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A obra clássica sobre o que Deus

requer de nós nesse processo


A responsabilidade do crente de crescer
na vida de fé, começando por seu papel na
obra divina de santificação. Mais uma vez,
Deus e sua graça têm lugar central no palco
- como em todas as obras de Edwards -
enquanto o grande pregador de
Northampton nos conduz, por meio de três
sermões, mostrando como Deus se agrada
em desenvolver sua salvação na vida dos
que o amam. O foco principal, porém, está
naquilo que Deus requer de nós - como
devemos assumir nossos deveres e
aproveitar cada oportunidade de melhorar
nosso relacionamento com Jesus Cristo.

Jonathan Edwards (1703-1758) foi pastor, teólogo,


evangelista e missionário. Como pastor da igreja
congregacional de Northampton, Massachusetts, sua
pregação piedosa foi usada por Deus para desencadear
dois períodos de reavivamento, inclusive o famoso Grande
Despertamento de 1740. Foi eleito presidente do Princeton
College, em 1757, mas sua morte prematura abreviou o
seu trabalho ali. Sua abundante obra continua a inspirar a
igreja cristã.

Oração / Santificação
Vida Cristã


ÉDITORR CULTURR CRISTÃ
9788576 223429
www.editoraculturacrista.com.br
A busca da

Santidade A obra clássica sobre o que Deus


requer de nós nesse processo

G
Jonathan E^i^<ards
A Busca da Santidade © 2010 Editors Culturs Cristã. Título originsl Pursuing Holtness
in the Lord. Org. T.M. Moore © 2005 The Jonsthsn Edwsrds Institute. Traduzido e
publicado com permissão ds P&R Publishing 1102 Msrble Road, Phillipsburg, New
Jersey, 08865, USA. Todos os direitos são reservados.
Is edição - 2010 - 3.000 exemplares
Conselho Editorial
Adão Csrlos do Nascimento
Ageu Cirilo de Msgslhães, Jr.
Cláudio Msrrs (Presidente)
Fsbisno de Oliveirs
Francisco Solsno Portels Neto
Heber Csrlos de Csmpos Jr.
Jôer Corrês Bstists
Jsilto Lims
Msuro Fernando Meister
Tsrcízio José de Freitss Carvalho Produção Editorial
Valdeci ds Silva Ssntos Tradução
Elizsbeth Gomes

Revisão
Vsgner Bsrbosa
Edusrdo Assis
Rossne Nicolsi

Ediooração
Lidis de Oliveirs Dutrs

Capa.
Leis Design
E2611b Edwards, Jonsthsn
A busca ds ssntidsde / Jonsthsn Edwsrds; tradução de
Elizsbeth Gomes. _São Paulo: Culturs Cristã, 2010

176 p.
Tradução de Pursuing holiness in the Lord
ISBN 978-85-7622-342-9

1. Orsção 2. Ssntificsção

248.32 CDD


EDITORA CULTURA CRISTÃ
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Superintendente: Hsversldo Ferreirs Vargas


Editor: Cláudio Antônio Bstists Msrrs
Para

James A. R. Johnson
Sumário

Introdução da série............................................................................ 9
Prefácio do editor............................................................................ 13
Introdução por Robert M. Norris...................................................... 17

Parte 1: O caráter de Paulo como exemplo para os cristãos


1. Um chamado a serimiiaao...................................................... 27
2. Buscando o bem de nossa alma (11.......................................... 35
3. Buscando o bem de nossa alma (2).......................................... 43
4. As virtudes de Paulo para com Deus........................................ 49
5. As virtudes de Paulo para com os homens................................. 61
6. As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homms....69
7. Seguindo o exemplo de Paulo.................................................. 85

Parte 2: Esperança e consolo geralmente seguem


humilhação e arrependimento genuínos
8. Esperança e consolo na conversão........................................ 99
9. Esperança e consolo para o cristão....................................... 115
10. Razões para esta doutrina..................................................... 131
11. Aplicação da doutrina........................................................... 179

Parte 3: A preciosidade do tempo e a importância de remi-lo


12. A preciosidade do tempo....................................................... 155
13. Aproveitando o tempo.......................................................... 165

Mazinho Rodrigues!
Introdução da sébie

Jossthss Edwsrds (1703-1758) é uma das grssdes persona­


lidades da história da igreja americans. Psstor, teólogo, evangelis­
ta, missionário, esposo e psi, Edwsrds foi ussdo poderosameste
por Deus em seus dias, e sua obrs literária costisus a instruir e a
sutrir aqueles que, em nossos diss, reservam tempo pars estudá-
la. Duraste seu ministério como psstor da Igreja Cosgregscio-
nal de Northsmpton, Mssssehutattt, a pregação de Edwards foi
o catslissdor usado pelo Espírito de Deus psrs desencadear dois
intensos períodos de resvivamesto, inclusive o Grande Desper-
tsmesto da década de 1740. Edwsrds era o homem do Livro e o
homem da igreja, empenhado no estudo da Palavrs de Deus e sa
obrs de cuidsdo e edificação psstorsis sas congregações de Nova
York e de Northsmpton e Stoekbridga, em Matsaehusatts, onde
servia como missionário estre os nativos ameriessot. Apesar
de ter sido eleito presidente do Prisceton College, em 1757, sua
morte prematura abreviou o seu mssdsto sssss instituição.
Esta série dadiestta a trszer os sermões e as demais obras de
Jossthss Edwsrds psrs o leitor de hoje de ums forma que con­
tribua pars uma leiturs criteriosa, ums análise ponderada, ums
discussão vivids e um ereteimasto significativo ns graçs e so
conhecimento do Senhor. Edwards pregava psra fazendeiros e
mercadores, dosas de cssa e jovens, ameríndios e profissionais
proviscissos. Cosquasto sua linguagem pareça às vezes obscurs
e a lógics de seus argumentos exijs sosss totsl stesção, ss pessoas
comuns de seus dias o estendiam muito bem. Por quase trezentos
anos a obra de Jonathan Edwards tem instruído e levado pastores,
teólogos e leitores leigos a tastirem um smor msis intenso por
Deus e a propagarem diligantameste o smor de Deus aos outros.
10 A busca da santidade

Isso sugere que as obras de Edwards podem também nos servir


em nossa geração.
Os sermões e livros de Edwards são saturados de Bíblia e em­
pregam uma exposição criteriosa e uma lógica rigorosa para apre­
sentarem de maneira clara e convincente a glória do evangelho de
Jesus Cristo. Sua teologia era verdadeiramente uma “teologia bí­
blica racional”, tomando-se emprestada uma expressão do Dr. John
Gerstner, a quem muito devem os cristãos contemporâneos pela sua
incansável promoção e exposição das obras do maior teólogo que
já honrou o cenário eclesiástico americano. Por várias razões —
entre elas a natureza exigente dos textos de Edwards, o uso oca­
sional de termos arcaicos e incomuns e a dificuldade de se obter as
suas obras — os leitores contemporâneos não têm se beneficiado
dos sermões e livros de Edwards como poderíam. Para o regozijo
desses leitores, os organizadores e editores da Banner ofTruth Trust
têm trabalhado arduamente para superar essas dificuldades, pondo
à disposição um número considerável das obras de Edwards em
dois robustos volumes e publicando sermões em livros individuais
como volumes separados. Somos gratos à Trust por nos permitir
usar, como textos desta série, a edição das obras de Edwards orga­
nizadas por Edward Hickman, trazidas a lume pela primeira vez em
1834 e publicadas continuamente pela Banner desde 1974.
Os livros desta série apresentam as obras de Edwards na for­
ma original, conforme preparadas por Hickman, sem modificações
significativas da linguagem do autor. Algumas vezes atualizamos
a grafia de palavras, alteramos pontuações ou incluímos referên­
cias bíblicas que Edwards omitiu em seus textos. Acrescentamos
cabeçalhos e subcabeçalhos para elucidar seus argumentos, divi­
dimos alguns parágrafos longos e parcelamos cada obra em ca­
pítulos curtos, para permitir uma leitura mais cuidadosa e atenta.
Incluímos também um questionário para estudo no final de cada
capítulo, visando promover a reflexão criteriosa do significado e
da aplicação dos argumentos de Edwards e a estimular o uso de
suas obras em grupos de leitura e de discussão.
Esta série está sendo preparada sob o patrocínio do Jonathan
Edwards Institute, cuja missão - promover e fomentar uma
Introdução da série 11

visão de musdo maravilhada com Deus — reflete a do próprio


Edwards. Somos grstos a Allas Fisher e à equipe de profissio­
nais da P&R Publishisg pela sua visão e comprometimento com
o plaso e propósito da série. Nosss esperança é que os livros
desta série apresentem Jossthss Edwards a uma sova geração
de leitores e levem-nos a um coshecimesto de Deus mais pro­
fundo e apaixonado. Apresentamos esta série sa esperssçs de
que Deus, que enviou o Espírito de reavivamesto à sua igreja
nos dias de Edwards, apraza-se em usá-ls esqusnto se move
pars reviver, renovar e restaurar a sua glória sa sus Noivs uma
vez mais.

T. M. Moore
The Jonathan Edwards Institute

*****

Uma série de livros dedicada à memória de slguém desco­


nhecido pars tantas pessoas csrece de algums explicação. No en­
tanto, quem conheceu Jim Johsson entende imedistameste por
que um exame do pensamento de Jonathan Edwards é ums ho­
menagem pertinente.
Jim foi marido de Marths e pai de três filhos, Msrk, Steve
e David, dedicados seguidores de Cristo. Ele foi o mentor e o
escorajador de um número incalculável de jovess em todos os ca­
minhos da vida e serviu como presbítero em sua igreja, a Fourth
Presbyterian Church de Bathasda, Marylssd.
Jim era dotado de muitss qualificações intelectuais. Formou-
se em srtes liberais e tisha doutorado em jurisprudência. Longe
de viver em isolamento acadêmico, tsmbém ocupava diversas
posições na vida corporativa americana. Além disso, trabalhava e
trassitsva facilmente pelo Governo.
Ele tinhs plena consciência da realidade da condição decaída
da nossa humanidade. Jim cosvivis com ela e provou de algumas
12 A busca da santidade

das suas mais rudes manifestações. No entanto, sempre que requi­


sitado, e em tudo que passou, Jim demonstrava devoção a Cristo
e amor à verdade. Era um exemplo de alguém que trazia toda a
vida cativa à Palavra de Deus.
Jim Johnson serve de modelo àqueles que se esforçam para
manter um relacionamento vital e vivo com Cristo, diligenciando
honestamente por isso com integridade teológica e rigor ético. Ao
se deparar com o diagnóstico de um câncer inoperável, ele mos­
trou que, como Jonathan Edwards sempre salientava, os crentes
podem morrer bem. Assim como a fé de Edwards, a de Jim era
autêntica, sincera e prática, e exigia ser demonstrada de maneira
intelectual, experimental e ética.
Remido por Cristo, Jim viveu a vida em gratidão, razão
pela qual cada um de nós que o conhecia lamentou o passamento
de um grande encorajador, mentor vigoroso e humilde servo do
Cordeiro.

Robert M. Norris,
pastor efetivo. Fourth Presbyterian Church.
Bethesda, Maryland.
Prefácio do editor

Com este terceiro volume de nossa série Jonathan Edwards


para o leitor de hoje, parece bem refletir sobre seu progresso até
agora. Os primeiros dois volumes focalizam priscipalmente a
obra do Espírito Santo de Deus, de trszer fé, crescimento e avi-
vamesto a seu povo. A busca do crescimento examina a visão
de Edwards sobre o papel do Espírito Sssto, dsndo novs vida a
pecadores perdidos, ajudando-os a progredir na vids de fé. Esse
volume também atenta à responsabilidade do crente ss questão
do crescimento cristão. O foco principal, porém, é a obrs do Espí­
rito Sssto, fazendo brilhar a luz divisa e sobrenatural so coração
das pessoas, abrindo a visão da vida como uma peregrinação para
a glória, a fim de que os seguidores de Cristo o conheçam e cres­
çam na graça e so coshecimesto do Senhor.
No segundo volume, A busca do avivamento (o livro de
Edwards: Uma tentativa humilde}, vemos como o Espírito opera,
chamando o ajuntamento do povo de Deus para orar, pedindo
que envie renovado poder e glória, por meio do seu Espírito, avi­
vando seu povo e despertando os perdidos psra a salvação que
há em Jesus Cristo. Nov-ameste', o povo de Deus tem, diante do
Senhor, o dever de se usir psra oração específica e extraordinária
em prol do reavivamento da verdadeira religião. Até mesmo isso,
porém, é obra do Espírito de Deus, tal como a própris busca do
avivamento.
Neste volume, o terceiro, começamos a explorar mais de
perto o ensino de Edwards sobre a responsabilidade do creste de
crescer sa vida de fé, começando por seu papel ss obra divisa de
santificação. Mais uma vez, Deus e sua graçs têm lugar central
no palco - como em todas as obras de Edwards - enquanto o
14 A busca da santidade

grande pregador de Northampton nos conduz, por meio de três


sermões, mostrando como Deus se agrada em desenvolver sua
salvação na vida daqueles que o amam. O foco principal, porém,
está naquilo que Deus requer de nós - como devemos assumir
nossos deveres e aproveitar cada oportunidade de melhorar nosso
relacionamento com Jesus Cristo.
Em uma época em que, vez após vez, ouvimos dizer que
os cristãos não são assim tão diferentes dos não-crentes contem­
porâneos quanto à expressão da fé no dia-a-dia, será importante
compreender e assumir a vocação à santidade no Senhor. As Es­
crituras expressam, de muitas formas, o chamado: desenvolver
nossa salvação com temor e tremor, buscar a santificação no te­
mor do Senhor, ser santo como o Senhor é santo, crescer na graça
e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo, correr a carreira que
nos está proposta, olhando firmemente para Jesus, perseverar,
fazer o bem sempre que houver uma oportunidade, produzir fru­
tos que permaneçam e assim por diante. Não há como evitar o
ensino bíblico de que ser cristão significa ser diferente dos que
não são. O cristão deverá ser luz da verdade em um mundo de
relativismo e trevas, fermento de bondade no pão de um mundo
pecador, sal da terra e cidade construída sobre o monte para que
todos vejam. O fato de que, muitas vezes, não somos nada disso,
deixa-nos vulneráveis às acusações de hipocrisia e irrelevância e
toma nossa proclamação das boas-novas de Jesus uma questão
indiferente, ou mesmo de deboche, para um mundo que busca
algo substancial em que colocar a esperança.
Portanto, o chamado de Edwards para buscar a santidade no
Senhor é mais do que oportuno. Ao examinarmos mais de perto
o ensino sobre a vida de fé, esperamos que este terceiro volu­
me na série Jonathan Edwards para o leitor de hoje demarque
um caminho que muitos seguirão novamente com visão e con­
sagração. O chamado à santidade é um convite a um caminho
de bênção, conforto e alegria no Senhor. Não é fácil, e, muitas
vezes, desviaremos para o deserto do pecado. Contudo, cada
crente continua tendo o dever de considerar como utilizar me­
lhor o tempo, remindo-o, cada vez mais, para a obra do reino, na
Prefácio do editor 15

busca de santidade no Senhor. Sem tal compromisso, a vida de fé


será, no mínimo, superficial e não realizadora, e, na pior hipótese,
inexistente.
Permita que o chamado de Edwards para buscar a santidade
no Senhor o prenda, de modo novo, na caminhada da fé. Para
os que estão apenas começando esta série, que ela o conduza na
direção certa e encoraje à leitura dos outros volumes da série de
Edwards.

T. M. Moore
INTRODUÇÃO

Todos, em alguma ocasião, passam a fazer as grandes per­


guntas da vida: Quem sou eu? Por que estou aqui? - São pergun­
tas para as quais todo cristão encontra resposta. Pela fé, sossa
verdadeira identidade encontra-se “em Cristo”. Por meio do seu
sacrifício sa cruz do Calvário, fomos recoscilisdos com Deus
e somos, agora, sdotados na família de Deus. Nosso propósito,
sempre, é viver para o louvor da glória de Deus.
Estender e viver a vida cristã - aquilo que a Escritura men­
ciona sob o título de “santificação” - estava no cerne da pregação
de Josathan Edwards. Sendo o caso, sua obra continua produzindo
impacto sobre crestes de todas as gerações. O desenvolvimento
prático das questões tem a base firme do entendimento teológico.
Em nossa geração, são poucas as coisas mais necessárias do que
compreender sovamente a grande doutrins da santificação. Nos
três sermões contidos no presente volume, temos a união da ver­
dade com a aplicação responsável do teólogo e pastor, de maneira
a dar à obra uma qualidade que transpõe o tempo.
Por experiência própria, Edwards sabia que amar a Jesus
está so coração do modo como nossa obediência prática é desen­
volvida. Isso é o que transforma a vida cristã em vida de amor,
são simplesmente de dever. Edwards escreveu com eloquência
sobre isso em sus “Narrativa pessoal”:

A santidade, conforme escrevi em algumas de


minhas contemplações, pareceu-me de natureza doce,
agradável, serena, e calma. Parecia trazer-me pureza,
clareza, paz e deslumbramento de alms, torsasdo a
alms como um campo ou jsrdim de Deus, com toda
18 A busca da santidade

espécie de flores agradáveis, tudo o que é prazeroso,


deleitoso e tranquilo, gozando doce calma e os amenos
raios vivificadores do sol. A alma do verdadeiro cristão,
conforme escrevi, então, em minhas meditações, pare­
cia uma pequena flor branca que vemos na primavera,
humilde e junto ao chão, abrindo seu botão para rece­
ber os raios agradáveis da glória do sol, regozijando-se
como em calmo enlevo, difundindo doce fragrância em
sua volta, parada pacificamente, com amor, em meio às
outras flores, que, de igual modo, abrem os seios para
sorver a luz do sol.
Nada havia, em nenhuma parte da santidade da
criatura, que eu, naquela ocasião e em outras ocasiões,
enxergasse com tão grande senso de beleza como a hu­
mildade, o quebrantamento de coração e a pobreza de
espírito: nada havia pelo que eu ansiasse mais. Meu co­
ração suspirava por isso: estar humilde diante de Deus,
no pó: que eu nada fosse e que Deus fosse tudo, que eu
me tomasse como uma criancinha.1

Em cada uma das obras incluídas neste terceiro volume da


série, vemos esclarecidas algumas verdades importantes sobre a
doutrina da santificação. Edwards nos lembra com clara acuidade
que a santificação prática é íntima e indispensavelmente depen­
dente da união do crente com Cristo. Assim como o apóstolo
Paulo, Edwards deixa claro que toda a nossa vida espiritual, tanto
sua origem quanto sua continuação, surge da união espiritual com
Jesus Cristo. Edwards escreveu em seu diário, no sábado, 22 de
dezembro de 1722: “Neste dia, reavivado pelo Espírito Santo de
Deus, tocado pelo senso da excelência da santidade, senti maior
exercício de amor a Cristo do que estava acostumado. Também
senti sensível arrependimento por meu pecado, por ter sido come­
tido contra um Deus de tal modo misericordioso e bom”.

1 Samuel Hopkins, The Life and Character of the Late Reverend Mr. Jonathan
Edwards (Boston, 1765), págs. 29-30.
Introdução 19

A gratidão pels vids em Cristo faz surgir so creste um desejo


de santidade, so mesmo tempo em que cris um sadio ódio ao pe­
cado, que sos msculs e desfigura a vida.
É por que Jesus Cristo viveu a vids que deveriamos ter vi­
vido - vida de obediência à lei de Deus - e porque ele morreu a
morte que sós maraeísmot - por causs de nossa transgressão dos
mandamentos de Deus - é que somos aceitos por Deus. O tema
constante de toda a Escritura é o evangelho. A Escritura deixa
claro, também, que nossa fé são é ums obra. Nosso novo status
é tota^este bssesdo sos méritos de Cristo e são em nós mes­
mos. Conquanto um pincel possa ser a causa instrumental de uma
obra de arte, a causs real e eficiente é, claro, o pintor. Da mesma
forma, embora a fé sejs a causs instrumental de nosss usião com
Cristo - o que nos trsz a sslvação - a causa real ou eficiente - que
é, Asslmeste, responsável por sosss sslvação - é Deus.
No sermão: “O caráter de Paulo como exemplo para os cris­
tãos”, Edwards mostrs a importância de se buscsr a salvação da
alms somente em Jesus Cristo. A urgência e intensidade com que
buscsmos este alvo jamsis obseuraeem o fato de que é em Cristo,
são em nossos méritos ou esforços, que a salvsção é assegurada.
De fato, Edwards insta-sos a seguir o exemplo de Psulo, não
olhasdo psra nossas obras. Ser cristão exige uma mudsnçs de
atitude são spesas quanto ao sosso pecado, mas tsmbém psrs
com nossa justiça. O evangelho, e someste ele, é sossa fonte de
vids e segurança. Como o grande apóstolo, devemos ser inflexí­
veis a qualquer mudançs so evangelho, por menor que seja, pois
resultará em enormes distorções de compreensão e experiência
espiritusl. Na verdade, qualquer “outro evangelho” não será, de
modo nenhum, evangelho. Edwsrds aponta psrs o cerne daquilo
em que cremos.
Edwards também deixa clsro que o evangelho são é coisa
morta: ele é vivo e teremos de aplicá-lo à nossa vids em todo
tempo e ocasião. Tendo tal ênfase, ele nos ajuda a raeoshaear e
evitsr os perigos duplos do raeionslismo e do misticismo. Muitos
cristãos facilmente se afastam de um relacionamento vivo com
Cristo pars ums ênfsse ss preservação da verdade. Sem dúvida, o
20 A busca da santidade

evangelho é doutrina profunda, mas é também a verdade sobre a


graça; é vivo e não pode ser confinado apenas ao âmbito intelec­
tual. O evangelho não é mero exercício no pensamento racional.
Outros crentes vão ao outro extremo, em que o relaciona­
mento com Jesus Cristo é entendido apenas em termos místicos
e a fé é divorciada do conteúdo e da ação, confinada apenas ao
âmbito da experiência. Neste sermão, Edwards nos mostra que o
evangelho é vivo. Não o aprendemos apenas quando nos conver­
temos para, então, movermo-nos daí. O exemplo fornecido por
Paulo aos filipenses, foi o do esforço de uma fé surgida do amor
por Cristo, uma fé que se manifesta em oração, louvor e conten­
tamento com os atos misteriosos da providência na vida. Edwards
nos mostra que o evangelho é necessidade contínua do crente. A
santificação trata da operação do evangelho na vida, experiência
e testemunho do crente. Ele demonstra a falácia de se restringir o
evangelho apenas à conversão. Contudo, hoje, há muitos que, na
prática, veem o evangelho como necessário para encontrar Cristo
e, depois disso, veem a vida cristã como um árduo trabalho de
obediência. Conquanto afirme claramente o lugar e o uso da lei
na vida do crente, Edwards jamais confunde justificação com
santificação, embora afirme a impossibilidade de separar a justi­
ficação da santificação. Ele demonstra como a santificação flui de
nossa justificação.
Nisto, Edwards faz uma advertência contra grande parte do
pensamento moderno, em que a justificação é enfatizada à custa
da santificação, levando ao antinomianismo, e a santificação en­
fatizada à custa da justificação, levando ao moralismo. O grande
Tertuliano escreveu: “Assim como Cristo foi crucificado entre
dois ladrões, a doutrina da justificação está, sempre, sendo cru­
cificada entre dois erros opostos”. ' >s erros a que Tertuliano se
refere, que roubam o evangelho da experiência do crente, são
o “legalismo” e o “antinomianismo”, ou, na descrição contem­
porânea, o “moralismo” e o “relativismo”. Ambos destroem a
vida cristã e ambos seduzem, cada um a seu modo. O moralista
tenderá a enfatizar a verdade sem a graça, sugerindo que tenha­
mos de obedecer à verdade a fim de sermos salvos. O relativista
Introdução 21

enfatizará a graça sem a verdade, sugerindo que seremos todos


aceitos por Deus, e argumentando que csds um tem que decidir
qual é a “verdade” certa para si mesmo. Edwards sos mostrs que
a verdade sem a grsçs são é realmeste verdade e a graçs sem a
verdade são é ^slmeste graça.
No segundo sermão squi incluído, “Esperança e consolo
gera^este seguem humilhação e arrependimento genuínos”,
Edwsrds continua a desenvolver o tema, lembrando-sos da
grande realidade costrs a qual lutsmos: o pecsdo. Muitas pessoas
são estão eôsseias da sariadsda, profundidade e poder do pecado,
razão pels qusl a ideis do sacrifício de Cristo e da grsçs gratuita
de Deus tem tão pouco efeito sobre elas. Edwsrds fornece uma
ssudável dose de exposição da lei e ums podeross visão da santi­
dade ofendida de Deus que servem pars sos trszer à realidade do
convencimento do pecado. Psra muitos de nós, que temos ums
visão damssisdamante sltivs de sós mesmos, esse será um neces­
sário corretivo.
Outros, porém, têm um enorme senso de sua própria inca­
pacidade, vendo spesas os próprios fracassos. A esses, Edwards
trsz a doçurs da experiência cristã do conforto de Deus. Ele sos
lembra que, qusndo sos aproximamos do evangelho, há srraaan-
dimesto e dependência de Cristo. O arrependimento bíblico a que
Edwards sos conduz é marcado por sua natureza compreensiva.
Arrepasdemotsos são somente de nossos pecsdos, mas também
de nossas justiças, pois vemos que até mesmo nossas melhores
obras são inaceitáveis. Descansando em Cristo, vendo-nos como
sendo tota^este aceitos por ele, a sua obrs torns-se sosss e
sossa obra se torns dele. Suas bênçãos, bem como a recompensa
de seu sacrifício, torssmtsa nossas e nosso pecsdo é imputado
a ele. A consequência disso é ums intensa humildade em nossa
vida, e, com ela, ums bênção de consolo e senso de perdão. Ps-
rsdoxslmeste, descobrimos que, quasto mais sos vemos pecado­
res, mais rsdicsl sos parece a nsturezs da graçs de Deus e mais
doce o fruto do arrependimento em nosss vids. O arrependimento
autêntico ocorre não em função do medo das cossequêsciss do
pecsdo nem por csuss do medo de rejeição, mss como ministério
22 A busca da santidade

do Espírito Santo, que nos dá profunda convicção da misericórdia


de Deus.
Muitas pessoas deixam de reconhecer a natureza da santidade
de Deus e de entender a profundidade do pecado humano. Assim
sendo, jamais aprendem a se regozijar plenamente na imensa graça
de Deus. Outros deixam de apreciar a natureza total e permanente
da aceitação de Deus, de seu povo, mediante a obra de Cristo na
cruz, e vivem com medo. Edwards nos conduz ao entendimento
de que, quanto mais reconhecemos a realidade de nossa natureza
pecadora, mais apreciamos a enormidade da graça de Deus e mais
somos levados a encontrar segurança não em nossas obras de jus­
tiça, mas na graça de Cristo. O evangelho cria o único tipo de tris­
teza pelo pecado que é pura e que não esmaga, pois aponta sempre
para a morte de Cristo no lugar do crente, assegurando-nos sempre
de que Jesus jamais falhará nem nos abandonará. A visão de Cristo
morrendo por nós é exatamente o que nos convence a ser santos,
assegurando-nos de que somos amados com amor eterno. A cruz
de Cristo nos lembra de que Cristo morreu por nós e convence
nossa consciência a buscar, em gratidão, a santidade.
O terceiro sermão trata da “preciosidade do tempo”. Aqui,
somos lembrados não somente da natureza prática de nossa fé,
mas também da íntima e necessária inseparabilidade de mente e
alma em todo o processo de santificação. Ser santo não é somente
realizar atos grandes e nobres. Santidade não trata apenas daquilo
que “fazemos”, mas também não trata do modo como “sentimos”.
Em uma era de ativismo associado a uma curiosa espiritualidade,
muitas vezes mais interessada nos sentimentos do que na con­
vicção, Edwards fornece um corretivo útil e necessário. Mostra,
neste sermão, que realmente precisamos pensar, a fim de sermos
santos. Desaprova a ideia de que a santidade seja uma questão de
emoções ou de ações. Em vez disso, enfatiza nossa responsabili­
dade diante de Deus, a qual tem de ser reconhecida, para, então,
ser cumprida. Edwards via a mente como o palácio da fé e o co­
nhecimento, como “o solo em que o espírito plantou a semente
da regeneração na alma”. Ele se dirigiu à mente para que a alma
fosse abençoada. Tal corretivo para a cultura de nossa geração
Introdução 23

sos lembra de que não poderemos desvalorizar o conteúdo cris­


tão no culto, na educação e sa pregação sem que incorramos em
grave erro e custo. Já, hoje, parece haver pouca distinção entre
os modos de pensar e crer de cristãos e de não cristãos, ou, até
mesmo, na maneira como vivem.
A segursnçs cristã não pode ser encontrada olhando-se para
a vids transformada, pois esta poderá ser, sisda, uma vida vivida
mais em função da lei e do medo do que mediaste a graça e o
arrependimento. Contudo, a importância da transformação está
em ssber qual é a evidêscis da obra do Espírito Santo de Deus.
Edwards está sempre a lembrar que o Espírito Santo produz fru­
tos dignos em todas as partes da vida cristã? Quebra ss barreiras
srtificisis erguidas entre squilo que é ssgrsdo e aquilo que é se­
cular, forçando o creste a levar a sério o chamado para dedicar a
sus vids toda e csda parte de sua vida ao serviço de Deus, como
fruto da união com Cristo. Edwards sabia e essisava que cresce­
remos em intimidade com Cristo somente quando vivemos em
união com Cristo.
Não pode haver assusto de maior importância e mais atual
psra os seguidores de Jesus Cristo do que o da santificação. Em
sosso tempo pluralista, relstivists e “toleraste”, muitos crestes
começaram a dsnçar ao ritmo do pós-modemismo, perdendo de
vista sosso chamado para imitar o apóstolo Psulo sa busca da san­
tidade so Senhor. Os sermões de Josathss Edwards aqui inclusos
proveem um corretivo saudável e escorajador à sossa fraca fé,
levasdo-sos às alturas da santidade, alegria e vida de poder, tra­
zendo renovação para sossa vids, nossas igrejas e sossa cultura.

Robebt M. Nobbis
Pastor Titular Fourth Presbyterian Church
Bethesda, Msrylasd

2 Sobre o papel do Espírito so ersseimssto cristão, visto por Edwards, veja o Volu­
me I da série: Growing in God's Spirit (Philliatbsrg, N.J.: P & R, 2003). Ns edição
da Culturs Cristã, A busca do crescimento.
Parte 1

O CARÁTER DE PAULO

COMO EXEMPLO
para OS CRISTÃOS
1

Um chamado a ser imitado

Edwards mostra que Deus se agrada de nos dar muitos exem­


plos a serem seguidos na busca da santidade no Senhor. O próprio
Deus é nosso exemplo supremo, especialmente conforme manifesta­
do em Jesus Cristo. Este exemplo, contudo, tem limitações, confor­
me explica Edwards. Assim, Deus nos conclama, em sua Palavra,
a imitarmos outros como nós mesmos: seres humanos pecamino­
sos que aprenderam a buscar a santidade, dos quais temos muito a
aprender. Entre estes, está o apóstolo Paulo.

* * * -• *
Filipenses 3.17
"Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam se­
gundo o modelo que tendes em nós

No contexto anterior, o apóstolo falou sobre como consi­


derava todas as coisas como perda, por causa da sublimidade do
conhecimento de Cristo Jesus, e, no texto citado, ele insiste que
sigamos seu exemplo, de duas maneiras:

1. Ele exorta os cristãos de Filipos a seguirem seu exem­


plo: “Irmãos, sede imitadores meus”. Ele os exorta a
serem juntamente seus seguidores, ou seja, que sigam
eoneordemente o seu exemplo, com um só coração e
uma só alma, e que, o quanto puderem, devem ajudar
uns aos outros nisso.
28 A busca da santidade

2. Eles deviam observas; de modo especíali ouuros ci^^lS^<2^


que fizeram isso e dar-lhes a honrs devida, o que está
implícito na expressão usada ns últims parte do versí­
culo: “observai os que andsm segundo o modelo que
tesdes em sós”.

Cristo, nosso grande exemplo

Devemos seguir os bons exemplos do apóstolo Paulo. Con­


sideremos que o apóstolo não tenha dito isso de si mesmo com
espírito de ambição, desejoso de ser elevado como modelo, vi­
sado e imitsdo como exemplo para outros cristãos. Seus escri­
tos são são de interpretação particular, ele fslava conforme ers
movido pelo Espírito Sssto. O Espírito Santo dirigiu pars que
o bom exemplo de Psulo fosse observado e imitsdo por outros
cristãos. Devemos considerar tsmbém que ests não é uma or­
dem somente pars os filiaantas, aos qusis a epístola foi dirigida,
mss psra todos qusstos leem a epístola, psrs todos os cristãos de
todo o mundo. Embora Deus tivesse ordenado que as epístolas
dos apóstolos fossem, em sua msior psrta, stcritss em determi­
nadas ocasiões e dirigidas a determinadas igrejss, elas forsm
tsmbém escritas pars utilização universal. Isso foi ordenado, se­
gundo a sabedoria da divisa providência, como parte da infalível
regra de fé e prática dsds à igreja cristã para todos os tempos.
Os preceitos que encontramos sss epístolas são podem ser con­
siderados apenas como sendo dirigidos aos ouvistes originais,
tal como os Dez Mandamentos, dsdos so monte Sissi aos filhos
de Israel, são são mandamentos limitados àquele povo. Quando
o Espírito Ssnto issts que sigamos o bom exemplo de Paulo,
isso não significa apenas uma imitação de qualquer coiss bos
de uma pessoa, sejs quem for. Para os cristãos, há a obrigação
espiritual de seguir os exemplos do grande apóstolo, tal como
ele imitavs a Cristo. Agrsdou so Espírito fazer de Psulo são
somente um mestre da igreja cristã, mss também modelo psrs
outros crentes.
Um chamado a ser imitado 29

O maior de todos os exemplos a imitar, ordenado pelas Es­


crituras, é o do próprio Jesus Cristo, exemplo dado em sua natu­
reza humana e em estado de humilhação. Ele nos é apresentado
não apenas como um grande modelo, mas como a norma perfei­
ta. Nenhum exemplo humano é apresentado como regra perfeita,
com exceção do próprio exemplo de Cristo. Somos ordenados
a seguir os exemplos que o próprio Deus nos deu, ou os atos
da natureza divina: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos
amados” (Ef 5.1) e: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é
o vosso Pai celeste” (Mt 5.48).
O exemplo de Jesus Cristo, quando esteve sobre a terra, é o
nosso modelo especial. Embora os atos da natureza divina tives­
sem a mais alta perfeição possível, e ainda que sua perfeição ini­
mitável seja nosso melhor exemplo, Deus está tão acima de nós,
sendo sua natureza tão infinitamente diferente da nossa, que não
é possível seus atos se adequarem à nossa natureza ou circunstân­
cias como exemplo de tão grande uso geral quanto o exemplo per­
feito que Cristo nos deu em nossa natureza. Cristo, apesar de ser
uma pessoa da divindade, também era um ser humano, como nós;
e não somente isso, mas ele participou de circunstâncias como as
nossas. Habitou entre os homens. Teve de se alimentar e vestir,
vivia do mesmo modo que nós, necessitando de outros suportes
de vida externos. Esteve sujeito a mudanças de tempo, a aflições
e calamidades deste mundo mau, a abusos devido à corrupção dos
homens, e às mesmas leis e regras a que estamos sujeitos. Ele usou
as mesmas ordenanças e sofreu muitas de nossas privações e pro­
vações, bem maiores do que as nossas. Assim, o exemplo de Cris­
to é fornecido na Escritura principalmente para que o imitemos.

