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SEMINÁRIO PRESBITERIANO DO SUL

ANDERSON OLÍVIO DE RESENDE

RESENHA: ENTRE A BÍBLIA E A ESPADA

CAMPINAS
2016
ANDERSON OLÍVIO DE RESENDE

RESENHA: ENTRE A BÍBLIA E A ESPADA

Resenha do livro “Entre a Bíblia e a Espada”


em cumprimento às exigências da disciplina
Cosmovisão Calvinista, ministrada pelo Rev.
Dr. Gelson Leite de Moraes, no curso de
Bacharel em Teologia do Seminário
Presbiteriano do Sul.

CAMPINAS

2016
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RESENHA

MORAES, Gerson Leite de. Entre a Bíblia e a espada: uma análise da filosofia
e teologia política em João Calvino. São Paulo: Mackenzie, 2014. 250p.

O autor da obra, Gerson Leite de Moraes, é historiador, bacharel em


teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, graduado em teologia pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP, mestre em filosofia pela
PUC/Campinas, doutorado em ciências da religião pela PUC/SP e doutorado em
filosofia pela UNICAMP. Atualmente leciona no curso de direito na Universidade
Presbiteriana Mackenzie/Campinas e no curso de teologia do Seminário
Presbiteriano do Sul.
Dr. Gerson tem por assunto principal nesta obra a filosofia e a política no
pensamento de Calvino. Neste intento o autor traz à lume o tema pouco discutido
nas universidades, apoiado em grande pesquisa. A análise faz uma construção
histórica do pensamento filosófico da Idade Média e Moderna que desemboca
com grande influência sobre a reforma protestante.
A tese apresentada pelo autor propõe olhar para o passado e encontrar
no pensamento filosófico político de Calvino um diálogo equilibrado entre religião
e estado, no qual um não tenha domínio sobre o outro. E até mesmo que a Igreja
entenda seus valores e papel enquanto ser social que influencia e contribui
formando indivíduos que vivam e agreguem valor a partir da cosmovisão cristã.
No primeiro capítulo – A Filosofia da Baixa Idade Média e as Crises
Religiosas – o autor apresenta o desenvolvimento histórico do pensamento no
ambiente recém-nascido das universidades medievais, o escolasticismo. Em tais
ambientes discutia-se com vigor a teologia como vinda da filosofia, vice-versa. O
latim foi adotado como língua oficial e obras até então não lidas foram trazidas à
baila, como obras aristotélicas, médicas e filosóficas.
Os embates filosóficos envolvendo a tradição teológica e o
conhecimento filosóficos na compreensão de mundo e da natureza marcaram
esse momento. Mais à frente tais embates proporcionaram o desenvolvimento
do humanismo dando força a pensadores e reformadores. O período escolástico
ergue um importante nome: Tomás de Aquino. O teólogo católico que
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desenvolveu seu pensamento em convergindo categorias de pensamento com


o de afirmar a existência de Deus.
O escolasticismo apresenta o realismo tomista que concebe a obtenção
do conhecimento em duas maneiras: intelecto e sentidos. Em contrapartida está
o nominalismo, o qual não crê em conceitos universais, ocasionando o retorno a
importantes discussões da era patrística, como o pecado, livre-arbítrio, etc.
Temas clássicos da discussão entre Agostinho e Pelágio. Mais adiante surge
Lorenzo de Valla, o qual trouxe grande contribuição através da historiografia,
importante passo para a hermenêutica (crítica textual) e descoberta de erros do
catolicismo (doação de Constantino). Os métodos historiográficos de Valla foram
muito utilizados pelos reformadores.
No segundo capítulo – O Humanismo Renascentista e a Deflagração das
Reformas – o autor ressalta que as discussões filosóficas do humanismo
renascentista foram de extrema importância para o alvorecer de várias reformas
em diversas esferas, um novo tempo da forma de ver, pensar e sentir.
Características marcantes desse tempo foi a busca desenfreada pelo saber e a
secularização/desencantamento. Houve uma ruptura com a forma de pensar
permitindo a quebra do monopólio religioso da Igreja Católica Romana,
permitindo a liberdade religiosa do protestantismo.
Esse movimento que a princípio muito contribuiu para as reformas
religiosas, em seguida tornou-se desfavorável para o campo religioso. As
características desse movimento foram o racionalismo, antropocentrismo,
individualismo, substituindo o teocentrismo medieval, colocando o homem no
centro das discussões, como ator principal e a razão para os eventos da vida.
Nesse contexto as reformas de caráter religioso, político e econômico
encontraram terreno fértil, as quais se apresentam em três grandes veios:
Luterana; Calvinista; Anglicana. Cada um desses grupos deixou contribuições
no campo teológico, especialmente Calvino a partir das Institutas e da histórica
ênfase dada à predestinação pelos subsequentes.
No terceiro capítulo – O Contexto Político em que Emergiu a Reforma
Calvinista – o autor concentra-se na atuação de Calvino na administração de
Genebra, na tarefa laboriosa de Calvino em aplicar sua teologia no contexto da
cidade, numa forma bíblica de sociedade e relação com o poder instituído.
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Além do aspecto religioso teológico, o viés político de Calvino chama a


