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WILLIAM M. SCHNIEDEWIND
como a
BÍBLIA
tornou-se um
LIVRO
A textualização do antigo Israel
TRADUÇÃO
Luciana Pudenzi
Edições Loyola
Título original:
H o w the B ib le B e c a m e a B oo k. T he Textuaíization o f A n d e n t Israel
© William M. Schniedewind 2004
Cambridge University Press
The Edinburg Building, Shaftesbury Road, Cambridge CB28RU, England
ISBN 978-0-521-53622-6
ISBN 978-85-15-03784-1
© ED IÇ Õ ES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2011
Sumário
escrita que não as “palavras dos sábios”, que requer estudos intermináveis e,
por conseguinte, “fatiga o corpo”. Uma preocupação disseminada com essa
fadiga só faria sentido numa cultura letrada, ou, mais provavelmente, numa
sociedade envolvida na perigosa transição de uma cultura oral para uma cul
tura letrada. Meu estudo se concentra nessa transição no antigo Israel, na
difusão do letramento entre as classes sociais da sociedade judia do século
VII. Ao fazê-lo, focaliza o início da produção de livros — a Bíblia hebraica.
O que se segue não é uma conclusão definitiva para as questões acerca de
como a Bíblia se tomou um livro. Contudo, ele oferece uma nova perspecti
va sobre a Bíblia, examinando importantes períodos de sua textualização
— ou seja, de quando foi redigida —, juntamente com novas idéias sobre
o desenvolvimento da escrita e do letramento no antigo Israel.
A maneira como a Bíblia surge como texto sagrado em tal contexto tem
profundas implicações para muitas tradições religiosas. Ela também tem im
plicações revolucionárias para o estudo especializado da literatura bíblica.
Mas este livro foi escrito para um público mais amplo que os estudiosos da
Bíblia. Com este propósito, meu envolvimento técnico com o estudo espe
cializado da Bíblia é, na maior parte das vezes, relegado às notas. Tentei ter
o cuidado, por um lado, de não permitir que meu embate com esse estudo
especializado se impusesse demasiadamente sobre o leitor geral, e, por outro,
procurei oferecer notas suficientes para representar parte da grande varie
dade de tais estudos bíblicos e dialogar com eles. Aponto ao leitor geral alguns
tópicos do estudo bíblico, porém sem sobrecarregar o livro com debates
arcanos. Admito ter simplificado questões complexas, como o desenvolvi
mento e a natureza do letramento. Tampouco tratei de todas as intrincadas
questões da crítica bíblica de maneira completa. Como critério, sacrifiquei
os estudiosos especializados no intuito de atingir um público mais amplo.
Espero que meus colegas possam me perdoar, uma vez que a situação é,
usuahnente, a inversa. Não obstante, espero que, esquivando-me dos detalhes
de algumas das questões especiahzadas, eu possa indicar uma abordagem
geral à hteratura bíblica que seja útil também aos especiahstas.
Este Uvro deve muito a muitas pessoas. Nas palavras do sábio bíbUco,
não há “nada novo sob o sol”, e, em certo sentido, pode-se dizer que eu não
redigi este fivro, mas tomei-o emprestado de meus professores, amigos e
colegas. O que tomei emprestado devolvo-lhes na forma deste livro. Espero
estar restituindo em condições tão boas quanto aquelas em que tomei em
prestado. Quero agradecer especialmente a Ben Sommer, que leu o manus-
PretdLtu
AB Anchor Bible
ABD Anchor Bible Dictionary
AN ET Ancient N ear Eastem Texts, 3‘‘ ed., ed. J. Pritchard. Princeton,
Princeton University Press, 1969.
AO D erAlte Orient
BA Biblical Archaeologist
BAR Biblical Archaeologist Review
BASOR Bulletin of the American Schoools of Orient Research
BBR Bulletin of Biblical Research
BethM Beth M ikra [hebraico]
Bib Biblica
B JS Brown Judaic Studies
BN Biblische Notizen
BWANT Beitrãge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament
BZAW Beihefte zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft
CBQ Catholic Biblical Quarterly
CD Genizá do Cairo, Documento de Damasco
CTM Concordia Theological Monthly
D JD Discoveries in the Judaean Desert
D SD Dead Sea Discoveries
EI Eretz Israel
EJL Early Judaism and Its Literature
ESI Excavations and Surveys in Israel
FOTL Forms of Old Testament Literature
HSM Harvard Semitic Monographs
H SS Harvard Semitic Studies
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Como a Biblia tomou-sc um livro
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Com o a
Bí )!ia
tornou-se um livro
‘ uando a Bíblia foi escrita? Por que foi escrita? Estas questões atin
gem o próprio âmago do significado da literatura bíblica. Elas também
indicam uma profunda transição na cultura humana. A Bíblia é um livro.
Esta parece ser uma afirmação óbvia, mas é também um desenvolvimen
to profundo na religião. Podemos pressupor que os livros são coisas tri
viais, mas para os antigos não era assim'. O fato de que um texto sagrado
escrito tenha surgido numa sociedade pastoril, agrícola e de tradição oral
é um divisor de águas na civilização ocidental. Nas páginas seguintes,
investigaremos a passagem da oralidade à textuaUdade, de uma sociedade
pré-letrada a uma sociedade letrada. Ao longo desse trajeto, será preciso
delinear a história social do antigo Israel e do antigo judaísmo, bem como
a formação da Bíblia como literatura escrita. A Bíblia em si mesma será
uma testemunha dessa mudança épica na consciência humana, a mudan
ça de um mundo oral para um mundo textual. Nessa mudança, é central
o fato de que o texto suplante a autoridade do professor.
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Como a Bíblia tornou-sc um livro
Como a Bíblia se tomou um Hvro? Este livro — o livro que você tem
nas mãos — oferece uma exposição histórica da escrita no antigo Israel e do
papel da escrita na formação da Bíblia como livro. Para responder a essa in
dagação mais ampla, é necessário examinar diversas questões correlacionadas:
qual foi a função da escrita na antiga sociedade israelita em diferentes períodos
históricos? Como a crescente importância da escrita no antigo Israel se refle
tiu na formação da literatura bíblica? De que maneira a Bíbha vê sua própria
textualidade? Qual é a relação entre a tradição oral e os textos? Quando e
como a palavra escrita suplanta a autoridade da tradição oral e a voz viva do
professor? Quando começarmos a compreender as respostas a estas ques
tões, começaremos a compreender como a Bíblia tomou-se um livro.
Estas indagações podem ser relacionadas com três questões básicas. A
primeira é uma crítica da questão de quem escreveu a Bíblia. Este livro de
fende que a questão “quando a Bíbha foi redigida?” é mais apropriada que
um interesse anacrônico nos autores da Bíblia. Essa questão não somente
oferecerá um esclarecimento sobre a hteratura bíbhca, como também abrirá
uma janela para a conturbada transição do antigo Israel para uma cultura
textual. Isso leva a uma segunda questão: como a Bíbha é escrita? O antigo
Israel, antes do século VII a.C , era amplamente não letrado. De que maneira
uma cultura oral como a do antigo Israel passa a expressar sua identidade
por meio de um texto escrito? De que maneira a orahdade básica do antigo
Israel moldou a Bíbha como texto escrito? Como a autoridade da palavra
escrita veio a suplantar a voz viva do professor e da comunidade? Isso nos
leva a uma última questão: quais foram as circunstâncias históricas especí
ficas nas quais a Bíbha se tornou um texto e, depois, as Escrituras?
O papel da escrita no desenvolvimento da civihzação ocidental não é
um assunto novo. Há algumas décadas, Jack Goody, um professor de antro
pologia social da Universidade de Cambridge, escreveu o primeiro de vários
artigos e hvros que tratavam das “Consequências do letramento”. Essa pes
quisa, agora sintetizada em seu hvro recente The Power ofthe Written Tradition
[O poder da tradição escrita] (2000), influenciou toda uma geração de estu
diosos. A obra de Goody foi complementada por Marshall McLuhan, um
professor de inglês da Universidade de Toronto, que argumentou, em seu
hvro A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico (1962), que a
inovação tecnológica da prensa tipográfica modelou profundamente a hu
manidade moderna, ocasionando a transição de uma cultura auditiva-tátil
para a era visualmente dominante da imprensa. Tais estudos geraram obras
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Como a Bíblia tornou-se um li\ ro
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Como a Bíblia tornou-so um livro
pensar na Bíblia como um único livro, mas também lemos a Bíblia como
se ela fosse oriunda de um mundo repleto de textos, Hvros e autores.
Lemos a Bíblia a partir de nossa perspectiva de um mundo altamente
letrado. Todavia, a Bíblia foi escrita antes que houvesse livros. Pensemos
nisso de outra maneira. O “livro” moderno (no sentido estrito do termo,
como as páginas encadernadas entre duas capas) segue a invenção do
códice, que tinha folhas escritas em ambos os lados. A substituição do
tradicional pergaminho pelo códice foi um grande desenvolvimento tecno
lógico na história da escrita. Os códices apareceram no século I d.C. e
tomaram-se comuns por volta do século IV d.C.^. O códice podia conter
uma série de textos muito maior do que se podería incluir num único
pergaminho, e isso tornou possível “a Bíblia” como um hvro — a Bíblia
como a concebemos hoje. Ao reunir uma coleção de pergaminhos, o códice
também definiu um conjunto e uma ordem dos livros, e tom ou possível
um cânone mais definido. Com o códice, a Bíbha podia ser um hvro^.
Mas a Bíblia foi redigida antes que existissem tais códices. É útil re
cordar que a Bíblia em si é de fato uma compilação de hvros ou perga
minhos. A palavra “bíblia” deríva-se do termo grego “biblía”, que pode ser
traduzido como “livros” ou “pergaminhos”. Consequentemente, quando
perguntamos como a Bíbha'se tornou um livro, estamos perguntando, em
parte, sobre uma coleção de hvros que compõem nossa Bíblia. A palavra
hebraica “sefer^’, usualmente traduzida por “hvro”, significa hteralmente “texto,
carta ou pergaminho”. Na hteratura Bíbha antiga, “sefer" podia se referir a
qualquer texto escrito, embora posteriormente, quando a escrita se tomou
mais comum, um vocabulário mais desenvolvido tenha passado a distinguir
diferentes tipos de documentos escritos'*. Um leitor pode observar que o
título Como a Bíblia tomou-se um livro não se refere a um “hvro” no sentido
2. Ver C. H. Roberts e T. C. Skeat, The Birth of the Codex, Londres, Oxford University
Press, para a Britísh Academy, 1983.
3. Sobre o impacto do códice, ver H.-J. Martin, The History and Power of Writing
(trad. Lydia G. Cochrane), Chicago, University of Chicago Press, 1994, 59-60.
4. A. Hurvitz, The Origins and Development of the Expression "IQD A Study
in the History of Writing-Related Terminology in Bibhcal Times, in Texts, Temples, and
Traditions: A Tribute to Menahem Haran (ed. M. V. Fox et a l), Winona Lake, IN, Eisen-
brauns, 1996, 37*-46* [hebraico].
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Como a Bíblia tornou-so um livro
5. R. E. Friedman, ]Vho Wrote the Bible?, San Francisco, Harper & Row, 1987,146,188.
6. Ibid., 16.
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Como a Bíblia tornou-se um livro
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Como a Bihlia tornou-se um livro
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Como a Bíblia tornou-se um livro
A autoridade do autor?
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Como a Biblia lornou-se um livm
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Como a Bíblia tornou-se um li
12. YHWH é o nome pessoal do Deus israelita, cuja vocalização não é inteirament
determinada e que não é pronunciado por judeus religiosos em reverência a Deus.
22
Como a Biblia tornoii-se
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Como a Bíblia tornou-se um livro
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Como a Bíblia tornou-se um livro
têm início com a visão de mundo própria de uma cultura textual, ou seja,
com a visão de mundo dos críticos modernos, não das culturas antigas.
Essas teorias documentais dominaram o interesse dos estudiosos da
Bíblia ao longo do século passado, embora nunca tenham deixado de rece
ber criticas. Muitos leitores piedosos rejeitaram qualquer tentativa até mesmo
de discutir a autoria composta dos livros, receando que isso de alguma
forma enfraquecesse a autoridade da Bíblia. Alguns estudiosos destacaram
que o mundo oral do antigo Israel dificilmente permite uma abordagem
documental complexa à sua literatura'^. As tradições de Israel, argumen
tam eles, eram transmitidas de maneira amplamente oral, como os épicos
de Homero. Certamente o fato de que a própria BíbUa abstenha-se de dis
cutir sua autoria é de pouca ajuda para a busca de seus autores. Ironica
mente, a autoria não parece importante para os próprios autores da Bíblia.
O autor aparentemente não adotava uma atitude crítica adiante da au
toridade da mensagem ou do significado do texto.
Mesmo que pudéssemos solucionar a questão de quem foram os autores,
estaríamos com isso mais próximos do significado da Bíblia? Provavelmente
não. Mas, se soubéssemos quando a Bíblia foi redigida, saberiamos algo mais
sobre o que significava para seus antigos leitores. Para o bem ou para o mal,
a interpretação da Bíblia está mais intimamente ligada aos leitores do texto
que aos seus escribas. O significado da Bíblia depende mais da questão de
quando a Bíblia foi escrita do que de quem a redigiu. Nossa questão, por
tanto, não deveria ser “Quem redigiu a Bíblia?”, mas sim “Quando a Bíblia
foi redigida?”.
O segundo tópico deste livro, a saber, por que a Bíblia foi escrita, pode
ser uma questão mais intrigante que a de quem redigiu a Bíblia. A difusão
do letramento é um fenômeno relativamente moderno. O antigo Israel era
uma cultura primordialmente oral. Embora se possa fazer uma defesa
eloquente do letramento de uma figura como Moisés, é dificil imaginar
15. Ver, por exemplo, S. Niditch, Oral World and Written Word: Ancient Israelite Li
terature, Louisville, Westminster John Knox Press, 1996 (Library of Ancient Israel).
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Como a Bíblia tornou-sc um livro
que as hordas de escravos que Moisés conduziu para fora do Egito lessem
livros. Moisés pode ter sido educado nas cortes egípcias, mas seus segui
dores não foram. Isso suscita a questão: “por que a Bíblia é um livro?”. Por
que ela foi redigida se ninguém podia lê-la? Por que foi redigida se os
pergaminhos eram caros e tinham circulação Hmitada?
As tradições bíblicas apontam a orahdade da cultura israelita. James
Crenshaw, em seu livro Education in Ancient Israel, mostra que, de acordo
com a literatura bíblica, a sabedoria era transmitida por via fundamental
mente oral no antigo Israel*®. O Livro dos Provérbios aconselha: “Ouve,
meu filho, a instrução de teu pai, e não rejeites o ensinamento de tua mãe”
(Pr 1,8). Isso se refere ao ensinamento oral transmitido por meio da família.
Os Salmos também safientam a transmissão oral da tradição. Assim, por
exemplo, lemos em Salmos 105,1-2:
Este salmo reconta a história de Israel num cântico. Por meio de cân
ticos, histórias e provérbios as tradições das mães e dos pais eram trans
mitidas a seus filhos e filhas. Até a própria Torá foi de início transmitida
oralmente a Israel — embora viesse a se tomar o texto escrito acima de todos
os demais. O mais antigo relato da apresentação dos Dez Mandamentos,
nos capítulos 19 a 20 do Êxodo, na verdade nem sequer menciona a
registro escrito dos Mandamentos. Essa gritante omissão indica a antigui
dade desse relato da tradição do Sinai, pois reflete uma época anterior
àquela em que os livros houvessem se tomado centrais na cultura judaica.
O segundo relato da outorga da lei, no livro do Deuteronômio (pois é
isso o que significa hteralmente o termo ‘deuteronômio’: “a segunda lei”),
como veremos (no capítulo 7), toma central a escrita da revelação e, assim,
reflete o movimento posterior de uma cultura oral para uma cultura le
trada e para “o povo do livro”.
16. J. L. Crenshaw, Education in Ancient Israel: Across the Deadening Silence, Nova
York, Doubleday, 1998.
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Como a Bíblia tomou-se um livro
17. D. Tannen, The Myth of Orality and Literaqr, in Linguistics and Literacy (ed. W.
Frawley), Nova York, Plenum Press, 1982, 47.
18. S. Niditch, Oral World and Written Word, 3.
19. H. Gunkel, The Legends of genesis [trad. W. H. Carruthl, reedição 1961, Nova
York, Schocken, 1901; ver também Gunkel, The Folktale in the Old testament (trad. M.
Rutter, com introdução de J. Rogerson [ed.]), Sheffield, Almond, 1987.
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Como a Bíblia tornou-se um livro
20. Ver R. CtiUey, Studies in the Structure ofHebrew Narrative, Philadelphia, Fortress,
1976; S. Niditch, A Prelude to Biblical Folkbre: Underdogs and Tricksters, Urbana, Univer-
sity of Illinois Press, 2000. Ver ainda minha resenha dos estudos recentes sobre esse tópico:
W. M. Schniedewind, Orality and Literacy in Ancient Israel, RSR 26 (2000) 327-332.
21. Ver o ensaio clássico de J. Ross, The Prophet as Yahweh’s Messenger, in Israels Pro-
phetic Heritage (ed. B. Anderson e W. Harrelson), Nova York, Harper & Row, 1962,98-107.
22. S. Parker, Stories in Scripture and Inscriptions: Comparative Studies on Narratives
in Northwest Semitic Inscriptions and the Hebrew Bible, Nova York, Oxford University
Press, 1997.
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Como a Bíblia toniou-se um livro
23. Algtimas das obras mais importantes de Goody incluem J. Goody e I. Watt, The
Consequences of Literacy, Comparative Studies in Society and History 5 (1963) 304-345;
Goody, The Domesúcation of the Savage Mind, Cambridge, Cambridge University Press,
1977; Goody, The Logfc ofWriting and the Organization of Society, Cambridge, Cambridge
University Press, 1986.
24. Por exemplo, Tannen,The Mydi of Orality and Literacy, 37-50; os ensaios em Literacy
and Society (ed. K. Schousboe e M. TroUe-Larsen), Copenhague, Akademisk Forlag, 1989.
25. L. Alexander, The Living Voice; Scepticism towards the Written Word in Early
Christian and in Graeco-Roman Texts, in The Bible in Three Dimenskms: Essays in Celebration
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Como a Bíblia tomou-se um 1í \to
of Forty Years of Bibücal Studies in the University of Sheffield (JSOTSS, 87; ed. D. Clines,
S. Fowl e S, Porter], Sheífield Academic Press, 1990, 221-247.
26. Galeno, De Ubr. Propr. 5, Kühn XDC 33/Scripta Minora I I 110.25-27.
27. ApudL.Alexander,The Living Voice, 221-222.
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Como a Bíblia tornou-se um livro
28. Sobre a Torá oral, ver M. Jaffee, Torah in the Mouth: Writting and Oral Tradition
in Palestinian Judaism, 200 BCE — 400 CE, Nova York, Oxford University Press, 2001.
29. H. Soloveitchik, Rupture and Reconstruction; The Transformation of Contempo-
rary ortodoxy, Tradition 28 (1994j 64-130. Ver também M. Friedman, Life Tradition and
Book Tradition in the Development of Ultraorthodox Judaism, in Judaism from Within and
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Como a Bíblia tornou-se um livro
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Como a Biblia tornou-se iivr
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Como a Bíblia tornou-se um Iíxto
32. Para um resumo e uma crítica dessa posição cética extrema, ver: B. Halpem, Erasing
History, Bible Review 11 [1995) 27-35, 47; S. Japhet, In Search of Ancient Israel: Revisio-
nism at AU Costs, in The Jewish Past revisited (ed. D. N. Myers e D. B. Ruderman), New
Haven, Yale University Press, 1998, 212-233.
33. Por exemplo, N. P. Lemche, The Old Testament — A HeUenistic Book? SJOT 7
(1993) 163-193; L. Grabbe (ed.), Díd Moses SpeakAttic? Jewish Historiography and Scripture
in the HeUenistic Peiiod (JSOTSS, 317), Sheffield, ShefBeld Academic Press, 2001.
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Como a Bíblia tornüu-ss e ura livro
O século IV d.C. Isso não significa, poréna, que a literatura bíblica foi com
posta ou redigida pela primeira vez nesse período; antes, significa que os
processos editoriais — as decisões sobre qual literatura tomar-se-ia canô
nica, sobre a ordenação dos livros, as relações entre os livros, a estmtura
editorial dos livros — ocorreram principalmente durante esses novecentos
anos. Meu livro ocupa-se primordialmente da redação dos pergaminhos da
literatura bíblica, e não da compilação de tais pergaminhos num único livro.
Indagar como a Bíblia tornou-se um livro é indagar algo sobre a histó
ria do povo judeu porque a redação da Bíblia é central para essa história.
Este livro, portanto, fala algo sobre o início da história do povo judeu e
de seu livro, a Bíblia, ou Tanak (um acrônimo para a Torá, o Nebiim [pro
fetas] e o Ketubim [escritos], que são as três divisões da Bíbha judaica).
O foco deste livro é então a Bíblia judaica ou o Antigo Testamento cristão,
ao qual nos referiremos daqui em diante simplesmente como “a Bíblia”.
Embora os fragmentados primórdios da Bíblia como literatura escrita pos
sam ser datados dos dias dos reis Davi e Salomão (no século X a.C.), a
maior parte da Bíbfia foi redigida alguns séculos mais tarde, entre a época
do profeta Isaías (final do século VIII a.C.) e o final da monarquia e a épo
ca do profeta Jeremias (início do século VI a.C.).
Neste livro, não fingirei que a Bíblia é um hvro simples. A Bíblia re
flete uma riqueza e uma complexidade diacrônicas que devem ser levadas
em consideração em qualquer discussão a respeito de sua composição. O que
queremos dizer com isso? A Bíblia não foi redigida de uma só vez ou em
um único lugar. Parte da riqueza da literatura bíblica é a complexidade
que resulta do fato de que tenha sido composta ao longo de um extenso
período de tempo. Talvez isso possa ser ilustrado pelos Manuscritos do
Mar Morto — os mais antigos manuscritos bíbhcos remanescentes. Embora
os mais antigos manuscritos bíblicos dentre os Manuscritos do Mar Morto
datem do século III a.C., não se pode assumir que esta seja a data de sua
composição. Com efeito, antes da descoberta dos Manuscritos do Mar
Morto, há pouco mais de cinquenta anos, os manuscritos mais antigos eram
medievais, mas ninguém teria argumentado que a Bíblia era, por conse
guinte, uma composição medieval. (Bem, na realidade, sempre se pode
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Como a Bíhlia tornou-se um livro
No quinto ano do reinado de Roboão, Shishaq, rei do Egito, subiu para atacar
Jerusalém. Tomou os tesouros da casa do Senhor e da casa do rei. Levou
absolutamente tudo; até mesmo todos os escudos de ouro que Salomão
fizera. O rei Roboão substituiu-os por escudos de bronze e confiou-os aos
chefes dos guardas que guardavam a porta do palácio real.
34. A. Hurvitz, The Historical Quest for "Ancient Israel” and the Linguistíc Evidenc
of the Hebrew Bible: Some Methodological Observations, VT47 (1997] 310-315.
36
Como d Bíblia tornuu-se um livro
35. Uma tradução para o inglês da inscrição histórica de Shishaq está disponível em Ancímí
N ear Eastem Texts Relating to the O ld Testamerã (ed. J. Piitchard), Piinceton, Princeton Univer-
sity Press, 1955, 263-264. Ver também B. Mazar, Pharaoh Shishak’s Campaign to the Land of
Israel, in The Early BtbUcal Period, Jerusalém, Israel Exploration Socáety, 1986,139-150.
37
Como a Bíblia tornou-se um livro
serve para explicar por que Shishaq atacou Jerusalém — porque eles
foram infiéis ao Senhor. Isso é típico do Livro das Crônicas. O historiador
posterior quer acrescentar uma explicação. Por que Deus permitiu que Shishaq
pilhasse o Templo? Deve-se notar também que o autor marca formalmen
te a expansão. Observe-se que a declaração “Shishaq, rei do Egito, marchou
contra Jerusalém” é repetida exatamente no início e no fim da expansão.
Essa é uma técnica editorial comum na Bíblia (“reatamento por repetição”
ou Wiederaufnahmé] quando um autor ou editor posterior faz um acrésci
mo^®. Isso mostra que o redator posterior está ciente de estar se baseando
ntun texto ou numa tradição anteriores.
A próxima questão é: de onde provém a expansão do Livro das Crô
nicas? É uma interpretação inteiramente original de um autor ou também
tem suas fontes? Quando o texto diz que isso aconteceu “porque eles foram
infiéis ao Senhor”, seria isso a interpretação de um autor ou a compreensão
da comunidade religiosa tradicional? Parte dessa questão depende de acre
ditarmos que a redação é encoberta ou intencional. O te3rto bíblico oculta
sua dependência de um texto anterior ou possui algum tipo de referência?
A noção de dependência textual consciente aqui é uma ideia moderna. Im
plica uma suposição cultural acerca da integridade de um texto como texto.
Não se trata mais de urna história que se conta, mas de um texto que se
adapta. Essa consciência em relação à integridade de um texto e, conse
quentemente, a seu uso e adaptação é uma mudança critica que se reflete
na perspectiva do Livro das Crônicas. A primeira pista para a resposta a
essa questão pode estar na própria natureza editorial desse acréscimo. Ele
está formalmente indicado. Saberiamos onde ele começa e termina mesmo
sem ter o Livro dos Reis diante de nós. Recordemos que, na antiguidade,
os leitores do Livro das Crônicas provavelmente não teriam acesso fácil ao
Livro dos Reis. Os pergaminhos certamente não estavam reunidos da ma
neira como estão em nossas Bíblias modernas. O texto nos faz o favor de
assinalar o acréscimo por meio de uma repetição. O texto conclui o relato
do rei Roboão declarando; “Os atos de Roboão, dos primeiros aos últimos,
não estão escritos nos Atos do profeta Shemaiá e nos Atos do vidente Idô
a respeito da genealogia?” (2Cr 12,15). Aqui, novamente, o texto oferece
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Como a Bíblia tomou-so um liw
39
Como a Bíblia tornou-se um livro
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o
T‘
nuininoso da escrita
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Como a BíWia tornou-^SC um livro
1. Ver Bengt Holbek, What the Illiterate Tliink of Writing, in Literacy and Societ
(ed. K. Schousboe e M.TroUe-Larsen], Copenhague, Akademisk Forlag, 1989, 183-196.
