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autorização prévia do autor.

Direitos autorais reservados ao autor


Obra registrada na Biblioteca Nacional

Texto: Marja
Capa: Marja
Diagramação: Marja
Revisão: Marja
Mapa: Gabrielle Vizcaino
Rio Grande do Sul, Brasil.

"Não compre pirataria. Se comprou esse livro


em outro site, que não seja Amazon, peça seu
dinheiro de volta, pois foi vítima de pirataria,
assim como o autor do livro."

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Saga O Caçador de Fadas é composta por:


Livro 1: O Caçador de Fadas e o Deserto das
Areias Vermelhas
Livro 2: O Caçador de Fadas e A Busca pelo Rei
Livro 3: O Caçador de Fadas e o Mistério da Noite
Livro 4: O Caçador de Fadas e As faces do Mal
Saga completa.

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ÍNDICE
O CAÇADOR DE FADAS E O DESERTO DAS AREIAS
VERMELHAS-LIVRO1
Capítulo 1 - Revoada de partida
Capítulo 2 - Anjos e demônios
Capítulo 3 - Quando o sol desce
Capítulo 4 - Escolhendo laranjas
Capítulo 5 - Flores amarelas
Capítulo 6 - Pontos cardeais
Capítulo 7 - Sussurros e segredos
Capítulo 8 - Poeira de diamantes
Capítulo 9 - Linhagem e desafios
Capítulo 10 - Tenha pena de mim
Capítulo 11 - Tenha pena de mim
Capítulo 12 - Asas de fada
Capítulo 13 - Sem chão
Capítulo 14 - Farsantes
Capítulo 15 - Areias do tempo
Capítulo 16 - Queime minhas esperanças
Capítulo 17 - Sem sombras e sem dúvidas
Capítulo 18 - Último toque
Capítulo 19 - Toque de amor
Capítulo 20 - Horizonte escarlate
Capítulo 21 - Emproado e viscoso
Capítulo 22 - Segure firme!

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Capítulo 23 - O caminho até aqui


Capítulo 24 - Sangue de fada
Capítulo 25 - Lágrimas de ouro
Capítulo 26 - O escuro de saliências
Capítulo 27 - Espelho da verdade
Capítulo 28 - Cacos de vidro no chão
Capítulo 29 - A véspera
Capítulo 30 - Florescer de sândalo
O CAÇADOR DE FADAS E A BUSCA PELO REI-LIVRO 2
Capítulo 1 - O grande pesadelo
Capítulo 2 - Servo de ninguém
Capítulo 3 - Querendo mentir
Capítulo 4 - Refúgio dos inocentes
Capítulo 5 - Corra para bem longe
Capítulo 6 - Secreto coração
Capítulo 7 - Querendo briga
Capítulo 8 - Vento, água e terra
Capítulo 9 - Carniça
Capítulo 10 - Amigos inimigos
Capítulo 11 – Jeitosinha
Capítulo 12 - Pensamentos e confusões
Capítulo 13 - Traiçoeira
Capítulo 14 - Verdade ou desafio?
Capítulo 15 - Fêmeas e machos
Capítulo 16 - Venda nos olhos
Capítulo 17 - Jô
Capítulo 18 - Esplendor e amanhecer

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Capítulo 19 - O matusquela
Capítulo 20 - Estúpido gorro
Capítulo 21 - As fadas da clausura
Capítulo 22 - Elfos Guardiões
Capítulo 23 - Olhos de cobiça
Capítulo 24 - Reunião
Capítulo 25 - Roda da vida
Capítulo 26 - Quarentena
Capítulo 27 - De volta ao começo
Capítulo 28 - Belas fadas
Capítulo 29 - Alma, minha alma
Capítulo 30 - Roubando sonhos
Capítulo 31 - Dias de verão
Capítulo 32 - Montanha de ilusões
Capítulo 33 - Desfazendo o bem entendido?
Capítulo 34 - É a sua vez
Capítulo 35 - Mãos e braços
Capítulo 36 - Por onde você andar...
Capítulo 37 - Epílogo
O CAÇADOR DE FADAS E O MISTÉRIO DA NOITE-LIVRO
3
Capítulo 1 - O entardecer
Capítulo 2 - Em segredo
Capítulo 3 - Tanto faz
Capítulo 4 - Obrigue-me
Capítulo 5 - Guarde suas armas
Capítulo 6 - Eu vejo no escuro

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Capítulo 7 - Em conflito
Capítulo 8 - Ouço sussurros
Capítulo 9 - Mentiras coloridas
Capítulo 10 - Junto a mim
Capítulo 11 - Pensando em você
Capítulo 12 - Pilar da vida
Capítulo 13 - Lados opostos
Capítulo 14 - Desordem e caos
Capítulo 15 - Pesadelos perdidos
Capítulo 16 - Embaixo da cama
Capítulo 17 - Vendo o futuro
Capítulo 18 - Malícias e beatas
Capítulo 19 - Noites insones
Capítulo 20 - Massacre
Capítulo 21 - Em busca da liberdade
Capítulo 22 - Parceiros de corrida
Capítulo 23 - Pessimismo
Capítulo 24 - Ingratidão fere
Capítulo 25 - A fera
Capítulo 26 - Tenha medo do escuro
Capítulo 27 - O que me pertence
Capítulo 28 - Lágrimas puras
Capítulo 29 - Longe dos meus olhos
Capítulo 30 - Epílogo
Oito anos depois
O CAÇADOR DE FADAS E AS FACES DO MAL-LIVRO4
Capítulo 1 — Flores pelos campos

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Capítulo 2 — Menos que uma moeda de ouro


Capítulo 3 — Ando devagar
Capítulo 4 — Mágoas sobre o chão
Capítulo 5 — O tempo voa
Capítulo 6 — Tudo por nada
Capítulo 7 — Cacos de vidro
Capítulo 8 — Feito em retalhos
Capítulo 9 — Amarelo ouro
Capítulo 10 — Aos meus discípulos
Capítulo 11 — Pela fresta da porta
Capítulo 12 — Coragem para falar de amor
Capítulo 13 — As nuvens do céu
Capítulo 14 — Querendo uma boa confusão
Capítulo 15 — Cartas de amor
Capítulo 16 — De seda e de veludo
Capítulo 17 — Veneno de cobra
Capítulo 18 — Miolos e migalhas de pão quente
Capítulo 19 — Doce prisioneira
Capítulo 20 — Nuvens de chuva
Capítulo 21 — Ideias tolas
Capítulo 22 — Por um pouco de clemência
Capítulo 23 — É tudo culpa do medo
Capítulo 24 — Desilusão e ingenuidade
Capítulo 25 — Sem esconderijos
Capítulo 26 — Entre fagulhas e palha
Capítulo 27 — Anjo caído
Capítulo 28 — Avalanche de estrelas

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Capítulo 29 — Visão noturna


Capítulo 30 — Rastilho de pólvora
Capítulo 31 — Lágrimas de outono
Capítulo 32 — Girassóis e margaridas
Capítulo 33 — Queimando lembranças
Capítulo 34 — A lenda dos cavaleiros
Capítulo 35 — Saudações aos incrédulos
Capítulo 36 — Aguando saudade
Capítulo 37 — O que deixou para trás
Capítulo 38 — Como não entender?
Capítulo 39 — Final
Capítulo 40 — Epílogo
Segundo Final — Alternativo
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O CAÇADOR DE FADAS E O DESERTO DAS AREIAS


VERMELHAS-LIVRO1

Capítulo 1 - Revoada de partida

O castelo do Rei Isac estendia-se sobre as


rochas do penhasco. Do alto da murada, a paisagem
era desoladora e intrigante.
O desfiladeiro de pedras conduzia
diretamente para o Vale dos Humanos, como era
chamado o mundo que não pertencia às fadas.
Impossível, no entanto, enxergar essas terras
arborizadas e repletas de construções, pois as
nuvens e o nevoeiro barravam qualquer claridade e
escondiam de seus olhos a imagem tão conhecida
por uma fada.
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O Monte das Fadas era apenas uma


montanha e os humanos não possuíam a menor
ideia do que acontecia nesse recanto. Para eles,
apenas uma montanha coberta por florestas, rios e
mistérios. Para as fadas, um recanto, onde viviam e
se reproduziam, dividindo territórios e convivendo
em paz. Existiam muitos outros lugares como este
em todo o mundo. Outros recantos tomados pelas
fadas e elfos, e demais criaturas mágicas, mas
aquele Monte em especial, era o recanto das fadas.
No ponto alto, no ápice da montanha, ficava
o Castelo do Rei Isac, onde a realeza abrigava-se.
Muitos viviam no Castelo do Rei. Poucos, no
entanto, possuíam permissão para andar pelos
corredores durante a noite.
Santha era uma dessas fadas que não
possuíam a permissão. Para ela, no entanto, era
passado o tempo de importar-se com punições.

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Santha era fada e suas asas haviam nascido


quatro anos atrás, durante um padecimento de uma
semana. Depois de tanto tempo ainda não fora
escolhida e desposada.
Por isso, pertencia ao Ministério do Rei, o
orfanato formado por fadas órfãs e desvalidas que
anualmente esperavam ser escolhidas para
casamento. O Ministério do Rei, nada mais era, do
que um orfanato criado utilizando antigas
instalações e masmorras, onde as fadas e elfos órfãs
eram abandonados.
Criados como criaturas indesejáveis para
toda a sociedade.
Apartados do convívio dos outros elfos e
fadas, como se carregassem pragas em seu sangue.
Os elfos, pobres criaturas, eram mantidos até
completar os seis para sete anos, e então, eram
levados para o trabalho escravo ou como era
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chamado, o trabalho de servos juntamente ao


treinamento dos Guardiões. Na verdade, nada mais
eram, do que cobaias para as espadas dos jovens
treinados para Guardiões. A vida de um elfo do
Ministério do Rei não valia uma moeda de ouro,
portanto, era descartável.
As fadas permaneciam trancafiadas até o
nascimento das asas, quando isso acontecia,
estavam prontas para a exibição na Cerimônia de
Escolha.
Anualmente o Rei, ou outro de sua confiança,
escolhia uma das fadas virgens para esposa. As que
sobravam, voltavam ao exílio do subsolo onde
eram proibidas de ver a luz do dia e enclausuradas
até o próximo ano quando teriam nova
oportunidade de serem escolhidas. Esse
confinamento era ainda pior que o convício no
orfanato, pois eram privadas de ver a luz do sol ou

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de conviver umas com as outras. Eram mantidas


trancafiadas em seus quartos ou como Santha
preferia chamar, suas celas.
Santha estava apoiada na mais alta murada,
fitando o imprevisível vazio abaixo das rochas.
Tolos humanos que não suspeitavam que
houvesse um mundo de fadas e elfos naquela
montanha. Às vezes algum humano se aventurava a
tentar desvendar aquelas rochas, mas seus olhos
não conseguiam enxergar esse mundo invisível.
Santha não estava disposta a voltar para a
clausura, no entanto não lhe restava alternativa. Se
demorasse mais tempo, em sua fuga vespertina,
descobririam suas fugas noturnas e ela estaria
perdida para sempre.
Seria julgada e condenada pelo crime de
traição ao Rei. Grande ironia. Exigir a cabeça de
uma fada condenada a morte em vida. Não fazia
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grande sentido.
Assim, como uma fada de sua beleza e
grandeza, nunca ter sido acolhida por elfo algum,
também não fazia sentido.
Santha não compreendia o porquê de nunca
ser escolhida. Aos vinte anos suas asas nasceram
lindas e resplandecentes, e seu dom extremamente
útil havia se mostrado magistral sobre os demais
dons das outras fadas da clausura. Na solidão da
muralha do castelo, Santha permitiu que suas asas
se abrissem e se exibissem para a noite.
Longas, esbranquiçadas e quase translúcidas,
suas asas eram pontuadas com dourado e adornos
naturais que desenhavam padrões de beleza na
estrutura das asas. Ao contrário do que os humanos
pensavam, as asas de uma fada eram extensões do
corpo físico, como braços e pernas, por isso, quanto
mais belas as asas de uma fada, maior sua beleza

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física.
O vento da noite, soprado do âmago do
abismo que se abria abaixo das rochas, esvoaçou
seus longos e exuberantes cabelos louros
platinados, ondulados e sedosos, como brumas,
como espumas do mar, como nuvens brancas em
um céu de verão.
Era uma fada ciente da beleza e glamour de
sua essência. Era perita em ler as nuvens e o tempo.
Seu dom era demasiadamente útil para ser
enfurnado em uma clausura que não tinha prazo
para ser encerrada. Ela poderia controlar as
tempestades, conduzir a exigência solar, e também,
os fenômenos de temperatura e solo.
Era inconcebível que fosse ignorada e
deixara de lado. Que elfo algum houvesse e
encantado pelo seu cio.
Sua lembrança era desconcertante. Como ela
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penou durante o cio. Meses de exigência física não


suprida. Seu cheiro de fêmea não teve o poder de
enlouquecer nenhum dos elfos próximos.
A rejeição a conduzia a uma vida de
prisioneira, embora o Rei Isac usasse outro nome:
Clausura.
Horrorizada pelo próprio destino, Santha
constatou que de nada valia sua beleza e utilidade,
se nascera órfã e miserável.
Estava relegada a escolhas alheias.
Lembrou-se brevemente da noite anterior
quando uma das órfãs da clausura havia finalmente
atingido o ápice de sua existência. Suas asas
haviam emergido de sua carne, coroando sua
juventude com a dádiva do voo.
O nascimento das asas de uma fada é um
momento aclamado e cultuado, pois a partir
daquele momento a fada passa a voar e utilizar seu
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dom mágico em toda sua força e poder.


Um momento de pura dor e angústia, e a
pobre órfã havia passado uma semana toda aos
gritos de dor e agonia até finalmente suas asas
nascerem avermelhadas e curtas.
E com esse nascimento viera à constatação
de que Santha e as demais não seriam escolhidas
naquele ano.
Era fato: estava velha para ser escolhida.
Seria o quarto ano de expectativa. O quarto
ano de frustração e constatação de que passaria o
restante da sua inexpressiva existência em uma
clausura imperdoável.
Solitária em seu martírio, Santha aspirou o ar
livre antes de dar as costas para o penhasco e
retornar aos corredores escuros do castelo de volta
ao seu lugar.

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Amanhã seria outro dia, e novamente ela


seria rejeitada.
O Rei, juntamente com seus amigos e
subordinados de maior importância, se
encontrariam em uma cerimônia importante e
muito aguardada, onde as fadas da clausura seriam
exibidas e disputadas entre eles.
Todos os anos o desespero, a ansiedade, a
expectativa, tomava conta das fadas. Era o desejo
de ser escolhida e finalmente abandonar a clausura.
Mas esse ano tudo era diferente para ela.
Diferente porque Santha já não se importava
mais.
*****
Amanheceu um dia escuro e frio. Chuvoso,
com vento forte e nevoeiro pesado, um dia horrível
para cuidar dos animais ou dos treinamentos dos

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aspirantes a Guardiões. Um dia tórrido e amargo,


como o humor das fadas virgens e sacrificadas a
uma nova escolha.
O dia daquelas fadas havia começado ainda
na madrugada, quando foram acordadas e passaram
pelos rituais de banho, lavagem do corpo com ervas
e purificantes, vestimenta e embelezamento de suas
asas com óleos perfumados e especiarias.
Um desjejum farto. Outra grande ironia.
Durante todos os dias do ano comiam sobras.
Restos de tudo que sobravam dos fartos banquetes
promovidos pelo Rei Isac e seus seguidores.
Mas na manhã da escolha, elas comiam pão
novo e bebiam chás recém-coados e adoçados.
Santha vinha se perguntado se era por isso que ela
esperava durante todo o ano: pela oportunidade de
beber chá quentinho e provar pão macio.
Prontas, todas as fadas foram inspecionadas
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pelas carcereiras, nome designado para as fiscais do


Ministério do Rei e também da clausura definitiva.
Cabelos, perfume, maquiagem, vestimenta.
Estavam perfeitas. Desta vez, as fadas mais velhas,
não participariam. Era desnecessário. Corria o
boato entre as carcereiras que apenas um elfo de
confiança do Rei escolheria uma esposa. Então,
porque expor as fadas mais velhas a tanta
humilhação desnecessária? Seriam rejeitadas.
Santha olhou em torno, para as suas companheiras
de clausura e pegou-se pensando que em breve ela
seria uma dessas fadas deixadas de fora da exibição
e da escolha.
Durante todo o dia, elas aguardaram ser
chamadas. Ninguém sabia exatamente a hora em
que o Rei iria querer vê-las. Isac era sempre
imprevisível.
As impecáveis fadas haviam se distribuído

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pelos cantos, sentadas ou recostadas, cansadas da


longa espera. O desânimo era generalizado. Ao
menos no ano passado, o Rei as permitiu desfrutar
dos festejos e do almoço divino junto aos seus
escolhidos. A comemoração estendera-se até a
noite e ela chegou a provar o jantar também. Mas
pelo visto esse ano, elas passariam o dia todo com
fome.
Faminta, Santha esperava. A fada recém-
agraciada com suas asas torcia as mãos de
nervosismo. Santha conhecia esse sentimento... Era
esperança. A pobre fadinha ainda nutria esperanças.
Suas asas podiam ser a chave para sua liberdade.
Esse era um sentimento que todas elas bem
conheciam. A esperança frustrada, também era um
acontecimento comum entre as fadas da clausura.
Anoitecia quando finalmente o Rei autorizou
que as fadas da clausura fossem levadas a sua

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presença.
Em fila, uma a uma, percorram a enorme sala
de festas do Rei, sendo exibidas como mercadorias.
Asas abertas, como braços que se erguem e
imploram uma chance de escapar do sofrimento
que a clausura representava.
Uma a uma, as vinte mulheres pararam
diante do Rei.
Em seu trono de metal e ouro, Isac observou-
as atentamente. Era desumana a exposição que as
fadas do Ministério do Rei eram submetidas.
Avaliadas como animais.
Fadas e humanos vestiam-se muito
parecidos, por isso todas elas usavam longas
túnicas em cor escura, feitas em veludo pesado,
para aplacar o frio e acalentar a falsa sensação de
aconchego.
Havia poucas pessoas presentes na
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cerimônia. Apenas algumas famílias abastadas e os


Guardiões.
Era de conhecimento de todos que apenas um
dos Guardiões do Rei pretendia escolher uma
esposa. Era também de conhecimento de todos que
o Rei Isac estava insatisfeito com uma de suas
dezenas de esposas e vinha pensando em ‘adquirir’
mais uma fada para sua coleção. Mas como o Rei
sempre escolhia fadas em outros vilarejos e sempre
de boas famílias, fadas de linhagem, ninguém
considerava a possibilidade de ser escolhida por
ele.
Santha em nenhum momento ergueu os
olhos. Esse ano não esperava ou queria ser
escolhida. Em sua mente planos audazes para os
próximos meses. Planos de fuga e liberdade.
Um a um, os Guardiões avaliaram as jovens
fadas, andando em torno delas, com olhos

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cobiçosos e comentários sobre beleza, asas e


formas suculentas. Então, chegou à vez do Rei.
Isac era um elfo grande. Quase dois metros.
De pele bastante escura, orelhas demasiadamente
pontudas e muitos músculos espalhados por todo o
corpo. Ele havia herdado o trono por nascimento,
porém seus feitos em guerras passadas eram
cultuados mesmo em tempos de paz.
Como todas as fadas, Santha também
apreciava seu porte e o admirava, mas não com
empolgação feminina, pois seu tempo de
ingenuidade havia acabado.
No fundo do salão ela enxergou Lucius, seu
carcereiro de calvário. Ele fez suave comprimento e
sorriu de lado, enquanto bebia vinho, tudo de modo
bastante discreto e disfarçado. Ela precisou ocultar
um sorriso de pura malícia, para que ninguém
notasse, e quando olhou em volta, descobriu que o

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Rei estava diante dela, fitando-a com interesse.


Seus olhos opacos, azuis quase translúcidos
ficaram presos nos olhos negros do Rei e ela temeu
que pudesse ler sua mente.
As narinas dilatadas, o porte eriçado. A
porção macho dentro do elfo elegante e sempre
contido fizera a escolha da fêmea que o
acompanharia pelos próximos meses ou com sorte,
anos. Tudo dependeria da compatibilidade entre
eles.
Assustada, Santha manteve os olhos
arregalados observando as demais fadas que eram
conduzidas de volta para a clausura enquanto ela
era levada por Lucius para outro cômodo, ainda
escondido e trancafiado, porém uma alcova onde
passaria os próximos três meses sendo preparada
para a cerimônia de casamento.
A tradição ditava que a fada escolhida
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passasse por um longo processo de preparação para


aprender a respeitar o Rei e ser uma possível
Rainha para a vida toda. Mas era uma grande
mentira deslavada, essa regra era aplicada
unicamente no caso das fadas da clausura. Era
preciso limpar e hidratar a pele, alimentar e apagar
os vestígios do sofrimento físico vivido na
clausura. O Rei não desejava ver feiura e dores. Ele
queria alegria e beleza. E o que os olhos não
enxergam, não tem o poder de abalar a consciência
de um líder.
O local era tão confortável e luxuoso que por
um segundo, Santha esqueceu-se da razão de não
querer estar ali dentro. Fadas submissas e
encarregadas do trato pessoal da fada escolhida a
paparicaram por alguns minutos antes do
carcereiro, Lucius, fiel confidente do Rei expulsá-
las e voltar para junto da fada escolhida.

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Ele seria o macho a prover suas necessidades


e segurança enquanto não fosse entregue ao Rei.
Sozinhos, o silêncio pesou entre eles. Santha
mal podia crer que isso estava acontecendo!
— Não posso me casar com o Rei — disse
em voz baixa, um tom entre susto e penitência. —
Porque o Rei me escolheu, Lucius? O que
aconteceu com o Rei? Eu esperei a vida toda pelo
nascimento das minhas asas... E mesmo sendo as
asas mais lindas de todo o reino, ele jamais olhou
para mim! Invisível! Mesmo durante o ápice do
meu cio, eu sempre fui invisível aos olhos do Rei!
Como isso pode acontecer agora? Como?
Sua indignação fez sua voz crescer em tom e
desespero, e por isso, o elfo aproximou-se tocando
sobre seus lábios para que se calasse. Para que sua
indignação e nervosismo não traíssem seus mais
obscuros segredos.

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— Sempre foi a mais bela. A única diferença


é que agora Isac viu o que eu vejo — ele disse com
calor nas palavras — sem a sua castidade, Santha,
seu corpo queima e faz o corpo de todos os elfos
que se aproximam responder a isso. Ele sentiu seu
calor e respondeu como macho. O Rei sentiu sua
paixão. Por isso a quer. Mesmo sem o cheiro do
cio, mesmo que ele pense que a clausura apenas
aliviou o instinto de fada, ainda assim, ele pode
sentir o quanto excitante você é. E tudo isso, graças
ao seu estado.
— Quanta injustiça manter todas nós castas
quando o desejo do Rei é ter uma libertina — ela
disse com olhos brilhantes — Acontece, que eu me
deitei com você, Lucius. E você sabe a
consequência disso. — Desceu ambas as mãos para
o ventre, marcando assim, o que a túnica de tecido
pesado escondia. – Como vou enganar o Rei se o

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meu ventre acusa que carrego uma cria sua? Tenho


escondido até agora, com sua ajuda. Sabe que
ninguém repara nas fadas enclausuradas! Que as
carcereiras trocam favores por ouro e alguns
privilégios! Mas agora... Tudo mudou!
— Sou da total confiança do Rei. Prepararei
o vinho na noite de núpcias, ele se sentirá tão
culpado por ter deflorado a noiva estando bêbado
que não a culpará por nada ou perceberá diferença
entre uma fêmea inexperiente e uma fada usada. —
Ele foi duro em suas colocações, quase a
assustando — E quanto à cria... Sabemos que
nascerá antes das bodas. Ninguém precisa saber,
Santha.
— E o que sugere? É a nossa cria! — Ela se
afastou surpresa com sua frieza.
— Nós dois sabíamos que a cria seria levada.
Você vive na clausura. O casamento lhe trará

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liberdade. A criança não pode atrapalhar isso. Não


deveria ter sido concebida. Eu a amo Santha, muito
além do que amo essa cria ainda não nascida.
Aceite o Rei. Eu cuido da criança.
— Como? Se for fêmea, todos saberão que
sou a mãe! Serei morta pelo meu crime de traição
contra as leis do reino!
— A clausura não é pior do que a morte?
Santha não pode responder essa pergunta.
Mesmo porque a própria pergunta era
autoexplicativa. Qualquer coisa era melhor do que
viver aprisionada e esquecida em uma prisão.
— Eu me livrarei da cria no momento
oportuno. Case com o Rei, Santha. Sejamos livres
os dois para andar a luz do dia sem medo. — Ele
implorou.
O caso dos dois havia começado no ano
anterior. Lucius fazia a guarda do Ministério do
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Rei, das fadas ainda não enclausuradas, quando por


conta de um acidente com uma da carcereiras da
clausura, fez-se necessário seu trabalho.
Desde a primeira vez que os olhos de ambos
se encontraram, Santha soube que era amor. Um
sentimento proibido e obtuso, que condenava ainda
mais a sua existência a tristeza e solidão. O cio
havia passado, as carcereiras haviam realizado o
defloramento, usando de objetos e essa era uma
lembrança amarga que ela queria esquecer. Sem o
cio, ela não despertava mais o interesse de macho
algum, por isso, quando Lucius reparou nela,
Santha teve a certeza que era por amor.
Os dois se encontravam escondidos, como
carcereiro ele lhe concedia algumas regalias
secretas, e quando se tornaram amantes, tudo fez
sentido em sua mente e coração. A clausura não
importava mais, Santha possuía um grande amor e

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faria de tudo para viver esse sentimento!


— Promete que não me deixará por conta do
casamento? — Ela aproximou o corpo do seu e
beijou seu queixo de um modo que demonstrava
toda sua dependência emocional.
— Eu prometo jamais abandoná-la, Santha.
Jamais. Seremos ambos livres. Para sempre livres e
andarmos os dois, lado a lado, diante dos olhos de
todos. Acabou os dias de corredores escuros,
escassez de água e lavagem no prato em todas as
refeições. Sua vida não será mais assim. A
liberdade, Santha, está em suas mãos.
Dramático, o elfo segurou ambas as mãos da
fada e olhou para as palmas macias.
Santha sorriu emocionada, pois era o
sentimento mais bonito que pensou sentir em toda
sua vida. A liberdade? Ela nem ousava mais sonhar
com isso!
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Santha abraçou-o e lhe fez juras de amor ao


pé do ouvido.
Por de trás do abraço que lhe deu, Lucius
sorriu satisfeito.

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Capítulo 2 - Anjos e demônios

O tempo passou, mas não diminuiu o medo.


Em uma noite sem lua e sem estrelas, foi quando
Santha deu a luz a uma menina.
Ela vinha sofrendo a muitos dias, bebendo as
poções perigosas e sigilosas que Lucius lhe trazia.
Cabia a ele a escolha de quem cuidaria da escolhida
do Rei e a trata-la como merecia, cuidando de seu
treinamento para esposa e futura rainha. Ninguém
questionava suas palavras e suas ordens.
Rei Isac não se importava com o que era feito
pelas suas costas, essa era a impressão que deixava
no ar, sempre ignorando os feitos de Lucius.

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Desde o dia em que fora apartada da


clausura, Santha vinha bebendo as poções que
Lucius lhe dava.
O curandeirismo vindo do dom de uma fada
era considerado um crime e alimentava o medo de
todos. Mas vindo de elfos era aceitável e tratado
com uma ciência. Era tratado como puro
conhecimento. Lucius mentia sobre a procedência
das beberagens. Unguentos para a beleza e
vitalidade da escolhida do rei... Que mascaravam as
verdadeiras poções para apressar o parto e
recuperar seu corpo. Beberagens compradas de
vendedores escusos e ilícitos
Enquanto bebia mais uma vez a poção
fedorenta, sentada na beirada da cama, Santha
pensava no gosto e no que sentia. Não era uma
bebida feita na base de conhecimento, ervas e
mágica. Era uma poção fermentada no poder do

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dom de uma fada.


Era algo proibido e condenável, e se fossem
pegos com isso, seriam presos e condenados a uma
longa sentença nas masmorras.
Como se o que fazia não era deveras
condenável, enganando o rei, se comparado com
um simples crime de beber poções fabricadas por
fadas de dons proibidos.
Desgostosa, Santha colocou o cálice de lado
e gemeu em desconforto.
Aos sete meses de gestação, ela precisava dar
a luz naquela noite, pois o arranjo estava feito para
aquela madrugada.
Santha possuía mais um mês pela frente, para
preparar-se para o casamento e esse tempo seria o
mínimo para seu corpo recuperar-se de um parto,
mesmo que com poções e unguentos proibidos.

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O corpo precisava de tempo para curar-se e a


beleza de repouso para florescer.
A fada levantou e andou pelo quarto, quase
vergando sobre o peso da dor e da agonia.
Sua barriga não era nada mais que um monte
discreto sob seus seios. Diante de um espelho ela
fitou sua aparência sempre impecável.
Vestia uma das antigas túnicas da clausura,
para que suas roupas novas não fossem sujas com
sangue. Francamente, aquela roupa era um símbolo.
A fada da clausura iria parir naquela noite, não a
fada Santha, escolhida pelo Rei para ser sua esposa.
Seu corpo estava um pouco mais largo,
permeado de formas e curvas, mas ela acreditava
que os seios fartos e os quadris largos iriam
encantar o Rei, pois ele a conhecera assim. Não
conhecia suas formas antigas, de antes da gestação.
Quanto à barriga, seria questão de dias para livrar-
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se desse inconveniente, valendo-se do uso de


poções.
Era necessário que a cria fosse parida ainda
naquela noite ou todo o sacrifício seria posto a
prova.
Os Guardiões mais experientes se
encontravam em uma missão fora do castelo, os
Conselheiros empenhados em negociações com o
Rei Isac a cerca de limites e leis para o Povo dos
Lagartos, um povo estranho, que fora recém-
descoberto habitando nas imediações do abismo,
muito próximo as fronteiras que separavam o
Monte das Fadas, do território dos humanos. Muito
próximo às limitações entre o mágico e o humano,
e por definição, um problema a ser eliminado.
Olhando para sua beleza, sua peculiar
aparência, com pele, cabelos e olhos
esbranquiçados, Santha respirou fundo, e andou

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mais um pouco, para que a cria não demorasse


ainda mais a nascer. Ela estava naquela angústia
quando Lucius veio vê-la. Ele não poderia
ausentar-se por muito tempo, por isso não lhe fazia
companhia naquele momento assustador.
As vias de fuga eram escassas, com sua
atenção sempre tomada pelos assuntos fúteis de um
Rei melindroso.
Isac fora um guerreiro no passado, mas seu
tempo de hombridade e glórias ficara para trás, e
infelizmente, a vida de luxo e poder, lhe tornara
caprichoso e dependente de ajuda externa, da
opinião de Conselheiros e amigos próximos, como
Lucius.
Bastante influenciável e, sobretudo, um
devasso com pouca lucidez no quesito escolha de
suas fêmeas. Atualmente seu harém remetia a mais
de trinta fadas esposas. Infelizes escolhidas para

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serem esposas, mas logo descartadas, findado o


interesse do Rei Isac. Elas eram entregues a uma
clausura muito parecida com a relegada às fadas
órfãs, com a única diferença, que às vezes, eram
chamadas para as festividades.
Santha contava com a sorte para cativar sua
atenção por alguns meses, tempo suficiente para
encantá-lo com seu corpo e seus predicados. Lucius
a treinava todas as noites para saber agradá-lo,
desde atos sexuais escrachadas, a atitudes do dia a
dia, que cativariam sua mente e seu coração.
Rei Isac não era, nem de longe, alguém tão
sofisticado mentalmente ou emocionante, como
Lucius, e isso era um alívio, pois assim, seria fácil
cativar seu amor. E uma vez seduzido e
enlouquecido de paixão, poderia manipula-lo e
conseguir alguns anos ao seu lado. Quem sabe, uma
vida longa de liberdade.

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O Rei era um elfo carente de atenção e de


cuidados constantes. Ele havia aprendido a
desfrutar da boa vida, e qualquer um que o
mimasse seria o dono do seu afeto incondicional.
— Como se sente? — Lucius perguntou ao
entrar no quarto.
— Como eu lhe pareço? — Ela tentou sorrir
estendendo uma das mãos na sua direção — Sinta,
Lucius, a cria não quer nascer essa noite.
Lucius aproximou-se e tocou sua barriga. Era
verdade. A cria movia-se com desespero dentro de
seu ventre, desfrutando de uma agonia semelhante
a da fada. As poções castigavam o corpo de mãe e
filho.
— Eu trouxe mais poções — ele disse,
afastando-se, escondendo dela a preocupação. —
Não posso ficar muito tempo, Santha. O que trouxe
é muito forte. Vai doer, vai sofrer, mas não pode
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perder a razão. Eu não demorarei a voltar. Beba


tudo, sem hesitação.
— Eu tenho medo de morrer — ela
justificou, sentando na cama e segurando o cantil
que ele lhe trouxera. — Eu tenho medo que essa
cria me mate.
— É exatamente o que acontecerá se não
parir essa noite, Santha — foi distante, pouco
participativo. Essa atitude a desconcertava.
Santha imaginava a dificuldade que era
livrar-se do Rei e de seus compromissos, para estar
ali. Sorriu e tentou aliviar o peso desse temor que
os dois carregavam:
— Eu ficarei bem. Em poucas horas estará
acabado. Tente voltar, eu preciso de você para fazer
isso. — Pediu, com doçura.
Uma pena que Lucius não a beijasse ou lhe
fizesse um afago antes de sair. Ela se sentiria mais
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confiante se fosse acarinhada pelo seu elfo


escolhido. O gosto das poções era horrível e Santha
quase se engasgou. Curvou-se na cama, lutando
para não vomitar e segurar em seu estômago o
conteúdo necessário para acabar com aquela
tortura.
— Por favor, saia de uma vez — ela
importou, apertado à barriga com uma das mãos —
Eu imploro, saia de uma vez. Acabemos logo com
isso. Por favor, criança, saia de uma vez, venha
conhecer o mundo antes de...
Suas palavras foram caladas diante do
pensamento do que dizia. A cria mal veria o mundo
antes de ser morta. Sem notar, ela sufocou um
gemido de dor, que não era nem de longe
proveniente do corpo, sim da alma, e fechou os
olhos, ouvindo os próprios pensamentos.
Às vezes, no meio da noite e do silêncio,

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Santha ouvia o choro e lamento das outras fadas da


clausura. Na verdade, era apenas uma lembrança do
seu passado recente vindo perturbar seu sono e
desassossegar sua mente, mas era algo tão forte que
a assustava. Ela ouvia o choro, os gritos de solidão,
temor e privação.
Algumas das fadas mais antigas haviam
perdido o juízo com os anos de clausura, e viviam
apartadas, em quartos ainda mais escondidos.
Durante a noite, gritavam sem parar, como se
sofressem uma tortura que nunca chega ao fim, e
Santha sabia que em breve, muito breve, seria ela a
estar naquele lugar, aos berros.
As carcereiras, que eram poucas, cuidavam
das fadas do Ministério do Rei e muito pouco
auxiliavam as fadas da clausura, então quando uma
adoecia, levava dias para ser notado e tratado. O
cheiro de pobre e morte infectava os corredores,

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pois mais de uma vez, fadas haviam perecido e


permanecido em seus quartos, ou deveria dizer
celas, sem que ninguém notasse.
Era um cheiro que empesteava as paredes de
tal modo, que nenhuma limpeza poderia expurgar,
por isso, as carcereiras não se davam mais ao
trabalho de tentar fazer isso acontecer.
Assim, de olhos fechados, Santha podia ouvir
os gritos. Eram agudos, doentios e angustiantes.
Berravam por ajuda e clemência. Berravam por
justiça e quem sabe, um pouco de felicidade.
Ela abriu os olhos e olhou para baixo, para
sua barriga, dizendo com voz embargada:
— Escute, criança, não tenha medo.
Aconteça ao que acontecer, morrerá livre. E isso
basta para que sua curta vida tenha valido a pena.
— Ela sussurrou. — Não importa que eu seja vil.
Que eu esteja tirando sua chance de viver. Entenda,
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o que faço é muito pouco comparado com o que


fizeram comigo a vida toda. Eu não queria isso. Eu
não pedi por isso. Mas eu não vou voltar para a
clausura. Se eu a deixar, se a abandonar será criada
na escravidão. Se for fêmea, mesmo que ninguém a
descubra e que lhe corte as asas, será enclausurada.
É um gesto de humanidade o que faço.
Humanidade! – Ela gemeu alto, pois uma punção
afiada correu por seu ventre derramando sangue por
suas pernas.
Ela sabia que a qualquer momento a poção
faria efeito e a cria seria expurgada. E sabia que
não estaria preparada para isso. Para vê-la nascer e
partir, sabendo que não veria a luz do próximo
amanhecer.
Na manhã seguinte, a cria seria apenas uma
lembrança desagradável em sua memória, enquanto
ela, enquanto Santha seria uma rainha lembrada e

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aclamada por gerações. Ela sorriu, apesar de tudo,


em demência, ela sorriu. Pensar desse modo era um
conforto.
Uma hora mais tarde, Santha havia despido a
roupa de baixo e se contorcia sobre a cama, quando
Lucius voltou. Ela sorriu e havia tanto desespero
em seu olhar, que o paralisou:
— A cria não vai vingar — ela disse com voz
tão demente, que lhe despertou pena — Eu sinto,
não vai vingar. Isso não é perfeito? Não é
assassinato. A cria não vai vingar, Lucius. Não vai.
Eu sinto, não vai.
Ele aproximou-se e lhe fez um carinho nos
cabelos suados, beijando sua testa com fria
gentileza. Com frio contentamento. Afastou-se da
cama. E ela acompanhou seus movimentos sempre
tão coordenados e objetivos.
Lucius jogou uma pesada corda por sobre o
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lustre amarrando dois pesados nós na ponta. Ele


não forneceu explicações. Apenas andou até a cama
e ajudou-a a levantar.
— Conte-me, Lucius, do povo que você viu.
Fora do castelo, do povo que você viu. Os lagartos,
conte-me sobre eles... — ela pediu, a mente
totalmente ofuscada do que realmente acontecia,
precisando de falsas distrações.
— Não, Santha, não lhe contarei sobre eles.
Eu mesmo a levarei para conhecê-los e ver com
seus próprios olhos a beleza da natureza que os fez
peculiares. Você conhecerá tudo. Mostrar-lhe-ei
todas as espécies. Todas as criações da mãe
natureza. Vai se admirar de tudo que vi. Vai gostar
de voar sobre os prados e ver a copa das árvores.
De ver os riachos e lagos. Vamos fazer amor nas
águas calmas do Rio Branco e lhe comprarei joias e
roupas nos povoados. Você gostará disso, Santha?

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— Oh, sim, eu quero tudo isso, Lucius — ela


apoiou-se nele, gritando pela dor, quase caindo no
chão, enquanto era praticamente arrastada até a
corda.
Lucius despiu sua túnica, e nua, Santha fitou-
o com angústia. Não queria olhar para seu corpo e
ver a cria que se abrigava ali. Era um sofrer tão
profundo, que preferia a negação.
— Está acabado, não é? A cria se foi? Diga,
meu amor, que não nascerá respirando. Por favor,
Lucius, por favor, diga! — como ele não falou
nada, ela debateu-se em seus braços — Diga! Eu
imploro, DIGA!
Seu grito era de total descontrole. O choro
compulsivo, o lamento, sofrimento carnal.
Esgotada, Santha ergueu os braços e agarrou-se na
corda, no nó que Lucius fizera. Ela quase soltou e
desmaiou, mas Lucius a segurou e forçou-a a

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empurrar.
Santha gritava sem parar, pedindo para que
ele parasse. Lucius afastou-se e ficou longe, mesmo
que ela implorasse por sua ajuda. Era algo que
Santha precisava fazer. Ela sabia desde o começo.
Era o seu corpo, o seu momento, e os elfos não
participam do parto.
Normalmente, o elfo era mantido apartado da
fêmea até o momento do nascimento, quando a cria
fosse nascida, seria levada para o progenitor e se
aprovado, seria ofertado à família, como um
membro de seu clã. Mas não era o caso daquela
cria. Não possuía progenitores.
Era um erro da natureza, um erro do destino.
— Não! Não! — Ela gritou em um momento
particularmente doloroso, sentido entre suas pernas
a massa de carne e ossos forçar a passagem — Me
ajuda! Lucius! Me ajuda!
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Quando mais gritava, maior a força exigida


por seu corpo. O desespero a fazia empurrar e
sangue varria o chão. Quando a cabeça da cria
passou e os ombros vieram, ela berrou por
clemência. Mantinha-se agarrada a corda, pernas
afastadas, de pé, permitindo que a natureza
empurrasse a cria para baixo.
Um louco momento de medo de que a cria
caísse e se ferisse, e então, Santha lembrou que
ansiava por isso.
Seu berro final fez eco a um choro
compulsivo, quando a criança finalmente saiu.
Santha abriu os olhos para ver que somente
nesse momento o elfo havia se aproximado para
agarrar e apoiar a criança, cortando o cordão a que
a ligava ao corpo da fada.
Mas Santha ouvia o choro, sem entender
como era possível que a cria ainda tivesse forças
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para lutar pela vida. Lucius simplesmente deixou a


cria em um canto qualquer e partiu para acudir a
fada.
Era sua única preocupação. Ajudou-a a soltar
a corda e carregou-a no colo em direção a cama.
Colocou-a gentilmente sob o lençol e pegou um
cantil, ofertando a ela.
— Beba tudo, Santha — ele tentou fazê-la
beber, sem sucesso.
Suada, transpiração cobria a pele de Santha,
cabelos grudados e pegajosos, olhos vermelhos,
injetados pela dor do parto e pelo sofrimento de
enxergar sua cria chorando, pedindo por sua
presença e proteção, e tudo que podia lhe ofertar
era a rejeição. O instinto primitivo de fêmea a
compelia a acudir e proteger!
— Eu disse para beber! — Lucius segurou
sua cabeça com força e mesmo que Santha se
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debatesse, forçou-a a beber o conteúdo escuro, que


correu pelo queixo e molhou sua pele tão branca
como marfim.
Santha empurrou e esperneou, livrando-se do
aperto, engolindo um tanto, cuspindo outro tanto.
— Não seja louca, fada — ele disse
rancoroso — Beba, é para seu bem. Seu corpo
precisa voltar à forma esbelta. Precisa recuperar-se
a tempo do casamento. Estamos tão perto, Santha
— ele agarrou seus cabelos com força, forçando-a a
olhar para ele, e deixar assim a imagem do bebê de
lado, focando-se no que importava. — Mais um
gole, Santha, isso, mais um gole para que seja
bonita outra vez.
Santha bebeu, olhos nos olhos de Lucius,
sendo conduzida diretamente para as decisões que
ele desejava que ela tomasse. Desejava que Santha
entendesse as necessidades que convinham aos

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planos de Lucius.
Terminado de beber, ele limpou sua face com
um pedaço de pano limpo e ricamente bordado,
antes de procurar pelo quarto uma toalha e um
lençol. Cobriu-a, para não ter que ver o estado do
corpo feminino depois do parto e deixou-a sozinha,
buscando pela criança.
Santha não possuía maturidade emocional
para entender que ficaria sozinha, em poucos
minutos estaria inteiramente sozinha com seus
sentimentos e conflitos, tendo Lucius partido com
sua cria recém-parida.
Ele enrolou a fada em uma toalha velha, de
tal modo, que parecia uma trouxa de roupa suja.
Horrorizada, Santha observou-o andar pelo
quarto, levando o recém-nascido de um canto ao
outro, como se não fosse nada além de um
incômodo monte de tecido velho.
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— Espere, Lucius. Espere, por favor — ela


pediu, com voz exausta. — Deixe-me ao menos ver
a cria uma única vez antes de levá-la embora.
— Não é necessário. É uma fêmea e preciso
me livrar dela o mais rápido possível. Você sabe
muito bem, que por ser uma fêmea, tem sua
linhagem enraizada em nós dois. Que a mágica do
seu nascimento e sangue nos impede de mata-la
com nossas próprias mãos. E sabe, também, que ela
crescerá, terá o cheiro e asas iguais ao seu.
Compartilharão o mesmo dom, as mesmas asas e a
mesma linhagem.
— Isso não acontecerá agora. Levará vinte
anos para que as asas nasçam. Eu posso ao menos
ver a fada? — Pediu, lembrando-o que havia tempo
para livrar-se dela.
— Eu tenho um acordo com uma fada
banida. Ela me aguarda na floresta. Preciso entregar

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a cria antes do amanhecer ou ela partirá e nossa


chance de nos livrarmos desse incômodo irá se
postergar — avisou, sério, não querendo levar a
cria até Santha.
— É minha cria. Não olhe para ela se não
consegue. — Santha foi firme, ajeitando-se na
cama, com o corpo coberto, necessitando de
cuidados pós-parto e sabendo que não haveria ajuda
alguma. — Ou se não quer.
Por um momento, o desejo de liberdade não
pode subjugar a verdade do que via através do olhar
de Lucius. Ele não nutria amor algum pela cria. E
não seria surpresa, se também não nutrisse
sentimento algum por ela.
Provavelmente notando a proximidade da
lucidez, e que Santha poderia finalmente chegar à
conclusão óbvia, depois de um traumático parto,
Lucius aproximou-se e colocou a trouxa de panos

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sobre a cama. Desembrulhou, revelando o bebê que


gritava seu desespero em um choro compulsivo.
A expressão de Santha era de incredulidade e
muito horror.
— Como ela pode estar viva? Depois de tudo
que eu fiz? Do tanto que eu desejei que não
vingasse? Será que ela não sabe o que a espera? —
Seu sussurrou era no mínimo patético aos ouvidos
de Lucius. — Ela deveria ter morrido quando teve a
chance.
O elfo ergueu a criança com ambas as mãos,
sem carregá-la propriamente, apenas segurá-la
pelas costas e pelas pernas, levando-a para Santha.
Naquela cama, com único auxílio de Lucius,
segurou pela primeira vez a filha nos braços. Suja
de sangue, pequena e silenciosa.
A fêmea era miúda, com a pele tão branca
quanto um algodão. Suas sobrancelhas eram do
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mesmo tom e a leve penugem que denunciava o


cabelo, era da mesma cor que os de sua
progenitora. Os olhos estavam fechados, estreitos,
pareciam claros, sem cor definida. Sua filha era
linda. Ela havia parado de chorar ao ser colocada
em seus braços.
Sentia seu cheiro. Reconhecia sua linhagem e
confiava. Como era possível uma cria confiar em
seu assassino? Tanta inocência, tanta ingenuidade e
abnegação? Isso estraçalhava seu coração.
Santha não sorriu enquanto a olhava. Não se
permitiu sorrir.
Estava cansada, suada e dolorida, e depois de
muito olhar para a menina, fitou Lucius e
perguntou:
— E agora? — Sua voz não era mais que um
sussurro, um pesado som carregado de desânimo e
dúvida.
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— Terá um mês para se recuperar e casar-se


com o Rei. — Ele alertou, fugindo de falar mais
especificamente sobre a cria.
— Não me referia ao Rei. Pergunto sobre ela.
O que exatamente fará com a menina?
— É uma fada. Não é um elfo – ele disse
decepcionado. — Os poderes mágicos de uma fada
impedem que outro de seu sangue ordene sua
morte. — Ele admitiu — Consegui uma fada que
não faz perguntas e que aceitou ouro suficiente para
livrar-se desse inconveniente. Será algo muito
rápido e espero, indolor. Um momento e a cria
obterá paz eterna. E você, minha amada Santha,
obterá sua merecida liberdade.
Santha ouviu, tensa. Fitou a menina que
olhava para ela com olhos muito claros, iguais aos
seus. Ela era toda clarinha, como um pedaço de
nuvem.

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-Ao atingir vinte anos suas asas nascerão e


por ser fêmea, terá asas idênticas as minhas. É um
elo que nos unirá para sempre, Lucius. Se ela viver,
eu serei delatada em meu crime. Nós duas não
podemos existir no mesmo mundo. É impossível
evitar.
-A cria é muito pequena para que sintamos
sua falta — ele prometeu — Outras crias virão,
Santha. Prometo-lhe que se o Rei não lhe der filhos,
eu lhe darei. Entregue-a. Preciso ser rápido.
Aproveitar que ainda é noite.
— Ainda não — ela pediu triste — Eu quero
segurá-la mais um pouco. — Seus braços estavam
cingidos em torno da recém-nascida e Lucius notou
como Santha parecia encolhida em seu lugar, como
se protegesse a criança.
-Se você ficar com a cria, eu serei obrigado
que abandona-la, Santha. Eu não morrerei por

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causa dessa criança. Eu partirei e salvarei a mim


mesmo. Eu lhe ofereço minha proteção e meu
amor. Mas não concebo a possibilidade de vê-la
morta. De ficar para vê-la ser morta pelo crime de
traição ao Rei.
— E você seria preso, Lucius. — Ela
lembrou-o.
— Acha mesmo? Uma fada da clausura que
me seduziu e se ofereceu? Fadas possuem dons. Eu
me livraria das acusações facilmente. Mas não
quero fazer isso. Não quero ficar parado vendo-a
ser culpada e morta. Livrar-se da cria é o modo
mais rápido de resolver tudo. De alcançarmos à
liberdade. — Ele tentou pegar a cria, mas não
obteve êxito outra vez. — Quanto mais tempo
segurá-la, mais difícil será esquecê-la. — Lucius
agiu, aproximando-se e retirando a criança de seus
braços, sem delicadeza.

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O bebê estava desnudo e enrolado apenas em


panos ensanguentados. Santha não disse nada
enquanto ele se afastava e saia do quarto.
Um grito de dor ficou preso em sua garganta.
Olhando para o vazio do quarto, Santha
entendeu o que fizera e o que isso queria dizer. Sua
cria. Essa frase gritava em sua mente.
O grito morreu em sua boca e ela socou o
lençol, contorcendo-se em um choro que não vinha
à tona, mantinha-se contido.
A liberdade, ela pensou, olhando para o nada,
contemplando o vazio de si mesma.
O preço de sua liberdade era a vida de uma
cria que não deveria ter sido gerada.

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Capítulo 3 - Quando o sol desce

Os dias passaram de modo lento e doloroso.


Uma fada na clausura não tem permissão de
acompanhar os movimentos e preparativos do
próprio casamento. Santha permaneceu no quarto,
trancafiada enquanto seu corpo se curava do parto e
seu coração aceitava a perda.
Pouco falava, pois não havia assunto a ser
dito. Lucius nunca lhe contou o que exatamente
fizera com a menina. Tão pouco Santha perguntara
os detalhes.
Nos trinta longos dias que se passaram desde
o parto e antes da cerimônia oficial do casamento,

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Lucius não vinha ter com ela. Não o via ou sentia


seu cheiro, o que induzia a crer que não estivera
nos corredores ou proximidades do quarto.
Pelo contrário, fora designada Reina, uma
fada, para cuidar de suas necessidades. No começo,
Santha desconfiou dessa pajem. Ela era sorridente,
mas calada. Sempre chegava pela manhã, nas
primeiras horas. Insistia em banhá-la, mas Santha
sempre negava. Alegava timidez, falta de costume,
mas negava e obtinha privacidade para limpar-se e
esconder de olhos mais atentos às marcas ainda
visíveis do parto.
Com o passar dos dias, as duas fêmeas
desenvolveram um estranho ritual de poucas
palavras e muitos afazeres. Em determinado dia,
Santha virou-se para Reina, ao notar seu olhar de
recriminação após um comentário qualquer de
Santha, e lhe perguntou:

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— Tem contato com as outras esposas do


Rei?
Visivelmente surpresa, Reina negou com a
cabeça e retornou sua atenção para o cuidado com
as roupas da futura rainha.
— Então porque eu noto em você algo de
impertinente? Como se não me considerasse
suficientemente digna do posto de rainha?
Reina não respondera, é claro que não teria
audácia para tanto.
Era uma fada bonita. Cabelos longos e
castanhos, lustrosos, sempre presos por duas
tranças, na parte de trás da cabeça. Olhos cor de
violeta, expressivos e grandiosos, que pareciam ver
o mundo diante de si com maior profundidade que
o desejado por fadas melindrosas como Santha. Seu
rosto era um tanto pueril, o que detonava uma
personalidade romântica, apesar de vestir-se com
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túnicas sóbrias e de poucos adornos.


Era sempre precisa em suas colocações e não
parecia alimentar insegurança. Santha sabia apenas
que essa fêmea seria sua pajem para o resto de seus
dias. Ou, até uma das duas não suportar mais.
Santha precisava lidar com o sentimento que ela lhe
despertava. Ao mesmo tempo em que odiava olhar
para o rosto vivo e expressivo de Reina, também
ansiava por suas vindas matinais, por sua presença,
e sua companhia.
Não eram amigas e Santha era bastante
consciente que jamais seriam. O magnetismo de
Reina a perturbava.
— Qual o seu dom? — Perguntou Santha, e
Reina parou o trabalho, olhando para ela com
desconfiança.
— Não possuo um dom útil. Não fui
agraciada com um dom significativo. — Disse e era
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sem dúvidas, um texto ensaiado, muitas vezes


repetido por alguém que esconde uma verdade
deveras complexa.
— Meu dom controla o tempo. Sabia disso?
É um dom maravilhoso. — Santha contou,
esperando um elogio.
— Tenho certeza que os Conselheiros farão
bom uso do seu dom, rainha — ela disse com o tom
cordato, esperado de uma serva. Mas em seu olhar
brilhava o desafio.
— Acha que os Conselheiros não gostam de
mim? — Foi direta.
— É uma fada da clausura. Nenhum elfo
Conselheiro lhe terá respeito — Reina informou —
Os Conselheiros não respeitam fada alguma. Eles
respeitam apenas a si mesmos.
— Fala com amargura. É rejeitada pelos
Conselheiros? Por isso é uma serva? — Santha
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estava sentada e levantou, aproximando-se de sua


criada.
Reina não podia ignorar que Santha era linda
e um agrado ao olhar. Pena que conseguia ver a
demência e a maldade por trás de seu olhar claro e
translúcido, como uma onda de mar ou o reflexo de
um céu azul. Era uma cor indefinida.
— Não sou uma serva. Servir-lhe, futura
rainha, não faz de mim uma serva — ela explicou,
com um meio sorriso misterioso.
— Como não? Você limpa minhas roupas,
penteia meus cabelos, pinta minha face. Você é
minha criada. — O sorriso presunçoso de Santha
merecia uma resposta à altura.
— Não. Eu sou esposa do Primeiro
Conselheiro. Se cuido de suas roupas, penteio seus
cabelos e maquio sua face, é por conta do pedido
pessoal do Rei ao meu marido. Ele teme pela
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imagem de seu trono, ao colocar ao seu lado uma


fada da clausura. E nenhuma outra fada escolhida
por Conselheiros ou Guardiões, desejou cuidar de
você e de suas necessidades.
— E por que você aceitou? — Santha
perguntou, sentindo a humilhação perfurar seu
orgulho e magoar um coração tão calejado pelas
decisões erradas em sua vida.
— Porque meu marido é justo. E tem grande
apreço pelo Rei — ela contou, sem falar a verdade.
— Eu quero a verdade. Porque me ajuda se
não gosta de mim? — Foi direta.
— Eu não gosto de sua personalidade e dos
seus atos. Eu não tenho nada contra uma fada da
clausura. Estou aqui, porque tenho o desejo de ver
uma fada miserável soerguer-se sobre o domínio
dos fortes. Se for uma rainha justa e honesta, um
novo mundo pode estar começando a partir da noite
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das bodas e eu quero colocar a cabeça no


travesseiro e saber que fiz tudo para ajudar esse
sonho a tornar-se realidade. — Reina sorriu de
modo triste — Ao subir no trono, estará em suas
mãos acudir as fadas da clausura. Ampará-las e
salvá-las de seus destinos horríveis. É por isso que
ajudou-a, mesmo sem suportar sua presença.
Santha pensou no que ouvia.
Nunca considerou essa possibilidade. Como
rainha poderia facilmente convencer o Rei a acabar
com o Ministério do Rei, ou apenas com a clausura,
o que fosse mais viável. Poderia interceder pelas
fadas miseráveis que penavam nas masmorras sem
terem cometido crime algum.
Para isso acontecer, poderia acabar
ofendendo o Rei ou desagradando-o. E Santha não
pretendia contraria-lo em nada. Queria ser a rainha
preferida, a escolhida para permanecer ao lado de

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Isac por toda a vida.


Pensou em dizer isso a Reina e acabar com
suas esperanças, mas observando-a cuidar de seus
pertences, desistiu dessa ideia.
Gostava da presença da fada Reina e se lhe
contasse a verdade, ela desistiria de cuidar da
rainha. Por isso apenas afastou-se e olhou pela
ampla janela do quarto, que aberta permitia que
visse o dia bonito que havia lá fora, onde os elfos e
fadas livres viviam suas vidas.
Dias de sol, beleza e que aguardavam por
Santha. Em breve ela seria uma dessas fadas livres
a desfrutar do livre arbítrio. Sorrindo, Santha olhou
além das muradas do castelo e seu sorriso
esmoreceu.
Seus olhos baixaram, para não ver a copa das
árvores. Para não pensar que em algum lugar, na
floresta, sua cria jazia sem vida e provavelmente
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enterrada em solo pagão.


Sem nome, sem linhagem, sem ter sido vista
e conhecida. Em algum lugar do Monte das Fadas,
sua fadinha, nascida de suas entranhas, perecia para
toda a eternidade. E esse pensamento transfigurava
sua face para algo desolador.
Tanto, que intrigada, Reina parou de cuidar
das roupas da futura rainha para observá-la com
atenção. O que poderia ser tão profundo e doloroso
para transformá-la desse modo?
— O que foi? O que está olhando? —
Santha gritou com ela, ao ver seu modo de olhar —
Cuide do seu trabalho, criada!
Reina não respondeu, apenas desviou o olhar
e fingiu não ver que Santha parecia transtornada.
Apressada, Reina juntou algumas roupas que
precisavam ser lavadas e saiu do quarto, mantendo
a porta trancada, como era exigência das normas do
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Reino de Isac, que mantinha a futura rainha em


cárcere até o dia das bodas.
Mas ela não foi embora, permaneceu de pé,
ouvindo o que acontecia dentro do quarto. Ouviu
um som abafado, de um grito não verbalizado.
Ouviu o som de algo sendo jogado contra a parede
e espatifando-se. Assustada, Reina foi embora e
quando voltou era noite, e Santha apenas mentiu
que havia derrubado o vaso sem querer.
Não houve perguntas. Não cabia a Reina
elaborar perguntas.
Mas ela temia a loucura interior da futura
rainha.
E daquele momento em diante, Reina temeu
que a escolha do Rei Isac destruísse a todos eles...
*****
Quando o dia do casamento chegou, não foi

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surpresa que um belo dia de sol houvesse nascido


naquela manhã e rapidamente se transformado em
um dia nubloso e então de pesada chuva. Um dia
mórbido, gelado, de vento forte e lamurioso. Um
vento que barulhento castigava as pedras das
muralhas, açoitando anos de imponência, com sua
força e magistral potência da natureza.
Durante todo o dia, Santha permaneceu na
espera torturante do que aconteceria. Ninguém
dizia nada, explicava nada.
Reina entrava e saia do quarto, mas não lhe
dignava explicações prolongadas. Afinal, não era
essa sua função.
A tempestade estava feia, escura e assustava.
Santha afastou-se da janela e foi nesse momento
que Reina surgiu, com várias fadas atrás de si.
— As bodas acontecerão no salão principal
— ela explicou, sem nunca parar de trabalhar e sem
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olhar diretamente para ela. — Seu banho será para


limpeza e perfumaria. Dispam a rainha — ela
ordenou para as fadas e Santha afastou-se, como
quem protege a si mesma.
— Afastem-se! — Ela ordenou — Não quero
nada disso!
— É uma regra que não pode ser
descumprida. As bodas não podem acontecer com a
fêmea suja. — Reina explicou. — Em meu
casamento fui limpa e inspecionada por doze fadas
castas. É o que deve acontecer com você!
Santha engoliu em seco, com receio de ser
descoberta. Mas não podia mais fugir. Se
acreditasse no risco de ser descoberta no banho,
imagine então na cópula?
Apreensiva permitiu que duas fadas
soltassem seus cabelos longos e muito claros,
retirassem sua túnica e sapatos. Despida das joias e
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das vestes, permaneceu nua diante de todas. As


fadas mais jovens encaravam-na com insistência.
Mas apenas os olhos atentos e astutos de
Reina interessavam-lhe.
— Elas nunca viram uma fada tão bonita —
explicou Reina, observando seu corpo com atenção
redobrada, em busca de algo suspeito.
A pele era de leite puro, macia e sem
manchas ou marcas. Seus cabelos, sobrancelhas,
pêlos púbicos, tudo em tom branco. Mesmo seus
mamilos eram tão claros que facilmente poderiam
ser confundidos com sua pele.
— E você? O que acha de mim? —
Perguntou Santha, em expectativa.
— Eu não sei, tem algo em você que... —
Reina parou de falar, ao conscientizar-se do que
diria. Ofender a futura esposa do Rei? Péssima
ideia, mesmo para a esposa de um Conselheiro. —
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A água está morna. Deve aproveitar e relaxar. Será


uma longa e muito cansativa cerimônia.
Santha sabia que Reina queria dizer outra
coisa. Seus sentidos acusavam a mudança, a
diferença, aquilo que torna a criatura pior que a
criação.
Quando Santha entrou na água, permaneceu
de pé, sendo banhada pelas outras fadas. Por um
instante, Santha considerou que queria que Reina a
banhasse também. Mas não ousou dizer isso.
— Você me olha com desconfiança — disse
finalmente, incomodada com o olhar de Reina.
— Eu não sinto seu cheiro de cio — ela
admitiu cansada das mentiras.
— As carcereiras acabam com nosso cio.
Elas não permitem que continuemos castas, pois o
sofrimento do cio atrapalha a rotina das carcereiras
— explicou com maldade na voz. — Elas usam o
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que há a mão. Dedos, hastes de asas, paus, galhos...


O que houver, para romper o hímen e acabar com a
dor do cio. — Disse com amargura.
— Eu não sabia disso. Sempre achei que as
fadas escolhidas fossem castas — estranhou.
— Nunca me deitei com um elfo ou conheci
a paixão, então isso deve lhe responder sua
pergunta — disse Santha, lutando para não parecer
culpada.
— Eu sempre fui contra o que acontece na
clausura — disse Reina, para surpresa de Santha —
Eu sempre quis ter o poder de acabar com o
Ministério do Rei.
O silêncio perdurou a sua declaração. O que
Santha lhe responderia? Depois de tudo, ela se
esqueceria dessa parte de sua vida.
Os olhos de Reina correram pelas asas
maravilhosamente criadas pela natureza, enquanto
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as servas alisavam as hastes e espalhavam óleos


perfumados, limpando e acariciando as asas,
tornando-as sensíveis, o que colocava o banho em
um patamar profundamente erótico. O Rei iria
fartar-se dos predicados de sua fada escolhida e ela
precisava estar perfeita na primeira noite.
Santha lutou conta os sentimentos de
excitação, pois era tocada no corpo todo e não era
indiferente aos toques, que eram apenas
coreografados e não deveriam ser eróticos.
Reina olhava para a futura rainha com esse
pensamento infame na mente. Outra fada casta,
mesmo que lhe roubassem o cio, ainda assim, não
desfrutaria de toques inocentes de limpeza, como
parecia desfrutar Santha. Corada, pupilas dilatadas,
pele arrepiada... Ela desfrutava do sexo, pois o
conhecia com profundidade.
Suas sobrancelhas se curvaram ao aproximar-

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se e aspirar o suave odor que Santha expelia. Reina


era fêmea, era casada a pouco mais de dois anos,
mas considerava-se suficientemente experiente para
saber exatamente o que farejava.
Santha nunca mencionou e talvez nunca
houvesse percebido, pois as túnicas usadas pelas
criadas eram fartas e de tecido grosso, e isso
desviava a atenção das formas. Por isso, testando se
sua teoria estava correta ou não, Reina ordenou que
as jovens afastassem as mãos da futura rainha e
apanhou uma jarra de ouro com água límpida do
Rio Branco, que deveria enxaguar o corpo
ensaboado de óleos e sorriu, enquanto deslizava a
água pelo colo da futura rainha. Seus olhos se
ergueram e encontraram os olhos de Santha e
quando Reina falou, Santha paralisou no mesmo
instante:
— Acho que nunca percebeu, futura rainha,

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mas eu espero uma cria.


Imóvel, Santha parou de respirar. Olhou para
baixo e pega em flagra, tocou o próprio ventre,
onde a um mês atrás havia uma criança. E gemeu
baixinho, empurrando Reina e saindo de dentro da
tina com água. De costas para todos, disse:
— A água está fria. Como ousam me banhar
com água fria?
Sua voz era tamanhamente trêmula que
Reina sorriu.
— A futura rainha tem razão. Busquem água
morna. Essa noite precisa ser perfeita. A rainha
precisa estar perfeita. Ou desagradará
profundamente ao Rei Isac.
Suas palavras fizeram Santha olhar em sua
direção, algo de assustado no olhar.
Reina havia confirmado sua suspeita. O

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cheiro que sentia em Santha era o odor de uma fada


que havia parido recentemente. Apenas as fêmeas
conheciam esse cheiro. O cheiro do corpo que
passou por uma gestação.
Isso explicava seu excesso de pudor durante
todo o tempo que deveria ser cuidada e paparicada.
Santha não era o que parecia. Reina
permaneceu de pé, olhando fixamente para ela,
enquanto Santha ficava de costas, esperando pela
tal água morna. Nenhuma delas falou, cobrou ou
forneceu explicações. Apenas o silêncio de quem
teme abrir a boca e dizer a coisa errada.
Quando as criadas retornaram, Santha
parecia ter readquirido o autocontrole e permitiu
que o ritual da limpeza se cumprisse. Foi esfregada,
enxaguada e teve a pele besuntada por óleos
aromáticos e especiarias.
Quando limpa, teve os cabelos escovados,
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desembaraçados e presos em um penteado que a


tornava estonteante. Maquiada com cores suaves,
que mantinham sua aparência quase etérea, Santha
foi vestida com a roupa do casamento e finalmente
pronta esperou.
— O Rei passa por um ritual semelhante. —
Disse Reina, erguendo um pequeno recipiente, em
porcelana — Isto estará na mesinha, ao lado do
leito nupcial. Deve espalhar por sua região íntima.
É um perfume que agradará ao Rei.
— O que é isso? — Perguntou Santha,
intrigada e um pouco ameaçada.
— É um perfume, eu mesma fiz — Reina
não iria lhe contar sobre seu dom proibido de criar
poções e desenvolvê-las. Era um dom proibido e
temido pelos elfos, e por conta disso, mantinha em
total segredo.
— Não gosto desse cheiro — disse Santha
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rechaçando o agrado.
— É cheiro de pureza. Cheiro da intimidade
de uma fada no cio. — Alertou Reina — Recriado
por alguém com conhecimento. Eu no seu lugar,
optaria por usar essa noite.
Era uma ajuda singela. Santha ficou olhando
para o pequeno, mínimo, pote de porcelana, que
Reina logo escondeu nas vestes e levou consigo ao
sair do quarto.
Não fazia isso por piedade de Santha. Fazia
isso pela singela esperança de que uma fada da
clausura ao ser intitulada rainha pudesse interceder
com as demais fadas abandonadas ao Ministério do
Rei.
Fazia isso para que a fada não fosse morta,
condenada por ter nascido e crescido desamparada.
Nenhuma fêmea que é apartada de sua cria merece
a morte, pensou Reina, acariciando o ventre, com a
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certeza que fazia o correto.


Correto ou não, horas mais tarde, Santha
estava pronta para ser levada ao salão principal,
onde as festas do Rei aconteciam. Era o seu dia
especial e ela estava linda. Ninguém seria capaz de
alegar falso testemunho sobre a escolhida do Rei,
tamanha perfeição de feições e encanto despertado
nos observadores.
O salão principal onde normalmente o Rei se
reunia com seus Conselheiros e Guardiões era um
lugar simplista, pois nesse quesito o Rei era deveras
simplório. Ambiente farto, extenso, coberto por
mármore e teto alto.
O trono do Rei e da rainha, que normalmente
jazia vago, pois o Rei tendia a não desejar a
presença de suas esposas no cotidiano, ocupava o
centro do ambiente. Ao lado esquerdo havia dez
poltronas elegantes e cobertas de pompa, onde os

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Conselheiros deveriam se reunir, mas que


raramente eram usadas, pois os Conselheiros não
perdiam a chance de circular em torno do salão e
ofuscar os Guardiões com sua constante presença
entre eles.
Uma eterna disputa por poder velado.
Uma vez treinado e escolhido por sua
armadura mágica, o Guardião seria o protetor de
seu reino por um tempo limitado, estipulado por
sua armadura. Quando ferido ou considerado em
idade avançada, a armadura o rejeitaria e essa
armadura deveria ser disputada por seus
descendentes, ou no caso de não existirem crias de
sua descendência, serem disputados pelos
discípulos do mesmo Guardião.
No momento que a armadura escolhe seu
sucessor, o Guardião deixaria de ser o protetor e
integraria os Conselheiros, e por causa disso, um

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deles seria definitivamente aposentado e relegado à


vida comum do reino.
Força física que alcançaria a força do
conhecimento.
Um arranjo perfeito para fazer uso de força e
experiência, sem perder um ou outro.
Mas também, um golpe inenarrável para a
vaidade de alguns Guardiões, que tornados
Conselheiros, guardavam mágoa e muitas vezes,
preferiam o poder à verdade.
Por sorte, Reina possuía um Conselheiro para
si e ele era tudo, menos um homem arrogante ou
ganancioso. Vestida com uma bela roupa, ela
aproximou-se de seu elfo escolhido e lhe sorriu.
Túlio era mais velho, uns vinte anos a mais do que
ela, mesmo assim, a escolheu para esposa, após a
morte de sua primeira fada escolhida.
Ele casou-se tarde, quando findava seu tempo
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como Guardião, ainda na eminência do abandono


de sua armadura e permaneceu apenas dez anos
casado. Dessa união vingou um filho. Um elfo, seu
sucessor. Seu nome era Egan e gozava de sete anos,
idade suficiente para ser treinado para disputar a
armadura que um dia pertenceu ai seu pai, Túlio, e
que atualmente pertencia ao Reino.
O fato da armadura não ter escolhido um
sucessor causava um grande desconforto para todos
no reino, pois contavam com um Guardião a menos
na guarda e proteção.
Sorrindo para o marido, de quem era
apaixonada, Reina sussurrou:
— Santha está vindo. — Sua voz era
comedida, mas a experiência de Túlio não o
enganava facilmente.
— Algo de errado com a escolhida do Rei?
— Não. Mas eu não quero servi-la após o
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casamento. — Ela disse, suave.


Alguns segredos das fêmeas devem
permanecer entre elas, por isso Túlio não a
pressionou, apenas lhe ofertou um cálice com água
límpida e seu braço, para apoia-la pelas costas,
aliviando o peso que carregava.
Ele ansiava pelo nascimento de seu segundo
filho. Era uma razão para orgulho. Nunca imaginou
ser pai outra vez, casara-se com Reina para ter uma
fêmea para cuidar de Egan, mas o casamento lhe
apresentou uma grata surpresa. Nunca havia sido
tão feliz até conhecer sua Reina.
Ela lhe tinha amor, respeito, paixão e ele não
mais conseguia imaginar sua vida sem ela!
— Ela está vindo! — Disse Reina, bem mais
animada com a possibilidade de assistir a um
casamento real, do que com a ideia de ver Santha
casar-se.
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Apreensiva, Santha era escoltada pelas doze


fadas que Reina levara a seu quarto mais cedo.
Quando chegaram diante dos amplos portões do
salão, foi surpreendida pela presença de Lucius.
Vestido com roupas de gala, penteado e
bonito, como ela jamais vira, ele aproximou-se.
Usava uma pala marrom, com calças e botas
da mesma cor. Os cabelos escuros penteados e
amarrados na altura do pescoço, caindo pelas
costas. Ele não parecia ter notado o afastamento de
trinta dias entre eles.
Agiu como se nada houvesse acontecido.
— Conduzirei a fada escolhida até Isac —
ele disse, dispersando as fadinhas — É uma honra,
rainha, conduzi-la até o trono. — Ele beijou sua
mão com carinho velado e Santha sorriu.
— Eu mal posso esperar pelo casamento se
concretizar — ela respondeu, olhos brilhantes, tanta
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saudade, tanto apresso. Desejava toca-lo e


demonstrar esse sentimento, mas Lucius afastou-se,
mantendo sua mão segura, erguida para cima, na
altura dos ombros de Santha e fez um gesto para
que um dos elfos abrisse a porta principal por onde
a rainha entraria.
— Fale comigo — ela pediu baixinho,
enquanto andavam pelo amplo corredor que
conduzia ao salão principal.
— Amanhã — foi sua única resposta.
— Eu senti sua falta... — Tentou dizer.
— Eu disse que falaremos amanhã — ele
ordenou e Santha calou-se.
É claro, o que ela vinha pensando? Estavam
tão próximos de alcançar o objetivo sonhado e ela
queria atrapalhar tudo com conversas bobas de
amantes? Haveria o tempo certo para encontros
escusos.
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Sorrindo, Santha seguiu ao seu lado, cabeça


erguida, queixo altivo, olhos brilhantes, a cada
passo a liberdade parecia mais perto, real e
tangível.
Ela podia sentir o toque do ar puro em sua
carne. Podia sentir o perfume da felicidade. Santha
era toda expectativa. Seus sentimentos ao cruzar o
arco que separava o corredor do salão, eram
indescritíveis.
Aquilo era um começo, para quem viveu
apenas pelo fim.

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Capítulo 4 - Escolhendo laranjas

Santha vestia uma roupa confeccionada em


fios de ouro dourados e delicados, mal cobrindo
seios, ventre e coxas. A saia longa e rodada era
apenas uma teia de fios que não impediam a vista
de suas pernas. Sua sorte era seu belo corpo não ter
sido demasiadamente alterado pela recente gravidez
e que as poções proibidas logo esconderam os
efeitos da gestação curta e interrompida
drasticamente por um parto forçado.
Os cabelos fartos, longos e esbranquiçados
estavam presos no alto da cabeça e uma tiara de
pedras com ouro os adornava. Suas asas foram

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abertas e esticadas, exibindo-se ao olhar de todos.


Asas longas e translúcidas, com padrões circulares
desenhados pela natureza em seus filamentos. Nas
pontas, suaves tons de dourado, como se o poente
estivesse se refletindo em suas asas. Em alguns
momentos, eram quase brancas, em outros quase
transparentes, e então, ao movê-las, um degrade de
cores esbranquiçadas e douradas.
Nenhum elfo ou fada comentou o fato de
tanta beleza permanecer escondida na clausura, mas
era um pensamento constante.
Santha mal prestou atenção no caminho
percorrido até o local onde se tornaria a Rainha.
Todo o tempo foi conduzida pela mão, pois era
obrigação de Lucius entregá-la ao Rei.
Além de ter sido criado ao lado do Rei, era
tratado não como um servo pessoal, mas sim como
um amigo. Pura ironia seu amante e seu amor a

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entregava a outro.
Ela sorriu para Lucius timidamente ao ser
deixada diante do trono. O Rei estava de costas,
esperando por ela, por isso não pode ver essa troca
de olhares comprometedora.
Todos os Guardiões do Rei e seus familiares
estavam presentes.
Era uma reunião íntima, mas todas as figuras
de maior poder encontravam-se presentes, como
testemunhas do acontecimento.
Santha correu os olhos, na direção do
Conselheiro mais velho, que conduzia a cerimônia
e então, em torno, para encontrar os rostos. Ver
quem a agradava ou não. Em breve essas criaturas
seriam seus súditos. Esse pensamento lhe causou
um frêmito de empolgação.
Seus olhos caíram sobre a serva Reina, o que
a devastou por um instante, ao ver sua veste bonita
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e suas joias. Rancorosa, sufocou o desgosto por


constatar que a fada era mesmo apreciada e
possuidora de poder. Estava de pé, ao lado de um
elfo imponente, consideravelmente mais velho que
ela, embora atraente aos olhos de uma fêmea.
Diante da fada, um elfo jovem, um menino,
parecidíssimo com o Conselheiro, embora
parecesse depender da aprovação de Reina, que
nesse momento explicava algo para ele.
Notando o olhar de fúria da rainha, Reina
trouxe Egan para mais perto, como se o protegesse.
Aquele menino era o orgulho de Túlio e a razão
pungente dele ter suportado a perda da primeira
esposa. Egan era também a razão da felicidade de
Reina, que encontrou naquele menino um amor
incondicional de filho por uma mãe.
Santha lhe causava medo quando olhava
assim. Por isso Reina manteve o olhar, quem sabe

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desafiando Santha a mudar de estratégia. A fada


escolhida pelo Rei desviou o olhar para a
cerimônia, e Reina respirou aliviada, convencida
que nunca mais teria contato com Santha. Tão logo
a cerimônia chegasse ao fim, ela se afastaria para
sempre do olhar traiçoeiro de Santha.
Santha permaneceu de pé ouvindo as
palavras do Conselheiro, sem nunca olhar na
direção do Rei e sem que ele nunca olhasse em sua
direção. Era desse modo o convívio com o Rei. Ela
deveria estar preparada para uma vida desse modo.
Apesar disso, ela continha a felicidade, pois
mesmo que o Rei nunca reparasse na verdadeira
Santha, ainda assim, era profundamente amada por
Lucius. E isso era a única coisa que lhe importava,
além da chance de ser livre.
Em torno do salão, várias das outras fadas
esposas do Rei Isac, que nunca foram escolhidas

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como Rainha definitiva, acompanhavam a


cerimônia. Algumas delas invejosas da bela fada
que ameaçaria a relação entre elas e o Rei. Outras
apenas apreciando a chance de beber vinho e
dançar, pois a vida de esposa de um Rei indiferente
é muito enfadonha.
Raras oportunidades de respirar ar puro e ver
outras criaturas. As fadas mais velhas não nutriam
mais esperanças de viver ao lado do Rei, então
apreciavam a chance de ver a vida.
E quem sabe, pelas costas do Rei, se
deitarem com algum macho inofensivo, que
apreciasse a chance de ser escolhido por uma
rainha, e manteria a boca fechada por medo das
punições do Rei.
Nenhuma dessas esposas havia concebido o
que indicava que o Rei pudesse ser estéril, mas a
culpa normalmente recaia sobre as fêmeas e nunca

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sobre o macho, o que culminava em um descarte


imediato, após pouco tempo de casamento.
O Rei era volúvel com suas esposas. E
Santha esperava reverter isso a seu favor. Se ele
não nutria sentimentos por nenhuma das suas outras
esposas, precisaria apenas lidar com a indiferença
de um Rei incapaz de amar e não precisaria tirar
nenhum grande amor do caminho. Assim era mais
fácil.
Algumas dessas esposas eram conhecidas por
deitarem com jovens Guardiões em treinamento,
outras por tramarem com os Conselheiros uma
revolta contra o governo de Isac. Boatos que jamais
se concretizavam, por isso, caiam no esquecimento
total.
O discurso chegou ao final e ambos
concordaram com um movimento simultâneo da
cabeça quando a pergunta sobre o enlace ser

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consensual, foi pronunciada. E foi nesse momento


que finalmente o Rei olhou para ela. Santha não
pode evitar um arrepio de medo e expectativa. Era
um elfo majestoso, um corpo perfeito, com seu
cheiro peculiar de macho.
Apesar da excitação, algo dentro de Santha
não conseguia envolver-se totalmente com o
casamento ou com o elfo. A imagem daquele bebê
indefeso que jazeria morto por sua causa a assolou.
Não queria, mas às vezes essa imagem apenas
imaginada e nunca vista, lhe vinha à mente, e a
perturbava inesperadamente.
Ela respirou fundo e permaneceu ao lado do
Rei, como lhe ensinaram. Havia prometido a si
mesma que a liberdade valia qualquer sacrifício,
inclusive os sacrifícios do esquecimento.
A cerimônia durou poucos minutos mais.
Quando finalmente chegou ao fim, Santha respirou

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aliviada, pois nada poderia desfazer esse enlace.


Era a esposa de Isac e nunca mais voltaria para a
clausura. Foi nomeada Rainha e pela primeira vez
em muitos anos sorriu com genuíno prazer, olhando
para os elfos e fadas em torno de si, a vaidade de
seu posto a fazendo soberba e arrogante.
Sem perceber o que passava na mente e
coração de sua fada escolhida, Rei Isac cochichou-
lhe um pedido no ouvido e Santha sorriu ruborizada
por conta da proximidade do elfo e obedeceu ao seu
pedido.
Pela primeira vez em sua vida poderia voar
sem medo de ser aprisionada por isso. Concebida a
permissão de um voo, o primeiro como rainha,
cabia a Santha encantar a todos os olhares com suas
belas asas, começando assim a conquistar o coração
do Rei, através da vaidade de possuir uma rainha
perfeita e bela como nenhuma outra.

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Santha sentiu algo novo, que enaltecia seu


ego, ao andar entre as criaturas, que apenas
curvavam-se em respeito, abrindo caminho para
que a nova rainha andasse e exibisse suas belas
curvas e sua face imponente. De sua beleza, jamais
haveria questionamento. Para quem desejava corpo,
carne e calor, Santha era a companheira perfeita.
Atiçada pelos olhares, Santha abriu suas asas
em todo seu esplendor, era a primeira vez que era
vista desse modo por elfos e fadas, que não fossem
Lucius ou fadas penitentes da clausura, ou ainda,
carcereiras invejosas que a esbofeteariam pela
audácia de exibir suas asas sem consentimento.
Asas longas, bonitas, perfumadas pelas
essências aromáticas que desfrutara no ritual de
limpeza, mais cedo naquele dia. Santha cravou os
olhos em Lucius, suas asas tremularam e ela saiu
do chão. Não era um voo desajeitado, era um voo

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magnífico.
Seu voo calou todas as vozes e as asas
translúcidas e douradas foram à causa de suspiros
de inveja. Um voo perfeito e adequado a uma
rainha como jamais houve no Reino das Fadas.
Quando Santha pousou novamente os pés no
chão, depois de um lindo voo pelo amplo salão,
havia esquecido completamente da filha que
abandonou. Havia esquecido-se de Lucius e da
clausura.
Só tinha olhos para o Rei Isac e para o futuro
grandioso que a aguardava ao ser acolhida pela
mão do elfo e conduzida para fora do salão, pois a
porção macho dentro do elfo exigia a presença de
sua fada escolhida e a conclusão do coito tão
aguardado.
Daquela noite em diante, Santha jamais
voltaria a lembrar-se da menina que abdicou por
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poder e liberdade. Jamais voltaria a lamentar a


decisão tomada.
*****
A montanha das Fadas, como era chamada
pelos humanos o poderoso e misterioso rochedo,
que apelidaram desta forma por causa das inúmeras
lendas sobre fadas e elfos encantados que viviam
naquela montanha, era composta por uma sucessão
de divisas políticas entre fadas, elfos e outras
criaturas mágicas.
O castelo era soberano e governava os
vilarejos ao seu redor. Dominava a nascente do Rio
Branco que nascia na Floresta dos Desejos, e seguia
democraticamente banhando a Vila dos
Desesperados, a Floresta dos Dois Dias.
Suas águas corriam em direção dos Campos
dos Humanos, onde era simplesmente tido como
um rio necessário ao abastecimento de água, e
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ignorado totalmente em seus poderes mágicos.


Não era sequer considerada pelos humanos a
remota possibilidade de que os boatos e lendas
sobre criaturas mágicas possuíssem algum fundo de
verdade.
Os humanos possuíam seu próprio Rei e esse
governava a Inglaterra com mãos de ferro e
decisões que beiravam a crueldade. Talvez essa
fosse uma das razões mais poderosas para que
humanos e criaturas mágicas não se misturassem. O
medo do domínio e da extinção de uma das
espécies, ou até mesmo, as duas.
O Rio Branco fazia divisa com a Floresta de
Saul e delimitava o começo do Deserto das Areias
Vermelhas, mas disso ninguém gostava de falar.
Nenhuma fada ou elfo se aventurava por esses
lados e era tabu falar do Deserto das Areias
Vermelhas. Um assunto quase proibido, ou apenas

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ignorado em nome do bom convívio entre fadas e


elfos.
Os poderes mágicos de uma fada, tal como
suas asas, eram ineficazes e até o mais poderoso
dos elfos se tornava frágil no Deserto das Areias
Vermelhas. Muitos perigos e poucas rotas de fuga.
Um lugar assustador e que escondia segredos nunca
desmitificados. Séculos de ignorância sobre a
vastidão de areia escaldante.
Do mesmo modo que os humanos
alimentavam lendas e crenças, as criaturas mágicas
também criavam seus mitos. Algumas divisas
mágicas eram consideradas perigosas e
assustadoras, e era mais provável que metade desse
medo se devesse unicamente a comentários, boatos
e lendas.
Maledicências difundidas pela necessidade
de proteger cada região usando do imaginário como

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barreira para lutas infinitas entre as raças mágicas.


Estranhamente o medo alimentava a paz entre os
povoados.
Mas na dúvida, os forasteiros mantinham
distância, e os nativos, respeitavam as
características de cada floresta, povoado ou deserto.
Por isso mesmo que a velha fada sem asas,
punida por crimes do passado, uma anciã
amargurada e conhecida por suas bruxarias negras,
habitante do recanto mais nefasto da Floresta dos
Dois Dias, fora recrutada por Lucius em troca de
ouro e promessas de ajuda no futuro.
Seria uma bênção se a arte da cura e das
poções fosse novamente legalizada, que isso
beneficiaria diretamente a fada. Havia aceitado
ouro para levar a menina fada para o Deserto e lá
esperar por sua morte ou apressá-la, o que viesse
primeiro.

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A cria havia nascido forte e robusta como um


touro. Era pequena e delicada, mas sua saúde
perfeita. Quem sabe por isso, tomada de uma
piedade inesperada, a fada relutou em realizar a
ordem paga.
Era contra destruir aquilo que a natureza
criou com perfeição. Lidava todos os dias com a
morte e a doença, curando e alimentando poções
para sarar as piores chagas. Ver aquilo que é
saudável diante de si, era como ver um milagre. E
em toda sua existência triste e amargurada, a velha
fada nunca vira tanta perfeição e saúde, como via
dentro do cesto de palha que abrigava a cria
renegada por Lucius.
Quase arrependida de ter aceitado aquele
trabalho, a fada aproveitou-se da vida que a cria
esbanjava e revigorou seu dom com a simples
presença daquela femeazinha abençoada pelo viço

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e abundância da natureza. Um mês mais tarde, ela


finalmente chegou à conclusão que não poderia
manter a cria em seu casebre. Era uma época do
ano que atraia muitas fadas e elfos em busca de
ajuda e poções. Temia o risco de ser pega com a
cria.
Poderia vendê-la e conseguir algum retorno,
mas se Lucius soubesse, ela seria uma fada morta
antes mesmo de ter a chance de se defender.
Também não desejava percorrer o árduo caminho
até o Deserto das Areias Vermelhas ou a Floresta
de Saul, dois destinos que Lucius sugerira como
paragem final para a cria.
Não correria risco desnecessário. Para ela, o
bom de ter perdido o caráter era ter assim, abdicado
de compromisso para qualquer pessoa. Mesmo
aqueles que lhe pagassem por um trabalho imundo.
Escondida na Floresta dos Desejos esperou

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muitos dias passarem e ganhou tempo, forjando sua


viagem longa e sacrificante ao Deserto. Então, no
mesmo dia em que o Rei adquiria sua nova Rainha,
a velha deixou a criança embaixo de uma árvore,
em um especial recanto, onde flores amareladas e
profundas, com essências curativas, espalhavam-se
por um campo farto e belo. Seria um lugar
agradável para nascer e também seria um túmulo
adequado para uma fada inocente, que merecia
tudo, menos aquele destino cruel.
Esperando que a morte a encontrasse naquela
floresta solitária e perigosa, a velha fada partiu de
volta para a Vila das Fadas dentro dos limites do
Castelo do Rei Isac, para levar as boas novas a
Lucius, sobre o combinado ter se cumprido.
Tranquilizá-lo sobre o trabalho estar terminado e
garantir ao elfo que o incômodo não mais existia.
Finalmente, Lucius poderia dormir aliviado.

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Dentro do cesto de palha, enrolada em panos


velhos e sujos, a cria inicialmente apenas sonhava,
como todo bebê adormecido. Quem sabe sonhos de
um tempo feliz ao lado de sua progenitora, quem
sabe apenas sonhos de uma alma sem pecados.
Horas mais tarde, com fome, frio e
precisando de cuidado, a cria acordou e chorou.
Seus berros de desespero, de abandono e de
clemência ecoaram por todo campo das flores. Uma
rajada fraquinha de vento envolveu o campo e as
pétalas das flores dispersaram-se, ascendendo ao
céu e cobrindo todo o solo, inclusive cobrindo o
lugar onde o cesto estava escondido.
A natureza se encarregava de criar uma
proteção para a cria, que se acalmou aos poucos,
fazendo parte do vento, do sol, do barulho da
natureza.
Ainda sem nome, sem existência, sem amor.

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A cria esperava ser encontrada, esperava


sobreviver, esperava sua chance de voltar ao seio
de sua progenitora. Era apenas um bebezinho
inocente e a floresta era um lugar assustador.
Era questão de tempo para a menina
sucumbir.
Questão de tempo...

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Capítulo 5 - Flores amarelas

Alguns dias mais tarde, consumado o


casamento, Santha passava a maior parte do seu
tempo em voos e passeios intermináveis.
Era normal ver a rainha sobrevoando o reino.
Reina vinha prestando muita atenção à
movimentação estranha da rainha. Naquela manhã
em especial, Reina observava com ressentimento a
rainha andar pelos jardins, esquecida de todo
sofrimento do Ministério do Rei, mais do que isso,
claramente ignorando o sofrimento das fadas que
restaram na clausura.
Ressentida, Reina seguia a rainha de perto,

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alguns passos atrás. Era sua obrigação.


Desde o dia anterior, quando acordou com
batidas na porta de casa e Túlio atendera a porta,
furioso, pela audácia em despertá-lo em plena
madrugada. Principalmente daquele modo abrupto,
que acordou Egan e assustou sua esposa grávida.
O elfo fechou a porta e voltou para o quarto,
onde Reina aguardava, acalmando o menino Egan,
que viera abrigar-se nos braços da madrasta.
— O que aconteceu? — Perguntou Reina —
Porque tanto escândalo em nossa porta?
— A rainha exige sua presença no castelo na
primeira hora da amanhã — ele disse consternado,
revoltado e muito perto de explodir diante de
tamanha audácia.
— Minha presença? Por quê? — Ela não
entendeu.

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— A nova rainha exige que seja sua criada


pessoal. — Olhou para sua barriga e maneou a
cabeça — É uma ofensa que Isac permita esse
despautério. Tentar transformar minha esposa em
uma criada!
Reina maneou a cabeça, sufocando a
indignação. Deveria esperar por isso. Santha
desconfiava que Reina pudesse descobrir seus
segredos e para evitar isso, pretendia mantê-la
perto, sob suas vistas.
— Isso não é nada, Túlio. Não se revolte
contra o Rei por tão pouco — achou por bem
amenizar a revolta do marido — Sabemos como
Isac é caprichoso. Ele logo se cansará de Santha.
-Isso não está certo — ele continuava
furioso.
Reina sorriu e beijou a testa de Egan,
levantou e aproximou-se do marido, abraçando-o
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pela cintura.
— Não se aflija. Eu não estou chateada com
isso — mentiu — Pode ser até bom permanecer no
castelo. Assim eu posso vê-lo maior tempo por dia
e também, visitar Egan durante os intervalos dos
treinamentos. O que acha? — Seu sorriso desejava
acalmar.
Túlio lhe fez um carinho no rosto e afastou-
se.
Era difícil para ele aceitar os caprichos de
Rei Isac. Reina tentou não se exaltar demais, em
nome da cria que gerava em seu ventre. Sorriu para
Egan e voltou para a cama, para aproveitar mais
algumas horas de sono antes de ter que lidar com a
desagradável Santha.
Agora, passado dois dias, em seu canto e
retraída, Reina reparava a Rainha que sempre
andava sozinha, tendo uma predileção pela solidão.
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Porém, Reina via o que os outros não conseguiam


ver. Lucius sempre encontrava a Rainha em
momentos fugidios.
Apesar de ser dama de companhia da rainha,
Reina não era próxima de Santha para achar que
devesse alertá-la sobre o perigo de uma traição ao
Rei.
Reina era casada há poucos anos e esperava
seu primeiro filho. Seu ventre estava largo e
avantajado. Ela sentia que seria um macho e não
uma fêmea como insistia em dizer-lhe os
curandeiros legalizados pelo Rei para o ofício de
parteiros.
Um elfo para conduzir a família e seguir os
passos do marido. Primeiro Conselheiro do Rei, seu
marido era respeitado por seus feitos de coragem e
Reina rezava com afinco para que seu filho
seguisse os passos do pai.

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Para tanto, Reina vinha esperando o


momento certo para escapar do trabalho e buscar
por ervas na Floresta dos Desejos. Uma beberagem
que deveria fortalecer seu filho e lhe garantir um
bom parto.
Enquanto essa oportunidade não chegava, ela
suportava seguir Santha por seus passeios
indigestos.
Em uma alameda, Santha despistou-a e Reina
demorou quase meia hora para encontrar seu rastro.
Sem querer, acabou por flagra-la. Reina mal
enxergou a cena e tentou recuar, fingir não ter
visto. Mas a imagem vista, não pode ser apagada
apenas pelo desejo de voltar atrás e desfazer o
acontecido.
Em um lugar discreto, pouco movimentado,
em desuso, pois antigamente havia sido uma saleta
de estudos, Santha copulava com um elfo.

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Curvada sobre uma mesa, nua até a cintura, a


fada gritava e gemia, em profundo prazer, enquanto
era possuída pelo elfo dominante. Reina nunca
imaginou que Lucius pudesse guardar algum tipo
de paixão carnal por de trás da fachada gélida e
indiferente. Mas ele parecia bastante fora de
controle. Santha gritou por mais e tentou se erguer,
sendo agarrada pelos cabelos e esbofeteada,
enquanto era jogada no chão. O elfo a dominou e a
cópula seguiu, de um modo que beirava a
crueldade.
Os gritos e gemidos de prazer de Santha
eram devassos e horríveis. Reina afastou-se
apressada, tentando apagar da mente a imagem
vista. Logo ela, que não desejava confusão!
Arfante, ainda assustada com a reveladora
descoberta, não uma surpresa total, mas algo
inesperado Reina permaneceu um tempo, olhando

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os corredores, tentando se acalmar.


Muito tempo depois, Santha a encontrou em
um corredor. Seu olhar de puro veneno quase
coagiu Reina.
— Onde estava? Uma criada deve seguir sua
rainha e não deixá-la sozinha! – Ela lhe disse
ameaçadoramente.
— Perdão, Rainha Santha. Eu precisei
descansar, culpa da cria que carrego. Foi um
momento, agora passou — ela apelou para uma
desculpa que disfarçasse a verdade do que pensava.
Estava em seus olhos à verdade, a
recriminação e Santha sabia que seu segredo era
conhecido por sua criada pessoal. Por isso baixou
seus olhos e andou, esperando ser seguida
fielmente.
Uma fidelidade comprada, que não possuía
um centésimo de sinceridade. Reina esperava e
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torcia, para que Rei Isac se cansasse de Santha o


mais breve possível, para se livrar dela.
Notava agora que a rainha vinda da clausura,
não faria nada por suas fadas penitentes do
Ministério do Rei. Era uma inútil arrogante,
soberba e vaidosa. Uma cobra disfarçada de fada.
Santha retornou para seus aposentos e
quando pediu por um banho pensou ter visto algo
de irônico na face de sua criada. Por mais que
Reina a incomodasse e desagradasse, Santha não
conseguia apartar-se dela. Era simpatia, ela gostava
de Reina e queria sua presença.
Reina representava tudo que Santha nunca
seria ou obteria. Mas não sabia disso. Raramente
as pessoas conseguem entender esses sentimentos
ambíguos de amor e ódio. Uma necessidade
visceral de aprovação e sofrimento.
Reina esperou pacientemente sua Rainha
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mergulhar na água da banheira, cobrindo o corpo


perfeito com água e sais especiais, livrando a carne
da sujeira que representava a cópula fora do
casamento, fruto de uma traição abominável. De pé
ao seu lado, Reina ajudou-a a esfregar a pele e
limpar-se para a vinda do Rei mais tarde naquela
noite.
Reina gostava do trabalho, mas não podia
dizer que gostava de Santha. Sempre hostilizada
pela rainha desde que a mesma soube que sua
pajem era gestante e também possuía um marido
poderoso junto ao reino, e por tanto não poderia ser
humilhada constantemente, como fazia com as
outras servas. Reina tentava se manter invisível aos
seus olhos para não suportar sua fúria.
Mas era difícil esconder-se de alguém que
sente prazer em lhe perseguir e enfurecer.
Santha era uma rainha voluntariosa e

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invejosa da felicidade alheia.


Uma pena que Rei Isac, tão bom elfo, cheio
de defeitos, mas ainda assim o melhor Rei eleito
em séculos, estivesse encantado e enlouquecido de
paixão por ela. Uma pena que não fosse capaz de
ver suas artimanhas.
Quando Reina finalmente terminou de secar
o corpo esbelto da rainha e a envolveu em seda e
rendas, deixando-a sobre a cama, lânguida e pronta
para esperar pelo marido real, Reina saiu apressada
e discreta, pois tinha planos para aquele finalzinho
de tarde.
Em um canto discreto, deixou suas asas
azuladas emergirem e voo para as árvores ao longe,
fora dos domínios do castelo real. Fora de olhos e
bocas curiosas que desejariam fazer perguntas ou
espalhar futricas sobre sua vida.
Reina sempre se impressionava com a beleza
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do vilarejo e da nascente do Rio Branco. Ao longe


avistou um relance do Deserto e a bifurcação onde
o Rio Branco se transformava em outro córrego que
seguia para os Campos dos Humanos.
Suas asas curtas batiam gentilmente no ar e
plainou sobre os campos até enxergar o local onde
sempre encontrava as ervas que precisava para seus
chás.
Chás mágicos não eram vistos com bons
olhos desde que algumas fadas se recusaram a
ajudar com seus poderes mágicos na última grande
guerra entre fadas e elfos.
Sim, entre criaturas da mesma espécie! Uma
guerra incitada por um Rei louco e preconceituoso,
com profundos rancores contra a raça feminina,
invejoso de asas e dons, ordenara uma verdadeira
caçada contra fadas. Uma guerra que chegou a
manchar a vida dos humanos e quase os envolveu

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de modo irreparável.
Acontecido há muitos séculos atrás e agora
as fadas eram apenas uma lenda no mundo humano,
mas as lembranças eram bem vívidas na lembrança
das novas gerações de fadas.
Cuidado com fadas curandeiras, elas são
traiçoeiras. Essa era a frase mais ouvida nas
escolas de fadas e elfos. Para sorte ou azar, Reina
desfrutava desse secreto poder. Seu dom de fada
era uma bênção, mas também uma maldição.
Avistando as plantas que precisaria em uma
planície de flores amarelas, perfumadas e repletas
de líquidos naturais que resultavam em um
fabuloso efeito quando combinados com outras
ervas, formando uma beberagem revigorante.
Reina desceu ao solo coberto por folhas,
mato, grama verde e uma imensidão de pétalas
amarelas. Era a época das flores e uma imensidão
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perfumada estendia-se pela planície.


Sorriu ao avistar um arbusto fabuloso de
folhas verdes, flores amareladas e charmosas. Era o
que precisava!
Distraída colheu as ervas e amarrou em um
saco de pano que levava na cintura, abaixo da
barriga avantajada. Estava indo embora quando
ouviu um choro muito baixo. Animais feridos
sempre choramingavam e imaginando ser uma
lebre ferida, Reina procurou pelo som, pois Egan
adoraria ter um mascote para brincar quando não
estivesse sendo introduzido aos estudos e
treinamentos de Guardião.
Para sua total surpresa ao afastar as flores e
folhas encontrou um cestinho de palha com panos
enrolados. Reina procurou pelo filhotezinho
abandonado, esquecido e deixado para trás, quando
encontrou um bebê enrolado em restos de pano.

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A pele roxa de frio e o corpo quase cedendo


diante da morte. Assustada, não pensou antes de
trazê-lo para seu colo e voar com toda sua potência
de volta para o Castelo, diretamente para sua casa.
Sua casa era seu porto seguro no mundo e
Reina colocou a cria sobre a cama, afastando os
panos sujos. A criança cheirava muito mal e pela
apatia total, não restavam dúvidas que mais alguns
dias na floresta e não poderia ser salva.
Angustiada, Reina procurou por água e
cobertores. Limpou a menina o máximo que
conseguiu com toda a pressa que sentia. Limpou as
profundas assaduras e quando passou unguentos a
menina finalmente começou a chorar outra vez.
— Pobrezinha — Reina a trouxe para seu
peito e a criança parecia farejar seu leite, o cheiro
de leite.
Reina estava com mais de seis meses de
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gestação, em breve daria a luz. Seus peitos repletos


de leite vazavam sempre no final de cada dia.
Naquele frêmito, pareceu tão certo lhe dar o peito,
que não pensou duas vezes.
A pequenina fêmea de fada sugou seu leite
com avidez e Reina não poderia saber, mas era a
primeira vez que provava leite de fada. A velha
fada que a manteve viva por quase um mês,
alimentava a cria com leite de cabras e outros
animais. Não se preocupava muito com o que a
alimentava.
Reina cuidou do bebê com todo seu carinho e
piedade. Quando terminou de sugar o leite, a
criança se aquietou e Reina ficou olhando para ela.
Era uma bonequinha. Linda, branquinha como um
floco de neve, daqueles que Reina via em seus
sonhos, sempre que se lembrava de casa, do
continente onde nasceu e que sempre nevava. O

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Monte das Fadas raramente era tomado pela neve


abundante. Raros os invernos tão rigorosos.
Esquecida de tudo, Reina não viu a hora
passar, muito menos se lembrou de buscar Egan no
castelo, por isso surpreendeu-se ao ver o enteado.
Ele entrou em casa, falando sem parar sobre as
aulas daquela tarde. Reina sempre se admirava em
como Egan era independente e apegado a ela, na
medida certa.
— É um bebê? — Ele perguntou chegando à
cama e pulando sobre ela, para ver melhor a
criança.
— Sim, Egan, é um bebezinho, mas não é
seu irmão ainda. — Ela mostrou a barriga — Ainda
não é hora, querido. Esse filhotezinho eu encontrei
na floresta.
Egan era apenas uma criança, ainda não fazia
perguntas complicadas, como o porquê de uma cria
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parida há tão pouco tempo estaria em uma floresta


abandonada.
Ele gostou de interagir com a femeazinha de
fada e Reina incentivou-o a conversa e tocar o
bebê.
A menina era uma pequena nuvenzinha do
céu e Reina sabia muito bem o que isso queria
dizer.
Talvez se não soubesse do comportamento
estranho de Santha ou não houvesse suspeitado que
estivesse grávida antes do casamento com o Rei,
pudesse demorar a ligar uma à outra. Mas conhecia
a índole da rainha e a semelhança entre ambas às
fêmeas era impressionante.
Reina pensou em delatar a rainha em seu
crime, mas olhando para aquela coisinha pequenina
e desprotegida, chegou à conclusão que o encanto
que Santha mantinha sobre o Rei, o faria cego e
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surdo para a verdade, e aquela cria seria morta.


Salvar a vida da menina, para entregá-la a
Santha? Não poderia fazer isso, seria uma
crueldade sem precedentes.
A fadinha começou a resmungar e Reina a
colocou no colo de Egan, para que ele ninasse a
menina, enquanto lhe preparava um chá com
propriedades curativas para ajudar a acalmar e
sossegar um sono revigorante para o bebê.
Horas mais tarde, ela esperava pelo marido.
Túlio, pai de um filho do primeiro casamento, o
menino Egan que naquele instante olhava para ela
com curiosidade. Reina o criava desde a morte
prematura de sua mãe, a primeira esposa de Túlio.
Fez sinal de silêncio para que ele não contasse ao
pai o que acontecia, não antes que ela fizesse com
suas palavras.
Era quase noite quando ele chegou, desfez-se
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do manto de Conselheiro e das armas e finalmente


encontrou a surpresa que o esperava.
— De modo algum — ele disse sério, depois
de ouvir uma versão reduzida da história daquela
criança.
Olhava para a expressão de súplica de sua
mulher e então para a menina adormecida em um
cestinho, que no passado fora o berço de Egan:
— Eu a criaria para você, Reina, se você não
estivesse esperando um filho. Essa criança
precisará de todo seu leite e dedicação. Não pode se
dividir em três. Adotar essa menina ofuscará suas
obrigações. Com o trabalho junto a Rainha, lhe
sobra cada vez menos tempo. Pense com calma
nesse pedido e tente entender minha negativa.
Reina olhou para o pequeno Egan e então
para a própria barriga.
— Sei disso. Mas eu a encontrei. Agora, é
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minha responsabilidade. A natureza me deu uma


cria, antes mesmo que eu tenha a chance de parir a
minha. Eu não posso abandona-la, Túlio.
Túlio fitou a bela e bondosa fada com quem
se casara e quase cedeu. Ela cuidava tão bem de sua
vida, que era quase impossível lhe dizer não.
— Leve-a para o Ministério do Rei. Cuidarão
dela. — Apelou.
— Crescerá como uma órfã! Quando for
moça padecerá da clausura! Que destino horrível
ela terá, Túlio! Por favor, pense nisso! No
sofrimento dessa femeazinha! Olhe para ela e tenha
pena! — Suplicou.
— Destino pior era morrer na floresta
abandoada. Salvou-a. Cabe ao destino decidir o que
será dela. Poderá ver a criança todos os dias no
castelo. Pense em você, Reina e em suas obrigações
de mãe e esposa. Pense em Egan e em nossa cria
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que não nasceu ainda. Tem poder dentro do castelo


e poderá ajudar essa criança. Quem sabe, no futuro,
lhe conseguir um bom casamento que a salvará da
clausura. Deixe o destino decidir o futuro dessa
cria. E não pense que não sinto pena. Não pense
mal de mim.
A voz forte de Túlio encerrou a discussão.
Ele estava certo e não poderia ter mágoas do
marido. Pensava com a mente, ela com o coração:
— Está bem. Eu a levarei para o Castelo.
Farei isso pela manhã. Deixe-me ser sua mãe por
essa noite. Apenas uma noite, para que ela saiba
como é ter uma família. — Pediu emocionada e ele
apenas acenou caridoso dos caprichos de sua
esposa tão jovem e doce.
— Eu a chamarei de Eleonora — Reina disse
acariciando o bebê que ressonava inocente ao
mundo em um berço que infelizmente não lhe

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pertencia. — Por esta noite terá uma mãe,


Eleonora. E pela vida toda terá uma amiga que
olhará por você — prometeu, beijando sua
cabecinha branca, com cabelos macios.
Uma promessa que pretendia cumprir
enquanto vivesse.
*****
O dia seguinte amanheceu radiante, o que por
si só era uma ironia. Reina agasalhou muito bem a
pequena fêmea, com roupas que seriam para seu
próprio filho ainda não nascido. Acalmou-a e
alimentou-a. E quando não pode mais atrasar o
inevitável, levou Egan consigo.
Ele foi deixado em seu treinamento rotineiro
e Reina seguiu para o Ministério do Rei. Era um
lugar abominável. E sua trajetória não poderia ser
diferente.
Levando a criança consigo, Reina atravessou
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o castelo, dirigindo-se para o local onde no passado


ficavam as masmorras principais. Um lugar de
sofrimento e injustiça.
O castelo era um lugar bonito, luxuoso e
coberto por pedras e joias, e foi na época do Rei
Ulder, empossado séculos atrás, quando se
construiu o outro lado do castelo, sua extensão. Um
lugar de pedras rústicas, corredores estreitos e
muitas celas, hoje adaptadas para quartos.
Na época, Rei Ulder havia elegido as fadas
como suas inimigas. Um Rei invejoso das asas e
dons de fadas que achava injusto que elas
pudessem proteger a si mesmas, enquanto os elfos
contavam apenas com força física e treinamentos
para Guardiões, sendo que as armaduras existiam
em número reduzido, apenas dez.
Após anos de incitação de ódio entre fêmeas
e machos, ele finalmente terminou a construção

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daquele mausoléu. E foi quando a guerra estourou.


Um Rei mesquinho e ardiloso que ordenou uma
verdadeira caçada contra fadas.
Todas as fêmeas, casadas, solteiras, infantas
ou anciãs, todas deveriam ser trazidas para o
castelo. As que se curvassem ao Rei e aceitassem
que suas asas fossem cortadas e que lhe colocassem
coleiras no pescoço, com potentes venenos, que
deveriam limitar o uso do dom, seriam mantidas em
liberdade, a serviço do Rei.
As fadas que não se vergassem as ordens de
Rei Ulder, o que aconteceu com a maioria das
fêmeas do Monte das fadas, eram levadas para as
masmorras. As asas eram cerradas, arrancadas de
seus corpos. Eram deixadas para morrer. As que
sobreviviam, eram mantidas nas celas, por toda sua
vida, pagando pelo crime de insubordinação. As
fêmeas mortas eram levadas para uma vala comum,

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onde todas eram enterradas sem descrição de nome


ou localização para que suas famílias as
encontrassem.
Os elfos que não participassem da guerra
eram mortos e suas famílias e linhagens extintas.
Os elfos que colaboravam, eram tidos como
aliados, gozavam de riquezas e poder ilimitado.
Era uma guerra que desde o começo
tencionava dividir os sexos de uma mesma espécie.
Foi uma época de tormento, horror e mesmo
quando a guerra foi extinta, deixou consequências
até o presente momento.
As más línguas diziam que Rei Ulder fora
morto por uma das fadas das masmorras, que se
fingiu de aliada, tornou-se amante do rei, permitiu
que suas asas fossem cerradas e passou a agir pelas
costas do Rei. Mas eram boatos que nunca foram
provados. A única verdade inexorável de toda

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aquela história era que o Rei foi encontrado morto


em sua alcova, sem as suas partes íntimas, o que
incitava os boatos de que uma fada sem asas lhe
privara de sua essência de elfo, assim como ele
privava as fadas de suas asas, suas essências de
fêmea.
Séculos depois, as masmorras raramente
eram usadas, por conta disso, o antecessor de Isac,
tivera por ideia transformar o lugar em um orfanato
para órfãos. Sua ideia era louvável e apropriada.
Mas rapidamente mostrou ser um plano muito
abrangente e o Rei perdeu o interesse.
Órfãos sem importância para o Rei e sem
destino depois da maioridade. A melhor solução era
usar os elfos como força braçal no cuidado do
castelo e as fêmeas, por não terem utilização
prática, eram mantidas em seus quartos até
conseguirem ser escolhidas para matrimônio ou

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desenvolver alguma serventia real dentro do


castelo.
Com os anos eliminou-se o uso das fadas e
manteve-se apenas a clausura total. Ao herdar o
trono, Rei Isac herdou também o problema que o
Ministério do Rei representava.
Era visível que ao não saber como lidar com
esse problema, Rei Isac optara por deixar tudo
como estava.
Era um problema de cunho social, político e
um Rei nem sempre consegue aliados para resolver
determinadas questões.
A maioria dos órfãos vinha da violência
cometida nas florestas. Caçador de Recompensas e
Caçadores de Fadas, profissões não regulamentadas
pelo reino, nascidas na época da guerra de Rei
Ulder, e que sobreviveram aos séculos, causavam
mortes de fadas e elfos. Muitas vezes o resultado
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disso eram crias órfãs que acabavam sendo levados


para o castelo e como consequência, para o
orfanato.
Como consequência da guerra entre fadas e
elfos, mantinha-se o constante preconceito. Alguns
elfos ainda cultuavam essa premissa de que fadas
representavam um risco que deveria ser expurgado,
por possuírem dons e asas. E muitos pagavam altos
valores para obter fadas como prisioneiras ou asas
para estudo. Ou ainda, fadas no cio.
O cio de uma fada era um momento de puro
erotismo, pois a mente consciente deixava de guiar
e apenas os instintos de animal prevaleciam. O cio
começava antes do nascimento das asas, dias antes,
e culminava com o nascimento das mesmas.
Poderiam durar horas, quando consumado.
Ou anos, dependendo da impossibilidade de
consumação.

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Apenas o ato sexual entre fada e elfo poderia


aplacar o cio. Algumas fadas respondiam com
maior intensidade a esse momento, outras com
menor intensidade.
Era uma roleta russa. Para os elfos, no
entanto, era um momento de pura libido, pois o
cheiro do cio de uma fêmea acordava todos os
sentidos de um macho.
Era comum, mesmo que condenável, que
Caçadores de Fadas sequestrassem fadinhas
infantas e as vendesse. Do mesmo modo que
comercializavam fadas em pleno cio ou próxima ao
padecimento das asas, momento do nascimento das
mesmas.
E uma vez obtido o desejado, as fadas eram
mortas ou descartadas e suas crias perdidas.
Raramente uma fada cruzava durante o cio e não
reproduzia. E essas crias seriam descartadas.

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E esse descarte quase sempre terminava por


atulhar as instalações do Ministério do Rei. Para
resolver o problema dos órfãos, Rei Isac precisaria
extinguir todos os Caçadores de Fadas e os
Caçadores de Recompensa. Mas para isso
acontecer, precisaria de uma força de caça maior do
que dispunha.
E também, um grande problema era o fato da
presença dos Caçadores de Recompensa ajudar a
manter a ordem nas florestas mais obscuras.
Através de suas ações cruéis, eles mantinham o
respeito pelas divisas e limites.
Rei Isac não poderia mexer nesse vespeiro, a
menos que estivesse disposto a lidar com todas as
situações que viriam a partir disso. Era como
costurar um vestido usando uma linha sem nó.
Costurar um ponto e soltar outro. Era assim.
Constantemente Túlio lhe dizia que Rei Isac

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era bom, mas era preguiço demais para ser um


líder. Que os anos de luta e guerra enfrentados o
tornaram fraco e amedrontado, causando-lhe
muitos traumas.
Mas esse era um lado da personalidade do
Rei que ninguém desejava falar.
Era melhor cultuar a lembrança do guerreiro
forte, viril e corajoso que criou as mais lindas
lendas sobre salvamento de fadas donzelas e
destruição de inimigos poderosos.
Infelizmente o Rei não era nada mais do que
uma lenda.
Mantinha metade do povo seguro e
prospecto, e a outra metade, em constante luta pela
sobrevivência. Sendo assim, era difícil admitir que
ele fosse muito bom ou muito ruim.
A própria Reina, ao percorrer os corredores
fétidos e sujos do Ministério do Rei, não saberia
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explicar exatamente o que pensava sobre ele.


Minutos mais tarde, encontrou a saleta que
Miquelina, uma das Carcereiras da Clausura e
entrou sem bater. A carcereira era a mais influente
delas, por ser amante de um dos Guardiões, e ter
um filho bastardo desse relacionamento.
Um elfo criado até os sete anos junto aos
outros órfãos e levado para ser criado pelo pai no
ano anterior. Apesar de não reconhecido como
filho, pois o Guardião era casado com outra fada, o
menino Solon era treinado para Guardião, junto
com Egan.
Miquelina vestia uma túnica escura e longa,
como eram as roupas da clausura. Uma touca
branca envolvia seus cabelos e suas asas estavam
escondidas sob a túnica pesada. Ela apenas ergueu
os olhos em sua direção e lhe disse com sátira na
voz:

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— Trouxe-me mais um? Não se cansa,


Reina, de coletar esses animais e trazê-los para
mim? — Ela estava sentada atrás de sua mesinha,
com um diário e notas em torno de si.
— Não são animais. São órfãos. Essa cria é
fêmea. Uma fadinha linda — disse carinhosa,
aproximando-se da mesa.
Em um canto da parede havia uma mesinha
alta, forrada com panos.
Era ali que Miquelina inspecionava os
recém-nascidos em busca de piolhos, pestes e
qualquer outro agente que pudesse empestear o
lugar e tornar uma vida miserável ainda mais
horrível.
Miquelina ergueu-se e pegou a criança de
seus braços, do mesmo modo que faria com um
saco de batatas. Colocou sobre a mesinha e Reina
notou imediatamente seu olhar mudar.
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— Onde achou essa cria?


É claro que os olhos astutos de Miquelina
entendiam que a fadinha era importante, e que
mesmo sem saber sua descendência, pelas
características físicas era possível supor que seu
dom seria peculiar.
E dons peculiares garantiam bons casamentos
e Reina bem sabia que as carcereiras faturavam sob
a venda das fadas.
— Foi parida por uma fada nas imediações
do Vilarejo sem Fim. Uma conhecida que morreu
antes que eu pudesse vê-la. A família não pode
criá-la. Por isso eu trouxe-a. — Mentiu.
— Qual o dom da progenitora dessa cria? —
Miquelina quis saber, afinal seria ela que viveria
dia a dia com uma bomba relógio prestes a
explodir.
Cada pequena fadinha que chegava era um
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risco eminente, pois seus dons precisavam ser


contidos e controlados, ou se voltariam contra as
carcereiras.
— Eu não a conhecia tão bem para saber
destes detalhes. Imagino que a criança tenha um
bom simplório ou sua família teria mais posses —
mentiu, e Miquelina era sábia na arte da mentira.
Reconhecia um mentiroso a quilômetros.
— O que espera que eu faça com essa cria?
— Miquelina foi direta.
— Conhece Túlio e sabe que ele faz todas as
minhas vontades — apelou para mais mentiras,
nervosa, lutando para não deixar claro seu
desespero em abandonar a cria. — Ele me
consentiu a permissão para vê-la sempre que eu
quiser e cuidar dela como amiga.
— Imagino. Um elfo velho casado com uma
fada que ainda cheira a cio. Não é estranho que lhe
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faça todas as vontades e caprichos. — Miquelina


ironizou, para desmoralizar Reina.
— Ao menos ele em assumiu. Não sou uma
amante relegada aos cuidados da clausura e visitas
semanais. — ela disse de volta, rebatendo a ofensa
de Miquelina, ao lembrá-la de sua atual situação
junto a um dos Guardiões do Rei.
Miquelina tornou a enrolar a criança e seus
olhos correram sobre Reina, medindo sua vontade
de cuidar daquela menina. De defendê-la.
— Não permitirei regalias. Aqui todas nós
vivemos de restos. E será essa a vida que a criança
terá.
— Não. Eu trarei comida limpa todos os dias.
E roupas. Ela não precisa passar por dificuldades...
— É mesmo? Incitará o ódio contra essa
fêmea. Todas as outras a odiaram. E você sabe o
risco que é viver presa na clausura com criaturas
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que lhe tenham ódio? Se ama essa cria deixe-a


penar junto com as outras. Ou ela será morta antes
que você tenha tempo de acudi-la.
É claro que a verdade tão cruel chocava
Reina.
— Entenda... Nós comemos quando sobram
restos do castelo. Nos vestimos, quando sobram
trapos descartados do castelo. Calçamos sapatos,
quando estes incomodam os pés de outros elfos e
fadas, e só então, nós são doados. — Ela mantinha
a criança em seus braços com a familiaridade de
quem já criou dezenas iguais. Seus olhos eram
secos, sem lágrimas e sem vida própria. Apenas a
realidade. — Não comemoramos o casamento do
Rei, querida esposa do Conselheiro Túlio. Nós
comemoramos as sobras do banquete real. Venha
vê-la quando quiser. Mas venha de mãos limpas e
vazias.

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Era um claro aviso. Reina acenou e


perguntou antes que pudesse se conter:
— Conviveu com Santha? Quando ela estava
na clausura? Sei que ela tem a mesma idade que
nós, mas me pergunto se você a conheceu.
É claro que Miquelina não era boba. Um
sorriso de vitória, ao entender tudo e disse:
— Sim, eu convivi com Santha.
— E o que acha dela? — Reina não
controlou a curiosidade.
— O que acho de Santha? O que eu acho é
que Rei Isac finalmente tem o que merece — ela
disse clara e sincera. — Quando vier ter com essa
cria, me procure. Tenho um assunto para tratar
contigo.
— Não possuímos assuntos a tratar — Reina
disse séria.

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— Possuímos sim. Quando os destinos se


entrelaçam não adianta fugir ou tentar voltar atrás.
Você acabou de dar um nó nos caminhos de nossas
vidas, Reina — ela olhou para a cria — Você sabe
qual é o meu dom não sabe?
Reina apenas acenou concordando. Tal como
a própria Reina, a carcereira Miquelina possuía um
dom proibido e inconfessável, passível de maior
punição. Por isso não ousavam verbalizar as
palavras que permeavam sua mente.
Trêmula, Reina ficou parada vendo
Miquelina sair da saleta levando à fadinha.
Baqueada, sentou na primeira cadeira que achou e
escondeu o rosto nas mãos, tentando não chorar.
Doía como se fosse sua própria filha.
Muito tempo depois, ela levantou e limpou as
faces, apagando os rastros de lágrimas.
*****
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Santha estava atacada naquela manhã,


brigando por qualquer coisa fora do lugar. Apática,
Reina ignorou toda a sua fúria e esse simples ato de
ignora-la, deixava Santha ainda mais furiosa.
— Porque não me ouve? — Perguntou
Santha em determinado momento, após jogar
roupas no chão e Reina abaixar-se com dificuldade
para pegá-las.
— Porque estou triste. Meu coração não
aguenta ouvi-la hoje. Por favor, não fale comigo.
— Ela disse com pesar, tornado sua atenção para as
roupas a limpar, dobrar e guardar.
— Por quê? Por que sente tristeza? — Santha
afastou-se do grandioso espelho onde se arrumava e
levantou da cadeira procurando pelos olhos de sua
criada.
— Tenho afeto por uma órfã do Ministério
do Rei — Reina disse afetada demais com a entrada
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e saída subida de Eleonora de sua vida. — Eu tive


que deixa-la para trás outra vez. Isso me corta o
coração.
— Porque não a leva consigo? Para seu lar?
— Santha apontou sua barriga e naquele breve
segundo, Reina achou ter visto compaixão.
— Túlio não acha apropriado. Eu só queria...
Ser mãe de Eleonora. Mas ele não acha apropriado.
— Os machos e sua constante generosidade
para com suas fêmeas... — Santha ironizou.
— E não é por isso que cabem as fêmeas a
bondade? — Perguntou Reina com um feixe de
esperanças. — Como rainha você poderia...
Amparar os desvalidos da clausura.
— Oh, sim, eu poderia. Mas não farei. Não
quero desagradar o Rei com assuntos que não lhe
causem alegria. Quero ser a escolhida definitiva do
Rei, Reina. — Ela disse com superioridade. — Se
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eu fraquejar, as fadas da clausura serão livres...


Mas eu voltarei para um quarto fechado, em uma
clausura repleta de fêmeas escolhidas e
abandonadas pelo Rei.
O mais triste é que Santha tinha razão. Mas
por trás dessa razão, ainda havia rancor e ódio.
Santha não queria ajudar. E lhe convinha à
desculpa de não incomodar ao Rei Isac com
futilidades.
Olhando para Santha, a criada pegou-se ao
pensamento que talvez, Eleonora estivesse em
melhores mãos no Ministério do Rei, do que se
estivesse sendo criada pela sua progenitora.
Santha tornou a sentar-se e se arrumar, e pelo
espelho encontrou o olhar de Reina. Um olhar de
julgamento.
Olhar de cobrança, de justiça.
Reina guardou essa troca de olhares na
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memória, para nunca esquecer quem Santha era de


verdade e não permitir que a piedade por quem ela
foi um dia, afetasse seu julgamento.
Santha nunca saberia como lhe cortou o
coração não poder criar aquele bebezinho tão
delicado, de feições tão inocentes. Veria Eleonora
sempre e seria como uma amiga, mesmo que não
pudesse ser sua mãe.
E, inocente ao mundo, Eleonora estava de
volta ao castelo, de onde havia sido rejeitada e
expulsa, e esse retorno prometia não ser apenas
uma coincidência do destino...

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Capítulo 6 - Pontos cardeais

Durante os seis anos seguintes à pequena


fada rejeitada Eleonora viveu no Ministério do Rei.
Era levada e assídua de brincadeiras fora do
castelo, pois as fadas órfãs viviam na liberdade
durante o dia, ajudando no trabalho pesado do
castelo. Mas isso durava apenas até os vinte anos
ou até o nascimento das asas, o que viesse primeiro.
Era inseparável de suas amigas, tendo
elegido três das fadas órfãs como suas melhores
amigas. Driana, poucos meses mais jovem que

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Eleonora, era morena de cabelos muito longos e


bagunçados, sempre séria, compenetrada, pensando
em fórmulas, textos e possibilidades.
Joan, por sua vez, era a fada mirradinha, que
corria como uma lebre vermelha, com seus cabelos
de fogo, cílios claros e olhos verdes como jades,
sempre buscando uma aventura e uma estripulia, a
maior das parceiras de Eleonora nas travessuras.
Alma, a que prometia primeiro obter suas
asas, dada a idade de alguns meses mais velha que
todas elas, possuía uma voz rachada e esguichada e
que quando irritada quebrava vidros com seus
gritos. Alma que também era tão bonita quando
maquiavélica.
Mas nenhuma das fadas era tão companheira
de travessura quando o órfão Tobias, criado
separado das fadas, porém no mesmo Ministério.
Os elfos não eram preparados para a clausura e sim

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para serem guerreiros ou escravo a serviço do Rei.


Não que os monitores estivessem muito
animados sobre Tobias. O jovem preferia correr e
brincar a seguir ordens e treinamentos pesados.
Os cinco, quando se juntavam aprontavam as
maiores travessuras já vistas no Reino. E nessas
ocasiões, os berros das carcereiras ecoavam pelas
paredes.
Apesar da seriedade das fadas monitoras que
tudo viam e sabiam, Eleonora contava com a
proteção de Reina e isso obrigava as carcereiras a
suavizarem as punições.
Era impossível amar Eleonora e não afeiçoar-
se a todas elas, pois de algum modo, uma
completava a outra. Era uma amizade nascida da
profunda necessidade de amor.
*****

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Uma das coisas que mais irritava as


carcereiras era sumir com seus apitos. Àqueles
medonhos apitos feitos de tronco de árvore. Elas
usavam aquilo para avisar da chegada e da partida.
A hora do almoço, do jantar, o momento em que
deveriam correr para o salão principal, onde lhes
dariam surras por qualquer desculpa esfarrapada ou
então, para catar piolhos e vermes.
Por isso, quando Tobias apareceu com a ideia
de roubar os apitos e esconder, foi uma ideia que
fez sentido na mente de todos os órfãos. Como
esperado, cabia a Driana elaborar um planejamento
perfeito. Ela era inteligente demais. Assustava as
carcereiras tanta capacidade de projetar e executar.
Corajosa, Eleonora ofereceu-se para junto de
Tobias entrar no quarto de Miquelina, no horário
especial da noite, quando a carcereira sumia do
Ministério do Rei para encontrar-se com seu

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namorado secreto, que na inocência total as


crianças não sabiam ser um Guardião, pai de seu
filho bastardo.
Eleonora entrou primeiro no quartinho e
sufocando o riso vasculhou uma gaveta até erguer
triunfante o apito. Miquelina era a pior delas, a
mandante de todas as maldades que faziam contra
as órfãs e era um triunfo priva-la de algo que lhe
era querido.
As duas crianças correram de volta para um
dos quartos dos órfãos, e encontraram Alma arfante
de ter corrido pelos corredores mais longínquos,
para surrupiar os outros apitos. Num total de nove
apitos!
— Cada um pega o seu — disse Driana, a
mandante e elaboradora do audaz plano infantil. —
Joan, você pode nos esconder?
A menina ruiva, de olhos verdes límpidos e
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assustados, como duas poças de água depois de


uma tempestade, acenou concordando e saiu com
elas para os corredores.
Seu dom se manifestava com força desde os
seus cinco anos. Ela podia se camuflar e quando
seus amigos lhe tocaram no ombro, braços e roupa,
se camuflaram também.
Entre riso, as crianças começaram a soprar
seus apitos com força, alertando a todas as
carcereiras que algo acontecia.
Uma a uma as carcereiras foram surgindo,
atazanadas pelo barulho ensurdecedor. Os órfãos
saíram de seus quartos para ver o que aconteciam e
quando Miquelina foi chamada, tomou a frente.
— Eu não vejo aquela criatura! Onde ela
está?— Ela gritou em determinado momento,
procurando entre os elfos e fadinhas, contando as
cabeças, procurando pelas fadas que já imaginava
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estar por de trás daquela espúria ofensa.


— A fada branca! Encontrem Eleonora!
Quando eu puser minhas mãos naquele pescoçinho,
eu juro, nem mesmo Reina poderá me segurar! —
Ela estava descompensada.
Era um tormento lidar com Eleonora, Driana,
Alma e Joan. Ainda mais quando unidas a Tobias
em uma travessura. Aparvalhadas as carcereiras as
procuraram por horas. O apitaço continuava, sem
dó e sem trégua, as carcereiras estavam
enlouquecidas com isso.
Foi uma pena que Joan não possuísse uma
boa saúde que a fizesse suportar a camuflagem por
muito tempo. Seu dom não era completo e ela não
possuía força para tanto.
Quando a imagem começou a tremular, elas
foram sendo reveladas em fleches e uma das
carcereiras mais jovens as notou.
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Como sempre, o grande plano era correr e


dispersar-se, se possível escondendo-se pelos
corredores por alguns dias, até a raiva passar.
Alguns corredores eram tamanhamente
reclusos e abandonados que carcereira alguma
ousava procura-las por lá. Mas hoje a sorte não
estava ao lado das fadinhas.
Alma arrastava a pequenina e frágil Joan pela
mão, mas a fadinha não conseguiu acompanhar a
corrida, tropeçou e caiu. E foi pega por Miquelina.
Arrastando a fadinha pela orelha, em seguida
pelo braço, Miquelina riu satisfeita ao retirar a tira
de couro que usava para bater nos órfãos e que
sempre guardava em um dos bolsos da túnica.
A primeira pancada deveria ter cortado o ar e
ter acertado a carne de Joan, mas isso não
aconteceu.
De longe, furiosa, Alma abriu a boca e
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gritou. Ela sabia que isso parava as carcereiras. Seu


grito explodiu agudo. As fadinhas e elfos, cobriram
os ouvidos, como de costume. Mas hoje, Alma
queria mais. Ver alguém ousar bater em Joan
acabou com todo resquício de bondade e
complacência da fada, que andava perigosamente
pelos dois mundos, da bondade e da maldade.
Seu futuro dom deveria ser algo estranho,
pois os gritos de Alma eram ensurdecedores e às
vezes, como agora, arrancavam sangue dos ouvidos
das carcereiras mais sensíveis.
— Pare! — Uma das carcereiras tentou
segurá-la, mas tomada pela fúria que exige
vingança e morte, Alma gritou ainda mais, ouvindo
os vidros das janelas dos quartos, estourarem. Elas
não viram, estavam nos corredores, mas o barulho
era inconfundível.
Uma das carcereiras conseguiu chegar por

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trás de Alma e passar uma mordaça por sua boca, o


que não era a primeira vez que acontecia, calando
assim seu grito. A fada ainda se debateu e por ser
grandalhona, quase se soltou.
— Você! — Gritou Miquelina, tão furiosa
que abriu mão de Joan para pegar Driana que
apenas assistia a tudo em choque, sem condições de
fazer nada — é tudo coisa sua! Eu sei que é! —
Miquelina empurrou-a na direção de outra
carcereira. — Leve esse animal para um dos
quartos subterrâneos! Não quero ver essa cara
dissimulada pelos próximos trinta dias!
— Não faça isso! — Eleonora tentou acertá-
la, chutá-la e pará-la estarrecida pela crueldade,
mas acabou sendo pega pelos cabeços e arrastada
para longe, enquanto Tobias apenas assistia
rodeado por carcereiras.
Joan chorava, caída no chão, sem força física

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para ajudar. Alma tinha os olhos fixos em


Miquelina, mas estava imobilizada e não pode fazer
nada também. Mas se pudesse, dificilmente alguém
poderia parar a criança que nascera com espírito
assassino.
Miquelina arrastou Eleonora pelo corredor e
jogou-a na parede, erguendo a tira de couro para
acertar uma surra na órfã.
Os gritos de dor não vieram. Eleonora
suportou sem gritar ou chorar, apenas gritou:
— Não dói!
Desafiar as carcereiras era ainda pior.
— Não adianta me desafiar, sua protetora
não está aqui, Eleonora! — Miquelina riu,
acertando-a mais uma vez.
— Não dói! — ela gritava, as lágrimas
correndo silenciosas pelo seu rosto, suportando a

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surra sem pedir clemência — Não dói! — dizer isso


enfurecia e desafiava Miquelina a bater com mais
força — Não dói! Não dói! Não dói! Não dói! Não
dói! Não dói!!!
Seus berros ainda ecoavam nos corredores.
Mas não havia quem ouvisse e acudisse. Tobias
mantinha essa imagem na mente, ele viveria para
sempre atormentado pelo que faziam com eles.
Por isso, rebelde, ele escapou pelos
corredores, sem que as carcereiras se importassem
em procurá-lo, pois o espetáculo de ver Eleonora
apanhar era mil vezes melhor. Ele correu muito, até
escapar por um buraco e estar livre do Ministério
do Rei.
Ele procurou pelo lugar onde normalmente a
protetora de Eleonora sentava para ler, enquanto
esperava os passeios da rainha chegarem ao fim.
Ela ergueu o rosto, interrompendo sua leitura ao ver

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o menino acanhado, olhando para ela.


Simpática, fez um sinal para que o menino se
aproximasse e quando ele lhe contou o que
acontecia Reina levantou e juntou-o pela mão,
correndo para o Ministério do Rei.
Quando chegou, era tarde demais para evitar.
As fadinhas estavam no quarto outra vez, trancadas,
com exceção de Driana que foi apartada das
amigas, por ser considerada o cérebro pensante que
incitada toda a anarquia entre os órfãos.
Reina possuía influência entre as carcereiras,
mas não adiantava lutar contra elas. Apenas
recusou-se a olhar nos olhos de qualquer uma delas,
seguindo o caminho que conduzia aos quartos dos
órfãos. As carcereiras não valiam nada!
Lutando contra o estarrecimento, Reina
aproximou-se primeiro de Alma, que tinha a
mordaça presa em sua boca. Era muito pequena
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para conseguir livrar-se daquilo e Reina ajudou. A


fadinha tentou falar, mas Reina pousou os dedos
sobre seus lábios miúdos e feridos pela mordaça de
couro e disse, olhando em seus olhos castanhos,
falando com ela como faria com um adulto, pois
Alma carrega uma essência velha, como se
estivesse vivendo em um corpo infantil por engano.
— As carcereiras sentem medo de você,
Alma. Cada vez que você grita, esse medo
aumenta. Esse pavor é que faz as carcereiras agirem
sem dó algum. Isso não é justificativa, eu sei disso,
mas é assim que acontece. O medo aliado ao poder,
causa dor e sofrimento aos frágeis. E por mais que
você seja forte e possa lidar com elas, Joan não
pode. Eleonora aguenta, é verdade, mas isso causa
feridas e chagas que carregará para sempre em seu
coração. E a pobre Driana permanece apartada e
aprisionada. E olhe para Joan... Assustada e doente

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outra vez. Tobias é macho e não aplica temor a


nenhuma das carcereiras, pois em breve irá embora,
para ser escravo do Rei. Então, Alma, eu lhe peço,
seja obediente. Isso causará menos sofrimento.
— Eu não aguento — ela disse com ódio no
olhar, lábios cerrados, sem doçura ou a candura
pertinente às crianças. Alma não era uma criança
como as outras.
— Aguenta sim, é mais forte que todas as
crianças do Ministério do Rei. Seja cordata e
obediente. Faça isso por elas — olhou
principalmente para Joan, que estava acamada outra
vez.
Lágrimas de raiva correram na face de Alma.
Reina soube que ela entendia e concordava,
mas não era fácil aguentar calada tanta humilhação
e coação. Reina beijou a cabeça da menina, para lhe
dar um pouco de amor e lhe reconfortar como
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podia.
Aproximou-se de Joan e mediu sua
temperatura.
— Veja só, fadinha, está febril outra vez.
Acho que a estripulia de hoje não lhe fez bem —
ela foi doce, pois Joan era uma florzinha tão
delicada que comovia. — Então, o que acha de sua
amiga Reina lhe trazer um chá fedorento e amargo
para curar esse mal estar?
Joan riu com a doçura que lhe era pertinente
e acenou concordando. Reina sabia que era preciso
cuidar dela com muita atenção. Os ares das
masmorras lhe faziam mal. Sua doença era culpa do
ar fétido e da escassez de luz. Umidade demais e
mofo, que consumia seus pulmões frágeis.
Eleonora estava deitada e sua expressão
arrependida não enganava ninguém.
— E você? O que espera que eu lhe diga,
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Eleonora? — Ela perguntou de pé, olhando para


sua protegida com seriedade. — A ideia de
provocar as carcereiras foi sua?
— Foi Driana que disse como fazer — ela
disse, fungando.
Depois da surra que Miquelina lhe dera,
estava chorosa e emburrada.
— Sim, mas de quem foi à ideia. Sua ou de
Tobias?
Ouve uma troca de olhares entre as três
fadinhas e por conta disso, Reina curvou-se e
segurou o queixo da menina olhando em seus
olhos.
— A verdade, Lora.
Não era um pedido, era uma ordem afetuosa.
Arrependimento fez o olhar de Eleonora
transbordar em lágrimas. Seus olhos não possuíam

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cor definida, eram claros e translúcidos, e era


impossível definir a cor exata das pupilas.
Reina sentou na beirada da cama, lhe fez um
afago no rosto antes de dizer:
— Você sabe o que acontece quando
aprontam? As carcereiras conseguem a desculpa
perfeita para maltrata-las e nem mesmo eu posso
questiona-las. O que fizeram não pode se repetir.
Nunca mais. Quando Driana voltar do castigo,
espero que se conscientize junto de vocês. Espero
que parem definitivamente com esse
comportamento horrível. Em exatos treze anos,
serão adultas e passarão pela escolha. E qual elfo
em sã consciência irá querer fadas rebeldes, com o
histórico de vocês em brigas e armações? Eu me
preocupo com o destino de vocês quatro. Eu... —
Reina passou uma das mãos na face de Eleonora
que se moveu na cama, apesar da dor que sentia por

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conta da surra.
Reina abraçou a menina e continuou falando:
— Eu nem sempre estarei ao seu lado,
Eleonora. Meu filho, o meu pequeno Mirrar... Ele
está sempre tão doente. Eu tenho receio por ele. Por
causa disso... Precisarei permanecer um tempo sem
vir ao Ministério do Rei.
Eleonora afastou-se dela e piscou
desamparada.
— Seu filho é doente como Joan? — Havia
ingenuidade em sua voz e Reina lutou contra as
lágrimas.
— Eu receio que seja pior do que Joan.
Minhas poções e chás não fazem efeito com Mirrar.
— Ela não queria trazer essa dor para a menina, por
isso, pediu: — Mantenham-se quietas e não
aprontem mais. Eu não poderei ajuda-las nos
próximos dias. Prometa-me, Eleonora, que vai
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obedecer ao meu pedido?


A menina apenas concordou com um aceno
da cabeça. Isso era o máximo que Reina
conseguiria dela. Beijando a menina diversas vezes,
até fazê-la sorrir, Reina despediu-se. Tentou
convencer Miquelina a deixa-la ver Driana, mas
não conseguiu.
Voltou para sua casa com o coração apertado
por causa de Eleonora e de suas amigas.
Ao voltar para casa encontrou o filho, seu
amado Mirrar deitado na cama, sendo cuidado por
uma fadinha que trabalha em troca de ouro. Ele
estava pior outra vez.
*****
Semanas mais tarde, as quatro fadinhas
observavam de longe a cerimônia que acontecia em
um recanto especial, onde eram enterrados com
honras os moradores do castelo.
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Mesmo tendo prometido a Reina que não


cometeriam nenhuma outra brincadeira ou
traquinagem que pudesse irritar as carcereiras, as
quatro fadinhas da clausura haviam escapado da
forte segurança, como sempre faziam. Se
esconderem entre as árvores, para espiar a
cerimônia triste, o enterro de Mirrar, o filho de
Reina. Ele tinha praticamente a mesma idade que
elas. E era um dia de pura tristeza.
Elas ficaram de trás de uma árvore e as
palavras do capelão mal chegavam aos seus
ouvidos, mesmo assim, elas entendiam o que viam.
O dia estava chuvoso, pesado, o vento forte, frio,
castigando todos os elfos e fadas presentes.
Ao lado de Reina, o Conselheiro Túlio
parecia imperturbável, sem demonstrar em público
seus sentimentos de perda e dor. Mas o modo como
ele mantinha uma das mãos ossudas no ombro de

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seu primogênito Egan, era a prova que seu coração


doía e o fazia precisar tocar seu filho, na esperança
de conformar-se e aceitar que ainda havia razões
para viver.
Reina chorava e não poderia ser diferente.
Ela observava o capelão falar, mas as palavras e a
imagem não lhe captavam atenção. Era seu filho
que partia e ela não queria viver desse modo.
Não queria. A dor era tamanha que ela
achava realmente que tudo estava perdido. Quando
a terra cobriu o caixão e tudo terminou, a pesada
chuva ameaçou cair em pesadas gotas de chuva.
Não estavam presentes a Rainha ou o Rei. Era
esperado que Santha não se desse a esse trabalho,
apesar de monopolizar sua criada, não lhe tinha
afeto suficiente para preocupar-se com sua dor.
Eleonora olhava para cima, para as nuvens
pesadas de chuva, e um pingo grosso caiu em sua

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face. Ela fechou os olhos por um segundo e pediu


aos céus que afastassem a chuva e a escuridão, para
que Reina pudesse sorrir.
Ela sempre ficava feliz quando Eleonora
fazia isso, controlava o tempo e mudava a
temperatura. Era um agrado simbólico de quem não
poderia correr e abraça-la, pois criaria problemas
para Reina. Ninguém poderia saber que ela incitava
fadas da clausura a escaparem de suas obrigações e
andarem pelo castelo sem supervisão, era algo
imperdoável.
A mudança súbita no clima atraiu a atenção e
era possível que muitos pensassem ser um agrado
da rainha para com sua criada, pois esse era o dom
de Santha, controlar a temperatura, e o clima. Mas
Reina sabia que não. Sua Eleonora estava por perto.
Tentou encontra-la, mas desistiu, pois não seria
inteligente expor a órfã sem necessidade.

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Túlio a tocou nas costas e sussurrou algo em


seu ouvido e Reina sufocou as lágrimas aos
concordar. Era hora de ir. Egan, que não era mais
um garotinho e sim um rapazinho educado, lhe
segurou a mão, na esperança juvenil de oferecer
consolo. Apoiada, Reina andou junto de sua
família, pois era um momento de reclusão e não de
exposição.
No meio do caminho, eles pararam quando
um elfozinho veio correndo na direção deles
entregando a ela uma flor e um bilhete. Reina
sorriu triste para Tobias e ele desapareceu tão
rápido como viera.
Elfos não eram questionados, muito menos
sabatinados por estarem cometendo crimes. Em
alguns meses Tobias seria levado do Ministério do
Rei para a escravidão dos treinamentos. Não
possuía sangue nobre ou indicação de algum

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Guardião ou Conselheiro, desse modo, ele seria


eternamente um escravo do Rei, servindo de
parceiro para os treinamentos, para que outros
elfos, como Egan, pudessem treinar luta, pudessem
ter sua chance de disputar a armadura.
— É um bilhetinho de Eleonora. — Ela disse
sufocando as lágrimas, olhando para o marido com
desespero no olhar. — Ela me mandou uma
riminha infantil. Eu sempre cantei essa rima para
que ela dormisse, nas poucas vezes que pude ficar
com ela durante a noite. A mesma cantiga que
cantava para Mirrar. — ela explicou e foi pega em
um abraço pelo marido.
Chorando, Reina agarrou-se a ele como a
uma tábua de salvação. A flor havia caído de suas
mãos, mas Egan juntou do chão e ficou parado,
cabeça baixa, sofrendo a perda de Mirrar, enquanto
segurava a flor para devolver a sua madrasta, a

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única mãe que conheceu em toda a sua vida.


Aquele sentimento não desapareceria
facilmente, iria acompanha-los para sempre.
E assim foi por semanas. Reina não pretendia
voltar a cuidar de Santha até descobrir que estava
sendo obrigada. Que nem mesmo a perda de seu
filho pudera adoçar o coração da rainha.
De volta ao trabalho, sem paciência e sem a
menor condição de ser afável, Reina permaneceu
lutando contra a tristeza, dia após dia, até
finalmente obter a permissão que tanto esperava.
Sua chance de recuperar um pouco da
felicidade.
*****
Uma das maiores alegrias da vida simplória
de Eleonora era seu momento na companhia de sua
mãe adotiva, como gostava de chamar Reina. Um

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dia, talvez o mais marcante de sua jovem vida, a


fada a encontrou no jardim e a interceptou em um
abraço forte, com lágrimas nos olhos.
Elas não se viam há muitos dias, pois Reina
pouco saía de casa quando não estava trabalhando.
A tristeza e mágoa acabava com sua vontade de
viver, e ela lutava para não sucumbir.
— Eu sinto tanto, Eleonora — ela dizia
emocionada, acariciando os cabelos de algodão
macio da menina, enquanto lutava para não se
desesperar. — Eu sinto do fundo do meu coração.
— A fada mais velha tremia, suas mãos tocavam a
órfã com carinho imensurável.
A pequena fada quis lhe perguntar por quê.
Mas não havia tempo para conversar longamente.
A Rainha Santha estava em um passeio pelo jardim
e não era apropriado que um dos órfãos fosse visto
em seu passeio. Que Reina fugisse de suas

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obrigações.
— Meu filho, Eleonora, meu pequenino
Mirrar... Você sabe que o perdi há alguns meses,
meu amado filho partiu ainda tão pequenino... —
Ela chorava, pois a dor e a lembrança da perda do
filho, tão pequeno e frágil, ainda a consumia — e
que essa dor é insuportável. Eu pedi muito ao meu
marido que me permitisse adotá-la e trazê-la para
ser criada em nossa casa, na esperança que essa dor
vá embora e eu possa ser outra vez a esposa que
Túlio tanto precisa – ela alisou a face da fadinha,
com suas bochechas rosadas das travessuras e seus
olhos tão claros como gotas de água. — Mas...
Egan, meu enteado, foi escolhido sucessor de Túlio
e será o primeiro Guardião em poucos anos. Ele
precisa de dedicação total de uma mãe. Talvez de
um irmão. Eu consegui a permissão, Eleonora. Mas
apenas... Se eu escolher um menino e não uma

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menina. Um elfo e não uma fada. Para que Egan


tenha com quem treinar e conviver com a
companhia de um macho. Que uma fêmea em casa
pode distraí-lo dos treinamentos, porque embora
seja uma criança ainda, é uma fêmea, e Egan é um
adolescente... — Ela fungou e baixou o rosto. —
Eu... Sinto tanta falta de ser mãe. Tanta falta. Eu
não consigo lutar contra a vontade do meu marido...
Eu queria ser forte e insistir, mas tenho medo de
perder essa chance. Eu preciso segurar uma criança,
Eleonora. Eu preciso ser mãe de novo. Por favor,
não pense que a escolha é fácil para mim.
— Escolha Tobias — Eleonora havia dito
com toda sua inocência infantil, piscando
graciosamente, sem hesitar ou ponderar se estaria
perdendo ou não. Ela ganhava. Ver seu amigo ser
adotado era uma vitória. — Ele será um bom filho.
É um pouco trapalhão, mas vou pedir que se

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comporte. Que não seja arteiro e não lhe dê


trabalho, Reina.
Sua doçura e pureza a fez desesperada de
agonia e sofrimento. Com um abraço forte, Reina
levantou-se e correu para longe do castelo levando
Eleonora pela mão. Poucos segundos depois, a
Rainha Santha andava por aqueles lados do jardim
sem nada suspeitar.
Reina nunca permitia que Rainha Santha
tivesse a mínima chance de encontrar Eleonora.
Miquelina também agia pelas costas de Santha. Era
um grande segredo do Ministério do Rei. Um
segredo que aguardava seu momento de ganhar
vida.
Em seis anos, Santha jamais avistara a
menina que tanto se parecia com ela. Em seis anos
jamais voltara a pensar na filha que abdicara em
nome do poder, e era melhor assim. Melhor para as

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duas. Cria e progenitora se mantivessem na


ignorância, uma sobre a existência da outra.
Em dessa forma, dias mais tarde, Eleonora
assistiu o melhor amigo Tobias ir embora e sua mãe
adotiva virar as costas para ela. Apensar dos
pesares estava feliz. E não estava sozinha. Ao seu
lado, agarradas nas grades da masmorra mais alta
do Ministério do Rei, observando Tobias ir com sua
nova família, Eleonora permaneceu na companhia
de suas amigas Driana, Joan e Alma.
Elas eram sua única família. Era toda a
família que ela precisava...

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Capítulo 7 - Sussurros e segredos

Os próximos treze anos passaram entre


invernos rigorosos e verões abafados. Ninguém
reclamava disso com exceção de Alma que sentia
no corpo as marcas de cada estação, por ser mais
sensível do que todas as demais fadas e penar com
sua voz sempre presa e garganta dolorida. Sua
saúde era de ferro, contrário de Joan, mas sua
garganta se ressentia com as mudanças de estação.
— Eu gostaria de ter o poder de manter a
primavera por todo o ano — Alma disse de repente,
em um dia de calmaria, estando às quatro deitadas
na grama orvalhada, bem cedinho, enquanto

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observavam o azul do céu.


Uma das muitas fugas diurnas das quatro, em
busca de paz e calmaria, uma trégua em todo o
horror que vivenciavam dia e noite no Ministério
do Rei.
Elas fugiam com discrição, como orientara
Reina anos atrás, sem enfrentar as carcereiras, e
escondiam-se nos prados, desfrutando da falsa
sensação de liberdade.
Ao seu lado Joan piscou graciosamente e
afastou uma mexa de cabelo ruivo da face, que o
vento insistia em trazer de volta, incomodando-a.
— Tem quase vinte anos, Alma — ela disse
preocupada.
— E o que tem isso? — Perguntou Eleonora
quase ofendida em nome da amiga.
De todas, a única que se recusava a falar

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sobre isso era Eleonora. Era um assunto marcante


que revoltava Eleonora.
— Tem, que Alma será a primeira de nós a
ser levada para a clausura. — Joan disse magoada.
— Serão longos meses sem vê-la. E a última das
suas preocupações será o tempo ou as estações.
— Grande coisa. Todas nós seremos
trancafiadas — Alma disse com amargor — E o
que importa qual de nós irá primeiro?
— Eu vou gostar de ver o dia em que as
Carcereiras tentarão levar Alma a força para a
clausura definitiva. Vou gostar mesmo. Com sorte
Alma estourará os tímpanos de todas as carcereiras
e seremos libertadas por falta de quem nos vigie —
ironizou Driana, sabendo bem que essa
possibilidade existia, mas não causaria a liberdade
e sim as masmorras. Driana mexia com a grama,
arrancando tufos verdes evitando olhar para elas.

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— Tenho esperança que Alma seja escolhida logo


para esposa — Driana disse novamente,
suspirando. — É tão bonita, tenho certeza que suas
asas serão lindas também. Alguns Guardiões
reparam muito em Alma, pois ela tem o corpo
grande. E tem peitos grandes também — ela disse
para acrescentar alguma esperança na conversa. —
Eu ouvi dizer que um Guardião vem falando dela
com os outros.
— Conversa — Alma disse com irritação. —
Não sou eu quem recebe presentes de admiradores
secretos.
Driana olhou para o bloco em suas mãos. Era
verdade, um Guardião lhe enviara um bloco de
notas como presente de admirador, mas não sabia
qual deles enviara. E Driana torcia para não ser
nenhum muito estúpido, pois confundir um bloco
de notas com um de desenho era uma grande

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estupidez. Driana ofereceu o bloco para Alma, que


era a desenhista do pequeno grupo. Aquele presente
seria mais adequado a ela.
Mas visto que as fadas tinham problemas
maiores do que o mistério do admirador secreto e
trapalhão de Driana, ela se recusava a pensar nisso.
— Não seja pessimista, Alma. Você passará
pela escolha em breve e é uma linda fada. Se
desfizer a carranca e fingir um belo sorriso, poderá
seduzir um bom elfo que se casará com você e a
tirará dessa desgraça.
— Acredita mesmo nisso? — Eleonora
sentou-se e abraçou os joelhos, apoiando a face
clara sobre os braços, enquanto fitava as amigas —
Tobias me disse que não poderá escolher uma
esposa enquanto todos os Guardiões não estejam
casados. Isso pode levar anos. Eu disse a ele que é
um alívio. Afinal, como ele poderia escolher entre

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nós quatro?
As outras três fadas sorriram e concordaram
com um aceno. Tobias não seria capaz de escolher
apenas uma para ser livre, enquanto as demais
amigas ficariam para sempre aprisionadas. Apesar
do claro interesse que o elfo detinha por Eleonora.
Apesar de rir, Driana ainda procurava
coragem para revelar à amiga, que pelas leis do
reino, uma vez adotado por uma família de
linhagem, Tobias passava a ser tratado como tal,
independente de sua procedência de nascimento,
E nesse caso, as leis que regiam o
comportamento dos elfos escravos não se
aplicavam a ele. Poderia escolher uma esposa,
independente da escolha dos Guardiões. Mas era
melhor não falar sobre isso agora. Tobias deveria
ter suas razões para mentir...
— Soube que Egan terá uma prometida esse
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ano. — Driana brincou, notando imediatamente


Eleonora avermelhar — e não adianta insistir, não
contarei o nome da felizarda!
— Eu me pergunto como Driana sempre sabe
de tudo — Joan alfinetou, sorrindo.
Driana sorriu arrogante e respondeu:
— Tenho ouvidos atentos e gosto de estar no
lugar certo e na hora certa... — Ela mesma riu
quando as outras fizeram isso. — Sim, eu escuto as
conversas secretas das carcereiras durante a noite,
quando elas se juntam na saleta pessoal de
Miquelina para fofocar! É a única forma de saber o
que elas aprontam para nós.
— As carcereiras são cobras com asas —
disse Alma, rancorosa. — Um dia desses ainda me
livro de Miquelina.
— Enquanto isso não acontece... — Driana
disse com acidez, desmerecendo a raiva de Alma,
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pois esse sentimento seria eterno e jamais teria


rendição e satisfação, pois as carcereiras detinham
poder e elas não.
— Eu não quero saber quem é — Eleonora
disse petulante, ainda pensando no assunto anterior,
sobre Egan e sua futura escolhida. — Eu não me
importo por quem o Primeiro Guardião está
apaixonado!
— Amor? Esse sentimento não está
envolvido na escolha. Tudo dependerá da beleza
das asas, da utilidade do dom e da necessidade de
cada um que escolher. — Alma lembrou-as. — É
assim que seremos analisadas.
— Como laranjas no mercado da vila. —
Eleonora disse azeda.
— Como grandes laranjas pobres — apoiou
Joan, triste.
— Laranjas da mais feia das laranjeiras,
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grandes, pobres e fedorentas. — Concordou Driana,


desistindo de ter esperanças.
As três se mantiveram em silêncio pensando
sobre isso. Estavam em uma planície em volta do
vilarejo, adjacente ao castelo. Sempre brincavam
por essas terras desde crianças.
As fugas do Ministério do Rei eram a única
forma de se sentirem normais e livres. Infelizmente
não poderiam passar pela forte segurança do castelo
e desaparecer floresta a dentro. Limitavam-se aos
bosques e planícies dentro das muradas do castelo.
Uma pena, pois Eleonora gostaria de ver a vida lá
fora e Driana adoraria ter a chance de saber se tudo
que lia nos livros era real.
Alma apenas desejava desaparecer e nunca
mais precisar ouvir falar em carcereiras, clausura e
fadas submissas. Eleonora por sua vez, tinha o
coração tomado pelo Primeiro Guardião, pela

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amizade por Reina e Tobias, e era refém de seu


próprio coração e desejos, por conta disso,
provavelmente passaria toda sua vida próxima ao
castelo do Rei Isac. A liberdade não a atraia tanto
quanto a possibilidade de viver perto daqueles que
amava!
Os anos passaram e agora as quatro estavam
na eminência dos vinte anos. Apensar de tudo
sugerir que Alma seria a primeira a passar por isso,
era impossível precisar, por ser um evento que
dependia de vários fatores.
As carcereiras tentavam adivinhar a idade
das órfãs, mas a única certeza era quando do
Padecimento das Asas, o momento onde as asas
nasceriam. Normalmente aos vinte anos. Algumas
fadas de lugares distantes podiam ter uma anatomia
diferente, mas de regra, era sempre aos vinte anos.
Egan havia se tornado tudo que Reina e Túlio

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esperavam dele. Um aplicado elfo, que honrara o


nome de seu pai, tornando-se um Guardião, seis
anos atrás. A armadura o reconhecia pela herança
de sangue com Túlio, o último a vestir aquela
armadura. E também o aceitava, como elfo justo,
honrado e valoroso. A cerimônia de posse da
armadura havia sido muito bonita, seis anos atrás.
Eleonora sorriu saudosa da lembrança.
Tinha somente quatorze anos na época,
assim como Tobias e suas amigas do Ministério do
Rei. Egan tinha vinte e um anos, e era um
orgulhoso futuro Guardião. Parecia ter-se passado
apenas um dia e não longos anos de caminhos tão
distantes e diferentes. Ela queria tanto ir à
cerimônia da entrega da armadura. Tanto que doía
ser excluída e saber que não fazia parte da vida de
Reina. Sua presença não era bem vinda pela
linhagem de Egan.

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Tobias estaria lá. Era tão apegado ao irmão


de criação que parecia que era ele quem receberia
a armadura tamanho nervosismo, e não Egan.
Orgulho entre irmãos, um sentimento que nasceu
imediatamente depois da adoção.
Reina insistiu muito que ela não fosse. Que
mesmo que as carcereiras permitissem, ainda
assim, seria visto com péssimos olhos essa
insubordinação tão perto da escolha das fadas,
após o padecimento das asas.
E como sempre, partiu de Driana a ideia
maluca de ir escondida na festa. Tobias adorou a
ideia e mesmo Reina concordou desde que
Eleonora usasse uma capa e se mantivesse
escondida dos olhares.
Joan não queria ir à festa, estava acamada e
não queria desgastar-se demais. Alma, ficaria
junto da fada vermelha, como sempre era um cão

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de guarda, protegendo Joan com a própria vida, se


necessário. Nunca a deixaria sozinha e enferma.
Driana, por sua vez, era pragmática demais para
sentir legítima vontade de ir a uma festa. Fazia
questão que trouxesse alguns doces para elas, mas
nada, além disso.
Por isso, na tarde da posse da armadura,
Eleonora vestiu a capa que Tobias lhe trouxera
mais cedo, cobrindo a túnica simples de órfã do
Ministério do Rei, o capuz cobrindo seus cabelos e
escondendo suas feições.
Decepcionada, Eleonora perdeu a entrega
oficial da armadura, pois Miquelina e as outras
carcereiras estavam atentas e vigiando os órfãos
como moscas varejeiras, pois temiam fugas em um
dia de festa. Quando finalmente chegou ao centro
do castelo, no salão principal o Guardião estava
na posse de sua armadura, vestindo-a com o

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orgulho de quem fazia isso por merecimento.


Egan era tão bonito, pensou Eleonora,
apaixonada. Seu sorriso orgulhoso, seu olhar
corajoso, sua postura séria e honrada... Estava tão
entretida apreciando Egan, que se assustou quando
Tobias abordou-a em seu esconderijo.
— Veja só, uma fada fugitiva! — Ele fez
troça e ela riu, lhe acertando uma tapa no ombro.
— Você me assustou! — Ela reclamou. —
Me diga, a cerimônia da entrega foi bonita?
— Sim, entediante, mas foi bonita. — Tobias
respondeu com seu jeitão desligado das
formalidades. — Lá está minha mãe, vou avisa-la
que está aqui. Vai dançar antes de voltar para... O
Ministério?
Ele sempre ficava desconfortável ao falar do
orfanato. Culpa por ter sido adotado, quando era
Eleonora quem deveria ter tido essa sorte.
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Eleonora o empurrou gentilmente sorrindo e


respondeu:
— Eu não tenho muito tempo. Terá sua
dança se eu conseguir falar com Reina primeiro!
— Prometeu, ocupada em olhar em volta com
interesse, enquanto Tobias desaparecia entre as
criaturas, procurando por sua mãe adotiva.
A rainha Santha estava lindamente vestida
em ouro e seda. Os anos não haviam passado para
ela ou para Rei Isac, mas para Lucius... Bem, ele
estava velho e feio. Típico de quem não possui
encanto algum e a ausência de sorrisos ou
simpatia, tornava-o ainda mais feio, por culpa da
amargura.
Ou simplesmente, seus olhos se recusavam
em ver beleza naquele elfo sórdido.
— Eleonora? — A pergunta assustou-a
muito.
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Ela virou-se em pânico de ter sido pega. Era


Túlio, o Primeiro Conselheiro.
— Eu... Ah... Sinto muito, já estou indo
embora — apressou-se a dizer.
Ele era sempre muito sério e contrário à
devoção da esposa para uma fada da clausura.
— Espere, fique. É uma festa. É bem vinda,
desde que não seja vista ou reconhecida — ele foi
franco, olhando-a com interesse — Acho que é a
primeira vez que conversamos, embora sinta como
se fizesse parte da minha vida.
— Sim, também sinto o mesmo — ela foi
franca, baixando os olhos, completamente
deslocada e envergonhada.
— Vamos andar um pouco. Aqui parados,
chamaremos atenção demasiada. — Ele sugeriu e
Eleonora começou a andar ao seu lado, sem saber
no que daria aquela conversa toda. — Sabe que a
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cada ano, a eminência do padecimento das suas


asas tem tirado o sono de Reina. E por
consequência, o sono de todos os meus filhos. E o
meu sono, também.
— Eu sinto por isso. Faltam muitos anos
ainda. É bastante tempo. Reina não precisa
preocupar-se com isso agora. — Prometeu.
— Tenho dito isso a ela. Tobias a escolherá.
Seu problema estará resolvido e Reina terá paz.
Finalmente, você fará parte da família.
Essa declaração a surpreendeu, Eleonora
parou de andar e foi sincera:
— Isso não vai acontecer. Amo Tobias como
a um irmão. Não me casaria com ele, não poderia
fazer isso com seu sentimento. Estaria mentindo,
apenas para me salvar. — Suspirou. — Tobias
encontrará uma fada que o fará feliz e eu... O
destino não pertence a nós.
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— Penso desse modo. O destino não


pertence a nós. Mas de um modo ou de outro, você
precisa fazer parte dessa família ou Reina jamais
será inteiramente feliz. Ou a caso com um Tobias
ou com Egan. Tobias vive falando de casamento,
mas na prática, tenho minhas dúvidas se ele
realmente terá coragem de lidar com a
responsabilidade que um enlace traria. Egan por
sua vez deveria ter escolhido uma fêmea, mas ele é
cabeça dura e prefere a solidão. Ou melhor, ele
prefere os paparicos de Reina e não vê necessidade
de casar. Mesmo assim, não lhe esconderei a
verdade, Eleonora: sonho com uma fada de
linhagem para meu primogênito. Para Tobias
também. Mas não tenho forças para lutar contra
toda a minha família.
Eleonora tentou sorrir e não parecer mal
agradecida, mesmo que soubesse que o

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Conselheiro apenas dizia isso por amor a Reina e


pelo desejo de acabar de uma vez com a ligação
que sua esposa mantinha com o orfanato.
Ele não era de todo ruim, apenas não sabia o
que fazer para conciliar seu posto de importância
dentro do castelo, o que garantia uma vida boa e
confortável para sua família, e o amor
incondicional de sua esposa devotada, para com
uma órfã desvalida.
Envergonhada, ela sentiu alívio quando
alguém interceptou a atenção do Conselheiro e ela
pode fugir daquela conversa estranha.
Avistou o Guardião Egan e escondeu-se
entre os elfos e fadas que dançavam, bebiam e
comemoravam. Queria ser invisível, e sem querer,
tropeçou em alguém e sem esperar seus olhos se
pegaram aos olhos de outra fada, e tudo foi muito
rápido.

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Ela havia esbarrado em Santha, a rainha.


Olhos nos olhos, como em um espelho.
As duas se afastaram imediatamente,
repelidas pela mesma força do assombro e da falta
de eloquência. Santha refugiou-se por trás de uma
taça de elixir proibido fitando o vazio de uma
paisagem qualquer com horror nos olhos. Nem
mesmo a presença de Lucius em seu encalço
afastou o sentimento. Quando lhe perguntou a
causa do seu sorriso, respondeu:
— Não foi nada. Eu preciso de mais elixir.
Estou vendo o passado e o passado não existe
mais. — Ela disse emocionada, tentando sorrir —
Venha, querido, me leve para um lugar seguro e me
abrace. Eu não aguento mais essa música ridícula
e essas criaturas insípidas a minha volta.
Ela apelou para o único consolo que ainda a
fazia suportar a vida de rainha. A liberdade pesava
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em seus ombros bonitos.


Eleonora por sua vez, refugiou-se em um
canto, esperando encontrar Reina ou Tobias para
fazer a fuga ter valido a pena. Foi um momento de
alienamento, e então, Eleonora se esqueceu do
susto e começou a procurar por Reina.
Estava distraída por isso gritou quando
alguém a segurou por trás e a fez rodopiar.
— Tobias, eu já disse mil vezes para parar
de tentar sempre me assustar! — Ela empurrou-o.
Parou no mesmo instante ao ver que ele não estava
sozinho.
Ao seu lado, um dos Guardiões, vestido
devidamente com sua armadura, embora
mantivesse o elmo de ouro nas mãos, pois não se
acostumava a usa-lo facilmente.
— Não seja ranzinza, Lora. Conheça meu
irmão. Finalmente, conheça meu irmão
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responsável e competente. Só não teça


comparativos... O ego de Egan não suportaria
saber que uma fêmea prefere seu irmão mais novo
a um Guardião... — Ele fez graça e a fez próxima
demais do Guardião, empurrando Eleonora na
direção de Egan.
— Você perdeu o juízo, elfo? — Ela disse
entre dentes, rangendo-os, indignada. — Ele é um
Guardião!
— Egan é de confiança. Não é, Egan? Não
vai dedurar uma fadinha inocente da clausura
roubando doces da festa, vai?
— Tobias, seu mentiroso! Eu não roubei
doces! Ainda não... — Ela disse envergonhada. —
Afaste-se, elfo! — Empurrou Tobias, mas ele
sempre a fazia rir, mesmo que não quisesse,
Em meio ao riso, pois ele lhe fazia cócegas, o
capuz escorregou de sua cabeça e ela pode ser
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vista, em sua total beleza. Por um segundo, ela


reconheceu esse sentimento no elfo vestido com a
armadura.
Um macho que vê a fêmea, e não a fada. Foi
algo muito rápido, um olhar de nada, mas que
tornou a simples paixonite platônica de Eleonora
em um vulcão! Uma paixão totalmente verdadeira!
— Pare! Pare, Tobias! — Reclamava, mas
não podia parar de rir, mesmo que quisesse
parecer séria.
— Não deve fazer uma fêmea rir de você,
Tobias. Ou ela nunca o respeitará com macho. —
Egan lembrou o irmão e Eleonora mal acreditou
no que ouvia. — Acha graça do que eu disse?
— Não — ela disse rápida demais — Quero
dizer... Se eu não puder rir com um elfo... O que
farei com ele...? Limpar suas botas e lavar suas
roupas encardidas? Diante dessa perspectiva, cada
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vez a clausura me parece mais atraente.


Não pareceu que Egan compreendesse ou
apreciasse seu senso de humor distorcido.
Algumas fadas a consideravam ferina demais
em suas colocações, outras apenas a consideravam
uma brincalhona. E de brincadeira em brincadeira
Eleonora falava a verdade.
— Entre um serviço e outro, uma dança é
sempre mais atraente do que a clausura — Egan
disse de volta e Eleonora soube que entendia seu
humor negro.
— Prometi uma dança para Tobias — ela
desvencilhou-se das mãos do amigo elfo e piscou
para ele. — Mas não posso dançar, estou
escondida. Não quero problemas com as
carcereiras.
Tobias reclamou imediatamente. Carinhosa
para com seu amigo, ela lhe fez um carinho no
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cabelo bagunçado e o beijou de leve na face


coberta pelo que prometia no futuro vir a ser uma
barba. Agora era só uma penugem de menino que
crescia rápido demais.
— Outro dia, quem sabe? — Prometeu.
— Dance com Eleonora, Egan — disse
Tobias, com piedade no olhar. — Ninguém
questionará a procedência de uma fada escolhida
pelo Guardião empossado. É a sua festa. Se
fizerem perguntas, direi que é uma prima feia e
rabugenta, vinda de longe para o evento — ele
piscou para Eleonora. — Lora vai gostar de
dançar.
Eleonora não respondeu. Sentiu emoção, e se
calou. Sim, ela gostaria de dançar de verdade, uma
única vez em sua vida, antes de ser presa na
clausura, algo que aconteceria em breve. Ela
sempre dançava com suas amigas e mesmo com

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Tobias, mas era uma dança sem música e sem vida,


pois era algo solitário. Dançar com um par, com
música e em uma festa?
Se ela fosse chorona como Joan, estaria
debulhando-se em lágrimas de felicidade.
Lembrou-se das amigas e do fato delas não
poderem desfrutar do mesmo. Negou o pedido de
Tobias e olhou para o Guardião:
— Eu nem mesmo sei dançar. — Havia
lágrimas em seus olhos, mas ela sorria.
Egan sabia que havia alguma coisa ali, uma
profunda razão para a negativa.
A razão verdadeira era não se iludir e se
deixar revelar por conta de uma paixonite. Joan
estava bastante doente, não poderia passar por
outra surra das carcereiras. E se pegassem
Eleonora aprontando, descontariam em todas elas,
de modo a causar coação e vingança. Era sempre
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assim.
— Além disso, é melhor me apressar ou
todas as fadas de linhagem roubarão todos os
doces da festa antes de mim — ela ironizou, vendo
uma fada ricamente vestida, escondendo doces e
salgados em uma bolsinha. — Parabéns,
Guardião. É uma honra que tenha sua armadura e
um alívio que tenham o escolhido. Imagine... Se a
armadura escolhesse Tobias? — Ela não resistiu a
uma provocação e o riso do amigo aliviou sua
tristeza.
Era melhor assim, que a tristeza e a
desilusão fossem camufladas por sorrisos e
olhares. Em poucos meses ela seria trancafiada
para sempre e talvez, jamais voltasse a ver Tobias.
Com o coração apertado, despediu-se e fugiu
dos dois elfos. Tobias trocou olhares com o irmão,
como quem diz que Eleonora merecia mais do que

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isso e a seguiu. Parado no mesmo lugar, Egan


aspirou o perfume deixado para trás, perguntando-
se silenciosamente se o cheiro da fêmea também
abalava seu irmão, do mesmo modo que acontecia
com ele.
Virou-se para espiar os dois juntos,
Eleonora surrupiava alguns doces, enquanto
trocava palavras carinhosas e brincalhonas com o
amigo. Em determinado momento, Tobias falava
sem parar, mas ela não prestou atenção, e olhou
para trás, tentada há espiar um pouco mais o
Guardião, o alvo do seu interesse juvenil.
Ele estava olhando para ela. Seu coração
saltou dentro do peito. A troca de olhares durou
mais do que o esperado. Ela não estava no cio
ainda, nem mesmo no começo do padecimento do
cio, então essa não era a justificativa plausível
para o calor que corria em suas veias e o

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desespero por contato, que a tomou de surpresa.


Envergonhada de si mesma e confusa, Eleonora
desapareceu na multidão de elfos e fadas que
comemoravam e voltou para o Ministério do Rei,
levando doces e novidades para suas amigas.
Juntas, elas devoraram os doces, antes que
as carcereiras sentissem o cheiro e os tirassem
delas. As novidades foram degustadas com mais
calma. Cada palavra absorvida como se a vida
fluísse pelas palavras de Eleonora.
As quatro fadas da clausura conheciam a vida
através de relatos, de fugas e de momentos
fugidios.
Talvez por isso, saber que Egan tinha uma
escolhida, deixava Eleonora tão incomodada e
magoada.
— Ela é bonita? — Finalmente Eleonora
perguntou sem conseguir se conter.
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— Eu sabia! Você quer saber tudo sobre a


escolhida de Egan! — Driana gritou rindo.
Joan e Alma a acompanharam e Eleonora não
pode evitar sorrir.
— Eu reparo no primeiro Guardião. Ele que
não sabe que eu existo.
— Quer ser escolhida por ele? Isso é tão tolo.
— Driana desdenhou — Esqueceu-se que por causa
dele não pode ser adotada? Eu não entendo as
fêmeas. Não gostaria de ser esposa. Mas sim, uma
estudiosa. Acho que nasci sob o gênero errado.
Identifico-me melhor com o modo de pensar e
sentir dos machos.
— Sim, Driana, não se preocupe, poderá
estudar a fundo nossa desgraça se passarmos o
resto de nossas vidas naquela desgraçada clausura.
— Eleonora disse com acidez.
— Devemos ter esperanças. Rainha Santha
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foi escolhida após anos de espera. — Joan lembrou-


as, com ingenuidade.
— Santha. A Rainha. — Eleonora ironizou
levantando e andando pela grama, imitando a
rainha.
Apesar de nunca ser vista quando andava
pelo castelo, sempre via a rainha. Imitou-a com
todo o desdém de alguém que não gosta de uma
pessoa.
Santha que mantinha Reina em um trabalho
que não suportava e monopolizava seu tempo.
Rainha Santha que proibia que as sobras dos
banquetes fossem levadas para a clausura, e que
suas festas sempre culminavam em abundância de
alimento sendo jogado para os animais nas
estrebarias, enquanto as fadas do Ministério do Rei
passavam fome! Santha, a rainha louca!
— Existe alguém mais pomposo que ela? —
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Perguntou quando terminou sua ironia, rodopiando


debochada, imitando os gestos afetados e
arrogantes da rainha.
— Não! — As três responderam juntas, rindo
de sua performance e Eleonora jogou-se na grama
olhando para o céu azul enquanto dizia:
— Eu gostaria de saber quem será escolhida
por Egan. Eu gostaria de ser escolhida por ele... —
Seu pedido inconsciente terminou em um suspiro
apaixonado.
Era um sonho impossível e por causa disso
nenhuma delas teve coragem de incentivá-la.
As quatro deitaram e fitaram o céu azul, em
silêncio, pensando em suas desgraças e no que
aconteceria nos próximos meses.
— Oh, não. Ele nos viu! — Joan disse
reparando em algo, acabando com o momento de
divagação delas.
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Ao longe, eram observadas pelo constante


acompanhante da Rainha Santha, Lucius.
— Ótimo. Eu precisava mesmo de uma
semana lavando os degraus de todas as escadarias
do castelo... — Alma reclamou levantando e
previamente baixando a cabeça, enquanto ele se
aproximava.
Lucius era um devasso e vivia seguindo as
fadas da clausura. Ele visitava as pobres
enclausuradas e havia boatos sempre estupros e
agressões. E quando não estava coagindo as fadas
aprisionadas na clausura, perseguia as quatro fadas.
Fazia tempo que elas notavam que Lucius as
rondava.
Lucius não perdeu tempo olhando para as
demais fadas, seus olhos estavam fixos na fada
debochada que sequer se dava ao trabalho de
levantar em sinal de respeito. As outras três de pé,

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falsamente humildes, esperando a punição, mas


Eleonora continuava deitada na relva, olhando-o
com petulância.
Houve uma disputa de egos naqueles olhares
profundos e quando Eleonora sorriu profundamente
debochada, ele soube que se o respeitava era apenas
por não ter escolha.
Ela levantou e fez uma mesura, como era
ensinado, manteve os olhos nos dele, nada
arrependida da fuga, muito menos de ter sido pega
por ele. Não o respeitava e isso estava
absolutamente evidente em seus olhos expressivos.
Ele não podia desviar os olhos da fada pálida
e esbranquiçada como uma nuvem do céu.
Em longos dezenove anos Lucius se recusou
a ver a verdade diante dos seus olhos.
E agora, essa verdade ameaçava sua vida e a
vida da Rainha.
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Capítulo 8 - Poeira de diamantes

Dias mais tarde, Eleonora soube que algo


estava errado quando Tobias não apareceu para o
encontro com elas durante a tarde. Driana, sempre
pragmática não achara necessário preocupar-se com
Tobias. Alma, não tinha paciência para isso e
Joan... Pobrezinha, a cama era seu melhor refúgio
desde que adoecera outra vez.
Intrigada com o desaparecimento do amigo,
Eleonora permaneceu junto aos portões do castelo,
escondida dos olhos de todos, esperando pelo
momento que Egan, o Primeiro Guardião, voltaria
das rondas e passaria por ali.

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Há alguns anos atrás ele adquirira o domínio


de sua armadura e poucos meses depois, depois de
uma missão bem sucedida junto a Floresta de Saul,
adquirira o direito ao posto de Primeiro Guardião,
tudo pelo mérito do sucesso na missão que resgatou
doze fadinhas sequestradas por Caçadores de
Fadas, que seriam vendidas como mercadorias.
Resgatada as vítimas e aprisionado os
culpados. Infelizmente Rei Isac tendia a entregar
poder demasiado a Lucius e ele tinha interesses
próprios em garantir a liberdade dos Caçadores em
atividade, por conta disso, a pena fora branda, e
hoje, eles estavam soltos em alguma parte do
Monte das Fadas, fazendo novas vítimas.
Normalmente Tobias acompanhava o irmão
de criação e era sua função auxiliar o Guardião em
seu trabalho de proteger e zelar pelo Rei, mas todos
sabiam que Tobias aproveitava as viagens para se

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divertir e conhecer o mundo. Estava pouco ligando


para o trabalho.
Quando pensava nisso, Eleonora precisava
conter a vontade de revirar os olhos e perguntar a
quem todos enganavam. Tobias de modo algum
tinha serventia para auxiliar quem quer que fosse,
ainda mais em um cargo de confiança do Rei! Um
Rei que ele debochava e não respeitava, um
trabalho maçante, que como dizia Tobias, não fazia
jus ao seu talento e criatividade.
Tobias era um malandro apegado a boa vida,
isso sim.
Estava escondida, mesmo assim, alguém a
via. Ela não notou que se destacava a distância. Do
alto de seu cavalo, Egan percebeu a cabeleira clara
da fada, assim como sua pele e seus traços
inconfundíveis. Vestida de branco, uma túnica
quentinha para aquela tarde amena, era a visão

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perfeita de uma flor copo de leite.


Era um milagre que Eleonora não houvesse
sido escolhida por elfo algum. Muitos reparavam
nela, mas refreavam o desejo, para não causar briga
com o irmão menor do Primeiro Guardião.
Mas que a danada era bonita e cativante, isso
ela era.
Ele não gostava de reparar na fada que
sempre andava com seu irmão. Tobias estivera
desaparecido durante todo o dia e ao vê-la
esperando, Egan entendeu que ao contrário do que
imaginou, Tobias não estava com a fada em
namoricos impróprios e sim, em alguma aventura
que causaria repercussões desastrosas.
Menos mal que não andasse com uma das
fadas da clausura. Era amigo de quatro delas, e
Egan entendia, pois viveram juntos no Ministério
do Rei. Mesmo assim desconfiava dos sentimentos
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entre Tobias e a fada Eleonora.


Não notou que fixava os olhos na fada, até
que não houve modo de fingir não vê-la. Ela
segurou com força na grade do imponente portão e
não afastou o olhar, apensar de parecer acanhada.
— Esperava que Tobias estivesse com você
— ele foi logo dizendo, sem rodeios, controlando
seu cavalo com maestria, pois o animal desejava
seguir o exercício.
Era alto, um dos elfos mais altos do Reino.
Tal qual o pai era moreno, cabelos escuros e pele
escura, bronzeada pelo sol. Vestia a armadura de
metal, carregava consigo espadas e escudo. Seus
olhos eram castanhos, como duas amêndoas.
Eleonora sempre ficava tímida na sua presença. Era
incontrolável. Toda sua espontaneidade caia por
terra.
Ela se tornava retraída e envergonhada de si
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mesma, sem saber como agir.


O tom de voz do Guardião soou como uma
cobrança.
— Não vi Tobias o dia todo — ela disse
preocupada. — Onde ele estará? Tinha esperanças
que estivesse com você...
— Talvez tenha criado juízo e esteja
conversando com nosso pai sobre a escolha do
próximo mês. — Ele deixou escapar, pensativo,
pois esse assunto vinha causando muitos
transtornos em seu lar.
Muitas brigas e gritarias. Tobias acabava
com os nervos de Reina e a consequência disso,
eram as brigas com seu pai, Túlio.
Sua madrasta martelava sem parar nessa
mesma tecla. Casar Tobias ou Egan com sua
fadinha protegida, Eleonora, e que o filho restante,
deveria escolher uma das outras fadas, quem sabe
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Joan, a mais delicada e que não viveria muitos anos


se continuasse na clausura. E com a influência de
Egan junto aos outros Guardiões, cabia a ele
convencê-los a escolher as duas restantes.
E para conseguir o que desejava, Reina não
poupava palavras, argumentos e brigas incansáveis
na mesa de almoço ou jantar. Literalmente Egan
andava com as orelhas pontudas quentes por conta
de tanta conversa sobre as fadas da clausura.
Eleonora achou que fosse perder o ar. Falar
com Egan sobre a escolha das fadas do Ministério
do Rei?
— Duvido. — Foi sincera — Tobias não
escolheria uma de nós. Não sabendo que as
restantes passariam suas vidas trancafiadas!
— Salvar uma ou deixar as quatro penar? —
Ele curvou-se um tanto na cela e Eleonora
empertigou o corpo diante da provocação:
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— Não conhece seu irmão? — Perguntou —


Tobias não segue as regras. É mais provável que
espere nossas asas nascerem e tente casar-se com as
quatro. Ou arrume alguma confusão incitando uma
fuga. Deveria saber, que vindo de Tobias, o pior
ainda é a melhor expectativa. — Havia ternura no
modo que falava de Tobias.
Por um segundo Egan ponderou se havia
fundo de verdade em suas palavras. A fada sufocou
o riso e ele soube que ela fazia troça de sua
seriedade.
— Volte para o Castelo, fada da clausura.
Seu lugar não é aqui. — Ele mandou sério, irritado
por nunca conseguir vencê-la em uma conversa.
Eleonora sempre o intrigava e desafiava, sua
simples presença lhe causava um sentimento
desagradável de aturdimento. Ele pensava demais
em sua situação no Ministério do Rei, e não

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gostava de desviar seus pensamentos da segurança


do castelo, sua obrigação, para pensar em
problemas da clausura, assuntos relegados aos
cuidados dos Conselheiros.
— Sigo suas ordens, Guardião. — Ela fez
uma falsa mesura e fechou os olhos, abrindo-os a
seguir, sempre risonha, debochando dele e de sua
seriedade. Afastou-se numa corrida em direção ao
castelo.
Egan observou-a ir, puxou as rédeas, saindo a
galope em direção oposta, para espairecer a cabeça
e também procurar pelo irmão desmiolado, rezando
secretamente para Tobias não estar envolvido em
nenhuma nova confusão.
Seu irmão adotivo era naturalmente propenso
a confusões. Desde o primeiro dia vivendo na
mesma casa, Tobias deu trabalho. Não era grato por
ser adotado. No começo Tobias parecia desafiar

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essa escolha. Provocar Túlio e devotar seus dias a


causar dor ao Conselheiro, pois a seu ver, era culpa
dele que fosse adotado enquanto Eleonora
permanecia no Ministério do Rei.
Egan ainda lembrava quando dois meses
mais tarde, depois de uma briga e um castigo, onde
seu pai que raramente gritava, perdera a calma e
usara de sua cinta contra ao menino, Egan o
encontrou no quaro, escondido dos pais e o ajudou
a escapar pela janela.
— Aonde vamos? — O pequeno Tobias
havia perguntado, desconfiado.
— Um lugar aonde eu vou quando estou com
raiva. — Egan contou.
Havia uma diferença grande de idade entre
eles, de no mínimo sete anos. Mas isso não
importava, Tobias era mais maduro que os outros
meninos de sua idade. Eles podiam conversar por
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horas e brincar juntos, sem distinção de idade.


Egan levou o irmão para seu lugar secreto, as
cavernas no abismo. Ele conhecia um atalho pelo
castelo, que conduzia para uma passagem secreta e
isso era o maior de todos os segredos divididos
apenas aos futuros Guardiões. Agora, Egan
compartilhava isso com Tobias, arriscando-se a
perder seu posto e sua futura armadura.
Tobias era criança demais para entender as
implicações de manter um segredo, mas gostou da
aventura pelo caminho secreto e mais do que isso,
falou por semanas das missões secretas que tinha
com seu novo irmão Egan. Depois disso, a amizade
tornou-se genuína e insolúvel.
Ambos tinham um segredo e as brincadeiras
entre os irmãos tornaram-se um prazer incomum na
vida de um garoto que desde cedo se acostumou
aos treinamentos, regras e não sabia de verdade o

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que era diversão.


Tobias sempre foi muito brincalhão e
divertido, ele via leveza e beleza em tudo, e
qualquer coisa, por mais simples que fosse, lhe
despertava atenção e interesse. Viver ao seu lado
era uma roleta russa, um constante reboliço. Egan
não podia negar que isso lhe fazia bem. Tobias
viera para alegrar a família. Que sem ele a família
estaria partida outra vez, como acontecera após a
morte de Mirrar, seu meio irmão.
Tantos anos depois e os dois irmãos queriam
a mesma fêmea. O que não era propriamente um
problema, desde que Egan mantivesse seu interesse
oculto. Suspeitava que Reina soubesse do seu
apresso pela fada Eleonora, o que levava a crer que
a insistência de Túlio, seu pai, em convencê-lo a
casar-se com alguma fada de linhagem, devia-se
unicamente ao fato de Reina já ter falado com ele

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sobre essa possibilidade.


Tobias sempre fora apaixonado por Eleonora,
desde a infância, embora em alguns momentos ele
lhe parecesse um tanto vago sobre esse sentimento.
Lembrava muito bem de uma noite, quando
retornara cansado do treinamento, e encontrara
Tobias na eminência de uma saída fortuita. Ao
pegá-lo no flagra, fora encorajado a ir com ele.
Tobias quando queria ser convincente era um
demônio de insistência.
— Eu não vou pagar por atenção feminina —
Egan havia dito irritado, porém muito tentado a
isso.
— E quem falou em pagar? — Tobias
encorajou-o — Ora, vamos, Guardião! Um pouco
de diversão na taverna faz bem para qualquer
macho... Além disso, você não acha que consegue a
atenção de uma fada alegre sem precisar do seu
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ouro?
Era um desafio provocador. Na ocasião,
Egan havia fechado uma chave de braço no irmão,
entre riso e falsas tentativas de silêncio, os dois
saíram de casa sem serem pegos por Reina. Sempre
vigilante do comportamento do enteado, que
precisava estar de pé nas primeiras horas da manhã,
para cumprir suas obrigações nos treinamentos.
Naquela noite Egan mostrou a Tobias, que
embora seguisse as regras, não era de todo um
santinho. Bastante conhecido na taverna, não foi
surpresa encontrar outros de seus amigos
Guardiões, como Acheron, que já era empossado de
sua armadura há alguns anos. Ou Solon, ou ainda
Zoé, a guardiã fêmea, que sempre estava no
encalço do Guardião Acheron, esperando que
reparasse nela.
Foi uma noite de música e dança. No

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amanhecer, não foi surpresa, ao acordar com uma


caneca de água gelada sendo lançada no rosto e os
gritos impiedosos de Reina, que viera buscar os
dois filhos, encontrando-os bêbados e em situações
bastante constrangedoras, junto ao leito de belas
fadas de taverna.
— Eu esperava isso de qualquer um... Menos
de você, Egan! Que Tobias seja inconsequente... É
da idade. Mas você? É mais velho e deveria ser o
exemplo de Tobias! Além disso, olhe em volta, o
que são esses Guardiões bêbados e atirados pelos
cantos, como prostitutas velhas e bêbadas? Perdeu
o juízo Egan? Esqueceu quem é seu pai? Esqueceu
das suas obrigações?
— É, eu esqueci! — Ele havia se arrumado
com um lençol para cobrir sua nudez, levantado
irritadíssimo, com a cabeça latejando. — Mas
obrigado por me lembrar que minha vida não me

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pertence!
— Não tente reverter à situação em seu
favor! — Reina colocou o dedo na frente do nariz
do enteado, enfrentando-o — Vista suas roupas e
vá para o treinamento! E leve seus amigos com
você. E não volte para casa se não for para admitir
que o que fez é errado. — Reina sempre tinha o
dom de deixá-lo culpado.
— Eu sinto muito, Reina. Eu só... Queria
ouvir um pouco de música e dançar.
Reina havia suspirado ruidosamente, sabendo
bem que ele tinha razão, mas nem sempre de razão
a vida é feita. Existem obrigações.
— Você nem é o pior, isso que me mata!
Você nem é o pior! — Ela disse como se falasse
consigo mesma — Tobias! Onde você está!?
Apareça! Eu sei que tem o dedo seu nesse
comportamento inaceitável de Egan! — Saiu do
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estreito cômodo gritando pelo nome do filho.


Egan havia seguido-a até o batente da porta,
se recostado ali para observar, e então sorrido
satisfeito.
É claro que Tobias havia fugido do flagrante.
Certo estava seu irmão boa vida!
Era esperado que o pequeno Tobias ao
crescer se tornasse um parceiro do futuro Guardião
e não um aliciador. Mas Egan estava bastante
contente de ter sido um parceiro de farra e diversão.
Egan não podia falar sobre os sentimentos de
Tobias sobre a fada Eleonora, não era justo lançar
dúvidas sobre sentimentos alheios, mas ele podia
falar sobre os próprios sentimentos.
Não era um elfo que pudesse orgulhar-se de
ser namorador, pois seus flertes eram sempre
escondidos e mantidos em surdina. Fadas de
tavernas, fadas do vilarejo. Ele preferia as mais
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velhas, da sua idade, independentes e sem apegos a


relacionamentos longos. Fêmeas interessadas em
diversão e prazer. Uma vez, houvera uma que
quase o cativou, mas foi apenas paixão.
E nesse caso em particular, era agradecido ao
hábito que Reina tinha de acabar com seus
namoros. A fada que o perturbava com paixão e
palavras falsas também era uma conhecida
Caçadora de Recompensas e provavelmente
tencionava a oportunidade de estar em sua cama,
quando fosse empossado como Guardião.
A armadura de um Guardião era um prêmio
inestimável. Uma vez pertencente a um Guardião,
outra pessoa não poderia tocar, a menos que o
Guardião a aceitasse de modo inexorável, nesse
caso, a criatura poderia tocar sem ser morta ou
ferida.
A fada desejava leva-lo ao altar, para ser

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aceita e poder colocar as mãos na armadura e


vendê-la.
Claro que para isso, seria necessário matar o
elfo que a armadura reconhecia como dono. O que
não seria muito difícil para alguém que dividisse o
leito com ele.
Mas Reina e seu excesso de zelo escandaloso
havia colocado as esperanças da jovem fêmea por
terra.
Em relação à Eleonora, Reina sempre usava
o mesmo discurso:
— Tobias, se você encostar-se a Eleonora
antes do tempo, eu nem sei o que farei com você.
Se você não escolher Eleonora para esposa, estou
lhe avisando, não reclame depois! Eu vou casa-la
com Egan! Está avisado! Por isso não ouse encostar
um dedo nela! Que lástima se dois irmãos
dividissem a cama da mesma fada! Que lástima! E
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não se atreva a contar a quem quer que seja sobre


essa conversa!
Era a eterna ordem, normalmente os dois
apenas ouviam calados, trocando olhares
cúmplices, e apesar de Egan saber que isso não
precisava acontecer, ele era adulto e poderia dizer
não. Ainda assim, gostava da ideia de Reina poupá-
lo de levar a culpa por roubar a namorada de seu
irmão.
Se Tobias não casasse com a fada nas
próximas semanas, Egan faria o suposto sacrifício.
Pelo bem de Reina, claro, pensou irônico.
Era um modo de lidar com uma situação sem
solução.
Quanto aos sentimentos da fada, ele tinha
esperanças de não ser um grande amor ou uma
relação profunda com seu irmão, que a fizesse odiá-
lo, caso se casassem. Ela estava nas vésperas do
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padecimento das asas e preocupada com o cio, o


que lhe dizia que Tobias nunca avançou etapas com
a fada e sua castidade estava intocada.
Ele não era preocupado com isso, era
bastante flexível sobre castidade, sua preocupação
era deitar-se ao lado de uma fada que mantivesse
seu irmão Tobias em sua mente e coração. Que o
detestasse por ser seu marido.
Mas para tudo na vida há seu tempo, pensou
Egan, conduzindo seu cavalo, tentando achar o
lugar onde Tobias deveria ter se escondido dessa
vez, principalmente descobrir a causa dessa nova
fuga, pois ele desaparecia sempre que aprontava
alguma coisa realmente séria.
*****
Anoitecia quando Eleonora finalmente soube
de Tobias. O fujão estava escondido em seu quarto,
o mesmo que dividia com as amigas e que no
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passado era o lugar onde se escondia quando


aprontava alguma coisa no setor destinado aos elfos
órfãos.
— Enlouqueceu? — Perguntou, assim que o
enxergou, bem sabendo a resposta que teria na
ponta da língua.
Ele estava suado, sorrindo de orelha a orelha
e parecia tão feliz como poucas vezes o vira em sua
vida. Ele ostentava um brinco na orelha pontuda e
este brilhou sob a luz escassa que vinha da vela
acesa que Eleonora carregava, para iluminar um
pouco o quarto.
— Onde elas estão? — Ele foi logo
perguntando.
— Onde você acha? — Ela disse furiosa —
Joan está outra vez precisando de poções e
unguentos! As carcereiras estão infernizando a vida
de Driana e Alma por conta do seu
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desaparecimento! Eu só vim aqui buscar uma roupa


limpa para Joan. Tadinha, ela tem passado tão
mal... Mas... — Em sua fúria, ela empurrou Tobias
e o sacudiu, extravasando fisicamente sua
preocupação. — O que faz aqui??? Está sendo
procurado o dia todo! Seu irmão organizou uma
busca por você, seu inconsequente!
— Eu consegui, Eleonora! Eu consegui! —
Ele comemorou, como fazia na infância, ao
aprontar, pegando-a nos braços e a rodopiando.
Eleonora o empurrou outra vez, furiosa e se soltou.
— O que você conseguiu? — Perguntou
fechando a porta, pois não havia formas de
dissolvê-lo de uma ideia.
— Veja com seus próprios olhos! — Ele
exibiu algo, retirado de um pano enrolado em seu
bolso.
Era uma tiara cravada com os mais belos
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diamantes que alguma vez Eleonora vira. Fascinada


ela pegou a joia e colocou-a diretamente na cabeça.
Foi um impulso incontrolável. Ela somente via
joias, quando Reina usava-as, mas a sua protetora
raramente usava joias, preferia a vida simples.
— De onde veio isso? É lindo demais! —
Perguntou olhando-se no pequeno e rachado
espelho que havia na parede, sua vaidade feminina
esquecendo completamente dos problemas.
— Pertence à Rainha Santha — ele disse
orgulhoso de seu feito.
— O que? — Imediatamente retirou da
cabeça como se aquilo pudesse criar vida e atacá-la.
Seus olhos se arregalaram como imensos pires de
água límpida. — Você enlouqueceu? A Rainha
jamais lhe daria isso!
— É claro que não. Eu peguei. Um dos
carcereiros prometeu ajudar a leva-las para um
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lugar seguro se eu pegasse essa tiara. Eu consegui!


Eu disse que conseguia, não disse, Lora? Eu
trocarei a tiara pela liberdade de vocês quatro! —
Ele disse com simplicidade.
Eleonora maneou a cabeça incrédula. Sentou-
se na beira da cama e olhou para a joia com pesar,
desconsolada com o que acontecia:
— Não seja tolo, Tobias. Ele estava rindo de
você. Jamais poderia vender essa joia, pois seria
pego em flagrante. É uma joia da rainha, como
pode ser tão estúpido? Quem terá coragem de
comprar e usar isso? Não seria seguro guardá-la.
Então... Por que iria querê-la? Porque pedir algo
que jamais terá valor? Pense um pouco antes de
fazer esse tipo de coisa estúpida!
Tobias era um boa vida nato. Sempre
vestindo suas melhores roupas, colete de couro,
calças e camisa de linho. Cabelos empoados de gel

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e um brinco na orelha esquerda. A mesma orelha


que em vez de pontuda, tendia a ser um tanto torta
por causa das surras que levara dos carcereiros do
orfanato quando pequeno.
Sentindo o peso do mundo nos ombros,
Eleonora tentou sorrir diante do seu choque de
realidade, que o emudeceu:
— Esqueça, nossa liberdade é apenas uma
fantasia, Tobias. Fico com isso. Vou esconder e
quando todos se esquecerem do roubo acho um
modo de devolver sem que saibam quem pegou.
Agora vá para casa, seu irmão o tem procurado
durante o dia todo e Reina deve estar angustiada
com seu sumiço!
— Egan, Egan, Egan... Sempre Egan — Ele
debochou e ela quase sorriu, pois sabia do amor
que havia entre os dois irmãos. — Eu não aceito
que permaneçam na clausura, Lora. Não aceito.

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— Não aceite. É seu direito. Mas isso foi


uma estupidez! Eu tenho medo de pensar no que
Driana diria se visse tanta burrice junta! — Ela
sacudiu a tiara. — Vá daqui antes que o peguem.
Eu me livro disso antes que você se prejudique
desnecessariamente!
Tobias ficou calado e ela sentiu o sangue
ferver.
— Roubar, Tobias? Roubar a Rainha? Por
favor! Quer condenar a todas nós com a prisão? As
masmorras são piores que a clausura! Você perdeu
a razão!
— Não é justo que eu possa ser livre e vocês
não. — Ele disse perigosamente sério.
— E quem viria nos contar as novidades do
mundo lá fora quando estivermos presas pela vida
toda? — Perguntou para vê-lo menos tenso — O
dia de amanhã não pertence a nós, Tobias. O que
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for para acontecer, vai acontecer. E você não


melhora em nada nossa situação fazendo esse tipo
de besteira!
Ela mal fechou a boca e ouviu barulho nos
corredores.
— Droga! Alguém o viu se esconder aqui?
— Perguntou espiando pelo corredor.
— Eu não sei. Eu tentei ser cuidadoso.
Era a voz dos carcereiros elfos, que
raramente vinham por aqueles lados, dominados
pelas carcereiras fêmeas. Suas passadas pesadas,
provavelmente de elfos usando armaduras, indicava
que não estavam sozinhos.
— Vamos, você precisa ir daqui! — Ela o
empurrou porta a fora pelo corredor.
De mãos dadas eles correram por vários
corredores escuros. Saíram por uma abertura que

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desembocava em uma das torres no alto do castelo.


Foi impossível não rirem da aventura. Eles
sempre faziam isso, fugas loucas após travessuras
imperdoáveis. Não era a primeira vez que
escapavam de uma boa surra. Mas agora eram
adultos e isso não deveria estar acontecendo!
Estavam convictos de ter escapado quando
foram surpreendidos por Egan.
— Oh, não! — Ela disse baixo, logo atrás de
Tobias.
— Eu juro meu irmão, não é o que parece —
Tobias não teve sequer a decência de não sorrir.
O riso era inevitável. Como crianças que não
notaram que a idade chegou e a responsabilidade da
vida adulta cobra seu preço por tudo que fazem.
Acostumado a prender o irmão de criação,
Egan o jogou contra a parede e imobilizou-o.

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Quisera ele que fosse a primeira vez que Tobias


cometia um crime. Principalmente, que fosse a
primeira vez que precisasse prendê-lo.
Era quase um ritual entre eles. Algo diário.
Se pudesse viver um único dia sem levar Tobias
para ser sentenciado pelo Rei, Egan poderia dizer
que alcançara a plena felicidade.
Quando prendeu o elfo, focou-se na fada.
Eleonora ergueu a mão e lhe ofereceu a tiara sem
relutar. Seus olhos eram tão claros, sem cor
definida, que o hipnotizavam. Era uma sorte que a
fêmea não soubesse do encanto que lhe despertava
ou faria dele gato e sapato.
Pela expressão da fada, já imaginava que isso
aconteceria. Estava conformada.
Não trocaram palavras, apenas levou os dois
para o Rei, onde seriam julgados por mais um dos
seus muitos crimes contra a paz do reino de Isac.
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Para Eleonora era uma novidade. Ela sempre


era levada diretamente para as carcereiras. Mas
dessa vez o roubo era mais sério e estava realmente
em uma enrascada!

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Capítulo 9 - Linhagem e desafios

Rei Isac não perderia tempo com um


julgamento tão simplório. Lucius era seu braço
direito e parte dessa confiança, era relegar a ele
esses pequenos cuidados. Até mesmo o Rei
confessava que ouvir falar de Tobias era cansativo.
Uma vez, a cada três dias, no mínimo, o
bandoleiro estaria ali naquela sala, sendo
relembrado de suas obrigações, enquanto era
absolvido de tudo, por consideração ao Conselheiro
Túlio e Reina, a criada da rainha.
Era um círculo vicioso, onde quem sempre
saia ganhando era Tobias.

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Algumas vezes Santha participava, apenas


pelo prazer de ver sua criada desesperada, com
medo da punição que seu filho ilegítimo seria
submetido. Mas naquele dia em especial, a pedidos
de Lucius, ela não compareceu. O que foi um alívio
para todos, pois a presença de Santha era sempre
algo que pesava no ambiente e tornava todos os
presentes tensos e incomodados.
Rainha Santha era alguém desagradável por
natureza e não tentava mudar. Estava bastante feliz
em ser temida por seus súditos.
Em seu lugar diante do trono, sentado em
uma das cadeiras destinadas aos Conselheiros,
Lucius fez um sinal arrogante para que Egan
falasse:
— Encontrei a tiara da rainha em posse de
Tobias e da fada do Ministério do Rei chamada
Eleonora — ele disse sucinto, sem muitas palavras.

