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• II

O filho de Deus tem Cristo como seu irmão


mais velho, o Espírito Santo como seu confortador, e o
reino dos céus como sua herança
"Esta é uma coleção das mensagens pregadas na conferência de teologia
do Puritan Seminary em agosto de 2012. Ao contrário de muitas antolo­
gias, esta é uma joia, Você encontrará aqui uma série de tópicos normal­
mente não expostos em nossos tempos."
Joseph A. Pipa Jr., presidente do GreenvilleTheological Seminary

"Às vezes, doutrinas que pensamos que conhecemos são aquelas em que
precisamos ser fundamentados de novo e a paternidade de Deus é uma
delas. Reconhecemos que em Jesus, Deus é nosso pai, e que a graça em
Cristo nos deu acesso ao Pai pelo Espírito. Mas quais são os contornos
desta doutrina bíblica rica e preciosa? Esta coleção de ensaios ajudará a
responder a essa pergunta enquanto somos conduzidos à glória do ser
trino de Deus, bem como a ver o Pai na face de Jesus Cristo e a confiar
novamente nos cuidados de nosso Pai celestial por nós. Este é um livro
para iluminar a mente e aquecer o coração."
Rev. Dr. lain D. Campbell, pastor, Free Church of Scotland em Point,
Ilha de Lewis, Escócia

"Sem dúvida, o assunto mais importante para ocupara mente humana é o


estudo profundo de Deus. Em consonância com essa convicção, A Beleza e
Glória do Pai é um verdadeiro tesouro da verdade. Doutrinariamente rico e
praticamente útil, este volume conciso é uma compilação impressionante
por uma equipe de autores talentosos, cada um dando uma contribuição
significativa. Estou certo de que você verá que este trabalho substancial é
lúcido e estimulante."
Steven J. Lawson, pastor sênior, Christ Fellowship Church, Mobile, Alabama

Jo e l R. Beeke é Presidente e Professor de Teologia


Sistemática e Elomilética no Puritan ReformedTheological
Seminary e pastor da Heritage Netherlands Reformed
Congregation em Grand Rapids, Michigan. Ele escreveu
numerosos livros, incluindo vários para crianças. Ele e sua
esposa, Mary, têm três filhos.

Teologia / Deus Pai

s
m ISBN: 978-85-7622-695-6

6D ITO R R CULTURA CRISTÃ


www.editoraculturacrista.com.br 9 788576 220950
A B e le z a e G ló ria d o P ai, d e Jo el R . B eeke (o rg.) © 2017 E d ito ra C u ltu ra C ristã. © 2013 b y P u ritan R efor-
m e d T h eo lo g ical S em in ary co m o títu lo T he B ea u ty a n d G lory o f the F ather. P u b licad o o rig in alm e n te p o r
R e fo rm atio n H eritage B o o k s. T rad u zid o e im p re sso c o m p e rm issã o . T o d o s o s d ireitos s ã o rese rv ad o s.

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E d ito ra ção
F elipe M arqu es
C ap a
O M D e sign e rs G ráficos

B414b Beeke, Jo el R.

A b eleza e g ló ria d o Pai / Jo el R. Beeke; trad u z id o p o r Jader


S an to s. _ S ão P au lo C u ltu ra C ristã, 2017
160 p.

IS B N 978-8 5 -7 6 2 2 -6 9 5 -6
T rad u ção The b e au ty a n d g lo ry o f th e father

1. T eo lo gia 2. T rin d ad e 3. V id a crista I. T ítulo

C D U 27-584

A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam o modo
Reformado e Presbiteriano de compreender a Escritura. São esses símbolos a Confissão de Pé de Westminster e seus
catecismos, o M aior e o Breve. Como Editora oficial de uma denominação confessional, cuidamos para que as obras
publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo
defenderem aspectos que refletem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente
endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos os pontos de vista apresentados. A posição da denomina­
ção sobre pontos específicos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé.


6DITORR CUlTURfi CRISTÃ

R ua M ig u el T eles Jún ior, 394 - C E P 0 1 5 4 0 -0 4 0 - S ã o P au lo - SP


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Sup erin ten d en te; H av erald o F erreira V argas


E d ito r: C lá u d io A n tô n io B a tista M a rra
Sumário

Prefácio......................................................................................................... 9
A visão da glória do Pai em seu Filho unigênito
1. O amor do Pai para com seu Filho........................................................15
2. Pai e Filho no êxodo................................................................................ 31
A adoração dos atributos belíssim os do Pai
3. A santidade do Pai no Antigo Testamento............................................43
4. A misericórdia do Pai............................................................................... 51
5. Richard Sibbes sobre a misericórdia e fidelidade do P ai....................59
C onhecendo D eus o Pai co m o Salvador
6. Vendo o Pai na face de Jesus....................................................................75
7. A visão do apóstolo João e dos puritanos sobre o amor adotivo e
transformador do Pai.................................................................................87
Descansando nas mãos amorosas do Pai
8. Seu Pai no céu ......................................................................................... 115
9. Aconselhamento e a paternidade de Deus..........................................125
10. A linda mão do Pai na sua abençoada correção................................ 133
C onclusão
11. A necessidade de uma piedade trinitária.............................................145
Contribuições............................................................................................157
Prefácio

C
risto veio para dar a pecadores acesso ao Pai (Ef 2.18). Deus enviou
seu Filho para redimi-los para adoção como filhos de Deus, e ele
enviou seu Espírito para tornar essa adoção uma realidade sentida
(G1 4.4-6). Portanto, quando o Senhor Jesus ensinou seus discípulos a orar,
suas primeiras palavras foram “Pai nosso” (Mt 6.9). A paternidade de Deus
é um consolo de doçura infinita àquele que crê.
Conhecer Deus como nosso Pai por adoção enfatiza os privilégios
abundantes de todo cristão. William Perkins (1558-1602) disse que um
crente deveria estimar sua adoção como filho de Deus acima de ser filho
ou herdeiro de qualquer rei mundano, já que o filho do maior imperador
pode estar debaixo da ira de Deus, mas o filho de Deus tem Cristo como
seu irmão mais velho, o Espírito Santo como seu confortador, e o reino
dos céus como sua herança. Porém, poucas pessoas experimentam isso.
Perkins disse: “ Homens se maravilharão com nomeações mundanas; mas
raramente se encontrará um homem que exulta em ser o filho de Deus.
Mas... temos que aprender a ter mais alegria em sermos filhos de Deus, do
que sermos herdeiros de qualquer reino mundano” .1
Tivemos o privilégio de nos regozijar no Pai na conferência do Seminário
Reformado Puritano em agosto de 2012. Quase quinhentas pessoas sentaram
aos pés de Jesus Cristo e ouviram enquanto ele revelava seu Pai. Nós agra­
decemos a Deus por ter trabalhado durante a pregação das Escrituras, pela
administração, pelos professores visitantes e pelos amigos do seminário. Cada
capítulo desse livro representa uma mensagem apresentada na conferência.2

1P E R K IN S ,W illia m . A C lo w d o f Faithful VVitnesses, Leading to the Heauenly Cannan: Or,A Commentarie up


the 11. Chapter to the Hebrewes, e m T he Workes o f that Famovs and VVorthy Minister o f Christ in the Vniuersitie
o f Cambridge, Mr. W illiam Perkins, vol. 3. L ondres: Iohn L egatt e C antrell L ig g e, 161 2 -1 6 1 3 , 3 :1 3 8 5 (2o
con ju n to de p ag in a ça o ).
2 Várias das gravações em áud io dessas conversas p o d e m ser encontradas e m w w w .serm on au d io.com ,
bu scan d o “ P R T S con feren ce 2 0 1 2 ” .
10 * * A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Nós vimos a beleza do Pai brilhar em seu Filho amado, Jesus Cristo.
Rev. Bartel Elshout nos levou a exaltar sobre vários testemunhos bíblicos
que todas as coisas, da criação à redenção e à glorificação final, giram em
torno do amor do Pai por seu Filho. Dr. Jerry Bilkes desenhou a imagem
vivida de Deus chamando seu filho do Egito (Os 11.1), da vida do Egito
antigo para a vida de Cristo e para nossas vidas hoje em dia.
Nós adoramos o Pai por sua glória. Dr. Derek Thomas colocou em
nosso coração o temor do Senhor e o conhecimento do Deus Santo como
foi revelado na visão de Isaías (Is 6). Dr. WilliamVan Doodewaard fez uma
exposição do presente misericordioso do Pai da regeneração para uma he­
rança indestrutível (lPe 1.3-5). Rev. Paul Smalley refrescou a nossa alma
com o poço dos ensinamentos de Richard Sibbes sobre a misericórdia e a
fidelidade de nosso Pai.
Crescemos em nosso conhecimento do Pai como nosso Deus salvador.
Dr. Thomas nos guiou a uma meditação teologicamente rica sobre ver o
Pai na face de Jesus. Eu apresentei nossa adoção por Deus e, com a assistên­
cia dos Puritanos, apresentei várias aplicações práticas dela.
Encontramos descanso nas mãos orientadoras e providenciais de nosso
Pai celestial. Dr.VanDoodewaard nos ensinou sobre nosso Pai no contexto
do sermão do monte. Dr. David Murray nos mostrou algumas implicações
da paternidade de Deus para o aconselhamento bíblico. Rev. Burk Parsons
nos mostrou a beleza do amor na disciplina do Pai para com seus filhos.
Nós também resumimos o tema trinitário das últimas três conferências
sobre a beleza e glória do Pai, Filho e Espírito Santo.3 Rev. Ryan McGraw
nos desafiou a moldar toda a nossa piedade —a antiga e preciosa palavra
para santidade de coração e vida —com o caráter trinitário de nosso Deus.
Ele também nos desafiou a nos examinarmos para discernirmos se nós,
como indivíduos, somos salvos por esse Deus através do único Mediador.
A paternidade de Deus está inegavelmente entrelaçada com o evange­
lho de nosso Senhor Jesus Cristo. Perkins disse que o propósito do evange­
lho é “ revelar Deus não somente como Criador, mas como Pai” , e de nos
levar a conhecê-lo como “nosso Pai em Cristo; e, consequentemente, nos
portarmos como filhos obedientes a ele em todos os aspectos. Aqueles que
não fazem isso, não conhecem a intenção do evangelho” .4

3Veja B E E K E , Jo e l R ., org. T he Beauty and Glory o f Christ. G ran d R a p id s: R e fo rm a tio n H eritage B o o k s,


2011 (Este título estará traduzido e disponível pela E d ito ra C u ltu ra C ristã e m breve); e B E E K E , Jo e l R .
e P I P A Jo se p h A .,Jr ., orgs. T he Beauty and Glory o f the H oly Spirit. G ran d R ap id s: R e fo rm a tio n H eritage
B o o k s, 20 1 2 .

4 P E R K I N S . A Commentarie or Exposition vpon the Five First Chapters o f the Epistle to the Galatians, em
Workes72:\ 64.
PREFÁCIO .rt 11

Estamos muito felizes em poder oferecer o conteúdo dessas mensagens


em forma impressa a você. Agradeço muito Greg Bailey por sua assistên­
cia na organização, Gary den Hollander pela verificação, Lois Haley por
transcrever vários endereços, Linda den Hollander e Kim DeMeester pela
digitação, e Amy Zevenbergen pelo design.
Se puder, considere participar de futuras conferências da PR.TS.5 Peço
também que, por favor, ore pelo trabalho do seminário; que o Espírito de
Deus encha a faculdade, a administração e os estudantes com amor, fideli­
dade às Escrituras, santidade de vida e poder para o ministério.
Que Deus utilize esses ensinamentos para o atrair no Espírito, por meio
de Cristo ao Pai; que você se deleite em seu amor soberano e responda
com amor filial e obediência.
Joel R. Beeke

5Veja w w w .puritansem inary.org para m ais in form ações.


A VISÃO DA GLÓRIA
DO PAI EM SEU
FILHO UNIGÊNITO
---------------- <6 * ----------------
C A P ÍT U L O 1

O amor do Pai para com seu Filho


Bartel Elshout

“O Pai ama o Filho... ”


João 3.35

O
terceiro capítulo do evangelho de João recorda a conversa de
Jesus com Nicodemos sobre a necessidade de um novo nasci­
mento (v. 1-13), sua articulação do evangelho bíblico (v. 14-21)
e o testemunho profundo de João, o Batista, sobre Cristo (v. 22-36) -
palavras que marcaram a conclusão do ministério público de João Ba­
tista. Nesse segmento final do capítulo, em meio à confissão comovente
de João Batista de que Cristo deve crescer e ele diminuir (v. 30) e a
declaração solene de que a ira de Deus está sobre todos que não creem
no Filho (v. 36), nós encontramos essas palavras profundas: “ o Pai ama o
Filho” (v. 35). Essa declaração se destaca por sua simplicidade elegante,
mas a verdade contida nela é tão extraordinária que excede todas as
outras coisas nesse capítulo — até mesmo o fato de que Deus amou o
mundo de tal maneira que entregou seu Filho unigênito. Essas palavras
nos dizem por que Deus o Pai se comoveu ao entregar seu Filho para
ser o Salvador de um mundo caído: porque ele ama seu Filho!

O AMOR DO PAI POR SEU FILHO:


A FONTE DE TODA TEOLOGIA
O Espírito Santo nos dá um vislumbre da profundidade infinita do
coração do Pai —um coração que é eternamente comovido em amor por
seu Filho infinitamente gerado e amado. Essa é a fonte da qual nasce toda
teologia. Nada define tão precisamente quem o Pai é como o fato de que
ele ama seu Filho com a totalidade e integridade de sua pessoa divina.
16 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Nenhum livro no Novo Testamento destaca tanto esse relacionamento


entre Pai e Filho como o evangelho de João. Existem pelo menos 126 refe­
rências diretas e indiretas do relacionamento entre Pai e Filho, e esse evan­
gelho declara explicitamente oito vezes que o Pai ama seu Filho (Jo 3.35;
5.20; 10.17; 15.9-10; 17.23-24,26).
O restante do Novo Testamento repetidamente foca nessa verdade es­
sencial e fundamental com respeito à identidade e caráter do Pai, como,
por exemplo, em Romanos 15.6: “para que concordes e a uma voz glo-
rifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. IC o 1.3; 11.31;
E f 1.3; 3.14; Cl 1.3; lPe 1.3; 2Jo 3). Dado que observemos ao longo das
Escrituras, que Deus faz o que faz porque ele é quem é (Salmo 25.8; 86.5;
119.68), e à luz do testemunho acima, segue que isso é suprema e profun­
damente aplicável ao fato de que o Pai ama seu Filho. Em outras palavras,
os decretos eternos do Pai estão diretamente relacionados ao fato de que
ele ama seu Filho. Desde a eternidade, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo
se deleita em seu Filho, em toda a sua boa vontade, pois ele é “o resplendor
da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa” (Hb 1.3). Em Provérbios
8.30, Cristo diz: “ então, eu estava com ele e era seu arquiteto, dia após dia,
eu era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo” .
Paulo nos diz em Colossenses 1.18-19 que tem sido o deleite eterno
do Pai que seu Filho tenha preeminência, e que “ aprouve a Deus que, nele,
residisse toda a plenitude” . Essa preeminência do Filho não deve ser enten­
dida como se a glória do Pai e do Espírito Santo fossem menores do que a
glória do Filho; em vez disso, contemplamos no Filho a exibição da glória
do Pai da forma mais suprema e magnífica. E por isso que o Pai se deleita
em seu Filho e “lhe deu um nome que está sobre todo o nome” (Fp 2.9).
Jesus expressava isso em sua oração sacerdotal: “Eu te glorifiquei na terra...
e, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto
de ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17.4-5).
Em outras palavras, o Pai está eternamente engajado em glorificar seu
Filho para que seu Filho sempre seja a expressão mais completa e super­
lativa de quem ele é como Pai. O Pai se compraz com seu Filho porque
seu Filho é o reflexo perfeito dele mesmo. Ao contemplar seu Filho, o Pai
conhece a si mesmo perfeitamente.

O FILHO: O OBJETO ETERNO E INFINITO DO AMOR DO PAI


À luz desse relacionamento especial entre Pai e Filho, concluímos que
a Trindade está em um relacionamento de amor. O Pai, na pessoa do Espí­
rito Santo, comunica a essência total de seu amor e de sua pessoa ao Filho,
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O 17

e o Filho, também na pessoa do Espírito Santo, retribui e comunica a es­


sência total de seu amor e de sua pessoa ao Pai.
Portanto, o Espírito é o elo de amor que une o Pai e o Filho nesse re­
lacionamento infinito. Isso explica por que as Escrituras testificam que o
Espírito procede do Pai e do Filho, pois há comunhão ininterrupta entre
os dois. Assim como o Espírito procede do Pai, o Pai comunica seu amor
ao Filho; e assim como o Espírito procede do Filho, o Filho comunica seu
amor ao Pai. O Pai e o Filho conhecem e amam um ao outro de maneira
completa e compreensiva através do Espírito.
Em várias ocasiões, Cristo explicitamente se referiu a esse relaciona­
mento de amor entre Ele mesmo e seu Pai: “ ninguém conhece o Filho, se­
não o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho” (Mt 11.27);“ ninguém
conhece quem é o Filho, senão o Pai, nem quem é o Pai, senão o Filho”
(Lc 10.22); “Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o
Pai” (Jo 10.15). Nesse relacionamento eterno, o Pai e o Filho, no Espírito,
experimentam satisfação eterna e completa um no outro.
Porém, é necessário que entendamos que as Escrituras destacam o amor
do Pai para com seu Filho nesse relacionamento. Duas vezes durante a
vinda de Cristo à terra, o Pai testificou dos céus em voz audível: “Este é o
meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17; 17.5). O foco está
especialmente em o Pai amar e glorificar o Filho, contemplando nele a
demonstração brilhante e compreensiva da glória e magnificência de sua
própria pessoa.
Quão apropriado é que o Filho seja o objeto do amor de seu Pai. O Pai,
cuja personalidade e atributos são de dimensão infinita, deve ter um ob­
jeto à altura para seu amor eterno e infinito. Ele o encontra em seu Filho,
que é completamente coigual a ele na infinidade e magnificência de to­
dos os seus atributos, e quem ele, no Espírito, ama com todo o amor de
sua divina pessoa.

O AMOR DO PAI PARA COM SEU FILHO: O MOTIVO


PREEMINENTE PARA TODA A SUA ATIVIDADE DIVINA
Já que Deus faz o que faz porque ele é quem ele é, segue que o amor
infinito do Pai pelo Filho, que está em seu seio (Jo 1.18), é o motivo para
tudo o que ele faz. Esse amor governa toda sua atividade desde a eterni­
dade passada até a eternidade futura; ela o motiva a glorificar seu Filho em
tudo o que ele realiza.
E necessário que apliquemos isso primeiramente ao trabalho da criação,
pois foi o amor por seu Filho que moveu o Pai a criar o universo para seu
18 ** A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Filho. Paulo escreve em Colossenses 1.16 que todas as coisas foram cria­
das não somente pelo Filho, mas para ele. O universo todo, com todas as
suas realidades visíveis e invisíveis, foi criado para o Filho —tudo foi uma
expressão do amor infinito do Pai para com seu Filho. Foi seu presente de
amor. Portanto, ao concluir o trabalho da criação, o Pai viu que tudo “ era
muito bom” (Gn 1.31).

CRIAÇÃO: UM REFLEXO DA GLÓRIA DO FILHO DE DEUS


O que fez da obra da criação “ muito boa” diante dos olhos do Pai? A
resposta é que ele viu a glória de seu Filho amado refletida em tudo que
fizera. Que toda a criação reflete a glória de seu Filho se confirma pelo
fato de o Pai ter criado o universo inteiro pela fala. Isso significa que toda
a criação é uma expressão de sua palavra. Em cada estrela e em cada inseto,
a sabedoria de Deus é exibida.
O Filho também é a palavra eterna do Pai, e assim foi no princípio;
portanto, as palavras pelas quais Deus criou tudo foram, em última ins­
tância, um reflexo da Palavra Viva, o Filho amado de Deus. Essa verdade
está lindamente expressa no Salmo 19.1-4: “ Os céus proclamam a glória
de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. U m dia discursa
a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há lin­
guagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto,
por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do
mundo” . Isso significa que toda a criação é a fala do Pai para conosco —
uma fala que comunica sua palavra a nós todo dia e toda noite.
Portanto, o Filho unigênito do Pai é o ponto focal de todos os propó­
sitos eternos de Deus. Todas as coisas devem trabalhar em conjunto para
o cumprimento do objetivo singular e universal de todo o propósito so­
berano do Pai. Portanto, não há nada arbitrário sobre o exercício de sua
soberania, pois ao exercitá-la, ele está sempre objetivando a glória do Filho
a quem ama. Cumprir isso é o propósito da boa e soberana vontade do Pai.

ADÃO: O FILHO CRIADO DE DEUS, PORTANDO


A IMAGEM DO ETERNO FILHO DE DEUS
Isso também se torna evidente quando consideramos a criação do ho­
mem, a obra-prima do trabalho criativo de Deus. O amor do Pai para com
seu Filho, o amor que o levou a criar o universo todo para seu Filho, tam­
bém o levou a criar Adão à imagem de seu Filho.
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O *+ 1 9

Chegamos a essa conclusão através da comparação das Escrituras com as


Escrituras. Em Romanos 8.29, Paulo nos diz que a razão por que todas as
coisas cooperam para o bem (v. 28) está no fato de que aqueles que o Pai
conheceu de antemão, “predestinou para serem conformes à imagem de
seu Filho” . Em outras palavras, o objetivo último da redenção é a confor­
midade dos seres humanos caídos à imagem do Filho amado de Deus. Isso
se confirma em 1 João 3.2, onde João escreve: “Amados, agora, somos filhos
de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que,
quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de
vê-lo como ele é” . Consequentemente, aqueles que foram predestinados a
serem conformados à imagem do Filho de Deus um dia serão como ele.
Se o objetivo do trabalho redentor do Pai é conformar homens e mu­
lheres à imagem de seu Filho, esse deve ter sido seu plano original ao criar
o homem. Em Apocalipse 4.11, é explicitamente declarado que “por causa
da tua vontade vieram a existir e foram criadas” . Sabemos que é o prazer do
Pai glorificar o Filho de seu amor. Porém, esse texto nos diz que tudo o que
Deus faz, agora, e tudo o que ele fez, no passado, tem um objetivo comum;
os objetivos da criação e da redenção são os mesmos. Quando escutamos o
diálogo divino em Genesis 1.26, estamos ouvindo uma conversa entre o Pai
e o Filho (no Espírito): “ Façamos o homem à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança” . Porém, Romanos 8.29 nos instrui especificamente que
isso deve significar que Adão foi feito à imagem do Filho de Deus. Isso não
contradiz a linguagem de Genesis 1.26, pois ao portar a imagem do Filho de
Deus, Adão também reflete a imagem do Pai. Podemos concluir isso das pa­
lavras de Cristo, quando declara que quem o vê, vê também o Pai (Jo 14.9).
Isso explica porque as Escrituras também se referem a Adão como filho
de Deus (Lc 3.38), pois nele o Pai obteve um reflexo perfeito da glória de
seu Filho; Adão, como o filho criado de Deus, portou a imagem do Filho
natural de Deus. E isso que o tornou a obra-prima da criação de Deus.
Apesar de toda a criação refletir a glória do Filho, Adão fez isso de forma
muito superior a qualquer outra coisa que Deus havia criado. E por isso
que o homem foi a coroa da atividade criativa de Deus.
Se o universo todo foi criado para o Filho do Pai, então isso também
se aplicava a Adão de uma maneira muito mais profunda! Adão foi expres­
samente criado pelo Pai não somente para refletir a glória de Cristo, mas
também para deleitar-se nele, na Palavra Viva (Jo 1.1). O Pai o criou com
as faculdades intelectuais e espirituais para conhecer, amar e servir o Filho,
e isso fez de Adão singularmente diferente de todo o restante da criação.
Foi disso que se constituiu a alegria exorbitante de Adão e Eva, pois foi
nà pessoa de seu Filho que o Pai se revelou a eles e se comunicava com
20 ■ <* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

eles. João 1.18 nos diz que “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho uni-
gênito, que está no seio do Pai, este o fez conhecer” . Se nenhum homem
jamais viu a Deus em sua essência espiritual, então isso inclui Adão e Eva.
Portanto, o Filho unigênito de Deus, estando presente eternamente no
coração de seu Pai, declarou o Pai a Adão e Eva. Foi na pessoa de seu Filho
que o Pai iniciou um relacionamento paternal com Adão e Eva, e tinha
comunhão diária com eles.
Portanto, podemos concluir que, antes da queda, Adão e Eva se deleita­
vam no mesmo Filho de Deus no qual o Pai eternamente se deleita. Sendo
portadores da imagem de seu Filho, amando-o e adorando-o, Adão e Eva
foram os destinatários do amor que o Pai tem para com o seu Filho. O Pai
contemplou o reflexo de seu Filho eterno e os amou com o mesmo amor
pelo qual ama seu Filho, pois em João 14.21, Jesus nos diz que, “ aquele que
me ama será amado de meu Pai” . Se isso é verdade para pecadores redi­
midos que amam o Filho com um amor imperfeito, quão mais verdadeiro
isso deveria ter sido para Adão e Eva, que amavam o Filho de Deus com
um amor perfeito.
Resumindo, o Pai criou o homem para seu Filho e a sua imagem para
que o homem pudesse conhecer e amar seu Filho e viver para a sua glória.
Isso verdadeiramente agrada ao Pai, que ama seu Filho, o que explica seu
deleite nos filhos dos homens (Pv 8.31).

A DESGRAÇA DA QUEDA DO HOMEM: A PERDA DA


IMAGEM DO FILHO DE DEUS
Quão bem Satanás entendeu que Deus o Pai era supremamente glorifi-
cado pelo homem como portador da imagem de seu Filho! Se John Bunyan
estiver correto em sua alegoria espiritual, A Guerra Santa, então Satanás foi
o anjo chefe que aspirou à glória do Filho de Deus. Aquela rebelião incitou
Deus a expulsar Satanás e os anjos que apoiaram a sua rebelião permanen­
temente de sua presença. O Pai não conseguia tolerar em sua presença uma
criatura que havia desafiado a glória e preeminência de seu Filho amado.
Daquele momento em diante, Satanás se tornou o inimigo jurado do
Filho de Deus, e toda a história se tornou o campo de batalha no qual
Satanás guerreia contra Jesus (Gn 3.15). Portanto, não surpreende que ele,
imediatamente, tenha focado na única criatura que porta a imagem do
Filho de Deus. Ele procurou vingança por ter sido expulso da presença
de Deus mirando diretamente no coração de Deus. Ele sabia que, ao fazer
o homem cair, ele roubaria a alegria de Deus, pelo fato de o homem ser
semelhante ao seu Filho e viver para a sua glória.
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O *+ 2 1

É isso que torna a queda do homem tão miserável. Quão suprema­


mente ofensivo o homem se tornou ao Pai uma vez que perdeu a imagem
de seu Filho e não vivia mais para a sua glória! Como a descrença e a
rebelião do homem, tanto no passado como no presente, provocam o Pai
à ira —um Pai que ama seu Filho! Quão justo teria sido o Pai, então, se
tivesse irrevogavelmente rejeitado e amaldiçoado uma humanidade caída
que rejeita seu Filho em descrença. Porém, lhe agrada não fazê-lo. Isso se
torna muito mais marcante quando consideramos que é exatamente isso
que o Pai fez com Satanás e todos aqueles que o seguiram. Para eles, não há
redenção; sua perdição eterna está selada para sempre.
Por que o Pai lida de maneira tão piedosa com os filhos do homem? Por
que ele propôs redimir o homem caído ao invés dos anjos caídos? A resposta
está no fato de que o Pai ama seu Filho. A diferença marcante entre anjos
e homem é que os anjos não foram criados à imagem do Filho amado de
Deus. O homem por outro lado, foi —e então Deus redime seres humanos
caídos que perderam essa imagem para transformá-los mais uma vez à ima­
gem de seu Filho, Jesus Cristo. Porque ele ama seu Filho, ele propôs vindicar
eternamente a honra de seu Filho por meio da redenção dos seres huma­
nos caídos para se tornarem novamente o que ele havia criado para serem:
portadores da imagem de seu Filho, a quem conhecem, amam, servem e
glorificam. Isso confirma que não há nada arbitrário sobre os decretos e pro­
pósitos eternos de Deus, pois o grande objetivo de seu soberano propósito
ao redimir os filhos dos homens é a glória do Filho, a quem ele ama.

O PAI DANDO AMOR ETERNO AO SEU FILHO PARA A


REDENÇÃO DE PECADORES CAÍDOS
Se a profundidade de tudo isso nos exaspera, como podemos começar
a compreender o trabalho da redenção? Como pode ser que o Pai, que
ama seu Filho com um amor que transcende nossa compreensão, enviaria
seu Filho ao mundo para redimir os filhos caídos de Adão e Eva? Como
podemos compreender que o Pai escolheu homens caídos (Ef 1.4) para
se tornarem recipientes do amor que ele tem pelo seu Filho (Jo 17.26) e
para serem conformados à sua imagem (Rm 8.29), sabendo que o mesmo
objeto de seu amor teria que ser o objeto de sua ira infinita, a fim de
redimi-los? Mesmo assim, o Filho eterno de Deus se tornou filho do
homem para esse mesmo propósito.
Que surpresa foi quando o Espírito Santo, que procede do Pai e do
Filho, causou a concepção miraculosa do Cristo! O anjo Gabriel testificou
disso a uma Maria maravilhada dizendo: “ Descerá sobre ti o Espírito Santo,
22 * » A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O PA I

e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também


o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1.35). No
momento em que isso ocorreu, o segundo Adão começou a se formar
dentro dela e o Filho eterno de Deus se tornou o Filho criado de Deus
(como foi Adão), na pessoa de Emmanuel —Deus conosco.
Naquele momento bendito, um momento do qual depende toda a his­
tória da humanidade, Deus e homem foram unidos na pessoa de Cristo
com uma conexão que não pode e não será quebrada por toda eternidade.
Que realidade extraordinária que a Palavra eterna do Pai se tornou carne
- que o Filho amado de Deus se tornou filho de homem para que filhos e
filhas dos homens pudessem se tornar filhos e filhas do Deus vivo e, por­
tanto, a imagem do Filho de Deus. Em suma, o Filho de Deus se tornou
como nós para que nós nos tornássemos como ele. Grande é o mistério da
piedade: Deus foi manifesto na carne (lT m 3.16).
Para realizar tudo isso, e para ver a boa vontade de seu Pai prosperando,
o Filho teve que ser pregado na cruz e lá descer às profundezas do inferno,
clamando desse abismo terrível: “ Deus meu, Deus meu, por que me de­
samparaste? (Mt 27.46). Quão inexplicável deve ter sido esse sofrimento
para aquele que havia estado eternamente no seio de seu Pai, mas como
teria sido para o Pai quando ele teve que esconder sua face de seu Filho
amado? Porém, para o bem de todos que foram escolhidos pelo Pai, teve
de ser assim. Somente pelo Filho amado do Pai experimentar a essência
do inferno, poderia ser fundada a base para a adoção de pecadores caídos.
Que alegria havia no coração do Pai quando percebeu que seu Filho
havia terminado o trabalho que ele lhe havia confiado para fazer! Quando
Cristo pronunciou essas palavras preciosas, “Está consumado” , e então en­
tregou seu espírito às mãos de seu Pai, o Pai não conseguia se conter mais, e
com suas mãos poderosas rasgou o véu que separava o templo (Mt 27.51),
declarando sua aprovação do sacrifício do Filho de seu amor. Com base
nesse trabalho terminado, o Pai poderia remover para sempre a parede de
separação entre ele e os filhos dos homens.
Essas questões fazem a nossa mente girar. Como podemos entender que
o Pai, eternamente, deu ao Filho rebeldes redimidos, para que, através deles,
a glória de seu Filho brilhasse mais poderosamente? Para realizar isso, ele
fez seu Filho amado, que não conhecia pecado algum, se tornar pecado por
nós, para que pecadores vis, tão profundamente indignos de tamanho favor,
fossem feitos justiça de Deus, em Cristo (2Co 5.21), e se tornassem os fi­
lhos e filhas adotivas de Deus. Que verdade maravilhosa: o Filho de Deus,
que como o segundo Adão também é filho dos homens, será para sempre
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O « * 23

o irmão mais velho dos filhos adotivos do Pai. Nele, sempre permanecerão
membros da família de seu Pai.
Aqui falham palavras, e devemos clamar em espanto santo com o após­
tolo Paulo, “ O profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão ines-
crutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor?
Ou quem foi o seu conselheiro?” (Rm 11.33-34).

O OBJETIVO DO PLANO DO PAI DE REDENÇÃO:


NA GLÓRIA DE SEU FILHO
Em meio ao nosso fracasso de entender esses mistérios, uma verdade
surge: o plano e trabalho inteiro da redenção gira em torno do Filho do
Pai, o Senhor Jesus Cristo. O evangelho é a boa notícia do Pai para um
mundo caído e, através do evangelho, o Pai revela seu Filho precioso a pe­
cadores perdidos, culpados e merecedores do inferno. N o evangelho, o Pai
declara que, em seu Filho, ele providencia um mediador perfeito, por meio
de quem os pecadores caídos podem se reconciliar com ele, convidando
pecadores a crerem em seu Filho para a salvação de suas almas.
Portanto, o Filho do Pai, o Senhor Jesus Cristo, é a soma e a substância
do evangelho —um evangelho onde o Pai oferece, gratuitamente, seu Filho
a pecadores, sem dinheiro, nem preço (Is 55.1-2). Nesse evangelho, o Pai
declara aos pecadores hoje em dia: “Este é o meu Filho amado, em quem
me comprazo; a ele ouvi” (Mt 17.5).

FÉ NO FILHO DE DEUS, O SENHOR JESUS CRISTO:


O FRUTO INEGÁVEL DO TRABALHO DO ESPÍRITO
O coração do Pai se comove quando pecadores creem em seu Filho
e depositam sua confiança somente nele para a sua salvação. Que alegria
preenche as profundezes do ser de Deus quando pecadores se deleitam no
que ele se deleita: seu Filho e seu trabalho concluído na cruz!
Isso explica por que o Pai promete conceder bênçãos tão extraordi­
nárias a todos os que creem em seu Filho. Sua promessa incondicional a
eles é a vida eterna (Jo 3.16). Esse presente de vida eterna compreende as
bênçãos extraordinárias do perdão total do pecado, reconciliação total com
o Pai, adoção à sua família, a presença viva de seu Espírito, e a perspectiva
de viver eternamente em sua presença. Deus o Pai concede tudo isso a pe­
cadores que creem verdadeiramente em seu Filho amado, não importando
quão fraca e frágil seja a fé deles.
24 «* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Trabalhar no coração dos pecadores de tal maneira que o Filho amado


do Pai, o Senhor Jesus Cristo, se torne tão irresistivelmente atraente a eles,
que eles confessem: “ Dê-me desse Jesus, se não, morro!” , é o marco do
ministério salvador de seu Espírito. Para realizar isso, o Espírito Santo en­
sina aos pecadores o quão culpados e perdidos eles são diante de Deus,
criando espaço em seus corações para o Filho amado do Pai. Como fruto
dessa instrução, pecadores enxergam que Jesus Cristo é a única solução
para as almas culpadas e poluídas. Como Espírito do Pai e do Filho, ele não
descansa até que pecadores, levados ao limite, abracem Jesus pela fé; é seu
trabalho especial glorificar o Filho, a quem o Pai ama (Jo 16.14-15).
Cristo mesmo declarou: “E serão todos ensinados por Deus. Portanto,
todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim”
(Jo 6.45). Já que o Pai ama seu Filho, segue que quando pecadores ouvem
e aprendem dele através do Espírito, eles conseguem enxergar seu Filho.
Ao chegarem e crerem no Filho, o Senhor Jesus Cristo, é, portanto, a prova
última de que o Pai, mediante seu Espírito, está concluindo seu trabalho
redentor no coração de um pecador.

MINISTÉRIO EVANGÉLICO FIEL: A PREGAÇÃO DE CRISTO,


O FILHO AMADO DO PAI
Já que é a boa vontade do Pai que pecadores venham a seu Filho e
se tornem como ele, o foco do ministério da Palavra deve ser o Filho.
O grande propósito do ministério evangélico fiel é sempre pregar Cristo:
convidar pecadores a se aproximarem dele, e instar pecadores a viverem
nele e o seguirem. Assim como o sistema solar gira em torno do Sol, tam­
bém todo aspecto do ministério evangélico deve girar em torno do Filho
do Pai, o abençoado Sol da retidão. A expressão “pregação cristocêntrica”
de algum modo é uma redundância, pois pregar o que não é verdadeira­
mente centrado no Filho não é pregação verdadeira. Pregação que agrada
ao Pai, honra o Filho e está de acordo com a mente do Espírito, sempre
engajando na exegese fiel da Palavra escrita e sempre nos guiando ao Filho,
a Palavra viva e o Cristo das Escrituras.
O Pai, portanto, edifica homens que testemunham de seu Filho, para
que seu Filho seja supremamente glorificado no coração e na vida dos
pecadores, mediante seu ministério. Somente quando a pregação é cris­
tocêntrica o Pai é glorificado, pois ele é exaltado somente quando o seu
Filho é exaltado nas alturas. A marca de um ministro da Palavra é que ele é
preocupado com Cristo, o Filho do Pai, com um desejo irresistível de pre­
gar esse Cristo e suas riquezas inescrutáveis. Tal ministério é endossado
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O « * 25

pelo Pai através do seu Espírito; assim foi com o ministério dos apóstolos,
sobre o qual lemos: “E todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam
de ensinar e de anunciar a Jesus Cristo” (At 5.42).
O Pai escolhe usar esse tipo de ministério fiel e cristocêntrico para for­
mar um povo para si mesmo, para que Cristo, seu Filho, seja supremamente
glorificado e formado dentro deles - tudo porque o Pai ama seu Filho. Por
essa razão, e somente por ela, é que ele escolheu seu povo em seu Filho,
o deu a ele no conselho eterno de paz, o redime nele, o une a ele, o con­
forma a ele, o molda em pessoas que se deleitarão eternamente nele —um
povo que adorará o Filho para sempre, dizendo: “ com grande voz diziam:
Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabe­
doria, e força, e honra, e glória, e ações de graças” (Ap 5.12).

A SANTA OBRIGAÇÃO DOS REDIMIDOS:


AMAR O FILHO DO PAI
Como podemos magnificar suficientemente o Pai, pelo fato de que ele
foi eternamente movido, em si mesmo, para nos tornar a nós, pecadores
miseráveis, os destinatários do amor com que ele ama seu Filho —e que,
para tornar isso uma realidade, ele deu o Filho de seu amor para ser um
sacrifício pelos nossos pecados?
Esse Deus majestoso não é digno do nosso amor? Toda fibra de nosso
ser não deveria amar o Filho de Deus, a quem o Pai ama? Não é esse o
grande propósito pelo qual o Pai nos redimiu, nominalmente, que amemos
e honremos seu Filho precioso agora e para sempre? Não deveria tamanho
amor acender uma chama de amor devoto em resposta?
Nada agrada mais ao Pai do que seu povo amar seu Filho e buscar
ser como ele, mediante sua graça. Esse é o objetivo final do Pai ao san­
tificar o seu povo: seu propósito eterno é que aqueles a quem escolheu,
em seu Filho, também carreguem a imagem de seu Filho (Rm 8.28-29).
E, portanto, o trabalho especial do Espírito Santo santificar o povo de
Deus —para conformá-lo à imagem do Filho amado do Pai. E seu traba­
lho especial glorificar a Cristo, o Filho do Pai, e ele está constantemente
trabalhando no povo de Deus para trazê-lo à sua conformidade.
Isso explica porque o pecado entristece tanto o Espírito de Cristo, pois
quando pecamos, manifestamos o oposto da imagem de Cristo —algo de­
testável ao Pai. Quando pecamos, transgredimos a Palavra escrita de Deus,
e quando a desonramos, desonramos a Palavra viva de Deus, o Filho amado
do Pai. E isso o que faz do pecado algo tão feio e ofensivo diante de Deus.
Não há nada mais triste para Deus do que quando desonramos seu Filho.
26 & A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Isso se torna especialmente verdadeiro quando seu povo é culpado disso,


aqueles a quem ele formou para si mesmo, para que demonstrem a glória
de seu precioso Filho.
Quão implacavelmente devemos tratar o pecado em nossa vida e, pela
graça de Deus, tirar os olhos e cortar as mãos que nos fazem desonrar
seu Filho! O amor pelo Filho de Deus deve nos motivar a honrá-lo pelo
cumprimento de seus mandamentos! O Pai se enche de alegria indizível
quando ele contempla em seu povo a semelhança de seu Filho amado.
Que dever sagrado de amor nós temos a cumprir no Filho, que se entre­
gou por nós, para que nós, ao estarmos nele, venhamos a produzir frutos
cristocêntricos para a glória do Pai (Jo 15.5,8)!

O MARCO DISTINTIVO DOS FILHOS ADOTIVOS DE DEUS:


AMOR PELO FILHO ETERNO DE DEUS
À luz dessas verdades, quão evidente deveria ser que cristãos, como
membros da família espiritual do Pai, são pessoas que amam a quem seu
Pai ama —o Filho, o Senhor Jesus Cristo - porque o amor de Deus o Pai
é derramado em seu coração (Rm 5.5). Isso é significante, pois temos ob­
servado que o objeto único do amor do Pai é seu Filho unigênito. Esse
amor por seu Filho verdadeiramente define o amor do Pai, e quando ele
derrama seu amor no coração de um pecador, e quando esse amor começa
a atuar no coração daquele pecador regenerado, ele também tem como
objeto de seu amor o Filho de Deus.
Crentes verdadeiros então são aqueles que amam o mesmo Filho a
quem o Pai ama. Eles são pecadores redimidos, residência do Espírito do
Pai e do Filho —um Espírito cujo trabalho especial é glorificar o Filho e
exibi-lo ao seu povo (Jo 16.13-15). Esse deleite espiritual no Filho é um
ingrediente essencial da comunhão entre o Pai e seus filhos, pois “Andarão
dois juntos, se não estiverem de acordo?” (Am 3.3).
Ao se tornarem experimental e exponencialmente mais familiarizados
com a sua própria miséria, crentes verdadeiros se tornam cada vez mais
preocupados com o Filho de Deus e com a sua beleza inexplicável; Jesus
Cristo se torna o todo deles. Eles amam o Filho que o Pai ama e clamam
em êxtase santo: “ O meu amado é alvo e rosado, o mais distinguido entre
dez mil... O seu falar é muitíssimo doce; sim, ele é totalmente desejável.Tal
é o meu amado, tal, o meu esposo, ó filhas de Jerusalém” (Ct 5.10,16). Sim,
de fato, amam o Senhor Jesus Cristo em sinceridade (Ef 6.24), e adoram seu
Pai exclamando,“ Graças a Deus, pois, pelo seu dom inefável” (2Co 9.15).
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O ■<* 1 1

A NOTA DE REFERÊNCIA PARA O AUTOEXAME:


AMAMOS O FILHO DE DEUS?
Amor sincero pelo Senhor Jesus Cristo é sempre o teste crucial da ex­
periência religiosa. Pois o amor pelo Filho de Deus é o marco de todos os
marcos da graça. Isso por si só confirma, conclusivamente, que o amor do
Pai realmente tem sido derramado em nosso coração.
Porém, a Palavra de Deus é igualmente clara que não podemos declarar
amor ao Senhor Jesus Cristo se não demonstramos amor por ele, cumprindo
os seus mandamentos. Se realmente amamos a Palavra Viva, o Filho amado
do Pai, comprometemo-nos a honrá-lo buscando viver em obediência à Pa­
lavra escrita. Crentes verdadeiros sempre amam as Escrituras, precisamente
porque elas testemunham a Palavra Viva, Jesus Cristo. Isso está em total con­
cordância com o amor que atua neles, pois ele é o seu objeto de amor.
Não deveria ser surpresa a ninguém que quanto mais amamos e hon­
ramos o Filho, mais o Pai se deleita —pois o Pai ama o Filho! Jesus mesmo
testifica disso quando ele diz: “Aquele que tem os meus mandamentos e
os guarda, este é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu
Pai” 0o 14.21). Afinal, o Pai regenera pecadores através de seu Espírito
para que eles conheçam, amem, honrem e sirvam ao seu Filho. Ele quer
que seus filhos sejam semelhantes ao seu Filho eterno em suas disposições,
palavras e ações; ele não descansará até que, mediante o seu Espírito, eles se
conformem à imagem de seu Filho. Como observamos antes, esse é grande
objetivo da predestinação (Rm 8.29).

