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Juiz de Fora
Fevereiro de 2014
Kenia de Souza Serpa
Juiz de Fora
Fevereiro de 2014
Kenia de Souza Serpa
________________________________________________
Prof. Ms. Ricardo Bedendo (UFJF) – Orientador
________________________________________________
Prof. Dr. Márcio de Oliveira Guerra (UFJF) – Convidado
________________________________________________
Prof. Ms. Marise Baesso Tristão (UFJF) – Convidada
Juiz de Fora
Fevereiro de 2014
AGRADECIMENTOS
Caco Barcellos
RESUMO
Este trabalho tem como alicerce o paralelo entre linha criminológica da teoria do
etiquetamento, em especial sua fundamentação interacionista da qual faz parte Howard
Becker, e a construção dos sentidos no jornalismo de segurança pública. O enfoque será a
análise do papel da mídia na disseminação dos rótulos na sociedade e, é claro, a parcela de
responsabilidade do jornalista nesse fenômeno. O estereótipo do criminoso brasileiro e sua
origem também serão apresentados. A proposição das rotinas profissionais no jornalismo de
segurança pública será o contraponto para a existência de rótulos na produção jornalística.
Capas do jornal Meia Hora serão analisadas como forma de buscar a presença de indícios de
elementos da Teoria do Etiquetamento na produção jornalística relacionada à criminalidade
atualmente em nosso país, seja no uso de humor, das “trolagens”, da intensidade, da
exploração de imagens ou reprodução de estigmas.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 07
6 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 55
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 57
ANEXOS ................................................................................................................................ 59
1 INTRODUÇÃO
telejornal sem vislumbrar notícias sobre crimes ou transgressões às normas legais. Por isso, é
comum termos conhecimento das várias prisões, infrações, assaltos e assassinatos que
acontecem a nossa volta. E o crime, enquanto notícia, sempre esteve presente nos meios de
comunicação.
Minha visão acerca do tema pode conter uma angulação diferenciada por eu estar
inserida nesses dois mundos: do Jornalismo e do Direito. Este é um ponto que aprendi a partir
da produção desse trabalho, afinal devo ser transparente com relação as minhas “verdades”.
assunto nos trazem a explicação da produção de sentido no jornalismo, que será exposta no
A análise das capas do jornal Meia Hora será desenvolvida no quinto capítulo. A
relacionadas à criminalidade.
2 A PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO JORNALISMO
sobre as pessoas. Depois, a análise passou a ter ênfase na seleção, divulgação e produção das
vez que a função social da mídia se altera também de acordo com a sua evolução tecnológica.
de sentido no jornalismo.
Nesse sentido, o dia a dia da produção jornalística merece destaque, uma vez que
a teoria deve sempre ser vislumbrada na prática das redações. Por isso, cabe-nos refletir sobre
a problemática das dificuldades e desafios cotidianos dos jornalistas. Durante todo o processo
de construção da notícia existem elementos que interferem na produção de sentidos. Seja nas
fontes colhidas, na maneira como o texto será priorizado, na edição ou na escolha da imagem
utilizada.
2.1 Teorias da Comunicação
lugar aos fatos e passa-se a acreditar que as palavras noticiadas refletem a realidade. (PENA,
2005, p. 125)
Não existe espaço para opiniões e sua busca incessante é pela verdade que os leitores esperam
Hoje, ainda existe quem defenda a teoria do espelho como a mais correta com
jornalistas são contadores de história, estão imersos em processos de construção social das
Conforme preceitua Pena (2005, p. 128), “o jornalismo está longe de ser o espelho
do real. É, antes, a construção social de uma suposta realidade”. Portanto, o jornalista deixa de
ser um agente estático/mediador para ser um agente que constrói a realidade. Nesse sentido
que a autonomia do jornalista é superada pelas imposições da rotina industrial. Entende Pena
que a produção jornalística é realizada. O jornalista, mesmo com uma autonomia submissa,
pode tomar as rédeas de seu trabalho mesmo dentro das grandes corporações da mídia e fazer
matérias merecedoras de publicação são também intermediadas por aspectos mediadores, que
nos fazem convergir até a Teoria do Gatekeeper. Para essa abordagem, a escolha ocorre pela
jornalismo, em 1950. Em sua análise, feita durante observação de um jornalista a quem ele
chamou de Mr. Gates, White concluiu que as decisões do jornalista foram “subjetivas e
Com o tempo, essa teoria perdeu espaço para outras, já que estudos posteriores
concluíram que a seleção das matérias é mais influenciada pelas rotinas profissionais que por
uma avaliação pessoal do jornalista. Nesse sentido foi criado um pensamento contemporâneo
de gatewatching1.
Setting, como é chamado nos Estados Unidos. Criada no início da década de 1970, essa
construção intelectual defende que a imprensa agenda os assuntos a serem abordados nas
1 RECUEIRO (2009, p.49 e 50) faz referência ao pensamento contemporâneo de gatewatching. A partir da
citação indireta de Brunes (2005), a autora demonstra a importância da mídia digital no universo da
Comunicação Social. “Para Brunes (2005) as práticas informativas da internet (e, portanto, nas redes sociais
onlines) podem ser classificadas como gatewatching, e podem complementar e até substituir o gatewatching do
jornalismo tradicional. Para o autor, gatewatching refere-se à observação daquilo que é publicado pelos veículos
noticiosos, no sentido de identificar informações relevantes assim que publicadas. Essa noção é mais adequada
ao trabalho de filtragem realizado pelas redes sociais, muitas vezes especializado, focado em informações que
estão fora do mainstream informacional.
