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Índice

EXPERIÊNCIA VERSUS AS ESCRITURAS........................................ 4

O QUE É UM DOM ESPIRITUAL?....................................................... 5

O BATISMO COM/NO ESPÍRITO SANTO E AS LÍNGUAS............. 5

ATOS DOS APÓSTOLOS................................................................ 5

Atos 2........................................................................................ 5

Atos 8........................................................................................ 7

Atos 10....................................................................................... 8

Atos 19....................................................................................... 9

Textos Não Mencionados de Atos................................................. 10

Evidência e Dom....................................................................... 10

A Evidência do Batismo Com/No Espírito Santo.......................... 11

FALANDO EM LÍNGUAS...................................................................... 12

A HISTÓRIA................................................................................... 12

O “Dom de Línguas” Ressurge................................................... 14

Dom de Línguas na Atualidade.................................................. 15

A BÍBLIA......................................................................................... 16

Joel 2.28-31............................................................................................ 16

Romanos 8.26........................................................................................ 17

Marcos 16.17,18.................................................................................... 17

1 CORÍNTIOS.............................................................................................................. 18

QUEM FALA EM LÍNGUAS É MAIS ESPIRITUAL?................................... 19

TRADUZIR E INTERPRETAR........................................................................ 20

2
GLOSSOLALIA E XENOGLOSSA................................................................. 21

1 Coríntios 12........................................................................................ 21

1 Coríntios 13........................................................................................ 24

1 Coríntios 14........................................................................................ 26

E A CIÊNCIA?......................................................................................... 33

O SUPREMO DOM: O AMOR.............................................................. 34

PERGUNTAS & RESPOSTAS............................................................... 38

INDICAÇÕES.......................................................................................... 39

LIVROS........................................................................................... 39

VÍDEOS........................................................................................... 40

OUTROS LIVRETOS DO MESMO AUTOR................................ 40

3
A Experiência Versus As Escrituras
A primeira coisa que precisamos compreender quando falamos sobre os dons é a
relação experiência-verdade. Meus sentimentos podem ser verdadeiros, mesmo que
aquilo no qual eles se baseiam não seja. Pessoas se alegravam ao pensar que a terra era
o centro do sistema solar, porém, isso não era verdade. Do mesmo modo, ter uma
experiência não faz com que seja tudo verdadeiro nela.

A experiência não deve destruir a verdade, mas a verdade pode mostrar a


mentira de muitas experiências. Quando nossa experiência se contrapõe as Escrituras
um dos dois deve ser descartado. O problema é que hoje a maioria descarta as Escrituras
e fica com as experiências pessoais.

Uma das provas de que uma experiência não valida ou desvalida uma verdade,
pode ser vista em Mateus 23.3:

Façam e guardem o que eles dizem, mas não o que fazem, pois não praticam o
que ensinam.

Jesus está falando sobre os escribas e fariseus no texto, e, por mais que os
mesmos não tenham uma real experiência com Deus, não significa que estavam errados
no ensinamento, somente no que viviam.

A experiência correta é aquela que flui da verdade. Se dependermos das


experiências para vivermos, viveremos correndo atrás de mais e mais coisas para nos
emocionarmos, e será uma corrida que nunca terá fim, será como correr atrás do vento.
Quando se tem a verdade, não é mais necessário correr atrás de experiências, pois a
verdade por si te levará a ter as experiências corretas. Assim, ao invés de nossas
experiências serem contra (versus) as Escrituras, serão a favor das Escrituras.

Se serve de conselho inicial, não tente manter o sentimento do seu momento de


êxtase, mas sim a verdade que te elevou naquele momento. Grande parte das desgraças
que nos ocorre é por causa de uma falha nisso; é impossível manter sentimentos, mas a
verdade mantém a si mesma. Baseie-se no imutável, então seus sentimentos passarão a
se elevar e a se manterem estáveis.

Antes de ser acusado como alguém frio, devo afirmar que creio plenamente que as
experiências são coisas fundamentais à Fé Cristã, coisa que a distingue de muitas
religiões místicas do Oriente. O que não defendo é a experiência invalidando a verdade,
contrariando a Bíblia.

A melhor forma de sabermos se nossas experiências estão corretas e se se baseiam


na verdade, é compará-las ao que a Bíblia e a História nos mostram, e é isso que
faremos. Isso exige um grau muito grande de sinceridade da nossa parte, e então te
pergunto: você é sincero o suficiente para mudar de posição se estiver errado? É
humilde o suficiente para isso? Esse livreto não é só sobre o dom de Línguas, mas sobre
nossa sinceridade com relação à Verdade. Que Deus te ilumine a cada passo dado.

4
O Que é Um Dom Espiritual?
Devido ao fato de lidarmos com um dos dons espirituais, precisamos, a
princípio, determinar o que é um dom espiritual. Dom espiritual é qualquer dádiva que
proceda do Espírito de Deus. Para ficar mais claro, é quando este dom é dado
sobrenaturalmente a alguém, assim, até mesmo a Salvação é um dom espiritual (Rm
6.23).

A Bíblia mostra que todo dom perfeito e boa dádiva vem de Deus (Tg 1.17). Isso
significa que cada boa coisa que recebo é um dom (até o sofrimento é dado, como um
dom – Fp 1.29). Porém, precisamos traçar a linha que seguiremos aqui. Dom espiritual
é algo do qual não dependi de terceiros para aprender, mas unicamente do Espírito de
Deus que me deu diretamente1. Lembrando que dom é algo que, quando dado a alguém,
não é mais tirado (Rm 11.29); portanto, não se perde dom, nem mesmo se muda, ainda
que possa se acrescentar outros. Se alguém fez algo que não faz mais, então não foi um
dom espiritual, mas uma demonstração de poder de Deus por conta de alguma
circunstância particular. Resumidamente, dom espiritual não se aprende, se recebe.

O Batismo Com/no Espírito Santo e as Línguas


É impossível falar em dom de línguas ou na sua manifestação sem tocar no
assunto do batismo com ou no Espírito Santo. Perdemos a conta de quantas vezes nos
pararam perguntando: “Ei, você é batizado com o Espírito Santo?”. Contando com o
fato de que, no meio pentecostal e neopentecostal, a evidência base de que alguém foi
batizado pelo Espírito de Deus é o falar em línguas estranhas.

A questão se complica quando começamos a misturar batismo (At 1.4), selo (Ef
4.30) e enchimento do Espírito (Ef 5.18). Aqui, porém, o nosso foco é o entendimento
das línguas estranhas, não o batismo com ou no Espírito Santo. Só tocaremos no assunto
do batismo com o Espírito à medida que esse assunto tocar o tema do dom de línguas.

ATOS DOS APÓSTOLOS

Devo dizer logo que no livro de Atos só há menção do batismo com o Espírito
Santo ou dom de línguas nos capítulos 1, 2, 8, 10 e 19, o que facilita, de certo modo, o
nosso estudo aqui. Devo mencionar que nem em Atos 8, 10 ou 19 os crentes que foram
batizados no Espírito buscavam tal batismo, na verdade, em um dos casos eles nem
sabiam que existia o Espírito Santo (At 19.2). Vamos ver cada uma dessas passagens e o
que elas realmente significam.

Atos 2

A grande parte das referências ao batismo com o Espírito Santo se encontra no


livro de Atos dos Apóstolos. Isso é significativo porque o livro de Atos é um livro

1
Não considero que essa definição cubra tudo sobre o significado de dom espiritual, mas servirá para os
fins desejados neste livreto.

5
histórico, não um livro normativo. Assim, o que vemos ali descrito, não é,
necessariamente, o que deve ocorrer sempre.

Poderíamos começar com o fato de que, no livro de Atos, um cristão chamado


Estevão foi morto por causa da sua Fé (At 6.8-7.60). Isso não significa que todo cristão
tem que morrer por causa da sua fé. Um anjo libertou Pedro da prisão (At 12.1-11), isso
também não significa que todo cristão tem que ser liberto por um anjo da prisão. Em
outras palavras, o que está escrito ali é o que aconteceu, não o que deve acontecer.

A promessa sobre o Espírito Santo, além de ter sido feita nos Evangelhos,
também é repetida em Atos 1.5:

Porque João batizou com água, mas vocês [os discípulos que ali estavam]
serão batizados com o Espírito Santo [...]

Depois dessa referência, temos isso em Atos 2.1-8:

Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo


lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento muito forte, e
encheu a casa onde estavam. E apareceram distribuídas entre eles línguas,
como de fogo, e pousou sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do
Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito
Santo lhes concedia que falassem. Ora, estavam em Jerusalém judeus,
homens piedosos, vindos de todas as nações. Quando se fez ouvir aquela
voz, a multidão se concentrou, e se possuiu de perplexidade, porque cada
um ouvia falar em sua própria língua. Estavam assustados, e se admiravam
dizendo: “Vejam! Estes que estão falando não são galileus? Como os
ouvimos falar cada um em sua própria língua materna?”.

Suponhamos que deva ocorrer o que está descrito aqui. A primeira pergunta é:
“porque os que são batizados no Espírito Santo hoje em dia não veem as línguas de fogo
sobre eles?”. Afinal, deveríamos seguir o texto. Mas a questão ainda não é essa. Veja
que aqui eles começam a falar em outras línguas, não em línguas estranhas. Se o falar
em línguas, baseado neste texto, é a prova do batismo com o Espírito Santo, então
deveríamos começar a falar em línguas de outros povos!

O povo que ouvia os discípulos os ouvia, cada um, em sua própria língua, como
descreve o resto do texto: “Somos partos, medos, elamitas e os naturais da
Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia” (cf. At 1.9-11). Havia ali, pelo menos,
quinze idiomas e dialetos diferentes a serem falados, e cada um o ouvia em seu idioma.

É importante notar um detalhe: o que estava distribuído entre os discípulos eram


línguas de fogo, não orelhas de fogo. Não foram os ouvintes capacitados a ouvirem nos
seus idiomas, mas os apóstolos capacitados a falarem nos idiomas deles.

Se as pessoas sempre falaram em línguas após o batismo com o Espírito Santo,


então significará que sempre deve ocorrer assim, porém, veja os versos 38 e 41 do
capítulo 2:

6
Respondeu-lhes Pedro: “Arrependam-se e cada um de vocês seja batizado
em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e receberão o
dom do Espírito Santo” [...] Então, os que lhe aceitaram a palavra foram
batizados [nas águas] havendo um acréscimo de quase três mil pessoas.

Percebemos no texto que houve um acréscimo de três mil pessoas que realmente
se arrependeram. Note que o texto dá como base, para se receber o dom do Espírito
Santo, o arrepender-se. Veja, essa parte não é meramente descritiva, é normativa. Ele
está dizendo que o requisito para se receber o dom do Espírito é o arrependimento. Se
esse é o requisito, e eles se arrependeram, por que o texto não registra que os três mil
falaram em línguas?

Um problema maior ainda é: qual dos dois textos devo tomar como base? Afinal,
os dois estão no mesmo capítulo de Atos! Devo acreditar que o crente deve falar em
línguas (de outras nações) quando batizado pelo Espírito ou que pode ser batizado sem
falar línguas de acordo com o final do mesmo capítulo?

Tomando esse texto como base, devo crer que alguém é batizado no Espírito
Santo no momento em que se arrepende. Ele não diz que depois de um tempo, se
buscarem, receberão o dom do Espírito, mas que, arrependendo-se, O receberão.

Atos 8

Em Atos 8.14-17 vemos o seguinte relato:

Em Jerusalém os apóstolos souberam que o povo de Samaria havia


recebido a palavra de Deus e lhes enviaram Pedro e João; que, tendo
descido, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo, pois Ele
ainda não havia descido sobre nenhum deles, mas haviam apenas sido
batizados em nome de Jesus. Então lhes impuseram as mãos e receberam o
Espírito Santo.

Como destacado por John MacArthur, os termos “ainda não” no grego


significam algo que não ocorreu ainda, mas que deveria ter ocorrido2. Isso é importante,
pois se esperava que quando cressem receberiam o Espírito Santo.

Note, entretanto, que não é mencionado o dom de línguas no texto. Sugere-se


que o mago Simão soube que eles tinham sido batizados pelo Espírito Santo através do
dom de línguas (veja o versículo 19), mas o mesmo texto não traz isso; já que o batismo
poderia ser evidenciado pelo profetizar (cf. At 19.6), não temos como saber exatamente
como ele entendeu que os samaritanos receberam tal batismo.

Outra observação é que os que foram batizados pelo Espírito Santo eram
samaritanos e quem teve que ir lá para batizá-los eram crentes que estavam saindo do
judaísmo. Os samaritanos não se davam bem com os judeus (Jo 4.9), e os judeus
acreditavam que os samaritanos eram um tipo de povo amaldiçoado. Tendo isso como

2
MacArthur, John. O Caos Carismático. Editora Fiel, p. 239, versão digital.

7
base, o que Deus usaria para mostrar que os samaritanos também podiam fazer parte da
Igreja? Através do batismo com o Espírito Santo e a prova externa do mesmo.

Atos 10

Vejamos os versículos 44 a 46:

Enquanto Pedro dizia essas coisas, o Espírito Santo desceu sobre todos os
que ouviam a palavra. Os crentes que eram da circuncisão [isto é, crentes
judeus], todos os que tinham vindo com Pedro, admiraram-se de que o dom
do Espírito Santo se derramasse sobre os gentios [isto é, não judeus];
porque todos os ouviam falar em línguas.

