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Medicalização da educação e da sociedade – reflexões pessoais

Por Ártemis Marques Alvarenga – 2021/2

Todos sabemos, apesar das orientações quanto aos critérios para a prescrição do
metilfenitado, do aumento exponencial de sua dispensação, que é apenas um dos
medicamentos psiquiátricos, prescrito para tratar casos de transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade. Com base nesse dado, constata-se que o adoecimento psíquico é bem visível
aos olhos de todos. A Pandemia e o consequente e necessário isolamento social acentuaram
alguns sofrimentos prévios. Então, quem já tinha traços de ansiedade, teve um aumento de
sua ansiedade, quem estava com humor deprimido, deprimiu-se mais ainda, e outras
questões, como relacionamentos familiares difíceis e violência doméstica. Algumas
publicações mostram que houve um aumento de aproximadamente 20% de aumento das
vendas de antidepressivos e tranqüilizantes em relação ao ano passado. Esse fato, a meu ver,
do aumento, é o testemunho de uma sociedade adoecida e causadora de sofrimento psíquico
e social das pessoas na contemporaneidade, com ou sem pandemia.

CONCEITO

Mas o que vem a ser medicalização? Pode-se dizer que o termo medicalização, cunhado em
seu início por Ivan Illich, diz da expansão das intervenções médicas na vida humana,
apropriando-se de comportamentos antes tidos como naturais, colocando-os como problemas
a serem sanados pela medicina. No Fórum sobre a Medicalização da Educação e da Sociedade,
diz de medicalização o processo que reduz questões sociais , políticas e econômicas em
questões individuais e orgânicas. Trata-se de intervenções que não apenas buscam ajustar ou
normalizar o indivíduo, mas objetivam transformar a própria vida, com amparo em diversas
tecnologias médicas. Não critico a tecnologia até aqui produzida, mas a relação que se
estabelece com elas. No caso dos medicamentos psiquiátricos, a questão é o uso equivocado,
ignorando as causalidades, ou então atribuindo a uma só causalidade, no caso, a um
componente cerebral que explicaria tudo e seria a causa de tudo.

CAUSAS DA MEDICALIZAÇÃO

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Eu atribuo às causas do fenômeno da medicalização o imediatismo que procura pelas soluções
milagrosas que seduz a todos, a busca pela exuberância, alta performance e por estar bem o
tempo todo. Nas escolas, espera-se pelo aluno ideal, e tem-se uma intolerância pelo aluno
real. E, sobretudo, um fisiologismo entre a mídia, psicopatologização da vida e a indústria
farmacêutica e que se retroalimentam. Se ligamos a tv, há sempre um programa com algum
profissional de saúde dizendo de um novo transtorno, propondo um novo tratamento. E,
assim, fomenta uma ânsia por diagnósticos, por rótulos – parece ser mais fácil se enxergar por
meio de diagnósticos. O mercado lucra com nosso sofrimento, pois vc consome não só
medicamento, mas também programa de TV, revistas que dizem dos transtornos.

CONSEQUÊNCIAS?

Quais seriam as conseqüências da medicalização? Principalmente, a retirada da autonomia do


sujeito perante sua vida. O sujeito deveria se ver de forma mais ampliada, muito além do
diagnóstico como nome próprio (“sou depressiva”), muito além do que a medicina pode dizer
de sua vida. Quando o indivíduo se deixa cooptar pela medicalização e psicopatologização da
vida, permanece em um lugar de passividade, nada há o que fazer, apenas tomar meu
medicamento pela manhã.

Há a homogeneização das existências, não reconhecendo o direito à diferença e à


singularidade, na medida em que a intenção de que todos funcionem do mesmo jeito,
aprendam do mesmo jeito, se comportem do mesmo jeito.

Por que não escutar o sofrimento? Por que anestesiar a tristeza ou a ansiedade? O sofrimento
pode ser um alerta de que algo não vai bem e que ouvindo-o pode ser o início de uma
mudança pessoal ou social.
A dor pode ser chance de envolvimento mais íntimo da pessoa consigo mesmo, com sua
família, com sua vida. Tal envolvimento pode ser – e normalmente é – terapêutico. Desse
envolvimento a pessoa sair mais forte, mais autônoma mais responsável por si mesma e
perante a vida.

APOSTAS

É possível acenar para um futuro com mais esperança. Há experiências significativas, como
evidenciou uma pesquisa sobre os prontuários do CAPSI de Varginha. A pesquisa mostrou que

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83% das crianças e adolescentes que chegaram sem nenhum medicamento psiquiátrico e
permaneceram assim enquanto foi acompanhado pelo CAPSI. É um numero significativo, se
considerar o contexto que vivemos. Identificou-se também que as crianças e adolescentes que
chegavam com medicamentos tinham sua medicação diminuída. Ou seja, há iniciativas
exitosas e efetivas de não medicalização.

Há o movimento Despatologiza no Brasil e também em Varginha, cujo canal no youtube é esse:


https://www.despatologiza.com.br/ ,
https://www.youtube.com/channel/UCG49CdsvuVk08Ish86r6T6w ,
http://medicalizacao.org.br/ .

Há o dia 11/11, em que se comemora o dia municipal da luta contra a medicalização, em


Campinas/SP.

Usando um termo próprio da medicalização, há propostas que acenam para formas de vida
mais saudáveis:

A prescrição deveria ser não o extermínio dos mal estares, mas o cuidado. O cuidado de si e o
cuidado dos outros. E o cuidado, envolve a presença – essa é a solução. O inferno são os
outros, dizia Sartre. Mas os outros também são a solução.

Prescrição de convivência familiar, que é gratuito, além de tudo. Pode ser mais trabalhosa,
mais demorada, mas não tem efeitos colaterais, o efeito é mais duradouro.

Prescrição de resgatar e manter boas amizades, boas conversas.

Prescrição de literatura, de espiritualidade,

Prescrição de ser o que se é, sem o imperativo da perfeição

Prescrição da aceitação das diferenças, das imperfeições

Prescrição da escuta do que dói para servir de baliza para as decisões ou escolhas a tomar

Prescrição de brincadeiras para crianças.

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