Você está na página 1de 4

28/07/2020 Desvendando o “Dom de Línguas” – Uma análise Judaico-Messiânica | Ensinando de Sião

Artigos e estudos
Desvendando o “Dom de Línguas” – Uma análise
Judaico-Messiânica
Um dos objetos de estudo da teologia mais apreciado e estudado ao longo dos séculos é a profecia e o ato de
profetizar. Tanto nos meios judaicos como nos meios cristãos, tem-se a figura do profeta ‫( נביא‬Naví, em
hebraico) como uma autoridade divina, sendo o “porta-voz” da vontade e do direcionamento de Deus a
indivíduos e nações. Às vezes honrados e quase sempre perseguidos exatamente pela legitimidade de seu
dom, os profetas hebreus desempenham um papel fundamental para a compreensão do Deus criador e seus
propósitos para Israel e para a humanidade. Porém, este fenômeno bíblico, que em hebraico é chamado de
‫“ נְ בוּאָ ה‬Nevuá” (profecia), é bem mais vasto e rico do que sua simples tradução nos apresenta. O conceito de
“profetizar” assumiu uma compreensão comum de “prever o futuro”, “anunciar juízos” ou “proferir
bênçãos”. Porém, uma rápida análise semântica das ocorrências na Tanách do ato de “profetizar” nos mostra
que tal fenômeno vai muito além das ações supra citadas, como veremos a seguir.

Como fruto da observação do fenômeno da profecia (Nevuá) nas Escrituras, encontramos um outro tipo de
manifestação do ato de profetizar. A chamada “profecia extática” também pode ser evidenciada ao longo dos
relatos Bíblicos, juntamente com a profecia “clássica” de antever, predizer ou anunciar claramente a vontade
divina. Na profecia extática (que permeia o êxtase), vemos pessoas de variados contextos e origens sendo
cheias da inspiração divina (Rúach ou Espírito de Deus) e traduzindo tal conteúdo espiritual (aparentemente
desprovidas do ‘filtro’ do intelecto e da linguagem), externando os efeitos de tal experiência através da voz.
Os sons emitidos por alguém que passa por esse tipo de “Nevuá” nem sempre obedecem às regras de
linguagem que conhecemos. Muitas vezes, são externados sons e palavras que não são parte de uma língua
conhecida ou falada, mas que, apesar disso, fazem parte do processo sobrenatural da Nevuá. Tal processo não
se desdobra apenas na expressão de sons, mas também na COMPREENSÃO desses sons por parte de seus
ouvintes. Em algumas ocorrências, como Números 11:25 ou I Sm 19:20, vemos que este tipo de profecia
extática tem como principal objetivo servir de sinal e comprovação da operação divina a um público ou
indivíduo específico.

Assim, a NEVUÁ extática é muitas vezes evidenciada em duas frentes:

1. Um emissor que FALA “em êxtase” pelo Rúach (à esse fenômeno a psicologia patológica dá o nome de
línguas extáticas ou glossolalia);

2. Um receptor que ENTENDE pelo Rúach os sons incompreensíveis do emissor “em Nevuá” como se
estivessem sendo proferidos em sua própria língua.

O famoso escritor e historiador judeu Joseph Klauser, em seu livro “From Jesus to Paul”, aborda o fenômeno
Bíblico da “Nevuá” (glossolalia) conectando-o também aos eventos e relatos do Novo Testamento em Atos
cap. 02, I Co cap. 12 e cap. 14. (KLAUSNER, p. 273).

A psicologia também tenta, há décadas, entender este tipo especial de NEVUÁ. À ele foi dado o nome de
GLOSSOLALIA (*) , que significa, “variedade de palavras”. Hoje, a psicologia já conseguiu explicar como
o processo se desenvolve no cérebro do indivíduo, atestando sua veracidade. Segundo os estudos feitos, a
glossolalia é um estado emocional que permeia o êxtase, não afetado pelo intelecto, externado pela pessoa
através de uma “supra-linguagem” com sons e palavras incompreensíveis ao intelecto, mas que carregam a
essência do que está enchendo a “psiqué” (alma) do portador.

Às vezes, este fenômeno da NEVUÁ ocorre nos relatos da TORÁ, sendo erroneamente traduzido como
“profecia”, o que confunde o entendimento do leitor e leva-o a interpretar tal ato de “profecia” como um
simples “predizer o futuro”. É claro que existe a profecia clássica onde se declara a palavra de Deus clara e
diretamente, prevendo acontecimentos ou juízos. Porém, há fenômenos de Nevuá extática nas Escrituras que
são mascarados sob a fraca tradução de “profecia”. Dentre os vários exemplos, podemos citar a ocasião em

https://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/desvendando-o-dom-de-linguas-uma-analise-judaico-messianica/ 1/4
28/07/2020 Desvendando o “Dom de Línguas” – Uma análise Judaico-Messiânica | Ensinando de Sião

que o Rei Saul envia mensageiros para trazerem Davi, o qual estava na Casa dos Profetas, presidida pelo
profeta SAMUEL. O texto diz:

“Foi dito a Saul: Eis que Davi está na casa dos profetas, em Ramá. Então, enviou Saul mensageiros para
trazerem Davi, os quais viram um grupo de profetas profetizando, onde estava Samuel, que lhes presidia; e o
Espírito de Deus veio sobre os mensageiros de Saul, e também eles profetizaram (teNAVU). Avisado disto,
Saul enviou outros mensageiros, e também estes profetizaram (teNAVÚ); então, enviou Saul ainda uns
terceiros, os quais também profetizaram (teNAVÚ). Então, foi também ele mesmo a Ramá e, chegando ao
poço grande que estava em Seco, perguntou: Onde estão Samuel e Davi? Responderam-lhe: Eis que estão na
casa dos profetas, em Ramá. Então, foi para a casa dos profetas, em Ramá; e o mesmo ESPÍRITO DE DEUS
O ENCHEU, que, caminhando, profetizava (itNAVÊ) até chegar à casa dos profetas, em Ramá. Também ele
despiu a sua túnica, e profetizou diante de Samuel, e, sem ela, esteve deitado em terra todo aquele dia e toda
aquela noite; pelo que se diz: Está também Saul entre os profetas?” (1Sm 19:19-24)

O Rei Saul “profetizando” com os profetas –


James Tissot

Nesta e em várias outras ocasiões nos relatos bíblicos, vemos que o ato traduzido como “profetizar” não se
caracteriza por um discurso direto e compreensível para uma platéia específica (pois tal cenário não existiu
em tais ocasiões). Vemos aqui um fenômeno causado pelo encher do Rúach que é externado através de sons e
palavras incompreensíveis ao intelecto, mas compreensíveis ao próprio Espírito. Isso é o que chamamos de
profecia extática. É importante notar que, geralmente, quem escreve sobre um evento onde ocorreu uma
profecia extática não escreve sobre o conteúdo dessa profecia, provavelmente pois o ouvinte não conseguia
compreender o emissor. Apenas quando o ouvinte também é influenciado pela mesma fonte (Rúach), ele
consegue compreender o conteúdo deste tipo de NEVUÁ.

Se notarmos também o evento ocorrido em ATOS capítulo 02, podemos ver que o que ocorreu assemelha-se
muito ao processo de NEVUÁ (glossolalia) como os relatados no Tanách:

“…de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam
assentados (…) Todos ficaram CHEIOS DO ESPÍRITO SANTO e passaram a falar em outras línguas,
segundo o Espírito lhes concedia que falassem. Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens
piedosos, vindos de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão,
que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. (…) tanto judeus
como prosélitos, cretenses e arábios. (…) Outros, porém, zombando, diziam: Estão EMBREAGADOS!
Então, se levantou Pedro, com os onze; e, erguendo a voz, advertiu-os nestes termos: (…) Estes homens não
estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. Mas o que ocorre é o que foi

https://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/desvendando-o-dom-de-linguas-uma-analise-judaico-messianica/ 2/4
28/07/2020 Desvendando o “Dom de Línguas” – Uma análise Judaico-Messiânica | Ensinando de Sião

dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu
Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas PROFETIZARÃO (NIVÚ), vossos jovens terão
visões, e sonharão vossos velhos;” (At 2:2-17)

Vemos claramente que Shimon (Pedro) ao explicar para a multidão atônita sobre o fenômeno descrito acima,
cita o profeta Joel cap. 02:28, afirmando que eles “NIVU” – PROFETIZARAM (não no sentido clássico de
“profecia” – declarar ou prever juízos ou acontecimento futuros, mas da mesma forma que Saul profetizou
em I Sm cap. 19). Tal como a Nevuá extática, o fenômeno ocorreu como sinal e comprovação do mover de
Deus. O Eterno, visando testemunhar para os presentes e impactá-los com tal acontecimento, concede que
parte da multidão pudesse compreender (cada um em sua língua natal) o que os discípulos “profetizavam”.
Por esta razão, vemos que uma outra parte da multidão NÃO compreende e afirma que os discípulos estavam
“bêbados” (At 2:13).