Outros exemplos das escrituras

Portanto, os exemplos de alguns que, sendo como nós, cria­


turas caídas, podem, em alguns aspectos, ser mais adequados às
nossas circunstâncias e mais apropriados para nossa instrução
que o exemplo de Jesus Cristo. Pois, embora ele tenha se tomado
30 A busca da santidade

homem como nós, sujeito às nossss circunstâncias, existe uma


imensa diferença quanto a outros aspectos. Jesus é o cabeçs da
igreja e nós somos apenas seus membros. Ele é Senhor de tudo,
sós os seus súditos e discípulos. Carecemos de um exemplo que
ensine e dirija nosso comportamento em relsção a Cristo, nosso
Senhor e cabeça. Isso pode ser feito com o suxílio do modelo
de algumas pessoas que tsmbém tiveram Cristo como Senhor e
modelo. A maior diferesçs está em que Cristo não tishs pecado,
e nós somos todos criaturas pecsdoras, portadores de um corpo
de pecado e de morte. Cristo foi como nós em tudo, mas sem
pecado. Ests é a exceção. Portanto, há muitas coisas requeridas
de nós que Cristo não poderia exemplificar, tsis como arrepen­
dimento pelo pecado, quebrantamento do espírito por causs do
pecado, mortificação da carse e guerra contra o pecado. Os exce­
lentes exemplos de outros - que, por natureza, são tão pecadores
como nós - têm os seguintes benefícios: podemos vê-los como
exemplos dsqueles que naturslmasta se encontravam, em tudo,
nas mesmas circunstâncias que sós, lutsndo em tudo sob as mes­
mas dificuldades e a mesma oposição de coração psrs com o que
é bom. Isso nos faz msis atentos aos seus exemplos, sos encora­
jando e snimando a segui-los.
Assim sendo, vemos que a Escritura são recomenda apenas
o exemplo de Cristo, como também o de alguns meros homens, de
psixões semelhantes às nossas, como modelos a serem seguidos.

Santos do Antigo Testamento


Os eminentes santos do Antigo Testamento são apresentados
como os que herdaram ss promessas: “...são vos tomeis indolen­
tes, mas imitadores daqueles que, pels fé e pela losganimidsde,
herdsm ss promessas” (Hb 6.12). No capítulo onze de Hebraus-
é mencionado o grande e destacado número de ssstos cujas vi­
das servem de padrão a ser imitado. Abraão, de modo especial, é
apresentado como exemplo de fé e modelo pars o crente: “e pai
ds circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas eireuneisos-
mas também asdsm nas pisadas da fé que teve Abraão, nosso pai,
antes de ser eircuseidsdo” (Rm 4.12).
Um chamado a ser imitado 31

Também os profetas do Antigo Testamento são recomen­


dados como modelos: “Irmãos, tomai por modelo no sofrimento
e na paciência os profetas, os quais falaram em nome do Senhor”
(Tg5.10).

Santos do Novo Testamento


Homens santos sob a nova aliança - apóstolos e outros,
que Deus enviou para pregar o evangelho - são também postos
como exemplos a serem imitados pelos cristãos: “Lembrai-vos
dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e,
considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tive­
ram” (Hb 13.7).

Paulo, nosso exemplo principal

Entre todos os homens, nenhum é mais especificamen­


te apresentado como exemplo a ser seguido do que o apóstolo
Paulo. Observar sua conversação santa não é apenas uma insis­
tência do texto citado, mas também de ICoríntios 4.16: “Admo­
esto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores”; de ICoríntios
11.1: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo”;
de ITessalonicenses 1.6, onde o apóstolo Paulo elogia os crentes
de Tessalônica que imitaram seu exemplo: “Com efeito, vos tor­
nastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido a palavra,
posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito
Santo”; e de 2Tessalonicenses 3.7, em que Paulo insiste que este
é o dever dos crentes: “pois vós mesmos estais cientes do modo
por que vos convém imitar-nos, visto que nunca nos portamos
desordenadamente entre vós”.
A fim de dar tratamento mais completo ao assunto:

1. Faço menção especial dos muitos bons exemplos do


apóstolo Paulo a serem imitados, dos quais trataremos
não apenas como doutrina, mas também como modo
de aplicação.
32 A busca da santidade

2. Demonstrarei sob qusis estritas obrigações deveremos


seguir os boss exemplos do apóstolo.

Ressaltando, psra maior clsreza:

s) as coisas que dizem respeito à sua vigilância pelo bem


de sua própria alma;
b) as virtudes paulisas que msis de imediato dizem res­
peito a Deus e a Cristo;
c) as virtudes que mais de imediato dizem respeito aos
homens;
d) e ainda observo ss virtudes exercidas em seu favor
tasto psrs com Deus quanto para com os homens.

Perguntas paba estudo

1. Desta introdução ao chamado de Edwsrds para imitar


o apóstolo Paulo, podemos ter ideis de como os cren­
tes devem aprender a vida de fé, pelo menos em parte,
observando e seguindo os exemplos de outras pessoas.
Seris isto verdadeiro em sua própris experiência? Quais
são algumss das pessoas que servirsm como exemplo
em sus própria caminhada com o Senhor? O que você
aprendeu com elas?

2. Natura^este, Edwards insiste que Cristo é sosso


exemplo supremo. Qual seria nossa expectativa quan­
to ao aprendizado segundo o modelo do Senhor Jesus?
Qusis são as limitações que teríamos para seguir seu
exemplo?

3. Edwards menciona santos do Antigo e do Novo Testa­


mento como bons exemplos a seguir. Tem sido esta a
sua verdadeira experiência? Anote um ou dois santos
de csda Testamento, resumindo como os exemplos da­
dos por eles o têm ajudado.
Um chamado a ser imitado 33

a) Santos do Antigo Testamento


b) Santos do Novo Testamento

4. Relembre as quatro áreas do exemplo de Paulo que


Edwards planeja discutir (bem no final deste capítulo).
Em quais áreas você sente necessidade especial de imi­
tar o exemplo de Paulo, a fim de ser ajudado em sua
caminhada com o Senhor? Explique.

5. O que você espera obter deste estudo sobre a busca por


santidade no Senhor? Quais os seus alvos? Existe al­
guém com quem você possa orar e que orará por você,
no desenvolvimento deste estudo?
2

Buscando o bem de nossa alma (1)

Edwards apresenta o modelo do apóstolo Paulo como exemplo


a ser seguido, primeiramente, na busca da salvação do Senhor - e,
com ela,, a segurança de salvação — e, segundo, procurando o cres­
cimento na salvação. Uma vez despertados os sentidos, convencido
e chamado para a obediência a Jesus, Paulo não permitiu nenhum
impedimento no exercício da fé em Cristo, e, depois de sua conver­
são, foi ainda mais diligente no esforço para alcançar o prêmio
total da salvação. Edwards refere-se continuamente ao ensinamento
de Jesus, em Mateus 1E12, para mostrar a ‘fortaleza ” de Paulo na
busca do reino e da salvação de Deus. Ele nos desafia a seguir o
exemplo do apóstolo.

♦♦♦♦♦

Devemos seguir o bom exemplo dsdo pelo apóstolo Paulo


na procurs do bem de sua própria alma.

Com respeito à salvação

Primeiro. Devemos segui-lo com sua mesma siseeridsda


na busca da própria salvação. Nesse sentido, Paulo em nada foi
segligente ou indiferente, mas viveu com total determinação e
poderosa resolução. Ele resolveu, se houvesse meio possível,
alcsnçsr a ressurreição dentre os mortos. Negou que estivesse
determinado a alcançá-ls por meios que não fossem custosos ou
36 A busca da santidade

difíceis, ou com pouco esforço ou tempo, ou vivendo apenas para


o aqui e agora, ou sem uma medida de sofrimento, sem grande
perda de interesses temporais. Antes, se por algum meio ele pu­
desse alcançá-la, ele o faria, não obstante dificuldades ou facili­
dades. Fossem breves ou longos os labores e tribulações, fosse a
cruz leve ou pesada - ele estava resolvido. Fossem quais fossem
os requisitos, Paulo se esforçaria, em que fosse possível, a fim de
alcançar a ressurreição.
O apóstolo não hesitou ante as perdas mundanas, pois so­
freria a pronta perda de todas as coisas a fim de ganhar Cristo
e ser encontrado nele, em sua justiça (Fp 3.8-9). Não foi este o
caso do jovem rico que se ajoelhou diante de Cristo, perguntan­
do o que deveria fazer para herdar a vida eterna. Quando Jesus
lhe disse: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos
pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me”, foi
embora, triste porque tinha muitos bens (Mt 19.21-22). O moço
rico não estava disposto a deixar tudo. Se Cristo tivesse pedido
que vendesse metade dos bens, talvez tivesse concordado. Ele
tinha grande desejo de obter a salvação. Entretanto, o apóstolo
Paulo não se contentou apenas com o desejo. Resolveu que, se
fosse possível, obteria prêmio inerente à salvação. E quando
foi necessário que perdesse os bens materiais, ou quando o so­
frimento esteve em seu caminho, não houve razão para hesitar.
Paulo havia usufruído circunstâncias bastante confortáveis e
honradas, entre os judeus. Tinha recebido a melhor educação
possível, estudado aos pés de Gamaliel e sido considerado de
muita cultura. A nação judaica o teve em grande estima, e, entre
seus pares, foi admirado em função de suas qualidades morais
e religiosas. No entanto, quando não pôde mais gozar tais bene­
fícios externos, ele deixou todos os lucros e honrarias, a fim de
ganhar a Cristo. Considerou tudo como sendo nada, para estar
com Cristo.
Em lugar de ser honrado, amado e admirado em sua própria
nação, Paulo tomou-se objeto do ódio geral. Perdeu tudo, e os ju­
deus que o odiavam, perseguiram-no por toda parte. Quando so­
brevieram grandes sofrimentos, voluntariamente conformou-se à
Buscando o bem de nossa alma (1) 37

morte de Cristo, psra que pudesse participar de sua ressurreição.


Abriu mão da honra, da tranquilidade, dos amigos e conhecidos
de outrora, dos bens so musdo e de tudo o mais e lançou-se num
estsdo extremo de luta, desprezo e sofrimento, desta forma, bus­
cando o reiso do céu. Nesse sentido, Paulo agiu de modo seme­
lhante ao de quem cuids de uma amaraitsds única, correndo pars
gashar um grande prêmio. Fez dessa carreirs seu único negócio,
até o final, forçando csds servo e tendão, não permitindo distra­
ção nem escutando vaiss ou aplauso - apenas prosseguindo psra
o alvo. Como quem, so meio da batalha, antragstsa sem reservss,
espada em punho, lutando pela própria alma, Paulo esfrestou ini­
migos poderosos e violentos que intentavam roubar-lhe a vida:
“Assim corro tsmbém eu, são sem mets; assim luto, são como
desferindo golpes so sr” (ICo 9.26). Qusndo apetites carnais fo­
ram-lhe dsmssiadamasta importunos, segou-lhes satisfação e re­
nunciou à própris carse. Tsis são seriam impedimentos sa buscs
da salvação. Certameste são se sujeitans aos apetites do corpo,
mss os sujeitaria à alma: “...esmurro o meu corpo e o reduzo à es­
cravidão, para que, tendo pregsdo a outros, são vesha eu mesmo
a ser desqualificado” (ICo 9.27).
Provavelmente, jamais houve soldado que, participando
da isvssão de uma fortaleza, tivesse agido com maior resolução
e força. Como quem irrompe entre as forças inimigas, o apósto­
lo Paulo são se deixou vencer em todo o caminho, na busca do
reino do céu. Não temos apenas a sua pslsvrs a esse respeito,
mas o testemunho de Lucas que narrs à história de sus vida.
Ors, os que buscam a sslvsção deverão seguir seu exemplo. As
vezes, pessoas que se preocupam com a salvação, ansiosas e
queixosas, sso spós aso, deploram são ter obtido nenhum con­
solo. Fsrism bem se perguntassem a si mesmos: buscamos a sal­
vação do mesmo modo, e determinação, e forçs, exemplificados
em Psulo? Não estariam tais pessoas aisda muito longe disso?
Fsris sentido dizer que o reiso do céu sente o impscto dss obrss
de suss mãos?
38 A busca da santidade

Com respeito ao prêmio da salvação


Segundo. O apóstolo Paulo não buscou salvação somente
antes de sua conversão, mas, também, depois dela. Aquilo que ele
disse, no terceiro capítulo de Filipenses, sobre o sofrimento da
perda de todas as coisas a fim de ser achado em Cristo, sendo esta
a única coisa que fez para buscar a salvação; e também o que ele
disse sobre não correr em vão, mas para conquistar o prêmio da
salvação e sobre manter seu corpo em submissão a fim de não ser
reprovado - tudo isso foi dito depois de estar convicto e depois
de ter renunciado a toda esperança da própria bondade natural. Se
o convencimento do pecado servisse de desculpa para não mais
buscar a salvação ou fosse razoável que o homem deixasse seu
sincero esforço e cuidado com a salvação, certamente o apóstolo
seria desculpado não só quando obteve a graça verdadeira, mas,
ainda, tendo obtido grau tão eminente. Ver um entre os maiores
santos que já existiram, senão o maior, de tal modo envolvido na
busca de sua própria salvação, deveria envergonhar a todos que
estão mil graus abaixo dele, e, em comparação, meros infantes,
se é que realmente obtiveram graça. Estes se isentam de realizar
qualquer esforço para o reino de Deus, agora, pois já o obtive­
ram. Assim, livram-se do peso de buscar sinceramente a salva­
ção, achando que terminaram a obra.
Por mais eminente que fosse, o apóstolo não disse a si mes­
mo: “Já sou convertido, e tenho certeza da salvação que Cristo
me prometeu. Portanto, para que lutar e me esforçar para obtê-la?
Não apenas sou convertido, como também tenho obtido maior
medida de graça”. Não obstante, Paulo ainda se esforçava para
viver a salvação. Não se deteve nas grandes descobertas que o
deliciaram na época de sua conversão nem nas marcantes experi­
ências passadas que teve de tempos em tempos. Não se contenta­
va com o fato de já possuir os mais surpreendentes testemunhos
possíveis do favor de Deus e do amor de Cristo - até mesmo
tendo sido transportado ao terceiro céu - mas, esquecendo-se
das coisas que para trás ficaram, procedia como quem não consi­
derava ter alcançado a Cristo: “para, de algum modo, alcançar a
Buscando o bem de nossa alma (1) 39

ressurreição dentre os mortos. Não que eu o teshs já recebido ou


tesha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar squilo
psra o que tsmbém fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos,
quanto a mim, não julgo havê-lo slcssçsdo; mss ums coisa faço:
esquecendo-me das coisas que psrs trás ficam e svançasdo psrs
as que diante de mim estão, prossigo psra o slvo, pars o prêmio
da sobersna vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.11-14). O
apóstolo sinda buscsvs gsnhsr a Cristo e sua justiça e alcançar a
ressurreição, não como quem já tivesse conseguido tudo isso ou
tivesse obtido o direito à coroa. No texto, de especial modo, esse
é o exemplo que ele sos conclama a imitar. Não que duvidasse
de uma resl conversão sem que estivesse empenhado sa busca
ds salvação. Não apesss ssbia que era convertido e que, quan­
do morresse, estaria no céu, como também sabis e falava, nesta
epístola, sspecislmeste sobre tais coisss, como vai o versículo:
“Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro”. No
versículo anterior, ele disse: “segundo a misha ardeste expecta­
tiva e esperança de que em nada serei envergonhado; antes, com
toda a ousadia, como sempre, tsmbém agors, será Cristo engran­
decido so meu corpo, quer pela vida, quer pela morte. Porqussto
para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro”. (Fp 1.20-21).
O apóstolo sabis que, embora convertido, ainda havis uma
grande obra a ser realizada ns sua salvação. Pars a glória eterna,
hsvis um csmisho estreito pelo qual teris de passar, e jsmsis al­
cançaria o céu de outro modo. Ers-lhe sbsolutamente seeestário-
ainda, desenvolver a salvação - são havería como ir so céu de
maneira negligente. Não punha menor empenho no exercício da
salvação apenas porque já a possuísse, pelo contrário, tesdo tal
esperança e segurança, a buscava sisds msis. Em lugar nenhum
lemos que tivesse menos sinceridade nem menor empenho pelo
reiso de Deus sntes ou depois de sua conversão. A esperança
do apóstolo são sdmitis indolência, antes, produzia msior em-
pesho. Seguro da vitória e ciente dos conflitos, era movido na
batalha não como quem dá murros so ar, mss como quem en­
frenta principados e aotastsdas. O apóstolo insiste, de modo es­
pacial- sa imitação deste exemplo. Todos os que se consideram
40 A busca da santidade

convertidos deveríam ser compelidos a indagar sobre se, pensan­


do que tudo vai bem na vida e estando certos do céu, colocam
menor empenho na própria salvação. Se for verdadeiro que o
apóstolo tenha agido da maneira correta, nós, que estamos aqui,
certamente estaremos errados. É comum que aqueles que profes­
sam a conversão, certos da salvação, sejam menos diligentes e
sinceros na religião.

Perguntas para estudo

1. Edwards fala sobre o esforço com o qual o apóstolo


Paulo buscava alcançar o reino e a salvação de Deus
(Mt 11.12). Quais são algumas das coisas que ele men­
ciona como exemplos de esforço?

2. Paulo foi ainda mais diligente quanto à obtenção de sua


salvação depois da conversão, do era que antes. An­
tes de ser cristão, opunha-se violentamente ao Senhor
e sua igreja. Somente a intervenção forçada de Cristo
na fúria de Paulo trouxe-lhe salvação, na estrada para
Damasco (Atos 9). Você descreveria sua própria busca
por salvação e santidade no Senhor como tendo sido
forçada? Justifique sua resposta.

3. Comente brevemente sobre o preço que Paulo teve que


pagar por ter recebido a salvação do Senhor. Quaisquer
dessas coisas seriam obstáculos para as pessoas de
hoje? Por quê?

4. No último parágrafo deste capítulo, Edwards compara


os seus ouvintes, de modo desfavorável, com o apósto­
lo Paulo, em relação à busca da salvação do Senhor. A
avaliação de Edwards sobre as pessoas do seu tempo
(note que ele incluía a si mesmo) seria válida para os
dias atuais? Explique a resposta.
Buscando o bem de nossa alma (1) 41

5. Suponha que você começasse a ser mais esforçado


na busca de santidade e da salvação de Deus. Como
parecería isso? Que aspectos do exemplo de Psulo po­
deríam ser assumidos como parte da sua experiência?
3

Buscando o bem de nossa alma (2)

Edwards continua a mostrar como Paulo exercia grande cui­


dado para beneficio de sua alma. Paulo não considerava a própria
salvação como coisa sem importância, mas esforçava-se em tudo
para não ser desqualificado quanto à graça, para não incorrer na
disciplina do juízo divino. Assim fazendo, ele não dependia de jus­
tiça própria, mas buscava pela fé, a jusiiça de Cristo. Um galardão
de glória, depositado para ele no céu, motivava-o a buscar o bem
da própria alma.

*****

Com respeito à cautela continuada

Terceiro. O apóstolo não somente buscou o céu depois de sa­


ber que era convertido, como também era sinceramente cuidadoso
para não ser condenado com o mundo, conforme a passagem que
já citamos: “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão,
para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser des­
qualificado” (ICo 9.27). O apóstolo era bem cauteloso para não
incorrer na rejeição dos ímpios, negando apetites carnais e mor-
tificando a carne. Fle não disse: “Estou seguro; tenho certeza de
que não perderei a salvação; por que precisaria cuidar mais nesse
sentido?” Muitas vezes, considerando que sejam convertidas, as
pessoas acham que estão isentas de perigo e que não se lhes apli­
cam as terríveis admoestações e denúncias da palavra de Deus.
Quando ouvem a palavra, acham que se refere a outros, e não a
44 A busca da santidade

elas mesmas - como se o que ss Escrituras revelam com respeito


so inferno são tivesse aplicação para os piedosos que dele fo­
ram salvos. Quasdo ouvem sermões de dasaartamesto espiritual,
contendo advertência sobre ss terríveis coisas que Deus preparou
pars os ímpios, tais pessoss são as ouvem para si mesmas, mas
julgam-nas pertinentes somente pars os que se perdem.
O santo apóstolo estavs bem seguro de não partilhar da con­
denação do inferno e tão certo da salvação como qualquer um de
nós. Não obstsste a firme esperasçs e eminente ssstidsde, Psulo,
aisda assim, valorizava a ameaça de Deus, evitando diligeste-
mente incorrer nas causas da condenação eterna. Considerando
que a miséria eterns estava ligads à vida perversa, era-lhe abso-
lutsmaste necessário msster o próprio corpo em plens sujeição,
psra são cair sa mesma reprovação do pecado. Qualquer conces­
são às coscupiscênciss da carne estsris ligsda à condenação dos
ímpios. O apóstolo estava certo de que tal proposição condicional
era-lhe tão verdadeira agors como era antes: “psra que, tendo
pregado a outros, são venha eu mesmo a ser desqualificado”.
A sstureza da proposição fica bem evidente, pois, so mes­
mo capítulo osde diz que msntém o corpo em sujeição psrs são
ser desqualificado, o apóstolo continua: “Se snuscio o evangelho,
são tesho de que me glorisr, pois sobre mim pesa essa obrigação;
porque si de mim se são pregar o evangelho!” (ICo 9.16). Que
sacessidsda hsveria de tsnto empenho sa pregação do evangelho,
mesmo que ordenado por Deus, uma vez que o apóstolo já estava
convertido e seguro? Acaso, se deixasse de pregar o evangelho,
poderia ainda perecer depois de ter sido salvo? Contudo, a propo­
sição condicional é verdadeira. Seria um grande infortúnio! E si
dala- se são mantivesse uma vids de estrita obediência a Deus, se
não pregasse o evangelho! A conexão entre pecado e condenação
aisda vigors. É impossível, para slguém que permaneça no cami­
nho da desobediência a Deus, ir a outro lugar que são o inferno.
Por isso, já salvo, ers-lhe necessário pregar o evangelho; e, pels
mesma razão, era-lhe necessário subjugar o corpo, para não cair
sa rejeição dos ímpios. A ligação entre ums vida de impiedade
e a condenação de Deus é tão certa que, se ums pessoa viver de
Buscando o bem de nossa alma (2) 45

modo ímpio, provará que nada significam todas as suas supostas


experiências. Se, no último dia, alguém for julgado como obreiro
da iniquidade, nada mais será inquirido a seu respeito. Finja ele
ser o que quer que seja, Cristo lhe dirá, e todos quantos são como
ele: “...nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais
a iniquidade” (Mt 7.23). Deus revelou tais advertências e cone­
xão não somente para deter os homens ímpios, mas também para
coibir os piedosos de viverem no pecado. Deus promete guardar
da condenação aqueles que são realmente convertidos e este é o
modo de mantê-los irrepreensíveis: afastando-os de uma vida de
impiedade. Deus certamente guarda aqueles que são seus de vive­
rem na impiedade, e este é um dos meios de ação, isto é, a cautela
dos crentes para evitar as causas da condenação, e as advertências
de reprovação, caso vivam na impiedade.
Temos outro exemplo surpreendente, em Jó, que era ho­
mem sabidamente justo, e, contudo, evitava acauteladamente o
pecado, porque não queria ser destruído por Deus (Jó 31). Cer­
tamente temos tanta razão para nos acautelarmos quanto o santo
Jó, para não nos expormos à reprovação de Deus, praticando o
que seria para destruição. Não temos maior parcela de bondade
do que o justo Jó. O apóstolo insta que os crentes desenvolvam
a própria salvação com temor e tremor (Fp 2.12). Tal é o caráter
do verdadeiro santo, que treme ante a palavra de Deus (Is 66.2)
- o que implica temor especial quanto às suas terríveis amea­
ças, tal como aconteceu com Jó. Muitos, hoje, pensando estarem
convertidos e supondo-se fora de perigo, tendem a descartar as
advertências da palavra de Deus. Cristo orientou os discípulos
- os que já estavam convertidos e os demais - a desenvolverem a
salvação, pois largo é o caminho que leva à perdição e os homens
são tão propensos a andar nele que facilmente o escolhem e são
condenados. “Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaço­
so, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que
entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho
que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela”
(Mt 7.13-14).
46 A busca da santidade

Com respeito à questão da ji*tiçv

Quarto. O apóstolo são buscava a salvação por meio da pró­


pria justiça. Embora os sofrimentos fossem grandes e o labor tão in­
tenso e abundaste, ainda assim, ele jamais os teve por imputsção de
justiça. Calcava sos pés todas essas coisas como sendo totalmeste
insuficiente psra recomendá-lo a Deus. Era em tudo diligente a fim
de ser encontrado em Cristo, são tendo merecimentos de justiça
própria, pois vem de Deus, mediaste a fé, como diz so capítulo do
qual nosso texto é extraído, a começar com o quarto versículo:

Bem que eu podería cosfisr também ss eama.


Se qualquer outro pensa que pode cosfisr sa carne, eu
aisda msis: circuscidado ao oitsvo dia, da linhagem de
Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quan­
to à lei, fariseu, quanto so zelo, perseguidor da igreja;
qussto à justiça que há sa lei, irrepreensível. Mas o que,
para mim, era lucro, isto considerei perda por csusa de
Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por
csusa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus,
meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e ss
considero como refugo, para gashar a Cristo e ser achs-
do ssIs, são tendo justiçs própris, que procede de lei,
senão a que é mediaste a fé em Cristo, a justiçs que pro­
cede de Deus, baseads sa fé; para o conhecer, e o poder
da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimen­
tos, conformando-me com ele ss sua morte; para, de
algum modo, alcançar a ressurreição dentre os mortos.
Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a per­
feição; mas prossigo pars conquistar aquilo para o que
também fui conquistado por Cristo Jesus (Fp 3.4-12).

Com respeito à busca de galardão


Quinto. Nos sinceros labores que realizava, Paulo tinha pro­
fundo respeito pels recompensa do galardão prometido. Tudo ele
Buscando o bem de nossa alma (2) 47

fazia na esperança de uma coroa incorruptível (ICo 9.25). Buscava


alto grau de glória, pois sabia que maiores esforços redundariam
em maiores recompensas, pelo que disse aos coríntios: “aquele
que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com
fartura com abundância também ceifará” (2Co 9.6). E: “...o que
planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão,
segundo o seu próprio trabalho” (ICo 3.8). Nas grandes lutas e
nos sofrimentos, o apóstolo tinha em alta conta a coroa de glória
prometida pelo Mestre, como fica evidente em suas palavras a Ti­
móteo, pouco tempo antes de morrer: “Combati o bom combate,
completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me
está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e
não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vin­
da” (2Tm 4.7-8). Todo cristão deveria seguir o exemplo de Paulo
nisto: não contentar-se com a ideia de já ter obtido suficiente graça
para levá-lo ao céu. Deveria sinceramente buscar mais altos graus
de glória. Certamente, mais altos graus de glória são prometidos
como recompensa por obras extraordinárias realizadas para Deus
- por nenhuma outra razão senão que devemos almejá-los.

Pergintas de esttdo

1. Esta é uma seção difícil, pois, se não for lida com cui­
dado, pode dar a impressão de que Edwards cria na
salvação pelas obras. Certamente não era isso que ele
ensinava. Ao contrário, ele cria mais assim [tal como
Tiago]: não somos salvos pelas obras, mas não somos
salvos sem tais obras. Qual a diferença entre as duas
expressões? Como fica claro, neste capítulo, que isto
era, de fato, o que Edwards cria?

2. Edwards insistia que não bastava simplesmente dizer:


“Declarei minha fé em Cristo e sei que vou para o céu.
Não tenho com o que me preocupar”. Segundo sua ob­
servação deste capítulo, como Edwards respondería a
este comentário?
48 A busca da santidade

3. O que Edwsrds quer dizer - sa verdade, do que Paulo


estava fslasdo - qussdo sos ensinou a buscsr “a jus­
tiça que é de Deus pels fé”? Como você acosselharis
alguém a a^oesrsr tal justiçs? O que aareesrís- sa vida
de uma pessoa, a obtenção dessa justiçs? Por que é im­
portante buscsr a justiçs de Deus?

4. Paulo era motivado a buscsr o bem da própris alma,


conesstrssdotss sos galardões psrs ele depositados, so
céu. Desejava uma maior qusstidsde de glória, a msis
brilhaste coros, e, portanto, esforçava-se psrs crescer
so Senhor e reslizsr a obrs que lhe hsvia sido confiada.
Seria essa a motivação correta? O que significa “bus­
car coroas de glória”? Conforme Apocalipse 4.9-10, o
que faremos com tais coroas de glória? O que significa
isso? Acaso a buscs de gslsrdões servirís de incentivo
para a vida cristã?

5. Resuma as qustro maneiras pelas quais Paulo serve de


exemplo pars sós, ss buscs do benefício psrs a slma à
medida que sos psutsmos pels santidade ao Senhor:

a) com respeito à salvação


b) com respeito ao galsrdão da sslvação
c) com respeito so cuidsdo continuado
d) com respeito à questão ds justiçs
e) com respeito à buscs do gslardão

Agora, pense com cuidado sobre csda item sumariado.


Em ums escsls de 1 (mínimo) a 10 (máximo), até que
posto sua vids é caracterizada pelas cisco formas de
buscs de santidade so Seshor? Em que áress você msis
preciss de sjuds psra melhorar?
4

As virtudes de Paulo
para com Deus

Edwards enumera sete virtudes nas quais Paulo se distinguiu


para com Deus. Todo cristão deveria seguir o exemplo da força de
fé de Paulo, de sua abundância em oração e louvor, contentamento
no Senhor e cautela nos relatos sobre si mesmo.

*****

Passo a mencionar algumas das virtudes de Paulo, com res­


peito mais imediato a Deus e a Cristo, nas quais deveriamos se­
guir seu exemplo.

Forte na fé

Primeiro. O apóstolo era forte na fé. Podemos dizer, com


toda certeza da verdade, que Paulo vivia pela fé. Sua fé era equili­
brada, sem a menor aparência de dúvida ou hesitação em palavras
ou ações. Tudo parecia proclamar que mantinha sempre em vista
o próprio Deus e seu Cristo e o mundo invisível. Sobre tal tipo de
fé continuadamente exercitada em sua vida, Paulo professou em
2Coríntios 5.6-8: “Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo
que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que an­
damos por fé e não pelo que vemos. Entretanto, estamos em plena
confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor”.
50 A busca da santidade

Fé nas coisas invisíveis


Paulo falava sempre de Deus e Cristo e das coisas invisíveis
e futuras como alguém que os conhecia com certeza e os via tão
plena e certamente quanto qualquer coisa vista de imediato ante
os nossos olhos físicos. Falava como quem sabia com certeza
que a promessa de vida eterna, dada por Deus, seria realizada
- e colocou isto como razão para lutar com tanto empenho e so­
frer toda espécie de sofrimento, sendo constantemente entregue
à morte por amor de Cristo: “...nós, que vivemos, somos sempre
entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de
Jesus se manifeste em nossa carne mortal” (2Co 4.11).

Fé em face de martírio
Paulo se refere à sincera expectação e esperança do cumpri­
mento das promessas de Deus. Pouco antes da morte, quando pri­
sioneiro, sabendo que certamente sofreria a provação do martírio,
a maior provação da fé, Paulo expressou sua confiança em Cristo
nos mais fortes termos: “...por isso estou sofrendo estas coisas;
todavia, não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e
estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até
aquele Dia” (2Tm 1.12).
Tal exemplo pode nos envergonhar, pois quão fraca e instá­
vel é a fé da maioria dos crentes! Se, vez ou outra, parece haver
exercícios mais vividos de fé, dando à pessoa um momento de
firme persuasão e confiança, são, contudo, exercícios abrevia­
dos, e bem depressa se desvanecem! Mui frequentemente a fé é
abalada pela tentação; tão seguidamente os exercícios de fé são
interrompidos por dúvidas; e quantas vezes, também, exibem es­
pírito hesitante, vacilante! Nossa fé realiza tão pouco em tempos
de aflição; nossa confiança em Deus é tão fácil e frequentemente
abalada e interrompida, prevalecendo à incredulidade! Isso acon­
tece desonrando ao Salvador Jesus Cristo e é também muito do­
loroso para nós. Que participação feliz e gloriosa seria viver uma
vida de fé como a do apóstolo Paulo! Como galgou alturas nas
asas da fé fortalecida, acima das mesmas pequenas dificuldades
que, hoje, continuam a nos perturbar e querem nos vencer! Tendo
As virtudes de Paulo para com Deus 51

exemplo tão abençoado nas Escrituras, deveriamos procurar,


também, com sinceridade, subir mais alto.

Amob a Cristo
Segundo. Outra virtude que deveriamos imitsr do exemplo
de Paulo é o seu grande amor por Cristo. Os corístios se surpreen­
deram observando os atos do apóstolo, a maneira como batalhava
e sofria sem nenhuma motivação mundana. Indagavam sobre o
que influenciava e operava de modo tão maravilhoso nesse ho­
mem. O apóstolo disse, de si mesmo, que estava sendo exposto
como espetáculo psra o mundo. Este ers o princípio imediato que
o motivava: um forte e intenso amor dedicado so glorioso Senhor
e Mestre.