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— Hum — o elfo moveu-se e encarou um ao


outro, com desplante. — Alega que roubaram a
tiara?
— Não. Eu não vi o roubo. Não presenciei o
roubo. — Egan foi direto, medindo muito bem cada
palavra que pronunciava, para não incriminar o
irmão. — O que vi, foi Tobias com a tiara em suas
mãos. Em companhia da fada Eleonora.
— Uma fada do Ministério do Rei? Explique
as condições do roubo — ele exigiu.
— Rainha Santha reportou o roubo algumas
horas atrás. Não encontramos provas que levassem
ao Ministério do Rei ou a participação da fada.
Impossível que a fada estivesse envolvida no
roubo, pois ela estivera toda a tarde junto à
carcereira Miquelina, e não duvido das palavras da
Carcereira. Quando a Tobias, a única prova contra
ele é o fato de estar com a joia no momento da

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apreensão.
— O que quer dizer com isso, Primeiro
Guardião? Que seu irmão é inocente da acusação
de roubo? — Lucius debochou.
— O que digo é que não posso testemunhar o
que não vi e que na ausência total de provas que
confirmem que Tobias roubou a tiara, só posso
deduzir que diz a verdade ao contar que encontrou
a tiara abandonada em um estábulo, durante seu
trabalho. Que curioso decidiu mostrar a bela joia
para sua amiga, antes de devolvê-la para as
autoridades. A meu ver, o único crime de Tobias
foi à inconsequência da idade que o fez desejar
impressionar uma fêmea usando da beleza de uma
joia.
As alegações de Egan faziam sentido. Isso, se
todos não soubessem que o Primeiro Guardião
protegia seu irmão, mesmo que isso lhe custasse

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seu posto de Guardião.


A cada dia Egan tornava-se mais e mais
criativo em suas elaboradas estórias. A pergunta
que sempre pairava no ar, era o que seria de Tobias
quando a criatividade do Guardião chegasse ao fim.
— Foi exatamente isso que aconteceu, elfo?
— Lucius apontou para Tobias que lutou contra o
riso, piscando para Eleonora, ao dizer:
— Faço minhas as palavras do respeitável
Primeiro Guardião.
Típico de Tobias não se importar com a
seriedade da situação. Eleonora sentiu vontade de
puxar suas orelhas, até despertar a responsabilidade
que jazia adormecida no elfo.
— Aproxime-se, enclausurada — Lucius
apontou para Eleonora, que obedeceu por não ter
outra escolha.

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O modo como ela olhou para Lucius era de


desafio puro. Odiava Lucius pelo que fazia contra
os órfãos, sempre incitando as carcereiras a serem
punitivas e cruéis, e odiava ainda mais a Rainha
Santha por sua alienação.
— Eleonora — ela disse sem pensar. — Me
chamo Eleonora. Enclausurada não é nome, é
adjetivo.
Pensou ter ouvido um palavrão sussurrado
escapar da boca do Guardião. É claro que não
ajudaria em sua situação ser petulante com Lucius!
— Uma fada da clausura chamada Eleonora
— Lucius satirizou, com os olhos fixos nos da fada.
— Não. Ainda não. Por enquanto uma fada
do Ministério do Rei. Minhas asas não nasceram.
Ainda me resta esperança de casamento e
liberdade. — ela desmereceu Lucius, sem controlar
a vontade de provocá-lo.
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— O que a fada quer dizer — Egan


interferiu, segurando o braço da fada. Era a
primeira vez que a tocava. Por um segundo ela
esqueceu o que acontecia e o perigo ao qual era
submetida, perdida nesse toque encantador. — É
que seu dom não é completo ou suas asas nascidas.
Ela não possui capacidade para roubar a rainha. O
mais provável é que a versão que Tobias conta seja
verdadeira. Conte a Lucius o que aconteceu,
Eleonora. Apenas a verdade do acontecido.
O olhar de Egan pedia que ela falasse, mas
nem de longe falasse a verdade.
— Tobias trouxe a tiara para que eu visse.
Ele me contou que achou a joia exatamente onde o
Guardião contou. Eu fiquei encantada e pedi para
usar um instante. Foi culpa minha que Tobias não
tenha devolvido imediatamente.
Eleonora não era burra, sabia muito bem que

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a única coisa que impedia Lucius de liberar logo


Tobias e poder voltar para sua vida de luxo e
pasmaceira, era a vontade de punir a fada que
sempre o desafiava.
Agora, ela lhe fornecera um motivo para
puni-la e sendo assim, não havia razão para aquilo
tudo continuar.
— A palavra de um Guardião, me basta —
Lucius despachou-os com um movimento de mão,
que soo como descaso e deboche — diante da
confissão da fada da clausura — ele insistia em
chama-la assim — não me resta alternativa além de
sentencia-la a uma noite nas masmorras. Para que
aprenda seu lugar e não deseje o que pertence à
rainha.
Eleonora pensou ter entendido errado sua
sentença. Como ela poderia desejar algo que
pertencesse à rainha?

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— Escute, Lucius, uma noite na masmorra


não é apropriado para uma fada na situação de
Eleonora. Em poucas semanas ela será exposta ao
cerimonial de escolha — foi Túlio quem se
intrometeu. — Saber que esteve nas masmorras,
poderá levantar suspeitas sobre sua castidade e
nenhum elfo irá desejar escolher uma fada que
penou nas masmorras. Apelo para eu senso de
justiça.
— Meu senso de justiça diz que a fada
deveria ter pensando nisso antes de cometer seus
crimes hediondos contra a honra da rainha. A meu
ver, essa reunião está encerrada. Cabe ao Guardião
cumprir sua obrigação para com o reino.
Lucius encerrava a conversa como se o poder
de um Guardião e de um Conselheiro não valesse
nada diante dele. Como se fosse o próprio Rei.
Nenhum deles ousou questionar a decisão de

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Lucius, mas a troca de olhares entre Egan e Túlio


denunciava que mais tarde haveria uma longa
conversa sobre esse comportamento arbitrário.
— Lora não pode passar uma noite nas
masmorras! — Foi Reina quem se desesperou. —
Estão de acordo com isso?
— Reina, não é culpa deles — disse
Eleonora. — É culpa de Tobias! — Ela pós os
pontos nos ‘is’ — Está vendo, seu inconsequente, o
que você fez? — A sequência de tapas que
Eleonora acertou em Tobias era esperado, pois eles
eram mais íntimos do que irmãos. — O que eu faço
com você, Tobias? Um dia vai causar um dano a si
mesmo que será irreversível! Sua peste!
— Me desculpe, Lora. Desculpe-me —
falsamente dramático, ele caiu de joelhos e abraçou
sua cintura, sufocando-a com seu jeito de fazê-la rir
quando não queria. Era só um jeito de conquistar e

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amolecer seu coração


— É a última vez, Tobias. Da próxima eu
nunca mais falo com você! — Ela sorriu, mesmo
sem querer. — Vá, me solte ou seu pai pensará que
é uma criança e não um elfo adulto.
Era verdade, Túlio esperava uma
justificativa.
— Túlio, por favor, não permita que Lora
fique desamparada nas masmorras — Reina
implorou ao elfo mais velho tendo um
entendimento maior da situação, que os mais
jovens não conseguiam entender. — Por favor, use
sua influência...
— Egan deve fazer a segurança da fada. Não
é apropriado que uma fêmea permaneça presa entre
machos, sem supervisão. Quanto ao resto, a
punição de Tobias recairá sobre os ombros do
Guardião, que tudo perdoa e defende. Mentiu sobre
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seu irmão, Egan, mais uma vez, você encobriu as


atitudes de Tobias!
— Eu não vou falar disso aqui, na frente de
outros Conselheiros e Guardiões — ele avisou o
pai, notando que havia outras pessoas olhando e
prestando atenção.
Túlio fez um sinal para que Egan o seguisse,
e eles permaneceram apartados dos demais, em
uma discussão nada agradável. Eleonora manteve
os olhos sobre eles, querendo saber o que diziam.
— É inaceitável! — Disse Reina. — Eu vou
apelar para o Rei! Não é possível que uma fêmea
seja condenada a permanecer na masmorra!
— Reina — disse Eleonora. — Ouça, uma
noite não é nada. Melhor não tornar essa situação
em algo pior. Tobias é um cabeça de vento! É isso
que ele é!
Suas palavras acalmaram Reina, mas não
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amorteceram sua indignação. Voltada contra


Tobias, à fada despejou sobre ele toda sua
indignação de mãe.
Eleonora não prestou atenção nas desculpas
esfarrapadas de Tobias, e sim, tentou ouvir o que
Túlio dizia para Egan, não tão longe que não
pudesse usar seu dom ainda não totalmente
desperto para trazer o som para ela.
Uma brisa suave, deslocada de caminho,
trazia o cheiro do Guardião e também o som da
conversa, para que ela pudesse saber o que diziam
sobre Tobias.
— O que espera que eu faça, meu pai? Que
eu prenda meu irmão, mesmo que o Rei o absolva
das acusações? — Egan respondeu prontamente,
enfrentando seu pai e mentor. — Isso não vai
acontecer. Você colocou Tobias em nossas vidas
quando obrigou Reina a escolher um macho e não

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uma fêmea. E eu nunca poderei esquecer isso. Do


dia em que ele veio para casa com Reina. Naquele
dia, meu pai, você mudou tudo. Eu deixei de ser
enteado de Reina e filho de Túlio, eu passei a ser
irmão de Tobias. Tobias não é meu irmão. Eu sou
irmão dele e é desse modo que lidarei com tudo que
Tobias fizer de errado! Vou ser complacente e
relapso com minhas obrigações. Não me peça para
abandoná-lo ou ser rígido com ele. Não vai
acontecer.
— Eu sei que a perda de Mirrar foi muito
dura, Egan. — O conselheiro tentou colocar as duas
mãos nos ombros do filho, sendo repudiado — e
que você quer proteger Tobias como faria com seu
irmão de sangue. Mas acobertar os crimes de
Tobias não fará bem algum a ele.
— Eu não protejo Tobias por causa do que
aconteceu com Mirrar. São dois sentimentos

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distintos. Tobias é parte da alegria da minha vida.


Eu não vou pedir que ele siga ordens e mude. Ele
tem que ser assim, pois é assim que Tobias é feliz e
torna a vida de todos nós mais felizes. — Disse
sério, afastando-se do pai. — Cumpro minha
obrigação, eu o prendo sempre que apronta, mas
não vou fazer nada além. Se você consegue... Então
o puna como se deve. Eu não consigo.
Foi um momento decisivo, Túlio manteve os
olhos nos do filho e então se afastou, gritando com
irritação:
— Vá, Guardião, fale a favor de seu irmão
mais uma vez e livre-o de suas responsabilidades
para com as leis! Ensine-o a ser um bandoleiro de
rua!
Era o jeito de Túlio assumir que não
conseguia punir Tobias, pelas mesmas exatas
razões que Egan também não conseguia.

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Egan, exasperado com o pai e com o irmão,


apenas praguejou e descobriu que era observado
pela fada. O modo como Eleonora o olhava,
denunciava que estivera ouvindo sua conversa. Era
uma fada e logo obteria seu dom.
Egan estreitou os olhos, intrigado. Nunca
antes se perguntou qual era o dom dessa peculiar
fada, mas agora suspeitava que não gostaria de
saber a resposta para essa dúvida. Vencida pelo
desejo que sentia pelo elfo, Eleonora baixou os
olhos envergonhada. Não queria que ele visse o
quanto gostava dele.
— Chega de brigas, mãe — Egan finalmente
encerrou o berreiro de Reina e livrou o irmão da
surra que Reina tentava lhe dar.
Eram elfos grandalhões. Era um pouco
patético que Reina achasse que poderia machucar
Tobias.

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— Seu irmão merece uma bela surra, Egan!


— Reina disse com lágrimas nos olhos e
indignação. — Eu não quero minha fadinha nas
masmorras — ela abraçou Eleonora, chorando.
Eleonora lutou para não sorrir.
— Eu ficarei bem. Não é a primeira noite que
passo em um lugar sujo e fedorento, Reina. Além
disso, eu terei histórias para contar as meninas
quando voltar para o Ministério. Não é de todo
ruim.
Como se minimizar a situação pudesse
acalmar Reina.
— Vocês três são os amores da minha vida
— disse Reina chorando. — Eu tenho medo do que
será de vocês. Tobias você fazendo essas coisas,
cometendo esses crimes... Eu tenho medo do que
será de você no futuro, não tendo uma profissão ou
se assentando na vida, para poder escolher Lora em
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casamento ou uma das meninas! Egan... Olhe para


você! Um Guardião protegendo um ladrãozinho de
meia tigela furada! Irá perder seu posto um dia
desses! Causará o maior desgosto da vida de seu
pai! Desonrará sua linhagem! E você, Eleonora, o
que ainda lhe dá na cabeça para seguir as loucuras
de Tobias? Não pensa em Driana, Alma e Joan?
Elas são sua família, criança, como pode esquecer-
se delas e se colocar em tamanho risco?
— Não é para tanto, Reina — ela disse
envergonhada, cabeça baixa.
— Oh, sim, vocês três não pensam. Esse é o
problema! Não pensam! Eu não sei mais o que
fazer. Eu não sei o que fazer com você, Eleonora!
Não deveria estar aqui! Eu sempre a proibi de vir
até essa parte do castelo! Eu sempre a proibi de se
envolver com a rainha! — Seu descontrole levantou
uma suspeita em Egan, mas ele se esqueceu disso,

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tendo que acalmá-la.


— Chega, mãe. Eu preciso levar Eleonora
para a masmorra. Cumprir a ordem de Lucius. Vá
atrás da Rainha. Tente convencê-la de que a perda
da tiara foi um descaso de alguma serva. Faça-a
esquecer disso. O resto eu resolvo.
— Palavras de elfos... As palavras dos
machos não valem nada quando a vida de uma
fêmea está em risco. São egoístas, todos os machos
são egoístas — Reina acusou-os, mesmo assim,
afastou-se para cumprir o pedido do Guardião.
Restou apenas os três e um silêncio
constrangedor.
— Porque você fez isso, Tobias? — O
Guardião perguntou.
O suspiro derrotado do elfo era sinal de que
não mentia para o irmão. Para o pai e a mãe de
adoção ele até conseguia mentir às vezes, mas para
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Egan nunca.
— Um carcereiro do setor dos elfos disse que
se eu pegasse a tiara da rainha e lhe desse, ele
conseguiria facilitar a fuga das fadas. Eleonora,
Alma, Driana e Joan. Eu só queria ajudar. Joan está
doente outra vez e... — Notando a expressão do
irmão, Tobias exasperou-se — você não entende!
Ninguém faz nada para ajudar! Joan está sempre
doente e ninguém move um dedo para ajuda-la! Ela
vai acabar morrendo cedo se não for tirada de lá!
— Case-se com ela na próxima escolha. —
Egan respondeu, afastando-se do irmão, pois
Tobias impacientava-se e tentava agarrar Egan pelo
braço para que ouvisse. — Você sabe muito bem
como ajudá-la!
— Eu não quero me casar obrigado! —
Tobias revelou no calor do momento. Então
constrangido, baixou a cabeça.

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— Não fique assim, Tobias. — Eleonora


disse triste. — Eu sei que fez o melhor que pode ao
roubar a tiara. Achou estar sendo bonzinho e não
um completo estúpido — ela abraçou Tobias, não
reparando no olhar do primeiro Guardião. Um olhar
de represaria.
— Você me perdoa, Lora? — Ele tocou seu
rosto, implorando seu perdão com seus olhos de
cão ferido. — Perdoa?
— É claro que sim. — Ela sorriu e Tobias
rapidamente afastou a tristeza erguendo-a do chão
com um abraço apertado. — Agora me solte, elfo
burro. Eu tenho uma pena a cumprir. — Ela olhou
para Egan e então cochichou no ouvido de Tobias.
— Amanhã eu conto como é a masmorra. Quem
sabe assim você finalmente fica com medo e para
de aprontar?
Para Egan era um sussurro de namorados.

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Desembaraçada dos braços de Tobias, a fadinha da


clausura até sorriu antes de seguir o Guardião.
Egan não andou devagar ou pareceu notar
que ela quase corria para acompanhar suas
passadas. De cabeça erguida, porte tenso e reto,
fruto do seu treinamento exaustivo para Guardião, a
conduziu pelo castelo e pelos corredores imundos
das masmorras.
Eleonora não abriu a boca para falar. Temia
dirigir-se diretamente ao Guardião sem licença, era
um temor que extrapolava o medo e submissão
esperado de uma fada do Ministério do Rei, era um
temor que vinha de dentro do seu coração. Um
temor de ser uma tola ou parecer boba diante do
seu primeiro amor de infância.
Sempre havia Egan em sua mente e coração.
Ele a cativava, quando não deveria fazê-lo.
É claro que percorrer os corredores com uma
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fêmea incitava comentários grosseiros e gracejos


mal educados, mesmo os carcereiros das
masmorras pareciam empolgados em ter uma
fêmea à disposição. Eram elfos que há tantos anos
foram privados do convívio normal, relegados ao
trato das prisões, que muitos deles semelhavam-se
aos apenados.
Rei Isac não tratava apropriadamente de seus
servos. Não entendia o conceito de trabalho, apenas
de escravidão.
Eleonora não estava incomodada com Tobias
ter sido inocentado totalmente enquanto ela pagaria
por um crime que não era seu. Isso era esperado.
Filho de criação do melhor amigo do Rei, e da
acompanhante da Rainha. Irmão do corajoso
Primeiro Guardião... Qual a possibilidade real de
ser punido por seus crimes?
Eleonora esperava de coração que da

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próxima vez Tobias aprontasse algo realmente


devastador para que aqueles hipócritas sentissem o
gosto do desamparo.
Contrariado, Egan deixou-a em uma cela
afastada das demais e virou as costas sem olhar
para trás. Não que Eleonora esperasse qualquer tipo
de conversa, mas doía a rejeição. Era uma fada da
clausura, como tal, não era digna de respeito ou
importância. Deveria estar acostumada a esse
tratamento.
Por mais que dissesse a si mesma que isso
não importava e que a punição não a feria, era
mentira, e ela descobriu que as próximas horas
seriam insuportavelmente difíceis.
Mas, para sua total surpresa, Eleonora
descobriu que estava redondamente enganada sobre
as masmorras.
Estava enganada ao pensar que as masmorras
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seriam piores que a clausura. Pelo contrário. Há


muitos anos não havia penas longas ou prisioneiros
sentenciados a mais que alguns dias de flagelo, e
por conta disso, os corredores eram animados em
conversas e palavrões sem fim.
Sozinha em uma cela pequena, Eleonora
ouvia atentamente a conversa de dois elfos que
foram presos por desacatar um dos Guardiões, o
mais novo deles, que ocupava a décima colocação
em hierarquia.
Eles estavam na cela ao lado e contavam
estórias engraçadas que a fazia conter o riso, pois
eram animados e engajados em desrespeitar as leis
do reino, sobretudo com palavras pejorativas.
A cela que Eleonora ocupava era suja,
pequena e não havia privacidade ou acesso à luz do
sol. Como se a clausura fosse muito melhor que
isso, pensou amargurada.

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Ao menos ali havia som de vozes e


ocasionalmente algum agitamento em brigas,
rivalidade entre elfos bandoleiros e os guardas.
Ela estava sentada contra as grades, mexendo
nos dedos dos pés distraidamente, quando sentiu
uma presença atrás de si.
Ergueu a face para enxergar quem era.
Do alto de sua imponência Egan a fitava
como quem olha um filhote engraçadinho que se
desgarrou da matilha.
No mesmo instante, ela ficou curiosa pela
presença inesperada:
— Sua comida — ele disse seco, passando
pelas grades um prato e um cantil.
Ela suspirou de contentamento, sabendo
muito bem que Reina não a deixaria comer a
comida das masmorras.

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— Há quanto tempo não provo a comida de


Reina... — Disse alegre.
No Ministério do Rei, as comidas e pequenos
confortos que Reina às vezes lhe trazia, sempre
eram confiscados. Com o tempo, Eleonora e suas
amigas, desenvolveram métodos de esconder, como
madeiras soltadas nos móveis ou pedras frouxas no
chão. Se não fosse desse modo, Miquelina e as
demais carcereiras, sempre as roubariam.
Notou que Egan não iria embora. Segurando
o prato, olhou-o cobrando que partisse, pois lhe
incomodava o modo que era observada por ele.
Com recriminação e desagrado.
Claro, lhe era desagradável perder seu tempo
com uma fada sem linhagem, pensou Eleonora.
— Era Tobias quem deveria estar atrás
dessas grades — ele disse sério e bravo,
provavelmente notando que ela estava incomodada
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com seu jeito de olhá-la.


Um longo e divertido sorriso brincou nos
lábios da fada.
— De modo algum. Sabemos que jamais irão
punir o filho de criação do Guardião que no
passado salvou a vida do Rei e que há anos ocupa o
lugar de Conselheiro. Eu? Sou apenas uma fada do
orfanato. Ninguém se importa se estou presa ou
não. Sorte minha as leis serem brandas desde que a
paz foi reconstituída ou passaria o restante dos
meus dias enfurnada nessa masmorra apenas pelo
deleite de Lucius, o crápula — lamentou-se, sem
perder a chance de ofender o elfo, amante da
rainha.
— Não pense que me causa felicidade ver
uma fada num lugar desses. — Egan baixou o
corpo, ficando de cócoras, muito perto dela.
As grades estavam entre os dois, mas ela
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sentia seu hálito quente em seu ouvido. Foi


impossível conter um arrepio. Se manteve firme,
para não afastar-se dele, no instinto de proteger sua
timidez do arroubo que a presença de Egan
representava:
— Participou do roubo da tiara da Rainha,
fada? — Perguntou-lhe azedo.
— Pergunte ao seu irmão — ela disse
rancorosa, provando a comida, sem lhe dar ouvidos
quanto à pergunta.
— Tem raiva de mim — ele afirmou
convencido disso. — Sei disse desde que foi
deixada no orfanato por minha causa.
Essa afirmação a surpreendeu tanto que as
palavras lhe faltaram.
Surpreendida, Eleonora parou de comer e
fitou-o.

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— Eu fui abandonada pelos meus pais. Não


sei a situação que os levou a isso ou quem eram,
mas eu fui deixada em total abandono, e creio que
isso não tenha nada a ver com você, Guardião.
Sobretudo, sou agradecida a sorte de ter tido Reina
como minha protetora. E a sorte dela ter podido
adotar Tobias. Ele não tem vocação para escravo.
Foi melhor assim, ele é um bom filho para Reina,
apesar de suas estripulias.
— Mas se não fosse o desejo do meu pai em
ter companhia para mim, Reina teria adotado-a. —
Ele culpava-se disso.
— Reina lhe disse isso? — Ficou surpresa.
— Não com essas palavras. Mas ficou
implícito.
— Tobias é macho e por excelência, é mais
fácil que os elfos sejam adotados. Não as fêmeas.
Poderia ter sido Reina ou qualquer outra fada. Não
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foi só por sua causa que seu pai não quis me adotar.
O comprometimento de criar uma fêmea é muito
grande, ainda mais uma sem linhagem — disse
apenada da sua própria história de vida. — Eu seria
um peso para Reina, consequentemente um fardo
para seu pai. Mais tarde esse peso cairia nas suas
costas, Guardião. Minha amiga Driana diria ser
uma questão de lógica.
— Mesmo assim, poderia ter sido você. —
Ele insistiu, sempre olhando em seus olhos.
— Mas não foi assim que o destino quis —
ela não diria que no fundo preferia assim ou jamais
poderia sonhar com ele.
Se fossem irmãos, mesmo que de criação,
jamais lhe seria permitido manter qualquer contato
físico com o elfo.
E ela guardava sonhos românticos dentro de
si. Mas ele não tinha que saber disso. Corada,
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Eleonora completou:
— Tobias é meu melhor amigo, eu fico feliz
que tenha uma boa família olhando por ele — ela
disse como se isso explicasse tudo.
Se ela não poderia ser feliz e livre, ao menos
ficaria feliz em ver o amigo feliz.
— São quatro fadas — ele disse pensativo —
Tobias escolhe uma. Eu escolho outra. Posso
conseguir mais dois Guardiões para escolher as que
sobram. Os guardiões mais jovens estão ansiosos
para agradar, eu posso coagi-los a escolher suas
fadinhas da clausura. — Ele disse, contrariado. —
É o único modo de acalmar meu irmão e garantir
que ele não cometa mais loucuras como roubar a
rainha! É o único modo de salvar Tobias e acabar
com os problemas. De quebra amenizar a tristeza
que Reina vive, nessa agonia da antecipação da sua
clausura.

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— Hum, dispenso tanta bondade — ela disse


orgulhosa. — Não falo por minhas amigas, elas
merecem a liberdade. Por mim, não faço questão da
piedade dos Guardiões e de tamanho sacrifício. —
Ela não controlou a ironia.
Deveria ser grata, mas doía sua vaidade e seu
coração pensar que para Egan ela era um problema
a ser solucionado em nome da felicidade de sua
família.
Egan sorriu petulante e disse em tom
superior:
— Tobias a escolherá — afirmou. — Meu
irmão sempre teve o péssimo hábito de querer
chamar atenção demasiada para si.
Sentindo-se ridicularizada, Eleonora baixou
os olhos para o prato e quando os ergueu havia riso
em seus olhos, pois ele bem que merecia uma
alfinetada:
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— Tobias vive tudo que você não tem


coragem de viver — acusou-o — tem inveja dele
não é?
Essa afirmação fazia sentido em partes.
Não era inveja, era um sentimento diferente.
Muitas vezes Egan realizava-se através dos feitos
de Tobias. Tal como Eleonora, o elfo conhecia a
vida pelas histórias de Tobias. O Guardião
conhecia um tipo de liberdade que Tobias gozava e
que apenas conhecia por palavras.
Seu irmão vivia tudo que ele não podia. A
diversão da juventude era negada a um Guardião.
Desde a infância era treinado, conduzido e levado a
um caminho não escolhido.
— Não. — Ele respondeu rápido demais,
levantando e impondo distância física e emocional.
Eleonora também levantou e fitou-o com
carinho:
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— Não seremos escolhidas. Nenhuma de


nós. — Baixou o olhar. — É o destino de uma fada
órfã. Tobias vai esquecer com o tempo. Além
disso... Não pretendo passar minha vida toda na
clausura.
— Mesmo? Essa é uma confissão de planos
de fuga? — Ele provocou.
— Espere minhas asas nascerem, Guardião, e
você verá o quão alto poderei voar — ela disse em
tom de ameaça.
Egan não poderia sorrir de suas palavras.
Seria inapropriado para seu posto. Olhou em volta e
desistiu de seguir a conversa. Muitos olhos e
muitos ouvidos nas celas ao lado.
— Preciso vigiá-la. É a única fada entre celas
de elfos — ele disse com pesar. — E Reina jamais
me perdoaria se a deixasse sozinha.
— Hum, não perca seu tempo cuidando da
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minha honra. — Ela disse provando a comida. —


Minha honra, tal como minha vida, não vale um
tostão. Ao menos, eu teria alguma diversão antes
do inevitável.
Amargura. Sim, ela sentia uma punção de
amargura. Não era culpa dele. Mesmo que soubesse
que Egan poderia escolher uma noiva, assim como
os outros Guardiões, poupando assim, sofridas
jovens fadas de uma vida de solidão e sofrimento.
Ainda assim, a necessidade delas não poderia
respingar na vida de elfos que nasceram livres.
— Eu não duvido que sua língua afiada seja
uma arma poderosa contra qualquer um que atente
contra sua honra. Mas não esqueça que sou pago
para manter a ordem e primar pelo cumprimento
das leis. — Egan pensou em brigar, mas apenas
alegou o óbvio.
— Então faça isso. — Jocosa, sentou-se outra

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vez na cela, desta vez contra a parede, olhando para


ele.
Olhando para a fada, era fácil entender
porque Tobias dizia-se tão apaixonado e
empenhava-se tanto em livra-la da clausura
definitiva. Eleonora era um belo exemplar de
fêmea. Suas amigas também eram bonitas e
jeitosas, mas ele reparava bem mais em Eleonora.
Seus cabelos loiros, quase brancos, longos,
macios e perfumados, como uma linda nuvem em
um céu de verão. Seus olhos de cor indefinida, que
às vezes lhe apreciam azulados, às vezes
esverdeados e em outras horas, pareciam apenas
um reflexo de algo branco e translúcido. Seus
lábios cheios, maduros e curiosos por beijos.
Ele se perguntava se alguma vez Eleonora
havia sido beijada. Pelo tanto que Tobias insistia
em rouba-la da clausura, imaginava que sim, que

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eles trocassem beijos. A fada não admitiria, mas os


dois eram namorados em segredo.
Se ela confessasse algo do gênero jamais
seria escolhida em casamento no cerimonial, após o
nascimento de suas asas.
Desgostoso com a ideia de seu irmão
desfrutar da beleza de uma fada que também lhe
atraia Egan não resistiu ao pensamento de que suas
asas seriam lindas. Ela era peculiar, única, não
apenas fisicamente. Sua personalidade era
instigante, principalmente para alguém tão regrado
e certinho como Egan. Ele ficava imaginando como
seriam suas asas e seu dom. Que tipo de segredo
Eleonora guardava dentro de si.
Reina falava muito sobre as fadas, sobre o
dom da inteligência, que Driana possuía de sobra.
Sobre o possível dom do hipnotismo pela voz, que
Alma vinha manifestando aos poucos. E sobre o

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dom perturbador da fadinha Joan, de camuflar-se e


possivelmente, enganar os olhos alheios com
imagens. Essas informações eram suposições das
carcereiras baseadas em anos de monitoramento
dos dons das fadas do Ministério do Rei.
Quanto ao dom de Eleonora, nunca houvera
uma palavra sequer. Nem mesmo uma
especulação. Reina nunca falava sobre isso. Tão
pouco Tobias. O que era no mínimo intrigante.
— Quando nascem suas asas? — Ele
perguntou após um curto silêncio, pensativo.
— Logo. Creio que as de Alma nascerão
antes, as carcereiras sempre dizem que de nós
quatro, ela foi a que chegou primeiro ao orfanato.
Mas é impossível saber ao certo. As fadas
abandonadas não costumam vir com informações
sobre seu nascimento. — Disse triste, enquanto
comia vagarosamente. — Quando exatamente

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sairei aqui?
— Amanhã cedinho estará livre — ele notou
imediatamente suas feições mudarem diante da
palavra ‘livre’. — Reina pediu um favor a Rainha.
Ela intercedeu por você. Não passará mais que uma
noite na masmorra.
— A Rainha? Nossa. E o mundo não acabou
diante de tal acontecimento fantástico? — Seu
desprezo era nada mais do que escancarado.
Egan sufocou um sorriso de apreciação. Ele
também não gostava da rainha.
— Fico feliz em saber que seu deboche
estende-se também a outras figuras de autoridades e
não apenas aos Guardiões. — Ele alfinetou.
— Hum, não se preocupe, não é nada pessoal
— ela revidou, sorrindo. — Mas formalidades
excessivas tendem a despertar o pior dentro de
mim.
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Era uma brincadeira e Egan não sabia como


lidar com isso. Como ligar com uma fada que o
fazia desejar abrir as grades da cela e tomá-la nos
braços, esquecendo-se de suas obrigações, de sua
família e, sobretudo esquecendo que essa fada
pertencia ao seu irmão.
— Será uma longa noite — ele deduziu
ajeitando-se em uma das cadeiras dos vigias.
— Diga por você. — Ela não resistiu a
provocar, terminando seu jantar improvisado. —
Sinto cheiro de novidade. Vou dormir feliz essa
noite.
Suas últimas palavras foram sussurradas, mas
ele ouviu. Quanta tristeza um ser vivo penar do
calvário de ser aprisionado. Apenado observou a
fada se ajeitar para descansar.
Jamais confessaria a Eleonora, sobretudo a
Tobias, mas se o irmão não fosse tão apegado à
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fada loura, ele a escolheria quando suas asas


nascessem.
Talvez seu interesse fosse capaz de
despertar-lhe a coragem de disputá-la com o irmão.
E isso o assustava.
Do mesmo modo que Eleonora jamais
admitiria que estar naquelas masmorras valia a
pena, desde que estivesse na companhia do
Primeiro Guardião Egan...

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Capítulo 10 - Tenha pena de mim

O Vale dos Humanos sempre lhe parecia


hipnotizante. Era possível ver os rochedos e os
montes, que se sobressaiam na linha do horizonte.
Santha raramente subia para a torre mais alta do
castelo, onde anos atrás era seu refúgio, quando
escapava do medo da clausura, para ter algumas
horas de amor e paixão na companhia de seu
amante.
Ou apenas, ficava sozinha e pensava em sua
desgraça. Mas o tempo de tristeza havia ficado para
trás. Um aperto em seu coração a fez pensar em
morte, sofrimento e abandono.

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Havia aprendido a esquecer. Deixar de lado a


constante voz interior que a fazia pensar na cria
abandonada e no que deveria ter sido do seu futuro
caso houvesse confessado seu crime de ter
engravidado na clausura. A punição lógica seria a
morte. Ou as masmorras. A cria seria levada para o
Ministério do Rei e provavelmente teria o mesmo
destino que a própria Santha.
Ao salvar a si mesma, salvara também aquele
bebê nascido do pecado, libertando-o de uma vida
que teria sido de sofrimento e penitência.
Estarrecida, sentindo aquele frio em sua
alma, ouviu passos e imaginou que Lucius estaria
com pressa.
Ele lhe enviara um bilhete durante a tarde,
avisando-a que passaria por uma audiência de
julgamento, onde mais uma vez julgaria o filho
adotivo de Reina, e mais tarde, desejava vê-la na

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murada mais alta, de onde a visão do abismo era


total.
Santha sabia das pressões que Lucius vinha
sofrendo. Pressões diplomáticas. O Rei Isac estava
prestes a assinar novos tratados de paz, por conta
disso, o trabalho estava difícil e corrido para
alguém do posto de Lucius.
Primeiramente, ele era contra essas parcerias
e depois, mesmo vergando a vontade
inquestionável de Isac, havia a dificuldade de
aplacar o próprio orgulho e ajudar a realizar
aqueles acordos, que lhe pareciam desnecessários e
arbitrários.
Santha virou-se, o vestido confeccionado em
metal e seda, cobrindo seu corpo de modo sensual e
cativante, brilhando contra a luz do sol.
Não havia perigo de encontrarem-se durante
o dia. O Rei não vigiava sua rainha, pois acreditava
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completamente em sua honestidade.


Convencido que encontrara sua fada
escolhida, sua parceira para uma vida toda, Isac era
um tolo ouvindo apenas a voz da paixão e luxúria,
ignorando os lamentos da razão e da consciência.
Lucius estava sério. Ela se perguntou o
porquê disso. Ele sempre suavizava sua raiva e
seriedade quando estavam juntos. Evitava dividir
com ela as pressões do seu trabalho. E as mágoas
de ser submisso ao elfo que se deitava com Santha
todas as noites.
— Disse que tinha pressa em me ver — ela
disse baixo. — Saudades ou assuntos sérios?
— Ambos — ele disse aproximando-se. —
Tem uma coisa que você precisa saber, Santha.
Uma suspeita que carreguei por muitos anos e que
não posso mais ignorar — ele foi direto ao assunto,
acuado, com pressa em desabafar e dividir com ela
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essa agonia.
— Suspeita? Acha que o Rei escolherá outra
Rainha? Depois de tantos anos cativo de mim?
Acha possível? — Imediatamente se assustou, pois
era seu medo constante.
Santha foi à única rainha a ser mantida por
tantos anos ao lado de Isac e se isso aconteceu, foi
a custas de muita mentira, enganação e disfarce.
Sua dedicação em agradar ao Rei era total,
pois não desejava perder o posto de rainha.
— De modo algum. Seu encanto é
inquebrável. O Rei é louco por você — ele afastou
o olhar. — A menina está viva.
— Que menina? — Perguntou, aproximando-
se e tocando sobre seu peito, sobre o colete de
couro e a camisa de linho com bordados que
remetiam a seu clã de elfos nascidos nos arredores
do Rio Branco. Sua linhagem pura e límpida,
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repleta de significados e aceitação dentro da


sociedade.
— A nossa cria — ele foi franco.
Santha afastou as mãos no instante em que
entendeu.
— Não existe a ‘nossa cria’ — ela disse
horrorizada.
Em quase vinte anos, jamais falaram sobre
isso. Nem mesmo uma única palavra!
Algumas vezes, as lembranças daquela noite
lhe vinham à mente, e Santha sentia o impulso de
gritar, até expurgar essas imagens.
O parto difícil e doloroso, a sensação
esplêndida de ser uma progenitora, de ter em seus
braços sua cria, sua fêmea, que dividia o dom e
asas, por ser sua primogênita.
Quantas e quantas vezes ela não afugentou

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essas lembranças com elixir proibido, festas,


música e orgias ao lado de Lucius?
Levou muito tempo, mas atualmente aquele
era um assunto morto e enterrado.
— Sim, existe. Eu suspeitei ter sido
enganado pela fada que deveria ter... Você sabe o
que eu mandei fazer com a cria — ele virou as
costas e fitou o precipício — quando vi uma fêmea
tão parecida com você, mesmo sendo tão infanta,
ainda assim, tão igual a você... Eu suspeitei. Achei
que fossem os meus olhos querendo ver à cria,
entende? Que meus olhos quisessem ver a criança e
por isso estivesse vendo-a em qualquer cria que
cruzasse meu caminho. Mas não, a cria é uma fada
adulta, Santha. É uma fêmea idêntica a você.
Ouvir isso lhe trouxe a estarrecedora
lembrança de uma tarde, anos atrás quando o
enteado de Reina obtiver sua armadura. Na ocasião,

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uma fada esbarrara em Santha e ao olhar em seus


olhos, Santha obteve a certeza total de estar diante
de sua cria renegada.
Eram idênticas e seus olhos eram espelhos
aos seus. Mas foi um momento tão rápido, ela havia
ingerido tanto elixir proibido durante a cerimônia e
estava completamente consciente que era seu
coração querendo lhe pregar uma peça,
confundindo sua mente, para que visse sua cria
abandonada em outra jovem qualquer.
Saudade daquilo que não conheceu ou pode
amar. Uma saudade tão poderosa que transformara
alguém lúcido em uma tola vendo fantasmas do
passado.
— É impossível. As asas... – Ela parou de
falar, a cada instante mais horrorizada, ao lembrar-
se do significado real dessa informação — ... As
asas irão me delatar. É impossível que exista uma

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fada com as mesmas asas que eu... E ninguém


tenha dito nada! Que não tenham me acusado
ainda!
— As asas ainda não nasceram. Ela fará vinte
anos em breve. Temo que a qualquer momento
nasçam e todos saibam a verdade. Você não
imagina, Santha... O quanto ela lembra você. — Ele
olhou-a com fixação e devoção. – São iguais.
Sobretudo na personalidade. Ela é...
Suas palavras sumiram como vento.
Faltavam adjetivos para explicar como era
Eleonora, ou ao menos, como ele a via.
— Como ela é? — Perguntou-lhe incapaz de
conter a vontade de saber mais.
O modo como Lucius a olhou era
desconcertante.
— Debochada. Ela ri e faz graça das regras.
Não ouve um ‘não’. Tenho espreitado a fada desde
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que notei que minhas suspeitas tinham fundamento


e descobri que ela não aceita a clausura. Tem três
amigas inseparáveis e sei que trama uma fuga. Sei
também que nesse momento está nas masmorras
por acobertar um roubo.
Santha chegou a abrir a boca para falar, mas
as palavras lhe faltavam. A descrição de sua filha
era desoladora, pois o desejo de conhecê-la era
insano.
— É a protegida de Reina — ele disse sério.
— Eu só não sei como é possível que sua
acompanhante nunca tenha notado a semelhança.
— Reina tem adoração por uma órfã — ela
disse com ódio no olhar. Fogo puro no olhar — ela
criou uma das órfãs como sua filha! Não é possível
que Reina tenha dado amor de mãe para minha
filha! Lucius, eu não aceito isso! Não aceito!
Santha virou de costas, fitando o abismo com
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loucura. Ela não concebia a ideia de sua criada ter


laços afetivos com sua cria de sangue. Era
inconcebível! Reina tinha tudo que um dia Santha
sonhou em ter para si: um marido apaixonado, uma
vida simples e honrada, filhos bonitos e saudáveis.
Reina não conheceu o lado obscuro da vida.
Ela não carregava em seu coração as pesadas
marcas que Santha fingia não ter, e suprimia todos
os dias, com um sorriso cínico e roupas caras. A
beleza exterior de Santha escondia e mascarava o
horror que vivenciava em seus sonhos e constantes
lembranças.
Reina nasceu livre, uma fada de linhagem.
Ela não entendia do medo da clausura. Não era
justo que houvesse conhecido a cria e vivido ao seu
lado, dividindo amor de progenitora, quando esse
amor deveria ter pertencido unicamente a Santha!
— Não aceita? A fada não pode viver,

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Santha. E não podemos matá-la. Será que não vê?


Tem nosso sangue e a mágica que protege as fadas
me impede de matá-la. O mesmo vale para você.
— Contrataremos alguém que faça isso —
ela tentou recuperar a frieza.
— Não é tão simples acabar com uma fada
adulta quanto é com um bebê que ninguém tinha
ciência da existência. Reina vai procurar saber do
seu paradeiro. Soube que o primeiro Guardião anda
de olho na fada. Seu irmão, aquele bandoleiro
também nutre interesse. Ela é abandonada pelo
destino, mas cativa de muitas pessoas importantes.
Não pode simplesmente desaparecer. Farão
perguntas. Perguntas perigosas. E essas perguntas
levarão diretamente até você!
— E o que sugere? Que eu fuja? Eu sou a
rainha! Você me prometeu a liberdade, Lucius!
— O Rei tem me desagradado, Santha. Ele
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tem planos de firmar acordos de paz com espécies


que me desagradam profundamente. É mais fácil
nos livrarmos do Rei.
— Você enlouqueceu — ela disse com horror
total na voz, um momento de pânico ao pensar em
sua vida sem Isac.
-Eu pensei em tudo — ele sorriu. — São
quatro fadas da clausura. Uma delas, nossa fada,
envolveu-se com um roubo. Não deve ser difícil
elaborar algo a partir disso.
— Elaborar? Do que está falando? —
Segurou seu braço assustada, querendo impedi-lo
de abandona-la e partir, sem concluir seus
pensamentos, como normalmente Lucius fazia,
deixando-a mortificada em dúvidas.
— O Rei deve morrer. Nossa cria deve
morrer. Que morram os dois juntos. — Ele disse
taxativo, puxando bruscamente o braço, se
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afastando.
Para Lucius era tão simples falar assim.
Como se não fosse uma cria gerada pelos dois,
gerada em seu ventre e nascida do seu corpo. Como
se nunca antes houvesse segurado-a no colo,
recém-nascida e desprotegida.
Quando fizeram isso no passado, a cria não
era nada além de uma ideia, uma possibilidade, um
sonho. Mal nascido, não lhes fizera tanta falta.
Mas agora, sabendo que era alguém criado e
com personalidade, toda uma vida ao seu redor, era
doentio considerar a possibilidade de matá-la.
Perdida nesses pensamentos, Santha
permaneceu parada, imóvel, encarando o vazio do
precipício...
*****
Amanhecia quando Egan notou que a fada

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havia despertado. De olhos abertos, aqueles olhos


tão claros e expressivos fitavam o teto acima de sua
cabeça. Sua cabeleira loura, quase esbranquiçada
cobria o chão a sua volta, pois ela tivera um sono
agitado.
Estava pensativa e ele se perguntou se a
causa de sua inquietude devia-se a noite insone ou a
sua situação atual.
— Levante. — Ele mandou. — Está quase na
hora de ser liberta.
— Hum — Eleonora olhou para Egan.
Havia quase esquecido de sua presença. Não
era culpa do Guardião, era culpa sua, pois durante a
noite algo muito estranho havia se passado com ela.
Algo inesperado e totalmente inconveniente.
Palavras vagas para nomearem o que acontecia. Ela
nunca suporia ser possível ser a primeira!

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— Não lute contra minhas ordens, fada —


ele insistiu, retirando uma chave da cintura.
Eleonora apenas olhou-o com candura,
vendo-o destrancar a cela e barrar a passagem,
esperando que o obedecesse.
— Eu não posso levantar. Sinto dor — disse
surpresa com apropria revelação.
— Dor? — Ele parou de andar e percorreu
seu corpo frágil com os olhos a procura da fonte de
sua dor.
Estivera atento durante toda a noite, não
havia notado nada anormal. Ninguém chegara perto
da fêmea, nem ao menos perto de sua cela.
— Eu não posso acreditar... — Eleonora
fechou os olhos com muita força, incrédula e
chocada. — Sinto que... Eu acho que são as minhas
asas...

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Seu murmúrio era um misto de surpresa,


aflição e orgulho.
O que um macho poderia dizer para uma fada
que estivesse para ter suas asas? Era um assunto
delicado e dificilmente Egan poderia ser imparcial.
Inconscientemente ele a farejou. Antes de
tudo, era um elfo e sua porção animal suprimia seu
senso de obrigação. É claro que Eleonora notou.
Era indelicado e desrespeitoso que o fizesse, pois o
momento para ela era de dor. Mas também era
interessante e a fazia pensar se o elfo não poderia
se interessar por ela no futuro.
Ótimo, ela pensou irônica, o cio iria começar
em breve e estaria pensando em machos e cópulas.
E despertando os instintos de todos os machos nas
proximidades. Envergonhada de si mesma e de sua
situação, ela baixou o rosto.
Egan desejou lhe dizer que seu cheiro ainda
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estava suave, não havia alteração. Ele a farejava


como macho, mas era por conta do desejo antigo,
despertado há muito tempo, independente do cio.
Havia tempo antes que Eleonora fosse levada
para um lugar seguro antes que o seu cheiro
dominasse as narinas de todos os machos num raio
de quilômetros de distância.
Isso atrairia todo tipo de Caçador de Fadas e
Recompensas para o castelo.
O vilarejo se tornaria um reduto de
problemas. Esses marginais esperariam pela
oportunidade de obter o cio para comercialização,
raptando a fada em questão, e ao descobrir que a
fêmea pertencia à clausura, abandonariam a ideia
inicial, mas encontrariam algum tipo de trabalho
escuso ou crime a ser cometido.
O súbito pensamento do que as carcereiras
fariam com ela na clausura, o fez pensar em largar
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tudo para os ares e reivindicá-la agora mesmo.


Se bem conhecia Miquelina, a carcereira
levaria Eleonora para um dos mais reclusos
quartos, amarraria a fada com cordas e tiras de
couro, para conter seus impulsos de cópula, e
negociaria o cio para quem pagasse mais.
Com sorte, muita supervisão de Reina, a fada
chegaria à cerimônia da escolha com suas asas e o
cio intocado.
— Chamarei minha mãe para ajudá-la —
avisou sem saber exatamente como lidar com a
situação.
Faltava-lhe traquejo para lidar com a
delicadeza que a situação requeria.
— Não é necessário. — Ela disse séria. —
Levará dias para as asas nascerem. Dias. — Frisou
bem a última palavra, estarrecida pela constatação
que em apenas alguns dias sua vida se tornaria um
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verdadeiro inferno. — Eu poderia... Andar pelo


castelo uma última vez? Enquanto me leva para a
clausura? Pode ser minha última chance de ver a
vida lá fora antes de ser trancafiada
definitivamente... Eu vou entender se disser não.
Era um pedido singelo.
De um condenado prestes a ir à força. Como
lidar com isso? Quem sabe se Eleonora não lhe
despertasse tanta afeição pudesse agir com a
severidade que era exigida de seu posto de
Guardião.
— Não posso desobedecer às leis — ele
fechou-se em suas obrigações, para não ceder
diante daquele olhar que sempre o encantou.
Eleonora era proibida para ele. Interesse
romântico de seu irmão. Impossível olhar para
aquela fada com olhos de macho. Mesmo que a
simples alusão do seu cio, o fizesse ferver de
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expectativa de ser seu primeiro macho escolhido e


quem sabe, o único. Quando Tobias
fugisse da responsabilidade e não a escolhesse por
medo do compromisso que o casamento
representava, aí sim, ele poderia ter sua chance sem
ser moralmente condenado por sua família. Mas até
esse momento, manteria distância de Eleonora.
— Está bem — ela disse triste, se movendo
devagar, sem ousar rebelar-se contra ele e ser
punida. Restava-lhe, provavelmente, pouco tempo
com suas amigas e não poderia desperdiçar esse
tempo com punições.
Pensar em Alma, Driana e Joan lhe trazia o
choro à tona, mas ela não queria parecer fraca. Só
de pensar no desespero de suas amigas, ao ser
separado uma a uma, já sentia a dor cortar seu
coração.
Sofrer por si mesma, não era tão

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estarrecedor, quando sofrer por elas.


Quando levantou do chão, sentiu uma punção
de dor tão forte que achou que pudesse morrer. A
sensação durou alguns segundos e passou. Tão
rápido quanto veio, foi embora. Sentia uma
ardência nas costas, como se estivesse queimando.
Quem diria que seu infortúnio seria iniciado
tão cedo? Elas sempre acharam que Alma seria a
primeira desafortunada a penar da clausura
definitiva, mas estavam erradas.
Egan manteve-se a distância, pois para um
elfo esse momento era extremamente afrodisíaco.
Era a essência de uma fada. E como tal, seu cheiro
de fêmea atraia qualquer macho que estivesse
próximo. E mesmo que a mudança ainda fosse
sutil, o imaginário completava o cenário e o tornava
sensível à presença de uma fada começando a penar
do nascimento de suas asas, sobretudo sendo essa

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fêmea a sua fada escolhida.


Mas isso era um grande segredo e não seria
apropriado tornar público.
Talvez por conta do que acontecia com a
fada o silêncio nas celas ao redor era absoluto.
Todos os machos silenciosos. Sentiam a mudança
sutil e mantinham aquele silêncio constrangedor.
Eleonora andou ao lado do Guardião envergonhada
da própria dor e, sobretudo triste pelo fim da sua
liberdade.
Egan não conversou uma única palavra
enquanto a levava pelos corredores. Eleonora
também não teve coragem de questioná-lo quando a
conduziu por um dos corredores que levaria ao
vilarejo dentro do castelo. Silenciosa apenas focou
os olhos no elfo ao seu lado.
Gostava de olhar para ele. Devido a sua
situação atual, era provável que não voltasse a vê-lo
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tão cedo. Se Egan não estivesse presente na escolha


das fadas daquele ano... Então, nunca mais o veria.
Era um pensamento horrível, mas totalmente
consciente da sua nova realidade.
Reparou que eram observados a distância por
olhares atentos. Em meio às pessoas do vilarejo,
elfos e fadas, eram insignificantes, mas para olhares
atentos daqueles que a amavam, os dois se
sobressaiam.
Alma, Driana e Joan os seguiram de perto,
mantendo uma pequena distância, com receio das
represarias vindas de um Guardião. Sabiam sua
insignificância diante da sociedade em que viviam.
Sabiam também que suas fugas eram conhecidas
pelas carcereiras e ignoradas unicamente pelo fato
do dom de Alma estar quase completo e todas as
carcereiras temerem sua personalidade perturbada.
Alma era uma bomba relógio prestes a

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explodir, por isso, nenhuma das carcereiras queria


estar perto quando isso finalmente acontecesse!
As fadas vestiam as mesmas túnicas simples
e velhas que Eleonora. Sempre olhando para trás,
para ver as amigas, Eleonora foi levada diretamente
para um local escondido entre barracas e
comerciantes do mercado.
Egan a permitia ver um pouco do
movimento, como ela pedira. Pois sabia que em
breve a vida da fada seria um horror. Ele precisava
achar um modo de pressionar Tobias a admitir que
não iria escolher Eleonora para casamento, e isso
precisava acontecer o mais rápido possível!
Conseguir a desculpa perfeita e usar como escudo
contra a ira de seu irmão.
— Lora! — O chamado angustiado de Tobias
a fez enrugar o nariz e empurrá-lo antes de ser
abraçada, pois ele corria em sua direção e tentava

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tocá-la.
— Estou de mal com você pela vida toda! —
Ela disse emburrada, ainda sentida pelo seu
comportamento, que lhe rendera uma noite na
masmorra.
— Lora, eu pedi desculpas para todos.
Perdoe-me também — ele beijou sua mão e ela
suspirou apenada.
— Eu o perdoo, pois não tenho escolha —
disse quase sorrindo — É bom vê-lo, Tobias. Não
sabe como é bom vê-lo.
O elfo tentou abraçá-la, mas Eleonora se
desesperou em afastar-se de um elfo macho. O
padecimento das asas trazia consigo o cio e era esse
o momento mais íntimo de uma fêmea. Quando seu
corpo alcançava a maturidade sexual, seu cheiro
mudava, seus desejos falavam mais alto.
E não queria, de modo algum sentir desejos
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carnais por Tobias! Seu melhor amigo!


— Lora... O que eu fiz para me afastar? — O
desamparo de Tobias a fez sentir o choro vir aos
olhos.
— Eu sinto muito, Tobias. Sinto muito — ela
disse afastando-se — Minhas asas... Minhas asas
estão nascendo. Eu não posso ficar perto de você,
me perdoe.
Não pode continuar falando. Suas palavras
acabaram ali. Baixou os olhos e seguiu Egan
contendo o choro.
Não reclamou de ser levada para o Ministério
do Rei. Queria estar sozinha para afundar-se na dor
e sofrimento.
Foi deixada na entrada principal, que levaria
diretamente para os corredores fétidos. Para os
quartos sujos e mofados. Apesar disso, era mil
vezes melhor do que a perspectiva de ser
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aprisionada definitivamente.
Seus olhos seguiram a imagem de Egan se
afastando e deixando-a para trás. Ele não olhou em
sua direção nenhuma vez e ela sentiu-se tola de
sonhar com ele e esperar que olhasse e quem sabe,
demonstrasse algum interesse. Eleonora, assim
como as outras fadas do Ministério do Rei, era
apenas um incômodo para os Guardiões, e Egan
não era diferente de seus amigos. Pensava o mesmo
que eles.
Baixou a face e lutou contra o choro quando
suas amigas aproximaram-se.
Alma ficou afastada, em estado de choque
por finalmente estar acontecendo. As asas eram
reais. Não mais uma ameaça velada que um dia as
alcançaria. Era real. Eleonora seria a primeira a
padecer do nascimento das asas e o momento que
deveria ser o mais importante da vida de uma

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fêmea, passava a ser um fardo desesperador, um


medo incondicional e inexplicável.
Joan segurou sua mão para que se
aproximasse delas, mas Alma não quis, ficou
imóvel, presa ao chão, incapaz de vencer o próprio
temor.
Joan deixou-a com seu desespero e
aproximou-se de Driana que abraçava Eleonora,
tentando consolar e acalmar sua amiga.
As quatro não sabiam, mas o que acontecia
com Eleonora era apenas o começo de algo ainda
maior. Elas seriam alvo de um plano que mudaria
suas vidas para sempre.
Era só questão de tempo...

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Capítulo 11 - Tenha pena de mim

A tiara pesava em sua mão. Recuperada há


dois dias aquela tiara feita em pedras preciosas e
ricamente entalhada em ouro, era um peso em suas
mãos. Santha estava sentada em frente a um grande
espelho em seu quarto real, enquanto contemplava
a magnitude de tudo que conquistou e alcançou em
sua vida.
O Rei estava profundamente adormecido em
seu lado direito da cama. Nu e coberto por uma
manta, o elfo era inocente aos seus pensamentos.
Ela vestia uma túnica de seda sobre o corpo
desnudo do recente ato sexual.

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As noites ao lado do elfo Isac eram sempre


quentes e apaixonadas. Ele sabia agradar uma
fêmea, e louco de amor por ela, dedicava-se
exclusivamente a lhe dar prazer e fazer um sorriso
brotar em seus lábios.
Todos os dias, Isac parecia disposto a
conquistá-la, como se no fundo de seu coração,
soubesse que não possuía o amor de sua rainha, que
seu coração e pensamento iam longe. Que Santha
era inalcançável.
Com uma das mãos, trêmula, Santha moveu a
taça de elixir proibido e cheirou o perfume
almíscar. Ela gostava de um gole da bebida exótica
depois do sexo. Na penteadeira em frente ao
espelho havia outra taça como aquela. De vinho,
pois Isac preferia um bom vinha maturado no Vale
dos Humanos.
Uma pena que nesta noite havia algo mais

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nesta taça de vinho. E esse algo mais garantiria o


pesado sono de Isac.
Fitando-se no espelho, ela pensava se devia
ou não fazer isso. A imagem da fêmea bonita e
pálida, sempre tão inocentemente bela para
despertar suspeitas, quase a comoveu. O tempo
parecia não ter passado.
Ainda era a mesma fêmea do passado, com
seus olhos sem cor definida e expressão de
desamparo, que não sabe o que fazer da própria
existência. A mesma fada atormentada pelo medo.
Santha esticou uma das mãos e tocou sobre o
reflexo, como quem deseja se esconder de si
mesma ou apagar essa imagem. Ou ainda, acarinhar
essa fada que nunca conheceu a felicidade.
Estarrecida, a conclusão era óbvia demais
para ser negada: uma vez delegara a Lucius o
cuidado de livrar-se da criança que poderia causar
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sua morte. Ele falhara. Agora, era chegada a hora


de novamente confiar em um elfo que provara ser
um incompetente.
Lucius era muito bom em tudo, menos em
protegê-la. E essa certeza vinha crescendo com os
anos. Uma fada pode se iludir com o amor. Até
mesmo aceitar essa ilusão como algo saudável e ser
feliz assim, mas essa fantasia não poderia
ultrapassar seu desejo alcançado por liberdade.
Seu querido Lucius tinha planos, mas Santha
suspeitava que suas próprias decisões seriam mais
acertadas.
Por que esperar Lucius tramar um plano, se
ela poderia livrar-se do problema facilmente? Usar
da ideia de Lucius ao seu modo.
Livrar-se do Rei e da criança ao mesmo
tempo sem, no entanto precisar se expor as falhas
constantes de Lucius? Era um bom plano. Estar no
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controle real pela primeira vez em sua vida.


Pois mesmo quando enganou o Rei e casou-
se com ele, ainda assim, quem detinha o controle
era Lucius. Agora, era a vez de Santha provar a si
mesma que não precisava de criatura alguma.
No entanto, ser a executora, era tão diferente
de ser uma aliada. Lucius poderia ser relapso, é
verdade, mas geralmente manchava suas mãos de
sangue enquanto ela apenas assistia a distância.
Enquanto ela podia dormir a noite sem pesadelos.
Com um súbito aperto no coração, Santha
olhou para o Rei adormecido e largou a taça de
elixir proibido sobre a penteadeira, levantou e
manteve nas mãos a tiara que fora pivô da prisão de
sua cria. A fêmea que não deveria ter sobrevivido.
Sobretudo, não deveria ousar tirar sua paz.
Isac era um elfo tão bonito. Cativante,
intrigante, peculiar. Ele sabia falar e ouvir.
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Atencioso, carinhoso e tão generoso como elfo e


Rei.
Qualquer desejo seu, Isac fazia questão de
atender, na busca eterna de agradá-la. Desde o mais
fútil pedido ao mais difícil.
Ele sempre perguntava sua opinião,
justamente em um mundo onde machos não se
importam com o que as fêmeas pensam. Isac
tentava manter aquele reino em paz, lutando contra
todas as tentativas de rebeliões e guerras. Era
obsoleto em algumas decisões, não poderia negar.
Mas no balanço geral, era um Rei justo e apenado
do sofrimento do seu povo.
Provavelmente por isso doía tanto curvar-se a
ideia de Lucius.
Sentindo o peso da tiara nas mãos, Santha
ficou olhando para o seu Rei. Para o elfo que a
escolheu. A tiara era feita em ouro e diamantes,
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uma joia tão gelada quanto seu coração naquele


momento.
De pé aos pés da cama, Santha pensou
naqueles anos todos ao lado daquele elfo. No fundo
de seu coração, precisava admitir a verdade: havia
amor por ele.
De algum modo a convivência fizera sua
paixão por Lucius se tornar passado, e o amor por
um Rei justo e apaixonado pudera vir a tona.
Era inapropriado, quase condenável que se
sentisse assim depois de tanta luta por liberdade e
redenção.
Uma pena a vida ter entrelaçado seu destino
ao de Lucius de tal modo, que não pudesse
esquecer e separar-se dele.
Ambos precisavam um do outro, mesmo que
essa necessidade pudesse destruí-los. Lucius era
uma erva daninha que nasce e se alimenta de uma
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flor perfumada. E Santha era essa flor, dependente


da força danificada dessa erva daninha que a
suprimia e erguia sempre que o vento tentava
derrubá-la.
Uma codependência que nada poderia
suprimir ou extinguir.
Aquela noite Santha colocaria fim na
opressão e no medo constante. Sua liberdade seria
total. Nada de momentos escondidos. A rainha
escolheria um novo rei quando houvesse passado o
luto. E esse novo Rei lhe daria toda a liberdade do
mundo.
Esse novo Rei não poderia reclamar de ter
sido esquecido. Esse elfo a levaria pelas mãos e
seria seu mentor. Era o justo. O cabível. Nada mais
importava diante do que já fizeram juntos. Do que
viveram juntos.
Com um sorriso de contentamento, que
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mascarava a verdade de seus sentimentos, Santha


aproximou-se da cama, e ajoelhou-se sobre o elfo
adormecido, farejando seu cheiro de elfo.
Ela jamais se esqueceria desse cheiro. Estava
impregnado em sua alma, em seu corpo e em suas
lembranças para sempre.
Onde Rei Isac a tocara, elfo algum poderia
alcançar. Um recanto em seu coração até então
intocado, havia sido descoberto por ele. Havia se
apropriado do seu querer sem a sua permissão.
— Eu o amo, Isac — sussurrou, esfregando o
rosto no dele. Alisou a pele do seu peito e pela
primeira vez em toda sua vida conjugal, permitiu
que seu cheiro de fada impregnasse no dele.
Seria um susto para Lucius, o único que até
aquele momento sentira esse cheiro, quando o
reconhecesse no Rei. Uma fada pode ou não revelar
seu cheiro ao parceiro. O Rei nunca pediu e ela
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nunca quis fazê-lo.


Não era tola e sabia muito bem que o cheiro
e as asas de sua primogênita seriam idênticos aos
seus.
O pensamento e a ideia eram tão mais
simples que a execução. Por um momento suas
mãos tremularam e ela quase derrubou a tiara.
Deixou-a cair ao lado da cama e retirou da túnica o
punhal que escondia na seda e linho.
Fechou os olhos enquanto deslizava a lâmina
pelo pescoço do Rei.
Um movimento mortalmente preciso.
Não ouve som, o rei estava tão
profundamente adormecido que nada sentiu ou viu.
Não foi um ato demorado.
Ela manteve uma das mãos sobre seu peito e
descobriu que ele ainda respirava. Contendo o

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choro, tornou a correr a lâmina pela pele, dessa vez


com força, mantendo as vistas apartadas para não
ver o sangue jorrar.
Sentiu-o nas mãos, viscoso e quente. Sob a
palma de sua mão espalmada no leito do Rei, sentiu
os movimentos cessarem.
Santha não teve coragem de abrir os olhos,
apenas deslizou para o chão e ficou ali, enquanto
esperava.
Algum tempo depois, abriu os olhos e
levantou do chão, pois estava feito e não havia
volta.
As mangas de sua túnica estavam lavadas de
sangue e ela espalhou esse sangue pela roupa
enquanto andava para fora do quarto.
Não olhou nenhuma outra vez para a cama
ou para o corpo do Rei.

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A varanda da alcova real era diretamente


ligada ao corredor da mais alta murada do castelo.
Santha andou sem destino por alguns minutos.
Então parou, como que tomada por um desespero
sem fim, ao entender o que fizera e principalmente
que não haveria volta.
Foi quando ela caiu de joelhos no chão que
seu grito de horror e dor ecoo por todo castelo.
A grande verdade era que este grito estava
preso em sua garganta há vinte anos...
*****
Os gritos da rainha acordaram a criadagem e
alertou os guardas do que acontecia.
A primeira a encontrar a rainha foi uma serva
jovem e inexperiente que normalmente apenas
cuidava dos desejos do Rei, provendo alimento e
outros caprichos, quando solicitados durante a
noite. Por causa disso ela dormia em um quartinho
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próximo a torre.
Naquela noite, no entanto, seu sono não foi
atrapalhado por nenhum capricho da rainha ou
alguma ordem estapafúrdia do Rei.
Havia um massacre acontecendo na alcova
do Rei e nada conseguia acalmar a rainha. Quando
os Guardiões finalmente chegaram à cena do crime,
a rainha ainda gritava, sua voz esguichada e
rachada, pois a garganta não suportava tanto
esforço. Foi um custo fazê-la parar de gritar e
esboçar qualquer reação, sobretudo contar um
pouco do que houve.
Egan ouviu o relato desesperado da rainha,
que caída no chão de pedras geladas gritava e
chorava sua dor. Suas palavras eram desconexas e
sua narrativa facilmente perdia a lógica.
Santha agarrava as pedras do chão, como se
elas pudessem ser um apoio. Egan tentou erguê-la,
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mas ela afastou-o e caiu outra vez, batendo as duas


mãos contras as pedras, próxima a ferir-se.
Por um segundo, ele considerou a
possibilidade de deixar. Santha, a rainha louca e
cruel, que fingia não enxergar o sofrimento do seu
povo. A rainha que mantinha domínio sobre Reina,
a única mãe que Egan conheceu, e que a mantinha
cativa de um trabalho que beirava a escravidão.
Apensar da verdadeira opinião sobre a
rainha, seu cargo falava mais alto e ele ordenou que
dois Guardiões a levassem para longe da alcova
onde o corpo sem vida do Rei jazia.
Santha foi colocada sobre um divã em uma
saleta particular e se encolheu em uma bola, as
roupas manchadas de sangue sujaram sua face tão
bela e clara, mas ela não notou. Ou se notou, acho
que não deveria se limpar. Que era melhor assim.
Santha estava em completo choque. Mesmo
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que Egan não pudesse saber a exatidão de seus


sentimentos, era capaz de notar que ela estava a um
passo da histeria total.
— Eu preciso saber, Rainha, o que aconteceu
aqui. — Ele disse sério, mas não houve resposta.
Pela porta, em meio aos criados e Guardiões
que se agrupam em torno da cama, abriu caminho
uma figura em especial.
Era Reina. Ela manteve-se longe, os olhos
cravados em Santha. Não fez um movimento
sequer para aproximar-se.
Não sentia pena. Na verdade o único
sentimento de Reina naquele momento era
expectativa e uma certeza que a punha em estado
de alerta.
Pressentia o pior e sabia que Santha era
capaz de tudo para não perder seu trono.

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— Veja, Reina está aqui — disse Egan,


aproveitando-se disso para acalmar a rainha. —
Diga a ela o que aconteceu.
Os olhos de Santha correram para a figura de
Reina. Houve reconhecimento e segurança em sua
face.
— Eu dormia — ela disse cravando seus
olhos em Reina. — Eu não percebi nada... Como
pude dormir sem notar nada?
— O que aconteceu? — Ele perguntou
direto, sem crer em demasia em seu alienamento.
— Precisa ser especifica rainha, para que
encontremos quem fez isso ao Rei.
Santha desviou os olhos para o primeiro
Guardião.
— Onde está Lucius? — Ela sussurrou.
— Ele não chegou ainda. Esteve fora do

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castelo nas últimas horas. — Egan alegou.


— Porque Lucius viajaria sem me avisar? —
Ela disse para si mesma, quase esquecida que
poderiam ouvi-la e julgar sua dúvida como
inapropriada. — Eu não quero falar assim, sem
Lucius para me ouvir...
— Sou o responsável pela guarda e nem
mesmo a Rainha está isenta de reportar-se ao
Primeiro Guardião. Esteve nesse quarto durante
toda a noite, Rainha, e agora, o Rei está morto.
Diga o que aconteceu. — Ele alegou, sabendo que
soaria como uma ameaça.
E foi exatamente assim que Santha sentiu-se.
Ameaçada.
Egan não era como os outros Guardiões, que
a idolatravam pela beleza e frescor. Ele era
diferente dos demais.
— Eu estava adormecida, ao lado de Isac na
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cama. Fomos dormir cedo, eu estava cansada.


Isac... Ele queria me segurar, me abraçar, como
fazíamos todas as noites, na intimidade do nosso
quarto. Ele adormeceu antes de mim e foi quando...
Ouvi uma voz cantar muito suavemente... Uma
fada com a voz hipnótica... Mas eu não notei que
era uma fada até levantar da cama e ficar de pé
assistindo a tudo, sem poder reagir... — Seu choro
cresceu e Egan esperou que se acalmasse.
Como quem espera uma cena teatral chegar
ao fim, esperou que ela continuasse falando. Não
duvidava do que ela dizia, mas sim da emoção
exacerbada.
Ou Santha era uma ótima atriz disfarçando
seus verdadeiros sentimentos de amor pelo Rei. Ou
era uma mentirosa, exagerando seus sentimentos.
Mas ela continuava falando e ele precisava
saber o que acontecia. Ao menos, precisava ouvir

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sua versão:
— Eu vi quando entraram. Elas andaram pelo
meu quarto e mexeram nas minhas coisas... Minha
mente estava confusa, como se estivesse sendo
confundida de propósito... Eu tentei lutar, tentei
fazê-las pararem. Mas eu não conseguia sair do
lugar, ou falar. Eu me lembro de uma fada de
cabelos longos e vermelhos rindo para mim, ela
mexia nas minhas coisas, falava sobre as joias,
perfumes... E então ela entrou... Dava ordens.
Falava sem parar. Nunca vi alguém com tanto
discernimento para falar... Ela me chamava de
palavrões, sobre como me odiava. Era tão bonita,
com olhos expressivos e uma expressão angelical...
Eu sabia que era ela quem comandava, pois as
outras a obedeciam... E quando a última fada
surgiu, ela parou diante de mim e despiu as roupas.
Ficou nua e se deitou com o Rei. Ela acordou Isac e

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foi quando a outra fada começou a conversar com


ele, hipnotizando-o do mesmo modo que fazia
comigo. Não creio que meu marido tenha notado
que estava sendo induzido como eu também era
induzida a ver e não pode fazer nada...
— Fala de quatro fadas? — Egan quis
conformar, pois era confuso seu relato.
— Acho que sim. Apenas uma copulou com
o Rei e pegou minha tiara... Falava que lhe
pertencia. Que seria seu troféu quando fugisse da
clausura... Que merecia ouro e diamantes. Que sua
beleza merecia tudo, que eu não valho nada,
mereço a sarjeta... Ela... Pegou o punhal e... Oh,
não! Não! Isac! O Rei! O que fizeram com o meu
Rei? — Ela levantou e começou a gritar
histericamente sendo contida por Egan, que a fez se
acalmar.
— Quatro fadas invadiram o domínio real,

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usaram de seus dons para ter acesso ao Rei, matá-lo


e roubar a tiara? É isso que está dizendo? A mesma
tiara recuperada no dia de ontem?
— Não queriam roubar a tiara. Colocaram
sobre a minha cabeça a tiara coberta de sangue... —
Ela tremia tanto que Egan quase sentiu profunda
pena. — Havia sangue... Tanto sangue sobre mim...
Eu só entendi que fugiam quando me deixaram no
chão e fugiram... Eu não vi se levaram a tiara. Acho
que não. Eu não sei — ela tremia tanto, que não
houve alternativa além de recolocá-la sobre o divã.
Egan afastou-se da rainha com expressão
sombria, olhando nos olhos de Reina, enquanto
falava com os outros guardas e Guardiões
presentes.
Acheron, descabelado e acordado as pressas,
do leito de alguma fada de taverna, Solon atento à
situação, procurando as mais escondias provas, que

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poderiam estar pelo quarto, aguardando serem


encontradas.
E Zoé, a única Guardiã fêmea, que estava
devidamente trajada, provando que nunca poderia
ser pega de surpresa, pois estava sempre em alerta,
esperando ser chamada.
— Traga Tobias e as fadas — ele disse com
amargor, se dirigido a Zoé.
— Seu irmão? — Acheron perguntou, sem
achar prudente.
— Se as fadas estiverem no Ministério do
Rei, não é necessário trazê-las. Serão inocentadas,
pois não há como escapar do Ministério durante a
noite. Se não estiverem... Toque o alarme
anunciando a fuga. — Egan foi rápido em achar um
modo de retirar o nome das fadas da clausura do
envolvimento na morte do Rei.
Primeiro, seria um desastre se o ódio da
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população se voltasse contras os órfãos. Segundo,


ele deduzia que as fadas envolvidas no assassinato
eram Eleonora e suas amigas, e isso envolvia não
só a fada de seu interesse, como também seu irmão
Tobias. Quanto antes os afastasse dessa estória,
melhor.
— Elas conseguiram me enganar! — Santha
gritou ao ouvir suas palavras, horrorizada com a
possibilidade de tão facilmente Egan inocentar
Eleonora. — Como acha que não conseguiriam
enganar as carcereiras e fugir?
Seu argumento era incontestável. E nesse
momento de indignação, por um fração de segundo,
Santha deixou o personagem que representava de
lado e revelou exatamente quem era e o que sentia.
O ódio e a revolta em sua face, acabou com
sua beleza e mudou drasticamente sua expressão
sempre sedutora para algo sombrio.

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-Traga Tobias e as fadas – ele mandou assim


mesmo, evitando enfrenta-la, mas prevalecendo seu
poder de Guardião.
Suas palavras foram ouvidas por alguém que
não concordava com essa decisão.
Reina andou apressada para o corredor,
tentando ser mais rápida que a Guardiã Zoé. Egan a
viu sair. Sabia muito bem que a madrasta agiria
pelas suas costas, mas não moveu um dedo para
impedir sua mãe de fazer o que achava certo.
No afã de encontrar as fadinhas da clausura
antes da Guardiã, Reina mal reparou em Lucius que
corria na direção da alcova real, avisado as pressas
do acontecido.
Ele vinha atrás de notícias que desmentissem
o boato que se espalhava rapidamente pelo castelo.
O boato que dizia que Rei Isac fora assassinado em
sua alcova!
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Era um tolo sendo enganado, assim como


todos. Santha não o colocou a par de suas atitudes e
isso dizia muito sobre o rumo que o relacionamento
escuso de ambos tomava.
Reina não se enganava sobre o que acontecia.
Esperava por isso há vinte anos. Mas saber a
verdade não mudava em nada a situação e
precisava correr contra o tempo para salvar
Eleonora e as fadas do Ministério do Rei.

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Capítulo 12 - Asas de fada

A única certeza que as fadas do Ministério do


Rei tinham, era que sagradamente, todas as noites,
as oito em ponto, Miquelina apagaria todas as
tochas que mantinham um pouco de luz nos
corredores e cômodos. As trancaria a chave em
seus quartos. Eram forçadas a dormir cedo e com o
tempo, o costume as fez reféns do sono precoce.
Aquela era uma noite calma. Joan estava
adormecida desde cedo, bem melhor de seu mal
estar daquela semana.
Eleonora havia sido acalmada e dopada com
um chá, para que sua dor não causasse destemperos

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para as carcereiras. Enquanto seu cheiro fosse fraco


e não atraísse elfos, ela ficaria em seu quarto. Era
questão de tempo ser apartada de suas amigas.
Talvez por isso, carente e com medo de perdê-la no
meio da noite, Driana havia se enfiado sob as
cobertas no meio da escuridão, abraçando
Eleonora, para que dormissem juntas. Assim se as
carcereiras tentassem leva-la no meio da noite, em
segredo, ela acordaria imediatamente e acharia um
modo de convencê-las a não fazer isso.
Uma esperança infantil e tola, mas ela
apegava-se a essa possibilidade. No final, as fadas
sempre adormeciam cedo. Era impossível combater
o sono naquela escuridão total. Adormecidas, às
vezes acordavam com gritos oriundos dos
calabouços mais profundos, onde ficava a clausura.
Eram gritos de fadas aprisionadas há muitos
anos, que o tempo levara o juízo e a consciência.

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Atormentadas, berravam por salvação e liberdade.


Nestas noites, era impossível dormir e todas se
abraçavam, esperando o amanhecer com ansiedade.
Mas não era o caso, aquela noite estava
tranquila e quieta. E o sono era pesado e sem
atropelos. Talvez por isso o susto houvesse sido tão
grande.
A primeira a acordar foi Alma. Como um
animal, seus ouvidos não a enganavam quanto a
passos nos corredores. Ela quase podia farejar o
cheiro das carcereiras. Seu instinto sempre apurado
e desejoso de vingança fez rugir dentro de si uma
vontade insana de arrombar aquela porta e atacar a
carcereira que estivesse ousando invadir os quartos
durante a noite, provavelmente para tentar drenar
sangue de fada para vender aos Caçadores de
Recompensas.
Era um custo, nesses anos todos, esconder

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das amigas o que acontecia durante as madrugadas.


Há seis anos atrás, Alma descobriu Miquelina no
quarto, drenando sangue de Joan, pois a fadinha era
sempre dopada por chás e remédios, e não
acordaria por causa de uma picada de Still, o inseto
sugador de sangue. Ele possuía uma película anexa
ao corpo, e era comum que o usassem para drenar o
sangue de fadas, recolhendo a seguir o conteúdo
para um cantil. Depois, era só comercializar e a
fada que o usasse, poderia desfrutar
temporariamente do dom da fada.
Era preciso muito sangue para pouco efeito,
apesar do dom não completo das fadas do
Ministério do Rei não causar grande poder, o fato
das fadas não poderem reclamar e serem ouvidas
tornava o orfanato uma fonte inesgotável de sangue
de fada.
As carcereiras mantinham esse comércio

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paralelo ativo há muitos anos, sem nunca serem


punidas. Faltava vergonha na cara e clemência para
aquelas que deveriam primar pela vida dos órfãos.
Mas ao descobrir o que faziam, Alma ainda
lembrava-se da noite, quando pulou da cama, tão
rápido quando pudera, afastara a carcereira de Joan.
A fada era jovem, mas a surpresa não permitiu que
visse Alma atacando-a.
Alma era apenas uma menina de quatorze
anos, mas a mantivera imóvel usando uma das
mãos, apertando sua garganta com força, tolhendo
seu ar. A carcereira fora minguando aos poucos
tentando se soltar, quando sussurrou:
— Solte-me. Não me deixe morrer. Solte-
me...
Alma apenas apertou com mais força. Queria
fazer isso. Era seu mais vivaz sonho. Mas não seria
naquela noite que Alma descobriria quem era de
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verdade. Seu dom não era a força física, mas havia


algo dentro dela de ódio e revolta, que a fazia forte
e absoluta quando desejava agredir e coagir.
Ela guardava a doçura para tratar suas
amigas. Elas mereciam seu carinho.
— Nunca mais faça isso com essas fadas.
Está ouvindo? Esse quarto é proibido para você e
para as outras carcereiras. Se ousarem fazer isso
outra vez, eu vou acabar com a vida imunda, uma a
uma, eu juro que vou acabar com suas vidas podres.
Implorar por sua vida não basta. Você sabe, se eu
quiser, eu pego uma a uma em seus quartos e
arranco as tripas. Depois... Eu juro, vou vender suas
carcaças imundas para os Caçadores de
Recompensa!
Não era uma ameaça banal. Estava longe
disso.
Alma executaria e era apenas um aviso. Um
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lembrete do que aconteceria da próxima vez. A


carcereira foi solta e cobriu o rosto com as mãos
tentando respeitar, desesperada por ar. Ainda mais
desesperada para sair daquele quarto.
Por isso ao ver luz sob a fresta da porta,
Alma imediatamente levantou. A porta foi
destrancada e ela esperou para ver quem era. No
canto do quarto, como um animal prestes a atacar
sua presa, Alma esperou para saber quem era e o
que queria.
Foi um total alívio que fosse Reina. Ela
nunca estivera no Ministério do Rei durante a noite,
a menos que uma delas estivesse doente e
precisasse de cuidados.
— Junte as coisas de vocês — disse Reina
para Alma, pois a fadinha não diria nada contra sua
ordem.
Esperava que Alma fosse direta e sem rodeio,
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assim como a própria Reina.


Eleonora foi desperta por um Reina
completamente histérica, que tentava a todo custo
manter a calma e a lógica.
— Quieta – ela dizia enquanto a segurava
pelo braço e obrigava a levantar — Cale-se,
Eleonora! — Reclamou de seus protestos,
principalmente porque falava alto demais. —
Levante! Vocês duas! — Ela apontou Driana e Joan
que acordavam também. — Levantem!
Reina fez o mesmo com as duas, arrancando-
as de suas camas.
— Me sigam agora. Sem perguntas! — Ela
mandou sem explicações, observando que Alma
havia pegado uma trouxa com poucos pertences.
— Não — Eleonora reclamou. — Eu não
quero ir.

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Estivera à noite toda em dor profunda e havia


acabado de adormecer de exaustão, agradecida ao
afeito dos chás que as carcereiras lhe deram. E ser
arrancada dessa forma da cama não aliviava em
nada seu pesar.
— Eu não vou a lugar algum... — Tentou
deitar outra vez, mas Reina a segurou e puxou com
força.
— As quatro precisam sair agora! Agora!
— Pra onde devemos ir? — Driana
perguntou assustada. — É por causa do nascimento
das asas de Eleonora?
— Suas asas estão nascendo? — Reina
parou, olhos arregalados, fazendo-a girar
abruptamente. Baixou sua rouba revelando seu
corpo e suas costas, onde marcas avermelhadas
denunciavam o recente início do ciclo do
padecimento das asas. — Que os céus tenham
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piedade de você, minha querida. — Ela lamentou,


correndo os dedos por suas costas, onde a pele
queimava. — Me perdoe Eleonora, o que faço é
para o seu bem — ela disse vestindo-a e segurando
seu rosto. — Ouça com atenção: precisam fugir. A
rainha assassinou o Rei e vai responsabilizá-las por
isso. Precisam sair daqui. Egan vem buscá-las e
estará aqui em segundos. Calem-se! — Reina
gritou quando as quatro fadas se puseram a falar ao
mesmo tempo. — Fugir é única chance de
sobrevivência!
Reina praticamente arrastou-as pelos
corredores do castelo. Tantos anos trabalhando e
vivendo como a sombra de uma rainha com pouco
respeito por normas e regras, fizera com que Reina
conhecesse muitos caminhos obscuros dentro do
castelo. Reina também mantinha estranhas alianças
com Miquelina. Ódio e necessidade as uniam e

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ninguém ousava questionar essa ligação atípica.


Enquanto Zoé e os demais Guardiões
reviravam o Ministério do Rei em busca das fadas
fugitivas. Uma busca inútil. Reina as levava
diretamente para um local afastado, que
desembocou em uma ferraria no vilarejo.
Eleonora caiu sobre o chão coberto de panos
velhos e feno, pois a corrida até ali lhe trouxera
ainda mais sofrimento.
— O que está acontecendo? — Driana
segurou o braço de Reina com força, obrigando-a a
parar.
Sua mente aguçada não permitiria uma fuga
sem respostas.
Todas se assustaram quando uma porta foi
aberta com brutalidade e um elfo entrou. Era
Tobias que as procurava nos lugares mais prováveis
de estarem escondidas. Sempre se escondiam ali
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quando buscavam uma fuga da clausura.


Uma vez, anos atrás, Reina havia levado o
elfo para brincadeiras no castelo. E naquele dia,
Reina o treinava para saber o que fazer, no
momento certo.
Ela lhe disse que ali seria o ponto de fuga no
dia em que levassem Eleonora embora. Nunca lhe
disse a razão ou como soubera disso, mas que
assim seria e ele deveria estar preparado para
encontrá-las naquele lugar.
Provavelmente fora Reina, que
involuntariamente, alimentara a obcessão de Tobias
por fugas!
— Ainda bem que está aqui, Tobias. — Ela o
puxou pela mão para que ficasse perto. — Não
façam perguntas! Calem a boca, será que vocês só
sabem falar ao mesmo tempo? — Reina disse
desesperada, calando as perguntas desencontradas.
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— Driana, seu poder será a estratégia e você sabe


disso há muito tempo. Joan... Você sabe que pode
ludibriar os sentidos alheios. Esconder dos olhos,
aquilo que deseja que seja ludibriado. Não se
engane quanto a si mesma, seu dom é bem maior
do que isso. Preste atenção aos sinais. — Ela
olhava de uma para outra, sem tempo para respirar
entre as palavras, com o texto decorado há tantos
anos, na ponta da língua. — Alma, querida, sua voz
pode hipnotizar. Controle seus impulsos. Não mate
nenhuma criatura por diversão ou necessidade.
Contenha-se! — Era preciso ser muito direta com
Alma. — Além de mim, todos no Ministério do Rei
sabem que serão estes os dons recebidos
juntamente com as asas. A rainha está se valendo
disso para acusá-las. É tudo uma farsa. Ela acusa
Eleonora de ter se deitado com o Rei e seu cheiro
de fada está sobre ele. Sobre seu corpo degolado —
notando o modo horrorizado de Eleonora, Reina
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aproximou-se e se abaixou segurando seu rosto nas


mãos. — Não teça perguntas. A teia de mentiras
que Santha teceu é bem mais ornada do que suas
perguntas mais audazes poderiam ser capazes de
exemplificar. A Rainha tem o seu cheiro e suas
asas, Eleonora. Você é um perigo para a existência
dela. Agora eu vejo a pressa dela. Suas asas estão
nascendo. Por isso, daqui por diante, é uma
fugitiva. Irei levá-la para longe com minhas asas.
Sou uma fada livre, tenho conhecidos que agem
pelas costas de todos, não será difícil burlar os
encantos que prendem as fadas aqui. Não há outro
modo de resolver isso. Está tramado desde o seu
nascimento que seria assim. Uma vez — ela
segurou o queixo de Eleonora e olhou bem em seus
olhos, pois ela não parecia entender — Túlio me
disse que o destino sabe o que faz e que saberia
decidir seu destino, Lora. E é verdade. O destino
uniu a todos nós e agora, o mesmo destino exige
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redenção. E é isso que faremos. Dar ao destino o


que ele quer. — Ela sentiu o choro sufocar, mas se
conteve — Tobias, seu tempo de elfo livre acabou.
Seu tempo de irresponsabilidade chegou ao fim.
Leve Alma para a Vila dos Desesperados. Deixe-a
próxima ao rio. Todas as fadas possuem aparência e
trejeitos estranhos nesse vilarejo e não irão reparar
na voz de Alma como algo anormal. Depois, siga
sempre em frente e deixe Joan nos Campos dos
Humanos. Ela é a única que possui poucas
características distintas e que pode andar entre eles
sem levantar suspeitas sobre sua raça. Joan vai se
misturar aos humanos com perfeição. Depois disso,
desapareça por muito tempo, meu querido filho.
Suma, esconda-se e não saia até ser seguro, não
olhe para trás, não pense em nenhuma de nós.
Apenas se esconda e espere. Essa será a salvação
de todos nós. — Disse emocionada.

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— E eu? — Driana perguntou com


fragilidade, segurando na manga da túnica de
Reina, com medo da resposta.
— Sua mente brilhante fará com que fique
aqui. Se esconda, ninguém a encontrará se usar sua
mente perfeita. Saberá das novidades e no
momento certo... Poderá nos achar. Não preciso lhe
dizer o que fazer, você saberá sozinha. Agora
vamos todos... Não é seguro ficar aqui!
— Não pode deixar seu marido — Eleonora
disse chorosa, com dor, lágrimas correndo em sua
face.
Um pequeno sorriso irônico e Reina maneou
a cabeça com tristeza:
— Eu vivi toda minha vida para o meu
casamento. Agora é a vez de o meu marido mostrar
em quem ele acredita. O mesmo digo sobre Egan.
Está na hora desses dois definirem seu lado. —
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Disse com tristeza. — Não há tempo para falar.


Precisamos partir agora. Eleonora, por favor, nos
ajude com isso. Você precisa ir embora!
Eleonora foi erguida por Reina e mal
conseguiu se segurar a ela. Suas amigas estavam
diante dela e não tinha palavras para se despedir.
— Por minha culpa serão fugitivas. —
Eleonora sussurrou, tentando tocar Joan, pois seu
coração se quebrava de aparar-se da fadinha ruiva,
tão frágil como um arco iris após a tempestade.
— Qualquer coisa é melhor do que a clausura
— Alma se apressou a dizer. — Salve-se, Eleonora.
Porque vamos nos salvar. E todas nos
reencontraremos um dia.
— Um dia não — Joan apressou-se a dizer.
— Em breve! Eu ficarei bem, Lora, não pense em
mim — pediu, sabendo muito bem que parte do
receio de Eleonora devia-se a ela.
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— Use seu dom, Lora! — Driana se lembrou


disso quando mais ninguém lembrava. — Seu
cheiro e suas asas serão iguais à rainha. Sabemos
bem a causa disso! Então seu dom... Também será
semelhante ao dela. Não esqueça: use seu dom para
escapar! Não hesite! Apenas reze para o
padecimento acabar logo. Se não estou errada e sei
que não estou — olhou nos olhos de Reina. — Suas
asas serão a prova para nossa liberdade! — Havia
deduzido tudo. A inteligência era seu ponto forte.
— Eu não quero ir — Eleonora chorou,
sendo levada para longe das amigas — eu não
quero fugir assim, sem vocês! Eu não quero ficar
longe das minhas amigas!
Seu protesto foi ignorado completamente.
Reina a arrastou consigo para fora da ferraria e suas
asas se lançaram ao vento, pois a noite trazia vento
e chuva.

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Joan foi à única que correu para fora para


enxergar sua partida. Ficou parada vendo Reina
alçar voo levando Eleonora consigo para longe
delas.
Normalmente a magia que impedia as fadas
de levarem fêmeas da clausura em voos para fora
do castelo, sem permissão, iria conter Reina. Mas
essa noite não era como as demais.
Em seu voo alto, por sobre o castelo, Reina
não viu que era observada por uma figura solitária.
Era Miquelina, uma das carcereiras. A possível
responsável pela ausência da magia de guarda que
protegia o castelo de fugas.
Driana e Alma buscaram por Joan, para que
ela não se revelasse e fosse descoberta antes de
fugirem. Precisam fugir e sem asas, a fuga era
ainda mais arriscada. Juntas, elas focaram em
Tobias. Eles se amavam como amigos, como

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irmãos, mas daí a confiar em Tobias para algo tão


sério...
Talvez por saber que era difícil para ele,
Driana tomou à dianteira e disse o que deveriam
fazer a seguir, deduzindo com sua mente afiada, os
passos certos para levar as duas fadas para fora do
castelo sem serem notadas.
Sem a mágica que impedia as fadas do
Ministério do Rei saírem do castelo, tudo ficava
mais fácil. E esse fácil, por definição, era repleto de
incertezas.

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Capítulo 13 - Sem chão

A noite chegava ao fim e o dia amanhecia


inocente ao que acontecia em suas vidas. A
natureza sempre segue seu curso sem prestar
atenção aos desmandos dos humanos ou das
criaturas mágicas. Somente a flora e fauna,
poderiam ser compreendidos e atendidos pela
natureza.
O ser que pena, causa atropelos, por
definição não merece atenção.
Era assim que pensava Túlio, que um dia fora
o Primeiro Guardião e hoje em dia, era apenas um
elfo velho, de cabelos brancos, andando pela

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casinha vazia e abandonada por sua dona. Ele


vestia suas roupas de Conselheiros sua túnica
bordada a ouro, e mantinha a longa capa de veludo
presa ao pescoço. Todo o poder que possuía, não
fora capaz de impedir que a casa estivesse vazia.
Ele apoiou uma das mãos sobre a mesa de
madeira e somente o tremor de sua mão indicava o
quanto ele estava cansado e ultrapassado, vítima da
idade e do pesar da recente fuga de Reina.
Um dia, aquela mesa fora repleta de
felicidade. Primeiro, com sua fada escolhida, ele já
era um elfo vivido quando se casou com uma fada
de linhagem que gerou Egan. Ela era alguém doce e
afável, mas não de confiança. Às vezes, sua mente
perdia o foco e ela gostava de vagar sem paradeiro.
Sua saúde frágil custou sua vida. E ele lamentou e
sofreu por muito tempo.
Mas havia uma criança que precisava de uma

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fêmea que o amasse e cuidasse, e encontrar Reina


havia sido uma bênção. No princípio um casamento
útil para ambos. Mas os dias e os meses juntos se
encarregaram de fazer florescer um amor
inexplicável, e aquela mesa se tornou pequena para
tanta felicidade.
Túlio apoiou a outra mão e baixou a cabeça,
vendo diante de si a mesa lotada. Reina ao lado da
cabeceira da mesa, onde Túlio regia a família. Egan
na esquerda e Mirrar, seu segundo filho, na sua
direita. O tempo levou Mirrar e essa dor era grande
demais para ser lembrada. A mesa não ficou vazia
por muito tempo.
Um dia Reina surgira em casa trazendo pela
mão o irrequieto Tobias e mesmo que não quisesse
ter o menino como um filho, não poderia negar que
o elfo não pedira licença ao entrar em seu coração e
tomar conta das vidas de todos eles.

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Depois disso, aquela mesa tornou-se tão


pequena para os elfos adultos e grandalhões, para a
comida e para a festa. Vozes altas, risos, algumas
vezes brigas e implicâncias, mas na maior parte das
vezes, apenas alegrias cotidianas.
E agora? Tobias foragido. Reina acusada de
cumplicidade na fuga das fadas. Egan responsável
por buscá-los e puni-los.
O que fazer diante da destruição de uma
família? Ele deveria ter permitido que a fada
Eleonora viesse para sua família. Quando Reina a
encontrou na floresta abandonada para a morte,
fora um sinal de que a fêmea pertencia a sua
família. O destino não pode ser ludibriado e Túlio
livrou-se da menina por temer que sua presença
causasse danos.
Não estava errado de todo, mas o estrago
seria menor se a fadinha não estivesse na clausura.

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Sem Reina, sua casa e sua vida,


assemelhavam-se a um mausoléu vazio.
Não havia nada a ser dito ou visto. Apenas o
frio do abandono.
Ou nem isso, visto que o som de passos e
vozes alertava que a hora da verdade aproximava-
se. Ele sabia que buscariam por ele. Desde o
momento, quando acordou e descobriu apenas um
bilhete contando tudo, que Túlio sabia que esse
momento chegaria.
Guardar um segredo imensurável ou delatar
aqueles que mais amava em sua vida? A vida
solitária era tão triste. Ele não ousaria fazer isso
com Egan. Seu filho merecia uma mãe e um irmão.
Merecia tudo que seu coração conquistou. O
próprio Túlio depois de quase meio século
dedicado ao reino merecia ter sua esposa e seu filho
adotivo, resguardados do perigo.
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Sua porta foi aberta antes da primeira batida.


Era a Guardiã Zoé. Sua face sempre dura e sem
expressão não era a melhor das faces a ser vista em
um momento tão complicado.
Pelo contrário, ele fez um sinal para que se
calasse e andou para longe da casa, dizendo sem
palavras que não aceitaria ser levado, como se fosse
um criminoso. Que a Guardiã respeitasse seu cargo
e seus cabelos brancos. A contra gosto, a Guardiã
vergou-se a sua ordem.
O salão onde antigamente o Rei Isac
orquestrara as mais belas festas e recepções estava
coberta de elfos e fadas, todos exasperados pelo
acontecido.
— O Primeiro Conselheiro — disse Lucius,
acusador — Marido da fada traidora.
— Renego sua autoridade — Túlio disse
imediatamente, olhando para os demais
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Conselheiros. — Na ausência do Rei, Conselho e


Guardiões comandarão o reino ao lado da rainha. E
desse modo será até a escolha de um novo Rei, caso
o desejo de Santha seja ter um novo amante.
Seu tom era irônico. Reina era criada pessoal
de Santha e sabia do caso de Lucius com a rainha.
Se pressionasse demais Túlio poderia usar isso
contra eles.
— Ao Primeiro Guardião, a honra de
interrogar o grande e justo Conselheiro Túlio —
Lucius disse com falso respeito, apontando para
Egan com desprezo e algo mais que sempre
enfurecia Egan.
— Isso não é um interrogatório. — Egan
desmentiu Lucius. — Meu pai não deve ser tratado
como um assassino ou cúmplice. Tão pouco minha
mãe. Ser criada de Reina não a coloca diretamente
envolvida no crime. — Ele alegou, desafiando

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Lucius.
— Mas ser protetora da assassina, torna
Reina nossa próxima suspeita. E onde ela está?
Alguém pode ver Reina em torno? Eu não posso
vê-la. Você pode, Egan? Onde está sua madrasta?
— Lucius provocou, frisando muito bem a palavra
madrasta, para lembrar ao Guardião que não
possuía parentesco de sangue com Reina.
Engolindo a resposta mordaz que Lucius
merecia Egan olhou para o pai e perguntou:
— Onde esta Reina, meu pai?
Túlio olhou-o fixamente. Os olhos de seu
filho pediam pela mentira. Imploravam pela
camuflagem da verdade, pela arte da invenção.
Egan implorava para que não verbalizasse aquilo
que todos sabiam e estava implícito no
desaparecimento de Reina e Tobias.
— Onde mais sua mãe estaria, Egan? Acaso
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você não sabe? — Ele jogou de volta, sem abalar-


se um segundo sequer.
O importante era manter a aparência fria e
firme. Não fora isso que Túlio lhe ensinara nas
primeiras aulas para Guardião? Queime por dentro,
mas por fora seja frio e indiferente. Isso confunde o
inimigo. A indiferença poderia vencer uma batalha.
Causar dúvidas e estranhezas entre inimigos e
aliados.
— Prefiro ouvir suas palavras, Conselheiro.
Onde está Reina? — Egan jogou de volta, pois era
isso que seu pai esperava.
Deixar claro que o Guardião sabia do
paradeiro de Reina, antes mesmo de lhe perguntar,
mas por conta do seu posto, não podia argumentar a
favor de Reina. Não sem provas concretas.
Confundir os demais elfos e fadas, esse era o
trabalho de um bom Conselheiro. E Túlio era o

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melhor de todos.
— É de conhecimento de minha família, que
na noite anterior, Reina partiu para o Vilarejo dos
Desesperados, a pedido meu, para visitar
conhecidos. Uma fada aparentada está para dar a
luz e não poderá ficar com sua cria. Reina viajou
para buscar a criança e trazê-la em segurança para o
Ministério do Rei. Devo frisar que Reina faz isso
há anos. Ela resgata órfãos da morte e do abandono,
sobretudo, livrando-os do árduo destino de serem
encontrados por Caçadores de Recompensa ou
então, perecerem abandonados na floresta.
Largados para a morte, por seus próprios
progenitores... — Ele disse isso fitando Lucius
diretamente nos olhos.
Lucius manteve-se firme, mas sabia que era
uma forma de calar seus protestos.
— E Tobias? — Egan insistiu.

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— As estradas andam muito perigosas para a


travessia de uma fada desacompanhada. E Reina
não é mais uma fada tão jovem. Uma travessia tão
longa levando um bebê nos braços... Não, ela
precisava da proteção de um elfo. Eu mesmo
recrutei meu filho para levar e trazer Reina em
segurança. Eles devem retornar em alguns dias.
— Isso é uma vergonhosa mentira — disse
Lucius. — Reina foi vista por Santha em sua alcova
horas depois do assassinato.
— Não. — Foi Egan quem o desqualificou.
— Você não estava presente, eu mesmo atesto que
vi a rainha e que ela estava completamente fora de
si, descontrolada. Ela não sabia o que dizia ou o
que via. Reina não esteve no quarto do Rei. Não
durante minha presença.
Era uma mentira deslavada. Ele vira Reina
no quarto, observando-o conversar com Santha.

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Lucius não pode ser veemente como


desejava. Alegar que Santha tinha domínio de seu
emocional, era alegar que ela poderia ter impedido
o assassinato ou então, ter participado do
acontecido ao Rei Isac.
— Diz que minha mãe está em viagem ao
Vilarejo dos Desesperados a pedido seu? — Egan
mal podia crer que seu pai, ex-primeiro Guardião,
estivesse encobrindo uma fuga. — Está mentindo,
meu pai. Reina se juntou as fugitivas. É o que todos
pensam.
— De modo algum. Minha palavra tem valor.
Minha esposa está entre amigos. — Túlio alegou,
movendo-se para observar a imagem patética que
adentrava ao salão trazida por suas criadas
pessoais. — Meu filho mais jovem a acompanha. É
minha última palavra sobre esse assunto.
A rainha ainda chorava ao sentar-se no trono.

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Lucius aproximou-se e permaneceu ao seu lado.


Como sempre observava tudo com olhos de rapina.
— Permita-me uma viagem, eu a buscarei e
provarei minhas palavras. — O Conselheiro
ofereceu irônico.
Precisavam dele para as votações. Ele sabia
exatamente cada passo que seria dado. Cada
decisão que seria tomada. E sabia que para metade
das lambanças que Lucius tinha em mente,
precisaria de seu voto como Conselheiro. Sem uma
unanimidade, nada poderia ser feito. Nem mesmo,
uma perseguição as supostas assassinas.
Egan pensou seriamente em continuar
brigando com o pai por justiça. Mas não o fez. Ele
não queria ser autor desse tipo de justiça.
— Ponderar sobre Reina não nos levará a
lugar algum — disse outro Conselheiro, que
sempre apoiaria Túlio.
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Os Conselheiros se protegiam. Era a última


ligação antes do Rei. Se Santha caísse, eles
governariam. Simples assim.
— Exatamente — disse Lucius, dobrando-se
a vontade dos Conselheiros. — Ela precisa ser
encontrada e interrogada, mas não é nossa
prioridade. As fadas assassinas são nossa
prioridade. Assim como seu cúmplice, o elfo
Tobias.
É claro que o elfo não abriria mão de Tobias.
Uma troca significativa de olhares entre Egan e
Túlio. Não havia argumentos para refutar Lucius.
O elfo andou em torno deles e mirou
diretamente Egan.
— É necessário o retorno das assassinas.
Uma caçada se faz imprescindível — ele disse o
que todos temiam.
— Não — foi a voz de Solon que quase se
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fez ouvir. Ele nem sempre participava das


conversas, mas nesse caso, era necessário usar de
qualquer recurso para entender o que diziam e
argumentar — Não somos criminosos. Não
usaremos dos mesmos recursos que Caçadores de
Fadas. É preciso trazê-las de volta, mas não usando
os recursos de criminosos. A crueldade dos
Caçadores é indiscutível e inaceitável. E enquanto
não houver provas conclusivas do envolvimento
das fadas, não apoio essa decisão e espero que
meus amigos Guardiões tenham lucidez para não
votar a favor deste despautério!
— Ora, por favor, Solon — foi Zoé quem
interrompeu. — A Rainha esteve presente durante o
assassinato. Ela é a testemunha principal. Ela viu e
contou em detalhes como a fada Alma hipnotizou-a
para que não gritasse ou lutasse contra elas, como a
fada Driana ordenava o passo a passo do que as

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outras fadas deveriam fazer. Sobre como a fada


Joan ludibriou os olhos da rainha e desse modo
deve tê-las camuflado pelo castelo tanto na invasão
a alcova do Rei, quanto na fuga. Sobre a fada
Eleonora ter se deitado com o Rei. O cheiro da
ratazana da clausura empesteia o cadáver de Isac!
Sua veemência beirava a crueldade.
— Contenha-se, Zoé. — Egan reclamou e
sua palavra deveria bastar, pois era o primeiro em
hierarquia. — A própria rainha foi vaga em seu
depoimento. Ela não citou nomes — notou a troca
de olhares entre Santha e Lucius.
— Eu não sabia os nomes das fadas. Mas
agora eu sei — ela disse séria — Como eu poderia
conhecer nomes de fadas que vivem no Ministério
do Rei?
— Deveria ser seu dever como rainha
conhecê-las, mas não estamos discutindo os
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deveres de uma rainha. Existe uma acusação e


existem fugitivas. Elas devem ser trazidas de volta
— disse Acheron, o segundo em hierarquia e o
menos paciente com ladainhas sem fim. — Mas
sem o uso de Caçadores de Fadas. Eu não trabalho
ao lado de criminosos. Se o reino começará a usar
caçadores, então, não há sentido perseguir essas
fadas. Sejamos todos criminosos aliados e tudo fica
como está.
Em sua rudeza, Acheron se fazia entender
muito bem.
— As fadas não estão no castelo ou no
vilarejo. Pelo tempo entre o assassinato do Rei e a
descoberta do corpo, elas não devem estar longe.
Levando em conta que nenhuma delas possui asas,
que trabalhamos com a hipótese de não possuírem
cúmplices e ajudas externas... Podemos supor que
ainda estejam nas redondezas do castelo. Eu peço a

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oportunidade de caçá-las e trazê-las para


julgamento, sem envolvimento de Caçadores de
Fadas. — Egan afirmou diante da rainha que
apenas olhou para Lucius, como quem relega
poder.
— Um Guardião é muito pouco. Não
podemos dispor de todos os Guardiões... Por isso,
deve se ater a busca pela assassina. A principal e
mais importante das fadas, a assassina do Rei. Viva
ou morta traga, Eleonora para ser punida. É sua
missão, Primeiro Guardião. — Lucius desceu um
dos degraus diante do trono e olhou para os outros
nove Guardiões.
— Ao Segundo Guardião relego o fardo de
caçar a fada de nome Driana. Ela possui demasiada
esperteza. Pode estar em qualquer lugar. — Ele
disse a Acheron, o segundo Guardião.
O elfo correu os olhos para Egan em busca

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de concordância, pois sempre foi fiel ao Primeiro


Guardião e apenas acenou concordando com as
palavras de Lucius. Virou as costas e se afastou,
com pesadas passadas, pois sua missão agora era
sua vida.
Acheron era o mais rude de todos os
Guardiões. Alto, pele escura, com cabelos longos,
na cintura, em louro acobreado, vinha de uma
dinastia extinta de elfos claros, e sua pele
escurecera devido ao sol e ao trabalho constante.
Ele sempre se vestia com peles e poucos apetrechos
de luxo. Preferia tudo que fosse visceral. Contato
com a terra. Sentir a natureza a sua volta.
Egan não teve a menor dúvida que ele
encontraria a fada Driana e que esse encontro seria
memorável, pois a fada guiava-se pela mente e
Acheron pelo corpo.
— Ao Terceiro Guardião, designo que

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encontre a fada Joan. Ela possui o dom de ludibriar


os sentidos. Suas asas ainda não nasceram, sendo
assim, esse dom é fraco. Use de sua porção fada,
para encontrá-la e fugir de seus encantos. A fada é
adoentada, não pode estar longe. Não poderá lutar
para se defender. Não terá o mesmo poder de luta
que as outras fugitivas. — Lucius tramou, falando
com Zoé, que era uma fada e não um elfo.
Uma guerreira por natureza, Zoé não
pestanejou antes de ir à busca de sua fugitiva.
Coberta por armadura e peles, vestia-se como um
Guardião, com a vantagem de ter asas. Asas
vermelhas e sempre mantidas ocultas por uma capa,
como se estivesse tentando esconder que era uma
fada.
Era fêmea, mas raramente demonstrava
querer viver como tal. Alta, de longos cabelos
negros sempre trançados, ignorava a beleza dos

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próprios traços femininos em nome da carreira


escolhida junto à segurança do Rei.
Vinha de uma linhagem desconhecida de
raça, mas pelas características mulatas, era possível
arriscar o palpite que viesse de origens antigas de
nobre fadas.
Seria uma luta justa, visto que a fugitiva
possuía um dom perigoso, mas ainda não contava
com suas asas.
Como fêmea Zoé possuía o dom de revelar. E
esse dom seria usado contra o dom de Joan, de
esconder. Uma briga desumana, visto que Zoé
possuía o prazer de esmigalhar e destroçar qualquer
um que cruzasse seu caminho. Uma fêmea nas
condições de Joan não duraria um dia na mão de
Zoé.
— Ao quarto Guardião deixo a
responsabilidade de trazer Alma, a fada de voz
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hipnótica. Ela tentara ludibriá-lo. Mas sei que


vencerá essa luta com louvor.
Era cruel o sorriso debochado de Lucius.
Praticamente surdo de um dos ouvidos, Solon não
seria de modo algum uma vítima fácil da fada. Sua
deficiência não era conhecida de todos, por isso,
poucos entenderiam a maldade expressa em sua
colocação.
Solon era um elfo comum, parecido com
Egan, com exceção da altura. Solon era um
guerreiro de armas e de luta no solo. Sua
determinação brilhava em seus olhos
profundamente azuis.
Foi o único que esperou por Egan.
Precisavam trocar impressões e fatos sobre a busca
pelas fadas. Solon não era do tipo que facilmente
acreditaria na culpa de fadas da clausura. Ou que
acataria ordens de Lucius ou Santha, sem fazer

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perguntas.
Em sua mente Egan perguntava-se por onde
seus amigos e fiéis companheiros de luta pensavam
começar as buscas.
Por mais experiente que fosse, Egan não
tinha a menor pista de onde poderia estar uma fada
de meia idade com suas asas em pleno
funcionamento, possuidora de um dom nada prático
em uma fuga.
Estava convencido da participação de Reina
na fuga de uma fada na eminência do padecimento
de suas asas. Sem dom e sem asas, padecendo de
dor e privação vinda disso.
Onde Reina esconderia uma fada nas
condições de Eleonora?
Seu único pensamento lógico era levá-las
diretamente para uma armadilha. Não poderia
alcançá-las, Reina era esperta e conhecia o filho
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que criou. Conhecia o Guardião que Egan se


tornou. Sabia como ele pensava, assim, como ele
sabia o modo que a mente de Reina agia.
Também não poderia fazer nada que
agredisse e ferisse sua mãe de criação a quem tinha
amor de filho. Sempre incorreria no risco de
Tobias, seu irmão de criação estar com as duas, e
não desejava enfrentá-lo em uma luta onde
certamente o venceria e perderia o irmão ou a
confiança dele.
Tão pouco queria ferir a fada Eleonora, que
cativou seu coração e que poderia ser inocente das
acusações.
Rainha Santha não era grande coisa. Ele não
confiava cegamente nela.
Restava-lhe guardar para si seus medos, criar
a armadilha perfeita e levar Reina e Eleonora
diretamente para o único lugar onde um Guardião
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se equiparava a uma fada. Ou melhor,


dizendo o único lugar onde uma fada perdia seus
poderes e o uso de suas asas, simplesmente se
tornando tão inofensiva quanto uma borboleta.
Separar e confundir. Conquistar na base da
armadilha.
Ele sabia até como começar.
O Deserto das Areias Vermelhas. Precisava
levar Eleonora diretamente para lá. E para isso,
precisaria de ajuda. Uma ajuda bastante
significativa. Usar de um elo inocente, para que
Reina achasse seguro apartar-se de Eleonora.
Convencido dessa estratégia, Egan despediu-
se do Quarto Guardião e partiu sozinho.
Com um aceno, Solon se despediu também e
cada qual seguiu um caminho diferente.
Era o inicio de uma caçada desleal contra as

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quatro fadas da clausura. E não havia regras em


uma caçada. Não havia leis. Tudo era válido em
nome da sobrevivência.

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Capítulo 14 - Farsantes

Tobias poderia ser considerado um inútil por


quase todos os elfos do reino, sobretudo os
Guardiões e Conselheiros, mas ele não era nada
estúpido. Era relapso com ordens que não
acreditava e sagaz quando lhe interessava.
Ouvia atentamente todas as regras e leis que
vinham da boca de seu irmão. Nem todas conseguia
cumprir, mas sempre entendia e tentava obedecer,
por mais que Egan não acreditasse em seu esforço.
E, sobretudo, aprendia tudo que Egan lhe ensinava,
isso desde a mais tenra idade.
Por isso, ser conhecedor de alguns segredos

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de Guardiões, o auxiliou na fuga. Encontrou


caminho, usando de passagens secretas reveladas
por Egan ao seu irmão caçula em momentos de
descontração.
Na metade do tempo esperado, eles chegaram
a Vila dos Desesperados. Tobias havia arranjado
uma carroça no meio do trajeto, pois Joan não
estava bem de saúde outra vez e não aguentaria
caminhadas longas. Em alguns momentos aquela
fuga parecia à coisa mais estúpida que já fizera.
Seriam pegos pelos Guardiões. Era
improvável que conseguissem fugir. Em outros
momentos, era uma dádiva que estivessem em fuga.
Principalmente quando flagrava o olhar de
surpresa de Joan diante de uma planta ou de um
passarinho que nunca antes vira. Tudo era
novidade.
O barulho da mata, o luar fechado, sem
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estrelas, que tornava tudo uma escuridão


assustadora. O ar limpo, livre de mofo, a liberdade
de não ter paredes para prender e sufocar.
Mesmo na desgraça, as fadas pareciam quase
felizes. Não fosse a incerteza e o apartamento de
Driana e Eleonora, e o risco que todas corriam de
ser morta, a felicidade poderia assemelhar-se ao
que vivenciavam.
Dois dias mais tarde, chegaram ao local
indicado por Reina, nos arredores da Vila dos
Desesperados.
Alma não era apegada a grandes
demonstrações de sentimentos, por isso apenas
pulou para fora da carroça e acenou com a cabeça
em despedida, esperando que Tobias partisse logo
levando Joan para um lugar seguro, onde nenhum
Guardião pudesse apanhá-la.
— Alma... — Havia sido a voz frágil de Joan
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que a deteve.
De pé longe da carroça, Alma esperou,
cravando os olhos em sua face chorosa e delicada.
— Eu sentirei sua falta, Alma. — Joan
sussurrou, sufocando o choro. — Durante todos
esses anos vivendo no orfanato, sempre esteve ao
meu lado, me protegendo. Eu sentirei falta da sua
proteção, mas acima de tudo, sentirei falta de você
— ela desabafou, pois era provável que fosse a
última vez que se vissem.
A liberdade parecia trazer consigo a partida.
Elas sabiam disso. Joan seria encontrada e morta.
Era frágil demais para suportar uma luta com
Guardiões. Alma, com toda certeza, lutaria ao ser
encontrada e obrigaria o Guardião que a caçasse a
matá-la, ou seria morto por sua fúria incondicional
e sua voz estridente.
Então, aquela era a última vez juntas. O
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último olhar. O último som de voz.


— Vá em paz — disse Alma. — Eu vou
buscá-la. Encontre um buraco e se esconda. Que eu
vou encontrá-la quando seguro. Não lute. Não haja.
Apenas encontre um buraco e se esconda. Eu luto,
eu ajo. Obedeça-me, Joan.
Era um aviso bastante sério. Alma lutaria
pelas duas. Joan fechou os olhos e concordou,
voltando a se recostar dentro da carroça, na cama
improvisada feita com restos de cobertores e uma
manta mal cheirosa trazida do Ministério do Rei.
Cobriu-se para proteger-se do frio, mesmo a
temperatura estando amena. Joan tremia
incontrolavelmente. Era a doença definhando-a aos
poucos.
Tobias bateu o chicote no lombo do cavalo e
ele ganhou velocidade, levando-os para longe de
Alma e daquelas estradas. Quanto antes encontrasse
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um abrigo para a noite, melhor. E de preferência


bem longe daquela região, pois seria uma lástima se
as duas fadas fossem encontradas juntas.
Como ordenando por Reina, a fada Alma foi
deixada na Vila dos Desesperados, protegida
unicamente por uma túnica com capuz para lhe
proteger a face e não ser tão facilmente
reconhecida. Ela afastou da mente o olhar de Joan
escondida na carroça enquanto Tobias partia
levando-a consigo, pois essa lembrança era de
cortar o coração.
Precisava esquecer o pensamento insistente
do que poderia acontecer com suas amigas e
manter-se resguardada, pois se a alcançassem por
conta de um descuido seu, seria anda pior. Os
Guardiões usariam de uma das fadas fugitivas para
atrair as demais.
Era previsível que essa estratégia surtiria

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efeito rápido.
Alma percorreu a estradinha de terra,
andando rápido. Podia ver fumaça através da copa
das árvores e acreditava que aquela era a direção
certa para chegar ao vilarejo.
Não lhe assustava estar sozinha. Em outra
situação qualquer, poderia gostar da solidão e da
oportunidade de conhecer o mundo fora dos portões
do castelo. Mas a situação não era boa e isso a
assustava além do que estava disposta a admitir.
Uma hora mais tarde, deixada para trás por
Tobias e Joan, Alma finalmente chegou ao centro
da Vila dos Desesperados. O local não era nada do
que esperava.
Era um lugar pequeno e com poucos
casebres. Muitas barracas, muitas vendas, muitos
elfos e fadas com expressões estranhas, aberrações
da natureza. Raças misturadas, muitas expressões
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incomuns, pois Alma nunca antes vira nada


parecido nas imediações do castelo. Demorou um
instante para se misturar as demais fadas e elfos do
mercado movimentado no centro do vilarejo e
procurar por uma ocupação que lhe servisse
também de esconderijo.
Ficar parada sem fazer nada, despertaria
muita curiosidade. Misturada entre as criaturas,
Alma se sentiu em casa.
Naquele instante em que permaneceu
solitária, soube que levaria muito tempo para
reencontrar suas amigas e que pela primeira vez na
vida estava verdadeiramente sozinha.
Não importava que fosse forte e capaz de
aguentar a solidão e a fuga. Ela estava sozinha e o
peso do abandono era doentio.
Dois dias mais tarde, foi à vez de Joan ser
deixada nos Campos dos Humanos.
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Entre construções, camponeses que cuidavam


de sua colheita e seguiam suas vidas sem estranhar
a pequenina jovem ruiva que desamparada
misturou-se a eles, depois de ser deixada para trás,
enquanto Tobias acenava e seguia seu caminho,
pois procuraria um lugar para se esconder também.
Joan perambulou até quase escurecer,
procurando um amparo, até ser abordada por
mulheres mais velhas que procuravam por serviçais
para o castelo de um nobre, o nobre daquelas terras.
Ela aceitou e seguiu-as, misturando-se,
enquanto as lágrimas silenciosamente corriam em
sua face. As jovens que como ela, humanas que
procuravam abrigo e trabalho, pareciam notar que
sua dor era genuína.
Muitas delas não precisavam saber a causa.
Elas conheciam bem o sentimento que faz as
lágrimas de uma mulher pobre e sozinha correr por

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suas faces. E foi esse amparo singelo que Joan


encontrou.
Misturada às humanas, Joan tornou-se uma
delas, e seria desse modo até que o pesadelo da
perseguição chegasse ao fim.
Por sua vez, Driana foi à primeira delas a
encontrar um lugar para ficar. Não foi preciso
pensar muito. Ela sabia como elaborar os mais
simples e eficazes planos.
Enquanto todas corriam quilômetros em
busca de uma chance de escapar, Driana arrumou
roupas, um disfarce e estava ao lado dos quatro
guardiões enquanto eles selavam seus cavalos e
tramavam os últimos detalhes da partida.
Ouvia atentamente tudo que diziam,
principalmente os planos que orquestravam.
Movia-se de um lado ao outro, sem ser
reconhecida, pois sua mente era capaz de fazê-la
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saber lidar com eles e com seu novo disfarce.


Um deles, O Primeiro Guardião Egan
precisava de um cavalariço para acompanhá-lo e
Driana desconfiou de sua escolha ao coagir o
pequeno Pietro, um rapazola fofoqueiro, que
geralmente causava conflitos com sua mania de
disseminar fofocas e nunca seria levado para uma
caçada tão importante, pois sua boca grande
colocaria todos os planos do Guardião a perder.
Acheron, o mais assustador em porte físico e
maneiras, entre todos os Guardiões, lhe pareceu o
mais tolo e sucessível ao seu plano.
Driana ofereceu seus serviços e o tolo não
percebeu quem era. Aceitou o trabalho de um
menino experiente com ferraduras que se oferecia
para carregar os pertences de seu amo, sem notar
que esse elfo prestativo era na verdade uma das
fadas fugitivas.

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O estúpido era tão crédulo que sequer checou


sua origem ou confirmou suas palavras.
O esconderijo de Driana? Era ao lado do
Guardião que deveria caçá-la e levá-la para a
morte.
Sobre um cavalo, logo atrás do cavalo de
Acheron, Driana rezou secretamente que Eleonora
tivesse mais sorte que todas elas juntas. Que suas
asas nascessem logo, para que pudesse voar e se
proteger.
E que um dia pudessem as quatro se
reencontrar. E para isso, Driana faria tudo que
estivesse ao seu alcance para impedir que os
Guardiões encontrassem suas amigas...
*****
Cabia a Reina ajudar Eleonora a encontrar
um esconderijo, pois a fada penava do padecimento
das asas e não poderia olhar por si mesma, muito
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menos se proteger.
De volta a Floresta dos Desejos, pensou
Reina. Era como voltar ao tempo, Reina pousou o
corpo praticamente desfalecido de Eleonora no
chão de grama e mato, na mesma floresta onde
vinte anos atrás a encontrara.
Eleonora era um bebê indefeso quando foi
deixada para perecer naquela floresta. Agora,
adulta, aquele lugar seria seu esconderijo.
Eleonora estava a par de tudo que acontecia.
Deveria lutar e ajudar a si mesma, mas a dor a
cegava para o medo.
Seu desejo era fechar os olhos e sucumbir,
livrando-se assim do padecimento de sua carne e de
seus sentimentos. Acusada de assassinato por sua
própria progenitora? Como alguém aguenta tanta
humilhação e rejeição?
Reina era uma mãe para Eleonora desde que
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a encontrou abandonada pelos pais.


Disso nunca duvidou. Vê-la ao seu lado
nesse momento, abandonando sua própria vida bem
estabelecida, para encarar uma fuga que não era
sua, era emocionante.
Eleonora ergueu uma das mãos e tocou o
rosto de Reina, querendo lhe fazer um carinho, que
contasse sobre sua gratidão, pois as palavras
faltavam.
— Fique aqui, minha querida. Não se afaste
desse lugar. Eu buscarei comida e abrigo. Eu virei
buscá-la, Eleonora. Não saia daqui de modo algum
— Reina pediu antes de aprumar as asas e outra vez
voar.
Eleonora olhou em volta e por um segundo
sentiu-se outra vez um bebê desamparado,
abandonado para a morte.
Estar sozinha a fez pensar na óbvia razão de
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tudo aquilo estar acontecendo. Suas asas seriam


iguais as da rainha? O cheiro e o dom, poderiam ser
explicados através de linhagens distantes de
sangue. Mas as asas? Não. De modo algum. Rainha
Santha era sua progenitora.
Sua mãe. Eleonora era sua primogênita e
possuiria asas idênticas a sua, por consequência, o
sangue que corria em suas vezes garantia a mágica
entre fadas, que impedia que uma mãe pudesse
matá-la.
Assim como o sangue impedia que seu
progenitor fizesse o mesmo. Era necessário uma
terceira criatura e saber disso apenas aumentava sua
agonia.
Essa pessoa deveria ser Lucius. Seu braço
direito, seu capacho para tudo. Mas não fora desse
modo, o que a fazia chegar a terrível conclusão de
que Lucius poderia ser seu pai.

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Eles eram os causadores do seu abandono


vinte anos atrás. Justamente a fêmea que lhe deu a
vida tentou tirá-la ao abandoná-la naquela floresta.
E que agora, não satisfeita com o rumo que o
destino tomara para a vida de todos eles, tramava
para acabar com sua existência mais uma vez.
Angustiada, Eleonora prometeu a si mesma
que Santha não teria êxito. Sobreviveria para
cobrar-lhe a responsabilidade de seus atos!
Precisava encontrar forças dentro de si para
lutar por sua vida, pela honra de Reina, sobretudo,
pela liberdade de suas amigas.
Elas não mereciam esse destino. Não
mereciam ser caçadas como animais. O único crime
de Driana, Alma e Joan, eram amar
incondicionalmente sua amiga Eleonora. Apenas
isso! Estar ao seu lado nos piores momentos de sua
vida, e lhe apoiar naquela vida de sofrimento!

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Porque uma criatura viva precisa sofrer


tanto? Porque alguns nascem para a felicidade e
outros para penar? Por quê?
Assustada com a dimensão do ódio que
sentia, Eleonora recostou-se em uma árvore,
tentando respirar com mais calma, na esperança de
aliviar a tensão. Puxou a túnica para baixo,
revelando o torço de seios pequenos, jovens e
bonitos. Tentou olhar pelo ombro e ver como
estava suas costas. Viu apenas manchas feias,
escuras e dolorosas. Manteve a roupa abaixada para
que o frescor da floresta refrescasse a sensação de
queimação. Fechou os olhos e tentou adormecer,
pois do modo que estava não conseguiria fazer
nada por si mesma.
Algumas vezes, no Ministério do Rei, vira
fêmeas sofrerem por semanas do padecimento das
asas, até finalmente serem agraciadas por seu dom

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completo e suas asas. Uma vez, ela não gostava de


lembrar-se disso, uma fadinha bastante frágil de
saúde havia sucumbido durante o padecimento.
Foi um choque para todas, saber que esse
momento de graça e clamor, tão aguardado, poderia
também ser um momento mortal.
Ela sabia que possuía boa saúde e que
aguentaria. Mas em condições precárias, era melhor
descansar e aguardar Reina, rezando para não ser
encontrada por nenhum Caçador de fada,
Recompensa ou por um Guardião.
Eleonora chegou a adormecer e quando
escureceu cobriu-se com a túnica, pois o frio
cortava sua pele. Estava profundamente envolvida
por uma dormência dolorosa quando Reina
retornou. A fada mais experiente encontrou-a
trêmula de dor e frio, além de bastante assustada.
— Encontrei uma cabana abandonada aqui
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perto — disse acariciando seus braços, para afastar


o frio. — Farei chás que devem amenizar a dor.
Estive no vilarejo... Não tenho boas notícias,
Eleonora.
— Sabe algo sobre elas? Sobre minhas
amigas? — Era seu único pensamento urgente.
Nada lhe importava mais do que saber sobre elas!
— Não. Mas sei que devem estar bem.
Tobias sabia o que fazer. Finalmente as constantes
fugas dele com Egan surtiram algum efeito. Eu
ouvi boatos no vilarejo, Eleonora. Ouvi fofocas
feitas por Pietro, um elfo que cuida dos cavalos e
cuidados com os Guardiões, quando eles estão em
viagem. Ele está servindo Egan na caça por você.
Lucius tomou a palavra para si e dita às ordens
como se fosse o novo Rei. Está sendo caçada por
Egan. Meu filho enviou dezenas de guardas para
cada vilarejo. É questão de dias para encontrá-la,

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pois do modo que está não conseguirá se esconder


muito tempo — disse com angústia. — Lucius
decidiu por enviar um Guardião na caça de cada
uma de vocês, como eu imaginava que faria. Eu
não esperava que Egan viesse atrás de você, tinha
esperanças que ele não aceitasse. Mas eu deveria
saber que o senso de dever do meu filho é maior
que seu amor por mim. — Não havia rancor em sua
voz apenas constatação.
— Ele não é seu filho. — Eleonora disse
rancorosa.
— Sim, Egan é meu filho. Assim como você
e Tobias também são meus filhos. Não se volte
contra Egan. Ele não sabe de tudo. Ele está sendo
enganado assim como os outros. Pietro sempre
espalhou boatos e se dessa vez espalhou essa
fofoca, é porque realmente estamos cercadas. Em
pouco tempo nem mesmo o voo poderá ajudá-la,

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pois não conseguirei levá-la no estado em que está.


— E o que eu faço, Reina? Entrego-me? —
Perguntou lutando contra o choro.
— Não. Eu vou distraí-los. Egan sabe que
estou com você. Deixarei que me pegue. Túlio,
meu marido, intercederá por mim. Enquanto isso,
você segue sozinha para o Deserto das Areias
Vermelhas. É o único lugar onde Egan é
inofensivo. Onde ele não enviará nenhum soldado
por saber que é impossível um elfo sobreviver
muito tempo. Egan é teimoso e seguirá procurando,
mas não vai encontrá-la sozinho. E eu sei que ele
não gosta do Deserto. Ele teve um treinamento
horrível por aquelas terras. Ele vai esmorecer nesse
lugar e você terá uma chance de escapar dele!
— Mas Driana sempre disse que o Deserto é
um lugar horrível... Eu não posso sobreviver por lá
— assustada, ela esperava que Reina pudesse

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esclarecer essa situação. — Eu tenho medo de ficar


sozinha, Reina. — Ela disse assustada.
-Eu sei. As beberagens que lhe der vão ajudar
na dor. Em poucos dias suas asas nascerão e sua
fuga acabará. Voltará para o castelo e exigirá
direito de defesa. Suas asas, Eleonora, serão seu
álibi. Se as suas asas são iguais as de Santha, seu
cheiro também é. É uma dedução lógica, que não
será negada! Isso deixará a dúvida em todos. Quem
poderá provar se foi você ou Santha quem deixou o
cheiro no Rei? Você é a personificação dos crimes
da rainha. Não será difícil conseguir instalar a
dúvida agora que o Rei está morto e não existe
encanto da parte de Santha sobre os outros elfos.
Egan é um elfo justo, ele tomará seu partido no
instante em que vir suas asas. Não desista dele,
Eleonora. Não desacredite na capacidade de Egan
em acreditar na justiça. Ele é difícil às vezes, mas

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não se deixe enganar sobre seu coração! — Reina


esclareceu, bastante emocionada.
— Mas e Lucius? Ele sempre me detestou —
ela disse triste.
— E por que você acha que Lucius perderia
seu precioso tempo com uma das órfãs da clausura?
— Sorriu terna. — Seu sangue é permeado de
mistérios, Lora. O maior deles é a relação de
Santha e Lucius. Suas asas serão seu álibi. E sua
salvação. Agora, esqueça o medo. O medo não fará
nada de bom por você. Apenas a enfraquecerá.
— Ficará comigo esta noite? — Eleonora
segurou sua mão, como faria com a de uma mãe —
eu sinto medo. Muito medo. Não posso evitar.
— Eu deveria ter ficado com você desde o
dia em que a encontrei nessa floresta. Foi um erro
ter aberto mão de criá-la. Amanhã cedo nos
separaremos. Mas não por muito tempo, querida.
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Não por muito tempo.


Reina sentou ao seu lado e a acolheu em seus
braços, embalando-a.
— Seu dom, fada, será o mesmo dom de
Santha — ela seguiu falando, para que Eleonora
entendesse a exatidão da situação. — Controlará o
tempo. As estações. Os quatro elementos e as
criaturas que vivem neles; não pode dominá-los,
mas pode conseguir que a ouçam e intercedam por
você, pois reconhecerão seu poder sobre o
ambiente onde eles vivem. Eu não aconselho que se
imponha frente às criaturas da água, do ar ou da
terra. Isso será muito ruim para você. Faça deles
aliados. Com o tempo saberá como conseguir ajuda
espontânea. Basta saber negociar.
— Negociar? — Ela não entendeu.
— Um elfo que viva da plantação, por
exemplo, lhe oferecerá boas chuvas, bom tempo de
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colheita e com isso, obterá a ajuda que necessitar.


Uma criatura do mar aceitará uma boa maré em
troca de favores. Faça isso, Lora. Entenda que seu
dom é profundo e imenso. Vai aprender a dominá-
lo aos poucos. Não se angustie com isso agora.
Descanse e adormeça, eu cuido de você. Ficaremos
bem. Suas asas nascerão, provará sua inocência. Eu
ainda a verei livre e feliz. Eu lhe prometo isso,
Eleonora.
Com essa promessa em seu coração,
Eleonora sorriu.
Um pequeno sorriso triste de quem ao menos
tem esperanças.

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Capítulo 15 - Areias do tempo

Egan descobriu a eficácia do seu plano


quando o elfozinho que o acompanhava contou-lhe
da curiosidade de uma fada no mercado da Vila dos
Desesperados.
Pelas características, sabia que essa fada
cheia de perguntas era Reina. Apressado,
despachou o menino de volta para casa, pois não
era seguro expor alguém sem treinamento a uma
caçada e seguiu sozinho pelas estradas reclusas da
Floresta de Saul, onde precisaria enfrentar a fúria
do Rio Branco em uma travessia perigosa, para
finalmente chegar ao Deserto das Areias

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Vermelhas. Não possuir asas era uma desvantagem.


Desde pequeno, que Egan tinha problemas
com o deserto. E isso era de conhecimento de
Reina. E ela usaria suas fraquezas como proteção
para a fada Eleonora. Sempre que os treinamentos
eram no deserto, apesar de ser o melhor elfo em
treinamento, Egan sempre acabava derrotado ou
humilhado.
A aridez do lugar, a temperatura e a areia,
eram agravantes para qualquer um que tentasse
refugiar-se por lá. E Egan nunca conseguiu superar
essas adversidades. Acheron era um Guardião
capaz de passar semanas no deserto sem esboçar
uma reclamação sequer. Solon se saia bem e Zoé...
Bem, era impossível alguma coisa ficar entre Zoé e
seus objetivos, e ainda permanecer vivo.
Mas Egan? Não. Seu ponto fraco era o
deserto e Reina sabia disso. Egan sabia exatamente

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que agiria assim. Ao se sentir acuada e sem rotas de


fuga, imaginaria que Egan não pensaria no deserto
como uma opção, por causa disso, Reina esconderia
Eleonora neste terrível lugar.
Era ciente que levaria dias para essa
travessia. No ritmo em que estava seguindo, ficaria
para trás. Precisaria encontrar uma fada disposta a
um bom pagamento por uma carona.
O difícil era achar uma disposta a tal feito.
Fadas e elfos raramente se entendiam. Sempre
havia a questão da força física e as asas. Um elfo
macho e adulto poderia facilmente subjugar uma
fada, no entanto, se ela fugisse com suas asas,
jamais seria encontrada.
Algo que vinha de séculos atrás quando elfos
e fadas não conviviam juntos, as fadas eram
relegadas a haréns e clausura forçada.
A escolha de uma fada também acalentava
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amarguras. Quando um elfo escolhe uma fada,


normalmente essa escolha é dada pelo cheiro e não
por sentimentos. Egan não era adepto dessa
barbárie, mas muitos elfos ainda praticavam esse
poder sobre as fêmeas. E a intimidade unicamente
regada à atração animal, durante o cio, acarretava
magias nas fêmeas, o que sempre acabava em
relações rápidas, dramáticas e com finais trágicos.
Todas as fadas desconfiavam de pedidos de
elfos por voos. Elfos não escolhiam esse meio de
transporte, a menos que possuíssem segundas
intenções.
Apesar de Egan nunca ter sido adepto ao
pensamento machista e antiquado de seus
antepassados, no entanto, não achava sábio de sua
parte atentar contra sua própria gente.
Algum ouro poderia amaciar as
desconfianças de uma fada da taverna e ele

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conhecia algumas bastante simpáticas.


Elfo de pouco contato com fadas, Egan
convivia com fêmeas apenas em locais apropriados
para isso. Fadas sem poder ou família que
ganhavam a vida servindo elfos em tavernas e
pousadas.
Tobias era um namorador, desde a mais tenra
idade, e enquanto Egan era unicamente dedicado ao
treinamento e vez ou outra, procurava por
companhia feminina, Tobias vivia na esbórnia.
E nessas farras, muitas vezes, convencia
Egan a acompanhá-lo. Seu irmão sabia levá-lo para
o mal caminho. No fundo Egan era muito
agradecido a isso ou sua vida teria sido
demasiadamente séria.
Normalmente Egan pagava pelo serviço
íntimo por uma fada de taverna e partia. Era o mais
próximo a uma relação que tivera. Isso, até desejar
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para esposa a namorada do seu irmão menor.


Tobias e sua amizade com Eleonora, e as
noites de sono que Egan vinha perdendo pensando
neste dilema.
Apesar da vivacidade e da liberdade que
Tobias, possuía seu irmão ainda resguardava muita
imaturidade e por causa disso, não percebia o que
era óbvio aos olhos de Egan e Reina. Tobias não
nutria sentimentos matrimoniais por Eleonora,
apenas desejo e uma amizade tão genuína que se
confundia com amor.
E essa era a razão por sua relutância em
escolher a fada e casar-se com ela.
Um ano atrás, Egan lembrava-se de Reina ter
insistido nesse assunto. Era um dia comum, a mesa
repleta com toda a família reunida e Reina trouxera
o assunto à tona:
— Falei com Miquelina, aquela cobra
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aceitou finalmente vender Eleonora por um bom


preço. — Ela disse entre alívio e indignação. — Eu
preciso muito do ouro que falamos, Túlio. Você me
ajuda?
Ela tocou a mão do marido, por sobre a
mesa e ele acenou. Era contra, mas não tinha
coragem de lhe dizer não uma terceira vez na vida.
Dissera não quando Reina trouxe a fada ainda
bebê para casa. Dissera não quando ela adotou um
órfão, mas não Eleonora. Agora era hora do sim.
— Me diz quanto e eu consigo o ouro para
você — ele prometeu.
— Isso é maravilhoso. A negociação está
feita — ela disse sorrindo, com tanta felicidade que
não se continha. — Claro, será necessário
mascarar os olhos de Lucius. Ele vigia toda a
movimentação do Ministério do Rei.
— E como você pretende fazer isso, mãe? —
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Perguntou Egan, tentando não parecer interessado


na possibilidade da fada morar na mesma casa que
ele. — Ela virá para casa com você?
— Não. Pensamos em tudo... Eu pedirei um
favor a Santha, mesmo que me custe o orgulho,
mas farei isso. Pedirei que peça a Lucius permitir
que meu filho se case com a fada antes da escolha
do próximo ano. Falarei sobre os impulsos da
juventude. Sei alguns segredos de Santha... Ela não
poderá me dizer não mesmo que queira. Não
queria usar isso contra ela, mas... Não há outro
jeito! — Suspirou, desgostosa — Tobias, você vai
se casar com Eleonora na próxima semana.
Sim, Egan parou de comer no mesmo
instante, sem saber como dizer que não aprovava
essa ideia. Mas o interessante, foi o engasgo de
Tobias. O elfo engasgou-se com a carne que
devorava e foi preciso muito tempo para que ele

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melhorasse.
Foi preciso de Reina o acudisse.
Recuperado, a primeira coisa que disse, foi:
— Casar?
— Sim, uma cerimônia simples e rápida.
Para não chamar atenção. O preço foi alto para
que Miquelina aceitasse fugir das regras e permitir
que Eleonora se case antes do padecimento das
asas. Eu encontrei uma casinha muito boa perto
daqui. Vocês dois viverão lá por um tempo, até que
você se ajeite em um trabalho e consiga mantê-los
com seu próprio esforço - enquanto Reina falava,
Tobias a encarava aparvalhado, a cada palavra
mais pálido - Vai demorar um ano para que as
asas de Lora nasçam. É possível que nesse tempo
sejam como amigos. Eu sei que a sexualidade dela
não está completa, mas isso mudará no ano que
vem e poderão ter belas crias.

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— Crias? — Tobias gaguejou.


Sua expressão era tão clara que Egan
apenas pegou uma bacia de barro perto da mesa e
colocou na sua frente, antes que ele se curvasse e
vomitasse todo o almoço.
— Tobias não quer se casar — ele disse
para Reina, apontando o óbvio. O nervosismo de
seu irmão era tamanho que se refletia no corpo.
Pânico, completo horror diante da ideia de
casamento.
Reina sentou-se pesadamente em uma
cadeira, frustrada e decepcionada.
— Eu pensei que estivesse tudo acertado,
Tobias. Que você quisesse escolher Lora para
casamento. Você vive dizendo isso!
— Eu quero! — Ele praticamente gritou. —
Mas não quero deixar as outras para trás.

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Referia-se a Alma, Driana e Joan. Era uma


justificativa que Reina poderia aceitar e
compreender. Mas Egan sabia que havia muito
mais por trás dessa negativa. Enquanto Reina
recuperava-se da decepção e tentava encoraja-lo a
pensar nisso no ano seguinte, Egan apenas lhe deu
um tapinha nas costas e maneou a cabeça.
— Não conte a ela, Egan! — Seu irmão
implorou.
Túlio continuou comendo, ignorando a
esposa que se refugiava no quarto, para que os
filhos não a vissem chorar de decepção.
— Convenci os outros guardiões a
escolherem as fadas que sobraram. As três amigas
de Eleonora. — Egan explicou ao pai que parou de
comer e encarou Tobias com seriedade. — A
justificativa envolvendo as demais fadas não se
aplica.

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— Precisa contar a sua mãe que não quer se


casar, Tobias. Parar de inventar desculpas e iludi-
la! — Ele mandou.
— Eu vou contar — Tobias prometeu. — Eu
vou, não sei como, nem quando, mas eu vou
contar... — Ele ainda estava pálido e Egan voltou
a comer.
Ocultava o riso.
— Não ria do seu irmão, Primeiro Guardião
— disse Túlio ranzinza, por conta de toda a
situação. — Se ele se acovardar, serei obrigado a
casar a fada da clausura com você.
Para Túlio, isso era uma ameaça
desagradável. Para Egan, uma expectativa que
mascarava fingindo não gostar da ideia. Tudo para
não romper sua ligação de irmão com Tobias.
Conhecia Tobias do avesso e reverso, e sabia
muito bem que seu irmão não queria o casamento e
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a responsabilidade que o enlace trazia para a vida


de um macho. Amava Eleonora do mesmo modo
que amava a liberdade e escolher entre um e outro
era custoso.
— Reina não vai aceitar a mesma desculpa
ano que vem — avisou ao irmão.
Pela expressão de Tobias, soube que ele
pensava nisso também.
Egan afastou-se para cuidar de seus afazeres
de Guardião, não sem antes trocar um significativo
olhar com o pai. Túlio era o único que sabia do
interesse do filho mais velho pela fada da clausura.
Não duvidava propriamente do amor de
Tobias, mas sim de sua maturidade em aceitar o
enlace e as bodas, por causa disso Egan permanecia
num eterno dilema.
Dilema que caíra por terra no instante em que
a fada cometera tal crime. A porção elfo dentro de
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si exigia que encontrasse e tomasse a fêmea para si,


pois era seu desejo e direito de Primeiro Guardião
ter a fada que desejasse.
Mas a porção racional impunha seus
princípios morais e exigia que cumprisse as leis.
Não era um elfo que cometesse barbaridades
contra fêmeas. Ele respeitava o gênero e apreciava
a complexidade da personalidade feminina. Não
desejaria o mal para uma fada, mesmo que esta
fosse acusada de assassinato.
Se algum Caçador de Fadas ou Recompensa,
encontrasse Eleonora antes dele, não havia a
menor chance de sobrevivência ou fuga.
As ordens de Lucius foram muito claras e
logo se espalhariam como rastilho de pólvora.
Aquele que trouxesse a fada viva ou morta seria
tido como um herói diante da Rainha. E de Lucius,
que provavelmente seria seu elfo escolhido para
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futuro marido e posteriormente Rei.


Naquele momento, o ato mais sábio era
ignorar os sentimentos e se ater aos pensamentos.
Demoraria mais tempo para encontrá-la, mesmo
assim era questão de dias para Reina cair na
armadilha e Eleonora estar vulnerável. Dias até
que pudesse alcançá-la. Restava torcer para que ela
sobrevivesse ao sofrimento do deserto e que
pudesse alcançá-la antes que algum perigo maior a
encontrasse antes dele!
*****
Eleonora acordou dois dias mais tarde,
depois de um alienamento induzido pelos
medicamentos. Apesar de zonza estava menos
dolorida. Os chás de Reina fizeram efeito enquanto
dormia de exaustão e ela pode sentar-se na cama
improvisada na velha cabana escondida dentro da
floresta. Em algum momento Reina a levara para a

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cabana que conhecia, mas Eleonora não se


lembrava de quando isso aconteceu.
A primeira coisa que enxergou foi à imagem
de Reina apreensiva.
A cabana era muito pequena e suja.
Abandonada a muitos e muitos anos.
— Onde estamos? — Perguntou Lora em voz
baixa e cansada.
Reina notou que estava acordada e parecia
não querer ter que lidar com ela nesse momento.
Virou-se para a fada que estava aquecida e
protegida sob uma coberta antiga e fedorenta, mas
que protegia seu corpo das agressões externas
naquele momento delicado do padecimento das
asas.
— Essa cabana pertenceu a uma fada. Ela
trabalhou por muito tempo escondida. Seu dom era

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proibido, assim como o meu. O dom das poções. —


Reina sentou perto de Eleonora e mediu se tinha
febre — ela teve uma vida imunda e miserável.
Quando a conheci era bastante idosa. Ela aceitava
pagamento para fazer trabalhos que mais ninguém
queria. Eu há conheci pouco tempo depois de
encontrar você abandonada na floresta. — Ela
explicou.
— Por quê? — Não entendeu imediatamente.
— Porque eu tinha a suspeita de que Santha
havia parido uma cria. Ela escondia um segredo.
Um amante e uma cria abandonada. E eu havia
encontrado um bebê desprotegido abandonado na
floresta. E essa femeazinha desprotegida possuía as
mesmas características físicas de Santha. Eu
precisava ter certeza que não estava enganada.
— Reina, eu não quero que diga isso. Eu não
quero ouvir. Eu já entendi o que esta acontecendo,

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não preciso saber como aconteceu. — Ela afirmou,


odiando a ideia de saber os detalhes.
— É claro que precisa. Sua vida depende
disso, Eleonora. Sejamos sinceras, Egan vai
encontrá-la. Ele é um exímio Guardião. Treinado e
competente. Ele honra a armadura e esta o guiará
até você. É questão de tempo para que a encontre.
Eu espero que esse encontro aconteça no deserto.
Ele não lida bem com a região. Sempre foi seu
fraco. E suas asas, Lora, serão sua prova final.
Conte a ele o que aconteceu. Egan saberá ouvir.
Mas você precisará saber falar com ele. Nem
sempre o meu enteado é fácil de conversar. Ele é
muito reservado, muito fechado e prudente. Túlio o
criou para ser Guardião. Era sua única
preocupação. Eu tentei torna-lo um elfo
humanitário e a presença de Tobias ajudou muito a
moldar sua personalidade, mesmo assim, Egan

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tende a ser reto demais em suas missões. Ele não


pega atalhos. Vai caçá-la e levá-la de volta sem
fazer perguntas e sem ouvir argumentos. Cabe a
você falar mesmo que ele não ouça.
— E de que serve as palavras se ele não vai
me ouvir? — Ela perguntou sofrida.
— As palavras entram na mente e
incomodam. Egan é justo. Até demais, eu diria.
Perturbe-o com a verdade e ele intercederá por
você.
Eleonora ouviu calada. Não concordava que
houvesse alguma chance do Guardião ouvir seus
apelos. Ele nunca demonstrou se importar com a
clausura. Ela fechou os olhos com força,
expurgando a amargura. Mentia para si mesma,
Egan era interessado sim nos problemas do
Ministério do Rei.
— Santha não foi escolhida para casamento
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quando suas asas nasceram. Ela foi enclausurada.


Isso durou três anos. Lucius se tornou o
responsável pela administração da clausura no
mesmo ano em que você foi concebida. Ele seduziu
muitas fadas e estimo que Santha tenha sido uma
delas. Não sei se ela sabe disso. Que era apenas
mais uma. Mas a grande verdade, é que ela
emprenhou. Provavelmente ele se livraria da cria de
qualquer modo, para esconder seu crime contra o
reino. Imagino a surpresa dos dois quando Santha
foi escolhida para esposa de Isac. — Reina disse
apenada de Eleonora. — Eu nunca vou saber os
detalhes, o que sei é quando fui atendê-la, como sua
criada pessoal, ela já havia parido. Eu notei que
algo estava errado. Eu logo descobri que havia
estado prenhe. Eu não disse nada, não era da minha
conta, eu ainda não sabia que tipo de fada ela era.
Quando a encontrei na floresta, tive certeza que o
pior aconteceria se eu abrisse a boca. Meses mais
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tarde, encontrei a fada que Lucius pagou para leva-


la para o deserto e abandona-la. A dona dessa
cabana. Ela recebeu em ouro para descartá-la no
Deserto e assim, resolver o problema de Lucius e
Santha. - Reina foi direta e Eleonora permaneceu
ouvindo calada, sem condições de argumentar.
— Essa fada era muito velha quando isso
aconteceu. Ela me contou que não achou que eles
merecessem que perdesse seu tempo e saúde indo
tão longe por tão pouco pagamento. Manteve-a
com ela por algum tempo e então a descartou na
floresta. Eu sei que é chocante ouvir isso — ela lhe
fez um carinho na face, para assim amenizar o
efeito dessas palavras.
— Eu sei como se sente, Eleonora. Está
doendo. É tempo de falar a verdade. E a verdade
machuca, fere e rasga por dentro. A mentira não,
minha querida. A mentira é carinhosa e afaga. E

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por um bom tempo, a mentira pode ser saudável,


mas não por uma vida toda. E chegou o momento
de saber o que aconteceu. Saber a mentira que a
manteve viva até hoje. Mas a verdade... Essa vai
libertá-la para sempre.
— Porque não contou o que sabia? No
passado, quando me encontrou? — Ela quis saber,
sentindo a dor da fúria vir à tona. Raiva de Santha.
— Primeiro de tudo: medo. E se ninguém
acreditasse em mim? Você seria morta. Santha se
livraria de você. Meu casamento estaria arruinado e
eu perderia minha família. Ambas estaríamos
desgraçadas. E por quê? Por nada. Eu levei essa
enganação adiante todos esses anos esperando tira-
la da clausura antes que suas asas nascessem. Era
minha esperança. — Confessou.
— E a fada que me levou do reino? Ela não
pode contar o que sabe? Isso resolveria metade dos

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meus problemas, Reina! — Eleonora se lembrou


disso.
— Infelizmente ela faleceu há alguns anos.
Eu sinto muito, querida fada, não há como
amenizar as decisões do destino. É preciso lutar
pela sobrevivência. Prometa-me, Eleonora que
lutará com todas as suas forças. — Reina pediu.
Eleonora vasculhou a expressão facial de
Reina em busca de respostas.
— Está partindo — disse baixo, verbalizando
o que pensava.
— Sim, vou me entregar ao reino. Isso fará
Egan recuar. Ele precisa cumprir seu dever. Perderá
tempo comigo, ficará atrasado na busca por você.
Esse tempo irá permitir que você se refugie no
Deserto das Areias Vermelhas. Quando tentar
encontra-la, estará aclimatizada no lugar e será
mais difícil encontra-la ou abatê-la. Terá obtido
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suas asas e seu dom, e Egan não será tolo. Ele


entenderá o que isso quer dizer quando vir que tem
as mesmas asas que Santha. Não há outra
explicação para esse fenômeno. É a cria
primogênita de Santha. Isso será incontestável
quando suas asas nascerem.
— Como sobreviverei no deserto? Não há
água. Não há chuva. Duvido que algo cresça
naquela areia quente. O que vou comer? E beber?
— Perguntou com pesar, tendo o pressentimento
que sobreviver em um lugar desses era mais difícil
do que fugir de um Guardião.
— Suas asas estão nascendo, Lora — Reina
sorriu pela primeira vez em dias e aproximou-se. —
É um momento único. Levará as ervas que separei
para você e fará os chás para a dor. Isso deve bastar
por alguns dias. Se não conseguir prepara-las,
mastigue-as. O efeito será o mesmo, mas o sabor é

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horrível. A cada dia, com a proximidade do


nascimento, seu dom aflorará. Precisa começar a
ouvir seu dom e usá-lo. Santha domina o tempo a
seu favor. Faça o mesmo. Crie chuva onde há
apenas mormaço e terá o que beber. Verá que
apesar de ser deserto existem algumas plantas que
resistem ao calor e terra seca. Vai conseguir, Lora.
Vai conseguir, pois tem uma batalha para vencer.
Seu retorno será a liberdade de suas amigas. Eu sei
que vai sobreviver a tudo isso.
— Eu queria ter a mesma confiança — ela
choramingou enquanto as duas se abraçavam com
força.
O momento não podia durar. Juntas se
prepararam para o caminho que aguardava por
Eleonora.
Uma trouxa com os chás e um cantil com
água. Algumas frutas e ervas que poderia alimenta-

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la por alguns dias até dominar seu dom e obter suas


asas.
Então sem despedidas Reina a ergueu em um
voo calmo e a levou para seu fatídico destino final.
Horas mais tarde, pousou em um lugar
qualquer no meio do nada. Reina partiu, sem falar
mais nada, apenas olhar para sua fada protegida
com piedade. Temia ficar para trás e não cumprir o
destino. Precisava ser forte e deixar Eleonora era
parte dessa força.
Eleonora se viu de pé, em meio a areia
quente e vermelha.
Uma rajada de vento forte cortou o silêncio
aterrorizador daquela terra desabitada e varreu o
chão levantando areia vermelha que a atordoou por
um momento.
O vento esvoaçou seus cabelos claros e corou
sua pele com a cor da terra. Quando a rajada de
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vento se acalmou, Eleonora pode respirar outra vez.


Estava coberta por areia vermelha e restos de terra.
Caída no chão, apoiou as duas mãos na terra
fervente e tentou se ajoelhar para se erguer.
Sentia a dor ferina das asas nascendo e quase
vergou de volta ao chão. Mas não podia fraquejar.
Precisava andar e encontrar um abrigo. Encontrar
um esconderijo.
Não seria fácil sobreviver naquele lugar.
Olhando desolada para a imensidão a sua frente,
começou a andar, rezando secretamente para suas
asas nascessem o mais rápido possível para que
tivesse uma chance real de sobrevivência.
Poucos dias atrás ela amaldiçoava o
nascimento precoce de suas asas. Agora, era vital
obtê-las.
Sabia que era em vão a tentativa de encontrar
qualquer criatura mágica naquela terra abandonada,
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mesmo assim estava repleta de esperanças


enquanto andava em direção ao imprevisível
horizonte coberto de areia seca, mormaço e
silêncio...

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Capítulo 16 - Queime minhas esperanças

Três dias mais tarde, Eleonora andava sem


rumo, praticamente sem provisões quando a dor a
fez parar e se ajoelhar no chão vermelho de areia
pesada e massacrada pelo sol escaldante.
A mágica que protegia aquela terra mantinha
os forasteiros afastados. A sobrevivência era
praticamente impossível. Depois de comer
praticamente toda a comida e mastigar quase todas
as ervas que tinha para a dor, Eleonora não sabia
mais o que fazer. Seu cantil estava vazio. Seu
estômago também. A sede era cruel. Ela sentia o
corpo cedendo, as vistas embasadas, as imagens

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perdendo o foco e alucinações tomando o lugar da


realidade.
Em alguns momentos era impossível saber se
ela estava vendo a realidade ou perambulando por
alguma alucinação.
As lágrimas corriam em sua face, o coração
oprimido pela incapacidade de usar seu dom. Suas
asas nasciam aos poucos e no dia anterior as
manchas vermelhas em suas costas se tornaram
feridas abertas, ensanguentadas, que atraiam
moscas, insetos e queimavam seu corpo com dor e
sofrimento. Era um horror descobrir que os insetos
e larvas pretendiam encontrar abrigo em suas
feridas e ela não podia fazer nada além de tentar
livrar-se deles.
Apesar dos pesares era incapaz de usar o
próprio dom. Toda fada mesmo antes de obter suas
asas costuma ter seu dom ativo, mesmo que em

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poder menor. Menos ela! Cada vez que se


manifestava, alguma carcereira a tolhia ou
castigava. Ordens expressas de Miquelina. Agora,
Eleonora sabia que a razão era o medo que Santha
descobrisse que havia no Ministério do Rei uma
fada com dom idêntico ao seu.
Seu dom não fora incentivado ou treinado,
por causa disso, possuía quase nenhum domínio
sobre ele.
Algumas fadas eram treinadas, as mais
obedientes, e tratadas para serem usadas a favor do
reino, e mesmo enclausuradas, vez ou outra eram
solicitadas.
Eleonora sempre achou que não teria essa
sorte.
Havia tentado mudar o clima, sem sucesso.
Tentou chuva, mas não conseguiu nada. Tentou até
mesmo, diminuir o calor, trazer algum frio em
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torno de sim, mas o resultado fora apenas mais


pesar físico. Então, ela desistiu.
Furiosa, Eleonora caiu exausta e socou o
chão, sufocando um grito, pois as ervas haviam
acabado e enfrentava o sofrimento sem anestésicos.
Amaldiçoava Santha pelo abandono e a
crueldade. Amaldiçoava a vida por não ter piedade
de uma fada desprotegida. Ela não merecia tal
perseguição!
Amaldiçoava a si mesma por sentir piedade
de si e pela pouca coragem de seguir. Eleonora
deixou o corpo escorregar no chão, exausta, e fitou
o sol escaldante sobre sua cabeça.
Suja de areia da cabeça aos pés vagava há
dias sem sucesso, desmaiando e adormecendo sob o
sol, acordando faminta e sedenta, sempre sob o sol
escaldante. A um passo de enlouquecer, rezou para
ter forças para seguir.
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Só mais um pouco, disse a si mesma.


Precisava aguentar mais um pouco. Suas asas logo
nasceriam. Quanto maior o sofrimento, mais perto
do final, do nascimento definitivo.
Algumas vezes ela sentia como estivesse
vivendo uma fantasia, um pesadelo. Que a
qualquer momento suas asas arrebentariam a carne
e se ergueriam majestosas, levando-a para longe,
para a liberdade. Ela poderia deixar tudo para trás.
Voar para bem longe, encontrar Driana, Alma e
Joan, e levá-las consigo. Esquecer-se do passado e
começar uma vida nova em terras desconhecidas e
distantes.
Havia um horizonte a ser seguido, um
horizonte de mundo novo para ser explorados. Ela
sabia que havia. O mundo era maior do que o
Monte das Fadas e apesar de não conhecer nada
sobre esse mundo, ela tinha esperanças de

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encontrar um lugar seguro e feliz.


Ela cobriu a face com as mãos, soluçando.
Esse sonho nunca aconteceria. Suas lágrimas eram
secas, sem água, apenas a compulsão por chorar, o
que a levava diretamente para as vertigens e quase
desmaios.
Chorando Eleonora avistou uma sombra
sobre sua face e abriu os olhos. Não havia sombras
naquele lugar. Apavorada, logo pensou no
Guardião e sua armadura.
Chegou a tentar correr, mas não conseguiu se
erguer e caiu outra vez. Olhou para cima,
esperando ver Egan diante de si, pronto para levá-la
consigo de volta para o reino, para ser presa a
julgada por um crime que não cometera.
Foi quando viu. Era uma sombra pequena.
Quando os seus olhos se fixaram e enxergaram,
descobrindo o que era, gritou assustada, debatendo-
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se para fugir da criatura.


Talvez por culpa do medo ou pela exaustão,
no segundo seguinte estava desmaiada...
*****
Egan atravessou o Rio Branco com
adrenalina correndo nas veias.
Odiava sentir-se incapaz. Após perder seu
cavalo para a correnteza, sentia-se o mais ineficaz
dos elfos.
Molhado, sujo e com frio, ele encarou as
rochas que se erguiam em volta da margem do rio,
que selavam a passagem para o deserto.
Podia sentir o calor se insinuando pelas
rochas e o bafo quente, árido, ameaçando a vida
daqueles que ousassem invadir aquelas terras.
Terra de pura magia, que boicotava a magia
alheia. Um lugar perigoso, que facilmente poderia

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roubar a vida de um elfo. Estar preparado para o


perigo, não o fazia preparado para se aventurar no
Deserto das Areias Vermelhas.
Se a fada fugitiva fosse tão esperta como
parecia ser, deveria estar refugiada entre as pedras,
perto do precipício. Era o único lugar protegido das
tempestades de areia. Reina sabia disso, então
Eleonora também deveria saber.
Convencido que sabia onde encontrá-la,
Egan puxou o elmo da armadura para baixo,
cobrindo a face com metal, protegendo-se assim da
areia e do vento. Nas mãos a espada, pois não sabia
o que encontraria no percurso que seguiria.
*****
Eleonora ouviu sons estranhos, como algo
sendo roído. Estava deitada sobre o que parecia ser
uma esteira feita de bambu e cordas. Assustada se
moveu e olhou em volta, descobrindo uma criatura
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roendo as ervas que ainda lhe restaram na trouxa


que carregava consigo. A criatura fuçava e farejava
em busca de alimento e água.
Com o desespero de um animal faminto,
Eleonora avançou sobre a criatura e tentou reaver
seus pertences.
Eles lutaram, ela era alta comparada com a
criatura, um pouco mais forte, enquanto ele era ágil
e movia-se muito rápido.
Não era uma criatura. Era um elfo ou ao
menos pareceria brevemente ser um elfo macho.
Pequeno, atarracado e modesto, cheio de dentes
longos e afiados em sua bocarra escancarada. Uma
expressão enrugada, com olhos pequenos, na face
escondida por muito cabelo.
— Isso é meu! — Ela lutou e caiu no chão,
sendo vencida pela força do ser estranho. — Me
devolva! É meu! Não tire de mim! É meu!
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A criatura a empurrou e fugiu, mas ela


alcançou e tentou segurá-lo, mas foi arrastada por
alguns centímetros areia quente a dentro. Desistiu e
ficou no chão, respirando fundo, tentando recuperar
o ar.
Ruídos foram sua resposta enquanto ele
comia e devorava as poucas ervas que ainda
restavam. Chorando de raiva Eleonora apenas
observou, pois a dor a impedia de lutar mais.
Estava abatida e cansada demais para tentar
lutar mais uma vez. Afinal, que diferença fazia?
Um dia a mais ou a menos de alimento para alguém
que jamais conseguiria sobreviver naquelas
condições? Era como apegar-se a uma esperança
vã.
A criatura comia com vontade e sons que
lembravam rugidos de uma fera sem dialeto.
Eleonora arranjou forças para rastejar e refugiar-se

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na pouca sombra.
Minutos mais tarde notou a criatura andar por
entre as rochas e notou que estavam protegidos por
alguma sombra, a causa disso eram as rochas em
volta, formando uma singela proteção contra sol e o
mormaço.
Havia tecidos, utensílios e parecia que
alguém vivia naquele lugar. Uma espécie de
acampamento ou casa. Ele vivia ali? Naquele árido
lugar? A criatura voltou com uma cumbuca de
barro nas mãos e estendeu em sua direção.
Eleonora quase chorou de felicidade ao ver
algo emplastado, cheiroso e úmido. Com a fome e
sede que sentia, não perdeu tempo fazendo
perguntas. Enterrou as mãos na comida e comeu
ferozmente.
Não levou mais do que alguns minutos para
devorar o conteúdo da cumbuca, que apesar de não
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possuir sabor, enchia seu estômago e ajudava a


saciar sua sede.
— O que você é? Um elfo? — Perguntou
quando estava quase terminando, olhando para a
criatura com dúvida no olhar.
O macho ou fosse lá o que fosse, apenas
observava bem a distância.
— Não. — A resposta veio em rugidos.
— E o que você é? Você sabe o que é? —
Quis saber, lambendo os dedos para aproveitar toda
a comida e umidade que vinha daquele delicioso
pirão.
Mágoa nos olhos da criatura a fez sentir
pena. Ele não sabia mesmo o que era?
— Existem muitas raças no mundo. Eu não
conheço praticamente nenhuma. Apenas elfos,
fadas e duendes. Uma vez eu vi um still, mas é um

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inseto, então não conta. Você parece um elfo


pequeno — ela disse com um meio sorriso na face
suja, esperando que ele entendesse que não havia
nada de errado em não conhecer a própria raça.
Afinal, até alguns dias atrás, ela não sabia
sua própria origem. Então, como julgá-lo por não
conhecer sua essência?
Imunda, estava completamente suja. Usou as
mãos para tentar limpar a areia vermelha que
impregnava suas roupas, pele e cabelos.
— Meu pai ser um duende. Minha mãe uma
fada. Eu nascer assim — ele disse com erros de
fala, nada que a impedisse de entendê-lo.
— Porque você vive aqui? — Devolveu-lhe a
cumbuca de barro e se moveu para mais perto,
engatinhando sobre a areia até estar de volta
protegida sobre a esteira de bambu. Aliviada,
gemeu pelo conforto inestimável de estar longe da
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areia fervente. — Você não possui poderes


mágicos?
O silêncio foi sua resposta. É claro que não
possuía poderes e também não seria aceito em parte
alguma com aquela aparência. Apenada Eleonora
se lembrou de si mesma. Não é fácil ser aceito
quando não se é igual aos demais.
Fadas órfãs não são aceitas. São relegadas
para a clausura. Escondidas dos olhos dos elfos e
fadas que mereciam uma vida de liberdade. Os
órfãos eram indesejados e não deveriam ser vistos,
para assim, não lembrá-los dos desmandos e
sofrimentos da vida. Não era muito diferente de
esconder-se no local mais inacessível de todo reino,
para obter um pouco de paz e evitar assim a
perseguição.
Eleonora sentiu uma dor no coração. Isso era
tão injusto, que machucava.

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— Meu nome é Eleonora. E o seu? — Disse


sentida por não ser capaz de oferecer mais a essa
criatura do que palavras.
Não temeu revelar quem era. Dificilmente ele
saberia da sua estória de vida ou da caçada.
Naquele lugar era impossível ter esse tipo de
informações.
— Mikazar — foi o rugido de resposta e ela
supôs ser seu nome.
— Eu tenho tanta sede — ela disse triste.
Mikazar apenas olhou para cima como quem
fala sobre chuva. Sem chuva, sem água fresca. Ele
era acostumado a viver assim. Reservar água da
chuva em tempos de abundância e lamentar a falta
em épocas de escassez. Era assim e não adiantava
argumentar.
— Porque comeu minhas ervas? — Quis
saber, entendendo que reclamar não adiantaria de
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nada em sua situação.


Se nem mesmo ele, que tinha o deserto como
seu lar, possuía água quando desejava, não seria ela
a conseguir.
— Saborosas — foi sua resposta e ela sorriu.
Era provável que não provasse ervas há
muito tempo. Para ele era uma iguaria. Eleonora
detestava o sabor, mas ajudava a aliviar suas dores,
por isso lamentava ter acabado.
— Posso ficar em sua casa enquanto não
regresso para a minha? — Apontou o interior das
rochas e ele apenas seguiu seu olhar.
Era uma singela permissão e Eleonora
engatinhou para lá, onde era mais fresco.
Era um lugar ajeitadinho. As rochas
formavam uma espécie de caverna oval e não muito
profunda. Eles pisavam em areia, por isso as

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esteiras de palha. Havia alguns panos velhos em um


canto. Uma panela de metal, algumas bacias de
barro e copos. Cumbucas grandes, onde suponha
que ele armazenasse água limpa depois das
escassas chuvas.
Ela pensou ter visto um espelho rachado em
um canto, mas teve até medo de olhar-se nele.
Estava coberta de areia grudenta, por causa do suor
abundante. Não estava muito diferente de Mikazar
que era coberto de areia vermelha da cabeça aos
pés.
Deitou-se na esteira mais afastada da borda
da caverna e fechou os olhos por um instante.
— Você mora aqui há muito tempo,
Mikazar? — Perguntou ainda de olhos fechados.
— Nascer aqui — ele respondeu sempre de
poucas palavras ou apenas com pouco vocabulário.
Sem ter com quem conversar, era possível
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que não conhecesse muitas palavras em seu idioma.


— Você me deu um grande susto agora a
pouco — ela disse — mas estou feliz em ter o
conhecido. Estou tão sozinha, sem ninguém para
falar — abriu os olhos e fixou-os nele, lutando para
não chorar outra vez. — Quer saber quem eu sou?
Se me abriga, é justo que eu diga quem sou.
Era uma oferta de quem não tinha coragem
de mentir para quem lhe estendia a mão em um
momento tão difícil.
— Não precisar. — Ele negou — Mikazar
ver o Guardião nos arredores. Ele a caçar.
— Egan? Oh, não — ela sentou na esteira,
assustada – ele não pode me encontrar. Eu não sou
culpada, não sou uma assassina! Acha que ele me
encontrará aqui? — Perguntou angustiada.
A criatura não negou, mas também não
acenou concordando.
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Sem saber o que falar, Eleonora apenas se


calou e voltou a deitar de costas para cima e gemeu
de dor.
Não ousou tocar as costas e sentir o que
acontecia em sua pele, mas se houvesse feito teria
sentido calombos que nasciam e se projetavam pela
pele que começava a rasgar e verter sangue e
impurezas típicas do nascimento das asas.
Não era fácil suportar, mas era o fardo que
toda fada carrega. Para obter suas asas e seu dom
definitivo, padecer do nascimento.
Para cada fada, o padecimento das asas se
mostrava de uma forma diferente. Algumas fadas
sofriam mais do que as outras. Dependia da
descendência, da raça e da linhagem.
Particularmente as fadas do Ministério do Rei não
possuíam a vantagem de saberem a própria
descendência, o que dificultava o entendimento de

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como seria esse momento.


Exausta, Eleonora adormeceu e foi desse
modo durante alguns dias. Acordava e conversava
pouco com o calado Mikazar. Ele serviria mingau e
ela falaria amenidades para acalentar a saudade e o
medo.
Ele não fez perguntas sobre as asas e não
parecia afetado pelo cheiro do cio, como
aconteceria com outros elfos. Ela tão pouco contou
detalhes sobre sua fuga.
Um fazia companhia ao outro. Era bom que
fosse dessa forma, pois a solidão era lacerante para
ambos. Em alguns momentos Eleonora apenas
chorava, pensando em suas amigas. Seu coração
não aguentava pensar em Joan sozinha, em uma
fuga perigosa. Sua Joan era uma florzinha delicada,
que não sobreviveria sem ser cuidada diariamente!
Alma era um perigo para si mesma, Eleonora
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temia que ela cedesse aos seus impulsos e


cometesse alguma loucura, ferindo alguma criatura
viva ou até mesmo, se ferindo. Elas lutavam todos
os dias para conter os impulsos de morte que Alma
carregava dentro de si. E agora Alma estava
relegada as próprias decisões.
Driana era capaz de lidar melhor com a
situação toda. Não precisava se preocupar com ela,
sempre tão racional. Uma pena que ela não
estivesse ali. Estaria falando sem parar sobre o
deserto e toda a história daquelas terras. Seria um
alento na saudade.
Mais de dez dias após o começo das dores do
nascimento das asas, Eleonora arrastou-se para fora
da singela proteção que as rochas ofereciam e de
pé, implorando por chuva, sentiu um pingo úmido
cair do céu. Trêmula, estava de pé, implorando por
chuva quando o pingo caiu em sua mão. Olhou para

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cima e descobriu que a água não vinha do céu e sim


da areia. Um pingo de água magicamente havia
vertido do chão para a palma de sua mão.
Imóvel e sem reação. Foi assim que ficou, até
que comovida em descobrir que seu dom
finalmente estava vindo à tona ajoelhou-se no chão
e pousou as mãos sobre a areia quente, pedindo por
água. Horas mais tarde uma pequena poça havia se
formado, fluindo do chão para a superfície.
Mikazar não fez perguntas, mas sua alegria
ao se refestelar na poça a fez rir. Parecia uma
criança brincando com a lama vermelha, acalmando
o calor insuportável. Eleonora participou e foi bom
rir um pouco depois de tantas lágrimas.
Os dois beberam água e lavaram as faces
com sorrisos inocentes de quem não deseja nada
além da sobrevivência. Era tão pouco e ao mesmo
tempo tão mais do que esperavam.

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Mikazar foi prático e guardou um pouco da


água em um cantil. Era melhor do que contar com a
sorte.
Eleonora quis dizer-lhe que isso era um sinal
que em breve ela faria bem mais do que criar uma
poça de água, trazendo o líquido do fundo da terra
para a superfície. Que em breve ela salvaria a si
mesma.
Que a sua salvação, seria também, a salvação
de suas amigas.
*****
No décimo segundo dia daquela busca pela
fada assassina, Egan finalmente encontrou-a. Como
suspeitava a fada escondia-se nas rochas. Espreitou
a distância, estreitando os olhos diante da criatura
que parecia conviver com ela.
Os dois riam e brincavam em uma poça de
água e quando ela fez jorrar água da terra seca,
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Egan invejou-os, pois estava faminto e sedento.


Era quase impossível acreditar que a fêmea
coberta de barro vermelho da cabeça aos pés,
cheirando a cio e padecimento de fadas, que tentava
rir e brincar, com a naturalidade de quem não tem
pecados, pudesse ser uma assassina.
Era necessário tão pouco para fazê-la feliz e
olhando assim, não era possível acreditar que fosse
capaz de elaborar profundos planos de assassinato e
colocá-los em prática.
Egan esperou até a criatura estranha afastar-
se da fada para somente então tomar a frente.
Finalmente colocaria as mãos naquela assassina e
poderia voltar para casa.
Apesar da euforia por cumprir sua missão,
Egan sentiu uma pressão no peito, enquanto a via
rir como uma criança feliz coberta de lama
vermelha.
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Em determinando momento, Eleonora


engatinhou para baixo das rochas e ele entendeu
que não conseguia andar. O modo como ela se
deitou de lado, era indício que suas asas estavam
acabando com suas forças. Ele nunca vira o
padecimento de perto, por isso a imagem dos nós
disformes em suas costas eram imagens para serem
esquecidas. Completamente apagados da mente.
O cheiro de fêmea impregnava o ar e por
mais resistente que fosse, Egan era apenas um
macho elfo, e seus instintos dominavam. O que era
estranho, pois segundo Santha aquela fadinha havia
se deitado com o elfo.
O sexo antes do padecimento das asas
acabava com a possibilidade do cio. A fada perdia
o hímen e seu corpo não era mais portador da
mágica do cio. Ele farejou no ar seu odor e essa
desconfiança aumentou. O odor era forte, inegável

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e absoluto.
Sempre poderia ter sido outra das fadas.
Santha poderia ter se confundido, e Alma ou Driana
poderia ter se deitado com o Rei. Ele não
acreditava que a fada Joan conseguisse, pois estava
adoentada na ocasião. Mas uma das outras duas
poderia ter feito isso. Cuidadoso para não se
anunciar, Egan andou em sua direção no intuito de
atocaia-la inesperadamente.
As rochas eram ásperas e secas, impedindo a
escalada. Foi preciso usar toda sua técnica de
escalada aprendida no treinamento para Guardião,
para conseguir se firmar e subir. Apesar de ser um
lugar apropriado para vigiar sua vítima, era também
um lugar horrível.
A rocha quente queimava seu corpo e a
armadura era pouca proteção contra o calor
escaldante. Na verdade, funcionava como um

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catalisador, potencializando o calor e fervendo seu


corpo. E o sol que batia diretamente em suas costas,
o massacrava sem piedade.
Era um bom ponto de observação. A fada
estava deitada e a sombra parecia ajudar a aplacar o
calor. Ela tinha os olhos abertos e ele viu uma
lágrima solitária correr em sua bochecha. Viu o
estranho Mikazar aproximar-se e tocar a lágrima
com seu longo e fino dedo.
Ele colheu essa lágrima e ficou olhando para
isso, pois nunca vira uma lágrima.
— Estou com saudades, Mikazar — ela disse
baixinho, explicando isso a ele. — Minhas amigas
estão em perigo eu não posso fazer nada para
ajudá-las.
— Mikazar ouvir falar de lágrimas. Mas
nunca ver uma na vida. — Ele observava o liquido
precioso dissolver-se em seu dedo e pareceu
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absorto por isso.


— Como não? Você não tem lágrimas? —
Ela perguntou, enquanto limpava a face, limpando
as lágrimas e um pouco da lama que secava e
grudava na pele.
— Achar que não. — Ele disse sério e tentou
se afastar.
— Mikazar, espere — ela tentou sentar e
conseguiu, apesar do sofrimento do corpo. —
Muito obrigada por me abrigar. Eu não choro por
sua causa. É apenas saudade. Você tem sido um
elfo muito valoroso para mim. Nunca vou esquecer
o que tem feito para me ajudar — ela agradeceu,
antes de deitar-se outra vez e permitir que o
cansaço a subjugasse.
Egan assistiu-a adormecer, sempre com o
corpo de lado, na esperança de apaziguar a dor. O
pensamento insistente de que deveria esperar o
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nascimento daquelas asas.


Ninguém saberia se ele esperasse. Era difícil
encontrar uma fada com suas asas. Seu coração
insistia em lhe dizer isso. Que prender Eleonora
romperia sua família pare sempre.
Reina e Tobias jamais o perdoariam
totalmente. Reina até poderia aceitar, mas jamais
poderia confiar nele outra vez. Furioso por ser
colocado naquela situação, Egan descobriu qual o
ponto fraco, o lugar de melhor aceso sem ser visto e
rastejou para fora daquela posição desconfortável.
Desceu pelas rochas e pousou os pés cobertos
pela armadura na areia fervente. Ele podia ver a
fumaça quente elevada acima da areia e observou
um movimento anormal sob a areia vermelha.
Alguma coisa corria por baixo, dentro do solo. Ele
tentou pegar, estava faminto e a comida que
trouxera consigo não era suficiente para saciar um

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elfo de seu porte.


Infelizmente o animal rastejante era mais
rápido. Ele observou correr sob a terra e ser parado
por uma criatura de maior agilidade.
Sem reparar nele, a criatura feia e estranha,
que acompanhava Eleonora interceptou o bicho sob
a terra e desenterrou-o com habilidade de quem faz
isso regularmente.
Egan fez uma carreta de nojo e quase não
aguentou olhar. Rapidamente a criatura destroçou a
cabeça do inseto com os dentes e começou a
mastigar, encolhido no chão, em posição fetal.
Era uma cruza de animais e Egan nem queria
saber o que era. Já lhe bastava saber como se
alimentava. Enojado, aproveitou sua distração para
aproximar-se do recanto sob as pedras.
Eleonora dormia de exaustão. Inocente ao
perigo que a rondava. Egan encontrou facilidade
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em alcançá-la. Foi preciso deixar sobre a esteira


que cobria o chão sua bolsa de couro onde levava
alimento e provisões, que naquele momento
encontrava-se vazia, e se curvar obre ela, para girar
seu frágil corpo e apanhá-la.
Eleonora não teve tempo de gritar antes de
ser apanhada e imobilizada. Seus olhos tão claros
se arregalaram de susto e medo quando o
reconheceu. Em seus sonhos, ela via um Guardião
bonito e sério, que a protegia e amava. Era assim
em seus sonhos mais secretos.
Mas na realidade esse mesmo Guardião a
mantinha imóvel, presa e com lábios selados,
cobertos por uma de suas mãos, para que não
gritasse.
Os instintos de Guardião o avisaram do
perigo, por isso manteve a fada imóvel com o peso
do corpo e girou o braço com a espada para trás,

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encostando-a no pescoço da criatura que ousava


tentar atacá-lo pelas costas.
Pelo visto Mikazar não estava tão entretido
com seu alimento quanto Egan pensou!
O ser afastou-se e largou a pesada pedra que
carregava para atingi-lo. Era uma boa tática de
sobrevivência, usar pedras para abater seres de
maior tamanho. Para alguém da estatura de
Mikazar essa era a forma mais eficaz de ataque e
até mesmo defesa.
Egan agarrou a fada pelos cabelos e pelo
braço. Levantou trazendo-a consigo.
— Vou levá-la de volta para o castelo,
Eleonora — disse com satisfação na voz. — Vai
pagar por seu crime. Não achou que se esconderia
para sempre, achou?
Seu tom de deboche e satisfação ascendeu o
ódio dentro de Eleonora. Ela esperneou e tentou
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soltar os cabelos, e quando não conseguiu, ergueu


uma das mãos atiçando o vendo a sua volta.
O vento chegou a se agitar, mas não revoou
como esperado. No Deserto das Areias Vermelhas
sem dom era minimizado. O agravante era ainda
não possuí-lo inteiramente.
Frustrada, ainda tentou chutá-lo, mais uma
vez, lhe restou apenas morder a mão que a
mantinha calada e gritar por ajuda, uma ajuda que
não viria.
-Porque acha que enganei Reina para trazê-la
para cá? – Ele perguntou baixinho em seu ouvido,
sorrindo em meio a areia e secura dos próprios
lábios rachados.
Egan estava acabado, assim como ela. Sujo e
suado, areia grudada pelo corpo todo. Deplorável
era a melhor palavra para defini-lo. Seco por dentro
e por fora. Castigado pelo sol.
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Eleonora parou de se mover entendendo que


tudo que fizeram na tentativa de escapar de Egan,
fizera com que Eleonora caminhasse diretamente
para uma armadilha bem articulada e que nunca
houvera uma chance real de fuga.

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Capítulo 17 - Sem sombras e sem dúvidas

Uma vez imobilizada, a fada não pode se


defender de um ataque maior. Egan a fez deitar no
chão e usou as cordas que trazia em sua bolsa de
couro para amarrar suas mãos e seus tornozelos.
Sem ar, ele parou ao terminar a tarefa e olhou
para cima, para a parca sombra que os protegiam. A
vontade real era ficar ali indefinidamente,
recuperando-se da travessia penosa até ali. Mas
havia um dever a cumprir e ele era apenas uma
ferramenta para concluí-la.
A criatura mantinha-se afastada, acuada por
conta da armadura. No começo Mikazar não sabia o

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que era o elfo que atacava Eleonora. Depois,


reconhecendo que era um Guardião, manteve-se
longe, hostilizando a presença do oponente.
Egan levantou com dificuldade e aproximou-
se de Mikazar. A criatura tentou correr, mas ele era
mais forte e pegou-o pelo cangote. Depois pelos
tornozelos, erguendo-o acima de sua cabeça. A
criatura ficou de cabeça para baixo e Egan tentou
identificar o que era aquilo.
— Você é bastante feio, mas se parece com
um elfo — ele disse com desconfiança.
— Deixe Mikazar em paz! — A fada gritou,
com raiva de ver o elfozinho penar por causa de
uma briga que não era sua. — Ele não tem nada a
ver com nossos problemas!
— Mikazar? Está coisa tem nome? — Ele
perguntou curioso e desdenhoso. Normalmente não
alimentava preconceitos e sim os combatia.
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Mas estava ferido e queria magoar a fada. Se


Eleonora não fosse uma assassina, provavelmente
iria se casar com ela.
Tantos dias de calor e sol na cabeça, estava
no limite entre o que sentia e o que deveria estar
sentindo. Não era racional.
Ele amarrou os tornozelos de Mikazar, sem
notar que o elfo encontrava um espaço para ataca-
lo. Uma fenda entre a parte de cima da armadura e
a de baixo, encontrou uma porção de pele coberta
por uma camisa de linho. Cravando seus dentes ali.
O Guardião berrou pela dor e caiu sobre um
dos joelhos, lançando a criatura num canto da
caverna.
Praguejando, ele viu sangue e uma marca
feia de dentes na pele. Por sorte, não houve tempo
ou força para cravar toda a dentição do animal ou
estaria realmente em má situação.
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— Eu juro, se isso ficar ruim, vou arrancar


seus dentes um a um, criatura! — Ele berrou,
apontando para Mikazar.
O modo como avançou sobre o pequenino,
fez Eleonora temer pelo pior.
— Não! Não o machuque! Não, Egan! Ele é
um elfo! — Ela tentou se soltar, sem sucesso.
O Guardião ergueu Mikazar e pareceu
decidir se o matava ou não. Por fim, lutando outra a
raiva, jogou outra vez o ser no chão e o amarrou
com as mãos para trás. E usou uma mordaça em sua
bocarra.
Mikazar soltava grunhidos e Eleonora
chorava. O que ela poderia fazer? O Guardião
estava descontrolado e na posse de sua armadura!
Era um perigo desafiá-lo naquele momento!
Egan encontrou um pedaço de pano
relativamente limpo e esfregou na ferida, estacando
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o sangue. Enquanto segurava sobre a ferida com


uma das mãos, começou a vasculhar o lugar com
ódio, arrancando todos os poucos pertences de
Mikazar de seus lugares, lançando-os ao chão.
Eleonora fechou os olhos, apenada, quando
viu o pequeno e gasto espelho cair no chão
quebrando-se em mínimos pedacinhos. Era tão
pouco o que Mikazar possuía e chamava de lar!
Doía profundamente assistir àquela covardia contra
uma criatura frágil.
— Onde está a água? — Egan gritou com
ela, revirando potes e panos.
Não havia nada. O cantil de Mikazar não
estava mais ali e Eleonora imaginava que o
pequenino mantivesse seu mais preciso bem, a
água, em um lugar escondido, talvez enterrado na
areia. Ele conhecia os perigos daquela terra como
ninguém mais conhecia e sabia se proteger.

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— Eu sei que há água aqui! Eu vi a água


brotar do chão! — Ele ergueu Mikazar com uma
das mãos e o prensou contra a parede de rochas. —
Onde está? É uma ordem, criatura! Onde está a
água que eu vi?
O pequeno elfo, cruza com duende, olhava
para os dois com confusão. Amarrado não oferecia
riscos a Egan, assim como a fadinha abatida não
chão oferecia riscos de fuga.
Vendo o desespero do enorme Guardião
coberto por desespero e miserabilidade, ambos
impostos pela vida no Deserto das Areias
Vermelhas, Eleonora sentiu-se vingada e tentou
trazer sua atenção para si, libertando Mikazar da
fúria do Guardião:
— Vai morrer de sede, seu porco! — Ela
disse com ódio no olhar. — Quantos dias aguenta
me carregar sem água para beber? Mikazar não lhe

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dirá onde há água! Que morra sedento, seu porco


imundo!
— Quantos dias você aguenta ser carregada
pelo deserto sem fazer brotar água? — Ele revidou
e ela sorriu em meio à sujeita que grudava em todo
lugar de seu corpo, e face. — Eu vi a água brotar
do chão, eu sei que vi!
A loucura vinha da sede, da fome e das
provações. Ele não era assim normalmente. Tão
pouco ela era cruel a ponto de negar uma gota de
água para alguém que amava. Mas aquele lugar não
os fazia lógicos e sim, lunáticos esquecidos de que
havia uma vida toda fora dali.
— Depende. Eu não tenho muita escolha
entre viver ou morrer — alertou-o. — Talvez eu
prefira levá-lo comigo.
— E o seu amigo aqui? — Ele apontou o elfo
de aparência estranha — também preferirá vê-lo
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morto por sua culpa?


— Não pode carregar nós dois pelo deserto,
precisará deixar Mikazar para trás e ele sabe viver
aqui. Vai ficar bem. Mas e você...? Eu não sei.
Quanto tempo você aguenta sem água? — Havia
sim maldade dentro de si e prazer em saber que
Egan não poderia sobreviver sem água, assim como
ela. Então, o arrependimento a dominou, pois não
queria pensar isso ou sentir assim. Amava àquele
elfo e não queria vê-lo sofrer. — Eu não matei o
Rei — ela preferiu apenas refutar o ato de implorar
e tentar falar o que de fato aconteceu.
Mikazar arregalou os olhos de surpresa, pois
não imaginaria a pequena fada cometendo
assassinato.
— Eu bem ouvi sua defesa quando decidiu
enfrentar seu julgamento e provar sua inocência —
ele satirizou revirando a caverna em busca de água

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e alimento.
Tão frenético, pensou Eleonora.
— Não confia no julgamento de Reina? —
Apelou.
— Não. Reina a criou como uma filha. —
Ele deu de ombros, achando restos de mingau,
devorando tudo com voracidade.
Se ele pudesse se ver naquele momento,
lamentaria aquilo que se tornou. Comendo com as
mãos, sem pensar ou ponderar sobre a comida.
Apenas alimentando-se e usufruindo da pouca
umidade que o alimento provinha.
— E o seu irmão? Tobias acredita em mim!
— Eleonora tentou mais uma vez.
— Acabado o mingau, Egan deixou a
cumbuca de barro cair no chão, ignorando que isso
se quebrava. Continuou revirando tudo, até

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encontrar uma bolsa de couro escondida em um


canto. Era a bolsa que Reina preparara para
Eleonora quando as duas fugiram juntas do Reino
de Isac.
E não encontrou nada de útil. Mesmo assim
continuou revirando o pouco conteúdo, espalhando
tudo no chão.
— A rainha transformou todos nós em
animais — ela disse depois de algum silêncio,
vendo-o comer com tanto desespero. Vendo-o
revirar o lugar sem o menor respeito pelo dono do
acampamento — Como pode alguém sempre
conseguir tudo que deseja? Como ela pode seguir
tantos anos enganando, mentindo e manipulando?
Como?
Egan não se deu ao trabalho de responder.
A fada estava deitada no chão e ele fitou suas
costas. Não era imune ao cheiro de uma fada que
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entra no cio. Era um elfo, não podia conter seus


instintos. Eleonora tremeu diante do seu olhar e a
dor a fez gemer. Amarrada era impensável tentar se
mover.
Naquela situação, sem ter quem a protegesse
era apropriado temê-lo. Egan estava descontrolado.
Não pensava com sua mente honesta e consciente,
pensava com os instintos mais baixos de
sobrevivência e um desses instintos, era a cópula.
Eleonora tentou se mover na esteira e afastar-
se de Egan, pensando na possibilidade de ser
forçada a fazer o que não deveria. Ela queria
pertencer a ele, mas não a força, e não daquele
modo.
Mesmo assim, o cio falava mais alto, e
Eleonora sentiu uma punção de paixão tão forte,
que precisou sufocar a vontade de dizer isso a ele,
de implorar para ser solta. Implorar para que a

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aceitasse como sua fada escolhida.


Não era culpa de Eleonora, era culpa do cio.
Culpa de sua condição de fêmea. Revoltada
consigo mesma, tentou se soltar, mas não tinha
forças para tanto. Egan aproximou-se um pouco
mais, pensando o mesmo que ela.
Porque esperar? Ele poderia apartar suas
pernas e acabar com o sofrimento do cio em um
único instante. E isso resolveria tudo. Ele
revindicaria a fêmea para si. Era culpa do cio, não
dele. A opção dos covardes.
O modo como à fêmea o olhava e o aumento
do ódio entre eles, era a prova que ela sentia e
pensava o mesmo.
— Reina culpa Santha por tudo que
aconteceu — contou com voz trêmula, esperando
desviar o pensamento de Egan do que passava com
ela.
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— Pobre rainha — ele disse apenado. —


Uma pena que não tenha ficado para ver o
sofrimento de Santha por perder seu elfo escolhido.
— Sofrimento? E quanto eu sofri sendo
abandonada na floresta para morrer? — Jogou de
volta. — É claro, você não conhece a história toda.
É um Guardião tão estúpido que me revolta! Além
do mais, Santha nunca escolheu Isac! Ela foi
escolhida! Tem muita diferença entre uma coisa e
outra, elfo estúpido!
Egan parou e aproximou-se dela, com olhos
atentos, fúria mal mascarada em sua face.
— Eu sou estúpido? — Ele perguntou com
mãos apertadas, lutando contra todos os seus
instintos mais primitivos.
Desejo insano de esganá-la com as duas
mãos, ao mesmo tempo arrancar todas asa suas
roupas e possuí-la naquele momento de insanidade
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total. Nenhum macho o culparia por ter perdido o


controle. Era o gênero masculino que dominavam
as leis.
Inclusive cabia ao seu gênero a culpa por
impor leis cruéis às fêmeas.
— Eu sei que sente meu cheiro do cio. Não
posso controlar isso. Vire as costas. Volte para o
castelo e obrigue Santha a mostrar seu cheiro. Verá
que é igual ao meu. Eu não crio água. Egan... Eu
controlo o tempo. Tal como Santha. E minhas
asas... São meus únicos álibis. Irão nascer idênticas
as da rainha. Porque ela me pariu e vem tentando
me matar a anos! Ela matou o Rei, para que não
visse minhas asas. Para que algum Guardião
estúpido como você me prendesse, julgasse e
assassinasse antes que as asas nasçam! Ela sabe que
eu lutarei por liberdade! E espera que me mate
antes que minhas asas nasçam e sejam vistas! —

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Gritou para que ouvisse, para que ao menos o


desagrado por sua voz alta, causasse algum impacto
e quem sabe, suas palavras fossem levadas em
consideração futuramente.
— Essa é a sua defesa? — Ele mal acreditou
naquela estupidez.
— Santha é minha mãe. — Ela disse baixo,
chorosa. — Minhas asas estão nascendo, Egan...
Não pode esperar que nasçam para saber se minto?
Ver com seus próprios olhos, em vez de me julgar e
condenar?
— Não. Quanto suas asas nascerem jamais
conseguirei apanhá-la. Vai voar pelo mundo a fora
e não cumprirei minha missão.
— Cumprir sua missão? À custa da vida de
uma inocente?
— Foi com essa conversa mole e com esses
olhos suplicantes que seduziu meu irmão? — Ele
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revidou amargurado, pensando demais nisso.


O pensamento doentio e insistente de
Eleonora nos braços do seu irmão vinha lhe tirando
o sono!
— Tobias é meu amigo. Meu irmão de
coração. Eu nunca o seduziria. — Baixou a voz
sabendo que não adiantava argumentar com Egan.
— Não é estúpido seduzir um segundo em
hierarquia? Porque não seduzir um Guardião? Não
sou tão ardilosa? Porque matar o Rei se minhas
amigas e eu possuíamos o poder de enganá-lo a
ponto de entrar em seu leito e me deitar com ele?
Porque não fazê-lo abandonar a rainha e me
escolher para o lugar de Santha? É muito burro
mesmo em acreditar que precisaria fazer tudo isso
por causa de uma tiara estúpida que Tobias roubou
sem causar um décimo de problemas! Acho que
todos os Guardiões são fortes e brutos que por

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dentro seus cérebros são vazios e ocos!


— A única coisa que conseguirá me
ofendendo é umas palmadas, fada.
Eleonora quase sufocou com o próprio ar
diante da ameaça. Em seu estado sensível de
excitação constante, pensar em Egan erguendo-a
em seus braços, colocando-a sobre seus joelhos e
lhe tocando as nádegas em palmadas cruas e
diretas, era dolorosamente excitante. Não era algo
bom, era apenas excitante.
Como fada repudiava esse tipo de imagem,
mas como fêmea descontrolada em hormônios que
não entendem o racional... Ela queria, precisava e
apreciaria esse comportamento animalesco. Pela
forma como Egan correu os olhos por seus flancos,
soube imediatamente que desejava o mesmo que
ela.
— Deixe minhas asas nascerem, Egan. É a
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prova da minha inocência. — Apelou, tremendo


por inúmeras razões inconfessáveis. — Olhe o
estado em que estou... Não vai demorar. Minhas
asas nascerão nos próximos dias. Você pode me
deter. Eu não tentaria fugir, eu preciso mostrar
minhas asas para todos. Somente assim, serei
inocentada. Eu não fugiria de você.
Egan engoliu em seco e curvou-se para o
chão, para ver o que ela dizia. Não deveria ousar
contra a privacidade de uma fêmea, sendo fada ou
humana. Mesmo assim, precisava confirmar o que
dizia.
Eleonora chorou de dor quando ele baixou a
túnica imunda, revelando suas costas. Seus braços
finos cobriam seu peito, tentando se poupar do
olhar do elfo. Ele engoliu em seco dividido entre
piedade e asco. Por entre o desejo de ver seu corpo
e tocá-la, havia piedade pelo padecimento das asas.

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Eram feridas feias, negras, ensanguentadas. Era


inegável que despontavam as asas, na eminência da
conclusão do ciclo do amadurecimento do corpo da
fêmea.
Dois dias no máximo, pensou. Estariam na
estrada quando isso acontecesse.
— É melhor partir agora — disse azedo,
levantando e catando tudo que pudesse lhe ser útil
na viagem de volta para o castelo.
— Leve Mikazar conosco — ela pediu. —
Ele vive aqui solitário, sem companhia. Por favor.
— Pediu, pensando em uma possível fuga. Em ter
ajuda em uma fuga futura.
— Desista, fada. — Egan voltou e segurou
seu queixo, fitando seus olhos com desejo e ardor,
uma pena que Eleonora enxergasse apenas
desprezo. — Não vai conseguir me enganar com
suas palavras. É ardilosa, isso eu já sei há anos.
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Tem se infiltrado pelo castelo, tendo acesso a todos


os lugares. Tem se feito necessária para Reina e
Tobias. Tem ocupado um espaço que não é seu. E
agora, quer me enganar também.
— Não quero enganá-lo — ela sussurrou. —
Minto quando o chamo de estúpido. É inteligente e
sagaz. Pode dizer de coração que confia cegamente
na rainha? Que Santha nunca o desagradou com seu
comportamento?
Egan não soltou sua face, mas também não
concordou com sua colocação.
— E eu? Alguma vez o desagradei? Fiz algo
que o contrariasse? Cometi algum crime contra
você para que possa me julgar desonesta?
Namorar seu irmão menor não era um crime,
ele pensou e logo refutou esse pensamento.
Sangue ferveu em suas veias, pensando nos
dois juntos, em todas as fugas e oportunidades que
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tiveram para namoros secretos. Olhou para as


pernas da fada, onde a túnica erguida, mostrava as
curvas delicadas, pele macia, coberta de areia e
barro seco, mas que ele sabia que eram
naturalmente brancas e suaves, como leite fresco.
Parado. Ele manteve os olhos fixos naquelas
pernas, imaginando-as entrelaçadas no dorso de
outro elfo, seu irmão Tobias. Os dois nus, se
roçando e entrelaçando, em um ato violento e
sensual, em algum canto escondido, talvez um
estábulo ou cabana abandonada, quem sabe o prado
ou os arredores arborizados do castelo... Pensar nos
dois fazendo amor, aos gritos de paixão, seu irmão
usufruindo de todo o calor que aquela fada poderia
proporcionar... Era de enlouquecer um elfo são.
Ele atirou a bolsa de couro longe, assustando
Eleonora e manteve-se calado, tentando se
controlar. Esquecer essa imagem. Era uma fantasia,

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mas era forte demais. O ciúme era doentio. Ele


sempre teve ciúmes dos dois juntos, mas naquela
situação, naquele momento primitivo, esse ciúme
era potencializado e sua porção Guardião
implorava por calma.
— Me deixe tocar a areia. — Eleonora pediu
com a voz mais mansa, pensando em algo para
dobrá-lo a sua vontade. — Não consigo usar meu
dom completo nesse lugar. Mas consigo fazer isso,
Egan, se você confiar um pouquinho em mim...
Posso lhe mostrar que sou sincera em tudo que
digo...
Egan se aproximou e a segurou. Tentou
mantê-la parada quando se moveu, mas deixou-a ir,
pois não conseguiria ir longe amarrada como
estava. Eleonora reteve gemidos de dor, e
conseguiu se arrastar para fora da esteira de bambu,
roçando os dedos na areia quente.

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Estava amarrada e não era nada confortável


sua posição. Sentiu o conhecido formigamento nas
palmas das mãos e água começou a surgir acima da
areia vermelha. Egan ajoelhou-se ao seu
lado e começou a pescar a água com as mãos em
concha. Sorveu o liquido com desejo.
Ele ergueu os olhos e encontrou-a olhando-o
com algo de pena e rancor no olhar.
— Eu volto com você, se me prometer ao
menos ver minhas asas antes de me entregar a
Santha e Lucius. — Ela apelou, pois ele estava
muito perto e acessível. — É feio ver o que se
transformou, Egan. O que nós dois nos tornamos
por causa de Santha. Olhe para nós... Porque eu
mentiria?
— E porque eu confiaria em você? —
Perguntou desconfiado.
— Eu não sei. Mas estou cansada. Minhas
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asas irão nascer e eu provarei minha inocência.


Esteja ao meu lado e será o salvador do seu povo,
livrando-o dos desmandos de uma rainha assassina.
Esteja contra mim e será culpado da destruição de
todos que ama. Acredite nas minhas palavras, não
haverá lugar para os Guardiões quando Santha fizer
de Lucius um Rei. Ele banirá todos vocês! — Não
era um presságio e sim a mais pura das verdades!
— E o que a leva a crer que Lucius será Rei?
— Ele ironizou.
— Lucius e Santha são amantes desde a
clausura. — Contou. — Eu nasci desse crime
contra as leis do Rei. Santha foi livre por muitos
anos. Agora é a vez de Lucius ser livre também. À
custa da minha vida. À custa da vida das minhas
amigas e do seu irmão. Se não acredita em mim,
acredite nas pessoas que o amaram a vida toda.
Reina não lhe mentiria. Tobias não preferiria uma

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amante ao irmão. Aliás, onde ele está nesse


momento? Fugindo. Eu não o vejo a minha volta...
Idolatrando uma assassina. Tobias protegeu minhas
amigas, pois elas são inocentes!
— Suas amigas não são assunto meu. — Ele
sorriu ao contar. — Aposto como não previa isso,
não é, fada? Suas amigas serão encontradas... Mas
não por mim. Cada uma delas está sendo caçada
nesse exato momento. Lucius será um Rei sagaz.
Sabe decidir o melhor para seu povo — ele
ironizou levantando, querendo que acreditasse
nisso, quando ele mesmo não acreditava.
Pegou o cantil e encheu de água, da água que
ela fizera brotar da areia escaldante. Ergueu o cantil
e espalhou um bocado em sua boca e Eleonora
bebeu avidamente.
Estava com muita sede. Egan juntou uma
trouxa com objetos que pudessem ser úteis e

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agarrou a fada pelos braços, jogando-a sobre o


ombro como um saco de batatas.
— E você — apontou a espada para Mikazar.
— Fique onde está e não atravesse meu caminho
outra vez.
O pequeno elfo apenas concordou olhando
para a fada com olhos dúbios. Ele não
permaneceria muito tempo amarrado. Um ser que
vive e sobrevive em um lugar árido como aquele
sabe bem se virar sozinho.
Egan duvidava que os seguisse, pois não
havia razão para uma criatura do deserto envolver-
se com problemas de elfos e fadas do reino de Isac.
Com a fada no ombro andou para longe
enfrentando o vento, a areia e o calor. Missão
praticamente cumprida. Estava satisfeito consigo
mesmo.
Não fosse a voz insistente em sua mente
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tentando alertá-lo do erro que cometia...

"Não compre pirataria. Se comprou esse livro em


outro site, que não seja Amazon, peça seu
dinheiro de volta, pois foi vítima de pirataria,
assim como o autor do livro."

