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PR. A. CARLOS G.

BENTES

COSMOVISÃO
CRISTÃ
COSMOVISÃO CRISTÃ
TEXTOS: At 3.18-21; 2 Co 5.19

At 3.18-21: É necessário que ele permaneça no céu até que chegue o tempo em
que Deus restaurará todas as coisas, como falou há muito tempo, por meio dos seus
santos profetas.
2 Co 5.19: Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo (Kosmos).
“Pensar cristãmente significa compreender que o cristianismo tem a verdade sobre
toda a realidade, uma perspectiva para interpretar todos os assuntos da vida” (Nancy
Pearcey).
O QUE É UMA COSMOVISÃO?

É de comum aceitação entre estudiosos cristãos que o termo cosmovisão foi


cunhado e utilizado originalmente no fértil período cultural da Alemanha dos séculos 18 e
19.
Emanuel Kant, filósofo de reconhecida influência no pensamento ocidental, a quem
é creditada a revolução copérnica da filosofia, teria cunhado o termo Weltanschauung,
traduzido posteriormente como o correlato inglês worldview, em português, cosmovisão.
O Termo teria sido utilizado quando da publicação de sua Crítica do julgamento, em 1790.
Weltanschauung (termo alemão que se pronuncia “veltanxauung”), 1 cosmovisão
ou mundividência é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo ou de toda uma
sociedade. Essa orientação abrange sua filosofia natural, seus valores fundamentais,
existenciais, normativos, seus postulados ou temas, suas emoções e sua ética. Outro
sentido do termo é o de uma imagem do mundo imposta ao povo de uma nação ou
comunidade, isto é, uma ideologia. O termo é um calco linguístico da palavra de origem
alemã que significa literalmente “visão de mundo” ou “cosmovisão”. Essa palavra alemã é
adotada regularmente em diversas línguas para expressar esses significados. Suas origens
etimológicas remetem ao século XVIII. Ela é um conceito fundamental na filosofia e
epistemologia alemã e se refere à uma “percepção de mundo ampla”. Adicionalmente, ela
se refere ao quadro de ideias e crenças pelas quais um indivíduo interpreta o mundo e
interage com ele.

1 wikipedia.org/wiki/Weltanschauung.
UMA BREVE HISTÓRIA DO CONCEITO DE COSMOVISÃO CRISTÃ2
O termo alemão Weltanschauung foi cunhado por Kant e veio depois a ser uma
palavra chave na mentalidade do idealismo alemão e do romantismo, sendo transmitido
via Fichte para Schelling, Schleiermacher, Schlegel, Novalis, Hegel e Goethe. Por volta de
1840, segundo Albert Wolters, o termo tinha se tornado um item padrão no vocabulário do
Alemão educado (p.15). Na década de 30 ele penetrou em outras línguas, e desde
Kierkegaard os filósofos tem buscado relacionar a nova idéia ao conceito mais antigo de
filosofia.
Devido à sua origem, o termo traz uma carga idealista-romântica bastante forte.
Uma característica importante do período foi o nascimento da consciência histórica,
marcada pela oposição ao intelectualismo grego-iluminista e pela ênfase no particular,
temporal e concreto.
Assim enquanto o termo filosofia, de origem grega, pertence a uma mentalidade
orientada para o universal e essencial, o termo alemão weltanschauung pertence a uma
mentalidade dominada pela relatividade histórica.
O primeiro a utilizar a noção de weltanschauung para expressar a visão de um
cristianismo integral abarcando todas as dimensões da cultura foi o teólogo escocês James
Orr (1884-1913). Suas palestras nas Kerr Lectures para 1890-91 foram publicadas com o
titulo The Christian View of God and Things. Nessa obra Orr afirma que o modernismo
deve ser enfrentado através do desenvolvimento de uma cosmovisão abrangente, na qual
princípio deve ser ordenado contra princípio. Declara também que

... a visão cristã das coisas forma um todo lógico que não pode ser... aceito ou
rejeitado por partes, mas permanece ou cai em sua integridade, e que pode apenas
sofrer com tentativas de amálgama ou compromisso com teorias que se apóiam em
bases totalmente distintas. (p. 95)

Nessa época Abraham Kuyper já era o líder inquestionável do neocalvinismo.


Através de suas atividades como teólogo, jornalista, político e líder cultural Kuyper já
vinha desenvolvendo uma ampla reforma da sociedade holandesa a partir do calvinismo e
em combate com o modernismo. Mas segundo Peter Heslam, um estudioso de Kuyper, foi
o contato com a obra de James Orr que levou Kuyper adotar o conceito de weltanschauung
como forma de descrever sua visão do cristianismo. Diferentemente de Orr, no entanto, ao
invés de traduzir o termo como visão de mundo, Kuyper preferiu a expressão sistema de
vida, uma expressão bem mais orientada para a prática. Ricardo Gouveia traduziu a
expressão como biocosmovisão.
Para Kuyper o calvinismo, que seria simplesmente a forma mais consistente de
cristianismo, não era exatamente uma teologia ou um sistema eclesiástico, mas uma
Cosmovisão completa com implicações para todas as áreas da vida, incluindo política,
arte, etc. O calvinismo deveria assim resistir a aliança com outros ismos culturais opostos
como o socialismo, o darwinismo, o positivismo e o liberalismo e desenvolver-se a partir
de seu princípio singular em busca da liderança cultural.

2 CARVALHO, Guilherme V.R. LEITE, Cláudio A.C. COSMOVISÃO CRISTÃ.


Entre as tarefas a serem realizadas estaria o desenvolvimento de uma filosofia
distintamente calvinística. Tanto Kuyper como Herman Bavinck e seu discípulo
Valentinus Hepp defendiam esse projeto.
Mas coube a D.H.T. Vollenhoven e Herman Dooyeweerd desenvolverem um
sistema maduro de filosofia reformada. Vollenhoven sempre seguiu Kuyper em sua noção
de que filosofia não é o mesmo que visão de mundo e da vida; é sua posterior elaboração
cientifica. (p. 22)
Dooyeweerd divergia um pouco. Inicialmente identificava a wetsidee como a
característica da cosmovisão que poderia se tornar operacional como um fator regulativo
na formação de teorias cientificas. Mas a partir da publicação de sua obra principal em
1935 ele defendeu que a filosofia deveria ser guiada pela religião sem a mediação da
Cosmovisão. Mas muitos acreditam que sua doutrina dos Ground-Motives ele reintroduz
sub-repticiamente o papel determinante da cosmovisão.

Visão de mundo cristão, ou cosmovisão cristã refere-se ao conjunto das distinções


filosóficas e religiosas que caracterizam o Cristianismo em relação a questões como a
natureza da verdade, a existência do homem, o sentido do universo e da vida, os
problemas da sociedade, dentre outros. O termo geralmente é utilizado de uma das três
maneiras abaixo:

 Um conjunto de cosmovisões expressas por aqueles que se identificam como


cristão;
 Elementos comuns de cosmovisões predominante entre aqueles que se
identificam como cristão;
 O conceito de uma única "visão cristã do mundo" sobre uma série de questões.

A IMPORTÂNCIA DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ

Uma Cosmovisão é baseada em um montante de crenças sobre os maiores temas da


vida que como seres humanos devemos inevitavelmente encarar. Nossa cosmovisão em
particular determina as lentes ou filtros que utilizamos para interpretarmos a realidade.

Este processo molda aquilo que cremos,

1. Afeta como vivemos,


2. Forma nossa opinião, e
3. Governa nossas ações, inações, ou reações em vida.

Uma das mais trágicas e perplexas realidades na Igreja Pós-moderna de hoje, é


a falta de consciente cosmovisão bíblica.

1. Apenas observando a condição de nossa cultura vamos nos conscientizar da


importância desta afirmação.
2. A triste verdade é, existem muitos crentes sinceros cuja cosmovisão tem sido
moldada pela educação, experiência, ou por partidos políticos, ao invés da
palavra de Deus.
3. Em outras palavras, a lente pela qual eles filtram a realidade e temas importantes
da vida, e dia a dia, vem de fontes que não são necessariamente enraizadas na
revelação bíblica.

Podemos afirmar que a adoção de uma cosmovisão cristã na história da Igreja se


iniciou com os apóstolos e está enraizada por toda a Escritura, tanto no Antigo como no
Novo Testamento. Porém, apenas em meados do segundo século, com a obra de Irineu de
Lion, os cristãos passaram a ter um sistema de pensamento teológico com pressuposições
próprias, desmembrando-se das concepções gregas.
Podemos definir cosmovisão, em geral, como um conjunto de crenças
fundamentais através das quais vemos o mundo. É a forma pela qual interpretamos e
percebemos a realidade ao nosso redor, seja de forma consciente ou inconsciente.
Cosmovisão é um conjunto de suposições e crenças que alguém usa para interpretar
e formar opiniões acerca da sua humanidade, propósito de vida, deveres no mundo,
responsabilidades para com a família, interpretação da verdade, questões sociais, etc. Um
cristão deveria ver essas coisas, e todas as demais, guiado pela luz que recebe da Bíblia.
A Bíblia tem muitas coisas a dizer acerca da natureza humana, propósito, verdade,
moralidade, etc., como também acerca do mundo. Mais frequentemente do que
imaginamos, a cosmovisão secular está em conflito com a bíblica. Por exemplo: onde o
mundo nos mostra um homem desenvolvido, a Bíblia diz que ele foi criado e é, em última
instância responsável diante de Deus. Onde o mundo diz que a moral é relativa, a Bíblia
diz que ela é absoluta. Onde o mundo diz que não há necessidade de salvação e redenção,
a Bíblia claramente declara que todas as pessoas têm necessidade de confessar os seus
pecados. O contraste é óbvio e profundo. Ambos não podem ser verdadeiros ao mesmo
tempo. O mundo secular exalta o homem ao ápice do desenvolvimento da evolução, o
soberano acima de tudo, ele domina, embora sendo apenas outro animal. Deus é
“relevante” aos sistemas de crença dos supersticiosos e incultos. Visões tão opostas, no
final das contas, acabarão por se confrontar.
Partindo do conceito de que cosmovisão é uma forma de enxergar o mundo, a
visão cristã vê e compreende toda a realidade a partir das lentes de Deus e do filtro das
Escrituras Sagradas. O Cristianismo autêntico possui uma estrutura plausível que fornece
as respostas contundentes para as principais perguntas do homem: Quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos? Qual o propósito da vida? Por que o mal existe?
Na medida em que nos aprofundarmos neste tema, vamos compreender duas coisas
básicas:
1) Cosmovisões distintas existem, mas não é possível concordar coerentemente com
as premissas centrais de duas ou mais cosmovisões;
2) Cosmovisão é como óculos, para que a realidade faça sentido é preciso visualizá-
la de acordo com uma cosmovisão coerente e verdadeira, ou seja, com as “lentes corretas”.
Existem sete cosmovisões básicas; são sete matrizes das quais as demais formas de
enxergar o todo derivam: Teísmo, Deísmo, Ateísmo, Panteísmo, Panenteísmo, Teísmo
Finito e Politeísmo. Com exceção da relação muito próxima entre o Panteísmo e
Politeísmo, não há compatibilidade entre as demais cosmovisões. Veja um pouco de cada
uma na tabela abaixo:

Sistema Cosmovisão Expresso no:


Um Deus infinito e pessoal existe além do e no
Judaísmo, Islamismo
Teísmo universo; Criou todas as coisas e sustenta tudo de
e Cristianismo.
modo sobrenatural.
Deus está além do universo, mas não nele. Pensamento de
Defende uma visão naturalista de mundo, assim Voltaire, Thomas
Deísmo
Deus não age sobrenaturalmente naquilo que Jefferson e Thomas
criou. Paine.
Pensamento de Karl
Não existe nenhum Deus além do ou no universo.
Marx, Frederich
Ateísmo Afirma que o universo físico é tudo que existe.
Nietzsche e Richard
Tudo é matéria auto-suficiente.
Dawkins.
Deus é o todo/universo. Não há um criador
Certas formas de
distinto, criador e criação são a mesma realidade.
hinduísmo, Zen-
Panteísmo O universo
Budismo
é Deus, a matéria é Deus, as pessoas o são.
e Ciência Cristã.
Tudo é Deus.
Deus está no universo, como a mente está no Pensamento de Alfred
Panenteísmo corpo. O universo é o ‘corpo’ de Deus, seu pólo Whitehead e Charles
real e tangível. O outro pólo está além deste plano. Hartshorne.
Pensamento de John
Existe um Deus finito além do e no universo. Deus
Teísmo Stuart Mill, William
é limitado em natureza e poder. Aceitam a criação,
finito James
mas negam a intervenção.
e Peter Bertocci.
Muitos deuses existem além do mundo e nele. Gregos e romanos
Politeísmo Tais deuses influenciam a vida das pessoas. antigos, mórmons e
Nega qualquer Deus infinito. neopagãos (wicca).
Pressupostos fundamentais
Autoridade das Escrituras – Criação, Queda e Redenção.
Outra maneira de se compreender a cosmovisão cristã é a partir da tríade bíblica
criação-queda-redenção. Essa tríade contraria o pensamento dualista (secular-sagrado) e
fornece os elementos necessários para a construção da perspectiva cristã, além de servir de
base para avaliar outras cosmovisões.
COSMOVISÃO CRISTÃ

I. CRIAÇÃO;

II. QUEDA;

III. REDENÇÃO;

IV. CONSUMAÇÃO

Stott divide a história bíblica em quatro temas principais, os quais devem ser
conhecidos pelos cristãos para capacitá-los a terem a verdadeira perspectiva de Deus
realizando seu propósito. Conhecer estas quatro realidades permite ao cristão entender
como se encaixam todas as coisas; uma forma de integrar à nossa compreensão a
possibilidade de pensarmos com clareza até mesmo sobre as questões mais complexas. Eis
aqui, portanto, os quatro eventos que correspondem a quatro realidades: primeiro,
Criação; segundo, a Queda; terceiro, a Redenção; e quarto, a Consumação.

Na Criação, vemos o Deus trino todo-poderoso, transcendente, autoexistente,


suficiente em si mesmo, eterno, santo e perfeito em todos os seus atributos, criando todas
as coisas que existem, desde as mais remotas e distantes galáxias até a terra e tudo o que
nela há. Vemos a criação do homem imago Dei, segundo a imagem do próprio Deus, em
estado de inocência e liberdade, debaixo do governo moral de Deus, ordenado a ser
responsável e obediente e a governar sobre todas as coisas criadas, para a glória do
criador.

Na Queda, vemos o homem transgredindo a lei de Deus e se afastando dele, caindo


de seu estado de inocência e felicidade e legando para a humanidade esta condição de
condenação, aprisionando sua liberdade às inclinações do pecado, sendo tanto responsável
por ele como vítima de sua poluição. Vemos o efeito da queda na criação, trazendo
maldição para este mundo e resultando na grande tragédia da história do homem.

Na Redenção, vemos ainda que Deus resolveu oferecer salvação ao homem – e o


fez de modo que sua justiça, ofendida pela transgressão da lei causada pelo pecado do
homem, fosse satisfeita. Em amor, desde os tempos eternos, Deus o Pai resolveu salvar
pecadores em seu Filho, Jesus Cristo, o qual, sendo um com Deus o Pai, entrou na
história, assumiu a natureza humana e viveu como homem, obedecendo toda a lei e
cumprindo toda a justiça de Deus o Pai, a ponto de oferecer-se a si mesmo como sacrifício
e propiciação a Deus em favor dos homens, justificando os pecadores que se achegam a
ele, movidos pela ação do Espírito de Deus que os regenera, em arrependimento e fé,
sendo reconciliados com Deus e adotados em sua família.

Vemos finalmente a Consumação de todas as coisas – como o cristão é preparado


nesta vida para a vida porvir; sendo santificado e perseverando em sua peregrinação.
Vemos o que acontece após a morte do homem, seja do justo ou do injusto, sobre o céu e
o inferno, o julgamento final, a ressurreição do corpo e a redenção final e definitiva da
criação: novos céus e nova terra – todas essas coisas operando segundo o propósito e
decretos de Deus e para glória dele.

REDENÇÃO

A história inteira da humanidade pode ser contada com apenas três palavras:

1. Geração. Geração refere-se ao ato de Deus de criar. [CRIAÇÃO].


2. Degeneração. Degeneração refere-se ao ato destruidor do Diabo. A
degeneração foi holística, atingiu céus e terra. [QUEDA].
3. Regeneração. A Regeneração consiste do processo de restaurar, ao seu estado
original, algo que sofreu um processo de Degeneração. [REDENÇÃO].

A cosmovisão reformada se distingue das demais em alguns pontos fundamentais.


Primeiro, ela estabelece a autoridade suprema das Escrituras, entendida como a revelação
da mente de Deus ao homem como único ponto de partida para a construção de uma
cosmovisão essencialmente cristã.

Em segundo lugar, ela oferece um escopo integral não-dualista para a formação de


uma cosmovisão a partir da união dos três aspectos fundamentais da revelação bíblica, a
tríade criação-queda-redenção. E por último salientamos a visão reformada plena da
soberania de Deus sobre a criação e o escopo integral da queda e a redenção total de Deus,
em Cristo Jesus.
Nessa concepção integral da cosmovisão reformada, são enfatizados aspectos
fundamentais de uma perspectiva cristã para as diversas áreas da vida. Primeiramente, o
lugar da criação é enfatizado na concepção de mundo e vida cristãos. A mensagem cristã
não se inicia com o apelo à salvação, mas com a doutrina da boa criação de Deus. Apenas
Deus é a fonte da ordem criada. Não existem forças naturais independentes. Deus
estabelece a ordem e estrutura do cosmos em suas diversas dimensões - tanto em sua
dimensão física, presente nas leis naturais, quanto em sua dimensão humana, presente nos
princípios da moralidade, da justiça, da ética, da economia, da estética e da lógica. Não há
esfera da realidade que esteja fora do escopo da boa criação de Deus, e todo cristão é
responsável por cultivar e desenvolver as potencialidades dessa criação.

Em segundo lugar, o conceito de queda reformado estabelece que a universalidade


da criação foi manchada pela universalidade do pecado. Todas as esferas citadas acima
foram afetadas pelo escopo universal do pecado, estando em um estado presente de
rebelião contra Deus. Isso não indica, entretanto, que a estrutura da criação seja má, mas
que a direção dessas esferas, tanto nas dimensões físicas quanto humanas, estão em um
estado disfuncional, precisando de restauração. O reconhecimento do efeito do pecado
sobre a mente humana (efeito noético) é de importância singular na concepção reformada
e torna nula qualquer tentativa autônoma de restaurar o conhecimento verdadeiro sobre
Deus e a realidade à parte da revelação.

Concluindo a tríade bíblica, o conceito de Redenção se apresenta tão compreensivo


quanto o da Criação e o da Queda. Na tradição reformada graça restaura a natureza, ou
seja, o escopo da salvação de Cristo não se aplica apenas à dimensão espiritual do homem,
mas à criação toda, originalmente boa. A totalidade da pessoa humana é restaurada pela
graça de Deus, incluindo sua mente. Deus em sua graça restaurará todas as dimensões da
vida distorcidas pela queda, dando ao homem a capacidade de atuar no presente, visando à
implantação do reino de Deus na terra. Esses três elementos básicos de uma cosmovisão
cristã devem, assim, se manter em um estado constante de equilíbrio, pois compõem uma
só verdade. Quando se enfatiza a criação e seus potenciais, em detrimento da queda, corre-
se o risco da adoção de uma visão utópica e romântica da realidade presente. Se o
contrário ocorre, o cristianismo torna-se uma religião pessimista com ênfase no abandono
da realidade criada por Deus. Se a ênfase estiver na redenção, em detrimento do pecado,
corre-se o risco da adoção de um cristianismo superespiritualizado. E assim por diante.

Como propôs James Orr, o principal desafio do cristianismo em relação à cultura


moderna não é uma oposição de detalhes, mas de princípios. Essa circunstância precisa de
uma extensão igual na linha de defesa. Como é a visão cristã das coisas em geral que é
atacada, apenas pela exposição e vindicação da visão cristã das coisas como um todo este
ataque poderá ser detido. E esta é a proposta da cosmovisão cristã reformada - apresentar
princípios gerais do cristianismo que nos orientarão na sua integração com as diversas
dimensões da vida, enriquecendo a vida cristã e a capacidade da igreja em expandir o
reino de Deus sobre a terra.

A palavra de Deus na criação tem extensão nas estruturas da sociedade no mundo


das artes, nos negócios, pois Deus criou as coisas para serem vividas e recebidas com
ações de graça. Por isso, a revelação da criação divina comunica Sua existência e Seu
domínio em todas as esferas da vida.

A idealização divina ao criar não se limitou a esfera espiritual do homem, mas no


desenvolvimento holístico do homem, onde a terra criada será social e cultural,
promovendo a civilização, pois leis criacionais foram validadas para o mundo da flora e da
fauna, como leis validadas para a sociedade e a cultura que homem iria formar.

Criação

Criação – O primeiro elemento da cosmovisão cristã aponta para a origem de todas


as coisas: a Criação. A Escritura registra que tudo o que existe foi criado. No principio
criou Deus o céu e a terra (Gn 1.1). Portanto, o cosmos não é resultado do acaso e o
homem não é fruto de processos biológicos aleatórios. A complexidade e a beleza do
universo e de todas as criaturas demonstram a impossibilidade de que sejamos o resultado
de meros efeitos físicos. Davi disse: “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento
anuncia a obra das Suas mãos” (Salmo 19.1). O apóstolo Paulo também escreveu:
“Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho
manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno
poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão
criadas, para que eles fiquem inescusáveis (Rm 1.19-20).

Podemos definir a doutrina da criação da seguinte maneira: Deus criou o universo


inteiro do nada; ele era originariamente muito bom; e ele o criou para glorificar a si
próprio.

A Bíblia claramente requer que creiamos que Deus criou o universo do nada.
(Algumas vezes a expressão latina ex nihilo, “do nada”, é usada; diz-se então que a Bíblia
ensina a criação ex nihilo). Isso significa que, antes de Deus ter começado a criar o
universo, nada mais existia exceto o próprio Deus.