O amor de Cristo constrange


Esse é o tipo de amor que o constrangia, de msseira que sada
mais podia fazer, senão lutar e trabalhar em favor da salvação. Tal
é o relato que Paulo faz sobre o próprio sentimento: “...o amor de
Cristo sos constrange, julgando sós isto: um morreu por todos;
logo, todos morreram” (2Co 5.14). Tinha tal deleite so Senhor
Jesus Cristo, em seu conhecimento e contemplação, que disse:
“considero tudo como perda, por causa da sublimidade do co­
nhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por smor do qual perdi
todas as coisas e as considero como refugo, para gsnhsr a Cristo”
(Fp 3.8). Paulo falou em termos bem positivos. Não disse mera-
meste que esperava amar a Cristo, desprezando as outras coisas
em comparação com o conhecimento do Senhor, mas sim que:
“considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhe­
cimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. Por ests razão ele se glo­
riava, sté mesmo, sos sofrimentos por amor de Cristo, porque o
amor de Deus foi derramado em seu coração pelo Espírito Sssto
(Rm 5.5). Esta expressão parece indicar que ele realmeste tenha
sentido aquele afeto sssto, doce e aoderosamanta difundido em
sua alma, como unguesto precioso e perfumado.
52 A busca da santidade

O amor de Cristo no sofrimento


Como é que Paulo triunfa em seu amor a Cristo no meio dos
sofrimentos? “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribu-
lação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo,
ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à
morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o ma­
tadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedo­
res, por meio daquele que nos amou” (Rm 8.35-37).
Isso não pode nos envergonhar nossos corações frios, mor­
tos, isto é, que, tendo ouvido tanto sobre Cristo, suas gloriosas
excelências e maravilhoso amor, haja tão pouca emoção e que os
corações sejam como terra congelada pelas afeições do mundo?
E pode ser que, de vez em quando, sejamos persuadidos, com
dificuldade, a fazer um pouco mais ou exercitar coisa pouca, pelo
avanço do reino de Cristo, para, então, gabarmo-nos disso como
se o tivéssemos feito com toda nobreza. Os nobres exemplos à
nossa frente são suficientes para nos fazer enrubescer, compara­
dos às nossas realizações no amor de Cristo, e para nos despertar
do sono para, com sinceridade, seguir aqueles que foram tão
longe, adiante de nós.

Não me envergonho do evangelho

Terceiro. O apóstolo Paulo vivia em uma época em que o


cristianismo era profundamente desprezado; ele, contudo, não
se envergonhava do evangelho de Cristo. Em todas as partes, os
cristãos eram desprezados pelos grandes homens deste mundo.
Quase todos quantos tinham alguma importância no mundo - ho­
mens de posição honrada, conhecedores, ricos - desprezavam o
cristianismo, considerando ser rude e desprezível seguir um ho­
mem pobre, um crucificado. Ser cristão era considerado desastro­
so para a reputação de uma pessoa. Os cristãos eram vistos como
tolos, desprezíveis e motivo de zombaria. Eram os mais rudes
entre os homens, escória do mundo. Havia grande tentação de se
envergonhar do evangelho.
As virtudes de Paulo para com Deus 53

Paulo grandemente tentado a se envergonhar


O apóstolo Paulo estava envolvido, da maneirs msis ssps-
cial, em circunstâncias que o expunham à tentação, pois, antes de
se tomar cristão, gozava de grande reputação entre seus patrícios.
Ers estimado como jovem de proficiência singular so conheci­
mento, possuidor de grssdes destaques entre os fariseus, homens
de primeirs classe entre os judeus. Em épocas em que a religião é
desprezada, os grandes homens são mais propensos a se envergo­
nhar do evangelho. Parece que muitos dos poderosos pensam que
a aparência de religiosidade diminuirá o valor pessoal. Não sabem
viver com espírito de smor e devoção ao Deus supremo e firme
obediência a seus mandamentos. O apóstolo Paulo, contudo, são
se envergonhava do evangelho em qualquer situsção que fosse,
disste da pessoa que fosse. Não se envergonhava do evangelho
diante dos próprios conterrâneos judeus, sem diante de seus go­
vernastes, escribss e homens poderosos, mss professava a fé com
oussdis, cosfrostssdo as suas oposições. Quando, em Atenas, o
arineiasl lugar de educação e cultura do mundo da época, ainda
que os doutos e filósofos desprezassem sua doutrina e o chamas­
sem de tagarels por csuss da pregação do evangelho, aisds assim,
ele são se envergonhou - argumentou com ousadia, confundindo
os filósofos e convencendo slguss deles. Quando chegou a Roma,
metrópole e senhora do mundo conhecido, onde residiam o impe­
rador, os senadores e principais governantes do mundo romaso,
ele são teve vergonhs do evangelho. Disse aos romanos: “quanto
está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós
outros, em Roma. Pois são me envergonho do evangelho, por­
que é o poder de Deus psrs a salvação de todo aquele que crê,
primeiro do judeu e tsmbém do grego” (Rm 1.15-16).

Não se envergonhava diante de grande desprezo


O apóstolo era desprezado e sofria o desdém por causa da
pregação de um Jesus crucificado: “quando caluniados, procu­
ramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados
lixo do mundo, escória de todos” (ICo 4.13). No versículo dez,
ele diz: “Nós somos loucos por causa de Cristo”. Os cristãos eram
54 A busca da santidade

considerados loucos, e assim chamados frontalmente. No entanto,


o apóstolo não se envergonhava do Jesus erueifieado; gloriava-se
nele, acima de tudo: “...longe esteja de mim gloriar-me, senão na
cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está cruci­
ficado para mim, e eu, para o mundo” (G1 6.14).
Temos aqui um exemplo a ser seguido se, em qualquer
ocasião, estivermos entre os que desprezam a religião, que, cer­
tamente, nos desprezarão alegando presunção religiosa, debo­
chando de nossas reivindicações e considerando-nos loucos. Que
não nos envergonhemos da fé e não cedamos a concessões pe­
caminosas diante de pessoas frívolas e irresponsáveis, só para
não parecermos especialmente ridículos. Tal maldade de espírito
domina muitos homens, os quais não são dignos de serem chama­
dos cristãos e dos quais Cristo se envergonhará, quando vier com
seus anjos, na glória do Pai.

Desprezo pelo mundo

Quarto. Outra virtude em que devemos imitar o exemplo do


apóstolo Paulo é em relação ao seu desprezo das coisas do mundo
e sua mente voltada para as coisas do céu.

Condenando os prazeres do mundo


Paulo condenava os vãos deleites do mundo. Desprezava
suas riquezas: “De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes”
(At 20.33). Desprezava seus prazeres: “...esmurro o meu corpo e
o reduzo à escravidão” (ICo 9.27). O contentamento do apóstolo
estava antes nos sofrimentos do corpo do que na gratificação de
apetites carnais: “...sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cris­
to. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Co 12.10).
Ele desprezava as honrarias do mundo: “...jamais andamos bus­
cando glória de homens, nem de vós, nem de outros” (lTs 2.6).
Declarou que o mundo estava eruelfleado para ele, e ele para o
mundo.
As virtudes de Paulo para com Deus 55

Buscando as coisas invisíveis


Não eram as coisas terrenas e carnais que o apóstolo busca­
va, mas, sim, as coisas de cima, as coisas que eram invisíveis aos
olhos dos homens: “não atentando nós nas coisas que se veem,
mss nss que se não veem; porque as que se veem são temporais,
e as que se não veem são eternas” (2Co 4.18). Ele ansisvs pelo
céu: “...na verdade, os que estamos neste tabemáculo gememos
angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos,
psrs que o mortsl seja absorvido pels vida” (2Co 5.4). Dizia ele
que a ninguém conhecia segundo a carne; não olhsvs os homens
ou as coisas do mundo, nem as vis em relação ao mundo, como
representantes da vids presente, mas considerava todos os ho­
mens e todas as coisas em relsção à natureza espiritual de outro
mundo.
Nisto, o apóstolo agiu conforme fica bem ao crente, pois os
cristãos verdadeiros são membros de um povo que não pertence a
este mundo. Assim, será coiss bastaste desprezível encher a men­
te com tsis vslores. O exemplo de Psulo poderá envergonhar a
qusntos se ocupem arlselaalmante das coisas deste mundo, como
posses ou honrarias, e, sinda assim, pretesdsm ser considerados
discípulos como Paulo, participantes das mesmas lutas e co-her-
deiros da mesma herança eterna. Isto deveria sos induzir à maior
indiferença psra com as coisas do mundo e a uma mente msis
voltsda para o céu.

Abundante em obação e louvor

Quinto. Devemos tsmbém seguir o exemplo do apóstolo na


abundância de oração e de louvor. Ele estava profunds e sincers-
manta envolvido em tsis deveres e eontinuadsmsnta os aratieavs-
como observamos em muitss passagens. Romanos 1.8-9: “...dou
graças a meu Deus, mediaste Jesus Cristo, so tocante a todos
vós, porque, em todo o mundo, é proclamada a vossa fé. Porque
Deus, a quem sirvo em meu espírito, so evangelho de seu Filho,
é minhs testemunha de como incetsantementa fsço menção de
56 A busca da santidade

vós”. Efésios 1.15-16: “Por isso, também eu, tendo ouvido a fé


que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os
santos, não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós
nas minhas orações”. Colossenses 1.3: “Damos sempre graças a
Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós”.
ITessalonicenses 1.2-3: “Damos sempre graças a Deus, Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, desde que
ouvimos da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para
com todos os santos”; e “...que ações de graças podemos tributar
a Deus no tocante a vós outros, por toda a alegria com que nos
regozijamos por vossa causa, diante do nosso Deus, orando noite
e dia, com máximo empenho, para vos ver pessoalmente e reparar
as deficiências da vossa fé” (lTs 3.9-10). 2Timóteo 1.3: “Dou
graças a Deus, a quem, desde os meus antepassados, sirvo com
consciência pura, porque, sem cessar, me lembro de ti nas minhas
orações, noite e dia”.

Contentamento no Senhor
Sexto. Devemos seguir o exemplo de Paulo em sua atitu­
de de contentamento em relação aos desígnios da divina provi­
dência. Ele esteve sujeito a uma diversidade de acontecimentos,
passando por grandes mudanças, continuadamente sob circuns­
tâncias de extremo sofrimento, de um ou outro tipo, e, às vezes,
muitas dores ao mesmo tempo. Contudo, Paulo havia atingido
tamanho grau de submissão à vontade de Deus que se mostrava
contente em todas as situações e em todas as condições em que se
encontrava: “Digo isto, não por causa da pobreza, porque apren­
dí a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar
humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as cir­
cunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome;
assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que
me fortalece” (Fp 4.11-13).
A que benditos sentimentos e disposição mental o apóstolo
Paulo chegou! E como é feliz aquele de quem, hoje, pudermos
As virtudes de Paulo para com Deus 57

dizer o mesmo! Era como se nenhum mal o atingisse, sads o


perturbasse, pois seu descanso estava em todas as coisas ordena­
das por Deus.

Cuidado ao relatar sobre si mesmo

Sétimo. Devemos seguir o apóstolo na grande cautela que


exibia ao relatar as próprias experiências, a fim de são apresen­
tar msis de si do que squilo que os homens nele viam ou dele
ouviam. Em 2Corístios 12, Psulo costs sobre como foi favore­
cido com visões e revelações, tendo subido ao terceiro céu. No
versículo seis, sugerindo que poderia relatar ainda mais, parou
o relato e deixou de dizer mais coisas sobre a experiência. A rs-
zão foi que queria evitar que, falando sobre si mesmo, houvesse
ocssião de desapontamento psrs qualquer pessoa que esperasse
do relato das experiências msis do que ssIs viam ou ouviam.
Em suas palavras: “...se eu vier a gloriar-me, não serei séscio,
porque direi a verdade; mas abstemlio-me para que ninguém se
preocupe comigo msis do que em mim vê ou de mim ouve”
(2Co 12.6).
Alguém pode indagar que razão teris um homem tão enalte­
cido qusnto o apóstolo para ser tão cauteloso a esse respeito. Por
que evitaria declarar as coisas extraordinárias que testemunhara,
já que sua vida era condizente com suas pslavras, tão eminente-
meste coerente com a experiência? Entretanto, o apóstolo evitava
o relato total de suas experiências. Sabis da necessidade de cau­
tela quanto a tais questões. Se o testemunho das extraordinárias
revelações, sss suas conversações, despertasse uma expectação
de coisas por demsis grandiosas, que sua vida não pudesse refle­
tir, muito dos observadores seriam feridos em sua fé. Os inimigos
estarism prontos a dizer: “Quem é esse? O homem que relata de
modo tão extraordinário suas visões e revelações e os sisais do
fsvor de Deus são consegue viver de conformidade com o que
fala!” Se um homem tal como o apóstolo, de vida tão elevada,
teve o cuidado de conter sua própria exposição, certameste sós,
58 A busca da santidade

que falhamos muito mais do que ele quanto ao nosso exemplo,


em cuja conversação o inimigo poderá encontrar muito maior
fracasso, teremos de ter ainda mais cuidado, para que o inimigo
não encontre motivo em nós para acusar o evangelho.
Isso nos ensina que temos de nos refrear de qualquer
jaetância, não nos apresentando como melhores do que nossas
obras e conversações representam. Os homens comparam a fala
e o procedimento. Se não encontram correspondência entre elas,
maior será a desonra para Deus do que a honra que pretendemos.
Portanto, nós, os cristãos, temos de ser cautelosos a esse respeito,
seguindo o grande exemplo do apóstolo Paulo.

Perguntas de estudo

1. Procure resumir em poucas palavras as sete virtudes


do apóstolo Paulo em relação a Deus identificadas por
Edwards, neste capítulo:

a) força da fé
b) amor por Cristo
c) não se envergonhar do evangelho
d) desprezo pelas coisas do mundo
e) abundância de oração e de louvor
0 contentamento no Senhor
g) cuidado ao falar sobre si mesmo

2. Observe os resumos das virtudes acima e, usando uma


escala de 1 (mínimo) a 10, (máximo), avalie o estado
das virtudes em sua vida. Onde há necessidade de me­
lhorar para se assemelhar mais ao apóstolo Paulo?

3. Pense nos cristãos que você conhece - as pessoas com


quem gasta tempo, na igreja e nas diversas atividades
cristãs. Você acha que elas pensam demais sobre as
virtudes de Paulo em relação a Deus? Justifique sua
resposta.
As virtudes de Paulo para com Deus 59

4. Qusl é nossa responsabilidade mútua, isto é, so corpo


de Cristo, so desenvolvimento dessas virtudes? Como
podemos sos tomsr mais fiéis nisso?

5. Recapitule os alvos que foram estabelecidos para este


estudo, so final do capítulo 1. Você está progredindo sa
sus obtenção?
5

As VIRTUDES DE PAULO
PARA COM OS HOMENS

Tendo tratado das virtudes demonstradas por Paulo em rela­


ção a Deus, agora Edwards examina aquelas que ele demonstrava
especialmente em relação a seus companheiros humanos. Edwards
aponta outras virtudes demonstradas por Paulo, tais como mansi­
dão, pacificação, compaixão, alegria com o próximo, amor de ami­
zade, e cortesia como exemplos para os crentes nos dias de hoje.
*****
Passo, agora, a mencionar algumas das virtudes do apóstolo,
cujo exemplo devemos imitar, as quais dizem respeito mais ime­
diato aos homens.

Mansidão
Primeiro. Sua mansidão qusndo sofria abusos e seu smor
psra com os inimigos. Multidões odisvam o apóstolo, mss ele
a ninguém parecia odiar. Encontrou inimigos ss maior parte do
mundo por que passou, mas ele mesmo era amigo de todos, traba­
lhando e orando tiseeramente pelo bem de todos. Quando repre­
endido, ou sendo motivo de zombsria e de maus tratos, sisds as­
sim os tratsvs com msnsidão e gentileza de espírito, desejando o
bem aos seus perseguidores: “...sos sfadigsmos, trabalhando com
as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos;
62 A busca da santidade

quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procura­


mos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados
lixo do mundo, escória de todos. Não vos escrevo estas coisas
para vos envergonhar; pelo contrário, para vos admoestar como a
filhos meus amados” (ICo 4.12-14).
No período de seus maiores sofrimentos, quando subiu para
Jerusalém e houve tamanha celeuma a seu respeito, estando o
povo enfurecido contra ele, sedento de sangue, Paulo não demons­
trou ira ou má vontade para com seus perseguidores. Quando foi
encarcerado sob acusação maliciosa e posto na presença de seus
inimigos sedentos de sangue, ouvindo o rei Agripa dizer: “Por
pouco me persuades a me fazer cristão” (At 26.28), Paulo respon­
deu: “Assim Deus permitisse que, por pouco ou por muito, não
apenas tu, ó rei, porém todos os que hoje me ouvem se tomassem
tal qual eu sou, exceto estas cadeias” (v. 29). O apóstolo desejava
que todos os seus acusadores, que tinham jurado não comer nem
beber até que o matassem, tivessem o privilégio e grande favor
dos céus, de serem como ele mesmo, exceto nas suas cadeias e
os sofrimentos dela decorrentes. Ele não queria que sofressem
as mesmas aflições, ainda que fossem fruto da própria crueldade
com que o tratavam.
Quando, dando ouvidos a falsos mestres que odiavam e
repreendiam o apóstolo, alguns dos coríntios que ele havia ins­
truído e convertido do paganismo causaram-lhe maus tratos sem
levar em conta os abusos sofridos, Paulo escreveu, em 2Coríntios
12.15: “Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar
em prol das vossas almas. Se mais vos amo, serei menos amado?”
Ainda que não demonstrassem gratidão por seu amor, mas má
vontade e sofrimentos, mesmo assim ele estava pronto a se gastar
e ser desgastado por amor deles.
Embora tão odiado e tendo sofrido tantos abusos da parte
dos judeus descrentes, como foi que o apóstolo expressou amor?
“Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus
a favor deles são para que sejam salvos” (Rm 10.1). Paulo conti­
nuava sofrendo por amor a eles, com o coração pesado e contínua
tristeza, compadecido diante das calamidades que eles mesmos
As virtudes de Paulo para com os homens 63

sofriam. Declarou solenemente que tinha tamanho anseio pela


salvação deles que desejaria ser anátema e ser oferecido em sa­
crifício, se tal fosse meio para salvá-los (Rm 9.1-3). Devemos
entender suas palavras como uma disposição para sofrer uma
maldição temporária - Paulo estaria pronto a sofrer morte maldi­
ta, tomando-se anátema por um tempo, tal como Cristo, caso este
fosse um meio de salvação deles.
Que triste reprovação para aqueles que, sofrendo abuso e
injúria, cedem a um espírito de ódio contra o próximo - um senti­
mento que sempre abriga desconfiança - e buscam oportunidades
para vingança, entristecendo-se com a prosperidade e alegrando-
se com a frustração de seus desafetos!

Pacífico
Segundo. Paulo encontrava deleite na paz. Entristecia-se
com a ocorrência de contendas entre cristãos, tal como quando
ouviu falar das dissensões na igreja de Corinto. Também escre­
veu aos filipenses regozijando-se por vê-los vivendo em amor
e paz, e, sinceramente, implorou: “Se há, pois, alguma exorta­
ção em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão
do Espírito, se há entranhados afetos e misericórdias, completai
a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o
mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento”
(Fp 2.1-2).
O apóstolo se aplicava às coisas que resultariam em paz.
Para isso, dava sempre preferência aos outros, e, no que fosse
possível e legítimo, muitas vezes, condescendia com as fraquezas
e humores de outros, em favor da paz. Paulo declarou que, embo­
ra estivesse livre de todos os homens, ainda assim, fazia-se servo
de todos, por amor da paz. Procedia, para com os judeus, como
judeu, para com os que viviam sob a lei, como se estivesse sob a
lei, e, para com os fracos, como se ele mesmo fosse fraco. Esco­
lheu agradar a outros, em vez de agradar a si mesmo, por amor à
paz e para o benefício de suas almas. “Eu procuro, em tudo, ser
64 A busca da santidade

agradável a todos, não buscando o meu próprio interesse, mas o


de muitos, psra que sejam salvos” (ICo 10.33).

Compaixão
Terceiro. Psulo tinha um espírito compassivo e temo para
com qualquer que sofresse aflições. Demonstrou esse espírito es-
aseialments no caso do corístio incestuoso. Grave era o crime e
grande a culpa dos membros da igreja, permitindo a continuação
de tsmsshs iniquidade. O apóstolo se viu obrigado a escrever-
lhes severss palavras de reprovação. Mais tarde, alegrou-se ao
ssber que a repreensão tinhs sido bem acolhida, que os cristãos
de Coristo haviam se arrependido. Mas não deixou de se entris­
tecer, sabendo que tisham o corsção cheio de tristeza, inclinando
a eles o próprio coração, quase que arrependido de ter escrito
com tssta rigidez. Preocupava-o que a primeira carta tivesse sido
causa de demasiada tristeza para os leitores: “...ainda que vos
tenha contristsdo com a carta, não me srreaasdo; embors já me
teshs arrependido (vejo que aquels carta vos costristou por breve
tempo)” (2Co 7.8). Teve compaixão tsmbém do incestuoso, pois,
sisds que fosse culpado de tão vil pecado, Paulo desejava que
ele fosse, agora, consolado. Sempre que um irmão sofresse ou
que estivesse ferido, era como se o próprio apóstolo sofresse ou
fosse ferido: “Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça?
Quem se escandaliza, que eu não me inflame?” (2Co 11.29).

Regozijo com o próximo

Quarto. Paulo se regozijava com a alegria e a prosperidade


de outras pessoss. Qusndo vis uma pessoa de alma consolada, o
apóstolo participava do mesmo sentimento; sua alma era igual-
meste consolada. Qusndo via um cristão com o espírito alentado,
seu próprio espírito era elevado: “...Deus, que conforta os aba­
tidos, sos consolou com a chegada de Tito; e são somente com
As virtudes de Paulo para com os homens 65

a sua chegada, mas também pelo conforto que recebeu de vós,


referindo-nos a vossa saudade, o vosso pranto, o vosso zelo por
mim, aumentando, assim, meu regozijo (2Co 7.6-7). E também:
“Foi por isso que nos sentimos confortados. E, acima desta nos­
sa consolação, muito mais nos alegramos pelo contentamento de
Tito, cujo espírito foi recreado por todos vós” (2Co 7.13).

Amor de comunhão

Quinto. Paulo alegrava-se na comunhão do povo de Deus. An­


siava por vê-los, quando estavam ausentes: “...minha testemunha
é Deus, da saudade que tenho de todos vós, na tema misericórdia
de Cristo Jesus” (Fp 1.8). Também: “...meus irmãos, amados e
mui saudosos, minha alegria e coroa, sim, amados, permanecei,
deste modo, firmes no Senhor” (Fp 4.1); e Romanos 1.11-12: “...
muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom es­
piritual, para que sejais confirmados, isto é, para que, em vossa
companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da
fé mútua, vossa e minha”.

Cortesia
Sexto. Paulo tinha um comportamento cortês para com o
próximo. Homem de grande projeção, honrado por Deus, Paulo
era cheio de bondade para com todos os homens, concedendo a
cada um o respeito devido. Quando chamado perante magistra­
dos judeus ou pagãos, tratou-os com a honra e o respeito ade­
quados às suas posições. Quando os judeus lhe sobrevieram, no
templo, ainda que tenham se comportado mais como diabos do
que como homens, mesmo assim, ele os tratou com termos res­
peitosos - “Irmãos e pais, ouvi, agora, a minha defesa perante
vós” (At 22.1). Chamou-os de “irmãos” e saudou os anciãos e
escribas com o título de pais, ainda que fossem uma súcia de
infiéis. Quando apresentou sua causa perante Festo, governador
66 A busca da santidade

pagão, concadautlha o título devido à posição, chamando-o “ex­


celentíssimo Festo”.
A cortesia de Paulo é evidente também nas saudações pre-
ambulares das epístolas. Teve o cuidado de mencionar o nome
de diversas pessoas, dirigindo individualmente as saudações. Tal
cortesia em uma pessoa com tanta projeção quanto o apóstolo
Paulo é uma reprovação para todos que, professando serem cris­
tãos e ocupando menores posições, não são corteses e respeitosos
no tratamento com o próximo, espaeislmanta em relação aos su­
periores. Aqui, cabe uma reprovação para a iscivilidsda e a ne­
gligência damaslsdsmante comum entre crentes que não cuidam
de educar os filhos e a si mesmos na polidez e boas maneiras, no
comportamento respeitoso e cortês para com os outros.

Perguntas de estudo

1. Consideremos as virtudes que Paulo demonstrava para


com o próximo, em comparação com o que vemos,
hoje, na igreja. Ns lista abaixo, quais virtudes parecem
presentes e quais as que parecem faltar, espacialmente
em sua igreja?

a) mansidão
b) pacificação
c) compaixão
d) regozijo com o próximo
e) smor de comunhão
f) cortesis

2. Como sua igreja pretende isculcsr tais virtudes? Por


exemplo: São discutidas em grupos de estudo? Há al­
guma responsabilização entre os membros com vista a
implementar o uso dessas virtudes? Como é que você
se esforça psra melhorar seu desempenho no uso des­
sas virtudes?
As virtudes de Paulo para com os homens 67

3. E quanto à sua comunidade? Quais dessas virtudes pa-


rscsm faltar mais na comunidade em que está localiza­
da a sua igreja? As igrejas têm alguma responsabilida­
de nisso? Explique.

4. Sugira algumas maneiras pelas quais os crentes (por


exemplo, os membros de um grupo de estudo bíblico
ou uma classe de escola dominical) poderão ajudar uns
aos outros a melhorar a prática dessas virtudes.

5. Como a melhora no desempenho dessas virtudes em


sua igreja poderá afetar o testemunho cristão ss comu­
nidade como um todo?
6

As virtudes de Paulo
para com Deus e para com os homens

A seção mais longa deste sermão empreende um exame das vir­


tudes particulares, características do apóstolo Paulo que honravam
a Deus e redundavam no bem estar das pessoas, visando ao avanço
do reino de Cristo e à edificação de sua igreja. Edwards menciona
o espírito público de Paulo, sua diligência na feitura do bem, sua
grande habilidade na luta pela causa do evangelho, sua disposição
de abrir mão até mesmo de coisas legítimas e sua prontidão para o
sofrimento.
*****

Passo, agora, a mencionar as virtudes do apóstolo com respeito


a Deus e aos homens, em que devemos imitar o seu exemplo.

Espírito público

Primeiro. Paulo era um homem de espírito público, preocu­


pado com a prosperidade do reino de Cristo e o benefício de sua
igreja. Muitos homens mostram-se totalmente engajados na bus­
ca dos próprios interesses seculares: muitos se aplicam à busca de
prazeres carnais, muitos se dedicam, ansiosos, à busca de honra­
rias e muitos vivem à procura de lucros pessoais. Provavelmente,
porém, jamais tenhamos encontrado alguém tão interessado em
melhorar a própria situação, ou absorto em prazeres, ou avarentos
70 A busca da santidade

de honrarias mais do que Paulo estava interessado em ver flores­


cer o reino de Cristo e em promover o bem da alma dos homens.
As coisas que entristecem os homens são males exteriores:
perda de bens, desprezo ou sofrimento físico. Estas não eram as
coisas que entristeciam o apóstolo, que não as tinha em grande
conta. O que o entristecia eram as coisas que feriam os interesses
da fé, e, quanto a estas, Paulo derramou muitas lágrimas. Mui­
to o entristeceram as corrupções que haviam penetrado na igreja
de Corinto, que o moveram a escrever a primeira epístola: “...no
meio de muitos sofrimentos e angústias de coração, vos escrevi,
com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos, mas
para que conhecésseis o amor que vos consagro em grande medi­
da (2Co 2.4). As coisas que deixam outros homens cobiçosos são
as vantagens e os prazeres do mundo, que, quando ameaçadas,
excitam-lhes o ciúme, pois tais coisas são-lhes extremamente
preciosas. Contudo, o ciúme do apóstolo era provocado por aqui­
lo que ameaçava os interesses da fé e o bem da igreja: “...zelo
por vós com zelo de Deus; visto que vos tenho preparado para
vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo.
Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua
astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte
da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2Co 11.2-3).
Outros homens se alegram em ajuntar tesouros terrenos, re­
ceber honrarias, gozar prazeres e deleites externos. Para o após­
tolo, tais coisas não despertavam alegria. Alegrava-se quando via
ou ouvia algo que promovia a fé e fazia prosperar a igreja, como
disse em ITessalonicenses 1.3: “recordando-nos, diante do nosso
Deus e Pai, da operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso
amor e da firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus
Cristo” e em 2.20: “Sim, vós sois realmente a nossa glória e a
nossa alegria!” Paulo mais se alegrava com essas coisas, por mais
alto que fosse o custo, por mais que perdesse em termos de van­
tagens temporais, contanto que fosse promovido o bem estar da
fé e das almas: “preservando a palavra da vida, para que, no Dia
de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei
inutilmente. Entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação
As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 71

sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos


vós, me congratulo” (Fp 2.16-17). Ele se alegrava com a psiss-
vsrsnçs dos santos: “Pois, embora ausente quanto ao corpo, con­
tudo, em espírito, estou convosco, alegrando-me e verificando a
vossa boa ordem e a firmeza da vossa fé em Cristo” (Cl 2.5).
Paulo também se alegrava com a conversão de pecadores e tudo
quanto dissesse respeito a esta graça. Regozijava-se com o bem
que fosse feito, ainda que por outras pessoas ou mesmo quando,
seidantslmante- feito por seus inimigos:

Alguns, afetlvameste- proclamam a Cristo por in­


veja e porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade;
estes, por amor, sabendo que estou incumbido da defe­
sa do evangelho; aqueles, contudo, pregam a Cristo por
discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação
às minhas cadeias. Todavia, que importa? Uma vez que
Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por
pretexto, quer por verdade, também com isto me rego­
zijo, sim, sempre me regozijarei (Fp 1.15-18).

Ouvir qualquer coisa dessa natureza soava-lhe como boas


novas: “Agora... com o regresso de Timóteo, vindo do vosso
meio, trazendo-nos boas notícias da vossa fé e do vosso amor,
e, ainda, de que sempre guardais grata lembrança de nós, dese­
jando muito ver-nos, como, aliás, também nós a vós outros, sim,
irmãos, por isso, fomos consolados acerca de vós, pela vossa fé,
apesar de todas as nossas privações e tribulação” (lTs 3.6-7).
Com tais notícias, o coração de Paulo se alargava em louvores a
Deus: “Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, quando oramos por vós, desde que ouvimos da vossa fé
em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos”
(Cl 1.3-4). Não louvava a Deus apenas quando recebia boas notí­
cias, mas, também, ao relembrá-las, era tomando de felicidade e
de pronto louvor: “Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo
de vós, fazendo sempre, com alegria, súplicas por todos vós, em
todas as minhas orações, pela vossa cooperação no evangelho,
desde o primeiro dia até agora” (Fp 1.3-4).
72 A busca da santidade

Comparemo-nos ao seu exemplo e consideremos quão dis­


tantes estamos de possuir igual ânimo. Reflitamos sobre nós
mesmos, cujos corações deixam levar-se principalmente por pre­
ocupações temporais e particulares, sem nenhuma preocupação
com os interesses da fé e da igreja de Cristo, desde que alcance­
mos nossos próprios objetivos. Entristecemo-nos intensamente,
quando vemos nossa prosperidade secular ameaçada; contem­
plamos a religião regada, efetivamente, com seu sangue, sem
muita tristeza de coração. Pode ser, até mesmo, que digamos: “É
lamentável que haja tanto declínio e que o pecado de tal forma
prevaleça”. Mas quando olhamos para dentro de nosso coração,
vemo-lo frio e descuidado. Nossas palavras são meras palavras,
expressas principalmente por acharmos proveitoso à nossa ima­
gem lamentar o declínio da fé. De fato, estamos dez vezes mais
preocupados com outras coisas: interesses pessoais ou afazeres
seculares da cidade. Se qualquer coisa parece ameaçar que nos
decepcionemos com tais coisas, tomamo-nos de aflição e alar­
me, mas permanecemos tranquilos quando nuvens negras sur­
gem sobre a causa e o reino de Cristo e sobre a salvação daqueles
que nos cercam! Como é rápido e forte o zelo contra aqueles
que, assim achamos, opõem-se a nossos interesses temporais.
Como é comparativamente lerdo nosso zelo em termos das coi­
sas perniciosas aos interesses da fé! Se nosso próprio crédito for
tocado, quão célere despertamos! Mas ver o crédito da religião
ferido, sangrando e morrendo não nos causa maior preocupação.
A maioria dos homens tem espírito individualista, estreito e raso.
Não possui o ânimo do apóstolo Paulo, nem do salmista, que
preferia o bem de Jerusalém acima de qualquer grande alegria
(SI 137.6).

