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M
ais do que discutir sobre O Brasil poderia seguir os passos
a especialidade, o tema da China, mas, infelizmente, muitos
principal desta edição de seus políticos buscam um enfra-
da Ser Médico busca suscitar uma quecimento das ciências médicas
reflexão a respeito da importân- e a relativização e deturpação de
cia de se praticar a acupuntura conceitos científicos. Assim surgiu
sob a ótica da ciência médica. o Projeto de Lei nº 1549/2003, que
A Medicina ocidental contem- prevê a prática da Acupuntura por
porânea oferece à população o não médicos, contra o qual o Cre-
que antes era inimaginável: desde mesp vem se opondo no Congresso
a erradicação de doenças, como a Nacional. Permitir essa indiscrimi-
varíola, até a possibilidade de viver nação significa afastar a especiali-
anos com órgãos transplantados. dade do caminho de um tratamen-
O caminho até se chegar a essas to com maior evidência científica, A entrevistada é uma ortope-
conquistas não foi fácil, e somente pois a aplicação do raciocínio clíni- dista, atleta de alto rendimento, fi-
começou a prosperar no século 17, co e da nosologia médica permite lantropa e mãe, que inspira muitas
quando pensadores, como o filóso- que sejam criados protocolos de outras médicas a superar limites. A
fo inglês Francis Bacon, passaram a estudo racionalmente fundamen- Crônica traz a doação de órgãos e
defender o método científico. tados, bem como sua aplicação se- a história do pequeno Davi em sua
Paralelamente, o contato entre gura aos pacientes. Sendo também batalha contra conflitos familiares.
o Oriente e o Ocidente também médico conhecedor da medicina Em Hobby, mostramos a paixão de
foi se intensificando, ao longo ocidental, o especialista em Acu- um médico pela música. Quanto à
dos últimos séculos. Os chine- puntura pode reconhecer em que seção de Tecnologia, divulgamos
ses, mesmo possuidores de uma momento apenas a medicina chi- inovações, que podem ser aplica-
medicina tradicional milenar, ti- nesa não basta e outros tratamen- das à Medicina. A educação mé-
veram a perspicácia de estudar, tos são necessários. dica é o tema da seção Opinião e,
sob a ângulo da ciência médica, o Esperamos que a matéria sirva, na Agenda Cultural, ampliamos as
que antes fora descrito por meio também, para reforçar esses con- sugestões para o Interior, e apre-
de inferências. Um dos maiores ceitos junto à sociedade. sentamos opções para os mais
exemplos disso foi a descober- Além do tema da capa, explo- diferentes gostos, do clássico ao
ta da artemisinina,cuja história ramos ainda assuntos culturais, contemporâneo, do tradicional ao
abordamos na seção Medicina no como o do cirurgião que decidiu alternativo. Boa leitura!
Mundo. Não somente na medici- empreender na área de culinária
na os chineses souberam aplicar oriental; e apresentamos uma re-
o método científico, hoje o país é senha de livro que aborda ques- Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo
uma potência mundial em ciência. tões da sociedade chinesa. Coordenador da Assessoria de Comunicação
SER MÉDICO • 1
EXPEDIENTE
DIRETORIA CONSELHEIROS SER MÉDICO
Presidente: Mario Jorge Tsuchiya; Vice- Altino Pinto, Angelo Vattimo, Camila Cazerta de Coordenador do Departamento de Comunicação:
presidente: Irene Abramovich; 1º secretário: Paula Eduardo, Chien Yin Lan, Christina Hajaj Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo Chefe da
Angelo Vattimo; 2ª secretária: Maria Alice Gonzalez, Cynthia Dantas Kurati, Daniel Kishi, Assessoria de Comunicação: Nara Damante;
Saccani Scardoelli; 1ª tesoureira: Christina Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo, Eliane Editora: Fátima Barbosa; Colaboradoras:
Hajaj Gonzalez; 2º tesoureiro: Lucio Tadeu Aboud, Fernando José Gatto Ribeiro de Oliveira, Aglaé Silvestre, Concília Ortona e Ivolethe
Figueiredo; Corregedor: Rodrigo Costa Aloe; Flavia Amado Bassanezi, Flávia Bellentani Duarte; Fotografia: Osmar Bustos; Designer
Vice-corregedor: José Gonzalez; Departamento Casseb Frederico, Francisco Carlos Quevedo, Gráfico: Sophia Kraenkel; Estagiários: Arthur
de Fiscalização: Flavia Amado Bassanezi; Henrique Liberato Salvador, Irene Abramovich, Codjaian Gutierres, Júlia Remer, Maria Melo e
Departamento de Comunicação: Edoardo Filippo Joaquim Francisco Almeida Claro, José Bruna Goulart (texto), Bruna Gabrielle (foto),
de Queiroz Vattimo; Departamento Jurídico: Gonzalez, Juliana Takiguti Toma, Julio Cesar Ian Stiepcich (designer gráfico); Impressão:
Lyane Gomes de Matos Teixeira Cardoso Alves; Zorzin, Lucio Tadeu Figueiredo, Lyane Gomes Gráfica Plural. Tiragem: 153.500 exemplares.
Delegacias da Capital e Região Metropolitana: de Matos Teixeira Cardoso Alves, Marcello Periodicidade trimestral.
Pedro Sinkevicius Neto; Delegacias do Interior: Scattolini, Maria Alice Saccani Scardoelli, Opinião e conceitos emitidos em matérias
Daniel Kishi. Maria Camila Lunardi, Mário Antonio Martinez assinadas não refletem necessariamente a
Filho, Mario Cezar Pires, Mario Jorge Tsuchyia, opinião da Ser Médico.
Mario Mosca Neto, Mirna Yae Yassuda Tamura, ISSN: 1677-2431
Mônica Yasmin Pinto Corrado, Paula Yoshimura E-mail: sermedico@cremesp.org.br
Coelho, Pedro Sinkevicius Neto, Regina Maria
Marquezini Chammes, Rodrigo Costa Aloe,
Rodrigo Lancelote Alberto, Rodrigo Souto de
CONSELHO REGIONAL
Carvalho, Silvio Sozinho Pereira, Tatiana Regina
DE MEDICINA
Criscuolo, Thiago Willian Gonçalves e Wagmar
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Barbosa de Souza.
CAT - Central de Atendimento Telefônico: (11)
4349 - 9900. Atendimento na sede: rua Frei
Certificado no escopo: atendimento, na Sede CONSELHO EDITORIAL: Caneca, 1.282 – Consolação (das 9h às 18
e na Delegacia da Vila Mariana, pertinente à
prestação de serviços cartoriais de registros Angelo Vattimo, Lucio Tadeu Fiqueiredo, Maria horas). Departamento de Comunicação: asc@
de profissionais e de empresas. Camila Lunardi e Rodrigo Souto. cremesp.org.br
2 • SER MÉDICO
ÍNDICE
4 30
CARTAS & NOTAS TECNOLOGIA
Cremesp lançará revista científica Os algoritmos e a Medicina
para residentes da próxima década
6 32
ENTREVISTA | PATRÍCIA MORENO MEDICINA NO MUNDO
Atleta profissional e fundadora do Da tradicional medicina chinesa ao
Instituto Remo meu Rumo, a médica é Nobel, e outras notas
exemplo de determinação
12 34
CRÔNICA | MARIA CAMILA LUNARDI OPINIÃO | ENSINO MÉDICO
"Ser médico não é suficiente para ser
A batalha do pequeno Davi contra os
professor de Medicina"
conflitos familiares
14 36
HOBBY
ACUPUNTURA | HISTÓRIA
Para Eduardo Leal, a música é mais
Principais fatos da trajetória da
que um hobby e possui o mesmo peso
especialidade no mundo e no Brasil
que a medicina
18 39
ACUPUNTURA | RELATO DE CASO GOURMET
"Não acreditava que pudessem existir Após dez anos, o cirurgião Hwang Chi
tratamentos diferentes daqueles que a Fong abandonou a medicina para ser
universidade me ensinara" chef e empreendedor
19 43
ACUPUNTURA | PANORAMA AGENDA CULTURAL
Principais indicações: ginecologia e
Confira nossas dicas culturais
obstetrícia, transtornos mentais, e dores
musculoesqueléticas
24 47
ACUPUNTURA | EM FOCO RESENHA
Os riscos da prática por não médicos
As boas mulheres da China, de Xinran
28 48
ACUPUNTURA | VANGUARDA FOTOPOESIA
Avanço tecnológico revolucionou avaliação Com a taça na mão, interrogo a lua
neurofisiológica e neurobiológica
CARTAS Cartas para: sermedico@cremesp.org.br ou Rua Frei Caneca, 1.282, Consolação, São
Paulo - SP — CEP 01307-002.
& N O TA S
A Ser Médico se reserva o direito de publicar trechos das mensagens. Informar o nome
completo e número de CRM, se for médico/a.
A matéria sobre a reprodução assistida e o transplante de útero [N.R. edição 87 da Ser Médico] discutiu muitos
aspectos interessantes desta questão tão polêmica. Mas, gostaria de fazer dois comentários. Primeiro, o tom
ufanista-progressista exposto no editorial (pioneirismo, avanço), que se desdobrou em tom menos enfático, mas
ainda presente, no debate, pareceu-me exagerado e fora de propósito. Segundo, faltou um contraponto mais claro
sobre a verdadeira intenção do transplante, que é a de satisfazer uma mulher estéril para que ela possa transmitir
seus genes a um único filho, sem uma barriga de aluguel. Para isso, ela se associou a médicos e outros profissionais
que, tomados de "hubris" profissional, foram capazes de expor uma pessoa hígida a uma cirurgia complicada,
arriscada e com alto grau de insucesso, na tentativa de restaurar uma capacidade que nada tem a ver com a
sobrevivência.
Como o Conselho trataria esse caso, se a paciente tivesse morrido? Acredito que o Conselho faria melhor uso de
suas capacidades se começasse a discutir de que forma esse e outros casos-limite da ética deveriam ser abordados
antes de cometidos os atos.
Eduardo F. Motti - CRM 34165
RESPOSTA
Agradecemos a manifestação quanto às matérias envolvendo o transplante de útero. No entanto, cabe salientar
que, desde 1948, quanto entrou em vigor a Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de
saúde passou a ir além da mera ausência de doença ou enfermidade, em que a sobrevivência está em risco. No
preâmbulo da Constituição da OMS, assinada pelos representantes de 61 países, a saúde é definida como “um
estado de completo bem-estar físico, mental e social.”
