Você está na página 1de 208

Jornalismo, gêneros

e formatos
Estado da arte e diálogos contemporâneos

Organizadoras
Marli dos Santos
Clarissa Josgrilberg Pereira
Ana Carolina Temer
Maria Elisabete Antonioli
Roseméri Laurindo

1
Biblioteca Universitária da FURB

J82 Jornalismo, gêneros e formatos:


estado da arte e diálogos con-
temporâneos / organizadores:
Marli dos Santos, Clarissa Jos-
grilberg, Ana Carolina Temer,
Maria Elisabete Antonioli, Ro-
seméri Laurindo. - 1. ed. - Blume-
nau: edifurb, 2021.

208 p. : il.

Obra realizada em parceria en-


tre Cásper Líbero, FURB, ESPM,
UFG e INTERCON.

Inclui bibliografias.

ISBN: 97865.....

1. Jornalismo. 2. Jornalismo - As-


pectos sociais. 3. Jornalismo -
Aspectos políticos. 4. Redação
de textos jornalísticos. 5. Análise
do diálogo. I. Santos, Marli dos.
II. Clarissa, Josgrilberg. III. Temer,
Ana Carolina. IV. Antonioli, Maria
Elisabete. V. Laurindo, Roseméri.
VI. Título.

CDD 070

Ficha catalográfica elaborada por


Everaldo Nunes – CRB 14/1199
Parceiros: Cásper Líbero, FURB, ESPM, UFG e
INTERCOM

JORNALISMO, GÊNEROS E FORMATOS


ESTADO DA ARTE E DIÁLOGOS
CONTEMPORÂNEOS

Organizadoras: Marli dos Santos, Clarissa


Josgrilberg, Ana Carolina Temer, Elisabete Antoniolli e
Roseméri Laurindo

2021
SUMÁRIO

5 APRESENTAÇÃO
9 INTRODUÇÃO
17 PARTE 1 – ESTADO DA ARTE 10 ANOS DE
PESQUISA EM GÊNEROS JORNALÍSTICOS
40 AUTORES
43 PARTE 2 – DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS
45 O (en)canto que vem das ruas: leituras das crônicas
de João do Rio e Luiz Antonio Simas em Comunicação
Social (Jornalismo)

61 A cobertura da Folha de S.Paulo sobre a liberdade


do ex-presidente Lula: um estudo sobre os gêneros
jornalísticos que compuseram seu noticiário
79 O Fact-checking à Luz da Teoria dos Gêneros Jorna-
lísticos: o Jornalismo Interpretativo e seu Potencial de
Educar para as Mídias
97 A Reportagem Interpretativa como Gênero da Checa-
gem: Reflexões sobre a Experiência do NUJOC
118 Um olhar para Profissão Repórter a partir das vozes
de quem produz o programa
142 A Intersubjetividade na Cobertura de Saúde: O Jornlis-
mo e a Pandemia do Coronavírus no Brasil
161 Realeza na Mídia: O Jornalismo de Entretenimento e a
Invasão de Privacidade de Pessoas Públicas
188 O jornalismo de periferia como gênero: uma análise
dos princípios editoriais da Agência Mural
204 AUTORES
APRESENTAÇÃO

Em 2018, ao completar 10 anos de existência, o GP,


reunido sob a coordenação de Ana Carolina Temer e da
vice-coordenadora, Clarissa Josgrilberg Pereira, planejou
a realização de uma pesquisa que abordasse o estado da
arte das pesquisas apresentadas no GP de 2009 a 2018. No
ano seguinte, empreendeu-se o estudo sob a coordenação
de Clarissa Josgrilber Pereira e como vice-coordenadora
Marli dos Santos, os resultados foram apresentados no 420
Congresso Nacional INTERCOM, em Belém, Pará. Poste-
riormente, os dados bienais foram reunidos para uma aná-
lise dos 10 anos de produção, para uma leitura longitudinal.
Esta publicação é resultado desse processo investi-
gativo, e está estruturada em duas partes. Na Parte 1 são
apresentados os referenciais teóricos, procedimentos me-
todológicos adotados na pesquisa empreendida e os re-
sultados e análises decorrentes dos dados coletados nos
218 trabalhos disponíveis nos anais dos eventos da INTER-
COM. O período de 10 anos foi dividido em cinco unidades
de pesquisa, sendo que cada participante ou participantes
foram incumbidos de coletar e analisar os dados em dois
eventos, conforme consta a seguir:

• Elisabete Antonioli – 2009-2010


• Roseméri Laurindo – 2011-2012
• Marli dos Santos, Carlos Humberto Ferreira Silva
Junior e Izabel Marques Méo – 2013-2014
• Clarissa Josgrilberg Pereira – 2015-2016
• Ana Carolina Temer – 2017-2018

5
Já na Parte II foram reunidos os artigos apresenta-
dos durante o 430 Congresso Nacional da INTERCOM, em
2020, selecionados pela coordenação do GP e as coorde-
nadoras convidadas para as 4 sessões, para as quais foram
realizadas as chamadas temáticas, que abrangeram: Gêne-
ros, Inovações e Entretenimento; Gênero e Narrativas; Gê-
neros: Opinião e Informação; e Gêneros, Desinformação e
Educação Midiática. No total foram 25 trabalhos aprovados,
sendo que de cada uma das sessões foram selecionados as
duas pesquisas que mais se aproximaram da proposta das
temáticas divulgadas na chamada de trabalhos. A seguir,
apresentamos as ementas das chamadas divulgadas para
a submissão de trabalhos:

Gêneros, Inovações e Entretenimento

A sessão pretende reunir trabalhos que focalizem as


reconfigurações dos gêneros jornalísticos perante investi-
mentos no entretenimento. Busca entender os critérios da
abordagem do cotidiano com o tom humorístico de novas
plataformas jornalísticas. Quer reunir observações sobre
contextos e formas de conteúdos noticiosos no que se
considera entretenimento, ou os chamados infotainments.
Hibridização e transformações no jornalismo a partir do en-
tretenimento. Os limites entre jornalismo e o humor e o ca-
ráter informativo quando o propósito é divertir. O jornalismo
como companheiro dos momentos de ócio. Entre a leveza
da linguagem e a dureza da abordagem. Interfaces entre
espetáculo e referencialidade no jornalismo diversional.
Peculiaridades diversionais no jornalismo. A questão au-
toral na abordagem jornalística diversional. Estratégias de
entretenimento para atrair o jovem ao universo jornalístico.
O entretenimento como via empreendedora no jornalismo.

6
Gêneros e Narrativas

O objetivo é trazer para as discussões produções do


webjornalismo, que abordem as diversas estratégias nar-
rativas para web (infografia, podcasts, realidade virtual,
newsgame, fotografia 360 etc.) e como estes perpassam
os formatos e os gêneros jornalísticos. Relaciona as roti-
nas produtivas, o perfil do profissional e o consumo desses
conteúdos e suas contribuições no entendimento da cons-
trução dos gêneros e formatos jornalísticos. Discute o en-
sino e a formação de jornalistas para a produção de novas
narrativas no webjornalismo. Aborda as iniciativas inova-
doras realizadas por jornalistas tanto no âmbito comercial
quanto no cooperativo e alternativo.

Gêneros: Opinião e Informação

Homenagem aos 35 anos do livro “A opinião no Jor-


nalismo Brasileiro”, resultante de uma pesquisa desenvolvi-
da pelo professor José Marques de Melo na década de 1980,
que ainda permanece um clássico para a compreensão do
perfil do jornalismo brasileiro. A proposta dessa temática
envolve as origens do jornalismo no Brasil e como elas se
relacionam com as tendências internacionais, em particu-
lar nas situações que englobam os conteúdos opinativos.
Os gêneros opinativos cultivados pelos seus produtores e
a organização do trabalho dos jornalistas dentro das em-
presas. Análise comparativa dos processos jornalísticos e a
presença de conteúdos opinativos no material informativo.
Jornalismo opinativo e coberturas especializadas. O cresci-
mento dos conteúdos opinativos em tempos de pandemia
e reformulação do jornalismo. Conteúdos opinativos e a

7
vedetização dos jornalistas. Contradições entre os conte-
údos informativos e opinativos. O conteúdo opinativo e a
questão da objetividade e credibilidade no jornalismo.

Gêneros, Desinformação e Educação Midiática

A sessão reúne trabalhos que relacionem gêneros


e formatos jornalísticos com a desinformação/fakenews,
considerando que uma das estratégias da desinformação é
mimetizar o jornalismo, buscando se aproximar da sua cre-
dibilidade como discurso social. Também propõe discutir
morfologias híbridas no jornalismo digital e o impacto na
percepção do leitor. A relação entre jornalismo e entrete-
nimento e as consequências da desinformação. Gêneros
jornalísticos no ensino fundamental, médio e superior como
política pública contra a desinformação. A abordagem de
gêneros e formatos jornalísticos em cursos e oficinas sobre
educação midiática. A contribuição dos veículos jornalísti-
cos na orientação sobre os gêneros e formatos. A percep-
ção de leitores sobre gêneros jornalísticos e desinformação.

8
INTRODUÇÃO

Inicialmente, cabe destacar que o GP Gêneros Jorna-


lísticos foi criado pelo professor José Marques de Melo, pri-
meiro doutor em jornalismo no Brasil, e que no ano de 1977
idealizou e foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom)1,
a principal associação de pesquisadores em comunicação
no país.
O professor José Marques de Melo criou na Inter-
com, o GP Gêneros Jornalísticos no ano de 2009, durante
o 320 Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
realizado em Curitiba, Paraná, de 4 a 7 de setembro na Uni-
versidade Positivo, sob o tema Comunicação, Educação e
Cultura na Era Digital. Foi também o primeiro coordenador
do Grupo.
A criação deste novo espaço de discussão visava a
“sistematizar as reflexões nacionais existentes a respeito de
gêneros jornalísticos e, consequentemente, tornar o assun-
to acessível não só a professores, alunos e profissionais da
área, mas também a alguma parcela interessada da socie-
dade” (ASSIS, 2009, p.1). O GP foi criado com a seguinte
ementa e os seguintes objetivos:

Ementa

O conceito de gêneros e seus usos no jornalismo. Pes-


quisas sobre gêneros em quatro categorias: 1) Gêneros
no jornalismo impresso; 2) Gêneros no radiojornalismo;
3) Gêneros no telejornalismo 4) Gêneros no ciberjornalis-

1 Disponível em: http://www.portalintercom.org.br/eventos1/gps1/gp-generos-


-jornalisticos. Acesso em: em 30 de junho de 2019.

9
mo e outros espaços digitais. Gêneros jornalísticos e suas
relações com outros conteúdos midiáticos. A questão da
hibridização e a formação de novos gêneros. Formatos e
categorias jornalísticas. Novas formatações e gêneros no
jornalismo alternativo. O jornalismo especializado e suas
características de linguagem e formatação.

Objetivos

1) revisar criticamente o conhecimento acumulado so-


bre gêneros jornalísticos, elaborando relatos periódicos
sobre o estado da arte; 2) observar sistematicamente a
natureza dos gêneros jornalísticos cultivados pela mídia
brasileira, disseminando estudos que possam suscitar o
diálogo com os seus produtores e usuários; 3) elaborar
material didático sobre gêneros jornalísticos para uso nas
universidades e escolas de segundo grau de todo o país;
e 4) manter permanente diálogo com os membros da co-
munidade acadêmica mundial que se dedicam ao estudo
desse objeto (ASSIS, 2009, p.1)

Em seus dez anos de existência, completados no ano


de 2018, o Grupo contou com 218 trabalhos apresentados, o
que resultou uma média de 21,8 trabalhos por evento. Teve
como coordenadores e vice-coordenadores a seguinte
composição, conforme Quadro 1.

Coordenador Vice Período


José M. de Melo Francisco de Assis 2009 - 2012
Roseméri Laurindo Demétrio de A. Soster 2013 – 2016
Ana Carolina Temer Clarissa J. Pereira 2017 – 2018

Nesse período foram feitas duas pesquisas coletivas


que resultaram na publicação dos livros: “Gêneros jornalís-
ticos - teoria e práxis”, lançado em 2012, e “Jornalismo com-
parado - um dia na imprensa brasileira”, publicado em 2015.

10
O início dos trabalhos sobre Gêneros Jornalísticos
na obra de Marques de Melo é resultado da tese de livre-
-docência do autor na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP), em um trabalho que
resultou no livro “A opinião no Jornalismo Brasileiro”, lan-
çado em 1983. Nesse trabalho é apresentada uma análise
sobre os gêneros jornalísticos no Brasil, com considerações
sobre as características específicas do jornalismo brasileiro,
mas igualmente considerando a característica mutante dos
gêneros, que se modificam e se adaptam a novos veícu-
los, novos contextos, novas formas de produzir e consu-
mir os produtos midiáticos, e em particular, o jornalismo.
Inspirado nos postulados dessa obra, Marques de Melo dá
início a uma série de pesquisas em jornais impressos bra-
sileiros, que igualmente resultam em obras clássicas, entre
elas “Gêneros Jornalísticos na Folha de S. Paulo”, publicado
em 1992, e mais recentemente, “Gêneros Jornalísticos no
Brasil”, em coautoria com Francisco de Assis, de quem era
orientador, publicado em 2016. Além dessas obras voltadas
para o jornalismo impresso ou para uma catalogação mais
ampla sobre gêneros jornalísticos, Marques de Melo tam-
bém produziu artigos e trabalhos de pesquisa em conjunto,
e foi o responsável pela orientação de teses e dissertações
que apresentaram classificações sobre gêneros voltadas
para veículos específicos, como televisão, rádio e web, mas
também para detalhamento de diferentes gêneros, contri-
buindo assim para melhorar suas definições/catalogações.
Marques de Melo (2009) assinalou ainda que, quan-
do voltou a pesquisar sobre os gêneros jornalísticos brasi-
leiros, na primeira metade dos anos de 1980, durante sua
tese de livre docência, evidenciou algumas mudanças
1) o vulto de matérias focalizando “serviços” não mais ca-
bia no formato “nota” do gênero informativo, sinalizando

11
a emergência do gênero utilitário; 2) a presença de ma-
térias do tipo enquete que se desgarravam dos formatos
entrevista ou reportagem, denotando o reflorescimento
do gênero interpretativo; e 3) o aparecimento significativo
de textos conotados pelo humor ou pela ironia que dei-
xavam de perfilar no território pertencente ao gênero opi-
nativo, ensejando o cultivo do gênero diversional (2009,
p. 5).

Cabe observar, também, que no seu trabalho intitula-


do “Gêneros jornalísticos no Brasil: o estado da questão” e
apresentando no GP Gêneros Jornalísticos no ano de 2009,
Marques de Melo comentou sobre sua pesquisa inicial em
1966, a qual evidenciou a presença de três gêneros jor-
nalísticos na imprensa diária: informativo, interpretativo e
opinativo. Disse ainda que na década de 1970, essa trilogia
informativo-opinativo-interpretativo ganhou legitimidade
na academia nas disciplinas das matrizes curriculares dos
cursos e “obteve também reconhecimento corporativo, in-
tegrada à “cultura jornalística” daquela “conjuntura históri-
ca” (MARQUES DE MELO, 2009, p.4).
Ainda, segundo o pesquisador, na década de 1990
outra pesquisa foi realizada, juntamente com o professor
Paulo Roberto Botão, confirmando as evidências de estu-
dos efetuados anteriormente, com o reconhecimento da
vigência de formatos que correspondem, em sua maioria,
“aos gêneros informativo (nota, notícia, reportagem, entre-
vista) e utilitário (serviço), e secundariamente aos gêneros
opinativo (editorial, artigo, resenha, coluna, caricatura, car-
ta) e interpretativo (enquete)” (MARQUES DE MELO, 2009,
p.7).
Mais uma pesquisa efetuada, dessa vez com Carlos
Vogt no Laboratório de Jornalismo da Universidade Esta-
dual de Campinas - UNICAMP, no ano 2000, forneceram os

12
mesmos resultados. No caso do gênero informativo, privi-
legiando os formatos notícia, reportagem e entrevista. Com
relação ao gênero opinativo, os formatos mais difundidos
foram comentário e artigo.
Em relação a teses e a dissertações foram inúmeras
as pesquisas orientadas por ele, sendo que as mais recen-
tes aprofundaram sua nova proposta de classificação, que
passou de dois gêneros (Informativo e Opinativo) para cin-
co (Informativo, Interpretativo, Opinativo, Utilitário e Diver-
sional).
Nas publicações de Marques de Melo há destaques
para os estudos pioneiros sobre gêneros jornalísticos atri-
buídos a Jacques Kayser, que teve produção relevante so-
bre o tema, divulgada em seu livro póstumo, lançado em
1963, “El periódico: estudios de morfologia, de metodolo-
gia y de prensa comparada”. Esse papel de referência, que
partiu da França para o mundo com Kayser, coube mais
tarde a Martínez Albertos, na Espanha, depois a Irena Tete-
lowska, da Universidade de Cracóvia. No Brasil, os gêneros
jornalísticos, como recorte importante dos estudos da im-
prensa, se disseminaram a partir de Luiz Beltrão, da Univer-
sidade Católica de Pernambuco, Recife, especialmente na
trilogia “A imprensa informativa (1969), Jornalismo Interpre-
tativo (1976) e Jornalismo opinativo (1980)” (MARQUES DE
MELO, 2010, p. 15-16).
Marques de Melo também destaca que outros auto-
res brasileiros, como Rizzini (1957) e Werneck Sodré (1966),
fazem registros em seus estudos sobre a narrativa jorna-
lística, mas não há uma noção aprofundada sobre estudos
nessa área no Brasil que pudessem delinear trajetória e
eventuais perspectivas de gêneros jornalísticos entre os
pesquisadores. A oferta da disciplina na pós-graduação
stricto sensu oferecida pelo pesquisador alagoano, bem

13
como sua atuação como pesquisador em universidades
brasileiras, especialmente a Universidade Metodista de São
Paulo (UMESP), demarcaram um território de estudos em-
píricos no qual ingressantes nos cursos de mestrado e dou-
torado tornaram-se produtores de pesquisas e nucleadores
de estudos sobre gêneros no Brasil em suas localidades de
origem.
A produção científica de Luiz Beltrão e Marques de
Melo trouxeram à tona o debate sobre a questão dos gêne-
ros e provocaram pesquisadores a realizar novas classifi-
cações. Entre estas propostas destaca-se a de Manuel Car-
los Chaparro que realizou um debate sobre o paradigma
até então adotado nos estudos de Marques de Melo, que
separava informação de opinião. Em “Sotaques d’aquém e
d’além mar – travessias para uma nova teoria de gêneros
jornalísticos” (2008), Chaparro faz uma proposta de clas-
sificação baseada nas ciências da linguagem, discutindo a
perspectiva teórica apresentada por Marques de Melo em
“A opinião no jornalismo brasileiro”. Trata-se de uma aborda-
gem a partir das ciências da linguagem, baseada na prag-
mática, que traz também importantes contribuições para os
estudos de gêneros. Chaparro (2008) propõe uma classifi-
cação considerando os gêneros como relatos ou comentá-
rios, argumentando que a separação clássica entre opinião
e informação foi uma estratégia adotada pelo pioneiro jor-
nal britânico Daily Courant, publicado a partir de 1702, que
dividiu notícias de comentários, como maneira de atrair a
atenção do público. Ao propor a classificação dos gêneros
relato e comentário, Chaparro se inspira na botânica para
as nomenclaturas, atribuindo ao relato as espécies narrati-
vas e práticas, e ao comentário, espécies argumentativas e
gráfico-artísticas. Ressalta o autor que gêneros não se divi-
dem em opinião e informação, e que essas são característi-
cas não excludentes e nem exclusivas de um gênero, pois,

14
os relatos são resultados de escolhas em todo o processo,
desde o enfoque da pauta, passando pelas fontes e a es-
colha lexical; assim como os comentários não prescindem
da informação, sem as quais não há condições de opinar.
Dessa forma, tanto Marques de Melo quanto Chaparro são
considerados os dois teóricos brasileiros de referência nos
estudos de gêneros jornalísticos.
Outros pesquisadores também trazem contribuições
relevantes, como Lailton Costa (2010) que apresenta um
estado da arte naquele momento, tendo como referência
a taxonomia proposta por Marques de Melo, que evoluiu
de uma classificação que separava gênero informativo de
opinativo, para um rol de cinco gêneros, e seus respecti-
vos formatos, resultado de pesquisas empíricas realizadas
pelo autor. Costa reconhece, em sua revisão, a dificuldade
em apreender o conceito de gêneros jornalísticos, atribuí-
da à fragmentação das práticas jornalísticas em diferentes
meios. O autor chega a questionar se é “possível apresen-
tar um conceito de gênero jornalístico que se sobreponha à
diversidade de mídia?” (2010, p. 47). De todo o modo, Costa
traz uma definição de gênero:
um conjunto de parâmetros textuais selecionados em
função de uma situação de interação e de expectativa dos
agentes do fazer jornalístico, estruturado por um ou mais
propósitos comunicativos que resulta em unidades tex-
tuais autônomas, relativamente estáveis, identificáveis no
todo pelo processo de transmissão de informações por
meio de uma mídia/suporte (COSTA, 2010, p. 47).

Alguns autores tratam de outros critérios para a clas-


sificação de gênero. Lia Seixas (2009) apresenta um levan-
tamento sobre esses autores e critérios adotados, citando
os aspectos considerados por pesquisadores espanhóis
para definição do gênero, como característica do texto,

15
autoria, temporalidade do fato, tema, entre outros, como
aspectos considerados como importantes para a classifi-
cação de gêneros, identificando “um critério-chave: fun-
ção ou finalidade”. A pesquisadora identifica nos autores
espanhóis, especificamente da Universidade de Navarra,
nos norte-americanos e nos brasileiros a recorrência desse
critério. “No Brasil, Luiz Beltrão falava de função, enquan-
to José Marques de Melo classificou os textos produzidos
pela indústria jornalística por ‘intencionalidade dos relatos’
e ‘natureza estrutural dos relatos’ (2009, p. 63). Há autores
que seguiram também caminhos diversos, eventualmente
recorrendo a clássicos, como Bakhtin (1993).
O último trabalho que Marques de Melo orientou
aborda gêneros na internet, doutorado realizado por Claris-
sa Josgrilberg Pereira, intitulado “Jornalismo digital e novas
tecnologias: estudo de gêneros e formatos nos principais
sites jornalísticos brasileiros” (2018), que apresenta novos
formatos a partir dessa nova classificação. A pesquisadora
confirma o impacto do meio nos formatos na internet, apli-
cando a matriz impressa para novas descobertas na pes-
quisa empírica em sites e portais de veículos jornalísticos.

16
PARTE 1 - ESTADO DA ARTE 10
ANOS DE PESQUISA EM GÊNEROS
JORNALÍSTICOS

17
Referencial Teórico

Os gêneros jornalísticos são o agrupamento das con-


téudos elaborados a partir aspectos técnicos da produção
jornalística e de elementos discursivos ou normas de re-
dação que conferem a eles características semelhantes e
que estão relacionadas a formatos característicos (TEMER,
2009).
Em termos gerais, os gêneros refletem um momen-
to da sociedade, e estão inseridos em uma relação que ao
mesmo tempo em que auxilia a produção de conteúdos,
também facilita a leitura destes trabalhos. Os gêneros, por-
tanto, são elementos contratuais que envolvem a relação
entre emissor e público: uma promessa de conteúdo e um
conjunto de possibilidades linguísticas-visuais já conheci-
do por produtores e receptores.
Embora os estudos sobre gêneros remontem a anti-
guidade clássica, com a separação entre tragédia e comé-
dia, os estudos modernos sobre gêneros jornalísticos são
atribuídos a Jacques Kayser, que difundiu o tema em um
curso no Ciespal. Essa tragetória teve continuidade com
Martínez Albertos, na Espanha, e depois com Irena Tete-
lowska, da Universidade de Cracóvia. No Brasil os estudos
dos gêneros jornalísticos foram iniciados com a triologia
A imprensa informativa (1969), Jornalismo Interpretativo
(1976) e Jornalismo opinativo (1980) (MARQUES DE MELO,
2010, p. 15-16), de autoria de Luis Beltrão, da Universidade
Católica de Pernambuco, Recife.
Discípulo de Beltrão, Marques de Melo dá continui-
dade a esse estudo e, em 1985, faz uma classificação sobre
gêneros a partir da ‘intencionalidade dos relatos’ e ‘nature-
za estrutural dos relatos’ (SEIXAS, 2009, p. 63). No entanto,
o próprio autor lembra que os gêneros estão correlaciona-

18
dos a demandas sociais e, portanto sujeitos a constantes
atualizações. Dessa forma, essa classificação é atualizada
em 2016 (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016) com uma ca-
tegorização mais ampla:

Tabela 1 - Gêneros a partir das funções/intenções

Gênero Função

Informativo Vigilância social

Opinativo Fórum de ideias

Interpretativo Papel educativo, esclarecedor

Diversional Distração, lazer

Utilitário Auxílio na tomada de decisões

Fonte: (ASSIS; MARQUES DE MELO, 2016, p. 50)

Marques de Melo e Assis destacam que os formatos


enquanto agregados aos gêneros, são “parâmetros estru-
turais para cada forma, os quais incluem aspectos textuais
e, também, procedimentos e particularidades relacionadas
ao modus operandi de cada unidade” (ASSIS E MARQUES
DE MELO, 2016, p. 50). Assim, os formatos seriam os instru-
mentos que servem à intencionalidade dos gêneros, e em
princípio podem ser divididos em:

19
Tabela 2 - Gêneros e formatos propostos por Assis e
Marques de Melo (2016)

Gênero Formatos

Informativo Nota, notícia, reportagem, entrevista


Editorial, documentário, artigo, resenha, coluna,
Opinativo
caricatura, carta, crônica
Interpretativo Análise, perfil, enquete, cronologia, dossiê

Diversional História de interesse humano, história colorida

Utilitário Indicador, cotação, roteiro, serviço

Fonte: (ASSIS; MARQUES DE MELO, 2016, p. 50)

A tradição dos estudos sobre gêneros teve conti-


nuidade com outros autores, como Rizzini (1957) e Sodré
(1966), além de inumeros orientandos de Marques de Melo,
que fizeram a reflexão sobre a questão gêneros em dife-
rentes suportes. Neste artigo especificamente adotamos
a classificação mais recente de José Marques de Melo, e
o critério função ou funcionalidade, pela relevância que o
autor tem nos estudos de gênero.

Procedimentos Metodológicos

Retomamos aqui o objetivo do nosso estudo, que é


realizar o estado da arte dos trabalhos apresentados ao
longo de 10 anos de existência do GP Gêneros Jornalísti-
cos. Trata-se de uma pesquisa descritiva, que segundo Gil
(2008), tem como objetivo descrever as características de
determinados fenômenos, por meio de técnicas que exi-
gem um protocolo para a coleta de dados.

20
No caso da pesquisa empreendida pelo GP, ado-
tou-se um formulário como instrumento de pesquisa, com
24 questões abertas e fechadas, sendo 6 questões sobre
os pesquisadores, 5 sobre os dados gerais da pesquisa,
3 sobre metodologia, 5 especificamente sobre gêneros e
principais autores de referência. Após a sistematização dos
dados, foram elaborados gráficos e tabelas para uma me-
lhor análise dos resultados., que abrangeram desde aspec-
tos ligados ao pesquisador e sua origem institucional, bem
como a abordagem dos gêneros nos estudos apresentados
e principais autores. O formulário de coleta de dados pas-
sou por um pré-teste, o qual “[...] tem por objetivo assegu-
rar-lhe validade, clareza dos termos e precisão” (GIL, 1999,
p.137). Cada pesquisadora submeteu dois trabalhos de sua
amostra para adequar o instrumento a versão final. Depois
que o grupo de pesquisadoras validou o instrumento, cada
um realizou a tabulação dos dados por meio do Google
Forms e posterior análise.
As técnicas adotadas são as da pesquisa documen-
tal (GIL, 2008) e de análise de conteúdo, de acordo com
Bardin (2011). De acordo com Gil, a pesquisa documental
se assemelha à pesquisa bibliográfica, pois analisa docu-
mentos que serão sistematizados e vão receber um trata-
mento analítico não realizado antes. Já Bardin, a análise de
conteúdo é
um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando a obter, por procedimentos sistemáticos e obje-
tivos de descrição do conteúdo das mensagens, indica-
dores (quantitativos ou não) que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/
recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BAR-
DIN, 2011, p. 47).

O objetivo da análise de conteúdo proposta por Bar-

21
din (2011) supera a perspectiva quantitativa, anteriormente
explorada nos estudos dos anos 1940/50, e avança no sen-
tido de identificar, compreender e contextualizar os conte-
údos em processos comunicacionais inferidos pelo pes-
quisador/a. Os procedimentos para o cumprimento desses
objetivos incluem a pré-análise do corpus da pesquisa, ex-
ploração do material e tratamento dos resultados, fase em
que se faz inferências e interpretações do que foi coletado
e sistematizado, de acordo com os objetivos da pesquisa.
Nesse sentido, é importante destacar que a análi-
se de conteúdo opera por meios de categorias de análise,
definidas a priori e a posteriori, que devem estar ligadas à
questão de pesquisa e ao objetivo estabelecido. As cate-
gorias de análise foram naturalmente consideradas a par-
tir do formulário elaborado como protocolo de pesquisa e
disponibilizado no aplicativo Google Forms. Isso facilitou
a compilação dos dados e as análises dos resultados, in-
clusive na comparação dos biênios estudados. Para a co-
leta de dados procedeu-se primeiramente à leitura dos
resumos, posteriormente da introdução e, eventualmente,
o texto inteiro para o preenchimento das categorias, caso
não fossem detectadas as informações nesses dois tópicos
primeiramente.
O aplicativo Google Forms gerou automaticamente
os gráficos por questão de múltipla escolha, e listou as res-
postas das perguntas abertas. A pesquisa foi dividida em
cinco etapas, compreendendo a coleta e análise de dados
dos trabalhos disponíveis nos Anais do Portal INTERCOM
a cada dois anos. Para a apresentação dos resultados ao
longo dos 10 anos neste livro optamos por juntar os cinco
biênios, para observar os padrões e, ao mesmo tempo, as-
pectos peculiares em cada amostra estudada.

22
O Estado da Arte – 10 anos de Pesquisa do GP
Gêneros Jornalísticos

Neste tópico são apresentados detalhadamente os


resultados obtidos na coleta de trabalhos dividida por pe-
ríodos: 2009-2010; 2011-2012; 2013-2014; 2015-2016, 2017-
2018 e aqui juntadas para uma análise dos 10 anos de pes-
quisas apresentadas no GP. A coleta dos dados, como já
foi mencionado anteriormente nos procedimentos meto-
dológicos, foi realizada a partir de protocolo pré-testado e
inserido no aplicativo Google Forms. Os gráficos gerados
diretamente pelo aplicativo, de acordo com as questões de
múltipla escolha, apresentam um panorama dos trabalhos
nesses 10 anos. Os tópicos de análise estão divididos em:
a) Quantidade de trabalhos por ano; b) Origem das pesqui-
sas e perfil dos autores; c) Procedimentos metodológicos;
e d) Gêneros, formatos e autores predominantes.

a) Quantidade de trabalhos por ano


Gráfico 1 - GP Gêneros Jornalísticos - Trabalhos por
evento anual

37

26
24 23 23
22
20
18

12 11

2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: as autoras

23
No total foram apresentados 2018 trabalhos, com
média de 21,8 trabalhos por evento, sendo que em 2013 e
2018 observou-se as menores quantidades de trabalhos, 12
e 11, respectivamente. Em 2015, no evento realizado no Rio
de Janeiro, houve maior adesão ao GP, com 37 trabalhos
apresentados. Infere-se que a localidade de realização do
evento também teve influencia no maior número de inscri-
tos e participantes do GT.

b) Origem das pesquisas e perfil dos Autores

Os resultados são subdivididos pela origem dos pes-


quisadores e perfil dos autores, de acordo com o formulário
de pesquisa. As análises são apresentadas em subtópicos,
conforme as questões presentes no protocolo de pesquisa.

Instituição de origem das pesquisas

Os resultados observados mostram que a Universi-


dade Metodista de São Paulo (UMESP) foi a Instituição de
Ensino Superior que mais participou com trabalhos no pe-
ríodo analisado. Em seguida, Universidade Federal de Goi-
ás (UFG). Em 2009 e 2010, quando o GP foi criado, quase
80% dos trabalhos foram produzidos por pesquisadores da
UMESP, o que se repete no biênio posterior, tendo a partir
de 2013/2014 um crescimento da participação de investi-
gadores da UFG.
Como os trabalhos são originários majoritariamente
de duas instituições UMESP (São Bernardo do Campo, SP)
e UFG (Goiânia/Goiás) no período estudado, uma institui-

24
ção comunitária e outra pública, infere-se que a razão pode
estar na presença de um dos autores mais citados quan-
do se trata de gêneros jornalísticos, José Marques de Melo,
que atuou na UMESP como docente-fundador da pós-gra-
duação stricto sensu em Comunicação, tendo ocupado o
cargo de docente de graduação e pós-graduação, diretor
da Faculdade de Comunicação, coordenador do Progra-
ma de Pós-Graduação em Comunicação Social e diretor-
-titular da Cátedra Unesco/Metodista para o Desenvolvi-
mento Regional. No caso da UFG, uma das pesquisadoras
que atualmente coordena o Programa de Pós-graduação
em Comunicação, Ana Carolina Temer, foi orientanda de
mestrado e doutorado de Marques de Melo, e é uma das
autoras mais presentes nos estudos de gêneros no telejor-
nalismo no Brasil, portanto, trata-se também de nucleação
de egressos da UMESP.
Também se verifica a crescente participação das
universidades públicas, que no biênio 2011/12 represen-
tam 53,3%. Em 2013/14, por exemplo, a maioria dos traba-
lhos apresentados tem origem em universidades públicas
(58,6%), 24% de instituições privadas e 20,7% comunitá-
rias. Infere-se que se trata também da dispersão de orien-
tandos do professor José Marques de Melo, egressos da
UMESP. Em 2013/14 foram 21 instituições representadas
nos trabalhos apresentados. No biênio 2015/16, a origem
dos trabalhos se dá majoritariamente nas instituições públi-
cas e comunitárias, o que condiz com o cenário nacional de
pesquisa. Em 2017/18 os dados apontam que houve mais
equilíbrio entre as instituições públicas e privadas, com
uma leve vantagem para a primeira. A UFG passa a ser a
instituições mais representada no GP. Também acrescenta-
-se a presença de um pesquisador vinculado a duas univer-
sidades fora do país nesse biênio, mas foi uma participação
muito pontual.

25
Localidade das instituições dos pesquisadores

As regiões geográficas de origem das instituições


mais presentes no GP, de 2009 a 2018, são Sudeste e Cen-
tro-Oeste, particularmente São Paulo e Goiás. Mas como foi
dito anteriormente, houve uma dispersão de pesquisadores
da UMESP, o que pode explicar também uma variedade na
origem dos trabalhos a partir do quinto ano de existência
do Grupo de Pesquisa, como no biênio 2013/14, em que
21 instituições foram representadas, oriundas de 14 estados
(destaques para São Paulo, 24,1%, Goiânia, 13,8%, Rio de Ja-
neiro, 10,3%) e 18 cidades brasileiras (São Paulo e Goiânia,
principalmente). Nos trabalhos apresentados entre 2017/18
14 estados estiveram representados, sendo que as cidades
mais presentes foram Goiânia, São Paulo e Porto Alegre,
nessa ordem.

Titulação dos pesquisadores

Também foi possível observar a titulação dos partici-


pantes do GP, que varia ao longo do período analisado, com
participação progressiva de mestres e doutores. No biênio
2009/10 observa-se ampla participação de graduados, de
forma equilibrada em relação a mestres e doutores. Essa
configuração vai se alterando a partir do biênio 2011/12,
quando se tem metade dos trabalhos produzidos por ti-
tulados (mestrado e doutorado), seguidos de graduados e
especialistas. Aliás, há pouquíssimos autores com o grau
de especialistas, somente registrados no biênio 2011/12 e
2017/18. Já em 2013/2014 a quantidade de graduados cai
drasticamente, representando 11% dos trabalhos apresen-
tados (articulados com mestres e doutores), e há presença

26
majoritária de doutores (31%). Já no biênio 2015/16, en-
tre os apresentadores de trabalhos, a maioria era mestre
60,3% (35) e doutor 43,1% (25). No último biênio, a situação
de prevalência de titulados no strictto sensu se mantem.
Analisa-se que essa presença se deve particularmente a
presença de pesquisadores em gêneros jornalísticos e seus
formatos em várias instituições, como professores e/ou
pesquisadores.

Autoria individual ou coletiva

Em relação à autoria dos trabalhos ser individual ou


em coautoria, observou-se que em média acima de 70%
das pesquisas apresentadas são individuais e resultantes
de trabalhos finalizados: em 2009/10 foram 76%; 2011/12,
73% (24% são pesquisas individuais em andamento);
2013/14, cerca de 80%; 2015/16, 69%; e 2017/18, diferente-
mente dos demais biênios, verificou-se um equilibrio entre
traballhos individuais finalizados (28%) e em desenvolvi-
mento (31,4%) prevalecendo as autorias individuais em re-
lação às coletivas, porém, observa-se um crescimento das
pesquisas coletivas. Infere-se que os trabalhos apresenta-
dos sejam resultantes de projetos de pesquisas individuais,
como dissertações e teses, ou mesmo pesquisas realizadas
em grupos de pesquisa.

c) Procedimentos Metodológicos

Neste tópico foram considerados os procedimentos


metodológicos dos estudos apresentados nos 10 anos do
GP, desde abordagem dos estudos, aos tipos e técnicas.

27
Técnicas de pesquisa

Nos 4 primeiros anos do GP a maioria dos traba-


lhos não informam as técnicas de pesquisa utilizadas. Em
2009/10, por exemplo, são 28%. Contudo, embora no biênio
2011/12 não haja identificação de técnicas na maioria dos
trabalhos, isso ocorre pelos métodos que mais foram utili-
zados neste período: pesquisa bibliográfica e pesquisa do-
cumental. Entre 2013 a 2016, a prevalência é de pesquisas
bibliográficas e de análise de conteúdo. Já de 2017/2018,
sobressaem as pesquisas diretas, com uso de entrevistas,
no caso de estudos voltados à produção, e de análise de
conteúdo, para estudos de conteúdos.

Foco da pesquisa

Ao longo dos 10 anos estudados, os trabalhos apre-


sentados no GP se volta aos estudos com foco no conte-
údo da mensagem. Essa tendência muda no último biênio
do estudo, quando há discreta prevalência de estudos fo-
cados na produção. Em 2009/10, 92% são estudos volta-
dos ao conteúdo; em 2010/11 a situação se repete, com a
maioria dos trabalhos com foco no conteúdo, em segundo
lugar, produção; assim também mostram os trabalhos dos
biênios 2013/2014 e 2015/16, com 60% e 77,6%, respectiva-
mente. Os trabalhos focados na recepção não aparecem
nos estudos. Portanto, issso revela a necessidade de am-
pliar os estudos de gênero com focos na produção e recep-
ção na evolução do decênio.

28
d) Gêneros, formatos e autores predominantes.

São apresentados a seguir tópicos que abrangem as


questões específicas dos gêneros jornalísticos e seus for-
matos, bem como os autores mais referenciados.

Clareza metodológica

Observando os trabalhos sob a perspectiva de cla-


reza na metodologia, a tendência foi de evolução positiva
ao ter mais explicitados os procedimentos adotados nas
pesquisas, diferentemente do primeiro biênio (2009/10), em
que a maioria (52%) dos pesquisadores não deixa clara a
metodologia adotada. Em 2011/12, a totalidade dos traba-
lhos deixa clara a metodologia, Em 2013/14, ressalta-se que
quase 76% dos trabalhos possuem procedimentos meto-
dológicos claros, expressos nos resumos ou na introdução,
com informações que orientam o leitor; o mesmo ocorre
em 2015/16, com 63,8% dos trabalhos apresentando mé-
todo e técnica de pesquisas. Em 2017/18, mais de 68% são
claros quanto à metodologia. Infere-se que as análises de
pareceristas e as observações encaminhadas aos autores
sobre o tema colaborem para um aprimoramento das expli-
citações metodológicas nos trabalhos.

Abordagem da pesquisa

A maioria dos trabalhos apresentados ao longo dos


10 anos possui abordagem qualitativa, tendência também
observada em outros estudos do campo da comunicação.
No primeiro biênio, 92% dos trabalhos são de natureza

29
qualitativa. Em 2013/14, são 72,4%, porém, há pesquisas
mistas, 17,2%, que acenam para um movimento multipers-
pectivo nesse biênio, com uso de técnicas mais diversifica-
das. Em 2015/16, novamente maioria muito expressiva de
estudos qualitativos, 86,2% dos trabalhos, apresenta abor-
dagem qualitativa, seguindo como majoritária no último bi-
ênio estudado. Ao observar-se tipos e técnicas de pesquisa
mais adotada, confirma-se essa tendência de pesquisado-
res no GP pouco adotarem métodos quantitativos.