Sigamos o que nos diz o contexto. Pedro chega à casa de Cornélio, um homem
que não era judeu (cf. At 10.20,28). Note-se, de passagem, que o próprio Pedro diz não
ser lícito, isto é, não ser permitido que judeus se misturassem com os não judeus, ou
seja, gentios (cf. At 10.28). Isso significa que Pedro e os que estavam com ele ainda
tinham um preconceito contra o gentio em sua mente, algo que deveria ser quebrado
para que houvesse real unidade na Igreja de Deus.

Como os judeus saberiam que eles poderiam aceitar o gentio na igreja? Afinal, o
não judeu era tratado como cachorro. Se Deus desse de alguma forma um sinal, ficaria
estabelecido para sempre que os gentios eram bem vindos a Igreja, assim como os
samaritanos.

Veja que os que tinham vindo com Pedro se admiraram, ou seja, se


impressionaram, ficaram maravilhados com o fato de que o dom do Espírito Santo se
derramou sobre os gentios. Aqui, a questão é que o judeu achava o gentio impuro, e
Deus mostra que, se Ele purificou, não devemos desconsiderar (At 10.28).

Eles não ficaram impressionados pelo fato de o Espírito Santo ter sido
derramado, mas pelo fato de ter sido derramado sobre os gentios! A menos que Deus
tenha que provar que os gentios podem entrar na Igreja, não faz sentido usar este texto
para provar que o dom de línguas é a manifestação do batismo com o Espírito Santo.

Outro problema ainda é que o texto diz somente que os que receberam o dom do
Espírito falaram em línguas, não em línguas estranhas. Qual a diferença? Nesse sentido
o grego é bem objetivo. Existem dois termos gregos que podem ser usados para se
referirem a um idioma ou dialeto, são eles glossa e dialektos3. O termo usado aqui é
glossa, e o mesmo aparece em Apocalipse 5.9; 7.9; 10.11; 11.9; 13.7; 14.6; 17.5 – sendo
que toda vez o termo é traduzido por língua ou línguas e o contexto mostra claramente
que significa idiomas4.

3
Em Atos 2 (já estudado aqui) o termo glossa aparece em paralelo a dialektos, significando que os dois
termos têm, basicamente, o mesmo significado.
4
Cf. Thayer’s Greek Lexicon, verbete nº 1152, glw/ssa (glossa).

8
Quando o mesmo termo é usado isoladamente, é uma forma de se referir a um
idioma indefinido, por exemplo, se eu me referir às línguas da Ásia, não sei quais são
essas línguas, portanto, apenas uso o termo línguas; ou seja, quando não sabemos
exatamente a qual idioma nos referir, em grego, podemos utilizar este termo.

Algo que reforça mais ainda para acreditar que aqui, em Atos 10, eles falaram
outro idioma, é a forma como Pedro fala do mesmo acontecimento em Atos 11.15,17:

Logo que comecei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, como
também a nós no princípio.[...] se Deus lhes concedeu o mesmo dom que
concedera a nós, ao crermos no Senhor Jesus Cristo, quem era eu, para que
pudesse me opor a Deus?

Note que, no início do capítulo 11 os cristãos da circuncisão [isto é, que vinham


das práticas judaicas] questionam o porquê de Pedro ter entrado na casa de um gentio5.
Pedro, assim, começa a contar todo o acontecimento até chegarmos aos versos 15 a 17,
para poder provar aos judeus que os gentios também fariam parte da Igreja.

Veja que o texto diz que o Espírito desceu sobre os gentios “como”, ou seja, da
mesma maneira que sobre os discípulos no início do capítulo dois de Atos, tendo eles
recebido o mesmo dom. Agora, como o Espírito desceu sobre os apóstolos no princípio?
Qual foi a manifestação? Foi o falar em idiomas humanos!

Veja que aqui em Atos 10 os que receberam o Espírito Santo o receberam no


momento em que creram, e não depois. Se me basear neste texto, devo crer que recebo o
Espírito no momento em que creio!

Atos 19

E aconteceu que, enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, depois de


atravessar as regiões mais altas, chegou a Éfeso. Achando ali alguns
discípulos, perguntou-lhes: “Vocês receberam o Espírito Santo quando
creram?” eles lhe responderam: “Não. Nem sequer ouvimos que há
Espírito Santo”. Então ele lhes perguntou: “Em que batismo vocês foram
batizados, então?” e eles disseram: “No batismo de João”. Mas Paulo
respondeu: “João realizou o batismo do arrependimento, dizendo ao povo
que cresse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus.”. Quando
ouviram isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus. Quando Paulo
lhes impôs as mãos, o Espírito Santo veio sobre eles, e eles começaram a
falar em línguas e profetizar. (Atos 19.1-6).

Vamos começar por uma observação interessante. Toda vez que alguém recebe o
Espírito no Livro de Atos, isso ocorre por meio de um dos apóstolos que foram
comissionados pessoalmente por Jesus. Não vemos nem Barnabé que em Atos 14.14 é
chamado de apóstolo ser usado para batizar outros com o Espírito Santo! Ao que tudo

5
Confira também o relato da assembleia de Jerusalém, no capítulo 15 versos de 1 a 12, com especial
atenção nos versos 8 e 9.

9
indica, o batismo com o Espírito Santo estava ligado aos apóstolos originais (incluindo
Paulo), mas nenhum outro separado deles fazia isso.

Vamos nos voltar ao texto. A quem Paulo está indo? Aos efésios que ainda
viviam de acordo o Antigo Testamento. Note que esses efésios eram batizados no
batismo de João e, ao que tudo indica, ainda esperavam a vinda do Cristo. Em outras
palavras, faltava evidência para eles mesmos de que o Cristo já tinha vindo.

Outra observação é que o termo quando, destacado no texto em itálico está no


particípio aoristo no grego, significando que deveriam ter recebido o Espírito Santo no
momento em que creram. Nós já vimos na explicação de Atos 8 que os apóstolos
esperavam que os samaritanos já deviam ter sido batizados com o Espírito; aqui, vemos
a informação de que o apóstolo esperava que já tivessem recebido o Espírito Santo logo
que creram.

Os crentes efésios – se é que podemos chama-los assim antes de receberem o


Espírito – nem sequer sabiam da existência do Espírito, como confirmar isso então para
eles? Dando evidências de que o Espírito existe por meio dessas demonstrações
externas. Como já mencionado no comentário do texto anterior, o termo línguas isolado
significa outro idioma.

Em outras palavras, eles falaram em línguas porque eles mesmos precisavam


saber que faziam parte da Igreja do Novo Testamento, e não do Antigo.

Textos Não Mencionados de Atos

O livro de Atos, porém, transborda de textos que dizem que alguém está cheio
do Espírito Santo sem nenhuma referência a manifestação de línguas, confira as
passagens a seguir: Atos 4.8,31; 6.3,5; 7.55; 9.17; 11.24; 13.9, 52. Somente em Atos 2.4
há uma ligação entre estar cheio do Espírito Santo e falar em línguas – isso sem nos
esquecermos de que são línguas humanas ali.

Evidência e Dom

Alguns pentecostais e carismáticos fazem uma distinção entre o dom de línguas


estranhas e a evidência do batismo com o Espírito Santo. Para estes, todo cristão deve
falar em línguas quando batizado, mas nem todos precisam manifestar tal dom durante o
resto da vida.

O problema, como nós já vimos no breve comentário sobre os trechos de Atos, é


que nem sempre o batismo é evidenciado pelas línguas. Quando o livro de Atos fala
sobre os que foram salvos (At 2.41; 4.4; 6.7; 9.42 etc.) não fala de um batismo
subsequente que era esperado e de um falar em línguas como evidência.

O que o pentecostal ou carismático tem que provar aqui, é que somente aquelas
quatro ocorrências no livro de Atos é que bastam para provar que após a conversão

10
(considerando que pelo menos duas delas foram no momento da conversão)
necessitamos de um batismo no Espírito e de falar em línguas estranhas como prova.

Simplesmente não existe texto que prove que precisamos de batismo posterior a
conversão e das línguas como evidência.

A Evidência do Batismo Com/No Espírito Santo


Eu poderia parar aqui dizendo que o dom de línguas não é prova do batismo com
o Espírito Santo, mas creio que seria limitado demais. Assim, penso que esta parte deva
ser uma espécie de bônus.

Quando a Igreja passava pelo período de transição em Atos, o povo precisava de


provas imediatas de que aquilo vinha de Deus. Não é necessário afirmar que isso está
longe do que é necessário hoje. Em outras palavras, se não cremos que o gentio faz
parte da Igreja por meio das Escrituras, tão pouco acreditaremos por meio dos sinais (cf.
Lc 16.31).

Em Gálatas 3.2 vemos que Paulo diz que não recebemos o Espírito Santo por
alguma obra, ou seja, por algum esforço, mas simplesmente pela Fé naquilo que
ouvimos – no Evangelho. Em que momento temos Fé no que ouvimos? Ora, no
momento da conversão, pois é impossível se converter sem ter Fé! O que significa que
nesse momento recebo o Espírito.

Se em Cristo agora somos um (Gl 3.28), ou seja, se já posso receber qualquer


que venha para fé verdadeira, por que teria que esperar que o Espírito Santo venha a
comprovar que alguém pode ser recebido? Está provado que samaritanos, gentios,
negros, brancos, índios e qualquer um pode estar na Igreja, para quê precisaria dessas
provas do Espírito se eu já as tenho pelas Escrituras?

Sei que comumente muitos citam o texto que diz que Jesus é o mesmo ontem,
hoje e sempre (Hb 13.8), mas eu não estou falando sobre o que Jesus é, e sim sobre o
que Ele faz. Não podemos confundir o nosso salvador com a obra dEle, são diferentes
um do outro. Por exemplo, ninguém que eu conheça alega que Deus irá nos mandar
matar ou dizimar povos inteiros como no Antigo Testamento (1 Sm 15.3), e Deus
também destruiu a humanidade quase toda com o dilúvio (Gn 6.5-7), não significa que
Ele vá destruir de novo com um dilúvio. Note, é o mesmo Deus, porém as obras são
diferentes! Agora Ele não nos manda destruir o nosso inimigo, antes devemos amá-lo
(cf. Mt 5.44).

Então me compreenda, Deus não mudou, mas a forma como Ele conduz a Sua
Obra pode mudar!

11
Agora vamos ao nosso foco aqui. Paulo argumenta em 1 Coríntios 13.8 que um
dia as línguas, conhecimento e profecias acabarão6. O que é interessante, é que uma
coisa prevalece de tudo isso: O Amor.

Em Gálatas 5.22,23 Paulo nos diz que o fruto do Espírito é amor, alegria, paz,
paciência, benignidade, bondade, fidelidade, amabilidade e domínio próprio. Se tenho
essas coisas mais importantes, por que precisaria de um dom menor para demonstrar
que fui batizado pelo Espírito Santo?

É justamente esse o argumento de Paulo em 1 Coríntios 13. Se eu tenho um dom


excelente, para que preciso batalhar por dons menores?

O amor é paciente, tudo suporta, não é invejoso, não se orgulha, tudo sofre...

Falando Em Línguas
Se a sua experiência é diferente do que estudamos até aqui, o que precisa de
outra explicação não são as passagens, mas sim suas experiências. Por que que quando
nossa experiência e a Bíblia não batem temos que ver se há outra interpretação para a
Bíblia, e não para nossa experiência?

Até esse momento, não tentei definir exatamente o que quero dizer com falar em
línguas e, por enquanto, não será necessário. Tratar do aspecto histórico aqui é
vantajoso, pois já vimos historicamente o que houve na Igreja Primitiva7. Porém, é bom
notar que na história da Igreja sempre apareceu alguma forma de “manifestação” do
dom de línguas, quer por meio de mitos, quer por meio do misticismo. Os textos abaixo
normalmente mostrarão o que o termo “línguas” quer dizer no seu contexto.

Vamos, a partir daqui, usar o entendimento de que dom de línguas é falar uma
língua da qual eu não aprendi nada previamente, ou seja, sem estudo algum.

A HISTÓRIA

No mundo pagão, nos séculos antes de Cristo, os profetas dos deuses eram
associados às falas extáticas, isto é, falas sem nexo ou palavras definidas, conhecidas
também como algaravia. No século XI a.C. isso ocorria entre os egípcios; a profetisa de
Delfos falava em linguagem desconhecida, assim também os ritos dionisíacos (ao deus
Dionísio) possuíam o “falar em línguas estranhas”.8

No Antigo Testamento os dois casos que sugerem algum tipo de linguagem


estranha se encontram em 1 Sm 19.18-24 e 1 Rs 18.28-29. No primeiro caso, o rei Saul,
já tentando matar Davi, tem manifestações proféticas9 que não dependiam da pessoa

6
Mais a frente analisaremos este texto com detalhes.
7
Aqui não conto a Igreja de Corinto, pois será tratada mais a frente.
8
Cf. Enciclopédia Histórica-teológica da Igreja Cristã, Línguas, Falar em.
9
Alguns autores ainda sugerem que no hebraico os termos “manifestações proféticas” significam um
falar desconexo, ou seja, não em palavras humanas; mas não há nada que prove isso, devido ao fato de
que a origem da palavra é desconhecida.