A IRA DE DEUS: PROVOCADA POR AQUELES QUE NÃO


AMAM O FILHO DO PAI
Se, então, o Pai está eternamente preocupado com o Filho de seu amor,
criou todas as coisas para ele, e está redimindo pecadores para se tornarem
conforme a sua imagem, segue que ele não consegue nem tolera qualquer
coisa que se opõe a seu Filho. O Pai do Senhor Jesus Cristo, que o ama
com um amor infinito, só consegue responder com ira contra todos que
rejeitam e se opõe ao seu Filho amado.
A ira de Deus é a resposta de todo seu ser, na totalidade de seus atributos,
à rejeição descrente do Filho. A ira de Deus não é um de seus atributos,*

* N ã o há c o m u m acordo quanto a essa tese. A graça salvadora de D eu s, p o r exem plo, tam bém só se tor­
n ou m anifesta após a queda, e ainda assim é reconhecida co m o atributo. Para m ais in form ações consulte
B E R K H O F , Louis. Teologia Sistemática. C A M P O S , H e b e r C arlo s de. O ser de Deus e seus atributos (am bos
da editora C u ltu ra C ristã) (N .d o R .) .
28 ** A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

assim por dizer; antes, é a resposta de todos os seus atributos àqueles que
odeiam seu Filho e rejeitam a sua Palavra. Se não houvesse pecado algum,
não haveria manifestação da ira de Deus, pois não haveria ocasião para ela.
Porém, o pecado do homem, em particular a rejeição descrente de seu Fi­
lho, provoca o Pai à ira —uma ira que é tão infinita quanto seu amor por seu
Filho. Nada ofende mais o Pai do que o nosso fracasso em amar e honrar o
Filho a quem ele ama.
Há então uma correlação direta entre o amor do Pai e sua ira. Podemos
dizer que a ira do Pai é uma manifestação negativa de seu amor por seu
Filho. A intensidade de seu amor por seu Filho demanda uma intensidade
de sua ira contra todos aqueles que odeiam e rejeitam seu Filho - e, espe­
cialmente, contra todos que fazem dele um mentiroso por não acreditarem
no registro que ele nos deu de seu Filho em sua Palavra (ljo 5.10). Foi isso
o que levou Paulo a escrever, “ Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo,
seja anátema [Isso é, amaldiçoado]; maranata!” (IC o 16.22).
Quão terrível será para aqueles que rejeitarem o Filho de Deus em
descrença cair nas mãos do Deus vivo! Quão temeroso ser confrontado
pela ira de Deus que ama seu Filho (Hb 10.31)! Isso explica a admoes-
tação solene do apóstolo quando ele escreve: “Vede que não rejeiteis ao
que fala [a Palavra Viva]; porque, se não escaparam aqueles que rejeitaram
o que na terra os advertia [Moisés], muito menos nós, se nos desviarmos
daquele que é dos céus [o Filho do Pai]... Porque o nosso Deus é um fogo
consumidor” (Hb 12.25,29). Isso também explica por que, imediatamente
após o nosso texto (Jo 3.35), João o Batista conclui sua doxologia magní­
fica sobre o Filho, dizendo: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna,
mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre
ele permanece” (v. 36).
Isso nos leva a uma conclusão inescapável: a existência do inferno tem
tudo a ver com o amor do Pai para com seu Filho. O inferno é criado pelo
Deus a quem João diz ser amor —um amor que tem o Filho de Deus como
seu objeto último. O inferno é a afirmação do Pai de que ele ama seu Fi­
lho —e que ele o ama tanto que ele derramará a sua ira para sempre sobre
todos que o odeiam. O inferno é a única punição adequada para todos que
rejeitarem o Filho.
Essa ira queimará mais intensamente contra aqueles que viveram sob
o evangelho e a quem o amado Filho de Deus, o Senhor Jesus Cristo, foi
oferecido gratuitamente. Ser culpado de não crer nesse Cristo, o Filho
amado do Pai, é o crime de todos os crimes! O Senhor Jesus endereçou
essa rejeição aos descrentes das cidades a quem pregou, dizendo:
O A M O R D O P A I P A R A C O M S E U F IL H O * * 29

Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tives­


sem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam
arrependido com pano de saco e cinza. E, contudo, vos digo: no Dia do Juízo,
haverá menos rigor para Tiro e Sidom do que para vós outras.Tu, Cafarnaum,
elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em
Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela perma­
necido até ao dia de hoje. Digo-vos, porém, que menos rigor haverá, no Dia
do Juízo, para com a terra de Sodoma do que para contigo (Mt 11.21-24).

O ardor da ira de Deus contra aqueles que rejeitam a Cristo, que lhes
foi oferecido, de fato, será um inferno no inferno, pois o Pai ama seu Filho.

CONCLUSÃO
Tudo isso faz da conclusão do Salmo 2 marcante e adequado como
uma conclusão para esse capítulo: “Beijai o Filho para que se não irrite, e
não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira.
Bem-aventurados todos os que nele se refugiam” (SI 2.12). Que todos nós
confiemos no Filho amado do Pai para a nossa salvação, e que nossa vida
confirme que nós conhecemos, amamos e servimos a esse Cristo precioso.
Que haja também uma ânsia santa para o dia em que o Pai criará um
novo céu e uma nova terra por meio de e para o seu Filho - o dia sobre
o qual Paulo escreve que será, “ de fazer convergir nele, na dispensação da
plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra;
nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo
o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua
vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão
esperamos em Cristo” (Ef 1.10-12).
Que esse prospecto abençoado nos leve a orar com a igreja de todos
os tempos, “Venha Senhor Jesus, venha rapidamente” . Que dia será aquele,
quando o Filho amado do Pai apresentar a sua noiva amada, comprada
pelo seu sangue, ao seu Pai, e quando o Deus trino e todos os crentes ver­
dadeiros vierem a celebrar a ceia com o Cordeiro para sempre! Os filhos
e filhas adotivos do Pai habitarão para sempre naquela cidade sobre a qual
está escrito, “A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem
claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada”
(Ap 21.23). Esse será o dia em que o Pai e seus filhos adotivos se deleitarão
no Filho de sua boa vontade, e ele será tudo em todos para sempre!
C A P ÍT U L O 2

Pai e Filho no êxodo


Jerry Bilkes

“Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho. ”


Oseias 11.1

a cultura atual, há grande confusão sobre paternidade. Poderiamos

N dizer que há uma crise quanto à paternidade. Milhões de crianças


moram em casas onde nenhum pai está presente. Mesmo em casas
onde pais estão presentes, muitos deles estão submergidos por estilos de
vida ocupadíssima, tão envolvidos em seus trabalhos, em seus hobbies, ou
seus esportes que não possuem tempo para um envolvimento de qualidade
na vida de seus filhos. E possível que estejam presentes fisicamente, mas
eles estão emocionalmente distantes.
Pais e filhos enfrentam desafios enormes de comunicação hoje em dia.
A tecnologia moderna nos proporcionou meios de estarmos em contato
constante um com o outro, porém, seu uso muitas vezes torna a comuni­
cação significativa, face a face, difícil. Imagine um pai ocupado, sempre em
seu telefone celular, mesmo quando está no carro ou no parque com seu
filho. Sites de busca documentam a frequência infeliz da pergunta: “ Por
que meu pai não conversa comigo?” . Filhos se sentem afastados da vida e
do coração de seus pais, mal interpretados e negligenciados. Por outro lado,
imagine um pai que está tentando se comunicar com seu filho, que está
constantemente usando seu iPod com fone de ouvido. O pai se sente inca­
paz de fazer com que sua voz seja ouvida, incapaz de penetrar as nuvens à
volta de seu filho.
Em contraste à bagunça que a humanidade pecaminosa fez da paterni­
dade, há a paternidade de Deus como é revelada nas Escrituras. Nesse capí­
tulo, meu objetivo é expor alguns aspectos da paternidade de Deus como
ela é revelada no êxodo e a história que precede o êxodo, culminando na
32 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

morte de Jesus Cristo na cruz e o trabalho duradouro de Deus, de chamar


homens e mulheres para si mesmo.

PATERNIDADE NO EXODO ORIGINAL


A passagem crítica que nos ajuda a enxergar a paternidade de Deus
no êxodo se encontra em Oseias 11.1: “ Quando Israel era menino, eu o
amei; e do Egito chamei a meu filho” . Esse versículo se refere ao êxodo do
Egito, retratando, metaforicamente, termos de pai e filho.
Para entender isso, precisamos olhar mais detalhadamente para o relato
do Egito, o lugar do cativeiro de Israel. A Bíblia fala muito sobre o Egito,
especificamente, muito sobre viagens ao e do Egito durante o período de
2100 e 1400 a.C. Isso não é de surpreender, pois o Egito era o império
dominante e mais poderoso daqueles dias. Exércitos, caravanas de merca­
dorias, nômades, pessoas procurando encontrar mais comida e um futuro
melhor; escravos sendo trazidos para continuar aquele sistema de trabalho
eram vistas por familiares ao redor das fronteiras do Egito.
Algum tempo próximo a 2090 a.C., talvez perdido nas multidões que
circulavam ao redor das caravanas, que entravam e saíam do Egito, Abrão,
um mesopotâmico, um dos fiéis, entrou na terra com uma mulher chamada
Sarai, a quem chamava de sua meia-irmã, mas que, na verdade, era sua es­
posa. Algum tempo depois, por volta de 1900 a.C., uma caravana de escra­
vos trouxe um dos descendentes de Abrão, nominalmente José, ao Egito,
para ser vendido como escravo. Mais ou menos vinte anos depois, o restante
da família de José atravessou a fronteira ao Egito, onde cresceram e se torna­
ram uma grande nação e, eventualmente, foram forçados à escravidão.
U m dia, então, um príncipe egípcio coroado, Moisés, saiu do país, sendo
guiado por Deus, o que podemos chamar de treinamento de liderança,
um tempo de preparação para o que haveria de acontecer em uma noite
especial, quarenta anos no futuro. Essa foi a noite em que, com uma mão
pesada, Deus libertou mais ou menos dois milhões dos descendentes de
Abrão (ou Abraão) da escravidão do Egito à liberdade. Se outras idas e vin­
das do povo de Deus por essas fronteiras foram percebidas ou tidas como
significantes pelos homens desse mundo ou não, esse êxodo em massa cer­
tamente foi. Que visão deve ter sido! A fronteira do Egito certamente tem
sido testemunha da liderança providencial de Deus e do desdobramento de
seu plano redentor. As idas e vindas de seu povo daquelas fronteiras foram
muito significativas.
Foi especialmente a escravidão que Israel experimentou lá que deu ao
Egito sua importância na Bíblia. O Egito se tornou um símbolo do poder
P A I E F IL H O N O Ê X O D O « * 33

da escuridão, que prende o povo de Deus e tenta destruí-lo. Pode ser visto
como um símbolo de poder satânico, de Satanás, a serpente antiga, cujo
desígnio era destruir a semente da mulher (Gn 3.15). Pense em como os
bebês masculinos israelitas foram lançados ao R io Nilo, em acordo com
o mandamento de Faraó (Ex 1.22). Não foi esse um trabalho de Sata­
nás? Porém, assim como Deus havia prometido, a serpente não teria êxito.
Na verdade, seus planos teriam que servir o propósito de Deus. O Nilo,
que deveria ter destruído a semente, foi o mesmo rio que entregou Moisés,
o futuro redentor do povo, à casa de Faraó, onde ele seria educado pela
filha de Faraó (2.1-10).
Quando Faraó finalmente se voltou contra Moisés, Deus chamou Moi­
sés do Egito como um padrão do que viria a acontecer com a nação inteira
quarenta anos depois. Para usar uma imagem diferente, Moisés saiu pri­
meiro como a cabeça da nação (nominalmente, Israel), mas, logo depois, o
corpo não tinha o que fazer senão segui-lo.
Tudo isso foi exposto em uma metáfora de pai e filho quando Deus
disse, “ Israel é meu filho, meu primogênito” (Ex 4.22). A Faraó, Moisés
recebeu as instruções para dizer, “ Deixa ir o meu filho, para que me sirva;
mas tu recusaste deixá-lo ir; eis que eu matarei a teu filho, o teu primogê­
nito” (v. 23). Em Êxodo, Deus estava chamando o seu filho, seu primogê­
nito, da escravidão, para que os israelitas pudessem ser livres para servi-lo,
seu Pai, no deserto.
Essa seria a ida ou vinda do Egito mais notória até essa data. O chamado
de Deus trouxe a liberdade do filho. Quão poderosa é a voz de Deus! Seu
chamado atraiu seu filho de forma irresistível. Mesmo quando Israel resistiu
à própria liberdade, com murmúrio e reclamação contra Moisés, o chamado
de Deus prevaleceu, e Israel saiu dali. O êxodo foi um dia importante para a
nação. Antes desse tempo, os israelitas eram escravos ou servos, como Paulo
diz, “reduzidos à servidão” e “ debaixo de tutores e curadores” (G1 4.2-3).
O êxodo foi a sua grande redenção. Podemos dizer que o êxodo foi o ama­
durecimento de Israel —o dia em que o povo foi apresentado ao mundo
como o filho adulto de Deus, servindo como seu herdeiro.
Que figura a Bíblia nos dá da paternidade de Deus durante o êxodo!
Encontramos aqui uma alternativa para a confusão de hoje em dia. Aqui
temos um Pai que se envolve com seu filho. Ele se importa profundamente
com ele, e se deleita nele. Ele o entrega da escravidão com seu chamado
poderoso. Seu chamado causa uma mudança na vida do filho que o traz ao
palco da história como um filho livre, adulto e preparado para servir seu
Pai. Que identidade isso deu aos Israelitas! Eles eram as crianças preciosas
de Deus, chamados à liberdade de uma vida de serviço ao seu Pai gracioso.
34 *# A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

PATERNIDADE NO ÊXODO DECISIVO


Talvez você conheça o ditado, que embora Israel tenha sido tirado do
Egito, isso não significava que o Egito foi tirado de Israel. Enquanto os israe­
litas saíram do Egito, para nunca mais retornarem, eles levaram o “Egito”
com eles. Desde cedo em sua história nacional, eles se mostraram ser um
filho menos que ideal para um Pai tão gracioso e redentor. Repetidamente
tiveram de ser chamados para viverem, adorarem e pensarem de maneira
diferente daquela que o Egito.
Levou somente alguns dias após o êxodo do Egito para Israel mostrar
suas cores verdadeiras. O povo murmurava contra o Senhor, o provocava
adorando o bezerro dourado, e se mostravam descrentes e com o coração
endurecido. Após entrarem na terra prometida, eles continuaram desvian­
do-se e se afastando de seu Pai. O Senhor frequentemente os chamava de
volta para si, com ameaças e avisos, mas também com promessas graciosas
sobre a vinda do Salvador que seria o que eles nunca conseguiriam ser por
eles mesmos - o Filho de Deus.
Veja o que Oseias disse sobre Israel: “ ... como os chamavam, assim se
iam da sua face; sacrificavam a baalins e queimavam incenso às imagens de
escultura” (11.2). Essa é uma das razões que Oseias os lembra: “ do Egito
chamei a meu filho” (v. lb). O profeta queria lembrá-los dessa verdade:
tendo sido chamado do Egito no passado, não era para eles viverem como
o Egito no presente. Eles não estavam vivendo como o povo de Deus.
Ao invés disso, o povo era “inclinado a desviar-se de mim” (v. 7). De uma
experiência pessoal dolorosa, Oseias entendeu o quão profundamente en­
raizados estavam as manias e os vícios do Egito no coração do povo de
Deus. Incrivelmente, eles pareciam propensos a voltarem à escravidão. E ele
disse que era para lá que estavam indo —não de volta à terra do Egito, mas
“ a Assíria será seu rei” (v. 5). O povo de Deus seria exilado à escravidão na
Assíria e Babilônia. Porém, não seriam destruídos. Oseias disse que perma-
neceriam lá até que o Senhor os chamasse novamente do “Egito” . Oseias
disse que esse chamado seria mais como um bramido:“ este bramará como
leão, e, bramando, os filhos, tremendo, virão do Ocidente; tremendo, virão,
como passarinhos, os do Egito, e, como pombas, os da terra da Assíria, e os
farei habitar em suas próprias casas, diz o S E N H O R ” (v. 10b-ll).
O retorno dos exilados à sua terra natal seria o primeiro cumprimento
das palavras do profeta Oseias. Porém, como é muitas vezes o caso em
profecias do Antigo Testamento, um cumprimento maior e mais profundo
viria a seguir. Não estaria tudo bem logo após o povo retornar à sua terra.
Seus problemas não tinham terminado. O pecado ainda se manifestaria no
P A I E F IL H O N O Ê X O D O 35

povo de Deus. Idolatria ainda se levantaria no meio deles. Eles precisariam


de um êxodo mais espiritual, mais espetacular e mais decisivo.
Em nossas Bíblias, é necessário avançar somente umas cinquenta pági­
nas, de Oseias ao livro de Mateus, para vermos isso acontecer de maneira
decisiva. Podemos achar as palavras do livro de Oseias citadas lá: “Do Egito
chamei o meu Filho” (Mt 2.15). Ao serem cumpridas lá, elas têm um sig­
nificado mais profundo e mais maravilhoso.
Mateus escreve sobre o tempo em que o Senhor Jesus, o Salvador, era
uma criança. Após os homens sábios terem visitado o R ei dos judeus, por
causa da ameaça do rei Herodes, José, o marido de Maria, “ tomou o me­
nino e sua mãe, de noite, e foi para o Egito. E esteve lá até à morte de
Herodes, para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo
profeta, que diz: Do Egito chamei o meu Filho” (Mt 2.14-15).
É interessante ver os paralelos entre esse tempo na história e o período
que precede o primeiro êxodo. Antes, era Faraó tentando destruir a se­
mente da mulher; depois, foi o rei Herodes. Isso acontece não no Egito,
mas em Israel, em Belém, a terra natal de Davi e de Cristo. Antes, os pe­
quenos meninos foram lançados no R io Nilo; depois, foram mortos pelas
espadas dos soldados de Herodes. Mesmo que alguns aspectos sejam dife­
rentes, os temas fundamentais são os mesmos, e de fato, intensificados. Em
Mateus, estamos lidando especificamente com a semente da mulher. E em
Mateus, o Egito não é o inimigo, mas ele está dentro de Israel, no trono da
nação que havia sido escolhida por Deus. De fato, o Egito é o lugar onde a
semente da mulher, o Redentor divino, encontra abrigo e proteção de He­
rodes, assim como a filha de Faraó abrigou e protegeu o redentor Moisés.
Obviamente, esses paralelos não são coincidência.*
Imagine a noite em que José e Maria decidiram retornar para casa com
o menino Jesus. Eles teriam chamado a sua atenção ao atravessarem a fron­
teira egípcia na noite? Talvez você tenha visto cenas como essa, uma família
tentando sair de um país numa tentativa de chegar a outro. Se os tivesse
visto, é possível que tenha se perguntando qual era o destino deles. Como a
vida em um novo país seria para eles? Eles encontrarão uma vida melhor?
O que acontecerá com a criança? Será que ele crescerá e se tornará alguém
importante? E pouco provável que qualquer pessoa que tenha visto Maria,
José e Jesus atravessarem a fronteira do Egito naquela noite imaginasse que
essa criança, com um casal humilde, mudaria toda a história da humanidade.

* [N. do R .] Essa form a de interpretação leva em conta n ão apenas as citações diretas feitas pelo evangelista,
mas todo o cenário descrito p o r M ateus, especificam ente, os paralelos de similaridade entre os eventos do nas­
cim ento de Jesus c o m aqueles narrados em E xo d o . Esse m éto d o de interpretação recebe o nom e de tipologia.
36 «s# A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Aquela tarde na fronteira marcou uma transição crítica do desespero à


esperança, da escravidão à liberdade, e da perseguição à proteção conforme
o plano divino para a história da humanidade. Aquela criança não influen­
ciaria somente seu próprio país, mas podería abrir os portões do céu e
derrotar as forças do inferno, orquestrando um êxodo extraordinário do
pecado e sua tirania de todos os corações humanos.
Então, quando um casal humilde, com uma criança, saiu do país em
uma noite pouco após a morte de Herodes, ninguém à sua volta suspeitou,
mas Deus chamou aquilo de êxodo. De fato, Jesus estava cumprindo o
êxodo, como Mateus aponta: “para que se cumprisse o que foi dito” (v. 15).
Quão conveniente foi que não houvesse circunstância esplendorosa re­
lacionada a Jesus na noite de sua saída do Egito. Afinal, também não houve
ninguém para presenciar o seu nascimento. Os eventos continuariam a ser
dessa maneira na vida desse Filho. Não haveria circunstância majestosa em
sua infância, na humilde Nazaré, ou ao começar seu trabalho com car­
pintaria. Ao iniciar seu ministério, ele passaria despercebido por muitos,
atraindo a atenção daqueles que o invejavam e o desprezavam, mesmo
quando Moisés e Elias foram falar com ele no Monte da Transfiguração
sobre sua morte iminente (que interessantemente, o texto também chama
de “ êxodo”), somente três discípulos se encontravam presentes como tes­
temunhas oculares. Não haveria circunstância admirável, especialmente
quando Cristo, finalmente, descesse ao Egito da morte na cruz do Cal­
vário. Porém, na cruz, por meio de sua paixão e morte, ele traria uma
redenção infinitamente maior que qualquer acontecimento do primeiro
êxodo. Em sua morte, como o primogênito de seu povo, ele realizaria um
segundo êxodo superior. Ele realizou tudo para que, “ aniquilasse o que ti­
nha o império da morte, isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo
da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2.14b-15).
A obediência de Cristo ao chamado de seu Pai continuou ao longo de
sua vida na terra. O Filho estava sempre pronto para ouvir a voz do Pai. A
comunicação entre eles nunca foi desafiadora. O Filho sempre ouviu seu
Pai (Is 50.4) e cumpria o que lhe agradava (Jo 8.29). Ele poderia dizer que
os ouvidos do Filho estavam sempre sintonizados à voz do Pai. Onde o Pai
o mandava ir, ele ia. O que o pai o mandava fazer, ele fazia. Na cruz, as coi­
sas não foram diferentes. Lemos em João: “Por isso, o Pai me ama, porque
dou a minha vida para tornar a tomá-la... Esse mandamento recebi de meu
Pai” go 10.17-18).
Na cruz, Cristo ouviu e obedeceu o chamado do Pai, e com seu úl­
timo suspiro, ele se aproximou de seu Pai, atravessando a linha de chegada
na fronteira do Egito, com clamor, “Está consumado” (Jo 19.30). O Pai
P A I E F IL H O N O Ê X O D O 37

abraçou o Filho naquele momento e o Filho depositou a sua vida nas


mãos do Pai com as palavras: “ Nas tuas mãos entrego o meu espírito; tu
me remiste, Senhor, Deus da verdade” (Salmo 31.5; cf. Lucas 23.46). O Pai,
de forma reverente, recebeu o espírito do Filho. Ele então o ergueu ao ter­
ceiro dia, perante os principados e poderes celestes e, exultando na glória
da ressurreição, ele disse triunfantemente: “Do Egito chamei meu Filho.
Veja Satanás.Você o tentou engolir, mas aqui está ele com o poder de uma
vida eterna, tendo conquistado a morte, o inferno e a sepultura. Ele é o
meu Filho, meu servo, meu herdeiro, meu primogênito de dentre os mor­
tos e Príncipe dos reis da terra” .
Você vê por que o êxodo do Cristo menino do Egito foi decisivo? Ao
invés de permanecer em exílio forçado no Egito, por causa da inveja de
Herodes, Cristo foi chamado por seu Pai para crescer e iniciar seu minis­
tério e, finalmente, para sofrer e morrer em obediência ao chamado do
Pai. O serviço perfeito apresentado ao Pai, em todas essas coisas, obteve
para o seu povo um êxodo decisivo, que ele desvendaria e aplicaria em
um êxodo recorrente.

PATERNIDADE NO EXODO RECORRENTE


Esse chamado do Pai para o Filho ecoa através dos séculos, efetuando
um êxodo contínuo. Ele é intimamente relacionado com o primeiro êxodo,
pois Cristo, como cabeça, tem realizado a redenção e a está aplicando ao seu
corpo, seu povo, retirando-os de um Egito espiritual ainda hoje. N o coração
desse êxodo se encontra o Pai, que ainda está, efetivamente, chamando seu
povo, escravizado pelo pecado e a Satanás, da escravidão para seu serviço e,
ao longo do caminho, mostrando seu verdadeiro coração de Pai, do qual
podemos e precisamos aprender em diversas etapas de nossa vida.
O que podemos dizer sobre esse chamado paterno?

1. É um chamado poderoso. Deus diz que ele chama seu Filho do Egito.
Eu destaquei acima que muitos pais hoje em dia não estão se co­
municando significativamente com seus filhos. Porém, esse Pai não
somente se comunica, mas chama. U m chamado é diferente de uma
declaração. E uma diretiva que possui poder. E uma exortação que
demanda resposta. Pais são muitas vezes fracos e insípidos; temos di­
ficuldade em falar com autoridade e em receber uma resposta. Mas
esse Pai é forte, e suas palavras geram mudança.
2. Como é o chamado de Deus hoje em dia? Ele envia mensageiros
do evangelho que dizem: “ Saiam do Egito. Saiam da escuridão” .
38 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Muitos se contentam com a escuridão, e Satanás trabalha ardua­


mente para mantê-los lá. Porém, com o mesmo poder com que
Deus tirou seu povo do Egito no êxodo original, ele podero­
samente tira seu povo hoje em dia. Nenhum poder na terra ou
mesmo no inferno é capaz de impedir o chamado de Deus de efe­
tuar
/
essa grande mudança.
3. E um chamado revelador. O chamado de Deus é para um povo no
Egito. Assim como fez aos israelitas no Egito, o chamado de Deus
revela e desmascara as forças da escravidão, assim como faz com o
coração que se apega à escravidão. Ele até evoca o murmúrio e a
descrença que muitos exibem quando ouvem o chamado de Deus
no Egito do pecado. Portanto, esse chamado desmascara a nossa
servidão e inabilidade de nos livrarmos.
4. E um chamado comovente. Oseias 11.3-4 e 8-9 retrata o poder co­
movente de Deus de forma maravilhosa. Os meios que ele usa são
meios de amor pactuai e de bondade. Gentil e efetivamente, corteja
seu filho do Egito. O Calvário é a prova desse amor. Do Calvário,
o chamado é ouvido com poder. O Calvário declara que há um
escape através do sangue do primogênito, Jesus Cristo, o Filho de
Deus. Mas esse chamado também esclarece que se você perma­
necer no Egito, pode antecipar somente mais e mais miséria. Por
causa da ida do Filho eterno de Deus ao Egito, da morte da cruz,
há uma saída do Egito para pecadores. O chamado não é: “ faça o
pagamento por si só —derrame seu próprio sangue como resgate” .
Deus chamou seu Filho para fora do Egito, na cruz e na ressurrei­
ção. Mediante o Espírito, Deus aplica o sangue aos pecadores e sua
palavra da cruz os retira da escravidão.
5. Ê um chamado que gera fé. Esse Pai desafia seu Filho a uma vida au­
daciosa e transformada, e o chamado de Deus provê a fé necessária.
Sair do Egito envolve confiança em Deus, seguindo-o por onde ele
conduz. Não é sempre fácil entender por que o Pai nos leva aonde
ele leva, mas somos chamados a confiar nele mesmo quando não
entendemos seus atos. O povo de Deus muitas vezes parece ter uma
caminhada difícil através desse deserto. Esse Egito ainda influencia
nossas ações e se encontra em nosso coração. Mesmo assim, o cha­
mado do Pai trabalha em nosso coração para acender a chama da fé,
que nos leva a depender mais e mais do Cabeça, o Redentor, Jesus
Cristo.
6. Ê um chamado à separação e ao serviço. Muitos pais hoje em dia es­
tão relutantes em dizer aos seus filhos o que fazer. Portanto, esse
P A I E F IL H O N O Ê X O D O 39

chamado do Pai vem com uma identidade e obrigação. Israel foi


chamado do Egito para servir a Deus como filho no deserto. Da
mesma maneira, o povo de Deus é livre para servir ao Senhor como
filhos e filhas. Eles se encontram fora de lugar nesse mundo, mais
como pessoas atravessando o deserto, mas estão com o Pai e são
seus filhos. Eles possuem uma identidade que os separa e os san­
tifica. Precisamos da graça para dizer ao mundo que não estamos
aqui para sermos como eles, mas para servir ao nosso Deus e Pai.
7. E um chamado urgente. Eu tenho enfatizado a fronteira do Egito.
Ou você está dentro ou está fora do Egito. E simples assim. Um
passo separa os dois. A um centímetro da fronteira, você ainda está
no Egito, mas um centímetro além da fronteira, você está fora do
Egito. “Eu... chamei meu Filho para fora do Egito” , disse Deus.
Não é suficiente somente estar entre pessoas que professam a Deus;
é possível estar entre o povo confessante de Deus e permanecer no
Egito. Estar no Egito significa estar debaixo do poder da escuridão
e do controle do pecado, vivendo, como Paulo diz, sob os rudi­
mentos do mundo, incluindo códigos religiosos e os trabalhos da
retidão humana (G1 4.1-4).

Eu comecei me referindo à crise paternal de nossa cultura hoje em dia.


Muitos jovens estão reclamando que seus pais não conversam com eles. Mas
temos um Pai que não só conversa, ele chama, e seu chamado providencia
uma identidade e liberdade. Ainda hoje, ele diz com deleite e prazer no
coração de seu povo: “Eu... chamei meu Filho para fora do Egito” .Temos
ouvidos para ouvir esse chamado?
Esse êxodo é recorrente mesmo hoje em dia, mas um dia, acabará. Deus
está guindo seu povo em seu Filho por meio da fronteira do Egito e vá­
rios já atravessaram. Crentes hoje em dia vivem no deserto desse mundo,
mas um dia eles cantarão o cântico de Moisés e o Cordeiro (Ap 15.3). Eu
oro para que nenhum de vocês seja omitido dessa companhia inumerável,
aqueles que têm recebido o chamado para sair do Egito para serem filhos e
herdeiros de Deus através de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
A ADORAÇÃO
DOS ATRIBUTOS
BELÍSSIMOS DO PAI
------------ «6* ------------
CAPÍTULO 3

A santidade do Pai
no Antigo Testamento
Derek W. H . Thomas

Isaías 6

I
saias 6 é uma passagem muito conhecida; tão conhecida que muitas
pessoas conseguem recitar os primeiros versículos de memória.
Muitos cristãos a compreendem como uma visão do Cristo pré-en-
carnado. Até mesmo o apóstolo João apoia essa visão. João nos informa
que: “ Isaías disse isso quando viu a sua glória e falou dele” (Jo 12.41),
referindo-se a Jesus.
Mas talvez haja um problema quanto a isso. Quando lemos o Antigo
Testamento do ponto de vista do Novo Testamento, conseguimos enxergar
o que nenhum judeu —nem Moisés, Davi, Isaías, Ezequiel ou Daniel —ja­
mais enxergou: a doutrina da Trindade! Podemos ler as palavras de Deus
no relato da criação, “ Façamos o homem à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança” (Gn 1.26), e vermos que o pronome plural (“ nossa”)
está em perfeita harmonia com o fato de que existe deliberação dentro da
Trindade: o Pai e o Filho estão em comunicação um com o outro, deli­
berando a criação de Adão e Eva. Mas Moisés não tirou qualquer tipo de
conclusão. Aliás, nenhum judeu jamais sugeriu que existisse qualquer plu­
ralismo no único Deus. Isso deveria nos fazer pausar e maneirar nossas ten­
tativas exageradamente zelosas de ler no Antigo Testamento mais do que o
texto diz. A interpretação padrão judia entendia o uso plural do nome de
Deus (Elohim ) e o uso de “ nossa” em Gênesis 1.26
Portanto, é um erro ler João 12.41 e depois voltar a Isaías e dizer, “isso
é tudo sobre Jesus” . Na verdade, essa é uma revelação de Deus. Calvino
escreve sobre isso em seu comentário sobre Isaías:
4 4 «-* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

Quem era aquele Deus? João nos diz que era o Cristo, (Jo 12.41) e, justa­
mente, pois Deus nunca se revelou aos pais da igreja primitiva senão em
sua Palavra eterna e em seu Filho Unigênito. Porém, creio que é errado
limitar isso, como alguns o fazem, à pessoa de Cristo... portanto, nessa pas­
sagem, Deus é indefinidamente mencionado, e mesmo assim, é correto
afirmar que Isaías enxergou a glória de Cristo, pois naquele momento, ele
era a imagem do Deus invisível (Cl 1.15).'

Portanto, Isaías 6 é tanto uma revelação do Pai como do Filho.

A MORTE DE UM REI TERRENO


Há um significado profundo no preâmbulo desse capítulo: “ N o ano da
morte do rei Uzias” (Is 6.1a). Conta da morte de um rei terreno que foi
notável e significativo. Ele teve um reinado longo de 52 anos. Isaías já havia
sido chamado para ser profeta, apesar de esse chamado ter sido renovado
nesse capítulo. Portanto, ele havia ministrado durante o reinado de Uzias, e
tem razão em considerar a queda de um homem tão grandioso e as conse­
quências que poderão seguir para o povo de Deus.
Tiglate-Pilser III, o grande rei Assírio, e até certo ponto, imperialista,
havia se erguido e estava ameaçando a existência do reinado do norte, cuja
capital era em Samaria. Isaías está longe de Samaria; ele está em Jerusalém,
no reinado do sul. Mas ele está avisando os reis do reinado do sul sobre a
ameaça que Assíria (e depois Babilônia) emite sobre Jerusalém.
Uzias foi um rei bom até o final, até que ele cometeu uma violação
dos mandamentos de Deus. A história é recontada em 2Crônicas 26. O rei
Uzias usurpou a função do sumo sacerdote, entrando no Santo Lugar e
oferecendo incenso a Deus. Deus o feriu com lepra, e ele viveu o restante
de seus dias em uma colônia para leprosos, nos arredores da cidade.Talvez a
sua família o visitasse e lhe levasse comida, mas não poderiam se aproximar
dele. Foi uma maneira trágica de um grande rei terminar seus dias.
Agora ele está morto. Talvez Isaías estivesse ponderando essas coisas nos
arredores do templo, o mesmo lugar em que o rei havia violado os manda­
mentos de Deus e onde os primeiros sinais da lepra se tornaram evidentes
em sua pele. Então Isaías recebe uma visão gloriosa e terrível de Deus. O
rei mundano está morto, mas o R ei dos reis está muito vivo. O rei mun­
dano está morto, mas Deus está em seu trono.

1C A L V I N Jo h n . C alvin’s Commentaries, v. 2 2 , v.VII: Commentary on the B ook o f the Prophet Isaiah. T rad.W il­
liam P ringle. G ran d R a p id s: B aker, 1981, p. 201.
A SANTIDADE DO PAI NO ANTIGO TESTAMENTO & 4 5

Isaías vê uma aparência de Deus, uma teofania —uma manifestação de


Deus em forma visível. N o templo, Isaías se encontra com Deus, de uma
forma que nunca havia encontrado anteriormente. Imediatamente, ele é
dominado pela absoluta majestade, mistério e imensidade da cena. Deus se
aproxima do profeta para revelar algo sobre o seu caráter, sobre a maneira
como ele é. É uma visão de Deus em sua majestade.
Quatro elementos dessa passagem merecem atenção: primeiro, a visão
da santidade de Deus; segundo, a visão do julgamento de Deus; terceiro, a
visão da graça de Deus; e quarto, o imperativo em Isaías como consequên­
cia de sua visão —a comissão.

SANTIDADE
A revelação de Isaías é recebida tanto na sua visão quanto na sua audi­
ção. Ele escuta o som de serafins cantando o trisagion, “ Santo, santo, santo,
é o S e n h o r dos exércitos” (Is 6.3). O Deus pactuai de Israel, o Deus dos
exércitos, o grandioso Deus, é, nas palavras de Alec Motyer,“ o super super-
lativamente Santo” .2
Santidade, no Antigo Testamento, tem dois significados ou origens. Um
é pureza — clara e brilhante. Outro significado, o mais predominante no
Antigo Testamento, é a ideia de separação. Naquele tempo, muitas coisas
eram classificadas como santas, até mesmo coisas como panelas e tigelas,
colheres, facas, garfos e todo tipo de utensílios de cozinha. Eles eram santos
porque eram usados para propósitos especiais no templo. Não havia nada
particularmente diferente neles, por assim dizer; eram diferentes porque
eram categorizados como “fabricados somente para isso” .
Deus está se revelando aqui em uma categoria diferente. E uma cate­
goria que pertence a ele. E difícil classificar ou categorizar Deus. Falamos
sobre Deus por analogias porque ele é diferente de nós. Ele é o Criador;
nós somos as criaturas. Nós sabemos algumas coisas, mas Deus sabe coi­
sas que são completamente diferentes da maneira que nós sabemos delas.
Nós conhecemos coisas discursivamente. Nós conhecemos algumas coisas
porque racionalizamos de A a B, de C a D. Deus conhece tudo de uma só
vez. Ele é eterno, infinito, imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade,
justiça, bondade e verdade.3 Deus está dando ao seu profeta uma revelação

2M O T Y E R , A lec. L ook to the R ock: A n O ld Testament Background to our Understanding o f Christ. Leicester,
E nglan d: IVP, 1996, p. 67.
3 C atecism o M e n o r de W estm inster, questão 4.
4 6 .<■* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

audiovisual de seu ser, de seu caráter, de sua santidade, de sua separação e


de sua distinção.
Ele faz isso espacialmente. Isaías vê Deus exaltado nos céus. Eu não sei a
altura de Isaías, mas temos que imaginá-lo olhando para cima, tendo essa
visão da santidade e imensidade de Deus. Deus é exaltado nos céus. Essa
é uma maneira de explicar o caráter exaltado de Deus que não está no
mesmo plano que nós.
A revelação de Deus no Antigo Testamento é intimidadora. Há alguma
coisa sobre essa visão que diz que Deus é inacessível. Precisamos nos man­
ter afastados! E na glória do evangelho, no amanhecer do final dos tem­
pos, quando Cristo vier, que poderemos nos aproximar de Deus e chamá-lo
“Abba, Pai” (Rm 8.15; G1 4.6). Nenhum Judeu jamais considerou fazer
isso. Há pequenos vislumbres aqui e ali onde vemos Deus ser chamado de
Pai, mas são raros. Com a vinda do Cristo no Novo Testamento, porém,
há uma revelação muito mais completa e rica de Deus como nosso Pai
celestial. Porém, essa revelação não se encontra aqui. Aqui, a figura de Deus
é intimidadora. Ele está exaltado nos céus. Podemos quase sentir a maneira
como o profeta é esmagado, devido à sua pequenez humana, em comparação
com a grandiosidade e com a impossibilidade de compreensão total de Deus.
A visão é descrita geologicamente. O chão começa a tremer: E os umbrais
das portas se moveram com a voz do que clamava” (v. 4a). Eu experimentei
terremotos duas vezes. Havia algo estranho sobre o prédio estar movendo
vagarosamente de um lado ao outro —tão estranho que nas duas ocasiões
eu senti a necessidade de sair do prédio! Isaías se encontra no que parece
um terremoto e, possivelmente, tem um desejo tão grande quanto o meu
de sair do prédio. Deus é indomável. Quando ele chega, o chão treme.
A visão é descrita de forma sensacionalista também: Isaías não consegue
respirar porque o templo se encheu de fumaça (v. 4b). Enquanto escrevo
essas linhas, a casa de meu vizinho está vazia porque houve um incêndio.
Eu olhei da janela do meu escritório para ver a fumaça negra e o fogo
emergindo de seu telhado. Da mesma maneira, na visão, o templo parece
estar pegando fogo. Deus veio em sua santidade e o prédio está em chamas.
A visão é descrita de maneira psicológica e espiritual. Isaías reconhece
sua incapacidade. Santos serafins, que nunca pecaram e não conhecem
nada sobre culpa estão se cobrindo na presença de Deus (v. 2). Eles têm
seis asas, e eles cobrem suas faces e corpos (cobrir seus pés implica que
seus corpos também estão cobertos). Essas criaturas santas nunca pecaram,
mas eles não conseguem olhar para a presença intimidadora do Poderoso
Deus. A santidade de Deus os leva a se esconderem. Eles são dominados
pela presença de Deus.
A SANTIDADE DO PAI NO ANTIGO TESTAMENTO 47

JULGAMENTO
Há algo intimidador sobre Deus, mesmo para criaturas sem pecado.
Eles devem reconhecer seu lugar como parte de sua criação e se oferecer
para servi-lo com todo seu ser. Com duas asas eles voam, prontos a irem
a qualquer lugar que Deus os mandar. Eles enxergam seu papel como um
serviço. Eles existem para cumprir a sua vontade.
Mas para Isaías é pior, bem pior do que isso. A santidade de Deus para um
pecador significa somente uma coisa —julgamento. Ele clama, “ ai de mim!
Estou perdido! Porque eu sou um homem de lábios impuros e habito no
meio de um povo de impuros lábios” (v. 5). Com certeza não! Isaías? Ele é
um dos profetas mais santos, um homem usado por Deus para pregar a reis
e profetizar sobre a vinda de Jesus. Certamente, Isaías tem os lábios mais
puros de Israel. Então por que ele está dizendo que é “ um homem de lábios
impuros” ? Ele fala sobre si mesmo como “ desfeito” por essa experiência,
pois o olhar de Deus penetrou a sua alma e o rasgou por inteiro. Se isso é
verdade sobre Isaías, que esperança há para o resto de nós?
O pecado tem somente uma resposta - julgamento. E quando vemos
um vislumbre de pecado em nosso coração, a santidade de Deus ameaça se
desconectar de dentro de nós. Essa foi minha experiência no fmal de 1971
quando li a Bíblia pela primeira vez. Eu nunca havia considerado quem
Deus era de uma forma séria, mas quando o examinei à luz da sua revela­
ção nas Escrituras, eu também fui desfeito. Eu me conheci como pecador
e, fora da graça, merecedor somente de condenação e inferno. Santidade
faz isso.
A igreja tem perdido de vista a santidade de Deus. Para muitas pessoas,
Deus é um pouco como “Jeeves” nos livros de P. G.Wodehouse —um servo
um tanto quanto excêntrico, pronto a fazer a nossa vontade. Deus não é
Papai Noel. Ele não é um avô bondoso que nos dá presentes. O Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo se revela de tal forma que a única resposta
que o profeta consegue nos dar é, “ ai de mim! Estou perdido! Porque eu
sou um homem de lábios impuros” .
E muito interessante que Isaías menciona seus lábios. Afinal de contas, ele
é alguém que depende da fala para sua sobrevivência. Ele percebe seu maior
pecado onde ele tem a sua maior utilidade. Isso é a verdade de todos nós.
Nossos atos mais pecaminosos geralmente são no chamado que Deus nos
deu. N o ponto de maior graça, nós enxergamos a nossa maior ingratidão.
Eu me pergunto se você conhece alguma coisa sobre o seu pecado. Ele
te perturba suficientemente para que você queira correr da presença de
Deus e dizer “ todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças,
4 8 «f A BELEZA E A GLÓRIA DO P A I

como trapo da imundícia” (Is 64.6)? Lembre, Isaías fez essa descoberta
como um crente que havia estado a serviço de Deus por alguns anos! Sin­
clair Ferguson escreve: “Alguns cristãos nunca parecem fazer essa desco­
berta sobre si mesmos. Eles nunca são trazidos para o lugar onde eles veem
que é em seus ‘pontos fortes’, ou ‘qualidades’ e ‘dons’ que necessitam mais
da purificação de Deus. Nenhuma descoberta pode ser mais devastadora.
E se a percepção da presença do Deus Santo fiz er alguma coisa, ela devasta um
homem ou mulher”.* Você sabe alguma coisa dessa devastação? Você já expe­
rimentou a santidade de Deus dessa maneira?

