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FACULDADE INTERNACIONAL DE TEOLOGIA REFORMADA

DISCIPLINA: COSMOVISAO CRISTA

ALUNO: ELISIO MATIAS MUAHAVE

TEMA: Resumo das palestras I, II e III do livro “Calvinismo” de Abraham Kuyper


(Cultura Cristã)

Este trabalho apresenta o resumo das três primeiras palestras, que são os três
primeiros capítulos do livro, do teólogo e filósofo Dr. Abraham Kuyper (1837-1920). Ele
foi um calvinista de origem holandesa, envolvido nas áreas académicas e políticas da
Holanda.

No primeiro capítulo, Calvinismo como um sistema de vida, o autor desenvolve o termo


calvinista, mostrando suas vertentes de entendimento da palavra e especificando que
utilizará do conceito científico de Calvinismo. Este conceito mostra que “o Calvinismo
tem uma teoria de ontologia, de ética, de felicidade social de liberdade humana,
derivada totalmente de Deus”. Desta forma, Calvinismo é uma forma independente de
pensar e de viver. Ainda, coloca o Calvinismo como um contraponto do Paganismo, do
Islamismo e do Romanismo.

O autor apresenta o Calvinismo como um sistema de vida que pode responder de


maneira peculiar às relações com Deus, o homem e o mundo.

A primeira condição

O relacionamento com Deus, não é firmado no intelecto, mas sim no coração e


transparece na oração. Enquanto o Paganismo vê Deus na criatura, o Islamismo
separa Deus da criatura e o Catolicismo coloca a Igreja entre Deus e a criatura, o
Calvinismo mostra que Deus se comunica com a criatura.
Para Abraham Kuyper, todo sistema de vida é dominado pela interpretação da relação
com Deus.

Já na segunda condição é tratado relacionamento com o homem mostrando que existe


uma multiformidade sem fim. Kuyper mostra como são interpretadas as relações
humanas: para o Paganismo são aceites as diferenças; no Islamismo e no Catolicismo
fazem o mesmo frisando as questões do paraíso e da inferioridade da mulher, ou
frisando a interpretação, hierárquica do relacionamento entre os seres; já no
Calvinismo, os homens são iguais entre si e diante de Deus, ficando somente as
diferenças impostas por Deus.

Ele ainda condena a escravidão da mulher e do pobre e dá apoio a interpretação


democrática da vida, respeitando os homens como criaturas feitas à imagem de Deus,
busca transformar a estrutura da sociedade sem precisar usar de luta de classes,
valoriza o trabalho independentemente da classe social.

Na terceira condição, a qual analisa, é o relacionamento com o mundo, o Paganismo


coloca uma relação muito alta do mundo, ao passo que o Islamismo mantém uma
fórmula muito baixa.

O Catolicismo coloca a igreja e o mundo em total oposição, sendo o primeiro


santificado e o outro estando ainda sob a maldição; dai que, o Calvinismo porém, ao
enxergar o mundo como criação de Deus e entender a relação entre graça especial e
graça comum, percebe com clareza seu papel nesta criação, servindo a Deus no
mundo e louvando-O por Suas obras, enquanto fazendo separação apenas daquilo que
é pecaminoso no mundo.

O autor em sua segunda palestra, Calvinismo e religião, analisa a religião respondendo


quatro questões: A religião existe por causa de Deus ou por causa do homem?

Ela deve operar directamente ou mediatamente?

Ela pode manter-se parcial em suas operações ou tem de abraçar todo nosso ser e
existência pessoal?
Ela pode manter um carácter normal, ou deve revelar um carácter anormal, isto é, um
carácter soteriológico?

Para a primeira pergunta, a religião existe por causa de Deus ou por causa do homem,
é respondida da seguinte forma: “A religião do homem não deve ser egoísta e por
causa do homem, há ideais por causa de Deus”.

Enquanto a modernidade torna a religião egoísta, sempre presa a seu carácter


subjectivo e sempre uma religião por causa do homem; para o Calvinismo a religião
também produz bênção para o homem.

O autor em causa deixa claro que ela não existe por causa do homem e, sim, por
causa de Deus.