12
que as manifestava – mesmo assim o seu estado é constrangedor no fim do capítulo,
ficando até nu. No segundo caso, os profetas de Baal começam a “profetizar” e se
retalham na tentativa de que desça fogo do céu; devido ao contexto histórico, é provável
que, neste segundo caso, eles estivessem falando em línguas estranhas ao deus Baal.
Observa-se, porém, que nenhum dos profetas do Senhor teve qualquer manifestação
como ocorreu com Saul ou os profetas de Baal. Estes textos também são muito vagos
para provarem que eles realmente falaram em línguas estranhas.

No século II d.C. surge na Igreja um homem chamado Montano, que caia em


certo transe extático, no qual começava a falar coisas ininteligíveis. O próprio Montano
considerava o que ele falava superior às Escrituras10. Note, em primeiro lugar, que as
pessoas consideravam o que ele falava como algo ininteligível significando, portanto,
que mesmo para a Igreja Primitiva isso parecia estranho. E, em segundo lugar, a Igreja
considerou Montano um herege, ainda que em alguns poucos pontos ele fosse ortodoxo.

Irineu de Lion, que viveu aproximadamente entre 130 e 200 d.C. escreveu no
seu livro, chamado Contra as Heresias, V, 6, 1, o seguinte:

[...] e que através do Espírito de Deus falam em todas as línguas, como ele
próprio também falava. Da mesma maneira que nós também ouvimos de
muitos irmãos na Igreja que possuem dons proféticos e que por meio do
Espírito falam toda classe de línguas [...].

Notamos por meio do que diz Irineu que na época dele parecia haver ainda
alguma manifestação do dom de línguas, mas o próprio contexto da fala dele demonstra
que é “em todas as línguas”, não em línguas desconhecidas ou estranhas.

Ainda assim permanece uma dúvida, pois o termo “ouvimos” que é usado aqui
se refere a algo passado. Daí que, segundo Anthony Hoekema e B.B. Warfield, Irineu se
referia ao que ele ouvia quando era criança, pois teria tido contato com os apóstolos11.

Já entre os anos 160-220 d.C. vemos Tertuliano, que no final da sua vida se
tornou montanista, pedindo provas a Marcião para que o deus dele demonstre os dons
como Tertuliano aprendeu de Montano. Tertuliano os desafia a mostrar isso num êxtase.

O próprio Tertuliano parecia ter se esquecido de que nas Escrituras não há


nenhuma referência a que a manifestação dos dons tivesse12 que ser demonstrada em
êxtase, daí que na verdade ele tenha se tornado alguém que se baseia em aparências e
sentimentos.

Entre os anos 347-407 d.C., João Crisóstomo, nas suas Homilias sobre 1
Coríntios, vol. XXII, diz que o referido dom ou manifestação das línguas já não ocorria,
e, portanto, ele mesmo diz que este assunto “está completamente obscuro”.

10
Cf. O Caos Carismático, p. 92, 93 e ...E as Línguas?, Anthony Hoekema, p. 8, versão digital.
11
Essa informação se encontra no livro ...E as Línguas?, Anthony Hoekema.
12
Em Atos 22.17 diz que Paulo “caiu em êxtase”, mas não diz que isso deve ocorrer, afinal, a experiência
de Paulo não é a nossa experiência.

13
Entre os anos 354-430 d.C., Agostinho, nas suas Dez Homilias Sobre a Primeira
Epístola de João, vol. VII escreve assim:

No período Primitivo, o Espírito Santo caiu sobre os que criam; e falavam


em línguas que jamais haviam aprendido, ‘como o Espírito Santo lhes
concedia que falassem’. Eram sinais, adaptados a essa época. Precisava
haver aquela evidência do Espírito Santo em todas as línguas, mostrando
que o evangelho de Deus havia de correr através de todas as línguas sobre
a terra. Aquilo foi feito como evidência e então passou13.

Poderíamos resumir os primeiro seiscentos anos da Igreja, com relação a esse


dom, dessa forma: os únicos que falavam em línguas estranhas (extáticas) nesse período
eram os montanistas, porém, os mesmos eram hereges de fato14.

Chega a nós hoje a informação de que na Idade Média alguns poucos homens
falaram em idiomas não aprendidos, como, por exemplo, São Vincente Ferrer (1357-
1419) que, segundo nos relata a história, falou a alemães, húngaros e gregos. Também
se menciona São Francisco Xavier (1506-1552) e São Luís Bertrand (1526-1581).
Porém, mesmo aqui, algumas informações são duvidosas, já que Xavier, segundo ele
mesmo, teve que estudar arduamente para dominar as línguas que falou. Provavelmente
muitos dos relatos da Idade Média eram relatos apaixonados de quem via homens que
falavam mais de um idioma aprendido.

Depois da Reforma, e os puritanos em geral, costumavam simplesmente afirmar


que o dom de línguas havia cessado – incluindo reformadores como Calvino e Lutero.
Tanto que em 1712 Matthew Henry afirma no seu Prefácio ao vol. IV de sua Exposição
do Velho e do Novo Testamentos que “não temos motivo algum para esperar que
revivam” (se referindo não só ao dom de línguas).

Há uma afirmação – e parece ser a única – que é citada no livro Heróis da Fé, de
Orlando Boyer, dizendo que Lutero falava em línguas. O problema é que quem disse
isso viveu trezentos anos depois de Lutero, sendo que o próprio Lutero alegava que esse
tipo de manifestação do Espírito Santo havia cessado. Evidentemente, há uma
contradição aqui, e é mais seguro acreditar no que o próprio Lutero disse a respeito de si
mesmo.

O “Dom de Línguas” Ressurge

No século XVII surgem “Os Meninos de Cevennes”, que em grande parte eram
garotos que alegavam falar latim e hebraico sem terem aprendido. Eles se destacaram
muito pelo seu fervor militarista, e defendiam o uso de armas contra a igreja católica
romana. Não é comprovado que falavam em línguas como hebraico e latim.

13
Chantry, Walter J., O Testemunho da Igreja Sobre os Dons, versão digital monergismo.com – algumas
das outras citações foram encontradas neste livreto (veja as indicações de livros no final).
14
Não entraremos no debate do porque eles eram hereges, pois estaria longe do foco deste livreto
tratar do tema.

14
Os jansenitas aparecem no século XVIII afirmando que falavam em línguas.
Também entre os Shakers aparecem referências ao dom, notando que a grande guru
deste movimento, chamada de Mãe Ann Lee, alegava falar 72 línguas humanas.
Observe, entretanto, que até aqui, ainda que sejam grupos hereges, suas alegações são
de que falavam outros idiomas, e não línguas estranhas.

Entre os anos de 1792 e 1834 surge Edward Irving. Ele e seus seguidores
fundaram a Igreja Católica Apostólica. Além do fato de adotarem muitos rituais da
igreja católica romana, alegavam falar em línguas. Seus profetas frequentemente se
contradiziam, e alguns afirmaram fazer o que faziam por meio de espíritos malignos.

Dom de Línguas na Atualidade

A partir do século XIX começa haver certa confusão com respeito a tal dom.
Isso tudo vai desaguar no século XX, em janeiro do ano de 1901. Nesse ano, Parham
forneceu a ideia básica de que a evidência do batismo com o Espírito Santo era o dom
de línguas15. Na verdade, isso ocorreu devido a uma estudante de sua escola
experimentar o falar em línguas, seu nome era Agnes Ozman. Não se nega o fato de que
ele já vinha tentando montar uma doutrina em cima do dom de línguas algum tempo
antes.

Durante esse tempo, essa ideia permaneceu encubada, até, enfim, entre os anos
de 1906 e 1909, numa antiga igreja metodista na Rua Azusa, no centro de Los Angeles,
ocorrer, definitivamente, o nascimento do pentecostalismo com a ênfase no dom de
línguas. Observa-se que a Igreja Metodista Wesleyana rejeitou esse movimento, apesar
de o mesmo nascer em sua linha denominacional.

Em 1910, por meio dos imigrantes suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, surge
a Assembleia de Deus no Brasil. Na verdade eles iniciaram cultos em uma igreja Batista
em Belém do Pará, mas, por ter ocorrido um cisma entre eles, houve uma divisão que
culminou no aparecimento do pentecostalismo no Brasil – e, consequentemente, do dom
de línguas.

Durante o século passado, ainda, Daniel Bennett, reitor da igreja Episcopal de


São Marcos, em Van Nuys, na Califórnia, teve a experiência do falar em línguas; assim,
por meio dele, essa influência do dom de línguas entrou nas Igrejas Reformadas e
Tradicionais de uma forma muito rápida. Daí que temos o surgimento do
neopentecostalismo, a tal ponto, que em 1966 essa onda atingiu até mesmo os católicos
romanos; os papas Paulo VI e João Paulo II nomearam Joseph Leon Cardeal Suenens
como conselheiro episcopal para a renovação carismática16.

15
Veja que, após toda a História da Igreja, somente no ano de 1901 é que se vai relacionar o batismo do
Espírito Santo com o dom de línguas.
16
Boa parte destas informações podem ser encontradas na Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja
Cristã, editada por Walter A. Elwell.

15
Hoje, especialmente, há tanta confusão que, apesar de alguns esforços até de
carismáticos e pentecostais, o assunto com relação ao dom de línguas tornou-se
controverso e problemático. Agora não há mais barreiras entre igrejas pentecostais e
tradicionais com respeito a isso, já que, em sua maioria, as pessoas creem basicamente o
mesmo sobre o dom de línguas.

Na tentativa de organizar um pouco isso, as Assembleias de Deus hoje usam a


Declaração de Verdades Fundamentais, que possui 16 artigos. No oitavo artigo temos
escrito:

O batismo dos crentes no Espírito Santo é testemunhado pelo sinal físico


inicial do falar em outras línguas, conforme o próprio Espírito lhes
conceder (At 2.4).
O falar em línguas, nessa instância, pertence à mesma essência que o dom
das línguas (1Co 12.4-10,28), mas é diferente quanto a seu propósito e uso.

As referências com relação a Atos dos apóstolos nós já estudamos, e não seria
necessária uma nova abordagem. Mas note que, na prática, o texto citado de Atos 2 se
refere a línguas humanas, não a línguas estranhas.

Independente do que você entenda por dom de línguas até este momento, o fato é
que muitos creem ser uma coisa fundamental a fé cristã, quando, na verdade, o próprio
apóstolo Paulo não mostrou isso, pois, caso fosse fundamental, não estaria entre os
últimos dons enumerados pelo apóstolo (1 Co 12.28)17.

O problema fica maior ainda, pelo fato de que, na África, pessoas possessas por
demônios falam em línguas estranhas e até em outros idiomas, como o inglês, por
exemplo. Entre mulçumanos e ocultistas também se encontram pessoas que falam em
línguas, quer estranhas, quer idiomáticas. Assim, com base no que vimos, a história
prova que falar em línguas não é, necessariamente, a prova de que alguém é espiritual
ou verdadeiro crente.

A BÍBLIA

Até aqui tratei o livro de Atos e fiz um resumo histórico do tema, mas o presente
trecho se preocupa com as outras referências que, em geral, são relacionadas ao falar em
línguas na Bíblia. Talvez você se pergunte o porquê de ter tratado o livro de Atos
separadamente, mas isso é porque eu teria que tratar da História da Igreja, e essa história
começa em Atos. Assim, tentei fazer o possível para seguir tudo cronologicamente.

Joel 2.28-31
28
E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda
humanidade; seus filhos e suas filhas profetizarão, seus velhos sonharão, e
seus jovens terão visões; 29 até sobre os servos e sobre as servas derramarei

17
Na cultura hebraica, os nomes que ficavam no final da lista normalmente expressavam as coisas
menos importantes.

16
o meu Espírito naqueles dias. 30 Eu mostrarei prodígios no céu e na terra:
sangue, fogo e colunas de fumaça. 31 O sol se converterá em trevas, e a lua,
em sangue, antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR.

Muita gente cita este texto como a evidência para que todos falem em línguas,
porém, note que o texto nem se quer menciona as línguas! Então, recorrem ao fato de
que, justamente no contexto em que os discípulos falaram em línguas, Pedro cita este
texto (At 2.14-21) como a evidência disto.

O que Pedro queria provar em Atos não é que foi previsto o dom de línguas, até
porque, este texto de Joel nem o menciona. O foco do apóstolo nesse caso foi o
derramar do Espírito, que foi demonstrado através do falar em outros idiomas. Note,
também, que Pedro está fazendo referência ao fato de estes dias estarem chegando, não
de terem chegado completamente. Como prova disto temos o fato de que não vemos em
Atos “sangue, fogo e colunas de fumaça”, pois são descrições apocalípticas. O que nos
resta, dado o fato de que nem mesmo em Atos a profecia se cumpriu completamente, é
acreditar que a referência é a vinda do Espírito Santo sobre o homem, não ao dom de
Línguas.

Romanos 8.26

[...] porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas
o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis
[impronunciáveis].

