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Santidade
No antigo Israel Deus, que hoje definimos por Amor, era concebido como Santíssimo. Para
ilustrar esse superlativo de santidade, o hebraico utiliza a duplicação ou triplicação da palavra
que se quer dar ênfase. Neste caso, Deus era representado como Santo, Santo, Santo. O
predicado do Deus de Israel, é Sua santidade. Conforme se pode ler em uma interpretação de
Levítico 19:2, bem como na citação de Pedro apóstolo, ao texto de Levítico, em 1Pedro 1:15-
16, a santidade de Deus regula categoricamente a santidade daqueles que se relacionam com
Ele. De forma parecida Paulo e o(a) autor(a) de Hebreus dão indicativos de que para termos
uma experimentação de, e com Deus a santidade é crucial. Sendo assim, de que forma
compreendemos esse conceito de santidade, ao qual definia o próprio Deus no início?
A primeira compreensão sobre santidade, seria uma condição de pureza moral. Ter
santidade seria, portanto, um ser humano ser perfeitamente moral e sem pecado algum
(pecado aqui entendido como o não cumprimento de regras morais). Ser santo é o mesmo
que seguir à risca os mandamentos bíblicos, como os que constam no Decálogo. Em
suma, não fazer o que é errado e não deixar de fazer o que é certo.
A santidade também pode ser entendida como o progresso rumo à perfectibilidade. Seria
então o percurso que leva o ser até um estado de plenitude, em um movimento contínuo.
Isso nos leva para outras duas definições de santidade, que seria entendida como:
Santidade 1
Uma condição que somente pessoas excepcionais conseguiriam atingir.
O problema é que essas quatro visões acerca da santidade estão embasadas no mesmo
pressuposto falho que Paulo alerta em suas cartas. A ideia de ser Santo por não cometer erros
e por fazer apenas o certo exclui totalmente Deus da equação e dá valor ao nosso agir acima
de qualquer outra coisa. No segundo caso, se ser santo é estar a caminho da perfeição, então o
objetivo final é a primeira proposta de perfeição moral, e nesse caso a nossa vontade de ser
perfeito juntamente com o progresso dos nossos comportamentos seriam suficientes para que
fôssemos santificados, deixando novamente Deus e sua graça de fora dessa conta. As duas
últimas conceituações de santidade dizem respeito a experiências de quem já tentou se
enquadrar em alguma das duas primeiras explicações e, como era de se esperar, não
conseguiu. Então acabamos atribuindo a santidade ou a ninguém ou a um pequeno grupo de
heróis que supostamente teriam conseguido alcançar o primeiro conceito. Dessa forma, os
quatro conceitos parecem trabalhar com a mesma ideia de santidade, tendo diferenças a
respeito de perspectivas de alcance, mas com um erro essencial: não deixar espaço para Deus.
Fato é que sempre que condicionarmos a santidade à comportamentos morais, cairemos em
uma realidade angustiante, afinal de contas “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-
nos a nós mesmos, e não há verdade em nós” 1 João 1:8.
Já os textos sacros expressam a santidade como o brotar natural da experiência com o Deus
revelado. São mais de 800 aparições da palavra qadosh (e seus derivados), qualificando a
maneira de vida daqueles que se relacionam com o Santo, Santo, Santo.
Santidade 2
E é justamente através deste santuário, revelado posteriormente como sendo o Cristo, que o
Santíssimo irrompe em comunhão com sua criação. Outra compreensão do texto de Levítico
19:2, que entende o verbo “ser” no futuro do presente, se dá em forma de uma
aliança/promessa conforme a seguir “Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou
santo”. E também conforme o capitulo 21:8 de levítico, que aponta para um ato de
santificação do homem, vinda do próprio Santíssimo.