Essa é a inferência de Gênesis 1.1 que diz: “No princípio Deus criou os céus e a
terra”. A frase “os céus e a terra” inclui a totalidade do universo, O salmo 33 também nos
diz: “Mediante a palavra do SENHOR foram feitos os céus, e os corpos celestes, pelo
sopro de sua boca [...] Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo surgiu” (Sl 33.6,9).

No NT encontramos uma afirmação de caráter universal no começo do evangelho


de João: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe
teria sido feito” (Jo 1.3). A expressão “todas as coisas” é mais bem entendida como
referindo-se à totalidade do universo (cf.At 17.24; Hb 11.3). Paulo é totalmente explícito
em Colossenses 1 quando especifica todas as partes do universo, tanto as visíveis como as
invisíveis: “pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e sobre a terra, as visíveis e as
invisíveis, sejam tronos ou soberanias, poderes ou autoridades; todas as coisas foram
criadas por ele e para ele” (Cl 1.16).
Hebreus 11.3 diz: “Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de
Deus, de modo que aquilo que se vê não foi feito do que é visível”. Essa tradução reflete
de modo exato o texto grego. Embora o texto não ensine realmente a doutrina da criação
ex nihilo, ele chega próximo de fazer isso, visto que diz que Deus não criou o universo de
nada que é visível.

A idéia um tanto estranha de que o universo poderia ter sido criado de alguma coisa
que era invisível provavelmente não estivesse na mente do autor. Ele está contestando a
idéia de a criação ter vindo de alguma matéria preexistente, e para esse propósito o
versículo é inteiramente claro.

Porque Deus criou a totalidade do universo do nada, nenhuma matéria no universo é


eterna. Tudo o que vemos as montanhas, os oceanos, as estrelas, a própria terra — veio à
existência quando Deus os criou. Isso nos lembra que Deus governa todo o universo e que
nada na criação deve ser adorado a não ser Deus. Contudo, se negássemos a criação ex
nihilo, teríamos de dizer que algum tipo de matéria já existia e que ela, como Deus, é
eterna. Essa idéia desafiaria a independência e a soberania de Deus, bem como o fato de
que a adoração é devida a ele somente. Se a matéria existisse separada de Deus, então que
direito inerente teria Deus de governá-la e usá-la para a sua glória? E que confiança
poderíamos ter de que cada aspecto do universo cumpre de modo supremo os propósitos
divinos, se algumas partes dele não foram criadas por Deus? O lado positivo de que Deus
criou o universo ex nihilo é que esse universo tem significado e propósito. Deus, em sua
sabedoria, criou-o para alguma coisa. Devemos tentar entender esse propósito e usar a
criação de modo que ela se encaixe nesse propósito, a saber, o de trazer glória ao próprio
Deus. Além disso, sempre que a criação nos traga satisfação (cf. 1 Tm 6.17), devemos
agradecer a Deus, que criou todas as coisas.

O CRIADOR E A CRIAÇÃO
Apesar da ausência dos termos Rei e Reino no relato da Criação (Gn.1,2), a idéia de
Reino está presente aqui e em toda a Escritura, principalmente no período da monarquia
em Israel (Sl 103.19). Evidentemente elas não apresentam nenhuma definição absoluta
para Reino de Deus. Mas se considerarmos o conceito mais básico de Reino, o que
implicaria na presença de um Rei que governa soberano seu Reino, então não há dúvidas
de que Deus Yahweh é o Rei absoluto e soberano sobre todas as coisas e nada escapa do
seu domínio.
Na criação, mais do que em qualquer outro registro bíblico, é possível perceber
Deus Yahweh usando suas prerrogativas reais. Em primeiro lugar como soberano
absoluto Deus Yahweh criou, não por constrangimento ou necessidade, mas por livre
vontade. Há muitos conceitos correlatos que poderíamos usar para identificarmos a
motivação de Yahweh para criar, sendo que, aquela mais inclusiva é a de que Ele criou
para revelar sua glória com vistas ao seu próprio deleite e adoração das suas criaturas
(Ef.1.11).
Em segundo lugar, o resultado da ação criadora do Rei foi o Reino Cósmico. A
diversidade dos elementos presentes neste reino e a maneira como eles se relacionam
harmoniosamente revelam a sabedoria de Yahweh. Deve-se lembrar que, ao criar este
reino cósmico, Ele iniciou um processo, o que implica num percurso linear, numa
consumação gloriosa onde o cosmos é o palco para Deus Yahweh se revelar cada vez mais
glorioso. Nesse particular devemos notar que Ele não apenas o criou, mas o mantém e
dirige de acordo com seus planos e projetos reais.
Em terceiro lugar este reino cósmico foi criado para funcionar a partir de leis e
modelos implantados pelo próprio Rei. Entre estes podemos destacar a maneira como este
Rei decidiu relacionar-se com seus súditos: o pacto. Introduzido divinamente pela
atividade monergística e unilateral, mas seguido pela responsabilidade do homem em
obedecer aos mandatos e as ordenanças presentes na estrutura da criação do reino
cósmico.
O primeiro é o mandato cultural. Nele o homem é convocado a se relacionar com
os cosmos e exercer o papel da sujeição e domínio (Gn 1.28), guarda e cultivo (Gn 1.17).
Extrair o máximo do cosmos para produzir, por meio das capacidades que foi dotado, o
habitat em que a vida humana deveria se desenvolver.
O segundo é o mandato social. Ao criar homem e mulher, Deus Yahweh ordenou
como deveria ser o relacionamento entre eles, forneceu princípios para o convívio social e
determinou-lhes a fecundidade.
O terceiro é o mandato espiritual. Nele, homem e mulher, deveriam responder ao
Criador num relacionamento de vida e amor. Para tanto eles foram criados com suficientes
condições (Imago Dei) para exercer este mandato. Desfrutando dos benefícios da
comunhão com o criador e alertados quanto às implicações da quebra deste vínculo
relacional com aquele que é Espírito (Gn 2.16,17).

Compreender toda a realidade tendo como fundamento a Criação tem implicações


bem práticas na vida das pessoas.

Propósito. Em primeiro lugar, a Criação aponta para o propósito da vida humana,


por isso ela tem sentido e significado. O homem é fruto de um desígnio perfeito de um
Deus amoroso (Jo 3.16) e sábio. Não somos acidentes e muito menos vivemos à deriva,
sem rumo e sem direção.
“E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.2).
Ao contrário da cosmovisão cristã, a cosmovisão naturalista pressupõe a
inexistência de finalidade para a vida humana. A partir dessa concepção é possível
perceber trágicas consequências dai advindas. Se a nossa existência não tem nenhum
propósito, logo a vida não tem sentido. Se a vida não tem sentido, resta somente um
mundo vazio e desprovido de significado, onde impera o caos e a desesperança.

Ravi Zacharias

“Quando alguém tenta viver sem Deus, as respostas à moralidade, à esperança e ao


sentido da vida o enviam ao seu próprio mundo para moldar para si uma resposta
individualizada. Viver sem Deus significa elevar-se com a ajuda de seus próprios
instrumentos metafísicos, sejam quais forem os meios escolhidos... Pode então o homem
viver sem Deus? Claro que pode, no sentido físico. Pode viver sem Deus de maneira
racional? A resposta é: Não!; porque tal pessoa é compelida a negar a lei moral, a
abandonar a esperança, a privar-se do significado e a arriscar-se a não se recuperar, se
estiver errada. A vida já oferece muita evidência do contrário. Fora do Cristo não há lei,
não há esperança e não há sentido. Você, e só você, é aquele que vai determinar e definir
estes elementos essenciais da vida; e você e só você, é o arquiteto da sua própria lei moral;
você e só você, idealiza sentido para a sua vida; você, e só você, arrisca tudo o que tem
baseado numa esperança que você imagina”. A perspectiva cristã, tendo como fundamento
o ato criativo e proposital de Deus, diz que a vida tem sentido e por isso há esperança (Hb
10.23), a qual está ancorada em Jesus Cristo (Hb 3.6; 6.19), “porque nele foram criadas
todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam
dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele” (Cl
1.16).

Dignidade

A segunda implicação da doutrina cristã da Criação é a dignidade da pessoa. Em Gn


1.26-27 lemos o seguinte:

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e


domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a
terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua
imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1.26-27). Essa
passagem bíblica é paradigmática e estabelece o princípio segundo o qual todas as pessoas
devem ser tratadas com dignidade, uma vez que temos a imagem de Deus, as suas
“impressões digitais”. A dignidade da pessoa humana não é somente uma ideia cristã,
como também um atributo universal próprio do ser humano, de procedência transcendente,
que gera uma pretensão universal de reconhecimento, respeito e proteção tendo como
destinatários todos os indivíduos e todas as formas de poder político e social.

O jurista português Jônatas Machado lembra que para a visão do mundo judaico -
cristã, essa dignidade especial de ser criado à imagem e semelhança de Deus manifesta-se
nas peculiares capacidades racionais, morais e emocionais do ser humano, na sua postura
física erecta, sua criatividade e na sua capacidade de articulação de pensamento e discurso
simbólico, distinta de todos os animais, por mais notáveis que sejam as suas
características. Jónatas destaca ainda que a teologia da imagem de Deus (imago Dei)
constitui a base das afirmações de grandes pensadores da história, a exemplo de Francisco
de Vitória, Francisco Suareza, Hugo Grócio, Samuel Pufendorf, John Milton, John Lock
James Madison e Thomas Jeferson, sobre a dignidade, a liberdade e a igualdade, as q uais
viriam a frutificar no mundo jurídico, especialmente o direito a liberdade individual e a
capacidade de autodeterminação democrática do povo. Ao contrário da cosmovisão cristã,
as demais cosmovisões não possuem uma base firme o suficiente na qual a defesa da
dignidade humana possa se apoiar. Qual é a justificativa pela qual as pessoas devem ser
tratadas com respeito e justiça se elas são meros acidentes biológicos?
Igualdade

Outro princípio subjacente da Criação é a igualdade. Se todos partem do mesmo


Criador, não há razão e muito menos justificativa para um ser humano seja considerado
superior ou inferior ao outro, por isso a premissa judaico-cristã que todos merecem ser
tratados sem distinção, independentemente da cor, raça, sexo, etnia ou religião. O
fundamento do tratamento igualitário é o próprio Deus que não faz acepção de pessoas (At
10.34). Por esse motivo, o apóstolo Paulo escreve: Nisto não há judeu nem grego; não há
servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus (Gl
3.28). Dinesh D´Souza lembra que “o caráter precioso e a igualdade de valor de cada vida
humana é um conceito cristão”. Os cristãos sempre acreditaram que Deus atribui a cada
vida humana que cria um valor infinito e que ama a cada pessoa de igual modo. No
Cristianismo, você não é salvo por meio de sua família, tribo ou cidade.

Queda

Queda – Esse elemento da cosmovisão cristã explica o que houve de errado com o
homem e porque há tantas mazelas no mundo. O texto bíblico registra o seguinte:

“E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o


guardar. E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim
comerás livremente; Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás;
porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. (Gn 2.15-17). Apesar de terem
sido criados como seres perfeitos por Deus, com livre arbítrio, inocência e pureza, Adão e
Eva resolveram quebrar o pacto e desobedecer ao mandamento divino. “E viu a mulher
que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para
dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu
com ela”. (Gn 3.6).