Alguns usam este texto como um meio de dizer que falamos em línguas por meio
do Espírito Santo. O que não notam é o fato de serem palavras impronunciáveis. Mesmo
as línguas estranhas são pronunciáveis, a questão é que não são reconhecíveis. Este
texto, de qualquer modo, só se refere ao trabalho de intercessão do Consolador, não do
que nós falamos. Só o Espírito intercede de forma impronunciável, nós, mesmo que
falemos de qualquer forma será pronunciável, caso contrário, você não teria falado.
Usar este texto é forçar o significado dele com uma mente tendenciosa.

Marcos 16.17,18
17
Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome,
expelirão demônios; falarão novas línguas; 18 pegarão em serpentes;
e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se
impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados.

Vamos olhar o texto em geral primeiro18. Além das línguas, ele afirma que pegarão
em serpentes e beberão coisas mortíferas sem que isso lhes faça mal. Em geral,
neopentecostais afirmam que o falar em línguas neste texto deve ocorrer independente
de qualquer coisa, afinal, Jesus disse que eles falariam novas línguas, não que alguns ou
que talvez falariam novas línguas.
18
Vou deixar de fora a questão da autenticidade deste texto, pois não seria proveitoso e alongaria mais
o livreto.

17
Mas note que o texto também não diz que talvez não faça mal a bebida mortífera,
nem que talvez o pegar em serpentes não lhes faça mal. O texto não diz que alguns
beberão e não fará mal. Essa distinção é importante, pois não vemos hoje em dia se
cumprir o versículo 18 por ai. Alguns tentam contra argumentar, e dizem que, quando se
usa o dom em pecado ou mesmo para se exibir ele não funciona; nada mais longe da
verdade do que isso, pois a igreja de Corinto era orgulhosa, sectária (havia divisões) e,
mesmo assim, não lhes faltava nenhum dom!

Existem dois termos para a palavra novo em grego, são eles kainós e néos19. Néos
se refere a novidade no sentido de tempo, ao passo que kainós se refere, primariamente,
a algo novo em sentido de não usado ou de qualidade diferente. A questão é que
nenhuma língua é de qualidade diferente, o que difere na qualidade é o que é falado por
meio de uma língua. Não existe uma língua que tenha uma qualidade diferente da outra,
pois, embora as palavras mudem, nunca se muda o fato de serem faladas (ou escritas). O
sentido de qualidade diferente certamente não se aplica ao termo “línguas”.

Para termos a certeza do que devemos afirmar, temos que olhar a Bíblia de uma
forma um pouco mais ampla, neste caso. Veja que em Atos 2 os discípulos falaram em
línguas (ao passo que não se diz isso dos mais de três mil convertidos). Ali, de fato, eles
falaram novas línguas, porém, línguas essas que eram novas para eles – não para os que
ouviam. Quando se diz que algo é novo, deve se perguntar: novo em relação a quem?
Ou ao quê? – Esse texto de Marcos se cumpriu em Atos 2!

Em Atos 17.21, por exemplo, os atenienses e os estrangeiros queriam saber a


última novidade (kainóteron), mas tais novidades eram, em geral, de natureza filosófica,
portanto, não havia nenhuma diferença essencial de uma para outra, por mais que a
palavra novidade possa significar algo novo de qualidade diferente. O que conta, no
final, é o contexto, pois ele definirá o que essa palavra realmente quer dizer.

Não creio que o que dificulte a interpretação seja o vocábulo “novas”, mas sim a
afirmação positiva de que os que creem falarão novas línguas. Ele não diz que são os
que creem mais, ou os que buscam mais, mas simplesmente “aqueles que creem” – no
Evangelho. Contudo, em Atos já vimos que muitos dos que creram simplesmente não
falaram em línguas, o que significa que há algo no texto que não observamos ainda.

Já observamos que o próprio livro de Atos mostra que nem todos os que creem
falaram em línguas. Basicamente, os que falaram em línguas foram os discípulos e os
que precisavam desse sinal. Jesus usou uma palavra interessante no início da passagem
de Marcos: sinais. Essas coisas eram os sinais para o povo da Nova Aliança, afinal,
tanto os apóstolos como o mundo estavam recebendo uma grande boa nova. Assim,
eram necessários certos sinais para confirmação da verdade. Jesus não diz nem dons e
nem mesmo milagres, mas sim, sinais, para mostrar que sinalizava a vinda do Reino, ou
seja, Ele mesmo entre povos de todas as línguas e etnias. Este texto não prova que todos
têm que falar em línguas, mas somente que elas seriam sinais.

19
Cf. Thayer Greek Lexicon, verbete nº 2676, kaino,j (kainós).

18
1 Coríntios
A carta de 1 Coríntios é tão controversa, que merece um capítulo somente para ela.
O que dificulta ainda mais não é só o fato de ser uma carta controvertida, mas até
mesmo porque a cidade de Corinto tinha lá suas peculiaridades. Em Corinto se
realizavam batismos pelos mortos (cf. 1 Co 15.29), mulheres que se prostituíam
raspavam o cabelo (cf. 1 Co 11), e havia a crença de que quanto mais se fala “na língua
dos deuses” ou dos “anjos” mais próximo se estava dos referidos deuses e mais elevada
era a pessoa (cf. 1 Co 13.1). Sem contar o fato de terem uma ligação bem forte com a
sabedoria deste século, isto é, os ideais fúteis de muitas filosofias correntes (cf . 1 Co
3.18,19).

Paulo escreveu sua primeira carta aos coríntios por volta dos anos 55 a 57 d.C.,
enquanto estava em Éfeso (cf. 1 Co 16.8). Assim, olhando cronologicamente, essa carta
deve ter sido escrita entre os capítulos 19 e 20 de Atos dos Apóstolos20. Isso é
importante, pois Paulo não parece do tipo que faria uma coisa em Atos e escreveria
outra nas cartas. Se a experiência dele foi uma em Atos dos Apóstolos, com certeza o
que ele escreveu em Coríntios confirma isso.

O que Paulo critica na carta aos coríntios é o reflexo de uma igreja que se deixou
influenciar pela cultura a sua volta, em vez de influenciá-la. Essa carta de Paulo tem, de
forma um tanto paradoxal, o lado irônico dele. Muita coisa que se encontra escrita nessa
carta é pura ironia paulina. Só para você ter um exemplo, veja o capítulo 4 verso 8 onde
Paulo diz: “Vocês estão fartos! Estão ricos! Sem nós vocês reinam [...]”. Óbvio que não
é a realidade, pois eles não reinavam, muito menos sem Paulo (cf. 1 Co 4.10 onde
consta outra ironia paulina).

Devido ao fato de textos não transmitirem emoções, às vezes torna-se difícil


entender o que é ironia por parte de Paulo e o que é doutrina para a Igreja. Porém, três
coisas precisam ser vistas antes de entrarmos nos textos em si. A primeira é se quem
fala em línguas é mais espiritual; a segunda é sobre a suposta diferença entre traduzir e
interpretar e a terceira, a definição dos termos como Glossolalia e Xenoglossa. Veja
abaixo.

QUEM FALA EM LÍNGUAS É MAIS ESPIRITUAL?

Se imagine chegando a sua igreja (ou em qualquer outra) e, de um lado, você vê


um grupo de pessoas bêbadas (cf. 1 Co 11.21). Do outro lado, você vê várias pessoas
com fome que acabaram de chegar para poderem participar do banquete, sabendo que a
única vez que essas pessoas têm a oportunidade de comer dignamente é nos domingos
(cf. 1 Co 11.22) e os outros simplesmente comeram tudo sem deixar nada para eles. De
repente, eles começam a discutir qual é o maior pregador do ano (cf. 1 Co 1.11,12),
outros começam a falar em línguas e outros ainda interrompem os que estão falando

20
A Bíblia NVI em ordem cronológica a situa justamente no fim do capítulo 19 de Atos.

19
algo útil. Então você fica sabendo que um deles fez sexo com a própria madrasta,
mulher do pai dele (1 Co 5.1), e que ninguém se importa com isso.

O que descrevi para você é justamente a igreja que “não falta nenhum dom” (1
Co 1.7), conhecida como a Igreja de Corinto, no Novo Testamento. Essa Igreja
realmente foi singular, a tal ponto, que nos parece que Paulo teve que escrever pelo
menos três cartas para eles (cf. 1 Co 5.9), uma das quais se perdeu no tempo. Porém não
foi isso que a tornou tão proeminente, mas sim, sua falta de reverência, desordem e
espiritualidade.

É interessante notar que, no Novo Testamento (além de Marcos e Atos), só é


mencionado diretamente o dom de línguas na primeira carta aos Coríntios, e é onde o
assunto é realmente tratado de forma doutrinária. Ou seja, é o único lugar onde
encontraremos o padrão definitivo para o dom de línguas.

Isso tudo é importante, porque significa que quem fala em línguas não é,
necessariamente, o cara mais espiritual da sala; aliás, é muito provável que seja
realmente carnal (1 Co 3.3), assim como Paulo trata aos coríntios que falavam em
línguas e conviviam com o pecado sem problema algum.

O que mede a espiritualidade de alguém não é o tipo de dom externo que a pessoa
demonstra, mas o como ele se relaciona com Deus e com o pecado dentro de si mesmo;
por isso, o único que pode medir a espiritualidade de qualquer um é Deus. Dessa forma
ninguém, jamais, pode achar que o outro é espiritual por causa do dom de línguas
(independente do que você entenda por línguas). A verdade é que qualquer um que se
orgulhe por causa do dom de línguas, deve ser humilhado na hora!

TRADUZIR E INTERPRETAR

Populariza-se, aos poucos, uma distinção feita entre interpretar e traduzir. Uma
das pessoas mais conhecidas que faz tal distinção é o Caio Fábio21. Entretanto,
linguisticamente, essa distinção não existe no grego, que é a forma como o Novo
Testamento foi escrito. O texto de 1 Coríntios 14.27 diz que, para aquele que fala em
línguas, deve haver um intérprete. O termo intérprete no grego vem da palavra
diermhneu,w)22. Essa palavra é traduzida como traduzir em Atos 9.36, onde
diermeneuo (diermhneu,
se diz que o nome de Tabita, traduzido, quer dizer Dorcas. Essa palavra aparece
também em Marcos 5.41, onde Jesus diz “talita cumi, que traduzido é...”. Em outras
palavras, para as línguas, o termo traduzir ou interpretar significa a mesma coisa, já que
toda tradução é uma interpretação.

Só para deixar mais claro, o que o Google Tradutor faz muitas vezes se chama
transliteração, mas quando alguém pega um texto e o passa para outra língua de forma
compreensível (sendo necessária a própria interpretação da pessoa para isso), então

21
Você pode encontrar ele mesmo escrevendo sobre isso neste link:
http://www.caiofabio.net/conteudo.asp?codigo=01133.
22
Cf. Louw-Nida Lexicon, verbete nº 1667.

20
chamamos de tradução. Podemos dizer que as línguas em 1 Coríntios eram traduzidas.
Entenda, não estou dizendo que deve ser traduzido como demonstrei, mas que
simplesmente não há diferença entre traduzir e interpretar no grego. Usar a palavra
interpretar para dizer que isso é prova de que havia línguas estranhas não é um
argumento válido.

GLOSSOLALIA E XENOGLOSSA

Os termos Glossolalia e Xenoglossa são termos teológicos que tentam definir


nosso assunto. Glossolalia literalmente significar “falar língua” ao passo que
Xenoglossa significa “língua estrangeira”. Em outras palavras, o primeiro termo
costuma ser usado por pentecostais para significar línguas estranhas ou dos anjos, o
segundo para significar línguas humanas estrangeiras.

Agora que chegamos em Coríntios, essa distinção é muito importante, pois até
aqui vimos que as línguas eram, apenas, estrangeiras, porém, essa carta nos apresenta
problemas a mais para observarmos e que não podemos deixar passar em branco.

1 Coríntios 12

O capítulo doze não trata especificamente do dom ou da manifestação das


línguas. Paulo é muito organizado no que diz, portanto, aqui ele dá uma espécie de
introdução geral aos dons, para, só assim, tratar de dons específicos. A partir daqui,
tiraremos algumas conclusões básicas que nos prepararão para o capítulo 14 de 1
Coríntios.

Verso 7: [...] a manifestação do Espírito é dada a cada um para o benefício


comum [isto é, de todos].

A palavra manifestação é importante aqui, porque ela significa “trazer à luz” 23.
Isso deixa claro que a intenção era que os dons aparecessem, fossem manifestos, para
que toda a Igreja percebesse. O interessante é que aqui Paulo não diz que o dom era, em
algum momento, dado para a edificação meramente individual, mas somente para que
fosse manifesto com a consequência do bem comum. Devo chamar atenção para o fato
de que Paulo está sendo didático neste capítulo e isso mostra a incoerência do modo
moderno de manifestação das línguas de, pelo menos, duas formas:

Primeiro: quando qualquer um começa a falar em línguas na Igreja ou onde quer


que seja, e não há tradutor, a pessoa está contradizendo este versículo frontalmente. O
falar em línguas sem tradução não traz benefício para ninguém.

Segundo: é dito frequentemente que o dom de línguas é para edificação pessoal,


se é, então não é manifestação do Espírito. Veja que o texto diz que a manifestação do

23
Cf. Louw-Nida Lexicon, verbete nº 6699, fane,rwsij (fanérosis).

21
Espírito é para o bem comum, não para o bem individual. Quando é dito que o dom de
línguas edifica somente quem fala24 se prova que não é uma manifestação do Espírito!