GRAÇA
Na mesma hora em que Isaías reconhece a sua miséria, há uma de­
monstração extraordinária de graça —e graça sempre é extraordinária! Um
serafim é visto voando com uma brasa viva (Is 6.6), uma brasa que ele tirou
do altar do sacrifício, onde vítimas são mortas e queimadas como ofertas.
É necessário que notemos que Isaías 6 começa e termina com morte,
o que chamamos inclusio. O capítulo começa com a morte de Uzias e
termina com a figura de uma árvore abatida. E uma árvore morta. Dessa
morte virá vida. Perceba também que a brasa viva do altar nos lembra a
morte —a morte de uma vítima sacrifical, um substituto que se deparou
com a santidade de Deus e morreu. Em uma demonstração gráfica da
expiação e justificação, uma brasa viva toca os lábios de Isaías - o mesmo
lugar onde ele expressou o seu pecado.
Quando você se sente condenado, quando você se conscientiza de ter
quebrado a lei de Deus, e quando você é desequilibrado pela realidade de
sua santidade, pureza, justiça, soberania e distinção completa de você, que
coisa gloriosa saber que há perdão nele, e que ele seja temido!
Martinho Lutero, ao descrever sua própria narrativa sobre uma conversa
surpreendente, disse: “Eu sinto como se tivesse sido dissolvido na presença
de Deus” . Quando isso acontece com Isaías, Deus se aproxima com uma
palavra de perdão, lhe encosta os lábios, e diz, “ Eis que ela tocou os teus
lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado” (v. 7).
O que é preciso para perdoar pecado? Deus não poupa seu próprio
Filho, mas o oferece gratuitamente como sacrifício por nós, em nosso lu­
gar. Nicholas Wolterstorff, um filósofo cristão, escreveu um pequeno livro,
Lamentfo r a son, após seu filho ter morrido em um acidente de escalada. Ele
tinha pouco mais que 20 anos. Wolterstorff descreve isso no livro. Quando

4 F E R G U S O N , Sinclair. A H eart fo r G od. E d im b u rg o : B an n er o fT ru th , 1987, p. 87.


A SANTIDADE DO PAI NO ANTIGO TESTAMENTO 49

ele falou a um público, alguém lhe perguntou: “ Como deveriamos te apre­


sentar?” Wolterstorff diz, “ sou um pai que perdeu um filho” . Ele diz que
essa perda o define. Não passa um dia que ele não pense assim de si mesmo
—um pai que perdeu um filho.5
Nosso Pai celestial, em um sentido, perdeu um Filho. Ele sabe o que
significa perder um Filho Unigênito. Jesus clamou: “Deus meu, Deus meu,
por que me desamparaste?” (Mc 15.34). Nesse clamor de abandono na cruz,
Jesus não disse:“Pai meu, Pai meu” ; mas:“Deus meu, Deus meu” . Foi como
se a sua segurança filial, nativa, tivesse sido obliterada por causa do pecado e
da culpa que lhes foram imputadas. A única coisa que ele tinha consciência
naquele momento era de ser o maior pecador que o mundo jamais havia
visto. Ele estava consciente de estar no lugar dos perversos —amaldiçoado,
abandonado e desamparado. Deus não o poupou, mas o entregou gratuita­
mente em nosso lugar. Não interprete a expiação como se Jesus estivesse re­
lutante contra o Pai celestial. Isso é uma atrocidade! Esse não é o evangelho;
essa não é a expiação das Escrituras. Deus amou o mundo de tal maneira que
entregou seu Filho Unigênito. Esse santo Pai, esse Deus reto, esse Ser puro
que não consegue olhar o pecado, entrega ao profeta essa figura de expiação.

COMISSÃO
Seguindo a visão, Deus chama o profeta para lhe servir, dizendo:
“A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” .A resposta de Isaías é imediata
e definitiva: “ eis-me aqui, envia-me a mim” (v. 8). Esse não é o primeiro
chamado que Isaías recebe. E concedido a ele um vislumbre do evangelho
de uma forma nova, e a visão disso o compele ao ministério com zelo e
convicção renovados. E necessário que experimentemos o evangelho to­
dos os dias. E necessário que preguemos o evangelho todos os dias.
Mas qual é o chamado de Isaías? A santidade de Deus o compele a fazer
o quê? A resposta é tanto humilhante quanto perturbadora. Ele é enviado à
Missão ImpossíveLVemos isso nos versículos 9-13:“Vai e dize a este povo...” .
Dizer-lhes o quê? Efetivamente, Deus diz a ele: “ Isaías, eu vou te chamar
para ser o pregador mais bem sucedido que o mundo jamais viu, e deze­
nas de milhares, não, milhões de pessoas virão para te ouvir. Você será um
tele- evangelista, e sua face será transmitida ao redor do mundo. Você terá
sucesso como você nunca imaginou” .
Obviamente, o chamado de Deus não tem nada a ver com isso. Sua
missão será totalmente infrutífera. Esse é um tempo de julgamento na

5W O L T E R S T O R F F , N ich o las. L am en tfor a Son. G ran d R ap id s: Eerdm ans, 1987.


5 0 # A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

história de Israel. Assíria virá, e depois da Assíria, a Babilônia, e depois, o


exílio. Haverá duzentos anos, e mais, dias sombrios, e então, mesmo após
o exílio, ainda será um dia de coisas relativamente pequenas. Apesar de o
povo reconstruir o templo, não será o mesmo de antes. A Arca da Aliança
não estará mais lá. O próprio símbolo da presença de Deus se perderá.
Haverá dias sombrios adiante, e Isaías é chamado para proclamar uma
mensagem que diz: “Você não terá muito sucesso” . Imagine isso. Imagine
ser chamado para proclamar uma mensagem, sabendo antecipadamente
que sua mensagem não terá sucesso. Só irá confirmar o povo em sua tei­
mosia voluntária de descrença. Mas Deus não nos chama para ter sucesso;
ele nos chama para sermos fiéis.
“ Quem irá por nós?” . Quem quer a comissão de Deus? Quem quer seu
chamado? Quem quer passar o resto da vida fazendo o mesmo que Isaías?
Isaías diz:“ eis-me aqui, envia-me a mim” .
Para onde Deus está chamando você? O que Deus está chamando você
para fazer? Você já experimentou o amor santo do Pai e a expiação que cus­
tou a morte de seu Filho, um custo inimaginável! Para onde ele está te cha­
mando, e onde você está indo em sua casa, em sua família, com suas crianças,
em sua vocação, na sua igreja? Você está preparado para dizer, “ eis-me aqui,
envia-me a mim, eu o farei, eu irei” ?
CAPÍTULO 4

A misericórdia do Pai
W illiam VanDoodewaard

“Bendito o Deus e Pai de nosso SenhorJesus Cristo, que, segundo a


sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante
a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança
incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros
que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação
preparada para revelar-se no último tempo. ”
1Pedro 1.3-5

ocê já se sentiu desencorajado, com medo ou sozinho em sua vida


cristã? A epístola de Pedro foi escrita a um povo enfrentando desâ­
nimo sob a pressão de hostilidade e perseguição - “ aos estrangei­
ros [ou ‘exilados’] dispersos no Ponto...” (lPe 1.1). Por que eles os chamou
de estrangeiros ou exilados? Porque seus vizinhos, colegas de trabalho e
sociedade à volta achavam estranho que os cristãos não os acompanhassem
em suas buscas por luxúria, embriaguez, festas selvagens e idolatrias. Eles
falavam mal dos cristãos porque eles não os acompanhavam nessas coisas.
Eles falavam mal de Cristo, de Deus. A essas pessoas o apóstolo escreve:
“mas, se sofrer como cristão, não se envergonhe disso” (4.16).
Nosso grande Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, fornece encorajamento
profundo por meio do apóstolo Pedro a um povo exilado e desencorajado —
um povo “por breve tempo... contristados por várias provações” (1.6) —em
1 Pedro 1.3-5. Essa passagem nos dá soluções a medos e pressões através da
mudança do nosso foco para ver, conhecer e adorar o Deus Pai ao conhecê-
-lo melhor, e saber o que ele fez e está fazendo em sua grande misericórdia
por nós.Vemos isso em duas partes: primeiro, no que o Pai fez por nós e por
que (v. 3-4) e, segundo, no que o Pai está fazendo por nós e por quê (v. 5).
5 2 <# A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

O QUE O PAI FEZ POR NÓS (1PE 1.3-4)


Nesses versículos, Pedro está exultante em adoração e louvor a Deus o
Pai, entusiasmado com amor e gratidão. Ele está exultante com gratidão:
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” . Por que o cora­
ção de Pedro está cheio de adoração? E porque Deus o Pai, em sua miseri­
córdia abundante, deu nova vida e novo status em Cristo a ele e aos crentes
a quem está endereçando a sua mensagem. Deus o Pai tem agido “segundo
a sua grande misericórdia” . Como? Ele “ nos regenerou” , ou, para colocar
em uma linguagem mais atual, tem “promovido o nosso novo nascimento” .
João Calvino comenta que todos nós somos “ filhos nascidos da ira” ; porém,
em grande misericórdia, o Pai nos “renasce” através de sua Palavra e Espí­
rito, em e através de seu Filho unigênito, para que nos tornemos filhos dele.
Os termos “ gerou de novo” e “nascido” implicam filiação. Eu e você fomos
nascidos como filhos de pais que nos geraram. Que mistério, que transfor­
mação e bênção que a Palavra de Deus declara aqui! E o privilégio de ter
sido gerado como filho de Deus, quando ainda éramos criaturas rebeldes!
Outra palavra que as Escrituras usam para descrever nosso status de
“ renascimento” como filhos do Pai é “ adoção” ; Romanos 8.14-16 usa o
termo “ adoção” ao descrever o fruto de ser “ gerado novamente” pelo Es­
pírito de Deus. Paulo declara que o novo nascimento pelo Espírito não
somente nos traz de volta à presença, comunhão e paternidade de Deus,
mas por meio dele, somos transformados em filhos de Deus: “Pois todos
os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porque não
recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados,
mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” .
Nós nos tornamos filhos de Deus, para que agora venhamos a conhecer,
amar, obedecer e honrar Deus o Pai como o nosso Pai. Como seus filhos,
podemos clamar a ele:“Abba, Pai; querido Pai!” . Que mudança radical no
relacionamento! Nós, todos os crentes, estávamos condenados, como pe­
cadores mortos, criminosos, encarando a justiça santa de Deus. Mas agora,
você e eu, nascidos de novo em Cristo, somos filhos de Deus o Pai. Temos
sido trazidos pelo Deus trino, por meio da expiação de Jesus, para parti­
cipar do relacionamento de Jesus com o Pai para sempre! Então, povo de
Deus, Deus o Pai é o seu Pai. Ele é perfeitamente gentil e piedoso, mesmo
conhecendo as suas fraquezas. Seu Filho unigênito, Jesus Cristo, é o seu
irmão mais velho. Tudo isso aconteceu pela sua obra como Mediador per­
feito e eterno Sumo Sacerdote.
Por que Deus nos fala isso em sua Palavra? Por que ele está nos dizendo
isso? Ele quer que o conheçamos e nele confiemos e nos deleitemos como
A MISERICÓRDIA DO PAI 53

nosso Pai! Seu coração ressoa com isso? Você vive consciente, em admi­
ração e louvor como filho, de Deus o Pai como seu Pai? Se você está em
Cristo, isso é seu: Deus o Pai é seu Pai. Junte-se a Pedro, regozijando-se e
adorando —vocês são filhos do Pai.
Não permita que o pecado entristeça o seu coração e mente para
pensar pensamentos mesquinhos dele quando ele é o Pai da misericórdia
abundante! Não deixe o pecado aborrecer você, te separando do Pai que
o “regenerou” , que fez com que nascesse de novo. Não desculpe uma falta
de comunhão íntima com seu Pai celestial, usando de falsa humildade,
como se a sua indignidade fosse uma barreira impossível de transpor: seu
Pai lhe tem dado gratuitamente um custo infinito. Ele tem feito tudo para
a sua salvação e bênção infinita por meio do presente de seu Filho eterno,
tem feito de tudo para arrancar a barreira de seu pecado e, como seu Pai,
ele gratuitamente liberou tudo o que você necessita para ter uma doce
comunhão com ele.
Ao mesmo tempo, se, ao pensar na sua vida passada, você percebe que
nunca conheceu o Pai como seu Pai, que você nunca se encheu de amor
e admiração por ele, então você precisa desesperadamente alinhar a sua
vida e teologia com a sua Palavra.Você precisa se aproximar de Cristo para
receber graça e vida, um novo nascimento. É o deleite de Cristo, assim
como seu ministério e missão soberana, redimir e salvar homens, mulheres
e crianças da alienação do pecado para um novo nascimento, para ver a
vida como filhos do Pai. Ele nos traz a conhecer o Pai —assim como ele faz
com sua Palavra em 1 Pedro.
E essa conexão com o Pai, por e em Cristo, que Pedro declara a nós
como povo de Deus na segunda parte do verso 3:“Deus e Pai... nos regene­
rou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre
os mortos” . Nosso novo nascimento, nossa vida como filhos de Deus, é
resultado da morte e ressurreição de Jesus. Vocês que são mães sabem, pela
experiência, e pais, pela observação, que dar à luz custa caro. E um sacrifício
tremendo de vida, energia e esforço. E doloroso e difícil —agonizante. Nas­
cimento envolve sofrimento e derramamento de sangue. Talvez essa seja a
ilustração terrena mais próxima sobre o custo de nascer de novo.
Deus o Pai, que possibilitou o nosso renascimento, fê-lo sabendo que o
nosso renascimento e adoção não seria barato. Foi infinitamente mais caro
que o nascimento humano. Nós fomos comprados com o preço de san­
gue, com os sofrimentos de ira, na morte do eterno, unigênito Filho do
Pai! Como crentes, nós fomos nascidos na vida nova mediante a agonia do
sofrimento de Cristo: seu derramamento de sangue. E o poder de Deus
que nos fez renascer, que nos sustenta na nova vida, vivendo e crescendo
5 4 «g# A B E L E Z A E A GLÓRIA DO PAI

como filhos do Pai, é o mesmo poder pelo qual Jesus foi ressurreto de
dentre os mortos.
A ressurreição de Jesus é prova da realização de seu sacrifício pelos
nossos pecados, e também mostra o poder que ele tem para salvar e pre­
servar, para santificar e glorificar; um poder dado a ele pelo Pai. Como
diz em Apocalipse 5.12, “ Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber
o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de
graças” . lCoríntios 1.24 nos diz: “ Cristo, poder de Deus e sabedoria
de Deus” . Deus dá “ a suprema grandeza do seu poder para com os que
cremos” (Ef 1.19). E essa expiação invencível —o poder da ressurreição
seladora de Jesus Cristo e de Deus o Pai que nos gerou, promovendo
sermos “ nascidos de novo” , para uma vida nova e eterna como filhos de
Deus! O Espírito nos diz pela Palavra que é isso que dá uma esperança
viva ao cristão —uma confiança viva, uma fé viva em Deus como nosso
Pai, contentamento na certeza de suas promessas e uma esperança certa
para o futuro, uma esperança que é viva.

POR QUE O PAI FEZ ISSO?


A segunda bênção que Pedro descreve é uma herança futura que
Deus providenciou para nós como seus filhos: “ herança incorruptível,
sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros” (v. 4). Nós
somos nascidos de novo, feitos filhos do Pai, para um propósito glorioso.
Vimos que somos nascidos de novo não somente para uma “ esperança
viva” , mas também “ a uma herança” . Relembre o contexto dos primei­
ros destinatários dessa carta: eles estavam espalhados e perseguidos, e sua
perseguição muitas vezes incluía a perda de trabalho, dificuldades finan­
ceiras e pobreza. Agora eles recebem a notícia que os lembrava que eles
vão receber uma herança.
O que é essa herança? O verso 5 nos dá alguma direção: nossa herança
como filhos de Deus é relacionada à “ salvação já prestes para se revelar no
último tempo” . As Escrituras, muitas vezes, falam da herança dos filhos de
Deus. O Senhor disse a Arão em Números 18.20, “ Na sua terra, herança
nenhuma terás e, no meio deles, nenhuma porção terás. Eu sou a tua por­
ção e a tua herança no meio dos filhos de Israel” . Nesse papel sacerdotal,
Arão enxergou a herança melhor que estava por vir.
O livro de Apocalipse, talvez mais do que qualquer outro livro do Novo
Testamento, descreve a herança dos filhos do Pai. Nossa é a nova Jerusalém,
a cidade celestial, e o novo céu e a nova terra, mas acima de tudo, central a
tudo, a nossa herança é o Senhor, assim como foi a de Arão. O ponto crucial,
A MISERICÓRDIA DO PAI 55

a essência da nossa herança, é Deus em Cristo —estar em perfeita comunhão


com ele, sem pecado, habitando em sua presença, vendo-o face a face.
Mediante a inspiração do Espírito, Pedro descreve a natureza de sua
herança:

Incorruptível / imperecível
Não passa da validade ou repentinamente se perde, como é possível com
uma herança na terra. Antes da grande queda do mercado de capitais de 1929,
várias famílias haviam investido suas heranças de maneiras que pensavam ser
seguras; suas esperanças e seguranças estavam baseadas em algo que, repenti­
namente, se revelou perecível. Foi subitamente tirado deles. Aconteceu quase
o mesmo com a minha bisavó na Holanda: ela era dona de imobiliária na
cidade de Roterdã, antes da Segunda Guerra Mundial. A guerra veio; a força
aérea da Alemanha bombardeou grande parte da cidade, destruindo sua ri­
queza e herança, deixando-a uma mulher vazia e amarga. Seu coração estava
fundamentado em uma vida com herança terrena que fora destruída. Mas
Deus nos diz aqui, em sua Palavra, que nós nascemos de novo para obter nma
herança que é imperecível. Não perecerá porque é guardada pelo Pai.

Sem mácula
Algumas heranças mundanas são obtidas e mantidas pelo pecado; elas
são inerentemente corruptas e corruptíveis. Mas a herança dos filhos do
Pai é uma herança perfeita. Ela não é manchada pelo pecado. E boa e santa
porque é o tesouro, o presente do santo Deus, que a está guardando em um
lugar sagrado.

Imarcescível
Assim como é imperecível, nossa herança como filhos do Pai não irá
desvanecer. Ela não irá desaparecer vagarosamente por meio do tempo ou
pela eternidade. Nós não vamos usá-la somente até o seu vencimento. Ou­
tros não vão poder usá-la. Algumas vezes nesse mundo, heranças são gastas
por taxas jurídicas quando famílias brigam por ela. A nossa herança não é
assim. Como seus filhos, nós apreciaremos as grandes riquezas de nosso Pai
celeste para sempre —sem nunca diminuírem.

Reservada nos céus para você


Nossa herança está pronta, ela está nos esperando. E na morte, no ponto
de conclusão dessa peregrinação terrena como um estranho no mundo,
que o crente chega à casa e recebe a totalidade da herança. Nós recebe­
mos vislumbres e pequenos “tira-gostos” da herança nesse mundo, porém,
5 6 «f A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

como diz em lCoríntios 2.9, “ Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram,
nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para
aqueles que o amam” ; a herança está pronta e nos esperando, sendo guar­
dada por Deus para nós, até o dia em que estaremos diante dele.
O ensinamento da Palavra de Deus aqui em 1 Pedro faz paralelo com
o Antigo Testamento. Quando Deus fez dos antigos israelitas seus filhos
— trazendo-os a um relacionamento pactuai consigo mesmo — ele lhes
prometeu uma herança. Para a nação de Israel, essa herança era a terra
prometida de Canaã: uma terra fértil e linda. Em um sentido tangível e
imediato, Canaã foi a herança dada por Deus para eles, apesar de Hebreus
nos dizer que os crentes fiéis de Israel sabiam que mesmo a herança de
Canaã era somente uma figura terrena de uma realidade melhor que estava
por vir. A medida que viam Canaã, desejavam mais e mais a sua herança
celestial em Cristo (Hb 11).
Da mesma forma como os santos do Antigo Testamento, nós desfrutamos
de experiências mundanas, tangíveis, pequenos “tira-gostos” da herança por
vir. Para nós, na era do Novo Testamento, esses tira-gostos não são na terra de
Canaã ou na cidade de Jerusalém da Palestina, mas na igreja de Cristo, na co­
munhão com Deus em Cristo e com seus santos. Adoração em comunhão,
o batismo, a ceia do Senhor e a comunhão espiritual com o próximo, todos
antecipam e demonstram a completude de nossa herança que está por vir.
Essas são partes da bondade do Pai para conosco como seus filhos. São
encorajamentos, assim como ele nos encoraja na sua Palavra. Nós, como
filhos do Pai, somos nascidos de novo para receber uma herança segura que
é imperecível e imaculada, que não se desvanecerá e que está reservada nos
céus para nós. Deus é pessoal e direto em sua Palavra.
Caros santos, caros filhos do Pai, isso está reservado nos céus para vocês.
É isso o que o Pai fez para você, seu propósito maravilhoso, sua intenção e
objetivo. Mas ouça enquanto o Senhor fala um pouco mais pelo seu apóstolo.

O QUE O PAI ESTÁ FAZENDO POR VOCÊ (1PE 1.5)


Para aqueles que estão “ guardados pelo poder de Deus, mediante a fé,
para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (lPe 1.5), o Pai
está fazendo algo estupendo.
Talvez pensemos: “Bom, a herança é guardada por Deus, é uma herança
segura, permanente, eterna - mas e se eu falhar na qualificação para a he­
rança no final? E se, por causa do meu pecado, das minhas falhas, eu for
considerado desqualificado perante Deus?” . Ou talvez, como foi o caso
dos crentes aqui na nossa passagem, espalhados pelo Ponto, pela Galácia,
A MISERICÓRDIA DO PAI «# 57

Capadócia,Ásia e Bitínia,“E se as perseguições se tornarem tão severas que


eu não aguente, que eu fracasse, e termine sendo infiel a Deus?” .
Pedro já nos mostrou que Deus o Pai foi quem promoveu o nosso novo
nascimento em Jesus Cristo. Não somos salvos por causa de nossas próprias
ações, mas somente mediante a graça de Deus. E aqui vemos que a nossa
preservação e proteção como filhos do Pai é seu trabalho, o trabalho de
Deus! Ele susterá seus filhos, preservando-os na fé em Cristo durante a
vida e a morte, até que eles entrem na glória celestial.
Na última parte de Romanos 8, nós vemos essa mesma verdade sobre a
proteção poderosa dos filhos do Pai declarada maravilhosamente de outra
maneira: “ nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura
poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Se­
nhor” (v. 39). Esse versículo ecoa em muitos sumários de verdades bíblicas
encontrados nos credos e nas confissões das igrejas presbiterianas e refor­
madas. A resposta à primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg diz:
“Agora ele me protege de tal maneira que, sem a vontade do meu Pai do
céu, não perderei nem um fio de cabelo. Além disto, tudo coopera para o
meu bem” . A Confissão de Fé de Westminster diz: “ Os que Deus aceitou
em seu Bem-amado, os que ele chamou eficazmente e santificou pelo seu
Espírito, não podem decair do estado da graça, nem total, nem finalmente;
mas, com toda a certeza hão de perseverar nesse estado até o fim e serão
eternamente salvos” (17.1). Note, como filho do Pai, você é mantido e
preservado pelo poder do Pai.
Qual é a coisa mais poderosa que você consegue imaginar? Um jato de
combate? Um porta-aviões movido a energia nuclear? Um terremoto? O sol,
que aquece o nosso planeta? Esses são poderes criados. Considere o poder
criativo e redentor de Deus! Não há maior poder do que o de Deus —seu
poder é infinito e eterno. 2Pedro 3.7-13 diz:“ Ora, os céus que agora existem
e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados para fogo, estando reser­
vados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios... os céus passarão
com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a
terra e as obras que nela existem serão atingidas... Nós, porém, segundo a
sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” .
Naquele dia, ninguém será capaz de permanecer em pé diante do completo
poder de Deus —e esse é o poder com que o Pai guarda os seus filhos!

POR QUE O PAI ESTÁ FAZENDO ISSO POR VOCÊ?


Através de seu poder, Deus está preservando o universo para aquele
dia final, assim como, também pelo seu poder, ele está nos preservando
58 A BELEZA E A GLÓRIA DO P A I

e protegendo, nós, seu povo, para aquele dia, quando a plenitude da sua
salvação será revelada: “ que sois guardados pelo poder de Deus, mediante
a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (lPe 1.5).
Nosso Pai celestial está fazendo isso para a realização completa da nossa
salvação —nossa restauração, glorificação, segurança eterna, a nova terra e
novos céus, onde iremos viver e nos deleitaremos para sempre na presença
do Senhor, em comunhão doce com o Pai, o Filho e o Espírito Santo!
Irmãos e irmãs no Senhor, vocês estão regozijando e descansando no
trabalho salvador de Deus em Jesus Cristo? Vocês amam o seu Pai celes­
tial? Vocês estão cheios de gratidão ao considerarem a sua vida nova como
filho do Pai, sua herança segura e certa como filho do Pai, e sua proteção
poderosa como filho do Pai? Seu coração clama: “ Pai nosso que estais nos
céus, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino, seja feita a tua
vontade, assim na terra como nos céus” ?
Amigos, se vocês estão separados de Cristo, não vivendo pela fé nele,
você leu sobre o que o povo de Deus possui. Eles são filhos do Pai. E é para
isso que o evangelho de Jesus Cristo lhe convida: para mudar a sua posição
de inimigo de Deus para se tornar filho de Deus, por causa e por meio da
morte e ressurreição de seu Filho eterno. Mediante a graça de Deus, venha a
Deus em Cristo para que você se junte a nós, com Pedro e a igreja de todos
os tempos dizendo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que,
segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança...
para uma herança... guardados pelo poder de Deus... para a salvação” .
Irmãos e irmãs em Cristo, estando tão seguros, tão abençoados com
uma herança sublime, e trazidos a um relacionamento com o Pai por meio
do Filho, recipientes de uma nova vida como filhos de Deus o Pai, e tudo
isso por causa da misericórdia do Pai — como então deveriamos viver?
Como o apóstolo Pedro, nós devemos romper em adoração e reverência a
Deus o Pai, cheios de amor entusiasmado e grato. Deixe a adoração ao seu
nome fluir de seu coração, de seus lábios: “ Santificado seja o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo!” .
CAPÍTULO 5

Richard Sibbes sobre a misericórdia


e fidelidade do Pai
Paul Sm alley

“Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor


Jesus Cristo. Bendito seja o Deus e Pai de nosso SenhorJesus Cristo, o
Pai de misericórdias e Deus de toda consolação!... Antes, como Deus é
fiel, a nossa palavra para convosco não ê sim e não. ”
2Coríntios 1.2-3,18

ichard Sibbes (1577-1635) foi um pregador poderoso conhecido

R por sua vida doce e piedosa.1 Seu ministério ocorreu nas primeiras
três décadas e meia do século XVII. Ele treinou muitos ministros
puritanos. Após sua morte em 1635, Izaac Walton escreveu:

Sobre esse homem bendito, deixe somente esse louvor ser dado,
O céu esteve nele, antes que ele estivesse no céu.2

1Para saber sobre a vida e teologia de R ic h a rd Sibbes, veja D E V E R , M ark E . Richard Sibbes: Puritanism and
Calvinism in Late Elizabethan and Early Stuart England. M aco n , G a.: M ercer U niversity Press, 2 0 0 0 ; R O O Y ,
Sidn ey H . “ R ic h a rd S ib b e s:T h e T h e o lo g ic al F oundation o f the M ission ” . In: TheTheology ofM ission in the
PuritanTradition:A Study ofRepresentative Puritans:Richard Sibbes, Richard Baxter,John Eliot, Cotton Mather, and
Jonathan Edwards. G ran d R ap id s: Eerdm ans, 1965, p. 15-65. Para dissertações e teses relacionadas a Sibbes,
veja F A R R E L , Frank E . “ R ic h a rd Sibbes: A Study in Early Seventeenth C en tu ry English P uritanism ” .
P h D diss., U n iversidade de E d im b urgo , 1 9 5 5 ;A F F L E C K ,B e r t,Jr . “ T h e T h e o lo g y o f R ich ard Sibbes, 1577-
1635” (PhD d iss.,D rew University, 1969); H arold P. Shelly,“ R ic h a rd Sibbes: E arly Stuart Preacher o f P iety”
(PhD diss., Tem ple University, 1972); B eth E Tum bleson, “ T h e B rid e and B rid e g ro o m in the W ork o f
P âch ard Sibbes, E nglish P uritan ” .Tese M A ,T rin ity Evangelical D ivin ity S ch ool, 1 9 8 4 ;W E IS IG E R , C ary
N . “ T h e D o c trin e o f the H o ly Spirit in the P reaching o f R ic h a rd Sibbes” . P h D diss., Fuller T h eo lo g ical
Sem inary, 1984; W O N , Jo n ath an Jo n g - C h u n .“ C o m m u n io n w ith C hrist: A n E xp o sitio n and C o m p ariso n
o f the D o c trin e o f U n io n and C o m m u n io n w ith C h rist in C alvin and the English Puritans” . P h D diss.,
W estm inster T h eo lo g ical Sem inary, 1989, p. 1 3 2 - 1 7 8 ;B E C K , Stephen P.“ T h e D o ctrin e o f Gratia Praepa-
rans in the So terio lo g y o f R ic h a rd S ibbes” . P h D diss.,W esm inster T h eo lo g ical Sem inary, 1994; W IL L IA M S,
Je an D. “ T h e P uritan Q u est fo r E n joym en t o f G o d ” . P h D diss., U niversity o f M elbou rn e, 1997.
2 C itad o em M A R T I N , Stapleton. Iz a a k Walton and H is Friends. L ondres: C h ap m an & H all, 1903, p. 174.
6 0 ■<* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

Seus livros foram muito populares. David Masson escreveu: “Do ano
1630 em diante, mais ou menos uns vinte anos, nenhuma obra literária
sobre teologia prática parece ter sido tão Hda entre a classe média piedosa
inglesa como os de Sibbes” .3 Os sete volumes dos trabalhos de Sibbes, edi­
tados no século X IX por Alexandre Grosart, receberam nova impressão e
estão disponíveis hoje.4
Ao considerarmos a beleza e glória do Pai celestial, nosso objetivo aqui
será ouvir Sibbes sobre o assunto da misericórdia e fidelidade do Pai. Apesar
de eu retirar trechos de vários sermões e obras literárias, nossa fonte prin­
cipal será a exposição de Sibbes de 2Coríntios l ,5 especialmente a sua ex­
posição dos versículos 2-3 e 18, “graça a vós outros e paz, da parte de Deus,
nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Bendito seja o Deus e Pai de nosso
Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação!...
Antes, como Deus é fiel, a nossa palavra para convosco não é sim e não” .
Organizarei os ensinamentos de Sibbes sobre misericórdia divina atra­
vés de três descrições de Deus nas Escrituras: O Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o Pai de misericórdia e o Deus que é verdadeiro.

O PAI DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO


Nós nos aproximamos do Pai por meio de Cristo no Espírito.6 O
evangelho é cheio da doutrina da Trindade. Paul Schaeffer escreve que a

3 M A S S O N , D avid. The L ife o /Jo h n Milton. B o so n : G o u ld and L in coln , 1 8 5 9 ,1 :4 0 6 .


4 G R O S A R , A lexan der B ., org. Works o f Richard Sibbes, 7 vols. 1 8 6 2 -1 8 6 4 ; repr., E n d im b u rg o: B an n er o f
Truth , 2 0 0 1 . C itarei Works através das ediçõ es d o sécu lo X V II para referencia facil. D e v er nota: “ A o lon go
da leitura de vários serm ões dos textos do sécu lo dezessete, fic o u aparente qu e G rosart foi quase inteira­
m en te preciso em sua edição coletada” ( D E V E R . Richard Sibbes, p. 8).
5 S IB B E S , R ich ard . Learned Commentary or Exposition upon the First Chapter o f the Second Epistle o f S. Paul
to the Corinthians. L ondres: p o r J . L . para N . B . , 1655. Veja Works, v. 3. O u tros textos p o r Sibbes citados
nesse trabalho sao T he Bruised R eede and Smoaking Flax. L ondres: para R . D aw lm an , 1630; T he Christians
Portion, or,The Charter o f a Christian... Corrected and Enlarged. L ondres: p o r J.O . para Jo h n R o th w e ll, 1638;
A n Exposition o f theThird chapter o f the Epistle o f Saint Paul to the Philippians [etc.]. L ondres: Peter C o le , 1647;
T he Glorious Feast o f the Gospel. L ondres: para Jo h n R o th w e ll, 1650; A Heavenly Conference between Christ
and M ary after His Resurrection. L ondres: Jo h n R o th w e ll, 1654; Light from Heaven. Londres: p o r E . P urslow
para N . B o u rn e , 1638; T he Returning Backslider, or,A commentarie upon the W hole X III Chapter o f the Prophecy
o f the Prophet Hosea. L ondres: p o r G .M . para G e o rg e E dw ards, 1639; The Saints Cordiais. L on d res: R o b e r t
D a w le m a n , 1629; T he Saints Safetie in Evill Times. Londres: p o r M . Flesher para R . D aw lm an , 1633; e “ To
the R e a d e r ” . In: B A Y N E S Paul. A Commentarie upon the First Chapter o f the Epistle o f Saint Paul, Written to
the Ephesians. L ondres: p o r T h o m a s S n o d h am , para R o b e r t M ilbovrne, 1618.
6Para m ais detalhes sobre a d outrina da obra do E spírito San to nos crentes, veja B E E K E ,Jo e l R . “ R ich a rd
Sibbes o n E n tertain in g the H o ly S p irit” . In: B E E K E , Jo e l R . e P IP A ,Jo sep h A ., Jr, orgs. The Beauty and
Glory o f the Holy Spirit. G ran d R ap id s: R e fo rm a tio n H eritage B o o k s, 2 0 1 2 , p. 2 2 7 - 2 4 5 ;W E I S I G E R .“ T h e
D o ctrin e o f the H o ly S pirit in the P reach ing o f R ic h a rd Sib b es” .
R I C H A R D S IB B E S S O B R E A M I S E R IC Ó R D I A E F ID E L I D A D E D O P A I <e* 6 1

doutrina de Sibbes sobre a salvação é “ teocêntrica e trinitária” .7 Sibbes


disse que “ Nossa redenção é fundada sobre o acordo de todas as três pes­
soas da Trindade” .8 Deus o Pai é a fonte, Deus o Filho é o canal, e Deus o
Espírito é o vapor.9 É necessário que busquemos o Pai através do Filho, ou
nós não conseguiremos buscar o Pai.
Deus é o Pai de Cristo de forma única. O Cristo ressurreto disse a
Maria Madalena em João 20.17:“Não me detenhas; porque ainda não subi
para meu Pai, mas vai ter com os meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu
Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” . Cristo fez uma distinção
entre a sua filiação e a nossa filiação: Ele disse, “meu Pai e vosso Pai” , não
“ nosso Pai” . Sibbes explica dessa maneira: “Deus é o Pai de Cristo desde a
eternidade... Cristo está no mesmo pé de igualdade com o Pai em glória
e majestade” . O Pai e o Filho possuem uma e a mesma essência. Sibbes
diz: “Deus é seu Pai de uma maneira diferente da nossa. Ele é seu Pai por
natureza, e nosso Pai por adoção” .10
Ele escreveu: “Ele é o Deus e Pai de Cristo em primeiro lugar, e depois
o Pai de misericórdia e o Pai de conforto.Tire-o dessa ordem e pense nele
não como o Deus de conforto, mas como um fogo consumidor” .11 Ele
disse: “Ele é santidade e pureza... Nós não conseguimos suportar a pureza
da majestade do Pai” .12
O Pai santo predestinou seu Filho para ser o Mediador, predestinou
seu povo eleito para que nos tornássemos seus filhos, através da obra do
Filho encarnado, para adorar a sua gloriosa graça.13A predestinação divina
nos vincula à humilhação e exaltação de Cristo,14 para que o Pai, que nos
elegeu no passado eterno, seja o Pai que nos glorifica no futuro eterno.15

7 S C H A E F F E R , Paul R ., Jr. T he Spiritual Brotherhood: Camhriàge Puritans anã the Nature o f Christian Piety.
G ran d R ap id s: R e fo r m a d o n H e ritag e B o o k s, 2 0 1 1 , p. 171.
8S IB B E S . Bruised R eede and Smoaking Flax, p. 7.V eja Works, 1:43.
9 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 43.V eja Works, 3 :49.V eja tam bém Works, 4:293.
10S IB B E S . Heavenly Conference, p. 112.Veja Works, 6:4 5 0 .
‘ 'S I B B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 43.V eja Works, 3 :48
12 S IB B E S . Christians Portion, p. 153.V eja Works, 4 :3 2 .
13 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 21 .Veja Works, 3 :2 7 . Sibbes tam bém afirm o u a d outrina
da reprovação (D E V E R . Richard Sibbes, p. 1 0 3 -105). S obre Supralapsarianism o e Infralapsarianism o, D ever
com en ta, “ Sibbes era agn óstico nessa discussão” (Richard Sibbes, p. 102).Veja o resum o de Sibbes sobre as
p osiçõ es e seus com en tários sobre n osso presente co n h ecim en to lim itado em Sibbes, “ To the R e a d e r ” .
In: B A Y N E S . Commantarie, A 2 r-3r. P orém , e m p elo m en o s u m lu gar Sibbes pareceu falar e m term os
Inffalapsarianos, escrevendo qu e D e u s elegeu os h om ens, v e n d o -o s “ corrom p id os, largados em nossa
im u n d ície” (Works, 1:9).
,4S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 2 1 .Veja Works, 3 :27.
15 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 122.Veja Works, 6 :4 5 3 .
6 2 os# A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

Nosso pecado requer que tenhamos uma segurança para pagar a nossa
dívida a Deus, ou a pagaremos no inferno. Deus é misericordioso, mas ele
também é justo. Sua ira queima contra o pecado. Não porque Deus é mal:
“Ele mesmo é bom, nós provocamos a sua severidade” .16 Deus não pode
mostrar misericórdia à custa da justiça: “ Um atributo de Deus não pode
devorar outro; o todo deve ter satisfação, sua justiça não pode ter erro” ,
escreve Sibbes. Ele disse que Deus, “ tendo punido nossos pecados através
de nossa segurança, Cristo” , ele é agora o “nosso Pai, ele é o Pai das mi­
sericórdias” , e “não há perda em sua justiça por isso” .17 Isso é crucial para
nós, pois a menos que a justiça de Deus se satisfaça e nossos pecados sejam
perdoados, todos os presentes de Deus a nós estão somente “ alimentando o
traidor até o dia da execução” .18
Portanto, é necessário que nos juntemos a Jesus para chamar seu Pai de
nosso Pai. União com Cristo é “ a base de todo conforto” .19 Tudo que é
de Cristo passa a ser nosso também. A história de Cristo se torna a nossa
história, por meio da nossa união com ele.20 Sibbes explica que como nosso
Mediador e Fiador, toda a obra de Cristo e todas as bênçãos de Deus sobre
Cristo pertencem ao povo unido com Cristo:

Cristo possui tudo primeiramente, e nós temos tudo por meio dele: ele é
o primeiro Filho, e nós somos filhos, ele é o primeiro amado de Deus, e
nós somos amados nele; ele é pleno primeiramente com toda a graça, e nós
somos plenos nele, de sua plenitude recebemos graça por graça [Jo 1.16]: ele foi
primeiramente absolvido pelos nossos pecados, como nosso fiador, e então
somos justificados; porque ele é justificado pelos nossos pecados, sendo a
nossa garantia; ele é ascendido aos céus, nós ascenderemos; ele senta à mão
direita de Deus, e nós sentamos com ele nos lugares celestiais; ele julga, nós
julgaremos com ele; qualquer coisa que fazemos, Cristo fez primeiro, nós
temos tudo em Cristo, e por meio de Cristo e oriundo de Cristo; ele é o Pai
de Cristo, e nosso Pai.21

Então pela sua graça, o Senhor Jesus é capaz de nos incluir nas mara­
vilhosas palavras: “meu Pai e seu Pai” . Cristo em “sua misericórdia infi­
nita” nos chama “ irmãos” , irmãos e irmãs sob seu Pai. Sibbes disse: “Deus

16 S IB B E S . Learned Commetitary [sobre 2 C o 1], p. 29.V eja Works, 3 :35.


17 S IB B E S . L eam ed Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 23.V eja Works, 3 :2 8 .
18 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 26.V eja Works, 3 :31.
,9 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l] ,p .2 1 .V e ja W orks,3 :27.
20V eja A F F L E C K .“ T h e T h e o lo g y o f R ic h a rd Sibbes” , p. 109.
21 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 21 .Veja Works, 3 :2 7 . C f. Works, 4 :4 6 3 ; 6 :4 6 0 ; 7 :2 1 6 .
RICHARD SIBBES SOBRE A MISERICÓRDIA E FIDELIDADE DO PAI 63

é nosso Pai pela virtude da satisfação de Cristo à justiça e conquista de


nossos inimigos” .22 Ele escreveu: “Ele é amado do Pai primeiramente; em
quem me comprazo [Mt 3.17]... Ele se deleita em nós, porque somos um em
Cristo, no qual ele nos contempla” .23
Portanto, como aplicação, é necessário que sempre nos aproximemos
do Pai através de Cristo ou recusaremos a nós mesmos a paz do evangelho.
Sibbes escreveu: “Deus reconciliado em Cristo pacificará a consciência,
nada mais fará isso. Pois se a nossa paz principal pudesse ser buscada pela
santificação (como muitos buscam erroneamente), a consciência seria ater­
rorizada, e sempre duvidaria se possui santificação suficiente ou não. Ele
disse que a santificação é uma “ quahficação” necessária para que tenhamos
segurança. Mas não é o “fundamento do conforto” .24
Para que descansemos na misericórdia de Deus, é necessário que des­
cansemos no evangelho de Cristo. Sibbes disse: “ Quando a fé considera
Deus no evangelho, ela o vê como Pai de Cristo, e nosso Pai, e o Pai de
misericórdias e o Deus de conforto; é a fé enxergando misericórdia infinita
em um Deus infinito” .25 Ele escreveu que não há “nada mais terrível” que
pensar em Deus separado de Cristo, mas “ nada mais doce” do que pensar
em Deus em Cristo.26 Sibbes aconselhou:

Que coloquemos em prática no tempo de dissolução [morte], no tempo


de conflito espiritual, no tempo em que as nossas consciências forem des­
pertadas (e talvez por cima do fogo), e Satanás estiver ocupado pertur­
bando a nossa paz; que fechemos os nossos olhos a todas as coisas na terra
para ver Deus brilhando sobre nós em Cristo; que vejamos o favor de Deus
em Cristo, por cuja morte e paixão se reconciliou conosco, e na graça e
favor gratuitos de Deus em Cristo veremos paz suficiente.27

Se Deus é misericordioso em Cristo, então há um “refugio para onde


fugir” da ira de Deus. Sibbes instou, “ ... não deixe sua alma caída deses­
perar-se, qualquer que seja a razão da culpa do seu pecado, aproxime-se
do Pai de misericórdias, lance-se ao mar de sua misericórdia” . Não devía­
mos dizer que nossos pecados são demasiadamente grandes. Deus possui

22 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 112.V eja Works, 6 :4 5 0 .


23 S IB B E S . Christians Portion, p. 157-158.V eja Works, 4:33.
24 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 15.Veja Works, 3 :2 0 -3 :2 1 .
25 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 32.V eja Works, 3:37.
26 S IB B E S . Christians Portion, p. 164. Veja Works, 4:34.
27 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 15.Veja Works, 3:21.
6 4 «f A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

misericórdia infinita em sua natureza, e Cristo pagou o preço para satisfa­


zer a justiça de Deus contra o pecado, infinitamente. “ Há misericórdia para
você se você decidir entrar” .28 “ Seus pecados são todos faíscas que caem ao
mar, onde desaparecem imediatamente” .29
Não devemos ousar esmagar a misericórdia de Deus, torcendo-a
numa desculpa para cometer pecado.30 Deus não é somente o Pai da mi­
sericórdia; ele é o Deus da vingança e justiça também.31 Quando Deus é
mais temido, o pecador está mais preparado para a misericórdia. Sibbes
disse: “Esse óleo da misericórdia é colocado em recipientes quebrados, é
mantido ali, em um coração partido, um coração humilde, que recebe e
mantém misericórdia” .32
Ainda, quando pecadores cobertos pela culpa clamam por misericórdia,
eles podem ter certeza de que Deus “ é mais disposto a lhes perdoar do
que eles estão para pedir misericórdia” .33 Assim como o pai na parábola
do filho pródigo, Sibbes disse: “Você perceberá que Deus, por meio do
seu Espírito, está mais apto e pronto a te encontrar do que você está para
lançar-se aos pés de sua misericórdia, e aos braços de sua misericórdia: ele
virá e te encontrará, e te beijará” .34
Quando Deus lhe dá uma “paz interior excelente” em seu coração e
consciência, ela te suportará em todas as suas tristezas e provações com
a segurança do amor e do perdão do Pai. Nada torna “perdas, aprisio-
namento, morte e banimento” mais amargos do que uma consciência
culpada. Mas “faça da consciência algo bom” , através de Cristo, como
Sibbes disse: “ Eis que erguerão a cabeça... nada desencorajará ou intimi­
dará a sua coragem” .35 Em Cristo, ele é nosso Pai. Sibbes escreveu, “ Ele
tampouco vai parar de nos amar, assim como nunca vai deixar de amar
o seu Filho” .36
Deus é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.

28 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l] ,p .2 5 .V e ja Works, 3 :31.