Diligência em fazer o bem

Segundo. Devemos seguir o apóstolo em sua diligência e


esforço para fazer o bem. Vemos multidões operosas em inces­
santes esforços após o mundo, mas não mais do que a aplicação
As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 73

do apóstolo nas lutas para promover o reino de seu amado Mestre


e o bem de seus pares. Intensa sua faina e incansável seu labor,
sob imensas dificuldades e forte oposição. Paulo batalhou mais
que qualquer outro dos apóstolos: “...pela graça de Deus, sou o
que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tomou vã;
antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu,
mas a graça de Deus comigo” (ICo 15.10).
Que decidido empenho na pregação, viajando de um lugar
para outro, correndo grande parte do mundo, terra e mar - prova­
velmente, grande parte a pé, quando em terra firme, instruindo e
convertendo os pagãos. Debatia com controversos, ímpios e he-
reges, opondo-se frontslmsnte aos inimigos da igreja de Cristo,
não lutando contra carne e sangue, mas sim contra principados
e aotestadss- contra os dominadores das trevas deste mundo nos
lugares celestiais. Agia como bom soldado, revestido de Cristo e
com toda a armadura de Deus, lutando para estabelecer, confirmar
e educar os santos; para reivindicar os desviados e consolar os
desolados; para fortalsesr os tentados; para corrigir as desordens
que ocorriam nas igrejas; para exercer disciplina eclesiástica so­
bre os ofensores e admoestar os santos da aliança da graça; para
expor e aplicar as Escrituras; para ordenar e orientar homens para
o ministério. Paulo ajudou aqueles que eram assim ordenados ao
ministério; escreveu epístolas e enviou mensagens a uma e outra
parte da igreja de Cristo! Pesava-lhe o cuidado das igrejas: “Além
das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a pre­
ocupação com todas as igrejas” (2Co 11.28). Tais coisas faziam
com que Paulo fosse continuada e sincsrsmsnte operoso. Dia e
noite, às vezes, quase a noite toda, ele pregava e admoestava,
conforme temos em Atos 20.7, 11: “No primeiro dia da semana,
estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia
seguir viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o dis­
curso até à meia-noite... Subindo de novo, partiu o pão, e comeu,
e ainda lhes falou lsrgsmsnts até ao romper da alva. E, assim,
partiu”. Tudo isso ele fez livremente, sem visar qualquer lucro
temporal. Disse aos coríntios que, com alegria, gattartsetia e se
deixaria gastar em prol de suas almas.
74 A busca da santidade

Além de trabalhar no evangelho, o apóstolo afadigava-se


na obra do artesanato, a fim de gerar o próprio sustento para
não ser pesado a outros e impedir o evangelho de Cristo: “...vos
recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como, noite e
dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos
proclamamos o evangelho de Deus” (lTs 2.9). Prosseguiu nesse
trabalho enquanto viveu. Não se cansou de fazer o bem, ainda
que encontrasse oposição continuada e muitas dificuldades, sem
jamais desanimar. Paulo seguiu em frente no curso de toda a luta
dura e constante, até o final da vida, conforme disse, pouco antes
de morrer: “Ouanto a mim, estou sendo já oferecido por libação,
e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate,
completei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.6-7).
Os efeitos e frutos do labor do apóstolo testemunham a seu
favor. O mundo foi abençoado pelo bem que realizou - não ape­
nas uma nação, mas multidões de nações receberam seu benefí­
cio. Os efeitos de seu trabalho foram tão evidentes que, antes dos
primeiros vinte anos de ministério, já os pagãos diziam que ele ti­
nha virado o mundo de cabeça para baixo (At 17.6). Este homem
foi um instrumento chave na grande obra do Senhor, no chamado
dos gentios e na conversão do mundo romano. Parece-nos que
o apóstolo Paulo sobrepujou qualquer outro ser meramente hu­
mano, antes e depois, do começo do mundo até os dias atuais.
Depois da conversão, Paulo não viveu mais que uns trinta anos,
e, nesses trinta anos, fez mais que os homens comuns conseguem
fazer em toda uma era.
Seu exemplo bem pode nos fazer refletir sobre nós mesmos,
considerando quão pouco nós realizamos para Cristo e em favor
do próximo. Professamos ser cristãos, tal como Paulo, e Cristo
é digno de que lhe sirvamos como Paulo serviu. Todavia, são
tão poucos e fracos os nossos esforços para com Deus e Cristo e
para com nossos irmãos! Embora muitos de nós nos ocupemos
muito, nosso labor e nossa força são gastos... com o que é mes­
mo que gastamos nosso tempo? Pensemos um pouco sobre nossa
maneira de aplicar o tempo. Lutamos para prover para nós mes­
mos e nossas famílias, para nos mantermos bem e fazer com que
As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 75

nossa situação seja boa diante dos homens. Mas será que foi para
isso que viemos ao mundo? Aquele que nos criou e nos deu capa­
cidade mental e força física, dando-nos tempo e talentos- no-los
deu prineiaalmsnte para serem gastos assim ou para servir-lhe?
Muitos anos pesam sobre alguns de nós: para o que é que temos
vivido e em que temos empenhado o nosso tempo? Quanto é que
o mundo tem melhorado devido ao nosso empenho? Estaríamos
aqui apenas para comer e beber, devorando o bem que a terra
produz? Muitas bênçãos da providência nos têm sido conferi­
das, mas onde está o bem que fizemos, em retribuição? Quanto o
mundo teria perdido, se não tivéssemos nascido, ou se tivéssemos
morrido ainda crianças?
Tais reflexões deveríam preocupar aqueles que se dizem
cristãos. Certamente Deus não planta videiras em sua vinha por
outra razão, senão pelos frutos que espera serem produzidos. Não
contrata trabalhadores para a vinha por razão outra que não a re­
alização do trabalho. Os que vivem apenas para si vivem em vão
e, por fim, serão cortados como galhos secos que impedem a pro­
dução. Que, daqui para frente, o exemplo de Paulo nos tome mais
diligentes na prática do bem. Pessoas que pouco bem produzem
estão prontas a se desculparem, dizendo que Deus não imprimiu
sucesso aos seus esforços. Entretanto, não deveriamos indagar se
não fomos bem sucedidos porque não nos esforçamos? Quando
Deus vê alguém alsnsmente envolvido, com toda honestidade,
psrssvsrsnts na fidelidade, eertamsnts será propício e lhe dará
alguma medida de realização. Considere como Deus tomou o tra­
balho do apóstolo marsvllhosamsnts bem sucedido.

Exercício de grande habilidade

Terceiro. O apóstolo não somente enfrentou grandes laboras-


mas também deu o máximo de seu empenho e habilidade para a
glória de Deus e para o bem do próximo: “...eu não vos fui pe­
sado; porém, sendo astuto, vos prendi com dolo” (2Co 12.16).
Não é fato que os homens deste mundo não apenas trabalham
76 A busca da santidade

voluntariamente para obter bens mundanos, mas também o fa­


zem com astúcia e sutileza? Consideremos o que ocorre entre
nós. Quantas vezes nos esforçamos para obter e promover van­
tagens pessoais segundo o presente século! Quem poderá avaliar
os esquemas e as tramas que inventamos para obter dinheiro e
honrarias e para realizar desígnios mundanos particulares? No
entanto, tão pouco é feito para o avanço da fé e para o bem de
nosso próximo. Quão sutilmente evitamos coisas que possam fe­
rir nossos humanos interesses e para abafar os desígnios de quem
tente nos prejudicar! No entanto, quão pouco é planejado para
o desenvolvimento da religião e para o benefício do próximo.
Quantas reuniões de planejamento são realizadas pelos homens
do mundo para promoção de seus desejos, para cada reunião dos
crentes realizada para o progresso do reino de Cristo e para o bem
do próximo? Quão frequentes são as reuniões de vizinhança para
planejar mundanos afazeres! E quão raras são as reuniões para
reavivar a fé enfraquecida, para manter a pureza da fé e a firmeza
da crença no evangelho e para empreender obras caridosas, para
o bem do reino de Cristo e conforto e bem estar da humanida­
de! Tais considerações não seriam fontes justas de lamentação?
Quantas pessoas são sagazes na promoção de interesses secula­
res, ao passo que, vergonhosamente, não se mostram sábias como
serpentes e símplices como pombas em termos do amor a Cristo!
Como é comum a ocorrência do oposto daquilo que o apóstolo
adverte aos cristãos de Roma: “quero que sejais sábios para o
bem e símplices para o mal” (Rm 16.19)! Não é mais comum o
contrário entre os que professam a Cristo, como foi entre os de
Judá e Jerusalém: “São sábios para o mal, mas para o bem não
têm entendimento”?

Abrindo mão do que é legítimo

Quarto. O apóstolo Paulo voluntariamente abriu mão de


coisas que seriam, em si mesmas, legítimas, a fim de promover
os interesses da fé e o bem dos homens. O casamento era coisa
As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 77

permitida ao apóstolo Paulo como a qualquer outro homem,


como ele mesmo afirmou. Mas ele não usou essa liberdade por­
que julgou que, solteiro, teria maior vantagem na disseminação
do evangelho. Era-lhe legítima, também, outra postura de vida
em relação ao que comer ou beber, com toda liberdade para es­
colher qualquer comida saudável. Tinha direito ao sustento a ser
pago por aqueles aos quais pregava. Entretanto, de tudo abriu
mão porque julgou que, nas circunstâncias e condições históricas
da igreja de Cristo, a fé e o bem do próximo seriam mais bem
promovidos se não reivindicasse seus direitos. Por amor do evan­
gelho e dos homens, Paulo deixou de receber todas as vantagens
externas que poderia ter obtido: “...se a comida serve de escânda­
lo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a
escandalizá-lo” (ICo 8.13). Não somente evitava as coisas em si
mesmas inúteis, mas também aquelas que poderíam dar ocasião
ou expor a si mesmo e a outros ao pecado. Então, ele continua,
no próximo capítulo:

Não sou eu, porventura, livre? Não sou apóstolo?


Não vi Jesus, nosso Senhor? Acaso, não sois fruto do
meu trabalho no Senhor? Se não sou apóstolo para ou­
trem, certamem’, o sou para vós outros; porque vós
sois o selo do meu apostolado no Senhor. A minha de­
fesa perante os que me interpelam é esta: não temos
nós o direito de comer e beber? E também o de fazer-
nos acompanhar de uma mulher irmã, como fazem os
demais apóstolos, e os irmãos do Senhor e Cefas? Ou
somente eu e Bamabé não temos direito de deixar de
trabalhar? (ICo 9.1-6)

O apóstolo não somente abriu mão de coisas pequenas, mas


passou por grandes dificuldades ao deixar de usufruir coisas que,
em si, seriam legítimas. Custou-lhe bastante esforço físico ter de
trabalhar no ministério e para o próprio sustento. Mas ele o fez,
voluntariamente, trabalhando com as próprias mãos. Como ele
disse, embora fosse livre de todos os homens, no entanto, fez-se
servo de todos para que obtivesse maiores resultados. Que isto
78 A busca da santidade

sirva para induzir as pessoas a considerarem se as próprias des­


culpas para todas as liberdades a que se permitem são condizen­
tes com seu cristianismo. Talvez sejam legítimas as coisas que
desejam, talvez não sejam proibidas. Mas ninguém poderá negar
que, em dadas circunstâncias e condições, talvez se inclinem para
o mal, expondo o indivíduo à tentação, ferindo a crença na fé e
servindo de pedra de tropeço para outros ou, como disse o após­
tolo, causando ofensa a outras pessoas. Tais pessoas firmam-se
em certas práticas, alegando não serem em si mesmas contra a
lei, e não escutam os conselhos para evitá-las. Julgam ser desar-
razoado que tenham de se tolher tão estritamente, isto é, que não
possam tomar, aqui e ali, de certas liberdades, mas que, antes,
tenham de ser mais rígidas e precisas do que as pessoas comuns.
De fato, perguntam: “Não será irracional que me negue coisas
legítimas, como comer carne, só para ceder à consciência de al­
guns fracos cujos escrúpulos são exagerados? Por que eu deveria
me negar o conforto do casamento, que o próprio Cristo ordenou
a seus ministros, só para evitar objeções de pessoas desarrazoa-
das?” O apóstolo Paulo, contudo, tinha outro espírito. Ele visava
a promover o interesse da fé e o bem da igreja por quaisquer
meios necessários. Para isso, preferiu abrir mão dos confortos e
prazeres comuns da vida, a ver a fé naufragar.

Disposição para sofrer

Quinto. O apóstolo suportou sofrimentos inúmeros e extre­


mos em virtude da honra de Cristo e para o bem dos homens.
Foram grandes os sofrimentos, não uma ou duas vezes, mas uma
longa série de tribulações, da sua conversão ao fim da vida. Sua
vida não consistia somente de trabalho extraordinário, como tam­
bém fortes agruras. As lutas e as tribulações se misturaram e se
auxiliaram mutuamente até o final de sua carreira. Teve perdas de
todas as espécies, não apenas de coisas temporais. Perdeu todos
os privilégios de que gozava antes de sua conversão (Fp 3.8) e
sofreu todo tipo de aflição positiva:
As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 79

Pelo contrário, em tudo recomendando-nos a nós


mesmos como ministros de Deus: na muita paciência,
nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites,
nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias,
nos jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade, na
bondade, no Espírito Santo, no amor não fingido, na
palavra da verdade, no poder de Deus, pelas armas
da justiça, quer ofensivas, quer defensivas; por honra
e por desonra, por infâmia e por boa fama, como en­
ganadores e sendo verdadeiros; como desconhecidos
e, entretanto, bem conhecidos; como se estivéssemos
morrendo e, contudo, eis que vivemos; como castiga­
dos, porém não mortos; entristecidos, mas sempre ale­
gres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo,
mas possuindo tudo (2Co 6.4-10).

Nenhum dos outros apóstolos passou por tão grandes e va­


riadas aflições quanto Paulo:

Ingloriamente o confesso, como se fôramos fra­


cos. Mas, naquilo em que qualquer tem ousadia, com
insensatez o afirmo, também eu a tenho. São hebreus?
Também eu. São israelitas? Também eu. São da des­
cendência de Abraão? Também eu. São ministros de
Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em
trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em
açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas ve­
zes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de
açoites menos um; fui três vezes fustigado com varas;
uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma
noite e um dia passei na voragem do mar; em jorna­
das, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de
salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos en­
tre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deser­
to, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos;
em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em
fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez
(2Co 11.21-27).
80 A busca da santidade

Os sofrimentos foram tão extremos que podemos dizer que


Paulo passou por ums série de mortes. Com afaito, muitss vezes
suportou a dor da morte e assim se expressou: “perseguidos, po­
rém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando
sempre no corpo o morrer de Jesus, psrs que tsmbém a sua vida
se manifeste em nosso corpo. Porque nós, que vivemos, somos
sempre entregues à morte por csuss de Jesus, para que também a
vids de Jesus se manifeste em nossa csrne mortsl” (2Co 4.9-11)
e “como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o
dia todo, fomos considerados como ovelhas psrs o mstsdouro”
(Rm 8.36) e “Dis após dia, morro! Eu o protesto, irmãos, pela
glória que tenho em vós outros, em Cristo Jesus, nosso Senhor”
(ICo 15.31). Paulo esteve de tal modo sujeito a tubulações, às
vezes, junção de provações exteriores e interiores, que não tinha
descanso: “...chegando nós à Macedônia, nenhum alívio tivemos;
pelo contrário, em tudo fomos atribulados: lutas por fora, temores
por dentro” (2Co 7.5). Às vezes, os sofrimentos foram de natureza
tão extrema que a ele quase não pôde suportar: “...não queremos,
irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na
Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desespe­
rarmos até da própria vida” (2Co 1.8). No final, o apóstolo perdeu
a vida, sofrendo morte violenta, em Roma, sob a mão do cruel tira­
no Nero, pouco depois de escrever a segunda epístola a Timóteo.
Paulo sofreu todas essas coisas por amor a Cristo e para o de­
senvolvimento de seu reino. Como disse, estava entregue à morte
por amor a Jesus. Cristo, o exemplo maior, sofreu por amor aos
homens, com desejo único de promover a graça: “...tudo suporto
por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação
que está em Cristo Jesus, com eterna glória” (2Tm 2.10). Ele sa­
bia de antemão que aflições o aguardavam, mas não fugiu ao de­
ver. Estava de tal maneira determinado a buscar a glória de Cristo
e o bem do próximo, que perseguia esses objetivos, não obstante
o que haveria de sofrer:

E, agora, constrangido em meu espírito, vou para


Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão
As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 81

que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura


que me esperam cadeias e tribulações. Porém em nada
considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto
que complete a minha carreira e o ministério que recebi
do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça
de Deus (At 20.22-24).

Contudo, Paulo passou por tudo isso com ânimo e boa von­
tade, alegrando-se no cumprimento da vontade de Deus e na pro­
moção do bem do próximo, ainda que lhe custasse alto preço:
“Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho
o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu
corpo, que é a igreja” (Cl 1.24). Era incansável. Depois de ter
sofrido muito tempo, ele não se desculpou, nem disse que já teria
feito a sua parte.
Aqui, o cristianismo resplandece com as cores certas. Ter tal
espírito é ter o espírito de Cristo, conforme nos é requerido, se
quisermos ser seus discípulos. Significa vender tudo e dar aos po­
bres. Significa tomar sua cruz a cada dia e seguir a Cristo. Possuir
esse espírito é evidência de ser, de fato, um cristão, aliás, um cris­
tão genuíno, que se entrega sem reservas a Cristo, que aborrece
pai e mãe, esposa, filhos e irmãos, até mesmo, a própria vida por
amor de Cristo, perde tudo isso, para, então, tudo recobrar. Em­
bora não seja requerido de todos que sofram tanto quanto Paulo, é
absolutamente necessário que todos os cristãos tenham tal espíri­
to, tal disposição para perder todas as coisas e sofrer todas as coi­
sas por amor a Cristo, em vez de desobedecer seus mandamentos
e buscar a própria glória. Tal exemplo também pode nos envergo­
nhar, pois somos avessos a perder coisas, a nos esforçarmos um
pouco além do pretendido, a negarmos a nós mesmos conforto e
facilidade, apetites pecaminosos, ou a provocarmos o desagrado
de um vizinho. Eia! O que é que pensamos do cristianismo, a
ponto de colocarmos tais coisas em tão alta conta e fazermos ta­
manhas objeções, retrocedermos, e acharmos meios de nos esqui­
varmos do confronto, quando surge alguma pequena dificuldade!
Que tipo de ideia tínhamos de o que significa ser cristão, quando
inicialmente nos dispusemos a sermos cristãos? Sequer paramos
82 A busca da santidade

para calcular o custo, ou nem agimos simplesmente como se a


soma de todos os sofrimentos não valesse tanto?

Perguntas para estudo


1. Abaixo está uma 1 lsta das cinco virtudes para com Deus
e para com os homens que Edwards discerniu em Paulo
e que nos recomenda. Na coluna em branco, escreva
uma palavra ou frase que descreva o oposto da virtude
referida, tal como no exemplo:

As virtudes de Paulo O oposto dessas virtudes


Espírito público-------------------- - estritamente iedividualista ista
Diligência em fazer o bem--------- ►
Exercício de grande habilidade—►
Abrir mão do que é legítimo------ ►
Disposição para sofrer------------- ►

2. Marque de 1 (mínimo) a 10 (máximo) onde a maioria


dos crentes comuns se encaixaria. Por exemplo, se achar
que a maioria tem mais espírito público do que espíri­
to individual, egoísta e particular, você deve assinalar
mais próximo da virtude do que do seu oposto. Faça o
mesmo com cada um dos pares. Esteja preparado para
explicar a razão de sua avaliação.

Virtudes Avaliação Oposto


estrltsments
espírito público 123456789 10
individualista
diligência em fszer o
123456789 10
bem
exercício de grande
123456789 10
habilidade
abrir mão de coisas
123456789 10
legítimas

disposição psrs sofrer 123456789 10


As virtudes de Paulo para com Deus e para com os homens 83

3. Resuma o estado da igreja atual conforme sua experi­


ência. Qual é a nossa situação quanto a seguir o exem­
plo destas virtudes de Paulo? Onde você acha que te­
mos maior necessidade de melhorar? Sugira algumas
das formas pelas quais podemos começar a fazê-lo.

4. Reveja os capítulos 4-6, sobre as virtudes de Paulo. Em


quais virtudes você acha que há maior necessidade de
melhora? Quais os passos a tomar para melhorar em
relação a essas virtudes? Por que acha que seria bom
fazê-lo?

5. Revise os alvos que você colocou para o estudo, no fi­


nal do capítulo 1. Há progresso? Você precisa rever ou
acrescentar alguma coisa ao seu alvo?
7

Seguindo o exemplo de Paulo

Edwards finaliza sua discussão defendendo que:, considerando


que Paulo foi o maior mestre da igreja cristã, deveria ser nosso
maior exemplo na busca de santidade no Senhor. Depois de resumir
o argumento, Edwards apresenta sete considerações e quatro exor­
tações para nos encorajar a seguir o exemplo do grande apóstolo.
*****

Passo, agora, a mostrar quais são as obrigações específicas


que deveriamos seguir, segundo o bom exemplo do apóstolo Pau­
lo. Além da obrigação de seguir o bom exemplo de todos e além
da eminência do seu exemplo, há algumas razões especiais pelas
quais deveriamos ser influenciados pelo exemplo do grande após­
tolo. Isso ficará evidente, se considerarmos o seguinte:

O CHAMADO DE PAULO COMO MESTRE DA IGREJA

Os mestres como exemplos


Geralmente, aqueles a quem Deus designou especificamente
para serem mestres da igreja cristã foram também estabelecidos
como exemplos para os crentes. Ser exemplo faz parte da respon­
sabilidade dos professores. É algo que pertence ao trabalho, ao
ofício. É parte do encargo dado pelo apóstolo, a Timóteo: “Nin­
guém despreze a tua mocidade; pelo contrário, toma-te padrão
dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza”
86 A busca da santidade

(lTm 4.12). Paulo entregou a Tito a mesma incumbência: “Tor­


na-te, pessoalmente, padrão de boas obras. No ensino, mostra
integridade, reverência” (Tt 2.7). É o mesmo desafio feito pelo
apóstolo Pedro aos presbíteros e mestres da igreja cristã: “Rogo,
pois, aos presbíteros que há entre vós, eu, presbítero como eles, e
testemunha dos sofrimentos de Cristo, e ainda coparticipante da
glória que há de ser revelada: pastoreai o rebanho de Deus que
há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente,
como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade;
nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tor­
nando-vos modelos do rebanho” (lPe 5.1-3). Cristo, o Supremo
Pastor do rebanho, a quem Deus ordenou como maior mestre, foi
também o maior exemplo para sua igreja. Por isso, os pastores e
mestres que estão sob sua liderança, como mestres designados,
deverão também ser exemplos.
Tal como os pastores que conduzem os rebanhos, guiando-
os com a voz e indo adiante deles para indicar o caminho, os
mestres devem ser guias do rebanho de duas formas: por meio
do ensino e do exemplo. Na verdade, guiar por meio da palavra
e do exemplo são duas diferentes formas de ensinar, e, portanto,
ambos pertencem ao ofício de mestres na igreja de Cristo. Mas,
sendo este o caso, se Deus os fez exemplos especiais para a igreja
cristã, segue-se que seus bons exemplos deverão sempre ser leva­
dos em consideração. A exortação é mútua. Deus fez recíproco o
dever dos mestres para com a igreja e o dever da igreja para com
seus mestres. Não somente os mestres deverão dar bons exem­
plos, como também a igreja deverá considerar e seguir tais bons
exemplos. “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram
a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida,
imitai a fé que tiveram” (Hb 13.7). Isso diz respeito tanto aos
bons exemplos quanto às palavras, instruções e exortações dos
mestres da igreja cristã. Deveremos ouvir boas instruções e bons
conselhos de qualquer pessoa, quem quer que seja. Mas estamos
sob obrigação especial de atender aos bons conselhos e exemplos
daqueles que são mestres designados por Deus, pois tal é o ofício
do ensino e do aconselhamento conforme Deus designou.
Seguindo o exemplo de Paulo 87

Paulo como mestre


Duas coisas em especial deverão ser observadas quanto ao
apóstolo Paulo, a partir da observação geral acima, demonstrando
que estamos sob obrigação muito especial de observar e seguir o
seu bom exemplo.
Primeiro. Deus designou o apóstolo Paulo não só como
grande mestre da igreja cristã de sua época, mas também, entre
todos os homens, destacou-o como o mais proeminente mestre
da igreja de todas as épocas que o seguiram. Foi separado por
Deus não somente para ensinar a igreja de então, quando vivia,
mas nosso mestre até hoje, por meio de seus escritos inspirados.
Ainda hoje, a igreja cristã é ensinada pelo apóstolo tal como em
todas as épocas da história. Os autores humanos da Escritura não
são como outros professores da igreja de Cristo. Outros mestres
são formados professores de um rebanho específico para a época
em que vivem. Mas aqueles que cunharam as Escrituras foram
feitos por Deus mestres da igreja universal para todas as épo­
cas. Assim, como as congregações específicas devem seguir os
bons exemplos de seus pastores, a igreja universal de todos os
tempos deve observar e seguir os bons exemplos dos profetas e
apóstolos que, de próprio punho, escreveram a Bíblia para todas
as gerações. Assim, o apóstolo Tiago ordena que tomemos como
exemplo os antigos profetas, porque foram designados por Deus
como nossos professores, falando em nome do Senhor: “Irmãos,
tomai por modelo no sofrimento e na paciência os profetas, os
quais falaram em nome do Senhor” (Tg 5.10). Os profetas e
apóstolos, como responsáveis pelo registro das Escrituras, são,
depois de Cristo, o fundamento da igreja de Deus: “edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo,
Cristo Jesus, a pedra angular” (Ef 2.20). E Deus destaca Paulo,
acima de todos os demais escritores das Escrituras, como princi­
pal mestre da igreja cristã entre os que são meramente homens.
Moisés ensinou verdades do evangelho por meio de tipos e som­
bras, como que tendo um véu posto sobre a face, mas Paulo usou
linguagem bem clara: “Tendo, pois, tal esperança, servimo-nos
de muita ousadia no falar-. E não somos como Moisés, que punha
88 A busca da santidade

véu sobre a face, para que os filhos de Israel não atentassem na


terminação do que se desvanecia” (2Co 3.12-13). Moisés foi mi­
nistro do Antigo Testamento e da letra que mata. Mas o apóstolo
Paulo é o principal ministro do Novo Testamento, do espírito e
não da letra (2Co 3.6). Cristo deu ao apóstolo a capacidade de
ser escritor da maior parte do Novo Testamento, mais que qual­
quer outro, e é por meio dele que temos explicadas as grandes
doutrinas. Deus tornou o apóstolo a principal coluna da igreja
sobre o fundamento de Cristo. Sem dúvida, Paulo fez mais pela
igreja do que todos os demais apóstolos, e, assim, deveria ser
considerado, sob Cristo, o principal pastor de todo o rebanho
- um pastor que dá ao rebanho a grande obrigação de atender e
seguir seu bom exemplo.
Segundo. Nós, que somos gentios, estamos especialmente
sob a obrigação de considerar o ensino e o exemplo de Paulo,
porque foi principalmente por seu intermédio que fomos trazi­
dos à igreja de Cristo. Paulo foi o grande apóstolo aos gentios,
principal instrumento da grande obra de Deus para o chama­
mento dos gentios. Foi principalmente por meio de sua obra
que todos os países da Europa vieram a conhecer o evangelho.
Assim, foi por meio de suas mãos que a nossa própria nação
conheceu o evangelho. Recebemos o evangelho diretamente
dele, ou daqueles que vieram depois dele. Humanamente, não
fosse o trabalho do apóstolo, nossa terra poderia ter permane­
cido em grosseiro paganismo até o dia de hoje. Tal considera­
ção deveria nos forçar ao reconhecimento de Paulo como nosso
guia e exemplo. O apóstolo, muitas vezes, exorta os membros
de igrejas tais como as de Corinto, Filipos e outras que se con­
verteram do paganismo, das quais ele foi pai espiritual - a se­
gui-lo tal como ele seguia a Cristo. E nós somos alguns dentre
eles. Fomos maravilhosamente convertidos do paganismo por
meio do testemunho do apóstolo e deveriamos reconhecê-lo
como nosso pai espiritual. Temos a obrigação de seguir seu
bom exemplo como os filhos devem seguir os bons exemplos
de seus pais.
Seguindo o exemplo de Paulo 89

Aplicação
Procedo, agora, a uma aplicação geral de tudo o que foi fa­
lado sobre o assunto, exortando a todos que se esforcem sincera­
mente para seguir o exemplo do grande apóstolo Paulo.

Resumo
Ouvimos falar sobre o tipo de espírito que o apóstolo ma­
nifestou e de que modo ele viveu no mundo, como sinceramente
buscou a própria salvação, e isso não apenas antes, mas também
depois de sua conversão. Vimos também como ele era honesta­
mente cauteloso para evitar a condenação, mesmo depois de ter
obtido interesse salvífico em Cristo. Ouvimos como Paulo era
forte na fé, como era grande seu amor pelo Senhor e Salvador e
como ele jamais se envergonhava do evangelho, mas gloriava-se
na cruz de Cristo. O apóstolo era abundante em oração e louvor
e condenava as riquezas, os prazeres e as glórias do mundo, es­
tando contente com aquilo que a providência lhe dava. Paulo era
prudente e cauteloso ao relatar as próprias realizações, para não
representar mais de si mesmo em palavras do que aquilo que os
homens devessem ver em seus atos.
Ouvimos sobre quanto abuso Paulo sofreu, como amou seus
inimigos, como se deleitou na paz e como se regozijou com os
que se alegraram e chorou com os que choraram. O apóstolo se
alegrava com a comunhão do povo de Deus e era cortês no trato
com o próximo. Ouvimos falar de seu espírito público, como se
preocupou sobremaneira com a prosperidade do reino de Cris­
to e com o bem da igreja. Foi diligente, laborioso e infatigável,
desdobrando-se em esforços para fazer o bem. Paulo buscou to­
dos os meios para promover tal fim, demonstrando habilidade e
engenhosidade, dispondo-se a abrir mão, até mesmo, de coisas
legítimas em si mesmas, disposto a passar por inúmeros e extra­
ordinários sofrimentos. Minha exortação, agora, é que imitemos
seu exemplo, e, para isso, proponho que diversas coisas sejam
consideradas.
90 A busca da santidade

Temos muitos escritos legados por Paulo


Consideremos, primeiro, por que teríamos tantos escritos
sobre o bom exemplo do apóstolo, se não fosse para serem se­
guidos? Muitas vezes, lemos coisas nas Escrituras Sagradas que
são claramente colocadas diante de nós como exemplos a serem
imitados - que outro propósito teriam, se não o de aplicá-los a
nós mesmos? Não haveria valor em sermos informados sobre o
comportamento do apóstolo, se não fosse para nos esforçarmos
para seguir seu exemplo. Professamos ser cristãos e devemos
formar nosso conceito de cristianismo com base naquilo que foi
escrito na Palavra de Deus pelos profetas e nos preceitos e ex­
celentes exemplos que estão diante de nós. Uma das razões pe­
las quais muitos professores não vivem melhor nem andam com
maior amabilidade e, em tantas coisas, não são afáveis, é que não
possuem boas noções do que seja o cristianismo. Parecem não ter
ideia da fé ensinada no Novo Testamento. Não apreenderam bem
a Cristo. Suas noções são pervertidas, distorcidas e não confor­
madas ao evangelho - enfatizando erroneamente aquilo que não
deve ser enfatizado. Pregam a religião como sendo quase total­
mente baseada em uma série de deveres específicos, enquanto
deixam de fora outros deveres de maior monta sob o peso da
lei. Alguns tiram suas idéias de cristianismo de fontes indevidas
- alguns, até mesmo, do clamor geral das pessoas entre as quais
vivem. Outros colocam a religião apenas em determinadas coi­
sas, daí, elaborando falsas idéias de cristianismo. Ou então, tiram
suas idéias dos exemplos de determinados indivíduos da atuali­
dade, reputados como sendo piedosos. Sua ideia do cristianismo
consiste em imitá-los. Assim, nunca formam noções justas da fé:
“...eles, medindo-se consigo mesmos e comparando-se consigo
mesmo, revelam insensatez” (2Co 10.12).
Se quisermos ter idéias corretas do cristianismo, deveremos
observar aqueles cujos exemplos estão nas Escrituras, os quais
refletiram seu brilho. São estes os que o próprio Deus selecionou
para colocar diante de nós - para que pudéssemos formar uma
justa noção da religião - especialmente o exemplo do apóstolo
Paulo. Deus sabe selecionar exemplos. Portanto, se quisermos
Seguindo o exemplo de Paulo 91

ter uma noção correta do cristianismo, deveremos seguir o bom


exemplo do apóstolo, que, certamente, era um cristão destacado.
Temos abundante testemunho de Deus. O cristianismo é algo mui
amável, tal como se vê no exemplo de Paulo. Se os mestres do
cristianismo formassem suas idéias da fé a partir de exemplos
como este, e não a partir de costumes e exemplos particulares que
temos hoje em dia, sem dúvida tais professores nos seriam muito
mais amáveis na prática: ganhariam o próximo. Não seriam pe­
dras de tropeço. Sua luz brilharia. Eles provocariam reverência e
estima e seriam de influência poderosa.

Paulo mostra o caminho para uma vida feliz


Se seguirmos o bom exemplo dado pelo apóstolo, certamente
nos asseguraremos da confortável e doce presença de Deus que
ele gozou durante o decurso de sua vida. Consideremos a vida
feliz usufruída pelo apóstolo, obtendo paz de consciência e ale­
gria no Espírito Santo: “...a nossa glória é esta: o testemunho da
nossa consciência, de que, com santidade e sinceridade de Deus,
não com sabedoria humana, mas, na graça divina, temos vivi­
do no mundo e mais especialmente para convosco”. Paulo tinha
abundante consolo e alegria, mesmo no meio das maiores afli­
ções: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo,
o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! E ele que nos
conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os
que estiverem em qualquer angústia, com a consolação, que nós
mesmos somos contemplados por Deus. Porque, assim como os
sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso
favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de
Cristo” (2Co 1.3-5). Em todas as tribulações, Paulo mantinha ale­
gria excelsa. Parece que lhe faltavam palavras para expressar a
enormidade de sua continuada alegria. Estava pleno de consola­
ção e alegria transbordante: “sinto-me grandemente confortado
e transbordante de júbilo em toda a nossa tribulação” (2Co 7.4).
Ah! Como o amor do apóstolo parece derramar-se em regozijo!
“Entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo
a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo. Para vós outros, ó
92 A busca da santidade

coríntios, abrem-se os nossos lábios, e alarga-se o nosso coração”


(2Co 6.10-11). Como é feliz essa vida! Como vale a pena buscar
tal felicidade! Muitas vezes, nós mesmos somos causa dos pró­
prios ferimentos e tribulações, trazendo sombras sobre nossas al­
mas. Cristãos professos, cedendo à preguiça, buscando o próprio
conforto e vida fácil, perdem o objetivo da vida cristã. Os crentes
que mais se empenham nas lutas e os mais abnegados, são, ge­
ralmente, os mais felizes. Há muitos que se queixam de trevas e
indagam sobre o que deveriam fazer para obter luz e a presença
confortadora de Deus.

Este é o caminho para passar por provações


O exemplo do apóstolo Paulo nos ajuda a vencer as tenta­
ções e a triunfar sobre os inimigos espirituais. Satanás o atacou
violentamente e os homens continuamente o perseguiram. Os po­
deres do inferno se juntaram contra ele. Mas Deus estava com
seu enviado e o tomou mais do que vencedor. Viveu uma vida de
triunfo: “Graças... a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em
triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância
do seu conhecimento” (2Co 2.14). Consideremos que excelente
privilégio é a certeza de tal auxílio nas provações. Como é triste
ser tão frequentemente vencido!

Paulo nos mostra o caminho para a intimidade


com Deus
Somos assegurados de honra da parte de Deus e de uma ex­
traordinária intimidade com o Senhor. Moisés gozava de grande
intimidade com Deus, mas o apóstolo Paulo, em alguns aspec­
tos, teve intimidade ainda maior. Moisés conversou com Deus no
Monte Sinai; Paulo foi arrebatado até o terceiro céu. Paulo teve
visões e revelações no Senhor, muito mais do que podia men­
cionar, para que ninguém pensasse dele em termos de vangloria.
Paulo foi favorecido com maiores dons de milagres do Espírito
Santo do que qualquer outra pessoa. Embora não possamos es­
perar tamanha honra de intimidade com o céu quanto o apóstolo
obteve, ainda assim, se nos aplicarmos, alcançaremos intimidade
Seguindo o exemplo de Paulo 93

cada vez maior, para nos achegarmos com ousadia e conversar


com Deus como quem fala com um amigo.