Versos 8-10: Porque a um é dada, pelo Espírito, a palavra de sabedoria; a outro,


pelo mesmo Espírito, a palavra de conhecimento. A outro, pelo mesmo Espírito, é dada
a fé; a outro, pelo mesmo Espírito, dons de curar; a outro, a realização de milagres; a
outro, profecia; a outro, dom de discernir os espíritos; a outro, variedade de línguas; e a
outro, interpretação das línguas.

Não comentaremos, neste livreto, sobre os outros termos que estão no contexto,
pois nosso foco aqui é o dom de línguas, assim, o que importa para nós, neste momento,
é o final do verso 10. Paulo nos diz que o Espírito dá, a outro, ou seja, não a todo
mundo, mas a alguns, a variedade de línguas. A palavra variedade no grego é génos, de
onde vem a
nossa palavra “genética”. Essa palavra é usada quando quer se dizer que alguém
descende de outra pessoa (cf. Ap 22.16), de uma nação (cf. Mc 7.26) ou quando se
refere a coisas de vários tipos, mas que, entretanto, são de mesma espécie (cf. Mt
13.47)25.

Vejamos qual desses significados se aplica. Uma língua não é uma pessoa,
portanto, o primeiro significado da palavra está fora de cogitação. Também não se
refere a alguém que procede de alguma nação, assim, também não é o segundo
significado. Só nos sobra o terceiro. O significado da passagem, aplicando o terceiro
sentido da palavra (que é o certo) significa: vários tipos de línguas, porém de mesma
espécie. A menos que seja provado que os anjos falam diversas línguas, o texto
claramente se refere a idiomas humanos. Assim, vários idiomas humanos eram dados
pelo Espírito. O vocábulo “vários” aqui, então, se refere às várias linguagens existentes,
e a palavra espécie significa “humana”.

Já foi explicado, anteriormente, que não há diferença entre traduzir e interpretar;


mas caso ache necessário, volte ao título Traduzir e Interpretar onde explico a suposta
diferença.

Verso 11: Mas um só Espírito realiza todas essas coisas, distribuindo-as


individualmente conforme deseja.

Se você busca os dons espirituais, não há nada de errado, porém, essa passagem
é significativa, pois diz que é o Espírito Santo quem distribui isso como Ele deseja. No
grego há mais de uma palavra para desejo/querer. A palavra que foi usada aqui tem um
sentido maior de propósito, não apenas de uma vontade, mas de um plano fixo26. Outro
detalhe é que esse termo está na voz média, o que significa que Ele mesmo determina
essa vontade/propósito e Ele mesmo executa.

24
O texto de 1 Coríntios 14.4: “o que fala em línguas edifica a si mesmo” será estudado mais a frente.
25
Cf. Louw-Nida Lexicon, verbete nº 1351, ge,noj (génos).
26
Cf. Thayer’s Greek Lexicon, verbete nº 1060, bou,lomai (Boulomai).

22
O erro, hoje em dia, é achar que nós convencemos o Espírito Santo a nos dar os
dons que queremos ou os dons que nós achamos necessários. A verdade é que as
Escrituras ensinam que o Espírito Santo é quem escolhe os dons e a quem os dar. E,
para não nos orgulharmos, tais dons são dons da graça, ou seja, mesmo que tenhamos
pecado contra Deus, Ele nos dá sem nos dever nada.

Verso 28: Na Igreja, Deus designou alguns primeiramente apóstolos; em


segundo lugar, profetas; em terceiro, mestres; depois, os que realizam milagres; depois,
os que têm dom de curar, os que socorrem os outros, os que administram e os que falam
variedade de línguas.

Pulamos boa parte do capítulo simplesmente porque não toca diretamente no


assunto abordado (antes que alguém me acuse de tirar o texto do contexto). Mas, para
resumir, Paulo está argumentando que há um corpo e que todos no corpo devem
cooperar para o bem comum, sem divisões ou brigas.

Agora Paulo passa a enumerar as designações de Deus na Igreja. Ele mostra a


partir do que é mais importante para o menos importante. Sem apóstolos, por exemplo,
a Igreja não existiria, afinal, não foram só os primeiros a serem chamados, mas se
tornaram os mais importantes, tanto que seus escritos estão não Bíblia, não os nossos!
Então, a partir daí, Paulo começa a mostrar que, longe do que muitos pensam, o dom de
línguas não é o mais importante na Igreja, pelo contrário, pois pela ordem que Paulo
estabelece, este era o dom menos importante.

A variedade de línguas mencionadas aqui são as mesmas explicadas no verso 10


que vimos há pouco.

Verso 29,30: Acaso são todos apóstolos? São todos profetas? São todos
mestres? Todos realizam milagres? Todos têm dons de curar? Falam todos em línguas?
Todos as interpretam?

Aqui, muitos pentecostais e neopentecostais costumam fazer uma distinção. A


distinção é a seguinte: o falar em línguas é um sinal e não precisa ser um dom; em
outras palavras, eles querem dizer que todos devem falar em línguas quando batizados
pelo Espírito Santo, mas que nem todos precisam manifestar isso na vida cristã por
inteiro. Mas já tratamos dessa parte sobre batismo e línguas (veja a parte que tratamos
em Atos dos Apóstolos e, Dom e Evidência, dentro do mesmo título). Simplesmente
não há base bíblica para a distinção que eles fizeram.

Aqui, neste texto, vemos que Deus tem interesse na unidade do corpo, não na
sua uniformidade. A unidade é quando todos fazem coisas diferentes com um mesmo
fim ou fins. A uniformidade simplesmente age de forma única para atingir qualquer fim,
sendo, portanto, ineficaz. Deus não quer robôs que fazem exatamente a mesma coisa, e
sim, pessoas que fazendo coisas diferentes chegam aos mesmos fins: A Glória dEle e a
Edificação do Seu Povo.

23
Verso 31: Procurai com zelo os melhores dons. Mas agora lhes mostrarei um caminho
muito melhor.

Em nossas traduções este texto importantíssimo parece contradizer-se. Nossas


traduções trazem a informação de que Paulo os manda buscarem os dons, e, no mesmo
versículo, desfaz tudo dizendo que há algo maior a se buscar – é isso o que um “mas”
quer dizer.

No grego, de fato, há duas possibilidades. Ou Paulo está mandando ou está


descrevendo uma situação e depois mostrando algo melhor. As palavras “procurai com
zelo” são uma só no grego, e tem o sentido de buscar algo ardentemente, com muito
fervor. O problema é que, por alguma razão, nossos tradutores preferiram o imperativo
na tradução ao invés do indicativo. Pelo contexto notamos fortemente que a tradução,
pelo indicativo, seria melhor, veja: “vocês estão procurando com zelo os melhores dons.
Mas eu lhes mostrarei um caminho muito melhor”.

Este versículo é a ponte para o capítulo 13 no qual se fala do amor; ele mostra
que o que Paulo quer, no próximo capítulo, é fazer comparações muito fortes e
extravagantes entre uma coisa e outra. De fato, Paulo está constatando um problema
aqui: “Vocês estão procurando os melhores dons, não é? Vocês estão atrás dos dons que
são grandes, em relação àqueles que são menores? Ok, então vou lhes mostrar um que
supera qualquer outro dom, um que vai além de qualquer coisa possível e impossível”.

1 Coríntios 13

Versos 1-2: Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, mas não
tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o prato que retine. E mesmo que eu
tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios, e tivesse todo o
conhecimento, e mesmo que tivesse fé suficiente para mover montanhas, mas não
tivesse amor, eu nada seria.

Vamos fazer algumas observações gerais. Primeiro, não há em nenhuma parte da


Bíblia, anjos falando em uma linguajem própria deles, embora isso não signifique que
eles não tenham (nem que tenham); toda vez que um anjo se comunica, se comunica em
linguajem humana. Segundo, essa é a única parte na Bíblia em que se relata algo como
“línguas dos anjos”.

A segunda observação é importante, principalmente devido ao contexto da


cidade de Corinto. Na cidade de Corinto havia a crença de que quanto mais na língua
dos deuses se falasse, mais próximo se estaria deles. O interessante é que, tal linguajar
dos deuses, não era uma língua, e sim o falar sem nexo como muitas vezes ocorre nas
denominações pentecostais e suas variáveis. Claro que quando alguém é convertido ao
Cristianismo passa a não crer na existência de vários deuses, porém, há o fato de que há
vários anjos.

Os cristãos coríntios parecem ter parado de acreditar na linguajem dos deuses e


transportaram isso para a linguajem dos anjos. Em outras palavras, trocaram seis por

24
meia dúzia! Só que há algo mais esclarecedor no texto, e para isso não seria nem
necessário a consulta ao grego. Veja que Paulo diz: “ainda que eu falasse...”; Paulo,
como um bom conhecedor da argumentativa grega, usa o recurso chamado hipérbole,
onde você usa dois extremos, o possível e o impossível. Paulo está, claramente,
dizendo: “Ainda que fosse possível eu falar ambas as línguas, de homens e de anjos, e
não tivesse amor...”.

Caso isso ainda não lhe tenha feito acreditar, veja o verso dois: “[...] ainda que
eu conhecesse todos os mistérios, e tivesse todo o conhecimento [...]”. Pergunto-te: é
possível, para qualquer ser humano, conhecer todos os mistérios? É possível, para
qualquer ser humano ter todo o conhecimento? Não! Mas, para piorar, deixa eu lhe
perguntar: “É possível algum ser humano conhecer todos os mistérios e, ao mesmo
tempo, ainda ter todo o conhecimento?”. Veja que Paulo não está tratando de coisas
possíveis neste texto, são somente ilustrativas, para, no fim, dizer que ainda que eu faça
coisas possíveis e impossíveis, se não tiver amor, nada serei e de nada servirá.

Paulo usa a própria crença dos Coríntios para mostrar que, até mesmo do ponto
de vista deles, eles estão errados!

Versos 8-12: Mas, havendo profecias, serão extintas; havendo línguas,


silenciarão; havendo conhecimento, desaparecerá. Porque parcialmente conhecemos e
parcialmente profetizamos; mas, quando vier o que é completo [perfeito], então o que é
parcial será extinto. Quando eu era criança, pensava como criança; mas, assim que
cheguei à idade adulta [a ser homem], acabei com as coisas de criança. Porque agora
vemos como por um espelho, de modo obscuro, mas depois veremos face a face. Agora
conheço em parte, mas depois conhecerei como também sou plenamente conhecido.

Estamos em um terreno muito perigoso agora. Este texto é o texto chave para
muitos como a afirmação de que os dons cessaram. Mas que dons? E o que dizer por
“cessaram”? Como nosso foco é o “dom de línguas” vejamos o texto nessa perspectiva.

Duas coisas chamam atenção. A primeira coisa é que as profecias e o


conhecimento vão acabar de forma passiva, algo que pode se concluir a partir do texto
em grego. Alguém ou algo vai acabar com estas duas coisas em algum momento. A
segunda coisa é que as línguas vão acabar por si só, pois no grego o termo “silenciarão”
está na voz média. Isso significa que não é uma pessoa que vai acabar com elas, mas
que elas simplesmente silenciarão com o tempo, por si mesmas.

Mas o texto continua dizendo que parcialmente conhecemos e parcialmente


profetizamos, porém, não diz que parcialmente falamos em línguas. Isso é importante,
pois o que é parcial será extinto pelo que é perfeito27. O resto do texto fala basicamente
sobre a questão do “perfeito”, “adulto”, “face a face” que são palavras diferentes que,
entretanto, possuem o mesmo significado na passagem.

27
Nesse livreto não entrarei no mérito se o termo “perfeito” se refere à vinda de Cristo, ao fechamento
do Cânon Bíblico, ou simplesmente ao novo Céu e Terra.

25
Com base na pouca informação que temos nessa passagem é difícil determinar
se o dom de línguas cessou realmente, mas é fato que o texto indica que as línguas
cessariam por si mesmas, não sendo incluídas entre os outros dois dons que finalizariam
depois. Assim, a única conclusão que podemos tirar deste texto é que as línguas
cessariam ou cessarão antes da vinda “do que é perfeito” e não na vinda do que é
perfeito28 como no caso das profecias e conhecimento.

1 Coríntios 14

Três observações antes:

Primeiro: Nenhum capítulo da Bíblia deve ser tratado de forma isolada de outro
ou do contexto geral das Escrituras. Isso significa que, se um capítulo parece definir de
forma diferente o que toda a Bíblia já definiu de outra forma, então esse capítulo deve
ser entendido à luz dos outros capítulos que já falaram do assunto29.

Segundo: Até aqui – caso não tenha notado – nenhum texto que estudamos apoia
a existência de línguas estranhas. Seria estranho o apóstolo Paulo mudar de repente de
assunto no capítulo 14 de sua carta – depois de já ter falado de variedade de línguas e
nem ter tocado no assunto de línguas estranhas até agora. Toda a Bíblia testemunhou de
idiomas, será que só aqui se falaria das línguas estranhas?