42
o podtT numinoso Ja escrita
2. Ver J. Black e A. Green (eds.), Gods, Demons, and Symbols ofAncient Mesopotamia
An Illustrated Dictionary, Austín, University of Texas Press, 1992.
43
Como a Bíhlía tnrnoii-sc um liv
3. Sobre a escrita egípcia como mágica e sobre o deus Tot, ver R. Ritner, TheMechanics
ofAndent Egyptian M a^ al Practice, Chicago, Oriental Institute, 1993,35-56.
4. De R. Ritner, The Mechanics ofAncient Egyptian M a^ al Practice, 100.
44
ü poder niiminoso da eserila
A escrita ritual
5. Ver E. Hornung, The Ancient Egyptian Books of the Afterlife [traduzido do alemão
por D. Lorton], Ithaca, Comell University Press, 1999, 4-5.
6. Ver R. Ritner, The Mechanics ofAnríent Egyptian Magical Practice, 136-153.
45
Como a Bíblia tornou-so um livro
Jacó ficou sozinho. Um homem rolou com ele no pó até o romper da aurora.
Ele viu que não tinha condições de vencê-lo, e o homem atingiu Jacó na curva
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o puder numinuso d;i escrita
do fêmur, que se deslocou enquanto rolava com ele no pó. Ele lhe disse: “Dei
xa-me, pois a aurora despontou". “Não te deixarei”, respondeu Jacó, “antes que
me tenhas abençoado”. Ele lhe disse: "Qual é o teu nome?” “Jacó”, respondeu
ele. Ele prosseguiu: "Não serás mais chamado Jacó, mas Israel, pois lutaste com
Deus e com os homens e venceste” (Gn 32,25-29).
47
Como a Bíblia tornou-se um livro
A escrita de nomes em uma Esta tem de ser compensada por uma ofe
renda para prevenir uma praga. A oferenda de reparação funciona como
um lembrete do resgate que é dado pelas próprias vidas daqueles nomeados.
O Livro dos Números começa com um censo. Deus ordena a Moisés;
“Faça um censo de todá a congregação de Israel [... ] todos os homens de
vinte anos ou mais” (Nm 1,2}. Há vários aspectos estranhos nesse censo.
O mais óbvio é o grande número de pessoas registradas. Segundo o capi
tulo 1 do Livro dos Números (Nm 1,46}, havia 603.550 homens com vinte
anos ou mais, o que implicaria que haveria bem mais que dois milhões de
pessoas vagando no ermo. Obviamente, há algo de errado com esses núme
ros. Pode ser que tenha ocorrido alguma deturpação no processo de edi
ção, mas isso também pode ter alguma relação com antigos tabus concer
nentes ao processo de inscrever nomes numa lista. Os descendentes da
tribo de Levi [isto é, aqueles da mesma tribo de Moisés} foram excluídos
desse censo. A explicação dada foi a de que os levitas são indicados para ser
vir no tabemáculo e, por conseguinte, não devem ser inscritos (Nm 1,47-51}.
Isso, porém, dificilmente é uma boa explicação. A menos, é claro, que tam
bém reconheçamos algims dos perigos inerentes do registro de nomes em
um censo. Por fim, ordena-se aos levitas que acampem “em tomo da morada
do Tabemáculo, o que evitará um desencadeamento de cólera contra a comu
nidade dos filhos de Israel” [Nm 1,53}. Por que deveria haver cólera contra
os israelitas nesse momento? Talvez pelo fato de que se estava realizando
48
o puder numinoso da escrita
tim censo. O papel dos levitas era servir no tabemáculo, fazendo oferendas
para prevenir a cólera contra aqueles registrados no censo.
Uma vez que tenhamos compreendido a gravidade da inscrição de
nomes em uma lista, podemos começar a compreender a história do recen-
seamento feito pelo rei Davi, conforme narrado no capítulo 24 do Segundo
Livro de Samuel. Ele começa da seguinte maneira: “A ira do Senhor se infla
mou ainda contra os israehtas, e ele instigou Davi contra eles dizendo: ‘Vai,
faze o recenseamento de Israel e de Judá’”. Quando Davi pede a Joab, co
mandante de seu exército, que realize o recenseamento, Joab protesta vee
mente: “Mas por que meu senhor o rei deseja tal coisa?”. Joab compreende a
gravidade de tal pedido, porém Davi prevalece sobre ele. A história continua:
“Davi sentiu remorsos por ter recenseado o povo. E rezou a YHWH: ‘Pequei
gravemente fazendo isto! Apaga, ó YHWH, a culpa de teu servo, pois cometí
uma loucural’”. Qual foi o pecado de Davi? A interpretação tradicional seria
a de que Davi simplesmente não confiou em Deus, mas, como vimos, a ins
crição dos nomes numa hsta pisa na esfera do divino. Em resultado disso,
Davi e Israel teriam de sofrer com uma peste, e setenta milhões de israehtas
morreram em virtude do fato de que seus nomes foram registrados num
censo. A praga atínge não somente Davi, que reaUzou o censo, mas também
aqueles cujos nomes foram escritos na hstas.
Essa concepção do poder numinoso da escrita de nomes certamente
perdura no judaísmo até hoje. Já nos textos bíbhcos dos períodos persa e
helenístíco testemunhamos a crescente reverência pelo nome de Deus. O
Livro das Crônicas, por exemplo, muitas vezes substitui em suas fontes
(conhecidas com base nos hvros de Samuel e dos Reis) o sagrado nome de
Deus escrito com quatro letras pelo mais genérico Ehhim (que se traduz
simplesmente por “Deus”). Nos Manuscritos do Mar Morto, vários artifícios
dos escribas indicam a relutância em escrever o nome de Deus. Às vezes,
quatro pontos substituem as quatro letras do nome de Deus. Em outros
locais, uma escrita páleo-hebraica arcaica é empregada para representar
o nome de Deus (ver a figura 2.2). Isso é uma extensão da concepção do
poder numinoso de um nome escrito.
No entanto, o conceito do poder numinoso do nome escrito teria de
decair quando a escrita se tomou mais importante para a economia do pa
lácio. A administração do governo teria de escrever nomes em listas para
as atividades econômicas básicas. Esse conceito primitivo e sagrado da es
crita que é especialmente associado com os sacerdotes e o templo está numa
49
Comn a Biblia tornou-se um livro
A escrita de Deus
Então subiu Moisés, acompanhado por Aarão, Nadab e Abiú e setenta dentre
os anciãos de Israel. E eles viram o Deus de Israel, sob cujos pés havia como
50
o poder nurninoMí da escrita
que um pavimento de safira, semelhante ao próprio céu na sua pureza. Ele não
estendeu a mão contra os notáveis dos filhos de Israel. Contemplaram, pois, a
Deus, e a seguir comeram e beberam. Disse então YHWH a Moisés: “Sobe para
junto de mim, sobre a montanha. E permanece ali até que eu te dê as tábuas
de pedra — a Lei e o Mandamento — que escrevi para lhes ensinares”.
A mágica dessas tábuas de pedra pode estar relacionada à natureza in-
comum de sua produção. Essa é uma das poucas passagens da Bíblia em
que se declara explicitamente que as pessoas efetivamente veem o Deus de
Israel. O povo faz uma refeição divina no Monte Sinai. Em seguida, Moisés
sobe (mais além?), e o próprio Deus faz a inscrição nas tábuas de pedra.
As tábuas funcionam como um símbolo, não como um texto literário
para ser lido e consultado. Depois que as tábuas são guardadas na arca
(Ex 25,21-22; 40,20), a arca adquire seu poder numinoso. Isso se deveria
— ao menos em parte — à escrita divina? A arca é colocada no santuário,
e a presença de Deus (em hebraico, kavod) agora paira sobre a arca, de onde
ele fala a Moisés e os sumos sacerdotes. Faz-se um véu para resguardar
da visão a presença divina. Deve-se carregar a arca utilizando barras para
evitar tocá-la involuntariamente (como em 2Sm 6). Portanto, a poderosa
e perigosa escrita está lacrada na arca e encoberta.
O celestial “livro da vida” é outro exemplo da escrita divina. Há várias
referências na literatura bíblica a um livro divino no qual estão escritos os
nomes de toda a humanidade. Apagar nomes do livro extingue a vida. Quan
do Deus ameaça aniquilar Israel porque seu povo pecou com o Bezerro de
Ouro, Moisés suplica por seu povo: “Agora, pois, vê se podes perdoar-lhes
o pecado. Se não, apaga-me do livro que escreveste” (Ex 32,32). O “livro da
vida” aparentemente deriva seu poder da escrita dos nomes, ou, no caso de
Êxodo 32,32, da eliminação de um nome. Esse conceito de um hvro celes
tial persiste ainda num período muito posterior. De acordo com o hvro de
Daniel, uma figura celestial chamada de “um velho em dias”, um Ancião,
julgará o mundo tendo diante de si um pergaminho: “O tribunal entrou em
julgamento e os hvros foram abertos” (Dn 7,10). Esse pergaminho especial
assinala o povo de Deus, segundo Daniel 12,1:
Naquele tempo surgirá Miguel, o grande príncipe, o protetor dos filhos do
teu povo. Será um tempo de angústia qual não houve desde que os povos
existem, até aquele momento. E naquele tempo o teu povo será salvo, todo
aquele que estiver inscrito no Livro.
51
Como a Bíblia tornou-se um livro
Esse livro está sem dúvida relacionado com o “livro da vida” que figura
no Apocalipse. No Juízo Final, “se alguém não foi encontrado inscrito no
livro da vida, foi jogado no lago de fogo”. Entretanto, “somente os que
estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” têm sua entrada permitida no
paraíso (Ap 20,15; 21,27). O destino final de cada pessoa depende de
que seu nome seja escrito ou apagado no livro divino.
Vestígios de antigas noções acerca da escrita persistem na época mo
derna. Perdura uma concepção de que os nomes são significativos, de que
eles podem comunicar algo sobre quem é tuna pessoa ou sobre quem
desejamos que uma pessoa seja. Gostamos de escrever nossos nomes em
determinados lugares. Deixamos uma memória nossa ao entalhar nosso
nome nvuna árvore ou numa rocha. Há vestígios da importância dos nomes
também nos rituais religiosos. Por conseguinte, temos nomes especiais
para marcar nossa iniciação em grupos religiosos. Temos nomes hebraicos
ou nomes cristãos. Algumas pessoas alteram seus nomes para refletir uma
transição em suas vidas. Até hoje, as sinagogas colocam um pergaminho da
Torá numa “arca” e celebram o aparecimento do pergaminho no serviço,
recordando assim uma poderosa imagem do Êxodo. A Bíblia é situada em
um pedestal e lida a partir de um púlpito elevado. Nós reverenciamos a
palavra escrita. '
52
uem escrevia na antiguidade? Por que as pessoas escreviam? As origens
e a difusão da escrita seguiram-se à ascensão das nações e dos impérios na
antiguidade. No Oriente Médio^ a escrita não floresceu em nenhum lugar
sem os auspicios do Estado. A escrita tornou-se parte da autodefinição das
antigas civilizações no Egito e na Mesopotâmia. Ela se tomou central na
administração e na alta cultura, ainda que estivesse essencialmente restrita
à classe emergente dos escribas. Ela era um elemento central dos monu
mentos públicos, ainda que o público fosse essencialmente não letrado. A
escrita projetava o poder real nos fóruns públicos. O propósito dos monu
mentos públicos que ostentavam escritos não era que fossem lidos, mas
exibir o poder e a autoridade reais. Mesmo os menores pretensos reis do
antigo Oriente Médio queriam ter seus próprios escribas reais. O floresci
mento da escrita e da literatura no antigo Oriente Médio não pode ser com
preendido sem o contexto do Estado.
Este capitulo delineia alguns dos importantes aspectos do desenvolvi
mento da escrita tanto no Oriente Médio de modo geral como especifica
mente em Israel. Na antiguidade, a escrita era complexa e cara. A escrita não
era uma atividade trivial. Ela requeria apoio institucional. Escrever era
principalmente uma atividade do Estado. A invenção do alfabeto foi um dos
desenvolvimentos cruciais que levaram à difusão da escrita fora das institui-
53
Como a Biblia tornou-se um 1í\ to
1.Ver J. Goody, The Logix: ofWritingand the Organization ofSociety, Cambridge, Cam-
bridge University Press, 1986, 53-56.
2. Ver, por exemplo, H. Nissen, The Emergence of Writing in the Ancient Near East,
Interdisciplinary Science Reviews 10 (1985] 349-361; P. Michalowski, Early Mesopotamian
Communicative Systems: Art, Literature, and Writing, in InvestigatingArtistic Environments
in the Ancient Near East (ed. A. Gunter), Washington, DC, Smithsonian Institution Press,
1990,53-69; M. Larsen, WhatThey Wrote on Clay, in Literacy and Sodety (ed. K. Schousboe
e M. Trolle-Larsen] Copenhague, Akademisk Forlag, 1989, 121-148.
54
A escrita e o Eslado
3. Ver G. R. Castellino, Two Sul^ Hymns (Roma, 1972), hino B, linha 11; ver A. W.
Sjõberg, The Old Babylonian Eduba, in Sumerolo^cal Studies in Honor ofThorkild Jacobsen,
Chicago, Oriental Institute, 1975, 159-179 (Assyriological Studies, 20).
55
Como a Biblia tornou-sí- um Iívto
56
A escrita e o Estado
A invenção do alfabeto
57
Como u Bíblia lornou-.v: um livra
58
A escrita e o Estado
59
Como a Bíblia tornou-se um li\To
O s escribas reais
60
A escrita e o Kstaulo
agropastoril. A primeira coisa que Mesá, rei dos moabitas, faz ao libertar-se
da dominação israelita é mandar redigir uma longa inscrição (mais de trinta
linhas) para comemorar a vitória. A inscrição inicia-se da seguinte maneira^®:
Eu sou Mesá, filho de Quemós, rei de Moab^ o dibonita. Meu pai reinou sobre
Moabe por trinta anos, e eu reinei depois de meu pai. Eu fiz o lugar elevado
para Quemós [a deidade nacional moabita] em Qarhoh porque ele me libertou
de todos os reis e fez com que eu tritmfasse sobre todos os meus adversários.
Omri, rei de Israel, humilhou Moabe por muitos dias porque Quemós estava
irritado com sua terra. E seu filho [o rei israelita Ahab] sucedeu-o e também
ele disse: “Humilharei Moabe”. Em meus dias ele assim disse, mas eu triunfei
sobre ele e sua casa, e Israel pereceu para semprel Omri havia ocupado a terra
de Medebá, e (Israel) habitou ali em seu tempo e metade do tempo de seu filho,
quarenta anos; Quemós habitava ali em meu tempo. E eu construí Baal-Meon,
fazendo ali mn reservatório, e construí Qiriataim...
10. Uma tradução recente e acessível acompanhada de uma discussão foi reahzada
por K. A. D. Smelik em The Context of Scrípture, vol. 2: Mmumental Scriptures from the
Bíblical World (ed. W. W. Hallo e K. L.Younger Jr.j, Leiden, Brill, 2000,137-138. Ver tam
bém A. Lemaire, “House of David” Restored in Moabite Inscription, Bihlical Archaeohgp
Review 20, n° 3 (1994) 30-37.
11. S. Segert, Die Sprache der Moabitischen Kõnigsinschrift, Archiv Orientalni 29
(1961) 197-269.
61
Como a Riblia tornou-se um livro
12. Ver a publicação original de A. Biran e J. Naveh, An Aramaic Stele Fragment liromT
Dan, lEJ 43 [1993] 81-98. A tradução aqui, porém, baseia-se em meu artigo: W. M. Schnie-
dewind,Tel Dan Stela; New light on Aramaic and Jehus Revolt, BASOR 302 [1996] 75-90.
62
A e!-^rita e n lisiado
como Israel; e o reino de Judá ao sul, que era conhecido como “Casa de
Davi”. A conquista deve ter ocorrido por volta de 841 a.C. e deve ter sido
coordenada com um golpe no reino setentrional de Israel liderado pelo
general israelita Jeú [r. 841-814 a.C ). De acordo com a tradição bibhca, Jeú
esteve envolvido no assassinato desses dois reis. A apologética bíblica da re
volta de Jeú indica que este tinha o apoio dos profetas Elias e Eliseu e que
essa revolta foi coordenada com o rei arameu Hazael [ver IRs 19,15-18}^^.
Nessa época, a cidade de Dan passou do controle israehta para o dos arameus.
O rei Hazael erigiu então essa inscrição à porta da cidade como mostra
da nova autoridade real arameia para todos os que ali entravam. Quando
13. Ver a discussão completa em meu artigo: W. M. Schniedewind, Tel Dan Stela
New Light on Aramaic and Jehu’s Revolt.
63
Como a Bíblia tornou-se um livro
14. Isso foi efetivamente reconhecido pelo estudioso italiano G. Garbini. É notável,
porém, que ele não veja isso como resultado das escolas escribais panlevantinas, sugerindo,
em vez disso, que a inscrição de Dan teria de ter sido forjadal O contexto arqueológico das
escavações de 1995, contudo, destruiu completamente a controvérsia de que essa inscrição
seria uma falsificação moderna.
15. Isso é especialmente evidente nas Cartas de Amarna; ver Rainey, C anaanite in the
A m am a Tahlets. Argumentarei, em meu próximo livro sobre a história social do hebraico,
que essa tradição escribal panlevantina prossegue até o século VIII a.C.
16. Ver Y. Ikeda, Solomon’s Trade in Horses and Chariots in Its International Setting,
in Studies in the Period o f D aind and Solomon and Other Essays (ed. T. Ishida), Winona
Lake, IN, Eisenbrauns, 1982, 219-220.
64
A O b L T Í lJ • ü L s l j J l l
Figura 3.4. Escriba real diante de Bar-Rakib em seu trono (fotografia do autor)
65
Como a Bíblia tornou-se um livro
66
A e>i.Titu c o Estudo
unificar o império. Em vez disso, escolheram uma língua escrita pelo mé
todo alfabético — o aramaico —, que era mais fácil de ser dominada pelos
escribas, a fim de facÜitar a administração de seu crescente império. O uso
imperial do alfabeto, junto com o crescimento de uma economia urbana e
global, ajudaria a disseminar a escrita no Ocidente.
67
Como a Bíblia tornou-se um 1í\to
19. Às vezes, o uso do ugarítico pode ir longe demais, como no comentário brilhante
mas idiossincrático de M. Dahood sobre os Salmos [Bibha Anchor], em três volumes. Ver
também Dahood, Ugaritic-Hebrew Parallel Pairs, in Ras Shamra Paraüeb I (ed. L. Fisher;
ÀnOr, 49), Roma, 1972, 71-382; Ras Shamra Paralleb II (ed. L. Fisher; AnOr, 50), Roma,
1975, 1-39; Ras Shamra Paralleb III (ed. L. Fisher; AnOr, 51), Roma, Pontificai Bibhcal
Institute, 1981,1-206.
20. U. Cassuto, Bibhcal and Canaanite Literature, in Bihlical and Oriental Sütdies vol. 2:
Bible andAndent Oriental texts (trad. Israel Abrahams), Jerusalém, Magnes, 1975,16; ver tam
bém Y. Avishur, Studies in Hehrew and Ugaritic Psahns, Jerusalém, Magnes, 1989 [hebraico].
68
A escrila e o tstado
69
o, antigo Israel era uma sociedade oral. A literatura bíblica retrata os
antigos israelitas como errantes seminômades que por fim se estabelece
ram em Canaã e adotaram um estilo de vida pastoril e, posteriormente,
cada vez mais agrário. Esse não é um cenário em que se esperaria que a
escrita florescesse. Antes, a “literatura” dos antigos israelitas era uma lite
ratura oral — as canções e as histórias, os provérbios e os contos populares
de uma sociedade tradicional. A oralidade das antigas tribos israelitas se
reflete na literatura bíblica. D e acordo com o Deuteronômio, todo israelita
confessava a respeito de seus ancestrais: “meu pai era txm arameu errante”
(Dt 26,5). A pesquisa arqueológica também sugeriu que os antigos israe
litas em Canaã eram pastores que por fim se estabeleceram num estilo de
vida agrárioh Isso sugere que as raízes do antigo Israel eram pastores semi-
Inômades que viviam à beira do deserto do Oriente Médio até por volta
de 1300 a.C. Consequentemente, as origens desses errantes no registro
71
Como a Rihlia tornou-v.' um lis
O s antigos israelitas
72
A í?5crita no antigo Israol
2. Há volumosa literatura sobre o antigo Israel. Algumas das obras recentes mais
importantes incluem: I. Finkelstein e N. Na’aman (eds.), From Nomadism to Monarchy:
Archaeological and Historical Aspects of Early Israel; R. Hess, Early Israel in Canaan: A
Survey of Recent Evidence and Interpretations, PEQ 125 [1993) 125-42; G. Ahlstrõm,
}Vho Wère the Israelites?, Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 1986; A. Frendo, Five Recent
Books on the Emergence ofAncient Israel: Review Artide, PEQ 124 [1992) 145-151.
3. Tradução de ANET, 376-378.
73
Como a Bíblia tornoii-sc um livro
74
A fbuita nu aniign Israol
k '
75
Como a Bililia tornoii-so um livro
5. M. Kochavi e A. Demsky, Na Israelite Village from the Days of the Judges, BAR
n°3 [1978] 19-21.
76
A c'SLTÍta no antigo Israol
O s cânticos do povo
6. Aqui, o autor comenta a tradução adotada na língua inglesa, The Book of Jashar
[O Livro de Jashar]. Era português, as traduções mais usadas são “Livro do Justo" e "Livro
do Reto”. (N. da T.)
77
Como a Bíblia tomou-se um livro
Foi então que Josué falou a YHWH, nesse dia em que entregou os amorreus
aos israelitas, e disse em presença de Israel:
“Sol, para sobre Gabaon,
E tu, ó lua, sobre o vale de Ayalonl”
E o sol parou e a lua se quedou imóvel, até a nação se vingar dos seus inimigos.
Não está isso escrito no Livro do Justo? Parou pois o sol no meio do céu, e
não se apressou em pôr-se, pelo espaço de quase um dia.
Davi entoou esta lamentação sobre Saul e seu filho Jônatan. [Ele ordenou que
o Canto do Arco fosse ensinado ao povo de Judá; está escrito no Livro do Justo.)
7. Conforme observado por H. Thackeray, New Light on the Book of Jashar (A Study
of 3 Regn.Vm 53b L X X ),/rS 11 (1910) 518-532.
78
A escrita no antigo Israel
Então Moisés e os filhos de Israel entoaram a YHWH este cântico (Ex 15,1).
Moisés pronunciou aos ouvidos de toda a comunidade de Israel as palavras
deste cântico até o fim (Dt 31,30).
Então Israel cantou este cântico: “Sobe, poçol Aclamai-ol” [Nm 21,17).
Tais cânticos podem ter sido incluídos num antigo Livro do Justo. É
importante observar o conflito entre oralidade e textualidade implícito aqui.
Presumivelmente, esses cânticos orais portavam as tradições de Israel, mas
podiam ser escritos e ensinados aos israelitas.
O Cântico de Moisés no capítulo 15 do Êxodo, ou o "Cântico do Mar”,
como é também conhecido, é visto como um dos mais antigos exemplos
da literatura bíblica, remontando talvez ao século XIII a.C. O Cântico do
Mar tem seus paralelos estüísticos e fiterários mais próximos na literatura
ugarítica, um grupo de textos que data dos séculos X IV e XIII a.C. As ca
racterísticas linguísticas do cântico certamente apoiam rxma data bastante
recuada, ainda que seja difícil datar precisamente um texto usando esse tipo
de metodologia®. O uso de desinências, a letra mem endítica e o uso rela-
79
Como a Bíblia tornou-so um livro
10. Da discussão clássica dos aspectos arcaicos desse texto, ver F. M. Cross, Canaani-
te Myth and Hebrew Epic, Cambridge, MA, Harvard University Press, 1974,121-144.
11. Ver S. Weitzman, Song and Story in Biblical Narrative, Bloomington, University of
Indiana Press, 1997.
80
A escrita no antigo Israel
81
Cnmii a Bihlia tornou-sc nm livro
82
A escrita no antigo Israel
15. Ver, por exemplo, 1. Fenkelstein, The Archaeology of the United Monarchy; A
Altemative View, Levant 28 [1996] 177-187; T. Thompson, Historiography of Ancient
Palestine and Early Jewish Historiography: W. G. Dever and the Not So New Biblical
Ardiaeology, in The Origins of theAncient Israelite States [ed. V. Fritz e P. R. Davies], Sheffidd,
JSOT, 1996, 26-43; W. Dever, Histories and Nonhistories of Ancient Israel, BASOR 316
[1999] 89-106.
83
Como a Bíblia tornou-se um livro
84
A c:'».rila no anti.yu brud
16. Ver D. Sivan, The Gezer Calendar and Northwest Semitic Linguistics, lEJ 48
[1998] 101-105; W. F. Albright, The Gezer Calendar, BASOR 92 [1943] 16-26.
17. Contra C. Rabin, The Emergence of Classical Hebrew, in The Age ofthe Monarchies:
Culture and Society [ed. A. Malamat], Jerusalém, Massada, 1979, 71-78. Rabin é excessi
vamente dependente da apresentação biblica de Davi e Salomão. Embora as suposições
85
Como a Bíblia tornou-se um livro
O rei Salomão reinou sobre todo Israel. Eis os seus funcionários: Azarias, filho
de Sadoc, era sacerdote; Ehhoref e Aqtüas, filhos de Sisa, escribas; Josafá, filho de
Aquilud, arauto; Banaías, filho de Joiada, comandante do exército; Azarias,
filho de Natan, comandante dos prefeitos. Zabud, filho de Natan, era dignitário
régio; Aquisar era prefeito do palácio, e Adoniram, filho de Abdá, chefe dos
trabalhos compulsórios (IRs 4,1-6).
