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Cirurgia e Psicossomática

Apostila do Curso de Psicossomática IJEP


Dr Oswaldo Cudizio Filho

O olhar psicossomático tem muito a oferecer ao paciente que vai ser


submetido a um procedimento cirúrgico e aos hospitais aonde vão ser realizados os
procedimentos.
O ato cirúrgico é compreendido como um procedimento de cura técnico e
objetivo por excelência. Pode ser considerado o maior representante de uma medicina
que pretende tratar apenas o físico, afastando-se do estudo dos fatores sociais e
emocionais.
Nem os profissionais nem os pacientes conseguem se adaptar perfeitamente
às prescrições institucionais de afastar os envolvimentos emocionais e, aos poucos, os
ruídos emocionais começam a ser percebidos como potencias problemas a serem
enfrentados pelas equipes cirúrgicas.
Processos contra cirurgiões, brigas ao longo da internação, falhas no
tratamento pós-operatório, complicações não previstas aos poucos vão minando a
confiança no modelo médico moderno.
É muito difícil contrapor uma estrutura poderosa como a hospitalar. Mas é
possível explorar suas brechas.

O paciente

Frente a uma indicação cirúrgica os pacientes reagem das mais variadas


maneiras. Seria sempre melhor que o problema não tivesse aparecido.
É comum sentir-se temeroso aos riscos de uma cirurgia. Nem sempre o sucesso é
uma garantia. Uma série de preocupações o afeta e há a conseqüente procura de
reprimir a atividade mental para evitá-las ou no mínimo tentar controlá-las. Isto produz
algum alivio psíquico, mas outras funções somáticas podem ser sobrecarregadas pelo
desvio da energia psíquica que não conseguiu expressão. Alguém que mata sua emoção,
mata também sua vontade de viver.
As informações recebidas de familiares e amigos que já passaram por situações
semelhantes interferem tremendamente na maneira de reagir e fantasiar sobre a
cirurgia.
As doenças possuem um significado simbólico relacionada a conflitos internos,
tendências arquetipais não desenvolvidas ou não simbolizadas adequadamente. Os
sintomas são símbolos que não puderam entrar no campo da consciência, ser integrados;
uma espécie de recado de nosso mundo interior.
O tratamento, no caso a cirurgia, vai se relacionar com este símbolo que aparece
no pólo corpóreo. Ao fazer sumir algo que talvez não devesse sumir antes de ser
compreendido, pode facilitar o aparecimento de novos sintomas. A tentativa do médico
de ajudar o paciente a ouvir esta mensagem, de ouvir esta visita, pode ser muito útil.
Não devemos nos enganar com as aparências. Todo mundo sente medo ao passar
por um ato cirúrgico. Medo dos riscos inerentes a operação, que nunca tem 100% de
eficiência, medo de ficar incapacitado (talvez ativando o complexo de castração), de
sentir muita dor, das consequências da anestesia, da recuperação demorar mais que o
Previsto, e sobretudo medo de morrer (em parte bem fundamentado, afinal é um
procedimento de risco).

Anestesia
Os acidentes anestésicos recebem ampla cobertura sensacionalista na imprensa.
Como é um procedimento que na fantasia das pessoas não faz parte da cura, não deveria
apresentar riscos. Ouve-se nos consultórios um temor de que durante a cirurgia sejam
retirados órgãos para transplante. É muito difícil saber que será manipulado sem que
possa estar consciente.

Medo da morte
Vivemos a experiência de morrer como se fosse um acontecimento distante,
gerador de angústias e insegurança. No caso de adoecimento logo ligamos a morte a
uma espécie de julgamento de nossa vida pregressa, arrependimento por coisas não
feitas, desejos não cumpridos.

Medo da dor
A dor é uma experiência concomitantemente sensorial e emocional, um
fenômeno psicossomático por excelência. É muito difícil diferenciar a dor da percepção
da dor. Esta experiência subjetiva está sempre relacionada com a história de vida do
paciente.
Podemos afirmar, toda dor sentida é real.
Frente a uma experiência de dor devemos sempre investigar e ampliar a
consciência do sintoma: qual o sentido que o paciente lhe atribui, que causa imagina
para ela, como imagina que possa ser curada, que benefícios secundários contém.
A dor é um campo relativamente novo de estudos científicos. Vamos encontrar a
maior parte das pesquisas da relação do olhar psicológico com o ato cirúrgico
concentradas em algumas áreas aonde costuma ser mais “evidente” o mundo subjetivo,
contribuir com uma alteração na evolução esperada dos pacientes, estudados apenas
com um olhar objetivo e técnico.