Nos depoimentos que colhemos com pacientes portadoras da Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser
pudemos constatar como o fato de ter nascido sem um útero afeta seu bem-estar, na forma como é definido pela
OMS. Neste sentido, podemos considerar a reprodução humana como parte fundamental da saúde, cujas doenças
vêm sendo enfrentadas pela Medicina, nas últimas décadas, conforme exploramos em “História”. É claro que há
amplos debates bioéticos envolvidos, porém as pesquisas que foram abordadas na edição 87 seguiram os devidos
trâmites nos órgãos de bioética e ética, responsáveis pela análise de projetos como esse em questão, antes de sua
realização. O tom do editorial reflete um fato inequívoco do procedimento: em que pesem as controvérsias bioéticas,
o trabalho é, sim, pioneiro, colocando o Brasil e a Medicina paulista em destaque no meio científico internacional. Em
um cenário de proliferação de escolas médicas, vendas de vagas, faculdades em cidades fronteiriças e relativização
de conceitos médicos, ver que o Brasil pode ser pioneiro no mundo nos traz alento.
Edoardo Vattimo - Conselheiro e coordenador da Assessoria de Comunicação do Cremesp
4 • SER MÉDICO
JMRR É A NOVA REVISTA CIENTÍFICA DO CREMESP
A nova publicação é desdobramento da Revista do Médico Residente (RMR), que circulou de um chinês em pé, demonstrando pontos
por meio de outros editores até o ano de 2010, tornando-se referência entre o público-alvo. de acupuntura usados para controlar
Chegou inclusive, a ser indexada na base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe doenças do coração e dos órgãos sexuais.
Com o lançamento desta nova publicação, o Cremesp reitera sua vocação de contribuir
para o aprimoramento do ensino médico.
SER MÉDICO • 5
E NT R E V I S TA
Médica atleta
ou atleta médica?
A
os 13 anos, ela sentava ao lado da porta do clube do qual não era sócia, para esperar
o diretor de Esportes e pedir para treinar vôlei. Desde então, determinação, foco e
esforço não são meras palavras para a médica e ex-atleta profissional Patricia More-
no Grangeiro.
Como atleta, jogou pela equipe profissional de vôlei Pão de Açúcar/Colgate e pela Univer-
sidade da Flórida, nos Estados Unidos, onde foi campeã do Southeastern Conference (SEC),
do período 1991-1994; e finalista do Final Four (disputa dos quatro melhores times de vôlei
dos EUA), em 1991-1993. De volta ao Brasil, para conciliar um esporte com o curso médico,
que tinha trancado, passou a praticar remo e, logo em seguida, em 1997, foi campeã sul-a-
mericana nesse esporte, na modalidade quadruple-skiff [quatro remadores]. Em 2009, no
retorno à modalidade, foi campeã brasileira em double-skiff; em 2010, foi campeã brasileira
no quadruple skiff; e, em 2011, no oito.
Enquanto avançava em sua trajetória como atleta, Patricia foi também consolidando um
extenso currículo profissional. Formou-se médica pela Faculdade de Medicina da USP, onde
também fez Residência em Ortopedia e Traumatologia, e especialização em Ortopedia Pediá-
trica; fellowship em Reconstrução e Alongamento Ósseo, no Sinai Hospital Baltimore, nos
Estados Unidos; pós-graduação em Medicina do Esporte, na Universidade Estácio de Sá, no
Rio de Janeiro, e doutorado pela FMUSP, onde atualmente é médica assistente do Instituto
de Ortopedia. Quando jogava vôlei nos Estados Unidos, fez também o bacharelado em Neu-
rociências, na Universidade da Flórida.
A experiência no esporte e na Medicina levou Patricia a idealizar e criar o Instituto Remo
Meu Rumo, com a colaboração de seu marido e de amigos. Por meio dele, crianças e adoles-
centes com deficiência física encontram no esporte o incentivo para melhorar o condicio-
namento físico e a autoestima.
Ela é também mãe de Artur, que a acompanha em muitas atividades do Remo meu Rumo.
"Ele vai crescer acompanhando-nos neste trabalho e, também, junto com as outras crian-
ças. Isso vai influenciar positivamente a sua vida", resume.
6 • SER MÉDICO
[1]
Patrícia atuou como atleta profissional no volêi e no remo, mas nunca abandonou a medicina
Ser Médico – Além de fazer Medici- Mil toques, mil manchetes, mil cor- muito a sério. Durante a adolescên-
na, você foi uma atleta profissional tadas... Treinava muito e nem era cia, escolhi me dedicar a jogar e a
no vôlei e no remo. Como tudo tão alta ainda, pois cresci bastan- estudar. Queria muito ser médica.
começou? te entre os 15 e 17 anos. Mas eu Meu pai tinha Doença de Parkinson
dizia para mim mesma: ‘se eu não e isso me ajudou a escolher a pro-
Patricia – Comecei a jogar vôlei por treinar, não vou conseguir’. Depois fissão. Meus pais me incentivavam
volta dos 13 anos. Morava em São chegava toda a equipe e treinava muito, tanto a fazer Medicina quan-
José dos Campos, mas não era só- junto, de segunda a sábado. Tinha to a continuar a prática de esportes.
cia do Tênis Clube, onde havia uma escolhido fazer isso. À noite, duran- No vôlei, aos 15 anos, eu já ganhava
equipe do esporte. Então, depois da te e nos fins de semana, voltava a destaque devido à dedicação. Logo
escola, na parte da manhã, chega- estudar. Comecei a ser uma parte depois, mesmo tendo de estudar
va em casa, almoçava, pegava um importante da equipe e ganhei a para o vestibular, continuei jogando.
ônibus e ia para a frente do clube. carteirinha de atleta do clube.
Ficava sentada perto da portaria Ser – Quando começou a jogar
esperando o diretor de Esportes Ser Médico – Como você conseguiu profissionalmente?
voltar do almoço. Aí eu perguntava: equilibrar esporte profissional com
"tio, posso jogar hoje?" Fui fazendo os estudos? Patricia – Fui convidada, quando ti-
isso todos os dias. Minha mãe nem nha entre 17 e 18 anos, a jogar pela
sabia. Só que eu chegava uma hora Patricia – Fui crescendo, treinando equipe Pão de Açúcar/Colgate, em
antes do início do treino, pegava as muito, mas sem esquecer os es- São Paulo. A Fofão [Hélia Pinto, joga-
bolas e ficava treinando na parede. tudos escolares, que sempre levei dora da Seleção Brasileira de Volei-
A médica ganhou
campeonatos
importantes no vôlei
e no remo
bol, de 1991 a 2008] era do meu time. Ser – Foi mais difícil conciliar o matriculei, pois fui convidada para
Quase ao mesmo tempo, passei no esporte com a faculdade? remar pelo Vasco da Gama, no Rio.
vestibular da Faculdade de Medicina Lá, além do remo, fiz especialização
da USP e fui levando as duas ativida- Patricia – Quando voltei para São em Medicina do Esporte. Fiquei dois
des. Nesse período, convidaram-me Paulo, precisei decidir se continua- anos, voltei, prestei a prova de novo
para jogar nos Estados Unidos, pois va a jogar vôlei profissionalmente, para Ortopedia e passei. Depois
quando estava no Pão de Açúcar/ pois era incompatível com o curso competi pelo Clube Pinheiros, quan-
Colgate havia duas jogadoras nor- de Medicina. Como esporte essen- do fui campeã brasileira em 2009 e
te-americanas e, quando elas vol- cialmente de equipe, ele demanda 2010, num retorno ao remo. Então,
taram para os EUA, indicaram-me a mais tempo de treinamento, geral- logo que o remo entrou em minha
treinadoras de times de universida- mente de manhã e à tarde. O remo, vida consegui algum resultado. Mas
des de lá, onde o esporte é muito na verdade, foi uma alternativa nunca deixei de lado a parte acadê-
forte. Aceitei o convite, tranquei a mais adequada aos horários da fa- mica, sempre a levei bem no para-
matrícula na Medicina, no segundo culdade. Basicamente, treinava três lelo. Às vezes, deixava no stand by,
ano, e fui estudar e jogar no time de horas por dia, sendo 1h30 de remo, mas depois voltava a estudar. Nos
vôlei da Universidade da Flórida. de manhã, e 1h30 de exercícios, EUA, há uma facilidade maior para
como, por exemplo, musculação, à levar paralelamente, mas aqui você
Ser – Foi nesse período que fez tarde, que eu podia fazer perto da precisa realmente querer.
Neurociência? faculdade. Acordava às 4h30 da
manhã e, às 5 horas, tinha de estar Ser – Você ganhou vários prêmios...
Patricia – Sim, fiz o bacharelado du- na água remando na raia olímpica
rante os três anos, em vez de quatro, da USP, e, às 6h30, ia para a facul- Patricia – Nos Estados Unidos, nos-
porque consegui transferir alguns dade, pois estava no internato. À sa equipe foi duas vezes para o Final
créditos da Medicina da USP. Tinha tarde, fazia o treino físico. Four, uma disputa entre os quatro
uma bolsa de estudo integral, com melhores times norte-americanos.
acomodação, refeição etc. Ser – Foi difícil começar a praticar Nos três anos em que estive lá, jo-
um novo esporte? gamos 110 jogos e ganhamos 100.
Ser – Como se deu a mudança do Era um score muito bom. A minha
vôlei para o remo? Patricia – Tinha a experiência com treinadora foi eleita, por duas vezes,
o remoergômetro e um bom preparo a melhor técnica de vôlei dos EUA.