86
A escrita na antigo Israel
87
Como a Bíblia lurnou-sf um livro
20. Ver o resumo da pesquisa realizada por N. Fox, In the Service qfthe King: OíRcialdom in
Andent Israel and Judah, Cmdnnati, Hebrew Union CoUege Press, 2000,110-121 (monografias
do Hebrew Union CoUegej. Ver também T. Mettínger, Sohmonic State Offidah, Lund, CWK
Gleerups, 1971; Y. Avishur e M. Heltzer, Studies <mthe Royal Administratími in Andent Israel in
the Light of Epigraphic Sources, Jerusalém, Academon, 1996; E. W. Heaton, Solomon's New
Men: The Emergence of Andent Israel as a National State, Nova York, Pica Press, 1974,47-60.
21. KB4, ad loc.
22. Ver Y. Avishur, Administration, in World History of the Jewish People, vol. 4/2,
Jerusalém, Massada, 1979, 161.
88
A esv.rúu no anlii^o Israel
89
Como a Bíblia tornou-se ; liví
26. N. Fox, In the Service ofthe King, 250-268; O. Goldwasser, An Egyptian Scribe from
Lachish and the Hieratic Tradition of the Hebrew Kingdoms, TÜ4 18 [1991] 248-253.
90
A escrita no antigo Israol
27. Mais recentemente, ver R. E. Friedman, 77te Hidden Book in the Bible, Nova York,
HarperCollins, 1998.
28. Recentemente, Baruch Halpem ofereceu um convincente argumento em defesa
da antiguidade de algumas das histórias de Davi; David's Secret Demons: Messiah, Murderer,
Traitor, King, Grand Rapids, Eerdmans, 2001.
91
Ezequias e o
início
da literatura bíblica
93
Como 3 Riblia tnmnu-st’ um livro
O Império Assírio
94
l^/.ccjuiaíi c o inido da literatura hiblieu
Urbanização
1. A. Millard, The Uses of the Early Alphabets, in Phoinikeia Grammata: Lire et écrir
en Méditerranée (ed. C. Baurain, C. Bonnet e V. Krings), Namur, Sodété des Études Clas-
siques, 1991,105.
95
Como a Bíblia tornou-w- um livro
2. Vale notar que Salmanassar III (r. 858-824 a.C.) frequentemente lutou em campo
aberto, o que sugere uma presumida paridade entre os oponentes. No final do século VIII,
em contraste com isso, os monarcas assirios mais usualmente realizavam cercos, o que sugere
sua superioridade irulitar; cf. I. Eph’al, On Warfare and Military Control in the Ancient
Near Eastem Empires: A Research Outline, in History, Historiography and Interpretation:
Studies in Biblical and Cuneiform Literatures (ed. H. Tadmor e M. Weinfeld], Jerusalém,
Magnes Press, 1983, 88-106.
3. Ver H. Kuhne, The Urbanization of the Assyrian Provinces, in Nuove Fondazioni nel
Vid.no Oriente Antico: Realtà e Ideologia [ed. S. Mazzoni], Pisa, Giardini, 1992, 55-83.
4. Ver a discussão sobre “o povo da terra" em meu hvro anterior, Society and the Promise
to David: A Reception History of 2 Samuel 7:1-17, Nova York, Oxford University Press,
1999, 77-80.
96
ri/A'(.)uiaí. <.• I.) iiiiu o tia litfriULira biblita
5. O. Zimhoni, Two Ceramic Assemblages from Lachish Leveis III and II, 7>117 (1990)
49; ver também N. Na’aman, The Kingdom of Judah under Josiah, TA 18 (1991) 3-71. Uma
imagem similar reflete-se também em locais como Timnah (Tel Batash) e Acaron (Tel Miqne)
— todas elas cidades nos contrafortes a oeste de Jerusalém e a leste da planície litorânea.
6 . Ver B. Halpem, Jerusalem and the Lineages in the Seventh Century b c e : Kinship
and the Rise of Individual Moral Liability, in Law and Ideology in Monarchic Israel (ed. B.
Halpem e D. W. Hobson), Sheffleld, Sheffield Academic Press, 1991, 11-107.
7. Ver os ensaios de J. Holladay Jr., The Kingdoms of Israel and Judah; PoUtical and Eco-
nomic Centralization in the Iron IIA-B (ca. 1000-750 BCE), e W. Dever, Social Structure
in Palestine in the Iron II Period on the Eve of Destmction, in The Archaeology of Society in
the Holy Land (ed. T. Levy), Nova York, Facts on File, 1995, 368-398, 416-431.
97
Como a Bíblia tornou-sp um livro
A urbanização de Jerusalém
Jerusalém na época
de Ezequias
(c. 700 a.C.)
Cidade.
de Davi
98
i/.uquias e o iniLÍo da literatura bíblÍLU
Mas a escuridão será dissipada, pois não haverá mais escuridão lá onde havia
angústia. No passado ele humilhou o país de Zahulon e o país de Neftali,
mas no íuturo ele glorificará o caminho do mar, o Além-Jordão, e o distrito
das nações.
O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre os que habitam o país
na escuridão uma luz resplandeceu. [...] Porque o jugo que lhe pesava, a barra
sobre seus ombros, a vara de seu opressor, tu os quebraste como no dia de
Madian. [... ] Pois um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; ele rece
beu o império sobre os ombros e foi-lhe dado como nome: “Conselheiro Admi-
99
Como a Bíblia tornoii-sp um livro
rável, Deus Fort^ Pai para sempre, Príncipe da Paz". Imenso é o império, e uma
paz sem fim para o trono de Davi e seu reino, desde agora e para sempre.
O próprio livro de Isaías situa essa profecia entre 730 e 715 a.C. —
apenas alguns anos após a conquista da Galüeia por Teglat Falasar III e
talvez vários anos depois da derrota final do norte. Contudo, a profecia
oferecia esperança àquele “povo que andava nas trevas”. Ou seja, estendeu
a Promessa Davídica ao reino do norte. Os israelitas andavam nas trevas não
só em virtude da escuridão e do desespero lançados sobre eles pela “vara
de seu opressor” (os assírios), mas também por terem rejeitado o legítimo
rei do norte e do sul unidos — o filho de Davi. Quem era essa criança que
havia nascido? Quem era esse filho que nos era dado? Uma profecia anterior
já falara desse filho de Davi. Em Isaías 7,14, nos dias de Acás, rei de Judá
(r. 735-715 a.C.), Deirs deu um sinal à Casa de Davi: “Eis que a jovem
mulher está grávida e dará à luz um filho, ao qual ela chamará de Emanuel”
(em hebraico, literalmente, “Deus está conosco”). Para a audiência de Isaías,
essa criança não poderia ser outra senão Ezequiasl Nostalgicamente, o
povo de Jerusalém esperava que Ezequias, o filho de Davi, restaurasse a
época de ouro de paz e prosperidade.
Ezequias tentou récriar o período idílico de Davi e Salomão, mas suas
tentativas terminaram em desastre. Quando o rei assírio Sargão morreu, em
705 a.C., Ezequias Uderou uma coalizão (imprudente) contra o Império
Assírio. O novo monarca assírio, Senaquerib (r. 705-681 a.C.), estava no
trono havia quatro anos até conseguir dissolver a rebelião de Ezequias na
remota parte ocidental do império. Quando os assírios finalmente desis
tiram, em 701 a.C., as consequências foram devastadoras. Em seus anais,
Senaquerib registrou:
100
l'>.t'quias e n inicio da liieraUira biblua
o portão de sua cidade. Suas cidades, que eu havia saqueado, tomei-as de sua
nação e as entreguei a Mitínti, rei de Azoto, a Padi, rei de Acaron, e a SÜ-Bel,
rei de Gaza. Assim reduzi sua nação, mas elevei ainda mais o tributo e os pre-
sentes-katríi a mim devidos na condição de seu senhor, que impus a ele além
do tributo precedente, a serem pagos anualmente.'®
101
Como a BíHia torncui-se um livro
12. Um breve sumário e bibliografia sobre esses jarros e sinetes podem ser encontra
dos em D. Lance, Stamps, Royal Judean, in ABD, vol. 6, 184-185.
102
l'.zot|uias e o inicio da literatura biblicí
13. J. Cahill, Rosette Stamped Handles, in Excavations at the City ofDavid, vol, 6:
Inscriptions (ed. A. Belfer-Cohen etal.) QEDEM, 41), Jerusalém, Instituto de Arqueologia,
Universidade Hebraica de Jerusalém, 2000, 85-108.
14. Ver a discussão de Niditch e a literatura ali citada: S. Niditch, Oral World and
Written Word: Ancient IsraeÜte Literature, Philadelphia, Westminster John Knox Press,
1966, 54-55 (Library of Ancient Israel).
103
Como a Bíblia tomoii-se um livro
15. Ver S. Lancaster e G. Long, Where They Met: Separatíons in the Rock Mass Near
the Siloam Tunners Meeting Point, BASOR 315 [1999] 15-26; A. Faust, A Note on the
Location of the Siloam Inscription and the Excavation of Hezekiah’s Tunnel, in New Studies
on Jerusalem: Proceedings of the Second Conference November 28th 1996 [ed. A. Faust],
Ramat Gan, Ingeborg Rennert Center for Jerusalem Studies, 1996,21-24.
16. Ver C. Clermont-Ganneau, Les Tombeaux de David et des rois de Juda et le
tunnel-aqueduc de Süoe, Recueil d'archéolo^e orientale 2 [1898] 254-294.
104
h/.oquiaí e o inicio da literatura bíblica
17. Pesquisas recentes na área de Jerusalém descobriram tima série de povoamentos dos
séculos VIII a VI; ver G. Eddstein e I. Milevski, The Rural Setdement of Jerusalem Re-evaluated;
Surveys and Excavations in the Reph’aim Valley and the Mevasseret Yerushalayim, PEQ
126 [1994] 2-11; S. Gibson e G. Edelstein, Investigating Jerusalem’s Rural Landscape,
Levant 17 (1985] 139-155.
18. Ramat Rahel foi um problema para a geografia histórica. É frequentemente identificada
como Bet-Acarem (Jr 6,1; Ne 3,14; Js 15,59a [LXX]]. G. Barkay oferece um argumento con
vincente em defeSa de sua identificação com a enigmática “MMST", mencianada nas numerosas
impressões de sinetes "hnlk’' encontradas no local; c£ Ramat Rahel, in NEAEHL, 1261-1267.
19. Ver J. Pritchard, Industry and Tiade at Biblical Gibeon, BA 23 (1960] 23-29; S. Gitin,
Incense Altars from Ekron, Israel and Judah: Context and typology, EI 20 (1989] 52*-67*.
20. Houve também uma súbita expansão do povoamento nas regiões mais áridas do
vale de Bersabé e do deserto da Judeia; ver I. Finkelstein, The Archaeology of the Days of
Manasseh, 175-176.
21. As percentagens dependem do tamanho exato de Jerusalém depois de 701 a.C.
Finkelstein adota uma estimativa conservadora de 60 hectares. Mesmo isso se traduziria
num aumento de quase quatro vezes na dimensão de Jerusalém, tomando a população de
105
Como a Bíblia tornoii-sc vim livro
106
li/.equias c o inicio da literatura bihIÍL
23. Ver J. Black e W. Tait, Archives and Libraries in the Andent Near East, in Cnrilizatkms
ofthe Andent Near East [ed. J. Sasson; Simon & Schuster, 1995), 2197-2209; O. Pedersén,
Archives and Libraries in theAndent Near east, 1500-300 B.C., Bethesda,MD, CDL Press, 1998,
158-164. De modo mais geral, ver L. Casson, Libraries in the Andent World, New Haven, Yale
University Press, 2001.
24. Ver “Nabu” in Gods, Demons and Symbols in Andent Mesopotamia: An lUustrated
Dictionary (ed. J. Black e A. Green), Austin, University of Texas Press, 1992,133-134.
107
Como a BiVilia tormni-so um livro
O s homens de Ezequias
108
Ezcquias e o inicio da literaiiira bihlii.a
26. Ver, por exemplo, C. L. Seow, Linguistic Evidence and the Dating of Qohelet, JBL
115 (1996) 643-666; Avi Hurvitz, Review: Qohdeth’s Language: Re-evaluating its Nature
and Date, de Daniel C. Fredericks, Hebrew Stuãies 31 (1990) 144-154.
109
Como j Bililia tornoii-so um livro
Não surpreende que ele seja um defensor do povo e um crítico das eUtes
urbanas. Miqueias execra aqueles que “construíram Sião com o sangue e
Jerusalém com a injustiça” (Mq 3,10). Ele condena as injustiças sociais
que o povo do campo via como proveniente da iirbanização. Miqueias dá
voz ao “povo da terra”, que ainda apoiava fortemente a monarquia daví-
dica. Posteriormente, eles se sublevariam após o assassinato do rei Amon
[640 a.C.) para erguer ao trono o jovem Josias. A família de Josias também
era oriunda de um pequeno vilarejo [Bosqat) bem próximo do de Miqueias.
O próprio Miqueias sustenta o ideal do rei pastor da aldeia de Belém: “E
tu, Belém-Efrata, pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim
aquele que deve governar Israel, e cujas origens remontam aos tempos de
oufrora, aos dias antigos. [... ] Ele ficará de pé e apascentará, com o poder
de YHWH, seu Deus” [Mq 5,1-3). Previamente, no século IX a.C , nos
tempos da rainha Ataliá [r. 845-837 a.C.), o “povo da terra” apressara-se
em apoiar o restabelecimento da linhagem davídica quando esta foi amea
çada “pela cidade”. O povo ajudou a dar fim à ameaça da rainha Ataliá,
e o narrador observa que “alegrou-se todo o povo da terra, e a cidade se
manteve calma” [2Rs 11,20).
Um trabalho histórico
A datação do Livro dos Reis foi tema de intensos debates entre estu
diosos no século passado. Tentativas recentes de datar o Livro dos Reis to
mam como ponto de partida a obra seminal de Martin Noth sobre a cha
mada História Deuteronomista^^. Noth apresentou a hipótese de que um
único historiador exíHco tenha composto a narrativa desde o Deuteronômio
até o Segundo Livro dos Reis, usando fontes escritas precedentes. Essa
narrativa foi chamada de “História Deuteronomista”, enfatizando-se sua
dependência da ideologia religiosa do Livro do Deuteronômio, que moldou
sua interpretação da história de Israel. Na esteira da análise de Noth, os
estudiosos seguiram quatro linhas básicas^®. Alguns aderem à teoria de uma
110
Ezec(uias e o início da literatura bíblica
Única edição exílica, redigida após o exílio babÜônico em 586 a.C. e antes
do retorno do exílio que teve início com o decreto do rei persa Cito, em
539 a.C. Outros estudiosos isolam uma história exílica com mais duas
mãos redatoras (profética e nomista), embora divirjam acerca de se devem
caracterizar esse processo como edições ou adições escribais e, é claro,
polemizem sobre quais versículos exatamente devem-se atribuir a cada uma
das fontes. Uma terceira escola segue a teoria da redação dual, associada
a Frank Moore Cross, que argumentou que a edição original da História
Deuteronomista foi escrita no período pré-exílico para apoiar as reformas
de Josias (r. 640-609 a.C.) e foi depois atualizada por um editor exílico
(ca. 550 a.C.) que estava interessado em explicar o exílio babÜônico. A
quarta abordagem pode ser atribuída a estudiosos como Helga Weippert,
Andre Lemaire e Baruch Halpem. Estes estudiosos identificam duas edições
pré-exílicas escritas sob determinação dos reis judeus Ezequias e Josiais,
seguidas por uma redação exüica^®. A ideia de que houve uma composição
histórica pré-exílica na época de Ezequias parece estar ganhando força e é
a que mais me interessa por atribuir a primeira fase da redação ao período
do rei Ezequias.
A maior parte dos argumentos em favor da redação ezeqtnana baseia-se
na estrutura formal da narrativa histórica. Ela inclui fórmvdas de adição/
sucessão, fórmulas de julgamento, o tema de Davi e a atitude em relação
aos vários santuários de culto (ou “lugares altos”). Essas características são
consistentes na narrativa histórica até o relato do rei Ezequias e então
modificam-se abruptamente. Em razão da natureza formularizada desses
argumentos, eles são muito objetivos e difíceis de descartar. O que tom a
as evidências especialmente convincentes é a situação histórica, discutida
anteriormente, que induziu a composição ezequiana. É difícÜ não perceber
que a primeira “conclusão” do Livro dos Reis dá-se na queda do reino
setentrional de Israel e de sua capital Samaria (2Rs 17). Embora esse
texto tenha sido reelaborado, ele marca o final do reino do norte. Mais
tarde, os autores adotaram uma atitude quase inteiramente negativa em
relação ao norte, mas restam remanescentes que apontam para uma visão
positiva, quase nostálgica, do reino do norte. Tais remanescentes incluem
29. Sumarizo essa abordagem e a sustento, no longo artigo The Problem with Kings.
Ver esse artigo para outras referências bibliográficas.
111
Como a Bíblia tornou-sc um livro
as narrativas de Elias e Eliseu (IRs 17-2Rs 9), que são mistas no tocante
a sua atitude em relação ao reino do norte, alternando entre uma atitude
abertamente negativa (por exemplo, IRs 18,21] e uma atitude favorável
(por exemplo, IRs 22,2; 2Rs 6-7; 13,14-21). Ademais, os reis do norte
são geralmente honrados por sua força militar, enquanto os reis do sul o são
raramente (por exemplo, IRs 16,5.27; 22,45; 2Rs 10,34; 13,8.12; 14,28).
Essa visão às vezes positiva e nostálgica do norte pode ser facilmente atri
buída aos escribas de Ezequias, que estavam trabalhando no contexto his
tórico da incorporação de numerosos refugiados do norte e no contexto
ideológico de uma nova época de ouro.
Como essas fontes precedentes foram transmitidas? É provável que as
lendas de EUas e EHseu sejam uma compilação de histórias proféticas orais.
Contudo, os detalhes sobre campanhas militares, projetos de edificações e
as extensões dos reinos provavelmente foram extraídos dos arquivos reais.
Para explicar determinados detalhes históricos do texto bíblico, é preciso
supor que o autor estava utilizando arquivos reais do norte. Por exemplo,
nós temos duas inscrições históricas do século IX de reis estrangeiros: a
Esteia de Tel Dan (ca. 825 a.C.; ver figura 3.3) e a Pedra Moabita (ca.
840 a.C.). Embora essas inscrições contem a história das relações interna
cionais de Israel de uma perspectiva histórica bem diferente, elas relatam
os mesmos acontecimentos relatados na narrativa bíblica preservada no Livro
dos Reis. Podemos discutir acerca de qual relato é mais acurado, mas é
indiscutível que as inscrições estrangeiras e a narrativa bíbhca estão falando
das mesmas pessoas e dos mesmos eventos históricos. Para que a narrativa
bíblica converse com inscrições antigas, a BíbHa teve de ter fontes que da
tassem dos primeiros dias da monarquia. Dada a natureza das correspon
dências, uma importante fonte da narrativa bíblica deve ter sido os arqui
vos reais (tanto de Israel como de Judá).
O uso de uma fórmula padrão para exaltar os reis do norte parece
provir de uma composição ezequiana. Parece ter havido um relato pré-exí-
lico redigido durante o período de Ezequias que provavelmente refletia
sobre a queda de Samaria e a sobrevivência de Jerusalém. Essa obra histó
rica serviría também como fonte para autores/redatores posteriores. Pode
ser que tal composição tenha sido tão completamente reescrita por autores
josianos e exílicos que não seja mais inteiramente recuperável. Para nossos
propósitos, no entanto, basta destacar a existência dessa obra histórica
ezequiana e a atividade literária que ela impHca.
112
lizcquias e o iniüo da literatura biblka
O Livro dos Reis preserva duas avaliações similares que devem ter se
originado no período ezequiano da divisão do reino davídico-salomônico.
A primeira delas resume a narrativa da divisão na qual Roboão tolamente
segue seus jovens conselheiros: “Assim Israel se rebelou contra a casa de Davi
até hoje” (IR s 12,19). A expressão “até hoje” implica algo acerca da pre
sente relevância do reino dividido na época em que o autor escreveu essa
narrativa histórica^®. E também digno de nota que não há justificação pro
fética nessa declaração sumária (em contraste com IR s 11,9-13). A trans
gressão implicada pelo verbo “transgredir, rebelar” (no hebraico, pashà) é
contra a casa de Davi. A narrativa altamente editada sobre a queda de
Samaria em 2 Reis 17 também conserva um segundo fragmento com essa
perspectiva. Ali, lemos:
30. Um estudo clássico desta fórmula na literatura bíblica foi realizado por B. Cbüds,
A Study of the Formula “Until This Day", JBL 82 (1963) 279-292.
31. M. Bretder oferece um argumento convincente e detalhado sobre isso em Ideology,
History andTheology in 2 Kings XVII 7-23, VT39 (1989) 268-282.
113
Como a BíWia tornou-se um livro
3 2 .1. Provan, Hezekiah in the Book ofKings (BZAW, 172; Berlim, de Gryter, 1988),
116-117. Ver também R. E. Friedman, From Egypt to Egypt in Dtr 1 and Dtr 2, in Tradi-
tions in Transformations: Tuming Points in Biblical Faith (ed. B. Halpem e J. D. Levenson),
Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 1981,171-173; E. Eynikel, The Reform ofKingJosiah and
the Composition of Deuteronomistic History (OTS, 33) Leiden, Brill, 1996,107-111.
33. Outro exemplo pode ser o Salmo 78; ver R. CMbrd, In Zion and David a New Begin
ning: An Interpretation of Psabn 78, in Traditions in Transformations: Tuming Points in Biblical
Faith [ed. B. Halpem e J. D. Levenson), Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 1981,121-141.
114
lizoquias e o inicio da literatura biblica
A literatura do Pentateuco
115
Como a Bíblia tornou-se um livro
34. Ver, por exemplo, Avi Hurvitz, The Evidence of Language in Dating the Priesüy
Code, RB 81 (1974) 24-57; A. Hurvitz, A Lir^isHc Study ofthe Relationship betiveen the Pristiy
Source and the Book ofEzekieL A New Approach to an Old Problem, Paris, Gabalda, 1982.
35. Por exemplo, Frank H. Polak, Epic Formulas in Biblical Narrativa — Frequency
and Distribution, in Acts du Second CoUoque International Bible et Informatique: Méthodes,
outils, resultants. Paris, Champion, 1989,437-489. É interessante que o gênero de literatura
não parece ter tido impacto sobre essa mudança do estilo oral para o estilo da chancelaria.
Desse modo, o Livro de Ester tem um estilo surpreendentemente mais escribal que as
narrativas patriarcais.
116
E/.equias f o irüao da litt-ratura lnhlKa
117
Como a Ribliü tornou-so i liví
118
lí/i“quias e o miuu da literatura bíblica
119
Como a Bíblia tonnou-se um tiví
120
t.zcquias c o miciü da liu-ratura biblÍLa
39. Ver a extensa discussão em meu livro precedente, Society and the Promise to David,
cap. 4.
121
Como a BiHia tomoLi-a Ii\TO
Samaria (Is 8,4), mas então retoma a uma mensagem mais auspiciosa do
reino restaurado: “Mas não haverá trevas para aqueles que viviam na an
gústia. Em tempos passados, ele tomou desprezível a terra de Zebulom e
a terra de Naftali, mas, em tempos futuros, tomará glorioso o caminho do
mar, a terra além do Jordão, Galileia das nações” (Is 9,1 [Hb 8,23]). O
profeta sugere que as trevas desaparecerão nos últimos dias de Ezequias.
De acordo com essa interpretação dos acontecimentos. Deus reprovou a
divisão do reino e a rebeHão contra os reis davídicos legitimamente in
dicados. Isaías, porém, vê os dias em que o filho da autoridade de Davi
“crescerá continuamente e haverá paz ilimitada para o trono e o reino de
Davi” (Is 9,7 [Hb 9,6]). Isaías fala do retorno de remanescentes do norte
(Is 10,20-22). O rebento de Davi (Is I I , I ) reunirá esses remanescentes e
os resgatará (Is I I , l I ) . O profeta Oseias é mais específico: “Depois disso,
os filhos de Israel voltarão e procurarão YHWH, seu Deus, e Davi, seu
rei; com temor, voltar-se-ão para YHWH e para sua bondade no futuro”
(Os 3,5). A visão desses dias era restabelecer o reino de Davi e Salomão,
revisitar a época de ouro de Israel. Foi essa visão que levou à incauta e
desastrosa tentativa de Ezequias de rebelar-se contra a Assíria. Sem dúvida
foi também essa visão que levou os escribas de Ezequias a coligir e copiar
“os provérbios de Salomão” e outras tradições que seriam atribuídas à
época de ouro de Israel.
Há razão mais que suficiente para acreditar que o Livro de Amós
também recebeu sua forma final no período ezequiano. Segundo este livro,
seu homônimo profético profetizou no reino do norte na metade do século
VIII a.C. Pode causar certa surpresa que o livro tenha sido preservado por
escribas do reino do sul. A composição do Livro de Amós foi tema de con
siderável polêmica. Em comentários mais recentes, David Noel Freedman
e Sbalom Paul argumentam que o livro data essencialmente dos dias do
profeta (isto é, na metade do século VIII a.C.) e que sofreu pouca inter
venção subsequente'*®. Para chegar a essa conclusão, no entanto, é preciso
recorrer a referências inequívocas que apontam para o final do século VIII
a.C. Certamente, a mais clara delas é a referência, em Amós 6,2, ao desa
parecimento da Gat fibsteia, conhecida por ter sido destruída pela invasão
40. D. N. Freedman, ytmos, AB, Nova York, Doubleday, 1989; S. Paul, Amos, A commen-
tary on the Book of Amos, Hermeunia, Philadelpliia, Fortress, 1991.