A queda como outro ponto decisivo na história da revelação. A extensão da


desobediência do homem atingiu o mundo não-humano também. Todas as estruturas da
sociedade foram atingidas e se rebelaram contra o Criador. Com a queda a criação é mal
usada e explorada para fins pecaminosos.

Como consequência, o estado original foi bruscamente alterado, provocando


separação entre Deus e o homem, morte (Rm 5.12), mal e desordem. Além disso, o solo se
tornou menos fértil e a comida mais escassa (Gn 3.18,19). Em virtude da Queda o homem
se tornou propenso ao pecado. Todos, indistintamente (Rm 3.10), não nascem bons (como
dizia Jean Jacques Rousseau) mas maus. Por isso, embora queiramos fazer o bem, a carne
decaída nos impulsiona a fazer o que é errado. Esse dilema é bem explicado por Paulo:

“Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que
aborreço isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. De maneira
que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que
em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em
mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que
não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado q ue
habita em mim. (Rm 7.15-20).

Depravação Total

A Depravação Total é o primeiro ponto abordado pelas Doutrinas da Graça.

Definição: Todos os homens nascem totalmente depravados, incapazes de se salvar


ou de escolher o bem em questões espirituais. Para reforçarmos um pouco mais segue o
que Thomas Paul Simmons, D.Th escreve sobre o assunto. “As Escrituras ensinam que a
extensão do pecado no ser humano é total. Isto é o significado de depravação total”.

A depravação total quer dizer que o pecado permeou cada faculdade do ser humano
assim como uma gota de veneno permeia cada molécula de um copo de água. O pecado
urdiu cada faculdade no homem e assim ele polui todo ato seu.

Prova da Depravação Total

A. O homem está depravado na Mente. Gn 6.5.


B. No coração. Jr 17.9.
C. Nos afetos, de maneira que o homem é oposto a Deus. Jo 3.19; Rm 8.7.
D. Na consciência. Tt 1.15; Hb 10.22.
E. Na palavra. Sl 58.3; Jr 8.6; Rm 3.13.
F. Depravado da cabeça aos pés. Sl 1.5,6; Is 1.6.
G. Depravado ao nascer. Sl 51.5; 58.3.

O Efeito da Depravação Total

A. Nenhum resquício de Bem Fica no Homem por Natureza. Rm 7.18.


B. Portanto, o Homem, por Natureza, não pode sujeitar-se a Lei de Deus ou
Agradar a Deus. Rm 8.7,8.
C. O homem, por Natureza, está Espiritualmente Morto. Rm 5.12; Cl 2.16; 1 Jo
3.14.
D. Logo, Ele não pode Compreender as Coisas Espirituais. 1 Co 2.14.
E. Dai, Ele não pode, até que se vivifique pelo Espírito de Deus, voltar do Pecado a
Deus em Piedoso.

TRÊS ELEMENTOS FORAM PERDIDOS COM O PECADO: Gn 3

1. A Alma - “Porque no dia em que dela comeres, morto morrerás” (Gn 2.17).
2. O Corpo - Não poderia comer da Árvore da Vida (Gn 2.17).
3. A Terra - Ele perdeu o domínio. A Terra foi amaldiçoada (Gn 3.17).
[KOSMOS].

OS TRÊS ELEMENTOS SOFREM A REDENÇÃO

1. Redenção da alma: A Conversão: Gl 3.13; Tt 3.5.


2. Redenção do corpo: A Ressurreição: Rm 8.23
3. Redenção da Terra e do kosmos: A Segunda Vinda de Cristo: Rm 8.21; At
3.21; Mt 19.28; Ap 5.1-7.

Redenção – Completando a tríade da cosmovisão bíblica temos a Redenção,


elemento este que mostra a forma de resolver o problema da Queda. Ainda no livro de
Gênesis encontramos a promessa divina da redenção (Gn 3.15).
Há um mitte de interpretar que sintetiza a Bíblia e a Teologia Sistemática. É o que
procura estudar as Escrituras à luz de três conceitos básicos: Reino, Pacto e Mediador (O
Go’el). De acordo com esses conceitos, o Reino apresenta a idéia de um Senhor soberano
que domina do seu Trono sobre todas as coisas. O Pacto é o instrumento de administração
desse Reino, estabelecido com o homem pelo Senhor, de forma unilateral, na criação.
O Pacto trata do relacionamento do homem com o universo (mandato cultural), do
relacionamento do homem com os demais seres humanos (mandato social) e do
relacionamento do homem com Deus (mandato espiritual). O Mediador (O Go’el) é o
agente na administração do Pacto. O Mediador é o Redentor que providencia a Redenção.
Os três grandes atos da Santa Trindade na recuperação da humanidade perdida são:
eleição por parte do Pai, redenção por parte do Filho, chamada por parte do Espírito
Santo - como sendo dirigidos às mesmas pessoas, garantindo infalivelmente a salvação
delas.
Esta Redenção é eterna:
Cl 1.14: “Em quem temos a redenção, a saber, a remissão dos pecados”;
Hb 9.12: “e não pelo sangue de bodes e novilhos, mas por seu próprio sangue,
entrou uma vez por todas no santo lugar, havendo obtido uma eterna redenção”.
A redenção é um ato de Deus pelo qual Ele mesmo paga como um resgate o preço
do pecado humano que insultou a santidade e o governo que Deus exige. A redenção
oferece a solução ao problema do pecado, como a reconciliação oferece a solução ao
problema do pecador, a propiciação oferece a solução ao problema de um Deus ofendido.

A palavra Redenção - ‫( גְּאֻ לָּה‬Ge’ullâ) origina-se numa lei do Antigo Testamento.


Quando os filhos de Israel possuíram a Terra Prometida, tomaram providências para que
ela ficasse sempre distribuída igualmente entre as famílias. Poderia ser vendida, mas a
escritura tinha validade de um arrendamento, que expirava automaticamente no Ano do
Jubileu (que ocorria de 50 em 50 anos) e então a propriedade voltava ao dono original. Se
uma pessoa perdesse suas terras ou as vendesse, desse modo despojando os filhos de uma
herança, um parente poderia comprá-la de volta, a qualquer momento, pagando o valor
dela até o Ano do Jubileu. Assim a terra voltaria ao proprietário original. O homem que
fazia isso era chamado de GO’EL - Resgatador ou parente Remidor, e o processo era
conhecido como resgate de uma propriedade comprada. Era uma propriedade comprada
porque fora comprada por pessoa fora da família, e achava-se sujeita ao resgate, se
houvesse um parente que pudesse e quisesse pagar o preço do resgate.

Quando um terreno era vendido nessas condições, lavrava-se uma escritura. Do


lado de dentro eram escritas as especificações da transação e do lado de fora ficavam as
assinaturas. Depois, a escritura era enrolada e selada. Uma escritura selada era a prova de
que aquele terreno estava sujeito a resgate. O Resgatador poderia romper o lacre (os
selos), que eram um ato equivalente à queima de uma hipoteca (Jr 32.6-15).

O tema central da Bíblia é a Redenção


1. O Antigo Testamento: a preparação do Redentor.
2. Os Evangelhos: a manifestação do Redentor.
3. Os Atos: a proclamação da mensagem do Redentor.
4. As Epístolas: a explicação da obra do Redentor.
5. O Apocalipse: a consumação da obra do Redentor.

A Regeneração consiste do processo de restaurar, ao seu estado original, algo


que sofreu um processo de Degeneração. [REDENÇÃO].

O Ponto de Vista reformado da Redenção

“A cosmovisão reformada se distingue das demais em alguns pontos fundamentais.


Primeiro, ela estabelece a autoridade suprema das Escrituras, entendida como a
revelação da mente de Deus ao homem como único ponto de partida para a construção de
uma cosmovisão essencialmente cristã. Em segundo lugar, ela oferece um escopo integral
não-dualista para a formação de uma cosmovisão a partir da união dos três aspectos
fundamentais da revelação bíblica, a tríade criação-queda-redenção. E por último
salientamos a visão reformada plena da soberania de Deus sobre a criação e o escopo
integral da queda e a redenção total de Deus, em Cristo. Jesus”.

“Na tradição reformada a Graça restaura a natureza, ou seja, o escopo da salvação


de Cristo não se aplica apenas à dimensão espiritual do homem, mas à criação toda” (O
planeta Terra e todo o Universo).

“Cristo não morreu apenas a reconciliação dos homens, mas para a reconciliação do
Cosmo - κόσµον (2 Co 5.19)”.

Deus não seria o Criador de todas as coisas se não quisesse a Redenção de todas as
coisas.

Nem o céu nem a Terra serão aniquilados. Durante o Milênio, eles serão
“regenerados” (Mt 19.28) e no Estado Eterno - Reino Eterno, serão “santificados” (2 Pe
3.10-13). Por que causaria estranheza a idéia de a matéria existir para sempre? Se Deus
desejar que ela continue, então toda a opinião humana em contrário nada vale.
Observemos que, da mesma forma que a justiça reinará na Terra durante o Milênio,
habitará também na nova Terra (2 Pe 3.13). Alguns dos redimidos, sem dúvida, estarão no
lar - na Nova Jerusalém, mas mesmo os que habitarem na Nova Terra terão contato com o
Novo Céu (Ap 21.24).

“A perfeição em Deus extrapola as estruturas da história da humanidade e, num


movimento abrangente, o ser humano vê que a salvação inclui o universo em sua
totalidade. A humanidade, junto com o cosmo inteiro, será integrada por Jesus Cristo .
Essa cosmovisão já foi prenunciada, na década de 1950, pelo teólogo e paleontólogo
Pierre Teilhard de Chardin”.

Neste estágio chamado redenção, não é uma questão de acrescentar uma dimensão
espiritual à vida humana, mas é uma questão de dar nova vida e vitalidade àquilo que
existe, pois toda a criação esta incluída no escopo da redenção em Cristo Jesus. A
redenção significa restauração, ou seja, o retorno à bondade de uma criação original; a
restauração afeta toda a vida criacional e, não apenas uma área da vida. A renovação que é
direcionada para Cristo Jesus abrange renovações sociais e pessoais, sem dualidades
fragmentadoras do ser humano. Todas as coisas estão debaixo do domínio da graça de
Deus e, o sistema corruptor perpetrado pelo diabo não pode criar polaridade entre o
público e o privado.

A Criação do Novo Céu e da Nova Terra

Após o término da regeneração do céu e da terra atuais no fim do milênio, João


declarará: e vi um novo céu e uma nova terra (Is 65.17; 66.22; 2 Pe 3.13; Ap 21.1). Por
meio de um ato regenerador, Deus faz surgir um novo céu e uma nova terra. Como Deus
criou os céus e a terra atuais para serem o cenário da sua demonstração teocrática, assim
também criará o novo céu e a nova terra para serem o cenário do reino teocrático eterno. A
Regeneração consiste do processo de restaurar, ao seu estado original, algo que sofreu um
processo de Degeneração.

A nova terra é o cenário da meta final da redenção. Em Ap 5 vimos o Cordeiro,


o Leão da tribo de Judá, rasgando os selos da Escritura da redenção da terra, agora (Ap 21)
vemos a concretização da mesma, a Nova Jerusalém descendo: “Agora o tabernáculo de
Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos (no grego
está no plural - λαοί - laoí); o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus” (Ap 21.3).