Patricia – No período em que joguei físico, que é muito importante nos Em 2009, entrei no Instituto de Orto-
vôlei nos EUA, fazia parte do prepa- Estados Unidos, e para o remo. As- pedia da FMUSP como assistente,
ro físico o treino em um aparelho sim, consegui me destacar. Nesse ou seja, como parte do corpo clíni-
simulador de remo chamado remo- mesmo ano, fui campeã brasileira co. Tinha acabado de voltar de um
ergômetro. Gostava muito e me saía e sul-americana de remo. Come- fellowship, no hospital norte-ame-
bem. Quando decidi voltar ao Brasil cei a competir, no remo, pelo Clube ricano Sinai Baltimore, e retomei o
para terminar Medicina, depois de Espéria, que não existe mais. No 6º remo. Foi nessa segunda fase que
finalizar o bacharelado, comecei a ano da faculdade, passei na Resi- fui para o Clube Pinheiros. E me
treinar mais nesse equipamento. dência para Ortopedia, mas não me dediquei bastante, daquela mesma
8 • SER MÉDICO
[1]
"O remo tem um impacto importante na condição física das crianças com deficiências congênitas ou adquiridas"
forma: das 5h às 6h30, vinha para o de uma infância típica. Elas têm fi- tempo, mas não tinha como colocar
hospital, e fazia uma sessão de trei- sioterapia quase todo dia, psicólo- em prática. Até que, em 2013, com
no à tarde. Nesse ano, fui campeã ga, fonoaudióloga etc. Fiquei, então, a ajuda do meu marido, Ricardo Ma-
brasileira novamente. imaginando como seria bom se elas céa, que é administrador, tivemos
tivessem um lugar para fazer espor- a ideia de montar uma Organiza-
Ser – Como surgiu o Instituto Remo te e aprender seus valores, como ção Não Governamental (ONG), a
Meu Rumo? compromisso, disciplina e amizade. Remo meu Rumo. Hoje, ele é o di-
Nessa época, eu treinava bastante retor executivo dela. O presidente é
Patricia – Depois de remar, quando no Clube Pinheiros, convidei alguns o Candido Leoneli, um ex-executivo
eu chegava no hospital, atendia os pacientes para fazerem remo lá e do mercado financeiro que rema há
pacientes crianças e adolescentes treinava junto com eles. Foi surpre- 50 anos e, atualmente, faz, também,
com deficiências físicas congêni- endente como deu certo. Sobretudo faculdade de Medicina; e a Ana He-
tas ou adquiridas e imaginava que nos jovens com paralisia cerebral lena Puccetti, uma amiga que é a
podiam ter a mesma oportunidade pude perceber que o remo tinha um maior remadora de todos os tempos
que o esporte me deu. Perguntava impacto enorme na condição física. no Brasil, e psicóloga, e que também
para eles se faziam alguma ativida- Eles melhoravam a força, a marcha foi campeã sul-americana comigo.
de esportiva e muitos deles não fa- e o equilíbrio. Fiquei com muita ex- Ela ainda rema todos os dias. Desde
ziam nada, pois eram afastados das pectativa de que isso pudesse ser o início, tivemos muitos voluntários.
aulas de educação física, ou não ti- bom para essa população. Mas não Em 2015, conseguimos ampliar o
nham oportunidades, pois não havia era tão fácil, pois os clubes estão atendimento, por meio da Lei de
locais que oferecessem esportes equipados para pessoas que te- Incentivo ao Esporte, e passamos
adaptados para eles. Essas crian- nham um potencial competitivo. Fi- a ter outro professor de educação
ças têm uma rotina muito diferente quei sonhando com isso por muito física, fisioterapeutas, psicólogos e
[1] [2]
assistente social, com aumento da cialidades dos alunos e eles reagem Paulo. As próprias famílias, quando
oferta de dias. São duas sessões, de com melhora da autoestima e da chegam lá, sentem-se muito bem
segunda a quinta-feira, de manhã e confiança. A idade varia entre 6 a 22 e aproveitam para fazer uma cami-
à tarde, e aos sábados. Atendemos anos. É uma transição do ambiente nhada, tomar sol, faz muito bem.
mais de 200 crianças desde que hospitalar, pois elas continuam fa-
criamos a ONG. zendo fisioterapia, só que de outra Ser – Como fazer para ser
forma. As crianças com paralisia voluntário?
Ser – Como as crianças reagem e cerebral, por exemplo, fazem fisio-
onde elas treinam o remo? terapia desde bebês. Chega um mo- Patricia – Em nosso site temos um
mento em que elas não aguentam pequeno banner para quem quer ser
Patricia – Na raia olímpica da USP. mais. Fazendo remo, é diferente, voluntário e um de captação, para a
Nossos alunos com deficiência mo- elas ficam motivadas, e socialmente inscrição de crianças. A gente tem
tora melhoram muito com ganhos é muito bom. Infelizmente, há pou- bannerzinho até de doação, porque
tanto nos aspectos físicos, quanto quíssimas coisas para essas crian- a Lei de Incentivo Fiscal é muito
emocionais e sociais. O ambiente ças. E mesmo a gente oferecendo, engessada e nossas despesas são
proporciona ganho de autonomia as pessoas têm muitas barreiras: muito grandes: equipe, equipamen-
pela prática do remo e canoagem. transporte, desafios financeiros etc. tos, contador etc. Temos de fazer
A equipe estimula todas as poten- A raia da USP é um oásis em São uma prestação de contas enorme.
10 • SER MÉDICO
"Treinei muito, gostaria
de ter participado de
uma Olimpíada (...), mas
o que importa é o que
aconteceu na minha vida
durante esse sonho"
Ser – Seus colegas médicos podem Patricia – Sou médica assistente Ser – E a maternidade, o que signi-
encaminhar pacientes? na Ortopedia Pediátrica e na Neuro- ficou para você depois de toda essa
-ortopedia do Instituto de Ortopedia trajetória?
Patricia – Sim, podem. Sempre te- da FMUSP. Completei meu doutora-
mos vagas, pois há uma grande ro- do também. Tenho uma dedicação Patricia – Ser mãe é um grande privi-
tatividade entre as crianças. muito grande a este instituto, quase légio. Como ortopedista pediátrica,
como uma missão. Gosto muito de já tinha muito respeito pelas mães
Ser – Como se sentiu ao carregar a trabalhar aqui. e pais. Sempre falo que, quando os
tocha olímpica na última Olimpíada? pais entregam os filhos para serem
Ser – Como resumir a atuação na levados ao centro cirúrgico, estão
Patricia – Carreguei a tocha olím- Medicina e no esporte em sua vida? entregando o maior tesouro da vida
pica, e meu marido carregou a to- deles nas minhas mãos. Então, é
cha paralímpica [nas olimpíadas Patricia – No meu caso, posso jun- preciso um vínculo de confiança
realizadas no Brasil, em 2016]. Acho tar as pontas da minha vida, porque muito forte. Hoje, mais do que nun-
que, talvez, sejamos o único casal você tem de juntar os pontos... Era ca, percebo a grande responsabili-
do mundo que tem as duas tochas, muito engraçado, quando voltei a re- dade de ser mãe e esse amor sem
pois a gente a leva para casa. Fiquei mar no Clube Pinheiros, falavam que medida. O Artur, para mim e para o
muito emocionada, as crianças fo- eu era uma médica atleta. Eu dizia meu marido, é um presente. Ele vai
ram lá ver... Foi muito bacana. Uma que era uma atleta médica. Então, conosco aos treinos da ONG desde
coisa que a gente fala sempre en- sempre teve essa questão: sou uma bebê. Vai crescer ali, com as outras
tre esportistas é que não importa o atleta médica ou uma médica atle- crianças, vendo a gente fazer esse
destino final, mas, sim o caminho, a ta? Hoje em dia, acho que não sou trabalho. Temos certeza de que isto
trajetória. Treinei muito, gostaria de atleta mais. Sempre achei o esporte será uma influência muito positiva
ter participado de uma Olimpíada, muito importante para a formação para a vida dele.
que é o símbolo maior do esporte, e de uma pessoa. A Medicina é uma
sempre foi um alvo para mim. Mas missão. E sou muito feliz de poder
o que importa é o que aconteceu na unir ambas atividades no Instituto Colaborou: Arthur Codjaian Gutierres
minha vida durante o período que Remo meu Rumo. Além de tudo, uni
tive esse sonho. minha família, já que meu marido
PARA CONTATAR O
trabalha lá, e isso fortaleceu nossa
Ser – Além de sua admirável tra- relação. É uma união de alma. For- INSTITUTO REMO MEU RUMO:
jetória como atleta, você tem um taleceu também nossos laços com Site: www.remomeurumo.org.br
currículo muito bom na Medicina. alguns amigos, como o Cândido e a Telefone: (11) 96606-7006
Qual é sua prática médica atual? Ana Helena.
A batalha do pequeno
Davi contra os conflitos familiares
Por Maria Camila Lunardi*
E
ra só mais um plantão como apresenta como esposa dele. Diz Timidamente, explicou que havia
todos os outros, com a sala que havia acordado com o estra- conversado com a equipe de cap-
de emergência lotada e nho barulho que seu marido fazia tação de órgãos, pois sabia que
aquele caos organizado que só ao respirar e, percebendo-o de- seu marido gostaria de doá-los,
entende quem trabalha num PS. sacordado, chamou a ambulância mas, legalmente, não poderia as-
Chega mais uma ambulância e imediatamente. sinar os termos, pois não era es-
o auxiliar de enfermagem entra na Expliquei os procedimentos posa legítima.
sala empurrando a maca com um realizados e voltei à sala. Uma to- Seu marido ainda era casado,
homem de meia idade aparente- mografia logo evidenciaria o que formalmente, com sua primeira
mente desacordado. Ele é obeso, já prevíamos, um sangramento esposa, com quem não tinha con-
está sem camisa, e tem uma res- ocupava quase todo o hemisfério tato, nem com as filhas do primei-
piração rápida e ruidosa. esquerdo do cérebro. A presença ro casamento. Porém, pediu um
Imediatamente, a enfermeira faz do neurocirurgião apenas con- favor: seu filho, de nove anos, que-
a triagem e constata que o paciente firmou o que eu já esperava ou- ria se despedir do pai antes do ve-
está inconsciente. Vejo, de longe, vir – tentariam apenas passar um lório. Sem titubear, autorizei. Em
alguém puxar o famoso “carrinho cateter para controlar a pressão poucos minutos, chegou um garo-
de parada”, e meu residente já se intracraniana, mas acreditavam to lindo. Vamos chamá-lo de Davi.
posicionar à cabeceira da maca. que o paciente já estava em morte Apesar da tristeza, ele me disse
Com o atendimento sendo rea- encefálica. Antes de terminar mi- que queria muito ver seu pai fora
lizado e, aparentemente, tudo sob nhas 12 horas de plantão, tive de do caixão e, por isso, quis vir ao
controle, procuro algum acom- chamar novamente a moça assus- hospital. Com jeito manso, che-
panhante que possa dar mais in- tada, para dar a notícia do óbito gou ao lado do leito do pai e con-
formações sobre aquele senhor. de seu marido. versou com ele. Ninguém conse-
Logo encontro uma moça, alguns Dia seguinte, outro plantão, guiu ouvir o que disse, mas toda
anos mais jovem que o pacien- e lá estava a esposa do paciente a equipe da sala de emergência
te, extremamente agitada. Ela se do dia anterior me aguardando. estava comovida.
12 • SER MÉDICO
Acho que, neste momento, nem
mesmo o porteiro que acompa-
nhava de longe o diálogo, conse-
guiu se conter. Os três irmãos se
abraçaram, e elas disseram que
trariam o documento preenchido.
