oficial. Além de São Paulo, esse curso foi
ministrado no Rio de Janeiro, em Brasília, Belo Horizon
A educação e a psico-oncologia te e Fortaleza. Os módulos são mensais, com dois pro
Siqueira (2005) refere que, na formação médica c, fessores coordenando cada um dos temas. A prática de Apn
diríamos, em outros cursos de formação, só se privilegiam pesquisa e atendimento a pacientes oncológicos e seus
os aspectos biológicos, deixando de lado os aspectos psi familiares é supervisionada por professores convidados
psic
cossociais e espirituais. O autor lembra que as doenças se e profissionais credenciados da região na qual está sendo A
instalam em pessoas que têm histórias de vida, com um ministrado o curso. :: : ■ -
temperamento próprio e com experiências peculiares. O Os cursos que formam profissionais da área devem in nva- Si
indivíduo expressa a doença com traços singulares. Dado cluir os seguintes pontos, no que diz respeito à informação: 3
o caráter multidisciplinar da psico-oncologia, é também ccs: ta
importante que os profissionais da área de saúde mental e 1. Apresentar teorias e práticas contemplando dife que jc
de assistência social, membros que compõem a equipe de rentes modelos de intervenção que permitam uma aassdi
psico-oncologia, tenham conhecimento de aspectos médi atuação eficiente. qoc af
cos da doença e de seus sintomas. 2. Oferecer fundamentação que capacite os profissio eiabc®
Educar não é só instruir, engloba também a formação nais a compreender estratégias de pesquisa. pcrspo
de um caráter, de pessoas que tomem decisões pautadas no 3. Desenvolver competência para avaliar a implicação sca oa
conhecimento c na ética. E fundamental que se garanta a de esnidos na área em sua prática profissional. ÉfclH
flexibilidade profissional para que possam ser reconhecidos 4. Fornecer subsídios teóricos para a atuação do pro eScbfl
valores, direitos e a realidade de uma pessoa, e principal fissional em equipe muiti e interdisciplinar. Si
mente para que a diversidade seja respeitada, algo essencial dc k*
quando se trata desse conjunto de doenças que recebem o E importante ressaltar que a prática da psicoterapia çõcs á
nome de câncer e das características pessoais e singulares só pode ser empregada por psicólogos ou psiquiatras que cm rá
daqueles que são acometidos por essa enfermidade. já renham comprovada formação para isso. ed^caf
A formação do profissional que trabalha na área de dizagem, é muito importante viver a experiência, buscar
psico-oncologia deve fornecer subsídios para que ele possa sentido próprio, poder falar sobre si, sobre as descobertas,
atuar em programas de prevenção e atendimento a pessoas sobre a criação, e voltar ao grupo, um grande reverbera-
com câncer, envolvendo tópicos como informações, cren dor dos sentidos percebidos. Gendlin, citado por Morato
ças e atitudes do profissional que influenciem diretamente (1999), afirma que a aprendizagem significativa implica
o sucesso de sua atuação. transformar experiências cognitivas e afetivas na possibi
Essa formação deve abranger os seguintes pontos: lidade de criar sentido. O sentido é próprio de cada um, e
construído individual e coletivamente.
a) percepção do estigma que envolve o câncer; No caso da formação dos profissionais de saúde na
b) significado da experiência pessoal relacionada ao área de psico-oncologia, é preciso lembrar que um dos ins
câncer; trumentos de trabalho é o próprio profissional. Ou seja,
c) percepção das especificidades de cada doença e das é fundamental que se busque compreender o que se faz
características do paciente; cotidianamente, propondo-se, não de maneira ingênua,
d) percepção e compreensão do mundo interno do mas como um espaço-momento de reflexão deliberado e
outro; consciente, uma fusão entre a interiorizaçáo do sujeito e sua
e) habilidades de comunicação, envolvendo a escuta relação com o objeto, ou seja, o cuidado com os pacien
atenta e o estímulo à expressão de conteúdos e sen tes com câncer e seus familiares. Segundo Bleger (1977 e
1984), é imporcante que se faça uma constante revisão,
timentos;
f) continência do sofrimento das pessoas sob seu cuida constatando conflitos, frustrações, sentimentos desperta
dos pelo câncer relacionados aos pacientes e familiares
do dentro do contexto de sua atuação profissional:
atendidos.
g) reconhecimento dos limites de sua atuação profis
Um dos objetivos da formação na área de psico-
sional, desenvolvendo recursos para lidar com as
oncologia é promover a reflexão sobre a atuação do profis
próprias frustrações;
sional. Para isso, são programados encontros com especia
h) reflexão sobre aspectos éticos;
listas convidados, que relatam sua experiência de trabalho
i) sensibilidade e disponibilidade para lidar com
em várias instituições públicas e privadas, envolvendo o
dor, perdas e sofrimento, em vários momentos do
ambiente hospitalar, domicílio ou consultório.
processo da doença, e particularmente quando da
Como recurso para a dinamização da disciplina, uma
aproximação da morte;
modalidade que pode ser empregada é o role-playing, em
j) elaboração de parâmetros de avaliação do sucesso
que se podem vivenciar atendimentos a pessoas em situa
da intervenção, tendo em vista a qualidade de vida
ções de recebimento de diagnóstico, tratamentos mvasi-
do paciente e dc seus familiares.
vos, comunicação de recidivas e aproximação da morte.
São propostas atividades de discussão em pequenos gru
pos e em círculo, para favorecer um envolvimento com os
Aprendizagem significativa em
temas propostos; o objetivo é facilitar o contato com
psico-oncologia as próprias idéias e sua expressão, oferecendo, também, a
A proposta pedagógica dos cursos de psico-oncologia possibilidade de ouvir opiniões ou sentimentos diferentes
deveria envolver os princípios da aprendizagem significa - experiência fundamental para um profissional de saúde
tiva. Segundo essa abordagem, seria difícil isolar aspectos em formação.
cognitivos e afetivos; ela leva em consideração três alicer As técnicas de dramatização favorecem a possibili
ces: teoria, prática e desenvolvimento pessoal - proposta dade de se colocar no lugar do profissional. Em seguida
que deveria nortear o processo de formação dos profissio à dramatização, pode ocorrer o relato da experiência e
nais de saúde. Essa formação deve abranger muito mais do dos sentimentos em cada um dos papéis. Os assistentes,
que apenas o fornecimento de informações, tratando da então, se manifestam, discutindo o que a experiência des
elaboração, do questionamento e confronto destas com as pertou neles e o que fariam em cada uma das posições.
perspectivas e valores do aluno, e, com isso, favorecer o São propostas, também, discussões sobre filmes, literatu
seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, ampliando o co ra, peças de teatro.
nhecimento já acumulado (Morato, 1998 e 1999; Morato Após a vivência, é importante que se reserve um tem
e Schmidt, 1999). po para a discussão e o processamento.
Segundo Rogers (1983) e Rosenbcrg (1987), o gran Com a reflexão sobre essa experiência, procura-se
de desafio à formação em psico-oncologia é criar as condi mostrar que essas situações não são simples, que várias
ções facilitadoras para que a aprendizagem possa ocorrer reaçõese sentimentos são possíveis e que as dificuldades que
em vários locais, incluindo universidades, instituições de cada um encontra podem ser diferentes. As dramatizações
educação e saúde. Para um processo significativo de apren podem favorecer vários tipos de ação, uma vez que cenas
546 T E M A S E M P S I C O O N C O L O G I A
podem ser montadas, interrompidas, rearranjadas e profissional a vivência de sua própria morte ou fininide, o apuj Si
remontadas - o que, infelizmente, não é possível diante que pode ser extremamente doloroso (Kovács, 1992). tem rré
de um cliente de carne e osso. Por isso, trata-se de uma A equipe de cuidados voltados a pacientes com cân despen
excelente oportunidade de reflexão (Kovács, 2003). cer avançado tem como função o cuidado diário com eles, Segund
estando em contato constante com sua dor e seu sofri siona^
mento. Em certas situações, esses profissionais são procu festasj
Supervisão e cuidados rados pelos pacientes para que possam falar de suas ques compc*
na área da oncologia tões mais íntimas, fazendo perguntas que podem levar a fadiea.
situações constrangedoras, tanto pelo fato de as respostas dispDci
A dificuldade da equipe de saúde em lidar com os
não estarem disponíveis quanto por trazerem consigo a sença i
problemas que surgem durante a sua convivência diária
possibilidade de eclosão de sentimentos intensos. Uma das gidcz. a
com pacientes, familiares e outros profissionais de saúde
situações mais difíceis é a comunicação do agravamento da Ra
tem contribuído para gerar situações de estresse de difícil
doença e da proximidade da morte. sionai? «
resolução. O sentimento resultante dessas situações, mui
A equipe de enfermagem acaba tendo um contato mais cadas pi
tas vezes, se traduz em impotência, frustração, revolta,
constante com os familiares que acompanham o paciente. laçáo 7*
entre outros.
Esses familiares muitas vezes vivem situações de ansiedade e da impa
Historicamente, a maneira de lidar com a doença, em
desespero diante do sofrimento e da possível perda do ente senti ma
particular com o câncer, e a morte mudou muito a partir
querido. Buscam respostas, querem a confirmação de sua es p.
dos grandes avanços envolvendo procedimentos diagnós
perança e, em razão dessas demandas, podem sobrecarregar pre
ticos, tratamentos cirúrgicos e farmacológicos. A morte,
ainda mais a equipe, que já conta com grande quantidade de mente ^
atualmente, é algo oculto, interdito, vergonhoso, e não
funções a desempenhar. Essa sobrecarga pode ser aumenta Am
mais uma contingência da vida, como aponta Ariès (1977).
da pelos seguintes fatores: complexidade das tarefas a serem profin
A imagem da morte vem acompanhada da idéia de fracasso
cumpridas, número insuficiente de profissionais disponíveis, apresei*
do corpo, do sistema de atenção médica, da sociedade, das
alterações nas escalas de plantão, grande número de pacien saúde.
relações com Deus e com os homens (Pitta, 1994).
tes nas unidades. sentí mea
Torres (1998) aponta que há um conflito entre dois
Observamos que os enfermeiros, em muitos casos, pode irí
sistemas de símbolos: o da esfera privada, pessoal e subje ficam no meio de um fogo cruzado, entre aquilo que é de sentu
tiva; e o da esfera pública, tecnológica e racional, ou seja, proposto pela equipe médica e as queixas dos pacientes e pacier.';_
entre a atitude maternal e a tecnológica, entre a morte em familiares. ccsv :;
casa ou nas UTIs, entre a livre expressão de sentimentos e Alguns profissionais se queixam de que, ao procede D_a
a necessidade de controle. Cada um desses sistemas pro rem à escuta de seus pacientes, sentando-se à beira do lei destaca—
duz demandas diferentes aos profissionais envolvidos. E, to, poderiam ser acusados de não estarem fazendo nada,
no caso do câncer, ambos se encontram presentes. ou de não estarem cumprindo as suas tarefas.
Entre essas duas ordens, às vezes antagônicas, encon Pacientes e familiares podem nutrir sentimentos am
rram-se a equipe de saúde e, particularmente, os enfermei bivalentes em relação à equipe de cuidados, sendo estes
* í o g 1 o O Q II O Q n m n m: n
ros, que precisam dar conta dos procedimentos indicados manifestados em primeiro lugar àqueles que estão em
pela equipe médica e das demandas apresentadas pelos contato contínuo com eles. Entre os sentimentos mais co
pacientes c familiares referentes ao alívio do sofrimento e muns, podem existir tanto o reconhecimento pelo cuida
aos cuidados com as necessidades básicas. Surge o conflito do quanto a raiva pelo sofrimento infligido, a culpa pelo
entre salvar o paciente, evitar ou adiar a morte a todo agravamento da doença e outros tantos. São sentimentos
custo; e o cuidar, relacionado com uma boa qualidade de possíveis quando a pessoa se vê diante da perda, da aniqui
vida, o que se torna uma questão fundamental quando o lação e do sofrimento.
quadro do câncer se agrava. Entre os diversos conflitos Os profissionais, empenhados em sua tarefa de cui
dentro da instituição hospitalar, coexistem o lidar com a dar dos sintomas, nem sempre conseguem controlar a
vida e a morte, o bem-estar e o ataque à doença, o curar e situação. Podem perceber que o seu trabalho não está
o cuidar (Pitta, 1994). sendo reconhecido e se sentir agredidos pelos sentimen
Se a ocorrência da morte for vista como fracasso, tos expressos pelos pacientes e familiares, sem ter como
o trabalho da equipe de saúde pode ser percebido como assimilá-los, por falta de tempo, e com quem comparti
frustrante, desmotivador e sem significado. Essa percepção lhá-los. Seja qual for o motivo, esse fato pode levar a uma
pode ser agravada quando os procedimentos médicos a sobrecarga afetiva, que pode se manifestar por meio de
serem realizados em pacientes sem possibilidade de cura sintomas físicos e adoecimento, resultando na síndrome
não são compartilhados com toda a equipe, sendo esse faro dc burnout, entendida como uma reação h tensão emo Lim a
apontado como uma das razões para o estresse. Não conse cional crônica de pessoas que cuidam coridianamcnte de fissionai* á
guir evitar a morte, ou aliviar o sofrimento, pode trazer ao outros seres humanos (Shimizu, 2000). Tamayo (1997, ■
FORMAÇAO PROFISSIONAL EM PSICO-ONCOLOGIA 547
apud Shimizu, 2000) afirma que a síndrome de burnout sional de saúde mental, tratando de aspectos da relação
tem três componentes re\acionados: exaustão emocional, do profissional de saúde com pacientes e familiares (Car
despersonalização e diminuição da realização pessoal. valho, 2004; F.sslinger et al.y 2004). Esse trabalho ajuda
Segundo Carvalho (1994), essa síndrome envolve profis a identificar sentimentos ambivalentes e pontos não per
sionais submetidos a estresse emocional crônico, mani cebidos pelos profissionais de área clínica no processo de
festando-se também por meio de sintomas psicológicos e cuidado com os pacientes.
comportamentais. Os sintomas somáticos são: exaustão, Outra forma de cuidado com o profissional da área de
fadiga, cefaléias, distúrbios gastrointestinais, insônia e psico-oncologia é a supervisão individual ou em grupo, dis
dispnéia. Entre os sintomas psíquicos, observam-se: pre cutindo os casos atendidos, lidando com as dúvidas, deba
sença de humor depressivo, irritabilidade, ansiedade, ri tendo formas alternativas de cuidados, esclarecendo pontos
gidez, negativismo, ceticismo e desinteresse. obscuros. O compartilhamento desses pontos pode facilitar
Pitta (1994) enumera algumas das defesas que profis a discussão e favorecer o sentido de competência e o traba
sionais de saúde apresentam diante de ansiedades provo lho em equipe, diminuindo o sentimento de solidão.
cadas pelo trabalho, entre as quais: fragmentação da re Entre as opções de cuidado no local de trabalho, po
lação profissional-paciente; despersonalização e negação dem ser propostas atividades individuais ou dinâmicas de
da importância da pessoa; distanciamento e negação de grupo, visando à facilitação da emergência das dificulda
sentimentos; tentativa de eliminar decisões e redução do des e conflitos vividos por esses profissionais. E impor
peso da responsabilidade. Esses fatores estão bem menos tante que sejam oferecidas intervenções que busquem a
presentes em programas de cuidados paliativos, principal identificação e o alívio dessas quesrões ou, se isso não for
mente pela filosofia que os embasa. possível, que os casos sejam encaminhados a outros profis
Ainda percebemos a mentalidade segundo a qual, se o sionais, sempre procurando privilegiar a melhor qualidade
profissional expressar os seus sentimentos, será acusado de de vida do profissional e evitando ou diminuindo a ocor
apresentar uma atitude inadequada a um profissional de
rência da síndrome de burnout.
saúde. Portanto, vemos profissionais tendo de ocultar seus
sentimentos, algo que, se acontecer de forma constante,
pode levar a sérios riscos de adoecimento. Essa supressão Formação de estudantes na área
de sentimentos também ocorre quando da perda de um
paciente, causando fortes emoções, o que configura o pro
da psico-oncologia
cesso de luto não autorizado. A fé com que ele [o paciente] enfrenta o efeito ime
Diante do sofrimento imposto pelas situações-limite, diato de um procedimento médico depende, de um lado,
destacamos as seguintes questões: de seu desejo de curar-se e, de outro, da certeza de que deu
os primeiros passos corretos nessa direção - isto é, em seu
• Como comunicar o diagnóstico de doença onco respeito geral pela técnica médica - e mais, do poder que
lógica? atribui à personalidade do médico e mesmo da simpatia
• Como informar o paciente e os familiares sobre o puramente humana nele despertada por este.
agravamento da doença e a proximidade da morte? Freud (1976c)
• Como lidar com pacientes que expressam fortes
emoções, principalmente raiva, medo, tristeza? A natureza dos cuidados com o paciente oncológico,
• Como proceder ao tratamento de pacientes sem em geral, e com aqueles no fim da vida, em particular,
possibilidade de cura, garantindo um cuidado com coloca uma nova ênfase na educação, formação e qualifi
excelência? cação dos profissionais de saúde. Visando à prevenção do
• Como cuidar de sintomas incapacitantes? adoecimento médico, programas de atendimento à saúde
• Como abordar a família quando há possibilidade física e mental dos estudantes das áreas médicas têm sido
iminente de morte? Como acolher seus sentimentos desenvolvidos, com treinamento de atuação em equipes
nessa situação? multiprofissionais e interdisciplinares, aperfeiçoamento
• O que fazer quando o paciente pede ajuda para de habilidades de comunicação e manejo de situações
morrer? estressantes.
• Como lidar com a perda de pacientes com os quais Para Pessini (2002, p. 54), existe muito sofrimento à
se estabeleceu forte vínculo ou alguma forma de espera de alívio, e a esperança de solução se encontra na
identificação? “intervenção nas escolas de formação dos profissionais da
saúde, na reformulação curricular, que contemple esta vi
Uma proposta que tem sido muito utilizada com pro são antropológica’', suprindo, assim, lacunas importantes
fissionais de saúde é a do grupo Balint: discussão entre em relação ao conhecimento sobre o câncer, seus tratamen
profissionais de área clínica coordenados por um profis- tos, prevenção e controle, como aponta Perdicaris (2004).
548 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
O medico hoje está sujeito a pressões constantes para tenção da qualidade do atendimento dos pacientes com
prover cuidados cada vez mais abrangentes, que englobem câncer (Tucunduva et al., 2006).
não apenas o manejo dos aspectos técnicos e científicos A síndrome de burnout é caracterizada pela exaustão
do diagnóstico e tratamento (Struve, 2002). Pouco tem física e intelectual, pela despersonalização e sensação de
po para atender a tantas demandas e falta de treinamento fracasso pessoal e profissional. Os sintomas são: fadiga fí
no que diz respeito aos aspectos psicossociais podem ser sica, intelectual e sexual prolongada, sensação de cansaço
responsáveis pelas dificuldades no relacionamento médi e variadas perturbações psicossomáticas. Desmotivaçáo.
co-paciente. Como conseqüência, gera-se um atendimento auto-avaliação negativa, sentimentos de incompetência,
parcial das múltiplas necessidades da pessoa doente, espe insatisfação profissional e dificuldades em relacionamen poé
cialmente quanto a suas dimensões sociais, espirituais e tos pessoais e sociais são também bastante comuns.
psicológicas. Embora a cultura das áreas de saúde cm geral ná<>
Estudantes da área de saúde são muito beneficiados atribua a importância devida â saúde mental dos médico?
pela integração da psico-oncologia no currículo de cada e paramédicos, a significativa frequência das desordens de
uma das especialidades envolvidas. Em entrevista concedi humor e o número crescente dc suicídios entre esses pro
da à Oncology News International (Island, 2006), a dou fissionais têm causado grande preocupação entre estudio
tora Teresa Woods afirma que os estudantes estão ávidos sos (Center et al., 2003; Katz et al., 2006).
por conhecimentos relativos aos aspectos psicossociais no As barreiras mais comuns à procura por ajuda por
tratamento de câncer, mas que estes precisam ser inser- parte dos médicos são medo da discriminação no meio mé
tos no currículo das instituições formadoras. O programa dico e repercussão profissional. Nogueira Martins (2002
deve cobrir os tópicos mais relevantes desde o diagnósti afirma que o mesmo acontece com profissionais de enfer
co até o término do tratamento, incluindo os transtornos magem, fisioterapia, serviço social, psicologia, fonoaudio
afetivos, abordagens psicológicas para manejo da dor, es logia e ourras áreas, com o agravante de essas profissõe<
tresse dos cuidadores, relaxamento e imaginação dirigida, serem exercidas por uma população predominantemente
perdas, luto e treinamento de habilidades de comunicação feminina, o que acarreta a dupla jornada de trabalho.
efetiva com pacientes e familiares. O consenso recomenda uma transformação nas atitu caàm
des profissionais e mudanças nas políticas institucionais dt
forma a encorajar a procura de auxílio para que a depres
Os cancerologistas e são e a possibilidade de suicídio sejam confrontadas e mais
freqüentemente reconhecidas e tratadas, no que diz respei
psico-oncologistas no Brasil to aos pacientes, profissionais e estudantes da graduação.
A dimensão científico-tecnológica da medicina tor Para Nogueira Martins (2004), a tendência à autodes
nou-se predominante, orientando os processos de tra truição é prevalente entre os profissionais de saúde, particu-
balho atuais e impondo um novo padrão de formação larmentc médicos. Por esse motivo, é necessário que sejarr
escolar, ancorado na estrutura altamente técnica do hos- estabelecidas medidas políticas e institucionais para minorar
pital-escola, que valoriza a aquisição de conhecimentos o impacto sobre a saúde mental dos estudantes, ainda na
científicos e a integração ao mercado de trabalho por graduação. Distúrbios emocionais e disfunções acadêmicas
meio da especialização. Porém, existem especificidades precisam ser reconhecidos e tratados em ambiente que pro
e particularidades no trabalho médico que geram altas mova cuidados de maneira mais sistemática, mas garantin
demandas psicológicas, de difícil controle: aliviar a dor e do-se o sigilo. De maneira geral, durante os programas de
o sofrimento e ter a morte como situação rotineira (Nas tratamento costumam surgir desconforto pela percepção
cimento Sobrinho et al., 2006). e/ou sensação de incompetência diante das responsabilidade^
Embora médicos, enfermeiros, assistentes sociais, e perdas, ansiedade e irritabilidade, além de queixas somá
terapeutas ocupacionais, psicólogos, fisioterapeutas, ío- ticas, como dores de cabeça ou musculares, alergias, resfria
noaudiólogos compartilhem vários aspectos da atividade dos constantes, dificuldades com o sono e falta de apetite.
profissional, alguns são mais marcanres na área médica,
entre os quais podemos citar: aliviar a dor e o sofrimen
to, curar doenças, salvar vidas, diagnosticar corretamente, A educação médica
sentir-se competente, ensinar, aconselhar, educar, prevenir Na área médica, em particular, os currículos têm sid<
doenças, ser alvo de reconhecimento. Esses atributos fa elaborados para formar profissionais capazes, instruídos t
zem da medicina uma área ainda muito atraente e gratifi- hábeis. No entanro, alguns aspectos do processo de for
cante (Nogueira Martins, 2002). mação e rreinamento podem estar rrazendo influências ne
Porém, a síndrome de estafa profissional {burnout) é gativas para a saúde física e mental do estudante. Algum
íreqüente entre os cancerologistas c os psico-oncologistas estudos sugerem que estudantes experimentam alta inc:
brasileiros, e sua prevenção é fundamental para a manu dência de estresse, com potenciais consequências adversa
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICO-ONCOLOGIA 549
no desempenho acadêmico, na competência, no profissio quente silêncio quanto aos direitos, às prerrogativas e li
nalismo e na saúde do aluno, comprometendo a qualidade mitações do médico (Nogueira Martins, 2002).
do serviço das instituições e do atendimento à população A criação de espaços em que os estudantes possam
(Souza Neto et al., 2001; Nogueira Martins, 2002; Wil trocar experiências, refletir sobre suas emoções e senti
liams, 2005; Dyrbye et al.t 2005). O mesmo grau de so mentos é uma necessidade e, ao mesmo tempo, um instru
frimento pode estar presente nos outros cursos da área de mento de aprendizagem. Leva o estudante a se interessar
saúde, mais especificamente nos alunos de enfermagem. pelas relações humanas em geral e pela relação médico-
No nível pessoal, esse sofrimento durante a formação paciente, em particular. Descobrir o colorido emocional,
pode contribuir para a incidência de patologias psíquicas o sofrimento psíquico e a história da vida de seu paciente,
e síndromes em estudantes de medicina e médicos, entre tendo como base sua experiência pessoal, é algo que pode
as quais: comportamentos de adição (abuso de álcool e alterar sua visão do binômio saúde-doença.
drogas); sofrimento referente às relações profissionais Do ponto dc vista dos alunos> as queixas mais fre
e interpessoais (divórcios e ruptura de relações afetivas); quentes são: sobrecarga de trabalhos, escassez de tempo,
comportamentos psicopatológicos (ansiedade, depressão e cobranças, cansaço, insegurança e falta de preparo para
suicídio) e disfunção profissional (insatisfação, erros, afas lidar com situações difíceis. Pouco tempo para o lazer, a
tamento, perda da compaixão etc.). Carvalho (2004) cita família e os amigos também contribui para o aparecimento
uma estatística aterradora: entre os estudantes de medi do processo de estresse. Outras condições agravantes po
■mm
cina, essa sintomatologia se agrava com a progressão do dem ser citadas: falta de treinamento para o trabalho em
curso, com incidência de 11% no terceiro ano e chegando equipe multiprofissional, contato íntimo e constante com
a 74% no quinto ano. a dor e o sofrimento, necessidade de lidar com questões
No nível profissional, o estresse do estudante pode emocionais, falta dc habilidade no manejo dos aspectos
conduzir ao cinismo, o qual pode afetar o cuidado com psicológicos, sociais e espirituais, atendimento a pacientes
o paciente e o relacionamento com a faculdade, causar difíceis, com muitas queixas ou em processo de morte, e a
reprovações, dúvidas éticas e, por último, abalar a própria inabilidade em prover cuidados paliativos.
cultura da profissão médica (Dyrbye et ai, 2005).
Algumas medidas preventivas ainda precisam ser ins
taladas na formação dos futuros médicos. É fundamental a O aprendizado no necrotério
criação de serviços de orientação psicopedagógica para os Lm sua apresentação a estudantes de medicina durante
estudantes, assim como deve ser estimulada a organização a II Jornada de Oncologia e Psico-Oncologia da Universi
de serviços de assistência psicológica e psiquiátrica aos alu dade de Santo Amaro (Unisa), cm 2007, o doutor André
nos e profissionais da saúde. A adoção de recursos para pre Perdicaris afirmou que o lugar onde mais aprendeu sobre a
venir as consequências da insalubridade psicológica no tra vida foi o necrotério. De fato, o estágio no necrotério pode
balho médico, como a implantação de medidas profiláticas, representar um grande aprendizado, possibilitando que os
deve, compulsoriamente, começar pela inclusão da dimen estudantes repensem a própria vida e seus valores.
são psicológica na formação do estudante de medicina. No encanto, sem ajuda ou orientação adequada,
Para Nogueira Martins (2004), o trabalho de sen essa experiência pode ser causa de disfunções psíquicas.
sibilização do jovem aluno em relação aos seus aspectos Exemplos: uma aluna sensível e aplicada não consegue
í I i M11 i
psicológicos - motivações para a profissão, idealização do se concentrar nas aulas seguintes da tarde, chorando ex
papel de médico etc. - e às suas reações vivenciais durante cessivamente, depois de passar a manhã em contato com
o curso de medicina é uma medida de atenção primária, cadáveres. Outro, vestindo a armadura de durão, brinca
que pode ser concretizada mediante modificações curricu com o fato. Essas duas formas de enfrentamento - a sen
lares que incluam o ensino de psicologia médica, centrado sibilização excessiva e a negação - constituem maneiras
nas vicissitudes do curso medico e do exercício da me disfuncionais de lidar com a situação.
dicina, propiciando ao estudante um espaço para entrar Ao entrarem em contato, no necrotério, com o que
em contato com seus sentimentos e emoções, diante dos Kovács (2003) chama de morte despersonalizada, vazia de
seres humanos que está começando a atender. Um espaço história c identidade, os futuros médicos são obrigados a
que priorize a reflexão e a troca de experiências. Segundo ocultar seu sofrimento. Sem que possam exteriorizar seus
diferentes estratégias, trata-se de utilizar a vivência como medos, repulsas, nojos e desesperos, resguardam-se com o
Ul instrumento de aprendizado e de semiologia. uso de mecanismos defensivos.
k O ensino médico que não promove a reflexão sobre Qualquer que seja a reação emocional, o auxílio de
o ser humano que há no médico participa dc modo alta um professor orientador, que discuta o significado da
mente significativo das deformações adaptativas do futuro morte e do morrer com cada um dos alunos, é imprescin
profissional. Nas escolas médicas, os discursos enfatizam dível. Acolher a fragilidade ou os mecanismos defensivos
os deveres e as responsabilidades, mas mantêm um elo de negação, projeção ou racionalização, aprimorar a escu-
550 TEMAS EM PSIC0-0NC0L0GIA
ta, acompanhar o aluno em seus momentos de sofrimento são tuais e sociais do ser humano e privilegia o saber da técnica
ações que podem fazer toda a diferença no que concerne à e da terapêutica medicamentosa. Com isso, é responsável
saúde psíquica do estudante de medicina. pela dificuldade no relacionamento paciente-profissiona.
As vivências no necrotério e as consequências do fa de saúde. A forma como o profissional usa sua personali
lecimento de pacientes logo no início dos atendimentos dade, seu corpo, seus comporramentos e suas convicções,
clínicos indicam a necessidade de apoio e treinamento re mesmo sem intenção ou consciência de sua ação, tem re
ferentes à questão da morte e do luto. As reações emocio percussão sobre o paciente e seus familiares. An
nais são fortemente ligadas às características individuais de Para Freud (1976a), no decorrer do ato médico jamais ate
personalidade e a padrões habituais de comportamento. desaparecerão completamente os esforços psicoterápia -
Mas, nos cursos da área de saúde, o ensino que privilegia Pela presença do que ele chamava “fé expectante” do pa
em
a formação técnico-científica c propicia pouco espaço para ciente, a palavra do médico seria “a forma mais antiga dr
a abordagem dos aspectos emocionais, espirituais e sociais terapia existente na medicina” (Freud, 1976c), mesir.* pesa
eterniza o despreparo dos futuros profissionais para lidar diante de outros recursos terapêuticos. Mas alertava err. . ru
com a perda e a morte. Por outro lado, a formação aca “Sobre o ensino da psicanálise nas universidades” (1976~
dêmica e a elaboração das experiências pessoais podem que, como consequência da falta de interesse pelos pro
amenizar o sofrimento dos alunos, porém, para que isso blemas mais absorventes da vida humana, tanto na saúde a oca
aconteça, é imprescindível que haja mudanças nos currí quanto na doença, e ainda pela inabilidade do futuro médi pera
culos dos cursos de medicina. co no trato com os pacientes, mesmo charlatães e curande -
ros teriam mais efeito sobre esses pacientes do que ele. essa.
Os futuros médicos e demais profissionais de saúde
Ensino à beira do leito precisam ser preparados por meio das disciplinas hum 2-
A implementação de um paradigma mais abrangente, nísticas para acolher o paciente como um todo, medicar, Ar. i
que inclua as dimensões socioculturais e psicológicas da ouvir e não apenas considerar a evolução da doença, o que
saúde, é essencial também para a aprendizagem à beira do Balint (apud Missenard, 1994) chama de patologia da pes ber a
leito. Koenig (2004) lembra que pacientes são indivíduos soa total ou medicina da pessoa total. Essa visão possibilita hrcá
com histórias, expectativas, reações emocionais à doença, ao paciente compreender a si mesmo e a seu processo de
e possuem relacionamentos sociais e familiares que afetam adoecimento e cura. Segundo Buffon (2006), os profissio
sua doença e são afetados por eia. São" pessoas com propó nais precisam, também, suportar o sofrimento e o desgas
sitos e significados de vida, que deparam com mudanças te emocional desse trabalho, para que não abandonem o
em sua qualidade de vida e bem-estar que podem obrigá- paciente por não saberem como tratá-lo paliativamente
las ao confronto com a sua mortalidade. ou por não terem desenvolvido habilidades relativas ac
Uma pesquisa realizada por Fletcher et al. (2005) de cuidado com o paciente terminal.
monstrou que os pacientes se sentem confortáveis quando Kovács (2003) verifica em seus estudos que os profis £s ac
a equipe se mostra cuidadosa, aparentemente relaxada, dis sionais médicos, enfermeiros e psicólogos, ao cuidarem de comi
posta a ouvir e alegre. Não se sentem bem quando é usada pacientes próximos da morte, realizam suas atividades -tra
uma linguagem difícil ou quando são examinados muitas de maneira rotineira, para não estabelecer vínculos ma;;
vezes. Entre os pacientes que participaram da pesquisa, intensos, supervalorizando os aspectos técnicos, como pro
66% preferiam estar presentes durante discussões médicas teção, e evitando o envolvimento com o sofrimento diante
Rei
a respeito deles e 88% queriam ser envolvidos na conversa da morte. Enfatiza, também, na maioria dos cursos de gra
ção. Apresenta particular interesse para a educação médica duação e pós-graduação, a inexistência de disciplinas que
o fato de que a maioria dos pacientes aprecia a oportunida envolvam o processo de cuidar e a formação integral dc
de de ser envolvida no processo de aprendizagem dos pro cuidador, principalmente em relação à morte, um fenôme-
blemas médicos, testes e terapias. A)ém disso, há evidências no cão crucial. JEC9Í
de que a atenção e o carinho da equipe fazem que se sintam Um terço das escolas médicas americanas inclui o en cocn ]
respeitados e participativos. O aprendizado à beira do leito sino de humanidades em seu currículo, para desenvolver a
é uma oportunidade para ensinar conceitos e condutas em sensibilidade e a fluidez narrativa do aluno. A competência
relação à humanização da abordagem do profissional de narrativa estimula a capacidade de adotar outras perspec <
As disciplinas que abordam as questões humanas au Para dome Cicely Saunders (apud Pessini, 2002, p.
xiliam os futuros profissionais a desenvolver uma aborda 51), “o sofrimento somente é intolerável quando nin
gem ao paciente e escuta mais profundas, favorecendo a guém cuida”. A pergunta que se faz necessária agora é:
prática do atendimento integral à pessoa enferma. como estão sendo cuidados nossos futuros profissionais
de saúde, aqueles que terão sob sua responsabilidade, em
tempo bastante próximo, a vida de tantos? Estarão eles
A reconstrução das vivências dos sendo devidamente orientados no que diz respeito a suas
atendimentos e a elaboração dificuldades? Seus sofrimentos têm sido ouvidos e suas
necessidades atendidas? E qual o papel daqueles que, sen
em grupos
do seus mestres, são também, e ao mesmo tempo, seus
As reuniões durante os estágios supervisionados pro
modelos de identificação?
piciam o estudo e a reflexão a respeito dos conflitos e das
E preciso começar a pensar na preparação dos futuros
contradições presentes no atendimento, deixando o aluno
cuidadores profissionais, com medidas profiláticas que in
dividido entre a identificação com o doente e seu sofrimen
cluam uma revisão e modificação da formação acadêmica
to ou com a instituição e o discurso médico. Mais do que
dos médicos, passando de uma visão totalmente curativa
a obtenção de dados sobre a doença, a discussão em grupo
para uma postura mais humana, abrangendo também os
permite a problematização e a reflexão conjunta, que le
cuidados consigo e com a própria saúde e, ainda, a dimen
vam à construção de recursos por meio do uso da lingua
são psicológica na formação do estudante de medicina.
gem, ampliando a tolerância à incerteza da prática clínica c
Em nossa experiência na faculdade de medicina, no
propiciando uma atenção empática aos pacientes.
tamos que os alunos chegam ainda adolescentes. São jo
Os objetivos principais dessas supervisões em grupo
vens esforçados, que lutaram muito para conquistar uma
são: contribuir para a reflexão crítica dos alunos sobre sua
vaga no curso. Idealistas, cm sua maioria. No terceiro ano,
prática e preservar a sensibilidade, a capacidade de perce
começam a entrar em contato com aquilo que não conse
ber a si próprios e seus pacientes como seres humanos com
guirão curar e resolver, enquanto muitos amigos estão se
história, nome, vivências, significados e valores.
formando em outros cursos e começando a ganhar auto
Souza (1998) afirma que a disciplina de psicologia
nomia. No quinto ano, vêem amigos de outras profissões
médica, mantendo a interrogação da prática clínica, apre
se auto-sustentando, constituindo família, enquanto eles
senta a possibilidade de criar um espaço compartilhado
permanecem dependentes de seus pais. O último ano re
constituindo o modelo preferencial de identificação para
presenta uma situação dicotômica: a alegria de aproximar-
o aluno, o qual pode, ao relatar a sua experiência, legiti
se do momento da formatura e o medo de enfrentar o
mar a perrinência da dúvida, a ambivalência e o questio
exame de residência, o mundo profissional e o mercado
namento de sua própria prática. O mesmo acontece com
de trabalho.
as demais disciplinas que abordam questões humanas,
Por esse motivo, é importante lembrar que os alunos
como a medicina psicossomática, bioética, psiquiatria e
querem e precisam ser ouvidos, sobretudo quanto a seus
outras.
conflitos, que expressam a ambivalência do medo e do
desejo de apropriação do saber e poder médicos (Souza,
Relacionamento com educadores 1998).
A formação médica deve abrilhantar o ser humano
O professor deveria ser o facilitador da articulação
que está presente no médico, e não escondê-lo cm com
do conhecimento com a experiência vivida. Caberia a ele
portamentos estereotipados.
criar um clima emocional de integração e aprendizagem
grupai e, ao mesmo tempo, incentivar a subjetividade no
atendimento. No entanto, dificuldades de relacionamento
A formação dos demais
com professores considerados inacessíveis e falta de recur
sos materiais completam o quadro de sofrimento a que são profissionais de saúde
submetidos os alunos. Assim como ocorre na medicina, a formação dos de
O trabalho de prevenção do adoecimenco inclui a mais profissionais de saúde tem enfatizado o aprendizado
atenção e os cuidados com os futuros profissionais. O ato de procedimentos técnico-científicos, subvalorizando o
terapêutico na relação vincular professor—aluno consiste enfoque humanista. Raramente se abordam temas como:
em relembrar o que antes se sabia, compartilhar (compar psiu>-oncologia, comunicação de más notícias, cuidados
tir o ar, ou seja, respirar junto, no mesmo sopro) o desejo e paliativos, suicídio, morte e luto. Independentemente das
o sonho. Dessa forma, é possível ao professor favorecer a características próprias de cada profissão, no que diz res
formação de pessoas sensíveis, solidárias e comprometidas peito à saúde ocupacional, o sofrimento psíquico inerente
com seus ideais. ao trabalho é compartilhado por médicos, enfermeiros,
552 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fi um momento de contemplação de sua fininide, o
sioterapeutas, fonoaudiólogos e outros (Igue et ai, 2002; respeito pela dignidade do ser humano bem como teónc
Nogueira Martins, 2002; Kovács, 2003; Marcucci, 2005). a sensibilidade no processo dc tomada de decisões err. cr
Os processos educativos devem favorecer a reflexão terapêuticas devem permear as atividades de ensi çáodi
dos alunos sobre conflitos, ambiguidade e limites do exer no, pesquisa e assistência. í
cício profissional, de torma a prepará-los para o confronto 3. Presença da equipe multiprofissional. O atendi estica
com situações aparentemente devastadoras como o diag mento aos doentes deve ser realizado por diversos Ele di
nóstico e tratamento do câncer e permitir que forneçam profissionais de saúde, habilitados para trabalhar de res oo
cuidados integrais ao paciente e seus familiares. Cuidar forma integrada. dl'—
significa apresentar escuta e atitude terapêuticas, consti
tuindo-se em um conjunto de procedimentos que exercem Todas as atitudes do profissional repercutem no pacien de pn
efeitos terapêuticos sobre o equilíbrio psicossomático do te, agindo em seu sistema imunológico, e terão significado prwai
paciente. No trato com o paciente oncológico, o cuidar terapêutico ou antiterapêutico, dependendo do contexto. a moi
envolve sentimentos, valores, atitudes e técnicas científicas Mas a construção de uma aliança terapêutica é possível, do pe
com o intuito de conferir qualidade à assistência (Mallar mesmo em situações tão difíceis e complexas. Para isso, é fia sã*
c Capitão, 2004; Campos, 2005; Nascimento Sobrinho et preciso resgatar a verdadeira dimensão do ser humano inte mét:^
ai, 2006; Tucunduva et ai, 2006; Macieira, 2007). gral, tanto na pessoa do profissional quanto na do paciente. nota i
Bifulco (2006, p. 166) acrescenta que o fracasso não -
\
é a perda de um paciente por morte; é não proporcionar lizaçà
A aprendizagem para o trabalho uma finitude digna, respeitosa. Mata-se o paciente ainda
em equipe multiprofissional em vida quando este é abandonado.
Koseki (2002) observa que, devido à ampliação do Segundo Pessini (2002, p. 65), quem cuida e sc deixa
campo de competência e responsabilidade da atuação tocar pelo sofrimento do outro se torna um radar de alta
profissional, impõem-$e a criação, adaptação e implemen sensibilidade, humaniza-se no processo e, para além do
tação de novas tecnologias de atenção às necessidades conhecimento cienrífico, obtém a preciosa chance e o pri
recentemente identificadas, aspectos, até então, pouco va vilégio de crescer com sabedoria.
lorizados na formação profissional, como o treinamento
para o trabalho em equipe multiprofissional. A integração
de diferentes profissionais de saúde na equipe de cuidados
Critérios para a elaboração de
é benéfica, pois facilita a incorporação de novos conhe cursos de especialização na
cimentos e a revisão de idéias e posturas, propiciando a área de psico-oncologia
articulação de novos saberes, políticas e práticas.
Em 2003, a Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia
Aos programas educacionais da área da saúde devem
elaborou algumas recomendações mínimas para a formação
ser acrescentados: a capacitação em comunicação; subsí
dc profissionais nessa especialização, reproduzidas a seguir.
dios para que se descubra como transmitir informações
A SBPO, considerando a Resolução CNE/CE5 Nl, de
graves; reflexões sobre bioética; os conceitos da filosofia
3 de abril de 2001, que estabelece normas para o funciona
de cuidados paliativos, que visam cuidar da dor e do so
mento de cursos de pós-graduação, define que as instituições
frimento dos pacientes sem possibilidades terapêuticas de
que desejarem realizar cursos de especialização em psico-
cura, passando-se de uma visão totalmente curativa para
oncologia devem preencher os critérios que se seguem.
uma postura mais humana, que preze também o cuidado
Alunos: deverão ter formação em terceiro grau em
com os próprios profissionais.
cursos da área de saúde, com comprovação por meio de
Para Pessini (2002), um desafio lançado à comunida
diplomas e certificados de conclusão de graduação nessas
de científica é a criação de programas de educação funda
áreas. Podem ser realizadas entrevistas e análise curricular
mentados em alguns princípios, a saber: Refi
para que seja verificada a presença de estágios e outros
cursos de aperfeiçoamento realizados pelo aluno. J
1. Visão da dor nas suas diferentes dimensões. A dor é
Corpo docente: pelo menos 50% dos professores de Mi - -c
uma experiência em que aspectos biológicos, emo
verão ter o título de mestre ou doutor obtido em progra Rio à
cionais e culturais estão ligados de modo indivisí
vel, e, no seu ensino, deve-se prover informação ma de pós-graduação stricto sensu reconhecido.
Instituições associadas: deverão ser citadas as institui de sm
para que esses aspectos possam ser adequadamente
considerados, investigados e abordados. ções vinculadas à realização do estágio obrigatório.