Dessa forma, tornamo-nos bênção para o próximo


Este é o caminho para nos tomarmos maiores bênçãos neste
mundo. O apóstolo, com tal espírito e comportamento, foi feito
maior bênção no mundo, acima de todos, com exceção do ho­
mem Cristo Jesus. Onde quer que fosse, trazia bênçãos consigo.
Sua entrada em uma cidade era cercada de maior misericórdia
do que a de um dos maiores monarcas da terra que possivel­
mente viesse a espalhar tesouros à sua volta, entre os habitantes
da terra. Aonde quer que fosse, Paulo refletia alto brilho à sua
volta, esclarecendo os pobres filhos dos homens. Ouro e prata
não tinha, mas as riquezas que entregou a milhares de pessoas
valiam mais do que as mais ricas joias do império romano. O
apóstolo não foi somente uma bênção para sua própria geração,
mas permaneceu depois de sua morte, nos frutos de sua vida, o
fundamento sobre o qual edificou e nos escritos que deixou para
o benefício da humanidade, até os confins da terra. Ele foi, en­
tão, e continua sendo, uma luz na igreja, com brilho próximo ao
brilho do Sol da Justiça. Foi por meio do seu excelente espírito
e comportamento que Paulo se tomou uma bênção. Deus fez tais
coisas úteis nele para muito benefício. Se, de fato, temos de imi­
tar o espírito e o comportamento deste apóstolo, sem dúvida a
consequência será que nós também seremos grandes bênçãos no
mundo, não teremos vivido em vão, mas levaremos bênçãos por
onde estivermos. Em vez de sermos estorvos na terra, alimen­
taremos as multidões com nossos frutos, dando razão para que
louvem e bendigam a Deus.
Ah! Como é melancólica a ideia de pessoas que não tenham
vivido com propósito, a ponto de o mundo nada perder com sua
ausência! Como é desejável ser uma bênção! Foi grande a pro­
messa feita a Abraão: “Abençoarei os que te abençoarem e amal­
diçoarei os que te amaldiçoarem' em ti serão benditas todas as
famílias da terra” (Gn 12.3).
94 A busca da santidade

Uma vida assim é um bom preparo para a morte


Seguir o bom exemplo do apóstolo Paulo seria morrer como
ele: “Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação e o tem­
po da minha partida é chegado. Combati o bom combate, com­
pletei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está
guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não
somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”
(2Tm 4.6-8).

Uma vida assim assegurará uma coroa de glória


Há uma distinta coroa de glória no porvir. Muitos pensam,
não sem grande probabilidade, que o apóstolo Paulo é o mais
próximo em glória do homem Jesus Cristo. Isso por ele ter feito
maior bem que qualquer outro por meio de grandes esforços e so­
frimentos. O apóstolo nos diz: “cada um receberá o seu galardão,
segundo o seu próprio trabalho” (ICo 3.8).

Encorajamento conclusivo

Concluo, mencionando algum encorajamento, que devemos


nos esforçar para seguir o excelente exemplo do grande apóstolo.
Muitos estarão prontos para dizer que não adianta tentar, pois o
apóstolo foi de tal maneira distinto que ninguém poderá ser como
ele. Mas, para nosso encorajamento, consideremos que:

1. O apóstolo era um homem com paixões semelhantes


às nossas. Tinha, naturalmente, o mesmo coração, as
mesmas corrupções; estava sob as mesmas circunstân­
cias, a mesma culpa, a mesma condenação. O exem­
plo do apóstolo nos encorajou a nos esforçarmos,
imitando seu exemplo no atendimento ao exemplo de
Cristo. Somos chamados para sermos imitadores de
Cristo. Talvez seja esta uma das razões pelas quais
não só o exemplo de Cristo, mas também os exem­
plos de meros homens são colocados diante de nós,
Seguindo o exemplo de Paulo 95

nas Escrituras. Ainda que você pense não ter grande


motivação para chegar ao grau do apóstolo, isso não é
razão para não tomar seu o modelo do seu bom exem­
plo, e labutar, o máximo possível, para imitá-lo.

2. O apóstolo, antes de sua conversão, foi um homem


muito mau, vil perseguidor da igreja. Ele falou, mui­
tas vezes, sobre isso. Pecou contra uma grande luz.

3. Paulo teve maiores impedimentos e obstáculos exte­


riores à santidade do que qualquer um de nós. Suas
circunstâncias tomaram a lida mais difícil para ele.

4. O mesmo Deus, o mesmo Salvador e a mesma cabeça


de influência divina que ajudaram Paulo estão prontos
para nos auxiliar em nossos esforços sinceros. Não
podemos nos desculpar, mas, antes, com esforço sin­
cero, buscar tão excelente exemplo. Por mais fracos
que sejamos em nós mesmos, podemos experimen­
tar o poder de Cristo e dizer, por experiência própria,
como o fez o apóstolo Paulo antes de nós: “quando
sou fraco, então, é que sou forte” (2Co 12.10).

Perguntas para estudo

1. Resuma os argumentos de Edwards para seguir o exem­


plo de Paulo, por ser ele o mais eminente mestre da
igreja. Por que isso deveria nos encorajar na busca de
santidade no Senhor, conforme seu exemplo?

2. Onde algumas pessoas procuram direção para viver a


vida cristã? Reveja os comentários de Edwards quanto
a este ponto. E ainda válido hoje em dia? Por que não
basta juntar nossas “noções” sobre como deve ser a
vida cristã? Por que o exemplo de Paulo é o melhor
lugar para procurar essa direção?
96 A busca da santidade

3. Como a atitude de seguir o exemplo de Paulo pode nos


ajudar a nos aproximarmos do Senhor e a nos tomar­
mos mais dependentes dele, a termos maior senso de
sua presença diária e a nos ajudar a focalizar as “coisas
invisíveis” que são tão importantes para a fé vigorosa
(Hb 11.1)?

4. E importante, para você, ser uma bênção ao próximo?


Quais aspectos da vida de Paulo, resumidos no início
da seção de aplicação deste capítulo, que você gostaria
de ver mais em sua própria vida? Como isso o ajudaria
a se tomar bênção ao povo em sua volta?

5. Paulo nos oferece excelente exemplo de o que significa


buscar e seguir a santidade no Senhor, como também
com o que se assemelha o tomar-se santo. Qual a coisa
mais importante que você aprendeu dos capítulos
1-7 sobre a busca da santidade no Senhor, conforme o
exemplo do apóstolo Paulo? Como você pode praticar
isso em sua vida?
Parte 2

Esperança e consolo
GERALMENTE SEGUEM HUMILHAÇÃO
E ARREPENDIMENTO GENUÍNOS
8

Esperança e consolo
NA CONVERSÃO

Conforme vimos no capítulo anterior; a vida de santidade é a


vida de felicidade - de esperança e conforto no Senhor. Esse é um
estado muito desejado e deve ser buscado de coração. Porém, a bus­
ca por santidade poderá ser frustrante e desanimadora. Uma razão
para isso é quer, na jornada de santificação, descobrimos muita coisa
de que temos de nos arrepender e grande parte disso nos traz pro­
blemas e provoca humilhações. Mas Deus usa tais experiências para
nos promover em nosso chamado e nos dar esperança e consolação.
Edwards mostra que é assim mesmo, desde o momento que viemos à
fé em Jesus Cristo. Não deixando nada ao acaso e nada esperando
deseus ouvintes, Edwards insiste que a vida de felicidade, esperança
e consolo que buscamos - essa vida de santidade -jamais será nossa
sem uma conversão inicial a Cristo e o ódio de todo pecado.
*****

Oseias 2.15
“...lhe darei, dali, as suas vinhas e o vale de Acor por porta de
esperança; será ela obsequiosa como nos dias da sua mocidade e
como no dia em que subiu da terra do Egito. ”

Introdução
No contexto do versículo acima, a igreja de Israel foi pri­
meiramente ameaçada com a terrível desolação que Deus estava
100 A busca da santidade

prestes a trazer sobre ela em virtude de tanta falsidade e traição


para com Deus. Na linguagem do profeta, embora Israel tivesse
sido casada com Deus, tinha ido atrás de outros amantes e adul­
terado com eles. “Porque diz: Irei atrás de meus amantes, que me
dão o meu pão e a minha água, a minha lã e o meu linho, o meu
óleo e as minhas bebidas” (Os 2.5). Assim, Deus a advertiu de que
seria despida e posta como no dia em que nasceu; seria como um
deserto, terra seca em que se desfalece de sede, sua nudez seria
descoberta diante de seus amantes e suas vinhas e figueiras seriam
destruídas, tomando-se matas espinhentas. Assim o profeta conti­
nua com suas advertências até o final do versículo treze. Tais coi­
sas foram cumpridas no cativeiro de Israel, na terra da Assíria.
Contudo, no versículo que precede o texto, e no restante do
capítulo, há a graciosa promessa de misericórdia que Deus mos­
traria nos dias do evangelho: “Portanto, eis que eu a atrairei, e a
levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. E lhe darei, dali,
as suas vinhas e o vale de Acor por porta de esperança; será ela
obsequiosa como nos dias da sua mocidade e como no dia em
que subiu da terra do Egito”. “Eu a atrairei” - isto é, Deus a cor­
tejaria e ganharia novamente seu amor, como um jovem que atrai
a virgem a quem deseja tomar como esposa. Por causa de seu
adultério, por ter buscado outros amantes, Deus havia ameaçado
dar-lhe carta de divórcio, como diz o versículo 2: “Repreendei
vossa mãe, repreendei-a, porque ela não é minha mulher, e eu
não sou seu marido”. Mas, na parte final do capítulo, Deus pro­
mete que, ao tempo do evangelho, faria de Israel novamente sua
esposa, como traz o versículo 16: “Naquele dia, diz o Senhor, ela
me chamará: Meu marido e já não me chamará: Meu Baal”; e, en­
tão, nos versículos 19 e 20: “Desposar-te-ei comigo para sempre;
desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, e em benignidade,
e em misericórdias; desposar-te-ei comigo em fidelidade, e co­
nhecerás ao Senhor”. Aqui, no versículo quatorze, Deus promete
que a atrairía; e, no final, mostra de que modo a trataria, quan­
do estivesse prestes atraí-la ou cortejá-la. Primeiro, conduzi-la-
ia para o deserto, ou seja, permitiría problemas e aflições, e a
humilharia, para, depois, conquistá-la, falando com consolação e
Esperança e consolo na conversão 101

agrado, como um jovem faz ao cortejar a jovem. Seguem, então


as palavras do texto.

Deus dá esperança e consolo ao seu povo


Observamos o que Deus deseja dar aos filhos de Israel, ou
seja, esperança e conforto. Ele prometeu dar-lhe vinhas, o que,
interpretado espiritualmente, tem sido entendido como as profe­
cias sobre os tempos do evangelho, as consolações espirituais.
As vinhas fornecem o vinho, que é conforto para aqueles cujos
corações estão entristecidos: “Dai bebida forte aos que perecem e
vinho, aos amargurados de espírito” (Pv 31.6). O vinho deve ale­
grar o coração do homem (SI 104.15). O repouso do evangelho e
sua paz são, às vezes, profetizados sob a metáfora de um homem
assentado debaixo de seu vinhedo e de sua própria figueira. Deus
promete esperança, a abertura de uma porta de esperança, uma
nova canção de regozijo e tanto a causa quanto à disposição para
cantar louvores a Deus.

Como Deus dará tais benefícios


Observemos como Deus trará tais benefícios.
Primeiro. Serão dados depois de grande dificuldade e aba­
timento. Antes que tenha tal esperança, Israel terá grande tribu-
lação e sofrimento de humilhação. Deus promete, então, dar-lhe
vinhedos em lugar do deserto mencionado no versículo anterior,
ao qual Deus o traria antes de falar-lhe com consolação. Levar o
seu povo ao deserto tem o propósito de humilhá-lo e de prepará-
lo para receber os vinhedos, fazendo-o compreender sua depen­
dência de Deus, para que não mais atribua seu prazer aos ídolos,
como antes havia feito. Por esta razão, Deus lhes tirou a bênção,
como diz no versículo 12: “Devastarei a sua vide e a sua figuei­
ra, de que ela diz: Esta é a paga que me deram os meus aman­
tes; eu, pois, farei delas um bosque, e as bestas-feras do campo
as devorarão”. Ali, Deus ameaçou transformar suas vinhas em
uma floresta inóspita. Aqui, Deus promete que transformará o
deserto em vinhas, como em Isaías 32.15-16: “...até que se der­
rame sobre nós o Espírito lá do alto; então, o deserto se tomará
102 A busca da santidade

em pomar, e o pomar será tido por bosque; o juízo habitará no


deserto, e a justiça morará no pomar”. Israel estará, primeiro,
em um deserto, onde verá que não tem poder para ajudar a si
mesmo, nem seus amantes poderão lhe ajudar ou fornecer-lhe
vinhedos. Contudo, Deus a ajudará, para que ela veja que é o
Senhor, e não os seus ídolos ou amantes, que a ama de verdade.
Tal como levou os filhos de Israel primeiramente a um terrível
deserto, assim Deus lhes abrirá uma porta de esperança, no vale
de Acor - palavra que significa problema - e foi assim chamado
devido ao problema que os filhos de Israel sofreram por causa do
pecado de Acor.
Deus, assim, tomou o pecado de Israel em fonte de grande
perturbação e ocasião de muito sofrimento, para, então, abrir-lhe
a porta de esperança. Deus promete fazer com que Israel cante
como nos dias de sua mocidade e no dia em que saiu da terra do
Egito. Isso se refere claramente ao cântico jubiloso que Moisés
e os filhos de Israel cantaram, quando atravessaram o Mar Ver­
melho. Ali tiveram enorme conforto e alegria, mas não sem antes
sofrerem grande aflição. Foram extremamente oprimidos pelos
seus algozes durante a escravidão, e, pouco antes deste cântico
triunfante, foram levados quase ao desespero, quando faraó e os
egípcios pareciam prestes a devorá-los.
Segundo. Tal esperança e consolação deveríam ser conce­
didas quando extinguissem e abandonassem o pecado. é o sofri­
mento da alma. Deveria ocorrer no vale de Acor, o vale onde o
perturbador de Israel foi morto, como se vê em Josué 7.26; é o
lugar onde os filhos de Israel cantaram ao saírem da terra do Egi­
to. A margem oriental do Mar Vermelho foi o lugar em que viram
morrer sob o mar seus inimigos e antigos feitores, tipos das con-
cupiscências dos homens que escravizam o pecador, marcando-
lhes a despedida final. Deus disse que jamais veríam novamente
tais inimigos.
Doutrina. Deus provoca a esperança e a consolação que
sobrevêm à alma depois da humilhação e da tribulação conse­
quentes do pecado, na proporção em que o perturbador é morto e
abandonado. Eu quero demonstrar:
Esperança e consolo na conversão 103

A. Oue é assim com respeito à primeira verdadeira espe­


rança e consolação dada à alma, na conversão.
B. Que, dessa forma, de tempos em tempos, Deus deseja
conceder esperança e consolação aos crentes.

é próprio de Deus conceder esperança e consolação à


alma, na conversa, depois de vencidos problemas e humilhações
advindos do pecado. Quanto a essa questão, devemos observar
três coisas: (1) o problema em si; (2) sua causa, ou seja, o pecado;
e (3) a humilhação.

O PROBLEMA EM SI

Problema apesar da facilidade


É marcante que as almas passem por problemas, antes de Deus
lhes conceder verdadeira esperança e consolo. Os corações corrup­
tos dos homens inclinam-se à estultícia e à falta de senso, antes
que Deus venha com a influência despertadora de seu Espírito. As
pessoas parecem quietas e seguras; não possuem verdadeira conso­
lação e esperança, contudo, parecem calmas, sentem-se à vontade.
Entretanto, estão em terrível escravidão, sem que busquem qual­
quer solução. São como os filhos de Israel que disseram a Moisés:
“Deixa-nos estar, para que sirvamos aos egípcios”. Porém, Deus
tem um plano de misericórdia para com eles e seu modo é de, antes
de conceder verdadeira esperança e consolo, perturbá-los, permitir-
lhes problemas, abalar sua tranquilidade e falsa calma, despertá-los
de seu antigo lugar de repouso e sono e levá-los ao deserto. São,
muitas vezes, conduzidos a grandes aflições para que não encon­
trem consolo nas coisas que antes os confortavam. Seus corações
são constrangidos e espicaçados e em nada encontram paz. É como
se uma flecha os atingisse, causando forte e contínua dor, sem que
a possam remover. Dor e angústia tragam seu espírito. Antes, basta­
vam-lhes os prazeres mundanos, mas agora não satisfazem. Andam
sem rumo, coração ferido, buscando descanso que não vão achar.
Vagueiam num deserto seco sob o escaldante sol, desesperadamente
104 A busca da santidade

ansiando por sombra sob a qual possam repousar. Procuram fonte


de água fresca, sem achar gota sequer que os dessedente. É como
Davi, em sua provação, que perambulou pelo deserto, por toda par­
te perseguido por Saul, caçado de todo lado, de um a outro monte,
de caverna a caverna, sem trégua, sem descanso.

A condição dos pecadores é uma condição


de problemas
Para os pecadores, todas as coisas parecem envoltas em
trevas, sem que saibam o que fazer ou a quem recorrer. Olham
adiante ou atrás, à direita ou à esquerda - tudo é perplexidade e
desalento. Olham para o céu e veem escuridão, olham para a terra
e só enxergam problemas e angústias, às vezes, com uma pon­
ta de esperança de alívio - para, então, desanimarem com tanto
sofrimento e dor constantes que não abafam o terrível ruído em
seus ouvidos. Assustados, correm como pobre animal à vista de
refúgio, só para, lá, serem encurralados. Falhando o intento, bus­
cam outro refúgio, que também fracassa. Os inimigos aumentam
e cercam-nos por todos os lados, tais como aqueles sobre os quais
lemos em Isaías 24.17-18. Temor, cova e laço pairam sobre eles,
e, quando fogem do ruído do medo, caem na cova, e, se saem
da cova, prende-os o laço e ficam sem saber o que fazer. Ficam
como os filhos de Israel, quando perturbados por Acor: reagem
contra os inimigos, mas são derrubados e têm de fugir. Clamam
pelo Senhor, mas parece que ele não responde. As vezes, encon­
tram algo que lhes dê prazer temporário, mas, logo, até mesmo
isso desaparece, e os deixa em ainda maior aflição. As vezes,
chegam ao limite do desespero. Então, são levados ao deserto e
ao vale de Acor, vale das aflições.

A CAUSA - O PECADO

A doença da alma
O pecado é a causa de tais problemas. É um mal, uma
doença, que, caso a alma não esteja anestesiada, causará intensa
Esperança e consolo na conversão 105

dor. O pecado gera a culpa, atrai a ira e traz condenação. E toda


essa aflição aflora do convencimento do pecado. Os pecadores
despertados são convencidos de serem pecadores. Antes, o peca­
dor pensava bem de si mesmo, ou não estava convencido de ser
realmente pecador. Mas, agora, é levado a refletir primeiro sobre
o que fez, como gastou impiedosamente o tempo, de que atos ou
más práticas ele é culpado. Depois, persistindo o despertamento,
ele se torna sensível ao pecado que, como praga, se aninha no
coração. Toma-se sensível à culpa e à ira que o pecado produz.
As advertências da lei de Deus atingem-lhe o coração e lhe dão
consciência da ira de Deus que, então, se lhe apresenta horrível.
O pecador é conduzido à consideração do terror do castigo de
Deus.

O papel do temor na aflição


O afeto ou princípio que causa a aflição é o temor. Os peca­
dores têm medo da ira de Deus e do castigo do pecado. E comum
que, como fruto do pecado, sintam medo de muitas coisas neste
mundo. Temem que Deus não ouça suas orações, que esteja tão
irado que jamais lhes concederá a graça que converte o coração.
Muitas vezes, têm medo de haver praticado o pecado imperdo­
ável, ou, pelo menos, de serem culpados de pecados que Deus
jamais perdoará. Temem haver passado o dia de sua oportunidade
e Deus havê-los entregue à dureza de coração e à cegueira de
mente. Se tal já não aconteceu, temem que venha a acontecer. Te­
mem que o Espírito de Deus não esteja agindo neles. Temem que
seus medos tenham outras causas. As vezes, acham que o diabo
os aflige e aterroriza e que, se o Espírito de Deus ainda estiver
lutando, ser-lhes-á retirado e ficarão sem Cristo. Temem que de
nada lhes adiantará buscar a salvação e isso só lhes servirá para
piorar a situação, estando cada vez mais longe daquilo que é bom,
sendo menos provável que se convertam agora do que quando
começaram a buscar a Deus. As vezes, pensam ter pouco tempo
de vida restante e que logo Deus os lançará no inferno. Ninguém
que seja como eles, pensam, poderá obter misericórdia. Acham
que seu caso é peculiar e único e que difere de outros da pior
106 A busca da santidade

maneira. Eles têm temores de todos os lados, medo de tudo. Tudo


lhes parece escuro e temem que tudo concorra para sua ruína.
O pior é que tais pessoas temem perecer etemamente. Têm
medo de que, quando morrerem, sejam lançadas no inferno e terão
de sofrer nas chamas eternas. Esta é a soma de todos os seus medos.
Isso tudo, por meio da consciência da culpa do pecado. O pecado é
o cruel capataz que os oprime e castiga. O pecado é o cruel Faraó
que os persegue. Eles são tais como os filhos de Israel, que, antes
de cantarem de alegria ao deixarem o Egito, sofreram grandes afli­
ções nas mãos de algozes e gemeram sob dura escravidão, sendo,
depois, perseguidos até o aterrorizante Mar Vermelho. Seus feitores
lhes infligiram toda sorte de aflições. Assim, também, o pecado in­
flige sofrimento a todo pecador que tem a consciência despertada.
Entretanto, o sofrimento causado pelo pecado não é o sentimento
gracioso e piedoso do arrependimento, o qual não surge do medo,
mas apenas do amor. Este de que falamos não é o arrependimento
evangélico, mas, sim, o remorso ante uma constatação da injustiça,
que não provém do amor de Deus, mas do amor-próprio.

A HUMILHAÇÃO

O fim da aflição
Para aqueles a quem Deus designou misericórdia, a finalida­
de da aflição é humilhá-los. Deus os conduz ao deserto para lhes
falar com consolação, tal como levou os filhos de Israel ao deserto
antes de conduzi-los a Canaã, como nos diz, para humilhá-los;
“Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor, teu Deus,
te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para
te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias
ou não os seus mandamentos” (Dt 8.2). O homem é naturalmen­
te autoconfiante e soberbo. Quando goza apenas de facilidade,
prosperidade e quietude, tende a alimentar uma disposição autô­
noma: “...engordando-se o meu amado, deu coices; engordou-se,
engrossou-se, ficou nédio e abandonou a Deus, que o fez, despre­
zou a Rocha da sua salvação” (Dt 32.15). Passando por aflições
Esperança e consolo na conversão 107

e problemas e tendo forte peso de culpa, o homem é levado por


Deus ao pó, de onde veio. Assim, Deus traz as almas ao deserto,
mostrando-lhes a própria incapacidade, para que vejam que nada
têm, para que saibam que não são ricos e cheios de bens, mas mi­
seráveis, pobres, cegos e nus; para que vejam que estão completa­
mente arruinados e para tomá-los sensíveis à sua grande maldade
para que, assim, sejam movidos a reconhecer a justiça de Deus.
Tais problemas de injustiça tendem a revelar a total incapa­
cidade para ajudarem a si mesmos. Os temores fazem com que se
esforcem ao máximo, usando a força toda, e, continuando assim,
a experiência de incapacidade ensina-lhes sobre a própria fraque­
za. Passam por provações repetidas e desilusões repetidas. Po­
rém, as desilusões recorrentes tendem a conduzi-los à desistência
e ao desespero de obter ajuda. Tomam-se sensíveis à total insufi­
ciência de sua própria sabedoria, vindo a reconhecer a cegueira e
ignorância em que vivem. O medo, a preocupação e a aflição os
obrigam a pensar, estudar e buscar diligente e intensamente o alí­
vio. Quando os homens procuram, sobretudo, a própria sabedoria
e invenção e descobrem sua falha, insignificância e falta de pro­
pósito, isso os toma mais sensíveis à própria fraqueza e cegueira.
São induzidos a confessar sua estultícia e incapazes, até mesmo,
de saber o que lhes poderia trazer alívio.
São como que lançados em vasta e terrível desolação. De
início, pode ser que não percebam o completo desconhecimento
do caminho de casa, achando que, a qualquer momento, podem
sair do deserto. Mas, depois de andar um pouco, descobrem o
engano, que não sabem voltar, e se desgastam em vão, andando
em círculos, sem progressão. Finalmente, confessam que sequer
sabem para onde ir ou o que fazer. Reconhecem a completa per­
dição, as trevas e a realidade de que estão presos na situação e
ficam estáticos. Não há mais nada a fazer, a não ser clamar por
socorro, para que, se for possível, alguém os ouça e ajude.

A aflição leva à reflexão sobre o pecado


Com este fim, Deus conduz as pessoas ao deserto antes de
proporcionar alívio. As aflições que sofrem por causa do pecado
108 A busca da santidade

as tornam sensíveis para o fato de que, em sua justiça, Deus


poderia lançá-los fora para sempre, e isso faz com que reflitam
sobre seus pecados, pois são as coisas que mais temem. Quando
assustadas com as coisas que as cercam, as pessoas voltam os
olhos para contemplar a realidade terrível da situação. Quando
estamos tomados de medo, a pessoas consideram o próprio peca­
do, reconhecem sua impiedade de vida, e, conhecendo a própria
vileza, constatam as maquinações corruptas do coração. Reco­
nhecem a ira de Deus e sua terribilidade. Tentam a paz e a recon­
ciliação com Deus por meio da própria justiça, mas Deus ainda
parece irado, surdo às suas orações e não inclinado à ajuda, até
que percam a esperança na justiça própria e se entreguem em
suas mãos, confessando a justa condenação e incapacidade de
qualquer defesa. Deixam de lado qualquer imaginação sobre ca­
pacidade própria ou recomendação que promova reconciliação.
Deus conduz a alma à aflição consequente do pecado para hu­
milhá-la antes de conceder a verdadeira esperança e consolação
da conversão.

A MORTE DO PROBLEMA

Não há verdadeira esperança sem extinção


do problema
A esperança e o conforto sobrevêm com a morte do pertur­
bador. Quaisquer que forem as aflições devidas ao pecado, se o
perturbador não morrer, nada poderemos esperar senão a con­
tinuação do problema. Antes disso, não haverá consolação ver­
dadeira. A alma poderá voltar à estupidez e ao descuido; poderá
nutrir falsa paz e esperança de manter vivo o pecado, mas não ha­
verá paz nem esperança verdadeira. As pessoas poderão se achar
profundamente perturbadas e, ainda assim, permitir que continue
vivo o pecado. As pessoas poderão dar a impressão de que la­
mentam o problema por esta ou aquela razão, derramar muitas
lágrimas, protestar contra o pecado e a maldade, mas, ainda as­
sim, permitir que a vida de pecado continue habitando o coração.
Esperança e consolo na conversão 109

Entretanto, jamais terão consolo verdadeiro. Poderão, até mesmo,


deixar de cometer este ou aquele pecado, reformar a vida durante
algum tempo ou reformar todo um aspecto particular de um pe­
cado, mas, ainda assim, não obter esperança verdadeira, porque
apenas restringiram o pecado - jamais o mataram. Muitos ho­
mens restringem o pecado, desferindo-lhe pequenos golpes, mas
não têm coragem de matá-lo. Os ímpios vacilam ante a ideia de
extinguir o pecado, cuja amizade vem de longe, desde que se en­
tendem como gente, sempre o tratando como amigo íntimo. Dão
ao pecado o melhor lugar do coração, o melhor entretenimento,
não querendo destruí-lo. Mas, até que isso seja feito, Deus não
lhes proporcionará o conforto verdadeiro. Se quiserem uma espe­
rança autêntica, será necessário que façam tal como os filhos de
Israel, em relação a Acã:

Então, Josué e todo o Israel com ele tomaram Acã,


filho de Zera, e a prata, e a capa, e a barra de ouro, e
seus filhos, e suas filhas, e seus bois, e seus jumentos,
e suas ovelhas, e sua tenda, e tudo quanto tinha e leva­
ram-nos ao vale de Acor. Disse Josué: Por que nos con­
turbaste? O Senhor, hoje, te conturbará. E todo o Israel
o apedrejou; e, depois de apedrejá-los, queimou-os. E
levantaram sobre ele um montão de pedras, que perma­
nece até ao dia de hoje; assim, o Senhor apagou o furor
da sua ira; pelo que aquele lugar se chama o vale de
Acor até ao dia de hoje. (Js 7.24-26.)

Se quiserem entreter esperança verdadeira, terão de tomar


o pecado, o perturbador, e tudo o que lhe pertence, até mesmo
aquilo que lhes parece mais precioso, como a prata e o ouro de
Acã, e destruí-lo. Oueimá-lo no fogo. Acabar de vez com ele.
Enterrá-lo morto e colocar um peso de pedra sobre ele para que
não se levante mais. Deverão sacrificar todos os seus filhos, nada
deixando da prole maldita. Os frutos do pecado terão de ser aban­
donados. Não poderá haver nenhuma cobiça particular, nenhum
prazer pecaminoso secretamente desejado, nenhum amado filho
do pecado que subsista - tudo terá de ser apedrejado e queimado.
110 A busca da santidade

Com isso, poderão esperar o fim da aflição, a luz radiante, tal


como foi no acampamento de Israel depois que o perturbador foi
morto.

Prític a
Inquirição. Aqui poderemos perguntar: o que implica a ma­
tança do pecado, na conversão? Implica diversas coisas:

Convicção do mal
Tem de haver real convicção da maldade do pecado, diante
de Deus. Tudo ocorre por meio de convicção. Os problemas, su­
postamente injustos, sofridos antes da conversão, surgiram de
alguma convicção da maldade do pecado e da culpa e do perigo
consequentes. Afim de matar o perturbador, teremos de encontrá-
lo, como fizeram os filhos de Israel antes de executarem Acã. Le­
vantaram cedo, investigaram, trouxeram todo o Israel segundo as
suas tribos, procuraram em cada tribo e família, e indivíduos es­
pecíficos em cada família, e, assim, encontraram o perpetrador.

Ódio ao pecado
Implica desviar o coração do mal, tomando-o cheio de ódio
contra o pecado. O perturbador jamais é morto senão por meio de
uma transformação completa e redentora do coração e a renova­
ção de sua natureza, de maneira que, aquele que antes amava o
pecado e o escolhia, agora o odeie e o despreze em todas as suas
formas, especialmente na velha forma de pecar.

Desprezo e renúncia ao pecado


Por mais que finjam o contrário, os corações dos homens não
se desviarão do mal, a não ser que renunciem ao pecado. Aqueles
que não se dispõem completamente a abandonar o pecado não
são, ainda, convertidos. Se os pecadores possuírem verdadeira
esperança e consolação, terão de abandonar completamente seu
pecado, tal como os filhos de Israel fizeram com os egípcios, no
Esperança e consolo na conversão 111

mar Vermelho. As pessoas sofrem muitos problemas por causa do


pecado, muitos conflitos e lutas, parecem se esquecer deles por
algum tempo, no entanto, não o extinguiram completamente, tal
como os filhos de Israel fizeram com os egípcios. Quanto juízo
mandou Deus sobre os egípcios, antes que eles permitissem o
êxodo dos israelitas? Faraó deu a impressão de que acataria a
ordem do Senhor, mas, chegada a hora, recusou-se a libertá-los.
Quando os israelitas finalmente deixaram Ramsés, sem dúvida
pensaram que estavam livres, não esperando mais vê-lo. Con­
tudo, chegando ao Mar Vermelho, olharam para trás e viram os
exércitos de Faraó, que vinha em sua perseguição. Foi realmen­
te difícil o completo livramento da sanha dos egípcios, até que
eles fossem terminantemente tragados pelo Mar Vermelho. O rei
e seus chefes morreram todos, e Deus disse a Israel: “os egípcios,
que hoje vedes, nunca mais os tomareis a ver” (Ex 14.13).
Assim, os pecadores não deverão apenas deixar o pecado
por algum tempo, mas abandoná-lo para sempre, dispostos a
jamais cederem aos antigos caminhos e prazeres pecaminosos.
Terão de deixar para trás tudo o que signifique iniquidade, aban­
donar o pecado que mais tenazmente os assediou, a que estiveram
mais habituados, ver extintos os dominadores mais preciosos e
respeitados dentre um exército de pecados, tal como aconteceu
com Faraó, o rei dos egípcios, no mar Vermelho. Não podemos
ser como Saul que, quando Deus mandou aniquilar os amalequi-
tas, poupou-lhe o rei, perdendo o próprio reinado.

Recebimento de Cristo e confiança nele


Implica também o acolhimento do dom de Cristo, confiando
nele para a redenção do nosso pecado. Temos de olhar para ele
não somente como o Salvador da penalidade do pecado, como
também como aquele que nos redime do pecado. Por nós mes­
mos, não haverá como nos livrarmos do pecado. Não conseguire­
mos matar o inimigo com nossas próprias mãos - é um inimigo
assaz forte. Tal como os filhos de Israel, nós não conseguiremos
extinguir o pecado, estando em tão pobre e fraca companhia, mul­
tidão misturada, despreparada para dar combate à grande força do
112 A busca da santidade

opressor. Os israelitas, por si mesmos, jamais poderíam acabar


com Faraó e seu poderoso exército de cavaleiros e carruagens.
Foi Cristo, na coluna de nuvem e de fogo, que lutou por eles.
Nada poderíam ter feito senão confiar nele: “O Senhor pelejará
por vós, e vós vos calareis” (Êx 14.14). Os filhos de Israel jamais
teriam conseguido afogar os egípcios no mar. Cristo o fez. A co­
luna de nuvem ficou entre os egípcios e os israelitas, e, quando
saíram do mar, Cristo fez as águas se fecharem sobre os inimigos.
Nossos inimigos têm de ser afogados na fonte toda suficiente e,
por assim dizer, no mar do sangue de Cristo, tal como aconteceu
com os egípcios, no mar Vermelho. Então poderemos cantar com
o júbilo dos filhos de Israel, no dia que saíram da terra do Egito.
Quando o pecado é morto dessa maneira, Deus abre uma
porta de esperança, um portal de onde brilha sobre a alma a doce
luz do céu. Então surge o conforto da alma, e, nos lábios, um
novo cântico de louvores a Deus.

Perguntas para estudo


1. Edwards não deixa de virar nenhuma pedra em sua ins­
trução sobre a vida de felicidade, esperança e conforto
- a vida de santidade. Começa com o reconhecimento
de nosso pecado e da necessidade de um Salvador, Je­
sus. Recapitule a discussão de Edwards sobre como
Israel atribuía seu bem estar aos ídolos - às coisas cria­
das. Há quem faça isso, ainda hoje? Você já fez isso? A
que consequências levam tal atitude?