Nunca mais vi Davi, e sei que
nem era este seu nome. Chamei-
-o assim por ver a bravura de um
menino tão pequeno frente ao
Golias de todos aqueles confli-
tos familiares. E Davi venceu sua
batalha. Não sei se ele continuou
vendo suas irmãs ou se aquele foi
o único contato. Mas soube que,
Logo depois, disse-me que sua ziam ter tido pouco contato com cerca de 48 horas depois, nove
mãe havia lhe explicado que não o pai nos últimos anos. pacientes se beneficiaram com
poderiam doar os órgãos, mas que Enquanto lhes explicava os a doação dos órgãos de seu pai,
tinha contado ao pai que iria con- trâmites, percebia que, provavel- além da doação de material gené-
versar com suas irmãs mais velhas mente, aquele era o primeiro con- tico, também realizada.
para pedir que assinassem o do- tato com a última família do pai. Meses depois, soube também
cumento. Perguntei se as conhe- Em suas fisionomias, dava para que Davi recebeu uma carta em
cia e ele respondeu que não, mas perceber mágoas e ressentimen- seu nome, agradecendo seu al-
iria pedir mesmo assim. tos, mas ao ver Davi ambas sorri- truísmo e amor ao próximo. Tal-
Já havia se passado pouco mais ram discretamente. vez existam poucos Davis, mas sei
de 24 horas do falecimento, e o Com sua maturidade dos nove que um só valeu a pena para mui-
curto prazo para a doação de ór- anos, Davi apresentou-se às duas, tas pessoas.
gãos já se aproximava do fim. A e disse que sabia do desejo do pai
assistente social havia solicitado de ser doador. E, pediu, então,
a presença da família “legítima”. com a meiguice de criança, que
Logo, chegaram duas moças, qua- as duas conversassem com a mãe * Supervisora do Programa de Residência Médica de
se da mesma idade da esposa do delas e solicitassem a autorização Medicina de Emergência do Hospital Santa Marcelina e
falecido. Eram as filhas, que di- de doação. conselheira do Cremesp
NA CHINA
A história da MTC registra períodos em que a acupuntura atingiu um
considerável desenvolvimento, assim como outros em que permaneceu
estacionária. Durante a dinastia Tang (618-907 d.C.), ganhou grande des-
taque, com a fundação do Colégio Imperial de Medicina, onde se forma-
ram, oficialmente, os primeiros médicos acupunturistas.
Aproximadamente duzentos anos após, durante a dinastia Song (960-
1279), foi construída uma estátua em bronze representando um homem
– oca e de tamanho natural –, que continha, em seu interior, réplicas
dos órgãos. Havia, na superfície, os pontos de acupuntura perfurados
nos trajetos dos meridianos. Esse modelo, conhecido como “O Homem
de Bronze”, era utilizado no ensino e treino dos estudantes. Para tanto,
cobria-se a superfície deste com cera negra e enchia-se o modelo com
água. O aluno deveria introduzir uma agulha, deixando verter a água,
caso atingisse corretamente o ponto indicado. Esse inovador método de
14 • SER MÉDICO
[1]
ensino permitiu um considerável formas de MTC. Após a instalação científica da Acupuntura, inician-
desenvolvimento da técnica. do governo comunista, em 1949, do-se pesquisas inovadoras sobre
No decorrer de quase três sé- sua prática foi restabelecida, pos- a liberação de neurotransmisso-
culos (1644 - 1911), registra-se o sivelmente por motivos naciona- res, particularmente peptídeos
declínio paulatino da acupuntu- listas, mas também como o único opioides, por meio do tratamento.
ra, que se inicia com a exclusão meio de fornecer níveis básicos
do seu ensino nas universidades. de saúde em massa à população. NO MUNDO
Simultaneamente, a influência da Institutos de pesquisa de MTC A disseminação da Acupuntu-
medicina ocidental amplia-se e foram estabelecidos em toda a ra para outros países ocorreu em
acentua-se no século 19. China, e o tratamento tornou-se vários momentos e por diferentes
Com a crescente aceitação da disponível em departamentos rotas. No século 6, a Coreia e o Ja-
medicina ocidental no início do separados, nos hospitais de esti- pão assimilaram a prática da acu-
século 20, a acupuntura chegou lo ocidental. No mesmo período, puntura e as ervas chinesas em
a ser proibida, junto com outras buscou-se uma explicação mais seus sistemas médicos.
618 − Séc 16
907 d.C
No Ocidente, a França
adota o tratamento
antes de outros países.
Fundação do Colégio
Missionários jesuítas
Imperial de Medicina,
apresentam relatos de
na China, durante a
acupuntura, pela primeira
dinastia Tang
vez, no século 16
No Ocidente, a França adotou tratamento. A acupuntura, atin- Aos poucos, foram criados cer-
o tratamento antes de outros paí- giu seu atual nível de aceitabili- ca de 50 cursos de especializa-
ses. Os missionários jesuítas trou- dade nos EUA quando uma con- ção em Acupuntura e 90 serviços
xeram pela primeira vez relatos de ferência de consenso do National de atendimento na rede pública,
acupuntura no século 16. Na pri- Institutes of Health (NIH) relatou, vinculados ao Sistema Único de
meira metade do século 19, houve em 1997, que havia evidências po- Saúde (SUS), patrocinados pelas
uma onda de interesse na América sitivas de sua eficácia. sociedades médicas ou ligados a
e na Inglaterra, e publicações apa- hospitais universitários, nos Esta-
receram na literatura científica, NO BRASIL dos brasileiros.
incluindo um editorial da Lancet No Brasil, a Acupuntura foi
intitulado "Acupunctura". considerada uma especialida- ACUPUNTURA CONTEMPORÂNEA
Em 1971, um jornalista norte- de médica pelo Conselho Fede- As teorias tradicionais da Acu-
-americano recebeu acupuntura ral de Medicina (CFM) em 1995 e, puntura foram contestadas no
durante a recuperação de uma pela Associação Médica Brasileira Ocidente. Conceitos antigos fo-
apendicectomia de emergência (AMB), em 1998, tendo sido rea- ram substituídos por um modelo
na China, que ele estava visitando lizado logo após o primeiro con- neurológico, baseado em evidên-
por ocasião da visita do presiden- curso para o Título de Especialis- cias de que as agulhas estimulam
te Richard Nixon. Ele descreveu a ta, no qual mais de 800 médicos terminações nervosas e alteram a
experiência no New York Times, o foram aprovados. Atualmente, há função cerebral, particularmente
que gerou um aumento da curio- cerca de 3.600 médicos nessa es- os mecanismos intrínsecos inibi-
sidade do Ocidente em relação ao pecialidade no País. dores da dor.
1997
Conferência do National
[3]
Há várias teorias em relação aos tos e, praticamente, sem desagra- está sendo buscada em muitos cen-
mecanismos de ação, mas poucos dáveis efeitos adversos. tros médicos do mundo, incluindo
dados válidos sobre quais deles Entretanto, a quase totalidade hospitais universitários na China e
são relevantes para a prática clí- dos pacientes desconhece o me- em nosso próprio País. Para que se
nica. Evidência de eficácia clínica canismo de ação da acupuntura. obtenham os melhores resultados,
também é satisfatória para muitas Alguns só sabem um pouco de sua a tendência é, de fato, a inclusão
patologias, como a dor crônica. história, e, outros, que as agulhas da acupuntura na especialidade do
Nos últimos anos, revisões siste- são inseridas em alguns lugares médico, como, por exemplo, a acu-
máticas forneceram evidências do corpo, proporcionando resul- puntura aplicada à pediatria, à or-
mais confiáveis do valor da acu- tados favoráveis. Alguns pacientes topedia, à ginecologia, e assim por
puntura no tratamento de náusea recebem as informações por meio diante. É fundamental a associação
(de várias causas), dor orofacial, de colegas ou de sites que, muitas dos conceitos da MTC com os da
lombalgias e cefaleias. vezes, limitam-se a divulgar notí- Medicina Ocidental, potencializan-
A crescente procura pela tera- cias pouco científicas e que, em do assim os resultados positivos al-
pia de acupuntura é justificada, de vez de esclarecer, acabam geran- mejados pelos pacientes.
um lado, pela credibilidade desta do mais dúvidas.
por parte da população e, de ou- O progresso da acupuntura e da
tro, pelo desejo de melhor quali- MTC tem sido constante e notável. Médico voluntário de Acupuntura do Centro de Dor da
dade de vida, porque o paciente, Evidências científicas acumulam- Neurologia do HC- FMUSP, professor colaborador do
ao ser tratado com a acupuntura, -se acerca de sua eficácia, e a ex- Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC- FMUSP, e
registra melhora em vários aspec- plicação de seu mecanismo de ação Prof. pelo World Federation of Chinese Medicine Societies
[2] COMMITTEE OF CONCERNED ASIAN SCHOLARS, 1971 [3] MATÉRIA DO JORNALISTA JAMES RESTON NO NEW YORK TIMES EM 26/06/1971 SER MÉDICO • 17
EDITORIAL
S
im, vou ser cardiologista. Tive certeza disso já no primeiro ano da Faculdade de
Medicina, quando cursei a disciplina de Biofísica. Depois de muitos anos atuando
nessa especialidade, em um típico dia de consultas fui desafiada por um paciente
renal crônico a lhe dar uma alternativa para as dores de joelho (artrose), uma vez
que o tinha orientado a não fazer uso de antiinflamatórios: “doutora, então me receite um
medicamento que tenha a mesma eficácia, e que não piore meu quadro renal”, disse ele.
Confesso que, até então, minha visão médica era muito cartesiana. Naquele mesmo dia,
iniciei uma pesquisa sobre dor que me levou à Acupuntura. Fiquei realmente curiosa com o
que lia a respeito da especialidade, pois não acreditava que pudessem existir tratamentos
diferentes daqueles que a universidade me ensinara.
Às leituras somaram-se o encontro com pessoas que também estudavam o assunto, além
de uma pesquisa veiculada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o tema, na qual
descobri a lista de algumas doenças que poderiam ser tratadas com a Acupuntura. Hoje,
entendo ser possível acrescentar a ela muitas outras doenças.
Julgo ser coincidência receber, dias depois, uma revista médica que fazia propaganda
de cursos de Acupuntura para médicos já formados. Interessei-me por um que achei mais
adequado às minhas expectativas.
Foi, então, que as dificuldades começaram. Durante os dois anos de curso, eu exercia minha
especialidade no consultório cardiológico, enquanto estudava conceitos extremamente abstra-
tos na minha restrita visão médica. Entretanto, quanto mais me aprofundava no assunto, mais
fascinada eu ficava pela Medicina Oriental. Até, finalmente, entender que as medicinas, oriental
e ocidental, complementam-se, ampliando muito minha visão sobre a profissão médica.