atenção e o distingue dos demais. Para ele a relação entre Igreja e Estado era
oportunidade de relação integral, ou seja, a Igreja tem assegurado o respeito de
suas decisões, bem como sujeita-se ao governo secular e autônomo instituído
por Deus.
Segundo o autor tal nivelamento na relação, essa equidistância nem
sempre era real, haja vista que o pendulo hora estava para a Igreja, hora para o
Estado. Na esfera social, a partir do conceito de “acomodação”, Calvino contribui
para o desenvolvimento humano no que tange o direito, ciência, astrologia e
demais ciências. Contudo o esforço de Calvino em conceber e disseminar a
cosmovisão, a princípio teológica, de que o homem deve viver e produzir para a
glória de Deus, trouxe real impacto e fruto na cultura ocidental, influenciando ao
longo dos anos todas as camadas sociais, tornando-se uma cosmovisão política.
No quarto capítulo – Relendo as Institutas de João Calvino – o autor
discorre sobre o retorno de Calvino a Genebra, após sua expulsão, retorno este
que mais pareceu continuidade ao que havia iniciado tempos antes. O conselho
da cidade continuava no comando político enquanto Calvino, em carta, explicita
seu objetivo de influenciar a sociedade a partir dos altos valores e padrão cristão,
ou seja, a relação Igreja e Estado.
Segundo Calvino a Igreja e Estado eram duas instituições com espadas
distintas, mas com o mesmo propósito. A Igreja empunha o Espírito da
Proclamação, enquanto o Estado empunha o bom e justo governo, porém,
ambas estão sob a autoridade do Deus Soberano. Nessa perspectiva Calvino
considera os magistrados como representantes da justiça divina, assim como
todos vocacionados por Deus, segundo o propósito divino. Cabendo ao crentes
obedecer e acatar, a menos que tais magistrados imponham o que seja ofensa
à vontade de Deus revelada na Escritura.
Calvino não gozava de plena aceitação em Genebra, pelo contrário,
muitos opositores e situações difíceis lhe sobrevieram, como biografias
difamatórias, bem como o controverso episódio da dieta com Miguel de Servetus
sobre a doutrina da Trindade.
Em considerações finais o autor ressalta a importante influência de
Calvino para o mundo ocidental, apesar de existirem correntes atuais que
ofuscam seu valor. Tal influência de Calvino não restringe-se ao campo teólogo,
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tampouco à predestinação. Segundo Gerson, Calvino pode ser considerado


predecessor de correntes filosóficas da modernidade, ou seja, um homem à
frente de seu tempo. Conclui-se que desde as discussões envolvendo o
escolasticismo medieval e as disputas filosóficas do realismo e nominalismo, os
resultados dessas discussões são grandiosíssimos, pois englobaram conteúdos
de ordem política, social, econômicas, filosóficas e teológicas, enfim, mexeram
com as estruturas da vida social. O autor volta a mencionar a importância do
filólogo Lorenzo Valla no desenvolvimento da tradição da crítica textual, técnica
de grande valor para todo subsequente. Além de ressaltar a importância da
influência de Calvino e as heranças para o mundo de hoje.
A obra “Entre a Bíblia e a Espada” do Dr. Gerson Leite de Moraes é um
precioso trabalho de cuidadosa extensa pesquisa, com o qual presenteia todos
os calvinistas do Brasil, em especial a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Através das ricas citações o autor expõe sua reflexão, ao mesmo tempo
que nos permite apreciar textos de sua pesquisa, remetendo-nos às fontes
originais. Tem-se a impressão que o acesso a obra descortinou um tipo de
biblioteca. Atentado ao conteúdo da reflexão, Dr. Gerson trouxe luz ao contexto
teológico-filosófico, o qual nos revela um tempo especialmente preparado para
as grandes reformas. Calvino teve a mente e sensibilidade geniais para, em seu
tempo, refletir, produzir e difundir sua cosmovisão de forma eficaz. A visão de
Calvino na relação Igreja-Estado, a qual somos herdeiros, dá-nos um ponto de
partida para apresentar à sociedade brasileira uma forma de viver, produzir e
fazer política que traga esperança num tempo de desapontamento no qual
vivemos. Leitura desafiadora para os dias atuais.

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