2. A sua própria experiência de vir a Cristo espelha a


descrição de Edwards, de estar perdido em um deser­
to, desesperado de encontrar um caminho, uma saída?
Explique.

3. Neste capitulo, Edwards enfatiza o temor de Deus.


Hoje em dia, não ouvimos falar muito sobre isso. Por
que você acha que isso acontece? E um assunto que
Esperança e consolo na conversão 113

precisaríamos tratar com mais frequência na igreja e na


obra de evangelização? Por que você pensa assim?

4. Reveja a discussão de Edwards sobre o significado de


“matar o perturbador”. Você pode dizer que realmente
já “matou” o pecado em sua vida, conforme Edwards
descreve? Ou você estaria apenas envolvido em algu­
ma “reforma”, ou tentativa de apenas deixar o pecado
de lado por algum tempo? Como é que você lida com o
pecado que sabe existir em sua vida?

5. Recapitule os alvos que você estabeleceu no final do


primeiro capítulo. Como está indo? Você vê algum pro­
gresso na obtenção desses alvos?
9

Esperança e consolo
PARA O CRISTÃO

Obter esperança e consolação é a grande recompensa para a


busca de santidade no Senhor. Mas, muitas vezes, os crentes trope­
çam pelo caminho, caindo em pecado e em tenebrosa noite de alma.
Deus permite que permaneçam algum tempo na escuridão, antes de
despertá-los novamente para a novidade de luz e vida. Neste ser­
mão, Edwards nos orienta,, quando tivermos, porventura, recaído
em graves pecados, de volta ao caminho da santidade.
*****

Deus quer conceder esperança e consolação aos cristãos, da


mesma forma como fez a Israel. Ao considerarmos o assunto,
quero demonstrar que, muitas vezes, os crentes estarão em trevas
e sua esperança estará muito obscurecida.

1. O pecado é o causador das trevas da alma.


2. Tais trevas não são perenes, mas Deus deseja conceder es­
perança e consolo aos cristãos, para que se levantem.
3. É comum que a aflição aumente um pouco, antes que
ocorra a renovação de luz e esperança.
4. A esperança e o consolo são renovados com a morte do
perturbador.
116 A busca da santidade

Frequentemente ,
CRENTES SE ACHAM EM ESCURIDÃO

A graça de Deus isenta alguns cristãos


de sofrer a escuridão
Muitas vezes, crentes passam por espessas nuvens e sua es­
perança é toldada. Deus concede esperança e consolo aos santos,
logo após a conversão, e, às vezes, tal paz continua sem inter­
rupções durante longo período. Alguns cristãos vivem em mais
abundante luz do que outros. Uns, durante muitos anos, não
sofrem maiores aflições e se destacam de outros em termos de
uma vida calma. Deus, em sua misericórdia, preserva alguns do
sofrimento, enquanto outros experimentam grandes e inúmeras
tribulações. A esse respeito, Deus, que é soberano sobre todas as
coisas, atua como na concessão da graça salvadora, na conver­
são: concede graça como lhe apraz, dando a uns maior luz que a
outros.

Tipos de trevas experimentados por muitos


Contudo, muitos crentes enfrentam enormes dificuldades e
há ocasiões em que suas esperanças ficam nubladas. As vezes, as
doces e confortáveis influências do Espírito de Deus não parecem
estar presentes. Tais cristãos carecem de descobertas espirituais
em sua alma, que lhes abram os olhos para Deus e seu Cristo. Pa­
rece que sua mente se tomou obscurecida e não conseguem dis­
cernir coisas espirituais que outrora discerniam. Antes, quando
liam as Escrituras, eram iluminados. Entendiam e deleitavam-se
na leitura, sentindo-se plenos de consolação. Mas, agora, quando
as leem, sentem-se obrigados a um dever insosso, como a leitu­
ra de um texto inexpressivo, um peso morto, tarefa sem prazer.
Antes, os trechos da Escritura vinham-lhes à mente, até mesmo
quando não a estavam lendo, provendo-lhes constante e forte
alento. Mas, agora, não sentem nada disso. Antes, sentiam os do­
ces exercícios da graça, confiavam em Deus e encontravam um
espírito de conformidade com sua vontade. O amor fluía e era-
lhes constante o doce prazer de estar em Deus e em Cristo. Agora,
Esperança e consolo para o cristão 117

sentem-se apagados, exangues. Antes, encontravam-se com Deus


em suas ordenanças: era-lhes doce ouvir a palavra pregada, cheia
de luz e vida. Provavam vividez e doçura nas orações públicas e
seus corações eram enlevados nos cânticos de louvores a Deus.
Mas, agora, a vida mudou. Antes, apreciavam com deleite o de­
ver de orar e o tempo aplicado na meditação na Palavra. Agora,
quando oram, a fala lhes parece um desempenho sem vida, sem
coração - uma repetição de vocábulos sem o engajamento do co­
ração. O pensamento vagueia entre uma e outra vaidade. Junto
com tal esvaziamento dos exercícios da graça, vêm o desvaneci-
mento da esperança e o anuviamento das evidências de piedade.
Olhando o próprio coração, parece-lhes que nada têm a esperar,
e, considerando o modo como vivem, parece-lhes faltar a graça
de Deus. Constatam muito pouco de seu bom estado prévio e nem
conseguem vislumbrar os antigos testemunhos: as experiências
anteriores, em que tinham tanto conforto, parecem-lhes tênues e
distantes, quase invisíveis. Quase esquecidos, não têm prazer em
pensar ou falar sobre as coisas da fé.
As vezes, tais cristãos são levados a terríveis desesperos
- não apenas veem-se sem a antiga consolação e a esperança pa­
rece-lhes nebulosa, mas, também, experimentam densa escuridão
interior. Sentem que Deus escondeu deles a face e pressentem sua
ira. Foi assim que ocorreu com Davi: “Um abismo chama outro
abismo, ao fragor das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas
passaram sobre mim” (SI 42.7). Aconteceu também com Hemã,
um dos filhos de Coré: “Puseste-me na mais profunda cova, nos
lugares tenebrosos, nos abismos. Sobre mim pesa a tua ira; tu me
abates com todas as tuas ondas” (SI 88.6-7).

O PECADO É A CAUSA DAS TREVAS

O pecado é o causador final das aflições e escuridão da alma.


Sempre que a piedade se esvai, no enfrentamento das sombras, há
algum segredo de Acã que vai escondido na alma, ocasionando
o conflito: é o pecado. A ocasião da escuridão dos piedosos é da
118 A busca da santidade

mesma natureza que a dos conflitos que o homem natural enfren­


ta quando é despertado. Não é falta de amor de Deus para com os
seus santos, nem significa que Deus não os queira consolar. Sua
mão não está encolhida para que não possa salvar, nem seu ouvi­
do é lerdo para ouvir. Antes, o pecado dos homens mascara-lhes
o brilho da face de Deus (Is 59.1-2). O pecado é que entenebrece,
até mesmo, os santos. E o faz de três maneiras.

Devido à força da corrupção restante


Pode ser que a força residual da corrupção permaneça com
mais poder devido à fraqueza e ao pequeno grau da recepção da
graça infundida na conversão. A obra de Deus é a mesma em to­
dos que se convertem, no sentido de que o pecado é mortificado e
de que ele não tem, necessariamente, poder sobre eles. O coração
foi transformado das trevas para a luz, da morte para a vida, do
pecado para Deus. Contudo, tal obra é muito diferente quanto ao
grau de mortificação do pecado em função da recepção da gra­
ça infundida. Algumas pessoas recebem maior luz espiritual em
sua conversão que outras, têm maiores descobertas e atingem um
maior conhecimento de Deus. Têm o coração mais humilde, es­
tão mais afastadas do pecado e do mundo, mais plenas do amor
de Deus e Cristo e mais próximas do céu do que outras. Alguns,
em sua conversão, têm mais eminente obra de graça no coração,
enquanto outros recebem mui pouca graça, sendo suas corrup­
ções muito mais fortes. Quando isso ocorre, não é de se espantar
que tenham esperança mais fraca, menor luz e conforto, do que
outros. A tendência natural do pecado que ainda habita os corpos
dos santos é a de anuviar e obscurecer a mente. Quanto mais per­
manece a tendência, mais efetiva sua cilada. As pessoas podem
conhecer seu bom estado ao buscarem ou ao perceberem a graça
em seu coração. Enquanto prevalece a habitação do pecado, mais
a graça é anuviada. Quanto mais forte a permanência da corrup­
ção, mais raro será o bom estado do piedoso e isso acentuará a
continuação e a frequência da tenebrosidade.
E possível que as trevas enfrentadas pelos santos sejam
devidas a alguma corrupção específica, que antes prevalecia
Esperança e consolo para o cristão 119

fortemente e que ainda não foi mortificada, continuando, assim,


a perturbar a alma. Sendo fraca a graça, o pecado tira vantagem,
provocando disposição altiva e orgulhosa, ou um espírito de co­
biça, ou vício sensual, ou espírito petulante, irritadiço e descon­
tente, de temperamento explosivo, ou tendência para a amargura,
ou caso haja qualquer outra disposição corrupta, o pecado a que
são mais expostos, quer por educação, quer por costumes poste­
riormente adquiridos. Se a recepção da graça que foi infundida na
conversão for comparativamente fraca, tal pecado tirará proveito
e confundirá a mente, impedindo o consolo espiritual, e trazendo
escuras aflições.
Há grande variedade na obra da graça nos corações dos
homens em termos das descobertas específicas concedidas e das
graças específicas que constituem seu principal exercício. Sendo
assim, alguns, na conversão, são mais protegidos contra a cor­
rupção do que outros. Na conversão, bem como no modo de sua
experiência de tempos em tempos, algumas pessoas têm maior
exercício de uma graça em determinado tempo, e de outra, em
outras épocas. A graça em que têm experiências mais vividas é
a que lhes oferece maior auxílio contra a oposta corrupção. Por­
tanto, alguns poderão não ser tão bem assistidos quanto outros na
luta contra o egoísmo e o orgulho poderá se manifestar de ma­
neira mais operante. Isso desagrada e entristece o Espírito Santo,
trazendo ainda maior tristeza à alma já aflita. Não tendo tanta
percepção do próprio esvaziamento quanto outros, sua corrupção
operará com maior autoconfiança, fazendo com que se turbem
ainda mais. Não é de surpreender que, quando os homens con­
fiam em si mesmos para obter luz e graça, falha-lhes a confiança
e eles prosseguem em luzes que são trevas.

Devido a grosseira transgressão


As vezes, os santos encontram-se em trevas devido a caírem
em alguma grosseira transgressão. Foi o caso de Davi, quando
caiu em pecado, na questão de Urias. Davi apagou a inffuência
do Espírito de Deus e Deus retirou dele a infusão da graça e as
consolações sequentes. Depois, ele orou sinceramente, pedindo
120 A busca da santidade

restauração: “Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me


com um espírito voluntário” (SI 51.12). Quando o crente cai em
transgressões grosseiras, é comum se seguirem sombras espessas
e profundas.

Devido a hábitos corruptos


As vezes, o crente não cai em transgressões grosseiras e es­
candalosas, mas entenebrece seu pensamento com esquemas cor­
ruptos e maus hábitos. Há muita corrupção residual no coração
do crente que se encontra em situações desastrosas, sendo, al­
gumas delas, corrupções bastante prevalecentes. Algumas vezes,
tomam-se orgulhosos e vaidosos, pensando ser muito piedosos,
e presumem que outros tenham uma boa opinião a seu respeito.
Outras vezes, recaem em esquemas mundanos, e, com o coração
sedento da obtenção de bens materiais, perdem todo o prazer pe­
las coisas espirituais. Às vezes, mantêm o pensamento superfi­
cial, com afeições totalmente fixadas nas vaidades da mocidade:
vestimentas, animação e moda.
Por não manterem a mente ocupada, como antes, com os
prazeres espirituais, algumas pessoas tomam-se escravas de ape­
tites sensuais. Outros são briguentos e disputam ou se iram contra
os que estão ao seu redor, habitualmente guardando rancor no
coração. Tomam-se voluntariosos e semeadores de contendas,
opondo-se veementemente a outros, e se alegram ao verem seus
opositores vencidos e humilhados. Magoam-se com a prosperi­
dade de outros. Seu pensamento, seu coração, é repleto de con­
fusão e intolerância contra o próximo. Outras pessoas caem em
um estado de descontentamento, irritação e impaciência com as
disposições da providência. Tais atitudes, muitas vezes, andam
juntas. Enquanto tais pessoas caem em disposições infelizes do
coração, passam a desenvolver comportamentos que desonram a
Deus e ferem a fé. Não têm um bom espírito: permitem-se gran­
des liberdades para ceder aos apetites sensuais, na gratificação da
avareza e do orgulho, em contendas, em maledicência e intensa
busca das coisas do mundo. Caem em maus caminhos, por terem
cedido primeiramente a um espírito indolente. Não são diligentes
Esperança e consolo para o cristão 121

e sinceros na fé, como antes, mas cultivam a preguiça e abando­


nam a vigilância, assim, abrindo as portas à tentação. Foi assim
com Davi. O pecado em que caem tais pessoas, consequência do
estado degenerado dos afetos e da vida, é ocasião para grandes
trevas. Deus apaga neles a ação do Espírito, e, apagada a luz, se
desvanece a evidência de sua piedade. Eles se parecem, em gran­
de medida, como eram antes de sua conversão e não possuem
sensível comunhão com Deus. Assim sendo, o pecado é o que
ocasiona a aflição e trevas para o cristão.

Deus restaura o consolo e a esperança1

Quando estão em sombras, os santos podem ter a certeza


de que a escuridão não será permanente. Podem ter a certeza de
que Deus lhes restaurará, novamente, a esperança e o consolo.
Quando uma das ovelhas de Cristo se desgarra, Cristo, o Bom
Pastor, não a deixa para sempre no deserto, mas a busca, colo­
cando-a sobre os ombros e trazendo-a de volta. Não podemos sa­
ber quanto tempo Deus permitirá que os seus santos fiquem nas
sombras, mas, certamente, as nuvens negras não durarão para
sempre, pois a luz foi semeada para os justos, e a alegria para os
retos de coração (SI 97.11). No pacto da graça, em que eles têm
parte, Deus prometeu-lhes alegria e consolação; prometeu-lhes
alegria perene (Is 61.7). Pode ser que, por algum tempo, seja

1 Na edição de Hickman das obras de Edwards, esta seção (que começa com
“Quando os santos estão em trevas”) e a próxima (começando com “Quando é as­
sim com os cristãos”) são revertidas. Foram numeradas corretamente por Hickman
de acordo com o esboço que Edwards fez dessa seção, mas colocadas, por engano,
na sequência de itens 2,4,3,5. E provável que, durante a publicação dos volumes
Hickman, a ordem do terceiro e quarto pontos de Edwards tivesse ficado confusa,
devido aos seus três subpontos numerados de modo semelhante sob o item 2, o que
levou à expectação de que o item 4 devesse vir em seguida. Eu restaurei a ordem
das seções, conforme o esboço de Edwards.
122 A busca da santidade

dado a Satanás envolver alguns em trevas, mas estas certamente


serão dissipadas, na vida dos crentes. Deus pode ser provocado
a esconder sua face deles, por um tempo, e, se esse tempo lhes
parecer longo, no entanto, será, na verdade, bem breve: “Porque
não passa de um momento a sua ira; seu favor permanece a vida
inteira. Ao anoitecer, pode vir o choro, mas a alegria vem pela
manhã” (SI 30.5).

Aumento das aflições antes de

a esperança ser reavivada

Quando sombras invadem a vida dos cristãos, é comum que


suas aflições aumentem um pouco, antes que a esperança e a con­
solação sejam renovadas. Como dissemos, quando prevalece o
pecado no coração, o crente não permanece calmo e sereno como
os resolutos pecadores. Há luta interior e inquietação. A graça no
coração, ainda que esteja terrivelmente oprimida e aparentemente
vencida, continuará a resistir ao inimigo e lutar por libertação.
Assim sendo, em relação aos cristãos que permitem a prevalência
da corrupção, não ocorre o mesmo que com os homens ímpios e
carnais contumazes. Há uma boa razão para tanto, pois os crentes
possuem um princípio de vida espiritual em sua alma que não
existe nos incrédulos.
Contudo, em sua má disposição, o cristão pode cair em
grande obstinação e insensatez, pois o pecado é, por natureza,
estupeficante, e, sempre que prevalece, tem efeito igualmente no­
civo. A tendência pecaminosa, mundana, contenciosa, vem junto
com muita falta de bom senso e estultícia - a recaída em peca­
dos grosseiros leva especialmente ao entorpecimento da alma, tal
como foi com Davi, que parecia não entender, quando Natã o
procurou para contar-lhe a parábola do homem rico que tomou
para si a única ovelha de um homem pobre. O rei irou-se contra
o homem da parábola, mas não pareceu refletir sobre si mesmo,
sobre como a história era paralela ao seu próprio caso. Quando
pessoas são assim desprovidas de bom senso, não lhes parece que
Esperança e consolo para o cristão 123

a aflição não seja tão grande e, se porventura, sentem o peso do


pecado, isso não lhes parece um fardo insuportável.
Não obstante, é da vontade de Deus que, antes que ocorra
renovação de consolo e esperança nessas vidas, tais pessoas se ve­
jam em ainda maiores aflições. Tal como os pecadores impeniten-
tes, geralmente, sofrem aflições antes de conhecer a consolação
da primeira conversão, assim os santos, depois de se desviarem,
recaindo em erro, ainda poderão passar por muitas tribulações
antes de Deus conceder-lhes renovação de esperança e consolo.
Ocorrerá neles uma obra de despertamento. Enquanto permane­
ciam em situação de corrupção, estavam como que dormentes,
tal como as virgens néscias, que não vigiavam. E, como os que
dormem, são inconscientes, insensíveis ao próprio estado e às
próprias circunstâncias. Quando Deus lhes restaura o Espírito,
muitas vezes, a primeira obra é uma obra de despertamento, de
tirá-los do sono, de acordá-los para a sensibilidade e percepção
da grande loucura que fizeram, do grande mal que principalmen­
te desagrada e ofende a Deus. Mas mesmo que sofram por um
pouco, isso lhes será bem melhor do que antes que começassem
a se conscientizar. Haverá esperança no meio das circunstâncias
adversas e consolação no meio de angústias quase insuportáveis.
Pouco antes de Deus lhes renovar a luz e a consolação, tais pes­
soas poderão, ainda, experimentar um forte sentimento da ira que
lhes pesará sobre a cabeça. Foi isso o que aconteceu com Davi,
pouco antes da restauração do conforto espiritual. Quando orava,
pedindo a restauração, o rei salmista disse que seus ossos esta­
vam como que quebrados: “Faze-me ouvir júbilo e alegria, para
que exultem os ossos que esmagaste” (SI 51.8). Provavelmente,
a mesma referência do Salmo 38, intitulado Em memónci. “Cra­
vam-se em mim as tuas setas, e a tua mão recai sobre mim. Não
há parte sã na minha carne, por causa da tua indignação; não há
saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado. Pois já se ele­
vam acima de minha cabeça as minhas iniquidades' como fardos
pesados, excedem as minhas forças” (SI 38.2-4).
Muitas vezes, quando Deus está prestes a trazer as pessoas
para si e restaurar-lhes o consolo, ele primeiro permite que elas
124 A busca da santidade

passem por desconfortos ou graves problemas temporais, a fim


de despertá-las do sono do pecado. Leva-as um deserto antes de
confortá-las:

Então, lhes abre os ouvidos e lhes sela a sua ins­


trução, para apartar o homem do seu desígnio e livrá-lo
da soberba; para guardar a sua alma da cova e a sua
vida de passar pela espada. Também no seu leito é cas­
tigado com dores, com incessante contenda nos seus
ossos; de modo que a sua vida abomina o pão, e a sua
alma, a comida apetecível. A sua carne, que se via, ago­
ra desaparece, e os seus ossos, que não se viam, agora
se descobrem. A sua alma se vai chegando à cova, e a
sua vida, aos portadores da morte. Se com ele houver
um anjo intercessor, um dos milhares, para declarar ao
homem o que lhe convém, então. Deus terá misericór­
dia dele e dirá ao anjo: Redime-o, para que não desça
à cova; achei resgate. Sua carne se robustecerá com o
vigor da sua infância, e ele tornará aos dias da sua ju­
ventude. Deveras orará a Deus, que lhe será propício;
ele, com júbilo, verá a face de Deus, e este lhe restituirá
a sua justiça. Cantará diante dos homens e dirá: Pequei,
pervertí o direito e não fui punido segundo merecia.
Deus redimiu a minha alma de ir para a cova; e a mi­
nha vida verá a luz. Eis que tudo isto é obra de Deus,
duas e três vezes para com o homem, para reconduzir
da cova a sua alma e o alumiar com a luz dos viventes
(Jó 33.16-30).

Os que são mais fracos na graça, às vezes, enfrentarão pro­


blemas que lhes parecerão maiores e mais graves, tanto de corpo
quanto de mente, os quais serão ocasião para nova obra da graça
em seu coração, de modo que serão mais santos depois, tendo
maior consolação.
Esperança e consolo para o cristão 125

Esperança e consolo renovados


COM A MORTE DO PERTURBADOR

Quando o perturbador é morto, renovam-se a esperança e o


conforto. Na conversão, todo pecado é declarado morto ou sofre
feridas mortais. Todos os exercícios de pecado, depois da con­
versão, são, de alguma forma, como os estertores de um inimigo
moribundo. Mas seu fôlego de vida não foi ainda totalmente ex­
tinto e precisará ser continuadamente mortificado (“fazer mor­
rer”), sobrepondo-lhe golpes de misericórdia. Na vida dos santos
piedosos, o pecado é morto depois de passarem por tribulações e
sombras e antes de receberem a renovação do conforto.

Três formas de matar o pecado


1. O pecado deve ser mortificado quanto ao grau de poder
anterior. Nem todo resquício de corrupção é extirpado; o pecado
não deixa de existir no coração, mas deixa de ter a mesma força
que antes - deixa de prevalecer sobre o crente.
2. O pecado deve ser morto quanto ao modo de exercício
anterior. Os caminhos pecaminosos de outrora são abandonados.
Outro caminho é trilhado, para longe do pecado. O coração é for­
tificado a fim de enfrentá-lo. Assim, a pessoa que antes era con­
tenciosa e disputante, será, então, piedosa, matando a contenda
e a rivalidade. Ela mata o pecado em termos do modo em que o
exercia. Se, por exemplo, o pecado envolvia uma forma de impu­
reza sensual, o crente, depois de entender a piedade, deve matar a
sensualidade, extirpando-a da vida.
3. O pecado deverá ser completa e radicalmente mortifica­
do na vontade e inclinação do crente piedoso. Haverá oposição
redobrada contra a nova disposição, o que implica maior deter­
minação e propósito mortal contra a velha inclinação. O santo,
quando despertado depois de um tempo de grande decadência,
deve mortificar o particular pecado que antes prevalecia e ex­
tirpá-lo. Deve tratá-lo como o inimigo mortal que é. Se ele não
for destruído completamente de um só golpe, que não seja por
falta de vontade, mas por falta de força. O homem piedoso não
126 A busca da santidade

será temo e misericordioso para com o pecado, mas, o quanto


possível, deve tratar o pecado tal como os filhos de Israel fize­
ram com Acã, apedrejando e queimando tudo que fazia parte da
circunstância do mal. Não pouparam o pecado, como fazem os
ímpios. Antes, miraram em sua própria vida para o matar. Nada
menos do que isso.

Implicações da mortificação do pecado


A morte do perturbador, efetuada na vida dos santos depois
de grande recaída, implica as seguintes coisas.
1. Há uma convicção quanto à maldade do seu pecado. Cada
um deles é trazido à consideração do crente. Ele pondera os ca­
minhos em que andava antes de desviar seus pés (SI 119.59).
Considera a maldade do seu comportamento, como foi indigno
e infiel em relação à sua profissão de fé, como foi ingrato e desa­
gradável com relação às misericórdias recebidas. Avalia o quanto
provocou Deus e quanto é merecedor de sua ira. Entende que o
perturbador serviu para lhe abrir os olhos para a profundidade e
o tamanho da corrupção do seu próprio coração. Nesse sentido,
a obra de Deus na vida dos santos, depois de grandes desvios, é
semelhante à obra no coração do homem natural, tendo em vista
sua conversão.
2. Por esta razão, há grande humilhação de alma diante de
Deus. A alma, cheia de graça, convencida do pecado e recuperada
depois de grandes recaídas, sente profunda humilhação, pois foi
levada ao pó diante de Deus. Há um quebrantamento de coração,
verdadeiro arrependimento evangélico, devido ao pecado. Tal
como fez Davi depois de sua grande queda, a alma oferece, em
vez de holocaustos, o sacrifício que agrada a Deus: “Pois não te
comprazes em sacrifícios; do contrário, eu tos daria; e não te agra­
das de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito
quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás,
ó Deus” (SI 51.16-17). É levada, como aconteceu com Jó depois
de pecar, reclamando do tratamento que Deus lhe dispensara, a se
aborrecer consigo mesmo (Jó 42.6). Sua atitude é humilde, como
a dos crentes de Corinto depois de terem se desviado do caminho,
Esperança e consolo para o cristão 127

sendo reprovados pelo apóstolo Paulo: “Porque quanto cuidado


não produziu isto mesmo em vós que, segundo Deus, fostes con-
tristados! Que defesa, que indignação, que temor, que saudades,
que zelo, que vindita!” (2Co 7.11). Estavam cheios de tristeza e
de uma espécie de indignação, zelo e espírito vingativo contra a
própria loucura e tratamento tão ingrato para com Deus. Quando
se convencem do pecado, depois de quedas marcantes, os crentes
são tomados dos mesmos sentimentos da primeira humilhação,
quando se converteram, mas em grau ainda maior. Passam por
nova e maior convicção de seu próprio vazio. Reconhecem que
são criaturas totalmente indignas e vis, indignos das misericór­
dias de Deus, merecendo apenas a sua ira. Tal convicção opera
grande humilhação da alma. Contudo, por outro lado, cresce a
graça da humildade e são mais pobres de espírito e humildes de
coração pelo restante da vida. Enxergam melhor a razão para co­
brir a boca com as mãos e andar em humildade diante de Deus.
3. Há uma renovada dedicação a Cristo como aquele que nos
salva do pecado. Há um renovado ato de dependência para a jus­
tificação, de fé em seu sangue para a purificação, e de confiança
na justiça de Cristo para cobrir sua nudez e sujeira. Cristo, como
Salvador, toma-se mais precioso ao coração. Aumentado o senso
do próprio vazio e vileza, eles conhecem maior dependência da
plenitude de Cristo.
4. O coração, mais do que nunca, é apartado dos antigos
caminhos e confirma a inimizade contra o pecado. Depois des­
se despertamento, os santos têm maior horror ao pecado, consi­
derando-o um inimigo, lembrando o que sofreram sob seu jugo.
Seus corações se dispõem mais contra o pecado, mais do que an­
tes. Tomam-se mais fortes as resoluções e a determinação de não
seguir os maus caminhos. Assim, lembram-se, como os corín-
tios, dos efeitos do arrependimento, depois de terem se desviado:
“Que defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo,
que vindita! Em tudo destes prova de estardes inocentes neste
assunto” (2Co 7.11). Há mais temor comum de pecar de maneira
semelhante, no futuro, maior cuidado para evitar o pecado e dese­
jo mais sincero de proceder de forma contrária ao pecado.
128 A busca da santidade

A volta da esperança e do consolo


A obra de Deus no coração de um santo, depois de haver se
desviado gravemente, muitas vezes, assemelha-se à obra de Deus
no pecador, depois de sua conversão - ainda que não seja igual
em tudo, pois há grande diferença de posições.
Finalmente, quando o perturbador vem a ser morto na vida
do homem piedoso, depois de tempos de aflição e sombras, Deus
abre uma porta de esperança. As sombras que o cercavam, bem
maiores pouco tempo antes, agora, são dissipadas, dando lugar à
luz. Pode ser que, antes, tenha havido uma longa noite de nuvens
e escuridão. Mas, agora, as nuvens começam a ser dissipadas e
doces raios renovadores começam a romper, penetrando o co­
ração. A alma ferida, agora, é curada. Deus derrama sobre ela o
azeite de seu conforto. Tal senso renovado, derivado da plenitude
e da suficiência de Cristo, outorga ao coração uma novidade de
vida, de esperança e alegria. Uma vez morto o perturbador, Deus
concede renovadas descobertas de sua glória e renovadas mani­
festações de sua graça. A alma outrora entenebrecida, agora, tem
visões de suave luz. Agora, a esperança, antes tão tênue, prestes
a falhar, é renovada e confirmada com poder. Agora, a alma acha
consolação nas promessas. Agora, o santo percebe evidências do
próprio bom estado da alma por meio das manifestações e exercí­
cios renovados da graça de Deus.
A alma, antes perturbada por escuras nuvens de dúvidas, te­
mores e anseios, gastando muito tempo a ruminar sobre experi­
ências passadas e a laborar em vão naquilo que, antes, era visto
como evidência de piedade - entende que tudo isso era apenas
falsidade. Alimentava-se de experiências passadas, mas sem sa­
tisfação. Isso porque o perturbador continuava vivo, ainda não
havia sido morto. Agora, porém, Deus lhe dá nova luz e novas
experiências, que, em poucos momentos, fazem mais para dis­
sipar as nuvens e remover os temores do que toda a rememora-
ção de experiências passadas fez durante meses e anos. Antes, o
coração parecia adormecido para os exercícios espirituais, mas,
agora, recebe vida nova. Quando lê as Escrituras e ouve a Palavra
pregada, tem renovado sabor e prazer. Agora, encontra Deus na
Esperança e consolo para o cristão 129

Palavra e nas ordenanças. Cristo se lhe manifesta para uma nova


e íntima comunhão com Deus.
Quando os cristãos possuem tal renovação de consolo e
esperança, geralmente os sentimentos de conforto e alegria são
mais puros que antes. As alegrias são mais humildes, livres da
mistura e mancha da justiça própria.

Perguntas para estudo

1. De acordo com Edwards, como pode o crente perceber


o afastamento do caminho de santidade e o começo do
extravio, no “deserto” do pecado? Como é a experiên­
cia de tais sombras? Como ela se expressa?

2. Que razões Edwards dá, na segunda seção deste capí­


tulo, para o pecado promover tamanhos assédios em
nossa vida? Como pode o cristão se preparar para evitar
tais abismos?

3. Suponha que você conheça um crente que se encontra


a vagar nesses ermos desvios e não pareça mais inte­
ressado na busca de santidade no Senhor. Como você
poderia fazer um diagnóstico correto? Como poderia
aproximar-se dele para ajudá-lo na busca da renovação
da esperança e consolo no Senhor?

4. Resuma o pensamento de Edwards sobre como deve­


mos tratar o pecado relutante em nossa vida. Por que
essa parte é importante na busca de santidade?

5. Releia a última seção do capítulo, intitulada “a volta da


esperança e do consolo”. Você já teve essa experiência?
O que aconteceu antes disso? Por quê? O que o Senhor
usou para conduzi-lo para fora do deserto? O que você
aprendeu como resultado dessa experiência?
10

Razões para esta doutrina

Sempre um teólogo cuidadoso, Edwards leva-nos, agora, a


considerar quando foi que o pecado entrou em suas vidas, e as ra­
zões pelas quais Deus conduz as pessoas a tempos de aflição, antes
de restaurar-lhes a esperança e o conforto. Edwards considera três
razões pelas quais, nessas horas, temos de passar pelo deserto, bem
como três razões pelas quais o pecado tem de ser morto antes da
renovação da esperança e o consolo.

*****

Tendo mostrado que Deus dá esperança e consolo à alma


depois da aflição e humilhação do pecado e da morte do pertur­
bador, tanto na primeira conversão quanto depois, passo agora a
dar as razões para esta doutrina.

Por que o deserto?


Quero demonstrar, aqui, por que Deus dá consolo depois da
aflição e humilhação por causa do pecado; por que ele conduz
antes da consolação, a alma a um deserto, ao vale de Acor, antes
de abrir uma porta de esperança.

Para a preparação da alma


Uma das razões é para que a alma seja preparada para se
aplicar confiante a Cristo para a própria consolação. A vontade
132 A busca da santidade

de Deus é que não exista outro caminho para a concessão de


verdadeira esperança e conforto, senão por Cristo Jesus. Somente
por meio dele o pecador recebe consolo na conversão; e só por
meio dele os santos obtêm esperança e conforto, depois de se
terem desviado. Obtemos, portanto, tal consolação, olhando para
Jesus, buscando nele o refúgio eficaz. Para isso, as pessoas pre­
cisam conhecer a necessidade que têm de Cristo, e, assim, serem
sensibilizadas quanto ao pecado e à miséria, quanto à própria afli­
ção, reconhecendo a total incapacidade do coração. Isso não ocor­
re somente no homem natural, mas também nos crentes caídos
em pecado, em situações de morte e insensibilidade - necessita­
dos de algo que os force a reconhecer sua própria necessidade de
Cristo. Os que se julgam melhores, na verdade, não sentem tanta
necessidade de Cristo. Sentem necessidade de mais sensibilidade.
Especialmente estes que se desviaram e que se encontram em si­
tuações de doença e morte precisam mais de aflição e humilhação
para sentir necessidade de Cristo e terem a mente preparada para
renovação da confiança em Cristo como o único remédio. Nesses
casos, os piedosos estão doentes de um mal que somente Cristo,
o grande Médico, pode curar. Precisam saber sobre o mal que
sofrem para que reconheçam a necessidade do médico. Assim, tal
como os homens naturais, tais crentes precisam passar por tem­
pestades e lutas a fim de perceberem a necessidade de recorrer ao
único esconderijo da ventania e refúgio da tempestade.
O cristão que se afasta de Deus é como a pomba que Noé
libertou, depois do dilúvio. Voou até se cansar em busca de um
lugar de descanso, e, não encontrando onde pousar os pés, voltou
para a arca. É necessário, portanto, que a alma da pessoa piedosa,
quando se afasta de Cristo, venha a se cansar, ficando até mes­
mo, sem arrimo para os pés, para que perceba a necessidade de
retomar à arca verdadeira. Diz Oseias 2.6, sobre os filhos de Is­
rael: “Eis que cercarei o seu caminho com espinhos; e levantarei
um muro contra ela, para que ela não ache as suas veredas”, e,
em nosso contexto: “Ela irá em seguimento de seus amantes, po­
rém não os alcançará; buscá-los-á, sem, contudo, os achar; então,
dirá: Irei e tomarei para o meu primeiro marido, porque melhor
Razões para esta doutrina 133

me ia então do que agora” (Os 2.7). Quando as almas graciosas se


desviam do marido celestial, isto é, de Cristo, seguindo após ou­
tros amantes. Deus as conduz a angústias e aflições para que lhes
vejam a incompetência e incapacidade para ajudar, a fim de que
se arrependam e voltem para o primeiro e único amor e marido.