29S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 2 9 .Veja Works, 3 :35.
30S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 2 6 .Veja Works, 3 :32.
31 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 2 7 .Veja Works, 3 :32.
32 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 28.V eja Works, 3 :34.
33S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 1 .Veja Works, 3 :36.
34 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 4 .Veja Works, 3 :40.
35 S IB B E S . Retvrning Backslider; p. 1 2 0 -121 .Veja Works, 2:2 9 8
36 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 149.V eja Works, 6:4 6 1 .
RICHARD SIBBES SOBRE A MISERICÓRDIA E FIDELIDADE DO PAI 65

O PAI DE MISERICÓRDIAS
Deus é misericordioso por natureza. Misericórdia é graça ou favor
gratuito a uma pessoa em miséria.37 A miséria é o imã da misericórdia.38
E Deus está cheio de misericórdia; é seu coração e sua alma —seu pró­
prio nome (Ex 34.6).39 Sibbes disse:“ Aquele que é grande em majestade
é abundante em misericórdia” .40 O mar não é mais naturalmente fluido e
molhado, o sol não emite mais naturalmente o calor como Deus é natu­
ralmente misericordioso.41 Misericórdia “ é sua natureza, é sua pessoa” .42
O Senhor “ tem prazer na benignidade” (Mq 7.18).43
Sibbes escreveu, “Misericórdia é o atributo mais doce de Deus, que
adoça todos seus outros atributos; se não fosse por misericórdia, todos os
outros atributos de Deus seriam um terror para nós” .44 Porém, em Cristo,
escreveu Sibbes: “Ele será glorificado ao demonstrar misericórdia” .45 “ Ele
faz tudo para a glória de sua misericórdia, na criação e no evangelho” .46
O amor e a misericórdia de Deus são temas principais na teologia de
Sibbes. Mark Dever escreve que ele retratou o cristianismo como “ a his­
tória do amor de Deus” , onde o Pai escolhe pecadores para ser seu povo,
de fato, para serem seus “melhores amigos” .47 Esse é o “favor principal” do
pacto da graça.48
Deus não é somente misericordioso, mas é o Pai da misericórdia. Sibbes
considerou a palavra Pai como somador de todas as promessas do evange­
lho.49 Geoffrey Nuttal escreveu: “Ao longo do puritanismo, a paternidade

37S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 2 4 .Veja Works, 3 :28. A d efinição de m isericórdia vis-à-vis
m isericórdia surge de C ícero e Sêneca, foi usado p o r A gostinh o e depois p o r reform adores co m o W olfgang
M usculus ( M U L L E R , R ich ard . Post-Reformation Reformed Dogmatics. G rand R ap id s: Baker, 2 0 0 4 ,3 :5 7 5 ).
38 “ M iséria sen do a m agnetista da m isericó rdia” (S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 37. Veja
Works, 3 :4 2 ). A co n ex ão entre m iséria e m isericórdia é ainda m ais clara e m seus equivalentes n o Latim :
miséria et misericórdia.
39S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 0 .Veja Works, 3 :3 5 .
40 S IB B E S . Retum ing Backslider, p. lOó.Veja Works, 2 :2 9 2 .
41 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 21 .Veja Works, 3 :27.
42 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 23.V eja Works, 3 :28.
43 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 0 .Veja Works, 3 :35.
44 S IB B E S . Returning Backslider, p. lO ó.V eja Works, 2:2 9 2 .
45 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 2 4 .Veja Works, 3 :2 9 -3 0 .
46 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 2 5 .Veja Works, 3:31.
47 D E V E R . Richard Sibbes, p. 1 0 6 -1 0 7 . E ie cita S IB B E S . Works, 1:9; 2 :7 3 ; 6 :2 4 1 ; 5:5 1 6 ; 4 :9 8 ; 2 :2 1 6 ; 6 :232;
235; 1:262.
48 D E V E R . Richard Sibbes, p. 11 4 -1 1 5 . E le cita S IB B E S . Works, 6:8 ; 20 ; 5 :2 6 3 ; 2 :2 5 3 -2 5 4 .
49 S IB B E S . Exposition [Phil, 3, etc.], 2:97.V eja Works, 5:25.
66 & A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

de Deus é um tema favorito e persistente” .50 Sibbes disse: “ Há um mundo


de riquezas nisso, de sermos os filhos de Deus” .51
Deus é o Pai por excelência. Sibbes perguntou: “ O que devemos esperar
de Deus, sendo um Pai?” . Ele respondeu: “ Nós podemos esperar o que
qualquer criança pode esperar de um pai. Deus não toma para si nomes
vazios” . Ele adicionou: “A verdadeira realidade da paternidade está em
Deus” . Quaisquer bondades que estejam no coração de um pai “ nós po­
demos esperar de Deus nosso Pai, e infinitamente mais” .52 Deus olha sobre
os membros de Cristo com o mesmo tipo de “ doce e eterna ternura” que
ele tem por seu Filho.53
Deus se mostra como sendo o Pai de toda as misericórdia em todos os
seus tratamentos conosco. Antes de nossa conversão, ele é o Pai de mise­
ricórdias ao “ oferecer misericórdia e insistir nela” a nós no evangelho. Em
misericórdia, ele pacientemente difere sua ira” . Quando somos converti­
dos, ele é o Pai de misericórdias ao “perdoar o pecado gratuitamente, ao
perdoar todo pecado, a punição e a culpa, e tudo” . Quando estamos vi­
vendo debaixo de sua graça, ele é o Pai de misericórdias “para corrigir seus
filhos de maneira oportuna” , porém, para suavizar e adoçar a sua correção
com conforto. Suas misericórdias são renovadas todos os dias (Lm 3.22-
23) .54 Ele possui a afeição de uma mãe para com seus filhos,55 e, como um
pai, aceita a nossa obediência, apesar de ela ser “pequena e fraca” .56 Tudo
que “vem de Deus às suas crianças” é “ coberto por misericórdia” .57
Como os cristãos deveriam responder às misericórdias do Pai? Primeiro,
os crentes deveriam almejar e orar por um conhecimento experimental
mais profundo da misericórdia de nosso Pai. Assim como o apóstolo Paulo,
Sibbes queria que todo cristão usufruísse “ esse brilho de Deus no coração,
o derramamento do amor de Deus no coração” de maneira continua­
mente crescente.58 Isso, Sibbes escreveu, “ é um conforto real, interior e
espiritual, pela assistência e força do Espírito de Deus, quando pode não

5(1N U T T A L , G eoffrey F. The H oly Spirit in the Puritan Faith and Experience. O x fo rd : B asil B lackw ell, 1946, p.
6 3 .Veja B E E K E ,J o e l R . Heirs with C hrist:T he Puritans onA doption. G ran d R ap id s: R e fo rm a tio n H eritage
B o o k s, 2008.
51 S IB B E S . Lightfrom Heaven, 2 :20.V eja Works, 4:5 0 2 .
52 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 1 1 4 -1 1 5 .Veja Works, 6 :4 5 1 .
53 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 149.V eja Works, 6:4 6 1 .
54S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 24.V eja Works, 3:30.
55 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 0 .Veja Works, 3 :35.
56 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 5 6 -5 7 .Veja Works, 3:61.
57 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 25.V eja Works, 3 :30.
58 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 11.V eja Works, 3:16.
RICHARD SIBEES SOBRE A MISERICÓRDIA E FIDELIDADE DO PAI 67

haver algo exterior que necessite de conforto” .59 Esse conhecimento não
vem por uma visão mística, mas pela fé que vem do coração do Pai como
ele se revelou em Cristo. Existem graus de experiência do Espírito da ado­
ção que almejemos mais.60
Nada nos transformará mais do que um conhecimento experimental
do amor de Deus por nós em Jesus Cristo. Sibbes escreveu: “Uma olhada
do semblante paternal em Jesus Cristo abolirá todos os terrores existentes e
fará até da mais escura masmorra um paraíso” .61 Quando o nosso coração
se sente “frio e morto” , é necessário que trabalhemos para abraçar a mise­
ricórdia do Pai pela fé. Sua afeição nos aquecerá em “ novo amor, e novos
afetos uns pelos outros” . Sibbes nos convida: “ Que nos aproximemos dessa
luz do amor de Deus em Cristo, e pela meditação constante da Palavra de
Deus, vejamos como ele se apresenta a nós como um Pai de aliança; não
somente um amigo, mas um Pai, um Pai gracioso” .62
Em segundo lugar, o conhecimento das misericórdias do Pai move os
filhos do Pai à adoração e louvor. Sibbes escreveu: “E a disposição dos
filhos de Deus (após terem provado da doce misericórdia, conforto e amor
de Deus) moverem-se em direção à adoração a Deus e à ação de graças” .
Isso é natural para eles como é “para os pássaros cantarem na primavera” .63
A “misericórdia maravilhosa” , que o Deus majestoso adotaria “traidores,
rebeldes, inimigos, para os tornarem seus filhos” 64 nos inspira “uma afeição
misturada de medo e amor” , pois nosso Pai é assustador em sua grandeza e
amável em sua bondade.65
Em terceiro lugar, os filhos de Deus devem imitar seu Pai mostrando
misericórdia aos outros. Se não nos igualarmos ao Pai de misericórdia,
então não temos direito algum de chamá-lo de Pai. Se fomos adotados
pelo Pai, fomos enxertados no Filho, e estamos nos tornando como Cristo:
pacientes, obedientes, humildes, “ cheio de bondade, cheio de amor” .66 Ele
disse: “ Isso deveria atiçar em nós uma imitação de nosso Pai gracioso: pois
todo pai gera à sua própria imagem, e todos os filhos desse Pai são como o

59 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 3 9 .Veja Works, 3:44.


60 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 142.V eja Works, 6 :4 5 8 . CF. tam bém Works, 5 :26.
61 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 4 8 .Veja Works, 3 :53.

62 S IB B E S . T he Saints Cordiais, p. lOO.Veja Works, 6:3 9 8 .


63 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 16.Veja Works, 3 :2 2 . C f. tam bém S IB B E S . Learned C om ­
mentary [sobre 2 C o 1], p. 17.Veja Works, 3:23.
64 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 132.V eja Works, 6 :4 5 6 .
65 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 120.V eja Works, 6 :4 5 2 .
66 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 1 2 6 -1 2 7 .Veja Works, 6:4 5 4 .
68 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Pai, eles são misericordiosos” . Lucas 6.36 diz: “ Sede, pois, misericordiosos,
como também vosso Pai é misericordioso” . Precisamos lidar com pessoas
em necessidade com “ misericórdia doce” .67
O Pai das misericórdias gera uma família espiritual de misericórdia. A
união com Cristo nos torna cristãos verdadeiros, mas cada cristão deve ser
“um membro de uma congregação em particular” .68 E o jeito de Deus
confortar seu povo por meio de cristãos que compartilham seu conforto
uns com os outros: “ nenhum homem é para si mesmo” .69Todos os cristãos
são irmãos e irmãs e, essencialmente, iguais.70 O orgulho fecha o nosso co­
ração à ajuda que necessitamos dos outros, de tal maneira que “ sangramos
internamente” mas não temos quem nos ajude.71 Portanto, deixe os filhos
amados de Deus amarem uns aos outros humildemente (Cl 3.12).
Em quarto lugar, cristãos podem confiar seus filhos às mãos do Pai de
misericórdias. Quando defender sua crença em Cristo lhe custa caro, cris­
tãos perguntam: “ O que será dos meus queridos filhos se eu fizer assim e
assim?” ; Sibbes nos lembrou que Deus é o Pai dos órfãos e defensor das
viúvas (SI 68.5). Ele disse que pais precisam perceber que Deus se importa
com seus filhos: “Nós somos meros instrumentos, Deus é o Pai chefe, me­
lhor e último” .72
Em quinto lugar, as misericórdias de Deus nos convidam a chorar com
ele mesmo nas profundezas da miséria (SI 130.1). Sibbes escreveu: “Temos
miséria profunda... porém não eterna, sua graça é mais profunda que nossa
miséria” .73 Uma razão pela qual Deus permite que seus filhos caiam em
profundo arrependimento e dificuldades é para que ele possa lhes mostrar
que independentemente da profundeza de suas misérias, sua graça é sem­
pre mais profunda.74 N o final, Deus “fará como uma mãe de coração doce,
limpando as lágrimas dos nossos olhos” .75
Que oremos com confiança ao nosso Pai, que cuidará das nossas neces­
sidades temporárias e eternas.76 Cristo disse em Lucas 12.32, “Não temas,

67 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 3 4 -3 5 .Veja Works, 3:40.


“ S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . ó.V eja Works, 3:11.
69S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 6 3 .Veja Works, 3 :67.
70S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1 ] ,p. 4.V eja Works, 3:10.
71 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 63.V eja Works, 3:68.
72 S IB B E S . Returning Backslider, p. 114.Veja Works, 2 :2 9 6 .
73 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l] ,p .3 1 .V e ja Works, 3 :3 6.
74 S IB B E S . Returning Backslider, p. 1 0 8 -1 0 9 .Veja Works, 2 :293.
75 S IB B E S . Glorious Feast o f the Gospel, p. 79.V eja Works, 2 :482.
76 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 123. Veja Works, 6 :4 5 3 .
RICHARD SIBBES SOBRE A MISERICÓRDIA E FIDELIDADE DO PAI 69

ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o Reino” . Sibbes


escreveu: “Aquele que lhe dará um reinado, não lhe dará também pão diá­
rio?” .77 Que oremos esperando bons presentes. Sibbes disse: “ Ou nós tere­
mos o que queremos e que falta, ou então teremos aquilo que é melhor;
ele é um Pai sábio” .78 Ele escreveu:

E quando tudo for tirado de nós em perdas e cruzes, para pensar, Bem;
nossos pais podem morrer, e nossas mães podem morrer, e nossos amigos
mais próximos e mais queridos... podem morrer; mas temos um Pai de mi­
sericórdia, que tem misericórdia eterna nele, suas misericórdias são doces e
eternas, assim como ele é... Quando tudo for tomado de nós, Deus não se
esconde, ele permanece como Pai da misericórdia.79

O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é o Pai das misericórdias.


Mas como o pecador sabe que isso é verdadeiro? Como ele pode ter cer­
teza quando a sua consciência queima? Isso nos leva a considerar a terceira
discrição do Pai que Sibbes nos dá.

O DEUS QUE É VERDADEIRO


Paulo escreveu em 2Coríntios 1.18, “Antes, como Deus é fiel, a nossa
palavra para convosco não é sim e não” . Sibbes disse que se ele é Deus,
ele deve ser também “imutável, eterno, todo-poderoso, suficiente... o autor
de todo bem na criatura. Se ele fosse de qualquer outro jeito, ele não seria
Deus.80 Sibbes disse:“Deus é fiel... em sua natureza. Ele é o Eu Sou, sempre
do seu jeito, imutável e sem alteração” .81
A verdade de Deus colore todos seus caminhos com verdade perfeita.
Sibbes escreveu:

Deus é verdadeiro em sua natureza, e verdadeiro em suas promessas gratui­


tas e verdadeiro em suas ameaças; ele é verdadeiro em seus trabalhos, verda­
deiro em sua Palavra, todos seus caminhos são verdadeiros. Ele é verdadeiro
em sua natureza, tudo é verdade nele... Deus é verdadeiro em seus propó­
sitos, verdadeiro em seus decretos livres e voluntários. Foi gratuito para ele

77 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 118.V eja Works, 6 :452.


78 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 121 .Veja Works, 6 :453.
79S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 36.V eja Works, 3 :42.
80 S IB B E S . Learneâ Commentary [sobre 2 C o 1], p. 379.V eja Works, 3:361.
81 S IB B E S . T he Saints Scfetie in EviU. Times, 2 :1 7 0 -1 7 1 .Veja Works, 1:411. E sse parágrafo é u m exem p lo do
uso d e Sibbes da term in o lo g ia da d outrina de D eus.
70 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

decretar, mas tendo decretado, há uma necessidade de performance; é da


necessidade de sua natureza como Deus.82

Sibbes estabeleceu seu ponto de vista sobre essa realidade básica: “É a


verdade primitiva de toda verdade que Deus é, e Deus é verdadeiro...
E uma coisa fundamental” .83 Sibbes escreveu,“Deus é fiel... em sua Palavra;
ele se expressa de sua maneira; a palavra que vem de Deus é uma expressão
da fidelidade de sua natureza” .84
Sibbes ensinou a inerrância das Escrituras baseadas na verdade de
Deus. As Escrituras são “ mais certas, até tão certas quanto o próprio Deus
mesmo” . A Bíblia é a “verdade sem erro: autêntica sem apelo” . Ela é “in­
falivelmente verdadeira, sem perigo de erro” .Tem autoridade suprema em
tudo que revela. “ Não há nada mais alto que Deus, dono da Palavra; e ela
possui a mesma autoridade que ele possui” . Conselhos de igrejas, tradições
e papas se contradizem; somente as Escrituras são o juiz de todas as contro­
vérsias religiosas, pois as “Escrituras” são “ a voz, a Palavra de Deus” .85
A fidelidade de Deus em sua Palavra é refletida também em sua fide­
lidade e em suas ações. Sibbes escreveu, “Deus é fiel... em suas obras; ele
é bom, e faz o bem, como o salmista disse [Salmo 119.68]” .86 Deus é fiel
em todas suas “ relações” . Ele é fiel como Criador, erguendo suas criatu­
ras, dando-lhes vida, alma, oportunidade de se moverem até o ponto que
ele deseja que eles continuem. Ele é fiel como Senhor, e não devemos
argumentar com ele sobre por que ele faz alguém rico e outro pobre. Ele
é fiel como juiz para premiar todos conforme as suas obras, punindo o
pecado algumas vezes interiormente na consciência e algumas vezes exte­
riormente, e premiando aqueles que são fiéis a ele.87
Melhor de tudo,“ ele é um Pai verdadeiro” , fiel a seus filhos. Ele os cor­
rige quando é melhor. Ele os premia e encoraja quando é melhor. Ele dará
uma herança a seus filhos. Ele tem compaixão de seus filhos. Pais humanos
podem agir por emoções fortes, mas o Pai divino age pela verdade e bon­
dade.88 Sibbes disse, “ (...) sempre que estás desapontado com os homens,
retire-se a Deus e às suas promessas” .89

82 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 7 9 .Veja Works, 3 :3 6 0 -3 6 1 .


83 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 8 0 .Veja Works, 3:362.
84S IB B E S . T he Saints Safetie in EvillTim es, 2:171 .Veja Works, 1:411.
85 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o l ] ,p . 385.V eja Works, 3 :3 6 4 -3 6 5 .
86S IB B E S . T he Saints Safetie in EvillTim es, 2 :1 7 1 .Veja Works, 1:411.
87 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 8 1 .Veja Works, 3:362.
88 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 381 .Veja Works, 3 :363.
89S I B B E S .The Saints Safetie in EvillTim es, 2:176.V eja Works, 1:4 1 2.
RICHARD SIBBES SOBRE A MISERICÓRDIA E FIDELIDADE DO PAI <■# 71

A verdade de Deus tem implicação direta na aplicação de sua misericór­


dia. Devemos juntar as promessas de Deus e nunca deixá-las. Se Deus é fiel,
então suas promessas são mais valiosas que ouro. Sibbes escreveu: “ Guarde
como tesouro todas as promessas que puder, do perdão dos pecados, da pro­
teção e preservação, que ele nunca nos deixará, mas será nosso Deus até a
morte, etc. e então considere, com tudo isso, que ele é fiel ao agir da mesma
maneira... Em toda a infidelidade dos homens a quem confias, dependa
disso, que Deus sempre permanece o mesmo, e nunca o enganará” .90
Encontre conforto sólido descansando na Palavra de Deus. Nosso con­
forto nas misericórdias de Deus depende no grau de nossa crença de que
Deus é verdadeiro. Sibbes nos exortou a “não pensar na Palavra de Deus
como sendo boa demais para ser verdade, mas se entregar em obediência
a ela: entregar a obediência da fé a ela nas promessas. Aqui jaz um funda­
mento para a fé” . Sibbes disse: “ Confie na Palavra: lute com ele quando as
suas palavras parecerem contraditórias; embora suas ações conosco às vezes
pareçam ser assim, e outras vezes não... Portanto, não abandonemos a sua
misericórdia. Isso nos erguerá, assim em toda a tentação, também na pro­
vação divina, quando Deus parece se esquecer de nós: aconteceu o mesmo
com Cristo, nosso cabeça divino” .91
Acima de tudo e em tudo, exercite a fé no Pai por meio de Jesus
Cristo. Sibbes disse: “Amados, vivam por base nisso... Aqui está o amor
de Deus o Pai, que está contente em ser um Pai, mesmo diante da nossa
condição pecaminosa. Se Deus é Pai para nós, assim como o é para Cristo,
então não deixemos o nosso coração ser desencorajado na aflição, nas per­
seguições e nas tentações” .92
Amados, vivam baseados nisso!

90 S IB B E S . T he Saints Safetie in EviU Times, 2 :1 7 3 -1 7 4 .Veja Works, 1:412.


95 S IB B E S . Learned Commentary [sobre 2 C o 1], p. 3 8 7 .Veja Works, 3 :3 6 8 -3 6 9 .
92 S IB B E S . Heavenly Conference, p. 1 3 5 -1 3 6 .Veja Works, 6:4 5 7 .
CONHECENDO
DEUS O PAI COMO
SALVADOR
-------------------- --------------------
CAPÍTULO 6

Vendo o Pai na face de Jesus


Derek W. H . Thomas

“Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde mis e como
podemos saber o caminho?... Senhor, mostra-nos o Pai, o que nos basta.”
João 14.5,8

S
eguindo a morte do R ei EduardoVI em 1553, sua irmã Maria, uma
católica, se tornou a rainha da Inglaterra. U m padre descobriu um
jovem, William Hunter, que estava lendo sua Bíblia em inglês e foi
preso. Durante os próximos vinte meses, ele foi incitado a negar a sua
fé ou seria executado. A despeito de torturas e brutalidades inimaginá­
veis, ele se recusou a negar a sua fé. N o dia 26 de Março de 1555, ele
foi levado a Brentwood, onde seu irmão mais velho recordou a conversa
entre William, de dezenove anos, e seu pai. Respondendo aos apelos de
seu pai, William citou as palavras de Jesus em João 14.1: “ Não se turbe o
vosso coração; credes em Deus, crede também em mim” . Ele continuou,
“ Deus estará contigo, bom pai, e te confortará quando estivermos todos
juntos novamente e seremos felizes” . Correntes o ataram. Seu pai apelou
para que pensasse na paixão de Cristo. Momentos antes de sua morte,
William disse ao seu pai:“Eu não tenho medo” . Então, como Estevão no
livro de Atos, ele clamou, “ Senhor, receba meu espírito” .1
Há um sentido no qual as palavras de João 14.1-3 são “ fundamento
santo” .Você sente, quando você lê as Escrituras, que existem lugares que
são especialmente “ santos” , e que é necessário que você retire os sapa­
tos dos pés para conseguir andar por esses caminhos? E claro que toda a
Escritura é a Palavra de Deus (2Tm 3.16-17; 2Pe 1.20-21), mas existem

F O X E ,Jo h n . Voices o f the Martyrs. A lachua, Fia.; B rid g e -L o g o s, 2 0 0 7 , p. 155-156.


76 -í * A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

algumas passagens da Escritura que parecem dizer: “Este chão é santo” .


Para muitos de nós, a oração de Jesus pelos seus discípulos, recordada em
João 17, é um lugar desses. E fascinante para mim termos João 17, por­
que João devia estar espiando essa conversa privada entre Jesus e seu Pai
celestial. Nos primeiros quatorze versículos desse capítulo, Jesus se refere
ao seu Pai doze vezes. João não tinha um gravador ou caderno. Claro, o
Espírito Santo o capacitou a relembrar das palavras de Jesus, mas ele deve
ter estado profundamente impressionado enquanto ouvia essas palavras e,
depois, ao escrevê-las em seu evangelho.
João 14,15 e particularmente 16, e também 17 nos dão as últimas palavras
de Jesus na véspera de sua crucificação. O que Jesus queria que a igreja sou­
besse após a sua partida. O que, especialmente, os discípulos precisavam saber,
quando ele não estivesse mais presente, quando ele partisse do meio deles
fisicamente? Ele não os ensinaria, nem os instruiria mais como eles estavam
acostumados, ou realizaria obras e milagres que ele já fizera na presença deles.
Quando ele retornasse ao Pai, o que os discípulos precisariam saber?

A TRINDADE
Não é fascinante que a resposta a essa pergunta é a doutrina da Trindade?
O que Jesus ensina aos seus discípulos na última tarde de sua vida terrena
são os contornos de como o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão todos
engajados no que os teólogos têm expressado como sendo as operações
externas da redenção (opera ad extra trinitatis indivisa sum). Ele não explica
o envolvimento trinitário na redenção da maneira como os grandes credos
da igreja primitiva o fizeram. Ele não a caracteriza no formato do credo
Niceno ou o do Constantinopolitano de 325 e 385 a.C. Ele não a carac­
teriza como a confissão de Westminster, a Confissão Batista de 1689, ou a
Declaração de Savoy o fizeram. Mas se analisarmos João 14 a 16, nós temos
a doutrina da Trindade. Jesus diz coisas como, “Eu e o Pai somos um” e “ Se
eu for embora, eu voltarei; eu enviarei outro Consolador, outro intercessor
a vocês” . Em particular, Jesus diz que o Espírito Santo, o agente represen­
tativo de Cristo, virá e continuará o ministério do (agora) exaltado Jesus.
Efetivamente, Jesus está falando sobre a doutrina da Trindade, explicando-a
por termos pessoais e práticos.
É fascinante que a doutrina da Trindade não é uma verdade oculta que
usamos para ensinar seminaristas em algum dia do ano e, depois, esquece­
mos para sempre. A doutrina da Trindade é uma verdade essencial. E a aula
básica sobre Cristianismo. Muitas vezes me vem à mente que devemos
realizar um teste surpresa na igreja de vez em quando: entregar papel e
V E N D O O PAI N A FA C E D E JE S U S « * 77

caneta a todos e dizer: “Vocês têm três minutos; escreva tudo que você
sabe sobre a doutrina da Trindade, sem cometer uma heresia enorme” .
E provável que as respostas fossem mais ou menos como, há somente um
Deus, mas existem mais do que Um, que são o mesmo Deus porque Deus
o Pai é Deus, Deus o Filho é Deus, e Deus o Espírito Santo é Deus; mas
mesmo assim, há somente um Deus. Os resultados seriam fascinantes ou
talvez decepcionantes.
O que está acontecendo no começo desse discurso? Jesus está falando
aos seus discípulos: “ Deixe eu lhes confortar. Deixe eu trazer uma palavra
de segurança a vocês, uma palavra que se aprofundará na alma de vocês
e será a fibra de força e vitalidade que lhes permitirá enfrentar os dias e
semanas que virão, antes da chegada do Espírito Santo. Tempos obscuros
estão adiante para mim e para vocês, e vocês precisarão de força sobrena­
tural para enfrentá-los, assim como eu também vou precisar. Deixe eu lhes
contar sobre a Trindade” .

O PAI
Recentemente, eu estava lendo uma obra muito grande chamada A his­
tória do povo americano, de Paul Johnson, um historiador secular conservador
que escreveu algumas obras importantes como comentarista social con­
temporâneo. Eu pensei que deveria ler tal história já que moro nos Estados
Unidos! Havia algo naquela obra que me deixou estupefato. Ao escrever
sobre George Washington, Johnson comentou que existem 17.000 cartas e
papéis existentes de George Washington, mas seu pai é mencionado em so­
mente duas delas.2 Aparentemente, a consciência cotidiana de Washington
sobre o seu relacionamento com seu pai terreno era quase nula.
Isso nunca, nunca poderia ter sido dito sobre o nosso Senhor Jesus. Ele
sempre foi consciente sobre seu Pai celestial, todos os dias, todos os mo­
mentos, desde quando ele era um bebê nos braços de Maria. Maria, e pre-
sumidamente José, o instruiu e o lembrou de quem ele era. A medida que
Jesus começou a ler e assimilar informações, memorizar porções das Escri­
turas do Antigo Testamento; quando foi à sinagoga de Nazaré, e depois via­
jou a Jerusalém para os dias de festas; ao começar a assimilar uma apreensão
clara sobre a sua identidade e o que ele realmente era, e sua mãe lhe disse
sobre a maneira extraordinária em que foi concebido e nascido, ele de­
senvolveu um relacionamento profundamente enraizado e imensamente

2J O H N S O N , Paul. A History o f the American People. N o v a Y ork: H arp erC ollin s, 1998, p. 122.
78 «* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

pessoal com seu Pai celestial. E aqui, nessa passagem conclusiva, na véspera
de sua traição e crucificação, é com o seu Pai celestial que ele fala.
Existem duas coisas que eu quero observar, duas questões que surgem
dos discípulos. Parece que esses discípulos estão sempre o interrompendo.
Como professor, eu sinto que, quando os alunos estão constantemente in­
terrompendo e fazendo perguntas, algumas vezes sou obrigado a dizer:
“Basta; me deixe concluir o meu ponto. Haverá tempo para perguntas
depois” . Mas parece que naquela sala, os discípulos estão constantemente
fazendo perguntas, e Jesus é maravilhosamente paciente. Tomé interrompe,
depois Filipe; em apenas seis ou sete versículos, dois discípulos o interrom­
pem. Pensaríamos que eles se assentariam ali silenciosamente, recebendo
tudo o que está sendo dito, assimilando cada palavra, mas eles estão cheios
de perguntas. Eles não entendem o que está acontecendo. Eles estão com
medo. Apesar de terem passado três anos extraordinários na presença de
Jesus, em sua escola de teologia, eles ainda permanecem ignorantes de
muitas coisas, especialmente das razões pelas quais Jesus está, naquele mo­
mento, falando sobre a sua morte.
Eles fazem duas perguntas, e cada uma delas tem uma consequência
seguinte. Então eu tenho dois pontos principais e duas consequências.

PERGUNTA #1:
COMO PODEMOS SABER O CAMINHO PARA O PAI?
Em primeiro lugar, Jesus diz aos discípulos e a Tomás em particular:
“Você não vê que eu sou o único caminho ao Pai?” . Essa é a primeira coisa
que ele quer lhes ensinar.
Tomé o interrompeu no versículo 5: “ Senhor, nós não sabemos para
onde vais e como podemos saber o caminho?” . Jesus já lhes havia dito
que ele tinha de ir a Jerusalém, onde ele seria traído, entregue aos escribas
e fariseus e crucificado (Mt 16.21). Isso ocorreu em Cesareia de Filipe.
Jesus deixou muito claro que sua viagem estava na direção de Jerusalém,
que ele veio para ser o Messias, o Salvador, e que ele entregaria a sua vida
em prol de pecadores. Mas Tomé não entendeu isso. Algumas vezes Tomé
é visto como um realista. Na verdade, eu não acho que ele seja nem um
pouco realista, mas pessimista. Ele está sempre triste. Seu temperamento é
sombrio. Seu copo está sempre meio vazio.
Eu tenho uma figura emoldurada de Bisonho o burro, o personagem ado­
rável, porém triste de A. A. Milne, em Ursinho Poof, que minha filha me deu
quando ela tinha mais ou menos doze anos. Ela estava resumindo seu pai. Na
cena, Bisonho está dizendo: “Tenha um bom dia, se é que será um bom dia,
V E N D O O PA I N A FA C E D E JE S U S 79

que eu duvido que seja” . Esse é Tomé! Ele tem uma propensão a duvidar, a
ter falta de fé. Por isso que o chamamos de “Duvidoso Tomé” . Depois, Jesus
o incitou a encostar seu dedo em seu lado, com as marcas da ferida da lança
(Jo 20.26-28). Dessas dúvidas, dessa melancolia, Tomé disse: “Jesus, o senhor
está nos dizendo que está indo para o Pai, e como podemos segui-lo para lá se
nós não sabemos o caminho; e como vamos saber o caminho?” . Esse é o pro­
blema de Tomé: ele não conhece o caminho ao Pai. E Jesus lhe disse: “Eu sou
o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (14.6).
Jesus é o caminho ao Pai. Para ser salvo, é necessário que você esteja em
um relacionamento de amor com o Pai. Salvação é em primeiro lugar um
relacionamento com Deus, no qual nós somos seus filhos e ele é nosso Pai
celestial. Por natureza, nós somos “filhos da ira” (Ef 2.3). Por graça, me­
diante a fé somente em Cristo, nós nos tornamos filhos do Pai celestial —
filhos adotivos que podem chamar Deus de “Abba, Pai” (Rm 8.15; G1 4.6).
A lógica da salvação nas Escrituras é que nos aproximamos do Pai através
da mediação do Filho e pela ajuda do Espírito Santo. E sempre dessa ma­
neira. Jesus está dizendo a Tomé: “Você vem ao Pai. Essa é a coisa mais
importante —relacionamento com o Pai celestial” . Então quando os dis­
cípulos se aproximam dele, pedindo, “Ensina-nos como se deve orar,” ele
diz: “ Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome.Venha o teu
Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu... porque teu é
o Reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém!” (Mt 6.9-13).
Cristãos frequentemente perguntam: “ Por que Jesus não é mencionado
na oração do Pai Nosso?” . Essa pergunta revela um equívoco fundamental
sobre a natureza da maneira que o evangelho trabalho no Novo Testa­
mento. Ela nos leva a um relacionamento com o Pai celestial. A autocons-
ciência que Jesus tem em seu estado encarnado é um relacionamento com
o Pai celestial. “Eu sou o caminho ao Pai, e eu sou a verdade no sentido
em que ele é verdadeiro, como o Antigo Testamento era somente uma
sombra,” diz Jesus. “ Se você quer conhecer a vida verdadeira, então esteja
em um relacionamento com Deus, o nosso Pai celestial, e você adquire essa
vida, essa verdade e esse caminho através de mim” .
Você possui um relacionamento salvador com o Pai celestial? Você tem
a consciência que é um filho dele, adotado em uma família na qual Jesus é
seu irmão mais velho?

A PRIMEIRA CONSEQUÊNCIA: EXCLUSIVIDADE


A declaração de Jesus sobre ele ser o único caminho ao Pai é extrema­
mente exclusiva. Jesus não permite espaço para qualquer outro —nenhuma
80 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

outra religião ou salvador, senão ele. Tamanha exclusividade foi imediata­


mente entendida pelos discípulos no Pentecoste; Pedro, sob a pressão da
perseguição, insistiu: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo
do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual
importa que sejamos salvos” (At 4.12).
Vivemos em uma época de pluralismo e relativismo. Nosso mundo pós-
-moderno tem receio de declarações muito exclusivistas (a não ser por aquelas
que declaram que o exclusivismo é errado!). Não existe “verdade verdadeira”
—o mantra de nossa época é “ o que for verdadeiro para você não é necessaria­
mente verdadeiro para mim” . Mas aqui, em João 14, Jesus está dizendo algo
que é absolutamente exclusivo: “É impossível que você chegue à segurança
da salvação sem passar por mim, e somente por mim” . Se dissermos,“ Não há
outro mediador entre Deus e homem senão Jesus Cristo —não o hinduísmo,
não o islamismo, não o budismo, não o xintoísmo, nada” , é interpretado no
mundo de hoje como intolerância e discurso de ódio. Se alguém disser: “nin­
guém possui toda a verdade a não ser eu” , é interpretado em nosso mundo
pós-moderno como julgamento e desamor. Citando D. A. Carson:

Intolerância não é mais a recusa de permitir opiniões contrárias a serem


expressas em público, mas é entendida como sendo qualquer questiona­
mento ou contradição da visão que todas as opiniões são iguais em valor,
que todas as cosmovisões têm valor equivalente, que todas posturas são
igualmente válidas. O questionamento de tais axiomas pós-modernos é por
definição intolerante.3

Mas Jesus está dizendo: “A menos que você tenha um relacionamento


com Jesus Cristo como Senhor e Salvador, você não pode ser salvo, você
não pode ser um cristão, e é impossível que conheça a Deus de modo sal­
vador” . Ser um seguidor de Cristo significar ser um seguidor daquele que
clamou por exclusividade. Foi tudo ou nada. Ele não compartilhou isso com
qualquer outro. Somente ele é o caminho a Deus. Nas palavras de Thomas
à Kempis em seu famoso livro Imitação de Cristo: “Sem o caminho, não há
como ir. Sem a verdade não há como saber. Sem a vida não há como viver” .4

PERGUNTA #2: VOCÊ PODE NOS MOSTRAR O PAI?


Filipe também se pronuncia, e ele também tem uma pergunta: “Jesus, será
que é possível que o senhor nos dê um vislumbre do Pai?” . Ele diz, “Senhor,

3 C A R S O N , D . A . T h e Intolerance ofTolerance. G ran d R ap id s: Eerdm ans, 20 1 2 , p. 11-12.


4 K E M P IS ,T h o m a s à. T he Imitation o f Christ. M ilw au k ee,W is.: B ru ce P ublishin g C o ., 1940, p. 108.
V E N D O O P A I N A F A C E D E J E S U S ■<* 8 1

mostra-nos o Pai, o que nos basta” (Jo 14.8). Se Jesus fizesse aos discípulos o
que fez apenas a Moisés e lhes revelasse um pouco da glória do Pai.
Em sua resposta a Felipe, Jesus parece estar desapontado. Como Salva­
dor encarnado,Jesus demonstrou afeições humanas e limitações sem nunca
comprometer a sua impecabilidade. Ele foi tentado em todos os aspectos,
como nós somos, porém, sem pecado (Hb 4.15). Jesus ficou desapontado
com seus discípulos porque eles o deveríam conhecer melhor. Ele os en­
sinou e esteve com eles por três anos, porém, eles parecem entender tão
pouco. Ele diz, “Você esteve ao meu lado por tanto tempo e ainda não en­
tende?” (Jo 14.9). Na verdade, se eles tivessem realmente entendido quem
Jesus era, eles teriam compreendido que ele lhes explicou o Pai celestial:
“Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do
Pai, este o fez conhecer” (1.18).5“ Filipe, se você tivesse me conhecido,” Je­
sus diz efetivamente, “você teria visto um pouco de como o Pai é, e através
de mim você o conhecería” (14.7). Ele então adiciona: “ Crede-me que
estou no Pai, e o Pai, em mim” (v. 11).
A declaração que Jesus faz no versículo onze é facilmente traduzido
do grego. Alguém poderia estudar grego por três ou quatro horas e con­
seguir traduzir esse versículo para a sua língua nativa: “Eu estou no Pai, e
o Pai, em mim” . O uso de preposições pequenas aqui é similar ao seu uso
no prólogo do evangelho de João: “N o princípio, era o Verbo... e o Verbo
era Deus. Ele estava no princípio com Deus” (1.1-2). N o princípio era o
Verbo: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (v. 14). E um grego
muito simples. N o princípio, antes da criação, antes que houvesse qualquer
coisa, havia Deus. Ele já existia. E havia Deus com Deus —Deus com Deus e
somente um Deus.
A mente de vocês fica confusa enquanto pensam sobre como há so­
mente um Deus e mesmo assim, há pluralidade, comunhão dentro de Deus
(o que os ancestrais da igreja chamavam, em grego, de perichoresis, ou,
em latim, circumincessio). Na véspera de sua crucificação, o nosso Senhor
está pensando sobre o seu relacionamento eterno com o Pai. Ele está no Pai
e o Pai está nele. Filipe diz: “ Senhor, mostra-nos o Pai” ; e Jesus responde:
“Você não entende que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?”
Existe distinção, existe separação, há o Pai e há Jesus, eles são identida­
des distintas e pessoas distintas. Um é o Pai, o outro é o Filho, e mesmo
assim Jesus está dizendo: “ O Pai está em mim, e eu estou no Pai” . O Pai
não é o Filho; o Filho não é o Pai; o Pai não é o Espírito Santo; o Espí­
rito Santo não é o Pai, o Espírito Santo não é o Filho, o Filho não é o

5 G reg o para “ o fez co n h ecer” é é^rjyf|oaxo, qu e significa “ exegeta” .


82 •<* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Espírito Santo. Existem esses três, e eles estão dentro de cada um. Eles não
estão somente um ao lado do outro (Jo 1.1), mas dentro um do outro. Eles
estão em comunhão, em sociedade um com o outro. A única coisa que
remotamente se assemelha a isso em termos humanos é o relacionamento
de casamento, quando parceiros se conhecem tão bem que estão dentro
dos pensamentos um do outro.

A SEGUNDA CONSEQUÊNCIA:
O PAI É PARECIDO COM CRISTO
Foi perguntado a Agostinho: “ O que Deus estava fazendo antes de ele
ter criado o mundo?” . Agostinho respondeu: “ Criando o inferno para
pessoas que fazem perguntas assim” .6 Que resposta perfeita dada à bruta es­
tupidez da pergunta! Deus estava em um relacionamento amoroso consigo
mesmo, e seu amor não era egocêntrico de nenhuma forma ou maneira,
porque há mais de um que é o único Deus. Há pluralidade na divindade.
Deus estava indo em direção a si mesmo. Ele estava em conversa, em co­
munhão e em amor. O Pai estava apaixonado pelo Filho; o Filho estava
apaixonado pelo Pai. O Espírito Santo estava apaixonado pelo Pai e pelo
Filho.“Eu sou o Pai, e o Pai está em mim” .
Quando as crianças lhe fazem a grande pergunta,“ como é Deus?” , você
sente que precisa de um curso de três anos em teologia sistemática para
lhe responder? O cristão mais simples pode responder essa pergunta: ele é
como Jesus. Não há nenhuma des-semelhança entre Cristo e Deus. Jesus é a
exegese do Pai; ele nos diz como é o caráter do Pai. E por isso que lemos:
“ Seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade,
Príncipe da Paz” (Is. 9.6). Jesus é chamado de “ Pai da eternidade” porque
o Pai é como Jesus, e Jesus como o Pai. Ele nos mostra como é o coração
do Pai. O evangelho não é Jesus tentando ganhar do Pai um amor que ele
está relutante em lhe entregar. E uma paródia enxergar o evangelho dessa
maneira. O amor do Pai é demonstrado no evangelho porque ele entrega o
seu único Filho por nós (Jo 3.16; R m 8.32).
Jesus vai adiante para explicar a Filipe como é que ele revela o Pai. Ele
diz a Filipe que suas palavras e obras não são suas, mas são do Pai: “ Não
crês tu que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu
vos digo, não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que está em mim, é quem
faz as obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai, em mim; crede-me, ao

'“A G O S T IN H O . Confissões, cap. X I :1 0 ,“ O qu e D e u s fez antes da criação d o m u n d o ” . In: S C H A F F , Philip,


ed. Nicene and Post-Nicene Fathers, l asérie. Peabody, M ass.: H en d rick son , 2 0 0 4 ,1 :1 6 7 .
V E N D O O P A I N A F A C E D E J E S U S *+ 8 3

menos, por causa das mesmas obras” (Jo 14.10-11). Em João 5.17-19, Jesus
explicou o que ele quis dizer com isso:

Mas ele lhes disse: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também. Por
isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo,... Então, lhes falou
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si
mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este
fizer, o Filho também semelhantemente o faz.

Jesus está dando uma descrição de seu relacionamento com o Pai. Tal­
vez, do seu ponto de vista encarnado, ele esteja se baseando em seu relacio­
namento com José. Algumas vezes nós não damos a devida importância à
influência de José na vida de Jesus porque ele vai aos bastidores e, presumi­
velmente, morre quando Jesus ainda é um adolescente. Mas nós podemos
imaginar aqui que Jesus está se baseando naquele relacionamento terreno.
Ele estaria na marcenaria, pegaria um pedaço de madeira e perguntaria ao
José: “ O que é esse pedaço de madeira? O que podemos fazer com isso?” .
José o pegaria no colo e diria: “Deixe eu te mostrar” , e ele colocaria um
instrumento em sua mão, colocaria a sua própria mão em volta da mão de
seu Filho, o guiaria e direcionaria. E o relacionamento de Jesus com seu
Pai celestial era da mesma maneira.
Lembra da profecia em Isaías 50, quando, em um dos cânticos dos servos,
o profeta fala sobre antecipar ansiosamente a vinda de Jesus? E dado a Isaías
essa percepção: “ O S e n h o r Deus me deu língua de eruditos” (Is 50.4) .Jesus
deve ter ponderado muito sobre esses cânticos. Ele é ensinado por seu Pai
celestial. Dá para imaginarmos Jesus acordando pela manhã e perguntando:
“ O que será que meu Pai vai me ensinar hoje?” .
Quais foram os milagres, demonstrações do poder de seu Pai? Esses mi­
lagres foram exibições do Espírito Santo na vida do Filho do Pai. Os mila­
gres de cura e restauração foram como se Jesus dissesse: “Meu Pai celestial
quer restaurar esse mundo quebrado e trazê-lo de volta ao Éden e ao
Paraíso que fora concebido. Esse é o coração de meu Pai. Deixe eu lhe
mostrar como meu Pai é” . Esses milagres foram demonstrações do que a
reconstrução futura vai ser. São sinais da intenção do Pai para com a sua
criação caída. É isso o que Jesus está fazendo nos evangelhos —dando-nos
uma pequena degustação do que o Pai tem em mente, quando criará o
novo céu e a nova terra.
Então Jesus diz: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para
que o Pai seja glorificado no Filho” (João 14.13). Ele está claramente di­
zendo alguma coisa sobre oração aqui. Ele não está dizendo que podemos
84 «-* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

pedir qualquer coisa, como um carro chique, e Deus logo nos dará. Claro
que não. Quanto mais próximos caminharmos de Jesus e do Pai celestial,
mais precisamente as nossas orações refletirão o que nosso Pai quer que
peçamos. Na verdade, as nossas orações são consertadas no caminho para
cima. Quando as enviamos, o Espírito Santo as corrige de tal maneira que
o que o Pai ouve são as orações que pediriamos se soubéssemos e enten­
déssemos melhor. E essas orações são sempre correspondidas.
Note que no verso 13 lemos:“para que o Pai seja glorificado no Filho” .
Jesus não somente mostra as palavras do Pai e as obras do Pai, mas ele tam­
bém mostra a glória do Pai.