“Esta Terra que tem sido consagrada pela ‘presença do Filho de Deus’, onde foi
feito o sacrifício mais custoso que jamais houve, no Calvário, a fim de redimir uma raça
perdida, e para a qual Deus tem reservado um grande futuro, é um lugar por demais
sagrado para ser extinta ou deixada de existir, porquanto é o planeta mais querido na
mente de Deus, dentre toda a Sua vastíssima criação” (Clarence H. Larkin).

O novo céu e a nova terra não resultarão de alguma catástrofe no fim do milênio.
Pelo contrário, são resultantes do processo de redenção e do reinado de Cristo durante mil
anos. É inconcebível que a obra redentora de Cristo, que culminará com o reinado milenar,
venha a resultar num fracasso caótico como a destruição do planeta.

Evangelho Equilibrado
Como explica Rodolfo Amorim, esses três elementos básicos [Criação, Queda e
Redenção] devem se manter em estado de constante equilíbrio, pois contém uma só
verdade. “Quando se enfatiza a Criação e seus potenciais, em detrimento da Queda, corre-
se o risco da adoção de uma visão utópica e romântica da realidade presente. Se o
contrário ocorre [a ênfase da Queda em detrimento da Criação], o cristianismo torna-se
uma religião pessimista com ênfase no abandono da realidade criada por Deus. Se a ênfase
estiver na redenção, em detrimento do pecado [Queda], corre-se o risco da adoção de um
cristianismo superespiritualizado”.

Sendo assim, uma teologia genuinamente bíblica deve manter o necessário


equilíbrio: que toda a realidade criada vem da mão de Deus e era original e
intrinsecamente boa [Criação]; que tudo foi arruinado e corrompido pelo pecado [Queda];
e que, mesmo assim, tudo pode ser redimido, restaurado e transformado pela graça de
Deus [Redenção].

Leão da Tribo de Judá


O Redentor – O Go’el

PRINCIPAIS COSMOVISÕES

Como já dissemos, cada indivíduo sobre a face da terra, quer esteja consciente disto
ou não, possui uma cosmovisão. Portanto, são várias as cosmovisões, pois são muitos os
elementos que as determinam. A cosmovisão é como uma fita cassete que fica tocando
uma música dentro da mente da cada pessoa. A maioria de nós ainda não se deu conta do
nível de influência que esta percepção da realidade tem em nosso comportamento, mas ela
está muito presente e produz efeitos em todas as esferas da vida.
Não só para realizar as tarefas básicas da igreja, evangelizando, discipulando e
defendendo a fé cristã, mas também para realizar o mandato cultural de forma efetiva e
transformadora, precisamos conhecer num nível profundo três cosmovisões: a nossa
própria, a daqueles a quem vamos servir, e a cosmovisão bíblica, que é aquela que
queremos transmitir, bem como a referência para a nossa própria.
Cada indivíduo possui a sua própria interpretação particular da realidade, como
vimos. Nesse sentido há tantas cosmovisões quanto são as cabeças. Mas há padrões que se
repetem na formação de qualquer cosmovisão. Assim, podemos tentar classificar as
cosmovisões.
Investigando o tema, percebemos que há diversas tipologias de cosmovisão, com
diferentes ênfases. Na verdade, temos razões para crer que até mesmo as diferenças
tipológicas refletem diferenças de cosmovisão!
a) A Tipologia Histórica Kuyperiana

Uma das primeiras classificações do ponto de vista cristão foi a realizada por
Kuyper, em suas Stone Lectures. Ele identificou quatro cosmovisões principais: o
Paganismo, o Romanismo, o Modernismo e o Calvinismo. O Paganismo corresponderia às
cosmovisões religiosas primitivas, anteriores ao advento da ciência. O Romanismo seria
uma tentativa de fundir o paganismo com o cristianismo. O Modernismo seria a
cosmovisão naturalista-científica da modernidade, e o Calvinismo a melhor expressão
moderna da cosmovisão cristã.
A tipologia de Kuyper foi posteriormente aprofundada e desenvolvida por
Dooyeweerd e Vollenhoven, na sua teoria dos Ground-Motives, ou motivos-base da
cultura ocidental. Vamos tratar dessa tipologia mais adiante.

b) A Tipologia Estrutural de Darrow Miller

Darrow Miller, um autor contemporâneo bastante influenciado pela cosmovisão


reformada, classifica as cosmovisões em três grandes grupos distintos e antagônicos entre
si. Segundo D. MILLER. (2002), embora relativamente genérica, esta classificação de
agrupamentos representa bem as ideias e percepções que imperam nos corações e mentes
dos homens de uma forma em geral. Resumidamente são:

1) Secularismo: a realidade é primordialmente física. Tudo o que existe é o mundo


material. A dimensão espiritual não existe, ou, se existe é uma incógnita. Através da
evolução da natureza física as formas de vida inferiores se desenvolveram e tornaram-se
conscientes de si mesmas. É o caso da humanidade, que superou a superstição de Deus
usando a tecnologia para tornar mais confortável sua vida sem propósito. Esta evolução,
principalmente em sua vertente científica, não abre possibilidade para o sobrenatural,
deste modo tudo é uma mistura impessoal de matéria com tempo e acaso. O conhecimento
se dá por informação na mente humana. A verdade não corresponde à realidade, mas ao
que o indivíduo acredita em sua razão. A natureza do cosmo é apenas física, estando nas
mãos da humanidade. É um conjunto de recursos materiais impessoais que formam um
sistema fechado. O ser humano age como um consumidor, e as leis da natureza são regidas
por sua vontade exploradora. Por exemplo, não é a lei da natureza que determina que um
urânio enriquecido seja elaborado durante anos, mas sim o ser humano que decide obtê-lo,
nem que seja necessário enriquecê-lo. Assim, o ser humano termina por ser apenas um
animal, que precisa ser satisfeito, viver e morrer. É uma vida que evoluiu e que vive sem
nenhum propósito, a não ser o de aproveitar enquanto a morte não chega. A ética é
situacional, depende da situação, se for eficiente, útil e desejável, então é certo, senão, é
errado. Tal pragmatismo leva a uma conjuntura de imoralidade, pois um quebrará a moral
subjetiva do outro. O pressuposto é uma moral violada. A história é uma correria sem
propósito, pois estão acabando os recursos, o tempo está passando e o final é nada! É
preciso aproveitar, senão depois será tarde. Se existe pobreza, é porque faltam recursos
materiais, ou porque uns têm muito e outros têm pouco. Afinal, como não há Deus, a vida
humana é uma mera manifestação física e, portanto, tem pouco valor. Somos animais
racionais, fruto da evolução. O mundo sobrenatural não existe ou simplesmente não temos
acesso a ele. É a cosmovisão que prevalece no moderno ocidente e se espalha pelo mundo
todo, manifestando-se sob a forma de hedonismo, consumismo, e excessiva tolerância, etc.

2) Animismo: está em outro extremo em relação ao secularismo. A realidade é


primordialmente espiritual, e em alguns casos o mundo físico é considerado apenas uma
ilusão. Tudo é um UM espiritual. Há vários deuses e espíritos individuais relacionados a
este UM. A vida é um conflito entre essas forças espirituais, assim o conhecimento não é
possível, pois dependem dessa dinâmica de forças. O cosmo, bem como a verdade é um
mistério, incognoscível, pois dependem do acaso ou da sorte ou do destino, tudo é
irracional, pois tudo está aberto à intervenção espiritual, mas não humana. A natureza é
animada ou viva, divina. É como uma deusa para ser servida enquanto consciência
cósmica, é a mãe natureza. As leis naturais são variáveis de acordo com tais intervenções.
O ser humano é uma entidade espiritual que está em barganha com todas essas forças
neste UM cósmico. O certo e errado, bem como o bem e o mal não podem ser
distinguidos, pois se interpenetram, e assim, o estado de arte é amoral, ou seja, sem código
definido. A história é cíclica, sempre em movimento. Não há finalidade clara, nem nitidez
de tempo, pois este é quase infinito ou imensurável. Não há porque se preocupar com o
tempo, se não for agora, será depois. A pobreza existe por causa dos demônios ou da ira
dos deuses, que trazem secas, terremotos, enchentes, etc. Se alguém está doente, a causa é
sempre espiritual. O objetivo do ser humano é viver em paz e harmonia com a natureza e
os deuses, apresentando sacrifícios e oferendas para isto. Podemos barganhar com os
deuses. Poder é mais importante que caráter. Esta perspectiva está presente nas religiões
antigas e tribais, bem como no panteísmo oriental. O zen-budismo e o hinduísmo são
variantes desta perspectiva. A Nova Era é o reavivamento moderno do antigo animismo,
sendo uma cosmovisão eclética e altamente sincrética, apresenta uma perspectiva animista
com elementos de várias cosmovisões, como alguns pressupostos naturalistas e
existencialistas. Todos falsos para a edificação de vidas e comunidades. No Brasil, tem
crescido as práticas e conceitos animistas no seio da Igreja. Obviamente, é um animismo
com roupagem e símbolos cristãos, mas a essência da cosmovisão é basicamente animista.
Isto pode se manifestar de várias formas: superespiritualização da realidade, sacrifícios a
Deus para se obter bênçãos (incluindo a barganha do dízimo), todos os problemas
atribuídos a demônios, etc.
3) Teísmo Bíblico: Corresponde à visão bíblica. Apresenta um equilíbrio entre o
secularismo e o animismo. O mundo natural (criação de Deus) existe e é importante, mas
está aberto à interferência sobrenatural. Existe uma verdade absoluta que pode ser
conhecida. A pobreza e a fome existem como conseqüência do pecado e rebelião do
homem contra o Criador, portanto a solução está na transformação de corações e mentes
(arrependimento). O homem é muito importante porque foi criado à imagem e semelhança
de Deus. O teísmo bíblico produz uma série de fatores importantíssimos e influências em
todas as áreas da vida: desenvolvimento moral, o valor do trabalho, a virtude d o serviço e
da solidariedade, a capacitação do homem controlar a natureza, a mordomia da criação, o
conhecimento e a aplicação da verdade, a capacidade criativa do homem, etc. Todos estes
fatores são fundamentais e exercem uma base sólida para o desenvolvimento em todas as
áreas da vida humana, tanto individual, como coletiva, ou seja, também em relação a
cultura, a arte, a política e o conhecimento de um povo. (Para mais detalhes vejam o
anexo: J. SIRE ( 2001:23-47).