Metodologia: a SBPO recomenda que o curso conte I
2. Valores éticos e a importância da qualidade de vida.
nha aulas expositivas, seminários, vivências e discussões Trad_
A valorização da qualidade de vida da pessoa fra
em grupo, incluindo as propostas antes mencionadas. dicas.
gilizada pela dor e sofrimento, provavelmente em
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM P S ( C O - O N C O LO G t A 553
Carga horária: deverá contar com 36U horas de aulas especificado por resolução federal, com os seguintes pon
teóricas, além de horas dedicadas ao estudo individual e tos: relação de disciplinas, período e local de realização do
m:
em grupo. Devem ser previstas horas extras para elabora curso, título da monografia, carga horária, declaração da
ção de monografia de conclusão de curso. instituição de que o curso cumpriu todas as disposições
Estágio obrigatório supervisionado: a realização do da resolução. A diretoria da SBPO contou com a colabo
estágio deverá ocorrer em instituições associadas ao curso. ração de Luciana Holtz de Camargo Barros para a elabora
Ele deverá ser supervisionado regularmente pelos docen ção desses critérios.
tes do curso, sendo, ao final, emitido um parecer sobre o Quanto aos parâmetros para a elaboração de cursos
desempenho do aluno. de aperfeiçoamento em psico-oncologia, serão considera
Avaliação final: será aprovado o aluno que tiver 75% dos os mesmos critérios utilizados para os cursos de espe
de presença e demonstrar aproveitamento do curso em cialização, com exceção da carga horária, que deve ser de
provas presenciais e avaliação de conteúdo. Será avaliada menos de 180 horas. A monografia c o estágio supervisio
a monografia de conclusão do curso com tema escoihi- nado não são obrigatórios.
do pelo aluno. Os itens que devem constar na monogra Em 2006, foi realizada, no IX Congresso Brasilei
fia são: levantamento bibliográfico atualizado, objetivos, ro de Psico-Oncologia, a certificação de profissionais em
métodos (se for uma pesquisa), discussão de resultados. A psico-oncologia por meio de duas modalidades: análise
nota mínima para aprovação é sete. da experiência na área, com verificação de títulos c com
O conteúdo básico obrigatório dos cursos de especia provantes emitidos por conselhos regionais; e prova de
lização deve apresentar os seguintes temas: conhecimentos.
A elaboração dos critérios para certificação foi co
• introdução à psico-oncologia; ordenada por Maria Teresa Veit e a comissão de titu
• aspectos médicos do câncer; lação foi composta por profissionais com comprovada
• personalidade e câncer; experiência na área da psico-oncologia. Em 2006, re
• prevenção primária, secundária e terciária; ceberam certificação 134 profissionais, cujos nomes
• teoria e técnicas de enfrentamento do câncer; constam do site da SBPO (http://www.sbpo.org.br). Esse
• qualidade de vida; processo deverá continuar nos próximos congressos de
• família do paciente com câncer; psico-oncologia.
• teorias e técnicas psicoterápicas aplicadas à psico- Ao finalizar este capítulo, observamos um aumento
oncologia; do número de profissionais que gostariam de se aprofun
• aspectos médicos e psicológicos da dor; dar em tópicos relacionados ao cuidado integral com pa
• viver e morrer com dignidade; cientes com câncer e seus familiares. Há diversas opções
• pesquisa em psico-oncologia; de cursos, workshops, congressos e outras atividades didá
• cuidados paliativos; ticas que, acreditamos, firmarão cada vez mais os alicerces
• luto; da psico-oncologia em nosso país. Esperamos que algumas
• bioética; das idéias que esboçamos aqui possam servir como subsí
• espiritualidade e câncer; dios para o aperfeiçoamento dos profissionais de saúde na
• implantação de serviços na área de psico-oncologia. área psico-oncológica. Com a formação de profissionais
mais capacitados, poderemos pressionar os nossos gover
Certificação: a SBPO emitirá o certificado dc conclu nantes com o intuito de que os serviços de oncologia pas
são de curso de especialização de acordo com o padrão sem a contratá-los.
554 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico- Island, A. “Young doctors are hungry for psycholog-
oncologia. Campinas: Psy, 1994. ícal oncology training”. Oncology News International, v.
Carvalho, V. A. de. “Cuidados com o cuidador”. In: 15, n. 4,2006. Disponível em: http://www.canccrnetwork.
Pessini, L; Bertachini, L. (orgs.). Humanização e cuidados com/showArticle.jhtml?articleID= 185300077.
paliativos. São Paulo: Edunisc/Loyola, 2004, p. 305-19. Katz, E. D. et al. “Depression among emergency me
Cfnter, C. et al. “Confronting depression and sui dicine residents over an academic year”. Academic Emer
cide in physicians: a consensus statemenr”. The Journal of gency Medicine, v. 13, n. 3, p. 284-7, 2006.
the American Medicai Association, v. 289, n. 23, p. 3161- Koenic, H. G. “Religion, spirituality, and medicine:
6, 2003. research findings and implications of clinicai practice”. nosi
Dyrbye, L. N. et al. “Medicai studeni distress: causes, Southern Medicai Journaf v. 97, n. 12, p. 1194-200, P- 51
consequences, and proposed Solutions”. Mayo Clinic Pro- 2004.
ceedings, v. 80, n. 12, p. 1613-22, 2005. Koseki, N. M. Descentralização do atendimento a H • __
Essunger, I.; KovAcs, M. J.; Vaiciunas, N. “Cuidando pacientes com câncer avançado sem possibilidade de cura.
do cuidador no contexto hospitalar”. O mundo da saúde, 2002. 133 p. (Doutorado em Tocoginecologia) - Faculda
São Paulo, v. 28, n. 3, p. 277-83, 2004. de de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campi
Figueiredo, M. T. de A. “O estudante de medicina e a nas, Campinas.
vivência em cuidados paliativos”. Prática Hospitalar, Sâo KovAcs, M. J. Educação para a morte: desafio na for
Paulo, ano 8, n. 48, 2006, p. 98. mação de profissionais de saúde e educação. São Paulo:
Fletcher, K. E.; Rankey, D. S.; Stern, D. T. “Be- Fapesp/Casa do Psicólogo, 2003. res à\
dside intcractions from the other side of the bedrail”. KovAcs, M. J. (coord.). Morte e desenvolvimento hu
Journal of General Internai Medicine, v. 20, n. 1, p. 58- mano. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. j. 1;
61, 2005. Macieira, R. de C. Avaliação da espiritualidade no
Freud, S. “Sobre a psicoterapia”. In: Freud, S. Obras enfrentamento do câncer de mama cm mulheres. 2007.
psicológicas completas de Sigmund Freud: edição stan Dissertação (Mestrado em Saúde Materno-Infantil) - Fa
dard brasileira. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: culdade de Medicina, Universidade de Santo Amaro, São
Imago, 1976a. Paulo, São Paulo.
_____ . “Sobre o ensino da psicanálise nas universi Mallar, S. C.; Capitão, C. G. “Burnout e hardiness:
dades”. I n : Freud, S. Obras psicológicas completas de Sig um estudo de evidência de validade”. Psico-USF, Itatiba, v.
mund Freud: edição standard brasileira. Trad. Jayme Salo 9, n. 1, p. 19-29, 2004.
mão. Rio dc Janeiro: Imago, 1976b. Marcucci, F. C. I. “Fisioterapia em cuidados paliati
_____ . “Tratamento psíquico (ou mental)”. In: Freud, vos”. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v.
S. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição 51, n. 1, p. 67-77, 2005.
standard brasileira. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Missenard, A. (org.). A experiência Balint: história e
Imago, 1976c. atualidade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
Gimenes, M. G. G. “Definição, foco de estudo e inter Morato, H. T. P. (org.). Aconselhamento psicológico
venção”. In: Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do
à psico-oncologia. Campinas: Psy, 1994, p. 35-56. Psicólogo, 1999.
Gimenes, M. G. G.; Carvalho, M. M. M. J. de; Car _____ . “Experiências do Serviço de Aconselhamen
valho, V. A. de. “Um pouco da história da psico-oncologia to Psicológico do Ipusp: aprendizagem significativa em
no Brasil”. In: Angerami-Camon, V. A. (org.). Psicologia ação”. Boletim de Psicologia, São Paulo, v. 47, n. 106, p.
da saúde: um novo significado para a prática clinica. São 5-19, 1998.
Paulo, Pioneira, 2000, p. 47-72. Morato, H. T. P.; Schmidt, M. L. S. “Aprendizagem
Gutierrez, B. A. O. A morte no cotidiano do trabalho significativa e experiência: um grupo dc encontro em ins
dos profissionais de enfermagem de Unidade de Terapia In tituição acadêmica”. In: Morato, H. T. P. (org.). Aconse
tensiva: buscando compreender os significados e as estraté lhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios.
gias de enfrentamento visando uma prática humanizante e São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999, p. 35-47.
humanizada. 2003. Dissertação (Doutorado em Enferma Nascimento Sobrinho, C. L. et al. “Condições de
gem) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, trabalho e saúde mental dos médicos de Salvador, Bahia,
São Paulo. Brasil”. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22,
Igue, C. E. et al. “O suicídio e suas representações so n. 1, p. 131-40, 2006.
ciais: esquemas organizadores da comunicação acerca do Nogueira Martins, L. A. “Saúde mental dos profis
fenômeno”. 8U Simpósio Brasileiro de Comunicação em sionais de saúde”. In: Boteca, N. J. (org.). Prática psiqui
Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto átrica no hospital geral: interconsulta e emergência. Porto
(USP), Ribeirão Preto, 2002. Alegre: Artmed, 2002, p. 130-44.
FORMAÇAO PROFISSIONAL EM PSICO-ONCOLOGIA 555
Nogueira Martins, L. A. et al. uThe mental health of Siqueira, J. E. de. “Reflexões éticas sobre o cuidar na
graduate students at the Federal University of São Paulo: a terminalidade da vida”. Bioética, Brasília, v. 13, n. 2, p.
preliminary report”. Brazilian Journal of Medicai and Bio- 37-50, 2005.
logical Research, v. 37, n. 10, p. 1519-24, 2004. Sontag, S. A doença como metáfora. Trad. Márcio
Perdicaris, A. A. M. (org.). Temas de saúde coletiva: Ramalho. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
desafios e perspectivas. Santos: Leopoldianum, 2004, p. Souza, A. R. N. D. Formação médica, racionalidade e
103-25. experiência: o discurso médico e o ensino da clínica. 1998.
Pessini, L, “Humanização da dor e sofrimento huma 290 p. Dissertação (Doutorado em Psiquiatria) - Institu
nos no contexto hospitalar”. Bioética, Brasília, v. 10, n. 2, to de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
p. 51-72, 2002. Rio de Janeiro.
Pitta, A. Hospital, dor e morte como ofício. 3. ed. São Struve, J. K. “Faith’s impact on health: implications
Paulo: Hucitec, 1994. for the practice of medicine”. Minnesota Medicine, v. 85,
Rocers, C. Em busca de vida: da terapia centrada n. 12, p. 41-4, 2002.
no cliente à abordagem centrada na pessoa. Trad. Afonso Torres, W. da C. “A morte, o morrer e a ética”. Arqui
Henrique L. da Fonseca. São Paulo: Summus, 1983. vos de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1,
Rosenberc, R. (org.). Aconselhamento psicológico p. 23-7, 1998.
centrado na pessoa. São Paulo: EPU, 1987. Tucunduva, L. T. C. de M. et al. “A síndrome da es
Shimizu, H. E. As representações sociais de trabalhado tafa profissional em médicos cancerologistas brasileiros”.
res de enfermagem não enfermeiros (técnicos e auxiliares de Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 52,
enfermagem) sobre o trabalho em Ü77 em um hospital-esco n. 2, p. 108-12, 2006.
la. 2000. Dissertação (Doutorado em Enfermagem) - Esco Williams, B. C. “Medicai education and JGIM".Journal
la de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo. of General Internai Medicine, v. 20, n. 5, p. 450-1, 2005.
transce- a
forças a ■
Segunc I
mos cr A
encont- <
ESTRESSE E SINDROME DE BURNOUT EM EQUIPES moldá-
essa crizs
QUE CUIDAM DE PACIENTES COM CÂNCER: CUIDANDO Assa
te re_- t
DO CUIDADOR PROFISSIONAL nos ac: i
do hu~j
R egina P aschoalucci L iberato ; V icente A ugusto de C arvalho
Cuidi
Cal
(
Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pe Quando lidamos com o cuidado, em qualquer dimen somos n
daço de barro. são da vida, é importante observar os dois pólos participantes põe una
Logo teve uma idéia inspirada. Tomou um pouco do dessa experiência: aquele que é cuidado e o cuidador. Cada atitucí .
barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava lado tem suas singularidades, porém ambos são igualmente tên
o que havia feito, apareceu Júpiter. afetados pela especificidade e intensidade dessa relação. de trio
Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele, o que Muitas vezes exercemos o cuidado institucionaliza vimenre
Júpiter fez de bom grado. do por uma autoridade ou entidade qualquer, com regras signircj
Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatu específicas demais para algo que faz parte da essência do mem :
ra que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse ser humano. CA
Heidegger, em seu livro Ser e tempo (2000), ressalta c r.l -
imposto o seu nome.
o cuidado como parte da nossa dimensão ontológica. Para cado> 2
Enquanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu, de re
ele, do ponto de vista existencial, o cuidado surge antes de eszd
pente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à cria
de toda e qualquer atitude c situação envolvendo o ser peiro e
tura, pois fora feita de barro, material do corpo da Terra.
humano, demonstrando que toda atitude e toda situação moc:ci
Originou-se então uma discussão generalizada.
vêm acompanhadas do cuidado. Fundamentou sua teoria cupar-s
De comum acordo pediram a Saturno que funcionas
sobre o cuidado na mitologia e considerou o cuidar como ocupa
se como árbitro. Este tomou a seguinte decisão, que pare
um modo de ser essencial, que se encontra na base da exis afeiTM*
ceu justa: “Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois,
tência do ser humano. pane :
de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura.
Observando o legado universal da alma humana, en incurj
Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também
contramos na mitologia diversos caminhos de revelação duo àt
de volta o seu corpo quando essa criatura morrer. Mas da psique, que se apresentam como relevantes fatores de N
como você, Cuidado, foi que, por primeiro, moldou a cria estruturação e organização da consciência. OS Vii
tura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma Campbell, em seu livro O poder do mito (1990), atri pr
vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, bui à mitologia a função dc literatura do espírito, alimento *
decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita da alma humana. Defende que essas informações, advindas força 4
de húmus, que significa terra fértil". de todas as culturas com temas atemporais, deram susten çadoJ
Leonardo Boff (1999) tação à vida humana, construíram civilizações e forne Cr-. ‘
transcende o poder de controle dos homens e tratando das circundante são modos de abrir espaços para mudanças
forças divinas que podem ser invocadas em nosso auxílio. importantes com relação ao nosso futuro, tendo em vista
Segundo o mito sobre o cuidado, nós, seres humanos, fo uma vida mais qualitativa.
mos criados pela inspiração do deus Cuidado, quando ele As chagas dos profissionais da área de saúde estão
encontrou um torrão de barro pelo caminho e começou a associadas à nossa condição humana, às dores da profissão
moldá-lo. A partir daí, ficou comprometido a acompanhar e à impotência diante das diversas situações pertinentes
essa criatura por toda a sua existência. à nossa existência. Aceitar as feridas propicia a conscien
Assim começa a nossa história. O cuidado é o supor tização mais profunda da condição humana, o despertar
te real para uma vida criativa, livre e plena. Ele sempre de sentimentos de solidariedade e amorosidade que cica
nos acompanha e nele sc encontra o etos fundamental trizam nossos machucados, a coragem para lidar com a
do humano. ferida do outro sem se sentir ameaçado, o desabrochar da
compaixão que aproxima a natureza interna da natureza
do universo, tendo em mente que uma relação autêntica
Cuidado pode favorecer o envolvimento no processo dinâmico em
Cuidar é estabelecer relações e participar ativamente busca da cura, com sua amplitude e complexidade.
delas. Como no mito, é perceber que não estamos sós e E fundamental olhar para nossos sentimentos e emo
somos responsáveis por nós e pelos outros. Cuidar pressu ções com dedicação e esmero, em busca daquilo que nos
põe uma relação de amor consigo e com o outro. E uma coloca em harmonia com os demais parceiros da vida. Essa
atitude que facilita o desenvolvimento evolutivo da exis observação se refere ao encontro interpessoal, aos proces
tência humana, que faz que nos dediquemos a um sistema sos de criatividade que brotam quando nos reunimos para
de trocas com atenção e empenho. Representa um envol ser contaminados pelos conhecimentos alheios, ao com
vimento afetivo que implica, inicialmente, a descoberta do partilhamento das nossas preocupações, que nos tornam
significado das nossas feridas e o consequente reconheci parte de uma comunidade que acolhe, aceita e protege os
mento daquilo que em nós precisa ser cuidado. seus, aos nossos anseios pela descoberta do desconheci
Considerar o cuidado como uma atitude espontânea do, que nos trará mais informações e conhecimentos, mas,
e não somente como algo expresso em atos isolados apli ao mesmo tempo, mais mistérios e enigmas, e às emoções
cados a determinadas situações leva a uma nova maneira que, se deixarmos que sigam o fluxo natural, ajudarão a
de estabelecer relações, que se manifestam com mais res compor uma canção genuína, autêntica, que brotará do
peito e harmonia. O cuidado abrange muito mais que um fundo do nosso coração em sintonia.
momento específico de atenção c de zelo; implica preo Cuidar de si significa buscar formas cada vez mais efi
cupar-se com quem ou com o que está sendo cuidado, cientes para conciliar os acontecimentos da vida, que se
ocupando-se dele, com responsabilidade e envolvimento apresenta plena em sua multiplicidade de aspectos, com
afetivo. E sentir-se membro partícipe do encontro, fazer graduações diversas em termos de importância, signifi
parte de uma relação com interesses e tarefas comuns e a cado, dificuldade e intensidade, assimilando de maneira
incumbência de tratar uns dos outros. Aproxima o indiví dinâmica e criativa a dor e o prazer, os sucessos e os fra
duo de sua essência e de seus pares. cassos, a saúde e a doença.
No exercício do cuidar identificamos os princípios, Segundo o filósofo existencialista Martin Bubcr
os valores e as atitudes que caracterizam a vida em sua (1965), que muito contribuiu para a psicologia dialógica,
plenitude; nas ações se revela o verdadeiro etos. os indivíduos constroem o mundo e suas relações com base
Nossa culnira nos ensina com maestria a dirigir nossa na fala. Para ele, o indivíduo somente se constitui como ser
força de cuidar para o outro, o que é constantemente refor definido mediante diálogo com o outro. Existe um rosto
çado. Mas não há como exercermos integralmente algo que com fisionomia e olhar, que rorna impossível a indiferença.
desconhecemos. Transformarmos o cuidado em exercício A sua presença provoca, evoca e convoca a participação.
diário e atento ao detectarmos nossas necessidades e dese O envolvimento afetivo é imprescindível para po
jos; considerar nossa singularidade, conhecer nosso corpo e dermos perceber o outro, assimilar as diferenças com
nossa alma é uma fonte de aprendizado inesgotável. compreensão, havendo a possibilidade de considerar nos
Aprender a respeito da vida que emerge do próprio sas emoções como um campo fértil para conhecimento da
corpo, do relacionamento que sc estabelece com o mun dinâmica da doença.
do real por meio da atenção voltada a uma alimentação Diferentemente do que nos esforçamos para acrcdi-
saudável, da preocupação com nossa higiene, inclusive rar, não há nenhuma possibilidade de não nos envolver
mental, observar a maneira como nos apresentamos dian mos com pessoas ou com demandas que encontramos ao
te do espelho e do outro, a forma como nos situamos nos longo de nossa vida.
espaços que administramos c freqüentamos e a atenção e E possível, com relativa assertividade, determinarmos
o investimento que dedicamos ao nosso espaço ecológico até que ponto nosso envolvimento acontecerá. Isso está de
558 TEMAS EM PSICOONCOLOGIA
cena forma sob o nosso controle. Na maioria das vezes, Cuidar é uma palavra de origem gótica com o sentido
pode ser uma escolha nossa. de importar-se, enquanto curar nos leva a pensar na elimina
Todos os dias, os profissionais de saúde se vêem em ção da doença e obtenção da saúde. A mentalidade médica
contato com a dor, a angústia, o medo e a solidão, sen atual distanciou esses dois verbos, desprezando sua origem
timentos intensos, fortes e denunciadores da fragilidade idêntica, e tornou o curar mais nobre, mais valioso, mais va
humana. Quando se observa um ser em situação de dor e lorizado pela classe médica e pela sociedade leiga em geral.
de sofrimento, esses mesmos sentimentos são provocados Segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 1999), a pri
no cuidador. meira acepção dc curar é restabelecer a saúde. Quando isso
A formação dos profissionais que lidam com seres em é possível? O que é saúde, afinal? Qualquer pessoa sã pode
situações de crise, de modo geral, tem como aspecto central adoecer. A doença pode alcançar qualquer um de nós.
a preocupação com a objetividade c a resposta imediata c Nada nos protege, de forma absoluta, dessa experiência.
circunstancial aos tratamentos, desenvolvidos e aplicados No seu livro Saber cuidar: ética do humano, compai
em uma clínica baseada em “curas” de natureza mais prática xão pela Terra, Leonardo Boff (1999) refere-se à doença
e objetiva, dissociadas das histórias de vida dos pacientes e como um dano à existência. Não é mais possível pensar
dos processos emocionais que possam emergir. em saúde como ausência de danos. A discussão sobre qua
Não há prioridade na clínica médica tradicional para lidade de vida nos faz considerar que uma boa parte dos
a interação e a integração da razão com a emoção, e o males que nos cercam será composta de doenças crônicas,
enfoque da atenção concentra-se na racionalidade c na pe visto que o avanço das terapêuticas trouxe consigo uma
rícia técnica. expectativa maior de tempo de vida. O v
A neutralidade científica distancia o profissional de seu Enfrentaremos doenças que estarão presentes por mui
“objeto” de intervenção - o sujeito -, e as emoções, quando to tempo, impondo a administração de eventuais procedi
emergem, em vez de ser consideradas uma oportunidade de mentos que repercutirão em situações de dor e sofrimento,
conhecimento sobre si e sobre o outro, são quase sempre porém insertas numa experiência de vida que continuará
relegadas ao descrédito e à desvalia (Serino, 2001). proporcionando também situações plenas de prazer. Adoe
É inquestionável o fato de que essas condutas são ne cemos enquanto vivemos e continuamos vivendo enquanto
cessárias para uma intervenção clínica adequada; contudo, administramos a nossa doença cotidiana mente.
a questão é até que ponto as emoções daquele que cuida, A vida não pára, o que denuncia sua diversidade de
se não forem identificadas e atendidas, podem influenciar aspectos em todos os sentidos.
a sua atuação profissional e sua interação com outros pro Saúde é a força para viver com os danos que a vida
fissionais e com a unidade de cuidados (paciente, familia apresenta. E acolher e amar a vida como ela é. A maneira
res, cuidadores informais e profissionais de saúde). com que enfrentamos as situações que se apresentam a nós
As qualidades humanas que capacitam o paciente a é que pode ser doentia ou sã. É influenciada pela capacida
enfrentar de modo mais eficaz as mudanças que a doença de de cada um para formular e colocar em prática as suas
causa são igualmente úteis para que o profissional enfren escolhas com relação a questões que afetam nosso bem-
te essa participação na demanda provocada pela doença. estar, que se relacionam com o estilo de vida, o ambiente
Sem contato com suas emoções, distante de sua intuição e as tensões, exigindo que cada um de nós escolha por si
e imaginação, sem acessar seus recursos criativos e espiri mesmo e o faça da melhor forma possível (Boff, 1999).
tuais, longe de sua alma, o profissional de saúde fica vul Nenhum ser humano vivo pode evitar totalmente as
nerável e adoece silenciosamente. tensões, o estresse, os conflitos, as repressões, as depressões
Quando tratamos dos enfermos, muitas vezes con e as decepções. Na realidade, complexos psicológicos e cri
fundimos cuidar com curar, embrenhamo-nos numa teia ses são fundamentais na construção da personalidade.
complexa, correndo riscos com a falta de discriminação de
papéis, tarefas, possibilidades, limites etc., e, então, esque
cemo-nos da tarefa essencial do cuidado conosco. Ajudar e salvar
Existem diferenças básicas e significativas entre aju
dar e salvar. Há perigos para quem deseja ser salvador.
Curar e cuidar O comportamento daquele que tenta salvar parte de um
A etimologia de curar e cuidar é a mesma. Curador é ponto de vista de que existe uma vítima, a qual não pode
aquele que zela, cuida, tem função mantenedora. Cuidado ser ele mesmo. Há riscos também para quem se coloca no
vem do latim cura, ou ainda coera, palavra que alude à lugar de vítima. Uma vítima não tem influencia sobre a
amizade e ao amor. Outra possibilidade etimológica se re situação em que se encontra. Portanto, aquele que tenta
laciona às palavras cogitareicogitatus, significando mostrar salvar trata o paciente como se ele não tivesse influencia
interesse. Curar e cuidar são sinônimos e remetem a uma sobre si mesmo. Ao acreditar que não tem poder em rela
postura cautelosa, zelosa e delicada. ção ao seu tratamento, o indivíduo se sente desamparado.
E S T R E S S E E S Í N D R O M E D E B U R N O U T E M E Q U I P E S Q U E C U I D A M D E P A C I E N T E S C O M C Â N C E R . . . 559
e assim podem crescer de forma significativa o medo, a É também um procedimento de economia da ener
ansiedade e a depressão. O paciente a quem se tenta salvar gia psíquica estarmos atentos para que não julguemos
perde a noção da sua responsabilidade e da sua capacidade moralmenre o paciente. Julgar demandas psicológicas
de reagir e participar. precocemente ajuda a criar preconceitos, estigmas e dog
Muitas vezes, as pessoas que adotam atitudes salvado mas. Preconceitos criam percepções alteradas da realidade,
ras não reconhecem seus sentimentos e suas emoções, não comportamentos e procedimentos impulsivos, relações mal
cuidam de suas necessidades e canalizam toda a energia para construídas e um desperdício considerável de energia.
o paciente. Remen (1993) afirma que a repressão da emoção E comum que nos sintamos compelidos a apoiar ou
pode ser um dos principais provocadores do esgotamento reprovar a maneira como as pessoas lidam com suas crises
psicológico. Observa que parte da fadiga é atribuída à na existenciais e suas relações estabelecidas. Porém, uma pos
tureza do trabalho e ao empenho em negar constantemente tura profissional curiosa pode ajudar a compreender me
as emoções para adquirir a objetividade imprescindível. Por lhor a psicodinâmica do paciente, facilitando a amplitude
essa razão, há necessidade de que sejam desenvolvidos tra necessária da abordagem clínica.
balhos abrangendo questões como o estresse, a ansiedade, a Por fim, precisamos pensar em como definir uma clara
qualidade de vida e outros aspectos que envolvam a rotina noção dos nossos limites e responsabilidades, relacionados
técnica e emocional da equipe de saúde. à influência que podemos ter sobre os nossos pacientes.
Reconhecermos que nossas ações têm uma participação
restrita diante dos desejos, recursos e possibilidades do
O vínculo profissional outro acarretará uma possível aceitação da nossa limitação
Não existe prática clínica sem contato humano. O perante o destino alheio.
vínculo se estrutura com emparia e interesse pela pessoa Vale lembrar novamente a psicologia dialógica, quan
que adoece. Para estabelecer um vínculo precisamos de do afirma:
um contato mais humano e um profissional curioso, pron
to para explorar o relacionamento que se revela. Por força de seu caráter dialógico, a vida huma
Quem adoece necessita de acolhimento. Naturalmen na toca no absoluto. A despeito de sua singularida
te, ao enfrentarem uma notícia dramática como o apareci de, o homem, ao mergulhar nas profundezas de sua
mento de uma doença grave e crônica, os pacientes apre vida, jamais consegue encontrar um ser completo em
sentam uma regressão em sua personalidade, requerendo si mesmo e que, assim sendo, toque no absoluto. O
muita atenção e proteção. homem não pode tornar-se inteiro em virtude de uma
A vinculação do profissional com seu paciente ali relação consigo mesmo, mas somente em virtude de
menta afetivamente tanto o paciente quanto o profissio uma relação com outro self. Esse outro self pode ser
nal. Podemos considerar que é necessário preservar um es tão limitado e condicionado quanto ele; no existir
paço para lidar internamente com o preço extremado que juntos, o ilimitado e o incondicionado são experien-
pagamos ao nos aproximarmos do sofrimento do outro. O ciados. (Buber, 1965, p. 168)
profissional sente a força da projeção intensa do paciente
e defende-se ao se distanciar do acontecimento e tornar O câncer parece ser um evento que traz consigo uma
objeto o sujeito, que passa a não ter mais uma identidade, função social: a incumbência de nos ensinar que sozinhos
e sim um nome genérico pertencente a uma categoria ou somos pouco; que, independentemente de nossos desejos,
um número qualquer. Porém, esse distanciamento terá um a vida tem um encaminhamento próprio e, muitas vezes,
alto custo e propiciará um movimento interno desgastante inatingível; que, quando estamos acompanhados para a
para o profissional. realização de qualquer tarefa, conseguimos uma abran
Resgatar emoções e sentimentos envolvidos nessa de gência muito maior quanto a resoluções dos problemas
manda e tomar consciência deles sem precisar atuar con da existência humana; que o etos humano se constrói en
cretamente são atitudes que influenciarão na ampliação do quanto traçamos juntos o nosso trajeto.
conhecimento sobre o humano e a especificidade da dinâ Sem a participação consciente na trajetória de cada
mica da doença. Ainda resta a possibilidade de modificar o indivíduo e o desdobramento dessa participação na cons
espaço da relação, de acordo com a escolha do momento. telação da comunidade, viveremos cada vez mais afastados
E preciso lembrar que o ato de escolher está relacionado âe princípios éticos,\ cspcciaimeme necessários para a evo-
com um processo consciente que envolve os próprios de lução da nossa espécie e do universo.
sejos, sentimentos e emoções, e implica a responsabiliza
ção pela vida que se desenvolve naturalmente. Esse espaço
é suficiente para que se lide de maneira mais verdadeira Relação transferencial
com essas vivências e consigo mesmo, desenvolvendo uma Vinculação é um compromisso, uma manobra bem-
relação mais adequada e saudável com o outro. intencionada, construída paulatinamente, movida basi-
560 TEMAS EM P S I CO - O N CO LO G I A
camente pela intuição e pelo sentimento do profissional. A indiferença afetiva embasada na eleição dos dados ta e -J
A base mais profunda do vínculo profissional é a relação da anamnese voltada ao raciocínio clínico c pouco eficaz. nenad
transferencial. E um fenômeno que desperta interesse desde Tem-se a sensação de selecionar o que é relevante, porém
o início da psicanálise. E elaborada teoricamente em termos esses dados também refletem um lado mais humano e so ciaitoa
psicodinâmicos com base no modelo do atendimento analí frido do paciente, e a própria relação que se estabelece
tico, mas se observa em qualquer relacionamento humano. propõe um contato íntimo com esse sofrimento, de, c i
Todas as relações são cheias de vivências transferenciais, O espaço de encontro, a consulta, é preenchido por soais. i
quer leves, densas, fugazes, quer permanentes e mediadas ruídos internos e imagens simbólicas advindos de dados enirca
pela nossa dinâmica psicológica consciente e inconsciente. concretos que emergem dos aspectos da personalidade do que a
Estar em relacionamento é lidar com suas crenças, paciente, da maneira como ele apresenta e vivência sua neuroi
convicções, afetos, esperanças, dúvidas, certezas, e sem doença e dos recursos que possui para dar significado à preesi
pre algo influenciado pela carga afetiva que lhe dá base, sua vida, constituindo, assim, um invólucro para a queixa lidar j
consciente ou inconsciente, em interação com o aparelho apresentada. T” : :
psíquico do outro, com sua carga afetiva respectiva (Be- O ritual que caracteriza uma consulta, marcada por :
netton, 2002). alguns protocolos, não prevê a experiência de ser e estar p - : I
Na transferência ocorre um recurso defensivo que diante do outro. Ao agirmos dc acordo com dados pro limggt
protege a pessoa de uma confrontação com os aspectos, tocolares, padronizados e institucionalizados, nos vemos lece. 3
em si mesma, que sente como negativos e ameaçadores, ameaçados por conteúdos que se manifestam de maneira
assim como dos aspectos positivos que não consegue, por estranha e tóxica, compelindo-nos a criar mecanismos de gia aa
bloqueios ou repressões, desenvolver. Assim, projetamos adaptação para neutralizá-los. vida. i
nas relações conteúdos afetivos que por algum motivo não Encontramos na produção científica de Cari Gustav
podemos assumir naquele momento. Então, cria-se um Jung alguns trechos, citados por Luiz Geraldo Benetton
jogo transferencial, independentemente da vontade e da em seu livro Temas de psicologia em saúde: a relação pro Estr
atenção das pessoas envolvidas, tocando nossos pontos fissional-paciente (2002), que nos auxiliam a entender o cuic
fracos e nossos lados mais luminosos. tema e a refletir sobre ele:
Uma relação plena de vida, constituída por partici
prosa
pação ativa, acompanhamento, compartilhamento e auto O campo amplo e vasto do inconsciente, não al
rr.
nomia, pressupõe a presença de componentes singulares cançado pela crítica e pelo controle da consciência,
paoea
com diferenças específicas - que, oferecidas em prol do acha-se abeito e desprotegido para receber todas as
aadat
relacionamento, contribuem para a evolução e o desenvol influências e infecções psíquicas possíveis. Como sem
e aod
vimento dos indivíduos envolvidos. pre acontece quando nos vemos numa situação de pe
ção Ji
Essa força pulsante é suficiente para mobilizar os re rigo, nós só podemos nos proteger das contaminações
ospas
cursos criativos que temos dentro de cada um de nós, que psíquicas quando ficamos sabendo o que nos está ata
proóa
podem compor os instrumentos utilizados para o trata cando, como, onde e quando isso se dá. (Jung, 1993)
e3C£f-3
mento clínico do paciente e ampliar a experiência de vida Pelo fato de debruçar-se com interesse, compreensão
tica
do profissional. e solicitude sobre o sofrimento psíquico do paciente,
I
o médico fica exposto aos conteúdos do inconsciente
iTiara
que o oprimem e consequentemente à ação indutiva
ções4
Intoxicação psíquica dos mesmos. Começa a “preocupar-se” com o caso.
E de nosso conhecimento o desgaste que sofrem aque (Jung, 1999)
:T7Z>:t
les que cuidam de pessoas doentes. Muitas vezes, surgem Resistimos naturalmente contra o fato de admitir
proóa
sentimentos ambivalentes, conscientes ou não, que causam que possamos ser afetados, no mais íntimo de nós
nhnfl
situações estressantes, de intensa tensão. Sabe-se que qual mesmos, por um paciente qualquer. Quanto mais in
voo,
quer circunstância continuamente estressante pode gerar consciente o caso, porém, maior a tentação do mé
ITd
sentimentos contraditórios que necessitam de adaptação. dico de assumir uma postura apotrópica, isto é, de
C
O profissional dc saúde tem um desgaste muito alem rccusá-lo. Para tanto a “persona mediei” por detrás
idói 4
do comum. da qual nos ocultamos pode ser, ou parece ser, um
bieJ
O fenômeno do encontro profissional-paciente é am instrumento ideal. A rotina, o “já saber de antemão”,
plo e rico em particularidades, e mesmo que se estabeleça são inseparáveis da persona, requisitos apreciadíssi
uma política de indiferença afetiva em relação aos conteú mos pelo clínico experiente, como, aliás, por toda
TOCO 4
dos não compatíveis com o raciocínio clínico ou protocolo autoridade infalível. (Jung, 1999)
de procedimentos, esses conteúdos espalham-se e contami
a ada
nam profundamente a alma, agindo inclusive de maneira A intoxicação psíquica se dá em razão de o profissio
aspeci
inconsciente e provocando reações (Benetton, 2002). nal ver-se assolado por conteúdos que o paciente apresen
E S T R E S S E E S Í N D R O M E D E B U R N O U T E M E Q U I P E S Q U E C U I D A M D E P A C I E N T E S C O M C Â N C E R . . . 561
ta e não possuir treino para lidar com des. Sente-se enve rização do cuidado está em evitar a percepção de que nada
nenado. Contaminado em alguma instância. Vulnerável, mais há a fazer com o paciente que não tiver possibilidade
intoxicado, desperdiça força e energia, talentos e poten de cura, o que acarretaria o seu abandono. Dessa forma, es
cialidades, experimenta fadiga, desilusão e frustração. taria presente a idéia de que sempre há o que fazer, mesmo
Em razão da falta de formação em psicologia da saú quando a cura não é mais possível. Não evitaria, no entan
de, o protissional recorre ao arsenal de possibilidades pes to, os possíveis confliros contidos na decisão a respeito do
soais, muitas vezes não elaboradas e desadaptadas para o momento de interrupção do investimento na cura.
enfrentamento, aumentando o risco de formação de defesas
que visem neutralizar a intoxicação, mas podem acarretar a
neurotização do profissional e conseqüente adoecimento. E Um rápido olhar histórico
preciso desenvolver recursos apropriados para que se possa A morbidade psicológica dos profissionais de saúde é
lidar profissionalmente com a intoxicação psíquica e ativar um assunto que tem despertado o interesse de pesquisado
maneiras mais eficientes de enfrentar a tensão. res há bastante tempo.
Deve-sc investir numa compreensão empática do Alguns trabalhos tornaram-se clássicos, como o da
paciente, possibilitando tornar íntimo, com consciência, doutora Caroline Thomas et al. (1979), que acompanhou
limite e responsabilidade, o relacionamento que se estabe 1.300 estudantes de medicina da Johns Hopkins Medicai
lece, para aproximar-se de um diagnóstico complementar School entre os anos de 1948 e 1964. Foi aplicado a esses
constituído pela psicodinâmica do paciente, pela simbolo- alunos o teste de Rorschach, sendo utilizados também ins
gia do seu adoecimento e pelo desvendar de seu trajeto de trumentos de avaliação de atitudes de pais com filhos e de
vida, seja ele qual for. filhos com seus pais.
Constatou-se que aqueles indivíduos que tinham pais
ambiciosos, rigorosos, distantes, duros, imprevisíveis ou
Estresse e síndrome de burnout em turbulentos apresentaram maior incidência de patologias
cuidadores profissionais orgânicas, entre elas o câncer. Note-se que 10% não con
Ao falarmos de síndrome de burnout em cuidadores seguiram realizar seus potenciais como médicos e, quanto
profissionais, vale destacar que os profissionais de saúde, às mortes prematuras, 34% foram por suicídio.
muitas vezes intensamente empenhados em cuidar de seus Outro trabalho que merece ser citado é o de Vaillant
pacientes, não têm a mesma disponibilidade interna para (1977), psicólogo da Universidade de Harvard que anali
cuidar de si mesmos ou de seus companheiros de trabalho sou uma pesquisa desenvolvida com alunos daquela uni
e notar quando esses cuidados são necessários, em fun versidade. Vaillant identificou algumas características que
ção do estresse a que estão submetidos na lida diária com atribuiu ao que considerou personalidades imaturas, como
os pacientes com os quais trabalham. Em muitos casos os uso freqüente de projeções, presença de fantasias, acting
profissionais de saúde vivem situações-limite, nas quais out, comportamentos passivo-agressivos e hipocondria.
exigências ligadas a tomadas de decisão ou à própria prá Esses traços estavam associados à maior incidência de adoe-
tica profissional são intensas. cimenro orgânico, cerca de quatro vezes mais em relação à
As exigências podem também ter origem em aspectos população que não apresentava essas características.
internos do cuidador, além daquelas oriundas das situa Entre nós, Nogueira-Martins (1989-1990) tem es
ções-limite já citadas. Fatores ligados à formação pessoal tudado a questão do burnout e cita Tokarz, que afirma
e/ou profissional do cuidador podem dar origem a tensões que várias das características de personalidade que levam
importantes. Lembramos que, na formação tradicional do muitos indivíduos a escolher a medicina como profissão,
profissional de saúde, sobretudo na do médico, a morte ge como compulsão, rigidez, controle excessivo sobre emo
ralmente é sentida como um fracasso. Apesar de, algumas ções e fantasias não realistas sobre o futuro, são as mesmas
vezes, essa afirmação poder ser verdadeira, ela não deve se encontradas em indivíduos com doenças emocionais, dis
aplicar a todas as situações em que ocorre a morte. túrbios mentais e problemas relacionados ao alcoolismo e
Os profissionais de saúde têm sido forjados segundo a abuso de drogas.
idéia de que deve-se combater a morte sempre. Se, por um Nogueira-Martins também cita um trabalho de Col-
lado, essa atitude tem contribuído significativamente para a ford e Mcphee, no qual esses autores, tendo como obje
melhora das condições de vida da população e para o claro to de estudo médicos residentes, encontraram distúrbios
aumento da expectativa de vida, por outro, ela traz em si o emocionais que classificaram em quatro grupos:
risco de contribuir para a elevação do estresse profissional.
Se em lugar de adotar a idéia de sempre curar passarmos 1. Comportamentos de adição (abuso de álcool e
a adotar a de sempre cuidar, o estresse que diz respeito ao drogas).
aspecto em foco necessariamente diminuirá. A atitude de 2. Sofrimento ligado às relações interpessoais (divór
curar está contida na de cuidar sempre; a vantagem da valo cios e ruptura de relações afetivas).
562 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
3. Comportamentos psicopatológicos (ansiedade, de impossibilidade de atender à demanda por meio de certos
pressão e desejos suicidas). procedimentos, a despeito da necessidade dos pacientes.
4. Disfunção profissional (insatisfação no trabalho, Essa mesma complexidade é, por si só, fonte de ten
afastamento, licenças, excesso ou falta de confian sões. Assim, alguns tratamentos trazem riscos ao paciente.
ça, ceticismo e perda de compaixão). No tratamento de pacientes oncológicos, podemos citar,
como exemplo, o transplante de medula óssea.
E ainda de Nogueira-Martins a menção de um qua E possível também observar uma progressiva dimi
dro sindrômico, descrito por Small, em estudantes de me nuição da remuneração dos profissionais de saúde, o que
dicina que se caracteriza por distúrbios cognitivos episódi acarreta aumento do estresse, da insatisfação com o traba
cos, raiva crônica, ceticismo, discórdia familiar, depressão, lho e, eventualmente, sentimento de falta de perspectiva
ideação suicida e abuso de drogas. Algumas das alterações profissional. Médicos freqüentemente têm três ou mais
presentes nessa síndrome foram as seguintes: alterações do empregos, um fator de estresse que compromete a quali
sono, dores abdominais, diarréia, meteorismo, hiperfagia, dade de vida do profissional, levando-o a jornadas de tra
cefaléia e sudorese excessiva. Os resultados desse estudo balho extensas e cansativas, com possível diminuição do
mostraram que essa sintomatologia se agravava à medida nível do atendimento ao paciente.
que o aluno progredia no curso, com ocorrência de 11% A própria carga de trabalho pode se constituir num
no terceiro ano e chegando a 74% no quinto ano. fator desencadeador de burnout. Shaha e Rabenschlag
Dahlin e Runeson (2007), pesquisando a presença de (2007) afirmam que o aumento da carga de trabalho pode
burnout em estudantes de medicina por meio de entrevis ser um fator desencadcânte de estresse e burnout, que po
ta no primeiro ano e seguimento no terceiro ano do cur dem ocorrer tanto em nível individual como institucional.
so, constatam alta possibilidade de burnout naqueles que Esses eventos podem comprometer as interações da equi
apresentam impulsividade e sintomas depressivos além de pe de trabalho.
preocupações financeiras. Essa situação pode eventualmente levar ao surgi
Vimos a descrição de alguns quadros psicopatológicos mento da síndrome de sobrecarga de trabalho, que se
desenvolvidos por estudantes e por médicos com persona caracteriza por fadiga, irritabilidade, distúrbio do sono,
lidades que mostram uma predisposição ao adoccimento, dificuldade de concentração, depressão e queixas físicas.
os quais, além disso, estão expostos a ambientes de traba Podem estar também presentes quadros de depressão e
lho de alta insalubridade, como é o caso de instituições de ansiedade.
saúde que tratam de pacientes graves. Por outro lado, se houver entusiasmo pelo traba
Ao se pensar nos cuidados a serem dirigidos ao cui lho, a incidência de burnout pode diminuir, como afirma
dador, como profissional de saúde, é importante que se Sandovich (2005). Entusiasmo pelo trabalho é definido
tenham em mente dados como os que foram citados, para como atitude de envolvimento e compromisso profis
que possam ser desenvolvidos programas preventivos, sional, evidenciada por criatividade, receptividade ao
contando com o surgimento de certas dificuldades envol aprendizado e habilidade de perceber oportunidades na
vendo o profissional que exijam intervenção adequada. atividade cotidiana.