APLICAÇÕES FINAIS
É possível perder as consequências do que Jesus está dizendo, assim
como Tomé e Filipe perderam. Podemos estar no mesmo ambiente que
Jesus e não conseguirmos apreciar quem Cristo é e como ele revela a gló­
ria transcendente de seu Pai celestial.
Você já esteve distante de Jesus por tanto tempo que sente falta de seu
Pai celestial? Talvez seu relacionamento com seu pai terreno tem te posto
em um caminho errado, e você tem todos os tipos de consequência psico­
lógicas disso. Algumas pessoas associam suas famílias terrenas com estresse
emocional. Eles não se sentem amados nem cuidados, de tal maneira, que
não entendem por que falar de um Pai celestial deveria nos encorajar.
E vitalmente importante para nós entendermos que o evangelho pode
quebrar essas emoções negativas e substituí-las por algo maravilhoso. Nos
evangelhos, você é apresentado, através da fé em Jesus, a um Pai celestial
gracioso e amoroso. Jesus se apresenta ao pecador mais vil, de braços aber­
tos, dizendo: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados,
e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque
sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma”
(Mt 11.28-29). Jesus diz a você: “Deixe eu lhe apresentar ao meu Pai ce­
lestial” , e, abrindo-lhe a porta, ele lhe apresenta ao amoroso e gracioso Pai
celestial que se deleita em dar coisas boas aos seus filhos.
Quando nos aproximamos de nosso Pai celestial dessa maneira, lava­
dos, perdoados e adotados, nós ouvimos essas palavras que têm a intenção
de nos assegurar: “ Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede
também em mim” (Jo 14.1). Ser cristão não nos exclui de aflições e tribu-
lações. De fato, o caso é o contrário. Paulo aprendeu que, “por muitas tri-
bulações nos importa entrar no Reino de Deus” (At 14.22). Jesus conhece
tudo sobre dificuldade. Claro que ele conhece; ele disse essas palavras aos
V E N D O O PAI N A F A C E DE JE S U S v * 8 5

seus discípulos na véspera de sua crucificação. É possível que você esteja no


lugar mais escuro possível, mas ele está lhe dizendo para não temer.
Você já esteve em uma caverna que não possui luz ambiente e na qual
você não consegue enxergar sua mão à sua frente? E absolutamente es­
curo. E uma experiência e tanto. E assustador porque você não consegue
enxergar absolutamente nada. Mas bem na sua frente, se ao menos você
estendesse sua mão e o tocasse, está seu Salvador com seus braços abertos
para te ajudar.
Não desanime; não deixe seu coração te preocupar. Não fique aflito ou
com medo. Quando alguém se aproxima de você por trás e diz “Boo!” ,
você não precisa pular, você não precisa ter medo. Quando uma notícia
ruim chega, uma ligação de um médico, um resultado de uma prova no
correio, uma ligação de seu chefe, o que quer que seja, você pode descansar
na segurança que Jesus irá te conduzir, te guiar e te proteger, independen­
temente do quão escuro esteja.
Se você está em união e comunhão com o nosso Senhor Jesus Cristo,
ultimamente, tudo dará certo. Você pode perder a sua casa, pode perder o
seu emprego, pode perder a sua saúde, ou Jesus pode levá-lo para estar com
ele. Mas: “ Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14.2). Na verdade,
essa é a tradução do latim Vulgate. Alguns de nós gostamos de pensar que
iremos morar em uma mansão, mas a ideia aqui é de moradia. A ideia aqui
é de “ casa” . Isso é o que o céu é, um lugar no qual imediatamente pensa­
mos como a nossa “ casa” .
Não é maravilhoso saber que você é um cristão e que essas promessas e
seguranças são suas? Você é um cristão?
CAPÍTULO 7

A visão do apóstolo João e dos


puritanos sobre o amor adotivo e
transformador do Pai
Jo e l R . Beeke

“Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos
chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa
razão, o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo.
Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o
que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos
semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele ê .E a si mesmo se
purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro. ”
ljoão 3.1-31

H
á muitos anos fui encarregado de escrever um capítulo para um
livro sobre como os puritanos enxergavam a adoção dos crentes
à família de Deus. Eu senti certa apreensão quando me deparei
com a observação de J.I. Packer, que diz: “ O ensinamento puritano sobre a
vida cristã, tão forte em outros assuntos, foi notavelmente deficiente” sobre
adoção.2 Minha apreensão aumentou quando eu li a afirmação de Erroll
Hulse que “ tirando alguns parágrafos aqui e acolá, os puritanos fizeram
pouco para explorar essa verdade” .3 Declarações como essas promovem

1P orções deste capítulo são adaptadas do m eu livro The Epistles o f John. D arlington , U .K .: E vangelical Press,
2 0 0 6 , p. 1 1 1 -1 2 0 , e do m eu outro, Heirs with Christ:The Puritans on Adoption. G ran d R ap id s: R e fo rm a tio n
H eritage B o o k s, 2 0 0 8 , p. 7 5 -1 0 2 .
2 P A C K E R , J . I. Knowing God. D o w n ers G rove, 111.: interVarsity, 1973, p. 2 07 [Publicado no Brasil pela
C u ltu ra C rista c o m o título O Conhecimento de Deus (N .d o E .)].
3 H U L S E , E rrol. “ R e c o v e rin g the D o c trin g o f A d o p tio n ” . In: Reformation Today p. 105 (1988): 10.
88 ç í A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

uma opinião comum que a adoção é o aspecto negligenciado na apresenta­


ção puritana de ordo salutis (“plano de salvação”). Então como poderia es­
crever um capítulo inteiro sobre a visão puritana da adoção quando, como
esses homens disseram, os puritanos escrevem pouco ou quase nada sobre
o assunto?
Mas aí lembrei que o capítulo doze da Confissão de Fé de Westminster
foi a primeira declaração confessional a ser escrita sobre a adoção, e foi
escrita por puritanos. Ao me mover das confissões para vários livros antigos
e grossos dos puritanos, meus medos sumiram. Logo descobri que havia
encontrado uma mina de ouro de milhares de páginas de material que
os puritanos haviam escrito sobre adoção, e que ninguém havia escrito
alguma obra significativa sobre o assunto no corpo massivo da literatura
secundária puritana.
A evidência sugere que a adoção, apesar de não ter sido desenvolvida
tão minuciosamente quanto outras doutrinas, como a da justificação, da
santificação e segurança, certamente não foi um tópico negligenciado pe­
los puritanos. William Ames, Thomas Watson, Samuel Willard e Herman
Witsius lhe deram atenção ampla em suas teologias sistemáticas —Witsius
devotou vinte e oito páginas a ela em sua obra marcante The Economy o f the
Covenants hetween God & M an.4
William Perkins, frequentemente chamado de pai do puritanismo, en­
dereçou vários aspectos da adoção extensivamente em pelo menos nove
lugares de suas obras.5William Bates, Hugh Binning,Thomas Brooks, An-
thony Burgess, Stephen Charnock, George Downam ejohn Flavel,Thomas
Goodwin, William Gouge, Ezekiel Hopkins, Edward Leigh e John Owen,
todos providenciam algum tratamento sobre o assunto.6 Outros puritanos,

4 A M E S , W illiam . The Marrow ofTheology, trad. e org. J o h n D. E usd en . B o sto n : P ilg rim Press, 1968, p.
1 6 4 -1 6 7 ; W A T S O N , T h o m as. A Body ofDivinity in a Series o f Sermons on the Shorter Catechism. L ondres:
A . Fullarton, 1845, p. 1 5 5 -1 6 0 [Publicado n o Brasil pela C u ltu ra C rista co m o título A Fé Cristã (N .d o
E .)];W IL L A R D , Sam uel. A Complete Body ofDivinity. N o v a Y ork: Jo h n so n R e p r in t C o rp ., 1969(reim pr.),
p. 4 8 2 -4 9 1 ; W IT S IU S , H erm an . The Economy o f the Covenants between God & Man. K in gsb u rg, C alifórn ia:
D e n D u lk C hristian F oundation, 1990(reim pr.), 1 :4 4 1 -4 6 8 .
5 The Workes o f that Famovs and VVorthy Minister o f Christ in the Vniuersitie o f Camhridge, Mr. William Perkins,
v. 3. L ondres: Iohn L eg att e C antrell L igge, 1 6 1 2 -1 6 1 3 ,1 :8 2 - 8 3 ; p. 1 0 4 -1 0 5 ; p. 3 6 9 -3 7 0 ; p. 430; 2 :2 7 7 -2 8 0 ;
3 :1 5 4 -1 5 5 ; p. 20 5 ; p. 138 e p. 3 8 2 da segu nd a pagin ação.
6 B A T E S , W illiam . The Whole Works o f the Rev. W. Bates, D.D., ed.W . Farm er. H arrison burg,V a.: Sprinkle,
1990 (reim pr.), 4 :2 9 9 -3 0 1 ; B I N N I N G , H u g h . The Works o f the Rev. Hugh Binning, M.A., ed. M . Leishm an.
L igonier, Pa.: Soli D e o G lo ria, 1 9 9 2 (reim pr.), 9 .2 5 3 -2 5 5 ; B R O O K S ,T h o m a s . The Works ofThomas Brooks.
E d im b u rg o : B an n e r o fT ru th T ru st, 2001 (reim pr.) 4 :4 1 9 -4 2 0 ; B U R G E S S , Anthony. Spiritual Refining: orA
Treatise o f Grace and Assurance. L ondres: A M iller fo r T h o m a s U n derhill, 1652, p. 2 3 7 -2 4 3 ; C H A R N O C K ,
Step h en . The Complete Works o f Stephen Charnock. E d im b u rg o : Ja m e s N ic h o l, 18 6 5 , 3 :9 0 ; D O W N A M E ,
G eorge. A Treatise o f Ivstification. L ondres: F elix K yn gston para N ic o las B o u rn e , 1633, p. 2 3 9 -2 4 2 ; F L A ­
V E L , Jo h n . The Works ofjohn Flavel. E d im b u rg o : B an n e r o fT ru th T r u st, 1997, 6 :1 9 7 -1 9 9 ; G O O D W IN ,
... S O B R E O A M O R A D O T I V O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I ■<* 8 9

como Jeremiah Burroughs, Thomas Cole, Roger Drake, Thomas Hooker,


Thomas Manton, Stephen Marshall, Richard Sibbes,JohnTennent e John
Waite pregaram um ou mais sermões sobre adoção.7
A ênfase puritana sobre adoção foi tão significativa que os teólogos de
Westminster a endereçaram em cada uma de seus três padrões. Em adição
ao já mencionado capítulo doze da Confissão de fé de Westminster, “ So­
bre a Adoção” , o Catecismo Maior (questão 74) e o Catecismo Menor
(questão 34) também a endereçam, assim como vários comentaristas das
Confissões de Westminster desde então.8
Mais importantemente, alguns puritanos escreveram dissertações intei­
ras sobre o tema da adoção, incluindo:

• John Crabb, A Testimony concerning the Works o f the Living God. She-
unnghow the mysteries o f his workings hath worked many ways in and

T h om as. The Works o f Thomas Goodwin. E urek a, C alifórn ia: Tanski, 1996 (reim pr.), 1 :8 3 -1 0 2 ; G O U G E ,
W illiam . A Gvide to Goe to God: or,An explanation o f the perfect Patterne o f Prayer, The Lords Prayer. L ondres:
G .M . para E d w ard Brew ster, 1636, 2a ed., p. 1 0 -2 1 ; H O P K I N S , E zekiel. The Works o f Ezekiel Hopkins, ed.
Charles W. Q u ic k . M o rg an , Pa.: S o li D e o G lo ria, 1997 (reim pr.), 2 :1 2 0 -1 2 1 ,5 6 9 - 5 7 6 ; 3 :1 9 8 -1 9 9 ; L E IG H ,
Edw ard. A Treatise o f Divinity. L ondres, 1646, p. 5 1 0 -5 1 1 ; O W E N ,Jo h n . The Works ofjohn Owern, ed. W il­
liam H . G o o ld . L ondres: B an n e r o fT ru th Trust, 1966 (reim pr.), 2 :2 0 7 -2 2 2 ; 4 :2 6 5 -2 7 0 ; 2 3 :2 5 5 -2 7 6 .
7 B U R R O U G H S , Jerem iah . The Saints’ Happiness, Delivered in Divers Lectures on the Beatitudes. Beaver
Falis, Pa.: S o li D e o G lo ria, 1988 (reim pr.), p. 1 9 3 -2 0 2 ; C O L E ,T h o m a s . A Discourse o f Christian Religion,
in Sundry Points... Christ the Foundation o f our Adoption,from Gal. 4.5. Londres: para W ill. M arshall, 1698;
D R A K E , R o g e r . “ T h e B eliev er's D ig n ity and D u ty L aid O p e n , in the H igh B irth w herew ith he is P rivi-
leged, and the H o n o u rab le E m plo ym en t to w h ich h e is C a lle d ” . In: Puritan Sertnons í 659- í 689: Being the
Morning Exercises at Cripplegate, St. Giles in the Fields, and in Southwark by Seventy-five Ministers o f the Gospel
in or near Lotidon. W h eaton , 111.: R ic h a rd O w e n R o b e rts, 1981 (reim pr.), 5 :3 2 8 -3 4 4 ; H O O K E R ,T h o m ­
as. The Christians Two Chiefe Lessons. A m es, Iow a: International O u treach , 2 0 0 2 (reim pr.), p. 159-173;
M A N T O N , T h o m as. The Complete Works o f Thomas Manton, D. D. L ondres: Jam e s N isb e t, 1870, 1:33-57;
10:1 1 6 -1 2 1 ; 1 2 :1 1 1 -1 3 9 ; M A R S H A L L , Step h en , The Works o f Mr Stephen Marshall, The First Part, [section
2:] The High Priviledge ofBeleevers. They are the Sons o f God. L ondres: Peter and E d w ard C o le , 1 6 6 1 ;S IB B E S ,
R ich ard . Works o f Richard Sibbes. E d in b u rgo : B an n er o fT ru th Trust, 20 0 1 , 4 :1 2 9 -1 4 9 ; T E N N E N T , Jo h n .
“ T h e N ature o f A d o p tio n ” , em Sahation in Full Color: Twenty Sermons by Great Awakening Preachers, ed.
R ich a rd O w e n R o b e rts. W h eaton , 111.: Internation A w akening press, 1994, p. 2 3 3 -2 5 0 ; W A IT E , Jo h n . O f
the Creatures Liberation from the Bondage o f Corruption, Wherein is Discussed... [section V]:And lastly is discussed
that glorious libertie o f the sonnes o f God into which the creature is to be reduced. Y o rk :T h o : B road, 1650.
8P or e xe m p lo ,p ara a C o n fissão d e Fé deW esm inster, veja SHAW , R o b e r t. The Reformed Faith:An Exposi-
tion o f the Westminster Confession o f Faith. Inversness: C hristian F ocus, 1974 (reim pr.), p. 137 -1 4 1 ; para o
C atecism o M aior, veja R ID G E L E Y ,T h o m a s. Commentary on the Larger Catechism. E d m o n to n : Still W aters
R e v iv al B o o k s, 1993 (reim pr.), 2 :1 3 1 -1 3 7 ; e para o C atecism o M en or, veja B R O W N , Jo h n (de H ad -
dington ). An Essay towards an easy, plain, practical, and extensive Explication o f the Assembly’s Shorter Catechism.
N o v a Y ork: R o b e r t C arte r & B rothers, 1849, p. 16 2 -1 6 5 ; F IS H E R ,Ja m e s . The Assemhly’s Shorter Catechism
Explained, by way o f Question and Answer. Lew es, E ast Sussex: B e rith Publications, 1998 (reim pr.), p. 184-
1 87;V IN C E N T ,T h o m a s. The Shorter Catechism o f the Westminster Assembly Explained and Provedfrom Scrip-
ture. E d im b u rg o : B an n er o fT ru th Trust, 180 (reim pr.), p. 9 6 -9 7 . Para declarações confissionais adicionais
sobre adoção, v e ja T R U M P E R ,T im . “ A n H isto rical Stu dy o f the D o ctrin e o f A d o p tio n in the Calvinistic
T radition ” . D issertação de PhD , U n iversity o f E dinburgh , 20 0 1 , p. 5-10.
90 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

amongst mankind. Or, The knowledge o f God revealed, which shews the way
from the bondage o f darkness into the liberty o f the Sons o f God.
• Simon Ford, The Spirit o f Bondage and Adoption: Largely and Practically
handled, with reference to the way and manner o f working both those Effects;
and the proper Cases o f Conscience belonging to them both.
• M. G., The Glorious Excellence o f the Spirit o f Adoption.
• Thomas Granger, A Looking-Glasse fo r Christians. O r,The Comfortable
Doctrine o f Adoption.
• Cotton Mather, The Sealed Servants o f our God, Appearing with Two
Witnesses, to produce a Well-Established Assurance o f their being the Chil-
dren o f the LordAlmighty or, the Witness o f the Holy Spirit, with the Spirit
o f the Beleever, to his Adoption o f God; briefly and plainly Described.
• Samuel Petto, The Voice o f the Spirit. Or, An essay towards a discoverie o f
the wtinessings o f the Spirit.
• Samuel Willard, The Child's Portion: Or the unseen Glory o f the Children
o f God, Asserted, and proved:Together with several other Sermons Occasionally
Preached.9

Infelizmente, nenhum desses livros foi impresso recentemente, o que,


em parte, serve para promover o conceito errôneo de que os puritanos
raramente trataram desse assunto.
Eu acabei gastando o meu verão inteiro nesse assunto, e percebi que
foi um dos dois estudos mais enriquecedores que envolveram minha vida.
O capítulo se tornou um livreto que provou ser transformador para a mi­
nha própria alma.
Nesse capítulo, eu quero analisar esse estudo puritano sobre o contexto
de ljoão 3.1-3 e tentar unir o apóstolo João e seu impacto nos puritanos e
o que os puritanos têm a dizer a nós. Então esse capítulo será uma mistura
de exegese, teologia histórica e aplicação pastoral. Se você é um crente, eu
espero que seja muito benéfico para o seu relacionamento pessoal com
Deus e com seus companheiros cristãos.
Meu alvo é mostrar, em primeiro lugar, a sublime maravilha da nossa
adoção por Deus; segundo, a sua fundação trinitária; terceiro, o seu poder
transformador; quarto, os seus privilégios e benefícios; e quinto, seus deve­
res e responsabilidades.

9 C R A B B . L o n d res:Jo h n G ain, 1682; F O R D . L ond resiT . M axy, para Sa. G ellibrand, 1655; M . G . L ondres:
Ja n e C o e , para H e n ry O v erto n , 1645; G R A N G E R . Londres: W illiam lon es, 1620; M A T H E R . B o so n :
D an iel H en ch m an , 1727; P E T T O . L ondres: Livew ell C hap m an , 1654; W IL L A R D . B o sto n : Sam uel G reen,
vendido p o r Sam u el Phillips, 1684.
... S O B R E O A M O R A D O T IV O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I 91

A INCRÍVEL MARAVILHA DA ADOÇÃO


O Deus trino se deleita no planejamento familiar. Ao contrário da
maioria dos planejamentos familiares modernos, que são restritivos e limi­
tadores, os planos de Deus para a sua família são expansivos e ampliadores.
Adoção espiritual —o ensinamento maravilhoso de que todo cristão ge­
nuíno é um filho adotivo da família de Deus —é um fator fundamental e
vital que Deus utiliza para cumprir seus planos para sua família.
A doutrina da adoção espiritual, que os puritanos definiram como “ um
ato da livre graça de Deus, pela qual fomos recebidos ao número, e temos
direito a todos os privilégios, dos filhos de Deus” (Catecismo Menor de
Westminster, questão 34), é abordada várias vezes no Novo Testamento.
Romanos 8.14-16 e Gálatas 4.4-6 podem ser os mais familiares a nós,
mas a adoção também é um tema frequente na primeira epístola de João.
Particularmente em ljoão 3.1-3, o apóstolo fundamenta para nós os prin­
cipais e mais frequentes temas do Novo Testamento sobre a paternidade de
Deus e a consequente filiação dos crentes. Não é necessário lermos muito
no Novo Testamento antes de percebermos que esses temas são de uma
importância crucial à integridade da vida cristã. Onde há algum grau de
maturidade espiritual, alguma percepção de nossa filiação ao Pai celestial,
esse relacionamento de Pai para filho fortalece a nossa oração; de fato,
controla a nossa perspectiva inteira sobre a vida. Muito do que Deus nos
ensinou pode ser resumido na doutrina preciosa da paternidade de Deus.
A revelação da paternidade de Deus ao crente é, de certo modo, o clímax
das Escrituras e um dos maiores benefícios da salvação.
João inicia o terceiro capítulo de sua primeira epístola com um cha­
mado para os crentes largarem tudo e considerarem a grande doutrina
da adoção. “Vede” é a palavra que abre o capítulo. Ele está dizendo: “Veja
isso!” . O apóstolo está tão espantado com a maravilha da adoção de Deus
dos crentes que ele está determinado a direcionar a atenção de todos para
ela. Ele pede que olhemos junto com ele para essa maravilha: “Vede que
grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos
de Deus” (v.l). É como se João perguntasse: “Você conhece a grandeza
dessa verdade maravilhosa? Você, pela fé, já compreendeu essa doutrina
magnífica da adoção?” .
O senso de perplexidade e espanto de João é mais evidente no grego
original. A interrogativa grega, p o ta p o s , originalmente, significa: “ de que
país ou domínio?” . Mais tarde veio a significar, de modo geral: “ de que
maneira?” . Mateus 8.27 usa a mesma linguagem para expressar a surpresa
dos discípulos quando Jesus acalmou os ventos e o mar: “ Que homem é
92 «-* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

este, (literalmente,‘de que domínio vem esse homem?’), que até os ventos
e o mar lhe obedecem?” .
A adoção de Deus dos crentes é algo sem paralelo nesse mundo. Esse
amor paternal chegou a nós de outro reino. O mundo não entende tama­
nho amor, pois nunca viu algo parecido. E além do domínio da experiên­
cia humana ordinária.
João está realmente admirado porque Deus revela tão grande amor,
mesmo quando somos, por natureza, banidos, rebeldes e inimigos dele e de
seu reino. Deus nos chama de filhos de Deus; isso é, ele nos aceita em sua
família, dando-nos o nome, os privilégios e todas as bênçãos próprias de
filhos. Ele nos convida a conhecê-lo como Pai e viver sob a sua proteção e
cuidado, e a nos aproximarmos dele com todas as nossas necessidades e an­
siedades. João fica surpreso com o conceito de ser recebido e reconhecido
como membro da família de Deus.
Você já parou para considerar quão estupenda e maravilhosa é a ado­
ção? Wilhelmus à Brakel (1635-1711) colocou dessa maneira: “De filho
de Satanás a filho de Deus, de filho da ira a objeto do favor de Deus, de
filho da condenação a herdeiro de todas as promessas e possuidor de todas
as bênçãos, e exaltado da maior miséria à alegria mais elevada —isso é algo
que excede toda compreensão e toda adoração” .10
Perkins (1558-1603) disse que um crente deveria estimar a sua adoção
como filho de Deus como sendo maior do que ser “ o filho ou herdeiro de
qualquer príncipe mundano [já que] o filho do maior potentado pode ser
um filho da ira: mas o filho de Deus, pela graça, tem Cristo Jesus para ser seu
irmão mais velho, com o qual é herdeiro nos céus; ele tem o Espírito Santo
como seu confortador, e o reino dos céus como sua herança infinita” . Perkins
lamentou que poucas pessoas percebam isso na experiência: “Homens se
maravilham com nomeações terrenas, mas é raro você encontrar um homem
que se deleita em maravilha e admiração pelo fato de ser filho de Deus” .11
Os puritanos acreditavam que o ato da adoção de Deus é espantosa­
mente compreensivo. A maioria dos puritanos tratava a adoção, na ordo
salutis, entre a justificação e a santificação, seguindo a ordem proposta pe­
los teólogos de Westminster. Logicamente, isso faz sentido, dadas as co­
nexões inevitáveis entre a santificação e adoção. Porém, outros puritanos
apontavam que, apesar da adoção ser vista como um aspecto da salvação,
ou uma parte da ordo salutis, pode também ser entendida melhor como

10B R A K E L ,W ilh e lm u s à. The Christiatt’s Reasonablc Service, trad. B artel E lsh o u t.Jo e l R . B eek e, o rg. G rand
R ap id s: R e fo rm a tio n H e ritag e B o o k s, 1 9 9 9 ,2 :4 1 9 .
11 Workes o f Perkins, 3 :1 2 3 8 (2a pagin ação).
... S O B R E O A M O R A D O T IV O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I * * 93

compreendendo toda a doutrina da salvação por meio de Jesus Cristo. Por


exemplo, Stephen Marshall (1594-1655) escreve: “Apesar de algumas vezes
nas Escrituras Sagradas a nossa filiação ser somente um de nossos privi­
légios, frequentemente nas Escrituras todos os crentes obtêm de Cristo,
nesse mundo e no mundo por vir, aqui e na eternidade, tudo é o que é
compreendido nisso, que eles são feitos filhos de Deus”. Marshall continua
citando vários exemplos. Ele escreve: “Eu não sei quantas vezes o pacto da
graça é expresso nessa palavra, Eu serei o Pai deles e eles serão meus filh os”. Ele
também convida os leitores a considerarem Efésios 1.5, onde, diz ele, Paulo
compreende toda a salvação “ nesta única expressão, tendo nos predestinado à
adoção de filh os”.12 Claramente, os puritanos atribuíam um lugar compreen­
sivo e imponente à surpresa maravilhosa da adoção na doutrina da salvação
através de Jesus Cristo.
Você se surpreende ao pensar nesse maravilhoso amor adotivo do Pai?
Maravilha e surpresa santa são uma parte importante da experiência cristã.
Uma das táticas de Satanás é abafar o nosso sentimento de maravilha,
nos convencendo que sentimos tal maravilha somente nas etapas iniciais,
quando nos tornarmos crentes. E verdade que um crente experimenta um
senso de alegria e admiração especial quando ele conhece a Cristo pela
primeira vez. Muitas vezes nos referimos a esse tempo como o “primeiro
amor” de alguém. Mas João está escrevendo aqui como um homem mais
idoso, que tem sido crente por mais de sessenta anos. Mesmo assim, o seu
coração está cheio de admiração por ser filho de Deus. Ele nunca cansou
daquele primeiro momento de estar maravilhado e admirado pelo amor
paterno abrangente de Deus.

A FUNDAÇÃO TRINITÁRIA DA ADOÇÃO


Crentes não são filhos de Deus por natureza, porque perdemos o status
e os privilégios da filiação em nossa queda trágica com Adão no paraíso.
A adoção é possível somente quando a graça eletiva de Deus nos chama à
possessão de todos os privilégios e bênçãos próprias de seus filhos. Quando
nascemos de novo, Cristo nos redime da escravidão de Satanás e com graça
sobre graça, nos transfere à filiação do Pai. Deus nos chama de filhos por­
que somos adotados em sua família.
N o tempo de João, a adoção geralmente acontecia na adolescência ou
na juventude, não na infância. Sob a lei romana, a adoção era um ato legal

12 Works o f Stephen M arshall, p. 3 7 -3 8 . M arshall tam bém usa R o m a n o s 8 .2 3 e o co m eço de Gálatas 4 para
apoiar o uso abrangente frequente da B íb lia de adoção.
94 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O PA I

pelo qual o homem escolhia alguém fora de sua família para ser herdeiro
de seus bens. Da mesma maneira, crentes se tornam filhos de Deus através
do ato gracioso de Deus o Pai, que os torna herdeiros do reino de Deus e
de seu pacto. O Pai sela e testemunha que “ ele concretiza um pacto eterno
conosco e nos adota como seus filhos e herdeiros e, portanto, irá provi­
denciar todas as coisas boas, e evitar o mal ou transformá-lo para o nosso
bem” . Portanto, os nossos filhos também são “feitos para serem batizados
como herdeiros do reino de Deus e de seu pacto” .13
Algumas vezes, pais adotivos anunciam a recepção de seus adotados
com palavras como “nosso filho escolhido” . Caro crente, da mesma ma­
neira, Deus o Pai te amou quando você ainda era um estranho e um re­
belde, e de nenhuma maneira, você era um membro de sua família. Ele te
chamou, te atraiu a ele mesmo, o trouxe à sua família, te declarou como
seu filho e, agora, reserva uma herança eterna para você no seu reino.
Existe uma história sobre um rei que achou o filho de um homem
pobre, o removeu da sarjeta, e o fez príncipe sobre a casa real, com todo
o seu status e privilégios. A história do evangelho não é ficção, pois as
Escrituras revelam que o Deus Todo-poderoso e Pai instou seu amor a
você (Jr 31.3), lhe tirou de uma cova terrível e profunda (SI 40.2), lhe
trouxe à sua casa (Hb 3.6) e lhe deu todos os privilégios e bênçãos de ser
seu filho (Rm 8.16-17).
João diz no versículo 2: “Amados, agora somos filhos de Deus” . Isso
não é meramente uma linguagem legal. Nós crentes somos, de fato, os
escolhidos por Deus, como diz em Efésios 1.5-7. Que surpreendente que
nós, como filhos adotados por Deus, compartilhamos os privilégios que
pertencem ao Filho unigênito de Deus! Você já compreendeu a verdade
surpreendente da oração de Cristo em João 17.23:“ ... para que o mundo
conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” ?
Esse amor é a essência da paternidade de Deus. O amor do Pai para com
seu Filho se estende a todos que estão nele, como filhos e filhas adotivas
de Deus. Mostra-nos o quanto Deus está disposto a fazer quando ele nos
adota em sua família.
Nós nos tornamos filhos de Deus, isto é, Deus se torna nosso Pai, por
substituição, ou, como João diz, propiciação: “ Nisto consiste o amor: não
em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou
o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (ljo 4.10; ljo 2.2).

13 Essas ênfases, citadas da liturgia H olandesa reform ada para o batism o ( T he Psalter. G ran d R a p id s: R e -
form atio n H eritage B o o k s, 1999, p. 126), tam bém se m ostram nos direcion am entos da A ssem bléia de
W estm inster para a adm inistração d o batism o (W estm inster L arger C atech ism , questões 165-167).
... S O B R E O A M O R A D O T IV O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I 95

Propiciação pode ser um termo estranho para nós, mas é vital, pois nele
está contido o coração do evangelho.
Deixe-me explicar. Nós não somos filhos e filhas de Deus por natu­
reza. Muitos vivem com essa ideia falsa. Eles acham que todos são filhos
de Deus porque todos viemos do mesmo Pai. E verdade que todos somos
criaturas do divino Criador, mas em nenhum lugar a Bíblia nos diz que
somos filhos de Deus por natureza. Em vez disso, ela nos diz que somos
filhos da ira (Ef 2.3). Por causa da natureza caída e pecadora que herdamos
de Adão, somos objetos da ira, julgamento e raiva de Deus.14'
Deus possui somente um Filho natural, o Verbo eterno que se tornou
carne como o Senhor Jesus Cristo. Seu Filho Unigênito é o Filho de seu
amor. Agora, o amor maravilhoso de Deus para com os pecadores é re­
velado na maneira em que ele transforma filhos da ira em filhos de seu
amor. O Pai ama o Filho, mas na substituição surpreendente, quando Deus
nos aceita no sacrifício expiatório de Cristo, a ira de Deus contra nós foi
derramada sobre seu Filho unigênito, que, portanto se tornou o sacrifício
expiatório, ou propiciação para os nossos pecados. Nós que éramos filhos
da ira nos tornamos filhos de seu amor, porque o Filho amado de Deus se
tornou portador de sua ira na cruz.
Essa é a surpreendente doutrina bíblica da substituição penal. Caros
crentes, Jesus Cristo, que merecia o céu eterno, obteve o inferno eterno
como a punição dos nossos pecados, para que os portões do inferno se
fechassem eternamente para nós e os portões dos céus se abrissem para
sempre a nós. Que preço Cristo teve que pagar para realizar essa tarefa! Ele
teve que permanecer na chama viva da ira de seu Pai e ser lançado à es­
curidão completa, clamando, “Deus meu, Deus meu, porque me desampa­
raste?” (Mateus 27.46) —tudo para que Deus pudesse, em Cristo, nos trazer,
nós, que éramos por natureza pecadores estranhos e rebeldes, à família de
Deus e nos reconhecer como seus filhos.
Esse é o único jeito de se tornar um filho de Deus —somente através da
propiciação de Cristo, o sacrifício expiatório, o substituto penal, o Cordeiro
de Deus, entregue por causa dos nossos pecados. Somente em Cristo é que
Deus se torna Pai de seu povo. De que país vem esse amor —um amor que
levaria o santo Deus de toda a eternidade a aceitar essa transação para os
pobres, sem esperança, pecadores dignos do inferno como nós somos?
Quão grande é o amor com que o Pai tem nos amado para que fôsse­
mos chamados de filhos de Deus - nós que merecemos o seu julgamento,
o destronamos de nossa vida, rejeitamos o seu amor e desafiamos as suas

,4W A T S O N . A Body o f Divinity, p. 160.


96 ^ A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

leis. Nunca poderiamos merecer o amor de Deus, porém, ele graciosa­


mente impõe sobre nós o seu amor em Cristo. Aqui jaz a grande segurança
do filho de Deus, que ele não foi escolhido por qualquer bem que ele pos­
sui, mas simplesmente porque Deus o Pai o amou mesmo quando estava
destinado ao inferno (Rm 5.8). Deus amou o pecador que não tinha pen­
samento algum sobre Deus em seu coração, e Deus o adotou para ser seu
Filho. Que maravilha é a segurança das palavras do Pai: “ com amor eterno
eu te amei” (Jr 31.3)!
Todas as pessoas da Trindade estão envolvidas em nossa adoção. A ado­
ção é o ato gracioso de Deus o Pai pelo qual ele nos escolhe, nos chama
a si mesmo, e nos dá os privilégios e bênçãos próprios de filhos. Deus o
Filho mereceu essas bênçãos por sua morte e sacrifício propiciatórios, atra­
vés dos quais nos tornamos filhos de Deus (ljo 4.10). E o Espírito Santo
nos transforma de filhos da ira, que somos por natureza, a filhos de Deus
por meio da regeneração, ou da nova vida, selando a nossa adoção com sua
própria testemunha.

RELACIONAMENTOS TRANSFORMADOS
RESULTANTES DA ADOÇÃO
A adoção traz bênçãos em todas as áreas da vida do crente. Ela afeta o
seu relacionamento com Deus, com o mundo, com seu futuro, com ele
mesmo e com seus irmãos e irmãs na família de Deus. Portanto, a doutrina
da adoção é central a um entendimento correto de todo aspecto da vida
cristã. Os puritanos concordariam com Packer: “ Filiação tem que ser o
pensamento controlador —a categoria normativa —em todo ponto” .15To­
dos os relacionamentos são inseridos no contexto correto somente quando
crentes conseguem entender o que Deus fez ao adotá-los como filhos.
Cristo por si é prova dessa verdade. A consciência de Jesus de sua fi­
liação única com o Pai controlou todo o seu viver e o seu pensar. Como
Jesus diz em João 5.30: “ Não procuro a minha própria vontade, e sim a
daquele que me enviou” ; e em João 10.30: “Eu e o Pai somos um” . “ Se
não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis” , diz Jesus em João 10.37,
e: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Jesus
fala sobre Deus como “ meu Pai” mais de trinta vezes no evangelho de João.
Apesar do relacionamento entre Deus o Pai e Deus o Filho ser uma
verdade óbvia nos evangelhos, o que não é tão óbvio é como Jesus incita
seus discípulos a deixarem seus pensamentos e vida serem controlados pela

15 P A C K E R . Knowing C od, p. 190.


... S O B R E O A M O R A D O T IV O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I 97

convicção de que Deus é o Pai deles e que eles são seus filhos. Jesus repeti­
damente cita a filiação com o Pai como a fundação do discipulado cristão.
Ele fala aos seus discípulos que eles devem ser exemplos de confiança no
Pai, ensinando-os:“ (...) não vos inquieteis dizendo: Que comeremos? Que
beberemos? Ou: Com o que nos vestiremos?... pois vosso Pai celeste sabe
que necessitais de todas elas” (Mt 6.31-32). A vida inteira dos discípulos
deve ser direcionada a glorificar o Pai que está no céu e a fazer a sua von­
tade, então Jesus os ensina a orar: “Pai nosso, que estás no céu, santificado
seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra
como no céu” (v. 9-10). O filho de Deus deve viver sua vida inteira em
relação ao seu Pai, lembrando-se de que o Pai prometeu dar-lhe seu reino.
De maneira prática, a adoção possui grandes impbcações, como o pu­
ritano John Cotton (1584-1652) nos mostra em particular. Nossa adoção
transforma o seguinte:

O nosso relacionamento com Deus


Quando o evangelho se infiltra em nossa vida, somos levados pelo Es­
pírito a descobrir a verdade surpreendente que Deus agora é nosso Pai em
Cristo Jesus. O pulso da experiência diária cristã é viver a comunhão com
o Pai e com o Filho. Um cristão verdadeiro vive debaixo do amor, sabedo­
ria, cuidado, orientação e disciplina paternais.
As pessoas hoje em dia estão com fome por segurança. Eles a procuram
em todos os tipos de lugares e coisas, mas frequentemente procuram da
maneira errada. O único lugar no universo onde a verdadeira segurança
pode ser encontrada é na moradia do Pai celestial, que é o Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo. Não existe segurança fora da comunhão com
Deus o Pai, por meio do Senhor Jesus Cristo no Espírito Santo.
Muitas pessoas estão descobrindo que as coisas que lhes deram segu­
rança há um tempo agora estão falhando. Estão encontrando falhas no
trabalho ou em relacionamentos com família e amigos. A raça humana está
cheia de crise e catástrofes causadas por terrorismo, guerra, doenças, fome
e morte. A vida é incerta; até mesmo o chão no qual colocamos os pés está
se desfazendo. A corporação mais poderosa na terra pode se desmoronar na
próxima recessão. Nós aprendemos que nada na vida é seguro senão Deus.
Ele é o único que não muda (Ml 3.6; Hb 13.8).
Você está procurando por segurança na paternidade de Deus? Você está
diariamente sendo conduzido a uma experiência mais profunda da fideli­
dade de Deus como seu Pai? Jesus ensinou seus discípulos essa verdade de
várias formas. Por exemplo, ele incitou os seus seguidores a pensarem sobre
o amor paternal de Deus comparando-o com o amor de pais humanos. Ele
98 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

disse em Mateus 7.11, “ Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas
aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas
aos que lhe pedirem?” .
A comparação está entre pais terrenos, que são maus (isto é, eles têm a
natureza caída, com falhas, fracassos e pecados), e o Pai celestial, que é bon­
dade em si, e cujo amor nunca falha ou muda, a despeito de nossas falhas
que nos compelem a confessar com Cotton: “ Certamente, não sou filho
de Deus porque eu encontro muito orgulho em meu coração, e muita
rebelião e corrupção em meu espírito. Certamente, se eu fosse nascido de
Cristo eu deveria ser como ele. Mas, o que João diz aqui? Nós somos filhos
de Deus agora mesmo, apesar de haver muita incredulidade em nosso cora­
ção, e muita fraqueza e corrupção em nosso ser” .16 Mesmo assim,Jesus nos
mostra que o amor de nosso Pai celestial para conosco é eterno, expansivo
e glorioso além da imaginação.
Eu não sei qual tem sido a sua experiência de paternidade terrena. Mui­
tos de nós não tivemos nenhum relacionamento verdadeiro com o nosso
pai terreno; alguns tiveram ou têm relacionamentos bons com seus pais, e
outros podem ter relacionamentos ruins ou até amargos. Tudo que falha
na paternidade deste mundo é corrigida na paternidade de Deus. Tudo de
bom que experimentamos na paternidade deste mundo é somente uma
sombra da paternidade íntegra e perfeita de Deus.
Se você é um pai, você sabe como seu coração às vezes dói e clama
por amor aos seus filhos. Imagine multiplicar esse amor por infinito. Então
perceba como até mesmo isso não se compara ao amor que Deus tem para
com seu povo. Você já se entregou ao amor de seu Pai celestial? Oh! Que
você se permita participar de seu imensurável amor paternal!
Para aumentar a apreciação do seu povo pela paternidade de Deus, Jesus
os incita a pensar sobre seu próprio relacionamento com Deus o Pai. E neces­
sário que pensemos na maravilha disso, especialmente no contexto das aflições
diárias, lembrando que Jesus experimentou o amor do Pai ao mesmo tempo
em que sofria as aflições diárias dessa vida. Quando você está sob a disciplina
de Deus e ele está permitindo que as aflições caiam sobre você, lembre-se de
que essas dificuldades são evidência do amor do Pai (Hb 12.5-11). Como um
Pai amoroso, Deus tem um plano, um propósito, uma visão para o seu povo
que inclui toda aflição e dor no coração, toda prova e dificuldade.
Como pais, nós sonhamos sobre o que os nossos filhos podem vir a se
tornar quando crescerem. Da mesma maneira, Deus possui uma visão para

16C O T T O N ,J o h n . An Exposition o f FirstJohn. EvansvÜle, Ind.: S overeign G race Publishers, 1962 (reim pr.),
p. 319.
... S O B R E O A M O R A D O T IV O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I 99

seus filhos. Ele sabe precisamente o que ele quer que eles sejam e se tor­
nem. Ele sabe como irá moldá-los e treiná-los de acordo com o seu plano
e, inevitavelmente, isso envolve disciplina, porque Deus não permitirá que
seus filhos se tornem menos do que ele pretende que sejam. Ele usa a sua
disciphna paternal para o bem deles (Lm 3.31-33; Hb 12.10). Se formos
crentes nascidos novamente, é necessário que peçamos sabedoria para en­
xergar tudo em nossa vida como vindo não por acaso, mas através da mão
de Deus nosso Pai, que nos adotou como seus próprios filhos.

O nosso relacionamento com o mundo


A adoção do crente por Deus o Pai também afeta o seu relacionamento
com o mundo, ljoão 3.1b nos diz que esse relacionamento é uma das
dificuldades: “Por essa razão o mundo não nos conhece, porquanto não o
conheceu a ele mesmo” . Por um lado, o crente compartilha com Jesus do
amor infinito, eterno e imutável do Pai, mas por outro lado, ele comparti­
lha com Jesus da hostilidade, estranhamento e ódio do mundo. A razão pela
qual o mundo não nos conhece (reconhece ou aceita) os filhos de Deus é
porque não conhece a Jesus.
O mundo fica surpreso com o que acontece com o povo de Deus, pois
não consegue entender porque amam o que amam e porque odeiam o que
odeiam. Essa reação do mundo é outra evidência da adoção do crente à
família de Deus, pois o mundo também não conhecia a Jesus: “Veio para o
que era seu, e os seus não o receberam” (Jo 1.11). Ele estava no mundo que
criou, mas o mundo não o reconheceu ou recebeu como o Filho de Deus.
N o final, o crucificou. “ Se Deus definiu que seu Filho devia se afligir de tal
maneira no mundo e beber da porção amarga da sua ira” , escreve Cotton,
“não pensemos nós que iremos aos céus participar daquelas mansões celes­
tiais que Cristo nos preparou, sem bebermos também do mesmo cálice de
que Cristo bebeu. Devemos ter como privilégio que Deus nos estima de
tal maneira para nos fazer seus filhos também” .17
Quando um pecador é nascido de novo e trazido à família de Deus,
ele conhece as bênçãos maiores de libertação em Cristo. Mas o crente
também descobre que as pessoas do mundo não o entendem mais. Por
exemplo, quando Deus me converteu, aos quatorze anos, eu tive de acabar
com algumas de minhas amizades mais próximas para permanecer fiel a
Deus. U m amigo ficou perplexo: “Eu pensei que te conhecia, mas eu não
sei o que aconteceu com você” , ele disse. “Eu não consigo te entender. De
repente estamos vivendo dois mundos diferentes” .