Respondendo ao segundo questionamento ela deve operar directamente ou


mediatamente, o autor informa:

“Ela não deve operar mediatamente pela intervenção humana, mas directamente do
coração”. A religião por causa de Deus exige que cada coração humano deva dar glória
a Deus, de sorte que nenhum homem pode comparecer no lugar de outro, tendo cada
homem que comparecer por si mesmo.

Já para a terceira pergunta, ela pode manter-se parcial em suas operações ou tem de
abraçar o todo de nosso ser e existência pessoal, em resposta rematou:

“Ela não pode permanecer parcial, como correndo ao lado da vida, mas deve exercer
controlo sobre toda nossa existência”. Para o modernista, a religião deve se restringir, o
órgão religioso não deve manifestar-se no todo do ser humano, mas limitar-se ao
campo dos sentimentos ou da vontade.

Com a mesma ideia de restrição, Roma acabou por enclausurar a religião nas
masmorras de seus próprios santuários, e tudo que esteja a parte do estritamente
consagrado, torna-se participante do lado profano da vida.

No Calvinismo a religião possui carácter universal pleno, e sua completa aplicação


universal. Se tudo existe por causa de Deus, então a criação toda deve dar glória a
Deus e o homem, como sacerdote, deve fazer convergir para Deus toda a criação e
toda vida que se desenvolve nela.

Sobre Abraham Kuyper

Pode-se dizer que é com um projecto de reforma cultural de Abraham Kuyper (1837-
1920) que surge o neocalvinismo como amplo movimento de reforma da igreja na
Holanda. Este é o sistema que hoje a igreja cristã deve reconhecer como bíblico”. Esta
obra é fruto de suas palestras proferidas em 1898 nos Estados Unidos. É neste mesmo
livro que encontramos também a mais extensa nota biográfica sobre Abraham Kuyper
em português. Filho de pastor, Kuyper nasceu no dia 29 de Outubro de 1837 em
Maasluis, na Holanda. Estudou na Universidade de Leyden onde se destacou, obtendo
depois, na mesma universidade, o título de Doutor em Teologia Sagrada.

Nos tempos de estudante universitário Kuyper tendia por alinhar-se à corrente que era
tomada como teologia liberal. Um exemplo frequentemente citado sobre isto é que
Kuyper chegou a aplaudir um de seus professores quando este “abertamente negou a
ressurreição corporal de Jesus”

As mudanças em sua fé começaram a ocorrer já nos tempos de estudante. Um dos


fatores que contribuíram para isso foi um trabalho que Kuyper realizou sobre a vida do
reformador polonês João de Lasco. O trabalho fazia parte de um concurso vencido por
Kuyper. Sobre esta experiência ele teria dito que mais importante do que o prémio em
si foi que “ela o fez lembrar de Deus”

Uma outra experiência fundamental teria sido a sua leitura da novela O Herdeiro de
Redcliffe, de Charlotte Yonge. Esta leitura teria levado Kuyper a sentir “em sua própria
alma um reconhecimento irresistível da realidade de cada experiência espiritual pela
qual o herói do livro” passou.

A experiência decisiva, porém, se deu quando do seu pastorado numa pequena


comunidade interior de Beesd. Arredios, os paroquianos se recusavam a comparecer
aos cultos de Kuyper em forma de protesto contra o modernismo. A decisão de Kuyper,
porém, foi visitar a cada uma daquelas pessoas. Foi então surpreendido e “percebeu
que eles possuíam uma cosmovisão mais coerente que a sua e um profundo
conhecimento da Bíblia, muito maior do que o seu”

Kuyper acabou conquistando aquelas pessoas que passaram a orar intensamente pela
sua conversão. E, foi assim que realmente começou a sua vida cristã demonstrando
seguidas vezes a sua gratidão por aquela experiência no povoado de Beesd.

Todas estas experiências fizeram de Kuyper um homem dedicado a restaurar a visão


cristã para a cultura de seu país. Por isso, envolveu-se nas mais diversas frentes.
Kuyper foi alguém que poderia ser considerado “como estudante, pastor ou pregador;
como linguista, teólogo ou professor universitário; como líder de partido, organizador ou
estadista; como filósofo, cientista, publicista, crítico ou filantropo”. Isso porque Kuyper
ocupou diversas funções, desde pastor até o de primeiro ministro da Holanda. Ele
também fundou jornais, um partido político e a Universidade Livre de Amsterdã. Kuyper
foi alguém que parecia sentir-se a vontade em qualquer área de conhecimento.