122
Ezequias e o inicio da literatura biblica
de Sargão em 712 a.C.'*^ Sem dúvida, Amós foi preservado no sul porque
(1) entendia-se que o profeta previra corretamente o exílio de Samaria e
(2) isso era interpretado como legitimação da dinastia davídica. O versículo
em Amós 9,11 — “Naquele día, reerguerei a cabana de Davi que está
para cair, taparei as brechas, levantarei as ruínas, firmá-la-ei como nos dias
de outrora” — foi amplamente analisado como um acréscimo posterior
ao livro"*^. As ruínas aqui são da “cabana de Davi”, e não da cidade de
Jerusalém; em outras palavras, as ruínas estão hgadas à divisão da “Casa
de Davi”, não à destruição de Judá. Estudiosos com frequência supuseram
que essas palavras referem-se à destruição de Jerusalém, mas, na realidade,
trata-se de uma metáfora para a divisão do reino — “a cabana de Davi”.
Dado o contexto sócio-histórico descrito nesse capítulo, a corte de Ezequias
é, de fato, um cenário inteiramente favorável para a edição final do Livro
de Amós. Ezequias é quem é apresentado como aquele que restaurará a
Casa da Davi e a reconstruirá “como nos dias de outrora”.
O sobrescrito no Livro de Oseias também descreve a atividade do
profeta persistindo no período ezequiano. Esse profeta do norte também
foi preservado no sul por ser caracterizado como um crítico da legitimidade
do reino do norte. Muitos comentadores destacaram o retrato altamente
negativo da monarquia apresentado no Livro de Oseias. Talvez o exemplo
mais frequentemente citado seja o seguinte: “Sem mim instituíram reis, sem
mim nomearam chefes” (Os 8,4). Essa afirmação está de acordo com a
crítica que emergiu da obra histórica ezequiana, que culpava pela divisão do
reino a rejeição dos filhos de Davi por parte do norte (c£ 2Rs 17,21; IRs
12,19). Por fim, contudo, o significado dessa crítica no livro como um todo
tem de ser entendida pelas lentes do seguinte trecho de Oseias 3,4-5:
Assim ficarão durante muitos dias os filhos de Israel: sem rei, sem chefe, sem
sacrifício, sem esteia, sem efod e sem terafim. Depois disso, os filhos de Israel
procurarão de novo a YHWH, seu Deus, e Davi, seu rei; com temor, voltar-
se-ão para YHWH e para a sua bondade no futuro.
41. Vale notar também que Gat está ausente na lista de cidades filisteias menciona
das em Amós 1,6-8. Seu destino está aparentemente sintetizado nas palavras do profeta
Miqueias, "Não divulgueis em Gat” [Mq l,10j.
42. Por exemplo, Harper, Amos, 195-196; Driver, Amos, 119-124.
123
Como a Bílilia tornou-si’ um livro
43. Contra R. E. Clements, que — por razões que não estão claras — atribui esse
versículo a um editor do final do século VII. Ver Clements, Isaiah and the Deliverance of
Jemsalem: A Study of the Interpretation of Profecy in the OldTestament (JSOTSS, 13)
Sheffield, JSOT, 1980, 60.
124
Ezequias e o inicio da literatura hihlica
começou na corte do rei Ezequias no final do século VIII a.C , com a com
pilação e edição de obras proféticas tais como os livros de Amós, Oseias,
Miqueias e Isaías de Jerusalém. Além disso, os escribas de Ezequias reuni
ram as tradições de sabedoria que atribuíam ao velho rei Salomão. Os
escribas reais também produziram uma obra histórica pré-deuteronômica
que terminava com a queda do reino do norte. Os acontecimentos presen
tes, o exílio do norte e a sobrevivência dos filhos de Davi constituíam o
pano de fundo dessa literatura. Os sacerdotes do templo provavelmente tam
bém coligiram e editaram algumas tradições sacerdotais, como o Código
da Santidade (Lv 17-26). Provavelmente foram também coligidas histó
rias tradicionais do antigo Israel, como aquelas encontradas no Livro do
Gênesis e do Êxodo. A história do Êxodo já servia como um poderoso
símbolo de exílio, redenção e poder real. Cada um desses escritos por fim
apontava para os filhos de Davi.
A urbanização, a centralização do poder político e a mudança social
em Jerusalém naturahnente atraíram intérpretes sociais, políticos e religio
sos. O local onde tais interpretações podiam ser registradas em pergami
nhos e papiros era a corte real. A situação política convidava, até mesmo
exigia, a compilação das tradições orais e a escrita da fiteratura. O proces
so começou efetivamente no final do século VIII a.C., no reinado do rei
Ezequias, mas se alastraria e atingiria seu ápice nos últimos dias da monar
quia de Judá. No tempo de Ezequias e Isaías, a escrita ainda estava estreita
mente associada ao rei e ao Estado. Isso, entretanto, estava prestes a mudar.
125
om a emergência do letramento e o florescimento da literatura, origi
nou-se uma revolução textual nos dias do rei Josias. Essa foi uma das mais
profundas revoluções culturais na história humana: a asserção da ortodoxia
dos textos. A medida que a escrita se difundiu em toda a sociedade judia,
o letramento deixou de se confinar às restritas escolas escribais, à corte
real e ã imponência dos templos. Começando pela florescente burocracia
governamental, o uso da escrita disseminou-se em toda a sociedade. O
letramento básico tornou-se um lugar-comum, a tal ponto que os iletrados
chegavam a ser socialmente estigmatizados. A difusão do letramento pos
sibilitou um aspecto central da revolução religiosa de Josias: a autoridade
religiosa do texto escrito. Este foi o grande e duradouro legado das reformas
de Josias para o desenvolvimento da civilização ocidental.
E irônico que a disseminação do letramento não se traduza necessaria
mente num nível de literatura superior'. Muito pelo contrário, sua demo-
1. Esse argumento apropriadamente formulado por A. Loprieno, Von der Stimme zur
Schrift, in Wàs ist derMensch? Zwischen Affe und Robot (ed. Andreas Münkel], München,
Beck, 2003. Ver também Loprieno, L a pensée et Vécriture: pour une sémiotique de la cul-
ture égyptienne, Paris, Cybele, 2001, 124-128.
127
Como ã Bíhlid toinou-se uin livro
2 .0 livro de E. Havelock, The Muse Leams to Write: ReflecHons on Orality and Literacy
from Antiquity to the Present, New Haven, Yale University Press, 1986, é uma popularização
e um resumo dessa pesquisa. A obra seminal de Havelock é Preface to Plato, Cambridge,
MA, Harvard University Press, 1963; ver também Havelock, The Literate Revolution in Greece
and Its Cultural Consequences, Princeton, Princeton University Press, 1982. Ver também W.
Ong, Orality and Literacy: The Technologizing of the Word, Londres, Routledge, 1982.
3. Ver O. Andersen, The Significance of Writing in early Greece— A Criticai Appraisal,
in Literacy and Society [ed. K. Schousboe e M. Trolle-Larsen), Copenhague, Akademisk
Forlag, 1989, 73-90.
4. Ver a critica de Harris em The Ori^n of Writing, Londres, 1986.
128
losias e a revolui^ãu U '\U ul
5. Em todo caso, as vogais já tinham uso limitado no hebraico no século VII. Elas
parecem refletir a disseminação da escrita fora dos círculos estreitos das escolas escribais;
ver meu artigo: W. M. Schniedewind, Sociolinguistic Reflections on the Letter of a “Literate"
Soldier [Lachish 3), ZAH13 (2000) 157-167.
129
Como a Bíblia tornou-se um livro
URBANIZAÇÃO
130
Josiab t‘ a re\'olu\.;io textual
131
Como a Bíblia tornou-se um livro
132
(osias c a rcwilucãu Icxlual
rua. De maneira similar, o antigo Israel deve ter recebido um número muito
grande de refugiados habilidosos e letrados. Muitas dessas pessoas, no en
tanto, podiam ser incorporadas à florescente burocracia governamental. A
demografia do letramento acrescentou um catalisador ao desenvolvimento
da literatura no final do século VIII a.C.
Conforme discutido no último capítulo, a segunda fase da urbanização
de Jerusalém seguiu-se à invasão de Senaquerib em 701 a.C. A invasão de
vastou os contrafortes a oeste de Jerusalém. Segundo os cálculos do arqueó
logo Israel Finkelstein, “cerca de oitenta e cinco por cento dos povoados
da Shefelá no século VIII não haviam sido reocupados na última fase da
Segunda Idade do Ferro. A área total construída diminuiu em cerca de
setenta por cento”®. A devastação dos contrafortes judeus, junto com o
crescimento de Jerusalém, resultou num correspondente aumento no nú
mero de povoados menores em tomo de Jemsalém, estabelecidos no final
do século VIII ou no século VII a.C. Novas fazendas, vilarejos e aldeias agrí
colas formaram um interior agrícola e industrial para Jemsalém. Como
observado anteriormente, o novo centro administrativo real cerca de três
quilômetros ao sul de Jemsalém (hoje conhecido como Ramat Rahel)
funcionava como uma capital secundária e um segundo centro administra
tivo que aliviava a superlotação de Jemsalém. Esse crescimento adicional
pode ser considerado um desdobramento da campanha de Senaquerib,
em que este afirma ter sitiado “46 de suas cidades fortes, fortificações mu
radas e incontáveis pequenas aldeias [vizinhas]”. O crescente subúrbio de
Jerusalém correspondia (1] à mudança demográfica dos contrafortes a oeste
para a região montanhosa central, (2) à necessidade de produção agrícola
para suprir Jemsalém e a administração de Ezequias e (3) à necessidade de
substituir a infraestmtura agrícola devastada da região dos contrafortes.
CENTRALIZAÇÃO
9 .1. Finkelstein, The Archaeology of the Days of Manasseh, in Scripture and Other
Artífacts: Essays on the Bible and Archaeology in Honor of Phüip J. King (ed. M. Coogan,
J. Cheryl Exum e L. Stager), Louisville, Westminster John Knox, 1994, 173.
133
C om o a RíMia tornou-se um livro
10. Para um estudo dássico sobre o papd do templo na economia, ver J. Weinberg,
The Citízen-Temple Community (trad. D. Smith-Christopher), Sheffield, JSOT, 1992.
11. Esse tópico é desenvolvido especialmente por M. Haran, Temples and Temple
Service in Ancient Israel, Oxford, Clarendon Press, 1985.
12. Ver, por exemplo, W. Clabum, Tbe Fiscal Basis of Josiab’s Reforms, JBL 92 (1973)
11-22; N. Steinberg, The Deuteronomic Law Code and tbe Pohtics of Centralization, in
The Bible and the Politics ofEocegesis (ed. D. Jobling et all), Cleveland, Pilgrim, 1991, 161-
170; M. Heltzer, Some Questions Conceming the Economic Policy of Josiah, King of
Judah, lEJ 50 (2000) 105-108.
134
Jusias e a revoluLao le.xlual
135
C om o a Bihlia toinoii-<;e um livro
15. Ver N. Avigad, Corpus ofWest Semitic Stamp Secds (revisado e complementado por
B. Sass [ed.]], Jerusalém, Israel Exploration Society, 1997, 49-61.
16. Ver H.-J. Martin, The History and Power ofWriting [trad. Lydia G. Cochrane)
Chicago, University of Chicago Press, 1994.
136
Josias e a revolução textual
17. Essa observação foi reconhedda por muitos estudiosos, espedalmente em anos recentes,
à luz de novos desenvolvimentos arqueológicos. Conferendd sobre esse tópico no encontro da
SBL em São Frandsco no ano de 1998. Ver também os argumentos recentes de M. Coogan,
Literacy and the Formation of Biblical Literature, in Recdia Dei: Essays inArchaeobgy and BibUcal
Interpretation (ed. P.Williams eT, Hiebert), Adanta, Sdiolars, 1999,47-61,bem como o popular
livro de 1. Finkelstein e N. Silberman, The Bible Unearthed, Nova York, Free Press, 2001.
18. E. Stem, Archaeology o/ the Land (rfthe Bible, vol. 2, Nova York, Doubleday, 2001,169.
19. Avigad, Corpus ofSemitic Stamp Seals.
137
C o m o a Bíhlia tnrnoii-<;o iim livro
20. Esses sinetes foram tema de longas discussões. Ver, por exemplo, D. Ussishkin,
Royal Judean Storage Jars and Private Seal Impressions, BASOR 223 (1976) 1-13; A. F.
Rainey, Wine from the Royal Vineyards, BASOR 245 (1982) 57-62.
21. Yair Shoham, Hebrew Seals and Seal Impressions, in Excavations at the City of
David, vol. 6; Inscriptions (ed. A. Belfer-Cohen et al., QEDEM, 41], Jerusalém, Instituto de
Arqueologia, Universidade Hebraica de Jerusalém, 2000, 29-57.
138
Jobias c a revolui.ào Icxtual
22. N. Avigad, Hebrew Bulhefrom the Time ofJeremiah, Jerusalém. Magnes, 1986,121.
23. A. Millard, The Uses of the Early Alphabets, in Phoinikeia Grammata: Lire et
écrire eti Méditerranée (ed. C. Baurain, C. Bonnet e V. Krings), Namur, Société des Etudes
Classiques, 1991, 106.
139
Como a Bíhlia tornou- SI’ um hvTO
i*t,^ :r ,
*3»>^
24. R. Deutsch e M. Heltzer, New Epigraphic Evidence from the Biblical Period, Tel
Aviv, Archaeological Center, 1995, 92-103.
25. Ver R. Kletter, Economic Keystones: The Weight System of the Kingdom of Judah
(JSOTSS, 276] Sheffield, Sheffield Academic Press, 1998.
140
Jo.sias e a rc\ olucão icvtiiaJ
Idade do Ferro ou pela Bíblia hebraica. Essas medidas de peso contidas nas
inscrições atestam o crescente uso administrativo da escrita no último pe
ríodo da monarquia. Há ainda outras evidências da conexão entre o flores
cimento da escrita e o desenvolvimento da atividade econômica.
A CARTA DE UM SO LD A D O LETRADO
Vosso servo Hosaiahu enviou para informar meu senhor laush: Que YHWH
faça com que meu senhor ouça notícias de paz e relatos de coisas boas. E,
agora, por favor, explique a vosso servo o significado da carta que enviastes
ontem à noite a vosso servo, pois o coração de vosso servo tem estado mor-
tificado desde vosso envio a vosso servo e porque meu senhor disse: “Tu não
sabes (como) ler uma carta". Pela vida de YHWH, nenhum homem jamais
precisou ler uma carta para mim. Ademais, eu certamente leio toda carta a
mim enviada, e, além disso, sou capaz de repeti-la perfeitamentel E, a vosso
servo, foi comunicado: “O comandante do exército, Koniahu ben-Efiiatan,
desceu para penetrar no Egito. E ele enviou que Hodaiahu ben-Ahiahu e
seus homens sejam retirados deste lugar”. E, quanto à carta de Tobiahu, servo
do rei, endereçada a Shalum ben-Iadua por meio do profeta, dizendo “Cui-
dadol", vosso servo a enviou ao meu senhor.
26. A editio princeps foi frita por H. Torczyner, Lachish I. The Lachish Letters, Oxford,
Oxford University Press^ 1938. A presente discussão baseia-se em meu artigo:W. M. Schniedewind,
Sodolinguistic Reflections ontiie Letters of a “literate” Soldier (Lachish 3j, 157-167.
141
Como a Bíblia tornou-se liVT
27. B. Isserlin, Epigraphicálly attested Judean Hebrew, and the questíon of upper class
(OffLcialI and popular speech variants in Judea during the eighth-sixth centuries B.C,
Austrahan Journal ofBihtíadArchaeoh^ 2 [1972) 197; I. Young, Diversify in Pre-Exãic Hebrew,
Tübingen, J. C. B. Mohr, 1993,110.
28. W. M. Schniedewind, Sodolinguistic Reflections on the Letter of a “Literate”
Soldier (Lachish 3), 157-167.
142
.kisias e a revoluk,ãu textual
Que meu senhor, o oficial, atenda ao apelo deste servo. Vosso servo estava
trabalhando na colheita. Vosso servo estava em Hasar Asam. Vosso servo
fez a sua ceifa, terminou e armazenou-a alguns dias atrás, antes do Sabá.
Quando vosso [sejrvo havia terminado e armazenado há alguns dias,
Hosaiahu, filho de Shobai, veio e tomou a vestimenta de vosso servo. Todos
os meus companheiros darão testemunho do que digo, todos os que esta
vam ceifando comigo no calor do sol; meus irmãos o atestarão. Na verdade,
sou inocente de qualquer cul[pa]. [Por favor, devolvei] minha vestimenta.
Se o oficial não considerar como obrigação devolver a vestimenta de [vosso]
ser[vo, por favor tend]e pi[edade] dele [e devo]lvei [a vestimenta] de vosso
[se]rvo. Não deveis ficar em sÜêncio [quando vosso servo está sem sua
vestimenta].
29. A publicação original é de J. Naveh, A Hebrew Letter ífom the Seventh Century
B.C., lEJ 10 (1960) 129-139. Ver também J. Naveh, Some Notes on the Reading of the
Mesad Hashavyahu Letter, lEJ 14 [1964) 158-159; S. Talmon, The New Hebrew Letter
from the Seventh Century B.C. in Historie Perspective, BASOR 176 [1964) 29-38.
143
Como a Bilnlia tornnii-se um Iívto
GRAFITOS
30. Essa inscrição foi inidalmente publicada por W. Dever, Iron Age Epigraphic Materia
fromtheAreaofKhirbetel-Kôm, HUCA40-41 [1970] 139-204.
144
Josias e a re\olu>;àu textual
145
CnrTKi a BiVilia torm ni-s livro
9
10
11
Figura 6.3. O mais antigo texto bíblico; amuleto de prata II de Ketef Hinnom,
Jerusalém, datado do século VII a.C. [fotografia de Bmce Zuckerman
e Marilyn Lundberg, West Semitic Research; desenho de Bruce Zuckerman;
cortesia da Autoridade de Antiguidades de Israel e Gabriel Barkay]
146
Josias. c a revolui^ãu texiuul
A ortodoxia de um livro
34. Ver também M. Fishbane, Form and Reformtilation of the Biblical Priestly Blessing
JAOS102 (1983) 115-121.
147
Como a Biblia tornou-se um livro
148
Josias L' a ri-volucao textual
A
‘ m Ha-aretz e a elite urbana é muito explícita num golpe político anterior,
quando Joás (r. 835-796 a.C.) derruba a rainha Ataliá (r. 841-835 a.C.}.
Ataliá, filha do rei Omri, do norte, havia sido casada com o rei judeu Jorão,
numa união política que pretendia reunifícar o reino dividido. Quando seu
marido foi assassinado numa intriga palaciana em Samaria, Ataliá apode
rou-se do trono. O relato do reinado de Ataliá termina com a significativa
afirmação: “alegrou-se todo o 'Am Ha-aretz, e a cidade se manteve calma”
(2Rs 11,20). Ambos os golpes ilustram a tensão existente entre as facções
urbana e rural no antigo Judá.
O golpe de Josias foi uma reação a mudanças na sociedade judia — uma
tentativa de recuperar os antigos valores e a antiga estrutura social. Mas não
havia como voltar atrás. A situação não podia ser desfeita. Embora algumas
mudanças acarretadas pela globalização sob o domínio assírio fossem irre
versíveis, era possível fazer com que servissem aos propósitos da revolução.
A história da revolução josiânica é extensamente narrada por um autor
do Deuteronômio em 2 Reis 22-23. A reforma religiosa é acionada pela
descoberta de um pergaminho (ou “livro”, como com-írequência se traduz
erroneamente). Podemos seguir a narração, que começa em 2 Reis 22,8:
149
C om o a Bíhlia tomou-se um livro
37. Sobre as reformas de Josias, ver E. Eynikel, The Reform of King Josiah and the
Composition of the Deuteronomistic History (OTS, 330), Leiden, Brill, 1996; N. Lohfink,
The Cult Reform of Josiah of Judah: 2 Kings 22-23 as a Source for the History of Israelite
Religion, in Ancient Israelite Reli^on: Essays in Honor of Frank Moore Cross (ed. R D.
Miller, P. Hanson e S. D. McBride), Phüadelphia, Fortress, 1987, 459-476; M. Sweeney,
King Josiah of Judah: The Lost Messiah of Israel, Oxford, Oxford University Press, 2001;
W. M. Schniedewind, History and Interpretation: The Religion of Ahab and Manasseh
in the Book of Kings, CBQ 55 (1993] 649-661.
38. J. Goody, The Domestication ofthe Savage Mind, Cambridge, Cambridge University
Press, 1977, 37.
150
-losias c a ri;vului.ai.i ifxiuul
E, tendo subido ao seu trono real, [o rei] escreverá para si mesmo uma cópia
desta Torá, que os sacerdotes e os levitas lhe transmitirão. Ela permanecerá
a seu lado, e ele a lerá todos os dias de sua vida, para que aprenda a temer
YHWH, seu Deus, guardando todas as palavras desta Lei e todas as suas
151
Como a Biblia tornou-se um livro
Isso era uma inovação radical. O poder do rei estava sendo limitado.
Uma Torá escrita, resguardada pelos “sacerdotes levitas”, assegurava que o rei
não se tomasse demasiadamente poderoso, “tomando-se orgulhoso perante
os seus irmãos”. No Oriente Médio, a palavra do rei tendia a ser lei, mas
essa passagem coloca o rei num nível de obrigação igual perante a lei.
Quem estava limitando o poder do rei? De acordo com a lei do rei,
os “sacerdotes levitas” lhe deram a lei. A próxima seção do Deuteronômio
define esse gmpo: “Os sacerdotes levitas, toda a tribo de Levi, não terão
nem parte nem patrimônio com Israel” [Dt 18,1). Os sacerdotes levitas
localizavam-se em todo o território — não apenas em Jerusalém ou no
Templo. Na última cerimônia da aliança do Deuteronômio, os sacerdotes
levitas são postos lado a lado com Moisés: “E Moisés, com os sacerdotes le
vitas, disse a todo Israel: ‘Silênciol Ouve, Israell Hoje, YHWH, teu Deus, fez
com que te tomasses povo para ele!’” [D t 27,9). Com certeza não é uma
coincidência que, nessa mesma cena, descreva-se toda a escrita do Deute
ronômio! A narrativa é apresentada no capítulo 27:
Moisés, juntamente com os anciãos de Israel, deu ao povo esta ordem; “Guardai
todo o mandamento que hoje vos dou. No dia em que atravessardes o Jordão
para a terra que te dá YHWH, teu Deus, tomarás grandes pedras, que er
guerás e pintarás com cal. Nelas escreverás todas as palavras desta Torâ, quando
tiveres atravessado o Jordão. Deste modo, poderás entrar na terra que te dá
YHWH, teu Deus, terra que mana leite e mel, como te prometeu YHWH,
o Deus de teus pais. [...] Escreverás sobre as pedras todas as palavras desta
Torá; expõe-nas bem. E Moisés, com os sacerdotes levitas, disse a todo Israel:
[..,] [Dt 27,1-3.8-9).
D e acordo com essa versão, “esta Torá” só é escrita depois que os israe
litas tiverem cmzado o Jordão. O discurso de Moisés no Deuteronômio
foi então redigido posteiiormente, aparentemente pelos sacerdotes levitas.
Os antigos líderes tribais mencionados no capítulo 27, primeiramente como
“os anciãos de Israel” e, depois, como “os sacerdotes levitas”, haviam sido
152
Josidí' e a revolução texuuil
153
Como a Bíblia lornou-si' um livro
Ele [o rei], porém, não deverá possuir numerosos cavalos, ou levar de volta
o povo para o Egito a fim de conseguir um grande número de cavalos, porque
YHWH vos disse: “Não, não voltareis por essa estradai”. Ele não deverá tam
bém ter um grande número de mulheres, desviando o seu coração. Também
154
.losias e a rt-voliHiio icxtu.il
não deverá dispor de muito dinheiro ou ouro. E tendo subido ao seu trono
real, escreverá para si mesmo uma cópia desta Torá, que os sacerdotes e os
levitas lhe transmitirão (Dt 17,16-18).
39. Ver M. Bretder,The Structure of 1 Kings 1-11, JSOT49 (1991) 87-97. Para uma expo
sição ampla sobre o conceito de realeza do antigo Israel e sua representação no Deuteronômio
e na história deuteronomista, ver B. Levinson, The ReconceptuaHzation of Kingship in Deute-
ronomy andthe Deuteronomistic History’s Transformation ofTorah, VT 51 (2001) 511-534.
40. Tanto Levinson (The Reconceptuahzation of Kingship) como Gary Knoppers
(Rethinking the Relationship between Deuteronomy and the Deuteronomistic History,
CBQ 63 [2001]: 393-415) reconhecem a tensão entre o Deuteronômio e a história deu
teronomista, especialmente no que se refere ao papel do rei. Acredito que o Deuteronômio
deve ser visto como contendo as tradições do “povo da terra", enquanto a história deutero
nomista é obra dos escribas do rei.
155
Como a Bíblia tornou-st' um Iívto
A crítica ao livro
156
Josias e a rfvokii,ão icxtual
41. Ver B. Levinson, Deuteronomy and the Hermeneutics of Legal Innovatíon, Nova
York, Oxford University Press, 1997.
157
Como a Bíblia tornou-st’ um 1í\ to
42. E. Nicholson, Jeremiah 1-25, Cambridge, Cambridge University Press, 1973, 86.
43. Para uma exposição popular sobre P, ver R. E. Friedman, Who Wrote the Bible?,
São Francisco, Flarper & Row, 1987,188-206.