Terceiro: O capítulo doze foi a doutrina apostólica sobre os dons do Espírito


Santo; o capítulo treze foi a demonstração de algo superior ao que foi dado
anteriormente em forma de uma comparação; e o capítulo catorze é o aprofundamento
nos problemas particulares da Igreja de Corinto com relação aos dons espirituais, onde
Paulo, inclusive, usa recursos de ironia ou sarcasmo para que os Coríntios entendam
como erraram de forma tola.

Versos 1-4: Sigam o amor e desejem intensamente os dons espirituais, mas


principalmente o de profetizar. Pois quem fala em línguas não fala aos homens, mas
com Deus, porque ninguém o entende, mas pelo Espírito [ou com o espírito] fala
mistérios. Mas quem profetiza, fala aos homens para edificação, exortação e
consolação. O que fala em língua edifica a si mesmo, mas o que profetiza edifica a
igreja.

28
Há um debate cansativo sobre a cessação dos dons entre os chamados Cessacionistas e Continuístas.
Porém, quando os dois lados abordam o texto esquecem-se de observar que as línguas não cessam na
vinda do que é perfeito e, sim, antes. O texto não oferece nenhuma base para afirmar que as línguas
cessaram quando foi fechado o Cânon das Escrituras, ou seja, se quando a Bíblia, pelo menos na sua
forma básica, foi concluída, então cessaram as línguas (Cessacionistas), contudo, também não há base,
até o então momento, para se crer que o Continuísta está certo, isto é, de que o dom de línguas ainda
existe.
29
Se você está começando a ler este livreto a partir dessa parte, por ser muito curioso, entenda que não
fará muito sentido para você se não houver lido tudo o que foi dito antes daqui. Todo o resto do livreto
é bem compreensível se lido de forma isolada, mas essa parte com certeza não será tão clara se você
não tiver lido o resto.

26
Paulo, agora, conclui o capítulo anterior dizendo para eles seguirem o amor,
porém, como agora ele vai falar sobre dois dons específicos, acrescenta a ordem de
desejarmos intensamente os dons espirituais. O verso um, por isso, não há o que
comentar.

O verso dois diz que quem fala em línguas não fala aos homens. Algumas
traduções, principalmente a Almeida Revista e Corrigida (1995), trazem a palavra
“estranhas” logo após o termo “línguas”; outras versões, como a NVI, trazem “outra” no
lugar de “estranhas”. O fato é que no original simplesmente não consta nenhum dos dois
termos. Literalmente o texto diz que aquele que fala em língua edifica a si mesmo, não
em línguas “estranhas”.

Não temos, no Novo Testamento, nenhuma ocorrência da sentença “línguas


estranhas”; isso é uma invenção, ou, se preferir, uma preferência de tradução sem base
no próprio texto.

A próxima parte diz que, o que fala em línguas, não fala aos homens, mas a
Deus. A questão é: se você falar inglês na igreja, e não houver ninguém que traduza, a
quem você estará falando? Claro que a Deus! Não precisa se falar em línguas estranhas
para só Deus entender, basta falar em um idioma que ninguém entenda, pois Deus com
certeza entenderá. Paulo não está dando uma linguajem de oração aqui, está somente
dizendo que ninguém mais entende algo falado em outra língua.

Agora chegamos a parte que diz que, pelo Espírito, ou com o espírito, fala
mistérios. Não há nada no texto que diga que pelo Espírito de Deus falamos mistérios,
apesar de a letra “e” da palavra espírito estar em maiúsculo em muitas traduções.
Porém, de qualquer modo, vamos definir o que é um mistério. Vamos usar dois
conceitos.

1 – O conceito comum de mistério: se eu começo a falar em inglês com alguém


que não entende inglês, certamente estarei falando um mistério para essa pessoa, pois
ela não entende! O que eu não conheço, independente do que seja, é um mistério pra
mim. Se falo em alemão na igreja e ninguém entende, estarei falando mistérios, a menos
que haja alguém para traduzir.

2 – O conceito do Novo Testamento: no Novo Testamento mistério é algo que,


normalmente, foi revelado. Acredite. Confira os textos de Mateus 13.11, Romanos
16.25,26, Efésios 1.9, Apocalipse 1.20 etc. Haveria muitos outros textos para mostrar,
mas note que nestes a palavra mistério sempre está ligado ao fato de Deus nos fazer
conhecer esse mistério. Ou seja, o termo mistério no Novo Testamento se refere a algo
que era um mistério no passado (cf. Cl 1.25,26) que, porém, agora foi revelado por
Deus. Mistério, nesse sentido, é o que o homem não conhece por si mesmo, mas
somente pela revelação de Deus. Até o fato de fazer convergir tudo em Cristo era um
mistério (Ef 1.9,10) porque não saberíamos isso antes de ser revelado por Deus.

27
Independente do que você entenda por mistério, certamente não significa o falar
em si, mas o fato de que quem ouve não sabe ou não sabia o que significava
determinada coisa antes.

O que fala em línguas edifica a si mesmo, segundo o versículo quatro. Lembre-


se que em 1 Co 12.7 é dito que a manifestação do Espírito Santo é dada a cada um para
a edificação do grupo, ou comum. Se eu estou fazendo algo que não edifica o povo de
Deus, então, logicamente, não provém do Espírito Santo. Pode simplesmente ser carnal
ou emocional, mas certamente não é do Espírito. Será que Paulo se contradiria tão
rápido? Não!

Paulo está sendo irônico para mostrar como os coríntios estão indo contra o
próprio ensino de que o Espírito dá dons para o bem comum. É como se ele dissesse:
“Vocês estão edificando a si mesmos, esquecendo que, na realidade, a manifestação do
Espírito é para o grupo”. Paulo não está dando uma doutrina, está mostrando um erro.

Outra questão, que reforça mais ainda, é essa: se ao falar em línguas “estranhas”
eu me edifico, mesmo sem entender, como isso não pode edificar os outros que não
entendem também? Perceba com mais atenção. É possível alguém ser edificado se não
entende o que diz? Se eu puder ser edificado sem entender o que digo, então os outros
podem! Veja como o próprio Paulo está mostrando para os coríntios a falha deles, pois,
se eu não entendo o que falo, nem eu sou edificado na realidade, e ninguém pode.

O que edifica alguém? Dizer algumas palavras incompreensíveis? Tremer?


Chorar? Certamente não edificam. Não faz sentido dizer que nos edificamos sem
entender o que dizemos.

Definamos, então, edificação nesse contexto. Edificação nesse texto significa


entender o que é dito e isso ser usado para minha consolação, exortação e produção de
uma vida prática. Edificar é construir algo, e algo não é construído com coisas fora de
forma. Esse texto em especial, apela para algo que edifica a pessoa mentalmente ou
intelectualmente. Isso é edificar: ser consolado e exortado, e essas coisas não ocorrem
quando as pessoas não entendem o que é dito.

Versos 5-6: Gostaria que todos vocês falassem em línguas, mas muito mais que
profetizem. Quem profetiza é maior do que o que fala em línguas, a não ser que as
interprete para que a Igreja receba a edificação.

Veja que Paulo está estimulando a se buscar o dom de línguas aqui. Literalmente
o texto diz que Paulo quer que todos eles falem em línguas, ou, no caso, idiomas.
Porém, do outro lado da balança, ele coloca a profecia como mais importante30. Na
verdade, se você não percebeu, ele coloca o profeta como mais importante, não
30
O profeta deveria ser julgado (1 Co 14.29 – texto grego), isso significa que havia uma base sobre a
qual julgar e que era possível saber-se no exato momento. Nesse contexto, profecia não é somente
predição do futuro, pois isso não se pode julgar no momento. Aqui profecia é a declaração de profecias
ditas por profetas, ou seja, as Escrituras, ou o Antigo Testamento nesse momento, embora possa
englobar o futuro.

28
simplesmente a profecia, porque o objetivo dele era mostrar aos coríntios a
inconsistência lógica deles ao suporem-se superiores só por falarem coisas não
compreensíveis. Note, Paulo quer que a Igreja receba a edificação.

No verso seis, Paulo mostra que as línguas não valem tanto quanto o ensino,
profecia, conhecimento etc. A lógica de Paulo é simples: se sua mente não entende,
então não é útil.

Verso 9: Assim também vocês, se com a língua não pronunciarem palavras que
se podem compreender, como se entenderá o que dizem? Pois estarão falando ao vento.

Lembre-se que, no verso dois, Paulo nos diz que falamos com Deus, agora ele
diz que falamos ao vento. Qual dos dois textos eu devo usar como base para
compreender as línguas? Quando falo em línguas falo a Deus ou ao vento? Simples, este
texto é só mais uma prova de que no verso dois Paulo estava ironizando os coríntios.
Paulo mostra que ninguém entende, que o falar em línguas sem tradutor é tolice, como
falar com o nada achando que diz grandes coisas.

Versos 10,11: Há muitos tipos de línguas no mundo, e nenhuma delas é sem


sentido. Se, pois, eu não souber o sentido da língua, serei estrangeiro para quem fala, e
quem fala será estrangeiro para mim31.

Paulo nos mostra que há muitos tipos de línguas no mundo. A palavra “tipos” é
exatamente a mesma usada no versículo 10 do capítulo 12 dessa mesma carta – que já
foi comentado há pouco. No capítulo doze é traduzida como variedade de línguas, aqui,
como tipos, mas o sentido é o mesmo. Há muitos idiomas no mundo, e nenhuma deles é
sem sentido. Porém, ao ouvir alguém falar um idioma que não entendo, aquela pessoa
será alguém estrangeiro para mim.

O interessante é Paulo inserir isso bem nessa parte do texto, porque significa que
até agora ele está falando de línguas que possuem sentido, que podem ser ditas por
alguma pessoa qualquer. Quando vemos que há variedade de línguas no mundo,
percebemos que Paulo está o tempo todo falando exatamente disso: línguas que existem
no mundo inteiro, não somente na igreja.

Versos 13-15: Por isso, aquele que fala em uma língua, ore para que possa
interpretar [traduzir]. Porque se eu orar em uma língua, o meu espírito ora, mas a minha
mente fica infrutífera. Que fazer, então? Orarei com o espírito, mas também com a
mente; cantarei com o espírito, mas também com a mente.

Por que Paulo manda orar ao invés de estudar os idiomas? Simples, não existia
CCAA na época dele! Pouquíssimas pessoas tinham acesso a qualquer estudo
idiomático; Paulo sugeriu o jeito mais rápido e simples para qualquer um capacitado
pelo dom de falar idiomas sem ter aprendido: que ore, para que saiba, sem precisar

31
Algumas versões bíblicas trazem um “por exemplo” no início do versículo 10, mas isso não se encontra
no texto original.

29
estudar também. Isso, é claro, era por causa da impossibilidade de acesso a tal estudo.
Assim como os apóstolos foram capacitados a ensinar sem nenhum estudo (cf. At 4.13),
os coríntios eram capacitados a falar sem nenhum estudo.

O verso catorze intriga a gente. Parece que Paulo está dizendo que é possível se
edificar o espírito humano sem se edificar a mente. Porém, não é o que ele está dizendo,
ele somente diz que o ato de orar pode ser feito pelo meu espírito de forma
desconectada da minha mente.

Mas, mesmo assim, se eu orar em uma língua que não compreendo (talvez o
japonês), eu realmente estarei orando, só não estarei compreendendo. Meu espírito
estará orando no sentido de que diz coisas reais, mas que não entram em minha mente
para que eu compreenda. Assim, nem mesmo eu sou edificado de fato, pois, se minha
mente está infrutífera, como serei edificado?

Esse texto não prova, de forma alguma, a existência de línguas estranhas.


Haveria questões mais profundas ainda, como, por exemplo, a suposta distinção entre
mente e espírito. Será que quando Paulo usa o termo espírito quer dizer uma coisa que
está no “além”? Não! Nessa frase a oposição entre mente e espírito é, na verdade, uma
distinção entre fazer algo que se compreende e algo que não se compreende. Na Bíblia o
espírito também raciocina (Mc 2.9) o que significa que esta distinção entre mente e
espírito não é tão forte como muitos supõe. Orar somente com o espírito é, para todos os
efeitos, orar sem saber o que se diz, não em línguas estranhas.

O verso 15 esclarece mais um pouco o verso anterior, porque Paulo começa a


mostrar que um não deve funcionar separado do outro. A mente deve agir em conjunto
com o espírito, pois, se agirem de forma “separada”, a edificação será zero.

Versos 16-19: De outra maneira, se louvar com o espírito, como dirá amém
diante de sua ação de graças quem não é instruído, visto que não sabe o que você diz?
Pois é claro que você agradece de modo adequado, mas o outro não é edificado. Dou
graças a Deus porque falo em línguas mais do que todos vocês. Todavia, prefiro falar na
igreja cinco palavras que se podem compreender, a fim de também instruir os outros, a
falar dez mil palavras em uma língua.

Agora Paulo está falando sobre alguém não instruído, alguma pessoa32 que não
teve instrução. Isso significa que alguém que não aprendeu as línguas não pode
compreendê-las. Fica mais evidente ainda o fato de terem sido línguas estrangeiras.