Dentro desta perspectiva, portanto, as redes sociais na Internet agiriam através do gatewatching. Assim, as redes
sociais vão atuar com um duplo papel informativo: como fontes, como filtros ou como espaço de reverberação
das informações. São essas as relações que apontamos como relevantes para o jornalismo no aspecto do estudo
das redes sociais. Essas, assim, são complementares à função jornalística, não tendo o mesmo comprometimento
que estes para com a credibilidade da informação, mas auxiliando a mobilizar pessoas, a construir discussões e
mesmo, a apontar diversidades de pontos de vista a respeito de um mesmo assunto.” [Grifos do original]
assunto as pessoas conversam, mas como é desenvolvido seu entendimento sobre os temas
sociais.
leitor, pois isso está focada na dinâmica organizacional das empresas de comunicação, ou
seja, os meios influenciam os cidadãos a partir da cultura e dos critérios de noticiabilidade das
dentro dos estudos dessa teoria, a confluência entre a agenda midiática e a agenda pública.
sobre a realidade social forma a cultura e age sobre ela”. A mídia passa a ser vista como
determinado espaço em um determinado período temporal. Pena cita Mauro Wolf para
mídia perante à sociedade, torna-se importante a reflexão acerca do conteúdo veiculado como
desses contextos informativos pode ajudar a agendar a vida pública e os valores sociais. A
busca pela isenção encontra percalços por todo o caminho. Sendo assim, nos deparamos com
mais a Teoria Etnográfica que muito pode contribuir para as reflexões dessa pesquisa, acerca
dos desafios dos profissionais de imprensa na busca por um trabalho mais isento e mais
responsável socialmente.
Pena (2005, p. 150) explica que, para a essa linha de pensamento, os jornalistas
devem buscar as diferentes visões acerca de um mesmo fato, despindo-se de seus valores
como qualquer outro profissional, estejam condicionados aos padrões de sua própria cultura.
Talvez a grande dificuldade que os jornalistas têm em aceitar que as notícias não são
o reflexo preciso da realidade seja fruto da ausência de uma observação distanciada
sobre sua profissão. Eles enxergam o mundo sob as lentes de sua própria cultura
profissional, o que também é uma forma de etnocentrismo. Suas rotinas produtivas
acabam absorvendo todo o tempo disponível, contribuindo ainda mais para
aprofundar seus próprios estereótipos e preconceitos. (PENA, 2005, p. 151)
Percebemos e reafirmamos, então, que esse eixo teórico apresenta-se como um
dos mais importantes para os nossos objetivos. O alerta sobre as necessidades de “deixar de
redor torna-se ainda mais complexo quando as dinâmicas de apuração inserem o profissional
em outras instâncias de reflexão crítica, acima de tudo. A Teoria dos Definidores Primários é
noticiada deixam de serem os jornalistas para serem as fontes privilegiadas. Conforme Pena
qualquer notícia”. O autor ainda assevera que isso acontece por serem as fontes institucionais
trabalho jornalístico e os perigos das simples reproduções dos discursos institucionais que, em
alguns casos, podem até reproduzir valores também estigmatizados da sociedade. Por isso, o
diálogo entre essas teorias nos ajuda a perceber as dimensões e os desafios da atividade
redação. Pois, segundo Traquina (2005, p. 25), “seria uma visão romântica imaginar que o
sua obra uma “autonomia relativa” do profissional dessa área e ainda acredita haver
checagem de informações. O que temos hoje são deadlines cada vez mais rígidos e menores.
Para não perderem seus lucros diante do capitalismo da informação, alguns dos veículos de
acreditam que
as novas realidades que o comunicador cria têm público imediato. Elas já estarão
hoje ou amanhã nos jornais, na televisão, no rádio. Tanto no discurso histórico
quanto literário, o sujeito tem tempo para checar, rever, burilar ou até reescrever, no
jornalístico não – o fato é colhido no calor da emoção e o texto redigido na
velocidade que as máquinas e o mercado consumidor exigem. (MAIA e
RODRIGUES, 2008, p. 3)
profundamente na sequência desse trabalho, o problema, em algumas ocasiões, pode ser ainda
mais acentuado pela gravidade de uma informação de uma ocorrência policial, por exemplo,
com diferentes histórias e visões de vida, noticiada sem a devida checagem, já que o tempo de
produção é curto.
qualidade da informação levantada e checada são os pontos chaves para uma matéria
jornalística bem-feita (PEREIRA JÚNIOR, 2006, p. 127). Nesse mesmo viés, estão Maia e
Rodrigues (2008, p. 5), que também entendem ser um problema maior para mídias voltadas
para notícias de violência. Para os pesquisadores, falta a reflexão dos conflitos sociais que
geram os fatos noticiados pelo jornalismo de segurança pública, pois “as coberturas da grande
imprensa, em geral, deixam de apresentar personagens, situações, antecedentes,
com Pereira Júnior (2006, p. 127), “o conflito central da narração jornalística é conciliar o
Pereira Júnior (2006, p. 35), “ao comprar o periódico de sua preferência todo leitor
tacitamente confia que o repórter seja sua testemunha dos fatos. O jornalista vê a ‘realidade’
em seu lugar e deverá traduzir tudo com fidelidade, respeitando o que viu”. Ele ainda assevera
que
Novamente temos a ênfase no fator tempo e nos diversos outros que interferem
tanto diretamente quanto indiretamente no fazer jornalístico. Em muitos casos esses aspectos
estereótipos por jornalistas em suas matérias. Para Pereira Júnior (2006, p. 152), “o desafio é
informações divulgadas.
apuração.