Tipos de pesquisa

Quanto aos tipos de pesquisa, há uma característi-


ca comum aos trabalhos: a presença majoritária das pes-
quisas bibliográficas. No biênio 2009/10, 60% dos traba-
lhos apresentados são do tipo pesquisa bibliográfica; em
2011/12, 88,9% foram pesquisas bibliográficas; 2013/2014,
mais de 50% eram trabalhos do tipo bibliográfico, e 31%
apresentam estudos de caso. Em 2015/16 a predominân-
cia das pesquisas bibliográficas se repete, sendo que em
2017/18 o predomínio é de pesquisas de campo, mas as
pesquisas mais teóricas recorrem à pesquisa bibliográfica.
Infere-se que os trabalhos apresentados podem ser recor-
tes de pesquisas mais amplas, em que se foca mais a pes-
quisa bibliográfica, ou que seja mais acessível esta técnica,
uma vez que os pesquisadores não necessitam lançar mão
de técnicas requeridas nas pesquisas de campo.

Gêneros jornalísticos como objeto de pesquisa

Houve uma mudança no foco dos estudos sobre gê-

30
nero nos trabalhos estudados, que a princípio possuem
uma centralidade maior como objeto teórico e empírico.
Em 2009/10 os gêneros jornalísticos e seus formatos foram
centrais em 74% dos trabalhos; no biênio seguinte, 2011/12,
esse percentual aumenta para 91%. Já nos biênios 2013/14
e 2015/16 houve uma queda abrupta na centralidade de
gêneros como foco dos trabalhos apresentados, 38% e
36,2%. Eles aparecem como contexto e/ou pano de fundo
para compreender outros objetos empíricos. Em 2017/18
houve recuperação, com 60% das pesquisas apresenta-
das em que os gêneros são o objeto empírico. Mesmo não
sendo o foco central de todos os trabalhos analisados, são
visíveis as colaborações que as abordagens trazem para o
tema. Outro aspecto a considerar é que pode haver falta
de estímulo no estudo de gêneros jornalísticos nos cursos
de graduação, ou o interesse mais em formatos e as suas
interfaces com outras áreas de conhecimento, como a lite-
ratura, a desinformação, a educação, entre outras.

Veículo predominante

Na fase inicial do GP Gêneros jornalísticos são pre-


dominantes pesquisas de discussões teóricas e volta-
das à análise dos gêneros no jornal impresso (56,8% em
2009/10), jornais e revistas também são prevalentes em
2010/11 (36,2%), mas a partir de 2013/14 a internet pas-
sa ser mais central nos estudos (24%), seguida de jornais
(20,7%) e, depois, TV (13,8%). A maioria dos trabalhos nes-
se biênio discute um meio especificamente, que somados
representam 76% dos trabalhos apresentados. Pouco mais
de 24% focam em reflexões teóricas, com a discussão de
critérios de classificação e autores.

31
Em 2015/16, a maioria (64,5%) dos trabalhos cen-
trou-se na discussão de um veículo, na seguinte sequên-
cia: 20,6% em web; 17,2%, jornais; 10,3%, revistas. Porém,
34,5% dos trabalhos discutiram gêneros jornalísticos sem
associar a discussão a um veículo específico, com é o caso
da pesquisa “Diretrizes Curriculares de Jornalismo: a rele-
vância dos conteúdos e gêneros jornalísticos na formação
do egresso”. De acordo com Pereira,
temos pesquisas sobre gêneros radiofônicos, televisivos,
impressos e mais recentemente digitais. Essa separação
é feita por alguns autores como forma de organização e
busca de melhor compreensão das particularidades de
cada meio, mas, por outro lado gera críticas que apontam
a faltam de coerência de gêneros de uma característica
maior: a jornalística, além de indicarem que o fato dos
estudos ficarem reféns dos suportes, não contribui para
uma discussão maior (PEREIRA, 2018, p.87).

Em 2017/18, também se destacam jornais e web, nes-


sa ordem, com 35% e 23,5%, respectivamente, mas como
nos demais trabalhos ao longo do período estudado, há
diversidade nos suportes estudados. Outros suportes pre-
sentes são revistas em quadrinhos com conteúdos infor-
mativos.

Gêneros e formatos predominantes

Há predominância de gênero e formato nos trabalhos


apresentados, embora no biênio 2017/18 isso não aconte-
ça (em 61,7%), há menos trabalhos elaborados com recorte
em um gênero específico, porém, os formatos tradicionais
convivem com inovações.
Em 2009/10 a prevalência do gênero informativo é

32
de 54% dos 50 trabalhos estudados, seguido do gênero
opinativo, que representa 14%. Em 2011/12 são quase 69%
de trabalhos que apresentam um gênero predominante, e
destes, 51,1% eram do gênero informativo. Em 2013/14, qua-
se 38% dos trabalhos abordam o gênero informativo, em
seguida vem o opinativo (17,2%). Conforme Santos, Silva
Filho e Méo (2019), a primazia dos gêneros informativos, e
seus formatos - especialmente a notícia e a reportagem - é
notada nos veículos e também nos estudos sobre gêne-
ros jornalísticos nesse período. Os gêneros interpretativo,
diversional e utilitário estão presentes também nesse biê-
nio, como também nos trabalhos apresentados em 2015/16,
provavelmente resultantes das pesquisas orientadas por
Marques de Melo.
Quanto aos formatos, majoritariamente aparecem
estudos sobre reportagens, primeiramente, depois notícia.
Há outros diversos formatos presentes nos estudos, ligados
ao gênero opinativo, como crônica, editorial, artigo, cartas,
entre outros.

Autores mais referenciados

O autor mais referenciado é José Marques de Melo,


em todos os biênios estudados, com 30% em 2009/10;
48,9% em 2011/12; 40% em 2013/14; 25,9% em 2015/16
e 35% de 2017 a 2018. Os outros estudiosos citados são
Chaparro (2008), Beltrão (1960; 1980; 2006), Seixas (2008),
Temer (2001). Há citações de autores que não se dedicam
especificamente ao estudo de gêneros jornalísticos, mas
aparecem como autores especializados no ciberjornalismo,
jornalismo político, jornalismo literário, jornalismo investi-
gativo, entre outros. É o caso dos trabalhos apresentados

33
em 2015/16, em que a discussão sobre jornalismo literário
trouxe autores como José Salvador Faro e Felipe Pena, que
trabalham com jornalismo cultural e de literatura. Em 2015
e 2016 também foram apresentados trabalhos que focavam
o jornalismo comparado1. Destaca-se, ainda, algumas pes-
quisas que buscaram atuar em vertentes ainda pouco ex-
ploradas como é o caso do trabalho que discutiu jornalismo
em quadrinhos, “Notas sobre Gaza: o relato jornalístico em
quadrinhos de Joe Sacco” e o que discutiu jornalismo de
personagem ;’ Ponderações Sobre Jornalismo de Persona-
gem”.

Rotas traçadas

Observamos, a partir das categorias apresentadas,


que os resultados nos levam a dois caminhos importantes:
o do estímulo do estudo de gêneros como disciplina nas
graduações em jornalismo e o de cada vez mais incorporar
uma visão multiperspectiva, em diálogo com as outras área
do conhecimento, já que com o advento do jornalismo digi-
tal, da convergência tecnológica, das narrativas transmídia,
da participação do interagente nas redes sociais e das es-
tratégias de disseminação de conteúdo pelas redes sociais,
no que alguns autores, como Van Dijk (2012) denominam
plataformaização, é preciso avançar.
Considerando que os gêneros nos ajudam no enten-
dimento do mundo, pelas suas funções sociais trazidas por
Marques de Melo, é de interesse não só da área científica
como da sociedade que se tenha conhecimento sobre os
formatos que circulam nos meios de comunicação e fora
2 O estudo foi coordenado por José Marques de Melo em 2015, envolveu vários
pesquisadores/as brasileiros e resultou em um livro, Jornalismo comparado.

34
deles, para que, inclusive, se possa receber e produzir con-
teúdos com qualidade e que estes não sejam confundidos,
por exemplo, com a desinformação.
Os resultados alcançados com o estado da arte das
pesquisas apresentadas no GP Gêneros Jornalísticos tam-
bém nos mostram uma certa regularidade na quantidade
de trabalhos, com momentos de queda, mas também com
picos de participação, e que o avanço se dará efetivamente
com maior participação e discussão de pesquisas na área.
Temas como hibridização de conteúdos, inovação nos for-
matos em contextos midiáticos desafiadores, as condições
de produção desses gêneros e formatos e a recepção dos
mesmos pela sociedade, são temáticas que precisam ser
enfrentadas pelos pesquisadores, além de também contri-
buírem para uma reflexão teórica em sintonia com contex-
tos históricos e sociais diferenciados. Como Marques de
Melo menciona, os gêneros precisam ser estudados em
seus contextos, em suas realidades, porque são dinâmicos
e se transformam de acordo com a vida que pulsa no co-
tidiano das nossas ações e relações com o outro, nos pro-
cessos comunicativos do jornalismo.
Na realidade da hiperinformação e hiperconectivi-
dade, das multitelas e multiplataformas, dos dispositivos
móveis, da convivência entre veículos tradicionais e digitais,
das empresas comerciais e das organizações alternativas/
independentes, é preciso considerar que cada vez mais
no estudo de gêneros jornalísticos será necessário adotar
critérios e estratégias metodológicas que deem conta da
complexidade da comunicação e do jornalismo contempo-
râneo.

35
Referências

ASSIS, Francisco. Jornalismo com traços de literatura:


alguns apontamentos sobre o gênero diversional. XXXII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curiti-
ba: 2009. Disponível em: http://www.intercom.org.br/pre-
mios/2009/franciscoassis.pdf. Acesso em 30 de junho de
2019.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e Estética: a teo-
ria do romance. São Paulo: Hucitec/Unesp, 1993.
BARDIN, Laurenci. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edi-
ções 70, 2011.
BELTRÃO, Luiz. Iniciação à filosofia do jornalismo. Rio de
Janeiro: Agir, 1960.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo Interpretativo. Porto Alegre:
Editora Sulina, 1976.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo Opinativo. Porto Alegre: Sulina,
1980
CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquem e d’alem
mar. Travessias para uma nova teoria de gêneros. São
Paulo: Summus, 2008.
COSTA, Lailton Alves. Gêneros jornalísticos. In: MARQUES
DE MELO, José; ASSIS, Francisco. Gêneros Jornalísticos
no Brasil. São Bernardo do Campo, Editora Metodista,
2010.
FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contex-
to, 2014.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa so-
cial. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
KAYSER, Jacques. Une semaine dans Le Monde: ètude

36
compare de 17 grands quotidiens pendant 7 jours. Paris:
Unesco, 1953.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia científica.
4.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MARQUES DE MELO, José. Gêneros jornalísticos no
Brasil: o estado da questão. Anais do Congresso Intercom
– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 de setembro de 2009.
Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacio-
nais/2009/resumos/R4-0763-1.pdf. Acesso em: 10 de junho
de 2019.
MARQUES DE MELO, José. Panorama diacrônico dos
gêneros jornalísticos. Anais do Congresso Intercom –
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Co-
municação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de
2010. Acessível em http://www.intercom.org.br/papers/
nacionais/2010/resumos/R52215-1.pdf. Acesso em 20 de
julho de 2019.
MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de. Gêneros
Jornalísticos no Brasil. São Paulo: Universidade Metodis-
ta, 2010.
MARQUES DE MELO, José. Gêneros jornalísticos no Brasil:
o estado da questão. Anais do Anais do Congresso Inter-
com – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação XXXII. Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 de setembro de
2009. Acessível em http://www.intercom.org.br/papers/
nacionais/2009/resumos/R4-0763-1.pdf. Acesso em 20 de
julho de 2019.

37
PEREIRA, Clarissa J. Jornalismo digital e novas tecno-
logias: estudo de gêneros e formatos nos principais sites
jornalísticos brasileiros”. Tese (doutorado). São Bernardo do
Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2018.
RIZZINI, Carlos. Hipólito da Costa e o Correio Brazilien-
se. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957.
SCHWINGEL, Carlo. Ciberjornalismo. São Paulo: Pauli-
nas, 2013.
SEIXAS, Lia. Por uma outra classificação: uma proposi-
ção de critérios de definição de gêneros jornalísticos
por impressos e digitais. 2008. Tese (Doutorado em Co-
municação e Cultura Contemporânea) – Universidade Fe-
deral da Bahia, Salvador, 2008.
SEIXAS, Lia. Redefinindo os gêneros jornalísticos. Pro-
posta de novos critérios de classificação. Covilhã, Portugal:
LabCom Books, 2009.
STUMPF, Ida Regina. Pesquisa bibliográfica. In: DUAR-
TE, Jorge; BARROS, Antonio. (Orgs.). Métodos e técnicas de
Pesquisa em Comunicação. 2 ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2011.
SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de Re-
portagem: Notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo;
Summus, 1986.
TEMER, Ana Carolina Pessôa. Noticias e servicos: um es-
tudo sobre o conteúdo dos telejornais da Rede Globo. 2001.
339 f. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Univer-
sidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo,
2001.
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Por uma teoria dos
Gêneros em Comunicação. Anais do Congresso Inter-
com – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação XXXII Congresso Brasileiro de Ciências

38
da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 de setembro de
2009. Acessível em http://www.intercom.org.br/papers/
nacionais/2009/resumos/R4-0776-1.pdf. Acesso em 20 de
junho de 2019.
WERNECK SODRÉ Nelson. História da imprensa no
Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

39
AUTORES

Ana Carolina Rocha Pessoa Temer


Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Facul-
dade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de
Goiás, na linha de pesquisa Mídia e Cidadania. Doutorado em Comuni-
cação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (2001). Pós Dou-
toranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na
área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração, atuando
principalmente nos seguintes temas: Teorias da Comunicação, Televisão,
Telejornalismo, e Gêneros Jornalísticos. Líder do Grupo de Pesquisa Te-
levisão e Cidadania da UFG. Autora dos livros Para Entender as Teorias
da Comunicação e a Televisão em busca da Interatividade. Orientadora
de Doutorado.

Carlos Humberto Ferreira Silva Junior


Mestre em Comunicação Social pelo Programa de Pós Graduação da
Universidade Metodista de São Paulo (2018), com o projeto “Vestígios
de junho: o ethos discursivo composto nas manifestações de 2013, em
São Paulo.”. Atualmente é doutorando no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” - Unesp, Campus Bauru, com o projeto “Imprensa gay latino-ame-
ricana: o debate e a construção de outras identidades e masculinidades
entre 1960 e 1980”, sob orientação da Profa Dra. Maria Cristina Gobbi. Di-
retor de Comunicação e Relações Públicas da Associação Brasileira de
Pesquisadores e Comunicadores em Comunicação Popular, Comunitá-
ria e Cidadã (ABPCom), gestão 2019 - 2021. Tem como temas de pesqui-
sa a imprensa gay no Brasil, imprensa gay latino-americana, imprensa
alternativa, masculinidades e estereótipos. Atua como professor bolsista
no curso de Jornalismo da Unesp-Bauru, nas disciplinas de Introdução
ao Jornalismo, Teorias da Comunicação e Jornalismo Especializado.

Clarissa Josgrilberg Pereira

Doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São


Paulo (Umesp), sob orientação do Prof. Dr. José Marques de Melo.

40
Professora efetiva de Jornalismo Digital na Universidade de Blumenau
(FURB). Chefe da Divisão de Modalidades de Ensino (DME) da FURB.
Vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa de Gêneros Jornalísticos da
Intercom. Tutora e professora orientadora de cursos do ensino a distân-
cia da Unigran. Profissional credenciada como revisora, conteudista e
tutora do ensino a distância da Escola do Governo de Mato Grosso do
Sul (Escolagov). Mestre pelo curso de pós-graduação da Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP) e graduada em Comunicação Social
- Jornalismo pelo Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran).

Maria Elisabete Antonioli


Jornalista formada pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutora
em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da
Universidade São Paulo, com pós-doutorado na mesma Universidade.
É coordenadora e professora do bacharelado de Jornalismo. É líder do
Grupo de Pesquisa CNPq: Linha de Pesquisa: Tecnologias, Processos
e Narrativas Midiáticas. Faz parte do Comitê de Iniciação Científica da
ESPM. É avaliadora do INEP/MEC. Faz parte do Comitê Editorial do pe-
riódico ALTEJOR ECA/USP, da Revista de Jornalismo ESPM Edição Bra-
sileira Columbia Journalism Review, da Coleção Ciências da Comunica-
ção e da Revista Comunicação, Mídia e Consumo. Foi editora científica
da Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo - REBEJ de 2016 a 2020.
Faz parte do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Ensino de
Jornallismo - ABEJ.

Isabel Marques Méo


Jornalista e facilitadora gráfica, mestre em Comunicação Social pela Uni-
versidade Metodista de São Paulo, graduada em Comunicação Social
- Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (2009). Especia-
lizada em Design Editoral pelo Centro Universitário Senac (2014) e pos-
sui experiência na área de Comunicação, com ênfase em comunicação
visual, mídias sociais, comunicação comunitária, produção de conteúdo
online e offline, marketing, mobilização e facilitação gráfica. Participan-
te do Grupo de Pesquisa Jornalismo contemporâneo: práticas para a
emancipação social na cultura tecnológica na Faculdade Cásper Líbero.

Marli dos Santos


Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (2004) e mestre em Comunicação

41
Social pela Universidade Metodista de São Paulo (1998). Graduada em
Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda (1979) e
Jornalismo (1989) pela UMESP. Estágio pós-doutoral pela Universidade
Federal de Goiás, UFG, com a supervisão da profa. Dra. Ana Carolina
Rocha Pessoa Temer. É docente permanente do Programa de Pós-Gra-
duação em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, linha de pesqui-
sa Jornalismo, Imagem e Entretenimento. Líder do Grupo de Pesquisa
EMANCIPA-JOR - Jornalismo contemporâneo: práticas para emancipa-
ção social na cultura tecnológica, ligado à Rede Nacional de Combate à
Desinformação - RNCD. Coordenadora do GT Estudios sobre periodis-
mo da ALAIC - Associación Latinoamerica de Investigadores de Comu-
nicación e Coordenadora do GT Gêneros Jornalísticos, da INTERCOM
- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. É
membra da APJOR - Associação Profissão Jornalista. Atuou como coor-
denadora e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP, de 2011 a 2017. Foi docente titular do curso de Jor-
nalismo da UMESP, de 1999 a 2017, tendo assumido a coordenação de
2011-2013.

Roseméri Laurindo
Professora titular de Teorias da Comunicação na Universidade Regional
de Blumenau (FURB), nos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propa-
ganda. Pós-doutora pela Cátedra Unesco de Comunicação da Univer-
sidade Metodista de São Paulo, com apoio do CNPq e supervisão do
eterno professor José Marques de Melo. Doutora em Ciências da Comu-
nicação pela Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Comunicação e
Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Gradua-
da em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de
Santa Catarina. Publicações jornalísticas e científicas disponíveis em ht-
tps://rosemerilaurindoblog.wordpress.com Atuou como repórter, editora
e assessora de comunicação em empresas de Santa Catarina, Alagoas e
Bahia. Foi diretora editorial e coordenadora de grupo de pesquisa na So-
ciedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação (Inter-
com). Diretora da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).
Coordenadora fundadora do Curso de Jornalismo da FURB. Em 2019 e
2020 coordenou a Central Multimídia de Conteúdo da FURB. Em 2014
recebeu o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação da Intercom,
na categoria Liderança Emergente. Presidente da Comissão de Ética do
Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina.

42
PARTE 2 – DIÁLOGOS
CONTEMPORÂNEOS

43
Nesta segunda parte do livro, apresentamos 8 tex-
tos selecionados das quatro sessões realizadas a partir das
Temáticas propostas na chamada de trabalhos para o GP
Gêneros jornalísticos para o 43o Congresso INTERCOM.
São elas: Gêneros: Opinião e Informação; Gêneros, Desin-
formação e Educação Midiática; Gênero e Narrativas; e Gê-
neros, Inovações e Entretenimento. Os textos a seguir estão
organizados nessa ordem.

44
O (en)canto que vem das ruas: leituras das crônicas de
João do Rio e Luiz Antonio Simas em Comunicação So-
cial (Jornalismo)1

Mei Hua Soares2

Que se cruzem as filosofias diversas, no sarapatel que une


Bach e Pixinguinha, a semântica do Grande Sertão e a se-
mântica da sassanha das folhas, Heráclito e Exu, Spinoza e
Pastinha, a biblioteca e a birosca. Que se cruzem notebook
e bola, tambor e livro, para que os corpos leiam e bailem na
aventura maior do caminho que descortina o ser naquele
espaço que chega a ser maior que o mundo: a rua.

Luiz Antonio Simas

Crônica, o gênero das quimeras

Em seu texto “A vida ao rés-do-chão”, Antonio Candi-


do comemora a proximidade que a crônica guarda com o
que é cotidiano, com o que passa despercebido aos olhos
de muitos, ressaltando a aparente despretensão e naturali-
dade presentes nesse gênero textual. No entanto, salienta
que isso não faz dela, da crônica, um gênero raso, superfi-
cial: “Na sua despretensão, humaniza; e esta humanização
lhe permite, como compensação sorrateira, recuperar uma

1 Trabalho apresentado no GP Gêneros Jornalísticos, evento componente do 43o


Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Doutora e Mestra em Educação e Linguagem pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FEUSP), docente do curso de Comunicação Social
(Jornalismo/ Publicidade e Propaganda) da Faculdade Cásper Líbero (FCL) e
pesquisadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisas (CIP)

45
certa profundidade de significado e um certo acabamento
de forma que de repente podem fazer dela uma inesperada
embora discreta candidata à perfeição” (CANDIDO, 1981,
p.5). Para além da afirmação elogiosa do sociólogo e profes-
sor, fato é que a crônica se estrutura a partir de elementos
que se distanciam da linguagem demasiadamente erudita
ou técnica que outros gêneros textuais mobilizam e perpe-
tuam. A oralidade, os falares de diferentes regionalidades
e coloquialidades, o despojamento sintático, a perspicácia
de colher das vivências proporcionadas estilos simples que
impressionam são características bastante perceptíveis em
crônicas de diferentes autores, em diferentes épocas.
Candido, assim como Adorno o fez em “O ensaio
como forma” (1954), acaba por ressaltar as virtudes que
tornam um gênero discursivo, a princípio menosprezado,
legítimo. Aliás, há semelhanças entre ensaio e crônica se
se pensar no hibridismo envolvido em ambos. O ensaio,
destacado pelo filósofo da Escola de Frankfurt como texto
“bastardo”, poderia ser comparado à crônica que por sua
vez se apresenta como gênero essencialmente “elástico”
e mestiço, uma vez que se aproxima do conto, do artigo
de opinião, da reportagem e do próprio ensaio, a depender
do estilo de cada cronista, da relação conteúdo-forma que
a estrutura permite e do modo como cada autor a recria.
Convivem a forma relativamente estável do gênero e o esti-
lo impresso por cada autoria a cada crônica produzida.
Do grego khronikós – derivado de khrónos (tempo),
passando pelo latim chronica –, o vocábulo crônica de-
signava, no início da era cristã, uma lista ou relação de
acontecimentos ordenados segundo a marcha do tempo,
ou seja, em ordem cronológica. Justificando o nome do
gênero, os primeiros cronistas relatavam, principalmente,
acontecimentos históricos relacionados a pessoas impor-

46
tantes, como reis, imperadores, generais etc. Relatavam
visitas, ordenamentos, resoluções e ações em textos que
funcionavam como registros. Com o passar do tempo, as
crônicas passaram por transformações e acabaram por se
reportar a assuntos mais arejados, retrata pessoas comuns,
abordando questões que estão “na ordem do dia”, aspectos
pouco notórios, minúcias impensadas por outrem, enfim, se
reporta à “vida ao rés-do-chão”3.
Os primeiros registros brasileiros da crônica moder-
na datam do século XIX. Em 1828, no periódico Espelho
Diamantino, havia uma seção fixa de registro de usos e cos-
tumes da sociedade da época. Em 1839, surgiram comen-
tários livres sobre o que se passava nas ruas em jornais
como O Carapuceiro (sob a batuta de Padre Lopes Gama) e
Correio da Moda (a encargo de Martins Pena). No entanto,
somente em 1854, no Correio Mercantil, é que o jeitão da
crônica atual começa a ganhar forma pelas mãos de José
de Alencar e sua publicação semanal “Ao correr da pena”,
coluna em que narrava acontecimentos e eventos sacra-
mentando o casamento definitivo entre literatura e jornalis-
mo. Já em 1861, no Jornal do Commercio, Joaquim Manuel
de Macedo passa a escrever textos intitulados “Um pas-
seio”, caracterizando o estilo andarilho do cronista flanêur,
elemento que trava relação íntima com os devaneios, diva-
gações e errâncias de cronistas e que delimitará o recorte
do corpus a ser analisado neste projeto.
No Brasil, importantes escritores brasileiros produzi-

3 As características atuais do gênero não estão ligadas somente ao desenvol-


vimento da imprensa. Também estão intimamente relacionadas às transforma-
ções sociais e à valorização da história social. isto é da história que considera
importantes os movimentos de todas as classes sociais e não só os das grandes
figuras políticas ou militares. No registro da história social, assim como na escri-
ta das crônicas, um dos objetivos é mostrar a importância e a singularidade dos
acontecimentos miúdos do cotidiano

47
ram crônicas: Coelho Neto, José de Alencar, Machado de
Assis, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, João
do Rio, Luís Fernando Veríssimo, Millôr Fernandes, Nelson
Rodrigues, Clarice Lispector, Adélia Prado, Paulo Mendes
Campos, Fernando Sabino, Rubem Alves entre tantos ou-
tros. Como podemos observar, muitos romancistas brasi-
leiros se dedicaram à escrita de crônicas, não apenas, mas
também, como meio de angariar verba para o financiamen-
to de seus livros. Destinada a leituras rápidas e não durá-
veis, em virtude de sua veiculação em revistas, periódicos
e jornais (hoje sites, redes sociais e blogs), historicamente
elas conseguiram, entretanto, alcançar alguma perenidade
quando publicadas em livros e coletâneas ou, atualmente,
ao serem mantidas em plataformas digitais por um tempo
maior. A crônica, assim como os demais gêneros, sofreu e
sofrerá mudanças em função dos suportes em que é apre-
sentada. Mas há características que lhe são peculiares e
constantes: precisão, concisão e síntese; presença mar-
cante de comicidade; relação com o que lhe é contemporâ-
neo (o que lhe confere um caráter de “ata”, de registro his-
tórico de costumes, linguajares, hábitos que documentos
oficiais, por exemplo, não oferecem); mescla entre o factual
e o ficcional, entre jornalismo e literatura, entre variações
linguísticas normativas e coloquiais4.
Por vezes, as quimeras retratadas nas crônicas, jus-

4 “(...) a crônica está no detalhe, no mínimo, no escondido, naquilo que aos


olhos comuns pode não significar nada, mas, puxa uma palavra daqui, 'uma re-
miniscência clássica' dali, e coloca-se de pé uma obra delicada de observação
absolutamente pessoal. O borogodó está no que o cronista escolhe como tema.
Nada de engomar o verbo. É um rabo de arraia na pompa literária. Um 'falar à
fresca', como o bruxo do Cosme Velho pedia. Muitas vezes uma crônica brilha,
gloriosa, mesmo que o autor esteja declarando, como é comum, a falta de qual-
quer assunto. Não vale o que está escrito, mas como está escrito. Manuel Ban-
deira dizia que Rubem Braga era sempre bom, mas „quando não tem assunto
então é ótimo'” (SANTOS, 2007, p.15).

48
tamente pela liberdade com que são abordadas – algo per-
mitido (e desejável) no gênero em questão –, revelam as-
pectos fundamentais para se pensar a política de um país,
a violência como projeto de nação, a riqueza das culturas
populares, as resistências, a extrema pobreza gerada pela
desigualdade social e econômica, o contexto pandêmico,
dentre outros assuntos fulcrais. Mas é pelo pequeno – pelo
detalhe – que tais recortes são pensados, estruturados, es-
critos e apresentados ao leitor. Por vezes de modo alegó-
rico, metafórico, pela chave da ironia e da despretensão.
Também por esses motivos a crônica pode ser estrategica-
mente potente.

Jornalismo e Literatura: entrecruzamentos

A partir das obras A alma encantadora das ruas


(1908), de João do Rio, e O corpo encantado das ruas, de
Luiz Antonio Simas (2019), um projeto foi desenvolvido (e
encontra-se ainda em andamento) com vistas a analisar a
representação das ruas, do espaço público, dos persona-
gens que por elas circulam, das vozes que delas emergem
segundo a concepção dos supracitados autores. Os temas
abordados, o modo como o cronista conduz a narrativa e a
sua voz emerge da narrativa, os ângulos em que se apoia
e a tessitura verbal construída constituem objetos de es-
tudo. Também está no horizonte da proposta de pesquisa
investigar se o gênero textual jornalístico-literário crônica
permite noções ampliadas e adensadas do que perpassa a
rua enquanto território político, econômico, cultural e afeti-
vo, questionando se uma perspectiva formativa jornalística
que incentive “sujar os sapatos” ou “cheirar o real” ainda se
faz necessária.

49
O livro A alma encantadora das ruas está dividido
em quatro partes: uma primeira grande crônica isolada de
23 páginas intitulada “A rua”; um primeiro bloco nomeado
como “O que se vê nas ruas” (composto de 14 crônicas);
um segundo chamado “Três aspectos da miséria” (compos-
to de 6 crônicas) e uma terceira e última parte intitulada
“Onde às vezes termina a rua” (composta de 6 crônicas).
São 27 crônicas. Já o livro O corpo encantado das ruas não
é subdividido e apresenta 42 crônicas. Estão sendo analisa-
das, portanto, 69 crônicas ao todo.
A primeira etapa consistiu em pesquisar o gênero
crônica. Na etapa subsequente estão sendo analisadas as
duas obras em seus aspectos linguísticos, estilísticos, literá-
rios, discursivos. Para tanto, utilizamos referenciais teóricos
próprios dos campos da teoria literária, do jornalismo, da
sociolinguística e da análise do discurso: a literatura social,
descrita e estudada por Antonio Candido; o jornalismo lite-
rário segundo Edvaldo pereira Lima; as variações diafásicas
(contextuais), diatópicas (regionais), diastráticas (grupos
sociais) e históricas, bem como preconceitos linguísticos,
esmiuçados por Marcos Bagno; os gêneros discursivos, a
estética e a arquitetura das estruturas textuais, provenien-
tes de estudos de Mikhail Bakhtin. Ao longo do percurso,
outros autores e obras serão incluídos para subsidiar os
elementos provenientes das diferentes etapas de pesquisa.
Concomitantemente, um estudo sobre as religiosida-
des, musicalidades e papéis sociais, presentes em ambos
os livros que compõem o corpus de pesquisa, mostrou-se
necessário. Por exemplo, um levantamento de referenciais
que forneçam elucidações básicas a respeito de elementos
culturais africanistas e de terminologias de diferentes ma-
trizes africanas, mencionadas nas crônicas, será de suma
importância para compreensão do universo ao qual elas se

50
reportam.
Em se tratando de obras que guardam entre si uma
distância histórica de mais de cento e dez anos, o presen-
te projeto prevê um estudo comparativo que destaque as-
pectos relacionados à representação de espaços públicos
(ruas), dos sujeitos que neles circulam, das práticas políti-
cas, econômicas e socioculturais descritas nos textos, das
interações e relações de lazer e de trabalho etc.
Um eixo importante ainda a ser trabalhado é pen-
sar a crônica e a rua como memória. Coletiva, individual,
alegre, violenta, ancestral. Nesse sentido, buscaremos nos
referenciar em estudos da psicologia social, em especial os
desenvolvidos por Ecléa Bosi, e em conceitos de memória
e esquecimento explorados por Jeanne Marie Gagnbein e
Maurice Halbwachs.
Pretendeu-se ainda pensar sobre como a rua (e
outros espaços públicos) incide na formação jornalística
contemporânea, e sobre como o gênero crônica, por se
tratar de texto elástico que mescla ficção e fato, pode (ou
não) permitir: 1) a expressão jornalística de questões pou-
co aprofundadas ou reveladas em outros gêneros textuais
mais estritamente técnicos e rígidos; 2) a presença da voz
do cronista que direciona o olhar do leitor para as temáticas
abordadas sem transformar o discurso erigido em verdades
únicas e neutras, o que faz com que o leitor tome suas pró-
prias conclusões a partir do exposto; e 3) a ampliação de
perspectivas no sentido de incluir ângulos, detalhamentos
e narrativas mais plurais.

51
Pensando a rua ontem e hoje: flanação, memória,
ofício e controle

Tanto o jornalista João do Rio quanto o historiador


Luiz Antonio Simas se tornaram cronistas e fizeram da rua
sua matéria-prima nos livros que serão analisados. Ambos
guardam diante dela uma postura ambígua, exercendo um
papel que transita entre o que Walter Benjamin chamou
de flâneur (conceito surgido a partir de poemas de Charles
Baudelaire) e, paradoxalmente, o que a ele se contrapõe.
Em seu livro Charles Baudelaire – um lírico no auge do capi-
talismo, Benjamin descreve e esquadrinha o sujeito que se
permite caminhar pelas ruas como um andarilho sem rumo,
apenas pelo prazer da observação, pelo deleite diante das
surpresas e desafios que as ruas reservam (ou pelo delí-
rio de acompanhar as massas, como no conto “O homem
da multidão”, de Edgar Allan Poe, outro autor que fez da
rua personagem protagonista) e reflete sobre como isso se
contrapõe à logica capitalista.
O flâneur pode ser visto como alguém que se permi-
te errar, vagar, se surpreendendo com aquilo que encon-
tra, misturando-se às pessoas desconhecidas, às rodas
populares, apenas por prazer – um elogio ao ócio no bojo
dos grandes centros urbanos, a flânerie é para poucos –
ou como um tipo fútil, aburguesado, que vaga pelas vias
enquanto os demais (a maioria, os “comuns”) trabalham,
vendem mercadorias, têm a sua mão-de-obra explorada,
transformam-se eles mesmos em mercadorias, morando,
mendigando e sobrevivendo na rua. No entanto, nas duas
percepções há um lastro comum que é o de ruptura com
um estado vigente. O flâneur, de um modo ou de outro, des-
toa da multidão. Mesmo não rompendo com o ciclo capita-
lista, não se funde a ele. Benjamin compara o eu-lírico dos

52
poemas de Baudelaire com os personagens operários de
Victor Hugo para salientar diferenças e pôr em xeque os
aspectos mencionados.
Para nosso estudo, caberia pensar em que medida o
cronista – enquanto jornalista-escritor que necessita exe-
cutar tarefas em função de seu ofício, mas também como
aquele que se permite (ou se obriga a) observar as ruas e
experienciá-las, para depois sobre elas escrever – desem-
penha os dois papéis, circulando pelas duas esferas (ócio/
ofício) separada ou concomitantemente. De que modo isso
influencia (ou não) o seu fazer, a sua percepção, a sua prá-
tica jornalística? Em tempos digitais, velozes e incessan-
tes, “sujar os sapatos”, flanando ou trabalhando, ainda é
necessário? Escrever textos em gêneros mais livres como
a crônica pode interferir no olhar da/do jornalista e, conse-
quentemente, influir na detecção e construção de diferen-
tes ângulos e narrativas do real?
No posfácio “Olhar insubordinado” do livro A vida que
ninguém vê (uma reunião de perfis e crônicas publicadas
em 1999 no Jornal Zero Hora), a jornalista e repórter Eliane
Brum – atualmente colunista do El País, colaboradora do
The Guardian e autora de oito livros – salienta sua predile-
ção por “histórias comuns”:
Sempre gostei das histórias pequenas. Das que se repe-
tem, das que pertencem à gente comum. Das desimpor-
tantes. O oposto, portanto, do jornalismo clássico. (...) O
que esse olhar desvela é que o ordinário da vida é o extra-
ordinário. E o que a rotina faz com a gente é encobrir essa
verdade, fazendo com que o milagre do que cada vida é
se torne banal. Esse é o encanto de A vida que ninguém
vê: contar os dramas anônimos como os épicos que são,
como se cada Zé fosse um Ulisses, não por favor ou exer-
cício da escrita, mas porque cada Zé é um Ulisses. E cada
pequena vida uma Odisseia (BRUM, 2006, p.187).

53
O jornalista e professor Edvaldo Pereira Lima, ao
discorrer sobre o jornalismo literário no capítulo “Histórias
com sabor e cor”, do livro Jornalismo literário para iniciantes
(2014), assinala as sinestesias decorrentes dessa verten-
te jornalística e a importância da experiência sensorial do
leitor, a partir da condução de quem escreve, e tem como
premissa “cheirar o real”:
O jornalismo literário prefere esse modo de narrar por-
que seu compromisso implícito com o leitor é dar-lhe não
apenas informação sobre alguma coisa. É fazer com que
o leitor passe pela experiência sensorial, simbólica, deen-
trar naquele mundo específico que a matéria retrata. (...)
na vida real, os lugares onde as coisas acontecem têm
cheiro. As pessoas e objetos têm formas e tamanhos. Têm
cores. Os ambientes geralmente têm sons. As pessoas fa-
lam alto ou baixo. Há ruídos em torno, barulhos distantes
podem chegar até o local. Tudo isso apela para os senti-
dos humanos (LIMA, 2014, p.15).

A partir do estudo das crônicas publicadas nos livros


de João do Rio e de Luiz Antonio Simas, é possível refletir
a respeito do olhar arguto e sensível dos cronistas direcio-
nado às vozes, ecos, grandezas e miudezas, sacralidades e
pecados das ruas.
Uma parte prática do projeto foi realizada em 2019,
a partir das crônicas de João do Rio, em aulas de Língua
Portuguesa e Introdução ao Jornalismo, e resultaram em
reportagens-crônicas elaboradas por alunas e alunos de
primeiro ano de graduação em Comunicação Social. A pro-
posta envolveu uma jornada de 24 horas de “flanação” e
produção pelas ruas centrais de São Paulo considerando
a rua e seus sujeitos. As resultantes textuais discentes não
serão apresentadas aqui, mas esse processo fez parte da
pesquisa em andamento e contribuiu efetivamente com
nossos estudos.

54
Entre a alma encantadora e o corpo encantado
das ruas

João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Bar-


reto, ou Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio,
foi jornalista, cronista, contista e teatrólogo carioca. Faleceu
com quase quarenta anos, em 1921. Conhecido por sua pro-
sa urbana e por sua escrita detalhada, ocupou a cadeira de
número 26 da Academia Brasileira de Letras, em 1910, e tra-
duziu obras de autores como Oscar Wilde e Charles Dicke-
ns. Dentre seus feitos está a liberdade com que concebeu a
fusão entre reportagem e crônica literária – fundando o gê-
nero crônica-reportagem – para retratar um Rio de Janeiro
em pleno processo de urbanização, marcando fortemente
o imaginário do que foi a belle époque.
A alma encantadora das ruas (1908) é uma compi-
lação dos principais textos de sua autoria publicados no
jornal Gazeta de Notícias e na revista Kosmos. O livro está
dividido em três blocos além do famoso texto inicial “A rua”.
O que se pode depreender da leitura de suas crônicas é
um retrato social contundente e esmiuçado de um Rio de
Janeiro que não figurava nos livros e documentos oficiais.
A crônica “Pequenas profissões”, por exemplo, descortina
boa gama dos trabalhos e “bicos” (biscates) que coexis-
tiam nas ruas cariocas no início do século XIX: ciganos que
aplicavam pequenos golpes, catraieieros, trapeiros, apa-
nha-óculos, selistas, caçadores, ledoras de buena dicha e
os sem ocupação. Há inclusive a transposição, adaptada
ou ficcionalizada, de pequenos diálogos e a narração de
curtos episódios envolvendo essas figuras anônimas. Exis-
tem textos que também revelam estereotipias e juízos de
valor que denotam um pensamento de época, de classe,
que pode (ou não) ter se estendido até os dias atuais. Es-

55
ses fatores também estão sendo objeto de análise. Trata-
-se de uma obra já abordada à luz de diferentes áreas de
conhecimento (literatura, sociologia, antropologia) que, no
entanto, mereceria análise, em perspectiva comparativa, a
outra obra – contemporânea e ainda não estudada – que a
ela alude logo no título: O corpo encantado das ruas. Nesse
sentido, o conceito de “regimes de historicidade”, difundido
por François Hartog, nos auxiliará a mapear e a traçar pon-
tes entre as obras, suas representações e seus contextos
de produção tendo como perspectiva os diferentes regimes
em que surgiram e ao qual se reportaram.
Luiz Antonio Simas, autor de O corpo encantado das
ruas, obra publicada em 2019, nasceu em 1967, é historiador,
professor e escritor. Formado pela UERJ, é carioca e apre-
senta em seu livro uma reunião de textos-crônicas todos
iniciados com “As ruas (...)”. Numa primeira leitura do livro
é possível perceber a forte presença da religiosidade pela
utilização de cantos, vocábulos, rimas e conceitos próprios
da Umbanda e do Candomblé. Há ainda traços marcados
da íntima relação que o cronista guarda com o samba, a
musicalidade e a “gramática dos tambores”, o que encharca
poeticamente a visão que se tem das ruas do Rio de Janeiro
da atualidade. O autor defende um fazer a partir da “escu-
lhambação criativa”5, que traduz um pouco a sua relação
com a escrita.
Embora guardem a já mencionada distância tempo-

5 O autor explica um pouco o que seria a “esculhambação criativa” em uma


entrevista: “É a capacidade de transformar espaços de controle em terreiros
– espaços de encantamento. É só imaginar o Viaduto de Madureira. É um terri-
tório que serve à circulação de carros. Quando começa o baile debaixo do via-
duto, aquele território e terreirizado. Foi criativamente encantado. Esculhambar
também tem o sentido de quebrar alguma coisa. No caso, é quebrar a ordem
normativa e desencantada da vida na cidade” (Revista Bons Fluidos, dezembro
de 2019).