As Palestras Stone, proferidas por Kuyper no Seminário Teológico de Princeton nos


Estados Unidos, tornar-se-iam depois o livro Calvinismo que é considerado um sumário
de seu pensamento. Nas palavras de Nilson Moutinho dos Santos “as Palestras Stone
se tornaram o principal instrumento no estabelecimento da escola internacional de
pensamento denominada kuyperianismo ou neocalvinismo”

Kuyper procurou, assim, actualizar o calvinismo para o contexto de sua época


afirmando a soberania de Cristo sobre todos os aspectos da vida humana, o que
passou a se configurar como o centro da visão neocalvinista.

Kuyper é, ao lado de Herman Dooyeweerd, o nome mais influente do neocalvinismo e


para o desenvolvimento da ideia de cosmovisão cristã. É amplamente citado nas mais
diversas obras sobre transformação cultural, neocalvinismo e cosmovisão cristã, pois
deixou uma obra extensa com títulos publicados em diversos idiomas. Viveu até os 82
anos de idade e faleceu no dia 8 de Novembro de 1920.
Uma avaliação crítica sobre as palestras de Abraham Kuyper

A noção de que a segunda vinda de Cristo depende do progresso que fazemos em


cumprir o nosso empenho cultural tal como é a defesa do autor em outra vertente, isto
seria colocar as coisas de cabeça para baixo. Se o tempo da segunda vinda de nosso
Senhor tem algo a ver com nossa actividade, este é o trabalho missionário que é
enfatizado no Novo Testamento. Como o Senhor Jesus mesmo afirma em Mateus
24:14, “Este evangelho do reino será pregado em todo o mundo para testemunho a
todas as nações; então virá o fim”.

O que dizer de Génesis 1:28? Não tem nada a ver connosco hoje? Com certeza tem.
Não há dúvida de que aqui Deus fala de uma tarefa definitiva ou missão dada ao
homem. Mas esse chamado ao mandato cultural tem hoje a mesma força que tinha
para Adão? Claro que não. A noção de mandato cultural, na verdade traz em si mesmo
uma conotação legalista. É um termo que não pertence ao contexto da graça e do
pacto da graça. Quando Deus deu este mandato, (se preferirmos chamar assim), a
queda não havia ainda acontecido. Quando Adão pecou, no entanto, ele não estava
mais na posição de cumprir este mandamento. Foi Cristo, o segundo Adão, que tomou
para si esta responsabilidade de cumprir a tarefa que havia sido dada ao homem no
princípio.

Deus não desistiu do Seu mandato original; antes, em Cristo, Ele mesmo cumpriu este
mandato. Por Sua obediência Ele guardou a Lei por nós. E como resultado de Sua obra
salvífica, o carácter da nossa tarefa e actividade mudou fundamentalmente. Boas
obras, culturais ou não, são agora realizados pelos crentes por gratidão e nunca por
temor.

Qualquer noção, portanto, de que nossas actividades, ou falta delas, poderiam


apressar ou retardar a volta de Cristo, tem que ser firmemente rejeitada.

Por esta e outras razões, o termo mandato cultural deve ser evitado. Como o Dr. W.H.
Velema diz: “como termo ele não reflete qualquer relação com a obra de Cristo e nos
coloca a todos de volta na linha de partida. Nossa tarefa tem lugar após Cristo ter
trazido uma reviravolta decisiva na história do mundo”.
Os fieis a obra de Jesus para realizarem boas obras, eles sempre unem o imperativo
ao indicativo. Em outras palavras, o mandamento de fazer é sempre dado com base na
obra realizada de Cristo. Toda nossa actividade espiritual é fundamentada em Sua
actividade salvífica.

Os neocalvinistas, com sua ênfase no raio cultural e não no esforço missionário,


tendem a perder de vista o fato de que os crentes fazem sua obra na esfera e contexto
da obra soteriológica de Cristo. Este é um erro trágico que tem impedido o progresso
da verdadeira obra do Evangelho. Nos anos recentes, teólogos holandeses, como J.
Douma e W. H.Velema têm questionado as bases exegéticas que Kuyper e seus
seguidores têm induzido ao mandato cultural.