Cirurgia cardíaca
A cirurgia cardíaca é um grande evento na vida das pessoas. Vamos interferir no
centro da vida e dos sentimentos. Pode contribuir tanto para preservar a vida quanto
acabar com ela. De modo geral seus resultados são muito bons.
Por tratar-se de um procedimento significativo e complexo, recebe uma ampla
cobertura de mídia. Os cirurgiões cardíacos estão considerados entre os médicos mais
famosos.
Com certeza maior parte da bibliografia sobre o enfoque psicológico na cirurgia
encontra-se nesta área.

O Transplante
Contribuindo com uma grande modificação no tratamento de doenças crônicas,
apresenta-se como uma alternativa para uma melhor qualidade de vida, livrando os
pacientes de tratamento custosos e difíceis.
Contribui com importantes dados para ampliar a compreensão do universo
psicológico que cerca a cirurgia. Necessita da participação de um não doente (o doador)
e receber um órgão de outra pessoa tem importante repercussão no receptor.
No tocante ao doador encontramos estudos sobre os fatores de motivação da
oferta. Descrevem-se vários motivos psicológicos para doação:
 Altruísmo
 Reparação
 Sentimento de culpa
 Fuga
 Suicídio
 Reconquista
 Pressão familiar
 Ganhos financeiros

Outro campo de estudos refere-se às reações emocionais decorrentes do


transplante. Aí costumamos encontrar:
 Rejeição do transplante
 Presença de um órgão estranho
 Relação do doador e receptor
 Medo de ficar com defeitos do doador
 Virar mulher
 Estados regressivos
 Arrependimento
Cirurgia plástica
Pode ser dividida em duas vertentes:
 Estética: busca melhorar a forma, chamar mais a atenção
 Reparadora: busca recuperar a função e restaurar a forma. Em geral o paciente
quer passar a ser desapercebido corrigindo um defeito que chama muita atenção

Fonte de um grande número de reclamação nos conselhos médicos, de processos


civis onde o paciente reclama de não ter obtido o efeito esperado. O cirurgião plástico
está exposto a pacientes com os mais variados distúrbios emocionais. É necessário uma
seleção de critérios para determinar os casos que devem ser operados e um
conhecimento detalhado das motivações dos pacientes.
Convém sempre saber:
 Por que ele deseja operar
 Quando teve a idéia de fazer a cirurgia
 Se alguém o influenciou para buscar o procedimento
 Se existem prejuízos funcionais, profissionais ou sociais
 Se ele conhece algum resultado em casos semelhantes
 O que espera da cirurgia

O estudo clínico do paciente deve sempre estar atento a:


 Antecedentes hereditários
 Psiquiátricos
 Drogadição
 Borderline
 Síndromes dismórficas
 Imagem corporal:
Idealizada
Impressão de terceiros
Objetiva
Narcisismo
Atração sexual
Problemas com envelhecimento

Um serviço com bom acompanhamento de seus pacientes sabe que tem


problemas à vista quando estão presentes situações como pressa excessiva, obsessão e
desconfiança, segredo excessivo, supervalorização de pequenos defeitos, exigência de
reprodução de um modelo prévio, aspirações irreais...
Cirurgia Bariátrica
Cirurgia indicada para tratamento da obesidade mórbida.
O obeso é um tipo de paciente que deve ser abordado de maneira multidisciplinar.
Deve receber uma indicação precisa, cuidadosa avaliação psicológica, clínica e
psiquiátrica.
O acompanhamento do paciente é necessário, pois este deverá adaptar-se a um
novo estilo de vida, lidar com privação de alimentos.
Quem opta pela cirurgia deve saber que está optando por grandes mudanças
internas e externas.

Pós-operatório
Podemos dividir em dois momentos: imediato e propriamente dito.
No primeiro momento podemos encontrar um alívio da tensão gerada pela
ansiedade de enfrentar a cirurgia, uma diminuição das defesas armadas acompanhada de
reações naturais e transitórias. O paciente pode apresentar as seguintes reações como:
 Letargia, apatia
 Depressão reativa
 Reações provocadas por uma perda
 Agressividade
 Reações psicóticas provocadas por toxemias, déficit de oxigenação ou
intoxicação medicamentosa

O segundo momento já se considera o pós-operatório propriamente dito. Implica


na elaboração das limitações a curto, médio e longo prazo; estas concretas, imaginárias,
dificuldades de compreensão do processo de reabilitação.