56
ral, muito do Rio de Janeiro de 1900 se faz sentir no de
2019 nas obras desses autores. Semelhanças e diferen-
ças vão completando um quebra-cabeças que pode não
revelar uma imagem completa, mas explicita inúmeras
complexidades. As sensações vagas, as visões plurais, as
percepções ora precisas ora difusas fornecem chave para
reflexões e lampejos de entendimento sobre o que somos,
sobre de que lugares e raízes descendemos, de que manei-
ra historicamente reagimos, resistimos e também sucum-
bimos. Fantasmas e materialidades do ontem e do agora,
instantâneos de diferentes Brasis, vão emergindo dessa
leitura comparada que certamente revelará interessantes
desdobramentos a partir de análises mais detidas.

Algumas considerações

Apesar da pesquisa estar inconclusa, é possível tra-


zer alguns apontamentos que possibilitam reflexões a res-
peito do tema abordado.
Analisando mais detidamente as crônicas de João do
Rio, é perceptível uma voz cronista que observa e busca
enaltecer o processo de urbanização carioca. Em muitos
momentos, no entanto, um tom crítico e severo se faz ou-
vir no tocante às agruras que perpassam o cotidiano da-
quele momento histórico. Expressões marcadas por uma
abordagem racial – quando o cronista se refere a perso-
nagens festivos, embriagados (negros) ou alterados pelo
ópio (orientais), em diferentes crônicas – nos deparamos
com um pensamento de época ainda muito ancorado no
cenário escravocrata. Ao mesmo tempo, o cronista se deixa
convencer por amigos que com ele perambulam pelas ruas
e que divergem quanto às impressões diante do nela se

57
passa.
Já na obra de Luiz Antonio Simas, o cronista parece
evocar uma percepção outra do Rio de Janeiro contem-
porâneo. A exaltação do popular, das brincadeiras infantis
de rua, das rodas de samba, das singelezas presentes nas
quitandas, bodegas, botequins, nas músicas entoadas por
pessoas simples nas feiras, a sacralidade do comum, do
que atravessa a rua são características que atribuem aos
textos uma carga afetiva, embora igualmente crítica e con-
tundente, que comove. Não se trata mais do “complexo de
vira- lata”, da necessidade de se equiparar ao contexto ou
ao beletrismo europeu, mas sim de valorizar e resgatar as
belezas e riquezas do pequeno, do miúdo, do simples – na
linguagem e na abordagem –, o que coincide com um des-
gaste da noção de progresso pela urbanização. Nas crôni-
cas de Simas, o que frutificou a partir das resistências ne-
gras, indígenas e populares, é o que ainda vive e possibilita
respiro. O autor traduz esse movimento como “inventar a
vida no precário”, algo que ele exemplifica com a “gramática
dos tambores” ou a “imaginação percussiva”, se referindo a
como gerações de pessoas negras e pobres resistiram por
intermédio da reinvenção do cotidiano pelo samba, pelo
candomblé, pelo toque sagrado dos tambores, pela comida
profana e santa ao mesmo tempo.
Considerando-se a parte prática que subsidiou a pes-
quisa – leituras das crônicas junto a turmas de Jornalismo e
produção de reportagens-crônicas a partir do contato com
as ruas – depreende-se que o gênero em questão (crônica)
parece promover ou favorecer uma flanação literária que,
em alguma medida, prepara, dialogo, corresponde, reflete
ou impulsiona a práxis da flanação. Um termo que surgiu
para nos reportarmos ao ato de “olhar com olhos de ver” as
ruas, ainda que para lidar jornalisticamente com elas, foi a

58
flanação de ofício, algo que transitaria entre o perambular
sem amarras e as andanças em busca da matéria-prima da
escrita jornalística. Nesse sentido, o cronista parece sem-
pre se deparar com a encruzilhada. Algo metaforizado pela
alma encantadora e pelo corpo encantado das ruas.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor W. “O ensaio como forma”. In: Notas de


literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2012.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo,
Martins Fontes, 1992. BAUDELAIRE, Charles. As flores do
mal. São Paulo: Martin Claret, 2012.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte
e política (Vol.1). 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capita-
lismo. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória – ensaios de Psico-
logia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
BRUM, Eliane. A vida que ninguém vê. Porto Alegre: Arqui-
pélago Editorial, 2006.
CANDIDO, Antonio. “A vida ao rés-do-chão”. In:
Para gostar de ler (Vol.5). São Paulo: Ática, 1981.
. Vários escritos. [Edição revista e ampliada]. São
Paulo: Duas Cidades, 1995.
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mu-
lher e morte no Brasil. Rio de janeiro: Rocco, 1997.
FREITAS EL FAHL, Alana de O. Notas de Rodapé: algumas
considerações sobre a Crônica Literária no Brasil e os Perió-

59
dicos do século XIX. [S.l.]: UEFS, 2013.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer. São
Paulo: Editora 34, 2009.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo:
Centauro, 2003.
HARTOG, François. Regimes de historicidade – presentismo
e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo literário para iniciantes.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014.
MEDINA, Cremilda. Ciência e Jornalismo: da herança positi-
vista ao diálogo dos afetos. São Paulo: Summus, 2008.
MOISÉS, Massaud. “A crônica”. In: A criação literária – prosa
e poesia. São Paulo: Cultrix, 2012.
RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2012.
SANTOS, Joaquim Ferreira dos (org.). As cem melhores crô-
nicas brasileiras. São Paulo: Objetiva, 2007.
SIMAS, Luiz Antonio. O corpo encantado das ruas. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.

60
A cobertura da Folha de S.Paulo sobre a liberdade do
ex-presidente Lula: um estudo sobre os gêneros jorna-
lísticos que compuseram seu noticiário1
Maria Elisabete Antonioli2
Introdução
Sexta-feira, oito de novembro de 2019, o ex-presiden-
te Lula foi solto após passar 581 dias preso na Superinten-
dência da Polícia Federal, em Curitiba, pela condenação
de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em
função do caso do apartamento triplex situado no muníci-
pio do Guarujá, estado de São Paulo.
Um dia antes, o Supremo Tribunal Federal (STF) der-
rubou o entendimento da possibilidade de prisão depois do
julgamento em segunda instância, o que beneficiou direta-
mente o ex-presidente. Em 8 de novembro de 2019 a Folha
de S.Paulo publicou:
O que estava em debate era a constitucionalidade do ar-
tigo 283 do Código de Processo Penal, que diz que, em
razão de condenação, ninguém pode ser preso exceto se
houver “sentença condenatória transitada em julgado” —
ou seja, quando não couber mais recurso. Para a maioria
dos ministros, esse artigo do Código de Processo Penal
condiz com o que está escrito no artigo 5o da Constitui-
ção: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória”.

Como era esperado, o advogado de Lula, Cristiano


Zanin, protocolou no dia seguinte da decisão do STF uma

1 Trabalho apresentado no GP Gêneros Jornalísticos, XX Encontro dos Grupos


de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 43o Congresso Brasilei-
ro de Ciências da Comunicação.
2 Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Coordenadora do curso
de Jornalismo da ESPM/SP, e-mail: elisabeteantonioli@hotmail.com.

61
petição na Justiça do Paraná, solicitando a soltura do ex-
presidente. Após a liberdade de Lula, o jornal trouxe na pri-
meira página a manchete: “Após 580 dias, Lula deixa a pri-
são e ataca PF, Lava Jato e Bolsonaro”. Assim como a Folha
de S.Paulo, as mídias nacional e internacional cobriram não
apenas a saída do ex-presidente da prisão, mas também
seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernar-
do do Campo posteriormente, como também, outros even-
tos dos quais ele participou no decorrer dos dias seguintes.
Diante desse cenário político e de grande audiên-
cia midiática, foi realizada uma pesquisa com os objetivos
de: acompanhar as matérias publicadas no jornal Folha de
S.Paulo sobre o ex-presidente Lula, após sua liberdade, e
verificar qual a composição dos gêneros jornalísticos es-
tava presente nessas publicações. Foram pesquisadas dez
edições do jornal, a partir da data em que o ex-presidente
foi solto: 8 de novembro de 2019.
A hipótese levou em consideração que o gênero opi-
nativo teria um número expressivo de publicações, pois os
articulistas e convidados do jornal emitiriam suas opiniões
e o próprio veículo poderia se manifestar por meio de edi-
torial.
Para compor a pesquisa, os gêneros jornalísticos fo-
ram objeto de estudo, tendo como referência a classifica-
ção proposta por José Marques de Melo. Quanto à questão
metodológica, foram utilizados os estudos de Análise de
Conteúdo, de caráter quantitativo e de caráter qualitativo,
conforme as referências de Laurence Bardin.

62
Sobre o jornal Folha de S.Paulo

A história da Folha de S.Paulo tem início em


1921, ano que Olival Costa e Pedro Cunha criaram o jor-
nal Folha da Noite. Em 1925 foi criada a Folha da Manhã e,
em 1949, a Folha da Tarde. Esses três jornais acabaram se
fundindo e nasceu, então, a Folha de S.Paulo em 1960. Dois
anos depois, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Fi-
lho assumiram o controle da empresa Folha da Manhã.
De acordo com informações do site da empresa, den-
tre os fatos que marcaram a história do jornal, consta que a
Folha se tornou a primeira redação informatizada na Améri-
ca do Sul, com a instalação de terminais de computador em
1983. No ano de 1984, com Otavio Frias Filho como diretor
de redação, foi publicado o primeiro projeto editorial, defen-
dendo um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moder-
no. Nesse ano, a Folha implementou o “manual da redação”,
editado em livro. Em 1989 o jornal foi o primeiro veículo de
comunicação do país a criar o cargo de ombudsman.
Em1992, Octavio Frias de Oliveira passou a ter a tota-
lidade do controle acionário da companhia e, em 1996, Luiz
Frias lançou o portal de internet UOL (Universo Online),
primeiro serviço online de grande porte no país. Em 1999 o
Grupo Folha lançou o jornal Agora, com o objetivo de atin-
gir um segmento mais popular do público paulistano. Em
2000, lançou o jornal Valor Econômico, em parceria com o
Grupo Globo, que anos mais tarde assumiu o controle total.
No ano de 2010, ocorreu a unificação das redações do jor-
nal impresso e on-line. Em 2012, a Folha foi o primeiro veí-
culo do Brasil a adotar um novo modelo de negócios para o
jornalismo digital - o paywall, em que o acesso ao noticiário
online é gratuito até certo limite de textos.
Otavio Frias Filho faleceu em 2018, aos 61 anos, ví-

63
tima de um câncer no pâncreas. Em seu lugar, assumiu a
direção de redação, sua irmã, Maria Cristina Frias, que aca-
bou ficando pouco tempo, pois seu irmão Luiz Frias me-
diante uma disputa judicial conseguiu destitui-la, após seis
meses no cargo. Ao final, o jornalista Sérgio Dávila assumiu
a posição de diretor de redação, com aprovação da maioria
dos acionistas. Jornalista na Folha de S.Paulo há 25 anos,
Dávila era editor-executivo desde 2010.
Atualmente, a Folha tem como presidente Luiz Frias
e seu conselho editorial é composto por: Rogério Cezar de
Cerqueira Leite, Marcelo Coelho, Ana Estela de Sousa Pin-
to, Cláudia Collucci, Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia,
Mônica Bergamo, Patrícia Campos Mello, Suzana Singer,
Vinicius Mota, Antonio Manuel Teixeira Mendes, Luiz Frias
e Sérgio Dávila (secretário).

Sobre os Gêneros Jornalísticos

Lailton Alves da Costa em artigo publicado no ano de


2010, resgata os estudos de José Marques de Melo sobre
gêneros jornalísticos, destacando sua última classificação
para gêneros e formatos, que considerou: gênero informa-
tivo, com os formatos: nota, notícia, reportagem, entrevista.
Opinativo com os formatos: editorial, comentário, artigo, re-
senha, coluna, crônica, caricatura, carta. Interpretativo com
os formatos: dossiê, perfil, enquete, cronologia. Utilitário
com os formatos: indicador, cotação, roteiro, serviço. E, fi-
nalmente, o gênero diversional com os formatos: história de
interesse humano e história colorida. Nesse sentido, deve
ser enfatizado que esta taxionomia foi utilizada na pesquisa
efetuada para este trabalho.

64
É relevante considerar, também, os estudos pioneiros
sobre os gêneros jornalísticos no Brasil nos anos de 1960,
realizados por Luiz Beltrão que, como o próprio José Mar-
ques de Melo (2010) diz, se tornaram a sua principal fonte
de referência. Para Marques de Melo (1985), Beltrão foi o
pesquisador que se preocupou sistematicamente com esse
fenômeno. Nesse sentido, Costa (2010) lembra da trilogia
de obras publicadas por Beltrão: A Imprensa Informativa
(1969), Jornalismo Interpretativo (1976) e Jornalismo Opina-
tivo (1980).
Marques de Melo (2010) também lembra da pesqui-
sa pós-doutoral de outro pesquisador, o professor Manuel
Carlos Chaparro:
Se não altera substancialmente a compreensão dos gêne-
ros jornalísticos, sua contribuição adquiriu relevância pela
precisão que atribuiu ao conceito de gênero, entendido
como categoria abrangente, ou classe, agrupando suas
variantes em espécies, o que ajudou a ordenar o universo
textual, neutralizando a tendência de fragmentação a que
minha geração foi induzida pelos pioneiros no estudo dos
gêneros jornalísticos (MARQUES DE MELO, 2010, p. 27).

O professor Marques de Melo (1985) também pes-


quisou as classificações europeias, norte-americanas e his-
pano-americanas e, com referência a esta última, salientou
os trabalhos do peruano, Juan Gargurevich, do argentino
Eugenio Castelli e do boliviano Rauk Rivadeneira Prada.

Sobre o Gênero Opinativo

No livro A opinião no Jornalismo Brasileiro (1985), que


em 2020 comemora 35 anos, José Marques de Melo, além
de abordar os gêneros jornalísticos, enfatiza o gênero opi-

65
nativo. Para o pesquisador, o monolitismo era uma carac-
terística dos primeiros jornais e revistas publicados no Bra-
sil, pois eram considerados obra de uma só pessoa. Como
exemplo, Marques de Melo cita o primeiro jornal brasileiro,
O Correio Braziliense, “cuja unidade opinativa deve-se à
circunstância de haver sido produzido solitariamente por
Hipólito da Costa” (1985, p. 77).
Conforme o autor, o jornalismo informativo ganha he-
gemonia no século XIX, por meio da imprensa norte-ameri-
cana, mas o jornalismo opinativo não desapareceu, apenas
teve seu espaço reduzido. Afirma também que, desde que
a imprensa se organizou como empresa com equipes de
funcionários e colaboradores a “expressão da opinião frag-
mentou-se seguindo tendências até mesmo conflitantes”
(MARQUES DE MELO, 1985, p. 77).
Conforme já exarado neste trabalho, o Jornalismo
Opinativo, de acordo com a classificação de José Marques
de Melo apresenta os formatos: editorial, comentário, arti-
go, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta.

Editorial

A opinião da empresa é conhecida por meio dos edi-


toriais, mas Marques de Melo (1985) lembra ainda que ela
é manifestada também por um conjunto de orientação edi-
torial, tendo em vista a seleção do que vai ser noticiado,
os destaques que serão dados e os títulos que serão com-
postos. Esse conjunto nada mais é do que o próprio proje-
to editorial. Especificamente sobre o editorial, Marques de
Melo diz que é um espaço de contradições, pois tem como
vocação o aprendizado e a conciliação dos diferentes inte-
resses do veículo.

66
Para o pesquisador, a criação do editorial é uma ativi-
dade complexa, pois passa por um processo sofisticado de
depuração dos fatos, de conferência de dados e de checa-
gem das fontes.
A decisão é tomada pela diretoria, funcionando o edi-
torialista, que se imagina alguém integrado na linha da
instituição, como intérprete dos pontos de vista que se
convenciona devam ser divulgados. Além disso, o conta-
to com personalidades externas à organização significa a
sintonização com as forças de que depende o jornal para
funcionar ou cujos interesses defende na sua política edi-
torial (MARQUES DE MELO, 1985, p. 81).

Luiz Beltrão (1980) diz que é por meio do editorial que


o grupo proprietário da empresa jornalística expõe sua opi-
nião sobre fatos de importância em diversos setores, por-
tanto o editorial é considerado sua tribuna. Conforme Bel-
trão, o editorial é composto por cinco categorias: 1- quanto
à morfologia (artigo de fundo, suelto, nota); 2- quanto à topi-
calidade (preventivo, de ação, de consequência); 3- quanto
ao conteúdo (informativo, normativo, ilustrativo); 4- quanto
ao estilo (intelectual, emocional); 5- quanto à natureza (pro-
mocional, circunstancial e polêmico).
É interessante, também, lembrar as considerações de
Mário L. Erbolato (2003) que diz que o editorial é institucio-
nal e normalmente anônimo (sem assinatura).

Comentário

Em relação ao comentário, Marques de Melo (1985, p.


85) diz que começou a ser utilizado nos Estados Unidos há
muito tempo, em que prevaleceram os chamados de opi-
nion-makers. Para ele, o comentarista normalmente é um

67
profissional de grande experiência e um observador privi-
legiado, “que tem condições para descobrir certas tramas
que envolvem os acontecimentos e oferecê-las à compre-
ensão do público”. Em comparação ao editorial, o pesqui-
sador afirma que, enquanto o primeiro trata da emissão de
fatos de maior relevância, o segundo, além de examinar os
fatos mais significativos, mas de menor abrangência, são
independentes da linha editorial. Assim a responsabilidade
do comentário é do próprio comentarista que, como Ana
Regina Rêgo e Maria Isabel Amphilo (2010, p. 104) afirmam:
“é um profissional valorizado, devido a sua bagagem cultu-
ral, estando apto para emitir opiniões e valores, sendo visto
pela sociedade como um líder de opinião”.

Artigo

Marques de Melo (1985) relata que o artigo tem dois


significados: o primeiro diz respeito ao senso comum em
que toda matéria publicada em jornal se chama artigo. A
outra é a ideia de que o artigo é um gênero específico. “Tra-
ta-se de uma matéria jornalística onde alguém ( jornalista
ou não) desenvolve uma ideia e apresenta sua opinião.
O autor menciona o conceito do espanhol Martín Vivaldi,
como próximo à significação assumida no Brasil: “Escrito,
de conteúdo amplo e variado, de forma diversa, na qual se
interpreta, julga ou explica um fato ou uma ideia atuais, de
especial transcendência, segundo a conveniência do arti-
culista” (VIVALDI, 1973 apud MARQUES DE MELO, 1985 p.
92). A partir desse conceito, Marques de Melo estipula dois
elementos do artigo jornalístico: 1. Atualidade: o articulista
possui liberdade de conteúdo e de forma, mas deve tratar
de fato ou de ideia da atualidade em coadunação com o
espírito do jornal. 2- Opinião: a opinião deve ser exposta

68
e vincula-se à assinatura do autor. Quanto à finalidade do
artigo, Marques de Melo diz que há dois tipos: doutrinário e
científico. O doutrinário corresponde ao artigo jornalístico e
o científico com o objetivo de divulgar os avanços da ciên-
cia, por meio de novos conceitos e conhecimentos.
Luiz Beltrão (1980) comenta que o artigo possui ca-
racterísticas do editorial, quanto à topicalidade (estilo e
natureza) e quanto à estrutura (título, introdução, discus-
são/argumentação e conclusão). No entanto, não implica
em responsabilidade para o editor. “Em regra, os autores
de artigos são pensadores, escritores e especialistas em
diversos campos, e cujos pontos de vista interessam ao
conhecimento e divulgação do editor e seu público típico”
(BELTRÃO, p. 65, 1980).

Resenha

Conforme Marques de Melo (1985), as resenhas se


configuram em apreciações de obras de arte e de produtos
culturais e têm como objetivo orientar ações dos consumi-
dores. O autor menciona que no Brasil o termo também é
conhecido como crítica e quem cumpre essa função é o
crítico que a elabora. Ele ainda diz que, historicamente, a
apreciação dos produtos na imprensa brasileira teve início
com áreas artísticas tradicionais, como literatura, música,
teatro e artes plásticas.
Marques de Melo também traz as modalidades de re-
senha de acordo com Fraser Bond e Tom Hunt. O primeiro
pesquisador aponta quatro categorias: clássica, relatorial,
panorâmica e impressionista. Já o segundo acredita que só
existem duas: a autoritária e a impressionista.

69
É importante, ainda, o registro de Ana Regina Rêgo
e Maria Isabel Amphilo (2010) sobre a resenha, enquanto
categoria do gênero opinativo, que continua em evolução e
às vezes aparece de forma mais elaborada ou mais simples,
de acordo com o público-alvo do veículo.

Coluna

Marques de Melo (1985) diz que na imprensa brasi-


leira, o colunismo tem uma certa ambiguidade, existindo
a tendência de que a coluna é uma seção fixa. De acordo
com o autor, nesse sentido, a coluna abrange o comentário,
a crônica, e a resenha. “A coluna tem fisionomia levemente
persuasiva. Não se limita a emitir uma simples opinião. Vai
mais longe: conduz os que formam a opinião pública, vei-
culando versões dos fatos que lhes darão contorno definiti-
vo” (MARQUES DE MELO,1985, p. 106).
Ainda, conforme Marques de Melo, os tipos de colu-
na mais comuns na imprensa brasileira são: coluna social,
coluna política, coluna econômica, coluna policial, coluna
esportiva, coluna de televisão, entre outras.

Crônica

Marques de Melo (2006) diz que a crônica é um gê-


nero jornalístico contemporâneo, mas suas raízes estão lo-
calizadas na história e na literatura e constitui-se suas pri-
meiras expressões escritas.
A crônica histórica assume, portanto, o caráter de rela-
to circunstanciado sobre feitos, cenários e personagens,

70
a partir da observação do próprio narrador ou tomando
como fonte de referência as informações coligidas junto
a protagonistas ou testemunhas oculares (MARQUES DE
MELO, 1985, p. 123).

O pesquisador atribui à crônica moderna um gênero


eminentemente jornalístico com as seguintes característi-
cas: 1- Fidelidade ao cotidiano, pela vinculação temática e
analítica que mantém em relação ao que está ocorrendo,
aqui e agora; pela captação dos estados emergentes da
psicologia coletiva. 2- Crítica social que corresponde a en-
trar fundo no significado dos atos e sentimentos do homem.
Para Rêgo e Amphilo (2010), a crônica transmite ao
leitor o juízo do jornalista/escritor sobre fatos, ideias e esta-
dos psicológicos pessoais e coletivos. Já, do ponto de vista
editorial, Muniz Sodré (2009, p. 145) diz que o cronista é
“alguém que recebe uma espécie de mandato editorial para
exercer os dotes de enfocar, com visão singularíssima, um
assunto qualquer, embora de presumido interesse público”.
Já para Beltrão (1980, p. 66):
A crônica é uma forma de expressão do jornalista/escri-
tor para transmitir ao leitor seu juízo de valor sobre fa-
tos, ideias e estados psicológicos pessoais e coletivos. É
menos ambiciosa que o artigo e menos rígida, pois na
exposição e interpretação do tema abordado não se eleva
a generalizações teóricas.

Caricatura

A imagem também faz parte do universo jornalístico.


Conforme Marques de Melo (1985), nem toda imagem in-
serida na imprensa tem função opinativa. Algumas podem

71
ser recursos gráficos informativos ou explicativos. Para o
pesquisador, a opinião se manifesta por meio da caricatura,
pois a finalidade satírica pressupõe juízos de valor.
Enquanto gênero jornalístico, a caricatura cumpre uma
função social mais profunda que a emissão rotineira da
opinião nos veículos de comunicação coletiva. É que a
imagem, na imprensa, motiva de tal modo o leitor e produz
uma percepção tão rápida da opinião que se torna instru-
mento eficaz de persuasão (MARQUES DE MELO,1985,
p. 123).

O pesquisador também comenta que há algumas


espécies de caricaturas: 1 – a própria caricatura: retrato
humano ou de objetos que exagera ou simplifica traços,
acentuando detalhes ou ressaltando defeitos. 2 – Charge:
crítica humorística de um fato ou acontecimento especial.
3- Cartoon: anedota gráfica, crítica mordaz. 4- Comic: his-
tória em quadrinhos.
Beltrão (1980, p. 82) lembra que as caricaturas, sáti-
ras desenhadas, conforme são conhecidas, são episódicas
e resultam nas rápidas alterações do fato. O pesquisador
recorre a Matthew Hodagart (1969) que definiu o carica-
turista como o homem que contempla o mundo “com uma
mistura de riso e indignação”.

Carta

Para Marques de Melo (1985) a carta é um espaço


democrático que cada cidadão pode recorrer. O autor diz
também que como o espaço é reduzido, muitos leitores já
escrevem de forma abreviada.
De qualquer maneira, a seção de cartas dos leitores

72
obedece a critérios de edição que se coadunam com a
política editorial da empresa. Como nem todas as cartas
recebidas podem ser publicadas, há uma triagem, uma
seleção (MARQUES DE MELO, 1985, p. 123).

Rêgo e Amphilo (2010) lembram que a carta revela


a opinião do leitor e se constitui em um primeiro formato
que possibilita a expressão da audiência. Para as autoras, a
seção de carta ofereceu aos impressos a primeira oportuni-
dade de conhecer o que seu público pensa e a evolução do
formato possibilitou inúmeras formas de interatividade em
diversos suportes midiáticos.

Sobre Análise de Conteúdo

A pesquisa efetuada seguiu os critérios do método


empírico adotado por Laurence Bardin (2011) que prevê
duas técnicas para estudos das comunicações de massa:
quantitativa e qualitativa. No caso deste estudo, as duas
técnicas foram utilizadas. No campo quantitativo é verifica-
da a frequência da informação. No qualitativo é analisada a
presença ou ausência de uma característica do conteúdo.
Na presente pesquisa foram verificadas a indicação opina-
tiva favorável ao ex-presidente Lula e a indicação opinativa
não favorável ao ex-presidente Lula.
As três fases previstas na Análise de Conteúdo foram
realizadas: primeiramente a pré-análise, em que foi possí-
vel selecionar o material, a segunda fase que explorou esse
material e, por último, a análise e interpretação dos resul-
tados.

73
Sobre a pesquisa efetuada

A leitura das edições do jornal Folha de S.Paulo entre


os dias 8 e 17 de novembro de 2019 propiciaram o seguinte
resultado3:

Edições 2019 Folha de S.Paulo


8 de novembro no 33.091 07 publicações
9 de novembro no 33.092 43 publicações
10 de novembro no 33.093 19 publicações
11 de novembro no 33.094 15 publicações
12 de novembro no 33.095 15 publicações
13 de novembro no 33.096 07 publicações
14 de novembro no 33.097 08 publicações
15 de novembro no 33.098 10 publicações
16 de novembro no 33.099 07 publicações
17 de novembro no 33.100 06 publicações
Total: 137 publicações

As 137 publicações registradas estão divididas entre


os gêneros informativo e opinativo. Os demais gêneros não
apareceram nas matérias em que o ex-presidente Lula foi
citado.
No gênero informativo foram publicadas 71 matérias
distribuídas entre: nove notícias, 30 reportagens, 29 notas
e 3 entrevistas.
Alguns aspectos são interessantes para serem des-
tacados, como a presença de notícias sobre Lula nas capas

3 Deve ser observado que, por se tratar de jornal impresso, o fato é publicado
no dia seguinte após ocorrido.

74
da maioria das edições, ou seja, das 10 edições analisadas,
sete citavam o ex-presidente e em apenas três ele não es-
tava presente. Outro aspecto, se refere as três entrevistas
contabilizadas. Nenhuma foi feita diretamente com Lula,
mas sim, com outros entrevistados que o citaram.
Quanto ao gênero opinativo foi possível constatar o
elevado número de publicações. De um total de 137 publi-
cações, 66 eram opinativas. Se comparadas as do gênero
informativo, verifica-se que o número é alto e quase alcan-
çou as 71 matérias informativas. Foram 15 artigos, 17 co-
mentários, 10 colunas, 22 cartas e 2 editoriais. Nessa con-
dição, também deve ser observado que o jornal impresso
ainda possui um perfil informativo. Portanto, uma diferença
de apenas cinco publicações representa uma quantidade
pouco significativa.
Um destaque interessante é para o número de cartas
publicadas. Vinte e duas cartas, sendo que em 10, os leito-
res foram críticos ao ex-presidente Lula, nove foram favorá-
veis e três comentaram apenas a situação.
Já em relação aos dois editoriais publicados, um foi
crítico ao discurso de Lula, após sair da prisão. Outro edi-
torial não se reportava diretamente ao ex-presidente, mas
uma crítica a Bolsonaro que ameaçou Lula com a Lei de
Segurança Nacional. Há um editorial publicado em 17 de
outubro, intitulado “Chega de Guinadas – No julgamento da
prisão após a 2a instância, STF deveria favorecer estabilida-
de”, que não cita Lula, mas há um posicionamento do jornal
de que o STF deveria manter o entendimento previsto, e
não derrubar como acabou ocorrendo. Este editorial foi pu-
blicado antes do período definido para esta pesquisa, mas
deve ser mencionado pois colabora para a compreensão
da posição do jornal perante o tema.

75
Dos 15 artigos publicados,13 eram de jornalistas da
Folha. Dois artigos eram de professores. Desses dois ar-
tigos um foi favorável a Lula e o outro analisou o contexto
político entre Lula e Bolsonaro. Dois jornalistas da Folha
criticaram o ex-presidente e um foi favorável. Dois jornalis-
tas criticaram o julgamento do Supremo Tribunal Federal e
citaram o ex-presidente. Sete jornalistas escreveram sobre
a polarização Lula x Bolsonaro e um escreveu sobre Bolso-
naro, mas citou o ex-presidente.
Das 10 colunas publicadas, 3 eram de jornalistas da
Folha: uma foi favorável a Lula, outra, uma sátira e a últi-
ma, uma análise da situação do ex-presidente. As outras
7 escritas por professores, roteirista, economista, servidor
público e jornalista/escritor se dividiram entre: duas favorá-
veis à decisão do STF, com citação a Lula, duas favoráveis
ao próprio Lula, duas sobre a polarização Lula x Bolsonaro
e a última sobre os golpes na América Latina, com citação
favorável a Lula. Verifica-se assim, que a maioria dos colu-
nistas externos foram favoráveis ao ex-presidente.
No conjunto dos textos opinativos entre colunas e
artigos foi possível verificar que os colunistas e articulistas
externos foram mais favoráveis ao ex-presidente do que os
jornalistas do veículo. O que ficou bastante claro, também,
é que a própria Folha de S.Paulo, por meio de seu editorial
foi contra a posição do Supremo Tribunal Federal, sendo
acompanhada por alguns jornalistas em seus textos. Nesse
sentido, é possível presumir que, sendo contra a decisão do
STF o jornal era desfavorável também à liberdade de Lula.

76
Considerações Finais

Tendo em vista o considerado por Marques de Melo


(1985) em seu livro A opinião do Jornalismo Brasileiro, e já
exarado neste texto, o gênero opinativo prevaleceu nos pri-
meiros jornais brasileiros, mas com o passar o tempo esses
empreendimentos individuais tornaram-se empresas jorna-
lísticas. Nesse sentido, cabe ressaltar que as empresas por
meio de suas estruturas internas de produção acabaram
por priorizar a informação, conforme o modelo americano,
a opinião se fragmentou. Contudo, é relevante inferir que,
quando ocorrem fatos relevantes e polêmicos, o jornalismo
opinativo se apodera de um espaço amplificado para que
articulistas e editorialistas possam analisar situações e ex-
por suas opiniões.
Em casos como o do ex-presidente Lula, foi possível
verificar esta situação na pesquisa efetuada no jornal Fo-
lha de S.Paulo, em que a presença do gênero opinativo foi
constatada em editoriais, colunas, artigos e cartas, em um
número expressivo e quase alcançou o gênero informativo,
durante o período analisado.
A presença do editorial representa a importância
dada ao fato, pois como já foi discutido, marca a posição do
jornal a respeito. Verifica-se no caso desta pesquisa, que
muitos jornalistas do veículo acompanharam a posição do
editorial ao emitir posição contrária ao julgamento do Su-
premo Tribunal Federal, o que reforçou a posição do jornal.
Nesse sentido, acrescenta-se, ainda, que no caso da Folha
de S.Paulo, foi possível verificar o seu posicionamento pelo
conjunto das matérias publicadas.

77
Referências bibliográficas

BELTRÃO, Luiz. Jornalismo Opinativo. Porto Alegre: Sulina,


1980.
ERBOLATO. L. Mário. Técnicas de Decodificação em Jor-
nalismo. Redação captação e edição no jornal diário. São
Paulo: Ática, 2003.
LAILTON, Costa da. Gêneros Jornalísticos. In: MARQUES
DE MELO, José; ASSIS, Francisco de (orgs.) Gêneros Jor-
nalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo: Universidade
Metodista de São Paulo, 2010.
MARQUES DE MELO, José. A opinião no jornalismo brasilei-
ro. Petrópolis: Vozes, 1985.
. Teoria do Jornalismo: identidades brasileiras. São
Paulo: Paulus, 2006.
. Gêneros Jornalísticos: Conhecimento Brasileiro.
In: MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de (orgs.)
Gêneros Jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo:
Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
RÊGO, Ana Regina; AMPHILO, Maria Isabel. Gênero Opi-
nativo. In: MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco
de (orgs.). Gêneros Jornalísticos no Brasil. São Bernardo do
Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
SODRÉ, Muniz. A Narração do Fato - Notas para uma teoria
do acontecimento.
UOL. Jornal Folha de S.Paulo. Disponível em: https www1.
folha.uol.com.br/institucional/historia_da_folha.shtml?-
fill=4:// . Acesso em: 10 jan 2020.

78
O Fact-checking à Luz da Teoria dos Gêneros Jorna-
lísticos: o Jornalismo Interpretativo e seu Potencial de
Educar para as Mídias1
Edson Francisco LEITE JUNIOR2

Introdução

Para José Marques de Melo (2003, p. 11), “os gêneros


jornalísticos correspondem a um sistema de organização do
trabalho cotidiano de codificação das mensagens de atua-
lidade”. A partir disso, Marques de Melo (2009) apresenta o
seguinte panorama dos gêneros jornalísticos: informativo
(vigilância social), opinativo (fórum de ideias), interpretativo
(papel educativo, esclarecedor), diversional (distração, la-
zer) e utilitário (auxílio das tomadas de decisão cotidianas).
Os gêneros refletem aquilo que os cidadãos querem e
precisam saber/conhecer/acompanhar, porque justa-
mente nos gêneros esse público encontra respaldo para
suas ações cotidianas ou, mesmo, para o exercício da ci-
dadania. Atender às finalidades condensadas nessas cin-
co vertentes é a razão de ser do trabalho da imprensa, que
foi se construindo ao passo do próprio desenvolvimento
da sociedade. (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016, p. 49)

Partindo desse pressuposto, uma vez que “a tônica


geográfica é significativa quando nos referimos à prática
dos gêneros e dos formatos jornalísticos” (MARQUES DE
MELO; ASSIS, 2016, p. 52), na busca por entender o fact-

1 Trabalho apresentado no Gêneros Jornalísticos, XX Encontro dos Grupos de


Pesquisas em Comunicação, evento componente do 43o Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação.
2 Doutorando em Comunicação da FIC-UFG, e-mail: edsonleitejr@gmail.com.

79
checking à luz da teoria dos gêneros jornalísticos, para
efeitos de análise, este trabalho irá analisar apenas as
iniciativas brasileiras que possuem o selo da International
Fact-checking Networking (IFCN), uma organização,
sediada no Instituto Poynter, nos Estados Unidos, que
avalia anualmente iniciativas de checagem em todo o
mundo a partir de doze critérios, baseados na transparência
dos processos e escolhas, política pública de correções e
apartidarismo. A certificação da IFCN funciona como um
selo de qualidade internacional, que também obedece ao
princípio da transparência, uma vez que os processos de
avaliações das agências ficam disponíveis ao público no site
da instituição. Em outubro de 2020, havia 84 signatários e
as agências Lupa, Aos Fatos e Estão Verifica eram as únicas
brasileiras verificadas e ativas. De acordo com a IFCN, a
iniciativa Truco, da Agência Pública, teve sua avaliação
expirada3.
Voltando ao foco deste trabalho, a hipótese inicial é
que o fact-checking se enquadraria dentro do jornalismo
interpretativo, de acordo com o modelo proposto por José
Marques de Melo (2009) uma vez que sua principal função
seria educativa ao esclarecer a sociedade sobre o que seria
uma informação verdadeira ou falsa.

Os Principais Conceitos por Trás do Fact-checking

A conceituação de fact-checking envolve pelo menos


outros dois conceitos: fake news e desinformação. Como
ainda há uma certa confusão é preciso delimitar e diferen-
ciar esses conceitos para evitar possíveis equívocos. Pen-
3 Disponível em: https://ifcncodeofprinciples.poynter.org/signatories. Acesso
em: 07 out. 2020.

80
sando nisso, Ireton e Posetti (2018, p.7) adotam essa es-
tratégia de diferenciação e explica que o termo fake news
(notícias falsas) é evitado “porque “notícias” significam in-
formações verificáveis de interesse público, e as informa-
ções que não atendem a esses padrões não merecem o
rótulo de notícias”, já desinformação, termo que tem sido
preferido, principalmente por acadêmicos, se refere a “ten-
tativas deliberadas (frequentemente orquestradas) para
confundir ou manipular pessoas por meio de transmissão
de informações desonestas”.
Apesar disso, é inegável o quão popular se tornou o
termo fake news, que é disseminado por toda a sociedade,
embora nem sempre com o significado correto.
Atribui-se o rótulo de fake news àquelas notícias que
se têm a intenção de deslegitimá- las, apenas pelo fato de
não se concordar com o que se lê, ouve ou vê nos jornais,
revistas ou nas telas da TV, computadores e celulares. E,
dessa forma, descredita-se também o próprio jornalismo
enquanto instituição.
O que pode ajudar a explicar esse fenômeno é o fato
de que a construção da realidade é resultado da reação dos
indivíduos diante dos acontecimentos. Ou seja, as ideias
são construídas não apenas pelo o que é exposto aos in-
divíduos, mas também pela forma como a informação ex-
posta se relaciona com seu corpo, acionando experiências,
memórias, emoções e sentimentos. Assim, as emoções e
sentimentos são ativados na construção do pensamento de
cada pessoa e, por consequência, na tomada de decisões,
o que leva as pessoas a selecionar a informação que mais
favorece a decisão que já estava inclinada a tomar (CAS-
TELLS, 2013).
Isso leva os indivíduos, muitas vezes, a abrir mão da

81
realidade ou da verdade em prol de suas crenças e posicio-
namentos pessoais. Assim, a convicção prevalece mesmo
diante de provas e evidências materiais. Dessa forma, a es-
sas situações, em que fatos objetivos são menos influentes
na formação da opinião pública do que apelos à emoção e
à crença pessoal, dá-se o nome de pós-verdade (OXFORD,
2016).
No entanto, o termo “pós-verdade” tem sido critica-
do por pesquisadores como Berckemeyer (2017, p. 26-27).
Ele acredita ser mais oportuno não usar o termo verdade,
mesmo acompanhado do prefixo pós. Para o autor, é pre-
ferível chamar esse tipo de conteúdo de “mentira”, “farsa”
ou “engano”. Para ele, pós-verdade trata-se de um conceito
artificial, carregado de modismo, para referir-se a algo que
sempre existiu na humanidade e minimiza e atenua o quão
grave é esse fenômeno que tem como resultado a desin-
formação.
Nesse cenário, a partir dos anos 2000, apesar da
checagem de dados não ser uma novidade do jornalismo
(faz parte - ou pelo menos deveria fazer - da sua rotina pro-
dutiva), surgiram as primeiras iniciativas de checagem após
a publicação voltada para as declarações feitas por figuras
públicas nos moldes que conhecemos hoje e a esse fenô-
meno deu-se o nome de fact-checking. (SPINELLI; SAN-
TOS, 2018).

O Fact-checking no Brasil

Na busca por traçarmos uma linha do tempo do


fact-checking no Brasil, 2015 é o ano em que surgem as
primeiras agências de checagem brasileiras, apesar de já

82
terem ocorrido experiências desse tipo de formas pontuais
e descontinuadas desde 2010, principalmente em períodos
eleitorais, como foi o caso do Mentirômetro e do Promessô-
metro, do jornal Folha de S. Paulo em 2010, e os blogs Preto
no Branco, do jornal O Globo, e Truco, da Agência Públi-
ca, ambos em 2014. No entanto, há uma guerra de versões
para detectar qual seria a primeira iniciativa.
Lupa diz ser em seu site a primeira agência de fact-
-checking brasileira, tendo sido fundada em 1o de novembro
de 2015. E de lá pra cá, já produziu checagens nos mais
diversos formatos (texto, áudio e vídeo), tendo divulgado
suas verificações em jornais, revistas, rádios, sites, canais
de televisão e redes sociais.4 No entanto, a agência Aos Fa-
tos, também em seu site, afirma ser a primeira plataforma
brasileira de checagem contínua e sistemática, oferecendo
a data de 7 de julho de 2015 como o marco de criação5.
Entram ainda nessa guerra de versões outros dois sites es-
pecializados em desmentir boatos: o Boatos.org (criado em
2013) e o E-farsas, que afirmar acabar com a as fake news
desde 2002 (SEIBT, 2019).
E longe dessa briga de versões que reivindicam ser
a primeira agência de fact-checking brasileira, encontra-se
a iniciativa Estadão Verifica, criada em 1o de junho de 2018.
Especializado em política, trata-se do núcleo de checagem
de fatos do jornal O Estado de S. Paulo6.

