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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade de Psicologia – Unidade São Gabriel

Psicopatologia II - Profª Thaís Limp Silva

Daniele Alves de Oliveira Martins

Luiz Eduardo Lima Araujo

RESENHA CRÍTICA

Falar sobre diagnóstico, medicalização, e estrutura é algo sempre bem polêmico.


Mas antes de mais nada, queremos deixar bem claro que a crítica desse texto vai além
dessa questão, e não somos contra esse caminho, mas acreditamos que diante desse
cenário é preciso pensar o sujeito em sua singularidade. Estamos de acordo com Texeira
e Rosa (2020), quando dizem que uma classificação diagnostica deve ser
suficientemente precisa e bem fundamentada para permitir uma condução de
tratamento, mas também deve ser suficientemente aberta para pensar a maneira que
cada sujeito encontra de ser inagrupável, de permanecer dessemelhante das demais
pessoas. Sendo assim, não deve ser somente uma técnica, mas também uma aposta ética
e política.

Quando usado como ferramenta de poder, o diagnóstico, passa a controlar


sofrimento psíquico da população, do mal-estar-da-sociedade. Assim, a
subjetividade entra em jogo, e se tornar moeda de troca da excessiva
classificação diagnostica, e uma nomeação do sofrimento psíquico, uso
abusivo de psicofármacos, entra tamponando a dimensão das incertezas, e
dos enigmas (RIBERO, 2020).

Para Caponi (2017) desse modo surge um novo discurso e conhecimento em


torno da definição de "normal e patológico", no qual o saber médico e psiquiátrico,
obcecado em prever riscos, perigos e usar estatísticas, busca evitar a dor e garantir uma
vida livre de sofrimento. A reflexão sobre esse cenário com o conceito de biopolítica de
Foucault nos permite pensar criticamente sobre algo que está sendo imposto a todos nós.
O antigo direito de deixar viver e fazer morrer é substituído pelo poder de fazer viver e
deixar morrer, onde a dificuldade em estabelecer fronteiras precisas entre o "normal e
patológico" abre espaço para dispositivos de dominação.
Entramos em um modo de gestão governamental que, utilizando critérios
científicos, nos priva da capacidade de construir nossas próprias narrativas históricas.
Isso alimenta a ambição classificatória que transforma comportamentos comuns em
patologias, e as indústrias farmacêuticas se encarregam de popularizá-las. Tudo isso
pode levar a um processo maciço de medicalização, influenciado cada vez mais pela
indústria farmacêutica, sem motivos clínicos.

Nesse contexto, o conceito de "normalidade" permite a definição de valores de


referência, médias e variações admissíveis, criando estratégias de poder em torno dessa
norma. Uma vida sujeita a cálculos, medições de frequência e antecipação de riscos não
deixa espaço para o corpo vivo e subjetivo.

O DSM V, “bíblia psiquiatria” está cercado de polemicas, especialistas como


diretor da edição da revisão anterior, diz que o critério de diagnósticos são “frouxos”
(ENTREVISTA, 2020)

Portanto, de acordo com Ribeiro (2020), desde sua primeira edição, em 1952, o
DSM tem como principal objetivo servir como uma ferramenta para o campo da saúde
mental. No entanto, questionamos se ele está realmente cumprindo essa função. A
primeira edição do DSM incluiu terminologias como "mecanismos de defesa" e
"neurose", refletindo uma abordagem psicanalítica dos fenômenos. A segunda edição,
publicada em 1968, foi influenciada pela teoria comportamental, mas ainda mantinha os
modos de compreensão psicanalítica e a escuta do sujeito como forma principal de
diagnóstico. Em 1980, o DSM-III foi lançado e representou uma revolução na ciência,
substituindo a expressão "doença mental" por "transtorno mental" e adotando um
paradigma médico. A versão atual, o DSM-V, lançada em 2013, é principalmente
classificatória e representa o discurso contemporâneo.