17 C O T T O N . First Jo h n , p. 318.
100 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Crentes e descrentes vivem em mundos diferentes, em reinos diferen­


tes, em famílias diferentes. Isso com certeza tem consequências sérias. Mas
adoção na família de Deus significa que devemos estar prontos, por amor a
Cristo, para viver como seus seguidores no mundo, mesmo quando somos
mal interpretados, rejeitados, odiados e zombados, ao mesmo tempo, sem
ofender ninguém.

O nosso relacionamento com ofuturo


João continua dizendo: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda
não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se
manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como
ele é” (ljo 3.2). As perspectivas para a família adotiva de Deus são grandes,
pois seus filhos receberão uma herança gloriosa. Eles não conseguem nem
imaginar a extensão dessa herança. Deus mantém isso em segredo, diz Co-
tton, para que eles possam (1) ser como a Cabeça sofredora, (2) ter sua fé
exercida e se manterem atentos e (3) serem tolerantes até certo ponto com
esse mundo, pois “se Deus os permitisse ser perfeitamente santos nesse
mundo, os homens do mundo não os permitiríam viver entre eles por
muito tempo (Dt 7.22)” .18
Aqui e agora, nesse mundo, nós somos filhos de Deus, mesmo que o
mundo não nos entenda. Mas temos algo muito maior esperando por nós
—as infinitas riquezas na glória que Deus o Pai tem reservado para nós em
Cristo Jesus. O filho de Deus é como um camponês pobre que foi tirado
do campo e criado na posição de príncipe do reino. O príncipe adotivo
vive no palácio, tem acesso livre ao rei, e aproveita do favor, amor e prote­
ção do rei. O príncipe fala ao rei que não consegue compreender a gran­
deza do amor do rei. É inexphcavelmente grande para ele. O rei responde:
“Você não começou a ver a extensão do meu amor. O que você tem agora
é só um vislumbre. Sua herança ainda está chegando” .
Se os nossos privilégios presentes como filhos adotivos de Deus são tão
grandes que o mundo não consegue entendê-los, nossos prospectos futu­
ros são tão gloriosos que nem mesmo nós conseguimos entendê-los. Como
ICoríntios 2.9 diz: “ Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais
penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o
amam” . Nós temos uma herança inteira nos aguardando por Deus ser nosso
Pai e por sermos filhos adotivos dele. O melhor ainda está por vir. Hoje
experimentamos grandes bênçãos, a despeito de nossas enfermidades e peca­
dos, mas um dia vamos ser recebidos na glória, livres do pecado e em perfeita

18 C O T T O N . First Jo h n , p. 3 2 0 -3 2 1 .
... SOBRE O AMOR ADOTIVO E TRANSFORMADOR DO PAI 101

comunhão com Deus. Nosso Pai celestial guarda as melhores surpresas para
seus filhos até o final, quando transformará todo pranto em alegria.
Da mesma maneira, hoje olhamos para Cristo pela fé. Apesar do
que vemos ser nebuloso e escuro (como que através de um vidro sujo,
IC o 13.12), nós estamos sendo transformados de glória em glória pelo
Espírito do Senhor (2Co 3.18). Um dia todas as sombras serão removidas.
Nós veremos a Cristo como ele é, em toda sua glória. Além do mais, Deus
está nos moldando para compartilharmos as glórias de nosso Senhor Jesus
Cristo. Como diz ljoão 3.2: “ quando ele se manifestar, seremos semelhan­
tes a ele” . Deus está nos moldando agora, mas no futuro estaremos tão
mudados que portaremos sua imagem sem mancha ou ferrugem. Paulo
nos diz, em Romanos 8.19-23, que a criação toda espera o dia em que a
herança dos filhos de Deus será dada a eles. Que futuro!

O nosso relacionamento com nós mesmos


Os filhos do Pai celestial sabem de sua vontade e propósito para eles.
Todo filho adotado de Deus também sabe que a santidade é uma parte
importante no propósito de Deus para a sua alegria dentro da fa m ília de
Deus. Como diz 1 João 3.3:“E a si mesmo se purifica todo o que nele tem
esta esperança, como como ele é puro” .
Na santidade, o filho de Deus se identifica com os propósitos de seu
Pai. Algumas vezes, os filhos ressentem os propósitos de seus pais, mas o
verdadeiro filho adotado de Deus se identifica com os propósitos do Pai
para ele. Ele não tenta se apartar de seu Pai celestial, mas se encontrar na
vontade dele. O crente se entrega ao propósito que o Pai tem para ele por­
que a busca pelo propósito de Deus para sua vida é inseparável da busca
por santidade.
João nos diz: “E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta es­
perança” (3.3). Devemos então nos purificar diariamente, “ desembaraçan­
do-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia” (Hb 12.1).
Como Colossenses 3 nos diz, santidade significa tirar tudo o que é de­
sonroso ao Pai, que nos amou, e ao Salvador, que morreu para nos salvar.
Significa revestir de “ ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humil­
dade, de mansidão, de longanimidade” (3.12). Purificar envolve o “homem
inteiro” diz Cotton, incluindo o que fazemos com a nossa mentes, afeições,
vontades, pensamentos, línguas, olhos, mãos, desapontamentos, machuca­
dos e inimigos.19 Purificar-nos envolve amar tudo que o Pai ama e odiar
tudo que o Pai odeia. Do momento da conversão até o momento em que

„ COTXONi First John, p. 331.


102 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

damos nosso último suspiro, nós temos um objetivo: nos purificar diante
de nosso Pai para nos tornarmos mais como Cristo.
A palavra grega para “purificar” se refere ao ser restaurado à aliança in­
tegral ou ter os olhos de alguém focado em uma coisa somente. Significa
orar como Davi orou: “ dispõe-me o coração para só temer o teu nome”
(SI 86.11c). Implica integridade e singularidade de propósito, o oposto de
ser “homem de ânimo dobre” (Tg 1.8). Significa ter motivos singulares
em nossa vivência e serviço, estando inteiramente dedicados a viver para
glorificar Jesus Cristo. Cristãos se tornam conhecidos como filhos de Deus
porque eles têm um objetivo novo para eles mesmos, um novo relaciona­
mento com eles mesmos. Através da graça de Deus, eles se purificam da
mesma maneira que Cristo é puro.

O nosso relacionamento com afamília de Deus


Se entendermos corretamente que fomos adotados à família de Deus
(note o uso do plural ao longo de ljoão 3.1-2), nossas atitudes perante
nossos irmãos e irmãs na família também serão afetadas (3.14-18). Não fo­
mos adotados para vivermos à parte dessa família, mas para vivermos com
ela. O propósito de Deus ao adotar filhos é criar uma casa ou família, que
reflita seu propósito gracioso que um dia será cumprido nos céus. Ele quer
que o amor que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo seja esten­
dido através do amor entre irmãos e irmãs em Cristo. Como Cotton diz:
“ Os filhos de Deus devem ser homens de nosso amor e deleite (3Jo 1-2,5;
lPe 2.11; Fp 4.1)” .2Ü
A comunhão dos santos é essencial ao evangelho. E por isso que é tão
grave quando as pessoas na igreja não demonstram amor uns aos outros. Se
professamos um Salvador que, em amor, entregou a sua vida por nós, e de­
claramos que somos parte de sua família, devemos estar dispostos a entregar
a nossa vida para os membros da mesma família. Não devemos ferir uns aos
outros, nos machucarmos ou criarmos fuxico sobre o outro. A maneira que
agimos com outros crentes prova se somos filhos adotivos de Deus ou não
(3.14-15). Devemos amar os filhos adotivos de Deus, Cotton diz, por causa
do (1) “Amor singular de Deus para com eles” , (2) “ do amor deles para com
Deus” e (3) “da verdade que está em cada cristão crente (2Jo 1-2 )” . 21
Se demonstrarmos pouco amor aos outros filhos de Deus, provamos
que nós temos experimentado pouco do amor de Deus em nossa vida, pois
aqueles que experimentaram muito do seu amor não conseguem deixar de

20 C O T T O N , FirstJo h n , p. 316.
21 C O T T O N , FirstJo h n , p. 317.
... SOBRE O AMOR ADOTIVO E TRANSFORMADOR DO PAI 103

amar os outros. Aqueles que não experimentaram do amor de Deus não


amarão o seu próximo. Cotton conclui: “A falta de amor a qualquer um de
nossos irmãos é um sinal de permanecer no estado de perdição, ou em um
estado degenerativo ou carnal” .22

Os benefícios e privilégios da adoção


Os puritanos passam mais tempo explicando o que é chamado de
privilégios, liberdades, benefícios, bênçãos ou direitos da adoção do que
qualquer outro aspecto dessa doutrina. Essa preocupação também se evi­
dencia na Confissão de Fé de Westminster (XII) e no Catecismo Maior
(questão 74), onde mais da metade da apresentação da adoção é devotada
a listar essas “liberdades e privilégios” , cada uma que o Espírito utiliza
para exercitar seu poder transformador na vida dos filhos de Deus, para o
conforto deles.
O maior privilégio pode ser resumido como herança. Os filhos adotivos
de Deus são todos herdeiros reais e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.16-
17). “ Homens podem ter vários filhos, porém somente um é o herdeiro” ,
escreve Burroughs. “Mas todos os filhos de Deus são herdeiros” .23 Eles são,
como Hebreus 12.23 os chama, “primogênitos arrolados nos céus” .
Os puritanos se importam bastante com o fato de serem co-herdei-
ros com Cristo. Como co-herdeiros com Cristo, crentes compartilham do
reinado de Cristo e, portanto, têm o reino dos céus como parte de sua
herança. Crentes são feitos reis ao Pai em seu reinado espiritual em três
aspectos, escreve Granger. “ 1. Porque são senhores e conquistadores de seus
inimigos, Pecado, Satanás, o Mundo, Morte, Inferno. 2. Eles fazem parte
do reinado de Cristo e da salvação; pois recebemos de Cristo graça sobre
graça, e glória sobre glória. 3. Eles possuem interesse, domínio e soberania
sobre todas as coisas através de Cristo” .24 Witsius expressava que “ todas
as coisas” inclui o direito de “possessão do mundo todo” , que foi dado a
Adão, e depois perdido (Gn 1.28; 3.24), prometido a Abraão (Rm 4.13),
e recomprado por Cristo para “ ele mesmo e seus irmãos” , para que agora
todas as coisas, do presente e do futuro, sejam de seu povo.25 Em última
análise, crentes são senhores e possuidores de todas as coisas, porque eles
pertencem a Cristo, que pertence a Deus (IC o 3.21-23).26

22 C O T T O N , First Jo h n , p. 372.
23 B U R R O U G H S , T he Saintss H appiness.p. 192.
24 G R A N G E R , A Looking-G lasse fo r Christians, p. 26.
25W IT S IU S . Economy o f the Covenants, 1 :4 5 2 -4 5 3 .
26 Worb.es o f Perkins, 1:82, p. 369.
104 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

Nada nesse mundo se compara à herança dos crentes. Ela não conhece
nenhuma corrupção (lPe 1.4) —não “mediante coisas corruptíveis, como prata
ou ouro” (lPe 1.18). Ela não possui sucessão. O Pai celestial e seus filhos sem­
pre vivem da mesma herança, então a herança dos crentes é tão imutável
como a eleição de Cristo (Hb 7.24). Ela não possui divisão. Todo herdeiro
aproveita da herança completa, já que Deus é “infinito e indivisível” . “Deus
entrega seu todo, não metade, mas seu reino por inteiro” (Gn 25.5;Ap. 21.7).27
Bênçãos específicas que nos são dadas de sua herança divina e adoção
espiritual incluem os privilégios mais maravilhosos que uma pessoa pode­
ría imaginar, nesse mundo e no mundo por vir. Segue um resumo deles,
tirado dos puritanos:

• Nosso Pai nos corta da família da qual naturalmente pertencemos,


em Adão, como filhos da ira e de Satanás, e nos inclui em sua própria
família para nos tornar membros da família pactuai de Deus. “A ado­
ção nos tira de um estado miserável, para um estado de alegria” , es­
creve Cole. “ Deus possui um pacto conosco, e nós com ele” .28
• Nosso Pai nos dá liberdade de o chamarmos de nosso Pai e nos dá
um novo nome, que serve como garantia da admissão à casa de Deus
como filhos e filhas de Deus (Ap 2.17; 3.12). Nós somos um povo
peculiar - “ [Seu] povo, que se chama pelo [Seu] nome” (2Cr 7.14).
Isso significa, diz Boston, que nosso “ antigo nome é deixado de lado
para sempre. [Nós] não somos mais filhos de Satanás, mas filhos e
filhas de Deus” (Hb 12.5-8).29 Cotton vai um passo além, dizendo
expressivamente que esse nome é Adoção: “ [Nós] temos essa pedra
branca, que é a absolvição pelo pecado, e nessa pedra um novo nome
é escrito, isso é, Adoção: e se formos de uma mente humilde, ino­
cente, nós temos esse conforto” .30 Através do Espírito da adoção, nós
temos acesso a Deus como um Pai, reconciliados através de Cristo.
Temos a liberdade de chamar Deus de nosso Pai, que “vale mais que
mil mundos” (Jr 3.4).31

27 D R A K E . Puritan Sermons, 5 :3 3 4 ; cf. Works o f Owen, 2 :2 1 8 -2 2 1 ; B U R R O U G H S . T he Saints' Happiness,


p. 196.
28 C O L E . Christ the Foundation o f our Adoption, p. 351.
29 T he Complete Works o f the Late Rev. Thomas Boston, Ettrick, ed. Sam u el M ’M iU an .W heaton , 111.: R ich a rd
O w e n R o b e rts, 1980 (reim pr.), 1:624.
30 C ita d o em R O S E N M E I R ,J e s p e r .‘ "C le a r in g the M é d iu m ’ : A R eev alu atio n o f the P uritan Plain Style
in L igh t o f jo h n C o tto n ’s A Practicall Commentary Upon the First Epistle Generall o f Jo h n ,” William and Mary
Quarterly 3 7 ,4 (1980): p. 582.
31 Works o f Boston, 1:623.
... S O B R E O A M O R A D O T I V O E T R A N S F O R M A D O R D O P A I & 105

• Nosso Pai nos presenteia com o Espírito da adoção. Crentes tomam


parte, pela graça, do Espírito Santo. Burroughs nos diz que esse Espí­
rito ilumina nossa mente, santifica nosso coração, torna a sabedoria e
a vontade de Deus conhecida a nós; nos guia à vida eterna, trabalha
toda a obra da salvação em nós, e a sela em nós até o dia da redenção
(Ef 4.30).32
• Nosso Pai nos restaura à igualdade a ele e a seu Filho. O Pai concede
aos seus filhos um coração filial e uma disposição que se assemelha
à sua. Drake escreve: “ Todos os filhos adotivos de Deus portam a
imagem de seu Pai, como os irmãos de Gideão fizeram com a sua
(Jz 8.18). Eles são como Deus, em santidade [e] em dignidade” (Mt
5.44-45; R m 8.29; Hb 2.7; ljo 3.2-3).33
• Nosso Pai fortalece a nossa fé especialmente através de seus presen­
tes, promessas e oração. “ Se formos adotados” , escreve Watson, “ en­
tão temos um interesse em todas as promessas: as promessas são o pão
dos filhos” .Watson continua dizendo que eles são como um jardim,
no qual uma erva é encontrada para curar toda e qualquer enfer­
midade.34 Ou, como William Spurstowe disse: as promessas de Deus
são como uma sacola cheia de moedas que ele desamarra e derrama
sobre os pés de suas crianças adotivas e diz: “ Pegue o que quiser” .35

Com respeito à oração, nós temos acesso ilimitado ao nosso Pai celes­
tial. Filhos sempre têm direito de acesso aos pais, não importando o quão
ocupado ou importante ele seja —mesmo se ele for presidente da nação.
Mesmo assim, no Novo Testamento, os filhos adotivos são encorajados a se
aproximarem ousadamente do trono da graça em e através do Salvador dos
homens para obter misericórdia e achar graça, que os ajudará em tempos
de necessidade (Hb 4.14-16). O Espírito nos ensina que o Pai celestial se
alegra mais em ver seus filhos adotivos se aproximarem dele por meio da
porta da oração à sala do trono do que nós nos alegramos ao ver os nossos
filhos entrarem pela porta, em nossa sala de estar. Willard escreve que o
Espírito “ dá vida” à fé dos crentes, permitindo que eles “se aproximem de
Deus como um Pai, e clamem por essa relação e, ao clamarem, peçam para

32 B U R R O U G H S . The Saints’ Happiness, p. 196.


33 D R A K E . “ T h e B e lie v e rs D ig n ity and D u ty L aid O p e n ” . In: Puritan Sermons, 5:3 3 3 .
34W A T S O N . A Body o f Practical Diuinity, p. 160.
35 S P U R S T O W E , W illiam . The Wells o f Salvation Opened: orA Treatise discoversing the nature, preciousness, and
usefulness, o f the Gospel Promises, and rulesfor the Right Application o f them. L ondres: T. R . & E . M . para R a lp h
Sm ith, 1 6 5 5 ,34ff.
1 0 6 .«* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

ele aceitar a sua pessoa, que ouça suas orações, e atenda seus pedidos e a
súplica de todos os seus desejos” (Rm 8.15).36
Nosso Pai nos corrige para a nossa santificação: “ (...) o Senhor corrige
a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6).Toda correção
envolve disciplina que vem da mão do nosso Pai e trabalha em conjunto
para o nosso aprimoramento (2Sm 7.14; SI 89.32-33; R m 8.28,36-37;
2Co 12.7). Nossos sofrimentos “ são para a nossa educação e instrução em
sua famíba” , escreve Owen;37 ou, como Willard diz: “Todas as nossas afli­
ções são ajudas ao céu” . Elas contribuem para “ o aumento da glória eterna
de crentes: toda correção e machucado adiciona um peso à coroa que re­
ceberão” .38 Podemos pensar tolamente que Deus nos repreende para nos
destruir, mas ICoríntios 11.32 nos ensina que: “ Somos repreendidos pelo
Senhor, para que não sejamos condenados com o mundo” .39
Nosso Pai nos conforta com o seu amor e piedade, e nos leva a rego­
zijarmos em uma comunhão íntima com ele e com seu Filho (SI 103.13;
R m 5.5). Ele faz isso de várias maneiras, como Willard nota: “Ele aplica as
promessas preciosas às almas dos crentes, ele lhes dá conforto interminável,
comunica-lhes os vislumbres e provas da glória e os enche de alegrias e re­
conciliações internas” .40 O Pai nos encomenda e nos encoraja mesmo para
o menor ato de obediência.41 Ele nos conforta de acordo com as aflições
que ele mediu para nós.42
Nosso Pai nos oferece liberdade espiritual como seus filhos e filhas (Jo
8.36). Essa liberdade nos liberta da escravidão (G1 4.7). Ela nos entrega da
sujeição, do ensinamento de servo, do poder condenatório, do peso intole­
rável e das condenações pesadas da lei, do pacto das obras (G1 3.13), porém
não do poder regulamentador da lei.43
A liberdade cristã nos livra da condenação impugnante, e do poder do
reino do pecado (2Co 5.19; R m 8.1; 6.12), fazendo possível o usufruto da
paz com Deus como seus filhos. Mas essa liberdade não deve ser abusada.
Como Cole escreve: “E perigoso falar muito livremente sobre a liberdade

“ W IL L A R D . T he C hilTs Portion, p. 21.


37 Works o f Owen, 16:257.
^ W I L L A R D . The C hilTs Portion, p. 28.
39 Workes o f Perkins, 1:82; W IL L A R D . T he C hilTs Portion, p. 1 8 -19; G R A N G E R . A Looking-G lasse fo r
Christians, p. 3 1 -3 2 .

4"W IL L A R D . The C hilTs Portion, p. 22.


41 W IL L A R D . 77te C hilTs Portion, p. 19.
42 Workes o f Perkins, 1:369.
43 Works o f Boston, 1 :625; C O L E . Christ the Foundation o f ourAdoption, 3 5 2 -3 5 3 .
... SOBRE O AMOR ADOTIVO E TRANSFORMADOR DO PAI 107

cristã, porque muitos, sob essa pretensão, se deixam levar por caminhos
perversos, se excedendo, deixando de lado todo tipo de moderação” .44
Liberdade espiritual nos livra do mundo e de todas as suas tentações
poderosas, perseguições e ameaças (ljo 5.4). Ela nos livra da escravidão
de Satanás, da hipocrisia e ansiedade, e das doutrinas e tradições dos ho­
mens, para que possamos livremente nos ancorar no ensinamento de Deus.
Ela nos permite liberdade para viver de forma transparente perante Deus,
para servi-lo e amá-lo, e andar em seus caminhos com coração, mente e
força (SI 18.1), para que alegremente carreguemos o nosso peso e o sirva­
mos com obediência filial todos os dias (lPe 1.14), confessando: “Esse é o
mundo de meu Pai” .45
Nosso Pai nos preserva e nos protege da queda (SI 91.11-12; lPe 1.5).
Ele nos restaura de todo caminho pérfido, nos recuperando e nos humi­
lhando, sempre evitando a nossa hipocrisia.46 Willard diz: “ Os filhos de
Deus na vida são como crianças pequenas, sempre tropeçando e caindo, e
tão fracos que eles não conseguem se levantar novamente se não for por
ele: mas pelo fato de que a sua mão está sobre eles e o seu braço eterno
os segura” .47
Nosso Pai envia seus anjos como espírito do ministério, para nos servir
para o bem (SI 34.7; Hb 1.14).48 Eles nos guardam e vigiam. Willard os
chama de “ anjos tutelares” que nos guardam e nos defendem do mal, e
que nos vigiam para o nosso bem (SI 91.11).“Eles armam suas barracas ao
redor dos crentes, Salmo 3 4 .1 ; eles trazem mensagens de paz dos céus, até
mesmo respostas das suas orações, Daniel 9 .2 3 ; os fortalece e os conforta
em seus conflitos secretos, Lucas 2 2 .4 3 , e quando morrem, formam um
comboio para levar suas almas ao descanso eterno, Lucas 16.22” .49
Nosso Pai providencia tudo de que precisamos como filhos dele, física e
espiritualmente (SI 34.10; Mt 6.31-33), e adverte de todo mal ou o muda
para o nosso bem. Ele nos defende de nossos inimigos —Satanás, o mundo,
e nossa própria carne —e endireita a nossa causa errada. Ele nos assiste e
fortalece, sempre oferecendo uma mão acolhedora para nos ajudar nas di­
ficuldades e nas tentações (2Tm 4.17). Podemos seguramente deixar tudo
em suas mãos paternais, sabendo que ele nunca nos deixará (Hb 13.5-6).

44 C O L E . Christ the Foundation o f our Adoption, p. 355.


45W IL L A R D . T he C h ild ’s Portion, p. 23 -2 7 .
46R ID G E L E Y . Commentary on the Larger Catechism, 2:1 3 6 .
47W IL L A R D . T he C h ild ’s Portion, p. 17.
48 Workes o f Perkins, 1:83; p. 369.
49W IL L A R D . T he C h ild ’s Portion, p. 2 7 -2 8 ; G R A N G E R . A Looking-G lasse fo r Christians, p. 3 0-31.
1 0 8 •<* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

AS RESPONSABILIDADES E OS DEVERES DA ADOÇÃO


Da mesma forma, a adoção impõe responsabilidades e deveres aos filhos de
Deus. Os puritanos ensinavam que todo privilégio da adoção possui uma
responsabilidade ou dever correspondente, cada um sendo transformador
na maneira que o crente pensa e vive. Esses são resumidos a seguir:

• Quebrar todos os vínculos familiares prévios. Da mesma maneira que


você não consegue estar casado com duas mulheres de uma só vez,
você também não pode pertencer a duas famílias de uma só vez. Se
você for adotado, é necessário que você quebre a sua aliança com o
mundo e entregue-a ao seu Pai e aos seus novos irmãos e irmãs no Pai.
• Confie na Palavra de seu Pai. “ Confia no Senhor de todo o teu
coração e não te estribes no teu próprio entendimento” (Pv 3.5).
Você deve essa confiança a Deus. Ele é tão bom para com você. Ele
alguma vez já falhou contigo? Olhando para o passado, ele já deu
qualquer aflição a você que você não precisou? Confie nele, confie
em sua Palavra, confie em sua providência, e confie em seus envol­
vimentos com você.
• Envolva-se no trabalho de seu Pai. Você deve se importar com os
negócios de seu Pai, como seu Irmão mais velho, lembrando que a
noite está por vir quando nenhum homem poderá trabalhar (Lc 2.49;
Jo 9.4). Faça o que puder nessa vida para glorificar o Pai. Seu Pai não
precisa que você o ajude. Ele consegue fazer todas as coisas com
ou sem a nossa ajuda. Talvez você lembre quando seus filhos eram
muito pequenos e pediam para lhe ajudar com alguma coisa; você
respondia que sim porque você os queria envolvidos. Na verdade,
levava mais tempo para completar a tarefa do que se a tivesse feito
sozinho, mas você pensou: “Eu quero que você ajude, meu filho, mi­
nha filha. Eu quero te treinar para trabalhar ao meu lado” . E isso que
o nosso Pai faz conosco. Ele poderia fazer tudo miraculosamente em
um momento sem dificuldade alguma, mas ele é paciente conosco
enquanto perambulamos ao seu lado. Engaje-se no mundo e no tra­
balho de seu Pai.
• Seja tolerante com as diferenças que não são essenciais nos membros
da família de seu Pai. Lembre-se, como Charles H. Spurgeon disse,
no céu todos descobriremos que havia uma série de coisas erradas
em nosso modo de pensar, mesmo depois que o nosso coração foi
endireitado. Então aqui também, lembre que nem todos concordarão
com você em coisas não essenciais, mas isso não tem problema se
... SOBRE O AMOR ADOTIVO E TRANSFORMADOR DO PAI 109

você amar ao Senhor Jesus Cristo com toda sinceridade. Seja tole­
rante sem sacrificar os aspectos essenciais da fé.
• Demonstre reverência e amor como o de criança ao seu Pai em tudo.
Reflita habitualmente sobre a grande glória e majestade dele.Admi-
re-o; renda louvores a Ele, adore-o e dê-lhe graças em todas as coisas.
Lembre-se, seu Pai santo vê tudo. Crianças, algumas vezes, cometem
atos horríveis na ausência de seus pais, mas seu Pai nunca está ausente.
• Seja submisso ao seu Pai em todo tipo de providência. Quando ele
te visitar com a vara, não resista, nem murmure. Não reaja dizendo:
‘“ Temo que não seja filho de Deus, Deus não é meu Pai, porque ele
lida comigo de maneira severa; se ele fosse meu Pai, ele teria compai­
xão de mim; ele me livraria dessa cruz pecadora’ —falar dessa forma
não condiz com um filho reto” , escreve Brakel.Ao invés disso:“ Condiz
a um filho ficar quieto, submeter-se humildemente, e dizer,‘Eu sofrerei
a indignação do Senhor, porque eu pequei contra ele’” (Mq 7.9).50
• Burgess diz: “ Se tivesse uma disposição como a de uma criança, você
diria, apesar de sentir amargura, porém ele é Pai ainda. Eu tenho er­
rado como filho, e isso o torna um bom Pai ao me corrigir” .51
• Obedeça e imite seu Pai, e ame os que portam a sua imagem. Lute
para ser como ele, para ser santo como ele é santo, para ser amável
como ele é amável. Nós devemos ser seguidores (“imitadores” ) de
Deus (Ef 5.1) para mostrar que portamos igualdade familiar.
• Portanto, devemos então amar a imagem do Pai onde quer que a
vejamos em nossos caros irmãos. Willard escreve: “ Os Santos estão
vivendo imagens do Senhor, podemos ver neles, não a igualdade, mas
a reflexão brilhante de suas perfeições comunicadas: portanto deve­
mos amar todos os santos.”52 Devemos viver como filhos de Deus em
amor mútuo e paciência um com o outro, tendo o mesmo Pai, Irmão
mais velho e o Espírito interno.
• Regozije-se ao estar na presença de seu Pai. Deleite-se na comunhão
com ele. Burgess escreve: “ U m Filho se deleita ao ter as cartas de
seu Pai, ao ter um discurso sobre ele, especialmente para aproveitar
a sua presença” .53 Portanto, resista a tudo que atrapalha viver a graça
adotiva de seu Pai.

^ B R A K E L . T he Christiati’s Reasonable Service, 2 :437.


51 B U R G E S S . Spiritual Refining, p. 239.
52W IL L A R D . T he C hilTs Portion, p. 43.
53 B U R G E S S . Spiritual Refining, p. 240.
110 -C* A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Nos céus, essa alegria será completa; nossa adoção então será aperfei­
çoada (Rm 8.23). Então entraremos na “presença e palácio” do Pai, onde
estaremos “ infinitamente aproveitando, deleitando-nos e adorando a
Deus” .54 Que esperemos e desejemos isso, como filhos que antecipam sua
herança completa, onde o Deus trino será nosso tudo.55

APLICAÇÕES FINAIS
Os puritanos nos ensinam muito mais sobre a adoção espiritual e seu
poder transformador, bênçãos e responsabilidades do que é geralmente
percebido hoje em dia. Eles nos ensinam a importância de fugir do pecado
e procurar um senso consciente de nossa adoção.56 Eles nos mostram, como
Packer resume, que nossa adoção nos ajuda a entender melhor o ministério
do Espírito Santo, o poder da santidade do evangelho, nossa segurança na
fé e sobre a solidez da família cristã e a glória da esperança cristã.57
Os puritanos também nos avisam do perigo dos membros rema­
nescentes da famíha de Satanás —especialmente quando estamos sob a
graça. “ Muitos chamados do evangelho soaram em seus ouvidos, ó pe­
cador” , escreve Boston, “você não respondeu ao chamado? Então ainda
é um filho do diabo, Atos 13.10. E, portanto, um herdeiro do inferno e
da ira” . Quando o descrente se opõe, reponde Boston: “ Qual a imagem
que você porta? Santidade é a imagem de Deus, falta de santidade a do
diabo. Seus corações escuros e a vida imoral que tens dizem claramente
de que família és” .58
Com a mesma força que os puritanos admoestam, eles também con­
vidam e encorajam. Willard escreve: “ O que você pensa dos que foram
muitas vezes convidados no evangelho para abraçarem [Cristo]? Não irá
a [adoção] se apresentar perante eles? Receba-o pela fé verdadeira, e ele o
fará não somente amigo, mas filho perante Deus” .59
Acima de tudo, os puritanos usam a verdade da adoção para transformar
os filhos necessitados de Deus dando-lhes conforto poderoso. Hooker nos
mostra como a adoção os conforta face à percepção de seu pouco valor,
pobreza externa, desprezo do mundo, enfermidades, aflições, perseguições

54 Works o f M anton, 12:125.


33D R A K E . Puritan Sermons, 5 :3 4 2 ; cf. W illard, T he C h ild ’s Portion, 1 1.
56 Workes o f Perkins, 3 :2 0 5 .
57P A C K E R . Knowing G od, p. 19 8 -2 0 7 .
58 Works o f Boston, 1:6 2 7 ; cf. M A T H E R . The Sealed Servants o f our G od, p. 2 3 -28.
59W IL L A R D . T he C h ild ’s Portion, p. 3 4 -4 2 ; cf. M A T H E R . The Sealed Servants o f our G od, p. 2 8 -36.
... SOBRE O AMOR ADOTIVO E TRANSFORMADOR DO PAI 111

e perigos.60 Quando oprimidos pelo pecado, provocados por satanás, in­


citados pelo mundo, ou alarmados por medos da morte, os puritanos en­
corajam os crentes a se refugiarem em seu precioso Pai celestial, dizendo
com Willard: “ Não sou eu ainda Filho? E se sim, então tenho certeza de
que, apesar dele ter me corrigido (e eu mereço a correção, por isso não me
recusarei a me submeter pacientemente a ela), ele não pode tirar de mim
seu afeto amoroso” .61
Willard conclui: “Estejam sempre se confortando a si mesmos com os
pensamentos de sua adoção: chamem seus confortos, agarrem as suas con­
solações dessa relação; estejam, portanto, mastigando sempre os privilégios
preciosos dela, e façam delas seu regozijo. Deixem essa alegria ser maior
que qualquer outra alegria. Deixem essa alegria retirar a neblina de toda
tristeza, e clarear sua alma em meio às dificuldades e tribulações” ao esperar
pela glória celestial, onde vocês viverão de forma perfeita em adoção, para
sempre, tendo comunhão com o Deus trino. Lá vocês irão “viver na fonte,
e nadar para sempre naqueles mares transparentes e sem fim de glória” .62

“ H O O K E R . T he C hristiansT w o Chiefe Lessons, p. 1 7 0 -1 7 4 .


61W IL L A R D . T he C h ilis Portion, p. 5 1 -5 2 .
62W IL L A R £ ). The C h ild ’s Portion, p. 5 4 ,6 6 -7 0 .
DESCANSANDO
NAS MÃOS
AMOROSAS DO PAI
---------------------- ----------------------
C A P ÍT U L O 8

Seu Pai no céu


W illiam VanDoodewaard

“Ouvistes que fo i dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.


Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste... Portanto sede
vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste. ”
Mateus 5.43-48

O
que nosso Senhor Jesus Cristo está nos ensinando sobre Deus o Pai
no Sermão do Monte (Mateus 5—7)? Que impacto isso deveria ter
em nosso coração e vida? Nesse capítulo, ao invés de focar em uma
passagem em particular, eu quero listar o Sermão do Monte de forma mais
ampla, seguindo um tema revelado específico.
Martin Lloyd-Jones declara: “É importante que entendamos o Sermão
do Monte como um todo, antes de entrarmos nos detalhes... [há] esse
constante perigo de ‘perder a [floresta] por causa das árvores’... O Ser­
mão do Monte, se eu posso usar tal comparação, é como uma composição
musical grandiosa, uma sinfonia... o todo é maior que a coleção de partes,
e não devemos nunca perder essa integridade de vista” .1 Então, antes de
examinarmos o tema de Deus o Pai, nós vamos considerar seu contexto no
Sermão do Monte como um todo.

O SERMÃO DO MONTE
Sabemos dos evangelhos que nosso Senhor Jesus Cristo já estava ensi­
nando e pregando “ o evangelho do reino” ; ele estava chamando homens,

L L O Y D - JO N E S , M artyn . Studies in the Sermon on the Mount. G ran d R ap id s: Eerdm ans, 20 0 0 , p. 22.
116 «* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

mulheres e crianças a se arrependerem, “ (...) está próximo o reino dos


céus” (Mt 4.17), se revelando como o Cristo, o Salvador, aquele que está
disposto e consegue perdoar todo pecado (Mc 2.5; 9-11), trazendo nova
vida e reconciliação com Deus. Em João 6.40, ele declara: “De fato, a von­
tade meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida
eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” .
N o evangelho de Mateus, vemos Jesus subindo no monte, seguido
por multidões. Ele se assenta, junta seus discípulos à sua volta, e começa
a ensinar. Esse é um grande cumprimento do Monte Sião do Antigo
Testamento: as multidões o cercando, Moisés, o intermediário, sobe à
montanha, e Deus fala com ele. Deus entrega a lei no contexto do pacto
da graça: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da
casa da servidão” (Ex 20.2).
Jesus também é um intermediário, mas muito maior que Moisés. Ele é
o Profeta, o Pregador, o Mediador, o Deus-homem, o Eterno Filho, Deus
conosco. Jesus Cristo como Emanuel, o Salvador, fala a seus discípulos e às
pessoas ali reunidas como o Verbo vivo feito carne. Jesus fala e prega com
autoridade e poder únicos. Sabemos disso pelo final do sermão: “ Quando
Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas
da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não
como os escribas” (Mt 7.28-29).
O que o nosso Senhor proclama com tanta autoridade? E o chamado
de Deus sobre a vida de homens e mulheres, o chamado da vida cristã.
Ele proclama a verdadeira santidade e bondade de uma maneira que pers-
cruta as profundezas de nosso coração. Ele magnifica a lei de Deus, mos­
trando perfeita bondade e santidade de Deus. Através de tudo isso, Jesus nos
aponta o Pai —pelo menos vinte vezes diretamente.Veja comigo a maneira
em que nosso Senhor Jesus revela o Pai a nós.

“SEU PAI” REVELADO

Dando glória ao seu Pai


A primeira referência de Jesus a Deus o Pai no evangelho de Mateus
aparece em 5.16: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens,
para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos
céus” . Anteriormente a isso, quando Jesus foi batizado, uma voz dos céus —
a voz do Pai —disse: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”
(Mt 3.17). O que é talvez o mais surpreendente do capítulo cinco é que
Jesus está dizendo que “meu Pai” é “ seu Pai” .
SEU PAI NO CÉU «* 117

Ele diz que seus herdeiros deverão deixar brilhar a sua luz perante os
outros para que suas boas obras possam se tornar evidentes e trazer glória
ao Pai. Porém, a quem Jesus está encorajando a ser testemunha por meio
do fazer o bem e então dar glória ao Pai? A quem ele está pregando ao
proclamar essas palavras? Ele está pregando à audiência ampla que inclui
seus discípulos e as multidões reunidas - a maioria deles, sem dúvida, des­
cendentes do povo pactuai de Deus do Antigo Testamento. Eles são, sem
dúvida, uma multidão diversificada, crentes e descrentes —mesmo os dis­
cípulos assentados a seus pés (Jo 6.70). Cristo, o Filho eterno, o Verbo feito
carne, como o Messias e Redentor de todo seu povo, através de sua palavra
graciosa e profundamente chama todos para viverem uma vida santa, para
fazerem o bem e darem glória ao Pai no céu —coisas que eles conseguem
fazer somente em e através dele mesmo, aproximando-se dele e vivendo
em arrependimento e fé. Lloyd-Jones comenta: “ São somente aqueles que
estão no Senhor Jesus Cristo que são verdadeiramente filhos de Deus” .2
David Dickson diz que “ nenhum trabalho bom pode ser feito senão por um
filh o de Deus, em obediência a seu Deus e ao comando do Pai, para o bem
do homem e glória de Deus” .3
Da mesma maneira, Cristo nos chama, o povo de Deus, por meio da
sua Palavra, para vivermos uma vida santa, para brilhar como luzes onde
moramos e trabalhamos, para fazer o bem, para que possamos dar glória ao
nosso Pai nos céus —fazendo isso em e através de Cristo, que fornece graça
suficiente para vivermos abundantemente para a glória do Pai!

Sendo como seu Pai em amor


Em Mateus 5.45 em diante, o Sermão continua com a aplicação pro­
funda da lei de Deus ao coração, agora focada no amor pelo vizinho, par­
ticularmente o inimigo de alguém. Jesus, falando sobre amar o próximo
no contexto de perseguição, chama seus discípulos, a multidão reunida e
a nós para amarmos os nossos inimigos e orar por aqueles que nos perse­
guem! Por quê? Qual a razão que ele dá para isso? Que motivo ele apre­
senta? A resposta se encontra em Mateus 5.45:“para que vos torneis filhos
do vosso Pai celeste” .
Nosso Senhor não está nos dizendo aqui que nossos atos de amor altruís­
tas são os instrumentos pelos quais nos tornamos filhos do Pai. Ao invés disso,
ele está dizendo que através da demonstração de tal amor, nós demonstramos

2 L L O Y D - JO N E S . Sermon on the M ount, p. 54.


3 D I C K S O N , D avid. A B r ie f Exposition o f the Evangel ofJesu s Christ According to Matthew. E d im b u rg o: B a n -
ner o fT ru th , 1981, p. 52.
118 :<* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

que somos filhos de Deus. Por meio disso, demonstramos que ele é o nosso
Pai e que nós somos seus filhos. Isso se torna evidente porque estamos nos
esforçando para sermos amorosos —bons, graciosos, bondosos e pacientes —
como ele é amoroso —bom, gracioso, bondoso e paciente.
A motivação que Cristo dá para amar os inimigos é relacionai. Charles
H. Spurgeon diz: “ Como crianças, devemos nos assemelhar ao nosso Pai” .4
Você já viu isso em uma criança? Talvez seu filho já caminhou por aí em
seus tênis, querendo ser como seu pai? Isso não é verdade sobre filhos que
têm pais amáveis? Sobre pais que demonstram carinho amoroso aos filhos,
mesmo quando são pecadores e miseráveis? Jesus nos lembra que Deus o
Pai deixa o seu sol brilhar e a sua chuva cair sobre os justos e os injustos; se
nós somos seus filhos, nós também devemos dar sem a preocupação se re­
ceberemos em troca.5Jesus está nos dizendo: “ Seu Pai nos céus é tão amo­
roso, tão bom, tão gentil! Como ele é paciente com os maus, quão paciente
ele é com você” . Pense em João 3.16: “ (...) Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna” . Seja como seu Pai nos céus, se deleite em
fazer o que ele faz, para a sua glória! Ame seu vizinho, ame seus inimigos,
ame aqueles que o perseguem!

Seus motivos e as perfeições de seu Pai


Jesus continua nos versos seguintes a nos lembrar que não é nenhum
chamado fácil que ele está dando no Sermão do Monte. De fato, ele diz,
“ (...) sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48).
Nosso Pai celestial é perfeito em santidade, então ele requer santidade per­
feita. Ouça o que o nosso Senhor declara ao aprofundar-se mais sobre o
chamado à perfeição em relação ao Pai em Mateus 6.1-4 e 18:“ Guardai-
-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes
vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste...
E teu Pai, que vê em secreto, te recompensará... [tome cuidado] de não
parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que
vê em secreto, te recompensará” .
Como Jesus está declarando no Sermão do Monte, o chamado à san­
tidade completa penetra em nosso coração, em nossas motivações; ele se
infiltra em nosso mais profundo ser. Por que tentamos fazer o que é bom?

4 S P U R G E O N , C harles H . M atthew iThe G ospel o fth e Kingdom. P asadena,T ex.: P ilg rim P ublication s, 1974,
p. 32.
5 D O R I A N I , D an iel M . M atthew, v. 1. Phillipsburg, N . J .: Presbyterian and R e fo r m e d Publishing, 2008,
p. 191.
SEU PAI N O CÉU * * 119

Por que tentamos seguir os preceitos de Deus? É porque lá na raiz do nosso


coração, somos motivados pela adoração dos homens? Ou é porque ama­
mos o Pai e o queremos glorificar? Jesus nos diz que Deus o Pai sabe de
tudo, vê tudo; como nosso Pai celestial, ele está perfeitamente consciente de
nossos motivos e situações, e ele nos observa de momento em momento;
ele deseja não somente que não sejamos egoistamente irados, perversos e
vingativos, mas também que nossas boas atitudes externas, como dar di­
nheiro aos pobres, fluam de nosso coração movido pelo desejo de glorificar,
agradecer e amar a ele. E isso o que o nosso Pai deseja - motivação santa e
boa transbordando em santidade e bondade na nossa vivência; e ele promete
que nos aperfeiçoará nisso, mediante a santificação e a glorificação.6
O grande encorajamento para o cristão é que esse chamado, para ser
perfeito, melhor traduzido como, “ (...) sede vós perfeitos como perfeito
é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48), também contém uma promessa para o
futuro, ecoando de perto lPedro 1.16, que diz, “ Sede santos, porque eu
sou santo” .7 Charles Wesley escreveu, “Ele deseja que eu seja santo: quem
pode resistir à sua vontade? Ele certamente cumprirá o conselho de sua
graça em mim!” .8

Comungando com seu Pai celestial em oração


Dentre esses versículos sobre o conhecimento do nosso Pai celestial,
sobre o mais íntimo do nosso ser e seu desejo por nossa perfeição, estão as
instruções de nosso Senhor Jesus sobre oração —onde o Filho direciona
novamente a nossa atenção a conhecer o Pai e viver em comunhão com
ele. Em Mateus 6.6, lemos: “ orarás ao teu Pai, que está em secreto; e teu
Pai, que vê em secreto, te recompensará” . Jesus enfatiza aqui que nossa
vida é um livro aberto perante o Pai, que nós vivemos e nos movemos e
temos nosso ser em sua presença. Ele deseja o nosso coração, ele deseja ter
comunhão conosco —ele quer que falemos com ele em oração, movidos
por amor por ele, à parte de motivações externas. O puritano inglês disse:

Oração em segredo... é a marca de um coração sincero, que tem a promessa


de um retorno gracioso.... Quando você está sozinho em oração, quando é

6D O R I A N I . Matthew, p. 194; L L O Y D - JO N E S . Sermon on the M ount, p. 319.