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Capítulo 18 - Último toque

O último gole de água tinha o melhor sabor


do mundo. Egan pousou a fada no chão seco e ela
mantinha os olhos abertos, arregalados, fitando
algo que Egan não via. Há algum tempo, sendo
carregada, Eleonora começou a esquecer de sua
situação e a sentir algo estranho.
Seu dom se manifestava e por causa disso,
estava muito consciente de cada sensação e cheiro.
Seu corpo se fundia ao seu ambiente e ela sentiu-se
incomodada.
Esse incômodo evoluiu e transformou-se em
um desespero pouco convencional. Ela sentia algo

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e esse ‘algo’ era a integração entre fêmea e


natureza.
Quando foi deixada no deserto, Eleonora não
era capaz de sentir as mudanças sutis no clima e no
ambiente, mas à medida que seu dom aflorava,
conseguia prever o que aconteceria.
Quando notou seu medo, Egan olhou em
volta. Não viu nada além de areia vermelha e
aquele estranho reflexo que causava nos olhos
cansados de alguém que permanecesse muito
tempo exposto ao calor e privação. A fada parecia
ver algo no horizonte vermelho e quente, mas ele
não via nada além do mormaço.
— Vejo areia — ela disse com medo. —
Egan, eu sinto a areia vindo em nossa direção...
— Fala de uma tempestade? São comuns
nesse lugar — desmereceu sua previsão, sem
interesse em seu medo.
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— Não. É mais do que isso... É algo pior. —


Ela apontou para o horizonte onde não havia nada
além da ameaça que sentia na alma.
Eleonora conhecia os segredos do tempo e
Egan começou a ficar intrigado. Santha também os
conhecia. O dom e o cheiro podem ser explicados
por uma longínqua linhagem de sangue. Duas fadas
órfãs do Ministério do Rei poderiam facilmente ter
uma ligação sanguínea desconhecida.
Isso não provava nada contra a Rainha ou a
favor de Eleonora. Mas um dom idêntico, isso era
muito difícil de explicar. As asas idênticas e o dom,
isso era o esperado de uma fada primogênita.
Eleonora estava cansada de pedir, implorar e
falar com ele. Não havia meios de se proteger do
que sabia estar a caminho. Precisaria aguentar.
Suportar. Os dois estavam presos ali.
Ergueu os olhos para o elfo e pensou em
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deixá-lo a sua própria conta, afinal, se não


acreditava em suas palavras, não merecia sua
consideração!
Amor apertou em seu coração e ela precisou
insistir. Se fossem apanhados de surpresa, Egan
sofreria muito mais do que ela, por conta de sua
situação de Guardião.
— É uma tempestade maior, diferente de
tudo que você já viu nesse lugar! Egan, por favor,
vamos nos proteger da areia. Por favor... —
Implorou, olhando-o com olhos tão claros e
sinceros que a dúvida o assolou mais uma vez.
Dividido entre sentimentos, ele retirou panos
da trouxa que carregava e jogou um deles para
Eleonora, sem considerar um risco maior do que
uma simples tempestade de areia, comuns naquela
região. Ele enfrentara diversas dela durante seu
treinamento, e apesar de odiar com todas as forças

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passar por isso, não via perigo de vida real para os


dois.
Ela conseguiu sentar-se e mesmo com as
mãos presas pela corda, conseguiu amarrar o tecido
velho em volta do rosto, protegendo lábios, nariz e
olhos. Apenas um buraco para enxergar quando
quisesse. Egan fez o mesmo.
— Não use a armadura. Vai queimar sua
pele. O calor da areia e da tempestade vai queimar
o metal, armaduras mágicas não possuem poder
algum neste lugar, Egan! A armadura vai queimá-lo
vivo! Egan me escute, eu não estou mentindo, não é
uma tempestade de areia comum. É uma
tempestade de puro calor. — Eleonora disse
apenada, pois ele ficaria com sérias queimaduras se
não a ouvisse.
Em outro lugar qualquer, a armadura o
protegeria da tempestade e seria seu abrigo. Mas no

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Deserto das Areias Vermelhas, a armadura era


apenas uma proteção comum de metal. Apenas
isso, sem poder algum. E o queimaria e
potencializaria todo o calor da tempestade.
Por mais que tentasse acreditar nela, Egan
achava sinceramente que a fada desejava deixá-lo
desprevenido. Privá-lo de sua proteção. O corpo de
um elfo não possui poderes mágicos. Conta apenas
com a força e a proteção de armaduras.
Estava perdido em ponderações quando
ouviu um som agudo como um grito vindo de
longe. Assustado, olhou para Eleonora e a viu
arrastar o corpo para trás procurando por um
buraco na areia, onde poderia ficar mais baixa do
que o nível da areia. Rápido, Egan não teve tempo
para grandes meditações, apenas despiu a armadura
e juntou-se a ela, cobrindo seu corpo com o seu,
pois era a única forma de protegerem-se no espaço

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diminuto.
Por alguns segundos, não ouviram mais nada
além do silêncio do deserto. A fada tremia em seus
braços. Egan sabia que a dor do padecimento das
asas era a culpada, assim como o medo.
Ela gemeu e gritou de pânico, agarrando o
tecido da sua camisa que ele usava por baixo da
armadura e foi nesse instante em que a tempestade
explodiu repentinamente em volta deles. Egan
enterrou a cabeça em seus cabelos e ela se agarrou
a ele, enquanto a areia, vento e o que parecia uma
chuva úmida cobria os dois. Era uma chuva de
pingos quentes e ferinos, que queimavam a pele,
como água fervente.
Eleonora esforçou-se para controlar a
tempestade, mas não obteve o resultado desejado.
O vento parecia afastar-se deles com maior rapidez,
mas ainda assim castigava-os.

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Foram minutos de tormento e completo


alienamento. Escuridão total, barulho ensurdecedor.
Nenhum deles ousou tentar ver em volta. O chão
tremia sob ele e em volta.
O ar chegava ao fim, pois a areia infiltrava-se
sob o tecido e quando estavam a um passo de
perder os sentidos, tudo se aquietou e pareceu
desaparecer, como se nada houvesse acontecido.
Era assim no deserto, as tempestades de areia eram
repentinas e desapareciam em segundos. Muitas
vezes duravam dias.
Eleonora não o soltou por muito tempo. Egan
estava nervoso e foi o primeiro a se mover,
arrancando suas mãos da sua roupa, livrando-se do
seu aperto, pois a fêmea queria e precisava sentir-se
protegida e procurava nele esse amparo.
Ela ficou deitada, com medo de se mover.
Egan olhou em volta para a desolação total a sua

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volta.
— Minha armadura... — Ele disse andando
em círculos, tentando encontrá-la. Areia havia
coberto tudo a volta e não havia sombra de indício
de onde estaria sua armadura. — Não! — Ele
gritou furioso. — Minha armadura!
Elfos possuíam uma ligação visceral com
suas armaduras. Elas sempre obedeciam e
retornavam ao elfo que as merecia. Mas no Deserto
das Areias Vermelhas essa mágica não existia. O
elfo caiu várias vezes, na busca pela armadura.
Uma busca que jamais alcançaria sucesso.
Por fim, de joelhos, ele fixou os olhos no
horizonte, sem saber o que fazer.
Desolado. Egan estava desolado. Eleonora
engatinhou até ele. Pensou em tocá-lo, mas apenas
olhou para ele com pena.
— É tudo culpa de Santha — disse baixo,
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praticamente no ouvido de Egan, chorando,


fungando. — O desespero que sinto é culpa dela. A
perda da sua armadura é culpa dela! Olhe para nós
dois, Egan. Veja a verdade. O que nos tornamos?
Bichos? Animais sem princípios, sem perspectivas?
Eu sou uma fada da clausura e me conformo com
meu destino, esse sofrimento todo é pouco
comparado com a chance de ser livre... Mas você é
um Guardião! Isso não é destino para alguém como
você. É um elfo de linhagem, com família, com
uma vida toda a sua frente! Uma vida coberta de
bênçãos!
— Culpa de Santha? Ou sua culpa? — Ele
jogou em sua cara, com fúria desesperada, olhando
em seus olhos, procurando por falsidade.
Eleonora sentou na areia. Não havia
argumentos que pudessem convencê-lo da verdade.
Desistência era um sentimento cruel, pensou.

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— Ali — ela apontou a areia, um ponto


muito distante de onde estavam. — Cave. Sua
armadura está ali. Eu sinto, eu faço parte desse
lugar. Eu sinto, Egan. A terra me conta seus
segredos. Os elementos me dizem tudo que preciso
saber. É o meu dom completo se manifestando.
Cave, pois não tenho poder para trazê-la para
você... Eu não tenho forças para nada. Enquanto
cava, pense nisso. Pense em porque o meu dom é
idêntico ao dom de Santha.
Exausta, Eleonora manteve-se deitada na
areia quente, sentindo o corpo perecer. Em
determinado momento, uma hora mais tarde, ela se
ergueu e tentou andar. Egan cavava com a
dedicação de alguém que não pode e não aceita
perder seu lugar no mundo.
Cavava com as mãos nuas. Apenada sentia
sua dor e sua aflição. Ajoelhou-se no chão, perto

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dele, e então o chamou quando conseguiu o que


queria. Andou até ele com água nas mãos, que em
formato de concha que guardava um pouco da
água.
Egan não disse nada, enquanto bebia de suas
mãos. Ergueu os olhos castanhos para olhar a fada
e encontrou pureza em suas feições. Tanta pureza
que um nó se formou em sua garganta.
Não via uma assassina cruel. Via apenas uma
jovem desamparada e solitária, lutando por sua
sobrevivência, mais do que isso, tentando ajudá-lo
a lutar por si mesmo.
Eleonora brigou com tudo que acreditava,
para não sucumbir e dizer-lhe que tinha
sentimentos por ele desde a adolescência. Que
tinhas intenções românticas guardadas em seu
coração há muitos anos e que era passado o tempo
em que suspirava pelo Guardião bonito e forte, que

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hoje era quase uma mulher adulta, com suas asas


nascendo, seus sentimentos de idolatria e amor
platônico, se transformava em desejo de fêmea e
amor verdadeiro. Não era apenas o cio, era muito
mais do que isso.
Suja de areia, não havia resquício da fada
clara, loura e pálida. Ele sorriu enquanto limpava
os lábios do excesso da água.
— Estamos sujos da cabeça aos pés. — Ele
disse sorrindo ainda, como quem pede uma trégua.
— Sim. Mas eu não me importo. Eu nunca
tive luxo ou conforto. Eu realmente viveria feliz em
um lugar como esse, desde que tivesse paz. Acho
que consigo entender Mikazar... — Eleonora sentou
no chão perto dele, pois Egan voltava a cavar com
as mãos. — Se a dor passasse, eu ficaria bem feliz
de continuar coberta de areia... Mas preciso voltar
ao castelo. Reina disse que devo fazer isso quando

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as asas nascerem. Não precisa se preocupar com


uma fuga, minhas asas precisam ser vistas, por isso
tenho que voltar. A vida e a liberdade das minhas
amigas dependem disso. Só tenho medo de chegar
ao castelo antes das minhas asas despontarem...
Egan não respondeu. Ele tornou a cavar e
Eleonora esforçou-se para não reparar no esforço
que o corpo forte executava. Molhado de suor, a
areia grudava em todos os lugares, mesmo assim,
ela admitiu os braços grossos cobertos de
músculos. O pescoço longo e cheio de virilidade,
com veias que se dilatavam a cada esforço maior.
Sua expressão voraz ao executar o trabalho
desgastante; hipnotizada pela porção macho diante
de si esqueceu um pouco da própria realidade.
Eleonora não conseguiu controlar a própria
mente. Estava parada ali, sem poder fazer nada por
si mesma, assistindo-o lutar contra a areia

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escaldante na busca por sua armadura.


Mas e se de repente percebesse que Eleonora
estava ali, precisando de um olhar seu? Egan
pararia de cavar e secaria o suor abundante de sua
testa, deixando um rastro de areia na pele. Olharia
para a fêmea ao seu lado e diria algo como:
— Obrigado pela água. Você é muito doce,
Eleonora. Eu sempre soube disso. Perdoe-me por
nunca ter dito.
É claro que uma fada inocente e
platonicamente apaixonada jamais resistiria ao seu
sorriso arrependido. Egan sempre sorria tão bonito
e garboso, que seria impossível para Eleonora
resistir por mais tempo.
— Eu... Eu me importo com você. Por isso
lhe ofereci água, Egan. Porque quero o seu bem, eu
não sou uma assassina, não sou. — Ela diria
tentando não corar. Sem lembrar que não poderia
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saber se corava ou não, pois suas bochechas


estavam cobertas por areia.
— Eu acredito em você — ele diria, pois no
fundo, acreditava em sua inocência. — Eu não
posso deixa-la ir, é meu trabalho prendê-la.
Garantir seu julgamento justo. Meu trabalho é
minha missão e minha vida. Sem isso não tenho
nada. Não sou nada. Mesmo assim, eu entendo sua
situação.
Seria o momento mais doce de sua vida.
Ouvir que Egan acreditava em sua inocência,
mesmo que todas as evidências acusassem sua
culpa.
Um momento tão doce e tão forte. Uma troca
profunda de olhares, para quem vivia aquele
momento confuso do cio, era como levar uma
punhalada no âmago de seu estômago. Ela
queimava pelo macho a sua frente, e ele sentia o

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mesmo.
Seu cheiro dominaria acima das meditações
sobre inocência ou culpa, acima do amor e do ódio.
Por que pensar enquanto a natureza faz a
porção fêmea dentro de si exigir consumação a
qualquer preço?
Era quase cruel admitir que fosse do mesmo
modo com qualquer macho de sua espécie que
estivesse perto. Mas para sua sorte, era Egan, e ela
sempre quis que fosse com ele. Por isso, não lutou
contra o sentimento e sim, o instigou.
Ergueu os punhos, ofertando-os ao elfo, num
convite pouco sutil. Ela tremia quando sentiu as
mãos fortes desfazerem os nós que a prendiam.
Atiçada, Eleonora ergueu as pernas, antes mesmo
que ele pudesse fazer isso. Egan rompeu a corda,
usando o fio de sua espada. Era tudo uma loucura e
naquele sonho não questionou de onde vinha àquela
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espada.
Suas pernas estavam livres e não sentia nada
além do sangue fervendo em suas veias, e o barulho
incessante de seu coração disparado dentro do
peito. Se o elfo disse alguma coisa, Eleonora não
ouviu. Egan a tomou no colo. Eleonora caiu sobre
ele, os dois rolando na areia quente, sem notar que
era uma inclinação e que cairiam de nível, alguns
centímetros mais baixo que o relevo de areia.
Eleonora ficou por cima e teve a túnica
rasgada na altura do peito. Ela soltou uma palavra
qualquer de incentivo, movendo a cabeça e sua
longa cabeleira, tão limpa e perfumada, sempre tão
macia e bela, encantando os olhos do elfo. Ela
tocou o próprio peito, para que ele olhasse.
Egan era um macho de ação, sobretudo
durante o momento do cio. Ele elevaria a fada em
seu quadril e levantaria da areia, pois essa era

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quente e machucaria os joelhos da fêmea.


Seus seios foram tomados pela boca e dentes
do elfo e ela apenas gritou, pois ele encontrou sua
intimidade desnuda por sob a túnica e a possuiu
finalmente. O cio era devastador e os berros de
prazer de Eleonora ecoariam pelo deserto. Assim
como os grunhidos do elfo, que a invadia com força
e decisão, impulsionado pelo efeito do cio em sua
sexualidade.
Suor correria por seus corpos e Eleonora
procuraria os lábios do elfo, cobrando-lhe um
primeiro beijo, e sendo recompensada por um beijo
inesquecível, que tomava tudo dela, inclusive o
juízo.
Egan impulsionaria com agilidade, tomado
pelo mesmo prazer que Eleonora. Cairia na areia,
de joelhos, ainda empurrando em seu corpo meigo.
Eleonora se agarraria ao pescoço do elfo ao ser

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deitada contra a areia, e ajudaria nos movimentos,


abrindo os olhos para enxergar o sol escaldante
sobre suas cabeças, embaçando sua visão e
apagando seus sentidos.
O prazer a sobrecarregaria de sentimentos
inexplicáveis e as mãos de Egan, com dedos
cravados em sua carne, a marcariam como dele, do
mesmo modo que ele espalharia sua semente de
elfo e provavelmente a emprenhava de uma cria, no
primeiro ato sexual da fêmea.
Era tão perfeito e romântico, que poderia ser
um acontecimento criado apenas por sua mente, em
uma fantasia.
Apenas uma fantasia induzida pelo
entorpecimento do cio. Nada além de um sonho...
Culpa do calor, da aridez ou ainda da
paranoia apaixonada, mas era apenas uma fantasia
sua.
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Egan ainda cavava alheio aos seus sonhos.


Ele sequer imaginava que a fada estivesse
sonhando acordada e ele fosse o pivô desses
sonhos.
Quando Egan notou que era observado não
teve tempo de fingir não estar olhando. Ele
reconheceu desejo em seu olhar e também
reconheceu timidez. Avidez inesperada, de quem
nunca se imaginou tendo esse tipo de pensamento
ou comportamento.
Timidez de uma fada despreparada para o
convívio com elfos. Um comportamento estranho
vindo de uma assassina fria, calculista e sedutora.
Era pouco sábio demonstrar que percebia seu
interesse. E pouco inteligente também, visto que
esse interesse todo era baseado no cio e não em sua
realidade atual.
— Continue cavando — ela disse doce. —
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Eu sinto, está perto agora.


Egan estava exausto. Continuou cavando
com menos empenho, mas não menor vontade.
Eleonora tocou a areia, pedindo que ajudasse.
Ainda não entendia como fazer isso acontecer, mas
não custava tentar. A areia apenas se moveu um
tanto e rachou, facilitando que a armadura fosse
vista.
Quando finalmente a armadura estava
completa e a salvo, Egan olhou para a fada. Ela
esperava um agradecimento, mas um Guardião
jamais se rebaixaria a agradecer a uma fada
fugitiva. Com um suave sorriso de deboche,
Eleonora disse:
— Não precisa agradecer, Guardião. Eu
entendo que a ingratidão faça parte do seu
treinamento e que para ser forte precisa esquecer-se
de sentimentos como bondade e retribuição.

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Era uma provocação que merecia uma


resposta à altura. Mas dada a situação, a fada da
clausura estava coberta de razão e não havia
resposta que pudesse salvá-lo da humilhação de
depender de sua caça.
Ela lhe alcançará a armadura, quando era
mais sábio desarmá-lo completamente. E isso era
intrigante. Muito intrigante.

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Capítulo 19 - Toque de amor

Dormir no deserto, sem a proteção do


acampamento de Mikazar era terrível. Eleonora
havia adquirido experiência nisso, mas não podia
dizer que aquilo era aceitável.
Quando os raios de sol começaram a minguar
no céu e o frio da noite varreu a areia até então
escaldante, ela enrolou-se o melhor que pode na
túnica que vestia e tentou se acalmar, em um canto
qualquer da areia. Não havia como escolher muito.
Ao longe havia uma árvore desfolhada, com
galhos altos e finos, mas o tronco era queimado,
seco e provavelmente lar de insetos e criaturas

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medonhas, dos quais Eleonora queria manter


distância.
Não queria reparar no Guardião. Se ele sabia
o que fazer ou tinha alguma ideia melhor do que a
dela. Apenas ficou quieta e esperou o tempo passar.
Ouvia o movimento dele em torno de onde estava
ascendendo uma fogueira. Não conseguiu se conter
e precisou olhar o que fazia.
Egan conseguiu ascender uma fogueira
modesta e se acomodou perto do calor do fogo. Era
bom, minimizava o frio. Aquele lugar era horrível.
Insuportável, em alguns dias o calor atravessava a
noite, mas em outros, anoitecia e um frio absoluto
cortava a pele.
— Eu prefiro o frio — ela disse cansada,
querendo puxar assunto.
Egan ergueu os olhos para ela, como uma
cobrança.
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— Sério, as outras noites nesse lugar foram


horríveis. O calor é detestável. E quem disse que
não existem animais e insetos nesse lugar, estava
mentindo. Escorpiões, escaravelhos e cobras. É
pavoroso — confessou, arrepiada de asco só de
lembrar.
— Eu conheço as noites desse lugar — Egan
disse sério. — Fui treinado aqui muitas vezes.
— Reina contou. Disse que você odeia este
lugar. Que nunca se saiu bem nas provas que
aconteceram aqui. — Ela sorriu. — Não é vergonha
falhar em alguma coisa.
Egan sentou na areia, em torno da fogueira e
encarou-a por entre as chamas.
— E você, fada, é falha em algo? — Ele
jogou com as palavras.
— Bem, obviamente não sou boa em fugas
— tentou fazer graça, mas ele não sorriu, então
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Eleonora desistiu de brincar com ele. — Eu não sou


inteligente como Driana ou boa em usar a força
física, como Alma. Muito menos sou doce e meiga
como Joan. Eu sou... — Ela suspirou, diante dessa
revelação — muito moleque para ser escolhida
como fada por um elfo. Isso é uma falha, não é?
— Porque diz isso? — Ele não resistiu em
perguntar, curioso por ela achar algo assim.
— Não é óbvio? Meu melhor amigo é um
elfo. Um macho. Nós sempre aprontamos juntos.
Minhas brincadeiras preferidas sempre foram
masculinas. Repare no meu jeito de falar e agir...
Eu sou um menino. Só que com asas. Ou quase
com asas — ela sorriu. — Além disso... Até mesmo
Driana, a fada mais chata da humanidade já foi
cortejada por um admirador secreto... E os elfos
reparam no corpo de Alma. Onde quer que
passemos, sempre olham para ela. E Joan? É uma

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bonequinha, tem a saúde fraca, mas é lindinha


como uma gota de orvalho. E eu? Sou
desengonçada e desbocada. Não tenho qualidades
significativas, a menos claro, que minhas asas
nasçam como eu espero. Aí sim, terei alguma
vantagem.
— Você tem dúvidas sobre sua própria
defesa? — Ele perguntou interessado. — Acha que
suas asas podem não ser iguais as de Santha?
— Não, eu acho que somos ligadas por
linhagem, mas do modo que nasci azarada, não me
admiraria se minhas asas nascessem com algum
defeito. Não sou uma fêmea naturalmente sortuda,
Guardião. Caso não tenha notado ainda, o azar me
persegue.
— Diz isso baseado na sua decisão de
assassinar o Rei e fugir? — Ele revidou — eu não
chamaria isso de azar e sim de falta de prudência.

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Como sempre afiado, pensou Eleonora,


gostando de conversar com ele. Por isso ignorou
sua língua ferina e sorriu:
— Veja, eu fui deixada para morrer na
floresta. Era apenas um bebê. Eu não fiz nada de
mal a ninguém. Minha progenitora se tornou uma
rainha. Eu? Uma fada relegada ao orfanato. Depois,
eu poderia ter sido adotada por Reina, mas não era
viável. Continuei no Ministério do Rei. Então,
quando meu maior problema era a clausura,
aparece uma acusação infundada de assassinato,
tenho que me afastar das minhas amigas. Eram
nossos últimos momentos juntas antes da clausura.
Não é justo o que nos fizeram. E olhe para mim,
sou fugitiva, apanhada e agora, o que será de mim?
Pagarei por um crime que não cometi? Isso é ou
não é azar?
— Seria tão fácil acreditar em você, fada,

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caso eu não soubesse como é labiosa. — Ele


revidou no mesmo tom.
Exasperada, Eleonora reclamou com um
palavrão nada discreto e Egan sorriu. Mas ela não
viu esse sorriso. Olhou para o céu e perguntou:
— Porque será que não tem lua? Desde que
eu cheguei não vi lua no céu. Em nenhuma das
noites eu vi a lua - ela estava deitada um pouco de
lado, cabelos espalhados pelo chão. Imunda, mas
seus olhos brilhavam delatando a nostalgia que
inundava sua mente romântica e o furor da revolta
de uma alma que não podia ser aprisionada. Que
nem mesmo diante das dificuldades aceitava a
coação ou desistia da liberdade.
— Não existe lua nesse inferno — ele disse
pesaroso, soltando um suspiro de desgosto. —
Apenas sol. Isso não é noite, fada, é apenas alguma
tempestade de areia acontecendo longe daqui e que

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está encobrindo o sol. Acontece muito, por isso


parece que anoitece cedo e amanhece rápido, é
apenas coincidência.
— Eu não podia imaginar isso — ela disse
interessada, se movendo para olhar melhor para ele.
— Conhece bem essa terra, não é mesmo? Por
causa dos seus treinamentos?
— Sim. — Disse, afastando os olhos para as
chamas da simplória fogueira.
— E porque você não se saia bem nos
treinamentos? Reina contou sobre isso. Eu não
entendo, porque você é bom em tudo que faz. —
Confessou, sem notar que o surpreendia que
pensasse isso.
O modo intenso com que a olhada lhe passou
despercebido. Dolorida, Eleonora se moveu outra
vez, lutando para prestar atenção na conversa.
Esquecer-se um pouco da sua situação complexa.
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Egan disfarçou a vaidade de saber que a fada


o considerava competente e sem saber por que,
pegou-se confidenciado:
— A primeira vez que estive aqui, tinham
menos de dez anos, nossos treinadores nos
deixaram aqui. Em grupos de cinco. Precisávamos
chegar ao rochedo, o lugar onde você encontrou a
criatura Mikazar. Então, o grupo que primeiro
alcançasse o rochedo e fosse vitorioso, seria
desfeito. Cada elfo deveria lutar e se colocar contra
o outro. E aquele que chegasse primeiro ao Rio
Branco, seria o grande ganhador e poderia escolher
um dos perdedores como escravo por um ano. Túlio
me avisou que eu deveria vencer ou seria escolhido,
mas eu não acreditei. Acabei me perdendo e fui
escravo de um dos elfos em treinamento por um
longo ano. — Ele confidenciou. — Essa foi à
primeira vez que perdi meu tempo nessa terra. Uma

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das muitas vezes. Sempre vínhamos aqui para o


treinamento de resistência e força.
— Porque você seria escolhido? Seu pai
tinha toda essa certeza baseado no que, dedução?
— Perguntou surpresa, que seu pai não confiasse
em seu potencial.
Egan sorriu, um sorriso tenso e triste.
— Algumas criaturas nascem prisioneiras,
fada da clausura, mesmo que não vivam em um
Ministério do Rei ou em uma masmorra. Eu nasci
prisioneiro da minha linhagem. — Ele quase
pareceu acanhado ao dizer isso.
— Tal como eu — ela disse baixinho e Egan
fingiu não ouvir, embora seus olhos brilhassem na
escuridão quase total, aceitando esse comentário
como algo verdadeiro.
— Quando nasci à armadura que pertenceu
ao meu pai jazia sem uso e havia rejeitado muitos
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Guardiões treinados. Depois que abandonou meu


pai, por causa da idade, a armadura nunca mais
escolheu outro. Eu cresci sabendo que um dia seria
disputada entre mim e os outros. Todos sabiam
disso, que eu possuía a vantagem da linhagem, que
a armadura esperava por um descendente de sangue
e que esse seria eu. Para meu azar total, nos últimos
anos do meu treinamento nenhum Guardião morreu
ou perdeu a armadura por idade. Sendo assim, eu
era àquele que acabaria com os sonhos de todos os
outros. Eles sabiam que treinavam em vão. E que a
culpa era minha — ele desabafou, olhando para a
areia, envergonhado dessa fase da sua vida —
confesso foi um alívio quando dois Guardiões
morreram naquele mesmo ano, em missão oficial.
Pode imaginar isso? Sentir alívio por saber que
companheiros de luta, morreram? E que suas
armaduras também seriam disputadas?

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— Sim, eu posso imaginar esse sentimento


muito melhor do que você. Acha que não há
disputa entre as fadas da clausura? Aquelas que são
agraciadas pelo nascimento de asas bonitas são
odiadas, pois é uma possibilidade real de serem
escolhidas. Aquelas que se destacam em dom ou
formosura, são odiadas pelas demais. —
Confidenciou também.
— Pois bem. Aumentou duas chances e eu
estava bastante feliz com isso, mas então Acheron
chegou ao Monte das Fadas. Ele já era um
guerreiro completo, pronto para a luta e uma das
armaduras o escolheu de surpresa. Restaram apenas
duas e minha desgraça voltou. Eu era sabotado em
tudo que fazia. Precisava me dedicar em dobro e
quando falhava... Meu pai acabava comigo. Se ele
não fizesse, Reina fazia. Se os dois não fizessem,
Lucius faria, me humilhando publicamente. E

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assim sucessivamente. Eu dormia com os dois


olhos abertos quando estava junto aos outros elfos
em treinamento.
A amargura seca em sua voz era horrível.
Eleonora se ajeitou na areia e engatinhou para
perto, pois não conseguia andar muito. Tocou sobre
o braço do Guardião e disse:
— Uma vez, uma fada ficou com tanta raiva
porque eu ganhei um brinquedo de Reina, que me
deu uma pedrada. Eu quase morri. Tínhamos seis
anos. Depois disso, Reina nunca mais me deu nada.
— Ela confidenciou.
Então baixou os olhos e afastou o toque. Ele
entendia o que dizia. Eram situações idênticas. Não
havia maldade nas crianças que os atacaram na
infância e sim, desespero. E isso era ainda mais
triste. Saber que adultos não fizeram nada para
impedir que o ódio e inveja disseminarem-se.

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— Depois disso... Alma passou a bater em


todo mundo — ela não podia se esquecer disso. —
Ela gritava e fazia com que todos se calassem e a
temessem. Nunca mais apanhei das outras fadas. —
Era um pensamento desconcertante.
— Tobias passou a trapacear nas minhas
provas — ele disse, lembrando-se disso, como
quem se lembra de um segredo que não deve ser
dito sob a luz do sol, e sim na escuridão de uma
'noite' sem lua. — Tobias infernizava os demais e
sabotava as provas. Então eu me saia bem.
— Eu me lembro disso. Ele contou que você
o pegou um dia e o amarrou em um estábulo, para
que não fosse até o lugar das provas e atrapalhasse
os outros. E que nesse dia, você quase foi expulso
dos treinamentos, porque Tobias tinha sabotado a
água dos competidores - ela disse feliz em ter algo
para lembrar sobre Egan.

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— Ah, sim, e a culpa caiu em meus ombros.


— Ele disse sorrindo. — Depois disso eu deixei
que ele aprontasse. Aqueles filhos da puta
mereciam ser sabotados. Eu não pedi para ter
vantagem com a armadura. Eu era o melhor.
Sempre o melhor e eles mereciam provar o gosto da
sabotagem.
— Hum, é bom saber que há algo de mal
dentro do Guardião Egan — ela sorria — Sabe, eu
até gostava quando Alma infernizava as carcereiras
— riu baixinho. — Eu nunca imaginei que a vida
de um filho de Conselheiro pudesse ser difícil.
Acho que ninguém consegue ser inteiramente feliz,
afinal.
— Fala com a rabugice de um duende velho
— ele respondeu com um meio sorriso.
— Não posso negar. Ultimamente não tenho
sentido muita vontade de sorrir. — Ela admitiu.

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— Minha mãe vai acabar com minha paz


quando eu a entregar a Lucius e Santha — deixou
escapar, olhando-a com algo que poderia ser
ternura.
— Você chama Reina de mãe. — Ela disse
como se aquilo fosse à coisa mais fofa que ouvira
na vida. — Deveria dizer a ela como se sente. Às
vezes Reina dizia ter dúvidas sobre ter falhado
como madrasta — contou — eu sempre lhe digo
que isso é impossível, mas tem receio de
desagradá-lo. Que suas obrigações de madrasta de
um futuro Guardião podem ter confundido sua
forma de vê-la. Ela aprendeu a ser mãe com você.
Por isso eu acho que é insegura.
— Reina é a melhor mãe do mundo — ele
negou, surpreendido pela revelação. — Meu pai
pensa o mesmo. Tobias também. É impossível que
ela não saiba.

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— Já parou para pensar que na mente de


Reina somos todos irmãos? — Perguntou a queima
roupas. — E que não pôde evitar que você sofresse
em seus treinamentos, que não pôde salvar Mirrar,
seu filho de sangue. Que não consegue emendar o
comportamento de Tobias. Que não consegue me
salvar da clausura ou ajudar minhas amigas a
sofrerem menos. Que ela sequer consegue
apaziguar a dor que seu pai carrega pela morte da
primeira esposa. Que tudo isso a deixa desmotivada
e desgostosa consigo mesma? Ela se sente
fracassada sobre nós todos. Somos filhos
vergonhosos, mas ela não entende isso. Que a culpa
é nossa e não dela.
Sentada ao lado do Guardião, Eleonora olhou
para armadura que descansava ao lado, perto de
onde estava.
— E eu que sempre pensei que ser Guardião

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protegeria de toda a dor e humilhação. —


sussurrou. — Estou começando a achar que não
existe felicidade na vida e que Driana sempre
mentiu lendo àquelas poesias sobre liberdade e
redenção. Somos todos ferrados vivendo uma vida
de merda. E não há exceções. — Disse triste com
essa verdade escrachada e irrefutável.
— Eu gostaria de dizer que está errada — ele
afirmou, num tom muito parecido com o dela. —
Mas seria uma grande mentira.
Egan sorria. Baixou a cabeça para esconder o
sorriso, mas ela viu e sorriu também. Ruim ou não,
uma vida regada a sorrisos de Egan valia muito a
pena, pensou Eleonora.
— Você nunca teve dúvidas sobre ser um
Guardião, Egan? Nunca pensou em fazer outra
coisa que não fosse seguir os passos do seu pai? —
Perguntou sem esperar, pois temia que o sol

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voltasse a brilhar e a realidade impedisse que os


dois prosseguissem conversando tão abertamente
como faziam naquele momento.
— Eu nunca pensei muito nisso. Gosto da
luta, do exercício. Da responsabilidade, acho que
teria escolhido isso mesmo que não fosse minha
linhagem. Mesmo que não me tornasse um
Guardião. — Afirmou.
— Uma escolha bastante coesa para quem só
conheceu essa vida — disse apenada de alguém que
jamais conheceria a profundidade de si mesmo.
— E você? O que você seria, fada? — Ele
jogou de volta, incomodado com sua forma de
cobrar-lhe satisfações.
— Eu não sei. — Ela admitiu — eu não sei,
provavelmente nada que preste. Driana seria uma
estudiosa. — Sorriu orgulhosa desta lembrança —
você não pode imaginar como ela é inteligente.
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Muito mais do que nós dois juntos. Ela seria uma


professora ou uma erudita. Acho que Joan gostaria
de lecionar também, mas sua saúde não permitiria.
Quem sabe, cuidar de um belo jardim? Ela sempre
gostou de flores... — Disse com saudade.
— E a outra? A grandalhona? — Egan
referia-se a Alma.
— Alma sempre desenhou bem. Aliás, ela
sempre reproduziu com maestria o rosto das fadas e
elfos que via. Ela poderia fazer isso para ganhar a
vida. E se ela ouvisse que a chamou de grandalhona
iria gritar até fazer seus ouvidos sangrarem — disse
com carinho, pois falar das amigas a encantava,
ainda mais com a saudade que sentia.
— Fala como se um dia fosse reencontrá-las
— disse pesaroso.
Alarmada, Eleonora fitou-o com tanta
indagação na face que Egan quase se arrependeu de
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ter dito isso.


— Encare a verdade, Eleonora: será acusada
de assassinato. Sua sentença saíra tão logo Santha e
Lucius coloquem os olhos sobre você. Mesmo com
a interferência do meu pai, a sentença de morte será
a única escolha lógica para punir o assassinato do
Rei. Quando suas amigas forem localizadas,
provavelmente você estará no calabouço
aguardando cumprimento da pena. Ou já estará
cumprida à sentença. Não voltará a vê-las nunca
mais.
— Não. Isso não pode acontecer. —
Desolada, ficou olhando para as chamas, sem
reação — eu tenho direito a um julgamento justo.
Ao menos que esperem o nascimento das minhas
asas para saber se minto ou não!
— Santha não permitirá que seja ouvida. E
mesmo que permitisse, porque esperar? Eleonora,

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minha madrasta faria qualquer sacrifício para


garantir sua vida. Mesmo mentir sobre suas asas.
— Mas e se eu fizer uma denúncia a um
Guardião? Sobre minhas asas e o abandono que
sofri quando criança? Não é obrigação de um
Guardião investigar o que eu digo? — Lhe pareceu
lógico usar disso a seu favor.
— Minha missão anterior anula sua
denúncia. Precisará encontrar outro Guardião para
ouvi-la — ele não resistiu a sorrir da sua
perplexidade.
— Está sentindo prazer em me amedrontar?
— Ela perguntou nervosa. — Em me dizer que
nunca mais verei minhas amigas? Isso lhe faz feliz,
Primeiro Guardião?
— Um pouco. — Admitiu.
— Quanta maldade! — Ela tentou levantar,
mas escorregou.
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Insistiu e conseguiu ficar de pé.


— Sente-se, eu não quero ter que amarra-la
ainda mais forte. — Disse azedo.
— É mesmo? — Ela ironizou e conseguiu
andar alguns passos para longe, a raiva
comandando, mesmo que não soubesse como
escapar dele.
Egan deixou-a ir. Não iria muito longe
mesmo. Exausta e amarrada, ela tropeçou na areia e
caiu de boca no chão. Seu gemido de dor foi
também de raiva e mágoa. Ela não queria chorar.
Mas como evitar? Ele estava sendo tão
propositalmente cruel!
— Eu sou inocente! Tão inocente que você
se sentirá um bosta quando eu provar e esfregar
minha inocência na sua cara! — Gritou e não ouviu
resposta.
— Precisa de ajuda, fada da clausura? — Ele
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gritou de longe, provocando-a.


— Sim, preciso! Você me ajudaria muito se
desaparecesse do Monte das Fadas! — Revidou,
mas não se moveu. Ficou ali, deitada, tentando
acalmar a respiração e esquecer a dor lacerante no
coração.
Ele não mentia. Era exatamente isso que
aconteceria quando a entregasse para Santha e
Lucius. Nunca mais ver suas amigas era seu
caminho mais provável.
Em sua revolta, ela chegou a criar um
pequeno revoar de areia. Egan olhou na sua direção
e levantou-se pronto para se defender de um ataque.
Mas Eleonora desistiu e apenas olhou na sua
direção, recolhendo-se na própria insignificância e
sussurrou:
— Nada disso é culpa sua, Egan...
Soou como uma desistência. Não o atacava,
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pois Egan não podia lugar contra ordens maiores


que ele, afinal, não fazia nada além de seguir
ordens.
— ...Mesmo assim eu estou começando a
odiá-lo.
Egan não respondeu. Palavras não mudariam
a verdade dos fatos.
— Guardiões não deveriam proteger as
vítimas? Porque você é diferente dos outros? — Ela
reclamou, recolhendo-se a sua insignificância
momentânea, engatinhando de volta para perto da
chama da fogueira, onde havia um pouco de calor e
luz.
Não admitiria, mas a situação das suas costas
atraiam insetos e ela temia um ataque agora que as
feridas estavam bem mais abertas que antes.
— Sim, proteger as vítimas é basicamente
nossa principal ocupação. E nesse momento a única
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vítima que conheço... Foi Rei Isac. — Afirmou e


Eleonora revirou os olhos de desgosto e pouco
caso. Lá vinha ele com essa estória de novo!
— Você não acredita em mim. Sabe o que eu
acho? Se fosse outra fada implorando por uma
chance, você esperaria as asas nascerem antes de
tomar uma atitude tão séria e definitiva quanto me
entregar a Lucius e Santha!
— E porque você acha que eu faria distinção
entre você e as outras fadas? — Ele perguntou nem
um pouco atacado por sua acusação.
— Porque eu sou uma fada da clausura e
Reina tenta a todo custo misturar uma fada órfã a
elfos de linhagem e esses elfos são sua família. Seu
irmão. Isso não é algo agradável para alguém que
preze a linhagem pura. — Disse para ofender.
— Tobias não possui linhagem pura. E
mesmo que possuísse, acha que eu nutro
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preconceitos? Isso é ridículo! — Ele indignou-se.


— É mesmo? Então assume que tem
implicância comigo? É a única explicação para
tanto zelo para com uma rainha que todos odeiam!
— Realmente, eu não tenho problemas com
linhagem ou nesse caso, falta de linhagem. É claro
que Reina não deve ter contado, mas eu pretendia
escolher uma fada do Ministério do Rei este ano!
O choque foi tamanho que Eleonora mal
piscou. Por essa informação não esperava.
— Isso não é justo — ela afirmou mais para
si mesma do que para ele.
— Porque não? O que a distingui das outras
fêmeas do Ministério do Rei? O que a faz especial?
Existem outras fêmeas esperando sua chance de ser
escolhidas. Porque eu não posso escolher outra que
não você ou suas amigas?

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Não era uma questão a ser discutida. Egan


tinha razão. Como argumentaria sobre as decisões
do coração daquele Guardião? Como falar dos
próprios sentimentos quando a missão dele era
aprisioná-la e levar diretamente para as mãos de
Lucius e Santha?
— Bem, inicialmente a resposta mais lógica
seria lhe explicar que as únicas fadas em tempo de
obter suas asas e aptas a participar do Ritual de
Escolha, somos nós quatro. Existem outras, mas já
padecentes do nascimento e que já vivem na
clausura. Então, se o que afirma é verdade, devo
concluir que a sua escolhida está entre nós quatro.
Egan afastou os olhos se negando responder
a esse argumento.
— Bem, podemos eliminar a possibilidade de
ter interesse por mim — ela disse irônica —
sobram Driana, Alma e Joan... Embora Joan seja a

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mais bonita de nós, você parece ser do tipo que


aprecia algo mais forte. Alma ou Driana? Acho que
Alma o destroçaria na primeira noite... Ela não
suporta dissimulação — alfinetou e então Eleonora
lembrou-se de algo e sua expressão mudou de
ironia para abatimento. — Foi você, não é?
Egan não entendeu, mas para ela fazia todo o
sentido do mundo.
— Driana recebeu um presente, tempos atrás.
De um admirador secreto. Um bloco de anotações.
Depois o elfo desapareceu e nunca mais enviou
nada ou revelou a própria identidade. Era você, não
é? O admirador secreto de Driana? — Perguntou,
magoada.
Se ele notou sua mágoa ou suspeitou da
causa, Eleonora nunca saberia. Egan apenas deu de
ombros e nada respondeu.
Doída dessa possibilidade, a fada calou-se
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também.
Egan não sabia desse assunto, tão pouco
conseguia imaginar um dos Guardiões tendo uma
atitude tão covarde ou tímida, em relação a uma
fêmea. Se ela queria pensar que seu interesse era a
fada Driana, ele não reclamaria. Muito melhor do
que saber que cobiçava o que pertencia ao seu
irmão.
Apesar do pensamento de Egan envolvido
com Driana lhe causar um embrulho no estômago,
Eleonora entendia que era melhor assim, que esta
fosse sua escolhida daquele ano. Driana o rejeitaria
sumariamente. E seria vergonhosa a humilhação
dele. Se a escolhida fosse Joan...
Era capaz de a pobrezinha aceitá-lo, apenas
pelo receio de dizer não a alguém do seu posto e
poder. E Alma... Bem, Egan não merecia um triste
fim caso tentasse cortejá-la, o que era provável de

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acontecer.
Alma não perdoaria a audácia de um macho
em apaixonar-se por ela.
Olhando para ele, através das chamas,
Eleonora perguntou, optando pela mudança do
assunto:
— Nunca se arrependeu de ser um Guardião?
De ter seguido os passos do seu pai?
Ele não esperava por aquela pergunta.
— Nunca me arrependi de seguir a carreira
de Guardião. Ser escolhido por uma armadura é
uma honra. Mesmo que minha linhagem indicasse
essa escolha desde o meu nascimento. Foi
merecimento que me levou a ser aceito, tenho que
me orgulhar disso.
— Você disse 'tenho que me orgulhar'. Não
'me orgulho' — ela opinou.

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— O que quer dizer com isso? — Egan


perguntou, engolindo em seco, pois já imaginava a
resposta.
— É um elfo feliz, Primeiro
Guardião?
— Você conhece alguém realmente feliz,
Eleonora?
Sim, esse tipo de resposta era esperado de
alguém que dedica sua vida para caçar outras vidas,
a mando e desmando de um Rei pouco confiável.
— Eu poderia ser feliz. Às vezes, eu penso
que a felicidade é não entregar uma fada inocente
apara Lucius e Santha, sem antes conferir suas asas.
Saber se ela fala a verdade ou não. A felicidade
deve ser poder dormir de consciência limpa. —
Não resistiu em debochar dele. — A felicidade
pode ser tão mais simples do que pensamos. Eu era
feliz ao lado das minhas amigas. Com as visitas
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esporádicas de Reina, sabendo que se preocupava


comigo. Feliz em ouvir as aventuras de Tobias fora
do orfanato com sua família. Havia felicidade
nisso. Agora, não há mais nada.
Seu desânimo comovia. Egan procurou
palavras para expressar-se, mas elas não existiam.
— Meu pai não escolheu um bom caminho.
Eu quero fazer tudo diferente. — Ele disse meio
sem notar o que fazia. Mais tarde culparia sua
exaustão física e mental, ou nunca lhe teria feito tal
confissão. — Ele dedicou a vida para o trabalho e a
proteção do reino. Casou-se, mas não constituiu
família. Ter um filho foi uma necessidade. Ter
alguém de sua linhagem para disputar a armadura.
Quando minha mãe se foi, era tarde para
arrependimento. Ele fez o que tinha que fazer.
Encontrou Reina para cuidar de mim. Para lhe dar
mais filhos. Eu ainda não sei se ele tem consciência

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do que é viver exatamente ou apenas sobrevive das


lembranças e desejos de quando era Guardião. Eu
não quero viver por causa disso — olhou para
armadura perto de si — um dia a armadura me
deixará. E eu quero mais do que meu pai teve
quando isso finalmente acontecer.
— É justo que deseje uma família. — Sorriu
para incentiva-lo a falar.
— Espero ter crias por vontade e não
obrigação. Não estou reclamando, fui criado com
muito amor, mesmo assim, eu gostaria de tomar a
decisão de ser pai baseada em vontade e não
obrigação.
— Mais justo ainda. — Ela não pode deixar
de manter um sorriso provocador na face.
Eleonora queria que Egan entendesse que
conversar com ela não era um risco. Que não usaria
essas informações contra ele.
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— Está rindo de mim — ele afirmou, mas


sem estar incomodado.
Cansado, deitou na areia, com um gemido de
dor. Não era um décimo do padecimento que a
fêmea passava, mas era exaustão pela caçada
penosa no Deserto das Areias Vermelhas.
— Não, eu não estou rindo de você, Egan. —
Sussurrou.
O assunto acabou entre eles. Mas não os
olhares. Olhos que diziam mais do que quaisquer
outras palavras poderiam expressar. Eleonora notou
o instante em que o abatimento teve total efeito
sobre a capacidade do elfo em manter-se acordado.
Ele piscou e fechou os olhos, provavelmente
apenas para repousar um instante. Precisava vigiar
sua prisioneira. Mas o sono o pegou.
Como culpá-lo? O corpo precisava de
descanso, assim como a mente. Torcendo para que
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Egan sonhasse algo bom e acordasse mais


sucessível a crer em suas palavras, Eleonora se
moveu com cuidado na areia, para ficar mais
próxima.
Não queria acorda-lo, apenas ficar mais
perto. Sentir sua presença. Suas costas explodiam
em dor a cada movimento, mas isso não a impediria
de estar perto. Era provável que essa chance não se
repetisse.
Ela deitou ao lado de Egan, mas não perto
demais. Deitou a cabeça sobre o braço dobrado,
observando-o adormecido.
Era tão bonito e viril. Seus cabelos sempre
impecáveis estavam bagunçados e a sujeita
impregnava em todo o corpo. Seu cheiro de elfo, no
entanto, não se confundia com o cheiro da
imundice.
E era esse o odor que a atraia. Era culpa do
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cio, disse a si mesma. Se o farejava, era culpa da


imensa sensação de desejo carnal. Seu corpo
pulsava pelo contato com o corpo masculino.
Tanto, que fechou os olhos para apagar a
imagem do corpo ao seu lado. Era culpa sua a
proximidade.
Excitada, ela manteve os olhos fechados para
não ver a tentação. Adormeceu sem perceber.

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Capítulo 20 - Horizonte escarlate

O novo dia trouxe consigo o calor miserável


de volta. Como diria Driana, caso estivesse
presente, fazendo uso de um de seus discursos
enfadonhos: era impossível saber se era um novo
dia o ou não. Era impossível medir o tempo em
horas.
Era possível que a tempestade longínqua que
encobrira o sol escaldante, houvesse se dissipado e
isso criasse a ilusão de um novo dia.
Ela se moveu na areia, assustada, procurando
pela imagem do Guardião, achando que estava
sozinha. Era a confusão do sono.

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Avistou a imagem da armadura perto de si e


estendeu a mão para tocá-la.
— Não faça isso — Egan alertou, sua voz
vinda de longe. — À armadura rejeita qualquer um
que tente tomá-la sem minha permissão.
— Eu não quero tomar sua armadura — ela
disse sonolenta procurando pela imagem que
sucedia a voz.
Lamentou pelo esforço, que lhe causava mal
estar e olhou para Egan com rancor.
— Ontem, durante a noite eu empurrei sua
armadura para o lado e nada aconteceu. Ela deve
estar quebrada — disse mal humorada.
Tentou limpar areia das mãos e rosto, mas
era em vão. Não percebeu o modo como o macho
olhou para a armadura e então para a fada. Meio
que para provocá-lo, Eleonora usou a armadura
como apoio para levantar-se. Não foi repelida e ele
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engoliu em seco, afastado o olhar.


Sabia a razão. A armadura dividia com seu
Guardião muito de sentimentos e esperanças. Um
completando o outro e essa ligação era visceral. O
Guardião aceitava a fêmea como sua,
consequentemente, a armadura aceitava a presença
da mesma. Era simples assim.
Quando Eleonora percebesse que possuía
domínio sobre a armadura, saberia que esse
domínio estendia-se ao Guardião também!
— Isso é comida? — Perguntou reparando
que ele segurava algo em suas mãos.
Egan olhou para o mesmo lugar e sua
expressão era engraçada ao dizer:
— Vai ter que servir para esse propósito. —
Aproximou-se. — Prefere a cabeça ou o tronco?
Eleonora olhou para o bicho com asco. Era

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uma espécie de inseto ou réptil. Impossível definir


sem um estudo aprofundado. De uma cor muito
escura, com patas longas, como um animal do mar
ou algo assim. Mas não havia água por aquela
região. Desgostosa, deu de ombros.
— Como conseguiu caçar isso? Nos dias que
passei sozinha eu tentei caçar várias vezes, mas não
vi nada comestível. Isso deve viver em buracos —
ela queria conversar um pouco.
Um sorriso e Egan usou sua espada para
cortar os pedaços do pequeno bicho e estendeu para
ela um pedaço relativamente comestível.
— Cru? — Ela perguntou com desgosto.
— Acredite, se você cozinhar o gosto será
ainda pior. Coloque na boca e engula sem morder.
— Avisou.
De seus treinamentos, restara o
conhecimento sobre o que poderia virar alimento e
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como fazê-lo.
— Hoje cedo, enquanto você dormia — ele
começou a contar, bastante contente em deixa-la
enojada — os insetos e nojeiras desse lugar
começaram a rastejar até as suas feridas. Foi assim
que eu cacei esse daqui.
Ele omitiu a parte onde se dedicou a impedir
que isso acontecesse e a protegeu de mais essa
agressão!
Eleonora havia acabado de colocar aquela
coisa na boca e tentava engolir quando ele terminou
de contar. Imediatamente bílis azeda e quente subiu
em sua garganta, só de imaginar aquele réptil ou
fosse lá o que aquilo era, rastejando para alimentar-
se de pus e secreções, ainda mais, vindas de seu
corpo.
Ela tentou não vomitar, mas não aguentou.
Rastejou para longe e vomitou o alimento.
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Quando olhou para trás, para Egan,


encontrou-o sorrindo.
Acostumado com aquele tipo de alimento,
Egan abriu a boca e deixou aquela nojeira entrar
garganta a dentro e fez uma falsa expressão de
satisfação. Então ergueu a cabeça do bicho e
estendeu na sua direção como um convite. Foi o
bastante para Eleonora sentir mais enjoo e tornar a
vomitar.
— Espero que não esteja prenhe do meu
irmão — ele disse para provocar.
— Eu juro, seu filho da mãe ingrato, que se
eu sobrevier a essa caçada irei tomar sua armadura
e trancafiá-lo na mesma masmorra que vivi toda
minha vida! Eu juro! — Outra onda de nojo e ela
continuou a vomitar. — Oh, não, oh...
Ela gemeu de novo, o vômito virando sangue
rapidamente.
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Egan levantou e afastou seus cabelos, para


ver o que a assustava.
Na pequena poça de vômito e sangue, movia-
se algo. Uma espécie de escorpião saiu da areia e
começou a chafurdar naquilo. Eleonora não resistiu
quando Egan a ergueu do chão, em seus braços. Até
segurou em seu pescoço, para ser levada para
longe.
— Sinto muito — ele disse apenado,
deitando-a na areia, sobre um pano velho. — Beba,
é o resto da água que você conseguiu fazer brotar
do chão.
Culpado, Egan queria compensá-la pelo
sofrimento desnecessário. A fêmea padecia do
nascimento das asas e não cabia a ele tortura-la
fisicamente por crimes que ainda não haviam sido
julgados.
— Eu menti. Não o punirei por me caçar —
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ela confessou. — Eu não poderia punir o filho de


Reina, seja ele um imbecil desnaturado ou não.
Egan afastou seus cabelos longos e sujos,
tocado de piedade e culpa, limpou sua face, onde a
água escorregou. Eleonora ergueu os olhos e não
conseguiu evitar o olhar. O cio compelia, a vontade
pedia, ela queria agarrar-se ao elfo e consumar o
ato.
Engolindo em seco, soube que ele pensava o
mesmo. Que o ardor que corria em suas entranhas,
também seguia caminho pelas de Egan.
Animais precisando da consumação.
— Não estou prenhe de macho algum, você
sabe disso, pois sente o meu cheiro. É odor do cio.
Todo macho sente. Não finja que é exceção. Eu sou
intocada. As carcereiras vendem nosso cio, sabia
disso? — Sussurrou, sua a voz bastante baixa e
magoada — depois da escolha, as fadas rejeitadas,
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tem o cio vendido para elfos que paguem um bom


valor. Depois são trancafiadas e esquecidas nas
masmorras até o ano seguinte, para a próxima
escolha. E assim sucessivamente. Miquelina
sempre cuidou de mim e das minhas amigas. Ela
sabia que nosso cio é valioso. Isso não é estranho?
Se eu copulei com o Rei, como posso estar
padecendo do cio? Seja sincero, eu não acredito
que um elfo da sua idade e experiência não saiba
que uma vez mantido relações carnais antes do
padecimento das asas, o cio será totalmente
impossibilitado.
Eleonora respirou fundo quando terminou de
falar.
— E é por isso que você quer arrancar
minhas roupas e consumar o ato. Eu sinto seu
cheiro também. Não pode dizer que minto — era a
cartada final.

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— É labiosa. Eu sempre soube disso — ele


correu um dedo por seu rosto, onde havia uma
marca de areia impregnada. — Sempre fez o que
quis e não quis, com Tobias e Reina. Mas eu não
sou como eles. Eu sei disseminar entre o certo e o
errado. Não vou arrancar suas roupas e consumar o
ato. Desista.
— E quem disse que eu quero isso? — Ela se
mexeu, sem querer, atraindo o olhar dele para seu
quadril. — É culpa do cio. Pode ser você ou
qualquer outro macho. Tanto faz. Negue à vontade
essa verdade. Um dia ela criará tentáculos e o
morderá bem no rabo. — Ofendeu.
— Sempre foi desbocada com meu irmão? —
Ele segurou seu queixo e ela tentou morder seus
dedos e então, afastou-o usando os braços.
Egan era forte e esqueceu quem era e sua
missão, a segurando de volta, imobilizando-a.

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Assim tão pertinho, aquecidos pelas


sensações despertadas pelo cio, ambos poderiam
facilmente esquecer-se de tudo e ficar juntos.
Eleonora se esqueceu das asas que nasciam,
esqueceu-se da dor e das privações, afastou as
pernas e o acolheu. O elfo se moveu com força e
usou uma das mãos para abrir as calças. Ela não
relutou ou impediu, chegou a gemer e erguer os
quadris pedindo por isso.
Egan soltou seus braços e ela imediatamente
agarrou os cabelos escuros com ambas as mãos,
usando as pernas como apoio para o quadril ficar
alto e encontrar a investida do macho. Ainda havia
todas as roupas entre eles.
Egan parou um segundo antes disso
acontecer e ela chegou a grunhir de frustração.
— Copular não vai mudar o que penso! —
Egan avisou, empurrando-se para trás e levantando.
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A fêmea chegou a tentar segurá-lo. Então,


furiosa, esmurrou a areia antes de sentar,
impulsionada pela raiva, apontando para ele,
gritando frustrada:
— Seu merda! Eu não quero que me toque!
Não quero! É culpa do cio! Abusador!
— Eu nunca abusei de uma fêmea em toda
minha vida! — Revoltado e nervoso por conta do
envolvimento que o cio lhe causava, Egan marchou
de volta até ela e a encarou. Eleonora estava de pé
agora e deu um passo para trás. — Nenhuma fêmea
poderá apoiar essa acusação! Nunca toquei em uma
fada sem prévio consentimento!
— Estava sobre mim! E eu não tenho direito
de escolha! É culpa do cio! Não fui julgada ou
condenada pelo crime que estou sendo acusada e
mesmo assim, pretendia... Pretendia... Você sabe o
que pretendia! Olhe para minhas mãos, Guardião! -

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ela ergueu os pulsos. — Estou amarrada!


Amarrada!
Eram gritos histéricos. Em algum momento
perderia as estribeiras. Era esperado. A briga
poderia durar horas, os dois estavam inflados de
excitação, ódio e algum outro sentimento que não
ousavam nomear. Mas a biologia do corpo da fada
decidiu o final da discussão. Eleonora sentiu os
joelhos fraquejarem.
Uma pontada insuportável nas costas. Egan
não moveu um dedo para acudir, ainda furioso,
ficou de pé, respirando com força, acalmando a sua
porção macho. Por pouco não cometeu um crime
contra as leis do reino.
Tocar em uma fada da clausura sem
consentimento do Rei era um crime severamente
punido. No caso de um Guardião cometer tão
grande desatino, a punição era ainda mais séria.

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Reclusão nas masmorras por semanas. Vergonha


para a família. Privação do contato com a
armadura, algo que acarreta muita dor e lástima
para ambos.
Sem contar, que Tobias nunca o perdoaria
por tocar em sua namorada!
— Reconheço sua castidade — ele disse
sério, sem olhar para ela. — É claro que sinto o
odor do cio. Mas isso não prova nada. Eram quatro
fadas. Qualquer uma poderia ter se deitado com
Isac. A Rainha Santha pode ter se confundido.
Não tente mudar minha mente, Eleonora.
Não torne essa situação pior do que é.
— Pior? Você acha que a situação é ruim
para você? Olhe para mim quando falo, elfo! — Ela
havia perdido definitivamente a paciência. — Sou
eu quem está no chão! Sou eu quem esta sofrendo!
Você é apenas o bastardo sem sentimentos que me
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amarrou e me caçou! Não se faça de injuriado! Eu


sou inocente, Guardião, sou a criatura mais
inocente dessa terra! Minhas amigas são inocentes!
E quando a verdade vier à tona, sua vergonha será
abominável!
— Palavras, palavras e palavras. Todas as
órfãs do Ministério do Rei são tagarelas como
você? — Ele ridicularizou.
— Não. Apenas as condenadas por crimes
que não cometeram! Eu vou ser condenada a morte,
Egan, mas morro esperneando! Lembre-se disso,
Guardião. É bom que guarde bem minhas palavras
nessa sua cabeça dura como pedra!
Como se Egan pudesse esquecer.
Eleonora acompanhou todos os movimentos
do elfo. Primeiro, por desejo do que não podia fazer
e insistia em virar sua cabeça. Depois pela
necessidade de ver o que ele faria e como escapar
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disso.
Minutos de silêncio se passaram. Acalmado o
ódio despertado pela frustração física, ambos se
olharam. Era pura vontade de conversar. E a
primeira a ceder foi Eleonora.
Egan juntou seus pertences e aproximou-se
dela por último, puxando-a pela corda em suas
mãos.
— Você se deitou com Santha alguma vez,
Guardião? Sempre ouvi boatos de que ela se deita
com os Guardiões.
A pergunta de Eleonora não o surpreendeu
em nada. Baixou os olhos, procurando as palavras
certas.
— Eu não julgo suas palavras. Eu não estou
julgando-o. Não precisa pensar antes de falar. —
Ela avisou, tímida.

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O assunto a incomodava. Reina lhe contara


uma vez que era costume da rainha assediar os
Guardiões. Elfos jovens e másculos. Robustos e no
ápice do apogeu sexual. Aperitivos deliciosos para
uma sangue suga sedutora como Santha!
— Santha não tem paragem.
Era uma frase vaga. Egan começou a andar e
ela o seguiu, mesmo depois de solta. Seguiu-o
calada, pois não podia fugir de um Guardião, não
em sua atual situação.
— E isso quer dizer que ela o assediou?
— Quer dizer que assediou todos os gudiões.
— Ele olhou para trás, para os olhos da fada —
creio que teve mais sorte com os Guardiões mais
novos, os elfos em treinamento.
— É mesmo? Nunca cedeu aos caprichos da
sua rainha? Estou surpresa. — Deu de ombros,
provocativamente surpresa.
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— Santha não é tão bonita quanto pensa que


é — ele confessou. — Nunca gostei do modo como
olha para os elfos. Sem respeito, sem compaixão.
Creio que entre os Guardiões mais experientes ela
nunca conseguiu nada, mas os jovens são
impulsivos e tendem a ceder ao encanto e poder de
uma rainha.
— Mesmo que isso seja um crime contra o
Rei. — Ela lembrou. — O que aconteceu quando
você denunciou seus colegas Guardiões pelo crime
de fornicação com a rainha?
É claro que sabia que essas denúncias nunca
aconteceram. Era apenas uma provocação. Quando
Egan olhou para ela encontrou uma expressão
jocosa e debochada na face da fada.
— Odeio Santha. — Ela disse, relevando sua
fraqueza em não denunciar os amigos. — Em
minha defesa, digo que se eu houvesse assassinado

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o Rei, o que não fiz, teria incriminado essa cretina.


Acha que é uma boa defesa?
— Sim e muitos a apoiariam nisso — ele
sorriu, mas Eleonora fingiu não notar. — Santha
não é popular por ser querida por seu povo. Uma
vez, eu a peguei em minha cama, me esperando.
Aconteceu no meu quarto, no alojamento dos elfos
em treinamento. — Deixou escapar.
Eleonora parou de andar e ficou chocada.
— Não aconteceu nada, eu vi a tempo e não
entrei no quarto. Foi uma sorte imensa que Tobias
tenha invadido meu quarto para procurar por algo
que confisquei dele, depois de um de seus roubos
injustificáveis. Ele fez tamanho alarde que eu vi o
que acontecia a tempo. A rainha fingiu que nada
aconteceu e eu nunca mencionei que sabia o que ela
queria no meu quarto. Ainda mais nos alojamentos
para treinamento. Ficou o dito pelo não dito, pois se

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chegasse aos ouvidos de Reina... Seria um escarcéu


sem fim.
— Tobias nunca me contou nada disso! —
Ela revelou, completamente chocada.
— Provavelmente por que ele se deitou com
Santha no meu lugar. — Ele alegou — O patife —
disse carinhosamente, referindo-se ao irmão —
nunca me contou exatamente o que aconteceu lá
dentro entre os dois, antes que eu chegasse,
encontrasse a rainha me aguardando, Tobias com
expressão culpada e roupas desalinhadas.
— Tobias! Esse fanfarrão! Deitar-se com
Santha? Ah, quanta audácia! Se ele houvesse
contado eu teria arrancado suas orelhas pontudas!
Ou pior, teria dedurado sua sem-vergonhice para
Reina!
— Existe pacto de fidelidade entre vocês
dois? Não parecem namorados convencionais. —
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Ele disse petulante.


— Não somos namorados. Você saberia
disso se ouvisse seu irmão. Reina quer nos casar,
para me salvar da clausura. Tobias foge do
casamento como se fosse uma sentença de morte.
Ele nunca namoraria comigo. Ele me ama e eu o
amo. Mas é amor demais para ser casamento. É
amor diferente — explicou.
Mas não o convenceu.
Egan sabia do medo de casamento que seu
irmão nutria, por isso calou-se.
— Isso não importa. Tobias terá que
esquecê-la, depois de tudo que você fez contra o rei
— ele lavou o suor da testa com o braço e apressou
o passo.
Pelas costas de Egan. Eleonora fingiu imitar
seu modo pomposo de falar. Uma gralha sempre
repetindo o mesmo discurso. Era preciso uma
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paciência vinda dos céus para falar com alguém


que está decidido a não lhe ouvir!
A fada seguiu-o, pensando em como se livrar
dele. Não era sua vontade, mas uma necessidade.
Sentindo as dores do padecimento, precisou andar
lentamente, o que o irritava.
Não era algo dirigido a fada, mas a situação
que viviam. Por isso Egan parou de andar e voltou-
se contra Eleonora.
Ela nem se deu ao trabalho de reclamar
quando foi jogada sobre o ombro do elfo, como se
fosse uma trouxa de roupas sujas. Preferia essa
carona indigna a enfrentar uma longa caminhada
pelo deserto.
E mesmo que não admitisse, Egan fazia isso
para poupá-la desse desgaste físico. Era um jogo de
esconde-esconde e os dois mentiam um ao outro.
Talvez por isso, o melhor caminho, fosse o silêncio
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absoluto.
*****
Egan deixou-a andar no restante do dia, pois
o peso adicional acabava com o corpo do elfo.
Mesmo que treinado para isso, tantos dias de
privação de alimento e água acabavam com suas
forças. E também, parecia convencido que
Eleonora não conseguiria fugir. Ou essas eram as
desculpas que inventava para si mesmo, para não
admitir que apenas estivesse cansado demais de
carregá-la.
Era orgulhoso para admitir isso em voz alta.
Com as pernas amarradas, mal podia andar,
mas era melhor do que ser carregada. Ela sentia as
costas ardendo e apesar de não poder se tocar e
saber o que acontecia, tinha a impressão que as asas
despontavam pra fora, de um modo mais real do
que a dias atrás quando as dores começaram.
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Durante o dia, aquela sensação cresceu.


Sentia que a natureza seguia seu curso, agindo
sobre sua carne e isso era assustador, pois tudo que
desejava, era encolher-se em um canto escuro e
esperar suas asas nascerem.
O cheiro era de algo apodrecido e com o
passar das horas, aquele odor acentuava-se e
causava embrulhos no estômago sensibilizado de
Eleonora.
Egan havia parado há algum tempo atrás e
ela se assustou quando ficou atrás dela. Com
puxões nada delicados rasgou sua túnica nas costas,
libertando o que lutava para sair pelo tecido. Ela
chorou pela dor, mas não disse nada.
O elfo via a situação, enquanto ela apena
sentia.
— Consegue ver a cor das minhas asas? —
Perguntou-lhe com inocência. Estava curiosa.
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Eram suas asas. Sempre pensou nelas como


um incômodo que a levaria diretamente para a
clausura. Mas agora, pensava em suas asas com
carinho e ansiedade.
Era parte do seu corpo. A parte que faltava
para ser completa! Estava em liberdade, mesmo
que fugitiva e ter suas asas seria um momento
inesquecível. Um momento para guardar na
memória e no coração. A dor e o padecimento
ficariam para trás, mas suas asas seriam eternizadas
em sua vida.
— Não. — Ele foi curto, distante, pensativo
demais.
— Nenhuma cor? — Insistiu, pois Egan era
teimoso e não olharia apenas pelo prazer de não lhe
dar o gosto de saber.
— Nada, não vejo nada — foi taxativo,
recusando-se a admitir o que via.
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— As asas da rainha são brancas. Quase


transparentes. E tem dourado nas pontas... São
largas, longas, abertas são asas lindas... As asas
mais lindas de todo reino. Foi isso que encantou o
Rei. Minhas asas serão idênticas. Olhe mais uma
vez... Não consegue ver cor alguma? Algum
nuance? Quem sabe algum indício de que serão
asas bonitas?
Olhar ansioso. Os olhos da fada lhe pediam
ajuda e Egan olhou para suas costas com o rabo do
olho. Não era uma imagem agradável de ver.
— Nunca vi isso na minha vida. Não quero
ficar olhando. — Ele admitiu.
Era um acontecimento penoso para um elfo.
O cheiro do cio o fazia disposto a tomar a fêmea
para si, mas o padecimento da carne, o fazia
repudiar olhar para ela. Como lidar com isso?
Normalmente os machos são mantidos apartados

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das fêmeas até o momento em que obtivesse suas


asas.
Passado esse momento penoso, os pais da
fada negociariam um bom enlace ou no caso de
haver um elfo já escolhido pela fada, era acertada a
consumação do cio, caso não fosse possível
aguardar um casamento.
O cio de uma fada nunca é igual. Algumas
fadas penam mais que outras e a dor física
tornavam-se quase insuportável. O melhor jeito,
sempre foi encaminhar a fada para uma união antes
do padecimento de suas asas. Por isso, era raro um
elfo que presenciasse o nascimento em si.
Eleonora sorriu mesmo sem razão para
alegria. A expressão do elfo era quase cômica. Ele
não sabia como lidar com a situação.
— Esqueci que é elfo. Os segredos femininos
não fazem parte da sua vida. Eu vi asas nascerem,
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eu sei que é feio de ver. Mas o resultado é lindo.


Aprecia as asas de uma fada, não é? É um elfo.
Disse que tem uma fada que despertou seu interesse
para a escolha deste ano. Se ela for Alma, Driana
ou Joan... Podem estar passando pela mesma
situação que eu. Alma tem idade para isso. Driana
também. Joan parece ser mais novinha, mas é
apenas adivinhação, pois fadas entregues ao
Ministério do Rei nunca são acompanhadas de
informações sobre o nascimento.
— Não me referia a suas amigas. Pensava em
outra fada. Mas ela não vale a pena — admitiu
contrariado. Egan olhou para baixo e então para si
mesmo, para a armadura que carregava e se
envergonhou de negar-lhe algo tão pequeno como
uma informação. — São brancas. Parece que são
brancas.
— Brancas? Minhas asas parecem brancas?

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— Eleonora parou de andar e fitou-o.


— Parecem claras. Mas não é possível ver
muita coisa ainda. — Admitiu, apontando a região
com resignação.
— Veja, eu não minto. Acreditará em mim se
forem asas idênticas as da rainha Santha? —
Perguntou sem rodeios.
Egan engoliu em seco, na dúvida.
— Não cabe a mim seu julgamento. — Ele
manteve-se fiel a sua posição.
— Quer saber... Você é muito chato — ela
disse petulante, recomeçando a andar. — Tobias
sempre disse que era chato, correto e cheio de
melindres. Mas eu nunca acreditei. Achei que fosse
vivido, experiente e esperto. Quando o via treinar
achava que fosse o melhor dos Guardiões. Que
nada e nem ninguém poderia enganá-lo. Mas agora
vejo que é um tolo com uma armadura suja de areia
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— disse com arrogância, pois a armadura de Egan


estava em estado lastimável depois de ter sido
desenterrada da areia quente. Ele insistia em usar
uma parte e carregar outra, pois estava sujo demais
para vesti-la totalmente. Ou era apenas o calor. Ele
não podia admitir que possuísse fraquezas.
— As fadas do Ministério do Rei não
possuem permissão para ver os treinos. — Ele
alegou, pegando-a em um crime.
— Oh, nossa. Julgue e condene. Ficarei
deveras amedrontada com a acusação — satirizou
seguindo a passos difíceis, falseando a maios parte
dos passos.
Egan suprimiu um sorriso. Era difícil odiá-la.
Sabia disso desde que passara a reparar na fada
branca, loura e travessa que andava com seu irmão
para cima e para baixo.
Os dois continuaram andando em silêncio.
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Egan imaginava que estivessem próximos a saída


do deserto. Quando venceram uma duma e
avistaram as pedras no horizonte, apressou-a.
Eleonora não se esforçou para correr, queria ganhar
tempo para suas asas despontarem, e o atrasaria o
máximo que pudesse. Por isso Egan a jogou outra
vez no ombro e apressou o passo.
— Isso é ultrajante! — Ela gritou, sacudindo
em suas costas, sendo levada como um saco de
batatas.
— Ultrajante é ter que carregá-la — lhe deu
um tapinha na coxa e seguiu andando — Sabe
como é pesada? — Ajeitou-a e Eleonora debateu-se
ainda mais.
— Não sou pesada! — Ela gritou de volta,
batendo os punhos amarrados em suas costas, como
represaria. — Como poderia ser? Mal tive o que
comer a vida toda! Me chame de tudo, seu egoísta,

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menos de gorda! Chega a ser cruel dizer isso de


alguém que passou fome uma vida toda!
Egan não respondeu. O que ele diria?
Era a verdade. Quantas e quantas vezes, não
vira Reina preparar comida e levar escondido para
as fadas do Ministério do Rei? Ela desviava tudo
que podia e não apenas para Eleonora, mas para as
outras fadas também.
— Deve ser sua consciência culpada que a
faz pesar tanto — ele revidou, apurando o passo.
— Se fosse assim, você seria o Guardião
mais pesado da face da terra! Eu posso andar!
Respeite minha situação! Tire as mãos de mim!
Agora!
Ele ignorou totalmente. Sentindo-se uma
inútil, sem opção, ela permaneceu quieta,
observando a areia vermelha ficar para trás.
Aliviada de sair daquele inferno, deixou-se levar
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sem reclamar mais.


Olhava para cima, para ver o sol escaldante
ficar cada vez menos intenso.
Chegaram à divisa entre o Deserto das Areias
Vermelhas e a Floresta de Saul. Não era desejo de o
Guardião enfrentar a floresta sombria que guardava
os mais obscuros segredos. Não tendo em mãos um
problema do tamanho de Eleonora para lidar.
— Eu não sei nadar — ela avisou assim que
seus pés tocaram na grama úmida. Longe daquele
calor insuportável, rastejou na grama e aproximou-
se da água, usando as mãos em concha para levar
água até a boca. Seu dom ainda não desperto de
todo, mal criava um pouco de água lamacenta
naquele deserto calorento, por isso beber água
límpida e fresca era um alívio. — Isso é divino.
Você quer? — Ofereceu as mãos repletas de água.
— Não — negou, convencido que não
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deveria fraquejar diante dos belos olhos claros,


quase sem cor, como duas gotas de água límpidas e
incolor.
Egan aproximou-se da água, lavou o rosto e o
pescoço, assombrado pelo sentimento de tentação
que a fêmea lhe despertava. Bebeu água e levantou
outra vez, olhando em torno, pensando no que faria.
— Precisamos atravessar o rio — informou,
incomodado, evitando olhar para sua prisioneira.
— Eu já disse que não sei nadar. Nem
adianta me jogar na água. Eu não vou colaborar —
avisou, sendo direta.
Era uma mentira deslavada. Sabia nadar,
vivia fugindo com suas amigas para o pequeno lago
que havia dentro das imediações do castelo,
protegido pelas muralhas. Era boa no nado, mas
não facilitaria o trabalho do Primeiro Guardião.
Quanto mais tempo o atrasasse, melhor.
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— Eu não esperava sua colaboração — ele


sorriu e isso a surpreendeu. — Acontece que eu
posso carregá-la facilmente na água. Acho que não
sabe disso, fada, mas sou perito no nado.
— Eu não sabia disso. É perito na água?
Como um peixe ou algo assim? — Ironizou.
— Não. Eu sou exímio nadador e minha
armadura é feita para o nado. Resistente à força das
águas. Ela me ajuda a manter a resistência do meu
corpo. Atravessaremos em um instante. — Estava
feliz em frustrá-la.
— Nossa, fico contente em saber disso. Nada
me deixaria mais alegre do que ser arrastada água a
dentro por um Guardião que me odeia, vestido em
sua estúpida armadura. — Ela não suportou,
precisou provocá-lo mais um pouco.
Testar seu limite.
O deserto ficou para trás e não poderiam
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culpar a loucura imposta pelas privações, sendo


assim, era preciso cuidado no trato um do outro.
— Quer comer alguma coisa? Posso pegar
uma fruta — ele ofereceu, como quem propõe uma
trégua.
— Não estou com fome. Você estragou meu
apetite para sempre — dramatizou referindo-se a
sua indigestão de dias atrás, quando Egan a fez
vomitar com sua estória nojenta de como caçou no
desespero.
— Você quem sabe. Depois não me acuse de
não alimentá-la — alfinetou de volta.
— Eu tenho coisas piores para acusa-lo. Não
percebeu ainda?
— Eu tenho percebido muitas coisas,
Eleonora. E uma delas, é que você não fala a
verdade. Tem segredos e por causa desses segredos,
que não posso acreditar em você.
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— Eu não tenho segredos. — Ela ficou


surpresa. — Eu disse a verdade. Fui abandonada
pelos meus pais e estes, exigem minha morte, pois
são Lucius e Santha. Disse que minhas asas serão
idênticas as de Santha. Eu não menti sobre isso!
— Mas mente sobre Tobias. E quem mente
sobre uma coisa, mente sobre todas.
Era impossível falar com alguém decidido a
não ouvir sua versão dos fatos. Egan queria
acreditar que mantinha um caso com Tobias. Então,
azar o dele, que acreditasse nisso.
Horas mais tarde eles atravessaram o Rio
Branco de um modo inesperado. Egan a manteve
no ombro e lutou contra a correnteza até chegar ao
outro lado. Eleonora tentou atrapalhar, mas não
conseguiu. A armadura realmente garantia ao elfo
agilidade e presteza na água. Como se não
houvesse feito esforço algum, Egan a levou para a

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outra margem.
Sem ar, ensopada e angustiada, Eleonora
bateu nos ombros fortes até ser lançada na grama
verde na margem do Rio branco. Agora, o Deserto
das Areias Vermelhas era apenas uma pálida
lembrança, deixada totalmente para trás.
— Como é possível do outro lado ser um
deserto e aqui... Haver tanta vida? Eu amo toda
essa mágica. O mundo é lindo. — Olhou em volta,
para a mata, a água, a vida que crescia a sua volta,
com a singela felicidade de quem sempre foi
prisioneira, mas pela primeira vez na vida, conhece
o mundo. — Eu quero me lavar. — Pediu.
— Não vou deixá-la fugir, fada — ele
avisou, sentando no chão e baixando a cabeça.
Parte da areia havia cedido ao atravessar o
rio, mas não tudo. Havia muito que limpar e
esfregar da pele. Sujeira acumulada e incrustada
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nos cabelos e nos pêlos do corpo.


— Mais um dia, Egan. Por favor. Somente
mais um dia. Dê-me o beneficio da dúvida,
Guardião. Espere mais um dia para que minhas asas
nasçam e lhe convençam se falo a verdade ou não.
— Ela implorou.
Em terra, longe do deserto, ele poderia pedir
ajuda e obter cavalos ou mesmo o serviço de uma
fada. Sendo assim, Eleonora contava os minutos
para ser entregue a Santha.
— Levante, precisamos seguir viagem —
mandou e ela sentiu que poderia fazê-lo ceder. A
exaustão poderia convencê-lo.
Egan parecia inclinado a ceder em suas
opiniões. Era questão de jeitinho para dobra-lo.
Eleonora, no entanto, não tinha a menor ideia de
como fazer isso.
— Eu não vou fugir. Olhe bem pra mim...
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Mal posso andar sem ajuda. Quanto mais perto do


despontar das asas, mais fraca e inofensiva me
torno. Podemos dormir um pouco? Um banho,
comida e algumas horas de sono? Minhas asas não
nascerão hoje, Egan. Eu lhe imploro, me dê o
benefício de uma trégua.
Egan fitou-a tentado a ceder. Estava no limite
físico e sabia que poderia conseguir transporte a
qualquer momento. Não era um risco desmedido.
Amarrada a fada não poderia fazer nada além
de obedecê-lo. O perigo real era outro. Era o perigo
de ceder a tentação e tomar a fada para si. Exigi-la
como fêmea e usufruir do cio. E sendo assim, sua
vergonha diante de sua família e do reino, seria
devastadora!
Egan levantou da grama e a fez ficar de pé,
soltando suas mãos, segurando-a para lhe dar apoio.
Aliviada Eleonora o seguiu até a beira do rio, com

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uma expressão de pura gratidão na face. Egan


entrou na água e a levou com ele, cuidadoso sobre
deixá-la desamparada e frágil em um rio turbulento.
Água a cobriu até a cintura e Eleonora sorriu
ao mergulhar, sendo puxada pela gola da túnica,
nada delicadamente para cima, pois Egan não
queria perdê-la de vista. Sorrindo, ela emergiu e
disse:
— A água está deliciosa.
Como Egan parecia não desfrutar, Eleonora
juntou um punhado de água com as mãos em
concha e jogou sobre seu peito, onde vestia a
armadura.
Depois de tantos dias de privação era
simplesmente maravilhoso se banhar. Mesmo que
não pudesse trocar de roupas. A sujeira foi embora
e a dor minimizou aplacada pela água gelada.
Mergulhando, Eleonora limpou a camada mais
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grossa de areia, sentindo-se inundar pela plena


sensação de estar limpa outra vez.
Eleonora sorria pelo prazer do banho
improvisado, os cabelos molhados correram por
suas costas, sobre as feridas e o que nascia das asas.
Apenado, Egan aproximou-se e afastou a vasta
cabeleira, espalhando água nas feridas, aliviando
um pouco a dor.
— É um bom elfo. Tem o coração maior do
que aparenta — ela disse baixinho, agradecida por
esse gesto de generosidade. Olhos nos olhos, ele
não conseguia manter o contato visual, quando
Eleonora o fazia sentir-se assim cativo. Era algo
novo, fêmea alguma tivera esse efeito sobre ele.
Era uma peculiaridade da fada fugitiva. – Reina
sempre disse isso. Que você mente e esconde quem
é para não desagradar seu pai, que espera que seja
alguém forte e totalmente leal às leis. — Olhou em

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sua direção mais uma vez com aqueles olhos claros


que pareciam tão francos. — Eu nunca precisei
fingir quem eu sou. Mesmo entre as paredes do
Ministério do Rei sempre fui livre para ser como
sou e agir do modo que acho correto.
— E o que espera? Que eu traia todos que
amo por conta de uma assassina? Tobias já fez isso.
Não é preciso que dois elfos percam a razão por sua
causa, fada. O que seria do meu pai se perdesse
dois filhos por culpa de uma única fêmea?
Eleonora se virou e encheu uma das mãos
com água jogando na face do Guardião, dessa vez
para irritá-lo. Enquanto ria, afastou-se dele.
— Fala como se eu tivesse esse poder! —
Reclamou. — Sou a criatura mais sem graça do
mundo mágico. Porque alguém repararia em mim?
Toda fada da clausura sabe que passará sua vida
solitária e triste. Você deve ser o único que vê tanto

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encanto em nós. Pena que todos os Guardiões não


nos subestimem desse modo... Assim todas
casariam e sairiam da clausura!
— Não tem respeito por ninguém, não é? —
Ele parou e a fitou com olhos que cobravam suas
verdades. — Sempre debochando das regras e da
forma como as pessoas vivem!
— Regras, regras, regras... Veja minhas asas
antes de me entregar a rainha, Egan. Pode ser sua
única chance de entender o mundo e ver a vida com
outros olhos que não sejam os do seu pai.
— Ou ser conhecido para sempre como o
elfo enganado pela fada assassina do Rei — ele
completou com ceticismo.
— Pelo visto nunca entraremos em um
consenso — ela disse sorrindo, pois estar ao seu
lado, compensava um pouco do seu sofrimento e
saudade de suas amigas.
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Apesar dos pesares, sorria. Seu dom moveu a


água a sua volta e formou uma corrente de água em
torno de Egan, que o manteve afastado dela. A água
se ergueu e como uma mão invisível feita de água
soltou as cordas que prendiam os pés da fada e ela
riu antes de mergulhar. Retirou a túnica e
mergulhou.
O Guardião lutou contra a água, mas sua
armadura não possuía recursos para lutar contra
uma força da natureza como a água, que apenas
limpa e não fere. E se a armadura não reconhece o
perigo, não permite seu uso. Egan desistiu de lutar
contra a força da natureza que o suprimia e apenas
observou a fada se divertir na água.
Se Eleonora houvesse reparado bem notaria
que o elfo praticamente salivava observando a pele
clara sob a água. Não era como estar nua diante dos
olhos de um macho, era menos exposto, coberta por

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água, mas ainda assim, ele sabia da nudez e do fato


da fada estar atingindo seu apogeu sexual com a
maturidade das asas.
A brincadeira na água durou muitos minutos.
Quando Eleonora cansou, parou de nadar e olhou
para o Guardião em dúvida. Era sua oportunidade
de fugir. Egan nada poderia contra o poder da
natureza. Poderia sair da água, vestir a túnica e
correr para a floresta. Apesar do seu cheiro, ele não
a encontraria facilmente, pois conseguiria manobrar
o poder da natureza para escondê-la.
Não pudera fazer isso no começo, pois não
sabia como, mas agora se sentia cada segundo mais
perto do dom completo e assim, naturalmente sabia
como controlar os elementos.
Parte sua desejava fazer isso, mas havia outra
parte gritando por sua companhia. Fugiria quando
as asas houvessem nascido completamente. Ou se

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ele tentasse entregá-la antes da hora.


Era a decisão covarde de uma fêmea
apaixonada. Eleonora fez a água se acalmar e
esperou pela sua fúria.
— Vista sua túnica, Eleonora — ele mandou
com voz grossa, mal contendo a raiva.
Não discutiria sobre a fada ter enganado-o.
Isso acabava com seu orgulho.
Eleonora fez a túnica vir até ela, pegou a
roupa molhada e vestiu, se perguntando por que de
tanto zelo por sua nudez.
Egan agarrou seu braço assim que estava
vestida e a arrastou para fora da água. A fêmea
deixou-se levar sem reclamar.
— Está furioso comigo. Sinto muito, eu
queria me livrar daquela sujeira toda e refrescar
minhas feridas. Você não deixaria se eu pedisse

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permissão.
— Usou seu dom contra mim, Eleonora. Isso
é um ataque direto a um Guardião. — Egan a
largou sobre a grama e ela sentou, fingindo não
estar sendo agredida.
Enfurecer um Guardião não era uma boa
ideia. Se ele usasse todo seu poder de Guardião,
dotado da armadura contra ela, seria um duelo
mortal. Dom de fada contra poder de armadura?
Não era uma ideia esperta para nenhum dos dois.
Uma pena que ela não soubesse que a
armadura não a considerava um risco e sendo
assim, bloquearia qualquer tentativa de ataque
vinda do Guardião.
— Conversa. Você tem me levado arrastada
de um lado para o outro, sem minha permissão.
Não fui julgada ainda, tão pouco condenada. Isso é
um ataque direto a uma fêmea desprotegida e
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somente por não ter família a interceder por mim, é


que age assim sem pensar nas consequências. —
Jogou em sua cara.
— Em alguns momentos minha vontade é
deixá-la fugir, Eleonora. Para que você parta e
nunca mais volte a infernizar a tranquilidade da
minha família. Sua presença só trouxe tristeza e
desentendimentos.
Ter essa acusação verbalizada fez Eleonora
calar-se. Doeu tão profundamente ser rejeitada e
acusada, que não havia palavras que pudesse
afugentar essa dor. Ela amava Reina, Tobias e por
mais que doesse admitir, amava Egan. Ouvir isso
machucava, de um modo que ele jamais entenderia.
O Guardião observou-a calar, sem saber
como desfazer o que dissera. Era mentira, pois
queria saber se as asas daquela fada a inocentariam.
Queria muito ter a chance de acolher sua vida, caso

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fosse inocente. Tudo o que não desejava era perder-


se dela.
Eleonora havia controlado a água, o que
indicava que poderia fazer isso com os outros
elementos da natureza, por isso seria infantilidade
amarrá-la outra vez. Sendo assim, deixou que
deitasse na grama e andou em torno, procurando
por alimento. Não deveriam conversar mais. O
assunto minguara entre eles, pois fugira do
caminho produtivo para ambos.
Retornou alguns minutos depois com frutos e
encontrou-a adormecida.
Tocado por uma ternura que não conhecia,
Egan juntou-se a ela e enquanto comia as frutas,
velava seu sono. Em determinado momento roçou a
ponta dos dedos em sua face, afastando os longos
cabelos molhados.
Eleonora entreabriu os olhos, deixando-o
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imóvel por ter sido pego em flagrante, mas ela não


percebeu qualquer intenção maliciosa, ao
reconhecê-lo relaxou e tornou a adormecer.
Eleonora não tinha medo dele.
E Egan? Sentia medo dessa fada?

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Capítulo 21 - Emproado e viscoso

Horas mais tarde, Egan a fez despertar de seu


sono. Eleonora não queria levantar, a dor havia
acentuado e ficar de pé quase lhe custou um
desmaio. Egan a manteve em pé, segurando-a pela
cintura, até sentir que estava firme e poderia seguir
sem ajuda.
Pelo modo como a fêmea da clausura tornou-
se silenciosa, ele soube que sua situação havia
piorado e muito. O odor do cio totalmente
camuflado pelo cheiro das feridas em suas costas.
A caminhada estendeu-se pela noite.
Os dois caminharam em ritmo acelerado.

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Eleonora gostaria de fazê-lo parar, mas estava


cansada das inúmeras discussões sem fim.
No meio do caminho apoiou-se em um
tronco grosso e forte de uma árvore antiga e olhou
para cima. Sentia magia naquela árvore. Era
possível ter sido morada de algum ser mágico como
duende ou uma fada errante, sem lar.
Era um pensamento tolo, para distrair a
mente.
— Eu não posso mais. — Ela disse quase
chorando quando Egan notou seu afastamento. —
Terá que ir sem mim ou esperar o padecimento
chegar ao final... Eu não consigo andar mais. Eu
não consigo.
Havia a terceira possibilidade, a de amarrá-la
e levá-la a força. Egan desconfiou de suas palavras,
pois avançavam pela Floresta de Saul, e poderia ser
uma artimanha da fada para postergar seu
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julgamento. A lua no céu permitia que visse em


torno. Eleonora não se opôs ou reclamou quando
Egan baixou sua túnica mais uma vez.
Dessa vez ele não estava preparado para o
que veria e nem se preocupou com sua doce nudez.
Era carne disforme. Um embolado de carne, sangue
e massas disformes que lhe causaram náusea.
— É melhor se sentar, Eleonora — mandou
apenado.
— Está tão ruim assim? — Sua voz soou
trêmula.
Seu algoz não era insensível e Eleonora
suspeitava que o coração de Egan fosse bem maior
que seu senso de obrigação. Dedicar-lhe alguma
ajuda, era o mesmo que dizer que temia por sua
vida. Que estava assustado com seu estado. Que
não sabia como lidar com sua situação delicada.
Eleonora fez o que ele disse e precisou se
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agarrar a árvore quando seus joelhos não a


seguraram de pé. Egan veio por trás e ajudou-a a se
encostar ao chão. Eleonora sequer percebeu que o
Guardião montava acampamento naquele lugar.
Egan colocou a esteira de palha de Mikazar
perto dela e se afastou, ascendendo uma fogueira
para cozinhar algo para si. Eleonora não pediu
comida, tão pouco pediu por água.
Qualquer desconforto era pequeno
comparado ao infortúnio que a tomava naqueles
momentos de tortura. Eleonora chorou baixinho por
muito tempo, não por ser fraca ou submissa, mas
pela dor lacerante. Sussurrava palavras fracas,
palavras que não eram para ser ouvidas.
-O que você está sussurrando? Alguma
oração? — Ele estranhou, sentando longe dela,
apenas aguardando o inevitável acontecer.
— Não — ela disse em lamento. — Não é
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nada. Deixe-me em paz.


— É minha obrigação saber o que você está
fazendo — insistiu — o que está sussurrando?
Eleonora fechou os olhos com força. Não
lutaria contra a insistência de Egan.
— Estou contando para minhas amigas tudo
que sinto nesse momento.
Ouviu o riso de escárnio de Egan e encarou-
o.
— Isso é impossível. Elas não podem ouvi-
la. Está falando sozinha, um pouco louca por causa
da dor. Deve ser normal, é impossível passar por
algo assim e não ter alucinações.
— Não são alucinações. Eu fecho meus olhos
e imagino que elas estão aqui comigo, porque era
assim que deveria ter sido! — Ela revidou,
fervendo por dentro, de indignação e mágoa —

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Alma me seguraria em sues braços, para que eu não


me sentisse abandonada, enquanto Driana me
contaria uma de suas elaboradas estórias, para
distrair minha mente e meu coração. E Joan, minha
flor tão bonita, ela me faria carinhos, sussurrando
que isso logo acabaria... E eu... Contaria tudo que
sinto e passo, para prepará-las quando chegasse o
momento delas! É isso que estou fazendo, fingindo
que elas estão aqui comigo. Fingindo que não estou
sozinha!
— Mas não é isso que acontece, Eleonora.
Elas não estão aqui.
— Eu sei que não! — Ela gritou, perdendo a
compostura, agarrando uma pedra qualquer do chão
para jogar sobre ele. Não teve muita força, por isso
a pedra não alcançou distância e não ofereceu risco
algum ao Guardião. — Eu sei que elas não estão
aqui. Eu sei disso. — Era um sussurro magoado,

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carregado de sofrimento e lágrimas.


Arrependido de ter lhe causado mais essa
desilusão, Egan calou-se.
Aos poucos a exaustão pegou Eleonora de
surpresa no meio da madrugada e Egan agradeceu
aos céus, pois não sabia o que fazer com ela ou se
havia algo para ajudar a fada a suportar a dor.
Em algum momento da noite também
adormeceu, imaginando que o restante da noite
seria tranquilo, porque o pior havia passado.
Este foi um pensamento bastante estúpido e
digno de um macho que nunca presenciou o
padecimento das asas de uma fêmea.
No meio da madrugada escura e subitamente
silenciosa de uma floresta que normalmente é
barulhenta e movimentada, Egan acordou com
gemidos animalescos e um grito de pura angústia.

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Acostumado a lutar, ergueu a espada muito


antes de levantar, mas dessa vez não havia uma luta
a sua frente, muito menos um opositor.
No chão, a fada gritava, urrava e gemia de
dor. Eleonora engatinhou no chão, como quem
espera conseguir fugir de si mesma. Ela nunca se
sentiu tão profundamente ligada à natureza como
naquele instante. Em cada poro, em cada
centímetro do seu corpo corria a magia da floresta.
Era um ser mágico, mas era também parte da
terra, do ar, da água e do vento. Ela era fogo que
queimava e água que aplacava. Desesperada por
amenização, desesperada pelo ápice e pela
obtenção do que lhe pertencia.
Suas unhas rasgaram a terra e o mato úmido
do orvalho da manhã, arranhando o chão, enquanto
seus berros de angústia cortavam o coração de
quem apenas podia observar. Seus olhos claros

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estavam vermelhos, suas feições normalmente


delicadas, completamente distorcidas em uma
careta de medo e sofrimento.
Os cabelos sempre tão macios estavam
empapados de sangue. A visão de suas costas era
tão assustadora que Egan deixou a espada cair, sem
reação.
Os primeiros raios de sol da manhã banharam
as asas que explodiam para fora da carne. Egan
permaneceu mudo enquanto ouvia seus gritos e
ouvia também que implorava por ajuda.
Chamava por suas amigas. Ele ouvia os
nomes, chamava por Alma, Driana, Joan e Reina.
Chamava por ajuda, implorava socorro. Mas tudo
que lhe restava era o abandono e o medo.
Era o nascimento, o momento mais esperado
por uma fêmea. Suas asas rasgavam suas entranhas,
finalmente estavam livres do receptáculo que as
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nutriu por anos, preparando-as para àquele


momento sublime e doloroso.
Egan não podia fazer nada além de assisti-la.
Era um Guardião, o primeiro em hierarquia, e
não podia fugir de suas obrigações. Mesmo assim,
naquele momento, diante da selvageria da natureza
sobre a essência animal de uma fêmea, Egan não se
sentia Guardião. E sim, um macho presenciando
sua fada escolhida padecer.
Os braços de Eleonora não conseguiam
sustentá-la, seu corpo frágil tremia completamente.
Num impulso inexplicável, Egan ajoelhou-se no
chão e usou seus braços fortes para mantê-la
erguida o bastante para sua face não tocar o chão.
Eleonora entregou-se a sua força e se rendeu,
entregue aos seus braços, uma das mãos agarrando
a carne do ombro de Egan enquanto gritava em
mais e mais dor.

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As unhas femininas cravaram feridas em sua


pele, mas Egan não viu ou notou nada.
Olhos arregalados, Egan fitando as asas
emergirem de um modo nunca antes imaginado.
Sabia da teoria de como acontecia. Mas nunca
imaginou que um dia veria com seus próprios olhos
acontecer. Nenhum macho pensa muito nesse
momento.
As asas eram longas como raramente vira
outras iguais. O sangue que as cobria não impedia
que o sol glorificasse o tom claro, esbranquiçado,
quase translúcido das terminações, extensões do
corpo da fada, contornos delicados que as tornavam
irresistivelmente belas. Nascidas, às asas se abriram
pela primeira vez e os gritos de Eleonora cessaram
como se ela houvesse sido calada a força.
Em choque o corpo da fada tremia em seus
braços, sua emoção era a mesma emoção do elfo. O

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dourado das pontas, onde as asas eram como seda,


foram agitadas e exibidas com o primeiro farfalhar
das asas.
Era um espetáculo. Com exceção da dor, era
um momento fascinante. Aos poucos, o que
pareceu horas, o corpo da fada se acalmou e ela
ficou tão quieta em seus braços que Egan temeu ter
desfalecido.
O coração do elfo batia acelerado, como se
fizesse parte daquele ritual, quando na verdade era
apenas um espectador silencioso.
— Como elas são? — Sua voz era apenas um
fiapo sem forças, uma baforada de ar morno no
pescoço de Egan.
Sua voz era carregada de preocupação,
desesperada para saber como eram as asas. Se ela
seria inocentada de seus crimes, inocentando suas
melhores amigas, Reina e também Tobias.
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— Suas asas são brancas... — Ele precisou


limpar a garganta para conseguir falar. —
Douradas. São lindas asas, Eleonora – admitiu sem
conseguir afastar os olhos das asas.
Ela se moveu, sua face suada e coberta de
lágrimas ficou a centímetros do rosto do elfo. Olhos
que imploravam por ajuda.
— Acredita em mim agora? — Perguntou-
lhe com medo da resposta.
— Ser filha de Santha não a inocenta das
acusações — foi claro e direto. — Precisa ser
julgada e inocentada formalmente. Não posso
deixá-la impune. A decisão não é minha.
Eleonora puxou o ar e soltou-o, tensa.
— Eu deveria saber... — Admitiu cansada.
— Eu não posso lutar contra você nesse momento.
Solte-me, não quero que me segure. Por favor, não
me segure nesse momento.
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Era um quase desespero de afastar-se, agora


que a natureza concluíra o padecimento das asas,
elas haviam nascido e seu corpo entregava-se
tolamente ao cio. E não era prudente um macho
segurá-la.
Egan largou-a imediatamente. Toda sua
obrigação lhe voltou à mente e quando Eleonora
olhou em sua direção enxergou cordas em suas
mãos.
Fraca demais para lutar permitiu ser
amarrada nos pés e punhos. Seus olhos fitaram o
céu, o azul do céu livre de nuvens. O sol bonito
daquele começo de manhã. Todo tempo em que era
amarrada, ela olhava para o céu, onde em breve,
voaria livre.
Um sorriso pairou em sua face e era um
sorriso de pura felicidade.
Suas asas haviam nascido e ela estava feliz.
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Queria que suas amigas estivessem ali para dividir


esse momento com ela. Mas estava sozinha e nas
mãos de Egan.
Ele terminou de prendê-la e Eleonora cravou
os olhos sobre ele, querendo lhe mostrar que nada
poderia segurá-la agora que era uma fada com seu
dom completo e suas asas.
Sentia correr em suas veias sua essência de
fada, sentia seu dom pulsando em seu coração e
aquecendo sua pele. Sem esforço algum, ela fez
uma rajada sutil de vento despentear os cabelos de
Egan, enquanto desamarravam as cordas que
prendiam suas mãos e pés.
Ele levantou e fitou-a, consciente que isso
era um aviso e também uma constatação. Não
conseguiria mantê-la prisioneira.
Era um impasse sem solução. Ela sorriu e
dessa vez era algo de misterioso. Ajeitou-a na
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grama macia, vencida pela exaustão total do que


passou.
Não lutaria com ele agora. Primeiro, obteria
suas forças de volta. Então... O elfo teria sua porção
de sofrimento em suas mãos...

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Capítulo 22 - Segure firme!

Eleonora adormeceu por quase uma hora, seu


corpo repousando depois de tanto sofrimento.
Quando despertou, como um milagre, a magia
dentro de si havia evaporado com qualquer dor ou
cansaço. Era assim com toda a fada.
Refeita, olhou em volta e descobriu que Egan
estava sentado no chão perto dela, as costas
repousadas contra uma árvore.
De olhos fechados, ele parecia tão tranquilo...
Eleonora sorriu com segundas intenções, enquanto
o vento a sua volta se movia, em rajadas leves e
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específicas, vinham como ondas invisíveis,


desamarrar as cordas de seus pés e punhos, que ele
havia novamente prendido enquanto ela dormia.
Era um elfo iludido, tentando provar ter poder
sobre uma fada com seu dom recém-adquirido.
Egan acordou com o movimento a sua volta.
As folhas secas do chão revoavam em torno da
fada, que soltavam seus pulsos e pés estavam sendo
soltos. Ela sorria e se moveu no chão, erguendo-se
de pé, balançando graciosamente na ponta dos
dedos enquanto abria e movia as asas pela primeira
vez na vida.
Distraída com a sensação única de poder e
liberdade, Eleonora não percebeu seu algoz
aproximando-se e quando estava prestes a sair do
chão, seus pés afastando-se do solo, foi agarrada
por trás.
Escapou e ganhou distância, fascinada pela

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sensação de voar. Egan conseguiu agarrá-la pelas


pernas, puxando-a com toda força para baixo.
Era fada e jamais a encontraria se a perdesse
justamente quando estava a um dia de distância do
castelo!
Egan agarrou-a de um modo que a distraiu de
sua fuga. Nunca antes fora agarrada assim. Seu
corpo reagiu com toda a maturidade da sexualidade
de uma fada que finalmente era completa.
Atiçada, porém precisando lutar pela própria
liberdade, Eleonora o chutou e conseguiu se soltar.
Egan caiu para trás no chão e segurou seu pé no
último segundo, levando-a com ele.
Inexperiente na arte de voar, Eleonora caiu
sobre ele, montada em sua cintura. Egan não
hesitou em segurá-la pela cintura, impedindo sua
fuga.
Lora moveu as asas desesperadamente
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inquieta, pois estivera a centímetros de provar a


liberdade mais intensa que uma fada pode
conhecer.
— Eu juro que sou inocente, Egan. —
Eleonora disse arfante. Ignorando-a Egan sentou,
mantendo-a imóvel, seus braços presos, seus
movimentos tolhidos pela força do elfo.
Seus quadris femininos e quentes, em contato
com o quadril masculino. Chamas queimavam nos
olhos da fada e Egan estava enfeitiçado.
— Eu nunca me deitei com um elfo. Eu
posso provar. Santha me acusou de ter relações
com o Rei. Mas é mentira. Eu posso provar que é
mentira! Sou casta, nunca fui tocada... Nem mesmo
beijada... — Ofereceu, seu hálito quente
perturbando o elfo. — Minhas asas e minha
inocência lhe provaram que não minto? Então,
porque não acreditar quando digo que sou inocente

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das acusações? Eu poderia ter o rei em minhas


mãos, Egan. Eu não precisaria matá-lo... Seria
ainda mais humilhante para Santha ser trocada por
sua negligência!
Lábios rosados, entreabertos e convidativos.
Ele precisou usar cada fibra do seu ser para lutar
contra a tentação. Agarrou seus cabelos, obrigando-
a a parar de mover as asas, ficando finalmente
quieta e apanhada.
— A fada Joan ludibria os sentidos de
qualquer elfo ou fada. Mesmo que esteja falando
sério sobre sua castidade, ainda assim, qualquer
outra fada poderia ter se deitado com o Rei e
confundido a mente da rainha. Eu já lhe expliquei
isso, Eleonora — acusou, com os olhos brilhantes
com as mesmas chamas de paixão que os olhos de
Eleonora exibiam. — É o que todos pensam, não é
apenas o meu pensamento!

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— Apega-se a qualquer vestígio de verdade,


para me culpar, por mais absurdo que seja. — Ela
acusou. — Sabe muito bem que o cheiro de uma
fada somente impregna em um macho quando há a
cópula. Ouviu ou não ouviu da boca de sua rainha
que era o meu cheiro no Rei? — Intimidou-o,
puxando a cabeça, tentando livrar-se do aperto em
seus cabelos.
— Ouvi — ele admitiu.
Eleonora libertou os cabelos, que eram uma
cortina sedosa a sua volta.
— Eu prometo, Egan, que se me ouvir, não
se decepcionará. É tudo um plano de Santha. Um
plano para se livrar do Rei e de mim. Minhas
amigas foram usadas e acusadas, pois assim, seria
mais fácil disfarçar minha existência. Se ela me
acusasse, todos os olhos se voltariam apenas em
mim! Quatro fadas... Dividindo atenção de todos!

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Mas elas são inocentes! Eu sou inocente! O dom de


Joan ainda é fraco. Ela não tem suas asas. Como
seu dom poderia ludibriar um elfo adulto e uma
fada madura? Impossível! Pense na malícia de
Santha e em seus amantes, pense no
comportamento dela, e me diga do fundo do seu
coração, se não acha que ela é capaz de ter tramado
tudo isso... — Face a face, Eleonora lutava para não
beijá-lo.
Quase roçou os lábios nos dele, mas se
conteve um segundo antes de fazer isso, pois o cio
a descontrolava.
Egan gemeu de frustração, apertando com
força as mãos em suas curvas, na cintura, e a outra
mão subindo para suas costas, alisando cada
terminação nervosa em torno das asas.
Eram impulsos que lhe pertenciam e por mais
que tentasse culpar a maturidade que alcançava em

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seu sexo, sabia muito bem que essa paixão sempre


existira dentro de si. Desde pequena, quando seu
coração saltitava no peito ao mero pensamento
sobre o Primeiro Guardião...
— É incapaz de enxergar, Eleonora? — Ele
foi firme, pois ela não entendia o que de fato
acontecia. — Se você estiver falando a verdade... O
Reino perderá sua rainha. A última em sucessão do
trono. E as leis são muito claras. O primogênito ou
primogênita de sangue, daquele que governa, será
seu sucessor. Rei Isac partiu sem herdeiros de
sangue. Santha será destituída do poder... E deixará
uma filha. Uma descendente de linhagem. Uma
primogênita. Reina sempre soube disso. O trono
será seu, fada. Se as suas palavras forem
verdadeiras, o trono será seu. E me pergunto se
consegue entender a amplitude dessa verdade. Uma
fada da clausura será rainha.

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O susto na face da fada era uma confissão de


ingenuidade. Ela sabia dessa possibilidade, mas
ainda não percebera o quanto perto disso estava até
ouvir Egan confessar os detalhes sórdidos.
Um pequeno sorriso travesso nasceu no belo
rosto e Eleonora não resistiu a provocá-lo, pois não
se importava de fato com a possibilidade de ser
rainha:
— Imagino o que eu faria com o poder...
Você imagina?
— Acabar com o Ministério do Rei? —
Deduziu, quase esquecendo que deveria lutar contra
ela. E não confabular ao seu lado.
— Não. Os órfãos precisam de um lugar para
crescer. Mas acabarei com a clausura e com a farra
dos Guardiões que nunca escolhem esposas, apenas
se divertem com as fadas desprotegidas. E como
exemplo para todos eles, farei do Primeiro
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Guardião, aquele que me ouviu e acreditou em


mim, um Rei. O que me diz? Colabora comigo e se
torna Rei? Eu ofereço algo grande para que entenda
que o poder não me interessa. Como Rei, sendo
Guardião, terá o Conselho ao seu lado, pois conta
com a autoridade de seu pai, com a lealdade dos
outros Guardiões. Deste modo minhas ordens
pouco valor terão. Eu lhe dou o poder, pois isso não
me importa. Meu único desejo é a liberdade de
minhas amigas e minha inocência.
— Tobias deverá ser seu Rei — ele foi
preciso em sua resposta, chocado com a oferta
despretensiosa.
— Tobias? De modo algum. Os sentimentos
dele são instáveis. — Foi sincera. — Não há amor
de macho e fêmea entre nós. A maldade está na sua
mente, Guardião. Seja meu protetor quando
chegarmos ao reino e lhe recompensarei com o

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poder de um trono.
O Guardião pensou em lhe contar sobre as
confissões de Tobias sobre sentimentos e sua falsa
vontade de casar-se com Eleonora. Agora, pensava
se tanta convicção não era apenas fruto da
imaturidade de seu irmão.
— E porque faria cumprir sua promessa?
Pode estar blefando, tornar-se rainha e me deixar.
— Duvidou.
— Não minto, porque eu detestaria lidar com
o poder. A liberdade é a única coisa que me
interessa. E se Reina sabia que me encontraria, é
porque ela esperava que lhe oferecesse o trono. E
eu sempre confiarei em Reina e seu julgamento. —
Suas palavras mascaravam seus sentimentos
verdadeiros.
— Não posso tomá-la — ele foi claro,
olhando para seu corpo mal coberto com a túnica
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surrada, empurrando-a para longe de si, num último


resquício de autocontrole. — Sua castidade será
mais uma prova contra Santha. Não posso encostar
um dedo em você, fada.
— Então acredita em mim! — Ela exultou,
sentando-se de joelhos no chão.
Egan nada respondeu. Se ficasse mais um
minuto perto da fada, faria uma besteira.
Afastados fisicamente, mas presos pelos
olhares. Egan estava a um passo de desistir de ser
honesto e manter sua castidade intacta. Pelo sorriso
na face da fada ela era capaz de saber disso agora
que seu corpo de fêmea sabia reconhecer os sinais
de paixão no corpo de um elfo.
Era questão de segundos para um dos dois ou
quem sabe os dois, cederem e se atacarem em um
ato sexual regado a cio e paixão acumulada, quando
foram interrompidos por um som.
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O som de um grito de guerra cortou o ar e os


assustou. Principalmente a Egan que foi atacado
pelas costas.
Eleonora correu em sua ajuda, a tempo de ver
o pequeno Mikazar acertando a cabeça de Egan
várias vezes com um tacape em madeira coberto de
pequenos pregos. O Guardião caiu no chão,
defendendo-se com os punhos, que neste momento,
era a única parte coberta com a armadura. Por estar
fora de combate havia retirado a armadura, o que
era uma pena.
— Mikazar, não faça isso! — Eleonora
gritou para pará-lo. — Egan vai me ajudar!
Mikazar, pare! Solte-o! Egan finalmente acredita
em mim! Não, Mikazar, a cabeça dele não é tão
dura assim, não vai aguentar essas pauladas!
O pequeno elfo, cruza com duende, parou e
olhou para ela em dúvida, querendo saber se isso

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era mesmo verdade.


— Egan e eu chegamos a um acordo! Ele me
protegerá e ajudará a provar minha inocência!
Deixe-o em paz! Ele pode até merecer apanhar
depois do que me fez... Mas não é um bom
momento para isso!
Mikazar saltou para longe do elfo e Egan
sentiu ganas de pegá-lo e se vingar. Mas o modo
como Eleonora parecia feliz em ver o recente
amigo feito no deserto, o desmotivou.
— Mikazar, você desistiu de se esconder no
deserto para me ajudar? — Ela se ajoelhou no chão,
ficando da mesma altura que o pequeno elfo.
— Eu conhecer uma fada que a colocar na
floresta a mando da rainha louca — ele disse com
seu sotaque carregado e seus erros de fala. — Ela
ainda se esconder na floresta. E eu saber onde
achar. — Ele falou com seus erros inconfundíveis
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na fala enrolada.
— Santha usou alguém para me abandonar.
— Ela explicou, pois Egan não sabia disso. —
Reina me contou sobre tudo que aconteceu no
passado. Ela me disse que essa fada não existe
mais. O que é uma pena. — Ela ainda se indignava
por saber que Lucius e Santha não se deram sequer
ao trabalho de fazer isso pessoalmente!
— A rainha desejar que a velha fada
exterminar você — Mikazar encolheu os olhos,
apenado. — Mas a velha não tiver paciência para
isso. Eu saber que ela não está morta. Ela ainda
viver. Escondida na floresta, com medo de ser
encontrada, desde que soube que a cria abandonada
havia regressado para o castelo.
— Tem certeza disso, Mikazar? — Foi à vez
de Egan perguntar, refazendo-se da briga, alisando
o pescoço dolorido, na busca por ferimentos,

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enquanto focava na conversa da criatura e em sua


importância.
— Sim, ela manter suas negociações longe
das vistas do castelo. Vive escondida para não ser
pega pela rainha. — Mikazar confirmou.
— Eu imagino o medo que essa fada sente.
Ser inimiga de Santha é horrível, ela não tem
piedade de nada, nem ninguém. — Disse Eleonora.
— Uma testemunha desse calibre com toda
certeza colocará Santha muda diante dos
Conselheiros — foi à voz grave de Egan que
apontou óbvio. Ele havia levantado do chão e ainda
sondava a cabeça em busca de ferimentos. —
Consegue trazê-la até o reino em um prazo de um
dia? — Mais calmo em não encontrar ferimentos,
relaxou.
— Ser tempo bastante — Mikazar
concordou.
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— Então vá. Faça isso por mim e eu farei


muito por você — Eleonora prometeu ao elfo, com
o coração apertado de felicidade por ter tanta ajuda
quando nunca antes as pessoas se importaram com
ela, com exceção de Reina e suas amigas.
Mikazar era um ser tão rápido em sua
corrida, que Eleonora mal conseguiu vê-lo se
afastar entre as árvores. Era assim que ele
sobrevivia no deserto, pensou. Rápido demais para
a aridez ferir seu corpo.
— Venha — a mão de Egan surgiu diante de
seus olhos e Eleonora se viu segurando forte nessa
mão, enquanto era erguida.
Olhos nos olhos. Não eram mais inimigos.
Calados os dois juntaram as poucas coisas que
tinham e seguiram andando pela floresta. Queriam
chegar ao castelo, mas não antes de um dia, para
que Mikazar tivesse tempo de encontrar a fada que

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seria seu reforço em sua defesa.


Com o pensamento nas amigas, Eleonora
seguiu Egan de perto, suas asas agitadas por sua
presença, pela necessidade de voar. O tempo todo,
seus olhos erguiam-se para o céu. Então, voltavam
a fixar-se sobre o elfo bonito e que a cativava como
fêmea.
— Quer voar um pouco? É seu primeiro voo.
— Ele ofereceu, pois não era mais seu algoz.
— Não. Eu não quero voar. — Olhou
novamente para cima, fechando os olhos com força,
tornando a falar. — Eu quero, mas não assim. Eu
quero esperar pela chance de voar com minhas
amigas. Eu quero que estejam comigo no meu
primeiro voo.
— Isso não será possível, fada — ele alertou
— está sendo boba. Experimente suas asas. Suas
amigas ficariam felizes em vê-la obter essa
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satisfação.
— Não. Ainda não. Eu quero esperar — ela
negou e baixou a cabeça para não parecer tão triste
quanto se sentia. — Eu tenho esperança que o dia
do nosso reencontro esteja próximo. Eu vou esperar
enquanto puder — tornou a olhar para o céu —
Agora que não preciso mais fugir de você, eu vou
esperar.
Era uma promessa que fazia a si mesma.
Esperar pela chance de estar reunida as suas amigas
na hora do seu primeiro voo, visto que elas não
puderam estar presente durante o padecimento das
asas.

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Capítulo 23 - O caminho até aqui

Egan tinha razão ao dizer que detestava


atravessar a Floresta de Saul, ainda mais sem
necessidade. Além de sombrio e perigoso, era um
lugar solitário e angustiante. Para uma fada no cio,
um lugar de puro risco e sofrimento.
Qualquer barulho era um sobressalto. Poderia
ser um Caçador de Fadas ou de recompensa.
Eleonora seria o alvo procurado. O cio de uma fada
alcança grande valor de venda e o valor atribuído a
uma fada fugitiva era ainda maior.
Por isso, Egan mantinha-se atento, vestira
sua armadura e mantinha Eleonora perto de sim

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mesmo que o cheiro do cio o contagiasse e fizesse


dele um dos maiores perigos que a fadinha corria!
Na pior das hipóteses, era mais seguro que ele a
tomasse, do que outro elfo qualquer.
— Será que existem Caçadores por aqui? —
Ela perguntou, depois de muito tempo de
caminhada — eu gostaria de descansar um pouco.
— Sempre há caçadores nessa floresta. Não
tenho dúvidas sobre encontrá-los. Permanecer aqui
por muito tempo é pedir por uma luta. Apego-me a
possibilidade de Pietro, o elfo que usei para
espalhar a fofoca que fez Reina instruí-la sobre ir
ao deserto, ter espalhado tão bem o fuxico que a
maioria dos Caçadores de Recompensa esteja
procurando-a para outros lados.
— Ou, procurando por minhas amigas —
disse pessimista. — Poucos caçadores enfrentariam
o Primeiro Guardião em uma disputa pela assassina

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do Rei. Agora, sobre as cúmplices... Sempre há


flexibilidade. Estou errada?
— Não, não está errada. Não poderia estar
mais certa. Mas eu duvido que algum caçador saia
da toca, a não ser para caçar um prêmio valioso
como você.
— Quanto acha que eu estou valendo? Duas
bolsas se ouro? — Sugeriu referindo-se as
pequenas bolsas onde os elfos carregavam ouro.
— Assassina do Rei? Possível cria de
Santha? Não se iluda. Qualquer elfo desejará
roubar-lhe o cio e emprenhá-la. A possibilidade de
ser Rei fará de todos eles animais — explicou,
reparando em seu medo. — Eu sei que não fui justo
no começo, mas agora eu irei protegê-la, com a
mesma dedicação que a cacei.
— Eu não gosto de pensar no que passamos.
É tudo culpa de Santha. E um pouco de culpa do
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seu pai também. Ele o criou para ser um elfo sem


pensamentos próprios. Não se envergonhe disso —
disse rápida, antes que ele se ofendesse — as fadas
do Ministério do Rei são criadas com a mesma
finalidade. Nossas mentes deveriam ser
manipuladas e comandadas pelas carcereiras.
Obviamente, algo deu errado na minha criação.
Talvez, muito sangue podre em minhas veias para
me permitir ser quieta e cordata.
— As carcereiras são criaturas infelizes,
Eleonora. Um dia, quando for seguro, lhe contarei
segredos de cada uma delas. — Ele disse sorrindo,
ao notar imediatamente sua expressão mudar para
curiosidade.
— Ah, não, por favor, me conte agora! —
Ela bateu as asas de empolgação sem notar e foi
erguida no ar alguns centímetros.
Egan a segurou e ela riu ao pousar os pés no

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chão. Ainda lhe faltava experiência para controlar


suas asas.
— Me conte, eu preciso saber alguns
segredos feios daquelas cobras disfarçadas de
fadas! Por favor, eu mereço saber... — Ela pediu,
sorrindo.
— Eu lhe conto apenas a história de
Miquelina. — Ele cedeu. — Mas primeiro, me
prometa manter segredo. É algo que envolve um
Guardião e um Conselheiro. Odiaria que soubessem
que sou fofoqueiro como Pietro — ele fez graça,
segurando o queixo da fada entre dois dedos, como
uma espécie de carinho.
Eleonora suspirou, derretida por dentro.
— Eu guardo seus segredos, Egan. Eu sou de
confiança — prometeu, evolvida pelo olhar do elfo.
— Miquelina é mãe de um dos Guardiões.
Amante de um dos Conselheiros. Ela abandonou o
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filho para não deixar a carceragem do Ministério do


Rei, mesmo depois da viuvez do Conselheiro. —
Ele notou os olhos da fada brilharem.
— Eu não consigo imaginar Miquelina como
uma amante. Como uma fêmea sedutora... Mas
posso imagina-la abandonando a própria cria. É
algo que lhe cabe muito bem — disse desgostosa,
com um sorriso no rosto. — Quem é o Guardião?
Egan chegou tão perto que a fez conter a
respiração. Então sussurrou em seu ouvido o nome
do Guardião, mas inicialmente Eleonora não
registrou quem era. Seus joelhos pareciam geleia.
Se era culpa do cio, ela não sabia, mas a grande
verdade é que seus braços doíam de vontade de
enlaçá-lo pelo pescoço e sua boca pulsava por um
beijo.
A porção macho dentro do Guardião sabia
como a fêmea se sentia e dividia com ela o mesmo

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impulso. Ele chegou a roçar a bochecha na dela e


Eleonora ergueu-se na ponta dos dedos, tocando
sobre o peito do elfo com uma das mãos. Não foi
um toque, apalpou a carne tensa e rija, musculosa
pelos anos de treinamento.
Egan olhou para esse contato e segurou sua
mão, mas não afastou o toque.
— Reina pretendia obrigar Tobias a casar-se
com você. Eu tomei a decisão, anos trás, que
esperaria a escolha de Tobias. Não me intrometeria
nos assuntos dele. E você, fada, é um assunto do
meu irmão. Se ele não a escolhesse, eu escolheria.
Não fui eu quem enviou presentes secretos para sua
amiga Driana. A fada que eu escolheria sempre foi
à mesma que meu irmão deseja.
Eleonora não percebeu quando apertou com
mais força sobre o músculo de Egan, onde o
coração pulsava. Aquele coração acelerado, tal

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como o dela.
— Eu nunca quis Tobias como macho
escolhido — foi direta. — Você sabe disso. —
baixou os olhos, envergonhada, mas a vergonha
durou um instante apenas. — Sempre soube não é?
Egan não conseguiu conter um sorriso. Algo
de malícia e típica vaidade.
— Eu suspeitava que você e suas amigas não
assistissem nossos treinamentos escondias por
causa das travessuras de Tobias. Estavam de olho
nos Guardiões.
— Eu estava de olho em um Guardião.
Minhas amigas... Apenas curiosas sobre o mundo...
Era uma declaração de amor. Os dois se
declaravam, mas não com as palavras corretas.
Eleonora achou que fosse desmaiar de expectativa e
sentimentos inconfessáveis quando Egan tocou sua
cintura, de um modo íntimo e a cingiu contra seu
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peito.
Iria beijá-la? Sim! Ansiosa por isso, não
percebeu que suas asas batiam descontroladas e
tentavam tirá-la do chão, elevando-a com o poder
de suas hastes e envergadura das asas.
Egan a segurou outra vez, parecia que isso o
divertia bastante. Agarrou-a pela cintura e a
prendeu ao seu corpo, enterrando o rosto em seu
pescoço, aspirando seu cheiro de cio. O perfume de
seus cabelos, o odor de sua pele, um afrodisíaco
poderoso nessa fase delicada e única.
Egan permaneceu assim, segurando seu
corpo por alguns instantes, então afastou o rosto do
seu e disse voz grossa, rouca de paixão:
— Eu não devo encostar um dedo em você.
Sim, não dever não era a mesma coisa que
não querer. Eleonora não conseguiu raciocinar
sobre isso. Sabia muito bem que o macho não
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conseguiria resistir a suas investidas. Por isso


ofereceu os lábios para um beijo.
E se esse beijo acontecesse os dois não
parariam. O ato seria levado adiante, era assim que
a natureza faz. Macho, fêmea e cio, entrelaçados
em pura inconsequência e necessidade.
— Encoste-se a mim, Egan. Não me importa
o que vai acontecer depois. — Ela atiçou sem a
menor condição de esperar mais.
Ele não podia saber, mas seu corpo sentia a
dor da necessidade. Uma dor afiada que a fazia
quente e excitada, como os animais em pleno
apogeu sexual se sentem.
— Se eu fizer isso, parte da sua defesa cai
por terra — ele alertou — vai correr esse risco?
— Sim — ela sussurrou, ao mesmo tempo
em que isso era uma verdade latejante em seu peito,
era também uma culpa sem justificativa. — Eu...
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— É claro que não vai colocar a vida de


tantas criaturas inocentes em risco por conta do cio
— ele disse maduro, pois a experiência de uma
vida toda o fizera capaz de entender coisas que
Eleonora somente sonhava em sua mente
romântica. — Tente não voar quando estiver
nervosa — ele sugeriu. — Quando estivermos no
salão principal, sendo interrogados pelos
Conselheiros, você não deve voar. Seu ato de
descontrole poderá ser confundido com um ataque
ou fuga. Contenha sua emoção e nervosismo. Voe
Eleonora, um primeiro voo vai aquietar suas asas.
— Sem minhas amigas? Nem pensar — ela
decidiu, convencida que isso era o melhor para si.
— Está sendo cabeça dura. — Ele alegou,
roçando o nariz no seu, quase tocando seu lábio
superior, o que Eleonora até tentou forçar contato,
mas ele a soltou antes disso acontecer. —

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Precisamos continuar. Devemos chegar antes de


Mikazar ou Santha poderá interceptar a chegada de
uma possível testemunha.
— Não duvido nada que ela faça isso —
Eleonora concordou e lutou contra a decepção de
ser largada e privada do toque do Guardião. — O
que acontece com Santha, levando em conta que
minha inocência seja confirmada?
Egan recomeçou a andar, mas mantinha os
olhos sobre a fada. Eleonora permaneceu parada
um instante, sem fôlego ainda. A roupa rasgada e
destruída pelos dias de fuga cobriam seu corpo,
mas revelavam suas canelas e braços. A gola ampla
havia caído para o lado e Egan evitava olhar para a
porção de pele macia e perfumada a mostra. A
vontade era mordiscar essa carne e arrancar-lhe
gemidos, era gigantesca.
— É difícil dizer, dependerá do sucessor do

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trono — Egan estendeu uma das mãos, como que a


chamando.
Eleonora mordeu o lábio antes de alcançá-lo
e segurar sua mão, pois eles subiam uma pequena
inclinação de terra e pedras. Logo em seguida uma
espécie de estrada de terra se revelou. O que
facilitava muito a travessia que fariam. Eleonora
segurou a mão do Guardião com força, por isso não
soube se ele pretendia ou não soltar primeiro.
— Fala de mim, não é? — Ela perguntou.
— Sim, se você reinar sozinha, deverá
decidir sozinha. Se escolher um Rei e esse for eu —
ele sorriu — a decisão mudará, eu tenho certeza.
— O que você faria com Santha? — Quis
saber.
— Masmorras para sempre ou a morte. —
Egan alegou imediatamente, sem preâmbulos. —
Para Lucius a mesma punição. Talvez, primeiro
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uma longa punição nas masmorras, e a morte


depois. Eu gostaria de ver Lucius pagar por tantos
anos de terror para com o povo.
— Terror permitido pelo Rei Isac —
Eleonora fez questão de lembrá-lo disso.
— Sim, mas Isac teve algumas boas atitudes
ao longo dos anos. O povo nunca passou privações.
Ele sempre se esforçou por tratados que mantivesse
a paz entre os povos, e faz muito tempo que não se
houve falar em guerras ou batalhas prolongadas. O
único e maior erro de Isac foi se encantar por
Santha. — Egan olhou demoradamente para a fada
ao seu lado — Eu me pergunto se esse também será
o meu destino.
— Espero que sim — ela tentou não parecer
empolgada demais. — Será um bom Rei, Egan. E
eu não planejo atrapalhar as decisões do meu Rei
escolhido. — Explicou.

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— Eu duvido que consiga assistir e não


interferir, Eleonora. Além disso, eu penso no que
meu pai dirá disso.
— Como assim? Está com medo que seu pai
não aprove um de seus filhos ser eleito Rei? —
Duvidou, sorrindo.
— Você não conhece o meu pai. Ele não
aceita nada menos ou mais, do que manter a ordem
através dos Guardiões.
— Sim, mas você será Guardião. Quero
dizer... O reino não pode ficar sem um dos seus
Guardiões. Ser Rei não o impedirá de cuidar do seu
trabalho de Guardião. Um dia a armadura será do...
— Ela calou-se diante dos pensamentos audazes.
— Do meu primeiro filho? — Ele completou,
olhando-a com olhos experientes enquanto ela
corava e baixava a cabeça. — Fica envergonhada
de falar disso?
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— É claro que sim. Todos sabem como


funciona o cio. Mas é constrangedor falar sobre
isso...
Sim, durante o cio, o apogeu de sexualidade
de uma fada a leva diretamente para uma gravidez.
Era raro não acontecer e também seria impossível
resguardar o cio por muito tempo.
— Uma cria é sempre uma benção. Macho
ou fêmea será bem vindo. — Ele não insistiu no
assunto para não constrangê-la ainda mais.
— Mesmo que seu pai não me aprove? —
Perguntou, soltando a mão do Guardião.
Era inconsciente, o pensamento de ser
rejeitada por Túlio, Conselheiro e pai de Egan.
Sabia que o elfo era o centro da vida de Reina e
Egan, até mesmo de Tobias, apesar do amigo não
admitir, e que obrigá-lo a aceitá-la seria um fardo.
— Meu pai ficará aliviado de ver a angústia
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de Reina chegar ao fim — ele contou. — Além


disso, a escolha é minha e não do meu pai.
— Mesmo? — Ironizou. — Devo crer que
seu pai não influenciaria em sua escolha, elfo?
Seu tom jocoso o incomodou.
— Você realmente acha que sou um pau
mandado do meu pai, não é? — Egan parou de
andar e perguntou.
— Sim — ela admitiu, curta e grossa, sem
remendos para essa verdade costurada em retalhos.
Apenas uma palavra que define muita coisa.
Falar sobre relacionamentos familiares, era um
tema complexo. Ainda mais, levando em conta, que
Eleonora não estava enganada.
O elfo simplesmente retomou a caminhada
sem dizer nada em defesa própria. O que ela podia
dizer sobre isso? Não o amava menos por causa

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desse defeito.
— Eu não vou deixar seu pai se meter nos
meus negócios de rainha. Então, você precisa
pensar bem antes de me ajudar. — Eleonora se
lembrou de falar sobre isso, sendo totalmente
sincera. — Ele poderia querer decidir por mim e
acabaríamos brigando. Não voltarei para a clausura
só porque seu pai não gosta de mim e não me acha
apropriada para Tobias. Imagina então, para seu
filho preferido? — Avisou bem.
— Meu pai não toma decisões por mim, eu
sou um elfo adulto. Eu faço minhas escolhas. A
começar pela minha fêmea escolhida. — Egan
estava realmente raivoso.
Eleonora tentou não rir. Mas era difícil. Sim,
o Conselheiro Túlio decidia pelo filho e Egan sabia
disso também, mas incomodava-o ouvir. Esse
sentimento era antigo.

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— Só estou dizendo que não vou me casar


com seu pai. — Sabia que ele ficaria ainda mais
irritado.
— Você gosta de me provocar, não é,
Eleonora? — Revidou, parando de andar para olhar
em seus olhos.
— Sim, eu gosto de fazer isso, mas também
gosto de deixar bem claro que não gosto de ser
comandada. Eu não gosto de receber ordens. Nunca
gostei. Eu serei uma fêmea livre, Egan, pela
primeira vez em minha vida serei totalmente livre.
E não vou baixar minha cabeça para as ordens do
seu pai!
— Estou pedindo isso? — Ele revidou.
— Não! Mas caso venha a pedir, está
avisado. — Informou. — E o mesmo vale para
Tobias. Ele não vai passar o dia todo
monopolizando um Rei por conta de suas artes.
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Precisa parar de dar corda para que Tobias o


enforque. Nunca percebeu que ele quer sua atenção,
Egan?
— Você é louca, fada — ele disse sério,
retornando a andar, dessa vez apressado.
— Não sou, não. Tobias sempre buscou pela
aprovação de Túlio, pela companhia do irmão
Egan. O primeiro, jamais o aprovará. Mas o
segundo... Bem, você precisa pôr fim a isso ou um
dia Tobias realmente vai se ferir ou ferir alguma
criatura em suas andanças e afrontamentos a todas
as leis. Ele sempre aprontou para ter sua atenção,
para ter razões para estar perto e fazer parte da sua
vida!
— E é claro que você se importa com Tobias
— ele alfinetou.
— É claro que sim! Ele é meu irmão. Meu
amigo. Meu tudo. — Ela disse sem notar a sombra
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de ciúmes no olhar do elfo que seria seu Rei. —


Mas estamos sonhando acordados. Posso não ser
inocentada, você mesmo disse isso. Santha pode
reverter tudo a seu favor. — Disse desanimada.
— Duvido. Suas asas são uma prova
irrefutável. Ela pode atrasar a decisão, mas não
impedi-la de ser vista. Como Guardião, exigirei que
suas asas sejam contempladas. Assim como eu me
conscientizei da verdade, outros se conscientizaram
também — afirmou.
— E o que acontece com minhas amigas?
Elas são fugitivas. Eu tenho a esperança de que
Tobias ainda está com elas, não que ele seja de
grande ajuda, mas pelo menos não estão sozinhas.
Mas o que será delas se eu for inocentada?
— Serão encontradas a tempo, não se lastime
por isso. — Egan prometeu.
— Fácil falar. — Ela deu de ombros e olhou
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em torno, sentindo um arrepio.


Depois de ter passado pelo Deserto das
Areias Vermelhas nada poderia assusta-la. Mas a
Floresta de Saul rivalizava com o deserto.
Impossível não se impressionar. E era dia,
imaginava como seria a noite...
Os dois pararam quando ouviram um som
vindo do mais profundo recanto da floresta,
bastante distante. Algo que parecia um lamento ou
um grito, como se alguma criatura chamasse por
outra.
Egan aproximou-se mais de Eleonora e a
tocou nas costas, empurrando gentilmente:
— Venha, eu conheço um atalho. — Disse
preocupado.
— Seria realmente cômico se eu fosse morta
por uma criatura selvagem depois de ter escapado
do deserto, estar à beira de ser inocentada e ter
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minha liberdade. — Não pode evitar dizer.


— Fique calada, algo está perto. E você fede
a cio — ele avisou, em posição de luta. A gentileza
de elfo educado ia embora quando o Guardião
vinha à tona. E não seria Eleonora a reclamar de
sua postura de luta!
A armadura de Egan não possuía elmo ou
capacete, por isso suas orelhas pontudas se
destacavam entre os cabelos, orelhas atiçadas
tentando ouvir passos ou qualquer outro som que
pudesse atentar para o perigo.
Seu olfato apurado encontrou vestígios do
que era a criatura e imediatamente arrastou
Eleonora para o centro da floresta, entre as árvores.
— Fique imóvel e não faça barulho — ele
mandou, deixando-a imóvel contra um tronco de
árvore.
Afastou-se alguns passos e fez o mesmo.
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Eleonora cravou os olhos no Guardião, louca para


saber o que acontecia. Seu descontrole refletiu-se
em suas asas que bateram rapidamente, levantando
poeira, criando um reboliço de folha secas em torno
dela, anunciando sua localização.
Tudo aconteceu rápido demais para que os
olhos de Eleonora conseguissem acompanhar. Em
fração de um segundo algo gigantesco correu,
pulou sobre ela e então, tudo teve fim.
Caída no chão, ela rastejou para longe. Havia
uma criatura despedaçada no chão. Era um raptor
gigantesco, de pêlo escuro e presas colossais.
Raptores eram animais peludos, como enormes
búfalos ou algo do gênero. Assustadores em forma,
músculos e força. Se o animal houvesse
abocanhado-a, estaria despedaçada entre sua
mandíbula, como alimento,
O Guardião baixou a espada, Eleonora

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percebeu a energia que a armadura liberava depois


do seu uso.
Algo tão forte que a fez insana. A adrenalina
estava em cada poro. Primeiro, pelo medo, agora
pelo orgulho. Egan marchou na sua direção e ela
ficou esperando. Os olhos do elfo lhe diziam sobre
paixão e obsessão.
Que ele a pegaria no meio da floresta e a
ensinaria o significado exato da palavra 'cio'.
Mas isso não aconteceu. Egan a puxou do
chão, como um cavalheiro faria por uma dama.
— O que é essa criatura? — Ela perguntou
tremendo, por várias razões.
— É um raptor, uma fera usada por
Caçadores de Recompensa como ferramenta de
ataque. Eles aprisionam e trazem consigo. São
usados contra os povoados que desejam saquear. É
uma prática antiga. Se eu não estivesse em uma
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missão, seguiria por aquele lado — ele apontou


para a direita, mata a dentro — e provavelmente
encontraria um bando de Caçadores acampados.
— Porque até hoje não acabaram com eles?
Os Guardiões são mais fortes que elfos armados
com espadas. Eu não entendo.
— Rei Isac nunca permitiu uma perseguição
e prisão de caçadores em geral — ele contou,
ajudando-a a afastar-se da criatura abatida no chão.
— Se eu for Rei, pretendo mudar isso. Prender os
Caçadores de Fadas, destruir essa prática
abominável. Nenhuma fada jamais será caçada e
perseguida por causa de suas asas e do cio. Jamais.
É uma barbárie inaceitável.
— E os Caçadores de Recompensas? —
Perguntou interessada em seu modo de pensar.
— É uma carreira necessária. Dez Guardiões
mantém a ordem do castelo, mas e o restante do
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Monte das Fadas? É necessário que a profissão


exista. Mas sem crimes. Sem saques e abusos. Eu
exterminaria os corruptos e criaria um novo
contingente de Caçadores de Recompensas,
cadastrados e fiscalizados pelo reino. Uma carreira
que pudesse prender assaltantes e bandidos, mas
sem ofender a honra e a integridade dos inocentes.
— Fala de um sonho. Mas na prática... Acha
que isso aconteceria? — Duvidou.
— É preciso começar por um sonho,
Eleonora. O tempo se encarregará de tornar
realidade. — Prometeu. — Não aceitarei ser seu
Rei por causa de soberba. Eu declinaria de seu
pedido se não estivesse... — Ele quase disse
'apaixonado por você' mas mudou a frase a tempo.
— ... Convencido que posso realizar mudanças
importantes que acabarão com a desigualdade entre
as criaturas.

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Egan ainda não se sentia a vontade em


admitir a razão verdadeira que o fazia aceitar a
proposta de Eleonora. Um pensamento irritante em
sua mente.
E se Tobias aparecesse e a fada mudasse de
ideia diante de seu verdadeiro amor?
A atração entre eles poderia desaparecer
rapidamente diante de um grande amor.
— Eu... — Eleonora olhou demoradamente
para a criatura que Egan enfrentou e pensou no
risco que correu.
Precisava chegar viva ao castelo, isso
inocentaria suas amigas.
Olhou para o céu demoradamente, abrindo
mão de seu sonho:
— É tolice passar por tanto perigo. Eu vou
voar, Egan. Levar-nos para o castelo em segurança.

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Outro dia, eu subirei ao céu na companhia de


minhas amigas e voaremos juntas. Outro dia. —
Ela baixou os olhos, não queria ser vista
emocionada.
— Tem certeza? Estamos perto do castelo,
mais um dia de viagem e chegaremos. — Ofereceu,
muito tocado por sua oferta.
— Eu preciso acabar com isso logo. —
Apontou a criatura — se algo houvesse acontecido
comigo aqui e não pudesse provar minha
inocência... O que seriam delas perdidas pelo
mundo, sendo consideradas cúmplices da morte do
Rei? Não, não é justo, que por egoísmo elas penem
um dia a mais que seja.
— Eu não posso decidir em seu lugar — ele
foi franco. — Quer fazer isso, Eleonora?
— Sim — ela disse, triste. — Eu quero fazer
isso.
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— Certo — ele olhou em torno puxando-a


gentilmente para perto de si. — Primeiro vamos
andar um pouco, comer alguma coisa, pois preciso
falar com você.
— Falar comigo? Sobre o que? — Perguntou
sem fazer ideia do que Egan pensava.
— Sobre o que vai acontecer ao chegarmos
ao castelo. Sobre o que espero que faça e diga.
Existem procedimentos a seguir e precisa estar
ciente disso, Eleonora.
— Oh, não. Mais regras? — Não resistiu a
perguntar, e seu sorriso inesperado arrancou dele
um olhar menos severo, menos austero.
— Sim, Eleonora, mais regras — ele
concordou, sorrindo-lhe e alegrando seu dia, até
então, um dia escurecido e feio de uma chuva que
começou há cair poucos minutos depois...

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Capítulo 24 - Sangue de fada

Egan arrumou um pequeno espaço para os


dois embaixo de uma árvore carregada de cipós e
longos galhos entrelaçados por folhas largas e
pesadas, que seriam perfeitas para segurar a chuva
impedindo que se molhassem.
Depois de tantos dias de privação, ela
adorava ser tocada pela chuva. Os cipós desciam
dos galhos como uma cortina protegendo-os da
floresta. Egan havia conseguido caçar um pequeno
roedor e famintos haviam comido tudo
rapidamente. Desta vez um assado
delicioso!

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Foi à vez do silêncio. Eleonora manteve os


olhos na chuva, que podia ser vista entre os vãos
formados pelos cipós. O som da curva caindo no
chão era hipnótico.
— Quando chegarmos ao reino precisará me
obedecer totalmente — ele avisou com voz rouca,
usando um longo graveto para mover a terra úmida,
distraindo a mente das preocupações. — Eu serei a
única voz ao seu lado. Não poderá me contestar,
mesmo que não concorde com meus métodos
adotados.
— Eu sei disso. — Concordou.
— Não, você não sabe. Estará diante de sua
mãe, a fêmea que a pariu e abandonou. A mesma
que a condenou a ser perseguida, que a condenou a
uma vida de clausura. Estará diante dessa fêmea,
que ao mesmo tempo em que você se defende,
Santha tentará acusá-la. E você estará diante dessa

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fada. Diante de Lucius, seu progenitor, que tentará


com todas as forças incriminá-la a cada palavra dita
por mim. As cosias serão diferentes quando isso
acontecer. Eu não poderei ajudá-la, se você perder
a cabeça.
— Eu não vou perder a cabeça — prometeu.
— Vai, é claro que vai. Mas eu não poderei
interceder por você se isso acontecer.
— Não vai acontecer! — Ela insistiu.
Pelo olhar de Egan ficou claro que não
acreditava.
— Eu vou tentar me controlar. — Ela acabou
cedendo. — Não vai ser fácil olhar para aqueles
dois, depois de tudo que me fizeram. Do que
fizeram com minhas amigas!
— Será ainda pior se houver agitação e
brigas entre vocês. Estará ao meu lado, como uma

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fugitiva recuperada. É assim que será tratada. Eu


falarei em seu nome. Sua personalidade tende a ser
agitada e é por isso que peço que se detenha e
escute antes de falar. Se eles a levarem para as
masmorras, estará tudo perdido, Eleonora. E é isso
que Lucius fará se você der uma única razão que
seja e que endosse essa ordem! E uma vez nas
masmorras, ele achará um modo de livrar-se das
suas asas.
Eleonora sabia bem que modo seria esse.
Cortar suas asas e livrar-se delas.
— Iremos chegar ao castelo normalmente,
ninguém impedirá nossa entrada, você está aos
meus cuidados, é minha prisioneira. É assim que eu
quero lidar com a situação. Que pensem que é
minha prisioneira.
— Você não está mentindo para mim, não é?
Não está me enganando para me aprisionar

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facilmente?
Egan sorriu diante da sua expressão de
surpresa. Pelo visto era a primeira vez que esse
pensamento passava por sua mente.
— E você? Está mentindo que me fará Rei
em troca de defesa e apoio? — Jogou de volta.
— Eu falo a verdade. — Eleonora defendeu-
se, emburrada por causa da sua desconfiança.
— Eu também falo a verdade — Egan disse
num tom de deboche inegável.
— Parece que nenhum de nós terá certeza
alguma. Você pode me trair, eu posso te trair. Que
linda relação de amizade, não é?
— A mais sincera de todas — ele cutucou o
pé da fada com o graveto e Eleonora sorriu.
— Reina sempre disse que sua honestidade é
seu ponto forte. Vou acreditar nela, por isso,

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confiarei totalmente em você. O que eu devo fazer


quando chegarmos, Guardião?
— Calar e aceitar que serei eu a tomar a
palavra e conduzir os acontecimentos. Se fizer isso,
estará a meio caminho da vitória.
— E depois? O que acontece se eles
acreditarem em mim? — Perguntou voraz por saber
mais.
— É complicado. Se tudo correr bem e eu
digo se, pois não há garantias que seremos ouvidos,
você terá decisões a tomar. Sérias decisões, que não
podem ser adiadas, Eleonora.
— Que decisões são essas? E porque eu
adiaria decisões? — Duvidou.
— Precisará definir o que acontecerá com
Santha e Lucius. E se adiar essas ordens, poderá dar
tempo para que eles fujam. Não vai querer passar
sua vida toda na expectativa de um dia Lucius vá
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aparecer e lhe causar dor, não é?


— Não mesmo. Mas eu vou decidir, na hora
certa, farei isso. Os dois terão as punições que
merecem. Isso eu prometo, Egan. — Era a mais
pura verdade.
Seu coração exigia reparação, depois de tanto
abandono e sofrimento. O que lhe fizeram não se
faz nem pra um inimigo perigoso. Quanto mais
para uma cria desamparada, que mal nasceu e já
sofre o abandono dos próprios pais!
— Quanto às suas amigas... Não deve falar
delas inicialmente — ele tocou no ponto
complicado da situação.
— O que? É claro que falarei das minhas
amigas! Elas estão perdidas e sozinhas! Fugindo
por minha causa! Tem ideia de como Joan é frágil?
— Exasperou-se.
— Sim, mas elas não são prioridade e não
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podem provar a inocência de todas elas. Você pode.


Suas asas, sua história de vida. Está em você a
verdade. Focaremos em sua presença. O que vier é
consequência.
— Claro, diz isso porque não são suas
melhores amigas que estão perdidas, correndo
perigo de vida, expostas a todo tipo de sofrimento.
— Ela empurrou o graveto com o pé e virou a face
de lado, recusando-se a ouvi-lo.
Recusando-se a participar de suas tentativas
de aproximação.
— Escute, fada, sabe que tenho razão. Provar
sua inocência é o meio mais rápido para ajudar suas
amigas. Creio que expor suas asas será o caminho
mais fácil para evitar um julgamento longo e
penoso. Quanto menos houver a ser discutido, mais
rápido será. Sabe que estou certo. Tobias é um
nome que deve ser evitado. E você sabe por quê?

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— Não me interessa — disse emburrada por


não poder defender suas amigas em primeiro ligar.
— Eu fiz uma pergunta, Eleonora? É assim
que pretende me ajudar e obedecer minhas ordens?
— Ele segurou seu pulso, projetando o corpo para
frente, para segurá-la.
Eleonora lutou para soltar, mas acabou
desistindo, correspondendo ao seu longo olhar.
Era assim que os lideres da matilha faziam
com os integrantes submissos. Quando em revolta,
era preciso subjulgar a fêmea rebelde. E a postura
do macho era essa. Olhar e postura dominante. E
estranhamente, em seu estado de cio, isso fazia
todo sentido do mundo e a deixava estranhamente
mole.
— Porque não devo falar em Tobias? —
Cedeu e Egan a soltou.
Como uma recompensa por ser boazinha. Ela
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detestava tanto isso e ao mesmo tempo não


conseguia evitar agir assim. Egan possuía uma fala
dominante e só cabia a ela ouvir. Nesse momento
ele era Guardião e não elfo.
E como fêmea, era submissa ao seu poder.
Era algo de matilha, raça e genética. Eleonora não
podia fugir dos seus instintos animais.
— Porque Tobias sempre cometeu delitos
graves. Roubos. Badernas. Incitação contra a ordem
e quebra de todas as regras do Reino. Ele roubou a
tiara da rainha poucos dias antes do assassinato do
Rei. É melhor evitar pronunciar o nome dele.
Lucius vai tentar levantar essa questão e eu vou
desviar o assunto. Seja submissa e faça o mesmo.
— Entendo. Eu não pedi para Tobias roubar
a tiara, Egan. Não pedi — ela disse triste dessa
lembrança — Tobias fez isso por que... Brincam
com ele. Enganaram Tobias dizendo que

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facilitariam minha fuga e das meninas em troca da


tiara da rainha. Abusaram do desespero dele.
— Sim, mas Lucius vai usar isso contra você.
— Alertou severo em suas colocações, pois
precisava lhe contar algo bastante difícil. — É
possível que a essa altura Lucius saiba de
informações que você não sabe. Sobre Tobias e
sobre a clausura.
— O que ele poderia saber que eu não ainda
não saiba? — Perguntou incrédula.
— Tobias roubou a tiara com a melhor das
intenções. Mas Tobias tem um histórico que depõe
contra ele e essas razões justas podem ser
facilmente distorcidas. Ano passado, Reina
negociou com Miquelina a sua venda. Meu pai
concordou com o valor a ser pago. A única
exigência da carcereira era que você saísse do
Ministério do Rei casada. Caso a transação fosse

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descoberta, isso amenizaria a punição contra ela.


Estava tudo acertado... Mas Tobias deu para trás.
Lucius pode usar esse argumento para convencer a
todos que Tobias não precisava roubar a tiara,
enganado por promessas de liberdade. Ele mesmo
abriu mão de uma forma rápida e fácil para libertá-
la.
Claro que Eleonora não sabia disso.
— Aquele bandido! — Indignou-se. —
Como ele ousou dizer não?
— Tobias não lida bem com as
responsabilidades da vida. Acho que o casamento o
assustou. Reina começou a falar sobre casa,
trabalho e crias. Como esperado, Tobias escapou.
Alegou que...
— ... Não poderia me escolher e deixar as
outras para trás — ela completou, pois conhecia
esse discurso de cor. — Tobias me deve uma boa
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explicação! Eu poderia estar longe daqui a um ano!


Poderia ter encontrado elfos para casar com minhas
amigas e tirá-las da clausura! Tobias é um
imprestável mesmo! Quem ele pensa que é, para
achar que eu ficaria casada com ele? Trabalho? Eu
me sustentaria! Se bobear, sustentaria aquele boa
vida também! — furiosa, devaneou. — E casa? Eu
não quero uma casa! Vivi presa à vida toda! Eu
quero a liberdade! Crias? Eu não teria crias com um
elfo covarde e boa vida como ele! E se tivesse, eu
criaria minhas próprias crias! Ah, o dia que eu
colocar minhas mãos sobre Tobias... — Não teve
palavras para descrever o que faria com o amigo,
mas com certeza envolveria muitos tapas e gritos.
— Não fique magoada com meu irmão — ele
defendeu, apesar de Tobias merecer ser punido,
Egan tornou a defender Tobias. Os sentimentos que
nutria pelo irmão, eram maiores do que qualquer

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ciúme de macho. — É a natureza de Tobias.


— Oh, sim. Agora vejo porque ele se sente
no direito de agir inconsequentemente o tempo
todo! Um pai Conselheiro que finge não ver suas
falhas e um irmão Guardião que o protege
incondicionalmente! Você alivia todos os defeitos
de Tobias! — Exasperou-se.
— E o que eu devo fazer? Romper com ele?
— Egan jogou de volta. — Odeio quanto esperam
que eu conserte Tobias. Ele não está quebrado para
precisar de conserto! — O Guardião levantou e
disse com raiva, que não era dela e sim da situação
que vivia — O mundo está louco e aos pedaços, e
caso ninguém note, a única pessoa que está vivendo
e sendo feliz é Tobias! O resto... Apenas sobrevive.
— Apontou a si mesmo e o lugar onde estava.
— Não se engane. Tobias não é feliz. Ele
finge para não causar dor na família que o acolheu

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— ela retrucou. — Sabe a história dele? De onde


veio? Dos seus pais? Alguma vez, Tobias lhe
contou sobre isso?
— Não — ele admitiu, envergonhado. — Ele
nunca confiou em mim ou no meu pai. Nunca nos
contou sobre sua história. Reina sabe, mas também
nunca disse uma palavra sequer.
— Não é falta de confiança que calou Tobias.
Ele não quer lembrar. Tobias não se prende a nada,
Egan, porque ele não entende que há onde se
apegar. A mãe dele era uma fada de taverna, uma
prostituta. Ela era conhecida por ter crias e as
vender para Caçadores de Fadas. Ela emprenhava
em troca de pagamento em ouro. Quando nasceu
um elfo, vendeu para um Caçador de Recompensas,
que o criou até os quatro anos. Tobias foi usado em
pequenos furtos e golpes contra camponeses. Ele
era a isca. Foi criado assim, sendo usado. Ele não

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sabe viver diferente. No orfanato, ao menos, sabia


que não o usávamos, pois não havia nada a ser
tirado dele. Agora, com uma família, ele não sabe o
que esperar da vida. Está perdido, sem rumo. Não
quer se casar comigo ou com qualquer fada que o
tente seduzir. Tobias quer ser sozinho, quer se
proteger da má fé alheia. Mas seus planos foram
frustrados, ao ter uma mãe zelosa que o ama, um
pai que o protege e um irmão que vive por ele.
— Se Tobias houvesse falado sobre isso... —
Egan tornou a sentar, confuso com a revelação.
— Então, não seria Tobias. Ele não fala
sobre seu coração. Sobre suas mágoas. Ele faz um
truque de mágica e nos faz rir. É o seu modo de
dizer que está tão triste, mas tão infeliz e tão
desesperado, que precisa de uma razão para sorrir
ou vai desistir de tudo e se entregar a solidão.
Muitas vezes, ele nos alegrava no orfanato, pois era

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sua única forma de aguentar e sobreviver a toda a


tristeza que sentia. É assim a sina dos abandonados,
Egan. Não é bonito. Não é fácil. Mas
sobrevivemos.
Era a pior conversa para ter com seu grande
amor, momentos antes de seguirem viagem, para
um caminho que possivelmente a levaria para a
morte ou as masmorras.
— Eu perdi muita coisa na vida, Eleonora.
Primeiro minha mãe... O meu pai acha que não me
lembro dela, que era jovem demais para ter
lembranças... Mas eu lembro. Todos os dias.
Depois meu irmãozinho... Eu ainda ouço o choro
dele, de dor e sofrimento, sucumbindo para a
doença que o matou. É só fechar os olhos que eu
lembro. Mas eu não conheço a dor do abandono,
por que nunca me deixaram para trás por intenção e
sim por força maior. Eu não posso entender do que

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fala. Mas posso entender sobre saudade e perda.


Em torno deles a chuva intensificou-se e o
barulho naquele momento os obrigou a encerrar a
conversa. Os dois fixaram o olhar na água que
despencava do céu, corria pelos galhos e cipós,
molhando em volta, mas não sobre eles.
Relativamente bem protegidos, eles assistiam a
vida seguir seu rumo.
— Eu nunca penso sobre abandono. Eu
penso sobre reencontro. Encontrar minhas amigas,
encontrar meu grande amor. Encontrar Reina,
encontrar a liberdade perdida desde o dia que nasci.
Eu prefiro pensar em encontros e não despedidas.
— Ela sussurrou, esperando que a ouvisse, apesar
do barulho da chuva. — É menos doloroso assim.
Egan sabia que Eleonora referia-se a Tobias
ao falar em um grande amor, por isso, baixou a
cabeça e fitou o chão úmido de chuva, folhas e

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mato. A fada estava recostada contra o amplo


tronco da árvore, suas belas asas abertas,
esparramadas em sua volta. Sua cabeleira clara
parecia algodão em torno dela. Seu olhar era de
macho, não de Guardião, e pelo acelerar da
respiração da fêmea, captava essa sutil mudança
entre eles.
— Fadas são criaturas impressionantes. —
Acabou por divagar. — Possuem dons e asas.
Possuem o mundo nas mãos. E ainda assim,
permanecem ao lado de seu elfos escolhidos.
Alguns chamam de submissão.
— Outros de amor — ela completou, suave.
— Eu posso ser presa e morta. Posso não ver o
nascer de um novo dia. Tudo pode acontecer, Egan.
E eu nunca... — Perdeu-se em seus pensamentos de
desânimo. — Eu nunca fui beijada.
— Eleonora. — Egan resmungou, em tom de

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repreensão.
A despeito disso, a fada respondeu:
— O que posso fazer? A natureza me fez
animal, Egan. Eu tenho que lidar com a dor do cio.
Só que a natureza também me deu um coração. E,
este pede por um beijo. Eu quero ser beijada antes
de enfrentar Santha. Um único beijo. Você é um
Guardião, não é? Pode se controlar.
— Está usando de artimanhas para conseguir
o que quer — ele alertou. — E isso é perigoso,
fêmea.
— Tenho vivido em constante perigo,
Guardião. E este é o primeiro momento perigoso
que me fez desejar não fugir. — Ela se moveu, suas
asas se agitaram em suas costas.
Extensões perfeitas do corpo da fêmea, as
asas se agitaram e a ergueram apenas o suficiente
para ficar de pé e poder andar até ele. A túnica
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escurecida pelo uso, rasgada em muitos pontos, não


foi obstáculo para que se ajeitasse ao lado do elfo.
O elfo a acolheu, desmentindo
vergonhosamente suas negativas.
A pele clara da fada era um convite ao toque.
Egan escorregou a palma da mão pela bochecha de
Eleonora usufruindo desse predicado, enquanto
analisava seus traços. Ela era toda clarinha,
esbranquiçada e peculiar. A cor predominante de
seus cabelos era tão clara que era impossível definir
se era loiro ou branco.
As sobrancelhas, os cílios, as íris dos olhos.
Os olhos poderiam ser definidos como azuis, mas
somente se ele pensasse em um lado de águas
translúcidas e azuladas. Era muito similar em
aparência e na sensação que causava em quem lhe
olhasse nos olhos.
O nariz arrebitado, a testa alta, impondo sua
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inteligência a quem a olhasse. O queixo desafiador


era estreito e fácil de segurar e ele não cansaria de
fazer isso enquanto vivesse.
O suspiro da fada delatou sua expectativa e
também muito dos seus sentimentos guardados a
sete chaves em seu coração. Egan manteve seu
rosto imóvel, segurando seu queixo com carinho,
aproximando os lábios dos de Eleonora.
Lábios rosados, entreabertos e fartos, que
mesmo depois de uma estadia no deserto ainda
conservam o aspecto macio, enquanto os dele
estavam rachados e feridos. No entanto, não seria
isso que o deteria. Não pensava com clareza, assim
como ela. Envolvidos pela magia do cio da fêmea,
nada mais importava além de trocarem um beijo.
Os primeiros toques dos lábios do macho a
fizeram tremer. Foi tão sutil e leve que a fez
descontrolada. Eleonora agarrou a cabeça de Egan

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e grudou os lábios nos dele. Romantismo não tinha


espaço naquela situação.
Era o cio, Egan sabia bem disso, mesmo
assim correspondeu. Eleonora não sabia beijar, e
quando ele avançou por dentro de seus lábios
tocando sua língua com a sua, levou um susto e
parou de tentar beijar. Deixou-se conduzir.
O pensamento louco sobre não o agradar, foi
banido de sua mente, quando Egan a trouxe para
seu colo. Era perigoso prosseguir com o beijo, mas
ele o fez. Aprofundou o contato, arrancando
gemidos da fêmea. Suas mãos emaranharam o
cabelo macio e a cingiram mais perto, espremendo
as curvas do torço de Eleonora contra sua
armadura.
Ela correu os dedos pelo metal da armadura,
que cobria o peito do elfo e isso estranhamente
fazia sentido. Era como tocá-lo diretamente na pele.

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A armadura correspondeu com ardor, queimando a


ponta dos seus dedos. Eleonora entendeu que fazia
amor com o elfo, mas também com sua armadura.
Eram fundidos em um só e ao ter um,
automaticamente precisava da permissão do outro.
E obtivera. Esse pensamento, de dominar elfo e
armadura, excitou-a ao ponto da dor.
Ela grunhiu e rompeu o beijo, num frêmito
de desespero, para sentir o gosto do metal,
lambendo sobre o metal pesado. Egan gemeu e
agarrou sua cabeça, obrigando-a a olhar em seus
olhos. Os olhos do elfo haviam se tornado uma
tempestade descontrolada, via apenas a paixão e
nenhum autocontrole.
Egan estendeu uma das mãos para tocar na
junção das asas da fada e Eleonora arquejou,
empurrando o corpo para mais perto, com um
gritinho de prazer incontrolável.

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— Suas asas são sua extensão. A armadura é


a minha extensão. Entende isso, Eleonora?
— Sim... — Ela choramingou, tentando caçar
um novo beijo, mas Egan a segurou, mantendo seu
rosto preso por sua mão.
— A armadura a aceita. — Era como uma
ameaça formalizada com as palavras — lhe
pertence também. O peso dessa responsabilidade é
maior do que você ou eu. Entende isso também?
— Sim, Egan, não pare agora. Está doendo,
não pare agora — ela mesma tocou sobre o ventre,
um pouco abaixo, onde suas pernas estavam
apartadas, em torno do quadril do elfo, que sentado,
olhou para baixo, sabendo que essa dor que a
consumia somente iria embora depois da conclusão
do cio.
— Isso vai passar em breve, eu prometo,
fada, em breve essa dor vai embora — ele tocou
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sobre sua mão e desceu os dedos sobre a túnica,


contornando o vale entre suas pernas.
Eleonora se contorceu, sem esperar por algo
assim.
Ele encostou sua face em seu ombro, para
que ela se aquietasse enquanto a tocava. Era
maduro sexualmente e sabia como agradar uma
fêmea. Na situação de Eleonora pouca coisa
poderia alivia a dor. Mas com certeza ele faria essa
experiência menos penosa.
Não ousou tocar sob a túnica, mesmo
sabendo que ela estava nua. Sentia a umidade e o
calor, através do tecido. Esfregou os dedos
lentamente a princípio e a fada agarrou o músculo
do seu braço com força, fincando os dedos na
carne, sem notar o que fazia. Enquanto gemia e se
contorcia, o rosto escondido em seu ombro. Era
provocação pura, Egan esfregou com mais força,

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roçando também uma das mãos por suas costas,


entre as asas, arrastando-a para um sentimento e
uma emoção nunca antes esperada.
Eleonora não conseguia pensar, apenas
sentir. Mordiscou o metal da armadura, sendo
recompensada com um esfregão de dedos mais
forte, que a fez saltar em seu colo e agarrar-se com
mais força a ele. A pele do pescoço de Egan era
convidativa demais para ignorar, e cravou os lábios
ali, sugando a pele, mordiscando, obrigando-o a se
controlar, lutando contra os impulsos mais básicos
de sua anatomia masculina.
Não podia aguentar mais tempo, sem tomar a
fêmea para si por isso. Intensificou o rodilhar de
dedos entre as pernas da fêmea e exultou ao sentir o
molhar amplo de seus dedos, antes mesmo dela
arfar, gemer e engasgar com o próprio prazer, o
corpo todo tenso, repentinamente mole contra o

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seu.
Eleonora nunca imaginou algo assim. Sem
pensamentos claros ou consistentes, foi pega nos
braços e pousada contra o tronco da árvore,
abrigada da chuva, longe do elfo.
— Aonde você vai? — Perguntou quase sem
voz, sem ar e sem vergonha.
— Preciso me afastar. Eu estarei vendo-a.
Feche os olhos e descanse uns minutos. Seguiremos
viagem quando acordar. — Ele prometeu e se
afastou tão rápido, que Eleonora mal viu para onde
foi.
Com um sorriso em sua face, Eleonora se
aconchegou contra a árvore, a cabeça descansando
no braço dobrado, o corpo satisfeito e cansado,
pego numa letargia até então desconhecida. Sentia
o cio flamejando no fundo do seu ser, sendo
alimentado por aquela sensação, mas por hora
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estava calma e a dor havia esmorecido um tanto, o


que a fazia agradavelmente exausta.
Aquilo era prazer puro, pensou. E Egan lhe
proporcionara isso. Como não amar uma criatura
assim?
Era seu elfo escolhido e agora, não restavam
mais dúvidas sobre isso.
Egan refugiou-se longe de Eleonora, mas
perto o bastante para enxergá-la adormecida e
vigia-la. Para que nenhum perigo a alcançasse.
Inclusive ele. Foi preciso algum tempo para
recuperar o autocontrole.
Neste tempo, olhou para cima, para a chuva
que se dissipara como que por magia. Para o sol
abundante que iluminava toda a floresta. Sorriu
diante da imagem do arco-íris longínquo no céu
que coloria entre as nuvens.
Olhou para sua fada escolhida, escondida
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atrás dos cipós da arvore, e soube que esse


fenômeno da natureza era reflexo do dom completo
dela.
Proporcionara um pouco de felicidade para
Eleonora e esse sentimento era inexplicável.
Egan a deixou descansar por horas, não teve
coragem de obriga-la a levantar. Eleonora
enfrentaria o mundo quando chegasse ao castelo.
Era melhor que estivesse descansada e alerta.
O dia correu tão rápido, que a decisão de
passar a noite na floresta, foi a mais sábia.

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Capítulo 25 - Lágrimas de ouro

Nos primeiros raios de sol do dia seguinte


Eleonora seguiu o elfo pela estrada que conduzia ao
reino. Depois de um primeiro voo triste, por ser
longe de suas amigas, Eleonora os levou
diretamente para onde Egan apontava.
Não foi um momento para ser recordado. Ela
apreciou a liberdade, mas era um sentimento
atrelado na culpa, por não ter esperado suas amigas.
O que deveria ter sido o momento mais feliz de sua
vida se tonou um dos mais tristes.
Juntos pousaram no chão e Egan a cobriu
com uma capa. Ela não fez perguntas, era hora de

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obedecê-lo. Desejava esconder suas asas e ela não


questionou. E foi assim, que cruzaram os portões
do Castelo e atravessaram o vilarejo.
Toda a movimentação do comércio e
trabalho diário da vila cessou enquanto as fadas e
elfos focavam total atenção na fada aprisionada que
era levada pelo Primeiro Guardião. A assassina do
Rei, resgatada e abatida, sendo levada para
julgamento. Era assim que a viam.
Não era surpresa que ele houvesse sido o
primeiro a retornar com êxito. Sempre o melhor em
tudo que fazia, Egan não frustrou as expectativas de
nenhum deles, trazendo a prisioneira antes de seus
amigos encontrarem as demais fadas fugitivas. Mas
esse êxito era questionável. Ainda não era uma fada
condenada, pensou Eleonora, olhando para os seres
a sua volta, pensando na surpresa que todos teriam
muito em breve.

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Em uma das barracas de comércio, em meio


à agitação, Eleonora enxergou Reina. A fada não
fez um único movimento em sua direção. Essa
confiança em Egan era tão clara e emocionante, que
o Guardião fingiu não notar, para não se distrair de
sua missão atual. Reina entregava em suas mãos
sua filha de coração e não temia a escolha do elfo.
Os olhos da fada mais velha estavam em suas
costas, Eleonora percebeu, tentando ver as asas.
Eleonora usava uma capa de veludo, que pertencia
a Egan e que escondia as asas nascidas.
E mesmo sem ver suas asas ou saber se
eram nascidas ou não, Reina não moveu um
músculo em sua direção, pois confiava cegamente
no bom julgamento de seu filho. Naquela distância,
o cheiro do cio era forte, mas não do padecimento
das asas, sendo assim julgava que a pesada capa
cobria a prova definitiva contra Santha e Lucius.

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Os minutos silenciosos andando em direção


ao forte fez Eleonora sentir diversos sentimentos
opostos. Primeiro de tudo, o medo. Então, o
sentimento que prevaleceu foi o desejo de abrir as
asas e enfrentar Santha. Enfrentar Lucius.
Poucas criaturas no mundo poderiam
entender esse sentimento de desespero, de
opressão. De enfretamento, embate, renegação. Ela
queria e precisava olhar nos olhos de Santha e
expor suas asas, como um triunfo sobre aquela que
desejou e executou sua morte.
Mostrar a Santha que apesar de tudo, ela
sobreviveu. Lutou, venceu e a vida era seu prêmio
absoluto. E quem sabe, a liberdade. Provar que às
vezes a bondade e a verdade prevalecem e exultam
sob a mentira e o mal.
Era difícil e penoso o caminho, mas era
preciso lutar pela verdade.

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Egan a levou diretamente para o castelo,


subindo pelas altas escadas, de degraus de pedra
construídos há muito séculos atrás. Eram seguidos
de perto pelos Guardiões mais jovens, que
começaram a surgir, alertados pela movimentação
anormal na vila. Passaram a seguir o Primeiro
Guardião, como sombras.
Quando adentraram o amplo salão do reino,
onde a rainha mantinha-se no trono, sendo entretida
pela dança de algumas fadas que compunham o
balé real, juntamente com algumas famílias de
Conselheiros reais, todos se calaram.
Era esperado que optassem por entreter a
rainha, para que se contivesse e não tornasse a vida
dos Conselheiros um inferno, usando de seus
caprichos constantes e ordens estapafúrdias!
Lucius foi o primeiro a se mover, enxergando
a fada fugitiva antes de todos. Deixou seu posto, ao

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lado da rainha para aproximar-se do Guardião.


— Estou de volta — anunciou Egan sem
rodeios, olhando diretamente para Santha,
ignorando Lucius. — Trago comigo a fugitiva que
atende pelo nome de Eleonora, cumprindo assim
minha missão.
Por um segundo Eleonora pensou se não
estava enganada e o elfo não a trairia. Era um
pensamento constante. Um pensamento assustador,
mas ela preferia acreditar nos bons sentimentos de
Egan. Colocava nas mãos de seu elfo escolhido a
vida de suas amigas, e também, sua própria vida.
Isso dizia muito sobre o amor que sentia.
Com o coração acelerado, Eleonora preferiu
apegar-se a esperança.
— Onde a encontrou? — Foi à pergunta fria.
Gelada. Sem emoção. Era assim que as palavras
soavam na boca de Lucius.
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— Deserto das Areias Vermelhas — foi


Eleonora quem respondeu por Egan, com ma
punção de ódio revirando dentro de si, destruindo
seu bom senso, como Egan imaginava que
aconteceria. — Escondi-me no deserto. Sobrevivi
no deserto. E aqui estou. De volta ao meu lugar.
Lucius não responderia para a filha que em
breve estaria morta pela sua espada. Mas os olhos
de Eleonora lhe cobraram que respondesse. Por
mais cruel que fosse, Lucius não pode evitar olhar
em seus olhos.
Não conseguiu evitar imaginar o que essa
fada escondia em seu olhar.
— Sim — Eleonora respondeu a pergunta
que encontrou em seus olhos. — As asas nasceram.
É muito tarde para me matar. Egan as viu. O
Primeiro Guardião, um elfo de poder e respeito,
que não poderá ser calado, mesmo que eu esteja

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morta, viu minhas asas e ouviu minhas palavras.


Depois do Deserto, onde tudo é cruel e mortal, eu
padeci do nascimento das asas e sobrevivi. Na
Floreta de Saul, nas margens do Rio Branco, como
jamais esquecerei, minhas asas romperam a carne e
surgiram. E agora, aqui estou. Pronta para tomar o
que é meu. Pegar a força. Tirar de você.
Medir força com Lucius não era uma boa
ideia. Mas Eleonora precisava dizer a ele que era a
vencedora. Que era justo que fosse desse modo,
depois de todo o mal que lhe fizeram!
Santha levantou do trono, disfarçando o
tremor do corpo, apontou em sua direção:
— Assassinou o meu Rei! Não tem o direito
de falar comigo! Não tem o direito de falar com a
rainha! Assassina que deve ser punida com a
morte! O abismo! Leve-a, Lucius. Corte suas asas e
a jogue no abismo! É a única punição que lavará a

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honra e as lágrimas derramadas dentro do meu


castelo! — A voz tremeu.
Eleonora sentiu pena diante de tanta loucura
interior.
Tanta pena que era impossível Santha não
perceber e reconhecer o significado do brilho em
seu olhar.
— Não olhe para mim! — Santha berrou,
apontando para Eleonora, sua mão e seu braço
trêmulos.
— Houve uma mudança de planos — Egan
ergueu a voz, chamando assim atenção de todos,
calando os gritos da rainha. — Novas provas que
devem ser julgadas com calma. Peço aos Guardiões
que se aproximem. Aos Conselheiros, que façam o
mesmo. Não caberá a Lucius e Santha a decisão de
punir pela morte do Rei.
— Enlouqueceu Egan? — A voz a contestá-
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lo vinha de seu pai, que ao adentrar o salão parecia


desacorçoado com o que ouvia. — Permitiu que
essa fada o ludibriasse?
— Não — Egan enfrentou-o. — Apenas me
rendi à verdade que não pode ser contestada, a
menos que apresentem novas provas. —
Aproximou-se de Eleonora e soltou o broche que
prendia a capa, em um movimento íntimo, que fez
os olhos da fada inundar-se de lágrimas.
Ele a exibiria ao mundo, com o orgulho de
quem sabe de sua inocência.
A capa cedeu e ela se encolheu, apavorada.
— Mostre suas asas, fada — Egan ordenou.
Eleonora nunca quis passar por isso. Não
pediu para ser rejeitada justamente por quem
deveria ter-lhe dado amor e proteção. Sempre
temeu a exposição que uma fêmea agraciada pelas
asas passa, ao ser submetida ao ritual de escolha
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que acontecia anualmente. Naquele mesmo salão,


todos os anos as fadas da clausura eram exibidas
como mercadorias.
Qual a diferença do que acontecia agora?
Nenhum.
Magoada, andou alguns passos para frente, e
encarou Lucius antes de dizer:
— Saia da minha frente, inseto. Quero que
Santha veja as asas antes de todos. Quanto a você...
Não é nada pra mim.
Lucius não esperava que a cria que
abandonara para a morte pudesse um dia enfrentá-
lo e principalmente ser tal como ele, cheia de
domínio próprio, de força interior e de esperteza.
Que poderia esconder o medo e camuflar o pavor,
exibindo aqueles modos gelados, do mesmo modo
que ele fez a vida toda.
A vida fizera sua cria ser uma cópia física de
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sua progenitora, mas por dentro, era uma cópia


perfeita dele mesmo. Sua melhor obra estava diante
de si.
Reconheceu na face orgulhosa tanto de si que
se arrependeu de tudo que fizera. Mas o
arrependimento não pode ser medido por
sentimentos e sim por atos. E era demasiadamente
tarde para ele. E para Santha também.
— Não concebemos escolhas aos assassinos.
Levem-na para as masmorras — Lucius elevou a
voz.
Havia um claro impasse. Sem o Rei e nas
mãos de uma rainha instável, deveria prevalecer a
vontade dos Guardiões e Conselheiros, quando em
consenso.
O pai de Egan aproximou-se e pôs uma das
mãos no ombro de Lucius, fazendo-o recuar em
suas palavras de ordem.
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— O Primeiro Guardião defende a acusada.


É justo que esclareça suas razões antes que se puna
um inocente e incorra no risco de deixar os
assassinos a solta.
O simples ato de usar as palavras ‘os
assassinos’ era um indício que sabia muito bem de
todo o plano e confiava que Reina não lhe mentiria.
— Não é necessário palavras. A fada deve
exibir as asas para que todos saibam que seu cheiro
é idêntico ao da rainha. E que sendo sua filha de
sangue, deve ser eliminada ou todos saberão que a
rainha enganou e casou-se com o Rei usando de
mentiras. O cheiro de uma fada pode ser explicado
por linhagem, mas as asas não. As asas de uma fada
primogênita são idênticas as de sua progenitora.
Não há margem para contestação de que há um
forte motivo para que a rainha Santha e seu amante,
Lucius, desejem causar mal a acusada.

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Eleonora não deveria estar imóvel pensou


Egan. Ela fitava Santha com tanta raiva, mas era
incapaz de expressá-la, pois lá no fundo da alma
doía terrivelmente saber que era alvo de um plano,
vindo daquela que deveria ter lhe amado a vida
toda.
A loucura nos olhos de Santha, a fragilidade
por trás da rainha louca. Ela conhecia aquela
expressão. Durante anos enxergou isso diante de si,
em suas amigas, em suas colegas de Ministério do
Rei. Até mesmo nas carcereiras. Em si mesma, foi
lá que Eleonora mais viu essa expressão.
Eleonora aproximou-se de Egan,
singelamente pedindo que não a deixasse sozinha.
Ele segurou sua mão e a levou para longe de
Lucius, para perto dos Guardiões, pois aqueles
elfos eram sua segunda família e como tal, também
a acolheriam.

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— Prenda esse Guardião por desobedecer às


ordens da rainha — Lucius apelou — É um traidor!
Aliou-se a essa assassina no golpe para tomar o
lugar do Rei! É isso! Um plano entre Guardiões e
fadas da clausura!
— E de que modo uma fada da clausura
poderá tomar o poder? Exigir o trono? — Foi à
palavra do pai de Egan, desafiando o elfo — A
menos que corra sangue real nas veias da fada, ela
nada pode tramar contra uma tomada de poder. O
trono pertence aos descentes de sangue do Rei e da
rainha. Tão somente a eles, inexistentes até esse
momento. Mesmo que a rainha seja destronada,
ainda assim, sem descendentes de sangue, o trono
será disputado entre Conselheiros e Guardiões!
Lucius se calou.
Santha desceu os degraus que elevavam o
trono a outro patamar, andando a passos lentos em

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direção a Eleonora. Era possível que diante da


situação, houvesse mudando seus planos, pela
necessidade de escapar a todo custo!
Egan impôs-se entre as duas, mas Santha não
parou ou deu atenção a um simples Guardião, fosse
Egan ou não.
— Eu nunca pude vê-la. — Admitiu. —
Apenas um relance de olhar quando nasceu — ela
admitiu outra vez. — Eu nunca imaginei que meu
amante teria matado minha filha. Ele a levou dos
meus braços! Disse que minha amada cria estava
morta! Logo depois o Rei me escolheu. O Rei sabia
de tudo. Juro que sabia. Assim como eu jamais
imaginei que estivesse viva. Perto de mim —
mentiu. — Mostre suas asas, fada da clausura. Se
você é mesmo a minha filha roubada de mim, é
muito bem vinda ao meu lado no trono...
Egan ficou surpreso com a nova informação.

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Eleonora mediu as palavras da rainha e seus olhos.


Cada célula do seu corpo gritava de vontade
de acreditar naquela doce mentira.
A verdade apunha-la e sangra. A mentira
afaga e presenteia. Era assim a vida e ao contrário
de confortar, revoltava.
A sua volta Eleonora não olhou para Lucius e
sua indignação que tentava aproximar-se e investir
contra Santha, vingando-se pela mentira que o
levaria a morte. Foi contido pelos Guardiões e
calado ouviu:
— Eu sei por que fez isso — Eleonora disse
afinal, ignorando Lucius, seu foco era Santha. —
Eu sei como é crescer no Ministério do Rei —
contou sem saber que a tristeza trazia lágrimas
silenciosas em suas faces. — Eu sei o desespero da
clausura. O medo de uma vida sem ver a cor do dia.
Eu sei da expectativa de esperar ser escolhida... Do
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desamor de querer alguém que nunca poderá lhe


escolher. De viver sem saber o que é liberdade. Eu
sei que trocou sua descendência por liberdade. Eu
entendo — os olhos de Santha estavam secos,
arregalados e frios. Mas lá no fundo das íris vítreas
havia reconhecimento pelas verdades impressas nas
suas palavras. — Entendo porque foi mais fácil
abrir mão de tudo. Eu só não... Consigo aceitar.
Entender é fácil. Perdoar... Eu não sei perdoar
alguém que me odiou desde o dia da minha
concepção. Eu sei que mente, Santha. Não é minha
mãe. Não é nada meu. Tão pouco é Rainha.
Assassinou o Rei para que ele não soubesse. Para
que a decisão fosse sua. Para que me caçassem
como a um animal. Para que eu fosse morta antes
das asas nascerem! Para que não fossem vistas
pelos Guardiões e Conselheiros! Mas não foi o que
aconteceu — ela deixou as asas finalmente se
abrirem e o som de surpresa em torno de si não a
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teve o poder de abalar ou desviá-la de sua missão


— Egan acreditou em mim. Minhas asas são meu
álibi. Eu nunca me deitei com um elfo e meu cio é
legítimo. Eu provo. E quem terá sido a fada a
deixar o mesmo cheiro que eu? Quem é a única
com razão para tudo isso? Quem foi à única fada a
testemunhar meu crime? E também a única a ter
motivos para querer ao Rei e a mim, mortos?
— Ainda sou a rainha — Santha alegou
mudando a postura de tal modo que ninguém
reconheceu à bela e fútil rainha, apenas um
demônio de ódio e rancor. — A decisão ainda é
minha! Levem-na para as masmorras! — Gritou.
— Por quê? Para ter a chance de cerrar
minhas asas e livrar-se das provas? Agora é tarde,
todos já sabem do seu crime! — Eleonora gritou
de volta, sem perceber que Santha retirava algo das
vestes.

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— Sou a rainha! Rainha! — Seu berro


estremeceu as paredes e antes que Egan pudesse
tentar evitar ou prever, Santha fincou um punhal
nas costas de Eleonora, exatamente na raiz das
asas.
Era um movimento louco, de alguém que
nunca primou pela razão. Ela cerrou com força,
ignorando a dor de sua própria cria que se curvou
para o chão sob o peso do seu ataque. Tudo muito
rápido, frações de segundos.
Os gritos de dor de Eleonora cessaram
quando Egan imobilizou a rainha e do outro lado do
salão os Guardiões fizeram o mesmo com Lucius,
preventivamente, pois o ataque da rainha
confirmava as alegações sobre sua insanidade total
e a possibilidade de ser a responsável pelo
assassinato do rei.
Santha tentara cerrar as asas, numa patética

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tentativa de acabar com a prova do seu crime.


Estava louca e apesar de Eleonora ter um talho
doloroso na carne, a única dor verdadeira, era no
coração de Eleonora:
— Minha mãe! — Ela gritou para que Santha
ouvisse antes de ser levada. Eleonora gritava,
levantando do chão, cambaleando mesmo assim,
precisando ficar de pé para mostrar a Santha que
não importava quantas vezes tentasse derrubá-la,
sempre levantaria e a enfrentaria. — Como pode?
Como pode viver sabendo que tirou minha vida?
Como pode me abandonar? Me expulsar da sua
vida por causa de ouro e poder? Como? Onde está
seu coração? O que você é? Um monstro é o que
você é! Não merece suas asas, não merece sua
beleza, não merece o título que ostenta! Não é uma
fada. — Eleonora tentou correr atrás de Santha,
mas foi contida, mantendo os gritos mesmo assim

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— não é uma fada, é um verme! Um verme


asqueroso que merece sentir a dor que eu senti a
vida toda! Eu a odeio! Eu a odeio tanto! Mas tanto!
Tanto...! Me dói o tanto que a odeio!
Seu choro cortou o coração de Egan, mas ele
não podia aliviar seus sentimentos, apenas barrar
sua passagem e a segurar, mesmo que Eleonora
dobrasse o corpo e tentasse se soltar.
— Acabou, fada. Acabou — ele a consolou,
enrolando-a na capa e a erguendo do chão.
Mesmo em seu descontrole nervoso,
Eleonora suspeitou que não fosse assim tão
simples. Quanto tempo leva para um ser esquecer
tanta rejeição?
— Ainda falta muito para provar a inocência
desta fada — foi à voz forte do pai de Egan que
trouxe lucidez. — As demais fadas devem ser
encontradas primeiro.
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— Não será necessário, meu pai. Eleonora


diz ser casta. O que torna todo o testemunho de
Santha falso. A única a se deitar com o Rei naquela
noite foi ela mesma. Ambas partilham o mesmo
cheiro natural, típico de fadas da mesma linhagem.
Uma das duas deitou-se com Isac naquela noite. E
se Eleonora é casta... Não sobram dúvidas sobre
Santha estar mentindo em sua versão do que
aconteceu naquela noite. Se mente sobre Eleonora,
mente sobre as demais fadas. Foi apenas um plano
ardiloso. Apenas isso. O Rei está morto e os
culpados são Santha e Lucius. Cúmplices e
amantes.
— Primeiro, provaremos a castidade da fada.
Depois... Veremos o que fazer sobre a rainha. —
Túlio sugeriu e não havendo divergência de opinião
entre os demais Guardiões, Egan e Eleonora foram
levados para que ela pudesse ser atendida.

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— O que farão comigo? — Balbuciou sendo


levada por Egan.
— Por enquanto nada, agora se cale, que
você não me obedeceu em nada que pedi. — Ele
estava no limite do autocontrole por causa da
situação que viviam. A fada não entendia a
dimensão da situação que enfrentavam.
Era emocional demais para considerar a
amplitude do que vivia.
Ela via tudo pelo lado pessoal, por sua
situação e por tudo que perdeu no campo familiar.
Egan lidava com a situação de uma troca de
governo. Uma tomada de poder. Algo que acontece
entre os séculos, de forma natural, com a sucessão
de um Rei por outro, sempre na mesma linhagem,
nunca por um golpe e exigência da substituição de
uma rainha!
Nunca de modo vergonhoso e abusivo.
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Eleonora não conseguia compreender o reboliço


que isso causava.
— Eu... Eu não pude me controlar. Ela me
atacou, Egan. Santha tentou mais uma vez me
ferir... — Não queria chorar, mesmo assim
escondeu o rosto em se peito e ele sentiu as
lágrimas molharem sua armadura.
Palavras não poderiam abrandar o que sentia,
tão pouco Egan as possuía para ofertar-lhe.
*****
Algum tempo mais tarde, em um dos quartos
do castelo, nas alas relegadas ao uso da família real,
Eleonora estava sentada na cama, nua da cintura
para cima, enquanto Reina fazia curativos em sua
pele, onde estava ferida. O choro havia acabado,
mas ela estava abatida e apática, sem coragem para
dizer nada. Mesmo assim, algo lhe veio à mente,
em meio a toda a confusão do confronto com seus
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progenitores.
— O que o pai de Egan aquis dizer com
provar minha castidade? — Era uma dúvida que
martelava em sua mente e a fazia pensar sobre a
repercussão disso em seu futuro.
— O que você acha, querida Lora? — Reina
perguntou em tom sorridente, sendo provavelmente
a única que entedia o que acontecia por outro ponto
de vista. Ela não enxergava apenas as brigas, a luta,
aprovação e a questão política. Reina enxergava a
liberdade de sua menina, a prosperidade quando
aquilo tudo acabasse. — Os Conselheiros e
Guardiões escolherão um deles para comprovar sua
castidade. Mas não se preocupe, será um breve
momento de irritação e estará livre das acusações.
— Eu não poderei escolher qual deles? —
Ela perguntou horrorizada, afastando-se de Reina,
chocada. — Eu prometi a Egan que... Ele seria o

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Rei se me ajudasse. Eu empenhei minha palavra!


— E o que tem uma coisa a ver com a outra?
— Reina perguntou surpresa, tornando a cuidar de
seu ferimento, que graças à sorte, não era tão
profundo que não pudesse cuidar com seu dom de
trabalhar ervas medicinais. — Prove sua inocência.
Depois cumpra sua promessa. A cada segundo a
liberdade total se aproxima de você, minha querida
Lora. E de suas amigas, de nossas meninas perdidas
no Reino das Fadas. Elas estão desamparadas e
desesperadas. Estou preocupada com Tobias sem
supervisão, andando por aí... Com Joan, sem
minhas poções e chás... Como não deve estar sua
saúde sem cuidado... — suspirou, em lamento —
Alma, pobre fada, não é bom que ande sozinha,
tensa e acuada. Ela pode cometer algum desatino e
a perderemos para sempre. Tenho receio que se ela
matar uma única vez, nunca mais pare de matar!

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Isso precisa chegar ao fim o mais rápido possível.


Não renegue a sorte que está desmantelando-se
diante de você. — Seu tom continha uma pitada de
aviso e represaria. — Agora descanse. Durma e
descanse. Mais tarde será chamada para saber da
decisão dos Guardiões e do Conselho.
— Mas eu... — Ela pensou em argumentar
que não queria deitar-se com qualquer elfo. Queria
Egan!
Reina a fez vestir uma túnica limpa e macia,
em linho caro, ricamente bordado e a colocou sob
as cobertas, ignorando seus protestos.
— Para onde levaram Santha? — Perguntou,
sem saber de onde vinha à necessidade de saber do
paradeiro de Santha, a rainha louca.
Reina não gostou da pergunta e o modo
como a olhou era a prova disso.
— Lucius foi levado para as masmorras
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temporariamente. Ele é apenas um agregado do


reino, que ousou gritar com Guardiões e rebelar-se
contra Conselheiros. É atribuída a ele a punição de
aguardar junto às masmorras. Quanto a Santha...
Não pode ficar no trono enquanto as acusações não
forem descartadas. Também não possui família que
a abrigue. E não pode ser levada para as
masmorras, pois não há sentença firmada ainda. —
Engoliu em seco, olhando-a nos olhos, estes lhe
dizendo bem mais do que suas palavras. —
Levaram-na para seu lugar, de onde ela veio... O
único lar a qual pertence: a clausura.
Eleonora não conseguiu manter o olhar em
Reina. Era desconcertante saber que uma criatura
não valia nada além do que lhe era atribuído ao
nascimento.
Reina não insistiu no assunto, tão pouco
Eleonora queria falar disso agora.

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Com cuidado, Reina cobriu-a com as


cobertas e lençóis, como uma verdadeira mãe faria
com sua cria adorada. Beijou-a na testa e saiu.
Bem, melhor se calar, pensou Eleonora,
absorvendo as palavras ditas por Reina, esperando
que fizessem sentido na sua mente. Parecia tão
pouco reclamar de um momento íntimo, com um
desconhecido, quando poderia ter sido privada de
toda uma vida!
Cansada, deitou na cama e apesar de todo
conforto, não conseguiu descansar. Sua mente
insistia em lembrá-la de Santha, da clausura e de
tudo que aconteceu.
Do confronto entre elas duas mais cedo,
ainda no salão principal do trono. Da agressão.
Fechava os olhos e enxergava a face enlouquecida
de Santha, ao atacá-la com tanta crueldade.
Inquieta, afastou as cobertas e levantou-se.

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Era sua última chance de saber a verdade.


Sua última chance!

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Capítulo 26 - O escuro de saliências

Para quem viveu toda uma vida andando


pelos corredores, sorrateira como os ratos, não
houve dificuldade alguma em esgueirar-se até o
Ministério do Rei. Conhecia aquele lugar como a
palma de sua mão.
Desde que saíra da área nobre e luxuosa do
castelo, destinada para a família real, Eleonora
levava consigo uma pequena ajuda. Seu dom
aflorado conduzia uma singela brisa como aliada.
Nada demais, apenas uma delicadeza para esconder
seu cheiro de cio, e prevenir que o odor alertasse
sobre sua presença.

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Era aprazível sentir-se poderosa. Dominar


seu poder e usufruir dele. Ao chegar diante do
gabinete usado por Miquelina, a principal das
carcereiras, Eleonora espiou pela fresta da porta
entreaberta. A cobra peçonhenta nunca usava a
chave. Gostava de ouvir os gritos das fadas da
clausura. Era um prazer secreto que a fada
guardava para suas noites.
Furiosa, sufocando a fúria, Eleonora deixou
que a brisa suave encontrasse caminho para a saleta
pequena e abafada. Não havia janelas e Miquelina
sentiu um arrepio quando a corrente de ar a tocou.
Não percebeu, porém que a corrente de ar levava
consigo sorrateiramente seu molho de chaves,
sempre preso em seu cinturão, preso sobre sua
roupa de carcereira.
A fada carcereira manteve os olhos de águia
abertos, procurando qualquer vestígio de

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anormalidade. Era seu sexto sentido pressentindo o


perigo. Aquela cobra merecia vingança, mas
Eleonora se controlou e recebeu nas mãos as
chaves, afastando-se apressada pelo corredor.
Controlar seu dom lhe permitia ludibriar o
faro das fadas. Infelizmente não conseguia o
mesmo efeito com machos, pois a essência
masculina era deveras sensível ao odor do cio.
Eleonora nunca havia estado na clausura por
muito tempo. Às vezes era levada para lá, como
punição. Mas quem mais frequentava aquelas celas
eram Alma e Driana. As duas rivalizavam em
punições. Eram assíduas daquelas celas fedorentas.
Aqueles quartos mofados e escuros.
Driana que por conta de sua mente aguçada,
naturalmente se tornava um desafio para mente
limitada das carcereiras e suas palavras sempre era
tomadas como ofensas e soavam arrogantes. E

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Alma por defender Joan com unhas e dentes,


sempre assumir a culpa por tudo, para não ver
nenhuma das amigas ser levada para aquele lugar
horrível. Às vezes, Eleonora desconfiava
que Alma até gostasse da reclusão, pois ao menos
nesses momentos ela estava longe da tentação de
acabar com tudo usando seus gritos estridentes.
Lembranças e pensamentos horríveis.
Precisava livrar-se deles.
Percorrer os mesmos corredores medonhos
do seu recente passado causava-lhe uma estranha
sensação de claustrofobia.
Uma vez provado o gosto da vida em
liberdade, era impossível suportar o cheiro daqueles
corredores. Ainda mais insuportável era ouvir o
som dos gritos.
As celas, como chamavam as fadas ou
quartos, como chamavam as carcereiras, eram lado
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a lado, cubículos de não mais de um metro. Portas


maciças, muitas protegidas pela magia dos dons das
carcereiras, impedindo assim as constantes
tentativas de fugas. Apenas uma fenda na parte
inferior da porta, rente ao chão, permitia passar um
prato com comida ou água.
Em determinado ponto, Eleonora parou e
apoiou-se na parede, tentando conter o ataque de
nervos que ameaçava torná-la histérica como
àquelas fadas que berravam por ajuda. Elas ouviam
os passos de Eleonora no corredor e imaginavam
que fosse uma das carcereiras, por isso tanto medo.
Eram gritos de temor, desespero e esperança,
como se mesmo depois de anos de clausura
esperassem que um milagre acontecesse.
Eleonora recuperou o controle e tornou a
andar, fingindo não ouvir as vozes. Andou por
muitos metros, quando ouviu uma voz que não

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gritava e sim, sussurrava provavelmente esquecida


de tentar ser ouvida. A desistência, nesses casos,
parecia ser um desolador companheiro de
sofrimento!
— Por favor, me ajude... Por favor, me
ajude... Por favor, me ajude... Por favor, me ajude...
Era uma mesma sequência repetida sem
descanso. A pobre infeliz deveria ter enlouquecido
com os anos e por isso mesmo, sua mente não
compreendia que jamais seria atendida em seu
pedido de ajuda.
Eleonora curvou-se e tentou ver pela fresta.
Encontrou um par de olhos tentando ver o lado
exterior.
Era uma fada com olhos escuros, olhos
desesperados e sujos, olhos que a muito não viam
nada além do horror. Comovida Eleonora apoiou as
mãos naquela porta e sussurrou de volta, para a
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estranha por detrás daquela porta, de um modo


simbólico, como se ela representasse todas as
outras:
— Eu vou destruir a clausura. O inferno terá
fim, minha querida. Eu juro que os dias de
escuridão e dor estão chegando ao fim. Não peça
ajuda. Creia em mim e nada mais poderá atingi-la.
Será livre, eu lhe juro. Não chore mais.
Talvez sua voz calma ou a convicção em
cada palavra dita, ou apenas o olhar sincero, foi o
bastante para acalmar os sussurros desesperados da
fada.
Eleonora sabia que jamais a conheceria
pessoalmente. Era algo tão despretensioso e sem
interesse, que cortava seu coração em pequenos
pedacinhos, espalhando-se pelos chãos e paredes
daquele lugar.
Os gritos das outras fadas continuavam, mas
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ela já não sentia tanta angústia. Fortalecida pela


certeza de que seria ela a destruir a clausura, o
Ministério do Rei e todas as carcereiras, Eleonora
recompôs-se e recomeçou a andar, farejando no ar
o cheiro de Santha.
Um dos quartos mais reclusos era o lugar
onde trancafiaram Santha. Eleonora tocou a porta e
sentiu o medo voltar. Cuidadosa, colou a chave no
buraco da fechadura e abriu a tranca.
Era provável que Santha pensasse ser a visita
de uma das carcereiras, pois Eleonora disfarçava
seu cheiro para que nenhuma delas a farejasse,
encontrasse e delatasse.
Afinal, ainda não era uma fada inteiramente
livre, faltava à sentença dos Conselheiros e dos
Guardiões. Um consenso entre eles, a cerca de sua
inocência, a levaria diretamente para o trono.
O quarto era muito parecido com os quartos
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das fadas do Ministério do Rei.


Menores e solitários, mas muito parecidos.
Uma cama pequena, grudada na parede, feita em
madeira e palha. Um candelabro de metal no chão,
desprovido de velas. Um buraco no chão, onde as
fadas deveriam aliviar suas necessidades
fisiológicas. Santha estava de costas para a porta,
sentada ereta, mãos rente aos joelhos, cabeça
erguida, olhos focados na parede mofada.
Haviam lhe desprovido da túnica ricamente
bordada, a vestido com uma túnica velha e gasta,
típica da clausura. Suas joias haviam sido
confiscadas pelas carcereiras, é claro que elas
fariam isso, pensou Eleonora.
Urubus sobre a carniça, essa era a melhor
definição para as carcereiras daquele lugar!
Roubaram-lhe tudo, inclusive os sapatos, mas
não lhe arrancaram o ar austero e orgulhoso.
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Santha percebeu que a carcereira não falava e


não andava pelo quarto. Isso lhe despertou
curiosidade, por isso foi a primeira a ceder e olhar
na direção da porta, enquanto Eleonora mantinha-se
imóvel.
— O que quer aqui? — A pergunta foi séria,
limpa e sem sombra de abalo.
Santha não se preocupava com as razões da
criatura diante de sim. Apenas não desejava ser
importunada naquele momento de horror.
— Eu escapei de Reina e dos outros, para
procurá-la — Eleonora trancou a porta e guardou a
chave em seu busto, sob a roupa. A suave brisa que
trazia consigo adentrou e Santha respirou fundo,
apreciando esse ar fresco. Não era a intenção de
Eleonora, mas acabou por ajudá-la. — Eu vim até
aqui porque preciso saber por quê. — Sua voz não
demonstrou um terço da emoção que sentia.

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Mesmo assim, o seu olhar desmentia sua


aparente força.
— Olho para você e vejo minha aparência —
disse Santha. — Ouço suas palavras e seu modo de
falar, e se fechar os olhos, ouço Lucius. Ele sempre
foi assim. Falador demais. Capaz de convencer a
mais sábia das criaturas a segui-lo em seus planos
mirabolantes.
— Não me interessa saber de Lucius. Eu sei
tudo o que preciso sobre ele. É um egoísta. Um
desgraçado que sempre usou da clausura para se
beneficiar. Um enganador. Filho de um elfo
abastado, não precisava de nada disso. Ele quis o
poder e encontrou-o em um Rei cheio de falhas.
Como eu disse, eu sei tudo que preciso saber sobre
Lucius. Mas não sei sobre você. Eu não sei o
porquê fez isso. Porque chegou tão longe. Por quê?
— Olhe para si mesma. E saberá a resposta

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— Santha levantou e andou alguns passos pelo


limitado espaço. — É uma fêmea! Será que não
percebe? É fêmea. Por condição, nasceu destinada a
padecer. Eu fui assim minha vida toda. E mesmo
rainha, minha vida não deixou de ser miserável. O
que a faz pensar que é diferente, Eleonora? O que a
faz especial?
— Não fale o meu nome. Não lhe dou esse
direito. — Ela disse magoada.
— Porque não? É um belo nome. — Santha
ridicularizou.
— Reina escolheu esse nome com amor e
carinho. Foi ela quem me nomeou. Não ouse sujar
algo bonito com o seu veneno — disse, com dentes
trincados, tensa.
— Eleonora é um belo nome. Mas não é seu
nome, nunca foi. Eu a chamei de Thena. Quando
ainda estava no meu ventre, eu a chamava assim.
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Thena. — Ela lembrou-se — Fazia muito tempo


que não pensava sobre isso, achei que tinha
esquecido, mas sim, foi esse o nome que escolhi.
Lucius disse que era tolice nomear uma cria que
não me pertencia, mas eu fiz assim mesmo.
— Como é possível que tenha feito tudo isso
por causa dele? De Lucius? — Ela mal acreditava
nisso.
— Acha mesmo que foi por causa de Lucius?
Que ele me usou? — Santha ironizou.
— Ele sempre fez isso. Enganar as criaturas
em nome do poder. Porque você seria diferente? —
Eleonora jogou de volta, repetindo a pergunta de
sua antagonista.
— O problema, Eleonora, não é ser diferente.
É ser igual. — Santha afastou os olhos. Por um
segundo, Eleonora pensou ter visto um vislumbre
de lágrimas.
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Um pensamento triste, talvez?


— De onde você vem, Santha? De onde eu
venho? — Era a derradeira pergunta.
Santha não olhou em sua direção. Fitou a
parede e agora sim, Eleonora tinha certeza que via
tristeza. Um pensamento longe, procurando pelas
lembranças trancafiadas em seu coração.
— Eu tinha muitas esperanças quando
minhas asas nasceram. Eu era tão linda. Assim
como você, minha beleza era peculiar e única —
finalmente olhou para sua cria. — Tão bela, minhas
asas eram divinas, meu cheiro de cio era perfeito.
Eu deveria ter sido escolhida naquele ano. Meu
tormento teria fim, eu tinha total convicção. Mas
não aconteceu. Durante quatro longos anos, não
aconteceu. As fadas mais jovens foram adquirindo
suas asas e a certeza do esquecimento se abateu
sobre mim e tantas outras na mesma situação —

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fugiu da pergunta original, mas Eleonora não teve


coragem de retrucar. — Eu não me importava com
mais nada. Foi quando Lucius apareceu — ela
quase sorriu. — Eu nunca me enganei sobre ele.
Um aproveitador, enganando as fadas desiludidas
da clausura para obter sexo fortuito, um modo de
desafiar o poder do Rei, sem, no entanto despertar
interesse suficiente para uma punição. Lucius
sempre quis o lugar do Rei. E quem não queria, não
é? — Outra vez, ela ironizou. — Eu acreditava no
que dizia, eu me entregava as suas palavras,
sorvendo de sua vitalidade. Ele ficava mais tempo
comigo do que com as outras. Com o tempo, eu era
a única com quem ele permanecia. Trazia-me
roupas, comida. Água limpa. Eu não preciso lhe
explicar o valor que um cantil de água tem para
alguém que é privado de tudo. Você sabe. — Ela
jogou de volta.