158
Josiiii c d revoluijCiK li-Mual
44. Ver meu livro precedente; W. M. Schniedewind, The Word of God in Transitíon
From Prophet to Exegete in the Second Temple Period, Sheffield, JSOT, 1995, 130-138;
ver também S. Mowinckel, “The Spirit” in the Pre-exilic Reforming Prophets, JBL 53
C1934] 199-227.
159
Cnmn a Bíblia tomcni-si.' um livro
160
C om o a
Torá
tornou-se um texto
161
Como a Bíblia tornou-se um livro
162
Como a Tora tornou-sf um texto
A palavra “Torah”
1. M. Weinfeld, Deuteronomy, Book of, in ABD vol. 2, 175. Ver, ainda, M. Weinfeld
Deuteronomy and the Deuteronomic School, reedição, Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 1992,
158-170.
163
Como a Bíblia tornnu-so um livro
numerosos exemplos, mas estes bastam para mostrar que a palavra “torah”
primeiramente fazia parte do mundo oral do antigo Israel. Então, como
a Torá tornou-se o texto escrito por excelência?
Antes de responder a questão de como a Torá se torna um texto, cabe
refletir sobre o uso da palavra no Pentateuco (ou a “Torá”) em si. Os estu
diosos usualmente dividem o Pentateuco em ao menos quatro fontes; elas
incluem a fonte “Sacerdotal” e a fonte “Deuteronômica”. Para simplificar,
podemos dizer, de modo geral, que o Livro do Levítico e dos Números são
sacerdotais e que o Deuteronômio é, obviamente, deuteronômico. Segundo
a escola pós-welthausiana, os escritos sacerdotais são supostamente o último
dos quatro documentos. Portanto, não é de esperar que a palavra hebraica
“torah” refira-se exphcitamente a um texto no Levítico e no Livro dos
Números. Nestes livros, “torah” mantém seu significado de “instrução”,
“ensinamento”, indicando que os escritos sacerdotais do Pentateuco não
estão cientes de sua textualidade. Isso pode ser diretamente contrastado
com a literatura dos períodos persa ou helenístico, que é redigida, em sua
maior parte, por sacerdotes, na qual “torah” é um texto. Assim, por exemplo,
a “Torah” escrita (com ‘T ” maiúsculo) é central para o programa religioso do
período persa conforme se reflete em Esdras-Neemias. Em Neemias 8, por
exemplo, faz-se um grande espetáculo da apresentação do pergaminho da
Torá a Moisés, que é fido, estudado e obedecido. Essa textualização da Torá
é também evidente no Livro das Crônicas, no qual o termo “torah” pode
significar um texto sem qualificação (ver, por exemplo, ICr 16,40; 2Cr 15,3).
Esse sentido da “Torah" como um texto tem início com o Deuteronômio
e os escritores josiânicos.
164
Como a Torá tornou-sc um ii. xli.1
não com textualidade. Isso era esperado, dada a natureza da sociedade tribal
do antigo Israel. Em primeiro lugar, o povo aparentemente ouve sons de
trovão na montanha. Uma maravilhosa ambiguidade do hebraico é favorável
à história. A palavra hebraica “QoZ" pode significar “voz”, “som” ou “trovão”^.
Quando o povo sobe a montanha, ouve “QoZ” e vê relâmpagos. Presumimos
que “QoZ” aqui significa trovão por causa dos relâmpagos. Todavia, em
Êxodo 19,19 a narrativa prossegue relatando que “Moisés falava e Deus lhe
respondia através do trovão/da voz”. Moisés, por sua vez, transmite ao povo
aquilo que Deus falou, oralmente. Então, por exemplo, os Dez Mandamentos
são assim prefaciados por Moisés; “Deus falou todas essas palavras” (20,1).
O povo pede que Moisés fale a eles, que lhes conte o que Deus fahu, pois
temem que Deus lhes fale diretamente (Ex 20,19). Deus instrui Moisés
a lembrar os israelitas daquilo que viram por si mesmos — que Deus falou
dos céus com o povo (Ex 20,22).
E realmente espantoso que a escrita não tenha nenhum papel na reve
lação no Monte Sinai em Êxodo 19. A escrita também não tem nenhum
papel na descrição da entrega dos Dez Mandamentos no capítulo 20. Tam
pouco tem algum papel no chamado Livro da Aliança, em Êxodo 21-23.
De algum modo, a história da revelação em Êxodo 19-23 não parece
estar ciente de que a Torá é um texto. Esse fato se tom a ainda mais no
tável quando observamos em que medida as tradições posteriores serão
obcecadas com a narração da história da escrita da Torá^. O tema da escrita
das tábuas de pedra por Deus aparece pela primeira vez não em Êxodo
19 ou 20, mas depois que a cerimônia da afiança foi completada, no capí-
2. Ver B. Sommer, Revelation at Sinai in the Hebrew Bible and in Jewish Theology,
Journal ofReligion 79 (1999) 428-429.
3. Se os quatro componentes tradicionais da crítica do Pentateuco (JEDP) têm seus
próprios relatos individuais do ato da escrita da Torá dependerá de como atribuímos as
fontes. Há, evidentemente, um alto grau de divergência a esse respeito. Deve baver tam
bém alguma questão acerca do papel da escrita em cada fonte, e isso deve ser correlacio
nado, em certa medida, com a datação dos vários componentes, que é, em si mesma,
também objeto de divergências (por exemplo, comparem-se as obras recentes de Blum, de
van Seters e de Knohl). Eu, por exemplo, seguiría Haran, Hurvitz, Weinfeld, Knohl e ou
tros, datando P num período anterior; portanto, não me surpreende que a chamada Fonte
Sacerdotal não tenha um relato substancial da escrita da Torá. Os sacerdotes só se interes-
165
Como a Bihlia tornou-se um livt
tulo 24. Quase como vima reflexão tardia em 24,4, o narrador observa
que o próprio Moisés registra isso por escrito. Moisés fez isso não porque
Deus lhe ordenara explicitamente, mas aparentemente porque lhe pareceu
que devia fazê-lo.
Assim, é Êxodo 24 que introduz a escrita no evento do Sinai. Este
capitulo, porém, é muito estranho. Ele tem sido um enigma para os críticos
de fontes bíblicas no último século e para os leitores devotos do último
milênio''. Como veremos, parte desse problema provém simplesmente do
fato de que o capítulo 24 trata de acontecimentos e idéias centrais. Para
facilitar a anáhse literária desse capítulo, formatei a tradução abaixo com
parágrafos, tabulação e notas entre parênteses que indicam algumas das
unidades literárias básicas e problemas no interior da história.
'Ele [não há sujeito indicado] disse a Moisés: “Subi a YHWH, tu, Aarão, Nadab
e Abihu, como também setenta anciãos de Israel, e vos prostemareis a distância.
sarão por uma Torá escrita na época pós-exíbca posterior, quando reivindicam parte de sua
autoridade do papel que desempenham como escribas, professores e guardiões da Torá.
Um problema importante na análise do papel da escrita nos vários componentes do
Pentateuco é a falta de concordância acerca da atribuição dos textos críticos. Assim, por
exemplo, a critica de fonte clássica poderia atribuir uma descrição da escrita de materiais
revelados no Sinai a cada um dos elementos no Êxodo (J: 34,27; E: 24,4; P: 31,18; 34,29],
mas ainda haveria discussão sobre a atribuição dessas fontes. Por exemplo, 24,4 foi com
frequência atribuído a D [em que tem paralelo em Dt 31,9]. O trecho Ex 31,18 é muitas
vezes dividido em partes, embora possa ser relacionado ao trecho precedente 24,12,
ao qual se refere explicitamente. A questão das diferentes visões sobre o que está escrito
e sobre quem escreveu não foi suficientemente explorada pelos estudiosos.
4. Mais recentemente, o trecho Ex 19-24 foi tema de uma dissertação de Wolfgang
Oswald, Israel am Gottesherg Eine Untersuchung zur Literargeschichte der vordem Sinaipe-
rikope Ex 19-24 und deren historischen Hintergrund (OBO, 159], Fribourg, Vandenhoek &
Ruprecht, 1998. Para um exame da literatura e de algumas abordagens representativas, ver
L. Perlitt, Bundestheolo^ inAiten Testament [WMANT, 36], Neukirchen-Vlyun, Neukirchen
Verlag, 1969,156-238; H.H. Schmid, Der Sogenanníe/afeunsí; Beobachtungen und Fragen
zur Pentateuchforschung, Zurique, Theologischer Verlag, 1976, 83-93; J. van Seters, The
Life ofMoses: The Yahwist as Historian in Exodus-Numbers, Louisvílle, Westminster John
Knox Press, 1994, 247-360.
166
Como a Tora tornou-.se um Icxlu
®Então Moisés subiu, com Aarão, Nadab e Abihu e setenta dentre os anciãos
de Israel [o mesmo grupo mencionado no versículo 1]. '°Viram o Deus de
Israel e, sob os seus pés, havia como que um pavimento de lazulita, de uma
hmpidez semelhante ao fundo do céu. '*Ele não ergueu a mão contra esses
privilegiados filhos de Israel. Contemplaram YHWH, comeram e beberam.
167
Como a Bihlia tornou-so um iivro
5. Sobre o fenômeno dos comentários escribais explicativos de maneira mais geral, ver
M. Fishbane, Bihlical Interpretation in Ancient Israel, Oxford, Clarendon Press, 1985,44-88.
168
Como aTorá tornou-sc um toxui
da Aliança (Ex 21-23]. Mesmo assim, isso não explicaria o assunto mis
terioso e lacunar do primeiro versículo.
Ademais, a análise literária sugeriria que os versículos 2-8 representam
uma fonte diferente ou uma importante mudança na narrativa. Isso é evi
dente pela alteração no grupo que deveria subir até YHWH. Nos versículos
1 e 9, um grupo muito grande — incluindo Moisés, Aarão, Nadab e Abihu
e mais setenta anciãos de Israel — é instruído a subir a montanha. O
versículo 2 modifica isso: Moisés deve subir sozinho. Isso alinha a história da
subida de Moisés à montanha e o relato precedente em Êxodo 19,3 (ver
também o versículo 20], no qual Moisés também sobe a montanha sozinho.
Para tomar as coisas ainda mais complicadas, nessa digressão nos ver-
siculos 2-8 parece haver duas camadas literárias. Elas são indicadas pela
repetição do juramento do povo nos versículos 3b e 7b: “Todas as palavras
que YHWH disse, nós as poremos em prática” (o versículo 7b começa com:
“Tudo o que YHWH disse [...]”]. Esse tipo de repetição é usualmente um
marcador editorial que indica que foram inseridos comentários ou acrésci
mos, como ressaltei com um exemplo de 1 Reis 14,-25-28 e de 2 Crônicas
12,2-9 (exemplos discutidos no capítulo 1]. O primeiro juramento remonta
a Êxodo 19,5-8, em que Moisés expôs as “palavras de Deus” perante Israel
e o povo respondeu: “Tudo o que YHWH disse, nós o poremos em prática”.
Desse modo, os versículos 2-3 agora vincularam Êxodo 24 à história original
da revelação em Êxodo 19.
Os versículos 4-8 acrescentam uma cama interpretativa deuteronô-
mica à cerimônia da aliança; as duas partes de Êxodo 24,2-8 podem ser
divididas da seguinte forma:
169
Como a Bíblia tornou-se um livro
que declarou: “Tudo o que YHWH disse, nós o poremos em prática, nós o ouvi
remos". ®Moisés pegou o sangue e com ele aspergiu o povo, dizendo: “Este
é o sangue da aliança que YHWH firmou conosco de acordo com todas estas
palavras”.
170
Comu aTorá tornou-sc uin ti'Xto
ele próprio. Não deve surpreender que o único outro lugar em que Moisés
é descrito como um escritor seja a conclusão do Livro do Deuteronômio.
Como parte da incumbência de Josué como sucessor de Moisés, lemos:
“Moisés escreveu esta lei e a deu aos sacerdotes, jEilhos de Levi, que con
duzem a arca da aliança de YHWH, e a todos os anciãos de Israel” (Dt 31,9).
Esse capítulo faz parte da estrutura editorial do Livro do Deuteronômio
que o vincula ao Livro de Josué e a uma narrativa mais ampla que os estu
diosos chamaram de história deuteronomista. Mesmo o leitor casual perce
berá que, por exemplo, Deuteronômio 31 e Josué 1 repetem o relato da
incumbência de Josué, vinculando assim os dois pergaminhos — do Deu
teronômio e o de Josué —, com a repetição servindo como elo de hgação
literário®. É importante notar que as passagens em Êxodo 24,4 e em Deu
teronômio 31,9 usam o recurso editorial da repetição para emoldurar o
retrato de Moisés, o escritor da Torá. Podemos conjetura^r que é aqui, na
edição final da Bíblia, que Moisés se torna um escritor. De modo secundá
rio, destacarei também que essa edição da Bíbha provavelmente ocorre no
final do período persa ou no período helenístico.
Êxodo 24,4 -8 incorpora uma importante conexão intertextual com
as reformas religiosas de Josias narradas em 2 Reis 22-23. O documento
escrito em Êxodo 24,7 recebe o título de “pergaminho da aliança” (sefer
ha-bríi). Esse é exatamente o título do livro que Helcias, o sacerdote de
Josias, encontra no templo. Isso é mais que uma coincidência. Com efeito,
a expressão “pergaminho da ahança” só é encontrada aqui, em Êxodo 24,7,
e no relato da descoberta de um pergaminho que desencadeia as reformas
josiânicas (2Rs 23,2.21). O uso dessa expressão única aponta para uma
conexão literária intencional entre a revelação no Sinai contida no Livro
do Êxodo e o pergaminho que é misteriosamente descoberto no templo de
Jerusalém durante as renovações empreendidas pelo rei Josias: “O sumo
sacerdote Helcias disse ao secretário Safan: ‘Encontrei na casa de YHWH
0 pergaminho da lei’. E Helcias entregou o hvro a Safan, que o leu” [2Rs
22,8). Em 2 Reis 23,2.21, o narrador identifica esse “pergaminho da Torá"
[sefer ha-torah] ao “livro da ahança” [sefer ha-brit). Evidentemente, teria sido
difícil identificar esse pergaminho à revelação no Sinai se Moisés não o
171
Como a Bihlia tornou-si’ liv.
172
Como a Tora lornou-se um texto
perante todo o povo (w. 7-8). Certamente não é coincidência que a ex
pressão “pergaminho da aliança” (em hebraico, “sefer ha-brít") ocorra somen
te aqui no versículo 7 e no relato das reformas religiosas de Josias (2Rs
23,2.21). Uma leitura ritual do texto em Êxodo 24,7-8 é então a base para
a confirmação da aliança entre Deus e Israel, como também encontramos
em 2 Reis 23.
Em suma, a revelação do Livro da Afiança no Livro do Êxodo foi ori
ginalmente retratada como uma revelação oral. Não havia leitura de textos.
Não havia escrita de textos. Toda a revelação refletiu a orafidade do antigo
Israel. O Livro do Deuteronômio tomaria a textuafidade central para a
revelação. O Deuteronômio teria de resolver também a aparente tensão entre
esse texto recém-introduzido escrito por Moisés e as tábuas de pedra
“escritas pelo dedo de Deus”. Quando as tradições do Êxodo e do Sinai fo
ram incorporadas no Pentateuco e vinculadas à história deuteronomista
(Deuteronômio-Livro dos Reis), um relato da escrita do “livro da afiança”
foi introduzido pela repetição interpretativa em Êxodo 24,4-8. Quando
se deu essa textualização da Torá? Uma vez que o “-pergaminho da aliança"
é central para a s reformas reli^osas josiânicas, a formação do Pentateuco
como o conhecemos tem de ter começado no final do século VII a. C.
As tábuas de pedra
Então Moisés subiu, com Aarão, Nadab e Abihu e setenta dentre os anciãos
de Israel. Viram o Deus de Israel e, sob os seus pés, havia como que um pavi
mento de lazulita, de uma limpidez semelhante ao fundo do céu. Ele não ergueu
a mão contra esses privilegiados filhos de Israel. Contemplaram YHWH, co
meram e beberam. YHWH disse a Moisés; “Sobe a mim na montanha e per
manece lá, para que te dê as tábuas de pedra: a Lei [isto é, torah] e o man
damento que escrevi para que possas ensiná-los”. Moisés levantou-se com
173
Como a Bíblia tornou-so um livro
Josué, seu avixiliar, e Moisés subiu para a montanha de Deus, [...]. Moisés
subiu à montanha, então a nuvem cobriu a montanha. A glória de YHWH
permaneceu sobre o Monte Sinai e a nuvem o cobriu durante seis dias. No
sétimo dia, ele chamou Moisés do meio da nuvem. A glória de YHWH apare
cia aos filhos de Israel como um fogo devorador, no cimo da montanha. Moisés
penetrou na nuvem e subiu ao alto da montanha. Moisés ficou na montanha
por quarenta dias e quarenta noites.
8. O Targum Neophlti foi pubHcado por A. Díez Macho, Neophyti I: Targum Palesti
nese Ms de la Biblioteca Vaticana (Madri, 1970). Sobre a datação do Targum Neophiti, ver
A. Díez Macho, The Recently Discovered Palestínian Targum: Its Antiquity and Rela-
tionship with the Other Targums, VTSup 7 (1959) 222-245.
174
Como a Torã tornou-se um texto
175
Como a Ríhlia lornon-se um 1í \ t o
uma metáfora da criação, como é sugerido pelo Salmo 8,4: “Quando vejo
teus céus, obra de teus dedos, a lua e as estrelas que fixaste”. Com base
nisso, poder-se-ia inferir que a escrita divina teve sua origem na criação
do mundo. Afinal, nada em Êxodo 24,12 ou 31,18 requer que Deus tenha
escrito nas tábuas enquanto Moisés esperava na montanha. Poder-se-ia
facilmente assumir que as tábuas haviam sido escritas previamente. Não
seria de surpreender que a tradição judaica posterior afirmasse explicita
mente que a Torá era preexistente (cf. Gênesis Rabbah, 1,1.4; b. Pesachim
54a) Tal afirmação dificilmente foi inventada ex nihilo pelos rabinos.
Com efeito, isso foi também sugerido pela associação da Torá com a
Sabedoria, que foi criada por Deus no princípio Cpor exemplo, Pr 8,22-30;
Sr 1,1-5). Assim, os rabinos seguiram um caminho de interpretação já
bastante trilhado.
Isso nos traz de volta à questão do que foi escrito pelo dedo de Deus.
Evidentemente, os planos para a morada de Deus na terra, não os códigos
legais nem o Decálogo do antigo Israel. Ao menos essa é a interpretação
simples do trecho entre Êxodo 24,9 e 31,18. Após a promessa da entrega
das tábuas a Moisés, a narrativa descreve os diversos aspectos da construção
do tabemáculo e conclui com a proscrição dos trabalhos no sábado. Após
uma digressão acerca dó Bezerro de Ouro. (Ex 32 -3 4 )'\ o restante do Êxodo
(capítulos 35-40) consiste numa descrição da construção do tabemáculo.
O acontecimento cidminante é a colocação das duas tábuas de pedra na
Arca da Aliança e a colocação da arca no tabemáculo (Ex 40,20-21).
Precisamente nesse ponto, a presente de Deus desce à terra e Deus assume
seu posto, entronado acima da arca nas asas do quembim no interior do ta-
bernáculo. Como Deus prometeu em Êxodo 25,22: “Ali me encontrarei
contigo, e — entre os dois quembins postos sobre a Arca da Aliança — eu
te comunicarei todas as ordens a respeito do povo de Israel”. De fato, isso
sugeriría que a torá foi recebida somente depois que a arca com as tábuas
176
Como aTorá tornou-so um texto
12. B. Sckwartz argumenta que o relato de P não inclui as tábuas: The Piiesdy Account
of the Theophany and Lawgiving at Sinai, in Texts, Tetnples, and Traditions: A Tribute to
Menahem Haran (ed. M. V. Fox et aZ.), Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 1996, 126-127. Eu
argumentaria que as narrativas sacerdotais consideram que as tábuas fornecem os planos
divinos para a construção do tabemáculo.
13. Tanto a arca como o tabemáculo recebem seus nomes com base nas tábuas da
‘edut (Ex 31,18; cf. Ex 25,16.21.22; 38,21; Nm 1,50 etc,). Em outras palavras, as tábuas
conferem definição à arca e ao tabemáculo.
177
Como a Bíblia tomou-sc um livro
Davi deu a seu filho Salomão o plano do pórtico e das suas edificações, dos
seus armazéns e de suas salas superiores e interiores e da sala do propiciatório;
e o plano de tudo quanto havia concebido pelo espírito: dos átrios da Casa de
YHWH e de todos os cômodos circundantes, e dos tesouros da Casa de Deus
e dos tesouros dos objetos sagrados (ICr 28,11-12].
178
Como a Tora tornou-so um toKto
15. Ver as discussões sobre o tempo e o espaço sagrados de J. Z. Smith, To Take Flace:
Toward Tbeory in Ritual, Chicago, University of Chicago Press, 1987), bem como de M.
Ehade, The Sacred and the Profane (trad. WillardTrask), Nova York, Harcourt Brace, 1959.
B. Sommer discute esses estudos teóricos relacionados ao Templo e ao tabemáculo em
Conflicting Constructions of Divine Presence in the Priestly Tabernacle, Biblical Interpre-
tation 9 (2001) 41-63.
16. Vários textos bibhcos reconhecem essa associação entre o Sabá e o tabemáculo
(por exemplo, Lv 19,30; 26,2). Ver A. Toeg, Lawgiinngat Sinai, Jerusalém, Magnes, 1977,
146 [hebraico]; Toeg, Genesis 1 and the Sabbath, BethM 50 (1972) 288-296 [hebraico]).
17. Uma das mais notáveis transformações textuais deve ser a da Lei do Sabá em
Ex 20,8-11 e Dt 5,12-15. Como é possível que algo supostamente escrito pelo “dedo de
Deus" (na interpretação do Deuteronômio) seja tão radicalmente diferente no Êxodo e no
Deuteronômio? Ver ainda o artigo de G. Hasel, Sabbath, in ÂBD, vol. 5, 849-856, e a
bibhografia ah citada.
18. Ver M. Haran, The Disappearance of the Ark, lE J 13 (1963) 46-58.
179
Como a Biblia tornnu-se um livro
Por que Judá não falará mais da arca? Por que não se construirá uma
nova arca? A arca era o símbolo da presença divina na terra — particular
mente, da presença de Deus no tabernáculo e, depois, no Templo de Jeru
salém. Esse texto sugere que a cidade de Jerusalém como um todo substi
tuirá a arca (e o Templo] como o lugar da presença de Deus. Podemos re
cordar o Sermão de Jeremias no Templo, em que adverte os cidadãos de
180
Como a Tora lornou-Sf um lexxo
181
Como a Bíblia tornoii-se um livro
182
Como a Torá lotnou-si.' um texio
183
Como a Bíblia tornou-se um livro
184
Como a Torà tomou-sr um texto
27. Uma nova edição crítica do Pergaminho do Templo (substituindo a edição origina
de Y. Yadin) foi feita por E. Qiraron, The Temple Scroü: A Criticai Edition with Extensive
Reconstructions, Bersabé, Ben-Gurion; Jerusalém, Israel Exploration Society, 1996. Uma
tradução boa e acessível, com uma breve introdução, pode ser encontrada em G. Vermes,
The Complete Dead Sea Scroüs in En^ish, Nova York, Penguin, 1997.
185
Com o a BíKlia tornrni-si;- iim li\ ro
186
A
escrita
no exílio
187
Como a Bíblia tnrnou-se um livro
188
A escrita no exilii
4. Ver S. N. Eisenstadt [ed.j, The Ori^ns and Diversity ofAocialAge Civilizations, Nova
York, State University of New York Press, 1986.
5. P. Ackroid, Exile and Restoration, 7.
6. C. C. Torrey, Ezra Studies, Chicago, University of Chicago Press, 1910, 289.
189
Como a Bíblia tomou-se um livro
A fóría da Babilônia
7. H. Barstad, The Myth ofthe Empty land: A Study in the History and Archaeology
of Judah during the “Exilic” Period, Oslo, Scandinavian University Press, 1996.
8. R. Carroll, Exilei What Exile?, in Leading Captivity Captive: “The Exile” as Ideology
and History (ed. L. Grabbe) Shefíield, Sheffield Academic Press, 1998, 77.
190
A escrita no cxilin
9. E. Stem, Archaeology ofthe Land ofthe Bible, vol. 2: The Assyrían, Babyhnian, and
Persian Periods [732-332 b.c.e.), (Anchor Bible Reference Library], Nova York, Doubleday,
2001,303.
10. Tendências recentes de reduzir a importância do exiUo foram convenientemente
discutidas por D. Smith-Christopher, in A Biblical Theology of Exile, MinneapoUs, Augsburg
Fortress, 2002, 30-34, 45-74. Ver também I. Finkelstein e N. A. Silberman (The Bible
Unearthed), Nova York, Free Press, 2001, 306, que sugerem que setenta e cinco por cento
da população permaneceu no território após os exilios; entretanto, como indagam Stager
e King, “onde estão os remanescentes arqueológicos?” (Life in Biblical Israel, 257]. Ver a
pesquisa completa em O. Lipschitz e J. Blenkinsopp (eds.), Judah and Judeans in the
Neo-Babylonian Periqd, Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 2003.
11. J. Zom, Mizpah: Newiy Discovered Stratum Reveals Judah’s Ofber Capital, BAR 23,
n°5 (1997) 28-38,66; H.J. Stipp, GedaljaunddieKolonievonMizpa,ZAR6 (2000) 155-171.
12. Sobre a administração babilônia de Judá, ver D. Vanderhooft, The Neo-Babylonian
Empire and Babylon in the Latter Prophets (HSM, 59), Atlanta, Scholars Press, 1999,104-110.
191
C om o a Bíbba tornou-se um I í \ to
Godolias, porém, foi assassinado pouco depois de ter-se instalado (2Rs 25,25;
Jr 41,1-3). Temendo represálias babilônias, os conspiradores por fim fugi
ram para o Egito. Mispá aparentemente continuou a funcionar como capital
regional, e, quando os persas derrubaram o Império Babilônico, muitos dos
que regressavam estabeleceram-se nessa região ao norte de Jerusalém (ver,
por exemplo, Esd 2,21-28; e Ne 3,7).