Como mencionado, a equipe de saúde pode estar Fatores preditivos do entusiasmo pelo trabalho são as
sujeita a diversas causas de estresse. E possível constatar adaptações do ambiente de trabalho e um bom clima, além
que, atualmente, há insuficiência de verbas destinadas à de oportunidades de crescimento e desenvolvimento.
saúde. Isso tem tido como consequência a impossibilidade Pode-se afirmar que, à medida que o enrusiasmo pelo
de atendimento adequado e a tempo. Pacientes que neces trabalho cresce, há um correspondente decréscimo de o graa
sitam de procedimentos como exames e cirurgias perma exaustão emocional e despersonalização, elementos pre tema è
necem, muitas vezes durante meses, em filas aguardando o sentes na síndrome de burnout. Além disso, o sentimento
momento do atendimento. Tal situação pode tornar tênue de realização pessoal tem uma relação direta com o entu
a diferença entre vida e morte, dependendo da patologia siasmo pelo trabalho.
presente. Temos testemunhado esse fato em várias institui Nos últimos anos, tem havido uma progressiva mu
ções que atendem pacientes portadores de doenças graves, dança nas relações dc poder dentro das instituições hospi
entre elas o câncer. O estresse se implanta tanto no nível talares. Hoje o setor administrativo adquiriu uma dimen
da administração hospitalar quanto no da equipe médica, são e poder que antes cabiam basicamente aos médicos e
que fica numa posição de absoluta impotência, já que de a alguns outros profissionais de saúde, como os enfermei
pende de verbas governamentais para o atendimento. ros. Essa alteração trouxe sentimentos de vulnerabilidade
Simultaneamente, há um gradual avanço tecnológi a esses profissionais.
co, sendo então criados procedimentos mais complexos e, Não podemos deixar de citar também a mudança
portanto, mais caros, levando a um acentuado aumento do de atitude da própria população, que, mais informada e
custo do atendimento médico. Isso implica, muitas vezes, a participativa, apresenta maior demanda quanto ao aten-
E S T R E S S E E S Í N D R O M E D E B U R N O U T E M E Q U I P E S Q U E C U I D A M D E P A C I E N T E S C O M C Â N C E R . . 563
dimento, tomando parte no processo decisório, o qual há terápicas, sobretudo antes do estabelecimento de normas
B algum tempo cabia exclusivamente ao médico. estritas de segurança, quando apresentavam mator nsco
No entanto, a população geral também pode desen de provocar câncer de tireoide, leucemias, línfomas, ano
volver fantasias segundo as quais a medicina possui pode malias congênitas ou abortos. Podiam levar ainda ao au
res ilimitados de cura e de evitação da morte. O próprio mento do risco de infecções, como hepatite, tuberculose e
avanço científico e tecnológico, o estabelecimento de no infecção por citomegalovírus.
bm vos conceitos de saúde e higiene e a prevenção de inúme Lederberg (1998) afirma que muitos estudos, atual
«ac ras doenças levaram a um aumento significativo da expec mente, têm como foco a questão da comunicação entre a
tativa de vida, o que favorece a criação dessas fantasias. equipe de saúde e pacientes e seus familiares. Esses estudos
Esse fato, por sua vez, acaba por estabelecer uma demanda mostram que pacientes e familiares suportam melhor as
que, quando não atendida, motiva reações de frustração e más notícias, desenvolvendo menos sentimentos de raiva
consequente hostilidade contra a equipe de saúde, consi contra a equipe, do que falhas na comunicação da equipe.
derada responsável pelo “insucesso”. Claro está que eventos dessa natureza acabam por se tornar
B OI Existem trabalhos que mostraram que o nível de es elementos geradores de tensão, já que podem se constituir
tresse dos profissionais de saúde é semelhante ao daqueles em fonte de atrito entre equipe, paciente e família.
pacientes que apresentam quadro de transtorno do estres Em nossa experiência, sempre que temos disponibi
se pós-traumático consequente a desastres. lidade para informar adequadamente os pacientes e seus
:■ - Alguns estudos têm identificado diferentes níveis de familiares a respeito dos procedimentos médicos, obser
estresse enrre profissionais de saúde, dependendo do mo vamos diminuição da ansiedade por parte dos pacientes e
delo de instituição em que trabalham. Assim, Bram e Katz maior adesão aos tratamentos, além da redução de solici
-- - (1989) compararam enfermeiras trabalhando em hospices tações à equipe de saúde.
com outras trabalhando em hospital oncológico e cons Para obter esse resultado, instituímos o atendimento
Mp>» tataram que as primeiras apresentavam menor índice de em grupo de pacientes que seriam submetidos à cirurgia.
síndrome de estresse profissional1 {burnout syndromé). Participavam desse grupo uma psicóloga, uma enfermei
Da mesma forma, Beck-Friis et al. (1993) compararam ra, uma nutricionista e uma assistente social, que presta
enfermeiras que trabalhavam em hospital com serviço de vam todos os esclarecimentos necessários relativos à sua
cuidados domiciliares (home-care) com aquelas que traba área de atuação, além de responder a todas as dúvidas
lhavam em hospital geral, chegando a conclusões seme dos pacientes.
lhantes, ou seja, as enfermeiras atuando em hospital com Nesse programa de atendimento, os pacientes eram
krzE* cuidados domiciliares apresentavam menores índices de estimulados a vencer suas inibições, freqüentemente estabe
síndrome do estresse profissional. lecidas por questões culturais, e, então, pedir aos seus mé
ncí- Serviços como hospices ou aqueles em que a equipe dicos todas as informações específicas que fossem pertinen
tem sólidas relações e pode expressar seus pontos de vista, tes à atuação desse profissional. Devemos lembrar também
tendo sua opinião considerada, apresentam menos buni- que as informações que causam grande impacto emocional
out. Da mesma forma, naqueles serviços em que há mais em geral não podem ser assimiladas de imediato, sendo sua
afeto do que reconhecimento pela qualidade do trabalho elaboração um processo que exige tempo, de forma que
e nos quais o cuidador sente-se também cuidado, tem-se novas questões surgirão gradualmente. E importante que o
observado aumento da produtividade. profissional de saúde considere esse fato, estando disponí
fOB Outros trabalhos mostram que há forte relação entre vel para ouvir e atender à demanda do paciente.
i ar o grau de satisfação com o trabalho e a qualidade do sis Quando falamos em ouvir, queremos dar a esse verbo
tema de suporte social à equipe de saúde oferecido pela um significado especial, qual seja, o do estabelecimento
instituição (Bram e Katz, 1989). dc contato com o conteúdo emocional subjacente à fala
=r-. Riscos ocupacionais podem também se transformar do paciente. Sempre que pudermos apreender a emoção
em fatores de estresse. Como exemplos, podemos citar a que motiva a fala e a decodificarmos para o paciente, este
Ci" exposição à radiação ou a manipulação de drogas quimio- se sentirá compreendido e terá, geralmente, suas tensões
presentes aliviadas.
1 5índrome de estresse profissional chamada em inglês de burnout syn- Aspectos ligados à relação profissional que envolve
dtome, é um quadroque aparece em profissionais comprometidos com saúde e paciente podem manter correlação com a insta
o seu trabalho e se caracteriza por sintomas somáticos, psíquicos e com- lação de um quadro de burnout. Holmqvisc e Jeanneau
portamentais. Os sintomas somáticos sào: exaustão, fadiga, cefaléies,
distúrbios gastrointestinais, insônia, dispnéia. Os sintomas psíquicos
(2006), estudando as emoções dos profissionais de saúde
são: humor depressivo, irritabilidade, ansiedade, rigidez, negativismo, ao lidarem com pacientes, constataram que a presença de
ceticismo, desinteresse. Os sintomas comportamentais sâo caracteri sentimentos positivos dos profissionais para com os pa
zados basicamente por condutas de evitação, como consultas rápidas,
cientes (como sentimentos de satisfação pessoal) se rela
falta de contato visual, rótulos depreciativos geralmente atribuídos ao
cliente, atitude crítica e ataques às pessoas e instituições. cionava a baixos índices de burnout, enquanto a presença
564 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
de sentimentos negativos (como sentimentos de inutilidade Da mesma forma, experiências negativas anteriores
e de rejeição pelo paciente) se relacionava a altos índices podem também se constituir em fator de risco de estresse.
dessa síndrome. A existência de impressões carregadas de afetos negati
vos que podem ser reativadas por situações atuais poderá
interferir na qualidade da relação com o paciente ou fa
Estresse relacionado ao câncer miliar, bem como na clareza de julgamentos sobre quais
Em relação ao câncer, existem estresses específicos. condutas adotar.
Podem ser classificados segundo a natureza da doença: Há elementos relacionados à natureza do tratamento
aqueles relacionados ao tratamento em si, aos efeitos cola que podem ser estressantes. Entre eles, os ligados à radio
terais e seus tratamentos; aqueles ligados à tomada de deci terapia. Na Era Pós-Moderna, foi-se firmando o medo de
sões e desentendimentos internos da equipe de saúde; por contaminação radioativa. Desde a Segunda Guerra Mun
último, aqueles relacionados às respostas dos pacientes. dial, após os ataques às cidades de Hiroshima e Nagasaki.
No que diz respeito ao estresse relacionado à natu quando a humanidade testemunhou cenas de horror e
reza da doença, podemos citar as fantasias ligadas aos es suas duradouras consequências, foi-se desenvolvendo a
tigmas do câncer. Embora hoje em dia seja claro que o consciência do risco de contaminação radioativa. Essas
câncer pode muitas vezes ser curado ou se transformar lembranças podem ter povoado o imaginário de muitas
numa doença crônica, seu diagnóstico sempre encerra me pessoas, manifestando-se cm comportamentos fóbicos.
dos relacionados a desfiguração, mutilação, deterioração, Não é incomum vermos pacientes que, submetidos
sofrimento, dor e morte. Essas fantasias ocorrem de forma à radioterapia, temem ter se tornado “radioativos”, cons
universal. Assim sendo, tanto pacientes como familiares e tituindo, portanto, um risco para aqueles com quem
profissionais podem sofrer angústias diante dessa doença. convivem. Não é impossível que profissionais de saúde
Outro aspecto que pode estar presente se relacio tenham os mesmos medos.
na à imprevisibilidade da doença. Esse aspecto, como Os transplantes de medula, como já mencionado, po
o anterior, pode ser considerado fator de estresse tanto dem também se constituir num elemento de estresse para
para profissionais quanto para pacientes e familiares. No os profissionais envolvidos, em função da complexidade e
que diz respeito ao cuidador profissional, temos sempre do alto risco que esse procedimento apresenta.
de levar em conta os aspectos subjetivos presentes, por Cirurgias amplas e mutiladoras podem também mo
exemplo o desejo de obter bons resultados de sua atuação bilizar emoções na equipe e, conseqüentemente, provocar
profissional. reações de estresse. E possível observar esse comporta
Outros elementos subjetivos podem estar envolvidos. mento em relação às cirurgias de cabeça e pescoço, que
Já mencionamos a questão da formação médica, em que podem causar mutilações muito evidentes. Há de se con
o curar sempre foi mais valorizado do que o cuidar. Es siderar que o rosto é a parte de nosso corpo diretamente
tabelece-se uma hierarquia de valores, em que especiali relacionada ao primeiro contato social. Mutilações nessa
dades relacionadas à ação curativa são mais valorizadas área causam reações psicossociais bastante intensas c, aqui
que outras, mais ligadas ao ato de cuidar. Nem sempre também, de forma universal, ou seja, envolvendo pacien
se atina que, se o referencial fosse transferido do curar te, familiares, profissionais de saúde e pessoas do círculo
para o cuidar, muito se ganharia em termos de distensão dc relações do paciente.
emocional. Podemos pensar que o ato médico é um cui Essa condição pode, portanto, provocar na equipe
dar contínuo. Podemos mesmo afirmar que já cuidamos de reações de ordem emocional, como dor, tristeza, medo,
um indivíduo antes de seu nascimento, quando a gestante vergonha, culpa, comportamento de evitação, ou um ex
passa pelo acompanhamento pré-natal. Cuidamos dele ao cessivo envolvimento compensatório. E possível que, nes
longo da vida, nos processos de prevenção e nos momen sas circunstâncias, o membro da equipe que assim esteja
tos de adoecimento. Cuidamos quando nossa função é pa reagindo necessite de cuidados que o ajudem a elaborar
liar, nas ocasiões em que já não há a possibilidade de cura. seus sentimentos.
Cuidamos no momento da morte e, por fim, continuamos Outro elemento desencadeador de tensões a ser con
cuidando quando acompanhamos o luto das pessoas liga siderado refere-se às questões de ordem ética, no que diz
das àqueles de quem cuidávamos. respeito à alta tecnologia atualmente disponível e ao mo
No que diz respeito à formação, vale lembrar que en- mento de supressão dos tratamentos aplicados a pacientes
sina-se, desde os primórdios, que o não saber e o errar são terminais, ao suicídio assistido e à eutanásia.
sempre seguidos dc alguma punição. Portanto, estar em Aqui valem rápidas considerações quanto ao momen
uma situação que exige decisões difíceis e ações comple to de supressão dos tratamentos. Temos observado que o
xas pode ser um importante elemento de tensão. Assim, desejo de manrer o paciente vivo, aliado aos recursos tec
podem surgir reações de ansiedade, angústia ou compor nológicos hoje amplamente disponíveis, além da questão
tamentos de evitação. da formação médica já citada, tem levado muitas vezes a
E S T R E S S E E S Í N D R O M E D E B U R N O U T E M E Q U I P E S Q U E C U I D A M D E P A C I E N T E S C O M C Â N C E R . . . 565
um esforço descabido para a manutenção da vida a qual Há pacientes que reagem de forma muito intensa, por
quer custo, resultando num processo de sofrimento para exemplo, à alopecia. E a fadiga é outro sintoma de difícil
pacientes, familiares e equipe. Isso se caracteriza, em mui abordagem, que acarreta muitas vezes intensas e persis
tas casos, como tratamento fútil, ou seja, aquele que “não tentes queixas do paciente. Algumas medidas podem ser
mais beneficia o doente em estado crítico, terminal, em es tomadas, nem sempre com resultados eficazes, o que pode
tado vegetativo persistente, ou o neonato concebido com resultar em frustração e aumento da tensão para a equipe.
seríssimas deficiências congênitas, e torna-se, portanto, A sepse dispensa comentários pelo óbvio risco que con
fútil c inútil. A insistência em implementá-lo vai resultar tém. Já a hiperêmese traz desconforto ao paciente e alguns
numa situação que caracterizamos como distanásia” (Pes- riscos, embora hoje possamos contar com drogas amieméti-
sini, 2001, p. 163). cas eficientes. E preciso lembrar que muitos pacientes apre
Ao criticarmos condutas médicas que se dedicam à sentam quadro de náuseas antecipatórias, que resiste a qual
manutenção da vida a qualquer preço, não estamos, de quer abordagem que use a lógica como elemento de ação,
forma alguma, desprezando um dos grandes objetivos das exigindo do profissional o domínio de técnicas psicológicas
ciências médicas, qual seja, empenhar-se para o aumento específicas que possam obter algum resultado.
da longevidade e garantir que não ocorram mortes pre Pode ainda estar presente na equipe a angústia pela
maturas. Defendemos incondicionalmente essa posição, possibilidade de iatrogenia, um elemento que pode levar à
mas falamos aqui do momento em que se perde de vista necessidade de que se cuide do profissional.
a função de cuidar, insistindo na de curar ou sempre “sal Há também outras preocupações severas que enlu
var”. Vale lembrar que são nobres funções médicas pro tam a equipe, podendo ser notadas quando, por exemplo,
porcionar alívio e, no caso do paciente moribundo, criar pacientes jovens são submetidos a procedimentos que
condições para que a morte do doente seja acompanhada podem levar à esterilidade, principalmente nos casos de
do menor sofrimento possível. impossibilidade de contar com recursos como o banco de
O envolvimento emocional do médico com o pa sêmen.
ciente ou a família, o medo da reação desta à proposta O desenvolvimento tecnológico que temos testemu
da supressão dos tratamentos e os próprios aspectos pes nhado gradualmentc pôs à disposição da equipe maior nú
soais do médico podem fazer que haja perda de clareza mero de alternativas, pela variedade de tratamentos pos
a respeito da melhor conduta nesse momento. E comum síveis. Por outro lado, pacientes passaram a ter acesso a
observarmos, sobretudo em relação à população que tem mais informações a respeito da doença e seus tratamentos.
mais acesso aos recursos médicos (muitas vezes pelo sim Desenvolveu-sc também a convicção de que a participação
ples fato de poderem contar com mais recursos técnicos), mais ativa dos pacientes em seus tratamentos traz benefí
a tentativa de prolongar a vida quando na realidade o que cios, fato que gerou a necessidade de mais discussões sobre
se prolonga é o sofrimento, impondo-se, algumas vezes, a alternativa a ser adotada. Escolhas de condutas a serem
verdadeira violência ao paciente. adotadas podem ser menos ambíguas no início do trata
E importante reconhecer o momento em que de fato mento ou no seu final. No entanto, entre esses momentos,
se está diante da morte do paciente, contudo sem aban muitas vezes podem não existir parâmetros claramente de
doná-lo. finidos, o que pode ser um fator desencadeante de angús
Nesse sentido, têm-se desenvolvido conhecimentos tia sentida pelo paciente e seus familiares, constituindo-se
na área de cuidados paliativos, o que vem possibilitando o em mais um peso para o profissional.
acompanhamento e tratamento de pacientes sem possibi A mudança da fase de tratamento - de curativa para
lidades terapêuticas de cura, trazendo conforto e diminui paliativa - é outro momento que pode gerar reações emo
ção do sofrimento no processo de morrer. cionais na equipe. Nessa etapa, podem surgir ansiedade,
Ampla discussão ética tem sido travada em todo o confusão, depressão, reações negativas, divergências en
mundo em relação a questões como o suicídio assistido e tre equipe e família bem como divergências internas da
a eutanásia. Alguns países têm adotado a eutanásia como equipe.
procedimento legalizado, a despeito dos esforços desen Há sempre de se considerar as diferenças pessoais
volvidos no sentido da paliação. quanro à forma com que cada membro da equipe lida com
Há ainda de se levar em conta os efeitos colaterais as questões impostas por esse momento tão delicado. De
que sempre acompanham os tratamentos do paciente com pendendo de posicionamenros filosóficos, de experiências
câncer. Quando se trata da quimioterapia, são devidos à anteriores, do papel que determinado profissional desem
citotoxicidadc desses tratamentos. Assim, podemos citar, penha na equipe c da disciplina de cada um, temos modos
entre outros, alopecia, sepse, fadiga, hiperêmese. Esses diferentes de lidar com o estresse. Esse pode ser um ele
eventos podem desencadear reações emocionais nos pa mento de conflito entre a equipe, expresso no momento
cientes ou pô-los em risco de morte. Ambas as situações cm que um profissional ou grupo de profissionais não acei
podem resultar em estresse para a equipe. tar a posição de outros.
■ » . ■ i - » i ■ ----- -----..l.*.±lúí -1-. i ,.ii iJiiL.it.iLii i» .■ .■ i.:Im U.luLi .t.iiiiiiHiUllUtUilluliiklhiki
Quanto a esse aspecto, cabe lembrar que em geral é dar do paciente, poder cuidar dos familiares envolvidos
o médico quem detém o maior número de informações e da equipe, dissolvendo os conflitos que possam estar
técnicas sobre a doença e sua evolução. Assim sendo, é presentes.
esperado que tenha uma abordagem mais intelectual e Alguns pacientes podem ser mais difíceis, como, por
racional, fato que eventualmente pode causar mal-estar exemplo, aqueles que apresentam transtorno de carárer
e conflitos na equipe; sendo normalmente o responsável ou personalidade borderline. O funcionamento psíquico
pelas decisões, aqueles que dão maior valor aos aspectos desses pacientes ocorre por meio de diversos tipos de ma
emocionais em jogo poderão entender sua atitude como nipulação, trazendo dificuldades e sofrimento para aque
fria e insensível. O não-reconhecimento dessas diferentes les com quem convivem. Geralmente são desencadeadas,
abordagens ou o privilégio a alguma delas poderão agra na equipe, reações hostis ao comportamento do paciente,
var as tensões presentes na equipe. ou sentimentos de inadequação e impotência. O desejo de
Convém lembrar que, numa equipe multidisciplinar, afastamento e abandono desses pacientes é muito freqüen-
esses aspectos podem ser exacerbados, sobretudo quan te, às vezes concretizando-se, e esses sentimentos ou ações
do está presente apenas a idéia da multidisciplinaridade, podem, muitas vezes, conflitar com preceitos profissionais
sem a preocupação de estabelecer uma linguagem mais e provocar sentimentos de culpa.
uniforme no grupo. Somente a preocupação referente ao Outros pacientes podem ser considerados singula
atendimento da exigência de contar com vários profis res. Geralmente são as crianças, sobreviventes especiais e
sionais que dêem assistência às diversas necessidades do grandes lutadoras. Em muitos casos elas podem demandar
paciente com câncer pode não ser suficiente. Serviços em um superenvolvimento, o que pode gerar um comprome
que essa visão predomina podem ter de enfrentar, com timento do julgamento, desentendimentos entre compo
• . li ; üV ü !
mais frequência, embates entre membros da equipe, resul nentes da equipe e lutos não resolvidos.
tando em piora do ambiente de trabalho, maior desgaste Há um momento em que o paciente apresenta um
emocional e perda da qualidade do atendimento. declínio de seu estado de saúde. Várias são as reações que
Outro fato a ser considerado é o de que pacientes di podem ocorrer nessa fase. Não é raro que o paciente tente
ferentes podem apresentar respostas psicológicas distintas. se agarrar à vida, usando de todos os instrumentos que lhe
Essas respostas podem também diferir segundo a fase em estejam à mão. Nessa fase, a família também pode apre
que se encontra a doença. Assim, podem estar presentes sentar uma reação de desespero. Tais comportamentos
respostas como embotamento da sensibilidade ou nega podem afetar a equipe de saúde, desencadeando diversas ace*
ção, medo ou regressão, pensamento mágico e esperan reações, desde a perda de sua capacidade de julgamento, Dni
ças irreais, apelos e barganhas, desapontamento, raiva e ao sc empenhar de forma exagerada em cuidar do pacien de n
agressividade contra os cuidadores por culpá-los pelo mau te, até o comportamento de evitação de um contato mais
desenlace dos tratamentos. estreito, passando por sentimentos de culpa por não ser cooâ
Pitta (1994) afirma que reações emocionais também capaz de atender à demanda do paciente e da sua família. te «i
estão presentes nos familiares, que podem manifestar vá Vale a pena lembrar que estudos têm mostrado que, sobv
rios sentimentos. Alguns deles podem ser ligados a afetos quando o paciente entra na fase de terminalidade, as vi -i-i
positivos, como apreço, gratidão, afeição, respeito e cren sitas médicas diminuem sensivelmente, refletindo, prova
ça no funcionamento do hospital; essas pessoas podem ser velmente, a dificuldade dc os médicos se confrontarem bs a
prestimosas e mostrar preocupação com os membros da com esse momento da vida de seus pacientes. Muitas ve des*
equipe. No entanto, os sentimentos também podem ter zes esse comportamento é acompanhado pela justificativa a
um colorido negativo, como nos casos de inveja da equipe racionalizada de que nada mais há a fazer pelo paciente, além
de saúde, percebida como mais competente para lidar com e as atenções médicas passam a ser dirigidas a pacientes .
o paciente, ressentimento pela relação de dependência, que apresentam condições de recuperação. Nesses casos, sec i
não-aceitação da disciplina hospitalar, comportamento mais uma vez pode-se fazer necessário o atendimento psi <?*■
exigente, possessivo, ciumento e crítico à equipe. Quando cológico à equipe. E essencial fazer que os sentimentos
destituídas de razão, essas críticas podem revelar um me venham à superfície para, uma vez tornados conscientes, de i
canismo de projeção de sentimentos de fracasso. ser elaborados e reestruturados em termos da aceitação do
Conflitos dessa natureza requerem a intervenção que é inevitável. Isso pode permitir que a autoconfiança e
de um psicólogo adequadamente treinado. Esse é um auto-esrima sejam reparadas.
dos escopos da psico-oncologia2, ou seja, além de cui- Quando se trata do trabalho com pacientes sem
possibilidade terapêutica de cura, para os quais a morte
2 Usamos neste texto, assim como em rodo o livro, a grafia "psico-oncolo- é mais do que uma perspectiva, fazendo que a equipe
gia' fugindo da norma culta da língua portuguesa, que determina a gra de saúde esteja em contato frequente com esse evento,
fia sem hífen (psiconcologia). A Sociedade Brasileira de Psico-Oncoiogia podem-se observar reações como a perda precoce do
escolheu essa grafia para deixar clara a relação entre as áreas envolvidas,
ou seja, a psicologia e a oncologia. sentimento de invulnerabilidade e a consciência dolorosa
de sua própria mortalidade. A freqüência aumentada da No primeiro caso, a fragmentação da relação profis
exposição à morte pode se constituir numa experiência sional de saúde-paciente, o profissional pode estabelecer
traumática (Lederberg, 1998). uma relação apenas com alguns dos aspectos do paciente
Como defesa a essas reações, pode surgir um compor que estão presentes. Dessa forma, somente os aspectos fí
tamento caracterizado pelo desejo de “ir em frente”, sem sicos poderão ser considerados, não dando oportunidade
que o profissional se atenha ao que com ele está ocorren ao paciente de se referir aos temas que possam representar
do. Isso impede que se estabeleça um processo de elabo risco de tensão, pela dificuldade emocional que possam
ração de sentimentos e emoções. Como resultado, poderá conter. O profissional também dividirá suas tarefas de for
haver aumento de tensões, comportamento de evitação, ma a reduzir o tempo de contato com o doente.
abortamento do luto, com conseqüente medo constante No segundo caso, a despersonalização e negação da
k ac da morte, e culpa por ser sobrevivente. Essa situação pode importância do indivíduo, adota-se a idéia de que nenhum
gerar comportamentos inadequados, como, mais uma vez, paciente é diferente do outro. Isso é embasado numa ra
^ WB adoção de supertratamentos, desmedido envolvimento cionalização: a de que todos têm os mesmos direitos e,
emocional com o paciente e inabilidade de se desligar ple portanto, têm de ser tratados de forma igual. Ao se nivelar
namente do trabalho. um paciente aos outros, impede-se o estabelecimento de
Já comentamos antes e reforçamos agora que ou vínculos afetivos diferenciados. Evita-se, assim, um conta
tro fator de estresse, tanto para pacientes quanto para to com o que existe de pessoal em determinado indivíduo
familiares, relaciona-se a problemas de comunicação. e com sua subjetividade.
Tem-se observado que dificuldades de comunicação po O terceiro mecanismo de defesa socialmente estrutu
dem desencadear situações de crise na relação equipe de rado, distanciamento e negação de sentimentos, é por si
saúde-paciente, da mesma forma que uma boa comuni só explicativo. Pelo mesmo motivo - a dificuldade de lidar
cação pode ser grandemente eficaz na diluição de ten com emoções -, leva o profissional a se distanciar de
> d-XÍ sões. Sempre que o profissional for percebido como mais todas as situações mobilizadoras. Identificações perturba
humano, interessado e disponível para dar explicações e doras são evitadas e sentimentos não são percebidos. E in
conforto, haverá uma predisposição por parte de pacien teressante comentar um trabalho desenvolvido por Klafke
tes e familiares para o estabelecimento de uma relação (1991), em que estuda aspectos da relação médico-pacien
mais solidária e, portanto, menos ansiosa. Isso facilita a te terminal em cancerologia. A autora constatou que certo
aceitação dos tratamentos e a colaboração com a equipe. percentual dos médicos pesquisados conversaria com seus
Daí a importância de que os cuidadores tenham domínio pacientes sobre a morte, mas nunca o haviam feito porque
de técnicas de comunicação. os pacientes não haviam tocado nesse assunto. Ora, essa
O adequado treinamento de profissionais no que afirmação nos chama a atenção e suscita a pergunta: será
concerne a técnicas que facilitem o contato com o pacien que o desejo de falar da morte esteve presente, sendo ma
t te ou seu familiar e a percepção do conteúdo emocional nifestado por alguma forma de expressão, e apenas não
mtX. subjacenre à sua fala podem ser dc grande utilidade na foi percebido pelo médico, como conseqüência do meca
diminuição do estresse de rodos. nismo de negação?
Quando o profissional sente ter sido hábil e eficiente No quarto caso, decisões a serem tomadas podem se
na comunicação com o paciente, há outro desdobramento constituir em foco de angústias e tensões. Os membros das
dessa prática, agora em relação ao próprio profissional: instituições adiam esse momento e, mediante um “ritual
trata-sc da satisfação em função de um trabalho eficiente, de desempenho de tarefas” (Pitta, 1994, p. 66), tentam
além da diminuição de seu próprio estresse, já que o pa eliminar essas decisões. Assim, a
ciente bem atendido geralmente acaba tendo diminuído o
seu nível de ansiedade, com conseqüente redução da fre Eterna procura de rotinas e padronizações de con
qüência de suas solicitações. dutas não tem justificativa apenas na economia objetiva
Segundo Mineis (1970), existem alguns mecanismos de gestos e procedimentos. Embora exista sempre nas
de defesa estruturados social mente que podem ser adota instituições concretas um dispêndio de tempo no esfor
dos pelos membros da equipe de saúde. São eles: ço de padronizar os processos de cuidados dos enfer
mos, tal dispêndio de tempo e energia funciona como
• Fragmentação da relação profissional de saúde- um ritual dc postergação e controle de decisões a serem
paciente. tomadas frente a numerosas demandas que cada doente
• Despersonalização e negação da importância do in é capaz de produzir. (Pitta, 1994, p. 66)
divíduo.
• Distanciamento e negação dos sentimentos. Por fim, temos a tentativa de redução do peso da res
• Tentativa de eliminar decisões. ponsabilidade como forma de alívio da angústia gerada por
• Redução do peso das responsabilidades. ela. O parcelamento e a fragmentação das tarefas acabam
568 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
por exigir todo um sisrema de verificações e contraverifica- Ao se contratar um profissional, deve-se também con ensaai
ções quanto ao andamento dos trabalhos. Pode-se dizer que siderar sua habilidade de estabelecer bons contatos sociais. çáo é
Pessoas que têm sólida estrutura emocional e boa auto-
O peso psicológico da ansiedade gerada por uma estima geralmente são capazes de criar cm torno de si uma é o i
decisão final e total feita por uma única pessoa é dis considerável rede social de apoio. naine
sipado de inúmeras maneiras, de forma a reduzir seu Também é preciso verificar se houve experiências
impacto [...] uma proteção adicional contra o impac anteriores com doenças graves, como foram essas experi
to da responsabilidade específica para tarefas especí ências e de que forma influenciaram a vida do candidato.
ficas é fornecida pelo fato de que a estrutura formal Essas vivências podem tê-lo instrumentalizado de forma a legur
e o sistema de papéis não logram definir de maneira capacitá-lo para um trabalho mais eficiente, mas eventual
suficientemente clara quem é responsável pelo que e mente podem ter se constituído em experiências traumáti çôesi
por quem. (Menzies, 1970, p. 22) cas. Elas podem ser ativadas por experiências atuais, com biiidi
interferências negativas no desempenho profissional. ser «à
Assim, pode haver um elaborado jogo entre profis Muitas vezes o problema que resulta em estresse que «
sionais de uma mesma equipe, envolvendo uma tentativa pode se referir a aspectos da própria instituição. Quan pron
de não ter de assumir decisões que podem ser difíceis. do isso ocorre, torna-se necessário definir que aspectos de lacxa
Esse jogo pode gerar, por outro lado, aumento de ten determinado serviço precisam de intervenções, visando a sob a
correções ou adaptações às demandas surgidas. Assim, é prcçi
sões dentro da própria equipe. Menzies (1970, apud Pit-
fundamental que se avaliem o que é possível mudar e o
ta, 1994, p. 25) menciona esse aspecto, citando o caso
grau de autonomia e poder real do chefe imediato para é
das enfermeiras:
fazer as mudanças necessárias. A não-avaliação adequada
pode resultar em insucessos e frustrações, com o aumento --
As enfermeiras enquanto subordinadas tendem
das tensões dentro da equipe. nções
a se sentir muito dependentes de suas superioras, so
Cabe a um chefe de equipe promover a comperência,
bre quem elas investem psicologicamente através de
a auto-estima e o autocuidado em seus comandados. Deve prod
projeção de algumas de suas partes melhores e mais
ainda propiciar a eles ampliação de conhecimentos que posa
competentes. Elas sentem que suas projeções lhes dão
levem a um enriquecimento educacional e profissional, C~ X
o direito para esperar que suas superioras assumam
além de apoiar interesses. Como vimos, em equipes cujos
seu trabalho e tomem decisões por elas. Por outro
membros se percebem ouvidos c considerados estabele
lado, as enfermeiras, na condição de superioras, sen
cem-se melhores vínculos com a instituição e geralmente uuya
tem que não podem confiar inteiramente em suas su
há melhora da produtividade.
bordinadas, nas quais psicologicamente colocam as Também é função do chefe de equipe garantir que
partes irresponsáveis c incompetentes de si mesmas. haja predominância de estratégias intelectuais de enfren-
tamento. Deverá ser claro na atribuição de tarefas, não
dando margem a ambigüidades, e oferecer retornos posi
Intervenções possíveis
tivos. Deverá, ainda, encorajar a coesão grupai e estimular
Consideraremos aqui formas de intervenção que po o diálogo entre os profissionais da equipe. ■açaí
dem ser adotadas por cuidadores profissionais. Quando o apoio é a intervenção necessária, ele pode
Quando o cuidador c um profissional de saúde, pode ocorrer tanto em grupo como individualmente. É função
mos ter modalidades de intervenção que dizem respeito a: do chefe saber quando indicar uma ou outra opção. Essa esc
intervenção deverá lidar com aspecros cognitivos, com- rá-b
• Seleção de profissionais. portamentais e emocionais.
• Medidas organizacionais. Em serviços que temos acompanhado nos últimos
• Apoio. anos, têm partido dos próprios profissionais os pedidos
• Treinamento específico. para que as instituições criem formas de atendimento a
suas necessidades emocionais. Algumas dessas instituições
A primeira das medidas a se considerar, ou seja, a se têm-se mostrado sensíveis a essa demanda e estão come
leção de profissionais, deve levar em conta critérios como çando a organizar seu atendimento.
competência, capacidade de assumir responsabilidades e Na etapa da resolução de problemas, é necessárk
integridade do profissional. identificar o que exatamente está prejudicando o anda
Há necessidade também de que o profissional sele mento do trabalho, enconrrar os antecedentes do proble
cionado tenha habilidades de comunicação, um aspecto ma e determinar as consequências presentes. A partir daí.
bastante importante e talvez determinante, dependendo deve-se pensar em soluções alternativas, custos e benef - -
da atnWição que \Yie será dada. c‘\os àt cada so\\.\ção, pata «n&o difc&at-se a discussão e
E S T R E S S E E S l N D R O M E D E B U R N O U T E M E Q U I P E S Q U E C U I D A M D E P A C I E N T E S C O M C Â N C E R . . 569
ensaio de um plano de ação. Na sequência, após a aplica emoções, suas e daqueles com quem terá de conviver ao
ção do plano, é preciso acompanhá-lo e avaliá-lo. longo de sua carreira.
A quarta e última forma de intervenção mencionada
é o treinamento específico do profissional. O bom trei
namento leva a melhor desempenho profissional, maior Considerações finais
sensação de competência e segurança durante as ações e E inegável que a tarefa do profissional de saúde é
consequente diminuição do estresse. atender sua clientela. Não há especialidade que cure tudo,
O treinamento deve ter um caráter específico e privi apesar de todos os esforços, e o que não pode ser curado
legiar aspectos informativos e formativos. deve ser cuidado.
O aspecto informativo é técnico. Envolve informa O trabalho na área de saúde é em si muito desgastan
ções teóricas e treinamentos práticos que desenvolvam ha te, e esse desgaste pode ser agravado por fatores pessoais,
bilidades profissionais. Atenção especial, no entanto, deve culturais, econômicos e políticos.
ser dada à formação do profissional. Assim, é necessário O profissional de saúde necessita de um espaço reser
que o autoconhecimento seja desenvolvido da forma mais vado à reflexão e autocrítica de sua atuação. Seu cotidia
profunda possível, podendo tornar bem mais fácil o re no agitado e sobrecarregado de tarefas demanda espaço e
lacionamento do profissional com o paciente que estará tempo para que possa ocupar o lugar de observador de si
sob seus cuidados, bem como com seus familiares e com a mesmo. O ideal seria que pudesse compartilhar suas dores,
própria equipe à qual pertence. dúvidas e anseios, ou mesmo discutir sua experiência pro
Assim, no processo de formação do profissional, fissional, submetendo-a a outros olhares e considerações.
é importante que se desenvolvam habilidades para que E muito provável que um profissional que apresente
haja compreensão intelectual das situações com as quais fadiga excessiva e ausência de sentido em relação à sua
estará envolvido, para que possa identificar suas supers profissão esteja suficientemente anestesiado para não per
tições, elaborá-las e eliminá-las. E desejável que o pro ceber a deformação profissional que o atingiu. O automa
fissional adote uma atitude voltada para a resolução de tismo faz que nos movimentemos em diversas direções,
problemas, reconhecendo em si todos os elementos que sem perceber o caminho que trilhamos.
possam comprometer essa atitude; que tenha controles O medo da autocrítica e do autoconhecimento faz
emocionais confiáveis, de forma a poder funcionar bem parte de uma cultura comprometida com a perfeição, o su
mesmo sob pressão. cesso, a hiperatividade, a alegria e a fantasia de resolução
É ao longo do processo de formação c com vistas ao imediata dos problemas.
maior autoconhecimento que deverão ser exploradas as Aproveitamos para mencionar um acontecimento re
crenças inconscientes que poderão estar presentes no pro cente: um médico muito querido, cirurgião plástico, nos
fissional. Para isso, é necessário que ele apresente disponi apresentou um livro com fotos de mulheres que passaram
bilidade interna para explorá-las ou receber informações pela reconstrução mamária. Mulheres parcialmente nuas,
que possam revelá-las. Aspectos idiossincráticos devem ser em situações que envolviam prazer, afetividade, amorosi
aclarados, já que podem levar a medos e comportamen dade. Elas exibiam liberdade, sensualidade, beleza, alegria
tos irracionais. Cabe lembrar que essas crenças, quando e marcas. Cicatrizes que contam histórias. Histórias que
inconscientes, provocam comportamentos involuntários, são reflexos da expressão do destino de cada um daqueles
mistificados ou racionalizados. Quando as crenças são seres humanos.
conscientes, podem ser rotuladas como fraquezas e então Podemos viver com marcas, e essa suposta imperfei
escondidas; nesse caso, perde-se a possibilidade de elabo ção é perfeita num contexto que representa muito mais do
rá-las e eventualmente transformá-las. que a soma de todas as partes.
E importante que o profissional possa exercer do Corremos o risco de esquecer que um rosto, um olhar
mínio sobre situações atemorizantes, identificar c aplacar tornam impossível a indiferença e exigem uma postura e
sentimentos de culpa, reconhecer e controlar impulsos participação.
Ià voyeurísticos, sádicos ou masoquistas. Ao se conhecer me Podemos utilizar nossas dificuldades, apreensões pes
lhor o profissional, poderá também ser evitado o acting soais ou lucidez em relação às experiências de sofrimento
out de fortes situações familiares. como matrizes do entendimento do sofrimento do outro,
Aspectos éticos devem ser amplamente discutidos, de e considerar que nossas emoções também se caracterizam
forma a se estabelecer a consciência dc sua importância. como um campo fértil de percepções, um portal de codifi
Ter presentes conceitos éticos é algo fundamental para cação da dinâmica da doença.
uma boa prática profissional, aqui entendida de forma am Temos percebido, acompanhando pessoas com cân
pla, ou seja, no que diz respeito ao paciente mas também cer, que, aturdidos pela experiência dolorida da doença,
no que concerne às próprias relações profissionais. pacientes oncológicos se sentem incapazes de aproveitar
O profissional deverá também ser capaz de lidar com os recursos colocados à sua disposição pelo hospital e pela
570 TEMAS EM PSICO ONCOLOGIA
equipe de cuidados (profissionais de saúde e acompanhan sofrimento e incertezas, que implica um vislumbre de dor
tes), como se nada mais pudessem fazer por sua vida a não e sofrimento; tantos profissionais que despem homens e
ser cumprir à risca as propostas sugeridas por aqueles que mulheres como se fossem pedaços de carne em exposição; o ma
são os "detentores do saber”. Sentem-se inaptos para cui cuidadores que reprimem a lágrima na beira da pálpebra, 101
dar de si mesmos, perdendo a força de vida, componente porque, afinal, precisam ser forces; que preservam a mor
essencial do tratamento global. te interdita dentro do hospital, velada em cada canto das msa
Observamos freqüentemente que “protegidos” e pequenas salas de atendimento, esquecendo que mortos ãssm
isolados, cuidadores e pacientes, sem poder transformar insepultos assombram os vivos. Atrelados à nossa sombra, Sum
criativamente suas limitações, estimulam um movimento acusam-nos e impõem pesados fardos à nossa existência.
que afia a espada do destino e transforma a experiência Corremos o risco, pacientes e profissionais, de per cer|
em algo desértico, ao considerar o outro como um objeto manecer num local infértil, desprovidos de personalidade poA
qualquer, uma mera abstração e não um ser humano. O e abandonados por nós mesmos.
outro não é mais uma pessoa, com uma história e identida Talvez tenhamos de reconsiderar e reformular alguns Aaà
de; passa a ser um conceito coletivo (“paciente do hospi conceitos, como cura, saúde, qualidade de vida, doença, jan|
tal”, “o CA do leito X”, “o terminal do quarto X”), acom cuidado e seus desdobramentos, refletindo e ponderando te, 2
panhado de protocolos, absolutamente necessários para sobre eles.
a administração hospitalar e o controle da doença, que, É preciso sensibilizar e conscientizar os “cuidadores” soca
porém, propõem a padronização da diversidade humana. quanto à importância do autocuidado, de um olhar dife H^a
Andamos pelos corredores do hospital, observamos rente para a imagem refletida no espelho da alma. Mas. mc0i
rostos assustados e carentes de contato nas salas de espera, para tanto, é necessário que haja intimidade com as di
passamos por tantas almas sem nos dar conta do tama mensões emocional, imagética, corporal e espiritual, pois P»?
nho do sofrimento que elas carregam; pagamos um preço funcionam como canais de expressão, de autoconheci- Síol
alto pela atitude de tantos profissionais de saúde que re mento e também como matrizes do entendimento do so
comendam não expressar o choro àquele que acabou de frimento humano. pwj
saber sobre o seu diagnóstico e prognóstico, que envolve Círa
lho j
Referências bibliográficas do f\
Beck-Friis, B.; Strang, P.; Sjòdén, P. O. “Caring for Ferreira, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI: o di
severely ill câncer patients: a comparison of working con- cionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova
ditions in hospital-based home care and in hospital”. Sup- Fronteira, 1999.
portive Care in Câncer, v. 1, n. 3, p. 145-51, 1993. Gimenes, M. da G. G.; Fávero, M. H. (orgs.). A mu
Benetton, L. G. Temas de psicologia em saúde: a rela lher e o câncer. Campinas: Psy, 1997.
ção profissional-paciente. São Paulo: L. G. Benetton, 2002. Heideccer, M. Ser e tempo. Trad. Márcia de Sá Ca
Boff, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão valcante. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, 2 v.
pela Terra. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. Holmqvist, R.; Jeanneau, M. “Burnout and psychi
Bram, P. J.; Katz, L. F. “A study of burnout in nurses atric staff’s feelings towards patients”. Psychiatry Resear
working in hospice and hospital oncology sertings”. On- ch, v. 145, n. 2-3, p. 207-13, 2006.
cology Nursing Forum, v. 16, n. 4, p. 555-60, 1989. Hycner, R. De pessoa a pessoa: psicoterapia d ia ló
Buber, M. Between man and mau. Trad. Ronald Gre- gica. Trad. Elisa Plass Z. Gomes; Enila Chagas; Mareia
gor Smith. Nova York: Macmiilan, 1965. Portella. São Paulo: Summus, 1995.
Campbell, J. O poder do mito. Org. Betty Sue Flo Jung, C. C. Ab-reação, análise dos sonhos, transfe
wers. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athe- rência. Trad. Maria Luiza Appy. 4. ed. Petrópolis: Vozes,
na, 1990. Obras completas de C. G. Jung, v. 16/2, 1999.
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico- _____ . Psicologia em transição. Trad. Lucia Mathilde
oncologia. Campinas: Psy, 1994. Endlich Orth; Mareia de Sá Cavalcante; Eiva Bornemann
_____ . Psico-oncologia no Brasil: resgatando o viver. Abramowitz. Petrópolis: Vozes, Obras completas de C. G.
São Paulo: Summus, 1998. Jung, v. 10,1993.
Dahlin, M. E.; Runeson, B. "Burnout and psychiatric Klafke, T. E. “O médico lidando com a morte: as
morbidity among medicai students entering clinicai tra- pectos da relação médico-paciente terminal em cancero-
ining: a three year prospective questionnaire and interview- logia”. In: Cassorla, R. M. S. (org.). Da morte: estudos
based study”. BMC Medicai Education, v. 7, p. 6, 2007. brasileiros. Campinas: Papirus, 1991, p. 25-50.