Hoje, digo, com certeza, que, ao utilizar as duas abordagens no tratamento de um mesmo pa-
ciente, tenho a oportunidade de levar alternativas adicionais que elevam o potencial de melhora
mais rapidamente e com menos uso de medicamentos e, assim, com menos efeitos colaterais.
*Médica cardiologista, especialista em Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura pelo Colégio Médico de Acupuntura e Associação Médica Brasileira,
voluntária do ambulatório de Acupuntura do Departamento de Neurologia do HCFMUSP, e conselheira do Cremesp
18 • SER MÉDICO
[1]
P r i n c i pa i s
indicacões da
−
especialidade
Ginecologia e Obstetrícia
Por Luciano Ricardo Curuci de Souza*
22 • SER MÉDICO
neuromodulatório ao nível do cor-
no posterior da medula espinhal
(CPME), bem como em diversas
áreas do Sistema Nervoso Central
(SNC), como o córtex frontal e o
sistema límbico, ativando o meca-
[1] nismo supressor da dor.
Outro provável mecanismo en-
volvido na diminuição da dor é a
Dores musculoesquelética inativação de pontos-gatilhos (mio-
fasciais) ou Trigger Points (TrP), ca-
Por André Wan Wen Tsai*
racterística da Síndrome Dolorosa
Miofascial (SDM), e que estão pre-
No Brasil e em todo o mundo, inclusive na China, a Acupuntura tem sentes na grande maioria dos casos
sido uma ferramenta importante e cada vez mais usada no tratamento da de dor ortopédica, sejam elas agu-
dor musculoesquelética. Especialmente nas condições crônicas, em que das ou crônicas, sendo responsá-
os próprios pacientes buscam uma terapêutica menos farmacológica. vel muitas vezes pela perpetuação
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Acupun- da dor de nossos pacientes. Frente
tura apresenta eficácia no tratamento da lombalgia crônica, cervicalgia a esse fato, usamos a acupuntura
crônica, osteoartrite de joelhos, periartralgia dos ombros, epicondilite para duas finalidades:
lateral e dor pós-operatória. - Auxílio no diagnóstico dife-
No Centro de Acupuntura do Instituto de Ortopedia e Traumatolo- rencial, nas cervicobraquialgias ou
gia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, por exemplo, lombociatalgias, nas quais, algu-
mais de 90% dos atendimentos estão concentrados nas dores crônicas mas vezes, o padrão de dor irradia-
da cintura pélvica (lombalgias, lombociatalgias, síndrome do piriforme, da de um Trigger Point (TrP) pode
tendinite do glúteo médio), escapular (cervicalgias, cervicobraquialgias, mimetizar uma radiculopatia.
tendinites do ombro, capsulite adesiva) e articulações de carga (osteo- - Complemento ao tratamento
artrite de quadril e joelho, e fascite plantar). Os pacientes encaminhados conservador, tendo em vista a alta
para o nosso setor recebem em média de 7 a 10 sessões semanais, com eficácia no tratamento da dor, pos-
duração entre 20 a 40 minutos. sibilitando uma reabilitação mais
Em algumas situações, cujos sintomas são mais agudos e/ou intensos, rápida e eficiente dos pacientes.
podemos oferecer o tratamento com frequência maior (dias intercala-
dos, por exemplo), sempre após a realização de um diagnóstico preciso,
afastando, assim, as chamadas "bandeiras vermelhas" (red flags). De modo * Médico ortopedista e acupunturista, presidente do Co-
geral, é importante o afastamento de doenças infecciosas, isquêmicas, légio Médico de Acupuntura de São Paulo, ex-presidente
traumáticas e oncológicas que necessitem de um tratamento específico. da Comissão de Dor da SBOT e vice- supervisor do Pro-
Os mecanismos envolvidos na analgesia pela Acupuntura ainda não es- grama de Residência Médica em Acupuntura do Hospital
tão totalmente esclarecidos, mas sabemos que seu estímulo tem efeito das Clínicas da FMUSP
[1]
24 • SER MÉDICO
E xistem versões contra-
ditórias sobre a prática
da especialidade médi-
ca chamada, no mundo
mo humano, com potencial de ge-
rar dor, sequelas ou até mesmo a
morte. O medo, que não é infun-
dado, é superado, muitas vezes,
ocidental, de Acupuntura, com com informações e alguma lógi-
justificativas diversas para dife- ca, que consideram profissionais
rentes intentos. Em sua origem, da área de saúde – não médicos,
na China, a prática recebe o nome com conhecimento de anatomia
ZhenJiu, cujo significado é “agu- Podemos inferir que as com- e treinamento no manuseio tera-
lha e moxa”, descrevendo a área petências que condicionam dire- pêutico de instrumentos perfuro-
da Medicina Tradicional Chinesa tamente a eficácia e a segurança cortantes –, competentes para a
(MTC) que usa estímulos, intro- do método são resultado da soma aplicação da Acupuntura.
dução de agulhas ou aquecimento dos conhecimentos originais – Em outras circunstâncias, o
de pontos em regiões do corpo todos gerados pela observação, medo pode nem existir, por ab-
para tratamento de doentes, con- estudo e pesquisa, ao longo de soluto desconhecimento dos ris-
trole de doenças ou alívio de sin- mais de 2.500 anos de história da cos, dirimido por teorias com bem
tomas. prática na Medicina. menos lógica, segundo as quais a
Esse sistema clínico/terapêu- Mas, afinal, quais controvér- acupuntura é um método que lida
tico desenvolveu-se, e vem se sias podem decorrer da análise com “energias” e que esse "saber"
desenvolvendo, na China e, pos- de risco na prática da Acupuntura é suficiente para usar as tais agu-
teriormente, em todo o mundo, por profissionais sem formação lhas, ou, ainda, que a anatomia e
por meio de escolas. Inicialmente, médica? O tema é bastante sen- expertise necessárias para aplica-
a bem da verdade, por relação di- sível, sobretudo para aqueles que ção da acupuntura aprende-se fa-
reta mestre-discípulo. O objetivo buscam ou recebem indicação de cilmente em cursos notoriamente
foi, e continua sendo, desenvolver tratamento por essa especialida- limitados em extensão e profun-
o entendimento das enfermida- de, mas também para todos que, didade desses conteúdos.
des e dos doentes – conhecimen- porventura, tenham necessidade Estão no cerne dessa discus-
to e descrição das doenças e do de atendimento médico. são as questões envolvidas no
estado dos doentes, fisiopatologia O senso comum enxerga facil- reconhecimento das compe-
e diagnóstico –, além, obviamen- mente os riscos na prática de um tências específicas necessárias
te, da expertise na forma de usar método invasivo, como a introdu- para o exercício de cada ativida-
os métodos de estímulo (agulhas, ção de agulhas em várias regiões de profissional. No âmbito das
moxa, ventosas etc), evoluindo do corpo, por profissionais que profissões pertencentes à área
continuamente até hoje, com o não desenvolveram as compe- de saúde, mas não só nelas, es-
objetivo de criar competências tências para fazê-lo. Entende a sas competências são definidas,
específicas para o exercício da possibilidade de lesão em alguma na formação, pelos conteúdos e
especialidade. estrutura importante do organis- treinamentos desenvolvidos, com
[1]
carga horária suficiente para o nas chamadas tradicionais, como ao conhecimento do corpo huma-
aprendizado e domínio técnico do é o caso da Acupuntura, seja no no e seu funcionamento (anato-
saber imprescindível para eficácia contexto da Medicina contempo- mia e fisiologia), assim como do
e segurança. Estes são os parâ- rânea, fundamentada pela ciência uso e manuseio de instrumentos
metros principais que norteiam reconhecida e testada em todo o perfurocortantes, qual o risco que
as leis que regem as práticas per- planeta. pode decorrer da prática da acu-
mitidas por cada área profissio- Na China, essa é uma especia- puntura por esses profissionais?
nal. Dessa forma, por não terem a lidade que faz parte da chama- A Medicina é a área de conhe-
formação específica, já na origem, da Medicina Tradicional Chinesa cimento, portanto Ciência, que se
é vetado a algumas profissões da (MTC), que forma médicos espe- ocupa dos doentes, das doenças
área de saúde o uso de métodos cialistas com competência para e suas interrelações. A origem,
invasivos, com agulhas ou outros tratar doentes e compreender as desenvolvimento e evolução das
instrumentos, para tratamento. doenças, incorporando os funda- doenças, bem como os estados
Em outro segmento, encon- mentos da ciência médica con- possíveis na relação humana com
tram-se aqueles que não possuem temporânea aos sólidos conheci- a condição de patologia (patolo-
qualquer formação relacionada à mentos tradicionais, garantindo gia, fisiopatologia, diagnóstico,
área de saúde. Alguns até desen- segurança, diminuição de riscos e prognóstico e formas possíveis de
volveram, ao longo de suas vidas, aumento da eficiência do método. tratamento) são saberes obriga-
competências para os mais di- Não se formam médicos em cur- tórios exigidos exclusivamente na
versos ofícios, mas nenhuma que sos com programas restritos, sem formação e exercício profissional
os prepare para tratar doentes e garantias de desenvolvimento das em apenas três áreas de saúde:
abordar doenças, excetuando, tais competências necessárias Medicina humana, Medicina ve-
talvez, alguma informação em para o exercício da medicina. terinária e Odontologia, cada qual
cursos com base curricular in- relacionada a sua área específica
completa, que desprezam os co- QUAIS OS RISCOS? de atuação.
nhecimentos mínimos obrigató- Se existem profissões da área Apenas a formação nessas três
rios para a prática de qualquer ato de saúde, não médicas, que de- áreas da saúde garante as compe-
médico, seja oriundo das medici- senvolvem competências relativas tências para diagnosticar e tratar
SER MÉDICO • 27
[1]
O National Institute of
Health (NIH) dos Es-
tados Unidos divulgou
um consenso, em 1997,
e segurança para a maioria das
patologias apresentaram resulta-
dos promissores, que devem ser
vistos, no entanto, com ressalvas,
afirmando que “há evidências uma vez que o número de pesqui-
suficientes sobre o valor da Acu- sas com metodologias sólidas era
puntura para expandir seu uso na relativamente baixo.