O estudioso da Bíblia Hans Barstad tinha em mente essa continuidade
ao compor sua importante e largamente citada monografia, com o provoca
tivo título The Myth of the Empty Land [O mito da terra vazia\. Barstad en
fatiza a continuidade da cultura material de Judá durante o período babilô
nico (ca. 586-538 a.C ). Ele sugere que a maior parte da população perma
neceu na região após as campanhas de Nabucodonosor^^. Robert CarroU
adota uma posição ainda mais extrema: “Nessa conjuntura histórica, a terra
perdeu algumas pessoas; uma minoria da população, mesmo uma minoria
das pessoas importantes, foi deportada. A maioria das pessoas permaneceu
no território como se nada houvesse acontecido, a não ser o incêndio de Jerusalém”
[itálicos acrescentados]^'*. Se assim fosse, então seguir-se-ia que uma produ
ção substantiva da literatura bíblica poderia ter ocorrido em Judá durante
o período babilônico*®. O problema é que esse não foi realmente o caso.
Depois de 586 a.C.', a vida efetivamente prossegue em Judá da mesma
maneira que antes? É verdade que as conquistas e os exílios babilônios
tiveram apenas um impacto mínimo sobre o povo de Judá? Duas suposi
ções subjazem às críticas do exílio. A primeira suposição é de que a maioria
das pessoas foi deixada no território no final do período babilônico — em
outras palavras, de que o panorama demográfico modificou-se muito pouco.
A segtmda suposição é de que a vida do povo judeu conservou-se, em
grande medida, como de costume. Nenhuma das duas suposições resiste
a um exame minucioso. Com efeito, as mudanças demográficas em Judá
foram muito profundas, refletindo um intenso despovoamento'®. A terra
192
A lio
não foi esvaziada, mas teve sua população reduzida. Ademais, todas as
instituições da vida judia modificaram-se. Não havia mais um rei davídico.
Não havia Templo. De acordo com a tradição bíblica (Dn 1,3-4), a inífaes-
trutura escribal foi também exilada. Até mesmo a língua falada pelo povo
mudou do hebraico para o aramaico. Naturalmente, a vida cotidiana do
camponês de lehud talvez não fosse, sob o domínio babilônio ou persa,
muito diferente de como era sob o governo dos reis davídicos — ou seja,
a vida daqueles poucos camponeses que não foram mortos na guerra, nem
exilados para a Babilônia, nem forçados a fugir da ruína econômica e do
caos social.
O trauma da conquista e do exílio babüônicos foi profundo em Judá.
Embora a cultura material tenha persistido definidamente após 586 a.C.,
o fim da monarquia davídica e a destruição e a pilhagem do Templo su
gerem que as organizações sociais básicas não permaneceram as mesmas.
As instituições governamentais e religiosas foram transformadas. Em seus
estudos sociológicos comparativos sobre o exílio, Daniel Smith-Christopher
mostra quão profunda foi a experiência do exílio para o antigo Israel’^.
Profetas como Ezeqtiiel e literatura como o Livro das Lamentações expres
sam o profiindo impacto psicológico do trauma do exílio. Além disso, a obra
de Barstad ressalta a maneira como a memória coletiva do povo judeu cria
o evento do exílio e enfatiza a totalidade dessa catástrofe. Essa condensa
ção do exílio num evento único reflete fatores psicológicos e ideológicos
na literatura posterior; contudo, o trauma psicológico agudo, o desloca
mento social e a devastação social foram profundos e duradouros.
No final do período babüônico, a terra estava muito mais vazia do que
supunham os críticos recentes do exílio. Como resultado disso, é dificil ima
ginar que, na antiguidade, haveria condições sociais que pudessem encora
jar um grande florescimento literário. As invasões babilônias foram selvagens
e impiedosas'®. Os babilônios, então, em grande medida abandonaram a
17. Ver D. Smith, The Reli^on of the Landless: The Social Context of the Babylonian
Exile, Bloomington, IN, Meyer-Stone Book, 1989; Smith-Christopher, Reassessing the
Historical and Sociological Impact of the Babylonian Exile, 7-36, e Smith-Christopher, A
Bihlical Theology of Exile.
18. Para um relato popular, ver L. Stager, The Fury of Babylon, BAR 22 (1996)
56-69, 76-77.
193
Como d Biblia tornou-se um 1í \ t o
194
A tísi-rita no •
e o período persa; cf. E. Stem, Material Cukure ofthe Land oftke Bible in the Persian Period,
538-332 B.C.E., Warminster, Aris & Phillips, 1982, 229.
24. Vanderhooft, The Neo-Babylonian Empire, 61-114.
25. Os argumentos de Barstad (e, antes, de J. N. Graham) sugerem que investigações ar
queológicas e históricas recentes demonstraram que o desenvolvimento econômico babilônico
dessa região é completamente infundado; ver Vanderhooft, The Neo-Babyloman Empire, 104-112.
26. Se examinarmos as fronteiras da província de lehud, veremos um território confinado
ao interior montanhoso. Cf. C. Carter, The Province of Yehud in the Post-Exilic Period; Soun-
dings in Site Distribution and Demography in Second Temple Studies, vol. 2; Temple and Com-
munity in the Persian Period (ed. T. C Eskenazi e K. H. Richards; JSOTS, 175), Sheffield, She-
ffield Academic Press, 1994,106-145; C. Carter, The Emergence (rfYekud in the Persian Period.
27. Em apêndices do livro de D. Jamieson-Drake, Scrihes and Schools in Monarchic
Judah, mapas quantificam o declínio dramático.
195
Como a RiWia tornou-se um livr
196
A tr.s(.riv.i no t''Cilio
29. Certamente, houve debates entre estudiosos acerca de se algumas inscrições he
braicas poderíam datar do período babilônico. Por exemplo, várias inscrições foram encon
tradas numa gruta funerária em Khirbet Beit Lei, nos montes a oeste de Jerusalém. As
inscrições foram aparentemente rabiscadas nas paredes da gruta por refugiados que se es
condiam dos assírios ou dos babilônios. Elas recebem datas variadas, do final do século VIII
à metade do século VI. Mesmo que a datação posterior esteja correta, ainda assim as ins
crições seriam um legado do período tardio da monarquia judia. Ver a discussão geral de
A. Lemaire, Palestinian Funerary Inscriptions, ABD, vol. 5, 126-135; ver também F. M.
Cross, The Cave Inscriptions from Khirbet Bei Lei, in Near Eastem Archaeology in the
Twentieth Century (ed. J. A. Sanders], Garden City, NY, Doubleday, 1970, 299-306.
30. Naveh data os sinetes no século IV {The DevelopmentoftheAramaic Script, 61-62].
Cross afirma que eles pertencem ao final do século VI e início do século V, e Stern os atribui
197
Como a Bíblia tornou-se um livro
ao período neobabilônico {Archaeology ofthe Land of the Bible, 336), como também J. Zom
(cf. J. Zom et a l, The m(w)sh Stamp bnpressions and the Neo-Babylonian Period, lEJ 44
[1994]: 161-183). Carter os atríbui ao período persa (The Emergence ofYehud in the Persian
Period, 266-267).
31. Ver a discussão de Smith-Christopher, A Bihlical Theology of Exile, 66.
32. Apud Smith-Christopher; ver M. Noth, History of Israel (TET), Londres, SCM,
1958, 296.
33. Dandamaev, Social Stratifícation in Babylonia, Seventh to Fourth Centuries BC,
Acta Antiqua 22 (1974) 437; Free Hired Labor in Babylonia duríng the Sixth through
198
A cicrita nu exílio
A respeito do período exílico, uma fonte muito citada, porém em grande me
dida irrelevante, é o Arquivo Murasu^^. Este arquivo é um importante corpus
do final do século V a.Q, composto de documentos legais da cidade de Nipur,
na região central da Mesopotâmia. O arquivo contém registros de transações
comerciais da família Murasu ou de seus empregados. Esses textos, escritos
em aramaico e acádio, mencionam cerca de oitenta nomes pessoais distinta
mente judeus (Sabetai, Minyamin, Hagai). Supõe-se que essas pessoas eram
descendentes dos exdados judeus que ainda viviam na Babilônia no final do
século V a.C. (isto é, na época de Esdras e Neemias). Pouca coisa parece dis-
tingui-los das demais pessoas mencionadas no arquivo^^, mas esses textos são
tão posteriores ao exílio que são relevantes somente para a compreensão
do domínio persa na região do médio Eufrates no final do séctdo V.
O império neobabilônico exigiu a deportação em massa da população
para seus programas de construções. A pesquisa arqueológica de Robert
McCormick Adam na região central da Mesopotâmia descobriu pronuncia
dos aumentos populacionais na área. Ele concluiu que tais aumentos eram
devidos a transferências involuntárias em massa resultantes das conquistas
babilônicas. Aparentemente, essas transferências incluíram três deportações
separadas de judeus para a Babüônia (Jr 52,28-30]. Os babilônios parecem
ter tentado reabilitar essa região desolada povoando-a com seus cativos.
Agora, temos textos babilônicos que confirmam que pelo menos alguns
dos exilados judeus foram deportados para a região central do Eufrates^®.
Fourth Centuries BC, in Labor in the Ancient Near East (ed. M. PoweU, AOS, 68j, New
Haven, American Oriental Society, 1987, 271-279.
34. Apud, por exemplo, B. Oded, Judah and the Exile, in Israelite and Judean History
(ed. J. Hayes e M. Miller), Londres, SCM, 1977,483. Ver a discussão em Smith-Christopher,
A Bihlical Theology of Exile, 69-71.
35. Stolper, Murashú, the Archive of, in ABD, vol. 4,927-928. Ver ainda, M. D. Coogan,
West Semitic Persorud Nomes in The Murashú Documents (HSM 7), Missoula, Scholars,
1976; Stolper, Entepreneurs and Emptre. The Murashú Archive, the Murashú Firm, and Persian
Rule in Babylonia (Uitgaven van het Nederlands Historisch-Archaeologisch Instituut te
Istanbul 54), Leiden, Brill, 1985.
36. Ver F. Joannes e A. Lemaire, Trois tablettes cunéiformes a onomastique ouest-
sémitique (coUection Sh. Moussaiefí) (Pis. I-IQ, Transeuphrates 17 (1996) 27; ver a discussão
de Smith-Christopher, A Bihlical Theology of Exile, 68.
199
C o m o a BíSlia tornou-so um livro
Às margens dos rios da Babilônia nós nos sentamos e ali choramos ao lembrar
de Sião. Nos salgueiros que ali havia dependuramos nossas citaras. Lá, nossos
captores nos pediam canções, e nossos opressores pediam alegria: “Cantai-
nos um canto de Siãol”. Como poderiamos entoar um canto de YHWH
numa terra estrangeira?
37. Ver, por exemplo, Y. Zakovitch, “And You Shaü Tell Your Son...": The Concept o
the Exodus in the Bible, Jerusalém, Magnes, 1991; S. Loewenstamm, The Evolutíon ofthe
Exodus Tradition [trad. do hebraico e ed.j, Jerusalém, Magnes, 1992.
200
A éscrita iio e\ilk'
201
Como a Riblia tornou-so um li^To
39. Essa ausência não passou despercebida em todos os estudiosos. Thomas Thompson
por exemplo, observa: “Não temos, de fato, nenhuma narrativa sobre o exílio na Bíblia” (The
Exile in History and Myth, in Leading Captivity Captive, 111]. Ele observa o contraste com
períodos anteriores e posteriores. Temos narrativas da história precedente de Israel (nos li
vros de Josué, dos Juizes, de Samuel e dos Reis] e do período pós-exíUco (nos livros de Esdras
e Neemias). Entretanto, Thompson chega à estranha conclusão de que não houve exílio. Essa
conclusão pode ser descartada diante das substanciais evidências arqueológicas e literárias.
202
A escrita no exílio
No ano trinta e sete do exílio de Joiaquin, rei de Judá, no dia vinte e sete
do décimo segundo mês, Evil-Merodac, rei da Babilônia, no ano em que
subiu ao trono, libertou do cárcere Joiaquin, rei de Judá. Falou-lhe com
amabilidade e conferiu-lhe \xm trono acima dos tronos dos demais reis que
estavam com ele na Babilônia. Assim, Joiaquin despiu as vestes de prisioneiro.
Por todos os dias de sua vida, ele passou a fazer as refeições na presença do
rei. Um sustento regular era-lhe concedido pelo rei todos os dias, por toda
a sua vida.
203
Como a Bíblia tornoii-so um
40. E. Weider, Jojachin, Kõnig von Judah, in Mélanges Syríens Offerts a Aí. René Dussaud
vol. 2, Paris, Geuthner, 1939, 923-928; W. F. Albrigbt, King Jeboiachin in Exile, BA 5
(1942) 49-55. Os arquivos neobabilônicos, incluindo esse arquivo em particular, são dis
cutidos por O. Pedersén, Archives and Lihraries in the Ancient Near east, 1500-300 B.C.,
Bethesda, MD, CDL Press, 1998,183-184.
204
A escrita no i \ilio
Esses indivíduos recebem rações mensais em óleo, que era uma merca
doria de troca que podia ser intercambiada. Ela detinha a mesma função do
dinheiro. O mais importante é que o rei de Judá recebe uma quantidade de
óleo substancialmente maior que a quota-padrão, que provavelmente re
flete tanto sua posição relativa como o tamanho de sua casa. Além disso,
os príncipes judeus e o séquito real recebem a quota-padrão, que, em todas
as listas, parece ser de meio litro de óleo por mês. De acordo com as listas
babilônicas, os cinco jovens príncipes judeus têm um criado chamado
Keniah, que recebia os suprimentos por eles. O séquito real inclui “8 homens
de Judá”. Presumivelmente, alguns deles eram os servos, oficiais e autori
dades que se renderam a Nabucodonosor e foram postos em prisão do
miciliar junto com Joiaquin. Esse séquito real pode ter vivido na cidadela
41. A quantia exata da ração recebida por Joiaquin é traduzida de maneiras diversas
Weidner originalmente transcreveu o texto como Vi PI {baii), o que representaria 3 sila
(= 3 litros) de acordo com o sistema de medidas neobabdonico. Oppenheim (ANET, p. 205)
corretamente lê o texto como 1 PI, mas usa o padrão babilônico antigo (1 ban = 1 0 silo).
Baseando-me na obra de PoweU sobre as medidas babilônicas, assumo que 1 ban = 6 sila
(cf. Powell, Masse und Gewichte, in Realexikon der AssyriologLe und Vorderasiatischen
Archãolo^e, vol. 7, Berlim, 1987-1990,494).
205
Como a BíWía tornou-sc iim livro
206
A ehcrita no cxiliii
207
Como a Bihliii tornou-Sf um livr
44. Ver E. Tov, The Literary History of the Book of Jeremiah in Light of Its Textua
History, in Empirical Models for Biblical Criticism (ed. I Tigay), Philadelphia, University of
Pennsylvania Press, 1985, 211-238.
208
A f S i^ m a iio L x íi in
Tabela 8.1. Difa"enças entre o texto massorético hebraico (TM] e a Septuaginta grega
(L X X ) de Jeremias
1-25,13a 1-25,13a
25,13b-38 32,13b-38
26-45 33-51
46 26
47 29
48 31
49,1-6 30,17-21/22
49,7-22 30,1-16
49,23-27 30,29-33
49,28-33 , 30,23-28
49,34-39 25,14-20
50-51 Babilônia 27-28
52 - 52
209
Como a Bíblia tornou-st' um 1í \ t o
210
A escrita jio e.xiliu
[Acréscimo babilônico] '^Assim diz YHWH a respeito do rei que ocupa o trono
de Davi e a respeito do povo que vive nesta cidade, vossos irmãos que não
foram convosco para o exílio; '^assim diz YHWH dos exércitos; Enviarei contra
eles a espada, a fome e a peste, e farei com eles o que se faz com figos estra
gados, tão ruins que não podem ser comidos. *®Persegui-los-ei com a espada,
a fome e a peste, e farei deles um exemplo aterrador para todos os reinos
da terra — serão alvo de maldição, de horror e de vaia, e de desprezo em
todas as nações para onde os conduzi, *®pois não acataram minhas palavras,
diz YHWH, quando eu incessantemente vos enviei meus servos, os profetas,
mas eles não ouviam, diz YHWH. ^°Mas, agora, todos vós, exilados que eu
expulsei de Jerusalém para a Babilônia, escutai a palavra de YHWH:
[Oráculo original] ^^Assim diz YHWH dos exércitos, Deus de Israel, a respeito
de Acab, filho de Colias, e de Sedecias, filho Maasias, que vos profetizam uma
mentira em meu nome; entregá-los-ei nas mãos do rei Nabucodonosor da
Babilônia, e ele os matará diante de vossos olhos.
47. Sobre o uso da repetição como ferramenta editorial, ver M. Fishbane, Bihlical
Interpretation inAncientIsrael, Oxford, Oxford University Press, 1985,44-65, e a discussão
relacionada no capítulo 1.
211
Como a Bíblia tornnu-si- um livro
como Joiaquin e a família real. Ezequiel foi posto, jxintamente com os outros
exilados, num campo de trabalho às margens do canal de Cobar, ao norte da
Babilônia. O Livro de Ezequiel partilha muitas coisas com o Livro de Jeremias.
De modo mais importante, Ezequiel reconhece a legitimidade de Joiaquin
como o rei de Judá. Ahnhando-se com isso, desde o princípio seu livro é
datado de acordo com os anos de remado de Joiaquin, e não de Sedecias
[Ez 1,2). Alguns sugeriram que Ezequiel pode ter tido a esperança de que o
rei aprisionado um dia voltasse a reinar^®. Mas tais fórmulas de datação fa
zem parte da estrutura editorial; por conseguinte, refletem as visões dos
editores, ou seja, a família real judia exilada na Babilônia — visões de sua
própria legitimidade No Livro de Ezequiel, o ministério do profeta é datado
principalmente entre 593 e 585 a.C. — ou seja, depois do primeiro exílio
(em 597 a.C ), mas antes do terceiro exílio (em 581 a.C ). Como seu con
temporâneo Jeremias, Ezequiel aconselha a submissão aos babÜônios (Ez
12,1-15; 17,1-22; 21,18-32). O exílio era inevitável. Ademais, o regente real
em Jerusalém, Sedecias, é insultado por Ezequiel como “infame e perverso
príncipe de Israel” (Ez 21,30). Ezequiel, aparentemente, também atribui o
exílio aos pecados de Manassés (como vimos em Jeremias e na conclusão
dos Livro dos Reis), embora isso não seja dito de maneira tão direta'*^. Tudo
isso aponta, novamente, p'ara o papel da família real judia exilada na edição
e na preservação da literatura que (1) apoiava suas reivindicações de legi
timidade real, (2) absolvia Joiaquin de qualquer responsabilidade direta
pelos exílios babüônicos e (3) aconselhava a submissão aos babilônios.
48. Ver, por exemplo, L. Boadt, Ezekiel, Book of, in ABD, vol. 2, 711-722.
49. Morton Smith destacou que Ezequiel 8 parece referir-se aos pecados de Manassés;
Smith,TheVeracityofEzekiel, theSinsofManasseh, andJeremiah, Zí41V87 [1975] 11-16.
50. Essas genealogias não são destituidas de discrepâncias; ver M. Ben-Yashar, On the
Problem of Sheshbazzar and Zerubbabel, BethM 88 [1981] 46-56 [hebraico].
212
A escrita no rxilju
bíblicas, Joiaquin teve ao todo sete filhos, incluindo certo Salatiel, pai de
Zorobabel. Zorobabel veio a tomar-se uma figura importante no inicio
da restauração judia após a conquista persa do Império Babilônico em 539
a.C A contínua centrahdade da família real davídica de Joiaquin nos força a
reorganizar fundamentalmente o exílio. A centralidade e a influência da fa
mília real continua desde o período exíhco propriamente dito até os primei
ros anos de domínio persa no final do século VI a.C.
Pouco depois da conquista do Império Babilônico, Zorobabel promul
gou um decreto para que os povos deportados retornassem às suas terras
de origem. Num texto persa conhecido como o Cilindro de Ciro, lê-se; “Eu
retmi todos os seus habitantes [exilados] e os devolvi às suas moradas.
[...] Que todos os deuses que estabelecí em seus centros sagrados roguem
diariamente a Bel e Nabu que minha vida seja longa e que intercedam por
mim”^b Ciro conquistou a estima dos exilados ao restituir seus templos
e suas terras ancestrais. Estudiosos há muito reconheceram que a última
parte do Livro de Isaías, capítulos 40-66, constitui um acréscimo ao corpus
original do livro. Esse acréscimo acata o pedido de Ciro, que é qualifica
do, efetivamente, de “messias (‘ungido’), cuja mão direita eu tomei para
submeter as nações perante ele’’ (Is 45,1). Estudiosos debatem qual seria a
época precisa e os autores desses capítulos. No âmbito dos estudos críticos,
os capítulos são separados em “Segundo” Isaías (capítulos 40-55) e “Ter
ceiro” Isaías (capítulos 56-66). O Segundo Isaías supostamente reflete
um contexto babilônico, enquanto o terceiro Isaías foi escrito em Jerusalém
após o retomo. Essa divisão está provavelmente ultrapassada. Tanto o “Se
gundo” como o “Terceiro” Isaías devem ter sido redigidos com o apoio da
família real de Joiaquin, seja de fato na Babilônia seja depois que a família
enviou Zorobabel para restabelecer suas posições em Jerusalém.
Uma das maiores questões no debate entre estudiosos a respeito do
Livro de Isaías é a “autoria”. Entretanto, não há autores no Livro de Isaías.
A autoria nem sequer é um conceito suscitado no Uvro em si. A autoria é
um tema helenístico ou moderno; ela nunca foi importante na edição do
livro. Em vez de um autor, o Livro de Isaías tem o caráter do profeta Isaías
do século VTII. Embora o Livro de Isaías tenha tomado forma por meio da
edição na corte real durante o exílio, a edição inicial dos oráculos de Isaías
213
Como a Btblia tornou-se um livro
214
A escriia no exílio
52. Em meu livro Society and the Promise to David, mostro que 2Sm 7 era um texto
“constitucional” no Antigo Israel. Ou seja, é um dos textos mais conhecidos e interpreta
dos no corpus bíblico.
215
Como a Riblia tornou-se um livro
53. Embora haja consenso acerca de ser uma narrativa em prosa no início do período
pós-exilico, Esdras 1-6 foi incorporado numa composição em narrativa inteiramente dife
rente e posterior. Os estudiosos dividiram-se acerca da relação de Esdras 1-6 com a com
posição do Livro das Crônicas, com Esd 1-2 grego e com o livro canônico de Esdras e
Neemias; para algumas concepções, ver D. N. Freedman,The Chronicler’s Purpose, CBQ 23
(1961] 436-442; F. M. Cross, A Reconstruction of the Judean Restoration, JBL 94 (1975)
4-18; T. Eskenazi,The Chronicler and the Composition of 1 Esdras, JBL 48 (1986) 39-61;
R; Klein, Chronicles, the Book of, in ÁBD, vol. 1, 992-1.002.
216
A escrita no cxiho
54. Ver a discussão de C. Meyers e E. Meyers, Haggai, Zechariah 1-8 (Anchor Bible
Garden City, NY, Doubleday, 1987, 9-15.
217
Como a Bíblia tornou-se um livro
55. Ver Carter, The Emergence ofYehiid in the Persian Perios, 75-113.
56. Ver, por exemplo, Ne 1,3; 2,3; 5,2-5.
218
A eicrita no cxilio
A palavra de YHWH chegou a Ageu pela segunda vez no dia vinte e quatro do
mês: “Fala a Zorobabel, governador de Judá, dizendo que abalarei o céu e a terra,
e derrubarei o trono dos reis; destruirei o poder dos reinos e das nações, e
tombarei os carros e seus condutores; e os cavalos e os cavaleiros cairão, todos
feridos pela espada de um companheiro. Nesse dia, diz YHWH dos exércitos,
eu o tomarei, Zorobabel, meu servo, filho de Salatiel, e tomar-te-ei como um
sinete, pois eu te escolhi, diz YHWH dos exércitos” (Ag 2,20-23).
219
Comn a Biblia tornou-se um livro
220
. I
V _ •' período persa encerra a literatura bíblica centrada na realeza. Os reis
davídicos desaparecem do cenário, e a liderança da comunidade judaica em
Jerusalém passa aos sacerdotes. A identidade do povo judaico estará cada vez
mais centrada no Templo de Jerusalém. A composição e a edição da litera
tura bíblica estarão localizadas no Templo de Jerusalém. A produção da lite
ratura escrita será controlada pelos sacerdotes. Os filhos de Davi não são
esquecidos, mas são desapossados. Os sacerdotes não estão mais interessados
nos filhos de Davi como príncipes de Israel. Antes, Davi e seus filhos tor
nam-se patronos do templo, de seus sacerdotes e seus serviços. No lugar de
Davi, surge o sacerdote e escriba Esdras. Com a mão de Deus sobre ele, como
uma segunda vinda de Moisés, Esdras lidera a comunidade pós-exílica. No
centro da liderança sacerdotal estará o Livro de Moisés. Os sacerdotes tor
nam-se os guardiães daTorá Mosaica e dos escritos sagrados do antigo Israel.
A palavra oral de Deus dita por me^o dos profetas chega ao fim quando
os sacerdotes e escribas do templo textualizam a palavra de Deus.
Este capítulo tratará da escrita entre os séculos V e III a.C., ou seja,
do período persa interrnediário ao período helenístico. Embora o período
persa comece propriamente com a conquista da Babüônia pelo rei persa
Ciro, em 539 a.C., o papel contínuo da famíha real davídica manteve-se nos
primeiros anos de domínio persa em Jerusalém perto do fim do século VI a.C.