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Eleonora não teve coragem de responder ou


desmentir.
— É essa a sua desculpa esfarrapada, que
justifica todos os seus atos? — Ela devolveu a
ironia e Santha sorriu.
— Quem está tentando se desculpar? Eu? Foi
por isso que veio aqui? Em busca de um pedido de
perdão?
— De modo algum — Eleonora negou, pois
jamais esperaria isso da rainha.
— Cada segundo mais parecida com Lucius.
Tenha cuidado, Eleonora. Parece demais com ele.
— Santha sabia que a ofendia falar desse modo. —
Eu nunca seria notada ou escolhida, Eleonora,
então porque me importar com o que aconteceria
comigo? Eu aproveitei cada segundo do caso
tórrido que vivi com Lucius numa cela parecida
com essa, nos mais obscuros corredores da
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clausura! Eu desfrutei cometer o crime contra o


Rei. Eu fiz isso por gosto. — Havia tanta fúria
guardada nas palavras de Santha que custava crer
que ela houvesse mesmo vivido com Isac tantos
anos – Eu emprenhei. Não esperava por isso. Mas
aconteceu. Quer saber minhas alternativas? Não
havia alternativas. — Fixou os olhos em Eleonora.
— O Rei me escolheu naquele ano. Uma grande
piada do destino, não é? Aconteceu. Lucius não viu
impedimento para o casamento. Para ele era tudo
tão simples. Eu entendo que deveria ser simples
para mim também. Você me olha com nojo —
disse quase sorrindo diante dessa constatação —
Acho que você não entende, não é? Quando
nascesse, Lucius a levaria para o Ministério do Rei.
Para ser criada como órfã, enquanto eu apodreceria
na clausura sem nunca vê-la, ou saber de você. Se
descobrissem meu crime, eu seria morta. Você?
Continuaria no Ministério do Rei. Casando-me com
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Isac, você se tornou um problema a ser eliminado.


Poderia ser levada para o orfanato ou então
escondida. Mas sejamos sinceras, em algum
momento, alguém notaria suas asas. Notaria a
semelhança. Eu preferi o caminho mais justo e
fácil. Preferi a morte da minha cria, a vê-la penar
da clausura — suas palavras soaram duras, ela
tremia diante desse pensamento — e no fim, foi o
que aconteceu. Eu olho para você e sinto o cheiro
do Ministério. Eu olho para você e me vejo, amarga
e dura pela vida, olhando com olhos de cobrança e
rancor. Você é tudo que eu não queria que uma cria
fosse. Você penou o que eu não queria que penasse.
A morte era mais justa. Menos cruel. O caminho
libertador. Mas você não entende isso. Claro que
não.
— Eu preferia ter sido criada longe. Eu
preferia ter tido a chance de viver uma vida! —

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Eleonora usou o mesmo tom, acuada por Santha ver


através dela, reconhecendo seus mais reclusos
sentimentos.
— Uma vida? Que vida acha que espera uma
fêmea sem linhagem? É uma estúpida. Nem mesmo
sua fuga conseguiu lhe mostrar como o mundo é de
verdade? — Santha disse rancorosa. — Sabe o
destino de uma fêmea lá fora, sem a proteção do
reino? Sabe? — Santha gritou a última palavra e
Eleonora gritou de volta:
— Sim, eu sei!
— Não. Você é uma criança estúpida e
rancorosa que não sabe de nada! Não conhece a
vida, não conhece a vida como eu conheço! —
Apontou para si mesma. — Não são todos os órfãos
que chegam bebês e sem lembranças a esse inferno!
Eu vim parar aqui, Eleonora, porque fui vendida
para as carcereiras! E quer saber como foi que

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cheguei a isso?
— Foi o que vim lhe perguntar. Não fingia
que não ouviu minha pergunta — finalmente, diria
tudo que Eleonora viera ouvir.
Tremando, mas tentando subjugar esse
descontrole, Santha sentou-se na beirada da cama
de madeira, coberta de palha e contou:
— Minha progenitora era uma fada verde.
Por isso nossas características físicas são tão
diferentes — contou, a voz tornando-se novamente
fria. — Dizem que as fadas verdes trazem absoluta
sorte a quem as possui. É mentira, fadas verdes não
trazem sorte, e sim destruição. Ela casou-se com
um elfo aldeão, no Vilarejo Sem Fim. Um elfo
comum, sem posses e sem condição alguma de
garantir a segurança de uma fada verde, tão
cobiçada por todos. Eu tinha poucos meses de vida,
quando Caçadores de Fadas vieram e a levaram. Eu

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nunca mais soube sobre ela. Incendiaram nossa


casa, mataram a todos. Minha mãe me escondeu na
hora do ataque. Algum aldeão me encontrou logo
depois. Eu não era especial como uma fada verde,
mas era peculiar. Este elfo me criou até os cinco
anos de idade, esperando me manter como sua
fêmea no futuro. Mas a esposa dele não gostou da
ideia. Tentou me afogar no Rio branco. Achou que
eu estivesse morta, por isso me jogou na água. A
correnteza me levou por quilômetros. Fui
encontrada por uma Caçadora de Recompensa. Ela
estava em uma missão importante, me alimentou,
vestiu, penteou — ela contou com frieza — disse
que cuidaria de mim, que eu teria um lar e nunca
mais sofreria! — Bateu no peito, com obsessão no
olhar — Achei que estivesse segura! Segura!
Durante semanas eu achei que estivesse salva e
protegida! Que finalmente eu seria querida e amada
por uma família! Mas esse foi o tempo que levou
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para que chegasse ao Reino de Isac e me oferecesse


como uma mercadoria na Vila das Fadas — olhos
opacos e sem vida, eram assim os olhos de Santha
— uma carcereira me comprou. Disse que
precisava de ajuda no trabalho doméstico do
orfanato. Eu valia tão poucas moedas que ela
comprou sem negociar o preço. Eu era menos que
nada. Bem menos que nada! — seu desabafo não
era apenas para Eleonora, era para si mesma. — Ela
foi embora um ano depois, acho que se casou... E
eu fiquei para trás, sem família, sem ninguém por
mim. Depois disso, tornei-me outra fada do
Ministério do Rei, fadada a clausura. Assim como
você. Entenda, Eleonora, tirar sua vida era um ato
de humanidade.
Eleonora não disse nada. As palavras
estavam presas em sua garganta.
— Eu não queria me livrar da minha cria.

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Mas também não me esforcei para mantê-la. Com


meu dom, o mesmo que possui, eu poderia ter
coagido o Rei a aceitar essa cria como sua. Eu
poderia ter achado um meio para um fim. Muitas e
muitas vezes, ao longo destes anos todos, eu pensei
sobre isso. Havia tantas possibilidades. Mas eu
nunca quis. Eu não queria nada que viesse da
clausura. Nem mesmo a cria que gerei. Nem
mesmo a Thena que nutri em meu ventre durante
aqueles meses de angústia e aflição!
— Thena? — Eleonora disse amarga. — Eu
não gosto desse nome, eu prefiro Eleonora. Diz que
tenho sangue de fada verde. Isso é bom, precisarei
de muita sorte para ser uma boa rainha. Mas eu
serei. Uma rainha como você nunca foi. Acabarei
com a clausura. Cuidarei das fadas que ficaram
trancafiadas por tantos anos, elas jamais passaram
dificuldades novamente. Eu mudarei tudo, Santha.

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Será outro tipo de vida.


— A qual eu não faço parte. — Ela concluiu.
— Tem que ser assim. Espero que não lhe falte
forças para levar adiante tão belos planos. Não é
tão simples agir, quanto falar — ela foi derrotada
pela própria cria e sua convicção de liberdade — o
preço da liberdade é tão alto, Eleonora, que às
vezes penso se a prisão não é o caminho mais fácil.
— Eu só vim aqui para olhar para você e
saber da verdade. Foi só isso. Não tenho mais nada
a fazer aqui. — Disse desacorçoada.
Viera buscar respostas para suas perguntas,
mas encontrara apenas novas indagações e mais
dor.
— Será essa a minha punição? — Santha
perguntou antes que ela saísse. — As masmorras
para sempre?
Sim, era apenas isso que a importava. Não
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ser prisioneira. Santha e seu desejo absoluto por


liberdade. Era uma obsessão. Uma necessidade, um
desespero. Uma pena, que ao obter seu maior
desejo, Santha não soubera usufruir e ser feliz!
E por isso mesmo que Eleonora nada
respondeu.
— Só não esqueça, Eleonora, que um dia eu
a quis mais que tudo. Foi um momento. Durante
apenas alguns segundos... Eu a quis mais do que
desejei a liberdade.
A voz sussurrada de Santha doeu na alma de
Eleonora. Ela destrancou a porta e saiu, fechando-a
a trás de si. Encostou ambas as mãos na madeira,
depois de trancar outra vez.
As lágrimas corriam em seu rosto. Encolheu-
se, escorregando no chão, sentando-se no corredor,
de lado, chorando. Era falta de colo, falta de
amparo, falta de mãe. Falta daquilo que jamais
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seria seu. Não se importou em ser ouvida. Tantos


gritos em torno de si, tantos gritos de desespero e
medo, ninguém se importaria com seu choro.
Pensou ter ouvido passos e ergueu a cabeça,
imaginando encontrar uma das carcereiras. Mas não
era. Fechou os olhos para não ver a repreensão no
olhar de Egan. Ele nunca poderia entender
plenamente o que passava no seu coração.
— Desobedeceu minhas ordens novamente,
Eleonora — ele disse ríspido — Está brincando
com sua sorte. O que pensa que faz aqui, fada?
Eleonora não impediu que Egan a pegasse
pelos braços e a erguesse de pé. Ele tentou olhar em
seus olhos, mas ela não aceitou, baixou a cabeça,
escondendo a face.
— Valeu a pena se arriscar tanto por causa
dessa rainha louca? — Ele quis saber, revoltando.
— Não. — Ela negou, humilhada.
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— O Conselho está deliberando. Eles


precisam chegar a um consenso, antes de chamar os
Guardiões. É assim que funciona. Pela manhã
deveremos chegar a uma posição sobre o que vai
acontecer com você e com o reino. Quer estragar
tudo isso? — A sacudiu de leve e Eleonora chorou,
enquanto respondia angustiada:
— Não!
Apenado, Egan manteve o olhar sobre ela.
Dividido entre lhe confortar e lhe cobrar essa
desordem.
Vozes no corredor alertaram o Guardião do
perigo. Era Miquelina, acompanhada de mais duas
carcereiras. A fada sorriu satisfeita em pegar
Eleonora no flagra. Havia algo de demente em seu
olhar ao aproximar-se e arrancar a chave da cintura
de Eleonora, onde havia amarrado em sua túnica.
— Cometeu um crime contra as leis da
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clausura. É terminantemente proibido ter contato


com enclausuradas, sem permissão prévia! No caso
de uma prisioneira, esse crime tornar-se
imperdoável! — Miquelina disse com satisfação na
voz — mais um crime para sua longa lista de
acusações, Eleonora!
Tanta satisfação. Egan enxergou diante de si
o que as palavras de Eleonora não conseguiram
explicitar ao lhe narrar sobre a vida no Ministério
do Rei.
Enfurecido, Egan agarrou a carcereira,
quando esta tencionou colocar as mãos na fada
chorosa. Uma das mãos do Guardião vestida com a
armadura agarrou o pescoço da fada e a colocou
contra a parede.
A força da fada não era nada comparada a
força de um Guardião.
— Guarde sua língua dentro da boca,
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carcereira. Eu tenho o poder de calá-la para sempre


— ele ameaçou. — Respeite sua futura rainha.
— Um Guardião que se bandeia e se junta
aos assassinos... — Miquelina rosnou, furiosa. —
Quanta vergonha carrega a linhagem de Túlio, seu
pai. Quanta vergonha!
O desaforo apenas alimentou a raiva de
Egan. Ele apertou com mais força, mas parou e a
soltou, quando a fêmea engasgou e agarrou seu
pulso, tentado se soltar. Dizendo para as outras
carcereiras, bem mais jovens que Miquelina:
— No amanhecer do próximo dia, o
Ministério do Rei não mais existirá. — As duas
jovens se olharam assustadas. — A clemência de
uma rainha deve ser conquista e não repudiada. —
Lembrou-as disso.
Não houve respostas, mas é claro que
nenhuma delas apoiaria Miquelina em uma queixa
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contra Eleonora. E diante da perda total do poder, a


carcereira permaneceu no lugar, sem concepções de
reclamar ou atentar contra eles.
Egan tomou Eleonora no colo e a levou
rapidamente pelos corredores. Foi um longo
caminho até encontrarem o luxo e ostentação que
Rei Isac, quando vivo, exigia de seus aposentos.
— Egan... Desculpe-me, eu não pensei. Eu só
fiz. — Ela explicou, ainda trêmula.
— Entre e deite-se. Durma. Cure-se.
Esqueça. Faça o que tiver que fazer, mas amanhã
quando for chamada, terá que me obedecer. Terá
que ouvir, terá que calar. — Segurou sua face e
plantou um beijo suave sobre a curva da sua testa e
nariz. — Amanhã, será uma rainha, Eleonora.
Deixe essa verdade embalar os seus sonhos nesta
noite.
Um suspiro penoso e ao mesmo tempo
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satisfeito, Eleonora acenou e aceitou que Egan se


afastasse.
Entrou no quarto e foi diretamente para a
cama. Cobriu-se e tentou fechar os olhos. Os
sonhos viriam, pensou. Sonhos de uma vida livre,
feliz e repleta de alegrias. Uma vida com suas
amigas e uma família formada ao lado de Egan.
Mas antes, o que veio foi o choro.
Ela perdeu tanto na vida. E esse tanto não
voltaria jamais.
Esse tanto estava perdido para sempre. E o
sempre é tempo demasiado para guardar uma
mágoa como a que machucava seu coração...

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Capítulo 27 - Espelho da verdade

Uma barulhenta reunião envolvendo todos os


dez Conselheiros, os Guardiões e as esposas do rei
assassinado, aconteceu e perdurou por todo o dia
seguinte.
Era meio do dia, quando cansados todos os
presentes ouviram a voz das esposas viúvas. Uma
delas, a mais jovem foi eleita entre elas para falar.
— Exigimos o direito ao trono — ela disse,
era uma fada relativamente jovem, adquirira por
Isac um ano antes de escolher Santha. Após a
escolha de Santha, não houve outras fadas
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escolhidas pelo Rei. Sua obsessão pela rainha


beirava a loucura. — Somos as primeiras, as
esposas de direito. O trono nos pertence.
— Nenhuma das fadas escolhidas de Isac
gerou herdeiros — disse Túlio, falando em nome
dos Conselheiros. — Nenhuma cria viva ou morta.
Não houve direito de sangue. As leis são muito
claras quanto a isso. O trono pertencerá à esposa
escolhida que estiver ocupando o trono na ocasião
da morte do Rei. Essa fada era Santha. Cabe a ela e
as suas crias, a herança do trono. Dada à delicadeza
da situação, uma cria de Isac poderia ser eleita ao
trono, passando sob o direito de Santha. Mas nunca
houve herdeiros de Isac.
A fada olhou na direção de suas
companheiras de calvário. Usavam belas vestes, em
tecido de boa qualidade. Joias. Adornos.
Maquiagens. Eram bem tratadas, no entanto,

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privadas do direito de ter uma vida. Ela usava um


vestido trançado nas costas, revelando suas asas
curtas e de coloração escura. A seda fluía até o
chão e era um movimento bonito de ver. Era uma
bela fêmea.
— E o que acontecerá conosco? —
Perguntou a fada, assustada.
— Essa pergunta não pode ser respondida
ainda. Deverá aguardar, assim como todos os
outros. — Disse Egan, aproximando-se da fada —
mas acredito que Eleonora, se empossada do trono,
não deseja causar sofrimento as esposas do Rei
Isac, pelo contrário. Ela tem planos sobre extinção
de métodos antiquados dentro do castelo.
Tranquilizem-se.
A fêmea olhou para o Guardião com
esperança no olhar. Quem sabe, fosse à hora de ser
livre? Para algumas delas era tarde demais, eram

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velhas e doentes, mas para outras, como ela


própria, ainda havia a chance de uma vida. Quem
sabe uma vida feliz? O direito a escolher um elfo,
obter uma família e obter uma linhagem?
— Se isso é verdade, podemos mesmo
confiar em suas promessas, Guardião Egan... Não
há reivindicações da nossa parte. Desde que a
futura rainha prometa não esquecer-se da nossa
situação. Precisamos de amparo. De um lar. De
uma chance de recomeçar nossas vidas em
liberdade. Não há mais espaço para nós junto ao
trono.
— Eleonora não se esquecerá de nenhuma de
vocês. Na verdade, ela deseja priorizar as fadas
enclausuradas, sejam desvalidas ou não. —
Prometeu Egan, sinalizando para que Reina, mera
espectadora, se aproximasse para conduzir a fada
para seu lugar, junto as outras esposas de Isac.

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Agora, elas eram meras espectadoras, como os


demais presentes.
Egan notou o instante em que Reina
sussurrou algo no ouvido da fada, viúva de Isac, e
ambas olharam para ele. Sua mãe adotiva espalhava
a novidade sobre Egan ser o rei escolhido da futura
rainha. Sendo assim sua promessa e sua palavra,
eram valiosas.
A fada ficou ao lado das demais, como
espectadoras. Todas elas com o mesmo sentimento.
Fêmeas que exigiam reparação. E a liberdade. Não
eram rainhas, mas eram viúvas de um rei que não
existia mais. Junto com sua morte, havia se ido à
obrigação de privarem suas vidas em nome de
seguir um rei que nunca se importou com nenhuma
delas.
Contrariando as expectativas de um desfecho
no dia seguinte, as brigas e discussões entre

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Guardiões e Conselheiros estenderam noite à


dentro.
A madrugada evaporou sem uma resolução.
Quando ficou claro para todos que Santha era uma
mentirosa e que a chegada da fada contratada por
ela anos atrás para assassinar a própria cria, era por
si só uma confirmação inquestionável, a sentença
surpreendeu a Egan.
Mikazar não entrou no castelo, por isso não
pode ser ouvido.
Era uma criatura estranha demais para ser
aceita pelos Conselheiros. Deveria ser mantido sob
a guarda, em vigilância. Um absurdo baseado em
puro preconceito, mas era assim que funcionavam
as regras do reino.
A criatura pertencia a uma raça ainda não
catalogada e como tal não poderia ser considerado
um vivente do reino e sim, uma possível ameaça.
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Era necessário primeiro avaliar sua


permanência na Vila das Fadas antes de permitir
que andasse pelo castelo.
A velha fada foi ouvida por longas horas. Ela
contou sobre seu trabalho proibido na floresta.
Sobre Lucius ter descoberto e não acusado
formalmente ao Rei. Ter usado do seu segredo para
chantageá-la.
Contou sobre a pena que sentiu da fadinha
abandonada, de como não teve coragem de ficar
com ela, por medo de Lucius, mas também não teve
coragem de deixá-la no deserto para uma morte tão
cruel.
Que deixou a cria na floresta, com uma
esperança de que algum milagre pudesse acontecer.
E que esse milagre aconteceu e Reina a encontrou.
Que ao saber disso, que havia uma recém-nascida
deixada no Ministério do Rei, com as

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características de Santha, sua única escolha foi


anunciar a própria morte e fugir.
Esconder-se e mudar de nome e profissão,
para que Lucius não a caçasse quando descobrisse a
verdade.
Que essa demora a fez crer que nunca seria
descoberta em sua fuga, até ficar sabendo dos
boatos sobre o assassinato do Rei.
Seu depoimento durou tempo suficiente para
satisfazer todas as perguntas dos Conselheiros.
— Alega não mais praticar seu dom de cura.
— Túlio disse com voz mansa. Era um assunto
delicado, pois conhecia muito bem esse assunto. —
Há quanto tempo aboliu essa prática proibida?
— Muitos anos, meu senhor, mais de vinte
anos. — A fada anciã mentiu. — Aprendi uma dura
lição ao abusar do meu dom, aceitando ouro para
atos condenáveis e criminosos. Tenho vivido como
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um animal escondido em tocas, tentando


sobreviver. Imploro clemência e perdão para meus
crimes do passado. Sou apenas uma fada velha,
cansada e que precisa de um lugar para viver em
paz.
Os olhos do Conselheiro encontraram a
figura de sua esposa, Reina, que também possuía o
mesmo dom perigoso, e essa decisão lhe pesou. Se
levasse adiante a acusação, todos os Conselheiros
concordariam.
— Segue as regras do Reino. Não posso
acusá-la oficialmente. Será uma pendência a ser
decidida pela nova rainha, seja ela Santha ou
Eleonora. — Ele avisou e com um sinal de descaso,
indicou para um dos Guardiões mais novos que
poderia levar a fada embora.
Aliviada a fada seguiu o jovem.
— E a criatura chamada Mikazar? Deve ser
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ouvida — disse Egan, apegando-se a mais essa


testemunha.
— Nenhuma palavra dita por uma criatura
sem raça definida poderá ser considerada. Primeiro
é necessário descobrir a que raça pertence.
Era uma decisão que Egan não poderia
mudar com palavras e insistência. Falsamente
cordado, acenou e não insistiu mais.
Por enquanto a única conclusão unanime era
que as asas de Eleonora eram prova suficiente de
que Santha tinha razões fortes para querê-la morta.
E sua castidade era a confirmação que não estivera
com o rei na noite de sua partida.
E se não era o seu cheiro sobre o corpo do
Rei e sim o cheiro de Santha, era possível que as
mentiras estivessem confirmadas.
Ainda faltava ouvir Miquelina. Com certeza,
esse depoimento acabaria com as chances de
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liberdade de Eleonora, mesmo assim, Egan não


pode evitar que a cobra fosse ouvida.
Vestida como sempre, a fada foi levada
diante dos Conselheiros. Era amante de um deles há
muitos anos e mãe de um dos Guardiões. E embora
Egan conhecesse toda a triste história, não disse
nada. Ainda não.
Evitaria ao máximo causar danos a um de
seus colegas Guardiões.
— O que querem de mim? — Miquelina não
aguardou as perguntas. Não era seu jeito esperar.
— Uma única pergunta. A fada Joan possui
ou não o dom da ilusão dos sentidos? De criar
imagens e desviar a realidade dos olhos de quem
for guiado por ela?
— Sei aonde quer chegar e a resposta é não.
A fada Joan, até então, mostrou um dom fraco para
criar ilusões. Apenas isso. Ela é doente. Fraca.
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Nunca me causou grandes problemas com seu dom,


nunca teve forças para manifestá-lo. Suas asas não
nasceram e seu dom não é completo. Duvido que
consiga ter domínio sobre o dom na situação
precária de sua saúde. Muitas vezes foi necessário
puni-la por insubordinação incitada pelas demais
fadas. Mas nunca foi algo natural da fada, nunca foi
espontâneo. Ela não é de criar arruaças.
— Hum, interessante — Túlio olhou para os
demais Conselheiros antes de perguntar. — Então
não acredita que pudesse ludibriar os olhos de
Santha a ponto de outra de suas amigas se passar
por Eleonora durante a cópula?
— Sinceramente? Duvido que alguém
conseguisse ludibriar os sentidos de Santha. É uma
fada com dom de controle sobre os elementos. Ela
sente o cheiro de um invasor a quilômetros. E além
do mais, as fadas fugitivas não possuíam controle

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de seus dons completos na ocasião da fuga.


Nenhuma delas. Faço um rigoroso controle disso e
não existe nenhum dom dentro do Ministério do rei
que não seja controlado por mim. É um
monitoramento diariamente.
— Mesmo a fada com dom de hipnotizar
com a voz? Ela não poderia ter controle sobre seu
dom? — Túlio insistiu.
— Alma é como um raptor descontrolado.
Não conseguiria controle suficiente para manter seu
dom, mesmo que totalmente desperto. Ela é
instável. Furiosa demais para seguir ordens. Eu
não apostaria o reino de Isac na teoria de Alma ter
conseguido controlar Santha.
— Bem, levando em conta que as fadas não
poderiam ludibriar Santha e quem apoia essa teoria
é a carcereira responsável pelas fadas, à mesma que
acompanhou o crescimento de todas elas, paga para

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vigiar o dom das enclausuradas, pergunto: Alguma


contestação sobre isso? — A pergunta era somente
para os Conselheiros, seus colegas.
— Resta saber se o elfo envolvido poderia ter
responsabilidade no acontecido. — Um deles
alegou — Tobias é acusado de roubar a tiara do
Rei.
— Não — imediatamente Egan se
manifestou. — O elfo Tobias foi acusado e
absolvido da acusação. Isso aconteceu antes do
assassinato do Rei. Ele encontrou a tiara perdida e
ficou com ela por curiosidade. Não queiram reabrir
uma questão encerrada! As leis foram seguidas,
obedecidas e não pesa sobre Tobias nenhuma
acusação, além das especulações de ter ajudado na
fuga das fadas!
— Seu irmão causou muitos transtornos ao
longo dos anos, Egan — o mesmo Conselheiro

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ironizou. — São muitos os crimes de roubo que


pesam sobre ele!
— Sim, não nego, todos esses crimes foram
julgados e suas sentenças cumpridas. Não podem
condenar um elfo pelo seu passado. Ou todos os
elfos presentes nesse salão seriam passiveis de
condenação! — Ele devolveu o veneno do
Guardião na mesma moeda. — Tobias e as outras
fadas estão envolvidos na trama armada por Santha
para incriminar Eleonora. Usou-os como escudo
para que ninguém notasse Eleonora. São quatro
fadas. Mas três delas foram acusadas injustamente
por causa da amizade com Eleonora, à cria
renegada de Santha. Não cabe falar das outras
fadas, elas não oferecem nada ou agregam valor
nessa questão. O ponto central é a relação entre
Santha, Lucius e Eleonora. Está na hora de definir
toda a situação! Chega de especulações! Todos

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reconhecem a procedência da fada? Sua linhagem?


Houve um pesado silêncio diante dessa
pergunta.
— Se a resposta é sim, cria-se um forte
motivo para Santha ter comandado essa trama
elaborada, que culminou com a morte do Rei Isac.
— Encerrado seu discurso, Egan esperou.
Os Guardiões falavam entre si. Era
necessário um debate sobre tudo que ouviram e
viram. O mesmo acontecia com os Conselheiros.
E quando os Conselheiros finalmente
chegaram a um consenso, uma hora mais tarde,
Egan ouviu calado toda a conclusão.
— Egan trouxe a acusada e foi muito
corajoso em acreditar nela — seu pai disse com
orgulho.
Coube outra vez a Túlio ser o porta voz.

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— Acreditei nas provas, não nas palavras da


fada — Egan alegou não gostando da expressão dos
elfos. — Os Guardiões estão seguindo fadas
inocentes, dispostos a trazê-las vivas ou mortas
para serem julgadas. Há presa em definir a culpa
dessas fadas. Eu sei da ponderação e do cuidado,
mas não há tempo a perder!
— Sim, por causa dessa situação inaceitável,
não resta alternativas — seu pai alcançou-o com
passadas largas — está diretamente envolvido com
a fada. Suas palavras podem ser mal interpretadas
e a dúvida prevalecerá. Por conta disso, a castidade
da fada será confirmada, para que não haja
qualquer sombra de dúvidas quanto à inocência da
fada. Adolf foi um Guardião de confiança. Um dos
melhores — apontou um dos elfos mais velho, que
nos tempos atuais era Conselheiro, após uma
brilhante carreira como Guardião — seu interesse é

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puramente social e consciente da necessidade de


destituir Santha do trono e definir os direitos da
fada Eleonora. Ele deverá confirmar a castidade e
assim, libertar a jovem para sua nova condição de
rainha.
— Confirmar a castidade? Você quer casar
uma fada da clausura com esse elfo ancião? — O
sangue ferveu nas veias de Egan. Sabia bem que
era o ciúme falando mais alto do que a razão.
— De modo algum. Ele apenas deflorará a
fada. Os métodos que usará não nos cabem
questionar. Ela estará livre para usufruir de seu
lugar no trono e escolher o Rei que lhe convir.
Um sorriso irônico e Egan apontou o elfo
velho, com desprezo:
— E acaso não foi este e todos os outros
Conselheiros, inclusive o senhor, meu pai, que
durante anos aceitaram ordens de Santha sem nunca
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questioná-la? Se a minha palavra não é imparcial,


porque a dele seria? É bem provável que se deleite
com a fada e depois a acuse. Exijo que uma fada
confirme essa verdade. Essa é a verdadeira
imparcialidade! Uma fêmea sem segundas
intenções deve confirmar a castidade da fada!
— Egan — foi à vez de Reina interferir. —
Não é desse modo que acontece. Nunca esteve com
uma fada casta, não sabe como é. Apenas o macho
saberá. Não é algo que uma fada possa confirmar.
Não é como no corpo de uma humana. Sei que já se
deitou com humanas e fadas — era seu enteado e
sabia tudo sobre ele, mesmo os segredos que Egan
acreditava manter escondidos dos pais — mas uma
fada casta é diferente das fadas que conheceu.
— Fadas e humanas são iguais — ele negou.
— Fisicamente sim. Mas existe algo
diferente em uma fada casta, uma mágica que

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apenas um elfo pode sentir, que nem mesmo o dom


de uma fada pode camuflar. Isso é muito maior do
que o físico e muito maior que uma barreira física.
Sugiro que a fada escolha o elfo de seu agrado. E
que um dos Conselheiros acompanhe tudo com
olhos atentos.
— Pelo que entendo a palavra de um
Guardião não tem valor. Nós que doamos nossas
vidas lutando e protegendo o Rei — um deles se
manifestou, um Guardião mais jovem e impetuoso,
ansioso para se fazer ouvir, pois acreditava ter
palavras de valor a dizer. — Porque um
Conselheiro? Porque eu não posso fiscalizar?
Reina e o marido trocaram um olhar longo e
condescendente. Como haviam imaginado uma
guerra de egos estava definida. Horas de discussão
que nada acertaria. Apenas mais tempo perdido.
— Sugiro um sorteio — uma voz se elevou

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entre eles. — Sortear o elfo que deflorará a fada e


sortear quem fiscalizará. Desse modo não há a
menor chance de contestação!
Era um Guardião ainda mais jovem que o
primeiro, e pelo olhar de ódio do Primeiro
Guardião, o rapazola preferiria ter mantido a língua
dentro da própria boca em vez de se meter naquele
pesado assunto.
— Está decidido. — Túlio, representando o
conselho, concordou — um sorteio mágico, sem
chances de trapaças.
Um sorteio. Egan apenas assistiu o sorteio
acontecer. Uma travessa de prata com os nomes dos
elfos escritos com magia sobre o metal. Um a um,
cada elfo presente escreveu seu nome.
Quando o último o fez, os papéis evaporaram
da travessa de metal e um nome se destacou.
— Ildegar — seu pai disse satisfeito. — O
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Sétimo Guardião. Uma perfeita escolha para a fada


Eleonora. Agora, o elfo que fiscalizará.
Egan olhou para longe, remoendo a raiva e o
ciúme. Quando o segundo nome apareceu e o
silêncio aconteceu, Egan imaginou o resultado.
Olhou para confirmar. Como imaginava, ele
seria o elfo a fiscalizar, assistir e acompanhar cada
segundo do momento em que outro macho
deflorasse a fêmea que ele desejava.
As palavras de protesto estavam na ponta da
sua língua. O desejo de erguer a espada contra a
decisão dos Conselheiros também. Mas era a vida
de Eleonora e suas amigas que estavam em jogo e
não a dele.
Que tipo de amor egoísta colocaria o ciúme e
possessão acima da vida de inocentes?
Fadas perdidas em florestas e vilarejos,
expostas aos perigos mais odiosos que uma fêmea
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pode ser apresentada. Meninas inocentes, feridas e


magoadas pela vida, lutando pela própria
sobrevivência, enquanto eram caçadas como
animais por Guardiões repletos de poder. E ele
preocupado com ciúmes?
Sufocando a fúria doentia, Egan saiu do salão
principal, sabendo que sua mãe o seguiria.
Reina o seguiu por muitos corredores,
quando Egan parou e virou-se em sua direção,
Reina soube que era a hora de falar, pois o filho
ouviria:
— Eleonora precisa ser rainha, Egan. Não
fique revoltado. É apenas um acontecimento
comum, um momento e a fada será livre para você.
— Ela ponderou.
— Eu tive a chance de fazer isso na floresta...
— Estava inconformado — não é justo que a usem
desse modo, mãe! — Egan alegou.
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— Ainda bem que não encostou-se a Lora.


Seria uma falha imperdoável. Pense nela e não em
você. É um macho experiente, Eleonora é uma
fêmea inocente para tudo. Ela ficará assustada
quando souber seu destino e o que terá de
acontecer. Torne esse momento menos angustiante,
fique ao lado dela. A mágoa e o ciúme passarão
com o tempo.
Egan não respondeu, o silêncio era prova de
sua revolta.
— Está apaixonado por Lora. Eu sempre
soube disso. Que você a ama desde muito cedo. Eu
sempre nutri a esperança de que Tobias não
interferisse nesse sentimento e o destino tratou de
resolver isso. Eu não o incentivei a querer
Eleonora, pois não sabia como resolver o impasse
entre Tobias e Eleonora, mas agora... Veja, o
destino foi caprichoso e resolveu isso. Resolverá

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também esse sentimento de ciúme. O tempo fará


isso.
— Eu odeio os Conselheiros — ele disse
amargo.
— Não, você não odeia. Seu pai é um
Conselheiro, o pai de muitos dos Guardiões são
Conselheiros. Você será um deles em poucos anos,
quando a armadura não mais lhe convier. Não tenha
ódio do seu destino, Egan. Eles lidam com a
maturidade e as decisões baseadas em razão e
ponderação. Os Guardiões lidam com o corpo e o
imediatismo. Ambos se completam, são vitais para
o bom andamento do reino. Agora, pense em
Eleonora. Seja gentil com ela. Seja cuidadoso com
Ildegar, ele é um Guardião jovem e o idolatra. Não
cause uma ruptura entre os Guardiões por causa de
Eleonora. Será um Rei, Egan. Essa é apenas uma
das muitas decisões difíceis que terá de tomar em

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sua vida.
— Farei o que tem que ser feito — alegou,
afastando-se do toque carinhoso de Reina — mas
não me peça para aceitar. Não vai acontecer.
Tenho aturado todo tipo de ordem vinda do
Conselho. Todo tipo de absurdo! Não vou tolerar
mais nada!
Reina segurou-o, obrigando o filho a olhar
em sua face, pois com todo seu carinho de mãe
tocou o rosto de Egan e o fez menos furioso:
— Será Rei, Egan. Depois, quando estiver no
trono, você concerta todos os problemas do reino.
Inclusive, uma lição para os Conselheiros. Agora,
você abaixa sua cabeça, engole a ordem, ajuda
Eleonora a passar por isso com o mínimo de
dignidade. Lembre-se, você não viveu metade da
dor que Lora experimentou em sua jovem vida. É
hora dela ter um pingo de alegria e tranquilidade. E
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se você a ama, como eu sei que ama, fará isso por


ela. — Reina tocou sobre o peito coberto pela
armadura e completou. — Em breve nada impedirá
que seja um casal. Nada. Será um Rei justo e
corajoso. Eleonora será uma rainha piedosa e
clemente para os mais necessitados. Haverá uma
balança entre os dois, até onde um pode ir, sem
magoar a índole do outro. Comece agora, Egan. Irei
preparar Eleonora para a consumação. E você,
prepare Ildegar. Ele deve saber como agir com uma
fada casta, provavelmente não sabe o que acontece
na consumação do cio. Fale com ele. Alivie seu
coração sendo útil.
Egan fechou os olhos com força, afastando as
mãos de sua mãe. Não havia aceitação real, apenas
cumprimento do dever.
Que fosse assim, pensou Reina.

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Capítulo 28 - Cacos de vidro no chão

Eleonora acordou no meio da madrugada


com barulho nos corredores. Não era fácil
adormecer depois de tanta emoção. Estranhava
muito estar em uma cama normal, quando sua vida
toda dormiu em camas simples e desconfortáveis.
Dois dias inteiros desfrutando do bom e do
melhor. Comendo comida luxuosa, vestindo roupas
bordadas a ouro, provando vinho.
Sendo cuidada por fadas de linhagem, que
submissas lavavam seus cabelos e alisavam sua
pele com aromáticos cremes e unguentos. As
mesmas fadas que sempre ignoraram o sofrimento

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dos órfãos do Ministério do Rei.


No orfanato nunca houvera luxo, estar em
uma cama repleta de tecidos, plumas e conforto, era
estranho e irreal. Ainda mais com sua mente
confusa, perturbada e fora dos sentidos.
A exaustão a levou ao sono, em mais uma
noite de espera, por isso, acordou assustada quando
a porta foi aberta por Reina. Atrás dela vinham dois
elfos, dois Guardiões desprovidos de suas
armaduras.
Um deles era Egan. Seu coração acelerou por
vê-lo. O outro era conhecido por ser um Guardião,
mas Eleonora nunca havia reparado nele o bastante
para saber quem era ou seu posto, seu lugar em
hierarquia dentro do conjunto de Guardiões que
mantinham o reino em total segurança.
— Acorde, Eleonora. — Reina disse
carinhosa, aproximando-se da cama com um sorriso
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satisfeito, tentando despertá-la com naturalidade.


— A reunião acabou. Decidiram sua situação.
Imediatamente, Eleonora sentou na cama,
esquecida dos elfos.
— Qual foi à sentença? — Perguntou, com
angústia pura em sua face.
Infelizmente Reina não estava interessada em
elucidar-lhe dúvidas e sim, preparar o que deveria
acontecer naquele quarto.
— Foi banhada mais cedo com ervas
poderosas. Foi preparada para o que acontecerá. Eu
pedi que cuidassem de você enquanto procurava
por isso — ela apontou um embrulho que estava
esquecido sobre a cama, pois Eleonora não reparou
quanto Reina o colocou ali. — É um presente. De
uma mãe que a ama acima do bem e do mal. Que
quer sua felicidade e fará de tudo para que alcance
a liberdade usando do modo mais justo e
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verdadeiro que exista. — Reina beijou ambas as


bochechas de Eleonora e disse, sem conter o
sorriso:
— O Conselho e os Guardiões chegaram a
um consenso. Não há provas que possa incriminá-
la. Nenhuma prova que aponte para você a culpa, e
sim, para Santha. Resta uma única pendência, Lora.
Prove sua castidade e sairá livre desse castelo. Não
é maravilhoso? Santha não conseguiu o que queria.
Eu mal posso acreditar que finalmente será livre,
Lora! Tantos anos esperando por esse momento!
Finalmente poderei leva-la para casa comigo!
Era um argumento inválido, como rainha
Eleonora moraria no castelo, mas Reina não falava
como pajem pessoal da rainha, falava como sua
protetora.
Sua alegria era de mãe. Eleonora olhou para
os dois elfos e perguntou a ela baixo,

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envergonhada, muito assustada:


— Dois elfos? O que fazem dois machos no
quarto?
Sabia como acontecia a cópula, mas não
sabia que precisaria de dois machos! Apesar dos
pesares, o cio fez revirar um sentimento obsceno
em suas entranhas. Ela olhava desconfiada para os
dois e Reina sorriu, maneando a cabeça.
— Não. Não se assuste. Não copulará com os
dois! De modo algum! Foi realizado um sorteio,
para definir quem a deflorará e quem fiscalizará.
Egan deve fiscalizar. Foi um sorteio justo. Ildegar é
o Sétimo Guardião e é uma grande honra para ele
deflorar a futura rainha. Não fique nervosa,
querida, é um ato natural entre macho e fêmea.
Lembre-se que estarei no corredor. Chame se
precisar de mim.
— Não! — Ela segurou a mão de Reina,
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imediatamente assustada — Não vá, não me deixe


sozinha com eles... Por favor, não me deixe
sozinha... Não, Reina. Não...!
Reina não podia ficar por isso, livrou-se de
suas mãos, que tentavam segurá-la, soltou-se e saiu.
Era algo que sua protegida precisava enfrentar.
Sozinha, Eleonora olhou para os dois em
pânico.
Puxou as cobertas sobre o corpo e nesse
movimento derrubou o presente de Reina no chão.
O embrulho cedeu, revelando um tecido delicado e
ricamente bordado. Uma túnica para ser usada
depois do ato, quando não fosse mais uma fada
casta e sim uma fêmea completa. E algo mais, que
rolou pelo chão. Era uma concha do mar. Uma
linda e graúda concha do mar. Algo incomum
naquela região.
Ninguém reparou nisso. Eleonora afastou os
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olhos do objeto e fixou-os nos dois Guardiões.


O elfo Ildegar era alguns centímetros mais
baixo que Egan e um pouco menos musculoso.
Seus cabelos eram avermelhados, curtos e mantidos
rentes à cabeça. Olhos castanhos e um sorriso
envergonhado de quem não queria estar fazendo
aquilo. Parecia tão contrariado que era quase
ofensivo a sua vaidade feminina.
— Isso é... Ridículo — Eleonora disse tensa,
ainda na cama. Ao notar sua vulnerabilidade, saltou
da cama e se afastou dos dois, impondo distância.
— Eu não o conheço. Nunca o vi ou reparei em
você! Eu não me deitarei com um completo
estranho!
O elfo olhou para trás, para o seu superior,
como quem pergunta se pode falar com a fada.
— Ordens são ordens, Eleonora. Não as
questione. O mesmo vale para você Ildegar. —
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Egan disse apontando a fada. — Sirva-se do que


lhe foi dado. Confio em seu julgamento, Ildegar.
Não ficarei olhando, me retirarei para a varanda. —
Ele avisou, procurando um local no quarto onde
pudesse ficar sem precisar olhar para aquela cama.
Mais do que isso, onde não precisasse olhar
para a fada.
— Quanta delicadeza — ela disse furiosa ao
notar que Egan não se importava. — Tanto faz com
quem seja só quero que isso acabe logo de uma vez
para ir embora daqui! — Furiosa, aproximou-se da
cama e puxou os lençóis para o chão, pois se não
estava enganada a cama ficaria imunda quando
terminassem.
Não era ignorante sobre o ato em si, apenas
assustada sobre realizá-lo com quem não lhe
despertava os instintos.
— Não será permitido que vá embora —
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Egan fez questão de enfrentá-la usando todo a raiva


vinda do ciúme como arma para feri-la. Deveria
ficar calado, não confrontá-la, mas era impossível
conter o ciúme, e não atacá-la. — Será rainha. E
tem uma divida de honra comigo. Cumpri minha
parte no acordo, fada! Terá de cumprir a sua!
— Sim, cumprirei! Será Rei! E depois... Vou
embora! Para bem longe de você e da sua
arrogância!
— Talvez vá atrás do meu irmão — Egan
acusou, sentindo o ciúme avolumar, pois não
aceitava que outro a tivesse.
Finalmente havia admitido para si mesmo
que queria a fada. E sua porção macho não aceitava
vê-la com outro.
— Farei isso. — Ela avisou — qualquer um é
melhor que um elfo que não faz nada para impedir
uma barbárie dessas! Onde já se viu! Olhe para
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mim! Olhe para ele! Não nos conhecemos!


— E você me conhece? — Ele jogou de
volta. — Isso não fez a menor diferença quando me
ofereceu o reino! Quando se ofereceu para mim na
floresta!
— É diferente! — Gritou com ele. —
Através das palavras de Tobias e de Reina eu o
conheço! Através dos meus olhos que sempre o
enxergaram entre os demais, eu o conheço! É muito
diferente, seu egoísta! Eu sempre olhei na sua
direção! Eu sempre o procurei! Eu sempre o quis! É
muito diferente!
— A escolha não é minha, fada. Se eu me
opuser você ficará sem sua liberdade e Santha
retoma seu posto de rainha. Negar-se ao ato será
sua confirmação de culpa! Um crime ficará impune
e uma inocente será punida. Além disso, meu irmão
é fugitivo de um crime que não cometeu! Suas

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amigas serão caçadas e mortas, assim como


acontecerá com você!
Eleonora sentiu a raiva abrandar diante dessa
verdade.
— Tem razão. — Ela disse triste. — Minhas
amigas merecem toda minha dedicação e todo o
meu sacrifício. Desculpe-me por isso, Ildegar, não
queria ofendê-lo como elfo. Perdoe meu susto. Não
é sua culpa que me sinta assim. — Disse humilde.
O elfo Ildegar pareceu tão desconfortável
quanto poderia estar alguém que não deseja
desagradar sua futura rainha, tão pouco seu ídolo, o
Guardião a quem sempre se espelhou.
Eleonora permaneceu parada olhando para
Ildegar esperando que se manifestasse. O elfo fez o
mesmo. Olhou para trás, para Egan como quem
pergunta se deveria mesmo fazer isso, se deveria
seguir em frente.
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Eleonora estava começando a se desesperar


quando entendeu que o elfo não moveria um dedo
para consumar o ato e assim provar sua inocência.
— Eu preciso provar que falo a verdade —
disse admitindo a si mesma que teria sim que
passar por isso. — Minhas amigas estão correndo
risco de vida por minha causa! Diga-me o que
espera que eu faça, Guardião Ildegar. Eu devo
obedecê-lo nesse momento.
Egan virou de costas furioso, odiando cada
segundo de sua própria presença naquele cômodo.
Em sua raiva, seu pé escorregou na concha do mar,
que rolou para perto de onde Eleonora estava.
— Eu nunca questionaria a palavra do meu
superior — Ildegar disse, bastante tenso. — Não sei
como os Conselheiros puderam pensar que Egan
mentiria sobre um assunto tão sério!
— Ora, a única razão para aquelas rapinas
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acharem que mentiria, é que se um deles emprenhar


a futura rainha, o Conselho jamais precisará votar
junto aos Guardiões. Nunca mais precisarão
conquistar votos, tendo um deles como Rei — Egan
disse naquela irritação que impunha medo no
Guardião mais jovem.
Esbravejava com tal fúria que assustava o
rapazola.
O rapaz engoliu em seco e disse sem jeito:
— Eu não gostaria de emprenhar a rainha.
Pretendo escolher uma jovem da clausura daqui a
dois anos quando suas asas nascerem... Eu não
posso casar com outra. — Disse sem jeito, olhando
para o chão, parecendo arrependido do que dizia.
— Ildegar... Serei a rainha. Eu posso tirar
essa fada da clausura e colocá-la ao meu lado,
como uma criada. Isso a fará próxima a você, não
é? — Eleonora sugeriu, aproximando-se dele,
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tocando sua mão, obtendo dele contato físico. —


Francamente? Eu pretendo diluir o Ministério do
Rei e recriá-lo com novas regras. Isso seria bom
para você e sua pretendida, não é?
Os olhos do Guardião brilharam
intensamente:
— Fará isso? De verdade?
— Esqueceu-se de onde eu vim? Eu não
poderia manter aquele lugar em funcionamento.
Jamais dormiria em paz se fizesse isso. —
Perguntou quase sorrindo. — Alguma vez ouviu o
barulho do mar, Ildegar? — Perguntou de surpresa,
seu subconsciente entendendo o que Reina quisera
lhe dizer sem palavras.
Tudo fazia sentido agora, bastava abaixar-se
e pegar no chão a concha do mar.
— Nunca tive a oportunidade de visitar o
Vale dos Humanos — Ildegar disse segurando sua
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mão, pois Eleonora o conduzia para a varanda do


quarto.
— Eu tão pouco imagino como seja o mar.
No entando, minha amiga Driana me contou tudo
sobre as criaturas que habitam as profundezes do
mar. — Ela seguiu falando e as vozes se tornaram
abafadas.
Egan mal podia olhar para eles. Eleonora
flertava com o Guardião. Os dois se conheceriam
antes de copular, era certo que ocorresse assim. O
cheiro do cio não havia se modificado, então a
libido da fêmea não fora despertada pelo elfo
Ildegar.
Talvez por isso Eleonora quisesse conhecê-lo
melhor. O ciúme o sufocou.
O som das vozes vindas da varanda era
baixo, mesmo assim Egan se esforçou para ouvir.
Se martirizar ouvindo o flerte que os levaria a
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alcova.
Eleonora mostrava ao Sétimo Guardião a
concha do mar. Egan teria se perguntado de onde
viera a concha, onde Reina encontrara aquele
adorno, mas sua mãe guardava muitos segredos e
parecia saber demais sobre o desfecho da situação
de Eleonora antes mesmo que as coisas
acontecessem.
Se ele não conhecesse o segredo sobre seu
dom da cura através das plantas, imaginaria se
Reina possuísse o dom da clarividência.
Ildegar estava encantado com o som do mar
que ouvia através da concha, lhe perguntando se
poderia ficar para si e mostrar a fada de nome
Clarita, sua pretendida.
Eles conversaram um pouco e quando a
conversa cessou, Egan se afastou para não ouvir o
som de beijos, pois imaginava que isso poderia
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acontecer.
Pouco depois Eleonora surgiu e correu a
cortina de rendas em suas hastes, mantendo a
varanda separada do restante do quarto.
— Ildegar é muito doce. Ele gostou muito do
presente que lhe dei. Eu conheço a fada que ele
deseja. É uma boa menina. Quieta, compenetrada.
Boa para os números. Acho que seu dom possa ser
remetido para o ensino. — Contou, aproximando-se
de Egan.
— O que está fazendo, fada? Está achando
graça dessa situação?
— O Sétimo Guardião está entretido com o
som do mar. É quase hipnótico para aqueles que
gostam e entendem a música celestial das águas. As
sereias cantam, se eu pedir, Egan. Ele não sairá de
lá enquanto eu não quiser. Agora entendo a razão
do presente de Reina. Eu posso controlar o mar, as
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criaturas das águas... E Ildegar está encantado por


elas. — Eleonora andou pelo quarto, com o
semblante de um animal que deseja atocaiar uma
presa.
— Pretende enganá-lo? — Egan começou a
entender sua artimanha ou melhor, a artimanha de
Reina!
— De modo algum. Ildegar não queria fazer
isso. Ele prefere ser enganado a desertar de uma
ordem que lhe foi dada. Desse modo não há
culpados. No entanto, continuo com o mesmo
problema. Quem dirá a ele que não minto quanto a
minha castidade? — Ocultou o sorriso para não
deixar claro que o queria. — Eu preciso me livrar
do cheiro do cio...
— Isso se chama trapaça, fada — Egan não
tentou aproximar-se, ainda tenso, furioso e irritado.
— Se eu não gerar uma cria dessa cópula,
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não há problema algum — foi direta, desafiando-o


a desmenti-la.
— Como seu futuro Rei, isso acontecerá
algumas vezes — Egan permaneceu longe.
A fada manteve a mesma distância, olhos nos
olhos, em um desafio.
— Não exatamente... Prometi-lhe o trono,
não o meu leito. — Desafiou-o.
— Não me provoque, fada — Egan mandou,
vencendo a distância com algumas passadas,
erguendo a mão esquerda para segurar em seu
rosto, obrigando que olhasse para ele.
O tempo das mentiras e segredos havia se
acabado e Eleonora não se conteve:
— Minto. Sempre desejei que olhasse para
mim. Mas nunca reparou em nenhuma fada...
Nunca olhou para mim como fêmea, apenas me

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reconheceria como a menina que Reina protegia. —


Confessou entregando-se ao carinho em sua face.
— Seu pai sempre me olhou assim, como um
inconveniente que atraía atenção demasiada de sua
esposa e filhos. Porque você pensaria diferente?
— E como eu poderia olhar para a fada que
pensava namorar meu irmão? Nunca me colocaria
entre Tobias e sua fada escolhida. — Foi sincero
sobre seus sentimentos.
— Não sou e nunca fui à fada escolhida de
Tobias. Ele é um amigo, é um irmão. Eu não sinto
por ele nada além de amor de irmã, e sei que
Tobias sente o mesmo. Ele pode não saber ainda,
mas não sente paixão, apenas afeição pura.
— Eu não sei como será quando Tobias
souber de nós dois, mas não posso mais mentir e
me afastar. — Egan confessou, baixando o rosto
em sua direção, sem lhe dar tempo para retrucar ou

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fazer perguntas. — Eu não preciso ser Rei, fada.


Não preciso do trono. Eu quero e preciso ser seu
elfo escolhido. E tenho esse sentimento há muito
tempo guardado e escondido em meu coração.
Sempre achei que obteria minha chance de me
declarar quando Tobias finalmente assumisse não
ter coragem para o casamento. Perdoe-me nunca ter
sido corajoso e imposto minha vontade. Todo esse
sofrimento seria evitado se eu houvesse tirado-a do
Ministério do Rei, antes de Lucius notar quem você
é.
Eleonora sorriu e havia algo de matreiro em
seu olhar, ao dizer:
— Não se culpe por deixar Tobias mandar
nas suas vontades, eu também sou incapaz de dizer
não para aquele bandoleiro. É assim quando se
ama. Eu quero que seja meu Rei, Egan. Que esteja
ao meu lado, no quarto e no trono. E quero que as

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crias que gerar tenham seu sangue e sua linhagem.


Porque eu amo tudo em você.
A revelação era simples, mas explicava o
porquê de tanta estranheza entre eles.
— Todos esses anos, eu precisava tanto vê-
la, falar com você, mas nunca pareceu certo — ele
contou, numa revelação igualmente simplória,
sobre amor, afeição e abnegação.
O carinho em suas mãos, alisando seus
cabelos e contornando o belo rosto de fada, era
emocionante para quem nunca conheceu o amor
entre macho e fêmea.
— Sempre a mais bonita, a mais arteira e a
mais sorridente. Eu nunca consegui tirá-la do meu
pensamento — Egan revelou.
— Eu não sou tudo isso — ela negou,
achando que desmaiaria de tanta emoção.

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— Talvez não para os outros. Mas para os


meus olhos, meus ouvidos e meu olfato, você é a
fada escolhida.
Vinda de um elfo essa declaração era
irrefutável.
Eleonora não tentou mais controlar seu odor.
Era custoso fazer isso, estando no cio, era doloroso
também. Ela baixou os olhos, envergonhada, mas
Egan notou o que acontecia. Seu corpo
imediatamente reagiu ao acontecimento.
— Reina me contou como acontece. Eu...
Nunca pensei muito nesse momento. Na floresta eu
não senti medo algum, eu não pensei em nada...
Mas agora... Pensando... Eu não quero que seja
algo feio, Egan — confessou. — Eu sei que às
vezes é algo violento, tanto a fada quanto o elfo se
ferem. Eu não gostaria que fosse assim entre nós.
— E não será. Eu sou treinado para me
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controlar. Algumas vezes, dependendo do dom da


fada, as coisas podem ficar descontroladas e
perigosas para o macho envolvido na cópula, mas
isso não vai acontecer entre nós dois. Eu sei evitar
esse descontrole.
— Mas eu quero que você goste — ela tocou
em seu queixo, apenada dele ser privado desse
momento que jamais voltaria a se repetir entre os
dois.
O cio era um momento único na vida de uma
fêmea.
— É claro que eu aproveitarei, fada. Mas não
permitirei que minha faceta mais selvagem venha à
tona. O mesmo com você. Um momento, Eleonora,
e tudo terá acabado. E poderemos começar uma
nova relação. É a primeira vez, mas não a última.
Eleonora acenou, concordando. Confiaria
totalmente em seu elfo escolhido.
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Egan sorriu diante do mistério que surgiu no


olhar da fada. Ela afastou seu toque e apartou-se
dele alguns passos. Longe o bastante para andar
pelo quarto, retirou os sapatos luxuosos que
adornavam seus pés, chutando-os para longe.
Seu odor do cio foi expelido para o ar e Egan
a farejou, suas narinas dilatadas, suas orelhas
eriçadas, os pêlos de seu corpo arrepiados.
Eleonora andou pelo quarto, olhando-o de
lado, com expectativa no olhar. As joias em seus
pulsos caíram ao chão, juntamente com as joias de
suas orelhas, as correntes de mental e ouro que
adornavam sua cabeleira loura.
Santha possuía muitas joias e ostentava
muito luxo. Com a passagem do trono para as mãos
de Eleonora, esses bens passaram a lhe pertencer.
Ela usava os acessórios porque ainda não era uma
rainha. Não havia sido empossada. No instante em

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que a coroa estivesse sobre sua cabeça, mudaria


todas as regras espúrias do castelo.
Por hora, bastava livrar-se de tudo que
pesava sobre sua pele. De tudo que não pertencia a
sua natureza.
Ela queria sua pele, seu cheiro, sua alma.
Nada além dos dois. Nada além do que sentia e
fariam juntos. Luxo não fazia parte daquela relação
começada há tantos anos, fundamentada em
olhares, pensamentos e amor platônico. E
alimentada por um encontro explosivo.
Todo o constrangimento natural não existia,
seu corpo pedia por isso e derrubar o tecido da
roupa pelos ombros, sabendo que seu corpo nu
seria conhecido em minúcias era libertador!
O tecido mergulhou para o chão e ali
permaneceu. Eleonora exibiu o corpo, mas nem
precisava. Egan corria os olhos por cada detalhe.
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Foi inevitável para a fêmea umedecer os lábios com


a língua, enquanto observava-o livrar-se da
armadura que adornava seus pulso e cintura.
Não vestia toda a composição, mesmo assim,
era necessário livrar-se de qualquer impedimento
que pudesse torná-lo descontrolado. A armadura
sentia e respondia com a mesma intensidade que o
elfo. Não seria adequado possuir tanto poder em
um momento de completo alienamento sexual.
As roupas do elfo foram largadas de qualquer
modo pelo chão, sem a mesma graça sensual que a
fêmea exibira ao despir-se, porém regado a uma
masculinidade que a fez nervosa.
Suas asas se agitaram. Eleonora não
controlou o puxão que a fez ser elevada a alguns
centímetros do chão. As asas batiam em suas
costas, batidas descompassadas, refletindo seu
estado de completa ansiedade.

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A pele leitosa da fada era coroada por poucos


pontos de cor. Apenas nos bicos dos seios,
levemente rosados, e nos pêlos íntimos, havia
alguma indicação de cor. Olhos apaixonados
enxergavam mais do que isso.
Ossos delicados de sua clavícula, a graça de
seus braços finos e suas mãos pequenas. As curvas
mimosas de seu torso, sua barriga e seu quadril.
As pernas fortes, de quem sempre correu
para a liberdade, mas nunca obteve êxito. As
panturrilhas, os tornozelos, os pés... Em um
movimento inesperado, Egan avançou e agarrou
seus tornozelos, puxando-a para baixo.
Aparentemente a fada teria esse hábito, de
tentar fugir dele. Era inconsciente, mas
significativo. Estava nervosa, angustiada, acuada e
a culpa disso era o sentimento complexo e
animalesco resultante do cio postergado, do

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acumulo de desejo e da necessidade.


Pelo visto Egan precisaria agarrá-la e trazê-la
para junto de si muitas e muitas vezes, pois as asas
da fada insistiam em agitar e elevá-la do solo.
Eleonora agarrou os cabelos do elfo, sendo
recompensada com uma tentativa de mordida. Era
culpa do instinto primitivo. Eleonora notou o
esforço que ele fazia para se controlar e apenas
morder suas pernas, em suaves mordiscadas,
embora sentisse os dentes roçando a pele
sensibilizada.
Calor varria seu interior, quando a boca do
elfo encontrou suas coxas, Eleonora afastou a perna
e Egan enrolou seu corpo no dele, na altura de seu
tronco, segurando suas nádegas com força,
enterrando o rosto contra a barriga lisa e trêmula,
arrepiada de paixão.
Eleonora não conteve um grunhido quando a
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boca quente e úmida subiu para seus seios e


mordeu a carne. Suas asas a projetavam para frente,
mas a força do elfo a compelia a manter o torço
erguido, oferecido aos seus carinhos. Olhos
fechados, cabelos espalhados, Eleonora sentiu o
toque perturbador da língua de Egan sobre seu
mamilo, enquanto era mordiscado e sugado.
Ele demorou na carícia, enquanto ondulava
sua cintura feminina contra a pele chapada de seu
abdômen de guerreiro. Era estranhamente erótico e
Eleonora apertou os olhos, controlando o
sentimento ofuscante, de estar nua e em contato
direto com um macho de sua espécie.
Envolvida, apenas se contorceu quando Egan
apertou o outro seio com os lábios. Se ele pudesse
morderia forte, tinha certeza disso, mas se continha
e o prazer que provocava em Eleonora era
inexplicável. Ensandecido, Egan desceu os lábios e

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lambeu seu umbigo, mordendo com força a dobra


acima da virilha, antes de empurrá-la afastado do
corpo, o bastante para erguer seu quadril e poder
cheirar diretamente sobre sua feminilidade.
Aspirou o cheiro amargo, pungente e fresco,
o cheiro de paixão, de cio e de fêmea. Lambeu para
saber o seu mais íntimo gosto. Era uma marca da
fêmea, ser saborosa. Tão quente, tão estreita e tão
macia. Mesmo que não estivesse em um cio
ardente, ainda assim, era tentação mais que
suficiente para levá-la a um ato descontrolado.
Eleonora ergueu o torço e agarrou outra vez
os cabelos do elfo, então seus ombros, murmurando
que não esperasse, que não a torturasse, que fizesse
a dor parar. Suor varia sua pele, não era pela
temperatura do quarto e sim, a quentura interna que
a fazia sucessível ao calor.
Egan ergueu o rosto e encarou seus olhos,

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descobrindo que a claridade translúcida de seu


olhar, dera lugar a uma escuridão perigosa. Era o
dom da fada se manifestado. Em segundos aquela
relação se tornaria dolorosa e perigosa.
A fada cravou as unhas em suas costas e
Egan gritou pela dor, sentindo a carne romper. Por
isso, afastou suas mãos e seus braços, mas Eleonora
trincou as pernas em torno de seu torço. Algo em
volta dos dois transformou o romantismo em algo
mortal.
Era o ar, o ambiente, ele sentia o calor
aumentar, o ar que antes não passava de uma brisa
muito leve, vinda da varanda, tornava-se um
turbilhão de ar quente, como se os dois estivessem
novamente no Deserto das Areias Vermelhas.
Era o dom da fada que estava totalmente
descontrolado.
Precisou de força para segurá-la, mas não
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usou força suficiente, por isso não conseguiu evitar


que o acertasse com uma unhada na face, que
provavelmente deixaria um arranhão profundo.
— Egan, me ajude — Eleonora pediu,
tentando agarrar onde pudesse do corpo do elfo,
sendo repelida, pois não percebia que o feria.
Estava em chamas, nada ouvia ou sentia além
do toque da pele do macho.
Suas asas bateram com força e ele precisou
empurrá-la com bastante força, para derrubá-la na
cama, antes que voasse mais alto e que não pudesse
segurá-la. Eleonora tentou escapar e em sua fuga
tornou a arranhá-lo com força na altura das
costelas, desta vez arrancando um grito de dor do
Guardião.
Ele sentiu o chamado da armadura, exigindo
a guarda diante do perigo, mas se recusava a ver a
fada Eleonora, tão doce e espevitada, como um
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risco a sua integridade física.


Beijou-a, na tentativa de acalmá-la, mas
apenas ateou fogo a uma palha tão seca quanto a
areia do deserto!
Eleonora agarrou seu rosto, beijando-o de
volta, grudando seu corpo ao dele, pernas
escrachadas, exalando o odor da fêmea de um
modo que indicava o ápice. Não havia muito
tempo, uma vez eriçado o cio, era melhor consumá-
lo ou a fada penaria de sofrimento em breve.
O beijo parecia não ter fim, em seu afã de
entregar-se, não notava que complicava a situação.
Egan tentou encaixar-se entre suas pernas, mas
Eleonora não parava quieta.
— Chega, fada! — Ele parou o beijo e a
segurou, tolhendo seus movimentos, — Chega, está
se ferindo, Eleonora!
— Eu não aguento mais, Egan, eu não
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aguento mais! — Ela gritou igualmente


descontrolada. — Faça! De uma vez por todas,
acabe com isso!
Sim, Reina estava coberta de razão ao alertá-
lo da dificuldade do cio. Não era como deitar-se
com fadas sexualmente maduras ou humanas. Era
diferente de tudo que imaginou!
Confiante, Egan soltou-se de seus apertos
ainda mantendo suas mãos seguras entre as suas, e
a girou na cama. Imediatamente as asas se agitaram
e Egan impediu o movimento, esfregando entre as
asas, entre os eixos, arrancando de Eleonora um
grito de puro deleite. Era uma zona erógena e a
fada ficou sem movimento por alguns instantes,
completamente aturdida pela sensação.
Aproveitando disso, Egan segurou-a na altura
da nuca e a prendeu na cama, apartando suas
pernas, encaixando-se ali, para enterrar sua

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vitalidade dentro do espaço limitado que aguardava


a consumação do cio.
Eleonora debateu-se no instante em que seu
corpo foi invadido, a euforia de ser possuída
subjugando a razão. Egan a soltou por um instante
e ela bateu as asas com tanta força que o feriu. Ao
seu lado na cama, uma rajada de ar trouxe um
objeto qualquer, que quase o acertou, voando para a
parede, espatifando-se lá.
Era um descontrole que atacava também o
dom da fada.
Egan empurrou com mais força, rompendo o
hímen, ignorando seus gritos, segurando-a outra
vez pela nuca, com o rosto pressionado no colchão.
Foi mais fundo, acabando de vez com a castidade
da fêmea.
As asas ainda agitadas, as hastes ferindo-o.
Egan afastou o corpo o bastante para deixá-la livre
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do incômodo, para que pudesse respirar e se


acalmar, aliviando o desconforto da penetração e
do rompimento de sua castidade.
Curvou o corpo para beijar sua bochecha e
sussurrar em seu ouvido:
— Está rompido. O descontrole do cio
acalmará em poucos minutos.
— Não espere — ela disse mansa, mesmo
que seus olhos ainda estivessem contendo aquela
devassidão perigosa. — Não desperdice isso, Egan.
Eu quero isso, eu quero, não importa as
consequências... Não desperdice isso!
Sim, era devassidão pura em seus olhos. Era
um momento que jamais se repetiria na vida da
fada. Uma vez terminado o cio, a fêmea jamais
sentiria nada parecido. O corpo tornar-se-á normal
e seu prazer seria condicionado ao seu estado de
excitação e ao amor que sentisse pelo macho
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envolvido na cópula. Aquela sensação doentia


jamais se repetiria.
E sempre havia a possibilidade da
fecundação de uma cria. Não seria inteligente gerar
uma cria, quando todos pensariam que essa nova
vida seria fruto da cópula da rainha com o Sétimo
Guardião Ildegar.
Mas naquele momento de ensandecimento
total, nenhum deles levou isso em consideração.
Ainda segurando-a pela nuca, Egan gemeu e
a acarinhou entre as asas, molhando o caminho com
beijos, até encontrar o vale entre suas nádegas,
onde sorveu o gosto da fada mais uma vez,
lambendo-a com avidez. Eleonora moveu as
pernas, como se pudesse forçá-lo a tomá-la outra
vez, mas tudo que conseguiu, foi erguer ainda mais
a cintura, e ser beijada intimamente com maior
sofreguidão.

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Luzes brotavam em seus olhos fechados e


Eleonora controlou as asas, ao menos tentou
controlá-las, por isso Egan pode soltá-la e se
acomodar mais uma vez entre suas nádegas,
invadindo sua vulva com mais jeito, menor força
dessa vez.
Eleonora gemeu. Egan fez de novo e de
novo, até se convencer que esses gemidos eram
unicamente de prazer.
Puro engano achar que o prazer poderia
sufocar os impulsos selvagens do cio. Egan
esmoreceu um instante e fechou os olhos
deleitando-se no prazer de possuir sua fêmea
escolhida, por isso não percebeu que Eleonora
fugia.
Com a força induzida pelo cio, ela o
empurrou e fugiu. Egan a segurou pelas pernas e
ela o chutou várias vezes, ficando de frente para

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Egan, lutando para tocá-lo, mas sem perceber que


quanto mais tentava pegar e agarrar, mais o
agredida.
Sem paciência, deixando seu lado primitivo
falar mais alto, Egan segurou seus dois tornozelos
apartados e a puxou de volta, deitando-a na cama,
possuindo-a sem lhe dar espaço para fuga. Era
maior que a fada e seu peso a segurava imóvel.
Era disso que ela precisava. Agarrar, segurar
e provar o gosto. Eleonora mordeu, beijou e
segurou em cada pequena porção de pele morena
que encontrou. Egan a possuiu com redobrada
paixão, cada investida aumentando o frisson dentro
do ventre da fada, cada empurrão criando uma nova
expectativa, aumentando aquela sensação de
crescimento e de estourar. Como se algo estivesse
para explodir dentro do corpo de Eleonora.
Como um crescente, que aumenta, eleva,

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sobrepõe e domina. Parada, tensa, tomada por um


choque, Eleonora foi acometida de seu primeiro
orgasmo provindo de uma cópula real. Foi tão forte
que ela não disse, gemeu ou gritou. Apenas
manteve-se arfando, lábios entreabertos, buscando
pelo ar que faltava, olhos fechados, ouvindo aquele
estranho som abafado dentro de si, algo que remetia
a paz total.
Aproveitando cada fugaz segundo daquele
entorpecimento que se instalou em seu corpo.
Tão forte, entorpecente e tão assustador. Não
havia descrição possível para aquele sentimento.
Entreabriu os olhos, procurando pela face do seu
Egan. Seus olhos novamente suaves e meigos de
sempre, para encarar o elfo completamente fora de
si, empurrando, gemendo e grunhindo seu nome,
descontrolado enquanto derramava sua vitalidade
no corpo que o acolhia.

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Via a mesma tensão em Egan, por isso alisou


suas costas trincadas, seus músculos duros,
molhados de suor e beijou seus lábios, acolhendo
seu prazer com boas vindas.
Ele era tão bonito gozando, tão viril e
apaixonante, que sorrir era algo natural.
Quando Egan notou o sorriso na face de
Eleonora, todo o receio foi embora. A exaustão do
ato o fez acariciar os cabelos úmidos da fada e
beijá-la por toda a face, até encontrar seus lábios
para um beijo manso, cândido e longo.
Um beijo que não falava sobre cio,
necessidade selvagem e sim, sobre amor e carinho.
Quando o beijo acabou, correu os olhos pelo corpo
da parceira, procurando sinais de ferimentos.
A única marca que indicava sofrimento era o
sangue entre as pernas. Mas isso era esperado na
primeira vez de uma fêmea. Aliviado em não
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encontrar machucados, sorriu.


Nua, a fada era doce, linda e poética. Ou ele
quem estava apaixonado pela primeira vez em sua
vida e encontrava poesia na mais simplória das
imagens. Estivera com muitas mulheres durante
toda sua vida, muitas delas de raças diferentes da
sua, principalmente em missões a mando do Rei ou
durante os treinamentos para Guardião, ainda
menino, descobrindo o mundo e a vida, mas
nenhuma dessas parcerias de cama o fez sentir
metade do que sentia agora.
Nenhuma nunca lhe pareceu tão bonita ou tão
doce.
O mesmo pensava Eleonora. Que nunca vira
um elfo tão perfeito. Era tolice pensar isso, era
muito jovem e inexperiente. Aquele havia sido seu
primeiro contato íntimo. A vida lhe ensinaria a
diferenciar amor e paixão.

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No entanto, ela queria guardar àquela


sensação para sempre. Como uma lembrança de
como a vida poderia ser apenas instintiva.
— Eu o machuquei — Eleonora disse,
começando a notar o óbvio.
Suas mãos deslizaram pelo ombro, pelo
braço. Assustada notou que haviam muitos
arranhões e unhadas. A mais feia delas na altura
das costelas.
— Eu sinto muito. Eu não queria fazer isso.
Eu não me controlei. — era uma desculpa
desnecessária. Os dois sabiam que seria assim.
— Não está doendo — ele mentiu. Sorrindo,
afastou sua mão e levou-a aos lábios, beijando seus
dedos — Valeu a pena ter amado-a em segredo por
todos esses anos, Eleonora. Você é tudo que eu um
dia sonhei.
— Mas eu sou de verdade, Egan. E a
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realidade nunca é tão boa quanto o sonho. —


Filosofou nostálgica e entregue a sensação de puro
prazer do pós-ato, onde a intimidade de casal
tomava conta dos dois.
Para que alimentar dúvidas ou perguntas, se
agora tudo fazia sentido? Eram destinado um para o
outro, a compatibilidade e cumplicidade explosiva
da consumação do cio provava isso!
— Dessa vez, eu posso afirmar, que o sonho
não chegou aos pés da realidade — ele elogiou e
sorriu quando Eleonora tocou o arranhão profundo
na bochecha do elfo.
— Como explicará isso? — Perguntou a ele.
— Não tenho obrigação de fornecer
justificativas do que faço ou deixo de fazer durante
uma missão. As leis são claras: o que importa é o
resultado. — O elfo não ocultou um sorriso safado.
— Eles não farão perguntas — Eleonora
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deduziu. — Duvido que algum Conselheiro queira


saber como o filho de Túlio, primeiro em hierarquia
entre eles, adquiriu um ferimento de cópula,
durante uma missão de fiscalizar a cópula de sua
futura rainha com outro elfo. E muito menos, seus
Guardiões, sempre tão devotados a você, irão fazer
perguntas constrangedoras, colocando em cheque a
reputação de Ildegar e também, a reputação do
Primeiro Guardião, o líder deles. Terei que me
acostumar que as regras são ditadas por machos
que seguem leis próprias quando lhes convém —
ela não resistiu a provocar.
— Está começando a pensar como uma
rainha de verdade — Egan respondeu e a procurou
para um beijo.
Egan finalmente entendeu o que Reina
dissera sobre a castidade de uma fada. O cheiro da
fêmea, o farfalhar das asas, a mágica do corpo

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feminino, que pela primeira vez era expelida, tudo


formava uma nuvem de sensações, sentimentos e
enquanto a possuíra, Egan fora levado junto com a
fada para um mundo único de sensações.
Mas passado esse momento, a realidade
mostrava aos dois um mundo de opções. Com
calma e serenidade para descobrir a paixão entre
eles, com carícias e afagos não explorados até
aquele momento. Sem notar, retomaram o ato,
fazendo amor de verdade, agora somente os dois e
a mágica dos corpos, sem o toque do cio.
Minutos mais tarde, novamente no ápice do
apogeu sexual, Eleonora gemeu e se esfregou em
Egan, enquanto o elfo guiava sua ereção
diretamente para a intimidade da fada.
Foi um momento de reconhecimento e ela
agarrou-se aos ombros do elfo com ambos os
braços, mordendo muito delicadamente o ombro

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direito, quando foi invadida e o prazer misturou-se


a um sentimento novo, diferente do cio, mas não
menos intenso.
Durante longos minutos foram um ser só.
Gemidos, gritos, sussurros, Eleonora sentiu a febre
atingir limites inesperados e foi atirada em um
mundo de emoções desconhecidos, ao mesmo
tempo que diferentes da urgência do cio,
igualmente poderosas em poder de turvar a mente e
tolher os sentidos.
Esperava do fundo do coração que sempre
fosse assim entre eles, o prazer sem limites, sem
barreiras.
Quando terminou, Egan a aconchegou na
cama, os corpos unidos intimamente. As asas
haviam se acalmado e estavam baixas, rente ao
corpo, por isso a colocou de lado, e deitou-se junto
a Eleonora, embalando seu corpo com o seu.

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Exausta, Eleonora fitou o teto, em êxtase.


Egan escorregou beijos por seu peito, pescoço e
queixo, atraindo sua atenção.
Parecia que horas haviam se passado,
tamanho torpor.
E às vezes o torpor é perigoso e afasta os
pensamentos da cabeça, deixando apenas as
divagações da paixão e do amor recém-descoberto.
Como se uma fada da clausura pudesse se dar
ao luxo de apenas amar sem restrições. Enquanto
não fosse uma rainha, ainda conservava os conflitos
de uma fada apegada ao passado e repleta de
sombras a perturbar seu descanso.
Subitamente emocionada, Eleonora pensou
em Driana, Alma e Joan. Em como elas estariam e
o que estaria acontecendo em suas vidas. Lembrar-
se delas causou-lhe tanta aflição que escondeu o
rosto no pescoço de Egan, procurando nele um
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abraço e proteção para aquela angústia que não


parecia ter fim.
— Minhas amigas — ela disse em um
sussurro meigo, explicando-lhe a causa de sua
aflição — eu preciso ser livre para buscar por elas...
Eu não posso ficar aqui. Não posso mais esperar,
Egan.
— Não — ele negou, — Sua liberdade vem
atrelada a responsabilidades. Suas amigas serão
trazidas em segurança, eu lhe prometo que as trarei
de volta em segurança, Eleonora.
— Quanto mais tempo demorar a provar
minha inocência, maior o risco dos Guardiões as
encontrar antes de nós! – disse sentando na cama de
súbito, olhando para ele com suplica. — A guardiã
Zoé, você não sabe, mas ela sempre infernizou e
perseguiu Joan. Ela não podia enxergar a
pobrezinha que a perseguia! Sempre a defendemos,

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mas eu fico pensando no que pode ter acontecido se


aquela troglodita encontrou Joan!
— Isso ainda não aconteceu. Reina é esperta.
Ela enviou cada uma de suas amigas para um lugar
diferente, um esconderijo de difícil acesso para os
Guardiões. Elas estão seguras, não perca a
esperança.
— Esperança? Eu nunca tive esperança de
ser livre e olhe só para mim agora — tentou sorrir.
Fez um carinho no elfo, em seu rosto e disse
apaixonadamente. — Não pense que não estou
feliz. Essa noite, o momento que dividimos, foi
inesquecível. Eu não consigo pensar em palavras
para explicar o que eu sinto. Minha vontade é ficar
nessa cama, nos seus braços, para sempre! Eu sou
uma tola, é o que sou! — Sorriu um pouco
encabulada. — Mas eu penso em minhas amigas e
toda essa felicidade de esvai em preocupação.

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Agora que provei minha honestidade, preciso


apressar tudo e ir em busca das minhas amigas! —
Conteve a exasperação, pois seu coração estava
dividido entre muitos sentimentos diferentes. —
Além disso... Não podemos deixar Ildegar pra
sempre naquela varanda... — Acabou explicando,
maliciosa.
Seu sorriso traquina arrancou de Egan um
sorriso. Sempre sério, se rendia a seu senso de
humor.
A fada estava coberta de razão. Beijando seu
pescoço, num último carinho de amantes, Egan
levantou e pegou a bela túnica que Reina trouxera
de presente, que jazia no chão, entregando-lhe
enquanto a beijava de leve na testa.
— Fique neste quarto até ser chamada por
Reina.
— Sim, Guardião. Seguirei suas ordens —
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era um deboche apaixonado.


— Espero que sim. Não esqueça que serei
seu Rei, fada, e que me deverá submissão total —
ele mesmo ria dessa ameaça irreal.
Mesmo assim suas palavras ditas com aquela
voz rouca e virial causaram um frisson em
Eleonora. Egan seria rei, mas não era isso que
importava. Seria o seu rei! Isso sim definia tudo!
Essa escolha que Eleonora fazia, de entregar parte
do poder a outra criatura, numa decisão baseada em
confiança e amor.
Seria interessante passar o restante da sua
vida ao lado de Egan. Desafiador e perigoso dividir
uma vida com aquele que lhe despertava paixão e
amor em uma intensidade tão grande!
Vestindo a túnica que Egan lhe entregou, ela
deitou na cama entre os lençóis. Esperou, pois o
Guardião permaneceu um bom tempo na varanda.
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Egan conversou longamente com o Sétimo


Guardião, depois de retirar a concha de suas mãos,
acabando assim com o encanto imposto pelo dom
de Eleonora.
Quando os dois deixaram a varanda, a fada
dormia em sua cama, com a aparência inocente e
serena de quem nunca cometeu pecados.
Egan não disse nada, apenas conduziu o
outro elfo para fora do quarto.
Os dois saíram em surdina e Eleonora não foi
importunada pelas próximas horas.
A luta ainda não estava completamente
vencida: era preciso preparar a defesa de Eleonora.

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Capítulo 29 - A véspera

Quando o Conselho se reuniu outra vez com


os Guardiões, permitiu que Ildegar contasse sua
versão do acontecimento ao lado da fada acusada.
Falaram sobre a castidade, sobre o cio e sobre a
punição para um Guardião que mentisse e ousasse
agir contra as leis e honra do reino.
E depois de um curto relato sobre ter se
deitado com a fada Eleonora, disso ter acontecido
de modo rápido e impessoal, que a fiscalização do
Guardião Egan confirmara o ocorrido e também o
desaparecimento do cio da fada, o assunto foi
encerrado.

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Não houve questionamento quanto à palavra


do Guardião Ildegar. A fada era casta e final de
assunto. Também não houve perguntas sobre o
arranhão no rosto de Egan, como supunha Eleonora
que não aconteceria. A maioria deles ansioso por
encerrar aquela situação toda, para livrar-se de
Santha e Lucius para sempre.
Ao tramar contra a própria filha, Santha não
considerou que isso pudesse atrapalhar seus planos.
Que ser detestada por todos a faria alvo fácil para
qualquer defesa que Eleonora apresentasse.
Mesmo Egan e Reina estava surpresos com a
propensão dos demais em destituir Santha do trono.
Atentos, ouviram novamente o depoimento
da fada paga há vinte anos atrás para exterminar a
recém-nascida indesejada. Faltavam algumas
formalidades, como por exemplo, explicar quem
levara o bebê até a fada da floresta. Lucius seria

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acusado de mais essa traição contra o reino.


Não era permitido a um agregado do Rei,
decidir sobre o destino dos órfãos, fossem eles fruto
do pecado de uma fada da clausura ou não.
A comercialização ou sequestro de um bebê
era sumariamente punido pelas leis criadas por Rei
Isac, em seu tempo de hombridade. Um Rei de
muitas contradições, como, aliás, era a
personalidade dos lideres levados ao poder por
linhagem e não merecimento.
Mikazar finalmente havia entrado no reino,
mas preferia manter-se afastado dos olhares. Não
definiram sua raça, era impossível, mas ao menos
aceitaram sua explicação a cerca de sua
descendência. Já era um começo. Em um reino até
então elitista, aceitar diferenças era um começo
esplendoroso, que prometia anos de mudanças e
evolução.

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Era começo de noite outra vez, quando Reina


buscou por Eleonora. A fada da clausura nunca
imaginou que seria tão demorado, tantas horas de
espera.
Era deixada de lado, como Egan afirmou que
aconteceria. Ninguém queria a futura rainha
envolvida com assuntos sujos e de baixa categoria.
O receio que dissesse algo errado ou envergonhasse
a si mesma diante de elfos e fadas de menor poder.
Era muito estranho que um título mudasse o
tratamento que recebia.
Há poucas semanas Eleonora fora tratada
como uma ladrazinha que deveria der extirpada do
reino, não fosse pela interferência de Reina, estaria
nas masmorras cumprindo pena pelo suposto roubo
da tiara de Santha quando fora acusada de
assassinato do Rei!
Na ocasião ela não valia nada. Era apenas um
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incômodo. E agora, por causa de um título de


rainha, era tratada com regalias e cordialmente.
Quanta hipocrisia!
Se Driana estivesse ali, ao seu lado, estaria
revirando os olhos de vontade de discursar sobre a
repercussão de tanta mentira e cinismo, em uma
civilização que desejava ser próspera. Por sua vez,
Alma estaria tão furiosa que era capaz de estar aos
berros, gritando todos os mais feios palavrões que
conhecia. Ou ainda, estaria estourando os tímpanos
de todos com seus gritos estridentes e
intimidadores.
E Joan? A doce fadinha estaria tão feliz em
ver sua amiga rainha e livre, que apenas a abraçaria
e esperaria aquela mentirada toda ter fim.
Eleonora estava vestida com túnica de boa
qualidade, em tecido caro, com os cabelos
escovados e brilhantes, adornados por joias que

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balançavam e tilintavam quando andava. Era


estranho ter esse peso em seus cabelos. Era
estranho ter esse peso nas roupas. Ela sentia falta
dos pés descalços.
Sua aparência não lembrava em nada a fada
arteira que sempre corria pelo castelo, fugindo das
severas regras impostas pelo orfanato.
Mas Egan sabia que por baixo do tecido
luxuoso, dos cuidados, Eleonora era a mesma órfã
caridosa e sorridente. Que esta fada sempre moraria
dentro de Eleonora, refletindo-se em seu
comportamento, fazendo-a ser alguém melhor.
Houve um silêncio generalizado quando
Lucius e Santha foram trazidos de seus respectivos
cárceres. Os dias de masmorra não fizeram nada
bem a Lucius. O elfo não sabia lidar com a miséria
e desgraça que costumava impor a todos que o
desagradassem.

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As demais esposas do Rei não cansavam de


gritar ofensas, tão logo os dois adentraram o salão e
não demorou uma multidão de súditos exigia a
morte dos acusados.
Era necessário permitir que um pequeno
contingente de habitantes estivesse presente à
cerimônia.
Súditos mais importantes, esposas e filhos de
Conselheiros, pais e irmãos de Guardiões, os elfos
em treinamento e assim por diante, para garantir
uma total transparência em suas ações. Calar as
dúvidas e desconfianças que eventualmente
pudessem ser levantadas sobre o destrono da rainha
Santha.
Túlio, pai de Egan e Conselheiro do Rei,
precedia a cerimônia não por querer, mas por ser o
elfo de maior confiança do Rei morto.
Era seu dever vingar sua morte prematura,
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pois apesar de egoísta, Isac era um Rei calmo e


sereno, que por muito tempo conduzira seu reinado
com considerável justiça e prosperidade. Que não
atendia a todas as classes sociais, mas tentava sanar
o máximo possível essas discrepâncias. E nisso,
Isac era omisso.
Poucas noites na clausura não fizeram nada
bem para a rainha. Santha estava pálida, muito mais
que o habitual. Seus olhos, cabelos e lábios sem
vida. Ela parecia perturbada, como alguém que
cometeu um grave erro.
Era possível que perder tudo, tão de repente,
houvesse lhe trazido uma lucidez que os anos de
riqueza e poder mascararam.
A sujeira das pequenas e abafadas câmaras,
impregnara em suas roupas e cabelos. Era assim a
vida de prisioneira da clausura. A solidão e o
desespero impregnavam na alma da criatura, do

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mesmo modo que a sujeita fazia com as roupas.


Túlio falava sem parar, mas tanto Eleonora
quanto Santha não prestavam atenção, ocupadas em
olharem uma para a outra.
Lucius era mera peça descartada, pois seu
amor nada significava para ambas.
Eleonora foi mantida ao lado de Reina, longe
dos acusados.
Em determinado momento, Lucius foi
erguido e levado diante dos Conselheiros Reais.
Sua postura ajoelhada era considerada a submissão
maior, onde o prisioneiro respeita seu algoz. Mas
era mentira, os olhos de Lucius falavam sobre essa
insubordinação. Nada poderia aprisionar sua mente
criminosa!
— É sua oportunidade de confessar seu
crime. — Túlio lembrou-o. — Atentou contra a
vida do Rei? — Era uma pergunta de praxe.
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— De modo algum. Não participei do plano,


mas tomei conhecimento dele. Como cúmplice,
tenho consciência que minha pena é reduzida —
Lucius disse com a seriedade de alguém que não
aceita perder.
Um elfo que desfrutou do tempo solitário na
masmorra para pensar em sua situação e em suas
possibilidades de defesa, suas possíveis
escapatórias!
Santha correu os olhos sobre ele,
completamente incrédula. Era quase inocente de
sua parte estar surpreendida pela atitude de Lucius
contra ela. Conhecia sua índole e sua mesquinhez,
mas às vezes gostava de se enganar dizendo que
havia amor por baixo de tanta sujeita.
Baixou os olhos, ferida. Eleonora podia
sentir sua dor, pois a traição é uma das piores dores
da existência de uma fada. E de traição, Eleonora

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entendia. Melhor que qualquer outra criatura,


Eleonora entendia o que era sentir a dor da traição!
— O crime de abandono da fada Eleonora
não pode ser julgado. É impossível obter provas
contundentes após tantos anos. O depoimento da
fada contratada para eliminar Eleonora, é bastante
significativo. Mas não o suficiente para acarretar
uma pena concreta. — Túlio foi franco. — Tem
algo que queira dizer sobre isso, Lucius?
— Não — ele alegou, sem olhar para
nenhum deles.
Nem ao menos uma tentativa de defesa. Se
não era punível, ele não desmentiria suas atitudes.
Nem mesmo para parecer alguém bom. Nem ao
menos por pena da cria que tentou matar.
Egan observou Eleonora, sua fada, e
percebeu o quanto era difícil para ela olhar para
Lucius.
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Santha era um monstro, mas era passional.


Lucius não. Frio, sem apegos, sem sentimento
algum. Ele jamais pensou na filha perdida ou na
amante que padecia da própria loucura. Sempre
atendeu aos próprios interesses e ambições.
Ser amante de uma rainha lhe trouxe
benefícios. Era o que importava.
Eleonora cochichou algo no ouvido de Reina,
que levantou de seu lugar junto às esposas do Rei,
onde as mulheres aguardavam e andou até Túlio.
Deixou Eleonora ali, guardada por essas
mesmas esposas, que daquele momento em diante
seriam responsabilidade da rainha e pareciam
entender muito bem que lhe deviam lealdade, pois
aquela rainha representava a chance de liberdade de
todas elas.
Eleonora já sabia que poderia exigir as
esposas de Isac para um harém de seu futuro Rei ou
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libertá-las. Como a primeira alternativa era


totalmente inconcebível, pois jamais permitiria que
Egan tivesse intimidade com outra fêmea,
totalmente ciumenta do seu elfo escolhido, a
liberdade era o único caminho para aquelas fadas
desgraçadas pela vida.
Seria necessário muito cuidado e
responsabilidade nessa transação. Mas acharia um
modo de dar-lhes uma boa vida.
— É sugestão de Eleonora que sua pena não
seja cumprida na masmorra. Segundo a futura
rainha, é um local razoavelmente movimentado,
onde obteria voz e som. Ela sugere que seja
aprisionado na clausura. — Houve um momento de
choque na face do elfo, mas Lucius logo disfarçou.
— Que a clausura será apenas uma pálida
lembrança, pois como rainha, Eleonora a
exterminará. Mas você, Lucius... Será o único a

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desfrutar deste privilégio pelos anos seguintes a sua


punição. Como pode ver, sua cria entende sua
necessidade de ser especial, e lhe oferece uma
punição única, pois nunca um elfo desfrutou de
tal... Honra. — Reina sentiu prazer em falar isso.
Como não houve contrariedade da parte dos
Conselheiros, Lucius foi erguido e levado. Estava
tão chocado, que as palavras lhe faltaram,
provavelmente acreditava que em algum momento
conseguiria fugir.
Em seu caminho, quando passou perto de
Santha, foi surpresa para todos que a prisioneira
tentasse tocá-lo.
— Por favor, me deixe tocá-lo uma última
vez — ela implorou, livrando-se das mãos dos
Guardiões, para tocar o rosto de Lucius. — Eu o
amei tão cegamente. Preciso olhar em seu rosto
uma última vez...

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Era uma voz fraca, sem autoridade alguma,


como havia sido quando jovem, quando era apenas
uma fada da clausura, com sonhos de liberdade e
não de soberba.
Ela esfregou a palma das mãos no rosto de
Lucius várias vezes decorando as formas de seu
rosto. Era amor, pensou Eleonora. Um amor
estranho, mesquinho e cruel, mas era um amor
grande demais para o rancor subjugar.
Santha foi arrancada de perto de Lucius e
levada aos Conselheiros. Caída de joelhos no chão,
olhou para cada um deles com a mesma face altiva
de sempre.
— Confessa seu crime contra a vida do Rei
Isac? — Perguntou Túlio.
A pergunta soou estúpida.
— Isac nunca gostou de você, Túlio —
Santha disse furiosa. — Achava que você era um
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elfo fraco. Um Conselheiro humanista demais. Um


estúpido manipulado pela esposa e pelos filhos. E
ele tinha razão. Tenho certeza que Isac não
concordaria em vê-lo presidindo essa cerimônia! —
Fez questão de deixar isso claro.
— Rei Isac está morto. Tão pouco creio que
Isac aprovaria seu comportamento, Santha. —
Túlio disse e repetiu a pergunta. — Confessa seu
crime contra a vida do Rei Isac?
Houve um silêncio repentino, como se
esperassem uma negativa. Mas para a surpresa de
todos, ela acenou com a cabeça;
— Sim, eu tramei contra a vida do Rei. —
Seus olhos tão claros, quase sem cor, remeteram
para a fada Eleonora, sem que ela virasse a cabeça.
Era um modo visceral de olhar. A verdadeira
Santha. Não a rainha ou a fêmea sofisticada. A
verdadeira essência da fada Santha.
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— Conte-nos sua motivação para tal crime.


— A exigência de Túlio a fez sorrir.
Lágrimas correram em sua face, mesmo
assim Santha sorriu, como se não conseguisse mais
sentir dor:
— Eu emprenhei na clausura. Não me
importava com mais nada. Nunca seria escolhida.
Mas naquele ano... Meu cheiro de fêmea atiçou o
Rei e ele me escolheu. A criança era dispensável.
Uma fêmea que teria minhas asas. Se não fosse
essa a razão, teria crescido como qualquer outro
órfão. Mas com as asas idênticas as minhas... Não
restou alternativa.
— Sempre há alternativas — Túlio alegou e
Santha olhou-o irônica.
— Não para uma fada da clausura — ela
negou. — A vida toda presa entre quatro paredes.
Vendo o sol uma vez ao ano, quando levadas para a
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escolha. Um cruel momento, pois após os anos de


juventude, nenhuma fada é escolhida. Matar ou
morrer? Que escolha me foi ofertada?
Era uma pesada verdade.
— Mas nada justifica meu crime. Sei disso
— foi gelada.— Eu amei o Rei. Não deveria, mas
amei. Amo. Não há explicação para o que fiz. Eu
não queria correr o risco de perder a liberdade. De
ser presa, permanecer minha vida toda trancafiada
— ela ergueu a voz — Mesmo agora, eu imploro,
estou confessando meu crime. Quero a morte e não
a prisão.
— Não é digna de escolhas. — Egan ergueu
a voz e levantou, andando até ela — Enviou sua
primogênita para a morte, quando sabia muito bem
que o rei perdoaria seu deslize do passado! Isac era
fraco, sempre se apegou a desejos superficiais!
Manipulou o rei por seu desejo de ser mantida

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rainha, não apenas escolhida! Merece apodrecer na


clausura!
— Eu não queria que ninguém soubesse do
meu pecado — Santha esclareceu — Eu não queria
ter que encarar o meu erro. Eu não deseja guardar
comigo nada que viesse daquele inferno da
clausura.
Era uma pesada declaração. Eleonora
também se levantou e andou até Egan.
Todos pensavam que era uma fada deflorada
por outro, mas isso não importava para os dois, que
sabiam a verdade. Egan seria seu rei e todo o
sofrimento seria esquecido com o tempo.
Eleonora ficou ao seu lado, tocou a mão dele
com a sua, entrelaçando os dedos, pois precisava de
força para fazer o que pretendia:
— Inocente as fadas Driana, Alma e Joan.
Confesse que não tiveram participação no seu
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crime e lhe concederei o seu pedido. — Ofereceu.


Egan tentou impedi-la, mas Eleonora não
fazia isso por sua mãe, fazia em nome da inocência
de suas amigas.
Santha levantou e encarou a filha, pois tal
como ela, sabia que seu pedido era motivado por
dois sentimentos: as amigas que corriam perigo e
também, o secreto sentimento que jamais poderia
ser revelado: Eleonora entendia e compartilhava
seu desejo de liberdade.
As duas enxergavam-se através do reflexo de
um espelho imaginário que datava vinte anos de
diferença.
— Fiz tudo sozinha. Cada palavra que disse
era uma grande mentira. As acusações que proferi
contra as fadas do Ministério do Rei... Tudo
mentira. Um plano para incriminar minha cria
renegada. Ninguém além de mim participou da
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morte do Rei Isac — Santha formalizou sua


confissão, sem tirar os olhos dos olhos de Eleonora.
— Que a punição seja aplicada, então. — O
pai de Egan alegou, com voz cansada, desgostoso
do rumo daquele julgamento. — As asas da fada
destituída devem ser cerradas e ela deve ser lançada
ao abismo.
— Porque manchar o chão do castelo com o
sangue dessa fada traidora? — Eleonora perguntou
seca, olhos perigosos, olhos traiçoeiros, tal como os
olhos de Santha. Era provável que apenas Reina,
pudesse notar que naquele instante mãe e filha
eram idênticas em manipulação e sagacidade —
amarre suas asas, para que leve consigo sua tão
amada liberdade. Que seja seu último voo, Santha.
Espero que desfrute de tudo que conquistou com
suas mentiras e maldades.
Era vingativo da sua parte, mas ninguém

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questionou. Santha foi imobilizada e presa no chão


enquanto amarravam suas lindas asas junto ao
corpo.
Em seu pescoço uma das coleiras usadas na
época da guerra de rei Ulder contra as fadas, que
tolhia totalmente o dom da fada.
Santha não gritou ou lamentou enquanto era
levada. Em comitiva as criaturas seguiram a
prisioneira em direção ao abismo.
Ao lado da alcova do Rei, na mais alta das
torres, daqueles corredores por onde o Rei havia
sido traído, a até então rainha Santha foi levada e
mantida suspensa sobre a murada de pedras.
Egan permaneceu ao lado de Eleonora todo o
tempo, ambas as mãos pousadas em seus ombros
para contê-la caso mudasse de ideia. Ou para
ampará-la caso a emoção fosse demasiada.
Eleonora não fraquejou um milímetro
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enquanto assistia Santha ser lançada no abismo. A


morte era eminente e quando uma rajada de ar frio
balançou as vestes e cabelos de todos, uivando um
grito de dor, como se o vento chorasse, todos
acharam por bem voltar ao salão principal, um a
um partindo e deixando-os para trás. Era o receio
de uma tempestade.
Sozinha com Egan, muito tempo depois,
Eleonora manteve os olhos fixos no abismo e ele
aconchegou-se por trás, abraçando-a com
intimidade e calor, compartilhando segredos
inconfessáveis de sua rainha:
— Porque fez isso, Eleonora? — Perguntou
sério.
Eleonora não ficou surpresa que soubesse.
Que fosse o único a ter notado, pois não havia
segredos entre os dois.
— Porque no fundo da alma eu entendo o
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desespero de uma fada da clausura. Eu sou uma


delas. Eu ainda sou uma delas e serei até o último
dos meus dias. Entendo o medo e o desespero. Eu
entendo, Egan. Não posso perdoar, mas eu entendo.
O vento havia se acalmado e Egan soube que
era um comando de Eleonora para que o vento
soltasse as cordas para que Santha pudesse voar e
salvar-se.
Toda a fúria dirigida a Santha era real, mas
no final, o coração de Eleonora falou mais alto.
— Ela estará em algum lugar, talvez fazendo
mal a outras criaturas — ele ponderou.
— Não. Santha não tem mais razões para
atentar sobre nada. Ela é livre afinal. — Seus olhos
deixaram o abismo e pousaram sobre Egan,
pronunciando a palavra seguinte com dolorosa
cumplicidade — Livre.
Sim, Santha era finalmente livre. Dessa vez
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não havia barreiras para sua liberdade. Nem olhares


curiosos ou interessados. Santha simplesmente não
existia mais nas vidas dos elfos, fadas e o que seria
dela daquele momento em diante não importava
para mais ninguém, muito menos para Eleonora.
Cúmplice, Egan não tentou entender, mas
aceitou sua decisão. Levou-a para longe do abismo
e mais adiante, longe de toda a profundidade de
seus sentimentos dolorosos.
Para longe de tudo que pudesse feri-la.

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Capítulo 30 - Florescer de sândalo

Durante todo o dia seguinte, Eleonora


precisou ser vista e ver. Nada que a fizesse
esquecer-se de suas amigas, apenas obrigações que
precisava suportar. No final, era noite quando
arrumou uma desculpa qualquer para encerrar um
desagradável jantar na companhia dos
Conselheiros, sendo Túlio o mais desagradável de
todos, e nem mesmo a presença do filho, poderia
amenizar o desgosto do elfo por ver Eleonora sendo
levada ao trono. Era preferível Eleonora a Santa e
Lucius, mas ainda assim uma péssima escolha.
No final, Eleonora acabou esperando por

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Egan no quarto. Quando ele finalmente livrou-se do


compromisso, ficaram juntos e conversaram muito,
aliviando dúvidas e reafirmando fatos que ambos
desconheciam um sobre o outro.
Dessa vez sem obrigações e sem pressões, o
assunto entre eles evoluiu lindamente. Sem contar
que precisavam falar sobre Santha e os sentimentos
de Eleonora sobre tudo que aconteceu.
Nas primeiras horas do dia, ainda estavam
despertos.
— Seu pai não me suporta. — ela disse triste,
— Espero que não cause problemas para Reina. Ele
pode não gostar de saber que sua esposa quer ser
minha pajem.
— Reina jamais permitiria que meu pai a
impedisse de ficar perto de você. Foram duas às
vezes em que permitiu, uma terceira não acontecerá
— Egan alegou, olhando-a com olhos de pura
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afeição — Reina será uma ótima conselheira. É


importante que uma rainha tenha alguém para lhe
dar bons conselhos.
— Hum, fala como um rei chato — ela
provocou, ainda mantendo os olhos sobre o elfo
com quase adoração romântica. — Eu deveria ir
com você — Eleonora disse cansada, deitada de
lado na imensa cama, entre lençóis de seda e
travesseiros de plumas.
Estava nua e suas asas estavam calmas, em
repouso.
Depois de uma noite inteira de conversa e
mesmo que não quisesse, uma noite chorando pelo
que Santha lhe fez, nos braços de Egan, sendo que
ambos não fizeram amor, apenas se abraçaram, ela
sentia-se limpa da dor pela traição dos pais.
Egan estava de pé, vestindo a armadura, e
parecia descrente da sua afirmação:
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— De modo algum, Eleonora. — Negou. —


É a futura rainha. Será coroada em poucos dias.
Não pode abandonar seu lugar. Deve isso a tantas
fadas e elfos que precisam de um líder justo e
piedoso. Não deve se expor aos perigos de uma
caçada.
— Conversa — ela debochou. — Você só
não quer que eu descumpra suas ordens. Quer que
eu fique aqui, longe dos riscos de uma caçada!
Submissa as suas ordens! — sorria diante dessa
afirmação.
— Sim, eu posso ser justo, piedoso e ainda
assim pensar em dois pontos de vistas diferentes,
não posso? Desconfie de uma criatura totalmente
piedosa, Eleonora. Um pouco de egoísmo faz parte
da vida. — Egan aproximou-se da cama e ela abriu
um lindo sorriso, quando sentou perto dela.
— Sábias palavras, meu rei.

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Eleonora correu os dedos sobre o metal


gelado que cobria seu peito e braços.
Poucos elfos eram agraciados com o
recebimento de armaduras. Pouquíssimos possuíam
o dom e a justiça em seu sangue e eram acolhidos
para Guardiões, como tal, eram escolhidos por suas
armaduras. E pouquíssimos, eram agraciados com a
chance de viver um amor verdadeiro.
Este carinho no metal era o mesmo que
acariciar a pele do elfo, pois a armadura e a carne
se fundiam quando unidas. Egan lhe sorriu e
curvou-se para um beijo terno.
— Apesar de que... Agradar a si mesmo não
é um modo de justiça — ela provocou de propósito.
— Depende... Se a futura rainha é decente e
honrada, faço um favor a mim mesmo e ao reino
mantendo-a a salvo de suas próprias travessuras —
Egan segurou seu queixo, como gostava de fazer e
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completou — é mais seguro para todos que


permaneça ao lado de Reina sendo preparada para a
posse do trono. É preciso conhecer um pouco da
etiqueta esperada de uma rainha, e você, minha
doce fada escolhida não é agraciada pela delicadeza
e etiqueta esperada de uma fêmea submissa. — Ele
também não resistiu a ver seu sorriso, provocando-
a com falsas cobranças sociais.
— Acontece que não é uma travessura
minha. Estamos falando das minhas amigas. É meu
sangue. É estranho, não somos parentes, mas cada
uma delas corre no meu sangue, na minha carne e
pulsa no meu coração. Eu quero achá-las, Egan.
Salvá-las. Além disso, pensemos em Tobias. — Ela
suspirou preocupada. — O que ele não deve estar
aprontando sozinho? É capaz de há essa hora estar
em alguma enrascada! Nunca foi sábio deixá-lo
sozinho! Tenho até medo de pensar nas brigas que

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deve estar arrumando e nas confusões que possa ter


aprontado!
— Eu sei onde Tobias está — Egan sorriu
misterioso — eu sempre soube, conheço meu irmão
e sei de apenas um lugar para onde fugiria.
— Onde? Para onde Tobias iria? — Ela
perguntou curiosa.
— Você não sabe? Achei que fosse unha e
carne com meu irmão. Que soubesse de todos os
segredos de Tobias — disse ciumento.
Seria sempre enciumado da amizade de seu
irmão com sua fada escolhida.
Ofendida, Eleonora afastou-se e disse séria:
— Sou e serei sempre unha e carne com
Tobias. Mas não sei de todos os seus segredos. Ele
é elfo. Eu sou fada. Ele não me conta tudo que faz e
tão pouco eu pergunto. Sempre houve um limite

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muito claro entre nós e isso incluiu nossas amigas.


Nunca houve liberdades entre nós. Saberá de bocas
de confiança, quando resgatar minhas amigas. Elas
lhe contarão da nossa amizade.
— Tenho meus segredos com Tobias, somos
irmãos, não se esqueça disso, Eleonora. Apensar da
diferença de idade entre nós, sempre houve grande
cumplicidade. Eu lhe mostrei um caminho seguro
para esconder-se caso necessário. E é lá que o
procurarei quando houver resgatado as fadas
fugitivas. Acaso, sabe aonde devo procurá-las
primeiro? Sei que Reina arquitetou um plano
elaborado para que escapassem. — Ele afirmou e
Eleonora retomou os carinhos, pousando a cabeça
em seu ombro, sobre a armadura.
— Terá dificuldades em encontrar Driana.
Ela deveria estar aqui mesmo, no castelo,
escondida. Mas não apareceu nem mesmo sabendo

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que estou inocentada o que me leva a crer que


optou por partir. Ela é tão engenhosa e criativa...
Tão inteligente que jamais conseguirá pegá-la a
menos que ela queira. Quem poderá saber o que se
passa na mente de Driana? É um mistério! E isso
me preocupa, pois pode demorar até saber que
estou livre e voltar espontaneamente — disse
desanimada.
— Levando em conta que o Guardião a
persegui-la é Acheron, que ele não é o mais
inteligente dos Guardiões... — Egan sorriu. —
Pode demorar meses a encontrá-la. Quanto a isso
não se preocupe, Acheron não deve ter chegado
nem perto do esconderijo da fada.
— Que crueldade falar isso de seu amigo —
ela riu e o cutucou, pois era bom ouvi-lo falar com
naturalidade sobre seus amigos.
Egan fora criado de modo tão rigoroso e

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severo, que temia que isso houvesse afetado suas


relações com todos os elfos. Mas não era assim,
pois possuía bons amigos e isso a deixava muito
contente.
— Acheron é bom onde deve ser bom. É um
guerreiro nato. É invejado por seu porte e
capacidade de luta. Ninguém nunca disse que ele
deveria ser bom com números ou fórmulas. — Ele
explicou, deixando claro que não desmerecia o
companheiro de guarda e sim, aceitava as
diferenças e aptidões que distinguia os dez
Guardiões.
— Cada qual com seu talento, Guardião.
Você também não presa muito pela astúcia... —
Arreliou, incapaz de conter o sorriso, estava tão
feliz em seus braços, que não podia conter-se. —
Eu procuraria Driana no lugar mais óbvio. Ela
consegue se esconder muito bem, mas o bom

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mesmo... Seria se o boato da minha inocência se


espalhasse rapidamente. Mikazar pode nos ajudar
nisso. Ele é tão rápido. Pode ir de um ponto ao
outro em dias e espalhar a novidade como
mensageiro oficial. O que acha? Driana voltará
quando souber que estou livre de riscos.
— Confia tanto assim na sua amiga? — Ele
sondou, desconfiado dessa afirmação.
— Confio em minhas amigas com a minha
vida. — Ela disse segura. — Outro problema será
Joan. Ela vai se camuflar dos olhos de quem a
persegue. É fato. Além disso, Reina a enviou para o
Vale dos Humanos. Fisicamente Joan é muito
parecida com um deles. Enquanto as asas não
nascerem... Eu aviso que falta para ela alguns
meses ainda, não será fácil encontrá-la! Seus olhos
não conseguirão distingui-la, se usar seu dom,
mesmo incompleto, e seus sentidos não a

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reconhecerão mesmo que se mantenha visível. Ela


estará misturada aos humanos. Isso é fato.
— Foi designado o Terceiro Guardião para
encontrá-la — Egan explicou — Zoé é fêmea,
sendo assim metade dos encantos de Joan não terão
efeito sobre ela, por conta de seu dom. Zoé é capaz
de ver a verdade, mesmo entre brumas. E tem asas.
Pode competir com uma fada de igual para igual.
Preocupa-me que já tenha encontrado sua amiga...
Zoé é um pouco bruta quando quer.
— Bruta? — Eleonora sentou-se e cobriu o
corpo nu com o lençol, pois haviam deitados nus
durante a noite passada. — Eu lembro dela! É uma
selvagem! Podre Joan se foi encontrada... — Disse
assustada, pensando nisso com alarde.
— Zoé não é uma assassina. Não se preocupe
— Egan garantiu.
— Eu não tenho tanta certeza disso! Zoé
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sempre foi um monstro conosco! Sobretudo com


Joan! É uma Guardiã perigosa e se ousar tocar um
dedo em Joan não poderei perdoá-la, mesmo que
seja uma Guardiã! — Avisou, desconsiderando a
possibilidade de viver em um mundo onde Joan não
existisse!
Era inconcebível! A saudade já era dolorosa,
mas o apartamento definitivo seria insuportável!
— E Alma? Reina e enviou para a Vila dos
Desesperados e neste lugar todas as criaturas têm
características estranhas. Quem notará uma fada
com voz estranha? Além disso, Alma pode ser bem
malvada quando quer — disse pensativa, a tensão
retornando, agora que pensava com clareza sobre
os perigos que cercavam suas melhores amigas,
suas companheiras de sofrimento e sobrevivência!
— Ela com certeza fará da vida do seu perseguidor
um verdadeiro martírio se tiver a chance!

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Egan sorriu e acariciou seu rosto para que se


acalmasse:
— Não se preocupe, Solon é praticamente
surdo. Não vai se perder pelo dom da sua amiga.
Além disso, ele é bastante paciente. Vai saber lidar
com as mazelas de uma fada irritante. Assim como
eu soube.
— Você não entende! Alma não usará apenas
seu dom, Egan. Ela é bem mais perigosa do que
isso... — Não quis entrar em detalhes ou delatar as
mais íntimas sombras que sua amiga carregava em
sua personalidade, por isso desviou sua atenção. —
Além disso, não se anime muito, você não sabe
lidar comigo! Jamais admitiria gostar de mim, se eu
não lhe propusesse o trono! — Acusou.
— Mentira. Eu sempre reparei na fada que
andava com meu irmão. E jamais, escute bem fada,
jamais me colocaria entre meu irmão e a sua fada

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escolhida — ele garantiu, relembrando-a disso.


— Não sou a fada escolhida de Tobias. Nem
mesmo ele sabe quem escolheria. Se convença
disso, pois é verdade. E você, poderia ser menos
turrão e começar a falar com as pessoas sobre o que
sente, pensa e não deduzir tudo sozinho! Nunca
passou pela sua cabeça que Tobias poderia querer
saber sobre seu amor por mim? Que ele poderia não
querer disputar uma fêmea com seu irmão adorado?
Precisa abrir seu coração, Egan, é o melhor
caminho para a felicidade. Eu sempre senti tanta
solidão amando um elfo que nunca olhou para
mim! — Ameaçou e Egan sorriu.
— Eu volto em alguns dias, fada rainha.
Comporte-se e cumpra o treinamento que Reina
ministrará. É necessário para que case e suba ao
trono. Não cause tumulto. E não enfrente os
Conselheiros. Eles estão sensíveis em ter um

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Guardião como Rei.


— Espere, Egan... — Eleonora sentou na
cama, ficou sobre os joelhos, revelando o corpo nu.
— Fique mais um pouco... Mais uns minutos para
me despedir...
Era um pedido inocente, mas seus olhos
brilhavam com pura luxúria, diante do farfalhar
daquelas asas que tanto amava. Egan não resistiu.
Poderia demorar semanas ou meses, para
retornar ao seu lado.
Sem retirar a armadura, apenas livrar-se das
calças, Egan voltou para a cama e para Eleonora,
fazendo-lhe um amor rápido, quente e apaixonado,
enquanto lá fora o mundo esperava pelo futuro Rei,
que deveria encontrar as fadas acusadas
injustamente e trazê-las em segurança.
Pois enquanto não houvesse um final feliz
para Driana, Alma e Joan, Eleonora não poderia ser
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inteiramente feliz...
*****
Driana não conseguia relaxar. Estava
seguindo a pé atrás do Guardião Acheron. Seu
cavalo havia sido perdido na Floresta dos Dois
Dias, por isso, agora seguia a pé atrás de seu amo,
enquanto o Guardião seguia em seu cavalo.
Guardião, ela pensou irônica. Se aquele não
era o elfo mais burro que encontrara na vida, estava
entre os três primeiros. Como era possível uma
carcaça tão perfeita conter tão pouco conteúdo?
Acheron era valente e bom com armas. Seus
olhos mal podiam crer em tanta vitalidade ao lutar e
vencer os adversários, como acontecera no dia
anterior quando foram atacados ainda na Floresta
dos Dois Dias.
Pena que sem a espada nas mãos, Acheron
era apenas um elfo grandalhão. Entediada, fincou
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os olhos nas costas reluzentes de suor. O maldito


elfo insistia em deixar a armadura dependurada no
lombo do cavalo enquanto seguia sob o sol, sem
camisa.
Não que isso a perturbasse... Mas ela sentia a
aproximação do nascimento das asas e sua libido
estava começando a ser subjulgada por sua porção
fêmea. Seu dom estava consideravelmente mais
afiado, o que a fazia crer que seu momento se
aproximava.
Não havia outra explicação para todo o calor
que sentia ao olhar para ele, havia?
Em breve nem mesmo a burrice latejante de
Acheron conseguiria ignorar que era uma fêmea.
Que não era um elfo de aparência estranha e
feminina que o seguia para todos os lados, e
ajudava naqueles longos dias de caçada.
— Tem certeza que a fada foi por aqui,
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Acheron? — Driana gritou lá de trás, para que o


brutamontes a ouvisse.
Estava de mau humor desde a noite passada e
a culpa era somente dele!
— Sim — Acheron respondeu, com um
rápido olhar em sua direção.
O sol coroou o bronzeado de sua pele, os
cabelos louros longos e dourados, e Driana quase
esqueceu o que pensava.
Olhos claros, rosto quadrado, criado para
personificar o perfeito macho. Sua mente critica
sabia que elfos assim existiam, assim como fadas
perfeitas também existiam.
Era apenas um ideal de beleza, sensualidade
e não algo real ou valioso.
Mesmo assim, ela lutou para se concentrar
em seus próprios pensamentos enquanto ignorava

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um pingo de suor que descia do pescoço másculo e


rolava sobre a carne suculenta do peito, cruzando
sobre o mamilo masculino, escondendo-se entre os
gomos de seu abdômen, finalmente se perdendo no
cós da calça justa, moldada pelo cinturão de couro
onde pendia a espada.
— Tem absoluta certeza que confiar na
indicação de uma fada de taverna é algo inteligente
de fazer? — Insistiu.
Acheron havia perdido algumas horas em
uma taverna e saíra de lá com novidades sobre o
paradeiro da fada desaparecida, ou seja, ela mesma.
— Viram uma fada fugindo para esses lados
— ele alegou puxando as rédeas do cavalo e
girando para retomar o caminho de trás, vindo atrás
de Driana, pois sentia que seu ajudante, o pequeno
elfo que se nomeara Jô tinha ideias sobre o
paradeiro da fada.

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— Poderia ser qualquer fada — ela disse


ignorando sua presença no alto do cavalo. — Pelo
que ouvi dizer... A fada Driana é inteligentíssima.
Capaz das maiores artimanhas e planos audazes —
enaltecia a si mesma — porque seguiria a pé e
correndo para que todos vissem? E porque vir tão
longe para uma Floresta tão perigosa se as suas asas
estão para nascer?
— As asas estão para nascer? Como sabe
disso? — Ele perguntou curioso, tentando lembrar-
se de quando essa informação havia sido passada
para eles.
— Eu imagino que sim. Ela tem quase vinte
anos não tem? — Driana corrigiu-se rapidamente.
— Sim, isso é verdade, a idade de uma fada
da clausura nunca é exata, mas as carcereiras
estimam que esteja aproximando-se dos vinte anos
— Acheron logo esqueceu a questão.

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Nessas horas Driana perguntava-se


sinceramente se o Guardião era lento, burro ou
crédulo. Qualquer uma das hipóteses era inaceitável
em sua posição de poder e hierarquia dentro do
reino!
— O que eu digo é que parece menos
provável que uma fada sozinha seguisse para Saul.
— Eu acredito na informação que recebi,
garoto. A fada é de confiança, mesmo que ganhe a
vida em uma taverna — ele sorriu sonhador e
Driana fechou os olhos contando até dez para
conter uma resposta amarga.
É claro que era de confiança. Aquele monte
de músculos era capaz de confundir prestação de
serviço com amizade!
— Eu apenas acho tolice seguir para a
Floresta de Saul — insistiu.
— É mesmo? E é por isso eu sou o Guardião
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e você é um ajudante? Eu tomo as decisões, garoto.


Coloque-se em seu lugar. — Ele se irritou.
Sim, mais de uma vez Acheron se irritava
mortalmente ferido em seu orgulho pelo rapazola
que apenas erguia uma sobrancelha de descaso em
sua direção e deixava claro que o Guardião era um
imbecil de pensamento lento, enquanto ele era
sagaz e capaz de encontrar uma agulha no palheiro.
Se bem que quando ouviu o conselho do
rapaz, eles seguiram por uma trilha bem melhor e
não haviam perdido tempo em trajetos errôneos.
Orgulhoso, decidido a não dar o braço a
torcer, Acheron acelerou o trote do cavalo e seguiu
a frente, deixando Driana revoltava atrás de si.
Carregando sua trouxa de pertences nas
costas, Driana andou atrás do Guardião que deveria
encontrá-la e levá-la para julgamento.
Ao menos o tolo seguia para o caminho
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errado, pensou sorrindo. Cada vez mais longe. Se


houvesse um bendito caminho errado para seguir,
Acheron encontraria e seguiria por ele, todo
contente e orgulhoso de seu feito!
Esse era Acheron, capaz de fazê-la sorrir
mesmo quando a preocupação e o medo deveriam
dominar seus dias e a fazia pensar onde estariam
suas amigas, e como estariam.
Driana não sabia, mas não muito longe de
onde estava Alma costurava um manto, sentada ao
lado da velha duende, que se cobria com mantos
verdes e mantinha sua pele da mesma cor,
tornando-se quase camuflada.
No mercado da Vila dos Desesperados Alma
ganhava o pão com pequenos trabalhos e contava
com apenas essa proteção para se mantiver
escondida.
Todos sabiam que era fugitiva, mas ninguém
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tecia comentário. Levando em conta que Alma


suspeitava que a duende também estivesse fugindo
de algo... Tudo estava bem.
As duas mantinham-se caladas e se
ajudavam. Embora às vezes, Alma sentisse a
curiosidade aflorar e vir com força total, fazendo
sua língua coçar de vontade de perguntar a velha
duende se também fugia de algo ou era apenas
impressão sua.
Alma parou de bordar o manto ao reparar que
outra vez a sagaz duende reparava em
movimentação suspeita na vila.
Era só o que lhe faltava! Eldor ter voltado e
insistir em infernizar sua vida, já tão miserável!
Não era nada disso, mas também era
preocupante. Era o Quarto Guardião Solon. Ele
falava com as pessoas por gestos e às vezes se
irritava, mas insistia em obter respostas.
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Os habitantes da vila não lhe forneceriam


nenhuma pista, por solidariedade a uma pobre fada
que precisava fugir para sobreviver, assim como a
maioria dos moradores da Vila dos Desesperados,
que já sofreram ou ainda sofrem o peso do
preconceito, dominação e miséria.
Em uma das barracas Alma ouviu a voz de
uma jovem fada de cor acinzentada e feições muito
estranhas, uma das mais ignoradas de todas as
criaturas estranhas do vilarejo, ele gritava com a
fada e ela respondia nervosamente.
Não forneceu nenhuma informação que
pudesse ajudar, mas seu nervosismo, seu modo
inconsciente de olhar sem parar para a barraca de
calçados de couro, indicou ao elfo por onde deveria
começar.
Havia sim uma fada recém-chegada a Vila
dos Desesperados e que a pouco mais de três

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semanas se escondia entre os moradores. Uma fada


que nesse instante exalava um cheiro característico
e nada discreto de cio.
A velha duende havia pendurado vários tipo
de ervas por toda a barraca na tentativa de amenizar
o odor ou ao menos disfarçar sua origem, mas era
um ato falho. Tentativa desesperada de ao menos
despistar os elfos mais tolos ou influenciáveis.
Sua companheira de bordado não disse nada
quando Alma largou o que fazia. Apenas apontou
para o fundo da barraca como quem alerta da
necessidade de fuga. Por isso, Alma não pensou em
nada, apenas levantou e correu para esconder-se
atrás do couro que limitava a barraca.
Solon encontrou apenas a velha bordando,
calmamente.
— Onde está a fada? — Perguntou invadindo
a barraca.
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— Quem? — Ela perguntou, fingindo-se de


surda.
— Onde está a fada? — Ele gritou mais alto,
irritado.
— Quem? — Ela insistiu e Solon desistiu.
A velha duende sabia de sua carência
auditiva a usava isso contra ele! Se fosse outro elfo,
se vingaria desse deboche, mas era alguém justo,
valoroso e apenas ignorou seu ato contra a lei do
reino. Atrasar ou atrapalhar uma missão de um
Guardião a mando do rei ou rainha era razão para
um longo julgamento.
Alma correu para longe da barraca,
escondendo-se entre árvores, espiando o Guardião
Solon sair do mercado e ficar muito perto. Quando
se aproximou, Alma rezou para não ser vista. Sem
querer esbarrou em pedregulhos e o barulho foi
imenso.
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Em pânico, sabia que seria avistada, mas


nada aconteceu. O Guardião não ouviu o barulho.
Desconfiando que o Guardião não possuía
boa audição Alma correu para outro ponto no meio
das árvores. Suas asas haviam nascido e Alma
poderia voar para longe, mas evitava fazer isso.
Descobrira que ao abrir suas asas e farfalhá-
las o som era insuportavelmente alto e o barulho ao
voar fazia mal para as criaturas a sua volta.
Fora na floresta longe de todos que tentou
voar pela primeira vez e acabou por matar várias
criaturas, entre esquilos e pássaros, que não
suportavam o som agudo e estridente.
Alma não tinha apegos sobre voar, pois tinha
medo de altura, mas lamentava não poder fugir do
modo mais fácil.
Correu por entre árvores e mato, torcendo
para despistá-lo e evitar um confronto que a
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impelisse a usar seu dom contra um elfo bom e


justo, que apenas cumpria ordens, seguindo leis de
um reino que sempre mascarava suas falhas e
enganava seus olhos, assim como mascarava os
olhos de muitas outras criaturas mágicas.
Pensou em levá-lo para o córrego e então
para a clareira onde descobriu que podia controlar
sua voz para matar, mas faltou coragem para tanto.
Quem sabe, com um pouco de sorte, pudesse
despistá-lo sem a necessidade de cometer um crime
ainda maior?
Alma escondeu-se atrás de um carvalho
gigantesco. Até tentou entrar na árvore, em uma
fresta larga, mas não coube. Era grandalhona
demais para caber em um esconderijo de duendes.
Sem fôlego, fechou os olhos, torcendo para
ser agraciada por uma sorte inesperada, que fizesse
o Guardião perder seu rastro. Como se isso pudesse

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acontecer... Bastava que farejasse o ar para sentir


seu cheiro de cio!
Tomada de coragem, espiou pelos lados da
árvore, até avistar o elfo procurando por ela em
torno das árvores. Ele era cuidadoso, parecia
comedido demais.
Não usava a armadura e isso era indício de
que não a considerava uma inimiga ou que não
considerava sua capacidade de luta suficientemente
significativa para merecer proteção extra.
Alma estreitou os olhos ao notar o chocalho
no cinturão de couro que o Guardião usava. Era
barulhento e indicava a direção do vento. Estranho,
porque ele precisava de um guiso?
O súbito entendimento, depois de lembrar
que não a notou tão perto, mesmo tendo feito muito
barulho, a fez chocada.
Seria possível que o Guardião não estivesse
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ouvindo-a?
Seria essa a razão que levava Tobias sempre
a desmerecê-lo e até mesmo rir dele?
Apreensiva, espiou-o mais um pouco e
descobriu que não era a única que reparou que o
Guardião não tinha boa audição.
Do outro lado da clareira, Solon não
percebeu a aproximação de ladrões. O barulho dos
passos não chegou aos seus ouvidos e não percebeu
que seria atacado pelas espadas.
Atacado pelas costas, pois eram mestres em
roubo e habilidosos em camuflar o barulho,
sobretudo, camuflar suas presenças. Alma olhou
em volta, era sua oportunidade de fugir. Deveria
fugir.
Quem a notaria fugir em meio a uma luta de
espadas entre ladrões e Guardiões?

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Dividida entre a liberdade e a obrigação para


com outro ser humano, observou a face do
Guardião com piedade. Um sentimento apertou seu
coração.
Era pena pura e límpida.
Ele não podia ouvir e não podia se defender.
Exatamente como ela que não podia voar e se
salvar. Simples assim. Por maior que fosse seu
poder, ainda assim, o Guardião Solon era indefeso
quando seus truques não funcionavam e não
conseguia ouvir seus agressores.
Como toda criatura que foge da perfeição
seria morto por sua vulnerabilidade.
Sem saber de onde viera o pensamento, Alma
decidiu que precisava ajudá-lo. Como faria isso lhe
era um mistério. Mas não permitiria que fosse
morto! Não por sua vulnerabilidade!
Era um impulso inexplicável vindo dela que
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normalmente tendia a querer ver o circo pegar fogo


e a espada verter sangue.
Gostava de assistir aos treinamentos dos
Guardiões e ao contrário de suas amigas do
Ministério do Rei, não o fazia para admirar belos
elfos sem camisa, suados e em posição de luta...
Não mesmo. Ela assistia as lutas com o desejo de
ver alguém se ferir. Eram desejos mórbidos
acompanhados de muita fúria interna.
Por isso, estava surpresa com esse apelo de
bondade surreal. Precisava ajudá-lo por caridade e
por sentir-se unida a um ser que como ela, é
imperfeito e não pode salvar a si mesma.
Assim como faria de tudo para manter-se
segura e não colocar a vida de suas amigas em
risco.
Esquecendo-se delas, Alma agiu por impulso,
sem saber que Joan passava por dilema bastante
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parecido.
Quem dera Joan pudesse escolher algo em
sua vida. Ela havia se juntado a mulheres humanas
no Vale dos Humanos e agora servia a um nobre.
Era final do dia e deveria levar-lhe o jantar no
quarto, pois ele estava ferido de uma batalha.
Na cama, Rowell tinha o peito enfaixado e
estava sem camisa, um pouco febril ainda, pois na
noite anterior estivera com muitas dores e
padecendo. Os cabelos negros estavam úmidos do
recente banho dado pelas outras servas e seus olhos
claros estavam cansados, mirando o espelho na
parede do quarto, com pesar e pensamentos
pesados.
Abatido o homem não suportava ter que ficar
na cama e passar dias sem poder cuidar de sua
gente.
— Eu não quero comer — Rowell reclamou
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quando a serva lhe trouxe o jantar.


Seu mau humor era corriqueiro. Havia dias
em que não conversava. Em outros, a presença de
Joan ao menos o fazia menos chateado.
Mas eram oscilações perigosas de humor.
Joan não poderia culpá-lo por isso. Era um homem
de luta, de ação e agora estava preso a uma cama.
— Eu... — Ela começou a falar e quase
perdeu a coragem.
Vestia um vestido verde, de veludo simples e
gasto, que Liara lhe emprestara, enquanto
maliciosamente lhe confidenciara que torcia que
conquistasse o duque o suficiente para conseguir
que Matilde fosse mandada embora.
Usava também um lenço que cobria parte dos
cabelos, pois estava cansada de Matilde gritando
que era piolhenta e fedida.

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Quem sabe se ela não visse seus cabelos, não


pudesse ter desculpas para os gritos?
Mesmo assim sua face sardenta e os olhos
claros não escondiam sua beleza e o humano era
capaz de notar e se apegar a isso, mas Joan não
notava esses detalhes.
— Eu estive pensando... Conheço um pouco
sobre ervas. Poderia, se o meu senhor autorizasse,
poderia buscar ervas e lhe fazer um chá que deve
apressar sua recuperação.
— Isto existe? — Ele ficou imediatamente
interessado e Joan sorriu aliviada por entender que
não seria punida.
Ele não acreditava em muitas coisas, mas
quando ela abordava o assunto normalmente levava
em consideração.
Joan gostava da interação com Rony, mas
ainda temia as represarias de Matilde. Estava
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cansada de apanhar de Matilde, a governanta que


dava ordens nas servas e que adorava gastar a
madeira de seu cajado lambendo as costas e as
pernas das servas com surras de horas.
Até então fora vítima de algumas pancadas,
mas as demais moças viviam feridas.
— Sim, não fazem milagres, mas ajudam
muito a aliviar a dor e fechar as feridas. —
Garantiu.
— E onde pode achar essas ervas? — Ele
sentou na cama com uma careta de dor.
— Perto do lago. — Aproximou-se um
passo, com vontade de ajudá-lo, mas se conteve.
— O lago fica muito longe daqui — Rowell
decepcionou-se.
Joan abriu um lindo sorriso e disse:
— O meu senhor acredita em magia? —

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Perguntou, gostando até demais de conversar e


desafiá-lo a deixar a dor de lado para prestar
atenção a outros assuntos.
— Não. Você acredita? — Ele perguntou de
volta.
— Talvez. Mas se eu posso ir e voltar com as
ervas em uma hora? Isso o convenceria que existe
alguma magia no mundo?
— De modo algum, apenas me convenceria
que conhece alguém que já colheu as ervas e que
mora perto daqui — ele opinou.
— Acho que essas leituras fazem mal para a
capacidade de crer de um macho humano — ela
apontou a pilha de livros sobre a mesinha de
cabeceira.
— Vá, busque as ervas. Eu tenho pressa de
sair dessa cama, Joan. — Ele autorizou não mais
estranhando seus modos de falar.
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Joan era diferente das outras moças e ele se


dividia entre curiosidade de fazer-lhe perguntas,
exigir respostas e o estranho fascínio de apenas
desfrutar de sua companhia.
Um estanho sentimento de que sua presença
em sua vida era algo temporário. Em algum
momento a perderia. Como uma aparição, talvez
um anjo, Joan partiria e levaria a pouca esperança
que o fazia aguentar seu estado com menos
sofrimento.
Joan conteve a vontade de dizer-lhe que tinha
pressa para vê-lo sair da cama. Não deveria, mas
seu coração estava acelerado por conta daquele
humano.
Mesmo que não fosse uma fugitiva, era uma
fada e ele um humano. Uma relação impossível.
Sorriu-lhe enquanto observava-o comer e
beber do café com interesse. Seu apetite estava
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melhor e vinha se fortalecendo, pois tinha prazer de


comer na companhia de sua nova amiga.
Quando terminou, apressada, Joan despediu-
se e levou a bandeja para a cozinha.
Em surdina para não ser vista, Joan andou
pelo castelo e em um canto discreto abriu os botões
do vestido nas costas e revelou as asas. Haviam
nascido logo depois da fuga e ninguém percebeu
por que ela camuflava muito bem as asas.
Depois de nascidas descobriu que se fundiam
com sua carne quando queria embutidas, ao
contrário das asas das outras fadas que conhecia.
Eram asas pequenas, avermelhadas e ágeis.
Era a primeira vez que voaria em duas
semanas de obtenção de suas asas. Era o momento
certo e valia a pena o risco da exposição.
Ela tinha medo de andar sozinha pela
floresta, sobretudo voando.
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Receio do cheiro do cio, imperceptível para


os humanos, ser captado pelas criaturas mágicas da
floresta e por causa disso, ser perseguida e
interceptada por malfeitores.
Caçadores de Fadas, de Recompensa ou
Guardiões.
Ela temia por sua vida e pela existência de
suas amigas. Mas temia também que a vida de um
bom macho humano se perdesse por conta da
ignorância pelo que é mágico.
Assustada com o que faria, pois nunca antes
voou, Joan ergueu uma das pernas e pousou o pé na
murada de pedra da mais alta das muralhas. Bateu
suas asas e foi erguida o bastante para seu outro pé
tocar as pedras.
De pé, ela olhou para baixo. Fechou os olhos
diante dessa liberdade. Era único, não era
prisioneira, não era padecente da clausura, não era
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fada e não era humana.


Era apenas um corpo suspenso no ar, prestes
a se lançar ao desconhecido.
Cheia de coragem e impulsionada por
sentimentos profundos demais para nomear em tão
pouco tempo, Joan se lançou. Suas asas
imediatamente a içaram para cima, ganhando
velocidade e altura. Tão alto, que se a vissem lá
embaixo pensariam ser um pássaro.
Era estranho como às vezes certas coisas
sobre o interior de um ser é revelado apenas nos
momentos mais inesperados. Joan era fada. E sua
essência era profundamente ligada a suas raízes e
ela não sentia o menor incômodo ou dificuldade em
voar.
Francamente, era de surpreender-se que
viveu por longos vinte anos sem suas asas.
Meia hora depois, pousou os pés na grama
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macia, em meio à floresta, nos arredores do Rio


Branco, que banhava o campo dos humanos, a
poucos quilômetros do lugar onde o Campo dos
Humanos fundia-se com o mundo mágico.
Um campo repleto de plantas altas. Que lhe
chegavam à cintura, com folhas longas e
amareladas, com miolo carregado de esporos e
pequenos insetos que costumavam polinizá-la.
Joan recolheu uma grande quantidade dessas
folhas e então, das florzinhas do miolo, que
lembrava de que eram boas para os pulmões.
Menos de uma hora depois estava com as
ervas cortadas e presas a uma bolsinha em sua
cintura quando reparou em uma fada se banhando
do outro lado do lago.
Um princípio de esperança a fez sorrir
pensando na possibilidade de uma de suas amigas
andar por aqueles lados, escondendo-se de seu
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Guardião perseguidor.
O sentimento foi tão forte, que Joan quase
derrubou a bolsa com as ervas, na ansiedade de
aproximar-se e descobrir que estava certa.
Ela queria tanto abraçar Alma. Tanto que seu
seus braços doíam de ansiedade. Ouvir a voz de
Driana mesmo que a repreendesse por estar se
expondo ao perigo por causa de um humano.
Ou quem sabe ainda, e isso lhe trouxe
lágrimas aos olhos, ouvir a voz suave de Eleonora
elogiando-a pelas lindas asas vermelhas que se
estendiam de suas costas.
Perto, Joan fixou os olhos na imagem que
emergia da água após um longo mergulho.
Era linda e estava nua. A pele era escura,
brilhante pela água e pela luz do sol. Os cabelos
longos, trançados escorriam por suas costas. Em
sua testa uma linha pintada com tinta negra, em
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formas circulares e ornamentais que descrevia sua


descendência, cravada em sua carne, em uma
tatuagem eterna.
Joan correu os olhos pela figura e toda a
esperança caiu por terra, diante de seus olhos,
revelando novamente o horror da vida. Na margem
do lago uma armadura de Guardião.
Assustada, Joan engoliu em seco e camuflou-
se para não ser vista. Invisível aos olhos de tudo e
todos, andou para longe sem saber que para os
olhos de Zoé não havia nada capaz de se esconder.
Ela achara a fada e agora era questão de
tempo para cumprir sua missão...
E tempo era o que não faltava para Tobias.
As chamas altas ameaçavam correr sobre a terra
rachada e as folhas secas, por isso Tobias usou um
toco de galho ainda úmido de árvore para controlá-
lo e não perder a fonte de calor que aquecia o peixe
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que cozinhava.
Acampado ao pé do abismo, entre as rochas,
Tobias cozinhava os peixes que pescara do córrego,
para matar a fome. Dormia na caverna e fingia estar
acampando e não se escondendo.
Quando era pequeno e Reina o levou para ser
criado em sua casa, Tobias descobriu aquele lugar.
O irmão mais velho, Egan sempre se escondia ali.
Em poucos dias se tornaram melhores amigos, em
uma empatia mútua instantânea e o menino dividiu
com Tobias seu lugar favorito no mundo todo.
Era o único segredo que tinham e que apenas
os dois conheciam.
Intrigado Tobias olhou para cima, para a
murada imensuravelmente grande das pedras, onde
a milhares e milhares de quilômetros acima ficava
o castelo.
Somente Egan e Tobias sabiam o atalho para
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aquele lugar. De outro modo, a menos que tivessem


asas, jamais poderiam chegar com segurança.
No dia anterior avistou uma fada
sobrevoando a nevoa do abismo e desaparecendo
no horizonte em meia a uma ventania. Pela cor das
asas chegou a crer ser Eleonora. Ela teria as asas
idênticas as da rainha, por isso Tobias sentiu o
coração apertar de esperanças de ter sua Lora
consigo.
Mas era apenas uma visão ou sua
imaginação. Ou ainda sua imensurável vontade de
ver Eleonora e lhe falar de seus sentimentos. A fada
achava que eram apenas amigos.
Sempre minimizava seus sentimentos e
rotulava como amizade. Mas Tobias estava
convencido que quando tudo acabasse e fossem
livres outra vez, a tomaria para esposa. Com o
tempo Eleonora entenderia que se amavam e

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esqueceria aquela tolice de amizade.


Pensando sobre a vida, Tobias recostou-se
em uma das pedras e começou a mascar uma folha
de erva que encontrara nas redondezas.
O gosto era adocicado e acalmava. Inocente a
sua fragilidade, concentrou seus pensamentos em
sua paixão platônica Eleonora e fechou os olhos,
enquanto não sabia ser observado por olhos atentos.
Vários pares de olhos atentos dispostos a atacar e
acabar com a ameaça que o elfo macho
representava.
*****
Enquanto a vida de todos seguia seu curso,
Eleonora observava a partida do seu Guardião
favorito. Egan, que em seu cavalo deixava a
segurança do castelo, na única companhia de
Mikazar.
Ao seu lado Reina a consolou:
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— Ele não vai demorar a voltar. Agora está


segura, Lora. Sua vida está apenas começando.
Esqueça tudo que aconteceu. Pense no futuro.
— Farei isso. Quando Egan voltar. — Disse
triste. — Quando minhas amigas estiverem seguras
outra vez. Nesse dia, eu começarei a viver. —
Virou-se para Reina, pois não conseguia mais
avistar Egan por entre as copas das árvores.
Sentia a imensa vontade de voar até ele e
juntar-se a caçada. Mas não era prudente.
— Eu juro, Reina, que farei desse castelo um
lugar melhor para todos viverem. Os dias de
clausura acabaram. Quando Alma, Driana e Joan
voltarem serão fadas livres. E a liberdade será a
única lei que jamais será modificada. Eu viverei
para isso, nem que custe a minha própria liberdade!
Reina acenou concordando, reconfortando-a
nesse momento de desolamento. A guiou para
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dentro do castelo, fechando todas as janelas da


torre.
Em breve todos se reuniriam e seriam tempos
de paz. E os tempos de tristeza, medo e dor
ficariam esquecidos no passado... Parada diante das
janelas fechadas Reina encarou o futuro diante de
si.
Sua boca dizia para Eleonora que tudo ficaria
bem, mas não acreditava nisso.
A paz estava longe de acontecer.
Não era o momento de comemorar.
Ainda não.

FIM
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O CAÇADOR DE FADAS E A BUSCA PELO REI-


LIVRO 2

Capítulo 1 - O grande pesadelo

Seus dedos tamborilavam sobre a mesa de


madeira. Não era irritação ou nervosismo. Era algo
mesclado entre tédio e desgaste intelectual. A sua
volta muitas vozes, canto e dança. Elfos falavam e
alguns gritavam, animados pela bebida.
No centro da roda formada por elfos e fadas,
o Segundo Guardião Acheron refestelava-se em
elixir proibido nas imediações do castelo do Rei
Isac.
Driana sorriu pesarosa, lidando com seus
próprios pensamentos conturbados. Rei? Que Rei?
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O Rei assassinado pela própria Rainha?


O Rei que fora tolo o bastante para ser
enganado durante duas décadas, e graças à própria
estupidez, causar o problema atual que assolava a
vida de Driana? Se Rei Isac não houvesse sido
estúpido o bastante para acreditar em Santha no
passado, o futuro de Driana não seria tão nebuloso.
Estava no Vilarejo das Fadas, após dois dias
de trote lento dos cavalos pelas montanhas em volta
do castelo real.
Outra fada da clausura não perderia seu
tempo reclamando de tão pouco. Há essa hora
estaria chorando a prisão definitiva de Eleonora,
sua melhor amiga, em uma clausura que duraria um
ano, até a escolha dos Guardiões, e se não fosse
escolhida, uma prisão para a vida toda. E choraria
uma a uma, suas amigas, as asas nascendo, sendo a
sentença de morte de fadas que almejavam apenas a

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liberdade.
Eleonora, Joan e Alma. Seu coração ficou
apertado pensando em suas melhores amigas. Não
possuíam o mesmo sangue, mas possuíam um laço
insolúvel: a amizade.
Os gritos aumentaram e ela reteve o ar
quando uma das fadas tropeçou na cadeira onde
estava sentada e seguiu rindo, atrelada aos braços
de um elfo pequeno e gordo. Riso feliz. Como ela
queria poder rir outra vez...
Era uma fugitiva. Rainha Santha assassinara
o Rei, e a culpa recaíra sobre as quatro fadas da
clausura. E Driana era uma delas. Por isso sua fuga
era necessária. Dispersaram-se por intromissão de
Reina, mãe do Primeiro Guardião Egan, que graças
aos anos de esposa de um Conselheiro, sabia como
funcionava a cabeça dos Conselheiros e fora capaz
de imaginar que as fadas seriam perseguidas por

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Guardiões. Por isso era vital que cada qual seguisse


um rumo e se mantivesse escondida, até a verdade
vir à tona.
Caso a verdade pudesse mesmo vir à
superfície. Normalmente a mentira é sempre mais
fácil de crer, por conter elementos menos
chocantes. Pois no caso das fadas da clausura a
verdade era por si só tamanhamente bizarra que não
valia um segundo olhar. Driana precisava admitir
que era mais fácil acreditar na mentira. Parecia
menos irreal.
Ignorando a música e a alegria a sua volta,
Driana empurrou para o lado o copo de barro onde
o elixir proibido borbulhava e pegou a pesada faca
da caça que deixara sobre a mesa de madeira, pois
pesava em seu cinturão.
Segurando-a pelo cabo, começou a enfiar a
ponta na madeira da mesa, alterando os dedos. Era

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uma brincadeira perigosa, mas a possibilidade de


ferir-se era remota.
Às vezes pensar demais era uma maldição.
Suas amigas haviam seguido caminhos
diferentes e ela lamentava não ter notícias. Deveria
ter ficado escondida no castelo, mas sua mente não
concebia a possibilidade de permanecer imóvel,
sem ajudar. Ao menos seguindo Acheron, poderia
saber em primeira mão como andava a perseguição
e tentar atrapalhar no que pudesse.
Olhando para trás, Driana encontrou a
imagem de Acheron no centro da festa, e pensou
em como aquele elfo era indulgente.
Grande demais, alto demais, forte demais.
Cabeludo demais. Burro demais.
Quando percebesse que a fada Driana não
estava em fuga, ele acabaria unindo-se aos demais
Guardiões e seria uma maior força atrás de suas
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frágeis amigas. Um arrepio correu sua espinha ao


imaginar as gigantescas mãos de Acheron em volta
do delicado pescoço de Joan... Ou então, uma luta
entre sua força arrasadora e os gritos esguichados e
perigosos de Alma, que não tendia a ser boazinha
todo o tempo...
Ele soltou um brado de alegria,
provavelmente induzida pelo álcool e olhou em sua
direção, erguendo a caneca como um cumprimento.
Por dentro, Driana quase amoleceu. Em
alguns momentos, ele era tão ingênuo, tolo e
crédulo, que a irritava e ao mesmo tempo
encantava. Justamente ela que nunca teve o dom de
ser crédula. Sua inteligência era aguçada demais
para lhe permitir certas tolices.
Afastou os olhos da imagem do Guardião e
fixou-os na lâmina afiadíssima da faca. Grande
sorte terem chegado a Vila das Fadas justamente

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durante a comemoração de um casamento entre


uma Fada Verde e um elfo. Fadas Verdes era a raça
mais incomum entre as fadas, por possuírem
pigmentação esverdeada em toda pele, cabelos e
olhos. Encontrar uma era deveras difícil, casar-se
com ela então, impossível, pois elas tendiam a
viver solitárias e assexuadas, algumas chegando a
possuir o dom de se reproduzir sem a necessidade
de um macho.
O feito do elfo que conquistara o coração da
Fada Verde era comemorado com uma festa
animada que unira toda a vila, pois ter uma Fada
Verde vivendo em suas terras era sinal de
prosperidade e a felicidade era de todos, não apenas
do noivo apaixonado.
Claro que Acheron não poderia resistir a uma
festa, mesmo que estivesse em uma caçada
importante às assassinas do Rei. Segundo ele, e este

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argumento era um dos que valia a pena anotar para


não esquecer, pois era uma das grandes pérolas que
ouvira sair da boca do elfo: a caçada poderia
esperar, pois a fada era pequena, frágil e
dificilmente andaria mais rápido que seu cavalo
treinado para corridas!
Ela lutou para não revirar os olhos de
descaso. Esperava sinceramente que Acheron
houvesse dito isso como uma desculpa esfarrapada
para justificar sua vontade de beber e aproveitar a
festa, e não como algo que realmente permeasse
sua mente. A segunda opção era tão inconcebível
para Driana quanto era incompreensível porque um
ser preferiria horas de dança e bebidas a uma noite
de sono.
Muitas vezes Eleonora a chamava de chata.
Driana pegou-se pensando se ela teria razão ou não.
Quando adormecia era o único momento em

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que sua mente se acalmava e poderia descansar.


Acordada sua mente jamais desligava. Era quase
compulsivo ouvir, entender e ter ideias.
Como agora. Se ela jogasse a faca na direção
de um elfo que carregava um barril de elixir
proibido nas costas, ele tropeçaria e derrubaria a
bebida fumegante sobre uma fada grandalhona, de
longas asas alaranjadas. Ela se assustaria e
tropeçaria em Acheron, e pela posição em que o
troglodita dançava, acabaria caindo no chão,
exatamente sobre a foice pontiaguda que um elfo
esquecera recostada contra a mesa. Sua cabeça
seria perfurada e sua morte instantânea. E a culpa
não seria de ninguém além dele mesmo.
Por conta dessas possibilidades que Driana
sentia-se tão inibida. Não era chata. Era reclusa de
sua própria mente. Não era assassina. Poder livrar-
se dos problemas facilmente não queria dizer que

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sua índole permitisse isso.


Driana ouviu um ‘Eia” gritado em seu ouvido
e quase pulou da cadeira, e mais que isso, quase
acertou o próprio dedo.
— Cuidado, garoto, essa é brincadeira de
gente grande! — Acheron gritou em meio a uma
risada, jogando-se na cadeira de madeira ao seu
lado, uma caneca nas mãos e um rosado
inconfundível nas faces bronzeadas.
Estava bêbado como um gambá. E também
fedia como um.
Sua cabeleira longa e loura era uma bagunça
e um nó sem fim. Uma crina de cavalo, pensou
amargurada.
— Alguns diriam que a sua brincadeira
também é para elfos adultos. — Ela ironizou
olhando de modo azedo para a caneca.

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— Hum, não se preocupe, Jô. Dou conta de


mim mesmo. Amanhã cedinho estarei de pé e
pronto para outra. E você? Ainda continuará com
essa carranca séria ao amanhecer?
Driana sabia que Acheron não esperava de
fato uma resposta.
— Penso em como será a partida para a
Nascente do Rio Branco. Não me agrada acampar
por essas terras. — Ela jogou a isca esperando que
mordesse o anzol.
— Por quê? Já esteve nessas bandas? —
Acheron não estava de fato interessado, pois a
bebida forte turvava sua mente.
Era um bom momento para colocar ideias em
sua cabeça oca. Fazê-lo crer que as ideias partiram
de sua própria mente!
— Todo mundo mágico sabe que a Nascente
é um lugar que deve ser evitado.
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— Hum, bobagem. Sei o que dizem. Pura


crendice. — Ele desdenhou.
— E o que dizem? — Questionou
interessada.
Acheron bebeu mais um pouco da bebida e
arrotou. Foi um som desagradável e o um hálito
que Driana dispensaria ter aspirado.
— Dizem que a Nascente revela todos os
segredos. Eu sei que é verdade. Já vi acontecer —
ele contou em tom de segredo — não existe melhor
lugar para levar uma fada mentirosa... — Ele
mesmo riu de sua piada, sem saber que o assunto
era sério.
Driana sentiu-se imediatamente ofendida.
Primeiro, por supor que tal machismo em
relação ao seu sexo era inconcebível. E segundo,
pois ela própria era uma fada mentirosa!

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— Não tem medo que seus segredos sejam


revelados, Acheron? — Perguntou, destilando
veneno, na esperança de descobrir algum pobre do
passado do elfo que pudesse usar no futuro em uma
barganha.
Sorte sua Acheron estar bêbado demais para
notar seu tom mais suave, quase meloso. Às vezes
precisava se policiar para não soar romântica
demais ou feminina demais.
— Segredos? Não guardo segredos. Sou
senhor da minha vida, garoto. Não devo nada a
ninguém. Mentiras são para os ratos. Porque eu
mentiria? — Foi sincero e ela sorriu.
Era um sorriso de quem apreciava saber que
havia neste mundo uma criatura capaz de não ter
segredos. Quem sabe a verdade fosse própria das
mentes singelas? Muitas vezes Driana achava que
mentir era a melhor solução quando se é tão

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criativa.
Enfeitar um pouco a realidade, para ocupar a
mente com algo divertido, talvez?
No entanto, neste exato momento de sua vida
a mentira era necessária para a sobrevivência.
Acheron seguiu bebendo, sem reparar no
rapazola que estava perdido em pensamentos. Em
determinado momento, aflito com aquela
brincadeira perigosa, Acheron segurou sua mão,
impedindo-o de continuar. Jogou a faca na mesa e
Driana não disse nada. O toque de sua mão a
deixou muda. Nunca estivera muito próxima a
elfos. Somente Tobias, amigo de infância, criado
no Ministério do Rei ao seu lado, e era o único elfo
macho com quem convivia. Mas Tobias não lhe
despertava interesse como macho.
Surpresa pelo pensamento inesperado
recriminou-se. Tão pouco Acheron chamava sua
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atenção como elfo!


Sem notar a expressão de Driana mudar,
Acheron desviou os olhos dos seus:
— Ei, fada! — Ele rapidamente esqueceu-se
de Driana, chamando atenção de uma fadinha
mirrada e gorduchinha.
A fada estava tão corada quanto Acheron,
uma taça na mão, e não ocultou risinhos contentes
ao ser notada pelo Guardião.
— Me diga, querida Dorotéia, onde um elfo
cansado pode encontrar um leito para passar uma
noite? — Ele guinchou com seu vozeirão e a fada
farfalhou suas curtas asas, num voo raso até eles.
Mal afastou os pés do chão e Driana invejou-
a duplamente. Primeiro, por desfrutar da liberdade
de ter suas asas e segundo... Por motivos óbvios
demais para sua mente privilegiada se aventurar em
ponderações que a levaria a sentir medo de si
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mesma e de suas vontades.


— Eu fico com a estrebaria. — Driana disse
antes mesmo que ele perguntasse.
Como se não pudesse adivinhar suas frases
feitas, satirizou em sua mente.
Acheron lhe presenteou com um sorriso
preguiçoso. Gostava do garoto por conta disso. Não
precisava falar, pois o entendimento sempre era
rápido.
— Beba, garoto. Um pouco de elixir deve
adoçar sua língua — ele riu e partiu, levando pela
fada consigo.
Driana acompanhou a imagem com pesar.
Acheron apertava as carnes opulentas da fada e a
fêmea ria, enquanto se contorcia e se roçava no
elfo.
Esperando que Acheron tivesse razão, Driana

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pegou a caneca esquecida sobre a mesa e provou o


elixir proibido. Era uma bebida banida das
imediações do Reino, mas amplamente consumida
nos vilarejos. Diziam as más línguas que os
ingredientes secretos, na sua maioria, ingredientes
mágicos, nublavam a mente e confundiam os
sentidos. Que seu efeito poderia ser devastador
sobre um elfo ou fada de bom juízo.
Depois de provar um gole e limpar a boca
com a manga da túnica, Driana fez uma careta de
desgosto. Quanta tolice. Vinho fedido com algo
apimentado, talvez especiarias. Somente alguém de
mente tacanha para se impressionar com isso.
Driana deixou a mesa, guardou a faca no
cinturão de couro e ajeitou a túnica. Puxando as
calças, pois eram longas demais para seu porte, saiu
andando em meio à festa. Elfos e fadas riam e
comemoravam, mas Driana não tinha nada para

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festejar.
Na solidão da noite, chegou à estrebaria e
ajeitou-se junto aos cavalos. Outra vez sua mente
pensou em alternativas menos sofridas para livrar-
se de Acheron. A cela do cavalo, por exemplo.
Acheron sempre descuidava dos tratos com os
cavalos, relegando-os a Jô, o garoto que o
acompanhava para ajudá-lo nesses simplórios
cuidados do dia a dia.
E esse garoto no momento era o disfarce de
Driana. Ela poderia deixar a cela frouxa, não
poderia?
Agoniada com esses pensamentos insistentes
que a perseguiam em sossego, virou-se de lado
sobre as palhas e fechou os olhos, rezando para
adormecer e parar de pensar, por um segundo que
fosse Driana queria parar de pensar tanto...

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Capítulo 2 - Servo de ninguém

A criatura dormia sobre o feno, com


expressão de pura paz. Acheron tentou não fazer
muito barulho enquanto catava seus pertences
espalhados pela estrebaria e socá-los dentro de uma
bolsa de couro.
Era um alívio saber que seu ajudante era tão
capaz de levar-se por prazeres mundanos, como o
próprio Acheron era facilmente levado!
Em seu sono, o rapazola moveu-se e
começou a sussurrar. Acheron alargou o sorriso
ouvindo o nome “Lora” escapar em suspiros. Pelo
visto não havia sido apenas ele a sucumbir ao elixir

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proibido e aos cuidados de uma fada carinhosa.


Sentia-se menos tolo sabendo que Jô era tão normal
quanto ele.
O rapaz era muito esperto e por vezes tendia
a demonstrar superioridade ao falar com ele, e com
outros. Ontem mesmo, ao chegarem a Vila das
Fadas, durante a conversa amistosa e toda a
hospitalidade que receberam, o garoto mantinha-se
distante, como se fosse bom demais para estar entre
seres tão simples.
Como se considerasse todos eles estúpidos
demais para merecerem sua atenção.
Acheron ignorou os sonhos do rapaz, e
começou a cuidar do cavalo. No começo precisou
do rapaz para conduzir o trato do seu cavalo. Era
um Guardião, mas era preguiçoso quanto aos
cuidados domésticos. Alguém para cozinhar e
limpar, alguém para lembrá-lo de coisas básicas,

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como lavar roupas e paradas para dormir.


Quando em uma missão Acheron tendia a
não perder tempo consigo mesmo.
Com exceção de algumas paradas para
comer, beber e se divertir. Ele era cético quanto a
essa caçada. Mas não precisava pensar nisso agora.
Um olhar para Jô e maneou a cabeça. Era um
rapaz pequeno, de pé o topo de sua cabeça mal
alcançava seu ombro. E o topo da cabeça do rapaz
lhe era um mistério, pois usava um gorro de duende
que impedia de ver seus cabelos.
Pelas sobrancelhas negras, suponha ser
moreno. Possuía olhos arregalados, azuis escuros,
que oscilavam entre um azul profundo e um azul
claro, dependia da posição do sol. Traços muito
angelicais para assegurar masculinidade. Sua sorte
era ser tão jovem e contar com o frescor da
juventude, ou teria dificuldades para cativar a
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atenção de uma fêmea. Em alguns momentos suas


mãos ossudas e seu pescoço suave eram tão
delicados que quase causavam aflição em Acheron
ao vê-lo carregar sacos pesados e puxar as rédeas
do cavalo.
Um olhar espichado para o gorro marrom de
duende que o rapaz usava e Acheron pegou-se
meditando que deveriam ser piolhos a causa de
tamanho zelo com a própria cabeça. E se esta era a
causa do uso insistente de um gorro de duende,
conhecido por grudar-se a cabeça e não soltar a
menos que o ser mágico usasse de poções, não seria
Acheron a tentar desfazer-se da peça de vestuário.
Só de pensar em piolhos em seus longos
cabelos, sentia um tremor por dentro. Não era
vaidade que o fazia manter cabelos em sua cintura.
Era sua descendência. Sua gente. Ser um dos
últimos de uma geração quase extinta de elfos não

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queria dizer que baixaria a guarda e deixaria os


velhos costumes morrerem.
Um dia teria filhos e essas crianças
aprenderiam a seguir os costumes de seu povo,
ensinando para seus filhos e filhas e desse modo,
mesmo que o sangue se perdesse, ainda assim, os
costumes se manteriam intactos.
— Lora... – O sussurro baixo e insistente fez
Acheron pegar um cajado, que Jô carregava para
cima e para baixo, como sua arma de luta, o que
por si só era patético ao ver de Acheron que
duvidava que a criatura pudesse defender-se em
uma luta, cutucou-o no pé até ver o garoto se
remexer irritado, tentando desfazer-se da
insistência de quem o acordava.
— Deixe-me em paz, Lora. — Jô insistiu e
sentou-se irritadíssimo, olhando em volta, notando
onde estava.

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— Eu disse que acordaria cedo, garoto. –


Acheron retrucou, largando seu cajado e apontando
para os cavalos. — Levante-se! Tem muito trabalho
para ser feito e quero partir antes do nascer do sol!
Por um segundo Driana não compreendeu
onde estava. Tinha total certeza que ainda estava
em seu quarto coletivo no Ministério do Rei, sendo
infernizada por Eleonora em uma manhã de
domingo, quando raramente não eram vigiadas e
poderiam dormir mais que algumas poucas horas
por noite.
Eleonora sempre era a primeira a acordar e
querer ver o sol nascer. Uma praga tentando tirá-la
da cama cedo, quando tudo que Driana sonhava era
aproveitar a rara oportunidade de dormir mais um
pouquinho...
Sorte sua ter chamado pela amiga usando seu
apelido.

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E maior sorte ainda, Acheron não ser um


primor de inteligência.
Um erguer de sobrancelha e Acheron
entendeu que o garoto pensava algo depreciativo
sobre ele.
E pensava mesmo. Levantando-se e
limpando as palhas que estavam presas na roupa,
Driana olhou-o de algo a baixo.
Vestido, pronto e limpo. Melhor dizendo,
limpo era questão de ponto de vista. Se houvesse
uma oportunidade, Driana gostaria de caçar os
milhares de piolhos que deveriam se esconder
naquela juba que Acheron considerava e tratava
como cabelos.
— Rápido, garoto. Quer que eu faça seu
trabalho? — Acheron reclamou como sempre
incomodado pelo olhar do rapazola.
Era como se o analisasse e não gostasse do
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que via.
— Vou me limpar. Eu sim aprecio um pouco
de água e sabão... — Ela resmungou se afastando.
Acheron ouviu. É claro que ouviu.
Armazenou mais este desaforo para que no futuro
pudesse lhe dar o troco. O rapaz era atrevido
demais para que mal deixara os cueiros e não sabia
lidar com uma espada em mãos!
— Tome — Acheron gritou e num reflexo
ágil jogou parte da pesada armadura em sua
direção.
Driana mal teve tempo para segurar, o corpo
se curvando perigosamente perto do chão, na
tentativa de não derrubar a preciosa armadura do
Guardião. Mesmo ela, era capaz de reconhecer o
direito legítimo de existir de uma armadura mágica.
Acheron jogou o restante e ela saiu da
estrebaria trocando os pés, mal conseguindo levar
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tamanho peso.
Maldito! Furiosa, Driana avistou uma fada
em seu trajeto para o poço de água que havia perto
da estrebaria e a jovem apontou um trecho de veia
de água que corria dentro das imediações da Vila.
Era a mesma fada gordinha com quem
Acheron passara a noite. A fada seguiu ao seu lado,
levando consigo uma trouxa de roupas para lavar.
Ela não tocava os pés no chão, usava as asas. E
novamente Driana a invejou.
Mantendo-se longe da fada, temendo que
pudessem reconhecer nela o cheiro de fêmea,
Driana escovou e lustrou o ouro da armadura
durante muito tempo. A armadura de Acheron era
menos enfeitada que as armaduras dos outros nove
Guardiões. Uma proteção que cobria o lado
esquerdo do seu peito e o ombro. Contava com
duas peças longas que protegiam os punhos e mãos,

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e o mesmo com os tornozelos e pés.


Quando vestia a armadura Acheron lembrava
um animal selvagem. Sua cabeleira loura e
displicente, os pelos exagerados na lateral do rosto,
pois ele não tinha barba, mas mantinha longas
costeletas.
Era um homem peludo. E pela satisfação e
cantarolar da outra fada, essas eram características
que muito agradavam uma fada. Enjoada desses
pensamentos, terminou o trabalho, lavou-se o
melhor que pode sem tirar as roupas e retornou. O
caminho até a estrebaria, sob o sol que nascera há
pouco tempo, secou rapidamente suas roupas.
Driana não disse nada ao jogar sua armadura no
chão, perto dos pertences de Acheron. Era raro
encontrar um Guardião que não tivesse chiliques
por conta de falta de zelo com sua armadura, mas
Acheron era assim, naturalmente despreocupado

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com tudo.
Driana coçou sob a toca que usava,
lamentando não poder livrar-se daquilo. Seus
cabelos eram longos, negros e sedosos. E ela
ansiava por lavá-los livrando-se da constante
coceira. Acheron teve a certeza que aquela
cabecinha cheia de pensamentos estava também
coberta de piolhos e torceu o nariz:
— Mantenha esses piolhos bem longe de
mim, garoto. — Avisou.
— Eu não tenho piolhos! — Driana disse
chocada em sua vaidade.
— Não é o que parece. Essa touca, essa
coceira toda... Eu lhe aviso, e escute bem o que
dito, se eu pegar piolhos, você estará em uma
grande enrascada, moleque.
Engolindo uma resposta que deixaria toda a
cabeleira de Acheron em pé, Driana começou a
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cuidar dos cavalos e simplesmente o ignorou.


Confessava que nunca antes tivera contato com
cavalos. Jamais subira sobre um ou cuidara de seus
tratos. Mas sua mente era capaz de ver uma única
vez e jamais esquecer. Somente de olhar os
Guardiões selarem seus cavalos, Driana já sabia
como fazer.
— Vamos — Acheron mandou, empurrando-
a em seu caminho, passando por ela sem delicadeza
alguma — Quero estar na Nascente antes do
anoitecer.
— Eu não compreendo. Porque acha que a
fada fugitiva estará na Nascente? — Perguntou
irritadíssima ao subir com dificuldade e sem
nenhuma elegância no lombo do animal.
— Eu não acho. — Ele afirmou, levando o
cavalo com tanta facilidade que Driana o invejou.
— Eu insisto. Porque a Nascente? —
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Perguntou petulante.
Acheron olhou para trás e encarou o
rapazola. Poderia lhe responder, claro que poderia.
Mas a tentação de frustrá-lo era grande demais para
resistir:
— Porque eu quero. Agora cale a boca e
mantenha os olhos abertos. Não quero saber de
resgatá-lo de algum buraco. — Avisou com falso
mau humor.
As terras em torno da Vila das Fadas eram
esburacadas, repletas de pedras e seres mágicos
rastejantes. Por conta disso tantos buracos. Eram
esconderijos de cobras, filhotes de lagartos e muito
raramente de ovos de dragão. Quase extintos, os
dragões eram raridade mesmo no mundo mágico.
Arcando com a indignação de não ter sua resposta,
Driana fechou a expressão e se recusou a falar com
ele pela hora seguinte. Não viu o sorriso na face de

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Acheron, mas se visse saberia do prazer que ele


sentia em frustrar seu acompanhante de viagem.
Sua decisão de manter silêncio em represália ao
pouco caso com que Acheron a tratava, durou
pouco. Uma ideia surgiu em sua mente e quando
isso acontecia, Driana perdia o controle sobre suas
decisões.
— Acheron? — Chamou com voz mansa,
para não irritá-lo.
Um resmungo foi sua única resposta. Driana
fitou as costas do Guardião e seguiu falando:
— Você conhece a lenda do surgimento do
mundo mágico?

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Capítulo 3 - Querendo mentir

Mesmo uma mula sem intelecto como


Acheron demonstraria interesse diante desse
assunto! Um pequeno sorriso presunçoso bailou na
face de Driana quando notou que fisgara seu peixe.
Ele tolheu as rédeas do cavalo e trotou mais
lento, emparelhando ambos os animais.
— Existe uma lenda sobre isso? —
Perguntou-lhe.
— Você não sabia? — Fingiu surpresa.
É claro que não havia lenda algum, era
apenas uma invenção para tentar manipular sua
mente e plantar uma semente que germinaria mais
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tarde. Se é que aquele solo era produtivo...


— Não. Conte-me dessa lenda, Jô.
Driana sorriu.
— Bem... Diz à lenda que uma humana fugiu
do seu Rei, sendo acusada de um crime que não
cometeu. — Ele pareceu incomodado com o
assunto, mas ela seguiu falando. — Não importava
sua inocência, ela foi culpada, julgada e seu crime
merecia punição de morte. Vários humanos
tentaram apelar e provar sua inocência, mas a
Rainha era mais forte, era má e decidida a destruir a
jovem. Não deu outra. Ela fugiu para proteger sua
vida. Para proteger sua existência. — Fez uma
pausa dramática para causar ansiedade. — Seu
nome era Elisa – mentiu outra vez. — Era muito
bela. E havia um humano que a amava. Ele deu sua
vida para que escapasse. Elisa jamais soube de sua
morte. Ela escondeu-se nas montanhas. Montanhas

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de árvores e lagos. Relvas e pássaros. Animais e


criaturas sem nome. Passou muito medo, muita
fome, muita sede. Muitos meses de sofrimento...
Até que um dia, ela foi encontrada. Não pelos
humanos. Mas pela natureza. Passou a agir e
sobreviver como se fosse um dos animais.
Comovido de seu sofrimento, o Rei de toda
natureza, aquilo que não vemos, mas sentimos
quando olhamos para as flores, para a o verde, para
o céu azul... Esse ser carregado de poder
apaixonou-se pela humana e decidiu torná-la parte
de si. Era o único modo de salvá-la da loucura e
poder tocá-la, pois seu poder era tão grande que se
ousasse tocá-la a mataria.
Outra pausa dramática. Acheron não afastava
os olhos de Driana.
— Está acompanhando minha história,
Guardião?

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— Sim — ele respondeu, como alguém que


está sendo hipnotizado.
— Elisa foi tocada por um poder tão maior
que ela... Seu corpo humano deixou de existir e ela
passou a ser uma essência superior. Mas faltava-lhe
o desejo de ser apenas um ser, sem carne e sem
ossos. Sentia tristeza por não ter sua vida humana.
Então, apaixonado, o pai de toda a natureza
devolveu-lhe o corpo humano, e ela passou a
desfrutar dos dois mundos. Carregava poder, pois
assim ele poderia encontrá-la e tocá-la como
amante, e também possuía seu corpo, para interagir
com aqueles que a amavam.
— Ele a transformou em uma fada? —
Acheron perguntou interessado.
Como uma criança que acompanha uma linda
história de ninar, pensou Driana.
— Exato. Os anos passaram, e o amor
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cresceu novamente no coração de Elisa. E ela


escolheu um humano. O pai de toda a natureza não
possuía egoísmo e a deixou livre para esse amor.
Foi quando nasceu a primeira cria. Sangue humano
e sangue mágico. Era um elfo. Depois uma fada.
Então, a vida começou a seguir e seguir... E tantas
raças se misturaram, tantos biótipos diferentes... E
chegamos até aqui. — Olhou em volta, como quem
sente saudade de um tempo passado.
Com o canto do olho mediu as reações de
Acheron.
Era peculiar avaliar algo sonhador na face tão
rude e máscula de um homem criado para proteger
e matar se necessário. Acheron era tão bruto da
cabeça aos pés que qualquer suavidade parecia
deslocado em sua face.
— Quer saber o que aconteceu com a Rainha
que tramou contra Elisa e causou sua fuga?

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Ele apenas acenou concordando.


— Ela destruiu seu povo. Levou-os para a
guerra e o sofrimento. Anos de mentira, privações e
dor. Os humanos eventualmente devem ter notado
que a Rainha era mentirosa, mas era tarde demais
para eles. Poucos sobreviveram e estes poucos
povoaram o mundo todo. Por isso não somos um
grande mundo, e sim pequenos mundos. Por isso as
criaturas mágicas não podem se revelar. Por isso
alguns humanos, também guardam segredos.
— Essa história não pode ser verdadeira —
ele desconversou como quem acorda de um sonho.
— E porque não? Você sabe de onde
viemos? — Desafiou-o.
— Eu sei de onde eu vim — ele afirmou
resoluto.
— E essa é a resposta para uma indagação
tão profunda? Uma linhagem não explica toda uma
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existência — insistiu.
— Crer que uma criminosa possa ter dado
origem ao mundo mágico também não explica
muita coisa. — Foi severo — além disso, o que sei
já me basta.
Engolindo uma resposta mal criada, Driana
perguntou:
— E de onde vem, Acheron? De onde você
vem? — Perguntou, tentando sufocar o pensamento
que gritava em sua mente sobre ter curiosidade a
respeito dele.
Acheron olhou para frente e por alguns
instantes, imaginou que não responderia.
— Nasci filho de um Rei — ele explicou. —
Não gosto de falar disso.
— É mesmo? — Desdenhou. — Acho difícil
acreditar que o filho de um Rei possa ser um

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simples Guardião!
— Quando nasci meu pai não era mais Rei.
Ele foi morto quando as terras distantes e geladas
foram invadidas. Não falo daqui. De outra parte do
mundo. Onde tudo é frio e o inverno perdura por
todo um ano. Eu mal tinha nascido e minha mãe foi
escravizada por aquele que tomou o poder. Anos
mais tarde fui levado para ser treinado junto aos
escravos. Misturado aos demais, meu nome e
minha linhagem passou a ser desconhecida. — Ele
contou com frieza na voz. Mesmo assim, os olhos
de Driana pegaram o movimento de suas mãos
graúdas. Ele apertava as rédeas com força. Como se
assim pudesse dar vazão ao seu ódio.
— Escravo? Foi escravo? — A palavra
escapou de sua boca e ele olhou em seus olhos.
— Quando fiz doze anos, usei de minha
posição de escravo para me aproximar do Rei e

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matá-lo. Matei muitos elfos que o protegiam, e os


demais escravos se rebelaram ao ver minha luta.
Eu sempre assustei meus inimigos usando minha
espada e minhas mãos. — Ele olhou para as
próprias mãos com algo perigoso no olhar.
— Venceram? — Era uma pergunta tola, mas
ela não conseguiu pensar em uma articulação mais
apropriada.
— Sim, mas não há vitória quando o sangue
mancha suas mãos. Alguns ficaram para reerguer o
reino, outros partiram. Quando constatei que minha
mãe não vivia mais, parti. Segui os elfos que
desejavam uma nova vida.
— Quantos anos você tinha quando chegou
ao Reino de Isac?
— Dezesseis. — Ele baixou os olhos e ela
sentiu um aperto no coração.
— Quantos anos têm agora? — Insistiu.
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Um sorriso sádico e ele maneou a cabeça:


— Não é capaz de adivinhar?
— Nenhum Guardião recebe uma armadura
antes dos vinte anos. Mas você parece ter mais.
Trinta?
— Nem tanto, nem tão pouco — ele satirizou
e ela sorriu.
Melhor não dizer que poderia facilmente
adivinhar sua idade. Vinte e seis ou vinte e oito?
Acheron tinha uma pulseira no punho, onde havia
vinte e oito tiras de couro trançadas, e se ele era tão
supersticioso, como parecia ser, deveria ser uma
tira para cada ano de sua vida.
— Não deve ter sido fácil adaptar-se a outra
vida. Conviver com outros costumes. Ser submisso
depois de ter nascido com sangue real. — Jogou
verde, para saber mais sobre ele.

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— A pele de um elfo vindo das terras geladas


não se adapta a essa região. Muitos não
sobreviveram. Os anos calejaram minha pele. Se
houvesse me visto quando cheguei... Era mais
pálido que você, matusquela.
Tudo fazia sentido. Driana sentiu muita
vergonha de ter pensando mal de seu hábito de
manter cabelos longos e características tão
singulares. Era uma referência ao seu povo. Algo
digno de elogios e não deboche.
A pele de Acheron era muito queimada pelo
sol. E ele carregava uma argola na orelha esquerda.
Agora ela via esses trejeitos toscos com outros
olhos.
— E os piolhos e os carrapatos também
faziam parte da sua tradição? — Ela perguntou para
fazê-lo sorrir. — Trouxe-os consigo?
— Temo que não. Não havia nem um, nem
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outro, de onde eu vim. — Garantiu-lhe.


— Nunca pensou em voltar? — Perguntou
sem rodeios.
Não obteve a resposta esperada.
— Sua vez, garoto. Eu sei que não é nascido
no castelo. De onde você é?
— Hum? — Ela pensou em fazer-se de boba
e fugir do assunto.
— Estar no Castelo no momento da minha
partida, não quer dizer que nasceu no castelo. De
onde você veio e o que fazia nas terras do Rei Isac?
— Eu sempre estive no castelo... — Ela
começou a falar.
— Mentira. Nunca o vi nas imediações. —
Ele corrigiu-o na mesma hora. — Sei de tudo que
acontece nos limites das terras do Rei a quem sirvo.
Não tente mentir. Não tem ideia do que faço com

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os mentirosos.
Driana sentiu um arrepio subir sua espinha.
Engoliu em seco.
— Eu nunca entrei nas imediações do
castelo. Mas sempre andei por perto. Servia a um
senhor do comércio. Um duende velho e mal visto
no castelo. Por isso não quis dizer de onde vinha.
Muitos não gostam dele.
— O velho duende Baltazar? — Ele
perguntou surpreso. — O trapaceiro. Ainda me
deve dinheiro por esse cavalo de meia pataca.
Prometeu-me um cavalo de qualidade e
desapareceu com meu ouro, deixando esse animal
como retorno. — Lamentou.
Driana sentiu alívio imediato ao notar que
Acheron conhecia alguém com essas
características. A maior parte dos duendes tendia a
ser trapaceiro e mal visto entre elfos. Sendo assim,
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foi uma jogada pensada.


— Eu trabalhava para ele. Por necessidade.
— Achou que o assunto acabaria por ali.
— E de onde é? É elfo, e não duende.
Embora... Seja um elfo estranho. — Fez questão de
apontar esse defeito.
Ainda bem, pensou Driana. Sua vaidade de
fêmea agradecia ser considerada como um macho
estranho em aparência. Detestaria saber que se saía
melhor como elfo, do que como fada!
— Meu pai me criou até os meus dois anos
— ela contou e essa era uma verdade. — Me criou
sozinho. Disseram-me que trabalhava com metal.
Mas não me pergunte sua profissão, não me lembro
de nada. Quando a vida ficou difícil demais me
entregou aos cuidados do... — Ela parou antes de
contar mais do que deviera — ... Duende Baltazar.
A história verdadeira, era que seu pai a
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deixou no Ministério do Rei, sabendo que embora


fosse ser privada da liberdade, teria alimento e
proteção, e quem sabe a chance de ser escolhida
para um casamento.
Driana não lembrava exatamente de toda
situação do seu abandono. Lembrava apenas do que
os carcereiros e carcereiras da clausura contavam a
cerca do seu abandono.
— A vida de um órfão é sempre sacrificante
— ele concordou, pensando em seu passado.
Driana finalmente havia conseguido levar a
conversa para o caminho que desejava seguir. Por
isso, falou:
— O que você pensa sobre as fugitivas?

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Capítulo 4 - Refúgio dos inocentes

— Não preciso ter opinião sobre elas — ele


foi taxativo. — Preciso encontrar a fada Driana e
entregá-la aos Conselheiros. Essa é minha missão.
— Simples assim? — Perguntou surpresa
com sua mente ser tão limitada.
Acheron grudou os olhos sobre o rapaz.
Nunca era tão simples assim!
— Rainha Santha foi clara quanto ao seu
testemunho. As quatro fadas atacaram e
assassinaram o Rei. Eleonora é a assassina. As
demais são cúmplices. Encontrar Driana é minha
missão. Julgá-la e condená-la é missão dos
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Conselheiros.
Fazia sentido, pensou Driana.
— É também missão dos Guardiões. Sei
muito bem que os Conselheiros não podem decidir
nada sozinhos! Está omitindo sua posição desde já!
— Sou um Guardião. Não omito minha
posição. Mas não decido individualmente. Somos
um coletivo e é desse modo que deve ser. Não tente
mudar minha cabeça, garoto. Não gosto disso.
Surpresa por ele ter notado o que fazia,
Driana pensou um instante na melhor estratégia a
seguir.
Remexeu-se sobre o cavalo, sentindo o efeito
de dias sobre o lombo do animal. Saber tratar dos
animais não minimizava os efeitos da cavalgada em
sua carne. Infelizmente seu traseiro não se
acostumava com a cela e não se importava se a
lógica de sua mente entendia ou não o
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funcionamento do mesmo.
— Diz que os Guardiões são uma unidade.
— Ela começou a falar.
— Eu não disse isso — ele contrariou. —
Decidimos em grupo. É diferente.
— Não. Não é diferente, se não pode decidir
por si mesmo é porque não é um indivíduo e sim
uma unidade. Um grupo sem vontade e sem
capacidade de decidir por si só.
— Seguir regras não faz de mim um idiota.
— Ele negou, sem encontrar fortes argumentos
para lidar com a fala mansa do rapaz.
— Depende das regras. Causar danos ou
permitir que causem danos a qualquer criatura
inocente, por ser incapaz de seguir a própria mente,
faz de você um completo imbecil. — Ela disse com
pouco caso.

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— Viver ao dado de Baltazar fritou seus


miolos, Jô — ele fez o cavalo trotar mais rápido. —
Regras são necessárias para a sobrevivência de um
povo!
— As mesmas regras que não puderam
garantir a sobrevivência de seu próprio povo? —
Ela instigou.
O cavalo de Acheron pinoteou e ela puxou as
rédeas de seu próprio cavalo um pouco assustada
de ter a raiva de Acheron voltada para si.
Não podia esquecer que Acheron a via como
um elfo. E elfos costumam resolver suas brigas
com lutas e não com palavras. Ainda mais os
machos criados para a guerra!
— Não foram as regras que causaram a
destruição do meu povo. Foram as pessoas más. —
Era uma explicação tão inocente que o coração de
Driana se apertou.
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Às vezes a simplicidade das palavras mostra


mais sobre fragilidade e vulnerabilidade do que os
mais profundos monólogos.
— Eu discordo. Talvez as regras em demasia
ou o seguimento cego de todas elas, que tenham
causado mágoa e dor, até que o ódio pudesse nascer
e florescer nos corações, causando a revolta.
Talvez...
— Talvez você fale demais para quem é pago
para carregar espadas e limpar bosta de cavalo! —
Ele jogou em sua cara, levando o cavalo para longe.
Ótimo, Driana conseguira deixar a fera
furiosa. Seu plano era colocar ideias em sua mente,
esperando que num futuro próximo, Acheron
pudesse ao menos ouvir sobre o assunto!
— Eu acredito que as criaturas devem ser
livres ao menos para pensar! — Ela gritou, não
largando o osso de modo algum!
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— Pensar? Pensar em sonhos? O mundo que


descreve, garoto, é um mundo de sonhos! A vida
real é regada a sangue e morte, e neste instante
precisamos punir as assassinas antes que a ordem
se perca e mais fadas e elfos sejam mortos!
— Verdade? Quatro fadas insignificantes?
Sem asas, sem poder, sem esperanças? Fadas da
clausura, que na sua maioria nunca conheceram
sequer as imediações do castelo? O que fadas
desprotegidas podem contra o poder de Guardiões?
— Defende as assassinas? — Ele perguntou
surpreso.
Notando seu engano, Driana negou com um
movimento da cabeça.
— É claro que não! Eu defendo a lógica da
situação. Como as fadas fugiram? Alguém
esclareceu este detalhe? Como elas puderam fugir
da cena do crime, se não possuem asas?
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Acheron pensou um segundo, mas nada


respondeu.
— Seja franco comigo, qual a real
possibilidade de fadas com poderes não
desenvolvidos ter capacidade de ludibriar uma fada
adulta e experiente como a Rainha Santha? Use a
cabeça, elfo!
— Eu acho que quem usa demais a cabeça é
você. Essa conversa não tem sentido.
Driana observou-o manter o trote rápido,
bem longe dela. Era hora de ceder.
— Porque acredita cegamente na instituição
formada pelos Guardiões? De onde você vem
existem Guardiões?
— Não — ele respondeu de má vontade, sem
olhar para trás. — Mas quem sabe se existissem...
Acheron calou-se e Driana não pode fingir

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não saber o que ele diria. Se existissem Guardiões


para guardar e proteger seu povo, talvez não
houvessem passado por tantas desgraças e ainda
houvesse felicidade na vida de Acheron.
— Como é escolhido um Guardião? —
Perguntou, mudando drasticamente o assunto para
não quebrar o frágil elo de companheirismo que
crescia entre ambos.
Era esse elo que futuramente poderia ajudá-la
a manipular Acheron e conduzi-lo para o caminho
que desejasse.
Uma risada rouca e viril foi sua resposta,
então um olhar curioso para trás e ele tornou a
falar. Na voz um toque de humor:
— Interessado em testar sua capacidade de
luta, garoto?
— De modo algum — ela negou.

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A expressão do menino era engraçada e


Acheron abrandou a expressão. Não era saudável
brigar com um companheiro de viagem.
Ainda mais um que lhe trouxessem boas
lembranças.
— Existem duas formas de chamar atenção
sobre si e ser escolhido para o treinamento de
Guardião. — Começou a contar. — A mais fácil é
nascer descendente de Guardião. Egan, o Primeiro
Guardião, é filho de Túlio que no passado ocupava
esse cargo. Sua descendência lhe garantiu o poder,
mas seu talento e capacidade o fizeram ser aceito
de fato. Mas é inegável que ajuda muito ter sido
treinado a vida toda para isso.
— E a segunda forma de ser aceito
Guardião? — Sabia a resposta, mas queria ouvir
dele.
Medir seus sentimentos. Não havia
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ressentimentos ao falar de Egan e sua situação


privilegiada. O que era raro. A inveja é própria do
ser vivo.
— Merecimento. Poucos chegam a isso.
Acheron era do tipo que preferia o silêncio a
conversar.
— E quantos de vocês são Guardiões por
merecimento? — Insistiu.
— Você fala demais, Jô. Cansa meus
ouvidos. — Ele encerrou a conversa.
Driana lutou para não responder a altura.
Seu traseiro reclamava da dor e ela se
remexeu na cela mais uma vez. Se ao menos suas
asas nascessem...
Perdeu-se em pensamentos tentando achar
uma solução para seu traseiro e o desconforto da
cela. Acheron fingia não notar que o rapaz não

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parava quieto sobre a cela do cavalo. Dava-lhe nos


nervos.
Mas um Guardião deve saber controlar os
nervos. Nada de demonstrar sua irritação.
Era metade do dia quando eles chegaram a
uma clareira e Acheron conduziu o cavalo por entre
as árvores, apeando.
Driana quase chorou de alívio. Apeou
também e passou a cuidar dos animais enquanto o
Guardião se jogava sob a sombra de uma árvore
para descansar.
— Estou com fome. — Ele disse como uma
ordem.
Driana precisou contar até mil para não
responder a altura. Era seu ajudante. Cuidar de sua
comida era parte do seu trabalho.
Lutando contra a dor entre as pernas, pois

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estava completamente assada do atrito com a cela


do cavalo, Driana andou estranhamente enquanto
arrumava tudo para o maior conforto de seu senhor.
Um bom ajudante não fala, não ouve e não enxerga
nada além dos desejos de seu senhor.
Guardando o rancor para si, preparou tudo e
quando se aproximou para servi-lo, Acheron ria de
sua situação:
— Existe um córrego atrás daquelas pedras
— apontou o lugar. — Jogue um pouco de água
fresca nas assaduras. Vai ajudar com a dor.
Ele sabia. Que ódio, pensou Driana. Que
ódio!
— Poderia aproveitar e banhar-se, Acheron.
Um pouco de água e sabão não farão sua pele
enrugar.
— Um banho por semana está de bom
tamanho. Aposto como sou mais limpo que você.
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— Eu duvido — ela disse com amargor


enquanto se afastava.
O som do riso de Acheron acompanhou-a
enquanto cuidava da comida e servia-se para
comer.
Fato raro em sua vida, mas Acheron
despertava-lhe tanta raiva, que ela quase se
esquecia de sua missão e de seu verdadeiro
interesse em acompanhá-lo. Queria tirar esse elfo
do caminho correto. Era esse seu interesse. Desviá-
lo de seus planos e quem sabe, usando de sua
inteligência, trazer para o lado das fadas uma besta
fera criada para a luta? Sim, um protetor Guardião
seria a salvação de suas irmãs!
Olhando para ele, pegou Acheron fazendo o
mesmo. Ele estreitou os olhos como quem pondera
sobre os pensamentos do seu ajudante.
O garoto era estranho, pensava Acheron.
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Lembrava-lhe outro menino, um escravo que


crescera ao seu lado, como prisioneiro. Tinham
doze anos e ele não sobreviveu à rebelião. Os anos
fizera Acheron esquecer-se dele e até mesmo de
seu nome, mas lidar com Jô despertara lhe essas
lembranças adormecidas.
Adormecidas e perigosas, pois lhe fazia
pensar em sua vida perdida. Em seu passado. Nas
terras distantes que talvez jamais voltasse a ver...
— Existe amizade entre os Guardiões? —
Driana perguntou de onde estava.
Acheron pensou um pouco na resposta.
— Creio que sim.
— Crê? Como é possível não saber se são
amigos ou não? — Estranhou.
— Vivemos lado a lado, servindo ao nosso
Rei. Em primeiro lugar o dever e neste caso, não

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existe amizade, apenas obrigação — ele foi


taxativo.
Displicente, um braço atrás da cabeça, o
prato apoiado nos músculos da barriga, a outra mão
empunhando o talher. Acheron era tão livre de
amarras, tão entregue ao seu físico... De um modo
que Driana jamais conseguiria ser.
Era isso, pensou Driana. A grande diferença
entre eles: Acheron era carne e instinto. Ela era
toda feita de pensamento e ponderação. Um faz, o
outro pensa.
— Isso não responde minha pergunta —
continuou comendo, estava faminta, mas não
perdeu um olhar.
— Hum — ele respondeu com um som que
lembrava mais um rugido. Boca cheia, mastigando
sem pressa. — O que você define como amizade,
garoto?
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— Não sei. A amizade pode ser definida de


muitos modos. Para você, o que é amizade?
Acheron rugiu um palavrão e terminado seu
prato, deixou-o no chão perto de si.
— Você faz muitas perguntas. E faz muitas
voltas. Diz sem querer dizer e isso me irrita. Eu
quero dormir. Faça seu trabalho e me acorde
quando os cavalos estiverem prontos para seguir.
Era uma ordem, mas também era uma fuga.
Um suspiro de raiva e Driana observou-o
atentamente. Aquele elfo não era apenas
grandalhão. Era uma muralha por dentro também.
Sua aparente simplicidade escondia decisões
férreas. Para mudar sua cabeça, precisaria de uma
machadinha, pois abrir seus miolos era a única
forma de plantar uma ideia naquele solo infértil!
Furiosa pela ineficácia de seu plano, Driana
cumpriu suas ordens e foi procurar alívio para suas
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assaduras na água do córrego.


Ao regressar Driana trazia consigo mais uma
alternativa.
Se Acheron era burro demais para ter ideias
próprias, então, ela precisava tirá-lo
definitivamente da perseguição. E não se referia a
causar-lhe danos.
Não, o dom de Driana era uma bênção, mas
também uma maldição. Na vida prática não
ofertava grande utilidade, pois sua índole honesta a
impedia de por em prática metade dos seus
pensamentos.
Mas se ela fosse tão esperta quanto achava
que era, poderia conseguir descobrir os pontos
fracos físicos de Acheron e usar isso contra ele.
A bebida era um fraco, mas seu corpo
gigante se recuperava bem dos seus efeitos. Ele
mascava fumo, mas não como um vício tão grande
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que precisasse disso o tempo todo. Gostava das


fêmeas, mas não possuía dificuldades em consegui-
las, pois por alguma estúpida razão todas ficavam
felizes em agradá-lo.
Então, além do seu passado, que
aparentemente estava resolvido em sua cabeça, o
que poderia deixar Acheron fraco? Talvez uma
chantagem. Mas qual segredo esse grandalhão
aparvalhado poderia carregar?
Seus pensamentos vislumbraram a Nascente
do Rio Branco. Era perigoso que uma mentirosa se
aproximasse destas águas... Mas desse modo
poderia sondar se Acheron possuía ou não algum
segredo cabeludo. Cabeludo como ele.
Desdenhosa de sua figura adormecida,
Driana não percebeu que corria os olhos sobre ele.
Da cabeça aos pés.
A cabeleira loura e longa era um exagero
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para seu padrão de beleza. Gostava de elfos bem


cuidados. Caprichosos. Arrumados. Mesmo assim,
aqueles cabelos eram símbolo de um povo e ela
precisava respeitar.
Acheron possuía traços faciais peculiares.
Nariz longo e grosso. Globos oculares largos, com
ossos saltados e definidos. Olhos claros, com pouca
cor, algo azul ou verde, era impossível dizer sem
aproximar-se e ficar a centímetros de distância.
Seus lábios eram largos e grossos. Possuía
uma arcada dentária proporcional. Era um homem
grandão, de ossos protuberantes. As orelhas
sobressaiam pelas laterais, em meio a tanto cabelo.
Longas e pontudas suas orelhas eram sempre
empertigadas.
Essas orelhas pareciam sempre em alerta.
Acheron dissera ser de outra terra distante. Com
costumes diferentes. Seu porte, seu tamanho e sua

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força não eram comuns aos elfos que conhecia. Ele


parecia um gigante. Quem sabe, suas orelhas
possuíssem maior poder que apenas enfeitar sua
cabeça oca?
Para testar a teoria, ousou um passo em sua
direção. Pisou propositalmente em um galho, mas
nada aconteceu. Com uma careta de desgosto,
chegou à conclusão que não havia nada de especial
neste elfo bronco.
Mesmo assim insistiu em olhar. Um impulso
que não podia refrear. Vestia uma pele de carneiro,
provavelmente dos Campos dos Humanos, que mal
lhe cobria todo o tronco. Os braços poderosamente
repletos de músculos e pelos louros estavam à
mostra, um deles adornado pela pulseira de couro
em tiras e o outro, com ataduras feitas em pele de
animal, talvez uma raposa. Era provável que
escondesse uma cicatriz, pois ela via um pedaço de

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pele enrugada logo adiante ao fim do couro.


Nos dedos nada de especial, com exceção das
unhas encardidas. Outro olhar de desprezo e ela
observou seus pés. Botas de couro marrom,
trançadas sobre a pele cobriam até os tornozelos. A
calça de tecido comum era justa e desgastada, e
culminava em um cinturão de metal com couro.
Aquele elfo realmente gostava de usar peles.
Um caçador nato. Não, um caçador por natureza,
que preferia aproveitar cada pedaço de sua caça.
Nada de desperdícios mundanos. Acheron matava
para comer, quando necessário e não para se vestir,
por conta disso aproveitava o couro de cada animal
que precisasse abater.
Uma índole boa. Era o que lhe faltava.
Precisar usar e enganar um elfo de bom coração.
Seus olhos caíram sobre os entalhes no
cinturão. Ele carregava a espada, carregava um
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saco de pano que continha um pouco de ouro, e


alguns adornos que ela não conhecia. Talvez
símbolos de seu povo.
Intrigada, Driana fixou os olhos nessa peça e
então mais abaixo. Corou violentamente, ao notar o
que exatamente examinava com tanto interesse! Era
um elfo, e ela sabia como era a anatomia de um
macho!
Elfos e humanos eram muito parecidos nesse
quesito. E Driana lera um livro sobre anatomia de
humanos quando estava no Ministério do Rei e
usurpara um velho livro de uma das carcereiras.
Pelo visto Acheron era grandalhão em tudo...
Horrorizada com esse tipo de pensamento, Driana
afastou-se para cuidar dos cavalos. Por ela deixaria
o bruto dormir o dia todo. Isso os atrasaria ainda
mais.
No entanto, ele suspeitaria de suas intenções
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se tramasse algo tão simples. Acheron fingiu não


notar seus movimentos. Suas orelhas sempre tão
sensíveis haviam captado o movimento discreto
perto de si. O alarme de perigo soou em cada poro
do seu corpo. Mas ele imaginou ser o moleque
atrevido que cuidava de seu trabalho.
Quando o movimento cessou, aguardou para
ouvir o que Jô faria. Secretamente torceu para não
ser necessário usar sua espada. O garoto não tinha
sua total confiança. Por mais que tentasse, Acheron
sentia uma pulga atrás da orelha quando pensava
em Jô.
Em princípio, tão prestativo e dedicado.
Agora, tão desbocado e cheio de ideias.
Acheron esperou para ver o que faria. O
garoto foi cuidar de seu trabalho e era um alívio.
Preferia não ter que se decepcionar com alguém tão
jovem.

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Abriu os olhos e procurou pela imagem. Jô


lutava com um dos cavalos, para conseguir encilhá-
lo. Acheron lutou para não rir. Era uma distração e
tanto ver o rapaz tentar ser útil, quando não possuía
aptidão alguma para o trabalho braçal.
Tornou a fechar os olhos e voltou para seu
sono tranquilo agora que confirmava que suas
suspeitas não condiziam com a realidade.

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Capítulo 5 - Corra para bem longe

Durante toda a tarde não trocaram nenhuma


palavra. Driana ofertava espaço para que Acheron
não se irritasse ainda mais com sua insistência e
repudiasse tudo que viesse a dizer no futuro.
Estavam nas imediações da Nascente.
Nervosa, olhava em torno o tempo todo. A
Nascente do Rio Branco revelava segredos. E ela
possuía um grande segredo. Dois grandes segredos.
Primeiro de tudo, era a fugitiva que Acheron
procurava. Segundo não era um menino.
Acheron não era a criatura mais inteligente
da face da terra, mas mesmo ele, ficaria furioso em

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ser enganado com tanta facilidade! Talvez a


matasse antes de entregá-la para julgamento!
Se fosse aprisionada, Driana tinha certeza
que ao saber de sua prisão, as demais fugitivas se
revelariam. Eleonora, Joan e Alma jamais a
deixariam pagar sozinha por um crime!
O Rio Branco fora batizado com esse nome
por possuir águas esbranquiçadas. O fundo do rio
era coberto por minérios de cores claras e por conta
disso, sua aparência era branca. Para os humanos
que se beneficiavam do desvio do rio, no Campo
dos Humanos, como os seres mágicos chamavam
as cidades, era apenas um rio como qualquer outro.
Para as fadas e elfos, e demais criaturas
mágicas, era uma fonte de energização.
— Acha que o Rei sabia que tramavam sua
morte? — Perguntou para quebrar o pesado
silêncio.
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— Você não consegue manter a boca


fechada, não é mesmo? — Acheron perguntou sem
olhar em sua direção.
— Como é possível que ninguém soubesse
de um plano tão audaz? — Insistiu.
Driana sabia que estava sendo chata. Era
consciente que muitas vezes era chata. Mesmo
quando achava que não era suas amigas tendiam a
alertá-la sobre o fato de estar sendo insistente e
desagradável.
Mas sem elas como termômetro, era
inevitável escorregar.
— Tem uma teoria sobre isso, garoto? Falará
disso eu querendo ouvir ou não?
— Na verdade... — Driana aumentou o trote
do cavalo, batendo os pés em seus flancos e engoliu
os gemidos quando a dor em seu traseiro aumentou.

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Emparelhou os cavalos, animada em poder


falar do assunto:
— Minha teoria é simples: A fada Eleonora é
muito parecida com a Rainha Santha. Eu as vi, em
momentos individuais, claro, e pude constatar a
semelhança assombrosa entre as duas. A fada da
clausura data de vinte anos e a Rainha subiu ao
poder faz o mesmo tempo. De tal modo, me vem na
mente a seguinte indagação: Qual será a aparência
das asas da fada da clausura quando nascerem?
Serão idênticas as da Rainha? Terá Santha sido
infiel ao Rei? Traído as leis do Ministério do Rei,
quando era apenas uma fada sem perspectivas?
Seria essa uma razão forte o bastante para tramar
contra a vida do rei e contra as fadas injustiçadas?
Usá-las como escudo, ludibriar os olhos de todos e
esconder seus crimes, antes que as asas de Eleonora
despontem?

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— Tem uma imaginação muito fértil — ele


sorriu descrente. — É muito mais simples crer no
que parece: as fadas tramaram a fuga da clausura e
antes de fazê-lo, vingaram-se do Rei e da Rainha.
Ponto final.
— Ponto final – ela desdenhou em voz baixa,
mas ele ouviu. — Não sente vontade de ver as asas
da fada Eleonora? Ao menos dar uma chance da
verdade vir à tona?
Acheron parou o animal e fitou o rapaz.
Neste momento Driana teve a certeza absoluta que
havia ido longe demais.
O Guardião pareceu prestes a colocar um
ponto final naquela insistência toda e tirar
satisfações com o ajudante, mas desistiu ao avistar
movimento na Floresta em torno deles.
Não foi preciso palavras. Ele não farejou
perigo real, por isso não usou da armadura. Mesmo
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assim empunhou a espada, enquanto aguardava o


intruso se revelar.
Dividida entre alívio e medo, Driana pegou o
cajado nas mãos, sabendo que não poderia se
defender, mesmo assim, sentia-se mais segura
empunhando algum tipo de arma.
Podia notar os pelos dos braços de Acheron
eriçados, como os pelos de um animal ao pressentir
o perigo. Ele era todo instinto animal. Sem ar,
Driana sentia-se sem ar enquanto o observava
preparar-se para a luta.
O momento não durou mais que alguns
segundos. Para alívio total de ambos, o movimento
entre as árvores mostrou não ser nada sério. Duas
fadinhas correram de um arbusto ao outro e
pararam, rindo ao avistá-los. Elas cochicharam
entre si e voltaram a correr entre as árvores.
Acheron não tentou se aproximar. A
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experiência mandava que esperasse. Driana engoliu


em seco, esperando também.
Não demorou mais que alguns segundos para
que um elfo surgisse do mesmo lugar. Atrás dele
duas fadas adultas, com túnicas semelhantes e asas
protuberantes.
Era uma família e não bandidos.
— Acheron, Segundo Guardião do Rei.
Apresente-se — ele avisou, e não havia a menor
dúvida sobre o que aconteceria em caso de
negativa.
— Marcell, do Vale dos Desesperados. — O
elfo disse com simplicidade retirando de sobre a
cabeça o chapéu que usava.
Reconhecia o poder e direito de um Guardião
e não ousava desafiá-lo.
— Quantos são? — Acheron perguntou sério.

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Compenetrado.
Driana não conseguia desgrudar os olhos de
sobre ele.
— Um elfo e duas fadas. Minhas esposas. E
três crianças. Duas fadas infantas e uma padecendo
do nascimento das asas. Por isso acampamos na
Floresta. Para que nenhum elfo pudesse farejá-la.
— Suas filhas?
— Sim — Marcell contou. — Seguíamos
para a Nascente do Rio Branco. Foi uma viagem
muito longa. Não esperávamos que as asas
nascessem agora. Foi uma completa surpresa.
Soubemos de elfos que seguiam na mesma direção.
Sou o único com poder de luta. Temi por minhas
fêmeas e filhas. Não poderia proteger a todas. Por
isso nos escondemos até o nascimento final das
asas — ele disse com a pouca dignidade que lhe
restava.
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Era difícil para um elfo admitir que não


pudesse proteger a própria família.
— Sigo para a Nascente. Traga sua família.
Está sobre a minha proteção até que as asas tenham
nascido e possa seguir viagem sem riscos à
integridade de sua família. — Acheron alertou.
Não era uma oferta. Era sua essência. Era
Guardião, não apenas de um Rei e de um reinado.
Era Guardião de todo aquele que precisasse de
proteção. O elfo baixou a cabeça em um aceno de
agradecimento e as duas fadas adultas juntaram as
meninas, enquanto ele buscava sua filha mais
velha.
Minutos mais tarde trazia apoiada em seu
ombro uma fada praticamente desfalecida.
— Ela não pode andar — ele disse apenado.
Acheron notou isso desde que percebeu o
sangue que manchava as roupas simples da fada.
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Abatida, pálida e sem forças, a fada não parecia


capaz de qualquer reação. Seu corpo todo
arrebatado pela dor lacerante.
O elfo tinha razão em temer outros elfos. O
cheiro de uma fada padecendo do nascimento das
asas era afrodisíaco para um macho. Lutando para
não se abalar, como aconteceria com outros,
Acheron ordenou que Jô apeasse do cavalo.
Imóvel, chocada e em pânico ao ver o estado
da jovem, Driana não obedeceu.
Confessava que boa parte de sua vida
estivera ocupada com pensamentos, livros e teorias,
quando as asas das fadas nasciam, no Ministério do
Rei, ela nunca se dava ao trabalho de ver como
acontecia. Saber a teoria lhe bastava. Suas amigas
sempre contavam com era horrível esse momento,
mas ela nunca presenciou.
Acheron gritou a ordem novamente e ela
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saltou para fora do cavalo, assustada pelo grito.