2.3 A apuração da notícia
que muitas são as interferências existentes durante o fato e a criação da notícia. Muitas
também são as trajetórias que o jornalista pode percorrer para chegar a versão final de seu
trabalho. Porém, o que se discute é a existência de métodos mais éticos a serem utilizados na
Para ser bem feita, uma reportagem requer tempo para verificação e espaço para ser
apresentada. Vasta narrativa, apuração interminável: dois problemas para o
jornalismo da era de escassez. O primeiro atributo, de espaço, conspira com o
segundo, de tempo, contra a narração noticiosa. (PEREIRA JÚNIOR, 2006, p. 127)
jornalística cria-se o olhar técnico sobre a realidade, portanto passa-se a noticiar o que se
entende como relevante, ou o chamado “fato-padrão”. Pois, para Mouillaud (apud PEREIRA
JÚNIOR, 2006, p. 25), “‘acontecimento’ jornalístico por excelência é uma versão que se
tornou padrão. O fato – todo ele – é ‘fato-padrão’”. Esses recortes sobre o mundo e os
muitos eixos.
Entre o acontecimento e o público, muitas camadas se intrometem. Os sentidos, o
repertório do sujeito e sua vivência atuam no ato de captação das informações, que
não é feito no vazio. Há também um saber prático, acumulado pela comunidade
profissional, que regula o enquadramento dos eventos a ser noticiados – um certo
jeito de olhar a realidade, próprio do campo jornalístico, organiza o que é relevante
sobre o mundo. Os relatos noticiosos, assim encarados, são nivelados às rotinas
produtivas, que moldam a mercadoria-informação para o consumo. (PEREIRA
JÚNIOR, 2006, p. 27)
Tudo começa com a seleção do que deve ou não ser noticiado, ou seja, o que
merece ou não ir para as páginas de jornal. Nesse sentido, Arbex (apud PEREIRA JÚNIOR,
2006, p. 29) diz que “os fatos escolhidos por determinado narrador não existem isoladamente,
mas são resultado de uma série de eventos”. Por essa linha de raciocínio, complementa o
autor:
Importante se faz dizer que o que pode ser vislumbrado nesse “desreal” noticiado
pelas mídias faz parte do que a sociedade vive hoje. A bibliografia estudada realça que, em
Para construir este real é preciso observar como ocorre o processo de captação, etapa
essencial na construção da notícia. Ao ser respaldado por um método de
investigação, o sujeito-jornalista - que justamente por ser sujeito é falível -, adquire
maior respaldo para a sua atividade profissional. Ao definir suas fontes e referências
de trabalho, o jornalismo começa a dar sentido à realidade, que não pode ser
apreendida de maneira global. (MAIA e RODRIGUES, 2008, p. 4)
velocidade, que, por consequência, deixa a desejar quanto ao conteúdo noticiado, pode ser
jornalista parte em busca das informações já com uma construção prévia da reportagem e,
sendo assim, com a expectativa de apenas confirmar aquilo que lhe parece ser o caminho mais
correto ou a angulação mais adequada. Trabalhamos, então, com a hipótese de que esse tipo
de atuação sugere uma intervenção demasiada dos valores preexistentes do jornalista acerca
Existem, porém, passos a serem seguidos pelos jornalistas para que não caiam em
armadilhas de uma apuração mal executada. Cremilda Medina indica qualidades de uma
narrativa comprometida com o destinatário das informações. Para ela, o jornalista deve:
humanizar o fato sem utilizar de teses feitas e informações dogmatizadas; introduzir cidadania
a sua matéria; Noticiar acontecimentos verdadeiros; e que tenham identificação com aqueles a
Maia e Rodrigues
Ao leitor é apresentado um universo mais complexo, com descrições de sentimentos,
idéias e ações em um sentido diverso ao formulado Pelas narrativas esquematizadas
presentes nas reportagens usuais dos meios convencionais. E isso só ocorre como
resultado de uma apuração mais consistente e aprofundada. (MAIA e RODRIGUES,
2008, p. 5)
Vimos e refletimos até esse momento que a velocidade e muitas outras dinâmicas
meio das notícias, assim como são sugestivas de grandes desafios a serem superados pelos
profissionais de imprensa. Os jornalistas, muitas vezes, buscam simplificar seu trabalho com a
estigmas. Mas como acontece a criação desses estereótipos? Algumas respostas a essa
aprouch”. Com essas ideias vamos entender melhor a construção social do estigma.
ponto, torna-se crucial a discussão do papel do jornalista e sua condição de ator social, sendo
Todas as sociedades criam regras e buscam a partir delas impor uma organização
social. Para isso, estabelece o que seria “certo”, e em consequência, o que seria “errado”.
Portanto, caso determinada pessoa que faz parte de um grupo cometa ação considerada
“errada” será vista como desviante, ou outsider – termo utilizado por Howard Becker2.
2
Sociólogo norte-americano da Nova Escola de Chicago foi representante do interacionismo simbólico e
expoente nos estudos da “labelling aprouch”. Sua principal obra foi “Outsiders”, publicada em 1963.
A realidade empírica de uma sociedade estabelece os comportamentos adequados
a partir da repetição, que se transforma no chamado “padrão” e através da coerção social cria
código penal, porém são em diferentes proporções colocadas como fora do comum desejável,
corriqueiros para explicarem o fenômeno na criminalidade. O que eles perceberam foi uma
alguma característica da pessoa que o comete se torna necessário ou inevitável que ela o
cometa”. (BECKER, 2008, p. 17) Como pensava Cesare Lombroso, um dos maiores
aquele que possui predisposições fisiológicas. Assim como Lombroso, vários estudiosos
sociólogos que iam além da definição do problema para apontar soluções a fim de excluir a
criminalidade. Exemplo disso são as ideias de Clifford Shaw e Henry McKay, do início da
década de 1930.