Pense por um momento: alguém que não era instruído era, neste contexto,
alguém que não entenderia o que é dito por que não estudou. Assim, alguém que não
sabe traduzir. Como darei amém a algo do qual não sei o significado? Se alguém chega
e me diz algo em alemão não posso dizer amém pelo simples fato de que não entendo

32
No grego o termo pode significar alguém iletrado ou que não foi educado, isto é, que não aprendeu
certas coisas.

30
alemão – ainda. Porém, quando eu for instruído, ou seja, ter a educação o suficiente,
poderei dar amém, pois estarei compreendendo o que é dito.

É importante ele ter dito “instruído” e não “destituído do dom de interpretação”,


porque ele obviamente está se referindo ao fato de que alguém poderia entender o que
era falado na igreja após algum estudo.

Note, agora, um detalhe importantíssimo. No verso dezessete é dito que damos


graças de modo adequado, porém, o outro não é edificado. Contudo, se dou graças de
modo correto, e o que estou fazendo é algo verbal, por que o outro não está sendo
edificado mesmo sem entender assim como eu? Paulo está novamente usando a ironia.
Como darei graças adequadamente sem poder dizer “amém”, já que não entendo o que
digo? Afinal, o meu irmão também não entendeu, por isso não faz sentido ele dizer
amém, por que, então, faria sentido eu dizer amém ao que eu mesmo disse se não
entendo também?

No verso dezoito Paulo faz uma afirmação que, para alguns, parece egoísta:
“falo em línguas mais que todos vocês”. Ele não está dizendo que fala em línguas
privadas mais que todos eles, caso contrário, ele não teria escrito como escreveu.
Porém, há toda evidência de que Paulo falava em hebraico, aramaico, grego e latim, sem
nenhuma referência a língua dos céus. É extremamente simples. Paulo falava mais
línguas porque línguas é sinônimo de idiomas.

Alguns dizem que aqui a palavra “mais” significa que Paulo falava com mais
frequência em línguas e não mais línguas. Não seja por isso. Paulo viajava para muitos
lugares onde se falavam vários idiomas, mesmo que o termo “mais” significasse isso, no
máximo se referiria ao número de vezes que Paulo usava os idiomas que sabia. Se você
ler Atos com atenção verá que, da Igreja Primitiva, Paulo foi o homem que mais pregou
o evangelho em lugares de línguas diferentes, a Bíblia é clara a respeito.

No fim, Paulo mostra que é muito melhor falar a linguajem compreensível do


que dez mil palavras em alguma língua. Afinal, se ele chegasse falando latim, quando o
que os coríntios entendiam era o grego, não faria bem algum.

Versos 21-23: Está escrito na lei: ‘Falarei a este povo por intermédio de homens
de outras línguas e por meio de lábios de estrangeiros; mas nem assim me ouvirão, diz o
Senhor’. Desse modo, as línguas são um sinal, não para os crentes, mas para os
incrédulos. [...] Se, pois, toda a igreja se reunir num lugar e todos falarem em línguas, e
entrarem pessoas não instruídas ou incrédulos, por acaso não dirão que vocês estão
loucos?

Paulo continua usando a mesma palavra de antes, “línguas”, e, ainda aqui,


percebemos que ele demonstra que línguas eram, simplesmente, idiomas. Veja o próprio
texto: por meio de lábios de estrangeiros (cf. Is 28.11). Não eram línguas dos anjos ou
estranhas, mas sim idiomas de pessoas estrangeiras – o próprio texto diz isso!

31
Note também, que não é mencionado no texto que as línguas eram para mostrar
o que está no coração de alguém. Isso poderia ser feito até por meio da profecia, não das
línguas. As línguas tinham um intuito de ser um sinal para os incrédulos, os descrentes
que eram judeus.

Claro que pessoas oravam usando as línguas, mas o objetivo delas era que o
judeu percebesse que o gentio recebeu o Evangelho.

Línguas não eram para revelar o que há no coração de alguém, pois isso não é
encontrado em lugar algum nas Escrituras. Quando vemos Atos 2, notamos que o foco é
o anuncio das “grandezas de Deus” (At 2.11). Assim, as línguas eram uma forma de
convencer o incrédulo, pois ele ouviria em sua própria língua e reconheceria a grandeza
Divina. Porém, neste texto, veja que as línguas eram o cumprimento de uma profecia do
Antigo Testamento, no qual se afirmava que por meio de lábios estrangeiros Deus
falaria aos judeus.

Note, no entanto, que o verso 23 diz que se a igreja se reunir e todos falarem em
línguas, os incrédulos os acharão loucos. O contexto é óbvio. Se falamos com ordem,
um de cada vez, com tradutor para a Igreja, o incrédulo é impressionado, mas, se todos
começam a falar em línguas, os incrédulos não entenderão a algazarra e começarão a
pensar que somos loucos. A questão aqui é entre as línguas usadas como sinal ou como
mero barulho emitido pelos lábios.

Esse verso deveria ser o suficiente para mostrar que o tempo todo Paulo está
falando de idiomas, não de línguas “estranhas”.

Versos 27, 28: Se alguém falar em uma língua, que falem somente dois, quando
muito três, um de cada vez, e haja quem interprete [traduza]. Mas, se não houver
intérprete [tradutor], permaneça calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.

Independente de você concordar ou não até agora, e independente do que você


creia sobre o dom de línguas, devo te fazer uma pergunta que merece resposta sincera:
Estes dois versículos são obedecidos? Quer dizer, quando alguém fala em línguas o
outro se cala? Quando não há tradutor [ou intérprete] se permanece calado?

Duas coisas interessantes que esses versos mostram: primeiro: agora Paulo está
fazendo uma transição, onde ele para de falar sobre o dom e começa a falar sobre o uso
do dom. Esta parte, portanto, é de como usar o dom. Segundo: o dom de línguas era
absolutamente controlável!

Já ouvi dizerem que “quando o Espírito vem não se consegue evitar falar em
línguas”, mas isso contradiz esse texto de frente; pois o mesmo manda que fiquemos
calados, caso não haja quem traduza. Simplesmente o falar em línguas pode ser
controlado, e deve.

Versos 37, 39,40: Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça que as


coisas que lhes escrevo são mandamentos do Senhor. [...] Portanto, irmãos, desejem

32
intensamente o dom de profetizar, e não proíbam o falar em línguas. Mas tudo deve ser
feito com decência e ordem.

Já notou, até aqui, que não existe a referência “dom de línguas” em texto algum
que estudamos? Claro que tudo o que recebemos de Deus é um dom, mas a falta dessa
sentença na bíblia é importante, pois parece significar que era momentâneo, isto é, que
seria usado somente durante um tempo na história da Igreja, era apenas uma capacitação
para comunicar aos judeus a entrada dos gentios no Reino (Rm 11).

De qualquer modo, veja que Paulo diz que, se nos consideramos espirituais,
devemos considerar o que ele disse como mandamento do Senhor. Tudo o que ele disse
até aqui, principalmente sobre a ordem no culto que inclui não falar em línguas sem
tradutor, é mandamento do Senhor. E ele não deixa de ser irônico nem aqui, pois diz
que, se os coríntios se consideravam espirituais, deveriam fazer exatamente o que Paulo
disse – e os coríntios se consideravam muito espirituais! Assim, Paulo sabiamente usa a
própria percepção que eles têm de si mesmos contra eles – para o bem deles.

Com relação a não proibir o falar em línguas, sabemos que não é necessário se
proibir o falar, o proibido é falar sem tradutor ou todos ao mesmo tempo, sem ordem.

Resumindo, as línguas serviam de sinal para os incrédulos (v. 22); deveriam ser
usadas para a edificação da igreja (v. 26); não mais do que três pessoas deveriam falar
em línguas na igreja, durante o culto, uma por vez (v. 27); Não se falaria em línguas, se
não houvesse intérprete (v. 28); Qualquer confusão ou desordem na igreja indicava algo
que não procedia de Deus (v. 33) 33 - Deus não é Deus de desordem.

E a Ciência?
Essa parte é apenas um aprofundamento que, por si só, é um acréscimo de
informações científicas que não são, necessariamente, fundamentais. De qualquer modo,
podem acrescentar alguns pontos interessantes.

Uma equipe pesquisadores da Universidade da Pensilvânia fez testes com


algumas pessoas que falavam em línguas “estranhas” 34. O resultado foi interessante. O
lóbulo frontal do cérebro que corresponde à fala ficava praticamente inativo, o que
significa que não estavam usando uma linguajem. Isso é importante nesse contexto, pois
a afirmação é muito forçada.

Dizer que, por ser o Espírito Santo que está falando por meio de nós, significa
que a parte do cérebro correspondente à fala fica inativa não tem nada de sensato.
Mesmo que o Espírito Santo estivesse nos usando para falar em algum idioma, a parte
correspondente a linguajem no cérebro deveria ficar ativa, afinal, independente de ser
uma linguajem “celestial”, não deixa de ser uma linguajem!

33
Esta lista foi baseada na lista encontrada no livro O Caos Carismático, de John MacArthur, p. 298, nota
de rodapé, versão digital em pdf.
34
Você pode ver a reportagem neste link: https://www.youtube.com/watch?v=y-Hgfbq3j1A

33
Talvez alguém diga que isso é algo puramente espiritual e, portanto, o cérebro é
incapaz de captar. Tal pessoa esquece que tal coisa “espiritual”, para chegar até a nossa
boca, precisa ser transmitida ao cérebro e assim transmitida até a boca. O fato de o
lóbulo frontal ficar quase inativo significa que nenhuma informação linguística chegou
ao cérebro para ser retransmitida. O que eles falam, assim, não é nenhuma língua.

Para ampliar mais ainda a questão. É fácil aprender falar em línguas estranhas,
afinal, como vimos, até tribos africanas as falam em rituais satânicos. Nada, porém, que
a ciência não possa explicar. O relaxamento maxilar somado a pronunciação de sons
resulta no falar em línguas “estranhas”. Só que isso precisa tomar uma forma, dai que
quando você entra em determinada denominação (ou religião) você percebe que ali
todos falam de um modo similar.

Em algumas denominações, por exemplo, se ouve muito palavras como


“decanta”, “sricanta”, “xamaslandras” etc., tanto que em alguns momentos fica quase
cômico. Assim, quando ouço alguém falar nas ditas línguas estranhas, é possível
identificar até de qual igreja a pessoa é.

A ciência, evidentemente, nos pode mostrar três coisas:

1 – É um comportamento emocional no qual a pessoa reage a uma pressão


grupal ou a alguma determinada situação. De baixo de intensas emoções não é tão
incomum seres humanos falarem “estranhamente”, sem nexo. Isso é uma forma natural
do ser humano de reagir algumas vezes. Não há, assim, nada de espiritual em falar tais
“línguas”.

2 – É um distúrbio. Não quero dizer que se aplica a todos, mas é evidente que
em muitos casos são meros transtornos psicológicos que vêm à tona e se manifestam no
“falar”. Muitos transtornos são exemplificados por isolamento, choro excessivo, recusa
de alimento, quedas etc., e o falar em “línguas estranhas” também se inclui em situações
como essas.

3 – Aprendizagem social. Quando alguém convive em determinado grupo,


aprende, quase que inevitavelmente, os jeitos daquele grupo, inclusive o modo de falar.
Após o momento que a pessoa passa a acreditar em “línguas estranhas”, essa crença
somada à prática daquele grupo leva a pessoa a repetir os mesmos sons que ouve
(“chamalabaxúrias”, “dateiuvá” etc.). Isso, novamente, não é tão incomum, é como o
uso de gírias, porém, com um forte emocionalismo por trás35. Aulas com influência
audiovisual fazem com que qualquer pessoa fale em “línguas estranhas” sem nenhum
dom do Espírito.

O Supremo Dom: O Amor

35
Algumas dessas informações podem ser encontradas na página 319 do livro O Caos Carismático, John
MacArthur, versão digital em pdf.

34
Conclusões podem ser tiradas de todo o livreto, principalmente da parte anterior.
Assim, aqui quero mostrar o dom que todo cristão verdadeiro deve buscar: o amor. A
questão é que não somos o amor, mas podemos ser portadores do amor. O amor não é
uma emoção passageira, mas resulta em emoção. O amor não se orgulha do que é ou do
que faz.

Quer um bom teste? Leia esses versículos e no lugar da palavra “amor” ponha o
seu nome:

O amor é paciente, o amor é benigno. O amor não é invejoso; não se vangloria,


não se orgulha, não se porta com indecência, não busca os próprios interesses, não
se enfurece, não guarda ressentimento do mal; não se alegra com a injustiça, mas
se congratula com a verdade, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.(1
Coríntios 13.4-7)

Você é sincero ao dizer isso de si mesmo? Quer dizer, você tem tudo o que tem,
mas você é paciente, benigno, tudo sofre etc.? Alguém que tem um dom desses não
precisa de nenhum outro. Alguém que sabe amar fará tudo o que puder pelo outro
(inclusive aprender um idioma!).

O amor é o único dom que permanece para sempre (1 Co 13.8). Porque me


prender o tempo todo ao que é temporal se posso ter o que é eterno? Se corro atrás de
coisas que duram pouco tempo, porque não buscar o que jamais acaba?

O amor é o maior (1 Co 13.13). Se posso ter o maior, porque optaria pelo


menor? Sempre queremos a maior poupança, a maior casa, etc., porque não buscar o
maior dom?