221
Como a Bíblia tornou-se um livro
1. G. Garbini, Hebrew Litarature in the Persian Period, in Second Temple Studies, vol. 2:
Temple and Community in the Persian Period (ed. T. C. Eskenazi e K. H. Richards JSOTSS,
175), Sbeffield, Sbeffield Academic Press, 1994, 188.
2. Ver, por exemplo, 1. Eph’al, Cbanges in Palestine during the Persian Period, lEJ 48
(1998) 106-119 (notar especialmente os comentários na p. 116).
3. Alguns (inclusive eu mesmo) argumentaram que a primeira edição do Livro das
Crônicas foi originalmente composta no final do século VI a.C.; ver, especialmente, F. M.
Cross, A Reconstruction of the Judean Restoration, JBL 94 (1975) 4-18. Outros dataram
o Uvro do século IV a.C., como, por exemplo, S. Japhet, I S£ II Chronicles: A Commentary
(OTL), Louisvüle, Westminster John Knox Press, 1993, 23-28. O Livro das Crônicas em
sua forma canônica é certamente um produto do final do período persa.
222
As. Escrituras à som bra J u Toniplo
223
Como a Bíblia tornou-se um üvto
A tendência recente
9 .0 mais forte defensor foi C. C.Torrey, Ezra Studies, Chicago, University of Chicago
Press, 1910.
10. Ver, por exemplo, N. P. Lemche, The Old Testament — A Hellenistic Book?
SJOT 7 (1993] 163-193; isso inspirou uma coleção de ensaios editada por L. Grabbe; Did
Moses Speak Attic? Jewish Historiography and Scripture in the Hellenistic Period (JSOTSS,
317], Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001 .Ver a mordaz resenha da obra de Lemche
feita por E. Gruen, JBL 121 (2002] 359-361.
224
As Escrituras ã sombra do 'lemplí
11. Para uma pesquisa dessas afirmações sobre a “invenção” do antigo Israel, ver J.
Barr, History and Ideology in the Old Testament: Biblical Studies at the End of a Mdlennium
[Hensley Henson Lectures for 1997 delivered to the University of Oxford), Oxford,
Oxford University Press, 2000, 59-101.
12. Ver B. Halpem, Erasing History, Bible Review 11 (1995) 27-35,47.
13. Barr, History and Ideology, 99.
14. Barr, History and Ideology, 134. Para uma crítica mais polêmica, ver I. Provan,
Ideologies, Literary and Criticai: Reflections on Recent Writing on the History of Israel,
JBL 114 (1995) 585-606.
225
Como a Bíblia tornou-se um 1í \ t o
foi atribuída ao período pela primeira vez num estudo de Kenneth Hoglund,
Achaemenid Imperial Administration in Syria-Palestine and the Missions of
Ezra and Nehemiah (1992). Ele foi depois atualizado no importante e
completo estudo arqueológico realizado por Charles Carter^ The Emergence
of Yehud: A Social and Demographic Study (1999). Carter avalia que a
população de toda a província de lehud era de apenas cerca de 13.350
pessoas no final do período babilônico, perto do fim do século VI a.C.^^.
Embora essa população aumentasse para cerca de 20.650 até o término
do domínio persa, na metade do século IV a.C., esses são números espan
tosamente baixos. Segundo os arqueólogos, a própria cidade de Jerusalém
nunca teve uma população maior que 1.500 pessoas durante o período
persaE® Deve-se enfatizar que se trata de meras estimativas, e que é noto
riamente difícil estimar a população na antiguidade. Mas o cenário básico
está claro. A terra era esparsamente povoada. Jerusalém era uma vila pe
quena. Esses números devem suscitar nosso questionamento ao reavaliar
mos a visão de que o período persa e belenístico foi marcado pelo grande
florescimento literário que resultou na criação completa do vasto corpus
da literatura bíblica.
A despopulação de lehud é de fato sugerida nas notas de um viajante
grego, Hecateu de Abdera, que viveu por volta do ano de 300 a.C. Hecateu
sugere que os judeus vieram originalmente do Egito, mas que foram expul
sos de lá e estabeleceram-se na Judeia, “que não é longe do Egito e estava,
na época, completamente desabitada”’^. O comentário de Hecateu não
pode ser levado a sério aqui, pois reflete as descrições gregas míticas típi
cas de povoamento de novas regiões numa terra vazia. Contudo, Hecateu
depois reforça essa descrição com a observação de que os judeus foram
proibidos de vender suas terras a fim de que, ao fazê-lo, não “causassem
uma escassez de força de trabalho”’®. Nessa observação está implícito, nova
mente, o problema da despopulação de lehud. Aparentemente, o número
de pessoas era muito pequeno para o pleno cultivo da terra.
226
yVs EbcrÍLuras á bumbra Jo Templo
227
Como a Bíblia tornou-se um livro
228
As Escrituras à sombra do ‘J cmplo
Monte do
Templo
Cidade
de Davi
229
Como a Bíblia tomon-sc um li\ ro
mas ela teve a seu favor mais de dois milênios de grandes avanços tecno
lógicos e culturais na escrita.
Uma das soluções favoritas das gerações passadas, a saber, a atribuição
de grande parte da literatura bíblica ao período asmoniano (167-63 a.C ),
não é mais uma opção. Como mencionei antes, os Manuscritos do Mar Morto
nos oferecem manuscritos bíblicos datados da metade do século III a.C.
Além disso, a língua hebraica do século II a.C. é tão distintamente diferente
da literatura bíblica que essa não é uma solução plausível. Seria como dizer
que Shakespeare redigiu suas obras na década de 19901 Desse modo, isso
restringe a janela para a data de redação do vasto, diverso e complexo com
pêndio de escritos que compôs a Bíblia hebraica.
Outra solução para a questão é simplesmente reescrever a história persa.
O estudioso britânico Phihp Davies, por exemplo, sugere: “a visão de Judá,
no período persa, como um lugar culturalmente atrasado e economicamente
pobre precisa ser reconsiderada”^''. Por que essa visão precisa ser reconside
rada? Porque a grande atividade escribal que muitos assumem que tenha
florescido no período persa é claramente inconsistente com o retrato da
província persa de lehud acerca do qual arqueólogos, historiadores e estudio
sos bíblicos concordaram. Como se estivesse ciente desse problema, Davies
prossegue e comenta que “quanto mais adiantada a data, mais fácíl é concluir
que o templo podería sustentar numerosas escolas de escríbas com luna
atividade escribal vigorosa”. Davies acertadamente insiste em não apenas
uma escola escribal, mas em várias escolas, o que evidentemente seria neces
sário para gerar a quantidade e a variedade que encontramos na literatura
bíbhca. N a rngsma linha, Anthony Saldaríni, o recém-falecido professor de
Cristianismo Antigo no Boston CoUege, sugere que “a atividade escribal de vá
rios grupos (sacerdotes, profetas, visionários, escríbas e outros líderes da comu
nidade) deve ser postulada para que se explique a composição e a edição da
compilação bíbhca durante o período exíhco e os períodos pós-exíUcos”^^.
Temos de assumir uma variedade de grupos ou escolas para exphcar a com
posição da hteratura bíbhca nesses períodos somente se assumirmos também
que a literatura bíblica tem de ter sido composta principalmente no período
24. P. Davies, Scribes and Schools: The Canonization of the Hebrew Scriptures,
Louisville, Westminster John Knox, 1998, 79.
25. A. Saldaríni, Scríbes, in ABD, vol. 5,103.
230
As Escrituras ã sombra do Templo
Liderança sacerdotal
231
Como a Bíblia tornou-se um livro
Governador Data
Sassabasar 538 a.C.
Zorobabel 520 a.C.
Elnatã final do século VI a.C.
Neemias 445-433 a.C.
Beguai 408 a.C.
Jezequias século rV a.C.
Jezer (incerto]
Azai (incerto]
26. C. Meyers e E. Meyers, Haggai, Zechariah 1-8 [Anchor Biblej, Garden City, NY
Doubleday, 1987, 9-15.
232
As Escrituras a sombra do Templo
233
Como a Bihlia tornou-so um livTO
234
As IZscrituras á suinhra Ai Ts^mpln
aramaicas e usa a terminação do plural aramaico, mas emprega vocabulário hebraico {City
ofDaviã, vol. 6: Inscriptions [ed. D. Ariel; QEDEM, 41] Jerusalém, lES, 2000, 9-10).
31. Ver, por exemplo, E. Y. Kutscher, A History of the Hebrew Language, Jerusalém,
Magnes, 1982,105-106; S.Weitzman,WhyDid the Qumran CommunityWritein Hebrew?,
JAOS 119 (1999) 35-45.
32. Carter, The Emergence ofYehud in the Persian Period, 279-280.
235
Como a Bíblia tornou-se um livro
Latim A B D E 1 K L M
Páleo-hebraico £
Á
Aramaico ¥ P n <
1 C n
Figura 9.2. Algumas diferenças entre a escrita hebraica antiga e a escrita aramaica
3 3 .0 páleo-hebraico é estilizado com base nos óstracos de Laquis (de cerca de 600
a.C.j, e o aramaico, com base nos papiros elefantinos (do final do século V a.C.). Sobre
esses escritos, ver J. Naveh, The Early History of the Alphabet: An Introduction to West
Semitic Epigraphy and Paleography, 2“ ed., Jerusalém, Magnes, 1987.
236
As Escrituras á sumlrra i.lu Templo
237
Como a Bíblia tornou-se um livro
238
As Escrituras á sunibra du Templo
37. J. Joosten, The Knowledge and Use of Hebrew in the Hellenistic Period Qumran
and Septuagint, in Diggers at the Weü: Proceedings of a Third International Symposium on
the Hebrew of the Dead Sea Scrolls and Ben Sira (ed. T. Muraoka e J. F. Elwolde), Leiden,
Brill, 2000,122.
239
Como a Bíblia tornou-se um livro
240
As Escrituras à sombra do Templo
144-154. Hurvitz nota a dificuldade de chegar a uma decisão inequívoca acerca da data
ção do Livro do Eclesiastes.
43. Ver J. Schaper, Hebrew and Its Study in the Persian Period, in Hebrew Studyfrom
Ezra to Ben-Yehuda (ed. W. Horburyj, Edunburgh, T &T Clark, 1999, 15.
241
Como a BiWia tomun-sc um IhTo
242
As F.sciitiiras ã somhrj JuTom plo
243
Cam o a Bíblia tornou-se um lit ro
A biblioteca do Templo
244
As F.strituras ã soml-Tii Ji' Templo
Todo o povo se reuniu na praça diante da Porta das Águas. Eles pediram ao
escriba Esdras que trouxesse o pergaminho da Lei/Torah de Moisés, que
YHWH entregara a Israel. O sacerdote Esdras apresentou a lei diante da
assembléia de homens, de mulheres e de todos os que eram capazes de ouvir
e compreender. Era o primeiro dia do sétimo mês. Assim, na praça que fica
diante da Porta das Águas, Esdras fez a leitura do hvro, desde o amanhecer
até ao meio-dia, na presença dos homens, das mulheres e de todos os que
eram capazes de compreender. E todo o povo prestava atenção à leitura do
pergaminho da Lei/Torah. O escriba Esdras postou-se sobre um estrado de
madeira construído com esse propósito [...]. E Esdras abriu o pergaminho
perante todo o povo, pois estava mais alto que todos. Quando ele abriu o
pergaminho, todo o povo ficou de pé.
47. Isso foi precisamente exposto por T. Eskenazi, Ezra-Nehemiah: From Text to
Actuality, in Signs and Wonders: Biblical Texts in Literary Focus (ed. J. C. Exum), Atlanta,
Scholars Press, 1989, 165-198. Agradeço que a professora Eskenazi me tenha indicado
esse artigo e também sua incisiva leitura de um esboço do manuscrito deste Uvro, aprimo
rando minhas próprias percepções sobre a textualização no período persa.
245
Como a Biblia tornnu-se um livro
246
As U.so'iiuras j st>mbra Ji.> Tumplu
1 Samuel 31 1 Crônicas 10
'Então os filisteus investiram contra 'Então os filisteus investiram contra
Israel, e os israelitas fugiram diante Israel, e todos os israelitas fugiram
dos filisteus e muitos caíram feridos diante dos filisteus, e muitos caíram
no monte Gelboé. feridos no monte Gelboé.
^Os filisteus alcançaram Saul e seus ^Os fihsteus alcançaram Saul e seus
filhos, e mataram Jônatas, Abinadab e filhos, e mataram Jônatas, Abinadab
Melquisua, filhos de Saul. e Melquisua, filhos de Saul.
'‘Então Saul disse a seu escudeiro: '‘Então Satil disse a seu escudeiro:
“Desembainha tua espada e “Desembainha tua espada e
trespassa-me com ela, para que esses trespassa-me com ela, para que esses
incircuncisos não o façam, divertindo-se incircuncisos não venham e divirtam-se
comigo”. Mas o escudeiro não o quis comigo”. Mas o escudeiro não o quis
fazer, pois estava tomado de grande fazer, pois estava aterrorizado. Então
terror. Então Saul tomou a espada e Saul tomou a espada e atirou-se
atirou-se sobre ela. sobre ela.
escudeiro, vendo que Saul estava escudeiro, vendo que Saul estava
morto, lançou-se também sobre sua morto, lançou-se também sobre sua
espada e morreu com ele. espada e morreu.
®Assim, Saul, seus três filhos, seu ®Assim morreu Saul, e morreram
escudeiro e todos os seus homens também seiis três filhos e toda a sua
morreram juntos no mesmo dia. casa.
247
Como a BiWia tornou-so um livro
®No dia seguinte, quando os filisteus ®No dia seguinte, quando os filisteus
foram despojar os mortos, foram despojar os mortos,
encontraram Saul e seus três filhos encontraram Saul e seus três filhos
caídos no monte Gelboé. caídos no monte Gelboé.
248
As Escrituras a sumisra tki Tesnplo
48. Ver R. Braun, The Message of Chronicles: Rally ‘Rotincl the Temple, CTM 42
(1971] 502-514; Braun, Solomon, The Chosen Temple Builder: The Significance of
1 Chronicles 22, 28, and 29 for theTheology of Chronicles, JBL 95 (1976) 581-590. Pode
haver uma obra literária mais antiga datada da época de Zorobabel (ca. 515 a.C.) subjacente
ao Livro das Crônicas canônico, mas é difícil recuperá-la com algum grau de segurança;
ver F. M. Cross, A Reconstruction of the Judean Restoration, JBL 94 (1975) 4-18.
249
Como a Bíblia tomou-so um livro
"Durante muito tempo Israel esteve sem o Deus verdadeiro, sem sacerdote
que desse instrução, sem Torah” [2Cr 15,3}. Aqui, a ideia de um “sacer
dote que desse instrução” — sem dúvida um sacerdote como Esdras — apa
rentemente resulta da ausência da Torah, ou seja, de uma tradição escrita.
Embora o termo torah originariamente significasse “ensinamento”, e, por
conseguinte, tivesse um contexto oral, essa torah oral, ou “ensinamento”,
é transformada na Torah escrita e textual na literatura do Segundo Templo.
A transformação é implícita, como, por exemplo, em 1 Crônicas 16,40:
“em conformidade com o que está escrito na Torah que YHWH ordenou
a Israel”'^®. Em primeiro lugar, os ensinamentos foram oralmente ordenados,
mas essas ordens foram posteriormente redigidas. Por conseguinte, a Torah
que o sacerdote ensina foi transformada nos mandamentos escritos num
documento, como vimos em 2 Crônicas 17,9: “E os sacerdotes ensinaram
em Judá, utilizando o pergaminho da Torah de YHWH, e percorreram todas
as cidades de Judá e instruiram o povo”. Vemos, no Livro das Crônicas, tanto
o texto escrito sagrado como o sacerdote que instrui o povo com base na
autoridade desse texto sagrado.
D e maneira mais geral, testemunhamos, na literatura judaica escrita
nos períodos persa e helenístico, a ascensão das Escrituras. A própria ideia
de “Escritura” depende de uma cultura textual. Numa cultura oral, as ativi
dades de compor, aprender e transmitir se misturam, A tradição está cons
tantemente se reinventando. A escrita, em contrapartida, congela a tradição.
Como Platão perspicazmente observa no discurso de Sócrates a Fedro, “as
palavras escritas continuam dizendo exatamente a mesma coisa para sem
pre”. Henri-Jean Martin, em sua monumental obra Histoire et pouvoirs de
Vécrit, observa que a escrita "não é revolucionária, mas, a cada momento,
uma revolução nas comunicações parece impelir a uma fusão num todo
maior. Isso, quando ocorre, acelera as mudanças em movimento no interior
daquela sociedade”®®. O Império Persa constitui uma revolução na tecno-
49. Note-se também: 2Cr 23,18, "conforme está escrito na Torah de Moisés” (ncía
m in n e 2Cr 25,4, “conforme está escrito na Torah no livro de Moisés" [ruoa
nsD3 m in n m nsD ), 2Cr 31,3, “conforme está escrito na Torah de YHWH” (mrP
rmra mnDí)].
50. H. J. Martin, The History and Power ofWriting (trad. Lydia G. Cochranej, Chicago,
University of Chicago Press, 1994, 86-87.
250
As hssrituriis j sombra du Templo
251
Como a Bíblia tornou-se um livr
53. Sobre o problema do final da profecia, ver Frederick Greenspahn, Why Prophec
Ceased, JBL 108 [1989] 37-49; Benjamin Sommer, Did Prophecy Cease? Evaluatíng a
Reevaluatíon, 7BL 115 [1996] 31-47.
252
As Escrituras ã sombra duTomplo
54. M. Fishbane, Torah, in Encyclopaedia Miqra'it, vol. 8, Jerusalém, Bialik, 1982, col.
469-483 (hebraico).
55. Ver, por exemplo, Esd 3,2.4; 6,18; Ne 8,15; 10,34.36; 2Cr 23,18; 25,4; 30,5.18.
253
Lomn a Ríhlia tornou-so um livrei
A sinopse
254
A >i I; , » : n t u r i i i a s o m h r u lU i K m v ij i I u
255
Como a Bíblia lornou-se um livro
de ouro sob o governo dos jEilhos de Ezequias. Judá então sofreu como
um vassalo da Assíria até o fim do Império Assírio nos dias do reis Josias
(r. 640-609 a.C ].
A segunda maior fase de formação da literatura da Bíblia ocorreu no
tempo do rei Josias, no final do século VII a.C. O uso da escrita para pro
pósitos econômicos e administrativos continuou incessantemente desde os
dias de Ezequias. O letramento disseminara-se por todo o tecido da socie
dade judia. Os soldados sabiam ler e escrever. Os artesãos eram letrados.
Enquanto a escrita havia tido previamente um papel restrito na sociedade,
a disseminação da escrita na vida cotidiana significava que agora a escrita
podia se tomar uma ferramenta para a subversão do poder centralizado
do governo. Os textos não eram mais apenas produtos do palácio ou dos
sacerdotes. Um ponto de virada na literatura bíblica foi o assassinato do rei
Amon (r. 642-640 a.C.); o “povo da terra” estabeleceu no trono de Jemsalém
o rei menino, Josias, na tenra idade de oito anos. Influenciado pelo “povo
da terra” e pelas conexões de sua família nos contrafortes de Judá, Josias
instituiu reformas políticas e religiosas que visavam diretamente a in
fluência cultural que a urbanização e a afluência dos refugiados do norte
haviam tido nos tempos de Ezequias. A escrita tomou-se uma ferramenta,
como no Livro do Deuteronômio, para criticar a visão de Ezequias. De
acordo com os deuteronomistas, Salomão não era um grande rei, mas um
rei que violara a lei divina conforme registrado no “livro da aliança” (com
parar IRs 11 com D t 17,14-20). Os deuteronomistas defendiam um re
torno à rehgião tradicional de seus antepassados. Evidentemente, essa
tensão entre o urbano e o rural, entre o palácio central e os anciãos mrais,
sempre deve ter existido. Contudo, a revolução deuteronômica conferiu
aos anciãos rurais uma voz escrita. Os escritos antigos, que haviam sido
elevados a propaganda literária no tempo de Ezequias, foram revertidos.
A escrita se tomou um modo típico de expressão nos últimos dias da mo
narquia em Judá. A literatura bíblica teve seu ápice nas últimas décadas
dessa monarquia.
O fim do grande florescimento literário independente chegou rapida
mente. A tranquilidade entre a queda do Império Assírio e a ascensão do
Império Babilônico teve apenas a duração do reinado de Josias (r. 640
609 a.C.). Quando Josias morreu numa batalha em Meguido, pelas mãos
do faraó egípcio Necao, morreu também a esperança de um reino judeu
independente.
256
F.v.riuiras a Jti Ii.-mplu
257
Como a Ríblia tornou-sc um livro
258
uai seria o papel da palavra escrita quando o judaísmo e o cristianismo
surgiram nos primeiros séculos? Como forma de concluir, gostaria de refletir
sobre a relação entre a tradição oral e o texto escrito na formação do judaísmo
e do cristianismo. Embora o âmago deste livro seja sua visão do início do de
senvolvimento da escrita e dos textos no antigo Israel e sua relação com a
formação da Bíblia hebraica, parece válido sugerir de que maneira essa textua-
lização chegou ao fim no período formativo do judaísmo e do cristianismo.
A textualização está entre os grandes desenvolvimentos culturais do
primeiro milênio da Era Cristã. Por exemplo, a textualização é certamente
um dos mais fascinantes aspectos da ascensão do Islã. Com efeito, a expres
são “povo do livro” originou-se no Islã, referindo-se ao próprio Islã, ao ju
daísmo e ap cristianismo. Além disso, em Veda and Torah: Transcending the
Textuality of Scripture [1996], Barbara Holdrege refletiu sobre a textuali-
dade nas tradições hindu e judaica durante o primeiro milênio da Era Cristã.
Os Vedas foram transmitidos oralmente por muitos séculos. Eles eram
transmitidos oralmente não porque a escrita fosse desconhecida entre os
hindus, mas em razão da primazia da oralidade.
Com efeito, o conceito da palavra escrita sagrada e detentora de auto
ridade já é atestado nos últimos livros da Bíblia hebraica redigidos no
período persa. Esse conceito está muito claro no livro sacerdotal de Sirac,
259
Como a Rihlia tornou-se um '
que foi composto no início do século II a.C. e já citava uma divisão canô
nica da Bíblia judaica em: Lei, Profetas e Escritos (aos quais Ben Sirac re
feria-se como “os outros livros”) ’. Do mesmo modo, os Manuscritos do Mar
Morto também reconhecem o cânone tripartite, embora a forma final desse
cânone ainda não estivesse determinada^. Enquanto a literatura bíblica
fosse copiada em pergaminhos, a ordem canônica exata dos livros bíbhcos
não estaria definida. Conhecia-se a divisão básica tripartite da Bíblia hebraica,
mas não se sabia necessariamente quais fivros inseriam-se em qual parte.
Assim, por exemplo, o Livro de Rute era às vezes incluído como parte do
Livro dos Juizes, na seção que incluía os Profetas; mais usualmente, era
situado na terceira divisão dos Escritos. Assim, a ordem dos livros variou
um pouco nos primeiros séculos da Era Cristã. Mais que isso, uma ordem
canônica inteiramente diferente foi também tomando forma entre os
judeus na diáspora, especialmente em Alexandria. Essa organização mais
historicamente orientada dos livros individuais tomou-se, por fim, a base dos
cânones cristãos. Mas a invenção do códice forçou a tomada de decisões
acerca da ordem estabelecida dos fivros bíblicos. Os cristãos adotaram o
códice para seus manuscritos a partir do século II d.C.^, e essa preferência
ajudou a moldar o cânone da literatura cristã. Os judeus, em contraposição,
continuaram a favorecer, o pergaminho como material de escrita ainda
por muitos séculos após a invenção do códice.
Embora os escritos sagrados tenham adquirido um papel importante
tanto para os primeiros cristãos como para os judeus, a substituição da
tradição oral não foi rápida nem simples entre as massas. A palavra escrita
havia sido a esfera das elites sociais. Ela protegia a ortodoxia religiosa da
aristocracia sacerdotal. Ela foi uma ferramenta do governo e do império.
A tradição oral, em contraposição, situava-se na família e nas relações de
260
línrli)t;n.
4. W. Graham, Beyond the Written Word: Oral Aspects of Scripture in the History o
Religion, Camhridge, Cambridge University Press, 1987, 5.
261
Como ii Bihlia tcinviii-si? um li\ro
5. Para uma discussão exaustiva sobre a antiga sinagoga, ver L. Levine, The Ancien
Synagogue:'The FirstThousandYears, New Haven, Yale University Press, 2000. Uma discussão
262
hpíkiU>.‘
A Bíblia já estava escrita. Mas a disputa pela Bíblia ainda não chegara
ao fim. Nos primeiros séculos da Era Cristã, o texto ainda tinha de se afir
mar como única autoridade religiosa no judaísmo e no cristianismo, que
estavam em seus estágios formativos. O papel da literatura bíbhca como
Escritura detentora de autoridade seria uma das questões essenciais no
esforço dessas tradições refigiosas por se definir. Tanto o cristianismo como
o judaísmo rabínico originaram-se da cultura popular. Eles não foram pa
trocinados pelo Estado, nem emergiram da rehgião institucionalizada. Em
virtude disso, a palavra escrita desempenhou um papel complexo nos pri-
mórdios do cristianismo e no judaísmo formativo.
263
Como a Bíblia tornou-se um livro
264
FpiUijio
L. Perduej, Winona Lake, IN, Eisenbrauns, 1990, 417-436. Gostaria também de agradecer ao
professor Fraade por me ceder uma cópia de seu artigo ainda não publicado, Piiests, Sciibes
and Sages in SecondTemple Umes, que desenvolve esse argumento de maneira mais detalhada.
8. Fragmentos da obra original em hebraico foram descobertos entre os manuscrito
da Guenizá do Cairo; ver H. Rüger, Text und Textform im hehrãischen Sirach (BZAW, 112),
Berlim, de Gruyer, 1970.