A tipologia de Miller parece útil como análise dos padrões de pensamento que
encontramos na cultura ocidental hoje, tendo como vantagem principal a simplicidade. No
contexto brasileiro, ela retrata bem as tendências espiritualistas da religiosidade popular,
no caso da cosmovisão animista. Entretanto, por ser mais voltada para as estruturas atuais
de pensamento não fica clara a origem histórica desses padrões de pensamento. Nesse
sentido, a tipologia de Kuyper é claramente superior, ao indicar não só os padrões de
pensamento, mas também as origens de cada cosmovisão e as civilizações que cada
cosmovisão produziu.

c) A Tipologia Filosófica de James Sire

Uma abordagem bem diferente é a seguida por James Sire, que identifica as
cosmovisões como movimentos intelectuais ou culturais que tiveram grande influência na
história, sem tentar forçá-los num padrão pré-definido. Assim, em concordância com o
título de sua obra principal sobre o assunto, Sire nos apresenta um catálogo, ou uma
listagem das cosmovisões principais, que também poderiam ser descritas como filosofias
de vida. Oito cosmovisões são apresentadas: o teísmo cristão, deísmo, naturalismo,
niilismo, existencialismo, monismo panteísta oriental, nova era e pós-modernismo. Vamos
apresentar abaixo cinco delas (excluindo o teísmo, o panteísmo e a nova era):

1) O Deísmo: surgiu no séc. XVII com o Iluminismo, onde a legitimidade do


conhecimento se dá pela revelação da razão. É algo similar ao teísmo dominado pelo
racionalismo humano. Deus existe e criou a realidade, mas a abandonou e a deixou
funcionar por conta própria. Ele é transcendente (está além da criação), mas não é
imanente, ou seja, está com ela. Não é completamente pessoal, nem providencial e não é
soberano. Ele simplesmente é indiferente ao que criou. A natureza é física, com leis de
causa e efeito conforme foi criado, mas está fechado à intervenção, não só do ser humano,
mas inclusive a do criador. O cosmo está em seu estado normal, não é caído, e através
deste pode-se conhecer a Deus. É a chamada revelação natural. O deísmo refuta qualquer
revelação além desta, pois Deus não se comunica com o ser humano, nem pelas escrituras.
A ética é limitada à revelação geral, pois sendo o cosmo normal, isso já revela o que é
certo. No entanto, tal premissa já destrói a própria ética, uma vez que o que existe é o
certo, não há como haver o mal. Isto levou os deístas a muitas crises, pois como preservar
a ética cristã com tal fundamento? Por fim, a história é linear, sendo o curso do cosmo
definido na criação, aí estão as regras da natureza, bem como o conhecimento de Deus. No
que diz respeito à finalidade, não há propósito, pois deus não está interessado na
humanidade.

2) O Naturalismo: se no deísmo deus foi reduzido, nesta cosmovisão Ele inexiste. A


realidade é a matéria, e é esta tudo o que há eternamente. A natureza é um sistema fechado
e autônomo. O ser humano é somente matéria, assim como o cosmo, sendo sua
personalidade fruto de uma inter-relação de propriedades químicas e físicas ainda não
plenamente conhecidas. No campo da ética, os valores se dão pela humanidade, diferentes
do deístas, eles não advêm de revelação nenhuma. A história é linear e vinculada por
causa e efeito, mas sem proposta alguma. Tudo se inicia no big bang, para os naturalistas a
premissa é sempre a mesma: o processo foi ativado por si mesmo e não por causa exterior.

3) O Niilismo: é antes de tudo, mais propriamente um sentimento. Tudo é sem sentido,


como a ética, o conhecimento e a realidade, isto é, só existem. Todos que não
experimentaram a ansiedade, o desespero ou o tédio, não imaginam como o niilismo seria
uma cosmovisão considerada. As angustias provenientes da falta de significado e sentido,
as dores do vazio humano, da vida sem valor e sem propósito são suas características
básicas. A proposta niilista, ela própria não pode ser niilista, pois se for, em si mesma não
terá sentido. O niilismo é fruto de um naturalismo sério, pois este defende que tudo o que
há é matéria uniformizada em relações, de causa e efeito, autônomas num sistema
fechado. Assim, qualquer ação humana, não teria sentido, pois não seria deste, mas da
determinação deste sistema fechado. Tudo seria advindo dessas forças impessoais do
cosmo natural, onde a eternidade passada determinaria a futura e assim, ad infinitum.
Qualquer autoconsciência ou conhecimento seria fruto desta realidade de operação,
inclusive a própria conclusão disto. Assim, o naturalismo leva ao niilismo, mas nem todo
naturalista é niilista, justamente porque nem todos levam o naturalismo as ultimas
conseqüências. Surge aí uma ironia, que é a de que o naturalismo, influenciado pela idéia
da razão humana como conhecimento, pelo niilismo terminaria por refutar o seu próprio
conhecimento. Do mesmo modo, o niilista em relação a sua proposta. (Leia as descrições
em J. SIRE, 2001:108 e 112, a primeira para a contradição do próprio niilismo e o
segundo para o sentimento).

4) O Existencialismo: surge antes do séc. XX, mas se consolida após o niilismo deste
período. O existencialismo ateísta surge como resposta ao naturalismo que levou ao
niilismo, já o existencialismo teísta, como uma reação à ortodoxia morta do luteranismo.
O existencialismo ateísta aceita as seguintes proposições do naturalismo: A matéria existe
eternamente; deus não existe. O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito
num sistema fechado. A história é uma corrente linear de eventos ligados por causa e
efeito, mas sem uma proposta abrangente. A ética está relacionada apenas aos seres
humanos. Porém, o existencialista muito mais, em relação ao naturalista, pelo ser humano,
bem como sobre como podemos ser significativos em um mundo insignificante. Assim,
mesmo sendo a realidade, primordialmente material, esta se apresenta ao ser humano em
duas formas: objetiva e subjetiva. A objetiva é exatamente como é no naturalismo, já a
subjetiva é a determinada pela apreensão do sujeito, onde o eu apreende o não eu e faz
deste parte de si mesmo. O sujeito apreende o conhecimento, não como uma garrafa, mas
como um organismo assimila um alimento. Nesta perspectiva, o ser humano faz o que ele
é, segundo Sartre: Antes de tudo, o homem existe, cresce, aparece em cena e, somente
depois, define-se a si mesmo. Somos autônomos, criamos nossos próprios mundo e os
governamos, os nossos valores segundo nós mesmos. Assim, o mundo objetivo parece-nos
um absurdo, por não se adequar às regras estipuladas por nós como o mundo subjetivo. É
aí que o existencialista vai além do niilismo, pois se revolta com o mundo objetivo ao
criar e priorizar o seu próprio mundo através da subjetividade.
Já o existencialismo teísta aceita as seguintes proposições do teísmo: Deus é infinito
e pessoal (triúno), transcendente e imanente, onisciente, soberano e bom. Deus criou o
cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e efeito num sistema aberto. Os
seres humanos são criados a imagem e semelhança de Deus. Podem conhecer alguma
coisa de Deus e do cosmo e podem viver significativamente. Deus pode e estabelece
comunicação conosco. Fomos criados bons, mas agora estamos caídos e necessitamos ser
restaurados através de Cristo. Para os seres humanos, a morte é ou o portão para a vida
com Deus ou separada Dele. A ética é transcendente e baseada no caráter de Deus. Deste
modo, o existencialismo teísta é mais um conjunto de ênfases no teimo do que uma
cosmovisão separada, porém tais ênfases o colocam em desacordo com o teísmo,
principalmente devido suas relações com o existencialismo ateísta e com a teologia do séc.
XX. As ênfases estão mais relacionadas com a natureza humana e sua relação com o
cosmo e com Deus do que a natureza destes. Os seres humanos são pessoais e quando
estes chegam a sua consciência plena, descobrem-se a si mesmos num cosmo alienado. Se
Deus existe ou não isso não deve ser resolvido pela razão, mas pela fé. O início não se dá
a partir de Deus. No teísmo assume-se Deus com um dado caráter, e as pessoas são
definidas a partir Dele. No existencialismo teísta chega-se a mesma conclusão, contudo o
ponto de partida é o ser humano ao conscientizar-se de si mesmo. Deus sempre se revelará
ambiguamente, e mediante a isso somado ao conflito advindo do mundo objetivo e
subjetivo a indivíduo, em sua solidão, deve escolher dar um passo radical de fé em direção
a religião, de forma que tal atitude possibilitará as proposições do teísmo. No entanto a
subjetividade será a definidora do estilo de vida do sujeito nesta circunstancia. Toda a
primazia se dá pela subjetividade pessoal, pois a realidade é um paradoxo que só Deus
resolve, a nós cabe a escolha de confiar Nele e mediante nossa subjetividade partirmos
para a ação. A história em si é desprezível enquanto fato, mas como mito, ou significado
religioso é importante para o presente a ser vivido.

5) O pós-modernismo: com o existencialismo abre-se a porta para o pós-modernismo,


pois somos nós que fazemos de nós o que devemos ser. O pós-modernismo não é
propriamente uma cosmovisão, pois seria fruto de não haver mais uma história a ser
contada, mas várias válidas, cada uma legitimando o seu grupo social. Haveria os
naturalistas, os cristãos, os orientais panteístas e assim ad infinitum. As questões não são:
O que existe? Ou O que podemos conhecer? Mas sim: Como a linguagem funciona para
construir o significado? A verdade da realidade está sempre oculta, o que se pode fazer é
narrar histórias. Os seres humanos fazem o que eles são através das linguagens que usam
para construir a si próprios. A ética e o conhecimento são construtos lingüísticos, assim
como o bem social é o que a sociedade assumir ser.
A classificação de Sire tem a vantagem de incluir a cosmovisão panteísta oriental e
de diferenciar entre modernismo e pós-modernismo. Por outro lado, Sire não mostra como
diferentes cosmovisões refletem condições religiosas mais profundas. Além disso, várias
cosmovisões diferenciadas por ele (deísmo, naturalismo, niilismo, existencialismo, pós-
modernismo) podem ser descritas como variações dentro de um padrão mais amplo que
Miller descreve como secularismo e Kuyper como modernismo. De certo modo,
existencialismo e niilismo são mais filosofias dentro de uma cosmovisão do que
cosmovisões claramente distintas.
2.2. AS PRINCIPAIS COSMOVISÕES (PERSPECTIVA REFORMACIONAL)