Marcell agradeceu e colocou a fada sobre a cela.
Era necessário que alguém segurasse a fada ou ela
cairia, e por isso seu pai subiu com ela no lombo do
animal, para ser seu apoio.
— Leve as trouxas de pertences das crianças
— Acheron ordenou apontando as crianças
pequenas que carregavam seus próprios pertences.
Acheron não desceu do cavalo. Tamanha era
sua prática e força, não precisou disso. Curvou-se
na cela e puxou as trouxas que uma das fadas
adultas carregava, prendendo-a na cela de seu
cavalo.
Depois, fez o mesmo, puxando as duas
fadinhas para cima do cavalo.
As duas fadas adultas possuíam asas e
estavam na vantagem sobre elfos e crianças. Elas
bateram suas asas de leve e planaram quando os
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animais começaram a andar.


Driana acabou ficando para trás em um passo
lento. Sem asas e sem força, lutava para conseguir
levar tanto peso.
Bastante tempo mais tarde uma conversa
singela começou entre as fadas e então Acheron
participou. Driana chegou a estacar no mesmo
lugar, passada com a ousadia. Ele conversava e ria
animadamente, conforme o elfo e sua família
ganhavam confiança para conversar normalmente
com alguém de tanto poder quanto um Guardião.
Com ela, não gostava de conversar? Cínico!
Horas mais tarde, os gemidos da fada
impediram-nos de continuar. Foi preciso parar e
colocá-la sobre a relva na beira da estrada de chão.
Sua mãe, uma das fadas mais velhas segurou-a em
seus braços e apenas embalou-a enquanto seus
gritos de desespero cortavam o coração de quem
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assistia.
A fada sofria a muitos dias, conforme
contava seu pai. Seu nome era Jully e era uma fada
gordinha, como era o gosto de Acheron. Driana
olhava para ele e então, para o ato de afastar-se
deles, mantendo distância. Ele olhava para longe,
evitando ter que ver o que acontecia. O cheiro da
fada o perturbava e ele era forte demais para ser
contido caso perdesse o controle de seus instintos
sexuais.
Driana dividiu atenção entre ele e a fada.
Apenada aproximo-se e ofereceu o cantil com água.
A fada tinha cabelos curtinhos, encaracolados e os
olhos escuros. Ela bebeu avidamente da água e
quando sua mãe a deitou na relva, e afastou a túnica
de suas costas, Driana afastou-se em pânico.
As asas nasciam. Diante de seus olhos a
carne se rompia e as asas emergiam. Magia pura, a

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anatomia da fada permitia que ambas as asas


surgissem. Molhadas de sangue, as asas finalmente
irromperam. A fada berrou por segundos, então,
tudo ficou silencioso.
Com as mãos tremulas a outra fada adulta
aproximou-se e pegou o cantil das mãos de Driana
e aproximou-se jogando água sobre as asas que
pareciam ser de cor azulada.
Aos poucos as asas se moveram e todos se
afastaram. Asas muito largas e curtas, em alguns
tons de azul. A fada se moveu e olhou em volta. A
dor parecia ter desaparecido e ela sorriu.
Um sorriso diferente. Algo que Driana ainda
não entendia.
— Eu posso voar...? — Ela sussurrou como
quem pede permissão.
Devia respeito ao Guardião, principalmente
por ser seu salvador.
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— Não. — Acheron disse de longe, seu


vozeirão acabando com as esperanças da fada. —
Seu cheiro está muito forte. Algum elfo pode tentar
abatê-la em seu voo.
Era uma verdade inquestionável.
— Sigamos viagem — ele avisou, e todos
tomaram caminho de volta para a estrada. A jovem
não parecia sofrer tanto agora que suas fadas
haviam surgido.
Enfeitiçada pelo milagre da existência de
uma fada, Driana mal podia afastar os olhos dela.
Acheron a surpreendeu ao aproximar-se e arrastá-lo
pela gola da túnica em direção ao seu cavalo.
— Se eu o pegar mexendo com a fada lhe
acerto uma que jamais voltará a pensar em fêmeas
— ele avisou em tom seco, com raiva de estar
passando tanta vontade e a ainda ver o elfo mirrado
engraçar-se com a fada.
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Desacostumada de ser tratada com tanta


rudeza, Driana puxou a gola da roupa e seguiu
emburrada ao lado do cavalo de Acheron.
Que aquele Guardião estúpido pensasse que
era macho! Melhor do que suspeitar que era uma
fada mentirosa e fugitiva!

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Capítulo 6 - Secreto coração

Ouvir as histórias de Marcell e suas esposas


ajudou muito a passar o tempo e ocupar sua mente.
Era bom não precisar pensar e apenas sorrir.
Acheron estava tão falante que a irritava
profundamente.
Com ela, era mal humorado e cheio de
rugidos de indignação, com os estranhos que
encontraram na estrada desfazia-se em simpatia.
Por dentro, Driana remoia se suas amigas
teriam razão quando lhe diziam para ser menos
séria, menos chata e, sobretudo, menos obcecada
por respostas. Que sua mania de esperar das outras

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pessoas a mesma posição e inteligência era algo


muito cansativo. Que conviviam com ela por falta
de opção, como sempre brincava Eleonora. O amor
não escolhe e não vê barreiras, mas se assim o
fizesse, Eleonora vivia dizendo que escolheria amar
uma amiga menos tacanha.
Suada, exausta e sedenta, Driana quase se
jogou no chão de alívio quando os cavalos pararam
e Acheron desceu do cavalo animado.
O parvo realmente apreciava a Nascente do
Rio Branco.
— Venham, devemos nos banhar. — Marcell
disse para sua família, orgulhoso de ter conseguido
chegar ali.
— Porque vieram até aqui? — Driana
perguntou e uma das esposas, a menos brava, que
parecia mais acessível, respondeu:
— As meninas menores nunca vieram a
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Nascente. Mas a grande verdade... Meu marido


acredita que minha enteada tenha um amor secreto.
Teme que ela escolha a pessoa errada e fuja. É um
elfo sem valor e sem moral. Marcell não deseja
enfrentar a filha e perder seu amor. Se a Nascente
revelar seus planos de fuga... Eu não sei o que vai
acontecer.
Quanta tolice, pensou Driana. A jovem fada
não parecia carregar segredos, seu posicionamento
físico era de alguém orgulhoso de si mesmo, de sua
família e de sua linhagem. Não era a posição de
alguém que carrega segredos vergonhosos.
Driana aproximou-se de Acheron e observou-
o percorrer o caminho íngreme entre as árvores,
levando todos consigo. Cortava os galhos de
árvores e alargava a passagem para que as fêmeas
passassem sem sofrimento.
Driana reteve o ar quando entendeu o que era

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a Nascente. Um paredão gigantesco de pedra


esbranquiçada, por onde um ínfimo filete de água
escorria. Quase pingos de água. Esse filete corria
para uma pequena poça que seguia entre as pedras
menores, levando a água para a esquerda.
Acheron seguiu esse caminho, novamente
abrindo espaço entre a vegetação, e Driana outra
vez precisou reter o ar quando avistou. Em algum
ponto o córrego fino escondeu-se sob as pedras e
então ressurgiu diretamente em um pequeno lago
de águas profundamente brancas. Esse laguinho
vertia para pedras maiores e Driana aproximou-se
dessas pedras espiando para baixo. Uma cachoeira.
Engoliu em seco. Uma gigantesca cachoeira,
com metros e metros de altura, que profunda e
potente escorria água abundante para o Rio Branco.
As fadas falavam sem parar, principalmente
as crianças. Acheron continuou mantendo-se a

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distância enquanto as fadinhas eram despidas e suas


mães entravam no lago cuidadosamente, para que
elas não se afogassem.
As águas até então brancas criaram padrões
disformes. Driana aproximou-se da margem,
hipnotizada pelo milagre de ver a vida dos outros.
Imagens que não faziam sentidos para ela.
Mas que revelavam muito sobre as duas fadas
adultas. As meninas simplesmente brincavam na
água, eram inocentes demais para pensar em
segredos.
O elfo, marido e pai das fadas mantinham-se
longe, observando seriamente a filha mais velha,
que apreciava a diversão da família inocente aos
pensamentos preocupados de seu progenitor.
Driana esperou ansiosa pelo momento em
que a pequena família se afastou da água e foi à vez
da fada recentemente agraciada com suas asas
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mergulhar. Ela ria e batia as asas na água,


brincando e aproveitando o primeiro momento de
liberdade total que experimentava.
Se percebeu que sua família observava
atentamente os segredos que se formariam na água
ou não, pareceu indiferente. Driana sabia que nada
em especial surgiria e o alívio da família foi
tamanho, que ela sorriu.
Quando olhou para Acheron sentiu uma
fisgada de medo. O modo selvagem como olhava a
fada era de dar medo.
O lado selvagem do elfo atiçado pelo cheiro
da fêmea recém desabrochada para a sexualidade.
Um momento complicado, pois a fada deixava a
infância. Tornava-se madura e pronta para a
procriação.
A fada também não parecia indiferente ao
macho elfo tão perto dela. Apesar de serem
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criaturas pensantes, o momento do nascimento das


asas era puramente libido e não pensamento.
Driana não compreendia esse sentimento, mas
sentiu novamente um incômodo, por estar
presenciando isso.
Sua amiga Eleonora estaria passando por isso
nesse exato momento? Passaram quase três dias
desde a fuga. Era possível que as asas ainda não
houvessem nascido. Era um momento penoso para
a fada. Dias de sofrimento. Raras vezes o
nascimento era rápido e pouco sofrido. Na sua
maioria, as fadas sofriam dias de agonia e
padecimento de sua carne.
Driana reteve o ar quando a fada saiu da
água. Juntou-se a sua família e todos se moveram
para perto da clareira, para preparar alimento e
descansar da longa viagem.
Um arrepio correu a espinha de Driana,

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vestida como Jô, e se afastou para que Acheron


passasse.
Sozinhos na beira do lago, Acheron olhou
para seu ajudante com o conto do olho:
— Aproveite a água. Pretendo atravessar A
Floresta dos Dois Dias ainda esta noite — ele
alertou.
— Hum, me banhei mais cedo... — O rapaz
desconversou, declinando da oportunidade de um
banho refrescante, o que era anormal em seu
ajudante.
Acheron o mediu de alto a baixo. Não queria
entrar na água e revelar seus segredos? Isso não era
um bom sinal.
— Entre na água, rapaz. É uma ordem.
— Eu prefiro esperar aqui — Driana fugiu do
confronto, olhando para trás de si, insistentemente.

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Acheron não era nem de longe um elfo


inteligente o bastante para ter dificuldades em ser
enganado. Ele acreditava cegamente que era um
menino. Então, porque não abusar dessa mentira?
Olhava com tanta insistência para a fada recém
desabrochada para a sexualidade que Acheron
sorriu malicioso:
— Eu lhe disse e repito, toque na fada e lhe
arranco as orelhas, garoto — era uma ameaça
verdadeira. — Cumpro uma missão em nome da
Rainha. Não quero trabalho extra, tendo de salvar
sua pele de um pai furioso e com razão de causa!
Elfo preguiçoso, pensou Driana, afastando-se
para junto da família que comia longe da margem
do lago. Propositalmente sentou lado da fada que
parecia apreciar a atenção do elfozinho da sua
idade.
Enquanto comia, ela observava Acheron. Ele

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despiu as roupas, mantendo o mínimo, as calças, e


mergulhou.
Sorrateira, arrumou uma desculpa qualquer e
aproximou-se da margem. A água continuava
límpida e clara, sem sombras ou imagens. Sem
segredos? Isso era possível? Um elfo que não
guardasse segredos? Nada errado ou proibido em
sua mente, corpo, ou ações? Com as sobrancelhas
curvadas de preocupação não percebeu que era
observada, até enxergar um pedaço de fruto ser
posto diante dos seus olhos.
Era a fada que lhe oferecia alimento,
tentando agradá-la, pois achava que era um elfo e
não uma fêmea.
Driana corou envergonhada e juntou-se
novamente a família que conversava sobre vários
assuntos. Mesmo de longe, ainda observava
Acheron.

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Tão livre de amarras. Tão exposto e ao


mesmo tempo tão forte. Como isso era possível?
Mesmo antes de ser uma mentirosa e precisar
guardar segredos para salvar a vida de suas amigas,
Driana sempre manteve uma parte de si protegida
do conhecimento alheio. Não conseguia se expor.
Não conseguia falar o que sentia.
Simplesmente guardava em seu íntimo tudo
que lhe causava medo, angústia ou amor.
Como Acheron conseguia não ter segredos?
Como?

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Capítulo 7 - Querendo briga

Profundamente invejosa das asas das fadas,


Driana respirou aliviada quando a família separou-
se deles. Era possível avistar a Floresta dos Dois
Dias com suas árvores amareladas e altas, caules
grossos, que serviam de toca para as mais
inacreditáveis criaturas.
Acheron não se importava com o risco, mas
ela sim.
— Eu não quero ser pessimista, mas o risco
de atravessar a Floresta dos Dois Dias não
compensa.
— Ainda bem que não perguntei sua opinião
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— ele disse sorrindo.


— Eu preciso saber... Existe alguma pista
real que o faça desejar seguir esse caminho? Porque
não me agrada nada ficar preso na Floresta
infinitamente!
— Eu não vou lhe contar das minhas pistas
— Acheron disse ofendido. — Mas posso lhe
garantir que não ficaremos presos indefinidamente
na Floresta dos Dois Dias.
— É mesmo? Pelo que sei a Floresta é
mágica. Aquele que não a percorrer em exatos dois
dias, ficará preso indefinidamente no mesmo
percurso, nas mesmas vivências, para todo o resto
de sua vida ou, o que raramente acontece, até ser
resgatado com vida! E existe apenas um caminho
para sair da floresta! E, não menos importante,
devo lembrá-lo que a floresta tenta sabotar quem
ousa percorrê-la! Seria muito mais fácil e prático

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cortar caminho pela Floresta dos Desejos, então


atravessar o Rio Branco e finalmente chegar... Seja
lá onde você pensa em chegar. — Num súbito
arremeto de lembrança Driana perguntou — você
não acha que a fada se escondeu na Vila dos
Desesperados, acha?
Alma estava escondida nesse vilarejo. Seria
um desastre se a encontrassem no meio do caminho
por engano!
— Não. De modo algum. É uma fada comum
e chamaria muita atenção entre criaturas tão
estranhas — ele disse seguro de si.
— Porque seguir por aqui? Eu preciso saber!
— Sim, você precisa saber. E é exatamente
por isso que não lhe contarei nada!
O sorriso debochado e contente de Acheron
era contagiante. Queria brincar com seus
sentimentos. Ela mal acreditava em sua ousadia!
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— Está perdendo tempo. Duvido que a fada


fosse tola a ponto de seguir por uma floresta tão
perigosa.
— Não existe perigo algum na Floresta dos
Dois Dias. Basta ser rápido e atravessá-la sem
ninguém atrapalhando com perguntas e argumentos
que não cessão jamais. O único risco dessa
travessia é de passar o resto da minha vida tendo
que ouvir sua voz e suas perguntas incessantes,
garoto.
Ofendida, Driana não retrucou. Acheron
estava parado sobre seu cavalo. A pata do animal
estava próxima a uma pedra pontiaguda. Se ela
fizesse o mínimo de barulho para assustá-lo, o
animal pisaria em falso e derrubaria seu dono no
chão. Na queda Acheron bateria a cabeça, pois o
chão era coberto de pedras afiadas.
Um plano perfeito. Que jamais colocaria em

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prática. Era uma covarde.


Insatisfeita, Driana olhou para Acheron com
atenção. Evitava olhar para seus olhos, pois vinha
notando que gostava demais de fazer isso.
Talvez se perder com Acheron na Floresta
dos Dois Dias não fosse uma ideia tão ruim assim.
Com sua inteligência poderia facilmente vencer o
encanto da Floresta e sair quando bem entendesse.
Mas Acheron... Bem, se o levasse a se perder, tudo
estaria resolvido!
Com um pequeno sorriso de vitória na face,
ela levou seu cavalo a ficar ao lado do cavalo de
Acheron e disse com tom superior:
— Tem razão. Não há perigo algum na
Floresta. Pelo contrário. Será uma aventura
inesquecível.
Acheron quase temeu suas verdadeiras
intenções ao dizer isso.
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— Acheron?
O Guardião sentiu vontade de não responder.
Aquele rapaz possuía uma incapacidade completa
de manter-se quieto. Era tão chato que muitas vezes
o fazia lutar contra o impulso de pegar sua espada e
ensiná-lo a marra a ser quieto.
— Fale — disse com paciência.
Não gostava do trato doméstico de uma
viagem tão longa e a comida do rapaz era
suculenta. Não queria privar-se da boa vida.
Mesmo que o preço para isso fosse aturar a chatice
de um rapazola insolente.
— Alguma vez você viu as fadas fugitivas?
— Perguntou-lhe, testando o terreno da conversa.
A resposta não veio imediatamente, pois os
cavalos invadiam o solo primitivo da Floresta dos
Dois Dias e como era de esperar as árvores em
volta barraram a passagem. Era impossível voltar e
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desistir do caminho.
Acheron não se abalou. Havia enfrentado
muitas vezes essas estradas. Mas para Driana era
tudo uma grande novidade assustadora.
Como se nada estivesse acontecendo a sua
volta, Acheron conduziu seu cavalo calmamente
pela estradinha de terra e começou a contar:
— Sim, eu conheço as quatro fadas.
— Mesmo? — Surpreendeu-se. — Quando
você as viu?
— E quem não as viu? As quatro fadas
rebeldes são conhecidas por todos os Guardiões. Só
causam problemas desde pequenas.
— Rebeldes? E de que modos fadas da
clausura são rebeldes? São aprisionadas! —
Indignou-se.
— Não essas quatro fadas. Elas nunca se

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comportaram. Com ajuda de Tobias, irmão de


criação do Primeiro Guardião, as quatro fadas
sempre causaram as maiores confusões.
— Sabe que elas seriam trancafiadas para o
resto das suas vidas, sem ver a luz do dia quando
completassem vinte anos? Que por ironia, pela
primeira vez em suas vidas são livres... Mesmo que
fugitivas?
— Não sou eu quem faz as leis — ele alertou
em tom de aviso. Não gostava do caminho que a
conversa seguia.
— Já percebeu como os seres vivos tem a
capacidade de fugirem da responsabilidade de seus
atos, sejam humanos ou mágicos? Sempre com
frases feitas, que delegam culpa para terceiros?
— Me perguntou se conheço as fadas. Não
sou o carcereiro delas! — Ele irritou-se
profundamente com sua insistência.
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— E as fadas? O conhecem?
Ela sabia bem da resposta. É claro que não.
Pessoalmente não. À distância sim. Ele não falava
uma mentira ao dizer que elas viviam aprontando.
Por conta de Eleonora e Tobias, Joan sempre se
envolvia nas enrascadas, e sobrava para Alma e
Driana ajudar a livrá-los do problema ou encobrir
seus crimes!
— Imagino que sim. Elas sempre espiaram
os treinamentos dos Guardiões. — Ele avisou.
Driana ficou envergonhada por saber que os
Guardiões eram cientes que elas espiavam seus
treinamentos.
— E você? Reparou em alguma delas?
O modo sujo como Acheron olhou em sua
direção a deixou tensa.
— Eu sempre reparo em fadas. — Seu

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sorriso era pura malícia.


— Alguma delas em especial? — Guardou o
orgulho para si e continuou tentando lhe arrancar
informações.
— Sim. Já reparei em uma delas. A mais
bonita.
— Mesmo? A assassina do rei, talvez? —
Entrou em seu jogo.
— Não. Eleonora é namorada de Tobias.
Também é interesse do Primeiro Guardião. Muita
confusão para aquele que tentasse olhar para ela.
Driana armazenou a informação de que Egan
apreciava Eleonora. Sua amiga exultaria em saber
disso! Por outro lado, precisou morder a língua para
não desmenti-lo e dizer que Eleonora era amiga de
Tobias, e não sua namorada como os Guardiões
pensavam!

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— Sobram mais três fadas. Joan, a fada de


poder ilusão. Alma, de voz hipnotizante e potente.
E... Driana, a fada da esperteza. Qual delas lhe atrai
atenção?
— Seus dons não me interessam. Prefiro a
beleza da fada e não seu poder.
Claro que sim, pensou Driana. Como se isso
pudesse surpreendê-la!
— E qual delas considera mais bonita?
— Francamente? Nenhuma delas. —
Admitiu. — Magricelas demais.
— Magricelas? — A palavra brotou de sua
boca, em um arremeto de indignação feminina que
Acheron não percebeu.
— Gosto de carnes — ele admitiu com pura
libido no olhar.
O que poderia lhe responder? As carcereiras

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serviam tão pouca comida para os órfãos do


Ministério do Rei que seria impossível qualquer
uma delas ser cheia de carnes! Controlando a
ofensa, Driana olhou para o lado.
— Mas disse que reparava em uma delas —
Driana não desistiu de obter a resposta.
— Sim, a fada de cabelos vermelhos me faz
lembrar a crina do meu antigo cavalo. Ele também
era ruivo. Foi o melhor cavalo que tive.
Nossa, quanto romantismo. Driana tinha
certeza que Joan ficaria encantada com a
comparação.
— E as demais? — Insistiu.
— Sabe que você me enganou, garoto? Achei
que fosse um menino bobo e que não pensasse em
fêmeas ainda. Mas agora vejo que é muito
interessado no assunto. Controle seus ímpetos. Não
vou resgatar a honra de nenhuma fada em seu
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nome.
Naquele instante, Driana soube que havia
subestimado a burrice de Acheron. Ou ela era uma
atriz esplêndida ou ele era realmente muito
estúpido. Ou as duas coisas coincidindo, concluiu.
Sentindo uma pontada de dor na cabeça,
insistiu:
— E a fada que persegue? O que acha dela?
— Nunca pensei muito sobre ela. — Admitiu
— Pequena demais, séria demais, sempre
carrancuda. Não gosto de quem fala demais. Prefiro
o silêncio.
Driana lutou para não gritar de raiva.
Depois desse comentário qualquer culpa que
pudesse sentir em enganá-lo esvaiu-se.
Quando deixaram o lombo dos cavalos, para
contornarem um tronco caído no meio da

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estradinha, Driana teve a oportunidade perfeita de


atrasá-lo.
Um enorme formigueiro erguia-se próximo a
uma árvore. Seu cavalo estava perigosamente
próximo. Com um carinho no pescoço do animal,
como quem pede desculpas, Driana soltou um
pouco a rédea e o cavalo pastou mais adiante, perto
do perigo.
A culpa era tão grande que ao ver Acheron
cheio de atenção com seu animal, tão cuidadoso,
acabou mudando de ideia.
Tentou buscar o cavalo e trazê-lo para perto,
mas era tarde.
Ele atolou uma das patas em um buraco perto
do formigueiro e as gigantescas formigas
começaram a surgir e atacar.
— Não! Não façam isso! — Ela gritou,
tentando puxar o animal de volta e salvá-lo.
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Acheron percebeu o que acontecia e deixou


seu animal para ajudá-la.
Faltou força para Driana livrar o animal do
perigo, mas não faltou para Acheron. Com um
potente puxão das rédeas o cavalo estava livre e
salvo.
Na luta pela sobrevivência, Driana
desequilibrou-se e caiu deitada sobre o formigueiro.
Seus olhos arregalados de medo, pois suas
mãos se enterraram dentro da terra airada. Poderia
ter gritado, mas sua mente não conseguiu registrar
isso a tempo. Milhares de formigas cobriam seu
corpo rapidamente e ela debateu-se em completo
desespero e quanto mais se movia, maior o
movimento dos insetos sobre sua pele.
Quando as mordidas começaram, ela
emudeceu completamente.
Cada pequeno espaço de pele que pudessem
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encontrar, em cada centímetro de carne. Driana foi


picada de alto a baixo.
A tortura pareceu durar horas, mas não
aconteceu por mais que segundos. Depois de livrar
o cavalo, Acheron surpreendeu-se com o garoto
desequilibrando-se e caindo sobre o imenso
formigueiro. Levou apenas alguns segundos para
agarrá-lo por um dos braços que se debatia e puxá-
lo para longe do perigo.
Infelizmente as formigas não desistiam tão
facilmente.
Conhecidas por picarem suas vítimas até a
morte, as formigas vermelhas e graúdas cobriam
cada porção de pele.
Acheron sabia como afastá-las.
Deixou o menino caído na estrada e pegou
uma das partes de sua armadura. Vestiu o punho e
apontou na direção de Jô.
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A luz que irradiou do poder mágico de sua


armadura afastou imediatamente os insetos.
Corriam para qualquer canto onde pudessem
esconder seus corpos da luz. No chão, o rapaz não
se movia mais. Por um segundo Acheron temeu o
pior, mas pelo arfar o peito, soube que respirava.
Desvirou-o e soltou um palavrão ao ver o
estado deplorável do garoto. A face inchada,
coberta por pus e feridas. Sorte que usava aquela
estúpida touca de duende, ou sua cabeça estaria
coberta de feridas também.
Jô chorava baixinho e ele ajudou-o a
levantar.
— Vamos, não podemos nos atrasar. —
Disse preocupado.
O lamento de dor cortou seu coração. Como
deixar uma criatura penar de dor por conta de uma
caçada?
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Driana agarrou-se ao pescoço de Acheron


quando foi erguida nos braços e carregada para
longe do formigueiro. Ele encontrou uma clareira
entre as árvores e a colocou na grama. Desapareceu
por alguns minutos e quando voltou trazia os dois
cavalos pelas rédeas.
Driana chorou por dentro ao pensar que
desejara esse mal para o pobre cavalo, e agora, a
vítima era ela. Bem feito, pensou. Bem merecido!
Imóvel, pois não conseguia mover-se pela
dor, tentou ver o que Acheron fazia. Ele trazia
folhas largas das árvores, folhas amareladas e
largava ao seu lado. Pegou uma das mãos de Driana
e esfregou as folhas.
— Faça desse modo. O veneno das picadas
vai sumir em algumas horas. — Ele disse apenado.
— Esfregue no corpo todo. Vou tentar encontrar
um modo de nos adiantarmos e não ficarmos presos

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aqui.
Ao menos alcançara seu intento de atrasá-los.
Chorando, Driana sentou-se e começou a
esfregar as folha na face, no pescoço, mas mãos.
Aproveitou que Acheron não estava próximo e
esfregou no corpo todo.
Livrou os cabelos da prisão da touca de
duende e seus cabelos longos e negros cobriram
seus ombros e costas. Nua da cintura para cima
esfregou as folhas nas costas, e nos seios, onde o
inchaço era devastador. A dor foi diminuindo, mas
o inchaço não.
A franja longa cobria seus olhos, e ela
afastava-as com impaciência, lágrimas e cabelos se
misturando. Vestiu-se e estava prendendo os
cabelos de volta na touca quando Acheron chegou.
Por um segundo ele não a pegou no
flagrante:
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— Como está a dor? — Perguntou-lhe


oferecendo água num cantil.
— A dor está passando... — Sussurrou com
os lábios endurecidos pelo inchaço.
— Pelo menos eu sei que agora irá se calar
— Acheron tentou fazer graça.
Driana não pensou em nada para lhe
responder. Estava doendo e a culpa era toda sua!
Sim, doía terrivelmente, e não era uma dor
apenas no corpo. Doía não saber notícias de suas
amigas. Cresceram juntas e nunca passou um dia
longe de nenhuma delas! Sempre estiveram
próximas! Sempre!
Acheron achou que o choro do rapaz fosse de
dor e não tentou consolá-lo. Em suas mãos um
problema bem maior.
A mágica da Floresta dos Dois Dias era

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poderosa. Ficariam presos a uma repetição sem fim.


A cada dois dias, tudo voltaria ao começo.
Principalmente, Jô seria atacado pelas formigas
num ciclo sem fim.
Acheron nunca correu riscos dentro desta
Floresta. Era a primeira vez que isso acontecia. E
sua mente não conseguia encontrar uma solução
para sair dali a tempo. A única forma possível era
deixar o garoto para trás e voltar para buscá-lo
quando completasse sua missão.
Faltava-lhe egoísmo para tanto.
Além do mais... Ele não estava muito ansioso
para encontrar a fada fugitiva.
Não admitiria para ninguém, pois era
antiético de sua parte estar tardando
propositalmente a caçada, mas Acheron não
acreditava na causa da Rainha Santha e seu fiel
acompanhante Lucius.
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Não que duvidasse do crime ou da culpa das


fadas. De modo algum. Elas eram culpadas e
mereciam punição. Assim como ele próprio fora
culpado de assassinato e mereceria ter sido punido
quando se rebelou contra a escravidão e vingou a
morte de seu pai. Atentara contra o rei de seu povo,
por vingança e por desejo de liberdade e isso fora
há muitos anos atrás.
Aquelas fadas eram coitadas, criadas para a
clausura. Como ele, que vivera como escravo,
brutalizado e trancafiado. Poderia culpá-las por
colocarem um fim ao martírio e partirem em busca
de salvação?
Não, ele não as julgava. E não tinha pressa
em vê-las aprisionadas.
De qualquer modo não cabia a ele a decisão.
Olhou para o garoto que parecia se acalmar. A pele
amarelava rapidamente. Era assim mesmo. As

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folhas das árvores daquela Floresta eram curativas.


Aproveitaria o tempo livre para colher algumas
delas. Era bom ter algumas guardadas para um
imprevisto.
Acheron maneou a cabaça, afastando os
pensamentos complicados. Evitava isso. Pensar
demais em assuntos que não poderia resolver. Vivia
em paz e gostava daquele lugar. Se começasse a
olhar em demasia para os problemas do reino,
acabaria por se rebelar outra vez. Queria e
precisava de paz.
Vinha, inclusive pensando em escolher uma
fada.
Sorriu pensando nas perguntas de Jô.
Não quisera lhe contar, mas Tobias
infernizava a vida dos Guardiões, tentando
convencer um a um, que escolher uma de suas
amigas, seria um ato inteligente. Sempre
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recomendava a Acheron, que escolhesse a fada


Joan. A mais calma, doce e singela. Simples como
ele. Capaz de sorrir e cuidar de um marido.
Que evitasse Eleonora, seu amor platônico.
Alma, uma fada muito ansiosa. E, sobretudo, que
fugisse de Driana, a fada arrogante e sagaz demais
para seu próprio bem.
Uma vez ou outra pensou em olhar com mais
atenção para a fada Driana, mas ela estava sempre
emburrada e caminhando rápido, e ele não gostava
da ideia de passar todos os dias da sua vida ao lado
de uma fêmea carrancuda, que se escondia da luz
do sol enfurnada em saletas de estudo e leitura.
Acheron gostava da ideia de escolher uma
das fadas. Qualquer fada, na verdade. Queria se
casar e ter uma família. Era um desejo nascido há
pouco tempo. O desejo de ter mais do que feitos e
mortes nas costas.

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Ter alguém para cuidar.


Ele engoliu em seco e jogou um pelego sobre
o chão, jogando-se sobre ele para descansar um
pouco.
Se não havia o que fazer... O melhor era
guardar as forças para enfrentar o que vinha a
seguir.
Cobriu os olhos com o antebraço e se
entregou a um profundo cochilo.

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Capítulo 8 - Vento, água e terra

Driana estava ofendida por Acheron


simplesmente dormir como se nada houvesse
acontecido. Ela estava amarela, inchada e dolorida
em cada pedacinho do corpo e precisava conversar.
Precisava também usar o banheiro.
A única vantagem de acampar na natureza é
poder ignorar as convenções. Sorrateira para não
acordá-lo, levantou e mancou para o meio do mato.
Aliviar-se vinha sendo um grande problema.
O cheiro dos excrementos de fêmeas e
machos são totalmente diferentes em odor e
essência. Singulares. Então, precisava procurar

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locais afastados de Acheron, pois ele era incapaz de


notar a fêmea que habitava por de baixo das roupas
de menino, mas seria capaz de farejar o cheiro de
uma fada a quilômetros!
Acheron... Ela sorriu enquanto encontrava
uma moita discreta e com toda a dificuldade de
quem foi picado milhares de vezes por um
formigueiro inteiro, livrou-se da parte de baixo da
roupa e fez suas necessidades.
Driana estava conseguindo realizar todas as
suas metas, mesmo que de um modo torto. Era um
garoto e se saia muito bem nesse papel, e
conseguira atrasar a saída da Floresta dos Dois
Dias. Olhando em volta, principalmente para cima,
enquanto se aliviava, Driana já sabia como sair
dali.
Para ela, era fácil. Poderia demorar, mas
aconteceria. Quanto a Acheron... Bem... Ela não

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poderia fazer muita coisa por ele.


Sua mente não poderia ignorar outra rota de
fuga mais prática, menos demorada e que Acheron
poderia ser incluído. Bastava observar a Floresta
em detalhes para saber como funcionava.
Não era complexo demais para alguém como
ela. Driana aprumou-se e regressou a passos lentos
de volta para o local onde Acheron estava.
Encontrou-o de pé, preparando-se para partir:
— Aí esta você — ele disse sem olhar muito
em sua direção. — Vejo que consegue andar. Isso é
bom. Podermos seguir viagem.
— Está doendo muito. Eu não vou — ela
disse para atrapalhar ainda mais. — Vá na frente.
Tentarei alcançá-lo quando a dor passar...
Acheron parou de arrumar seus pertences e
olhou-o da cabeça aos pés.

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— Tire esse gorro estúpido da cabeça. Vai


rasgar sua pele, garoto — ele mandou, notando que
o gorro de duende não alargara em um milímetro
sequer e com a face completamente inchada de Jô,
poderia cortar e ferir sua pele, pois era encantado.
— Estou bem assim. Porque não vai embora
de uma vez e me deixa em paz? — Reclamou, se
jogando no chão, embaixo de uma das imensas
árvores de folhas amarelas.
— Sabe o que eu acho? Que você é um
atraso. — Acheron seguiu reclamando. — Não
fosse por sua causa e suas perguntas incessantes,
não estaríamos presos nesse lugar. Eu deveria virar
as costas e deixá-lo para trás. Era o que eu deveria
fazer!
— Eu estava certo sobre os perigos de andar
nessa Floresta, Acheron! — Ela resmungou com
voz pesada e esfregou uma das mãos na bochecha,

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onde coçava.
— Os perigos dessa Floresta não se julgam
com palavras. Se fosse mais atento, não correria
risco algum — ele foi propositalmente franco.
— Eu já disse: deixe-me para trás! Vá de
uma vez! Siga sua busca estúpida atrás de uma fada
inocente! O que está esperando? Minha permissão?
— Ela teria gritado se conseguisse articular os
lábios e abrir a boca para que isso acontecesse!
— É exatamente isso que estou fazendo. Indo
embora. — Acheron esperava que o rapaz
desistisse de ser cabeça dura.
Por minhas amigas, pensou Driana ao vê-lo
andar pela Floresta. Engolir o orgulho por suas
amigas. Ela podia fazer isso. É claro que podia.
Sentou-se e gritou, ignorando a dor:
— Não me deixe aqui sozinho! Meu corpo
todo dói...
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Era chantagem emocional.


Acheron não era razão e sim instintos. Parte
desses instintos vinham atrelados a um profundo
emocional. Ele cuidava dos seres fracos. Era um
impulso mais forte que ele.
Acheron deixou cair no chão o saco de couro
onde levava seus pertences e voltou. Driana teria
sorrido satisfeita consigo mesma, se não estivesse
toda dolorida.
Acheron curvou-se em sua direção, um dos
joelhos apoiado no chão e segurou seu queixo.
Driana não esperava por isso. Reteve o ar e
arregalou os belos olhos azuis, enquanto Acheron
analisava seu rosto.
Assim tão perto, ela finalmente descobriu a
cor exata dos olhos do Segundo Guardião. Eram
verdes. Verdes e brilhantes. Olhos sinceros, sem
escudos, sem mentiras. Olhos límpidos e que ao
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fixarem nos seus, pareciam lhe fazer perguntas.


— Está bem menos inchado — ele disse com
zombaria na voz, virando sua face para o lado, para
ver suas orelhas.
Ao lembrar que as orelhas de uma fada são
menos pontudas que as de um elfo, Driana
apressou-se a puxar o rosto para trás e mudar o
foco da atenção de Acheron.
— Podemos achar a saída mais tarde, não
podemos? Eu sei que posso pensar em alguma
coisa para nos tirar daqui...
— Eu sei que pode — ele concordou, se
afastando.
O rapaz era muito delicado e por mais que
soubesse que era um elfo que aguentava um pouco
de sofrimento, ainda assim, se compadecia dele.
— Mas não é sua obrigação. Sou um

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Guardião e não posso permitir que isso aconteça.


Vou dar um jeito de nos tirar daqui.
Quando idealismo. Salvar fadas inocentes
não seria um modo de mostrar sua bravura? Quem
sabe, em algum momento daquela louca jornada,
pudesse lhe perguntar sobre isso.
Até onde iria o senso de dever de Acheron?
Uma hora se passou sem que a pele de
Driana mostrasse melhora alguma. Começava a
escurecer quando ela pensou ter ouvido vozes.
Abriu os olhos para encontrar Acheron perto de si,
um dedo sobre os lábios pedindo que fizesse
silêncio.
— Acheron? — Sussurrou, levantando e
recebendo das mãos do Guardião o cajado que
levava consigo em um singela tentativa de defesa.
— Encontrei um acampamento não muito
longe daqui. São elfos e duendes — ele sussurrou
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de volta e o hálito quente banhou a face de Driana.


Por mais que ela se esforçasse para não pensar
sobre isso, não era tão desagradável quanto gostaria
de se convencer...
— Isso não é nada bom — deduziu.
Acheron era a criatura mais acolhedora e
fácil de agradar que Driana tivera o prazer de
conhecer. Acolhia qualquer ser vivo como se fosse
seu melhor amigo de infância. Então, sua reticência
somente poderia significar perigo.
— Eles estão com a família de Marcell e eu
não o vi entre eles. — Disse seco.
— Oh, não! — Ela esqueceu que era o garoto
Jô e seu sussurro foi tão feminino que poderia ter
levantado desconfianças, caso Acheron estivesse
prestando atenção a ela. — E a fada? Eles a
pegaram?
Acheron não havia pensado na fada com suas
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recentes asas, e Driana enxergou o medo nos olhos


do guerreiro. Se aqueles elfos fossem tão
sanguinários como Acheron pensava que eram, e
houvesse posto as mãos na fada recém
desabrochada... Pobre criatura estaria em uma
situação difícil de lidar.
— Fique entre as árvores. Não quero que lute
a menos que eu precise. — Ele avisou quando
começaram a andar.
Driana pensou em lhe perguntar como era
possível que achasse que precisaria de sua ajuda.
Mesmo quando bem, ela não daria conta de lidar
com uma criança segurando um galho de árvore nas
mãos... Quanto mais elfos treinados na luta e com
espadas!
Tremendo como bambu verde, seguiu-o.
— Sua armadura — sussurrou, lembrando-se
disso no último instante.
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— Não. — Ele negou.


— Ponha a armadura — ela mandou outra
vez. — Quer ser morto e ficar enterrado nessa terra
sem começo e sem fim?
— Não desgasto minha armadura à toa — ele
disse.
— Ponha a armadura! — Ela disse entre
dentes, furiosa e amedrontada.
— Não — ele disse baixo, mas a voz era de
aviso.
— Agora! — Ela o cutucou nas costas com o
cajado e Acheron virou-se para trás.
Sua expressão selvagem a fez imóvel.
Não foi preciso mais nenhuma negativa.
Tornaram a andar e ela manteve a boca fechada,
principalmente evitou encostar nele com o cajado.
Não duvidava do perigo real: irritar Acheron
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ao extremo era mais perigoso do que enfrentar


bandidos sanguinários em meio a uma Floresta
misteriosa e escura, tendo em mãos apenas um
cajado ridículo que sequer sabia usar!
Ao menos dos bandidos ela poderia correr...
E ter alguma esperança de sobreviver!
Driana observou calada o precário
acampamento que estava escondido entre as
árvores.
Acheron retirou a espada do cinturão e
moveu o cabo de uma mão para a outra, até
satisfazer-se com o peso da arma e ameaçar um
passo adiante.
— Espere — ela sussurrou, seus olhos vendo
tudo de um modo diferente do que acontecia com
ele.
Tocou seu ombro para conter a impaciência
do lutador que havia dentro do Guardião. Conter a
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fera que no fundo, queria sair e lutar.


— Veja como estão distribuídos — ela
alertou. — Duas barracas perto das árvores. Uma
perto do rio...
— O rio não passa por essas bandas — ele
avisou, contrariado.
— Passa. Eu ouço o som de água. Se você
parasse de rugir e ficasse quieto também ouvira. É
o Rio Branco. Não passa nessas terras, mas passa
próximo. É possível que algum simplório desvio
traga água para cá. Se a barraca está apartada das
demais é por duas possíveis razões. — Olhou-o
para saber se prestava atenção a ela ou não. — A
primeira e mais provável, é que nessa barraca fique
quem cozinha e lava as roupas. E a segunda razão
é que os reféns estão afastados dos algozes. Talvez
sendo vigiados por seguidores de menor
importância.

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— Duendes — ele deduziu. — Elfos usam


duendes escravizados para este tipo de serviço
sujo...
— Sim, os elfos fazem isso — ela disse em
tom de cansaço. — Mas veja, se você atacar
primeiro a barraca dos reféns, dará tempo para a
revanche daqueles que podem lutar com você ou ao
menos fazer algum estrago nas vítimas. Agora... Se
você os pegar de surpresa... Ficará mais fácil livrar
os inocentes de criaturas de menor poder de luta.
— Tem sua razão — ele disse apreciando seu
modo de pensar.
— Tente não fazer muito barulho — ela
sugeriu.
Um pequeno som de desapresso ao seu
comentário e Acheron andou entre as árvores
seguindo aquele plano elaborado por Jô.
A noite caia muito rápido. Por conta da copa
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das árvores e da magia que protegia a Floresta de


olhares curiosos, o escuro era total. Mais uma vez
Driana lamentou ter um dom tão pouco prático. E
mais do que isso... Onde estavam suas asas quando
precisava delas?
Eleonora era muito mais jovem que ela! E
suas asas nasciam antes das suas! Alma era mais
velha em alguns meses, mas Driana estava
exatamente no centro disso.
Precisava de suas asas. E precisava logo!
Ouviu sons e apurou os ouvidos tentando
descobrir o que acontecia.
Gritos de mulher começaram a surgir na
escuridão e Driana pensou rápido. Precisava de luz!
Acheron precisava de luz para lutar. Precisava
enxergar o que fazia, pois era grande demais para
não ver onde colocava sua espada!
Temendo um acidente contra as vítimas
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inocentes, Driana remexeu nas coisas de Acheron


que jaziam perto de seus pés até encontrar um
pedaço da armadura. Era uma das partes que cobria
o braço.
Ele fizera alguma coisa com isso, que a fizera
brilhar e essa luz inesperada afastou todas as
formigas. Quem sabe, poderia fazer o mesmo
agora?
Com o pedaço de armadura nas mãos e o
cajado na outra, Driana avançou em direção a
barraca de onde ouvia os gritos. Tinha certeza que
ao pressentir o perigo, a armadura se revelaria.
Convencida disso, engatinhou por baixo do
couro velho que revestia a barraca e entrou.
Acheron lutava contra um elfo enorme, quase tão
grande quanto ele e outros menores jaziam pelo
chão, abatidos.
Ela se encolheu em seu canto quando um elfo
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careca na cabeça, porém coberto de pelos no


restante do corpo avançou pelas costas. Acheron
pressentiu sua presença e se livrou dele com tanta
facilidade que a surpreendeu.
Acheron deu conta do último elfo e sua
espada foi girada na direção da próxima criatura
viva que ainda restava na barraca, seu instinto de
luta era tão grande que demorou quase um segundo
para reconhecer um aliado e não um inimigo, e por
conta desse segundo, Driana quase desmaiou de
medo.
Acheron estava prestes a gritar com Driana
por conta da desobediência quando se lembrou dos
reféns.
Fora da barraca, tudo seguia como a mente
de Driana previu. Apenas um fator era inesperado.
Quando vários elfos surgiram correndo das árvores,
Acheron mal acreditou.

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— Um Guardião! — A voz de um dos elfos


ergueu-se acima do brado de guerra dos demais. —
Mantenham-no vivo! Sei que posso conseguir um
bom preço pela cabeça de um Guardião!
Driana sabia que este tipo de comércio
existia. Seres, tanto humanos, quanto mágicos, que
comercializavam seres vivos. Mas ver e ouvir com
seus próprios olhos e ouvidos era deveras
repugnante.
A luta recomeçou e ela se escondeu.
Agarrada naquele pedaço de armadura, não
conseguia fazê-la ascender, como Acheron fizera
mais cedo. Não importava o quanto esfregasse ou
sacudisse, não se manifestava.
Em determinado momento sentiu um puxão e
foi jogada contra o tronco de uma árvore por um
elfo bandido. Apavorada defendeu-se como pode.
Usou a armadura para acertar a cabeça do elfo com

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toda força. Bem, para isso a armadura servia!


Depois de abater seu primeiro perseguidor, Driana
achou por bem não ficar ali.
Esgueirou-se para a barraca das vítimas e
entrou. Estavam todos amarrados. Marcell estava
lá. Pobre elfo, estava abatido, ferido e amarrado
também. A fada recém desabrochada com o
nascimento das asas estava chorando, mas não
parecia ter sido tocada. Para mercenários o preço de
uma fada em pleno cio deveria ser mais tentador
que a própria satisfação física.
Sorte da fada. Sorte das fadinhas menores
também, que provavelmente seriam vendidas para a
escravidão. Livres, ela fez sinal para que todos
ficassem em silêncio. Foi preciso que as fadas
maiores levassem Marcell, pois ele não podia
andar.
Driana fez com que saíssem por uma fenda

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na barraca, diretamente para as árvores.


Deveria ter ido com eles, mas o impulso de
voltar e ajudar Acheron era incontrolável
Quando regressou para o centro da luta, foi
tomada de um susto tremendo.
Acheron estava arfando, com a espada nas
mãos, no centro de vários elfos armados. Ele
olhava para todos com a certeza que não poderia
vencer sozinho. Suor grudava em sua carne e os
olhos claros mostravam fúria, selvageria e instinto
primitivo de sobrevivência.
Com um grito de fúria ele largou a espada no
chão e abriu ambos os braços. Ela sentindo um
puxão nas mãos e era a armadura escapando de
seus dedos.
Nunca viu isso acontecer, nunca presenciou o
domínio de um Guardião sobre sua armadura. A
peça voo na direção de Acheron, assim como o
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restante de armadura encontrou-o em meio a


árvores e elfos.
As peças cobriram seu corpo com perfeição e
ele dobrou os dedos das mãos, abrindo-as e
fechando, agora cobertas por metal. A espada
regressou aos seus dedos por pura magia.
E a luta retomou em novo ritmo.
Era quase impossível qualquer criatura
vencer um Guardião fardado com sua armadura.
Era uma luta injusta e Driana não percebeu que seu
corpo tremia e suas vísceras estavam emboladas em
um nó no estômago, enquanto seus olhos estavam
fixos em cada movimento dos músculos do
Guardião.
Sua expressão facial, sua braveza, sua porção
animal, herdada das terras distantes, herdadas de
seu povo e de sua genética diferenciada.
Acheron era animal. Era macho. Era terra e
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fogo. Ele lutava com o solo, pés que corriam a


terra, mãos que socavam os adversários, espada que
corria sobre carne.
Ela podia farejar o elfo. Era mais do que
apenas uma luta. Apavorada, Driana descobriu que
sua porção fêmea escolhia um elfo. E isso não
poderia acontecer!
Quando a luta acabou, ela sentiu os joelhos
fraquejarem.
Ouvira falar de raros casos em que uma
fêmea escolhe seu macho e não o contrário.
Normalmente o cheiro da fêmea hipnotiza os
sentidos do elfo, e não o contrário.
E isso tende a acontecer apenas durante o cio.
E o cio surge aos vinte anos, depois do nascimento
das asas. Nunca antes!
Enquanto Acheron olhava em torno

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procurando qualquer outro opositor que pudesse ter


sobrado, Driana sentiu essa verdade bater em sua
face com toda a força.
Não era o cio o responsável pela compulsão
que a tomava, era outra coisa. Era um sentimento
que não conhecia. Era um sentimento que nunca lhe
foi apresentado. Ela não sabia nomear.
Queria aquele elfo. Queria e seu corpo todo
tremia. Assustada ela correu para as árvores, para
se esconder junto da família que salvaram.
Ganhar tempo para acalmar seu corpo e seu
coração.
Ganhar tempo para enterrar esse sentimento
monstruoso bem fundo em sua alma, para que
Acheron não percebesse...

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Capítulo 9 - Carniça

Acheron nunca deixava um trabalho pela


metade. Enterrou os corpos dos elfos e duendes e
depois de algumas horas, encontrou com a família
que acampava longe do local onde estiveram
aprisionados.
Sua única motivação em enterrar aqueles
vermes, era impedir que o cheiro atraísse outros
seres interessados em sangue e carne em
decomposição. Pelo visto permaneceria muito
tempo naquela floresta e não precisava de mais
lutas.
Exausto, andou lentamente em direção as

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vozes. O garoto Jô havia levado-os para o local


onde esconderam os cavalos em meio às árvores.
Esperto de sua parte, o que não o surpreendia.
Se estivesse realmente interessado em
encontrar a fada fugitiva, poderia usar a
inteligência de Jô como arma contra a inteligência
da fada acusada de cumplicidade em assassinato.
Acreditava piamente que o menino em nada perdia
em comparativo a esperteza da fada! Seria um
método extremamente eficaz para cumprir sua
missão rapidamente e livrar-se desse fardo pesado.
Mas não tinha a menor pressa em ver um ser
injustiçado pelo próprio nascimento ser punido por
tentar sobreviver.
Havia muitas questões sociais e morais
envolvidas naquela acusação de crime para que
Acheron se desse ao luxo de tentar entender ou
julgar a quem pertencia à razão.

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Encontrou tudo sobre controle. Jô era um


bom ajudante, precisava lembrar-se disso quando
estivesse brigando com o rapaz. Menos inchado,
porém muito amarelado, Jô estava conversando
com uma das fadas adultas quando ele aproximou-
se.
Foi o primeiro a notá-lo, pois era o mais
atento a qualquer movimento em torno de si.
Driana captou a imagem do elfo que
regressava, mas afastou os olhos imediatamente.
Algumas horas de afastamento permitiram se
acalmar e refletir sobre o que sentia.
E ela detestou as conclusões a que chegara.
Por isso preferiu ignorar a si mesma e afastar esses
pensamentos da mente.
Acheron deixou a armadura no chão, sobre a
relva, e Driana sabia que era sua obrigação guardá-
las. Ele não precisava pedir, ela sabia o que tinha
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que fazer. Apressou-se a pegar as peças e precisou


dizer a si mesma para se acalmar, pois o metal
estava quente.
Aquecido pelo corpo de Acheron. Quando se
virou de costas, para procurar pelo saco de couro
onde a armadura deveria ser guardada,
discretamente, aspirou o cheiro de suor que
impregnara no metal. Era um cheiro potente e
precisou lutar contra um estremecimento.
Estava tão envolvida com seus sentimentos
que saltou assustada quando Acheron chegou por
trás e pousou a mão em seu ombro.
— É feito de ossos de passarinho, Jô — ele
brincou, referindo-se a sua estrutura óssea delicada,
e seu sorriso amoleceu as pernas de Driana.
Um aperto firme em sua carne e ele afastou a
mão.
— Como eles estão? — Perguntou-lhe.
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As crianças e a fada mais jovem dormiam.


As duas fadas mais velhas cuidavam de Marcell,
perto da fogueira, onde o cheiro de alimento
exalava.
— Bem. Nenhum ferimento irreparável.
Creio que o mais acertado seria levá-los para o
Vilarejo Sem Fim. Eles conseguirão ajuda para
atravessar o Rio Branco e chegar em casa. Espero
que isso não atrase muito os seus planos de ir, seja
lá aonde pretende chegar...
A amargura na sua voz era para mascarar
outras emoções.
— Seu plano é bom. Mas esqueceu de um
pequeno detalhe. Estamos presos aqui. Como farei
para tirar todas essas pessoas dessa Floresta? Não
sei como salvar a mim mesmo!
— As fadas possuem asas — ela lembrou-o
— A fada mais jovem pode levar as duas crianças.
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A fada mais velha levará Marcell, pois é mais


robusta, e a fada mais magricela... — sem notar
usava linguajar parecido com de Acheron — pode
ajudá-lo e atravessar a copa das árvores.
— E você? Quem o carregará em suas asas?
— Ele perguntou com tom profundo.
Driana fitou seus olhos. Não deveria fazer
isso, mas era irresistível. Quis dizer-lhe que mesmo
que ficasse presa definitivamente, chegaria um
momento em que suas asas viriam à tona e seria
livre para voar e libertar-se.
— Eu dou meu jeito. — Ela deu de ombros.
Acheron não duvidava disso.
— Nunca mais pegue minha armadura — ele
avisou em tom baixo. — Não sabe do perigo que
separar uma armadura de seu Guardião, sem
permissão prévia? — Ele mudou de assunto
drasticamente.
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— Perigo? Não aconteceu nada. — Ela disse


surpresa.
— Eu me pergunto por quê. Uma armadura
luta contra a separação. Deveria estar morto,
garoto. É isso que acontece com quem ousa tocar
na armadura de um Guardião sem sua permissão.
— Permissão? — Estranhou.
Conhecia a teoria sobre as armaduras, não a
prática.
— Quando uma armadura escolhe seu
Guardião, passa a fazer parte da sua carne e de seu
sangue. Não podem ser separados. A armadura
aceita ir com outra pessoa, desde que essa pessoa
seja aceita pelo Guardião.
— Sempre existem exceções para tudo — ela
defendeu-se. — Ou talvez sua armadura não seja
tão fiel assim a você... — Desdenhou.

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— Faça a trouxa de pertences de todos eles.


Vamos partir nos primeiros raios de sol. — Ignorou
sua alfinetada, mas não desfez a expressão de
repreensão.
— Mas eu lhe disse... As fadas podem voar.
— Foi um patético aviso.
— Sim, mas eu não deixo para trás ninguém
que esteja sob minha proteção.
— Isso só prova que é ainda mais burro do
que eu julgava — ousou dizer mesmo notando o
perigo de provocar uma fera. — Eu saio daqui. Não
preciso de ajuda. Sei como fazer.
— E de que modo você sabe? — Duvidou de
suas palavras.
— Eu observo as coisas a minha volta.
Observei como funciona essa Floresta. Existe um
padrão. E eu já sei como fazer acontecer.

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— Diga como e eu penso no seu caso.


— Eu não digo. É segredo meu. Leve-os, eu
o alcanço no Vilarejo Sem Fim.
Era mentira, pensou Driana. Ao reconhecer o
risco de permanecer ao lado da porção elfo de
Acheron, estava decidida a segui-lo de longe,
atrapalhando sua jornada sem ser vista.
Essa decisão lhe trazia certa melancolia.
— Acontece, rapazote, que a copa dessas
árvores não permitem o voo de qualquer criatura.
Elas se fecham e derrubam quem ousar tentar fugir
— explicou com parcimônia e satisfação em pegar
Jô em sua teoria.
Driana revirou os olhos e ele descobriu que o
garoto o achava realmente tolo.
— Eu já pensei nisso também. — Avisou em
voz entediada. — Quer comer? Tem sopa.

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Apontou a panela que precariamente estava


sobre o fogo. Acheron entendeu que era um modo
de livrar-se da sua companhia.
Incomodava saber que o menino Jô não
gostava da sua companhia do mesmo modo que ele
nem sempre apreciava ouvi-lo falar.
Driana cuidou dos pertences de Acheron e
quando finalmente sentou para descansar, procurou
por um espelhinho que carregava escondido em um
bolso da túnica. Para sua sorte não estava
completamente quebrado e pode se enxergar.
O amarelo da pele havia praticamente
desaparecido, e na escuridão quase total, com
exceção da luz das estrelas, mal podia ver a cor
estranha. Sem o inchaço, sentiu-se novamente uma
fada e não um ser estranho.
Todos estavam adormecidos, por isso, Driana
sentiu-se livre para retirar a touca e alisar os
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cabelos longos.
Seu couro cabeludo estava doendo, sua testa
apresentava uma linha avermelhada onde a touca
apertava e aderia a sua pele. Andando para longe,
entre as árvores, Driana esticou os braços para
cima, alongando-se. A dor das picadas havia ido
embora e precisava agradecer ao Guardião por
conta disso. Pena que seu orgulho exagerado não
permitisse que fizesse isso com a mesma
simplicidade que outras fadas fariam.
Acheron acordou de seu cochilo e olhou em
volta, para checar que tudo estava bem. Quando
amanhecesse ele precisava saber a história de
Marcell. Como havia sido aprisionado e por quem,
pois infelizmente tinha o hábito de vencer seus
opositores e depois fazer as perguntas necessárias.
Exausto da luta recente, correu os olhos pelas
formas deitadas no chão, adormecidos. Entre as

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árvores uma figura chamou sua atenção.


Era uma fada. Ele sentiu o cheiro de fêmea e
se moveu. Pretendia levantar, mas a fada notou-o
acordar, olhou para trás, a face parcialmente
escondida pela noite, impedindo-o de ver seus
traços e então correu para as árvores.
Ele viu os longos cabelos negros, as formas
delicadas pouco cobertas pela túnica. O relevo dos
seios, dos quadris, das coxas. A fada usava apenas
a túnica e ele admirou as pernas e os braços. Mas
foi tudo muito rápido. Quando levantou e correu
em sua direção, a fada havia desaparecido.
Procurou-a por alguns instantes e desistiu.
Acheron levou um susto ao ver Jô bem na sua
frente.
— O que está acontecendo?
O garoto continuava amarelado, com a
estúpida touca de duendes na cabeça e usava todas
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as roupas. Acheron maneou a cabeça enquanto


regressava para o pelego onde estava deitado até
pouco tempo atrás.
— Um pesadelo — ele resmungou irritado.
Era a abstinência de sexo. Não era de passar
muitos dias sem companhia feminina. Melhor não
falar demais sobre isso com um elfo jovem,
carregado de hormônios e pouca experiência
sexual. Ainda mais que no acampamento havia uma
fada em situação parecida.
Driana deixou-o dormir e respirou aliviada.
Por pouco não fora pega em flagrante!
Sorrindo, sentou no chão e olhou para ele.
Como era possível ser tão bobo assim? Seu sorriso
era imenso.
E não é que Acheron corria atrás de fadas
magricelas?

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*****
O nascer do sol trouxe consigo o
compromisso de procurar uma escapatória daquele
lugar.
— Eu já disse. Sei como sair. Você precisa
fazer o que eu disse — ela reclamou pela milésima
vez. — Ou todos ficaremos aqui indefinidamente.
— E o que devo fazer? — Acheron
perguntou no limite da irritação.
Saber que aquele moleque entendia mais do
que ele sobre tudo era revoltante.
— É muito simples. Todos esses troncos de
árvores são interligados entre si. Não sei como
nunca percebeu, principalmente por ter feito esse
trajeto outras vezes... — Alegou com descaso.
Tédio intelectual. Era assim que normalmente
Alma a descrevia. Entediada com a simplicidade
alheia. — Cada um deles é morada de um ser
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mágico. Eu vi algumas destas criaturas andando


pela Floresta. Saem apenas à noite e muito
brevemente. São ariscos e muito rápidos. Use
isso... — Ela jogou para ele a parte da armadura
que cobria o braço — e puxe um deles para fora. O
tronco ficará sem magia. As fadas podem subir por
ele, e alcançar voo por essa brecha. Mesmo que as
demais árvores tentem impedir, nada poderá ser
feito.
— Eu já disse para não mexer na minha
armadura — ele disse entre dentes vestindo a peça
de metal.
O ajuste foi perfeito, mas não houve o clímax
da noite passada. Era apenas um pedaço, seu poder
era mais sutil. Menos explosivo.
Um erguer de sobrancelha e ela disse
lutando para não rir dele:
— Quer escolher a árvore? — Perguntou-lhe.
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— Por que não faz isso? Tenho certeza que já


analisou a melhor delas, sabichão.
— Exatamente — concordou apontando uma
das mais altas árvores.
Enquanto Acheron aproximava-se para fazer
o que mandava, Driana pegou uma corda. Marcell e
sua família esperavam afastados, ansiosos pelo
momento da partida.
Acheron deu um soco potente no tronco da
árvore e Driana sentiu o coração disparar. Sons
desagradáveis surgiram e ouviram algo se mexer.
Mais um soco e uma fenda surgiu na base do
tronco.
Era magia pura. Driana chegou bem perto e
falou bem próxima ao ouvido de Acheron:
— Ponha a mão aí dentro e puxe.
O hálito quente desestabilizou-o e seu olhar

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zangado a fez se afastar. Acheron não queria


colocar sua mão dentro daquela nojeira. Detestava
sujar sua armadura. Um zelo patriarcal com seu
único bem e orgulho na vida.
Ele debateu-se para segurar a criatura e bateu
o corpo várias vezes contra o tronco até conseguir
puxá-la.
Era pequeno como um duende, mas era
vermelho, fino e possuía além de braços e pernas,
muitas antenas espalhadas por todo o corpo.
— Mas que merda é essa? — Ele perguntou
enojado.
— Não solte! — Ela gritou, usando a corda
para prender o ser que guinchava em sua língua. —
Eu disse para não soltar! — Reclamou.
— Eu não soltei! — Ele gritou bem na sua
cara.

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Driana calou-se e prendeu a criatura. O


cheiro era forte e o bicho somente ficou quieto
quando colocou um pano em sua cabeça tapando
seus olhos.
— Pronto. Podem ir. — Disse satisfeita
consigo mesma.
— E você? — Ele perguntou. — Não tem
asas, garoto.
Ainda não, pensou Driana, ocultando um
sorriso.
— Disse e repito: Eu me viro.
Acheron não discutiria. Tinha seus próprios
planos.
Ajudou a fada mais jovem a segurar as irmãs
e prendê-las contra o corpo usando restos de tecido,
para que nenhuma caísse ou se soltasse. A fada
alcançou voo e ainda era um tanto desajeitada.

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Uma a uma as fadas subiram. Acheron levou


consigo apenas a armadura. O restante ficou para
trás. Ele quase desistiu ao ser içado para o céu.
Primeiro de tudo não queria deixar o garoto
sozinho e segundo, estar preso na Floresta dos Dois
Dias lhe conferia um álibi para seu fracasso em
encontrar a fada fugitiva.
Driana manteve os olhos no Guardião até o
último vislumbre da sua imagem.
Sabia como era difícil para um elfo aceitar
ajuda de uma fada. Para ela, uma grande tolice
tanto orgulho. Mas devido a história antiga do
mundo, quando elfos e fadas foram obrigados a
lutar entre si, criou-se certa barreira entre os seres
de sexos diferentes.
Os carcereiros do Ministério do Rei não
gostavam que soubessem dessas coisas, mas Driana
sempre conseguia surrupiar um livro ou outro, e
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quando não conseguia, Tobias lhe trazia livros


proibidos. Em um destes exemplares antigos, ela
ficou conhecendo os detalhes íntimos dessa luta
dentro da mesma raça.
Séculos atrás, quando um Rei chamado
Ulder, jovem e tolo, ao ser rejeitado por uma fada
de beleza incomparável, ordenara que todas as
fadas deveriam ter suas asas cerradas.
Segundo ele, as asas de uma fada eram um
símbolo de poder que fazia com que o sexo frágil
se rebelasse contra as ordens dos machos.
Por conta desta ordem, elfos e fadas lutaram,
e como jamais foi declarado uma vitória, pois Rei
Ulder foi misteriosamente assassinado em seu
trono, e a luta obteve seu fim, permaneceu a
sensação que algo estava quebrado entre elfos e
fadas.
Mais tarde, durante outra luta no mundo
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mágico, apesar de aliados, fadas e elfos tornaram a


se estranhar. Por conta da fuga das fadas, ao
abandonarem a luta levando para longe do perigo
com suas asas, seus filhos e filhas. Muitas se
esconderam nos Campos dos Humanos. Outras
procuraram outras regiões mágicas para recomeçar
a vida.
E a mágoa perdurava e atravessava os
séculos.
Estava impregnado no inconsciente dos elfos
que as fadas eram superiores, pois poderiam voar.
E estava impregnado no inconsciente das
fadas, que os elfos sempre usariam de sua força
física para tentar impedi-las de voarem.
Uma tolice, pois a seu ver, ambos os sexos
dependiam uns dos outros, tanto para a perpetuação
da raça, quanto para o convício harmonioso.
De qualquer modo, o orgulho de Acheron
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estava reduzido a pó.


Ela sorriu e maneou a cabeça. Ele
sobreviveria a um pouco de resignação!
Com um suspiro de pesar, Driana olhou para
a criatura que jazia no chão, amarrada. Agachou-se
e retirou o pedaço de pano que lhe cobria a face.
— Eu sinto muito, não desejava causar-lhe
sofrimento — disse, pois sabia que a criatura apesar
de estranha, entendia muito bem o que dizia. —
Você é inteligente, eu sei que é. A organização do
seu povo é impressionante. Demorei bastante para
entender que se movem por labirintos e passagens
sob as raízes das árvores, provavelmente por túneis.
E demorei também para perceber que não existe
magia alguma na Floresta. São vocês, pequenos,
que atrasam os viajantes, não é? São vocês que
fazem as copas das árvores se revoltarem e
servirem de barreira para as asas de uma fada, não

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é?
A criatura respondeu por rugidos e quando
entendeu a língua complexa, sem nunca antes ter
ouvido aquelas palavras, Driana soube que seu
momento de revelação se aproximava. Seu dom se
fortalecia. Era um claro sinal que o momento do
nascimento das asas se aproximava!
Era isso não era? Claro que era! Se
convencer disso era um modo quase infantil de
fortalecer sua esperança.
— Eu preciso sair daqui. E você pode me
mostrar o caminho não é? Eu posso deixá-lo
amarrado e encontrar o caminho sozinha. Mas
prefiro sua hospitalidade — apontou a árvore de
onde ele saíra. — O que me diz?
Outra série de rugidos, e ela sorriu.
— É claro que escolhe me ajudar — ela
levantou do chão depois de soltar a corda que o
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prendia. — Não adianta correr, eu não vou


conseguir alcançá-lo. E se eu me perder... Bem,
você já sabe que encontrarei o caminho sozinha.
Mas ficarei com muita, mas muita raiva.
O ser mágico, que ela ainda não conseguira
decifrar qual a raça exata, entendeu direitinho o que
dizia. Em séculos nenhum ser mágico descobriu o
segredo da Floresta. Jamais elfo ou fada descobriu
que não havia magia alguma na Floresta dos Dois
Dias, e sim uma organização muito precisa e coesa
de criaturas inteligentíssimas, que sobreviviam
dessa mentirinha a muitos e muitos séculos.
A criatura entrou pelo buraco do tronco da
árvore e Driana encolheu-lhe para fazer o mesmo.
Como imaginava a árvore era oca por dentro. Uma
espécie de buraco levava para o fundo, e uma
espécie de escadinha esculpida dentro do tronco,
levava para a copa da árvore.

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Driana seguiu o pequenino para baixo e então


pelo túnel estreito. Era tão estreito que ela precisou
se ajoelhar e andar de quatro.
Durante muito tempo foi desse modo. Ela
respirou aliviada quando dobraram uma curva no
túnel e chegaram a um buraco mais largo. Desse
ponto em diante o túnel ganhou maior espaço e ela
soube que estavam embaixo da terra,
provavelmente a muitos metros sob a terra.
Era um pouco assustador e claustrofóbico,
mas ela se concentrou em caminhar rápido e
acompanhar as passadas da criatura. Poucas horas
mais tarde pensou estar vendo um ponto de luz.
Era um ponto de luz muito sutil, mas que aos
poucos se transformou em um clarão. Aliviada por
estar saindo daquele labirinto de túneis, Driana caiu
na grama verde, nas margens do rio e olhou para o
céu.

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— Eu tenho que elogiar o método de


sobrevivência do seu povo — ela disse para a
criatura, enquanto respirava pesado, precisando do
ar limpo, pois suas narinas estavam impregnadas
pelo ar carregado de terra. — Gostaria de voltar um
dia e conhecer um pouco mais sobre a forma de
sociedade que criaram aqui.
Ela recebeu uma resposta que a agradou e
sorriu:
— Os cavalos ficaram para trás. Agora são
de vocês. Cuide deles, por favor. Não posso voltar
e buscá-los, pois estou em uma missão importante
de sobrevivência. E eu sei que disso, você me
entende.
Era uma despedida, Driana suspeitava que a
pele avermelhada da criatura não suportava muito
tempo o contato do sol forte.
Descansou alguns minutos e levantou. Foi até
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a margem do Rio Branco, em um trecho menos


violento, onde as águas eram mais calmas, por
conta das pedras que atrapalhavam a pressão da
água, lavou a face e bebeu muita água, pois estava
sedenta.
Era hora de seguir e encontrar Acheron.
Espreitá-lo nas sombras e atrasá-lo em sua jornada.
Com a limitação óbvia de seu cérebro atrofiado por
tantos músculos, pensou irônica, o Guardião seria
tão previsível, que ela apostaria sua vida em como
o encontrariam o Vilarejo Sem Fim sendo pajeado
por fadas, comendo e bebendo sem pressa alguma.
Era impossível crer que sua vida mudara
tanto em apenas quatro dias.
Longe de suas amigas, longe de seus livros,
longe de tudo que considerava seguro. Por um lado,
precisava admitir, o peso da clausura havia saído de
seus ombros.

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Era libertador olhar para frente e imaginar o


que a vida lhe reservaria.
Por outro lado... Temia pela vida de suas
melhores amigas. Joan tão delicadinha e sensível,
não saberia defender-se de Guardiões. Faltar-lhe-ia
malícia para enganar e fugir. Ela seria pega
sumariamente. A Guardiã Zoé, era muito selvagem.
O que não faria com uma fada gentil e fisicamente
fraca?
E Alma? Como poderia se esconder por
muito tempo com aquela voz esguichada? Com o
nascimento de suas asas se aproximando esse
problema se acentuaria e ela nunca passaria
despercebida!
Eleonora era uma questão a parte. Ela era
acusada de assassinato. Sua pena seria a morte
sumária! Não haveria defesa. Nem apelação!
Tobias era fugitivo, mas seu nome não estava

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atrelado à morte do Rei. Era apenas acusado de


facilitar a fuga. E era tão protegido por seu pai
adotivo, pai do Primeiro Guardião, que nenhuma
pena seria aplicada contra ele!
Distraída com seus pensamentos, Driana
tropeçou em uma pedra no chão e precisou sentar
para retirar a bota e massagear o dedão ferido.
Uma sombra inesperada cobriu o sol e Driana
olhou para cima, para descobrir a causa da
intromissão:
— Onde estão os meus cavalos?
A voz potente não a assustou, mas
surpreendeu.
— Eu disse que sairia da Floresta. Não falei
que conseguiria trazer os cavalos – explicou como
se nada fosse nada.
— Levante, a caminhada até o vilarejo é

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longa — ele mandou irritadíssimo.


— Porque está aqui? Onde está Marcell e sua
família? — Perguntou, colocando a bota e correndo
em seu encalço.
— Pedi que me deixassem aqui. Com asas é
mais rápido chegar ao Vilarejo e eu sou muito
pesado.
Driana pensou em avisar que a armadura
também pesava, mas era o calcanhar de Aquiles de
Acheron, e ele parecia bastante irritado para ser
ainda mais provocado!
— Não me esperou por causa dos cavalos!
Eu jamais conseguiria fugir da Floresta dos Dois
Dias e ainda levá-los comigo!
— Eu lhe disse, mas parece que você
somente fala e não escuta. — Ele parou e encarou o
garoto que pulava a sua volta como um mosquito
irritante. — Não deixo ninguém para trás. Sou um
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Guardião.
— Está bem, mas isso o atrasa em sua busca
pela fada Joan! — Ela jogou verde, para saber se
ele prestava mesmo atenção à missão recebida ou
estava de gaiato nessa enrascada toda.
— Hum, ela deve estar em algum buraco e eu
a encontrarei. É questão de tempo.
— O nome da fada não é Joan — ela
reclamou. — Você ao menos sabe o nome da fada
que está perseguindo?
— Joan, Driana, Alma ou Eleonora. Tanto
faz o nome. Agora me deixe andar quieto. Odeio
andar a pé.
— Não quer saber como escapei? —
Perguntou-lhe, tão feliz em estar perto de Acheron
outra vez que seu coração salvava dentro do peito.
— Quero. Vai me contar se eu perguntar? —

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Ele jogou de volta.


— Não — ela sorriu ainda mais. — Um dia,
talvez eu conte.
— Neste dia eu lhe perguntarei. — Ele
também sorriu.
Esperava que um dia eles pudessem
conversar sobre tudo. Esse desejo foi tão forte que
a deixou muda por alguns instantes.
Acheron voltou por causa de um simples
ajudante. Ele não virava as costas para as pessoas.
Era um ser evoluído como poucos. Quando pensava
que ele era tolo e burro, na verdade desmerecia o
elfo por despertar-lhe tantos sentimentos.
Para quem se achava tão esperta...
Apaixonar-se pelo seu perseguidor, seria no
mínimo um paradoxo.
Mas pensar em paixão ou amor era um erro

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completo. Conhecia esse Guardião há quatro dias.


O amor não nasce tão rápido. E se contrariando a
lógica, ousasse nascer, era questão de tempo para
esvair-se em decepção e desaparecer.
Então, porque perder seu tempo pensando em
algo que era fadado ao fim?

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Capítulo 10 - Amigos inimigos

Driana devorou o prato de comida em


questão de minutos. Carne assada e legumes. Mas
poderia ser pedra e areia, mesmo assim devoraria
com a mesma voracidade. Acheron estava no
segundo prato quando ela terminou o seu. Marcell e
sua família o receberam como reis em sua humilde
pensão no Vilarejo Sem Fim.
Na verdade, a pensão e taverna pertenciam a
primeira esposa de Marcell, mãe da fada recém
desabrochada e de uma das fadas menores. Marcell
casara-se com a segunda fada e mudara-se.
Não era comum elfos escolherem duas fadas.

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Mas nesse caso, em particular, a razão era muito


simples. A primeira esposa desejava seguir casada
com outro elfo. E casamentos mágicos não podem
ser dissolvidos perante a lei.
Cada qual seguia casado, mas a distância,
para não tumultuar a vida do outro. Civilidade e
amor. Driana apreciava o modo de pensar daquela
família.
— Coma — disse a fada jovial, de asas novas
— coma mais um pouco, fui eu mesma quem fez
— ela empurrou mais pão em sua direção.
Acheron sorriu enquanto bebia vinho.
A fada paquerava seu ajudante. O rapaz
corava e não sabia como agir. Era esperado. A
idade faz isso com um rapaz.
— Obrigada — Driana pegou o pão e comeu
sem erguer os olhos.

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Mal podia esperar pela hora de ir embora.


Aquela fada a deixava constrangida e culpada.
Temia uma abordagem mais... Direta. Algo que
pudesse revelar seu disfarce.
— Despeça-se da fada — Acheron cochichou
achando muito divertido sua situação. — Quero ir a
um lugar antes de partirmos.
O Vilarejo Sem Fim era conhecido pela sua
mágica poderosa. Uma vez morador, estava
protegido. Mas as visitas... Era outra história.
Muitos relatos de visitantes que se perdiam e
nunca mais eram encontrados. Algo sobre a terra
engolir ou o céu desabar sobre as cabeças.
Para Driana era mais alguma crendice boba,
como acontecia com A Floresta dos Dois Dias.
Despediram-se da família de Marcell e
seguiram em busca de cavalos. Apenas um, pois
Acheron estava com seus recursos contados. Uma
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mentira bastante audaz, pois ela sabia que tinha


ouro escondido em seus bolsos. Avarento!
Mas um cavalo só os atrasaria, sendo assim,
era perfeito demais para que reclamasse!
— Está brincando comigo não é? — Driana
perguntou quando ele parou o cavalo recém
adquirido em frente a uma taverna. — Eu não
acredito nisso!
— O que foi? Uma boa noite de sono em
uma cama não lhe agrada? A mim agrada e muito.
Peça vinho e comida é por minha conta,
matusquela. — Acheron ria dele, e lhe deu um
peteleco camarada na cabeça.
Driana ferveu por dentro. Sua verdadeira
vontade era correr e jogar-se em suas costas
derrubando o gigante o chão e acertá-lo tantas
vezes quanto possível!
Sem ouro para cavalos? Mas com ouro para
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pagar por...? Engolindo essa desfeita, remoendo se


ele escolheria mais fadas gordas, seguiu em seu
encalço.
Como era de esperar, a primeira fada
recheada de carnes que encontrou, foi a primeira
que ele atacou em apertos, risos e vinho.
Começava a escurecer e a noite dos elfos era
animada nas tavernas.
De um canto, na penumbra, Driana
observava calada e ofendida. A fada era loura,
cabelos crespos e nada ajeitados. Uma pinta na
bochecha era seu maior charme, juntamente com as
covinhas que surgiam cada vez que o elfo a fazia rir
com suas piadas sujas sussurradas ao pé do ouvido.
Driana reparou nos braços da fada, onde
pelos louros estavam eriçados, e soube que o
encanto que o Guardião vinha lhe despertando
como fêmea não era exclusividade sua. Era isso que
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acontecia com as fadas que cruzavam seu caminho.


Acheron podia ser lento ou burro, mas
também era um dos melhores exemplares de macho
alfa de todo reino e pelo visto era conhecido entre
as fadas de tavernas.
Ele disse algo no ouvido da fada que jogou a
cabeça para trás e aprumou as asas, que balançaram
agitadas em suas costas. Asas amarelas, curtas e
redondas.
A fada olhou pelo salão até avistar o menino
Jô. Então riu e acenou concordando com algo que
Acheron dizia. Driana detestou com todas as suas
forças ser alvo da conversa dos dois!
Alguém de maior sensibilidade mágica, um
mago talvez, poderia visualizar a aura negra em
torno de Driana, desde que fora obrigada a assistir
o ritual nada discreto de acasalamento entre
Acheron e sua acompanhante!
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A fada se afastou, gingando seu gigantesco


quadril e suas dobras excessivas em torno de toda a
cintura, indo se juntar a um grupo de outras fadas
que esperavam clientes na taverna.
Quando regressou para a mesa onde Acheron
bebia calmamente seu elixir proibido, trazia uma
fada pequena e sorridente pela mão.
Driana achou que fosse vomitar. Acheron
queria duas fadas? Duas? Não bastava uma? Era
necessário duas?
Sua indignação esmoreceu quando assistiu o
Guardião levantar e andar em sua direção levando
as duas fadas.
— Vamos subir. — Ele disse-lhe com tom de
diversão — tome, é um presente por ter sido
esperto o bastante para nos livrar da Floresta dos
Dois Dias. Não desperdice meu dinheiro e não me
faça passar vergonha. — Avisou e a fada sorridente
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ficou diante de Driana.


Por um segundo não compreendeu o que era
o seu presente. Então o entendimento penetrou em
sua mente e ela sentiu o horror tomar conta de si.
Sabia que não adiantava negar. Seria ainda
mais estranho, por isso pegou a garrafa de barro
que continha elixir proibido e seguiu pelas escadas
logo atrás do casal.
O quarto escolhido para a diversão de
Acheron era no fim do corredor. Ele não ficou para
ver se o garoto entraria com sua companhia ou não.
A fada que seguia Driana entrou e a puxou pela
mão.
— Eu peguei para você — Driana disse com
sua melhor expressão de rapaz.
Lisonjeada a fada pegou a garrafa e começou
a beber.

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Driana ouviu o som de risos e quando olhou


para um dos lados descobriu que os quartos eram
divididos por apenas uma cortina. Provavelmente
no passado era apenas um grande quarto.
Sem conseguir afastar os olhos da cortina,
aguçando os ouvidos para ouvir o que diziam do
outro lado do tecido, Driana seguiu incentivando a
fada que a acompanhava a beber mais e mais.
O elixir era uma bebida poderosa para quem
não possuísse grande hábito com a bebida ou era
fraco para as ervas que continha na fórmula. Dez
minutos mais tarde a fada enrolava a língua e se
deitava na cama. Precavida, Driana aproximou-se e
girou-a, retirando sua túnica e a cobrindo com o
lençol.
Que pensasse ter correspondido ao preço
pago! No quarto ao lado, o riso e as piadas picantes
havia cedido lugar aos gritos e gemidos. Driana

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estava sentada na beira da cama, tensa, imóvel,


lábios cerrados, ouvindo tudo calada, tendo que
aceitar placidamente o que acontecia.
Em determinado momento o grito da fada foi
tão alto e visceral que Driana precisou ver o que
acontecia. Cuidadosa para não ser vista,
aproximou-se da cortina e puxou um pedaço do
tecido para o lado.
A cama estava ocupada pela metade. A fada
não havia chegado a deitar na cama. No entanto,
parecia ter tentado.
De lado, a fada gritava enquanto suas mãos
agarravam qualquer punhado de pele do Guardião
que pudesse alcançar. Ele a jogou de tal modo que
a fada soltou-o em busca de achar apoio na cama,
enquanto seu quadril era erguido de um modo
extremamente selvagem.
Ela mordeu o lençol, enquanto sua mão
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agarrava o mesmo, e tinha os olhos fechados, boca


entreaberta, e toda a face contorcida em prazer.
Seus seios fartos saltavam para todos os lados, sua
barriga também. As coxas largas e roliças
acomodavam pouco do elfo, pois ele era duas vezes
maior e mais alto que ela.
Driana sentiu o sangue correr mais rápido
observando a mão enorme agarrar o seio da fada e
amassar a carne com aqueles dedos longos e
pesados.
Finalmente, tomou coragem e olhou para ele.
Acheron havia retirado a túnica e baixado a calça,
no mais continuava vestido. Seus cabelos estavam
bagunçados, mas isso não era novidade. Sua
expressão era selvagem.
Uma fera sanguinária dominando sua caça.
Olhos abertos. Testa franzida. Sobrancelhas juntas.
Seu nariz enrugado a cada pesada fungada em

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busca de ar. Suor lavando a pele, molhando as


costeletas e os cabelos que grudavam em seus
ombros, braços e peito.
E que ombros, braços e peito! Ele era todo
bronzeado, músculos travados, saltados, cobertos
por veias e relevos. Os muitos pelos louros
distribuídos por seu peito e braços estavam
eriçados. Seu peitoral tenso. Mamilos masculinos
duros.
Quadris estreitos e tencionados, nádegas
coordenadas em movimentos tão rápidos quanto
agressivos.
No instante em que seus olhos teriam a
grande revelação sobre o encaixe entre elfo e fada,
Acheron achou por bem mudar a posição e a fada
foi puxada para si. Sentada, ela enlaçou as pernas
em seu quadril, e Driana não soube o que de fato
acontecia no encaixe entre eles. A fada gritava

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tanto que por um instante ela se perguntou se


estaria doendo.
Quando os gritos por mais começaram e
Acheron devorou a boca da fêmea, Driana soltou o
tecido e virou-se de costas.
Como se o simples ato de repudiar a imagem
pudesse impedi-los de continuar. Com um
sentimento estranho no coração, Driana arrancou a
touca da cabeça e arrastou os pés em direção a
cama. Sentou-se outra vez na pontinha do colchão
de penas, para não encostar-se à fada adormecida e
bêbada, e tampou os ouvidos. Não queria ouvir!
Mesmo assim, o som chegou aos seus
tímpanos e principalmente ao seu cérebro. O quase
rugido do elfo ao alcançar o ápice do ato à fez
tremer de raiva, ciúme e desejo. Sangue corria tão
rápido em suas veias que desejou poder bater suas
asas e voar para longe e nunca mais em sua vida

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olhar para a face daquele elfo desavergonhado!


Mas suas asas não haviam nascido e ela não
poderia fazer nada além de fingir ter passado uma
noite de prazer nos braço de uma fada de taverna.
O que ela esperava? Acheron sequer
suspeitava que fosse uma fada! Como poderia estar
ressentida disso?
Certos sentimentos não possuem lógica. A
posse, a obsessão, o ciúme. O silêncio do outro
lado da cortina foi total. Minutos depois ouviu som
de passos e movimentos.
Aquele selvagem deveria estar inquieto outra
vez. Sua mente privilegiada pode refazer seus
passos apenas seguindo as dicas dadas pelos sons.
Andou pelo quarto. Pegou a garrafa de elixir
proibido. Bebeu alguns goles. Voltou para a cama.
Deitou-se e tentou relaxar.

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Ao contrário de Driana, o Guardião


adormeceu e não acordou pelo restante da noite, em
um sono tranquilo de quem vive pela justiça e não
carrega culpas.
Driana por sua vez passou a noite
amedrontada de que a fada acordasse e descobrisse
a mentira, e indignada por ter presenciado Acheron
nos braços de outra fêmea.
Com ódio de tudo e todos deitou na cama, de
costas para a outra fada, e tentou em vão dormir.

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Capítulo 11 – Jeitosinha

Driana não conseguia relaxar. Estava


seguindo a pé atrás do Guardião Acheron. Seu
cavalo havia sido perdido na Floresta dos Dois
Dias. Agora seguia a pé atrás de seu amo, enquanto
o Guardião seguia em seu cavalo.
Guardião, ela pensou irônica. Se aquele não
era o elfo mais burro que encontrara na vida, estava
entre os três primeiros. Como era possível uma
carcaça tão perfeita conter tão pouco conteúdo?
Acheron era valente e bom com armas. Seus
olhos mal podiam crer em tanta vitalidade ao lutar e
vencer os adversários, como acontecera no dia

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anterior quando foram atacados ainda na Floresta


dos Dois Dias.
Pena que sem a espada nas mãos, Acheron
era apenas um elfo grandalhão. Entediada, ela
fincou os olhos nas costas reluzentes de suor. O
maldito elfo insistia em deixar a armadura
dependurada no lombo do cavalo enquanto seguia
sob o sol, sem camisa.
Não que isso a perturbasse... Mas Driana
sentia a aproximação do nascimento das asas e sua
libido estava começando a ser subjugada por sua
porção fêmea. Seu dom estava consideravelmente
mais afiado, o que a fazia crer que seu momento se
aproximava. Em breve nem mesmo a burrice
latejante de Acheron conseguiria ignorar que era
uma fêmea e não um elfo de aparência estranha e
feminina, que o seguia e ajudava naqueles longos
dias de caçada.

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— Tem certeza que a fada foi por aqui,


Acheron? — Driana gritou lá de trás, para que o
brutamontes a ouvisse.
Estava de mau humor desde a noite passada e
a culpa era somente dele!
— Sim — ele respondeu, com um rápido
olhar em sua direção.
O sol corou o bronzeado de sua pele, os
cabelos louros longos e dourados. Ela quase
esqueceu o que pensava.
Olhos claros, rosto quadrado, criado para
personificar o perfeito macho. Sua mente crítica
sabia que elfos assim existiam, assim como fadas
perfeitas também existiam, e era apenas um ideal
de beleza sensualidade, não algo real e valioso.
Mesmo assim, lutou para se concentrar em
seus próprios pensamentos enquanto ignorava um
pingo de suor que descia do pescoço másculo e
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rolava sobre a carne suculenta do peito, cruzando


sobre o mamilo masculino, escondendo-se entre os
gomos de seu abdômen, finalmente se perdendo no
cós da calça justa, moldada pelo cinturão de couro
onde pendia a espada.
— Tem absoluta certeza que confiar na
indicação de uma fada de taverna é algo inteligente
de fazer? — Insistiu.
Acheron havia perdido algumas horas na
taverna e saíra de lá com novidades sobre o
paradeiro da fada desaparecida, ou seja, ela mesma.
— Viram uma fada fugindo para esses lados
— ele alegou puxando as rédeas do cavalo, girando
para retomar o caminho de trás, vindo atrás de
Driana, pois sentia que seu ajudante, o pequeno
elfo que se nomeara Jô, tinha ideias sobre o
paradeiro da fada.
— E poderia ser qualquer fada — disse
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ignorando sua presença no alto do cavalo. — Pelo


que ouvi dizer... A fada Driana é inteligentíssima.
Capaz das maiores artimanhas e planos audazes —
enalteceu a si mesma — porque ela seguiria a pé e
correndo para que todos vissem? E porque vir tão
longe para uma Floresta tão perigosa se as suas asas
estão para nascer?
— As asas estão para nascer? Como sabe
disso? — Ele perguntou curioso, tentando lembrar-
se de quando essa informação havia sido passada
para eles.
— Eu imagino que sim. Ela tem quase vinte
anos, não tem? — Driana corrigiu-se rapidamente.
— Sim, isso é verdade, a idade de uma fada
da clausura nunca é exata, mas as carcereiras
estimam que esteja aproximando-se dos vinte anos
— Acheron logo esqueceu a questão.
Nessas horas Driana perguntava-se
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sinceramente se o Guardião era lento, burro ou


crédulo. Qualquer uma das hipóteses era
inaceitável!
— O que eu digo é que parece menos
provável que uma fada sozinha seguisse para Saul.
— Eu acredito na informação que recebi,
garoto. A fada é de confiança, mesmo que ganhe a
vida em uma taverna — ele sorriu sonhador e
Driana fechou os olhos contando até dez para
conter uma resposta amarga.
É claro que era de confiança. Aquele monte
de músculos era capaz de confundir prestação de
serviço com amizade!
— Eu apenas acho tolice seguir para Saul —
insistiu.
— É mesmo? E é por isso eu sou o Guardião
e você é um ajudante? Eu tomo as decisões, garoto.
Coloque-se em seu lugar. — Ele se irritou.
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Sim, mais de uma vez Acheron se irritava


mortalmente ferido em seu orgulho pelo rapazola
que apenas erguia uma sobrancelha de descaso em
sua direção e deixava claro que o Guardião era um
imbecil de pensamento lento, enquanto ele era
sagaz e capaz de encontrar uma agulha no palheiro.
Se bem que quando ouviu o rapaz, eles
seguiam uma trilha bem melhor e não haviam
perdido tempo em trajetos errôneos.
Orgulhoso, decidido a não dar o braço a
torcer, Acheron acelerou o trote do cavalo e seguiu
a frente, deixando Driana revoltava atrás de si.
Carregando sua trouxa de pertences nas
costas, Driana andou atrás do Guardião que deveria
encontrá-la e levá-la para julgamento.
Ao menos o tolo seguia para o caminho
errado, pensou sorrindo. Cada vez mais longe. Se
houvesse um bendito caminho errado para seguir,
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Acheron encontraria e seguiria por ele, todo


contente e orgulhoso de seu feito!
Esse era Acheron, capaz de fazê-la sorrir
mesmo quando a preocupação e o medo deveriam
dominar seus dias, e a fazia pensar onde estaria
suas amigas e como estariam.
Indignada pela noite passada e sonolenta,
pois a noite fora passada em claro remoendo seus
ciúmes, Driana esperava descobrir um pouco mais
sobre Acheron:
— Porque as gordas? — Gritou lá de trás,
onde o sol castigava seu corpo franzino. Andar no
calor era demais para quem não era acostumada ao
trabalho pesado.
Não era tola e notara que Acheron aliviara
seu fardo, levando junto a si no cavalo a armadura e
parte dos pertences. Mesmo assim, seu corpo
reclamava de tanto esforço.
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Ele virou a cabeça para trás, olhando-a como


se estivesse louca.
— Eu pensei que alguma diversão fosse
aliviar seu mau humor, criatura. Porque não é capaz
de sorrir e falar bobagens como qualquer outro
elfo? — Ele perguntou mais em um desabafo do
que qualquer outra coisa.
— Estou perguntando uma futilidade. Isso é
um comentário amável e bobo. Não é?
Ignorando sua ironia, Acheron retomou o
olhar sobre o caminho que seguiam, mas não parou
de falar:
— Escolhi uma fada jeitosinha para lhe fazer
companhia, Jô. Acaso não o agradou? —
Perguntou-lhe
Driana revirou os olhos de raiva.
— Escolheu a fada mais barata da taverna!

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— Acusou-o, ressentida.
— Claro que sim — ele sorria. É claro que
ria dela! — Escolhi a mais jovem e inexperiente.
Acredite garoto, você não saberia o que fazer com
uma fêmea experiente. Lhe fiz um favor. Além
disso, não desperdiço meu ouro oferecendo pérolas
a porcos.
Um riso irônico, e Driana respondeu:
— Parece que prefere as porcas. Deita-se
com todas as fadas gordas que encontra no
caminho?
Não era comum em Driana julgar as pessoas
pela aparência. Era o ciúme gritando palavras
amargas por sua boca. O veneno em sua voz
intrigou Acheron. Ele diminuiu o trote do cavalo e
fitou seu ajudante:
— Não fale assim de uma fada. A fêmea tem
o direito de ter a forma que desejar. E cabe ao
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macho respeitar.
— Quanta tolice — ela deu de ombros.
— É um garoto ainda, não entende nada de
sexo. Mas é bom que vá aprendendo. As fêmeas
possuem o encanto que nos falta. Um elfo não é
nada sem uma fada. Não importa o que lhe
ensinaram sobre rinchas entre fêmeas e machos. A
fada é bonita de qualquer modo. Seu cheiro, suas
formas... Veja beleza em uma fada e ela fará sua
vida mais bonita. — Havia algo sonhador em sua
face.
— Gordas, Acheron, porque apenas as
gordas?
Sua pergunta saiu entre dentes. Precisava
dessa resposta. Era magrinha e quase sem formas.
Precisava saber que maldita razão o fazia desejar
apenas as fadas recheadas de carnes, quando ela
própria não era uma delas!
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— Em meu povo, na sua maioria, as


mulheres são mais altas e largas. Não gordas — ele
explicou, dividindo esse segredo. — Por aqui não é
fácil encontrar fêmeas com essas características.
Então... Eu prefiro as mais recheadas. Algum
problema nisso?
— Os elfos de sua raça somente conseguem
copular com fadas grandes? — Perguntou assustada
com essa possibilidade.
— Copular? Que tipo de linguajar é esse? —
Ele desdenhou, maneando a cabeça. — Fala de um
modo muito complicado para um elfo. Precisa
aprender a agir e não somente falar, garoto. Eu
prefiro uma fada larga.
— Mas é anatomicamente diferente dos
outros elfos? É isso? Precisa ser uma fada grande...
Em tudo? — Ela insistiu, obcecada com o assunto,
as raias da obsessão.

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— Não sou diferente de outros elfos! — Ele


disse parando o cavalo, encarando-o — Nunca
repita isso! Quer acabar com minha boa fama!?
— Boa fama? Acha que ninguém jamais
pensou tal coisa? Parece no mínimo estranho.
Talvez sua raça possua alguma deformidade... —
Alfinetou.
— Ou sua cabeça é cheia de minhocas e em
vez de pensar em fadas, pensa demais em elfos —
ele retribuiu a ofensa.
Não deixava de ser uma verdade, pensou
Driana. Seu erguer de sobrancelha foi tão óbvio e
irritante que Acheron precisou regressar o trajeto
para não apear do cavalo, retirar o cinto e lanhar o
traseiro do elfo impertinente até aprender a
obedecê-lo e respeitá-lo.
— De qualquer modo, você deveria pensar
duas vezes antes de seguir pistas de uma fada que
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aceitou seu ouro. E mesmo que falasse a verdade...


Poderia ser qualquer fugitiva. Boatos são sempre
boatos. Um quarto de verdade e três quartos de
invenção.
Acheron não respondeu nada. O que dizer?
Que preferia estar errado para ganhar tempo? Seria
perfeito se voltasse para o castelo com a fada
errada. Não era conhecido por sua inteligência, sim
pela força. Seu engano seria rapidamente perdoado
e outro Guardião nomeado.
Em algumas semanas as piadas a cerca do
seu engano acabariam e ele seria um Guardião livre
daquela tarefa ingrata. Isso se ele conseguisse calar
a boca do ajudante que insistia em colocá-lo na
trilha certa para alcançar a fada fugitiva!
Incapaz de desistir de sanar uma dúvida,
Driana correu até estar ao lado do cavalo e
perguntou:

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— Acha que uma fada comum não gostaria


de se deitar com você? Por isso prefere as...
Recheadas? — Repetiu a estúpida palavra que
Acheron usara para definir o biótipo das fadas de
sua escolha.
— Sou plenamente capaz de satisfazer uma
fada. Agora cale a boca ou vou desconfiar desse
interesse todo — ele avisou com um olhar mortal
em sua direção.
Acertara em um ponto delicado. Acheron
tinha problemas com fadas menores. Era claro
como o dia! Então era isso, o grande Guardião
Acheron preferia as gordinhas, pois elas o
preferiam!
Um alívio. Sempre há uma esperança, nesses
casos, a solução pode ser encontrada. Agora para
gostos pessoais...
— Eu gosto de fadas mais cheias de curvas
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— ele cortou o fluxo dos seus pensamentos. — Eu


gosto de verdade. Agrada-me ver e tocar. É só isso.
Pare de pensar nisso e criar teorias a meu respeito,
Jô. Não tem nada além de gosto na minha escolha.
Decepcionada, Driana acenou e baixou a
cabeça.
— De qualquer modo, eu não iria para Saul,
se pudesse escolher. Preciso protestar contra essa
decisão! — Avisou. — Dizem que a Floresta de
Saul é realmente perigosa. E eu não duvido disso.
— Mesmo? Porque não? Não conseguiu
provar que a mágica da Floresta dos Dois Dias é
fajuta? Porque não tenta provar o mesmo sobre
Saul? — Ele desafiou-a.
— Porque é de conhecimento geral que em
Saul vivem os piores tipos de criatura. Não é
magia, Acheron. É caráter.
— Teme o caráter alheio? — Ele perguntou
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direto, sem rodeios.


— Às vezes sim — admitiu. — As coisas
que uma pessoa pode fazer por poder me assusta.
— Admitiu.
— Acredita mesmo que a Rainha Santha
causou tudo isso? Que ela é a assassina?
Surpresa por Acheron se lembrar de suas
palavras, Driana, em seu papel de elfo Jô,
concordou:
— Acha que a Rainha é alguém valoroso?
Você que tanto já viu do mundo, que conheceu o
pior tipo de criatura, e suponho eu, também o
melhor tipo? O que você pensa do Rei Isac e de sua
Rainha?
— Rei Isac sempre foi justo, embora não
aprovasse todas as suas decisões e leis. — Ele
admitiu. — Rainha Santha sempre foi arrogante.
Tive pouco contato com ela. Mas sei de alguns
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Guardiões com quem ela foi um pouco mais...


Próxima. — Disse com malícia.
— Eu não acredito nisso. Ela já tem um
amante. Lucius — deixou escapar.
— Como sabe de tantos detalhes a cerca da
Rainha? — Acheron desconfiou.
— Baltazar, o duende a quem servia... Ele
era muito bem relacionado na Vila das Fadas, e eu
ouvia suas conversas secretas — mentiu,
pigarreando para disfarçar.
Sorte sua que Acheron não primasse pela
esperteza imediata. Ou apenas... O Guardião tendia
a acreditar nas pessoas. Maneando a cabeça,
afastou a culpa e seguiu falando:
— Acha que Santha seria capaz de um crime
contra seu Rei?
— Eu acho que sim. Mas o que eu acho não

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importa.
Um pouco de amargor na voz elfo Guardião
a alertou para o perigo de insistir na conversa. Seria
tolice esperar que abrisse mão de sua honra e
dedicação ao seu rei em nome de uma história tão
inacreditável quando era a situação do nascimento
de sua amiga Eleonora.
Desta vez, Driana calou-se e não voltou a
falar até chegarem a divisa entre o Vilarejo Sem
Fim, e a margem do Rio Branco.
Aquela era a melhor região para a travessia.
Um trilho de pedras se erguia acima das águas
violentas, tornando metade do percurso acessível
sem que fosse necessário mergulhar e nadar.
Acheron preparou o cavalo e desgostosa,
Driana seguiu-o.
Era um caminho estreito e ela seguiu logo
atrás do cavalo. Acheron ia à frente, conduzindo o
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animal.
Driana invejou a agilidade de elfo e do
animal. Eles sabiam onde pisar e como se
equilibrarem. Talvez fosse natural para seres
movidos pelo corpo e pela natureza. Pois ela,
movida pelos pensamentos, mal conseguia manter-
se de pé sobre as pedras escorregadias.
Em determinado momento escorregou e um
dos pés entalou em uma fenda.
A armadura que levava dentro do saco de
couro balançou perigosamente em seu ombro e ela
guinchou de medo de cair. Seu medo de perder a
armadura era tamanho, que se agarrou ao saco
como se sua vida dependesse disso.
Longe dela enfrentar a ira de Acheron por
perder sua armadura!
— Você está bem? — Ele gritou com a voz
bem mais alta que o barulho da água.
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— Estou! — Mentiu, puxando o pé e rezando


para conseguir se soltar.
Como por milagre seu pé soltou e ela se
ergueu. Olhou para trás e engoliu o medo. A água
batia com força contra as pedras e sentia toda a
frágil estrutura balançando. Quanto mais no centro
do rio, maior o impacto.
Implorando para que nada acontecesse,
avistou Acheron pular na água e ajudar o cavalo a
fazer o mesmo. Ficou paralisada ao descobrir que o
trilho de pedras chegava ao fim exatamente onde as
águas se tornavam mais violentas.
Como foi que ela não viu isso antes de
começar a andar?
Estava louca? Apavorada ficou imóvel,
vendo o Guardião vencer a correnteza com muita
facilidade. O cavalo chegou à margem oposta e
Acheron pareceu comemorar o fato. Até perceber
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que seu ajudante não estava na margem do rio junto


dele.
Mesmo naquela distância foi impossível
ignorar que o garoto estava em pânico.
— Deixe a armadura e venha! — Ele gritou.
— Não! — Driana negou de volta.
Ela dava conta, disse a si mesma. É claro que
dava conta. O medo é uma voz insana insistindo em
nos convencer que o inimigo existe e é voraz. Mas
ela sabia com sua mente sã que o inimigo lhe era
indiferente e se vencesse a força bruta das águas,
tudo ficaria bem.
Racionalmente falando, era fácil.
— Venha de uma vez, Jô! É só pular na
água! — Ele mandou.
— Eu sei! Eu já vou! — Ela gritou de volta,
impaciente.

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Equilibrou a armadura no ombro e o novo


grito de Acheron quase a desconcertou:
— Largue essa maldita armadura e pule na
água antes que eu tenha que buscá-lo também!
Essa possibilidade causou-lhe arrepios. Sim,
tinha um medo maior de deixá-lo furioso do que de
pular na água.
Será que era hora de dizer a Acheron que não
sabia nadar?
— O que está esperando? — Ele gritou outra
vez e Driana se debateu sobre as pedras, gritando
de volta:
— Estou indo! Estou indo! Mas que droga!
— Apavorada, largou o saco com a armadura sobre
as pedras, pois de modo algum conseguiria carregar
tanto peso e ainda vencer as águas.
Nunca antes havia nadado em rio. Jamais.

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Mas sabia como fazer. Várias vezes ela presenciou


Joan e Eleonora nadando em lagos e rios, quando
fugiam do Ministério do Rei e passavam as tardes
escondidas, aproveitando o pouco de liberdade que
conseguiam.
Eram movimentos sequenciados e
repetitivos. Qualquer um conseguiria.
Convencida disso sufocou o medo e pulou.
Seu peso foi jogado para baixo. Água entrou
em todos os orifícios descobertos do seu corpo e
descobriu que não conseguia respirar, gritar ou
emergir.
Debateu-se desesperada na ânsia de escapar,
mas a única coisa que conseguiu foi afundar cada
vez mais. Abriu os olhos sob as águas e tentou
segurar em alguma pedra, na tentativa de ter
segurança e subir, mas conseguiu apenas escorregar
ainda mais.
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De longe, Acheron assistiu o garoto pular na


água e desaparecer. Então, seus braços se
debatendo na água.
Não houve tempo para pensar antes que se
jogasse nas águas e nadasse em sua direção. Não
era um exímio nadador em águas mornas, mas sua
força física era grande vantagem contra a força das
águas.
Driana estava a segundos de perder a
consciência quando um braço cingiu sua cintura e a
arrastou para cima. Não tinha a menor ideia do
quão próxima ao desfalecimento chegara.
Puxou o ar com força e tossiu sem parar.
Água ainda jorrava sobre sua face, principalmente
enquanto Acheron a arrastava consigo para a
margem.
Tudo aconteceu em segundos, talvez
minutos, no entanto, parecia ter passado horas.
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Quando Acheron deitou-a na grama verde, Driana


virou de lado tossindo por tudo que valia. Cuspiu
muita água e seguiu tossindo por algum tempo.
De joelhos ao seu lado Acheron afastou a
túnica que cobria sua barriga e estava a um passo
de subi-la por seu torço para livrá-lo do peso
excessivo da água para que respirasse melhor,
quando Driana lembrou-se que era Jô e que não
poderia ser vista nua.
— Estou bem! — Ela fugiu do contato,
encolhendo-se em uma bola, abraçando os joelhos.
— Estou bem...
— Não sabe nadar? Eu não creio que tenha
pulado se não sabe nadar! — Brigou, incrédulo por
isso ter acontecido.
— Obedeci as suas ordens! Eu pulei porque
você mandou! — Defendeu-se pateticamente.
— Se eu soubesse que não sabe nadar, nunca
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teria pedido que pulasse! Garoto estúpido. —


Lembrou-se de algo e olhou para o rio — Veja,
minha armadura ficou para trás. Eu juro, vou lhe
deixar na primeira vila que encontrar. Pra mim
chega. Chega de conversas que não tem fim! Cheda
do seu mau humor inesgotável e das suas
cobranças! Vou me livrar de você, garoto. Pode
esperar!
Driana observou-o levantar, pegar as rédeas
do cavalo, amarrando-o a um tronco de árvore. Seu
andar era cansado, todo molhado. Sua cabeleira
grudada no corpo, arfando pelo esforço demasiado
de lutar contra a correnteza levando o cavalo pelas
rédeas e depois, regressar para salvar o garoto que
se afogava.
Era fácil entender sua explosão de raiva. A
própria Driana não estava muito satisfeita com a
própria fraqueza e estupidez de achar que escaparia

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de uma situação dessas apenas sabendo analisar o


passo a passo da natação!
Típico dela, achar que sabia demais.
Acheron fixou o olhar no saco sobre as
pedras, onde a armadura estava guardada. De
costas, Acheron exigiu a presença e retorno da
armadura. Como era de esperar, sem a necessidade
da luta, foi recusado seu pedido.
Driana observou-o respirar fundo várias
vezes antes de tomar a iniciativa de nadar outra
vez. Agora sim, Acheron ficaria realmente furioso
com ela!
Mais calma, sentou-se na grama e observou-o
chegar perto das pedras, pegando o saco de couro
com facilidade. Ele nadava com a mesma perícia
com que lutava. Era um homem de carne e ossos.
Ela era feita de pensamentos e razão.
Acheron era feito para a vida. Ela para os
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sonhos. Dois mundos opostos e separados por


realidade e fantasia.
Entristecida consigo, sentiu as lágrimas
correrem dos olhos. Não queria chorar, mas sentia-
se uma inútil. Suas amigas estavam perdidas
precisando de ajuda, tentando sobreviver e ela
estava ali, sem serventia além de irritar um bom
elfo que apenas tentava cumprir sua missão, tendo
que lidar com seus sentimentos, obrigações e ainda
cuidar de um rapaz desmiolado que causava mais
problemas do que solução.
Usando o braço, secou as lágrimas da face e
fungou, engolindo o choro. Seu excesso de
conversa incomodava Acheron. Era uma chata que
causava tédio e indignação em alguém tão bom
como o Segundo Guardião.
Faltou sensibilidade para Acheron notar que
seu ajudante chorava por culpa e menosprezo.

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Furioso por ter todo aquele trabalho, jogou a


armadura no chão e retirou as calças e as botas para
que secassem no sol. Não olhou na sua direção.
Não falou com ela.
Simplesmente ignorou sua existência
medíocre.
E era assim que Driana sentia-se: medíocre.

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Capítulo 12 - Pensamentos e confusões

Acheron não era do tipo de pessoa que


guarda profundas mágoas. Mesmo assim nos três
dias seguintes pouco falou com seu ajudante.
Estava irritado com o comportamento estranho e
omisso do rapaz, e quanto mais simpatia nutria por
ele, menos suportava suas atitudes.
Se por um lado era maduro e coeso, capaz de
escapar da Floresta dos Dois Dias com maestria,
por outro era tolo e inconsequente a ponto de saltar
em um rio violento sem saber nadar.
A grande verdade, Acheron nunca foi muito
civilizado a cerca de sentimentos. Sempre foi

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passional. Sentiu medo de perder a amizade do


rapaz Jô e isso o deixava furioso, pois não
pretendia se apegar a ninguém.
Jô se mantinha calado e pouco chamava
atenção sobre si. Em algumas horas parecia triste
por ter desagradado seu senhor, em outras, parecia
resignado por não ter sua confiança. E em outros,
como agora, parecia apenas amedrontado demais
para tentar uma abordagem.
Que fosse desse modo, pensava Acheron.
Três dias de sossego e silêncio eram muito melhor
do que exagero de palavras e uma voz cansativa
martelando em sua mente teorias que um Guardião
não poderia ousar acreditar.
Acampamentos na Floresta muito agradavam
Acheron. Gostava do contato com a natureza e se
pudesse escolher, viveria no mato e não preso nas
imediações do castelo. No entanto, ser um

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Guardião lhe atribuía obrigações. Os treinamentos


constantes, ensinar outros elfos mais jovens para
quem sabe, no futuro serem substituídos por elfos
de maior força e esperteza. Cuidar, zelar pelo Rei e
suas leis.
Ou neste caso, pela Rainha. Não era possível
virar as costas e viver no mato. Por isso, no fundo,
apreciava esses dias diferentes. Dias de respirar ar
puro e ver a vida em sua plena glória.
Um pequeno sorriso na face de Acheron
alertou sobre seus pensamentos. Ele achava graça
de pensar que em quanto para ele acampar na
Floresta era um momento de reclusão emocional e
de expansão dos sentidos, para o rapazola Jô era
um momento de puro sofrimento.
O rapaz penava para exercer as mais simples
atividades. Esforçado, não deixava de executá-las,
mas fazia tudo com uma expressão de tanto

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sofrimento que lhe dava pena.


Como agora. Sentado na relva, sob a sombra
de uma árvore, Jô tinha abraçado os joelhos e
deitado a cabeça coberta por aquela estúpida touca
de duende sobre os braços. Impossível dizer se
estava cochilando ou chorando. Talvez, respirando
aliviado pelo trabalho pesado ter minguado.
Acheron fez proposital barulho para chamar
sua atenção. O garoto ergueu a cabeça e o olhar
magoado em sua direção:
— Encontrou alguma coisa? — Driana
perguntou a voz um pouco hesitante.
Não queria enfurecê-lo outra vez.
— Sim, achei o rastro da fada fugitiva —
disse satisfeito.
— É mesmo? Pensei que a fada estivesse
longe. — Admitiu.

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Pela completa ausência de pistas, sendo


Acheron um exímio caçador de animais, supôs que
estivessem no caminho errado para encontrar a
suposta fada fugitiva.
— A fada escondeu-se em uma caverna. É
bastante longe daqui. Conseguiu camuflar seu
cheiro. Mas eu a farejei. Está relaxada, acha que
ninguém a encontrará em seu esconderijo perfeito.
Duvido que note minha aproximação. Irei a noite.
Ela não terá como fugir. Prepare um bom jantar, Jô,
pois preciso de todas as minhas forças.
— Por causa de uma única fada? — Ela
ironizou, levantando para cumprir suas ordens.
Estava abatida por ter causado
aborrecimentos para Acheron. Era sem serventia e
capacidade de salvar a si mesma. Isso a deixava
muito magoada.
— Não. Infelizmente farejei o cheiro de
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elfos. Estão próximos.


— Mais luta? Não é possível ter paz nessa
vida? — Ela resmungou, mexendo na panela e na
cumbuca que usava para misturar farinha, água e
outros ingredientes que resultariam em um almoço.
— Desta vez não é uma luta. Reconheci o
cheiro. São conhecidos de longa data — ele esticou
o corpo na grama, aproveitando o pouco de paz que
ainda lhe restava.
— Mas não são amigos — deduziu pelo seu
modo de falar.
— São caçadores de recompensa. São seus
amigos dependendo de que lado você está. — Ele
sorriu.
Aquele sorriso arrastado que encantava seus
olhos. Um sorriso cheio de satisfação.
— Pobre fada — ela disse pensando em si

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mesma.
Só de pensar em cruzar com caçadores de
recompensa, ficava apavorada. Seria impossível
enganar elfos acostumados a caçar fugitivos.
Melhor manter-se longe deles e se possível afastar
Acheron da fada.
— Pobre mesmo — ele respondeu com
simpatia. — Nenhuma criatura merece ser caçado
quando está com a razão.
Driana quase derrubou as coisas que
carregava. Se não o fez foi por pouco.
— Quer dizer que acredita na inocência da
fada Driana? — Seu coração saltou em seu peito.
Por um segundo pensou em se ajoelhar e
agradecer aos céus por essa bênção. Contar tudo
para Acheron e pedir sua ajuda. Ele era tão justo,
honesto e forte. Poderia socorrê-la nesse momento.
E ela precisava tanto de socorro. Precisava tanto de
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alguém para segurá-la e ajudá-la. Nunca antes em


sua vida se importou em ser sozinha, pois havia
suas amigas para ampará-la e fazê-la forte.
Mas agora... Estava tão solitária, assustada e
Acheron era uma rocha ao seu lado.
— Acredito que ninguém mereça ser
aprisionado. Eu fui culpado pelas mortes que causei
e ela é culpada pela morte que causou. Mas isso
não faz de nenhum de nós assassinos cruéis. A vida
nos levou a isso.
— Você não pensa em deixá-la livre? Não
interferir? — Sugeriu, sentindo parte da esperança
minguar.
— Não posso. Sou um Guardião. Tenho
minhas responsabilidades. Se eu abandonar uma
missão terei que partir e recomeçar minha vida
outra vez.
Driana não estava pronta para uma admissão
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dessa natureza. Não deveria lhe pedir que


abandonasse suas convicções outra vez.
— Acha que... Quando voltar ao castelo,
ainda precisará de um ajudante?
A pergunta era estúpida, mas gostaria de
continuar perto de Acheron, mesmo que vivendo
uma mentira insustentável a longo prazo.
— Se o ajudante em questão mantiver a boca
fechada a maior parte do tempo... — Ele disse
sorrindo e Driana sorriu de volta.
Jô baixou a cabeça e se dedicou ao preparo
do alimento.
Detestava o que faria para impedir Acheron
de seguir, mas era necessário.
Melhor afastá-lo da fada. Com algumas
folhas colhidas no caminho, folhas especiais que
sabia muito bem o efeito devastador que causavam

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no intestino de um elfo ou fada, preparou o guisado


para Acheron. Colocou o dobro do necessário, pois
ele era tão grandalhão que precisaria de uma dose
de cavalo.
Mais tarde o Segundo Guardião comeu sem
suspeitar de nada. Culpada, Driana sentou-se
afastada e esperou pelo momento em que as folhas
fariam efeito.
Esperou em vão. O único efeito era um arroto
ou outro e ele reclamando que estava um tanto
indisposto. Deveria estar agachado em alguma
moita se esvaindo em excrementos e não andando
pelo acampamento, vestindo seu cinturão, a espada
em punho, pronto para partir!
Aquele elfo era um cavalo e nada o
derrubava?
Desamparada esperou-o sair para segui-lo.
— Eu juro — ela ouviu a voz de Acheron,
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quando notou que era seguido. — Que se dessa vez


você me atrapalhar... — A ameaça ficou no ar.
Assustada, achou por bem não continuar a
segui-lo. Voltou e permaneceu quieta esperando-o
voltar. Seria mais fácil ajudar a fada a fugir quando
Acheron estivesse bêbado e adormecido. Afinal, ela
havia surrupiado uma garrafa de elixir proibido da
taverna por alguma nobre razão, não é mesmo?
Sorrindo para si mesma, esperou o retorno do
Guardião mais tonto da face da terra.
Driana esperava que tudo corresse bem.
Acheron encontraria a fada fugitiva, acharia um
modo de aprisioná-la e arrastá-la com ele para o
acampamento.
Já podia imaginar, pelo modo acomodado de
agir do segundo Guardião, que amarraria as mãos e
pés da fada, e se suas asas fossem nascidas,
também seriam aprisionadas. Faltaria-lhe crueldade
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para cerrá-las, como tantos outros fariam em sua


posição de caçador.
O que na situação atual da fada, era uma
grande vantagem.
Bastaria que Driana aguardasse e não
demonstrasse seu nervosismo.
Ficaria quieta e esperaria anoitecer. Então um
sugestivo comentário sobre beber um gole de elixir
proibido para comemorar seu feito esplêndido.
Inflar o ego do Guardião feroz.
Afinal, Acheron estava sozinho na Floresta
de Saul, sem ninguém para admirar seu grande feito
de aprisionar uma fada pobre e inocente, sobretudo,
vulnerável. Porque não comemorar, não é? Motivos
não faltavam, pensou irônica.
Elixir após elixir, Acheron adormeceria
como um porco. O álcool não duraria muito tempo
no corpanzil daquele monstro de músculos e força,
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pois nem mesmo as potentes folhas laxativas lhe


fizeram efeito.
Mesmo que não durasse o efeito do elixir,
ainda assim, dormiria por algum tempo.
Seria o tempo necessário para desamarrar as
asas da fada e incentivá-la a voar. Talvez lhe
pedisse para lhe acertar um tapa ou soco, para
reforçar a veracidade da fuga.
Embora que Acheron não era tão sagaz a
ponto de necessitar de uma encenação muito
elaborada para que acreditasse!
Na manhã seguinte, notaria a ausência da
fada, mas já seria tarde demais. Ela estaria longe de
seu alcance.
Com esse plano em ação, Driana ganharia
tempo e não precisaria lidar com mais esse
inconveniente.

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Horas mais tarde, Driana ainda aguardava o


retorno de Acheron. Começava a ficar impaciente.
Cada segundo mais preocupada e impaciente.
Onde estava Acheron que não regressava?
Teria cometido algum desatino contra a fada? Por
mais bondoso que fosse, era um guerreiro e
acidentes acontecem quando se usa uma espada e
luta-se pela sobrevivência. A fada poderia ter sido
violenta e uma luta travada.
Driana jamais se perdoaria se uma fada
morresse por sua causa!
Tempos depois ouviu movimento entre as
árvores e seu coração saltitou dentro do peito. Ou
era Acheron aproximando-se com seu jeito
desajeitado de chamar atenção por onde andava ou
era uma manada de raptores. Ambos primavam
pela mesma discrição!
Nem um, nem outro. Elfos surgiram do meio
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das árvores e mato. Sua surpresa foi tanta, que


permaneceu imóvel.
Ainda bem, era esperado que um elfo não
fugisse de outro. Uma fêmea sim, seria aceitável
que tentasse fugir do desconhecido. Uma fada
temeria sua integridade. Mas um elfo jamais
consideraria risco encontrar outros de sua raça em
seu caminho.
Eram sete elfos em seu total. Cada qual com
um tamanho e forma diferente. O menor foi quem
tomou a palavra. Deveria ser o porta-voz, o líder.
Vestia roupas de couro, tal como os outros, a
única diferença, era um manto nos ombros,
delatando sua hierarquia de maior poder dentro do
grupo.
O elfo possuía orelhas aparadas.
Cicatrizadas, porém cortadas em suas pontas. Veja
bem, lhe fora privado de possuir orelhas pontudas,
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o que o diferenciava das fêmeas. Era um deboche


comum entre inimigos. Causar mágoa e dor para
toda uma vida em seu inimigo, rebaixando-o a total
humilhação. No entanto, com aquele macho em
especial, tal técnica não parecia ter surgido efeito,
pois sua expressão era de orgulho e provocação.
Ele tomou a voz, aproximando-se. Sua voz
era empostada e bem colocada. Driana levantou-se
e olhou bem para ele, analisando sua cor marrom,
seu tom escuro, seus traços específicos em olhos e
bochechas, tentando descobrir de onde seria.
Não havia vestígios nele de amabilidade.
Lutando para não gaguejar, Driana disse:
— Chamo-me Jô. Venho da Vila das Fadas,
arredores do Castelo de Rei Isac e Rainha Santha.
Estou na companhia do Segundo Guardião
Acheron.
Os elfos não manifestaram reação
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inicialmente. Então, o burburinho de opiniões


surgiu entre eles. O líder, incomodado com tal
comportamento, fixou o olhar em seus
companheiros, calando a conversa paralela. Então,
fixou sua atenção de volta ao pequeno elfo Jô.
Aquilo era um acampamento, disso não havia
dúvidas. Em um canto o saco de couro que
continha a armadura. Com a espada em mãos, o
elfo andou até lá, por isso Jô não ousou tentar
defender a armadura.
Seria tolice que tentasse afanar e revender a
armadura, pois ela obedeceria apenas ao seu
Guardião, sendo assim, seria perca total de tempo e
energia roubá-la. Isso, se a armadura não se
voltasse contra ele, como Acheron dissera que
acontecia quando o Guardião não autorizava o uso
por outro ser.
Usando a ponta da espada, afastou as bandas

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do saco e olhou atentamente o conteúdo. Virou-se


para os demais, ao chegar a uma conclusão, e disse:
— É uma armadura. Existe um Guardião
nesta Floresta. Nosso lugar foi tomado. — Virando-
se para Jô, apontou a espada, em uma clara ameaça.
Driana permaneceu imóvel, pois ao ver do
outro, era um menino bobo, que não oferecia risco
algum aos seus comparsas. Porque Driana faria
qualquer coisa que pudesse mudar essa primeira
impressão?
— É verdade o que digo. Sirvo a um
Guardião. Ele deve estar de volta a qualquer
momento. Não sei se deveriam estar aqui quando
regressar. Acheron pode considerar uma ofensa.
— Que ofensa pode considerar um
Guardião? Nossa presença é amável. Não estamos
aqui para guerra. Jamais nos colocaríamos entre um
Guardião e sua missão.
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— Então sabe da missão dos Guardiões? —


Perguntou Driana.
Sim, ela gaguejava. Era impossível evitar.
Era até mesmo pertinente e esperado que um
menino simples e fraco temesse caçadores de
recompensa.
— Sabemos da missão dos Guardiões.
Estamos aqui pela mesma razão. Disse que o
Guardião que o provem chama-se Acheron. A fera
albina? Das montanhas geladas?
— Não sei se ele gostaria de ser chamado
deste modo. De longe não é tão fera quanto parece
e de perto, não é tão branco como dizem. Acheron
é um Guardião. Respeite-o ou terá que lidar com
sua fúria, e eu bem vi o que ele faz com elfos que
não lhe tem respeito.
— Sim, sei do que fala. Ouvimos boatos
sobre um abate na Floresta dos Dois Dias. Esses
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boatos correm como rastilho de pólvora. Não é da


nossa ossada o que faz o Guardião. E de fato, não
nos interessa atrair sua vingança. Iremos esperar
seu retorno do seu senhor. Se trouxer as fadas
fugitivas, iremos embora. Se não trouxer,
seguiremos nossa busca.
— Porque buscam as fadas? — Perguntou
Driana tempos depois.
Cada qual tomou um canto na clareira,
procurando abrigo. Um deles revirou as brasas da
fogueira, provavelmente faminto, pensando em
alimento.
Querendo agradá-los e não levantar qualquer
suspeita sobre sua figura, não atrair demasiada
atenção, Driana começou a cuidar disso. Catou o
que ainda havia de comida pronta, oferecendo-lhes.
Não era muito. Um deles retirou um arco e
flechas das vestes e desapareceu na Floresta,
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provavelmente atrás de uma caça. E que restaria a


ela se curvar a sua obrigação de cozinhar e servir.
Era esperado que um ajudante de Guardião
não possuísse melindres a cerca de cozinhar e
limpar.
Sua situação não era favorável. Aqueles elfos
a caçavam. Se suspeitassem quem era de fato,
estaria perdida.
— Lutamos por ouro. Se encontrarmos as
quatro fadas antes dos Guardiões seremos muito
bem recompensados.
— Mesmo que precisem lutar contra um
Guardião? — Driana mantinha-se a distância, mas
não resistiu a necessidade pungente de saber como
as mentes funcionavam.
Um deles riu, sendo seguido por todos os
outros.

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— Acha mesmo, rapaz, que os Guardiões


lutam contra caçadores de recompensa? Ou que
caçadores lutam contra Guardiões?
— E porque não? Duvido que desse conta de
uma Guardião, quanto mais de dez Guardiões! —
Seu tom era superior e arrependeu-se tão logo
fechou a boca.
Não era esperto de sua parte questionar a
lucidez de certos elfos que poderiam extinguir sua
vida com um simples movimento da espada!
— Um Guardião sabe que deve se manter a
distância. Não é uma questão de poder, mas sim
respeito. Um Guardião, mesmo sem armadura,
pode destruir a todos nós em questão de minutos.
Mas jamais dará conta da vingança de um povo. E
somos o povo, menino Jô. Somos parte do povo. A
parte esquecida, abandonada e relegava a fome e
miséria. O que fazemos, é para a sobrevivência da

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nossa gente. Se Acheron encontrar a fada... Iremos


embora. Se não tiver sorte, é nossa vez de tentar.
— Simples assim? Acham que são donos da
vida alheia?
O líder nada disse. Continuou olhando para
os outros e novamente o riso começou.
Ótimo, pensou azeda. Mais sete elfos sem
cérebro para rir dela!
Talvez fosse sua sina. Desconfiava que fosse
da raça masculina a incapacidade de pensar. Então
porque ela se daria ao trabalho de falar e explicar?
Resumindo: o que esperavam dela, era que fosse
obediente e rápido no preparo da comida.
Mais tarde quando o elfo retornou com a
caça, Driana limpou, cozinhou e serviu. Depois,
afastou-se para um canto, longe dos olhares.
A noite chegou profunda e escura, tenebrosa

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e assustadora.
Uma parte de si ficava contente de não estar
só. Ao menos tinha companhia para enfrentar os
perigos da noite.
A Floresta de Saul não era lugar para um
passeio agradável ao ar livre. Estar acampada em
Saul e nada ter acontecido, unicamente devia-se ao
fato das criaturas noturnas temerem o poder dos
Guardiões e suas armaduras.
Se não fosse dessa forma já teria sido
atacada.
Secretamente contava os minutos para
Acheron voltar. Sentia falta da sua presença
protetora. Sentia nervosismo de pensar na situação
que ele poderia estar passando. Temia os caçadores
de recompensas, elfos completamente mercenários.
Rezando secretamente para que Acheron não
demorasse, Driana tornou a sentar-se em um canto,
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abraçar os joelhos e tentar não ser notada, apesar de


aguçar os ouvidos para não perder nenhum detalhe
da conversa entre os caçadores...

Acheron não demorou a encurralar a fada. A


pobrezinha estava na caverna, no fundo de uma
rocha escura, gelada e úmida. Depois de um
caminho íngreme, conseguiu pegar a fada de
surpresa. Havia uma fogueira acesa, mas não
fornecia nem metade do calor que necessitava para
protegê-la do frio do ambiente.
Difícil saber se a jovem tremia de medo ou
frio, mas tremia. Seu corpo todo em colapso
nervoso. Faces pálidas, olhos arregalados. Os
longos cabelos escuros molhados pela umidade da
caverna, seus lábios quase roxos de frio.
Acheron estendeu uma das mãos em sua
direção, enquanto tentava alcançar a fada que se
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escondera contra as pedras, apavorada.


— Não pode fugir de mim — ele avisou —
não vou feri-la. Não usarei minha espada. Se
entregue espontaneamente e não lhe farei mal
algum — alegou.
— Eu não posso — ela disse com voz
falhada, sem som. — Por favor, me deixe em paz...
— É uma fada fugitiva. Eu sei que está com
medo. Será levada para o castelo, Driana. Será
julgada e punida — ele notou a fada afastar os
olhos, como quem pensa em algo — mas seu crime
não é tão sério quanto o de sua amiga Eleonora. Os
Conselheiros serão generosos se for sincera sobre
sua participação. Intercederei por você. Venha, não
tenha medo de mim.
A fada estava muito pensativa. Aos poucos
se moveu e deu um passo em sua direção. Antes
que ela pudesse mudar de ideia, Acheron a puxou e
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então, a aprisionou entre seus braços.


A fada gritou, por descobrir que havia sido
enganada por sua falsa proteção e foi imobilizada.
Seus punhos amarrados e suas pernas presas por
cordas.
Acheron tentou ser gentil, mas era
complicado na sua atual situação. A fada não
parecia ferida, então, a jogou sobre o ombro e
retomou o difícil caminho para fora da caverna e
então por dentro da Floresta de Saul.
A fada ficou quieta, o que o incomodou, pois
esperava mais de uma fada de tanta inteligência
quanto Driana. Lembrava-se muito bem das
características da fêmea e sabia o quanto era bonita.
Mas fazia algum tempo que não a via e a privação
física deixa as pessoas menos atraentes.
Talvez por isso lhe parecesse tão diferente da
imagem que guardava em sua lembrança.
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Inocente ao próprio engano, Acheron


retornou ao acampamento.
Ao descobrir que seu ajudante não estava
sozinho, Acheron soube que o pior ainda o
aguardava. Não bastava ter que encontrar uma
inocente e levá-la para a morte? Precisava lidar
com caçadores?
Houve um silêncio enorme quando o imenso
Guardião surgiu. Ele levou a fada amarrada para
longe dos demais, sem dizer palavra alguma. Seu
ajudante correu ao seu encalço, como quem
implora ajuda.
Havia tanto medo nos olhos do jovem Jô que
Acheron desejou dizer-lhe que tudo estava bem.
— Sirva comida e água. Parece que ela não
come há muitos dias — ele disse seco, afastando-se
de Jô.
Somente Acheron para preocupar-se com o
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bem estar de um prisioneiro. Jô obedeceu suas


ordens, sem no entanto afastar os olhos do
Guardião.
— Duque — ele disse o nome com algo de
desgosto na voz — há quanto tempo não perco meu
precioso tempo lidando com sua presença.
Jô quase derrubou a cumbuca com mingau
que levava de um ponto ao outro do acampamento,
surpreendida pela acidez na voz do elfo e sua
postura enraivecida.
— Acheron, meu Guardião preferido. —
Duque, o líder ergueu-se e encarou o Guardião tão
maior que ele — Faz tempo que não tenho a
oportunidade de enganá-lo. Sinto saudades dos
velhos tempos.
— Perde seu tempo. Não negociarei com
você novamente. — Acheron ignorou a ofensa.
No passado havia sido enganado pelo Duque,
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o nome que se intitulara o elfo mercenário.


— Leve seus seguidores para outro lugar.
Não é bem vindo aqui — avisou.
— É o que pretendo fazer quando amanhecer
— ele garantiu, com um sorriso presunçoso —
encontrou uma das fadas. Resta mais três. Não
devemos lutar quando há espaço para todos nessa
luta.
— Engana-se. Existe um Guardião na busca
de cada uma das fadas. Jamais encontrará as fadas
antes dos Guardiões. — A presunção agora era de
Acheron. — Passe a noite, aproveite minha
hospitalidade. Mas amanhã cedo deve partir ou
precisarei levá-lo embora eu mesmo.
Jô observou os dois machos medirem-se
fixamente. Duque, o líder dos mercenários quase
cedeu ao impulso de lutar contra o Guardião. Seu
orgulho, no entanto, não subjulgava sua esperteza.
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— É uma bela fada. Obterá alguma diversão


antes de entregá-la para julgamento? — Duque
perguntou com olhos compridos para a fêmea.
Embora possuísse asas marrons e redondas,
de tamanho comum e não estivesse mais no cio, ou
seja, houvesse sido agraciada com suas asas a
muitos dias, talvez semanas atrás, ainda assim, era
fêmea e despertava o interesse imediato dos
machos.
— Não. Ninguém toca na fêmea — ele foi
taxativo. — Jô! — Gritou seu nome sem, no
entanto, olhar em sua direção. — Leve a fada para
a barraca e fique com ela. Eu dormirei ao relento.
Jô não considerou a possibilidade de
questioná-lo. Ajudou a fada a andar, pois era difícil
era fazê-lo com os pés amarrados. Na barraca
ajudou-a a deitar.
— Fique quieta — ela sussurrou logo depois
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de fechar a barraca de couro curtido, que ajudava a


proteger não só a imagem, mas também
resguardava o som.
Ajoelhou-se perto da fada e sussurrou:
— Não diga nada. Apenas ouça e veja —
retirou a touca de duende da cabeça, revelando sua
feminilidade. — Sei que não é a fada Driana. Eu
sou essa fada. Acheron enganou-se. Por isso vou
ajudá-la a fugir. Não tema. Nada lhe acontecerá.
— Eu soube que ele estava enganado quando
me chamou pelo nome errado — ela tremia. —
Achei que fosse um engano e me safaria. Mas são
caçadores mercenários lá fora... Nunca me deixarão
ir...
— Eu farei de tudo para ajudá-la, confie em
mim. Tenho interesse em atrasar as buscas e salvar
a mim mesma. Não importa seu crime. Não me
interessa saber o motivo que a faz ser uma fugitiva.
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Eu vou libertá-la. Não desfaça o mal entendido, por


favor. Eu imploro!
A fada nada respondeu. Estava exausta e
Driana deixou-a descansar, enquanto sentava ao seu
lado e velava seu sono, olhos pregados na entrada
da barraca.

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Capítulo 13 - Traiçoeira

O amanhecer não trouxe a partida dos


Caçadores de Recompensa. Pelo contrário, Driana
encontrou-os em uma animada conversa sobre um
duende chamado Baltazar, que era atualmente
procurado por afanar bens de um elfo importante,
morador da Floresta dos Desejos.
— Jô trabalhava para Baltazar. Foi o duende
que o criou — Acheron contava e Duque olhou o
garoto da cabeça aos pés, enquanto alisava o cabo
de uma faca, que Acheron tentava lhe revender.
— Isso é estranho. Não me lembro do velho
Baltazar carregar um garoto em suas viagens.

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Muito menos confio nessa generosidade vinda de


um duende.
Acheron também olhou na direção do rapaz e
maneou a cabeça:
— É de esperar que uma raposa velha como
Baltazar não queira que saibam de sua
generosidade. O garoto é boa companhia e muito
útil.
— Mesmo? Posso conseguir um bom lote de
ouro por um elfo jovem e prestativo — Duque
sugeriu. — Um trabalhador que agrade ao padrão
de um Guardião, sem dúvida, pode ser negociado a
um alto preço. O que me diz? Vinte moedas?
Acheron tornou a olhar para o garoto e
Driana ficou imóvel, incrédula.
— Eu ainda preciso de ajuda com o cavalo.
Procure-me no castelo. Podemos renegociar seu
preço — Acheron deu de ombros.
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— Não valorize demais seu ajudante. —


Duque alertou ainda desconfiado sobre o rapaz. —
Essa raça sempre revela ter duas caras.
Acheron não levou em consideração suas
palavras, mesmo assim, Driana sentiu um arrepio
de medo. Duque mantinha os olhos sobre ela, e não
podia ignorar sua mente que formulava teorias a
cerca das intenções do mercenário.
Preferiu sumir logo de suas vistas e rezar que
Acheron despachasse logo aqueles machos de
moral desconfiável.
— Minha situação está cada vez pior —
cochichou para a fada Jana, a fada aprisionada por
engano de Acheron, quando voltou para a barraca,
saindo do campo de visão dos elfos.
Sentou ao seu lado dentro da barraca e
baixou a cabeça entre as mãos.
— Não posso consolar você. — A fada deu
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de ombros e Driana sorriu, lutando contra as


lágrimas.
— Eles vão perceber que não sou elfo. É
questão de tempo. O líder está desconfiado de mim.
Eu sinto isso!
— O Guardião não deixará que lhe façam
mal. Precisa entregá-la intocada para ser julgada no
castelo — Jana lembrou-a disso e Driana lutou para
não rir histericamente.
— Fico contente em saber disso. Mas e
minhas amigas? O que serão delas? Vão se entregar
quando souberem que fui pega. Logo eu! Como é
possível que eu não tenha conseguido manter-me a
salvo? Reina tinha certeza que eu conseguiria!
Como sou estúpida! Como sou... — Calou-se
abruptamente quando a barraca foi invadida por
Duque.
— Acheron proibiu que tenha contato com a
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fada aprisionada. — Jô levantou-se em posição de


defesa.
— Meu assunto não é com a fada. É com
você. — Ele disse acenando para que saísse da
barraca estreita.
Com um olhar de medo, amplamente
correspondido por Jana, seguiu-o.
Acheron não estava em nenhum lugar que
seus olhos poderiam encontrar, por isso seguiu o
elfo até um local escondido entre as árvores.
— O que você quer de mim? — Perguntou
com os braços cruzados e expressão fechada.
— Está mentindo sobre Baltazar. Eu consigo
provas disso, rapaz. Sabe que o Guardião irá
cobrar-lhe essa mentira com sangue? Está ciente
disso?
— Não sei do que fala — desafiou-o.

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— Caso soubesse... — Ele sorriu de modo


desagradável — poderia achar mais agradável me
ajudar e não precisar lidar com a fúria de um
Guardião traído. Claro, eu posso ajudá-lo com ouro
e proteção, para que não siga sozinho depois que
abandonar o Guardião.
— Porque eu faria isso? Acheron não duvida
de mim. Ele não acredita em você. Ajudando-o, aí
sim, estarei assumindo culpa. De modo algum
trairei Acheron. Baltazar me criou. Essa é a única
verdade que importa.
— Não. Você mente. Vejo a mentira em seus
olhos. Um bom mentiroso sabe reconhecer outro
igual. Feche comigo e me ajude a roubar a fada das
mãos do Guardião. — Mandou.
— Acheron não acreditará em você. Além do
mais, não me importo com o que diz. Não vou trair
o Guardião!

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Driana pretendia afastar-se, mas Duque


agarrou seu braço com força e forçou o ar,
farejando a sua volta.
— Tem algo errado em você, rapaz. Ainda
não sei o que é, mas tem algo estranho. E quando
eu descobrir o que é... — Ele sorriu com tanta
malvadeza na face que Driana desejou desaparecer
e nunca mais precisar olhar para ele — ...estará nas
minhas mãos, passarinho. E você não vai gostar do
que eu faço com quem não me ajuda.
Driana estava a um passo de chorar, quando
pensou ter ouvido um barulho entre as árvores. Se
bem conhecia a nada discreta técnica de
aproximação de Acheron, poderia apostar que era
ele rondando a floresta, quem sabe procurando
descobrir os segredos do trapaceiro Duque. Por
isso, arriscou-se:
— Eu já disse! — Gritou. — Não vou trair o

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Guardião! Deixe-me ir! — Debateu-se para ser


solta.
Duque não esperava por isso e quando o
Guardião surgiu de entre as árvores, atraído pelos
gritos, Driana soube que Duque seria um inimigo
conquistado para a vida toda.
— Está tentando corromper meu ajudante?
— A pergunta foi feita em voz dura.
— Estávamos tendo uma conversa entre
amigos. — Duque respondeu com uma expressão
traiçoeira que enojou Driana.
— Ele queria que eu soltasse a fada.
Enganasse você, Acheron. Ele tem um plano para
passar a perna nos Guardiões! Estava me
ameaçando. Disse que arrumaria provas falsas que
minto sobre o duende Baltazar e por conta disso
você me odiaria. – Ela estava logo atrás de Acheron
e por isso falava bem perto de seu ouvido, como
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uma serpente traiçoeira, enganando uma inocente


ovelha com sua lábia primorosa.
Com isso acabava com futuras suspeitas
sobre sua mentira.
— Não posso dizer que isso me surpreende
— a voz de Acheron era calma, mas Driana
reconhecia o perigo.
Uma fera quando está calma, nem sempre é
um bom sinal.
Satisfeita consigo mesma, por ter se livrado
daquele problema, Driana sorriu. Acheron não viu
seu sorriso, mas Duque viu. O olhar do elfo era de
morte. Se tivesse a oportunidade, estrangularia o
elfo mais jovem com as próprias mãos!
— Se não estiverem longe dessa Floresta até
o final do dia, considerarei a necessidade de vestir
minha armadura e levá-los pessoalmente para fora
daqui. Nunca compactuei com os crimes que
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comete, se o suporto até hoje é por ordens externas


a minha vontade. — Acheron ameaçou.
— Isso não será necessário.
Duque fez uma mesura debochada e se
afastou.
— E você, volte para junto da fada.
Descumpriu minhas ordens. — Acheron disse entre
dentes, furioso.
— Desculpe. Desculpe-me, isso não
acontecerá outra vez, Guardião — disse submissa,
correndo para o acampamento.
Sozinho, Acheron ficou um instante para
trás. Nada poderia explicar o aperto em seu coração
quando pensou que Duque iria fazer mal ao
menino. Estava se afeiçoando a Jô. Como um irmão
menor, o garoto entrava em seu coração.
Ao menos encontrou a fada fugitiva e poderia

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voltar para casa.


Mas não tão rápido, disse a si mesmo. Um
dos elfos que acompanhava Duque deixara escapar
que um outro acampamento de elfos estava
estabelecido a uns dois dias de caminhada de onde
estavam. Eram elfos em viagem. Seria uma boa
oportunidade achar um caminho errado que sem
querer – ele sorriu a esse pensamento – o levasse
para junto dos demais elfos.
Alguns dias de distração e ganharia mais
tempo. Quem sabe, tempo para a fada achar
sozinha um novo modo de fugir?
Desejava que escapasse. Mas não poderia se
arriscar a compactuar com isso. Muito menos
entregá-la para os caçadores de recompensa. A
pobre fada seria revirada do avesso, agredida tantas
e tantas vezes, que a punição de morte pelo seu
crime seria até um alívio.

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Acheron permaneceu afastado de todos, mas


manteve os dois olhos bem abertos, esperando que
Duque e sua gente partisse.
Dentro da barraca, Driana estava a um passo
do desespero.
— Porque você estava naquela caverna,
Jana? Tem suas asas. Não tem? — Perguntou-lhe,
ajoelhada na sua frente.
— Sim, tenho minhas asas, mas esperava
minha gente me buscar. Eu não cometi crime
algum. Fui aprisionada e levada à força para ser
vendida quando minhas asas nasceram. — Ela
baixou a cabeça e Driana teve pena ao pensar em
todos os sofrimentos que deveria ter passado. — Eu
fugi na primeira oportunidade, para que meu dono
não conseguisse me achar. Soube que minha
família estava a minha procura e trocamos
mensagens. Eu os esperava na caverna. Nunca

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imaginei que seria apanhada no lugar de outra fada


fugitiva! — Disse assustada.
— Acontece, que se eu a soltar agora você
acabará sendo aprisionada pelos caçadores de
recompensa, é só questão de tempo para que isso
aconteça! E eles pensam que você é Driana, a
cúmplice do assassinato do rei. Seu preço será
enorme!
— E o que vai ser de mim? — Jana
perguntou com pânico na face.
— Só tem um jeito de acabar com esse
engano, sem que você fuja... É podendo contar com
a proteção do Guardião. Acheron nunca devolveria
uma fada que foi raptada e vendida. Ele a protegerá
até que sua família a encontre. Para isso, só tem um
jeito. — Disse pesarosa. — A verdadeira Driana
precisa aparecer. Acheron precisa encontrar a
verdadeira fada fugitiva, para saber que se enganou

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em relação a você.
— Eu não entendo — Jana disse. — Confia
que o Guardião seja tão generoso a ponto de me
ajudar?
— Sim, ele o fará — garantiu-lhe.
— Então, porque não lhe conta quem é? —
Perguntou intrigada.
— É muito tarde para isso. Engano Acheron
há muito tempo. Ele nunca vai me perdoar. Além
disso, ele presa seu dever de Guardião. Sua história
não é feliz, Jana. Acheron não possui mais nada na
vida além de seu lugar junto ao reino. Se ele tomar
as dores das fadas da clausura, estará
definitivamente sozinho no mundo outra vez e eu
não quero isso para ele. Sei que posso lidar com a
situação de um modo menos drástico.
— Como? Se entregando?

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— De modo algum. Nunca colocaria minhas


amigas em risco! — Levantou e andou pela barraca
com olhos brilhantes de quem formou uma teoria
na mente. — Vou mostrar a Acheron a fada
verdadeira. É só o que farei.
— Mas se Acheron encontrar a verdadeira
Driana, não a deixará partir. Ele é tão forte! Você
nunca conseguiria vencê-lo em uma luta!
— Uma luta física, você quer dizer — ela
sorriu — eu já sei o que fazer! Acredite, eu vou
vencer o Guardião sem mover um dedo para lutar!
Sim, sua mente sabia muito bem o que fazer.
Aprendera a conhecer os gostos e as fraquezas do
grandalhão.
Um frisson de expectativa e ansiedade correu
por sua espinha dorsal e Driana corou diante da
audácia de sua mente.
Sim, ela mostraria ao Segundo Guardião
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quem era a verdadeira Driana, a fada da clausura!

Acheron reparou que seu ajudante se


mantinha longe dos demais elfos. Começava a
desconfiar de seu excesso de desejo de privacidade.
Ele próprio, nessa idade, aproveitava qualquer
oportunidade para conviver com elfos de maior
poder e conhecimento de lutas.
Era um devorador de qualquer informação
sobre técnicas de luta. O que não explicava nada. Jô
era um garoto de pensamentos. Ele fora um garoto
escravo, que tinha em seu sangue o chamado da
espada e da liberdade através do suor do corpo,
quando necessário fosse vencer o inimigo.
Eram pedra e areia, e de um modo estranho,
era assim que deveria ser. Jô regressou para dentro
da barraca e Acheron tentou ignorar as palavras de
Duque sobre seu ajudante.
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Era um garoto estranho. Disso não havia


sombra de dúvidas. Até onde ia a importância dessa
estranheza, não sabia.
Até onde era seguro se importar com as
estranhezas de seu ajudante? Deixando esses
pensamentos de lado, Acheron procurou-o na
barraca.
Encontrou-o aos cochichos com a fada
Driana. Acheron não olhou para a fada. Relutava
olhar para ela. Culpa afiada impedia que olhasse
para a fêmea.
— Vou aproveitar que a caverna onde achei
essa fada esconde-se atrás de uma cachoeira e vou
me banhar — ele anunciou.
Jô ergueu uma sobrancelha sendo
propositalmente irônico e Acheron sorriu:
— Não ouse dizer nada. Eu nunca disse que
não gostava de tomar banho. Disse que não via
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necessidade de fazer isso todos os dias. — Disse


com voz de ameaça.
— Lembre-se de se livrar dos carrapatos e
dos piolhos. Ou eles criarão vida própria e
dominarão todo o mundo mágico — ela atiçou.
Com um olhar de falsa indignação, Acheron
partiu.
— São amigos — Jana disse surpresa. —
Como podem ser amigos?
— Eu não sei. — Ela disse culpada — eu
gosto dele. Gosto do jeito de Acheron. Não queria
mentir tanto para ele!
— Gosta dele? Você está dizendo que...? Oh.
— Surpresa, Jana nem continuou a frase.
— Não diga isso. — Ela pediu, com o
mesmo sentimento.
Não era normal que estivesse tão interessada

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em seu perseguidor.
— Eu vou atrás de Acheron. Vou soltá-la, se
esconda na Floresta. Mas fique de olho, deve voltar
e estar amarrada antes de Acheron retornar ou meu
plano não surtirá efeito.
— Vão demorar? — Jana perguntou frágil,
cansada de tanto padecer.
— Sim, para meu plano surtir efeito preciso
esperar escurecer um pouco. E depois... — Corou
muito, pois em sua mente o plano era muito claro
— ...Acheron ficará fora de sintonia por um tempo.
É quando eu regresso e ficaremos aqui, esperando-
o como se nunca houvéssemos feito outra coisa
além de aguardar o retorno do Guardião. É um
plano simples.
— Ele é um Guardião — Jana avisou. —
Nenhum plano é simples quando é necessário
enganar um Guardião!
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— Sim, eu seu disso. — No seu caso ainda


pior, pois o que tinha em mente colocaria seu corpo
e coração em risco definitivo. — Espero que fique
bem, Jana.
— Eu lhe digo o mesmo — Jana foi solta e
observou sua amiga Driana partir.
Eram fadas incriminadas injustamente.
Ambas estavam no mesmo barco, sofrendo do
mesmo mal. Era justo que se unissem.
Fora da barraca, Driana parou um instante e
respirou fundo. Pedia proteção da natureza para sua
alma e coração.
O pensamento em suas melhores amigas.
Eleonora, Joan e Alma eram a razão da sua vida.
Faria de tudo para salvá-las. Mesmo que esse tudo
fosse contra sua moral e suas decisões de vida.
Magoar e enganar Acheron. Era doloroso
saber que não importava como tentasse se justificar
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por isso no futuro, o Guardião jamais a perdoaria.


Jana havia lhe contado onde ficava a caverna,
não teve dificuldades para encontrar o lugar. As
roupas de Acheron estavam na margem do lado,
onde a cachoeira desembocava. Seus olhos
visualizaram o local por onde poderia entrar na
caverna.
Era preciso escalar as pedras. Sua mente
arquitetou o modo certo de fazer isso. Vendo-o
mergulhar e nadar, Driana andou entre as árvores
da margem e escondeu em um canto a touca de
duende e as roupas que usava.
Vestiu uma túnica limpa, de algodão. Era
curta e fina, muito feminina. Carregava a peça de
roupa escondida consigo em sua trouxa de
pertences e não imaginou que lhe seria tão útil
como estava sendo nesse momento de estratégia.
Inocente ao seu plano, Acheron desgastava
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toda sua energia reprimida em braçadas potentes.


Mergulhos para limpar o corpo, o cabelo e a alma.
Lavar as preocupações que assombravam sua
mente.
O rapazola que o acompanhava vivia
reclamando do suposto cheiro ruim que exalava.
Não era sujeita, era cheiro de elfo. Seu cheiro
natural e Jô era melindroso demais.
Emergindo, sacudiu a cabeça, tal como faria
um animal selvagem ao emergir de um mergulho.
Sua porção fera estava enaltecida desde que tivera
que reprimir a raiva que nutria por Duque e o seu
bando. Era bom desgastar tanta energia em algum
exercício antes que sua mente começasse a pensar
besteiras.
Longe dos olhos de Acheron, ela entrou na
caverna e observou atentamente a imagem a sua
volta. Jana havia deixado para trás alguns

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pertences. Um pelego de pele macia jazia num


canto, completamente esquecido. Engolindo em
seco, pois seu pulso estava acelerado e mal
conseguia raciocinar com clareza, Driana pegou-o e
arrastou para perto da fogueira apagada. Levou
alguns minutos para ascender o fogo e espalhar a
fumaça pela caverna. Logo esse cheiro escaparia
para fora também.
Não havia nada de toalhas, roupas ou
conforto. Mas ela não precisava disso.
Suas mãos tremiam, por isso esfregou-as nas
coxas, como que tentando acalmar suas
terminações nervosas. Como se ignorar a grande
decisão tomada, pudesse apagar as consequências
para todos os envolvidos!
Acheron jamais a perdoaria por isso. Jamais.
E ela? Se perdoaria algum dia?
Parada, de pé, fitando as paredes de pedra,
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íngremes e geladas, Driana perguntou-se como


poderia mentir para si mesma.
Nunca seu coração foi tocado por nenhum
amor. Nem mesmo amor platônico de infância.
Nada. Ela nunca amou. Nunca sentiu nada parecido
com o sentimento que a inundava.
Não conseguia pensar em um elfo mais
apropriado para esse momento.
Por certo, uma fada deve esperar o cio para
deitar-se com um elfo pela primeira vez em sua
vida. Era o correto. Mas ela sentia o corpo quente
somente de pensar no que faria! Também nunca
ouvira dizer que era obrigatório aguardar o
nascimento das asas.
As fadas tendiam a esperar, pois após o
nascimento das asas era mais fácil casar com um
elfo.
Driana não esperava casar-se com Acheron
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ou qualquer outro. Nunca pensou nisso de fato.


Quando pensava em casamento era unicamente um
pensamento atrelado ao desejo de escapar da
clausura. Nunca uma vontade real, um desejo de
futuro. Não conseguia imaginar-se casada. O mero
pensamento lhe parecia estranho.
Acheron mexia com seu coração, com seus
sentidos e se ela abandonasse as defesas de sua
mente, e deixasse seus instintos assumirem,
admitiria que desejava muito ter êxito em seu
plano. Desejava o que aconteceria dentro daquela
caverna e essa era uma verdade que não poderia
mais ignorar.
Seu plano era deveras simplório.
Atocaiar o elfo perto da cocheira, fugir um
pouco para que Acheron não acreditasse ser uma
tocaia bem armada contra ele.
Então, refugiar-se na caverna, de onde não
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poderia fugir. Acheron era caçador, era fera,


precisava sentir que sua caça se debatia e lutava até
o final. Ele precisava disso para crer na veracidade
da captura.
E Driana lhe daria isso. A veracidade de sua
essência. Ele descobriria que era Driana, a fada
cúmplice do assassinato do Rei.
Sua primeira intenção seria levá-la consigo e
fazer uma troca, libertando a fada Jana. Antes que
isso acontecesse, Driana pretendia seduzi-lo.
Até onde seus planos a levariam não era uma
incógnita, pois não era muito difícil para uma fada
cativar a atenção do elfo. Acheron era um
apreciador das fêmeas e se deixava seduzir
facilmente por qualquer uma. E embora não fosse
seu padrão de beleza, pretendia conseguir enredá-lo
e levá-lo ao leito.
Depois de copular, nesse momento um
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suspiro escapou de seus lábios diante do


pensamento, pretendia esperar que adormecesse
para então, em surdina, escapulir.
Voltaria ao acampamento vestido de Jô e
quando Acheron retornasse furioso com a nova
fuga de Driana, o rapazola Jô apenas sairia do seu
caminho e guardaria para si as lembranças e
sentimentos despertados por seus olhos
perigosamente verdes...
Era isso, pensou. Podia fazer isso, toda fêmea
possui o dom da conquista, não permitiria que a
insegurança e inexperiência a deixasse
amedrontada. Era seu dever fazer isso, mantendo
Acheron longe da fada Jana, que não tinha culpa de
nada e não fazia parte da história da fada Driana.
Em alguns momentos, ela precisava pensar
em si mesma como um terceiro elemento, pois do
contrário, enlouqueceria!

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Uma vez tendo visto Driana com seus


próprios olhos, Acheron libertaria a outra fada e
seguiria viagem.
Era o que precisava. Que Acheron libertasse
a fada que nada tinha a ver com seus problemas e a
ajudasse a estar segura. Então, seguiriam viagem
como se nada houvesse acontecido. E quem sabe
depois, quando estivessem salvas, Driana pudesse
contar tudo a ele e pedir seu perdão?
Triste com esse pensamento baixou os olhos,
olhando para as próprias mãos. Quem sabe
Acheron pudesse perdoá-la um dia?

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Capítulo 14 - Verdade ou desafio?

Acheron saiu da água, satisfeito em ter


ocupado a mente e o corpo em outra coisa que não
fosse pensamentos. Admitia, não gostava de pensar
demais. Era cansativo lembrar-se do passado,
lembrar-se de tristezas, remoer dores há muito
tempo apagadas do coração.
Caçar a fada Driana fizera com que o
passado voltasse à tona em sua mente. As
lembranças do tempo de escravidão, da perda
irreparável de seus familiares e do trono que era seu
por direito, abandonado em nome de uma vida de
buscas. Buscar seu lugar no mundo, um lugar onde

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a dor pudesse ser menor.


A perda da liberdade emocional, pois
crescera sabendo que sua vida jamais seria como
deveria ter sido. A felicidade que o aguardava
desde o ventre de sua mãe lhe fora roubada e esse
tipo de sentimento jamais abandona uma criatura
viva.
Muito arrependimento por mortes e lutas.
Muitas pessoas queridas deixadas para trás em sua
busca por um lugar no mundo, depois do seu
verdadeiro lar ter sido destruído e arruinado.
Era um bebê quando foi levado de sua mãe e
criado na escravidão. Não conhecera o amor
materno ou paterno, muito menos tivera a
oportunidade de conhecer o reino de sua família
antes de ser tomado e destruído.
Crescera em um mundo fedorento, cheirando
a sangue, desgraça e fora nesse ambiente que
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aprendera a lutar. Seu corpo fora moldado pelo


exercício físico dos trabalhos de escravo,
carregando pedras, construindo muralhas,
levantando proteção para aquele que mais desejava
destruir.
Aos doze anos, Acheron descobriu que
poderia matar facilmente. Aconteceu por acaso. A
morte nunca lhe passou pela mente, apesar do ódio
e do desejo de vingança. Um dia, preso junto aos
outros escravos, durante a noite, haviam sido
visitados por soldados do novo Rei.
Eles levavam consigo jovens fadas, ainda
crianças, para serem abusadas e vendidas entre eles.
Acheron conseguira uma brecha para segui-los,
sem ser visto, e quando estavam em a Floresta,
refestelando-se na virtude das pobres meninas,
usando de apenas uma velha espada, Acheron,
munido de todo o ódio e desejo de vingança

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reprimidos por todos os anos de sua jovem


existência, dera conta de mais de dez soldados
armados e capazes. Ele levara as meninas de volta,
de volta para a escravidão, pois apesar de tudo, não
sobreviveriam na floresta sem ajuda. Ao retornar,
descobriu que seu feito não era comum.
Um escravo, Lourenzo, o mais antigo deles,
havia lhe contato sobre como homens de poder
igual ao seu poderiam salvar os menos afortunados
e capazes de lutar por si mesmos. Cheio de desejo
de liberdade, o Acheron do passado absorvera cada
palavra, durante dias e longas noites, ouvira cada
ensinamento, prestara atenção a cada dica, até que
no final do inverno daquele ano, quando a
montanha era coberta de neve e os rios inteiramente
congelados, Acheron tomou a frente em um
combate por liberdade.
Fora escolhido, juntamente com outros

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rapazes da escravidão, para proteger o Rei durante


as comemorações do final do ano. E foi em meio a
música de tambor e estouro de explosões de luz, de
gritos de comemoração e troca de presentes, que
Acheron liderara a rebelião.
Atacara e vencera soldados, tomando espaço,
até chegar junto ao Rei, onde sem pensar ou se
lamuriar, havia matado por gosto pela primeira vez
em sua vida. A primeira e única vez que sentiu
prazer em ter o sangue alheio em suas mãos.
Admitia, e queria esquecer esse sentimento, mas
fora por gosto.
O Rei não possuía herdeiros e suas fadas
esposas, não estavam dispostas a lutar pelo trono,
pois também eram prisioneiras, sendo assim,
quando os demais escravos se rebelaram sob o
comando de Lourenzo, os escravizados tomaram o
poder.

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Acheron desejava apenas saber de sua mãe.


Mas não eram boas as notícias para ele. Era o
herdeiro do trono, mas quis ofertá-lo a Lourenzo,
que o ensinara o sabor de lutar pelo justo e pela
liberdade.
Os dias passaram, as comemorações pela
liberdade findaram e o reino precisava ser
reconstruído. Era a hora de Acheron partir, fugir
das lembranças e do sofrimento.
Na sua chegada do Monte das Fadas, nome
dado pelos humanos a grande montanha, Acheron
conheceu o Reino do Rei Isac. À primeira vista o
lugar perfeito para viver calmamente.
O reino lidava com uma paz que parecia não
esmorecer mesmo diante das piores dificuldades. O
rei era justo, piedoso e afeiçoara-se imediatamente
aos sobreviventes das terras geladas, que pediam
paragem.

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Alguns não resistiram ao sol forte, às peles


albinas cedendo diante dos raios de sol, e seus
corpos debilitados pela guerra, sucumbiram.
Outros, como Acheron adaptaram-se rapidamente.
Acheron foi o único que desejou ficar. E
dizer adeus definitivamente para sua gente foi
muito difícil. Sozinho em uma nova terra, Acheron
foi levado pelo Guardião Túlio, pai de Egan, para
ser treinado.
Sua luta era diferenciada, em pouco tempo
seus atributos foram reconhecidos e seu potencial
aceito e acolhido.
Anos de dedicação para então, ter a
oportunidade de ser escolhido por uma das
armaduras. Era sabido que a cada quarenta anos, os
Guardiões deveriam passar adiante sua armadura,
quando a juventude houvesse passado.
Havia outros modos de conseguir sua
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armadura, mas eram raros os elfos que tinham essa


oportunidade. Quando um Guardião morre, sua
armadura permanece em luto até ser despertada
pelo poder interior de um elfo merecedor daquela
honra.
Mas quando o Guardião atingia muitos anos
de dedicação, seu corpo físico não mais suporta
usar a armadura. Por isso, em regiões civilizadas
como o Reino de Isac, criaram rituais específicos
para que esse momento de separação não destruísse
a ambos, armadura e guerreiro.
Era de praxe que o Guardião escolhesse um
possível sucessor. Ser escolhido pelo Guardião
garantia metade do caminho percorrido ao coração
da armadura.
Túlio possuía um filho sendo treinado desde
o nascimento, sendo assim sua armadura possuía
um possível dono. Mas Acheron teve a sorte de ser

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acolhido pelos demais Guardiões e a armadura de


um deles, morto em combate, poderia escolhê-lo se
tivesse sorte e capacidade.
Desse modo, anos mais tarde, essa previsão
se consolidou e foi proclamado Segundo Guardião.
Honrava esse título e finalmente sua vida
voltava a ter uma diretriz.
Por isso lutava contra o desejo de ajudar as
fadas fugitivas, pois seu idealismo o levava a isso.
Por medo de ter que recomeçar sua vida do zero
outra vez, Acheron preferia se omitir.
Medo, o pior sentimento que um ser pode
sentir. Por conta disso, além de culpa, se corroia na
vergonha de sucumbir à própria fraqueza.
Nu, Acheron sacudiu a longa juba, livrando-
se do excesso de água antes de vestir a calça. A lua
se anunciava no céu, mas ele ainda não queria
voltar.
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Ter de enfrentar o olhar de recriminação de


Jô por ter aprisionado a pobre coitada da fada da
clausura. Ter que lidar com seu desejo insano de
libertá-la.
Sentindo que as preocupações estavam de
volta e pouco a pouco tomavam sua mente outra
vez, Acheron olhou em volta, para a mata fechada.
Em torno da margem da cachoeira havia uma
planície de grama e mato baixo, e era ali que ele
deixara seus pertences, perto das rochas.
Seus olhos claros, sempre tão sensíveis à luz
do sol, no escuro da noite se tornavam mais hábeis
e ele avistou um vulto entre as pedras.
Não esperava precisar empunhar sua espada.
Normalmente quando um Guardião se aventura por
florestas perigosas como a de Saul, sabe de
antemão que precisará lutar. Mesmo assim, gostaria
de ter o poder de evitar confrontos.

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Com a espada em mãos, Acheron seguiu o


vulto. Ficou parado, imóvel, para não assustar a
criatura que o espreitava. E foi quando conseguiu
ver o que era.
Uma fada. Não via suas asas, mas era uma
fada. Por de trás de uma rocha mais alta, a fadinha
o observava. Era morena, pele clara, parecia
pequena como um duende.
A fada se moveu muito rápida, ganhou
distância e foi por isso que Acheron apressou suas
passadas.
Seguiu-a por entre as rochas, mas não era
fácil alcançá-la, pois conseguia se esgueirar por
brechas e cantos que ele, com seu tamanho todo,
não conseguia. Pela forma como explorava esses
lugares, ela sabia previamente que teria êxito e
vantagem em relação ao elfo!
Acheron suava e subia as rochas com
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habilidade, quando a viu entrar pela brecha que


levaria por trás da cachoeira, onde havia a caverna.
Por um minuto considerou que a fada
houvesse escapado do acampamento e voltado para
seu esconderijo por isso rosnou furioso pelo esforço
dobrado em recapturá-la.
Acheron encontrou a caverna aparentemente
vazia. Em um canto, bem ao fundo, onde era mais
íngreme e escuro, avistou a fada.
Pequenina, magrinha, cabelos longos, lisos e
negros, com uma franja longa sobre a testa e olhos,
a fada tremia dentro da singela túnica que vestia.
Túnica de algodão, comumente usada no Ministério
do Rei.
Acheron andou em sua direção e ela não
tentou escapar. Ambas as mãos apoiadas na rocha
atrás de si, enquanto seu corpo tentava suportar a
tensão da espera.
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Driana respirava forte, arfante, primeiro pelo


esforço de fugir dele, segundo pelo medo. Sabia
que seu plano estava surtindo efeito e se
conscientizava que era a fada Driana e Acheron era
um Guardião, e por mais que pudesse crer na
exatidão de seu elaborado plano, ainda assim,
corria um risco imensurável!
Acheron aproximou-se devagar, olhos fixos
nela. Como uma presa, pensou Driana, entendendo
que como caçador nato, um ser integrado com a
natureza, Acheron lidava com ela do mesmo modo
que lidaria com uma caça sendo abatida.
A fada possuía olhos profundamente azuis,
bochechas rosadas e lábios cheios. Pescoço e
clavícula finos, singelos e frágeis. Braços e mãos
delicadas. A túnica cobria seu corpo, escondendo
suas curvas, mas seus pezinhos descalços não
negavam sua magreza e estrutura delicada.

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Acheron sentiu uma punção de simpatia,


como se a conhecesse a muito e muito tempo. Algo
profundo que o compelia a aproximar-se e segurá-
la em seus braços, protegendo-a de todos que
tentassem feri-la.
Driana manteve os olhos fixos no elfo.
Esperava que sozinho Acheron chegasse à
conclusão de quem era. A túnica era usada no
Ministério do Rei. Uma fada fugindo, com roupas
usadas na clausura? Mais óbvio que isso
impossível! Até mesmo Acheron teria capacidade
de entender logo de cara, pensou maldosa.
Mas pelo visto, estava enganada, Acheron
precisaria de mais um incentivo para notar o que
ela exibia tão espontaneamente.
— Não me machuque — sussurrou nada
surpresa de precisar alertá-lo para a verdade.
Acheron era um elfo lindo demais. Mas também era

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um pouco ingênuo, para não usar outra palavra


menos sutil... — Eu não fiz nada. Por favor,
Guardião, não me leve de volta para o castelo!
O melhor mesmo era ser bem clara quanto a
sua procedência ou Acheron demoraria séculos
para ligar sua figura a da fada fugitiva verdadeira!
Seu sussurro fez sentido e Acheron baixou a
espada, com mais um passo em sua direção,
encurralou-a definitivamente.
— Fada Driana? — Ele perguntou incrédulo.
Acreditava ter apanhado a fada da clausura,
não esperava por essa reviravolta!
— Por favor, Guardião, não me faça nada
contra mim! — Estendeu uma das mãos como
quem se protege.
Seu medo não era uma mentira completa.
Estava desafiando um Guardião. E seu medo era

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genuíno. Quando Acheron descobrisse suas


mentiras, o modo como vinha enganando-o, usando
de sua boa fé, nesse momento, Driana estaria
perdida. No mínimo a rechaçaria para todo sempre.
— Aprisionei uma fada que deveria ser você!
Diga, tem cúmplices espalhados por essa Floresta?
— Ele disse incrédulo.
— Estou sozinha aqui, eu... Encontrei esse
lugar. Por favor, me deixe aqui. Não me leve de
volta. Eu não fiz nada! Sou inocente! Minhas
amigas são inocentes! Fugimos para sobreviver!
Para ganhar tempo e as asas de Eleonora nascerem
sem interrupções! Ela é filha de Rainha Santha! Foi
tudo uma armadilha para encobrir o assassinato do
rei! Creia em mim, eu nunca lhe mentiria,
Guardião. Sei meu lugar nesse momento, sou
apenas uma fada da clausura...
Acheron aceitaria esse argumento se a sua

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vida não estivesse em risco. Recomeçar uma nova


vida a essa altura era impensável. Não queria
recomeçar tudo de novo.
Acharia um modo de ajudá-la sem se
comprometer.
Como Driana esperava, o Guardião seguiu
avançando em sua direção. Ao menos ele deixou a
espada no chão antes de avançar. Sinal que não
pretendia atacá-la e feri-la.
Não era surpresa, Acheron não era cruel, era
alguém com o coração puro e repleto de
generosidade.
— Não — ela gritou quando ele tentou pegá-
la. — Não, por favor, me deixe! Deixe-me ir!
Ela escapou por um triz e sufocou uma
insuportável vontade de rir. Estava nervosíssima e
por conta disso sentia vontade de rir histericamente.

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Acheron a alcançou entre as pedras e a pegou


por trás.
Driana não estava preparada para isso. Sabia
que Acheron a seguraria e sua ideia era seduzi-lo.
Parte disso era o contato físico, mesmo assim, não
estava preparada para sentir o corpo do elfo no seu.
Os braços a agarraram, e se cruzaram diante
dos dela, imobilizando-a. Era um aperto mortal que
não desejava ferir, mas também não permitia rota
de fuga. Ela se mexeu e ele precisou apertar. Os
corpos um pouco curvados, a pesada respiração de
Acheron em seu pescoço, pois ele precisava curvar
o corpo para segurá-la.
O peitoral entalhado em pedra contra suas
costas, as coxas poderosamente esculpidas pelo
treinamento puxado de Guardião, o cheiro de elfo
macho impregnando suas narinas...
Driana não esperava por isso. O efeito sobre
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ela, sobre suas emoções. Sua mente ficou nublada e


incapaz de pensar com clareza, muito menos
lembrar porque estava fugindo dele!
— Quieta — ele disse em seu ouvido, com
sua voz forte, rosnada, um pouco assustadora. —
Eu não vou machucá-la, Driana. Eu não pretendo
causar-lhe dor alguma. É minha obrigação entregá-
la viva para ser julgada.
— Eu sou inocente — ela disse tremula da
cabeça aos pés. — Eleonora é inocente. Acredite
em mim, Guardião! Somos inocentes!
Seus gritos eram femininos e Driana não
tinha noção do quanto mudava quando não se
propunha a usar roupas de menino ou agir como
um. Sempre apegada ao mundo da mente e não do
corpo, não entendia a diferença entre a Driana
vestida de garoto, e a Driana usando de seus apelos
femininos para despertar os instintos sexuais de um

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macho.
Acheron via apenas a delicadeza e a
feminilidade. Mas ela não entendia esse tipo de
coisa. Ainda não entendia, pensou.
Algo lhe dizia que até o final daquela noite,
aprenderia uma lição inesquecível que mudaria sua
vida para sempre!
— Me solte! — Ela berrou quando Acheron
começou a arrastá-la para trás, consigo.
— Eu mandei ficar quieta! — ele gritou em
seu ouvido e Driana ficou imóvel.
Não admitiria jamais, mas suas pernas
estavam bambas e a culpa não era nem de longe do
medo. Era por causa dele. Por causa da porção
macho que a agarrava com tanta intimidade...
— Eu só quero ser livre — apelou para seu
inconsciente de ex-escravo. — Acheron, Guardião,

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me ajude, me deixe ir...


Seria estranho se nem ao menos tentasse
escapar ou desmotivá-lo. Nem mesmo ele poderia
dizer não estranhar seu conformismo ao ser presa!
Acheron não ouvia uma palavra que dizia.
Seu cheiro de fêmea estava impregnando em suas
narinas e era impossível raciocinar diante desse
afrodisíaco feminino. Sentia-se próximo a fada, por
conta da história de vida e de sua situação de fuga.
E mais do que isso, Driana o atraía como um imã.
Mesmo antes, quando fingia não reparar na beleza
taciturna da fada que espiava os treinamentos,
fingindo não espiar.
Essa busca insana por sua captura o tornou
próximo, pois precisava pensar sobre ela o tempo
todo. Mesmo quando atrasava propositalmente a
caçada, ainda assim era pensando na fada!
Driana sentiu a mudança entre eles e desta
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vez não adiantava tentar raciocinar sobre isso. O


corpo do elfo endureceu contra o seu, cada músculo
flexionado na expectativa de possuir a fêmea. Não
pretendia tocar na fada, mesmo assim, seu corpo
reagia a sua presença.
— Suas asas estão nascendo? — A pergunta
foi feita em tom baixo, em tom profundamente
perigoso.
— Ainda não. Não posso fugir de você... Não
tenho forças para isso, Guardião... — Era uma
verdade perfeita, exagerada para sensibilizá-lo.
Acheron não confiava nas palavras dela. Por
isso, soltou uma das mãos e baixou a túnica,
olhando suas costas lisas e macias. Nenhum sinal
do nascimento de asas. Driana era casta, sem
pretensões de desabrochar para o cio.
O que era estranho, pois sentia seu cheiro de
fada, a farejava com todo capacidade de um
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macho.
— Está no cio? — Ele perguntou correndo a
mão por suas costas.
Driana abriu a boca, mas não respondeu. A
sensação de seu toque era tão intensa que ficou
muda.
Acheron a puxou para mais perto, uma das
mãos agarrando-a pelo estômago enquanto a outra
segurou seu pescoço pela frente, imobilizando-a
contra seu corpo.
— Não — ela sussurrou.
— Sinto seu cheiro, fada — rosnou em sua
orelha. — Está sentindo as dores do nascimento das
asas?
— Não. Acheron, não faça isso... — Ela
sussurrou quase sem voz, pois ele deslizava aquela
mão gigantesca por seu colo.

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— Pretendo e vou entregá-la intocada para


ser julgada pelos Conselheiros e Guardiões. Se for
punida, deverá pagar por seu crime. Mas essa
punição não vira de mim. Vamos sair daqui — ele
se conscientizou do que fazia.
Tomar ciência dos próprios atos, não o
impedira de seguir. Sua mão desceu sobre o peito
da fada, alisando o seio pequeno e jovem. O bico
estava rijo e ele correu os dedos pela carne, sempre
descendo. Driana se contorceu quando aquela mão
gigante pousou em sua barriga alisando seu ventre,
seguindo sempre para baixo, sobre o tecido.
Mesmo com a barreira da túnica, Acheron
alisou o vale entre suas pernas, esticando os dedos
entre suas pernas, tentando sentir entre suas dobras
íntimas.
Driana tremeu da cabeça aos pés, o corpo
excitado e rendido, entregando-se a uma profunda

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expectativa que nunca pensou que um dia pudesse


sentir nos braços de um elfo. Sobretudo, um elfo
proibido para uma fada fugitiva.
Acheron apertou entre suas pernas, sentido o
calor e a umidade que a fada liberava, enquanto
cheirava seu pescoço, sua nuca e seus cabelos
delicados e lisos como seda. Driana quase
esmoreceu diante da ameaça velada. Sentiu o
desejo imensurável de fugir não por medo de ser
entregue a Rainha, mas sim, porque seu plano
parecia prestes a ter sucesso absoluto e sentiu o
medo crescer dentro de si.
Medo de provocar o elfo a um ponto
impossível de retornar e ser tomada como fêmea.
Medo do que significava o ato sexual ente macho e
fêmea. Principalmente, medo de fazer isso com
Acheron, pois sentia que subestimava seus
sentimentos por ele.

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Tomada por esse medo, Driana usou do


encanto que Acheron sentia por sua porção fêmea,
pisou em seu pé com toda a força que conseguiu
juntar. Se ele não estivesse tão ocupado lidando
com o desejo, não conseguiria ter enganado-o tão
facilmente.
Driana correu pela caverna e com um olhar
de relance para as peles espalhadas no cão, onde
pretendia levar o Guardião para uma noite de
luxúria, e seguiu correndo.
Acheron quase a pegou antes de sair da
caverna. Por ser pequena, conseguiu abaixar-se no
último segundo e fugir. Correu pelas pedras e
saltou para o chão. Seus pés correram sobre a
grama e mato ralo.
Estava segura que a desistência do seu plano
não lhe causaria mais danos, pois se livraria dele a
muito tempo.

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Ledo engano. Driana gritou quando foi


agarrada e derrubada no chão forrado por mato e
grama. Debateu-se aos berros, pedindo por
liberdade, mas era puro cinismo da sua parte.
Queria tudo, menos que o elfo parasse e a soltasse!
Acheron cobriu seu corpo com o seu,
aquietando seus movimentos desesperados. Driana
desejou esconder a face na grama para que não
visse sua expressão voraz de paixão, mas não o fez.
O cheiro de mato não era nem de longe mais forte
que o cheiro da sexualidade do elfo. Esse cheiro era
insuportável. Seu corpo pulsava loucamente,
exigindo satisfação para tanta necessidade.

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Capítulo 15 - Fêmeas e machos

Essa urgência era dividida com Acheron. O


cheiro da fêmea lhe dava o consentimento que não
pedia. Nunca foi um elfo de duvidar das intenções e
desejos de sua parceria. Mas ele não conhecia
aquela fada.
Poucas vezes estivera próximo a ela, e nunca
trocaram mais que alguns olhares distantes. Quem
sabe, no fundo, a grande razão de não se
aproximarem, era a possível explosão que
aconteceria entre eles, caso o fizessem?

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Dizem que os animais sabem quando o


perigo ronda e Acheron supunha, que seu sexto
sentido sentia o perigo que Driana representava em
sua vida.
A fada não gritava mais. Reconhecia a
paixão e não ousava dizer não. Era assim que
deveria ser quando dois animais se encontram para
copular. E a razão não tem nada a ver com isso.
Acheron esfregou o rosto em sua nuca,
aspirando o cheiro forte dos cabelos limpos, com
cheiro de flor. Ela cheirava a flor. Não era um
cheiro doce, era um cheiro diferente. Driana
ofereceu o cangote, empurrando as costas para
cima, querendo desesperadamente sentir seu toque.
E não se decepcionou. O primeiro toque molhado
dos lábios em sua pele arrancou-lhe um gemido
sofrido.
Ele desceu a boca para baixo, mordiscando e

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molhando sua pele, enquanto a prendia com o peso


do corpo no chão. Driana conteve um grito de pura
luxúria quando ele usou ambas as mãos para rasgar
sua túnica, arrancando-a do seu corpo. Estava de
joelhos sobre ela, e observou o corpo nu que se
revelava ao seu olhar.
Driana não ousou pensar em vergonha ou
constrangimento. Não havia espaço para esses
sentimentos estando nas mãos de Acheron!
O elfo correu ambas as mãos pelas suas
costas, descendo sempre, contornando e apertando
as carnes de suas nádegas, enquanto se movia e
forçava uma perna entre as suas, afastando-as sem
um pingo sequer de gentileza.
Era um estranho fascínio que a fazia apreciar
o modo bruto de Acheron. Ele não era agressivo,
longe disso, era rude e pouco gentil, pois era sua
natureza primitiva que o compelia a agir desse

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modo.
O Guardião devorou sua pele outra vez, sua
porção fera desfrutando do gosto da pele, tanto
quanto desfrutava do cheiro. Outra vez deitado
sobre a fêmea, Acheron deslizou uma das mãos por
baixo, agarrando um dos seios miúdos e rijos de
desejo.
Driana não pensava, apenas gemia. Nunca
imaginou que um torpor pudesse ser tão profundo a
ponto de zerar sua mente e apagar todos os
pensamentos e ponderações. Como uma folha ao
vento, sem letras, sem história, Driana apenas se
contorcia sob os carinhos selvagens do elfo.
Driana passou uma das mãos sobre a de
Acheron, que estava apoiando o peso de seu corpo,
ao lado da cabeça da fada. Entrelaçou os dedos nos
dele, apertando-o com toda sua força, como quem
pede um pouco de carinho e não apenas paixão.

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Acheron soltou esse aperto, usando ambas as mãos


para baixar a calça e afastar as pernas da fada.
Driana abriu os olhos assustada quando
sentiu o primeiro contato da intimidade masculina
contra si. Seu medo não durou mais que um
segundo, pois Acheron não lhe deu tempo para
voltar atrás.
Ela gritou muito quando a união aconteceu.
Confirmava suas suspeitas. Acheron não possuía
anatomia diferente dos demais elfos, no então,
então muito maior em força e tamanho.
A invasão foi tão forte, tão profunda e quente
que a deixou em brasas. Seus gritos misturavam
dor, prazer e surpresa. Um medo irracional.
Tentando se segurar em algo, mesmo que não
precisasse, Driana fincou os dedos na terra e no
mato, como se pudessem lhe oferecer alguma
segurança em meio ao furacão que a levava para as
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alturas, sob o comando de Acheron.


Acheron confirmou a castidade da fada, mas
não pensou muito nisso. Era tão bom o que
acontecia entre eles que seu único intento era
prolongar ao máximo possível. Possuiu a fada com
pressa, raiva e força.
Os movimentos não chegavam ao fim,
Driana estava derretida em torno do elfo. A cada
estocada, o corpo pequeno era lançado contra a
grama.
Ela tentou escapar, algo inconsciente, pois
não queria se afastar de modo algum!
Um afã de fuga, pois seu subconsciente lhe
dizia aos gritos que seu coração estava correndo
riscos ao permitir que o elfo a conquistasse também
no aspecto físico!
Acheron enlaçou os dedos nos seus, em
ambas as mãos, e ela sentiu o coração aquecido
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pelo carinho. Mas foi somente até notar que desse


modo ele a imobilizava.
Driana soltou um urro de prazer quando ele
começou de fato a possuir seu corpo. Ele não
parava. Era muito forte, muito intenso.
O cheiro de ambos se embolava e levava a
libido de ambos a um ponto insuportável. Acheron
mordeu suas costas, na curva entre a coluna e as
nádegas, e ela mal pode suportar a sensação.
O que era medo e surpresa, havia se
transformado em necessidade e expectativa. Seu
corpo estava tenso, esperando por algo que crescia
em seu ventre e ameaçava enlouquecê-la.
Acheron usou as coxas para fechar as pernas
da fada, tornando-a ainda mais apertada. Driana
abriu os olhos e olhou em volta, a noite caia pesada
em torno deles, e se não fosse a lua alta, não
poderia enxergar nada. A floreta calma e silenciosa,
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enquanto os dois eram pura adrenalina.


Os gemidos e urros de prazer do elfo, seus
próprios gritos, eram o único som que inundavam
seu ouvido. E quando Acheron mordiscou sua
orelha, que Driana jamais imaginava ser tão
sensível, algo rachou dentro de seu corpo, e ela
silenciou enquanto a sensação explodia dentro de
si.
Seu primeiro orgasmo foi tão forte que
exauriu suas forças. Acheron acompanhou-a
segundos mais tarde, com um rosnado de pura
satisfação masculina.
Driana deveria estar pensando que tudo saiu
errado. Mas os pensamentos haviam fugido de sua
mente.
Acheron soltou as mãos das suas, e com uma
delas, acariciou seu pescoço, puxando-a para trás,
para que viesse para seus braços. Driana deixou-se
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levar e quando foi pega no colo, não se moveu para


impedir.
O segundo Guardião seguiu seus instintos e
não a razão que tentava alertá-lo para a burrada que
fizera. Não importavam as obrigações naquele
momento. Era noite, eram macho e fêmea.
Ele zumbia de paixão por ela. Na manhã
seguinte, por certo, ambos se arrependeriam
daquela loucura, mas naquela noite, tudo era
perfeito e incrível demais para ser renegado ou
ignorado.
Levou-a para a caverna, pois não queria
voltar sozinho para o acampamento e também não
poderia levá-la consigo neste estado. Não poderia
admitir para Jô o engano de ter possuído a fada que
deveria aprisionar. Precisava primeiro convencer o
garoto a não causar-lhe problemas e guardar o
segredo a cerca do seu erro.

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Do jeito que Jô era dedicado a convencê-lo a


ajudar a fada... Por certo comemoraria sua decisão.
Driana soltou um longo suspiro de
agradecimento quando foi colocada sobre o pelego
de peles. Acheron deitou-a gentilmente, os dedos
espalhando seus cabelos negros por sobre as peles,
adorando sentir a suavidade entre os dedos.
— Não se angustie, fada — ele disse baixo,
bem perto de seu rosto. — Vou encontrar um modo
de ajudá-la. Não tenha medo de mim.
Driana nada respondeu. Acheron se afastou
para ascender às chamas da fogueira, para que além
de calor, pudessem contar com alguma claridade e
ela sorriu observando-o andar nu pelo lugar.
Suas palavras aqueciam seu coração. Mas
não eram palavras que pudessem ser sustentadas
quando amanhecesse. Sua decisão de ajudá-la
esmoreceria no primeiro raio de sol, quando a
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realidade viesse cobrar-lhe essa decisão. Ainda


mais, porque Acheron não sabia da missa a metade.
Angustiada, pensou em seu plano. Tão
simples a decisão de enganá-lo... Mas isso fora
antes de tudo que aconteceu entre eles. Não queria
ir. Não queria deixá-lo e voltar a ser o jovem Jô.
Reparou que estava nua e que isso era novo
para ela, a liberdade incondicional de seu próprio
corpo. Nunca antes se sentiu livre de
constrangimento nem mesmo diante de suas
amigas. Sempre foi retraída com a nudez.
Acheron retornou com sua imagem recortada
contra a luz avermelhada da fogueira. Era
impressionante que houvesse dado conta de um elfo
tão grande. Olhou-o da cabeça aos pés sem pensar
nas consequências. Não sabia quando teria outra
oportunidade de fazer isso!
Seu corpo era todo trabalhado em músculos.
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Pelos louros cobriam pernas, braços e virilhas. Os


cabelos longos e louros, secos depois de tanto
exercício, eram bonitos e não feios como ela
insistia em depreciá-los.
A face do elfo era uma máscara de paixão,
esculpida em perigo e voracidade. Não sentia mais
tanto medo, mesmo assim, algum receio das
atitudes que Acheron poderia ter era inevitável.
Acheron olhava para as pernas da fada. Eram
curtas, bem torneadas e desembocavam em coxas e
quadril redondos. Não era nem de longe cheia
como as fadas que ele estava acostumado a
procurar, mas era a mais bela com quem esteve em
muito tempo.
Sua barriga tão lisa, umbigo tão mínimo. Os
seios eram empinados e adornados por mamilos
rosados, como botões de rosa. Sua pele corada,
como suas bochechas, que avermelhavam a cada

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segundo, diante do seu olhar.


— Falavam tantas coisas a seu respeito —
ele disse juntando-se a ela sobre as peles, uma das
mãos pousando em sua barriga, espalmada,
sentindo o tremular de seu ventre, pois lhe
despertava borboletas nas entranhas, em um frisson
inexplicável de necessidade sexual. — Enalteciam
sua inteligência e eu não duvido que seja a criatura
mais inteligente do Monte das Fadas. — Acheron
acariciou seu rosto com a mão livre e aproximou os
lábios de seu pescoço.
Driana fechou os olhos, enquanto delirava
nas emoções despertadas em seu corpo
inexperiente.
— Mas ninguém falou que sua pele é
delicada como uma pétala de rosa. Ou como seus
olhos são inocentes. Muito menos... Que seu cheiro
é tão delicioso.

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Eram elogios pouco eloquentes para quem


apreciava mais a mente do que o físico. Mas Driana
precisava admitir, estava lisonjeada e aquecida por
dentro, exultante por Acheron a considerar bonita!
— Não tramei contra o rei — ela disse
tocando seu braço, atraindo os olhos verdes do elfo
para os seus.
Acheron não disfarçava o olhar prolongado
para suas curvas, sobretudo entre pernas.
— Nenhuma criatura viva deveria ser
obrigada a cometer um crime para salvar a si
mesma. Nascemos livres, não deveriam tentar
colocar arreios nas criaturas livres. Muito menos...
As que nascem com asas — ele foi franco.
Driana sentiu uma felicidade tão grande
dentro de si que não soube explicar. Acheron
entendia essa liberdade. Que uma fada nasce com
asas e não deve ser proibida de provar dessa
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liberdade inexplicável.
— Minhas amigas e eu nunca tramamos
contra o rei...
Acheron a calou com um toque sob dos
dedos sobre seus lábios.
— Amanhã — ele prometeu com a voz seca,
rouca e firme. — Amanhã.
Eles falariam disso amanhã. Driana fingiu
acreditar e deitou-se sobre as peles. Era um convite
irrecusável. Acheron mordiscou seu queixo,
descendo para os seios. Com mais calma e menos
desespero pode reconhecer a fragilidade das formas
e temer feri-la.
Os suspiros de Driana enquanto ele umedecia
seus mamilos com beijos e chupões fez eco dentro
da caverna de pedras.
A boca de Acheron praticamente dava conta

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de engolir um seio inteiro, e ele fez uso disso, para


arrancar-lhe gemidos cada vez mais altos. Enquanto
a excitava, deslizou os dedos por sua barriga até
infiltrá-los entre suas pernas. Úmida, não ofereceu
resistência ao ser tocada. Seus dedos encontraram
caminho em seu recanto e ela se contorceu para
aceitar a pressão de dois longos dedos dentro de si.
Acheron queria lhe dar prazer, pois temia não
ser capaz de se conter uma segunda vez, e esperar
que alcançasse seu próprio gozo. Driana segurou o
pulso do Guardião como quem diz que não suporta
tanto prazer, mas ele apenas redobrou a velocidade,
fazendo-a erguer os quadris em busca de mais.
Driana tentou escapar, o sentimento era forte
demais, não aguentava tanto, por isso tentou
escapar e conseguiu virar de lado, Acheron a
deixou ir, mas a segurou quando tentou sentar,
provavelmente querendo correr para longe.

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Aquela fada fugia demais, pensou divertido,


obrigando-a a sentar-se em seu colo. Esparramou
suas pernas e tornou a carícia com os dedos. Driana
agarrou-se aos seus braços, de costas para ele,
sentindo os toques das suas mãos nos seios e os
beijos no pescoço, pois ele a beijava em todos os
lugares, menos nos lábios.
Seu corpo se curvou para frente, não
aguentando tanto prazer. Seus espasmos não
paravam e quando a sensação esmoreceu um
pouco, Acheron a recolocou sobre as peles,
afastando suas pernas, encaixando-se ali pela
segunda vez naquela noite.
Driana acolheu-o em seus braços, face a face
e arquejou quando foi penetrada outra vez. Bem
mais lento e menos bruto. Mas não menos gostoso.
Enlaçou os braços nos ombros do Guardião,
as mãos em seus cabelos longos, agarrando-os

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como faria a uma crina de cavalo, com medo de


cair do lombo de um cavalo em um galope
selvagem.
Acheron era isso. Puro instinto selvagem e a
tomava como um animal toma uma fêmea no cio e
esse pensamento serviu apenas para ferver ainda
mais o sangue de Driana.
— Mais! — Ela gritou em determinado
momento. — Acheron, por favor, eu não aguento...
Não... Oh, não... — Seus apelos não surtiram
efeito, ele mordeu seus seios, seguiu avançando,
erguendo uma de suas pernas, para assim, obter
maior acesso.
Cada batida do corpo masculino dentro do
seu arrancava um grito de Driana. Não havia
palavras no mundo que fossem suficientes para
exemplificar o que ela sentia. O efeito daquele
corpo dentro do seu era devastador e Driana afastou

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o pensamento que a questionava se seria assim com


qualquer outro elfo ou era especial por ser Acheron.
O Segundo Guardião gostava muito do que
estava acontecendo entre eles. Tanto que ao ver a
fada gozar mais uma vez, dessa vez agarrada aos
seus cabelos, se moveu, e a fez virar de costas.
Driana arrebitou o traseiro, pois sabia muito
bem o que ele faria e queria também. Como da
primeira vez, Acheron a possuiu, trazendo-a de
quatro, o que a surpreendeu um pouco.
Não durou muito tempo. Driana mal se
aguentava nas próprias pernas e braços,
surpreendendo-se com o prazer renovado, sendo
atraída para ele como se fosse a primeira vez que a
tocava naquela noite.
Quando Acheron gritou em seu ouvido e a
lavou por dentro com seu gozo, Driana tremeu da
cabeça aos pés, sendo grata pela vontade dele em
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deitar e descansar. Se Acheron quisesse,


continuaria a noite toda, mesmo exausta.
— Eu a deflorei — ele disse em seu ouvido,
ambos deitados de lado. — Nunca antes falamos ou
convivemos, mas eu a tomei sem medir as
consequências do meu ato. Adquiri
responsabilidades para com você, fada — sua voz
em seu ouvido causou-lhe um arrepio, por isso
fechou os olhos, lutando para não se magoar.
Acheron estava tão errado! Não era a
primeira vez que se falavam. Ela era o menino Jô
que o enganava a dias! E não adquiria
responsabilidade alguma, pois fora ela quem
planejara usar de seu próprio corpo como arma para
livrar-se dele e salvar a fada Jana de pagar por
crimes que pertenciam a ela e suas amigas, Joan,
Alma e Eleonora.
— Mais um bom motivo para livrar-se de

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mim, entregando-me para ser julgada por um crime


que não cometi — disse irônica e ele sorriu.
Afastou a franja de sua testa e olhou em seus olhos
com profundidade.
— Talvez eu faça isso — ele provocou. —
Talvez.
Driana não pode evitar um sorriso. Buscou
contato junto ao corpo grandalhão. Acheron a
apertou contra si e ela fechou os olhos.
Quando amanhecesse e Acheron acordasse, a
fada Driana teria desaparecido.
Algumas horas mais tarde, Acheron dormia
pesadamente, roncando em seu ouvido e o som era
adorável. Deveria estar perdidamente apaixonada
para apreciar um som desagradável como este! Era
a grande verdade, estava apaixonada pelo elfo. E
por causa disso esse plano descabido lhe parecera
tão eficaz!
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Como aconteceu, não sabia explicar. Mas


aconteceu.
Infelizmente as circunstâncias de seu infeliz
nascimento a fizeram ser uma das fadas da clausura
e não poderia fugir de seu destino.
Muito menos abandonar suas melhores
amigas, suas irmãs de coração, para viver um amor
proibido.
Driana se mexeu cuidadosamente para não
acordá-lo. Tão satisfeito e exausto como estava,
nunca perceberia que ela andava pela caverna e
partia.
Não lhe restou alternativa que não fosse sair
nua da caverna. Ficou aliviada que a noite estivesse
alta e a mata fosse fechada, pois longe dos braços
de Acheron, seu constrangimento e seus traumas
voltavam em peso. Ela encontrou as roupas do
rapaz Jô escondidas no canto onde as deixou.
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Vestiu-se rapidamente e com profunda lástima


vestiu o gorro de duende, escondendo os cabelos.
Desse modo, sufocava a fada Driana dentro de si.
Voltou para o acampamento correndo, mas
sua verdadeira vontade era correr para bem longe e
esconder-se para chorar.
Chorar até seu coração estar livre do amor.
Livre da culpa. Livre de tudo.
Uma hora mais tarde, entrava na barraca
onde a fada Jana deveria estar. Não demorou muito
a fada apareceu. Driana estava em um canto,
aguardando-a. Lutava contra o choro.
— Você está bem? — A fada Jana lhe
perguntou apiedada.
— Não. Mas vou ficar — disse com
sinceridade — Quando estiver a salvo com minhas
amigas e nós quatro estivermos livres, nesse
momento eu ficarei bem. — Divagou, limpando as
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lágrimas das faces, enquanto levantava e tomava


uma atitude, concluindo seu tão elaborado e eficaz
plano de exibir a fada Driana para os olhos do
Guardião, salvando assim a fada Jana, que não
fazia parte dessa complicada situação. — Preciso
amarrá-la outra vez. Acheron... Ele estará de volta a
qualquer momento.
— Você gosta dele não gosta? — A fada
perguntou enquanto era amarrada, confiando sem
pestanejar em Driana.
— Driana gosta de Acheron. — Foi sua vez
de dizer com ironia na voz. — Eu? Não. Sou um
elfo. Meu nome é Jô. — Disse a si mesma e Jana
apenas acenou concordando.
Era bom que não se esquecesse do seu
disfarce, pois depois da noite passada nos braços do
elfo, era bem capaz de baixar a guarda e causar
uma tragédia!

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Como esperava, pouco tempo depois ouvia o


canto dos pássaros na copa das árvores anunciando
mais um dia de sol na Floresta de Saul e ouviu
também os passos de Acheron no acampamento,
anunciando sua chegada...

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Capítulo 16 - Venda nos olhos

Driana manteve-se afastada do Guardião.


Durante toda a manhã ele chutou objetos e gritou
sua raiva em palavrões e atitudes grosseiras. Nada
que o ajudante Jô fizesse estava bom o bastante
para ele. Reclamou do almoço, reclamou das
roupas mal lavadas, reclamou até de coisas que Jô
não poderia entender ou corrigir.
— Traga a fada — Acheron lhe disse em
determinado momento, mal olhando em sua
direção.
Encolhida e assustada, Driana obedeceu.
Levou Jana até o meio do acampamento.
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Acheron apontou para o chão e o rapaz sentou-se


ao lado da fada, esperando que se manifestasse:
— Ontem à noite encontrei a verdadeira fada
Driana — ele contou, sem conseguir esconder o
orgulho ferido.
— Mas esta aqui não é a fada Driana? —
Obrigou-se a perguntar, pois era o que o menino
faria, caso fosse mesmo um rapaz e não apenas um
personagem.
— Não. Foi um engano. Não é a fada que
procuro. Quero saber quem é. — Ele mandou, os
olhos fixos na fada. — Diga seu nome e porque
estava em fuga quando a encontrei.
Apesar de parecida com Driana, seu cheiro
não lhe chamava atenção. Não era a fada que
desejava!
Jana lhe contou sobre ter sido roubada e
vendida como escrava. Contou sobre ter fugido e
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também, de saber que sua gente buscava por ela na


Floresta de Saul e que neste exato momento
deveriam estar angustiados sem notícias suas.
— Que seja desse modo. Solte-a. Está livre
— ele disse com raiva controlada, descontando sua
frieza e fúria no garoto, sem saber que de fato era o
alvo certo.
— Mas Acheron... — Driana obrigou-se a
dizer. — Existem caçadores de recompensa atrás da
fada Driana. Eles não acreditaram no engano,
pensaram que Jana é a fugitiva. Você a confundiu
com a fada Driana e por causa disso ela está
marcada. Se não a entregar para sua gente, será
aprisionada e morta.
Era a mais pura verdade. Era o que lhe
faltava para piorar sua situação!
Acuado, Acheron levantou e saiu da barraca
sem lhe dar satisfações do que pretendia fazer.
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Precisando saber o que passava em sua mente,


mesmo que brincasse com o perigo, Driana o
seguiu, falando sem parar:
— Eu não entendo como a fada pode ter
fugido de um Guardião. Você estava com ela? É
impossível que tenha escapado! Bem vi como é
capaz de vencer facilmente um opositor.
Principalmente uma fada indefesa!
Acheron andou pelo acampamento e devotou
sua atenção ao cavalo, onde a cela necessitava
cuidado, visto que seu ajudante muito falava e
pouco fazia. Fingiu não ouvir a pergunta de Jô
Não ignorava, claro que estava ouvindo.
Apenas não desejava de modo algum falar do
assunto. E sua forma de deixar claro que o assunto
não prosseguiria era ignorando Jô.
O rapazola pulava a sua volta, como um
esquilo inconveniente e não era a primeira vez, que
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Acheron pensava no garoto desta forma. Era


extremamente irritante quando se propunha a
arrancar-lhe uma informação que não desejasse
partilhar.
— A fada esperou que eu adormecesse, então
fugiu. — Finalmente confessou.
— Como assim: a fada esperou que
adormecesse para fugir? Se ela estava amarrada,
era impossível que fugisse, mesmo que você
houvesse de fato adormecido. Eu não entendo
como isso pode ter acontecido!
É claro que Driana sabia como tinha
acontecido! Queria ouvir sua versão da história,
como Acheron via o acontecido. Não estava
propriamente se martirizando por exigir ouvir dele
o que já sabia. Mas precisava de detalhes. Algo
mórbido em seu subconsciente, que a obrigava a
querer saber exatamente como Acheron se sentia

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naquele momento.
O Guardião respirou fundo e seguiu cuidando
do cavalo, talvez ignorando ou apenas postergando,
para não ter que responder imediatamente.
Não poderia fugir para sempre. O rapaz sabia
o que tinha acontecido e principalmente, sabia que
algo estranho se passara, e iria infernizar sua
miserável vida de Guardião caçador de fugitivos,
até obter uma resposta satisfatória.
— Não amarrei ou amordacei a fada —
confidenciou com a face contrariada e as palavras
secas.
— Como assim? Não amarrou ou amordaçou
a fada? Deixou uma fada com suas asas
completamente livre? É claro que ela fugiria! É
uma fada sendo perseguida por assassinato do rei!
Porque cargas d’água imaginou que ela ficaria
placidamente ao seu lado esperando o momento de
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ser entregue para a morte?


Outra vez, o segundo Guardião preferiu o
silêncio.
— Vamos, Acheron, você precisa me contar.
Sabe que não pode esconder um assunto desses
para sempre! Eu vou acabar descobrindo de um
jeito ou de outro! Conte-me como foi que a fada
Driana conseguiu fugir?
— Você quer mesmo saber como Driana
fugiu? — Havia mágoa e rancor em sua voz. — Eu
lhe digo. A fada é uma mentirosa dissimulada e me
enganou. Achei que seu cheiro... Achei que fosse
uma reação verdadeira, mas era apenas um plano
para escapar de mim.
Ele parou como quem não quer continuar a
falar.
— Não me diga... — Disse Jô. — Não me
diga que ousou tocar na fada! — Seu tom de horror
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era proposital para incentivá-lo a falar mais.


— Sim — disse Acheron — ousei tocar na
fada fugitiva.
— Como pode? Ela não é apenas uma
fugitiva! Driana, assim como as demais fadas da
clausura são responsabilidade dos Guardiões! Deve
entregá-la para ser julgada. Conservá-la intacta é
parte do seu dever! Pois se for considerada inocente
das acusações, voltará para a clausura. E neste caso
ao saberem que a deflorou, será considerado um
traidor ou no mínimo, será punido por
desobediência! Agiu errado, Acheron. Agiu contra
as regras do Rei! A fada da clausura deve ser
mantida casta, para que tenha uma chance de ser
escolhida em casamento. Se a pobre criatura for
inocentada, como será o restante dos seus dias?
Não terá a mínima chance de ser escolhida em
casamento e passará toda sua vida na clausura? Foi

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muito errado o que fez, Acheron. Muito errado!