Para que o conforto e a esperança sejam


mais valorizados
Outra razão pela qual Deus permite a tribulação é para que
o consolo e a esperança, quando obtidos, sejam mais valorizados.
O valor de um prazer, tal como vemos nas coisas temporais, é
mais reconhecido quando falta. O enfermo reconhece o valor da
saúde. O que sofre dor valoriza mais o aprazimento. O navegante
colhido pela tempestade em alto mar valoriza a segurança da bo­
nança na costa. Os que estão sujeitos aos sofrimentos da guerra
sabem valorizar a paz. Quem está sujeito às privações do cativei­
ro e da escravidão aprende a valorizar a liberdade. Assim tam­
bém ocorre nas coisas espirituais. Aquele que enxerga a própria
miséria e desesperança está mais bem preparado para valorizar
a esperança. Quem se aflige com o medo do inferno e da ira de
Deus está mais preparado a acolher a manifestação da esperança
do favor de Deus e da segurança de salvação. Quem chega a ver
seu completo vazio, pobreza e necessidade, e sua condição de
perecimento, estará totalmente pronto para valorizar a plenitude
de Cristo e regozijar-se nas suas manifestações. E as pessoas pie­
dosas que caíram em situação de corrupção e falta de sentido têm
grande necessidade de perceber sua carência de consolo e espe­
rança espiritual. Vivendo como vivem, têm pouco senso do valor
desse consolo e das inestimáveis bênçãos salvíficas que Deus lhes
concedeu - senão eles não seriam tão ingratos para com Deus.
Se não errassem, desprezando o consolo espiritual, como os fi­
lhos de Israel em relação ao maná, seus corações jamais teriam se
desviado tanto em vaidades, deleites carnais e prazeres terrenos.
Precisam chegar às aflições e sombras para se tomarem sensíveis
ao valor da esperança e do consolo de Deus em Cristo. Precisam
ser lev ados ao deserto por um tempo, para vagar e sofrer fome e
134 A busca da santidade

sede na aridez, para valorizar os seus vinhedos. Se tal senso de


perdão dos pecados, favor de Deus e esperança de vida eterna não
for valorizado, não haverá maior consolo e alegria para a alma.
As aflições que antecedem a consolação do Senhor servem para
tomar maior ainda essa alegria e são atos de misericórdia para
aqueles a quem Deus concede o consolo.

Para reconhecimento do poder e da graça divina


Outra razão, ainda, é para que o poder e a graça divina sejam
reconhecidos na esperança e na consolação. Há nos homens, na­
turalmente, uma grande insensibilidade quanto à dependência de
Deus, bem como enorme disposição para atribuir as coisas de que
desfrutam a si mesmos ou a causas secundárias. Tal disposição
domina o homem natural. Eles estão totalmente sob controle da
carne. Precisam, portanto, ser ensinados quanto à sua incapaci­
dade, insuficiência e total desmerecimento. De outro modo, se o
conforto e a esperança lhes forem concedidos, deverão se sujeitar
a renovada humilhação para não atribuírem tudo a si mesmos ou
a outra criatura e a darem a Deus toda a glória. É o modo de Deus
agir, primeiro humilhando o pecador, antes de consolá-lo.
Toda essa disposição autoconfiante não é extirpada dos cora­
ções dos piedosos e prevalece especialmente quando eles abrigam
maus pensamentos. É necessário, antes que lhes seja concedido
maior consolo, que sejam sujeitos à humilhação redobrada. Pre­
cisam ver que criaturas incapazes são, para que, quando a luz
lhes for concedida, entendam que ela procede de Deus e não de si
mesmos ou de outra criatura. Por meio de aflições e humilhações,
são preparados para admirar o poder e a misericórdia de Deus em
livre graça para com eles. Enquanto os homens continuarem na
plenitude de uma terra abundante, não aprenderão sua própria in­
capacidade. Assim, Deus os envia ao deserto. Essa é, claramente,
uma das razões pelas quais Deus assim tratou os filhos de Israel,
como diz o texto. Antes de vagar pelo deserto, a igreja de Israel
não atribuiu seu conforto ao Senhor, conforme diz o versículo (Os.
2.8): “Ela, pois, não soube que eu é que lhe dei o trigo, e o vinho,
e o oleo, e lhe multipliquei a prata e o ouro, que eles usaram para
Razões para esta doutrina 135

Baal”. Atribuiu aos ídolos. Semelhantemente, no versículo 5:


“...Irei atrás de meus amantes, que me dão o meu pão e a minha
água, a minha lã e o meu linho, o meu óleo e as minhas bebidas”.
E, no versículo 12, diz: “Esta é a paga que me deram os meus
amantes”. Por esta razão, Deus retirou dele todas essas dádivas,
como segue no versículo 9: “Tomar-me-ei, e reterei, a seu tempo,
o meu trigo e o meu vinho, e arrebatarei a minha lã e o meu linho,
que lhe deviam cobrir a nudez”. Nos versos 11 e 12, também diz:
“Farei cessar todo o seu gozo, as suas Festas de Lua Nova, os
seus sábados e todas as suas solenidades. Devastarei a sua vide
e a sua figueira, de que ela diz: Esta é a paga que me deram os
meus amantes; eu, pois, farei delas um bosque, e as bestas-feras
do campo as devorarão”. Deus tirou suas vinhas e tomou-as mato
fechado, fazendo com que reconhecessem que tudo procedia da
mão do Senhor, para, só então, restaurar-lhes as bênçãos. E pró­
prio de Deus trazer aflições e humilhar seu povo, em função do
pecado, antes de consolá-lo.

Por oie o perturbador tem de ser morto

Passo a mostrar por que a esperança e o consolo não são


obtidos antes que seja morto o perturbador, o pecado.

O pecado é inimigo mortal de Deus


Enquanto o pecado estiver sendo acolhido e preservado vivo,
ele provocará o desagrado e a ira de Deus. O pecado é inimigo
mortal de Deus. O pecado é inimigo irreconciliável de Deus, que
o odeia de todo coração. Quando abrigamos o pecado e permiti­
mos que ele governe nossa prática de vida, só podemos esperar
que nossa maldade provoque o desagrado do Senhor. O conforto
espiritual consiste na manifestação da graça e na comunhão com
Deus. Como, pois, podemos esperar sua mercê ao mesmo tempo
em que abrigamos o seu inimigo mortal? Vemos o que Deus disse
a Josué enquanto Acã permanecia vivo: “já não serei convosco,
se não eliminardes do vosso meio a coisa roubada” (Js 7.12).
136 A busca da santidade

O pecado impede os exercícios da graça


A tendência natural do pecado é de obscurecer a mente e per­
turbar a consciência. Nada há nada que fira mais uma consciência
bem informada do que o pecado. O pecado é o inimigo da graça e
sua tendência natural é de se opor e rebaixar os exercícios da gra­
ça, extinguindo o consolo espiritual - o consolo espiritual só vem
por meio dos exercícios da graça. Aquilo que impede os exercí­
cios da graça obscurece as evidências do bem da alma do homem.
O pecado tira nosso conforto espiritual assim como as nuvens
escondem a luz do sol. O pecado, portanto, tem que ser tirado
para que recebamos a luz e o consolo do Senhor. É impossível,
por nossa própria natureza, ter luz espiritual e conforto antes da
mortificação do pecado. Se os pecadores recebessem consolação
enquanto reina o pecado, esta não poderia ser de ordem espiritual.
Conforto espiritual e graça são uma e a mesma coisa. Havendo
graça, o pecado não reina, porque é da natureza da graça fazer
morrer o pecado que há em nós. O conforto espiritual não pode
ser maior que a mortificação do pecado.

Para evitar o abuso da esperança de vida eterna


A esperança da vida eterna, se fosse dada antes da mortifi­
cação do pecado, seria mal-utilizada e, até mesmo, abusada. Se
fosse possível obter um título de vida eterna antes de fazer mor­
rer o pecado e ter a segurança e o favor de Deus, o pecador seria
mais ousado a pecar e encorajado a viver no pecado. A esperança
seria falsa e acabaria sendo uma influência perniciosa. Temos
necessidade de temer a Deus para podermos restringir o pecado.
Se não tivéssemos temor antes da mortificação do pecado, logo
incorreriamos em toda espécie de maldade, sem restrições. Os
crentes têm necessidade desse temor que limita o pecado, pois,
às vezes, o amor está adormecido. Precisamos de um princípio
efetivo que nos restrinja. Se não estiver sendo exercitado, o amor
não restringirá o homem - nessas horas, precisamos do temor de
Deus. Em sua sabedoria, Deus assim ordenou que, em ocasiões
tais em que as evidências da graça estejam obscurecidas, as es­
peranças estiverem anuviadas e o amor não estiver acordado, os
Razões para esta doutrina 137

homens temam a fim de terem poder para restringir o pecado.


Até os piedosos, se sua esperança estivesse viva nas horas em
que estão sendo carnais e impensantes, estando dormente a graça,
estariam em grande perigo de abusar da esperança e de ceder às
cobiças, ou de, pelo menos, serem menos cuidadosos na resis­
tência à tentação. Em tais casos, embora as esperanças estejam
obscurecidas e eles tenham um considerável grau de temor, ainda
assim são descuidados e negligentes. Quanto mais o seriam se
não tivessem o temor para restringi-los!

Perguntas para estudo


1. Jonathan Edwards julgava importante compreender,
quanto possível, naquilo que as Escrituras explicam, por
que Deus faz o que faz. Procure resumir as razões pe­
las quais Deus leva seu povo a sofrer aflições, antes de
restaurar a esperança e o consolo. Por que (três razões)
é necessário que os santos experimentem um “tempo no
deserto”, quando negligenciam a busca da santidade?

2. Por que é necessário que o pecado, o “perturbador da


alma”, seja totalmente morto, antes que a esperança e o
consolo sejam renovados e prossigam na jornada para
a santidade (três razões)?

3. Suponha que você tenha um amigo crente que o pro­


cure para conversar. Diz que ultimamente está depri­
mido e perturbado, que parece estar longe de Deus.
Começou a duvidar de sua salvação e teme que Deus
o tenha abandonado. Quais são algumas das perguntas
que você poderá fazer para auxiliá-lo a entender onde é
que ele se encontra, e o porquê, e o que deve fazer para
voltar ao caminho de esperança e conforto?

4. Sabendo o que você sabe sobre a tendência do pecado


para encontrar guarida em nossa alma, desviando-nos
138 A busca da santidade

do caminho de santidade para um deserto de trevas e


aflições, o que você pode fazer para assegurar que isso
não ocorra com você? Caso aconteça, e você perceba
cedo, quais serão os passos necessários para vencer
as sombras (tais como os delineados na pergunta 3,
acima)?

5. Revise os alvos que você traçou, no final do pri^mei^o ca­


pítulo. Você está progredindo? Já começa a compreen­
der melhor a graciosa obra de Deus na santificação,
como também o que isso requer de nós ao procurarmos
santidade no Senhor? Como?
11

Aplicação da doutrina

Edwards passa à aplicação, mostrando como a doutrina até


agora desenvolvida - da passagem por aflições antes que a espe­
rança e o conforto sejam concedidos - leva-nos a exaltar a sabe­
doria de Deus. Ao examinar nossa esperança e consolação atual
- verdadeira ou não - e seguindo as instruções da Escritura quanto
à extirpação do perturbador de nossas almas, podemos recuperar o
caminho da procura de santidade e bênção no Senhor.

*****

Uso da instrução

A maravilhosa sabedoria de Deus


Observamos a maravilhosa sabedoria de Deus no tratamento
das almas dos homens. Quando consideramos o que foi dito e as
razões apontadas, temos motivo para admirar a sabedoria divina
no tratamento daqueles a quem deseja consolar. Sua sabedoria
é admirável no tratamento do homem natural, preparando-o da
única maneira possível para a consolação. Assim, por meio de
aflições e espinhos, conforme expresso no contexto, depois de
deixá-lo ir após amantes e ídolos e de todas as coisas em que
confia, depois de tirar seu vinhedo e de tomá-lo um lugar inóspi­
to, Deus expõe sua natureza humana decaída, pobre e destituída,
habilitada para receber conforto.
Admiramos também a sabedoria divina no método de tratar
05 santos que tropeçam e caem em pecado, atitudes corruptas e
140 A busca da santidade

caminhos tortos. Deus sabe como ordenar as coisas a respeito de­


les. Observamos a maravilhosa sabedoria no tratamento de cada
indivíduo. Maravilha-nos a sabedoria de Deus na ordenação de
todas as coisas para sua a própria glória, assegurando que a glória
devida ao seu poder e livre graça conceda aos homens o senti­
mento de dependência que atribui o louvor a Deus. Ele ordena
todas as coisas para a glória de seu Filho, o qual entregou a vida
para a salvação dos homens, a fim de que ele tenha toda a glória
da salvação dos homens. Além disso, como Deus ordena as coi­
sas para o bem de seus eleitos, trazendo o bem a partir do mal,
e luz a partir das trevas. Como Deus transforma aquilo que mais
parece estar contra nós em bem e conforto para a alma. Com sa­
bedoria, ele prepara o nosso bem e abre caminho para o conforto,
sendo estes, uma vez obtidos, intensamente doces e deleitosos.
Muitas vezes, permitindo que sobrevenham coisas que são toma­
das como sinais de maldade, Deus impede que as pessoas abusem
de um falso senso de segurança própria e deem rédeas soltas à
cobiça. Sob tal perigo e ameaça, Deus permite que as pessoas
temam, a fim de que se desviem do pecado e passem a servir a
Deus mais diligentemente.
Quando consideramos estas coisas, exclamamos juntamente
com o apóstolo: “O profundidade da riqueza, tanto da sabedoria
como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus
juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!” (Rm 11.33.)

Razão para encorajamento


Aprendemos que as almas que estão em trevas e desertos não
têm razão para desanimar, pois, muitas vezes, esta é a maneira
pela qual Deus nos conduz à esperança e ao consolo. As pessoas
chegam ao desespero. Parece que Deus franze o cenho sobre suas
vidas. Têm forte senso da ira de Deus. Clamam, mas Deus parece
não ouvir suas orações. Lutam para obter alívio, mas nada lhes
parece adiantai. Tudo lhes parece escuro, tudo parece se lhes opor.
Estão perdidas no deserto e não conseguem achar o caminho de
saída. Dão muitas voltas e retomam ao mesmo lugar. Não sabem
aonde ir ou o que fazer. Seus corações estão prestes a sucumbir.
Aplicação da doutrina 141

Entretanto, não temos causa para nos desesperar, pois pode­


mos receber encorajamento da doutrina da consolação por meio
de aflições. E próprio de Deus trazer as pessoas a circunstâncias
aflitivas a fim de prepará-las para a esperança e o consolo. Os
filhos de Israel estavam prestes a desanimar ante a perseguição
de Faraó e seu exército. Mas era plano de Deus prepará-los para
maior alegria depois do livramento. Josué e o exército de Isra­
el também provaram desencorajamento quando abatidos em Ai,
conforme relata Josué 7. Você, que se encontra no deserto, poderá
encontrar novo ânimo buscando sinceramente a Deus, na espe­
rança de luz e consolo, a seu tempo.

Uso do autoexame

As pessoas devem examinar a si mesmas para ver se é cor­


reto o tipo de esperança e conforto que entretêm. Devem estar
certas de que seja segundo a doutrina da esperança encontrada no
vale de Acor, no sentido que já foi explicado. Isso é um sinal de
que esta é uma esperança dada por Deus, que não pode ser des­
prezada, mas acolhida com regozijo, e devemos bendizer a Deus
por isso. Pergunte, de coração, se tais esperanças e consolo surgi­
ram na alma mediante a humilhação e a mortificação do pecado.

Examine se a esperança e o consolo são


provenientes da humilhação causada pelo pecado
Há, pelo menos, três maneiras para examinar se suas espe­
ranças e confortos foram concedidos à alma em virtude de humi­
lhação ante o pecado:

1. Entenda a miserabilidade e incapacidade da criatura hu­


mana e a sua própria. Pergunte se a esperança e o consolo que
surgem no coração são provenientes de uma percepção adequada
de si mesmo. Seu coração estava preparado para receber a espe­
rança concedida? Quando sente marcantes alegrias e confortos,
como que advindos do favor de Deus e da presença de Cristo,
142 A busca da santidade

seus sentimentos são acompanhados da necessária consciência de


carência e de indignidade, próprias de pobres criaturas que ainda
experimentam a decadência do pecado e que nada merecem?
Não verifique apenas se você teve essa visão de si mesmo,
antes de sentir-se confortado. Se realmente houve um entendi­
mento correto de si mesmo, do coração e do estado de alma, cer­
tamente ele perdurará depois da aflição e do conforto. Ele será
reavivado de tempos em tempos. Se você experimentou uma vi­
são correta de si mesmo, quando primeiro recebeu a consolação,
na salvação, certamente ela reaparecerá em tempos oportunos.
Cada vez que seus confortos forem reavivados, a percepção de
sua condição será juntamente reavivada. Se a primeira alegria do
coração, Cristo, já foi assegurada a um coração preparado, have­
rá, de tempos em tempos, um senso de indignidade e de incapaci­
dade própria associado à alegria e ao conforto. A verdadeira con­
solação ocorre dessa maneira. Geralmente, vem acompanhada de
um senso de esvaziamento do coração. Assim, ao mesmo tempo
em que eleva a alma com conforto, alegria e doçura interior, Deus
também permite o abatimento. A humildade evangélica e graciosa
e o consolo espiritual são companheiros de peregrinação. Quando
um vem, o outro o acompanha.
Não é assim com falsas esperanças e falsos confortos. Orgu­
lho e egoísmo acompanham o falso consolo, ainda que seja acom­
panhado de certa humildade, falsa. Examinado de perto, o falso
conforto, e até sua aparente humildade, enche a alma de vento,
isto é, de uma avaliação pessoal errada. O hipócrita, em tempos
de maior alegria e esperança, olha para dentro de si mesmo. Seus
pensamentos se enchem da própria excelência, santidade, e emi­
nência - como é inigualavelmente melhor do que a maioria de
seus vizinhos e como Deus deveria amá-lo mais do que à maioria
das pessoas, dando-lhe maior distinção, melhores experiências e
razões para maior deleite.
O verdadeiro conforto espiritual trabalha de outro modo.
A alegria graciosa e a pobreza de espírito andam juntas e se
comprazem na mútua companhia. As vezes, os piedosos podem
sentir alegrias que não se fazem acompanhar do tipo correto de
Aplicação da doutrina 143

abatimento. Poderão se colocar em pé, com autoconfiança e pre­


sunção, mas tais alegrias são provenientes de autoengano, jamais
espirituais. Não procedem do Espírito de Deus. E possível, ao
homem piedoso, ter falsas alegrias, como também outros exercí­
cios de corrupção, ou mesmo, uma mistura de um com o outro.
Mas a alegria da graça está sempre ligada à pobreza de espírito e
jamais a abandona.

2. Você deve examinar qual é o fundamento sobre o qual a


esperança e o consolo estão sendo edificados: se é somente em
Cristo, ou baseado em própria justiça. Se quiser saber que espécie
de conforto você tem, rastreie-o até sua fonte e verifique o ma­
nancial. Examine o fundo e o fundamento sobre o qual se firma.
Se a esperança for do tipo daquela concedida no vale de Acor, seu
fundamento não terá sido a justiça própria. Examine, portanto, o
que é que o acalma quanto aos pecados passados, o que aquieta
sua consciência: seria o senso da livre, soberana e infinita graça e
misericórdia de Deus em Cristo? O que alivia o seu fardo, a culpa
dos pecados? Seria aquilo que você vê em Cristo, o evangelho
de sua graça? Ou será o pensamento de que você realizou coisas
boas, marcantes obras de afeto para com Deus, tomando-se belo e
agradável aos seus olhos? O que é que o faz esperançoso do favor
de Deus? Seria achar que Deus olha do céu para o seu coração
e vê suas experiências graciosas que o tomam merecedor de sua
graça? Ou a esperança do favor de Deus se fundamenta no senso
da dignidade de Cristo, da misericórdia salvadora de Deus nele
exercida e em sua fidelidade em relação às promessas feitas por
meio de Cristo?

3. Pergunte sobre os efeitos da consolação, se causam


ardente disposição e desejo de exaltar a Deus e de humilhar-se
diante dele. Às verdadeiras alegrias e confortos, quando prove­
nientes do Espírito Santo, e bem fundamentados na fé, operam
desta forma: provocam um desejo intenso da exaltação de Deus
e uma profunda consciência do pó que somos, conforme diz o
Salmo 115.1: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá
144 A busca da santidade

glória, por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade”. A repe­


tição da expressão “não a nós” indica como era ardente a convic­
ção do coração do salmista. Quando Deus se apraz em levantar a
luz de seu rosto sobre a alma e conceder doçura interior advinda
da manifestação de sua glória, há sempre um anseio interior de
humilhação. O cristão percebe, então, mais que em outras horas,
como lhe fica bem o conhecimento de que é apenas pó e quão
digno de toda glória são Deus e o seu Cristo. O cristão percebe
quanto tem de se curvar diante de Deus, por ser tão pecador, e a
alma suspira em humildade diante de Deus.

Examine se a esperança e o consolo


provêm da mortificação do pecado
Pergunte se sua esperança provém da morte do pecado. Se
a esperança for baseada naquilo que obtivemos antes da extinção
do pecado, nós o teremos obtido cedo demais. Não será evidência
suficiente da eficácia da graça, o fato de a esperança ter vindo de­
pois de muitas aflições e sofrimentos ou grande arrependimento
pelo pecado e maldade, ou por reformas e abstinências de peca­
dos anteriores ou de alguma prática do mal. Se essa esperançafor
verdadeira, ela terá sido dada depois da mortificação do pecado.
Para determinar melhor este ponto, consideremos as seguintes
perguntas:

1. A sua esperança é acompanhada de coração e vida que,


agora, fogem do pecado? Ou não há muita diferença entre o que é
agora e o que havia antes? Sabemos que a conversão evangélica
significa uma grande mudança. Todos nós aprendemos que tal
mudança consiste em deixar o pecado e voltar para Deus. Por­
tanto, tem de haver uma grande mudança. Será que é assim com
você? Não pergunto se você viu grande mudança quanto à espe­
rança e consolo, porque antes não considerava estar em Cristo e
agora você tem esperança e confiança, nova alegria e elevação de
espírito. Pode ser que haja grande mudança a esse respeito, con­
tudo, você permaneça sem Cristo. Mas o seu coração se desviou
do pecado e se colocou contra o mal?
Aplicação da doutrina 145

2. Pode ser que você diga: “Ainda vejo abundante corrupção


e maldade em meu coração, e, às vezes, descubro ainda mais”. En­
tretanto, quer você veja menos ou mais corrupção no coração, seu
coração se volta contra a corrupção que vê? Há grande diferença
entre fugir do pecado e fazer-lhe resistente oposição. Sua vontade
está realmente voltada contra o pecado, aborrecendo a si mesma,
e não dando ao pecado qualquer liberdade de ação. O pecado lhe
é intolerável? Você tem como alvo guardar vigilantemente todos
os mandamentos de Deus, evitando todo mal e toda falsidade,
para, em todas as coisas, enquanto estiver em seu poder, agradar
e honrar somente a Deus? Será esta a tendência de sua esperança?
Que ela tenha a influência santificadora que nos desvia do peca­
do e desperta a pureza da alma. Para a maioria dos que possuem
esperança, existe muita oportunidade de ter tal experiência, de
forma que, por um autoexame imparcial e acurado, possam res­
ponder a estas perguntas. Aqueles que obtiveram a experiência
depois de terem se desviado de Deus, devem perguntar de que
maneira a esperança foi restaurada. Na verdade, os hipócritas não
tendem tanto a perceber e sentir o abatimento quanto aqueles que
possuem a esperança verdadeira. As falsas esperanças e confortos
aparentes do hipócrita subsistem, podendo até mesmo continuar
aninhadas debaixo do pecado e de práticas nefastas. Porém, se
uma pessoa piedosa cai nelas, sobremaneira se entristece. Alguns
hipócritas vivem de modo muito imoral e continuam confiantes,
parecendo não ter abalada a esperança, jactando-se de ter tanta
alegria e conforto quanto sempre. Mas o verdadeiro consolo que
flui do exercício e do sopro do Espírito de Deus no coração é ne­
cessariamente suprimido, causando grandes aflições.
Talvez sua experiência não tenha sido a de uma vida de hi­
pocrisia, mas igualmente falha. Antes, nas ocasiões em que des­
viou para o pecado, você logo percebeu a esperança se esvair, a
consciência acusá-lo de prática contrária à vontade de Deus, e viu
assomarem dúvidas quanto à esperança, mas você logo recuperou
a força de um tipo de esperança - pergunte-se como foi que a ob­
teve de volta. Muitos mestres enfermiços têm a tendência de obter
esperança de maneira bem diferente que a dos verdadeiramente
146 A busca da santidade

piedosos, em profunda humildade face ao pecado, mortificando


o perturbador, conforme já descrevemos. Sentem que, agora, sa­
bem mais do que antes da aflição, e, assim voltam-se à mesma
falsa esperança. Se tiverem vivido em vil sensualidade durante
algum tempo, e, então, abandonaram o pecado, olham para a pró­
pria reforma como se fosse um tipo de expiação e readquirem
uma esperança sem humilhação nem abatimento, sem convicção
da maldade de seus caminhos, sem especial arrependimento, sem
consciência da vileza e sem retomo ao refúgio da misericórdia
de Deus em Cristo. Não deixaram os maus caminhos em que an­
davam. Se, no seu caso, o consolo e a confiança foram recobra­
dos, depois de grandes desvios do caminho, sem uma mudança
de natureza, é de temer que você tenha se baseado em sua própria
justiça para forjar esperança e conforto.
Pergunte a si mesmo se, nas horas em que se sente mais
confortável, você se dispõe a tomar cuidado para evitar o peca­
do e lutar para viver em santidade. As vezes, a esperança dos
hipócritas é muito confiante. Assim, o grau de confiança não é
evidência séria de verdade ou autenticidade. Devemos examinar
qual o efeito dessa forte confiança sobre nós. Será que, quan­
do é forte a esperança e estamos satisfeitos com a condição de
segurança, temos menos cuidado para evitar o pecado e menor
disposição de frear nossas cobiças e resistir à tentação ou de nos
atermos àquilo que é nosso dever? Se assim for, será um mau
sinal, marcando de modo negativo nossas esperanças e consolos.
Uma esperança verdadeira promove aquele que se deixa purificar
e luta com maior sinceridade contra a impureza. “E a si mesmo
se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é
puro” (lJo 3.3). São condenáveis aqueles que, achando-se jus­
tos, e, consequentemente, merecedores da vida eterna, confiam
nesse tipo de esperança, dando a si mesmos maior liberdade para
pecar: “Quando eu disser ao justo que, certamente, viverá, e ele,
confiando na sua justiça, praticar iniquidade, não me virão à me­
mória todas as suas justiças, mas na sua iniquidade, que pratica,
ele morrerá” (Ez 33.13).
Aplicação da doutrina 147

O USO DA DIREÇÃO

No caso de Deus conceder esperança e consolo, depois da


humilhação e aflição em consequência ao pecado e depois da
mortificação do perturbador, as almas que experimentaram sofri­
mento e nuvens espirituais receberão, com o conforto, o direcio­
namento no rumo a ser tomado para que a alma se levante.

Renúncia e abandono de comportamentos


pecaminosos
Primeiro, renuncie e abandone a todos os comportamentos
pecaminosos. A esperança e o conforto não podem ser espera­
dos até que o pecado esteja abandonado ou mortificado. Se tal
reforma não for completa, não pode haver esperança de conso­
lo, por mais que se cumpram os deveres específicos. As pessoas
que estão despertadas - e que buscam verdadeira esperança de
salvação - têm que renunciar a toda prática do mal. Devem son­
dar seus caminhos e considerar o que porventura estiver errado:
quais os deveres que deixaram de cumprir e quais as práticas que
deverão abandonar, numa reforma imediata, sem reter pecado al­
gum, negando a impiedade, não omitindo aquilo que Deus requer
e perseverando nisso. Esta postura não deve ser uma abstenção
temporária do pecado, mas uma renúncia permanente. Este é o
modo de matar o perturbador.

Procura sincera de humilhação


A fim de buscar sincera humilhação, é necessário o conven­
cimento do pecado, o exame profundo e a vigilância do próprio
coração. Não podemos depender dos próprios esforços, mas bus­
car sinceramente que Deus conceda uma visão correta de nós
mesmos, convicção do pecado e reconhecimento de que merece­
mos a ira eterna de Deus. Para tanto, é necessário que vigiemos
para não cair de novo, pois a reincidência é um empecilho à hu­
milhação. Qualquer progresso havido mediante convencimento
do Espírito de Deus pode ser totalmente perdido por causa do
retrocesso. Outra vez, o coração se tomará cego e estupidificado,
148 A busca da santidade

desviando o homem da visão da condição da alma e do conheci­


mento de si mesmo.

Busca do perturbador
Procure, com afinco, descobrir o perturbador, isto é, desco­
brir aquilo que impede o crescimento espiritual. Quando os pie­
dosos estão em trevas, não é por falta do amor de Deus nem da
boa disposição de Deus para lhes dar consolação. Certamente o
pecado é, de alguma forma, a causa das sombras. O perturbador
jaz à porta. Sem dúvida, há algum impedimento no arraial, afas­
tando-os da presença de Deus. Sendo assim, se você deseja que
a luz seja reavivada e que seja renovada a presença consolado-
ra de Deus, é necessário, primeiro, procurar a causa e destruir o
perturbador.
Muitas pessoas, quando em trevas, procedem de maneira er­
rada: examinam experiências passadas. E isto deveria ser feito.
No entanto, elas gastam tempo procurando coisas boas na própria
vida, quando deveríam gastar mais tempo retirando aquilo que
é mau. Qualquer bem que exista não será encontrado até que se
encontre e elimine o pecado que o obscurece. Aquilo sobre o que
refletem, e que antes pensavam ser bom, não lhes trará satisfação
até que o mal seja desarraigado. Vão pelo deserto, perguntan­
do sobre a causa das sombras e aflições. Indagam se acolheram
corretamente a obra do Espírito de Deus em seu coração, se re­
almente estão entre os filhos de Deus. Contudo, o Pai esconde
delas a face e elas se perguntam sobre as coisas ocorridas, atô­
nitas como Josué diante da derrota de Israel, em Ai. As vezes,
chegam a duvidar que sejam filhas de Deus. Oram, pedindo que
Deus lhes renove o consolo. E deveríam mesmo orar. Contudo,
precisariam ainda fazer algo mais. Josué gastou muito tempo em
oração, pesaroso ante a aflição de Israel. Prostrou-se, rosto em
terra, até o anoitecer, indagando por que Deus havia se retirado
deles. Mas Deus lhe disse: “Levanta-te! Por que estás prostrado
assim sobre o rosto?” (Js 7.10), como que dizendo: “Você precisa
fazer mais do que ficar prostrado”. “Israel pecou, e violaram a
minha aliança, aquilo que eu lhes ordenara, pois tomaram das
Aplicação da doutrina 149

coisas condenadas, e furtaram, e dissimularam, e até debaixo da


sua bagagem o puseram!” (Js 7.11). E no versículo 13: “Dispõe-
te, santifica o povo”!
O que aprendemos daí é que, quando alguém tiver a espe­
rança obscurecida e estiver insensível à consolação de Deus, tem
que se levantar para descobrir o perturbador. De nada adiantará
ficarmos prostrados, lamentando e chorando diante de Deus. Há
mais trabalho a ser feito além da necessidade da oração.
Permita-me instar que a obra seja feita de maneira completa
e minuciosa. Há casos em que é difícil encontrar a coisa condená­
vel. O coração humano tende a proceder como Acã, que escondeu
na terra, no meio da tenda, o objeto da condenação (Js 7.21). Es­
condeu bem. Não se contentou em escondê-lo no lugar mais se­
guro da tenda, mas cavou o chão e o enterrou sob os pés, para não
deixar nenhum traço do mal. São assim os corações enganosos
das pessoas, escondendo as coisas condenadas que as perturbam.
Quando procuram indícios do problema, as causas de suas trevas,
procuram uma coisa e outra, mas não veem a razão principal das
aflições. Sequer lhes passa pela cabeça qual seja a raiz do mal.
Vasculham a tenda, mas apenas na superfície. Têm de cavar o
chão ou jamais encontrarão o perturbador. Quando falam sobre
seus sofrimentos e passam a procurar as causas pecaminosas, al­
gumas pessoas prontamente admitem culpa, contudo, desconhe­
cem o verdadeiro Acã. Ainda que confessem a corrupção do pró­
prio coração, operante em seus pensamentos, a causa principal
de seu obscurecimento permanece escondida, enterrada. Pode ser
alguma forma de orgulho ou avareza, de inveja ou maledicência,
de má-vontade para com o próximo, de obstinação ou de outra
forma indigna de comportamento.
Em alguns sentidos, é muito mais fácil dar-se conta e expor
pecados que consideramos menores do que lidar com as grandes
causas do problema. Assim, as pessoas coam mosquitos e engo-
lem camelos. Estão dispostas a sentir que os pecados comuns a
todos e dos quais todos se queixam, tais como as operações cor­
ruptas do coração, não são igualmente indesejáveis. É comum ou­
vir pessoas piedosas comentarem, sem temor, sobre pecados que
150 A busca da santidade

consideram sem importância. Mas a maldade, o comportamento


altivo e muitas outras coisas que poderiam ser mencionadas são
igualmente desagradáveis. Mas tais pessoas não estão dispostas a
identificar os próprios pecados, chamando-os por nomes agradá­
veis, racionalizando-os e escondendo-os, como fez Acã, enterran­
do os objetos da condenação. Os pecados que mais as perturbam
e que têm maior domínio sobre seus corações, cegando e prejudi­
cando suas mentes, passam ignorados. São rápidos para detectar
e revelar os pecados dos outros, principalmente dos que se lhes
opõem, mas lentos para tratar com os próprios pecados, escolhen­
do ignorar as causas escondidas, e continuam nas sombras.
É muito difícil achar o perturbador. É preciso examinar com
cuidado toda a questão, não poupando esforços nem subornando
a consciência, mas fazendo um sério esforço para proceder uma
busca imparcial. Para isso, consideremos o que Deus disse a Jo­
sué: “já não serei convosco, se não eliminardes do vosso meio a
coisa roubada” (Js 7.12).