E S T R E S S E E S Í N D R O M E D E B U R N O U T E M E Q U I P E S Q U E C U I D A M D E P A C I E N T E S C O M C Â N C E R . 571
Lederberg, M. “Oncology staff stress and related Pessini, L. Distanásia: até quando prolongar a l ida:
interventions”. In: Holland, J. C. et al. (eds.). Psycho- São Paulo: Editora do Centro Universitário São Camilo
oncology. Nova York: Oxford Univcrsity Press, 1998, p. Loyola, 2001.
1035-48. Puta, A. Hospital, dor e morte como ofício. 3. ed. São
LeSran, L. O câncer como ponto de mutação: um
Paulo: Hucitec, 1994.
manual para pessoas com câncer, seus familiares e pro
Ramos, D. G. A psique do corpo: uma compreensão
fissionais de saúde. Trad. Denise Bolanho. São Paulo:
simbólica da doença. São Paulo: Summus, 1994.
Summus, 1992.
Remen, R. N. O paciente como ser humano. Trad. De
Libf.rato, R. M. P. “Feridas invisíveis: o papel do cân
cer ginecológico na individuação feminina”. Jung & Cor nise Bolanho. São Paulo: Summus, 1993.
po, São Paulo, ano 3, n. 3, 2003. Sandovich, J. M. “Work excitement in nursing: an
_____ . “O resgate do feminino na saúde”. Salvador: examination of the relationship between work excite
Anais do III Congresso Latino-Americano de Psicologia ment and burnout”. Nursing Economics, v. 23, n. 2, p.
Junguiana - Desafios da prática: o paciente e o continen 91-6, 2005.
te, 2003. Sf.rino, S. A. L. Diagnóstico compreensivo simbólico
Menzies, I. “The functioning of organizations as - Uma psicossomática para a prática clínica. São Paulo:
social systems of defense against anxieties”. Institute of Escuta, 2001.
Human Relations, 1970. Apud Puta, A. Hospitaldor e
Shaha, M.; Rabf.nschlag, F. “Burdensome situations
morte como ofício. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.
in everyday nursing: an explorative qualitative action re-
Nogueira-Martins, L. A. “Morbidade psicológica e
search on a medicai ward”. Nursing Administration Quar-
psiquiátrica na população médica”. Boletim de Psiquiatria,
São Paulo, n. 22-23, p. 9-15, 1989-1990. terly, v. 31, n. 2, p. 134-45, 2007.
Olbricht, I.; Baumgardt, U. (orgs.). Um caminho Thomas, C. B.; Duszynski, K. R.; Shaffer, J. W.
para começar de novo. Trad. Ingrid Lena Klein. São Paulo: “Family attitudes reported in youth as potential predic-
Círculo do Livro, 1991. tors of câncer”. Psychosomatic Medicine, v. 41, n. 4, p.
Pereira, A. M. T. B. (org.). Burnout: quando o traba 287-302, 1979.
lho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa Vaillant, G. Adaptation of life. Boston: Little, Brown
do Psicólogo, 2002. and Company, 1977.
PARTE XI
TEMAS ESPECIAIS
QUESTÕES LEGAIS E DE DIREITO NO CÂNCER
M a r i a C e c í l i a M a z z a r i o l Volpe
Saúde como direito de todos nenhum bem da vida apresenta tão claramen
te unidos o interesse individual e o interesse social
Constituição Federal, a lei maior de nosso país, em
como o da saúde, ou seja, do bem-estar físico que
A seus artigos 5a, caput, e seu inciso LXIX, 6a, 23, II, e
196 a 200, assegura a todos os cidadãos residentes no
território brasileiro o direito à vida e o direito à saúde como
conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.
provém da perfeita harmonia de todos os elementos
que constituem o seu organismo e de seu perfeito
funcionamento. Para o indivíduo saúde é pressupos
to e condição indispensável de toda atividade eco
De acordo com José Afonso da Silva (1998, p. 201), nômica e especulativa, de todo prazer material ou
o “direito à existência consiste no direito de estar vivo, de intelectual. O estado de doença não só constitui a
lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permane negação de todos estes bens, como também repre
cer vivo; é o direito de não ter interrompido o processo senta perigo, mais ou menos próximo, para a própria
vital senão pela morte espontânea e inevitável”. existência do indivíduo e, nos casos mais graves, a
O referido autor prossegue: causa determinante da morte. Para o corpo social a
saúde de seus componentes é condição indispensável
A saúde é concebida como direito de todos e de de sua conservação, da defesa interna e externa, do
ver do Estado, que a deve garantir mediante políticas bem-estar geral, de todo progresso material, moral
sociais e econômicas que visem à redução do risco de e político.
doença e de outros agravos. O direito à saúde rege-se
pelos princípios da universalidade e da igualdade de Em nosso país, o Sistema Único de Saúde (SUS), inte
acesso às ações e serviços que a promovem, protegem grado a uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e
e recuperam. Responsável, pois, pelas ações e serviços serviços, constitui o meio pelo qual o poder público cum
de saúde é o Poder Público, falando a constituição, pre seu dever na relação jurídica de saúde. O SUS visa ao
neste caso, em ações e serviços públicos de saúde [...]. atendimento de qualquer pessoa e da comunidade, já que
(Silva, 1998, p. 202) o direito à promoção e à proteção da saúde é também um
direito coletivo. Compreende ações e serviços federais,
O professor Alexandre de Moraes (1999, p. 60-1) estaduais, distritais e municipais, regendo-se pelos princí
assim se manifesta: pios da descentralização, com direção única em cada esfe
ra de governo, garantindo atendimento integral.
O direito à vida é o mais fundamental de todos Forçoso é concluir que a legislação brasileira determina
os direitos, já que se constitui em pré-requisito à exis que o Estado dê atendimento universal a todos os brasileiros
tência de todos os demais direitos [...]. A Constituição doentes, inclusive aos acometidos por neoplasia maligna.
Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo No caso de idosos, crianças e adolescentes, existem
ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a leis específicas determinando a obrigatoriedade do aten
primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a dimento universal por parte do SUS.
segunda de se ter vida digna quanto â subsistência. A neoplasia maligna ou câncer é considerada doença
grave por força dc lei, logo deveria gozar de atendimento
O sempre lembrado José Cretella Júnior (1997, p. universal oferecido pelo Estado; porém, essa é só a teoria,
4331), citando Zanobini, afirmou que: já que a prática se mostra bem diferente.
576 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Para fazer valer o seu direito e conseguir o tratamen maneira responsável, o poder público, a quem incum
to, o cidadão brasileiro tem de, muitas vezes, apelar ao be formular - e implementar - políticas sociais e eco
Poder Judiciário para compelir o SUS, nas suas diversas nômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso
esferas de atuação - municipal, estadual ou federal a universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
cumprir sua obrigação. O caráter programático da regra inscrita no art. 196
A situação é ainda mais grave para os pacientes com da Carta Política - que tem por destinatários todos os
câncer, uma vez que as drogas usadas nas terapias para trata entes políticos que compõem, no plano institucional,
mento oncológico são extremamente caras e sofrem inova a organização federativa do Estado brasileiro - não
ção constante. E sabe-se que as novas drogas são o resultado pode converter-se em promessa constitucional incon-
de pesquisas em que são investidos milhares de dólares. seqüente, sob pena dc o Poder Público, fraudando
Em entrevista à revista ABCâncer (Gonçalves, 2007), justas expectativas nele depositadas pela coletividade,
o oncologista Sérgio Simon justifica o uso de drogas caras substituir, dc maneira ilegítima, o cumprimento de seu
no tratamento oncológico da seguinte forma: “estamos fa impostergável dever, por um gesto irresponsável de in
lando do direito de cada um a uma chance de sobreviver fidelidade governamental ao que determina a própria
mais e melhor”. Lei Fundamental do Estado. Precedentes do STF.
As drogas oncológicas mais modernas não constam
na lista de medicamentos excepcionais do Ministério da E prosseguiu:
Saúde, a qual loi atualizada pela última vez em 2004;
logo, não estão disponíveis para distribuição gratuita Na realidade, o cumprimento do dever político-
pelo SUS. constitucional consagrado no art. 196 da Lei Funda
Como vivemos em um país extremamente burocrá mental do Estado, consistente na obrigação de asse
tico, é necessário, ainda, que a droga seja liberada pela gurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator,
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que, que, associado a um imperativo de solidariedade so
também, demora muito a acontecer. cial, impõe-se ao poder público, qualquer que seja a
Anualmente, em especial por ocasião do Congres dimensão institucional em que atue no plano de nossa
so Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clíni organização federativa. Entre proteger a inviolabilida
ca (Asco), são lançadas novas drogas para o combate ao de do direito à vida e à saúde, que se qualifica como
câncer aprovadas pela Food and Drug Administration direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela
(FDA), órgão regulador dos alimentos e medicamentos própria Constituição da República (art. 5°, “caput” c
nos Estados Unidos, e é natural que o paciente oncológi art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa
co queira fazer uso desses medicamentos quando receita fundamental, um interesse financeiro e secundário do
dos pelo seu oncologista. Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema
Ocorre que drogas novas são drogas caras, estando - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julga
absolutamente além da capacidade econômica da maioria dor uma só e possível opção: aquela que privilegia o
dos brasileiros, não restando outra possibilidade a não ser respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. [...]
ingressar em juízo para que o Estado pague e forneça o Nesse contexto, incide, sobre o poder público, a gravís
medicamento que poderá prolongar sua vida ou propor sima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde,
cionar-lhe melhor qualidade dc vida. incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das
O Poder Judiciário tem tomado uma posição extre comunidades, medidas - preventivas e de recuperação
mamente louvável: ele avalia que, se o médico receitou o que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham
medicamento e o doente é hipossuficiente, o Estado tem por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescre
de fornecer a droga. ve, em seu art. 196, a Constituição da República.
As decisões judiciais, em todas as esferas do Judiciá O sentido de fundamental idade do direito à saúde
rio, são unanimemente favoráveis ao paciente oncológico. - que representa, no contexto da evolução histórica
A seguir, faremos menção de trechos de decisões. dos direitos básicos da pessoa humana, uma das ex
No agravo de instrumento (AI) 452312, interposto pelo pressões mais relevantes das liberdades reais ou con
município de Porto Alegre, RS (TJ/RS), o ministro Celso de cretas - impõe ao poder público um dever de presta
Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou: ção positiva que somente se terá por cumprido, pelas
instâncias governamentais, quando estas adotarem
O direito público subjetivo à saúde representa providências destinadas a promover, em plenitude,
prerrogativa jurídica indisponível assegurada à ge a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo
neralidade das pessoas pela própria Constituição da texto constitucional.
República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucio Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positi-
nalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de vação dos direitos sociais - que traduz estágio necessá-
QUESTÕES LEGAIS E DE DIREITO NO CÂNCER 577
rio ao processo de sua afirmação constitucional e que A existência, a validade, a eficácia e a efetividade
atua como pressuposto indispensável à sua eficácia ju da Democracia estão na prática dos atos admini^rran-
rídica (José Afonso da Silva, Poder constituinte e poder vos do Estado voltados para o homem. A eventua. a u
popular, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) sência de cumprimento de uma formalidade ex;gic_
recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional não pode ser óbice suficiente para impedir a c . nce-s-
consistente em conferir real efetividade a tais prerro são de medida porque não retira, de forma alguma,
gativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a
casos de injustificável inadimplemento da obrigação busca para garantir o maior de todos os bens, que é
estatal, que tenham cias acesso a um sistema orga a própria vida.
nizado de garantias instrumentalmente vinculado à Tendo em vista as particularidades do caso concreto,
realização, por parte das entidades governamentais, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais
da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. humana, teológica, em que princípios de ordem ético-
Não basta, portanto, que o Estado meramente procla jurídica conduzam a um único desfecho justo: decidir
me o reconhecimento formal de um direito. Torna-se pela preservação da vida. Não se pode apegar, de for
essencial que, para além da simples declaração cons ma rígida, à letra fria da lei, c sim, considerá-la com
titucional desse direito, seja ele integralmente respei temperamentos, tendo-se em vista a intenção do le
tado e plenamente garantido, especialmente naqueles gislador, mormente perante preceitos maiores esculpi
casos em que o direito - como o direito à saúde - se dos na Carta Magna garantidores do direito à saúde,
qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o
poder do cidadão de exigir, do Estado, a implemen atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.
tação de prestações positivas impostas pelo próprio
ordenamento constitucional. Só podemos terminar proclamando a todos os doen
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade tes que lutem pelo seu direito a um tratamento de acordo
do direito à saúde fez com que o legislador cons com as últimas conquistas científicas. Se isso lhes for ne
tituinte qualificasse, como prestações de relevância gado, que ingressem com ação no Poder Judiciário para
pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), fazer valer seu direito de cidadão, buscando preservar a
em ordem a legitimar a atuação do Ministério Pú própria vida.
blico e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em
que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de
respeitar o mandamento constitucional, frustrando- Direitos dos doentes
lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja O doente, acometido por qualquer doença, deverá
por intolerável omissão, seja por qualquer outra ter assegurados os direitos listados a seguir.
inaceitável modalidade de comportamento governa 1. Ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso.
mental desviante. [...] 2. Ser identificado e tratado pelo seu nome e sobre
nome.
No recurso extraordinário (RE) 195192/RS (Rio Gran 3. Não ser identificado e tratado por números, códi
de do Sul), o ministro Marco Aurélio (relator), do Supremo gos ou de modo genérico, desrespeitoso ou pre
Tribunal Federal, asseverou: “Incumbe ao Estado (gênero) conceituoso.
proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especial 4. Ter resguardado o sigilo sobre seus dados pessoais,
mente quando envolvida criança e adolescente. O Sistema desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde
Único de Saúde torna a responsabilidade linear alcançando pública.
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. 5. Poder identificar as pessoas responsáveis direta e
O ministro Francisco Peçanha Martins, do Superior indiretamente por sua assistência, por meio de cra
Tribunal de Justiça, assim se posicionou: “Eventual ausên chás visíveis e legíveis que contenham: nome com
cia de cumprimento de formalidade burocrática não pode pleto; função; cargo; nome da instituição.
obstaculizar o fornecimento de medicamento indispensá 6. Receber informações claras, objetivas e compreensí
vel à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de veis sobre: a) hipóteses diagnósticas; b) diagnósticos
moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios confirmados; c) ações terapêuticas; d) riscos, bene
necessários ao custeio do tratamento” (RMS 11129/PR, fícios e inconvenientes provenientes das medidas
Segunda Turma, LEXSTJ 151/57). diagnósticas e terapêuticas propostas; e) duração
Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Pau prevista do tratamento proposto; f) necessidade ou
lo, tendo como relator o desembargador Osvaldo Maga não de anestesia, tipo de anestesia a ser aplicado, ins
lhães (Segunda Câmara de Direito Público, agravo de ins trumental a ser utilizado, partes do corpo afetadas.
trumento 373.230 5-4, RSTJ 138/52):
efeitos colaterais, riscos e conseqiiências indesejá 17. Ter garantidas, durante a hospitalização, a sua segu :
veis e duração esperada dos procedimentos; g) exa rança e a dos seus pertences que forem considera tenr-c
mes e condutas a que será submetido; h) finalidade dos indispensáveis pela instituição.
dos materiais coletados para exame; i) alternativas 18. Poder desfrutar, se criança ou adolescente, de algu
de diagnóstico e terapêuticas existentes no serviço ma forma de recreação, segundo a Resolução 41, Acea
em que está sendo atendido e em outros serviços; j) do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do 1
qualquer tema ainda não esclarecido relacionado ao Adolescente, e a Lei federal 11.104/05, que prevê rios a
seu estado de saúde. a criação e implementação de brinquedotecas nos diccs
7. Consentir ou recusar, de forma livre, voluntária, hospitais e postos de saúde que atendam crianças prorii
esclarecida e com adequada informação, procedi c adolescentes. sado*
mentos cirúrgicos, diagnósticos e/ou terapêuticos a 19. Poder desfrutar, durante longos períodos de hospi de aa
que será submetido, para os quais deverá conceder talização, de ambientes adequados para o lazer. cien:e
autorização por escrito, por meio de termo de con 20. Ter garantia de comunicação com o meio externo, médsc
sentimento. por exemplo acesso ao telefone. refere
8. Ter acesso às informações existentes em seu pron 21. Scr prévia e claramente informado quando o trata
tuário. mento proposto for experimental ou estiver rela :
9. Receber, por escrito, o diagnóstico e o tratamento cionado a projeto de pesquisa em seres humanos, cessar
indicado, com a assinatura, o nome do profissional observando o que dispõe a Resolução 196, de 10 de
ao n
e o seu número de registro no órgão de regulamen outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde.
semr*
tação e controle da profissão. 22. Ter liberdade de recusar a participação ou retirar seu
protn
10. Receber as prescrições médicas: a) com o nome ge consentimento em qualquer fase da pesquisa.
nérico das substâncias; b) impressas ou em caligra C
23. Ter assegurada, após a alta hospitalar, a continuida
porte,
fia legível; c) sem a utilização de códigos ou abre de da assistência médica.
viaturas; d) com o nome legível do profissional, a 24. Ter asseguradas, durante a internação e após a alta,
assinatura e seu número de registro no órgão de a assistência para o tratamento da dor e as orienta Sâúd
controle e regulamentação da profissão. ções necessárias para o atendimento domiciliar, no
11. Conhecer a procedência do sangue e dos hemode- decorrer de toda a evolução da doença.
c
rivados e poder verificar, antes de recebê-los, os nheca
25. Receber ou recusar assistência moral, psicológica,
carimbos que atestaram a origem, as sorologias efe conm
social ou religiosa.
tuadas e os prazos de validade. inrora
26. Recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários
12. Ter anotados em seu prontuário, príncipalmente se ocaso
para tentar prolongar a vida.
inconsciente durante o atendimento: a) todas as plema
27. Optar pelo local de morte.
medicações, com as dosagens utilizadas; b) o regis ao Ma
tro da quantidade de sangue recebida e dos dados to ac 4
que permitam identificar a sua origem, as sorolo Primeiros passos para a obtenção dos direitos contra
gias efetuadas e os prazos de validade. C
Documentos ra issq
13. Ter assegurados, durante as consultas, internações,
procedimentos diagnósticos e terapêuticos, com a Atestados, laudos médicos, resultados de exames de cimea
satisfação de suas necessidades fisiológicas: a) sua laboratório, biópsias e outros são extremamente impor cia tts
integridade física; b) sua privacidade; c) sua indivi tantes, pois servirão para fundamentar todos os pedidos e \
dualidade; d) respeito aos seus valores éticos e cul conseguir efetivar todos os direitos do paciente. segura
turais; e) sigilo referente a toda e qualquer informa É recomendável que todos os documentos sejam co vameq
ção pessoal; f) segurança do procedimento. piados, autenticados em cartório/tabelionato e que os ori Q
14. Ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas, ginais sejam guardados em lugar seguro. de sa j
exames e no momento da internação por uma pes Um documento autenticado por cartório/tabelionato do coa
soa por ele indicada. tem o mesmo valor do documento original. Por isso, é vem
15. Ser acompanhado, se maior de 60 anos, durante importante que se mantenha o original em local seguro e cmnra
todo o período da internação, de acordo com o que se utilizem apenas as cópias autenticadas. H
dispõe o Estatuto do Idoso. Todo requerimento ou pedido deve ser feito em duas
16. Ser acompanhado nas consultas, exames e duran vias, para que a cópia funcione como um comprovante de cia fisa
te todo o período da internação se for menor de entrega. Deve-se exigir, sempre, o protocolo de entrega,
N
idade, de acordo com o que dispõe o Estatuto da com data, nome legível ou carimbo e assinatura, o qual (plan-a
Criança e do Adolescente, incluindo o fornecimen precisa ser guardado. A contagem dos prazos sempre co ra parí
to da alimentação ao acompanhante. meça a partir dessa data. tem 3e
Q U E S T Õ E S L E G A I S E D E D I R E I T O N O C Â N C E R 579
Documentos para ações judiciais não precisam ser au É proibida a limitação do prazo de internação hospita
tenticados, com exceção das ações na Justiça Federal. lar, mesmo em centro e/ou unidades de tratamento intensi
vo, no caso dos contratos firmados após janeiro de 1999.
Independentemente do tipo de plano ou seguro-
Acesso aos dados médicos saúde contratado, o menor de idade doente terá direito
Pelo Código de Ética Médica, os dados dos prontuá de ser acompanhado por um dos pais ou responsáveis
rios médicos ou hospitalares, fichas médicas e exames mé durante todo o período de internação. O plano ou segu
dicos de qualquer tipo são protegidos pelo sigilo (segredo) ro de saúde deverá, inclusive, oferecer a alimentação ao
profissional e só podem ser fornecidos aos doentes interes acompanhante.
sados ou seus familiares. Ambos, no entanto, têm direito No caso de pacientes com mais de 60 anos, também
de acesso a todas as informações existentes sobre o pa há o direito da permanência de um acompanhante du
ciente em cadastros, exames, fichas, registros, prontuários rante a internação, que independe do tipo de acomoda
médicos, relatórios de cirurgia, enfim, a todos os dados ção contratado.
referentes à doença. Crianças e idosos (maiores de 60 anos) deverão ter
Os exames e seus laudos pertencem ao paciente. prioridade na marcação de consultas.
Para que o doente possa exercer seu direito, é ne As órteses e próteses usadas no ato cirúrgico devem
cessário que encaminhe um requerimento à entidade ou ser obrigatoriamente fornecidas pelos planos de saúde,
ao médico que detenha as informações. O requerimento desde que tenham finalidade restauradora. Incluem-se
sempre deve ser feito em duas vias, para que possa ser na categoria de restauradoras as cirurgias para recons
protocolado e a cópia fique em poder do requerente. trução nos casos de câncer de mama. As órteses e pró
Os documentos são essenciais porque servem de su teses com finalidade estética, mesmo que ligadas ao ato
porte ao exercício dos direitos. cirúrgico, não serão cobertas.
Nos casos de câncer de mama, o plano de saúde deve
assegurar a cirurgia plástica reparadora, desde que os con
Saúde suplementar - planos e seguros-saúde tratos tenham sido firmados após lc de janeiro de 1999.
No caso de problemas com o plano de saúde, deve-se
Compete ao plano ou seguro-saúde comprovar o co
entrar em contato com a Agência Nacional de Saúde Su
nhecimento da doença pelo cliente antes da assinatura do
plementar (ANS) ou a Fundação de Proteção e Defesa do
contrato. Caso a existência (conhecida) da doença não seja
Consumidor (Procon) local.
informada, a operadora do plano ou seguro tem de mandar
Se os direitos do doente estiverem sendo negados,
o caso para a apreciação da Agência Nacional de Saúde Su
é preciso que se procure um advogado para propor uma
plementar (ANS), órgão que regulamenta o setor, vinculado
ação judicial. O Poder Judiciário tem dado liminares e ga
ao Ministério da Saúde. Durante a discussão, o atendimen
nho de causa aos doentes em quase todos os casos de ações
to ao doente não pode ser suspenso, mas, se a ANS decidir
contra planos ou seguros de saúde.
contra ele, terá de pagar por todo o tratamento realizado.
O plano ou seguro de saúde só poderá negar cobertu
ra integral a uma doença caso o comprador tenha conhe Direitos específicos
cimento dela antes da assinatura do contrato e sua existên
cia tenha sido informada na declaração de saúde. Os doentes graves
A declaração de saúde integra o contrato de plano ou A legislação brasileira garante direitos especiais aos
seguro de saúde e deve ser preenchida e assinada exclusi- portadores das seguintes doenças graves:
vamente pelo comprador, sem nenhuma rasura.
O fornecimento de informações falsas na declaração • moléstia profissional;
de saúde implica fraude, que pode levar ao cancelamento • esclerose múltipla;
do contrato e à cobrança de todo o tratamento que por • tuberculose ativa;
ventura tenha sido realizado, bem como às consequências • hanseníase;
criminais decorrentes dessa fraude. • neoplasia maligna (câncer);
Ninguém poderá ser impedido dc participar de plano • alienação mental;
de saúde em razão de idade, por ser portador de deficiên • cardiopatia grave;
cia física ou por ter qualquer doença. • doença de Parkinson;
Nos planos ou seguros-saúde feitos por empresas • espondilartrose anquilosante;
• nefropatia grave;
(planos empresariais), não existem restrições ou “cobertu
• estado avançado da doença de Paget (osteíte defor-
ra parcial temporária”, ou seja, o atendimento ao doente
mante);
tem de ser integral desde a assinatura do contrato.
..........-
• síndrome de deficiência imunológica adquirida (aids); com os critérios estabelecidos em lei (Lei Orgânica da As mica 31
• fibrose cística (mucoviscidose); sistência Social - Loas). dentr: i
• moléstias resultantes da contaminação por radiação; E assegurado o direito à isenção de imposto de renda no
• hepatopatia grave. pagamento a entidade de previdência privada, até o valor de ranre -a
RS 1.257,12 por mês, a partir do mês em que o contribuinte ou tc-:
Em todos os casos são sempre necessários laudos mé completar 65 anos de idade, sem prejuízo da parcela isenta tratana
dicos e exames comprovando a existência da doença. prevista na tabela de incidência mensal do imposto. bê
Existem outras doenças graves que ainda não es capac-d
tão previstas nas leis; os portadores podem, no entanto, tos. aia
mover ações judiciais exigindo seus direitos com base no Os deficientes queip
princípio da isonomia (igualdade). Considera-se pessoa portadora de deficiência a que infor-2
Em muitas ocasiões o Judiciário decidiu favoravel apresenta: deficiência física, deficiência auditiva, deficiên se:v.
mente nesse sentido. cia visual e/ou deficiência mental. a
Os deficientes devem ser tratados com igualdade e um _
ter oportunidades na sociedade, sem privilégios nem pa comr-:
As crianças e os adolescentes doentes ternalismo. tar n:s
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) esta A União, os estados e os municípios são obrigados a nopars
belece inúmeros direitos contemplando crianças (até 12 assegurar a plena integração da pessoa portadora de defi hem:: =
anos) e adolescentes (de 12 a 18 anos). Destacaremos, ciência à sociedade. de ma
apenas, os relacionados aos doentes. O poder público é obrigado, ainda, a garantir aos defor-a
Quando for necessária ação judicial para defender os deficientes o pleno exercício de seus direitos assegurados da .
direitos da criança ou do adolescente, esses processos te pela Constituição e pelas leis. deserr^
rão andamento prioritário. Dcvc ser garantida, ainda, sua acessibilidade, ou seja,
As crianças e adolescentes têm assegurado, por meio do a possibilidade e condição de alcance para utilização dos totai ú£
SUS, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços bens e serviços por parte das pessoas portadoras de defi nas fr«
que visem à promoção, proteção e recuperação da saúde. ciência, mediante a eliminação de barreiras e obstáculos e
Os hospitais e postos de saúde que tiverem atendi criação de facilitadorcs dc acesso. a acuai
mento pediátrico deverão contar, obrigatoriamente, com A legislação assegura aos portadores de deficiência o olho. a
brinquedotecas em suas dependências. acesso gratuito aos transportes públicos. Ocorre, porém, sig: ‘ ..
A criança deficiente também tem direito a renda men que medidas judiciais têm suspendido esses direitos. As com a
sal vitalícia. sim, muitas vezes essa gratuidade não se confirma. somara
Independentemente do plano ou seguro-saúde con Uma alternativa para suprir a necessidade de loco for iça
tratado, ou no caso de internação pelo SUS, o menor de moção dos deficientes físicos é a concessão dc isenção de nea át <
18 anos terá direito a um acompanhante durante o perío tributos na aquisição de veículos automotores adaptados D*
do de internação. à deficiência. to ír.rn
Existe a possibilidade da compra de veículo automo man::a
tor com isenção mesmo quando o deficiente físico não duas *a
Os idosos doentes comurs
puder dirigir o carro. Nesse caso, o responsável poderá
O Estatuto do Idoso estabelece os diversos direitos adquirir o veículo com isenção de impostos para viabilizar zaçãc I
dos idosos; destacaremos, apenas, aqueles relativos aos ha
o transporte do deficiente.
idosos doentes.
Em contrapartida à isenção de impostos, o portador
O doente maior de 60 anos tem direito a companhia defic^és
de deficiência deverá permanecer com o veículo por pelo
durante a internação, por determinação do Estatuto do
menos dois anos. Para o caso de venda antes desse prazo,
Idoso, seja ela custeada pelo plano ou seguro de saúde
é necessária a autorização do delegado da Receita Federal,
ou pelo SUS. Isenç;
e o IPI só não será devido se o veículo for vendido a outro
O trabalhador, doente ou não, com mais de 70 anos Impc-s
deficiente físico.
pode sacar o fundo de garantia por tempo de serviço
Por meio de ações judiciais é possível tentar obter auto Ai
(FGTS) sem o desconto do imposto de renda.
rização para isenção na compra de outro veículo antes de dois tos dc j
É assegurado ao maior de 70 anos o andamento prio
anos, no caso de roubo ou perda total do veículo anterior. los pon
ritário de processos administrativos e judiciais.
A seguir serão apresentadas algumas definições im O.
Ao maior de 65 anos, quando a família não tiver pos
portantes. tenha s
sibilidade de mantê-lo, é garantida a renda mensal vitalícia
Deficiência constitui-se em toda perda ou anormalidade de servi
ou prestação de benefício continuado (BPC), de acordo
de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatô
QUESTÕES LEGAIS E DE DIREITO NO CÂNCER 581
mica que gere incapacidade para o desempenho de atividades, Caso o pensionista seja portador de doença grave,
dentro do padrão considerado normal para o ser humano. ele também terá direito à isenção de imposto de renda
Deficiência permanente é aquela que se manteve du na pensão.
rante um período suficiente para não permitir recuperação O aposentado ou pensionista poderá solicitar a isençi».
ou ter probabilidade de alteração, apesar da ação de novos dirigindo-se ao órgão competente, isto é, o órgão pagad >r da
tratamentos. aposentadoria (Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Incapacidade é uma redução efetiva e acentuada da Prefeitura, Estado, União), mediante requerimento feito cm
capacidade de integração social, requerendo equipamen duas vias, que deverá ser protocolado no respectivo órgão.
tos, adaptações, meios ou recursos especiais que permitam É necessário laudo pericial oficial emitido pelo servi
que a pessoa portadora de deficiência receba ou transmita ço médico da União, do estado ou do município, compro
informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao de vando a existência da doença ou deficiência.
sempenho de função ou atividade a serem exercidas. Depois de apresentados, os documentos serão anali
Deficiência física é a alteração completa ou parcial de sados, e o pedido de isenção poderá ser defendo. Após o
um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o deferimento, a isenção é automática.
comprometimento da função física, que pode se apresen Os documentos necessários que devem ser anexados ao
tar nos casos de paraplegia, paraparesia, monoplegia, mo- pedido de isenção são: cópia do laudo histopatológico ou
outro exame que comprove a doença; laudo oficial, de mé
noparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
dico da União, do estado ou do município, que contenha:
hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência
de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com
diagnóstico expresso da doença;
deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformi
código da doença de acordo com a Classificação
dades estéticas e as que não produzam dificuldades para o
Internacional de Doenças (C1D);
desempenho de funções. menção às Leis 7.713/88, 8.541/92 e 9.250/95 e à
Deficiência auditiva é a perda bilateral, parcial ou Instrução Normativa SRF 15/01;
total de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma
n, Cl.
ência física que a impossibilite de dirigir automóveis co Nos casos em que o condutor do veículo é o respon
muns de fabricação nacional. sável legal, a documentação necessária para obtenção da
O direito às isenções não é uma decorrência da presença isenção é a mesma que foi descrita, com exceção do item
de doenças graves; é preciso que ela ocasione deficiência fí lb, pois nesse caso a CNH não precisa ser mudada.
sica, de acordo com as condições descritas. Nesse caso, o pa
ciente deve pedir ao seu médico um laudo que descreva sua Imposto sobre a circulação de mercado e serviços
deficiência, acompanhado de exame que comprove o fato. (ICMS)
As Leis Federais 10.690, de 16 de junho de 2003, e O imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
10.754, de 31 de outubro de 2003, estenderam a isenção (ICMS) é um imposto estadual. Cada estado da federação
do ÍPI a todas as pessoas portadoras de deficiências física, tem sua lei própria regulando-o.
visual, mental severa ou profunda e aos autistas, direta For determinação do Conselho Nacional de Política
mente ou por intermédio de seu representante legal. Fazendária (Confaz), a isenção para a compra de veículo
As características especiais do veículo serão aquelas, a ser dirigido pelo próprio deficiente existe em rodos os
originais (de fábrica) ou resultantes de adaptação, que per estados da União.
mitam sua adequada utilização pela pessoa portadora de de A isenção do ICMS só é válida para carros de fabrica
ficiência, tais como: câmbio automático, direção hidráulica, ção nacional no valor de até R$ 60.000.
acelerador do lado esquerdo ou acessado manualmente etc. Não existe, ainda, decisão concedendo a isenção do
O pedido de isenção deve ser dirigido ao delegado ICMS na compra de veículo feita por representante legal
da Receita Federal ou ao inspetor da Receita Federal de (pais, tutores).
Inspetoria de Classe ”A”, do domicílio do deficiente físico Por ser um tributo estadual, as exigências para a isen
(em três vias). ção variam de estado para estado. Em São Paulo, é preciso
Para obter a isenção do IPI, o interessado deverá pas fazer um requerimento à Secretaria da Fazenda do Estado,
sar pelas etapas descritas a seguir: acompanhado dos seguintes documentos:
1. Obter, no departamento de trânsito do estado onde 1. Declaração do vendedor do veículo em que cons
residir, os seguintes documentos: te: a) CNPJ ou CPF (no caso de carros semino-
a) laudo de perícia médica, atestando o tipo de vos); b) a informação de que a isenção será repas
deficiência física e a total incapacidade para sada ao deficiente; c) menção ao fato de o veículo
conduzir veículos comuns, com a indicação do se destinar ao uso exclusivo do deficiente ou de
tipo de veículo, incluindo as características es seu representante legal.
peciais necessárias, que está apto a dirigir; 2. Laudo dc perícia médica do departamento esta
b) carteira nacional de habilitação (CNH) com a dual de trânsito (conforme o descrito no caso da
especificação do tipo de veículo, incluindo suas isenção de IPI).
características especiais, e a autorização para 3. Comprovação, referente ao deficiente ou seu re
dirigir, conforme o laudo de perícia médica (se presentante legal, de capacidade econômico-finan
for o caso). ceira compatível com a compra do veículo.
Caso o deficiente físico não tenha carteira de moto Imposto sobre a propriedade de veículos automotores
rista, ele deverá obtê-la no prazo máximo de 180 dias, a (IPVA)
contar da data de solicitação no departamento de trânsito. O imposto sobre a propriedade de veículos automoto
res (IPVA) é um imposto estadual, pago anualmente. Cada
2. Apresentar requerimento de acordo com o mode estado da federação tem sua lei própria regulando-o.
lo, em três vias, dirigido ao delegado da Receita No estado de São Paulo, na lei referente ao IPVA
Federal ou ao inspetor da Receita Federal da Ins existe previsão expressa a respeito da isenção do imposto
petoria de Classe “A”, do local onde resida o defi para os deficientes que adquirirem seu carro com isenção
ciente, com cópias dos documentos mencionados de IPI e ICMS.
no item anterior. A isenção não atinge outras taxas, como licenciamen
3. Não ter pendências com a Secretaria da Receita Fe to e seguro obrigatório.
deral relativas aos impostos federais, por exemplo Se no estado em que o deficiente físico reside não
o imposto de renda. existir previsão legal de isenção, o único caminho é pro
4. Apresentar certidão negativa do INSS ou declara curar o governador, para que ele envie à Assembléia um
ção do próprio requerente de que não é contri projeto de lei de isenção do IPVA.
buinte obrigatório do INSS ou de que é isento. No caso do estado de São Paulo, o requerimento de
5. Apresentar declaração de disponibilidade financeira. verá ser encaminhado à Secretaria da Fazenda do Estado,
acompanhado dos seguintes documentos:
QUESTÕES LEGAIS E DE DIREITO NO CÂNCER 583
Assembléia Legislativa.
Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro,
ou relativas a títulos e valores imobiliários (IOF)
m
Transporte interestadual
O deficiente é isento do IOF no financiamento para
Esse tipo de transporte é regulado por leis federais.
compra de carro, desde que o laudo da perícia médica do
A Agência Nacional de Transportes Terrestres
p*
departamento de trânsito do estado especifique o tipo de (ANTT) definiu o modo como as medidas previstas no
veículo que ele pode dirigir. Estatuto do Idoso devem ser cumpridas.
W-J.iiu,. ||. Inl. t JliiliiilIllUlMiltflttlláiltUfclIUlti
As empresas interestaduais de transporte rodoviário programação pactuada e integrada (PPI) de cada muni
são obrigadas a destinar duas poltronas, gratuitamente, a cípio. É vedado o acesso de pacientes a outro município
idosos que ganhem até dois salários mínimos. Quando as para tratamentos que utilizem procedimentos assisten-
duas cadeiras estiverem ocupadas, o passageiro com mais cíais contidos no Piso da Atenção Básica (PAB) ou Piso
de 60 anos e renda de acordo com esse valor tem direito da Atenção Básica Ampliada (Paba). A autorização de
a desconto de, no mínimo, 50% no preço da passagem. transporte aéreo para pacientes/acompanhantes é prece
Segundo a lei, para viajar de graça o idoso precisa dida de rigorosa análise dos gestores do SUS.
solicitar o bilhete no balcão da empresa pelo menos três Para cada procedimento de alta complexidade são
horas antes do começo da viagem. No dia da viagem, ele definidos critérios específicos normatizados pelo Minis
deverá estar no terminal de embarque com meia hora tério da Saúde.
de antecedência em relação ao horário de partida; caso
contrário, pode perder o benefício.
Para pagar metade do valor da passagem em trechos Fontes de recursos
de até quinhentos quilômetros, o idoso precisa pedir a Fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS)
passagem com seis horas de antecedência. Se a distância
Todos os trabalhadores regidos pela CLT (que têm
for maior, a antecedência deve ser de doze horas. Nos dois
carreira profissional assinada), desde 5 de outubro de
casos, o passageiro precisa apresentar documento de iden
1988, têm depositado o fundo de garantia por tempo de
tidade e de comprovação da renda de até dois salários mí
serviço (FGTS). Antes dessa data, o trabalhador podia op
nimos, como carteira de trabalho, contracheque ou carne
tar pela estabilidade ou pelo direito ao FGTS.
de contribuição à Previdência Social.
Os trabalhadores rurais, os temporários, os avulsos e
os atletas profissionais (jogadores de futebol) também têm
Transporte de doentes
direito ao FGTS.
O tratamento fora de domicílio (TFD) é um benefí Podem realizar o saque do FGTS, na Caixa Econômi
cio definido por portaria do governo federal para auxílio ca Federal, os trabalhadores portadores de câncer, aids e
financeiro para tratamento de saúde. em estágio terminal de doenças graves ou que possuírem
É um instrumento legal que permite, por meio do dependente com câncer, aids ou em estágio terminal de
SUS, o encaminhamento de pacientes a outras unidades doenças graves que esteja previamente inscrito como de
de saúde a fim de realizar tratamento médico fora da sua pendente no INSS ou no imposto de renda.
microrregião, quando esgotados todos os meios de trata Em caso de saque por câncer, aids ou doenças graves
mento na localidade de residência/estado, desde que haja
em estágio terminal, o trabalhador poderá receber o sal
possibilidade de cura total ou parcial, limitado ao perío do de todas as suas contas, inclusive a do atual contrato
do estritamente necessário. de trabalho. Nessa hipótese, o saque poderá ser efetuado
É um benefício definido por portaria do governo fe
sempre que for solicitado pelo trabalhador, desde que este
deral, editada em 24 de fevereiro de 1999, que concede apresente os documentos necessários.
ao usuário do SUS o direito de requisitar, a prefeituras Os valores do FGTS deverão estar à disposição do
ou secretarias estaduais de saúde, auxílio financeiro para trabalhador requerente para ser retirados até cinco dias
tratamento de saúde. úteis após a solicitação do saque.
Esse auxílio inclui transporte (aéreo, terrestre ou Os documentos necessários para a realização do saque são:
fluvial), estada e ajuda de custo para alimentação nos
tratamentos que precisam ser feitos em cidades cuja dis
*
A Justiça Federal, mediante ação judicial, tem libera 1. Comprovante de inscrição no PIS/Pasep.
do o FGTS para pessoas com outras doenças graves, além 2. Carteira de trabalho.
de câncer e aids, que se encontrem em estado terminal. 3. Carteira de identidade.
O imposto de renda não incide sobre o saque do FGTS. 4. Documentos comprobatórios do motivo do sa
que: a) atestado médico fornecido pelo médi
co que acompanha o tratamento do portador da
Programa de Integração Social (PIS)/Programa de doença, com as seguintes informações: diagnós
Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) tico expresso da doença, estágio clínico atual da
Poderá efetuar o saque das cotas, até 4 de outubro doença e situação do paciente, código da doença
de 1988, o trabalhador cadastrado no PIS que for porta segundo a Classificação internacional de Doen
dor de câncer ou aids ou cujo dependente for portador ças (CID), menção à Resolução 01/96 do Conse
lho Diretor do Fundo de Participação PIS/Pasep,
dessas doenças.
Para fins de saque de cotas do PIS» são considerados assinatura do médico, carimbo que identifique o
nome/CRM do médico; b) cópia de exame que
dependentes:
comprove o diagnóstico.
5. Comprovação da condição dc dependência do por
1. Os inscritos como tal nos institutos de Previdên
tador da doença, quando for o caso.
cia Social da União, dos estados e dos municípios,
abrangendo as seguintes pessoas:
O trabalhador poderá receber o total de cotas de
• cônjuge ou companheiro(a);
positadas.
• filho de qualquer condição, menor de 21 anos
Caso o PIS não esteja cadastrado na Caixa Econô
ou inválido;
mica Federal, o trabalhador deverá verificar no Banco do
• irmão de qualquer condição, menor de 21 anos
Brasil sc ele não está cadastrado como PIS/Pasep, pois o
ou inválido;
saque será efetuado da mesma maneira.
• pessoa designada, menor de 21 anos, maior de
60 anos ou inválida;
• pessoas equiparadas aos filhos: enteado(a), me Licença para tratamento de saúde - auxílio-doença
nor sob guarda ou sob tutela judicial que não
O auxílio-doença será devido ao doente que ficar in
possua bens suficientes para o próprio sustento.
capacitado mesmo que temporariamente para o seu tra
2. Os admitidos no regulamento do imposto de
balho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze
renda (pessoa física), abrangendo as seguintes
dias consecutivos, desde que inscrito no Regime Geral de
pessoas:
Previdência Social do INSS.
• cônjuge ou companheiro(a);
Devem-se levar à perícia médica a declaração, ou lau
• filha ou enteada, solteira, separada ou viúva;
do ou atestado médico que descreva o estado clínico da
• filho ou enteado com até 21 anos ou maior de
doença e a condição do doente, e todos os exames que
21 anos, quando incapacitado física ou mental
possuir que comprovem sua doença.
mente para o trabalho;
Durante os primeiros quinze dias consecutivos de
• menor pobre com até 21 anos que o contribuin
afastamento da atividade por motivo de doença, cabe à
te crie ou eduque e do qual detenha a guarda
empresa pagar ao doente empregado o seu salário. No
judicial;
caso de empresário segurado, a sua remuneração também
• irmão, neto ou bisneto, sem arrimo dos pais, até
deve ser paga pela empresa.
21 anos, quando incapacitado física ou mental
Não existe carência para requerer o auxílio-doença
mente para o trabalho;
e a aposentadoria por invalidez para quem tem doenças
• pais, avós ou bisavós;
graves, desde que a doença seja provada por laudo médico
• pessoa incapaz, louca, surda, muda que não
e o doente seja segurado do Regime Geral de Previdência
possa expressar sua vontade, e o pródigo, assim
Social (INSS).
declarado judicialmente;
Perde a qualidade de segurado do INSS:
• filhos, enteados, irmãos, netos ou bisnetos cur • aquele que contribuiu em algum período e está sem
sando ensino superior são admitidos como de pagar ao INSS por mais de doze meses;
pendentes até completarem 24 anos de idade. • aquele que está sem pagar ao INSS por mais de
24 meses, desde que tenha contribuído por pelo
Os documentos necessários para solicitar o saque na menos dez anos ou esteja comprovadamente de
Caixa Econômica Federal são: sempregado.