Shaw e McKay, considerando que a desorganização social das áreas pobres era a
principal causa da criminalidade, concentraram-se em maximizar a capacidade
destas áreas de mobilizar seus recursos de controle social, ou seja, a principal missão
dos residentes destas localidades seria a tomada de iniciativas visando criar vínculos
entre jovens socialmente desmotivados e, também, buscar fontes para promoção de
seu bem-estar, pretendendo, com estas ações, a redução da criminalidade em nível
local. (FREITAS, 2004, p. 61)
Nasceu dessa forma o trabalho de campo da Escola de Chicago que fez da cidade
de Chicago seu grande laboratório social. O ponto de partida para o trabalho de campo
desenvolvido pelos sociólogos foi a teoria ecológica. Para essa teoria “a criminalidade não é
determinada pelas pessoas, mas pelo grupo a que pertencem”. (FREITAS, 2004, p. 66)
social das atitudes das pessoas o que gerava a ocorrência da criminalidade e a maneira
encontrada para a diminuição desta seria por meio de políticas públicas preventivas.
do século XX e a saída encontrada por eles são vislumbradas em grande parte dos bairros de
nossa cidade em pleno século XXI. Exemplo disso foi a sugestão de Robert Park, sociólogo
da Escola de Chicago, de construir playgrounds, que seriam áreas de lazer, para possibilitar a
criação do que ele chama de “vínculos positivos” desde a infância. Essa ideia é da década de
1920 e surgiu quando Park observou que a família, com as condições da vida urbana, deixou
lacuna na formação dos jovens uma vez que os lares se tornaram meros dormitórios.
com plantas. No entanto, até hoje as ideias da Escola de Chicago são importantes para a
criminologia, já que forneceu dados suficientes para a criação de várias teorias que estudam a
Interacionismo Simbólico, criada a partir do trabalho de George Herbert Mead. Essa pregava
(FREITAS, 2004, p. 109). Sua ideia foi precursora das teorias culturais e subculturais.
por sociólogos da Escola de Chicago, dentre eles Howard Becker, tem como base a corrente
“controle” ou da “definição”. Criada entre as décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos
teve vários sociólogos como seus difusores, todos pertencentes à chamada “Nova Escola de
uma vez que a lei não pode ser aplicada de forma mecânica. Portanto, o juiz tem o poder de
tribunal, sob a ótica da teoria do etiquetamento, devem adotar medida distinta em suas
operações, ou seja, devem se ater à letra da lei, pois “eles não retiram (nem podem retirar), de
modo independente, a etiqueta de ‘criminoso’ da lei, mas de suas próprias noções de limite
sistema penal, uma vez que é ele “que a define e reage contra ela, começando pelas normas
abstratas até a ação das instâncias oficiais (política, juízes, instituições penitenciárias que as
approach” de seu fim. As consequências incorporadas por aqueles que sofrem pela chamada
“violência simbólica” decorrente dessa teoria são muitas. Segundo Bourdieu, violência
simbólica é aquela “que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com
a frequência dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la
desenvolveu uma análise do que chamou de estigma. Em sua obra, ele define estigma como
sendo “um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (GOFFMAN, 1988, p. 13).
Não quer dizer que seja uma definição positiva ou negativa do estigmatizado, mas sim uma
desigualdades sociais são motivadoras para o etiquetamento; por isso, o “labelling approach”
afirma que a criminalidade não é inerente ao ser humano, mas sim produto inventado, sendo
O maior expoente do “labelling approach” foi Howard Becker, sendo sua obra
“Outsiders”, reconhecida como obra central da teoria do etiquetamento. Nela, Becker define a
teoria como um instrumento utilizado pelo sistema penal para o exercício do controle social,
O autor explica também a forma de criação das regras sociais e como elas são
comportamento, ou seja, pontuam o certo e o errado, sendo que quando um indivíduo infringe
uma regra é visto pelos demais do grupo como “outsiders” (BECKER, 2008, p.15).
Ele percebeu em sua pesquisa que o senso comum é um fator determinante para a
apreciação do agente desviante. De acordo com o estudo de Becker (2008, p. 16), foi
necessário um recorte no universo de regras existentes na sociedade, pois muitas delas não
possuem valor impositivo. Eram de seu interesse apenas as regras em sentido formal, ou seja,
aquelas que pertencem a um determinado grupo e os indivíduos que não as respeitam recebem
o estigma de desviantes. Acerca desse contexto de criação do julgamento do que seja desvio e
diferentes grupos consideram diferentes coisas desviantes. Isso deveria nos alertar
para a possibilidade de que a pessoa que faz o julgamento de desvio e o processo
pelo qual se chega ao julgamento e à situação em que ele é feito possa todos estar
intimamente envolvidos no fenômeno. À medida que supõem que atos infratores de
regras são inerentemente desviantes, e assim deixam de prestar atenção a situações e
processos de julgamento, a visão de senso comum sobre o desvio e as teorias
cientificas que partem de suas premissas podem deixar de lado uma variável do
processo de julgamento, talvez, com essa omissão, limitem os tipos de teorias que
podem ser desenvolvidas e o tipo de compreensão que se pode alcançar. (BECKER,
2008, p. 17)
número real de crimes cometidos e não apenas aqueles que aparecem nas estatísticas oficiais.