UTI
A necessidade da UTI em cirurgias de grande porte merece alguns destaques a
parte. Em geral temos UTI de cirurgia e UTI mistas, e sem dúvida a convivência com
pacientes em estado grave interfere no pós-operado. Deve-se atentar que o paciente
encontra-se debilitado e dependente, em estado alterado de consciência, com os
movimentos restringidos, ligado a soro, sonda e monitores.
Nota-se que quando se faz a orientação no pré-operatório, prestando-se
esclarecimentos quanto a UTI e sua rotina, a incidência de problemas é muito menor.
Pode aparecer um aumento da sensibilidade com crises de choro, períodos de
tristeza. É uma fase mais reflexiva; pensar em situações que poderiam ser vivenciadas
de maneira diferente e das coisas que apreciam que gostariam de continuar fazendo.
Sempre devemos estar atentos ao aparecimento de um quadro depressivo.
Geralmente a depressão é reativa.
Para a equipe cirúrgica e para a maioria de nós a agressividade é uma emoção
perturbadora. Dificilmente conseguem entende-la ou considerá-la justificável. Acham
que é acusação de trabalho mal feito. Sempre que aparecer deve-se conversar sobre ela,
encorajar a expressa-la numa entrevista, dizer que já era esperada. A luz ainda é o
melhor remédio.

O paciente apresenta, em geral, algumas preocupações a longo prazo:


 Capacidade para desempenhar o trabalho habitual
 Prática de esporte
 Restrições alimentares
 Tabagismo
 Uso crônico de medicamentos
 Vida sexual
 Re-operação

A escolha do Cirurgião
Geralmente é feita por uma indicação de um amigo de confiança e confirmada
por critérios bastante subjetivos.
O paciente sente-se inseguro quanto à competência, dedicação e seriedade. A
transparência de indecisão e dúvida é tolerada minimamente.
O médico deve ter uma postura paciente e solidária. Deve tomar cuidado com a
armadilha de passar uma imagem onipotente, fantástica, capaz de evitar o sofrimento e
a morte. Muito pior é se o médico passar a acreditar nesta imagem criada.

Conclusão
A psicossomática traz um olhar que pode contribuir para uma humanização do
trabalho cirúrgico, valorizando a escuta dos indesejáveis sintomas afetivos, a
importância da relações afetivas e a presença da transferência.
Uma enorme bibliografia confirma qual a informação aumenta o controle da
ansiedade, fornecendo a impressão que se está numa situação mais controlável.
Lembrar principalmente de apresentar a cirurgia como um tratamento que vai
melhorar o estado atual e não torná-lo “normal” novamente, ressaltar os aspectos
positivos da cirurgia, realizar cuidadosamente uma entrevista prévia que nos fornece as
expectativas que o paciente tem quanto à cirurgia. Nesta entrevista fazer um diagnóstico
psicossomático, conversar sobre a ansiedade, agressividade, reorganizar as vivências
relatadas.
Uma entrevista com familiares pode nos auxiliar a encontrar alguém próximo,
que tem uma representação afetiva significativa para o paciente, e que pode ser um
importante coadjuvante na recuperação
Pode ser interessante organizar grupos de discussão de paciente com a mesma
patologia. Ao ouvir problemas semelhantes, há um alivio saber não ser o único do
mundo com tal problema
A má qualidade da uma relação e sua desagregação agem no corpo e são
péssimas para saúde. O estresse e a forma como o paciente lida com ele trazem
limitações psicológicas no enfrentamento da doença.
Os afetos não fazem mal a saúde.
O melhor procedimento para lidar com a sombra é a luz.

Leituras sugeridas
AIUB, Ana Lucia e cols. Ansiedade em pacientes cardíacos pré-cirurgicos. Ver. Soc.Cardiol. São Paulo. Vol5
n°6 1995
CAZETO, Sidnei Psicossomática e instituição hospitalar. in Psicossoma .Ed. Casa do Psicólogo
DAHLKE, R.A Doença como símbolo São Paulo: Cultrix, 2OOO
ISMAEL, Silvia. Rumos da Psicologia Hospitalar em Cardiologia São Paulo: Papirus 2000,
MELLO FILHO, Júlio Psicossomática Hoje Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

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