7 N o N o v o Testam ento grego, o im perativo presente é geralm ente expresso através de y tp o p a i; m en os
co m u m , c o m o é o caso aqui e m M ateus e em lP ed ro , ela é expressa p elo futuro de e q u . A versão K in g
Ja m e s traduz am b o s o s co m eço s d o s textos c o m o “ seja tu ” [tradução], transm itindo u m com an d o im pera­
tivo, m as p erd end o o fato q u e o futuro reflete, que esse co m an d o é d ad o p o r C risto c o m um a prom essa.
8W E SL E Y , C harles. “ I K n o w T h a t M y R e d e e m e r Lives” . In: Trinity Hyrnnal, Reuised Edition. Suw anee,
G a .: G reat C o m issio n P ublications, 2 0 0 8 , p. 690.
120 ** A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

simplesmente você e Deus, quando essa chave abre os portões do Paraíso, e


entra no armário do amor divino... Os olhos [do Pai] estão sobre você com
um aspecto gracioso quando você se aparta do mundo... Um Deus invisível
se deleita com orações invisíveis, quando nenhum olho, senão o dele, en­
xerga isso; ele tem maior prazer nos olhares secretos de um coração santo” .9

Em Mateus 6.8, nosso Senhor, refletindo sobre as orações repetidas dos


ateus, nos diz: “Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai,
sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais” . Em sua pregação
sobre essa passagem, Spurgeon declara: “ Deus não precisa da nossa oração
para sua informação... nem devíamos orar uma repetição sem pensar” , mas
ao invés disso, “ nós oramos como filhos a um Pai” , um Pai que nos co­
nhece e nos entende de forma íntima.10
Nosso Pai deseja que sejamos santos; ele deseja que nós tenhamos o
desejo de nos tornarmos santos —isso, primeiramente, de maneira privada
e, depois disso, de forma pública, nós demonstramos sua santidade na terra
como ela é nos céus. Ele deseja que oremos que sua santidade seja magni-
ficada em todo lugar e que sua vontade seja feita em todo lugar, incluindo
em nossa vida.
N o verso 9 e em diante, o Filho nos ensina mais profundamente sobre
oração, comunhão com o Pai;

(...) vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu
nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no
céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas,
assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes
cair em tentação; mas livra-nos do mal [pois teu é o reino, o poder e a
glória para sempre].Amém.

Nosso Pai nos céus deseja que olhemos para ele e confiemos nele para
nossas provisões diárias na vida; pois é toda a graça e perdão que precisa­
mos para a vida presente e para a vida eterna em sua presença; e para a pre­
servação e perseverança que necessitamos, por meio do presente mundo de
pecado. Nosso Pai celestial deseja que conheçamos, e que lhe falemos que
conhecemos, que tudo é dele - o reino, o poder, e a glória, para sempre!
Seguindo esse chamado a uma comunhão pessoal de oração com o
nosso Pai celestial (aquele que é perfeitamente santo, e mesmo assim cheio

9 L E E , Sam uel. “ H o w to M an age Secret Prayer” em Puritan Sermons 1 6 5 9 -1 6 8 9 Being the Morning Exercises
at Cripplegate, v. 2 .W h eato n , 111.: R ic h a rd O w en R o b e r ts, Publishers, 1981, p. 165-167.
mS P U R G E O N . Matthew, p. 34.
SEU PAI NO CÉU <£* 121

de graça e vontade de perdoar),Jesus chama seus discípulos, naquele tempo


e nesse, para espelhar essa santidade e perdão, lembrando-nos que esse é
um marco essencial do filho de Deus! Em Mateus 6.14-15, ele nos diz:
“ (...) se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste
vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tam­
pouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” . Nosso Pai celestial se in­
teressa profundamente não somente em nós sermos perdoados de nossos
pecados através do trabalho de seu Filho, mas também que nós nos torne­
mos perdoadores —assim como ele o é.

Confiando em seu Pai sábio e generoso


Uma concentração de referências ao Pai segue em Mateus 6.26-32 e
7.11. Jesus descreve as aves do céu, nos dizendo que nosso Pai celestial as
alimenta, e não somos nós de mais valor do que elas? Em 6.32, depois de
descrever as pressões de nossas necessidades humanas, quanto à comida,
bebida e roupa, ele nos lembra que nosso Pai celestial sabe que nós neces­
sitamos dessas coisas. Em 7.11, refletindo sobre a oração com a ilustração
de uma criança, pedindo ao pai por comida e recebendo o que é bom, ele
diz: “ quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe
pedirem?” . Jesus com amor e carinho aponta para nós, e para as multidões
que os escutavam, o grande carinho e amor que o Pai para com seu povo.
Nosso Pai é aquele que abmenta toda a criação, e seus filhos são de muito
mais valor para ele do que os pássaros do céu, em que ele se deleita em sus­
tentar. Nosso Pai celestial conhece todas as nossas necessidades; seu conhe­
cimento não é somente o conhecimento da santidade perfeita, mas também
o conhecimento do cuidado e compaixão perfeitos. Ele, nosso Pai celestial,
é aquele que se deleita em dar coisas boas àqueles que o pedem. Quão bon­
doso é o Pai! Quão maravilhoso é que ele se revele a nós através de seu pró­
prio Filho, vindo em carne a esse mundo pecaminoso para a nossa salvação!
Que mistério é o amor do Pai, para que seu próprio Filho amado viesse por
vontade própria, enviado por Ele, ao nosso mundo cheio de pecado e mise­
rável, para nos dar as boas-vindas ao carinho forte e amoroso de nosso Pai, e
tornar isso possível mediante a sua própria obra sacrificial!

ELE É SEU PAI?


Uma referência final, distinta a Deus o Pai é feita por nosso Senhor
Jesus Cristo em Mateus 7.21. Enquanto Jesus disse aos discípulos e às mul­
tidões reunidas em termos graciosos, pactuais, os ensinos sobre Deus o Pai
como o Pai deles, nos aponta a Deus o Pai como nosso Pai, referindo-se à
122 «f A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

sua vida com Deus como seu Pai, ele agora nos dá um aviso pactuai: “ Nem
todo o que me diz: Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele
que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” .
Nem todos são filhos do Pai. Em Mateus 7.20,Jesus diz que os reconhe­
cerá por seus frutos. Todos que são filhos de Deus são filhos somente pela
fé na justiça de seu Filho unigênito. Dentre os discípulos reunidos nesse
ponto, pela narração de Lucas, se encontrava Judas Iscariotes. Nós sabemos
também que é provável que havia descrentes na multidão —de fato, muitos
abandonaram Jesus ao longo de seu ministério. O Sermão do Monte, como
um todo, é profundamente condenatório e sonda o coração —um aspecto
que atinge o auge aqui, e é seguido por uma parábola de um construtor
sábio e um tolo. Lloyd-Jones declara:

[O Sermão] nos aponta ao que podemos ser [somente em Cristo]... ele


não somente declara a demanda; mas aponta para o fornecimento, à fonte
de poder. O Senhor Jesus Cristo morreu para nos capacitar a viver o Ser­
mão do Monte... Ele morreu para que eu possa agora viver o Sermão do
Monte. Ele fez isso possível para mim. Deus nos dá graça para enfrentar o
Sermão do Monte de forma séria e honesta e através da oração, até que
nos tornemos exemplos vivos dele, e exemplifiquemos seus ensinamentos
gloriosos.11

A referência final de Jesus ao Pai em Mateus 7.21 causa uma pergunta:


você é alguém que deseja realizar a vontade do Pai, que se deleita ao
crescer no relacionamento com Deus o Pai através de seu Filho unigê­
nito, Jesus Cristo? Você está escutando Cristo e fazendo o que ele chama
você para fazer, conhecendo, confiando, glorificando e tendo comunhão
com o Pai como seu Pai? Você está vivendo em toda bondade, graça e
riqueza dos filhos de Deus? Você não pode fazer isso por si só —você
necessita de sua graça.
A beleza e maravilha é que o Pregador do Sermão do Monte, o Fi­
lho que se deleita em revelar e glorificar o Pai, é aquele que foi enviado
pelo Pai para que você possa ser seu filho ou sua filha. Cristo, como o
Filho Redentor, é quem te dá as boas-vindas, quem te recebe com graça,
perdão e uma nova vida, como um filho adotado pelo Pai! Em João 17,
Jesus, orando ao Pai, diz que a vida eterna é conhecer o único e verda­
deiro Deus e o próprio Jesus, que o Pai enviou. Ele continua dizendo:
“Eu te glorifiquei na terra... Manifestei o teu nome aos homens que me
deste do mundo... Agora, eles reconhecem que todas as coisas que me

11 L L O Y D - JO N E S . Sermon on the M ount, p. 18 -2 0 .


SEU P A I N O CÉU v* 123

tens dado provêm de ti; porque eu lhes tenho transmitido as palavras


que me deste, e eles as receberam... e creram...Todas as minhas coisas são
tuas, e as tuas coisas são minhas... Pai santo, guarda-os no teu nome” 0o
17.4-11).Veja que tipo de amor o Pai tem dado a nós, que podemos ser
chamados de filhos de Deus!
C A P ÍT U L O 9

Aconselhamento e a
paternidade de Deus
D avid Murray

“...vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas.”


Mateus 6.32b

N
ossa teologia dirige a nossa vida. O que sabemos e entendemos a
respeito de Deus impacta tudo que pensamos, falamos e fazemos.
Ela, especialmente, controla e direciona as atividades espirituais,
como a pregação e o aconselhamento. E o aconselhamento que quero
considerar neste capítulo, através das respostas a essas perguntas: Como a
paternidade de Deus impacta o nosso aconselhamento, nosso ministério
pessoal da Palavra a outras pessoas que estão em necessidade?
Analisaremos o impacto da paternidade de Deus no (1) conselheiro,
(2) aconselhado e (3) problemas específicos do aconselhamento.

IMPACTO NO CONSELHEIRO
Antes de entrarmos em uma situação de aconselhamento, é vital que
pausemos para refletir, em oração, sobre o que estamos fazendo. E neces­
sário que busquemos a face de Deus antes que busquemos a face de um
estimado homem ou mulher.
Quando olhamos a face de Deus, através de Jesus Cristo, somos lem­
brados de duas verdades: (1) Eu sou filho do Pai e (2) eu sou representante
do meu Pai.

Eu sou filho do Pai


Deus é Pai de duas maneiras: pela criação e pela graça.
126 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

Em comum com a raça humana inteira, eu sou filh o de Deus pela criação.
Apesar de negarmos a paternidade universal de Deus que é ensinada por
estudiosos liberais como Adolf von Harnack, o fato de Deus ser criador
de todos significa que, em um sentido limitado, Deus é o Pai de todo ser
humano (At 17.28).
N o aconselhamento, isso me lembra uma unidade fundamental, a igual­
dade da raça humana toda, e me dá um sentimento de respeito para com
o meu próximo, uma simpatia com meus aconselhados, incluindo aqueles
que não são crentes. Assim como o Pai faz o sol brilhar e a chuva cair no
justo e no injusto (Mateus 5.44-45), também, pela imitação de meu Pai, eu
devo seguir o bem físico e espiritual do meu próximo.
Essa verdade também me lembra que conselheiro e aconselhado são
ambos dependentes do mesmo Pai para vida, saúde, força e todos os outros
recursos físicos:“ (...) nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.28).
Porém, como cristão, eu devo ir mais profundo. Eu devo ir além da pa­
ternidade universal de Deus pela criação, porque, como crente em Cristo,
eu também sou filh o de Deus pela graça.
Isso é especialmente importante para lembrar quando eu estou aconse­
lhando os queridos crentes, filhos e filhas de Deus o Pai. Isso muda o meu
relacionamento com ele de um relacionamento profissional para um fami­
liar. Eu não vou à entrevista como um estranho dando ajuda profissional a
outro estranho. Eu sou um irmão da mesma família que meu aconselhado.
Isso também me ajuda a enxergar o aconselhado e eu mesmo como
sendo treinados simultaneamente pelo Pai. Deus fez dois de seus filhos se
encontrarem para treinar os dois, para nos mover da fraqueza à maturidade,
da ignorância ao conhecimento. E, claro, ao andar em união, eu dependo
do meu Pai para todo recurso espiritual, para mim e para o sucesso do meu
aconselhamento.

Eu sou representante do meu Pai


Assim como o pregador é embaixador de Deus no púlpito, o conse­
lheiro também o é na sessão de aconselhamento. Isso me desafia a fazer
várias perguntas:

• O que eu estou comunicando ao aconselhado sobre Deus, especial­


mente sobre a sua paternidade?
• Estou representando Deus de maneira eficaz a essa pessoa?
• O que essa pessoa pensa sobre Deus quando me vê e me ouve?
• Eu dou boas-vindas aos aconselhados como Deus o Pai faria?
• Eu comunico empatia calorosa ou indiferença fria?
ACONSELHAMENTO E A PATERNIDADE DE DEUS 127

• Minha linguagem de corpo e aparência é “paternal” ou “ real” ?


• As palavras e o espírito pelo qual falo refletem corretamente o Pai?
• Eu estou atrapalhando o Pai ou estou ajudando irmãos e irmãs a
seguirem o Pai?

Lembrar a paternidade de Deus devia nos fazer conselheiros mais amo­


rosos, mais simpáticos, mais dependentes e mais parecidos com Deus.

IMPACTO SOBRE O ACONSELHADO


Muitos problemas de aconselhamento são pelo menos parcialmente
causados por ignorância, erro, ou esquecimento de Deus. Cada um encon­
tra, pelo menos, parte de sua resposta e, geralmente, uma grande parte, ao
ensinar o aconselhado sobre Deus.
Com referência à paternidade de Deus, eu quero fazer duas perguntas
aos aconselhados: (1) O que você conhece a respeito do Pai? E (2) Você
conhece o Pai? A primeira pergunta é intelectual, a respeito de fatos. A
segunda, é uma pergunta experimental, sobre fé.

O que você conhece a respeito do Pai?


Muitas vezes um aconselhado tem pouquíssimo conhecimento ou tem
percepções muito errôneas sobre Deus o Pai. Portanto, eu quero inquirir
sobre a sua teologia. Eu tenho experimentado que a maior parte dos erros
sobre Deus o Pai envolvem quatro concepções mal compreendidas, que
geralmente se relacionam com a experiência do próprio aconselhado com
seu pai mundano.
Primeiramente, há a concepção do Pai como sendo duro. Muitas vezes,
pessoas sofredoras concluem, da sua dor, que Deus não se importa, ou pelo
menos não se importa com elas: Ele parece não sentir, ser cruel e vingativo.
Ou, talvez, eles têm sido abusados pelos pais —verbalmente, fisicamente,
sexualmente —e transferem sua experiência terrena de paternidade (ou de
uma “figura paternal”) ao Pai celestial.
Em segundo lugar, há o problema oposto, a concepção errônea do Pai
como indulgente, que, novamente, é muitas vezes uma consequência das
experiências mundanas dos aconselhados com seus pais.Talvez foram mi­
mados, ou viram várias vezes que a maioria dos pais são indulgentes com
seus filhos. Ou talvez engoliram a representação predominante da cultura
de Deus como um gênio da lâmpada mágica que dá a todos conforme
seus desejos.
128 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

Em terceiro lugar, há a concepção errônea clássica deísta de Deus, como


alguém distante e não envolvido. Novamente, numa epidemia de pais ausen­
tes, essa pode ser uma conclusão perfeitamente compreensível.
Em quarto lugar, alguns pensam no Pai como sinistro, andando nos
fundos, se escondendo nas sombras. O Filho é a figura amorosa que está
à frente da deidade, mas que precisa trabalhar muito para fazer o Pai mal­
vado concordar com o plano da salvação. Esse é um erro que está presente
há muito tempo, um erro que até mesmo Jesus enfrentou, quando disse:
“ Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14.9). O Pai não se escondeu atrás de
Jesus, mas se revelou em Jesus.
Mas, obviamente, com o “ pai da mentira” continuamente sussurrando
caricaturas equivocadas do Pai na mente de pecadores, esses conceitos
errôneos podem se enraizar profundamente no coração das pessoas, im-
pactando seu relacionamento com Deus e suas respostas a problemas que
enfrentam em suas vidas. Uma grande parte do processo de aconselha­
mento envolve a reeducação das pessoas sobre quem Deus é, descobrindo
mentiras e as substituindo com verdades bíblicas.
Quando você pergunta o que as pessoas sabem sobre Deus o Pai, as
pessoas talvez não enxerguem uma conexão clara entre essa pergunta e
seus problemas. Pode valer a pena explicar porque está questionando isso
brevemente, demonstrando com um exemplo como nosso entendimento
de Deus impacta os nossos humores, palavras e ações.
Quando se tem os fatos, é muito provável que um número de áreas se
abram para o ministério da Palavra para substituir visões falsas de Deus
com a verdade. Lembre-se, cristãos necessitam disso da mesma forma que
não cristãos.

Você conhece o Pai?


Essa pergunta nos leva à experiência cristã, usando a palavra conhecer no
sentido bíblico de ter “ conhecimento íntimo com” . Nosso questionamento
aqui não é para colher fatos intelectuais, mas é também para procurar pelo
verdadeiro estado espiritual da pessoa —salva ou não, o crente saudável ou não.
A pergunta mais importante aqui é se a pessoa conhece Deus o Pai da
única maneira que é possível —através de Jesus Cristo (Jo 14.6).
Assumindo que a resposta a isso seja sim, as grandes perguntas se ba­
seiam em se o cristão está vivendo desse conhecimento na vida diária e
especialmente ao lidar com problemas. Há um caminhar diário com Deus?
Há uma consciência diária de Deus como Pai? Há uma aproximação dele
para instrução, sabedoria e força? Há uma submissão à sua disciplina? Há
um relacionamento pessoal dessa pessoa com a Trindade?
ACONSELHAMENTO E A PATERNIDADE DE DEUS 129

IMPACTO NOS PROBLEMAS DE ACONSELHAMENTO


Tendo visto o papel significativo e o impacto da paternidade de Deus
sobre a aproximação do conselheiro e a resposta do aconselhado aos pro­
blemas, vamos agora olhar quais problemas específicos do aconselhamento
são ajudados pelos aspectos específicos da paternidade de Deus. Quais atri­
butos paternais são de ajuda especial e em quais situações?
Devo fazer duas qualificações a isso. Primeiramente, enquanto a Trin­
dade como um todo está envolvida em toda solução de aconselhamento,
estamos nos limitando ao papel do Pai em soluções de aconselhamento.
Em segundo lugar, enquanto a paternidade de Deus é envolvida em todo
cenário de aconselhamento, estou escolhendo os assuntos e problemas nos
quais a paternidade de Deus é extremamente útil. Essas incluem:
Luto. Ao aconselhar aqueles que perderam pessoas queridas, temos o
privilégio de apontar pessoas ao Pai de toda misericórdia e ao Deus de
todo conforto (2Co 1.3-4). Em meio ao tsunami emocional de medo, de­
vastação e tristeza do luto, ele é juiz das viúvas e Pai dos órfãos (SI 68.5-6).
Paternidade única. De acordo com o censo dos Estados Unidos, m ais
que um quarto de todas as crianças americanas vivem em casas de somente
um pai, com 23,1% deles morando com as mães e somente 3,4% morando
com os pais. 4% das crianças americanas não moram nem com seus pais
nem com suas mães. Que campo missionário para a paternidade de Deus!
Que mensagem podemos levar a pais solitários e seus filhos muitas vezes
sozinhos.
Pobreza. Em um tempo longo de desemprego, podemos ajudar as pes­
soas a se lembrarem que Deus o Pai tem gado em mil montanhas (SI 50.10).
Ele conhece as nossas necessidades antes de as pedirmos (Mt 6.8). Ele pro­
meteu providenciar aos seus filhos de acordo com suas riquezas na glória,
por meio de Cristo Jesus (Fp 4.19). Nossa oração diária por pão diário é
direcionada ao nosso Provedor diário, nosso Pai que está no céu.
Abuso. Apesar de parecer contra intuitivo apontar um filho abusado a
outro Pai, é aqui que a teologia e o ensinamento bíblico podem servir para
mostrar o quão diferente o nosso Pai celestial é de qualquer outro. Ele é o
Pai perfeito.
Correção. Quando um cristão está sendo corrigido, ele ou ela precisam
de ajuda para entender que é a mão amável do Pai que está segurando a
vara da correção e não uma mão punidora de um juiz que busca retribuição
(Hb 12.6). Isso ajudará a suster os fracos e a apaziguar um espírito rebelde.
Segurança. Alguns cristãos necessitam de segurança de sua salvação;
muitas vezes, isso é resultante de não conseguir apreender, acreditar ou
130 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

entender a paternidade amorosa de Deus. Eles deviam ser ensinados a orar


pelo espírito da adoção pelo qual podem clamar de forma legítima: “ Abba,
Pai” (Rm 8.15). Algumas vezes os crentes precisam ser ensinados a reco­
nhecer o Espírito que já está neles.
Ansiedade. Todos conhecemos a linha de tempo da preocupação: es­
cola, notas, amigos, faculdade, casamento, aluguel, filhos, casamento dos
filhos, saúde, pensão, herança. Preocupação após preocupação. Mas a cada
estágio dessa preocupação constante, o Pai entra e diz: “ Não fiquem preo­
cupados” (veja Mt 6.25).
Mas ele não somente nos manda parar de sermos ansiosos, como se
qualquer pessoa pudesse simplesmente parar isso ao ouvir o comando.
Através do Filho, ele arrazoa e argumenta conosco em direção à paz, apon­
tando os pássaros e as flores do campo para demonstrar seu carinho a essas
coisas tão pequenas. Jesus pergunta: “ Se seu Pai se importa com coisas tão
pequenas, ele não se importará ainda mais contigo, seu filho?” .
Injustiça. Como juiz de toda a terra, Deus promete a todas as vítimas de
injustiça que ele fará justiça. Ele derrubará os perversos independentemente
de quanto se elevarem, e ele erguerá os oprimidos independentemente do
quão baixo caírem (SI 37). Que conforto às vítimas de crime, especialmente
crimes impunes.
Filhos pródigos. Cristãos precisam se lembrar de mostrar aos filhos
pródigos o mesmo tipo de amor pródigo que Deus o Pai lhes mostrou
quando eles eram rebeldes. Que padrão de amor sem fim e perdão total
(Lc 15; SI 103.13-14)!
Amargura. Sobre o assunto do perdão, nós podemos ajudar a motivar as
pessoas a perdoarem os outros, chamando-os a considerarem o perdão do
Pai por elas. De fato, nós podemos mostrar a elas que as nossas dívidas serão
perdoadas por nosso Pai celestial somente se perdoarmos as dívidas daqueles
que nos devem também (Mt 6.14).
Disputas nas igrejas. Dificuldades nas igrejas podem acabar se tor­
nando campos de batalha. A paternidade de Deus lembra aos cristãos
em disputa que geralmente não é sobre que lado você está ou em que
time você está, mas é geralmente sobre aprender a amar e viver com seus
irmãos e irmãs.
Crescimento/Maturidade. Enquanto o aconselhamento é muitas vezes
visto como solucionador de problemas, parte de nosso discipulado de
aconselhamento deveria ser sobre ajudar as pessoas de maneira positiva a
crescerem e amadurecerem como cristãos. Deus é glorificado como Pai
através da vida frutífera de cristãos (Jo 15.8). Ao experimentar a paterni­
dade de Deus, podemos ajudar os outros a darem fruto.
A C O N S E L H A M E N T O E A P A T E R N ID A D E D E D E U S 131

Paternidade. Talvez seja especialmente na paternidade que as verdades


positivas da paternidade de Deus podem também ser usadas para ajudar os
pais a treinarem seus filhos para o Senhor (Ef 6.4).

CONCLUSÃO
Eu espero que você consiga enxergar que a paternidade de Deus não é
um assunto acadêmico. E uma verdade prática que oferece várias opções de
ajuda com os problemas múltiplos da vida. E ela é muito mais efetiva que
o último Band-Aid ou livro de autoajuda.
C A P ÍT U L O 10

A linda mão do Pai na sua


abençoada correção
Burk Parsons

Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem
de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que
tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos esta
proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus,
o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não
fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus.
Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos
pecadores contra si mesmo, para que não vosfatigueis, desmaiando em
vossa alma. Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido
até ao sangue e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre
convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem
desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem
ama e açoita a todo filho a quem recebe. E para disciplina que perseverais
(Deus vos trata comofilhos); pois que filho há que o pai não.corrige?
Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo,
sois bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nossos pais segundo
a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em
muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? Pois eles
nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém,
nos disciplina para aproveitamento, afim de sermos participantes da sua
santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo
de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos
que têm sido por ela exercitados,fruto de justiça. Por isso, restabelecei as
mãos descaídas e os joelhos trôpegos; e fazei caminhos retos para os pés,
para que não se extravie o que é manco; antes, seja curado.
Hebreus 12.1-13
134 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Eu não cresci em um lar cristão, e quando ouvi o evangelho pela pri­


meira vez aos quinze anos de idade, recebi o chamado de Deus para servi-
-lo no ministério pastoral. Com a mesma conversão com a qual havia me
chamado para Cristo, Deus fez com que eu sentisse uma paixão imediata
e ardente para servi-lo de qualquer modo que ele havia me chamado para
servir a ele e ao seu povo.
Em alguns anos, após estudar a teologia das Escrituras, deparei-me com
o que é chamado de Calvinismo. Eu odiei aquilo, pois pensava que era
herético, que era uma interpretação completamente errada das Escrituras,
que fizesse de Deus um tirano. Lutei contra as doutrinas da eleição e da
reprovação com cada gota de livre arbítrio que eu podia encontrar. Lia
tudo o que eu conseguia achar, a começar por meu próprio estudo das
Escrituras para determinar a verdade do erro. Por mais de dois anos eu li
a Bíblia, comparando passagem com passagem, tentando entender o que a
Palavra de Deus ensinava sobre esses assuntos.
Finalmente, deparei-me com duas passagens cruciais no Novo Testa­
mento. Em Romanos 8, eu enxerguei o amor especial, inseparável de Deus
para com seu povo —aquilo que Jonathan Edwards chama de amor doce,
complacente de Deus. Ali comecei a entender que o amor de Deus para
com seu povo é único. E um amor especial, salvador e que perdura. Ao
estudar Romanos 8, era como se as doutrinas da soberania de Deus atin­
gissem o auge, mostrando-me o amor salvador especial de Deus e como
ele é demonstrado na vida de seus filhos. Da mesma maneira, Hebreus 12
me mostrou que a disciplina é prova do amor paternal de Deus para com
seus filhos. Percebi, pela graça de Deus, que o amor do Pai —demonstrado
através de sua disciplina, sua correção paternal —era uma coisa que eu não
podia ignorar. Eu havia chegado a um ponto de crise em minha vida. Ou
eu tinha de negar a infalível autoridade das Escrituras como um todo ou
tinha de aceitar essas doutrinas como bíblicas, e, portanto, verdadeiras.
Então, Deus usou Romanos 8 e Hebreus 12 para me levar a perceber
que nós não podemos ser separados do amor de Deus em Cristo Jesus —
que nós, o povo de Deus, temos o amor de Deus que não pode ser levado
embora. Nós não podemos ser levados de sua mão e não podemos pular de
sua mão —nem iremos querer fugir. Deus nos tem na palma de sua mão,
imprimindo seu amor sobre nós e graciosamente nos empurrando e con­
vencendo pelo Espírito Santo. A maravilhosa doutrina do amor salvador de
Deus para com seu povo é fundamental se entendermos de forma correta as
doutrinas da eleição e reprovação, e a integridade de nossa salvação, mesmo
ao considerarmos o pacto da redenção antes da fundação do mundo.
A LINDA MÃO DO PAI NA SUA ABENÇOADA CORREÇÃO 135

O EXEMPLO DA CORREÇÃO DO PAI


Em Hebreus 12, o autor escreve:“ Considerai, pois, atentamente, aquele
que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo” (v. 3a).
O autor, aqui, está apontando a Cristo. Ele diz: “ Considere-o, olhe para ele,
fixe seus olhos sobre ele” . E de se considerar que quando Jesus Cristo, o
Filho de Deus, se fez carne e habitou entre nós, que nós, em nosso estado
natural, estado rebelde de pecado, o levamos à morte. E exatamente isso
que fizemos como pecadores em nosso estado natural —nós levamos Jesus
Cristo à morte. Nunca houve contradição maior do que essa —que Jesus
Cristo, o Senhor da glória, foi morto pelas mãos de pecadores.
Considere isso, o autor escreve aos Hebreus (e Deus escreve a nós agora),
quem “ suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia” (v. 2), “para que
não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma” (v. 3b). Pressões, aflições e
tentações vêm contra nós não somente desse mundo e de Satanás, mas de
nosso próprio coração traiçoeiro, que atira dardos e flechas contra nós, do
nosso interior. Somos afligidos por dúvidas, conflitos, ansiedades e dificul­
dades que pesam sobre nós —preocupações não somente por nossa vida e
alma, mas também por aqueles que amamos. E se os nossos olhos forem
abertos aos pecados desse mundo, quase toda vez que dirigirmos por uma
rua ou assistirmos uma reportagem, é quase impossível não chorarmos,
pois vemos pecado, tristeza e miséria à nossa volta.
Então, quando chegamos a essa passagem, nós chegamos, como Ale­
xandre Maclaren disse, como em um farol. Claro, um farol não é algo
para o qual olhamos na luz do dia, quando tudo está ocorrendo bem. Se
chegamos a uma passagem como essa quando tudo está bem e o sol está
brilhando, ignorando as realidades do pecado e da tristeza, então é bem
provável que a ignoremos. E provável que digamos: “Vamos deixar isso para
um tempo mais escuro. Vamos nos regozijar nas bondades, alegrias e vis­
lumbres de tudo que estamos experimentando hoje, pois tudo está bem” .
Nós não queremos pensar sobre as dificuldades, aflições e problemas de
nossos amados, de nossos filhos, de nossos netos que possam não conhecer
o Senhor, daqueles amigos vizinhos que estão morrendo e indo para o in­
ferno, para as dores e horrores que muitos estão experimentando ao redor
do mundo. E somente quando nós enxergamos o pecado desse mundo e
os pecados de nosso próprio coração que conseguimos enxergar nossa ne­
cessidade pelo farol que Deus nos deu, para ser usado na escuridão. Ele está
sempre lá, e nós só temos que olhar para ele —não somente nos tempos
significativos de estresse e ansiedade, mas a cada dia, a cada hora, a cada mi­
nuto de nossa vida, pois necessitamos dele o tempo todo. E necessário que
136 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

entendamos que Deus, nosso Pai, não está conosco somente nas aflições
e nas tribulações, ele é o autor delas, trabalhando conosco para agirmos
conforme a sua boa vontade. Então o autor de Hebreus diz: “ Não se preo­
cupe, não desmaie em vossa mente” , porque essa é a nossa tendência.
Ele continua no quarto verso, “ na vossa luta contra o pecado, ainda
não tendes resistido até ao sangue” . O ponto é muito simples: os hebreus
ainda estão vivos. Eles ainda estão respirando. O coração deles ainda está
pulsando. Eles ainda não foram mortos como o Senhor Jesus Cristo foi
morto. O sangue deles ainda não foi derramado ao lutarem contra o pe­
cado. Os receptores originais dessa carta precisavam ser continuamente
encorajados para perseverar na mortificação do pecado na carne, assim
como nós precisamos perseverar ao darmos fruto de retidão e procurar­
mos santidade através da graça mantenedora de Deus.

OS MEIOS DA CORREÇÃO DO PAI


Então lemos: “ e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, dis­
corre convosco” (v. 5a). Somos propensos a nos esquecer das promessas e
verdades de Deus. Nós somos rápidos para esquecer o que ele nos ensinou
—não somente pela experiência e pela sabedoria que tem demonstrado
a nós, através de seu Espírito durante nossos anos como cristãos, mas da
sua Palavra. U m domingo nós ouviremos um sermão que revolucionará
o nosso modo de pensar e viver, e um dia depois, mesmo horas depois,
nós vamos esquecer o sermão por inteiro. Se nos regozijássemos durante
a semana nos sermões que ouvimos a cada dia do Senhor, refletindo dia­
riamente e vivendo as exortações gloriosas e as promessas proclamadas
a nós, encontraríamo-nos tendo diariamente, mesmo por hora, frutos de
arrependimento a retidão. Porque as exortações da Palavra de Deus são
graciosamente dadas a nós como o primeiro passo da disciplina e nosso
treinamento no temor e admoestação do Senhor. Portanto, podemos fiel-
mente deduzir que todo aquele que é cristão, ouvindo as exortações e as
promessas de Deus, está debaixo da disciplina da igreja onde ele é membro.
Nós estamos sob a disciplina da igreja porque estamos sob a exortação e o
treinamento da Palavra de Deus.
Em primeiro lugar, pastores existem para orar pelo povo de Deus e
alimentá-lo com a Palavra de Deus. Pastores não são chamados primordial­
mente para fazer as pessoas se sentirem bem sobre si mesmos semana após
semana, mas para fornecer ao povo a Palavra de Deus, para que eles pos­
sam se arrepender e glorificar a Cristo, nossa única esperança. Eu ouvi Dr.
W. Robert Godfrey dizer que ele não sente que foi à igreja a menos que
A LINDA MÃO DO PAI NA SUA ABENÇOADA CORREÇÃO & 137

ele se sinta um pouco abatido após o culto. Nós saímos abatidos, ajoelha­
dos com arrependimento, mas regozijando no fato de termos sido levados
a Jesus Cristo mediante o evangelho consolador e vivo.
Então, a cada dia do Senhor, tendo examinado a nós e o nosso coração,
vamos para receber exortação e disciplina graciosa que vem da Palavra de
Deus, que sempre nos leva a nossa necessidade pelo trabalho de Cristo.
Não é um deleite quando vemos o povo de Deus entrar por entre as
portas de nosso templo dizendo: “Eu preciso de disciplina, eu preciso ser
relembrado de meu pecado, e eu preciso, mais desesperadamente, de ser
lembrado da graça de Deus em Jesus Cristo” ?
O versículo 5 continua, enquanto o autor cita versículos do livro de
Provérbios e Jó: “ Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Se­
nhor, nem desmaies quando por ele és reprovado” . Muitas vezes responde­
mos à disciplina com menosprezo. Nós nos tornamos amargos e irritados
contra Deus, pensando que ele não somente virou sua face contra nós, mas
que ele está se mantendo distante de nós. Na verdade, quando Deus está
nos disciplinando, ele não está longe de nós - sua mão não está contra nós;
ao invés disso, ele nos trouxe para perto dele. Ele nos trouxe ao seu lado; ele
nos tem em seus braços. Ao trazer sua mão amável de correção sobre nós,
é como se estivesse nos dizendo: “Eu estou fazendo isso para o seu bem e,
finalmente, para minha glória, pelo meu nome” .
Não é essa a razão pela qual disciplinamos nossos filhos? Nós o fazemos
não somente para o bem deles, mas também pelo nosso nome. Quando
disciplinamos nossos filhos, nós estamos preocupados não somente que
eles sejam instruídos da maneira correta, para que eles sejam obedientes e
se comportem como o Senhor os instrui, mas que possam representar o
nome de Cristo da maneira correta, e em segundo lugar, que eles possam
representar a família deles. Quando exortamos e disciplinamos os nossos
filhos, nós falamos a eles a verdade do amor, pois disciplina não é como o
trabalho de um médico do pronto-socorro, costurando-nos o mais rápido
possível, rapidamente suturando as nossas feridas. Disciplina é mais como
o trabalho de um cirurgião. Ele já tomou as medidas necessárias, fez todos
os exames, já estudou a ferida e cuidadosamente considerou todos os re­
médios apropriados para que, ao começar a cortar e realizar a sua cirurgia,
ele possa esperar pela cura e restauração apropriada. E o que fazemos com
nossos filhos, e é o que Deus faz com os seus filhos.
O autor de Hebreus também diz que essa correção do Senhor não
deve nos deixar desanimados; isso é, não é para que a desprezemos, cresça­
mos em amargura ou percamos esperança. Não devemos nos tornar com­
placentes ou cínicos sobre a disciplina de nosso Pai celestial. Quando a
138 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

disciplina vem, nossa tendência é manter um coração duro —agir como se


nada tivesse acontecido. Mas o propósito da disciplina de nosso Pai é nos
levar a nos ajoelharmos e que todos à nossa volta vejam a nossa necessidade
total do Pai, que somos totalmente dependentes do nosso soberano Deus,
que nos disciplina e nos restaura, que nos dá e que nos tira.

A GRAÇA DA CORREÇÃO DO PAI


Em Jó 5, vemos como Deus usa Elifaz, o Temanita, para nos ensinar
sobre seus caminhos soberanos (apesar de Elifaz os aplicar de maneira ina-
propriada à situação de Jó). Nós lemos:

Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina; não desprezes, pois, a


disciplina do Todo-poderoso. Porque ele faz a ferida e ele mesmo a ata; ele
fere, e as suas mãos curam. De seis angústias te livrará, e na sétima o mal te
não tocará. Na fome te livrará da morte; na guerra, do poder da espada. Do
açoite da língua estarás abrigado e, quando vier a assolação, não a temerás.
Da assolação e da fome te rirás e das feras da terra não terás medo. Porque até
com as pedras do campo terás a tua aliança, e os animais da terra viverão em
paz contigo. Saberás que a paz é a tua tenda, percorrerás as tuas possessões, e
nada te faltará. Saberás também que se multiplicará a tua descendência, e a tua
posteridade, como a erva da terra. Em robusta velhice entrarás para a sepul­
tura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo. Eis que isto já o havemos
inquirido, e assim é; ouve-o e medita nisso para o teu bem (v. 17-27).

Deixe-me lhe mostrar especialmente as primeiras palavras dessa passa­


gem: “Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina; não desprezes,
pois, a disciplina do Todo-poderoso. Porque faz a ferida e ele mesmo a ata;
ele fere, e as suas mãos curam” . As feridas, o quebrantamento e o estra­
çalhar de nossos ossos são todos autorizados por nosso Senhor soberano.
Como nosso Pastor Chefe, ele vai ao campo e nos disciplina, para nos
trazer ao arrependimento por meio do quebrantamento da nossa força
aparentemente autossuficiente, quebrando os nossos joelhos para que pos­
samos cair e nos alimentar da grama verde de sua Palavra. Então, enquanto
ele restaura a nossa alma, ele mantém os nossos inimigos longe para que
possamos festejar, e ele nos toma pela mão e nos leva ao lado de águas que
ele aquietou para que possamos beber livremente e aproveitar uma vida
abundante debaixo da sombra de nosso Pastor Todo-poderoso.
Não é nossa oração para que Deus nos despedace? Que Deus nos deixe
dolorido? Que Deus nos faça chegar à exaustão para que, no final, o en­
contremos? Essa oração não é a sua e para aqueles a quem você ama? Você
A L IN D A M Ã O D O P A I N A S U A A B E N Ç O A D A C O R R E Ç Ã O 139

se preocupa com os seus filhos, netos, amigos, irmãos e irmãs, ou mesmo


até esposa e esposo que não conhecem o Senhor Jesus Cristo. Você se
preocupa que eles serão um entre aqueles a quem Jesus dirá: “ Nunca vos
conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7.23).
Nós não oramos para Deus os quebrantar e os levar à exaustão? Que Deus
os traga a ele através da correção e da disciphna?
Se você nunca experimentou a correção de Deus, é possível que você
não seja crente. Mas se você está entre os eleitos de Deus, você irá, pela sua
graça, experimentá-la, e ele irá, pela sua graça, te levar à exaustão. Então,
ao crescermos em graça e santidade, nós iremos orar cada vez mais, “Pai
amado, traga a sua correção sobre mim, e, por meio de sua bondade, me
leve ao arrependimento” . Além do mais, nós também oraremos pela disci­
plina de Deus em nossas famílias e até mesmo para nossos vizinhos. Uma
das melhores maneiras que podemos orar pelo impenitente é pedir: “ Se­
nhor, se eles são seus filhos eleitos, leve-os à exaustão e aos seus próprios
joelhos diante de Jesus Cristo” .
Meu pai morreu aos 68 anos em 1992. Eu tinha dezesseis anos de idade.
Muitos de nós perdemos pais, se você perdeu pai ou mãe quando você era
jovem, é possível que você sinta falta não somente da companhia deles, da
oportunidade de falar com eles, mas também da oportunidade de ouvi-los,
de ouvir as palavras de exortação deles. O que eu mais sentia falta de meu
pai, quando eu cresci como adolescente e depois ao entrar na faculdade e
no seminário, era ter alguém para me corrigir, alguém que eu respeitasse
e que me exortasse. De tempos em tempos eu recebia uma palavra de
exortação de meu pai; ele dizia: “Você é meu filho amado, em quem me
comprazo” . Eu não sabia o que essas palavras significavam, eu não sabia da
importância delas, e eu não tinha a menor ideia da onde vinham, mas me
deleitava nelas. E isso que queremos, não é? Queremos pais que se impor­
tem suficientemente conosco a ponto de nos exortar em amor.

A ESPERANÇA DA CORREÇÃO DO PAI


O autor de Hebreus continua: “ Se suportais a correção, Deus vos trata
como filhos” (v. 7a). Se aguentarmos a disciplina, não desmaiando de­
baixo dela ou perdendo esperança, a esperança certa é que “Deus vos
trata como filhos” . Se a suportarmos na medida em que o Espírito nos
sustém, e nosso Pai nos garante a fé para perseverar, então nós provamos
que somos filhos de Deus.
Há muitos anos, eu tive a oportunidade de editar um livro sobre a
segurança da salvação cristã chamado de Assured by God. Eu pedi a Jerry
140 .ç# A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

Bridges para escrever um capítulo para aquele livro sobre um assunto com
o qual eu sabia que não conseguiría lidar bem, sendo eu um pastor jovem.
O nome do capítulo é :“A bênção da disciplina” . Alguns leitores pergun­
taram: “ Por que incluir um capítulo sobre disciplina em um livro sobre se­
gurança?” . Parecia contraditório para eles, mas eu acredito que a promessa
de Deus ao corrigir seus filhos é uma das seguranças mais práticas e obser­
váveis de que nós estamos em Cristo. Nós podemos descansar seguros no
fato de que somos de Deus, quando a sua mão de disciplina vem sobre nós
para nos satisfazer. Isso revela que Deus nos ama. Revela que nós nunca
seremos separados dele. Revela que somos seus filhos eternos.
O autor escreve: “ Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos;
pois que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina,
da qual todos são feitos participantes, sois, então, bastardos e não filhos”
(v. 7-8). Essa linguagem é significativa: “bastardos” são filhos ilegítimos.
Sim, filhos ilegítimos têm pais, mas o autor de Hebreus está provando o
simples ponto que se não recebermos a correção de Deus, nós não somos
seus filhos. Não somente isso, mas Jesus disse: “Vós tendes por pai ao diabo”
(Jo 8.44). Se não recebermos a correção, nós não temos por Pai aquele que
nos dará vida eterna.
Ele continua dizendo: “ Além do que, tivemos nossos pais segundo a
carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos
muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?” (v. 9). Jesus usa linguagem
similar e pinta um cenário similar em Mateus 7 :"... qual dentre vós é o
homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedin­
do-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se, vós, pois, sendo maus, sabeis dar
boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará
bens aos que lhe pedirem?” (v. 9-11). Nosso Pai está pronto para nos dar
pão, mas muitas vezes pedimos por pedras, e muitas vezes as esperamos. Ele
nos leva ao deserto algumas vezes para que, quando nos alimentarmos do
que ele nos providencia, sejamos gratos por ter aquilo que somente a mão
de Deus pode nos providenciar, o único pão que consegue verdadeira e
eternamente nos satisfazer.