Não há quem nunca tenha praticado crime, em contrapartida, trabalhamos com a hipótese de
que uma parcela pequena de todos os crimes cometidos é investigada e efetivamente vira
processo judicial com repercussão de condenação criminal. Portanto, nosso sistema penal
seria seletivo e, em boa parte das vezes, o determinante para ser etiquetado não é a conduta,
mas sim a situação do agente na pirâmide social. O julgamento ocorre conforme o estereótipo
espaço para um autoritário domínio do campo ideológico de uma população. Segundo Batista
aniquilamento”.
sociedade. O medo que aqui se desenvolve é quanto ao crime, mais precisamente ao agente
criar uma forma rígida de visualização desse agente, forma esta chamada de estereótipo. Mas
do fim da escravidão no país. Sidney Chalhoub (apud BATISTA, 2003, p. 37), em seu estudo
acerca das “operações policiais” da segunda metade do século XIX, conclui que foi nessa
época a criação do conceito de classes perigosas. Sendo elas constituídas dos pobres, negros,
que vivem nas favelas. E para seu aniquilamento, foram criadas, há séculos atrás, políticas
rígidas de policiamento. Nada diferente foi a conclusão do estudo de Cecília Coimbra a partir
de pesquisas realizadas na década de 1990, na cidade do Rio de Janeiro. Ela relatou ser o
pardo, entre 18 e 24 anos, morador de periferia, que não chegou a terminar o primário e é
O conceito de classe perigosa dava o fundamento teórico para o grande debate pós-
abolição. A relação trabalho/ociosidade/criminalidade enriquecia o debate
parlamentar por uma lei de repressão à ociosidade. Estavam presentes nesse debate
os mesmos fundamentos teóricos da estratégia de atuação da polícia para as
primeiras décadas do século XX. A preocupação principal de garantir que, com a
abolição da escravidão, os negros continuassem sujeitos ao trabalho, criou a
estratégia da suspeição generalizada, com os afro-brasileiros vistos como suspeitos
preferenciais. (BATISTA, 2003, p. 38)
Tomando como base que a polícia tem como fundamento para a legalidade de
suas operações o sistema penal, não se pode esperar uma atuação policial divergente aos
preceitos elitistas do sistema do qual faz parte. Isso era uma verdade no passado e pode ser
Nesse ínterim, o tema central dessa análise começa a tomar corpo, pois a
verdadeira indagação é: quem contribui para a difusão desse estereótipo criado? A resposta a
essa pergunta não é única, porém, nos sustentamos noutra hipótese de que uma das pistas está
do que informar e como informar passa a ser relevante também quando reconhecemos ser um
trabalho realizado por pessoas que trazem uma bagagem cultural consigo.
Por isso, a imprensa, como instrumento social, deve ser compreendida como canal
no papel, porque existe uma relação intima entre: o fato real; a expressão jornalística, que
descreveu o fato; e, a reação da coletividade diante da leitura dessa descrição. Por essa
fechamento da edição, uma série de rótulos é utilizada nas escolhas jornalísticas. Já que “o
resultado final do que se publicou como realidade é, antes de tudo, um retrato, particular,
porque ainda assim coletivo” (PEREIRA JÚNIOR, 2006, p. 32). Sendo assim, é importante
entender a causa dessa reprodução de padrões sociais dentro da mídia. Para Nilson Lage, a
resposta está na aceitação social das matérias que apresentam ideias do senso comum.
Tais modelos estão prontos; sua aceitação é garantida. Por isso, bastam alguns
pontos em comum para que se funde um reconhecimento. É por esse meio que se
instaura a generalidade do particular e as notícias tornam-se exemplos de algo sobre
o que há um consenso ideológico. (NILSON LAGE apud PENA, 2005, p. 95)
ético do jornalista não é trazer consigo convicções e talvez até preconceitos. Isso todos temos.
O pecado é não esclarecer para si e para os outros essas suas determinações íntimas, é
comunicação para o qual este trabalha. Uma vez que se vende produto jornalístico sem
descrever quem está construindo aquela realidade, crê-se que o jornalismo é a reflexão da
conhecer suas convicções, pois apenas dessa forma seu trabalho será executado com maior
da “verdade”, o jornalista, como agente individual, deve aprimorar sua produção com uma
melhor verificação da informação, a fim de que não caia nas armadilhas dos rótulos sociais.
segurança pública, uma vez que a repercussão do fato geralmente é maior assim como o
vende”, porém essa não pode mais ser a justificativa para o mau jornalismo e a crítica
criminalidade atualmente se esforça para ser outra. (RAMOS e PAIVA, 2007, p. 17)
Esta crítica deriva de uma ideia construída, há anos, acerca do jornalismo até então
sido um dos setores menos valorizados nos jornais, e costumava ser delegada a profissionais
policial” pouco havia de modificação entre as matérias. Os personagens tinham seus lugares
definidos e o que predominava era a elevação da figura do agente do Estado. Fosse ele,
Embora as autoras ainda considerem que são muitos os desafios de uma cobertura
mais aprimorada na área, elas enfatizam que, com o passar do tempo, esse trabalho foi
a imprensa tem modificado, para melhor, o tratamento que dá aos temas associados
à violência, à criminalidade e à segurança pública. Nas últimas décadas,
especialmente a partir dos anos 1980, o fenômeno da violência urbana se
multiplicou e se tornou mais complexo (RAMOS e PAIVA, 2007, p. 15)
a violência que o país vive pode ser retratada em suas mais diversas camadas e
possibilita evitar vícios como a simplificação “mocinho” e “bandido”, em que
policiais encarnam o papel de “heróis” em uma terra sem-lei; a discriminação com
pessoas de diferentes etnias e/ou vinda de bairros periféricos; opiniões favoráveis a
penas de tortura e morte aos presos; acusações contra pessoas que ainda são
suspeitas; imagens com propósitos exclusivamente apelativos. (MAIA e
RODRIGUES, 2008, p. 5)
É então que nos remetemos a uma das facetas que o jornalista pode assumir no
2005, p.85). O jornalismo possuiria, para o autor, uma função de policiamento da sociedade:
apenas com a atitude da mídia de pautar e apurar um determinado acontecimento que este
exposição do fato noticioso, uma vez que algumas matérias não trazem reflexões acerca das
Uma das críticas mais comuns à polícia é a de que ela corre atrás do crime, sem
capacidade de preveni-lo com planejamento e inteligência. A cobertura jornalística,
mesmo a dos melhores jornais do país, padece em certa medida dos mesmos
problemas. Na maior parte do tempo, ela corre atrás da notícia do crime já ocorrido
ou das ações policiais já executadas, mas tem pouca iniciativa e usa timidamente a
sua enorme capacidade de pautar um debate público consistente sobre o setor
(RAMOS e PAIVA, 2007, p. 25)
mídia responsável por divulgar sobre segurança pública habitualmente noticia crimes como se
o seu papel jornalístico se resumisse a esperar o fato criminoso acontecer para encher as
páginas dos jornais de notícias violentas. E quando isso acontece, os jornalistas, mediados por
inúmeros fatores sociais e institucionais, tomam partido de quem está com a razão? Existe
próximo sub-tópico.