4 Informação disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/Lupa/2015/10/15/


como-selecionamos-as-frases- que-serao-checadas/. Acesso em: 07 out.
2020.
5 Informação disponível em: https://www.aosfatos.org/checagem-de-fatos-ou-
-fact-checking/. Acesso em: 07 out. 2020.
6 Informação disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-ve-
rifica/. Acesso em: 07 out. 2020.

83
Gêneros Jornalísticos e Fact-checking

José Marques de Melo (1985) defende o estudo dos


gêneros jornalísticos sob a alegação de que ele é funda-
mental para a configuração da identidade do próprio jorna-
lismo enquanto objeto científico. Manuel Chaparro (2000) é
mais específico e pragmático ao dizer que os gêneros são
formas de discurso. E, ao tentar resumir o que é a teoria dos
gêneros jornalísticos, Felipe Pena (2005), afirma se tratar,
basicamente, de ordenações e classificações.
Sob uma perspectiva histórica, “a definição de gê-
neros vem desde a Grécia Antiga, há quase três mil anos,
com a classificação proposta por Platão, baseada nas re-
lações entre literatura e realidade, dividindo o discurso em
mimético, expositivo ou misto” (PENA, 2005, p. 66). Já no
jornalismo, ainda segundo Felipe Pena (2005), Samuel Bu-
ckley foi pioneiro no estudo dos gêneros jornalísticos, ainda
no início do século XVIII, ao realizar a primeira tentativa de
classificação, separando o conteúdo jornalístico em duas
categorias: notícias e comentários.
Para Pierre Bourdieu (1997, p. 104), inclusive, é justa-
mente nesse momento histórico que o jornalismo se firma
enquanto campo. E assim ele o faz “em torno da oposição
entre os jornais que ofereciam antes de tudo notícias, de
preferência sensacionais ou, melhor, sensacionalistas, e
jornais que propunham análises e comentários”.
No entanto, apesar do legado que Buckeley deixou
ao jornalismo, ao fazer essa distinção, até então inédita,
na visão de Chaparro (2000, p. 113), “não levantou qual-
quer barreira entre opinião e informação, ainda que tivesse
pensado em fazê-lo. O que ele separou foram dois tipos de
texto, um com estrutura formal argumentativa, outro com
estrutura formal narrativa”.

84
Chaparro (2000, p 100) acredita que a simples sepa-
ração do jornalismo entre informação e opinião acaba por
tornar a discussão superficial e “torna cínica a sua prática
profissional”. Para o autor, o jornalismo não pode ser dividi-
do entre opinião e informação porque, em sua visão, ele é
construído de forma híbrida. Ou seja, para Chaparro (2000),
nos conteúdos, tanto a opinião quanto a informação per-
manecem na intencionalidade do jornalista ao escrever, in-
dependente da estrutura formal que apresenta.
Segundo Chaparro (2000, p. 110), “face à dinâmica e
ao grau de complicação das interações que o jornalismo
viabiliza no mundo atual, já não é possível explicar e en-
tender a ação discursiva do jornalismo pela dicotomia Opi-
nião/Informação”. Jorge Pedro Sousa concorda com essa
visão e explica que isso ocorre porque “os gêneros jorna-
lísticos não têm fronteiras rígidas e, por vezes, é difícil clas-
sificar uma determinada peça, até porque, consideradas
estrategicamente, todas as peças jornalísticas são notícias,
se aportarem em informação nova” (SOUSA, 2005, p. 168).
Os gêneros jornalísticos correspondem a determinados
modelos de interpretação e apropriação da realidade
através de linguagens. [...] A realidade não contém notí-
cias, entrevistas, reportagens, etc. Sendo uma forma de
interpretação apropriativa da realidade, os gêneros jorna-
lísticos são uma construção e uma criação. Obviamente
que, uma vez criados, os gêneros jornalísticos passam,
também eles, a fazer parte da realidade, que paradoxal-
mente, referencial. [...] Os gêneros jornalísticos existem
em determinados momentos e contextos sócio-histórico-
-culturais. Há, certamente, gêneros jornalísticos que ain-
da não viram a luz do dia e outros que já não se praticam.
(SOUSA, 2005, p. 168-169)

“Por isso, podemos dizer que os gêneros são como


os grupos sociais e os seres humanos que os usam: mutá-

85
veis, variáveis, dinâmicos, às vezes até mesmo contraditó-
rios e irregulares” (ALVES FILHO, 2011, p. 20). Assim, essa
natureza híbrida que hoje pode ser encontrada no jornalis-
mo contribui com a ideia de que “os gêneros passaram a
ser vistos como formas de organizar dinamicamente a co-
municação humana e de expressar diversos significados de
modo recorrente” (ALVES FILHO, 2011, p. 21).
Mesmo assim, “não se pode negar que a classificação
dos textos tem suas utilidades” (ALVES FILHO, 2011, p. 23).
Até porque não podemos desprezar a primeira separação
no Jornalismo, proposta por Buckley, da qual deriva todas
as demais. Ana Carolina Temer (2009, p. 181), mesmo reco-
nhecendo que os gêneros como um espécie de categorias
que congregam trabalhos semelhantes (em relação a es-
trutura e estética textual), acredita que o fator fundamental
e o conceito chave que define os gêneros recorrentes na
mídia é a “promessa de conteúdo, ou de uma possibilidade
de conteúdo, uma espécie de contrato previamente acor-
dado entre emissor e receptor”.
E ao tentar descrever “o sistema de organização do
trabalho cotidiano de codificação das mensagens de atu-
alidade”, José Marques de Melo (2003, p. 11), apresenta o
seguinte panorama dos gêneros jornalísticos: informativo
(vigilância social), opinativo (fórum de ideias), interpretativo
(papel educativo, esclarecedor), diversional (distração, la-
zer) e utilitário (auxílio das tomadas de decisão cotidianas).
Focando no gênero interpretativo, uma vez que a hi-
pótese inicial deste trabalho é que o fact-checking se insere
nessa categoria, é preciso entender que a interpretação é
“uma das características básicas do jornalismo, o que vale
dizer uma atitude de ofício do agente da informação de atu-
alidade” (BELTRÃO, 1980, p. 47). Assim, a interpretação jor-
nalística consiste na análise preliminar a qual os jornalistas

86
submetem os dados que recolhem a uma seleção crítica.
Se o jornalista ultrapassa os limites da busca do sentido
das diferentes forças que atuam em uma situação, confi-
gurada em suas origens e em suas possíveis projeções, se
submete os dados colhidos e o sentido encontrado a uma
escala de valores própria, pessoal, estará em pleno domí-
nio da opinião. Se, por outro lado, menospreza, camufla
ou subtrai aspectos essenciais à exata compreensão do
acontecimento ou destaca, apenas, aqueles de natureza
impactual e facilmente perceptíveis, estará no campo da
informação mutilada, superficial e/ou sensacionalista.
(BELTRÃO, 1980, p. 48)

E, quanto à interpretação, Luiz Beltrão (1980) ainda


distingue o jornalismo em dois tipos: o extensivo e inten-
sivo. No extensivo, a informação é predominante e não há
preocupação com a análise dos fatos. Já o jornalismo inten-
sivo é exercido a base da reflexão. Nessa última distinção,
a opinião e o comentário são incluídas por Beltrão (1980).
Mas, cabe ressaltar que, segundo John Hohenberg
(1962), há várias formas dos jornalistas interpretarem os fa-
tos. “A interpretação pode ser incluída no corpo da notícia
ou ser objeto de um subtítulo. Se está incluída na notícia, o
método mais simples consiste em relatar primeiro os fatos e,
em certa altura, dizer o que eles significam” (HOHENBERG,
1962, p. 424).

O Conteúdo das Agências Brasileiras de Checa-


gem à Luz da Teoria dos Gêneros

A metodologia de análise utilizada neste trabalho é


a análise de conteúdo, pois, aplicada especificamente aos
estudos de jornalismo, pode ser usada para “descrever e

87
classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos, para
avaliar características da produção de indivíduos, grupos e
organizações, para identificar elementos típicos, exemplos
representativos e discrepâncias” (HERSCOVITZ, 2007, 123).
Além disso, trata-se de uma metodologia eficaz para se fa-
zer inferências sobre algo publicado.
“Os pesquisadores que utilizam a análise de conteúdo
são como detetives em busca de pistas que desvendem
os significados aparentes e/ou implícitos dos signos e
das narrativas jornalísticas, expondo tendências, confli-
tos, interesses, ambiguidades ou ideologias presentes
nos materiais examinados.” (HERSCOVITZ, 2008, p. 127)

Dessa forma, o primeiro passo para a análise é se


voltar para o trabalho das iniciativas de fact-checking brasi-
leiras analisadas neste trabalho (Lupa, Aos Fatos e Estadão
Verifica), primeiramente, para descrevê-lo. E o que, primei-
ramente, pode se notar ao se deparar com o conteúdo das
três agências de checagem analisadas é que todas elas
possuem uma metodologia parecida. O que pode explicar
isso é que as três são auditadas pela International Fact-che-
cking Networking. E como a certificação da IFCN funciona
como um selo de qualidade internacional que possui seus
próprios critérios, para conseguí-lo é preciso que os mode-
los de checagem obedeçam a um certo padrão.
Aos Fatos chega a afirmar em seu site que seu código
de conduta que garante a presença na lista da IFCN inclui
os seguintes tópicos: a) compromisso de apartidarismo e
equidade; b) compromisso pela transparência das fontes;
c) compromisso pela transparência de financiamento e or-
ganização; d) compromisso com transparência de método;
e) compromisso com correções francas e amplas.
O método de checagem utilizado por Aos Fatos é
composto por seis etapas, que é explicado no próprio site.

88
No texto, a agência de checagem deixa claro que seu foco
é verificar declarações de políticos e autoridades, principal-
mente aqueles que estão no poder, porque possuem mais
relevância.
Dessa forma, embora afirme que preza pela plurali-
dade e pela busca de acompanhar todos os lados envolvi-
dos no debate político, agentes políticas que detém o poder
é prioridade de Aos Fatos, que afirma ainda que não checa
opiniões, previsões ou tópicos de pouca relevância para
o debate público por envolverem vícios de linguagem ou
questões íntimas dos agentes públicos.
Depois de todo o processo de checagem, a informa-
ção passa então a ser classificada como verdadeira, impre-
cisa, exagerada, contraditória, insustentável, distorcida ou
falsa. Entre os sete selos de classificação, quatro se aplicam
apenas a declarações. Cada um tem um significado, con-
forme explicação do portal de checagem.
Para além da sessão de checagem de declarações,
o site também tem páginas dedicadas a investigações e
explicações. Na seção “investigamos”, as reportagens são
mais extensas e utilizam jornalismo de dados, com infor-
mações históricas, levantamentos e maior contextualização
das informações. Já na seção “explicamos”, as produções
buscam responder a perguntas que começam com “como”,
“por que”, “o que”, e possuem caráter mais educativo, no
sentido de esclarecer dúvidas sobre assuntos do momento.
Aprofundando um pouco mais nos conteúdos das
iniciativas de checagem, tanto a agência Lupa quanto a ini-
ciativa Estadão Verifica apresentam em suas homepages as
suas checagens de forma única, sem dividí-las por catego-
rias, enquanto Aos Fatos possui o que podemos chamar de
cinco editorias principais: checamos, investigamos, expli-

89
camos, nas redes e outros. E dentro de outros, são encon-
tradas outras dez subdivisões: Radar, Tempo Real, Manuais,
Eleições 2020, Aos Gráficos, Análises, HQ, Aos Fatos Lab,
Eleições 2018 e Tudo.
No entanto, vale destacar que a agência Lupa até
tenta realizar uma subdivisão temática do trabalho apre-
sentado. No entanto, a maioria está desatualizada o que faz
com essa subdivisão não faça tanto sentido na prática. Mas
com um processo de checagem muito parecido com Aos
Fatos, a agência Lupa se diferencia de Aos Fatos, principal-
mente, por também realizar o trabalho de debunking, que é
a verificação de conteúdo publicado por fontes não oficiais
(Aos Fatos trabalha apenas com fontes oficiais).
Outra diferença encontrada no modelo de análise da
agência Lupa, comparada com Aos Fatos, é que ela apre-
senta nove etiquetas (Aos Fatos possui apenas sete) para
classificar tudo o que analisa: verdadeiro; verdadeiro, mas;
ainda é cedo para dizer; exagerado; contraditório; subesti-
mado; insustentável; falso e de olho.
Por fim, a iniciativa Estadão Verifica sequer apresen-
ta selos formais para identificar os conteúdos que analisa.
No entanto, ao explicar o seu método de checagem, afirma
utilizar a classificação de Claire Wardle (2017) para os sete
tipos de desinformação existentes, na visão da autora: con-
teúdo inventado (quando o conteúdo é 100% falso), conteú-
do manipulado (quando o conteúdo – texto ou imagem – é
manipulado com a intenção de enganar), conteúdo enga-
noso (quando ocorre o uso enganoso de uma informação
para enquadrar uma situação ou indivíduo), conteúdo im-
postor (quando fontes genuínas são imitadas), falso con-
texto (quando o contexto de uma informação é fraudado ou
omitido), falsa conexão (quando a titulação ou manchetes
não correspondem com seu conteúdo) e sátira ou paródia

90
(quando o conteúdo de humor não tem a intenção de pre-
judicar, mas apresenta potencial para enganar).
De qualquer maneira, a análise dos dados coletados
nos sites das três iniciativas de checagem analisadas per-
mite a inferência de que o fact-checking pode ser enqua-
drado dentro do gênero interpretativo, mais especificamen-
te sob no formato de análise, conforme o modelo proposto
por José Marques de Melo (2009). A observação de como
os próprios sites se estruturam e dispõem seu conteúdo
evidencia a intenção de esclarecer e desfazer enganos,
dando a essas iniciativas de fact-checking, um papel edu-
cativo, na iniciativa de trazer ao leitor informações necessá-
rias para decisões políticas e/ou cotidianas.
No caso da agência Lupa, especificamente, cabe
ainda destacar o projeto Lupa Educação que reforça ainda
mais caráter educativo do fact-checking ao promover pa-
lestras e cursos de aperfeiçoamento tanto no Brasil quanto
no exterior. Ao oferecer aos cidadãos uma educação midiá-
tica que os tornem capazes de, por conta própria, checarem
a veracidade de fatos que lhes são expostos, há um empo-
deramento desses cidadãos e lhes é garantido, assim, um
direito básico e fundamental que é o direito à informação.
Para José Marques de Melo (1986), o direito à infor-
mação é uma categoria em processo de configuração, situ-
ada na fronteira entre o direito de comunicação (liberdade
de expressão e de pensamento) e o direito de educação
(aprendizagem do conhecimento acumulado). Claude-Jean
Bertrand (2002, p. 41) é ainda mais taxativo ao dizer que
“na prática, o indivíduo não dispõe de nenhum de seus di-
reitos se não possuir um deles: o de saber. Todo direito se
conquista, e, depois, se defende sem tréguas. Ora, nesse
combate, se não tiver informado, o ser humano está desar-
mado”.

91
Justamente por isso, não basta que a lei assegure,
de forma universal, liberdade de expressão. É preciso do-
tar a todos da capacidade de saber, fazer, transformar, criar.
Até porque, para comunicar e expressar livremente fatos e
ideias, o domínio do código linguístico e o livre acesso aos
conteúdos que permitirão produzir, difundir e divulgar men-
sagens são pressupostos fundamentais.

Considerações Finais

Com base no que foi exposto neste trabalho, o que


se pode inferir é que as iniciativas de fact-checking brasi-
leiras funcionam como uma ferramenta de combate à de-
sinformação. No entanto, elas possuem um potencial ainda
maior, se estiverem aliadas a um projeto de educação mi-
diática.
É preciso entender que as agências de fact-checking
precisam dar o próximo passo, assim como a agencia Lupa
já o fez: ir além da mera checagem e ofrecer aos cidadãos-
leitores um projeto de educação para as mídias. Além de
promover a cidadania, esse será um fator de fortalecimen-
to da democracia ao ensinar o cidadão a ter uma postura
crítica, dando as ferramentas necessárias para identificar
a veracidade ou não dos fatos que lhes são apresentados.
Mas o manuseio da informação “se estriba na instru-
ção básica, no conhecimento sistematizado, no treinamento
para a aprendizagem continuada” (MARQUES DE MELO,
1986, p. 69). E isso acaba criando um círculo vicioso que
ainda é um dos grandes desafios do Brasil. Até porque, não
possuindo capacitação para expressar-se adequadamente,
os novos cidadãos acomodam-se a ouvir e a repetir o que

92
ouvem. Nem comunicam autonomamente, nem se sentem
motivados para buscar informação – ainda mais uma infor-
mação confiável e de qualidade. E consequentemente não
participam da vida em sociedade, limitando-se a legitimar
os que falam e decidem o que os outros devem ouvir e falar.
(MARQUES DE MELO, 1986, p. 70)
Em outras palavras, os cidadãos que se limitam a
consumir pouca informação – ou uma informação de pou-
ca qualidade –, inseridos em um meio repleto de desinfor-
mação, acabam adotando um “comportamento passivo,
acrítico, que imobiliza grande parte da nossa sociedade”
(MARQUES DE MELO, 1986, p. 75). E essa atitude tem
como consequência a preferência pelo consumo de pro-
dutos midiáticos facilmente digeríveis e que acabam por
promover a desinformação na sociedade.
Portanto, a conquista do direito à educação deve
ser anterior ao direito à informação, sendo o segundo con-
sequência do primeiro. Isso porque “garantir a educação
para todos, educação de boa qualidade, que permita aos
cidadãos compreender o mundo em que vivem e adquirir
habilidades para o desempenho cívico/profissional, consti-
tui o fundamento do direito à informação” (MARQUES DE
MELO, 1986, p. 73).
E negar o direito à informação – e também à edu-
cação – é negar a própria cidadania. Romper esse ciclo
implica em educar os cidadãos para consumir informação
confiável e de qualidade, combatendo a desinformação.
Como consequência, eles descobrirão os direitos básicos
de cidadania e lutar por eles (MARQUES DE MELO, 1986).
Por isso a importância das iniciativas de fact-checking de
desenvolverem seu potencial para a educação midiática.

93
REFERÊNCIAS
ALBERTOS, José Luis Martínez. Curso general de redaccion
periodistica: linguaje, estilos y géneros periodísticos em
prensa, radio, televisión y cine. Madri: Paraninfo, 1993.
ALVES FILHO, Francisco. Gêneros jornalísticos: notícias e
cartas de leitor no ensino fundamental. São Paulo: Cortez,
2011.
BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica.
Porto Alegre: Sulina, 1980.
BERCKEMEYER, Fernando. A pós-verdade: entre a falsida-
de e o engano. UNO, São Paulo, n 27, p. 26-30, 2017.
Disponível em: https://www.revista-uno.com.br/
wp-content/uploads/2017/03/UNO_27_BR_baja.pdf.
Acesso em: 02 abr. 2020.
BERTRAND, Claude-Jean. A deontologia dos media. Coim-
bra: MinervaCoimbra, 2002.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão, seguido de A influ-
ência do jornalismo e Os jogos olímpicos. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 1997.
CASTELLS, Manuel. O poder da comunicação. Lisboa: Fun-
dação Calouste Gulbenkian, 2013.
CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além
mar: percursos e géneros do Jornalismo português e brasi-
leiro. Santarém: Jortejo, 2000.
HERSCOVITZ, Heloisa Golbspan. Análise de conteúdo em
jornalismo. In: LAGO, Cláudia; BENETTI, Marcia. Metodo-
logia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Editora Vozes,
2007.

94
HOHENBERG, John. Manual de Jornalismo. Rio de janeiro:
Fundo de Cultura, 1962.
IRETON, Cherilyn; POSETTI, Julie. Journalism, fake news &
disinformation: handbook for journalism education and trai-
ning. UNESCO Publishing, 2018.
MARQUES DE MELO, José. A opinião do jornalismo brasilei-
ro. Petrópolis: Vozes, 1985.
MARQUES DE MELO, José. Comunicação: direito à infor-
mação. Campinas, SP: Papirus, 1986.
MARQUES DE MELO, José. O desafio do estudo dos gê-
neros. Pauta Geral, Salvador, n.5, p.11- 20, 2003. Entrevista
concedida a Tatiana Teixeira.
MARQUES DE MELO, José. Jornalismo: compreensão e
reinvenção. São Paulo: Saraiva, 2009.
MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de. Gêneros
e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Inter-
com: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. 39,
n. 1, p. 39- 56, 2016.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto,
2005.
SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de jornalismo impresso.
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2005.
TEIXEIRA, José Antônio. Jornalismo de opinião. Rio de Ja-
neiro: Folha dirigira, 2002.
OXFORD LEXICO. Definition of post truth. Oxford, 2016. Dis-
ponível em <https://www.lexico.com/en/definition/post-
-truth>. Acesso em 7 out. 2020.
SEIBT, Taís. Jornalismo de verificação como tipo ideal: a prá-
tica de fact-checking no Brasil. Tese (Doutorado em Comu-

95
nicação) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR-
GS). Porto Alegre, p. 265. 2019.
SPINELLI, Egle Müller; SANTOS, Jéssica de Almeida. JOR-
NALISMO NA ERA DA PÓS- VERDADE: fact-checking
como ferramenta de combate às fake news. Revista Obser-
vatório, v. 4, n. 3, p. 759-782, 2018.
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessôa. Gêneros e gêneros:
apontamentos teóricos sobre os conceitos e sua atribuição
ao jornalismo feminino. Comunicação & Sociedade, São
Bernardo do Campo, ano 30, n.51, p.177-200, jan./jun. 2009.
WARDLE, Claire. Fake news. It’s complicated. First Draft, v.
16, 2017. Disponível em: <https://firstdraftnews.org/latest/
fake-news-complicated/> Acesso em: 07/10/2020.

96
A Reportagem Interpretativa como Gênero da Checa-
gem: Reflexões sobre a Experiência do NUJOC1
Marcio da Silva GRANEZ2

Introdução

A pandemia da Covid-19 trouxe para o jornalismo o


desafio de lidar com uma vasta gama de fake news ou de-
sinformação. Dados apontam (FIOCRUZ, 2020) que o Brasil
é um dos países em que mais se propaga informação falsa
sobre a crise sanitária deflagrada pelo novo coronavírus.
Os especialistas cunharam o termo “infopandemia”
(POSETTI; BONTCHEVA, 2020) para designar o grande vo-
lume de informações falsas que se alastram sobre a pande-
mia da Covid-19. Temas como remédios milagrosos, dados
estatísticos distorcidos e informações de cunho partidário
são exemplos de assuntos onde incide a pandemia da de-
sinformação. O potencial deletério das mensagens falsas
ou maliciosas sobre o tema do novo coronavírus é imenso,
e inclui desde os riscos à saúde coletiva aos prejuízos para
a autoridade da ciência e das instituições que a represen-
tam.
O jornalismo tem sido vítima da desinformação, me-
diante a estratégia de mimetização dos formatos e do dis-
curso da imprensa pelos propagadores de fake news.
Estudos mostram (UNESCO, 2019; POSETTI; BONT-

1 Trabalho apresentado no GP Gêneros Jornalísticos, XX Encontro dos Grupos


de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 43o Congresso Brasilei-
ro de Ciências da Comunicação.
2 Professor visitante do PPGCOM/UFPI. Bolsista CAPES/PNPD, e-mail: marcio.
granez@hotmail.com.

97
CHEVA, 2020) que a imitação do formato da notícia é um
aspecto recorrente das notícias falsas. Elas buscam des-
sa forma a credibilidade associada à imprensa para fins de
propagar desinformação.
Nesse sentido, apresenta-se aqui uma análise dos
formatos textuais utilizados na checagem de informações
falsas, e uma proposta de interpretação. Trata-se de um pri-
meiro olhar resultante da experiência do autor na checa-
gem de informações junto ao Núcleo de Pesquisa em Jor-
nalismo e Comunicação – NUJOC, da Universidade Federal
do Piauí.

Sobre os Gêneros Jornalísticos

A literatura sobre os gêneros do jornalismo compõe


uma rica tradição epistemológica do campo de estudos da
comunicação. Ela abrange desde os clássicos (BELTRÃO,
1969; 1980; MARQUES DE MELO, 1985) até as investiga-
ções contemporâneas (LONGUI; KÉRLEY, 2015; GRANEZ,
2015; 2017; ASSUNÇÃO; PINTO, 2018) que se ocupam da
descrição e normalização do texto e do discurso jornalís-
tico.
Tradicionalmente os gêneros textuais do jornalismo
expressam funções diferenciadas, que incluem informar,
opinar, interpretar, divertir e prestar serviço. Em decorrên-
cia dessas funções é que se podem entender as categorias
ou gêneros textuais mais significativos: informação, opi-
nião, interpretação, entretenimento e serviço.
Importante salientar essa relação entre o gênero e a
função que o texto desempenha. A notícia é um texto in-
formativo porque sua função precípua é o relato do fato,

98
de forma ágil e direta. O editorial é opinativo porque traz a
apreciação valorativa do grupo jornalístico sobre determin-
do fato. E assim sucessivamente.
A função que o texto desempenha – informar, opinar,
entreter etc. – é uma qualidade inerente aos gêneros, e por
isso merece atenção ao se considerar o tipo textual mais
adequado para determinadas finalidades. A função do en-
tretenimento, por exemplo, vem sendo largamente utilizada
na cobertura esportiva, talvez pela proximidade temática
entre o esporte e a “leveza” do assunto, que permite toque
mais informal e autoral no nível discursivo.
O mesmo se pode dizer da abordagem feita pelos ca-
dernos de cultura, nos quais o o gênero diversional se faz
presente na forma de jornalismo literário. Por outro lado, a
“objetividade” da notícia prevalece nos textos cuja função
é reportar ou relatar o fato. A função precípua de informar
– sem comentário e sem o toque autoral – coloca a seu
serviço toda a narrativa da notícia.
Dessa foma, funções específicas plasmaram ao longo
do tempo formas discursivas também específicas de abor-
dagem no jornalismo. Atualmente, apresenta-se a questão
da checagem de informações no contexto da pademia da
Covid-19, cujo primeiro caso reportado no Brasil foi em
março de 2020.
Os esforços para combater as fake news ou a desin-
formação vêm sendo coordenados por diversos setores,
que incluem grupos de mídia, organizações independen-
tes, universidades, fundações, entre outros. Sabe-se que as
fake news precedem a pandemia, remontando pelo menos
a eventos como o Brexit e a eleição de Donald Trump em
2018 – considerando-se como fator decisivo para esses
eventos o advento das mídias sociais.

99
Todavia, com a pandemia da Covid-19, recrudesceu
a produção e circulação de conteúdos deletérios focados
na crise sanitária, o que demandou também o esforço re-
dobrado no combate à desinformação. A checagem de in-
formações falsas ou maliciosas passou a ser instrumento
de apuração rotineiro para veículos e organizações ligadas
à mídia, por representar uma forma de depurar as informa-
ções e validá-las conforme critérios previamente definidos
e conhecidos.
O autor do presente trabalho participa de um grupo
encarregado de checar informações sobre a pandemia da
Covid-19, o Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comuni-
cação - NUJOC, da Universidade Federal do Piauí. Tal ce-
nário possibilitou as condições para que se faça a presente
reflexão sobre a função da checagem jornalística e sua for-
ma de materialização como tipo e gênero textual.

Conhecendo o NUJOC Checagem

O Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação


– NUJOC é um projeto ligado ao Programa de Pós-Gradu-
ação em Comunicação – PPGCOM da UFPI. Ele contém
entre seus ramos o NUJOC Checagem, responsável pela
verificação e validação de informações que circulam na
mídia, e que tem por objetivo contribuir para combater a
desinformação.
No contexo da pandemia do novo coronavírus, o NU-
JOC Checagem abriu seção especial em seu site para che-
car informações sobre a pandemia. As mensagens chegam
pelas redes sociais da equipe do projeto ou pelo Aplicativo
“Eu Fiscalizo”, desenvolvido no âmbito da Fundação Oswal-
do Cruz. O NUJOC estaleceu parceria com a equipe do “Eu

100
Fiscalizo”, recebendo denúncias do aplicativo.
A atividade de checagem de informações no NUJOC
tem basicamente quatro fases: acolhimento, verificação, re-
visão e conclusão. No acolhimento é feita a distribuição
das mensagens aos checadores – todos eles voluntários,
alunos e professores ligados ao curso de Jornalismo ou à
pós-graduação na área.
Na fase da verificação acontece a checagem pro-
priamente, com a pesquisa em fontes independentes, o
contraste entre diferentes versões, entrevistas com espe-
cialistas etc. A revisão é a fase de retomar o texto sob o
olhar do orientador/editor, para eventuais ajustes em nível
de forma como de conteúdo. E, finalmente, a conclusão é
a fase em que a checagem é entregue e divulgada no site
do Núcleo e nas redes dos parceiros do projeto. Em média,
são feitas duas checagens por dia, seguindo-se uma escala
que vai de segunda a sexta. A equipe conta com um total
de seis voluntários para o trabalho de checagem e um edi-
tor. Para o trabalho com as mídias sociais, conta ainda com
duas voluntárias, responsáveis pela divulgação dos textos
nas redes. Esses números variam conforme a disponibili-
dade da equipe.
O site do NUJOC (Fig. 1) reúne as checagens sobre
a pandemia e também outras seções do projeto, como Di-
vulgação Científica, voltada a temas sobre ciência, e Outros
Boatos, que reúne checagens sobre temas que extrapolam
a pandemia.

101
Fig. 1: Reprodução da página principal do site do NUJOC
Fonte: http://nujocchecagem.com.br/

O trabalho de checagem de mensagens desenvolvi-


do pelo NUJOC permite desenvolver formatos variados de
verificação. Em nível discursivo, resulta em um apanhado
de textos jornalísticos que possuem uma identidade pró-
pria, por atenderem a uma função específica – a função da
checagem.
No próximo segmento, faz-se um olhar sobre es-
ses formatos e, na sequência, uma reflexão sobre o tipo
e o gênero textual que caracteriza a checagem efetuada
pela equipe do NUJOC. A metodologia utilizada para guiar
a descrição e a análise dos dados consiste em estudo de
caso (YIN, 2001), o qual permite um olhar em profundidade
sobre o objeto de estudo, reunindo dados de cunho quan-
titativo e qualitativo.

102
Gêneros discursivos e tipos textuais na Checa-
gem do NUJOC

As checagens efetuadas no âmbito do NUJOC têm


como ponto de partida as mensagens recebidas pelo apli-
cativo Eu Fiscalizo, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, ou as
informações que circulam nas redes sociais da equipe do
projeto. Trata-se de mensagens em todas as mídias – áudio,
foto, vídeo e texto –, provenientes de redes sociais como o
Facebook e aplicativos de conversa como o WhatsApp.
Via de regra, essas mensagens contêm afirmações
duvidosas ou francamente distorcidas sobre os fatos rela-
tivos à pandemia da Covid-19, incluindo dicas de remédios
caseiros, denúncias de malversação de recursos desti-
nados à saúde, estatísticas relativas ao novo coronavírus,
entre outras. Elas também incluem informações sobre as
quais não há comprovação e outras que, checadas, reve-
lam-se verdadeiras.
Parte-se desses trechos de informação, para, me-
diante pesquisa e apuração das informações, verificar sua
conformação Aos Fatos. A depender do resultado da che-
cagem, a mensagem vai levar uma das seguintes etiquetas:
verdadeiro; falso; procede, mas se liga; perdeu a linha; está
sendo estudado; em busca de certezas.
O material que chega à equipe perpassa todos os gê-
neros do jornalismo: há mensagens que imitam o formato
da notícia, há trechos de opinião; há mensagens que tem
viés humorístico e de entretenimento; há mensagens que
apresentam formato interpretativo; e há também mensa-
gens que podem ser classificadas como do gênero de ser-
viço, com informações pontuais sobre determinado aspec-
to da pandemia.

103
Quanto aos tipos textuais, há também grande va-
riedade: notícia, reportagem, artigo de opinião, vídeos de
humor, notas curtas, documentários, comentários de inter-
nautas, depoimentos em vídeo, comunicados em áudio etc.
A variedade dos tipos é proporcional às potencialidades
abertas pela convergência e pela midiatização, no contexto
da comunicação online.
Esse material variado serve de ponto de partida para
a checagem efetuada pela equipe do NUJOC. É com base
nele que são tomadas as decisões sobre como abordar de-
terminada mensagem, quais métodos empregar para fazer
a verificação e, não menos importante, que narrativa será
elaborada para apresentar o resultado da checagem.
O resultado é um corpus de matérias jornalísticas que
pode ser analisado a partir da perspectiva dos gêneros dis-
cursivos e tipos textuais que caracterizam a checagem de
informações efetuada pelo NUJOC. Ao todo, são 112 ma-
térias em cerca de seis meses de atividades. Os dados da
Tabela 1 resumem o quadro.
Tabela 1 – O NUJOC Checagem em números

Comunicação Outros
Período Covid-19
Científica Boatos
Março/agosto/2020 112 12 43

Fonte: http://nujocchecagem.com.br/category/covid-19/, em
31/08/2020.

A Tabela 1 mostra que a checagem de informações


sobre a Covid-19 é a principal atividade do NUJOC no pe-
ríodo de março a agosto de 2020 – sendo que o marco ini-
cial é justamente o período em que a pandemia chegou
ao Brasil. Os textos da seção de Divulgação Científica tam-
bém se concentram no tema da pandemia. Apenas a seção

104
Outros Boatos tem assuntos que extrapolam a questão da
Covid-19. Esses dados revelam a preponderância da pan-
demia na pauta da equipe durante o período em análise, o
que permite um olhar sobre os textos produzidos no âmbito
da checagem sobre a pandemia do novo coronavírus.

A checagem como função jornalística

Um olhar sobre a checagem de informações reve-


la que sua função principal está intimamente associada
ao trabalho tradicionalmente desenvolvido pela imprensa.
Checar uma informação, via de regra, equivale a aprofun-
dá-la, com vistas a descobrir se ela se sustenta nos fatos.
Essa função se situa, a princípio, no âmbito dos gêneros
informativo e interpretativo. A informação abrange o relato
dos fatos em conformidade com sua ocorrência. Ela reme-
te às perguntas que identificam agente e ação – “quem”,
“o quê”, “quando”, “onde”, “como” e em menor medida “por
quê”. Na informação, está em primeiro plano a capacidade
de dizer o fato de maneira direta, caracterizando-o de for-
ma singular, para que ele possa sobressair como aconteci-
mento (BELTRÃO, 1969; 1980; MARQUES DE MELO, 1985;
GRANEZ, 2015; 2017).
A interpretação diz respeito ao entendimento dos fa-
tos em uma linha explicativa, que busque suas causas e
aponte suas consequências, para além do aspecto factual.
Diz respeito ao “porquê” e ao “como”, ampliando a linha de
entendimento do fato, aprofundando-o e expandindo a in-
formação. Nesse percurso, a intepretação exige o olhar es-
pecializado das fontes e o saber autorizado dos que detêm
o conhecimento, como cientistas e especialistas das mais
diversas áreas. Está em primeiro plano, na interpretação, a

105
preocupação em compreender o fato, em uma temporali-
dade alongada, que admite formas narrativas diferenciadas,
eventualmente emprestadas da literatura, a fim de conquis-
tar o leitor (LONGUI; KÉRLEY, 2015; ASSUNÇÃO; PINTO,
2018).
Dentre os formatos ou tipos textuais dedicados a
aprofundar o fato, a reportagem investigativa merece des-
taque. Ela tem sido historicamente o lugar da informação
em profundidade, oferecendo uma gama de enfoques nas
mais variadas editorias. A reportagem permite desde a aná-
lise aprofundada dos especialistas até o testemunho vívido
dos que presenciaram os fatos, em uma narrativa que pode
se estruturar de formas também diversas (BOAS, 1996).
A temporalidade estendida, outra marca da repor-
tagem interpretativa, permite que a apuração dos fatos se
desdobre em um ritmo mais lento do que o fechamento
cotidiano das matérias informativas. A intepretação ganha
assim em perspectiva, em abordagens que se distendem
no tempo e no espaço, e nesse sentindo podendo se apro-
ximar dos modelos narrativos tradicionais da literatura e de
outras estruturas narrativas (BOAS, 1996; LONGHI; KÉR-
LEY, 2015; ASSUNÇÃO; PINTO, 2018).
As funções que a checagem desempenha vão ao
encontro das funções que se observam na interpretação:
aprofundar um fato – no caso, uma denúncia de fake news,
uma mensagem que ganhou repercussão na mídia, um
post que viralizou em redes sociais etc. – e esclarecê-lo so-
bre sua correspondência ou não à realidade factual (UNES-
CO, 2019).
A checagem parte de um pressuposto – o de que de-
terminada mensagem precisa ser investigada para se es-
clarecer a sua correspondência à realidade. Para essa tare-

106
fa, se mobiliza a gama de informações e de conhecimento
acumulado sobre determinado assunto, e a mensagem ori-
ginal é então classificada segundo os critérios da equipe de
checagem como verdadeira, falsa, em análise, entre outras
classificações possíveis.
Dessa forma, a checagem requer o tipo de texto que
permita aprofundar a informação, assim como o tempo
necessário para que esse aprofundamento seja efetuado.
A checagem atenderia à função de esclarecimento, de ve-
rificação, com base na pesquisa e no aprofundamento da
informação.
As características do gênero interpretativo e do tipo
textual reportagem permitem abranger o tipo de texto que
vem sendo desenvolvido nas checagens ou fact-checking
efetuadas pelo NUJOC, como se pretende demonstrar no
próximo segmento.

NUJOC: um olhar sobre a estrutura textual da


checagem

As checagens efetuadas pela equipe do NUJOC par-


tem das sugestões chegadas à equipe pelo aplicativo Eu
Fiscalizo ou, mais esporadicamente, pelas redes sociais da
equipe ligada ao núcleo. O trabalho que esta desenvolve
não tem um formato predeterminado em termos de estru-
tura textual. Apenas algumas indicações formais são feitas,
para fins estéticos, tendo em vista que a padronização dos
elementos no site ajuda a reforçar a identidade visual e edi-
torial.
A estrutura textual pode ser descrita da seguinte for-
ma: textos iniciam com menção à fonte da mensagem re-

107
cebida e, na sequência, a descrição da própria mensagem.
Por vezes, esta é incorporada na íntegra ao texto, utilizan-
do-se os recursos da multimídia. Por vezes, e mais frequen-
temente, apenas um excerto da mensagem original é re-
produzido na matéria, sob a forma de captura de tela (print
screen), devidamente creditada. A Fig. 2 mostra como isso
se manifesta em uma checagem efetuada pelo NUJOC.
Fig. 2: Excerto de mensagem reproduzida em checagem
do NUJOC

Fonte: http://nujocchecagem.com.br/vacina-inglesa-para-covid-19-nao-
-foi-produzida-a-partir-de-fetos-abortados/

Do começo ao fim das checagens, são utilizados


hiperlinks para textos que complementam ou ajudam a
esclarecer as informações. Dessa forma, as fontes utilizadas
pela equipe na verificação da mensagem são linkadas ao
texto a fim de possibilitar a verificação por parte de leitor. A
linkagem é um elemento relevante da estrutura textual das
matérias do NUJOC. Por meio dos links, é possível aprofundar
o texto sem torná-lo excessivamente extenso. Ao mesmo
tempo, os links também permitem reforçar a autoridade da

108
linha argumentativa desenvolvida na checagem, já que por
meio deles o leitor confere as declarações na fonte original
e pode elaborar sua própria interpretação sobre os fatos
em análise.
Há uma tese que é levantada pela mensagem a ser
checada: a tese implica um ou mais fatos. A checagem se
detém sobre os fatos para confirmá-los ou refutá-los. Para
isso, mobiliza uma série de procedimentos relativos à apu-
ração jornalística: contraste entre diferentes versões; en-
trevistas com especialistas; leitura de documentos; uso de
instrumentos tecnológicos de investigação pela web, como
softwares e sites de verificação; entre outros. A Fig. 3 ilustra
esses procedimentos.
Fig. 3 – Trecho de checagem com destaque aos links
para outras fontes

Fonte: http://nujocchecagem.com.br/e-fato-que-o-consumo-de-hidroxi-
cloroquina-na- italia-cresceu-4-662-mas-uso-e-desautorizado-no-pais/

Na Fig. 3, sobressaem os links (em cinza claro) que


remetem às fontes originais das informações. Por meio
desse procedimento, busca-se dar autoridade e aprofun-
damento à checagem. No nível textual, o aprofundamento

109
também se reflete em textos mais longos, para os quais se
utiliza, como forma de amenizar a extensão dos parágrafos,
os entretítulos em destaque por negrito. A “quebra” do tex-
to por meio de entretítulos visa a dar maior legibilidade ao
material disposto no site e, embora varie quanto ao uso feito
pela equipe, mantém certa regularidade nas produções.
A partir da checagem, a matéria recebe uma etiqueta,
que indica sua veracidade ou não – verdadeiro; falso; pro-
cede, mas se liga etc. Esse traço textual também se reflete
nas chamadas em destaque, já que ali todas as matérias re-
cebem uma etiqueta, assim como nas redes sociais – Twit-
ter, Facebook e Instagram – do NUJOC, onde as checagens
são divulgadas. A Fig. 4 ilustra a etiqueta de mensagem
falsa.
Fig. 4 – Mensagem identificada com a etiqueta FALSO

Fonte: http://nujocchecagem.com.br/medico-utiliza-dados-falsos-ao-
-tentar-deslegitimar- a-pandemia-de-covid-19/

A depender do teor da mensagem original, pode ha-


ver mais de uma etiqueta ao longo do texto, pois a desinfor-
mação por vezes se mescla com informações verdadeiras,

110
para potencializar o efeito sobre os leitores. Nesses casos,
a etiqueta em destaque fica com a informação também em
destaque na mensagem, ou aquela que se aplica ao teor
geral da mensagem.
As checagens apresentam, geralmente nos pará-
grafos finais, a indicação de outras checagens realizadas
pelo NUJOC sobre a mesma temática. Com isso, busca-se
ampliar o tempo de atenção do leitor ao site. Por meio de
hiperlinks, é possível acessar as checagens que remetem à
página do próprio NUJOC, o que aponta novamente para o
aprofundamento da informação – e a fidelização do leitor. A
Fig. 5 mostra isso em imagem.
Fig. 5 – Links que remetem a checagens de assuntos
afins na página do NUJOC

Fonte:http://nujocchecagem.com.br/jornalista-faz-afirmacoes-inveridi-
cas-sobre-a- pandemia/

Os links para matérias com checagens de temática

111
semelhante formam uma espécie de banco de dados vir-
tual a partir do conhecimento acumulado pelo grupo na
tarefa de checagem de assuntos sobre a Covid-19 e outros
assuntos.
Analisando o teor dessa estrutura textual, é possível
avançar na proposição de um gênero para a checagem
efetuada pela equipe do NUJOC – e que talvez possa ser
extrapolada para outras experiências de fact-checking.