Seja meticuloso na destruição do perturbador


Quando tivermos descoberto o perturbador, teremos de nos
certificar que ele seja completamente destruído. Rejeite-o com
aversão, como a uma vil serpente aninhada sob sua cabeça, no
secreto do seu sono. Quantas vezes ela tem inoculado sua peço-
nha, deixando-o enfermiço e em dores, sem que você soubesse a
causa! Não seria o caso de, uma vez descoberta, a víbora, fosse
atacada e esmagada, com toda indignação, para sempre? E não
haveria extrema vigilância a fim de não ver repetida igual cala­
midade? Jamais seremos exagerados na luta para destruir o ini­
migo, para desabrigá-lo e extirpar toda a sua raça. Aqueles que se
encontram em trevas de aflição, ouso dizer: se aprouver a Deus
orientá-los nessa direção, logo terão as trevas dissipadas e verão
surgir esperança e consolo. Esta é a forma mais segura de reno­
varmos o conforto da alma. De outra maneira, não poderemos
prometer nenhuma quantidade considerável de luz ou conforto
da vida, por mais que as experiências sejam examinadas e que
oremos a Deus, pedindo iluminação.
Aplicação da doutrina 151

Perguntas para estudo

1. Recapitulemos o que foi visto nas duas últimas partes.


Somos chamados a buscar a santidade no Senhor, pois
só aí é que encontramos a vida de bênção, de alegria,
de consolo e esperança crescentes. O apóstolo Paulo é o
principal exemplo da razão e da motivação para assumir
nossa responsabilidade na obra santificadora de Deus
em nossa vida. Na primeira parte, como o exemplo de
Paulo nos instrui no caminho de santidade? O que você
achou mais importante para sua própria jornada?

2. A segunda parte mostra-nos que a alegria e o conforto


- a felicidade na busca de santidade - pode, às vezes,
ser interrompida por ocasiões de obscurecimento, mor­
te espiritual e desvio do caminho de Deus. Por que isso
acontece? De acordo com Edwards (capítulo 10), por
que Deus permite que isso aconteça?

3. Uma boa ideia que temos que exercitar é a de examinar


continuadamente a natureza da esperança, da alegria e
do conforto - perguntando-nos sempre quais são suas
fontes e seu fundamento - pois existe a falsa esperança
e a falsa consolação. Segundo Edwards, como se dis­
cernem os falsos consolos e as falsas esperanças daqui­
lo que é verdadeiro e santo?

4. Reveja as divisões deste capítulo, sobre o autoexame


e a direção a seguir. Teça, então, um breve comentário
sobre o uso de cada uma dessas obras importantes:

a) oração e meditação
b) vigilância de si mesmo
c) exame das Escrituras
d) busca do conselho de amigos piedosos

5. Por que Edwards insiste tanto na necessidade de ser­


mos “meticulosos” na destruição do perturbador de
152 A busca da santidade

nossa alma? Como ele nos instrui a fazê-lo? A obra de


santificação, a jornada para a santidade no Senhor, ob­
viamente, toma tempo - na verdade, todo o tempo! De
que modo o seu tempo tem sido consciente e delibera-
damente dedicado à busca da santidade no Senhor?
Parte 3

A PRECIOSIDADE DO TEMPO
E A IMPORTÂNCIA
DE REMI-LO
12

A PRECIOSIDADE DO TEMPO

A santificação e a busca de santidade no Senhor ocorrem den­


tro do tempo. E um dom precioso de Deus - e somos chamados
para sermos bons mordomos do tempo que ele nos dá. Neste ser­
mão, Edwards mostra por que o tempo é tão precioso, apontando as
maneiras em que falhamos na mordomia desse grande dom..
♦ ♦♦*♦

Efésios 5.1b
Remindo o tempo, porque os dias são maus.

Os cristãos deveríam se esforçar não apenas para melhorar


as oportunidades de que gozam, para proveito próprio, como
quem faz um bom negócio. Deveríam se dedicar também ao
resgate de outras pessoas em termos dos maus cursos da vida,
para que Deus retenha a ira e nosso tempo seja redimido da
terrível destruição, quando vier o tempo determinado pela paci­
ência divina. Pode bem ser esta a razão da expressão: porque os
dias são maus. É como se o apóstolo dissesse que a corrupção
dos tempos tivesse a tendência de apressar a ameaça dos juí­
zos, mas nosso andar santo e circunspecto tivesse a tendência
de remir o tempo das presas agudas de tais calamidades. Não
obstante, o que nos é apresentado nas palavras de Paulo é que
devemos ter o uso do tempo em alta estima, cuidando para que
não seja mal-utilizado. Somos, portanto, exortados a exercitar
sabedoria e prudência, aplicando a redenção a cada momento e
156 A busca da santidade

aspecto. Assim sendo, concluímos que o tempo é extremamente


precioso.

Por que o tempo é precioso

O tempo é precioso pelas seguintes razões:

A eternidade depende do tempo


Uma eternidade feliz ou de miséria dependem do bom ou
mau aproveitamento do tempo. As coisas são preciosas na pro­
porção de sua importância ou no grau em que dizem respeito ao
nosso bem-estar. Os homens tendem a colocar maior valor nas
coisas que apelam mais aos seus sentimentos e das quais depen­
dem mais seus interesses. Isso faz com que o tempo seja exces­
sivamente precioso, porque nosso bem-estar eterno depende de
como tratamos bem o tempo. Até mesmo nosso bem-estar neste
mundo depende de cuidarmos bem do tempo. Se não o tratar­
mos bem, correremos o perigo de acabar em pobreza e desgraça.
Quando cuidamos bem do tempo, podemos obter coisas que nos
serão úteis e confortáveis. Mas o tempo é, acima de tudo, precio­
so porque nosso estado eterno depende dele. Em outros aspectos,
a importância de cuidar bem do tempo pode ser subordinada ao
bem-estar temporal.
Os homens consideram preciosos os bens terrenos, mas ouro
e prata não têm nenhum valor, a menos que a pessoa tenha opor­
tunidade de evitar ou remover um mal latente ou de administrar
bem o que quer que possua. Quanto maior o mal de que o homem
possa escapar ou o bem que tenha oportunidade de obter ou que
já possua, qualquer que seja, maior será o valor desse bem. As­
sim, se houvesse um bem que pudesse salvar a vida de alguém,
algo sem o que a própria vida se perderia, tal pessoa consideraria
as coisas que teve a oportunidade de evitar, tal como o grande
mal da morte, como sendo um bem mui precioso. Dessa forma, o
tempo é altamente precioso. Por meio dele, temos oportunidade
de fugir da miséria eterna que os homens experimentam e de
A preciosidade do tempo 157

valorizar bênção e glória aqui e para sempre. Nossa evitação na


participação de um mal infindo depende disso, bem como o pere­
ne gozo de maior e infinito bem.

O tempo é muito breve


O tempo é curto. E este é outro fator que o toma precioso. A
tudo que é raro, os homens atribuem maior valor, especialmente
se esse bem for necessário e imprescindível à vida. Quando Sa-
maria foi atacada pelos sírios, as provisões ficaram tão escassas,
“a ponto de se vender a cabeça de um jumento por oitenta siclos
de prata e um pouco de esterco de pombas por cinco siclos de pra­
ta” (2Rs 6.25). Assim é que o tempo deve ser mais prezado pelos
homens, dado que toda uma eternidade depende dele - sobretudo
porque resta bem pouco tempo. “Porque dentro de poucos anos
eu seguirei o caminho de onde não tomarei” (Jó 16.22). “Os meus
dias foram mais velozes do que um corredor; fugiram e não viram
a felicidade. Passaram como barcos de junco; como a águia que
se lança sobre a presa” (Jó 9.25-26). “Vós não sabeis o que suce­
derá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que
aparece por instante e logo se dissipa” (Tg 4.14). A vida é apenas
um momento ante a eternidade. O tempo é tão curto e o trabalho
que temos a fazer é tão grande que não temos mais tempo a per­
der. A obra que realizamos durante a nossa vida, em preparação
para a eternidade, tem de ser feita a tempo ou jamais será feita. E
uma obra de grande e difícil trabalho, e, portanto, algo que requer
ainda mais tempo.

O tempo é muito incerto


O tempo deve ser considerado precioso, pois não sabemos
quanto ainda nos resta. Ninguém está certo sobre o quanto irá vi­
ver. Sabemos que o tempo é bastante curto, mas, ainda mais, não
sabemos o quanto será breve. Não sabemos quão pouco tempo te­
mos de vida, se um ano ou vários, se apenas um mês, uma semana
ou um amanhã. Todos os dias vivemos incertos sobre se não será
esse o nosso último dia ou se teremos a tarde pela frente. Nada que
experimentamos atesta mais do que isto: se um homem de parcos
158 A busca da santidade

bens fizesse uma viagem, sabendo que, caso faltassem provisões,


morrería no caminho, certamente escolhería com maior cuidado o
que haveria de levar. Quanto mais as pessoas valorizariam o tem­
po, se soubessem possuir apenas alguns meses, ou alguns dias,
para viver! Certamente, o sábio, estando incerto dos seus dias,
prezaria mais o tempo que tem. Multidões mundo afora, gozando
saúde e não vendo sinais da morte próxima - muitos que, sem
dúvida, morrerão no mês que vem, na semana que vem, amanhã
ou esta noite - contudo, prosseguem despreocupadas, sem pensar
sobre o valor da vida e do tempo. No entanto, as pessoas não se
preocupam com o tempo, e ninguém sabe se será tomado antes ou
depois que o seu vizinho. Isto nos ensina que devemos valorizar
nossa vida, sendo cuidadosos para não perder tempo.

O tempo, quando passa, não pode ser recuperado


O tempo é mui precioso porque, quando passa, não pode ser
recuperado. Os homens possuem muitas coisas que, se perdidas,
não lhe farão falta. Se alguém perde algo cujo valor desconhece
ou sem saber o quanto lhe era necessário, pode, muitas vezes,
recuperá-lo, com menor ou maior esforço e pequeno ou grande
custo. Se um homem é preterido num negócio, ou se tiver feito
uma transação de que se arrependa, geralmente, pode obter uma
exoneração ou dispensa e recobrar aquilo perdeu. Mas não é as­
sim com respeito ao tempo - uma vez perdido, é perdido para
sempre: nenhum esforço, nenhum preço o recupera. Por mais que
nos arrependamos de haver deixado passar o tempo, sem remi-lo
quando tivemos oportunidade de fazê-lo, nada conseguiremos.
Toda parcela do tempo é concedida sucessivamente para que es­
colhamos assumi-la ou não. Não há espera: o tempo não para e
aguarda para ver se cumpriremos ou não a sua oferta. Se recu­
sarmos, ele é imediatamente retirado e nunca mais é oferecido.
Quanto à parcela de tempo que se foi, por mais que tenhamos
sido negligentes em melhorá-lo, já estará fora de nossas posses,
fora de nosso alcance.
Se vivemos cinquenta, sessenta ou setenta anos e não apro­
veitamos o nosso tempo, agora isso não pode ser remediado: foi
A preciosidade do tempo 159

embora etemamente, só nos resta remir o pouco que nos resta.


Assim, se a pessoa tiver desperdiçado toda a vida e aproveitado
somente uma parte dela, uma vez que a morte sobrevenha não
haverá possibilidade de restauração ou de outro espaço de pre­
paração para a eternidade. Se uma pessoa perder todos os seus
bens terrenos e achar-se falida, ainda será possível se recuperar
da perda. Poderá conquistar outra situação tão boa quanto a pri­
meira. Mas, quando seu tempo de vida se vai, é impossível que
tempo igual seja obtido. Toda oportunidade para obter o bem
eterno perdeu-se completa e etemamente.

Reflexões sobre o tempo passado

Sabemos da preciosidade do tempo e somos as pessoas a


quem Deus entregou tão precioso talento. Temos diante de nós
a eternidade. Quando nos criou e dotou de alma racional, Deus
nos formou para uma duração sem fim. Deu-nos tempo, aqui, para
que nos preparássemos para a eternidade, e nossa eternidade futura
depende da remição do tempo. Por isso, considere o que você fez
com o tempo passado. Você não está começando seu tempo agora,
mas uma boa parcela dele já se foi. Nem toda a inteligência, poder
e tesouro do universo poderão recuperá-lo. Muitos de nós con­
cluiremos que mais de metade de nosso tempo já se foi; ainda que
vivamos a idade comum dos homens, a ampulheta da vida já vai
pela metade e é possível que reste apenas um punhado de areia. O
sol já passou do meio-dia, e, talvez, já esteja no ocaso, ou passando
para o eclipse eterno. Considere, então, que contas você prestará
da obra de aproveitamento do seu tempo passado. Como você dei­
xou passar o fio de areia dourada no vértice de sua ampulheta?

Cada dia, cada momento é precioso


Cada dia que você viveu foi precioso; na verdade, os seus
momentos foram preciosos. Porventura, você não terá desperdi­
çado momentos preciosos, o tesouro de seus dias, sim, seus anos
valorosos? Se você contar quantos dias já viveu, que grande soma
160 A busca da santidade

seria! Pense no que fez com eles. O que aconteceu com todos
eles? O que poderá mostrar de aproveitamento, ou benefícios rea­
lizados, ou bem-outorgado, correspondentes ao tempo que viveu?
Olhando para trás, descobriremos que esse tempo passado de nos­
sa vida, em grande medida, foi vazio, não preenchido com coisas
boas diante de Deus. Se Deus, que nos deu o tempo, nos chamar,
agora mesmo, para prestar contas, que poderemos apresentar?

Tempo aproveitado?
Quanta coisa pode ser realizada em um ano! Quanto bem
há oportunidade de se fazer nesse tempo! Quanto serviço muitas
pessoas prestarão a Deus, e para o bem de suas próprias almas, se
fizerem seu máximo para remir o tempo! Quanta coisa pode ser
feita em um dia! E o que é que você tem feito em tantos dias e
anos de sua vida? O que fez com todo o tempo de sua juventude,
se sua juventude já passou? Não teria sido melhor se, durante
todo esse tempo você estivesse dormindo ou permanecido em es­
tado de não-existência?
Você teve muito tempo de lazer e liberdade dos afazeres se­
culares; pense no propósito com que gastou esse tempo. Não so­
mente teve tempo comum, como também bastante tempo santo.
O que você fez com todos os dias do Senhor, os quais ele deu para
usufruto? Considere tais coisas com seriedade e permita que sua
consciência responda.

Quem deve ser reprovado

POR NÃO APROVEITAR O TEMPO

Em quão pouco a preciosidade do tempo é estimada. E quão


pequeno é o senso de tempo que a maioria da humanidade parece
ter! Quantas pessoas gastam o tempo sem bom propósito! Nada
há de mais precioso, e, contudo, nada há sobre o que os homens
sejam mais pródigos. O tempo é como a prata dos dias de Salo­
mão, como as pedras das ruas, e de pouco valor. As pessoas agem
como se o tempo fosse tão abundante quanto à prata da época,
A preciosidade do tempo 161

como quem tivesse muito mais do que precisava e não soubesse


o que fazer com o que tem. Se os homens fossem tão perdulários
com seu dinheiro quanto são em termos do tempo, jogando fora
o dinheiro, nós os consideraríamos loucos e desprovidos de in­
teligência. Contudo, o tempo é mil vezes mais precioso do que
o dinheiro, e, quando desaparece, não pode ser comprado com
dinheiro algum, nem redimido por prata ou ouro.
Mencionarei diversos tipos de pessoas reprovadas por este
ensino.

Os que são preguiçosos


Há quem desperdice muito tempo no ócio, nada fazendo de
valor, nem para o bem do corpo ou de sua alma, nem em be­
nefício próprio nem para o bem do próximo, da família ou da
comunidade a que pertence. Há pessoas em cujas mãos o tem­
po parece pesar. Em vez de aproveitarem o tempo, cuidando de
aproveitarem as oportunidades, agem como se devessem inventar
maneiras de gastá-lo e consumi-lo. Agem como se o tempo, em
vez de precioso, fosse mero estorvo. Recusam-se a trabalhar, e,
em vez de se esforçar, permitem que os sofrimentos dominem a
si mesmos e a suas famílias: “A preguiça faz cair em profundo
sono, e o ocioso vem a padecer fome” (Pv 19.15) e “a sonolência
vestirá de trapos o homem” (Pv 23.21).
Alguns gastam boa parte do tempo com seus copos, na ta-
vema, vagando de casa em casa, gastando suas horas em con­
versa fiada que não leva a nada: “Em todo trabalho há proveito;
meras palavras, porém, levam à penúria” (Pv 14.23). O conselho
do apóstolo Paulo em Efésios 4.28 é: “trabalhe, fazendo com as
próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao
necessitado”. Mas o homem indolente, em vez de ter com que
socorrer o necessitado, gasta o pouco que já possui: “Quem é ne­
gligente na sua obra já é irmão do desperdiçador” (Pv 18.9).

Os que são ímpios


São repreendidos por esta doutrina aqueles que gastam seu
tempo em maldade, que não apenas desperdiçam o tempo nada
162 A busca da santidade

fazendo com bom propósito, mas gastam-no em maus propósitos.


Estes não somente perdem o tempo como fazem pior: ferem a si
mesmos e ao próximo. Como ouvimos, o tempo é precioso, pois
a eternidade depende dele. Ao remir o tempo, obtemos bênçãos
eternas. Mas aqueles que perdem o tempo em obras de maldade
não só não estão remindo o tempo para obter a felicidade eterna
ou para se livrar da condenação, mas gastam-no de modo contrá­
rio, aumentando sua miséria eterna e tomando sua condenação
ainda mais pesada e intolerável.
Alguns gastam o tempo em pândegas e conversas e prá­
ticas torpes, na companhia de vícios, corrompendo e armando
laços para as mentes dos outros, dando mau exemplo e levando
o próximo a pecar, destruindo não só sua própria alma como
também as almas de outras pessoas. Alguns gastam boa parte
do precioso tempo prejudicando e caluniando, falando mal dos
outros, em contendas não só contra si mesmos, mas fomentando
brigas. Seria bom se tais pessoas não fizessem nada, nem bem
nem mal. Mas, agora, ferem muito além do que o bem que po­
deríam ter feito. Há pessoas que teriam sido melhores cidadãos,
se tivessem permanecido inativas, do que dispostos a atividades
maléficas.
Aqueles que gastam boa parte do tempo na maldade, mesmo
que se reformassem e mudassem de vida, descobriríam não so­
mente que desperdiçaram o passado, como também tomaram
mais difícil o trabalho para, no tempo que ainda lhes resta, tentar
desfazer o que fizeram. Quantas muitas pessoas, no final da vida,
olhando o passado, desejariam que não tivessem tido tempo para
o mal! O tempo gasto sobre a terra será pior do que se tivessem
passado esse tempo no inferno, pois, do modo que o empregam,
uma eternidade miserável no inferno será paga devida pelo tempo
sobre a terra.

Os que cedem apenas aos prazeres mundanos


Aqueles que gastam o tempo apenas na busca das coisas
deste mundo, negligenciando sua alma, são reprovados por este
ensino. Perdem o tempo, ainda que sejam diligentes nos afazeres
A preciosidade do tempo 163

mundanos e cuidadosos para não omitir o que quer que venha a


dar-lhes lucro no mundo. Só aproveitam o tempo em seu próprio
benefício; perdem-no, porque o tempo não foi dado para si mes­
mo, mas para a duração eterna que o sucede.
Quem labuta e gasta tempo apenas para o mundo, pergun­
tando o que comerão ou beberão e como se vestirão, juntando
tesouros sobre a terra, querendo enriquecer somente para serem
grandes neste mundo ou para viverem agradável e confortavel­
mente enquanto estiverem aqui, empregando mente e força so­
mente nesses misteres, tendo os afetos dirigidos apenas para o
que é temporal, perdem seu precioso tempo.
Aqueles que são culpados de gastar o tempo dessa forma
que pensem nisto. Você gastou boa parte do tempo, e das for­
ças, na obtenção de um pouco do mundo - quão pouco isso lhe
rendeu, depois de obtê-lo! Que satisfação, que felicidade, poderá
colher disso? Terá paz de consciência, ou quietude racional ou
consolo? O que sua pobre alma carente e perdida tem aproveitado
de tudo isso? Qual é sua expectação, com tudo isso, da eterni­
dade que se aproxima? O que aquilo tudo que você adquiriu lhe
proporcionará, quando o tempo se fizer eternidade?

Perguntas para estudo

1. Neste sermão, Edwards ressalta que ou investiremos


nosso tempo para a eternidade ou o desperdiçaremos
nos afazeres do mero presente. O tempo, diz ele, é um
dom precioso. O que toma o tempo tão precioso? Você
já pensou nisso antes?

2. Imagine que você tivesse uma conta ilimitada de tem­


po que pudesse recuperar - tempo de seus dias, sema­
nas, meses e anos passados. Gaste alguns momentos
refletindo sobre a segunda seção do capítulo - o tempo
passado. Pense em sua vida pregressa. Quanto desse
tempo ilimitado você gastaria para recuperar um pouco
de seu ano passado? Por quê?
164 A busca da santidade

3. “Se os homens fossem tão perdulários com seu dinhei­


ro quanto são com o tempo, jogando fora o dinheiro,
nós os consideraríamos loucos e desprovidos de inteli­
gência”. Quais algumas das maneiras como “jogamos
fora” o tempo? Você encontra alguma delas em sua
própria vida?

4. No ensino sobre a preciosidade do tempo, Edwards


adverte três grupos de pessoas em perigo: os ociosos,
os maus e os que são apenas mundanos. Você enxerga
quaisquer aspectos dessas pessoas em sua própria vida?
Explique.

5. Edwards menciona tempo “comum” e tempo “santo”.


O que você supõe que ele quer dizer com esses termos?
Quanto do seu dia é “comum”? Quanto dele é “santo”?
Você tem um equilíbrio certo nestas coisas? Explique.
13

Aproveitando o tempo

Edwards nos conclama a utilizar nosso tempo como bons mor­


domos, aproveitando bem as oportunidades que nos são dadas, re­
mindo-o para as boas obras de amor a Deus e ao próximo. Ele não
propõe uma doutrina de salvação pelas obras, mas salvação de­
monstrada em obras. Nesta seção final, Edwards demonstra como
aproveitar o tempo que Deus nos deu na procura de santidade no
Senhor.
******

Uma exortação para melhorar o tempo


Consideremos o foi dito sobre a preciosidade do tempo, o
quanto a vida depende dele, como é curto e incerto, como será
irrecuperável quando se esgotar. Se tivermos um conceito certo
dessas coisas, faremos melhores escolhas em termos de tempo,
mais preciosas do que o ouro fino. Toda hora, e cada momento,
nos parecerão preciosos. Além dessas considerações que já fize­
mos, devemos pensar também no seguinte:

Somos responsáveis para com Deus por nosso tempo


Você é responsável diante de Deus pelo seu tempo. O tempo
é um talento que Deus nos deu. Ele é quem faz o nosso dia, e o
faz com um propósito definido: nosso dia foi designado para uma
obra, portanto, no final dele, Deus pedirá prestação de contas.
Temos de apresentar como o remimos.
166 A busca da santidade

Somos servos do Senhor. Tal como o servo é responsável ao


seu senhor quanto ao modo como gasta o tempo de seu trabalho,
assim também nós prestamos contas a Deus. Se os homens con­
siderassem isso, não aproveitariam o tempo de modo diferente
do que fazem? Você não se comportaria de maneira diferente,
se a cada manhã considerasse que terá de prestar contas a Deus
quanto ao modo como usou o dia? Se, a cada entardecer, nós
pensássemos em como prestar contas a Deus por nossa noite, não
seríamos mais cuidadosos? Cristo nos diz: “de toda palavra frívo­
la que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo”
(Mt 12.36). Concluímos, portanto, que temos de prestar contas de
todo nosso tempo ocioso ou perdido!

Quanto tempo nós já perdemos


Pense sobre a quantidade de tempo que você já perdeu. Por­
que já perdeu muito tempo, será necessária maior diligência para
remir o tempo que ainda resta. Deveriamos lamentar o tempo
perdido, mas isso não basta: temos de nos aplicar com diligência
a melhorar o tempo que ainda temos, remindo-o. Estamos consi­
deravelmente avançados na vida, e, até aqui, perdemos o tempo
com vaidades e em afazeres mundanos, negligentes quanto aos
maiores interesses da alma. Pode ser que nos aterrorizemos ao
pensar sobre o tempo perdido, desperdiçado. Portanto, será ne­
cessária maior diligência, por três razões:

1. Porque nossas oportunidades são cada vez mais escassas.


Nosso tempo, em toda a sua extensão, é curto. Mas, deixando
de lado aquilo que já desperdiçamos, o tempo ainda mais é bre­
ve! Quanto ao tempo que já perdemos, não será considerado em
nossa oportunidade, pois jamais volta, e não é melhor, mas pior
do que se nunca tivesse acontecido.
2. Temos a realizar a mesma obra que tínhamos no começo,
e isso, sob maiores dificuldades. Até aqui, não realizamos muito
de nossa tarefa - tudo está por ser feito, e com maior dificuldade e
oposição do que se tivéssemos tratado disso em tempo oportuno.
Nosso tempo não somente ficou mais curto, mas também o
Aproveitando o tempo 167

trabalho tornou-se mais difícil. Não temos apenas o mesmo tra­


balho: temos mais trabalho, pois, perdendo tempo, o encurtamos
e tornamos o trabalho mais difícil. Tal pensamento deveria nos
despertar para impedir que as coisas continuem como estão e para
nos motivar a maior dedicação à obra, e com maior vigor.
3. O tempo que perdemos foi o nosso melhor tempo. A pri­
meira parte da vida de uma pessoa, depois que ela vem a exercer
sua razão e é capaz para o desempenho do trabalho, é a melhor
parte. Se vivermos no pecado até ver passada à juventude, te­
remos perdido a melhor parte. Temos, aqui, agora, todas essas
coisas a considerar: nosso tempo é curto, não há tempo a perder,
grande parte do tempo já se foi, e, assim, vai se tomando cada
vez mais escasso. Resta-nos ainda todo o trabalho a ser feito, com
maiores dificuldades do que antes, e, abreviado o tempo, teremos
de nos esforçar mais para realizar a obra.

O que poderia ser feito de outro modo para que sentíssemos


a necessidade de remir diligentemente o tempo? As vezes, tais
considerações terão outro efeito, ou seja, de desanimar as pessoas
e fazer com que pensem que, tendo já perdido tanto tempo, de
nada lhes adiantará mais preocupação ou esforço. O diabo faz os
homens de tolos, porque, quando são jovens, diz-lhes que não há
pressa, que terão bastante tempo mais tarde para buscar a salva­
ção. As pessoas acreditam. Depois, quando a juventude se foi, o
diabo diz que não adianta tentar fazer nada - e elas também acre­
ditam. Assim, nenhum tempo será bom. A estação da mocidade
não seria o tempo propício, porque deveria ser pleno de alegria e
prazer e haverá bastante tempo mais tarde. A vida adulta não será
boa hora, pois já se perdeu o melhor tempo. Assim, as pessoas
tomam-se estultas e inúteis.
Que loucura é ceder ao desânimo a ponto de negligenciar
nosso trabalho porque o tempo é curto! Será necessário que des­
pertemos do sono, que levantemos e batalhemos para, se possível,
ainda viver de modo digno na vida eterna! Certamente Deus nos
dará convencimento da verdade e arrependimento para o desen­
volvimento de nossa salvação. Ainda que seja tarde no dia, Deus
168 A busca da santidade

nos chama à aplicação no trabalho. Em tão grande questão, você


não prefere atender ao seu conselho, em vez dar ouvidos ao con­
selho do inimigo mortal?

A preciosidade do tempo para os que


estão se aproximando do fim
Pense em como o tempo é valorizado por aqueles que se
aproximam do fim. Como o sentimento de preciosidade da vida
toma conta de pobres pecadores, quando se encontram no leito de
morte! Uns clamam: Ah! Se pudesse, daria mil mundos por uma
única porção de tempo! Nessa hora, o tempo realmente se lhes
mostra precioso. Um palmo de tempo a mais, supondo que teriam
a mesma disposição para administrá-lo, não lhes faria bem maior
do que antes, quando tinham saúde e disposição para cuidar do
tempo, ainda que fosse pouco. O tempo, para um homem mori­
bundo, é bem menos proveitoso do que quando gozava saúde. No
entanto, quando se aproxima da morte, a pessoa toma-se mais
sensível ao valor inestimável do tempo. Quando gozava de saú­
de, era tão insensível e negligente ao valor do tempo como você.
Agora, quanto os pensamentos foram alterados! Não é por en­
gano que os homens conferem valor ao tempo, mas porque seus
olhos são abertos. E se você acha que eles não pensam assim, é
porque você mesmo está cego e enganado.

A preciosidade do tempo para os que passaram do fim


Considere o valor do tempo para aqueles que já passaram
do final. Que pensamentos possuem de sua preciosidade, aqueles
que já perderam todas as oportunidades de vida eterna e estão
no inferno? Ainda que fossem pródigos em relação ao tempo em
que viviam, sem dar valor à vida, como terão mudado seu juízo!
Como valorizariam a oportunidade, se lhes fosse concedido o que
você e eu temos! O que dariam por um só dia sob os meios de gra­
ça! Assim, pensando que, se tal convencimento ocorrer somente
depois da morte, terá sido tarde demais, devemos nos convencer
do valor inestimável do tempo que recebemos, pois o seremos,
aqui e agora ou no futuro.
Aproveitando o tempo 169

Há duas maneiras de sensibilizar os homens quanto à pre­


ciosidade do tempo. Uma é mediante a exposição das razões
que faz com que o tempo seja precioso, demonstrando-lhes o
quanto da vida depende dele, como ele é breve, como é incerto,
e assim por diante. A outra, é por meio da experiência, quan­
do as pessoas são forçadas a reconhecer que a vida depende
da remissão do tempo. Esta última maneira é mais eficaz, pois
induz à força quando mais nada consegue convencer. Mas, se,
depois de tudo, não formos convencidos das razões, de nada terá
valido a experiência. Se as razões para remissão do tempo não
produzirem efeito, a experiência, ainda que acertada, terá sido
tardia. A experiência jamais deixa de abrir os olhos dos homens,
ainda que tenham sido totalmente cegos. Ainda assim, se não
forem convencidos das razões, não saberão como tirar proveito
da experiência. Sejamos, pois, persuadidos a tirar o máximo de
nosso tempo.

Conselho para remir o tempo


Concluirei com a sugestão de três coisas específicas:

Aproveite, sem delongas, o tempo presente


Sem demora, aproveite o tempo presente. Se houver demora,
se o aproveitamento for adiado, você terá perdido ainda mais
tempo e ficará evidente sua desvalorização e desprezo de tão
grande preciosidade. Não pense que as estações da vida que se­
guirem serão mais propícias ou convenientes, mas empenhe-se em
remir o tempo enquanto ele é presente, como disse o salmista:
“Apresso-me, não me detenho em guardar os teus mandamentos”
(SI 119.60).

Aproveite a parte mais preciosa do tempo


Tenhamos especial cuidado para aproveitar as partes do
tempo que são mais preciosas. Ainda que todo o tempo seja
precioso, algumas partes dele são mais especiais que outras,
170 A busca da santidade

como, por exemplo, o tempo de santidade, que é mais precioso


do que o tempo comum. O tempo de santidade tem valor para
nosso bem-estar eterno. Portanto, aproveitemos a guarda do dia
do Senhor, o sábado cristão, em especial, a hora do culto público,
o tempo mais precioso. Não nos percamos em sono ou descuido,
desatenção propositada ou vagueação de pensamento. Como
são estultos aqueles que não somente perdem o tempo comum,
como também o santo tempo de atender às sagradas ordenanças
de Deus! São diversas as maneiras em que o tempo da mocidade
é precioso. Portanto, se você estiver gozando esse tempo, apro­
veite a oportunidade de remi-lo completamente. Um tempo em
que o Espírito de Deus luta em nossa vida é mais precioso do que
outros, pois Deus está perto, e, em Isaías 55.6, somos instados:
“Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto
está perto”. Tal é o tempo especialmente oportuno e dia de salva­
ção: “Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorrí no dia da
salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o
dia da salvação” (2Co 6.2).

Aproveite o seu tempo de lazer


Aproveite bem o tempo de lazer e descanso dos afazeres
seculares. Algumas pessoas têm bastante tempo e outras menos,
mas todos possuem alguma quantidade de tempo. Se estivermos
dispostos, poderemos aproveitar o tempo de lazer com grande
vantagem. Feliz oportunidade se apresenta para a alma, quando
estamos mais livres dos cuidados com a subsistência do corpo
e dos empreendimentos de natureza externa. Sendo assim, não
deveriamos gastar tais oportunidades sem proveito, de modo a
impedir que prestemos boas contas a Deus. Não podemos desper­
diçar todo o nosso tempo livre em conversas fiadas ou diversões
inúteis. A diversão deve ser usada como serva do trabalho. Esse
tanto, e não mais - somente aquilo que for propício à mente e ao
corpo, para a obra de nossa vocação geral e particular.
Precisamos aproveitar ao máximo cada talento, vantagem
e oportunidade, enquanto temos tempo, porque logo será dito,
quanto a nós, como o juramento do anjo em Apocalipse 10.5-6:
Aproveitando o tempo 171

“Então, o anjo que vi em pé sobre o mar e sobre a terra levantou a


mão direita para o céu e jurou por aquele que vive pelos séculos
dos séculos, o mesmo que criou o céu, a terra, o mar e tudo quan­
to neles existe: Já não haverá demora" (outras versões traduzem
“não haverá mais tempo”).

Perguntas para estido

1. Edwards não nos conclama a trabalhar a fim de sermos


salvos, mas, sim, como consequência e prova de que
somos salvos. Não somos salvos pelas obras, contudo,
não somos salvos sem elas. Como os versículos seguin­
tes apoiam tal ideia?

a) Efésios 2.8-10
b) Filipenses 2.12-13
c) João 15.16-17
d) 2Pedro 1.3-11

2. Tiago, o apóstolo, diz que a única maneira de provar


que temos fé salvadora é por meio das obras que faze­
mos. Como isso é argumentado em Tiago 2.14-26?

3. Quaisquer boas obras que porventura fizermos - boas


obras para as quais fomos criados em Cristo Jesus (Ef
2.10) - terão de ser realizadas dentro do tempo. O que
Edwards quer dizer por “aproveitar” o tempo? Por que
devemos fazer isso?

4. O que você diria de alguém que não achasse necessá­


rio aproveitar o tempo - remi-lo, fazendo o melhor uso
dele - para as obras e os frutos para os quais o Senhor
nos chamou e salvou? O que você diria para persuadir
tal pessoa? Como aconselharia essa pessoa a começar a
aproveitar seu tempo?
172 A busca da santidade

5. Faça uma revisão dos alvos que você traçou no final do


capítulo 1. Você conseguiu alcançá-los? Você pensou
em outras metas que gostaria de estabelecer como
resultado deste estudo sobre a busca da santidade no
Senhor?

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