4.3 A teoria do etiquetamento na produção jornalística de segurança pública.
mea culpa da imprensa com relação à possível cobertura estigmatizante, em especial quando o
assunto relaciona-se com periferias e favelas. De acordo com a análise das autoras, a maioria
dos jornalistas dessa área reconhece que os veículos de comunicação possuem grande
responsabilidade pela ideia de que esses locais são simplesmente violentos. Outro equívoco
favelas e periferias com relação aos profissionais do jornalismo de segurança pública. Essa
alteração de conduta dos moradores criou um “muro virtual”, como é chamado por Caco
Barcellos, que é jornalista da TV Globo e ainda aponta uma solução para o problema.
Mesmo que seja complicado, é necessário driblar as regras ou as limitações dessa
cobertura. Os moradores dos morros adoram receber jornalistas. Se a imprensa do
Rio freqüentasse as comunidades com a mesma naturalidade como freqüentam
Ipanema, Leblon e Copacabana, os bairros nobres do Rio, deixaria de existir essa
coisa de cidade partida que muita gente fala. Mas as pessoas têm medo de ir até as
favelas.
Temos que refletir sobre esse medo. O que nasceu primeiro? Esse muro virtual
existe porque eles construíram ou fomos nós que o construímos? Acho que fomos
nós. Tenho certeza de que não estou exagerando. Nós temos uma imprensa
maravilhosa, capaz de produzir textos de alta qualidade, brilhantes, mas que na
cobertura do universo da minoria não tem a mesma eficácia, o mesmo brilho. É
impossível cobrir direito um universo se você não o freqüenta. É preciso estar perto
das pessoas. Não bastam a internet, as fontes de pesquisa. Estas são fundamentais,
mas são acessórios. O jornalista tem que estar perto das pessoas. (CACO
BARCELLOS apud RAMOS e PAIVA, 2007, p. 85)
Favelas no Rio de Janeiro, os erros dessa cobertura “começam pelos pressupostos. Se não
conseguirmos mudar os valores que orientam o olhar da mídia sobre os setores populares,
comunidades.
produção iniciará a caracterização da inevitável mudança, para a qual, segundo Jailson Souza
Silva “exige que o jornalista decida se quer construir um mundo de cidadãos ou apenas de
Nesse mundo, provavelmente uma reportagem sobre um jovem branco, de classe alta, que
anda de carro importado e tenha praticado um crime violento não terá o mesmo valor de uma matéria
segmento (AMARAL apud DAMASCENO, 2013, p.35). Marcia Franz Amaral aponta qual
partir de 1994, na época do Plano Real. Neste tempo, ocorreu a descoberta de um novo
Em contra partida, a última pesquisa dos maiores jornais do país, divulgada pela
Agência Nacional de Jornais (ANJ)4, no meio do ano de 2013, consagra a ideia de que jornais
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Disponível em: http://bloghoradecomunicar.blogspot.com.br/2010/06/entrevista-com-marcia-franz-
amaral.html. Acesso em: 24/01/2014
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Disponível em: http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil.
Acesso em: 24/01/2014
sensacionalistas estão perdendo espaço no atual mercado brasileiro. De acordo com a
pesquisa, o Super Notícias (MG), jornal de cunho popular, que em 2011 era o maior jornal de
O Extra (RJ) caiu da terceira para a quinta posição em 2012 e o jornal Meia Hora
(RJ) estagnou na décima colocação do ranking entre os anos de 2011 e 2012, porém teve
no Brasil. Para Amaral (2010), “pode-se levantar a hipótese de que a fórmula sensacionalista -
Amaral (apud DAMASCENO, 2013, p.34) esclarece que esse conceito, normalmente
utilizado para definir jornalismo popular, é generalista, uma vez que é sensacionalista
apresentadas. Os fatos presentes nas manchetes não serão pormenorizados nas páginas
internas do periódico.
Citando indiretamente Figueiredo e Luz, Damasceno (2013, p.34) esclarece tal problemática.
“Para os autores, nossa sociedade valoriza mais a imagem e o simulacro do que o próprio
real.” Por isso, jornais sensacionalistas fazem fatos corriqueiros se tornarem eventos
midiáticos.
Das páginas sensacionalistas dos jornais às revistas de fofocas com celebridades e à
heterogeneidade da programação televisiva, a massa busca um espetáculo que a
divirta e ao mesmo tempo a integre, ainda que imaginariamente no espaço público –
espaço, como se sabe, historicamente difícil de se constituir num país como o Brasil,
cujas elites sempre sufocaram o Estado e a república com seus interesses privados
(SODRÉ e PAIVA, 2002, p.110). (…) Márcia Amaral (2006) entende que o
entretenimento gerado por esses jornais ‘está intimamente ligado (aos conceitos) da
sensação e da emoção’ (p.5), ou seja, o grotesco permite ao novo jornal popular
entreter ao mesmo tempo em que informa. Ou seja, tornando um fato grotesco, o
jornal permite ao leitor tomar conhecimento dos fatos através de uma leitura fácil e
que se aproximaria do romance. (FIGUEIREDO; LUZ, apud DAMASCENO, 2013,
p.34)
distintos e sua generalização é um equívoco, do qual devemos nos afastar. Quando se utiliza
Meia Hora se enquadrar em uma linha editorial popular-sensacionalista, sendo que a presente
trabalho acadêmico.
debatidos na teoria e ilustrando com os exemplos das capas em todos os seus elementos: na
linguagem utilizada pelo jornal para transmitir os fatos noticiosos; na forma de exposição de
pública. Ao todo, foram analisados conteúdos de dez capas do jornal, no período entre 20 de
devemos conhecer um pouco mais do jornal que será objeto de análise do presente trabalho.