Ora, mesmo que um judeu do 1º século não falasse árabe, não seria difícil perceber quando alguém falasse o
idioma árabe próximo a ele. Mesmo que não se entendesse o grego, um judeu do Egito daquela época poderia
discernir quando alguém falasse grego próximo a ele, pois os sons e a entonação lhes seriam familiares.
Assim, é certo que os judeus estrangeiros que ali estavam e que afirmaram que os discípulos estavam
“bêbados”, não estavam escutando línguas existentes (como o árabe, o persa, ou o grego), mas sim, sons
incompreensíveis ao intelecto, o que os fez pensar que tais homens estivessem bêbados. Isso caracteriza uma
NEVUÁ extática ou GLOSSOLALIA. Por esta razão, vemos não existir diferença entre o fenômeno descrito
em Nm 11:25, em I Sm cap. 19, em At cap. 02 ou explicado pelo rabino Shaul (Paulo) em I Co cap 12 e cap.
14. A NEVUÁ e o chamado “dom de Línguas” representam O MESMO AGIR SOBRENATURAL pelo
Espírito de Deus. Todos são relatos e descrições do MESMO fenômeno Espiritual que nunca foi
EXCLUSIVO do NOVO TESTAMENTO, mas sim, um mover e um dom do ETERNO já presente ao longo
de toda a Tanách. É necessário, no entanto, perceber que Paulo refere-se ao dom da profecia extática como
“variedade de línguas” ou “línguas estranhas” exatamente para diferenciá-lo do dom da Profecia clássica. O
chamado “dom de línguas” não representa o falar em idiomas conhecidos pelo homem, como explicado
claramente pelo Apóstolo: “Pois quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que
NINGÚEM o entende, e em espírito fala mistérios.” [1Co 14:2 ARA]). Quando alguém fala em línguas e
outro ouvinte consegue entender como se fosse em seu próprio idioma, tem-se evidenciado uma intervenção
divina (também chamado por Paulo de “dom de interpretação de línguas” – ICo 14:27-28).

Shimon Keifa (Pedro) explicando o evento ocorrido durante


Shavuot, em Jerusalém: “Eles profetizaram”!

Portanto, como conclusão desse breve artigo, é necessário chamar a atenção do leitor para o grande ceticismo
moderno presente em alguns meios judaicos e também cristãos sobre a autenticidade e veracidade do
fenômeno da profecia extática (glossolalia). Esse descrédito é compreensível considerando-se que nos
últimos 150 anos, nos meios evangélicos pentecostais de várias partes do mundo (e recentemente nos meios
católicos carismáticos), vemos o exercício de uma prática chamada “orar em línguas”, onde pessoas são
ensinadas a exercer o dom de “línguas estranhas” ou “línguas espirituais” acreditando-se ser o “dom de
https://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/desvendando-o-dom-de-linguas-uma-analise-judaico-messianica/ 3/4
28/07/2020 Desvendando o “Dom de Línguas” – Uma análise Judaico-Messiânica | Ensinando de Sião

línguas estranhas” mencionado pelo apóstolo Paulo. Não é intenção deste artigo justificar, julgar, comprovar,
incentivar ou deslegitimar tal fenômeno pentecostal cristão. Porém, mesmo que o leitor julgue não existir
paralelos entre as práticas pentecostais pós-modernas e a Nevuá extática Bíblica, deve-se ter em mente que o
fenômeno da Nevuá (ou línguas extáticas) nas Escrituras é um fato inegável, perfeitamente passível de ser
evidenciado em nossos dias da mesma forma com que era evidenciado entre o povo hebreu e nas várias
comunidades de discípulos de Yeshua (Jesus) ao longo do 1º século. O verdadeiro “dom de línguas”, tal
como explicado neste artigo, existe e pode ser testemunhado e comprovado não só nos meios judaicos atuais,
mas também em alguns meios cristãos.

(*) Como explicado no artigo, o DOM de línguas ou ‫( נְ בוּאָ ה‬Nevuá – Profecia Extática) é uma manifestação
do Rúach na ALMA e no Espírito do indivíduo. É a expressão de um “encher” do Espírito de Deus. No
entanto, o ser humano pode, perfeitamente, se encher de “outros” espíritos de outras origens. Todos já
viram ou assistiram imagens de pessoas possessas, tomadas por demônios, as quais também passam a
proferir palavras sem nenhum sentido ao intelecto humano, mas com certeza com um significado no mundo
espiritual. Assim, a “glossolalia” como fenômeno psicológico, pode também ser evidenciado em OUTROS
ambientes e com OUTRAS fontes. Porém, chamamos de “dom de línguas” ou profecia extática (Nevuá)
APENAS quando quando tal fenômeno (glossolalia) é originado e 100% controlado por influência do
Espírito de Deus.

Autor: Matheus Zandona Guimarães


Matheus Zandona Guimarães é descendente de Judeus com origem na Itália e em Portugal. Graduado em
Comunicação Social, estudou teologia com ênfase em Estudos Judaicos nos EUA e Hebraico e Cultura
Judaica em Jerusalém - Israel. É o atual presidente do Ministério Ensinando de Sião e rabino da Sinagoga
Har Tzion em Belo Horizonte. É diretor internacional do Netivyah Bible Instruction Ministry (ISRAEL) e
diretor regional da UMJC (Union of Messianic Jewish Congregations) - EUA. Matheus é casado com Tatiane
e tem dois lindos filhos, Daniel e Benjamin. (facebook.com/mzandonna, @matheus.zandonna

https://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/desvendando-o-dom-de-linguas-uma-analise-judaico-messianica/ 4/4

Você também pode gostar