586 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
da dara do início da incapacidade ou da data da entrada do zada quando a soma dos rendimentos da família,
requerimento, se for posterior ao trigésimo dia do afasta dividida pelo número de pessoas que dela fazem
mento da atividade. parte, não for superior a um quarto do salário mí
Esse direito é muito importante: se o segurado do nimo (25%).
INSS necessitar de assistência permanente de outra pessoa, 2. O deficiente, ou idoso, não esteja vinculado a ne
determinada por perícia médica da Previdência Social, o nhum regime de Previdência Social e não receba
valor da aposentadoria por invalidez será aumentado em nenhum tipo de benefício.
25%, independentemente do valor do teto do benefício, a
partir da data de sua solicitação. Comofamíliaconsideram-se: cônjuge, companheiro(a),
No caso de aposentadoria por invalidez, o benefício pais, filhos, irmãos, menores de 21 anos ou inválidos que
deixa de ser pago quando o segurado: vivam sob o mesmo teto.
O doente portador de deficiência é aquele incapaz de
• recupera a capacidade para o trabalho; ter uma vida independente e de trabalhar.
• volta voluntariamente ao trabalho; Mesmo estando internado, o portador de deficiência
• solicita o cancelamento e tem a concordância da poderá receber o benefício. A criança deficiente também
perícia medica do INSS. tem direito à renda mensal vitalícia.
O doente deve fazer exame médico pericial no INSS
O benefício pode ser solicitado nas agências da Pre e obter um laudo que comprove sua deficiência.
vidência Social (INSS) mediante o cumprimento das exi A renda mensal vitalícia deverá ser paga pelo INSS
gências cumulativas e a apresentação dos seguintes dados da cidade em que more o beneficiário. Não existe 13°
e documentos: salário referente a esse benefício.
O amparo assistencial poderá ser pago a mais de um
• número de identificação do trabalhador - N1T (PIS/ integrante da família, desde que cada um dos beneficiá
Pasep) ou número de inscrição do contribuinte in rios respeite todas as exigências.
dividual/facultativo; O benefício passa por revisão a cada dois anos, para
• atestado médico, exames de laboratório, atestado que se verifique se as condições do doente/idoso perma
de internação hospitalar, atestados de tratamento necem as mesmas.
ambulatorial, entre outros, que comprovem o tra O pagamento cessa com a recuperação da capacidade
tamento médico; de trabalho ou em caso de morte do beneficiário.
• todos os comprovantes de recolhimento à Previ Não há direito à pensão para dependentes no caso de
dência Social (guias ou carnes de recolhimento de renda mensal vitalícia; assim, após a morte do beneficiá
contribuições, antigas cadernetas de selos); rio ela é cancelada.
• documento de identificação (carteira de identidade,
carteira de trabalho e Previdência Social - CTPS);
• cadastro de pessoa física - CPF (obrigatório). Seguro de vida (invalidez)
Ao se fazer um seguro de vida, pode-se contratar,
Caso o perito não ateste a invalidez permanente,
entre as condições existentes no mercado, o seguro por
o doente pode solicitar a reconsideração ou entrar com
invalidez permanente total ou parcial, com duas moda
recurso.
lidades - por acidente ou por doença que garantem
o pagamento de indenização após comprovada tal con
dição.
Renda mensal vitalícia!Amparo assistencial ao
Se o seguro contratado incluir a cobertura de in
deficiente/Benefício de prestação continuada (BPC) validez permanente total ou parcial, o doente inválido,
O doente ou qualquer pessoa com mais de 65 anos de tendo conseguido laudo médico que ateste a doença ou
idade têm direito a urna renda mensal vitalícia no caso de a seqüela do acidente, deve acioná-lo para receber a in
não terem condições de se sustentar financeiramente, ou denização.
seja, quando estiverem impossibilitados de levar uma vida A indenização pode ser paga na forma de pecúlio
independente e sua família também não puder sustentá-los. (pagamento único) ou de renda mensal por prazo deter
A renda mensal vitalícia equivale a um salário míni minado.
mo por mcs. Para ter esse direito é preciso que: O seguro não cobre lesões e doenças preexistentes.
Informações sobre os documentos necessários po
l. A família seja considerada incapaz de manter o dem e devem ser obtidas com as seguradoras ou com o
doente ou o idoso, condição que será caracteri corretor responsável pelo seguro.
588 TEMAS EM P S I CO - 0 N CO LOG I A
de no andamento. Para isso, basta fazer um requerimento Dedução de despesas no imposto de renda
exigindo o seu direito. Os gastos com despesas e exames médicos, psicólo
O pedido deve ser feito pelo advogado que cuida do gos, dentistas, procedimentos médicos, órteses e próteses
processo e depende de despacho do juiz. Caso seja defe podem ser deduzidos da declaração completa do imposto
rido, o processo poderá terminar antes do prazo normal; de renda.
e o doente, se ganhar a ação, poderá tirar proveito da de
cisão judicial.
Vale lembrar que, por causa da lentidão do Judiciá
rio, muitas vezes a decisão final acaba beneficiando apenas
os herdeiros do doente.
Referências bibliográficas
Cretella Júnior, J. Comentários à Constituição bra Silva, J. A. da. Curso de direito constitucional positi
sileira de 1988, v. III: arts. 18 a 22. 2. ed. Rio de Janeiro: vo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
Forense Universitária, 1997. Volpe, Maria Cecília Mazzarioí. Faça valer seus direi
Gonçalves, C. “Quem vai pagar por isso?” ABCâncer, tos. 2. ed. Campinas: Associação dos Familiares, Amigos e
São Paulo, n. 40, 2007. Portadores de Doenças Graves (Afag), s/d. Disponível em:
Moraes, A. de. Direito constitucional. 5. ed. São Pau < h ttp: Wwww. a fag. org. br\carti 1 h a >.
lo: Atlas, 1999.
meti*
rir as
PESQUISA EM PSICO-ONCOLOGIA ção A
Maria Helena Pereira Franco; Maria Julia Kovács encofl
busca
dor tf
jenro
com 3
do sá
Étic
e acordo com uma definição de campo, a psico- a pesquisadores da área da psicologia. Há interesse de pes Bioe*
pcrsr<
o sea
do câncer. Tem como objetivo verificar se há um melhor com as especialidades da oncologia agregou a possibilidade ca é i
modo de enfrentamento da doença, além de tentar levar de compreensão do que há de humano no câncer e per coma
as populações a mudar hábitos e estilo de vida, estimulan mitiu que pesquisadores e clínicos tivessem um canal de e prd
do um comportamento de prevenção. Busca identificar os diálogo fluente e produtivo para ambos os lados, como dis
atores, nesse cenário, que podem promover a construção se Holland {Abstracts of the 8th World Congress of Psycho- uma c
de políticas públicas, e também subsidiar decisões e ações Oncology, 2006), em sua fala dc abertura no Congresso. ■
clínicas. Fica evidente, portanto, que quando falamos em Pode-se perceber, também, como a depressão ocupa liberi
pesquisa em psico-oncologia tratamos de posições polí lugar de destaque, não apenas por ser entendida como o norr*
ticas que destinarão verbas para pesquisa sobre esse ou mal do século, mas também pela preocupação em fazer o descd
aquele problema, que darão maior visibilidade a determi diagnóstico correto do que é próprio da psiquiatria e do ética i
nado tipo de câncer, com suas implicações no indivíduo, que é próprio da fenomenologia da doença. Qualidade de
sua família e grupo populacional. vida é outra questão que tem merecido atenção, em conse 19T1,
Além dos cuidados éticos presentes quando se trata quência da mudança de perspectiva do câncer, que passou Yan
de estudar populações em condição de vulnerabilidade, mais recentemente a ser entendido como uma doença crô bre a
queremos aqui apresentar alguns aspectos que chamam a nica e não mais como, inexoravelmente, uma doença fatal. proca
atenção quanto à possibilidade e ao interesse no que diz Essa perspectiva trouxe a necessidade de que se ponha em possa
respeito à pesquisa de temas da psico-oncologia. A neces foco a qualidade dc vida do sobrevivente de câncer, sobre a fooc
sidade da determinação do tema sobre o qual incidirá o tudo no caso dos sobreviventes de câncer infantil. Recursos
foco, de qual problema merece ou deve ser pesquisado, do da informática passaram a ter lugar não apenas na facilita-
enfoque que será dado a essa pesquisa, ou seja, a existên ção da informação, mas como instrumentos de pesquisa. A 19-S,
cia de diversos ângulos para a abordagem da questão, nos participação de pacientes e famílias no processo da doença meo*
mostra que falamos de uma realidade construída. A frieza se faz notar nas associações por eles criadas, com finalidades rais j
dos números pode nos revelar aspectos epidemiologica- diversas, que passam também a ser objeto de pesquisa, com saúóe
mente importantes, mas pode também esconder realida o intuito de avaliar a eficácia da proposta. éticas
des que se tornam invisíveis segundo certos interesses. A Como consequência, vemos que países desenvolvi diresa
força da mídia pode construir o câncer como uma doença dos fazem pesquisas longitudinais, pois dispõem de re -':
a ser temida ou a ser enfrentada. ícones no campo das ar cursos financeiros para isso, enquanto países com limi
tes, das ciências, da política misturam sua identidade pré tações nesse âmbito preocupam-se em estudar diferentes com j
e pós-diagnóstico. formas de intervenção, quanto à sua otimização no que tes<2
Analisando o livro de resumos do 8C Congresso Mun concerne à prevenção e à mudança de hábitos. Questões e Teca
dial de Psico-Oncologia, realizado na Itália, em outubro do final da vida trazem à tona a necessidade de revisão arroii
de 2006, vale destacar que hoje em dia a psico-oncologia reiro j
das leis, uma vez que o acesso aos recursos da biotec-
tem um programa de pesquisa muito amplo e não restrito nociência abrem oportunidades até bem pouco tempo nvjçi
PE5QUISA EM PSICO-ONCOLOGIA 591
insuspeitadas, o que também se aplica a decisões sobre observando-se as especificidades e singularidades da po
tratamento e à visão holística do ser humano. pulação estudada. Busca também garantir a divisão equi
Assim sendo, em lugar de estabelecer diferenças entre tativa de recursos, o que é essencial na área da oncologia,
métodos qualitativos e quantitativos, em lugar de discu cujos tratamentos podem ser muito onerosos.
tir as vantagens de adaptar ou construir escalas de avalia Oliveira et ai (2006) fizeram um estudo sobre as
ção desse ou daquele fenómeno, questões que podem ser perspectivas da bioética brasileira, que tem como uma das
encontradas em um bom livro de metodologia científica, tarefas principais promover o cuidado com os desampara
buscamos aqui destacar a importância de que o pesquisa dos, excluídos, que têm a autonomia reduzida. Também
dor tenha uma posição filosófica sobre o alcance e o ob contemplam a questão das grandes desigualdades, algo
jetivo de sua pesquisa, não se esquecendo de entender o fundamental, já que os protocolos em oncologia são rea
contexto no qual ela se realiza e de considerar o destino lizados com pessoas de diversos segmentos econômicos,
do saber assim produzido. cujos direitos são iguais no que concerne aos tratamentos
oferecidos.
Apresentaremos a seguir um histórico das principais
Ética em pesquisa decisões envolvendo pesquisas com seres humanos.
O Código de Nuremberg foi estabelecido em 1947,
Bioética
após a Segunda Guerra Mundial, em virtude das atroci
A bioética congrega os conhecimentos científicos, dades do nazismo, quando se procurou desenvolver um
a humildade, a responsabilidade e a competência, numa sistema de proteção àqueles que participam de pesquisas.
perspectiva interdisciplinar e intercultural, mantendo-se Tentou-se evitar a coerção, coação ou manipulação rela
o sentido de humanidade (Pessini e Martins, 2002). Éti cionadas à participação em procedimentos científicos.
ca é a disciplina que permite uma reflexão crítica sobre o Em 1964, foi promulgada a Declaração de Helsinque,
comportamento humano, reflexão que interpreta, discute cidade na qual a Associação Médica Mundial se reuniu,
e problematiza, investiga valores, princípios e comporta aperfeiçoando sistemas de proteção aos sujeitos de pes
mento moral. Para Barchifontaine (2002), ela tem sempre quisas. Um grande ponto de discussão foi como proteger
uma característica multidisciplinar. sujeitos vulneráveis (doentes, pobres ou deficientes, entre
Ética é a possibilidade de um exame sobre valores e outros) de promessas falsas. Em países pobres, sem boas
liberdade de atuação com responsabilidade, tendo como condições de saúde, observa-se uma diferença de rigor nas
norte a dignidade do ser humano. Para Segre (2005), a pesquisas. Um exemplo gritante dessa situação ocorre na
descoberta científica em si não pode ser classificada em África, com relação às pesquisas envolvendo medicamentos
ética ou antiética, ao contrário de sua utilização. para aids - assunto retratado no filme O jardineiro fiel {The
O termo bioética foi utilizado pela primeira vez em constant gardener, 2005), dirigido por Fernando Meirelles.
1971, no livro Bioetbics: bridge to the future, do oncologista Aproveitar-se de sujeitos de pesquisa de países pobres é uma
Van Rensselaer Potter. Esse conceito enfatiza a reflexão so clara violação dos princípios de justiça e eqüidade.
bre as descobertas científicas, sendo mais caracterizado pela Outro tema muito discutido na Declaração de Hei
procura de questionamentos e considerações do que de res sinque foi o uso do placebo. Segundo esse documento, em
postas simples e diretas. Segundo Pessini e Martins (2002), qualquer pesquisa médica, rodos os pacientes, inclusive os
a bioética indica perspectivas para a ciência e sobrevivência do grupo controle, devem receber os melhores métodos de
humana, usando o conhecimento para o bem-estar social. diagnóstico c tratamento conhecidos até então, em qualquer
A Encyclopedia of bioetbics, editada por Reich em país, mesmo naqueles que não contam com procedimentos
1978, define a bioética como o estudo sistemático das di sofisticados (ou seja, grupos de controle na Suécia e no Bra
mensões morais, incluindo visão, decisões e normas mo sil, por exemplo, devem receber os mesmos cuidados).
rais que envolvam as ciências da vida e o cuidado com a Placebos são formas de tratamento cujo principal objeti
saúde, com a utilização de uma variedade de metodologias vo é agradar as pessoas, não havendo, porém, comprovação
éticas num contexto multidisciplinar, marcado por remas da existência de princípio ativo. Embora tenham uma eficácia
direta e indiretamente ligados à qualidade de vida no seu de 35% na melhora de condições das doenças, isso não ocor
sentido mais amplo. re pelo princípio ativo, e sim pela crença de que possam fazer
A bioética no Brasil tem tido grande preocupação bem. Nas discussões atuais, não se justificam a utilização de
com as desigualdades sociais presentes em nosso país. For placebos e consequente privação das melhores possibilidades
tes (2002) destaca a importância da distribuição de verbas de tratamento a que essas pessoas poderiam estar submetidas
e recursos entre os vários segmentos da população, após se não estivessem participando da pesquisa.
arrolamento das prioridades. Essa atitude deve garantir di A atualização da Declaração de Helsinque propõe
reito à autonomia, expressão de idéias, liberdade de loco que sejam garantidos os mesmos padrões de pesquisa em
moção, reclamação quando em sofrimento, privacidade, todos os países do mundo.
O Relatório Belmont foi publicado nos Estados Uni sentir-se vulneráveis. Estão vulneráveis porque estão en dai |
dos em 1979, destacando os três princípios fundamentais fermos, porque a sua vida corre risco, porque temem que, r.:-
da bioética: beneficência (atenção voltada para riscos e caso não aceitem participar de procedimentos de pesquisa,
benefícios de dado procedimento), autonomia (consen o seu tratamento seja interrompido.
timento informado) e justiça (distribuição equitativa dos Outra área de pesquisa na qual pode aparecer de for dos i
recursos). Esses princípios foram descritos e discutidos no ma mais evidente a questão da vulnerabilidade é a que
livro Principies ofbiomedical ethics, de Beauchamp e Chil- envolve soropositivos ou pessoas com aids. E tarefa do prof
dress, publicado em 1979. pesquisador garantir que os participantes não sejam coa mm
Em encontro sobre bioética em Hong Kong, em 1992, gidos a participar de pesquisas pelo medo de ter seu aten de â
foram propostas condutas éticas quanto ao uso de animais dimento interrompido. Devem ser preservados os direitos mea
em pesquisas visando ao benefício de seres humanos, para de liberdade, privacidade e confidencialidade. em i
que o seu bem-estar pudesse ser garantido. Pessoas pobres sem outra possibilidade de atendimen está
to podem aceitar participar de pesquisas temendo não ter bé—
direito a nenhum tratamento. E importante que o termo -
Temas de pesquisa em psico-oncologia de consentimento livre e esclarecido determine que, mes resa
Entre os principais temas de pesquisa na área da psico- mo que não participe de pesquisas, o sujeito tem direito ao exes
oncologia podemos citar os seguintes: atendimento que vinha recebendo até então. a ca
Para Anjos (2006), razão e deliberação são funda coai
• Prevenção do câncer; estilo de vida e comporta mentais para que se garanta a autonomia dos colabora à vj 3
mentos de risco. Direito de ter informações sobre o dores de pesquisas. Segundo esse autor, a vulnerabilidade da m
risco potencial de câncer. existe quando há pessoas ou grupos que, por múltiplas ra mot
• Diagnóstico precoce e questões genéticas. Saber ou zões, têm a sua capacidade de autodeterminação reduzida,
não sobre o desenvolvimento futuro do câncer. principalmente no que concerne ao seu consentimento em em 3
• Formas de comunicação de diagnóstico, tratamen participar de procedimentos de pesquisa. --•
tos, recidivas. Osswald (2006) expõe outra faceta da vulnerabilida tra*fl
• Dor, controle de sintomas incapacitantes e sofri de. Afirma ser inaceitável que se realizem certos tipos de
mento deles decorrente. pesquisa em países em desenvolvimento que não se reali de. i
• Novas modalidades de tratamento; os protocolos zariam em países desenvolvidos. Em países com índice alto escd
de pesquisa. de pobreza, a ignorância e o temor de represálias fazem riv _d
• Qualidade de vida, efeitos colaterais de tratamentos. que seus habitantes aceitem participar de certos proto a aa
• Personalidade e câncer, aspectos psicossociais. Esti colos que podem trazer grandes riscos. O autor fala em =
lo de vida e risco de câncer. Aspectos psicossociais duplo padrão de pesquisa em países com diferentes níveis
no processo do adoecimento e de recuperação. econômicos; nos mais pobres são ignorados os interesses reca
• Agravamento da doença, final da vida, decisão so de pessoas vulneráveis. Hoje em dia há um consenso quan rer-a
bre interrupção de tratamentos. to à necessidade de que a relação risco/benefício seja igual gemi
• Prolongamento da vida. em todos os países.
avo)
de a
Vulnerabilidade Princípios da bioética - autonomia ou a
Segundo Neves (2006), vulnerabilidade 6 uma pala Os princípios da bioética propiciaram discussões
vra de origem latina que significa ferida, e vulnerável é fundamentais no que diz respeito às pesquisas com seres semi
quem é suscetível a feridas. O Relatório Belmont, já men humanos.
cionado, dedicou-se a discutir o assunto, tanto do ponto O princípio da beneficência procura garantir os be
de vista individual quanto grupai. Essa questão passa a ter nefícios resultantes da pesquisa, evitando riscos e danos Düf
um papel fundamental quando se considera a escolha de para o sujeito.
colaboradores que possam ser pessoas vulneráveis. O princípio da autonomia envolve a possibilidade di ca
Um exemplo gritante de abuso de populações vulne de autogoverno, sem constrangimento. Para garantir a paia
ráveis foi o experimento feito em Tuskegee, nos Estados autonomia é necessário tornar a pessoa competente. Três dròc
Unidos, em que negros americanos portadores de sífilis condições são essenciais ao se considerar esse princípio: • •-í
foram deixados sem tratamento para que se pudesse ob intencionalidade, conhecimento adequado e ausência de pai^
servar o desenvolvimento da doença. Eles não foram in controle externo que possa envolver coerção, manipula foi I
formados de que não estavam sendo tratados. ção e persuasão. da a
Alguns pacientes com câncer que são convidados a O princípio da justiça e eqüidade busca a distribuição
participar de certos protocolos podem também estar ou dos recursos de maneira a melhor atender à necessidade lhos
das pessoas. Tratar de eqüidade e justiça em relação aos Em 2000 formulou-se a Carta de Brasília, reiterando que
participantes nos remete à questão da relevância social da se mantivesse o enunciado de Helsinque na íntegra. Em
pesquisa, que dcvc garantir igual consideração dos inte 2Õ04, na cidade dc Tóquio, finalmente foi ratificado que
resses de todos os participantes envolvidos na distribuição todos os países deveriam manter o mesmo padrão de pes
dos recursos gerados pelos procedimentos realizados. quisa, tendo os seus participantes, em qualquer país, os
Segundo Sucupira et ai (2006), entre os princípios mesmos direitos.
propostos por Beauchamp e Childress (1979), a autonomia Para Garrafa e Porto (2002), é fundamental cuidar do
merece uma atenção especial, por estar ligada ao direito lado frágil de uma sociedade, ou dc povos mais vulnerá
de liberdade e privacidade, motor do próprio comporta veis. É preciso garantir que haja equivalência de cuidados
mento, conferindo ao sujeito a possibilidade de responder e recursos entre povos de diferentes nações. O poder eco
em todos os níveis e envolvendo escolhas e ações. Não nômico não deve exacerbar injustiças, como diferenciação
está relacionada somente ao desejo da pessoa, mas tam quanto aos direitos de participantes de pesquisas em países
bém às questões morais ligadas ao meio social em que essa desenvolvidos e em países pobres.
pessoa vive. Há uma relação estreita entre autonomia e Pesquisas envolvendo vários centros no mesmo país
responsabilidade. O sujeito autônomo não é só aquele que e/ou vários países devem garantir que todos os pesqui
exerce a sua vontade, mas é também aquele que apresenta sadores estejam envolvidos em seu delineamento. O que
a competência para realizar a melhor escolha pautada no muitas vezes se observa é o comando por parte de alguns
conhecimento. A autonomia é inversamente proporcional países, enquanto outros apenas cumprem o que é designa
à vulnerabilidade. A doença pode levar a uma diminuição do, não tendo participação ativa.
da autonomia, podendo ser caracterizada por paternalis
mo exercido pela família ou pelos profissionais de saúde.
Segre et ai (1998) lembram que a reflexão ética Resolução 196/96 do Conselho
envolve uma hierarquia de valores. Cada sujeito poderá
Nacional de Saúde
estabelecer a sua condição de autonomia, que tem uma
trajetória partindo de dentro para fora. A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saú
Schramm (1998) relaciona autonomia com liberda de tem como principal objetivo a proteção do sujeito de
de, no sentido sartriano de ser responsável pelas próprias pesquisas. Estabelece a ponderação entre riscos e bene
escolhas e ações. Retoma Foucault afirmando que a subje fícios potenciais, individuais c coletivos, das pesquisas
tividade é a possibilidade de cuidar de si. Segundo o autor, realizadas. Procura garantir o máximo de benefícios e o
a autonomia parece ser um conceito simples, mas é muito mínimo de riscos.
complexo, envolvendo várias dimensões. No Brasil, essa resolução estabelece diretrizes e nor
Para o exercício da autonomia, a informação e o escla mas que regulamentam pesquisas envolvendo seres huma
recimento são essenciais. A arte da comunicação, segundo nos, abordando inclusive o consentimento livre, voluntá
reflexões de Marchi e Sztajn (1998) e Silva (2002), é a dosa rio e esclarecido.
gem da informação passada, faciütando a compreensão, sem Os protocolos de pesquisa devem conter procedi
coação, influência, indução ou intimidação. O fator impera mentos que garantam a confidencialidade, privacidade
tivo é o discernimento; é preciso entender as conseqüências e não-estigmatização do sujeito de pesquisa. A principal
de uma decisão tomada. Como os processos de adoecimento preocupação deve ser não prejudicar de forma nenhuma o
ou tratamento podem dificultar a compreensão do que está participante, que, no caso do paciente oncológico, já está
sendo proposto, tudo deve ser explicado detalhadamente, exposto a vários graus de sofrimenro. Este também deve
sem que nenhuma informação seja ocultada. ter respeitados seus valores culturais, sociais, morais, há
bitos e costumes.
Faz parte das responsabilidades dos pesquisadores ga
Duplo padrão de pesquisa rantir retorno dos benefícios da pesquisa aos participantes
Oliveira et ai (2006) relatam que, na Assembléia Mé de todos os países envolvidos no projeto multicêntrico, e
dica Mundial realizada em Edimburgo em 2000, alguns não só àqueles do país que coordena o projeto. Esse retor
países debateram a questão da existência de diferentes pa no deve ser feito por meio de comunicação aos colabora
drões de pesquisa, propondo que nos países em desenvol dores após os procedimentos finais. Todos os participantes
vimento se buscasse o melhor tratamento disponível no devem ter acesso aos tratamentos, procedimentos, produ
país, e não o melhor tratamento existente. Essa proposta tos e agentes utilizados na pesquisa.
foi firmemente rechaçada, mantendo-se a proposta vota Muitos protocolos utilizados em oncologia envolvem
da em Helsinque, segundo a qual todos os participantes, novos fármacos; por isso, é essencial assegurar condições
inclusive do grupo controle, devem ter assegurados os me de acompanhamento, tratamento e orientação aos pacien
lhores métodos comprovados de diagnóstico e tratamento. tes submetidos a eles. E imprescindível que os pacientes
594 TEMAS EM P S I C 0 - 0 N C 0 L 0 G I A
recebam esclarecimentos a respeito de todos os benefícios expondo-as a situações de risco, por exemplo, ao injetar ne
e riscos dos procedimentos utilizados. las células cancerosas para testar a sua imunidade.
Quando um novo procedimento é testado, não se O termo de consentimento livre e esclarecido deve
utiliza mais o placebo, que só deve ser usado quando não garantir que o consentimento para participar da pesquisa
houver outro tratamento ou medicamento disponível que seja livre e voluntário, sem coação. Por isso, não se deve
possa ser comparado com o novo medicamento em aná apenas informar os participantes sobre ele, e sim escla
lise. O que se propõe atualmente é que a nova terapêuti recê-lo, ou seja, o pesquisador deve certificar-se de que
ca seja comparada com o melhor tratamento existente na houve compreensão do que foi apresentado, respondendo
época do procedimento. às dúvidas apresentadas.
O objetivo principal do TCLE não é isentar o pesqui
sador dc responsabilidades; foi criado para dar proteção
Termo de consentimento livre e esclarecido ao sujeito da pesquisa, que, como vimos, foi muito violen
Goldim et ai (2002) traçam um breve histórico do tado em várias épocas.
termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), re Deve-se buscar uma linguagem clara, acessível ao
produzido a seguir. Em 1833, o médico Beaumont estabe sujeito, acompanhada de todas as informações e esclare
leceu, com seu paciente, um conjunto de diretrizes que se cimentos necessários. Precisa ser elaborado pelo pesqui
tornaria o que hoje conhecemos como termo de consenti sador e contar com duas vias assinadas: uma fica com o
mento livre e esclarecido, incluindo esclarecimentos sobre sujeito da pesquisa, outra com o pesquisador, garantindo-
a metodologia de pesquisa, a participação do sujeito, seu se o relacionamento entre eles. Os membros dos comitês
consentimento voluntário e a possibilidade de que aban de ética em pesquisa devem dedicar especial atenção ao
done a pesquisa a qualquer momento. Esse consentimento TCLE, pois esse é o documento que assegura os direitos
deveria ser dado antes do início da pesquisa. mencionados e ao qual se pode recorrer em caso de per
O grande impulso para a utilização dos termos de con cepção de não-cumprimento de seus termos.
sentimento para participação em pesquisas foi dado a partir E preciso considerar que, para haver a decisão de Re1
do julgamento de Nuremberg, em 1947, após a análise das participação do sujeito da pesquisa, devem ser garantidas
atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial. a liberdade e a competência (por meio de informação e
Em 1953, foi estabelecida a necessidade de garantir a esclarecimento). E preciso que o exercício do princípio da
compreensão por parte do sujeito para que a sua decisão autonomia, da liberdade de tomar decisões conscientes,
pudesse ser tomada de forma consciente. Determinou-sc seja favorecido.
da .
que dois pontos-chave precisam ser assegurados: informa O pagamento a sujeitos de pesquisa pode impedir a
ção e voluntariedade. livre escolha quanto à participação ou não em projetos;
Outro evento importante foi o experimento dc Tuske- portanto, não é considerado um processo ético.
gee, já mencionado, em que se formaram dois grupos de
sujeitos com sífilis: um recebeu tratamento e o outro não,
para que o processo de desenvolvimento da doença fos Comitês de ética em pesquisa
K*r4
se analisado. Esse projeto só foi interrompido em 1972, Uma das questões que preocupam os membros dos
quando se compreendeu o nível de risco a que estavam comitês de ética em pesquisa é a análise dos procedimen
submetidos os participantes dessa pesquisa, que não foram tos metodológicos. As instituições que possuem comitês
devidamente esclarecidos sobre seus procedimentos. científicos fazem a análise do rigor científico da pesqui
A Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos Huma sa, que está estritamente relacionado com questões éticas.
nos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais, em 1974, Mas o que acontece quando não existem esses comitês?
destacou a necessidade de que o termo de consentimento Essa é uma questão que deve ser estudada com cuidado
livre e esclarecido incluísse informações sobre procedimen para que não haja invasão de campos de análise diferentes.
tos, seus riscos e benefícios. Deveria também incluir as outras E não é ético permitir que pesquisas com sérios entraves
opções de tratamento, além daquele considerado no projeto metodológicos sigam o seu curso, pois oferecem possível
em questão, e dados sobre a possibilidade de o colaborador risco aos seus participantes. Temos aí um dilema a ser dis
se retirar da pesquisa sem ter prejuízo em relação aos atendi cutido entre os membros dos comitês de ética.
mentos que vinha recebendo até aquele momento. Todos os projetos envolvendo pesquisas com seres
Martin (2002) menciona um estudo de Beecher, rea humanos devem levar em conta questões éticas e, se ne
lizado em 1996, em que o autor analisa 22 pesquisas que cessário, terão de passar por comitês de ética em pesquisa,
sofreram processos de ordem ética por não usar os termos de que devem ser multiprofissionais e assegurar a proteção do
consentimento e envolver graves riscos, como utilização de sujeito de pesquisa.
placebo em vez do tratamento conhecido até então, resultan São funções dos comitês de ética em pesquisa: revisar
do em seqüelas. Outros utilizaram crianças com deficiência, protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos e reali-
zar parecer consubstanciado; manter a guarda confidencial A idéia dos comitês de ética em pesquisa (CEPs
e o arquivamento dos protocolos de pesquisa, deixando-os não é ser uma espécie de polícia, ou centro de controle,
à disposição da autoridade sanitária; acompanhar o desen impondo uma normatização moralizadora. A propos:^
volvimento das pesquisas; desempenhar papel educativo e c acompanhar processos sem haver censura. Toda pes
consultoria; receber denúncias de irregularidade; promo quisa constitui uma interferência direta ou indireta na
ver sindicâncias para a avaliação de denúncias e prestar vida das pessoas, por isso a necessidade de tentar causar
informações à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa o menor dano possível, de considerar a vulnerabilidade,
(Conep) sempre que solicitado. a autonomia e a possibilidade de escolha e esclareci
* w * 1 m i "i
A Resolução CNS 240 define a participação de usuá mento dos sujeitos de pesquisa. É importante também
rios ligados a movimentos comunitários, ONGs, que po garantir que os sujeitos de pesquisa possam ter acesso
dem trazer outro olhar ao voluntariado para pesquisas, ao pesquisador.
por exemplo: grupos de soropositivos, os mais ativos. Os CEPs devem estar ligados à Conep. O Sistema
Quanto ao aspecto do financiamento de pesquisas, Nacional de Informações sobre Ética em Pesquisa envol
os projetos devem incluir orçamento detalhado, descri vendo Seres Humanos (Sisnep) é o sistema que objetiva o
ção dos recursos e fontes de destinação deles. Além dis controle nacional de pesquisas envolvendo seres humanos.
so, devem conter dados sobre a remuneração do pesqui Permite o acompanhamento dos projetos apresentados
sador. É importante garantir que os financiadores não aos CEPs, proporcionando uma visão das tendências das
manipulem os dados a seu favor. Essa questão deve ser pesquisas. Cada projeto tem um número de certificado de
cuidadosamente verificada em protocolos patrocinados apresentação para apreciação ética (CAAE). A resposta do
pela indústria farmacêutica. CEP demora trinta dias; a da Conep, sessenta.
i : t tv m
Referências bibliográficas
“Abstracts of the 8^ World Congress of Psycho-On- Oliveira, A. A. S. de; Villapouca, K. C; Barroso, W.
cology 16th-21st October 2006”. Psycho-oncology, v. 15, “Perspectivas epistemológicas da bioética brasileira a par
n. S2, p. 1-478, 2006. tir da teoria de Thomas Kuhn”. In: Garrafa, V; Cordón,
i
Anjos, M. F. dos. “A vulnerabilidade como parceira J. (orgs.). Pesquisas em bioética no Brasil de hoje. São Pau
da autonomia”. Revista Brasileira de Bioética, Brasília, v. lo: Gaia, 2006, p. 19-45.
ir i
2, n. 2, p. 173-86, 2006. Osswald, W. “Desafios postos pela vulnerabilidade
Barchifontaine, C. de R de. “Bioética e políticas de aos pesquisadores”. Revista Brasileira de Bioética, Brasília,
mográficas”. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 26, n. 1, p. v. 2, n. 2, p. 248-53, 2006.
51-64, 2002. Pessini, L.; Martins, L. “Bioética: uma perspectiva
Beauchamp, T. L.; Childress, J. F. Principies of biorned- brasileira”. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 26, n. 1, p.
ical ethics. Nova York: Oxford University Press, 1979. 3-5, 2002.
Fortes, P. A. de C. “Bioética, eqüidade e políticas Potter, V. R. Bioethics: bridge to the future. Engle-
públicas”. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 26, n. 1, p. wood Cliffs: Prentice-Hall, 1971.
143-7, 2002. Rfich, W. T. (ed.). Encyclopedia of bioethics. Nova
Garrafa, V; Porto, D. “Bioética, poder e injustiça: York: Free Press, 1978, 4 v.
por uma ética de intervenção”. O Mundo da Saúde, São Schramm, F. R. “A autonomia difícil”. Bioética, Brasí
Paulo, v. 26, n. 1, p. 6-15, 2002. lia, v. 6, n. 1, p. 27-37, 1998.
Goldim, J. R.; Clotet, J.; Francisconi, C. F. “Um Segre, M. “Bioética e religião”. Revista Brasileira de
breve histórico do consentimento informado”. O Mundo Bioética, Brasília, v. 1, n. 3, p. 257-63, 2005.
da Saúde, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 71-84, 2002. Segre, M.; Silva, F. L.; Schramm, F. R. “O contexto
Marchi, M. M.; Sztajn, R. “Autonomia e heterono histórico, semântico e filosófico do princípio da autono
mia na relação entre profissional de saúde e usuário dos mia”. Bioética, Brasília, v. 6, n. 1, p. 15-23, 1998.
serviços de saúde”. Bioética, Brasília, v. 6, n. 1, p. 39-45, Silva, M. J. P. “O papel da comunicação na humani
1998. zação da atenção à saúde”. Bioética, Brasília, v. 10, n. 2,
Martin, L. M. “Ética em pesquisa: uma perspectiva p. 73-88, 2002.
brasileira”. O Mundo da Saúde, v. 26, n. 1, p. 85-100, Sucupira, C. V; Cordeiro, K. C.; Aguiar Junior, H.
2002. G. de; Porto, D. “O olhar bioético sobre o fast food:
Neves, M. P. “Sentidos da vulnerabilidade: caracte um estudo de caso no Distrito Federal”. In: Garrafa, V;
rística, condição, princípio”. Revista Brasileira de Bioética, Cordón, J. (orgs.). Pesquisas em bioética no Brasil de hoje.
v. 2, n. 2, p. 157-72, 2006. São Paulo: Gaia, 2006, p. 171-92.
pjc
INTERNET EM ONCOLOGIA: PACIENTES de
rua
Luciana Holtz de Camargo Barros qt* *
fraj
ui
ges
de i
UM
do
Quem acessa a internet e qual a informação um primeiro estímulo para que o paciente vá buscar a in
formação na internet. Porém, encara o ato de pesquisar,
pesquisada?
a busca pela informação, como uma estratégia de en-
Inúmeros estudos confirmam que muitas vezes o frentamento positiva utilizada pelo paciente diante de um
paciente c seus familiares acessam a internet em busca tratamento de câncer. O excesso de informação e seus efei
de informações variadas com relação ao câncer. No- tos psicológicos também já vêm sendo discutidos.
rum et al. (2003) realizaram um estudo por meio de um Surgiu o termo cibercondria (a hipocondria digital),
quesrionário respondido por pacientes e familiares que que caracteriza pessoas que, por meio da internet, des
freqüentaram o departamento de oncologia do Hospi cobrem informações que deveriam estar disponíveis so
tal Universitário do Norte da Noruega entre os anos de mente para médicos. Trata-se da “dor de nunca saber o
2001 e 2002. Com o questionário buscaram levantar su
bastante, uma angústia típica dos tempos atuais”, como
gestões e experiências desses sujeitos com relação à busca
foi descrita na revista Veja (Baptista, 2001). Quando so
de informação na internet. Concluíram que a fonte dc
fre de cibercondria leve, o paciente fica menos dc três
informação mais utilizada e considerada a mais impor
horas por semana na internet buscando informações de
tante corresponde ao médico e sua equipe. Dois terços
saúde; já as vítimas da cibercondria pesada ficam mais
do total de pacientes e familiares acessavam a internet,
de oito horas. Nesse caso, um dos maiores problemas é
porém menos de um terço usou esse meio para buscar
a automedicação.
informações médicas e apenas um quinto discutiu a in
Na minha experiência como psicóloga e gestora do
formação encontrada com o médico.
portal Oncoguia, pude perceber que muitos pacientes
Outra observação importante foi a relação entre a
buscam a informação principalmente em dois momentos:
busca por informações sobre o câncer na internet e pessoas
diante do diagnóstico e antes do início do tratamento. As
mais jovens. Além disso, foram levantadas as principais su
perguntas refletem o sentimento de insegurança e medo
gestões dos participantes da pesquisa: implementar a co
que o diagnóstico de um câncer gera e, também, os pre
municação entre o hospital e os pacientes por meio de
conceitos e tabus ainda existentes no que concerne aos
e-mails e sistemas wireless, disponibilizar informações so
tratamentos do câncer.
bre os tratamentos oferecidos, seu tempo de espera e tam
Com relação aos que não buscam a informação, o
bém os endereços completos dos locais de atendimento.
que se vê é um paciente inseguro, com medo do que pode
No Oncoguia (dados de agosto de 2007, obtidos por
encontrar. Alguns, aos poucos, vão se aproximando das
meio de relatórios da Loca Web e perguntas enviadas ao
informações, enquanto outros preferem não saber c dei
site), os principais temas pesquisados são:
xar que o médico decida tudo.
No caso do Oncoguia, o familiar do paciente com
• direitos dos pacientes com câncer;
câncer é o principal usuário. Nas perguntas percebemos a
• orientações sobre os tipos de câncer;
preocupação referente aos cuidados gerais, à melhor ma
• os diferentes tipos de tratamento para o câncer;
neira de ajudar, ao medo da perda e a um sentimento de
• efeitos colaterais dos tratamentos;
insegurança no que diz respeito à sua própria saúde (por
• orientações nutricionais e psicológicas;
exemplo, quando é a mãe quem está doente).
• orientações sobre formas de prevenção, solicitadas
por familiares.
Quais os efeitos da informação nos pacientes com
Com relação ao perfil do usuário do Oncoguia (da
dos de julho de 2007), podemos apresentar os seguintes câncer?
números: Muitos estudos demonstram que um paciente mais
informado é mais controlado, menos ansioso, adere me
• 35%: familiares de pacientes com câncer; lhor ao rratamento, possui expectativas reais, se cuida,
• 25%: profissionais de saúde; participa ativamente de seu tratamento e se sente se
• 20%: pacientes com câncer; guro e bem cuidado. E mais: o grau de satisfação com
• 10%: público leigo; a quantidade e qualidade de informação recebida tem
• 5%: instituições; sido relacionado rambém com o nível de qualidade de
• 5%: estudantes. vida desse paciente.
A maioria dos entrevistados (pacientes) de Fleisher et
al. (2002), por exemplo, acredita que a informação facilita
Por que os pacientes acessam a internet? a conversa com o médico e fortalece a relação, principal-
Eysenbach (2003) discute essa questão e apresenta menre quando há uma confirmação pelo médico do que já
a insatisfação com a explicação dada pelo médico como foi lido pelo paciente.
598 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
m mim a ti * m
• o conteúdo deve ser equilibrado, listando vantagens
considerações sobre o tema. Seguem alguns resultados: e desvantagens;
• os níveis de evidência científica devem ser indi
• 98% dos oncologistas relataram que o tempo que cados.
eles gastam durante a consulta discutindo informa
ções que os pacientes encontraram na internet au Para Eysenbach, a presença de depoimentos inveros
mentou nos últimos cinco anos; símeis e a menção de tratamentos que prometem a cura do
• 30% consideraram que as informações fazem que câncer e não possuem efeitos colaterais são sinais caracte
o paciente se sinta menos esperançoso, enquan rísticos de sites questionáveis.
to 29% disseram que isso não altera a impressão Já para a Health on the Net Foundation (http://www.
quanto ao prognóstico; hon.ch), uma organização sem fins lucrativos de Genebra,
• 75% relataram que a internet proporciona aos pa na Suíça, a qual criou um selo (HONcode) que aprova sei
cientes maior compreensão da doença; o site e garante a sua confiabilidade, são considerados os
• somente 36% dos oncologistas afirmaram que o critérios descritos a seguir: 12? 1
impacto da internet é positivo. ru i
Autoridade: toda orientação médica ou de saúde conti
Entre as considerações negativas, houve relatos de da no site deve ser dada somente por profissionais treinados
que esperanças falsas e imprecisas são disponibilizadas e e qualificados, a menos que seja declarado expressamente mi
geram ansiedade nos pacientes. Por outro lado, muitos que determinada orientação está sendo dada por um indiví
oncologistas comentaram que o acesso à informação for duo ou organização sem qualificação na área médica. m?:
taleceu a relação médico-paciente. Complementaridade: a informação disponível no site
qssd
Os diferentes pontos de vista podem ser exemplifica deve ser concebida para apoiar - e não para substituir - o
dos com as seguintes frases: “Um pouco de conhecimento relacionamento existente entre pacientes ou visitantes do "Ai
é perigoso” e “Quanto mais eu conheço o meu inimigo, site e seu médico. cu
melhor é a minha luta contra ele”. fC31
Confidencialidade: deve ser respeitado o caráter con
A conclusão do estudo enfatiza que é responsabili fidencial dos dados dos pacientes e visitantes de um site
dade dos médicos, enfermeiros e outros profissionais in médico ou de saúde - incluindo sua identidade pessoal.
formar seus pacientes sobre quais são os sites confiáveis e Os responsáveis pelo site devem se comprometer a honrar
< í i?
seguros. McMullan (2006), após realizar uma revisão da ou exceder os requisitos legais mínimos de privacidade de
literatura a respeito da interferência da informação na re informação médica e de saúde vigentes no país e no estado
lação médico-paciente, também concluiu que o profissio onde se localizam o site e suas cópias.
nal de saúde deve discutir com o paciente as informações Atribuições: quando for o caso, a informação contida
por ele levantadas e indicar sites confiáveis. no site deverá ser respaldada por referências claras às fon-
INTERNET EM ONCOLOGIA: PACIENTES 599
tcs consultadas, tendo, quando possível, links para essas do em 2003, como resultado da minha experiência como
fontes. A data em que cada página médica foi atualizada psico-oncologista, em equipes de oncologia, e da minha es
pela última vez deve ser exibida claramcnte (no topo da pecialização em bioética, quando entrei em contato com os
página, por exemplo). princípios de autonomia, beneficência e justiça.
Justificativas: quaisquer afirmações feitas sobre os No meu dia-a-dia, tornou-se um fato cada vez mais
benefícios e/ou desempenho de um tratamento, produto freqüente que um paciente chegasse confuso e chateado
comercial ou serviço específico devem ser respaldadas por e relacionasse esses sentimentos com artigos na internet
comprovação adequada. contendo taxas de sobrevida, de mortalidade e/ou exem
Transparência quanto à propriedade: os programado plos de efeitos colaterais muito graves. Na prática, aca
res visuais do site devem dispor a informação da forma bávamos tratando dessas questões surgidas por conta da
mais clara possível e disponibilizar endereços de contato leitura. Mas restava saber como essa situação poderia ser
para os visitantes que desejem informação ou ajuda adi melhorada. De fato, como lidar com o dado estatístico,
cional. O webmaster deve exibir seu endereço de e-mail com taxas de sobrevida e/ou exemplos de efeitos colaterais
claramente em todas as páginas do site. graves durante o tratamento de um câncer?