Jô era como uma praga incentivando sua
raiva. Queria e precisava que ele explodisse e
mostrasse o que de fato pensava. O que lhe ia de
fato ao coração.
— Entenda de uma vez, rapaz – Acheron
disse com azedume na voz. — A fada não voltará
para a clausura. Tão pouco será julgada. Essa fada é
o demônio. Quando falavam de sua inteligência não
estavam enaltecendo-a. É a mais pura das verdades.
Seus pensamentos são mais rápidos que os meus. A
fada me enganou e me teve enrolado aos seus pés
pelo tempo que quis. Sabia desde o começo que me
enganaria. Ainda não sei se foi uma emboscada ou
se realmente não sabia que eu encontraria seu
esconderijo, e isso foi uma coincidência. O fato é
que ela me seduziu e me enganou.
Driana detestou ouvir o tom da voz de

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Acheron. Ele se menosprezava por ser menos


ardiloso que a fada Driana. Como poderia se
menosprezar por ser honesto e sincero?
— A fada o seduziu? Uma fada casta o
seduziu? — Debochou, pois ele esperaria que um
garoto fizesse isso.
— Não. A fada de inteligência maior que a
nossa. Eu deveria saber que seu cheiro era muito
forte para uma fada que não estava no cio. Deixei-
me enganar. Deixei-me levar por seu cheiro.
Acreditei piamente que estivesse no cio por minha
causa. No fim, a fada venceu. Acabei dormindo
como um porco. Ela pode fugir livremente, sem
empecilhos.
— Deixa-me ver se entendi o que você está
me contando... — Jô foi propositalmente malvado.
— Está dizendo que a fada o enganou, planejou,
seduziu, copulou, aproveitou-se de você, e depois

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simplesmente esperou que adormecesse para ir


embora? E que você não foi capaz de impedi-la?
— Sim, é o que estou dizendo — ele
confirmou realmente humilhado.
— Tem certeza que era você mesmo? O
grande, o poderoso, o selvagem, o maior farejador
entre todos os elfos, o mais voraz dos Guardiões,
aquele que ninguém jamais ousaria desafiar, foi
enganado por uma fadinha? Ao menos diga que a
pobre criatura já tem suas asas! Assim, ao menos
eu me convencerei que esta foi à única razão que o
tenha motivado a não procurar por ela por toda essa
floresta em vez de retornar com o rabo entre as
pernas, de cabeça baixa, como você acabou de
fazer!
Acheron parou tudo que fazia e virou-se para
ver seu ajudante. O modo como olhou para Jô
quase fez Driana desejar sair correndo e se

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esconder de sua fúria. Mas aguentou firme. Agora


que começara a provocar o Guardião para testá-lo,
iria até o final!
— Que essa fada ingrata pene sozinha nesta
Floresta. Não quero saber dela. Que os caçadores
de recompensa a encontrem. — Ele disse com
amargura. Recalque por ter sido enganado.
— Mas, Acheron, se ela foi tão esperta a
ponto de enganar um Guardião... É provável que
faça o mesmo com os caçadores, sendo eles
mercenários ou não.
Essa afirmação foi tão forte, tão doída, que
Acheron jogou a cela no chão e deu-lhe as costas,
afastando-se. Não queria sequer argumentar com o
rapaz. Para ele a indigesta conversa havia chegado
ao fim.
— E a fada Jana? — Jô gritou-lhe a
distância, correndo atrás dele, como um carrapato
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que não o deixaria em paz tão cedo.


— Levarei a fada de encontro aos seus
familiares. Quando estiver segura, seguirei
caminho. — Respondeu de má vontade.
— Como assim, seguirá caminho? A fada da
clausura está nesta Floresta. Deve segui-la, não é?
— Sim, é o que farei. Ela está por aqui, mas
não permanecerá muito tempo escondida por esses
lados. Se é tão inteligente quanto parece — havia
ironia em sua voz — sabe que tenho duas razões
para procurá-la e que não descansarei enquanto não
colocar minhas mãos naquele pescoçinho fino...
O modo como Acheron torceu as mãos fez
Driana engolir em seco, imaginando-o fazer o
mesmo com ela!
— Duas razões? — Perguntou Jô, nada
agradado do rumo que a conversa seguia.

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— Não seja tolo, rapaz. Acha mesmo que o


que ela me fez ficará assim? Que me enganou e eu
não farei nada sobre isso? Quando puser minhas
mãos sobre a fada...
Acheron não seguiu a frase, mas seu olhar
dizia exatamente o que pretendia fazer com a fada.
— Eu espero — disse Jô abusando do fato de
Acheron não notar quem de verdade ela era. —
Espero de verdade, que a fada tenha feito valer a
pena a noite ou você se sentirá ainda mais idiota
quando todos ficarem sabendo disso!
— Porque acha que mais pessoas saberão da
minha vergonha? — Acheron deu um passo em
sua direção com aviso na voz — tem planos de
fazer fofocas sobre mim?
Olhava para o rapaz de cima, do alto de toda
sua estrutura física privilegiada e precavidamente,
Jô baixou os olhos. Longe dela que Acheron
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notasse a semelhanças exageradas entre a fada


Driana e o garoto Jô.
Era muito tolo da parte dele não notar.
Driana não podia levar isso em consideração.
Acheron era por muitos considerado um tolo.
Conhecendo-o melhor, mudava de opinião ao seu
respeito concluindo que não era exatamente um
tolo. Era um crédulo.
Driana começava a ver que estar apaixonada
fazia com que não conseguisse pensar mal dele,
embora que em alguns momentos importantes era
difícil se convencer que havia mesmo algo dentro
daquela cabeça oca coberta por cabelos. Era muito,
mas muito difícil...
— Acha que a fada não contará a todos sobre
sua atitude? Será o primeiro argumento dela em
favor de si mesma. Como acreditar em acusações
feitas contra uma fada que até mesmo um Guardião

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acha que pode abusar? Seu nome será arrastado na


lama por ter se deitado com ela. Creia e se prepare
para isso.
Incomodado com essa verdade, Acheron não
quis falar disso.
— Prepare a fada Jana para voltarmos à
estrada — mandou, encerrando a conversa.
— Faça isso, Acheron, leve a fada Jana para
junto dos seus familiares. Depois procure a fada
Driana, quem sabe ela não o presenteie enganando-
o outra vez?
Rindo o garoto se afastou.
Acheron não fez nada, pois era esperado que
um jovem fosse zombar de um elfo de sua posição
e experiência enganado por uma fada casta. Ainda
mais uma fada da clausura! Uma fada sem asas!
Quando Acheron pusesse as mãos na fada,

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com certeza ela pagaria por essa ofensa. Não


pagaria do modo esperando. Não lhe relaria um
dedo. Pretendia que pagasse de outro modo. Ainda
não sabia como, mas acharia um modo de fazê-la
pagar por tanta humilhação.
Por certo alguns dias na Floresta de Saul,
amargando ter sido enganando pela primeira vez
em sua vida por uma fada, o fariam pensar em uma
estratégia para se vingar.
Entregá-la a Santha, não faria. Não, de modo
algum. Depois da noite dividida na caverna, nunca
a entregaria para ser julgada.
Se não pretendia fazer isso antes, agora seria
impossível.
Acharia um modo de tornar essa fada
abusada irreconhecível. Talvez levá-la por um
tempo para o campo dos humanos, até que todos se
esquecessem dela e de suas amigas.
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Alguma solução encontraria, mas


definitivamente não cumpriria a missão que lhe foi
dada.
A fada despertou seus sentimentos mais
íntimos e o desejo de encontrar uma companheira.
E por essa, apostava que a fada da clausura, mesmo
com toda sua inteligência, não poderia ter previsto!
Era experiente e sabia muito bem que a fada
não era ruim. Não era maldosa ou ardilosa, embora
sentisse raiva, não podia culpá-la pelo senso de
sobrevivência.
Mesmo assim, naquele momento a raiva
falava mais alto que qualquer outro sentimento!
*****
Acheron não estava para conversa. Disse que
partiriam naquele mesmo dia e isso de fato
aconteceu. Horas mais tarde, levantaram
acampamento e mesmo a fada Jana que não tinha
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nada a ver com a caçada, estava encarregada de


carregar parte dos utensílios típicos de um
acampamento.
Jana não estava se importando com o
trabalho, estava tão feliz com a liberdade recém-
adquirida e com sua inocência provada diante de
um Guardião que trabalhava sorrindo. Jana tentou
carregar o saco de couro onde era guardada a
armadura do Guardião, mas foi rejeitada pela
armadura de um modo nada agradável.
Lançada no chão, as peças de metal a
rejeitaram e retornaram para junto de Jô, que
precisou se conformar em carregar mais esse peso.
Pela primeira vez Driana deu razão a
Acheron quando lhe dizia que as armaduras
escolhem aqueles que podem ou não tocá-las. De
cara amarrada, por remorso, Driana seguiu atrás do
cavalo de Acheron, enquanto Jana levitava usando

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as asas para levar a si mesma por todo o percurso.


Vez ou outra elevava o voo e quase se perdia
entre as copas das árvores. Então retornava e ficava
ao seu lado, sem no entanto, tocar o chão.
O clima tenso marcava a caminhada.
Acheron em seu cavalo, sem dignar atenção alguma
para as fadas. Horas mais tarde, quando começava
a escurecer, chegaram a uma clareira de mato
amarelado, coberto de flores pequenas e cheirosas,
e ausência total de água. Nada de córregos ou veios
perdidos de algum curso de rio.
Acheron sabia que era um péssimo lugar para
ficar. Havia marcas distintas de um acampamento
recente, o que era estranho, pois viajantes evitariam
acampar em um local afastado de água.
Aproveitando que Acheron observava o
local, sem prestar atenção a elas, Jana revoo baixo e
sussurrou no ouvido de Driana:
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— Espere, Driana. Preste atenção e ouça. —


Disse sorrindo.
— O que eu deveria estar ouvindo?
— O silêncio. Não estranha tanta silêncio em
uma Floresta tão perigosa? É quase noite. Porque
tanto silêncio se as criaturas saem para caçar? —
Ela alargou ainda mais o sorriso. — São os meus
irmãos. Preste atenção e olhe em volta. O Guardião
jamais os notará.
Driana fixou os olhos em torno, analisando
cada pequena imagem a sua volta. Depois de alguns
segundos, sua mente privilegiada conseguiu
identificar a que Jana se referia. Reparou que nem
tudo que era verde era folha. Nem tudo que era
colorido, era flor. Alguns elfos misturados à
natureza. Misturados de tal modo que era
impossível para um ser normal identificá-los, a
menos que desejassem se revelar.

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Fazia parte de cada pedaço de madeira, cada


tronco de árvore, cada folha.
— Não são elfos comuns — Driana
sussurrou de volta — elfos não possuem poderes
mágicos! Mesmo com armaduras, não possuiriam
esse tipo de poder! — Estava maravilhada.
— De modo algum, minha família vem de
uma terra distante. Como o Guardião — olhou para
Acheron — ele também não nasceu nessa terra e
não é como os demais elfos que conhece.
— Sei sobre a descendência genética de
Acheron. Ele me contou. Mas eu quero saber dos
seus amigos — disse curiosa, interessadíssima em
conhecer mais sobre novas raças.
— Minha família veio de outras terras, muito
distante daqui. Quando nasci já havia uma grande
mistura em nossa raça. Mas meu pai e irmãos são
inteiramente perfeitos e ainda conservam as
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mesmas características dos nossos antepassados.


Não me perguntou qual é meu bom, não é Driana?
— Sorria ao perguntar.
— Sim, agora reparo que não pensei nisso.
Não lhe perguntei o seu dom.
— Eu não tenho dom. Minha raça não possui
dons. As fadas nascem com asas. Os elfos nascem
se camuflando quando desejam. Não há dons.
Surpresa, Driana observou-a afastar-se e voar
em torno de Acheron. Jana pousou a mão no ombro
do Guardião, enquanto voava baixinho ao seu lado.
Ele olhou-a e Jana riu antes de voar para longe e
revelar sua família para os olhos surpresos do
Segundo Guardião. Driana observou-o com ciúmes.
Não queria que Acheron reparasse em outra fada.
Não queria que estivesse com outra, pois sentia
como se lhe pertencesse. Depois de terem feito
amor, seu coração não aceitaria que outra o tivesse.

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De modo algum. Frustrada, Driana chegou a


triste conclusão que seu plano perfeito de enganar o
Guardião, causara-lhe um problema tremendo e
duradouro, havia ido para as favas. Ganhava tempo
para proteger suas amigas e em troca como paga
por suas atitudes torpes, perdia o coração.
Precisava enfrentar a realidade. Além de
atrasar as buscas propositalmente, também
precisaria afastá-lo de todas as fadas que ousassem
cruzar o seu caminho. E isso seria uma dura
jornada, pois Acheron tinha o dom de localizar
fadas e conseguir parceiras de cama com um
simples estalar de dedos!
E ela, mais do que ninguém, entendia muito
bem a razão. Sentindo um arrepio de paixão cruzar
seu corpo, lutou contra o sentimento, temendo que
Acheron pudesse farejá-la outra vez. Afastou-se e
se manteve longe mesmo curiosa para conhecer a

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família de Jana. Melhor esperar o coração se


acalmar e o corpo esfriar, para não correr o risco
dos elfos, menos burros que Acheron – e valia
salientar que qualquer um era menos tapado que o
Guardião – pudessem notar seu disfarce e alertá-lo.

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Capítulo 17 - Jô

Nem mesmo a companhia intrigante e


contagiante dos elfos da família de Jana conseguiu
esmorecer a expressão fechada e irritada de
Acheron. Era de esperar que depois de ter sido
enganado com tanta facilidade e usado de modo tão
vulgar, no mínimo ele estivesse furioso.
Driana não queria admitir que estava
surpresa com seu excesso de recalque masculino.
Esperava que se esquecesse da fada trapaceira, ela
mesma, na manhã seguinte. Sentiria um pouco de
raiva e indignação e estaria pronto para outra! Não
esperava tanta penitência por tão pouco.

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Para Driana a entrega da noite passada


significava muito. Significava uma vida toda de
ignorância a cerca do amor. De como é possível
amar incondicionalmente e em tão pouco tempo.
Mas para o elfo deveria ter significado menos que
nada.
Sentada perto da fogueira, ao lado de Jana e
dois de seus irmãos, Driana afastou os olhos do
Guardião que cuidava do cavalo com zelo
demasiado, perdido em seus pensamentos, e
prestou atenção ao cochicho de Jana:
— Pare de olhar para o Guardião ou
levantará suspeitas sobre seu gênero. — Ela sorriu.
— Está olhando-o com olhos de fêmea. Não é uma
boa ideia, até mesmo ele é capaz de notar o
interesse de uma fada.
— Eu sei — admitiu. — Não consigo evitar.
— Disse triste. Baixou a cabeça e Jana pousou a

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mão em sua coxa, num aperto de solidariedade


feminina.
— Eu conheci o amor depois de ter tido
minhas asas. Depois de ter sido... — Ela pareceu
não querer lembrar-se de tudo que lhe aconteceu,
muito menos falar em voz alta que havia sido
estuprada —... Eu fui tratada como um animal. Fui
usada e maltratada. Mas em meio a tudo isso, eu
conheci alguém especial. — Contou, e sorriu para
os irmãos — ele me ajudou a fugir... Mas não teve
a mesma sorte que eu, foi morto. Apesar da dor,
tive que fugir. Fiquei com medo de ter o mesmo
destino.
— Eu sinto muito — Driana não soube o que
lhe dizer. — Nestas horas o que prevalece é o
instinto de sobrevivência. Agiria do mesmo modo
que você, Jana.
— Não sinta. A morte é uma forma de

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liberdade para aqueles que vivem em uma prisão


durante toda sua vida. — Suspirou pesarosa. —
Além disso, eu não fiquei para ver se de fato ele
está morto. Ainda guardo no meu coração uma
esperança. Mas como dizia, não provei da relação
entre fêmea e macho fora do cio. De fato, nem
sabia que era possível.
— É claro que é possível — um de seus
irmãos disse. — O cio é o momento mais
apropriado. Mas não é o único. Dizemos isso para
as fadas se guardarem até o nascimento das asas —
ele riu enquanto bebia seu elixir proibido. — Se é o
seu caso, Jô, não se preocupe, é normal.
Driana ficou surpresa pela frase. O elfo riu,
piscou e disse:
— Qualquer um nota que é fada. Não
acredito que um Guardião tenha se deixado enganar
desse modo!

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— Acheron não deixou, eu o enganei sem


permissão — ela fez graça, aliviada por não ter que
mentir para eles.
— Hum — disse o outro irmão de Jana. —
Parece que ele quer ser enganado.
— Talvez — ela concordou. — De qualquer
modo não sei o que há errado comigo. Tenho quase
vinte anos! Minhas asas deveriam nascer a qualquer
momento! Mas não sinto sinal algum...
— Você era uma das fadas da clausura, não
era? — Jana perguntou — então, quem lhe disse
que tem quase vinte anos? Sua idade pode ser
outra. Pode ser mais jovem ou ainda, mais velha.
Driana nunca havia pensado nisso. Fora
levada para o Ministério do Rei quando já era
maior. Não era um bebê. Sim, poderia ter havido
um erro quanto a sua idade!
— Mas e se eu tiver mais que vinte anos? Eu
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posso ter algum problema não posso? Talvez


minhas asas jamais nasçam!
— O mais provável é que esteja ansiosa
demais. De onde venho, as asas de uma fada nunca
nascem precisamente aos vinte anos. É comum
fadas com mais idade ainda aguardarem o
nascimento. — Jana sorriu e bebeu um pouco de
elixir da caneca que seu irmão segurava, mudando
de assunto. — Estou tão feliz de estar com minha
família. Houve um tempo em que achei que
morreria sem nunca vê-los outra vez! Sou tão grata
a você, Driana, por ter me salvo!
— Eu não fiz nada. Por minha causa quase
foi levada para o castelo e julgada por outro crime!
— Disse corando.
— Sim, mas se não houvesse acontecido esse
mal entendido, o Guardião jamais tomaria partido
da minha causa. Sem sua proteção, eu jamais

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poderia encontrar minha família e ser livre outra


vez. Ainda estaria esperando na caverna, com medo
e correndo risco de vida.
Driana estava prestes a dizer que isso não era
verdade e que trouxera ainda mais complicações
para sua vida que já era tão difícil quando notou
que Acheron mudava a postura.
— Eu já volto — disse para eles e se
levantou.
Precavido correu até ele e ficou perto.
Conhecia cada ação do guerreiro. Ele estava
impaciente. Talvez houvesse farejado algo.
— O que foi, Acheron? — Perguntou-lhe
sem rodeios.
— Duque — ele disse sério. — Sinto o
cheiro daquele verme.
— Ah, não. Ele deve estar atrás da fada Jana,

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achando que é Driana. Achei que tinha desistido


para não enfrentá-lo!
— Duque nunca desiste. — Acheron disse
sério.
— O que vai fazer? Enfrentá-lo? — estava
com medo.
Pela expressão do Guardião, ele não estava
nem um pouco contente em precisar lutar contra o
bando de caçadores de recompensa.
— Espero que não. — Acheron não queria
muita conversa com Jô
Estava assim desde que fora enganado.
Seguindo-o de perto, ouviu-o contar suas suspeitas
e planejar sobre a melhor abordagem.
Jana estava assustada e pediu-lhe
silenciosamente que conversasse com ela. Pelo
canto dos olhos, Acheron notou que seu ajudante se

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juntava a fada para uma conversa particular.


Desconfiado que o rapaz pudesse causar
problemas, achou um modo de ouvir o que diziam.
— Eu não acredito! Achei que não corresse
mais nenhum risco! — Jana disse a beira do choro.
— O que vai ser de mim se eles me pegarem? Nada
os fará crer que não sou a fada que procuram!
— Não fique nervosa. Nada vai lhe
acontecer. Eu a coloquei nessa enrascada e vou tirá-
la disso! — Jô disse compadecida.
De seu esconderijo, Acheron franziu a testa,
sem compreender o que isso queria dizer.
— E como pretende me ajudar? — Jana
perguntou.
— Só tem um modo de você se livrar dos
caçadores de recompensa. O mesmo modo que a
livrou do Guardião — disse revoltada.

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— Está pensando em...? — Jana cobriu os


lábios, chocada.
— Não chega a tanto — ela negou,
maneando a cabeça veemente. — Mas está certa
sobre uma coisa. A fada Driana vai ter que aparecer
outra vez.
Acheron perdeu o fôlego por um instante.
— E como vai ser isso? — Jana perguntou
aos cochichos.
— Essa noite. Dessa noite não passa. Driana
vai ter que aparecer para os caçadores de
recompensa e desfazer esse mal entendido — disse
cheia de certeza.
— Mas isso é perigoso! Eles não serão tão
fáceis de ludibriar quanto o Guardião!
— Ninguém nesse mundo é tão fácil de
ludibriar quanto Acheron — ela disse com ternura.

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Ternura que Acheron não compreendeu ou


notou.
Seu ajudante conhecia a fada da clausura.
Provavelmente vinha causando problemas de
propósito, para que não a alcançasse! Traído por Jô.
Com um sentimento de abandono dentro de
si, Acheron se escondeu quando Jô e Jana andaram
para perto da fogueira.
Essa noite, Acheron, o elfo fácil de enganar,
ensinaria uma lição para o garoto. Uma lição
inesquecível!
Mal podia esperar pelo momento em que Jô o
levaria até a fada Driana. Quando pusesse suas
mãos sobre os dois traidores, o chão da Floresta de
Saul iria tremer. Disso ele tinha a mais absoluta
certeza!
*****

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Quando a noite caiu, Driana sentiu-se segura


para agir. Conhecia o modo de pensar do segundo
Guardião, e ele preferia utilizar da luz do sol da
amanhã para confrontar os inimigos. Era atípico,
pois normalmente os guerreiros preferiam a noite
como camuflagem para seus ataques, mas Driana
havia percebido que os olhos de Acheron nunca
haviam se adaptado a luminosidade do Monte das
Fadas, por causa disso na noite, ele perdia ainda
mais sua capacidade de vislumbrar detalhes. Ao
menos com a luz da manhã, ficava na vantagem
natural da claridade.
Depois de conferir que ele dormia
pesadamente, Driana deixou o acampamento,
depois de despedir-se rapidamente de Jana e seus
dois irmãos.
Era mais seguro que apenas eles soubessem
quem era. Os outros dois elfos, pai e irmão mais

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velho, poderiam não ser tão acessíveis a essa


verdade.
Jô escondeu-se na mata e encontrou um lugar
perfeito para trocar as roupas. Acheron esperou que
o rapaz saísse fortuitamente, para segui-lo. Em
determinado momento perdeu-o de vista por um
instante. Permaneceu escondido esperando que
aparecesse.
A mata fechada causou dificuldade em
identificar movimento. Não era um caçador da
noite. Era do dia, e seus olhos claros não se
adaptavam a escuridão total. Minutos mais tarde,
quando impaciente quase abdicava de seguir o
rapaz e sim optava por confrontá-lo, avistou um
vulto na noite.
Era um vulto delicado e preciso, e ele
reconheceu as curvas de mulher por baixo da túnica
que antes pertencia à fada Jana. O garoto Jô tivera a

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audácia de pegar roupas de sua protegida para


ofertar a fada da clausura? E todo aquele tempo de
angústia, a fada estivera escondida na Floresta de
Saul, pertinho deles?
Realmente, Acheron começava a dar razão a
todas as pessoas que cruzaram seu caminho ao
longo dos anos e o chamaram de burro.
No mínimo era ingênuo demais.
Seguiu a fada mantendo muita distância. Era
barulhento demais e ela esquiva demais. Uma
combinação perigosa.
Driana seguiu seu trajeto, ignorando
completamente que era seguida.
Acheron estava coberto de razão ao alegar
que sentia o cheiro de Duque. O infame mantinha
acampamento longe, porém mantinha-se perto,
vigiando cada movimento deles.

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Encontrou dois comparsas do mercenário


vigiando entre as árvores. Eram tolos e Duque não
acreditaria na palavra de ambos, mesmo que
jurassem de pé juntos terem visto a fada da
clausura.
Restava-lhe enfrentar o perigo real.
Duque mantinha os olhos fixos no
acampamento.
Esperava do fundo do coração que Acheron
não houvesse notado sua fuga. Havia sido
cuidadosa, mas nunca era garantido quando se
tratava de mercenários experientes.
Ela não sabia, e em sua arrogância
exacerbada, jamais pensaria ser possível, mas o elfo
era capaz de pensar tanto quanto ela. Não era um
dom, era experiência de anos de planos bem
elaborados e caçadas bem sucedidas.
Era provável que ele houvesse
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notado o que pretendia desde o instante em que


Driana se fez visível. Entre as árvores, foi
propositalmente barulhenta.
Seu plano era levá-lo para longe e quando
estivesse perto da cachoeira, e da caverna onde
seduzira Acheron apenas uma noite atrás, escaparia
e o deixaria para trás.
O grande problema de planos bem
elaborados é que sempre dão errado. Driana
descobriu isso na noite passada quando venceu
Acheron, mas perdeu seu coração para o elfo. E
nessa noite esperava ganhar, não perder a vida ou a
liberdade!
Duque fez seu jogo. Seguiu a fada por muito
tempo floresta adentro. A fadinha era pequena e
ágil, mas ele era mais. Muitos anos lutando pela
própria sobrevivência, lidando com elfos e fadas
que faziam o mesmo, lhe garantiram muita

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agilidade de corpo e mente.


Por isso Duque era tão perigoso. Por ser
capaz de prever os passos de seu inimigo. Lhe deu
toda a corda que Driana precisava para se enforcar.
A fada não obtivera suas asas ainda, por
conta disso, era inofensiva, e por mais inteligente
que fosse, sem o seu dom completo, era vulnerável.
Duque a seguiu pela noite toda. Driana estava
exausta quando finalmente conseguiu despistá-lo.
Não esperava que fosse tão difícil. Suada,
escondeu-se entre as pedras e permaneceu muito
tempo em uma fenda entre rochas, esperando que
ele cansasse e fosse embora.
Havia um triângulo formado, mas ela não
sabia. Escondida, entre dois elfos que a seguiam.
Cada qual com um intento diferente. Acheron
perdeu o rastro da fada, mas não do elfo.
Muitos anos lidando com Duque. Talvez
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fosse a hora de dar um basta nisso.


Às vezes a vida precisa de certa desordem
para seguir, por conta disso, os Guardiões faziam
vistas grossas aos caçadores de recompensa. Eram
apenas dez Guardiões e não poderiam abandonar o
Castelo. Sendo assim, os caçadores de recompensa
exerciam um importante papel dentro da sociedade,
limpando as imediações de bandidos e fugitivos.
Acheron aprovava a profissão e não os métodos
usados especialmente por Duque.
Conhecera alguns caçadores de boa índole,
mas Duque não era um deles.
Amanhecia quando Driana convenceu-se que
era hora de partir, era seguro, que poderia trocar as
roupas e voltar a ser o garoto Jô. Estava a passos
do esconderijo de suas roupas, quando foi pega por
trás.
Braços fortes a apertaram e mãos escamosas
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agarraram sobre seus seios, enquanto um punhal


era colocado abaixo de seu queixo, a lâmina rente
ao seu pescoço.
— Quietinha, fugitiva — Duque disse com
sua voz asquerosa. — Acabou. Está pronta para ser
julgada por seus crimes? Espero que sim, pois eu
sou um juiz muito severo.
Ele riu da própria piada e apertou seu peito
com força. Lutando para não gemer de dor, ficou
quieta, para não ser ferida. O medo mandava que
gritasse, mas sua mente consciente pedia que se
acalmasse e pensasse em uma solução.
— Sem asas, sem dom... — Ele riu outra vez,
largando seu seio para agarrar seus longos cabelos
e puxar sua cabeça com toda força. — ...Mas com
muita beleza e delicadeza. Será um banquete. Faz
muito tempo que não tenho uma fada tão bonita.
Será culpa da clausura? Sinto o cheiro do medo da

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reclusão? — Ele aspirou o cheiro de sua pele e


lambeu perto do seu ouvido, obrigando-a a tentar
fugir.
Um puxão a fez parar e reclamar da dor.
— Acheron é uma fera. Mas não é difícil de
enganar — ele disse com zombaria na voz — seu
único defeito é ser tão estúpido durante a maior
parte do tempo.
— Não fale assim dele! — Ela reclamou e
sua resposta foi ser arrastada pelos cabelos floresta
adentro.
— Eu soube que aquele garoto não era um
simples ajudante no instante que coloquei meus
olhos sobre ele! Confesso, demorei em entender o
que acontecia. Nada como um dia após o outro para
apurar nossos olhos e clarear nossa mente, não é?
Driana foi arrastada pelos cabelos, com o
punhal ora machucando seu pescoço, ora ferindo a
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pele abaixo das costelas. Duque mantinha seus


comparsas em um lugar reservado, longe do
acampamento do Guardião. Estavam sozinhos, pois
ele ordenara que os demais seguissem cada passo
do Guardião e dos outros elfos que se juntaram a
ele.
Francamente, o único desejo de Duque era
estar sozinho com a fada.
Driana foi lançada no chão de terra, pois o
elfo sanguinário escolhera um local bastante
acidentado para levantar acampamento.
— Sabe, fada, eu aprecio seu modo de pensar
— ele disse com ironia, enquanto a girava no chão
e amarrava suas mãos.
Driana gritou quando ele baixou sua túnica
para analisar a pele de suas costas. Aquela mão
nojenta correu por sua pele e sentiu as formas
limpas.
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Nada de asas ou sinais de nascimento de


asas. Ele girou-a outra vez e ela agradeceu aos céus
que não insistisse em tocá-la e sim amarrasse seus
pés.
— E aprecio ainda mais ter seguido meus
instintos. Eu não vou levá-la para o castelo. Não
fique preocupada — gentilmente passou uma das
mãos por sua face e Driana afastou-se com ódio. —
Não sou tão burro quanto Acheron.
— E o que vai fazer comigo? Vai me vender
como fez com Jana? — Perguntou amargurada.
— De modo algum, você é valiosa demais
para ser vendida — ele negou, andando em torno
dela, que seguia no chão. — Vou usá-la para atrair
as outras fugitivas. Faltam três, não é? Pois bem,
quando tiver as quatro em mãos, aí sim, eu as
levarei para o castelo.
— E pensa fazer isso se valendo dos seus
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comparsas inúteis que não servem para nada além


de beber e ferir fadas frágeis? Tão inúteis que
deixaram uma fada fraca como Jana fugir?
— Eu sempre consigo o que desejo. — Ele
disse com veneno na voz, baixando o corpo e
falando bem em seu ouvido. Seu hálito era podre e
Driana estremeceu só de imaginar o que Jana não
passou nas mãos daquele verme.
— Não dessa vez — ela negou. — Não vai
me manter prisioneira muito tempo. Eu vou fugir e
procurar Acheron. Contar dos seus planos. Ele vai
pegá-lo e aí de você quando isso acontecer! —
Ameaçou.
— E como pretende fazer isso? — Ele riu. —
Acha que tem o domínio sobre o Guardião?
— O que você acha? — Ela disse com
malícia. — Eu tenho o Guardião em minhas mãos e
não preciso de asas para isso. — Alfinetou,
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ofendida por ser amarrada daquele modo.


Duque mediu sua expressão para saber se
blefava.
A fada lhe dizia com palavras praticamente
explícitas que seduzira o elfo Guardião. Sendo
assim, não adiantava contar com sua castidade
como forma de chantagem. Ela não tinha mais
razões para se reguardar. Estava perdida para a
escolha dos elfos.
E seu valor de venda baixava
consideravelmente. Metade do encanto se perdia.
— Veremos se o que diz é verdade — ele
ameaçou — quando chegar a hora, descobriremos
se Acheron vira salvá-la ou não.
— Enlouqueceu? — Driana gritou quando
ele se afastou, encerando a conversa — Vai
desafiar um Guardião para a luta?

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Duque virou-se, abriu ambos os braços e fez


uma mesura de deboche. Ele tinha planos, e Driana
sabia disso.
— O que você fez contra Acheron? — Ela
gritou se debatendo.
Queria se soltar e esganar aquele mercenário!
— Contra Acheron? Nada. Eu não fiz
absolutamente nada. Quem fez foi o menino Jô —
Duque riu e ela soube que não conseguiria mais lhe
arrancar nenhuma palavra.
Driana manteve-se imóvel por alguns
segundos. Duque tinha planos para pegar Acheron
desprevenido e ela não duvidava que conseguisse.
Apesar de forte e praticamente invencível, Acheron
era muito influenciável. Muito absorto.
Se ela não estivesse com tanto medo teria
notado que em sua mente já não pensava no
Guardião como alguém tolo e sim, ingênuo para
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criar planos desonestos. Preferia a honestidade e


enfrentava as adversidades de cara limpa.
Ao contrário dela que era uma mentirosa e
dissimulada.
Acalmando os nervos, focando a mente no
que acontecia e em suas possibilidades, Driana
pensou na vantagem de estar apenas os dois juntos.
Apenas um elfo para lutar. E mesmo que fosse
esperto, ainda assim, era um só.
Conquistar e dividir, pensou Driana. Tateou
as pontas dos dedos no chão, procurando algo que
pudesse usar. Era um solo de terra batida, com
pedras que feriam sua carne.
Acheron pretendia esperar que Duque se
afastasse da fada para interferir. Pegar o bandido
desprevenido para ter uma luta calma e rápida.
Estava a um passo de invadir o lugar e resgatá-la,
quando surpreso notou que Driana soltava as cordas
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que prendiam suas mãos.


Ele não viu os detalhes, mas Driana usou
uma pedra pontiaguda para romper as cordas. Não
era uma questão de força. E sim, de precisão
analítica. Definir o melhor ângulo e atacar a parte
mais frágil da corda e não o nó.
Livre, soltou os pés e estava prestes a fugir,
quando Duque percebeu sua fuga. O elfo era ágil.
Driana ela mal teve tempo de ver de onde ele vinha,
antes de ser agarrada outra vez.
Duque mantinha as unhas longas, negras e
afiadas exatamente para isso. Agarrar e imobilizar
suas vítimas. Driana gritou de dor, quando as
fincou em seus antebraços. Seu corpo vergou de
dor e ela não teria conseguido se livrar se estivesse
totalmente sozinha, dependendo de si mesma.
Driana não teve tempo de ver o vulto que
atacava Duque, pois caiu no chão. Suas mãos
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tentaram parar o sangue que vertia de sua pele, mas


não era nada comparado ao pânico de ver Acheron
e Duque se engalfinharem bem diante de seu olhar.
Acheron levava vantagem, pois as feridas
que Duque tentava abrir em sua pele não tinham o
poder de abalar tanta força e presteza. Em
determinado momento Duque fincou as unhas
potentes sobre a pulseira que Acheron carregava no
pulso e Driana cobriu os lábios apavorada, com
medo de ser uma ferida fatal, pois era conhecedora
da anatomia e sabia das importantes veias que
corriam pelo braço, sobretudo pelo pulso.
Acheron segurou a mão do outro elfo, e foi
dobrando o braço do elfo, sem desgrudar os olhos
dele. Duque arregalou os olhos, pois era inevitável
que seu osso seria quebrado. Acheron foi até o final
e ela ouviu o som desagradável de algo quebrando.
Os gritos do elfo não fizeram Acheron parar.

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Lançou-o no chão e com a espada finalizou a luta.


Driana afastou os olhos para não ver.
Acheron enxergou a fada num ato de horror
não assistir a morte do elfo Duque. Sua franja
cobria seus olhos e os cabelos impediam que visse
sua expressão de completo horror. Não se
envergonhou de fazer seu trabalho. Duque era um
assassino, estuprador e tantos outros defeitos que
seria impossível listar em apenas uma frase.
Milhares de crimes que por omissão dos Guardiões,
seguiam sem punição.
Livre do algoz, Driana conscientizou-se que
estava nas mãos de Acheron. Os olhos azuis da
fada fixaram-se nele. Acheron afastou-se do corpo
do elfo e também comprou seu olhar.
Como se Driana pretendesse ficar para se
explicar pela noite passada! Num repente, levantou
e começou a correr. Nunca daria conta de fugir do

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Guardião, mas podia tentar enganá-lo outra vez,


despistá-lo dentro da floresta. Afinal fazia isso há
dias, e ele não percebera que era uma fada e não
um elfo jovem.
Acheron seguiu-a sem pressa de correr. Uma
grande vantagem de conhecer seu inimigo é saber
como irá agir. Era um caçador nato, sabia por
experiência que as caças tendem sempre a repetir
padrões anteriores. E agora ele conhecia os padrões
de Driana.
Ela tentaria despistá-lo entre as árvores. Mas
ele a levaria para um lugar onde poderia pegá-la
facilmente.
Driana correu pela sua vida. Seus cabelos
revoavam, mas ela não percebeu. A túnica
atrapalhava, por isso segurava a barra para cima,
libertando as pernas para a corrida. Acheron
acompanhava a distância o vulto entre as árvores.

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Com seu tamanho todo bastava uma corrida


simples, para que emparelhasse com ela.
Mas deixaria que acreditasse estar na
vantagem.
Driana ficou na dúvida sobre onde deveria ir.
Se seguisse para a cachoeira, Acheron saberia das
suas intenções. E jamais conseguiria livrar-se dele
usando o mesmo golpe. Sentindo-se a criatura mais
inteligente do mundo, Driana correu na direção do
desfiladeiro. Quando alcançou a parte mais alta,
toda gramada e coberta por árvores, Driana parou.
Sim, o esconderijo perfeito.
Era muito simples, iria descer em escalada
até o ponto mais escondido do desfiladeiro, sentar e
esperar que Acheron desistisse de procurá-la. Ele
detestava lutar durante a noite, sendo assim, estaria
livre para voltar e torcer para que não houvesse
notado a falta de Jô.
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Muitas vezes Joan, sua amiga mais doce e


quieta, lhe dizia que o fato de ser inteligente a
tornava tola para a realidade da vida. Que saber
como fazer algo, não a tornava hábil para sair-se
bem.
Mas Driana não acreditava nisso. Confiante,
começou a descer pela borda do desfiladeiro. Foi
descendo com relativa facilidade. Em determinado
momento seu pé escorregou e ela não teve tempo
para medo. Caiu sentada em uma rocha. Com o
corpo dolorido, arrastou-se para o lado até
encontrar uma saliência de terra sobre as rochas.
Era seguro e espaçoso, havia árvores para protegê-
la do sol e também ocultar sua presença.
Depois, era só escalar de volta e estaria tudo
bem. Afinal não tinha planos de olhar para baixo e
assistir a queda livre que a aguardava caso
houvesse rolado em vez de cair sentada.

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Acheron mal acreditou que a fada houvesse


mesmo descido o desfiladeiro. Correu para tentar
impedir aquela loucura e lembrá-la que sem suas
asas, era tudo, menos um passarinho livre para
enfrentar o desfiladeiro!
Apavorado sobre uma queda, descobriu que a
esquilinha escaladora de desfiladeiros estava
escondida em um canto relativamente seguro. Ele
maneou a cabeça incrédulo. Sua presença chamou
atenção e Driana olhou para cima, conscientizando-
se que havia sido descoberta.
Achando estar protegida e que Acheron não
conseguiria chegar mais perto que isso, levantou-se
e gritou para ele:
— Diga-me, Guardião, como é a vista aí de
cima? — Provocou.
— A vista é encantadora — ele gritou de
volta, curvado para enxergá-la lá embaixo. —
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Principalmente por que me pergunto se você tem


ideia como vai sair daí sem ajuda!
— Sairei do mesmo modo que desci! — Ela
revidou sorrindo — Acho que vai ter que desistir,
Acheron. Não pretendo sair daqui tão cedo! — Ria
dele.
Muito contente em olhar para ele. Em falar
com ele. Em permitir que sua mente relembrasse do
amor partilhado em seus braços. Seus olhos
brilhavam de luxúria e ele sabia. Era de longe a
relação mais estranha que tivera com uma fada.
Também a mais intensa.
— Acontece, que eu pretendo descer — ele
gritou de volta.
— Duvido! — Ela revidou — é muito alto e
perigoso para um elfo grandalhão e desajeitado
como você... — Suas palavras ficaram perdidas no
meio do caminho, pois Acheron começava mesmo
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a descer. — Não faça isso! Enlouqueceu?


Ele nada respondeu. Consciente que estava
enganada, pois ele era muito ágil e descia
facilmente, Driana começou a tentar escalar a
parede oposta, para tentar subir antes que fosse
alcançada.
Foi quando descobriu que Joan estava
coberta de razão. Saber fazer algo, não a
qualificava para ser hábil na execução. Não
conseguia firmeza para içar o corpo para cima e dar
impulso. Faltava força em suas pernas, nas mãos e
braços.
Tremula pelo esforço, desistiu e aproximou-
se da borda, para ver se poderia descer mais.
De modo algum, estava ilhada. Desaforado
Acheron pulou o último trecho que faltava e ficou
diante dela, com toda sua postura arrogante:
— Vejo uma fada em apuros — ele disse
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sugestivo.
— Isso é ridículo. Eu me sinto ridícula. —
ela disse indignada — eu não consigo ter força nem
para salvar a mim mesma. Acha mesmo que ajudei
a assassinar o rei?
— Não me cabe julgar. Eu sei que é capaz de
trair e enganar, e isso me basta. — Ele acusou.
— Fala da noite que passamos juntos? — Ela
deu de ombros, falsamente desinteressada. — Eu
fui atacada por você. O que eu faria? Tive que
fugir. Não me culpe por reagir ao seu ataque!
— Sim, fale mais — Acheron disse
aproximando-se perigosamente.
A expressão na face de Acheron era perigo
puro. Mas ela não sentiu medo, pelo contrário,
lutou contra um sorriso. Não deveria ter esse
sentimento. Mas não conseguia evitar.

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— Conte mais das suas mentiras bem


elaboradas. — Ele sugeriu irônico.
— Eu não minto porque quero. Estou sendo
obrigada a mentir, é diferente. — Defendeu-se.
— E o garoto? — Ele perguntou.
Driana mal acreditou no que ouvia. Achava
que a essa altura o Guardião soubesse de tudo.
Bem, deveria saber que não. Sempre que se
dispunha a crer que Acheron possuía miolos, ele
vinha a jogava suas esperanças por terra.
— Que garoto? — Ela se fez de
desentendida.
— Jô. Ele o acoberta em sua fuga.
Provavelmente esteve me atrasando durante dias.
— Ele acusou.
— O rapaz me ajudou sim, por pena, não por
interesse. Não seja severo com ele — defendeu seu

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disfarce, pois nutria esperanças de voltar a utilizá-


lo tão logo se livrasse de Acheron.
Tão perto, não havia para onde correr e fugir.
Driana sentiu as rochas contra as costas e descobriu
que não queria fugir. Acheron ergueu uma das
mãos e tocou seu braço, onde estava machucada.
Ambos os braços manchados com sangue.
— Está ferida — ele disse com voz mansa e
Driana se rendeu ao toque.
— Sim, mas não sinto dor — admitiu.
— Culpa da emoção. Quando se acalmar a
dor vai ser difícil de lidar — ele explicou e Driana
deixou que seguisse tocando seu braço, até alcançar
seu pulso.
Foi quando se lembrou dos ferimentos de
Acheron.
— Duque feriu seu pulso. Eu vi quando

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aconteceu — ela disse soltando-se como quem


pergunta se ele está bem ou não.
— Não, ele não feriu — ele negou e puxou a
pulseira de couro para que ela viesse o que
escondia embaixo dela.
— O que é isso? — Perguntou surpresa.
— Um ferimento antigo — ele explicou.
Carne apodrecida e cicatrizada, de alguma
profunda queimadura.
— Eu não sinto nada nessa região — contou.
— Mas você vai sentir. — Ele avisou.
Driana acenou concordando. Acheron havia
sofrido tanto na vida. Assim como ela vinha
sofrendo. Com o peso da fuga em suas costas, pela
primeira vez em dias, Driana sentiu vontade de
sentar e chorar. E foi o que fez. Escorregou até
estar sentada e esconder o rosto nos braços que

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foram apoiados sobre os joelhos.


— Vai me levar para o castelo? — Perguntou
baixinho.
— Eu lhe prometi que não. — Do alto de sua
impressionante altura, Acheron prometeu.
— Eu não acredito. Disse o que eu queria
ouvir no calor do momento. Além do mais — ela
olhou para cima, com toda a vulnerabilidade que
normalmente escondia das pessoas. — Eu nunca
acreditei em elfos ou fadas que trabalhassem a
mando do Rei e da Rainha. Por que com você seria
diferente?
— Porque não sou como eles.
— Não é o que vejo. Fala de justiça e
liberdade, mas me caça como se eu fosse um
animal. Seu rei falava de lealdade e justiça, mas
trancafiava as fadas pobres e desvalidas para uma
vida toda de sofrimento. Os Guardiões falam de
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missão e leis, mas deixam caçadores de


recompensa como Duque, livres para abusar e
aprisionar fadas e elfos livres. É tudo conversa. Vai
me entregar para ser julgada. É questão de tempo.
Tão logo consiga me aprisionar, estarei perdida.
— Eu já a aprisionei — lembrou-a disso.
Acheron baixou o corpo, ficando de cócoras,
na altura da sua face, olhos nos olhos.
— Não, você não me aprisionou. Estamos os
dois livres. Quero ver como vai subir e me levar ao
mesmo tempo. Se chegarmos os dois lá em cima,
então você terá me aprisionado. — Ameaçou.
Acheron não escondeu um sorriso satisfeito.
Um sorriso sem vergonha.
A inteligência aguçada da fada o desafiava e
excitava.
— Eu te peguei, fada — foi taxativo. —

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Dessa vez não vai escapar de mim facilmente.


Driana engoliu em seco e mal pode conter o
acelerado do coração quando Acheron aproximou
os lábios dos seus. Nunca se beijaram.
Francamente, ela nunca beijou ninguém. Perder sua
castidade não a fizera conhecer o sabor de um
beijo, pois na noite passada juntos, ele não tocou
seus lábios.
Percorrera seu corpo todo com toques e
beijos, mas não tocara seus lábios. Culpa da
loucura do momento ou da falta de sentimentos
entre eles naquele instante de loucura selvagem.
Passado o frenesi da pele e da luxúria, eles se
conheciam, se apreciavam e nascia o desejo por um
beijo.
— Me dê seu beijo, fada — Acheron
mandou.
Driana precisou de toda sua força de vontade
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para manear a cabeça negar:


— Não. — Afastou o rosto — não lhe dou
meu beijo.
Era uma frase patética. Entre eles havia algo
muito grande acontecendo. Acheron não se
importou com sua negativa. Mas também não
forçou o beijo. Arrastou a gola ampla da túnica que
a fada usava e Driana deixou-o revelar seu ombro
nu.
Acheron aspirou o cheiro da fada e deu-lhe o
beijo que tanto desejava, mas não em sua boca, e
sim no pescoço. Driana se esqueceu de tudo
enquanto era tocada pelo Guardião. Em segundos
estava nua. A túnica jogada displicente em um
canto qualquer do estreito pedaço de terra e rochas
onde estavam.
Driana sentiu um engasgo de emoção quando
Acheron rasgou um pedaço da própria roupa e usou
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duas tiras para enfaixar seus antebraços, onde


estava machucada. Como uma simples fada pode
resistir a um elfo tão doce e carinhoso?
E como alguém poderia imaginar que ele
fosse assim? Que na intimidade de um casal,
Acheron fosse tão gentil quando no dia a dia com
outros elfos e em seu trabalho era quase selvagem?
Driana quis lhe oferecer seu beijo, em
retribuição a tanto cuidado, mas se conteve.
Quando partisse outra vez e o enganasse,
Acheron não a perdoaria. Ou então, seriam
separados para circunstâncias do nascimento de
Driana. Era uma fada da clausura. Uma fugitiva
indômita.
Qualquer relação entre eles estava fadada ao
fracasso. E quando isso acontecesse e seu coração
estivesse recuperado do sofrimento e da dor, Driana
conheceria outro elfo e tentaria se apaixonar.
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Quando isso acontecesse lhe ofereceria seu beijo,


como uma forma desesperada de tentar se
apaixonar e esquecer Acheron.

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Capítulo 18 - Esplendor e amanhecer

Na noite anterior havia pressa, uma paixão


inexplicável e desconhecida, que conduzia os
movimentos e os reduzia a dois animais copulando
no meio da noite.
Agora, era tudo diferente. Sabia quem eram,
conheciam as diferenças que os separavam. Eram
cientes da dificuldade em se entrosarem, pois cada
qual tinha seus ideais e não abriria mão deles por
nada.
Longe da aflição da noite passada, quando
tudo era novidade e o medo misturava-se a
ansiedade, Driana e Acheron estavam descobrindo

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um novo recomeço. Era tudo muito diferente


quando se sabe o que quer, é diferente quando o
corpo não assumia as rédeas sozinho, pois agora
mente e coração unia-se na decisão de fazer amor.
Acheron deitou a fada com muito cuidado.
Não queria que pensasse que ele era uma fera
indomável, incapaz de ser gentil. Havia algo
selvagem dentro dele, isso era inegável, e com toda
a inteligência de Driana, dificilmente não notaria
seus modos rudes e pouco civilizados. Muitas vezes
agia mais como animal, do que como ser pensante.
Era sua essência e nada poderia mudá-lo.
Mesmo assim, gostaria que ela soubesse que apesar
de seus instintos, era sim capaz de gestos de
delicadeza.
Driana não se importava se fosse bruto. Para
ser franca, começava a apreciar seu modo de agir.
As veze pensar demais atrapalha. Driana sabia

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disso há muito tempo. E na presença de Acheron


isso se tornava tão óbvio e gritante que ela preferia
um pouco de rudeza, ao excesso de zelo.
Acheron correu ambas as mãos por seus
ombros. Tomou cuidado para não tocar os
ferimentos, segurou pelos braços e pelas palmas de
suas mãos. Era mais um roçar de dedos. Que
arrepiou seu corpo da cabeça aos pés.
Era curioso o fato de não precisarem falar
sobre o ato. Nada de convites ou pedidos. Nada de
discussões a cerca do ato sexual. Simples como
respirar, era a certeza que fariam isso em qualquer
situação onde pudessem ficar sozinhos e o resto
não era discutível!
Como bicho, ele sabia o que podia ou não
agradar uma fêmea, e no fim, era o que importava.
Queria agradar aquela fada fujona a qualquer custo!
Talvez, seu inconsciente esperasse que dessa

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forma, sendo agradada, ela voltaria para ele. Quem


sabe a pele e o desejo pudessem sempre obrigá-la a
voltar para seus braços? Mesmo que não pudesse
aprisioná-la, porque em seu desejo mais íntimo
Acheron não desejava entregá-la para ser punida
por não acreditar na causa da Rainha, ainda assim
ele garantiria um modo de trazê-la de volta por
livre e espontânea vontade.
Sedução pura. Algo animal, algo de pele.
Driana remexeu-se inquieta, pois ele alisava
a palma de suas mãos e retornava o carinho
seguindo por seus braços, ombros e a clavícula.
Driana olhou para baixo, para seus seios, os
dedos de Acheron desciam sobre eles. Seus montes
eram pequenos, não eram tão graúdos, mas estavam
inchados de ansiedade. As pontas dos dedos de
Acheron eram quase mais largas do que seus
mamilos. Bico pequeno, macio e rosado, que ficou

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imediatamente irritado e eriçado diante do toque


atrevido.
Acheron esfregou de leve ambos e ela não
pode mais olhar, pois as sensações eram deliciosas
demais para privar-se de olhar para Acheron.
Queria sentir e assistir o que ele fazia com seu
corpo. Descobrir se era recíproco. Não era possível
que apenas ela sentisse tanta atração!
Seu cheiro de fêmea impregnava de tal
forma, que ele quase não se controlou. As pontas
dos dedos seguiram descendo pelo seu estômago
plano, pois Acheron não tinha ideia de fixar-se em
um ponto só e sim aproveitar cada curva, cada
relevo, cada pequeno detalhe do corpo mignon da
fada.
Queria provar da fada completamente. Os
dedos tocaram mais abaixo, cada vez mais abaixo.
Roçando o umbigo, encontrou finalmente o vale

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entre pernas. Driana era estreita, não era uma fada


larga como ele tinha o hábito de possuir.
Por isso, usou apenas a ponta do dedo
indicador. Já era quase demais. Esfregou sobre o
clitóris, debaixo para cima, e de cima para baixo.
Não era de caçar movimentos e sim, ir direito ao
ponto. Mais tarde, com o desejo menos irrefreável,
rodilharia os dedos por sua intimidade, para lhe dar
ainda mais carinho, mais por hora, seria explorador.
Seguiu o dedo para baixo, umedecia em sua entrada
e então subia outra vez, esfregando um pouco mais.
Cada vez mais e ela gemia. Havia muita carne do
elfo a sua volta. Muito músculo, muita virilidade
para agarrar. Sua mão estava pousada no peito do
elfo, tateando todos os músculos, enquanto
Acheron roçava de leve os lábios em um de seus
mamilos.
De surpresa, ele subiu e tentou lhe roubar um

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beijo.
Apesar de estar tomada pelo desejo, Driana
foi mais esperta e virou a face no último segundo,
impedindo-o de alcançar seu objetivo. Seus lábios
tocaram apenas seu queixo. Foi difícil não lhe
oferecer seu beijo. Foi muito difícil não sucumbir,
quando ele atacou seu pescoço com a mesma
intensidade com que seus dedos se moviam lá
embora, em sua intimidade.
Acheron acelerava o toque um pouquinho
mais, cada vez mais, brincando de excitá-la, pois
não era ainda para enlouquecê-la, mas enlouquecia.
Roçou aquele dedo sem parar, para deixá-la
ansiosa, pois não queria acabar tão logo com a
brincadeira dos dois. Quem sabe se fosse capaz de
enlouquecê-la de paixão, pudesse no futuro ter
algum poder sobre ela?
Driana agarrou os cabelos longos e selvagens
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do elfo, sabia que seu seus puxões não eram


percebidos. É claro que doía. E era para doer
mesmo, para dizer-lhe que precisava de sua atenção
e de seu olhar. No entanto, um pouco de dor
somente aumentava a expectativa de Acheron
quanto ao que faria com a fada!
Acheron tornou o toque mais incisivo, e
Driana tentou pará-lo, movê-lo, quem sabe deitá-lo
para ficar sobre ele. Foi então que a fera deu um
rugido dentro de Acheron e seu rosnado era de
aviso. Ainda não era hora de tomar a fada com toda
afã que sentia. Por isso segurou-a pelos braços,
mantendo-os contra o chão, para que não se
movesse.
Driana não precisou de um segundo aviso.
Era tão quente ser dominada que sua única atitude
foi fechar os olhos, ficar quieta e gemer.
Num impulso, ele desceu a boca entre suas

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pernas, se era assim que a fada queria, sem grande


gentileza, era assim que ele faria! Tocou
primeiramente no centro, onde sua abertura escorria
sua excitação, despertando uma fera que também
morava dentro de Driana.
Na noite passada Acheron havia feito isso,
mas nem em seus piores pesadelos, achou que isso
pudesse se repetir. Achou que esse tipo de emoção
fosse comum numa primeira vez, onde tudo é
novidade e extremos. A língua era larga, aveludada
e potente. Acheron todo era grande e sua língua não
poderia ser diferente.
Ele esfregou em um ritmo diferente do que
fizera antes com o dedo. Lambidas longas e
pesadas, subindo a língua para atingir toda região,
lambendo de um lado ao outro, como uma fera
degustando de sua caça. Era um pensamento quase
animalesco, mas facilmente Acheron poderia lhe

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morder e arrancar-lhe um pedaço, pois sua boca


conseguia facilmente abocanhar toda região
escondida entre as pernas da fada.
O clitóris endurecido, sobressalente, um
pontinho destacando-se entre as dobras lisas e
rosadas. Uma pena que a fada fosse tão pequena e
lhe conferisse tanto encanto, pois não era racional o
modo como a desejava.
Continuou tocando-a, não queria parar, o
gosto o inebriava, não era apenas o cheiro da fada
que o enfeitiçava. Seu gosto também era irretocável
e condizia perfeitamente com seu paladar.
Um gosto peculiar, pois a fada ainda não
estava no cio ou acreditava que não estivesse,
então, Acheron se excitava ainda mais pensando
em como seria quando estivesse padecendo do
nascimento das asas, que também marcava o início
do cio feminino. Imaginava como seria ainda mais

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arrebatador desfrutar deste momento em seus


braços.
Seu gosto era forte, era apenas um gosto
doce, peculiar e único. Com os lábios abertos,
sugou tudo, e Driana sufocou os gritos, para não
enaltecê-lo, para não deixá-lo ainda mais orgulhoso
de seus feitos. No entanto seus dedos agarraram os
cabelos louros, e fincaram-se no couro cabeludo,
como se assim pudesse obrigá-lo a parar, permitir
que ela recuperasse sua mente sã.
Mais um pouco, ele ainda queria fazer isso
mais um pouco. Não iria parar, somente porque a
fada achava que isso era o certo. Driana precisava
entender que não possuía domínio sobre ele. Era
passado o tempo em que uma fada ou elfo possuiria
poder sobre ele. Seguia regras de um rei, mas se o
fazia, era por desejo próprio e não por obrigação.
Em uma clara provocação o elfo parou.

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Driana abriu os olhos sem crer em sua ousadia em


frustrá-la justamente naquele momento! Estava tão
pertinho de sentir o mesmo prazer da primeira vez
em que se amaram! Acheron ficou de joelhos e
fitou sua face. O sem vergonha sorria para ela. No
fundo, ria dela.
Segurou suas mãos pequenas, livrando os
próprios cabelos dos apertos de seus dedos. Driana
sentiu o impulso de lhe bater na cara para que
aprendesse a não rir dela, mas a única coisa que
fez, contrariando sua lógica, foi esticar os dois
braços para o lado, oferecendo-lhe o corpo, sem
pudor e sem segundas intenções. Apenas entrega.
Acheron levantou, despiu as roupas, primeiro
o cinturão pesado que adornava sua cintura, depois
as botas e então as calças. Despiu-se
completamente e ficou de pé, nu e claramente
disposto a tomar seu juízo.

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Driana sentiu uma vontade incontrolável de


fugir. Era bem capaz de conseguir escalar aquelas
rochas só para se livrar dele, mas não era medo em
si, era um sentimento irracional, como se o seu
corpo, sua carne e sua mente estivessem ciente que
aquela relação de amor e ódio entre eles evoluiria,
trazendo dor e prazer na mesma proporção. Era
medo da dependência. Era isso. Em poucas
palavras, o grande receio de Driana era a
dependência emocional! Era diferente, era um
sentimento que gritava que Acheron poderia tomá-
la de tal forma que não haveria volta. Dependendo
do quanto ele mexesse com seu coração, nem
mesmo o amor por suas a amigas e a lealdade a
elas, poderia sobreviver intacto.
Assustada com este pensamento ingrato,
Driana afastou os olhos, assistindo a luminosidade
atrás dele. O céu era azul, o sol era forte, a brisa

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lavava os cabelos longos do elfo de um lado ao


outro, arrancava as folhas das árvores e as levava
consigo mundo a fora, numa poética ilusão de
efemeridade...
O vento lhe trazia o cheiro de elfo, o cheiro
de macho, acabava com seus sentidos e sua
resistência, e Driana se conscientizava que não
havia fuga naquele espaço limitado. Mesmo que
houvesse, Driana definitivamente não moveria um
dedo para encontrar escapatória!
Acheron retornou para junto dela, era um
provocador, de joelhos entre suas pernas, usou a
ponta do membro para atiçá-la. Vê-lo se tocar
daquela forma era tão excitante como se fosse ela
quem estivesse fazendo. Observou calada ele
esfregar a glande, triangular e larga como um
cogumelo, roçando-o em seu clitóris,
movimentando para baixo e para cima, como fizera

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com o dedo momentos atrás. Mas era muito


diferente, agora era muito diferente. Ela estava alta,
envolvida de um modo intenso demais para
expressar. Qualquer coisa que Acheron quisesse,
ela faria.
Acheron fez que ia entrar e ela reteve o ar
esperando a invasão. Mas ele não entrou. Retornou
o movimento, repetindo sem parar um quase vai e
vem, só que contra seu ponto mais sensível. Ela
estava a um passo de explodir. Acheron levou uma
das mãos ao seu seio e apertou com força, Driana
tentou fugir com o quadril, mas ele segurou com a
outra mão. Mais um pouco daquela esfregação toda
e ela estaria aos berros, se contorcendo de prazer
sob suas carícias.
Acheron não continuou. Tinha outras metas
na cabeça. Hoje, ele tinha outras ideias. Acheron
parou, se moveu, fechando suas pernas de um

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modo lento e Driana esperou para ver o que ele


pretendia. Nesse campo, Acheron era mais
experiente. Entendia desse assunto de um modo
profundo, coisas que ela apenas conhecia na teoria,
e para ele, era assunto de muita prática.
Sufocando os pensamentos ciumentos,
Driana esperou que ele sentasse ao seu lado,
reclinado contra a murada de rochas atrás dos dois
e fizesse um carinho em seu rosto, segurando em
seu queixo enquanto dizia:
— Venha aqui, fada. É a sua vez.
Driana sorriu e fez o que ele pediu. Estava a
um passo de beijar o pescoço do elfo quando foi
apartada e ele avisou:
— Não se faça de boba, fada. Sabe muito
bem o que eu quero — a voz era rouca e forte.
— Acontece que eu também quero uma
coisa... — Ela disse com voz frágil, falhada e fina,
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pois o desejo subjulgava suas cordas vocais.


Acheron libertou-a para que Driana fizesse o
que desejava. A fada abocanhou seu pescoço,
enquanto ambas as mãos passeavam por seus
ombros, braços e peito. Driana apertou cada
músculo, cada relevo, cada pedaço da carne rija que
encontrou, enquanto sorvia o gosto da pele do elfo,
com beijos, mordidas e lambidas por todo o peito.
Correu a língua pela barriga definida
contornando os gomos de músculos que
desenhavam a carne morena do elfo. Olhou para
ele, para ver a face repleta de desejo, certificando-
se que estava agradando.
Agora que conhecia a anatomia do corpo de
um elfo bem de perto e não apenas em teoria,
conhecia os caminhos do sexo, nada lhe era segredo
e faria bom uso de toda esperteza que possuía como
ferramenta para agradá-lo e tornar-se inesquecível

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em sua memória!
Sua mão envolveu o membro masculino e
apertou. Era largo o bastante para não conseguir
fechar todos os dedos em torno. Longo, grosso e
rijo. A cabeça triangular e larga. Apesar da
aparência rude, coberto de veias e de pelos, aquela
monstruosidade era macia ao toque. E era também
a razão para que Acheron sempre preferisse fadas
de corpo mais largo. Nem sempre um tamanho
destes é aprazível. Pelo contrário, conforto era a
última das palavras que lhe vinha à mente ao
segurar e tocá-lo.
Lambeu o gosto salgado da pele e então, o
levou na boca. Acheron não era discreto em suas
paixões e deixava claro com gemidos, apertões e
puxões o quanto estava gostando. Ela gemia, algo
sufocado, a cada puxão de cabelo, a cada apertão
das mãos fortes em suas coxas e peitos e acelerou o

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ritmo, levando-o em sua boca com determinação e


exigência.
Acheron cravou os olhos na face delicada da
fada, sobretudo nos lábios que o envolviam tão
sedutoramente. Gostava de assistir suas amantes e
Driana era um espetáculo de beleza e concentração.
Acheron sorriu. Precisou agarrá-la para que
parasse. A danada não iria parar a menos que fosse
forçada, pois era sempre dedicada a tudo que se
propunha a fazer. Tão dedicada que ele estragaria o
momento. Queria possuí-la e marcá-la como sua.
Não queria apenas brincadeiras entre os dois.
Quem sabe mais tarde, pois agora, ele
desejava tudo por inteiro.
Puxou-a para si e agarrou suas nádegas com
ambas as mãos, subindo-a até estar com a face a
centímetros de sua intimidade. Driana não teve
condições de dizer nada. Acheron deslizou a língua
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outra vez em sua intimidade, ela estando de


joelhos, a pélvis empurrada em sua direção, de
frente para ele.
Nessa posição, ele teve acesso completo para
tomá-la com força. Driana espalmou as mãos nas
rochas atrás dele, de frente para ela, serpenteando o
corpo, rebolando enquanto era sugada e sorvida
com gosto.
Sua intenção era preparar aquele vale
pequeno para recebê-lo sem dor. Na noite em que
fizeram amor pela primeira vez à adrenalina e o
risco eram mais do que afrodisíacos potentes, eram
fogo puro correndo nas veias, mas agora, eles eram
essência de desejo e não de perigo.
Driana fechou os olhos com força, se
concentrando apenas em sentir. Seu corpo tremeu
sobre ele. Ela tentou refrear a paixão. Tentou
segurar e não chegar lá outra vez. Mas não pode

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evitar. Foi inesperado, ela recolheu o quadril para


longe, por isso Acheron segurou com mais força
em suas nádegas, mantendo-a no lugar enquanto a
bebia com a língua.
Driana estava voltando daquele vale de
prazer quando Acheron a conduziu. Era ele quem
dominava o ato. Disso não havia dúvidas.
Empurrou-a para trás e Driana gemeu de prazer
quando ele a fez pairar sobre seu pênis.
Era a hora mais esperada e ela sorriu, um
sorriso naturalmente satisfeito, de fêmea que tem
sem elfo nas mãos. Atrevida, encaixou-o bem
devagar e foi descendo até recebê-lo o mais fundo
possível. Sentiu-se alargada por dentro e jogou a
cabeça para trás, desfrutando da sensação de
abundância.
Durante alguns segundos foi desse modo, até
Driana curvar o corpo para frente, serpenteando o

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peito sobre ele, beijando-o no queixo. Seus lábios


beijaram todo o maxilar, as bochechas e o canto da
boca, enquanto deslizava para cima e para baixo de
um modo lento.
Acheron arriscou outra tentativa de beijo e
ela escapou, empurrando a cabeça para baixo, para
beijar os mamilos masculinos. Indignado com a
rejeição, Acheron a empurrou para cima e manteve-
a imóvel, segurando-a com ambas as mãos pela
barriga e coxas.
De olhos arregalados Driana teve que recebê-
lo sem reclamar. Movimentos de quadril
acelerados, com tanta energia quanto era possível
em um elfo do seu tamanho e agilidade. O membro
batia dentro de si com velocidade, força e potência,
e ela manteve os lábios abertos, gritando sons quase
desesperados, enquanto o prazer a varia de um
modo inexplicável.

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Acheron admirava a face bonita, repleta de


prazer sexual, os cabelos longos e escuros,
balançando a sua volta, os seios deliciosos, a
junção entre os corpos... Ele gemeu e soltou-a, por
isso Driana se curvou outra vez, empurrando o
quadril para trás, tirando-o de dentro de si por
alguns segundos, para se acalmar. Foi o tempo de
beijar o peito forte, roçar a face nos pelos, nos
músculos e soerguer o corpo para esfregar os seios
na boca do elfo.
Acheron mordeu, chupou e lambeu enquanto
as mãos enormes vagavam e encontravam seu
recanto, bolinando-a mais uma vez, antes de
penetrá-la novamente.
Ela gritou e escondeu o rosto em seu peito,
enquanto era possuída sem permissão. Em
determinado momento, o membro masculino
inchou dentro do seu corpo e ela precisou erguer o

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corpo. Empurrou o torço para trás, mantendo-o


dentro de si, empurrando seus braços que tentavam
prendê-la mais uma vez, pois queria algo diferente.
Não deixou que escapasse ou se movesse. Ditou o
ritmo, esfregando o clitóris em sua virilha
masculina enquanto deixava o pênis preso dentro
de si. Não era uma posição que pudesse suportar
muito tempo.
O prazer cresceu de tal modo que Driana
achou que estivesse vendo estrelas, por isso abriu
os olhos e encarou o céu acima de si, entorpecida
pelo sentimento que Acheron lhe despertava.
Driana não viu, mas em suas costas, as
mesmas que seus cabelos acariciavam a cada
movimento rápido e íntimo, uma linha escura se
formava no centro das costas. Exatamente no
centro da coluna, desde o pescoço, até o vale entre
as nádegas. Uma linha escura, negra e larga que

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apareceu abruptamente e então desapareceu,


enquanto ela se contorcia sobre o elfo, gozando
mais uma vez, a mais forte de todas.
Driana afastou os cabelos para o lado, em
uma cascata sedosa, e curvou o corpo para beijar
qualquer parte do elfo que pudesse encontrar no
caminho. Tudo para dizer a ele como estava feliz.
Acheron envolveu-a com os braços e a fez girar,
ignorando seu grito de surpresa e dor, pois ainda
estavam ligados e ele não era fácil de acomodar!
Acheron segurou-a pelo pescoço, imóvel,
daquele modo pouco gentil que revirava as
entranhas de Driana. Ao decidir o que queria a
puxou pelos braços para que ficasse de costas para
ele, de frente para o abismo.
— Acheron... — Ela pensou em reclamar, ao
ficar de quatro para ele, seus olhos fitando a
imensidão vazia diante dos seus olhos.

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Acheron puxou suas pernas, para que não


ficasse exatamente de quatro, e sim algo entre
deitada e de joelhos, com uma das pernas esticadas,
enquanto a possuía com um rosnado. Dessa vez não
era para agradar a fada e sim agradar a si mesmo.
Agarrou suas costas e ela curvou-se para
baixo, sentindo os seios esfregarem na relva que
cobria aquele pedaço de terra e rochas. Mal
conseguia conter a fúria que crescia em seu corpo a
cada movimento. Era a fúria da paixão e não havia
como contê-la. Uma de suas mãos segurou na
beirada do desfiladeiro, agarrando terra e mato e a
outra ficou reta, para fora, sendo banhada pela
brisa.
Se Acheron se empolgasse demais, ela estaria
em sérios apuros, pois a queda seria fatal.
O risco, o cheiro do elfo, tudo isso contribuiu
para que Driana se pegasse gritando de prazer mais

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uma vez.
Acheron segurou seu corpo no lugar e
empurrou os quadris uma última vez, rosnando seu
prazer em um grito de dominação selvagem.
Curvou-se para morder sua pele, marcando-a
suavemente com seus dentes, e foi quando
percebeu a marca que ia e vinha, escurecendo e se
apagando, tornando-se visível e sumindo. Apesar
da descrença sobre o que via, Acheron não pode
evitar empurrar com mais força.
Era o cio que se aproximava. Não era uma
marca comum, como de outras fadas. Acheron foi
parando de se mover e antes de soltá-la, escorregou
uma das mãos pela marca, desde o pescoço até as
nádegas, como uma reverência as asas que estariam
nascendo muito em breve.
Suado e exausto, pensou em lhe dar essa
alegria e lhe contar que embora não fosse do modo

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tradicional, suas asas se anunciavam. Mas desistiu


de fazê-lo, pois a fada merecia a ignorância.
Quem sabe se não soubesse disso, pudesse
pegá-la desprevenida quando as dores
começassem? Qualquer vantagem que pudesse ter
em relação à mente astuta de Driana era lucro.
Ele sentou-se e encostou a cabeça na pedra
atrás de si. Precisava respirar um pouco e se
acalmar.
A fada estava começando a entrar no
processo de nascimento das asas, mas ainda não
sabia. Em breve estaria no cio e possuí-la seria
perigoso. Uma tentação, mas também um perigo.
Ele nunca conheceu ou soube de um caso de
uma fada que tivesse emprenhado antes do
nascimento das asas. Mas depois de passar pelo cio,
a maior parte das fadas engravidava.
E a situação já era complicada o bastante sem
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precisar ter que defender mais um inocente


envolvido naquele emaranhado de mentiras,
dúvidas e manipulações!
— Hum, acho que você me entortou para
sempre — ela reclamou se movendo e reclamando
do desconforto.
— Engraçado como não ouvi uma só queixa
sua enquanto estava nos meus braços... — Ele
estendeu uma das mãos em sua direção,
convidando-a para vir até ele.
Driana aceitou o convite e engatinhou,
entregando-se ao seu abraço.
— O que estamos fazendo? — Ela sussurrou
no ouvido de Acheron.
Estavam nus e suados, exprimidos em um
pedaço de terra suspenso por rochas. Um lugar
apropriado para alguém estar completamente
desesperado em tentar se salvar, jamais esperaria
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que elfo e fada estivessem fazendo amor sob a


sobra da pouca vegetação que os defendia do sol
forte.
Um rosnado de reclamação foi sua resposta.
Acheron não queria falar sobre o que faziam. Era
consciente do risco e do problema que se envolvia
estando nos braços da fada.
Acheron estava sobre seu corpo, todo o corpo
quente, suas costas largas cobertas por suor e folhas
minúsculas que caiam da árvore perto de onde
estavam. Mas eles não ligavam para conforto
naquele momento de loucura.
Fizeram um amor desesperado, alucinado.
Agora calmos, esqueciam-se do mundo e das
responsabilidades. E isso, por si só, era ainda mais
perigoso do que o local onde estavam.
— Tem medo? — Acheron perguntou de
volta, se movendo, a face apoiada no braço. Driana
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precisou olhar para cima, pois estava com a cabeça


em seu peito.
— De cair? — Desconversou e ele riu.
Não queria falar sobre seus sentimentos
íntimos.
— Sim, de cair — ele aceitou sua fuga e
Driana escondeu o rosto em seu peito rindo
baixinho.
— Não. Eu não tenho medo de altura. —
Uma lembrança doce em sua mente a fez olhar para
ele novamente. — Minha amiga Alma tem medo de
altura. Sempre nos perguntamos como seria quando
suas asas nascessem. Uma fada com medo de
altura? Como ela pensa voar desse modo?
— Talvez alçar voo seja uma questão de
escolha — ele argumentou. Queria dizer bem mais
do que isso.

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Talvez uma metáfora sobre a decisão de


liberdade estar nas mãos de cada ser vivo, e dada
suas escolhas, ser levado em direção ao seu sonho
ou afastado definitivamente dele.
— Hum, duvido. Uma vez com asas, é
impossível resistir — ela se afastou e sentou-se.
Talvez falasse por códigos.
O excesso de poder pode ser tão devastador
quanto à incapacidade de lutar. Driana rastejou até
a beirada do desfiladeiro e ficou sentada olhando
para baixo, encantada.
Acheron fixou os olhos nas costas da fada.
Eram lisas e delicadas. Ele apostava como levaria
alguns dias, talvez poucas semanas, para algum
sinal de nascimento.
— A pele sempre escurece antes do
nascimento — ele disse de surpresa. Driana olhou-
o com curiosidade no olhar.
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Um olhar azul profundo e encantador.


— Já vi muitas fadas antes e depois do
nascimento. Semanas antes a pele começa a
escurecer. É algo muito sutil. Nem a própria fada
nota.
— E a minha pele? Como está? — Tinha
uma singela esperança.
— Seu momento vai demorar — ele preferiu
mentir.
— Eu sei. — Admitiu, cabisbaixa.
Era uma linda visão. De perfil, os seios eram
duas taças bonitas e adornadas por bicos claros.
Cintura fina, quadris redondos na proporção
adequada para uma fêmea pequena em formas e
tamanho. Seus cabelos lisos, a franja sobre a testa,
e aquela expressão de inocência tão grande que
quase enganava seus olhos.

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— As asas são sinônimo de liberdade —


Driana disse — mas para uma fada da clausura, as
asas representam um martírio agregado a mais
sofrimento. É como carregar em si um desejo
palpável de liberdade. Ter asas e jamais voar. De
certa forma, ao sermos acusadas injustamente...
Tivemos a chance de escapar disso. Penso se a vida
de fugitiva não é mil vezes melhor do que a vida da
clausura. Se não fosse a tristeza de estar apartada
das minhas amigas, eu iria preferir essa vida.
— E quem não preferiria? — Ele foi franco.
Driana sorriu. Um pouco tímida voltou para
perto de Acheron e cruzou os braços sobre seu
peito, pousando o queixo ali.
— Deveríamos nos vestir e escalar essa
rocha. Voltar para a vida real — sugeriu.
— Faremos isso – ele disse desconversando.
— Está furioso porque o enganei naquela
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noite? — Sabia muito bem a resposta.


— Estou. Mas não posso culpá-la por tirar
proveito quando todos sabem que não sou a criatura
mais inteligente do mundo. Afinal seu dom é
oposto ao meu. Eu vou forçá-la fisicamente sempre
que tiver a chance, porque sei que é seu ponto
fraco. E você me enganará sempre que puder.
— Exato. Eu não fui totalmente má com
você. Eu poderia ter feito coisa bem pior para me
livrar da sua presença... — Ficou contente com sua
complacência. — Me pergunto se estaria tão calmo
caso nosso envolvimento fosse possível.
Acheron nada respondeu.
Se eles pudessem ficar juntos? Sim, ele
brigaria muito por ser enganado. Mas o caso dos
dois não era possível e cada segundo era precioso.
— Engana-se, fada. Estou furioso com você
— ele disse empurrando-a para o lado e colocando-
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se entre suas pernas.


Driana riu enquanto retribuía sua pegada.
Apertou a carne dos ombros largos e agarrou seus
cabelos bagunçados, louros e longos.
— Espero que não tenha piolhos, Guardião
— ela disse arfante, como uma pista.
Dizia-lhe quem era. Contava-lhe de sua
mentira, para que ele fingisse não saber que era Jô.
Tudo seria bem mais simples desse modo. Mas
Acheron não reparou no comentário ou não
entendeu.
Conformada, Driana gemeu e aceitou o corpo
do elfo no seu, acompanhando-o nos movimentos
longos e firmes. Acheron ficou de joelhos e
manteve seus quadris imóveis enquanto a possuía
sem a delicadeza que outros elfos pudessem querer
empregar ao ato. Delirando nas sensações, Driana
gritou por mais e mais. Deixou que a selvageria de
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Acheron a contagiasse.
Pelo menos em seus braços o mundo era
cheio de cor e formas. Sua mente ficava
estranhamente calma e vazia de pensamentos
exacerbados. Nos braços de Acheron, sentia-se uma
fada comum, sem um passado de perdas e
sofrimentos. Sentia-se tão feliz e segura...

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Capítulo 19 - O matusquela

Na metade do dia a paixão esfriou e o sol


escaldante os obrigou a vestir as roupas e tomar
uma decisão. Acheron sabia exatamente como fazer
para tirar os dois daquele lugar e Driana confiava
em sua decisão.
— Eleonora deve estar padecendo do
nascimento das asas nesse instante — ela dizia
amenidades enquanto Acheron terminava de se
vestir, sem suspeitar que ela própria em breve
passaria pelo mesmo. — Espero de todo coração
que não seja muito sofrido para ela. Lora sempre
foi tão sensível para a dor física.

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— Ela vai aguentar — ele ironizou.


— Você não conhece Lora — ela disse para
contrariá-lo. — Jamais seria capaz de seduzir o rei.
Ela é tão... Arteira. Não é uma sedutora. Ainda não.
Quem sabe quando suas asas nascerem e ela
padecer do cio, possa ser sedutora. Mas agora?
Não. É só uma menina ainda. Uma menina que
adora estripulias e brincadeiras de meninos! Seu
coração é de uma menina doce e solitária. Ela
sempre foi doente de paixão pelo Guardião Egan.
Sempre foi revoltada com a clausura, não nego,
mas nunca pensaria em morte para livrar-se dela!
Bem da verdade, sempre tentou desestimular as
traquinagens que Tobias armava para tentar acabar
com o risco da clausura em nossas vidas.
— Mas tramavam uma fuga. Não pode negar.
Tobias tramava um meio de ajudá-la a fugir.
— Sim, acho que sim. Mas qual fada da

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clausura nunca pensou em fugir? Qual prisioneiro,


seja escravo ou penitente da clausura, nunca
sonhou com uma fuga que lhe consentisse a
liberdade?
Acheron pensou em contar-lhe do seu desejo
de ajudá-la. Mas ainda era muito cedo para se
expor assim.
— Acheron — Driana levantou e andou até
ele. Tocou seu antebraço, sobre o músculo saliente.
O Guardião era todo coberto por músculos e o
toque era delicioso. — Porque não me ajuda a
encontrar minhas amigas e aguarda junto de nós, o
nascimento das asas de Lora? Deixe que seus olhos
vejam a verdade. Ela terá asas idênticas as da
Rainha Santha. Isso é no mínimo, um fator
intrigante dado ao fato que Santha deveria ter se
casado casta, pois era da clausura, e a idade de
Eleonora não confere uma gestação pós-bodas com

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o rei.
Acheron terminou de colocar a espada no
cinto e olhou bem nos olhos da fada que zumbia no
seu ouvido tentando convertê-lo ao status de
traidor.
— Se Eleonora é inocente, porque não tenta
provar sua inocência? Porque foge como alguém
que carrega culpa? — Ele perguntou de volta e
Driana afastou-se dele.
— É inútil. Sou tão tola quanto você. Quase
esqueço que é um Guardião e sua cabeça está feita
contra todas nós. — Disse decepcionada.
Soou mais como uma ofensa. De expressão
fechada, Acheron aproximou-se do paredão de
rocha e curvou um pouco o corpo para baixo:
— Suba nas minhas costas — ele mandou.
— Isso é ultrajante — ela disse ofendida por

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ter que depender dele.


— Você fala demais — ele disse azedo, nada
delicadamente alertando-a que estava sendo chata.
Sim, ela sabia disso. Acheron vivia dizendo
isso ao garoto Jô, mesmo sem saber que dizia a ela.
Era consolador saber que mesmo vestida de mulher
e com seus predicados femininos, passada a paixão
e a euforia da copula, Acheron voltava a achá-la
chata.
Ao menos não era induzido por seus
predicados. Quanta ironia, pensou, subindo em suas
costas.
— Segure firme, fada sem asas — ele
brincou, empurrando-a para cima, trancando suas
pernas em sua cintura.
Driana agarrou em seu pescoço e aguentou os
trancos da subida com o resto da dignidade que lhe
restava. Acheron não pediria licença ou se
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desculparia por qualquer brutalidade inesperada.


Afinal, a culpada de estarem ali era ela mesma!
Um pouco invejosa da facilidade que o elfo
tinha em escalar e salvar a si mesmo de qualquer
imprevisto, enquanto ela era fraca diante dos
exercícios do corpo, Driana ficou quieta, para não
atrapalhá-lo em nada.
Fora de perigo, restou aos dois a realidade da
Floresta de Saul. Quando seus pés tocaram o chão,
Driana afastou-se imediatamente. Assim, frente a
frente, era tão pequena e delicada que custava crer
que fosse uma criminosa. Seus olhos pediam ou
melhor, imploravam que a ajudasse.
Um pedido em vão. Acheron segurou seus
pulsos e ela o seguiu, sem escolha. Não tinha
coragem de lutar contra ele, não depois de tê-lo
visto quebrar os ossos de um elfo forte como
Duque usando apenas uma das mãos!

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Silenciosos percorreram um bom pedaço do


caminho quando foram interceptados. Driana mal
acreditou no azar ou na sorte. Era o bando de
Duque, provavelmente caçando vingança pela
perda do seu líder. O brado de guerra dos elfos foi
acompanhado do barulho ensurdecedor de espadas
se chocando. Acheron era uma fera lutando e
Driana se escondeu entre as árvores, observando-o
dar conta dos muitos elfos que o atacavam.
Eles não eram tão grandes, nem tão fortes,
mas eram capazes de atrasar o Guardião. Depois de
se convencer que Acheron daria conta dessa luta,
Driana aproveitou essa oportunidade para fugir.
No entanto, não foi a única a fugir. Quando
percebeu que a luta seria perdida, um dos elfos
caçadores de recompensa correu para as árvores e
entocou-se no mato em uma fuga com segundas
intenções.

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Driana correu pela floresta de volta para o


esconderijo onde mantinha os pertences de Jô, seu
disfarce. Suava, estava sem ar quando retornou ao
acampamento. A fada Jana e seus familiares
estavam almoçando e ela aceitou o alimento sem
dizer nada.
Jana não fez perguntas sobre a noite passada
fora do acampamento. Muito menos sobre o
paradeiro do Segundo Guardião.
Incapaz de falar espontaneamente sobre o
que acontecia, tendo que lidar com a nova culpa e a
preocupação por ter o abandonado sozinho em
meio a luta, a fada da clausura estava quieta em seu
canto, sentada sobre o tronco de uma velha árvore
derrubada, lembrando-se dos momentos divididos
com ele. Sobre o prazer reencontrado nos braços
peludos do Guardião.
Por isso, distraída não percebeu que Acheron

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estava de volta até ouvir seu grito. Ele gritava o


nome do ajudante que o traiu.
— Você! — Acheron gritou aproximando-se
furioso, com uma expressão que facilmente
indicava sua vontade estrangular o rapaz.
Driana tentou sair de perto, mas ele o agarrou
pela gola da roupa e arrastou para o centro do
acampamento. Driana caiu de joelhos quando foi
solta.
— Eu sei que trama a favor da fada da
clausura! — Ele acusou. — Você me enganou,
garoto, e eu não tolero traidores.
Por um louco segundo pensou em jogar em
sua cara que o tratamento dado a um traidor com
quem se deitasse, era completamente diferente do
tratamento dispensado a um simples ajudante!
Acheron não esperou resposta, agarrou seu
gorro e levantou-o. Apavorada do gorro soltar de
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sua cabeça apesar da magia que o mantinha preso,


Driana debateu-se. Acheron a tratava exatamente
como faria com um empregado que o desagradasse.
Olhos nos olhos. Ela baixou os seus, com
pavor puro dele descobrir quem era na verdade.
Quisera lhe contar, mas o momento havia passado e
o risco de enfurecê-lo ainda mais não a atraia nem
um pouco!
— É cúmplice das fadas fugitivas? — Ele
perguntou rente a sua face, o hálito quente
ameaçando despertar seus instintos de fêmea.
Driana fechou os olhos com força e lutou
contra os pensamentos excitantes.
— Não — negou com voz tremula.
— É cúmplice da fada Driana? — Insistiu.
— Não! — Debateu-se e foi segura com mais
força, mas pelo menos seus braços estavam livres

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para segurar o gorro e dessa forma crer que poderia


evitar uma desgraça maior.
— Tem ajudado na fuga da fada da clausura!
— Acheron jogou em sua cara — quer que acredite
que está falando a verdade, garoto? Então comece a
falar e reze para me convencer!
— Eu... — Era melhor inventar uma boa
história ou precisaria contar a verdade.
— Não teste minha paciência, rapaz — ele
disse entre dentes. — Não vai querer que eu
desconte em você toda a raiva que estou sentindo
daquela fada dissimulada! Fale de uma vez!
— O que... O que a fada fez dessa vez? —
Fingiu interesse.
Acheron não respondeu, os olhos verdes tão
claros estavam avermelhados de ódio. Ou apenas
de cansaço. Ela não saberia dizer se era adrenalina
da raiva ou do esforço na recente luta.
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— Não me diga que a fada enganou-o outra


vez! — Ela alfinetou, tocando na ferida. — Eu não
creio nisso! Foi seduzido outra vez por uma fada
sem asas!
O riso do rapazola alimentou a fogueira da
raiva e Acheron largou-o no chão, afastando-se.
— Como isso aconteceu? — Driana foi atrás
dele.
— Está envolvido no assassinato do Rei? —
Acheron virou-se no susto e cobrou-lhe essa
resposta.
— Não! É claro que não! — Deu um passo
para trás.
— Sua justificativa para estar no castelo
nunca me convenceu. Mentiu sobre Baltazar?
— Está paranoico, Guardião! — Driana
pensou rápido e formulou na mente um plano

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elaborado demais. — Eu precisava de trabalho. O


lógico era procurar no castelo. Que culpa eu tenho
se as fadas cometeram um crime bem nessa época?
— Está mentindo outra vez. Disse que
acredita na inocência delas! Tem me enlouquecido
com seus discursos sobre a santidade dessas fadas
assassinas! Não se faça de bobo agora! Eu quero a
verdade!
É claro que sim, pensou Driana. Bela hora
para Acheron resolver ter um ataque de esperteza!
Pelo visto ele sofria de memória seletiva.
— Tenho direito a minha opinião! Eu não
sou cúmplice de crime algum! Eu só... — Fingiu
pensar, mas era apenas um draminha para
convencê-lo de sua inocência.
E deu certo. Muita curiosidade no olhar de
Acheron.
— Eu tropecei com a fada aqui na Floresta de
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Saul. — Contou. — Jana me disse que achava que


tinha uma fada escondida pelos lados da
cachoeira... Eu fiquei curioso — explicou —
sempre fui curioso... Queria saber se era uma das
fadas! Eu não contei nada por que... Por que... Não
era da minha conta!
— Não é da sua conta? — Mais um passo na
sua direção e Driana se encolheu ainda mais.
— A missão é sua! Sou pago para carregar
sua armadura e cuidar dos cavalos! Fazer sua
comida e lavar suas roupas! Eu não fiz nada para
atrapalhar sua caçada!
— Mas também não fez nada para ajudar —
ele acusou.
— Sim, também não fiz nada para ajudar —
concordou.
Acheron mediu o garoto da cabeça aos pés.
Jô fugia do confronto e não olhava para seu rosto.
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Fugia. Como os covardes, lhe escondia algo.


— Tem se deitado com a fada?
Driana ficou horrorizada com a pergunta.
Cínico! Era casta quando ele a tomou!
— Pensei que tivesse dito que a fada era
casta! — Lembrou-o disso.
— Ela não é de confiança — lembrou o
garoto desse detalhe — não se esqueça disso,
matusquela, a fada é mentirosa, ardilosa e falsa.
Fuja dela e se salve de suas manipulações.
Magoada com as ofensas, maneou a cabeça
concordando. Acheron se afastou movendo um dos
ombros, pois durante a luta havia levado um golpe
naquela região e estava levemente dolorido.
Gritou uma ordem enviesada, pedindo por
uma compressa. E pela urgência na voz do
Guardião, Driana não considerou a possibilidade

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não atendê-lo.
Acheron não esperava que a fada o
abandonasse durante a luta. Ela não se importava
com seu bem estar. A fada tinha metas. Salvar as
amigas e ser livre. Simples assim. Faria de tudo
para alcançar seus objetivos, até mesmo passar por
cima dos sentimentos daquele Guardião que
considerava tolo e burro.
Driana foi cuidar de seus afazeres e Acheron
fez o mesmo. Se ele não queria perceber quem era,
e Driana estava convencida que Acheron se
esforçava para não ver a verdade sobre Jô, não seria
ela a contar. O momento das revelações havia
passado.
O dia passou em um silêncio contemplativo.
A família de Jana se mantinha a parte, com receio
do Guardião que estava tão furioso. A noite foi
passada igualmente em silêncio. Driana dormiu ao

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relento ou melhor, tentou dormir. Passou a noite


acordada, olhos fixos na figura solitária do
Guardião que sentado ao redor da fogueira, estava
pensativo e contemplativo.
No primeiro raio de sol da manhã seguinte,
levantaram acampamento e seguiram viagem.
De volta a caçada contra a fada Driana.
Driana esperava que daquela vez Acheron
nutrisse raiva por pouco tempo, mas quando a
semana acabou e outra começou, ela começou a se
preocupar de verdade. Quieto, enraivecido e
magoado, o Guardião não perdia muito tempo
conversando com ela.
Poucas palavras de ordens diárias e não
voltaria a falar com o garoto que supostamente
agira pelas suas costas.
No sétimo dia de silêncio forçado, o garoto
Jô levou-lhe um prato de comida e quando
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pretendia se afastar, foi surpreendida por uma


conversa inesperada.
— Vamos seguir caminho para a Vila dos
Desesperados.
Driana pensou imediatamente em Alma.
— Por quê? — Perguntou no mesmo
instante.
— Você sabe muito bem a razão. Eu vou
ajudar o Guardião Solon a aprisionar a fada Alma.
Não desperdiçarei tantos dias de privação por nada.
— Mas, Acheron, seu amigo não vai se
ofender? — Tentou desmotivá-lo.
— De modo algum. Guardiões são leais. Vai
entender a minha situação — ele satirizou.
— Está bem, você quem sabe, sigo suas
ordens. Apesar de não me agradar em nada ver o
seu tempo perdido desse modo.

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— Nosso tempo — voltou a dizer com


acidez, enquanto comia com apetite.
— Não. Seu tempo. Eu faço o que manda e
recebo por isso — disse com mágoa.
— Ela está por aqui? — Acheron fixou os
olhos em seu ajudante.
— Porque me pergunta? Eu não sei de nada!
Não vejo a fada faz dias! Por sua causa, que a
afugentou!
— Ela está ou não rondando por aqui? —
Insistiu.
— Não vi a fada. Eu penso que sua ideia é
um pouco... Imprópria — poupou o uso da palavra
‘estúpida’, pois estava se tornando rotineiro
associar essa palavra as atitudes de Acheron.
— É mesmo? — Ele estava sendo
propositalmente cínico.

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— Veja, eu penso o seguinte — sentou-se ao


lado de Acheron e ao ser olhada com tanta raiva,
afastou-se um pouco, ficando a alguns palmos de
distância. — Alma é uma fada que dificilmente será
notada entre as criaturas diversificadas da Vila dos
Desesperados. E existem muitas criaturas e muitos
buracos onde procurar. O Guardião Solon vai levar
muito tempo e com sua ajuda... Veja, serão dois
Guardiões desperdiçando tempo. Recomendo que
siga para o Vale dos Humanos e procure Joan. Ela é
mais doce e menos articulada para fugir — não era
uma mentira completa, pois Joan não era tão boa
em fingir quanto ela própria. — Sendo assim, você
poderá encontrá-la e mostrar serviço. Ninguém
pensará que falhou por não ter conseguido segurar
a fada Driana e que é um inútil que só faz comer,
dormir, beber e correr atrás de fadas...
Esperava conseguir levá-lo por caminhos

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distantes. O Vale dos Humanos ficava há uns dez


dias a cavalo.
— Sim, tem razão em tudo que disse. Mas
tenho uma ideia bem melhor. — Provocou.
— Verdade? — Fingiu surpresa.
— Eu pego a fada Alma, para que Driana
saia da toca. Duas fadas da clausura, uma para cada
Guardião. Solon cumprirá sua missão e eu também.
Não é um plano perfeito?
Sim, seria perfeito se ele não estivesse
contando seu plano para o inimigo!
— É impressão minha ou novamente está
crivado de carrapatos? — Perguntou
desconversando, levantando e se afastando
emburrado.
Jana a consolou e não passou despercebido a
Acheron que falavam dele. Estava convencido que

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o garoto era cúmplice de Driana.


O pequeno traidor de uma figa!
Arrumaria um jeito de fazê-lo se entregar em
seu crime. Por hora, manter o garoto sob suas vistas
era sua melhor opção.

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Capítulo 20 - Estúpido gorro

Dois dias mais tarde, Driana andava no final


da longa fila que se formava entre eles. Na frente,
Acheron e seu cavalo. A fada Jana seguia voando
baixo, mas naquele momento havia sumido entre as
copas das árvores, seus irmãos e seu pai seguindo
logo atrás do cavalo e em último, seguia Driana.
Exausta, mal aguentava carregar tanto peso.
Estava a um passo de um desmaio quando Jana
voltou rindo e entusiasma.
— Vejam! Vejam!
Seus gritos fizeram todos os rostos se
voltarem para o alto. Driana aproveitou para deixar
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no chão o peso todo que carregava e protegeu os


olhos com a palma da mão, pois o sol era fortíssimo
naquela hora da manhã.
Jana manteve-se planando a uns quatro ou
cinto metros do solo, olhando e apontando para o
céu.
Segundos depois uma revoada surgiu. Eram
fadas que voavam em grupo na direção oposta
deles. Ao notar que possuíam plateia, algumas
voaram baixo, exibindo suas asas para os elfos que
as observavam com apreciação.
Uma fada mais gordinha voo bem baixo e
ofereceu uma boa imagem de suas asas vermelhas.
Driana lutou contra o impulso de pegar uma pedra e
acertá-la, antes que Acheron se encantasse com
suas formas corpulentas.
O elfo pareceu achar graça da atenção
recebida e a fadinha ascendeu para o céu corada e
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rindo muito. Seu bando seguiu viagem e Driana


permaneceu observando-as com saudosismo.
Queria tanto ter suas asas!
A viagem seguiu, mas ela ficou para trás.
Sentou no chão por alguns instantes. Suas pernas
estavam dormentes e seus pés cheios de bolhas. A
túnica do menino Jô escondia as ataduras em seus
antebraços, mas não podiam camuflar a dor. Sentia
sede, e estava calorenta.
Jana pousou os pés no chão e aproximou-se,
baixando o corpo até estar na mesma altura que ela:
— Deve dizer a Acheron que está
machucada. Ele vai entender porque mente. É um
bom elfo. Ele vai ajudá-la com as acusações de
assassinato.
— Não, ele não vai. E eu não sei se quero
que ele ajude — admitiu — Acheron tem um lugar
só seu nesse mundo. Perdeu a vida que lhe era de
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direito, mas encontrou um lugar onde o respeitam e


precisam dele. Se me apoiar, isso tudo será perdido.
Prefiro a culpa de abusar de sua burrice, do que a
culpa de abusar de sua bondade.
— Não seria bondade se ele gosta de você. É
uma doação mútua de sentimentos. — Jana
argumentou.
— Acha mesmo? Você não viu o jeito dele
para a fada oferecida a um segundo atrás? — Disse
irônica, levantando e obrigando o corpo a carregar
o saco de couro com a armadura — Acheron quer a
fada Driana. Só isso. É um desafio. Quando souber
onde me achar, o encanto acaba.
Pesarosa dessa verdade, Driana voltou a
andar.
— Eu posso carregá-la um pouco — Jana
ofereceu, voltando a voar baixo.
— Em absoluto. — Negou. — Melhor não
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ter que lidar com aquilo que me é negado.


Amargurada pelas asas que se recusavam a
nascer, seguiu a pé por mais algumas horas.
Quando Acheron anunciou que parariam para
comer e descansar, ela quase chorou de alívio.
Precisava achar um lugar para descansar algumas
horas, mas primeiro faria a comida e serviria a
todos.
Jana bem que tentou ajudá-la, mas os gritos
de Acheron impediram. Ele estava com raiva de Jô
e o punia fazendo-o trabalhar como um condenado.
Mais uma semana daquele jeito e Driana iria
preferir se entregar de bom grado para a Rainha
Santha.
Acheron havia assumido uma caminhada
forte, passo rápido, que os elfos seguiam sem
problema, e a fada também, com suas asas e
presteza. A única pessoa abalada era o rapaz Jô.

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Quando todos estavam satisfeitos e saciados,


ela deitou no mato, escondida dos olhos de
Acheron e tentou descansar um momento.
Pretendia um rápido descanso, mas foi tomada de
um sono profundo.
Quando Acheron decidiu seguir viagem não
encontrou o garoto. Só lhe faltava essa! Jô ter
fugido para alertar Driana de seus planos!
Jô despertou assustadíssima com os gritos de
Acheron chamando seu nome. Desesperada em
irritá-lo ainda mais, levantou e correu de volta. Sua
expressão de sono, não deixava dúvidas de onde
estivera.
A bochecha amassada e marcada pelo mato e
seus olhos carregados de olheiras era um índicio
que pensava mal sobre ele em vão. Orgulho não
permitiu a Acheron perdoar o garoto e permitir-lhe
um pouco de descanso.

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Aflita em agradá-lo, Driana correu para pegar


a armadura e seguir a comitiva. Alguns passos mais
tarde, ela coçou o espaço atrás da orelha, entre o
cabelo e o ouvido. A comichão passou e ela seguiu
andando.
Desatenta não sentiu que algo pequeno e
ardiloso escondia-se na gola de sua roupa. O
pequeno ser retomou seu lugar atrás da orelha,
protegido pelo gorro de duende e a orelha, e voltou
a picar a pele, sugando o sangue da fada. Era lento
e cuidadoso. De corpo alongado e fino, lembrava
muito um pequeno graveto de árvore. Cabeça
achatada e patas longas e afiadas, que se prendiam
em pelos e não na carne. Seu único dente, no
entanto, crava-se na pele e sugava o sangue do seu
hospedeiro. Substâncias anestésicas impediam que
sentisse a dor.
Vez ou outra Driana sentia coceira e voltava

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a coçar o mesmo lugar. Mas era só isso.


A conversa entre Acheron e os outros elfos a
distraiu por algum tempo. Quase se esqueceu da
caminhada penosa ouvindo os causos engraçados
contados pelos elfos. Escurecia quando eles
pararam novamente. Sem pensar muito, Driana
cumpriu suas obrigações e voltou a deitar no
primeiro canto que encontrou. Adormeceu
pesadamente.
Acheron fingiu não perceber a exaustão do
garoto. Ele era fingido e deveria ser apenas uma
manobra para suavizar e manipular seus
sentimentos. Desconfiando dele, Acheron
aproximou-se e cutucou-o com o pé, na altura das
canelas.
O garoto sequer se moveu. Estava apagado
de exaustão. Culpado, Acheron tentou puxar aquele
estúpido gorro, mas não soltou da cabeça de Jô.

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Analisando assim de perto as feições do menino,


teve certeza que lhe eram familiares àqueles traços.
Conhecia alguém parecido com ele. Mas quem
seria? Talvez algum irmão de Guardião? Ulder
possuía doze irmãos. Talvez um dos garotos que
vivia correndo atrás do irmão pelos campos de
treinamento? Sim, era possível.
Desistiu de sumir com o gorro e afastou-se.
Driana acordou e olhou em volta, com a sensação
que era observada de perto. A exaustão obrigou-a a
voltar a dormir. Não conseguia ficar acordada.
Quando escureceu, um duende minúsculo
andou pelo acampamento e aproximou-se. Com
cuidado para não ser visto, retirou de sua pele o
pequeno Schill, inseto chupador de sangue de fada
e o fez cuspir todo o conteúdo armazenado em seu
estômago dentro de um cantil, apertando seu corpo
fino e de carcaça áspera. Então, recolocou-o no

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espaço atrás da orelha da fada fugitiva e olhou para


a escuridão da noite.
Ninguém notou nada diferente. Quando
amanheceu, Driana e Acheron seguiram viagem
outra vez, sem suspeitar de nada.
É claro que ele estava preocupado com o
silêncio vindo do ajudante. Mesmo nos piores
momentos Jô era incapaz de manter a boca fechada.
A travessia de um córrego trouxe maior
desconfiança. Não reclamou de seu medo de água
ou fez qualquer tipo de brincadeira ofensiva sobre
Acheron necessitar de um banho. Tão pouco
perguntou por que mudava o curso da travessia.
Acheron suspeitava estar sendo seguido. A
mudança do trajeto era uma tentativa vã de
despistar quem estivesse seguindo-os e evitar um
novo confronto. Não fugia da luta, pelo contrário,
com a raiva que guardava dentro si poderia até
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apreciar um pouco de atividade física pesada, mas


pensava na família de elfos que o acompanhava.
Dois eram apenas meninos sem experiência de luta.
Melhor evitar confrontos.
Mesmo assim, há exatos dois dias que a
suspeita crescia. Com a inteligência e sagacidade
do menino, também teria notado. Mas não, estava
recluso em seus próprios pensamentos.
Pálido, abatido, calado. Cansado de supor o
que se passava na mente do garoto, Acheron apeou
do cavalo e ordenou:
— Deixe a armadura no chão. — Mandou
com voz firme.
Jô o obedeceu, com olhos que não se fixavam
em imagem alguma.
Driana não conseguia pensar com clareza. A
mente vazia, apática, esquálida.

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Aproveitando o córrego de águas cristalinas e


rasas, Jana despiu a túnica e se divertiu na água.
Driana queria saber se Acheron estaria observando
a fada com desejo ou não, mas não teve energia
para procurar por ele e analisar sua expressão. Na
verdade, mal teve energia para arrastar-se para o
chão, encostar-se no saco de couro com a
armadura, usando-o como escora e fechar os olhos
com o intuito de tirar um cochilo.
Foi despertada por um chute nada gentil na
canela.
— Levante, quero falar com você —
Acheron mandou irritado.
Sempre irritado. O pensamento infame de
ressuscitar a fada Driana para ver se ao menos
acalmava seus brios e ele relaxava um pouco. Mas
talvez, esse fosse seu desejo secreto e não
necessidade do Guardião.

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Conseguiu ficar de pé, mas cambaleou.


Acheron agarrou seu ombro e a manteve em pé.
— O que você tem? — Perguntou tentando
ver em seus olhos avermelhados a causa de tanto
cansaço.
— Nada, estou ótima — esqueceu que era
um menino, maneou a cabeça e se corrigiu — estou
ótimo. Deixe-me — puxou o ombro, mas teria
escorregado se não fosse agarrada pelo braço.
— Estou vendo — ele ironizou — tem visto
a fada fugitiva pelas minhas costas? É isso? Ela
está fazendo isso com você?
— Hum, quanta imaginação. — Ela
sussurrou para si mesma, mas ele ouviu — uma
pena que não use tanta capacidade para enxergar o
óbvio.
— Do que está falando? — Acheron agarrou
seu ombro e Driana ergueu os olhos.
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— Eu não sei. Acheron, eu não sei — foi


sincera, os joelhos se recusando a mantê-la de pé.
Acheron deixou-a escorregar e quando Jô
ficou deitado, coçando freneticamente atrás de uma
das orelhas, ele soube o que era.
O palavrão que escapou da boca do Guardião
era de longe um dos mais feios que tivera a chance
de ouvir na sua vida. Ele afastou sua mão e afastou
a orelha pequena, redonda e delicada. Não era uma
orelha de elfo, mas ele não reparou isso naquele
momento.
A pele estava em carne viva de tanto coçar.
Uma gosma esverdeada misturava-se ao ferimento
e ele sabia o que procurar. Tateou a gola da túnica e
quando seus dedos roçaram a criatura, ela fugiu,
correndo pelo corpo de Driana. Acheron
interceptou o fugitivo quando descia pela perna em
direção à bota.

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— Eu não acredito nisso! — Ele segurou o


bicho e Driana mal conseguiu ver o que era. —
Onde está? — Acheron levantou gritando. —
Vocês me ajudem a encontrá-lo!
Ao exibir a criatura, os elfos machos já
sabiam a que se referia. Driana não se manteve
acordada tempo bastante para vê-los empunharem
espadas e correrem pela floresta, nos arredores do
acampamento, em busca do duende. Era necessário
que estivesse perto para manter o domínio sobre o
Schill.
Jana correu em sua direção e a acudiu.
A sensação de que horas haviam passado era
tão forte que ao despertar Jô quis muito, mas muito
estar na caverna ou na beira daquele desfiladeiro,
acordando de uma noite nos braços de Acheron.
Seu sono confuso fora permeado de sonhos
repletos da presença avassaladora do Guardião e
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das lembranças do que dividiram juntos. Sonhos


inconfessáveis de uma fada que lutava contra a
paixão e os sentimentos poderosos que ele
despertara em seu coração tão castigado pela vida.

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Capítulo 21 - As fadas da clausura

— Jô acordou! — Driana ouviu a voz


empolgada de Jana e olhou em torno até enxergar a
fada perto de onde estava deitada.
— Que susto, Driana — ela sussurrou ante
que o Guardião pudesse ouvir. — Você nos
assustou muito!
— Eu não sei do que fala... — Disse tensa e
triste, sem saber por que desses sentimentos
estarem abatendo-a.
— Falamos disto — Acheron exibiu dentro
de um vidro um duende de tamanho mínimo, que
facilmente caberia na palma de sua mão.
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— Um duende? — Ficou incrédula. — Tire


isso daqui, ele fede! — Reclamou do odor
insuportável.
— Esse duende usou um Schill para drenar
seu sangue. Por isso estava doente.
— Eu não estava doente — disse surpresa —
eu não percebi nada...
— E nem poderia. Eu mesmo já tive o
desprazer de ter um desses no meu encalço —
Acheron entregou o vidro para Jana, que se afastou.
— Sabe o que é um Schill?
— Sim — disse observando-o sentar-se perto
dela.
Tão mais amistoso e simpático...
— São criaturas que drenam sangue e outros
fluídos corporais. Depende da criatura a ser
atacada. Escondem-se no corpo e ficam por dias

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alimentando-se da vítima, algumas vezes partem


antes de causar danos, outras vezes são fatais.
Porque isso estava em mim?
— Esses duendes que vivem pela Floresta de
Saul alimentam-se dos dons das fadas. Drenam o
sangue e acreditam que parte da magia da fada
passa a habitar, temporariamente, o corpo que o
sorver.
— Isso é ridículo — ela disse chocada. —
Impossível e ridículo.
— Não nos cabe questionar, pois são
criaturas muito antigas. Estão vivas e andando por
aí há séculos. Quem garante que estão erradas? —
Ele disse cordial.
— Estão errados sim porque eu não sou uma
fada! Não tenho dons! Sou um elfo! Um macho! —
Ela defendeu-se.
Sua voz soou um tanto patética. Era difícil
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crer nessa afirmação. Era óbvio que Acheron


deveria ter notado que era uma fada, nem mesmo
ele continuaria a se enganar depois disso!
— Não é uma fada, mas tem uma grande
inteligência. É minha única explicação para tanto
interesse. — Disse com pesar.
Driana fechou os olhos, lutando para não
gritar com Acheron. Ele era obscenamente bonito e
burro, na mesma proporção. Só podia ser isso!
— Sim, tem razão — preferiu concordar logo
e encerar essa questão. — Eu preciso levantar e
ajudar... Podemos seguir viagem se você quiser...
— Não. Esteve dormindo por todo um dia e
precisa se recuperar. Além do mais... — Ele parou
o que falar e olhou bem para Jô. — Tenho
esperança que sua comparsa saia da toca para saber
se está bem.
Acheron deveria estar tentando alcançar
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algum recorde. Driana lutou contra o impulso de


gritar com ele até fazê-lo ver a verdade que estava
gritando diante dele.
— Onde foi que essa coisa estava me
comendo viva? — Perguntou mudando
drasticamente de assunto.
— Atrás da orelha esquerda. Diga-se de
passagem, tem orelhas de fada — ele sorriu
debochado, achando estar mexendo com os brios
do garoto.
Porque será, pensou Driana. Qual a razão
dela ter orelhas de fada?
— E com você? Disse que já teve o desprazer
de ter um desses o atacando. Onde estava quando
encontrou?
Acheron sorriu da lembrança.
— Foi o Primeiro Guardião Egan quem

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notou. Eu estava bem, mas o bicho estava tão gordo


e pesado que ficou visível por um momento e Egan
reparou. Estava... No meu pescoço entre os cabelos.
Eu nunca teria notado.
Driana sorriu, estava cansada, mas sorriu.
Grandão como era, Acheron deveria ter sido um
banquete para a criatura.
— Porque estava em você? Será que o
confundiu com uma fada? — Arreliou, para vê-lo
sorrir.
— Não. Mas não sou dessa terra. Alguns
elfos, como os familiares de Jana, que são de longe,
possuem características diferentes e atraentes para
quem vive de parasitar os outros — ele justificou.
— E o duende? O que fará com ele? Sabe
que se aprisionar um duende, estará adquirindo
uma guerra com todos os demais, não sabe?
— Sim, por isso vou soltá-lo antes de
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deixarmos a Floresta de Saul. Por hora, ele


permanecerá seguro onde está.
— Sinto muito estar atrasando-o, Acheron —
ela foi sincera.
— Mentiroso. Está feliz em me atrasar. Sei
que torce pela fada da clausura. — Ele reclamou.
Driana apoiou o corpo na manta onde estava
deitada, embaixo de uma árvore. Deveriam tê-la
colocado ali para pegar um pouco de ar e se
proteger do calor. Acheron não pareceu disposto a
se afastar.
Era bom ter sua companhia. Sua presença,
sua afeição.
— Não nego que seja verdade, torço para que
a fada consiga sua liberdade. E você? Não torce
pela fada? São amantes, não são? Não lhe tem um
pouco de carinho?

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Acheron sabia que o garoto queria arrancar-


lhe informações para oferecer a fada. Assim, ela
teria mais informações sobre ele e poderia controlá-
lo com facilidade.
— O que tem de errado com um pouco de
atraso? — Jô disse ao notar que ele não responderia
sua pergunta. — Duvido que outro Guardião tenha
conseguido chegar perto das fadas em tão pouco
tempo como você fez — enalteceu-o
propositalmente. — Você disse que acha que Alma
está na Vila dos Desesperados... Sendo assim Solon
deve estar na estrada ou ter chegado a bem pouco
tempo por lá. Talvez nem tenha localizado a fada
ainda. Para onde mesmo disse que a fada Joan foi
levada?
— Eu não disse nada sobre isso. Pare de
tentar arrancar informações de mim — ele ralhou,
mas sem tanta brabeza. — Eu gosto de você,

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garoto. É um bom ajudante, aprecio sua inteligência


e gostaria de tê-lo perto de mim em viagens futuras
ou mesmo cuidando das minhas coisas no Castelo...
Mas precisa ser leal. Eu não posso confiar em um
mentiroso.
— Despende tratamento diferenciado para a
fada da clausura. Ela lhe mentiu, traiu, enganou e
mesmo assim tornou a passar a noite com ela! —
Acusou, duvidando do seu senso de lealdade.
— Entre fêmeas e machos é tudo diferente. É
da natureza das fadas um pouco de mentira. Nunca
conheci uma fada que falasse a verdade completa.
Sempre manipuladoras e dispostas a esconder seus
segredos. É parte da natureza de uma fêmea. É
parte do seu charme, mas entre amigos, entre elfos,
isso não cabe. Ou a verdade. Ou nada.
Driana estava chocada com seu machismo.
Ou melhor, não conseguia classificar seu ponto de

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vista como puro machismo ou como um modo


realista de ver a diferença entre relações
emocionais.
— Perdoaria a fada se ela fosse inocentada?
— Perguntou no susto, decidindo que a relação de
Acheron com a fada da clausura, ela mesma, era
muito mais importante do que a relação de Acheron
com o garoto Jô, disfarce que mantinha erguido
graças a burrice inacreditável do Segundo
Guardião.
— Existem muitas fadas no mundo, Jô — ele
disse com pessimismo na voz. Não queria de modo
algum fornecer-lhe informações que pudesse
enaltecer o ego da fada fujona. — Não perdoo
quem me engana. Relevo, mas não perdoo. Se a
fada for inocentada, será livre. Mas não terá meu
apreço por conta das mentiras e do modo vil como
me enganou duas vezes.

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— Mas... Mas você também agiu de modo


vil! Você deflorou uma fada casta da clausura!
Seus atos não devem ser condenados ou ao menos
redimidos?
Acheron olhou para o garoto com um meio
sorriso sem vergonha na face ao dizer:
— Se ela provar que fui eu...
— Como assim? Você negaria se ela o
deletasse por seu crime contra as regras do
Ministério do Rei? — Ficou chocada com essa
nova informação sobre o Guardião.
— Fica surpreso que eu faça isso depois de
tudo que ela me fez? Nunca ouviu a expressão
dente por dente, olho por olho? — Ele estava
bastante satisfeito em maldizer a fada fugitiva.
— Não, eu nunca ouvi essa expressão vinda
da boca de alguém que considero cheio de virtudes.
Estou surpreso. — Jô era a mais pura expressão da
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inocência.
— É curioso o modo como reverte às
palavras sempre a seu favor — Acheron revidou.
— Eu me pergunto se tem parentesco com a fada e
não quer confessar.
— Parentesco? — Driana sentiu o coração
falhar uma batida.
— São parecidos fisicamente. Eu notei isso.
E sua mentira sobre o duende Baltazar não me
desceu, além disso, os dois tem esse hábito de
manipular as palavras a seu favor e contar boas
histórias para boi dormir — foi franco.
Gelada por dentro, Driana sabia como
escapar desse confronto. Era só abusar mais um
pouco do desejo de acreditar que Acheron nutria.
— É possível. Ela é órfã. Eu também. Eu
simpatizo com a fada e sua causa. Não pode aceitar
isso? — Estava cansada e abatida, quase desistindo
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de conversar e aproveitar a presença do elfo.


— Eu construí uma choupana na Floresta dos
Desejos — ele disse depois de um curto silêncio.
Driana estava quase adormecendo diante do
silêncio e abriu os olhos surpresa.
— Você? Por que faria isso?
— Não sei. Eu pensei que seria bom ter um
lugar só meu, na floresta. Gosto da vida livre, longe
de paredes de pedras — ele disse dando de ombros.
— Eu notei que gosta da vida ao ar livre. É
algo natural da sua raça?
— Sim, acho que sim. Sou melhor na
natureza, do que entre as pessoas. — Admitiu.
— E essa casinha... Onde fica? — Perguntou
curiosa.
— É segredo. Eu poderia contar se você
prometesse convencer a fada da clausura a me
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encontrar lá.
Driana sentiu o coração saltar no peito. Era
um convite tão tentador...
— Eu não posso. Ela não me procura mais.
Não sei onde está e não sei se poderia confiar em
você. Poderia ir atrás de mim e me usar para chegar
até a fada.
— Sim, eu poderia fazer isso. — Ele
concordou.
— Pretende viver nessa casa um dia? — Sua
voz era baixa, quase murmurada.
— Sim, quem sabe um dia quando minha
armadura aceitar outro Guardião. Quando minha
missão tiver acabado e não servir mais para
proteger os desvalidos. Acho que seria uma vida
confortável.
— Não pensa em voltar para sua casa? Para

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seu verdadeiro lar? O lugar onde nasceu?


Acheron pareceu tão pensativo que Driana
sentiu pena. Queria muito apagar a tristeza dos
olhos verdes do elfo. Apagar a mágoa, a dor e a
saudade.
— Eu não poderia viver naquele lugar outra
vez. — Ele admitiu.
— Eu não falo de morar. Falo em visitar,
saber como estão às pessoas. Se a vida seguiu seu
rumo e o lugar evoluiu ou se estão novamente nas
trevas de uma guerra. Falo de reencontrar seu
passado e fazer as pazes com ele. Seguir em frente.
Acheron não disse sim, muito menos disse
não. Pela expressão concentrada, soube que
pensava sobre isso. Refletia sobre suas palavras e
provavelmente chegava à consideração de que o
garoto Jô estava coberto de razão.
— Quem sabe um dia — ele deixou a dúvida
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no ar.
Driana desejou dizer-lhe que um dia, gostaria
de acompanhá-lo nesta viagem. Conhecer sua
gente, o lugar onde viveu e ajudá-lo a esquecer
desse passado sombrio.
Que neste dia, esperava ajeitar-se ao seu lado
e viver feliz sendo esposa de Guardião. E quando a
armadura não mais lhe pertencesse, iria feliz viver
no meio da Floresta dos Desejos, cuidando dele e
de sua vida.
Poderia se imaginar lendo, escrevendo e
acalmando sua mente aguçada com coisas simples
como cuidar de seu companheiro e dos filhos que
tivessem.
Seriam lindas crias, pensou Driana. Acheron
era tão alto, tão louro, tão bonito em suas formas
selvagens. Será que uma cria dos dois herdaria seus
traços? Por certo ela torceria que herdasse uma
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parcela de sua inteligência, pois nesse aspecto não


era bom contar com a genética de Acheron.
Encobriu um sorriso com um bocejo e
Acheron lhe cutucou com o braço antes de dizer:
— Chega de conversa. Descanse. Amanhã
seguiremos nossa jornada.
— Boa noite, Acheron — ela disse com voz
melosa, mas ele não reparou.
Perdido em seus pensamentos não reparou
que o menino, que na verdade era uma fada, pousou
os olhos sobre ele, sonhadora e apaixonada,
suspirando contente por ele querer ficar perto dela,
mesmo sem saber que era a fêmea que tirava sua
paz e o fazia de bobo sempre que surgia a
oportunidade...

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Capítulo 22 - Elfos Guardiões

A Floresta de Saul estava anormalmente


silenciosa, quando chegaram a fronteira com dois
lados distintos. Um caminho estreito, que
magicamente exigia passagem.
Acheron carregava consigo um pouco de pó
de ouro, o único modo de fazer os caminhos se
revelarem. Se fosse para um lado, chegaria à
Floresta dos Desejos, se fosse para o outro chegaria
na Vila dos Desesperados. Caso escolhesse errado,
o único modo de voltar, seria atravessando o
Deserto das Areias Vermelhas ou ter mais do pó de
ouro para revelar os caminhos de volta.

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Driana observou-o segurar o saco com pó de


ouro. Acheron pegou um pouco do conteúdo em
sua mão e lhe entregou o saco.
Driana foi rápida em retirar um punhado e
esconder no bolso da calça. Acheron espalhou no
chão o pó e aos pouco a mágica começou a
acontecer. A mata se abriu e a bifurcação foi
apresentada diante dos olhos de todos.
Driana aproveitou que um dos irmãos de
Jana, o mais novo deles, estava maravilhado pela
visão e se apressava a correr de um lado ao outro,
camuflando-se entre a vegetação colorida, para
ficar em seu caminho e propositalmente se chocar
contra ele, largando o saco com pó de ouro no
chão.
O pó rapidamente evaporou, sendo tragado
pela mágica do lugar.
— Não foi minha culpa! — Ela defendeu-se
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para Acheron que ficou na dúvida se acreditava ou


não.
— Eu não acredito nisso. Você tem sorte que
eu conheço muito bem essa região e sei para onde
devemos ir. Caso contrário, estaríamos em um
momento de tensão — ele disse pensativo.
— Oh, mas eu também sei para onde ir. — O
menino Jô disse com entusiasmo. — Veja, esse
caminho leva diretamente para a Vila dos
Desesperados — apontou o caminho errado.
Antes que Acheron pudesse dizer que estava
errado, Jô puxava Jana pela mão e os dois corriam
para o caminho. Eles passaram pela proteção
mágica, uma barreira invisível e acenaram para eles
do outro lado, rindo.
— Mas que garoto dos infernos! — Acheron
gritou furioso. — Este é o caminho errado, seu
filho de uma fada desnaturada! Esse é o caminho
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para a Floresta dos Desejos!


Era impossível voltar. A mágica do lugar
impedia o retorno. Mesmo que Acheron pudesse
abrir mão de toda sua integridade e abandonar o
garoto a própria sorte, havia a fada Jana e seus
familiares, que nunca permitiriam que tal coisa
acontecesse, pois eram guiados por forte senso de
dever moral. Eles confiavam na ajuda e proteção do
Guardião. E o elfo sorridente que lhe acenava do
outro lado da barreira invisível, contente de seu
feito, havia tomado o cuidado de levar consigo sua
armadura.
Driana sabia muito bem que a expressão de
fúria de Acheron não era mera indignação. Ele
vinha sendo calmo e menos bruto com o garoto Jô
em consideração a sua recuperação física. Enganá-
lo de modo tão simplista era uma ofensa
imperdoável. Rindo dele, se parabenizando

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secretamente pela ideia perfeita, totalmente


improvisada, Driana e Jana cochichavam entre si
sobre a lerdeza do Guardião.
Jana concordava em ajudá-la. Quando tudo
acabasse e fosse livre, Driana gostaria de manter
uma amizade com a fada.
Sendo obrigado a decidir pelo caminho
errado, Acheron e os outros elfos atravessaram a
barreira mágica e Jô tentou fugir, mas foi alcançado
por Acheron. Ele agarrou-o pela orelha, numa
torção típica dos elfos mais velhos em elfos
relapsos e muito jovens.
— Eu sei que fez por querer — avisou. —
Mais uma dessas e eu juro que não vou perdoar.
Sinceramente? Driana nem ligava mais para
suas ameaças em relação ao garoto Jô. Acheron
ameaçava e não cumpria totalmente afeiçoado pelo
menino. Queria era saber se ele teria metade desse
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carinho pela fada Driana e não pelo garoto Jô. Essa


era uma dúvida interessante.
— Sinto muito, foi sem querer —
infelizmente não conseguiu conter o riso, apesar da
dor.
Acheron ainda balançou um pouco a orelha
do elfo, para que ele ficasse dolorido um bom
tempo. Então o soltou e seguiu andando, sem olhar
para trás.
— Porque não nos leva para sua cabana? —
Ela correu atrás ele, sendo tão irritante quanto
possível.
— Porque eu vou dar a volta na Floresta dos
Desejos, atravessar todo o maldito Desertos das
Areias Vermelhas e fazer tudo isso antes que a fada
dissimulada e fugitiva tenha a chance de me
enganar outra vez. — Ele disse mal humorado.
— Mas eu pensei que você quisesse vê-la
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outra vez... Na cabana... — Insinuou corando.


Acheron não notou, pois o entendimento de
que talvez o garoto houvesse falado com a fada
pelas suas costas e ela estivesse indo na mesma
direção foi mais importante do que a reação
exagerada do seu ajudante.
Engolindo o desejo, em nome do orgulho,
disse:
— Não tenho interesse. E daqui para frente,
você anda do meu lado. Não vou permitir que me
atrase mais uma vez!
Ofendida em sua vaidade, Driana obedeceu,
satisfeita consigo mesma por ter conseguido atrasá-
lo pela milésima vez desde que saíram do castelo.
Ou Acheron era muito fácil de atrasar ou estava
sem pressa nenhuma para chegar ao destino
desejado.
Às vezes Driana duvidava da decisão do
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Guardião a cerca de sua missão. Seria preciso no


mínimo mais uma semana para que conseguisse
voltar para o caminho desejado.
Tempo suficiente para conseguir armar
alguma alternativa para atrasá-lo ainda mais.
Seu plano inicial de garantir que Acheron
não se dedicasse a caçada não estava surtindo o
efeito desejado.
Era um plano exercido de modo desajeitado,
mas no fim, conseguia causar problemas e era o
que importava.
Pensativa, Driana observou-o atentamente,
pensando em como a vida é complicada. A pouco
mais de uma semana ela jamais poderia dizer que
passaria uma noite nos braços do Segundo
Guardião. Ou de qualquer elfo. Sempre avessa ao
interesse masculino! Quanto mais que estaria
ansiosa para repetir o feito.
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Seus pensamentos românticos foram


drasticamente interrompidos pela conversa entre
Acheron e a família de Jana. Eles pretendiam se
separar nas proximidades da Vila dos
Desesperados. Jana era apenas uma fada, mas de
um em um, poderia levar seus familiares para a
Vila, sem a necessidade de penar no Deserto das
Areias Vermelhas.
Eles discutiam amavelmente sobre Acheron
aceitar ajuda ou não.
Pelo olhar enviesado direcionado a Jô e a
resposta de má vontade que Acheron deu, ela soube
que ele pretendia sim continuar na Floresta dos
Desejos, provavelmente na esperança de atrair a
fada da clausura.
— Tenho um lugar para ir antes de partir —
Acheron dizia ao pai de Jana. — Faz algum tempo
que não percorro essa floresta, mas ainda me

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lembro de um lugar bastante agradável onde posso


conseguir companhia.
Driana tropeçou em uma pedra, tamanha
desatenção provocada pelo comentário de Acheron.
Ele teria coragem de deitar-se com outra fada
estando envolvido com ela?
Sua mente lógica gritava que sim, pois não
havia nada entre eles, além de rancor e
desencontros. No entanto, prevalecia seu coração,
gritando que arrancaria os olhos de qualquer fada
que ousasse aproximar-se dele!
— Uma vez ouvi que um elfo ficou em
apuros nessa floresta — o irmão mais jovem de
Jana disse observando em volta desconfiado.
Acheron sorriu pensativo.
— Sim, os crédulos veem magia em todo
lugar — ele disse em uma clara provocação, pois Jô
havia desmascarado a mágica aparente da Floresta
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dos Dois Dias, mas não quisera lhe contar o grande


segredo.
— Um pouco de ilusão faz bem para os
olhos, ouvidos e sentidos — disse o irmão de Jana.
— Mas creio na magia dessa floresta. Aquele que
tiver um desejo verdadeiramente intenso poderá ser
recompensado com sua realização. Há quem tenha
dito ter obtido êxito em seu pedido.
Driana ouviu e baixou a cabeça. Sua mente
lógica sabia que era impossível. Havia muita magia
na Floresta, mas nada no mundo poderia realizar
um desejo, pois normalmente os desejos são dúbios
e difíceis de decifrar. Sendo assim a possibilidade
era nula. No entanto, sentiu um aperto no peito
imaginando como seria perfeito poder realizar seu
desejo mais intenso.
Mas qual seria seu verdadeiro desejo? Salvar
a si mesma e as suas amigas, inocentando-as das

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acusações? A liberdade e a certeza de jamais correr


o risco de ser aprisionada na clausura do Ministério
do Rei? A chance de viver um grande amor ao lado
de Acheron?
Ou ainda, aquele desejo mais íntimo e
inconfessável, que a acompanhava desde a
infância? O desejo de conhecer sua mãe e seu pai,
saber se possuía irmãos, se era lembrada com
saudade por alguém que não pode criá-la ou que
talvez, sequer saiba de seu paradeiro?
Suas amigas dividiam com ela esse mesmo
desejo. Essa mesma dor que apenas um órfão
compreende. Triste, seguiu ouvindo a conversa.
Jana a cutucou em determinado momento, quando
Acheron pareceu distraído. Ela pousou os pés no
chão e passou a andar, para conseguir acompanhar
seu ritmo de caminhada e poder conversar:
— Estou nervosa. — Ela disse mordendo o

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lábio.
— Porque, Jana?
— Porque vamos nos separar do Guardião —
ela olhou para Acheron — ele me dá segurança.
— Acheron faz isso... Ele faz com que todos
a sua volta sintam-se seguros — disse baixinho,
para que ele não ouvisse. — Ficarão na Vila dos
Desesperados por muito tempo?
— Acho que não. Meu pai quer voltar para
casa. E nossa casa fica muito longe. — Ela disse
triste.
— Eu gostaria de vê-la outra vez — Driana
admitiu. — Talvez não possa me despedir como
gostaria... — Pediu desculpas por isso.
— Eu sei. Mantenha-se livre, Driana, não
abra mão da liberdade — Jana disse baixinho. — E
lembre-se, além do horizonte, voe sempre para o

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sul, e terá uma amiga para lhe dar abrigo.


Driana quis lhe dizer que era agradecida por
isso. Mas que não poderia jamais virar as costas
para suas amigas. Mas quem sabe... Sua estratégia
estivesse errada? Não deveria impedir o Guardião
de encontrá-las e sim, juntá-las e abrigá-las
enquanto as asas de todas não nascessem. Então,
poderiam todas voar para um lugar longe, onde não
houvesse clausura ou acusações de assassinato!
Esses pensamentos despertaram uma nova
esperança dentro do coração de Driana, que
estendeu a mão e apertou a de Jana.
— Eu tive uma irmã — Jana confidenciou —
não sei onde ela está, mas vou dizer ao meu
coração, que ela seria como você. E por isso, a amo
como se fosse meu sangue.
— O que aconteceu com ela? — Perguntou
baixinho, emocionada.
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— Um caçador de recompensa sequestrou-a


logo depois do nascimento. Óbvio, que para vendê-
la por um alto preço. Isso faz muitos anos. Não há
pistas de seu paradeiro, mas meu pai tem devotado
sua vida para procurá-la. Por isso estávamos tão
longe de casa. Foi um erro ter vindo para essa
região, mas havia uma forte pista sobre seu
paradeiro que nos trouxe para esses lados. É tudo
muito perigoso por aqui. E sei que não a
encontraríamos com vida. Permanecer tantos meses
morando por essas terras, não foi perca de tempo,
apesar de tudo que me aconteceu, pude descobrir o
que é o sentimento de ter uma irmã. É o que sinto
por você, Driana.
A fada da clausura parou e apertou sua mão.
Queria abraçá-la e dizer que lastimava muito sua
partida. Ambas olharam para Acheron e não
precisaram de palavras para dizer que não poderiam

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falar sem levantar suspeitas.


Seguiram atrás dos elfos, Driana tentando
ignorar a conversa e fixar-se em seus pensamentos,
mas era impossível ignorar a presença de Acheron.
A roupa e a postura adotada para fingir ser o garoto
Jô não mascarava seu interior e não a impedia de
reparar no elfo, de sentir seu cheiro.
Inebriada pela presença dele, Driana perdeu a
noção dos próprios pensamentos, focando-se
totalmente nas lembranças de estar em seus braços
perdida de paixão.
Talvez por causa disso, de sua distração, não
percebeu que Acheron estava incomodado com
algo, até que parou e disse:
— Voe acima das árvores, fada — ele disse
para Jana. — Veja se encontra algo estranho entre
as árvores.
— O que devo procurar? — Ela perguntou
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imediatamente interessada em ajudá-lo.


— Movimento de outros elfos. Sinto cheiro
de carniça.Voe alto, para que não possam abatê-la
com flechas — ele disse incomodado.
Driana sabia que ele era um exímio farejador.
Mais do que isso, sua experiência de natureza, de
caçador, o fazia prever o perigo e sentir a
aproximação de uma luta. Jana alçou voo, suas asas
batendo graciosamente no ar.
Driana acompanhou-a com olhos atentos,
admirando a beleza do revoar. Reconheceu a tensão
nas formas do Guardião e aproximou-se,
perguntando:
— O que está acontecendo?
— Estamos sendo seguidos há alguns dias —
ele avisou. — Achei que fosse culpa da Floresta de
Saul. No começo, pensei ser alguma criatura
reclusa da floresta nos monitorando. Depois achei
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que fossem os duendes, mas libertei o prisioneiro e


mesmo assim continuamos sendo seguidos — ele
explicou.
— Fez bem ao pensar que poderia ser um ser
da floresta. Eles seguem os visitantes, mesmo que
não ofereçam risco. Zelam por seus lares, sempre
na defensiva. — Ela concordou.
— Não tem ideia das criaturas que já vi e
enfrentei na Floresta de Saul. — Acheron
comentou. — Continuamos sendo seguidos e as
criaturas de Saul não são capazes de passar pela
proteção da Floresta dos Desejos. Não conheço
nenhuma raça que se arriscaria a andar por esses
lados sem necessidade de defender seu território ou
sua gente.
— Acha que são elfos? — Perguntou, sua
mente logo imaginando o que seria.
— Sim, mas não consigo entender quem são.
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A fada Jana fugiu de sequestradores, mas isso faz


muitos dias e eles não saberiam que estamos aqui.
— Ele divagou.
— O caçador... Duque. Você o enfrentou e
venceu, não foi? — Perguntou parando de andar.
— Ele foi eliminado. Mas o resto do bando?
— Meia dúzia de elfos sem um líder? Não
teriam coragem para me enfrentar por tão pouco,
muito menos vingança.
— Vingança? Tem razão. Esses elfos não
entendem nada sobre lealdade ou sentimento de
apego. — Driana concordou, usando a mão para
fazer sombra para os olhos, enquanto tentava
enxergar no céu o retorno da fada Jana. — E a fada
Driana? Eles podem estar atrás dela. Duque sabia
onde ela estava, não é? Talvez eles não tenham
desistido — disse pensativa, considerando se
estaria ou não em risco mais uma vez.

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— Era só o que me faltava — ele reclamou


— não vou enfrentar uma nova luta por causa dessa
fada dissimulada.
O garoto Jô olhou para ele com um olhar de
indagação que duvidava de sua convicção.
Eles poderiam ter engatado uma discussão
sobre ideologia, se um estrondo não houvesse
interrompido a linha de pensamento. A fada Jana
revoava na direção deles com desespero na face.
No céu, logo atrás dela uma bola de fogo
vinha em sua direção.
Jana gritava, tentando fugir, e somente
conseguiu, pois seu irmão mirou uma flecha no
alvo, livrando-a do confronto. A bola de fogo
revelou-se uma fada de pele rosada, cabelos
vermelhos e roupas de couro. Asas amareladas e
com as pontas incendiadas em fogo puro. A fada
planou no ar. De seus olhos, labaredas de fogo
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surgiram enquanto suas mãos se tornaram repletas


de fogo.
Os irmãos de Jana usaram suas flechas para
tentar abatê-la e Driana foi levada para um canto,
pois Acheron a puxou pelo braço. Empurrando-a
atrás de algumas moitas. De olhos arregalados,
Driana torceu para que alguma das flechas
acertasse a fada.
O fogo atingiu um dos irmãos de Jana, que
correndo atirou-se no chão, rolando na terra,
apagando as chamas. O pai e o irmão do meio
formaram uma barreira a sua volta, protegendo-o.
Acheron ajudou-os, usando seu corpo como
escudo.
Driana foi a única que viu o irmão mais
jovem de Jana, quase um menino de calças curtas
ainda, recuar entre as árvores, tornando-se parte
delas, como era seu poder secreto, assim como os

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três irmãos, que ocupados em lutar, não puderam


fazer o mesmo.
De seu canto, escondido pela camuflagem, o
garoto mirou e soltou a flecha, acertando
exatamente onde desejava. A flecha perfurou
ambas as asas da fada, abatendo-a em seu voo.
O grito de dor e de lamento da fada doeu nos
ouvidos de Driana que tudo observava,
precariamente protegida. A fada caiu no chão,
deitada, gritando. Contorcendo-se a fada de longos
cabelos e traços faciais impressionantes, arrancou a
flecha das próprias asas, gritando pela dor
insuportável. As asas de uma fada são extensão de
sua carne e deste modo qualquer agressão contra as
finas estruturas coloridas e suaves, representavam
danos irreparáveis para a fada.
— Afastem-se! — Acheron gritou, a espada
encostando-se ao pescoço da fada. Ela ergueu os

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olhos para ele e sorriu, enquanto estendia uma das


mãos sobre o chão. Fogo queimou as folhas secas
de árvores que cobriam o chão, chegando até o pé
do Guardião, subindo por suas canelas
rapidamente.
Acheron soltou a espada, para livrar-se das
chamas e a fada ergueu-se, uma das mãos
projetadas para frente, com fogo surgindo nas
palmas.
Foi quando uma pancada forte na parte de
trás da cabeça da fada a derrubou no chão. O garoto
Jô segurava o cajado nas mãos, tremendo de medo
e susto, por estar atacando alguém. Queria ter
usado algum pedaço da armadura, por ser mais
pesada e rija, mas na hora do susto, pegou a
primeira arma que achou.
— Acheron... Você está bem? — Perguntou,
pigarreando, tentando limpar a garganta e não

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parecer tão feminina e frágil como se sentia.


Ele não respondeu, ocupado em levantar e
andar até a fada desmaiada.
— Como aprisiono uma fada com o dom do
fogo? — Perguntou para Jô.
Usar-se da boa inteligência do rapaz a seu
favor.
— Água. Chamas não podem fluir da água.
— Disse pensando rápido — eu vi quando ela
precisou erguer as mãos para gerar fogo. Amarrem
as mãos da fada e as mantenha molhadas.
— Estão usando do poder de fadas —
Acheron disse conspirador, enquanto os irmãos de
Jana prendiam e molhavam as mãos da fada
perigosa com água de um cantil.
— São elfos caçadores de recompensa? —
disse Jana ainda muito assustada. Aceitou o apoio

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do garoto Jô e pousou a cabeça em seu ombro,


tremendo pelo medo que passara. — Eu vi um
acampamento entre as árvores. Vi três fadas, mas
creio que devem existir elfos, embora não tenha
visto-os. Seria possível que as usassem para nos
atacar?
— Uma destas fadas está abatida — Acheron
disse pensando sobre o assunto, decidindo o que
faria. — O melhor a fazer é nos separar. Duas fadas
juntas são perigosas demais para poucos elfos.
— Acheron, eu não acho uma boa ideia a
divisão. — Driana disse tensa — Pense bem, Jana
não possuí dons, seus familiares podem se
camuflar, mas não desaparecer. Possuem apenas
espadas e flechas como defesa!
— Eu odeio usar minha armadura por causa
de peixes pequenos — Acheron disse revoltado,
apontando o saco com a armadura.

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Nervosa, Driana afastou-se de Jana, depois


de dividir com ela um olhar cúmplice. Correu para
abrir o saco e retirar as peças da armadura.
Acheron abriu os braços esperando. Driana
quase se enrolou toda na pressa de agradá-lo.
Aparvalhada e deleitada de ser honrada com esse
ritual tão particular, prendeu os braceletes nos
pulsos e braços do elfo, um a um.
Humilde, ajoelhou-se e colocou as botas de
metal nos pés do Segundo Guardião. Seguiu
colocando as peças que faltavam e que protegiam
suas canelas.
Levantou, sem ar, o coração disparado dentro
do peito, com mãos tremulas, tocou o peito do elfo,
tentando não parecer feminina demais. Colocou a
proteção que cobria o ombro e o peito esquerdo,
protegendo o coração do Guardião.
Acheron não percebeu como seu ajudante
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estava abalado. Recebeu nas mãos outra vez a


espada e a armadura se manifestou, aquecendo-se
sobre sua pele, as peças unidas, como se uma solda
estivesse sendo efetuada, tornando a armadura toda
articulada e moldada ao corpo do elfo.
Driana suspirou de puro encanto feminino
quando Acheron passou por ela, na direção do pai
de Jana, para decidir por onde seguiriam, pois era
melhor atacar do que esperar ser atacado.
Mesmo Jana que sabia haver algo romântico
entre sua amiga Driana e o elfo, manteve os olhos
na imagem do Guardião. Era muito impressionante
tanta masculinidade e força. Complicado para uma
fêmea fingir não reparar...
Apartada do grupo, Driana aproximou-se da
fada aprisionada, que acordava. Ela piscou os
olhos, que agora sem chamas, eram negros como a
noite. Metade do encanto da face havia

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desaparecido, tornando-a uma fada comum como


qualquer outra. Ela esbravejou e tentou se soltar,
pois isso Driana correu para molhar mais um pouco
suas mãos, para evitar que se recuperasse.
— Está perdida, fada da clausura — a intrusa
disse entre dentes, fumaça escapando de seus
lábios, pois a água aplacava as chamas, mas não o
calor interno que consumia as entranhas da fada.
— Você sabe...? — Ficou surpresa que
soubesse de seu disfarce.
O caçador de recompensa Duque sabia. Mas
pensara ser algo dele. Um elfo muito inteligente
que não dividiria seu segredo com outros elfos
inferiores em luta. Guardar esse segredo, para
garantir lucro total com a entrega da fada da
clausura ou ao menos, impedir que outros
lucrassem a suas custas. Sentimentos típicos de
bandidos sem escrúpulos como Duque!

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— Duque era meu macho — a fada de fogo


disse. — Agora estou só. Mas você... Não vai durar
muito tempo. Creia, não durará muito tempo!
— Cale-se! — Driana disse assustada — não
ouse me ameaçar!
— Não perca seu tempo falando com essa
fada! — Acheron gritou de onde estava, sem notar
o diálogo entre elas. — Junte-se a Jana. Esse cajado
não vai ajudá-lo em nada, garoto. Não se meta a
herói, pois não tenho tempo para salvar sua bunda...
A voz de Acheron se perdeu no som de asas
revoando. Não havia nada em volta, além do som.
Asas pesadas batendo no ar.
Elfos a postos, olhando em volta, em busca
da invasora.
Por um segundo a fada se revelou, era toda
prateada, pele, cabelos, asas em tom prateado. Ela
se revelou e surgiu exatamente atrás do ajudante de
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Acheron. Com um sorriso de satisfação de quem


sempre consegue o que deseja, a fada prendeu
ambos os braços em torno dos braços do garoto e
bateu as asas subindo ao céu. A poucos metros do
chão, trincou as pernas a sua volta, tendo garras nos
dedos dos pés.
Driana berrou em puro pavor ao ser levada
para o céu, a metros de distância do chão. Nunca
havia voado. Queria desesperadamente conhecer
essa sensação, mas esperava que isso acontecesse
quando suas asas nascessem ou quando uma de
suas amigas fosse agraciada com o nascimento.
A fada a levou para longe, desaparecendo
entre a copa das árvores. Acheron rugiu de raiva
por estar completamente impotente diante do
sequestro. Seus olhos acompanharam a imagem
desaparecer entre as nuvens e jurou a si mesmo que
não descansaria enquanto não trouxesse o garoto de

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volta em segurança...

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Capítulo 23 - Olhos de cobiça

O voo foi curto, a fada planou baixo, antes de


soltar as garras e as mãos e jogá-la no chão. O
acampamento dos caçadores de recompensa era
próximo ao local onde fora aprisionada, e Driana
foi jogada no chão batido, coberto por pedregulhos
e terra seca. Típico de bandidos acostumados a se
esconderem nos lugares mais imprevistos, escolher
um lugar que mais ninguém escolheria para
acampar.
Driana caiu de face contra o chão usando
ambas as mãos para tentar amortecer a queda. Não
surtiu efeito. Baqueada não se moveu por alguns

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instantes e nem precisou, pois foi agarrada pela


touca de duende e erguida a força.
Seu algoz era uma fada alta, longa,
curvilínea, vestida com muito metal, e por um
segundo Driana temeu ser Zoé, a única Guardiã
fêmea do Reino de Isac. Mas não era. Era uma fada
vestida com metal nos ombros e no peito, como se
recriasse uma armadura. Provavelmente uma
artimanha para enganar e causar medo em suas
vítimas.
— Me solte! — Gritou e se debateu, mas não
foi obedecida.
— Tragam a faca. — A fada ordenou e
Driana ficou imóvel pensando no que aconteceria.
A fada a jogou no chão e quando a fada
invisível correu em sua direção com um punhal de
prata e pedrarias preciosas, a fada disse:
— Sei que por de baixo dessa fantasia de elfo
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esconde-se uma das assassinas do Rei. Revele-se


Driana ou eu mesma arranco esse gorro da sua
cabeça! — Ela ameaçou.
Driana tocou o gorro, sabendo muito bem
que a ideia da fada era escalpelá-la, caso Driana
não se livrasse da mágica de duende que encobria
seus cabelos.
Seu disfarce não existia mais, ao menos
diante destas pessoas, sendo assim não havia razão
para esconder-se e correr riscos desnecessários.
Amedrontada, arrancou o gorro. Seus cabelos
caíram por seus ombros, macios e negros,
brilhantes como nunca. Ela precisava admitir que
seus cabelos e sua pele nunca estiveram tão bonitos
quanto nesses últimos dias vivendo ao ar livre.
Driana afastou-se e levantou. Não queria
sentir-se tão fraca. Pensou em pegar uma pedra e
guardar consigo, mas seria infantilidade. Era uma

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fada sem asas e sem um dom útil para a batalha.


Melhor poupar-se do papel patético de tentar lutar
fisicamente, quando sua única arma era a mente.
— Não sou uma assassina, sou inocente! —
Gritou com a fada.
— Meu nome é Misselan, quero que saiba o
nome daquela que a entregará para a Rainha. Eu
não estou interessada em sua inocência. Tenho uma
recompensa para abocanhar e você é a primeira a
ser capturada. Depois de exibir sua cabeça, uma a
uma as fadas da clausura irão se apresentar. — Ela
andou em sua direção.
— Não pode crer que os Guardiões irão
permitir que...
— Não ouse tentar manipular meus
pensamentos — a fada gritou mais alto que as
palavras de Driana dominada por uma fúria
puramente passional.
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Num piscar de olhos, Driana foi outra vez


agarrada, pela fada que a trouxera até ali, e as
pesada garras seguraram seu pescoço,
imobilizando-a.
Misselan aproximou-se e fixou os olhos
castanhos nos seus enquanto dizia:
— Conheço seu poder, fada assassina, e não
vou me deixar enganar por palavras. Eu sei que é
fraca e sua fraqueza maior é o Guardião.
Reconheço o cheiro de fada que exala. Seu cheiro
não condiz com seu estado de castidade. Tem se
deitado com o Guardião, não é? Pois bem, tente
fugir e minha amiga e eu teremos uma longa
conversinha com o Segundo Guardião... — Ela
sorriu e a outra fada sussurrou bem no ouvido de
Driana:
— Aposto como ele deve ser delicioso de
segurar — ela apertou mais forte as garras e Driana

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gemeu de dor.
— Nunca conseguirão vencer um Guardião.
Acheron é poderoso, é forte, é...
— É macho, é elfo e é burro como uma
porta. Isso já basta para que eu saiba que vencerei
seu Guardião com pouco esforço. — Misselan
garantiu.
— Isso é estranho — Driana disse, olhando
em volta, seus olhos escaneando o lugar. — Onde
estão os elfos? Onde estão os seguidores do
caçador Duque?
— Não repita esse nome na minha frente —
o punhal foi posicionado abaixo do seu queixo —
Duque é passado. Felizmente, como todo elfo, ele
foi burro o bastante para confidenciar suas
suspeitas a cerca do menino estranho que seguia o
Guardião... O que um elfo não faz quanto
entorpecido no leito de uma fada, não é? Duque
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nunca foi tão esperto como se considerava. Alisha


me procurou e aqui estamos.
— Alisha gostava de Duque — a outra fada
defendeu e Misselan riu.
— Tanto que não hesitou em me seguir atrás
da possibilidade de conseguir ouro e poder —
Misselan a repreendeu. — Amarre-a. Mas não
perca tempo caprichado muito, pois essa fadinha
não possui asas e não possui dom. Inteligência
apurada? Já vi duendes chupadores de essência
mais espertos que você — ela esmurrou a cabeça de
Driana para trás e aproximou os lábios da bochecha
dela, enquanto dizia — você sabia que não é apenas
os duendes que se alimentam da essência de outras
fadas? Não tente me enganar, pois eu estou
usufruindo muito da sua inteligência, fada da
clausura.
Empurrou a fada para trás e a fada de garras

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a arrastou em direção uma árvore. Driana foi


amarrada no tronco da árvore e enquanto isso
acontecia, observou a fada das garras e disse:
— Qual o seu nome?
A fada espreitou sua face e na dúvida sobre
suas intenções, disse:
— Lua.
— Lua? É seu nome?
— É como me chamam — disse baixando o
rosto, apertando um último nó que a prendia.
— Lua, você não é uma caçadora de
recompensa. Fadas não lidam com esse crime. As
fadas são agraciadas com dons. Você não precisa
disso...
— Não? — A fada encarou-a com raiva. —
E o que você sabe sobre necessidade?
— Sou uma fada da clausura, eu entendo
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tudo sobre privação! — Ela disse tentando enredá-


la com palavras.
— Misselan tem razão. Você é uma cobra.
Driana foi deixada para trás e manteve os
olhos nas duas fadas. Elas trocaram algumas
palavras e Driana sabia que tramavam como atacar
Acheron e livrar-se dele.
Filosoficamente falando, como estudiosa e
intelectual, Driana analisava o comportamento e
admirava-se da ousadia. Conhecia a antiga história
de lutas e preconceitos entre fadas e elfos, que
culminara em muitos anos de separação entre
machos e fêmeas. Ver diante de seus olhos esse
ódio era impressionante.
Se ela não fosse a vítima desse ódio, com
toda certeza, estaria estudando a situação. A fada
do fogo, chamada Alisha estava teoricamente
sobcontrole. Não podia jurar, pois Acheron era bem
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capaz de subestimar o poder da fada e permitir que


escapasse. Não ficaria surpresa se isso acontecesse.
Não mesmo. Estar apaixonada por ele, não
modificava completamente sua reticência a cerca
do fato de Acheron considerar as fadas um pouco
inferiores e destinadas apenas ao cuidado de seu
companheiro. Basicamente, Acheron não levava as
fada em demasiada consideração.
Misselan não demonstrou qual era seu dom,
mas visto sua tranquilidade em relação ao
Guardião, deveria supor ser poderosa. Lua era uma
fada da invisibilidade. Com uma careta de
desgosto, Driana lamentou seu azar.
Olhando em volta, Driana mudou a
fisionomia e sorriu. Já sabia como lidar com Lua.
Como resolver o problema de sua invisibilidade.
Agora precisava achar um jeito de avisar Acheron
disso!

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Misselan havia usado de um duende para


drenar seu dom da inteligência. Fada de uma figa
tinha vontade de estrangular seu pescoço só de
pensar em seu sofrimento induzido por sua
ganância!
Lua alçou voo e Driana rezou secretamente
para que não estivesse indo atrás de Acheron.
Imaginava que o Segundo Guardião estivesse
esperando um ataque vindo de elfos, não estava
preparado para lidar com fadas. E pior, deveria
imaginar ter abatido a única fada poderosa usada
por eles!
Misselan aproximou-se e ficou de pé
olhando-a com arrogância.
Driana não afastou os olhos e permaneceram
em um duelo de egos por muito tempo...
*****
Acheron observou o pai de Jana, Melquior,
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jogar água sobre a fada, molhando-a da cabeça aos


pés. A fada berrava e fumaça subia para o ar, pois
ela não suportava o contato de água estando com o
corpo pegando fogo.
Seus gritos não compadeciam nenhum dos
elfos. Bem distante, Jana estava sentada,
observando tudo calada, dividida entre medo e
pena.
— Diga para onde Jô foi levado — Acheron
exigiu.
— Não — ela gritou, cuspindo fumaça.
— Quantos elfos estão em seu bando?
A fada riu na sua cara com desdém total.
Se não fosse uma fêmea, Acheron teria
esbofeteado sua face para que aprendesse a
respeitar um Guardião. Mas era uma fada e ele
evitava usar de força bruta com as fêmeas.

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— Seu dom é o fogo. — Ele sacou a espada e


aproximou-se dela. — Suas asas são seu voo. Não
posso privá-la de seu dom, fada. Sabemos que em
algum momento a água não será suficiente para
pará-la. No entanto, uma fada sem suas asas não
garante muito risco — ele aproximou a espada de
uma das asas e a fada nem se mexeu.
Seu olhar era de desdém, e Acheron se
conscientizou que ela não acreditaria a menos que
ele realmente fosse até o fim.
— Diga onde Jô foi levado e a pouparei do
terrível destino de perder suas asas — ele avisou
com seriedade.
Acheron não se considerava tão burro quanto
às pessoas viviam lhe acusando. Acreditava saber a
causa de sequestrarem Jô e não suspeitava estar
errado. Levar Jô era uma garantia de atrair a fada
Driana, pois aparentemente havia uma forte ligação

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entre o ajudante do Guardião e a fada da clausura.


A fada conhecia a personalidade do Guardião
e fora alertada sobre como lidar com ele.
Seus olhos piscaram graciosamente e ela
disse suavemente, como uma cobra prestes a dar o
bote:
— Faça isso e não lhe conto quem é de
verdade o seu ajudante.
— Eu sei quem Jô é — ele disse
pateticamente falso.
A fada sorriu, apesar de ser uma fada cruel e
maldosa, era bonita e graciosa, e em outros tempos,
em outras circunstâncias teria apreciado passar
mais tempo conhecendo-a e quem sabe
convertendo-a a outra vida.
— Oh, não, você não sabe, não está sequer
perto de saber o quanto complexo é seu ajudante.

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Bem da verdade, quando souber... — Ela soltou um


risinho e parou de falar. — O que está fazendo?
Acheron a fez levantar e começou a alisar
suas asas, surpreendendo a fada.
— Estou procurando o ponto mais doloroso
— ele avisou e a fada resistiu ao impulso de se
apavorar.
O Guardião pousou ambas as mãos, uma em
cada asa e ela tentou enxergar o que fazia, pois
havia deixado a espada no chão.
Acheron começou a puxar as asas, cada qual
para um lado, causando uma dor insuportável. A
fada curvou-se na direção do chão tentando
escapar.
— Matou Duque! Matou o meu elfo! Pare,
você matou o meu amor! — Minutos mais tarde,
apesar do choro, ela gritava sem parar, quando a
dor se tornou a única coisa que pairava em sua
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mente.
Apesar de não ser adepto da tortura, Acheron
não poderia ignorar o fato de que na maioria das
vezes era um artifício muito útil e bem mais rápido
de obter informações valorosas.
Aquela fada era uma criatura perdida na vida,
apegando-se a qualquer falso amor. Apenado,
Acheron parou, e ela acalmou os gritos, mas não o
choro.
— Você — ele apontou o irmão mais jovem
da fada Jana. — Está encarregado de mantê-la
molhada e amarrada. — Virando-se para outro dos
irmãos, disse: — Vigie a prisioneira e mantenha
sua irmã a salvo. Os demais me acompanhem.
A fada de fogo havia deixado escapar durante
a tortura de onde viera. Era por esse caminho que
ele iria. Acheron, o pai de Jana e dois de seus
irmãos mais velhos foram embora, e Jana
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aproximou-se da fada, ajoelhando-se no chão perto


dela, observando o estado das asas.
— Suas asas estão intactas. A dor vai passar
e elas vão sarar. — Disse apenada. — Porque
escolheu essa vida? É uma fada tão bela, tão
poderosa... Porque escolheu essa vida?
Não houve resposta. A própria Jana conhecia
a dor que a vida impõe para quem é frágil ou está
desprotegido por qualquer que seja a razão. Não
poderia culpá-la por deixar a escuridão e a raiva
sombrear seu coração. Mesmo sem concordar com
a escolha feita pela fada do fogo, apenou-se dela...
*****
Driana permaneceu acordada durante toda a
noite, olhos fixos nas duas fadas. A tarde havia
passado rapidamente e a noite chegado absoluta,
silenciosa e densa. Vez ou outra a fada invisível,
desaparecia do seu campo de visão e Driana sentia
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uma fisgada de medo causar um tremor em seu


corpo.
A espera era horrível, angustiante e mesmo
assim, era útil. Enquanto esperava Acheron resgatá-
la, pois tinha certeza que ele não abandonaria o
garoto Jô a própria sorte, Driana aproveitava para
pensar nas possibilidades.
Imaginava um modo bastante rápido de
neutralizar a fada invisível, mas para isso precisaria
de Acheron ou de algum tipo de ajuda.
Quanto a Misselan, não tinha a menor ideia
de como neutralizá-la, pois ainda não sabia qual era
seu dom.
A fada Lua revoou baixo e desapareceu mais
uma vez. Misselan aproximou-se de Driana,
banhada pela luz da fogueira. Era uma fada
impressionante. Sua aparência era única. Os
cabelos de Misselan eram ondulados, cor de fogo.
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Seus traços eram sofisticados.


— Não olhe nos meus olhos — Misselan
avisou.
Carregava um punhal nas mãos. Driana
estreitou os olhos, pensando profundamente sobre a
questão. Sua mente privilegiada chegou à
conclusão óbvia e ela sorriu.
Seu sorriso irritou profundamente Misselan.
— Estava me perguntando por que precisava
da minha inteligência. Porque uma fada, com asas e
dom, precisaria recrutar duendes e insetos
peçonhentos para conseguir um punhado de sangue
de fada. Eu não tenho meu dom completo, não
estou pronta. Porque querer um dom incompleto?
Agora vejo, é uma atitude desesperada de uma fada
sem dom.
Mal terminou de falar e Misselan acertou-lhe
uma bofetada na face. Driana sentiu o gosto do
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sangue nos lábios e segurou um gemido para não


lhe dar a satisfação de vê-la sofrer.
— Jana também não possui dom — ela disse,
sem se importar com o ódio que despertava, e mais
um tapa acertou sua face. — Agora eu entendi! —
Gritou, a despeito disso. — É uma fada sem dom!
É uma fada sem dom!
— Não! — Misselan curvou o corpo e
agarrou seus cabelos, falando bem perto, quase
cuspindo em sua face: — Não! Eu tenho dom! Eu
tenho um dom!
— Um dom roubado e temporário!
Temporário! Logo, meu dom saíra de sua corrente
sanguínea! Logo, Lua e Alisha vão descobrir que
você não deseja a recompensa! Você quer atrair a
família de Jana até aqui, não é? É esse o seu plano?
Está me usando para atrair o Guardião, pois sabe
que os elfos não o deixaram sozinho, pois são leais!

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Fico feliz de saber que meu bom tem lhe sido útil,
pois tenho certeza que sozinha jamais teria
pensando em um plano tão elaborado!
Misselan soltou seus cabelos e andou para
longe. Parou e virou em sua direção. Calou-se ao
lembrar que Lua poderia estar ouvindo.
— Foi você, não foi? — Driana gritou, na
verdade berrou, para que Misselan não pudesse
ignorá-la, mesmo que andasse para longe. — Foi
você quem sequestrou Jana e entregou-a para ser
vendida? Foi você quem desgraçou a vida dela! Foi
você!
— Cale a boca! — Misselan gritou. — Cale
essa maldita boca!
— É uma fada velha — Driana disse com
sarcasmo, sendo maldosa apenas para causar
indignação na fada, pois sabia muito bem que tocar
na ferida de pessoas como Misselan era o método
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mais eficaz de arrancar informações. — Velha o


bastante para ter... Oh, não! Você roubou a
irmãzinha de Jana quando era um bebê! Foi você
quem fez isso duas vezes com essa pobre família!
Você é um monstro?! É um monstro!
— Não! — Misselan voltou para perto de
Driana, os olhos repletos de fúria. — Não sou um
monstro! Melquior chegou perto demais... Eu
precisei arrumar um entretimento para que ele fosse
embora!
— Sequestrar Jana e entregá-la para ser
vendida foi um entretimento? Você não é um
monstro! Você é uma louca! Fada sem dom! Ela
não tem dom! — Começou a gritar. — Misselan
não tem dom! É uma fada sem dom! Sem dom!
Sem dom!
Misselan calou-a na base de tapas. Mas era
tarde. Lua tornou-se visível, surpresa pelo que

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ouvira, pois havia chegado a tempo de ouvir o final


da briga.
— Sem dom? — Lua perguntou com uma
expressão bastante óbvia.
— Não acredite nessa fada mentirosa. Eu
avisei que ela usa da inteligência para manipular a
todos! Lembre-se de como ela tem enganado o
Guardião!
Lua olhou de uma para a outra, mas desistiu
de fazer perguntas.
— O Guardião está perto — avisou para
Misselan. — Ele sabe onde estamos. Pelo que
apurei tem companhia de mais três elfos adultos e
capazes.
— Ninguém toca no elfo mais velho —
Misselan disse com autoridade, mas sem fornecer
explicações. — E Alisha?

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— Dois elfos e uma fada estão vigiando.


— Quanto tempo até Acheron chegar aqui?
— Misselan cravou os olhos sobre Driana,
pensando num plano.
Driana sentiu a raiva sufocar, só de pensar
que a fada usava de seu dom para prejudicá-la!
— Uma hora, duas no máximo. Ele é muito
previsível. — Lua sorriu satisfeita em dizer isso.
— Acheron não precisa se esconder. Ele tem
uma armadura! É um Guardião! — Driana
defendeu-o.
— Veja, como é bonitinho o modo como essa
fada mentirosa defende seu amante. — Misselan
desdenhou. — Liberte Alisha, precisamos dela ao
nosso lado.
Lua acenou e obedeceu.
Driana baixou o rosto, pensando. Em poucas

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horas um confronto aconteceria e fadas se


voltariam contra um Guardião. Uma luta pouco
convencional e perigosa por natureza. Para o bem
de todos, esperava que Acheron pensasse em uma
boa estratégia antes de atacar...

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Capítulo 24 - Reunião

O irmão mais novo de Jana, chamado de Tol,


um apelido carinhosamente dado pela família,
estava encantado pela fada do fogo. Ela observava-
o do mesmo modo, mais pelo interesse de talvez ter
um possível cúmplice, do que por qualquer tipo de
interesse romântico. O jovem, provavelmente
querendo se mostrar, camuflou-se no mato, entre as
árvores e ela ficou impressionada.
Mas foi um sentimento passageiro. Sentiu
algo tocando suas mãos amarradas, esfregando
sobre elas, secando toda a umidade que a impedia
de queimar.

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— Misselan precisa de você — Lua


sussurrou em seu ouvido, estando invisível.
Alisha não disse nada, gerando fogo pelas
palmas das mãos, queimando as cordas, libertando
os pés usando do mesmo artifício.
De pé, usou o fogo para criar uma barreira
entre os irmãos de Jana, que corriam para impedir
sua fuga e bateu suas asas. A dor a fez cair no chão,
de joelhos.
— Não posso voar. O Guardião feriu minhas
asas! — Ela gritava histérica.
Lua não perdeu muito tempo com essa
questão. Agarrou-a e ambas alçaram voo. Jana mal
acreditou que estivessem fugindo. Ansiosa e
angustiada, Jana não pensou antes de segui-las.
Ouviu os gritos indignados de seus irmãos,
ordenando que voltasse, mas não deu ouvidos.

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A fada do fogo notou que eram seguidas e


tentou atingi-la várias vezes usando fogo. Jana não
se importou, pois era capaz de desviar. Ter fugido
da vida cruel que lhe impuseram, lhe dera esperteza
para saber escapar de ataques de fadas.
As fadas voavam rápidas, em voos graciosos
e precisos. Velocidade e beleza, e em pouco tempo
Jana parou, planou no ar, batendo suas asas
compulsoriamente, enquanto observava a fada do
fogo ser pousada no chão.
A outra fada olhou em sua direção e voltou
ao ar.
Jana fugiu, sabendo que sem o peso extra da
fada do fogo, aquela fada seria ainda mais rápida e
não conseguiria fugir dela.
Jana levou-a diretamente para o meio da
Floresta. Não foi um gesto premeditado, apenas
lembrou-se que o Guardião estaria a meio caminho
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entre elas, e seria mais seguro refugiar-se com ele,


do que contar com a sorte e com a pouca
experiência de seus dois irmãos mais jovens.
— Perigo! Perigo! Invisível! A fada
invisível! — Ela gritava quando mirou seu voo na
direção de seu pai, irmãos e do Guardião.
Acheron estendeu uma das mãos e ajudou a
escondê-la atrás dele. Jana agarrou-se as costas do
Guardião, com medo de ser apanhada pela fada que
agora estava invisível.
Sem prestar muita atenção, Acheron
percebeu que os outros elfos camuflavam-se na
mata, tornando-se parte dela. Atento, ele esperou
que a fada se revelasse.
Jana escondeu o rosto na armadura do
Guardião, com medo.
— Ela está perto. Eu sinto que está perto!

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Acheron ignorou-a. Ter uma fada histérica


gritando em seu ouvido não ajudava em nada.
Acheron puxou o ar com força, reconhecendo o
cheiro novo. Era o cheiro da fada invisível e esse
cheiro vinha da direita. Mantendo-se discreto sobre
isso, Acheron retirou da cintura, preso no cinturão
de sua armadura, um pequeno punhal de ouro.
Usando de toda sua destreza, Acheron lançou
seu punhal na direção de onde o cheiro se
misturava a brisa da noite e lhe mostrava com
clareza onde a fada estava.
Lua apenas sorriu e desviou do punhal. Sua
arrogância a cerca de seu dom não permitia que
considerasse o fato de Acheron também possuir
seus truques. E um deles, era seu punhal abrir-se
em um bumerangue e retornar atrás de sua vítima.
Lua tentou bater suas asas e escapar, mas foi
alcançada antes que isso acontecesse. O

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bumerangue tornou-se uma afiada lâmina que se


cravou em suas costas, entre as asas.
Lua gritou e tornou-se visível por alguns
segundos, desaparecendo a seguir. Desesperada,
Lua correu e escondeu-se entre as árvores. Não
sabia ela que o perigo estava ali. Os elfos a
interceptaram e a prenderam.
Acheron obrigou Jana a soltá-lo, pois ela
estava com muito medo e decidida a permanecer
escondida atrás do Guardião para não ser capturada
como aconteceu com Driana.
A fada continuava invisível, mas estava presa
nos braços dos elfos. Era estranho não ver e
precisar falar com algo que não pode analisar.
— Ela libertou a fada do fogo — Jana
avisou.
— Foi uma fada, mas ficou outra — Acheron
disse com raiva contida. — Revele-se, fada.
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Não houve resposta ou qualquer atitude que


favorecesse esse pedido.
— Eu imagino que as fadas não saibam que a
armadura de um Guardião guarda segredos. — Ele
disse e ouviu os gritos da fada.
Acheron não precisou mover um dedo para
que o punhal cravado entre as asas da fada, uma
arma que fazia parte de sua armadura e respondia a
essa magia, começou a girar, machucando ainda
mais.
— Pare! — Ela gritava. — Por favor, pare!
— Porque eu teria pena de uma fada capaz de
perseguir outra de sua espécie? Estão em busca de
Driana, mesmo sabendo que é uma fada da
clausura. Sabe que sofre uma perseguição mortal e
mesmo assim, pretende trocar a vida de uma de sua
raça por ouro. Não tenho razão nenhuma para ter
piedade. Eliminá-la é minha obrigação. Livrar o
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mundo mágico de uma criminosa.


— Eu nunca matei ninguém! Eu juro! É a
primeira vez que eu faço isso. Eu juro, por favor,
pare!
Acheron parou, mas não por acreditar nela e
sim, por querer a fada viva.
A fada revelou-se. Sua face estava pálida e
assustada.
— Quantos elfos estão envolvidos nesse
sequestro? — Acheron exigiu saber.
— Você não sabe? Pensei que os Guardiões
soubessem de tudo! — Ela ironizou.
— Eu sei como acabar com a raça de uma
sequestradora de fadas — ele prometeu. — Seu
bom é maravilhoso. Poderia ter o mundo em suas
mãos. Porque prefere o crime?
A fada não respondeu nada.

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— Vai amarrá-la? — Jana perguntou.


— Não. Ela não oferta riscos — ele disse
com arrogância.
Acheron guardou seu punhal novamente na
armadura e pretendia regressar a caminhada quando
a fada sorriu de leve, satisfeita em conferir que o
Guardião fazia jus a fama de burro e tolo que
ostentava.
Suas garras deixaram o conforto dos dedos e
pés e usando-os como armas, libertou-se.
O irmão mais velho de Jana foi o mais
atingido, por pouco não sendo ferido gravemente.
Acheron mal acreditou que a fada pudesse ter
escapado bem debaixo de suas barbas. Começava a
acreditar que o garoto Jô tinha razão ao enaltecer
sua incapacidade de pensar antes de agir.
Revoltado, Acheron segurou a fada Jana pelo
braço, impedindo-a de voar e seguir a outra fada.
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— Não atrapalhe ainda mais. Fique aqui. De


preferência calada — ele ordenou, entre dentes,
furiosa.
Jana levou a culpa, mas no fundo Acheron
não estava com raiva da fada e sim de si mesmo.
Driana precisava de ajuda. Jana aguentou a
represália sem coragem de defender-se. Mas não
podia eximir-se de ajudar.
— São fadas. Eu não vi elfos junto delas.
Nenhum elfo sequer! Eu sei onde elas estão, mas
elas também veem onde vocês estão. Jô diria que
pegá-las de surpresa é uma boa ideia. — Preferiu
não usar o nome de Driana, pois Acheron não
suspeitava que a conhecesse. — Posso levar o
Guardião, e isso facilitaria tudo! O fator surpresa...
— Ofereceu.
Acheron mediu a fada da cabeça aos os pés.
— O que você sabe sobre o garoto? — Ele
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pressionou. — Qual o segredo de Jô?


— Salve-o, Guardião, algo me diz que depois
de salvar Jô, você saberá de tudo. — Ela o
preveniu.
Acheron aceitou a ajuda de Jana não por crer
nessa bobagem, mas sim porque considerar o fator
risco de aguardar que a fada da clausura não
tentasse salvar seu amigo e comparsa antes que ele
o fizesse. Era bem capaz de Driana tentar algo
antes dele.
Acheron não era um elfo que alimentasse
intrigas e ressentimentos entre fadas e elfos, mas
podia entender o rancor entre um e outro. Era
inegável a desvantagem masculina em relação às
asas de uma fada. Jana pousou nos arredores do
acampamento e Acheron espiou entre a vegetação,
surpreso ao descobrir que o garoto não estava a
vista e sim a fada Driana.

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Se Acheron reparasse de fato em elfos, teria


notado que as roupas que Jô usava antes do
sequestro eram as mesmas que a fada da clausura
vestia. Mas Acheron não era atento a pequenos
detalhes. Ainda mais quando farejava o perigo real.
Sua armadura exigia que esse perigo fosse
extirpado. O Segundo Guardião a continha, pois era
contra usar todo seu potencial em fadas. Nunca
conhecera nenhuma fêmea que merecesse tanta
crueldade.
— Eu posso soltar Driana e... — A fada Jana
tentou sugerir, mas Acheron pousou um dedo em
seus lábios.
— Posso precisar de suas asas, fada — ele
disse seco, indiretamente dizendo que preferia que
ela ficasse ali e fosse útil em outro momento.
Não precisava de dois reféns para libertar.
Quis acreditar que seu ajudante havia conseguido
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escapar, pois era seboso e escorregadio como banha


de porco, e parecia escapar de qualquer situação.
Era bem provável que Driana houvesse tentado
salvá-lo e acabado naquela situação. Ao menos,
Acheron ficava feliz em saber que ela era capaz de
algum sentimento de lealdade por seus amigos,
uma vez que não se importava com seu amante.
Acheron observou as três fadas em torno da
fogueira. Uma delas vestia uma armadura
semelhante às de Guardião, mas ele sabia que não
era nada além de metal e uma tentativa falha de
impressionar e coibir seus inimigos. A fada do fogo
estava recolhida em um canto, recuperando-se, e a
fada invisível parecia muito incomodada com o
ferimento nas costas.
A fada líder afastou-se delas e ele ouviu os
cochichos entre as outra duas:
— A fada da clausura disse que Misselan não

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tem dom — Lua dizia aos sussurros — que ela está


nos usando para atrasar os elfos que se camuflam.
Que é com eles as pendências de Misselan.
— E isso importa? — Alisha perguntou
absorta em sua dor — Duque está morto. Não me
importa as razões de Misselan. Quero ver o
Guardião pagar por isso.
— Mesmo? Porque eu estou fazendo isso
apenas pela recompensa — Lua disse surpresa —
eu nunca tive nada na minha vida. Sempre fui
escrava dos outros. Sempre fui condenada a ser
forçada a fazer o que não quero. Não me agrada
acabar com a vida de uma desgraçada como eu —
ela olhou para a fada Driana — por causa de
pendências dos outros. Ou é por ouro ou vou
embora.
Alisha não respondeu nada e Lua levantou
furiosa. Pareceu pensar sobre enfrentar Misselan,

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mas desistiu.
Andou para perto de Driana. Ela estava quase
cochilando de exaustão, mas acabou desperta
completamente diante da presença de uma de suas
algozes.
— Está quase amanhecendo. Seu Guardião
vai chegar aqui em uma hora no máximo — disse
com vontade de infernizar alguém como modo de
deixar sua frustração sair de seu corpo. — Eu fico
pensando quanto pagarão por uma armadura de
Guardião...
— Muito ouro. — Driana a respondeu. —
Por certo, você será uma das fadas mais ricas de
todo reino.
Um sorriso nasceu no rosto de Lua e Driana
completou:
— Claro, se você conseguir ser rápida o
bastante para fugir com esse ouro todo e comprar
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muitos elfos e fadas para protegê-la. A vingança


dos outros nove Guardiões cairá em peso sobre
você. Se, eu disse ‘se’, vocês três conseguirem
vencer um Guardião como Acheron, e se você
conseguir que a armadura aceite seu toque, o que é
basicamente impossível, eu imagino que os nove
Guardiões iram segui-la pelo mundo todo, em
busca de vingança. Eles são muito unidos. São
como irmãos. Vivem por uma causa. E lealdade é
um dom muito perigoso quanto dez homens fortes,
poderosos, também possuem armaduras mágicas.
Lua fechou a expressão e disse:
— O que ganharei com você, é o bastante.
Não preciso vender o Guardião. Muito menos a
armadura.
— Oh, sim, suponho que vá ter um grande
lucro. Mas eu me pergunto se você estará viva para
isso. Quero dizer, você e Alisha são pau mandado.

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São os peões que lutam por sua líder. Acheron


primeiro se voltará contra as duas. Misselan não
possuí dom e não moverá um dedo para ajudá-las.
— Eu não vou cair na sua conversa, fada
dissimulada. Guarde seu veneno para si mesma.
— Está bem. Eu fico calada. E será calada
que verei uma a uma caírem no chão vítimas do
Guardião. Depois disso, prometo que contarei aos
quatro cantos do mundo da tolice de uma fada
invisível, que possuía um dos dons mais úteis, e o
desperdiçou seguindo ordens de uma líder que
ambicionava apenas seu bem próprio.
Lua apenas virou as costas e marchou para
longe.
— Você sabia que eu sei como mantê-la
visível todo o tempo? — Driana gritou bem alto e
Lua parou, encarando-a com estranheza.
— Isso é impossível! — Ela revidou cheia de
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certeza.
— Não é não! Eu sei muito bem como fazer!
Driana havia percebido que entre as árvores
eram observados. Pela falta de delicadeza do
observador, supunha ser Acheron e sua
incapacidade de manter-se incólume. Queria que
ele soubesse como agir em relação a Lua e seu
poder.
Por isso fizera questão de abordar assuntos
que fornecessem a ele todas as informações que
precisava.
— Eu vou arrancar sua língua, eu juro que
vou — Lua voltou até ela, e teria cumprido sua
promessa se não fosse barrada pela presença de
Misselan. Ela fez questão de deixar claro com os
olhos, que não permitiria que isso acontecesse.
— Amordace-a — Misselan deduziu, ainda
se valendo do poder de Driana que corria em seu
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sangue. — Se preparem, temos companhia.


Driana reclamou quando foi amordaçada. Por
não poder comunicar-se mais, tentou de todos os
modos induzir o olhar de Acheron para cima.
Implorando a todas as forças mágicas do universo
para glorificarem aquela mente de passarinho de
Acheron, para que ele pudesse entender o que
tentava lhe dizer.
Era uma questão de lógica. Qualquer um
entenderia! Mas não o Guardião mais bonito e tolo
de todo mundo mágico!
Pensar que tanta beleza e virilidade vinha
acompanhada de pura inocência existencial.
Incapacidade de tramar e usurpar da ingenuidade
alheia e uma certa burricezinha, era exasperante.
Acheron olhou para cima e tentou entender o
que ela pensava. Driana era um complexo jogo de
pecinhas, que tendia a exigir demais de sua
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concentração. E Acheron nunca foi adepto de


jogos, muito menos capaz de vencê-los com
facilidade.
A escuridão da noite também contribuía para
atrapalhar seu raciocínio.
Acima de Driana havia apenas a copa da
árvore, uma árvore de folhas largas, cinzentas,
pesadas com frutos de amamonia, fruto grosso,
amarelo, formado por uma casca fina, que continha
pouca poupa e muito líquido. Uma espécie de suco
adocicado, que escorria pelos dedos e molhava a
roupa de quem mordia a fruta. Pessoalmente
Acheron evitava consumir essa fruta sem
preparação prévia. Não era dado a muitos cuidados
na hora de comer e detestava precisar lavar as
roupas e lidar com as manchas. O suco da fruta era
pegajoso, amarelo e difícil de retirar da pele e das
roupas.

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Aderia à pele, cabelos e roupas como uma


praga. Por um segundo se perguntou se Driana
estaria com fome. Mas seria estúpido pensar em
comida naquele momento. Olhou tudo a sua volta.
Era apenas mato, vegetação de floresta. A Floresta
dos Desejos era a floresta menos densa que as
demais. Poucas espécies de árvores e de plantas.
Poucos tipos de animais.
— Acho que ela quer que use o suco das
frutas para manchar a fada invisível e assim mantê-
la visível, mesmo que use seu dom — Jana
sussurrou logo atrás dele.
Acheron sufocou um rosnado de indignação
pelo susto desnecessário. Sim, fazia sentido. Driana
pensaria em algo do gênero.
— Pegue algumas frutas— ele mandou e a
fada obedeceu contente em ajudar.
Alguns minutos mais tarde Jana voltou,
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usando a barra da túnica como apoio para as frutas.


Com um sinal para que fossem silenciosos,
Acheron instruiu-a a revoar sobre as fadas no
instante em que ele atacasse. Sua meta era acertar a
fada da invisibilidade. Ele guardou algumas frutas
consigo por garantia.
A fada que se chamava Misselan estava
ocupada observando a noite, pensando sobre
quando seriam atacadas. Seria logo. Em minutos.
Podia sentir, e era ciente que essa certeza provinha
unicamente de valer-se do dom de outra fada.
Driana não tinha ideia do poder que possuía.
Não tinha ideia da dimensão do que carregava em
seu sangue e que de modo algum provinha de sua
essência de fada. Misselan baixou a face e fitou o
chão, mordendo o lábio em ódio. A vida sempre
acha um modo de se renovar e por mais que
insistamos em desviar dela, sempre acha um modo

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de nos encontrar e escancarar diante de nossos


olhos cada pequena escolha errada. Cada pecado
enterrado no fundo da alma. Refazendo-se,
Misselan sorriu e acalmou-se. Em breve Melquior
estaria em suas mãos mais uma vez e nada poderia
impedir o confronto final. Nada, nem ninguém.
E seu maior segredo estaria guardado. O
simples pensamento de continuar assistindo o
sofrimento daquele elfo, mesmo que a distância era
o suficiente para justificar tanto esforço e maldade.
Jana, cheia de uma coragem que não sabia
possuir, voou baixo e rápido, sabendo que chamaria
atenção das fadas. Era o risco que corria: ser morta
para salvar a fada Driana ou o menino Jô, tanto
fazia. Jana não conseguia evitar. O desejo de ajudar
aquela fada com quem fizera amizade era grande
demais.
Sentia-se unida, como nunca pensou que

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seria próxima de uma fada. Talvez por não ter mãe,


ter sido privada de conhecer sua irmã mais velha,
Jana sentia-se próxima da primeira amiga que
tivera em sua vida. Seu pai, sua madrasta e seus
irmãos sempre a protegeram muito, e raramente
convivia com outras pessoas fora do círculo de
amigos de sua família. E o vilarejo onde nascera
era pequeno, com poucas pessoas.
A primeira fruta foi jogada e acertou a ponta
da asa da fada invisível. Ela saltou assustada e
começou a se proteger do ataque, correndo sem
parar. Mais uma fruta quase a acertou, caindo no
chão e ricocheteou o suco, manchando as pernas da
fada invisível. Ela desapareceu e alçou voo para
tentar impedir Jana de conseguir o que queria, sem
notar que já estava parcialmente visível, tanto que
não chegou a ir longe. Acheron interceptou-a,
agarrando-a pelo pé.

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A fada foi lançada no chão e na confusão,


ficou visível. Foi um deslize, ela logo percebeu e
tornou a se esconder. Mas era tarde. Acheron a via
perfeitamente. As manchas amareladas se
arrastando no chão indicavam exatamente onde a
fada estava.
Acheron agarrou Lua pelos cabelos e a levou
para trás consigo, em direção ao lugar onde Driana
estava.
— Desamarre-a — ele mandou com voz
forte. — Eu posso vê-la e saber onde está — ele
puxou suas asas do mesmo modo que fizera com
Alisha mais cedo e ela guinchou de dor, sendo
impossibilitada de voar por um tempo.
Era um truque que aprendera com a
experiência de ser Guardião. Não restou
alternativas para Lua que não fosse obedecer
calada. Sem voar, sem poder se esconder dos olhos

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do Guardião, estava em suas mãos.


Acheron virou as costas e andou na direção
de Alisha. A fada levantou, apesar de ferida e
encarou-o com profundo ódio:
— Porque você matou Duque? Porque tinha
que matar o meu elfo? — Ela gritou esticando
ambas as mãos para frente, chamas surgindo nas
palmas.
— Faça essa pergunta a si mesma — ele
revidou andando em sua direção sem pestanejar.
Acheron não viu quando Driana foi liberta.
Mas ela livrou-se das cordas quando foi solta,
empurrou Lua para longe, livrando-se dela também.
— Onde está o garoto? — Acheron gritou
com Alisha e Driana revirou os olhos, mal crendo
que ele ainda não conseguira entender o óbvio.
Correu na direção dele, mas não viu que

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Alisha estava de olho nela.


— Eu não posso lutar e vencer um Guardião.
— Alisha disse resoluta. — Eu sabia disso desde o
começo! É impossível tal feito. Sou apenas uma
fada. Meu dom é simples comparado a proteção de
uma armadura. Mas eu quero destruir você! Eu
quero acabar com sua existência para que sinta a
mesma dor que eu sinto!
— Duque arruinou muitas vidas — ele
alegou — é leviano da sua parte usar isso como
desculpa para sua ganância. Eu sei o preço em ouro
que a fada fugitiva alcançará no mercado negro. E
sei também quanto a Rainha pagará por sua cabeça.
Admita, sua motivação foi totalmente baseada em
luxo, poder e diversão!
— Não! — Ela gritou furiosa. — Não repita
isso!
Alisha expurgou uma grande quantidade de
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chamas na direção de Acheron. protegido por sua


armadura, ele avançou como se nada estivesse
acontecendo. As chamas lamberam o metal, foram
destruídas e apagadas naturalmente, sem esforço
algum da parte do Segundo Guardião.
É claro que Alisha mirou na pele, nas roupas,
nos cabelos, regiões não protegidas pelo metal, mas
o encanto da armadura estendia-se para o corpo do
Guardião. Quando vestido com sua armadura um
Guardião é praticamente imortal. Ela sabia disso.
Considerando a tolice de sua atitude ao tentar
enfrentá-lo, Alisha mirou em um alvo mais frágil.
As chamas se voltaram contra a fada que
corria tentando chegar até o elfo antes de ser
abordada e apanhada outra vez. Lua corria atrás
dela, pois perdera temporariamente seu poder de
voo, e não adiantava nada tentar ficar invisível.
Mas ainda possuía suas garras e poderia fazer

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grande estrago na carne tenra da fada.


— Acheron! — Ela gritou implorando ajuda
quando foi cercada por chamas. Lua afastou-se
rindo, juntando-se a Alisha.
Um círculo de chamas altas mantinham
Driana presa. Ela tentou escapar, mas estava
cercada. O calor era insuportável e a fumaça escura
intoxicava seus pulmões. Seus olhos ficaram turvos
tentando enxergar através das chamas. Avistou o
Guardião aproximando-se. Acheron não esperava
que a fada Lua ainda tentasse mais um ataque. Ela
se jogou em suas costas e tentou fincar as garras em
sua jugular. Com um brado de guerra, Acheron
lançou-a a vários metros de distância e se voltou
contra Alisha.
A fada, completamente apavorada, tentou
bater as asas e fugir, mas foi agarrada e curvada
sobre o chão. Acheron odiava usar força bruta

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contra as fêmeas, mas não poderia pensar em


delicadeza ou cuidado quando essas mesmas
fêmeas atentavam contra a vida de inocentes.
Agarrou ambas as mãos de Alisha e disse em seu
ouvido:
— Devo fazer o mesmo que fiz a Duque?
A fada ficou imóvel, lembrando que Acheron
havia quebrado os ossos de Duque antes de matá-
lo.
Seu choro irrompeu e ela não lutou mais.
— Acredito em uma segunda chance quando
o crime é brando. Finjamos que você não atacou
um Guardião, muito menos uma fada sem asas e
dom. Vamos fazer de conta que nada aconteceu,
que você ainda tem salvação, que pode se reerguer
e ser alguém valoroso quando esquecer essa tolice
de amor por um assassino — Apesar de ser uma
oferta que qualquer ser na situação de Alisha
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agradeceria de joelhos, Acheron disse seco, sem


soar como uma oferta, e sim uma barganha para
que não precisasse matar ou punir fisicamente.
A fada não respondeu, mas ele sabia que pela
sua desistência física, havia desistido também
emocionalmente. Esparramada no chão, Alisha
permaneceu alheia a luta contra o Guardião. O
desespero exaurindo todas as suas forças.
— Guardião! Acheron! Me ajude! — Driana
implorou, as chamas lambendo suas pernas, cada
vez mais perto.
— Eu me pergunto se você merece — ele
disse com falsa indiferença.
A fada estava suada, pálida e pertinho de
desfalecer. Não poderia brincar com seus
sentimentos, não quando ela corria risco verdadeiro
de vida.
Driana arregalou os olhos ao vê-lo andar
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pelas chamas e entre elas, até alcança-la. Acheron


não precisou segurar a fada, ela se agarrou a ele,
enlaçando seu pescoço com saudade, necessidade e
confiança. Escondeu o rosto no pescoço do elfo,
enquanto Acheron a carregava como se fosse uma
criança, empoleirada em seu colo. Ele atravessou o
círculo de fogo, sem medo de feri-la, pois a
armadura havia escolhido protegê-la e isso era
muito revelador. Ao seu ver, estava no caminho
certo, ao pensar que Driana e Jô eram parentes. Sua
armadura aceitava a fêmea e também aceitava o
elfo jovem. Talvez possuíssem o mesmo sangue.
Driana sussurrou palavras que ele não
entendeu e quando Acheron a colocou no chão, ela
fitou seus olhos antes de ser totalmente solta:
— Misselan não possui dom. — Foi sua
humilde afirmação.
Acheron não respondeu nada. Não falariam

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agora. Manteve a fada apartada de si e aproximou-


se de Alisha, pois Lua estava inconsciente.
— Onde está sua líder? — Ameaçou-a com a
espada.
— Eu não sei — ela respondeu apática.
— Acho bom que entenda que minha
pergunta não permite negativa. Onde ela está?
Driana olhou em torno deles, esperando
encontrar o lugar onde Misselan se esconderia. Ela
usaria de trapaça, disso tinha certeza, pois era o que
Driana faria se estivesse em seu lugar...

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Capítulo 25 - Roda da vida

Enquanto tentava adivinhar de onde a fada


viria, Driana perdeu o movimento em torno deles.
Um reflexo dourado muito rápido, quando Misselan
revoou em torno deles e atingiu Acheron com algo.
Um líquido espirrado em sua face, especialmente
em seus olhos, cegando-o momentaneamente.
A fada pousou e exibiu a espada nas mãos.
— Eu sabia que conseguiria colocar minhas
mãos em sua armadura. Eu sempre soube que
roubá-la não estava em questão. Vender o
Guardião? De modo algum. Eu matarei o Guardião
e a armadura me pertencerá. Vencer o corpo do

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Guardião será a glória para minha vida de poder.


Serei uma guardiã por escolha da armadura. Não é
maravilhoso? — Tentou atingir Acheron
descobrindo que ele era rápido demais, mesmo sem
ver de onde vinham os golpes.
Apavorada Driana correu o mais rápido que
pode e tentou ficar entre eles.
— Vá embora! Deixe-nos em paz! — Ela
gritou, tentando puxar Acheron para longe do fio da
espada.
Grandalhão demais para obedecê-la. Usando
de sua esperteza única, Driana pulou nas costas do
Guardião e cobriu seus olhos com as mãos, pois ele
tentava coçar e esfregar sobre eles, para livrar-se da
dor e do impedimento.
— Pra direita! Ela está na direita! — Driana
gritou, instruindo sobre o que fazer.
Ser os olhos do elfo, pois seu peso
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empoleirado em suas costas, com as pernas


enroladas em sua cintura, muito mal era sentido e
não impediria seus movimentos.
Acheron conseguiu evitar o golpe da espada
de Misselan e ela quase sucumbiu ao impacto.
— Pra frente! Pra frente! — Driana gritava
quando o golpe mudou de ângulo. — Assim, isso,
vai, vai... Isso! — Empolgada com a luta, notou
que Misselan possuía uma atadura na cintura.
Provavelmente um ferimento antigo.
— Na barriga, ela tem uma ferida na barriga!
Pro meio! Aponte pra frente e no centro! No centro,
Acheron! — Irritou-se quando ele errou a mira. —
Que merda, você não sabe o que quer dizer a
palavra ‘centro’?
O elfo rosnou um palavrão e avançou sobre a
fada Misselan, desobedecendo Driana, mas usando
de suas dicas para chocar sua espada na da fada
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inimiga, e desarmá-la:
— Isso! Ela está desarmada! Sem armas!
Ow...! — Ela gritou quando Acheron se jogou
sobre a fada Misselan acertando-lhe um golpe na
cintura, exatamente onde Driana havia mandado.
Não usou a espada, mas suas mãos potentes fizeram
o trabalho.
Misselan caiu no chão, apoiada nas palmas
das mãos, de joelhos, cuspindo sangue.
— Ela caiu! Ela caiu! Ela caiu! — Driana
gritou empolgadíssima.
— Não grite no meu ouvido! — Ele
reclamou, empurrando-a para o chão, longe de suas
costas.
Driana ficou de pé, arfante, encantada com o
que fizera. Logo ela que sempre lidava com a
mente e os pensamentos, pela primeira vez estar
lidando com corpo e com os limites do físico.
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Ajudando Acheron, sentiu-se poderosa, guerreira e


pronta para enfrentar o mundo.
Uma pena que faltasse certa profundidade em
Acheron para notar os sentimentos que inundavam
a face da fada.
Ele não conseguia ver nada além de sombras.
Seu pé cutucou o que ele achou ser a fada Misselan
e ao encontrá-la, abaixou-se para erguê-la pelos
cabelos.
— Oh, não — eles ouviram uma voz de
lamento.
Jana saiu de seu esconderijo no alto da copa
das árvores e voou até eles.
— Você a conhece, não é? — Driana
deduziu.
— Sim, ela é... Oh. — Ficou calada incapaz
de explicar qualquer coisa.

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— Quem é ela? — Acheron exigiu saber.


— A culpada pelo sequestro de Jana —
Driana explicou. — Foi essa fada quem armou o
sequestro de Jana e garantiu que fosse vendida
como uma mercadoria. E também foi ela quem
sequestrou a irmãzinha de Jana, quando ainda bebê.
— Contou.
— Não! — Jana disse com horror. — Não!
Isso não pode ser verdade! Essa mulher é... É
Misselan, a fada dos campos, que cuida da
plantação e da casa! A fada que casou-se com meu
pai depois da morte de minha mãe! Ela me criou,
era a melhor amiga da minha mãe! Minha
madrasta! Isso não é possível!
A surpresa de Jana era tanta que cambaleou a
quase caiu no chão. Driana ajudou-a e sussurrou em
seu ouvido:
— Calma, é melhor saber a verdade, do que
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viver na mentira.
Acheron não se importava muito com quem
era Misselan.
— Onde estão as cordas? — Ele gritou e
Driana afastou-se de Jana para correr e atendê-lo.
Trouxe cordas e ajudou a envolvê-las em torno da
fada. Entregou ambas as pontas da corda nas mãos
de Acheron, para que ele usasse sua força
descomunal para dar o nó.
Suas mãos guiando as mãos grandes, numa
intimidade desoladora.
— A fada invisível está desmaiada — Driana
avisou-lhe. — Deveríamos amarrá-la também.
— Jana está aqui, não está? — Ele
perguntou com um humor horrível. — Voe e traga
seus irmãos e seu pai até aqui. Preciso de ajuda.
Driana estava pertinho do Guardião e seus

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olhos brilharam de admiração. Não é esperado que


alguém de poder, força e beleza seja humilde a
ponto de pedir ajuda. Acheron possuía tantos
sentimentos bonitos dentro de si que a encantava.
Sentia tanto orgulho dele...
Acheron esperou ouvir o farfalhar discreto
das asas de Jana para sentar no chão e esfregar os
olhos, numa tentativa de limpá-los e voltar a ver.
Driana sentou ao seu lado e afastou suas mãos.
— Não adianta. Ela drenou inteligência de...
De Jô. Deve ter feito o mesmo com outros elfos ou
fadas. É possível que tenha usado em você algum
veneno paralisante, por isso seus olhos não
enxergam.
Ele rosnou furioso e ela sorriu tentando
impedi-lo de se machucar mais, esfregando de novo
sobre os olhos.
— Esse tipo de veneno é passageiro. Se você
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não piorar as coisas, o efeito nocivo será inexistente


em algumas horas. — Prometeu.
— Onde está o garoto? — Ele perguntou,
desistindo de tocar os olhos.
Confiar nela era um perigo.
— Eu tentei ajudá-lo — Driana mentiu. —
Ele fugiu, mas acabei ficando presa em seu lugar.
Imagine minha surpresa ao descobrir que tudo isso
não tinha nada a ver comigo e sim com o desejo de
Misselan em se vingar e atrasar as buscas da
família de Jana por sua irmãzinha perdida. Bem,
mas o que importa é que Jô deve estar escondido
por aí... Esperando a poeira baixar para aparecer —
disse evasiva.
— Quanto trabalho por uma fada do
Ministério do Rei — ele disse em represália a raiva
que sentia por Driana ter o abandonado tempos
atrás, durante uma luta contra elfos caçadores de
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recompensa.
— Eu sabia que venceria sozinho. Não o
abandonei. — Defendeu-se, sabendo sobre o que
pensava. — Fui embora para me salvar e salvar as
minhas amigas. Você quer me entregar para a
morte, Acheron! Não pode me cobrar lealdade!
Era a mais pura das verdades. Mas a verdade
é singular e costuma mudar de lado dependendo do
locutor.
— Não vou aprisioná-la nesse momento.
Nem poderia tentar — ele disse irritado com a
própria fragilidade, enquanto segurava a mão de
Driana e a pousava sobre a armadura, do lado
esquerdo onde ficava o coração. — Façamos uma
trégua, fada da clausura. Uma trégua por essa noite.
— É quase manhã, Acheron... — Disse triste.
— Então, por esse dia que está nascendo.
Uma trégua de um dia.
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— Eu não deveria aceitar isso. Não é nada


inteligente da minha parte acreditar nisso... —
Disse sorrindo, enquanto aproximava o rosto do
dele.
Surpreendeu Acheron com um beijo em sua
face. O Guardião tentou lhe roubar um beijo, mas
ela fugiu.
— Não vou beijá-lo, já lhe avisei sobre isso!
Não tente outra vez, é patético. — Provocou,
baixando a cabeça e a apoiando em seu ombro,
sobre o metal gelado da armadura.
Aos poucos, Driana acariciou o metal, sendo
aceito seu toque. Acheron não disse nada e ela
também manteve o silêncio. Provavelmente os dois
permanecessem desse modo por muito tempo, pois
cada qual possuía a mente repleta de pensamentos
confusos.
Quando a família de Jana foi trazida,
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primeiro o pai e depois os dois irmãos mais velhos,


eles estavam juntos, esperando que isso
acontecesse, sem chegar a acordo algum sobre a
relação de ambos.
Um dos irmãos de Jana, que ainda não
conhecia a fugitiva pessoalmente, reconheceu
imediatamente os traços do garoto Jô na fada
Driana. Olhou-a com cumplicidade e nada disse,
apenas fez uma mesura e um sorriso sem vergonha
que discretamente lhe disse que apreciava sua
rebeldia. Driana simpatizava muito com está
família e por isso, apenas disfarçou fingindo não
notar que sua situação era notada.
Melquior, o pai de Jana, fincou os olhos na
esposa. Misselan estava amarrada, ambas as mãos
presas e pés acorrentados.
— Ela roubou o dom alheio valendo-se de
duendes — Driana explicou a ele, todos de pé em

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torno da fada, enquanto Acheron mantinha-se a


parte, ouvindo tudo, já que não podia ver com
clareza.
— As fadas do meu povo não possuem dom
— Melquior disse furioso, mal contendo a
indignação. Era um elfo elegante, cuidadoso com as
palavras, não era do tipo que escancarava suas
emoções. — Os elfos podem se camuflar. As fadas
possuem asas. É desse modo que deve ser. É nossa
natureza. Eu nunca esperaria isso de você,
Misselan. — ele estava completamente chocado.
— E porque não? Algum dia da sua
miserável vida ao menos tentou me amar? — Ela
perguntou chorando, o antigo ódio que carregava
prevalecia sobre suas palavras.
— Sim, eu me esforcei para ser um bom
marido. Achei que fosse uma boa esposa. Que
criasse meus filhos como uma mãe amorosa — ele

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disse triste.
— Foi o que fiz! Eu criei todos os seus filhos
e mesmo assim, você sempre lamentou a perda
dela! Sempre buscou essa menina dos infernos!
— Minha filha! Minha primeira fêmea. É
claro que eu a buscarei até o último dos meus dias!
— Mamãe não viveu para ver o dia que
encontraremos nossa irmã — um dos filhos mais
velho de Melquior disse. — Mas nós a
encontraremos!
Misselan riu.
— Estavam tão perto de encontrá-la! Tolos!
Estavam no passo certo para achá-la! Eu sabia que
desistiriam de tudo para achar Jana. Quanta tolice!
— Tolice? Uma fada com asas perder seu
tempo e sua vida por causa de ódio e inveja? —
Driana perguntou, maldizendo a maldade da fada.

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— Pense bem em quem é tolo!


— Não tem o direito de falar sobre mim! Não
tem esse direito! Não ouse falar sobre mim! Sobre a
minha família! — Misselan gritou, com um ódio
direcionado unicamente para Driana. Algo entre
elas duas.
Ela não respondeu apenas se afastou e voltou
a sentar ao lado de Acheron. Não participava da
conversa, mas Acheron palpitava o tempo todo
sobre o que deveriam fazer com as fadas.
Lua era ambiciosa e claramente uma
sequestradora, mas seus crimes eram motivados por
ganância, e para tal crime há leis específicas no
Reino. Acheron não quis abrir mão de levá-la como
prisioneira e fazer valer as leis pessoalmente.
Alisha era um caso a parte. A fada não tinha
boas intenções, desejava vingança. Casos assim
merecem atenção redobrada. Penas leves não
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surtiriam efeito, pois tão logo estivesse em


liberdade voltaria a cometer os mesmos crimes.
Estavam próximos da Vila dos Desesperados
e o vilarejo possuía suas próprias leis. Seria mais
prudente levar a fada para ser julgada lá, onde
provavelmente Duque e seu bando, o que a incluía,
deveriam ser mais ativos, e haver muitas sentenças
esperando por cumprimento.
Misselan era outra situação muito diferente.
— Não perderei um minuto carregando essa
fada nas minhas costas. Eu estava perto de achar
minha filha e por causa disso Jana foi maltratada —
ele olhou com afeição para a filha — tenho todas as
razões do mundo para refazer meus passos, de onde
parei semanas atrás.
— Ela não pode ficar sem punição, papai —
disse Jana. — Tudo que passei... Fui vendida, fui...
Fui vendida duas vezes. O primeiro elfo era um
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animal. Achei que morreria em suas mãos. O


segundo elfo a me comprar... Não foi muito melhor
do que o primeiro. Eu penei toda a desgraça que
uma fêmea pode conhecer por causa dela —
apontou Misselan. — Se as minhas asas não
existissem, eu ainda seria uma prisioneira! Se não
fosse o acaso e a sorte, eu ainda seria... Estaria
sendo... Eu não quero nem pensar nisso.
Ela não tinha segredos para sua família. Por
mais doloroso que fosse para um pai saber que sua
filha fora violada e ferida por elfos, ainda assim era
necessário a total sinceridade, pois sem ela, relação
alguma existe e perdura.
— Minha primeira filha, nascida depois de
dois filhos, foi uma luz na vida da minha mulher,
uma luz na vida de toda família. Ela foi levada,
sequestrada e nunca em quase vinte anos, tive
qualquer pista dela. Esse sofrimento foi amenizado

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pelo nascimento de Jana, minha querida flor — ele


fez um carinho na face da filha — mas o
sofrimento a qual foi exposta por minha causa... Só
pode ter sido por minha causa. E nunca me
perdoarei por isso.
— Não diga isso, papai — Jana ficou triste.
— É a única verdade. A única razão para
esses crimes foi à inveja e o ciúme. Estou errado,
Misselan?
— Você preferiu Branca a mim — ela disse
entre dentes. — Eu fui à segunda escolha. Porque
precisava de uma fêmea para cuidar dos seus
filhos! Foi à única razão para me escolher!
— Ela é doente! — Driana opinou incapaz de
manter a boca fechada.
Acheron deixou claro que não aprovava que
se envolvesse nessa discussão, segurando-a pela
mão de modo incisivo.
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Calada, Driana esperou para saber o que eles


fariam.
— Desse momento em diante não a
reconheço como esposa. Não importa o que diga
para justificar seus crimes, não perdoarei o que fez
contra a minha família. Apartou minha primeira
filha e talvez jamais descubra seu paradeiro... E não
satisfeita em desgraçar minha vida, intermediou a
desgraça de Jana, a única alegria que ainda restou
para essa família — Melquior retirou a espada das
roupas e aproximou-se da fada. — Jamais seu nome
voltará a ser pronunciado nessa família.
Misselan riu histericamente.
— Eu sei quem é a menina que procura. Eu
sei onde ela está! Eu sei! Mas nunca vou contar!
Nunca contarei quem é! Nunca! Nunca!
— Não importa. Eu vou encontrar minha
filha e farei isso sem a sua colaboração. — Ele
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disse com falsa calma.