Checagem, reportagem e interpretação

A estrutura textual das checagens efetuadas pelo


NUJOC remete à reportagem como tipo textual e à inter-
pretação como gênero discursivo. Embora partam de um
fato – no caso, a mensagem a ser checada –, as checagens
o tomam como ponto de partida para o aprofundamento, e
nessa tarefa utilizam os recursos do jornalismo de interpre-
tação. Isso se reflete nos recursos utilizados pela apuração
feita para reportagens de cunho investigativo: pesquisa,
análise de dados, contraste entre fontes e depoimentos, oi-
tiva de especialistas etc.
O tipo textual da reportagem investigativa e inter-
pretativa permite aprofundar o enfoque e também ampliar
a narrativa, distendendo-a no tempo e no espaço (BOAS,
1996). O gênero da interpretação, por sua vez, é o lugar em
que se podem encontrar as reflexões e análises que dimen-
sionam o fato à luz do conhecimento especializado (GRA-
NEZ, 2015).
A função da checagem se situa nessa linha de traba-
lho que parte do fato e traz suas causas e consequências.
Não se limita portanto a informar, embora o faça em sentido

112
amplo, como forma de trazer elementos do mundo sensível
ao nível discursivo. Mas a checagem precisa avançar para a
esfera da investigação e interpretação das informações que
servem de ponto de partida – no caso, os boatos e mensa-
gens disseminados pela mídia e redes sociais. É só com a
pesquisa e o contraste entre diferentes versões dadas por
fontes diversas que se pode considerar realizada a tarefa de
checar determinado fato (UNESCO, 2020).
Por essas razões, entende-se que a checagem de
informações é um dos subgêneros do jornalismo investi-
gativo e interpretativo, tomados aqui como sinônimos. A
função da checagem é aprofundar a informação, ampliá-la
e dar-lhe perspectiva, o que a coloca no âmbito da função
desempenhada pelo gênero do jornalismo de interpretação.
O tipo textual da reportagem em profundidade (LONGUI;
KÉRLEY, 2015; ASSUNÇÃO; PINTO, 2018), tradicionalmen-
te destinado a ampliar o fato na linha espaço-temporal, é o
que mais se adapta à necessidade da checagem, como se
verifica na experiência do NUJOC.
Nela, as checagens partem do dado – a mensagem
que vai ser verificada – e fazem o aprofundamento dele,
mediante consulta a fontes especializadas e comparação
entre diferentes versões dadas pela mídia. Isso se reflete na
estrutura textual e nos recursos que são utilizados nas che-
cagens, como vídeos e áudios, hiperlinks e entretítulos etc.
A reportagem interpretativa tem sido um caminho
espontâneo da produção das checagens efetuadas pelo
núcleo. Ela não foi imposta nem sugerida pela coordenação
do projeto, mas sim adotada de forma tácita pela equipe, à
medida que o trabalho foi sendo estruturado. Desde o início
das atividades, é possível encontrar a estrutura textual da
reportagem de interpretação, que foi sendo aprimorada ao
longo dos meses, considerando março a agosto de 2020

113
como o período de tempo analisado.
Pode-se argumentar que, em sentido amplo, a che-
cagem também se enquadra no gênero informativo, e no
tipo textual da notícia. De fato, há elementos que apontam
para essas características nas checagens: elas informam
sobre a veracidade ou não de fatos- notícia, e elas pode-
riam ser abordadas no formato da notícia.
Todavia, e ainda como uma hipótese, parece que o
caráter informativo da checagem é residual, não esgotando
a sua função principal, que é aprofundar e entender o fato,
colocando-o em perspectiva, e não apenas descrevê-lo e
narrá-lo como acontecimento ou informação. Nesse senti-
do, há informação na checagem tanto quanto há informa-
ção na crônica e no editorial (MARQUES DE MELO, 1985),
e nem por isso se considera que a segunda e o terceiro
sejam do gênero informativo.
A função da checagem, condizente com o aprofunda-
mento da informação, a coloca no patamar da investigação
e da interpretação, próprios do gênero interpretativo. Nesse
sentido, a reportagem vai ser o formato textual que permite
alcançar o aprofundamento, na medida em que distende
a narrativa em linhas temporais e espaciais, buscando re-
constituir e dar perspectiva ao fato.
Embora se configure como texto do gênero inter-
pretativo, a checagem parece ter menos propensão a dar
voz autoral aos textos – uma das possibilidades do texto
da reportagem de interpretação. Na experiência do NU-
JOC, poucos são os traços autorais presentes nas matérias.
Isso parece decorrer do entendimento de que a função pri-
mordial da checagem está na verificação da veracidade da
mensagem em análise, não na forma como essa análise é
desenvolvida pelo autor do texto. O foco, por assim dizer, é

114
o conteúdo, não a forma.

Considerações Finais

Neste artigo, buscou-se entender o gênero e o tipo


textual da checagem de informações. Para tanto, fez-se
breve retomada dos conceitos sobre os gêneros jornalísti-
cos e apresentou-se o relato da experiência do NUJOC na
checagem de informações sobre a pandemia da Covid-19.
Com base na descrição do tipo textual presente nas
reportagens do NUJOC, observa-se que a reportagem in-
terpretativa é o gênero que predomina na checagem de
informações. Isso porque ela permite aprofundar o enten-
dimento do fato, dimensionando- o para além da informa-
ção. Ao buscar a comprovação das mensagens em análise,
as checagens fazem uso dos recursos que são usados nas
reportagens investigativas e interpretativas: tempo disten-
dido, busca de fontes especializadas, comparação entre
versões distintas, oitiva de especialistas etc.
O formato final das reportagens do NUJOC permite
afirmar que elas se constituem de fato em reportagens de
cunho interpretativo, nos quais está em primeiro plano a
função de aprofundar a informação. Estudos ulteriores po-
dem se debruçar sobre as diferenças entre esse tipo de re-
portagem, focado na checagem da pandemia da Covid-19,
e as demais reportagens de cunho investigativo e interpre-
tativo, focadas em temas diversos.
Talvez um dos traços distintivos seja a menor mar-
gem de estilo autoral das reportagens dedicadas à checa-
gem da pandemia, como observado nas reportagens do
NOJUC. Futuras investigações também poderiam verificar

115
se a estrutura descrita na análise prévia se faz presente em
projetos de checagem de outros veículos dedicados a essa
tarefa no contexto da pandemia da Covid-19.

REFERÊNCIAS

ASSUNÇÃO, Luis Fernando; PINTO, Luci Ani Pereira. Slow


journalism e jornalismo de bordas: a etnografia como ins-
trumento na grande reportagem. In: XXIII Congresso de
Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Belo
Horizonte - MG – 7 a 9/6/2018.
BELTRÃO, Luiz. A imprensa informativa: técnica da notí-
cia e da reportagem no jornalismo diário. São Paulo: Folco
Masucci, 1969. 424 p.
. Jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina,
1980. 118 p.
BOAS, Sérgio Vilas. O estilo magazine: o texto em revista.
São Paulo: Summus, 1996. 129 p.
FIOCRUZ. Estudo identifica principais fake news relaciona-
das à Covid-19. Fiocruz, 18 de maio de 2020. Disponível
em: https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-identifica-prin-
cipais-fake-news- relacionadas-covid-19. Acesso em 25 de
maio de 2020.
GRANEZ, M. S. Gêneros Textuais e História do Jornalismo:
Anotações para uma Proposta Didática. Comunicação: re-
flexões, experiências, ensino, v. 8, p. 85-96, 2015.
. Reflexões sobre o jornal-laboratório: esboço de
uma didática. In: Tarcisio Dorn de Oliveira. (Org.). Coleção -
Educação, Espaço Construído e Tecnologias: Reflexões,
Desafios e Perspectivas - Volume II. 01 ed. Curitiba: Editora

116
CRV, 2017, v. 2, p. 161-172.
LONGHI, Raquel Ritter; WINKES, Kérley. O lugar do long-
form no jornalismo online: qualidade versus quantidade e
algumas considerações sobre o consumo. Brazilian Jour-
nalism Research, v. 1, n. 1, 2015.
MARQUES DE MELO, José. A opinião no jornalismo bra-
sileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. 166 p.
POSETTI, Julia; BONTCHEVA, Kalina. Desinfodemic: de-
ciphering COVID-19 desinformation. Paris: Unesco, 2020.
Disponível em: https://en.unesco.org/sites/default/files/
disinfodemic_deciphering_covid19_disinformation.pdf.
Acesso em 20 de junho de 2020.
UNESCO. Jornalismo, fake news & desinformação: ma-
nual para educação e treinamento em jornalismo. Paris:
Unesco, 2019.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamentos e métodos.
2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

117
Um olhar para Profissão Repórter a partir das vozes de
quem produz o programa1
Magali Moser
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Jor-
nalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e bolsista FAPESC

Introdução

O jornalismo, como profissão historicamente cons-


tituída, sofre mudanças estruturais nas suas práticas que
atingem a identidade e o modo como se configura a ati-
vidade profissional num progresso contínuo. Ao estudar
essas mutações com apoio no conceito de paradigma de
Thomas Kuhn, os pesquisadores canadenses Charron e
Bonville (2016) classificaram em quatro períodos a trajetória
do fenômeno da comunicação midiática contemporânea:
jornalismo de transmissão, jornalismo de opinião, jornalismo
de informação e jornalismo de comunicação, cada um deles
marcado por uma maneira específica de conceber e prati-
car o jornalismo. Os autores propuseram o conceito de pa-
radigma jornalístico para pensar as alterações identificadas
no campo profissional e caracterizaram a última fase desta
tipologia pela hiperconcorrência, multiplicação dos supor-
tes midiáticos e superabundância de oferta.
Entre as novas práticas que emergem com o jornalis-
mo de comunicação, os autores chamam atenção para as
aproximações entre jornalismo e entretenimento. O para-

1 Trabalho apresentado no GP Gêneros Jornalísticos, XX Encontro dos Grupos


de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 43o Congresso Brasilei-
ro de Ciências da Comunicação.

118
digma do jornalismo de comunicação, a partir de final dos
anos 1970 com base em estudo das práticas dominantes
da imprensa da América do Norte, mas com diálogo com
as práticas jornalísticas universais, destaca-se pela oferta
abundante e disputa cada vez mais acirrada pela atenção
do público. Esse tipo de jornalismo, típico de sociedades
em que a informação é marcada pelo excesso e diversi-
dade, na visão dos autores, investe em temas associados
ao consenso, principalmente no que se refere ao entrete-
nimento e lazer. Para os pesquisadores, fatores técnicos e
econômicos, com o contexto de industrialização dos bens
e serviços, melhoria na circulação da informação, urbaniza-
ção e avanços de escolarização possibilitaram a emergên-
cia dessa mudança.
Assim, na avaliação de Charron e Bonville (2016,
p.339) “o controle remoto e o clique do mouse do compu-
tador são os símbolos de um novo regime de consumo de
informação”, expondo uma relação de profunda competiti-
vidade. Com o desgaste das regras, a inovação passa a ser
uma condição de sobrevivência: a distinção como impera-
tivo. Neste regime concorrencial, a informação estabelece
uma relação mais próxima com o entretenimento para sus-
citar a atenção do público, contrastando com a concepção
tradicional do jornalismo. Tendo em vista as transformações
apontadas, as dinâmicas do Profissão Repórter, na grade
de programação da Rede Globo desde 2006, revelam-se
instingante objeto de análise para observar essas mudan-
ças, com foco na caracterização dos gêneros jornalísticos.
O programa já foi considerado como “marco de inovações
técnicas, estéticas e narrativas” (SOARES; GOMES, 2012,
p. 13).
Profissão Repórter possibilita um jornalismo que per-
mite pensar a si mesmo a medida que procura pautar o

119
próprio processo de produção da reportagem, proporcio-
nando construir novos formatos, linguagens e possibilida-
des jornalísticas. Com amparo metodológico em pesquisa
bibliográfica e documental, além de depoimentos da equi-
pe, este artigo busca refletir sobre as relações a partir do
programa conduzido por Caco Barcellos e uma equipe de
jovens repórteres. Nesta abordagem, o foco não está no
produto. O objeto da análise deste estudo que chamo de
exploratório são os discursos construídos em torno do pro-
grama pela própria equipe. Assim, o gesto de interpretação
mobilizado aqui se volta para os enunciados dos agentes
em diferentes espaços, como no livro Profissão Repórter: 10
anos (2016), depoimentos, reportagens e entrevistas reali-
zadas por mim com a equipe2.

Entre a informação e o entretenimento

A hiperconcorrência identificada no mercado exige a


mobilização de todos os recursos disponíveis pelos agentes
midiáticos, como alertam Charron e Bonville (2016, p.381):
Assim, “o jornalismo tende a recorrer a procedimentos dis-
cursivos (como o humor, a irreverência, o apelo à emoção,
a dramatização, o registro familiar, a indignação, etc.)”, antes
estranhos ao jornalismo ou reservados a outros espaços.
Os autores explicam que na concepção tradicional de jor-
nalismo, o conteúdo costuma importar mais do que a for-
ma, o que muda em discursos midiáticos que se relacionam
com a diversão. Com a hibridização, os efeitos do entrete-
nimento podem ser gerados tanto pela forma quanto pelo
2 Cabe ressaltar ainda que alguns dos depoimentos dos profissionais aqui apre-
sentados foram colhidos em entrevista me concedida para fins de pesquisa de
doutoramento sobre o exercício da reportagem, em novembro de 2018 e agosto
de 2019.

120
conteúdo. Ao contrário dos outros paradigmas jornalísticos,
no jornalismo de comunicação, a mídia e os profissionais da
informação buscam não apenas formas de distinção dos
concorrentes como maneiras de valorizar as preferências
do público:
[...] os jornalistas deixam transparecer mais abertamen-
te sua subjetividade e tentam estabelecer com o público,
cada vez mais “especialializado”, laços de conivência e in-
tersubjetividade. Os gêneros jornalísticos que dão amplo
espaço ao comentário (crônicas opinativas, de humor e
temátias, linha aberta, etc.) estão em nítida ascensão; a
notícia, gênero por excelência do jornalismo de informa-
ção, incorpora mais e mais julgamentos e comentários. O
hibridismo entre o discurso de imprensa e as outras for-
mas do discurso midiático é tolerado, até mesmo encora-
jado: a ficção se mistura à realidade; notícias secundárias
adquirem o status de acontecimento; a informação se faz
entretenimento e adota facilmente o tom do humor ou um
tom familiar, de convensa; a efusão e a emoção substi-
tuem a explicação; o tom e o estilo do discurso promo-
cional impregnam o discurso de imprensa. (CHARRON;
BONVILLE, 2016, p.30)

As inovações técnicas favorecem a multiplicação dos


suportes midiáticos e dos serviços de informação, com a
grande diversificação e uma superabundância da oferta.
Nesse ambiente de hiperconcorrência, a tendência é pela
hibridização de formatos e discursos. O jornalismo de co-
municação definido pelos autores pode não dar mais conta
de explicar o momento atual pelo qual passam as práticas
jornalísticas, considerando que o estudo original data de
2004 e houve muitas mudanças desde então. No entan-
to, no panorama traçado por eles, as aproximações entre
jornalismo e entretenimento parecem apresentar fronteiras
cada vez mais porosas. Na proposição criada, a preocupa-
ção não é elaborar uma história do jornalismo, mas esboçar

121
um modelo teórico que permita compreender seu desen-
volvimento e identificar os traços essenciais que o carac-
terizam como prática discursiva específica e diferenciada.
Ao estudar as interpretações sobre o Brasil pelas te-
lenovelas do país, também nos anos 2000, a pesquisadora
Esther Hamburger chamava a atenção para o papel cen-
tral exercido pela televisão na realidade brasileira, marcada
por contrastes sociais e exclusões. Segundo Hamburger
(2005, p.79), “[...] quando o acesso à informação depende
fortemente da escolaridade e quando essa escolaridade
está associada à discriminação social, a televisão constitui
uma fonte privilegiada, acessível e compreensível a amplos
segmentos”. A potencialidade representada pelo meio, num
contexto de extrema desigualdade como o brasileiro3, é
acentuada pela autora. Hamburger também assina o prefá-
cio da obra Profissão Repórter em diálogo (2012), resultado
de ampla pesquisa sobre o programa, quando observa a
possibilidade de fazer televisão de modo instigante, com
base na experimentação.
Por ser um meio de comunicação de fácil acesso e
popular, sendo o mais utilizado para busca por informações
ou entretenimento no Brasil, a televisão significaria deste
modo um potencial imenso no desenvolvimento da consci-
ência crítica e difusão do conhecimento. Profissão Repórter
estaria, na avaliação de Hamburger (2012, p.9-10) “sintoni-
zado com a sensação de cansaço que o telejornalismo con-

3 “Em uma sociedade que herdou do passado colonial escravocrata uma de-
sigualdade que se reitera em barreiras discriminatórias como a cor da pele, o
analfabetismo e a falta de cultura literária, a ‘ignorância’ sintetiza a discrimi-
nação, marca a superioridade de quem domina as mínimas regras da cultura
erudita. Nesse contexto, a televisão, reconhecida como veículo que, entre outras
coisas, pode informar e ensinar sobre o significado e a maneira de usar novos
produtos, assume papel estratégico para um público sedento de informação”
(HAMBURGER, 2005, p.72).

122
vencional provoca”, distinguindo-se “porque se aventura na
experimentação de pautas, na diversificação de pontos de
vista sobre um mesmo assunto e na tematização do próprio
processo de construção da notícia”. Aproximações entre jor-
nalismo e entretenimento compõem uma antiga discussão
que gera muitos embates, conflitos e disputas no campo
profissional e teórico. Enquanto há quem veja com preocu-
pação esse diálogo, temendo o possível comprometimento
da finalidade principal do jornalismo, há também quem seja
entusiasta da convergência, sem ressalvas.
Ao defender a compreensão do jornalismo como for-
ma de conhecimento, Meditsch (1997) considerou a espe-
tacularização como um dos aspectos mais problemáticos
desta vertente. No seu entendimento, o que difere uma
narrativa jornalística de um relato científico, de um texto
didático ou de um relatório policial é a condição de se diri-
gir a pessoas que não teriam necessariamente a obrigação
de ler aquilo. Isso a faz buscar formas e tentativas de atrair
as pessoas para que se interessem por aquela informação,
por meio de técnicas narrativas e dramáticas, o que não
seria um problema: “o uso destas técnicas se justifica am-
plamente pela eficácia comunicativa e cognitiva que pro-
porcionam. O problema é quando passam a ser utilizadas
em função de objetivos que não os cognitivos, como a luta
comercial por audiência e o esforço político de persuasão”
(MEDITSCH, 1997, p.10).
Na mesma linha, ao confrontar discursos de dife-
rentes vozes sobre as finalidades do jornalismo, Reginatto
(2019) considerou que divertir não é papel do jornalismo. Ela
compreendeu que o entretenimento também pode exercer
a função de informar, mas advertiu que seu compromisso
não é com a informação. Na sistematização daquelas que
seriam as principais finalidades do jornalismo e amparada

123
nos estudos de Márcia Amaral, ela explicou: “A retirada do
papel de divertir deriva do entendimento de que esse não
é um papel de dever-ser no discurso dos leitores” (REGI-
NATTO, 2019, p.243). Assim: “Ao buscar divertir enquanto
algo a priori, o jornalismo corre o risco da superficialidade
e da fragmentação, excluindo as finalidades que fazem ser
jornalismo e não outra coisa”. (REGINATTO, 2019, p.243). A
pesquisa da autora indicou que a principal função do jorna-
lismo é informar de modo qualificado e orientar com base
no interesse público.
Vistas com ressalvas por parte de estudiosos, as
articulações entre jornalismo e entretenimento recebem
diferentes nomes entre pesquisadores que não veem a
aproximação como distorção. Gomes (2008; 2009) define
esse embaralhamento de fronteiras como infotenimento
ou infotainment, considerando-o uma estratégia midiática.
Assim, seria num cenário global, resultante de “uma com-
plexa articulação entre políticas macroeconômicas, marcos
regulatórios, possibilidades tecnológicas, estratégias em-
presariais, expectativas históricas e culturais sobre os sis-
temas televisivos e seus produtos” (GOMES, 2009, p.11). Ela
interpreta que o entretenimento é frequentemente associa-
do a algo depreciativo, em contraposição ao jornalismo e
que, embora sejam fenômenos distintos, o infotenimento
se aproxima do jornalismo popular, a medida que ambos
buscariam recursos para alcançar melhores índices de au-
diência.

1. O programa Profissão Repórter

A multiplicidade de ângulos para um mesmo tema,


as cenas de making off e o enfoque para o próprio proces-

124
so de construção da reportagem, com ênfase nas decisões
tomadas, parecem ser algumas das estratégias utilizadas
pelo Profissão Repórter na busca por tentativas de distin-
ção da concorrência e apreensão da audiência. O episódio
piloto do programa foi ao ar em 28 de abril de 2006 como
especial do Globo Repórter, sobre o tema trânsito em São
Paulo. Dia 7 do mês seguinte, teve estreia com 12 minutos
de duração, como quadro do Fantástico, revista eletrônica
dominical onde permaneceu nos dois anos iniciais. Exibido
de abril a dezembro, desde 2016 nas noites de quarta-fei-
ra, às 23h45min em três blocos, o programa está há mais
de dez anos na grade da emissora líder de audiência do
país. A temporada de 2020 foi prejudicada com a pandemia
de Covid-19, que adiou a exibição do programa por tempo
indeterminado pela primeira vez desde o seu lançamento,
mas não impediu a atividade da equipe.
Deslocado para ajudar na cobertura da pandemia,
o Profissão Repórter segue na produção de reportagens
temporariamente exibidas em outros programas da grade.
A permanência do programa desde 2006 é um dos indica-
tivos de sua aprovação junto ao público, apesar do horário
de exibição. Se pode ser impedimento para a audiência, no
olhar de quem o produz, a exibição tardia é uma forma de
garantir “liberdade para abordar temas diversos”, como ex-
plica a chefe de reportagem, Márcia Gonçalves, em entre-
vista à pesquisadora4. A editora-chefe do programa, Janaina
Pirola, complementa: “Uma coisa positiva é que nos permi-
te abordar temas mais pesados. O jornalismo não tem cen-
sura, como é o entretenimento, então tem que ter uma au-
to-regulação”. A audiência alcançou em 2019 o registro de

4 Os depoimentos de integrantes da equipe do programa Profissão Repórter


resultam de entrevistas feitas pela pesquisadora em novembro de 2018 e agosto
de 2019, na sede da Rede Globo, em São Paulo.

125
15 pontos em São Paulo, recorde da temporada, de acordo
com a colunista especializada em televisão Patrícia Kogut,
do Jornal O Globo5.
O programa ganhou edições especiais até entrar para
grade fixa semanal da Globo, em 2008. O didatismo na pro-
messa estava presente no anúncio do lançamento do qua-
dro, pelo então apresentador Pedro Bial: “Jornalismo à flor
da pele. O repórter Caco Barcellos entra em campo com
uma equipe de jovens jornalistas para mostrar com quantas
informações, com quantas imagens, com quantas emoções
se faz uma reportagem. Estreia agora o Profissão Repórter”.
Idealizado pelo jornalista Caco Barcellos6 com direção de
Marcel Souto Maior, Profissão Repórter alcançou em outu-
bro de 2019 a marca de 400 edições com um especial sobre
povos isolados na Amazônia, resultado de uma imersão de
25 dias anunciada como a “expedição mais longa feita por
repórteres da equipe”. No site da Globo7, constam alguns
números que dão a dimensão do trabalho de 14 anos: a
equipe já percorreu todos os estados brasileiros e 41 países.
Protagonistas anônimos desconsiderados da pauta
tradicional costumam estar na centralidade do programa
que desde o início procurou no cruzamento de olhares so-

5 Mais informações estão disponíveis em: <https://kogut.oglobo.globo.com/


noticias-da-tv/audiencia/noticia/2019/06/profissao-reporter-registra-recorde-
-em-sao-paulo-com-15-pontos.html> Acesso em 7 ago, 2020.
6 “Pensei no formato em 1995. Eu desejava uma dinâmica de reportagem que
pudesse contar a história sob vários ângulos. Porque não existe verdade ab-
soluta; a verdade é sempre relativa de acordo com o olhar que você tem sobre
aquela história. O bastidor que mostramos é o relacionado ao conteúdo: a dúvi-
da na hora de escolher uma pauta, a discussão sobre essa pauta, a escolha do
processo que a gente vai seguir durante a captação de informação, a discussão
de uma questão ética. Nem sempre a gente percebe que a estrela do programa
é a reportagem, o conteúdo”. (Barcellos, 2008)
7 Disponível em: <http://especiais.g1.globo.com/profissao-reporter/10anos/>
Acesso em 12 nov. 2020.

126
bre o mesmo fato, um diferencial, no esforço para evitar o
jornalismo declaratório. No livro Profissão Repórter: 10 anos,
Marcel Souto Maior (2016, p.13) apresenta logo na abertura
as finalidades que os conduziram inicialmente: a busca por
“repórteres que – além de contar com talento e garra – acei-
tassem o pacto proposto por nós: o de empunhar câmeras
compactas, participar de todo o processo de construção
da reportagem [...] dividir com o público suas dúvidas e –
o mais importante – suas emoções”. A posição de Souto
Maior parece ir ao encontro da definição de Caco Barcellos
(2016, p. 31), para quem “não existe regra para se produzir
uma reportagem. A busca por uma boa história depende
da experiência de cada um e pode nos surpreender a todo
instante e em todo lugar”.
Ao longo de sua trajetória, Profissão Repórter procu-
rou colocar em pauta temas que não costumam ser trata-
dos na cobertura jornalística habitual, como a desigualdade
social na cidade de São Paulo, a mais rica do país, episódio
que foi ao ar em 6 de novembro de 2019, ou as condições
de trabalho dos cortadores de cana, exibido em 26 de maio
de 2006, quando Profissão Repórter ainda era um quadro
do Fantástico. Há um nítido esforço por tratar de modo di-
ferenciado ou com outro olhar mesmo assuntos que estão
sempre no noticiário, lançando novas possibilidades de
interpretação e análise. Na descrição do programa no site
Memória Globo, o Profissão Repórter apresenta cinco ei-
xos temáticos: violência, educação, transporte, moradia e
saúde, além dos assuntos que estão na ordem do dia. O
programa identifica-se com a abordagem de temas sociais,
ligados aos direitos humanos e à cidadania.
Criado com a promessa de mostrar “os bastidores da
notícia, os desafios da reportagem”, como anuncia o slogan,
não é propriamente uma inovação no fazer jornalístico. Pelo

127
menos desde os anos 1970, a busca de novas narrativas no
telejornalismo brasileiro mostra uma corrida nessa direção8.
Mas constitui prática incomum à medida que valoriza os
processos envolvidos, opção que justifica sua relevância
como objeto de estudo. Além de integrar a programação
da maior emissora comercial do país, Profissão Repórter
quer se diferenciar ao mostrar a produção da reportagem,
com as etapas e dilemas envolvidos, algo comum nos pro-
gramas de entretenimento, mas atípico no jornalismo. Di-
ferentemente do jornalismo tradicional, onde o público em
geral acessa apenas o resultado final do trabalho, no Pro-
fissão Repórter os desafios e os percalços no caminho são
levados como parte da própria pauta. A escolha pelo pro-
grama se faz relevante ainda à medida que seu idealizador
é considerado referência entre o campo jornalístico. Caco
Barcellos é lembrado pela trajetória consolidada, com mais
de 40 anos de carreira, vencedor de alguns dos prêmios de
jornalismo e direitos humanos mais prestigiados do país.
Ele soma na bagagem três livros-reportagem com números
expressivos para o mercado editorial brasileiro. Nicarágua,
a Revolução das Crianças (1982), Rota 66, a história da polí-
cia que mata (1992) e Abusado, o dono do Morro Dona Mar-
ta (2003) - os dois últimos escolhidos na categoria livro do
ano, do Prêmio Jabuti de Literatura, concedido pela Câmara
Brasileira do Livro. Questões sociais são uma marca do jor-
nalista, imprimindo certo estilo próprio de reportar (MOU-
RA, 2007), com ênfase para o jornalismo investigativo. Na
Apresentação de Rota 66 (2010, p.13), Narciso Kalili se refere
ao colega como “um jornalista que tem lado”, “o dos mais

8 O próprio Caco Barcellos evidencia a constatação ao mencionar a experiência


de Goulart de Andrade, com o Plantão da Madrugada, criado em 1982, na Rede
Globo.

128
fracos, das vítimas”9.
Ao longo do tempo, o programa conduzido por ele tem
despertado a atenção da academia, tornando-se tema de
diversos estudos (PROCÓPIO, SOUZA, 2018; COUTINHO,
SANTOS, 2017; ALENCAR JUNIOR, 2015; CHIARIONI, 2014;
KLEIN, 2012; SANTOS, 2011). Um dos mais abrangentes é
o trabalho de MidiAto, Grupo de Estudos de Linguagem:
Práticas Midiáticas, da Universidade de São Paulo, resulta-
do de análise detalhada e criação de um amplo banco de
dados com base em 149 edições dos primeiros quatro anos
do programa. A pesquisa de fôlego foi lançada em 2012
no livro Profissão Repórter em Diálogo, organizado pelas
professoras Rosana Soares e Mayra Gomes, com artigos
de vários pesquisadores. Entre as constatações do estudo,
chama a atenção que “a discussão da pauta e de edição da
reportagem não é tão preponderante quanto o slogan pode
sugerir” (GROSS, PASCHOALICK; 2015, p. 36).
À luz dos processos de midiatização e entre uma
multiplicidade de ângulos acionados, Klein (2012) analisou
o jornalismo praticado em Profissão Repórter e sua articu-
lação com lógicas associadas ao entretenimento. Na sua
avaliação, a principal diferença de Profissão Repórter em
relação a outros programas jornalísticos, especialmente
os de reportagem, está em assumir a autorreferencialida-
de como eixo norteador. Entre as conclusões, ela obser-
vou “uma edição que associa elementos de entretenimento
(formas de edição de elementos sonoros e visuais diver-
sos, estilo conversacional, tratamento de assuntos amenos
[...] que alteram – agregando informação[...]” (KLEIN, 2012,

9 “Caco Barcellos é um jornalista que está do lado da maioria. O lado dos des-
graçados, dos miseráveis. Gente sem privilégios, indefesa, e para quem o traba-
lho de jornalistas como Caco Barcellos ou Donald Wood representa a porta de
entrada em direção à vida.” (apud BARCELLOS, 2010).

129
p.401). Ao estudar infotainment, Santos (2011, p.192) obser-
vou Profissão Repórter como exemplo, reconhecendo ele-
mentos como estratégias de narrativas ficcionais, o foco em
repórteres-personagens e ênfase na emoção.

Análises

As referências a outras narrativas ligadas às artes ou


à indústria do entretenimento atravessam o programa, a
começar pelo próprio nome que remete ao título do filme
O Passageiro: Profissão Repórter, de 1974. A obra é um dos
mais célebres longas do diretor italiano Michelangelo Anto-
nioni, estrelado por Jack Nicholson e Maria Schneider, trata
de um repórter frustrado com sua profissão que se deslo-
ca para um país africano para cobrir uma guerrilha, onde
acaba mudando de personalidade. Esta referência constitui
apenas uma das evidências desse diálogo que perpassa a
concepção do formato, expondo limites, às vezes estreitos
entre a realidade e a ficção ou entre o jornalismo e o entre-
tenimento. Editores do programa, por exemplo, não escon-
dem a influência cinematográfica no trabalho de finaliza-
ção, como faz Ana Escalada, que atuou como editora chefe
do programa:
“Na dinâmica de edição do programa, cada história
é montada separadamente em pequenos capítulos. Pode-
mos comparar com o processo de montagem de um
filme, cada capítulo correspondendo a uma cena” (ES-
CALADA, 2016, p.203, grifos nossos). Curioso é observar
que no mesmo texto a jornalista afirma que “a edição jor-
nalística é essencialmete oposta à da ficção” (ESCALADA,

130
2016, p.208), sem perceber a contradição10. O editor Rafael
Armbrust (2016, p.187) também procura demarcar a dis-
tinção: “É claro que fazer um trabalho de edição somente
com informações – jornalismo informativo – é diferente de
lidar com histórias, emoções e narrativa, como é no Pro-
fissão Repórter. E nesse caso a ilha [de edição] é como se
fosse um pequeno cinema particular [...]”. Em contraponto
ao telejornalismo diário, o formato valoriza a imagem que
conduz a narrativa, em detrimento do texto narrado pelo
repórter, o off.
Ainda que seja uma influência no modo de apresen-
tação da narrativa, cabe ressaltar essa inspiração que ajuda
a compreender o modo como o programa foi concebido ao
longo do período. Desde o início no Profissão Repórter, o
editor de imagem e finalizador Júlio Inácio, que estava há
19 anos na emissora quando o entrevistei, em 201811, explica
que o formato do roteiro é baseado na simultaneidade de
acontecimentos. Ele reconhece o trabalho de edição como
“um filtro” e lembra as resistências iniciais sofridas pelo
programa, quando muitos achavam que “isso não vai dar
certo”. Inácio pontua o caráter laboratorial assumido pelo
programa ao estimular o envolvimento dos repórteres em
todas as etapas de produção da reportagem, inclusive na
edição, o que facilita o trabalho de finalização dos editores.
Ao falar de sua busca por inovar linguagens e formatos, ele

10 A contradição também aparece aqui: “Meu companheiro de ilha, Rafa Arm-


brust, e eu criamos um recurso que chamávamos de Guy Ritchie, por inspiração
do diretor de filmes como Jogos, trapaças e dois canos fumegantes e Snatch,
que no Brasil recebeu o subtítulo de Porcos e diamantes. O diretor inglês é um
mestre em montar sequências de ação com pouquíssimos takes. Do nosso jeito,
e sem o mesmo talento, começamos a fazer a mesma coisa em algumas sequ-
ências do programa [...]” (ESCALADA, 2016, p.199)
11 A entrevista foi realizada durante trabalho de campo para a tese de doutorado
da autora, em novembro de 2018, na redação do programa, na sede da emissora
em São Paulo

131
ressalta:
“É trazer um pouco da dramaturgia para o jornalismo,
na edição. Você consegue fazer isso também no texto, mas
não é o formato do Profissão[...]. Nós fizemos programas
em que dá pra usar um pouco da dramaturgia na edição”
(Júlio Inácio, editor de imagens, entrevista, 2018). Em fun-
ção da dinamização criada pela edição, Inácio comenta que
muitas pessoas achavam no início que o programa era fina-
lizado em produtora. “Se a gente traz isso para a edição de
imagens, você sai do jornalismo normal. E você começa a
contar de uma forma diferente. Toda a semana é um desafio
contar uma história. E contar de uma maneira que conven-
ça as pessoas.” Nessa tentativa por diferenciar o conteúdo
produzido, ele recorda como foi sua chegada à equipe, em
2006:
Nessa época tava passando um filme do Denzel Washin-
gton, Chamas da Vingança [...] Eu assisto muito filme, mui-
to documentário, o tempo todo. Você tem que fazer essa
viagem para poder ter esse resultado. Eu pensei... a gente
tem que criar uma forma de que a câmera seja mais
nervosa, seja mais impactante. E a ideia partiu desse
filme. Se você assistir ao piloto visual, vai perceber isso.
(Júlio Inácio, editor de imagens, entrevista, 2018. grifos
nossos)

O adjetivo “nervosa”, usado pelo editor de imagens


para qualificar a característica da captação de imagens em
Profissão Repórter revela a intencionalidade de promover
um ‘efeito de verdade’ e causação, sobretudo uma expe-
riência sensorial que o programa quer despertar. Recurso
que o aproxima das estratégias mobilizadas do entreteni-
mento.
Ainda como quadro do Fantástico, em 2006, o Profis-
são Repórter surgiu de uma ideia de Caco Barcellos. Quan-

132
do foi lançado o programa, o jornalista dizia querer mostrar
“as dúvidas, conflitos, conquistas e decepções” da equipe.
Por isso, não apresentaria o programa de uma bancada, mas
da rua: “Vou sempre estar no local da notícia, Precisamos
estar no cenário real do jornalismo”, anunciava (CORREIO
BRAZILIENSE, 07 de maio de 2006, p. 3), deixando à mos-
tra alguns dos efeitos de verdade mobilizados no programa.
No lançamento, Caco anunciou à imprensa: “A minha ex-
pectativa é de que o programa apresente novos caminhos
para a reportagem. Que os novos repórteres se convençam
de que o melhor jornalismo se faz mesmo é nas ruas”. Em
entrevista à pesquisadora, o próprio Caco conta que, na sua
avaliação, o fazer jornalístico no Profissão está mais voltado
para o passado do que propriamente para o futuro: “É uma
exceção no núcleo da Globo repórteres se envolverem na
produção. Cada programa dispõe de uma equipe de repor-
tagem e de uma equipe de produtores” (Caco Barcellos,
jornalista, entrevista, 2018). Há 14 anos no ar, Profissão
Repórter também experimentou mudanças que ajudam a
compreender as relações entre jornalismo e entretenimen-
to no programa. Nas primeiras edições, Caco desafiava os
jornalistas a mostrarem os bastidores da reportagem e os
diferentes ângulos da notícia, lançando inicialmente a frase:
“Será que eles vão conseguir?” Talvez numa tentativa de
tirar o foco dos repórteres frente às críticas recebidas pelo
excesso de protagonismo, a pergunta foi suprimida, assim
como tom de desafio, e o programa passou a dar mais des-
taque para o conteúdo apresentado em vez dos dilemas e
dificuldades enfrentadas pelos repórteres. Com a mudan-
ça de rumo, o programa se concentrou no conteúdo em
vez dos dilemas e dificuldades enfrentadas. Em entrevista
à pesquisadora, em novembro de 2018, Caco destacou: “o
conteúdo deve se sobrepor aos bastidores”, como defendia
anteriormente.

133
Uma noção que não aparece no trabalho de campo
mas salta aos olhos na pesquisa sobre o programa e escan-
cara as relações com o entretenimento é a de aproximação
com a proposta de reality show jornalístico, especialmente
no período inicial do programa. Tanto que Profissão Repór-
ter é anunciado pela imprensa no seu lançamento, como
“uma espécie de reality show” (CORREIO BRAZILIENSE,
7 de maio de 2006, p.3). Este viés não é mencionado por
nenhum dos integrantes do programa nas entrevistas reali-
zadas por mim. Antes disso, Caco já reforçava (2016, p.39):
“Os bastidores ajudam o público a entender as circunstân-
cias em que a apuração foi feita. Mas os repórteres não
são personagens. São contadores de histórias e não podem
perder nunca o foco principal: as pessoas comuns que fa-
zem a notícia”. A ressalva, no entanto, contradiz explicita-
mente posição anterior:
Então quando a gente foi montando as equipes, a primeira
equipe, a gente falava claramente para eles: olha, vocês
são repórteres, mas vocês também são personagens.
Vocês têm que estar dispostos a se expor. Vocês vão ser
expostos [...] E aí você tem as fragilidades da equipe, você
tem as angústias, você tem os medos. Você tem as inse-
guranças todas. E isso a gente tinha que transformar em
conteúdo também e botar no ar. (MAIOR, 2008)

Apesar da ressalva estabelecida por Caco em contra-


ponto à fala do diretor, muitas vezes repórteres assumem a
posição de protagonistas: a reportagem passa a ser uma
forma de mostrar o comportamento desses profissionais,
como já observaram diferentes pesquisas (SANTOS, 2011;
COUTINHO; SANTOS, 2017). É comum uma das câmeras
do programa mostrar as reações do jornalista condutor da
reportagem (PROCÓPIO, SOUZA, 2018), peculiaridade que
permite ao espectador acompanhar expressões, risos e
sentimentos de quem produz a reportagem. “A estrela do

134
programa é a reportagem, seus dramas, seus conflitos e
nossos erros. Isso nunca foi visto na televisão”, afirmava
Caco quando do lançamento (PASSO A PASSO, 2006, p.3).
Enquanto o diretor Marcel Souto Maior antecipava, sem ro-
deios: “Será uma espécie de reality show sem eliminação e
sem prêmios” (PASSO A PASSO, 2006, p.3).
Desde o início, o programa mostrava seu desejo de
reunir uma equipe jovem formada por recém-formados,
sem experiência em televisão e com trajetórias diversifica-
das, “que não tivessem vícios”, define Caco na entrevista
me concedida. O programa iniciou em 2006 com jornalistas
em torno dos 25 anos, selecionados entre quase 9 mil can-
didatos inscritos num programa de estágio na emissora, o
que pode ser lido também como uma estratégia. O estágio
pode ser laboratório e treinamento da própria Globo, ‘em
formar’ parte dos seus funcionários, por exemplo, já que
muitos deles ingressam no programa e passam a assumir
outros postos na emissora.
Editora-chefe do programa, a jornalista Janaina Piro-
la, acredita que o perfil do Profissão Repórter mudou muito
com o passar do tempo. Ela lembra que, nos primeiros epi-
sódios, situações como o repórter que não segurava bem
o microfone eram tematizadas como bastidor, situação que
perdeu importância com o passar do tempo. Nos últimos
anos, a prioridade tem sido mostrar bastidores que tenham
relevância para o tema em pauta, argumenta a editora. A
concepção do programa tem forte influência do documen-
tário, na sua avaliação, o que levou a equipe a estudar ro-
teiro.
A pauta precisa ter movimento. Ela precisa que as coisas
estejam acontecendo. Isso é um ponto muito importante
pra pauta. Porque tem muita pauta boa que a gente fala:
“não cabe no nosso formato”. Dentro de um programa,

135
você pode até ter uma reportagem mais parada, com en-
trevista e tal, mas as duas outras reportagens tem que ter
movimento. Não é que tem que ter movimento. O assunto
tem que ter uma característica tal que a gente possa mos-
trar aquilo acontecendo. Não pode ser uma reportagem
que a gente não tenha acessos, que a pessoa não quer
que a gente acompanhe. Não quer que vá ao casamen-
to. Não quer mostrar o dia que sai da cadeia. Não quer
mostrar o dia que vai ser preso [...] (Janaina Pirola, edito-
ra-chefe, entrevista, 2018).