medicina convencional e encora- Desde então, o campo da pes-
jar novos estudos que corrobo- quisa em Acupuntura se expandiu
rem seu valor fisiológico e clíni- significativamente. Uma ampla
co”. Segundo o NIH, sua eficácia gama de estudos de pesquisa bá-
28 • SER MÉDICO
sica identificou numerosos com- processamento da dor. Uma série como a representação cortical,
postos bioquímicos e correlatos de áreas corticais demonstrou es- constatados na ressonância fun-
fisiológicos da acupuntura. Novos tar envolvida, como o córtex so- cional, e que havia uma correlação
ensaios clínicos randomizados matossensorial primário, a ínsula, positiva na melhora sintomática a
com maior qualidade vêm sendo e o córtex pré-frontal. Viu-se que a longo prazo desses parâmetros.
realizados e publicados em revis- acupuntura parece modular a ati-
tas de maior impacto como a JAMA vidade cerebral em muitas dessas • Termografia A termografia per-
e Archives of Internal Medicine. regiões, se comparada a um tra- mite a medição dos perfis de tem-
Estudos de revisão sistemática do tamento sham, uma vez que ficou peratura da superfície da pele,
Instituto Cochrane, com milhares demonstrada que ela mobiliza uma através do contato direto das
de pacientes, foram publicados, rede límbico-paralímbico-neocor- sondas com a mesma, sem estres-
encontrando resultados modera- tical em múltiplos níveis. se. Após agulhamento, observa-se
damente superiores da acupuntu- diminuição significativa na tem-
ra em relação ao placebo no trata- • Marcadores biológicos A acu- peratura da superfície, que pode
mento de diversas dores crônicas. puntura pode afetar a síntese, ser explicada pela ativação do
liberação e ação de vários neuro- sistema nervoso simpático e con-
• Estudos de neuroimagem Um transmissores (como serotonina, sequente vasoconstrição causada
avanço nos últimos anos para a dopamina, acetilcolina) e neuro- pela dor local.
pesquisa na Acupuntura – que peptídeos (como ocitocina, cole-
permitiu, inclusive, uma revo- cistocinina, substância P) no sis- CONCLUSÃO
lução na maneira de entender o tema nervoso central e periférico. A avaliação neurofisiológica e
mecanismo de ação nas ativida- Porém, os resultados de literatura neurobiológicas da acupuntura,
des funcionais neurais, bem como nas alterações dos neurotrans- por meio do avanço das tecno-
uma ferramenta para aferir mais missores e neuropeptídeos são logias, revolucionou a pesquisa
objetivamente os ganhos atra- muito variáveis, podendo, inclu- científica na área, permitindo en-
vés dela –, foi o da tecnologia de sive ser influenciados por dife- tender os seus diferentes efeitos
neuroimagem não invasiva, como rentes doenças ou parâmetros de no cérebro e sistema nervoso pe-
a tomografia por emissão de pó- agulhamento. riférico à luz da medicina baseada
sitrons, ressonância magnética em evidências. Os resultados são
funcional, além de outros exames • Eletroneuromiografia Um ar- promissores, mas ainda há incer-
como a termografia. Por meio tigo recente publicado na Brain tezas sobre a especificidade de
desses exames, constatou-se que encontrou evidências de que a seus efeitos.
a acupuntura pode causar mu- acupuntura poderia melhorar pa-
danças de atividades em diferen- râmetros da neurofisiologia do
tes áreas funcionais cerebrais. nervo mediano, como a veloci- *Médico especialista em Fisiatria e Acupuntura, área de
Muitos estudos de imagem ana- dade de condução, evidenciados atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira, e co-
lisam o mecanismo por trás do pela eletroneuromiografia, bem laborador do Grupo de Dor do HC-FMUSP
Os algoritmos
e a Medicina da
próxima década
Por Júlio César Barbour*
N
o primeiro ano do curso zada com algoritmos que proces- nas enfermarias, nos consultó-
médico, as aulas de pro- sam milhões de informações em rios, nos prontos-socorros, nas
pedêutica nos ensinam tempo real e classificam cada pa- salas cirúrgicas. Ter bons médi-
a arte de curar. Mas a Medicina ciente, levando-se em conta todo cos envolvidos nessas iniciativas é
também é ciência, e, ao longo da o universo de evidência médica. O essencial para gerar bons frutos.
formação, muito conteúdo nos é modelo data-driven, que vem re- A discussão da utilização des-
passado. Ao final do sexto ano, a volucionando diversos setores da ses algoritmos já é realidade nos
quantidade de temas é imensa, economia nos últimos anos, com Estados Unidos. O Food and Drug
impossível para um só cérebro. E a chamada revolução 4.0, está co- Administration (FDA) tem regras
se pudéssemos ampliar nossa ca- meçando a provar o seu valor em para regulamentá-los e diversos
pacidade cognitiva com ajuda de áreas mais resistentes a mudan- já foram aprovados. Um deles au-
alguma ferramenta externa? Mui- ças, como a Educação e a Medici- xilia o médico no diagnóstico de
tos médicos ao redor do mundo na. A inteligência artificial é a nova hemorragia intracraniana agu-
já se convenceram de que existe eletricidade. da em imagens de tomografia de
uma maneira "artificial" de fazer Contudo, muitas das iniciativas crânio. Outro exemplo é um al-
isso, com o uso de algoritmos de que envolvem inteligência arti- goritmo que faz o diagnóstico de
aprendizado de máquina – ma- ficial e Medicina são conduzidas retinopatia diabética. O estudo
chine learning. Assim, o médico por pessoas sem formação na clínico para sua aprovação contou
conseguirá melhorar sua acurácia área médica. Em consequência, com mais de 800 pacientes e ob-
diagnóstica e terapêutica, e au- muitas das reportagens, artigos teve uma sensibilidade de 87% e
mentar sua eficiência. científicos e healthtechs não se especificidade de 91%.
A Medicina da próxima década aprofundam adequadamente nas A telemedicina já é amplamente
nos apresenta grandes desafios; questões médicas, pois só enxer- discutida na comunidade médica,
conseguir aproveitar a imensa gam a face ciência da Medicina. e a busca por regularização está
quantidade de dados gerados no Porém, a ciência médica enquan- em fase avançada. Esse passo é
contexto médico – real-world data to arte não pode ser ensinada a importante também para aplica-
–, para fazer medicina personali- um computador. É preciso vivê-la ção de inteligência artificial na
30 • SER MÉDICO
[1]
Medicina, pois os avanços têm de uma máquina, dada a complexida- goritmos não terem o impacto que
estar alinhados com os princípios de e importância da relação mé- tanto se fala. Porém, considerando
éticos e morais da profissão. dico-paciente. É claro que, com a a complexidade dos desafios e o
Qualquer cientista de dados está otimização de seu trabalho, o que potencial de melhoria, é essencial
apto a construir um algoritmo para era feito por dois médicos poderá que os médicos se comprometam
fazer recomendações médicas. ser realizado por apenas um. Isso a entender um pouco mais sobre
Mas quais são os desdobramentos poderá, sim, ter um impacto na o assunto e participem ativamente
das fragilidades desses algoritmos demanda de trabalho para esses dos estudos e das discussões para
na vida real? Quem fez o algoritmo profissionais, mas, consideran- sua implantação. É uma ferramen-
conhece a fundo as variáveis que do os altos índices de burnout na ta com muito potencial e, se bem
estão no modelo? Profissionais da profissão e a insuficiência de ser- usada, pode nos ajudar a superar
área médica que tenham interesse viços médicos em diversas regi- os desafios do alto custo em saú-
e vontade em se especializar nas ões do País, uma reestruturação de, manejo das doenças crônicas,
áreas de estatística, programação nesse sentido pode trazer mais tratamento de doenças raras e, até
e machine learning serão profissio- saúde para médicos e pacientes. mesmo, no combate ao câncer.
nais essenciais na próxima década. Na próxima década, todo o po-
Os médicos serão substituídos tencial de transformação que a
pelos robôs inteligentes? O pa- inteligência artificial pode trazer *Bacharel em Física pela Unicamp, médico pela Facul-
pel de médico jamais poderá ser para a Medicina será posto à prova. dade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo,
substituído integralmente por Há grande risco de muitos dos al- Head de Saúde da Semantix
DA TRADICIONAL
MEDICINA CHINESA AO NOBEL
A malária continua foco de preocupação por parte da
Organização Mundial da Saúde (OMS), que registra cerca de
200 milhões de novos casos por ano, em especial, na África. No
Brasil, foram quase 200 mil em 2018, a maioria na região Norte.
A apreensão, no entanto, não se dá pela proliferação do parasita
ou de novas epidemias, mas por estagnação das iniciativas de
controle da doença nas últimas décadas.
Justiça seja feita: não fosse pela contenção do vetor
(mosquitos Anopheles) e o desenvolvimento da artemisinina
[1]
e seus derivados para tratar a malária resistente à cloroquina,
nos anos sessenta, milhões de vidas seriam perdidas. O uso da
do Norte a combater a malária, obtendo vantagem estratégica
artemisinina foi ainda mais longe, tornando-se uma “ponte” entre
aos opositores do Sul, que contavam com o apoio dos EUA.
a tradicional medicina chinesa e a ocidental, tão incontestável
Sob tais condições adversas, a farmacologista Youyou e
que mereceu o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2015.
equipe – incluídas por anos no rol das Cinco Categorias Negras,
Extraída da Artemisia annua, conhecida também como
perseguidas, e até mortas, durante o regime comunista de seu
“doce absinto” e Qing Hao, em chinês, essa erva medicinal foi
país – não só desenvolveram a artemisinina, como sintetizaram
documentada pelos chineses em 340 a.C. como “tratamento
um derivado mais potente, a diidroartemisinina.
para febres sazonais”. Portanto, há séculos já se percebia a
Além do Nobel (compartilhado com William Cecil Campbell
eficácia da planta contra o Plasmodium, porém, os resultados
e Satoshi Omura, descobridores da avermectina, contra a
eram inconsistentes. Tal mérito coube à cientista Youyou Tu e
oncocercose), Youyou recebeu o Prêmio Lasker-DeBakey
seu grupo da Universidade Médica de Pequim, que conseguiram
de Pesquisa Médico-Clínica de 2011. Apenas mais um fato
isolar o princípio ativo da artemisinina, demonstrando sua
histórico: o projeto 523 foi tão secreto que, até o ano de 2005,
eficiência em animais e humanos.
não se sabia o nome da descobridora da artemisinina, tão
O início: durante a guerra entre a República Democrática
empenhada no trabalho, que estava disposta a sacrificar “a vida
do Vietnã (Vietnã do Norte, socialista) e a então República
pessoal e o cuidado da filha” em favor das crianças que viu
do Vietnã (Vietnã do Sul, capitalista), entre 1955 e 1975, o
morrendo de malária, conforme disse à New Scientist, em 2011.
governo da primeira pediu a um de seus aliados, a China, que
fornecesse drogas antimaláricas como parte do projeto secreto
denominado “523”. Propósito: ajudar os militares vietnamitas Fontes: ScienceDirect, revista Quimica Nova e G1
Fonte: Corriere della sera Fonte: Nature Fontes: Science e BMJ Open
é suficiente para
que esse profissional aprenda a utilizar as novas in-
formações sobre metodologias de ensino e avaliações.