Transparência quanto ao patrocínio: os apoios dados Nessa época, estava realizando algumas pesquisas
ao site devem ser apresentados expressamente, incluindo para o trabalho dc conclusão de curso da especialização
a identidade das organizações comerciais e não comerciais e acabei encontrando muitos sites estrangeiros voltados
que tenham contribuído com ajuda financeira, serviços ou para o público leigo, nos quais se percebiam a existência
recursos materiais. de um cuidado com a linguagem, com os conceitos, com a
Honestidade da publicidade e da política editorial: se qualidade da informação e, ainda, a preocupação em dis
a publicidade é uma das fontes de renda do site, isso deve ponibilizar orientações realmente úteis aos pacientes com
scr indicado claramente. Os proprietários do site devem câncer e seus familiares.
fornecer uma breve descrição da política de divulgação Do curso nasceu um manual informativo sobre pes
adotada. Os anúncios e outros materiais promocionais quisa clínica para pacientes com câncer e, na sequência,
devem ser apresentados aos visitantes de uma maneira e surgiu o Oncoguia, um portal na internet com orientações
em um contexto que facilitem diferenciá-los do material gerais sobre o câncer, seus tratamentos, dicas e informa
original produzido pela instituição gestora do site. ções sobre pesquisa clínica.
Eis alguns sites que possuem o selo HONcode: Com o projeto do site em mãos, cujo objetivo princi
http://www.pubmed.gov, http://www.clinicaltrials.gov, pal era a disponibilização de informações úteis e adequa
http://www.mayoclinic.com, http://www.liealthology.com, das ao dia-a-dia de um paciente em tratamento de câncer,
http://medlineplus.gov. o passo seguinte foi o levantamento e a captação do que
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina, os con seria necessário para que ele saísse do papel, ou seja, uma
selhos médicos regionais e a Associação Médica Brasileira,
agência de webdesign e um patrocinador, basicamente.
instituições que regulam a ética médica, tentam implemen
Enfim, em novembro de 2003, aconteceu o lança
tar condutas que regulamentem as informações divulgadas
mento oficial do Oncoguia no Congresso Brasileiro de
na web. O Conselho Regional de Medicina do Estado de
Cancerologia, em São Paulo. Contávamos, na época, com
São Paulo (Cremesp) apresentou um conjunto de critérios
trinta acessos por dia. Em agosto de 2007, o Oncoguia
para uso de informação médica nas páginas da internet que
contabilizou mais de trinta mil visitas por mês.
inclui: transparência, honestidade, qualidade, consenti
mento livre e esclarecido, privacidade, procedência, ética
médica e responsabilidade, além de alguns critérios seme Missão, visão e valores
lhantes aos da Health on the Net Foundation. Quanto à
O Oncoguia tem como grande missão ajudar o pa
qualidade das informações, o Cremesp (2007) declara que:
ciente com câncer a viver melhor. E, para isso, oferece
“A informação em saúde apresentada na Internet deve ser
informação, orientação, suporte e interatividade.
exata, atualizada, de fácil entendimento, em linguagem ob
A informação é adequada e adaptada ao dia-a-dia do
jetiva e cientificamente fundamentada”. No entanto, esses
paciente com câncer, seus familiares e demais redes de su
critérios ainda não são adotados como padrão no país.
porte, sendo marcada pela coerência.
A orientação e o suporte são oferecidos por meio de
A experiência com o Oncoguia uma rede multidisciplinar de colaboradores das áreas
de oncologia, masrologia, urologia, psicologia, fisio
Histórico terapia, odontologia, consultoria jurídica, entre outras.
O Oncoguia (http://www.oncoguia.com.br) c um por Os visitantes podem enviar dúvidas, sugestões e críticas
tal informativo e interativo voltado para a qualidade de por meio do “fale conosco” e do setor de depoimentos.
vida do paciente com câncer e seus familiares. Foi lança Todas as perguntas são respondidas.
—— —..............................-..................................... ‘ ‘ ‘ ‘ .^■h±^uJULU.J.±±^
Referências bibliográficas
Baptista, C. “A dor de nunca saber o bastante”. Veja, Cremesp. “Manual de princípios éticos para sites de
São Paulo, n. 1716, p. 62-6, 2001. medicina e saúde na internet”. Disponível em: <http://
Boguoi.o, A. et al. “More information, more choice: www.saudeinformacoes.com.br/institucional_cremesp.
an Italian database for oncology patients”. Atinais of On- asp>. Acesso em: ago. 2007.
cology, v. 16, n. 12, p. 1962-7, 2005. Eysenbach, G. “The impact of the internet on câncer
Castiel, L. D.; Vascoxcellos-Silva, P. R. “Internet outeomes”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, v. 53, n.
e o autocuidado em saúde: como juntar os trapinhos?” 6, p. 356-71, 2003.
História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. Fleisher, L. et al. “Relationships among internet
9, n. 2, p. 291-314, 2002. health information use, patient behavior and self efficacy
INTERNET EM ONCOLOGIA: PACIENTES 601
in newly diagnosed câncer patients who contact thc Na www.hon.ch/HONcode/Portuguese/>. Acesso em: ago
tional Câncer Institute’s NCI Atlantic Region Câncer In sto de 2007.
formation Service (C1S)”. Proceedtngs ofthe AMIA Annual Kjrschning, S.; von Kardorff, E. “Which information
Fali Symposium, p. 260-4, 2002. relativcs of patients with câncer are scarching for? Are the
Gulinelli, A. et al. “Desejo de informação e partici findings helpful for coping and care?” Meáizinische Klinik,
pação nas decisões terapêuticas em caso de doenças graves v. 102, n. 2, p. 136-40, 2007.
em pacientes atendidos em um hospital universitário”. Re McMullan, M. “Patients using the internet to obtain
vista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 50, n. health information: how this affects the patient-health
l,p. 41-7, 2004. professional relationship”. Patient Education and Coun-
Helft, P. R. et ai “Use of the internet to obtain cân selling, v. 63, n. 1-2, p. 24-8, 2006.
cer information among câncer patients at an urban county Norum, J. et al. “Information and communication
hospital”. Journal of Clinicai Oncology, v. 23, n. 22, p. technology (ICT) in oncology: patients’ and relatives’ ex-
4954-62, 2005. periences and suggestions”. Supportive Care in Câncer, v.
Health on the Ner Foundation. “Código de conduta 11, n. 5, p. 286-93,2003.
(HONcode) para sites web medicina e saúde”. Trad. Cés “Oncoloclsts disagree on impact of patient internet
ar de Azevedo Gil, Banco Nacional de Desenvolvimento use”. CA: A Câncer Journal for Clinicians, v. 53, n. 3, p.
Econômico e Social (BNDES). Disponível em: <http:// 135-7, 2003.
r«S
de c
ócà
ÍMC
INTERNET E CÂNCER: PROFISSIONAIS DE SAUDE a “5
dsã
Ricardo Caponero
da i
o*
>e-*
pres
r_-j
mefl
" .:
Um pouco de história Em 1989 foi criado o Alternex, um serviço de con enu
ferências eletrônicas. Em 1991, a Fapesp, que se tornou teta
história da internet, densa em progressos e acon
responsável pelos domínios “br” e “IPs” no Brasil, criou
resgate de informações científicas por via eletrônica. Des A internet como substituta da biblioteca
de então, os computadores e a tecnologia de transferência
A atualização científica é fundamental para uma área
de dados evoluíram muito.
que evolui tão rapidamente como a medicina e, em par
Em maio de 1995, o Ministério das Comunicações
ticular, para a oncologia. Após completar sua formação
(MC) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), com
acadêmica e especialização, os profissionais necessitavam
a finalidade de efetivar a participação da sociedade nas de
freqücntar congressos médicos, cursos de atualização e bi
cisões envolvendo a implantação, a administração e o uso
bliotecas, em busca de livros e periódicos de leitura obri
da internet, constituíram um comitê gestor da internet,
gatória. A internet transformou essa realidade.
o qual contaria, além da participação do MC e do MCT,
com entidades operadoras e gestoras de backbones, repre
sentantes de provedores de acesso ou de informações, re Livros
presentantes de usuários e a comunidade acadêmica.
Os livros de medicina sempre representaram alto
A internet, que tem revolucionado o mundo dos com
custo. São volumosos, precisam de encadernações apro
putadores e das comunicações, é, ao mesmo tempo, um
priadas para suportar o extenso número de páginas e
mecanismo de disseminação da informação e divulgação
resultam de um processo de produção difícil, pelo vo
mundial e um instrumento para a colaboração e interação
lume de informações que reúnem, muitas vezes fruto da
entre indivíduos por meio de computadores, independen
colaboração de diversos autores. Até recentemente, era
temente de sua localização geográfica.
necessário um longo tempo para coletar todas as cola
borações e editá-las, para imprimir e distribuir os livros.
A importância da internet Com freqüência importados e em língua estrangeira, esses
livros, fonte básica para a formação profissional, além de
na oncologia dispendiosos, nem sempre refletiam o último grau do co
Hoje a internet é uma ferramenta fundamental no nhecimento no assunto.
cotidiano médico. Sua influência começa na formação Sendo quase sempre impossível adquirir livros de
profissional, passa pela informação e educação continua múltiplas especialidades, adquiriam-se os livros básicos
da e atinge o atendimento ao paciente. Hoje dispomos de para cada área de interesse. Os demais eram consultados
sites com ferramentas das mais diversas, que nos auxiliam na biblioteca, ou copiados, sem nenhum pudor quanto à
em todas as fases do atendimento. São apresentados da propriedade intelectual, em longas sessões de xerocópias.
dos sobre a avaliação do prognóstico, cálculos dos riscos Havia certo mistério a respeito de quando seriam lan
e benefícios da terapêutica, fontes de informações de esta- çadas as novas edições, c era preciso ficar atento para que
diamento, graus de toxicidade, ferramentas para cálculos não se adquirisse uma edição logo antes da publicação de
diversos, protocolos de quimioterapia etc. uma nova, mais atualizada. Assim, não só era necessário
O ganho de velocidade e o aumento da possibilidade adquirir os livros básicos como era preciso atualizar, cons-
de acesso têm modificado a estrutura do conhecimento. rantemente, as edições que possuíamos.
Hoje, o mais importante não c deter a informação, ter “co Surgiram algumas versões em CD-ROM e alguns pa
nhecimento”, memorizar a maior quantidade de informa radoxos. Um dos livros fundamentais da oncologia, Cân
ções científicas. O mais importante agora é saber encontrar cer: principies & practice of oncology (DeVita Jr. et ai,
a informação. Dominar os mecanismos de busca e aperfei 2005), só podia ser obtido no formato dc CD-ROM com
çoar a capacidade de filtrar a informação, separando do a aquisição do livro impresso.
mar de dados aqueles de maior relevância. Muitos livros ainda estão disponíveis em suas versões
em CD-ROM, como os volumes do Atlas of clinicai oncolo
gy, da American Câncer Society, e representam uma forma
Ferramentas de busca de informação científica de divulgação da informação de custo muito mais baixo,
Os grandes e velhos livros do Medline foram substi ecologicamente mais adequada e dc consulta mais fácil.
tuídos por seu equivalente eletrônico e por seus sucessores. A evolução do CD-ROM foram os sites que dispo
Hoje, sites como o PubMed (http://www.pubmed.gov), um nibilizam acesso on-line a bibliotecas virtuais, nas quais,
dos mais utilizados que ainda mantém o aspecto formal do mediante o pagamento de uma assinatura, podem ser
Medline, rivalizam com derivados dos populares sistemas de consultadas as últimas edições dos principais livros, de
busca, muito mais convidativos, como o Google Acadêmico qualquer área do conhecimento médico. O mais utilizado
(http://scholar.google.com.br), ainda em versão beta. desses sites é o MD Consult (http://mdconsult.com), que
Essa nova opção de pesquisa da informação científica permite acesso não só aos livros mas também a periódicos
acaba sendo muito mais confortável e mais eficiente. Po e numerosos outros recursos.
demos dizer que a informação está, verdadeiramente, na E possível encontrar alguns livros de acesso gratui
ponta dos dedos. to, como o atlas dc anatomia de Henry Gray (2000). Há
604 TEMAS EM P S I C O O N C 0 L O G I A
bibliotecas gratuitas, como a FreeBooks4Doctors! (http:// net, com pagamento com cartão de crédito internacional;
Im
www.freebooks4doctors.com) ou a do site da Universi muitas vezes, permitem até a reserva de hotéis e consulta
dade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina de horários de vôos.
(http://www.unifesp.br/dis/bibliotecas/books). E possível também enviar trabalhos para ser apresen &■
tados, embora geralmente a aceitação do trabalho esteja p -:
vinculada à inscrição no congresso. g'-A
Revistas e periódicos E provável que os congressos não desapareçam, mas
Da mesma forma que alguns sites disponibilizam li mudarão drasticamente de formato. A facilidade de acesso à S up
vros, numerosos outros sites disponibilizam periódicos informação nova, continuamente disponível, e o acesso re dei
médicos, de diversas especialidades. Há muitos periódi moto, em tempo real, aos congressos fazem que a vantagem lho
cos de acesso livre e gratuito, disponíveis, por exemplo, apresentada por eles resida nas conversas de corredor, no
no site Free Medicai Journals (http://www.freemedical- contato com a informação ainda germinando. No futuro,
journals.com). os congressos terão muito mais um cunho relacionado aos lóp
Praticamente todas as revistas médicas oferecem assi negócios do que científico; serão como as inúmeras feiras Soa
naturas para o acesso on-line. Em algumas delas, como o técnicas que ocorrem em todas as áreas: um mostruário dos sbc*
Journal of Clinicai Oncology (http://jco.ascopubs.org), é progressos da medicina e da oncologia. em
necessário fazer a assinatura da revista impressa, mas ou ClOij
tras, como o New England Journal of Medicine (http://con- da e
tent.nejm.org), comercializam assinaturas exclusivamente Sínteses e sinopses Brai
por via eletrônica, com um custo muito mais baixo. Com a disponibilidade de tantos livros, periódicos e e za
Muitas revistas médicas disponibilizam gratuitamen congressos, o fator limitante passa a ser o tempo necessá ona
te os artigos publicados há certo tempo, variando esse rio para a leitura de toda essa informação, conciliando a exea
período de alguns meses até anos; há também aquelas atualização científica com as atividades de exercício profis
que permitem as assinaturas por um dia ou a compra de sional e a vida familiar. Por isso, surgem sites que realizam
artigos específicos. Essa geralmente é uma opção cara, a síntese dessas informações e as disponibilizam em sinop lnt€
já que um artigo publicado é normalmente vendido por ses, de leitura mais rápida, com a informação condensada.
cerca de US$ 30. Nesse aspecto, um dos sites mais bem-sucedidos, e não só ofen
Além do acesso e das facilidades mencionadas, a dis na área oncológica, é o Medscape (http://www.medscape. ca j
ponibilidade on-line permite agilidade. As cópias impres com). Muitos outros portais disponibilizam informações rei- i
sas normal mente levam semanas ou até alguns meses para dessa forma e podem ser facilmente encontrados. mao
chegar ao Brasil. O acesso eletrônico proporciona a con expe
sulta dos periódicos de forma imediata, tão logo eles são
lançados, sincronicamente com todo o mundo. Fóruns e material interativo
Muitas vezes a leitura, na íntegra, de capítulos de li Dec
vro ou artigos de periódicos pode ser maçante e demora
Congressos da. A leitura de sinopses, por sua vez, pode ser superficial cona
Parte da atualização profissional, hoje denominada e destituída de qualquer interação. Por isso alguns sites Man
“educação médica continuada”, se dá pela freqüência a disponibilizam uma forma dinâmica de interação com ca liar o
congressos médicos. Essa é uma forma dispendiosa de ad sos que são apresentados. Um exemplo disso é o Clinicai case*
quirir conhecimentos; muitas vezes está além das possibi Care Options (http://clinicaloptions.com), que oferece Adftn
lidades oferecidas pelo poder aquisitivo dc grande parte uma forma interessante dc discussão de casos, além de uma I"V -
dos médicos que dependem de honorários de seguradoras grande quantidade dos aspectos já citados, como cobertu rero <
de saúde e planos de saúde suplementar, ou dos profícuos ra de conferências, aulas médicas etc. ava. j
honorários pagos pelo Sistema Único de Saúde (RS 7 por I
uma consulta de especialista). imp*
A ida a congressos no exterior significava a interrup Outros portais e conteúdos específicos glofej
ção das atividades do consultório (e dos rendimentos para A indústria farmacêutica também se faz presente nes se thi
os profissionais liberais), além de despesas com passagens, se meio. Praticamente todos os laboratórios farmacêuticos abo: d
inscrição e hospedagem. Hoje, muitos congressos aceitam possuem sites na internet, tanto do próprio laboratório
inscrições para acesso on-line ou vendem o conteúdo de pa como, ás vezes, de produtos específicos. Esses sites normal
lestras, como é o caso do congresso promovido pela Amer mente possuem áreas públicas para divulgação de informa Core
ican Society of Clinicai Oncology (http://www.asco.org). ções para leigos, além de áreas privadas, gratuitas, mas com I
Para os que dispõem de recursos para frequentar con acesso por meio dc senhas, em que se encontram diversos com~
gressos no exterior, os sites oferecem inscrições pela inter conteúdos informativos e de prestação de serviços. respea
INTERNET E CÂNCER: PROFISSIONAIS DE SAÚDE 605
bém conta com calculadoras de superfície corpórea c ta ferramenta para pesquisa dessas opções de tratamento,
belas de codificação de eventos adversos relacionados ao não publicadas nem apresentadas em congressos. O site
tratamento. do NCI é, talvez, a mais rica fonte para pesquisa de pro
Dados acerca de doses, calculadoras e informações tocolos experimentais. Ele oferece diversos recursos de
sobre protocolos e quimioterápicos podem ser encontra busca, por tipo de neoplasia, fase da doença, instituições
dos em http://www.meds.com/DChome.html, de forma participanres etc.
L' . Lí
bastante prática. Outra fonte para encontrar protocolos experimentais
são os sites dos grandes grupos de pesquisa, como o Natio
Gr*
nal Surgical Adjuvant Breast and Bowel Project (NSABP)
Transferência de resultados de exames (http://www.nsabp.pirt.edu), o Breast Câncer International L:r:
A transmissão de resultados de exames de análises Research Group (BCTRG) (http://www.bcirg.or£/lnternct/
clínicas por fax e, mais recentemente, pela internet tem default.htm), o Southwest Oncology Group (Swog) (http://
permitido economia de papel e de tempo. Os pacientes swog.org) e o Eastern Coopcrarive Oncology Group (Ecog)
precisavam ir ao laboratório para fazer os exames e voltar, (http://ecog.dfci.harvard.edu). Nesses sites, além de proto
após alguns dias, para pegar os resultados. Hoje eles vão colos, podem ser encontrados seus membros, os estudos já
direto aos consultórios, de posse de uma identificação e realizados e indicações bibliográficas.
uma senha, as quais possibilitam o acesso aos resultados.
Os filmes radiográficos são bastante caros. Se radio
grafias e ultra-sonografias podem lançar mão de poucas A realidade brasileira
folhas dc filme, o mesmo não ocorre com exames de to- A inclusão digital ainda é uma utopia num país
mografia computadorizada e ressonância nuclear magné de tantos analfabetos. A internet nos fez imaginar que
tica. Esses exames, de tecnologia digital por natureza, pu o conceito de “aldeia global77 que Marshall McLuhan
deram facilmente ser transferidos dos filmes para os CDs, cunhou nos anos 1960, com o desenvolvimento das tele
de custo muito mais baixo. A tecnologia digital alcançou comunicações e computadores, seria facilmente atingido
as radiografias, mamografias e outros exames de imagem, e ultrapassado. Mas o crescimento da disparidade social
que agora também podem seguir o mesmo caminho, sen parece comprometer essa idéia. Mesmo computadores
do gravados em CD. populares de baixo custo não parecem ser suficientes
Atualmente, os exames ainda são enviados em dupli para garantir a concretização do mundo digital. Ainda
cata, em CD e filme radiográfico, já que nem todos têm são poucos os consultórios equipados com computadores
acesso a recursos tecnológicos como monitores com boa conectados à internet.
resolução e equipamentos velozes para processamento de De um lado, médicos circulando com telefones celula
imagem, e é preciso lembrar que há aqueles que sequer res e computadores de bolso, depositários de grandes quan
têm acesso a computadores. tidades de informação. Computadores portáteis com acesso
No futuro, quando todos os consultórios e hospitais sem fio (Wi-Fi, BlueTooth etc.) à internet. Essa é uma reali
estiverem equipados com computadores e acesso à inter dade para poucos; a maioria, de outro lado, ainda convive
net, com redes rápidas e estáveis para transmissão de da com mínimos recursos para um atendimento digno.
dos, esses exames, agora gravados digitalmente em CDs,
poderão prescindir dessa mídia e serão enviados direta
mente pela internet. Conclusão
As câmeras digitais de alta resolução tiveram o mes A internet revolucionou de modo significativo e ir
mo efeito em relação aos exames de anatomia patológica. reversível a forma como os conhecimentos médicos são
Para ilustrar esse efeito, cito uma experiência particular: transmitidos. A velocidade com que as novas conquistas
discutia um caso clínico com um patologista e, enquanto fa são disseminadas possibilita que médicos e demais profis
lávamos ao telefone, ele me enviou por e-mail as imagens sionais de saúde mantenham seu nível de conhecimento
dos cortes histopatológicos; assim, ambos pudemos rer as equiparado aos saberes dos melhores centros do mundo.
mesmas imagens e interagir mais apropriadamente. Entretanto, a disponibilidade de informações em tempo
real não faz parte do cotidiano da totalidade dos profissio
nais, da mesma forma que o acesso ao conhecimento não
Protocolos experimentais garante a sua aplicabilidade.
Muitas vezes deparamos com situações em que não Por um lado, a internet trouxe a confiança proporcio
há uma opção terapêutica satisfatória ou todas as alter nada pelo conhecimento técnico mais apurado, mas, por ou
nativas plausíveis já foram esgotadas. Nessas condições, é tro, revelou as grandes disparidades dc acesso à saúde entre
lícito informar os pacientes sobre a possibilidade de parti o mundo desenvolvido e a nossa realidade, na qual ora é
ciparem de estudos clínicos. A internet é uma inestimável garantido, ora é dependente de políticas públicas de saúde.
INTERNET E CÂNCER: PROFISSIONAIS DE SAÚDE 607
Referências bibliográficas
Buzaid, A. C.; Hoff, R M. (orgs.). Manual prático Gray, H. Anatomy ofthe hutnan body. 20. ed. Nova
de oncologia clínica do Hospital Sírio-Libanês. 5. ed. São York: Bartleby.com, 2000. Disponível em: <http://www.
Paulo: Dendrix, 2007. bartlcby.com/107/>.
DeVita Jr., V. T; Hellman, S.; Rosenberg, S. A. (eds.). KLEINROCK, L. “Information flow in large communi-
Câncer: principies &practice of oncology. 7. ed. Filadélfia: cation nets". RLE Quarterly Progress Report, Massachu-
Lippincott Williams & Wilkins, 2005. setts Institute of Technology, jul. 1961.
?-
cia”. A
a dc-ei
cura. -
frem-
PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO CONTINUADA ades: a
a ed-*£
PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS do r i
Arli Melo Pedrosa; Maria Jacinta Benites Gomes C
mo\i:
aurr.-:-
prog-4
tini:.5
o ln.'_
(ImirJ
de Hf
Introdução As experiências que serão apresentadas foram desen
aterz;
volvidas em Recife, no estado de Pernambuco, na Unidade
presente capítulo tem como proposta relatar Ho?r:
de Oncologia Pediátrica do Instituto Materno Infantil Pro
Freire (1998) nos diz: “a sabedoria parte da ignorân Segundo Pignatari (1971), educar e informar são
cia”. Assim, quanto mais informado o paciente for sobre ações imprescindíveis para a formação crítica e social de
a doença, procedimentos, tratamento, possibilidade de cidadãos, porém é necessário que o educador saiba aon
cura, efeitos colaterais, local do tratamento e como en de quer levar seus educandos e qual o resultado esperado
frentar as situações adversas, maiores serão as chances de com sua ação. A educação firmada em informações pre
adesão ao tratamento. Temos de nos conscientizar de que cisas não se constrói sem planejamento (Osório, 1999).
a educação tem caráter permanente, independentemente Primeiro precisam ser definidos os objetivos, pensando
do momento de vida. nos interesses e nas possibilidades do indivíduo; depois,
Cientes de que somente por meio de ações que pro o caminho para alcançá-los, considerando materiais, espa
movam a saúde podemos realizar um trabalho voltado ao ços, técnicas e tempo disponíveis.
aumento da qualidade de vida, iniciamos em 1994 um O programa mencionado está pautado nos seguintes
programa de educação continuada envolvendo quatro ins princípios:
tituições parceiras, cada uma com o seu papel específico:
o Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira • Colocar-se no lugar do educando, utilizando ter
(Imip), reservado ao atendimento hospitalar; o Centro mos e expressões que possibilitem uma maior e
de Hematologia e Oncologia Pediátrica (Cehope), para o melhor compreensão, principalmente quando os
atendimento ambulatorial; o St. Jude Children’s Research envolvidos forem provenientes de famílias de baixa
Hospital, em intercâmbio científico; o Núcleo de Apoio à renda. Esse é um aspecto de grande relevância no
Criança com Câncer (Nacc), instituição não governamen planejamento.
tal que proporciona apoio biopsicossocial aos pacientes e • Tornar o educando um parceiro na atividade para
familiares, procurando atender às especificidades e parti a qual está sendo educado. Os resultados obtidos
cularidades existentes. passam a ter outra dimensão de qualidade.
Temos conseguido, em três décadas de trabalho, re
duzir os índices de abandono do tratamento referentes a
0 programa
crianças portadoras de câncer, pacientes do Imip, de 20%
para 0,2%. Desenvolvimento
Para implantar um programa de educação e informa Por ocasião da admissão, obedecendo ao protocolo
ção que tenha implicações diretas na melhoria das condi de comunicação de diagnóstico e de acompanhamento,
ções de vida dos usuários, procuramos respaldo em leis que temos encontros com pacientes e familiares nos quais
visassem assegurar a educação de crianças e adolescentes, são entregues materiais educativos, com a função de
tais como a proposta de educação inclusiva que surgiu na sedimentar as informações e orientações passadas ver
Tailândia, em 1990, e foi sedimentada pela Declaração de balmente por toda a equipe envolvida no atendimento.
Salamanca (1994), ressaltando a necessidade de educação Contam com publicações em que são abordados, de for
para crianças especiais; e a Resolução 41/95, de outubro ma lúdica e com uma proposta interativa, todos os aspec
de 1995, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança tos relacionados às condutas médicas, práticas e rotinas a
e do Adolescente (Conanda), em que foram estabelecidos serem adotadas. Inicia-se, assim, um vínculo de confiança
critérios que determinam um atendimento mais justo, com e respeito.
maior respeito e dignidade para com a criança hospitaliza
da ou em tratamento.
Sabe-se hoje que o câncer é uma doença potencial Publicações
mente curável na maioria dos casos, com o nível de cura Foram desenvolvidas treze publicações com progra
chegando a atingir percentuais de 70% a 80% em diversas mação visual específica, respeitando o poder de assimila
patologias (Pedrosa, 2002). O grande desafio é lutar con ção e discernimento dos usuários e permitindo a expressão
tra a “doença social”, o estigma, o preconceito da socieda de sentimentos e opiniões, por meio da escrita ou do de
de, a falta de esclarecimento por parte da grande maioria senho. Possibilitam ao usuário a percepção de que outros
das famílias, muitas vezes provocados pelo grande desní também já passaram pelos mesmos problemas, e de que
vel socioeconômico e cultural (Pignatari, 1971). podem compartilhar experiências e vivências, ajudando-
Todos esses aspectos devem ser valorizados e traba os a descobrir uma nova forma de viver ou enfrentar o
lhados, lembrando que o tratamento e a cura não devem processo que estão vivenciando.
se basear apenas na recuperação biológica, mas também As publicações utilizadas são disponibilizadas gratui
no bem-estar e na qualidade de vida do paciente. Oferecer tamente aos pacientes, pais/acompanhantes e membros da
apoio psicossocial é a linha norteadora do programa de equipe multidisciplinar, com a proposta de educá-los e in
senvolvido na Unidade de Oncologia Pediátrica do Imip. formá-los sobre o câncer infantil.
610 TEMAS EM P S I C O - 0 N C O L O G I A
4. Entendendo e participando do tratamento do cân 10. Histórias infantis (Pedrosa e Monteiro, 2001).
cer infantil: um livro de orientação para pais e pacientes
- volume 3: cateter (Pedrosa, 2000c). O livro, uma coletânea de histórias produzidas por
crianças em tratamento oncológico, fez parte de proje
O objetivo dessa publicação é orientar, informar e, to literário desenvolvido com o objetivo de incentivar o
principalmente, esclarecer o paciente quanto ao uso do ca prazer pela leitura. São lindas histórias, cheias de nuanças
teter (equipamento utilizado para a administração de drogas que nos fazem refletir sobre a importância da ludicidade
ou outros produtos quando o acesso venoso é muito difícil) em nossa vida e, em especial, na de crianças que enfren
e suas vantagens. A obra é educativa e de fácil assimilação. tam uma doença grave que requer vários internamentos.
5. Entendendo e participando do tratamento do cân 11. Queridos pais (Masera e Tonucci, 2004).
cer infantil: um livro de orientação para pais e pacientes
- volume 4: dor (Pedrosa, 2003). Um livro de conselhos e propostas, voltado, por meio
da linguagem descontraída dos quadrinhos, para aque
Essa publicação aborda o tema da dor, com o objetivo les pais que, inesperadamente, recebem a notícia de que
de aprofundar a “longa conversa” que o assunto propicia, seu filho está com leucemia. Aborda a questão conhecida
mostrando como pais e pacientes podem se relacionar me como “conspiração do silêncio”.
lhor com os dolorosos desafios da doença. Em 2006, foi
realizada uma parceria entre o Nacc e o Instituto Estadual 12. A criança com câncer e a escola: manual do pro
de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (Hemo- fessor (Pedrosa e Nucci, 2005).
Rio), sendo esse volume reeditado com o acréscimo de Por meio de parceria entre o Núcleo de Apoio à Crian
informações referentes a doenças hematológicas. ça com Câncer (Nacc) e a Associação de Pais e Amigos da
PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO CONTINUADA PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS 611
Criança com Câncer e Hemopatias (Apacc), foi elaborado (Paes), o qual vem sendo desenvolvido desde 2002 e tem
esse manual, que visa fornecer informações básicas, cla como meta agilizar o diagnóstico precoce do câncer in
ras e concisas, para professores, gestores, supervisores e fantil. Com o uso de linguagem simples, são elucidados
coordenadores de escolas, sobre aspectos médicos, psico os principais tipos de câncer da criança, assim como seus
lógicos e pedagógicos do câncer infantil. Pretende-se, com sintomas, diagnóstico e tratamento. Dispõe de ilustrações
essa publicação, oferecer auxílio para a busca de soluções para melhor exemplificar as patologias.
para as necessidades específicas que as crianças doentes
possam apresentar, bem como para a construção de uma
boa relação com a família dessas crianças, a sua reinserção Considerações finais
na comunidade e o resgate de sua vida social. O câncer é uma doença muito particular, ainda per
meada de preconceitos, que gera medos, angústias e, aci
13.0 papel do agente de saúde no diagnóstico preco
ma de tudo, coloca pacientes e familiares em situação de
ce do câncer infantil (Pedrosa, 2005).
vulnerabilidade e desespero. Precisamos ter consciência
da importância não apenas do tratamento mas também da
Esse livro faz parte de projeto de capacitação de pro
educação e do esclarecimento, promovendo o resgate da
fissionais de saúde ligados ao Programa Saúde da Família
dignidade e estimulando o exercício da cidadania.
(PSF) e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde
Referências bibliográficas
Campos, T. C. P. Psicologia hospitalar: a atuação do o fazer”. Integração. Brasília, v. 9, n. 21, p. 11-8, 1999.
psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU, 1995. Pedrosa, A. M. A importância do papel do agente de
Delors, J. “Os quatro pilares da educação”. In: De- saúde no diagnóstico precoce do câncer infantil do Instituto
lors, J. et ai Educação: um tesouro a descobrir - relató Materno Infantil de Pernambuco - Imip e Centro de Hema
rio para a Unesco da Comissão Internacional sobre Edu tologia e Oncologia Pediátrica - Cehope. 2002. 195 f. Dis
cação para o Século X X I . 2. ed. São Paulo: Unesco/MEC/ sertação (Mestrado em Gestão e Organização de Hospitais)
Cortez, 1999, p. 90-102. - Faculdade de Ciência da Administração de Pernambuco,
Freire, P. Educação e mudança. 22. ed. Rio de Janei Universidade de Pernambuco, Recife, Pernambuco.
ro: Paz e Terra, 1998. ____ . Entendendo e participando do tratamento do
Lima, T. L. B. Flor da raiz vermelha. Recife: Nacc/ câncer infantil: um livro de orientação para pais e pacien
Cehope, 2001. tes - quimioterapia; saúde bucal e saúde oral; cateter; dor;
Masera, G.; Tonucci, F. Queridos pais. Trad. Gilliat- radioterapia. Recife: Nacc, 2000-2004. 5v.
ti Falbo. Ilustrações de Frato; organização técnica de Arli ____ . O papel do agente de saúde no diagnóstico pre
Melo Pedrosa e Hélio Monteiro. Recife: Nacc, 2004. coce do câncer infantil. Recife: Nacc, 2005.
Neder, M. “A comunicação do diagnóstico em oncolo ____ . Pasta do paciente. Recife: Cehope, 1998.
gia: questões, reflexões e posicionamento”. Revista de Psico ____ . Quando seu colega de escola tem câncer.
logia Hospitalar do HC, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 40-2, 1992. Orientação pedagógica de Roberta de L. R de Albuquer
Nucci, N. A. G. “Preparação psicológica de crianças que. Recife: Nacc, 2004b.
para tratamento de radioterapia”. In: Perina, E. M.; Nuc- Pedrosa, A. M.; Monteiro, H. (coords.). Histórias
ci, N. A. G. (orgs.). As dimensões do cuidar em psiconcolo- infantis. Recife: Cehope, 2001.
gia pediátrica. Campinas: Livro Pleno, 2005, p. 113-28. Pedrosa, A. M.; Nucci, N. A. G. A criança com câncer
Organização das Nações Unidas. “Declaração de Sa e a escola: manual do professor. Recife: Nacc, 2005.
lamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das Pignatari, D. Informação, linguagem, comunicação.
necessidades educativas especiais”, 1994. Disponível em: 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1971.
<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca. Santos, C. de C. dos. A festa do arco-íris. Coorde
pdf>. Acesso em: jan. 2007. nação de Arli Melo Pedrosa e Ana Paula Amaral Pedrosa.
Osório, A. C. do N. “Projeto pedagógico: o pensar e Recife: Cehope, 2004.
GRUPOS DE AJUDA MUTUA A PACIENTES COM CÂNCER
Maria Jacinta Benites Gomes
L
Sonho impossível utar, quando é fácil ceder.” Muitos pacientes
U
têm como primeira reação ao diagnóstico a
Sonhar negação e, com isso, pensam em abandonar
Mais um sonho impossível ou nem mesmo começar um tratamento. Pensam nos pro
Lutar cedimentos, na angústia, dor, ansiedade e tristeza que isso
Quando é fácil ceder pode provocar. Pensam na intensidade dessa luta, e em
Vencer como seria fácil ceder, abandonar tudo e não mais lutar.
“Vencer o inimigo invencível.” Muitos percebem o
O inimigo invencível
câncer como um inimigo invencível e, dessa forma, só
Negar
poderiam prolongar o sofrimento, pois nada modificaria
Quando a regra é vender
esse processo.
Sofrer
“Sofrer a tortura implacável, romper a incabível pri
A tortura implacável
são.” Tantos momentos tornam-se torturantes, mas, apesar
Romper
de todo o sofrimento, tantas pessoas podem refazer laços
A incabível prisão
afetivos, rever posturas, refazer sua vida e aumentar a afe
Voar
tividade, o respeito e a atenção consigo e com o outro.
Num limite improvável
O psicólogo, dentro do hospital, aprende a detectar
Tocar
angústia, sofrimento, ansiedade, frustrações e medos pre
O inacessível chão sentes em cada manifestação orgânica. Lida com os receios
E minha lei, é minha questão de pacientes c familiares a cada intervenção, com a satisfa
Virar esse mundo ção ou dor criadas por essas intervenções, sendo acompa
Cravar esse chão nhados de perto pela equipe de saúde e pelos familiares.
Não me importa saber Diante do processo de adoecimento surge o desequilí
Se é terrível demais brio do organismo como um todo, mostrando a fragilidade
Quantas guerras terei que vencer perante a doença, mas podendo resgatar o indivíduo e tor
Por um pouco de paz ná-lo mais consciente e ativo no seu processo de cura. Uma
E amanhã, se esse chão que eu beijei das formas de torná-lo mais participativo nesse momento
For meu leito e perdão de transição é fazer que tenha contato com outros pacien
Voa saber que valeu delirar tes, o que muitas vezes ocorre em grupos terapêuticos.
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição A importância dos grupos
E o mundo vai ver uma flor Desde os tempos mais antigos, o ser humano sem
Brotar do impossível chão. pre formou grupos. De acordo com Heródoto, na Meso-
potâmia os pacientes eram reunidos em praças públicas
Joe Darion e Mitch Leigh, The impossible dream, para que suas doenças e seus sofrimentos fossem discuti
versão de Chico Buarque e Ruy Guerra (1972) dos. Nos templos de Esculápio, na Grécia, os doentes se
GRUPOS DE AJUDA MÚTUA A PACIENTES COM CÂNCER 613
juntavam, sendo esses locais os precursores dos hospitais. rede de comunicação acentuam as doenças das quais esse
Nesse momento da história, o paciente era visto na sua sistema nos protege. Essas descobertas ajudam a confirmar
totalidade, a doença era concebida como uma reação glo que nosso estado mental pode influenciar a forma como
bal, corpo-mente, sendo esta uma visão mais atual da me resistimos a doenças ou nos recuperamos delas.
dicina psicossomática. Depois vieram as hospedarias da
Idade Média, que se modificaram e se transformaram nos
hospitais de hoje, onde os pacientes convivem e assistem Início do trabalho no Instituto
à atuação da equipe médica, podendo isso funcionar tera- Brasileiro de Controle do Câncer
peuticamentc (Mello Filho et ai, 2000).
Ultimamente, tanto a psicologia quanto a psiquiatria
(IBCC)
vêm tentando conseguir um espaço maior dentro dos hos Foi pensando nesses conceitos que, em 2001, foi cria
pitais, para preencher as lacunas que antes eram preenchi do, no Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC),
das somente pelos assistentes sociais no que diz respeito às um grupo terapêutico para pacientes com câncer.
questões grupais. O grupo terapêutico, a princípio, foi constituído de
A visão da segregação entre mente e corpo já aparece forma fechada, sendo misto e tendo um número máximo
na escola de Cnido, em que a doença era entendida como de doze participantes, entre pacientes e familiares, com
entidade independente do paciente, com uma atuação mé duração preestabelecida de oito encontros.
dica muito mais mecanicista, consistindo, assim, em loca No primeiro encontro deveria ser feita a apresentação
lizar a doença e extirpá-la. dos coordenadores e participantes e, na seqüência, discutir-
Hoje há um movimento de integração mente-corpo. se-ia a proposta de trabalho, observando a disponibilidade e
Muitos trabalhos científicos mostram que as funções lin- a adequação dos pacientes com relação ao plano de trabalho.
focitárias, os sistemas endócrino, neurológico e imunoló- Os temas seriam descritos e apresentados ao grupo.
gico, de forma geral, alteram-se em estados psicológicos A partir do segundo encontro, haveria uma variedade
distintos, como depressão e estresse. Isso leva o organismo de temas, por exemplo: o aprendizado resultante da doen
a um estado de imunossupressão que é propício ao apare ça, assumindo a responsabilidade pela saúde; expressão e
cimento de algumas doenças. comunicação de sentimentos, ressentimento, perdão e afe
Para Rossi (2001), todos esses sistemas se comunicam tividade; desenvolvimento de recursos de enfrentamento
por meio de moléculas mensageiras (de hormônios, por da doença; recursos internos de cura; sexualidade e câncer;
exemplo) que codificam a aprendizagem, memória, com visão de futuro e esperança, traçando objetivos de vida;
portamentos e emoções, segundo os padrões individuais da apoio familiar; encerramento e novos compromissos.
nossa real experiência de vida diária, e, assim, podem mo Foram criados alguns dispositivos de trabalho, como o
dificar esses sistemas usando esses padrões apreendidos. contrato de participante, no qual se esclarecia o que era o
Entre os genes humanos, um terço constitui o grupo grupo, informando a duração e os horários, e se enfatizava
dos chamados “genes de manutenção”, porque sua expres o sigilo sobre as questões levantadas pelo grupo. Também
são é regulada pelas mensagens contínuas que recebem da havia o questionário de entrada, em que os participantes
mente e do cérebro. Esses genes poderiam ser atingidos teriam de falar a respeito do que esperavam do grupo, do
por métodos relacionados à mente, como a psicoterapia momento de vida em que se encontravam, de como viam
ou as visualizações. Muitos deles estão envolvidos no pro o câncer e das suas expectativas. Outro instrumento era o
cesso de decodificação da experiência de vida real na for questionário de saída, no qual relatavam se o grupo atendeu
ma de novas memórias e aprendizagem. às suas expectativas, como estava sua vida naquele momen
Segundo Rossi (2001, p. 226), “muitos sinais do meio, to e como passaram a encarar o câncer. O questionário do
incluindo luz, alimento, toxinas, temperatura e ritmos men acompanhante, mais uma ferramenta, referia-se ao modo
te-corpo, bem como stress psicossocial, têm se mostrado como o acompanhante havia vivenciado a notícia do diag
capazes de modular esse estágio de expressão do gene”. nóstico do paciente, a como era sua experiência no grupo, às
Schneider etal. (apud Hall, 1982) mostraram que ima dificuldades que sentiu quanto ao grupo e à possibilidade de
gens podem controlar o sistema imunológico, influencian ser ajudado por ele. Também eram colhidas informações
do diretamente o sistema nervoso central e autônomo. de identificação dos membros do grupo, incluindo os dados
Novas técnicas moleculares e farmacológicas possibi pessoais, diagnóstico, sentimentos em relação à doença,
litaram a identificação da intricada rede que liga o sistema sintomas e tratamentos atuais, situação do relacionamento
imunológico ao cérebro. Substâncias químicas produzidas familiar e social, tipo de relação estabelecida com o médico,
pelas células da resposta imunológica enviam sinais ao cé questões referentes à religiosidade e lazer.
rebro, que, por sua vez, envia sinais químicos para conter A formação desse grupo teve como objetivo oferecer
o sistema imune. Esses sinais afetam o comportamento uma oportunidade de expressão de sentimentos em rela
e determinam a resposta ao estresse. Interrupções nessa ção ao processo de adoecimento, envolvendo familiares e
614 TEMAS EM P S I C O - 0 N C 0 L O G I A
amigos, e à frustração pelas perdas e limitações provoca O que se percebeu durante esse período foi que o grupo
das pela doença. A diminuição do estresse, da ansiedade passou a fazer o papel de agente terapêutico, pois criou-se um
e da depressão também foi abordada, sendo associadas às ambiente facilitador da elaboração das perdas, diminuição da
discussões algumas técnicas corporais. O preceito seguido ansiedade pelo medo de metástases e recidivas, discussão da
foi o de que todo paciente precisa do máximo de infor sexualidade e de como se relacionar com o novo corpo, mui
mação e apoio psicossocial e psicoterapêutico para poder tas vezes mutilado, e troca das experiências e vivências de
caminhar de forma mais segura e atuante durante esse cada um dos participantes. Objerivou-se que o grupo desen
processo. Os participantes foram estimulados a encontrar volvesse maior interação e independência, com aumento da
recursos para uma forma melhor de enfrentamento da cooperação e responsabilidade em relação aos colegas, crian
doença, por meio de pensamentos, atitudes e sentimentos do união, amizade e cumplicidade, fatores importantíssimos
positivos, participação ativa na doença e na vida. Propiciar no processo de restabelecimento da saúde. Sendo assim, o
boa comunicação interpessoal, condições para uma qua nome do grupo foi alterado: antes Grupo de Apoio para Pa
lidade de vida melhor e suporte para o desenvolvimento cientes com Câncer, passou a ser chamado Grupo de Ajuda
da esperança e a busca de um novo significado de vida fez Mútua para Pacientes com Câncer.
que os pacientes assumissem uma responsabilidade maior Apesar de ser aberto e misto, o grupo passou a ser
por eles mesmos e se adequassem mais facilmente ao novo procurado somente por mulheres, o que, de certo modo,
padrão familiar e social. fez que os discursos fossem pautados nas experiências fe
Rodrigues (2001, p. 9) relata que “condição de vida e mininas. Formou-se um grupo heterogêneo, com mulhe
estilo de vida são constituintes de qualidade de vida. Con res de diferentes idades e diagnósticos.
dição de vida: maneira de viver, resultante de classe social Familiares e acompanhantes eram bem-vindos e po
e econômica; estilo de vida: traço pessoal, maneira de agir diam também externar seus medos, inseguranças, falar so
e de se comportar e tratar diferentes situações de vida, bre a mudança de papéis que acaba acontecendo em mui
inclusive pessoas, bem como diversos tipos de condutas”. tas famílias, saber mais a respeito do processo da doença
No decorrer dos encontros a reflexão era estimulada, o de seus familiares ou amigos, em um espaço voltado a uma
que podia ter como conseqüência a alteração do estilo de maior reflexão e aceitação dos novos padrões do doente.
vida, fazendo que os pacientes se comportassem de manei A equipe era composta de uma coordenadora, Regi
ras diversas, porém muito mais conscientes e dispostos a na Liberato, e duas co-terapeutas, Rosane Palma e Maria
mudar sua rotina, pensando sempre na qualidade de seu Jacinta Benites Gomes.
dia-a-dia, no que poderiam fazer por eles mesmos nesse O Grupo de Ajuda Mútua para Pacientes com Cân
período e no melhor modo de explorar suas condições cer propiciou a codificação das experiências de perda, dor,
físicas, emocionais e familiares. solidão, medo, angústia, e funcionou como um facilitador
Tentou-se instituir no hospital uma cultura segundo de novas formas de aprendizado. O compartilhamento de
a qual os pacientes que marcassem uma consulta deveriam experiências comuns levou o grupo a uma homogeneidade,
passar também pelo setor de triagem, que os encaminharia a um compromisso de mudança e uma confrontação
aos setores responsáveis. da subjetividade com dados objetivos.