Do ponto de vista kuyperiano, é preciso procurar o ponto de partida de uma


cosmovisão e, simultaneamente, o diferencial entre diversas cosmovisões na sua
orientação religiosa fundamental. Essa orientação define as crenças mais centrais de uma
cosmovisão.
Muitas pessoas, hoje, se dizem cristãs, católicas ou evangélicas. No entanto, é
comum encontrar cristãos que dedicam sua vida ao dinheiro, ou à carreira profissional, ou
a um relacionamento. Na perspectiva bíblica, essa é a verdadeira religião da pessoa.
Examinando a questão por esse ângulo, imediatamente perceberemos que, a
despeito da multiplicidade de cultos religiosos que pululam em nossa sociedade, a maioria
das pessoas, mesmo as religiosas, vive em torno de valores e tesouros seculares, como o
mercado, as filosofias políticas, e os ideais humanistas de vida. Muitos daqueles que
praticam cultos como o candomblé, por exemplo, são pessoas altamente secularizadas e
comprometidas com ideologias humanistas de esquerda. Nesse caso, o que é a religião
profunda dessa pessoa? Provavelmente, o humanismo.
Nesse nível profundo é que devemos encontrar os principais adversários do
cristianismo. Religiões que meramente oferecem um consolo às pessoas, ou um meio de
obterem a satisfação de seus desejos (como o baixo espiritismo) podem ser muito
perigosas para os indivíduos que as praticam, mas não são tão perigosas quanto parecem,
por uma razão simples: elas geralmente não são sistemas de vida integrais, não são
religiões formativas. Elas não têm o poder de moldar totalmente a vida das pessoas,
mesmo quando tem grande influência. Por exemplo: é praticamente impossível encontrar
um professor de história adepto do espiritismo, que busque explicar a história humana
através dos princípios do espiritismo. Isso mostra que essa religião é inerentemente fraca.
Ela não é capaz de proporcionar às pessoas uma visão abrangente do mundo, que guie
toda a vida da pessoa. Entretanto, esse tipo de religião pode ser associada a uma
cosmovisão dualista, permanecendo no lado mais fraco do dualismo, ou no lado mais
forte. Nesse caso, ela pode fortalecer grandemente uma outra cosmovisão.
Podemos distinguir, na atualidade, alguns sistemas totais de vida que se opõe ao
cristianismo. Nem todos estão presentes em nossa cultura, mas é importante conhecê-los
pois sua influência é enorme.
Há vários sistemas religiosos diversos; mas há essencialmente três tipos de
cosmovisões, que se dividem e se misturam formando as outras: o monismo oriental, o
dualismo ocidental, e o teísmo bíblico. Esses três tipos se distinguem basicamente pela
forma como relacionam a divindade, ou aquilo que consideram supremo, e o restante do
cosmo.3 O monismo oriental identifica Deus com a totalidade do Cosmo, sendo assim
panteísta. O dualismo ocidental tende a identificar Deus como uma parte do Cosmo,
procurando assim sujeitar a parte inferior à parte divina. O dualismo pode vir em suas
formas pagãs ou numa forma científica moderna. O Teísmo Bíblico estabelece uma
diferença qualitativa infinita entre o Criador e a criatura:
1) O Monismo Panteísta
A perspectiva oriental manifesta grande tendência para o monismo. O monismo é a
crença de que a realidade inteira é uma única essência. Tudo o que podemos conhecer –
Deus, o homem, a matéria, o espírito, os animais, o passado, o futuro, os seres vivos e
inanimados, a verdade e a mentira, o prazer e o sofrimento, eu e tu, – tudo isso é uma
única essência pura, o todo. O Monismo Pode ser representado da seguinte forma:

Na cosmovisão monista, representada no hinduísmo, no budismo, e em filósofos e


teólogos ocidentais como Schelling e Paul Tillich, a divindade é o infinito, e a realidade
não divina é apenas aparentemente não divina.
Conforme essa perspectiva, as diferenças que encontramos em nossa experiência
são na verdade ilusões. Uma pessoa iluminada por meio de uma experiência mística
compreenderá que na realidade tudo é uma coisa só. Esse tipo de monismo influenciou

3 Essa forma de distinguir as cosmovisões foi proposta por D. T. H. Vollenhoven.


bastante o movimento da nova era. É por isso que às vezes encontramos místicos que
dizem que tudo é Deus, e que o segredo da felicidade é nós descobrirmos que Deus está
dentro de nós, ou que todos somos Deus.
Na prática religiosa monista o segredo da realização é o indivíduo se harmonizar
com a realidade que está oculta sob a aparência. Assim, não existe interesse em
transformar a realidade. Pelo contrário, é preciso dedicar-se à meditação para receber a
iluminação mística, e compreender que o sofrimento e o mal são na verdade parte da vida.
No hinduísmo, por exemplo, o místico busca aprender a conviver com a dor, e a superá-la
por meio de vê-la como uma ilusão (maya).
Historicamente, esse tipo de sistema favoreceu a constituição de sociedades muito
estáticas, tradicionalistas e fechadas. Não se desenvolveu qualquer noção de que o
universo teria uma espécie de ordem lógica que poderíamos estudar – assim, esses
sistemas nunca produziram nada parecido com a ciência ocidental.
Um exemplo disso é o que os ocidentais usam para pensar e argumentar: as leis da lógica.
Segundo essas leis, por exemplo, uma coisa não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo
tempo. Por exemplo, a lâmpada não pode estar acesa e apagada ao mesmo tempo.
Entretanto, na visão monista, tudo é uma coisa só; a verdade e a mentira fazem parte da
mesma essência. Portanto, o monismo não favorece a noção de que argumentação lógica
possa levar a uma melhor compreensão da realidade.
Além disso, a estrutura social era considerada algo imutável. Se havia injustiça
social, o indivíduo era levado a superar a dor por meio da meditação, ao invés de acabar
com a dor por meio da transformação do mundo. Quem irá combater o mal, se
consideramos que o mal é apenas uma ilusão a ser superada por meio de experiências
místicas?

2) Dualismo Pagão

Nas formas pagãs de religião, a divindade é identificada com uma parte, aspecto
força ou princípio no universo criado. 4 A divindade é uma subdivisão da realidade, um

4 Clouser, Roy, The Myth of Religious Neutrality, p. 36.


segmento dentro do todo que é o cosmo. Religiões da natureza adoram um poder divino na
terra como o sol, a água, os ventos, etc.
O paganismo freqüentemente conduz à formação de algum tipo de dualismo
religioso. Enquanto o monismo oriental tende a ver tudo como sendo uma única essência,
o dualismo tende a ver a realidade como sendo uma composição de duas substâncias ou
forças contrárias. Na religião Babilônica antiga, acreditava-se que o mundo nasceu de uma
batalha cósmica entre Marduque, o Deus supremo (princípio masculino), e Tiamat, o
dragão que representava o caos (princípio feminimo). Marduque venceu Tiamat, e de seu
corpo fez o mundo.
É interessante notar que nesse tipo de perspectiva, toda a realidade era uma luta
sem fim entre dois poderes, a ordem e o caos, o masculino e o feminino. O seguidor
dessa religião nunca via a realidade como sendo harmoniosa; ela era vista como uma
contradição. Esse tipo de cosmovisão acaba sempre favorecendo alguns aspectos da
realidade e tratando os outros como malignos e perigosos.
Outro sistema dualista que influenciou muito o mundo antigo foi o dualismo
persa, presente no Zoroastrismo e no Maniqueísmo. Conforme essas religiões, há uma
luta incessante entre o bem e o mal, que são duas forças iguais e contrárias.
O sistema dualista que mais influenciou a nossa cultura foi o dualismo grego. Em
determinado ponto de sua história, os gregos começaram a ver o mundo como fruto da
união entre duas realidades distintas: a forma e a matéria. O mundo das formas era
também chamado de mundo das ideias. Esse era o mundo da mente ou do espírito; era
povoado pelas ideias perfeitas, governado pela razão. Já o mundo da matéria é um
mundo inferior, o mundo do caos, daquilo que é temporário e corruptível.
Essa visão dualística do mundo levou a uma consciência dualista. Assim os
gregos, que inicialmente cultivavam bastante a beleza corporal, aos poucos foram se
tornando pessimistas para com o corpo. Eles passaram a valorizar muito a filosofia e as
atividades do espírito humano; ao mesmo tempo, consideravam a vida terrena como
sendo algo corrupto, decadente e infeliz. Assim surgiu um provérbio famoso que
descreve sua visão da vida: soma sema, que significa o corpo é um túmulo. O grego via
a si mesmo como um espírito aprisionado em um corpo decadente.
Um pouco mais tarde, na época do Novo Testamento, surgiu um movimento
herético que prejudicou bastante a igreja primitiva: o gnosticismo. Os gnósticos
começaram a dizer que o mundo material teria sido criado por um deus inferior,
chamado de demiurgo. Esse deus teria aprisionado espíritos de luz em corpos físicos
corruptos. Então o Deus supremo, no mundo das formas, enviou um dos primeiros
deuses (Jesus) para libertar esses espíritos de sua prisão material e fazê-los transmigrar
de volta para o mundo do espírito.

30
Não é preciso dizer que esse tipo de religião produziu sérias consequências
práticas. Os gregos, embora amassem a filosofia, achavam que o trabalho material era
inferior. Assim, desprezavam a pesquisa empírica e o trabalho artesanal. Por essa razão
o mundo ocidental, enquanto esteve preso à influência grega, foi incapaz de produzir
pesquisa científica e tecnologia industrial. Só com a renascença e a Reforma essa
atitude dualista foi superada.
O dualismo grego afetou profundamente a religião cristã. Os cristãos gnósticos,
por exemplo, desprezavam o corpo físico. Sua espiritualidade era dedicada à reflexão e
iluminação. Assim eles não buscavam justiça social, não ajudavam os pobres, e
buscavam desligar-se de tudo o que consideravam terreno. Havia dois partidos: os
gnósticos ascéticos negavam os desejos do corpo e o maltratavam para ganhar a
iluminação. Os gnósticos libertários buscavam satisfazer todos os desejos do corpo,
raciocinando que isso não poderia tirar a pureza de seu espírito interior. Assim, caiam
na gandalha!. O que eles tinham em comum? Ambos eram dualistas: valorizavam o
espírito e detestavam tudo o que era material, terreno.

3) O Teísmo Bíblico

Em oposição aos sistemas monistas e dualistas, está o teísmo bíblico. Na


perspectiva teísta, Deus e o cosmos são duas realidades distintas. Deus é Deus, e o
cosmo é o cosmo. Deus é infinito, perfeito, eterno, indivisível. O cosmo foi criado por
Deus, estando sob sua soberania. Como o cosmo foi criado bom, não há nada de ruim
na criação. Não há uma parte da criação que seja ruim ou inferior a outra (como no
dualismo grego). A queda do homem lançou o mundo no caos. Assim, o mal existe, não
sendo uma ilusão (como no monismo), mas não pode ser identificado com uma
criatura. O mal é a corrupção que atinge as criaturas. Vamos examinar a perspectiva
bíblica mais detalhadamente mais adiante.