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A proposta que acompanha a análise de conteúdo se refere a uma decomposição do discurso e identificação de
unidades de análise ou grupos de representações para uma categorização dos fenômenos, a partir da qual se torna
possível uma reconstrução de significados que apresentem uma compreensão mais aprofundada da interpretação
de realidade do grupo estudado. (SILVA, GOBBI e SIMÃO, 2005, p. 70)
Criado no dia 19 de setembro de 2005 e com circulação no Rio de Janeiro o
é dona do jornal O Dia e do diário esportivo Marca Brasil. Com baixo custo (R$0,70 de
segunda a sábado e R$1,40 aos domingos) e de fácil compreensão ele tem como objetivo
apresentam noticias da vida de famosos e outras fazem parte do encarte FM O Dia, o qual
e ex-capista do Meia Hora, o nome do tabloide surgiu a partir da ideia do jornal espanhol 20
preto, o jornal faria alusão ao sincretismo religioso e ao time do Rio de Janeiro Flamengo, o
qual é representado pelas mesmas cores. Freitas explicou também o que ele chama de
“tempero especial”, que são os principais conteúdos do jornal: equipe antenada com
conhecimento popular; bom humor (brincar com a notícia, quando possível); fazer jogo de
acredita que o jornal em questão seja sensacionalista, pois, segundo ele, esse conceito estaria
ligado apenas ao fato de “inventar a notícia”, o que não ocorre com a publicação.
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Pela definição do Dicionário Informal, trolagem significa enganação, zueira, brincadeira. Disponível em:
http://www.dicionarioinformal.com.br/trolagem/; acesso em 27/01/2014.
5.1 Humor e estigma
O humor é um recurso muito utilizado nos jornais populares para atrair leitores,
partir da literatura estudada, nem sempre é um aliado favorável ao jornalismo. Esse debate se
profissional, quando nos referimos às manchetes dos jornais. Nesse caso, a presença do humor
pode dar espaço ao discurso de senso comum e, portanto, reducionista, em especial quando
estigmatizadas nas páginas dos jornais, uma vez que a intensidade do humor popular nos
estereótipos sociais.
como já foi dito anteriormente nesse trabalho, deve estar atento para que suas matérias não se
tornem reproduções de seus valores sociais e de seus preconceitos. Da mesma forma, devem
pertinentes às relações também aos discursos obtidos e filtrados nas relações diárias com as
fontes de informação.
maioria das edições e, em muitas, traz indícios que podem afirmar valores e estigmas sociais.
do desviante como dono do poder paralelo, distante do Estado. O humor dessa capa deixa
hollywoodiano. O reforço da imagem deixa a impressão de ser o próprio traficante (Menor P),
da referida matéria, muito poderoso, e alguém que só consegue vencer e aparecer e ter seu
na qual o uso da palavra “japa” para se referir à vítima nos remete ao estereótipo de uma
pessoa asiática, sujeita a todo o tipo de gozações, em especial por causa de suas origens sócio-
culturais.
cerveja e até karaokê”. Embora devamos pensar que a ênfase na descoberta de “cerveja” e
desvios de conduta e de exageros na transgressão do que manda, acima de tudo, o bom senso
da lei - entendemos que a maneira como o título foi descrito e o contexto no qual foi situado
no jornal, nos aproxima de uma problemática semelhante às que estamos tratando: ou seja,
uma avaliação mais aprofundada desse “humor” pode nos mostrar o rótulo social, embasado
na reprodução da ideia de que presídios devem ser lugares insalubres e que os detentos não
são pessoas de direito e que, portanto, nem mesmo teriam possibilidades de algum tipo de
saudação ao novo ano. Além disso, ainda temos a perpetuação da ideia de que a polícia, como
o mocinho da história, salva a sociedade com a frase “Polícia travou a zorra toda”, presente na
mesma matéria.
(Anexo F, p.63). A manchete “Fingiu que cocaína era caspa e foi descabelada pela Polícia”
traz humor, jogo de palavras, composição gráfica da imagem e texto que ajudam a evidenciar
indícios de rotulação, pois chama as suspeitas de “gringas”, numa composição muito próxima
Apesar de o humor ser um atrativo nos jornais populares, essa linha tênue entre o
manuseio das palavras diante dos fatos relacionados à criminalidade, dando espaço ao
grotesco. Um dos desafios, portanto, que argumentamos teoricamente nesse trabalho, refere-
fundamentada em Amaral (2010), que nas publicações ditas populares essa relação, quando
possível, deve ser bem administrada pelo profissional do jornalismo, para que suas matérias
não se tornem uma desinformação para a sociedade, bem como instrumentos para a
no Papai Noel!”. O uso da foto do suspeito de roubo nos EUA, em sintonia com o texto criado
pelo jornalista, traz à tona um jogo de palavras (com referência, inclusive a títulos de
mais nos preocupa é o de cunho institucional, alimentado pela linha editorial em análise: é o
os rótulos oriundos da tragédia alheia. Ou seja, diante da ausência de pautas locais ou mesmo
informação, o jornal foi buscar um tema no exterior, apenas para alimentar a prática, pensada
que vai lucrar dobrado com a Copa – A coca do mundo é nossa”. Nesse exemplo, a
“heróis nacionais”, que podem vencer uma determinada competição, aqui no caso, de poderes.
apresenta grave.