No decorrer do processo verificou-se a necessidade de As mulheres eram incentivadas a relatar sua experiên
algumas alterações. Assim, o grupo tornou-se aberto, sem cia com o processo do adoecimento e com os tratamentos.
duração determinada, com encontros semanais de duas Algumas pacientes faziam-no de forma emocionada; outras
horas. Essa forma de funcionamento foi escolhida porque dc maneira excessivamente objetiva, como se estivessem dis
desse modo a dinâmica do grupo passou a ter melhor qua tantes dos acontecimentos, como se na verdade não tivessem
lidade, com mais opções e maior disponibilidade de temas, nenhuma doença; outras ainda demonstravam raiva e algu
além de possibilitar que mais pacientes fossem atendidos, mas davam mais atenção a tudo que decorria da doença.
pois alguns desistiram e outros queriam participar. Em muitos momentos, só o fato de serem ouvidas e
Alguns temas passaram a ser escolhidos pelos pacien acolhidas no universo hospitalar, onde muitas vezes o pa
tes ou de acordo com o momento vivido no dia: a perda ciente passa por uma massificação, fazia que se sentissem
de algum colega, um novo diagnóstico, um exame que não melhor e mais seguras.
pôde ser feito por falta de material. Aré mesmo o proces Spiegel (1995, p. 217) afirma que o papel do médico
so de alta, que na maioria das vezes também vem carregado é o dc auxiliar os pacientes a enfrentar todos os aspectos
de símbolos contraditórios, como a alegria de estar “cura do adoecimento e confrontar as limitações da vida, dando
do” e o medo de não ser acompanhado tão de perto pela atenção não só aos tratamentos físicos mas também à ma
equipe médica, e a necessidade de o paciente passar a ser neira como os pacientes os encaram. Esse comportamento
a primeira referência no sentido de identificar alterações leva à conscientização sobre as limitações e urgências de
corporais, sinais de alerta do organismo, também eram cada paciente, possibilirando maior conhecimento de seu
abordados. modo de atuação diante das dificuldades que surgem no de-
GRUPOS DE AJUDA MÚTUA A PACIENTES COM CÂNCER 615
correr do tratamento, não só orgânicas como emocionais, às pacientes, sabendo que elas, por sua vez, estavam mais
familiares e até mesmo financeiras. Algumas das caracterís atentas ao seu processo de cura.
ticas da problemática psíquica do paciente com câncer são: A atuação do grupo objetivava propiciar um espaço
insegurança, desespero, raiva, revolta, mudanças de humor, de confiança para trocas, fornecendo acolhimento, escuta
sentimento de perda, isolamento social, estigma da doença, e compartilhamento das experiências ligadas ao câncer,
perda de controle e de autonomia e mudança de papéis. bem como prestar apoio emocional e orientação com re
É de fundamental importância que esses temas possam ser lação às questões referentes ao papel do acompanhante de
abordados, para maior esclarecimento e até mesmo para um paciente oncológico.
tranqüilizar parentes e acompanhantes, que se sentirão mais Esse trabalho teve a duração de um ano; após esse
preparados para ajudar os doentes. período, a equipe de psicólogos do hospital deu continui
Uma das estratégias do grupo foi fazer que o pro dade aos trabalhos do grupo.
blema deixasse de ser individual e passasse a ser coletivo, O que se percebeu nesse período de um ano foram a
de modo que os participantes discutissem e debatessem as união e os laços de amizade e respeito criados entre as pa
experiências semelhantes e, com isso, aprendessem a lidar cientes. Estas passaram a ser agentes transformadoras e de
de formas diferentes com suas dificuldades. informação dentro do hospital, pois serviam de modelo e
A princípio as mulheres ficaram um pouco retraídas, muitas vezes orientavam outras pacientes e discutiam com
mesmo porque nunca haviam participado de um grupo de elas sobre como trilhar determinados caminhos: desde uma
apoio. No decorrer dos encontros percebeu-se maior apro orientação sobre como se alimentar após a quimioterapia até
ximação entre elas, pois chegavam muito cedo ao hospital, a enumeração dos procedimentos que precisariam ser reali
na maioria das vezes para a realização de exames e trata zados com o auxílio da assistência social. A própria divulga
mentos, e depois ficavam aguardando o momento do en ção do grupo de ajuda mútua passou a ser feita por elas.
contro. Isso fazia que esperassem juntas e as levou, então, Boff (1999) afirma que “saúde não é ausência de da
a desenvolver um laço estreito de amizade. nos. Saúde é a força de viver com esses danos. Saúde é
A grande maioria dessas mulheres passava por difi acolher e amar a vida assim como se apresenta, alegre e
culdades financeiras, e até mesmo o custeio do transporte trabalhosa, saudável e doentia, limitada e aberta ao ilimi
podia ser um problema. tado que virá além da morte”.
Começaram, assim, a perceber a importância da cha Notou-se que as mulheres desse grupo, apesar de suas
mada família social, pois muitas delas vinham acompanha sequelas físicas e emocionais, tornaram-se mais ativas, for
das de amigas, vizinhas ou aprenderam a cuidar umas das tes e responsáveis pela sua saúde, mesmo sabendo dos da
outras durante os encontros. Começaram a se organizar e nos e perdas que estavam por vir.
conseguiram auxiliar companheiras do grupo, fornecendo Foi um trabalho intenso e gratificante. Todos os par
suprimentos para as suas necessidades básicas. ticipantes ficaram muito envolvidos e isso possibilitou
A manutenção do foco nas questões mais importantes alcançar grande amadurecimento e cultivar um respeito
do processo da doença leva as pessoas a se preocupar mais cada vez maior.
umas com as outras. “O sentimento de estar no mesmo A atitude daquelas mulheres, que aceitaram compar
barco é muito vigoroso quando a pessoa enfrenta alguma tilhar conosco as suas experiências e expor os seus mo
dificuldade” (Spiegel, 1995, p. 219). mentos mais íntimos e receosos, era comovente.
O fato de se sentirem no “mesmo barco” fortaleceu Foi uma vivência que nos fez reconsiderar, em várias
os laços existentes e fez que percebessem que poderiam ocasiões, nosso papel no grupo, no hospital, como tera
aprender com as vivências do grupo, o que proporcionou peutas c como humanos. Muitas de nossas crenças foram
aos participantes uma melhora no que diz respeito à auto- aperfeiçoadas e outras tantas desmoronaram.
estima e aos cuidados gerais. Junto à satisfação e gratidão trazidas por esse traba
Em algumas ocasiões, levantaram-se questões com lho, vieram algumas frustrações, como a impossibilidade
relação â dificuldade de fazer perguntas que trouxessem de tornar realidade tudo que se desejava por dificuldades
respostas realmente esclarecedoras a respeito de seus tra burocráticas e técnicas.
tamentos e doenças. As pacientes foram incentivadas a fa Contudo, prevaleceram o carinho com que fomos
zer listas com todos os questionamentos e dúvidas, pois só recebidas por essas mulheres, o amadurecimento pessoal
assim teriam informações suficientes para poder assumir tanto delas quanto nosso, os vínculos que foram estabele
uma postura atuante nos seus tratamentos. Isso, no come cidos e, principalmente, o crescimento, dentro do hospi
ço, gerou certo desconforto na equipe médica, pois não tal, de um movimento exigindo maior atenção e respeito à
estavam acostumados a tantas perguntas. As pacientes pas sua individualidade. Elas souberam fazer valer a sua voz.
saram a ser mais participativas nas consultas e a entender Assim, pudemos terminar esse trabalho com a sensa
melhor o que acontecia com seu organismo. No decorrer ção de que “seja lá como for vai ter fim a infinita aflição e
do processo, os médicos ficaram mais ativos e mais atentos o mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão”.
r
616 TEMAS EM P S I C O - O N C O L O G I A
Referências bibliográficas
Apostilas do Curso de Psico-Oncologia do Instituto nais de saúde. Trad. Denise Bolanho. São Paulo: Summus,
Sedes Sapientiae, 2001. 1992.
Boff, L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão Mello Filho, J. de et al. (orgs.). Grupo e corpo: psi-
pela Terra. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. coterapia de grupos com pacientes somáticos. Porto Ale
Bromberg, M. H. P. F. “Cuidados paliativos para gre: Artes Médicas, 2000.
o paciente com câncer: uma proposta integrativa para a Moyers, B. A cura e a mente. Org. Betty Sue Flowers;
equipe, pacientes e famílias”. In: Carvalho, M. M. M. J. David Grubin. Trad. Heliete Vaitsman. Rio de Janeiro:
de (org.). Psico-oncologia no Brasil: resgatando o viver. Rocco, 1995.
São Paulo: Summus, 1998, p. 186-231. Rodrigues, A. L. “Qualidade de vida do médico”.
Carvalho, M. M. M. J. de (org.). Introdução à psico- Boletim Paulistano de Psicossomática, São Paulo, ano 1,
oncologia. Campinas: Psy, 1994. n. 2, 2001.
Hall, H. R. “Hypnosis and the immune system: a Rossi, E. L. (org.) A psicobiologia da cura mente-
review with implications for câncer and the psychology corpo: novos conceitos de hipnose terapêutica. Campinas:
oí healing”. The American Journal of Clinicai Hypnosis, Livro Pleno, 2001.
v. 25, n. 2-3, p. 92-103, 1982. Spiegel, D. “Grupos de apoio terapêutico”. In:
LeShan, L. O câncer como ponto de mutação: um Moyers, B. A cura e a mente. Rio de Janeiro: Rocco,
manual para pessoas com câncery seus familiares e profissio 1995.
PARTE XII
EPÍLOGO
A PSICO-ONCOLOGIA NO BRASIL: NOTAS SOBRE
O PASSADO E O PRESENTE; ASPIRAÇÕES E
ESTRATÉGIAS PARA O FUTURO
Márcia Maria Alves de Carvalho Stephan
Online Etymology Dictionary, de Douglas Podemos afirmar hoje, com confiança, que o câncer,
620 T E M A S E M P S I C O - O N C O L O G I A
Certamente outras iniciativas pioneiras, como a men já trazia temas ligados à multidisciplinaridade, à etiologia IOÊ
cionada, existiram, em centros europeus, nos Estados Uni e aos aspectos psicossociais dos diferentes tipos de câncer, dn
dos ou até em outros locais. Escolhi esta por me parecer aspectos norteadores do desenvolvimento do cuidado com
a mais adequada aos dois princípios norteadores da psico- o paciente oncológico e seus familiares (Pizzatto, 1989).
oncologia: a multidisciplinaridade e a qualidade de vida. Sobre o evento, Carvalho (1994) comentou: “Foi
Não tratar, neste capítulo, de outras iniciativas, an inegável a contribuição da realização do I Encontro para in
teriores ou concomitantes, pode ser uma injustiça. Mas troduzir a Psico-Oncologia no Brasil como ampla área de
quem escreve assume a responsabilidade da escolha; sabe, estudo e intervenção a ser organizada a partir da experi
como afirma o historiador Francisco Vieira, que a história ência da atuação e da pesquisa realizada por profissionais
é sempre uma versão e precisa assumir o ônus da possível da Saúde com formações distintas”.
inverdade ou parcialidade. Nessa época, nenhum curso de graduação em Psico
Cito aqui, com muita honra, um trecho do capítu logia abordava os aspectos psicossociais do câncer.
lo “Um pouco da história da psico-oncologia no Brasil”, A denominação psico-oncologia, por sua vez, só se
escrito por meus mestres na matéria, doutora Maria da tornou amplamente usada a partir do II Encontro.
Glória Gonçalves Gimenes, doutora Maria Margarida M. Em Curitiba, decidiu-se que o próximo evento seria
J. de Carvalho e doutor Vicente Augusto de Carvalho, in realizado em Brasília, sob a presidência da doutora Maria
tegrante do livro Psicologia da saúde: da Glória Gonçalves Gimenes, e que os encontros se da
riam a cada dois anos. Devido a dificuldades de financia
Assim nós, os aurores deste capítulo, profissio mento, bem como de obtenção de material científico para
nais já há longo tempo na área da Psico-Oncologia, apresentação, o II Encontro só aconteceu em 1992.
quando convidados a fazer parte deste livro, aceita O campus da Universidade de Brasília acolheu o
mos contar o que sabemos, sem a pretensão de esgo evento. Com a participação da comunidade universitária
tar o assunto. Certamente alguém de alguma cidade tentou-se, pela primeira vez, integrar a prática clínica e a
em algum estado poderá se sentir excluído. Desde já pesquisa. Estiveram presentes 250 pessoas.
assumimos o nosso desconhecimento de toda a reali A escolha definitiva do nome psico-oncologia, usa
dade brasileira e o nosso possível esquecimento de al do nos Estados Unidos, inclusive pela doutora Jimmie C.
i a , k s u r a í* 2 a., y & ? R- ü y a
guns dados, mas afirmamos a nossa atitude isenta de Holland, fundadora da International Psycho-Oncology
parcialidade ou preconceito. (Gimenes et ai, 2000) Society (Ipos), em detrimento do termo psicologia onco
lógica, utilizado em países europeus, foi uma das decisões
Faço minhas essas palavras pedindo desculpas desde significativas do evento. Cabe notar que ambos os termos
já pelas falhas que este texto apresentará. contemplam a multidisciplinaridade, porém reservam a
De acordo com a definição proposta por Holland e utilização de terapias psicológicas aos psicólogos e psi
Rowland (1989), a psico-oncologia é uma subespecialidade quiatras comprovadamente capacitados a conduzir pro
da oncologia que estuda as duas dimensões psicológicas cessos terapêuticos.
presentes no diagnóstico do câncer: o impacto do câncer Nesse encontro, discutiu-se também a fundação da
no funcionamento emocional do paciente, de sua família Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia, o que se realizou
e dos profissionais envolvidos em seu tratamento; e o papel no encontro seguinte.
das variáveis psicológicas e comportamentais na incidência do O III Encontro Brasileiro de Psico-Oncologia acon
câncer e na sobrevivência a ele. teceu em São Paulo, em 1994, de acordo com o intervalo
bienal, sob a presidência da doutora Maria Julia Kovács.
Contou com a participação de 450 pessoas e marcou a
Primórdios da psico-oncologia no transformação do encontro em congresso, tornando-se
o I Congresso Nacional de Psico-Oncologia. De particu
Brasil: a história contada por meio
a
i_____
A PSICO-ONCOLOGIA NO BRASILiNOTAS SOBRE O PASSADO E O PRESENTE... 621
tora Maria da Glória Gonçalves Gimenes (1994, p. 46) F.m posterior reunião de diretoria, ficou decidido que
devemos a seguinte definição: os primeiros encontros tomariam o nome de congresso e,
a partir de então, o congresso de 2000 passou a ser o VI
A Psico-Oncojogia representa a área de interface Congresso Brasileiro de Psico-Oncologia.
entre a psicologia c a oncologia e utiliza conhecimen Esse evento, coordenado pela enfermeira Eliane
to educacional, profissional e metodológico prove Rabin, realizou-se em Gramado, no Rio Grande do Sul.
niente da psicologia da saúde para aplicá-lo: Destacaram-se os seguintes pontos: ampliação e aprofun
damento dos temas relacionados à espiritualidade; maior
• na assistência ao paciente oncológico e sua família participação de profissionais de áreas complementares ao
e aos profissionais de saúde envolvidos com a pre tratamento do câncer.
venção, o tratamento, a reabilitação e a fase termi Com a eleição da psicóloga Ana Maria Caran Miran
nal da doença; da para o biênio 2000-2002, a presidência da SBPO trans
• na pesquisa e no estudo de variáveis psicológicas e feriu-se para Goiânia.
sociais relevantes para a compreensão da incidên Com o título “O encontro da ciência com a espiritua
cia, da recuperação e do tempo de sobrevida após o lidade”, tendo Recife como sede, ocorreu o VII Congresso
diagnóstico do câncer; Brasileiro de Psico-Oncologia, em 2002, sob a presidência
• na organização de serviços oncológicos que visem da enfermeira Edna Bispo. Os 750 participantes discutiram
ao atendimento integral ao paciente (físico e psico a sedimentação de serviços de psico-oncologia e a maior
lógico) enfatizando de modo especial a formação e integração das especialidades médicas com a psicologia.
o aprimoramento dos profissionais de saúde envol O psiquiatra Vicente Augusto de Carvalho foi eleito
vidos nas diferentes etapas do tratamento. presidente da SBPO em 2002 e, em novembro de 2003,
realizou antecipadamente seu conclave nacional: o VIII
O I Congresso teve, ainda, outras duas relevantes Congresso Brasileiro de Psico-Oncologia. Por essa oca
consequências: a fundação da Sociedade Brasileira de sião, o evento congregou: a Sociedade Brasileira de Can-
Psico-Oncologia (SBPO), cuja primeira presidente foi a cerologia, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, a
médica hematologista, de Aracaju, Maria Teresa Barreto Associação Brasileira de Cuidados Paliativos, a Sociedade
de Botelho Monteiro; e a criação do primeiro curso de Brasileira dc Enfermagem Oncológica, o Fórum de Vo
psico-oncologia do país. luntariado e, ainda, o VIII Curso Internacional dc Mas-
Em 1996, sob a presidência da psicóloga Aida Gláu tologia e Câncer de Mama. Grande avanço teve a SBPO
cia Baruch, foi realizado, em Salvador, o II Congresso de com essa inserção.
Psico-Oncologia. O número de participantes cresceu para O doutor Vicente Augusto de Carvalho foi reeleito
seiscentos. A grande inovação foi um curso sobre câncer presidente para o biênio 2004-2006.
para leigos que contou com a participação de mais de seis Em maio de 2004 foi realizado, em São Paulo, o sim
centas pessoas da comunidade. Um dos temas enfocados pósio “Dez anos de SBPO”, que contou com a participa
no evento foi a possibilidade de integração de trabalho e ção do doutor José Gomes Temporão, então diretor-geral
lazer, trazendo à baila a necessidade de que a equipe de do Instimto Nacional de Câncer (Inca), e de expoentes
cuidadores cuidasse de si mesma. nacionais das áreas da oncologia e psico-oncologia. O
Em assembléia foi eleito o psicólogo Paulo Y. Cyrillo, doutor Temporão abordou o tema do câncer como um
de São Paulo, para presidente da segunda gestão da SBPO. problema da saúde pública.
O evento subseqüente foi o III Congresso Brasileiro Em 2006, São Paulo novamente recebeu a comuni
de Psico-Oncologia, realizado em Goiânia em 1998, tendo dade envolvida com a psico-oncologia no IX Congresso
como presidente a psicóloga Edirrah Gorett Bucar Soares Brasileiro dc Psico-Oncologia c II Encontro Internacional
e do qual participaram setecentos profissionais. Os tópicos de Psico-Oncologia e Cuidados Paliativos. Cerca de 420
principais dessa reunião foram: participantes discutiram o tema central: “Admirável mun
do novo: avanços da ciência e da bioética em psico-onco
• aprofundamento dos temas relacionados à interdis- logia”. Nesse ano foi eleita a psicóloga Elisa Maria Perina
ciplinaridade; para a presidência da SBPO no biênio 2006-2008. Sua es
• manutenção da ênfase em prevenção; colha constituiu uma inovação na história da sociedade,
• inclusão de fórum de pacientes; por tratar-se de uma profissional dedicada exclusivamente
• abordagem da relação entre espiritualidade e à psico-oncologia pediátrica. Tenho a honra de estar ao
câncer. lado de profissionais dedicadas, expressivas e competen
tes nessa diretoria, no cargo de vice-presidente. Em 2008,
Para o biênio 1998-2000, foi eleita presidente da SBPO marcando inclusive o lançamento da presente obra, o con
a professora doutora Maria da Glória Gonçalves Gimenes. gresso ocorrerá em Fortaleza, no Ceará.
622 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Digna de nota foi a criação do certificado de distinção vimento de expansão. Pacientes e profissionais de saúde de
de conhecimento na área da psico-oncologia. Em 2006, as outros estados vinham a São Paulo ou mandavam convites
primeiras certificações foram entregues. A psicóloga Ma para que palestras e treinamentos fossem realizados em sua
ria Teresa Veit, criadora da comenda, trabalhou com uma cidade. Forain, então, surgindo diversos núcleos estrutura
comissão de profissionais da área para que fossem esta dos de atendimento, por exemplo, em Recife, Salvador, Belo
belecidos os critérios e os objetivos de tal título. Durante Horizonte, Goiânia e Porto Alegre. Esses órgãos surgiram
o discurso de entrega dos certificados, em maio de 2006, sob a inspiração do trabalho do casal Simonton, mas foram
Maria Teresa Veit afirmou: sofrendo adaptações para atender às necessidades dos pa
cientes de cada região, bem como para aproveitar os recur
A Certificação de Distinção de Conhecimen sos de suas equipes de trabalho (Gimenes et al., 2000).
to na Area da Psico-Oncologia tem em mente dois Com o aumento da área de atuação e aplicação dos
aspectos: responder a uma necessidade sentida por conhecimentos relativos à psico-oncologia, ficava clara a
aqueles que atuam na área, a de termos um marco necessidade de uma formação ampla e abrangente para
identificatório que nos dote de representatividade, a os profissionais de saúde interessados. Desde a primeira
fim de que possamos lutar pelo desenvolvimento e tentativa de transmissão de conhecimento, houve a preo
crescimento da Psico-Oncologia, ampliar os espaços cupação de não apenas ensinar teorias e técnicas, mas
de atuação e oferecer melhores condições de trabalho também possibilitar a reflexão sobre os múltiplos aspectos
e remuneração. envolvidos nesse tipo de prática, por exemplo, o conheci
Visa também garantir o direito daqueles a quem pres mento médico, psicológico, ético etc.
tamos serviço, sejam estes os clientes individuais ou Em 1993, realizou-se, no Instituto Sedes Sapientiae -
institucionais, que é o de contar com profissionais re um centro de especialização para profissionais de saúde e
ferendados por entidade idônea, que lhes garantam educação ligado à Pontifícia Universidade Católica (PUC)
assistência de qualidade, dentro dos princípios éticos de São Paulo, sob a direção da doutora Maria Margarida de
e científicos. Carvalho -, o primeiro curso de expansão cultural em
psico-oncologia, com a duração de seis meses.
No ano seguinte, o sucesso da empreitada, agora sob a
Cursos de psico-oncologia direção do doutor Vicente Augusto de Carvalho, aumentou
A atuação em uma nova área em geral é função de a duração do curso para um ano. Dessa forma, mais temas
alguns precursores que percebem a necessidade de um puderam ser abordados e outros foram aprofundados.
novo trabalho. Desbravando caminhos, com a audácia dos Em 1997, o curso já preenchia os requisitos para tor
visionários, iniciam sua atuação. No afã de acertar, estu nar-se uma pós-graduação lato sertsu. Matérias foram adi
cionadas e, com isso, a equipe de professores passou a con Zz '
dam o que há escrito, procuram referências e se apoiam
tar com a doutora Maria da Glória Gonçalves Gimenes, a P3
na experiência pessoal e de vida que têm. Esse foi o caso
do
dos iniciadores da psico-oncologia no Brasil. Vale a pena doutora Maria Helena Pereira Franco, entre outros.
ressaltar o trabalho dos grupos Cora e Re-Vida na gênese Em 1998, o curso de especialização em psico-
da psico-oncologia no Brasil. oncologia, então com 270 horas de duração, começou a
ser oferecido em outras cidades do país, além de São Pau eo
O Centro Oncológico de Recuperação e Apoio
(Cora) baseou-se na aplicação dos princípios propostos lo, como Brasília e Belo Horizonte.
Em 2001 formou-se uma turma de aprendizado a dis çra
por O. Cari Simonton e Stephanie Matthews-Simonron.
tância ligada à Universidade Católica do Rio Grande do TCq
O casal organizou um programa que visa ajudar o pa
:
ciente com câncer a lidar com suas emoções, identificar Sul. Nesse mesmo ano, a convire da doutora Maria Mar
suas necessidades existenciais, expressar seus sentimen garida de Carvalho, tive a grata oportunidade de oferecer
tos e ter uma atitude ativa e participativa em relação à o curso no Rio de Janeiro.
< ro
sua enfermidade. Busca aprimorar o enfrentamento ao Inicialmente com a duração de doze meses, distri
adoecimento, permitindo uma qualidade de vida melhor buídos em módulos mensais de aulas teóricas, estágios e
(Simonton et al., 1987). supervisões, contava com um total de 320 horas. Nos anos
Desde 1984, sob a coordenação da professora douto subseqüentes, a carga horária foi aumentada para até 450 ii
ra Maria Margarida M. J. de Carvalho, essas técnicas vêm horas, sendo apresentados os seguintes temas para os mó V-*
Lewis, 2000), a equipe costumava questionar a presença no século XVII. Ela é indispensável como paradigma de
do profissional de saúde mental na equipe oncológica, por compreensão do homem, das suas funções, do papel do
estarem os pacientes real mente doentes. estresse sobre o organismo, do conceito de enfrentamemo
Por outro lado, vemos que os demais membros da e da forma com que pensamos e ajudamos aqueles que
equipe começam a perceber a utilidade do psicólogo pro adoeceram de câncer.
fissional no que diz respeito ao seu próprio cuidado. As t>0 estudo do fenômeno da morte e suas implicações,
reuniões de equipe, as discussões de caso e os grupos pro denominado tanatologia, encerra valiosa contribuição ao
fissionais dentro das instituições estão cada vez mais pre campo teórico da psico-oncologia. Embora aumente cada
sentes no dia-a-dia dos serviços. vez mais a chance de cura nos casos de câncer; se faz mis
A compreensão do efeito do estresse continuado so ter aceitar a morte como uma possibilidade e integrá-la
bre o profissional, expresso claramente na síndrome de à prática psico-oncológica. Para que o profissional possa
bumout, enseja sua procura por melhores condições de acolher as dúvidas e ensejar reflexões sobre a morte, terá
trabalho, possibilidades de aperfeiçoamento e, princi de ter trabalhado a sua própria finitude. Segundo Martin
palmente, pelo gozo imprescindível proporcionado por Heidegger, importante filósofo existencialista alemão do
períodos de descanso e férias. Tal qual Quíron (herói da século XX, o fato de que u‘Eu sou e que vou morrer’ é a
üjíèiiíi
mitologia grega considerado o pai da medicina), o curador certeza básica e própria do Dasein (ser no mundo). O mo-
humano se vê autorizado a cuidar-se para poder cuidar. ribundus confere sentido ao sum” (Heidegger, 1992).
O exercício de uma profissão que está sempre próxi
Bei Cesar, por sua vez, afirma que, “se quisermos vi
ma da possibilidade da morte necessita de constante refle
ver melhor, nos sentirmos inteiros e participantes do mun
xão sobre a própria finitude e o sentido que atribuímos ao
do, precisaremos superar o preconceito de falar sobre a
nosso labor.
morte. A morte coloca a vida em perspectiva: definimos
melhor os nossos propósitos quando refletimos sobre nos
riMJj tn a-n ms u a n i
so passado, presente e futuro” (Cesar, 2006).
Interface da psico-oncologia com
Demonstrando a importância dessa contribuição, foi
novas áreas de estudo criado, em março de 2000, ligado ao Departamento de
O desenvolvimento da psico-oncologia proporcio Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e coorde
nou a constatação de que outros discursos permeavam a nado pela professora doutora Maria Julia Kovács, o La
sua atuação. Já não se pode falar em atenção integral ao boratório de Estudos sobre a Morte (LEM). Sua criação
paciente, familiar e equipe de saúde sem atentar para áreas revela a significância dos estudos sobre a morte e o mor
como: luto, tanatologia, cuidados paliativos, bioética, psi- rer, a consolidação de uma área de pesquisa e assistência
coneuroimunologia, entre outras. à comunidade envolvendo a temática da morte. A práxis
O conceito de dor total, cunhado por Cicely Saun- voltada para a qualidade de vida de pessoas em situações
ders, traz à luz o que, na década de 1960, a médica in de crise, sofrimento e dor é a missão do LEM.
glesa acrescentou ao conhecimento da dor. Segundo esse O LEM desenvolve projetos na área de ensino, de aten
conceito, uma pessoa sofre não apenas pelos danos físicos dimento à comunidade e de supervisão de atendimento de
que possui, mas também pelas consequências emocionais,
casos difíceis em alguns hospitais da cidade da São Paulo.
sociais e espirituais que a proximidade da morte pode lhe
No Hospital Universitário da USP, desenvolve um
proporcionar. Saunders estabeleceu a importância de uma
projeto de pesquisa envolvendo a equipe de enfermagem
abordagem mu Indisciplinar e da presença de uma equipe
denominado “Cuidando do cuidador dentro do contexto
multiprofissional para que se obtenha o máximo sucesso no
lllíiüiiiffL»ire
hospitalar”.
tratamento. De fato, ao tratarmos dc pacientes portadores
“Falando de morte” é o principal projeto do LEM, e
de doenças evolutivas e sem possibilidade de cura, percebe
consiste na produção de vídeos que facilitem a comunica
mos muitas vezes que em determinadas situações os medi
ção entre crianças e adolescentes, adultos e idosos, famí
camentos não são suficientes para proporcionar o completo
lias e profissionais de saúde e a educação referente a um
alívio da dor maior de viverem os últimos dias, de não en
tema tão complexo como a morte.
tenderem por que estão gravemente enfermos, de terem de
O fenômeno do luto constitui outra área de estudo de
deixar os filhos desamparados e separar-se de seu amor,
de não poderem sustentar sua família e não conseguirem extrema pertinência para a psico-oncologia. Colin Parkes,
compreender o real sentido de sua vida (Maciel, 2004). psiquiatra britânico, relata os diferentes caminhos da ex
A psiconeuroimunologia reflete uma visão integrado periência de ter um vínculo rompido por morte e as con-
ra de diversos sistemas - psicológico, neurológico, endó- seqüências dessa experiência, em âmbito somático, social,
crino e imunológico propiciando um avanço epistemo- emocional e cultural. O luto é entendido por Parkes como
lógico em relação à visão dualista que imperou na ciência uma importante transição psicossocial, com impacto em
jí
do mundo ocidental desde os tempos de René Descartes, todas as áreas de influência humana (Parkes, 1998).
A P5IC0 ONCOLOGIA NO BRA5IL:NOTA5 SOBRE O PASSADO E O PRESENTE... 625
O Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o O paciente e seus familiares têm acesso às informações
Luto (LELu), fundado cm 1996 e estando associado ao e reivindicam o melhor para os seus, e o estudo da bioética
Departamento de Psicologia da PUC-SP, sob a coordenação em sua interface com a filosofia, as religiões, o direito e a
da professora doutora Maria Helena Pereira Franco, já se psicologia é de suma importância.
tornou referência nacional para encaminhamento e aten
dimento de pessoas enlutadas, em busca de psicoterapia. A
procura por esse serviço tem aumentado significativamente A prática da psico-oncologia
nos últimos anos, e as indicações têm vindo de instituições no Brasil de hoje
de vários âmbitos (da saúde e judiciário, por exemplo), além Da década de 1980 até hoje, muito caminhou a psico-
dos próprios interessados. oncologia no mundo c no Brasil. Embora saiba que incor
Essa modalidade de aprimoramento clínico habilita o rerei em imerecidas omissões, cirarei algumas instituições
psicólogo a atuar no âmbito hospitalar, em consultórios par que contemplam a prática da psico-oncologia em nosso
ticulares, escolas, organizações, na comunidade, c tem como
país na atualidade.
objetivo desenvolver com os alunos técnicas psicoterapêuticas
Serviço de Psico-Oncologia da Clínica Pediátrica do
específicas para atendimento de pessoas enlutadas, conside
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribei
rando uma amplitude maior dessa demanda, que pode envol
rão Preto (USP) (Ribeirão Preto, SP): a psicóloga Elizabeth
ver assistência social, judiciária, psiquiátrica.
Ranier Martins do Valle desde 1984 está envolvida com
E preciso treinar os alunos na utilização dessas técni
o objetivo de proporcionar melhor qualidade de vida à
cas, de modo que sua formação acadêmica seja ampliada
criança em tratamento de câncer e à sua família e é a coor
pela possibilidade de uma prática profissional com um pa
denadora desse serviço. Suas rotinas englobam:
ciente que tenha essa demanda específica, algo que não pu
deram vivenciar na graduação.
• grupo de apoio aos pais de crianças com câncer
Deve-se oferecer à população enlutada o atendimento
- semanal, no ambulatório (médico/psicólogo);
psicológico proposto a essa necessidade, com o que há de
• grupo lúdico com crianças em tratamento de cân
mais apropriado à demanda, de acordo com os cuidados
cer (concomitante com o grupo de pais/em outra
éticos e técnicos necessários.
sala/conduzido por estagiários do quinto ano de
Objetiva-se levar os alunos ao desenvolvimento do pen
psicologia, com supervisão) - semanal;
samento clínico presente na atuação com pessoas enlutadas,
• trabalho com irmãos (quando necessário) por meio
de maneira que possam ir além e desenvolver-sc na especiali
de livro interativo (psicólogo do serviço e estagiá
dade, dominando seus fundamentos teóricos e éticos.
rios de psicologia);
Os atendimentos no LELu são oferecidos nas seguintes
• programa de reinserção escolar - ida à escola da
modalidades: plantão em triagem e acolhimento; co-terapia
criança em rratamento;
em grupos psicoterapêuticos (de adultos ou crianças), com
• trabalho envolvendo a trajetória da doença e as
supervisão; atendimento em psicoterapia para indivíduos
dificuldades do retorno escolar para a criança em
enlutados (crianças, adolescentes ou adultos), com super
tratamento (perda do cabelo/marcas da radiotera
visão; estudo epidemiológico (levantamento) de casos para
pia/perda de peso etc.) (psicólogo e assistente social);
fins de pesquisa.
• atendimento psicológico individual da criança e da
Pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicolo
família pelos psicólogos e estagiários de psico
gia Clínica da PUC-SP temos, desde 1994, 42 dissertações
logia que se iniciam no pós-diagnóstico da doença
de mestrado defendidas, doze teses de doutorado c doze
(com supervisão);
pesquisas de iniciação científica.
• ambulatório do luto - quando uma criança morre,
f> O campo da bioética, que se apoia nos pilares da be
o psicólogo entra em contato com a família alguns
neficência, não-maleficência, autonomia e justiça, está tam
dias depois e oferece ajuda. O importante para es
bém cada vez mais imbricado com o estudo e a prática da
ses pais é que o hospital e os profissionais demons
psico-oncologia. Os conceitos de eutanásia, ortotanásia e
trem um “cuidado” para com eles nesse momento
distanásia, os pedidos de não-ressuscitação (DNR), o deba
te sobre quando encerrar as intervenções visando ao trata de sofrimento;
• ambulatório dos curados - pacientes já curados do
mento da doença de base, o transplante de órgãos, o direito
de saber seu diagnóstico e a discussão sobre as intervenções cânccr voltam, periodicamente, para atendimentos
com células-tronco cada vez mais permeiam a práxis psico- médicos. Nessas ocasiões, quando o médico detec
oncológica. ta algum problema (escolar, de relacionamento, de
Cabe notar a importância do alcance irrestrito à in senvolvimento etc.), encaminha-o para a psicologia,
formação que a internet promoveu, de modo irreversível, que faz um acompanhamento com a criança/família
especialmente nas áreas médica e legal. para ajudá-los a lidar com a situação;
626 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
• reuniões clínicas para estudo de caso; A doutora Nely Nucci também é a coordenadora
• reuniões semanais do grupo multiprofissional; psicossocial do Núcleo de Apoio da Associação de Pais e
• atenção ao trabalho da Casa de Apoio à Criança Amigos da Criança com Câncer e Hemopatias (Apacc). A
com Câncer - campus da USP; Apacc é uma sociedade sem fins lucrativos, tendo como
• grupo de voluntários. finalidade básica colaborar com instituições de saúde que
cuidem de crianças com câncer e/ou doenças hematoló
Além do trabalho de coordenação, que é voluntá gicas, por meio da promoção de serviços assistenciais e
rio, há uma psicóloga contratada para o serviço de psico- sociais.
oncologia no Hospital das Clínicas e três a quatro estagiá A Apacc funciona por ação voluntária. O núcleo psi
rios de psicologia do quinto ano da Faculdade de Filosofia, cossocial é constituído por três psicólogos, que recebem
Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, que ajuda de custo para locomoção. Além disso, conta com:
são selecionados e treinados para os atendimentos. Há um estagiário de psicologia (quinto ano, USF); um psicó
também um nutricionista contratado pelo Grupo de Apoio logo cursando a pós-graduação (mestrado, PUC Campi
à Criança com Câncer (Gacc) e um assistente social. nas) e utilizando a Apacc como campo de pesquisa; um
A produção de conhecimento é intensa. A douto assistente social (contratado); um estagiário de serviço
ra Elizabeth Valle já orientou 36 pós-graduandos, entre social (quarto ano, PUC Campinas). m
mestrandos e doutorandos, além de outras pesquisas rea Os atendimentos psicossociais envolvem: acolhimen ii
lizadas por bolsistas de iniciação científica cm trabalhos to, avaliações psicológicas e sociais, orientações, aconse
relacionados ao câncer. lhamento, grupo com as mães, grupo com adolescentes,
Serviço de Psico-Oncologia do Centro de Atenção In realização de palestras, eventos culturais e de lazer. P*
tegral em Oncologia do Hospital Municipal Doutor Mário Atualmente, há a valorização e o estímulo da pro 01
Gatti (HMMG) (Campinas, SP): a psicóloga Nely Guer- dução acadêmica na área da Psicologia, com subvenção a ck
nelli Nucci coordena esse serviço, cuja assistência é exclu cursos, palestras, participação em congressos nacionais e o*
siva ao Sistema Único de Saúde (SUS). internacionais. r*
O Caio é uma unidade ambulatorial de serviço do Casa Hope (São Paulo, SP): é uma casa de apoio cons :a
hospital que envolve: oncologia clínica, cirurgia oncológi tituída por três unidades de atendimento ao hóspede:
ca, radioterapia e cuidados paliativos.
Em 2004, o hospital foi cadastrado, no Ministério da • Casa de Apoio I: núcleo de transplantados de
Saúde e Ministério da Educação, como hospital de ensino. medula óssea. Comporta quarenta pessoas, entre P«
A produção de conhecimento está cm curso por meio da crianças, adolescentes e adultos (vinte pacientes e sd
Comissão de Ensino e Pesquisa (Cepec) c do Comitê de vinte acompanhantes). rd
Ética em Pesquisa (CEP). O hospital conta com residência • Casa de Apoio III: núcleo de apoio à criança com na
médica e com estagiários de graduação em Psicologia de câncer, cm geral transplantadas de fígado e rins. cd
três universidades: Universidade Paulista (Unip), Pontifí Hospeda sessenta pessoas (trinta pacientes e trinta de
cia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas) e acompanhantes). ->
Universidade São Francisco (USF). • Casa de Apoio IV: núcleo de apoio a adolescentes
A missão da instituição é aliar à competência técnica com câncer, transplantados de fígado e rins. Possui ga
a humanização no atendimento, buscando sempre a me quarenta vagas (vinte pacientes e vinte acompa ec
lhoria da qualidade de vida e o respeito à individualida nhantes).
de e integralidade na assistência oncológica, por meio do
constante aprimoramento técnico e psicológico da equipe. A psicóloga Izilda Moribe relata que a visão bio- c,
Sua atuação é voltada ao paciente, seus familiares, acom psicossocial embasa o atendimento da instituição, que cai
panhantes e equipe de saúde. considera o indivíduo em sua totalidade; seu foco está (21
O paciente, familiares e acompanhantes são atendi no ser humano, na pessoa que está doente e não ape na
dos desde o momento do diagnóstico, durante os trata nas na doença. Busca-se a manutenção das rotinas de —
mentos e na fase dos cuidados paliativos. uma vida normal, em um ambiente domiciliar e acolhe
As ações desenvolvidas consistem em: acolhimento, dor, aspecto significativo para a recuperação da saúde.
avaliação psicossocial, intervenções psicoterapêuticas, Também são considerados fatores relevantes o respeito tot
campanhas e estratégias de prevenção antitabagistas. A à individualidade, a atitude participativa e ativa no pro ca
equipe de psicologia é constituída por dois psicólogos cesso de doença e o investimento no crescimento pessoal
contratados, além de estagiários. e na vida. Desde 1996, o serviço de psicologia oferece sei
Ainda em Campinas, ocorre o curso de “Introdução à atendimento individual a crianças, adolescentes, adul ha
psico-oncologia”, em parceria com o Instituto de Pesquisa tos e acompanhantes, contando com psicoterapia breve,
e Ensino Boldrini (Ipeb). focada na demanda do paciente (doença, tratamentos, (Si
A PSICO-ONCOLOGIA NO BRASILiNOTAS SOBRE O PASSAUO E O PRESENTE... 627
relações interpessoais etc.), brinquedoteca terapêutica, informações e oferecer suporte a pacientes com linfoma e
grupos de estimulação precoce de bebês, Programa Co- leucemia, mobilizando parceiros para que o melhor trata
relim (Programa Simonton para crianças), grupo de ado mento esteja disponível no Brasil.
lescentes, grupo de acompanhantes. O trabalho dc psicologia existe desde a sua fundação,
A equipe de psicologia é composta de dois psicólogos em 2002, e consiste em atendimento psicológico a pacien
contratados, vinte estagiários de graduação em Psicologia, tes e familiares, segundo seu interesse. Um novo modelo
três de pós-graduação em Psicologia da Saúde e três psicó de atuação psicológica está sendo gradualmente implan
logos voluntários. tado pela psico-oncologista Maria Teresa Veit, o qual in
A instituição tem parcerias com cursos dc psicologia, cluirá ações de cunho estritamente terapêutico, ações de
nutrição, psico-oncologia, psicologia da saúde, psicologia apoio a outras atividades com possíveis resultados tera
hospitalar, pedagogia hospitalar, terapia ocupacional e de pêuticos, psicoeducação, inserção e reinserção social, es
capacitação profissional. Ela incentiva a produção acadê colar e profissional, formação de multiplicadores para o
mica em todas as áreas; em 2006, realizou 2.907 atendi modelo proposto, produção de conhecimento resultante
mentos psicológicos. das ações multicêntricas etc.