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As três cosmovisões acima são os tipos básicos de cosmovisão, examinadas sob o
ponto de vista da orientação religiosa fundamental. Elas também correspondem às três
grandes tradições filosófico religiosas do mundo: o panteísmo oriental, as diversas
formas de dualismo pagão, que dominaram no ocidente e também ocorreram no oriente,
e o teísmo encontrado no Judaísmo, no Cristianismo e no Islã.
Além dessas três cosmovisões primárias, temos uma série de variações
relacionadas aos diferentes contextos históricos em que elas se desenvolveram. Assim
há variedades de dualismo pagão, de panteísmo e de teísmo cristão, conforme a
consistência dos cristãos em manter sua própria cosmovisão.
O mundo ocidental viu dois tipos singulares de dualismo emergirem como forças
culturais de dominaram por séculos a civilização e até hoje exercem sua influência: o
dualismo Romanista Natureza/Graça e o dualismo Moderno Natureza Liberdade.
4) O Dualismo Natureza/Graça
Quando o cristianismo nasceu, a maior parte do mundo ocidental e médio -
oriental seguia algum tipo de dualismo. O mais influente era o dualismo grego, que
havia se espalhado por todo o império romano. Durante os primeiros séculos do
cristianismo, enquanto o evangelho se espalhava em todas as direções, o dualismo
grego foi penetrando nas igrejas e moldando a própria teologia cristã. Os filósofos
gregos que mais influenciaram o cristianismo foram Platão e Aristóteles. Inicialmente,
com a influência do platonismo, muitos cristãos começaram a entender a espiritualidade
como uma espécie de visão mística, e a salvação como uma libertação do mundo
presente. O cristianismo influenciado pelo platonismo não dava muita atenção às
questões terrenas. Nesse período surgiu o movimento monástico, que buscava se
aproximar de Deus afastando-se das coisas terrenas (sexo, alimento, política, diversão,
rotina de trabalho, etc). Essa é uma das razões porque até hoje o sacerdote católico não
pode se casar, devendo permanecer casto.
No final da idade média, o grande teólogo Tomás de Aquino realizou uma síntese
entre o dualismo grego forma/matéria e o teísmo cristão. Ele procurou adaptar a
perspectiva grega à perspectiva cristã, desenvolvendo o sistema natureza/graça.
Conforme esse sistema, a queda não teria corrompido totalmente a natureza, mas
apenas a enfraquecido, fazendo-a perder a graça sobrenatural. A salvação seria o
retorno do dom sobrenatural da graça ao mundo. Ou seja, para ele, a graça não era a
renovação da própria natureza, mas um complemento, um acréscimo à natureza.
A partir dessa teologia, Aquino considerou que a natureza funcionava
adequadamente, mesmo sem a graça. A razão humana, por exemplo, precisava da luz
32
da graça para operar melhor, mas em si mesma não havia se corrompido. Assim, ele
concluiu que nossa visão sobre o que a natureza é poderia ser baseada numa filosofia
pagã, produzida pelo homem natural. A filosofia que Aquino usou para explicar o
mundo foi a filosofia de aristóteles. E o dualismo forma/matéria encontrou seu caminho
para dentro do cristianismo.
Diversos pensadores evangélicos apontaram que o sistema natureza/graça foi um
erro fatal para o cristianismo. Ao aceitar esse esquema, os cristãos aceitaram que as
realidades da criação, como o pensamento filosófico, a educação, a família, a política, e
até a moral, fossem consideradas parte da esfera da natureza, devendo seguir suas
próprias leis. E a fé em Cristo, a igreja, etc., seriam parte da esfera da graça, que é
adicionada à natureza. Sob influência dessa visão, os homens foram pouco a pouco
reivindicando em cada uma dessas áreas a liberdade de toda influência da esfera da
graça. A religião foi sendo tratada como uma questão de igreja, ou então de foro íntimo,
e sua influência sobre todas as questões naturais foi anulada. Na linguagem de Francis
Schaeffer, quando Tomás de Aquino deu liberdade à natureza, a natureza devorou a
graça.
5) O Dualismo Natureza/Liberdade
À medida em que a idade média findava, os pensadores europeus começaram a
buscar alternativas em relação à filosofia grega. Na Reforma, os protestantes rejeitaram
de forma decidida o dualismo grego forma/matéria. Afirma-se, por exemplo, que
Lutero disse o seguinte: Foi-me ensinado que ninguém pode entender Paulo sem
Aristóteles. Mas eu aprendi que é impossível compreender Paulo com Aristóteles!
No período renascentista desenvolveu-se o humanismo ocidental. A marca
principal do humanismo é a noção de que o homem encontrará sua realização plena por
meio de uma libertação plena de toda opressão. Os humanistas surgiram de um período
de intensa opressão política e religiosa (a idade média), e abominavam a limitação da
liberdade de pensamento, da ação, da liberdade política, e em muitos casos, da
liberdade moral e sexual.
Ao lado de uma valorização crescente do homem e da liberdade humana, os
humanistas defendiam um controle racional da realidade. Através da crítica racional, da
pesquisa científica e da tecnologia o homem poderia não só derrotar as forças que o
oprimiam, mas também ganhar o controle da criação, com o fim de satisfazer a todas as
necessidades humanas. Isso levou a uma perspectiva mecânica do mundo, como se ele
fosse uma máquina que podemos compreender e dominar por meio da matemática e da
indústria.

33
Surgiu assim no mundo ocidental outro dualismo que se tornou o princípio
dinâmico por trás da nossa cultura: o dualismo natureza/liberdade.
Conforme esse dualismo moderno, o homem é essencialmente um espírito
racional, ansiando por liberdade para se realizar. Mas o principal obstáculo a essa
realização é a natureza, que impõe limitações à liberdade. O homem entra então em luta
com a natureza buscando controlá-la por meio da tecnologia.
O dualismo moderno é profundamente contraditório. Um exemplo evidente disso
é o fato de ter levado o homem a um choque com a natureza. O que vemos, de fato, é
que após a etapa inicial da modernidade, quando a ciência evoluiu bastante, ocorreu a
revolução industrial. A busca do controle tecnológico de toda a natureza para fins
econômicos gerou uma destruição enorme do meio ambiente do homem. Assim,
chegamos ao princípio do século XXI metidos numa grave crise ecológica.
Para controlar a natureza, o homem construiu uma explicação mecanicista e
materialista da natureza. O evolucionismo darwiniano, por exemplo, é uma tentativa do
homem de explicar a origem da vida de forma naturalista, sem se apoiar na fé em Deus.
Nasceu assim o naturalismo filosófico, que buscam explicar a natureza a partir da
natureza, como se ela fosse um mecanismo com leis determinísticas.
Este é o problema principal do dualismo moderno. Para afirmar sua liberdade
absoluta, o homem moderno excluiu Deus. Para controlar a natureza em seu benefício,
explicou a natureza como um mecanismo determinista. Entretanto, o próprio homem é
parte da natureza! Assim, o homem também poderia ser explicado a partir das leis da
natureza, como um produto do mecanismo evolutivo. Mas se isso for verdade, o
homem não pode ser realmente livre!
Ou seja: na busca desenfreada por liberdade, o homem moderno construiu uma
ciência naturalista que a cada dia nega que o homem tenha qualquer liberdade. Assim,
no evolucionismo, o homem é meramente o produto da evolução biológica; no
socialismo marxista, o homem é meramente produto do sistema econômico; em várias
teorias sociológicas, o homem é produto da sociedade; para muitos psicólogos, o
homem é produto de seu subconsciente.
Os efeitos dessa perspectiva estão entre nós. Vivemos numa sociedade que
acredita ser possível construir a liberdade, e assim, a felicidade humana por meio da
ciência. Há vários exemplos disso. Nas relações afetivas, por exemplo. O homem
moderno considera o casamento e a família tradicional como obstáculos à liberdade.
Assim, a família tradicional foi bombardeada de todos os lados: mudanças na
legislação, ridicularização na mídia cultural, estudos acadêmicos que a consideram um
obstáculo para o desenvolvimento humano. Em lugar da família tradicional, propõe-se
34
a liberdade para o indivíduo construir seus relacionamentos. Modelos novos de família,
como as famílias matriarcais, ou abertas, ou famílias compostas (fruto de vários
casamentos), famílias homossexuais, etc., são defendidos como formas válidas.
Temos assim uma reengenharia da família, na qual psicólogos, sociólogos,
sexólogos, e legisladores buscam construir artificialmente, por meio de controle
científico racional, sistemas humanos mais humanos. O efeito disso, no entanto, é
impossível de esconder. Os casamentos duram cada vez menos, e os filhos desses
relacionamentos desenvolvem distúrbios psicológicos e morais. O custo financeiro
desses divórcios é enorme, bem como o custo psicológico. As pessoas vivem cada vez
mais sós e assim tornam-se cada vez mais consumistas, favorecendo o sistema
capitalista de exploração. A quantidade de mães solteiras aumenta assustadoramente, e
a liberdade sexual dificulta o controle de doenças ao mesmo tempo em que alimenta
redes de prostituição e pornografia, geralmente associadas ao consumo de drogas.
As pessoas mergulhadas no sistema moderno de vida e pensamento vivem
existências intensamente contraditórias. Permanecem o tempo todo numa intensa fúria
libertária, buscando se livrar de tudo que as oprime: leis morais, família, tradições
religiosas, governo, leis da natureza, envelhecimento, dor, etc. Mas no processo, negam
sua própria liberdade; tornam-se elas mesmas parafusos da grande máquina.

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Os Fatores Essenciais de Uma Cosmovisao Crista

Esses 42 artigos de Afirmacao e Rejeicao – compreendem os fundamentos teologicos nos quais todos
da “The Coalition on Revivalis 17 Sphere Documents. Um manifesto para a Igreja Crista, Artigos de
Afirmacao e Rejeicao no Reino de Deus, e todos outros documentos oficiais devem basear-se neste
manifesto. Esses 42 artigos estabelecem que sao a essencia da Cosmovisao Crista e se baseiam no
fundamento da inerrante palavra escrita de Deus, a Biblia.

A Natureza de Deus

1. Afirmamos que existe apenas um Deus vivente que e infinito e perfeito, de puro espirito,
invisivel, e absolutamente distinto de Sua criacao.
o Negamos qualquer e toda visao de Deus que negue ou desvie do conceito de Deus
tradicional do sistema Judaico-Cristao, incluindo o Ateismo, Deismo, deuses finitos,
Panteismo e Politeismo.
2. Afirmamos que Deus e tanto Transcedente e Imanente em Sua criacao.
o Negamos que em Seu Ser Deus esteja identificado com Sua criacao.
3. Afirmamos que em determinados eventos Deus sobrenaturalmente intervem no curso dos
eventos naturais ou humanos para cumprir Seus propositos redentivos.
o Negamos qualquer visao naturalista que rejeite um Deus sobrenatural ou Suas
intervencoes miraculosas na natureza ou historia.
4. Afirmamos que Deus e um Ser pessoal, infinito, auto-existente, imutavel, indivisivel,
onipotente, oniciente, onipresente, e ser espiritual que e o criador e sustentador do Universo.
o Negamos que Deus seja impessoal, finito, temporal, mutavel, materia divisivel, ou seja
limitado em Seu poder, conhecimento, ou presenca no Universo.
5. Afirmamos que Deus e absolutamente santo, justo, bom, verdadeiro, amoroso, e
misericordioso em Seu ser e todas Suas atividades.
o Negamos que Deus seja algo menos que absolutamente e totalmente perfeito em todos
os Seus atributos.
6. Afirmamos que este Deus unico, exite eternamente em tres distintas pessoas (Pai, Filho, e
Espirito Santo), cada um compartilhando igualmente os atributos divinos.
o Negamos que Deus seja mais do que um Ser ou que Ele seja menos que as tres pessoas
eternas (como no Monoteismo, Arianismo, ou Modalismo).

Tragicamente existem alguns na igreja que esqueceram-se destas verdades elementares para a Fé
Cristã.

 De alguma forma recusamo-nos a pressionar os temas nesta era que envolvem o


Multiculturalismo e diversidade Política que o Todopoderoso Deus está a cargo, e que Suas
Leis envolvem todos os homens, em todos os tempos, e em todas nações.
 Sem respeito a qualquer filosofia de governo de uma nação, seja Democracia, Socialismo,
Comunismo, Ditadura Militar, Oligarquia, ou Monarquia, a realidade é que os governos deste
mundo estão sobre os ombros daquele que é chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte,
Pai da Eternidade, e Principe da Paz. Is. 9.6-7
 A Bíblia nos ensina no Velho Testamento e Novo Testamento, (Dan 2.21; 4.17,25,32; 5.2; Mat
28.18; Ef 1.17-23; Col 1.13-20; 2.10) que a terra é governada por uma teocracia, que
simplesmente significa que Deus Governa.
o A Bíblia proibe uma eclesiacracia (igreja governando).
o Nossa desafio esta em termos a coragem de simplesmente concordar com a revelação
bíblica e então vivermos de acordo a estas verdades.

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o Temos que nos conscientizar que idéias produzem consequencias, especialmente
quando essas idéias de formas vãs expõe que governos humanos estão sobre o controle
do mundo.

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