Apenas a aula expositiva e a avaliação cognitiva não
são suficientes como recursos pedagógicos.
ser professor de
Os números são assustadores no Brasil. O País já é
vice-campeão na quantidade de escolas médicas no
mundo, superando a China e os Estados Unidos. Só
perdemos para a Índia, que tem mais de 400 esco-
Medicina"
las médicas, mas com 1 bilhão de habitantes. Temos
338 escolas médicas, com 35.078 vagas para alunos
do primeiro ano. Apenas no Estado de São Paulo, são
65 escolas, com 7.616 vagas nesse período.
Um dos processos mais importantes a enfrentar é o
Por Aécio Gois* de acreditação das escolas – para que elas façam uma
autoavaliação e uma autorreflexão –, por meio de uma
avaliação externa. A acreditação e os dados do Minis-
34 • SER MÉDICO
tério da Educação e Cultura (MEC) Quanto à avaliação dos alunos, é vidas. É importante fazer com que
possibilitarão um diagnóstico com necessário sair de um modelo ex- o aluno tenha mais vontade de
proposições de qualidade. clusivamente cognitivo, que classi- participar das aulas e consiga ad-
fica-os (somativo), e adotar um for- quirir as suas competências, em
MODELOS mativo, utilizando modelos como especial a comunicação.
O ensino médico passou, nos o Objective Structured Clinical Os alunos devem ter, também,
últimos 100 anos, por três grandes Examination (OSCE), Mini Ciex, ou vivências nos mais diversos níveis
modelos: 1) o flexneriano, no início Avaliação a 360 graus. Ela deve ser de atenção: primária, secundária
do século 20, que dividia o ensi- um momento rico de aprendizado. e terciária. É preciso sair do mo-
no em três ciclos: básico, clínico As faculdades deveriam, ao ad- delo hospitalocêntrico, mas é im-
e internato, ainda muito utilizado mitir professores, exigir o conhe- portante que as escolas médicas
em nossas escolas tradicionais; 2) cimento de metodologias de ensi- que não têm hospital passem a
o PBL (Problem Based Learning), no e de avaliação. Não existe mais tê-los, com a supervisão adequa-
surgido no fim dos anos 60 na espaço para frases como “eu sem- da dos alunos.
Universidade de McMaster, no Ca- pre dei aula assim, e o povo apren- Conhecer mais os egressos
nadá, utilizado no Brasil a partir dia com minha aula expositiva de para fazer mudanças apropriadas
dos anos 90 e, ainda hoje, por inú- quatro horas com 200 slides, não nos currículos é fundamental. É
meras faculdades abertas nos últi- vejo necessidade de mudar”. necessário tentar evitar o mode-
mos tempos; 3) o mais recente: o A geração Z, à qual pertence lo de superespecialistas, e inserir
ensino baseado em competências, nossos atuais alunos, já nasceu na o aluno, cada vez mais, na aten-
que utiliza diversas metodologias era da tecnologia e se desconcen- ção primária e nos programas de
ativas, com um feedback contínuo tra muito facilmente. Por outro saúde da família. A flexibilização
do aluno durante sua trajetória na lado, possui capacidade de acesso do currículo e dos horários prote-
escola, sendo um grande desafio a a informações de forma extrema- gidos para o aluno poder estudar
ser implementado. mente rápida e quer fazer parte do em casa ou na faculdade é outro
Acreditamos que um modelo processo de aprendizado. Uma de grande desafio.
híbrido – com predominância de suas principais reclamações é “sair O ensino de urgência e emer-
metodologias ativas e algumas de casa para assistir um professor gência, além do transporte hos-
conferências, com professores e ler os seus slides por duas horas, os pitalar, deve ser implementado,
tutores conhecendo os métodos mesmos que ele não muda há mais com supervisão adequada de
de avaliação tradicionais e novos, de 10 anos, é realmente frustran- emergencistas, pois, muitas ve-
e fazendo o feedback contínuo, te”. A tecnologia, portanto, pode zes, esses dois cenários são os
com simulação e aulas práticas ser um caminho de troca entre mais utilizados pelos egressos.
com pacientes – seja o melhor. aluno e professor no processo de Devemos ensinar conteúdos que
A simulação é, cada vez mais, aprendizado. façam parte do cotidiano do mé-
uma alternativa importante, prin- dico generalista.
cipalmente para a segurança do VÁRIOS DESAFIOS São muitos os desafios a serem
paciente. Por exemplo, não há mais Um dos desafios, talvez, seja enfrentados, porém o processo de
espaço para aprender a colher uma utilizar cada vez mais a sala de acreditação das escolas médicas e
gasometria arterial em um paciente aula invertida, em que o aluno o processo de desenvolvimento de
sem ter treinado, exaustivamente, estuda o material ou busca a in- docentes são os principais deles.
na simulação. Para tanto, é preciso formação em casa, recebendo o
que as aulas ocorram em grupos material previamente, inclusive os
pequenos, para que os professores slides da aula, e, na escola, apro- *Médico clínico geral, cardiologista, emergencista e in-
possam acompanhar os alunos de veita o tempo discutindo com o tensivista, e coordenador da graduacão de Medicina, da
perto e fazer uma devolutiva. professor as experiências e as dú- Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
[1]
Notas de liberdade
M
úsico, compositor, arranjador, psiquiatra e psicanalista. É assim que Eduardo Leal
se define. A pluralidade o acompanha desde que iniciou, aos 11 anos, estudos de
violão e guitarra em São José dos Campos, sua cidade natal e, mais tarde, quando,
aos 17, deixou suas raízes e mergulhou no universo da Medicina ao ingressar na Universidade
de São Paulo (USP). "A música antecedeu a escolha da profissão, mas posso dizer que para
mim, atualmente, ela possui o mesmo peso que a Psiquiatria", afirma.
O médico conta que seu primeiro contato com o meio musical foi em forma de hobby,
com o exemplo de seu pai, habilidoso pianista amador, e sua avó, dedicada cantora de coral.
Entretanto, o mundo das notas e das melodias foi consolidando-se como algo muito além de
um entretenimento – uma necessidade. "Compor tem força central para mim. Hobby você
faz se der tempo, tem um envolvi- temática, que nutriam o mesmo "Eu tocava muito menos do que,
mento pequeno. É o contrário do amor pelo universo musical. O de fato, almejava, principalmen-
que faço", comenta. local foi tão significativo na traje- te no início da faculdade. Minha
Antes de mudar-se para São tória do médico que, mais tarde, principal dificuldade era conciliar
Paulo, Edu Leal, como é conhecido tornou-se inspiração para uma tudo isso, mas sempre me esfor-
no ramo artístico, assemelhava-se composição, denominada "Repú- cei", conta.
à boa parte dos jovens da década blica dos salames". Figuras renomadas como o
de 80, reproduzindo obras voltadas As atividades voltadas ao âmbito músico e zoólogo Paulo Vanzoli-
ao rock e ao heavy metal. Integrou musical, promovidas pela universi- ni, o violinista carioca e dentista
diversas bandas em São José dos dade, atuaram como ponto-chave Guinga, e o compositor e psiquia-
Campos, incluindo a Gestalt, que, para Edu, permitindo que ele não tra Aldir Blanc, serviram – e ainda
posteriormente, gravou um CD só apresentasse seu trabalho aos servem – como inspirações que
com músicas autorais, e participou demais, como também vivenciasse auxiliam Leal a permanecer no
como finalista do V Projeto Nascen- sua paixão em consonância com o ramo musical. Afinal, se eles con-
te, realizado pela USP, em parceria meio acadêmico. Além do V Proje- seguem aliar a música à profissão,
com a Editora Abril, em 1995. to Nascente, participou do 2° Fest- por que ele não conseguiria?
Ao ingressar na universidade, Med, no qual foi premiado com o Após iniciar seu trabalho de
em 1992, enveredou pelo caminho 2° lugar, e da Semana de Artes, composição solo, em 1999, com ar-
do rock progressivo e do jazz. Em também organizada pela USP. As- ranjos de Fernando Cardoso Perei-
contrapartida, enfrentou grandes sim, foi obtendo o reconhecimen- ra – pianista, cravista e compositor,
dificuldades para se habituar à to pelo seu trabalho e percebendo com formação erudita –, Edu mer-
vida na capital paulista, o que, de que conciliar a Medicina e a músi- gulhou no universo dos concursos
certa forma, acabou influindo na ca não era algo impossível. e festivais brasileiros. Os feedbacks
escolha da especialização de sua positivos reiteraram seu talento e,
profissão. "Quando saí do Interior A MÚSICA TAMBÉM em 2011, finalmente teve seu so-
tive uma grave crise emocional. COMO PROFISSÃO nho materializado, ao lançar seu
Porém, não posso negar que ela O médico conta que em seu pri- primeiro disco autoral, Vida Nova,
me ajudou a me apaixonar pela meiro ano de Residência, no Hos- que obteve patrocínio da Prefeitu-
Psiquiatria, justamente pelo fato pital do Servidor Público Estadual, ra Municipal de São Paulo e contou
de ser uma especialidade que faz desenvolveu um projeto de com- com a participação de grandes no-
com que você se entenda melhor posição com outros dois amigos mes da música nacional, como Lei-
e entenda o outro", explica. e, paralelamente, atuou na banda la Pinheiro, Filó Machado e Adriana
A faculdade fomentou sua pai- "Genesis Live", dedicada a repro- Godoy, entre outros.
xão pela música. A república es- duzir a fase progressista da banda A escolha do nome do álbum
tudantil em que Edu Leal residia, "Genesis". Com ela, teve oportuni- não foi por acaso. "Além de ser
na época, contava com estudantes dade de tocar em diversas casas uma música que compus, Vida
dos cursos de Medicina e de Ma- consagradas da noite paulistana. Nova, na verdade, foi o reconhe-
SER MÉDICO • 37
E DOIBTBOYR I A L
H
[1]
Eduardo Leal e seu disco: "a música pode salvar vidas, assim como a Medicina"
cimento que tive de que a música presença da subjetividade o en- os anteriores". Pretende também
não devia ser apenas um hobby canta e interliga-se diretamente continuar atuando como profis-
para mim", comenta. O projeto com a Psiquiatria. "A música para sional liberal e tendo uma relação
também marcou o início da atua- mim é como um devaneio, um so- harmoniosa com suas duas pro-
ção de Edu como produtor musi- nho acordado. Ela tem questões fissões. "A Psiquiatria me inspira
cal e arranjador de instrumentos que vão além da palavra. A música também. Em meu primeiro disco,
de sopro, cordas e baixo. abarca a música", explica. tem uma música chamada Lógica
O psiquiatra conta que se con- absurda da tristeza, com referên-
LIVRE sidera meio "maestro", já que seu cias aos sintomas depressivos.