Em Genesis 1:29; 2:5;3:17ss a palavra parece nos dizer que há uma conexão entre
trabalhar e comer e que o pecado tornou o trabalho difícil. Há de concordar que há
implicações aqui para a cultura num sentido mais abrangente, mas tambem alerta-se
contra o perigo de se ler nos versos mais do que aquilo que eles de fato afirmam.
Cultura, no sentido de desenvolver o que Deus colocou em Sua criação de forma
seminal, em sua visão, diz mais respeito à consequência do que a um mandato
específico. Porque Deus criou o homem à Sua imagem e com o desejo de reproduzir-
se.

A raça humana irá povoar a terra, e no processo uma cultura desenvolverá aquilo que
vai além do comer e beber, de tal forma que o homem possa ainda usufruir muitas
coisas boas.

W.H.Velema, rejeita a ideia de que os cristãos estejam debaixo da obrigação de


cumprir um programa cultural, pois, se fosse assim, tal programa deveria pelo menos
ter sido esboçado, mas não encontramos excesso de preocupação com o envolvimento
cultural e social que pode fazer o cristão perder seu caráter de “peregrino”. Nós somos
antes de tudo estrangeiros e peregrinos na terra. Ser peregrino é essencial para a
igreja de Cristo. “A congregação do Novo Testamento sabe que ela está ‘a caminho’.
Aqui não é seu lar. Ela perdeu seu antigo ambiente e agora aguarda a futura revelação
do Reino que Cristo, e não o homem, irá estabelecer”.
Velema prefere falar de uma vocação Cristã ou chamado para o mundo do que de um
mandato. E o que é vocação? É viver neste mundo corrupto e pecaminoso, como sal e
luz. Assim como o sal retarda a decomposição da carne e outros alimentos ao mesmo
tempo em que lhe dá sabor, assim os cristãos deveriam, pelo testemunho do
Evangelho e santo proceder, procurar influenciar o mundo ao seu redor. Em outras
palavras, sua presença e actividade no mundo, deveriam ajudar a aliviar e compensar
os efeitos letais do pecado e fazer a vida na sociedade mais tolerável e predisposta à
obra e proclamação do Evangelho. Tudo que nós fizermos como cristãos deve ter um
foco missionário e escatológico. Mesmo nosso envolvimento cultural, tal como ele é,
deveria ocorrer na perspectiva da vinda do reino de Cristo.

Este é o ensino claro do Novo Testamento. Como Paulo escreve aos Filipenses, “Fazei
tudo sem murmurações e sem contendas, para que vos torneis irrepreensíveis e
sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na
qual resplandeceis como luzeiro no mundo, preservando a Palavra da Vida; para que
no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente”
(Fl 2:14-16; também Ts 3:13; 5:23; 2 Pe 3:14).

Enquanto seja esse o nosso chamado como cristãos de tentar causar esse tipo de
impacto no mundo, não deveríamos nos empolgar com falsas esperanças de sucesso.

Nós não devemos pensar que o Reino de Deus virá através de nossos esforços, sejam
eles resultados culturais ou missionários. O máximo que podemos ver são os poucos
sinais da vinda do reino.

Este reino é basicamente uma realidade escatológica, e até onde sua plenitude é
manifestada visivelmente, ele ainda é uma realidade futura. Durante esta dispensação
ele é basicamente interno, espiritual e invisível. “O Reino dos céus”, disse Jesus, “está
dentro de vós”.

Cristo, agora, governa no coração do Seu povo e Ele é Rei da Sua Igreja e reconhecido
como tal. De fato, Cristo é também Rei do mundo, mas, até seu retorno, Satanás
continua governando, ainda que na ilegalidade, como príncipe deste mundo, e até
quando esta dispensação findar, o mundo inteiro jaz na iniquidade [ou no maligno,
Satanás] (I Jo 5:19).

Referências bibliográficas

Biblia de Estudo MARCARTHUR

NUNES, Rodrigo Batista, Resumo do livro, “calvinismo”, de Abraham Kuyper, Rio de


Janeiro 2018

W.H.Velema, Ethiek en Pelgrimage, Ethisch Kommentaar (Amsterdam: Uitgeverij Ton


Bolland, 1974), p. 55.

PRONK, Cornelis; Neocalvinismo — uma avaliação crítica,1995

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