O OBJETIVO DA CORREÇÃO DO PAI


O autor de Hebreus continua: “ Porque aqueles, na verdade, por
um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia” (v. 10a).
Nossos pais terrenos nos corrigem pela própria sabedoria, “mas este,
para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade” (v. 10b).
O objetivo da disciplina não é simplesmente para que tenhamos uma vida
A L IN D A M Ã O D O PAI N A SU A A B E N Ç O A D A C O R R E Ç Ã O ** 141

melhor, mas para que compartilhemos da santidade de Deus. Deus nos


ergue para nos fazer maduros. Ele nos dá caráter e esperança que não
desapontam, por causa do amor que ele derramou em nosso coração por
meio do seu Espírito. Deus nos faz completos e maduros, sem que nada
nos falte. O objetivo é que nos tornemos mais e mais dependentes em
Cristo, fixando nossos olhos nele e, portanto, nos tornando mais como ele
em sua santidade.
E por isso que, no início do capítulo 12, o autor de Hebreus nos aponta
a Cristo: “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande
nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado
que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que
nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé,
Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz,
não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus”
(v. 1-2). Nós não estamos em uma corrida arbitrária, é uma corrida “permi­
tida” . Nossa corrida é estabelecida soberanamente por Deus. Há uma linha
de chegada que, pela sua graça, se formos seus fdhos, atravessaremos com
vitória em Cristo e atravessaremos atrás dele. Ele não somente é o nosso
irmão mais velho na fé, que foi antes de nós e garantiu a nossa vitória, mas
ele é aquele que permitiu a corrida e a nossa fé. Ele é o que nos guia até a
pista de corrida e o campo de batalha dessa vida. Ele não está em pé atrás
de nós, nos dizendo para correr e lutar a batalha, mas ele está liderando o
ataque, indo à nossa frente para que o possamos ver, a qualquer momento.
Então, ao o seguirmos, não estamos olhando as nossas espadas e a força de
nossas armas, e nem estamos confiando em nossos cavalos e carruagens.
Não estamos olhando para baixo, para os problemas e para as fraquezas de
nossas armas feitas no mundo, pois ao fazer isso, iremos tropeçar e perder a
batalha; nosso trabalho se perdería. Ao invés disso, estamos olhando para o
nosso Capitão, para aquele que vai adiante, conquistando, e, para conquistar,
aniquilando todos os inimigos dele e nossos.
Em Cristo, nós não somente portamos “um fruto pacífico de justiça”
(v. 11), mas uma colheita cheia de frutos em um campo amplo de bên­
çãos. Esse fruto se dá pela mão disciplinadora de Deus, nos desmamando
do mundo, desarraigando o nosso pecado, mortificando a nossa carne, e
fazendo com que não somente não tenhamos mais nenhum gosto pelas
coisas desse mundo e pela nossa própria carne, mas fazendo com que as
odiemos. Não é essa a nossa maior oração: “ Senhor, ajuda-me a odiar o
pecado assim como você o odeia. Que eu tenha um amor por você que
ultrapasse qualquer outro amor de minha vida. Que eu tenha o tipo de
paz que está associado a esse amor, assim como terei no novo céu e na
142 A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

nova terra” . Não é uma de nossas maiores alegrias o conhecimento de que


estaremos livres do pecado e livres mesmo de qualquer possibilidade de
pecarmos? Não é uma de nossas maiores esperanças que estejamos cerca­
dos por aqueles que não podem pecar contra nós, e mais ainda, que não
consigamos pecar contra o Deus a quem amamos?
É para isso que ele está nos preparando mesmo agora. Ele nos disciplina
mediante a convicção de seu Espírito, alfinetando a nossa consciência e
dizendo: “Veja seu pecado pelo que realmente é. Resista-o. Esteja disposto
a fazer o que é apropriado e necessário enquanto você ainda viver e não
desmaie ou desanime ao fazer o bem. Não se deixe tornar amargo. Não
seja complacente ou cínico. Mantenha-se na pista e termine a corrida, pois
Cristo venceu o mundo” .
A mão de disciplina do Pai vai ser pesada, mas se revelará linda aos seus
filhos. Pois nós que somos de Deus nos aproximamos diariamente como
pequenos filhos e nos ajoelhamos em fé, descansando somente em Cristo
para a salvação, como nos é oferecido no evangelho, sabendo que o Filho
de Deus foi machucado por nossas transgressões e moído por nossas ini-
quidades, e que o castigo de nossa paz esteva sobre ele, e pelas suas pisadu-
ras nós fomos curados.
------------ ------------

OVSmDNOD
C A P ÍT U L O 11

A necessidade de uma piedade


trinitária
R yan M cGraw

“.. .por ele, ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. ”


Efésios 2.18

A
Declaração de Savoy (1658) afirma que a “ doutrina da Trindade
é o fundamento de toda a nossa comunhão e uma dependência
confortável dele” .1 O teólogo holandês Gisbertus Voetius (1589-
1679) se referiu à Trindade como o fundamento de nossos fundamentos
(fundamentum fundamentí), e adicionou que todo artigo da fé está casada a
essa doutrina.2 Porém, hoje em dia, muitos crentes têm pouco ou nenhum
uso prático da doutrina da Trindade de Deus para o dia a dia deles. N o co­
meço do século 18, a doutrina da Trindade entrou em declínio. Enquanto
algumas igrejas lutaram pela doutrina por décadas, aquelas disputas doutri­
nárias perderam força na fé e na vida dos crentes. Eventualmente, algumas
pessoas da igreja começaram a perguntar o porquê de toda essa discussão.
Isso levou muitas igrejas a se tornarem Unitaristas.3
Será que a nossa geração está para cair no mesmo tipo de apostasia? Você
já se perguntou por que a Trindade é tão essencial para a fé cristã? Nós

1D eclaração de Savoy, 2.3.


2V O E T T I , G isperti. Selectarum Disputationum Theologicamm, Pars Prima. U trech t: 1 6 4 8 ,1 :4 7 2 , p. 478.
3 Philip D ix o n relata qu e no c o m e ç o d o sécu lo 18, o teó lo go da igreja da Inglaterra, D an iel W aterland
(1 6 3 8 -1 7 4 0 ), fez um a das últim as tentativas d e dem on strar a im p ortân cia prática da Trin dade. E ssa tenta­
tiva ilustra o d eclín io geral da doutrina. D ix o n nota: “ A o invés de u m senso da centralidade da d outrina à
exp eriên cia inteira d o C ristian ism o, o leito r tem a sensação de q u e W aterland está desesperadam ente ten ­
tando fazer a d outrina da Trin dade ‘relevante’ ” . E le con clui: “ A d outrina da T rin dad e m an teve-se n o en­
sinam en to oficial da igreja da Inglaterra, m as tinha p o u c o im p acto na vida dela” . D I X O N , Philip. Nice and
H ot D isputes:The Doctrine o f the Trinity in the Seventeenth Century. L o n d r e s:T & T C lark , 20 0 3 , p. 205 -2 0 7 .
1 4 6 •<* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

conhecemos as pessoas da Trindade de maneira melhor experimentando o


trabalho salvador delas em nossa vida do que por analogias feitas por ho­
mens.4 Mesmo que pudéssemos definir essa doutrina biblicamente,5 se a tri-
-unidade de Deus não estiver no coração do nosso cristianismo, então a
doutrina está em perigo.Verdade bíblica que não é prática ou experimental é
somente um tipo de meia-verdade.6A Trindade não é exceção a essa regra.7
Esse livro é o fruto da terceira de três conferências sobre a beleza e a
glória de cada pessoa da Trindade. Esse capítulo tem como objetivo unir os
três temas das conferências, demonstrando a razão pela qual devemos pen­
sar de forma concisa no evangelho em termos do trabalho de cada uma
das três pessoas. A declaração de Paulo em Efésios 2.18 enaltece bem essa
necessidade. Essa passagem nos ensina que comunhão com as três pessoas
da Trindade é essencial para o crescimento da graça em piedade8 na igreja.
À luz desse texto, iremos considerar a importância da doutrina da Trindade,
a estrutura da piedade da Trindade e a aplicação dessa piedade da Trindade.

A IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA DA TRINDADE


Religiões frequentemente nos pedem para provar a doutrina da Trin­
dade nas Escrituras.9 Porém, é possível que a maior “prova” da tri-unidade
de Deus é que Cristo e seus discípulos nunca provaram da doutrina dire­
tamente. Ao invés disso, a Trindade se encontra nos bastidores de todo o
Novo Testamento e seus ensinamentos.10 Quer olhemos para o batismo de
Cristo (Mt 3.13-17), o batismo de crentes (Mt 28.19), o trabalho da reden­
ção (lPe 3.18, Hb 9.28), o plano eterno de Deus (Ef 1.3-14), a doutrina da
igreja (Ef 4.1-10), ou as bênçãos de Deus para com seu povo (2Co 13.14), os
autores do Novo Testamento consistentemente descreviam a doutrina cristã

4 H O O R N B E E C K , Jo h an n es (1 6 1 7 -1 6 6 6 ). Theólogiae Practicae. U trech t, 1 6 6 3 ,1 :1 3 6 .


5 Para um a d efinição con cisa sobre a d o u trin a da T rin dade, veja o C atecism o M e n o r d e W esm inster, q u es­
tão 6 :“ H á três pessoas na D iv in dad e: o Pai, o Filh o e o E spírito San to, e estas três são u m D e u s, da m esm a
substância, iguais em p o d e r e g ló ria” .
6 H O O R N B E E C K . Theologiae Practicae, 1:5.
7V e ja V O E T IL Disputationum Theologicarum, 1:478.
8 Piedade é co m um en te m al interpretada c o m o u m term o . E u a estou usando aqui c o m o sin ôn im o de
santidade pessoal. Veja R ic h a rd A . M uller, Dictionay o f Latin and G reek Theological Terms (G rand R ap id s:
B aker, 1985), p. 228.
9M ó rm o n s e testem unhas de Je o v á, entre outros.
10 “ E n ten d im en to [da d outrina da T rin dade] se desvenda através da exp eriên cia cristã da salvação; a co n ­
cep ção segu e após isso. A expressão da T rin dad e é enraizada na salvação pessoal e na exp eriên cia cristã,
n ão em especulações abstratas” . R o b e r t L eth am , T he H oly Trinity: In Scripture, History, Theology, and Worship
(Phillipsburg, N . J .: P & R P ublishing, 2 0 0 4 ), p. 68.
A N E C E S S I D A D E D E U M A P IE D A D E T R I N IT Á R I A 147

e o viver pressupondo a unidade da Trindade e as pessoas distintas do Pai, do


Filho e do Espírito Santo. Se a linha da Trindade de Deus fosse removida,
o manto das Escrituras e, especialmente do Novo Testamento, se desfaria.11
Efèsios 2.18 (“porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito”) é um exemplo vivido da pressuposição trinitária por trás do evan­
gelho. Esse texto é adequado para enaltecer a necessidade por uma fé trinitária
autoconsciente e piedosa.12 Efésios 2.11-22 descreve a natureza de paz entre
Deus e a humanidade, bem como entre crentes. Toda a humanidade tinha
sido posteriormente dividida entre Judeus e Gentios (isto é, todos que não
eram judeus). Agora, em Cristo, os gentios, que eram estranhos às promessas
pactuais, de Deus e da sociedade, de seu povo, foram trazidos à fé por Cristo
(v. 11-13). Os versos 14-18 descrevem como essa dupla reconciliação de Deus
e dos homens entre judeus e gentios é possível. O versículo 14 nos serve
como título para a seção inteira: “ (...) ele é a nossa paz” .13 Paz entre Deus e
o homem não é tanto um presente como é uma pessoa. Cristo é o Príncipe
da Paz (Is 9.6); não há paz verdadeira e duradoura com Deus ou com outros
à parte da união e comunhão com ele. Nosso grande Redentor removeu o
poder condenatório da lei (v. 15-16). Quando descansamos na pessoa e na
obra de Cristo, somente mediante a fé, estamos “ em Cristo” (Ef 1.1-6). Assim
como os cidadãos americanos estão seguros e protegidos de poderes estran­
geiros quando estão em solo americano, os crentes estão seguros “ em Cristo” ,
que os defende contra todo tipo de assalto do pecado, morte e inferno.
O versículo 18 é a peça central do argumento de Paulo nesse pará­
grafo.14 Ela faz uma alusão a todas as três pessoas da Trindade muito mais
significativa. Como Dr. Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) escreveu: “Aqui
está um dos grandes versículos trinitários das Escrituras, e pausemos por
um momento perante seu mistério inefável” .15 Cristo aqui é o grande meio

11 Para u m exam e cuid adoso da T rin dade n o A n tig o Testam ento, veja L eth am , The H oly Trinity, p. 1 7 - 3 3 .0
tratam ento reform ado m ais extensivo da d o u trin a da T rin dad e no A n tigo Testam ento p erm an ece sendo
d o Je ro m e Z an ch i (1 5 1 6 -1 5 9 0 ), D e Tribus Elohim ,A eterno Patre, Filio, et Spirito Sancto, Uno Eodem que Iohova,
Librie X III, in Duas Distincti Partes (N estadii P alatinorum , 1597). E sse trabalho foi citado p o r virtualm ente
tod os os autores reform ados qu e escreveram sobre a Trin dade n o sécu lo 17.
12Jo h n O w e n (1 6 1 6 -1 6 8 3 ) teria con co rd ad o. E le citou E fésios 2 :1 8 frequentem en te e m seus trabalhos
im pressos.
13 0 ’B R I E N , Peter T. The Letter to the Ephesians. G ran d R ap id s: E erdm an s, 1999, p. 193.
14 0 ’B R I E N . Ephesians, p. 20 8 ; B R U C E , E E T he Epistles to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians.
G ran d R ap id s: E erdm an s, 1984, p. 301.
]5 L L O Y D - JO N E S , D. M artyn . G o d ’s Way o f Reconciliation: A n Exposition o f Ephesians 2. G ran d R ap id s:
Baker, 1998, p. 2 4 6 . Interessantem ente, po uq u íssim o s com entaristas bíblicos dem onstram , na prática, que
con co rd am c o m L loyd -Jon es. A m aio ria deles, in cluin do 0 ’B r ie n e B ru ce , fazem um a referência passa­
geira à T rin dad e aqui c o m o que se não fosse a peça central ao raciocínio de Paulo.
1 4 8 ** A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

central pelo qual pecadores se aproximam de Deus (“ através dele”). O Es­


pírito é a pessoa divina cujo trabalho nos aproxima do Pai através de Cristo
(“por um Espírito”).“ Um Espírito” expressa a unidade da igreja (veja IC o
12.1). Já que todos os crentes participam do trabalho redentor do Espírito
de Deus, eles são um com Deus e um com os outros. Finalmente, o Pai é o
objetivo, ou o destino, por meio de quem os crentes vão pelo Filho e através
do Espírito (“ ao Pai”). Quando nos desfazemos dessa linguagem, uma or­
dem divina claramente emerge. Como cristãos, nós nos aproximamos pelo
(em) Espírito, por meio (dia) do Filho, ao (pros) Pai.16 Em Efésios 1.3-14,
Paulo reciprocamente descreveu Deus se aproximando de nós em salvação
do Pai, por meio do Filho, pelo Espírito. Isso significa que o tráfego de
dois sentidos, entre Deus e suas criaturas, segue essa ordem trinitária espe­
cífica.17 E impossível termos comunhão com uma pessoa da Trindade sem
termos comunhão com todas as três pessoas.18 Também é impossível nos
aproximarmos do Pai sem nos aproximarmos dele por meio do Filho e pelo
Espírito Santo. Ninguém se aproxima do Pai senão pelo seu Filho (Jo 14.6).
Além do mais, o Espírito convence o mundo de pecado, da justiça e do
juízo, para incitar pecadores a Cristo (Jo 16.8-11). Portanto, o Deus trino
é a base do ensinamento do apóstolo Paulo sobre a paz e a união da igreja.
Antes que possamos ter paz com os outros, é necessário que tenhamos paz
com Deus, por meio de Cristo, pelo Espírito.
Cristo já se tornou a sua paz? Você descansa sobre ele como o único
meio pelo qual você pode se aproximar do Pai? Você reconhece que não
pode abraçar a Cristo ou se aproximar do Pai através dele senão pela obra
do Espírito Santo em seu coração? Você entende seu desamparo por conta
do seu pecado? Você já reconheceu que ao menos que seja nascido de
novo, você não pode ver o reino dos céus (Jo 3.3)?
Essa verdade deveria dissipar algumas das tentativas delirantes que al­
gumas pessoas fizeram pela ampla união trans-denominacional.19 Unidade

16 H o o rn b e e c k providencia tratam ento cuid adoso dos term os usados para descrever a in ter-relaçao das
pessoas divinas no trabalho da salvação. H O O R N E B E E C K . Theologiae Pmcticae, 1 :136-137.
17 Para m aiores in form ações sobre esse p onto, v e ja T O O N , Peter. OurTriune G o d :A Biblical Portrayal o f the
Trinity. V ancouver: R e g e n t C o lleg e P ublishing, 2 0 0 2 , p. 2 1 3 -2 2 9 .
,8E m term os teológicos, esse fato tem sido frequentem ente descrito e m term os de intim idade entre as pes­
soas ( p e r i c h ê o r e s is ) e a ideia resultante, d e q u e as obras da divindade são sem pre o trabalho de três pessoas
(opera trinitatis ad extra indivisa sunt). O trabalho de cada pessoa é distinto e m term os de ênfase, m as cada um a
das três pessoas sem pre agem n o m esm o trabalho ao m esm o tem po.V eja G E N D E R E N J . van e V E L E M A ,
W. H . Coneise Reformed Dogmatics. Phillipsburg, N .J.: P & R Publishing, 2008, p. 1 5 3 -1 5 4 ,1 5 8 -1 6 0 .
19 Para um a avaliação sobre tentativas falsas da un ião cristã no sécu lo vinte, veja M U R R A Y , Iain H .
Evangelicalism D iv id ed :A Record o f Crucial Chatige in theYears 1 9 5 0 to 2 0 0 0 . E d im b u rgo: B an n er o fT ru th
Trust, 20 0 0 .
A NECESSIDADE DE UMA PIEDADE TRINITÁRIA 149

genuína entre cristãos é enraizada no trabalho unificado das pessoas da


Trindade. Como podemos ser um ao menos que sejamos primeiramente
um com Deus, através de Cristo pelo Espírito? Como Paulo, é necessário
que coloquemos a obra do Deus trino no coração do evangelho, bem
como no centro de nossa santidade pessoal, antes de discutirmos qualquer
base verdadeira para a união cristã.

A ESTRUTURA DA PIEDADE TRINITÁRIA


Para melhor entendermos como tecer a trindade à nossa fé e piedade, é
vital descompactar o trabalho de cada divina pessoa na nossa salvação. Mui­
tos estão familiarizados com a obra clássica de John Bunyan (1628-1688),
O Peregrino, na qual o Cristão faz a sua jornada aos portões da cidade
celestial. Porém, nem todos sabem que Bunyan escreveu uma sequência a
essa obra. N a segunda parte, a esposa de Cristão, Cristiana, é convertida a
Cristo. Ela e seus filhos começam a jornada que seu marido e pai fez antes
deles. Em um ponto da jornada, um personagem chamado Prudência faz
ao filho mais novo de Cristiana três perguntas sobre como cada pessoa da
Trindade é seu salvador. Estamos acostumados a pensar sobre Cristo como
o Salvador; poucos de nós pensamos sobre a obra do Pai e do Espírito para
a nossa salvação. Será que poderiamos responder a essas três perguntas que
o filho mais novo de Cristiana respondeu?20A maneira pela qual a obra do
Pai, do Filho e do Espírito Santo fundamenta a nossa fé determina como
cada pessoa irá moldar a sua santidade pessoal.

O Pai
Paulo colocou sua ênfase no aproximar-se do Pai.21 Cristo enfatizou
da mesma maneira na oração do Pai Nosso. Enquanto Estevão orou a
Cristo quando estava sendo apedrejado até a morte (“ Senhor Jesus recebe
o meu espírito” —At 7.59), e, enquanto podemos orar a qualquer um ou às

20B U N Y A N , Jo h n . T h e Pilgrim’s Progress From This World to That Which Is To Come, T he Second Parí. L ondres,
1687, p. 7 6 -7 7 . P ru dên cia diz a C ristian a: “ V ocê está d e parabéns p o r ter criad o seus filhos dessa m aneira.
E u su p o n h o qu e n ão preciso fazer o restante dessas perguntas, j á que o m ais novo con segue respondê-las
tão b e m ” (p. 7 7 , tradução nossa).
21Jo h n O w e n escreveu em Communion with God, em The Works o jJo h n Owen. E d im b u rg o: B an n ter o f
Truth , 1968 (reim pr.), 2 :1 7 , p. 19: “ E ssa é a gran de descoberta d o evangelho: porquanto o Pai, c o m o fonte
da dinvidade, não é co n h ecid o de outra m an eira senão c o m o ch eio d e ira, n ervosism o e in dign ação contra
o n osso p ecado, n em p o d e m o s filhos d os h o m en s ter q ualq uer outro p ensam ento sobre ele (R m 1 .1 8 ;
Is. 3 3 .1 3 - 1 4 ; H ab. 1. 13; Ps. v. 4 -6 ; E f 2 .3 ), - aqui ele é agora revelado pecu liarm ente c o m o am or, com o
cheio d ele perante nós; essa é a m anifestação pecu liar do evangelho, T ito iii. 4.” Veja L L O Y D - JO N E S .
G o d ’s Way o f Reconciliation, p. 250.
150 ■«# A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

três pessoas divinas, clamar pelo Pai é o padrão normal de nossas orações
(Mt 6.9; lPe 1.17).22 Chamar Deus de nosso Pai é o nosso maior privilégio.
A adoção é muitas vezes apresentada como um resumo de todos os
benefícios do evangelho (G1 4.4-6;Jo 1.12).23Jesus se dirigiu a Deus como
“Pai” (Mc 14.36). O Espírito Santo ensina os crentes a se dirigirem a Deus
como ele o fez (Rm 8.15; G1 4.6). Porque Cristo é o filho natural de
Deus, aqueles que estão reunidos nele pela fé são filhos adotivos de Deus
(Ef 1.5). Quando somos tentados a considerar Cristo como sendo um Sal­
vador gentil e acolhedor, mas pensamos sobre o Pai como um juiz distante
e austero, nós não lembramos quem amou o mundo de tal maneira que
deu seu Filho unigênito para morrer pelo seu povo (Jo 3.16; Mt 1.21). O
amor eletivo do Pai e o propósito se firmam por trás de todo o evangelho.
Cristo é como um espelho no qual contemplamos o amor do Pai.24
A parte de Cristo, nós não podemos nos assegurar do amor do Pai,
mas em Cristo, como podemos duvidar do amor do Pai? O amor do Pai
deveria nos incitar a buscar a santidade pessoal pela gratidão a ele e pelo
respeito à sua autoridade paternal. Se o Pai nos amou de tal maneira, então
não deveriamos nós lhe responder da mesma maneira? Devemos amar o
Pai com nosso coração, mente, alma e força. O amor do Pai é o motivo
primário da nossa santidade pessoal.

O Filho
A pessoa e obra de Jesus Cristo formam a peça central do evangelho.
Ele é como uma joia grandiosa colocada proeminentemente em meio a
uma sala espetacular de troféus. Enquanto o quarto cheio de riquezas pode
nos cegar com seu brilho, a joia colocada no centro do quarto imediata­
mente atrai a atenção de todos que entram. Da mesma maneira, é Cristo
em relação ao plano salvador de Deus.
Se tornou comum dizermos que precisamos ter um relacionamento
pessoal com Jesus Cristo se desejamos ser salvos. Essa declaração é, sem
dúvida, verdadeira, mas insuficiente. Crentes apreciam um relacionamento

22Veja S C U D D E R , H e n ry (1 5 8 5 -1 6 5 3 ). A K ey o f H eaven: T he Lord’s Prayer O pened and so A pplied, that a


Christian M ay Learn H ow to Pray, and to Procure all Things which M ay M a k e fo r the Glory o f G od, and the G ood
o f H im selfan d HIs Neighbor; Containing Likew aise such Doctrines o fF a ith and Godliness, as M ay he Very Useful
to AU that Desire to Live Godly in Christ Jesus. L ondres, 1633, p. 8 9 -90.
23 B . M . P alm er escreve: “ A ad o ção é possivelm ente o term o evangélico m ais abrangente qu e tem os.T odas
as doutrinas da g raça estão inseridas nele, e e m ergem da sua análise” . A Theology o f Prayer. H arrison burg,
Va.: Sprin k le P ublications, 1980, p. 208.

24 E ssa ilustração é adaptada d o livro de C A L V IN O , Jo ã o . Institutes o f the Christian Religion. Jo h n T . M cN eill,


o rg.T rad . F o rd L ew is B atd es. Filadélfia:W estm inster Press, 1960, III.24.5.
A NECESSIDADE DE UMA PIEDADE TRINITÁRIA 151

pessoal com Cristo porque eles estão em união com Cristo. União inclui
um relacionamento pessoal com ele, mas é muito mais do que isso.25
A união com Cristo é mais fácil ser experimentada do que definida.26
Ela é comparável à diferença entre casamento e amizade. Independente
do quão próximos um homem e uma mulher podem ser em comunhão,
enquanto amigos, esse relacionamento se difere radicalmente da união que
existe entre marido e mulher. Esse é o único relacionamento terreno que
se aproxima ao descrever a união entre Cristo e sua igreja (Ef 5.32). Porém,
mesmo a união marital empalidece em comparação à união entre Cristo
e sua noiva. União com Cristo significa que sua obediência é a minha
obediência (Rm 5.19), que sua retidão é a minha retidão (2Co 5.21), que
a sua morte removeu a minha maldição e a ira de Deus de mim (G1 3.13),
que sua ressurreição resulta na minha santidade pessoal e na ressurreição do
meu corpo (Rm 6.1; IC o 15.12), e que sua ascensão assegura meu lugar
nos céus (Fp 3.20; Jo 14.1-2). Mesmo essas declarações não conseguem
descrever ao certo o que significa ter união com Cristo.
E por isso que Paulo diz que nos aproximamos do Pai mediante Cristo,
por um Espírito. Ele fez da pessoa e da obra de Cristo o foco central do
trabalho salvador de Deus em todos os relacionamentos entre divindade
e humanidade.27 Cristo é a base de nossa relação com Deus, assim como
da nossa relação com outros crentes. Em Cristo, nós temos tudo o que é
necessário para assegurar o direito de estar diante de Deus. Em Cristo, te­
mos tudo o que é necessário para a vida e para piedade e retidão (2Pe 1.3).
A graça de Jesus Cristo é o fundamento ou a plataforma para a nossa san­
tidade pessoal.

O Espírito Santo
O Espírito Santo é o vínculo de nossa união e comunhão com o
Pai e o Filho. Ele aplica Cristo ao nosso coração pela sua palavra. Ele

25Veja M A N T O N ,T h o m a s (1 6 2 0 -1 6 7 7 ). T he W orksofThom as Manton. B irm in gh am , A la.: S o lid G roun d


C h ristian B o o k s, 2 0 1 0 ,1 1 :2 7 .
26Veja L E T H A M , R o b e r t. Union with Christ: In Scripture, History, and Theology. Phillipsburg, N .J.: P & R
P ublishing, 2 0 1 1 , p. 1.
27Ja m e s D u rh a m (1 6 2 2 -1 6 5 8 ) d eu o ito razões d e p o r qu e o verdadeiro ‘T rin itarism o’ deveria sem pre di­
recionar a u m a ênfase centrada em C risto. D U R H A M . A Commentarie upon the B ook o f Revelation, Wherein
the Text is Explained, the Series o f Serveral Prophecies Contained in that B ook, Deduced and According to their
Order and Dependence upon Each Other; the Periods and Succession o f Times, at, orA bout Which these Prophecies,
that are Already F u lflled , Began to be, and Were M ore Fully Accomplish, Fixed and A pplied According to History,
and Those that are yet to be F u lflled , Modestly, and s o fa r as it is Warrantable, Enquired into;Together with Some
Practical Observations, and Several Digressions, N ecessaryfor Vindication, Clearing, and Conforming M any Weighty
and Important Truths. E d im b urgo , 1658, p. 12-14.
152 A B E L E Z A E A G L Ó R IA D O P A I

é a garantia de nossa herança nos céus e ele é o selo de nossa adoção


(2Co 1.22; 5.5). Nós confessamos que Jesus é o Senhor através dele e
por causa dele (IC o 12.3). Em termos de nosso status perante Deus em
Cristo, ele nos une a Jesus Cristo, trabalhando a fé em nós (IC o 2.12-
16; veja também Fp 1.29; E f 3.17). Ele é o autor de nossas orações (Rm
8.26; E f 6.18; Judas 20) e de todo desejo piedoso de nosso coração. Nós
oramos ao Pai, em nome de Cristo, pela ajuda do Espírito.28 Em suma, o
Espírito Santo é a causa da união salvadora com Cristo, assim como de
toda santidade pessoal por meio da comunhão com a Trindade. Ele usa
meios públicos da graça para nos aproximar de Deus, especialmente a
Palavra, os sacramentos e a oração.29 Nesse sentido, o Espírito Santo é a
causa imediata de toda a santidade pessoal, afeição religiosa e comunhão
com Deus.

Juntando o quebra-cabeça
Todas as três pessoas da Trindade nos salvam. O trabalho distinto e
unido do Pai, do Filho e Espírito são o fundamento de nossa relação com
Deus, bem como a nossa relação com os outros. E por isso que devemos
ser trinitários em nossa piedade e em nossa santidade pessoal. Devemos
andar pela fé, não pela vista (2Co 5.7). A Trindade não é somente doutrina
fundamental e central do evangelho, mas o fundamento de todo aspecto da
vida cristã. Quando começamos a nossa vida cristã com base na obra das
três pessoas, então devemos continuar a nossa caminhada com Deus com
a mesma base. Quando não somos trinitários em nossa piedade, empobre­
cemos a nossa experiência cristã bem como nosso crescimento em graça
e santidade.
Você descansa diariamente sobre a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor
de Deus e a comunhão do Espírito Santo (2Co 13.14)?Você adora o Pai, o
Espírito Santo, por meio de Cristo, que é a verdade (Jo 4.21-24)? Se você
quiser fazer essas coisas, então é necessário que comece a se familiarizar
com o trabalho de cada pessoa divina em sua salvação. E por isso que Paulo
fez do Deus trino a base da paz e da união na igreja.

A APLICAÇÃO DA PIEDADE TRINITÁRIA


Muitos teólogos ensinaram que nós não conseguimos verdadeiramente
entender uma doutrina a não ser que nós a conheçamos pela experiência

28 S C U D D E R . A K ey ofH eaven , p. 41.


29Veja o C atecism o M e n o r d e W estm inter, questão 88.
A NECESSIDADE DE UMA PIEDADE TRINITÁRIA 153

e prática pessoal.30 Como Edward Reynolds (1599-1676) escreveu:“ Cristo


não é verdadeiramente apreendido, quer pela fantasia, quer pelo entendi­
mento. Ele é, ao mesmo tempo, compreendido e possuído. E um conhe­
cimento experimental, não especulativo, que o compreende; aquele que o
sente o apreende. O vemos em sua graça e verdade, não em um pretexto
carnal ou grosseiro” .31 Em Efésios 2.18, Paulo posicionou a doutrina da
Trindade no centro de sua doutrina da salvação. Isso leva aos seguintes
pontos de aplicação:

1. Se desenvolvermos uma piedade trinitária, é necessário que, primeiramente,


pensemos sobre tudo o que o nosso Deus realiza de form a trinitária. João Calvino
uma vez chamou aTrindade de o “ marco distinto de Deus” .32 O fato é que
Deus é um em essência e três pessoas, o que o distingue dos ídolos.33 Se nós
pensássemos como trinitários, então aboliriamos as ilustrações humanas
sobre a doutrina. Algumas pessoas notam que um homem pode ser um pai,
um filho e um irmão permanecendo o mesmo homem, esperando ilustrar
como Deus pode ser um em três. Outros argumentam que a Trindade
é como a água, que existe em estado sólido, líquido e gasoso ao mesmo
tempo. O problema com a primeira analogia é que faz de Deus uma pes­
soa. O problema com a segunda analogia é que resulta em três coisas que
compartilham da mesma essência, ao invés de ter a unidade das pessoas
em uma essência não dividida. O fato é que somos incapazes de ilustrar a
Trindade de Deus sem cairmos em heresia.34
Ao invés disso, vamos desenvolver um pensamento trinitário por meio
do pensar sobre a obra de Deus em termos das três pessoas da Trindade. O
Pai criou o mundo pela sua Palavra, o Espírito de Deus trouxe ordem à
criação (Gn l.l- 2 ;Jo 1.3; Cl 1.16). O Pai enviou o Filho para tomar uma
natureza verdadeiramente humana, o Espírito Santo uniu a natureza divina

“ P or exem plo, veja H O O R N B E E C K . Theologiae Practicae, 1:8. A m esm a ênfase estava presente e m obras
de Peter van M astrich t (1 6 3 0 -1 7 0 6 ), entre vários outros. Veja N E E L E , A driaan C . Petrus van Mastricht
(1 6 3 0 -1 7 0 6 ): Reform ed Orthodoxy: M ethod and Piety. L eid en : B rill, 2009.
31 R E Y N O L D S , E dw ard. Meditations on the Faill and Rising o f St. Peter. L ondres, 1677, p. 58.
32 C ita d o em K E LLY , D o u g las E “ T h e T rue and T riu ne G o d : C alv in ’s D o ctrin e o f the H o ly T rin ity” . In:
H A L L , D av id W. e L IL L B A C K , Peter A , orgs. A Theological G uide to Calvin** Institutes. P hillipsburg, N .J.:
P & R P ublishing, 2 0 0 8 , p. 6 4 -8 9 .
" “ Pois q uan d o a divindade é extraída d o Pai, F ilho e E spírito Santo, D e u s é tran sform ado em u m ídolo...
E a un idade da divindade te m que ser adorada na T rin dad e das pessoas” . P E R K IN S ,W illia m (1558-1602).
A n Instruction Against the Idolatry o f the Last Times, A n d an Instruction Touching Religious or Divine Worship.
C am b rid g e : lo h n L eg at, 1601 (tradução nossa), p. 26.
" V O S , Jo h an n es. The Westminster Larger Catechism: A Commentary. Phillipsburg, N . J .: P & R Publishing,
20 0 2 , p. 26.
154 «s* A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

e a natureza humana de Cristo no ventre de Maria, e o Deus-homem foi


nascido de uma mulher (G1 4.4-5). O Filho se ofereceu como sacrifício
ao Pai, por meio do Espírito Santo, por nossos pecados (Hb 9.14). Cristo
é a imagem do Deus invisível, e o Espírito de Deus restaura essa imagem
nos conformando à imagem de Cristo (Cl 1.15; 2Co 3.18). O Pai ofereceu
Cristo a nós nos sacramentos, nós nos alimentamos de Cristo por meio
da fé, e ele está presente em nós pelo Espírito Santo.35 Nós oramos ao Pai,
em nome de Cristo, pela ajuda do Espírito. A igreja é a moradia de Deus
(Ef 2.19), o corpo de Cristo (IC o 12.27), e o templo do Espírito Santo
(3.16).36 Esses são somente alguns exemplos de como a Trindade permeia
todas as doutrinas das Escrituras.
A primeira batalha da vida cristã sempre começa em nossa mente. Como
podemos viver como trinitários se não pensamos como trinitários? Tho-
mas Manton escreveu: “ Nós fomos feitos para entender esse mistério” .37
2. A natureza trina de Deus define o padrão para a unidade em meio a nossa
diversidade na igreja. Devemos ser imitadores de Deus como filhos amados
(Ef 5.1). Nós imitamos o caráter de Cristo, mas, como Manton disse: “Va­
mos estudar para entender a Trindade” .38 Cristo nos renova à imagem de
Deus pelo Espírito, nos capacitando a cumprir os mandamentos de Deus,
mas essa não é a única maneira de nos tornarmos como Deus. A unidade
da Trindade significa que a igreja é uma. Portanto, que sejamos um em
nossas afeições. Vamos estudar, orar, lutar para sermos um na fé, para falar
as mesmas coisas, e ser de uma só mente à luz das Escrituras. Porém, a plu­
ralidade das pessoas da Trindade é a razão pela qual, mesmo que a igreja
seja uma, seus membros possuem funções diversas. A diversidade de nossos
dons e trabalhos na igreja refletem a diversidade gloriosa de nosso Deus.
Você já se desencorajou porque não se sentiu tão útil como outro
membro da igreja? Você já invejou o lugar que Deus deu a eles e não a
você? Descanse no fato de que mesmo as diferenças entre nós nos capaci­
tam a refletir a glória de Deus de uma forma melhor. Não há inferioridade

35 R ich a rd Sibbes (1 5 7 7 -1 6 3 5 ) aplicou a T rin dade na ceia d o S en h o r de um a m aneira m u ito m arcante:


“ Veja o Pai n o sacram ento” . O E spírito é o fato r d e co n ex ão entre os crentes e o Pai e o F ilh o :“ 0 Espírito
d o Pai e d o Filho devem desco brir o am o r d o Pai para n ós e m seu F ilh o” . S IB B E S , R ich ard . T he Works o f
Richard Sibbes. E d im b u rg o: B an n e r o fT ru th , 1976 (reim pr.), 4 :3 2 9 -3 3 0 .
36 Francis Turretin (1 6 2 3 -1 6 8 7 ) escreveu: “ A igreja é a p rincipal obra da santa Trindade, o o b jeto da
m ed iação de D e u s e o o b je to da aplicação de seus benefícios” . T U R R E T I N , Francis. Institutes ofElenctic
Theology. Jam e s T. D en n iso n Jr ., o rg .T ra d . G e o rg e M u sgrave G iger. Phillpsburg, N . J .: P & R Publishing,
1 9 9 7 ,3 :1 . Para m ais in fo rm açõ es sobre a T rin d a d e em co n ex ão c o m a igreja, veja C L O W N E Y , E d m u n d
P. T he Church. D o w e r’s G rove, 111.: InterVarsity Press, 19 9 5 , p. 13-60.
37 M A N T O N . Works, 11:104.
38 M A N T O N . Works, 1 0 :333; 11:36.
A NECESSIDADE DE UMA PIEDADE TRINITÁRIA ** 155

entre as pessoas da Trindade, porém há diversidade em operação. Considere


uma grande honra imitar a Trindade.
3. Ministros deveríam trabalhar para serem trinitários em suas pregações. As im­
plicações de Efésios 2.18 para a relação da doutrina da Trindade à piedade
pessoal de ministros é um exemplo claro de por que eles jamais deveriam
limitar a preparação de suas pregações a comentários da Bíblia. Existem
muitos comentários úteis sobre Efésios, mas a maioria deles possui so­
mente uma análise superficial sobre a importância da declaração trinitária
de Paulo nessa passagem. Talvez a razão para isso é que os estudos teológi­
cos se tornaram muito compartimentados. Seminários dividem cursos em
teologia sistemática, teologia bíblica e exegese, teologia histórica e teologia
prática. Não há nada inerentemente errado com essa abordagem. Porém,
se ministros não extraírem de todas essas áreas de algum modo, eles irão
empobrecer sua pregação.39
Ministros, vocês precisam entender a declaração trinitária de Paulo à
luz do desenvolvimento do plano de Deus na história.Vocês precisam en­
tender como seus ensinamentos se relacionam com as doutrinas da Bíbba
como um todo. Você deve tecer essa doutrina no coração de sua própria
devoção e prática cristã. Você conseguirá fazer isso somente quando estu­
dar amplamente e com muita oração. Suas ovelhas precisam de um Deus
que é trino. O Deus trino é o único Deus que salva. Se você quiser ensinar
suas congregações a serem trinitárias práticas, através de seu ensinamento e
pregação, antes precisa ensinar a si mesmo.
4. O trabalho do Deus trino deveria nos proporcionar um grande conforto. Te­
mos três pessoas divinas e soberanas trabalhando para o nosso bem e nossa
salvação eterna. Essas três pessoas concordam perfeitamente em seus traba­
lhos, e elas trabalham para a nossa salvação. O Deus trino não pode falhar
em seus propósitos. Será que o Deus que nos escolheu em Cristo, antes do
começo de tudo, deixaria que escapássemos de sua mão? Será que o Filho
vai perder o fruto de sua morte agonizante na cruz e o plano sobre o qual
ele e o Pai concordaram desde a eternidade? Será que o Espírito permitirá
que a obra do Pai e do Filho seja em vão, falhando na aplicação do trabalho
de Cristo nos eleitos, ou permitindo que eles não cheguem à graça?
Permita que sua fé descanse sobre a gloriosa Trindade. Descanse no
único Deus verdadeiro e em cada pessoa em particular. Se o trabalho de
todas as três pessoas da Trindade não consegue te confortar, então o que

39 E n q u an to seu trabalho para in tegrar estudos teo ló g ico s p o d e ser m uito am bicioso, R ic h a rd M u ller
providen cia u m a análise instigante desse problem a em T he Study ofTheology: From Biblical Interpretation to
Contemporary Formulation. G ran d R ap id s: Z o n dervan , 1991.
156 <s» A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

conseguiría? Se você tem fé fraca, então peça ao Espírito para nutrir a


pouca fé que você já possui. Se você está preocupado com a prevalência
do pecado que resta em você, vá a Cristo, que removeu a culpa e o poder
do pecado em favor de seu povo. Se você se sente sozinho e abandonado,
lance fora as dúvidas que Satanás sussurra em seus ouvidos. Olhe para o
Pai, nos céus, que provou o seu amor para com você mandando duas pes­
soas divinas para assegurarem que você o chamará de Pai.Você não enxerga
que toda deficiência da vida cristã é resultante de olharmos a nós mesmos
ao invés de olhar com fé a cada pessoa da Trindade para suprir o que
necessitamos?

CONCLUSÃO
Meu objetivo tem sido lhe dar os fundamentos necessários para que
você se torne um autoconsciente trinitário em sua vida diária com Deus.
Que esses pensamentos comecem uma experiência gloriosamente enri-
quecedora de comunhão com Deus em sua vida. Que você comece a
pensar e a viver como o apóstolo Paulo ao se aproximar do Pai, por meio
de Cristo, pelo Espírito, em cada dia que você viver e em tudo o que fizer.
Contribuições

D R . JO E L R . B E E K E é Presidente e professor de Teologia Sistemática


e Homilética no Puritan Reformed Theological Seminary em Grand R a-
pids, Michigan; também serve como pastor da congregação Heritage Ner-
therlands Reformed, em Grand Rapids, e é diretor editorial da Reformed
Heritage Books. E autor de vários livros e milhares de artigos publicados
em jornais, periódicos e enciclopédias. Dr. Beeke também discursa em vá­
rias conferências ao redor do mundo.

D R . G E R A L D B IL K E S é professor de Novo Testamento e Teologia


Bíblica no Puritan Reformed Theological Seminary. Ele escreveu um livro
sobre as parábolas de Cristo e vários artigos sobre temas bíbhco-teológicos.
Ele também serve como pastor nas Free Reformed Churches o f North
America.

REV . B A R T E L SH O U T é graduado do Puritan Reformed Theologi­


cal Seminary. Serviu como pastor na Heritage Reformed Congregations
em Jordan, Ontario e Chilliwack, B.C. Também serviu como evangelista
em Denver, Colorado por cinco anos. Traduziu The Christian’s Reasonable
Service, de Wilhelmus à Brakel e vários outros trabalhos do holandês ao in­
glês. Atualmente, ele é pastor emérito na Heritage Netherlands Reformed
Congregations e reside em Pompton Plains, Nova Jersey.

REV. RYAN M CGRAW é pastor da First Orthodox Presbyterian


Church, em Sunnyvale, Califórnia. E autor de The Day ofWorship: Reasses-
sing the Christian Life in Light o f the Sabbath; By Good and Necessary Conse-
quence; e Christ’s Glory, Your Good.

D R . DAVID M U R R A Y é professor de Antigo Testamento e Teologia


Prática no Puritan Reformed Theological Seminary. Foi pastor durante
158 -í # A BELEZA E A GLÓRIA DO PAI

doze anos, primeiro em Lochcarron Free Church o f Scotland e depois em


Stornoway Free Church o f Scotland (e continua). De 2002-2007, ele foi
conferencista em Hebraico e Antigo Testamento na Free Church Seminary
in Inverness. Possui Doutorado em Ministério da Reformation Internatio­
nal Theological Seminary por seu trabalho relatando estudos de introdu­
ção do Antigo Testamento ao ministério pastoral.

REV. B U R K P A R SO N S é editor da revista Tabletalk e co-pastor na Saint


Andrews Chapei em Sanford, Florida. Ele é autor de Why Do We Have
Creeds e vários artigos para a revista Tabletalk.

D R . D E R E K W. H . T H O M A S é Ministro do Ensino na First Presyte-


rian Church o f Columbia, Carolina do Sul, e Professor Visitante de Siste­
mática e Teologia Prática no Reformed Theological Seminary em Atlanta,
Geórgia. Escreveu e organizou vários livros, e serve como Diretor Edito­
rial da Alliance o f Confessing Evangelicals e editor de seu site, Reforma­
tion 21. Ele também fala em várias conferências ao redor do mundo.

D R . W ILLIA M V A N D O O D EW A A RD é professor associado de His­


tória da Igreja no Puritan Reformed Theological Seminary. Ensinou
previamente no Patrick Henry College e Huntington University. Dr.Van-
Doodewaard é autor e escritor de vários jornais acadêmicos e outros pe­
riódicos. E ministro ordenado da Associate Presbyterian Church.

REV. PAUL SM A LLE Y é professor assistente do Dr. Joel Beeke no Pu­


ritan Reformed Theological Seminary. Serviu anteriormente como pastor
por mais de dez anos e se formou em teologia do PRTS.

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