Essa abordagem classificatória pode levar a uma patologização e medicalização


em massa da população, onde o sofrimento psicológico e a saúde mental são
interpretados de forma diferente. O discurso de normal e patológico ganha força, e
qualquer desvio da ordem social se torna passível de medicação. Isso pode estar
servindo aos interesses das indústrias farmacêuticas, seguradoras de saúde e da classe
médica. Cada vez mais diagnósticos são adicionados ao DSM, o que pode levar a um
aumento no consumo de medicamentos. Por exemplo, o DSM-IV incluía a Perturbação
do Humor, enquanto essa classe deixou de existir no DSM-V. No entanto, o transtorno
bipolar foi legitimado como uma classe diagnóstica, o que levou a um grande aumento
na porcentagem da população norte-americana com o transtorno. Isso levanta a questão
de até que ponto esse aumento é uma construção mercadológica.

Mas, a que mais chamou a nossa atenção, é a categoria do Transtorno Disfórico


Pré-menstrual, (N94.3), muito conhecido como TPM (tensão pré-menstrual). Como
assim? Transformar um sintoma comum da mulher em categoria diagnostica? Uma
medicalização do corpo feminino? A quem serve essa medicalização?

De acordo com DSM-V, para se atingir os critérios de diagnósticos pelo menos


cinco dos sintomas devem estar presentes na semana final antes do início da
menstruação:

1- Mudança de humor, sente-se triste ou chorosa, sensibilidade aumentada


2- Irritabilidade ou raiva aumentada ou aumento de conflitos interpessoais
3- Humor deprimido acentuado, sentimento de desesperança e autodepreciativo
4- Ansiedade acentuada, tensão, sentimento de nervosa ou no limite
5- Interesse diminuído pelas atividades habituais
6- Dificuldade de se concentrar
7- Letargia, fadiga, falta de energia
8- Alteração acentuada do apetite, comer em demasia, ou avidez por alimentos
específicos
9- Hipersonia ou insônia
10- Sentir-se sobrecarregada ou fora de controle sintomas físicos como inchaço
das mamas, dor articular ou muscular, sensação de inchaço ou ganha de peso

Qual mulher não se enquadra nessa patologia?

Nossos sofrimentos individuais, medos e desejos, são medidos, colocados em


questões preventivas. Tudo entra no campo da classificação, assuntos
próprios da condição humana em termos de normalidade e patológico,
limitando, neutralizando a nossa decisão ética e política (CAPONI, 2017)

Diante disso tudo, nós nos perguntamos: e como fica os “doentes”? E como fica
a questão da medicação para as pessoas que realmente precisam fazer uso? Como fica as
pessoas que realmente precisam de ajuda dentro desse cenário? Allen Frances (2020)
nos ajuda a pensar essa questão, ele lembra que enquanto se trata em excesso os que não
precisam, se deixa de lado os doentes de verdade. E é otimista em dizer que é preciso
mudar, apertando o sistema, alertando médicos para os riscos e não ficarem somente nos
benefícios, e eliminar as propagandas farmacêuticas como foi feito com a indústria de
tabaco.

Mesmo parecendo um pouco utópico, concordo com sua colocação, o problema


está aí, e é preciso tomar providencias. Devemos estar atentos as ideologias e
artimanhas e como futuros profissionais da psicologia devemos agir para mudar esse
cenário na nossa prática, no nosso dia a dia, lembrando sempre do nosso compromisso
enquanto cidadão.
REFERÊNCIA

ASSOCIATION, American Psychiatric (coord.). Manual Diagnóstico e Estatístico de


Transtornos Mentais (DSM-5). 5. Ed. Tradução de Maria Inés Correa Nascimento et al.
São Paulo: Artmed, 2014.
CAPONI, Sandra. Classificar e medicar: a gestão biopolítica dos sofrimentos psíquicos.
1. Ed. Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, 2017.
FRANCES, Allen. A perigosa indústria das doenças mentais- uma entrevista com Allen
Frances. [s.l.]: Mente e Cérebro, n. 381, p. 18-25, abr. 2017.
RIBEIRO, Alexandre Simões. Psicopatologia na contemporaneidade: análise
comparativa entre o DSM-IV e o DSM-V. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Psicologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2021.
TEIXEIRA, Antônio; ROSA, Márcia. Psicopatologia Lacaniana. 2. Ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2020.

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