A manchete poderia ser um alerta para a polícia ou mesmo para a sociedade civil,
porém o uso desses recursos nessa matéria pode contribuir, ainda mais, também para dar
moldes mais volumosos aos estigmas de um debate polêmico, que presenciamos atualmente
manuseio de expressões ocupou praticamente toda a capa do jornal. Com o título “Armou a
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Várias produções, inclusive infantis, fazem uso da expressão “deu a louca” em seus títulos, como, por exemplo,
“Deu a louca na Chapeuzinho”. Disponível em: Adorocinema.com; acesso em: 27-01-2014.
barraca na praia, descabelou o palhaço e foi preso”, a manchete tem apelo sexual (e portanto
nos convida a pensar sobre tabus e rótulos sociais) e a “trolagem” passou do limite ao utilizar
expressões chulas para definir a atitude do acusado que foi levado à delegacia.
utilizados para potencializar as sensações dos leitores ao terem contato com a capa do jornal.
Podemos ver também expressões que indicam valores sociais estigmatizados, o que deixa a
informar, mas estimular o debate público acerca das principais questões sociais, estimulando a
cidadania.
matéria principal temos “está em cana” e “bolsos cheios de dindim”. O uso de linguagem
popular tem o intuito de provocar o humor e a intensidade da informação. O que mais nos
contextualizada dessa forma. Novamente, nos parece muito clara a impressão de que tal
anteriormente. Essas repetições dão ênfase aos padrões de condutas sociais regulados por
da segurança pública para além da expressão “policial”. São elas: “pela-saco”, “vai em cana”,
Mais expressões que dão corpo e podem provocar perigosos estereótipos sociais
são encontradas na edição do dia 03/01/2014 (Anexo E, p.62), como é o caso de: “monstro”,
“tarados” para citar outros suspeitos. Estas expressões não só trazem riscos de distorção da
Segurança Pública já foi abordada no capítulo anterior, porém resta necessária a busca de
outras expressões que nos ajudem a compreender qual em qual tipo de jornalismo se enquadra
o Meia Hora.
manchete “Valentão do CV fica manso e vai curtir quentinho da cadeia”, aborda a prisão de
repleto de homicídios. A manchete principal é “Dona flor de São Gonçalo mata um de seus
maridos com 10 facadas” e a outra matéria é intitulada “Banho de sangue na baixada”, na qual
Assim como nas demais edições do jornal, a capa é apresentada ao leitor sem
estamos mais próximos de matérias “policialescas”, dando indícios que vai apresentar
policial superficial, que busca através de simplificações dos fatos informar uma população
que merece um material jornalístico melhor desenvolvido. Nesse sentido, passemos para
algumas conclusões.
6 CONCLUSÃO
etiquetas da sociedade até mesmo fora das reportagens. Conversas corriqueiras me mostraram
que se passou desde a sua criação continua mais atual do que esperava inicialmente.
jornalistas lançam mão, muitas vezes, de personagens da dramaturgia, entre eles Rambo e
Dona Flor.
Fica fácil perceber que os etiquetados são, em regra, aqueles que pertencem às
camadas mais baixas da pirâmide social. Porém também se vê pessoas conhecidas da mídia
É inadmissível que um jornal brasileiro de grande vendagem faça uso desse tipo
de linguagem para noticiar fatos criminais, pois o uso da intensidade, do duplo sentido e da
leitores vazios.
que reforça a reprovação social daquela ação, rotulando os desviantes, os quais se tornam
estigmatizados.
fértil para o humor e a “trolagem”, já que a aceitação social desses elementos é instantânea.
suas manchetes em sua capa promove a ideia da violência simbólica, a qual é exercida com a
outros rotulados.
responsabilidade social e acabei convencida pelas ideias de Marcia Franz Amaral. Portanto,
pode sim ser feito diferente, basta uma conscientização dos profissionais quanto ao poder que
estes detêm.
capítulo, no qual durante a citação do livro Mídia e Violência de Silvia Ramos e Anabela
Paiva fica claro que existe mea culpa por parte dos jornalistas. Ou seja, o primeiro passo foi
dado, resta saber se uma mudança real nas matérias jornalísticas vai acontecer.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Márcia Franz. Entrevista com Márcia Franz Amaral. 2010. Disponível em:
http://bloghoradecomunicar.blogspot.com.br/2010/06/entrevista-com-marcia-franz-
amaral.html. Acesso em: 24/01/2014
ANDRADE, Fábio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: A Influência dos Órgãos da Mídia
no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Maximo x Cidadania Mínima. Porto
Alegre: Livraria do advogado, 2003.
BATISTA, Vera Malaguti. O Medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma
história. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
BECKER, Howard. Uma teoria da Ação Coletiva. Tradução de Gilberto Velho. Rio de
Janeiro: Zahar, 1977.
BEDENDO, Ricardo. A notícia em tempo real X o contexto da vida real: reflexões sobre
jornalismo e segurança pública. In: X Encontro Regional de Comunicação. Trabalho
apresentado no DTJornalismo, Facom, 2012.
SILVA, Cristiane Rocha; GOBBI, Beatriz Christo; SIMÃO, Ana Adalgisa. O uso da análise
de conteúdo como uma ferramenta para a pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do
método. Organ. rurais agroind., Lavras, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2005.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como são. 2.ed.
Florianópolis: Insular, 2005.
Anexo A
Anexo B
Anexo C
Anexo D
Anexo E
Anexo
F
Anexo G
Anexo H
Anexo I
Anexo J