Em 2016, o médico e músico ade- papel é orquestrar notas e melo- Bebo um pouco da água do sofri-
riu a uma nova banda, denominada dias, e orgulha-se de poder afir- mento humano", confessa.
"A Conjuntura", e, um ano depois, mar que, atualmente, também Edu Leal, que sempre buscou
lançou o disco Livre – integralmen- é maestro de si. Após dez anos a sensação visceral de sentir-se
te escrito e arranjado por ele –, que trabalhando no Hospital do Man- livre, hoje afirma que a encon-
contou com o apoio da Secretaria daqui, pediu demissão para atuar trou na convergência de seus dois
da Cultura do Estado de São Paulo exclusivamente em seu consultó- amores. "Têm algumas emoções e
e a participação de 21 músicos, res- rio e dedicar-se assiduamente à formas do 'sofrer' que são muito
ponsáveis por ecléticas formações música. A liberdade e autonomia difíceis de colocar em palavras,
instrumentais, como quinteto de que tanto almejava, finalmente se então a música é um veículo de
cordas, quarteto de metais, corne concretizou. expressão. Ela pode salvar vidas,
inglês e oboé, entre outros. Para o futuro, conta que já pos- assim como a Medicina. Essa é a
Apesar de gostar muito de can- sui elementos para o próximo dis- minha paixão", finaliza.
ções, Edu conta que, cada vez co, que promete ser um compila-
mais, está migrando para o âmbito do de músicas instrumentais com
puramente instrumental. A forte "caráter mais agressivo do que Colaborou: Julia Remer
[2]
chef e empreendedor
francesa, Le Cordon Bleu – uma das
melhores do mundo –, realizando
um desejo da infância. A transição
da Medicina para a gastronomia
contou com o apoio da esposa,
mas o pai de Hwang Chi Fong não
aprovou a decisão e deixou de falar
Hwang Chi Fong exerceu a medicina por 10 anos, mas deixou a profissão para ser chef de cozinha e empreendedor
com ele durante um tempo. Só vol- três meses no Grand Lux Café, do No sexto mês, sua rede foi elei-
taram a conversar na volta do filho grupo Cheesecake, naquela mes- ta a segunda melhor da especia-
ao Brasil. ma cidade. Queria continuar nos lidade em São Paulo pela revista
Formado em Medicina pela Uni- Estados Unidos, mas devido à cri- Veja. “A partir daí, vários grupos
versidade de São Paulo (USP), e com se econômica que assolava o país, me procuraram para fazer ex-
Residência em Cirurgia Geral e em em 2008, viu que um eventual ne- pansão como franquia. Uma delas
Cirurgia Oncológica pela mesma gócio não sobreviveria sequer um foi bem interessante e acabei to-
instituição, ele exerceu a profis- ano, e resolveu voltar ao Brasil, pando”, conta. Entretanto, no ano
são durante 10 anos. A decisão de com a família. passado a parceria com a empresa
abandoná-la e ir atrás de seu sonho Dois anos depois do retorno de franquia se rompeu.
estava bem alicerçada. "Eu queria ao País, o médico abriu, em 2010,
mudar. Sempre gostei de culiná- um restaurante de comida natu- CLOUD KITCHEN
ria, já brincava bastante em casa, e ral e, logo depois, mudou e abriu No ano passado, o agora conhe-
percebia que tinha certo talento e outro de comida oriental, ramo cido chef Kiko – o sobrenome Chi
gosto pela cozinha oriental. Então no qual se considera especialista, Fong quando pronunciado no dia-
abracei a oportunidade”. que logo evoluiu para uma rede de leto chinês fica “kinkon” – recebeu
Ao final do curso de chef de yakisoba. Percebeu que o negócio algumas propostas para montar
cozinha na Le Cordon Bleu – filial estava dando mais retorno que a cozinhas virtuais, adotando a nova
de Miami – é preciso passar por Medicina, não apenas em termos tendência do mercado de delivery,
uma espécie de estágio obriga- financeiros, mas pelo prazer de a cloud kitchen, uma espécie de
tório. Chi Fong trabalhou, então, fazer algo com que tanto sonhara. “cozinha na nuvem”— que ajuda os
40 • SER MÉDICO
donos de restaurantes a lidar com Desde criança, o
o crescente aumento de pedidos médico gostava
de comida por aplicativos, diversi- de brincar com
culinária e
ficando sua estratégia de mercado. O YAKISOBA PERFEITO
percebia ter
Atualmente, além das seis lojas talento para a
físicas de yakisoba, o médico tem cozinha oriental
O chef Kiko não revela sua receita, mas conta que o
também um restaurante de sushi
yakisoba perfeito é aquele que contém uma leve crocância
que atende somente por delivery
no macarrão e um molho consistente. Seus clientes,
em uma cloud kitchen, que fun-
entretanto, passam por uma experiência diferenciada,
ciona junto a outras 19 cozinhas,
garante. Segundo explica, ele e sua equipe fizeram alguns
também administradas por ele,
estudos para que o cliente pudesse, receber em casa ou no
num espaço de 200 metros qua-
escritório um prato como se tivesse sido preparado naquela
drados. Em apenas um dia, che-
hora. “Nós desenvolvemos toda uma ciência de cocção. O
gou a atender mil pedidos. “É um
meu yakisoba chega na casa do cliente no ponto”, afirma.
mercado de baixo custo, portanto
O médico diz que muitos concorrentes enviam ao
a comida fica com um preço mais
cliente um macarrão empapado. Isso acontece, comenta,
acessível", observa.
porque os restaurantes mandam para as residências das
Há uma grande revolução gas-
pessoas a mesma receita que já está pronta no salão, e,
tronômica em curso, explica o chef
durante o processo de entrega, o macarrão vai sugando o
e, agora, empresário. Segundo ele,
molho e cozinhando ainda mais.
a geração millennial (nascidos en-
“O meu yakisoba sai do delivery um pouco mais
tre 1979 e 1995) — criada com as fa-
duro e com o molho mais líquido, para que, quando
cilidades tecnológicas como com-
chegar até o cliente, esteja no ponto certo, com o molho
putadores, smartphones e redes
mais consistente, porque vai cozinhando dentro da
sociais — daqui a alguns anos não
embalagem”, revela.
vai mais querer cozinhar, pois pre-
za muito seu tempo. Portanto, ava-
[1]
Barraquinhas que vendem comidas típicas locais são muito comuns em Taiwan
[2]
VILNIUS E EU
[2] LASAR SEGALL. CINCO FIGURAS, 1917 [3] LENORA DE BARROS. PROCURO-ME, 2002 - FOTO: LUIGI STAVALE SER MÉDICO • 43
A G E N D A C U LT U R A L
[2]
[1]
44 • SER MÉDICO [1] KAJ OSTEROTH & LYDIA HAMANN. STAYING WITH THE TROUBLE, 2019 [2] ILUSTRAÇÃO PARA A REVISTA CARETA, 1941 [3] DESENHO DE J. CARLOS A REVISTA PARA TODOS , 1925
O TEMPO DAS COISAS
A mostra usa a teoria da autopoiese (do grego, auto, próprio
e poiesis, criação), dos chilenos Francisco Varela (biólogo e
filósofo) e Humberto Maturana (biólogo), como referência
para abordar a lógica própria de cada ser. A exposição conta
com nove trabalhos expostos, e outros nove em forma de
oficinas, shows, debates e performances.
INTERIOR
RIBEIRÃO PRETO
DESABROCHAR DA PRIMAVERA
[4] ERIKA VERZUTTI. AVESTRUZ, 2008. - FOTO: ISABELLA MATHEUS / PINACOTECA [5] COLETIVO MEIO FIO, 2019. - FOTO: SÉRGIO SOUZA SER MÉDICO • 45
A G E N D A C U LT U R A L
INTERIOR
JUNDIAÍ
Sesc Jundiaí, Avenida Antônio Frederico Ozanan, 6600, Jardim Botânico, Jundiaí. Até
05/01/2020 – de terça a sexta-feira, das 9h às 21h30; sábados, domingos e feriados, das
10h às 18h30. Entrada franca.
[1]
CAMPOS DO JORDÃO
O NOVO SURPREENDENTE
[2]
Museu Casa da Xilogravura, Avenida Eduardo Moreira da Cruz,
295, Jardim Jaguaribe, Campos do Jordão. Até 01/12/2019. SÃO CARLOS
Entrada franca.
PORTA PARA O MUNDO
A exposição traça um panorama de artistas internacionais que
ARARAQUARA
foram decisivos na história da ilustração, premiados nos últimos
PAPÉIS EFÊMEROS 50 anos na Feira do Livro Infantil e Juvenil, de Bolonha, Itália. Traz
também uma seleção de cinco artistas brasileiros tentando retratar
Composta por três núcleos temáticos – cultura, educação e a diversidade de estilos e de narrativas visuais que marcaram as
consumo – , a exposição reúne papéis que, geralmente, são principais tendências da ilustração brasileira contemporânea.
descartados, como rótulos, embalagens de balas, cadernos
escolares e outros. Conta, também, a história dos impressos. Sesc São Carlos, Avenida Comendador Alfredo Maffei, 700, Jardim
Carlos, São Carlos. Até 08/12/19 – de terça a sexta-feira, das 13h30 às
Sesc Araraquara, R. Castro Alves, 1315 - Quitandinha, Araraquara. 21h30; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Entrada franca.
Até 15/12/2020 – de terça a sexta-feira, das 13h às 21h30; aos
sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 18h. Entrada franca.
Colaborou: Arthur Codjaian Gutierres
46 • SER MÉDICO [1] OTÁVIO ROTH, ARTIGO 1. [2] BENTE OLESEN NYSTROM, DO LIVRO HR. ALTING, 2006.
RESENHA
As boas
mulheres da China
Por Paula Yume Sato Serzedello Corrêa*
SER MÉDICO • 47
FOTOPOESIA
www.cremesp.org.br
50 • SER MÉDICO