“a tradição nos ensina que Jesus esvaziou até a última gota o cálice
amargo da separação de Deus”- Tomáš Halík
Aqueles que são santificados por Deus, são separados do pecado, portanto, vivem em e na
comunhão com Deus, sendo o pecado aqui entendido como um afastamento ontológico do
homem em relação à Deus, assim como descrito por Gênesis como o pecado original que nos
coloca em estado de morte, ou melhor dizendo, de não-existência. E não existência, pois nós
entendemos que o único que é, é aquele que afirma “Eu Sou” ou “Eu Sou o que Sou”. Para
melhor compreensão, se faz necessária a utilização de um conceito de Karl Barth, que expõe
Deus como um Totalmente Outro, diferente de tudo que há. Ele não é um entre os deuses, Ele
é o Deus, está em uma categoria completamente incomum e excepcional. À parte de Deus, o
que existe (se é que podemos classificar dessa forma) é o nada.
Conforme Walton "No mundo antigo, algo veio à existência quando foi
separado como uma entidade distinta, com uma função designada e
um nome dado".
É por conta disso que no hebraico, Deus é o único que pode afirmar “Eu Sou”. É Ele, o Eu
Sou, que “Chama à existência as coisas que não existem” Rm 4:17. Da mesma forma Paulo,
segundo Atos 17:28, enquanto debatia com filósofos gregos afirma, inspirado pelo conhecido
poema Phainomena (Fenômenos), que somente em Deus vivemos, nos movemos e existimos.
Santidade 3
vem por uma exigência, a inexistência de falha. Para Deus a perfeição vem da relação no
amor, fazendo nascer "o sol igualmente sobre maus e bons e a chuva sobre justos e injustos"
Mateus 5:45. Somos reconhecidos como discípulos dEle, quando amamos uns aos outros
indistintamente (Mt 5:35). A perfeição bíblica se assemelha muito mais com a coexistência,
em amor, entre os diferentes, mesmo aqueles que julgamos injustos, do que com uma
moralidade estática e falsamente incorruptível.
O Deus de Israel também fora experimentado como Justo, e um dos processos pelo qual
ansiamos passar é o da justificação. Paulo ao longo de sua carta aos romanos explora
compreensões de sua época sobre a justificação. O senso comum, e mesmo pessoas eruditas,
criam que a justificação era algo que se alcançava através de mérito próprio, investindo em
bons comportamentos e sublimando os maus, ou seja, a justificação era granjeada pelo
cumprimento de leis morais. Acontece que Paulo nos leva por outro caminho. A justificação
feita pelos religiosos, não era a mesma pregada pelo Cristo. Somos injustos segundo a bíblia,
portanto a justificação não deve ser vinculada às nossas ações, ela está condicionada apenas
aos atos daquele que é justo. É isso que Cristo nos aponta quando se dirige aos fariseus, que
seguiam rigorosamente todas as leis, e diz que as prostitutas e os publicanos, justamente
aqueles que não cumpriam com as leis morais, entrariam primeiro no Reino de Deus.
Viktor Frankl cunhou o termo Intenção Paradoxal, para expressar o que ocorre quando
buscamos por algo que não pode ser alcançado através da nossa própria intenção. É o caso do
sono, da felicidade e também da justificação. Qualquer tentativa de auto justificação nos
distancia ainda mais da real justificação. Só nos tornamos justos ao reconhecermos Deus
como o único justo e, em contrapartida, nós como injustos por condição. Essa justificação
tem seu ápice na cruz. A morte de Cristo se dá como a nossa justificação, e fazemos parte do
corpo de Cristo (ou seja, de sua morte e ressureição) pelo ato do batismo. É assim que o Deus
santo transforma homens injustos em igreja justificada.
Santidade 4
Que diremos então? Que os gentios, sem procurar a justiça, alcançaram
a justiça, isto é, a justiça da fé, ao passo que Israel, procurando uma lei
de justiça, não conseguiu esta Lei. E por quê? Porque não a procurou
pela fé, mas como se a conseguisse pelas obras. – Rm 9:30-32
A justificação nos coloca em comunhão com Jesus em sua morte e ressurreição, a santificação
nos dá permanência e qualidade nesse relacionamento. Os santos permanecem sendo
pecadores, mas pecadores justificados/santificados. A justiça de Deus, se expressa na morte
de Jesus. Somente Deus é justo e por isso só somos justificados nEle, da mesma forma, só
Deus é Santo e santificados somos apenas nEle.
Santidade 5