O amor não escolhe o mais fácil, e, sim, o certo, porque o mesmo sabe que
daremos conta a Deus de tudo. O amor não busca seus interesses, antes, faz aquilo que é
para o bem do próximo. O amor não procura a atenção dos outros, mas, se a atenção dos
outros for necessária, ele a usa.

O dom que devemos pedir: o amor. Pedir esse dom é como pedir a Deus para
que Ele coloque pessoas difíceis de serem amadas diante de nós. Só assim se
desenvolve um dom, testando-o. Quer amar os de longe? Aprenda a amar os de perto.
Quer amar os santos? Aprenda a amar os pecadores. Quer amar os pecadores? Aprenda
a amar os santos. Quer amar os famosos? Aprenda a amar os desconhecidos. Quer amar
os fortes? Ame os fracos. Quer amar os grandes? Ame os pequenos. Quer amar a
Verdade? Ame a vida. Quer amar ao homem? Ame a Deus.

Permanecem assim, estes três: a fé, a esperança e o amor. Mas o maior deles é o
amor. (1 Co 13.13).

Perguntas & Respostas


Antes de concluir, desejo responder algumas perguntas que me foram enviadas
com relação ao falar em línguas. Depois de tudo o que foi estudado, a maioria pode ser

35
respondida simplesmente lembrando-se das conclusões que se podem tirar do que foi
lido até aqui.

1 – Por que Jesus não falou em línguas?

Se por línguas quer se dizer línguas estranhas, Ele não falou simplesmente pelo
fato de que elas nunca existiram, pois somente as religiões de mistério as praticavam.
Caso queira dizer idiomas, fica fácil porque Jesus falou somente em uma região
específica, o que significava que não necessitava o uso de idiomas diferentes. Também
ele não era gentio e, sim, judeu; assim, não tinha que falar em línguas para ser um sinal
para os cristãos judeus de que os gentios faziam parte da Igreja.

2 – O dom de línguas, então, nunca é glossolalia, ou seja, línguas estranhas?


Glossolalia não ocorre na Bíblia?

Glossolalia seria, literalmente, “falar em língua”, mas o uso dessa palavra no


meio pentecostal significa “línguas estranhas”. Glossolalia não ocorre na Bíblia como
os neopentecostais ou pentecostais costumam afirmar, o que havia era xenoglossa, ou
seja, o falar em outros idiomas sem tê-los estudado.

3 – Se as línguas estranhas não existem, é pecado fala-las? A pessoa que fala


está salva?

Não é pecado no sentido de pronúncia, mas é pecado no sentido de escândalo e


“espiritualidade superior”. O falar em si em “línguas estranhas” não é pecado pelo
simples fato de que não está dizendo-se nada. Porém, quando se entra em
relacionamentos com outras pessoas isso se torna pecado, pois não edifica ninguém e
ainda chama uma atenção desnecessária para si. Atribuí-las a Deus é um pecado, pois
Deus jamais as criou. Isso, contudo, não significa que a pessoa não seja salva – e nem
que seja. Caso isso fosse o suficiente para condenar alguém ao inferno, então ninguém
mais seria salvo e a salvação não seria mais por graça. Somente quando alguém
transforma as línguas estranhas em requisito básico para ser cristão é que não creio que
tal pessoa realmente seja salva. Porém, nesse sentido, não compete a nós condenarmos a
pessoa, mas o erro.

4 – Uma Igreja que não fala em línguas é fria?

Se por línguas quer se dizer “estranhas”, não. Uma Igreja que não pratica algo
errado estaria um passo mais próxima da verdade. Caso queira se dizer “idiomas”,
também não. As línguas cessarão (ou cessaram) antes da vinda do que é perfeito, será
que a igreja será mais fria porque algo naturalmente acabará para dar lugar, mais a
frente, a algo perfeito? O próprio Deus instituiria que sua Igreja fosse fria de propósito?
Não, pois a frieza de uma Igreja não é definida por “dons” e sim por quanto consegue
viver a verdade do amor!

5 – Baseado na explicação de 1 Coríntios 13.8-12, quando as línguas


cessariam?

36
[...] havendo línguas, silenciarão [...] (1 Co 13.8)

Não temos a afirmação bíblica de quando cessariam, mas, historicamente, tudo


indica que ainda na Igreja Primitiva tal capacitação cessou. Isso não significa que Deus
não capacite alguém, vez por outra, a falar em outro idioma sem ter aprendido. Mesmo
que o uso permanente do dom possa ter acabado, a capacitação esporádica, isto é, a
ocorrência para transmissão de uma mensagem, pode ainda ocorrer. Deus pode ter
parado de dar um dom específico, isso não significa que Ele não possa capacitar alguém
para usar, por um momento, a capacidade de falar um idioma que não aprendeu.

O fato é que também temos a evidência do texto de 1 Coríntios 14.21. Nesse


texto temos a afirmação de que Deus falaria a este povo (judeus) por meio de línguas
estrangeiras. As línguas, de acordo o versículo posterior (22) seriam um sinal para o
judeu incrédulo.

É importante, por isso, destacar o uso da palavra “sinal”. Sinal é como a própria
palavra especifica, um meio para se apontar para algo. No momento em que esse algo é
apontado, e que o objetivo é atingido, o sinal não é mais necessário.

Um exemplo seriam as placas de sinalização que usamos para chegar a


determinado local. Depois que chegamos, não mais necessitamos dessas placas. Elas
tiveram seu papel, mas não sinalizam mais nada pra nós. A Igreja como um todo já saiu
do contexto judaico em que se encontrava no seu principio. O que nos parece indicar a
cessação desse tipo de dom.

6 – Deus fala comigo através das línguas?

Todo o tempo, na Bíblia, os dons de línguas eram dados para transmitir uma
mensagem ou como um sinal para os judeus, somente os coríntios usavam como meio
para orar. Não foi o objetivo de tal dom, Deus fala conosco através da Palavra, da
Verdade, da Pregação sensata e bíblica. A língua que Deus usa: é o seu idioma! (cf. At
26.14 – onde Paulo relata que Jesus falou com ele em aramaico, não em outra língua).

7 – São fatores psicológicos e culturais que levam alguém a crer e viver as


“línguas estranhas”?

Como já expliquei, há alguns fatores, porém não se resumem a eles, podem ser
psicológicos, emocionais, culturais e, em alguns casos, até demoníacos, mas certamente
não é algo que vem de Deus.

8 – Se alguém começar a falar em línguas “estranhas” na igreja deve haver


censura a isso? Até que ponto a censura e o respeito podem andar juntos?

Quando alguém publicamente chama a atenção para si a resposta pode


claramente ser pública. Podemos pegar o contexto de Paulo e, ao se iniciar o falatório,
perguntar: “Há alguém que interprete? Se não há, então permaneça calado!”. Isso não
significa falta de respeito pela pessoa, pelo contrário, justamente por amá-la é que devo

37
fazer isso, assim como Paulo. Censura, no contexto correto, é uma grande prova de
respeito. Contudo, concordo plenamente que as brincadeiras sobre as línguas
“estranhas” deveriam ser mais controladas, não por respeito ao que a pessoa crê, e sim,
para não perder a oportunidade de ensiná-la a verdade.

9 – Qual era, definitivamente, o dom de línguas na Bíblia?

Xenoglossa, no qual a pessoa capacitada pelo Espírito Santo falava em idiomas


que não havia aprendido anteriormente.

10 – Deus não teria criado as línguas estranhas para que o diabo não
entendesse nossas orações?

Não. Como diz o texto: “maior o que está em vocês do que o que está no
mundo” (1 João 4.4). Crer que Deus criou línguas estranhas para serem uma espécie de
código para nós é medo do diabo e falta de confiança em Deus. E, como Deus entende
qualquer idioma, não importa a língua dita, e sim a fé posta no Deus que ouve. O diabo
não é o dono da situação.

11 – Dizer que as línguas são um requisito básico para o cristão não seria
como tentar acrescentar algo a Cristo?

Tudo o que se acrescenta ao Fundamento, isto é, Cristo, torna-se uma heresia.


Não é “heresia” crer na existência de línguas estranhas, mas é heresia torná-la um
requisito básico para o cristão. Caso contrário, o texto que diz: “Pela graça vocês são
salvos” deveria estar: “Pelas línguas mais um pouco de graça sois salvos”. Qualquer
acréscimo ao que é fundamental no Reino se torna, automaticamente, uma mentira
diabólica.

12 – Usar a ciência neste assunto não seria contra a fé?

Não. A fé não se opõe a ciência, a fé se opõe a má ciência. A ciência não pode


explicar tudo com relação à fé, e a fé não pode explicar tudo que há na ciência. São
ferramentas necessárias para o viver. E, neste caso, a ciência investiga o óbvio: a
linguajem – não o que está por trás dela.

13 – Só porque na história a maioria dos grupos que falaram em línguas


estranhas foram formados de hereges ou anticristãos significa que as línguas
“estranhas” são erradas?

Não, em momento algum eu disse isso. O fato é que, por ser algo não espiritual,
é que a maioria dos grupos hereges usava, não o contrário. Muita gente se apega a
mentira, mas a verdade é mais difícil de ser aceita e buscada. Os grupos hereges usavam
as línguas estranhas por serem fáceis de usar. O mal usando algo não torna esse algo
mal, porém, quando algo não é o certo, é fácil para o quem é mal usá-lo.

14 – Se eu tive uma experiência com Deus ao falar em línguas, isso não seria
uma prova da existência das línguas estranhas?

38
O que causou a experiência não foram as línguas, foi Deus. As línguas foram
produzidas por você como uma consequência não necessária da experiência. Porém,
também é possível que tenha sido a emoção de estar supostamente sendo um
instrumento para falar algum “mistério”, nada mais. Alguns humanos se sentem bem ao
torturarem outros, por que seria difícil que muitos se sentissem bem ao falar
estranhamente quando isso serve de escape emocional? Se você não consegue ter
experiências reais com Deus sem tais línguas, então o problema está em você. Deus nos
dá acesso ao Seu Trono sem necessidade disso. Não há, na Bíblia, nada que diga que a
experiência é superior ao se falar em línguas. Entenda isso.

Por meio do querer falar em línguas, muitos passam por reais experiências
espirituais que, porém, poderiam ser atingidas sem esse falar, que, nesse caso, é apenas
um efeito mal direcionado de uma boa experiência.

15 – Você discorda do falar em línguas estranhas, não seria isso a falta da


experiência com elas?

Não. Quando novo convertido eu as falei, e cri realmente que eram reais, então
não pode ser falta de experiências. Contudo, ao parar para ler as Escrituras, não
encontrei isso nelas; sendo assim, se não encontro isso lá, então há outra explicação que
não seja espiritual – já que tudo o que é importante espiritualmente está na Bíblia. O que
define a existência de algo não é a experiência com esse algo. Posso nunca ter visto o
sol, isso não significa que ele não exista, basta ter acesso à verdade para saber que existe
(ou não). A experiência deve validar a verdade em minha vida, mas não é a experiência
que ensina ou dita a verdade.

Após algum tempo, notei que falei em línguas exatamente como as pessoas do
grupo que eu encontrava frequentemente. Perguntei-me o porquê não falei como algum
outro grupo. A resposta, no meu caso, é simples: foi um condicionamento de grupo, ou
seja, eu tinha sido influenciado pelo grupo.

Particularmente esse assunto nunca me incomodou. Nem um pouco. A ideia de


escrever este livreto foi, para todos os efeitos, atingir os que se sentem violados ou
fracos por esse tipo de dúvida.

Indicações
As indicações dadas aqui não significam que eu concorde com tudo o que é
ensinado pelos autores, elas cumprem apenas o objetivo de falar sobre o assunto que
estudamos neste livreto. Considere que muitas das informações deste livreto podem ser
encontradas nessas indicações. Obs.: caso não encontre nos links especificados,
pesquise pelo nome no site do Google – a informação nunca esteve tão fácil.

LIVROS PDF

O Caos Carismático, John MacArthur, link:


https://www.gty.org/files/PDF/pt451118.pdf

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...E as Línguas, Anthony Hoekema, link: http://monergismo.com/wp-
content/uploads/as-linguas_a-hoekema.pdf

Falar Em línguas, Brian Schwertley, link:


http://www.monergismo.com/textos/pentecostalismo/falar-linguas_schwertley.pdf

O Testemunho da Igreja Sobre os Dons, Walter J. Chantry, link:


http://www.monergismo.com/textos/pentecostalismo/testemunho_igreja_dons_chantry.
pdf

VÍDEOS

A Verdade em 2 minutos – O dom de Línguas, link:


https://www.youtube.com/watch?v=wkzheYwrNdE

OUTROS LIVRETOS DO MESMO AUTOR

Dízimo, Padrão Cristão? –


http://www.mediafire.com/view/imoawo89dc7y27l/Dízimo,_Padrão_Cristão_(interrogação)_-_Remix_-_Wallas_Pinheiro.pdf

O Cristão e a Masturbação –
http://www.mediafire.com/view/zh9isf1lhe8h7tm/O_Cristão_e_a_Masturbação_-
_Wallas_Pinheiro.pdf

Agradecimentos à Lerguyane Hupp Monjardin, que pacientemente leu este livreto e contribuiu
para que o mesmo pudesse ser aperfeiçoado com suas perguntas e observações.

Soli Deo Gloria

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