O pensamento da editora-chefe permite identificar a


concepção de jornalismo de quem faz o programa. Há um
entendimento explícito de que a melhor maneira de aborda-
gem é as pessoas contarem a sua própria história enquanto
isso acontece. Se, por um lado, este recurso é interessante
à medida que combate o que se entende como jornalis-
mo declaratório, baseado apenas nas versões das pesso-
as entrevistadas, por outro, também pode ser questionada
a ênfase dada à imagem na crença de que ela reproduz
uma “realidade incontestável”. Considerando esse como um
critério definitivo na pauta, também pode representar um
grande limitador para abordagens que não tenham tanto
apelo visual, o que é confirmado pela própria equipe: “As
vezes a história é muito boa e a gente fica quebrando a ca-
beça pra pensar como isso funcionaria no nosso formato”,
diz Janaina.

Considerações finais

O estudo exploratório de Profissão Repórter a par-


tir do mapemaneto de vozes que constroem o programa
permitiu observar um reposicionamento em sua trajetória,
desde que foi ao ar em 2006, ainda como quadro do Fan-

136
tástico. Lançado como reality show jornalístico, conforme
anunciava seu diretor, procurou se desvincular desse rótu-
lo, apagado dos depoimentos da equipe colhidos para esta
pesquisa, em momento diferentes. Talvez essa tentativa de
dissociação reflita inclusive um esforço por não misturar o
que seria visto de modo pejorativo. Investiu em estratégias
para reforçar sua identidade diferenciada entre os progra-
mas jornalísticos da Rede Globo. No entanto, conservou a
estrutura inicial, que se tornou sua marca, baseada em três
eixos temáticos de um mesmo assunto, promovendo uma
mutiplicidade de olhares acerca de um mesmo assunto. As
evidências levantadas permitem inferir ainda que se utiliza
de recursos de edição que flertam com o entretenimento,
embora os profissionais recusem - ou talvez não se deem
conta - de qualquer aproximação.
Como observam Charron e Bonville (2016, p.381),
com o crescimento da oferta, no jornalismo de comunica-
ção, “a prática do zapping muda não somente a escolha
dos programas a que se assiste, mas também a maneira de
se assistir”. Assim, “um programa de televisão, independen-
temente do momento em que se ‘entra’ nele, deve ter um
sentido imediato [...]. A televisão sequencial e programada
dos primóridos cede progressivamente o lugar à TV da hi-
perconcorrência, interativa e sincrética” (CHARRON; BON-
VILLE, p.381-382), destacando o aspecto de movimento
associado à navegação na web. Apesar das negativas em
torno da interação entre jornalismo e a lógica do entreteni-
mento em Profissão Repórter, depoimentos de integrantes
do programa permitem identificar, ora de modo sutil ora de
modo mais explícito, essas aproximações, sobretudo pelo
uso de recursos e estratégias de edição interessadas na
mobilização de sensações ou no amortecimento da narra-
tiva visual oferecida.

137
O que se percebe na análise dos depoimentos é um
hibridismo nos gêneros tradicionais do jornalismo, num
diálogo com estratégias do entretenimento. Novas análi-
ses sobre essas relações exigem um olhar também para o
produto, em busca desses elementos no programa, dada
a complexidade do fenômeno. No entanto, para fins deste
estudo inicial, consideramos que foi importante acessar as
vozes e sentidos envolvidos nos discursos de quem pro-
duz o programa. Por fim, é necessário reconhecer o papel
exercido por Profissão Repórter na televisão aberta no país.
O programa aparenta querer de distinguir no jornalismo
não apenas pelo formato, mas como laboratório, espaço de
experimentação de abordagens, linguagens e recursos de
outras áreas. Por estar na grade fixa da principal emissora
de televisão aberta do Brasil, reúne condições, estrutura e
possibilidades diferenciadas. Por reunir características pe-
culiares, merece particular atenção. Deve ser, portanto, es-
tudado, analisado e compreendido em diferentes aspectos,
pois configura múltiplas possibilidades de pesquisa.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Caco. Rota 66. São Paulo: Globo, 2010.


BARCELLOS, Caco. [Entrevista cedida ao Memória Globo].
In: MEMÓRIA GLOBO. Profissão Repórter. Webdoc sobre o
programa Profissão Repórter com entrevistas exclusivas de
Caco Barcellos e Marcel Souto Maior ao Memória Globo.
1 vídeo (12 min). [S. l.: s. n.]: 2008. Disponível em: https://
memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-telejor-
nais/profissao-reporter/. Acesso em: 18 nov, 2021.
CAVECHINE, Caio (org.). Profissão Repórter 10 anos:

138
Grandes aventuras, grandes coberturas/Caco Barcellos.
São Paulo: Planeta, 2016.
CHARRON, Jean; BONVILLE, Jean. Natureza e transfor-
mação do jornalismo. Brasília: FAC Livros; Florianópolis:
Insular, 2016.
CHIARIONI, Bruno Teixeira. Sublime olhar: memória e
experiência na narrativa do Profissão Repórter. São Paulo:
Editae! Cultural, 2014.
PASSO A PASSO. Correio Braziliense, Brasília, 7 maio 2006,
p.3
MAIOR, Marcel Souto. [Entrevista cedida ao Memória Glo-
bo]. In: MEMÓRIA GLOBO. Profissão Repórter. Webdoc so-
bre o programa Profissão Repórter com entrevistas exclu-
sivas de Caco Barcellos e Marcel Souto Maior ao Memória
Globo. 1 vídeo (12 min). [S. l.: s. n.]: 2008. Disponível em:
https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-
-e-telejornais/profissao-reporter/. Acesso em 18 nov, 2021.
CORREIO BRAZILIENSE. Outro lado. Outro lado. Brasília,
03 de maio de 2006.
CORREIO BRAZILIENSE. Passo a passo. Brasília, 07 de
maio de 2006. Suplemento TV, p.3
COUTINHO, Iluska Maria da Silva; SANTOS, Victor Faria
dos. Entre os bastidores da notícia e o desenvolvimen-
to da reportagem: O papel do Jornalista mediador no pro-
grama Profissão Repórter. Trabalho apresentado na Inter-
com – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação, 2017
ESCALADA, Ana. Corte e costura. As decisões de um edi-
tor-chefe. In: CAVECHINE, Caio (org.). Profissão Repórter
10 anos: Grandes aventuras, grandes coberturas / Caco
Barcellos. São Paulo: Planeta, 2016. p.197-209.

139
GOMES, Itania Maria Mota. O embaralhamento de frontei-
ras entre informação e entretenimento e a consideração do
jornalismo como processo cultural e histórico. In: DUARTE,
Elizabeth Bastos; CASTRO, Maria Lília Dias de (Org.). Em
torno das mídias. Porto Alegre: Sulinas, 2008.
GOMES, Itania Maria Mota. O infotainment na televisão.
In: Encontro anual da COMPÓS, 18., 2009, Belo Horizonte.
[Anais...] Belo Horizonte: PUC, 2009. GT de Mídia e Entre-
tenimento.
GROSS, Daniele; PASCHOALICK, Paula. Profissão Repór-
ter, um panorama. In: SOARES, Rosana de Lima; GOMES,
Mayra Rodrigues. Profissão Repórter em Diálogo. São
Paulo, Alameda, 2012.
HAMBURGER, Esther. Jovens pesquisadores, jovens repór-
teres. In: SOARES, Rosana de Lima, GOMES, Mayra Rodri-
gues. (Orgs). Profissão Repórter em Diálogo. São Paulo:
Alameda, 2012. p.9-11.
HAMBURGER, Esther. O Brasil antenado: a sociedade da
novela. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
KLEIN, Eloísa Joseane da Cunha. Circuitos comunicacio-
nais ativados pela autorreferência didática no jornalis-
mo: o caso do Profissão Repórter. 2012. 440 f. Tese (Douto-
rado em Ciências da Comunicação) – Universidade do Vale
do Rio dos Sinos - UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande
do Sul. 2012.
MEDITSCH, Eduardo. O jornalismo é uma forma de co-
nhecimento? Florianópolis: Universidade Federal de San-
ta Catarina, 1997. Disponível em: <http://bocc.ubi.pt/pag/
meditsch- eduardo-jornalismo-conhecimento.pdf> , aces-
so em 8 out 2020.
MEMÓRIA GLOBO. Profissão Repórter. 2008. 12m52s. Dis-

140
ponível em:<https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/
jornalismo-e-telejornais/profissao-reporter/> em 07 de ou-
tubro de 2020.
MOURA, Sandra. Caco Barcellos: o repórter e o método.
João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
REGINATTO, Gisele Dotto. As finalidades do jornalismo.
Florianópolis: Insular, 2019.
SANTOS, Thiago Emanuel Ferreira. Infotainment na TV: as
estratégias de endereçamento do Profissão Repórter. In:
GOMES, Itania Maria Mota Gomes (org). Gênero televisi-
vo e modo de endereçamento no telejornalismo [onli-
ne]. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 173-196.
SOARES, Rosana de Lima, GOMES, Mayra Rodrigues.
(Orgs). Profissão Repórter em Diálogo. São Paulo: Ala-
meda, 2012.

141
A Intersubjetividade na Cobertura de Saúde: O Jorna-
lismo e a Pandemia do Coronavírus no Brasil1
Raissa Nascimento dos SANTOS2
Marília Gabriela Silva RÊGO3
Heitor Costa Lima da ROCHA4

Introdução

Não se pode desconhecer as múltiplas interações en-


volvidas na produção na notícia. Não há como reduzirmos o
pensamento a dois pontos extremos: um em que só o jor-
nalista é protagonista da história que conta, porque o acon-
tecimento envolve atores diversos; ou, no extremo oposto,
ficar preso a uma visão que subestima a sua atuação pro-
fissional, minimizando sua interpretação de mundo. O tex-
to noticioso trata-se de uma complexa narrativa (MOTTA,
2017), fruto de uma experimentação de mundo e vinculada
a processos de interação, como o diálogo entre jornalista e
suas fontes e personagens, mas também as relações cultu-
rais, familiares, sociais, históricas, religiosas em que estes

1 Trabalho apresentado no GP Gêneros Jornalísticos, XX Encontro dos Grupos


de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 43oCongresso Brasilei-
ro de Ciências da Comunicação.
2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Per-
nambuco (UFPE), Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: raissa.nascimento.san-
tos@gmail.com
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universi-
dade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: mari-
lia_gabriela00@hotmail.com
4 Professor Associado do Departamento de Comunicação e Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Per-
nambuco, Brasil. E-mail: hclrocha@gmail.com

142
estão envolvidos, além da influência da organização e da
pressuposição de seus públicos. Esse é o fundamento que
nos leva a recusar a objetividade jornalística e seus envol-
tos (neutralidade, imparcialidade) e a considerar a narrativa
jornalística como constitutivamente intersubjetiva.
Tratar sobre a intersubjetividade torna-se relevante
para contribuir com reflexões que superem a tendência jor-
nalística de conceber a notícia como reprodução do real.
Este exercício inclui entender que o valor intersubjetivo
não compromete o rigor jornalístico. Isso quer dizer que o
zelo pela apuração crítica e equilíbrio entre as versões dos
acontecimentos continuam norteando o trabalho dos jor-
nalistas. Essa dinâmica já demonstra, inclusive, que o jorna-
lista tem papel ativo no processo de construção da notícia,
envolvendo-a sempre de intencionalidade e responsabili-
dade ética sobre seu enquadramento (CHAPARRO, 1994),
constatação que mais uma vez reforça o contraponto com
a perspectiva positivista no campo do jornalismo que opri-
me o jornalista e pretende neutralizar a sua capacidade de
atribuir sentido às coisas e emitir juízo sobre a realidade.
Para corroborar a afirmação de Popper (1993) de que
o que se entende, na sua melhor compreensão, por “obje-
tividade” seria melhor representado pelo termo “intersub-
jetividade”, Líriam Sponholz (2009, p. 172) garante que um
indivíduo “objetivo no sentido de sem julgamentos de valo-
res não existe. Desta maneira, não se pode exigir liberdade
de juízos de valor do sujeito em um processo de conheci-
mento. Por isso, Popper define ‘objetivo’ consequentemen-
te como intersubjetivo e com isso se refere ao método do
cientista.” Neste sentido, não podemos negar ao cientista
social, bem como ao cidadão ou, especialmente, ao jorna-
lista, a característica essencial da espécie humana de ela-
borar julgamentos sobre a realidade.

143
Nós não podemos roubar a parcialidade do cientista sem
roubar a sua humanidade. De maneira bem parecida, nós
também não podemos proibir ou destruir os seus julga-
mentos. (...) O cientista objetivo e sem valores não é o
cientista social. Sem paixão, não funciona, e na ciência
pura não funciona mesmo (POPPER, 1993 apud SPO-
NHOLZ, 2009, p. 172).

Com este entendimento, discutiremos a intersubjeti-


vidade diante dos termos do dialogismo bakhtiniano, prin-
cípio que evidencia a presença sempre constante do outro
no discurso. Esse conceito nos ajuda a contemplar que o
discurso jornalístico não consegue espelhar o real, mas sim
uma leitura possível dos acontecimentos, e a notícia, por
sua vez, é considerada fruto da interação do jornalista com
a política editorial do veículo e com leitor/ ouvinte/ teles-
pectador/ internauta.
No mesmo sentido, Miquel Rodrigo Alsina (2009)
chama a atenção para a importância da intersubjetividade
do “mundo de referência”, como conjunto de interpretações
existentes no acervo compartilhado de conhecimentos da
sociedade sobre o “mundo real”, para possibilitar ao jorna-
lista construir a notícia como “um mundo possível”, ou seja,
inteligível ao público que compõe a comunidade de comu-
nicação. Assim,
temos o mundo possível. Ele será aquele mundo que o
jornalista construirá levando em conta o mundo “real” e
um mundo de referência escolhido. Em resumo, o jorna-
lista não pode estabelecer qualquer mundo possível, mas
precisa levar em conta os fatos que ele conhece sobre o
assunto que pretende relatar e as características do mun-
do de referência a que os fatos remetem. Esse mundo
possível construído dessa forma terá as marcas pertinen-
tes do mundo de referência (ALSINA, 2009, p. 308).

As reflexões contemplam ainda a exemplificação dos

144
princípios teóricos através da cobertura jornalística da im-
prensa brasileira sobre a pandemia do novo coronavírus
(Covid-19), atualmente principal crise em saúde pública. A
situação pandêmica provocou mudanças comportamen-
tais da população, desafiou a medicina e a ciência a en-
tender sobre medicamentos e vacinas para conter o vírus
e, também, desafiou o campo do jornalismo em sua prática
diária (medidas sanitárias e comportamentais de proteção)
a se aperfeiçoar na orientação à população nesta situação
de crise (fornecendo informações de interesse público e in-
fluenciando a maneira como a população deve agir nesta
situação). Além de fiscalizar e denunciar constantes cor-
rupções de gestores desviando recursos que deveriam ser
destinados à compra de equipamentos para utilização nas
unidades de terapia intensiva (UTI’s) para atender pacien-
tes em estado grave.
Nosso foco sobre a imprensa brasileira se justifica
pela expressividade de casos e particularidades políticas
no tratamento da pandemia. A pandemia em território bra-
sileiro teve início em 26 de fevereiro de 2020 com a con-
firmação do caso de um homem de 61 anos que veio da
Itália5. Em agosto, o país completou seis meses desde que
ocorreu o primeiro óbito pela doença e, também, no mesmo
mês atingiu o número de mais de 120 mil mortes, estan-
do atrás apenas dos Estados Unidos. No Brasil, a crise tem
sido marcada pela constante discordância entre a Organi-
zação Mundial de Saúde (OMS) e o presidente Jair Bolso-
naro, principalmente com relação às orientações científicas
sobre isolamento social e uso da cloroquina defendida pelo
presidente e recusada pelos especialistas na área da saú-
de, situação que já provocou a saída dos ex-ministros Luiz

5 Ver: <https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/26/ministerio-
-da-saude-fala-sobre-caso-possivel-paciente-com-coronavirus.ghtml>.

145
Henrique Mandetta e Nelson Teich (este último completan-
do apenas 29 dias no cargo). Desde a saída de Teich em
15 de maio de 2020, ainda não há um ministro efetivo no
Ministério da Saúde, este sendo conduzido interinamente
pelo general Eduardo Pazuello6. Assim, o jornalismo brasi-
leiro, portanto, tem o desafio de cobrir duas crises: a de
saúde pública e a política RIBEIRO (2020).
Essa situação conturbada, em que o presidente da
República, numa postura negacionista da gravidade do
problema, menospreza a pandemia considerando-a ape-
nas uma “gripezinha” e estimula a população a não seguir
as recomendações médicas de isolamento social e uso de
máscara, desafia ainda mais o jornalismo diante da tare-
fa de orientar as pessoas sobre que medidas devem ser
seguidas durante esse período. Diante deste contexto, a
imprensa teve até de se articular em um conglomerado mi-
diático formado por diferentes empresas de comunicação7
e profissionais, para apurar e monitorar a quantidade de
óbitos no Brasil, devido à tentativa assumida pelo Ministé-
rio da Saúde de ocultar e/ou mascarar o número de óbitos
e infectados pela doença. Desta maneira, para enfrentar a
atitude contrária à boa prática da transparência na gestão
pública do governo Bolsonaro, o consórcio de meios de
comunicação difunde informações diárias de dados sobre
infecção e óbitos, não na perspectiva de reprodução da re-
alidade, já desconsiderada dentro da análise deste texto,
mas, sim, como leitura de mundo, organizadas em enredos
compreensíveis para que os públicos possam interpretá-la
(MOTTA, 2017). Os dados por si só também não represen-
6 O general Eduardo Pazuello assumiu oficialmente o Ministério da Saúde em
16/9/2020, sendo exonerado em 23/3/2021.
7 O consórcio de veículos da imprensa é formado pelas empresas: O GLOBO,
Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo. Os números são conta-
bilizados e consolidados a partir das secretarias estaduais de saúde.

146
tam uma universalidade, mas, sim, um recorte dessa reali-
dade que nos ajuda a compreender o mundo a nossa volta.
Por isso, torna-se relevante identificar que, mesmo
nas notícias mais factuais e/ou mais envolvidas com da-
dos, a sua constituição intersubjetiva permanece. Torna-se
ainda mais interessante observar nos exemplos da grande
mídia brasileira porque, recorrentemente, a objetividade é
um lema defendido pela mídia comercial8 em contrapon-
to aos veículos de posicionamento explícito (Comunicação
Pública, Jornalismo Independente, Comunitário).
Ao lado do pensamento de Bakhtin (2011), a discus-
são conta também com as reflexões de Motta (2017), Tra-
quina (2016) e Schudson (2010), que auxiliarão no olhar
sobre a narrativa jornalística como intersubjetiva. Os casos
que exemplificam as considerações teóricas são da im-
prensa brasileira de alcance nacional. As reflexões permiti-
ram esclarecer que o jornalismo está lutando a favor de sal-
var vidas, utilizando a informação de qualidade e verídica
como instrumentos necessários e vitais, para o combate ao
enfrentamento da Covid-19, tendo inclusive a grade de pro-
gramação das emissoras alteradas para que o espaço de-
dicado a notícia fosse maior e mais eficaz neste momento
em que se faz imprescindível a verdade dos fatos, como a
entrada do novo programa matinal da TV Globo, Combate
ao Coronavírus, apresentado pelo jornalista Márcio Gomes,
que foi veiculado na imprensa nacional entre 17 de março e
22 de maio de 2020, chegando a ter na TV aberta 11 horas
consecutivas de programas jornalísticos, das 4h da manhã

8 Esse modelo de jornalismo é recorrente do padrão americano iniciado no fim


do século XIX e mais fortalecido no período entre guerras quando os Estados
Unidos se tornam a grande potência mundial. Esse jornalismo chamado de li-
beral influenciou países de todo o mundo e é caracterizado pela busca de liber-
dade de imprensa, pelo princípio da imparcialidade e a separação da notícia do
comentário (HALLIN; MANCINI, 2010).

147
às 15h9. Nosso objetivo não é trazer uma análise discursiva
das notícias, mas de refletir elementos que confirmam a in-
tersubjetividade no discurso jornalístico.

Narrativa jornalística: a intersecção entre o dia-


logismo e a intersubjetividade

O jornalismo possui uma função relevante no cam-


po social porque influencia diretamente na formação da
opinião pública (PARK, 2008). As notícias, de modo geral,
promovem o conhecimento do mundo que nos cerca, pos-
sibilitando que os cidadãos possam construir opiniões e
ação política. É nessa perspectiva que é possível compre-
ender como as notícias estão presentes na sociedade de
modo que anunciam e provocam mudanças e possibilitam
a compreensão de mundo, tão relevante para determinar o
nosso agir. Se sabemos o que está acontecendo, podemos
agir de determinada maneira.
O discurso jornalístico, então, mesmo aquele mais
factual, corresponde a uma narrativa. Nele estão presen-
tes as personagens (pessoas envolvidas no acontecimen-
to, as fontes), o espaço e tempo do acontecimento e todo
o enfeixamento em enredos compreensíveis que seguem
uma espécie de roteiro situando o acontecimento em um
“quem”, “onde”, “como”, “quando” e “por que” para que o lei-
tor/ouvinte/telespectador possa recebê-lo e interpretá-lo.

9 Uma das maiores emissoras do Brasil, a Rede Globo de Televisão, alterou a


grade de programação para oferecer informação de qualidade e verídica ao en-
frentamento da Covid-19. O primeiro jornal Hora 1, inicia às 4h da manhã, na
sequência, às 6h entra no ar o “Bom dia” de cada região, que segue até às 8h30.
Quando inicia o novo programa “Combate ao coronavírus”. Logo depois, iniciam
os jornais de meio dia de cada localidade e, por último, o Jornal Hoje, finalizando
11h de programas jornalísticos.

148
Essa escolha é “orientada pela aparência que a realidade
assume para o jornalista, pelas convenções que moldam a
sua percepção e fornecem o repertório formal para a apre-
sentação dos acontecimentos, pelas instituições e rotinas”
(TRAQUINA, 2016, p. 235). Sobre isso, Motta (2017) carac-
teriza a narrativa jornalística como uma experimentação da
realidade, de forma que o contato com o mundo possibilita
a formação de referências e cria modelos de ordenamento,
fazendo com que a notícia nos permita “explorar perma-
nentemente nossa experiência temporal, compor enredos
e histórias superpostas, compreender quem somos e onde
estamos em cada momento. Elas explicam, ensinam, insti-
tuem provisoriamente o mundo, nosso mundo que refaze-
mos sem cessar” (MOTTA, 2017, p. 239).
Para discutir o valor da intersubjetividade, recorre-se
primeiro ao conceito bakhtiniano de dialogismo. Este prin-
cípio considera que a essência do discurso é ser sempre
constituído por outro discurso. Essa ideia é fundamentada
pelo ato da comunicação que envolve interações verbais
e não-verbais, em diálogo constante não somente com o
interlocutor, mas com o passado histórico, as relações cul-
turais, sociais, religiosas, políticas. Esse diálogo não pres-
supõe uma resposta imediata, mas é sempre feito com in-
tencionalidade para alguém. Assim sendo, é acertado dizer
que existem discursos anteriores ao nosso que nos cons-
tituem.
Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de ou-
tros enunciados com os quais está ligado pela identi-
dade da esfera de comunicação discursiva. Cada enun-
ciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta
aos enunciados precedentes de um determinado campo
(aqui concebemos a palavra “resposta” no sentido mais
amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles,
subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva
em conta (BAKHTIN, 2011, p. 297).

149
A característica dialógica abre a discussão para en-
tendermos a natureza intersubjetiva da narrativa jornalísti-
ca, uma vez que, se todo discurso é permeado pelo outro,
assim também é o discurso jornalístico. Essa perspectiva
rompe com a compreensão de objetividade jornalística
marcada pela neutralidade e espelhamento da realidade.
Isso nos é concebido como impossível já que no ato da
produção da notícia estão envolvidos aspectos como: o
discurso do jornalista (perpassado por suas experiências
de vida, contexto famílias, político, social e religioso), da or-
ganização do veículo (linha editorial, publicidade envolvida,
condições de produção, tecnologia) e dos públicos.
Há um embate, no entanto, persistente sobre o fazer
jornalístico com relação à ilusória dicotomia entre fato e opi-
nião. Isso é tão recorrente que dentro dos gêneros jornalís-
ticos existem aqueles prioritariamente opinativos (editorial,
artigo de opinião, colunas) e os veículos de comunicação
tendem a reproduzir essa separação nas redações em que
apenas alguns profissionais tem acesso a esse espaço opi-
nativo. Se assim compreendêssemos, a grande maioria de
jornalistas, então, estaria apenas narrando fatos sem que
sua interpretação/opinião estivesse presente. Mas, esta
condução de pensamento é equivocada uma vez que, con-
forme Schudson (2010) observa, o fato é, na verdade, um
juízo majoritário sobre o acontecimento, distinguindo-se da
opinião apenas por uma questão de gradação de esforço
cognitivo de interpretação.
Outro importante ponto a reforçar é que todo discur-
so é ideológico, portanto, é impossível conceber um texto
jornalístico isento de ideologia10. A problemática que incide

10 O conceito de ideologia há muito tem sido estudado e historicamente tem


sido associado a algo condenável. Mesmo o termo aparecendo com Destutt de
Tracy, em 1801, como “ciência das ideias”, com o Governo de Napoleão ganha-

150
sobre essa abordagem se refere à ideologia como marca
negativa (VAN DIJK, 1998) e dada essa perspectiva é que
se cria a polaridade entre um jornalismo ideológico e o su-
posto “a-ideológico”. Não há possibilidade deste último ser
concebido porque a ideologia não significa uma crença fal-
sa, mas sim “a base das representações sociais comparti-
lhadas pelos membros de um grupo (VAN DIJK, 1998, p. 21).
Isto quer dizer que as ideologias possibilitam as pessoas a
organizar a complexidade de crenças sociais e a agir so-
bre determinada(s) questão(ões). Assim sendo, todos nós
somos seres ideológicos e fazemos partes de grupos com
ideologias próprias. A mídia, por sua vez, é constituída de
ideologias e é um espaço de divulgação e fortalecimento
delas.
Todos esses pontos reforçam a natureza intersubjeti-
va do jornalismo: não há como conceber o discurso jorna-
lístico sem o envolvimento da presença do outro, sem sua
relação comunicativa com o mundo. Não é possível falar
do jornalismo sem apresentar o processo de ações cons-
cientes e intencionadas que envolvem os princípios éticos
jornalísticos, mas também dos atores do processo: “No jor-
nalismo as ações, os afazeres e seus contextos são de alta
complexidade, pois se trata de um processo social e cultu-
ral de intermediação com múltiplos emissores produtores
(de informações e opiniões) e receptores usuários” (CHA-
PARRO, 1994, p. 17-18). A notícia, por si só, é inevitavelmente
concebida em diálogo.

ria uma concepção negativa porque os ideólogos estavam contra o imperador.


Napoleão afirmou que “todas as desgraças que afligem nossa boa França de-
vem ser atribuídas à ideologia (CHAUÍ, 2008, p.27). Em Marx e Engels a visão
pejorativa de ideologia ganha mais força pois esteve associada à dominação e
alienação pelos estudos marxistas relacionados à divisão do trabalho.

151
Desafio jornalístico: O contexto da Pandemia do
Coronavírus

Por volta de dezembro de 2019 até a atualidade em


2020, o mundo tem vivenciado a pandemia do novo coro-
navírus (Covid-19) que teve início de infecção na China e
se mostra hoje como a pior crise de saúde pública mundial
dos últimos 100 anos. A situação modificou toda a relação
de convivência no mundo, exigindo a adoção de isolamen-
to social, uso de álcool em gel, máscaras, limpeza de ali-
mentos. Mudou, inclusive, o modo de fazer jornalismo. Há a
obrigatoriedade do uso de máscara pelo repórter, o afasta-
mento numa entrevista ou até mesmo, principalmente nos
primeiros meses, a realização de trabalho home office, além
da problemática em obter dados confiáveis que dependem
prioritariamente das fontes oficiais. Dificuldades outras po-
dem surgir como, por exemplo, aconteceu no Estado do
Piauí, quando a TV Clube, afiliada da Rede Globo, teve de
suspender seus telejornais a partir do dia 20 março porque
o jornalista Marcelo Magno havia sido diagnosticado com
o novo coronavírus11. Neste período de quarentena da emis-
sora, o canal passou a transmitir os telejornais de Recife –
PE até o dia primeiro de abril, após 12 dias de afastamento.
O jornalismo se mostrou ainda mais relevante nes-
te período, principalmente como orientador das ações dos
cidadãos em meio ao desconhecimento sobre o vírus. As
notícias têm contemplado essencialmente a quantidade de
casos e de óbitos, mas também focado em como agir. Essa
pandemia reforçou também a relevância das informações
a nível local e regional, porque as pessoas precisam saber
sobre a sua localidade e as ações dos governos que po-

11 Ver: < https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2020/03/20/tv-clube-tera-mu-


danca-na-programacao-a-partir-desta- sexta-feira-20.ghtml>.

152
dem ter um direcionamento distinto das diretrizes nacio-
nais (SCHULZ, 2020). O Instituto Reuteurs divulgou uma
pesquisa realizada entre os meses de janeiro e fevereiro de
2020 sobre a valorização das notícias locais. O Brasil apa-
rece em primeiro lugar dos 40 países analisados, contabi-
lizando 73% da população como interessada em notícias
locais (SCHULZ, 2020), o que ressalta a importância da
presença do regionalismo nos trabalhos jornalísticos.
A pandemia evidenciou as mídias tradicionais de
referência como protagonistas na divulgação das notícias
como as mais confiáveis, já que as redes sociais têm po-
tencializado a divulgação da fake news (RIBEIRO, 2020).
Houve um crescimento significativo na audiência de TV,
contabilizando 77% da população que recorre ao telejor-
nalismo para se manter informado (Vogel/Pesquisa Kantar
Ibope realizada entre os dias 20 de abril e 07 de maio de
2020). Diante da conjuntura atual e dos desafios jornalísti-
cos para informar, busca-se enfocar na intersubjetividade
desta narrativa que, por numa situação adversa como essa,
pode ser cobrada a espelhar a realidade da doença e dos
casos, ideia desmistificada neste trabalho.

Cobertura Jornalística da Pandemia no Brasil: as


marcas da intersubjetividade

Podemos citar como exemplo desta constatação a


cobertura jornalística da pandemia do novo Coronavírus
no ano de 2020. O jornalismo enquanto instituição social
esteve à frente no combate através da propagação de in-
formações de qualidade e no enfrentamento das fake news.
O modo de entregar a notícia para a população mudou.
Os profissionais se reinventaram na maneira de transmitir

153
as notícias. Nos jornais diários, a cobertura tem sido mais
pontual com foco nos casos de infectados e mortos, em
como as cidades e estados estavam se organizando para
combater o vírus. Já em um dos maiores jornais televisivos
do Brasil, o “Fantástico”, exibido há mais de 30 anos nos do-
mingos, em horário nobre da Rede Globo, buscou-se apre-
sentar as vítimas do Covid-19 não apenas como números,
mas através da montagem de um painel de fotos com as
imagens de uma boa parte das vítimas, além de ter reali-
zado uma parceria com os atores da emissora que drama-
tizaram os relatos com a narração da história das vítimas,
sempre destacando a vida, os sonhos não finalizados, os
parentes que ficaram e a vulnerabilidade da vida humana.
Esta narrativa representou uma tentativa autêntica e iné-
dita de trabalhar a emoção e sensibilizar o público sobre a
importância de se proteger respeitando o isolamento so-
cial. Aqui se desmistifica, portanto, que a intersubjetividade
aconteça somente quando há uma valorização emocional
ou partidária no jornalismo. Nos dois casos há a intersub-
jetividade porque, como afirmado durante o texto, é parte
constitutiva do fazer jornalístico.
Outro momento delicado no Brasil foi quando o país
alcançou a marca das 50 mil mortes. Isso aconteceu no dia
20 de junho de 2020, e o editorial do Jornal Nacional abor-
dou diretamente este momento histórico quando o jorna-
lista e editor-chefe, William Bonner, afirmou: “A história vai
registrar também aqueles que se omitiram, que foram ne-
gligentes, que foram desrespeitosos. A história atribui glória
e atribui desonra. E a história fica para sempre”. Enquanto
o editorial era apresentado, as imagens das vítimas eram
mostradas ao fundo em um grande painel da solidariedade
às famílias, com o intuito de sensibilizar os espectadores e
reafirmar a necessidade dos cuidados para evitar a propa-
gação da Covid-19. E, após 49 dias, o número de vítimas

154
fatais torna-se o dobro, alcançando a marca dos 100 mil
mortos pela Covid-19, no dia 8 de agosto de 2020, tendo
no mesmo dia registrado a marca de 3 milhões de casos
confirmados no país, perpassando 143 dias após a primeira
morte da doença no Brasil12.
É relevante destacar que os exemplos citados per-
tencem ao formato audiovisual que, além do recurso das
imagens, tem-se também, a nível discursivo, a entonação.
Essa entonação também expressa sentido, principalmente
reforçando a presença do outro no discurso (a sua inter-
subjetividade) porque:
A expressão do falante penetra através desses limites e
se dissemina no discurso do outro, que podemos trans-
mitir em tons irônicos, indignados, simpáticos, reveren-
tes (essa expressão é transmitida com o auxílio de uma
entonação expressiva – no discurso escrito é como se a
advinhássemos e a sentíssemos graças ao contexto que
emoldura o discurso do outro – ou pela situação extraver-
bal – ela sugere a expressão correspondente (BAKHTIN,
2011, p. 299).

12 Os dados das mortes apresentam a fragilidade da desigualdade no Brasil.


Segundo um estudo divulgado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em
Saúde, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) identifi-
cou que mais pretos e pardos morreram, representando quase 55% das vítimas.
Enquanto, que o número em pessoas brancas representa em torno de 38%.
Quando os dados são confrontados pela etnia e nível de escolaridade identifi-
ca-se que os números de vítimas que são pretos ou pardos e sem escolaridade
alcança 80,35% da taxa de mortes, em detrimento de 19,65% dos brancos com
nível superior. A Covid-19 está escancarando os problemas sociais, políticos,
econômicos e sanitários da nação brasileira, e a imprensa está desempenhando
o papel de propagar a pluralidade das situações para que a sociedade encare
e busque as respostas necessárias para lidar com tamanha ameaça à espécie
humana. O estudo também identificou que quanto maior o nível de escolaridade
menor a quantidade de vítimas da Covid-19: 22,5% pessoas com nível superior
e 71,3% pessoas sem escolaridade. Os dados foram acessados em matéria di-
vulgada pela BBC. Para acessar o estudo completo ver < https://www.bbc.com/
portuguese/brasil-53338421>. Acessado em 14 de agosto de 2020.

155
Uma notícia impressa, por outro lado, não possui o
recurso de entonação “falada”, mas uma entonação “escri-
ta” através, principalmente, da pontuação (pontos de excla-
mação, reticências, aspas) e marcas de ironia.
Em outra notícia, desta vez veiculada no site do Mi-
nistério da Saúde13 quando foi confirmado o primeiro caso
da doença no país (26 de fevereiro de 2020), temos o caso
comum de um discurso jornalístico mais factual. Com o tí-
tulo “Brasil confirma primeiro caso da doença”, verificamos
que mesmo uma notícia nos termos factuais está envolvida
por suas relações dialógicas e isso fica ainda mais claro
quando a fala dos entrevistados são citadas, mesmo que
em discurso direto, quando aparenta-se se distanciar do
que é citado, mas que na verdade é resultado da interpre-
tação e relação com aquele que escreve a notícia, podendo
ser utilizado estrategicamente para criar efeito de autentici-
dade, distanciamento por não concordar ou até a demons-
tração de adesão ao que é dito (MAINGUENEAU, 2008).
Essa notícia em particular mencionou constantemente
suas fontes através do uso do discurso direto, com falas do
até então Ministro Luiz Henrique Mandetta e do secretário
de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira explicando
como o Brasil, naquele momento, enfrentaria a pandemia,
reforçando os hábitos de higiene e garantindo o acesso às
informações.

CONCLUSÃO

Falar sobre intersubjetividade é entender todo o con-


texto de implicações envolvidas na construção da notícia
13 Notícia disponível em: <https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/
46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de- novo-coronavirus>.

156
até seu produto final. É evidenciar que o jornalista é parte
deste processo, mas não somente ele. Nele estão presentes
ecos do mundo que reverberam inevitavelmente no texto
jornalístico. A partir de Bakhtin vimos que as vozes estão
sempre presentes no discurso e que a narrativa jornalís-
tica as reúne e forma enredos compreensíveis (MOTTA,
2017). Nesses termos, a presente pesquisa reafirma que,
para além de destacar o envolvimento ativo do jornalista
como uma subjetividade aparente que pressupõe marcas
discursivas da emoção, estamos reforçando a natureza in-
tersubjetiva, ou seja, a relação do indivíduo com o mundo
presente no texto.
Discute-se também que as reportagens que apre-
sentem um possível apelo emotivo ou posicionamento ex-
plícito ainda são questionadas diante do embate contra a
objetividade. A emoção não é hierarquicamente menor ou
uma fraqueza humana no jornalismo como pressupõe as
crenças positivistas. A insistente proposição que distancia
jornalismo opinativo do jornalismo informativo impede de
olhar mais profundamente que, explícita ou não, a opinião
é própria da interpretação jornalística. Isso quer dizer que,
mais do que a marca da subjetividade exposta em emoção
ou posicionamento explícito, a intersubjetividade se refere
à constituição do discurso jornalístico em ser sempre en-
volvido pelo outro e pelas relações que o cercam (culturais,
históricas e sociais).
Essa abordagem não é um desafio somente perce-
bido na prática profissional, mas desde o ensino do jor-
nalismo influenciado pelo processo de padrão jornalístico
americano em que havia o incentivo ao conceito de profis-
sionalismo neutro (HALLIN; MANCINI, 2010). Na realida-
de, o desafio não deveria ser o de informar imparcialmente,
mas de apurar de forma consistente e transparentemente

157
fundamentada, através de uma perspectiva pluralista, re-
presentando a diversidade significativa de versões existen-
tes sobre o acontecimento.
Atualmente, diante de um momento histórico-social
que se vivencia da pandemia do novo coronavírus, encon-
tra-se a imprensa brasileira imersa no objetivo ideológico
de ser um instrumento normativo de combate, na área da
saúde, ao vírus, mas, também, de combate ao vírus político-
-social que agrava a ameaça à nação brasileira e a desafia
a ter que lutar mais em todos os âmbitos para salvar vidas,
utilizando a informação de qualidade, a educação e os cui-
dados básicos de saúde como mecanismos de luta por dias
melhores. Nestes termos, o jornalismo revela ainda mais a
sua importância para a sociedade. Foi discutido, inclusive,
que diante do desafio de informar em circunstâncias e difi-
culdades tão particulares como as vivenciadas nesta pan-
demia, o jornalismo precisa cumprir com seu dever social,
sendo reconhecida a sua intersubjetividade.

REFERÊNCIAS

ALSINA, Miquel Rodrigo. A construção da notícia. Petró-


polis: Vozes, 2009.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6ª ed. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2011.
G1 SP. Primeiro caso confirmado de Covid-19 no Bra-
sil ocorreu em SP e completa seis meses nesta quar-
ta. Disponível em <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/
noticia/2020/08/26/primeiro- caso-confirmado-de-covid-
-19-no-brasil-ocorreu-em-sp-e-completa-seis-meses-nes-
ta- quarta.ghtml> Acessado em 26 de agosto de 2020.