Ao entender o que fariam, Driana ficou tensa.
Jana afastou-se e virou-se de costas para não ver.
Driana não podia culpá-los pela decisão. Era
a punição mais comum e viável no caso de
Misselan. Não havia possibilidade real de redimir-
se. Era uma barbárie condenável, como pensadora e
intelectual, Driana enxergava isso com clareza. No
entanto, precisava admitir que de nada valessem
pensamentos como este quando a vida real trás as
consequências de modo visceral. Misselan seria
barbarizada, no entanto, se continuasse sem
punição, destruiria muitas vidas. Era um paradoxo e
Driana abria mão totalmente de tentar elaborar
sobre isso.
Os dois irmãos mais velhos de Jana
seguraram a fada no chão, de barriga para baixo e
ela começou a gritar em desespero puro quando

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percebeu que o jogo havia acabado.


Melquior agarrou uma das asas e fincou a
espada na junção, criando um talho. Driana abriu a
boca horrorizada e um som engasgado de medo e
dor escapou. Era o susto de assistir essa crueldade.
Ele soltou a espada e usou ambas as mãos
para arregaçar o talho, arrancando a asa. A fada
berrava, pois a dor era insuportável. Uma vez
cortada, a asa jamais voltaria a crescer ou nascer.
Driana não conseguiu seguir olhando.
Escondeu o rosto no ombro de Acheron e lutou
para não chorar. Ouvia os gritos de Misselan e
sabia que a outra asa era partida.
Uma hora mais tarde tudo teve fim e ela
ainda se recusava a olhar.
O efeito o paralisante havia passado e
Acheron conseguia ver com clareza quase total. A
cena era horrível. A fada se recuperaria, não era
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uma chaga fatal, mas jamais voltaria a voar. Por ser


de uma raça sem dons, estava perdida para o
mundo mágico. Viveria a sombra de si mesma. A
sombra de suas próprias escolhas. Pagaria pela
maldade.
— Jamais terá o poder de fazer mal outra vez
— Melquior disse limpando as mãos e a face,
livrando-se do suor — eu lamento fazer isso. Eu
lamento com todo o meu coração. Mas não poderia
deixá-la livre e poderosa, para que destroçasse a
vida de mais pessoas. Siga seu caminho, minha
família e eu seguiremos o nosso. Não volte a cruzar
nossas vidas, pois da próxima vez não terei
clemência.
Os primeiros raios do sol da manhã coloriam
a floresta e Melquior olhou para o Guardião.
— Sigo daqui com minha família. Levo as
prisioneiras, é um favor que lhe faço em pagamento

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a toda ajuda que nos despendeu. Salvou minha filha


Jana e lhe serei grato para a vida toda. Levarei as
prisioneiras para a Vila dos Desesperados, depois
se necessário, levarei para o castelo do Rei Isac.
Acheron acenou concordando.
— Sei que um dia nos reencontraremos.
Torço que seja em breve. — Acheron disse em
agradecimento.
— Se o destino assim quiser — Melquior
concordou.
— Papai — Jana disse num repente — eu
posso seguir com o Guardião?
Os elfos da família pararam tudo que faziam
e olharam-na como se estivesse louca.
— O Guardião segue para a Vila dos
Desesperados. Será um passo mais lento, por conta
de... Bem, da fada da clausura — ela fingiu não ter

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intimidade com Driana — Eu os encontro por lá.


— Me dê uma razão para isso — o irmão
mais velho de Jana questionou.
— Eu gostaria de ajudar a reencontrar Jô —
ela disse corando.
Depois de tanto sofrimento passado por Jana,
Melquior não considerou a possibilidade de causar-
lhe essa negativa.
— Sei que estará em boas mãos — Melquior
referia-se ao Guardião.
Um beijo na testa da filha e eles ajeitaram os
pertences e as prisioneiras, prontos para partir. Era
preciso encontrar os dois irmãos mais novos que
ainda percorriam a floresta e então todos seguiriam
seus destinos.
Antes de partirem, Melquior piscou para a
fada Driana como quem diz que simpatiza com sua

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causa.
Driana desejou do fundo do coração ter mais
tempo para conhecer aquela família a fundo. Ou ao
menos ter a chance de um dia reencontrá-los.
Minutos depois Jana esperou que o Guardião
pudesse seguir. Quando isso aconteceu, Driana
ficou de pé ao lado do Guardião e disse:
— Me prometeu um dia de trégua —
lembrou-o.
— Sempre cumpro minhas promessas — ele
avisou com um estranho carinho em sua face, que
parecia mais um desafio.
— Olhe para Misselan, Segundo Guardião —
Driana disse olhando para a fada que soluçava no
chão, em uma poça de sangue e asas destroçadas.
— Se eu for entregue para a Rainha, serei eu em
seu lugar.

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— Será julgada. Provavelmente condenada


às masmorras. — Ele contrariou.
— Não. Está errado. As asas de Eleonora
estavam nascendo quando ela fugiu. Pelos dias que
passaram, já devem ter nascido. Rainha Santha
ordenará que nossas asas sejam destruídas antes do
julgamento alegando o risco da fuga. Se alguém vir
as asas de Eleonora, a rainha corre o risco de ser
desmascarada. Esse será o meu fim — ela apontou
para Misselan. — Com uma única diferença: eu não
fiz nada para merecer isso. Sou inocente.
Suas palavras pesaram.
— Tem um dia para me convencer que é
digna de confiança — ele avisou, começando a
ceder. — Um único dia, fada.
Driana mal acreditou na sorte. Olhou para
Jana com expressão maravilhada. A outra fada
também não acreditava que Acheron estivesse
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cedendo!
— Eu sou digna de confiança! Lhe contarei
toda a história de Eleonora, toda a nossa história
desde o dia que nascemos até o dia em que fomos
acusadas injustamente. Juro-lhe, Acheron, não
mentirei em uma única palavra que disser!
Seu juramento foi veemente e ela planejava
cumprir sua promessa.
— Primeiro, preciso encontrar o matusquela
fujão — ele disse olhando em volta. — Espero não
encontrar o garoto enfurnado em alguma toca. Ele
tem cara de ser bem capaz de se esconder em
algum buraco para escapar da luta.
Eram palavras ditas da boca para fora e
Driana reconheceu o carinho impresso nelas.
Virou-se de costas para Acheron e de frente para
Jana, ambos com olhares cúmplices.
— É inacreditável — sussurrou para Jana —
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Acheron ainda não notou que sou o Jô?


— Acho que ele não quer ver a verdade —
Jana sussurrou de volta.
— Eu espero que seja essa a razão para tanta
lentidão em notar o óbvio... — Ela deu de ombros e
as duas sufocaram o riso.
Acheron teve a nítida sensação que as duas
fêmeas riam dele. Mas era impressão sua. Estava
contente de poder falar com a fada Driana. Quem
sabe a convivência pudesse mudar sua certeza a
cerca das boas intenções da Rainha Santha?

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Capítulo 26 - Quarentena

Acheron estava enxergando perfeitamente


quando encontraram uma clareira limpa de
vegetação e próxima a um córrego. Jana correu até
a água, distraída em molhar as mãos, braços e
rosto.
Acheron jogou-se perto de uma árvore,
reclamando de dor por todo o corpo. Driana
aproximou-se e ajoelhou-se pertinho dele, tentando
não ser tímida:
— Sente sede? Posso buscar um pouco de
água para você — disse doce.
Driana não sabia namorar, mas acreditava ser
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algo parecido com isso: oferecer carinho e receber


apreço de volta.
— Está tentando me agradar, fada? — ele
perguntou sorrindo.
— Acho que sim — garantiu, corando. — Eu
quero alimentá-lo, saciá-lo e então, poderei contar-
lhe toda a minha história sem interrupções.
— Jana pode cozinhar e pode cuidar dos
afazeres enquanto não encontro o garoto Jô — ele
negou. — Quero que converse comigo, Driana. Se
estivéssemos sozinhos, eu a levaria para minha
cabana e aproveitaríamos o dia de um modo bem
mais gostoso — ele disse sedutor.
Era o modo de ser de Acheron, não tentava
ser bonito, apesar de ser enlouquecedoramente
bonito e sexy. Driana lutou contra o impulso de
dizer isso a ele. Se pudesse, passaria o dia todo em
seus braços, vivenciando aquele momento com
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total entrega.
— Eu poderia dizer sim, caso não dispusesse
de poucas horas para convencê-lo que sou
completamente inocente.
— Não tente me engabelar. — Acheron
achou por bem avisar.
Como se alguém precisasse tentar, pensou
Driana. Seu sorriso intrigou-o. Acheron estendeu a
mão e acariciou seu rosto e seus cabelos. Os olhos
verdes do Guardião brilhavam como pedras
preciosas e Driana quase se esqueceu porque
negava-lhe um beijo. Sem notar estava inclinada
em sua direção, como quem pede para ser abraçada.
Acheron enlaçou sua cintura e a puxou para si.
Driana usou as mãos para se amparar em seu
peito. Olhos nos olhos, o impulso era irresistível.
Se Acheron a beijasse ela deixaria. Não conseguiria
mais fugir ou encontrar desculpas para se impedir
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de entregar-lhe todo seu sentimento.


Acheron não tentou um beijo. Roçou o nariz
em seu pescoço e aspirou seu cheiro de fada.
Driana sequer cogitou a possibilidade de camuflar
seu cheiro natural de fêmea. Queria que ele sentisse
o ardor que provocava em suas entranhas e que
soubesse que isso era verdade, que não lhe mentia a
cerca de seus sentimentos. Começaria lhe contando
sobre sua vida no Ministério do Rei, então sobre
suas amigas, e depois, sobre a fuga. E como prova
de sua sinceridade e boas intenções, lhe contaria
sobre Jô e sobre seu arrependimento em lhe mentir.
— Conte-me sua história, fada da clausura —
ele sussurrou em seu ouvido, acariciando-a com a
intimidade de um macho que já roubara seu
coração.
Jana se fez notar e Acheron apenas manteve
o abraço, primando pela discrição, para não causar

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desaforo e ofensa à integridade da outra fada.


Driana sorriu para Jana que se sentou perto deles,
para ouvir a história.
Acheron não tinha como saber da amizade
que ligava as duas, muito menos que ver Guardião
e fada da clausura juntos, lhe trazia muito gosto e
alegria.
Com um profundo suspiro de pesar, Driana
afastou-se de Acheron, abraçando os joelhos,
enquanto dizia:
— Eu não sei quando fui deixada no
orfanato. Sei que não era um bebê, mas que era
muito pequena. Meu pai me deixou com as fadas da
clausura, pois não podia cuidar de mim. Sempre me
disseram que isso aconteceu por ser muito carente e
pobre. Mas isso eu jamais saberei se é verdade ou
não, pois jamais tornei a ter notícias dele e
nenhuma das carcereiras do Ministério do Rei

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tornou a encontrá-lo outra vez.


— Elas não poderiam estar mentindo? Quem
sabe lhe escondem que ele vive perto de você? —
Foi Jana quem perguntou.
— Não. As carcereiras são as maiores
interessadas em se livrar das fadas da clausura, pois
são responsabilizadas por nos vigiar vinte e quatro
horas por dia. Ouso dizer que são tão prisioneiras
quanto nós. Uma fada a menos representaria um
pouco mais de tranquilidade para elas. — Sorriu,
triste. — Histórias como a minha são incomuns no
Ministério do Rei. Normalmente as fadas e elfos
são levados para o orfanato ainda bebês, muitos
ainda recém-nascidos. — Explicou. — Eu cresci
tendo como companhia as fadas e elfos da clausura.
Com os anos os meninos foram apartados de nós e
levados para o trabalho escravo junto ao reino.
— Não existem escravos no Reino de Isac.

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— Acheron disse incomodado com sua colocação.


— Eu sei que fecha seus olhos para a
verdade, pois encontrou seu lugar no mundo e não
quer perder isso. Não o culpo. Mas eu vejo a
verdade. Os elfos são criados para ser empregados
no castelo. Nenhum deles é livre para escolher seu
caminho. Não viver na clausura não quer dizer que
não sejam prisioneiros — lembrou Acheron dessa
verdade. — Alguns meninos são treinados para
ajudar os Guardiões, principalmente na luta, sendo
usados como cobaias vivas, outros são ajudantes,
arrumadores, cavalariços... Depende da sorte ou do
azar do pobre infeliz. O que importa de fato, é que
ainda criança anos, são afastados das fêmeas. As
fadas seguem no Ministério do Rei com liberdade
controlada, até os vinte anos, quando suas asas
nascem. No mesmo dia em que as dores começam,
as fadas são enclausuradas e jamais chegam a

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farfalhar as asas, pois só tornam a sair da clausura


no ano seguinte quando serão exibidas para a
apreciação e possível escolha para o casamento.
Em média, anualmente são enclausuradas umas dez
a quinze fadas. Essas fadas somam-se as demais, e
não é preciso dizer que a cada dez, uma é escolhida
e liberta. As outras vivem aprisionadas, vendo a luz
do dia uma única vez ao ano. E jamais usarão suas
asas, pois são impedidas de voar, por coleiras
envenenadas.
— Isso é bárbaro — Jana disse apenada. — É
medonho.
— É o que estou tentando dizer ao Guardião,
mas ele se esqueceu de seu tempo de escravidão. —
Driana disse tensa.
— Como sabe que fui escravo? — Ele
perguntou irritado. — Aquele garoto bicudo.
Quando o encontrar, lhe darei um corretivo por

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espalhar fofocas sobre mim! — Ele culpou Jô e


Driana nem se deu ao trabalho de pensar o quanto
poderia ser bobo.
— Eu cresci ao lado de três amigas, uma se
chama Eleonora, ela é alva, bonita e branquinha
como uma nuvem do céu... — Sorriu para Jana. —
Joan, ela é tão pequena, traquina e seus cabelos
parecem fogo puro, um vermelho lindo e selvagem.
Eu gostaria que a conhecesse, Jana, pois Joan é
muito meiga e curiosa, iria adorar saber sobre seu
povo! Suspeitamos que o dom de Joan seja
manipular nossos olhos e sentidos, mas isso não é
algo confirmado ainda, pois devo lembrá-los que
ela não completou vinte anos ainda. Faltam
algumas semanas. — Havia acidez na voz de
Driana ao lembrar o Guardião disso — e há Alma!
Não posso esquecer-me de falar dela! — Riu
achando graça da expressão de curiosidade de Jana.

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— Pobrezinha, tem a voz temerária. Claro, nós não


dizemos isso a ela, tentamos incentivá-la a falar
sem se importar com esse pequeno detalhe... Mas
cá entre nós, haja paciência para suportar seus
guinchos quando começa a falar mais alto! — Ela
riu dessa lembrança. — Alma é muito má às vezes,
mas não é de um modo ruim. Ela é apenas convicta
de suas decisões. E nada nem ninguém têm o poder
de tirar uma ideia de sua mente uma vez que tenha
se convencido de algo. Teimosa como um pingo de
água tentando quebrar uma rocha sólida! Sempre
achamos que suas asas nasceriam primeiro, pois
tínhamos certeza que ela havia alcançado os vinte
anos.
— O nascimento das asas se dá durante todo
o ano antes dos vinte — Acheron disse.
— Hum, na clausura sempre nos orientaram
que as asas acontecem aos vinte anos. — Driana

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lembrou-o.
— E como saber a idade exata de uma fada
do Ministério do Rei? — Acheron atiçou. — É
normal que as carcereiras tentem estimar a idade
das fadas e não alimentar dúvidas sobre a história
de cada uma. É de enlouquecer uma pessoa, viver
desesperado por informações de um passado que
nunca aconteceu.
Era cruel, mas era a mais pura verdade.
— Tem razão. Não vale a pena discutir sobre
as mentiras das carcereiras do Ministério do Rei.
As pobres são tão infelizes quanto nós. Todas elas
já foram enclausuradas e passaram pelo mesmo que
nos ainda passaremos. Mas tornando a falar de
mim... Minhas amigas e eu crescemos juntas, como
irmãs. Tobias, o irmão adotivo de Egan, o Primeiro
Guardião, era nosso companheiro de sofrimento,
mas quando foi adotado passou a viver do outro

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lado. Mas nunca nos abandonou. Sempre pensando


em como nos libertar, tentando achar uma forma de
conseguir que fugíssemos... Com o passar do tempo
virou uma piada entre os elfos do castelo. Eles
brincavam com Tobias iludindo-o sobre
possibilidades e planos que nunca obteriam êxito.
Mesmo assim, ele nunca deixou de ter. Esperança
por mais louco que fosse o plano, ele sempre tentou
executar! Eu confesso, não há uma fada sequer da
clausura que nunca tenha pensando em uma fuga e
em nossos corações sempre esperamos que
houvesse um modo disso acontecer. Mas era
sempre Tobias quem inventava os planos mais
loucos e impossíveis de obter resultado.
— Quanta inocência, fada — Acheron
desconfiou de sua face angelical.
— Desculpe se fazia uso da paixonite de
Tobias por Eleonora para obter informações sobre o

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mundo dos Guardiões e quem sabe assim, obter


ajuda para salvar minha própria vida — ela disse
irônica. — De qualquer modo nunca participamos
dos planos de Tobias! Tão pouco, achávamos que
ele obteria êxito! Creio que nem mesmo ele
acreditava ser possível nos salvar. Tobias fazia isso
mais para aliviar sua consciência culpada por ser
livre enquanto padecíamos da clausura, do que por
esperança de salvação. Eu, talvez, eu seja a fada
que menos sabe de tudo que aconteceu, a mais
improvável de poder lhe fornecer detalhes.
Confesso que sempre estava lendo ou escrevendo e
raramente participava das estripulias de Eleonora e
Tobias, apesar de sempre assumir seus crimes, para
que assim a punição fosse dividida entre quatro e
não pesasse sobre os ombros de Eleonora na
íntegra. — Admitiu.
— Estão sendo acusadas de invadir os

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aposentos reais, usarem de seus dons para manter a


Rainha sem ação, para que Eleonora pudesse
copular com o Rei. Uma vingança, sem dúvidas.
Assassinaram o Rei e fugiram. — Acheron acusou.
— Bem, isso é você quem diz. O que sei, é
que dormíamos em nossos aposentos medíocres na
clausura quando Reina, madrasta do Primeiro
Guardião, invadiu a clausura e nos ordenou que
partíssemos. Ela contou o que sabia e a história que
sei em nada se parece com a história que a Rainha
Santha conta!
— Fale das asas de Eleonora — ele mandou,
não querendo perder tempo entrando em atritos,
pois o assunto causava divergência entre ambos.
— As asas de Lora começaram a nascer
durante a fuga. Pobrezinha, passar por tudo isso
sozinha e sem nossa presença. Ela foi levada para...
Bem, ela foi levada para longe — claro que não lhe

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contaria o paradeiro de Eleonora!


Acheron fez uma expressão de desgosto.
— O que importa é que as asas de Lora vão
provar nossa inocência. Ela tem as mesmas asas da
Rainha Santha. São mãe e filha! Eleonora é a
primogênita! A prova do crime de Santha contra as
leis do Ministério do Rei! Ela armou contra todas
nós, pois acusar várias fadas seria menos suspeito
do que acusar uma só. Eu preciso ganhar tempo,
Acheron, tempo para que as asas de Lora nasçam e
provem sua inocência!
— As asas não são prova de nada. —
Acheron lembrou-a desse detalhe.
— Sim, mas não é no mínimo suspeito que
uma fada acusada de assassinar o Rei, seja a filha
bastarda da Rainha? Uma filha não reconhecida?
Talvez filha de seu amante Lucius?
Acheron afastou-se e levantou. Ele não
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queria ouvir aquela conversa. Cada palavra fazia


tanto sentido em seus ouvidos, que qualquer outra
teoria parecia falha.
— Se essa história for verdade, você sabe a
repercussão disso, não é? — Acheron perguntou-
lhe e Driana ergueu os olhos, mirando-o com a
seriedade necessária para a conversa.
— Sim, eu sei. Provavelmente Lora ainda
não tenha pensando nisso, mas eu sei a
consequência de toda essa mentira vindo à tona. Eu
soube desde o minuto em que Reina contou o que
acontecia. A Rainha Santha é uma assassina. Sua
punição será a morte ou as masmorras. Em caso de
punição, o reino estará destronado. Um reino sem
Rei ou Rainha é um lugar perigoso. As leis são
muito claras. Os sucessores do Rei e da Rainha são
seus herdeiros pelo sangue. O Rei Isac partiu sem
herdeiros, e a única herdeira comprovada será a

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filha primogênita da Rainha. A lei não diz que essa


cria precisa necessariamente ser dos dois. E sim,
que tenha sangue real. A herdeira do trono será
Lora.
— Sim, uma Rainha vinda da clausura — ele
disse com olhos brilhantes.
— Sim, uma Rainha vinda da escravidão e do
sofrimento. Gente do povo, sangue do sangue de
todos que sofrem e são injustiçados — Driana
alegou.
— Sim, é tudo isso que você disse — faltou a
Acheron palavras bonitas para expressar-se, mas
sobraram-nas na boca de Driana.
— O mundo seria mais justo se o poder
estivesse nas mãos de que conhece a dor do povo
— Jana opinou.
— Mas para que tudo isso aconteça,
nenhuma de nós pode ser presa antes que as asa
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nasçam. Lora não hesitaria em se entregar se isso


pudesse salvar uma de nós.
— Suas palavras são bonitas demais — ele
disse pesaroso. — Mas palavras não resolvem
minha situação, eu preciso entregá-la para ser
julgada. Está é a minha missão.
— Você pode me entregar para ser julgada
daqui a alguns dias, não pode? Que pressa é essa?
O mundo não foi feito em um dia. Tão pouco você
seria questionado pela lentidão, pois creio que
todos estejam mais do que acostumados a esperar
isso de você... — Driana não resistiu em provocá-
lo.
— Sua língua é carregada de veneno, fadinha
— ele acusou.
Driana baixou o rosto e corou furiosamente.
Fadinha? Deveria se irritar com o machismo, mas
ao contrário, o modo preguiçoso de Acheron falar a
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deixou tímida e corada. Queria ficar a sós com


Acheron, queria tanto que seu coração estava
saltando dentro do peito de ansiedade.
Jana notou, é claro que notou.
— Eu pensei em sobrevoar a Floresta e
procurar por... Jô — Jana sugeriu.
— É uma ótima ideia! — Driana disse
empolgada. — Jana, você poderia procurar a Fonte
dos Desejos...! Eu sempre quis saber se é verdade
que existe e possui alguma magia!
— Existe. — Acheron respondeu por Jana.
— Voe para o centro da floresta, nas limitações da
Floresta e do Deserto. Não tem como não ver a
fonte. Mas faça isso de uma altura suficiente para
flechas não conseguirem abatê-la.
— Sim, farei isso. Imagino... Que eu vá
demorar — Jana garantiu.

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Driana dividiu um novo sorriso cúmplice


com Jana e observou-a voar para o céu. Admirava
suas asas e seu dom de voar. Mal podia esperar que
chegasse seu momento.
Estava sozinha com Acheron e em sua mente
havia um único intento. Não valia a pena perder
tempo tentando convencê-lo que Eleonora não era
uma assassina. Preferia seguir outro caminho.
— Eleonora deve estar sendo agraciada com
o nascimento em alguns dias. Talvez... Já tenha
acontecido e a qualquer momento chegue notícias
sobre sua inocência. Sei que pode ser apenas um
desejo, um sonho, mas pode acontecer. Eu preciso
de tempo, Acheron. Algum tempo.
— Eu posso lhe dar esse tempo. — Acheron
aproximou-se, boa parte de si flexionado a
concordar com ela. — Alguns dias. Não posso
esperar mais do que poucos dias. — Prometeu. —

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É um risco deixar uma assassina em liberdade. E eu


não posso confiar em suas palavras cegamente.
— Porque não? — Ela perguntou num fio de
voz.
Acheron afastava a franja da testa de Driana,
usando a ponta dos dedos, sendo delicado e gentil,
como não era esperado de um elfo tão grandalhão.
— Porque você tem o hábito desagradável de
mentir para mim. — Ele alegou, bastante sério.
— Mentir para você? Não. Eu não minto para
você — achou por bem esconder seu segredo, para
não desfazer a frágil ligação estabelecida entre eles.
O Segundo Guardião estava a um passo de
ceder e colaborar com sua causa... Nesse caso a
verdade apenas causaria dor e sofrimento
desnecessário.
Quando estivessem seguras, suas amigas em

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liberdade e sem acusações, ela contaria para


Acheron a verdade sobre Jô e lhe pediria sinceras
desculpas.
— Estou começando a acreditar em você,
fada — ele concordou, curvando o rosto para beijar
sua testa.
Driana suspirou e inclinou-se para mais
perto, pedindo ao elfo um abraço. Acheron não
forçaria um beijo. Driana viria de livre e
espontânea vontade lhe pedir um beijo quando
chegasse a hora certa.
— Jana vai demorar — ele alegou, levando o
carinho para o pé do seu ouvido. Driana afastou o
rosto e olhou para seus olhos. Acheron possuía
olhos verdes, muito ambíguos. De longe a cor
parecia indefinida. Era tão bonito que provocava
agitadas borboletas em seu estômago.
— Ainda bem — ela sorriu, convidando-o
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para ficar consigo.


Foi muito revelador para Driana como fêmea
ter a ousadia de pegar a mão do Guardião e o puxar
gentilmente na direção da barraca que antes era
usada por Misselan e suas comparsas. Que agora
era inútil e poderia muito bem servir de abrigo para
Acheron enquanto estivesse por ali.
Driana levou-o consigo para dentro da
barraca e lembrou-se num último segundo que não
poderia ver seu machucado atrás da orelha, pois
aquela ferida pertencia ao garoto Jô e não a fada
fugitiva Driana.
Soltou a mão do Guardião e começou a
despir as roupas. Não afastou os olhos dos seus.
Tão pouco Acheron desviou o olhar.
Driana soltou o cinto, a calça tipicamente
usada por elfos e chutou para longe as botas
livrando-se assim de toda roupa de baixo. Faltou-
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lhe um pouco de maturidade sexual para retirar


tudo. Manteve a túnica e deitou-se sobre as peles
que cobriam o chão da barraca, erguendo a túnica
até a barriga, revelando toda a parte inferior do
corpo.
A fera dentro do elfo se manifestou. O cheiro
que a fada exalava era insuportavelmente erótico.
Pensar que seus dias poderiam ser sempre
assim, repletos dessa paixão estonteante, o fez
ajoelhar-se no chão, sem retirar a armadura ou as
roupas. Driana moveu o corpo, ansiosa, olhos
brilhantes de expectativa. Acheron observou sua
barriga lisa, seus quadris redondos e magrinhos,
suas coxas separadas e sua intimidade aveludada e
escurecida por poucos pelos negros, como um
suave pelego de peles.
Driana entreabriu os lábios, esperando que
ele viesse. Não sabia exatamente se preferia

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gentileza ou brutalidade, mas quando o elfo


curvou-se sobre ela, Driana envolveu seus braços
em torno dele, agarrando-o sobre a armadura,
apertando o metal, querendo e precisando possuir o
Guardião e armadura.
Ser aceita pela armadura era um motivo de
orgulho. Agora, precisava e queria ser aceita
também pelo elfo que a vestia.
— Acheron... — Seu sussurro foi carregado
de pura luxúria quando o elfo encontrou caminho
entre suas pernas e a possuiu com um movimento
forte e preciso. — Acheron!
Sim, ela queria gritar, apertar e exibir sua
necessidade! Depois da luta, de enfrentar o perigo,
muita adrenalina ainda corria em suas veias. Muita
loucura impregnava seu sangue e a fazia selvagem.
Uma parte sombria impregnava os olhos do
Guardião, enquanto a tomava.

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Acheron não movia o corpo, apenas o quadril


e o peso retinha todo o ar de Driana. A intensidade
da posição era maior que fatores como demora ou
preliminares.
Estava sem ar, olhos fechados, cabeça
lançada para trás, usufruindo da intimidade e do
prazer de estar em seus braços, quando Acheron
deu um puxão e mudou a posição. Acheron sentou
sobre os joelhos e a subiu, enrolando suas pernas
em sua cintura.
Os braços do elfo envolveram suas costas e
suas mãos agarraram sobre a camisa e entre seus
cabelos, enquanto a fazia descer e subir em seu
membro, intensificando o ir e vir, entrando e saindo
com raiva, necessidade e poder.
Driana encarou seus olhos, incapaz de
articular qualquer palavra. Queria que ele soubesse
que estava a um passo do disparate, mas não

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conseguia falar.
Segurava seu ombro, sobre o metal da
armadura e a outra mão foi deslizada com muito
carinho pelo rosto do elfo, sobre o suor. Acheron
tentou morder seus dedos e ela soltou uma risada
tensa, enquanto se curvava para beijar perto dos
seus lábios.
Não havia a menor possibilidade de resistir
mais tempo e negar-lhe aquele beijo que os dois
tanto queriam. Driana estava quase o beijando
quando Acheron desviou os lábios, sem notar sua
intenção e mordeu seu pescoço.
Driana gritou, trincando as pernas em sua
volta, sentindo-o inchar em seu interior, ambos
muito perto do final. Corpos suados, grudados, o
único empecilho entre eles era a túnica, mas isso
não impedia que ele sentisse os seios empinados, e
bicos atiçados, espremidos em seu peitoral. Nem

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mesmo a armadura era empecilho para que sentisse


sua pele quente contra a dele.
Acheron mergulhou uma das mãos em seus
cabelos e os puxou revelando seu pescoço para
beijos e mordidas e ela se esqueceu de tudo,
gritando de prazer, tentando dizer-lhe que estava
gozando e era delicioso demais para expressar com
palavras. Olhos pesados, fechados, lábios abertos,
pedindo por ar.
Corpo tenso sendo apertado contra o dele,
enquanto o elfo chegava ao mesmo paraíso que ela,
e derramava em seu corpo toda sua semente de
elfo.
Por um louco segundo, desejou estar no cio
ou ter passado por ele, e poder engravidar de uma
cria de Acheron. Ser a mãe de seus filhos. O elfo
abocanhou muita pele atrás da sua orelha e quando
Driana notou, era tarde demais para esconder-se.

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Acheron parou e jogou-a no chão, de volta


sobre as peles, com horror na expressão.
Nem mesmo Acheron em sua eterna demora
em raciocinar uma simples conclusão lógica
poderia ignorar a ferida atrás da orelha de Driana.
Era a mesma ferida que ele vira em Jô.
— Não são parentes. Não são amigos. Não
são cúmplices — ele disse, caindo para o lado,
arrumando as calças, enquanto se levantava.
— Acheron! Eu posso explicar! — Ela tentou
levantar, mas Acheron agarrou seu braço e a jogou
de volta no chão, sobre as peles que forravam a
terra batida.
— Não, você não pode! — Gritou, a fúria
falando por ele. — Mentiu esse tempo todo! Eu não
acredito que tenha feito isso! Que eu tenha... Eu
não percebi que o garoto que me ajudava era uma
fada! Que espécie de elfo eu sou?
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— Do tipo burro! — Ela gritou de volta,


tremula ainda do recente ato e inconformada por
ele não ouvi-la — eu tentei te contar, mas você não
entendia, não queria ver a verdade! Eu lhe dei uma
pista! Lá no desfiladeiro, eu lhe dei pistas para que
descobrisse sozinho, mas você é uma porta de tão
estúpido! Foi incapaz de entender!
— Tem coragem de me ofender depois de
tudo que fez? — Ele perguntou, tentando caçá-la
dentro da barraca.
Consciente do que fizera, Driana levantou e
correu para fora da barraca. Usava a túnica e não
estava nua, mas estava quase.
— Eu precisava saber o que acontecia!
Precisava estar perto de um Guardião! E se
possível, atrasar o máximo possível um Guardião!
— Ela defendeu-se.
— E eu fui a sua escolha?
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— Não pode negar que eu não teria tido tanto


êxito se houvesse escolhido outro Guardião! — Ela
teria rido dele se a situação não fosse séria. —
Acheron, todo mundo notou! Os irmãos de Jana, o
caçador de recompensas Duque... Até os duendes
da Floresta de Saul! O único que não notou foi
você!
— Talvez porque eu confiasse em você! —
Ele acusou.
— Não! Você confiava no garoto Jô! Não em
mim! Nunca confiou em mim! – Tentou respirar
fundo e pensar com clareza, mas Acheron tentou
avançar e ela precisou escapar outra vez com
receio, de no mínimo, levar umas palmadas.
Acheron não era do tipo de elfo que
espancasse uma fêmea, mas com a raiva que ele
estava exibindo nos olhos... No mínimo de umas
palmadas ela não escaparia! E bem merecidas, na

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verdade.
Não tinha medo que lhe batesse, pois
Acheron não faria isso com uma fada. Lutar contra
uma fada era contra seus princípios. Uma coisa era
fazer isso para salvar vidas, outra era fazer por
raiva pessoal.
— Agora eu vejo com clareza. Rainha Santha
está coberta de razão! — Ele acusou. — Usou seu
dom para me enganar! Participou do plano para
assassinar o Rei e fugir! Foi recrutada para me
enganar e me forçar a cometer traição! Ter ajuda
nesse plano horrendo contra o reino! Agora eu
tenho a confirmação de que é capaz disso!
— Não! Eu não sou assim! — Com raiva,
incapaz de encontrar palavras para se defender
Driana pego uma pedra no chão e jogou contra ele.
Fez isso várias vezes, querendo que sentisse a dor
que ela sentia. Acusada sem ter como se defender

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mais uma vez! — Eu não sabia que iria gostar de


você! Eu não sabia!
— Mentirosa! Dissimulada! Ardilosa! Cobra
peçonhenta, carregada de veneno na voz e nos
lábios. Agora eu sei por que não me beijava... Eu
teria morrido com seu veneno! — Acusou,
conseguindo segurá-la por um dos braços. — Me
engana há dias, anda ao meu lado, divide da minha
comida e dos meus pensamentos. Fiz confidências
para um elfo que julgava ser meu amigo! Eu
dediquei minha afeição para um garoto órfão que
precisava de ajuda e companhia! Brincou com
meus sentimentos!
— Não exagere! Estou tentando salvar minha
pele! Não seja hipócrita! Você atacou seu rei para
salvar a si mesmo e sua gente! Para deixar de ser
escravo! — Jogou em sua cara, tentando se soltar
— qual a diferença entre nós dois?

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— A diferença é que não nego meus crimes!


Não agi pelas costas de ninguém! Tão pouco mordi
a mão que me alimentou! — Sacudiu-a,
machucando seus braços, com apertos, pois nessas
horas a raiva fala mais alto e Acheron se esquecia
da própria força em relação ao porte físico delicado
da fada.
E na raiva do momento, Driana não notou
dor alguma!
— Eu não vou admitir uma grande armação!
Uma grande mentira! Rainha Santha é uma
assassina! Eu não fiz nada!
— Mentirosa! O que adianta ter uma
inteligência como a sua, se você age como uma
bandida?
— Não diga isso de mim! Eu fiz o que
precisava fazer! Não é minha culpa que seja uma
toupeira que não consiga ver a verdade nem que ela
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dance nua diante do seu nariz!


— Nem todos os seres são capazes de mentir
com a facilidade que você faz. Nem todos esperam
mentiras o tempo todo! Não sou obrigado a
imaginar que alguém seja tão baixo quanto você!
— Ah, tá — ela desdenhou, querendo irritá-
lo — boa desculpa. Eu poderia enumerar as
milhares de vezes em que tentei te contar ou que
você poderia ter notado, mas não vou fazer isso,
pois faltariam dias e noites suficientes em toda a
minha vida para dar conta da lista! Eu estava
usando as roupas de Jô! Como é possível que não
tenha notado?
Era verdade. Acheron soltou-a e virou se
costas, sua juba longa e loura atraindo-a como um
imã. Ela não resistiu. Abraçou-o pela cintura, de
costas e disse:
— Eu não fiz por mal.
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— Não, você e suas amigas são o próprio


mal — ele soltou suas mãos e manteve-as presas
nas suas.
— Acheron... — Soube o que ele faria, antes
mesmo que o guardião agisse.
Driana foi imobilizada e levada de volta para
a barraca.

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Capítulo 27 - De volta ao começo

Quando a fada Jana retornou encontrou


Driana amarrada e presa dentro da barraca.
Acheron estava por perto, mas pela expressão
fechada, a fada soube que não deveria fazer
perguntas.
— O que aconteceu? — Jana aproximou-se
dela.
— Não, não faça isso — Driana impediu-a de
soltá-la. — Não quero que ele se volte contra você.
— Sua voz estava carregada de desprezo ao dizer a
palavra ‘ele’.
— Não me diga que Acheron notou que você
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é o garoto Jô! — Jana surpreendeu-se.


— Inacreditável, não é? Quem poderia supor
que a maior toupeira entre os Guardiões poderia um
dia notar que uma fada com quem se deita é
também o rapazola que o segue como ajudante? —
Satirizou.
— Não fale tão alto, ele vai ouvi-la — Jana
temeu. — Tenho pena, é um bom elfo, não merece
que você ria dele!
— Eu não estou rindo! — Driana negou,
lutando contra o choro. — Estou com raiva. Muita
raiva. Ele não quis ouvir meus motivos! Não me
deu uma única chance de pedir perdão! Estávamos
entendidos, Jana. Finalmente ele ia me dar uma
chance de provar minha inocência. Porque isso
tinha que acontecer? Por quê?
— Meu pai sempre diz que uma mentira não
pode ser mantida uma vida toda... — Jana disse
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pensativa.
— Não, não faça isso. Não me lembre de
como sou leviana — uma lágrima desceu em sua
face e ela fungou alto — eu não acho que Acheron
seja uma besta. Eu não acho. Ele é tão ingênuo às
vezes... Mas não é uma besta. Agora eu sei que sua
credulidade não é falta de intelecto, é apenas
desinteresse total pelo mundo de planejamento e
mentiras em que as pessoas costumam viver.
Acheron é feito só de verdade e naturalidade. Ele
não precisa de máscaras. Ele se aceita como é. Ele
é tão livre... Mas burro? Não. Acheron não é nada
burro!
— É claro que não é! — Jana concordou.
— Mas eu disse a ele o contrário. Foi na
raiva. Ele tinha... Bem, tínhamos... — Corou e
desviou o olhar — e então, Acheron descobriu que
eu sou Jô e simplesmente me rejeitou e detesta?

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Pensei que gostasse um pouquinho de mim...


— Ele gosta. Mas é bastante humilhante
passar por esse tipo de enganação. Além do mais,
Acheron apegou-se ao garoto. Era seu melhor
amigo, Driana. Ele perdeu seu melhor amigo.
Driana fechou os olhos e lidou com essa
verdade. Sim, esse era outro lado do problema.
Acheron não possuía família e os Guardiões eram
como sua família. Uma família unida por dever,
lealdade e amor a uma causa. Provavelmente o
pequeno Jô havia sido seu primeiro amigo
verdadeiro e despretensioso em anos.
— Eu sou um monstro — ela disse chorando.
— Não é não. O que eu faço? Intercedo por
você? — Jana perguntou.
— Não. Cuide das coisas dele. Faça a
comida, cuide do cavalo... Quando Acheron
encontrar o animal precisará de ajuda. Essa besta é
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bem capaz de ter esquecido que deixou o cavalo


perto do desfiladeiro, no outro acampamento que
tínhamos. — Ela disse com rancor, era impossível
conter um pouco de rancor por Acheron não
entender seu lado e não perdoá-la. — Se não
houver outra alternativa... Você me liberta.
— Está bem. — Jana concordou. — Não
fique tão nervosa. A raiva vai passar e Acheron vai
pensar com clareza...
— Ah. Isso eu queria ver acontecer... —
Desdenhou outra vez.
Claro, era esse o momento que Acheron
acharia para entrar na barraca. Ele ouviu a última
parte da conversa e sabia que o desprezava como
ser pensante.
— É preciso muita prepotência para uma
assassina sentir-se inteligente — ele desdenhou
também.
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— Eu gostaria de ter certeza que você


conhece o significado da palavra ‘prepotência’
antes de me sentir ofendida — Driana retrucou.
— Saia — ele ordenou e Jana obedeceu.
— Eu já sei que me odeia e vai me entregar
para Rainha Santha de vingança por ter mentido
para você mais uma vez. Não precisa vir aqui me
lembrar disso — seu orgulho a impediu de ser
cordata e tentar acalmá-lo em vez de enfurecê-lo.
— Estou tentando entender como pode me
enganar tanto tempo — foi franco. — Mas não
deve ter sido muito difícil. Agora reparo que mais
parece um elfo do que uma fada. — Ele
desmereceu.
Atingida em sua vaidade, Driana não
respondeu nada.
— O encanto acabou, fada da clausura. Não
vejo mais beleza alguma em você. Vejo apenas a
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face de uma fada bandida e o cheiro de podre que


exala dos perversos.
— E eu posso saber como será daqui por
diante? Vai me levar de volta para o castelo? —
Perguntou petulante.
— Sim, vou levá-la para a Vila dos
Desesperados. Vou encontrar Solon e ajudá-lo a
capturar a fada Alma. Quero que carregue esse
remorso, fada traiçoeira. Vou usá-la como isca para
atrair suas amigas. Buscava me atrasar e atrasar as
buscas dos Guardiões? Pois sim, agora será a
causadora do êxito de todos eles. — Acheron
ameaçou.
Driana lutou para não lhe dar uma resposta
feia. Tentou ignorar seus olhos que viam muito
mais do que um Guardião de pé perto dela. Não era
boba, ele dormiria com a armadura. Prova que
esperava uma nova batalha. Ele pretendia lidar com

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ela como lidaria com um oponente. Usaria a


armadura como escudo para o encanto que existia
entre eles. Depois do que fizera, a armadura
demoraria a aceitá-la novamente.
Enquanto durasse a fúria do seu mestre,
duraria também a rejeição da armadura!
Triste, Driana afastou o olhar e não
respondeu nada.
— Vai pagar por ter me feito de idiota. —
Ele prometeu com voz baixa, exibindo muito da
mágoa que imperava por de trás da raiva.
— Eu não o fiz de idiota. Você é um idiota!
— Fervendo por dentro, Driana não resistiu — teve
momentos que eu nem acreditei na sua estupidez!
Seguindo pistas de fadas de tavernas? Parando em
cada pardieiro que encontrou no caminho para
beber e deitar-se com fadas? É bem capaz que
estivesse até agora procurando por mim, se eu não
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tivesse feito à besteira de seguir com você! Duvido


que sozinho pudesse me encontrar!
— Fala que sou burro, que sou tolo, mas eu
não vejo sua inteligência toda. Eu vejo uma fada
mentirosa, enrolada com as próprias armações. Eu
vejo uma criatura desesperada que usou de
artimanhas para conseguir alcançar um gigantesco
objetivo! Eu teria ouvido você, fada. Eu teria
ouvido, lá atrás, quando deixei o castelo com uma
pulga enorme atrás da orelha, duvidando de cada
palavra dita pela Rainha Santha! Eu poderia ter
ouvido, quando pensava que as quatro fadas fossem
criaturas desgraçadas pela vida, sem voz e sem
direito a defesa! Eu teria ouvido! — Ele gritou e
Driana se encolheu, magoada e assustada. — Mas
agora, eu quero terminar logo esse trabalho e nunca
mais pensar em você e sua tão suprema
inteligência!

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— Não fale assim comigo, Acheron — ela


pediu, chorando. — Não fale assim comigo, eu
queria o bem das minhas amigas, eu só queria
sobreviver... Já passei por tantas coisas na vida...
Eu não sabia o que fazer e fiz o que consegui. Eu
estava tão perdida... Tão sozinha, com tanto medo...
Por favor, não me odeie.
— Eu não posso nem olhar para você. Não
quero saber das suas lamúrias. Use sua inteligência
para convencer os Guardiões e Conselheiros de sua
inocência. Pois comigo não conseguirá mais nada!
Ela ficou sozinha e chorou. Culpada, chorou
por não ser capaz de se expressar quando mais
precisava de palavras e argumentos. Era isso,
quando os sentimentos assumiam, os pensamentos
coerentes fugiam.
Fora da barraca Jana observou o Guardião
andar em círculos, retirar a armadura, e procurar

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um canto para sentar, escondendo a cabeça entre as


mãos.
Seguindo as recomendações de Driana,
preparou comida e cuidou de manter Acheron
satisfeito. Depois de servi-lo, no final do dia, Jana
disse baixo, para não correr o risco de irritá-lo:
— Driana não comeu nada o dia todo. Na
verdade, desde ontem que não come nada. Eu sei
que vai entregá-la para ser julgada... Mas ela ainda
não foi sentenciada. Seria justo que passe fome?
— Estou começando a achar que todas as
fêmeas com quem esbarro não valem nada. — Ele
disse pensativo.
— É o jeito da fada. — Jana disse com
cuidado para não enfurecê-lo. — Ela é tão
inteligente. Deve ser difícil ser assim o tempo todo.
— Tão difícil que se acha no direito de
enganar a todos que tentam ajudá-la?
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— É um Guardião e está caçando-a. Não está


tentando ajudá-la. Nunca ergueu um dedo para
amparar Driana. — Jana disse e quase saiu
correndo para a barraca, para não ver sua reação.
Acheron ignorou suas palavras, mas não
podia negar que martelavam em sua mente. Ele não
possuía um décimo da inteligência da fada, isso era
a mais pura das verdades. Nunca foi um elfo
preocupado em pensar e sim, agir. Era ligado com
os assuntos que vinham da terra. A natureza e aos
animais. Nunca se preocupou com a opinião dos
outros.
Inconformado em ter sido enganado desse
modo, Acheron sorriu pensando em como causar
nela um pouco da aflição que sentia.
Jana estava ajudando-a a comer quando
Acheron afastou as peles que cobriam a entrada da
barraca e ficou observando-as. Driana manteve os

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olhos sobre o elfo enquanto mastigava com


firmeza, pois apesar dos pesares, estava faminta.
Acheron fixou o olhar na fada Jana,
observando com interesse forçado cada pequeno
movimento da fêmea. Desde as pernas bonitas que
escapavam pela fenda da túnica surrada que vestia,
até os pés cobertos de sandálias de couro trançado
artesanalmente. Os cabelos macios, bonitos e
longos, parecidos com os de Driana. Reparou em
tudo. Incomodada com o olhar, Jana olhou para ele
e então para Driana, desconfortável em permanecer
entre eles.
Driana cerrou os lábios, furiosa. Sabia muito
bem a intenção de Acheron. Magoá-la lhe causando
ciúmes. Entender previamente as intenções dele,
não impedia que sentisse raiva imediata. Queria ter
o poder de romper as cordas e sumir dali.
— Obrigada — ela negou quando Jana tentou

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lhe oferecer mais comida.


Seu apetite havia desaparecido
completamente. Aceitou um pouco de água fresca
de uma cumbuca de barro.
— Quero que durma lá fora essa noite, fada
— Acheron ordenou para Jana. — Deixe a
prisioneira sozinha. Ela não merece companhia.
Jana obedeceu. O porco deixava claro que
algo aconteceria entre os dois, ao dormirem juntos
ao relento. Remoendo essa indireta, Driana
convenceu a si mesma que Jana era uma fada de
respeito e que não cederia ao elfo, mesmo que ele
insistisse.
Sozinha na barraca, Driana tentou afastar da
mente a imagem vívida de Acheron entrelaçado ao
corpo nu de Jana, ambos se amando loucamente.
Era o ciúme falando mais alto. O ciúme!
Driana tentou ouvir alguma conversa, mas
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não ouvia nada. Silenciosos. Com a mente repleta


de minhocas, Driana fechou os olhos e tentou
desesperadamente parar de pensar. Deixar a mente
limpa. Pensar unicamente nas amigas e na
liberdade.
Precisava pensar em um modo de sair
daquela situação sem agredir Acheron e sem causar
mais problemas para o Guardião e quem sabe, sem
causar ainda mais fúria em seu grande amor.
Apesar da razão que pairava em sua mente e
lhe dizia que tudo ficaria bem, que precisava
apenas manter Acheron parado, no mesmo lugar,
perdendo tempo com ela, enquanto Eleonora
padecia do nascimento das asas que as
inocentariam num futuro muito próximo, outro
sentimento gritava em seu coração que elfo e fada
estavam muito silenciosos, e que temia que
Acheron estivesse traindo-a onde mais doía.

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Sabendo que desempenhava um papel


ridículo, Driana escorregou para o chão,
engatinhando até a abertura da barraca, para espiar
o que acontecia lá fora. Não avistou nem Acheron,
nem Jana. Sufocando um grito de raiva, voltou para
o mesmo lugar que estava antes, sufocando o choro
de ciúme e raiva.
Não teve êxito, pois o choro sufocado era
ainda mais doloroso.
*****
Driana decidiu dar o troco nos dois. Era
imaturo, principalmente com Jana que não tinha
culpa de nada, mesmo assim, Driana manteve-se
calada, sem pronunciar palavra alguma, ignorando
ambos descaradamente.
Como suspeitava, Acheron não encontrou o
lugar onde havia deixado seu cavalo. E como
penitência para sua própria incapacidade, recebeu
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um olhar de desprezo intelectual vindo de sua


prisioneira.
Com as mãos amarradas para frente, Driana
andava lentamente ao lado de Acheron. Ele quis
assim, para vigiá-la bem de perto.
— Andar, andar, andar — ela sussurrou para
irrita-lo — vou andar, andar, pela Floresta andar...
— era uma cantiga que as carcereiras do Ministério
do Rei cantavam para os pequenos dormirem a
noite — voar, voar, eu vou voar... Quando minhas
asas nascerem, voar, voar e voar...
Acheron lhe cutucou com a bainha da
espada, tentando avisá-la por bem que estava
ficando irritado e que isso teria fim, querendo ou
não.
— Cair, cair, cair... Voar com minhas asas,
para não cair, cair, cair...
Ela olhou-o com desafio.
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Seus olhos lhe diziam a seguinte mensagem:


se eu não posso puni-lo por me causar ciúmes, ao
menos, vou deixá-lo tão irritado quanto eu estou me
sentindo!
— Ouvi dizer que a fonte dos desejos é
incrível. — Jana tentou puxar assunto, pois Driana
a olhava com sangue nos olhos.
E Acheron estava assustando-a com tanta
atenção e flerte.
O elfo era um exemplar perfeito de
masculinidade e força. Temia ceder. Não era de
ferro. Os cabelos louros, a pele bronzeada do sol e
os olhos claros eram excitantes para quem não
conhecia o amor carnal consentido e ansiava para
ter um pouco de amor. Jana ainda carregava em seu
coração a sombra de um amor perdido e temia se
deixar enganar pela tentação de ser amada por
alguém tão provedor, protetor e doce quanto

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Acheron.
Doce? Sim, era doce o modo como ele lutava
contra os próprios sentimentos em nome de um
estranho amor que nascia e vingava entre ele e a
fada da clausura.
— Gostaria de conhecer a fonte antes de
sairmos da Floresta dos Desejos? — Ele ofereceu
para Jana bastante meloso.
Seu tom era de puro flerte. Driana revirou os
olhos, furiosa.
— Sim, eu não sei se voltarei para essa
floresta algum dia. — Jana tinha os olhos brilhantes
de expectativa.
— Seu desejo é uma ordem, bela fada — ele
disse falante, elogiando Jana, e Driana parou de
andar, encarou-o. — Ande, prisioneira — ele a
empurrou de leve pelo ombro, para que não
parasse.
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— Bela fada — ela murmurou irônica —


Tenha dó.
Não era sua intenção desmoralizar os
predicados de Jana, por quem sentia um profundo
apreço, mas o ciúme a impedia de achar natural
Acheron elogiar e flertar com sua amiga!
— Eu tenho esperança que meu desejo mais
intenso seja atendido — Jana contou, animada com
a ideia de conhecer a fonte dos desejos.
— E qual seria esse desejo?
Definitivamente Acheron queria arrancar de
Driana uma reação. Ela engoliu essa desfeita, de ter
que assistir seu súbito interesse na fada Jana e
fingiu uma indiferença que não sentia.
— Um desejo de que minha família encontre
o que procura há tantos anos. Que meu pai possa
finalmente ser feliz e libertar-se da culpa de não ter
protegido minha irmã. Eu sonho com o dia que
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minha irmãzinha voltará para casa. Minha mãe não


viveu para ver isso acontecer... Mas meu pai há de
ter muitos anos de felicidade convivendo com a
filha que lhe roubaram. Eu sei que é tolo, mas eu
desejo muito que ela seja minha amiga. Que
sejamos irmãs de verdade, como se houvéssemos
sido criadas juntas e o tempo não houvesse
passado, que a separação não existisse. Mesmo que
esse desejo seja impossível, eu gosto da ideia de
pedir por isso. Se houver uma força mágica nessa
Floresta que tenha esse poder... Não custa tentar,
não é?
O sorriso de Jana era alegre, mas em seus
olhos havia um brilho que desmentia sua esperança.
A vida não tinha lhe mostrado a melhor das suas
faces e por conta disso Jana também lutava contra o
sentimento de desânimo e revolta. Driana entendia
esse sentimento.

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— E você, Driana? Pensa em fazer um


pedido? — Jana mudou o assunto, provavelmente
para afastar a tristeza.
— Não. Não farei pedido algum — foi
franca.
— E o que mais ela poderia querer na vida
além do seu cérebro brilhante? Uma inteligência
incomparável? O que mais um ser vivo pode
precisar para ser feliz além de si mesmo? —
Acheron provocou ainda revoltado por ter sido
chamado de burro pela fêmea a quem tinha apreço.
Por isso a ofendia chamando-a de egoísta.
Driana tentou não se importar, pois lá no fundo, ele
tinha razão. Era egoísta!
— Tem razão. Eu não preciso de mais nada
— Driana foi categórica e vingativa.
— Driana, é claro que você precisa fazer um
pedido! — Jana duvidou, sorrindo diante das rusgas
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entre Guardião e a fada da clausura. — Não quer


pedir pela liberdade de suas amigas? Pedir por sua
própria vida?
Diana ficou calada.
Sim, ela queria fazer isso, mas temia que
seus desejos mais íntimos interferissem no pedido.
Afinal, a Fonte dos Desejos realizaria o desejo mais
profundo de um ser, e ela não poderia saber com
total certeza qual era o verdadeiro desejo de sua
alma, poderia?
— Quem disse que a mágica da Floresta dos
Desejos é verdadeira? Pode ser tudo uma grande
besteira. Eu posso afirmar com toda convicção que
a Floresta dos Dois Dias não possui mágica
alguma. Desvendei seus mistérios com apenas
alguns minutos percorrendo suas estradas. Quem
garante que a fonte não é apenas outra armação
para enganar os olhos alheios? Para que os tolos se

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percam em longas e arriscadas viagens, em busca


de uma fonte que não significa nada além de
enganação? Não, prefiro não correr o risco de fazer
papel de boba. Pois de bobos, o mundo já está
suficientemente cheio — olhou para Acheron com
veneno no olhar.
— Não tanto quanto está cheio de assassinos
e bandoleiros — ele corrigiu.
— Hum, disso não entendo. Não sou
especialista nesse tipo de gente. — Ela desdenhou.
— E como poderia? É incapaz de ver
qualquer um que esteja além do seu próprio umbigo
— Acheron acusou entre dentes, cutucando-a outra
vez com a bainha da espada.
Driana parou de andar e sentiu o impulso de
dizer a ele exatamente onde deveria colocar aquela
espada! Mas não o fez. Retomou a caminhada
calada.
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— Peça por sua vida, Driana — Jana disse


depois de algum silêncio. — Não deixe o orgulho
falar mais alto. Pode ser uma chance. Pode ser
mágica de verdade.
— Não — ela disse pensativa. — Se eu fizer
um pedido, não será por minha vida. Eu tenho
receio de...
— Do que tem medo? — Jana andou ao seu
lado e Driana tentou fingir que Acheron não estava
perto ouvindo cada palavra que dizia.
Driana pensou nessa pergunta.
— Você tem certeza de qual é seu verdadeiro
desejo, Jana? Como pode saber que as palavras que
sairão da sua boca são as palavras que seu coração
e mesmo sua alma, entendem como seu verdadeiro
desejo? Quem é capaz de alegar conhecer a si
mesmo tão profundamente? E se essa magia existir
e tiver o poder de ver nossos corações em carne
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viva? Sem máscaras, sem rodeios e sem atalhos?


Eu não poderia escolher realizar um desejo meu,
sabendo que minhas amigas correm perigo. Prefiro
padecer com elas, a vê-las sofrerem desamparadas.
— Admitiu em voz baixa.
— Acha que seu verdadeiro desejo não seria
a liberdade? — Jana não compreendeu.
Driana não queria responder, mas Jana era
bozinha com ela, e merecia esse carinho.
— Sou uma fada do Ministério do Rei. Não
conheci meus pais. Não sei minhas origens. Penso
se o desejo de uma vida toda não pode ser maior
que o amor que sinto por minhas amigas. E eu
odiaria se isso fosse possível. Pois é esse amor que
é real e presente na minha vida. O passado não
volta. Não quero correr o risco de me sentir culpada
por trocar o amor das minhas amigas por sonhos de
infância.

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Seu desânimo silenciou a insistência de Jana,


mas não os pensamentos de Acheron.
— É curioso que uma fada labiosa como
você seja incapaz de encontrar um modo de
ludibriar a fonte dos desejos. — Ele disse com
rancor e ironia, mas ela percebeu que seus olhos
verdes brilhavam com algo de incentivo.
Driana observou-o passar na sua frente e
tomar a liderança, sem lhe dar atenção, apenas
puxar a corda que prendia suas mãos, puxando-a
para que andasse mais rápido.
— Argh, e eu pensando em lhe dizer onde
ficou esquecido seu bendito cavalo! — Ela
reclamou, seguindo-o, tendo que correr para
alcançá-lo. Jana precisou planar, usando as asas
para apressar-se.
— Meu cavalo está a salvo. Não posso levá-
lo pelo Deserto, tão pouco há necessidade de correr
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atrás de um cavalo, tendo tantos a disposição na


Vila dos Desesperados. — Alfinetou-a.
— É crueldade abandonar um cavalo sozinho
na Floresta! — Sabia que era uma tentativa vã de
atrasá-lo, mas não custava tentar.
— Um dos meus irmãos deve ter se lembrado
do animal — Jana intrometeu-se, sem notar que
acabava com seu plano recém elaborado de atrasá-
lo.
— Espero que sim — Acheron ameaçou e
Driana suspirou.
— Deixe Jana em paz, Guardião Secundário
— ela satirizou, pois ele não era o primeiro em
hierarquia, e sim o segundo. — É patético flertar
com uma fada sem intenções para com ela!
— E quem disse que não tenho intenções
com a fada? Ela é bonita, jeitosa, cheia de curvas.
Gostei de sua família, de sua gente e como você
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deve lembrar, pois me arrancou essa informação


valendo-se da minha confiança, no seu disfarce
ridículo de elfo... Eu tenho planos de ter uma fada
em minha vida. Uma fada especial. Não vejo razões
para Jana não ser essa fada — ele avisou.
— Pobre Jana, não merece esse carma —
disse para ofendê-lo.
Acheron puxou a corda e ela reclamou do
passo.
Furiosa, Driana baixou o corpo e pegou um
graveto no chão e jogando nas costas do Guardião.
— Não ouse me desafiar — ele avisou e
Driana repetiu o gesto.
— Nossa, quanto medo eu sinto de um
Guardião que pretende me entregar para a morte. O
que de pior você pode fazer?
Jana ascendeu aos céus e pareceu

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incomodada de presenciar a briga, ainda mais


sendo usada como pivô de uma discussão que
mascarava a verdadeira conversa que os dois
deveriam ter. Acheron olhou para Jana e disse para
irritar Driana:
— A fada possui um voo lindo. Suas asas são
bonitas e bem feitas. Imagino como deve ser
atraente possuir uma fada com essas asas longas e
bem torneadas. Uma fada com suas asas. Sempre
mais atraente que uma fada velha, sem suas asas.
— Não sou velha! — Ela gritou, irritada. —
Minhas asas vão nascer em breve!
— Não vão não. — Acheron disse maldoso,
olhando em seus olhos, ignorando a beleza da face
angelical, corada pela briga, pelo ciúme e pelo
esforço físico da caminhada estando amarrada. —
Não há sinal de nascimento — ele mentiu — e pelo
que eu vejo suas asas não nascerão enquanto for

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mentirosa e ardilosa.
Driana estreitou os olhos, com raiva, mas se
conteve. Não desceria ao seu nível de criancice.
Superior, virou a face e recomeçou a andar,
dizendo com malícia:
— Pelo menos não sou um trasgo ignorante,
incapaz de diferenciar um macho de uma fêmea
com quem se deita. É incrível que tenha chegado a
essa idade sem nenhum... Incidente.
Para essa acusação e alfinetada, Acheron não
possuía resposta. Na verdade era custoso tentar
vencê-la com argumentos. Pois isso restava exercer
seu domínio como podia. Puxando-a pela corda,
Acheron seguiu andando mais a frente, num passo
que sabia que a desgastaria rapidamente.
Driana forçou o pensamento a desviar das
ações e palavras de Acheron. E acabou pensando na
Fonte dos Desejos. Acheron lhe dera uma ideia
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esplêndida. Achar um modo de ludibriar a fonte dos


desejos e salvar todas as possibilidades, abrindo
margem para ser atendida em três desejos de uma
única vez! Enganar a Fonte, usando de artimanhas,
como dizia Acheron.
Analisando seus sentimentos mais íntimos,
encontrava o desejo de conhecer sua família ou ao
menos saber sua origem. Encontrava também o
desejo de liberdade e salvação para suas amigas, e
para si própria. Sobretudo, o desejo ardoroso de
encontrar uma forma de permanecer ao lado de
Acheron como sua companheira.
Eram três fortes desejos, mas ela não sabia
qual prevaleceria na hora da escolha. Precisava
encontrar um modo de realizar os três, e não correr
o risco de desperdiçar sua chance.
Até agora Driana não vira nenhum sinal de
magia naquela Floresta, com exceção das criaturas

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mágicas que viviam harmoniosamente na mata.


Precisava analisar a fonte e descobrir se possuía
magia ou não.
Afinal, a nascente do Rio Branco era
carregada de mistérios. Já a Floresta dos Dois Dias
não era nada além de uma Floresta carregada de
mitos e boatos.
Seu suspiro de impotência chamou atenção
de Acheron que fincou os olhos na fada da
clausura. Mas Driana estava perdida em seus
pensamentos e não reparava nele. Acheron
permaneceu olhando-a desse modo por muito
tempo notando que a fada não percebia nada a sua
volta, perdida em um mundo somente seu.
Era assustador imaginar que alguém pudesse
ter uma profundidade tão grande a ponto de
esquecer-se de tudo e permanecer cativa de sua
própria mente.

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A fada Jana parecia ter razão ao dizer que


deveria ser angustiante ser um eterno refém da
lógica e da razão.
Acheron notou o exato momento em que sua
mente privilegiada chegou a uma conclusão sobre o
assunto que martelava em sua mente. Driana sorriu
e ergueu os olhos, finalmente reparando no mundo
a sua volta.
Jana revoava em torno deles, indo de árvore
em árvore, encantada com o vale de bromélias que
se estendia em volta, pois haviam alcançado as
imediações da divisão entre a Floresta dos Desejos
e o Deserto das Areias Vermelhas, local onde
encontrariam a Fonte dos Desejos.
— Eu já sei! — Disse empolgada,
esquecendo que o elfo a odiava. — Eu já sei como
enganar a fonte! Eu já sei!
— E quem lhe disse que deixarei que se
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aproxime da fonte? — Ele disse bem perto de seu


ouvido, arrepiando sua pele, lhe causando um
suspiro de êxtase incontrolável.
Amor bandido esse que a fazia sentir saudade
de ser dominada pela sensualidade de um macho
que não acreditava em sua inocência!
— Se me deixar amarrada eu dou um jeito de
fugir. Ou me leva com você... Ou começamos o
jogo de esconde-esconde outra vez — ela ameaçou.
Acheron olhou bem para ela. Sim, em se
tratando de Driana, Acheron era um elfo burro
demais para encontrar meios de submetê-la a sua
vontade.
— Ande de uma vez, que não tenho
paciência para você — ele disse inconformado.
Fechando os olhos, pedindo ajuda aos céus,
Driana seguiu-o.

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Capítulo 28 - Belas fadas

Acheron obrigou-a a assistir seu excesso de


zelo ao ajudar a fada Jana a descer pelas pedras em
direção a Fonte dos Desejos. Amarrada em um
tronco de árvore, Driana observava-os.
Por mais que Jana fosse uma jovem doce,
ainda assim, corava como uma boba a cada
galanteio do elfo. Apesar da fúria provinda do
ciúme, Driana precisava admitir que Acheron e
Jana combinavam.
Juntos seriam um par perfeito. Juntos
construiriam uma família feliz e honesta. Magoada
com o destino que a fizera tão desgraçada, Driana

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tentou soltar as cordas que amarravam suas mãos e


pernas.
Acheron era burro na mesma medida em que
era forte. Seria impossível soltar as cordas sem usar
de sua inteligência. E mesmo com sua inteligência,
às vezes havia o limite do corpo. Como agora, ela
via com clareza pedras suficientemente afiadas para
usar como navalha e soltar as cordas, mas para isso
precisaria de asas para erguer seu corpo até elas.
Afinal, era uma prisioneira de seu próprio
corpo e isso doía na alma.
A voz dos dois vinha ferir seus ouvidos.
Mesmo o risinho contente de Jana lhe causava
urticária. Odiaria transferir seu ciúme para Jana,
mas estava quase impossível não se voltar contra
ela.
— A fonte existe! — Jana correu para lhe
contar, arfante, sem fôlego da surpresa – Oh,
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Driana, a fonte é linda! Linda!


— Fico feliz por você. Como vê, não sairei
daqui tão cedo. — Disse com amargura, olhando
para abaixo.
— Quer que eu peça a Acheron para deixá-la
aproximar-se da fonte? — Jana perguntou.
— Sim, eu quero, mas seria humilhante
demais. Eu gosto dele, Jana. Eu gosto de verdade
desse gigante sem cérebro. Eu deveria libertá-lo
para ter um amor fácil e feliz. Alguém
descomplicado que pudesse lhe dar uma vida de
calmaria, que é o que ele tanto deseja e merece.
Mas eu não consigo ser tão abdicada assim! Eu não
quero que arraste asa para ele, Jana. Deveria ser
racional, mas não é. Não quero, não quero e não
quero! — Bateu o pé no chão, sem perceber o
quanto estava sendo ridícula.
— Eu não arrasto asa para o Guardião, mas
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se ele não a quiser... Eu poderia pensar nisso, não


poderia? — Jana sorriu e Driana tentou não se
irritar.
— Não, não poderia — negou e Jana correu
para a fonte, deixando-a sozinha outra vez.
Minutos depois Acheron voltou molhado,
água correndo por seu peitoral nu. Ele havia
retirado à armadura e as calças coladas em suas
coxas, pernas e masculinidade, atraíram sua
atenção. Ele era muito bonito de cabelos molhados.
Todo louro, pelos do corpo claros como seus
cabelos. Quis afastar os olhos, pois o sol coroava os
pingos de água e ela sentiu um impulso
incontrolável de lamber cada gotícula de água que
corria por sua pele bronzeada pelo sol...
— Não pense que faço isso por você — ele
disse bem perto, soltando as cordas com puxões
brutos, fazendo-a reter o ar, tão pertinho assim,

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erguendo os olhos para encará-lo, torcendo para ser


beijada, abraçada e jogada na grama.
Não era definitivamente, um pensamento
racional.
— Jana pediu e quero agradá-la. — Ele
avisou.
— Não, não quer. Você quer me ofender,
agredir e desestruturar. — Não pode evitar dizer,
enquanto pousava uma das mãos em seu ombro,
estando solta.
Acheron desceu as cordas em seu tornozelo,
correndo as mãos em suas pernas, com o corpo
curvado.
Estava nua sob a túnica e desejou poder
erguer a roupa e atraí-lo. Mas isso não levaria a
nada.
Acheron se recompôs e afastou suas mãos,

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com raiva de quase ter se deixado levar pela fada


da clausura outra vez.
— Cale a boca e baixe a cabeça. Não quero
ver seus olhos, fada. Prisioneiros não olham nos
olhos de seus senhores.
Driana guardou essa ofensa para ser
respondida mais tarde.
Em meio às bromélias e folhagens, pedras
formavam uma fenda, que levava diretamente para
uma estrutura subterrânea. A claridade do dia foi
escondida e eles andaram por alguns minutos no
escuro até que uma fenda no alto da estrutura
rochosa banhava de luz a fonte.
Um pequeno laguinho, onde uma fonte
brotava do chão, em uma altura de um metro de
água que borbulhava. Jana estava ajoelhada na
beira do laguinho, tinha a cabeça baixa e Driana
parou de andar, fazendo com que Acheron parasse
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também. Era questão de respeito. A fada terminou e


olhou para os dois. Com um pequeno sorriso
envergonhado e Jana aproximou-se.
— Faça um pedido, Acheron — Jana disse
meiga. — Eu cuido de Driana.
— Não — ele negou. — Estou a trabalho
nessa Floresta. E tenho pressa de chegar a Vila dos
Desesperados. — Negou empurrando Driana na
direção do laguinho.
Driana puxou o braço com força,
empurrando-o quando tentou pegá-la de volta. Era
assim entre eles. Um bate, outro rebate. Acheron
não esmorecia só porque ela tinha a desculpa de ser
uma fêmea. E era completamente revoltante admitir
que ficava excitada com esse comportamento
dominador do elfo.
Andou alguns passos, permitindo que seus
pés entrassem na água, pisando sobre as rochas.
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Não aconteceu nada diferente. Era apenas água


gelada. Nada especial aconteceu. Um pouco
frustrada, Driana olhou para a água por um bom
tempo.
— Faça seu pedido — ele mandou com a voz
carregada de impaciência. — Faça em voz alta para
que eu saiba que não está rogando minha morte. —
Não resistiu a alfinetar.
Driana olhou para o seu Guardião. Tão
bonito. Tão viril. Tão honesto.
— Eu desejo a verdade — pediu — A
verdade e apenas a verdade.
Esperou com o coração acelerado. Nada
especial aconteceu na superfície da água, mas
Driana sentiu a água aquecer e as pedras sob seus
pés nus seguirem o mesmo caminho. A fonte jorrou
água com mais força, e ela fechou os olhos,
sentindo-se parte dessa magia.
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Muito sutil, muito delicado, uma magia


perfeita para enganar viajantes solitários? Ou
mágica verdadeira e mal compreendida?
Acheron invadiu o espaço de Driana e a
puxou pelo braço. Levou-a para longe da fonte e
começou a arrastá-la para longe.
Pedir pela verdade, era o melhor caminho
para Driana. A verdade de sua origem, a verdade
para Eleonora e suas amigas de martírio, e a
verdade sobre seus sentimentos para com o
Segundo Guardião. Que a fonte atendesse seu
pedido. Essa foi sua oração secreta. Ludibriando a
fonte para obter três desejos em lugar de apenas
um.
— Me solta — Driana soltou-se e encarou
Acheron. — Eu sou sua prisioneira. Não tenho para
onde fugir! Deixe-me beber um pouco de água e
lavar o corpo! Eu tenho direito a um momento de

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higiene! Que droga, Acheron!


— Não, você não tem direito a nada! —
Rechaçou seu pedido e a levou para fora mesmo
sob seus protestos e gritos.

Gritos que não sobreviveram aos próximos


dias. Cada vez mais calada e sombria, Driana
amargava a proximidade entre Acheron e Jana.
Amargava também a rapidez com que percorriam
as estradas.
A Floresta dos Desejos era protegida e por
conta disso era necessário o uso do pó de ouro que
Driana havia derrubado quando ainda era o rapaz
Jô.
— Se você não houvesse destruído minhas
calças, teria pó para usar — ela ironizou — não me
olhe assim, eu não destruiria o pó de ouro sem ter
guardado um pouco para mim. Da próxima vez que
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usar de sua selvageria contra uma fada durante a


copula cheque os bolsos da calça da coitada. Talvez
isso o ajude a solucionar seus problemas futuros!
As máscaras haviam caído e seu mau humor
era retribuído diretamente pela raiva de Acheron. A
situação entre eles era simples e ao mesmo tempo
complexa. Estavam tensos. Essa tensão provinha do
desejo reprimido, das acusações e ofensas
divididas.
— Eu posso conseguir um pouco de pó de
ouro — Jana ofereceu, pois poderia voar e adquiri-
los na Vila dos Desesperados.
— Acontece que tenho meus truques —
Acheron disse com um meio sorriso provocador,
que desejava irritar Driana.
Ele retirou do ombro o saco de couro onde
carregava sua armadura.
— Não faço uso da minha armadura por
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pouca coisa — ele explicou atencioso com Jana —


mas em casos extremos... — Encaixou parte da
armadura no braço e olhou com desafio para a fada.
— Abro uma exceção. Tenho pressa de encontrar
Solon.
— Se ele for tão inteligente quanto você...
Isso deve acontecer em uma próxima vida — ela
alfinetou, insinuando que os dois Guardiões não
teriam capacidade para exercer seus cargos.
Acheron afastou-se das duas e Driana
manteve os olhos fixos no Guardião. Ele não vestia
as roupas, apenas a calça, e uma das peles cobria
seu ombro, juntamente com o cinturão com a
espada e a adaga.
Jana perdeu o interesse, sentando para
esperar e descansar.
Driana nunca se cansaria de ver o Guardião
na total posse de seu poder. Acheron ergueu o
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braço dobrado em direção à barreira invisível que


delimitava a fronteira entre a Floresta dos Desejos e
a escondida bifurcação que conduziria ao Deserto
das Areias Vermelhas ou a Vila dos Desesperados.
Luz irradiou do metal e a magia do lugar se
rendeu ao poder do Guardião em posse de sua
armadura. Era um espetáculo que Driana jamais se
cansaria de assistir.
Uma reprise esperada, onde estavam outra
vez diante da vegetação que se esticava e encolhia,
revelando ambos os caminhos.
Uma larga estrada de pedras direcionava para
a Vila dos Desesperados. Uma estrada de terra
batida e vegetação seca indicava o caminho para o
Deserto.
Satisfeito consigo mesmo, Acheron olhou na
direção de sua prisioneira, como quem diz que se
superou e não precisa de inteligência para salvar a
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si mesmo.
— Penso em como seria se não possuísse sua
armadura — Driana alfinetou mais uma vez.
— Pensa demais para quem não é dona da
própria vida — Acheron puxou a corda e a arrastou
para junto de si.
— Lá vamos nós de novo — ela ironizou.
Sim, além de tudo precisava lidar com o
tédio de seus pensamentos. Sua mente era um
inimigo poderoso ameaçando enlouquecê-la com
tanta agitação.
— Diga, Driana, porque está tão doente? —
Jana planou ao seu lado. — Tem estado deprimida
desde que foi apanhada.
— A prisão não é causa suficiente? — Ela
desdenhou, descontando em Jana sua frustração.
— Sim, mas vindo de você... Causa-me

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espanto — Jana disse triste em ser o alvo de sua


mágoa.
— Alguém como eu? — Não compreendeu.
Jana olhou para baixo, envergonhada.
— Você sempre sabe tudo e deve saber como
se livrar disso. — Foi sincera. — É tão inteligente!
— É claro que sei como me livrar dessas
estúpidas cordas — ela sacudiu os pulsos e
Acheron olhou para trás, fitando-a com
desconfiança. — Mas não posso colocar em prática
nenhuma das minhas opções de fuga. Isso é
frustrante. As ideias ficam na minha cabeça e me
enlouquecem.
— Porque não pôde por em prática? Eu não
entendo. — Jana segurou a corda e assim, Acheron
obrigou-se a reduzir a caminhada, pois fingia
agradar Jana. A fada queria aliviar o sofrimento
físico de Driana.
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— Tem ideia de quantas oportunidades já


tive de fazer esse gigante sem tutano cair e rachar
essa cabeça dura ao meio? Umas mil chances desde
que fui aprisionada! Uma pedra no lugar certo, um
tropeço no lugar errado, e ele estaria de joelhos aos
meus pés! — Ela disse azeda.
— É mesmo? — Acheron parou de andar e
encarou-a. — E posso saber como você faria isso?
— Olhe pro chão, seu imbecil. E olhe o seu
tamanho — disse irritada — se eu puxasse essa
corda enquanto estivesse andando com essa força
bruta que exala o tempo todo, você acabaria
pisando em falso em uma dessas pedras afiadas.
Elfos do seu tamanho não primam pelo equilíbrio.
Acha que não notei que pende para a direita quando
anda? É um pequeno desequilíbrio em seu pé. Algo
muito sutil, mas que no seu caso poderia induzir a
um tombo. Estimo que pela massa corpórea que

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possui, bateria a cabeça. Então, se eu fizesse isso


num campo repleto de pedras afiadas como este...
Você estaria no mínimo desacordado por alguns
estantes e eu poderia facilmente desamarrar as
mãos e fugir.
— E como desamarraria suas mãos? — Ele
perguntou sabatinando-a.
— Usaria o fio da lâmina da sua armadura.
Ela não me rejeita e eu poderia usá-la facilmente. A
corda cederia. É fato. O único empecilho entre mim
e sua armadura é você. — Notando a expressão
pensativa de Acheron, ela disse para ofender e
espezinhar — não faça essa cara, elfo estúpido,
essa não é a única vez em que pensei em como
seria fácil matá-lo e culpar o acaso. Quando era Jô
tive inúmeras oportunidades. Tavernas, elixir
proibido, fadas roliças... Você não prima por seu
bem estar e por frequentar lugares de boa fama —

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ergueu uma sobrancelha em deboche.


— Deve ser horrível ter um dom que só tem
serventia ao fazer mal aos outros — Acheron
devolveu-lhe a ofensa.
— Hum, eu não sei... Até alguns dias atrás a
maior das bestialidades que cometi foi surrupiar um
dos livros proibidos da biblioteca das carcereiras.
Seu tom altivo teve o poder de instigá-lo a
andar. No fundo, Acheron pensava em como era
perigoso alguém com essa mente privilegiada ao
seu lado, que a qualquer momento um ataque
poderia vir, um ataque do tipo inesperado e fatal.
E o pior de tudo, é que só de olhar para
Acheron, ela sabia que pensava sobre isso. Sobre
como é letal andar com alguém como ela ao seu
lado.
Driana baixou a cabeça e o seguiu, sem
considerar a ideia de se recusar a ir.
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Melhor esperar para ver até onde Acheron a


levaria. Vindo dele... Poderia esperar qualquer
caminho errado.
Pelo sorriso depreciativo nos lábios da fada,
Acheron soube que Driana pensava algo a cerca
dele. Furioso, puxou a corda e ela precisou correr
para dar conta de alcançá-lo e não ser arrastada
pelo chão.

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Capítulo 29 - Alma, minha alma

A Vila dos Desesperados era o mais simples


e abandonado dos recantos de toda Montanha das
Fadas. Driana tentava impedir que seus
pensamentos vagassem por teorias sobre sociedade
e filosofia. Era impossível ignorar as carências
daquelas criaturas abandonadas por todos.
A vila era conhecida por abrigar as criaturas
mais estranhas e desabrigadas do reino. Criaturas
desprezadas e expulsas do convívio social. Apesar
da simplicidade das choupanas, feitas em pedra,
barro vermelho, telhado de palha e as barracas de
couro batido e troncos de madeira, a vila era

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movimentada pelo comércio.


Muitos rejeitavam esses seres, mas
dependiam deles para obter bens de consumo.
Hipócritas a se saciar obtendo lucro sobre o
trabalho mal pago de criaturas rejeitadas.
Driana captava cada centímetro, analisava
cada ser, cada barraca, cada choupana. Soube
imediatamente para onde era levada, antes mesmo
de Acheron vangloriar-se de conhecer o dono da
taverna. Claro, porque não? Quem sabe tivesse
sorte e o Guardião perdesse a linha e a dignidade
dentro de um cálice de elixir proibido.
A sandália de Driana havia arrebentado
algum tempo atrás, agora pendia caída e arrastando
em seu pé, impedindo-a de andar livremente.
Reparou que uma das criaturas, um elfo baixinho e
magricela de cor avermelhada, e pelos pelo corpo
todo olhava apenado para seus pés.

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Sim, era levada como prisioneira e muitos


deles, já passaram por algo parecido ou até pior.
Emocionada por saber que era entendida e que
mesmo estranhos poderiam ter pena, Driana baixou
a cabeça. Acheron estava desconfortável levando-a
sob os olhares.
Esse sentimento vinha crescendo e temia em
breve não ter emocional para concluir sua missão.
Em sua mente o passado e o presente se
misturavam. A cada reclamação ou gemido da fada,
por conta de um tropeço ou desconforto, Acheron
se lembrava de si acorrentado e obrigado a
trabalhar sob o chicote afiado de elfos que também
alegavam ser leais a seu rei. Alegavam cometer tais
crimes contra a raça por conta da lealdade ao seu
reino.
O estalar de ossos nos ombros do guardião
quando ele esticou os braços, era prova de sua

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tensão. Driana sabia que Acheron estava


incomodado.
Pobrezinho, seu coração sofria por causa de
seu drama pessoal, pensou sádica. Malvada, Driana
decidiu fazê-lo provar de seu próprio veneno. Jana
revoava baixinho ao seu lado, perto da corda, seus
pés mal tocando o chão.
Driana acelerou o passo e esbarrou de
propósito na asa direita da fada. Atrapalhou o voo
e Jana tombou para o lado, esbarrando na corda,
suas asas enroscando e encurtando bruscamente a
tensão da corda. As asas tentaram manter o voo e
não derrubá-la, era instintivo da fêmea, por causa
disso, Acheron foi bruscamente puxado para trás.
Como dito anteriormente por Driana, ele não
possuía um grande equilíbrio na perna direita, e
tombou.
Não seria um tombo mortal, mas garantiria
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um traseiro dolorido e orgulho ferido.


Acheron soltou a corda por alguns segundos,
até olhar em torno e notar que os comerciantes
haviam parado de trabalhar e fixavam olhares no
Guardião. O cargo que exercia era de poder
supremo entre os plebeus por isso nenhum ousaria
rir.
O reino era dividido em poder real,
representado por Rainha e Rei, poder do Conselho
Real, representado por Conselheiros e Poder da
Guarda, representado por Guardiões. Então, ver
um Guardião agir como qualquer ser normal era no
mínimo um agrado à autoestima de todos.
Driana riu. Depois de vários dias deprimida e
sem esperanças, ver Acheron humilhado e
provando de seu próprio veneno, era hilário. Seu
riso era pura histeria. Acheron levantou silencioso e
andou em sua direção, notando que ela sequer

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tentou fugir.
Furioso por comprovar que a fada tinha razão
ao chamá-lo de estúpido, agarrou-a e jogou sobre o
ombro, como um saco pesado de batatas mofadas.
Driana continuou rindo sem parar, gargalhando e
balançando as pernas, disposta a chamar atenção, e
arrancar olhares.
Acheron rugiu baixo e Driana não se
surpreendeu ao ser levada para dentro de um dos
casebres. Foi jogada sobre um tapete de peles
graúdo e macio. Apesar de todo cuidado, a túnica
revelou muito mais de sua nudez do que ela
gostaria. Parou de rir imediatamente e virou de
lado, escondendo-se e se arrastando para longe.
— Provou sua teoria. Sou um Guardião burro
e sem equilíbrio. Está feliz? — Ele perguntou
magoado.
— Não é uma teoria — ela disse sorrindo —
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é uma constatação generosa. Eu poderia ser mais


específica do que isso!
— Está feliz? Eu perguntei se está feliz em
me humilhar em público? —Tentou caçá-la e
Driana escapou outra vez, rindo ao se encolher
contra a parede de barro e pedras.
— E porque estaria humilhado? Por ser como
qualquer outro? Capaz de cair e passar vergonha? É
apenas um elfo, com ou sem armadura!
— Você é uma cobra — ele disse
amargurado. — Uma cobra.
— Sim, eu sou uma cobra. E você? Que
animal você é? — Instigou.
Acheron correu os olhos por suas pernas nuas
e por suas coxas. Engoliu em seco e não respondeu.
Um debate moral dentro de Driana sobre
afastar as pernas e seduzi-lo provando que possuía

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muito mais poder sobre ele do que Acheron


supunha. Faltou-se coragem para tanto.
Driana esperava por brutalidade e foi isso
que ele lhe deu, amarrando a corda em torno de
seus tornozelos, mantendo-a presa na casinha
enquanto saia e fechava a portinhola.
Com seu poder de Guardião exigiria a casa
em nome do reino. Driana recostou-se, fazendo-se
confortável, e fechou os olhos. Queria descansar
um pouco. Do jeito que Acheron era limitado em
seus pensamentos, era capaz de retomarem a
caminhada antes do esperado.
Sorrindo, pegou-se pensando no toque do
elfo. Quem sabe pudesse adormecer e sonhar com
os dois juntos? Apreciaria uma trégua no
caleidoscópio de pensamentos que permeava sua
mente.
Estava quase adormecendo quando sentiu um
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toque em sua testa. Mãos que percorriam seu rosto,


seu pescoço e seus braços, procurando saber se ela
estava bem. Caçando chagas que precisassem de
cuidado. Driana abriu um sorriso, antes mesmo de
abrir os olhos.
Piscou e focou o rosto que tanto amava.
Um engasgo imediato tomou sua garganta.
Driana abriu os lábios e perguntou baixinho com
voz muito miúda:
— Você está bem?
De joelhos ao seu lado, segurando sobre seus
pulsos, pois suas mãos estavam amarradas, Alma
respirava com dificuldade. Maneou a cabeça e foi
seu modo silencioso de responder.
— Não fale, Alma. Não fale — Driana pediu
chorando.
A voz de Alma era muito alta e esguichada,

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quando nervosa se acentuava. Alma encostou a


face na sua e as duas choraram baixinho por alguns
segundos. Foi um momento de reencontro, de união
e de desespero. Driana beijou a bochecha de sua
amiga e disse:
— Acheron quer me usar como isca. Você
não pode ceder. Jure, Alma, jure que não vai ceder
— implorou.
Alma gemeu e baixou o rosto, as lágrimas
correndo em sua face.
— Eu sei que é difícil, estamos tão sozinhas
e desamparadas... — Driana sabia exatamente o
que sua amiga sentia. — Tenho tanto medo por
Joan e Eleonora. Você sabe notícias delas?
Alma maneou a cabeça, negando.
— Ele te feriu? — Alma sussurrou em seu
ouvido, um sussurro que mais parecia uma brisa
batendo em folhas de árvore.
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— Não. Acheron vai encontrar o Guardião


Solon e vai me usar para encontrá-la. Tirá-la da
toca, como ele diz — Driana sorriu um pouco
menos tensa, por poder alertá-la disso — eu rezava
para ter a chance de encontrá-la antes dele, e poder
avisar do perigo.
Alma olhou em seus olhos, querendo lhe
dizer que estivera espiando-os desde que
despontaram na vila, chamando atenção de todos.
— Sei me esconder. — Foi seu novo
sussurro, segurando a cabeça de Driana, uma das
mãos tocando seus cabelos.
Muito perto. Abraçadas. Uma ilusão de
segurança. Alma era supostamente mais velha em
alguns meses, dona de olhos castanhos expressivos
e feições angulosas. Cabelos lisos, escorridos e
divididos sempre exatamente no centro da cabeça.
Suas bochechas eram largas, lábios generosos,

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muito cheios e vermelhos. Sua pele estava muito


bronzeada, provavelmente por conta da fuga e a
exposição ao sol. Vestia uma túnica sem mangas,
revelando seus braços longos, seu colo cheio, de
seios fartos.
— Acheron não é muito sagaz. — Driana
sorriu — ele vai me entregar. Vai fazer o papelão
de juntar-se ao Guardião Solon, criar um escarcéu e
então... Desistir.
Alma fez uma expressão incrédula que lhe
cobrava resposta.
— Eu sei lidar com ele. Tenho... Tenho me
deitado com o Guardião. E ele gosta de mim. Tem
carinho. Afeição. Não vai me entregar para a
Rainha — confidenciou.
Alma afastou a face da sua, olhos
arregalados, de surpresa e indagação. Esperaria isso
de qualquer uma delas, menos Driana sempre tão
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austera e indiferente aos elfos!


— Fique longe e não se revele. Eleonora não
terá menor chance se nós duas formos apanhadas!
Sozinha eu consigo me salvar e ainda atrasar os
Guardiões. Tenho feito isso durante dias, com
pleno sucesso! Alma... Se você correr risco maior,
procure por uma família de elfos que se camuflam.
Um pai e quatro filhos elfos. Fale meu nome e o
nome da fada Jana, e peça ajuda. Eles estão por
aqui ou em breve estarão. Entende o que digo?
Alma acenou com a cabeça e suas feições
modificaram, pois o choro vinha a tona a revelia da
sua vontade.
— Força — Driana pediu. — Por favor,
Alma, sua força é minha força.
— Vamos fugir juntas — Alma fez força
para segurar a voz num sussurro.
— Oh, Alma, suas asas estão nascendo, não
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é? — Driana a notou que a túnica estava manchada


de sangue.
Alma concordou e Driana sentiu vontade de
abraçá-la, como não podia, esfregou a face na da
amiga.
— Quanto orgulho. Não se envergonhe da
sua voz. — Entendia agora, a voz de Alma estava
ainda mais alta e a pobre sofria com isso. — Eu
dou conta de Acheron. Não vamos fugir juntas.
Você precisa se esconder e deixar suas asas
nascerem. Depois, espere, vou dar um jeito de
encontrar Joan e dizer onde está. Quando encontrar
todas e nossas asas estiverem nascidas... Fugiremos
juntas. Você aguenta? — Perguntou para conferir
se ela aguentaria mais tempo.
— Sim — Alma puxou ar e apoiou as duas
mãos no chão, levantando. — Driana, eu poderia...
— Começou a falar, mas Driana se assustou

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imediatamente ao entender o que pairava na mente


de sua amiga.
— Nem pense nisso! — Driana mudou o tom
de voz. Precisava ser severa, pois Alma corria o
risco de ceder à própria essência de seu sangue. —
Já conversamos sobre isso um milhão de vezes, não
é?
— Acontece — Alma ergueu um pouco o
tom de voz, tomada pela fúria — Que eu sinto
vontade de fazer isso. Eu posso matá-los. Driana,
eu não vou sentir remorso por isso! Acho que
sentirei até prazer em matar. — Admitiu.
— Por isso mesmo que não deixaremos que
faça isso. Nunca terá nossa permissão, Alma!
Nenhuma das suas amigas lhe dará permissão para
ser uma assassina! Ainda mais... Que no fundo,
você poderia apreciar isso! — Repreendeu.
— Mas se é a minha essência, porque devo
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ficar sofrendo e penando se é mais fácil...?


— Alma, não ma apavore assim! Eu não
posso discutir isso com você agora! — Driana ficou
a um passo de chorar por não poder tirar essa ideia
da mente de Alma! — Não espere obter minha
permissão! Joan e Eleonora jamais concordariam
com isso! Se você fizer algo do gênero... Terá que
lidar com as consequências disso, Alma! Somos
sua família, por favor, não traia nossa confiança!
Quantas e quantas vezes não haviam usado a
amizade como arma para conter os impulsos de
Alma?
— Está bem. — Alma disse envergonhada.
— Eu só pensei que seria mais simples assim.
— Sim, é mais simples. E nos tornaria iguais
a Rainha Santha. Sobretudo você.
Alma pensou sobre isso. Não havia muito
mais para ser dito sobre essa verdade e também não
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havia tempo para debates profundos. Um último


olhar antes de ir. Um olhar de amor fraternal. Era
só o que lhes restava.
— Eu te amo.
Alma disse sem som, apenas movendo os
lábios. Driana sufocou um soluço e manteve os
olhos nela, vendo-a sair fugida. Era tão triste. Tão
angustiante, que o seu choro não pode ser contido.
Chorava por toda a desgraça abatida sobre
sua vida e a vida de suas amigas, quando Acheron
voltou. Questão de segundos e teria pego Alma no
flagra!
Ele ficou parado observando-a chorar. Jana
entrou logo atrás e correu até ela, ajoelhando-se ao
seu lado, onde a pouco estivera Alma.
— Solte-a um pouco, Acheron — Jana pediu.
— Por favor, Driana está machucada — fez um
carinho em seus pulsos onde as cordas feriam a
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pele.
Acheron fugiu do contato visual e usou de
sua força para erguê-la e desamarrar suas pernas.
— Adivinha quem eu encontrei? — Ele
perguntou, sorrindo pela primeira vez em dias.
Por um minuto Driana temeu ter encontrado
Alma. Mas então se lembrou que Acheron não
conseguiria esse feito sem ajuda externa.
Sabia que a resposta era: Guardião Solon.
Não iria lhe frustrar o empenho em impressioná-la
com seu maravilhoso feito.
— Não consigo pensar em um nome. — Sua
falsa doçura o fez conter um sorriso.
— Solon. — Disse orgulhoso. — Como se
sente sabendo que em breve sua amiga estará junto
de você, presa nessa mesma corda?
— Sinto-me tentada a dizer-lhe que não creio

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que Alma ponha tudo a perder.


— Eu pensei que fossem amigas — ele disse
simples, olhando em seus olhos.
— Exatamente por isso que Alma não vai se
entregar — desafiou-o.
Pela expressão de Acheron, imaginou que
pudesse ter uma atitude mais carnal e menos
profissional caso estivessem sozinhos.
— Eu quero lhe contar um segredo, Segundo
Guardião. Algo que precisa saber sobre mim — ela
disse com voz meiga.
Acheron pareceu duvidar de suas intenções.
De volta ao ponto inicial, Driana queria atrasá-lo e
no fundo, ele também sabia disso. Um pouco mais
desesperada que no começo, mas ainda mal
intencionada.
Acheron fez um sinal para que Jana saísse e

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avisou:
— Fique junto de Solon.
— Pobre Jana, eu ainda não sei se o obedece
por medo, por respeito ou por estar acostumada a
obedecer qualquer voz de autoridade — ela
debochou e Acheron confirmou que estavam
sozinhos, antes de perguntar:
— O que você quer me contar?
— Bem, em primeiro lugar, não creio que
permaneceremos juntos nesse trajeto por muito
mais tempo. — Explicou.
— E eu posso saber por que você pensa desse
modo? — Duvidou.
— Acho que nós dois sabemos que se eu
estou falando isso, é porque vai acontecer — ela
afirmou e sorriu, aproximando-se dele
espontaneamente.

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Seus pulsos ainda estavam amarrados, mas


ao menos podia andar.
— E eu quero que saiba que eu gostei de ser
o garoto Jô. Gostei de ser seu amigo. Gostei de
conviver com o elfo e também com o Guardião que
há dentro de você. Isso não era mentira. Sou uma
cobra como disse, mas nem tudo que sai da minha
boca é veneno. E eu não precisava me deitar com
você para atrasá-lo. Bastava deixá-lo continuar
seguindo os caminhos errados que sempre escolhia
— não resistiu em lembrá-lo disso.
— Acha que sou um tolo, não é?
— Algumas vezes eu acho. Em outras...
Tenho certeza completa! — Ela riu e arriscou mais
um passo em sua direção — sejamos realistas, você
quer me entregar para a Rainha. E eu quero fugir.
Um de nós dois vai vencer, outro vai se arrepender
e muito. Enquanto isso não acontece... Porque não

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ficamos aqui um pouco? Ninguém precisa saber,


precisa? Um momento nosso. Prometo não contar
para sua adorada Rainha Santha.
— Eu não gosto da Rainha. E não gosto de
você. As duas me parecem muito parecidas. Usam
de sedução para obter o que desejam — ele negou.
— Hum, nós dois sabemos que você se rende
quando sente o meu cheiro de fêmea — Driana
tentou tocá-lo com as mãos amarradas, mas
Acheron afastou-a.
— Não nego. Tanto que essa noite eu
passarei na taverna. Eu preciso de uma fêmea.
Qualquer uma... Menos você — ele ameaçou
decidido.
— E depois você não quer que o ache um
tolo. — Ela desdenhou, magoada. — É sua última
chance de se deitar comigo. Será que não vê isso?
— Não, eu vejo seus planos de me engabelar
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outra vez e fugir.


Dessa vez não era a intenção de Driana. Não
pretendia fugir dele depois de enganá-lo. Não,
pretendia ter um momento ao seu lado, pois era
provável que jamais voltassem a se ver após fugir
definitivamente.
— Vai se arrepender dessa decisão,
Guardião, vai se arrepender amargamente! —
Rogou.
— Talvez. Mas o meu arrependimento será
rapidamente esquecido nos braços de alguma fêmea
bem disposta e sincera.
Merecer esse tratamento não queria dizer que
aceitava calmamente ser humilhada.
— Está me rejeitando? É isso?
Definitivamente? Não vou oferecer uma segunda
vez. — Sorriu, pois sabia que ele não lhe era
indiferente.
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— Vai me beijar se eu aceitar sua ofertar? —


Ele atirou de volta.
Driana baixou os olhos e se afastou.
— Vá, espero que encontre uma fada repleta
de fungos — disse rancorosa, virando-se de costas.
Não podia beija-lo. Ele ainda não estava do
seu lado. Nessas horas o desânimo batia com força
total. Suas esperanças diminuíam
consideravelmente.
O segundo Guardião não ignorou seu ciúme.
Com um olhar cobiçoso para o corpo da fada, saiu e
a deixou sozinha. Foi forte e resistiu. Era burro e
tonto, segundo as palavras e o julgamento de
Driana. E isso magoava.
Acheron olhou em volta, prestando atenção
aos detalhes, tentando enxergar os mínimos
nuances, como a mente de Driana faria.
Infelizmente, apesar de achar que era bom o
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bastante, ninguém se compararia a Driana.


E para bem da verdade, Acheron não era tão
atento assim, tanto, que não percebeu uma fada
passar perto dele, usando uma capa desgastada e
velha, carregando um jarro de barro repleto de
ervas e chinelas de couro, com os olhos compridos
em sua direção.
Era Alma querendo ver ou ouvir o que
acontecia dentro do casebre, e sem esperar, quase
esbarrando no Segundo Guardião Acheron, que
sequer imaginava quem seria a criatura esquiva e
apressada que se afastava...

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Capítulo 30 - Roubando sonhos

Era um pesadelo, pensou Driana pela


milésima vez. Acheron havia regressado fazia
algum tempo e trouxera consigo uma visita
desagradável. O quarto Guardião era o oposto exato
de Acheron.
Uns vinte centímetros mais baixo, menos
musculoso, cabelos curtos, escuros e lisos, de
expressão pesada, sombria, fechada. Vestia-se bem
mais arrumado que os outros Guardiões, com calça
de couro marrom, túnica aprumada em algodão
engomado, colete do mesmo material que a calça.
No cinturão carregava um bumerangue e uma

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espada curta, e uma espécie de chocalho amarrado


no lado esquerdo.
Os olhos azuis do elfo eram cativantes,
primeiro pela cor intensa, depois por conta dos
cílios longos, escuros, as sobrancelhas grossas e
praticamente emendadas de um lado ao outro.
— Esta é Driana? — Solon perguntou com
voz mansa.
Sua fala era um pouco diferenciada e Driana
demorou em descobrir se usava um dialeto próprio,
pois possuía um sotaque acentuado. Ou se era algo
pessoal.
— Sim, é a fingida — Acheron disse
agressivo.
Mãos na cintura, olhando para Driana como
se olha para algo muito incômodo.
As orelhas de Solon, pontudas, longas, se

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moveram e então, pararam. Provavelmente estava


incomodado pela postura agressiva de seu
companheiro de guarda.
— É uma fêmea bonita — Solon disse
surpreso. — Deveríamos ter dado ouvidos a
conversa fiada de Tobias quando tivemos
oportunidade — sorriu aproximando-se de Driana.
Acheron não se deu ao trabalho de responder.
Sua postura deixava claro que não queria ver beleza
na fada, pois naquele momento estava
desacorçoado com o comportamento da fêmea.
— Pretende exibi-la na praça? — Solon
perguntou interessado — Precisará vestir uma
roupa na pobre. Não é justo exibi-la do jeito que
está.
Driana concordava plenamente. A túnica
cobria sua nudez, mas não lhe conferia uma
aparência muito respeitável. Sua expressão
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entediada e ressentida indicava o que estava


pensando.
— Sim, pensei em amarrá-la no centro da
praça. Mas preciso buscar um tronco de árvore para
isso. Creio que alguns dias sem água e comida
devem comover a outra fugitiva — disse seco.
Driana duvidava que tivesse coragem para
tanto.
— Conversou com ela sobre o que aconteceu
no castelo?
Driana percebeu finalmente a razão de
Acheron falar quase aos gritos e da forma de Solon
se expressar ser estranha. Era que o quarto
Guardião não possuía audição aguçada. Isso
explicava o chocalho.
— Ela conversou comigo sem parar sobre
esse assunto. E nem uma palavra que saiu dessa
boca pode ser levada em consideração. — Solon
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disse cruzando os braços.


— Acheron achou que eu fosse um elfo
chamado Jô — ela contou com orgulho. — Ele lhe
disse isso?
Solon olhou para o companheiro de trabalho
surpreso.
— Como me contou tudo sobre sua vida, a
vida dos Guardiões e sobre como eu o atrasei
durante dias, levando-o para todos os caminhos
errados que consegui encontrar? Contou-lhe que
não foi nada difícil fazer isso? — Insistiu em causar
intrigas.
— Não — Solon estudou sua expressão com
atenção. — Está com raiva passional contra
Acheron. Qual a razão?
Driana não pode deixar de pensar que o
Quarto Guardião era sagaz.

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— O Segundo Guardião quebrou todas as


regras do Ministério do rei. Ele é um criminoso. —
Acusou formalmente.
É claro que sua denúncia era mera
formalidade. Sua palavra não tinha valor.
— Mesmo? Quais regras Acheron extrapolou
dessa vez? — Solon perguntou, com um sorriso
conciliador, pois ele gostava muito do Guardião
louro.
— O Guardião se deitou comigo — contou
direta, sem meias palavras.
— Isso é verdade? — Solon perguntou a ele,
mudando a expressão.
— Sim, mas ela não era casta — Acheron
respondeu.
— Mentira! — Driana surpreendeu-se com a
mentira. — Acheron, seu mentiroso! Eu era casta

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sim! Como pode mentir sobre isso?


— Bem, se não era uma fada casta, não
cometeu crime algum — Solon deixou claro que
acreditaria apenas em seu companheiro de guarda e
não em suas palavras.
— Como pode mentir sobre isso? — Driana
indignou-se, lidando com essa frustração.
— Não é difícil, basta observá-la mentir, para
aprender a fazer o mesmo. Vamos conversar lá
fora, preciso saber mais sobre a outra fada fugitiva.
— Acheron disse, olhando para ela com vitória no
olhar.
Vingança cumprida.
Fora do casebre, Solon fez Acheron parar e
perguntou-lhe:
— Você deflorou a fada fugitiva, Acheron?
— É claro que sim. — Ele sorriu. — Não foi

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algo premeditado. E não pense que ela é uma


vitima. A fada é uma cobra venenosa que me
tentou, seduziu e enganou. — Defendeu-se.
— Então, como será? Vai mesmo usá-la
como isca? — Solon duvidou.
— A Vila é pequena. Não tem como a fada
esconder-se de dois Guardiões. Temos Driana e
devemos usá-la. É o correto a fazer.
— Sim, mas eu não quero saber se é correto
— Solon fixava os ouvidos apenas em Acheron,
para acompanhar a conversa. — Quero saber se vai
ou não usá-la. Tenho uma missão a cumprir. Não
posso perder tempo. O que vai ser?
— Vou obedecer às ordens que recebi. Ter
me deitado com ela não muda em nada minhas
convicções. — Disse sério.
— Admito achar toda essa situação estranha
e inusitada. O Acheron que conheço não perde
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tempo em relacionamentos. Achei que fada alguma


pudesse causar reboliço em seus sentimentos.
— Driana é uma dissimulada. Tem me
enganado desde que deixamos o castelo. Fingiu ser
um elfo. Um menino intrometido e impertinente.
Fiquei amigo desse menino. Gostei da companhia,
de ter alguém com quem conversar. E era tudo
mentira. — Acheron descruzou os braços e o modo
como pareceu pender na direção de Solon indicava
que desejava não ser ouvido por mais ninguém e
que lhe pediria algo muito difícil! — Eu sei que
não é correto, mas... Será que esse assunto poderia
ficar entre nós? Não quero que os outros Guardiões
saibam que fui enganado desse jeito.
— Eu posso guardar segredo, mas a fada vai
contar. Ela pareceu bastante disposta a causar
intrigas entre os Guardiões. Não se envergonhe,
Acheron, eu vi o disfarce e também fui enganado.

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Não quis um ajudante, pois não gosto de


companhia em minhas missões, e esta foi à única
razão para não estar na mesma situação que você.
— Solon sorriu malicioso, mas não quis dizer-lhe
que dificilmente o disfarce da fada teria perdurada
na sua companhia. Não era tão crédulo quanto
Acheron. — Diga, a fada está no cio?
— Não. — Acheron fechou a expressão,
desagradado com a insinuação que Acheron havia
se descontrolado por causa do cio de uma fêmea.
— Eu tenho certeza que as asas estão para nascer,
mas ela não pereceu ainda, acho que não sente os
sinais. Está muito ocupada enaltecendo minha
burrice, para dar-se conta do que acontece com seu
próprio rabo — disse ofensivo e Solon balançou a
cabeça, incrédulo.
— Acho melhor esperarmos até amanhã para
usarmos a fada — Solon alegou. — Esta história

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está muito mal resolvida entre vocês dois. Eu sou


capaz de fazer meu trabalho sem precisar de sua
ajuda. Sendo assim, pense bem.
— Eu já pensei. Tenho passado dias e mais
dias sendo enganado por essa fêmea. Primeiro se
passou por um garoto chamado Jô e tentou colocar
caraminholas em minha cabaça e me atrasou o
quanto pode, tornando as minhas escolhas erradas.
Depois, me enganou com suas intenções amorosas.
Quero vê-la pelas costas, Solon, para que pague por
seus crimes. Perdi dias e mais dias correndo em
círculos, sem saber que era ela quem me atrasava!
— Não se culpe, é o dom da fada. Nós elfos
somos fantoches nas mãos das fadas quando elas
usam de seus dons. — Solon amenizou a situação.
— A fadinha não me parece ser tão má. Além
disso, nenhum de nós está atrasado em sua busca.
Eu mesmo, levei todo esse tempo para chegar a

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Vila dos Desesperados. Imprevistos acontecem


para todos nós.
Acheron concordava, mas a mágoa o impedia
de ver os acontecimentos com a mesma clareza.
— A fada lhe contou algo sobre o assassinato
do rei? — Solon quis saber, enquanto observava o
vai e vem de pessoas na vila, enquanto o comércio
de ervas, plantas, alimentos, couro e artesanatos,
acontecia à revelia da presença dos Guardiões.
— Ela fala sobre um plano de incriminá-las.
Fantasias da mente de uma fada com o dom da
inteligência — desmereceu.
— Um plano contra as quatro fadas? —
Solon não acreditou.
— Não. Ela diz que foram usadas como
escudo, que a Rainha Santha unida com Lucius, seu
amante, desejava atingir a fada Eleonora. Que as
asas da fada estão para nascer e serão idênticas as
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asas da Rainha.
Solon ouviu e permaneceu em silêncio, seu
rosto expressivo concentrado nesse pensamento.
— Eu confesso que pensava mais na
possibilidade do assassinato ter a ver com o tratado
que o Rei Isac planejava assinar com o líder dos
duendes. Sei que desagrada aos Conselheiros. E nós
sabemos que nem todos eles são de confiança.
— Estamos debatendo a possibilidade das
fadas serem inocentes? — Acheron reclamou e
Solon sorriu.
— As fadas são inocentes, Acheron. Seja
realista. São fadas da clausura. Acompanhamos
cada passo da vida dessas quatro fadinhas através
das conversas sem fim de Tobias. Vai dizer que
desconfia dele também? — Solon perguntou.
— A única coisa que eu sei é que se Driana
quiser, é bem capaz de coisas piores do que matar e
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fugir. — Disse rancoroso.


— Acho que fomos enviados para a caçada
muito rápido, sem orientação alguma. Se
houvéssemos pensado um pouco mais... Veríamos
que a história não confere com a realidade. Uma
fada da estratégia e inteligência não seria capaz de
elaborar um plano um tantinho menos atrapalhado?
Você mesmo disse que ela ficou ao seu lado
durante dias sem levantar suspeitas. E eu penso
muito na fada Joan. O dom de ludibriar é
praticamente incontestável. Porque escancarar o
que ela faz em segredo há anos? Porque tanta
algazarra se elas poderiam fazer tudo em surdina?
— Algumas criaturas precisam de plateia —
Acheron se recusava a abrir mão da mágoa.
— Talvez, eu não descarto nenhuma
possibilidade, já vi e vivi coisas demais para me dar
ao luxo de crer ingenuamente. De qualquer modo,

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eu nunca gostei da Rainha e muito menos de


Lucius. Se as asas da fada Eleonora forem idênticas
as da Rainha, serei o primeiro a defendê-la e exigir
um julgamento justo.
— Prefere uma fada da clausura como
rainha? Bandear-se para o lado rebelde?
— Acho que a fadinha vestida de elfo
deixou-o ainda mais tonto, Acheron — Solon
cutucou-o com o braço e apontou um casebre não
muito longe de onde estavam — Veja, um pouco de
vinho e elixir proibido devem clarear sua mente.
— E deixa-la sozinha? Não. — Acheron
reclamou. — Vou encontrar um suporte para
colocar no centro da vila e então, Driana verá o que
a espera.
— Faça como quiser — Solon sorriu. — Mas
lembre-se do tratado entre o Rei Isac e os Duendes
e pense em como isso vinha incomodando Lucius.
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Pense bem, fera, uma decisão dessas não tem volta.


Solon era menos dedicado à figura do Rei
como um ser onipotente e sim dedicado ao reino,
representado na figura do povo. O bem geral lhe
era muito mais importante do que o bem individual.
Ele não se importava com quem reinava e sim, se o
reino satisfazia as necessidades dos menos
afortunados.
Olhando seu colega afastar-se, Acheron
pensou na simplicidade das colocações de Solon.
Vinha estando preocupado em ser o único que
desconfiava dessa missão, quando na verdade
estava certo. Cumprir seu plano de usar Driana
como isca, aceleraria a captura da outra fada
chamada Alma. Sendo assim, precisava pensar bem
se valia a pena ou não fazer isso apenas por
vingança pessoal.
Dividido entre o desejo de voltar para perto

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de Driana ou de partir e nunca mais colocar os


olhos sobre a fada, Acheron conteve um rugido de
raiva e virou as costas, entrando outra vez na
casinha de duende.
É claro que pegou a fada no pulo, tentando
escutar sua conversa com Solon. Por causa da
limitação do Quarto Guardião, eram obrigados a
falar em tom demasiadamente alto.
Driana afastou-se um passo e nem tentou
fingir indiferença.
— Solon é quase surdo, não é? — Perguntou
a queima roupas.
— Sim — ele afirmou.
— Hum, e como isso aconteceu? Notei que
sua fala é boa, apesar de um pouco atrapalhada às
vezes. Deve ter sido algo recente que o fez perder a
audição.

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— Pergunte a ele. Não espalho boatos sobre


a vida dos meus colegadas de Guarda — ele foi
indiferente.
— Que surpresa, você também não sabe! —
Ela sorriu um sorriso feliz ao notar a mentira nos
olhos do Guardião. — Que coisa interessante!
Porque será que Solon não contou aos seus irmãos
Guardiões?
— Não é da sua conta. — Ele apontou o chão
coberto de peles e ela sentou-se, vendo-o fazer o
mesmo.
Acheron retirou as botas e espichou os dedos,
que se ressentiam da longa caminhada pela
Floresta.
— Se algo acontecesse com uma de nós —
Driana disse ignorando sua estupidez ao falar com
ela — jamais ficaríamos quietas. Eu descobriria
quem fez isso com minha amiga e não sossegaria
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enquanto não o fizesse pagar!


— É mesmo? Pobre Rei Isac — ele usou isso
contra ela.
— Pobre Rei Isac. Concordo com você. Mas
não se esqueça de um detalhe, ele não fez nada
contra Eleonora ou contra qualquer uma de nós.
Sempre com uma resposta na ponta da
língua, pensou Acheron. Sempre prontinha para
atacar verbalmente!
— O que torna seu crime ainda mais cruel —
Acheron foi claro.
— Certo. — Driana irritou-se.
Estava cansada dessa guerra sem fim. Era
desgastante emocionalmente e seu intelecto sofria.
Precisava estar forte. Firme. De pé. Afastou os
olhos de Acheron e disse depois de pensar sobre o
assunto:

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— Desculpe ter te feito cair em público e ser


motivo de chacota. Achei que precisava disso para
lembrar-se que é apenas um elfo. Que não um
nasceu Guardião.
Acheron fitou seu rosto por alguns segundos,
chegando a uma conclusão adversa:
— Está tranquila demais para quem sabe que
estou a um passo de aprisionar uma de suas
amigas. — Afirmou. — Como pode estar tão
tranquila?
Driana sorriu, mas nada respondeu.
— Espere, você avisou sua amiga não é?
Como você conseguiu fazer isso? Estou vigiando-a
todo o tempo! — Indignou-se e ameaçou levantar,
mas Driana achegou-se a ele, e usou as mãos
amarradas para empurrá-lo no chão, apoiando-se
em seu peito, enquanto dizia:
— Mas não me vigiou tão de perto que eu
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não pudesse pensar em outras coisas...


Acheron empurrou a fada e indignado,
cravou os olhos sobre ela.
— Como consegue fazer essas coisas? Age
pelas minhas costas e não sou capaz de fazê-la
parar! Nem mesmo sou capaz de suspeitar do que
está fazendo!
Driana se afastou, triste por saber que a
exasperação de Acheron tinha origem profunda,
vinha da constatação que se um dia houvesse uma
chance entre eles, ainda assim, seu dom sempre
estaria entre eles.
— Eu não ajo pelas costas do Segundo
Guardião Acheron. Eu ajo pelas costas da Rainha
Santha e de seu amante Lucius, nesse momento
representados pela figura do Guardião Acheron.
Ajude-me nessa luta por liberdade e nunca mais
agirei pelas suas costas!
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Era uma promessa de amor. Sem a missão


dos caçadores entre eles, seriam como qualquer
casal comum.
— Contei a Solon dos seus feitos. Ele já sabe
o que esperar vindo da sua amiga. — Acheron disse
com rancor.
— Hum, Alma não é tão inteligente quanto
eu. — Contou, a voz um pouco superior ao falar
disso. — Mas é bastante esperta. Acho que Solon
terá trabalho para conseguir lidar com ela, caso
chegue a encontrá-la. Alma sempre foi um pouco
malvadinha. Um pouquinho mais que o normal —
disse com um meio sorriso. — Sempre foi um custo
segurá-la.
— O que quer dizer com isso, fada da
clausura?
— Existem pessoas que nascem boas, mas ao
longo da vida, vão perdendo a razão para ser tão
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compreensivo e aceitar tudo calado. Creio, Acheron


que existe um linha muito fina, muito tênue,
separando o que é certo do que é errado. De um
lado, está um mundo atrativo, onde não existe mais
dor. Nada importa, porque não existe dor. Não
existe arrependimento, não existe saudade. Não
existe nada além de bem estar. E no outro, há
lamentação. O tempo todo, sofrimento e
lamentação. E por mais incrível que pareça, o lado
do sofrimento chama-se sanidade, respeito, amor ao
próximo. E o lado da perdição é carregado de paz e
ausência de dor.
— Está errada — ele foi categórico.
— Não, não estou. Ao abrir mão da bondade
e das convicções em prol dos indivíduos ao meu
lado, eu passo a ser livre para fazer o que desejo,
para esquecer as dores do passado, para enterrar os
fantasmas e jamais pensar nisso. Eu faço o que

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quiser, sem arrependimento. Agora, ao decidir por


ser honesto, a criatura se prende a necessidade de
pensar no outro, antes de pensar em si mesmo. E
entre esses dois lados, há uma linha. E é por essa
linha que toda criatura anda. Você, nesse momento
anda pela linha, margeando o lado bom, o lado
honesto. Por isso tanto debate interno, se é certo me
entregar para a Rainha, se vai se arrepender, se vai
causar dor para uma inocente. Se você estivesse
margeando apenas o lado mau, você se deitaria
comigo tantas vezes pudesse, então me devolveria.
Eu seria morta e você jamais voltaria a pensar
nisso. Simples, sem dor. Sem sentimentos. Simples.
Acheron não teve coragem de negar ou
discutir esse ponto de vista.
— Alma nasceu e anda por essa linha, como
todos nós. Mas às vezes, ela tende a querer pisar do
lado mau. Quando o peso da nossa vida está

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demais, ela tende a querer fugir do sofrimento. É


uma vigília constante, estar ao seu lado e segurá-la
com a gente, do lado certo. Mas sozinha, sendo
perseguida, em meio ao sofrimento do nascimento
das asas... Quem poderia condená-la de preferir a
ausência de dor do lado obscuro da vida? Quem
pode condenar alguém por lutar com unhas e dentes
contra seu caçador? Resta torcer para que Alma não
se renda a tentação de viver sem dor
— Mais uma razão para encontrá-la e julgá-
la antes que faça mal a alguém. — Acheron acusou.
— Não se faça de tolo, Acheron. Sabemos
que você é normalmente tapado, mas não exagere
sem necessidade. Alma não é má. Mas ela sabe ser
má se quiser e com o benefício de não sentir culpa.
E eu odiaria saber que a vida a fez escolher um lado
definitivamente e que isso não tenha volta. A culpa
não será dela e sim de Santha. Dos Guardiões, até

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mesmo minha, que não consegui impedir que dois


caçadores a perseguissem.
— Não sou um caçador de recompensa. Não
me compare a essa raça. — Acheron ficou furioso e
essa fúria vinha mais da certeza que estava errado e
que as fadas eram totalmente inocentes.
— É um caçador de fadas. Não importa qual
é a sua motivação. — Completou, com um suspiro
de pesar.
— E você é uma assassina do rei. Não
importa qual é a sua motivação. — Ela acusou,
inflexível.
— Se o que diz é verdade... Temos algo em
comum, segundo Guardião, também assassinou seu
rei, e não me importa quais eram as suas
motivações. Porque não volta para sua terra, para
sua gente e se entrega por seu crime? Exigiria que o
punam mesmo que todos devam considerá-lo um
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herói?
— Herói? — Acheron estranhou tanto o uso
dessa palavra, que somente naquele momento
Driana entendeu que ele nunca havia pensado sobre
esse prisma.
— Oh, Acheron — ela apiedou-se — você
não consegue ver, não é? As pessoas que foram
libertadas por seu gesto... Elas o consideram um
herói. Os escravos, os aldeões, todos que sofriam
por conta do rei que você destronou... Todas essas
criaturas, elfos, fadas... Todos devem se lembrar de
você como um herói. É provável que não consiga
ver a dimensão do que fez. Mas hoje, sei que deve
ser lembrado e aclamado, como o nome de um
herói.
— Não existem heróis burros — ele
lembrou-a disso.
Driana fechou os olhos apenada e culpada.
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— Cada qual com sua limitação. Não sou


capaz de soltar minhas próprias mãos. Eu fiquei
ilhada naquele desfiladeiro! Eu quase me afoguei
no Rio Branco. Não tenho um milésimo da sua
força física, da sua capacidade de luta. Sou
indefesa. Totalmente indefesa. Meu dom não é útil
no sentido físico da vida. Sou mais inteligente que
você. É fato, mas sou mais inteligente que todas as
pessoas que conheço, então... Isso não é nada
demais.
— Você me chamou de burro diversas vezes.
É a sua opinião.
— Bem, e você não me acha uma chata?
Achava o garoto Jô um chato. — Lembrou-o.
— Nunca vamos nos entender quanto a isso
— o Guardião achou por bem encerrar a questão.
— É claro que não. Como podemos nos
entender se você não me ouve?
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— Eu ouviria se não soubesse que tudo que


sai da sua boca é mentira — alfinetou.
— Nem tudo. Eu gostei que tenha sido meu
primeiro amante, apesar de você ter negado para
seu amigo. — Disse magoada. — Não será o único,
é claro, haverá outros. Por isso que eu guardo o
meu beijo. Quando as asas de Lora nascerem,
vamos provar nossa inocência, e então... Eu vou
interceder junto dela. Para que o Ministério do Rei
deixe de existir. Para que sejamos todas livres.
Desse modo eu poderei conhecer o mundo e
conhecer alguém que me aprecie. E quando isso
acontecer, eu terei meu beijo para oferecer. Pois o
beijo não será uma lembrança presente de você em
minha mente.
Surpreso por essa revelação e incomodado,
Acheron fitou a face da fada. Bonita como uma
boneca de pano, frágil e rosada. Lábios suaves, de

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boneca de porcelana. Rosado nas faces. Olhos azuis


escurecidos pelas lágrimas que queriam cair, mas
ela não permitia. A franja escondia sua testa e
cobria parte dos cílios. Driana afastou o olhar e
deitou de lado nas peles que cobriam o chão do
casebre. A conversa não podia prosseguir.
Não havia sentido em seguir.
— Qual foi o seu primeiro pensamento sobre
mim quando me conheceu? — Ele perguntou,
provavelmente para checar sua mente.
— Hum, não me pergunte isso, Acheron —
ela gemeu de desgosto.
— Fale. — Ordenou.
— Eu pensei que era inaceitável que
permitissem um elfo burro e sem serventia como
uma porta sem tranca, ser um Guardião, ainda mais
em segundo em hierarquia de poder. — Admitiu.

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Era o que Acheron precisava saber para se


convencer que a fada não merecia clemência.
Ofendido, colocou as botas, levantou e não olhou
para trás ao sair. Driana ficou deitada pensando em
sua tristeza. Era a verdade da sua mente. Era assim
que ela funcionava às vezes. Lágrimas de desgosto
correram em sua face, mas ela se conteve e não
chorou alto. Não tinha culpa de ser assim...

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Capítulo 31 - Dias de verão

A fada Jana observava com assombro o


tronco colocado no centro da vila. Os habitantes do
lugar não estavam nada satisfeitos com o que
acontecia. Apesar disso, os intrusos eram dois
Guardiões e ninguém os questionaria. Acheron
terminou de montar a estrutura, suado e furioso,
peito nu, músculos tensos.
De canto Solon assistia calado, pensativo e
desgostoso. Quando andou o chocalho preso em
sua cintura balançou e o som alto chamou atenção
sobre sua figura. Solon era diferente dos outros
Guardiões, ele não carregava consigo sua armadura

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o tempo todo, como os outros faziam. Havia


descoberto um modo mais prático de fazer-se
atender. Sua ligação com sua armadura era
diferente, pois Guardião e armadura eram
peculiares.
Solon não foi refeitado pela armadura
quando voltou ferido e tornou-se praticamente
surdo. Pelo contrário, pela primeira vez, sentiu-se
realmente aceito pela mágica da armadura.
— Está pronto — Acheron disse com uma
pitada de revanche na voz.
— Sim, estou vendo. Um bom trabalho,
Acheron. — Solon elogiou.
— Não duvide do meu plano. — ele avisou
— Alguns dias de privação e a outra fada vai tentar
alguma coisa.
— Se você diz, eu acredito — Solon afirmou
— Vou esperar uns dois dias, depois retomo minha
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caçada.
— É seu direito — Acheron concordou, e
virou-se para Jana. — Está proibida de libertar a
fada da clausura, aproximar-se dela ou alimentá-la.
Se eu descobrir que descumpriu minhas ordens irei
causar problemas pra você e sua família. Está
disposta a cumprir minhas ordens?
— Sim — Jana disse com segundas
intenções.
— Eu estou falando sério, fada. — Ameaçou,
no fundo, esperando que não o obedecesse.
Jana baixou a cabeça e entrou no casebre,
provavelmente para avisar a fada da clausura sobre
o destino que a aguardava. Não houve tempo, pois
Acheron a seguiu.
Driana olhou-o com pesar. Não era preciso
que lhe contasse o que aconteceria. Acheron a fez
levantar e a empurrou nada gentilmente para fora
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da casinha de duende. Driana reclamou da luz do


sol, pois estava há muitas horas praticamente no
escuro.
Foi levada para o centro da vila e amarrada
de pé contra o tronco. O último nó foi dado e
Acheron estava a centímetros dela. Por isso os
olhos se encontraram por alguns segundos.
Ele não queria fazer isso. Se o fazia, era por
orgulho ferido. Por mágoa de ser considerado
inferior pela fêmea que cativara seu apreço. A fera,
como muitos o chamavam, não sabia lidar com seus
próprios sentimentos, por conta disso, agia de modo
arbitrário e condenável.
— Siga sua busca, eu vou vigiá-la —
Acheron avisou Solon que não reclamou, mas
sugeriu:
— Não é uma boa ideia. Você pode ter razão
ao dizer que a fada é ardilosa. Melhor dois
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Guardiões com os olhos sobre ela, do que apenas


um.
Acheron concordou e os dois encontraram
um lugar para ficar, sentar e esperar.
Driana não reclamou na primeira hora. Foi
forte e suportou. Na segunda hora seu orgulho
cedeu e Driana começou a reclamar. Estava com
muita fome, muita sede e suas pernas doíam. A sola
dos pés cobertas de bolhas de andar pela Floresta.
Solon apenas sorriu e ignorou, pois para ele
seus gritos e reclamações eram apenas sussurros
distantes. Menos paciente, Acheron ignorava suas
reclamações a muito custo.
Quando cedeu, pareceu ser por impaciência e
não por piedade. Mas no fundo era unicamente por
pena de vê-la sofrer tanto. Soltou um pouco as
cordas, somente o bastante para que pudesse
escorregar e sentar no chão. Aliviou um pouco do
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sofrimento, mas não a ajudou, além disso.


— Acheron — Driana disse baixinho, e ele
parou de andar, olhando-a.
Driana sorriu, em meio ao desconforto, do
sol forte, do suor, da fome e da sede, ela sorria
assim mesmo:
— Eu vou fugir. Você sabe disso, não é? —
Perguntou-lhe com desaforo na foz e no modo de
olhar. — Estou lhe avisando para que não diga que
fiz pelas suas costas. Agora está avisado.
Acheron sentiu uma vontade incontrolável de
abraçá-la, confortá-la e dizer-lhe que queria que
fugisse. Retornou ao seu lugar e bebeu um longo
gole de água de seu cantil pessoal, provocando-a
com este gesto.
Precavido, o Guardião havia pegado sua
própria comida e água. Não queria correr o risco de
que Jana o traísse e ajudasse Driana. Era impossível
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que dois guardiões não conseguissem mantê-la


presa. Em nenhum momento tirou os olhos de sobre
a fada.
Muito tempo depois Driana havia
adormecido recostada no tronco de árvore, em um
sono de exaustão. Acheron comia uma fruta, das
que apanhara na floresta pessoalmente. O sumo da
fruta escorrendo por sua barba crescida. Fazia
alguns dias que não cuidava de sua higiene e estava
parecendo uma fera da floresta.
Ele não viu, tão pouco Solon viu, mas algo
aproximou-se. Esse algo se camuflava contra a
terra, contra as árvores, contra as pessoas, e
assemelhava-se ao cenário em volta de si. Uma
mão surgiu e derrubou um pó dentro do cantil de
água do Segundo Guardião, que jazia destampado
ao lado dele. Comendo sua fruta, Acheron sentiu
sede e pegou o cantil, sem notar nada anormal,

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bebeu um longo gole e cutucou Solon oferecendo-


lhe um pouco de água, pois estavam os dois
penando no sol para vigia-la.
Depositou novamente o cantil no chão ao seu
lado e voltou a morder a fruta, saciando-se,
cravando os olhos na fada adormecida.
Minutos mais tarde percebeu que Solon
bocejava e cruzava os braços, como quem luta para
não seguir o exemplo da fada e tirar um cochilo.
Acheron lhe deu razão, quando o sono também o
derrubou.
Driana acordou quando foi cutucada e não
viu nada em torno de si. Olhou para cima e viu uma
velha duende, encurvada, usando uma capa escura.
Ao seu lado, um dos irmãos de Jana se revelou e
então a própria Jana corria em sua direção.
— Rápido, os dois estão dormindo — Jana
disse animada, trazendo Alma consigo.
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— Oh, vocês me ajudaram! — Driana


abraçou Alma com quase desespero.
— Todos na Vila ajudaram. Ninguém vai
contar nada. Vá com meus irmãos e com meu pai.
Acheron não vai desconfiar de nós. Ele nem sabe
que já estão aqui. — Jana contou.
Driana soluçou e puxou Jana para um abraço
também. Alma não lhe diria, mas estava
estranhando que sua amiga sempre tão reclusa e
avessa a contato físico, quisesse espontaneamente
abraços.
— Eu não tenho palavras para agradecer.
Alma, eu quero levá-la comigo! — Abraçou-a
outra vez e Alma finalmente falou com a voz
normal:
— Não é seguro duas de nós juntas. Eu vou
atrasá-la.
Driana fez um carinho no rosto de Alma,
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apenada. Sua voz estava insuportavelmente alta,


esguichada e rachada. Apenada, Driana não disse
nada sobre isso. Com o padecimento da carne,
enquanto suas asas nascessem, Alma não poderia
seguir viagem no ritmo que careciam. E também,
seu cheiro acentuado atrairia todos os elfos que
estivessem a quilômetros floresta adentro!
— Lhe rogo um bom nascimento, Alma. Eu
tenho que ir. Nos veremos em breve e quando isso
acontecer, seremos fadas livres. Creia nisso. E
fique longe do Guardião Solon! E longe de
Acheron! E por tudo de mais sagrado... Fique longe
dos impulsos de morte! Longe!
Alma acenou concordando. Com um suspiro
de lamento puro, Driana olhou para Jana e sorriu:
— Não o deixe seduzi-la. Eu quero esse elfo
e vou tê-lo de volta quando todo esse inferno
acabar — disse para Jana e as duas sorriram.

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Num impulso, abraçou o irmão mais novo de


Jana que estava ali para ajudá-la, e afastou-se para
pegar as frutas de Acheron, pois estava faminta.
Fez um carinho triste no queixo barbudo do elfo,
mordendo a fruta. Depois seguiu o rapaz e sumiram
na vila, valendo-se do poder do rapaz para ganhar
tempo e estar longe quando o Guardião acordasse.
Alma observou os dois Guardiões
adormecidos, sobretudo o Guardião Solon que era
incumbido de caçá-la.
Era hora de esconder-se e não sair mais. A
velha duende a acompanhou quando Alma voltou
para seu esconderijo e todo vilarejo voltou as suas
atividades normais, como se nada houvesse
acontecido.
*****
Driana ficou sozinha, escondida entre as
pedras que margeavam um córrego pequeno, que
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levava água do Rio Branco diretamente para a Vila


dos Desesperados. Melquior e seus filhos
regressaram para a vila, pois chamaria muita
atenção se eles não aparecessem. Acheron
consideraria suspeito. E também, seria mais útil que
permanecessem perto do Guardião, atrapalhando
sua busca.
Driana estava feliz de ter fugido, claro que
estava. Ao ficar solitária outra vez, optou pelo
silêncio e pela reclusão. Ficaria naquele esconderijo
por alguns dias, até ser seguro partir.
Enquanto se escondia, na Vila dos
Desesperados, Acheron acordava após muitas horas
de sono pesado. A noite havia chegado quando
despertou e descobriu que ao seu lado Solon
também acordava.
Achando ser um pequeno cochilo, Acheron
olhou para o tronco de árvore onde Driana deveria

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estar amarrada, encontrando-o vazio. Foi então que


descobriu que não era um simples cochilo.
A fada Jana estava perto, carregando uma
cumbuca com comida. Ele olhou em sua direção e
ela falou:
— Eu tentei acordá-los, mas nada foi capaz
de despertá-los! Eu não sei o que aconteceu. Estava
distraída com as barracas... Nunca tinha visto tantas
coisas bonitas... Quando voltei, Driana havia
partido e vocês dois estavam adormecidos...
— Fada mentirosa — ele disse, com raiva. —
Ajudou-a a fugir, não é?
— Não — Jana negou. — Eu não fiz nada!
— Cuido de você mais tarde — Acheron
disse ignorando-a. — Ela nos fez dormir — disse a
Solon.
O quarto Guardião pegou o cantil de água e

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cheirou.
— Alguém batizou nossa água. — Explicou
levantando e espreguiçando as costas, tranquilo.
— Alguém que vai pagar amargamente
quando eu colocar minhas mãos sobre sua carcaça
mentirosa. — Acheron prometeu, olhando em
volta. — Aposto como ninguém viu nada.
— Incrível a capacidade que sua fadinha tem
de enganar as pessoas — Solon disse
agradavelmente surpreso — Bem, eu preciso
procurar pela minha fada. Alma deve estar entre
essa gente e agora tem a vantagem de ter me visto
na sua companhia, e saber que procuro por ela.
Receio abandoná-lo em sua caçada, Acheron — ele
sorriu tranquilo. — Boa sorte, vai precisar de muita
sorte para conseguir subjulgar sua caça.
Acheron nem se deu ao trabalho de
responder. Empunhando a espada, jogou o saco de
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couro com sua armadura em um dos ombros e


ganhou espaço andando veloz em direção a Jana.
Agarrou a fada apelo braço e levou-a consigo
enquanto falava:
— Deve saber que não esquecerei sua
participação na fuga da fada da clausura.
— Mas eu não fiz nada!
— Ah, você fez. Bandeou-se para o lado da
fada fugitiva. É típico das fêmeas.
Jana conteve um discurso feminista e deixou-
se levar por Acheron. Tentava achar uma
alternativa para sua situação, como Driana faria,
quando foram interceptados por seu pai e seus
irmãos. Jana quis gritar de alegria. Acheron não
percebeu que era engabelado. Ficou até mesmo
grato por ter ajuda.
Ouvia atentamente as dicas e sugestões de
Melquior quando reparou no irmão mais jovem de
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Jana que se exibia para os outros irmãos, pois havia


dominado completamente sua capacidade de
camuflar-se e tornar-se parte do ambiente. Acheron
correu os olhos sobre o rapazola, reparando na lama
vermelha e barrenta em suas botas.
Esperava não estar ficando paranoico, mas o
garoto era plenamente capaz de ter colocado ervas
do sono em sua água, sem que ele notasse. E aquela
lama era específica da região, e ele até imaginava
onde o garoto poderia ter conseguindo manchas
como aquelas.
Quando o garoto sumiu no mato, Acheron
teve a confirmação que precisava separar-se deles
para encontrar Driana.
Driana, alheia a tudo que acontecia, passou a
noite solitária e amedrontada escondida entre as
pedras, com frio e medo de sair para procurar
comida. Para seu azar total, durante a madrugada

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um temporal teve início, estendendo-se pela manhã


do dia seguinte.
Chovia tanto, que Driana foi obrigada a
esquecer de seus pensamentos sobre Acheron e
suas amigas para concentrar-se em procurar por
alimento. Encontrar algum lugar para refugiar-se.
Lembrando-se da Floresta dos Dois Dias,
Driana achou que pudesse encontrar árvores ocas
por ali também. Um trovão assustador a fez correr
na chuva e tropeçar em um galho caído no chão
barrento. De cara no chão, Driana esmurrou o chão
e levantou. Era bem mais fácil andar ao lado de
Acheron, pois ele conhecia todos os macetes de
viver na Floresta. E acabava abrindo caminho para
que seguisse sem tanta dificuldade.
Furiosa consigo, por saber como fazer as
coisas em sua mente, mas não na prática, Driana
conseguiu encontrar uma árvore gigantesca que

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parecia ser um abrigo perfeito. Antes de alcançá-la,


Driana teve a nítida impressão de estar sendo
vigiada. Assustada, olhou em torno de si, sob a
chuva compulsiva, e pensou ter visto um pequeno
vulto esconder-se entre as árvores.
Sua última experiência com duendes fora
terrível e ela não estava disposta a lidar com outro
duende problema. O vulto correu para o lado
oposto, tão rápido que Driana tremeu de susto,
consciente que não era um duende, mas sim, algo
desconhecido.
Com o coração acelerado, Driana procurou
por segurança e enfiou-se numa fissura de um
tronco de árvore, encontrando nessa estreita
abertura um caminho para o interior da árvore.
Diferente das árvores ocas da Floresta dos dois
dias, esta árvore era seca e vazia de vida, mas oca o
suficiente para caber uma fada miudinha, sentada e

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encolhida.
Por alguns minutos, Driana não ouviu nada.
Nenhum barulho além do som abafado da chuva
que batia na árvore. Vez ou outra um filete de água
caia sobre ela, mas era pouco comparado a estar na
chuvarada sem proteção alguma.
Driana foi relaxando aos poucos, quase
esquecendo o medo, quando o barulho de algo
sendo roído e quebrado chegou aos seus ouvidos.
Driana não tinha como escapar, por isso ficou
imóvel, esperando que o perigo fosse apenas fruto
da sua imaginação fértil.
Num repente uma mão surgiu pela fenda, era
um pulso fininho, com uma mão miúda, com dedos
peludos e unhas gigantescas. Em pânico completo
Driana gritou por ajuda...

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Capítulo 32 - Montanha de ilusões

Frustrado Acheron descobriu que as pedras


em torno do riacho, onde a lama era
constantemente vermelha e barrenta, estavam
vazias. Nem sinal de cheiro de fada fugitiva. Nem
sinal de Driana e sua expressão de falsa inocência.
Antes de ser Guardião, Acheron era um
exímio caçador e apreciava a vida na mata, por
contra disso não foi difícil identificar rastros de
fuga no chão. Em meio a mato, barro, entulho
restante de um temporal, Acheron visualizou
pegadas parciais, de pés pequenos e rápidos, que
corriam.

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Muitos metros depois, ele percebeu que a


pessoa que corria, havia encontrado um
esconderijo. O que lhe entregou o caminho seguido
por Driana foi um grito estridente de medo.
Acheron correu na direção do som e seus olhos mal
acreditaram na criatura que avistou. Era pequeno,
magricelo, porém com uma cabeça gigantesca,
coberto por muito cabelo vermelho, não ruivo, e
sim vermelho sangue. A criatura era assustadora e
imediatamente Acheron exigiu ajuda de sua
armadura.
A recusa foi imediata, por isso Acheron não
pode contar com mágica. Sacando a espada, correu
na direção da árvore e do ser estranho.
A criatura virou a face assustadora na sua
direção, revelando uma boca repleta de dentes
afiadíssimos e olhos demoníacos.
Driana parou de gritar ao reconhecer a voz de

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Acheron gritando com a criatura. A fenda foi


liberada e Driana tentou espiar o que acontecia. Viu
o ser sobre Acheron, tentando cegá-lo ou algo do
gênero, mas o Guardião era grande demais para ser
dominado e lançou a criatura longe.
Driana reteve o ar quando o ser passou muito
perto da fenda e ela afastou-se assustada. O som de
briga continuou e quando tudo ficou quieto ela
esperou.
Levou um susto, sua alma culpada, quando
Acheron espirou pela pequena fenda encontrando-a
dentro da árvore.
— Saia — ele mandou.
— Não — ela negou. — Eu não vou sair!
Você vai me prender outra vez!
— Saia de uma vez, Driana, eu não posso
garantir sua segurança aqui. — Ele disse entre
dentes, mas ela só via seus olhos verdes.
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— Minha segurança? Você vai me entregar


para a Rainha! — Encolheu-se em seu canto,
emburrada, negando-se a sair.
O som de um rugido que estava longe de ser
um dos rugidos que normalmente Acheron emitia a
assustou. Era a criatura que deveria estar voltando.
Apavorada, saltou para fora da fenda, preferindo os
braços de Acheron a ficar ali para saber o que era o
animal.
— Não brigue comigo — ela pediu,
escondendo-se em seus braços.
Acheron não esperava que a fada envolvesse
os braços em sua cintura e escondesse o rosto em
seu peito.
— O que era aquilo? — Ele perguntou,
tocando suas costas e a fada tremeu.
Estava completamente molhada e tremula de
frio. A chuva ainda caia em torno deles, menos
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potente, mas ainda capaz de causar danos à saúde.


— Não sei. Essa coisa apareceu do nada e
tentou me pegar. Eu fiquei com muito medo.
Acheron, eu...
Pretendia pedir-lhe desculpas, mas ele
interrompeu.
— Calada — ele mandou, ouvindo o som
aproximar-se. — Minha armadura não obedeceu ao
meu pedido de luta — avisou. — É melhor irmos
antes que aquilo volte.
Driana não ousou contrariá-lo. Não era muito
lógico sentir-se segura na presença de Acheron,
quando era ele quem pretendia aprisioná-la e
entregá-la para a Rainha Santha.
Não ouve tempo para fugir, a criatura voltou
e correu em torno dele, levantando barro em torno
deles, tão rápido era seu correr. Acheron a
protegeu, mas não foi rápido o bastante para
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proteger sua armadura. A criatura roubou o saco de


couro que jazia em seu ombro, rasgando a alça e
correndo para longe.
Era quase impossível ver sua corrida.
— Não! — Driana gritou em choque,
atingida na alma por ver a armadura ser roubada.
Era parte de Acheron e não era aceitável quer
lhe tirassem o que era seu por merecimento. O ser
correu pela árvore, desaparecendo no topo.
Ouviram o som de pulos e Acheron com a espada
na mão tentou enxergar onde ele estaria.
— Guardião, espere. Ele vai voltar — ela
disse agarrando seu braço. — Ele vai voltar!
— Minha armadura, Driana, eu não vou
perder a minha armadura! — Ele negou tentando
ver onde o animal poderia estar.
— Ele veio atrás de mim, me seguiu até aqui

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e me encurralou. Fique quieto, eu vou achar um


jeito de reaver sua armadura! Não vai conseguir
pegá-lo, é preciso atraí-lo até você! Uma
armadilha! E nessa chuvarada não tem a menor
possibilidade!
Acheron estava tenso, o braço que ela
segurava parecia rocha sob seus dedos, os músculos
tensos e retesados, todo o corpo do elfo
respondendo a ameaça que a criatura a e o roubo da
armadura significavam.
Acheron olhou para ela e duvidou de sua
palavra. Era a fada da clausura, a fugitiva, que vivia
enganando-o, passando-lhe a perna com tanta
facilidade quanto respirava. Não duvidava que
fosse capaz de um bom plano para atrair a criatura.
O que temia era julgar errado as suas intenções em
ajudá-lo!
— Porque eu acreditaria nas suas boas

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intenções em me ajudar? — Duvidou.


— Porque você não tem alternativa. Eu te
ajudo e você me ajuda — ofereceu. — Venha, ele
vai achar que desistimos.
Segurou a mão do elfo. Não podia negar que
era agradabilíssimo ter contato físico com Acheron,
fosse qual fosse à situação. Os dois correram na
chuva, em busca de um esconderijo que os
protegesse do aguaceiro.
Acheron a segurou contra o seu corpo, de
costas para ele, um braço envolvendo sua cintura,
enquanto ambos se abrigavam dentro de um tronco
de árvore morto, que não possuía mais vida e por
isso cedeu facilmente à espada de Acheron,
cedendo espaço para que se abrigassem em seu
interior oco.
Driana encolheu-se contra ele. Fechando os
olhos por um segundo, tentando afastar da mente o
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prazer que o abraço lhe proporcionava. A pele


arrepiada, cada pelinho do corpo eriçado,
principalmente quando o elfo baixou o rosto,
roçando a face barbuda e molhada em seu pescoço,
falando em seu ouvido:
— Fugiu de mim mais uma vez, fada.
A mão que agarrava em sua barriga apertou
com mais força e ela respirou fundo antes de
responder:
— Sim, e isso não é surpresa para nenhum de
nós dois. Você me prender, e eu fugir. Vamos
começar com essa briga outra vez?
— Solon pensa que sou um completo idiota
— ele disse com mágoa.
— Hum, mas ele também foi enganado.
Fique quieto, quero ouvir se a criatura está perto —
pediu, referindo-se a criatura. — Isso me assustou
de verdade. O que será que é?
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Deixando o assunto de sua fuga de lado


temporariamente, Acheron puxou-a um pouco mais
para trás, pois chuva ameaçava pegar em Driana.
— Eu não sei. Nunca vi nada parecido. E já
vi de tudo nesse mundo em matéria de criaturas
diferentes e estranhas — foi franco.
— Ótimo. Mais esse problema atrás de mim
— ela ironizou.
— Já pensou em um modo de recuperar
minha armadura? — Ele exigiu saber.
— Não, mas estou pensando. — Roçou o
corpo contra o dele e olhou para cima, por sobre o
ombro, para ver os olhos do elfo — você consegue
pensar com clareza, elfo? Assim, aqui, agora...?
— Esqueça — ele disse entre dentes,
afastando os olhos. — Não caio mais na sua
sedução, fada sem vergonha.

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— Certo — ela sorriu. — Mas eu ainda caio


na sua sedução, então, se mudar de ideia... Ah, eu
já sei como fazer! — Mudou drasticamente de
assunto quando a ideia pipocou em sua mente num
repente.
— E o que tem em mente? — Perguntou
desconfiado.
— Precisamos esperar a chuva passar ou
acabaremos os dois doentes. Porque acha que sua
armadura não o obedeceu? — Perguntou olhando-o
com cobiça.
O elfo ignorou seu olhar, mais para proteger
a si mesmo de cair na lábia da fêmea, do que
propriamente por desinteresse.
— Eu não sei, fada.
— Normalmente, o que faz uma armadura
não responder ao seu Guardião? — insistiu.

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— Quando o perigo não é suficiente ou não


existe. As armaduras não se revelam se não for
estritamente necessário. Eu sempre evito usar a
minha, mas é decisão pessoal. Alguns Guardiões,
principalmente os mais jovens, acabam valendo-se
do poder mágico de sua armadura por qualquer
razão estúpida. Por causa disso, elas se protegem e
não respondem quando não necessário.
— Entendo, mas dessa vez o perigo era real!
— Driana disse surpresa.
— Sim, mas também pode ter se recusado a
atender por conta de alguma magia desconhecida.
O que me preocupa bastante.
— Não se preocupe, quando a chuva passar,
recupero sua armadura. —Prometeu, virando-se no
limitado espaço, para ficar de frente e poder olhar
em seus olhos. — Farei isso como um pedido de
desculpas por ter enganado-o e abusado de sua boa

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índole ao fingir ser o ajudante Jô. Você aceita um


pedido de desculpas se for sincero?
— Se eu pudesse ter a certeza que é sincero...
Sim, eu aceitaria — Acheron concordou.
— E porque uma fada que você caça iria lhe
devolver sua armadura, sabendo que um elfo não
possui outro poder além desse? Seria muito mais
prático deixá-lo ir atrás de sua armadura sozinho e
fugir. Eu ganharia tempo. — Racionalizou a
situação dos dois. — Eu vou ajudá-lo, para que me
perdoe e veja que não sou tão ruim quanto pensa.
Acheron sabia disso. Que não era uma má
pessoa. Precisava sobreviver e proteger a quem
amava, nesse caso as outras três fadas acusadas do
mesmo crime, e para isso usava a única arma que
possuía: A esperteza.
— O que tem me mente? — Ele escapou de
debater esse assunto com ela.
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— Primeiro a chuva precisa passar. Não sei


de você, mas não consigo pensar com clareza na
chuva — disse com superioridade.
— É bom saber disso — ele retrucou e
Driana riu.
— Eu fiquei triste de deixá-lo para trás. Isso
não é estranho? — Perguntou baixinho, após algum
silêncio. — Não estamos propriamente viajando
juntos. Mas lamentei não poder seguir com você.
Eu acho isso muito pouco ortodoxo.
Acheron manteve silêncio e ela sorriu sem
jeito.
— Conversava comigo sobre todos os
assuntos, quando achava que eu era um elfo.
Porque agora me ignora quando quero conversar?
— Porque agora eu sei que usará tudo que
disser contra mim no futuro. Quanto menos
informações pessoais lhe fornecer, maior será a
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minha vantagem, fada da clausura.


— Hum, não concordo — ela deixou de lado
a tristeza e investiu em conquistá-lo. — Olhe em
volta, estamos dentro de um tronco de árvore velho
e mofado. Não sou uma fada da clausura aqui
dentro, tão pouco você é um Guardião. Somos elfo
e fada. Somente isso.
— E o que você sugere que um elfo e uma
fada façam nessa situação? — Ele perguntou com
malícia na voz.
— Eu poderia sugerir algo bastante
primitivo... Se você não houvesse me abandonado
no meio disso, a bem pouco tempo atrás — não
pode deixar de referir-se ao ato de amor, quando
Acheron descobriu que era Jô e a abandonou. — Eu
confesso que não esperava acabar tão rápido.
Fiquei um pouco incomodada em ser desprezada.
— Não fale como se fosse experiente, fada
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— negou, segurando uma mexa dos seus cabelos


molhados — é só uma fada sem asas, que não
conhece o cio.
— Está dizendo que depois do cio, nos
braços de outro elfo, irei sentir algo ainda mais
bonito? — Optou por provocá-lo, instigar para
descobrir se Acheron sentia por ela ao menos
algum carinho.
— É possível — ele cerrou os músculos do
rosto, tenso. E ela sorriu.
— É uma pena, que tenha desperdiçado
minha castidade com algo menor. Deveria ter
esperado o cio. E esperado um elfo mais
interessado em mim. Bem, mas isso não volta mais.
Prometo que tentarei evitar o comparativo quando
chegar a hora de experimentar outro macho.
Acheron sabia que era uma tentativa
feminina de provocação.
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— Fala com a propriedade de uma fada livre,


o que você não é. — Ele lembrou-a disso.
— Ainda não sou. Eu tenho fé que as asas de
Lora nascerão antes que você possa me entregar
para a Rainha. Que minhas amigas também
consigam se mantiver incólume. É minha
esperança, Acheron. Não é justo que eu tenha ao
menos direito a esperança?
— Palavras, palavras e palavras. Você é
muito boa em usá-las a seu favor. — Acheron disse
sério.
— Ah, sim, lembre-me que quando Eleonora
for livre e provar nossa inocência, e todas nós
pudermos escolher nossos destinos, lembre-me de
nunca mais cruzar seu caminho, fera estúpida. —
Virou-se de costas e cruzou os braços.
Precisou desfazer a carranca, pois a chuva
começava a invadir o estreito esconderijo,
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molhando suas pernas nuas.


— Está com frio, fada da clausura? —
Acheron sussurrou em seu ouvido e ela descruzou
os braços, ficando meio tonta imediatamente.
Era um ‘meio tonta’ inexplicável, pois seu
corpo reagia à revelia da sua vontade.
— É culpa sua que eu tenha passado a andar
quase nua pela Floresta — acusou, recostando-se
contra ele.
Acheron não a afastou, mas também não
forçou mais contato. Driana torcia que a intimidade
forçada e a quase trégua entre eles resultasse em
bem mais do que um diálogo estranho e carinhos
velados. Ela torcia para acabar contra a parede
coberta de musgos do interior da árvore, sendo
amada violentamente pelo Guardião, também
chamado de fera pelos inimigos.
De joelhos bambos, Driana observou a chuva
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começar a minguar. Pena que a vida tinha outros


planos que não juntá-los definitivamente.
— Quando me escondi por esses lados,
passei por um vale de árvores, perto daqui. Uma
delas, de copa esbranquiçada, precisamos encontrá-
la. — Disse baixinho, para o caso da criatura poder
ouvi-los.
— Por que? — Quis saber.
— Porque eu sou capaz de criar os mais
elaborados planos e você não deveria perder seu
tempo me questionando apenas por rancor e
recalque. Ainda mais quando é sua armadura que
está em jogo! — Disse azeda.
— O que espera que eu faça? — Ele cedeu.
Driana sorriu e subiu nas pontas dos pés para
beijar a face coberta por uma barba grossa, que
pinicava. Acheron era lindo sem barba, cuidado e
limpo. Mas estava ainda mais sexy com aquela
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aparência selvagem e descuidada de fera que anda


pela Floresta.
— Corra atrás de mim — ela disse com olhos
brilhantes.
Acheron não pretendia obedecer ordens, mas
o brilho de malícia nos olhos azuis da fada agitaram
a fera dentro de seu corpo e precisou seguir suas
ordens, primeiro pelo desejo de reaver sua
armadura e depois, pelo simples prazer de caçar a
fada e obtê-la de volta.
Era um jogo perigoso seguir as regras de
Driana.
A fada escapou para a Floresta e correu no
meio do mato, fugindo das árvores, pedras e
arbustos. Sua mente havia gravado a posição de
cada elemento do ambiente e sua mente ensinava o
caminho que deveria correr.
Depois de alguns minutos sentiu uma
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presença muito perto, correu mais rápido, o medo


subjulgando a lógica. Acheron alcançou-a antes que
a criatura o fizesse. Sua presença não assustou o
ser, que seguiu correndo atrás de Driana.
Ela lembrava com clareza que ao se esconder
na primeira árvore, que era muito pequena, a
criatura não conseguira entrar, ficando do lado de
fora.
Era esse o plano, levá-lo de volta para o
começo. Ao avistar as duas árvores que procurava,
Driana saltou e pulou pelo buraco do centro de uma
delas, que provavelmente guardava um duende, e
caiu no fundo da árvore, onde realmente havia um
duende.
O pequeno esverdeado começou a espernear
e empurrá-la. Driana lutou para calar a voz
esguichada do ser.
Gritou quando uma cabeça gigante invadiu o
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buraco. Era uma cabeça enorme, coberta de muito


cabelo e pelos vermelhos, de uma cor parecida com
sangue. Olhos amarelados, com duas orbitas
saltadas, lábios rasgados, com dentes proeminentes,
afiados e assustadores. Até mesmo o duende que
lutava com ela calou-se e tentou cavar um buraco
na madeira da árvore, para fugir.
Driana gritou muito, pois sem os gritos, era
provável que Acheron não entendesse a deixa. A
criatura pareceu levar um baque e sua cabeça
enorme travou no buraco, entalada, quando
Acheron começou a puxá-lo, agarrando em seu
corpo miúdo, pois era apenas sua cabeça e barriga
que eram largas, o restante era fino como graveto.
Alguns puxões, e a criatura foi retirada e
imobilizada no chão. Driana espiou pelo buraco e
saltou para fora quando foi seguro. A armadura
estava caída no chão, metade para fora do saco de

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couro. Cuidadosa, colocou-a dentro do saco de


couro e tentou amarrar a alça, para poder usar.
Jogou-a por cima do pescoço, atravessando a tira
pelo seu peito, pousando o saco nas costas.
— Acheron! — Gritou, pois a criatura
berrava e esperneava. — Não o machuque! Preciso
saber quem é e o que quer comigo!
— Deve ser outro interessado em
recompensa — ele disse socando e erguendo a
criatura sobre o ombro. — Vou deixá-lo em algum
lugar que não possa escapar até saber o que fazer
com ele.
— Espere, ele quer falar alguma coisa —
disse notando que a criatura parecia murmurar algo,
mesmo confuso por ter sido socado com tanta
força.
Afinal, Driana não queria saber como era
levar um soco de um Guardião com o tamanho,
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força e fúria de Acheron!


— El... — O ser sussurrava sem parar. —
El...
— O que será que ele quer dizer? — Ela
perguntou curiosa e Acheron fechou a expressão,
dizendo:
— Vamos amarrá-lo e arrumar algo para
você vestir. Suas canelas são finas demais para
suportar tanto frio — Acheron ironizou.
Driana olhou para as próprias pernas,
começando a arroxear, por conta do frio.
Normalmente o Monte das Fadas era um lugar de
temperatura amena ou calor, mas depois da
tempestade o vento viera coroar e baixar a
temperatura. Driana estava molhada da cabeça aos
pés.
Concordou com Acheron e seguiu-o calada,
deixando-o cuidar da segurança dos dois.
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Pensativa, Driana lembrou-se da armadura que não


costumava recusar seu toque. Pensou se deveria ou
não arriscar. Pedir por calor e proteção.
Seria audaz da sua parte e Acheron ficaria
furioso quando notasse. Era tentador demais, por
conta disso, Driana fez o pedido, imaginando que
era assim que os Guardiões faziam.
Foi tudo muito silencioso, ela andava logo
atrás de Acheron e ele não notou nada. Um gostoso
calor envolveu-a e Driana sorriu, sabendo que era
uma resposta da armadura. Acheron deveria gostar
muito dela ou a armadura não aceitaria seu contato
ou obedeceria a um pedido seu.
Sua vaidade feminina foi enaltecida ao
pensar que Acheron gostava um pouquinho dela,
mesmo que apenas uma amizade, pois não podia
esquecer, que primeiro Acheron simpatizou com o
garoto Jô e somente, depois conheceu a fada

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Driana.
O elfo não era tão burro quanto Driana
gostava de acusá-lo. Tanto que pensou em um lugar
perfeito, levando a criatura para as rochas em torno
do córrego que abastecia a Vila dos Desesperados.
Acheron, gozando de toda sua irritação
masculina, por ter que perder tempo com mais essa
distração, jogou a criatura no chão e começou a
amordaçá-lo para conter seus gritos e ruídos
desagradáveis.
— Eu lhe disse, não disse? — Driana
perguntou quando o barulho cedeu, exibindo a
armadura, sem no entanto, lhe contar a troca de
intenções entre ela e a mágica da armadura —
Recuperei sua armadura. Não vai me agradecer?
— Não. E você, vai me pedir algo em troca
desse gesto? — Estendeu a mão para recuperar o
saco de couro.
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— Não. Eu não sou tão amarga assim.


Porque não comemoramos em vez de brigarmos?
Será que não pode esquecer por uma noite que eu
sou uma fada da clausura?
— Uma fada fugitiva — lembrou-a.
— É tudo questão de ponto de vista —
sorriu, notando que ele lutava para não lhe dar
razão.
— Mais um pouco de seus jogos, fada, mais
um pouco da sua conversa mole... — Ele deu de
ombros e Driana concordou, pois não podia se
defender contra o óbvio.
— Só que dessa vez minha única intenção é
lhe mostrar que a fada Driana também é capaz de
fazer um bom jantar. Que não era apenas o ajudante
Jô que era cheio de prendas. — Foi uma inteligente
forma de lembrá-lo que era uma boa cozinheira e
que sua comida sempre o agradou, quando ainda
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pensava lidar com um elfo jovem chamado Jô.


Acheron não discutiu sobre isso. Retirou um
punhal da veste, aproximando-se e dizendo:
— Lebre ou javali?
Seu tom rouco e fundo a excitou
imediatamente. Sim, Acheron era um caçador nato.
Um provedor irretocável. Mesmo com seu jeitão
rude, Acheron cuidava de sua fêmea e não permitia
que nada lhe faltasse.
— Porque não me deixa cozinhar alguns
cogumelos? Vi alguns saborosos lá embaixo, na
curva do riacho. Deixe as lebres e javalis em paz,
Acheron.
Era bom saber que poderiam conviver em
paz e harmonia. Nas horas seguintes, foram
silenciosos e cuidadosos um com o outro,
preparando alimento e mantendo um lugar limpo e
quentinho para passarem a noite.
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Depois de comer e descansar, a fogueira


acessa fornecendo calor e luz, Driana andou em
torno deles, aproximando-se da criatura, que apesar
de amarrada, mantinha os olhos sobre eles,
prestando atenção a cada movimento.
— Será que ele tem fome? — Perguntou, de
costas para o Guardião.
— É provável. Quando amanhecer eu
descobrirei quem é e o que deseja — avisou,
recostado em uma das pedras, pernas esticadas,
mascando um pedaço de mato.
Uma cena cotidiana de quem nasceu com
forte ligação com a natureza e todos os seus
elementos.
— Antes de fazer isso precisamos ver o que
ele carrega nos bolsos. Pode ter algo importante.
— Sim, farei isso. Você nunca para de
pensar? — Perguntou querendo atingi-la e fazê-la
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brigar com ele.


— Bem, há alguns dias atrás eu lhe
responderia que não. Mas eu descobri que tem um
jeito de parar minha mente e tudo ficar silencioso
aqui dentro na minha cabeça — Driana disse
sorrindo, pegando do chão um pedaço de pano
velho que usavam como forro para proteger do frio
e jogou sobre a face da criatura, que amarrada não
pode fazer nada para se livrar disso.
Então levantou e andou até onde Acheron
estava.
— Eu posso saber que solução mágica é
essa? — Perguntou audaz.
— Sim, você pode saber. Deve saber. Você é
a causa — disse erguendo a túnica sobre a cabeça,
ficando nua diante dele. — Eu não consigo pensar
em nada quando estou nos seus braços, Segundo
Guardião...
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Acheron engoliu em seco e correu os olhos


por cada curva do corpo da fada. Apesar de sua
força de vontade, era tentador aproveitar-se dela
mais uma vez antes de decidir seu futuro.
Driana sorriu, reconhecendo nos olhos do
elfo a paixão e a decisão de possuir a fêmea. Não
pretendeu tirar a roupa e jogar-se sobre ele. Não
mesmo, mas quando notou, já estava fazendo
exatamente isso!
A fada andou em torno e Acheron viu suas
costas. Levou um susto e pensou em dizer-lhe. Mas
pelo modo como a fada agia, não sentia nada
diferente.
Uma linha negra havia se definido desde o
pescoço até um ponto acima das nádegas. Era uma
linha escura, grossa, de onde começava a despontar
pequenos calos, ondulações sob a pele, que se
refletiam no exterior também. Linhas negras, bem

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fininhas, estendiam-se pelas costas, desenhando


matas e formas desconhecidas em sua pele.
Era o sinal definitivo que a fada estava a um
passo de obter suas asas. Um momento crucial onde
aprisioná-la era o único modo de garantir que
cumpriria sua missão com êxito. Com a esperteza
de Driana e asas, seria impossível alcançá-la.
Outra certeza era que não poderia encostar
um dedo na fada, pois corria o risco de emprenhá-
la. Driana não notava o nascimento, então, não
sentia dor ou desconforto. Se não sentia o
nascimento das asas, talvez não estivesse sentindo
o cio aproximar-se. Como Acheron poderia prever
o risco de possuí-la, quando nem mesmo ela
conseguia?
— É passado nosso tempo, fada. Deite-se e
durma. — Ofereceu a mão e Driana segurou-a, sem
entender o que queria dizer.

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O entendimento logo veio quando Acheron a


manteve perto, em seus braços, mas não fez
movimento algum para tocá-la.
— O quer dizer com isso? É passado nosso
tempo? — Perguntou incapaz de ouvir algo desse
gênero e não meditar a respeito.
— Sou um Guardião. Você é uma fugitiva.
Não há jeito para nós. — Ele foi sincero.
— Mas e se houvesse? — Ergueu a cabeça,
olhando para seus olhos.
— Eu continuaria sendo um Guardião e você
uma fada da clausura. Agora durma e me deixe
descansar. — Mandou, fechando os olhos,
encerrando assim a conversa.
Driana manteve o olhar, analisando o rosto
bonito do segundo Guardião. Era tão bonito, tão
verdadeiro, tão único. Até mesmo quando decidido
a ser responsável, Acheron era superficial. Nada de
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palavras ostensivas. Menos é mais, e Acheron


abusava do direito de não precisar de muitas
palavras para encerrar com algo que nem deveria
ter começado.
Com o coração apertado, pois essa era a
conclusão que Driana vinha se conscientizando
desde que descobria que estava apaixonada por ele,
descansou a cabeça e seu peito, usando uma das
mãos para acariciar a pele quente e os músculos
rijos.
Aspirou o cheiro másculo e puro de Acheron,
sem artifícios, apenas cheiro de elfo, de suor e de
mato. Lutou para não chorar. Não queria que visse
suas lágrimas.
A história dos dois não havia chegado ao fim
ainda. E enquanto estivessem juntos, sempre
haveria uma esperança.
Driana vinha descobrindo sobre esse novo
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elemento, até então desconhecido na sua vida:


esperança.
Sua mente lógica nunca permitiu que
aceitasse a esperança como algo real. Sempre foi
focada nos fatos e estes, por si só, nunca a
enganavam. Ter esperanças era uma novidade, pois
a esperança não se apega a fatos concretos, mas
sim, a desejos inalcançáveis.
Fechando os olhos, Driana tentou adormecer.
Quando sentiu o corpo da fêmea acalmar, Acheron
percorreu suas costas com uma das mãos. Deslizou
os dedos pelos relevos que ondulavam sob a pele da
fada, lutando contra o impulso dentro de si que
exigia que dominasse e requisitasse a fêmea como
sua. Era certo que essa noite seria passada em claro.
E a manhã que nasceria em algumas horas traria
consigo a conclusão de sua jornada.
Não perderia mais tempo. Iria manter Driana

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a seu lado, crendo ser seu amigo. Era mais fácil


mantê-la consigo, se fosse por sua própria vontade.
Ela havia admitido que gostava de ficar com ele.
Usaria dessa fraqueza para mantê-la consigo,
crendo ser por amizade e não por segundas
intenções.
E quando as dores do nascimento das asas
chegassem a levaria para o castelo sem demoras.
Durante o nascimento, por alguns dias, a fada é
frágil e docilmente submetida ao poder de um elfo,
sobretudo se for um Guardião.
Incomodado com essa decisão, cheirou os
cabelos perfumados da fada e manteve-a segura em
seus braços pelo restante da noite...

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Capítulo 33 - Desfazendo o bem entendido?

Os primeiros raios de luz do sol acordaram


Driana. Ela estava nua, e deitada sozinha, protegida
pela privacidade do lugar cheio de pedras e por
uma túnica masculina. Acheron deveria ter
levantado mais cedo e deixando-a dormir.
Sentou-se e fitou a criatura que estava
adormecida, ainda com o rosto coberto. Lânguida,
Driana levantou e olhou para si mesma nua em
pelo. Deveria estar com vergonha, pois sempre foi
incomodada com aspectos físicos da vida. Sempre
travada, bloqueada em relação aos segredos do
corpo.

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Eleonora e Joan sempre foram tão livres, tão


espontaneamente como pétalas de flores levadas
pelo vento, sem medo do desconhecido. Alma era
mais retraída, é verdade, mas isso acontecia
unicamente por sentir-se diferente em reação a sua
voz e a reação das pessoas a seu modo de falar.
No entanto, Driana tinha um bloqueio em
relação ao corpo e ao convívio entre outras pessoas.
Uma barreira invisível que a impedia de agir sem
pensar. Barreira essa que parecia a cada minuto
mais frágil.
Sorriu ao pensar que o responsável por sua
mudança era Acheron. Não exatamente o elfo, e
sim o exemplo que representava. Alguém íntegro,
inteiro, sem rachaduras. Livre e espontâneo, sem
pudores a respeito de pele, carne e instintos.
Alguém sem preconceitos consigo e para
com os outros.

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Acheron era incrivelmente único. Talvez por


isso roubara seu coração e fazia com que Driana
não quisesse devolução. Estava bem feliz com esse
amor todo dentro de si. Era bom ter um sentimento
tomando conta de sua vida pela primeira vez na
vida. Nada de razão e sim coração.
Convenceria esse Guardião teimoso a ficar
ao seu lado. A ajudá-la a provar sua inocência. Era
isso que faria!
Driana ignorou a sua túnica e vestiu a de
Acheron, bem maior, que a cobria quase até o meio
das canelas. Ele não gostava de usar muita roupa
mesmo.
Ela decidia por esperar pelo regresso do elfo
ou ir atrás dele, quando a criatura despertou e
começou a gritar por liberdade. Driana causou de
ouvir seus gritos e aproximou-se dele, de cócoras,
puxando o pano que tapava seu rosto.

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Ele parou de gritar na mesma hora.


— Você fala minha língua? — Perguntou
curiosa.
Ouviu passos atrás de si e enxergou Acheron
regressando com peixes presos no cinturão. O
Guardião esteve pescando e adquirindo alimento
para o almoço. Ele prestou atenção aos dois e
Driana lhe sorriu, antes de voltar sua atenção para a
criatura.
— Meu nome é Driana. Você estava atrás de
mim? — Perguntou e não obteve resposta.
Os olhos do animal estavam fixos em
Acheron e ela olhou outra vez para ao Guardião.
— O nome do elfo é Acheron. É o segundo
Guardião do Reino de Isac. Ele é muito bom
quando não precisa lutar para reaver sua armadura.
Por que você roubou a armadura?

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A criatura começou a falar, mas Driana não


entendia quase nada de sua dicção.
— Não, não, não — reclamou obrigando-o a
parar. — Fale devagar. Porque você está atrás de
mim? Porque me atacou?
Houve uma pausa enquanto a criatura fitava
seus olhos em dúvida sobre falar ou não.
— El...Eleonora — sua dicção era enrolada,
mas finalmente se fez entender.
— Eleonora? — Ela levou as mãos ao rosto,
surpresa por ouvir esse nome. — Você tem notícias
de Eleonora? Não quer falar na frente do Guardião?
É isso? Notícias de Eleonora?
A criatura maneou a cabeça concordando.
— Ela está bem? Lora está viva? —
Perguntou, segurando o choro.
Outra afirmação.

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— Eleonora mandou que viesse atrás de


mim? É isso? — Perguntou de olhos arregalados,
deduzindo o restante sozinha.
Duas teorias eram possíveis. Ou Eleonora
estava a salvo ou estava definitivamente perdida.
— Eleonora nascer suas asas — ele disse
com seus erros de dicção e de idioma bastante
acentuados. — Asas espelhas da Rainha.
— Eu disse! — Driana levantou em um
impulso e apontou para Acheron. — Eu disse! Eu
disse! As asas de Lora são idênticas as da Rainha!
Você não acreditou! Mas eu avisei! — Em um
frenesi de expectativa, virou-se para a criatura e
começou a desamarrá-lo.
Acheron, com duas longas passadas, chegou
até ela e a segurou, afastando-a da criatura.
— Fique quieta, eu quero ouvir o que ele tem
para dizer — mandou, sério, com voz de ferro. —
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Como se chama?
— Mikazar — respondeu seco, com sua voz
estranha.
— E o que você é? — Perguntou correndo os
olhos pelo corpo do ser.
— Elfo. Meu pai ser um duende, minha mãe
ser uma fada. — Explicou.
— Muito justo — Acheron concordou.
— Cruzamentos de duendes e fadas, ou elfos
e duendes fêmeas nunca resultam em crias que
vinguem — Driana não resistiu em explicar, pois já
lera muito sobre o assunto em livros. — Mikazar é
um perfeito milagre da genética. Um exemplar
único no mundo! Agora vejo, não é errado, é
maravilho que esteja vivo e tenha chegado a uma
fase adulta tão avançada quando outros com sua
genética não sobreviveram mais que...

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— Fique quieta. Não quero saber sobre a


genética dos duendes e elfos — Acheron cortou seu
discurso, pois se deixasse Driana ficaria horas
dialogando sobre isso. — Quem o mandou?
— Guardião Egan — Mikazar respondeu —
ele seguir viagem atrás de mim. Eu ser mais
rápido. Ele ficar para trás.
— Egan está a caminho? É isso? — Acheron
notou a tensão se estender para Driana.
— Sim, ele estar a caminho. Ir para o Campo
dos Humanos.
— E o que ele quer no campo dos humanos?
— Driana perguntou, já sabendo a resposta.
Ia atrás de Joan, que se escondia no Vale dos
Humanos.
— Ter pressa para resgatar a fada vermelha
— Mikazar disse e Driana sorriu.

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— Joan é ruiva — lembrou Acheron disso.


— E porque Joan e não Alma? Ou mesmo Driana?
— Eu dever encontrar a fada Driana, ela
encontrar a fada Alma. A fada vermelha precisa
ser salva, porque a Guardiã fêmea ser perigosa.
Mikazar mal fechou a boca e Driana bateu o
pé no chão, e disse indignada:
— Eu sabia! Zoé é perigosa! É uma
selvagem! Ela vai fazer mal a Joan! Lora também
deve ter esse medo! Eu deveria ter ido atrás de Joan
e não ter perdido tempo tentando atrasar um
Guardião! — Passou as mãos nos cabelos, nervosa.
— Acalme-se, Zoé não é uma assassina.
Pode ser um tanto bruta, mas não é uma assassina.
— Acontece que Joan é delicada como uma
flor! Ela não é como eu ou como Alma! Ela não é
como Eleonora! Joan é... É... Sensível. É uma
pétala de flor! É como uma gota de orvalho!
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Qualquer coisa pode feri-la! Eu tenho medo que


Zoé faça algo que não tenha retorno! Eu tive esse
medo desde o começo, mas deixei a lógica falar
mais alto!
— Eu disse e repito: Zoé não é uma
assassina. E duvido que sua amiga seja tão frágil
assim. Pare de se lamuriar.
— Não duvide do que eu digo. Joan sempre
teve a saúde frágil, sempre foi delicadinha. Sempre!
— Aposto como metade dessa fragilidade se
deve a ser paparicada — ele negou, pois duvidava
muito desse excesso de zelo.
— Porque Egan o enviou? — Acheron
perguntou e Driana aproximou-se dele, que estava
de cócoras olhando para o pequeno ser.
Driana ajoelhou-se ao seu lado e fitou
Mikazar com a mesma expressão de curiosidade e
medo.
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— Estar no meu bolso o pergaminho da


Rainha — Mikazar disse.
Driana ficou tensa na mesma hora. Se a
Rainha Santha havia enviado um pergaminho com
ordens que o Guardião deveria seguir, é porque
Eleonora estava perdida.
Acheron revistou os bolsos até encontrar o
pergaminho amassado. Antes que o abrisse, Driana
segurou sua mão e olhou em seus olhos:
— Por favor, Acheron, acredite na minha
inocência. Por favor, me ajude a salvar minhas
amigas, por favor, eu imploro que acredite em mim.
Acheron ignorou seu pedido, não por falta de
vontade, pois no fundo acreditava na fada, e sim
por senso de dever. Ao menos leria as ordens da
Rainha, mesmo que não a obedecesse.
Desapontada Driana observou-o ler com
atenção. Algumas palavras fugiram da
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compreensão do elfo, mas ele não precisou saber o


significado para entender o que acontecia.
— É inacreditável — disse ao terminar de
ler.
— O que aconteceu? Lora está morta? É
isso?
O medo havia paralisado sua mente, por isso
não pensava com clareza.
— É uma carta da Rainha e esta Rainha não
se chama Santha. — Entregou-lhe o pergaminho.
— Os Guardiões agora respondem a uma nova
Rainha. Uma Rainha chamada Eleonora.
Driana pegou o pergaminho e antes de ler um
soluço escapou de sua garganta e ela cobriu os
lábios enquanto as lágrimas corriam em sua face.
— A letra de Lora — explicou a ele. — A
letra tão feia de Eleonora. Eu jamais poderia

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esquecer seus garranchos...


— Tem a assinatura de Egan e dos
conselheiros — Acheron explicou.
Driana levantou e começou a andar enquanto
lia.
— Aqui diz que as asas da fada Eleonora são
idênticas as asas de Santha e comprovado sua
ligação de sangue, também a culpa da Rainha no
assassino do rei Isac... Foi imprescindível levar ao
poder a nova Rainha Eleonora. Que ela revoga o
Ministério do Rei, tornando livre todas as fadas da
clausura e também, que ao provar sua inocência,
Eleonora também prova a inocência das demais três
fadas acusadas injustamente e inocenta o elfo
Tobias que ajudou na fuga. — Parou de ler e olhou
para Acheron com olhos de pura acusação. — Não
acreditou em mim! Eu disse que era inocente! Você
não quis acreditar, agora leia isso, seu elfo burro!

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Leia! Veja com seus próprios olhos que tudo que


passei foi por culpa da sua amada Rainha Santha!
Leia! Eu quero que leia isso e admita que eu estava
falando a verdade! — Num impulso de raiva, veio
até ele e esfregou o papel no rosto de Acheron,
como se quisesse fazê-lo engolir o papel,
juntamente com a verdade de suas afirmações
sempre desacreditadas. Ele levantou e segurou seu
pulso, lutando contra o impulso de puni-la pela
agressão.
Tinha que entender que a raiva de Driana não
era somente para com ele. Era por conta de Santha
e suas mentiras.
— Sou uma fada livre. — Ela disse com os
joelhos falseando de emoção.
Permaneceu de pé porque Acheron a
segurou.
— Me solte, eu sou livre! Não me prenda!
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Sou livre! — Ela gritou e Acheron a soltou.


Driana andou para longe pensando, a cabeça
fervendo com mil pensamentos. O mais forte deles,
o mais intenso, era também o mais difícil de
explicar com palavras.
Um sentimento de opressão, de dor, de
laceração. Um sentimento que carregava
humilhação, flagelo e desamor de uma vida toda.
Driana olhou para o elfo, com lágrimas
correndo na face.
— Eu sou livre? — Era uma pergunta
puramente estúpida, pois sabia a resposta.
— Sim, é livre. Não apenas das acusações. O
Ministério do Rei foi dissolvido. Não é mais uma
fada da clausura — ele disse com algo na voz de
emoção que Driana não conseguiu perceber por
conta da emoção. — É completamente livre,
Driana.
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— Oh, eu sou livre — disse encarando-o com


olhos brilhantes — eu sou livre para ir e vir? Livre
para viver minha vida? — Um ‘Sim’ ecoou em sua
mente e ela abriu um lindo sorriso e gritou — eu
sou livre, Acheron! Eu sou livre!
Correu na direção do elfo e jogou-se em seus
braços. Acheron aceitou o arroubo, segurando-a em
seu colo, pois ela estava envolvida em um turbilhão
de emoções. Driana abraçou-o com braços, pernas e
riu, enquanto dizia:
— Não sou mais uma fada da clausura. Terá
que me chamar de outro modo daqui por diante!
— Sim, eu a chamarei de fada livre. O que
me diz? Prefere ser chamada assim? — Ele
respondeu no mesmo tom.
— Acheron... Eu sonhei com isso todos esses
dias. Eu sonhei com a liberdade. Eu juro que
sonhei, mas não achei que fosse mais do que um
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sonho. Eu confesso, Acheron, que pensei que a


liberdade fosse apenas uma doce ilusão.
Acheron sustentou-a enquanto Driana quis e
precisou agarrar-se a uma tábua de salvação. Então,
o entendimento de que era mesmo livre penetrou
em sua mente, ela quis ser solta e não encontrou
empecilho.
Tornou a ajoelhar-se aos pés de Mikazar e
começou a desamarrá-lo, enquanto dizia entre
lágrimas:
— Eu sinto muito, Mikazar. Você me
assustou muito. Gostaria de ser boba o bastante
para lhe dizer que foi sem querer, mas não foi.
Estava sendo caçada e estava com medo. Quando vi
uma criatura com sua aparência, naturalmente tive
medo e fugi. Quem sabe se eu estivesse em meu
estado normal de juízo pudesse ter dado uma
chance de saber quem era antes de fugir. Mas eu

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passei por tantas coisas nas últimas semanas, que


não posso responder por mim mesma a maior parte
do tempo. — Explicou-se.
Mikazar, finalmente liberto levantou e
espichou as pernas.
— Eu ser acostumado a isso — disse com
seus erros de fala.
— Meu pedido de desculpas é sincero,
acredite. — Ela disse com humildade.
O pequeno elfo não insistiu no assunto e
Driana sorriu, perguntando-lhe:
— Conte-me, Mikazar, como está Lora?
— A Rainha estar no castelo — ele afirmou.
— Isso eu sei! Quero saber se ela está bem
fisicamente. As asas nasceram com tranquilidade?
— Quando conhecer a Rainha Eleonora, ela
estar no nascimento — ele disse com seus enormes
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olhos esbugalhados pela lembrança — eu não


gostar de presenciar isso. Não gostar mesmo.
Agora as asas nascer. E a Rainha estar no castelo,
sendo preparada para o casamento.
— Casamento? — Surpresa, Driana não
entendeu de imediato o que disse.
— É esperado — quem respondeu foi
Acheron. — A fada possui laço de sangue, com
Santha e por direito herda o trono. Mas uma fada
não pode governar sozinha. É necessário escolher
um elfo.
— Eu não consigo imaginar Eleonora
escolhendo um elfo para ser seu rei... A menos, que
escolhesse Egan. É o único amor que ela tem.
— Egan? — Acheron pensou no assunto. —
Não posso negar que ele seria um rei irretocável.
— Ser Guardião Egan. — Mikazar
concordou. — As bobas serão quando as fadas
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estiverem reunidas. O Guardião estar ajudando na


busca pelas fadas fugitivas...
— Típico de Eleonora. Ela não será feliz se
não estivermos bem e salvas. Quanta alegria. Lora
será uma Rainha esplêndida. — Driana levantou-se
e ficou de pé, perto de Acheron, fitando-o com
expectativa. — E agora? O que acontece?
— O que você quer fazer, fada? — Ele
perguntou sem rodeios.
— O que eu quero fazer? — Perguntou-lhe
de volta.
Seu coração dividia-se em dois nesse
momento. Primeiro, desejava procurar pelas amigas
e ajudá-las a conhecer a liberdade. Segundo, queria
permanecer ao lado de Acheron, e fazer o que ele
quisesse.
Infelizmente estes dois desejos não se
misturavam. Não coincidiam e sim colidiam.
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— Devo procurar por Joan. É o correto. Ela


precisa muito de mim — sua boca dizia uma coisa
e seus olhos diziam outra. — Sei que não consigo
acompanhar Mikazar, mas é melhor que eu tente
chegar a tempo. Joan não vai deixar que Mikazar se
aproxime. Ela vai ter medo, como eu tive. Mesmo
sem suas asas, o poder de Joan impedirá que
qualquer um a encontre a menos que ela queira se
revelar. E o primeiro Guardião... Bem, Egan é
apenas um elfo. Não chegará a tempo. Voltarei para
a Vila dos Desesperados, encontrarei Solon e Alma,
e contarei da novidade. Mostrarei o pergaminho.
Tenho certeza que Jana me ajudará. Ela me levará
com suas asas e eu chegarei a tempo de evitar uma
tragédia. De impedir que a guardiã Zoé faça mal
para Joan.
Acheron olhou para a fada e então para as
pedras a sua volta. Não havia nenhuma razão para

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não deixá-la ir. Driana era livre e ele reconhecia a


autoridade da nova rainha. Bem da verdade, não
havia razão alguma para não ficar contente em ter
um novo reinado. Novas leis, novas diretrizes. Um
respiro depois de tantos anos de acomodamento
entre povo e governantes.
Por outro lado, precisava ser sincero com a
fada. Driana era uma mentirosa quando queria
conseguir algo, mas agora via com clareza, que era
inocente. Se não houvesse sido coagida e
perseguida, talvez jamais ousasse mentir e enganar
do modo que fizera.
— Deve chamar a fada Jana, isso não
questiono. Eu mesmo farei isso — ele disse, saindo
da sua zona de conforto para aproximar-se e pousar
ambas as mãos em seus ombros como fazia quando
ainda era apenas o rapazola Jô. — Mas você não
pode partir ainda.

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— É claro que posso! Sou uma fada livre,


Acheron! Livre! — Tentou soltar-se, mas ele
apertou os dedos em seus ombros, mantendo-a no
lugar.
Não era um aperto doloroso, era algo quase
carinhoso.
— É livre, porém prisioneira do seu corpo.
Não pode partir ainda. É mais seguro e confortável
que fique aqui.
— De modo algum! Eu vou atrás de Joan e
vamos acabar logo com essa perseguição! Quero
estar com minhas amigas. Eu mal posso esperar
pelo momento de vê-las outra vez! Acheron, eu
passei toda minha vida ao lado delas. No Ministério
do Rei, sempre presas... Eu nunca passei um dia
longe das minhas amigas! Nenhum dia! Tem ideia
da saudade que sinto? Do quanto eu quero vê-las e
abraçá-las?

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— Tenho uma vaga ideia sim — ele brincou


para vê-la sorrir, mas isso não aconteceu. —
Acalme-se, fada livre — dessa vez ela sorriu e ele
tranquilizou-se. — Eu suspeito que vá se assustar
com o que eu vou dizer, mas preciso alertá-la da
verdade antes que descubra do pior jeito.
— Nada pode me assustar, Guardião. Nada
que disser pode me causar espanto. — disse no
mesmo tom, pois realmente nada poderia deixá-la
surpresa depois de saber que a clausura não existia
mais e que sua melhor amiga Eleonora era uma
Rainha.
— Suas asas estão nascendo — Acheron
disse com voz forte.
O brilho em seus olhos dizia que estava
muito contente em ser ele a informar a esperta e
inteligentíssima fada Driana que suas asas nasciam
e que era a única que não percebera.

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— Não. Minhas fadas não estão nascendo —


negou imediatamente — eu saberia se estivessem
nascendo!
— Não. Eu notei que nasciam quando
ficamos juntos no desfiladeiro. Você não percebeu
nada. Suas asas estão nascendo e não vai demorar.
É mais seguro que esteja perto de mim e não
andando pela Floresta sozinha.
— Eu não pretendia andar pela floresta
sozinha — afastou-se dele, repudiando a ideia de
suas asas estarem nascendo justamente agora. —
Pretendo ter a companhia de Jana e seus familiares!
— Existem muitos caçadores de recompensa
espalhados por aí, Driana. Eles não sabem que é
uma fada livre. Mesmo que soubessem, uma fada
no cio, com asas recém adquiridas, é uma
mercadoria de grande valor. Pelo que vi ontem à
noite... Suas asas não demoram mais que um dia

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para despontar.
— Foi por isso que me repudiou ontem à
noite? — Tudo fez sentido em sua mente.
— Não seria bom para nenhum de nós se
corrêssemos o risco desnecessário de emprenhá-la
— ele disse sério e Driana mudou a postura
imediatamente.
Claro, Acheron não iria querer uma cria
vinda de uma fada a quem nutria apenas
sentimentos dúbios. Talvez simpatia. Nada, além de
sentimentos confusos. Envergonhada, Driana
perguntou:
— Tem toda razão do mundo. Quem iria
querer gerar e criar uma cria de um Guardião tão
burro como você? — era para agredir.
E agrediu.
— Tão burro que fui o único que notou o

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nascimento das asas que lhe pertencem —


alfinetou.
— Não é possível. Eu teria notado... — Disse
desconcertada.
— Pelo viso andou muito ocupada pensando
sobre os outros... E esqueceu-se de pensar em si
mesma. — Acheron olhou para Mikazar e disse: —
Eu preciso de um momento de privacidade para
conversar com a fada.
O elfo olhou para Driana que concordou com
um movimento da cabeça. Mesmo quando fugia de
Acheron, ainda assim o fazia por receio da prisão,
não por medo do elfo.
— Fique calma e não grite. — Ele pediu com
voz mansa, aproximando-se, tocando o tecido da
túnica na lateral do seu corpo, puxando lentamente
para cima.
Driana esqueceu por um segundo o que
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deveria estar pensando. Acheron subiu o tecido por


seu corpo e ela ergueu as mãos para facilitar o seu
trabalho.
Oferecida, essa era a única palavra que
poderia descrever seu comportamento para com o
Guardião cada vez que ele aproximava-se.
Nua, Driana esperou que ele dissesse ou
fizesse algo. Era uma fada livre e o desejo gritava
dentro de si, por isso, tentou beijá-lo. Sim, não
guardaria nada para elfo algum!
Queria um beijo do Segundo Guardião e o
resto do mundo não importava!
Correria atrás dele até provar-lhe que
poderiam ser um casal feliz!
Acheron não permitiu que o beijo
acontecesse virando a fada de costas. A rejeição
não perdurou no coração de Driana, pois só de
pensar no que ele poderia fazer com seu corpo
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estando de costas... Mordeu o lábio e esperou.


Acheron afastou seus cabelos colocando-os
para frente, sobre seu seio direito, e desnudou
assim as costas macias de Driana, que eram
tomadas pelo fenômeno do nascimento.
— Não sente dor? — Perguntou-lhe.
— Não, não sinto dor alguma — ela tentou
olhar para trás, mas não viu nada especial.
Os dedos da mão calejada de Acheron
correram por linhas imaginárias que percorriam
suas costas.
— São linhas negras, escuras, finas. Ontem a
noite havia algumas, essa manhã aumentou a
quantidade — contou. — Está sentindo? — Correu
os dedos pelos calombos que percorriam sua
espinha, no centro, onde a linha escura era mais
forte.

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— O que eu deveria estar sentindo? — Não


entendeu.
Acheron sentiu os relevos com os dedos e
lutou para não investir contra a fada.
— Me dê sua mão — pediu e ela estendeu
uma das mãos para trás.
Com cuidado ele pousou a mão da fada sobre
os relevos, em um ponto onde ela conseguia
alcançar.
Driana soltou um gritinho de susto.
— Oh, isto está em mim? — Era uma
pergunta retórica. — E o que é isso?
— São suas asas nascendo — ele respondeu
com a sombra de um sorriso em sua face.
— É impossível, as asas nascem de dois
pontos centrais, um do lado direito, outro do lado
esquerdo. Elas variam de trinta centímetros de

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comprimento e no máximo dois metros. As fadas


que alcançam essa maior marca são consideradas as
mais bonitas. São normalmente asas coloridas e...
— Teoria, fada — ele cortou sua explicação
completa sobre anatomia das asas de uma fêmea.
— As asas nascem de onde devem nascer. De onde
eu vim, as asas nascem quase dos ombros. Suas
asas, o modo como nascem, indicam que não é
daqui, fada livre.
— Como assim? Não sou daqui? — Virou-se
assustada, fitando seus olhos com angústia.
— Nasceu em outras terras longes do Monte
das Fadas. Como eu, é uma forasteira. Por isso não
notou o nascimento. — Ele correu um dos dedos
por seu nariz arrebitado e disse numa provocação
doce: — Sua esperteza não valeu de nada. Se eu
não contasse, descobriria do pior modo.
— Eu deveria lhe agradecer por sua
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gentileza... — Ela deu um passo para frente e


Acheron afastou-se, abaixou-se e pegou a túnica,
entregando-lhe.
— Não encostarei um dedo em você
enquanto estiver no cio — ele avisou.
— Veremos se você vai aguentar — ela disse
baixo, olhando-o afastar-se e pegar os peixes
esquecidos. — Eu preciso encontrar Alma e...
— Primeiro vai comer. Depois deitar e
descansar. — Acheron avisou sério.
— Mas eu estou me sentindo ótima. Não vou
perder tempo com bobagens enquanto Alma se
esconde. Não vou conseguir encontrá-la se isso
acontecer!
Acheron jogou os peixes sobre uma pedra e
pegou o punhal, começando a limpá-los sem lhe
responder. Depois de alguns segundos, esperando
uma resposta, Driana vestiu a túnica e continuou
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encarando-o.
— Solon é um Guardião calmo e centrado.
Ele encontrará a fada e a levará diretamente para o
castelo, sem pegar atalhos e sem ceder a tentações
— era uma clara provocação a si mesmo, que cedeu
aos encantos da fada da clausura. Olhou para ela e
então de volta para os peixes. — Cuide de si
mesma e procure por sua amiga mais delicada...
Como é mesmo o nome da fada?
— Não se faça de bobo. É burro, não bobo
— ela atiçou, aproximando-se, sentando perto de
onde Acheron estava. — Eu me sinto ótima. As
asas devem demorar ainda.
— Está enganada. — Ele negou sério —
muito enganada. Se quiser fazer algo útil vá atrás
de Mikazar e mande-o buscar Jana. Precisará de
ajuda feminina quando as dores começarem.
— Ajuda feminina? — Ela sorriu achando
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graça do seu jeito.


Acheron parou de lidar com os peixes e
olhou-a com seriedade:
— Sou um elfo, não esqueça. Não sou imune
ao cio de uma fada, seja ela um problema ou não.
Quando tudo isso passar e a euforia da sua
liberdade diminuir, agradecerá que eu tenha lucidez
e não permita que emprenhe de um Guardião. Ou
acabaria perdendo sua liberdade outra vez.
Não era uma ameaça, mas soo como uma.
Diana não disse nada, fez o que ele pediu. Quando
voltou, escondeu-se entre as pedras, observando-o
preparar silenciosamente o almoço.
Comeu sem apetite, pois Driana recebera
dois presentes imensuráveis em um único dia: a
liberdade e o nascimento das asas. E ambos eram
acontecimentos desconcertantes.
O que um pássaro aprisionado por toda sua
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vida faz ao ser posto em liberdade? Para aonde


voar?
O que esperar da vida? Indagações profundas
demais para pensar naquele momento. O
nascimento das asas não passava longe no quesito
perturbação.
Queria tanto ter suas asas, mas não havia
pensado no significado físico disso até sentir os
calombos que se formavam em sua pele. Não
estava preparada para a dor. Não mesmo!
Sem apetite terminou de comer o que ainda
restava em seu prato e ficou quieta ao lado de
Acheron, observando-o comer.

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Capítulo 34 - É a sua vez

— É estranho, não sinto nada anormal —


Driana divulgou querendo conversar com ele.
— Você não sente. — Ele disse sério. —
Mas seu cheiro está diferente — deixou a comida
de lado, pois o apetite também o abandonou.
— Como assim diferente? Estou fedendo? —
Perguntou surpresa.
— Não. Seu cheiro está mais forte. Picante,
eu diria. — Acheron tentou sorrir, mas a conversa
apesar de banal, não era fácil. — Em algumas horas
não poderei ficar perto de você.
— Não seja tolo — ela disse assustada com a
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ideia dele se afastar. — Presenciou o nascimento


das asas de outras fadas! — Lembrava-se da fada
que encontraram no caminho para há Floresta dos
Dois Dias.
— Sim, mas você é diferente. Eu não resisti
ao seu cheiro fora do cio. Não me responsabilizo
por resistir durante. — Foi franco.
Acheron era sempre franco, sincero e
absurdamente explícito sobre seus sentimentos e
ações.
Ruborizada, Driana respondeu:
— Não pode me deixar sozinha... Mikazar
pode demorar a encontrar Jana... — Ela pegou um
graveto de árvore que jazia esquecido no chão de
pedras e cutucou uma plantinha que insistia em
crescer entre as rochas. — E eu não sei se consigo
passar por isso sem companhia.
— Ficarei perto. Prometo-lhe isso. —
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Acheron deu de ombros. — É o máximo que posso


fazer por você, fada.
— Isso é injusto. Por causa das ordens que os
Guardiões receberam e seguiram sem questionar, e
quando falo disso me refiro a você em especial, que
estou nessa situação. Se houvesse ouvido meus
apelos, eu poderia estar na vila, ao lado de Alma!
Não pode me deixar agora que preciso de ajuda —
estava sendo mesquinha, mas era assim que se
sentia.
— Cuidado, fada livre, você não irá querer
lidar com um elfo durante o cio — ele avisou com
olhos brilhantes.
— E porque não? Não é quando a cópula
deve acontecer? — Enfrentou-o.
— Sim, é quando a primeira cópula de uma
fada deve acontecer. Mas eu não sou da raça dos
elfos que tem por aqui. Não sou tão civilizado. Não
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vai querer me enfrentar durante o cio, fada.


— Enfrentar? E porque lutaríamos? —
Perguntou convidativa.
Acheron afastou-se e ela repirou fundo. Pelo
visto a Fonte dos Desejos estava errada. Conseguira
obter dois dos seus desejos, mas o terceiro era
impossível de alcançar. Era livre e sabia parte da
sua história. Não pertencia ao Monte das Fadas,
sendo assim, precisava encontrar mais sobre sua
história passada. E o terceiro desejo inalcançável
era ter a afeição de Acheron.
Ele não queria engravidá-la para não ter
ligações futuras com ela. Era fato.
— Eu pensei em ficar um tempo no castelo
— ela disse deitando-se em um lugar confortável,
entre as pedras, protegida do vento frio e da garoa
que começava a cair do céu. — Permanecer um
tempo a lado de minhas amigas. — Confidenciou.
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— Eu não achei que fosse partir. — Acheron


disse surpreso.
Verdadeiramente surpreso. Seu instinto
previa que a tempestade voltaria e a ponta das suas
orelhas estava irritada, o que era sinal de temporal,
por isso cuidava de reacender a fogueira, extinta
após o cozimento do almoço.
— Não é partir exatamente — ela disse
deitada de lado, olhando-o com olhos sonhadores.
— Pretendo ir atrás do meu passado.
— Isso é tolice. Uma fada criada no
Ministério do Rei jamais conseguirá saber sua
origem. — Ele foi realista.
— Hum, não importa. Eu tenho por onde
começar, preciso descobrir em que parte do mundo
as asas nascem do modo que as minhas estão
nascendo. Já é um começo para saber de onde sou.
Depois, se eu tiver sorte de ter sido a primeira
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fêmea de uma família... Talvez consiga notícias de


minha mãe.
— Notícias de morte e sofrimento? — Ele foi
realista. — Quando mentiu sobre o duende
Baltazar, mentia sobre tudo?
— Não. Aquela era minha história. Com
exceção do duende, claro. — Driana se moveu,
ficando de costas, abraçando a túnica que dobrada
servia de travesseiro. A mesma túnica que ela usava
antes de apoderar-se das roupas de Acheron.
— Trocará sua liberdade por um ideal
inalcançável — ele concluiu.
— Talvez — admitiu. — O que sugere que
eu faça com a minha liberdade?
O segundo Guardião não respondeu, por não
saber o que responder. Ele próprio não sabia o que
fazer com a liberdade que adquirira anos atrás
quando deixou de ser escravo e tornara-se um elfo
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livre. Ainda buscava resposta para essa pergunta.


Driana entendeu no silêncio de Acheron, o
tamanho do vazio que ele carregava. Temeu que
esse vazio pudesse instalar-se em seu coração num
futuro muito próximo.
Quieta, permaneceu deitada, descansando. As
horas passaram rapidamente e quando a chuvarada
começou, Driana estava adormecida e nem
percebeu. Acheron olhava para o temporal com a
testa franzida. O cheiro da fada estava acentuado,
mal podia respirar em paz.
A tarde findou, a noite chegou, escura e fria.
O temporal não deu trégua e quando Driana
acordou de seu pesado sono, procurou por Acheron.
Por um segundo o pânico de ter sido abandonada
sozinha a fez imóvel. Então, ouviu seus passos
pesados e suspirou de alívio.
Acheron estava encharcado, voltando de
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algum lugar, quando a viu acordada.


— Mikazar ainda não voltou. Talvez não
tenha encontrado Solon a tempo. Ele pode ter
partido para procurar sua amiga. — Disse
contrariado, profundamente irritado.
— Eu pedi a Jana para ajudar Alma a fugir.
— Ela confessou. — Se eu soubesse... — Suspirou
desgostosa. — ...mas infelizmente meu dom não é
prever o futuro, não é? Porque estava na chuva? —
Perguntou inocente.
— Achei mais seguro cuidar do seu sono de
uma distância maior — ele explicou.
Estivera longe o bastante para o cheiro não
enlouquecer sua mente, mas perto o bastante para
ver onde ela estava e se estava bem.
— Acheron, isso é tolice. Somos íntimos. —
Ela racionalizou o fato. — Além do mais... O cio
de uma fada acontece uma única vez na vida. Eu
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jamais saberei como é... Passar por isso na


companhia de um elfo, a menos que você fique
aqui comigo.
O convite era tentador. Ele afastou os olhos,
pensando nisso.
— Eu tenho certeza que você sabe meios de
nos proteger — ela engatinhou nas pedras, até ficar
de joelhos e olhou para ele com olhos brilhantes,
longe do cantinho estreito onde se escondia para
dormir. — Eu mesma, que não tenho metade da sua
experiência de vida, sei alguns meios... De tanto
ler, é óbvio. Sempre li muito. Todos os assuntos. —
Explicou corando. — Fique aqui do meu lado,
Acheron...
— Peste — ele negou e afastou-se.
Driana ficou sozinha mais uma vez e tentou
levantar. Seu grito fez Acheron voltar correndo. Ela
se segurava em uma das pedras, o corpo de pé, as
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pernas bambas.
Acheron viu que o tecido da túnica estava
grudado em suas costas. O que antes eram
calombos, agora eram hastes pontiagudas que
furavam o tecido e provavelmente eram a causa de
seu grito.
-Acheron! O que é isso? Acheron, me ajude,
isso não pode ser as minhas asas! Não pode! —
Ela chorou e ele soube que ao se mover para
levantar, toda a dor veio a tona. — Isso é horrível!
É horrível! Tire isso de mim!
Seu horror como fada era maior do que
qualquer outro sentimento que Acheron pudesse
sentir. Aproximou-se e a ajudou a deitar outra vez,
dessa vez em suas pernas, meio deitada sobre ele,
meio sentada. Embalou-a, enquanto puxava a
túnica e rasgava o tecido, desnudando-a.
Pelo visto seria apenas os dois enfrentando
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esse momento e não havia razão para pudor.


Driana chorou quando ele tocou as hastes.
Eram longas, rijas e não havia sinal de que cairiam
quando as asas verdadeiras nascessem.
Por isso ele também não esperava. A
primeira das hastes nascia acima das nádegas e a
última terminava no centro das costas. As demais
eram apenas calombos pegajosos.
— Tire isso de mim, Acheron. Eu quero asas
bonitas, não quero essa... Essa... Coisa! — Ela
estava histérica. — Eu nunca ouvi falar disso.
Nunca li nada sobre isso! Eu não quero essas asas!
São horríveis!
— Chega de gritos — ele mandou, falando
com firmeza — grite de dor se for necessário e não
de medo. São suas asas. A aparência que tem, é a
que deve ter. Cada fada com seu par de asas.
Aguente firme. A natureza sabe o que faz. —
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Avisou e ela se moveu, tentando enlaçar o pescoço


do elfo.
Acheron deixou, mas não abraçou-a pelas
costas, pois era impossível, apenas pousou uma das
mãos em sua barriga e deixou-a ficar em seus
braços.
— É uma dor estranha — ela murmurou após
algum tempo silenciosa — eu não sei explicar com
palavras...
— Nem tudo na vida deve ser explicado. O
que uma fada sente nesse momento pertence apenas
a ela. — Ele disse e Driana sorriu, apesar das
lágrimas que ocasionalmente ainda molhavam sua
face.
— Mas eu queria ter belas asas — seu
argumento era patético.
Acheron quis lhe galantear dizendo que suas
asas seriam lindas, pois ela era uma fêmea bela em
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aparência e essência, mas não disse nada. Driana


fechou os olhos, conformada em ter asas feias e
estranhas.
Deveria saber que seres desgraçados pela
vida como ela nunca teriam nada de bonito em sua
existência. Era um pensamento dramático e estava
sendo histérica por conta de jamais aceitar com
naturalidade os acontecimentos do corpo. Entendia
da mente e não do corpo, e por consequência, o seu
corpo também não a entendia.
Uma relação que apenas quem nasceu com os
pés na terra, correndo atrás de passarinhos e
brincando na chuva, poderia entender. Alguém
como Acheron. Quem nasceu trancado em uma
saleta lendo, lendo e lendo, não poderia entender
essa naturalidade.
A fada apagou em seus braços e ele respirou
aliviado. O cheiro da fêmea era enlouquecedor, mas

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a visão daquelas hastes feias e pontudas minguava


qualquer libido.
Estava em uma posição desconfortável, mas
manteve-a assim, para não acorda-la. Com um
pouco de sorte, as asas viriam à tona antes que
acordasse.
A fúria do temporal tornou a temperatura
baixa e Acheron precisou pousá-la na cama
improvisada com as peles que ele normalmente
usava como vestes. Pegou uma dessas peles e
colocou sobre ela. Tadinha, estava de bruços, as
costas exibindo as marcas assustadoras do
nascimento.
Era diferente, pois não rompia a pele como
acontecia com as outras fadas. Não havia sangue,
nem feridas. Era um nascimento limpo, onde as
hastes formavam prolongamentos do corpo da fada.
Acheron afastou os olhos dela e fitou a chuva,

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enquanto sentava afastado.