A meta da Casa Hope é tornar-se um centro de refe O serviço de psicologia é composto de dois profissio
rência quanto ao atendimento biopsicossocial e educacional nais contratados, um prestador de serviço autônomo, oito
a crianças e adolescentes com câncer c transplantados de participantes voluntários do comitê de psicologia e corpo
medula óssea, fígado e rins. de voluntários para atividades não clínicas.
Instituto de Ginecologia e Mastologia (IGM) do Hos Há reuniões semanais entre os psicólogos e mensais
pital Beneficência Portuguesa de São Paulo (São Paulo, SP): de toda a equipe com o objetivo de discutir novos projetos
o serviço de psico-oncologia existe desde 1995 e é coor e fazer o acompanhamento de ações.
denado pela psico-oncologista Maria Teresa Veit. Entre Serviço de Psico-Oncologia da Fundação Mário Pen-
os serviços oferecidos, estão: avaliação psicológica (por na (Belo Horizonte, MG): as psicólogas Adriane Pedrosa
protocolo do serviço), assistência psicológica por psico- e Andréa Gazzinelli coordenam esse serviço. A entidade
terapia breve, quando detectada necessidade na avaliação, é portadora do certificado de filantropia concedido pelo
atendimentos voltados a emergentes psicológicos, estimu Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
lação psicossocial no leito, cuidados com a equipe, grupos A Fundação Mário Penna dedica 60% do seu aten
pré-cirúrgicos, grupos dc pacientes mastectomizadas, gru dimento aos pacientes do SUS. Além dos hospitais Mário
pos temáticos voltados à qualidade de vida, atividades em Penna e Luxemburgo, a Fundação mantém a Casa de Apoio
sala de espera, promoção de campanhas psicoeducativas Beatriz Ferraz, que alberga pacientes que chegam do inte
referentes à prevenção de câncer de mama, participação rior de Minas Gerais para o tratamento oncológico.
nesse tipo de campanha, com orientação a familiares e A equipe de psicologia conta com duas psicólogas
cuidadores informais. O serviço de psicologia 6 composto contratadas pela Fundação que iniciaram esse trabalho em
de dois psicólogos contratados, um voluntário e até dez 2005. Uma atua no Hospital Luxemburgo e a outra no
aperfeiçoandos em psico-oncologia. Hospital Mário Penna e na Casa de Apoio Beatriz Ferraz.
O IGM oferece especialização em mastologia e ima- Oferece estágios curriculares e extracurriculares e possui
genologia mamária, aperfeiçoamento em psico-oncologia um estagiário no Hospital Luxemburgo e dois estagiários
e estágio em fisioterapia especializada. na Casa dc Apoio Beatriz Ferraz, trabalhando em parceria
A equipe de médicos, enfermeiros, psicólogos e fi com a Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec).
sioterapeutas promove reuniões clínicas semanais, com O setor de psico-oncologia realiza um trabalho de as
discussão de casos em andamento ou casos de arquivo, sistência integral ao paciente oncológico. São desenvolvidos
com fins didáticos; reuniões de formação para a equipe atendimentos individuais (leito/enfermaria), atendimentos
(assuntos médicos e de psico-oncologia); reuniões admi ambulatoriais (com agendamento prévio), grupos terapêu
nistrativas bimensais, para avaliação geral das ações, das ticos para pacientes e familiares, grupo terapêutico relativo
quais não participam estagiários, especializandos ou aper a quimioterapia c radioterapia, grupo de orientação para
feiçoandos. acompanhantes, acompanhamento de pacientes, e familia
Em média são feitos, anualmenre, 1.500 atendimen res, em unidade de terapia intensiva.
tos individuais, sem considerar a ação dos grupos terapêu Os dois lares que compõem a Casa de Apoio (Januário
ticos, temáticos e de orientação. Carneiro e Célia Janotti) recebem crianças e adolescentes
A meta do IGM é manter e desenvolver o que vem que estão em tratamento oncológico (inclusive em outros
sendo feito e agregar a produção científica com base no hospitais de Belo Horizonte) com os seus respectivos acom
banco dc dados relacional recentemente implantado. panhantes, além dos adultos em tratamento nos hospitais
Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) da instituição. São oferecidos transporte, alimentação e as
(São Paulo, SP): é uma ONG com a missão de divulgar sistência psicológica aos pacientes e seus familiares.
628 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
Ainda em Belo Horizonte, coordenada pelas psico- ocorria desde 2001. Foram contratadas as psicólogas
oncologistas Marília Aguiar e Gláucia Resende, há a Jéssica Riba e Joane Dias.
Instituição Formata, especializada em cursos, palestras O objetivo geral do Centro de Psico-Oncologia é pro
e grupos reflexivos na área da Tanatologia, englobando mover a melhora da qualidade de vida dos pacientes, fami
a psico-oncologia. As coordenadoras buscam a difusão da liares, cuidadores e equipe, intervindo, assim, nas questões
psico-oncologia e dos profissionais da equipe de saúde on que surgem com o diagnóstico do câncer, como medos,
cológica por meio de reuniões científicas e encontros te estigmas e luto.
máticos que proporcionem a reflexão e a troca e produção Para que esse objetivo seja alcançado, são utilizados
de conhecimento. cinco tipos de atendimento: atendimento inicial, atendi
Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia mento sequencial, atendimento pontual, atendimento pós-
em Sergipe (Avosos) (Aracaju, SE): é composta pela Casa óbito e atendimento à equipe.
de Apoio à Criança com Câncer “Tia Ruth” e pelo Centro de Todo paciente que frequenta pela primeira vez o servi
Oncologia Doutor José Geraldo Dantas Bezerra. ço é atendido pelo Centro de Psico Oncologia, por intermé
A Casa de Apoio tem uma ampla infra-estrutura idea dio de um protocolo desenvolvido pela própria equipe, vi
lizada para o público infanto-juvenil e atualmente assiste sando elaborar um breve diagnóstico do impacto emocional
cerca de 320 crianças e adolescentes, assim como os acom e social da doença, com o objetivo de promover a adesão ao
panhantes. Já o Centro de Oncologia realiza o tratamento tratamento oncológico indicado. Sempre que possível esse
ambulatorial de pacientes adultos com câncer por meio de atendimento é também oferecido ao cuidador.
convênios e dispõe de um ambulatório de triagem em on- Caso sejam necessárias, outras entrevistas são agen
co-hematologia pediátrica para atender graruitamente aos dadas (atendimento sequencial) dc forma coordenada com
casos de suspeita de câncer infanto-juvenil, contribuindo a marcação das consultas médicas ou da quimioterapia.
para a agilidade no diagnóstico da doença. O atendimento pontual se caracteriza por interven
Hâ uma equipe multiprofissional de apoio ao trata ções em situações de crise, como nos momentos da comu
mento, constituída por: psicólogo, nutricionista, pedago nicação do diagnóstico (de grande ansiedade) e da realiza
go, psicopedagogo, assistente social, enfermeiros, médicos ção de exames e procedimentos invasivos.
e odontólogo, além de pessoal de apoio e da área admi O atendimento pós-óbito conta com acompanha
nistrativa. mento psicológico oferecido à família e/ou cuidadores dos
O serviço de psicologia, coordenado pela psicóloga pacientes que faleceram. Esse atendimento fica disponível
Raquel Melo Bezerra, desenvolve os seguintes projetos: ao familiar/cuidador pelo período de um ano a contar da
data do óbito.
• Aconchego, que visa acompanhar e apoiar as crian Além dos cinco tipos de atendimento, são utilizados
ças, adolescentes e familiares/acompanhantes no oito níveis de intervenção: diante do anúncio do diagnós
enfrentamento da doença e do tratamento, objeti tico, no pré-operatório, durante o tratamento, na reabi
vando a melhora de sua qualidade de vida. Entre litação, na preparação para a alta, durante o tratamento
as ações desenvolvidas destaca-se o atendimento contínuo (em caso dc doença crônica), na fase terminal e
individual e em grupo. após o óbito. Os três últimos níveis são desempenhados
• Grupo de estudos, com o intuito de compartilhar em conjunto com o Centro de Cuidados Paliativos do
conhecimentos e experiências sobre a realidade do serviço.
câncer infanto-juvenil. Participam desse projeto os O Centro de Psico-Oncologia oferece, ainda, grupos
voluntários e a equipe multidisciplinar. As ativida terapêuticos a pacientes com câncer c, cm especial, gru
des são realizadas com leitura de livros, textos e ar pos a mulheres com câncer de mama, abordando temas
tigos, vivências, exibição de filmes e debates. previamente determinados e contando com a participação
• Hora do pensar, um momento de reflexão e rela dc profissionais convidados, como médicos, enfermeiros,
xamento proporcionado aos acompanhantes das assistentes sociais, fisioterapeutas, entre outros.
pessoas assistidas pela Casa de Apoio. Cada en Existem também projetos como: grupo pré-opera
contro tem um tema predefinido, dando também a tório de mulheres com câncer de mama, grupo de fami
oportunidade a cada participante dc expressar seus liares de pacientes oncológicos e grupo de familiares de
sentimentos e compartilhar vivências. pacientes em cuidados paliativos. Simultaneamente, são
desenvolvidos projetos de pesquisa e as apresentações em
Serviço de Hematologia e Oncologia Clínica do congressos são encorajadas.
Hospital de Jacarepaguá (Rio de Janeiro, RJ): o Centro As reuniões clínicas periódicas da equipe têm como
de Psico-Oncologia foi fundado em novembro de 2005, objetivo a promoção da integração e o exercício da trans-
sendo uma evolução do estágio do curso de especiali disciplinaridade com o desenvolvimento de uma lingua
zação da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia, que gem comum e de uma atuação compartilhada.
A P5IC0-0NC010GIA NO BRASIL:NOTAS SOBRE O PASSADO E O PRESENTE... 629
No ano de 2006, o Centro de Psico-Oncologia realizou gão Gesteira (Universidade Federal do Rio de Janeiro -
2.123 atendimentos. Sua missão é aprimorar o atendimento UERJ) e Hospital da Lagoa. Esses hóspedes são pessoas
global ao paciente oncológico e auxiliar a equipe no mane que moram em bairros distanres, de outras cidades, es
jo das intercorrências conseqüentes ao desenvolvimento da tados ou países da América Latina, e ficam afastadas da
doença e do tratamento, tanto em relação ao paciente como família durante muitas semanas e meses. Ao câncer acres
ao familiar/acompanhante e à própria equipe. centam-se problemas pessoais, sociais, financeiros e de
Instituto Nacional de Câncer (lnca) (Rio de Janeiro, desestruturação familiar.
RJ): o lnca é uma instituição do Ministério da Saúde com De acordo com a definição da Organização Mundial
posta de cinco hospitais/unidades. Em todas as cinco uni da Saúde, de 1946, segundo a qual a saúde é o estado de
dades há um serviço de psicologia oncológica. completo bem-estar físico, mental e social e não meramen
O principal hospital do grupo é o Hospital do Cân te a ausência de doença ou enfermidade, a criança em tra
cer 1, onde o serviço de psicologia oncológica existe des tamento de câncer e sua família recebem, na Casa Ronald
de 1979. Todas as clínicas do Hospital do Câncer 1 têm, McDonald, atendimento integral.
hoje, a presença da psicologia, com um total de catorze O setor de educação e atendimento psicossocial da
profissionais contratados, sob a coordenação da psicóloga AACN/Casa Ronald McDonald, coordenado pelas psico-
Maria da Conceição da Costa Moreira. oncologistas Frida Rúmen e Angela Damasio (que tam
As intervenções oferecidas são: suporte psicológico e bém é psicopedagoga), foi estruturado com o objetivo de
acompanhamento psicoterapêutico aos pacientes, familia prover apoio psicossocial aos acompanhantes, crianças,
res e equipe. voluntários e funcionários, visando aprimorar a missão
Os pacientes matriculados no lnca, no momento da institucional e garantir maior adesão ao tratamento, sem
triagem (entrada no hospital), são submetidos a uma ava deixar de lado a atenção à qualidade de vida, e cuidando
liação psicológica. Eles são acompanhados durante todo da criança e seu acompanhante de maneira global.
o seu tratamento até a reabilitação e alta ou transferência Cerca de trinta profissionais voluntários, com for
para o Hospital do Câncer IV, unidade de cuidados palia mação em arteterapia, musicoterapia, psicologia, psi-
tivos. Atenção especial é dada aos familiares. As interven copedagogia, serviço social e terapia corporal, utilizam
ções referentes ao luto são oferecidas quando necessárias. uma abordagem integrada segundo os conceitos da
Tais intervenções são executadas em grupo ou com atendi psico-oncologia. Uma vez por mês todos os profissionais
mento individual, dependendo da demanda e do protoco se reúnem para avaliação, articulação e integração das
lo da clínica em questão. experiências vividas.
As reuniões abrangem informes referentes à insti O setor também desenvolve o projeto “Pós-Obito”,
tuição e o estudo de casos; participam todos aqueles que que prevê o atendimento de mães enlutadas que foram
compõem as equipes: médico, enfermeiro, psicólogo, as hóspedes da casa de apoio. São realizados atendimentos
sistente social, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, nutricionis no domicílio da mãe, nas semanas seguintes ao óbito,
ta, terapeuta ocupacional e dentista. quando a moradia é próxima ao centro do Rio de Janeiro.
O lnca oferece, anualmente, um curso dc psicolo Os demais atendimentos são realizados na própria casa de
gia oncológica com dez vagas, sendo seis no Hospital do apoio, em horários agendados.
Câncer I. Dessa forma, o setor de educação e atendimento psi
A participação em congressos, seminários, palestras e cossocial tem oportunidade de acompanhar o desenrolar
aulas internas e externas, bem como a produção científica da doença, do diagnóstico até a cura, o controle ou a mor
são encorajadas. te, de grande parte dos hóspedes.
Em 2006, o Hospital do Câncer I totalizou 3.224 aten No ano dc 2006, foram realizados mais de quinhen
dimentos em ambulatório e 10.145 em enfermaria. tos atendimentos a crianças e acompanhantes. Os trezentos
A meta do serviço de psicologia oncológica é dar voluntários da instituição envolveram-se no desenvolvi
continuidade às atividades assistenciais e acadêmicas, mento de palestras, oficinas abordando o cuidado com
procurando sempre atender melhor os pacientes e fami o cuidador e atendimentos pontuais, quando solicitados,
liares/acompanhantes. além de grupos operativos com os funcionários, uma vez
Casa Ronald McDonald (Rio de Janeiro, RJ): é uma por mês.
casa de apoio mantida pela Associação dc Apoio à Criança Os trabalhos desenvolvidos pelo setor de atendimen
com Neoplasia do Rio de Janeiro, que recebe crianças e to psicossocial têm sido apresentados em congressos de
adolescentes com câncer e seus acompanhantes. arteterapia, musicoterapia, psico-oncologia, psicologia
Oferece hospedagem, alimentação, transporte e lazer hospitalar e oncologia pediátrica.
a 32 pacientes e acompanhantes encaminhados pelo ser Associação Brasileira de Apoio aos Pacientes de Cân
viço social das instituições conveniadas - lnca, HemoRio, cer (Abrapac) (Rio de Janeiro, RJ): é uma sociedade sem
Hospital Pedro Ernesto, Hospital Jesus, Hospital Marta- fins lucrativos.
630 TEMAS EM P S I C O - O N C O L OG I A
Foi fundada por pacientes com câncer e seus fami A produção acadêmica é encorajada; as unidades têm
liares, tendo por objetivo melhorar a qualidade de vida vários artigos publicados nacional e internacionalmente.
desses pacientes durante seu tratamento, por meio de um A meta dessas instituições é atingir um patamar de
trabalho de apoio complementar ao procedimento mé excelência no que concerne à qualidade do atendimento
dico. A Abrapac oferece, também, informações relativas prestado ao paciente oncológico pediátrico, oferecendo
às próteses: tipos, métodos para a escolha, locais onde se dignidade c resgatando a cidadania.
podem encontrá-las, como adquirir sutiãs especiais e pe
rucas. Algumas próteses são oferecidas às pacientes sem
recursos, e o banco de perucas as empresta às pacientes Sonhos e realidade: perspectivas
com alopecia. para a psico-oncologia no Brasil
Há cinco anos a Abrapac conta com um grupo de
No ano de 2006, a International Psycho-oncology
apoio semanal para pacientes, coordenado por um psicó Society (Ipos) enviou a diversos países um questionário
S Ú fi
logo. O trabalho desenvolvido é pautado pelas necessida
que visava delinear o perfil da atuação e abrangência da
des e possibilidades do grupo no momento. Basicamente,
psico-oncologia no mundo. A psicóloga Elisa Perina apre
consiste em um trabalho terapêutico complementado com
sentou a tabulação dos resultados dos questionários res
relaxamento.
pondidos no Brasil no Congresso Internacional da Ipos em
Atividades lúdicas c culturais também são realizadas
Veneza, no mesmo ano (Perina, 2006). O objetivo dessa
por esse grupo, como passeios, visitas a exposições etc.
pesquisa era obter informações sobre a clínica, pesquisa e
■U U f c M * J U Ü
Uma das metas da Abrapac é formar grupos distin
atividades educacionais conduzidas no Brasil como con
tos para os diferentes tipos de câncer; também se objetiva
tribuição à Ipos, no que diz respeito ao estabelecimento
profissionalizar o trabalho da área de Psicologia, que atual
de um panorama da psico-oncologia no mundo. A seguir
mente é voluntário.
serão mencionados alguns dos dados encontrados.
Unidade de Oncologia Pediátrica do Instituto Materno
Dificuldades: falta dc parceria (referente às equipes);
Infantil Professor Fernando Figueira (Imip); Centro de He
pouco conhecimento sobre a abrangência de capacitação
matologia e Oncologia Pediátrica (Cehope); Núcleo de
na área; falta de especialização, de recursos humanos e fi
Apoio à Criança com Câncer (Nacc) (Recife, PE): a psico- nanceiros, dc sensibilidade dos gestores; embaraço na de
oncologista Arli Melo Pedrosa coordena os trabalhos relati
ái. u ■ a u.
finição de papéis entre os diferentes profissionais; respeito
vos à psico-oncologia nas instituições mencionadas. O Imip
insuficiente aos limites e alcance da multidisciplinaridade;
é filantrópico, o Cehope é privado e o Nacc é uma casa de
desconhecimento da área; inexistência de padronização
apoio, porém todos os pacientes são provenientes do SUS. nacional para métodos de avaliação de sofrimento, em
Os atendimentos acontecem conforme a demanda. A bora existam métodos específicos de cuidado, elaborados
intervenção está presente durante a comunicação do diag
pelos diferentes serviços e profissionais envolvidos, de
nóstico, no tratamento, bem como no momento em que é
nnP
acordo com a população atendida, a demanda e os recur
informada a ausência dc possibilidades terapêuticas, sendo
sos disponíveis.
extensiva a familiares. Todo o trabalho é desenvolvido por
Grupos de pesquisa: existem projetos isolados, insti
meio de protocolos previamente estabelecidos.
tucionais e acadêmicos, com diferentes abordagens.
O trabalho ligado à psico-oncologia existe no Imip e
Estudos multicêntricos transculturais: existe grande
no Cehope desde sua implantação, em 1994. Já no Nacc,
interesse em estudos cooperativos multicêntricos por par
começou em 1985.
te de profissionais e instituições, principalmente na área
O serviço nessas instituições é constituído por três psi
de qualidade de vida.
cólogos contratados e estagiários do departamento de Psi
Projetos de pesquisa em psico-oncologia: há dificulda
cologia, que trabalham na enfermaria e participam de reu
de em encontrar instrumentos traduzidos e validados, bem
niões semanais da equipe multidisciplinar para discussão
como falta de condições para esse processo de validação
de casos novos. Há, também, reuniões diárias para discus
ou para a criação de instrumentos específicos à nossa reali
são acerca de pacientes internados, teleconferências (duas
dade. A área de Psico-Oncologia é ainda muito desconhe
vezes por semana), reuniões com pais e cuidadores (uma
cida pelos órgãos que financiam pesquisas, o que dificulta
vez por mês) e um programa de educação continuada.
a obtenção de dotações.
As equipes são formadas por médicos, enfermeiros, Destaca-se, como desejo dos profissionais, a maior
psicólogos, assistente social, terapeuta ocupacional, fisio
colaboração da Ipos e da SBPO, representada por:
terapeuta, dentista, bibliotecário, neurologista, neuropsi-
cólogo, administrador, professor e voluntários.
• programa on-line de educação continuada da Ipos,
O Imip está vinculado à Faculdade de Boa Viagem
associado à SBPO;
(FBV), que oferece cursos de medicina, enfermagem e
• protocolos de assistência psicossocial;
psicologia.
A PSICO ONCOLOGIA NO BRASIL:NOTAS SOBRE O PASSADO E O PRESENTE... 631
• pesquisas cooperativas c multicêntricas com univer nico do Conselho Consultivo do Inca (GAT/Consinca),
sidades e instituições locais; pelo então diretor do Inca, doutor José Gomes Temporão
• estabelecimento de diversas e diferentes linhas de (Inca, 2004).
interesse em pesquisa e projetos, a serem disponibi A instauração da Sociedade Brasileira de Psico-
lizadas pela Ipos; Oncologia ocorreu no período da formação do GAT/Con-
• pesquisa - divulgação da área. sinca, em 10 de março de 1999, quando era presidente a
doutora Maria da Glória Gonçalves Gimenes, estando o
Treinamento: necessidade de sensibilização dos pro Inca sob a gestão do doutor Jacob Kligerman.
fissionais, equipe e gestores para que invistam na estrutu O Conselho Consultivo do Inca (Consinca) foi ins
ração de cursos de especialização e aprimoramento. tituído na gestão do doutor Marcos Moraes, em 1991,
Cuidado clínico: são necessários a inserção da psico- com a finalidade de assessorar o ministro da Saúde na
oncologia na World Health Organization (WHO); orien política nacional de controle do câncer (Inca, 1999).
tação, suporte, palestras ou treinamento referentes a pro Desde então, a SBPO tem enviado um representante às
jetos específicos; a garantia da preservação da escolaridade suas reuniões, o que permite a participação em conjectu
e inclusão escolar aos pacientes; informação para a comu ras, planos e decisões sobre a política dc tratamento do
nidade e a equipe de saúde; cursos on-line. câncer em nosso país.
Obstáculos ao apoio e aumento dos recursos: falta de Outro aspecto que demonstra o desenvolvimento da
conhecimento e reconhecimento da importância da assistên psico-oncologia, agora no âmbito sul-americano, resul
cia psicossocial; falta de investimento em pesquisa cm nosso tante do amadurecimento da área em vários países latino-
país; dissociação entre pesquisa e prática; dificuldade de in americanos, encontra-se no fato de que começou a haver
tegração c estabelecimento de parcerias entre instituições de um intercâmbio entre os profissionais da área. Assim, em
assistência à saúde e instituições acadêmicas (universidades); 2004, profissionais chilenos, membros da Asociación Chi
falta de costume e motivação por parte dos profissionais no lena de Psicooncología, presidida pelo psicólogo Gonzalo
que diz respeito a buscar apoio para a pesquisa. Rojas-May, entraram em contato com a SBPO, convidan
Treinamento e pesquisa: são necessários a obtenção e do-a a participar do Primeiro Encontro Internacional de
divulgação de modelos eficazes de intervenção, baseados Psico-Oncologia e Cuidados Paliativos, que aconteceu em
em evidências; o estabelecimento de fóruns de debate para janeiro daquele ano, em Santiago. O doutor Vicente Au
implementação de novos programas; a expansão de cen gusto de Carvalho representou a SBPO, tendo participado
tros de referência e de pesquisa cm parceria com a univer de cinco conferências e mesas-redondas.
sidade; o levantamento de recursos que ofereçam suporte Posteriormente, a SBPO foi convidada por Nancy
aos projetos na área de Psico-Oncologia. Ferro e colegas para participar do XVII Congresso Ar
Muito já conseguimos, mas ainda há bastante a ser fei gentino dc Oncologia Clínica e do I Congresso Latino-
to. Observa-se que a tônica está na necessidade da produ Americano e do Caribe de Oncologia Clínica. Foi confia
ção de conhecimento e sua divulgação. Essa estratégia es da ao então presidente da SBPO, doutor Vicente Augusto
timularia sobremaneira a disseminação da psico-oncologia de Carvalho, a abertura do evento, além de outras confe
num país de dimensões continentais como o nosso. rências. Esse contato com colegas argentinos, o anterior
Chegando à última parte destas reflexões, resta co com colegas chilenos, reuniões no Brasil e encontros da
mentar dois fatos relevantes. Ipos com Ruben Cesáreo foram consolidando a possi
O primeiro se refere à contínua valorização, pela bilidade e o interesse de todos na constituição de uma
SBPO, do profissional certificado pela instituição. sociedade latino-americana de psico-oncologia. No Con
Em conjunto com as propostas do Conselho Federal gresso Nacional da SBPO, em 2006, ocorrido em São
dc Psicologia, a SBPO está se mobilizando para fazer valer Paulo, todos esses colegas se reuniram c publicaram uma
a postura do SUS, que enfatiza a integralidade do cuidado carta afirmando o desejo da formação dessa sociedade.
com a saúde, demandando que o psico-oncologista pos Foi nomeado um grupo, constituído por Vicente Augusto
sa ser incluído nos planos de saúde regidos pela Agência de Carvalho, na condição de presidente, Maria Helena
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A palavra da pre Pereira Franco, Maria Julia Kovács, Regina Liberaro, Rita
sidente do Conselho Federal dc Psicologia, Ana Mercês de Cássia Macieira, Maria Jacinta Benitcs Gomes, Maria
Bock, sobre a matéria é enérgica: “lutar por mudanças nos Teresa Veit e Luciana Holtz de Camargo Barros, para dar
planos de saúde c uma necessidade urgente da categoria andamento a essa empreitada. Os primeiros passos já fo
[...] nossa luta é para que se pense a saúde de forma mais ram dados, mediante consultas jurídicas e a elaboração
ampla c integral, garantindo atendimento psicológico” de uma minuta de estatutos.
(“Planos de saúde e os psicólogos”, 2007). Dando voz aos desejos da diretoria da SBPO para o
O segundo é a ratificação, ocorrida em 20 de abril biênio 2006-2008, apresento as palavras da presidente, a
de 2004, da presença da SBPO no Grupo Assessor Téc psicóloga Elisa Maria Perina:
pr
± L.ÀiA Al.AâiáliiliiMiiâ iáI1i
Assim, no sentido de atender aos objetivos pro a Psico-Oncologia fará parte da programação oficial do
postos, fomos tecendo nossa rede de inrer-relações Congresso Nacional de Oncologia Clínica da SBOC a
UU
no Brasil e no mundo, mostrando nossos trabalhos, se realizar em Belo Horizonte, durante dois dias, bem
abrindo novas possibilidades de estudos e de inves como oferecerá um Curso Pré-Congresso de Introdu
fih
tigação conjunta com outros centros de referência. ção à Psico-Oncologia. (Perina, 2007)
E, principalmente, nos irmanando e compreenden
do que as angústias diante do universo vivencial dos Ao nos debruçarmos sobre a história da psico-
IST
pacientes com câncer e de seus familiares, as linhas oncologia no Brasil, surgem surpresas, encantos e desen
de investigação em Psico-Oncologia, as dúvidas, os cantos. Nesse país de tantos contrastes e diferenças sociais,
desafios e limites de intervenção são semelhantes nos contamos sempre com menos recursos do que o desejável,
!/' k* 2
vários países onde tivemos a oportunidade de com porém deparamos com experiências inovadoras e eficazes,
partilhar nossas experiências profissionais. em que os profissionais trabalham apenas com a vontade
E motivo de orgulho termos participado, desde o pri de cuidar e seu conhecimentos.
meiro momento, da introdução da Psico-Oncologia Parabéns a esses desbravadores! Que venha um tem
em nosso país e da criação da SBPO, bem como de po em que o profissional e a produção de conhecimento
toda sua história. Ajudar na consolidação de seus ob possam ser mais respeitados, pois deles advém o bom cui
jetivos e na ampliação de seu grupo de trabalho é uma dado com nossa população.
de nossas metas. Os congressos da área têm permiti
do aglutinar pessoas de todo o país interessadas em
programas de intervenção, ensino e pesquisa no tema. Agradecimentos
O Simpósio de Psico-Oncologia desenvolvido em con Agradeço ao doutor Vicente Augusto de Carvalho
junto com a Sociedade Brasileira de Cancerologia, em pela colaboração e ajuda inestimáveis, sempre com a pro
novembro de 2006, em Belo Horizonte, foi um marco verbial delicadeza que lhe é particular.
no reconhecimento de que mente, corpo e contexto Agradeço aos profissionais relacionados a seguir,
social devem estar integrados em todas as ações com em ordem alfabética, que contribuíram para a constru
os pacientes e familiares. A participação da SBPO na ção deste texto enviando informações sobre a prática da
mesa de abertura daquele congresso e o discurso da psico-oncologia em nosso país: Adriane Pedrosa, Andréa
presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Gazzinelli, Angela Damasio, Arli Melo Pedrosa, Dinah
doutora Lair Ribeiro, que ressaltou a importância dos Schumer, Elisa Maria Perina, Elizabeth Ranier Martins
fatores emocionais e da integralidade do cuidado do do Valle, Erída Rúmen, Izilda Moribe, Jéssica Riba, Joane
paciente com câncer, apontaram novas perspectivas na Dias, Maria da Conceição da Costa Moreira, Maria da
aniação multiprofissional, com maior integração entre Glória Gonçalves Gimenes, Maria Helena Pereira Franco,
os grupos de trabalho. Resultado dessa atividade con Maria Julia Kóvacs, Maria Margarida M. J. de Carvalho
junta foi o convite feito para realizarmos o II Simpósio (Magui), Maria Teresa Veit, Marília Aguiar, Nely Guer-
de Psico-Oncologia, no próximo Congresso a ser rea nelli Nucci, Raquel Melo Bezerra, Rita de Cássia Macieira
lizado em Curitiba, em 2009. Novas possibilidades dc e Wilson Melo.
atividades conjuntas surgiram e em novembro de 2007
____ . Ata da reunião ordinária do Conselho Consul co SBPO, São Paulo, ano 4, n. 1, 2007.
tivo do lnca. Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, _____. “Levantamento nacional de psico-oncolo-
20 abr. 2004. gia”. 8- Congresso Internacional de Psico-Oncologia,
Macif.l, M. G. S. “A dor crônica no contexto dos cui Veneza, 2006.
dados paliativos”. Prática Hospitalar, São Paulo, ano 6, n. Pizzatto, L. P. (org.). Anais do I Encontro Brasileiro
35, 2004. de Psico-Oncologia. Curitiba, 1989.
Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde; Simonton, O. C; Matthews-Simonton, S.; Crf.i-
Instituto Nacional de Câncer; Coordenação de Prevenção ghton, J. L. Com a vida de novo: uma abordagem de auto-
e Vigilância. A situação do câncer no Brasil. Rio de Janei ajuda para pacientes com câncer. Trad. Heloísa de M. A.
ro: lnca, 2006. Costa. São Paulo: Summus, 1987.
Parkes, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida Veit, M. T. Discurso de entrega do certificado de
adulta. Trad. Maria Helena Franco Bromberg. São Paulo: distinção de conhecimento na área da psico-oncologia.
Summus, 1998. IX Congresso Brasileiro de Psico-Oncologia, São Paulo,
Perina, E. M. “Desejo e realidade”. Boletim Eletrôni 2006.
OS AUTORES
PhD, membro ritular do Colégio Brasileiro de Cirur Médica formada pela Escola Bahiana de Medicina
giões (TCBC), membro titular da Sociedade Brasileira de e Saúde Pública. Fez residência em Clínica Médica no
Cancerologia (TSBC), fellow do American College of Sur- Hospital Roberto Santos e residência em Oncologia e
geons (FACS). Médico pela Universidade Católica dc Pe Hematologia no Hospital Sírio-Libanês. Atualmente é on
lotas (UCPEL). Fez mestrado em Medicina (Otorrinolarin cologista clínica da Oncocenter - Centro de Oncologia e
gologia) na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Hematologia.
e doutorado em Comunicação e Semiótica na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É professor Alessandra Cristina dos Santos Fornari
titular de Oncologia na Faculdade de Ciências da Saúde
(Unimes) e o professor responsável pelo módulo de Me
todologia do Ensino Superior e Pesquisa - Pós-Graduação Fonoaudióloga clínica, com aprimoramento com
(mestrado e doutorado) em Direito na mesma instituição. ênfase em Disfagia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo
Também é professor colaborador no curso de mestrado Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni
em Educação Médica da Unifesp. versidade de São Paulo (HCFMUSP).
Fisioterapeuta, com mestrado em Oncologia pelo Graduou-se em Psicologia pela Faculdade Frassinet-
Hospital do Câncer de São Paulo e doutorado em On ti do Recife (Fafire) e em Administração pela Faculdade
cologia pela Faculdade de Medicina Universidade de São Olindense de Administração. E especialista em Psicologia
Paulo. E coordenadora do curso de pós-graduação de Fi Hospitalar pelo Conselho Regional de Psicologia da 2-
sioterapia com ênfase em Oncologia da Universidade Ci Regiâo, obteve o certificado de distinção na área de Psico-
dade de São Paulo (Unicid). Oncologia pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia
(SBPO) e é mestre em Gestão Hospitalar pela Universidade
de Pernambuco. Atua como psicóloga na Unidade de On
Anói Castro Cordeiro
cologia Pediátrica do Instituto Materno Infantil Professor
Fernando Figueira (Imip), é diretora presidente do Núcleo
de Apoio à Criança com Câncer de Recife (Nacc) e dire
Professor associado do Departamento de Cirurgia
tora administrativa do Centro de Hematologia e Oncolo
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Pau
gia Pediátrica (Cehope). É autora da coleção “Tornando o
lo (FMUSP), livre-docente e doutor em Medicina peia
câncer infantil menos doloroso”.
FMUSP. E professor convidado da disciplina de Morfo
logia Funcional Aplicada da Faculdade de Medicina de
Jundiaí (São Paulo) e especialista em Cirurgia de Cabeça Auro Del Giglio
e Pescoço - Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço/Associação Médica Brasileira (SBCCP/AMB).
É professor titular de Hematologia e Oncologia da
Faculdade de Medicina do ABC, livre-docente em Hema
Antonio Carlos Buzaid
tologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo e doutor em Medicina pela mesma instituição. Fellow
do American College of Physicians (FACP), possui certifica
Médico pela Universidade de São Paulo, com especia
do em Oncologia Clínica, Hematologia e Medicina Interna
lização em Oncologia e Hematologia na Universidade do
emitido pelo American Board of Internai Medicine.
Arizona (Estados Unidos). Foi professor assistente da Se
ção de Oncologia e Hematologia da Universidade de Yale
por quatro anos e professor associado e diretor médico Bernardo Garicochea
da Unidade Multidisciplinar de Melanoma e Câncer de
Pele do M. D. Anderson Câncer Center por cinco anos.
Atualmente, é diretor-geral do Centro de Oncologia do Médico hematologista e oncologista, é mestre e
Hospital Sírio-Libanês. doutor pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em
OS AUTORES 637
Carolina de Mello-Santos
Daniela Carinhanha Setúbal
Elaine Stabenow
Nutricionista, é doutora em Ciências pelo programa
de pós-graduação em Oncologia da Faculdade de Medici
na da Universidade de São Paulo (FMUSP). É pesquisado Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da
ra do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia Universidade de São Paulo (FMUSP), é médica do Labora
do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP (Me- tório de Investigação Médica (LIM) 28 da FMUSP. É pro
tanutri-LIM 35) e especialista em Nutrição Clínica pela fessora convidada da disciplina de Morfologia Funcional
Faculdade São Camilo. Aplicada da Faculdade de Medicina de Jundiaí (São Paulo).
■ Il-lldlJ. lllillulilllulli.llluàlillllllllln
de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, é coor mesma instituição. Dirige o Centro de Reprodução Hu
denadora do Programa de Reinserção Escolar de Crianças mana Mário Covas do Hospital das Clínicas da Faculdade
com Câncer atendidas pelo Grupo de Apoio à Crian de Medicina da USP.
ça com Câncer de Ribeirão Preto (Gacc-RP).
Luciana M. Lage
É médico, sócio-fundador da International Association
for Hospice and Palliative Care (Houston, Estados Unidos)
É médica, especialista em Oncologia Clínica pela e professor das disciplinas eletivas de Cuidados Paliativos e
Santa Casa de Belo Horizonte. Atualmente é mestranda Tanatologia da Universidade Federal de São Paulo.
do Hospital do Câncer de São Paulo e atua como onco
logista no Centro de Oncologia Clínica e no Instituto dc
Controle do Câncer em São Paulo. Marcos Martins Curi
partamento de Medicina Bucal do Instituto de Onco Maria das Graças Mota Cruz de Assis
logia do Hospital Santa Paula de São Paulo e professor
Figueiredo
de Diagnóstico Bucal e Estágio Hospitalar do curso de
Odontologia do Centro Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas (UniFMU). Também é respon Médica psiquiatra formada pela Universidade Federal
sável pelo Serviço de Estomatologia do Departamento de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM)
de Oncologia do Hospital Santa Catarina, voluntário e psicoterapeuta de orientação junguiana. Ex-médica do
do Serviço de Estomatologia do Departamento de Dor Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor
e Disfunção Temporomandibular do Instituto da Cabe Público Estadual (HSPE) e do Premier Residence Hospital
ça da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista e ex-membro do Programa de Assistência Domiciliária
de Medicina (Unifesp/EPM) e responsável pelo Serviço do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
de Estomatologia do Núcleo de Oncologia do Hospital (HU-USP), prestando suporre psicológico aos membros da
Santa Helena, em São Paulo. equipe multiprofissional, é membro do Grupo de Trabalho
de Cuidados Paliativos do Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo (Cremesp). É co-organizadora da
Marcus V. Sadi disciplina eletiva de Tanatologia da Unifesp/EPM, profes
sora das disciplinas eletivas de Cuidados Paliativos e de Ta
natologia na mesma instituição e co-autora do livro Tempo
É professor titular de Urologia da Universidade de de amor: a essência da vida na proximidade da morte (Di
Santo Amaro (Unisa) e professor adjunto livre-docente fusão, 2007).
de Urologia da Universidade Federal de São Paulo/Es
cola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM). Post-doctoral
fellow do Johns Hopkins Hospital, da Johns Hopkins Maria Fernanda Maluf
University, é mestre e doutor em Urologia pela Unifesp/
EPM, com graduação médica e residência em Urolo
gia na mesma instituição, além de research fellow do Psicóloga formada pela Universidade Mackenzie,
Brigham and Womens’ Hospital, da Harvard Medicai é especialista em Sexualidade Humana e mestranda cm
School. Ginecologia e Obstetrícia pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FMUSP), colaboradora no
Projeto Sexualidade Humana do Instituto de Psiquiatria
Maria Cecília Mazzariol Volpe do Hospital das Clínicas da FMUSP e autora do livro Mas-
tectomia radical e sexualidade feminina (Livraria Médica
Paulista, 2006).
Advogada formada em 1964, é procuradora aposen
tada da Prefeitura Municipal de Campinas.
Maria Helena Pereira Franco
e luto e certificação pela Sociedade Brasileira de Psico-On- minho: maneiras de cuidar (Gente, 2000); Obrigado, filha
cologia (SBPO), e autora e organizadora de livros sobre (Gente, 2001); Qual o tempo do cuidado f (Centro Univer
luto, além de capítulos e artigos sobre Psico-Oncologia. sitário São Camilo e Loyola, 2005), entre outros.
Foi presidente do III Congresso Brasileiro de Tanatologia e
Bioética (2005), presidente do Encontro Mundial da IWG
(2007), membro da diretoria da SBPO (de 1998 a 2006) e Maria Leticia Gobo Silva
professora no curso de especialização em Psico-Oncologia
do Instituto Sedes Sapientiae (de 1998 a 2005).
Médica formada pela Faculdade de Medicina do Tri
ângulo Mineiro, é ex-residente do Departamento de Ra
Maria Jacinta Benites Gomes dioterapia do Hospital A. C. Camargo. E mestranda do
Hospital A. C. Camargo e médica do Centro de Radiote
rapia de São Carlos.
Psicóloga com especialização em Psicologia Jun-
guiana, Psicossomática e Psico-Oncologia, foi diretora
Maria Lydia Mello de Andréa
da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO) nas
gestões de 2004 e 2006. Obteve o certificado de distin
ção de conhecimento na área de Psico-Oncologia confe
Médica formada pela Universidade Estadual de
rido pela SBPO.
Campinas (Unicamp) em 1971, com residência médica
em Pediatria no Instituto da Criança da Faculdade de Me
Maria José Mastellaro dicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em 1972
e 1973. Tornou-se mestre em Pediatria pela FMUSP em
1975 e foi titular do Serviço de Oncologia Pediátrica do
É pediatra onco-hematologista do Centro Infantil Hospital A. C. Camargo (Hospital do Câncer de São Pau
Boldrini, mestre em Pediatria pela Faculdade de Ciências lo) de 1975 a 1992. É chefe do Serviço de Oncologia Pe
Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM- diátrica do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas desde
Unicamp) e coordenadora do Programa de Atenção 1993 e coordenadora do Grupo Cooperativo Brasileiro
Multiprofissional aos Jovens Curados de Câncer Infan- para Tratamento de Linfomas Não-Hodgkin na Infância
to-Juvenil, da Comissão de Ensino Médico do Centro e Adolescência.
Infantil Boldrini e do Programa de Aprimoramento Pro
fissional (PAP).
Maria Margarida M. J. de Carvalho (Magui)
Maribel Pelaez Dóro leira de Clínica Médica. É doutor pela Universidade dc São
Paulo e o médico responsável pela Unidade de Transplantes
de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein.
Possui especialização em Filosofia da Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), em
Sistêmica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Nely Aparecida Guernelli Nucci
Psicologia Analítica pela PUC-PR. E mestre em Psicologia
da Infância e da Adolescência pela UFPR e doutora em Ci
ências da Saúde pela mesma instituição. Conta com título É especialista em Psicologia Clínica, mestre em Psi
de especialista em Psicologia Clínica e Hospitalar, oferecido cologia da Educação pela Pontifícia Universidade Cató
pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP), e certificação lica de Campinas (PUC-Campinas) e doutora em Psico
de distinção de conhecimento na área da Psico-Oncologia, logia pela Universidade de São Paulo (USP). É psicóloga
pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO). E psi do Centro de Atendimento Integral em Oncologia do
cóloga no Serviço de Transplante de Medula Óssea (STMO) Hospital Municipal Doutor Mário Gatti, em Campinas,
do Hospital de Clínicas da UFPR e consultora de pesquisa e da Associação de Pais e Amigos da Criança com Câncer
do Center for Outcome Research and Education (Core). (Apacc), também em Campinas. E membro do Comitê
de Ética e Pesquisa do Hospital Municipal Doutor Mário
Gatti, membro da Comissão de Ensino e Pesquisa do mes
Marilia Bense Othero
mo hospital e secretária- geral da Sociedade Brasileira de
Psico-Oncologia (SBPO).
Otávio Gampel
Mirian Aydar Nascimento Ramalho
Nelson Hamerschlak
------------------------------------------------------------------------- E médico psiquiatra do Centro de Reabilitação c
Hospital-Dia e do Serviço de Interconsultas do Instituto
Obteve o título de especialista pela Sociedade Brasilei- de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de
ra de Hematologia e Hemoterapia e pela Sociedade Brasi- Medicina da Universidade de São Paulo.
644 TEMAS EM PSICO-ONCOLOGIA
É psicóloga clínica, com especialização em Psicologia É graduada em Psicologia pela Universidade de Brasí
Transpessoal pela Associação Luso-Brasileira de Transpes- lia (1981), com mestrado em Psicologia Clínica, Psicopa-
soal (Alubrat). E mestre em Saúde Materno-Infantil pela tologia e Psicanálise pela Université de Paris X - Nanterre
Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro (1984), doutorado em Psicologia Clínica, Psicopatolo-
(Unisa), professora adjunta de Medicina Psicossomática da gia e Psicanálise pela mesma universidade (1988) e pós-
Faculdade de Medicina da Unisa e coordenadora do cur doutorado em Editoração Científica pela United Nations
so de pós-graduação em Oncologia Psicossocial da mesma Educational, Scientific and Cultural Organization (Unes-
universidade. Foi diretora da Sociedade Brasileira de Psico- co) (2003). E professora associada da Universidade de
Oncologia (SBPO) de 1998 a 2006. Possui certificado de Brasília; tem experiência em intervenção, docência e pes
distinção de conhecimento na área de Psico-Oncologia ofe quisa em Psicologia da Saúde e na área de interface entre
recido pela SBPO. Psicologia Clínica e Psicologia Social.
05 AUTORES 645
E
de
gia. Aqui, oncologistas, psicólogos e diversos outros profissionais
tema ainda tão novo - que, durante anos, foi deixado de lado pelos
próprios médicos.