158
HALLIN, D.C; MANCINI, PAOLO. Sistemas de Media: Es-
tudo Comparativo – Três Modelos de Comunicação e Polí-
tica. LIVROS HORIZONTE, LDA: Lisboa, 2010.
JORNAL NACIONAL. (2020). Editoria do Jornal Nacio-
nal. Retirado de https://globoplay.globo.com/v/8641367/.
Acessado em 14 de agosto de 2020.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comu-
nicação. 5ª Ed. São Paulo: Cortez, 2008.
MOTTA, L, G. Narrativas jornalísticas e conhecimento
de mundo – representação, apresentação ou experimenta-
ção da realidade? In: PEREIRA, F.; MOURA, D.;
ADGHIRNI, Zélia (Orgs). Jornalismo e Sociedade. Floria-
nópolis: Insular, 2017.
PARK, R. A notícia e poder da imprensa. In: BERGER, C.;
MAROCCO, B. (org.). A era glacial do jornalismo. Porto
Alegre/RS: Sulina, v. 2., 2008, p.71-82.
RIBEIRO, M. A cobertura da pandemia do novo coro-
navírus trouxe maior credibilidade ao jornalismo. Dis-
ponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/
coronavirus-covid- 19/a-cobertura-da-pandemia-do-novo-
-coronavirus-trouxe-maior-credibilidade-ao-jornalismo/>.
Acessado em 14 de agosto de 2020.
SCHUDSON, Michael. Descobrindo a notícia. Petrópolis:
Vozes, 2010.
SCHULZ, Anne. Global Turmoil in the Neighbourhood:
Problems Mount for Regional and Local News. Reuters
Institute. 2020. Disponível em: <http://www.digitalnews-
report.org/survey/2020/global-turmoil-in-the-neighbou-
rhood/>. Acessado em: 14 de agosto de 2020.
SPONHOLZ, Líriam. Jornalismo, conhecimento e objeti-

159
vidade. Florianópolis: Editora Insular, 2009.
TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e ‘estó-
rias’. Florianópolis: Insular, 2016.
VOGEL, M. A TV em tempos de Covid-19: impactos e mu-
danças no comportamento da sociedade. Disponível em:
<https://www.kantaribopemedia.com/a-tv-em-tempos-
-de-covid-19- impactos-e-mudancas-no-comportamento-
-da-sociedade/>. Acessado em 14 de agosto de 2020.

160
Realeza na Mídia: O Jornalismo de Entretenimento e a
Invasão de Privacidade de Pessoas Públicas1
Maria Thereza Oro SARAIVA2 Ivone Maria CASSOL3

Introdução

Debater a maneira como a mídia sensacionalista


aborda as personalidades públicas, muitas vezes, invadin-
do sua privacidade, perseguindo e explorando sua vida é o
objetivo deste estudo que parte dos conteúdos reproduzi-
dos pela Folha de São Paulo4 voltados à Princesa Diana de
Gales no momento de sua morte, bem como à vida de suas
noras Kate Middleton e Meghan Markle. A partir da compa-
ração e análise, busca-se identificar se houve mudanças na
forma que são realizadas as coberturas da mídia envolven-
do personalidades da realeza britânica ao longo dos anos.
No período em que esteve na mídia, Diana Spencer
foi alvo constante de perseguições de tabloides do mun-
do todo que buscavam expor seu cotidiano e sua presença
em eventos reais de maneira intrusa. Ainda que soubesse
fazer uso de sua imagem para promover causas sociais e

1 Trabalho apresentado no IJ01 – Jornalismo, da Intercom Júnior – XVI Jornada


de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43o Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação
2 Bacharela do Curso de Jornalismo da PUCRS, e-mail: mariatherezas.98@
gmail.com
3 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Jornalismo da PUCRS,
e-mail: Ivone.cassol@pucrs.br
4 O jornal brasileiro A Folha de São Paulo foi escolhido como conteúdo para
análise, pois reproduz matérias dos tabloides mencionados, condensando-os
e apontando seus excessos, bem como possui acesso fácil e gratuito ao seu
acervo na íntegra.

161
levantar discussões a respeito de temáticas vistas na época
como polêmicas (como a AIDS), a mídia sensacionalista a
via como um produto para aumentar suas vendas, através
de matérias que exploravam a vida princesa. Adorada pelo
povo, este consumia qualquer conteúdo que fizesse men-
ção a ela, mesmo que a informação fosse obtida infringindo
sua vida íntima.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (1948) assegura, em seu
artigo XII, o direito à proteção legal contra interferências
à vida privada e ataques à honra e reputação. Porém, es-
ses veículos de comunicação chegam a transpassar essa
determinação para obter alguns conteúdos, especialmente
quando se referem ao cotidiano e intimidade de celebri-
dades. Segundo Severino (2010), pesquisa realizada pelo
Centro PEW de Pesquisas para a População e Imprensa
(2007) constatou que 40% dos americanos acreditam que
há um excessivo espaço dedicado à vida de artistas em re-
lação a outras editorias, como saúde e economia.
A princesa de Gales foi desprovida de seu direito à
vida privada em detrimento da demanda por conteúdos
que fossem além de suas aparições públicas e eventos,
mas também sua intimidade. Esta mesma invasão de pri-
vacidade, 22 anos depois, se repete com Kate Middleton e
Meghan Markle? Este é problema de pesquisa que motiva
as reflexões do artigo.

Mídia, Sensacionalismo e Entretenimento

A comunicação, primariamente verbal, faz parte da


sociedade humana. Com a criação dos tipos móveis por

162
Johannes Gutenberg, em 1455, ela ganha maior densidade
(RAMOS, 2012, p. 19) em sua forma escrita: a mídia impres-
sa.
De acordo com Aguiar (2008), os jornais, com o pas-
sar do tempo, assumiram caráter comercial, tornaram-se
um negócio e incluíram maior diversidade de temas em
suas matérias para se aproximar de novos públicos que
preferiam conteúdos mais leves do que os da política, por
exemplo. A partir disso, surge a penny press, um modelo
de jornal vendido ao valor de um centavo e de alta circula-
ção, sendo a precursora da mídia sensacionalista (AGUIAR,
2008)
A emergência de um amplo mercado de massas incre-
menta a publicidade, que se torna o principal fator eco-
nômico de sustentação da empresa jornalística. Para
assegurar fartas verbas publicitárias, os jornais precisam
atingir uma alta vendagem, ampliando constantemente
seu público através de estratégias comunicacionais. O
sensacionalismo configurou-se [...] como uma das mais
eficientes estratégias de comunicação para fascinar e se-
duzir o público, visto elevar a potencialidade de entreteni-
mento do acontecimento. (AGUIAR, 2008, p. 20)

A narrativa sensacionalista é caracterizada pelas


suas peculiaridades da linguagem utilizada que valoriza
os exageros, comenta Pedroso (2001, citada por RAMOS,
2012, p.36) e os clichês, que procuram chocar e impactar o
leitor, introduzindo-o no contexto do personagem e se be-
neficiando de suas emoções (ANGRIMANI, 1995)
Um dos temas mais frequentes no sensacionalismo
é a morte, embora essa não seja característica exclusiva
deste tipo de informação, pois é um dos valores-notícia de
grande importância do jornalismo em geral pelo impacto
que o fim da vida tem na sociedade. Ao apontar as espe-

163
cificidades da narrativa sensacionalista, Angrimani (1995)
utiliza da metáfora do sangue para definir esse nicho jorna-
lístico, onde bastaria “espremer o jornal” para sair o sangue.
“Onde há morte, há jornalistas”, declara Traquina (2008,
p. 79). Apesar de estar diretamente ligada ao estímulo de
emoções negativas, não apenas da tragédia se faz o sensa-
cionalismo. O entretenimento também se encontra entre os
conteúdos consumidos pelos leitores, uma inclinação em
crescimento nas últimas décadas.
Arbex Jr. (2001) associa a teoria da sociedade do es-
petáculo, do francês Guy Debord, ao efeito que o entrete-
nimento inserido nos meios de comunicação provoca no
público. A teoria de Debord (1997) faz crítica à mídia e nas
representações que oferecem, transformando a sociedade
e as relações sociais em um espetáculo idealizado por elas.
Guy Debord afirmava que “a sociedade de consumo”,
apoiando-se nos meios de comunicação de massa, tor-
nara-se a “sociedade do espetáculo”, ou melhor o espetá-
culo tornara-se a forma de ser da sociedade de consumo.
O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de
ícones e imagens, principalmente através dos meios de
comunicação de massa, mas também dos rituais políticos,
religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que que
falta à vida real do homem comum: celebridades, atores,
políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias
– tudo transmite uma sensação de permanente aventura,
grandiosidade e ousadia. (ARBEX JR; 2001, p. 69)

Validando o ponto de vista de Arbex Jr., Dejavite


(2007) complementa que o “infotenimento” (entretenimen-
to ligado à informação) se alicerça em seus personagens e
nos espetáculos que trazem à vida do público. Esses per-
sonagens atraem os leitores e os entretém com suas histó-
rias de vidas e, por vezes, escândalos. Dejavite (2007) ainda
cita a Princesa Diana de Gales - sobre quem a pesquisa

164
se dedica mais à frente - e sua morte como um elemen-
to importante dentro dessas particularidades. O acidente
rendeu para a mídia um grande aumento da procura por
exemplares dos jornais como The Guardian, Daily Express
e The Sun que tiveram acréscimos de 50% cada em sua
tiragem regular, o último vendendo mais de um milhão de
cópias extras, de acordo com a Folha de São Paulo5.
O fato foi um exemplo de “interação máxima entre a
informação e o público” (DEJAVITE, 2007, p.6). O acidente
se enquadra dentro de três características da notícia “light”
de entretenimento (que a autora define como “conteúdo rá-
pido, de fácil entendimento, efêmero, de circulação intensa,
que busca divertir o receptor”) segundo Taurela e Gil (cita-
dos por DEJAVITE, 2007, p. 6), que são:
“a) Capacidade de distração – ocupa o tempo livre, para
não aborrecer;
b) Espetacularização – estimula e satisfaz aspirações,
curiosidades, ajuste de contas, possibilidades de extrava-
sar as frustrações, nutre a imaginação;
c) Alimentação das conversas – facilita as relações so-
ciais, oferecendo temas de conversação do dia-a-dia,
como boatos e notícias sobre celebridades.”

As celebridades, personagens frequentes que com-


põe a narrativa do jornalismo de entretenimento, como
artistas, atletas, ícones religiosos e políticos, “podem ser
entendidas como figuras públicas que ocupam o espaço
de visibilidade da mídia e são construídas discursivamen-
te”, diz Marshall (citado por SIMÕES, 2009, p. 75). Simões
argumenta que, através desses personagens, os produtos
midiáticos afetam o público com uma interação entre a mí-
dia e vida social.

5 Folha de São Paulo, 3 de setembro de 1997, p. 20.

165
Vendo e lendo sobre a vida dos astros, as pessoas se tor-
nam cada vez mais próximas, mais íntimas deles. Através
da revista, da TV e outros meios, eles se tornam “fami-
liares” para elas. [...] Acompanhando a vida das celebri-
dades, os leitores acabam se envolvendo com elas, cha-
mando-as pelo primeiro nome, enfim, ampliando, o seu
universo cotidiano pela incorporação dessas pessoas ao
seu círculo de parentes, amigos e conhecidos, formando
uma espécie de “família extensa” ou “comunidade imagi-
nada”. (MIRA, 1999, p. 12)

Esse tipo de comportamento é classificado por Far-


ley (em entrevista a DUCHARME, 2018) como “parassocial”,
podendo criar “um relacionamento unilateral, onde alguém
se apega a uma pessoa sem realmente interagir com ela de
alguma forma significativa”.
Um exemplo dessas personalidades são os membros
da família real britânica, em especial Meghan Markle, a du-
quesa Kate Middleton e a princesa Diana Spencer. Smith
(2014) diferencia a família real de outras celebridades de
fama inconstante, como algo que perdura de geração em
geração.
Os casamentos reais são eventos com elevada co-
bertura midiática. A cerimônia que selou o matrimônio en-
tre Meghan Markle, duquesa de Sussex e o príncipe Harry
em 19 de maio de 2018 foi assistida por uma estimativa de
três bilhões6 de pessoas no mundo todo, entre transmis-
sões televisivas ao vivo ou online. O casamento de Kate
Middleton, duquesa de Cambridge e o príncipe William em
2011 teve uma audiência global de mais de dois bilhões de
pessoas. Em 1981, a cerimônia da Princesa Diana e Príncipe

6 Disponível em: https://www.harpersbazaar.com/uk/culture/culture-news/


a20092105/prince-harrymeghan-markle-royal- wedding-numbers-cost/. Aces-
so em: 06 dez. 2019.

166
Charles foi assistida por cerca de 750 milhões de pessoas7.
Além dos fatores que levam ao consumo de conte-
údo relacionado às celebridades, a nobreza ainda possui
um aspecto adicional. Farley (em entrevista a DUCHARME,
2018) explica que esse interesse do público pela família real
britânica - uma das poucas remanescentes do mundo - em
específico, deriva-se de um sentimento de curiosidade. O
psicólogo acrescenta à curiosidade a atmosfera de contos
de fada que esses personagens estão envoltos, vivendo
com influência, fama e fortunas herdadas em castelos.
A constante demanda por essa temática, que está
ligada ao psicológico do público, afeta também o merca-
do que a oferece. Buscando conteúdo para venda, alguns
veículos cruzam o limite ético do jornalismo, bem como
barreiras legais. Os paparazzi são exemplos dos exageros
cometidos, especialistas em perseguições para obterem
“cliques” com as celebridades.

Ética na Comunicação e Direito à Privacidade

A constante interação com pessoas e grupos sociais


e a responsabilidade de informar a sociedade exigem com-
prometimento ético do profissional e dos meios de comu-
nicação. “A ética pressupõe respeito aos valores mais in-
trínsecos ao ser humano”, afirma Tófoli (2008, p.9). Como
forma de regulamentação dos princípios éticos em um âm-
bito internacional, a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) estabelece

7 Disponível em: https://www.bbc.com/historyofthebbc/anniversaries/july/


wedding-of-prince-charlesand-lady-diana-spencer. Acesso em: 06 dez.
2019

167
os Princípios Internacionais da Ética Profissional no Jorna-
lismo, acordado em 20 de novembro de 1983, em Paris. O
documento serve como base e inspiração para os códigos
nacionais, como o Código de Ética dos Jornalistas Brasilei-
ro (2007).
Entre os dez princípios, encontram-se a dedicação
do jornalista para realidade objetiva, integridade do jor-
nalista profissional, respeito ao interesse público e outros
itens aqui destacados por abordarem aspectos condizen-
tes a esta pesquisa. Dessa forma, o Princípio VI - Respeito
à Privacidade e à Dignidade Humana assegura:
Uma parte integrante dos padrões profissionais do jorna-
lista é o respeito ao direito de privacidade do indivíduo e
à dignidade humana, em conformidade com o que está
previsto na lei nacional e internacional relativa à proteção
dos direitos e da reputação de outros, proibindo calúnia e
difamação. (UNESCO, 1983)

A privacidade, defendida pela ética jornalística, é um


conceito bastante amplo, não possuindo uma delimitação
exata. Solove (2008, p.7) a descreve como “algo que en-
globa tudo e ao mesmo tempo parece não ser nada em
si”. Ela pode ser descrita como um direito fundamental que
envolve:
(entre outras coisas) liberdade de pensamento, controle
sobre o corpo de um indivíduo, isolamento dentro da re-
sidência do indivíduo, controle sobre informação pessoal,
liberdade de vigilância, proteção da reputação do indiví-
duo e proteção de pesquisas e interrogatórios. (SOLOVE,
2008, p. 1, tradução nossa)

No Brasil, a privacidade é um direito assegurado pela


Constituição Brasileira (1988), em seu Artigo 5º, inciso X,
onde “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e

168
a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Em um âmbito internacional, a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos (1953) regula a privacidade dos cidadãos
europeus, como os citados nessa pesquisa.
Porém, esse direito acaba sendo transposto, muitas
vezes, pelo sensacionalismo, especialmente ao tratar de
pessoas públicas, que, apesar de ocuparem cargos ou fun-
ções de interesse dos cidadãos, ainda possuem uma vida
privada que deve ser respeitada. O alto consumo de conte-
údos referentes à vida de celebridades, bem como a liber-
dade de expressão tornam-se justificativas apresentadas
por esses meios ao burlar sua privacidade.
Essas pessoas – os homens públicos – perdem, por assim
dizer, grande parte de sua vida privada, como se os limi-
tes de sua vida reservada recuassem para fronteiras mí-
nimas e imprimíveis, quando cotejadas suas vidas com a
vida do homem comum em ordinárias circunstâncias. Por
conseguinte, as vidas e as imagens dessas pessoas são
esquadrinhadas às largas pelos meios de comunicação,
em busca de fatos ou imagens reveladoras de suas pre-
ferências, às vezes pelas coisas mais banais, suas idios-
sincrasias, seus estilos de vida, relacionamentos íntimos,
etc. Enfim, suas vidas e modo de ser são escrutinados a
todo tempo sem que essas figuras notórias nada, ou qua-
se nada, possam fazer. Este é o ônus de quem goza de
uma vida predicada por uma das hipóteses acima ou as-
semelhadas, exibindo-se como o campo de privacidade
mais restrito de todos o dos chamados homens públicos,
cujas vidas podem ser uma referência, ou uma advertên-
cia, para toda a sociedade. Quando alguém busca uma
função inerente ao que se pode chamar de homem públi-
co está automaticamente abdicando do direito de man-
ter certas reservas que a qualquer dos simples mortais é
conferido. (CALDAS, 1997, p. 104)

Os principais colaboradores da produção desse tipo

169
de conteúdo são os paparazzi. A palavra italiana – papara-
zzo, no singular – designa profissionais, normalmente fo-
tógrafos, responsáveis por “caçarem” histórias envolvendo
pessoas públicas e foi popularizada pela revista Time (SA-
MUELSON, 2017, p. 2). Segundo o autor, os jornais sensa-
cionalistas de formato tabloide, como o britânico The Sun,
foram responsáveis pela disseminação da profissão. Curry
Jr. (2000) reforça essa ideia:
Armados com lentes objetivas, microfones de alta potên-
cia e a promessa de grandes recompensas em dinheiro
por uma exposição exclusiva de alguma celebridade, os
paparazzi têm se tornado mais intrusivos e agressivos
que nunca em sua perseguição por informações privadas
de celebridades. (CURRY Jr, 2000, p. 946, tradução nossa)

Ainda que suas vidas sejam mais partilhadas com


o público, as celebridades possuem direito à privacidade,
como qualquer outro cidadão. Sobre isso, Alach (2008)
apresenta soluções para que ocorra uma diminuição na
busca por momentos que firam esse direito por parte da
mídia sensacionalista, bem como dos paparazzi. Uma delas
é o consentimento por parte da pessoa pública de ter suas
fotografias feitas em momentos de sua vida íntima. Outra,
é a da penalizar os jornais tabloides que utilizarem esse
conteúdo obtido de forma ilegal, não apenas o paparazzo
que o buscou: “Dados os valores altos pagos aos paparazzi,
é importante eliminar a fonte de sua fortuna para deter sua
conduta.” (ALACH, 2008, p. 237-238, tradução nossa).
Samuelson (2017) também apresenta uma opção
para isso, sendo ela o uso de redes sociais pelas celebrida-
des. Em seus perfis oficiais, elas próprias poderiam contro-
lar a exposição de suas vidas.
Diana Spencer, a princesa de Gales, era alvo cons-
tante assédio de paparazzi e dos tabloides britânicos. Seu

170
irmão, Charles Spencer, a descreveu em seu funeral, em
1997, como “a pessoa mais caçada da história moderna”. Na
época em que esteve na mídia, Diana não era encoraja-
da pela família real britânica a usar a lei ao seu favor em
relação à sua privacidade (BBC, citada por SAMUELSON,
2017). Porém, após seu fatídico acidente, em 31 de agosto
de 1997, causado pela perseguição de paparazzi ao carro
em que estava, essa abordagem mudou. Por outro lado,
20 anos depois, esperava-se que estes veículos, que sob o
preceito do interesse do público pelo conteúdo publicado,
tivessem aprendido e adotado uma conduta muito mais éti-
ca e respeitosa. Essa pesquisa busca identificar e analisar
as possíveis mudanças de conduta.

Família Real Vista Pela Mídia

Lady Diana Frances Spencer, nascida em 1º de julho


de 1961, em Sandringham, na Inglaterra, não era estranha à
família real britânica. Charles Spencer, seu irmão mais novo
é afilhado da Rainha Elizabeth II, sua avó, Ruth Burke Ro-
che, foi dama de companhia da monarca, e sua irmã mais
velha, Sarah, teve um breve relacionamento com o príncipe
herdeiro Charles.
De acordo com o autor de sua biografia, Morton
(2013), Diana teve uma infância solitária, sentindo-se dividi-
da após o divórcio dos pais, buscando o carinho de ambos.
No período escolar, a jovem Lady Spencer possuía incli-
nação aos trabalhos de caridade e empatia para com as
pessoas, aspectos pelos quais, anos mais tarde, era reco-
nhecida, recebendo a denominação de “Princesa do Povo”.
Após o relacionamento com Príncipe de Gales, Diana

171
recebeu um presente inesperado, que mudaria sua vida, até
então bastante pacata: a companhia da mídia.
Tudo começou a aumentar de proporção, no sentido de
que a imprensa tornava tudo insuportável ao seguir cada
um dos meus movimentos. Eu entendia que aquele era o
trabalho deles, mas as pessoas não se davam conta de
que eles usavam binóculos para me espionar o tempo
todo. Eles alugaram um apartamento do outro lado da
Old Brompton Road que tinha uma biblioteca com vista
para o meu quarto, e isso não era justo com as meninas.
Eu não podia deixar o telefone fora do gancho porque
algum membro da família delas podia adoecer durante
a noite. Os jornais costumavam me telefonar às duas da
manhã – estavam apenas publicando mais uma história.
“Você pode confirmar ou negar?” (SPENCER, citada por
MORTON, 2013, p. 41)

Essa procura constante por parte da mídia era ali-


mentada pelo consumo do público das matérias relaciona-
das à princesa. Segundo Morton (2013), isso ocorria graças
à proximidade que ela transmitia a essas pessoas, de uma
realeza humanizada, que saía de casa para comprar balas
como qualquer outra pessoa. A diferença estava no fato de
que até esse simples acontecimento era consumido como
uma notícia relevante.
Em 1997, já divorciada de Charles e afastada da posi-
ção real, Diana continuava sob os olhos atentos dos tabloi-
des e seus paparazzi. Não apenas sua presença em causas
humanitárias, como a luta contra AIDS, mas também sua
vida privada. Foi durante uma viagem à Paris com seu novo
par, Emad El-Din Mohamed Abdel Moneim Fayed, ou Dodi
Al-Fayed, como era conhecido, que uma perseguição por
fotógrafos do automóvel em que estavam resultou na morte
de ambos, na madrugada de 31 de agosto daquele ano.
Mesmo em seus minutos finais, a imprensa sensacio-

172
nalista não a deixava em paz:
Os relatórios iniciais da polícia descreveram uma cena
de desordem com “flashes de máquinas fotográficas dis-
parando como tiros de metralhadora ao redor do lado
direito traseiro do veículo onde a porta estava aberta”. O
primeiro policial a chegar à cena teve de chamar reforços
para lidar com os paparazzi truculentos, cujas ações ao
perseguirem Diana, a princípio, indicavam que ela fora,
literalmente, caçada até a morte. Sete fotógrafos foram
presos e investigados formalmente por tentativa de homi-
cídio e por omissão de socorro às vítimas de um acidente.
(MORTON, 2013, p. 335)

A morte de Lady Di provocou uma agitação na mídia.


Ramonet (1999, p. 9) afirma que nem o assassinato do pre-
sidente americano John F. Kennedy ou o atentado à vida do
Papa João Paulo II, receberam tamanha atenção da mídia.
O funeral, em 6 de setembro, foi assistido por cerca de 2
milhões e meio de espectadores.
Diana não era chefe de Estado, nem da Igreja, antes de
sua morte trágica, ela era principalmente a vítima de dos
paparazzi, aqueles fotógrafos cuja profissão consiste em
surpreender vedetes e celebridades na sua intimidade e
cuja tarefa visa tornar público o privado, sobretudo quan-
do se supõe que este privado deveria continuar privado.
Os paparazzi são acusados de ter causado a morte de
Diana, e muitos meios de comunicação [...] que também
participam do sensacionalismo ambiente, por uma espé-
cie de dor na consciência - como o ladrão que grita “pega
ladrão!” -, se agarraram a esta ocasião contra os “caçado-
res de imagens”. (RAMONET, 1999, p. 10-11)

A Folha de São Paulo, um dia após a morte da prince-


sa, publicou um caderno especial8 com matérias a respeito
de sua história, declarações de outras personalidades a seu

8 Disponível em: https://acervo.folha.com.br/compartilhar.do?nume-


ro=13629&anchor=249774&pd=7107ea7b43f99a74ba3ec9863fcbf7e7. Acesso
em: 06 out. 2020.
173
respeito e a culpabilidade e reações da imprensa sobre o
acidente.
Entre elas, o jornal relata a decisão de dois tabloides
(National Enquierer, dos Estados Unidos, e The News of the
World, britânico) de comprar imagens do corpo de Diana
preso às ferragens do carro, em respeito ao acontecimen-
to. O valor requerido pelo paparazzo que captou a imagem
era de U$ 1 milhão. Porém, a repentina consciência da im-
portância de um tratamento respeitoso e ético em relação
às pessoas de um modo geral, mas especificamente neste
caso, às celebridades como a princesa, que, apesar de uma
vida pública, ainda possuem seus direitos à privacidade,
surge tardiamente.
No mesmo caderno, A Folha de São Paulo apresenta
o que intitula “Os cinco mandamentos de um paparazzo”:
1. “Estar sempre alerta
2. Estar sempre com uma câmera na mão
3. Perseguir celebridades a todo custo
4. Nunca desistir
5. Ter boas fontes de informação”
Estes itens, bem como o paparazzo em si, podem ser
classificados como elementos que compõem uma invasão
de privacidade, especialmente o de número três “perseguir
celebridades a todo custo”, pois ferem o direito legal do in-
divíduo de exercer sua privacidade.
Em um terceiro texto analisado, o tabloide The Sun,
jornal sensacionalista de maior circulação do Reino Unido,
demandava que a culpa pelo acidente não recaísse sobre a
mídia de sua natureza. Mesmo compreendendo e reconhe-
cendo a natureza prejudicial dessa abordagem compulsiva
pela busca de conteúdo, o jornal sensacionalista negou-se
a abrir mão dela, muito provável em razão de seu retorno

174
financeiro pelo interesse do público nessa temática a res-
peito de celebridades. Caso houvesse interesse genuíno
em adotar uma abordagem ética, o tabloide deveria apoiar
a decisão de um acréscimo na legislação em relação ao
direito à privacidade, além de uma mudança própria condi-
zente com essa decisão.
Até aquele ano, o Reino Unido não possuía uma lei
específica que garantisse o direito à vida privada dos seus
cidadãos. Na reportagem “Políticos discutem lei sobre pri-
vacidade” (BRAGA, 1997) do mesmo caderno, o deputado
Roger Gale defendeu seu argumento: “talvez essa tragédia
faça com que as pessoas acordem para o poder excessivo
da imprensa e para a necessidade de regulamentação na-
cional e internacional”. Apenas no ano 2000 o país aderiu à
legislação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos,
três anos após o acidente.
O legado de Diana para seus filhos, William e Harry,
foi o de garantir o direito de resposta a suas noras, quando
vítimas do mesmo problema: os tabloides.
Catherine “Kate” Elizabeth Middleton é natural de Re-
ading, na Inglaterra. Em sua juventude, conheceu o primo-
gênito da princesa, William, durante a faculdade: segundo o
portal de notícias da BBC9, além do curso, ambos compar-
tilharam durante quatro anos o mesmo apartamento, tor-
nando-os bastante próximos. No início do relacionamento,
o Palácio estabeleceu um acordo de privacidade com os
tabloides para os dois. O acordo, porém, não durou muito
tempo:
[...] Kate foi trazida pela primeira vez à atenção do públi-
co depois de inúmeros tabloides a fotografarem ao lado

9 Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-11767308. Acesso em: 17 out.


2019

175
do Príncipe William e Príncipe Charles em um resort de
esqui em Klosters, na Suíça, em 2005. As fotografias apa-
receram, mesmo com os esforços dos assessores para
manterem as férias privadas. [...] Em outubro de 2005, de-
pois da publicação de uma foto mostrando Kate olhando
pela janela de um ônibus em Londres, seus advogados
escreveram para os editores de jornais e revistas pedin-
do por respeito e por sua privacidade. Eles alegavam que
fotógrafos a seguiam noite e dia desde que saiu da uni-
versidade. (BBC, 2010)

A Duquesa de Cambridge, título conferido após o


casamento em 29 de abril de 2011, continuou tendo sua
privacidade invadida, mesmo durante sua lua de mel, em
2012 A revista francesa Closer publicou fotos de Middleton
durante um momento descontraído sem a parte de cima de
seu biquíni. Seis anos depois, a reportagem analisada do
portal F510, da Folha de São Paulo, relata a confirmação da
justiça francesa da condenação efetivada no ano anterior
das multas pagas pelos envolvidos no caso.
Segundo a agência de notícia Reuters (2017), os
advogados de defesa da revista buscavam justificar a pu-
blicação das imagens como “interesse do público” e que
“refutava rumores circulando na época de que Kate estava
anoréxica”. Essas alegações por meio dos representantes
legais do jornal não apenas culpam o público pela atitu-
de antiética de publicar imagens capturadas de situações
privadas da duquesa, mas também utilizaria o texto que
acompanha como “justificativa” para a publicação.
Este comportamento e modelo de narrativa sensacio-
nalista, provocando supostos problemas de saúde de Kate
Middleton, apelam a uma resposta emocional do público

10 Disponível em: https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2018/09/revista-


-que-publicou-fotos-detopless-de-kate-middleton- tera-que-pagar-multa.sht-
ml. Acesso em: 17 out. 2019.

176
leitor. Mesmo que irreal, ele se vê compelido a consumir
esse conteúdo, seja para comentar as fotos (ilegalmente
obtidas) da duquesa, ou para “informar-se” a respeito de
um possível distúrbio alimentar.
A atual Duquesa de Sussex, Rachel Meghan Markle,
por outro lado, é americana, divorciada, birracial (filha de
pai caucasiano e mãe negra), engajada em causas sociais e
ambientais e não era uma estranha para a mídia: estrelou a
série Suits em 2011, como a assistente jurídica Rachel Zane.
Porém, quando seu relacionamento com o príncipe Harry
(filho mais novo de Diana e Charles) veio a público, ela ex-
perienciou uma face diferente dos tabloides:
As histórias pareciam um soar de trombetas abrindo a
temporada de caça por meio de uma enxurrada de abu-
sos racistas de valentões virtuais. Em questão de dias,
Meghan vivenciou racismo e sexismo em níveis que ela
jamais enfrentou na vida. Embora ela vivesse debatendo
e escrevendo sobre tais assuntos nos últimos anos, nada
se aproximava dessa carnificina. Meghan, a ativista, a hu-
manitária e a mulher, sendo reduzida a uma criatura bidi-
mensional. Como escreveu o biógrafo Sam Kashner: “As
críticas a Markle eram recheadas de pedantismo, racismo
e desinformação”. (MORTON, 2018, p. 192)

As críticas à Duquesa de Sussex feitas pelos tabloi-


des britânicos, como aponta a matéria do portal F511, envol-
viam os seus gastos na reforma da residência do casal, seu
comportamento reservado ou por estar constantemente
enviando e-mails aos funcionários reais com suas deman-
das, resultando no apelido “Duquesa Difícil”. Isso acaba por
criar uma perseguição tanto literal, invadindo sua privaci-
dade, quanto figurada, em uma busca incansável por encai-

11 Disponível em: https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2019/08/a-duquesa-


-dificil-por-que-ostabloides-britanicos-odeiam- meghan-markle.shtml. Acesso
em: 17 out. 2019.

177
xá-la em suas acusações, tornando sua imagem em algo vil.
Não apenas cruel em suas críticas, a imprensa tam-
bém recorre a artifícios para tecê-las. Estes recursos, assim
como os mencionados nas análises anteriores, são formas
de obtenção de conteúdo através de invasão de privacida-
de. Entre eles estão a presença de paparazzi (em caso cita-
do em outra matéria reproduzida pela Folha de São Paulo12,
o príncipe Harry foi indenizado pela publicação não autori-
zada de imagens de sua residência obtidas por fotógrafos
em helicópteros) e quebra de sigilo de correspondência.
O jornal The Mail on Sunday divulgou uma carta pri-
vada que Meghan enviou ao seu pai, Thomas Markle. Em
resposta, Harry publicou em um site oficial13 uma declara-
ção em que afirma que o casal recorreu a advogados em
um processo contra o jornal e também acusando-o de uma
perseguição contra Meghan, assim como a mídia fez com
sua mãe, Diana, manipulando informações e divulgando in-
verdades.
Essa ação legal específica depende de um incidente em
um padrão longo e perturbador de comportamento da
mídia tabloide britânica. O conteúdo de uma carta par-
ticular foi publicado ilegalmente de maneira intencional-
mente destrutiva para manipular você, o leitor, e promover
a agenda divisória do grupo de mídia em questão. Além
da publicação ilegal deste documento particular, eles pro-
positadamente o enganaram ao omitir estrategicamente
parágrafos selecionados, sentenças específicas e até pa-
lavras singularespara mascarar as mentiras que haviam
perpetuado por mais de um ano.

[...] Embora essa ação possa não ser a mais segura, é a

12 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/amp/mundo/2019/05/princi-


pe-harry-e-indenizado-porpublicacao-de-fotos-
13 Disponível em: https://sussexofficial.uk/. Acesso em: 17 out. 2019.

178
correta. Porque meu medo mais profundo é a história se
repetindo. Vi o que acontece quando alguém que eu amo
é comoditizado a ponto de não ser mais tratado ou visto
como uma pessoa real. Perdi minha mãe e agora vejo mi-
nha esposa sendo vítima das mesmas forças poderosas.
(DUQUE DE SUSSEX, 2019)

Esse tipo de reação, onde as personalidades afetadas


vêm a público manifestar-se contra ao que foram subme-
tidos pelos veículos de comunicação é uma resposta dis-
crepante ao costume anterior da realeza. Além disso, assim
como Kate e William, Harry e Meghan também optaram por
buscar auxílio legal quanto à questão de sua invasão de
privacidade por meio dos veículos de comunicação.
Esse tipo de abordagem pouco ética leva as vítimas a
um limite emocional, como visto no recente documentário
produzido pela ITV “Harry & Meghan: An African Journey”
(2019) onde, à beira de lágrimas, Markle reconhece o des-
respeitoso tratamento da mídia britânica com ela, junta-
mente com as responsabilidades como membro da realeza
e como mãe: “poucas pessoas me perguntaram se estou
bem”14.
Essa semelhança pode ser observada através da
constante comparação entre o caso de Meghan Markle
e Lady Diana, ambas perseguidas por parte da imprensa,
paralelo traçado inclusive por Harry em sua carta aberta
(2019): “perdi minha mãe e agora vejo minha esposa sendo
vítima das mesmas forças poderosas” (DUQUE DE SUS-
SEX, 2019 .
Em 8 de Janeiro de 2020, o Duque e a Duquesa
de Sussex anunciaram em seu perfil oficial no Instagram
(@sussexroyal), o distanciamento de suas funções como

14 Disponível em: https://sussexofficial.uk/. Acesso em: 17 out. 2019.

179
membros sêniores da realeza, trabalhando de forma inde-
pendente. O casal mudou-se para os Estados Unidos, onde
poderiam ter a liberdade de criar seu filho e dedicar-se às
suas fundações, sem estarem diretamente ligados à ima-
gem real.
Tanto Kate como Meghan mantém uma postura rea-
tiva em relação à abordagem dos tabloides sobre si e sua
família, defendendo seu direito à vida privada. Direito este
que foi negado à Princesa do Povo durante todo o perío-
do em que esteve na mídia e mesmo no momento de sua
morte.

Conclusão

A vida de reis, rainhas e princesas sempre foi assunto


comentado e divulgado entre a população. Esse interesse
do público pela informação a respeito de seus monarcas
e a nobreza levaram a um crescente e deliberado provei-
to por parte da indústria de comunicação sensacionalista,
resultando em ganhos econômicos para todos os elos que
formam a cadeia de negócios de entretenimento.
Essas narrativas, caracterizadas pelo exagero, ape-
lam ao emocional de quem a consome, buscando uma co-
nexão empática para com elas. Dessa forma, para construí-
-las, transpõe, muitas vezes, barreiras éticas, em especial as
que dizem respeito à privacidade (conferida também como
direito legal) de indivíduos que são personagens públicos.
As três personalidades analisadas - Diana Spencer, Cathe-
rine Middleton e Meghan Markle - são provas disso.
Diana era a princesa que não viveu um conto de fa-
das. Escondia as tristezas e a solidão por trás de um véu

180
de altruísmo e compaixão com seu povo, conquistando o
público. Porém, a avidez deste público em buscar sentir-se
próximo de sua princesa favorita, a Princesa do Povo, en-
controu-se com a avidez dos tabloides em venderem essa
proximidade em forma de matérias e fotos. O acidente, em
31 de agosto de 1997, envolvendo paparazzi, foi o ápice dos
absurdos cometidos para obter fotografias suas.
Após o incidente, esperava-se que a posição e com-
portamento da mídia sensacionalista mudaria. Não são vis-
tos mais enxames de jornalistas e fotógrafos ao redor dos
membros da família real, todavia, a ética ainda é algo em
falta em sua abordagem. As análises referentes às duque-
sas de Cambridge e Sussex, através das matérias reprodu-
zidas pelo jornal Folha de São Paulo, são provas disso.
Paparazzi ainda usam lentes objetivas para capturar
momentos privados de Kate Middleton durante suas férias
com o marido e parte da mídia britânica ainda faz de Me-
ghan Markle seu alvo de críticas. A maior mudança, porém,
é vista na forma como essas personalidades passaram a
reagir ao serem vítimas do comportamento antiético dos
meios de comunicação.
Ambas as duquesas (com apoio público de seus ma-
ridos) recorreram aos advogados para usufruírem da pro-
teção legal a sua privacidade. Além disso, utilizaram canais
públicos, como a publicação de uma carta aberta e entre-
vistas reclamando das ações a que foram submetidas.
O povo, sob os encantos de um ideal de uma vida em
castelos, vestidos extravagantes e casamentos assistidos
por milhões de pessoas, mas que também é próximo de
si, por sofrerem com desilusões amorosas, escândalos de
família e divertirem-se de (ou sem) biquíni em suas férias,
consome esses materiais da mídia. Fomentados por isso,

181
os meios de comunicação procuram, sob qualquer circuns-
tância, suprir essa demanda através de fotografias invasi-
vas e textos, por vezes, ofensivos ou fictícios (ou ambos) a
respeito dessas pessoas públicas, transpondo limites éti-
cos e legais.
O estudo realizado permite tecer considerações a
respeito do modo como celebridades são tratadas pelos ve-
ículos de comunicação e suas respostas. Apesar da funda-
mentação dos princípios éticos, a mídia nacional (no caso
da brasileira), como internacional, quando se trata das per-
sonalidades, acaba ignorando completa ou parcialmente o
respeito à privacidade. Essa invasão hoje pode ser ainda
mais ousada com recursos tecnológicos disponíveis (como
drones) e acontece de diversas formas, mas principalmente
com publicação de imagens captadas sem consentimento.
Entre os casos analisados, pouca mudança é constatada a
respeito da abordagem às pessoas públicas pelos meios de
comunicação, bem como o interesse do público a seu res-
peito. A diferença, mais de 20 anos depois, é que, cansados
de serem alvos marcados pelo seu status de celebridade,
as personalidades estão mais reativas atualmente e fazem
uso do amparo legal para preservar sua vida privada.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Leonel Azevedo. Entretenimento: valor notícia


fundamental. In: Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano V - n.
1, 2008, pp. 13-23.
ALACH, Patrick J. Paparazzi and privacy. 28 Loyola of
Los Angeles Entertainment Law Review, 2008. Disponível
em: <https://digitalcommons.lmu.edu/elr/vol28/iss3/1/> .

182
Acesso em: 17 out. 2019.
ANGRIMANI Sobrinho, Danilo. Espreme que sai sangue:
um estudo do sensacionalismo na impresnsa. São Paulo:
Summus, 1995.
ARBEX Jr., José. Shownarlismo: a notícia como espetáculo.
3.ed. São Paulo: Casa Amarela, 2001.
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível
em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.
aspx?LangID=por>. Acesso em: 17 nov 2019.
BBC NEWS. Meghan sues Mail on Sunday over priva-
te letter. 02 out. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.
co.uk/news/amp/uk49901047? twitter_impression=true>.
Acesso em: 17 out. 2019.
BBC NEWS. Royal baby: Meghan, Harry and the fine line
between public and private life. 06 mai. 2019. Disponí-
vel em: <https://www.bbc.co.uk/news/amp/uk48079417>.
Acesso em: 17 out. 2019.
BBC NEWS. Royal wedding: The Kate Middleton Story. 16
nov. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/
uk-11767308>. Acesso em 17 out. 2010.
BBC NEWS. The Wedding of Prince Charles and Lady
Diana Spencer. 29 jul. 1981. Disponível em <https://www.
bbc.com/historyofthebbc/anniversaries/july/wedding-of-
-prince-charlesand-lady- diana-spencer>. Acesso em: 06
dez. 2019.
BRAGA, Paulo Henrique. Políticos discutem lei sobre
privacidade. Folha de São Paulo: 1997. Disponível em: ht-
tps://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/9/01/caderno_espe-
cial/38.html. Acesso em 26 de novembro de 2021.