265
Como a Bihlia tonimi-se um livn
palavra falada como pela palavra escrita. Eis por que meu avô Yeshua, que
se dedicara especialmente à leitura da Lei e dos Profetas e dos demais livros
de nossos ancestrais, e adquirira neles considerável proficiência, foi também
levado a escrever a respeito da instrução e da sabedoria, para que, familiari
zando-se também com seu livro, aqueles que amam o saber possam progredir
ainda mais na vida em conformidade com a lei.
9. Sobre o hebraico de Ben Sirac, ver A. Hurvitz, The Linguistic Status of Ben Sira as a
Link Between Bibhcal and Mishnaic Hebrew: Lexicographical Aspects, in The Hebrew of the
Dead Sea SavUs and Ben Sira (ed. T. Muraoka e J. E Elwode], Leiden, Brill, 1997,72-86; Further
Comments on the Linguistic Profile of Ben Sira: Syntactic AJílnities with Late Biblical Hebrew,
in Sirach, SavUs, and Sages [ed.T. Muraoka e J. F. Elwode], Leiden, Brill, 1999,132-145.
10. Steven Fraade destaca que a Mishná combina essa prática com a lei do rei em
Dt 17,20 [Priests, Scribes and Sages in SecondTempleTimes]. Em Sota 7,8 (também Sifre
Dt T60], segue-se não apenas Dt 17,20, como também o exemplo de 2Rs 22,16, onde se
sugere que o rei Josias havia lido o Uvro da Torá.
11. Ver Fraade, The Early Rabbinic Sage, 420-421.
266
Lpilum'
267
Como a Bíblia tornou-sc um livm
13. Ver A. Saldarini, Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian Soríety, Wilming
ton, DE, Michael Glazier, 1988, 39-43.
268
comunidade sectária sugere a centralidade do texto bíblico para a seita e
corrobora a existência da leitura e do estudo ativos das Escrituras. Tanto
os textos internos que descrevem as atividades da comunidade como obser
vadores externos como Flávio Josefo testemunham a centralidade da pa
lavra escrita para a seita*'*.
Que grupo religioso era esse? O grupo desenvolveu sua identidade
em oposição à aristocracia sacerdotal de Jerusalém. Um de seus principais
inimigos era “o Sacerdote ímpio”, que parece ser uma referência ao sumo
sacerdote de Jerusalém. O grupo rejeitava o Templo de Jerusalém e ansiava
por uma época escatológica em que o próprio Deus construiría um novo
templo em Jerusalém’^. Eles liam como uma referência literal a si próprios
a passagem de Isaías 40,3: “No ermo abri caminho para o SEN H O R!”.
Sua tarefa no ermo era estudar "a Torá, que foi decretada por Deus por meio
de Moisés para ser obedecida” (IQSviii, 14-15). Como resultado disso,
estabeleceram um povoamento remoto na costa norte do Mar Morto, onde
mais tarde seriam encontrados os famosos Manuscritos do Mar Morto.
Os pergaminhos pertenciam à biblioteca da seita, mas nem todos foram
compostos por ela, nem representavam necessariamente, todos eles, a visão
adotada pela seita. A julgar pelas referências nos pergaminhos, a seita
aparentemente apartara-se da liderança sacerdotal de Jerusalém.
O grupo é usualmente identificado com uma seita religiosa conhecida,
com base nos escritos do historiador judeu Flávio Josefo, como os essênios’®.
A seita, porém, parece ter sido uma ramificação ultrarreligiosa ou talvez
até uma dissidência dos essênios. O professor Lawrence Schiffinan, da Uni
versidade de Nova York, sugeriu que essa seita fosse uma dissidência dos
saduceus*''. Pode ser que a seita fosse um antigo grupo de sacerdotes dis
sidentes de Jerusalém, que poderíam ser chamados de protossaduceus (já
que os “saduceus” são conhecidos principalmente por meio de fontes do
século I d.C. ou posteriores). Com efeito, esse grupo parece ter se desenvol
vido numa nova seita sacerdotal que Josefo chama de essênios. Mas sua
14. Ver Josefo, Guerra dos judeus § 2.8.6.136,142,159; Regra da Comunidade vi, 6-7.
15. 4QFlorilegium.
16. Ver a discussão geral de J. VanderKam, The Dead Sea Scrolls Today, Grand Rapids,
Eerdmans, 1994, 71-120.
17. L. Schifítnan, Reclaimingthe Dead Sea Scrolls, Nova York, Doubleday, 1994.
269
Corno a Bíblia tornou-so nm lix o'
denominação exata é menos importante que sua atitude para com os textos.
Eu os chamarei de essênios, como aparentemente fez Josefo.
Os essênios compartilhavam com os saduceus a rejeição da tradição oral.
Por exemplo, no Manuscrito do Mar Morto conhecido com Documento
de Damasco o grupo critica a apUcação da tradição oral à interpretação da
prática religiosa, concluindo que seus oponentes “corromperam seu espí
rito sagrado e ofenderam, còm linguagem blasfema, os mandamentos da
aliança de Deus, dizendo: ‘eles não estão determinados’” (CD v, 11-12). As
práticas religiosas do grupo baseavam-se no texto escrito’®. Uma das pas
sagens na literatura da comunidade ilustra isso: “A respeito do Líder está
escrito: ‘ele não deve ter numerosas mulheres’ [uma citação de Dt 17,17];
mas Davi não leu o hvro da Lei guardado na Arca, pois o livro não foi aber
to em Israel desde o dia da morte de Eleazar e Josué e dos anciãos que
serviam à deusa Astarte. Ele permaneceu enterrado <e não foi> revelado
até o aparecimento de Sadoc” (CD v, 1-5). O problema para a comunidade
era que o rei Davi tinha várias mulheres. Isso pode ser explicado simples
mente observando que os escritos sagrados estavam escondidos. O livro
oculto e posteriormente encontrado traz à memória a descoberta do “per
gaminho da aliança” na época do rei Josias. O importante aqui é a centra-
lidade do texto para a definição e a crítica da prática religiosa.
Os essênios também escolheram os sacerdotes para serem professores
e hderes da comunidade. A organização da comunidade é abordada em
vários locais. No Documento de Damasco, por exemplo, lemos:
18. Adiei Schremer aplica uma analogia moderna do judaísmo ortodoxo à tendência d
Qumran de basear a prática religiosa em textos escritos, em vez de viver com base na tradição;
ver ‘[T]he[y] Did Not Read in the Sealed Book’: Qumran Halakhic Revolution and the Emer-
gence of Torah Study in Second Temple Judaism, in Historiad Perspectives: From the Hasmo-
neans to Bar Kokhba in the Light of the Dead Sea ScroUs (Proceedings of the Fourth Interna
tional Symposium of the Orion Center, 27-31 January 1999) (ed. D. Goodblatt, A. Pinnick e
D. Schwartz; STDJ, 37), Leiden, Brill, 2001,105-126. AzzanYadin mostra como a dependên
cia da autoridade escriturai em Qumran persiste na escola do rabino Ismael, contra o rabino
Akiva; 4QMMT, Rabbi Ishmael, and the Origins of Legal Midrash, DSD 10 [2003) 130-149.
270
i-.píl
19. Para um resumo da literatura sobre os fariseus, ver Saldarini, Pharisees, Scribes an
Sadducees in Palestinian Society: A Sociological Approach, ou, de forma mais acessível, o
artigo de Saldarini, Pharisees, inABD, vol. 5, 289-303.
271
Como a Bihha tornou-se um li\
272
Epílogo
273
Como a Ríblia tomnii-st- um livro
274
A escrita nos primórdios do cristianismo
275
Como a Bíblia tornou-^e um Hvro
Evangelho de João e o Livro dos Atos dos Apóstolos são, portanto, inteira
mente conscientes de sua própria textualidade e da criação da autoridade
textual. Os Evangelhos de Mateus e de Marcos, no entanto, não tratam dire
tamente da questão de sua própria textuaUdade. O Evangelho de Mateus,
por exemplo, parece limitar o conceito de texto à genealogia de Jesus;
“Livro [pípÃoç) da genealogia de Jesus, o Messias, filho de David, filho de
Abraão” (Mt 1,1], Em vez da autoridade do texto, Mateus adota o modelo
fariseu e rabínico da autoridade do professor, concluindo: “Então Jesus
aproximou-se e disse: ‘Toda a autoridade no céu e na terra me foi dada.
Portanto, ide e angariai discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo
o que vos ordenei. Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim dos tem
pos”’ (Mt 28,18-20). Jesus é o professor detentor de autoridade que trans
mite sua autoridade a seus discípulos. A observação de Martin Jaffee
talvez não seja uma mera coincidência: “Os Sábios galileus de nosso período
[sécxdos III-IV d.C.] alegavam ter acesso a um conhecimento revelado que
só poderia ser aprendido por meio do discipulado”^’*. Jaffee fala de rabinos
galileus posteriores a Jesus, mas isso ressalta certa similaridade entre a
cristianismo em seus primórdios e o judaísmo rabínico no que se refere
ao tratamento dispensado à tradição oral e ao papel do discipulado.
A vantagem dos livros, no entanto, é o fato de sobreviverem após o
falecimento do professor. O Evangelho de Mateus trata disso narrando que
Jesus transfere sua autoridade a seus discípulos. O Evangelho de João tam
bém trata da questão, introduzindo o Espírito Santo, que se toma um pro
fessor substituto. Devemos ser cuidadosos para não sugerir que havia uma
rejeição das Escrituras no princípio do cristianismo ou no judaísmo. No
Evangelho de Mateus, por exemplo, Jesus é citado: “Em verdade vos digo;
até que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou traço serão
retirados da lei sem que tudo se tenha cumprido” (Mt 5,18). Similarmente,
o Evangelho de Lucas registra; “É mais fácil desaparecer o céu e a terra
do que cair um traço de uma letra da lei” (Lc 16,17). Assim, não se trata
276
Epiliif>u
277
Como a Bíblia tornou-se um livn
278
tpiiuf;o
amplamente não letrada. Quando essa tradição oral foi registrada por
escrito na forma dos Evangelhos, uma transição fundamental resultou
disso. Como diz Paulo: “A letra mata” (2Cor 3,6). A ironia de Paulo é que
ele escreveu tanto para tantos. Como a crítica de Platão à escrita, também
a crítica de Paulo teve de ser escrita. Talvez não seja uma coincidência
que Paulo tenha redigido cartas, e não livros. Paulo defendia a voz viva
do professor em suas cartas. Ele afirmava constantemente que havia sido
chamado para pregar o evangelho; o “evangelho” [em grego, eixxyYé^i-ov)
era, acima de tudo, uma proclamação oraP®. Paulo nunca afirmou que
havia sido convocado para escrever.
Birger Gerhardsson, em seu importante hvro intitulado Memory and
Manuscript [1961), observou que Jesus, segundo um dos Evangelhos [Jo
7,15), não recebeu qualquer instrução, e que os Apóstolos são descritos
como homens comuns não instruídos [At 4,13)^^. Como reconheceu
Gerhardsson, essas são declarações claramente dogmáticas, que refletem
uma atitude positiva adiante da falta de instrução dos discípulos. Jesus
não era um escriba, nem pertencia à elite social. Os discípulos não estavam
entre os literatos. O dogmatismo é instrutivo; é um reflexo da ideologia dos
redatores dos Evangelhos e dos primórdios da igreja. Essa ideologia é par
ticularmente crítica dos escribas e do aprendizado por meio de livros. Em
João 7, por exemplo, Jesus está ensinando no Templo. Esse contexto o situa
entre os escribas e os literatos da elite religiosa judaica. Apropriadamente,
Jesus é retratado criticando a ordem religiosa estabelecida, citando a Lei:
“Moisés não vos deu a lei? No entanto, nenhum de vós cumpre a lei” [Jo
7,19). Jesus, contudo, evita a autoridade textual e reivindica sua própria
autoridade como proveniente “daquele que o enviou”. Dito de outro modo,
o professor é mais importante que o texto. A despeito do uso do texto
26. W. Kelber, The Oral and the Written Gospel: The Hermeneutics ofWriting and
Speaking in the Synoptic Tradition, Mark, Paul, and Q, Bloomington, University of Indiana
Press, 1977. Para "evangelho", ver W. Bauer e W. Gingrich, A Greek-English Lexicon ofthe
New Testament and Other Early Christian Literature, 3" ed. (rev. e ed. por F. W. Danker),
Chicago, University of Chicago Press, 2000, ad loa
27. B. Gerhardson, Memory and Manuscript: Oral Tradition and Written Transmission
in Rabbinic Judaism and Early Chrisüanity, Lund, CWK Gleerup, 1961; reed. Grand Rapids,
Eerdmans, 1998,12-13.
279
Como a Bíhlia tornou-se um livro
feito por Jesus, para criticar a ordem religiosa estabelecida, ele alega ter
uma autoridade superior que não tem sua base no texto.
Formulei uma questão trivial sobre como os primeiros cristãos me
diavam a autoridade oral e escrita. Uma questão ainda mais ousada foi
formulada por John Dominic Crossan e Jonathon Reed: Jesus era sequer
letrado? Em seu popular livro Eoccavating Jesus: Beneath the Stones, Behind
the Texts, os autores sugerem que Jesus era, na realidade, um camponês
iletrado^®. Este é, no entanto, um argumento difícil de se sustentar. Afinal,
Jesus é retratado como sendo capaz de ler e escrever. Em Lucas 4,16-18,
por exemplo, lemos:
Quando Jesus foi à cidade de Nazaré, onde havia sido criado, foi à sinagoga
no dia do sabá, conforme seu costume. Levantou-se para fazer a leitura, e
o pergaminho do profeta Isaías lhe foi entregue. Ele desenrolou o pergami
nho e encontrou a passagem onde está escrito: “O Espirito do Senhor está
sobre mim”.
28. J. D. Crossan e J. Reed, Excavating Jesus: Beneath the Stones, Behind the Texts,
São Francisco, Harper, 2001, 30-31.
29. Ver C. Hezser, Jewish Literacy in Roman Palestine (TSAJ, 81), Tübingen, Mohr-
Siebeck, 2001, que critica estudos precedentes que argumentavam em favor de um letra
mento extensivo entre homens adultos judeus na Palestina romana. É importante observar
que a própria ideologia da oralidade limitava a difusão do letramento de alto nível. Alan
MiUard, em contraposição, argumenta em defesa de um letramento extensivo entre os
judeus no mundo romano na época de Jesus; ver Millard, Reading and Writing in the Time
of Jesus, Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001.
280
lipiloj^o
281
Como a Bíblia tornou-se um livro
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284
índice de citações bíblicas
285
Como a Bíhlia tomou- livri
286
índiiwC dk LÍtayOci> bíblica;»
287
C om o a Bíblia tornou-se um livro
288
Índice de citaeões bíblicas
289
índice de nomes
291
Com o a Rihlia tornou-se um livt
292
Índice de nomei
Josias 24, 32, 34, 82, 83, Mazar, A. 82, 194 Oded, B. 199
110,115,127,128,130, Mazar, B. 37 Olaf, Pedersén 284
134,135,148-150, 154, McCormick, Robert 199 0 ’Nem,J. C. 24
155,158,171,173,181, McLuhan, Marshall 14, 33, Ong,WalterJ. 15,128,284
183,184,203,207,210, 262 Oppenheim 205
231, 256, 266, 270 Mendenhall, George 81,82, Oseias 93, 109, 119, 120,
Josué 20,32,78,114,115, 182 122-125, 148, 223
162,167,171,174,186, Memeptá 73, 74 Oswald, Wolfgang 166
202, 217-219, 270, 273 Mesá 61, 90, 107
Meshorer, Ya'akov 234 Pardee, D. 135
Kelber,Wemer 278,279 Mettinger, T. 88 Parker, Simon 28
Keniali 205 Meyers, C. 217, 232 Parpola, S. 56
King, Philip J. 91,101,133, Meyers, Eric 217, 232 Paul, Shalom 122
191, 284 Paulo de Tarso 30
Michalowski, P. 54
Kingu 43 Pedersén, Olaf 107, 204
Milevski, I. 105 Perlitt, L. 166
Kitchen, K.A. 175 Mülard, Allan 33, 95, 139,
Kletter, R. 140 Platão 15,29,156,157,250,
206, 280, 284 279
Knohl, Israel 118,119,165
Moisés 21-26, 32, 41, 44, Plínio, o velho 30
Knoppers, Gary 155
Kochavi, M. 76, 89 47, 48, 50, 51, 77, 79, Polak, Frank H. 116
Kugel, James 284 80, 87, 117, 151, 152, Pope, M. 223
Kuhne, H. 96 15b, 161,162,164-177, Powell,M. 199,205
Kutscher, E. Y. 188,235 181,182,184-186,209, Pritchard, J. 105
217,221,233,242,245, Provan, lan 114, 225
Lancaster, S. 104 246,250-254,258, 261, Ptolomeu 1 263
Lance, D. 102 266,267,269,273,275, Ptolomeu II Filadelfo 238,
Landes, G. 240 279 264
Larsen, M. 54 Moran, W. 60 Ptolomeu IV 264
Lehmann, G. 194 Mowinckel, S. 159 Ptolomeu Sóter 263
Lemaire, André 61, 111, Murphy-0'Connor, J. 278
145, 197, 199 Qimron, E. 185
Lemche, N. P. 34,224 Na’aman, N. 71, 73, 97
Levine, L. 262 Nabu (deus dos escribas) Rabin, C. 85, 86, 242
Levinson,B. 9,155,157,184 43, 44, 107, 213 Rabino Akiva 270
Levy, Thomas 97, 284 Nabucodonosor 179, 191, Rabino Elazarben Azaria 261
Limburg, J. 223 Rabino Judá, 0 principe 186
192, 203, 205, 206, 211
Loewenstamm, S. 200 Rainer, Albertz 162
Nachmânides 182 Rainey, A. F. 60, 64, 138
Lohfink, N. 150
Long, G. 104 Naveh, Joseph 57, 62, 69, Ramsés 47
Loprieno, A. 9, 108, 127 143,145, 197, 236, 284 Reed, Jonathon 280
Lutero, Martin 33, 262 Nebo 43,44 Ritner, R, 44, 45
Necao 203, 256 Roberts, C. H. 16
Machinist, P. 20, 233 Nicholson, E. 158 Roboão 36-38, 113
Macho, A. Díez 174 Niditch, Susan 25, 27, 28, RõUig,W. 65
Manassés 131, 132, 134, 103, 284 Ross, J. 28
209-212 Nisaba [deusa dos escribas) Rüger, H. 265
Marduc 43, 178 43
Martin, Henri-Jean 15, 16, Nissen, H. 54,66,238 Sáenz-Badillos, A. 188,240
33, 136, 250, 284 Noth, Martin 110, 198 Sagg,H. 191
293
Como a Bíblia tornoii-se um li-
294
índice de assuntos
295
Como a Bíblia tornou-se um livro
Casa de Davi 62, 63, 100, 195,196,227,228,232, 24, 26, 33, 35, 38,
109, 113, 121, 123,255 243, 255 125, 137, 171, 223,
Casa do pai 134 Egito 26,36-38,41,42,45, 260, 262, 264, 268,
Centralização 105, 125, 47, 53, 55, 56, 58, 60, 269, 278
133-135, 147, 150, 67, 73, 74, 76, 84, 94, poder numinoso da
151, 153 108,117,141,154,192, 39, 41, 45, 49, 183
Cidade de Davi 98, 103, 195,200,203,204, 208, projetos literários de
138, 228, 234 226-228,233,235, 239, Ezequias 109
Ciro, Cilindro de 213 244, 263, 264 umbrais das portas
Códice 16,17,33,77,130, Elias e Eliseu, narrativas de 147, 151, 156
224, 260, 262, 282 112 Especialização funcional 131
Código da Aliança 172,177 Enoque 22 Essênios 269, 270, 272
Código da Santidade 118, EnumaElish 21,41,43,179 Estado israehta 72, 81, 83,
125 Escribas 89
Código de Hamurabi 56 do governo 60 Esteia de Merneptá 74
Composição da Bíblia 36, do palácio 59, 204 Ética dos Pais 186, 272, 273
188 do templo 15, 60, 68, Exího babilônico 40, 111,
Constituição dos Estados 120, 221
187,189,198,208,210,
Unidos 18 escolas escribais 64,
222, 243
Contra Apion 178,266-268 76, 86, 127, 129,
Cristianismo 31, 230, 254, 162, 198, 231, 235
Faraó 36,47,60,73,74,77,
258, 259, 261-263, 275, judeus 90, 189
276, 278, 282 90, 108, 156, 203, 256
língua franca entre os 95
Cuneiforme 54-57, 59, 67, Fariseus 31, 160, 266-268,
oralidade escribal 261
95, 204, 205 271, 272, 278
* reais 53, 60, 68,72, 76,
Fedro 29, 157, 250 •
88,91,101,106,107,
Dan 64, 117 113, 120, 125, 156, Fenícia 64, 95, 129
Davi, funcionários de 86, 87 265 Filisteia 122
Demografia 133, 134 Escrita
Despopulaçâo de lehud 226 administrativa 89 Gabaon 78, 105
Deuteronomista, história e o Estado 53 Gat 122, 123, 130, 147
110, 111, 155, 171-173 filactérios 147 Gênesis Rabbah 176
Diáspora 235,258,260,262 grafitos 57, 59,95,137, Gilgamesh, Epopéia de 21
Dinastia davidica 113,123, 144,145 Globahzação 94, 130, 131,
124 judaica 236 149
Documental, hipótese 24 legislação Grécia 15,29,128,228
Documento E [Eloísta] 24 deuteronômica 150, Greco-romano, mundo 29
Documento J (Javista) 24 153 • Grego
Documento P (Sacerdotal) mundana 41, 156 alfabeto 15
24, 158 na antiguidade 54, 220 óstrakon 89
Dur-Sharmkin, inscrição na Mesopotâmia 56 pseudônimo 23
cilíndrica de 66 na sociedade israelita 181 to deuteronomion 182
nacional hebraica 234 Grupos tribais 152
Economia 34, 49, 50, 54, ortodoxia 151, 153 rurais 148
67, 69, 75, 94, 97, 128, óstracos 89 Guenizá do Cairo 265, 272
130,134,139,156,187, pergaminhos 16, 22, Guézer 59, 73, 74, 84,194
296
índice dc assuntos
297
Como a Bíblia tornou-se um livr
298
índice de asiuntos
Ortodoxia 22, 127, 136, Reino setentrional de Israel Sola scriptura 33, 136, 262
147,150,151,153,154, 63, 95, 99, 111,249, Stromateis (de Clemente
157,186, 254, 262, 281 255 de Alexandria) 30
Ortodoxia religiosa 117,144, Sumério 54, 67
150, 156, 181, 184, 260, Sabá 143,175,179,181,185,
267, 281 277, 280 Taanac 67
Ôstraco de Izbet Sartali 89 Sabedoria, das tradições 94 Tabemáculo 48-50,161,174
Sabedoria tradicional 157, 181,262
Palavra de YHWH 211,216, 160 Tabernáculos, festa dos
217, 219, 251-254 Sacerdotes 42, 49, 51, 86, 32, 246
118,125,132,148,149, Tábuas de argila 54, 67
Palestina 190,194,196,228,
151,152,154-156,164, Tábuas de pedra 23, 30,
234, 235, 263, 264, 280
165,171,215-219,221 41, 50, 51,161, 165,
Papiros elefantinos 236
223, 227, 230, 232-234, 167, 172-176, 179,
Pedra Moabita 64, 89, 112 181, 182, 184
Período persa 34,37,43,115, 246, 249-252, 256-258,
262,264-271,278, 281, Tábuas do Destino 41, 43,
116,162,164,171,178, 175
293
187, 189, 194-196, 198, Talmude 20, 31, 162
Sacerdotes de Jerusalém 249
218, 221, 222, 224-226, Taknude babilônio 178,274
Saduceus 31,160,267-271,
229-237, 239-243, 245, B. Menabot 261
277, 282
246,249, 251,252,254, B. Sota 178,266
Samaria 89, 90, 106, 111—
257-259, 262, 265, 275 B.Yoma 274
115,120-124,131,149,
Período pós-exüico 24, 87, Tanak 35
233, 288
124, 202, 216, 220, 225 Seder ‘Olam Zuta 220 Tanque de Siloé 103, 104
Persas 43, 94, 117, 192, Targum Neophiti 174
Segundo Templo, comunidade
218,219,224,228,229, TelArad 90
judia do 216
231, 244, 251, 258 Tel Dan, inscrições de 62-64,
Septuaginta 208,209,231,
Peso, medidas de 139-141 89, 112
238, 239
Pisga 44 Templo 19,22,31,36,38,
Serabit el-Khadim 58 50, 98, 147, 152, 155,
Poesia 68, 69, 80, 94, 202, Shemá 147
214, 223 160,162,178-181,184
Sinetes 89, 102, 105, 106, 186,188,193,215-217,
Poesia bíblica 68,69,80, 82, 135, 137-139, 196-198,
202
219-221, 224, 228, 229,
234, 235, 290, 295 231,232,235,239,244,
Povo do livro 26, 259 anicônicos 139 250,253,254,257,258,
Prensa tipográfica 14 aramaicos 237, 238 262, 264, 265, 267-269,
Profecia 100,121,188,210, babílônicos 137,187,190, 271-273, 279, 282, 286,
215-217, 251-254 191, 193, 196, 199, 294, 295, 298
Promessa a Davi 19, 20 212, 217, 242 Templo de Jerusalém 50,
fenícios 139 178, 180,215,219, 221,
Qumran 12,31,32,185,223, impressões de 89, 102, 224, 257, 262, 265, 269
231,235,239,242,243, 105, 135, 137-139, Textos das Pirâmides do Egito
270, 271, 282 235 45
Sinetes de Mosa 197 Textos de Execração (Egito)
RamatRahel 101,102,105, Sinetes reais lemelek 102, 45
133 106, 138 Textos dos Sarcófagos (Egito)
Reforma Protestante 33,136 Siquém 59, 114 44
299
Como a Biblia tornou-sc um ivrn
300