183
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
CALDAS, Pedro Frederico. Vida Privada, liberdade de im-
prensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997.
CBS NEWS. “Not many people have asked if I’m OK”:
Meghan Markle gives emotional interview in new documen-
tary. 09 out 2019. Disponível em: <https://www.cbsnews.
com/news/meghan-markle-interview-duchess-of-sus-
sexopens-up-about-being-new-mom-in-itv-documentary-
-with-prince-harry- 2019-10-19/>. Acesso em: 09 nov 2019.
COUNCIL OF EUROPE. Convenção Europeia dos Direi-
tos Humanos. 1953. Disponível em: <https://www.echr.
coe.int/Documents/Convention_POR.pdf>. Acesso em 17
out. 2019.
CURRY JR., Richard J. Diana’s Law, Celebrity and the
paparazzi: the continuing search for a solution. In: Journal
of Competence and Information Law. Issue 4. 2000. Dispo-
nível em: <https://repository.jmls.edu/jitpl/vol18/iss4/3/>.
Acesso em: 17 out. 2019.
DEJAVITE, Fabia Angelica. Infotenimento. São Paulo: Pau-
linas, 2006.
DUCHARME, Jamie. Why people are obsessed with the
royals, according to psychologists. In: TIME. 2018. Dis-
ponível em: <https://time.com/5253199/royalobsession-
-psychology/>. Acesso em: 17 out. 2019.
FOLHA DE SÃO PAULO. ‘A duquesa difícil’: Por que os
tabloides britânicos odeiam Meghan Markle. 1 ago. 2019.
Disponível em: <https://f5.folha.uol.com.br/celebrida-
des/2019/08/a-duquesa- dificil-por-que-ostabloides-brita-
nicos-odeiam-meghan-markle.shtml>. Acesso em: 17 out.
2019

184
DUQUE DE SUSSEX, Declaração de Sua Alteza Real o
Príncipe Harry. Disponível em https://sussexofficial.uk/.
Acesso em 26 de novembro de 2021.
FOLHA DE SÃO PAULO. Meghan Markle processa jor-
nal britânico por bullying, e Harry lembra perseguição
à Lady Di. 2 out. 2019. Disponível em: <https://f5.folha.uol.
com.br/celebridades/2019/10/meghan-markle-processa-
-jornalbritanico-por- bullying-e-harry-lembra-perseguicao-
-a-lady-di.shtml>. Acesso em: 17 out. 2019.
FOLHA DE SÃO PAULO. Príncipe Harry é indenizado
por publicação de fotos de sua residência particular. 16
mai. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/
amp/mundo/2019/05/principe-harry-e-indenizado-por-
publicacao-de- fotos-de-sua-residencia-particular.shtml>.
Acesso em: 17 out. 2019.
FOLHA DE SÃO PAULO. Revista que publicou fotos de
topless de Kate Middleton terá que pagar multa. 19 set.
2019. Disponível em: <https://f5.folha.uol.com.br/celebri-
dades/2018/09/revista- que-publicou-fotos-detopless-de-
-kate-middleton-tera-que-pagar-multa.shtml>. Acesso em:
17 out. 2019.
FOWLER, Danielle. Prince Harry and Meghan Mark -
le’s royal wedding by numbers. 28 abr. 2018. Disponível
em: <https://www.harpersbazaar.com/uk/culture/culture-
-news/a20092105/prince- harrymeghan-markle-royal-we-
dding-numbers-cost/>. Acesso em: 06 dez. 2019.
HARPER’S BAZAAR. Prince Harry and Meghan Mark-
le’s royal wedding by numbers. 28 abr. 2018. Disponível
em: <https://www.harpersbazaar.com/uk/culture/culture-
-news/a20092105/prince- harrymeghan-markle-royal-we-
dding-numbers-cost/>. Acesso em: 06 dez. 2019.

185
HASSAN, Genieveve. Can celebrities expect privacy?
Entertainement&Arts, 15 de julho de 2011. Disponível em:
xx. Acesso em: 17 out. 2019. Citação no texto: (HASSAN,
2011)
MIRA, Maria Celeste. Invasão de Privacidade? Reflexões
sobre a exposição da intimidade na mídia. In: Lugar Co-
mum. N.5-6, 1999, pp. 97-116
MORTON, Andrew. Diana: sua verdadeira história. 3.ed. Rio
de Janeiro: Best Seller, 2013.
MORTON, Andrew. Meghan: A princesa de Hollywood que
conquistou a Inglaterra. São Paulo: Seoman, 2018.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCA-
ÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Princípios Internacio-
nais da Ética Profissional no Jornalismo. 1983. Dispo-
nível em: <http://www.abi.org.br/institucional/legislacao/
principiosinternacionais-da-etica-profissional-no- jornalis-
mo/>. Acesso em 17 out 2019.
RAMONET, Ignacio. A tirania da comunicação. Florianó-
polis: Vozes, 1999.
RAMOS, Roberto José. Os sensacionalismos do sensa-
cionalismo: uma leitura dos discursos midiáticos. Porto
Alegre: Editora Sulina, 2012.
REUTERS. French magazine found guilty over topless
photos of British Duchess. 5 set 2017. Disponível em:
<https://www.reuters.com/article/us-britainroyals-france-
-photos/french-magazine- found-guilty-over-topless-pho-
tos-of-katemiddleton-idUSKCN1BG1Q7>. Acesso em: 09
nov 2019.
SAMUELSON, Kate. The Princess and the Paparazzi:
How Diana’s Death Changed the British Media. In: Time.
27 ago. 2017. Disponível em: <https://time.com/4914324/

186
princess-diana-anniversary-paparazzi-tabloid-media/>.
Acesso em: 17 out. 2019.
SEVERINO, Tiago. Jornalismo de celebridades, para
quê? Observatório da imprensa 16 fev. 2010. Disponível em:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/feitosdesfeitas/
jornalismo-de-celebridades- para-que/>. Acesso em: 17
out. 2019.
SIMÕES, Paula Guimarães. A mídia e a construção das
celebridades: uma abordagem praxiológica. In: LOGOS 31:
Comunicação e Universidade. Ano 17 - n. 30, 2009, pp. 67-
79.
SIMÕES, Paula Guimarães. Celebridades na sociedade
midiatizada: em busca de uma abordagem relacional. In:
ECO-Pós. Vol. 16 - n. 1, 2013, pp. 104-119.
SMITH, Robin Callender. Celebrity privacy and the de-
velopment of the judicial concept of proportionality:
How English law has balanced the rights to protection and
interference. 2014. Tese (Doutorado em Filosofia) - Centre
of Commercial Law Studies, Queen Mary University of Lon-
don, Londres, 2014.
SOLOVE, Daniel J. Understanding Privacy. Cambridge:
Harvard University Press, 2008. Disponível em: <https://
papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1127888>.
Acesso em 17 out. 2019.
SUSSEX OFFICIAL. Statement by His Royal Highness
Prince Harry, Duke of Sussex. 01 out 2019. Disponível em
<https://sussexofficial.uk/>. Acesso em: 17 out. 2019.
TOFOLI, Luciene. Ética no jornalismo. Petrópolis: Vozes,
2008.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: a tribo jorna-
lística: uma comunidade interpretativa transnacional. Flo-
rianópolis: Insular, 2008.
187
O jornalismo de periferia como gênero: uma análise
dos princípios editoriais da Agência Mural1
Beatriz Rodrigues Araújo2
Cicélia Pincer Batista33

Introdução

Os estudos sobre classificação de gêneros jornalís-


ticos são resultado do constante aperfeiçoamento de prá-
ticas desenvolvidas em função do avanço tecnológico e
organizacional, tanto da sociedade quanto dos veículos de
comunicação ao redor do mundo. Segundo José Marques
de Melo, configurar a identidade destes gêneros enquan-
to objeto científico possui uma complexidade que “passa
inevitavelmente pela sistematização dos processos sociais
inerentes à captação, registro e difusão da informação da
atualidade, ou seja, do seu discurso manifesto”. (MELO,
1985 apud. MEDINA, 2001, p. 47)
Além do pesquisador brasileiro, Luiz Beltrão e Mar-
tínez Albertos acreditam que, para identificar gêneros jor-
nalísticos, deve-se levar em consideração os seguintes cri-

1 Trabalho apresentado no GP Gêneros Jornalísticos, XX Encontro dos Grupos


de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 43o Congresso Brasilei-
ro de Ciências da Comunicação.
2 Estudante de Graduação 4o semestre do curso de Jornalismo da Escola Su-
perior de Propaganda e Marketing de São Paulo. E-mail: beatriz.ro.araujo@hot-
mail.com
3 Orientadora do trabalho. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola
de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); integrante
dos grupos de pesquisa Epistemologia do Diálogo Social (ECA-USP) e Tecno-
logias, Processos e Narrativas Midiáticas (ESPM-SP); professora do Curso de
Jornalismo da ESPM-SP. E-mail: cicelia.batista@espm.br

188
térios: a finalidade do texto ou disposição psicológica do
autor, o estilo, o modo de escrita, a natureza do tema e as
articulações interculturais. Tudo isso ainda deve ser atrela-
do com os contextos econômico, social, político e cultural
da produção jornalística. (SEIXAS, 2004, p. 5)
Baseando-se nas especificações dos autores, con-
sidera-se como princípio norteador do presente estudo a
proposta do jornalismo periférico, que tem por objetivo a
quebra de estereótipos sobre as regiões localizadas nas
bordas das grandes cidades, ao mesmo tempo em que
usufrui da produção independente como alternativa que
permite a escolha autônoma dos elementos simbólicos -
linguagem e estrutura - para auxiliar na construção da iden-
tidade periférica. Assim, em paralelo com as definições de
gênero, o presente artigo está fundamentado no seguinte
questionamento: “O jornalismo de periferia pode ser classi-
ficado como um gênero jornalístico contemporâneo?”.
A análise desta questão será efetivada a partir da
noção da metodologia qualitativa de enquadramento no-
ticioso (news frame), tendo como referência e objeto de
pesquisa a Agência Mural de Jornalismo das Periferias. Este
percurso metodológico será guiado conforme as indica-
ções dispostas nos 10 Princípios da Cobertura Jornalística
das Periferias, adotados pela agência de notícias e pelos
estudos desenvolvidos por Ada Cristina Silveira e Mara Ro-
vida, no espectro do jornalismo periférico.
Ressalte-se que a análise e as discussões conceitu-
ais aqui apresentadas, especialmente as que se referem ao
jornalismo de periferia, à metodologia do enquadramento
e à Agência Mural têm como base o projeto de Iniciação
Científica “Cultura e periferia: análise do enquadramento da
editoria de arte e cultura da agência mural de jornalismo
das periferias”, em desenvolvimento no Curso de Jornalismo

189
da Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM-SP.

Jornalismo das periferias

O jornalismo das periferias surge no contexto onde a


população periférica não se sente representada pela gran-
de mídia e há a necessidade de reafirmação identitária. A
princípio, deve-se compreender que a cobertura jornalísti-
ca sobre periferias em grandes veículos de comunicação
promove uma identidade banalizada vinculada a violência,
criminalidade, marginalização e pobreza. Ou seja,
São os acontecimentos sobre descaminhos, título jurídi-
co genérico para os crimes contra a ordem tributária, que
mais incidem sobre os critérios de seleção de notícias,
tomando os espaços periféricos como periferia particular
do Estado-nação. Uma atividade que traz sensíveis reper-
cussões em termos de política de identidade e repercute
na formação de uma identidade deteriorada dos espaços
nacionais. (SILVEIRA, 2009, p. 161)

Partindo deste preceito, Silveira (2009, p. 162) infere


que as “fronteiras e favelas estão à mercê de apropriações
jornalísticas que se fazem vicárias do projeto moderno”. As-
sim, a mídia assume um papel de poder sobre a sociedade,
que é influenciada pelo recorte apresentado e, consequen-
temente, constrói um pré-conceito associado ao que se
consome sobre as periferias.
Plasma-se na cobertura jornalística das periferias um
desarranjo espacial, uma espécie de estranhamento am-
biental, face a sua plena territorialidade. Através dele o
noticiário sobre periferias se converte numa acumulação
de detritos sociais, detendo-se em dejetos resultantes do
culto de integração plena responsável, ele sim, pela pro-
dução de situações que se fazem residuais. A ilusão re-

190
sultante dessa ótica excludente promove vieses, ressalta
o poder das autoridades, criminaliza a pobreza, discrimina
cidadãos, aponta culpados sem julgamento prévio, des-
qualifica as sociedades em foco, fomenta relações violen-
tas. E, como se não bastasse, atinge o projeto de nação
com o qual os brasileiros são educados desde crianças ao
compartilhar – ainda que fragmentariamente – o mito da
democracia racial, do homem cordial, da abundância da
natureza etc. (SILVEIRA, 2009, p.173)

Observando esse cenário, a população periférica


busca reafirmar sua identidade e ter voz ativa nos assuntos
pautados a seu respeito, o que resulta na busca do jornalis-
mo alternativo como um ambiente de credibilidade propício
para promover o jornalismo das periferias. Estima-se que
este movimento teve início na década de 2010, quando as
primeiras agências e blogs com esta finalidade começaram
a surgir, permeando o universo das periferias da Região
Metropolitana de São Paulo.
No artigo As periferias pelos periféricos: um fenôme-
no jornalístico contemporâneo, Mara Rovida (2018) acom-
panhou a programação da I Virada de Comunicação orga-
nizada pela Rede Jornalistas das Periferias, em setembro de
2017. “O evento serviu como espaço de debate e discussão
sobre as múltiplas realidades que compõem as periferias,
sempre apresentadas no plural para enfatizar a diversidade
que as compõe”. (ROVIDA, 2018, p. 53)
A partir de então, as produções dos integrantes desta
rede priorizam o olhar das periferias na comunicação para
suprir a narrativa construída pela imprensa hegemônica.
Essa perspectiva periférica, num jogo quase filosófico,
passa a ser central nas narrativas produzidas por esses
jornalistas independentes ou coletivos de jornalistas. O
motivo dessa postura tem relação com uma percepção
compartilhada por esses comunicadores, por meio da

191
qual se constata o silenciamento sistemático dos grupos
identitários vinculados às periferias da grande metrópole.
(ROVIDA, 2018, p. 54)

Desde o processo de apuração, escolha das fontes e


dos fatos que se transformarão em notícias, os jornalistas
das periferias assumem um compromisso com o público,
ao oferecer a realidade oculta pela grande imprensa, ten-
do como protagonista o morador, aquele que está inserido
e vivencia diariamente a realidade periférica. Esse traba-
lho prevê críticas ao sistema opressor, na tentativa de uma
emancipação da condição que coloca esses moradores em
posição de subalternidade e vulnerabilidade intelectual.
A reunião de personagens, mediadores ( jornalistas) e pú-
blico potencial num mesmo contexto urbano traz à baila a
possibilidade de compreender o potencial dialógico des-
sa produção jornalística de maneira próxima ao que foi
nomeado de diálogo social solidário (ROVIDA, 2015). Este
é um tipo de acontecimento raro, embora potencialmente
presente no jornalismo comprometido com o diálogo dos
afetos (MEDINA, 2003) que (...) possibilita a ampliação do
espaço de acontecimento daquilo que Durkheim (2004)
chamou de solidariedade orgânica - um tipo de intera-
ção social em que os sujeitos diversos se percebem como
parte de uma rede de relações mais ampla que supera
suas diferenças e, em outros termos, se percebem como
parte da sociedade. (ROVIDA, 2018, p. 60)

Esse diálogo solidário acontece em oposição ao mo-


delo “elitizado” de fazer jornalismo. Portanto, os periféricos
constroem as narrativas a partir do espectro de suas pró-
prias significações, provando na prática que não funcionam
como um sistema reprodutor cultural e comunicacional, à
medida em que se inserem na sociedade e passam a fazer
parte dela.

192
Agência Mural de Jornalismo das Periferias

Uma das integrantes da Rede Jornalistas das Peri-


ferias é a Agência Mural de Jornalismo das Periferias, que
nasceu em 2015 como desdobramento do blog Mural, hos-
pedado no jornal Folha de S. Paulo. A iniciativa do projeto
teve início cinco anos antes, durante um treinamento de
jornalismo que reuniu mais de 100 jornalistas supervisiona-
dos pelo repórter da BBC, Bruno Garcez, na sede da Folha.
O objetivo destes profissionais era
formar uma rede de “correspondentes comunitários” que
pudessem oferecer, na produção colaborativa de conte-
údo, uma “visão de dentro” que não entra em pauta na
grande mídia. Com os correspondentes, objetivava-se
impulsionar a criação de núcleos geradores de notícias
nas periferias de São Paulo, o Mural servindo como o “(...)
nó unificador desta rede, viabilizando a articulação com
diferentes agentes, quer sejam representantes da grande
mídia, quer sejam os próprios jornalistas cidadãos”. (GAR-
CEZ apud TAVARES, 2019, online, p.108)

Esta “rede de correspondentes comunitários” é cons-


tituída por estudantes e pessoas formadas na área de co-
municação que residem nas periferias da Grande São Pau-
lo. Os muralistas, como ficaram posteriormente conhecidos,
desde o princípio sugerem pautas de relevância sobre o
local ou região em que vivem, assumindo, assim, a respon-
sabilidade de realizar um jornalismo que desconstrua este-
reótipos ao reportar o cotidiano das periferias.
Em novembro de 2015, o blog Mural se transformou
em uma agência de notícias, a Agência Mural de Jornalis-
mo das Periferias. Somente em 2017 a Mural foi formalizada
como associação sem fins lucrativos, com o apoio de um
financiamento coletivo. Em 2018, o projeto foi contempla-
do com o financiamento do programa de jornalismo inde-

193
pendente da Open Society Foundations, para dar suporte
no desenvolvimento da Agência. Ao contarem com estes
recursos, lançaram o próprio site para ampliar a cobertura
jornalística publicada no blog da Folha e no 32xSP4. (TAVA-
RES, 2019, online, p.111-112)
Essa transição não aconteceu apenas com o objetivo
de ampliar o número de publicações e material jornalístico.
Isso aconteceu com o intuito de obter uma plataforma úni-
ca que permitisse o exercício de um jornalismo comprome-
tido com a redução das desigualdades, conforme propõe
um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
da Organização das Nações Unidas (ONU)5.
Para atingir esse objetivo, a Mural trabalha em torno
dos 10 Princípios da Cobertura Jornalística das Periferias -
uma espécie de manual de redação da agência -, listados
a seguir:
1. Não utilizar a palavra “carente”;
2. Tomar cuidado com o sensacionalismo e evi-
tar clichês;
3. Não comprovar teses próprias em uma pauta;
4. Lembrar que crianças das periferias e os mo-
radores em geral não são “coitados”;
5. Fugir de lugares comuns ao falar sobre esses
moradores;
6. Não subestimar a capacidade política dos
moradores das periferias;
7. Lembrar que há níveis de renda distintos;
8. A periferia não é só escassez de infraestru-
tura;

4 Projeto de cobertura jornalística de trinta e duas prefeituras regionais de São


Paulo estabelecido em 2016, em parceria com a Rede Nossa São Paulo.

194
9. Ter o cuidado de ouvir uma voz de quem mora
na região ao tratar de um tema relacionado à
periferia;
10. Não esquecer que os bairros localizados nas
periferias fazem parte da cidade como qualquer
outro bairro.
A partir destes princípios, entende-se o posiciona-
mento de reflexão da linha editorial da Agência, que preza
pelo preenchimento das lacunas de informação na grande
mídia e pela desconstrução de estereótipos sobre as perife-
rias. Na coleta de dados feita por Tavares (2019), em entre-
vistas com integrantes da redação, a autora conclui que o
morador destes locais se torna fonte prioritária na produção
jornalística da Mural.
O grupo entende como imprescindível ouvir as pessoas
que vivem as situações no seu cotidiano. Seguindo o pro-
tocolo jornalístico, ouvem também as “fontes oficiais”, re-
presentantes do governo, por exemplo. Mas percebem na
imprensa comercial a falta de atenção às pessoas, o que
faria com que a maior parte do público não se identifique
com a cobertura, e tentam suprir essa falta. (TAVARES,
2019, online, p.115)

Além disso, a autora afirma que a diversidade na


constituição da equipe agrega na qualidade da cobertura
feita, uma vez que cada muralista corresponde um olhar
singular diante de sua localização, dando credibilidade ao
transmitir informações a seu respeito. “Aqueles que enten-
dem a proposta de valorização do território passam a olhar
mais para o próprio entorno e entender seu bairro de ma-
neira mais aprofundada”. (TAVARES, 2019, online, p.116)

195
Metodologia

A metodologia qualitativa apresentada para a efetiva-


ção desta pesquisa é a análise de enquadramento noticio-
so (news frame), que auxiliará na compreensão da imagem
social das periferias, a partir do olhar do jornalismo exerci-
do pela Agência Mural. Nesse sentido, o enquadramento é
apresentado “como alternativa a paradigmas em declínio,
como também, um complemento importante para cobrir
lacunas de teorias existentes” (PORTO, 2002, apud. LEAL,
2007 p. 2).
Pioneiro nos estudos, o sociólogo Erving Goffman é
responsável pela origem do conceito e dos procedimentos
básicos que embasam a análise de enquadramento. Par-
tindo dos preceitos da chamada Sociologia Compreensiva,
especialmente no estudo sobre as interações cotidianas,
Goffman define o enquadramento da seguinte maneira:
Definições de uma situação são construídas de acordo
com os princípios de organização que governam os even-
tos [...] e o nosso envolvimento subjetivo neles; enquadrar
é a palavra que eu uso para referir a esses elementos bá-
sicos como eu sou capaz de identificar (GOFFMAN, 1974,
p. 10, apud. LEAL, 2007, p. 3).

Ao se fundamentarem no conceito proposto por Go-


ffman, estudiosos passaram a revisá-lo e construir novas
angulações para o aperfeiçoamento da análise, principal-
mente nos estudos jornalísticos. A partir da síntese de Todd
Gitlin (GITLIN, 1980, p. 7), que define os enquadramentos
midiáticos como “padrões persistentes de cognição, inter-
pretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão”,
Robert Entman (ENTMAN, 1993, p. 52) integra o conceito
básico de enquadramento com a noção de hegemonia mi-
diática, resultando, por sua vez, na seguinte definição de

196
framing:
Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade
percebida e fazê-los mais salientes em um texto comuni-
cativo, de forma a promover uma definição particular do
problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral
e/ou uma recomendação de tratamento para o item des-
crito. (ENTMAN, 1993, p. 52)

A definição de Entman se torna, portanto, o princípio


norteador desta metodologia que possibilita abordagens
distintas, de acordo com o campo de pesquisa. A partir
dela, serão considerados os tipos de enquadramento da
cobertura jornalística, propostos por Danilo Rothberg, des-
tacando, no entanto, apenas o enquadramento temático, o
qual “envolve pluralismo e equilíbrio, que podem então ser
considerados como elementos capazes de conduzir à su-
peração da fragmentação, superficialidade e tendência ao
entretenimento contidos nos enquadramentos de conflito”
(ROTHBERG, 2010, p.58).

Jornalismo de periferia como gênero jornalístico

Jorge Medina (2001, p.48) propõe, no artigo Gêneros


Jornalísticos: repensando a questão, a ideia de que o gêne-
ro base do jornalismo é a notícia, definida por ele como “o
relato puro dos acontecimentos”. Partindo do pressuposto
de que gêneros existem para nortear o leitor acerca do es-
tilo e da estrutura empregada pelo jornalista na produção
de seus textos, o autor se refere a Marques de Melo para
concluir que:
Se os gêneros são determinados pelo estilo e se este
depende de uma relação dialógica que o jornalista deve
manter com o seu público, apreendendo seus modos de

197
expressão (linguagem) e suas expectativas (temáticas), é
evidente que a sua classificação se restringe a universos
culturais delimitados. Por mais que as empresas jornalís-
ticas assumam hoje uma dimensão transnacional em sua
estrutura operativa, permanecem, contudo, as especifici-
dades nacionais ou regionais que ordenam o processo
de recodificação das mensagens importadas. Tais espe-
cificidades não excluem as articulações interculturais que
muitas vezes subsistem através das línguas e são prolon-
gamentos do colonialismo (MELO, 1985 apud. MEDINA,
2001, p. 49).

Considerando a relação dialógica mencionada por


Marques de Melo, no contexto do jornalismo de periferia,
pode-se constatar - pelo uso da linguagem e das temáticas
que perpassam as editorias da Agência Mural - que há inter-
ferência de um universo culturalmente delimitado, ou seja,
o universo periférico. Ao trabalhar em torno das diferenças
(étnicas e nacionais), desigualdades (sociais) e descone-
xões (campo comunicacional e informático), Nestor Garcia
Canclini (2007, p.91) observa que “nas culturas populares
existem manifestações simbólicas e estéticas próprias, cujo
sentido supera o pragmatismo cotidiano”.
O conjunto de especificidades culturais presentes
nestas regiões é resultado da fusão de distintas raízes his-
tóricas, como um reflexo das matrizes étnicas que consti-
tuem o Brasil. Embora a modernidade tenha possibilitado
novas formas de produção da cultura nestes locais, incluin-
do os integrantes que habitam estas regiões, na prática,
ainda há dificuldade no processo de aceitação e de visibi-
lidade. Isso acabou resultando na busca de domínios para
conexão, tendo como objetivo o ganho de visibilidade para
os periféricos se manterem ativos, presentes e autônomos.
Diante de uma produção independente e sem víncu-
los com a estrutura editorial de outros veículos de comu-

198
nicação em massa, o jornalismo das periferias utiliza das
ferramentas e técnicas de apuração presentes na estrutura
operativa da profissão, porém, superando o pragmatismo
do modelo de produção da grande mídia. Com isso, agên-
cias de notícias periféricas como a Mural constroem, com
os dados coletados, narrativas que levam em consideração
as características culturais do ambiente em que atuam.
O que pode ser observado, de maneira geral, na
construção das narrativas feitas pela Mural é que a crítica
social de uma população que vive às margens das cidades
está sempre em evidência. Tendo como base a definição
de news frame de Entman e o enquadramento temático de
Rothberg, a inserção e a vivência dos jornalistas no am-
biente periférico permitem superar a superficialidade e dar
destaque às temáticas e angulações não exploradas pela
grande mídia. Para que isto seja efetivo nas produções, fa-
z-se necessária uma organização por parte do veículo de
comunicação.
De acordo com Mikhail Bakhtin (apud. MEDINA, 2001,
p. 46), “o gênero orienta o uso da linguagem no âmbito de
um determinado meio, pois é nele que se manifestam as
tendências expressivas mais estáveis e mais organizadas
da evolução de um meio”. Esta perspectiva, quando aliada
à desconstrução dos estereótipos e ao preenchimento das
lacunas de informação presentes na grande mídia sobre as
periferias, resulta em um novo modelo de organização que
orienta a linguagem utilizada nas narrativas.
Assim, considerando os 10 Princípios da Cobertura
Jornalística das Periferias propostos pela Mural, observa-se
que há uma estrutura pré-estabelecida que norteia o jorna-
lista e, consequentemente, é indicada ao leitor quando con-
some a informação em um portal ou um blog de notícias
periféricas. Em outras palavras, tal estrutura pode ser com-

199
preendida como um gênero jornalístico: o gênero periférico.

Considerações finais

Os gêneros jornalísticos são um dos pilares fun-


damentais para a prática do jornalismo. A partir deles, o
profissional da área consegue se guiar ao esquematizar a
transmissão de uma informação em um formato por ele de-
terminado. Com base em anos de estudos e referenciais
teóricos, autores como José Marques de Melo, Luiz Beltrão
e Martínez Albertos fundamentaram cinco critérios para
identificação dos gêneros. Ao analisá-los com clareza dian-
te dos contextos econômico, social, político e cultural, junto
aos modos de produção jornalísticos, pode-se evidenciar
novos gêneros.
Partindo deste pressuposto, o surgimento e o exer-
cício do jornalismo de periferia - uma das vertentes do
jornalismo independente - emerge diante de contextos de
reparo da identidade social periférica. Para que este obje-
tivo seja alcançado, blogs e portais de notícias alternativos
estabelecem parâmetros e normas a serem seguidas nas
coberturas jornalísticas e na produção de conteúdo infor-
mativo, como acontece no caso da Agência Mural.
Todo o processo realizado pelos jornalistas da agência
passa pelo espectro de superação das características super-
ficiais que rotulam as periferias dentro da grande mídia. Desta
forma, perante o enquadramento, majoritariamente, feito em
torno de temáticas que evidenciam a realidade das periferias e
as críticas sociais feitas pelos protagonistas das narrativas - jor-
nalistas e moradores das regiões -, nota-se que há um cuidado
ao se tratar destas questões. Cuidado este que é proposto pe-

200
los 10 Princípios da Cobertura Jornalística das Periferias, desen-
volvidos com o intuito de guiar as produções jornalísticas da
Mural e de permitir a identificação de uma estrutura, que pode
ser considerada como gênero, por parte do leitor.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA MURAL. [Site institucional]. Disponível em: ht-


tps://www.agenciamural.org.br/. Acesso em ago. 2020.
AGÊNCIA MURAL. Princípios. Disponível em: https://
www.agenciamural.org.br/principios/. Acesso em: ago.
2020.
CANCLINI, Nestor Garcia. Diferentes, desiguais e desco-
nectados. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
ENTMAN, Robert Mathew. Framing: Toward Clarification
of a Fractured Paradigm. Journal of Communication, Au-
tumn, v. 43, n. 4, p. 51-58, dez. 1993.
GITLIN, Todd. The Whole World is Watching, Berkeley:
University of California Press, 1980.
GOFFMAN, Erving. Frame Analysis: los marcos de la ex-
periencia. Madri: Siglo XXI, 2006.
LEAL, Plínio. Jornalismo Político Brasileiro e a Análise do
Enquadramento Noticioso. Compolítica, Rio de Janeiro, 2,
2007, Anais. Disponível em: http://www.compolitica.org/
home/wp-content/uploads/2011/01/sc_jp-plinio.pdf. Aces-
so em: ago. 2020
MEDINA, Jorge Lellis Bomfim. Gêneros jornalísticos: repen-
sando a questão. Revista Symposium, Pernambuco, v. 1, p.
45-55, jan-jun 2001. Disponível em: https://www.maxwell.

201
vrac.puc-rio.br/3196/3196.PDF. Acesso em: out. 2020.
ONU BRASIL. Especiais. Disponível em: https://nacoesu-
nidas.org/pos2015/. Acesso em: ago. 2020.
ROTHBERG, Danilo. O conceito de enquadramento e sua
contribuição à crítica de mídia. In: CHRISTOFOLETTI, Ro-
gério (org.). Vitrine e vidraça: Crítica de Mídia e Qualida-
de no Jornalismo. Covilhã: LabCom Books, 2010. p. 53-68.
ROVIDA, Mara. As periferias pelos periféricos: um fenôme-
no jornalístico contemporâneo. Revista Extraprensa, São
Paulo, v. 12 (1), p. 50-65, dez. 2018. Disponível em: https://
doi.org/10.11606/extraprensa2018.149085. Acesso em: ago.
2020
SEIXAS, Lia. Gêneros jornalísticos digitais: um estudo das
práticas discursivas no ambiente digital. XIII Compós, São
Bernardo do Campo, 2004. Disponível em: http://www.
compos.org.br/data/biblioteca_665.pdf. Acesso em: out.
2020.
SILVEIRA, Ada Cristina. Modos de ver e devorar o outro: a
ambivalência na cobertura jornalística das periferias. Re-
vista GHREBH, São Paulo, v.14, p. 157-176, out. 2009. Dispo-
nível em: http://www.cisc.org.br/portal/jdownloads/Ghre-
bh/Ghrebh-%2014/13_silveira.pdf. Acesso em: ago. 2020.
TAVARES, Luisa. O jornalismo das periferias de São Pau-
lo: entre a experimentação e a atualização de práticas
convencionais. Orientador: Prof. Dr. Jacques Mick, 2019,
181 f. dissertação (mestrado) - Curso Sociologia Política,
Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina,
2019. Disponível em: https://www.researchgate.net/
profile/Luisa_Tavares/publication/336653546_O_jorna-
lismo_das_ periferias_de_Sao_Paulo_entre_a_experi-
mentacao_e_a_atualizacao_de_praticas_convencionais/

202
links/5daa08a7299bf111d4be6479/O-jornalismo-das-pe-
riferias-de-Sao-Paulo-entre-a- experimentacao-e-a-atu-
alizacao-de-praticas-convencionais.pdf. Acesso em: ago.
2020

203
AUTORES

Beatriz Rodrigues Araújo


Graduanda em Jornalismo pela Escola Superior de Propaganda e Marke-
ting (ESPM) de São Paulo. Atualmente, desenvolvo pesquisa sobre en-
quadramento noticioso - Cultura e Periferia: análise do enquadramento
da editoria de Arte e Cultura da Agência Mural de Jornalismo das Peri-
ferias - como bolsista do Programa de Iniciação Científica ESPM (PIC-
-ESPM).

Cicélia Pincer Batista


Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Pau-
lo (2014), possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1991) e mestrado em
Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal
da Bahia (1995). Professora do curso de Jornalismo da Escola Superior
de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM/SP), tem experiência
nas áreas de Comunicação e de Jornalismo, com ênfase nos seguintes
temas: epistemologia da Comunicação e do Jornalismo; hermenêutica
da Comunicação e do Jornalismo; teorias da Comunicação; teorias do
Jornalismo; Metodologia da pesquisa em Comunicação e do Jornalismo;
mídia, jornalismo e experiência; leitura crítica de mídia; estudos das nar-
rativas jornalísticas; narrativas transmidiáticas; história da comunicação
e do jornalismo; discurso jornalístico; newsmaking.

Edson Francisco Leite Junior


Doutorando em Comunicação pela Faculdade de Comunicação e Infor-
mação (FIC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Mestre em Co-
municação pela mesma instituição. Possui graduação em Comunicação
Social, habilitação em Jornalismo, também pela UFG. Em sua trajetória
profissional, atuou como produtor de TV e assessor de comunicação de
órgãos e agentes públicos. Tem experiência docente em cursos livres do
Senac Goiás, como os de Locução Básica de Rádio, Assistente de Mídias
Digitais e Marketing Digital e E-commerce.

Heitor Costa Lima da Rocha


Possui graduação em Comunicação Social Habilitação Jornalismo pela
Universidade Católica de Pernambuco (1983), mestrado em Ciência Po-

204
lítica pela Universidade Federal de Pernambuco (1989), doutorado em
Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (2004) e Pós-Dou-
torado em Comunicação pela Universidade da Beira Interior/Covilhã/
Portugal (2015), através de bolsa de Estágio Sênior Pós-Doutoral da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
É professor associado do Departamento de Comunicação Social e do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal
de Pernambuco, integrando o grupo de pesquisa Jornalismo e Contem-
poraneidade. Atualmente, desenvolve pesquisa com bolsa de Produtivi-
dade PQ 2 do CNPQ, edita a revista eletrônica de difusão científica Jor-
nalismo e Cidadania (ISSN 2526-2440) e é Coordenador do 1o Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização) em Comunicação Política
da UFPE. Atua principalmente nos seguintes temas: teoria do jornalismo;
comunicação; ciência política; mudança social e ideologia.

Ivone Maria Cassol


Graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (1977), Graduação em Licenciatura em Ciências Sociais
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980), Mestrado em
Comunicação Social pela Faculdade de Comunicação Social PUCRS
(1997) e doutorado em Pós-Graduação em Comunicação Social pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2007). Atualmen-
te é professor assistente da Faculdade de Comunicação Social PUCRS.
Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo.

Marcio da Silva Granez


Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universida-
de Federal de Santa Maria (1994), mestrado em Letras pela Universidade
Federal de Santa Maria (1997), graduação em Direito pela Universidade
Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ, 2011) e doutorado em
Comunicação pela UFSM (2018). Coordenou os cursos de Jornalismo,
Relações Públicas e Publicidade e Propaganda da UNIJUÍ de 2011 a 2017.
Tem experiência na coordenação de projetos de pesquisa e extensão,
bem como na gestão universitária. Como docente, atua na área de pro-
dução textual, planejamento visual, redação jornalística, Teoria da Comu-
nicação e Teoria do Jornalismo. Pesquisador nas áreas de autoria, histó-
ria e teoria do jornalismo, gêneros e linguagem jornalística, checagem de
informações, dialogismo e polifonia.

Magali Moser

205
Doutoranda em Jornalismo na linha de pesquisa Jornalismo, Cultura e
Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e bolsis-
ta FAPESC. É mestra em Jornalismo (UFSC/2006), e especialista em Es-
tudos Literários pela Universidade Regional de Blumenau (FURB/2010).
Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI/2005). Tem experiência como
repórter de rádio, televisão, jornal impresso e online, além de assessoria
de comunicação. Em 2013 trabalhou por seis meses na redação brasi-
leira da Deutsche Welle (DW), em Bonn, na Alemanha, quando produ-
zia reportagens semanais para o portal. É autora do livro-reportagem A
Vida pelo Cinema: Herbert Holetz entre a realidade e a ficção, premiado
como destaque literário na categoria prosa pela Sociedade Escritores
de Blumenau, em 2006. Com a pesquisa O Processo de Favelização em
Blumenau recebeu prêmio e homenagem da Assembleia Legislativa de
Santa Catarina, em 2011. Pela série de reportagens Negra Blumenau, pu-
blicada em novembro de 2007 no Jornal de Santa Catarina, recebeu a
Comenda Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Blumenau.
Foi professora substituta do Curso de Jornalismo da FURB, tendo atuado
nas disciplinas de Gêneros Jornalísticos, Laboratório de Jornalismo Cien-
tífico, Mídia Regional e Laboratório de Apuração e Escrita Jornalística
(Som). Dedica-se ao estudo sobre a prática da reportagem por repórte-
res especiais e o jornalismo como forma de conhecimento. Participa do
Grupo de Estudos Jornalismo e Conhecimento (PPGJOR/UFSC) e do
Pauta Gênero, Observatório de Comunicação e Desigualdades de Gê-
nero da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

Marília Gabriela Silva Rêgo


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPG-
COM) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestra em Co-
municação (UFPE, 2019) e Graduada em Jornalismo (UFPE, 2016). Expe-
riência em comunicação interna e assessoria de imprensa. Tem interesse
em pesquisas na área de mídias e linguagens, atuando com ênfase nos
seguintes temas: discurso, jornalismo independente, legislação sobre a
comunicação social brasileira, telejornalismo e mídia e democracia.

Maria Elisabete Antonioli


Maria Elisabete Antonioli é jornalista formada pela Universidade Meto-
dista de São Paulo. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade São Paulo, com pós-doutorado
na mesma Universidade. É coordenadora e professora do bacharelado

206
de Jornalismo. É líder do Grupo de Pesquisa CNPq: Linha de Pesquisa:
Tecnologias, Processos e Narrativas Midiáticas. Faz parte do Comitê de
Iniciação Científica da ESPM. É avaliadora do INEP/MEC. Faz parte do
Comitê Editorial do periódico ALTEJOR ECA/USP, da Revista de Jorna-
lismo ESPM Edição Brasileira Columbia Journalism Review, da Coleção
Ciências da Comunicação e da Revista Comunicação, Mídia e Consumo.
Foi editora científica da Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo - RE-
BEJ de 2016 a 2020. Faz parte do Conselho Consultivo da Associação
Brasileira de Ensino de Jornallismo - ABEJ.

Mei Hua Soares


Doutora em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FE-USP). Mestra em Linguagem e Educa-
ção pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-
-USP). Bacharel e Licenciada em Letras pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP)
com bolsa de iniciação científica (CNPq). Atuou por quatorze anos na
rede pública estadual de São Paulo como professora efetiva. É docente
do curso de Comunicação Social (Jornalismo/ Publicidade e Propagan-
da) da Faculdade Cásper Líbero. Atriz, dramaturga e integrante do grupo
Teatro Popular União e Olho Vivo e co-autora do livro Bom Retiro, Meu
Amor: Ópera-Samba. Membro do grupo de pesquisa Comunicação, Cul-
tura e Sociedade do Espetáculo (CNPq). Publicou artigos e desenvolve
pesquisas sobre literatura, educação, teatro, comunicação, jornalismo e
linguagem.

Raissa Nascimento dos Santos


Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernam-
buco (UFPE), Analista Comportamental pelo Instituto Brasileiro de Co-
aching (IBC), Coaching Ericksoniana pelo IBC (2019), Mestra em Jor-
nalismo pela Universidade Federal da Paraíba (2016), Life Coach pela
Sociedade Brasileira de Coaching (2017), ThetaHealer pelo ThetaHealing
Institute of Knowledge (2018), Especialista em História e Jornalismo pela
Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) (2013), pós-graduada
em Marketing e Vendas pelo Centro Universitário Uniguararapes (2014)
e formada em Comunicação Social ? habilitação em Jornalismo pela Uni-
cap (2011). Autora do livro-reportagem: ?A Fé do Interior ? uma história
de coragem do povo nordestino? (2016). Docente do ensino superior
na graduação e na pós-graduação. Recentemente, em 2017, conquistou
como primeira colocada em Pernambuco, o Prêmio Professor Imprensa

207
pelo Portal Imprensa, que homenageia os professores de comunicação
do Brasil.

208

Você também pode gostar