Passada a estranheza pelas formas
desconhecidas, voltava a tentação irreparável do
cheiro da fada.
Lutando contra si mesmo, Acheron aguentou
até as primeiras horas da manhã, quando Driana
despertou outra vez.
Ele estivera durante toda a noite cuidando
dela. Em determinado momento deu graças das
chamas da fogueira terem se extinguido por causa
da umidade do temporal, pois assim não precisava
assistir as hastes se retorcendo e se moldando em
um espetáculo da natureza que ao mesmo tempo o
assustava e enfeitiçava.
Amanheceu com pouca claridade. Ainda
chovia muito, mas não o suficiente para escurecer
ou ofuscar a claridade do dia que raiava.
A fada estivera dormindo pesadamente
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durante toda a noite sem se mexer. Era melhor


assim, ela não suportaria passar por isso com
dignidade se estivesse desperta. Era muito racional
para aceitar as mudanças do corpo e lidar com elas
sem estranhezas.
Driana piscou e despertou por completo. Foi
estranho, pois no instante em que abriu os olhos
soube que nada em sua vida seria igual outra vez.
Teve medo de levantar, até mesmo de se
mexer.
Permaneceu alguns instantes imóvel, até
convencer a si mesma que não poderia passar a
vida toda assim, com medo. A lembrança das
palavras de Acheron a fez envergonhada de seu
próprio comportamento. Ele estava certo. Era
fêmea e o nascimento das asas era parte natural de
sua vida. Estava fazendo escândalo à toa.
Não encontrou dificuldades em sentar.
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Pensou em tocar as costas e descobrir o que


acontecera durante seu sono. Faltou-lhe coragem.
Chamou o nome de Acheron e não houve resposta.
O segundo Guardião seria incapaz de
abandoná-la, mesmo que houvesse ameaçado fazer
isso na noite passada. Driana estava nua outra vez,
por isso, pegou a túnica rasgada, usando-a como
uma toalha enrolada em torno do corpo. Foi uma
agradável surpresa descobrir que não havia nada
em suas costas que impedisse isso.
De pé, Driana testou o peso do corpo,
erguendo-se nas pontas dos pés. Nada anormal. Era
a mesma Driana de sempre. Ainda se recusando a
tocar a própria pele e descobrir se as asas estavam
ali ou não, Driana andou para longe do refúgio
entre as pedras.
Foi quando seu olfato farejou a presença
próxima de um macho adulto da sua espécie.

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Sim, era o cheiro da sexualidade de um


macho, e não importava qual. Pega de surpresa pela
sensação de calor, Driana ficou imóvel, ouvindo o
som da mata a sua volta. Sim, ela podia sentir o
cheiro e esse sentido fazia seu sangue correr em
suas veias com a força de lava quente varrendo o
interior de um vulcão em busca da liberdade...
Ela quase trocou os pés ao andar na direção
do cheiro, sem saber por que tremia tanto. Não era
lógico, não era racional, não era algo que esperaria
acontecer com ela. Em nada lembrava o desejo que
sentira por Acheron ao se entregar a ele.
Era diferente, mil vezes diferente. Era um
desejo que não possuía nome ou face. Não
importava quem era o macho, o que importava era
encontrá-lo e... Corando muito, Driana quase
correu entre as árvores, na direção do córrego.
Esquecida das asas, Driana sentia o contado

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do chão molhado, coberto de folhas e pedregulhos.


Era um contato único. O cheiro do mato, da água
orvalhando as plantas, dos animais que se
esconderam da tempestade, mas que passado o
risco, voltavam à vida rotineira. O cantar dos
pássaros na copa das árvores, os animais a procurar
alimento entre as folhas, pedras e outros
esconderijos que a Floresta oferecia.
Driana era parte disso. Nunca antes em sua
vida supôs que pudesse existir um sentimento
parecido.
O elfo estava perto e ao avistar a crina loura
de Acheron, quase chorou de alívio. Sim, era o elfo
que sua mente e coração desejavam, não qualquer
outro, ao qual se arrependeria para o resto dos seus
dias de ter encontrado justamente no momento do
cio!
Acheron estava na beira do córrego de águas

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calmas e rasas, lavando a pele com água gelada, na


esperança de acalmar o bater acelerado do próprio
coração e controlar os instintos que ameaçavam
torná-lo apenas um animal.
Um animal sem controle que iria colocar a
fêmea em péssima situação!
Ele ouviu os passos e não olhou para trás. O
cheiro impregnou a sua volta e soube que a fada o
farejava e viera atrás de um elfo. Era o instinto
natural do cio. Driana viera atrás do que sua porção
animal gritava e implorava.
De cócoras na beira da água, Acheron olhou
para trás. Mal coberta por resto de pano velho,
cabelos longos desgrenhados, bagunçados, negros
como a noite, macios e perfumados. Face sombria,
havia algo de sombrio no peso do desejo que
brilhava nas pupilas azuis. Corada, lábios
vermelhos, mastigados pelo ardor de morder e

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tentar controlar a paixão que corria em suas veias.


Ela estava sem ar, às mãos abriam e
fechavam, num nervoso incontrolável. Era o
chamado da natureza e por mais que tentasse
pensar com clareza, seu corpo não entendia os
comandos da mente. A voz de Acheron soou mais
como um rugido, ao dizer:
— Volte para seu esconderijo, fada. Aqui não
é lugar para você.
— Eu sei — ela disse.
— Afaste-se — Acheron olhou de fato para
ela, quando tentou dar mais um passo em sua
direção.
— Não — ela negou e ficou um pouco de
lado.
Acheron olhou e não acreditou em seus
próprios olhos.

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— Nasceram, não é? Minhas asas? —


Perguntou, a voz aveludada, como se estivesse
cantando. Voz sensual.
— Sim — ele acenou, levantando e fitando
as asas da fada.
De lado, Driana não exibia muito das asas.
Mas ele observou-as atentamente mesmo assim.
Nunca vira asas dobradas. A aparência era de asas
quebradas.
— São feias, não é? — Ela deduziu pela
expressão de estranheza na face do elfo.
— Eu não posso afirmar. Abra suas asas e eu
poderei dizer como se parecem. — mandou sério.
— Eu não sinto nada. Não sinto as asas.
Como posso abri-las? Eu não sei o que fazer com
elas.
Suas palavras eram de lamento, mas a

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expressão da fada era muito diferente. Naquele


momento seu subconsciente pedia explicações
sobre as asas, mas sua libido impedia que fosse o
tema central da conversa.
— Eu quero ver suas asas, Driana. Mostre-as
para mim — ele pediu.
Driana sentiu o corpo amolecer diante do
pedido. Mesmo com medo de relevar as asas, sem
saber como fazer, concentrou-se no pedido. Nunca
em suas leituras encontrara informações sobre isso.
Como governar suas próprias asas? Pensou na
armadura de Acheron e imaginou que seria igual.
Uma plana extensão de si mesma obedecendo seus
impulsos cerebrais.
Ela concentrou-se e seus pés perderam o
rumo, quase a levando do chão quando num
solavanco as asas se abriram. Ela perdeu o passo e
saiu do chão por uma fração de segundo. Teria

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caído se Acheron não fosse rápido e segurasse seu


pulso, obrigando-a a ficar no chão, pés fincados na
terra.
Asas abertas. Ele estava errado ao supor que
as asas pareciam quebradas. Não, jaziam dobradas
para encolher e não atrapalhar o corpo da fêmea.
Abertas eram as asas mais longas que vira em toda
sua vida.
As hastes que nasceram primeiramente, ainda
eram pontudas e despontavam no final de cada
filamento da asa, como articulações perfeitas. A
aparência de carne dera lugar à aparência de algo
amadeirado, como galhos de um poderoso
carvalho. Eram filamentos finos, em um tom prata
muito sutil, quase transparente que despontavam
em uma cor negra perfeita. Eram asas negras.
Acheron nunca vira asas negras.
Esplendidas, negras como a noite, com

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filamentos e articulações esbranquiçadas. Uma


noite repleta de estrelas. Sim, era uma metáfora
romantizada do efeito das asas sobre ele.
— Suas asas são lindas — disse afinal.
Driana moveu as asas de um lado ao outro,
finalmente sentindo o movimento. Sim, ela podia
sentia suas asas! Soltou o pulso que Acheron
apertava e afastou-se dele, andando até o córrego
com pés trôpegos. Curvou-se para enxergar na
água.
Mal acreditou que as longas, largas e negras
asas lhe pertencessem. Bateu-as, para checar se não
era uma bela ilusão de sua mente. Foi surpreendida
por um puxão forte. As asas queriam erguê-la e
Driana, segurando-se no chão, em uma planta
qualquer, reclamou:
— Eu não sei voar — ela disse e Acheron
aproximou-se.
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— É claro que sabe, fada livre. Bata suas


asas.
Driana voltou para perto de Acheron e
encostou sua mão na dele. Era fogo puro. Faíscas
de paixão. Contendo a vontade de pular sobre o
elfo e consumar a paixão que explodia dentro de si,
usou desse contato como apoio caso caísse. Bateu
suavemente uma asa na outra.
Eram longas, as asas eram negras e potentes,
e logo Driana estava planando. Um princípio de
pânico, até descobrir que se mantivesse suas asas
batendo, não cairia. Acheron esticou o braço o mais
longo que conseguiu até não ser mais possível
segurá-la e permitir que seus dedos soltassem os
dela.
Driana não olhou para trás ao abater as asas e
alçar voo. Era a sua vez. Depois de tanto desejar e
invejar as fadas que cruzaram seu caminho ao

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longo dos dias de fugitiva, era sua vez de voar e


conhecer esse sentimento único.
Mesmo sem asas, Acheron conhecia o sabor
do voo por ter sido levado por algumas fadas ao
longo da sua vida. Mas para Driana era tudo uma
grande novidade. Engolindo a emoção, pois não
sabia lidar muito bem com esses sentimentos
estranhos que vinham sufocá-lo em momentos
como este, cravou os olhos na imagem distante da
fada.
Era tolo da sua parte, provavelmente Driana
tinha razão ao considerá-lo um estúpido sem
inteligência, mas parte sua temia que esse voo não
tivesse retorno. Que as asas da fada a levassem para
tão distante, que lhe faltasse vontade de voltar para
junto de um Guardião que lhe causara tanto
sofrimento e ofensa.
Driana bateu suas asas por muitos minutos

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até descobrir que poderia planar também. Revoou


sobre a copa das árvores, enxergando a Vila dos
Desesperados, enxergando a proteção mágica que
dividia as florestas, escondia a Floresta dos Desejos
para um lado e o Deserto das Areias Vermelhas
para outro.
Descobriu que uma alma aventureira
escondia-se em seu peito, pois o desejo de conhecer
o mundo apoderou-se dela. Bater suas asas para
longe, sempre distante, encontrando lugares
desconhecidos e descobrindo como a vida acontece
fora do Monte das Fadas. Esse desejo era novo,
sempre tão medrosa sobre o desconhecido, mas era
um desejo que pedia sacies. E um dia, ela saciaria
esse novo desejo.
Pois agora, havia um desejo maior. Seu voo
teve fim quando o aperto de saudade calou o desejo
de liberdade, lembrando-a da paixão não saciada e

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da presença do elfo, que em breve sairia para


sempre da sua vida.
Já não lhe importava mais a vontade de
Acheron. Era decisão tomada e caberia a ele apenas
obedecer. Não é assim que os machos costumavam
agir com as fêmeas? Pois bem. Era assim que ela
agiria a cerca de Acheron!
Suas asas cortaram o céu, levando-a de volta.
Era incrível descobrir que sabia voar sem precisar
aprender sobre isso. Que seu corpo reconhecia as
asas como parte de si. Que era perfeita a junção
entre fada e voo. E para essa perfeição Driana não
conhecia palavras que pudessem explicar tal
ligação.
E talvez não devesse explicar.
Acheron esperança que voltasse. Não
deveria, mas esperava. As asas brilharam contra a
luminosidade da manhã, o tom escuro sendo
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subjulgado pela claridade dos filamentos, das linhas


prateadas, quase transparentes.
A fada pousou bem diante dele. Seus olhos
brilhavam como pedras preciosas e sem explicação
ou necessidade de conversação, Acheron segurou
sua face entre as suas mãos e a beijou.
Lábios cheios, molhados, macios. Não havia
descrição possível para um beijo de alma, corpo e
coração. Driana agarrou os cabelos louros do elfo e
entregou tudo de si naquele beijo como se houvesse
nascido sabendo beijar e principalmente, sabendo
beijá-lo.
Acheron desceu uma das mãos para enlaçar
sua cintura e dobrou a face, mudando o ângulo do
beijo, caçando sua língua com a fúria de uma fera
enjaulada. Driana lhe entregou o que exigia, as
línguas duelando no interior de seus lábios mornos.
Acheron era tão maior que ela, tão mais
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forte, que Driana sentiu o impulso incontrolável de


ser assim grande e forte como ele. De envolvê-lo,
agasalhá-lo e mantê-lo preso a si, com o ele era
capaz de fazer com um simples abraço. Dobrou as
asas, sem saber que poderia fazer isso, era instinto
puro, dobrou-as para frente, envolvendo o elfo em
um abraço de braços e asas. Acheron grunhiu em
sua garganta, levando-a contra o tronco de uma
árvore.
O frenesi envolveu-os de tal modo que não
ouviram nada em torno deles. Nada poderia
interferir na ligação estabelecida naquele momento.
Tomado pela fúria da paixão, respondendo ao
clamor do cio, Acheron subiu o corpo da fada e
entrou entre suas pernas, afastando seus braços e as
roupas. O ardor queimava a pele da fêmea,
esquentando seus nervos a um ponto insuportável.
Driana pertencia a uma raça desconhecida

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para ele, por isso ignorou as marcas negra que


surgiam em sua pele. Eram como linhas
imaginárias que bailavam por sua pele, em braços,
pescoço e colo. Eram linhas harmoniosas, únicas.
Esse fenômeno era induzido pelo cio, disso não
restavam dúvidas. Quando a fada fechou os olhos,
erguendo os braços para cima, oferecendo
totalmente o corpo, Acheron não se fez de rogado.
Precisava ser franco e confessar que apesar
de já ter desfrutado do cio de uma fêmea, aquele
momento em especial estava sendo diferente de
tudo que viveu. Era mágico. Único. E ele nem
perderia tempo tentando explicar com lembranças
antigas. Nunca foi de palavras e sim atos, e não
seria agora que começaria a divagar em vez de agir!
A onda de calor entre eles era tão forte que
Acheron obrigou-a a soltar as asas, assim ele pode
pegá-la nos braços e levá-la para o córrego.

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Era um córrego de pouca água e muitas


pedras, por isso colocou-a na parte mais rasa da
água, onde não cobria seu corpo com água, mas
refrescava o calor escaldante em seu corpo, atacado
e torturado pelo cio.
Driana se contorceu e virou de costas,
batendo as asas para ele. Acheron deslizou as mãos
pelas asas, afastando-as, pedindo silenciosamente
por espaço. Driana alargou as asas, uma de cada
lado, para que Acheron pudesse ter acesso a ela.
Quando ele agarrou seus cabelos e puxou-a para
trás com força, unindo definitivamente os corpos,
Driana gritou e empurrou-se com força, chocando
as nádegas contra o quadril do elfo.
Nua, contorceu-se, recebendo por inteiro. Era
sua posição favorita desde que descobrira que o
elfo perdia completamente o controle possuindo-a
de quatro. Era visceral o modo como empurrava e a

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tomava por inteiro.


Os dois jamais esqueceriam aquele momento.
O ato no meio da Floresta era, com ambos tomados
pelo sentimento inexplicável de ser parte da fauna e
flora. De coração e sangue, os dois eram parte da
natureza.
Os gritos, os berros, os movimentos, tudo era
parte da natureza, como dois animais. Um dia
Driana descobriria que parte dessa loucura vinha do
seu acompanhante. Que se não houvesse um
sentimento gritando dentro de si para o segundo
Guardião, aquela entrega toda não aconteceria.

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Capítulo 35 - Mãos e braços

As mãos apertavam a terra enlameada sob


seus dedos, seus braços e pernas tremiam, as veias
dilatadas bombeando sangue de modo voraz. Não
era algo que o elfo pudesse lidar. Era parte da
essência da fada, parte do cio que envolvia o
nascimento das asas.
Por conta disso que tantas fadas eram
sequestradas e vendidas para elfos sem coração que
apreciavam desfrutar desse momento. Um
acontecimento único na vida de uma fada e de um
elfo.
Acheron conheceu muitas fadas em sua vida,

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mas nunca desfrutou disso. Não achava que


merecesse, pois não ofereceria a nenhuma delas
compromisso esperado.
O calor do corpo e da alma esmoreceu com o
passar das horas. Driana foi a primeira a despertar e
se mover. Desfez-se do emaranhado de pernas e
braços, sorrindo de orelha a orelha, ao descobrir
que Acheron ainda estava nu, tal como ela. Quando
em sua vida, pensaria ser possível esquecer-se das
convenções desse modo? Com tanto abandono?
Procurou por roupas e vestiu o que sobrou da
túnica. Sorrindo de pura felicidade, Driana chegou
a inegável conclusão de que precisar arrumar
roupas antes de seguir viagem.
Seguir viagem? Olhou para o elfo
adormecido. Sim, precisava seguir viagem, e essa
decisão a afastaria para sempre do Guardião.
Acheron não queria vínculos duradouros com
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ela. Isso estava claro. Apesar de ter esquecido


totalmente suas decisões de não emprenhá-la, ele
estava entorpecido pelo ato e não se dera conta do
que fizera.
Mas quando esse sentimento passasse e
despertasse de seu sono dos justos, Acheron se
recriminaria por isso.
Ele não a queria em sua vida. Talvez gostasse
um pouco dela, mas não o bastante para relevar
tudo que aconteceu, todas as mentiras e ainda
querê-la em sua vida. Ela, por sua vez, não podia se
dar ao luxo de ficar e esperar que a quisesse.
Precisava encontrar Joan, antes que a Guardiã Zoé
o fizesse.
Para esse impasse, havia uma única solução:
partir com a certeza que voltaria.
Sim, tão logo estivessem todas salvas,
encontraria Acheron e grudaria nele como um
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inseto Schill! Convenceria esse elfo das terras


geladas a aceitá-la em sua vida.
Esperava que isso não demorasse a
acontecer. Ela tinha pressa em ser feliz ao seu lado
agora que provara do gostinho da liberdade. Um
gosto doce e sereno. Um gosto inesquecível.
Encantada com suas asas, Driana estava
testando-as quando Acheron acordou. Primeiro de
tudo, estava com o traseiro gelado, pois estava
meio deitado em uma poça de água formada pelo
córrego e segundo, estava solitário. A fada exibia
suas asas e parecia brincar com elas.
Acheron levantou e se vestiu, sabendo que
notara sua presença e seus movimentos, mas fingia
que não. Quando terminou, aproximou-se e
segurou-a pelo braço para que parasse e ficasse no
chão, ao alcance de suas mãos.
Além de ter que lidar com sua mente
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privilegiada que sempre a afastava dele por conta


do abismo que havia entre ambos, intelecto e
planos de vida que divergiam, agora havia suas asas
que sempre a levaria para longe.
Driana parou de se mexer e tocou-o sobre a
barba espessa que crescia a cada dia. Estava prestes
a dizer-lhe que partiria, mas voltaria em breve,
quando ouviram som de vozes e passos.
— Ela está ali!
Driana ouviu a voz de Jana e então um a um
seus familiares foram aparecendo, junto do
pequenino Mikazar.
Driana afastou-se apenas o suficiente para
olhar para eles. Estava prestes a gritar um
cumprimento quando notou a expressão de Jana
mudar drasticamente.
Ela tinha os olhos arregalados de surpresa de
algo que Driana não entendeu o que era. Supondo
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ser pasmo por encontrá-la com asas, Driana sorriu e


andou em sua direção, dizendo:
— Minhas asas nasceram!
A expressão de alegria que deveria estar
estampada na face de Jana fora substituída por
outra expressão: a preocupação.
— Driana, eu não imaginava que fosse da
minha raça! — Ela disse sendo a primeira a
aproximar-se.
— Da sua raça? — Espantou-se.
— Sim, suas asas são típicas da minha gente
— disse correndo os dedos pelos filamentos da asa
de Driana, que sentiu o toque carinhoso e sorriu
encantada.
— Está dizendo que eu posso ter nascido no
mesmo lugar que você?
— Estou dizendo que já vi asas idênticas as

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suas — Jana afastou-se e olhou para o pai. — Estou


certa, não estou, papai? Ou são meus olhos
tentando me enganar?
— Está coberta de razão — ele disse com
olhos fixos nas asas, e então na face da fada Driana.
— Foi agraciada com lindas asas, fada Driana —
elogiou e Driana abriu seu mais belo sorriso,
agradecida pelo elogio.
— Em pensar que cheguei a temer que
minhas asas nunca nascessem! Como fui apressada!
— Bateu suas asas e Jana fez o mesmo com as
suas. — Eu voei pela primeira vez agora a pouco!
— Mesmo? Posso me juntar a você em um
voo? — Ofereceu, adiantando-se para segurar a
mão de Driana com afeição inegável.
Driana olhou para Acheron, como quem diz
que não vai demorar. As duas fadas se afastaram
um pouco e de mãos dadas alçaram voo.
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Acheron havia percebido imediatamente a


expressão de espanto dos elfos. Não disse nada,
pois era um momento de felicidade para a fada que
conviveu toda a vida na clausura.
— Qual a possibilidade real de Driana ser da
sua raça e tudo isso ser uma grande coincidência?
— Perguntou a Melquior. O elfo deixou cair no
chão a trouxa de pertences que carregava,
ordenando que os filhos montassem acampamento.
Seria uma longa conversa e era bom que
acontecesse longe de Driana.
Duas horas mais tarde, exaustas, Jana e
Driana voltaram para a terra firme.
A alegria no rosto de Driana valia uma vida
toda de sofrimento e privação.
— É tudo tão bonito visto lá de cima! — Ela
contou, apontando para o céu.

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Conversava animadamente com Jana e seus


irmãos. Havia trocado as roupas esfarrapadas por
trajes de Jana, um belo vestido sem mangas, onde
as alças se prendiam no pescoço e mantinham suas
costas nuas, para que as asas pudessem permanecer
abertas o tempo todo.
No futuro seria preciso adaptar roupas que
coincidissem com as asas tão grandes e fartas. Por
hora nada era problema em sua mente. O vestido de
algodão simplório lhe cobria até os pés e estes
estavam calçados em sandálias de couro artesanal.
Sem dúvida, sandálias feitas por um dos irmãos de
Jana.
Um deles havia se afastado um pouco e
tocava uma gaita. A música era suave, como um
lamento ou um choro. Melancolia pura.
— Eu preciso tanto de ajuda — ela disse com
voz sorridente. — Preciso encontrar uma das

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minhas amigas, chamada Joan. Ela é muito frágil e


a guardiã que a persegue é uma selvagem. É quase
pior que Acheron — não resistiu em provocar.
— Não subestime a inteligência de Zoé —
ele retrucou.
— Eu nunca ousaria comparar a inteligência
de Zoé com a sua — retrucou de volta, com um
meio sorriso malicioso.
Ser livre permitia que fosse autêntica, sem
amarras e sem papas na língua.
— Eu tenho minhas asas, mas não posso voar
o tempo todo. Acheron acha perigoso que siga
sozinha até o Campo dos Humanos.
— A razão está com o Guardião — Melquior
disse sério, olhos presos na fada — o nascimento
das asas das fêmeas da nossa raça é um momento
menos doloroso e mais rápido, mas o cio é idêntico
ao das outras raças. Seu cheiro provocará os elfos
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que estiverem a quilômetros daqui. É perigoso


seguir, mesmo acompanhada. Mas visto a
necessidade de salvar uma vida, sim, você não deve
seguir sozinha. — Ele tocou gentilmente o ombro
de Driana, que gostou do toque de apoio.
Olhou para os elfos a sua volta e um
pensamento cruzou sua mente. Foi um curvar de
sobrancelhas, mas foi notado. Melquior disse:
— Faça a pergunta que a intriga.
Diante de sua seriedade, Driana apenas
sorriu:
— Eu só me perguntei por que nenhum de
vocês está incomodado com o cheiro do cio.
O elfo mais jovem que tocava a gaita parou
de tocar e prestou atenção a conversa.
— Talvez não seja um bom momento para
essa conversa — interrompeu Acheron. — O

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pedido da fada é muito simples. Melquior


concordou em levá-la para o Campo dos Humanos
e depois, para o castelo. Estará protegida com ele e
sua família. E terá Jana como companhia para
conversas. Deve seguir seu caminho o quanto antes.
Aproveitar que é dia ainda.
Driana afastou-se de Melquior e aproximou-
se de Acheron, perguntando:
— Não pode mesmo me ajudar? Alguns dias,
Guardião, eu preciso apenas de alguns dias para
encontrar Joan e...
— Minha missão foi cancelada, devo voltar e
me reportar para a nova Rainha. — ele interrompeu
suas palavras — tenho um divida para com você.
Não pense que fugirei dessa responsabilidade.
— Divida? — Perguntou sem compreender.
— Como assim... Tem uma dívida para comigo?
— Eu me aproveitei do cio. Foi errado e
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inconsequente. Se emprenhar, sabe onde me


encontrar para cobrar responsabilidade pelo meu
ato. Por certo nos veremos no castelo em breve,
Driana. Agora é uma fada livre e deve seguir seu
caminho, pois agora, quem tem uma missão a
cumprir é você.
— Eu pensei que a missão de um Guardião
fosse salvar os inocentes e desprotegidos! Joan e
Alma são inocentes! Elas correm perigo e precisam
de ajuda! Da ajuda de um Guardião!
— Alma será libertada quando for entregue a
Rainha, se eventualmente Solon a encontrar antes
da notícia sobre a Rainha Santha se espalhar. Não
seja dramática a cerca desse assunto. — Ele dizia,
enquanto carregava sua armadura no ombro, pronto
para seguir viagem para longe dela.
— Eu preciso da sua ajuda, Acheron, eu
preciso de você do meu lado! — Driana seguiu-o,

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precisando convencê-lo a ficar.


— Eu já disse — ele olhou por sobre a
cabeça de Driana, fitando os elfos — me
responsabilizo pelo erro cometido. Me redimirei
perante a nova Rainha por ter deflorado uma das
fadas castas do Ministério do Rei. Aceitarei a
punição imputada a meu crime. E se houver uma
cria... Não ficará desamparada. Siga sua viagem e
desejo-lhe boa sorte.
Acheron virou as costas e partiu.
Imóvel e incrédula, Driana sentiu o ódio vir à
tona, fervendo dentro de si a revolta total pelas
palavras ouvidas. Esqueceu que não estava sozinha
e correu atrás do elfo encontrando-o entre as
árvores.
Acheron não esperava ser agarrado por um
dos braços e empurrado contra uma árvore. Não
lutou, pois ela não era um inimigo, e sim uma
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fêmea furiosa em ser rejeitada.


— Boa sorte? Você me deseja boa sorte com
essa cara deslavada? — Gritou.
Ele não respondeu.
— Eu passei os piores dias da minha vida
andando por florestas perigosas! Carregando peso,
cheia de calos e bolhas nos pés. Cozinhando,
limpando e entretendo um Guardião imbecil. E
tudo isso para que? Para nada!
— Culpe a Rainha destronada por isso —
Acheron lembrou-a disso.
— Não foi Santha quem me encurralou em
uma caverna e seduziu! Foi você quem me fez
mentir e agir de modo incorreto, para defender
minhas amigas e minha própria vida! Foi você
quem me deixou assim... — Apontou para si
mesma — é culpa sua!

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— Eu não fiz nada contra você, fada. Nada.


Tudo que aconteceu foi consequência das mentiras
de Santha e Lucius, e isso está superado. O reino
está salvo de intrigas e as fadas estão livres. E você
é uma delas.
— É claro que você fez algo comigo! —
Bateu com força no elfo, descontando nele sua
raiva. — Eu me deitei com você! Você me fez
querer isso! Me fez esquecer tudo! Me fez culpada
por mentir e fingir ser um garoto, quando na
verdade era a mulher com quem se deitava! Você
me fez sentir fêmea e não fada da clausura! E agora
vai virar as costas para mim?
— Não estou virando as costas para você. É
livre, Driana. Vai descobrir que a liberdade não
existe. Ela vem carregada com o peso das
obrigações. Você precisa encontrar suas amigas e
eu preciso voltar para o castelo. Essa é a verdadeira

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liberdade. — Ele disse amargurado.


— Mentiroso! — Negou. — Está fugindo de
mim! Por quê?
— O que você acha? — Ele perguntou
irônico.
— Acheron, eu não creio que esteja irritado
ainda porque eu o chamei de burro. Você também
me ofendeu diversas vezes! — Era uma acusação
bastante plausível.
— Não é uma questão de ofensa. — Foi
franco — não disse nenhuma mentira. Eu sou
menos inteligente que você. Provavelmente menos
racional que a maior parte dos elfos que conhece.
Eu nunca tive problema com isso até o dia em que a
conheci. Mesmo quando era apenas o rapaz Jô,
ainda assim, me considerou inferior. É provável
que eu seja inferior, quando comparado a você. Eu
poderia desqualificá-la em mil questões, deixando
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claro que é inferior a outras fadas em outros


quesitos... Mas não o faço. Somos diferentes nisso.
Sua inteligência é uma barreira insuperável. Um
abismo. E sua arrogância faz com eu não queira
atravessar esse abismo. Eu gosto da minha vida
calma.
— Você gosta de mentir a si mesmo — ela
afastou-se um passo olhando-o com raiva e mágoa,
porque apesar de tudo, suas palavras eram
verdadeiras. — Não tem coragem de assumir quem
é de verdade! Não é um Guardião! É um Rei!
— Não! — Acheron gritou, avançando na
direção da fada, uma das mãos erguidas como se
fosse lhe bater, mas parou, contendo o impulso —
não repita isso nunca mais.
— Porque não? É a única verdade! É um rei
se escondendo da vida embaixo de asas falsas! Sua
missão para com o reino? Sua lealdade para com os

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Guardiões? Conversa! Tudo mentira! Usar uma


armadura é usar um escudo contra quem é de fato!
E não vire as costas para mim! — Gritou quando
ele ameaçou ir embora. — Eu fui Driana, a fada da
clausura minha vida toda! Agora eu sou uma fada
livre! Eu penei o inferno em vida trancafiada
naquelas masmorras, entre as paredes fedidas,
dormindo em pedra crua, comendo lavagem e
restos do castelo! Eu vivi cada dia da minha vida
sabendo que era sozinha na vida e que um dia, eu
seria trancafiada para sempre. Eu lutei todos os dias
da minha vida para não enlouquecer, para manter a
sanidade! E apesar de todo o mal que vivi, eu vou
voltar para o castelo! Eu voltarei para junto dos que
amo. Eu ficarei nesse lugar a despeito das
lembranças, pois elas me fortalecem! Não me
derrotam por medo! Se eu partir, será por vontade e
desejo, nunca por medo!

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— Você não sabe nada de mim! — Ele gritou


com ela, vermelho de raiva, sua descendência clara,
se refletindo no vermelhão sob a pele morena do
convívio sob o sol escaldante.
— Eu sei que salvou o seu povo da opressão
e escravidão! Eu sei que lutou com cada fibra do
seu corpo para salvar as pessoas que amou! E que
essas pessoas não viviam mais para vê-lo ser livre.
Eu sei que no fundo, adormecido dentro do
Guardião corajoso e imperturbável, existe um
menino escravo, que não sabe viver sem ordens
alheias! Eu sei que é perigoso voltar os olhos para o
passado, mas também sei que sem fazer isso, não
há como escolher o caminho correto a seguir! Vai
me rejeitar, como rejeitou o lugar onde nasceu? Por
medo?
— Eu não quero você, fada. Somos
compatíveis na cama. É verdade. Mas de resto...

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Não gosto do seu jeito de ser. Você é séria demais.


Chata demais. Arrogante demais. — Ele foi
propositalmente cruel. — Siga seu destino, eu sigo
o meu. Me avise se houver uma cria.
Era um aviso grosseiro. Incapaz de insistir
mais uma vez, Driana observou-o partir
definitivamente. Estava feito. Todas as suas
esperanças estavam findadas.
— E se eu voltar com você para o castelo? —
Driana gritou, correndo atrás dele outra vez. — E
seu eu... — As palavras morreram em sua voz.
Deixar as amigas para trás, para segui-lo era
o cúmulo do amor.
— Jamais nos aturaríamos mais que alguns
dias — ele foi franco. — Use seu brilhantismos
para se convencer disso, Driana. Na vida real,
somos água e vinho. — Disse com um relance de
pena na voz.
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Humilhada, Driana deixou-o ir. Acheron


abriu caminho entre as árvores e desapareceu do
seu campo de visão.
Sozinha, Driana pensou que estava tudo
acabado. Francamente, nunca havia começado,
então como poderia falar em final? Sua mente lhe
dizia isso, mas seu coração lhe gritava que ainda
haveria uma segunda chance. E se não houvesse
por bem, haveria por mal!
Driana não reparou que Jana cochichava com
o pai, que parou de falar abruptamente ao vê-la
retornando sozinha.
— Aquela cabeça oca é também feita de pura
teimosia — ela disse com mágoa e Jana suprimiu
um sorriso.
— Quem sabe se você não fizesse mais esse
tipo de comentário fosse mais fácil convencê-lo a
ficar do seu lado?
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Driana gemeu de desgosto e sentou ao lado


de uma dos elfos, o mais novinho, que ainda
brincava com a gaita nas mãos. Ela pousou a
cabeça no ombro do garoto e suspirou pesarosa.
Sentia-se bem entre os familiares de Jana. Sentia-se
em família.
— Acredite... Ele também não fala coisas
bonitas a meu respeito — disse magoada.
— Vocês dois vivem brigando. Eu lembro
como era quando era o garoto Jô. Eram amigos.
Porque não tenta retomar essa amizade? — Jana
sugeriu para vê-la sorrir.
— Driana é livre agora — foi Melquior quem
interrompeu a conversa. — Precisa pensar em si
mesma e não em um Guardião que a rejeitou.
Abusou de sua castidade. Abusou do cio, um
momento tão delicado para uma fada. Que seguiu
sua vida sem olhar para trás? Esse elfo não é digno

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de uma fêmea doce e meiga como Driana.


Doce e meiga? Nem mesmo Driana
acreditava possuir tais qualidades!
— Acheron é muito justo e corajoso. É um
elfo valoroso. Não fale mal dele, Melquior. Por
favor, não fale mal dele na minha frente — disse
chorando.
Lágrimas silenciosas que não aceitavam uma
recusa. Eram lágrimas de abandono.
Deveria estar comemorando o nascimento de
suas asas e a liberdade adquirida com a remissão de
todas as acusações contra as fadas da clausura, mas
em vez disso, chorava pelo elfo.
— Driana, é necessário que tenhamos uma
longa conversa — Melquior aproximou-se e ela
ergueu os olhos azuis para o elfo, sem prestar muita
atenção na seriedade da conversa.

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— Sim, mas primeiro eu gostaria de


agradecer por toda ajuda que me oferecera. Eu sei
que gostaria de estar buscando por sua filhinha
desaparecida. — Ela disse se movendo para frente,
erguendo-se e segurando uma das mãos do elfo,
com agradecimento. Ele secou as lágrimas que
corriam em seu rosto feminino e ela sorriu
agradecida. — Eu rogo que a Fonte dos Desejos
realize o desejo de Jana e traga sua irmãzinha de
volta. — Disse com sinceridade.
Jana sufocou um soluço e Driana imaginou
que eram lágrimas de esperança por falar desse
assunto tão delicado.
— A fonte atendeu quase todos os meus
pedidos até agora. Sou livre pela primeira vez na
vida e já sei por onde começar a procurar
informações do meu passado.
— Você é a única no mundo que conseguiu

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enganar a fonte e conseguir mais que um desejo,


Driana — Jana afastou o choro e disse para
incentivá-la. — Quem lhe garante que seu maior
desejo não será realizado em breve? Que talvez...
Precise apenas dar uma forcinha para que isso
aconteça...
— A fonte é uma piada. Se os desejos de
Driana estão se realizando, é porque a vida assim
desejou por ela — Melquior disse sério. — Insisto,
Driana, esqueça o Guardião. O tempo mostrará se
devem ou não ficar juntos. Apenas o tempo. O
comportamento dele não me agradou. Não é
honesto da parte de um elfo seduzir uma fada em
sua situação e depois simplesmente virar as costas e
abandoná-la.
— Eu não posso esperar. Não. De modo
algum — subitamente seus olhos brilharam,
pensando no que Jana dissera. — Acheron não

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abusou de mim, eu me oferecia a ele. É melhor não


tentar explicar minhas razões — era íntimo demais
confidenciar a reação exagerada que o elfo causava
em suas entranhas. — E definitivamente Acheron
não me abandonou. Ele ficou comigo durante todo
o nascimento das asas. Cuido de mim. Eu sei o
sentimento que o move ao fugir de mim. E por isso
mesmo que não posso deixá-lo escapar! Não assim!
Tomada dessa certeza, Driana limpou as
faces, livrando-se das lágrimas com um plano na
mente. Não deixaria Acheron ir embora brigado
com ela.
Empolgada com a ideia que se formava em
sua mente, Driana beijou a face de Melquior para
acalmá-lo em sua indignação contra o segundo
Guardião e disse antes de bater suas asas e voar
para longe:
— Eu não demoro! Prometo que não

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demoro!
Sim, não esperava demorar, tão pouco
imaginava que Acheron mudasse de ideia por conta
do que pretendia fazer. Não era tão esperançosa
assim. Seria como um lembrete, para que Acheron
pensasse muito bem sobre a relação que
começaram a nascer entre eles e que em sua
ausência, tivesse no que pensar.
Demorou a encontrá-lo. Apesar de pouco
tempo passado, Acheron era exímio em esconder o
próprio rastro. Um caçador nato não deixava pistas
a serem seguidas, ainda mais quando pretendia ter
um percurso calmo, sem atropelos. Driana esperou
anoitecer, observando-o a distância.
Solitário, Acheron cuidou de si mesmo, com
os anos de prática que a vida lhe impusera. Sempre
sozinho. Sempre desacompanhado, sem pegadas ao
lado das suas. Ele comeu, deitou para dormir em

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um canto qualquer em meio a árvores, sem


suspeitar que era analisado por olhos gulosos.
Driana esperou que seu sono estivesse
pesado para andar sorrateira em sua direção. Em
determinado momento lembrou que podia voar o
que ainda lhe era uma novidade. Tirou os pés do
chão, voando em sua direção.
A porção fera dentro do elfo não reconhecia
o perigo, pois a aceitava como parte integrante da
vida dele, assim como acontecia com a armadura e
somente por isso, Driana pode deitar-se sobre ele,
tomando cuidado para não acordá-lo.
Na quase inexistente claridade, provinda
apenas do luar e das estelas no céu, Driana beijou
um espaço íntimo no queixo do elfo, perto da
orelha. Quando ele abriu os olhos sonolento, sem
entender imediatamente ela sussurrou muito
baixinho e íntima:

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— Eu não vou desistir de você — audaz,


cabelos negros caindo sobre o peito dele, olhos
brilhantes como as estrelas daquela noite calorenta,
pele macia e aquecida pela paixão renovada em
suas entranhas, pelo simples ato de estar com ele
mais uma vez. — Não vou te deixar partir sem
saber o que está perdendo — empurrou os cabelos
para o lado, e eles caíram ao lado, o perfume
enervando a mente do Guardião.
Roçou suas pernas nas dele, esfregando seus
seios no peito amplo e suado de um sono agitado.
— Não vai conseguir me esquecer, Acheron,
eu não vou permitir que me esqueça.
Seus sussurros eram como gritos na noite
escura que era o coração do elfo.
Ele não disse palavras, apenas enlaçou o
corpo da fada e grudou os lábios. Pelo restante da
noite não houve palavras, apenas gemidos e
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sussurros de paixão, desconexos e sem sentido.


Quando amanheceu, Driana afastou-se,
arrumou as roupas e voou para longe. De volta para
a família de Melquior que a recebeu de braços
abertos.
Com um olhar de pesar em torno de si, Diana
seguiu-os em direção o Rio Branco, que desta vez
ela atravessaria voando, de mãos dadas com Jana,
sua recente amiga.
Os planos de Melquior e seus filhos era
contornar o Vilarejo Sem Fim, evitando lidar com a
magia do lugar, margeando o desvio do Rio
Branco, que seguia diretamente para o Campo dos
Humanos. Deste modo em menos de uma semana
estariam com Joan.
Era uma previsão que fazia valer a pena toda
dor de deixar Acheron partir de sua vida.
Enfrentando o que vinha, sem titubear, Driana
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tentou sorrir e se envolver na conversa, gostando de


fazer parte daquela família tão unida e carregada de
amor uns pelos outros.

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Capítulo 36 - Por onde você andar...

Dois dias mais tarde, Driana começava a


descobrir que não existe liberdade quando um
coração sofre por amor. A saudade deixava seus
dias cinzentos e chuvosos, independente do sol e do
calor a sua volta.
Tornava as conversas monótonas e seus dias
passavam lentamente. Em sua alma um sentimento
que parecia gritar que algo aconteceria, e que esse
algo mudaria sua vida. O que era estranho, pois
esse algo já acontecera. A descoberta do amor, suas
asas, a liberdade adquirida... Sua vida jamais seria a
mesma. Nada que acontecesse poderia mudar isso.

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Jamais voltaria a ser a Driana de


antigamente. Era outra criatura, e suas atitudes
também haviam mudado drasticamente. Ela sorria
mais, achava graça de pequenas tolices que antes
não lhe chamariam atenção.
Como ver os dois irmãos mais jovens de Jana
brigando por conta de uma gaita. Ou ouvir os gritos
de Melquior corrigindo os filhos de modo
amigável, porém repleto de orgulho masculino em
ter filhos saudáveis e corajosos. Os dois elfos mais
jovens brigavam muito e eram parecidos demais
para não divergirem em opiniões e atitudes.
Nessas horas Jana apenas maneava a cabeça
e começava algum assunto para desviar os irmãos
da briga tola. A paz voltava a reinar e eles
conviveriam em harmonia outra vez.
Era uma hierarquia. Dois irmãos mais velhos,
então nascera a filha desaparecida de Melquior, no

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ano seguinte Jana, e em sequência os dois outros


filhos menores. Eram uma família que tentou se
erguer após a tragédia e através do amor uns dos
outros, conseguia seguir em frente sem nunca
desistir de encontrar o último elo que faltava da
corrente familiar.
Era emocionante ver tanto sentimento entre
elfos e fadas de uma mesma família. Driana que
nunca conviveu com o que chamavam de unidade
familiar, ficava encantada em fazer parte disso,
mesmo que temporariamente.
Driana sorriu para Jana e a fada apenas fez
uma expressão de que não acreditava que aqueles
homenzarrões podiam agir como crianças. As duas
sentaram lado a lado.
Driana permaneceu sorrindo enquanto todos
se acalmavam e voltavam ao convívio normal.
Mais tarde, sobrevoou o desvio do rio e
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chegou à conclusão que poderiam cobrir maior


caminho se pegassem um atalho.
Atalho que se fez necessário ao visualizar um
grupo pequeno de elfos que seguiam pelas pedras
em torno da margem do desvio do Rio Branco. Eles
andavam na margem oposta ao caminho que eles
seguiriam, por isso, precisaram mudar de planos.
Seria uma tragédia ter que lutar com tantos
elfos. Era possível que fossem bons homens,
seguindo em direção à Vila dos Desesperados, mas
dado o fato de ainda ter suas asas recentes, era
melhor não arriscar um confronto.
Nessas horas a falta que sentia de Acheron
era quase física. Ele sabia lidar com essas situações
sem medo, sem aflições, era um provedor, um
protetor, um elfo que valia por dez!
O amor pode distorcer a realidade. Mas
Driana torcia para não ser o seu caso. Que seu
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último encontro com Acheron, a noite passada em


seus braços, sem conversa, sem brigas, sem
passado entre ambos, pudesse ter aberto os olhos do
elfo para a necessidade de ao menos se conhecerem
melhor.
Era impossível que ignorasse tanta emoção.
Driana afastou-se de Jana e planou perto do
desvio do rio, atraída por uma margem repleta de
orquídeas selvagens. Flores de cores pálidas, que
ela sabia que não eram simples e inocentes flores.
Aquelas orquídeas em especial eram venenosas e
poderiam levar uma pessoa a morte com um
simples contato. Vistas de longe eram lindas e não
ofereciam perigo, por isso, Driana sobrevoou em
torno do campo florido, admirando a beleza.
Distraída não notou o perigo que corria até
ser tarde demais...
*****
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Acheron levou um dia inteiro para


emparelhar com a comitiva que levava Driana em
segurança para o Campo dos Humanos. Exímio
caçador, encontrara os rastros dos elfos e fadas
facilmente.
Depois, precisou apenas segui-los a uma
distância segura aguardando o momento de pegar a
fada de surpresa. Em outros tempos, com outra
fêmea, Acheron não perderia seu tempo usando de
jogos. Simplesmente se revelaria e colocaria sua
situação em pratos limpos.
Mas a fêmea em questão era Driana. Essa
fada sabichona merecia um pouco mais de exibição
e entretenimento. Causar algum reboliço em sua
mente privilegiada.
Tempos atrás Jana havia argumentado, em
uma tentativa de defender e justificar o
comportamento nem sempre coeso de Driana, e

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suas apalavras remetiam a reflexão a cerca da


dificuldade que enfrentava a fada que um dia fora
da clausura.
Uma mente como a sua tendia a viver um
martírio eterno. Sempre racionalizando tudo a sua
volta, sempre perdida em ponderações e
conclusões, que nem sempre condiziam com a
realidade.
Pois apesar de sempre acertar em suas
argumentações, ainda assim, o que é e o que parece
ser, costumava ser muito diferente do que a ação
diz. Uma pessoa pode saber o caminho certo a
seguir e ainda assim preferir o errado. Ou
simplesmente confundir-se e perder o rumo.
A criatura, seja humana ou mágica, é passível
de erros e essa variável normalmente não fazia
parte das fórmulas e racionalizações de Driana.
Acheron não poderia negar que ela estava
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coberta de razão ao deduzir que a causa de sua


partida era medo.
Observando-a voar, com suas longas e fartas
asas negras, Acheron refletia sobre isso. Sobre sua
visita noturna, inesperada e perturbadora.
Logo quando estava solitário e remoendo a
própria decisão de partir, dividido entre a culpa e o
arrependimento, Driana surgia e confundia
totalmente suas emoções. Na noite, como uma gata
selvagem, mostrando-lhe que também podia ser
imprevisível e tomada pelas ações, não apenas
pensamentos.
Sem argumentos, palavras ou ofensas que
pudessem confundir a mente e o coração. Sem a
paixão escrachada e inflamada que turvava os
sentidos e tornava o ato ainda mais apaixonante do
que poderia ser de fato.
Um ato sexual regado a desejo, carinho e
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companheirismo. Sim, eles dividiram algo precioso


naquela noite. Quando amanheceu, estava sozinho
outra vez, livre para seguir seu caminho.
Livre para escolher o que desejava de
verdade. Retornar o seguro, ao correto e irretocável
caminho de volta para o castelo onde conhecia as
criaturas que viviam sob sua proteção e não se
surpreendida com nada. Onde não corria risco de
sentir novamente o vazio interior de ser alguém
sem família e sem futuro, abandonado a própria
sorte, e esta sorte não ser exatamente próspera. Ou
aventurar-se pelas surpresas que a vida ao lado
daquela fada lhe reservava.
Era provável que um relacionamento entre os
dois não durasse mais que algumas poucas
semanas. Quem sabe quando a lenha da paixão
houvesse queimado toda, os dois se separassem de
modo trágico e repleto de ofensas. Era provável que

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fosse assim. Ele mesmo apostaria nessa versão da


história.
Mas fosse como fosse, lá estava ele
refazendo os mesmos passos percorridos, em busca
de Driana.
Descobrira que o acampamento havia sido
desfeito e que eles seguiram para o Campo dos
Humanos. Depois disso, restara-lhe caçar os passos
e pistas deixadas para trás. O principal índicio era
farejar a fada. Mesmo a distância, podia farejar seu
cheiro.
Havia também sua armadura, guiando-o na
direção certa. Vestindo a parte que cobria seu
braço, Acheron foi levado pela armadura em
direção da vasta planície de flores.
A fada revoou sobre as flores, muito perto, as
asas longas quase tocando as pétalas, o que ele não
recomendaria, pois eram venenosas.
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Aparentemente Driana sabia disso também, pois


não as tocou.
Driana, a fada impertinente que o
considerava burro. Como lidar com essa situação?
Era uma pergunta que esperava que ela soubesse a
resposta. Ele não estava disposto a ser tratado como
alguém inferior e ela não estava disposta a ser
tratada como alguém comum. Talvez por ser capaz
de grandiosos pensamentos, Driana tivesse
dificuldade de entender que isso não importava no
mundo de Acheron.
Ele gostava da terra e dos animais. Do mato e
da vida calma. Não havia necessidade de perder
tempo com alheamento intelectual.
E havia também o problema recentemente
descoberto. Pela tranquilidade da fada e alegria ao
voar, talvez ela já soubesse da grande novidade a
cerca de si mesma. O Guardião também pensava

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em como seria isso, a repercussão dessa novidade


na vida de ambos.
Ele cortou caminho, percorrendo o trilho de
pedras, encontrando-a a imagem da fada revoando
acima da copa das árvores.
Com um sorriso de contentamento, Acheron
retirou o punhal do cinturão, ergueu-o pela ponta
afiada, usando sua visão perfeita para fazer mira.
Demorou um pouco para o alvo chegar onde ele
queria e posicionar-se do jeito que precisava e
quando isso aconteceu, foi tudo muito rápido.
O punhal girou e com a força do lançamento
cortou o ar, acertando exatamente o tecido da
única. Enroscou-se na bainha trabalhada, fazendo
que com a força do impacto, o corpo vestido com a
roupa fosse levado para trás e preso em uma árvore.
Driana mal notou o que acontecia, até
descobrir que estava espetada em um tronco de
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árvore e alguns metros do chão.


Debateu-se e gritou de susto quando o tecido
começou a rasgar. Olhou para cima e não
reconheceu imediatamente o punhal, pois o medo
de ter sido pega por caçadores de recompensa mais
uma vez a fez desatenta.
Debateu-se e gritou, tentando se soltar.
Quando conseguiu, o impacto a puxou para baixo e
ao tentar usar as asas, bateu os filamentos no tronco
de árvore, sendo barrada em seu desejo de voo.
Desajeitada, na verdade ela ainda não possuía total
domínio das asas.
Caiu diretamente para o chão. Esperava o
impacto do chão, quando calou os gritos no instante
em que foi agarrada por braços.
O pensamento louco de que ao menos não
havia sacrificado seu traseiro em seu primeiro
tombo oficial desde que aprendera a voar durou um
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segundo. Começou a se debater ao descobrir que


estava presa e olhou para seu algoz.
Parou na mesma hora.
— Acheron! — Ela gritou e agarrou a pele de
animal que cobria o ombro dele. Como sempre sem
túnica, mas com peles cobrindo o ombro e parte do
braço. Era o traje preferido do Guardião e o
preferido dela também!
Peito nu, bronzeado, suado e coroado pela
claridade do dia. Ela ainda lembrava com clareza
da sensação destes músculos sob seus dedos...
Ele havia raspado toda a barba e ela quase
sorriu diante da lembrança de quando o conheceu.
Achou o Segundo Guardião burro como uma porta,
um completo imprestável, que vinha acompanhado
de um corpo esplêndido e de um olhar perturbados.
Mesmo assim, uma toupeira vestindo armadura de
Guardião.
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Incrível como as aparências enganam. A


esperteza de Acheron vinha da vida, do convívio
entre animal, natureza e magia. Não era um
conhecimento que Driana pudesse conhecer
facilmente. Precisaria de uma vida toda para que
ela fosse tão esperta quando Acheron!
— É você!? — Era uma pergunta ou uma
afirmação, nem mesmo Driana sabia o que
pretendia dizer com essa frase.
— Sim, sou eu — ele concordou. — Veja, eu
abati uma fada em pleno voo. Agora, o que devo
fazer com ela?
— Eu deveria recomendar que a colocasse no
chão imediatamente. — Driana não conseguia
afastar os olhos dos seus. Eram verdes, tão claros e
únicos, que somente assim de pertinho poderia
identificar a cor exata.
Ela se pegou pensando em como ele deveria
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ser de verdade, longe do monte das Fadas. Longe


do calor e do sol que escurecia sua pele facilmente.
Um desejo tão forte de conhecê-lo em sua essência
mais pura.
Seu olhar contou uma história de
profundidade para Acheron. Difícil explicar o que
passava na mente da fada, mas com toda certeza a
resposta para essa questão mudaria sua vida.
Driana pousou uma das mãos sobre o peito
dele, onde ficava o coração.
— Você veio atrás de mim ou apenas
esbarrou em mim por conta de uma imensa
coincidência?
É claro que era ciente que Acheron estava a
milhas de distância do trilho certo para chegar ao
castelo! Mas não custava interagir de modo mais
simples. Deixar suas frescuras intelectuais de lado.
O sentimento que a abatia quando perto desse
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macho, a fazia boba. Então, que mal havia em


deixar seus pensamentos um pouco de lado em
nome desse amor todo que ameaçava explodir em
seu coração?
— Coincidências não existem — ele negou,
sem demonstrar desgaste por segurá-la nos braços.
— Se isso for verdade, devo concluir que
Rainha Santha cometeu um crime hediondo, sem
saber, que seus atos levaram a sua ruína e a
ascensão de uma fada honesta e lúdica, que será
uma Rainha irretocável? E que esse mesmo crime
me fez escolher entre os quatro Guardiões e
Caçadores de fadas, e que esta escolha me foi
ditada pelo destino para que eu escolhesse o
Guardião exato? Aquele que é perfeito para as
minhas medidas? É isso? Uma sequência de
atropelos que me jogou diretamente nos seus braços
nesse exato segundo?

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— Às vezes, Driana, uma simples frase


galante não quer dizer mais do que isso — ele disse
tentando não sorrir do seu excesso de melindres.
— Oh — ela disse corando. — Foi um
galanteio?
— Uma tentativa — ele disse sério.
Driana abriu um sorriso maravilhado. Uma
resposta na ponta da língua. Nenhum dos dois
notou que Melquior e seus irmãos se camuflavam
na natureza e agiam em torno deles.
Acheron sentiu algo espetar em suas costas e
quase derrubou a fada.
— Solte-a — Melquior se revelou e Acheron
não se surpreendeu pela animosidade. Esperava por
esse tratamento depois da conversa tida com
Melquior e seus filhos.
— Está apontando sua espada para um

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Guardião? — Foi à pergunta de Acheron.


Era uma pergunta retórica, mas que dizia
muito mais do que isso.
— Sim, é o que estou fazendo. Solte Driana.
Deixe-a em paz — Melquior reinteirou.
Os quatro elfos em torno deles concordavam.
Acheron pousou-a no chão com cuidado e
manteve-se no mesmo lugar, sem manifestar-se a
cerca de pegar a espada e retribuir a gentileza.
— Porque está fazendo isso, Melquior? Por
favor! É Acheron! Ele não me faria mal! — Driana
disse incrédula.
O irmão mais velho de Jana aproximou-se
dela, e passou o braço em torno de sua cintura,
puxando-a gentilmente para longe do segundo
Guardião.
Sem compreender, ela aceitou, porque não

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conseguia ver o intuito de uma briga entre amigos.


— Papai! — A voz de Jana cortou o silêncio
e surgiu correndo. — Papai, isso é mesmo
necessário?
— Sim, isso é necessário. — Ele disse sério.
— Afaste-se da fada, Guardião. Siga seu caminho.
Volte para o castelo e continue sua vida. Terá sua
chance de se explicar quando retornarmos. Se eu o
ver outra vez aproveitando-se da fada, eu vou... —
Parou de falar, contendo a fúria.
Algo velado. Melquior não era de exibir seus
sentimentos ou expor suas explosões de raiva, amor
ou sofrimento. Era contido e isso se refletia em sua
expressão cansada. Cansado de tantos anos de
flagelação em uma busca que parecia jamais ter
fim.
— Eu não permito que fale assim com
Acheron! — Driana empurrou o braço do elfo mais
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jovem, e aproximou-se de Melquior sem crer no


que ouvia — eu sou uma fada livre. Não pesa sobre
mim calúnias ou leis. Sou eu quem responde por
minhas decisões! Eu agradeço muito pela ajuda,
confesso que sou grata a tudo que tem feito por
mim e tenho muito carinho por toda sua família...
Mas não permitirei que fale em meu nome!
Acheron não me abandonou...
— Sim, ele abandonou. — Melquior usou a
mão para baixar as dela, pois Driana gesticulava
muito, pois estava nervosa. — O Guardião a
abandonou. Jana me contou como ele tem abusado
de você desde o começo. Não é aceitável que um
Guardião use do corpo de uma fada desprotegida e
sofrida. Ele sabia que é órfã. Sem proteção. Sem
família. Fugitiva e amedrontada. E o que fez?
Abusou do seu corpo. Abusou da sua castidade.
Suas atitudes são imperdoáveis.

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— Nossa — ela mal acreditou no que ouvia.


— Quanta tolice. Eu deitei com Acheron porque
quis! Ele não abusou de mim. Eu que passei a usar
isso para... Bem, ter algum controle sobre ele —
corou ao dizer.
— Não vai ser julgada pelas atitudes que a
vida a obrigou a tomar em nome da própria
salvação — Melquior alegou, apiedado.
— Mas eu... Eu gosto deste elfo de cabeça
oca — ela disse um pouco desesperada em se fazer
entender.
— É algo que teremos que lidar, Driana.
Quando chegar a hora, de preferência diante da
Rainha que tem o poder de controlar as ações de
seus Guardiões. Lidaremos com a responsabilidade
dos atos de um macho que não controla seus
impulsos. O abuso contra uma fada indefesa não
ficará sem punição. Eu já lhe avisei sobre isso,

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Guardião. Sobre minha lealdade não me permitir


erguer a espada e cobrar a castidade de Driana com
sangue. — Era uma conversa estranha.
Driana quase sorriu diante da tolice do que
acontecia.
— Isso é ridículo — disse incrédula.
— Não, isso é justiça — um dos irmãos mais
novos de Jana disse.
— Injustiça é um elfo na posição de poder de
um Guardião usufruir do cio de uma fada e não
assumir seu crime diante das leis e da família.
— É mesmo? Porque estão agindo assim?
Sou livre para me deitar com quem eu quiser! —
Driana lembrou-os disso.
— Não. Não é livre para se deitar com quem
quiser. De agora em diante terá quem cuide de
você. E esse tipo de coisa não tornará a acontecer.

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Jamais alguém voltará a abusar de você, Driana.


Apesar de ser uma afirmação tocante, era
bem desproporcional.
Estanhando tanto silêncio da parte de
Acheron, Driana achou que havia algo que ela não
sabia acontecendo.
— Acheron? Não vai dizer nada? —
Perguntou.
— Não — ele deu de ombros.
— Você veio atrás de mim — era uma tola
afirmação.
Viera encontrá-la, mas não defendia suas
motivações diante de Melquior e seus filhos?
Acheron afastou os olhos dos seus, e essa foi a
confirmação de que todos mentiam. Escondiam
algo!
— Eu quero saber por que desse

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comportamento! — Exigiu. — Eu não admito


receber ordens de quem quer que seja! Fui presa
minha vida toda! Agora sou livre e não admito que
ousem mandar em mim! — Ficou bastante
revoltada. — Eu o admiro e o respeito, Melquior,
mas não admito que tome minhas dores! Cobrar
reparação? Que ousadia! O corpo me pertence e eu
faço dele o que bem entender! Acheron não é
culpado das minhas escolhas! Ele veio atrás de
mim e eu quero ouvir o que tem a dizer! — Estava
corada de indignação — e se ele não quiser dizer
nada... Bem, eu aceito assim mesmo!
Como Melquior não esmoreceu nem um
centímetro em sua decisão de protegê-la, Driana
apelou:
— Eu não acredito nisso! Quer saber... Eu
não vou participar disso! Vocês dois que se
resolvam sozinhos — olhou de Acheron para

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Melquior e vice e versa — eu vou continuar meu


caminho bem longe da loucura de vocês!
Driana deu as costas para aqueles elfos
loucos e começou a marchar para longe.
— Não vá — foi Acheron quem chamou.
— E porque eu ficaria para participar dessa
discussão estúpida? — Ela parou, olhando-o.
— Não pergunte a mim — Acheron
respondeu com a mesma expressão que ela.
Indignação. Acheron estava inconformado
em não poder falar sobre esse assunto com a
liberdade que desejava. — Eu fiz uma promessa e
não posso voltar atrás.
— Uma promessa? — A cada segundo a
situação se tornava ainda mais estranha.
— Não é um segredo que me pertença —
Acheron soou como se pedisse desculpas.

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— Não está pensando em ir embora outra


vez, está? — Ela perguntou com mágoa. — Veio
atrás de mim! O mínimo que mereço é uma
conversa, não é? Melquior, por favor, seja
razoável. — Ponderou. — Acheron é um Guardião,
é de total confiança! Eu posso ao menos conversar
com ele, não posso?
Melquior não queria ceder, tão pouco seus
filhos. O modo desconfiado com que tratavam o
elfo começou a exasperá-la.
— Mas afinal, o que esta acontecendo? —
Verbalizou esse sentimento de curiosidade
mesclada a indignação.
Melquior baixou a espada e seus filhos
fizeram o mesmo por associação. Jana suspendeu a
respiração, pois sabia o que viria a seguir.
— Eu posso contar — Acheron sugeriu. —
Eu sei lidar com ela.
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— Lidar comigo? — Driana perguntou


imediatamente. — Como assim ‘lidar comigo’?
— Driana, querida, porque você não se
acalma? — Jana sugeriu aproximando-se e
segurando sua mão. — Podemos nos sentar um
pouco? Os homens precisam conversar em
particular...
— O que é isso, Jana? Quanto machismo!
Que conversem na minha frente! Se eu sou o
assunto principal, é justo que ouça o que dirão de
mim! — Indignou-se. — Afinal, Melquior, qual o
seu problema com Acheron?
O elfo estava no limite entre o que desejava
fazer e o correto.
Por fim, a emoção falou mais alto.
— Esse elfo usou de minha filha e não quer
assumir a responsabilidade. Conversamos e ele não
quer se responsabilizar.
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Driana olhou para Jana com surpresa total.


— Eu não acredito nisso! Acheron! — Ela
correu em sua direção e empurrou-o com raiva —
você tocou em Jana? Você ousou me trair depois de
tudo que aconteceu entre nos dois?
— É claro que não — ele segurou seu braço,
obrigando-a a parar e empurrou-a nada cortês em
direção do elfo Melquior. — Ouça o que Melquior
tem a dizer. Cale a boca, fada livre! Pelo menos
uma vez na vida, ouça e não fale!
Driana puxou o braço, direcionando a ele um
olhar mortal.
Calou-se, pela recomendação e também pela
vontade de saber o que acontecia de fato.
Melquior baixou a cabeça e disse sem
coragem de encará-la:
— Eu dediquei minha vida ao trabalho e a

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proteção do povoado onde nasci e me criei. Quando


me casei, a fada escolhida era minha melhor amiga
de infância. Éramos três amigos inseparáveis, por
isso entendo perfeitamente sua dedicação às fadas
fugitivas.
Ela pensou em corrigi-lo, lembrá-lo que eram
livres e não mais fugitivas, mas as palavras de
Acheron pesaram em sua mente, lembrando-a de
ouvir em vez de falar.
— Eu me casei muito cedo. Um ano mais
tarde nasceu meu primeiro filho. Tive dois filhos
elfos em sequência. A vida parecia perfeita, até que
em uma primavera nasceu nossa primeira fadinha.
— Ele sorriu da lembrança. — Branca, minha
esposa, estava apaixonada pela filha. Foram quase
dois anos de pura felicidade. Ela engravidou outra
vez e estávamos vivendo em um conto de fadas.
Perto do parto, alguém invadiu nossa casa na minha

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ausência e levou nossa filha. Os meninos estavam


sempre comigo, foram criados correndo atrás de
mim aprendendo meu ofício na Guarda. Eu
procurei minha filha por meses, Driana. Quando
voltei pra casa, Jana era nascida e estava grande.
Fui ver minha fada com quase quatro anos. — Jana
estava triste de ouvir a história e baixou os olhos,
pois eles carregavam muitas lágrimas. — Branca
pediu que não partisse mais. Ela só chorava, dia e
noite. Eu não sabia mais o que fazer. Fiz o que me
pediu. Fiquei ai seu lado. Ela parecia mais feliz
quando vieram os dois últimos meninos. Eu não sei
como pude ter me enganado tanto. Ela estava
morrendo por dentro e eu não notei. Seis anos após
o sequestro da minha primeira filha, Branca
morreu. Eu sei que foi de tristeza. O sofrimento a
matou. Nada pôde apagar essa dor. Se eu houvesse
me rebelado contra seu pedido e encontrado nossa
filha, Branca estaria viva para ver esse momento
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chegar.
— Ninguém pode prever o que vai acontecer
na vida — Driana corrigiu-o — eu mesma era uma
fada da clausura, sem esperanças, desgraçada pela
vida... E isso foi a apenas algumas semanas atrás e
agora sou livre. A vida é imprevisível.
— Branca era muito diferente de mim. Ela
era fechada.Vivia em meio a livros e escritas. Era
muito boa com as palavras. Ainda tenho seus
diários, suas anotações... Ela registrava tudo que
pensava. Era muito... Criativa — ele não quis usar
uma determinada palavra, mas Driana entendeu que
fugia do uso da palavra ‘inteligente’.
A causa disso a intrigou ainda mais.
— Mas você se casou depois da morte de sua
esposa — lembrou-o disso.
Não entendia exatamente porque lhe contava
tudo isso, mas era uma história que gostaria de
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conhecer.
— Sim, cresci ao lado de Branca e Misselan.
Eram minhas melhores amigas. Os anos fizeram o
amor nascer e minha vida foi devotada para Branca.
Quando a perdi.... Misselan me ajudava com as
crianças, principalmente, era uma boa companhia
para Jana. Eu não pude cuidar da minha primeira
filha, não queria errar com a segunda... E cometi o
pior dos erros. Jana foi sacrificada por minha culpa.
Jana não negou. Na verdade não disse nada.
Era hora de um desabafo, não de interferências.
— Misselan era louca. Teve o que mereceu
— Driana disse surpresa por um elfo tão bom
quanto Melquior pensar desse modo arbitrário. —
Não existe amor que justifique o mal que esta fada
fez para sua família! Ela me disse que sequestrou
Jana porque você estava muito perto de encontrar
sua filha sequestrada. Que Jana seria uma distração

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para afastá-lo do caminho certo. E agora, quem o


afasta da sua missão sou eu... — Baixou a cabeça
— mas lhe prometo, que tão logo esse inferno
termine, eu pedirei ajuda para Eleonora, pedirei que
ela me ajude a conseguir elfos, quem sabe até um
ou dois Guardiões para ajudar na busca por sua
filha...
— O nome da primeira fêmea que nasceu do
ventre de Branca era Sell. Pequena Sell, com olhos
arregalados e bochechas rosadas — dele disse com
profunda ternura — A primeira cria fêmea, a herdar
as asas de Branca.
— Diga para Driana, papai, sobre o dom —
Jana lembrou-o, não queria interferir, mas Melquior
estava se tornando mais e mais emotivo e as
palavras pareciam ter fugido de sua mente.
Ele cobriu a boca com os dedos, como quem
precisava de um tempo antes de continuar a falar.

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— As fêmeas do meu povo não possuem


dons, Driana. Assim como Jana, você também não
possui dons.
— Sempre me disseram que minha
inteligência era indício que meu dom seria esse...
Que eu seria inteligente e...
— Não é um dom, é uma qualidade —
Acheron se fez notar. — Uma fada do Ministério
do Rei não possui rastros, impossível saber de onde
você poderia ter vindo. Quando demonstrou sua
inteligência, foi natural que deduzissem ser o seu
dom. Foi um engano.
— Não era um dom muito útil de qualquer
modo... — Ela disse com ironia e seus olhares se
cruzaram. — Eu só não entendo porque esta briga
toda contra Acheron. Eu gostaria de saber qual o
desentendimento que existe entre vocês dois.
— Você — Melquior respondeu. — Você
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existe entre nós dois. Eu exigi a reparação do mal


lhe feito e ele se negou. Enquanto essa situação não
se resolver, ele não terá a oportunidade de abusar
de você outra vez — ele foi resoluto. — Eu estive
muito perto de visitar o Ministério do Rei, Driana.
Sabia disso?
— Não — ela disse sem entender ainda.
— Quando sequestram Jana estávamos a
caminho do castelo. Eu pretendia conhecer as fadas
com mais de vinte anos, esperar as asas nascerem e
tentar... Tentar me apegar a esperança, de que
alguma delas pudesse ter asas iguais as de Branca...
O entendimento imediato cruzou a mente de
Driana.
Acheron notou o momento em que a tensão
surgiu na face da fada. Apesar disso, ela não disse
nada. Era hora de calar. Como Acheron dissera, a
hora era de calar.
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Calar para ouvir a história de sua própria


vida.
Saber o que viria não poderia subjulgar a
necessidade de ouvir.
— Tivemos que adiar esse momento, porque
Jana estava correndo perigo. Abrir mão de uma
filha por conta de outra. Que escolha eu tinha? —
Ele perguntou a si mesmo e seus filhos tinham o
mesmo olhar de culpa que o pai exibia.
— Nenhuma — foi Driana quem respondeu.
Uma simples palavra que refletia tudo.
Driana se moveu e andou até Melquior.
Estendeu a mão e tocou sobre o ombro do elfo:
— Você encontrou sua filha, Melquior?
— Sim — olhos nos olhos, ele não hesitou na
resposta — E ela tem as mesmas asas negras que
Branca tinha, as mesmas longas e belas asas cor de

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noite.
Um profundo suspiro escapou dos lábios de
Jana e Driana olhou-a estendendo a mão em sua
direção.
Jana não esperou outro convite.
Acheron ficou de fora, observando a cena.
Jana soluçou, chorando sua alegria enquanto
abraçava Driana com toda a saudade de uma irmã
que nunca conheceu sua irmã mais velha, mas
acalentava esse sonho.
Em meio ao abraço Driana afastou-se e
perguntou, com um sorriso invejável em sua face:
— Como é possível que eu tenha tido minhas
asas depois de você? — Precisava de uma
explicação, mas não se importava com isso. Pela
primeira vez na vida esses detalhes não lhe
importavam.

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— Eu lhe disse uma vez, quando


conversamos, nem sempre as asas nascem aos vinte
anos. Cada fada é uma situação diferente. Em nossa
gente é assim.
— Eu tenho uma família? — Driana
perguntou para se certificar, encantada com essa
verdade. — Um pai? — Olhou para Melquior —
Irmãos? — Olhou um a um, e as lágrimas rolaram
em sua face. Lágrimas de alegrias. — Essa é a
minha história? Tenho vinte e dois anos, um pai
corajoso, quatro irmãos bonitos e fortes para me
proteger?
— E uma irmã! — Jana disse emocionada.
— Minha querida irmã.
— Minha irmã — Driana repetiu, abraçando
Jana mais uma vez.
Então, soltou Jana para chegar a Melquior.
— Eu não preciso que Acheron se redima de
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crime algum. — Explicou, entendendo agora o


problema entre os dois homens. — Eu preciso que
ele fique comigo, do jeito que ele puder. E agora
ele sabe — olhou para o Guardião com malícia no
olhar — que eu tenho um pai e irmãos para me
defender.
Encantada com o quanto a vida estava sendo
boa com ela, depois de tanto sofrimento e privação,
Driana disse lutando contra o engasgo que apertava
sua garganta:
— Eu queria ter conhecido minha mãe —
sussurrou — eu queria muito ter conhecido-a. Eu só
lamento que Jana tenha sofrido por minha causa.
Por culpa de uma mulher louca que fez essas
atrocidades por causa de um falso amor. De resto,
agradecerei para sempre a loucura da Rainha
Santha que me jogou na vida, pois graças a ela, a
vida me trouxe até a minha família! Eu... Não sei

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como ainda, mas eu nunca mais vou me afastar do


meu pai e dos meus irmãos!
Dizendo isso, se jogou nos braços de
Melquior, seu pai. Um abraço que esperou uma
vida inteira para acontecer. Ele beijou sua testa
quando o abraço acabou e Driana, rindo, abraçou
um a um seus irmãos. O mais novinho a ergueu do
chão e rodopiou. Ela riu muito enquanto a vida a
trazia de volta para o ceio da sua família.
Quando o abraço acabou, Driana olhou para
o segundo Guardião. Não esperou permissão para
abraçá-lo.
— Você sabia e não me contou — sussurrou
em seu ouvido enquanto o abraçava pelo pescoço.
— Não era um assunto meu — ele foi
simples em sua resposta. — Não deveria saber pela
minha boca.
— E quando me contariam? — A pergunta
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foi feita para Melquior.


— Quando voltássemos para o castelo.
Quando sua antiga vida estivesse em paz. —
explicou com a mesma simplicidade com que
sempre agia.
— Acheron...Você vai me ajudar a encontrar
Joan? — Perguntou, sendo abraçada por apenas um
braço do elfo.
Ele era forte e não precisava de mais que isso
para mantê-la presa a seu corpo.
— Se for seu desejo — respondeu e ela
segurou seu rosto para que pudesse ter sua total
atenção.
— É o meu desejo. — Respondeu — eu
quero falar com você — disse com ternura.
— De modo algum — Melquior informou.
— Enquanto não se redimir por ter roubado a

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castidade de uma fada desprotegida, não terá a


oportunidade de abusar de minha filha outra vez.
Eu não pude protegê-la durante toda sua vida, mas
de hoje em diante, está sob minha proteção.
Foi taxativo. Driana não argumentou sobre a
desnecessidade dessa posição. Pra que tirar esse
prazer que seu pai estava sentindo em cuidar dela?
— O Segundo Guardião jamais ficaria em
dívida com quem quer que seja — Driana disse tão
feliz que poderia gritar para o mundo todo ouvir. —
Ele veio atrás de mim, não veio?
— Papai — Jana disse como um apelo. —
Um momento a sós não irá arruinar a reputação de
Driana.
Contrariado Melquior concordou com a filha,
mas estava contrariado em deixá-los sozinhos.
Acheron e Driana ficaram sozinhos.
A fada livre afastou-se dele e com um meio
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sorriso esperou que se manifestasse.


— Não vamos sobreviver muito tempo juntos
— ele alegou. — Não combinamos em nada. Você
é chata e enfadonha a maior parte do tempo e me
irrita profundamente com suas perguntas e
argumentos desnecessários sobre toda situação que
passamos ou ainda vamos passar. Eu não quero e
não preciso ser analisado o tempo todo.
— Eu não precisaria fazer isso se você
conversasse comigo normalmente — ela
argumentou. — Conversava com o garoto Jô sem
problema algum, mas comigo... Você não fala
nada! Esconde o que sente e o que pensa! O que me
resta? Arrancar-lhe a verdade!
— Se eu quiser, eu lhe contarei a minha
verdade, fada. Eu preciso querer. Não vou falar
quando você quiser e sim quando eu achar que
devo. — Foi taxativo, suas mãos graúdas

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emoldurando seu rosto, para que ela não deixasse


os olhos vagarem e consequentemente sua mente
criar teorias. — Eu sei o que pensa a meu respeito,
fada. Em algum momento da nossa vida essa
opinião poderá nos separar. Quero que pense sobre
isso.
— Mas Acheron... — Ela pousou as mãos
sobre as dele, incrédula sobre ouvir isso — quando
o conheci eu pensei que nunca tinha conhecido um
elfo tão burro quanto você em toda minha vida e
que dificilmente voltaria a conhecer. Uma toupeira
de cabeça oca e dura agraciada pela carcaça mais
bem feita que já tinha visto em toda minha vida. Eu
não sei como não notou que eu era uma fada! Eu
queimava por você, fingindo não reparar. Eu era
um elfo, não é? Acho que desempenhei bem meu
papel ou o mundo inteiro sofre de falta de
percepção coletiva... — Notando que o Guardião

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não gostava de suas palavras, Driana sorriu —


acontece que eu percebi meu engano. Você não é
burro, Acheron. Eu era profundamente ignorante
sobre a alma humana, sobre a vida, e sobre o que
realmente importa. Uma porta, sem sentimentos
profundos e sem sagacidade verdadeira. Eu era tola.
— Você nunca poderia ser tola, Driana,
mesmo que se esforçasse para isso. — Ele negou.
— Como não? Eu não conhecia nada da vida.
Eu li sobre a vida em muitos livros, mas não
conhecia o sentindo exato das palavras até
vivenciá-las. Acheron... Você não tem ideia de
como me sinto na sua presença. Sinto saudade de
ser o menino Jô, porque naquela época você era
próximo a mim. Conversava comigo. Eu sinto falta
disso.
— De conversar com um elfo burro? Talvez
você também não seja tão esperta assim...

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Ouvir uma piada vinda de Acheron era


entusiasmante.
— Eu gosto de você, Guardião. Eu me
apaixonei. Eu quero que fique comigo. Mesmo que
não dure muito tempo. Fica comigo, Acheron.
Agora eu sei que as diferenças não importam. Eu
não sou quem pensei que era. Sou comum.
— Eu me pergunto se terei que lidar com sua
arrogância todos os dias — ele sugeriu.
— Temo que sim. — Foi sincera. — Diga
que gosta de mim, Guardião.
— E quais são os seus planos, fada da
clausura? — Não resistiu a provocá-la, privando-a
da declaração que tanto desejava.
— Não me chame assim, eu tenho arrepios só
de lembrar como teria sido minha vida se não
houvesse sido envolvida nas mentiras da Rainha
Santha. — Reclamou, puxando a orelha pontuda do
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elfo, arrancando-lhe um rosnado de queixa. —


Meus planos são simples. E você está incluído em
todos eles.
— É mesmo? — Ele insistiu, uma
sobrancelha erguida em falsa dúvida.
— Claro que sim. Eu vou ajudar Joan.
Quando ela estiver segura voltarei ao castelo e
esperarei minhas amigas decidirem o que farão de
suas vidas. Eu espero de coração que todas nós
permaneçamos juntas. Depois... Eu gostaria de
viver na Floresta dos Desejos em uma cabana que
ouvi dizer que um bonito Guardião mantém
escondida entre árvores, flores e animais... O que
você acha? É um bom plano?
— Eu posso ver uma falha ou outra neste
plano... Mas nada que me assuste — Acheron fez
graça apesar da aparente seriedade.
— Eu quero conhecer o lugar de onde vim,
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Acheron, mas é um plano futuro. Um futuro


próximo. E quero... Quero conhecer sua terra
também. — Notou imediatamente sua posição
mudar.
Ele se afastou, soltando-a.
— Quero ver como você é sem esse
bronzeado todo. — Não resistiu a provocar. —
Quero vê-lo rei, Segundo Guardião. Quero que
escolha sua vida, depois de reencontrar seu
passado.
— Isso não vai acontecer — ele colocou o
saco de couro com a armadura nas costas e tornou a
negar — tire essa ideia da cabeça.
— Não mesmo — entendeu sua posição e
pulou nas costas dele, quando Acheron virou-se
para andar para longe, fugindo da conversa que
tanto o perturbava. Abraçando-o com braços e
pernas. — Não vai fugir disso, Acheron. Não vai
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fugir do que acontece entre nós dois!


— Pelo visto nossas brigas começaram antes
do previsto — ele não a colocou no chão e assim,
recomeçou a andar — eu deveria devolvê-la para
Melquior.
— Se fizer isso, eu fujo atrás de você —
avisou.
— Eu não duvido disso — sorriu e ela
beijou-o.
Um estranho beijo, porém profundo e
apaixonado como o beijo de amantes inseparáveis
deveria ser. Acheron derrubou a armadura e
colocou Driana no chão, enlaçando-a pela cintura,
puxando-a para seus braços. Mãos, lábios, corpos
unidos em um beijo que duraria para a vida toda.
Nenhum deles acreditava de verdade que o
relacionamento não duraria. Havia muito amor e
esse sentimento não desapareceria mesmo com as
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diferenças entre ambos.


De mãos dadas, procuram pela família de
Driana.
Infelizmente, apesar da felicidade que sentia,
sua família não estava completa. Em algum lugar,
perdidas e sozinhas, suas amigas tentavam
sobreviver...
*****
Na Vila dos Desesperados, Alma mantinha-
se escondida em uma choupana de uma velha
duende. Suas asas nasciam e seu corpo penava de
um sofrimento incomum. Nua da cintura
para cima, de costas para cima, naquele exato
momento ela se contorcia aos gritos enquanto suas
asas saltavam, rompendo a carne e espalhando
sangue por todo colchão velho.
Em um canto do quarto a duende anciã,
usando seu manto e capuz apenas baixou a cabeça,
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sem ajudar a aliviar o sofrimento da fada.


Suada, tremendo da cabeça aos pés, Alma
levantou a cabeça e olhou para ela, olhos
vermelhos, perigosos, injetados pela dor e pela
raiva. Era tudo culpa da Rainha Santha e dos
Guardiões. Seu sofrimento solitário era culpa dos
Guardiões. Ela segurou o lençol contra o peito e
sentou-se.
Não havia tempo para lamento ou se
recuperar de toda a dor lacerante. Precisava sair
dali antes que o Guardião Solon a farejasse.
Infelizmente Joan não precisava se preocupar
em esconder seu cheiro de fada, pois a Guardião
Zoé sabia onde estava. Apavorada, Joan correu
pelos corredores do castelo, no alto, olhando para o
pátio onde os humanos trabalhavam e mantinham o
forte em perfeito zelo.
Tentou ver onde estaria Zoé. Apavorada,
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Joan temia por sua vida e pela vida de todas


aquelas pessoas. A estratégia de Zoé em caçá-la
com discrição a assustava muito mais do que um
ataque direto.
Zoé parecia muito mais interessada em
derramar seu sangue do que aprisioná-la e levá-la
para a Rainha Santha.
Joan voltou a correr. Parou abruptamente ao
ver Rowell, o seu humano. Gostava de pensar nele
dessa forma: O seu humano. Ele não estava
sozinho. Ao seu lado uma bela plebeia trajando um
vestido delicado um sorriso falso na face.
Essa mulher era Zoé caçando-a dentro do
castelo, nas fuças dos humanos.
Joan deixou cair à bandeja com pratarias que
carregava e ficou imóvel. Correu para longe,
esperando ter alguma vantagem. Mas era tarde
demais para temer por suas amigas, pois sua vida
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estava por um fio...


E não era apenas a vida de Joan que estava
em risco. Amarrado e amordaçado em uma caverna
aos pés do abismo, Tobias esperava por sua algoz.
Não a única. Eram muitas. Dividido entre medo e
expectativa.
Ele queria notícias de Eleonora sem saber
que nesse exato instante, na torre mais alta do
Castelo, Eleonora observava a noite. O vento nos
cabelos e o olhar perdido no infinito, implorando
que suas amigas voltassem a salvo e que Egan não
demorasse a voltar para seus braços...

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Capítulo 37 - Epílogo

Seis anos depois

Pela janela aberta o vento entrou, agitou as


cortinas de linho branco e varreu a mesinha,
derrubando os pergaminhos, tinteiro com suas
penas e revirou as páginas de um dos livros que
jazia aberto e esquecido, pois sua dona o
abandonara no meio da leitura.
Um dos pergaminhos voo levado pelo vento
para o assoalho de madeira e deixou o pequeno
espaço de livros e estudos, para invadir o quartinho
onde as duas crianças brincavam.
O elfo pequenino, louro e de olhos verdes
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profundos, nem reparou no intruso, ocupado com


seu mundo imaginário, onde invadia e salvava seu
reino de conto de fadas, usando sua espadinha feita
de bambu.
A fadinha, idêntica ao menino, deixou sua
boneca de pano e correu atrás da folha de
pergaminho. Seus longos cabelos louros, cacheados
nas pontas, balançaram ao sabor do vento e ela riu
quando mãos enormes a tiraram do chão,
impedindo-a de caçar o pergaminho que era levado
de um lado ao outro pelo assoalho.
Era seu pai, por isso, ela não sentia medo.
Ele estava de volta e seu irmãozinho logo corria até
eles. O pergaminho esquecido no chão.
Atraída pelo som de risos, a fada aproximou-
se, deixando de lado a caderneta onde fazia
anotações. Apoiou-se no batente da porta,
observando a família reunida.

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Driana mantinha os longos cabelos negros


presos por uma fita e eles caiam para o lado, sobre
seu peito. A franja prevalecera, ela gostava de se
sentir bonita. Os anos amadureceram sua beleza e
seu gosto pessoal sofisticou-se, como era de esperar
de uma intelectual.
Acheron estava coberto de razão ao dizer que
teria que lidar com sua arrogância todos os dias de
sua vida, pois nesse quesito, ela não se emendava.
A pequenina Miha foi colocada no chão e
correu atrás do irmão, o incontrolável Piero. Eles
estavam arredios com o presente trazido pelo pai.
Driana precisava lembrar Acheron mais uma vez
sobre não trazer animais de estimação para os
filhos sem consultá-la antes. Principalmente
pequenos roedores.
O elfo olhou em sua direção, provavelmente
adivinhando seus pensamentos. Em uma casinha

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simples, de madeira e folhas, no meio da Floresta


dos Desejos, vivendo da natureza e da simplicidade
que a vida pode oferecer, ainda assim, Driana
parecia saída de um livro sofisticado de contos de
fadas. Altiva, elegante e muito, mas muito
inteligente.
— Achei que tinha esquecido nosso acordo,
Guardião — ela reclamou. — Passou uma semana
sem que eu recebesse uma única notícia sua.
— Hum, preocupada comigo, fada livre? —
Ele perguntou, aproximando-se.
— Não. Minha preocupação se encaixa em
algo entre indignação e fúria. Não pensou que
escaparia da sua promessa, pensou?
Acheron ficou diante dela, de pé, fitando a
mulher decidida a sua frente. Ele ainda se vestia do
mesmo modo de quando o conheceu. O único
retoque eram as tiras de couro que prendiam os
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cabelos indomáveis em tranças e penteados que


realçavam ainda mais sua masculinidade
exacerbada.
Segundo Guardião, pai e marido. Acheron
era tão lindo por dentro quanto por fora. Ela se
sentia a fada mais sortuda no universo.
Foi Driana quem cedeu primeiro, deu um
passo à frente e tocou seu peito com as duas mãos.
O coração de Acheron batia forte e ela sorriu:
— Senti tanto a sua falta, Acheron. Você
desaparece por dias sem mandar notícias. O que
espera? Que não me preocupe?
— Eu não desapareci. Sua rainha solicitou
minha presença. — Era um aviso.
Algumas vezes ele gostava de desafiá-la.
— Preciso reclamar com Lora sobre mantê-lo
tantos dias longe de casa. — Ela resmungou,

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erguendo-se nas pontinhas dos pés para beijá-lo.


Muitos acontecimentos haviam ocorrido
depois que Driana foi salva do destino de fugitiva.
Um desses acontecimentos havia sido seu
casamento com Acheron.
Acheron não havia se enganado ao profetizar
que a emprenharia durante o cio, pois exatamente
nove meses depois do acontecido, nasceram os
gêmeos Piero e Miha. Herdeiros da genética e
inteligência de Acheron, embora Driana ainda
tivesse esperanças a cerca do gradativo interesse de
filha pela leitura, eram duas espoletas alegrando
seus dias.
Dias esses em que a leitura ficava de lado,
juntamente com os profundos pensamentos, em que
se dedicava apenas as crianças e ao cuidado do
pequeno paraíso que Acheron construiu para os
dois naquele pedaço de felicidade no meio da

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floresta.
Com a permissão da Rainha Eleonora, o
Segundo Guardião vivia na Floresta dos Desejos,
como era sua vontade e ocasionalmente era
solicitado para algum trabalho ou treinamento.
O beijo, repleto de saudade e paixão, foi
alimentado pelas mãos de Acheron, que a ergueram
contra a primeira parede que encontrou e a
pressionou com seu corpo, exigindo alívio para
toda a falta que sentia de sua companheira.
Ele estava errado ao dizer que não durariam
mais que alguns poucos dias juntos. Estava errado
ao alegar que não combinavam em nada. Mas
estava certo ao dizer que seria difícil e que ambos
precisariam ceder. Principalmente, que ela
precisaria entender as pessoas a sua volta, antes de
julgá-las. Era um aprendizado diário e Driana
estava contente com as escolhas feitas em sua vida.

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— Não será com beijos que conseguirá fugir


dessa vez, Acheron — ela avisou, forçando os
lábios nos dele, tentando controlar a fera que
poderia devorá-la com os olhos.
Acheron era fogo puro, e juntos a brasa
queimava. No entanto havia um assunto pendente
entre eles.
— Conheço todos os seus truques e
desculpas esfarrapadas. Dessa vez tenho uma arma
contra cada um deles — ela avisou,
confortavelmente instalada em seus braços.
— Não me diga que contou a eles —
Acheron disse, ficando irritado imediatamente.
— É claro que sim! Não é possível esconder
os preparativos de uma viagem desse porte. Além
disso... Eles irão conosco.
— Eu não gosto dessa ideia — Acheron
afastou-se na mesma hora.
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Driana pousou a mão em seu ombro, por trás,


enquanto ele fingia atenção em retirar o cinturão e
as peles que cobriam parte do seu peito e braços.
— São seus filhos, herdeiros do seu sangue e
é justo que conheçam suas origens. Assim como eu
conheci as minhas origens. — Ela disse sorrindo.
Acheron não tinha argumentos para negar
esse pedido. Seis longos anos batalhando por esse
momento. Ela sempre soube que não seria fácil,
pois ele não estava pronto para vivenciar essa hora.
Ao contrário de Driana, que poucas semanas
após dar a luz aos gêmeos, havia seguido viagem
com seu pai e irmãos, sempre vigiada de perto por
seu amado Guardião, encontrando seu passado ao
chegar ao vilarejo onde nasceu.
Um ano vivendo uma vida que um dia foi
sua, mas não lhe pertencia mais e o casal voltou
para o Monte das Fadas. Driana não se surpreendeu
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quando alguns meses depois seus familiares


decidiram por morar na Vila dos Desesperados,
perto dela.
Não havia mais nada que pudesse ser
resgatado de seu passado. Driana não precisava
buscar essa realização interna, pois já a encontrara.
No entanto, Acheron ainda estava longe dessa paz.
Muito longe na verdade.
Algumas vezes, durante a noite, sofria de
pesadelos. Nunca lhe contava nada sobre isso, e
Driana respeitava suas razões. Nem sempre o amor
é feito apenas de felicidade sublime, é preciso
alguma persuasão e insistência para vencer limites.
Finalmente, depois de todos aqueles anos de
insistência, Acheron concordou com seu convite.
Driana desconfiava que concordara mais para calar
sua insistência. Mas agora era tarde, sua palavra de
Guardião havia sido dada e ela o cobraria sobre isso

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enquanto não cedesse.


— Não aprovo a ideia de expô-los ao perigo.
— Ele não virou para olhar em seus olhos e Driana
abraçou-o pela cintura, colando a face em suas
costas largas.
— Não tente mentir pra mim, elfo. Seria
patético se fizesse isso a essa altura da nossa vida
em comum — alertou.
— Não é questão de mentir — ele se
defendeu.
— É questão de medo. Mas não pense nisso,
Acheron. Não precisa ter medo de perder seu lugar
no mundo. Esse lugar ninguém tomará de você. Seu
lugar é ao meu lado. Aqui, nessa cabana, na minha
vida, e na vida das crianças. Nada que acontecer em
sua terra natal mudará isso. Por favor, é hora de
vencer o passado.
Acheron não quis responder. Seu suspiro
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agressivo foi sua manifestação de rendição.


Ele segurou uma das suas mãos que o
abraçava pela cintura e Driana sorriu diante da
rendição definitiva.
— Não existe nada para mim nessa terra,
Driana — ele foi franco. — Tantos anos passados...
Ninguém se lembra do meu pai, do rei assassinado
injustamente. Tão pouco se lembram de um
príncipe escravo que partiu após vingar a morte de
sua família. É tudo passado e você precisará aceitar
isso, do modo que eu aceito. Fará isso?
— Sim, eu farei isso — ela disse para
tranquilizá-lo.
Somente para acalmá-lo e aliviar o peso que
Acheron carregava em seus ombros largos e
capazes de suportar as maiores responsabilidades
em prol da segurança dos inocentes e de seus
familiares.
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Driana imaginava que a realidade que


encontrariam na terra natal de Acheron seria muito
diferente do que ele fantasiava. Acheron supunha
encontrar uma terra esquecida de seu príncipe
escravo.
Ela acreditava no oposto. E mesmo que
estivesse enganada, a viagem valeria a pena. Seus
filhos conheceriam parte de sua genética, poderiam
ver o mundo sob variados prismas. Para Driana isso
era vital.
Acheron puxou a fada para si e abraçou-a,
beijando sua testa. Não queria falar mais nada.
Uma semana de saudade era o bastante. Ouvindo o
riso dos filhos brincando no jardim, pois a Floresta
em torno era o jardim de seus filhos, Driana puxou
seu Guardião pela mão em direção ao quarto.
*****
Driana estava certa em suas convicções e em
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tantas brigas insistindo para que Acheron vencesse


seu medo e voltasse para casa. Muitos dias depois
da partida, eles chegaram ao local onde Acheron
nasceu.
A primeira parte da viagem foi difícil,
usando de fadas para encurtar a viagem e ganhar
tempo. Depois, a caminhada em meio à neve trouxe
o frio e a as reclamações sem fim das duas crianças.
Driana levava Miha pela mão, à fadinha
agasalhada da cabeça aos pés, assim como seu
irmão que seguia empoleirado nas costas do pai.
Driana usava tantas roupas, que há dias não via a
própria pele. Acheron por sua vez, não usava nada
além de uma capa de peles.
O vento polar agredia a pele e machucava o
corpo, mas para o filho daquela terra, era incapaz
de causar danos. Driana parou de andar quando
Piero gritou empolgado, avisando que conseguia

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ver a vila de sobre os ombros do pai.


Eles haviam chegado ao topo de uma
montanha e a vista proporcionava grande emoção.
Era um vilarejo erguido em meio à neve e ao frio.
Construções de pedras, em formas quadradas e
sóbrias, tão diferentes dos casebres comuns na
floresta de onde Driana vinha.
Muitos ursos brancos, domados e usados para
o trabalho encontravam-se guardando a entrada dos
grandes portões em forma de arco. Não era uma
civilização pequena, como supôs baseada nas
histórias que Acheron contava. Era um povo
formado por muitas pessoas e muitas raças.
Piero mal se continha nos ombros do pai
apontando e falando sem falar, exibindo sua
empolgação sem constrangimento, com a
naturalidade peculiar das crianças. Driana olhou
para o Guardião e sentiu um aperto no coração.

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O silêncio era tão grande. Ele não conseguia


se expressar. Os olhos verdes, sempre de cor
indefinida, desde que pisaram na neve branca, que
cobria cada centímetro de terra, tornou-se um verde
pesado, forte e decifrável. Driana estava encantada
pela mudança.
Aquele era o seu elfo, voltando para suas
origens. Segurando sua mão, Miha surpreendeu-a
ao perguntar baixinho:
— Mamãe, é aqui que vamos morar?
— Não, querida. Aqui é o lugar onde o papai
nasceu. Porque você me fez essa pergunta? —
Curvou-se para cochichar com a filha.
— Porque o elfo de barba branca disse que o
papai voltou para casa — ela respondeu com
naturalidade.
Driana olhou para onde a menina apontava e
não viu nada além de neve. Puxou a filha para mais
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perto e olhou para o céu nublado pela aproximação


de mais uma tempestade de neve.
Há algum tempo que ela desconfiava que a
genética de Acheron interferia na genética de sua
fadinha. Ela vinha demonstrando um dom para ver
e ouvir o que os olhos e ouvidos normalmente não
captam. Suspeitava que visse o avô.
Emocionada, Driana esperou que Acheron
ditasse o passo. Eles não poderiam permanecer na
neve para sempre, mas não o forçaria a nada.
Acheron olhou para sua companheira de vida
e apontou o caminho, enquanto falava sobre a
cidade, atraindo a atenção dos filhos para a cidade e
não para o nervosismo que o pai sentia.
Eles desceram por um caminho difícil e
quando se aproximaram dos portões em forma de
arco foram recepcionados por elfos sobre o lombo
de dois ursos brancos.
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Os animais impressionavam pelo porte e pela


ferocidade. Usavam celas, como se fossem cavalos
e eram celas gigantescas, feitas em material
resistente, muito semelhante às roupas que os elfos
que faziam a guarda usavam.
Driana lembrou-se que não existiam
Guardiões com armaduras nessas terras tão
longínquas e que era provável que a armadura que
Acheron carregava nas costas seria a primeira que
entrava por aqueles portões.
Miha estava desesperada tentando soltar a
mão de sua mãe e correr para os ursos, sem medo
do que pertencia a natureza, pois para ela era tudo
fascinante.
Acheron colocou o filho no chão e Driana se
apressou para segurar a mão de Piero antes que
também quisesse seguir a curiosidade. O vento
soltou seus cabelos negros da touca que a protegia

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do frio, mas ela ignorou observando Acheron falar


em uma língua estranha. Uma língua típica do seu
povo.
Um dos elfos voltou para o castelo e
demorou a regressar. Driana estava quase
desistindo dessa missão louca quando o elfo da
guarda retornou e os guiou para dentro dos portões.
Eles andaram entre elfos e fadas que paravam tudo
que faziam para olhá-los com espanto nas faces.
Miha soltou de sua mão em determinado
momento, aproveitando a distração de Driana e
correu para um dos ursos. Era tão natural para ela
tocar o pelo do animal e não ser rechaçada. Por
isso, Driana livrou-se do receio materno e soltou
Piero. Ele imitou a irmã.
Ela parou e ficou olhando sua família. A pele
tão alvinha, os cabelos louros tão claros, os corpos
longilíneos e fortes, a integração com o meio a sua

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volta. Ela quis trazer Acheron de volta para sua


casa, para que vencesse as sombras do seu passado,
e estava coberta de razão.
Sua família pertencia aquela terra.
Os pequenos seguiram os pais sem que
precisassem ser chamados e ficaram ao lado do pai
por instinto. Amavam a mãe, mas nesse momento
eles sentiam a necessidade de estar ao lado do pai.
Era o sangue falando mais alto.
Algo diferente rondava-os. Uma sensação
única de que algo muito grande aguardava-os. Algo
que mudaria suas vidas para todo sempre. Quando
entraram no castelo e foram levados por um
caminho de pedras e mármore, ela sentiu um calor
dentro do peito e olhou para Acheron.
Ele viveu nesse lugar, pensou. Esta é a sua
casa.
As grandes portas que mantinham o salão
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real protegido foram abertas e os conduziram por


longos corredores. Acheron na frente, sua família
logo atrás, silenciosos.
Havia um homem no trono, seu nome era
Lourenzo. Acheron lembrava-se dele. Driana
também, pois muito ouvira falar sobre ele. Era um
dos revoltosos que ajudou a salvar o reino. O elfo
escolhido para reinar quando Acheron partiu.
Esse mesmo elfo que jamais se esqueceu do
príncipe que partiu, destroçado pela dor e pelo
desespero de ter perdido todas as esperanças de ser
feliz. Um príncipe escravo que aguardava o retorno
e nunca em sua vida, teve dúvidas que viveria para
ver retornar a sua terra natal.
Lourenzo era de estatura média, contava
muitos invernos de idade e suas roupas não se
diferenciavam em nada das vestimentas dos demais
elfos de seu povo. Nada de soberba ou ganância.

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O Segundo Guardião estava tenso, com toda


razão. Para um rei, a presença do príncipe
destronado sempre representa uma ameaça. Por
direito o trono poderia ser exigido. Não era a
intenção de Acheron, mas nem sempre as pessoas
são racionais quando sentem medo.
Lourenzo levantou e fixou os olhos em
Acheron. Com exceção da pele bronzeada e do
porte de macho adulto, ainda podia enxergar o
príncipe escravo por de trás dos anos e das
mudanças ocorridas em seu corpo e alma.
Seus olhos enxergaram as duas crianças e
para surpresa de Acheron, mas não de Driana, o rei
desceu os degraus que o separavam dos plebeus e
ajoelhou-se ao chão, despindo a coroa, erguendo-a
com ambas as mãos.
Acheron não se moveu em aceitação ou
rechaço.

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Driana aproximou-se e pegou a coroa por ele.


Os olhos verdes lhe faziam perguntas e ela disse
com voz doce e carregada de emoção:
— O rei voltou — estendeu as mãos para
colocar a coroa em sua cabeça. — Esse povo lhe
pertence, Acheron. E você pertence a eles. E nós —
estendeu as mãos para os filhos que correram em
sua direção — pertencemos ao lugar onde você
estiver feliz.
Driana sabia. Como, Acheron não conseguiu
entender. Como ela poderia saber que seu povo o
aguardava? Talvez fosse a vida, costurando suas
bainhas soltas com pontos invisíveis e
indecifráveis. Sua fada esposa era parte de sua
armadura, parte de seu coração e da sua carne.
E essa emoção era indescritível. Acheron
nunca foi esquecido e nunca conseguiu esquecer
suas origens. Era o que faltava para a felicidade

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completa e somente agora o tempo conseguia fazê-


lo ver isso.
Ao lado de Acheron, com os filhos
totalmente entrosados ao ambiente, deixaram o
castelo para serem vistos pelo povo.
Todos sabiam que era um dia aguardado a
anos, um dia de pura felicidade.
Um dia onde o passado e o presente se
entrosavam.
Era o dia do retorno do rei.

FIM

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O CAÇADOR DE FADAS E O MISTÉRIO DA NOITE-


LIVRO 3

Capítulo 1 - O entardecer

Suas mãos tremiam ao entregar o embrulho.


Um filete de suor correu por sua testa, cruzou seu
nariz e pingou sobre o papel amarelado. Ela fingiu
não notar e mal ergueu as vistas ao entregar o
embrulho para o comprador.
O elfo pegou o pacote de suas mãos e fitou-a
com interesse. Alma fugiu do olhar insistente e
virou as costas, enquanto a duende cobrava o peso
em ouro da veste costurada e entregue ao
comprador.
Pode sentir em suas costas o olhar da velha
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duende e também do rotineiro comprador. Alma


sentiu um aperto na altura do ventre e sentou-se no
banquinho atrás da banca de madeira, contorcendo-
se. Não era incomum naquela vila presenciar
criaturas padecendo de ferimentos ou do
nascimento das asas. Nenhum morador reparava
mais ou se impressionava com o ocorrido.
Era uma terra abandonada pelo Reino, onde
as criaturas mais estranhas viviam em harmonia e
vez ou outras recebiam forasteiros. E geralmente
era nessas ocasiões que problemas aconteciam.
Como acontecera há alguns dias quando o
Guardião Acheron estivera na Vila dos
Desesperados arrastando a fada fugitiva Driana
consigo. Depois da partida deles, Alma não tivera
mais notícias nem de um, nem do outro.
Apertando ambos os braços em torno do
ventre, Alma sufocou os gemidos de dor, enquanto

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ouvia o elfo fazer perguntas inconvenientes para a


dona da barraca.
A duende não possuía nome ou se possuía,
não lhe dissera, por isso mesmo Alma nunca a
chamava por nome algum.
Ouviu o elfo perguntar sobre sapatos
costurados a mão, feitos em couro de dragão, e
sufocou um grito de indignação. Ele puxava
assunto. É claro que sim. Há muitos dias que ela
notara que o elfo farejava o nascimento de suas
asas e parasitava em torno dela.
Era um elfo alto e robusto. O corpo esguio
deveria interessar a muitas fêmeas, assim como o
rosto delicado de feições angelicais deveriam
seduzi-las como abelhas em torno do favo de mel.
Era dotado de uma beleza cândida, que atrai
e cativa admiração. Olhos claros, pele macia e voz
doce. Quem olhasse para o elfo não poderia supor
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que fosse capaz de atitudes como encurralar uma


fêmea desprotegida em pleno apogeu do
nascimento de suas asas.
Alma contava com a compaixão daquele
vilarejo e embora todos soubessem que era uma das
fadas fugitivas, ninguém dizia nada. Tão pouco a
duende lhe fazia perguntas ou cobranças.
Pelo contrário, quando foi deixada no
vilarejo por Tobias, quase três semanas atrás, Alma
permaneceu sem saber o que fazer, andando em
círculos, com olhos de desamparo até avistar a
barraca de costura. A velha duende costurava. Era
seu trabalho. Alma estava apenas olhando, apesar
de nada ver.
Não sabia o que procurava ou se procurava
algo, ela não sabia para onde ir ou o que fazer.
Muito menos onde se esconder.
A velha havia levantado de seu banquinho, se
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aproximado e quando Alma maneou a cabeça e


disse que não tinha ouro e que não queria comprar
nada, a velha lhe empurrara nas mãos um carretel
de barbante e uma agulha longa e fina, juntamente
com um pedaço de couro cru. E não aceitou
devolução.
Voltara para seu banquinho e para sua
costura, e Alma entendeu que era uma espécie de
convite.
Elas não falavam. Raras as vezes que ouvia a
voz da duende. Ela costumava a abrir a boca e falar
apenas para cobrar em ouro o preço de suas
mercadorias.
Os dias eram passados em completo silêncio,
fato que muito agradava Alma, pois sua voz era
rachada e sofrida aos ouvidos alheios. Com o
nascimento de suas asas, sua voz estava
ensurdecedora.

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Sofrendo, ela baixou a cabeça, os longos


cabelos castanhos cobrindo sua face, enquanto uma
das mãos limpava os lábios por onde sangue corria.
Sim, ela cuspiu sangue no chão de terra.
O nascimento de suas asas acontecia a mais
de uma semana e a cada dia o martírio parecia pior.
Uma dor afiada em sua barriga a fez deixar o
banquinho, sentando no chão, encolhendo-se em
uma bola, enquanto a dor avançava para seu quadril
e costas.
Precisou limpar a face várias vezes, pois
sangue vazava em suas narinas e boca. Ela queria
desesperadamente ser abraçada. Em momentos
como este, seu desejo era apoiar a cabeça no colo
de uma de suas amigas, sentir um carinho nos
cabelos e chorar.
Não suportava estar passando por tudo isso
sozinha.

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A velha duende encerrou a venda e Alma


sentiu vontade de agradecê-la quando com um
resmungo mandou o elfo embora.
Alma olhou para ele por entre a cortina de
cabelos que cobria seus ombros, por olhos
avermelhados e injetados pela dor insuportável.
Encontrou os olhos do elfo sobre ela.
Não pode impedir o contato visual. Alma
conhecia a loucura interna e nos olhos daquele
macho ela viu loucura, ódio e obscenidade. Não era
apenas desejo de elfo por uma fada entrando no cio.
Era mais do que isso. Era loucura interior.
Alma cortou o contato visual e baixou a
cabeça, como se assim pudesse se esconder das
intenções dele.
Mesmo que não quisesse admitir nem a si
mesma, Alma entendia dessa loucura que toma o
interior do corpo e da alma e que torna a criatura
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louca. Um ódio insano que corroí as entranhas e


pede por redenção.
Talvez por encontrar dentro de si um
poderoso sentimento de destruição, fosse tão fácil
reconhecer no olhar daquele elfo algo igual ou até
mesmo pior.
Alma lutava todos os dias da sua desgraçada
vida contra esses impulsos. E não era nada fácil
nascer prisioneira do Ministério do Rei, vivendo na
fome, humilhação e provação, e não entregar-se a
esse desejo de morte que gritava dentro de suas
entranhas mais profundas.
Era consciente que a única coisa que a
impedia de cometer um disparate era a presença
sempre inseparável de suas amigas Eleonora,
Driana e Joan. E mesmo o estabanado traquina
Tobias ajudava a aliviar o fardo que era sua
existência.

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Era por conta de suas amigas que Alma


continha o monstro interior que rugia e pedia por
alimento. Que insistia em convencê-la que o mundo
não merece clemência e que ela poderia ser livre se
encontrasse coragem para livrar-se de tudo que
estivesse em seu caminho.
Mas era preciso ignorar esses desejos e
sufocá-los, pois se desse ouvidos a eles, teria de
escolher entre ser alguém solitário ou viver com
suas amigas. E ela preferia a clausura a ser só.
Fechando os olhos, Alma soltou um palavrão
de raiva e dor, e a velha duende jogou um pano
velho em sua direção. Alma pegou do chão e usou
para lavar o rosto e limpar o sangue.
— Fique longe de Eldor. — A velha duende
lhe disse.
Surpreendida, Alma encarou-a como quem
espera por mais explicações. A fêmea de duendes
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nunca conversava com ela! E nem com quem quer


que fosse!
— É o que pretendo fazer — disse
entredentes, lutando contra o padecimento do
corpo. Encostou a cabeça na parede de madeira
gasta que mantinha o toldo da barraca erguido e
perguntou:
— Ele não está atrás do cio, está?
— Não. — Foi a única resposta que obteve.
A velha sabia bem mais do que quis expor.
De qualquer modo Alma lhe era agradecida pelo
prato de comida que compartilhava e o teto que lhe
oferecia sobre sua cabeça e agora, pelo gesto de
caridade em lhe alertar sobre o elfo que se chamava
Eldor.
Não era um caçador de fadas, pois ouvira
boatos sobre todos os caçadores conhecidos e ele
não se encaixava em nenhuma descrição. Tão
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pouco era algum nobre em busca de mercadorias


em comércios de segunda. Não, ele era outra coisa.
Alma farejava a desgraça e sabia
previamente que esse cheiro acompanhava o elfo
Eldor e era por isso que detestava enxergá-lo
aproximar-se dela.
Uma pontada de dor a fez esquecer-se dos
pensamentos e de tudo, contorcendo-se no chão em
uma agonia frustrante.
Como um animal agonizando seus últimos
suspiros. Era assim que a fada sofria. Poucas fadas
escapavam de uma torturante espera por suas asas.
E ainda mais raro a fada que agonizasse desse
modo. Alma deveria saber que seu azar costumeiro
a acompanharia até mesmo nesse momento de
renovação.
— Ele está voltando — a velha disse
lançando os olhos para fora da barraca.
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Alma arrastou-se na terra e escondeu-se


embaixo do balcão. Eldor inventava um assunto
qualquer para interceptar a velha duende e
conseguir mais tempo perto da fada padecente do
nascimento das asas.
Embaixo do balcão de madeira, Alma arfava
sem ar, sem forças, o corpo sendo atacado por
pontadas de dor e sangramentos contínuos. Ouviu a
conversa tola do elfo e relutou a sair dali até estar
livre de sua presença.
Quando isso aconteceu, a velha duende
começou a resmungar palavras que não
compreendeu e nem deveria entender, e jogou um
saco para baixo do balcão. Alma pegou e encontrou
a capa que a velha usava normalmente sobre as
roupas. A capa estava toda amassada dentro do
saco.
Soluçando de medo e dor, vestiu a capa e

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saiu do esconderijo.
Não deveria ficar ali nem mais um minuto.
Com aflição pura em suas veias Alma apoiou-se
onde conseguiu para ter forças de levantar e andar.
Era melhor estar longe quando o elfo decidisse
voltar outra vez ou ainda pior, decidisse que não
havia porque esperar para aprisionar a fêmea.
Eldor, como era chamado, comia pelas
bordas, tentando cativar a atenção da fada, tentando
se fazer notar, tentando até mesmo alguma
conversa que a fizesse sorrir. Mas era tudo
fingimento. Alma conseguiu enxergar a fúria, o
horror e a vontade desenfreada de dominar e caçar.
Bastava olhar nos olhos do elfo para saber que ele
era doentio, mesquinho e cruel.
Pior é aquele que seduz a vítima. Pior é
aquele que engana e atraí de livre e espontânea
vontade a pobre criatura a ser tomada e morta.

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Alma entendia tudo sobre isso, pois ela era


assim, igualzinha a Eldor.
Usando a capa sobre os ombros, que cobriam
as costas ensanguentadas, mas não impediam os
pingos de sangue de manchar o chão enquanto
andava, capuz sobre a cabeça, foi cambaleando
para o meio das árvores, procurando o caminho
para o casebre da sua protetora, a velha duende.
Alma era alta, possuía um corpo nada
modesto, coberto de curvas, seios fartos, cheios e
pesados, coxas amplas, rosto anguloso, braços
longos e fortes. Não era gorda, era magra, quase
ossuda, por conta da escassez de comida no
Ministério do Rei, no entanto privilegiada por belas
curvas femininas.
Cabelos castanhos escorridos, lisos e grossos,
como uma cortina sedosa, repartida sempre
exatamente e de modo metódico pelo centro da

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cabeça. Cabelos que sempre lhe cobriam o olhar,


como se ela quisesse e precisasse esconder os
olhos, para que ninguém visse a maldade interior
que carregava em seu peito.
Olhos castanhos, pele bronzeada pelo sol
escaldante que castigava sua pele todos os dias ao ir
e vir para o vilarejo na companhia da velha duende.
Antes de sua fuga sua pele era clara, quase
amarelada, sem viço. O ar livre e a liberdade
coroava sua pele com cor e saúde. Havia recebido
um vestido para usar, doado por uma fada do
vilarejo que ficara mais do que feliz em
desaparecer com sua túnica típica de uma órfã do
Ministério do Rei.
Era um vestido sem mangas, em forma de
regata, com botões na frente, desde o decote no
busto, até o meio das canelas. Era justo em seu
corpo, pois era corpulenta e a fada que lhe doara a

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roupa era delicada e pequena. Nos pés uma chinela


feita de couro e trançados de barbante, feita por ela
mesma durante as longas horas de costura
silenciosa ao lado da velha duende.
Carregava no único bolso do vestido um par
de luvas que usava em ambas as mãos quando
costurava, pois a agulha feria sua pele. Era uma
vida calma. Uma vida de quem espera.
Uma vida de aflição e silêncio. No meio do
caminho para o casebre, Alma precisou segurar em
uma árvore, tentando respirar e acalmar o corpo.
Sua carne se contorcia em suas costas, e ela não
conseguia suportar sozinha.
Gritou de dor quando foi jogada para frente
pelo impacto de algo que escapava de sua carne.
Ela sabia que a pele seria rompida, mas não
imaginou que era assim. Ainda não eram suas asas,
era apenas pus e mais sangue. Uma nojeira odiosa.

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Ela olhou para a poça nojenta no chão e chorou.


Lágrimas de dor e medo.
Lágrimas pesadas rolando por sua face. Eram
lágrimas mais de ódio do que dor, pois ela tinha
nojo de si mesma por não conter aquele sofrimento
físico.
Com as pernas bambas, agarrada ao tronco
de árvore, forçou o corpo a levantar. Quis implorar
para que parasse, para que a dor passasse e
finalmente as asas nascessem acabando com seu
penar.
Mas implorar para quem? Quem a ouviria?
Alma gritou o mais alto que pode, de raiva,
ódio, frustração e o revoar angustiado das aves nas
copas das árvores, desaparecendo assustadas pelo
som insuportável que saia de sua boca, serviu
apenas para maltratá-la ainda mais.
Vida de dor e sofrimento, pensou Alma.
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Seria possível que nunca sua vida teria um final


feliz? Seria eternamente condenada ao suplício?
Arrastando-se pelo mato, Alma finalmente
enxergou o casebre, enquanto sentia uma
aproximação. Temeu ser Eldor, o elfo que vinha
espreitando-a. Temeu ser o Guardião Solon,
enviado pela odiosa Rainha Santha e que deveria
aprisioná-la e andava pelo Vilarejo, esperando uma
brecha para pegá-la no flagra e levá-la para ser
punida.
Tentou correr, mas a limitação do corpo a
impedia. Talvez fosse o calvário que passava
turvando sua mente ou seus verdadeiros instintos
vindo a tona nesse momento de descompasso, mas
o fato era que se fosse atacada usaria de todo seu
potencial para matar e saciar sua antiga vontade de
saber como era fazer isso.
Nada poderia segurá-la se fosse atacada.

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Com o coração acelerado, metade expectativa de


realizar esse antigo desejo, metade medo de chegar
a tanto, Alma percorreu os últimos metros que
faltava com o coração miúdo de aflição.
Quando finalmente alcançou a porta, abriu-a
e entrou, notou que não estava sozinha. Com um
gemido de agradecimento caiu no chão mofado, aos
pés da velha duende, que deveria ter abandonado
tudo para vir atrás dela, para ajudá-la.
A duende não se comoveu com seu choro ou
com sua necessidade de amparo. Com seus olhos de
águia, observou a mata ao redor, sabendo muito
bem dos perigos que as rondava, sobretudo,
rondava a fada fugitiva da clausura. Perigos que a
pobre criatura jamais poderia supor.
Fechando a porta e as janelas, a velha duende
esperava mandar uma mensagem para o observador
secreto, que as espreitava no meio da floresta.

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Estava ao lado da fada e a protegeria. E isso deveria


bastar para causar algum receio. Seu passado
contava muita história e o observador, conhecia
metade dessas histórias e por certo a temeria.
Alma arrastou-se no chão até o quartinho que
usava para dormir, pois era ali que normalmente
ficava a maior parte do tempo, para não incomodar
sua protetora.
Portas e janelas fechadas não eram barreiras
suficientemente eficazes contra o perigo que as
rondava e Alma cobriu os lábios com as mãos para
não gritar quando baques acentuados contra a
madeira do casebre ecoaram em torno de seus
ouvidos.
Era para assustar, coibir e causar pânico. E
conseguiu. Quando o som parou Alma estava em
choque. A velha duende surgiu no quarto e olhou-a
sem mover um dedo para ajudá-la.

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No chão, Alma forçou o corpo a aguentar o


sofrimento e tentou subir para a pequena cama
onde um colchão velho e fedorento oferecia ao
menos algum conforto.
Quando seu corpo tocou o escasso conforto,
uma pontada veio com tanta força que Alma achou
que sairia do próprio corpo, gritando de dor...
*****
O Quarto Guardião Solon não gostou nada de
esbarrar com um grupo de raptores. Eram criaturas
escuras, grandes e famintas. Vistas de longe se
assemelhavam a ursos, mas de perto, eram metade
lobo e a outra metade felino. Não gostava em nada
de encontrá-los nas imediações da Vila dos
Desesperados. Não era o habitat dessas criaturas
medonhas.
Poderia aceitar um ou dois, perdidos de sua
manada, mas um grupo extenso? Não, aquilo era
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muita coincidência. Uma sórdida coincidência. E


Solon não acreditava em fatores aleatórios e
simultâneos. Não quando estava em meio a uma
caçada e a fada fugitiva estava nos arredores.
Solon dispensava a luta. Preferia pacificar a
erguer sua espada. Nesse caso, no entanto, não era
uma opção válida tentar uma conversa. Criaturas
irracionais que não entenderiam um pedido de paz.
Com a espada, Solon deu conta de duas
criaturas, derrubando-as em uma luta de solo.
Quando o terceiro saltou sobre ele, Solon enfiou a
espada na barriga da criatura, jogando-a longe.
Meia tonelada no mínimo que foi erguida com
facilidade e lançada contra árvores.
Os outros de sua espécie rondaram,
procurando o melhor caminho para o ataque. Solon
jogou a espada de uma mão para a outra, o
chocalho que carregava na cintura, barulhento,

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atraindo a atenção das feras.


Dois raptores. Ele sabia que eram duas
fêmeas atacando simultaneamente, e Solon se viu
apertado. Cortou o corpo de um dos animais com a
espada e o outro conseguiu derrubá-lo, enfiando os
dentes de sua boca enorme em seu pulso.
Coberto pela armadura, sua mordida não
obteve eficácia, pelo contrário, Solon fez uso do
poder mágico e a fera soltou, ainda tentando
morder sua cabeça, sendo repelido pelo calor que
dispensava do metal da armadura.
A fêmea cambaleou de volta para seu grupo e
com rugidos, que mais pareciam lamentos de aviso,
virou as costas, sendo seguida pelos raptores
machos de seu bando. A desistência não o
surpreendeu. Raras as criaturas, racionais ou não,
encaravam uma luta com um Guardião em posse de
sua armadura.

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Levantando do chão, Solon limpou as calças


e optou por manter a armadura ao corpo mais um
tempo. Não queria correr o risco de ser pego pelas
costas, desprevenido. Os raptores eram feras
barulhentas e mesmo ele, conseguiu ouvir seus
rugidos de longe. Mas outras criaturas, atraídas pela
carniça das feras abatidas, não seriam tão
barulhentas assim.
Mancando, pois estava dolorido em algumas
partes do corpo, Solon marchou pela estradinha de
chão de volta para a Vila dos Desesperados.
Precisava dar seguimento a sua missão.
Uma missão estúpida que não o animava.
Bem da verdade, há muito tempo Solon estava
desanimado com as leis do Reino ao qual jurara
obediência.
O deslumbramento e encanto pela vida de
Guardião ainda prevalecia, mas a confiança no Rei

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e em suas decisões vinha esmorecendo pouco a


pouco ao longo dos anos.
Solon percorreu um bom trecho de terra
quando notou que um reboliço de gordas formigas
carnívoras avolumava-se entre as árvores. Nunca
era um bom sinal. Com tanta carniça fresca a
poucos metros de distância, dos raptores abatidos,
por qual razão as formigas carnívoras estavam ali?
Usando a espada para espalhá-las e liberar
caminho Solon precisou cobrir o nariz para se
proteger do odor e afastar os olhos do corpo
parcialmente devorado pelas formigas.
Era o corpo de uma fada. Com medo de ser a
fada fugitiva da clausura, Solon olhou com mais
atenção, reparando nos cabelos louros
encaracolados. A fada Alma possuía cabelos
castanhos, mas não era loura. Observando
atentamente com a experiência de anos no trabalho

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de Guarda do Reino de Isac, Solon descobriu


fatores interessantes. A jovem usava uma túnica
manchada por frutos de cor roxa, e ele sabia que
havia uma barraca desses frutos na Vila.
Carregava um cesto de palha que jazia
esquecido ao lado do seu corpo sem vida, e dentro
dele havia ramos de ervas ainda verdes e
conservadas, o que indicava que estivera viva a
pouco mais de uma hora.
Era uma morte recente, apesar do aspecto do
corpo. As formigas carnívoras eram responsáveis
pelo estado de decomposição. Mas não eram a
causa da morte.
Olhando em torno, Solon imaginou onde
estaria o responsável. Raptores devoram sua presa.
Formigas carnívoras alimentam-se de carne já
abatida. Sendo assim o assassino ou assassina
poderia ainda estar por perto.

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Por um louco momento pensou se a fada da


clausura não seria mesmo uma assassina
responsável por mais essa morte.
Com um baixar da cabeça e uma prece
rápida, Solon virou as costas e voltou a andar. Não
poderia fazer nada pela pobre criatura abatida. Na
Vila tentaria descobrir quem era e o que lhe
aconteceu. Talvez encontrar sua família. Mais do
que isso não estava ao seu alcance, pois não deveria
perder tempo cuidando do trabalho de outros elfos.
Sua missão para com a rainha cobrava
pressa. Não por vontade, mas por necessidade.
Estivera frente-a-frente com uma das fadas
fugitivas, de nome Driana, e a certeza que a pobre
coitada não era uma assassina o convenceu de que
nenhuma delas poderia ter participado do crime
hediondo imputado ao Rei Isac.
Eram iscas em uma pescaria sofisticada. E

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ele era capaz de ver isso com clareza. Tanto, que


pretendia encontrar a fada Alma e levá-la com ele
para o castelo, exigindo um julgamento justo.
Pensava inclusive em servir de álibi para as fadas.
Um álibi falso é sempre melhor do que nada.
Solon não era um crédulo tolo, mas quando tendia a
confiar, entregava-se totalmente ao risco de estar
errado.
Por que não? Os Conselheiros não poderiam
questionar sua palavra. E se uma das fadas não
pudesse ser colocada na cena do crime, a
participação de todas as demais seria questionada.
Mas primeiro, precisava encontrar a pobre
infeliz antes que ela fosse a próxima a jazer em
uma floresta qualquer servindo de comida para
formigas carnívoras ou outro semelhante.
Ainda na posse de sua armadura, pois a
mesma não queria desgrudar de sua pele, como se o
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perigo ainda o rondasse, Solon atingiu uma área


arborizada, por onde uma cascata de água limpa e
clara corria diretamente para um córrego que
banhava a Vila dos Desesperados.
Na margem oposta havia um elfo com duas
fadinhas. As meninas deveriam ter entre dois e
cinco anos. Elas corriam e brincavam na água,
enquanto o elfo conversava com elas. Uma das
meninas correu até o elfo que a pegou nos braços e
rodopiou, provocando seu riso feliz.
Solon sorriu. Um pai e suas filhas. Ele nunca
conviveu em família e não sabia como era ter esse
sentimento de ser cuidado por um pai. Aproximou-
se e o elfo parou de brincar com a menina, olhando-
o com admiração.
— É um dos Guardiões do Reino de Isac? —
Ele gritou da margem oposta e Solon acenou.
Não ouvira o que ele dissera. Mas não
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demonstraria. Evitava exibir sua fraqueza


desnecessariamente.
Usando da arrogância esperada em seu posto
disse:
— Guardião Solon, o quarto em hierarquia.
Deve levar sua família para casa o mais rápido
possível. Esse lado da floresta não é seguro.
O elfo apressou-se a correr atrás da fadinha
menor e a pegou no colo, enquanto cingia a maior
pela mão. Andou pela margem até encontrar o
Guardião.
— Conto com sua proteção até a vila? — O
elfo pediu.
Solon ouviu apenas um sussurro muito baixo,
mas entendeu o significado assim mesmo.
— Com gosto — ele disse sorrindo para uma
das meninas. — Fiquem ao meu lado. Não se

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afastem da estrada. E não fiquem para trás.


— Sim, senhor. — O elfo disse sorrindo
tranquilo por ter proteção. — Me chamo Eldor.
Essas são minhas meninas.
Se o elfo disse o nome das crianças, Solon
não ouviu. Normalmente nesses casos fingia
indiferença e ignorava a conversa paralela. Era
melhor assim do que deixar claro que era
praticamente surdo e que poderia ser tratado como
um elfo incompleto e frágil.
Solon não notou o olhar do elfo Eldor. Não
notou o modo como ele cobiçava sua armadura ou
como as fadinhas seguiam ao seu lado sem
perceberem o risco que corriam.
Solon jamais saberia, assim como as duas
fadinhas, que a fada morta era mãe e esposa, e que
agora, deixava suas meninas órfãs e nas mãos de
seu assassino...
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Capítulo 2 - Em segredo

O frenesi insuportável que corria sua carne


deu uma trégua por alguns instantes. Sem fôlego,
Alma rolou na pequenina cama e olhou para a velha
duende. Seu olhar pedia que conversasse com ela.
Que lhe dissesse que tudo ficaria bem, que em
poucas horas esse infortúnio teria fim e ela seguiria
sua vida com esperanças renovadas.
Mas essas palavras não vieram muito menos
a presença. A duende saiu do quartinho, deixando-a
devastadoramente solitária. Deitando de lado, Alma
fechou os olhos, uma lágrima correndo em sua
bochecha, cruzando sua face para se acomodar no
colchão velho e mofado.
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Quando abriu novamente as vistas, encontrou


um besouro negro, enorme e feio caminhando pela
parede. Assustada tentou se afastar da cama, mas a
dor a impediu. O inferno havia retornado e ela
ficou imóvel, fitando o inseto peludo, com longas
antenas e formas estranhas ganhar tamanho e vida.
Era enorme e não parava de correr pela parede.
Subia para o teto e começou a andar no forro de
palha e barro do casebre.
A criatura abriu sua bocarra e esguichou um
som agudo, que lembrava em muito os próprios
gritos de Alma. Ela fechou os olhos para afastar o
som e afastar a imagem. Imóvel na cama, tensa,
sem mover um único músculo, prisioneira de seu
corpo penitente de uma dor impossível de ser
explicada.
Abriu os olhos e descobriu que o besouro
corria rápido por paredes de pedra. Não estava mais

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no casebre. Não. Ele corria pelas paredes de pedra e


ela ouviu gritos e riso. Olhou para trás e descobriu
que corria junto de Eleonora, Driana e Joan.
Risos ensandecidos de quem perdeu a razão e
abandonou a esperança. Sempre rindo
histericamente, foi Eleonora quem parou diante da
torre mais alta, diante do paredão de madeira que
era a porta maciça. Com os cabelos ao vento, por
causa de uma noite de tempestade, Eleonora ergueu
ambas as mãos para o céu e foi prontamente
atendida em seu dom, causando um reboliço no
vento.
Uma rajada impiedosamente voraz socou a
madeira sem dó até arrombá-la. Essa rajada de
vento levou consigo tudo que estava em seu
caminho, inclusive arrancou as cortinas que
envolviam a cama.
Cortinas essas que se moviam em completo

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desalinho pelo quarto, em torno da cama, pousando


no chão.
Com uma expressão de pura lasciva Joan
avançou, passando a frente delas todas. Ela correu
para dentro do quarto, diretamente para a
penteadeira da Rainha Santha. O barulho de vidros
e joias sendo reviradas acordou a Rainha que
inocente ao que acontecia, sentou na cama. Foi à
hora tão esperada. Eleonora na posse de um longo
punhal de prata, sem punho; apenas lâmina,
confeccionado artesanalmente brecou seus
movimentos, sentada na cama, o punhal no pescoço
da rainha.
Santha permaneceu imóvel, como que
suspensa no ar, enquanto Eleonora ria e gargalhava.
O mundo estava sendo retorcido e era culpa
de Joan, que pousou uma das mãos no ombro de
Eleonora, pois não era mais necessária a coação

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física.
Rindo muito, Eleonora levantou e fez a volta
na cama. Joan voltou para a penteadeira da Rainha,
cobrindo-se com as joias e os perfumes, fazendo
poses para o espelho da Rainha.
Alma assistiu a si mesma andar pelo quarto e
sussurrar ordens. Como uma boneca sem vida a
Rainha levantou e ficou de pé no centro do quarto.
Soltou a camisola ficando nua. Joan abandonou as
joias e a curiosidade medonha sobre os pertences
de luxo da rainha e correu até Santha, correndo as
mãos pelo corpo da fêmea, falando sem parar sobre
como era bela e incrivelmente perfeita.
Alma manteve o ritmo das palavras baixas e
cadenciadas, e a rainha obedeceu-a começando a
dançar no centro do quarto. Joan começou a rir
enquanto fingia dançar com ela, rindo com a
mesma histeria que Driana.

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Sempre inteligente Driana pegou a coroa de


sobre a penteadeira, a maldita tiara de diamantes
que causara a prisão de Eleonora, e colocou sobre a
cabeça da rainha. Como uma boneca sem vontade
a rainha seguiu a dançar nua e bela, sem saber que
era chacota das fadas da clausura.
Joan pegou um vidro de perfume e borrifou
em Driana, e as duas começaram a brincar e rir sem
parar, usando das roupas luxuosas e joias da rainha
como diversão.
Foi quando Eleonora juntou-se a elas e
retirou a coroa da cabeça da rainha. Elas pararam
de rir e focaram em Eleonora. Ela colocou a coroa
na própria cabeça e rodopiou, exibindo-se.
Era linda e idêntica a rainha, com a vantagem
de contar com vinte anos a menos em sua idade.
Com o frescor da beleza e juventude, Eleonora
aproximou-se da cama, onde o rei jazia adormecido

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por conta dos murmúrios de Alma, que mantinha


tudo sob o controle ferrenho de seu hipnotismo.
Eleonora apontou para Alma e pediu que
continuasse. Rindo histericamente Driana e Joan
aproximaram-se da cama, e ergueram a túnica que
Eleonora vestia, desnudando-a completamente. Seu
corpo branco como leite, sem marcas ou sinais. Era
toda branca, como um lírio.
Rainha Santha seguia em sua dança
desenfreada e Driana e Joan retornaram para a
penteadeira para encher os bolsos com perfumes e
joias. Alma aproximou-se da cama, seus murmúrios
ganhando volume e força.
Rei Isac acordou e viu diante de si a Rainha
Santha, mesmo que na verdade fosse Eleonora. O
corpo do elfo instantaneamente ficou ereto e a fada
casta Eleonora montou sua cintura, aos gritos
lascivos de paixão ao ser possuída pelo rei.

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Os murmúrios de Alma se tornaram mais


altos, incentivados pelo riso compulsivo de Driana
e Joan, e pelos gemidos de prazer de Eleonora e Rei
Isac.
Cada vez mais rápido, murmúrios que não
cessavam, cada vez mais forte, a compulsão do
corpo de Eleonora sobre o rei, cavalgando-o,
espalhando seu cheiro sobre o elfo, a dança
frenética da Rainha hipnotizada, o riso de Driana e
Joan...
O fim aconteceu quando Eleonora gritou em
sua paixão doentia, erguendo o punhal acima da
cabeça e o fincando no peito do Rei.
O corpo forte de lutas e anos de dedicação à
proteção de inocentes não cedeu, e ela passou a
lâmina por seu pescoço, esguichando sangue para
todos os lados. Finalmente alcançando o gozo, em
meio à morte e o frêmito do ato, Eleonora saiu de

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sobre o corpo do Rei. Cambaleando, sangue da sua


inocência nas coxas, ela caiu no chão, sempre
rindo.
Driana e Joan a vestiram e foi Driana quem
retirou a coroa da cabeça de Eleonora num requinte
de maldade, levando-a para a cabeça da Rainha
Santha. Havia muito sangue na joia, e esse
vermelho manchou os cabelos esbranquiçados e a
pele de pêssego da rainha ardilosa.
Observando a obra macabra realizada Driana
exultou, olhos brilhantes. Foi Joan quem a puxou
pelo braço e as duas puseram-se a acudir Eleonora.
Eleonora fez como sempre imaginou em suas
fantasias. Levantou e cuspiu sobre o rei e
aproximou-se da Rainha, entortando a coroa em sua
cabeça, como uma criança que faz arte.
Alma parou de murmurar e fitou-as com o
mesmo olhar de pura felicidade.
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De mãos dadas as quatro saíram correndo do


quarto.
Outra vez o besouro corria junto delas e
Alma fitou-o com felicidade pura. Vingança tem
um sabor de cerejas.
Sim, cerejas doces e suculentas, sendo
comidas sob a sombra de um carvalho. Alma parou
de correr e fitou as amigas. Havia cerejas em suas
mãos. Fitou as frutas e então as amigas.
Era sempre Eleonora quem roubava cerejas
do pomar e trazia para serem comidas na solidão
das longas horas de confinamento nos quartos do
Ministério do Rei. Um agrado para ver um sorriso
na face de sua amiga Alma.
Alma derrubou as cerejas no chão, olhando
para elas com horror implícito nos olhos.
Girou em torno de si gritando uma
indagação. Não saiu som algum e quando olhou em
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torno outra vez não encontrou nenhuma delas.


Estava sozinha no meio de uma sala. Nada de
corredores. Estava de pé sendo levada por dois
homens empapuçados.
— Não! — Ela gritou em pânico. — Não fui
eu!
Foi arrastada sem que prestassem atenção aos
seus gritos.
— Não fui eu! Eu juro! Não fui eu! Eu sou
inocente! Sou inocente!
Os dois elfos empapuçados pararam diante
do abismo que se abriu no chão, assim, do nada.
Um buraco negro sem fundo. Alma debateu-se e
tentou fugir, mas foi pega pelos cabelos e arrastada
de volta.
— Não fui eu! Sou inocente! Inocente! —
Seus guinchos não surtiram efeito.

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Em meio ao desespero ela viu uma menina


muito delicada, com uma boneca sendo arrastada
em suas mãos. Era uma menina doce, de olhar
cheio de esperanças.
Ela chegou bem perto de Alma e a fada
reconheceu a si mesma nessa menina. Era ela
infanta.
A voz meiga e doce de uma criança ecoava
pela amplidão do lugar:
— Não fui eu. Eu sou inocente — era um
sussurro delicado. Um sussurro de inocência de um
anjo infantil que ainda não conhecia a maldade. —
Acredite em mim, eu sou inocente.
A menina dizia para a própria Alma.
Desesperada ela começou a chutar, empurrar
e debater-se, tentando se soltar. Não obteve êxito,
foi arrastada e lançada no abismo sem fim.

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Não ouve gritos, talvez a morte fosse mil


vezes melhor do que o sofrimento que nunca chega
ao fim. Perdida numa súbita paz, Alma descobriu
que não existe paz. Quando um ser nasce
condenado ao sofrimento, à paz é um luxo que
jamais será alcançado.
Abriu os olhos assustada e a primeira coisa
que viu foi que estava sob o corpo de um elfo. Ele
se movia rápido, possuindo sua castidade e o cio,
com a voracidade de quem nunca pede licença.
Segurava seu queixo, machucando sua mandíbula,
obrigando-a olhar em seus olhos. Era o elfo da vila,
que vinha causando-lhe medo.
A dor da violência chegou a um ponto
insuportável que Alma gritou sem parar,
descobrindo que estava imersa em um mundo de
alucinações, induzidas pelo padecimento das asas e
a única coisa real, era um simples besouro negro

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que andava lentamente pela parede, pobre inseto,


em busca de alimento ou repouso.
Suada, imóvel, deitada de costas para o
colchão Alma fitou o quarto com olhos nervosos,
procurando se convencer que eram alucinações.
Não era real. Não era uma assassina, tão pouco
Eleonora era uma vilã.
Foram acusadas injustamente.
E a menina Alma? O que ela queria lhe
dizer? Fechando os olhos com força, tentou
levantar. Sabia muito bem o que a menina Alma
queria lhe dizer. Queria lhe contar que o mal nascia
dentro de suas entranhas e que se não lutasse contra
ele, essas alucinações um dia poderiam se tornar
verdade.
Conseguindo andar com passos trôpegos,
Alma encontrou a velha duende fiando em seu tear
de madeira rústico. Ignorando a dor lacerante em
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suas costas, Driana pegou um pedaço de couro e a


agulha que estavam sobre um banquinho e sentou-
se, tentando trabalhar.
Esquecer o que acontecia e ocupar a mente.
Cada laçada da linha no couro era uma
fincada em suas costas, como se estivesse
costurando as asas em uma boneca de pano. E não
era isso que ela fazia?
Sob a sombra de um enorme carvalho, na
companhia de suas amigas, em um dia de fuga do
Ministério do Rei, enquanto Eleonora e Joan
brincavam de pega-pega e Driana lia um livro, a
Alma de apenas dez anos costurava duas folhas
secas, com linha velha e uma agulha feita em osso,
usando a boneca desgastada pelo tempo como fada.
Tornava a boneca feia e antiga em uma linda
fadinha sorridente. Metade disso era sua
imaginação. Mesmo assim quando terminou ela

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levantou e mostrou para as amigas, todas as quatro


juntas em torno da boneca.
Todas as quatro queriam brincar, pois não
tinham brinquedos. Aquela boneca fora pega no
lixo. Descartada no lixo de alguém do vilarejo e
trazida para elas por Tobias, o amigo que possuía
uma família, e que mesmo assim, não se esquecia
de suas amigas.
Apesar de ter tido o trabalho de consertar e
arrumar a boneca, Alma empurrou o brinquedo
para as mãos de Joan, sua amiguinha ruiva e de
face coberta por sardinhas. Ela estivera doente
outra vez e ainda estava pálida.
A menina pegou a boneca e rodopiou com a
alegria genuína de quem ganhou um brinquedo
novo e lindo. Driana voltou a ler, sempre entretida
em seu mundo de letras. Eleonora não precisava de
muita coisa para se divertir, encontrando uma

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árvore qualquer para subir, aproveitando a


liberdade da natureza.
Mas Alma queria a boneca. Apesar de
abdicar ela, queria a boneca. Sentou e trouxe os
joelhos para junto do peito e escondeu o roso neles.
Não queria chorar e não ia chorar.
Mas ela queria tanto a boneca...
Ao erguer a cabeça encontrou a boneca aos
seus pés. Um sorriso iluminou sua face e fez um
carinho no rostinho feito com linhas e pano velho.
Havia sangue nas roupinhas da boneca e ela
levantou para ver o que era isso.
Joan estava no chão, em uma poça de sangue.
Sem vida, sua amiga jazia aos seus pés, mas agora
a boneca era sua. Sua!
— Não — Alma afastou-se alguns passos e
olhou em volta. — Não fui eu! — Defendeu-se
outra vez. — Não! Eu sou inocente! Não fui eu!
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Não me acuse! Não fui eu!


— É claro que não foi você, Alma — ela
ouviu a voz melodiosa de Eleonora.
Não era mais uma menina. Era uma jovem e
estavam nos jardins, observando a vida que
acontecia além dos portões e grades. Eleonora lhe
fez um carinho nos longos cabelos castanhos e os
prendeu em uma trança, com uma fita bonita.
— Precisa cuidar da sua aparência. Suas asas
serão as primeiras a nascerem e deve ser escolhida
por uma dos Guardiões. Será sua única chance de
viver fora da clausura — Eleonora lhe dizia.
Alma sabia muito bem que sua amiga fazia
isso. As três faziam isso. Tentar colocá-la sempre
no caminho bom.
— Eu não quero me casar. — Disse séria.
— Isso não importa. Se você estiver fora

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daqui — Eleonora olhou em torno — poderá


encontrar um modo de nos ajudar.
— Tem razão — ela concordou. — Não sou
tão bonita quanto você, Lora.
— Hum, é mil vezes mais bonita do que eu
— Eleonora desmentiu.
— Eu falo daqui — Alma pousou a mão
sobre o próprio coração. — Não sou tão bonita
quanto você. Aqui dentro.
Eleonora não respondeu nada. Baixou os
olhos e seguiu trançando seus cabelos. Era a mais
pura das verdades. Não era tão bonita em seu
coração quanto deveria ser.
E isso assustava Eleonora. Assustava como o
inferno. Mas ela nunca lhe diria isso. Jamais.
— Espero que um Guardião bem apanhado a
escolha — Eleonora mudou de assunto e Alma

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entendeu que não conversariam sobre aquele


assunto em particular que tanto a perturbava.
— Mas e seu eu não conseguir ser
escolhida...? — Foi seu sussurro embebido em
medo puro.
Não obteve resposta e quando olhou para
trás, procurando por Lora, descobriu que tudo a sua
volta tinha se tornado um amontoado de cinzas
fumegantes.
Contra as grades pontiagudas o corpo de
Eleonora jazia sem vida. Ela tinha os olhos abertos,
mas não possuía mais vida.
Alarmada, Alma fitou em torno procurando
por ajuda, mas a única coisa que encontrou foi um
grupo de Guardião correndo em sua direção.
Não implorou por ajuda. Não! Já não
restavam forças para implorar! Foi presa e levada
para as masmorras. De volta para corredores fétidos
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e sujos. O besouro a acompanhou por todo


corredor, seus olhos acompanhando o correr do
inseto em torno de si e em volta da cela. O besouro
ficou no alto da parede enquanto Alma era jogada
na cela e se encolhia em um canto.
— Eu lhe disse para não fazer isso.
A voz de Driana fez com que seu coração se
enchesse de esperanças de ser salva. Sua amiga
estava de pé, as mãos segurando nas grades da cela,
fitando-a com olhos frios, carregados de piedade.
— Eu não fiz nada... — Alma disse
engatinhando até a grade, ficando aos pés de
Driana, como quem implora perdão.
— Eu lhe disse para se controlar. Para não
por tudo a perder. Você não fez isso. Você acabou
com todas nós. Estamos mortas, Alma, e a culpa é
somente sua.
Alma fitou a face de Driana e negou,
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erguendo-se para tocar no rosto de sua amiga. Não


conseguiu, a grade parecia ter trocado do de lado e
de súbito se viu livre, com Driana presa na cela.
— Eu lhe implorei que se contivesse —
Driana disse baixando o rosto, as lágrimas correndo
em sua face.
— Mas eu não fiz nada! Eu não fiz nada! Sou
inocente! Eu juro! Eu juro! — Alma gritou
desesperada em ser ouvida e entendida.
— Mas vai fazer — Driana avisou, os olhos
vítreos, sem luz própria. — Vai colocar nossas
vidas em risco. É isso que vai acontecer. Você
deveria ter ficado trancafiada na clausura para toda
sua vida. Era o único modo de conter o demônio
que se esconde dentro de seu coração. Era o único
modo de salvar a todos nós. Mas agora... — Driana
sorriu demente — você está livre para ser quem é
de verdade. E pobre de nós, estamos perdidas em

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suas mãos...
— Não — Alma negou, afastando-se das
grades.
Olhando em torno, encontrou as celas vazias
e correu pelos corredores, dessa vez ignorando o
besouro que a seguia. Atingiu o último corredor e
tropeçou, caindo de joelhos, mãos apoiadas no
chão, suor pingando na testa batida, cabelos suados
espalhados em torno de si.
Caiu aos pés de um elfo.
Não qualquer elfo. E sim, um Guardião.
De pé, o Guardião Solon fitava a fugitiva.
— Por favor... — Ela disse chorando,
fungando e limpando as lágrimas com o braço. —
Eu sou inocente. Eu juro... Eu sou inocente. Eu
nunca quis fazer mal a ninguém. Eu nunca quero
fazer mal... Eu não consigo conter meus

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pensamentos, por favor, me ajude... Não me


prenda. Não me mate. Eu juro, eu quero ser boa...
Eu juro... Eu juro... Eu juro...
Sua voz seguiu murmurando sem parar.
Alma não sabia que não estava costurando junto a
duende. Não, ela ainda estava na cama, remexendo-
se sem paragem no colchão velho, enquanto era
carcomida pela dor.
Alucinações induzidas pelo nascimento das
asas.
A velha duende estava de pé, observando-a
de longe, com a face sombria imparcial. Como todo
duende fêmea, era esverdeada, mas com a
particularidade de ter um tom de terra impregnado
no verde, tornando-a uma mistura de verde e
marrom. Era alta, contrariando os demais duendes,
corpo afinado, face curvada, ossuda, sem muitas
curvas com exceção do nariz protuberante. Sempre

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usava uma capa sobre os ombros, cobrindo a


cabeça e era impossível dizer como seria seus
cabelos ou se os tinha.
Em meio a tanto tecido, túnica e capa, a
única parte visível além da face, eram as mãos
longas. Dedos longos e repletos de pelos. Era uma
típica fêmea de duende.
Suas razões para ajudar a fada fugitiva eram
profundas, mas ela não falaria disso. A fada da
clausura precisava sofrer e passar por tudo que a
vida tinha de pior para lhe oferecer. Era desse
modo que deveria ser.
Não era altruísmo que movia a duende a
ajudar a fada fugitiva da clausura. Suas razões eram
profundas demais para serem alegadas em vão.
Chega uma hora onde a verdade se faz necessária.
E ainda não era o momento.
Sobre a cama, dividida entre lembranças
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trazidas de seu subconsciente e alucinações


provocadas por seus medos interiores, Alma se
contorceu na cama, rolando para o lado da parede,
exibindo as manchas feias em suas costas.
A velha duende aproximou-se e rasgou a
túnica na altura das costas e foi esse seu único
movimento de ajuda.
Voltou para junto da sala, para seu tear.
Puxou o fio e começou a enrolar, seu pé batendo no
pedal de modo repetitivo, ignorando os gritos que
vinham do quarto.
Alma balançou a cabaça de um lado para o
outro, perdida em seu mundo de brumas, onde era
constantemente lembrada de seus medos, pecados e
culpas.
Em um desses momentos, ela despertou em
pânico, sentando na cama, como que tomada por
uma força sobrenatural. Olhos arregalados
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encontrando a imagem do besouro que havia saído


da parede voando para o seu joelho.
Com a mão trêmula, Alma tocou o inseto e o
pegou entre os dedos, trazendo para perto de sua
face, olhando-o como que hipnotizada.
O inseto balançava as patas e as antenas de
sua cabeça, tentando salvar-se e Alma exultou de
prazer ao apertar os dedos em torno de seu corpo,
esmigalhando-o.
Um prazer tão forte, tão passional, que a
acalmou.
Tornou a deitar, por enquanto, mais calma...

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Capítulo 3 - Tanto faz

Solon ficou satisfeito ao ver a pequena


família formada por Eldor e suas duas fadinhas
chegarem a salvo em sua casa. Separam-se, pois ele
precisava seguir nas buscas pela fada fugitiva.
Não era um Guardião obcecado pela sua
missão. De modo algum. Era bastante relutante em
executá-la. Duvidava que algum dos Guardiões de
fato acreditasse na ladainha da Rainha Santha.
Talvez se a história houvesse vindo de boca mais
confiável... Pesaroso do título que carregava e
ciente que em momentos como este, seu cargo de
Guardião era pesado demais para carregar, Solon
atravessou a praça central do vilarejo, parando ao
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reparar em algo incomum.


Uma das barracas estava vazia. Pertencia a
uma duende fêmea e Solon era cliente assíduo, pois
ninguém confeccionava botas de tanta qualidade
quanto a velha ranzinza. Nunca, em anos, viu essa
barraca vazia.
Pensou em assuntar sobre o a causa, mas só
de olhar em volta, soube que seria em vão.
Infantilidade de sua parte achar que alguém lhe
contaria sobre a fada fugitiva Alma.
Ela não conseguiria acoitar-se no vilarejo e
não ser notada. Estava sendo mantida impoluta e
não cabia a ele esperar colaboração daqueles elfos e
fadas tão maltratados pela vida.
Eram uma sociedade unida no único desejo
de se protegerem contra aqueles que os rejeitaram e
nesse exato momento Solon representava o perigo.
Não o hostilizavam, claro que não, mas também
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não colaboravam com sua busca.


Solon buscou acomodação na única taverna
da Vila dos Desesperados. Era um lugar pequeno,
construído em pedra e barro, mas era limpo e ele
sabia que poderia encontrar um quarto a disposição
e comida para alimentar sua fome.
Entrou, chamando atenção dos poucos elfos
que bebiam ou comiam, e das fadas que
trabalhavam por ali. Algumas apenas ajudantes
outras bem mais do que isso.
Uma caneca fumegante de elixir proibido foi
colocada a sua frente imediatamente ao instante em
que se sentou na cadeira. Era uma fadinha tentando
agradar ao Guardião que além de ouro deveria
trazer consigo oportunidades de uma melhora de
vida.
A fada era bem menor que os padrões e suas
asas eram retorcidas. Talvez uma deformação de
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nascimento ou apenas uma peculiaridade de seu


nascimento. Mas era claro como o dia que não se
encaixaria nos padrões do Reino de Isac. Assim
como ele quase não se encaixou. Afastando a
amargura instantânea para longe de seu coração,
pois evitava a todo custo se deixar dominar por ela,
negou e afastou a caneca.
— Nada de elixir proibido, fada — ele sorriu.
— Aceito vinho, apenas vinho.
A fada sorriu aliviada, pois não o
desagradara e perguntou:
— Tem guisado pronto e quente, pronto para
ser servido. Devo lhe trazer um prato? — A voz da
fada era mais alta que o comum e falava bastante
alto, quase atrapalhada.
— Sim, e deve me fazer companhia também.
— Ele disse com voz calma e serena.
Era sempre calmo. E quando encontrava
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alguém que falava bastante alto, não desperdiçava a


oportunidade de uma boa conversa.
Não tinha vergonha da própria fraqueza, da
sua surdez quase total. Mas em seu posto de
Guardião sair anunciando aos quatro cantos do
mundo que estava em desvantagem, não ajudaria
em nada e sim, causaria tumulto. Por causa disso,
sempre ficava de lado, a par das conversas,
carregando nos ombros a má fama de ser arrogante
e indiferente.
Era preferível carregar um fama de
desagradável, a ter que conviver com os fuxicos a
cerca de sua capacidade. Estava de bom tamanho
ter que lidar com os constantes ataques dos
Conselheiros a sua integridade profissional.
Ele esforçou-se para afastar esses
pensamentos quando a jovem fada voltou e ficou de
pé, depois de servir o prato de comida quente e uma

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travessa com pão cortado.


— Sente-se — Solon indicou a cadeira ao
seu lado, desgostando de ver uma fêmea tão
acostumada a ser maltratada que achava normal
permanecer de pé mesmo tendo sido convidada
para uma conversa.
— Sabe meu nome? — Ele perguntou.
— Todos na vila sabem que é o Quarto
Guardião Solon — ela disse orgulhosa de si mesma
e sua voz alta ajudando em muito a se fazer ouvir.
— Mesmo? E o que dizem sobre mim na
vila? — Perguntou enquanto comia.
— Dizem que está na busca por uma das
quatro fadas fugitivas, que a tentativa de aprisioná-
la falhou e por conta disso o Guardião Acheron
partiu com a fada que já havia capturado. — Ela
contou.

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— Ao menos não falam nenhuma mentira —


ele não demonstrou raiva, por isso a fada sorriu e
disse incentivada:
— Dizem também que ficará por esses lados
até encontrar a fada Alma. É verdade?
— Vejo que os boatos chegaram aqui mais
rápido do que rastilho de pólvora — disse nada
surpreendido com isso. — Sim. É verdade. Estou
na busca da fada Alma. Uma das fugitivas da
clausura.
A fada olhou em torno, como se esperasse
que alguém a impedisse, como nada aconteceu,
perguntou:
— É verdade que as fadas assassinaram o Rei
Isac?
— É exatamente isso que a Rainha Santha
alega — Solon respondeu com diplomacia.

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— Estou chocada. — A fada disse com ironia


— plebeias destruírem o reino. É esperado que
grandes elfos façam tal coisa. Não fadas imundas.
— Nem sempre o pior ataque parte do mais
forte dos elfos — ele argumentou e a fada baixou a
cabeça sorrindo.
— Tem razão. Deseja um quarto para passar
a noite, senhor? Posso conseguir o melhor da
taverna — ofereceu.
— Sim, preciso de um quarto — concordou.
— A comida está muito saborosa. É você quem
cozinhou?
— Sim, sou eu quem cozinha — ela disse
feliz com o reconhecimento. — Eu... Sabe o que
dizem sobre sua caçada, senhor?
— Não estou em uma caçada. Não sou um
caçador de fadas. Sou um Guardião. — Ele
corrigiu.
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— Sim, se você diz — ela fingiu concordar


para não irritar um Guardião. — Dizem que a fada
Alma está escondida no Deserto das Areias
Vermelhas. É o que dizem.
Solon fitou o rosto da fada e lutou para
sufocar um sorriso. Quanta lealdade a uma causa,
pensou.
Apesar do medo de ofender um Guardião,
ainda assim mentir para salvar alguém como ela,
que foge e tem medo.
— E o que mais dizem na vila a meu
respeito? — Insistiu.
— Dizem que um... Um... Alguma coisa
esteve procurando-o na vila toda. Mas que partiu ao
não encontrá-lo.
— Do que fala? — Ele não entendeu logo de
cara.

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— Nem eu mesma sei o que digo. Ouvi


boatos que um ser, uma criatura esteve em seu
encalço, mas perdeu a viagem e partiu ao não
encontrar o Guardião Solon.
— Uma criatura? — Duvidou.
— Sim, os que viram, disseram ser uma
criatura pequena, estranha e com dentes horríveis.
Que parecia um duende, mas não era. Que parecia
muitas cosias... Mas ninguém soube dizer ao certo
o que era. — Contou feliz em ter assunto com um
Guardião.
— E o que ele queria comigo? A criatura tem
nome? — Quis saber, curioso.
— Mikazar. Esse foi o nome que eu ouvi.
Mas não posso afirmar com certeza, o que lhe
conto é um boatos que ouvi, apenas isso. E boatos
são como folhas ao vento... Mudam de curso o
tempo todo. — Ela suspirou. — Soube que não
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quis dizer o assunto. Deve ser algum assunto de


Guardião.
— Talvez um recado — ele disse pensativo.
Não era bobo. Se as asas de Eleonora
houvessem nascido e a fada Driana não estivesse
mentido para Acheron... Havia a possibilidade de
Egan saber sobre essa verdade e estar procurando
por ele.
Conjecturas são apenas conjecturas e ele
seguiria com sua missão, sem o entusiasmo
esperado, mas seguiria caçando a fada Alma.
— Sim, um recado — a fada disse com olhos
brilhantes — deve ser emocionante a vida de
Guardião — ela apoiou o rosto na mão, olhando-o
com idolatria.
Idolatria que não sobreviveria a grande
descoberta de que era um elfo com um defeito.
Solon dedicou sua atenção ao alimento e a fada se
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manteve em silêncio, servindo-o quando


necessário.
Mesmo um Guardião precisava e merecia
algum descanso. Guardar forças para lutar por uma
batalha ao qual não acreditava.
*****
As carcereiras vestiam roupas muito
semelhantes às túnicas usadas pelas fadas da
clausura, com exceção de um cinturão de couro que
continha um chicote, punhal e as chaves das portas
dos quartos. Felizmente, Alma nunca vira o chicote
ser usado, mas o punhal era amplamente utilizado
em atividades do dia-a-dia, como cortar cordas e
abrir pacotes.
Alma nunca vira as carcereiras baterem
seriamente ou feriem os órfãos, mas as ofensas
eram comuns. Terror psicológico induzindo ódio
entre órfãos e carcereiros. Alma respirava com
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dificuldade, pesado, entrecortado, enquanto


aproveitava uma brecha na dor. Um momento de
reflexão em meio à confusão de alucinações e
tormenta.
Alma nem sabia por que estava lembrando
disso. Das carcereiras. Da reclusão. Das regras. A
fome constante, pois a comida era racionada e
dividida com igualdade entre crianças e adultas.
Era estranho, um contraste, pois o Reino era
abundante de alimento e fartura. Era comum
banquetes e desperdício de alimentos. Enquanto no
Ministério do Rei, dentro do próprio castelo,
meninas e meninos sentiam fome e passava por
privações.
Às vezes Driana monologava sobre tudo isso
ser culpa das carcereiras. Que elas usurpavam o
alimento para si. Alma desconfiava dessa
afirmação. Algo lhe dizia que era coisa de Santha e

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Lucius. Eles seriam bem capazes de punir as órfãs


na esperança de sufocar as próprias culpas.
Virando de lado, Alma reclamou em voz alta,
alguns palavrões ajudando a aliviar a tensão.
Mesmo que tentasse fugir das lembranças, não
havia como escapar.
Lembrava-se de sua infância. Sua voz era
causa de chacota entre as carcereiras, que
constantemente a colocavam de castigo usando isso
como desculpa. Quando se tornou uma adolescente
e ficou claro que seu dom teria a ver com a voz, as
carcereiras haviam parado de implicar,
provavelmente com receio de em algum momento a
fada desamparada pudesse revidar e isso lhes
causar problemas.
Ou talvez, a verdadeira razão fosse à
personalidade de Alma. Não poderiam ignorar que
a pequena órfã era diferente das demais. Algo

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sombrio a acompanhava e seu olhar muitas vezes


causava medo. Essa era uma boa razão para deixá-
la em paz.
Por um curto período, pois sua vida fora
bruscamente arrancada da normalidade.
— Não — ela reclamou quando sentiu uma
pontada começando na altura do quadril. — Por
favor, me dê uma trégua — falava com o nada, com
o ambiente.
Quis pedir ajuda para suas amigas. Que
estivessem com ela, segurando sua mão.
Provavelmente Joan estaria segurando sua mão
enquanto Eleonora estivesse tentando ajudá-la de
todos os modos possíveis, mesmo que fosse
inconveniente e mais atrapalhasse do que ajudasse.
Driana estaria de lado, evitando olhar, mas
disponível para o que fosse necessário. Sorriu e seu
sorriso virou um riso estranho, quase doentio.
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— Eu quero minha vida de volta! — Gritou


de raiva, em uma histeria estranha.
Algo que não se explica. O choro irrompeu e
ela tentou levantar, sem conseguir. Não havia nada
pior na vida do que seu corpo ser seu maior
opositor.
Seu único inimigo nesse instante era seu
corpo.
Estava conformada com o nascimento das
asas e até ansiosa por isso, quando Tobias a deixara
na Vila dos Desesperados, havia rapidamente
encontrado abrigo com a velha duende. Ela não
fazia perguntas, não queria saber nada sobre ela.
Também não lhe oferecia respostas sobre sua
própria vida.
Vez ou outra a velha gritava com ela,
reclamando por ser incapaz de entender algum
idioma ou língua atípica a sua. No mais, era
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silêncio consentido entre as duas. Alma chegou a


pensar que poderia viver assim por muito tempo,
escondendo-se sempre que algo a assustava e
aguardando notícias de Eleonora e do Reino.
Ledo engano. Três dias após sua chegada,
sentiu os primeiros incômodos. Não eram dores,
eram incômodos desagradáveis, indisposições que
foram evoluindo e se tornando inconvenientes para
o trabalho e para seu disfarce.
Foi quando encontrou Driana. O Guardião
Acheron a mantinha prisioneira, usando-a como
isca para atrair Alma. Fora um custo não se revelar.
Parte de sua covardia havia sido induzida pela
esperança de em breve ter suas asas e poder usá-las
para ajudar suas amigas.
Joan e Eleonora sempre faziam piadas sobre
seu medo irracional de altura. Ela esperava de
coração não precisar lidar com isso tão cedo. Que

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ao obter as asas definitivamente, elas pudessem ser


sua carta de alforria e garantir a liberdade nunca
antes alcançada.
Apenada de si mesma, Alma gritou, mais
como ferramenta para extravasar, do que por
esperar ser ouvida. Seus gritos eram uma forma de
expurgar ou tentar expurgar, a dor lacerante que
dividia seu corpo em dois.
Sim, exatamente na altura da coluna, ela
sentia a pele rasgando. Angustiada, Alma virou de
costas para cima, abraçando o velho travesseiro
murcho que servia como conforto. Enquanto
esperava aliviar o sofrimento.
Era tolice, pois não havia nada que pudesse
aliviar sua dor.
Ela não podia ver e nem iria querer ver, mas
a velha duende aproximou-se para enxergar o que
acontecia. Estivera espiando-a do batente da porta e
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agora corria os olhos por suas costas.


A pele havia rompido em diversos pontos e
uma sequência de gomos de carne, ossos e muita
gosma disforme que formavam duas linhas
paralelas ao centro da coluna. Era por ali que as
asas nasceriam. Era um espetáculo, para um ser
como ela, que jamais teria asas como as fadas. A
dor vale todo sacrifício, pensava a duende, mas
entendia que a fada Alma não pensasse o mesmo,
pois era sua carne que padecia exaustivamente.
Alma contorceu-se quando sentiu, de dentro
para fora, algo revirar-se e estourar. Sim, eram
filamentos alongados, finos e longos, que nasciam
de cada gomo de osso que se esticava além das suas
costas.
Os filamentos se torceram e retorceram em
um balé doloroso. Seus berros não comoviam à
velha duende, que com olhos fixos, bebia desse

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momento.
Alma jogou o travesseiro longe e mordeu o
lençol, tentando abafar os gritos. A raiva vinha
junto com a dor e ela não conseguia pensar com
clareza. Deveria ficar deitada e aceitar o que
acontecia, mas sua essência não permitia.
Quanto mais sofria, mais ódio acumulava
dentro de si. Porque tinha que sempre ser tudo tão
difícil? Porque com outras fadas era tudo mais
simples?
Porque ela não poderia sofrer menos? Porque
as carcereiras não podiam deixá-la em paz? Porque
os Guardiões estavam ali para matá-la?
Perdida outra vez em seu mundo de
alucinações, Alma conseguiu se arrastar para fora
da cama e tomada de uma fúria animal investiu
contra as paredes, como quem luta para se soltar e
se salvar.
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Era o que fazia, lutava para não ser arrastada


pelos Guardiões. Eram quatro e iriam matá-la!
— Não! — Ela berrou, empurrando um
deles, em sua cabeça ela lutava ferozmente contra
um deles.
Seu berro de luta ecoou pela cabana e ela
acabou por se ferir ainda mais ao investir contra
uma mesinha que ficava perto de uma janela baixa,
no canto do quarto. O móvel foi chutado,
empurrado e virado, no afã de lutar e sobreviver.
A velha duende não moveu um dedo para
ajudá-la.
Alma caiu de joelhos, chorando, diante dos
quatro corpos sem vida, encarando o sangue em
suas mãos. Tremia da cabeça aos pés desesperada.
Como pudera fazer isso? Como?
— Não!!! — Ela gritou, balançado o corpo
para frente e para trás, sendo empurrada para o
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chão de vez, quando uma punção, mas forte nas


asas, minguou seu equilíbrio.
Seu corpo convulsionou por muitos minutos,
em sua mente, ela se debatia em meio ao sangue
inocente de suas amigas, em meio à carnificina que
suas próprias mãos realizaram.
Seu subconsciente aproveitava-se de sua
fraqueza, para alertá-la de seu maior medo. O
descontrole.
Sem Eleonora, Driana e Joan para condenar
seus atos, quem poderia controlar o desejo
avassalador de acabar com toda a dor de modo
rápido? Quem poderia entender que não queria
matar, mas a compulsão era sedutora demais para
que lutasse sozinha?
Seria ela culpada de sucumbir a seus instintos
mais básicos, que a acompanhavam desde o
momento da concepção?
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Seus grunhidos apenaram a velha duende,


mas ela não viu. Sabia que era arrastada de volta
para a cama, mas não conseguia distinguir
realidade de sonho e lutou contra a ajuda que
recebia.
A duende jogou-a no colchão e se afastou,
pois não era seguro ficar perto dela mais tempo.
Francamente, era ciente que não era seguro
permanecer perto daquela fada em qualquer
situação. Tinha algo no olhar da fada Alma. Algo
que falava sobre loucura interior, algo para ser
temido.
Mas pouca coisa pode assustar alguém que já
viu e viveu de tudo.
Sobre a cama, Alma não se acalmou, mas ao
menos voltou para a realidade. Não uma realidade
plena, mas o subconsciente para saber onde estava
e o que acontecia. Ignorou as vozes em sua mente,

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e focou no que sentia.


Focou no padecimento do corpo, para ter
domínio sobre sua mente.
Suas costas pesavam, ela sabia que os
filamentos deveriam ter nascido, era comum
primeiro os filamentos, as hastes de suporte
nascerem, para então as asas saltarem soberanas.
Outra vez sentiu um retorce, como se
estivessem puxando esses filamentos, e sabia
inconscientemente que era seu corpo lutando contra
isso. Uma tentativa de proteger-se contra esse
abuso.
Fadas são seres mágicos, que carregam a
desvantagem de possuir um corpo humano. Assim
como elfos que desfrutam do privilégio de viverem
no mundo mágico e alguns, até mesmo possuem
magia, porém tendo que lidar com seus corpos
frágeis.
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Era passada a hora de lamentar, seus instintos


animais gritavam em sua mente e corpo que a tão
temida hora havia chegado.
Como um bicho que sabe o que vai
acontecer, Alma se preparou para o inevitável.
Sua respiração estava rala, mas acelerou.
Seus batimentos cardíacos aceleraram. Ela ouvia o
zumbido em seus ouvidos e sentia o bater do
coração, como um tambor sendo massacrado pelas
mãos impiedosas de seu tocador. Sentia o cheiro de
podre, de pus, de suor e sangue. Suas narinas
impregnadas por esse cheiro.
Cada pedacinho de seu corpo retesado, tenso,
contido por músculos que se contrariam, na espera
da desgraça final.
Sozinha naquele quarto, ignorando
totalmente a presença da duende fêmea, Alma
sufocou o choro, engoliu os soluços, pois não era
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hora para sofrer a própria solidão e abandono.


Era hora de ser corajosa e enfrentar sem
medo, rezando para aquelas asas serem sua
passagem para a total liberdade.
Alma se concentrou no barulho em seus
ouvidos, no ‘toc toc’ que vinha da floresta, talvez
de algum pássaro bicando o telhado de barro e
palha. Concentrou-se na vazia existência dentro de
si e no ar pesado a sua volta.
Cheiro de carniça. Sim, ela podia farejar no
ar a carniça e nesse exato momento esse cheiro
vinha dela própria.
Em um ímpeto de rebeldia, Alma puxou a
túnica rasgada e ficou nua da cintura para cima,
com exceção do tecido esquecido sobre sua cintura.
Era melhor assim. Nenhuma barreira entre sua
carne a as asas.
Estava conformada que suas asas nasciam e
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seu corpo penava de um sofrimento incomum. Nua


da cintura para cima, de costas para cima, naquele
exato momento ela se contorcia aos gritos enquanto
suas asas começavam a despontar por entre os
filamentos, entrosando-se a eles, enroscando-se a
eles, asas que saltavam, rompendo a carne e
espalhando sangue por todo colchão velho.
Houve um som de jorro, quando o sangue e
muito líquido esbranquiçado caiu no chão, fora da
cama. Era assim, ninguém mentira sobre o corpo da
fada padecer neste nascimento de asas. Mas no
fundo toda fada alimenta a esperança de sofrer
menos e ser à exceção de uma regra milenar.
Em um canto do quarto a duende anciã,
usando seu manto e capuz, apenas baixou a cabeça,
sem ajudar a aliviar o sofrimento da fada, mas
aliviada por ter chegado ao fim.
Suada, tremendo da cabeça aos pés, Alma

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levantou a cabeça e olhou para ela, olhos


vermelhos, perigosos, injetados pela dor e pela
raiva.
Era tudo culpa da Rainha Santha e dos
Guardiões.
Seu sofrimento solitário era culpa dos
Guardiões.
Ela segurou o lençol contra o peito e sentou-
se. Seus punhos fechados, como se estivesse em
uma luta ou prestes a entrar em uma situação de
perigo mortal.
Suas asas nasceram. A natureza seguiu seu
caminho e era uma fada completa. Seus pés
tocaram o chão quando se sentou no colchão e
foram lambuzados pelo seu sangue e outros
líquidos expelidos durante o nascimento. Era
repugnante, era imperdoável que uma fada
precisasse passar por tanto sofrimento sozinha.
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No entanto, não havia tempo para lamento ou


se recuperar de toda a dor lacerante. Precisava sair
dali antes que o Guardião Solon a farejasse. Era
uma fada em pleno cio, no apogeu do nascimento
de suas asas e seu cheiro seria alerta para todos os
machos num raio de quilômetros.
Alma fitou a velha e encontrou um olhar de
indagação, como se também estivesse se
perguntando o que deveria fazer. No entanto,
apesar da dúvida, ela sabia o caminho a seguir.
Alma permaneceu ali, parada, sem coragem
de tocar as próprias asas e quando a duende voltou,
trazia uma túnica limpa. Deixou-a sobre o chão, em
um ponto limpo e partiu.
Solitária, Alma levantou e sentiu um peso
incomum em suas costas. Suas asas. Um duplo
sentimento de orgulho e medo dominou-a.
Precisava se lavar e retirar o cheiro de carniça que

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impregnara em sua pele.


No entanto não era seguro sair. Por causa
disso, não vestiu a túnica nova.
Tornou a deitar na cama estreita,
relativamente limpa e fechou os olhos. Uma noite
de descanso, disse a si mesma. Uma única noite de
descanso para na manhã seguinte tornar a fechar-se
em copas e salvar a si mesma da injustiça imposta
por Santha e seu amante Lucius.
Na manhã seguinte começaria uma nova
batalha. Defender-se e esconder-se dos elfos que a
farejassem, entre eles, o Guardião Solon.
*****
O Quarto Guardião Solon havia aceitado um
dos quartos da taverna para passar a noite. Depois
de um dia longo, arrastado e sem nenhum avanço
significativo, decidiu por terminar a procura e
descansar um pouco. Depois de quase três semanas
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dormindo na floresta e comendo mal, era hora de


uma trégua.
Solon não era luxuoso, mas estava em uma
missão desnecessária e ridícula. Fazia tempo que
decidira encontrar a fada e mantê-la ao seu lado
enquanto não se resolvesse a situação da fada
Eleonora em relação às acusações sobre o
assassinato do Rei Isac.
Esperava que Acheron e Zoé pudessem ter a
mesma ideia que ele, embora não pudesse dizer
estar muito esperançoso em relação à Guardiã Zoé.
Normalmente ela atacava primeiro e perguntava
depois.
Solon estava deitado sobre as cobertas, um
dos braços apoiados atrás da cabeça, a outra mão
repousando sobre a barriga, sem camisa, mas
vestindo as calças. Sua armadura estava esquecida
num canto do quarto, junto com a espada,

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bumerangue e o cinturão. Sua túnica estava


encardida e ele optara por deixar com a fada da
taverna que se oferecera para lavar e secar sua
roupa.
Os olhos azuis estavam fechados e ele estava
a um passo de adormecer. O Guardião possuía
cabelos escuros, negros e lisos, sempre bem
penteados, como os bons moços devem ser
arrumados.
Era um dos mais baixos em altura, mas não o
mais fraco. Era musculoso e magro, com ombros
impressionantes, apesar de não ser tão alto. Seu
rosto, por muitos era considerado bonito, com
sobrancelhas pesadas, escuras, quase unidas sobre
seus olhos.
Olhos azuis, um pouco rasgados, como se
fosse descendente de terras orientais, coisa que
sabia não ser. Seu tipo físico era bastante comum

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em se tratando de Guardiões. Faltava-lhe a


aparência arrogante e austera, que sobrava em
abundância em Acheron e Egan.
Isso nunca o incomodou. Sabia que era
necessário um pouco de candura para liderar. Não é
saudável que líderes usem apenas de força para
obter resultados.
Distraído com seus pensamentos e com o
sono que se aproximava sorrateiro, Solon levou um
tremendo susto ao sentir que era tocado.
Abriu os olhos e imediatamente fez um
movimento de luta, surpreso ao descobrir que não
era um inimigo e sim a fada da taverna, que usando
pouca roupa e exibindo um sorriso de sedução,
estava em sua cama, sobre ele.
— Eu pensei que desejasse companhia — ela
disse com sua voz alta, que antes Solon apreciou.
Tenso, ele não fez nada para afastar a fada,
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mas precisou lidar com o sentimento de impotência


ao notar que era fácil ser atacado. Não ouviu a fada
abrir a porta, andar pelo quarto, tão pouco a ouviu
subir na cama e ficar perto o bastante para beijá-lo.
Se fosse um inimigo, estaria morto e não
saberia sequer como o ato se deu.
Era humilhante e frustrante saber que não
podia cuidar de si mesmo. Havia se esquecido de
pôr o guiso na porta e por conta disso, não ouvira a
madeira ceder e abrir.
— Eu desejo. Mas não essa noite — ele disse
com educação. Afastando-a com gentileza.
— Mas eu o servi de modo adequado, não
foi? Eu não vou cobrar — ela disse sorrindo,
achando que o problema era esse, um Guardião
mão fechada e sovina.
Solon sentou e fez um carinho no rosto da
fada.
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— É muito bonita e eu não me importaria de


gastar algum ouro com uma fada com seus
predicados — elogiou para não magoá-la — mas
estou em uma missão e não me envolvo com fadas
enquanto cumpro obrigações.
— Mas eu pensei... — Ela começou a falar
triste — que não fosse atrapalhá-lo.
— Cuide da minha roupa e do café da manhã
— ele pediu. — Estará me ajudando e muito.
A fada entendeu o recado e saiu da cama,
pesarosa.
— Quando sua missão acabar... Acha que
voltará a Vila dos Desesperados? — Perguntou do
batente da porta, mantendo-a aberta.
Solon percorreu o corpo da fada com os
olhos, lutando contra o desejo de mandá-la entrar e
passar a noite em seus braços.

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— Eu não sei — admitiu — tenha uma boa


noite.
A fada foi embora e ele ficou sozinho.
Desgostoso, levantou da cama e colocou o
chocalho no trinco da porta e a trancou por dentro.
Era um chocalho mágico, que ao menor
movimento alardeava um som quase inaudível para
os demais seres, mas para ele um som alto e capaz
de avisá-lo do perigo.
Solon voltou para a cama e enterrou o rosto
no travesseiro nervoso.
Não tinha amantes. Evitava deitar-se com
fadas de taverna, para que seu segredo não virasse
boato. Era de conhecimento público que sua
audição não era das melhores, mas poucos sabiam a
exatidão de sua lesão.
Era quase surdo. Apenas gritos muito altos
ou vozes exacerbadas eram captadas e ainda assim,
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esses sons chegavam aos seus ouvidos como


sussurros muito baixos e quase inaudíveis.
Vez ou outra Solon procurava companhia de
uma fada moradora da Vila das Fadas, nos
arredores do Castelo. Era alguém suave e doce que
compreendia muito bem sua situação por ser uma
mulher mais velha e experiente. Entendia a
necessidade de guardar o segredo do elfo, pois era
um dos Guardiões e se ela vivia em paz, era por
causa da proteção dos Guardiões que zelavam pelo
reino e pelas vilas.
Infelizmente a noite estava perdida para ele.
Os pensamentos pessimistas estavam de volta, e
Solon passou o restante da madrugada acordado,
revirando na cama, sem saber que em algum lugar
na floresta ao redor da Vila dos Desesperos a fada
que caçava, a fada chamada Alma, dormia um sono
pesado, exausto e revigorante...

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Capítulo 4 - Obrigue-me

Na primeira hora da manhã, antes mesmo do


sol nascer, Alma já andava pela mata. Primeiro foi
ao riacho que banhava a Vila dos Desesperados,
trazendo água do Rio Branco para saciar a sede dos
moradores.
Depois em um momento de calmaria nas
vendas, ela conseguiu escapar do olhar ferrenho da
duende e fugir para o riacho. Ela deixou a túnica
limpa sobre uma pedra e despiu a roupa suja e
rasgada, andando com cuidado até a água. Era um
veio de água límpida e raso. Pedras coloridas no
fundo e de pé, mal alcançava os ombros de Alma.

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Cuidadosa, ela primeiro olhou na água,


tentando ver o reflexo de suas asas. Eram curtas,
asas relativamente curtas. A cor era indefinida, não
conseguia saber exatamente. Tinha a breve
impressão de ter a cor marrom. A forma também
lhe era um mistério, pois não tivera coragem ainda
para bater as asas e as espalhar, sabendo assim
como eram.
A água estava gelada e ela soltou um
palavrão, reclamando disso também. Aos poucos
foi um bálsamo para sua pele machucada e ferida
do recente nascimento das asas. Alma ficou imóvel,
deixando a água lavar o sofrimento penado. Então,
começou a esfregar os braços, pernas, barriga e
cabelos, limpando-os do suor, sangue seco e outros
líquidos desagradáveis, que passado o nascimento
das asas, Alma não queria lembrar em detalhes.
Aos poucos a raiva por estar passando por

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tanta privação amenizou e Alma mergulhou a


cabeça na água, permitindo assim que seus
pensamentos se desanuviassem. Não sobrava tempo
para pensar em si mesma ou em bem estar. Suas
perguntas ficariam sem respostas. Era simples
assim e precisava se conformar. Queria
desesperadamente sentar ao lado de Driana e lhe
perguntar sobre o que acontecia. Perguntar-lhe
sobre o cio, sobre as asas, sobre como seria dali
para frente.
Mas pelo visto teria que descobrir tudo
sozinha. E do pior modo possível.
Não sentia o ataque do cio. Não, ela sentia
era ódio, raiva, rancor, sentimentos horríveis, mas
não paixão ou libido. O pensamento de um elfo
encostando-se a sua pele lhe causava uma fúria
descomunal.
Ela bateu as mãos na água, como quem soca,

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descontando sua frustração.


Limpa, Alma se permitiu um momento de
reflexão, olhos fechados, saboreando o despontar
do sol, que começava a aquecer água. Então,
deixou a ilusão de lado, para tornar a enterrar os
dois pés na realidade.
Saiu da água e pegou a túnica limpa
vestindo-a sobre o corpo molhado.
Os cabelos longos enroscaram nas asas e
precisou puxá-los, estranhando essa nova realidade.
Precisava se acostumar a ser uma fada com asas.
Era melhor aprender a voar o mais rápido possível,
para poder ir atrás de suas amigas ou ao menos se
esconder de tudo e de todos. Com asas uma fuga é
facilitada.
Alma não sabia que na margem, entre as
árvores era sondada pelo Guardião que a caçava.
Nem mesmo Solon poderia supor ter tanta sorte
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assim. Havia acordado cedo, depois de uma noite


de cochilos e muita insônia.
Optara por fazer uma varredura pelos
arredores e se deparara com uma cena peculiar.
Uma fada na margem do córrego, despindo-se para
um banho. Uma imagem bastante comum, não
fosse a fada em questão ser a fugitiva que vinha
caçando há semanas.
Às vezes a sorte é impiedosa. A fada se
lavava e ele não era bobo. Sentia seu cheiro e sabia
muito bem que ela havia sido agraciada com suas
asas há pouco tempo. Pelo cheiro e pelas marcas
em sua túnica, supunha ter sido na noite passada.
Era um desafio como elfo resistir ao impulso
de atacar e dominar uma fêmea em pleno cio.
Como Guardião era interessante decidir o que faria.
Ela possuía asas e por conta disso qualquer
abordagem abrupta poderia resultar em uma fuga
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definitiva.
Cauteloso, Solon aproximou-se do córrego,
guiando-se pelo som do guiso preso em seu
cinturão, para saber se estava sendo silencioso ou
não. A fada continuava inocente a sua presença,
desembaraçando os cabelos longos e castanhos
usando os dedos, enquanto fitava o infinito, perdida
em seus pensamentos.
Solon não iria desperdiçar a oportunidade de
abordá-la e conversar. Explicar o que pensava a
cerca do assassinato do rei e pedir que aceitasse sua
ajuda despretensiosa.
Alma olhou em volta quando ouviu um som.
Som de passos, de patas amassando mato e folhas
em sua passagem, algo pesado o bastante para
quebrar galhos com o peso de seu andar.
A duende que a abrigava vinha resmungando
há dias sobre a presença de raptores nos arredores
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do vilarejo. Que isso acabaria em tragédia e o medo


assolou a consciência de Alma. Era hora de sair
dali e achar um esconderijo antes de ser farejada
por um animal sanguinário como os raptores.
Solon assistiu a postura da fada mudar,
prestando atenção a alguma coisa que lhe passava
batido. A fada ouvia algo que ele não conseguia
perceber. Usando o faro, Solon entendeu a causa do
medo na fada.
Raptores. E ele que suponha ter dispersado a
manada. Irritado, observou-a andar com rapidez
pela margem, procurando sempre seguir o curso e
sorriu orgulhoso. A fadinha sabia que os raptores
são péssimos nadadores e evitam água, por isso
usava do córrego como escudo para coibir a
aproximação das feras ávidas por carne.
Seguindo-a, Solon avistou entre as árvores
uma das bestas andando a passada curta. Eram feras

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irracionais, porém exímias predadoras, e a presa


naquele momento era a fada.
Um dos raptores, provavelmente o macho,
pois eram as fêmeas que geralmente dominavam a
presa, ficou para trás, cheirando a túnica
abandonada, destrinchando-a com seus dentes
enormes e assustadores. Farejava a presa e agora,
ou seria abatido ou abateria sua caça. Era
impossível escapar após ser farejado por um raptor.
Logo os dois, macho e fêmea, corriam atrás
da fada e por causa disso Alma corria por sua vida.
Solon não ouvia os rugidos das feras, mas supunha
serem assustadores, pois o pânico na face da fada
era genuíno. Ela correu o quanto pode pelas pedras,
mas acabou escorregando e caindo. Engatinhou
para dentro do córrego, lutando contra a dor em sua
canela, olhando para as duas feras com desespero.
Era medida da mesma forma. O desespero de abater

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sua caça.
Alma não ficou para saber se estaria a salvo
ou não. Correu pelo córrego, para a margem oposta,
parando para ver se era seguida. A fêmea rasgou o
chão com suas unhas enormes enquanto farejava
seu rastro. Não iria desistir assim fácil.
Engolindo em seco, sua coragem indo
embora, Alma começou a correr para bem longe,
desejando chegar logo na cabana e se abrigar atrás
de paredes. Em se tratando de raptores não era
garantia de segurança, mas era o melhor
esconderijo que encontraria.
E o único que conhecia.
A fêmea de raptor ganhou distância e saltou
sobre o córrego, usando seu corpanzil para dar
impacto e chegar ao seu destino desejado. Foi
seguida pelo macho e novamente Alma se viu em
péssima situação. Correu para uma clareira onde
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deveria conseguir pegar um atalho para o casebre


da velha duende. Foi quando descobriu que estava
enganada, que havia escolhido o caminho errado.
Acabou em uma clareira de mato baixo e
muitas flores. Nada de árvores ou esconderijos a
vista.
Em pânico viu-se diante da fêmea que corria
em sua direção. Seria uma morte horrenda se o
raptor conseguisse colocar as patas sobre sua carne.
Adrenalina correu por suas veias e Alma
tentou bater suas asas, pedindo para voar. Era sua
única escapatória. Não conseguiu. Não sabia como
fazer e as asas não obedeceram. Provavelmente por
causa do seu nervosismo, não respondiam aos seus
impulsos.
Rainha Santha a acusara de hipnotizá-la e ela
sabia que as carcereiras estimavam que este fosse
seu dom. Tentou falar com a besta fera, mas ela
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seguiu correndo em sua direção e Alma desistiu.


Não restava alternativa, não sabia mais o que
fazer. Foi quando a fúria subiu a sua cabeça e ela
berrou o mais alto que conseguiu, sua voz
esguichada soando insuportavelmente alta. Os
dentes de Alma rangiam e ela estava trêmula,
enquanto seu grito ecoava em seus próprios
ouvidos de modo doloroso.
A fêmea de raptor parou de correr e baixou a
cabeça, lutando contra o som, e Alma viu filetes de
sangue escapar pelos ouvidos da fera e que em
segundos estava no chão, sem vida.
Foi quando seu berro cessou.
De longe Solon viu acontecer e quase se
esqueceu do raptor macho que corria atrasado, mas
ainda seguia o passo da fêmea, em busca de sua
próxima refeição. Apesar da fada conseguir se
salvar sozinha, estava em choque e não notou o
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macho vindo em sua direção, incrédula sobre o que


fizera com a fêmea de raptor.
A fera saltou em sua direção e Alma apenas
usou os braços como escudo, preparando-se para o
pior, esquecendo que poderia impedir o ataque com
um grito.
Pior esse, que não aconteceu. Ela caiu no
chão a tempo de ver um bumerangue cortar o ar,
acertando o peito do animal, que abatido foi ao
chão em questão de segundos. Alma aproximou-se
e puxou o bumerangue, secretamente querendo ter
uma arma consigo, mas não sendo atendida, pois
como todo bumerangue mágico, escapou de sua
mão e sumiu para a floresta atrás de seu dono.
Com medo de ser um elfo que houvesse
farejado seu cheiro de cio, Alma fugiu.
Correu como nunca, desaparecendo no mato,
tão rápida que Solon não conseguiu alcançá-la.
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Livre do perigo, Alma parou para respirar e


olhou em torno da floresta. Agora estava de volta
no caminho correto para chegar ao casebre.
Aliviada de ter escapado, torcendo para em breve
conseguir hipnotizar, como era suspeita das
carcereiras, pois em caso contrário, seu dom seria
terrível. Ainda mais nas mãos de alguém como ela,
que muitas vezes sentia o impulso de matar
avolumar-se em seu coração.
Um impulso tão forte, que parecia ter sido
criado dentro de seu corpo como um de seus
membros. Parte de si como o ato de respirar.
A tentação de usar esse dom sempre que
estivesse furiosa, o que acontecia o tempo todo, era
enorme.
Sozinha, Alma parou de correr e baixou a
túnica pelos ombros, deixando-a avolumada na
cintura, pois túnicas não eram as melhores roupas

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para uma fada que tivesse suas asas. Nua da cintura


para cima, Alma puxou os longos cabelos para o
lado, sobre o seio direito e concentrou-se.
Fechou os olhos e ordenou que as asas se
abrissem. Levou um susto quanto aconteceu.
Manteve o equilíbrio e usou as mãos para tentar
tocar as asas. Eram curtas, quase de tamanho
médio. A cor era marrom, um tom amadeirado que
muito a agradou. Asas fáceis de camuflar. Quando
voasse não seria detectada com facilidade através
das árvores. Um sorriso aflorou em sua face, feliz
com essa descoberta. Havia padrões redondos em
torno da suas asas e elas eram separadas em duas
camadas, fartas, e bonitas.
Um toque de felicidade em um coração tão
acostumado com a decepção.
Orgulhosa de si mesma, Alma afastou as
mãos e se concentrou em bater suas asas.

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Conseguiu. Ouviu um som estranho, forte e


rasgado, muito parecido com os próprios gritos.
Bateu as asas mais algumas vezes e seus pés
saíram do chão. Tinha medo de altura, por isso
fechou os olhos com força enquanto suas asas a
levaram para o alto. O barulho era insuportável,
mas ela aguentou, e quando o medo a sufocou, pois
detestava altura, baixou o corpo e voltou ao chão.
Abriu os olhos e levou um susto ao ver em
torno de si.
Esquilos. Pássaros. Lebres. Animais da
floresta. Mortos a sua volta. Saídos de suas tocas no
desespero de escapar do barulho ensurdecedor.
Suas asas causaram um campo magnético tão forte
e ensurdecedor, que causaram a morte de vários
animais nos arredores.
Como ela poderia voar, se o farfalhar de suas
asas causava a morte de todos com quem cruzasse?
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Chocada, Alma arrumou a roupa e correu


para longe daquele lugar, fugindo da constatação
que suas asas não serviam para nada e que era
provável que seu dom também fosse inútil a menos
que deixasse aflorar seu lado negro, aquela faceta
da sua personalidade que ansiava pelo momento de
matar.
Faceta essa que Alma lutava para manter
adormecida em nome da amizade que tinha com
Eleonora, Driana e Joan, a única família que
conhecera.
Respirou aliviada quando encontrou o
casebre, entrou e fechou a porta atrás de si. Falsa
sensação de segurança era melhor do que nenhuma
sensação de segurança.
A velha duende fiava calmamente e
assistindo-a agir desse modo, parecia que o mundo
todo vivia em paz e harmonia e que não havia

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perigo, que o mundo não era uma selva perigosa


onde cada ser vivo luta diariamente para se manter
vivo e íntegro.
Sem fôlego, refugiou-se no banquinho ao
lado do tear, pegou a linha, agulha e o couro que
deveria ser costurado. Ocupar a mente e esquecer o
ódio por ser impotente diante de si mesma e da vida
que tinha.
*****
Alma surpreendeu-se quando a velha lhe
entregou um embrulho mal feito, e virou as costas
como quem exige ser seguida. Era manhã ainda e
não se enganava, deveria ir trabalhar normalmente,
pois abusava da hospitalidade e generosidade da
duende.
Abrindo o embrulho encontrou uma longa
faixa de pano. É claro que sabia para que servia.
Algumas vezes, uma fada ou outra, no Ministério
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do Rei, passava pelo nascimento com discrição,


sem tanta dor e tentava camuflar as asas usando
faixas, mas sempre eram desmascaradas.
Com um arrepio de temor, Alma despiu-se e
começou a enrolar a faixa pelo peito, envolvendo as
asas dobradas. Quando terminou, estava quase
normal. Com uma capa sobre os ombros, ninguém
notaria as asas.
De cabeça baixa, ela seguiu para a Vila,
seguindo os passos rápidos da velha duende. O
desanimo era tanto que não notou nada a sua volta.
Se eram seguidas ou não, tão pouco reparou se
chamava atenção por conta de seu cheiro.
Na Vila, elas andaram como se nada
estivesse acontecendo e se refugiaram na barraca.
Não havia um único ser que não houvesse farejado
o cio, mas ninguém falou nada.
Pouco depois do almoço, Alma estava com
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uma fome insuportável, mas com medo de pedir


por comida, pois já abusava demais da boa vontade
da duende. Sem esperanças sobre tudo, entregue a
uma profunda sensação de pesar e raiva, Alma foi
surpreendida quando uma fadinha, da taverna,
aproximou-se e fingiu olhar os sapatos costurados a
mão.
Ela colocou sobre o balcão uma dobradura de
tecido e um pequeno cesto com pão assado.
— Tive sorte. Um bom cliente. Um
Guardião. Ele me deu ouro. É muito generoso —
ela falava como quem fala com a velha duende,
mas os olhos não deixavam os de Alma — quero
um desses sapatos para combinar com as roupas
que comprei.
— E o que um Guardião deseja por esses
lados? — A velha perguntou ranzinza, sabendo
bem a resposta que ouviria.

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E a fadinha da taverna também tinha suas


razões para puxar esse assunto.
— Ele busca pela fada fugitiva da clausura.
Uma das assassinas do rei. — Olhou para Alma
com insistência. — Mas eu disse a ele que é perca
de tempo, se houvesse uma fugitiva na Vila dos
Desesperados, eu mesma lhe contaria. Mas ele é
desconfiado, assim como todo Guardião deve ser.
A fada da taverna olhou para um dos sapatos
e disse:
— É este que eu quero — entregou o ouro
para Alma e demorou um segundo a mais, tocando
suas mãos. — Obrigada.
A fada foi embora, mas não levou o pano ou
a comida. Fingia ter esquecido. Alma retirou de
sobre o balcão e voltou a sentar no banquinho,
afastada dos olhares. Desdobrou a roupa e
descobriu ser um vestido de alças trançado no
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pescoço, com as costas nuas. Típica roupa usada


pelas fadas agraciadas com suas asas. Era longo e
cobria as canelas, de chita, um tecido muito
simplório.
Emocionada, Alma sentiu as mãos tremerem.
Dobrou outra vez e colocou sobre o chão, pegando
um pedaço do pão e comendo, enquanto os lábios
tremulavam e as lágrimas corriam em sua face.
Estendeu a cestinha e dividiu o pão com a duende.
A fada da taverna viera ajudá-la, por pena.
Era mais uma fada desgraçada pelas circunstâncias
de seu simplório nascimento. Miserável aos olhos
do Reino, não merecia ajuda e terminaria seus dias
em uma taverna.
Obtivera ouro e dividia com quem precisava.
Viera lhe alertar sobre o Guardião. Saciar a fome
de uma pobre fada que padece por ter suas asas,
mas não poder se salvar.

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Lutando contra o choro compulsivo, Alma


limpou a face com o braço, afastando as lágrimas,
engolindo o choro.
Tinha medo das demonstrações de amizade e
ajuda despretensiosa. Não sabia lidar com a
bondade. Raramente em sua vida fora tocada pela
lealdade.
— O que vai ser de mim agora? —
Perguntou em um sussurro.
Não queria uma resposta. De jeito algum.
Perguntava para si mesma. Para o vazio do seu
coração. Quando mais pensava, menos alternativas
encontrava.

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Capítulo 5 - Guarde suas armas

Solon encontrou o elfo Eldor no mesmo


caminho do outro dia. Curioso percebeu que estava
sem a companhia das suas filhas. O elfo não
pareceu ser culpado sobre nada. Contou-lhe a
história das meninas e sobre como as visitava
quando vinha na Vila dos Desesperados, mas não
era casado com a fada com quem gerara as
meninas.
Não era um comportamento incomum, ainda
mais em se tratando de fadas rechaçadas como era
o caso das moradoras da Vila dos Desesperados.
Poucos elfos assumiriam publicamente uma fada
dessa linhagem.
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Ele falava sobre estar em busca de uma fada


verde. Fadas verdes são raríssimas.
— Não permitirei que siga sem explicações.
Eu não posso ignorar seu estranho comportamento,
mesmo estando ocupado com uma missão
importante — Solon o surpreendeu ao dizer. —
Você é um Caçador de Fadas?
— Não — Eldor disse alto, surpreendido. —
Não! Eu ouvi dizer que existe uma fada verde por
aqui e estou procurando por ela! Quero tocar sua
pele para ter um pouco de sorte! Nunca caçaria uma
fada! Sou da paz! — Ele ergueu ambas as mãos
como quem mostra que não usa armas.
— Que seja desse modo — Solon disse
cortando o assunto, pois não gostava de longas
conversas por não acompanhar metade do que o
elfo dizia. — Se encontrar a fada verde, me avise.
Preciso de um pouco de sorte também.

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Eldor sorriu, retirou o chapéu que usava na


cabeça em um cumprimento respeitoso e seguiu
para a vila enquanto Solon continuava suas buscas
pela mata.
Solon guardava consigo um segredo nunca
revelado. Um segredo sobre como aconteceu o
acidente que o deixou praticamente surdo. Uma
lesão irreversível e dolorosa, que mesmo passado
tanto tempo ainda lhe causava dor no corpo e na
alma.
O tempo não conseguiu apagar as marcas
deixadas em seu interior. Sua confiança extirpada,
sua boa vontade para com as fêmeas... Tudo se foi.
E foi assim por muito tempo. Graças a sua boa
índole Solon não se deixou abalar, muito menos
deixou que a amargura interferisse em seu juízo, e a
raiva guiasse suas decisões. Com o tempo foi se
abrindo para o mundo e voltou a ser o mesmo elfo

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de antes. Quando ainda acreditava nas pessoas sem


relutar.
De qualquer modo, nunca tivera coragem
para revelar como acontecera. Nem mesmo para
seus companheiros Guardiões. Alguns deles eram
jovens e novatos, como o oitavo e décimo
Guardião, recentemente agraciados com suas
armaduras por ocasião de aposentadoria de um
Guardião e morte de outro. Os demais eram elfos
da sua época. Guardiões que adquiriram seu direito
a armaduras praticamente na mesma época que ele.
Amigos de muitos anos e de algumas boas
aventuras.
E mesmo com tanto companheirismo e
cumplicidade, Solon não teve coragem de contar
como aconteceu. Egan, o Primeiro Guardião, e
também seu melhor amigo, respeitou seu desejo,
apesar da insistência e do desejo por vingança.

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Com o tempo aceitou que Solon não contaria sobre


o acontecido e se conformou.
Assim como Solon se conformou com sua
própria situação.
Sempre restava a tristeza e a indignação, mas
ele lidava bem com estes sentimentos. Refreava a
raiva e continha a mágoa usando da esperança e das
boas ações como escudo e proteção.
Solon fitou o córrego onde mais cedo
naquele mesmo dia tivera o prazer de observar a
fada da clausura recém-agraciada com suas asas
banhar-se. Esperava que ela retornasse. Era um
desejo vão, pois sabia que após o ataque dos
raptores ela demoraria a voltar ao córrego. Mesmo
assim, era melhor esperar do que percorrer a
floresta toda em vão.
Com suas asas era praticamente impossível
que perdesse seu tempo andando pela floresta,
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quando poderia muito bem voar de um lado ao


outro.
Não podia negar que estava incomodado em
perseguir uma fada no cio. Possuía muito
autocontrole e raramente se perdia em libido por
conta de uma fada, principalmente uma fada no cio.
Mas venhamos e convenhamos, na situação
que ambos viviam, Guardião e fada da clausura, era
uma situação única e pouco convencional.
E a fada era adorável.
Alta, quase mais alta que ele, robusta nos
lugares certos... Seios fartos, cintura fina, mas nem
tanto, coxas grossas e nádegas carnudas.
Particularmente havia gostado muito de seus
cabelos longos, lisos e castanhos. Era uma moldura
perfeita para o rosto anguloso, comum, mas nem
tanto, pois seus olhos eram profundos e seus lábios
carnudos.
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Lembrava-se da fada desde os tempos em


que Tobias tentava convencer os Guardiões a
escolherem suas amigas para casamento. Ele
reparava na fada Alma, não podia negar isso. Ela
chamava sua atenção, primeiro pela aparência e
segundo, pela personalidade sempre esquiva.
As fadas costumavam ser alegres e
espontâneas, mas a fada Alma era sempre séria.
Não ranzinza, mas sim um pouco sombria, como se
estivesse sempre triste. Era provável que a fada não
lembrasse, mas uma vez Solon tentou cortejá-la.
Uma desajeitada tentativa, que acreditava ter sido
ignorada ou simplesmente rechaçada.
Havia enviado por Tobias um pergaminho
em branco com penas. Um agrado para que ela
pudesse escrever, ter um diário ou quem sabe
apenas desenhar. Havia visto que ela gostava
bastante de desenhar.

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Tobias lhe disse que havia entregado o


mimo, mas que ela não dissera nada sobre isso, tão
pouco foi vista usando o presente. Esse tipo de
indiferença desmotiva o interesse de um elfo, mas
não surtiu efeito em Solon. Ele pretendia escolhê-la
quando chegasse seu momento.
Tobias jurava que Alma seria a primeira a ser
agraciada com as asas e Solon delicadamente havia
avisado os demais Guardiões que não a
escolhessem, pois era seu interesse. Tobias sabia
disso. Esperava sinceramente que o traquina
houvesse contado para a fada. Isso facilitaria
bastante sua aproximação. Mas, em se tratando de
Tobias, tudo era possível.
Solon relembrou a imagem nua banhada por
água fresca. As asas eram de tamanho médio, fartas
e duplas, em camadas, de uma cor e padrões que
lembravam a cor do tronco de árvores jovens. Uma

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camuflagem perfeitamente elaborada pela natureza.


Absorto em seus pensamentos, Solon farejou
o ar, sabendo que perto dali havia uma fada no cio.
E essa fada era Alma. Com os anos e sua limitação
auditiva, havia apurado seu olfato, mesmo assim
nem se comparava ao potencial de Acheron, o
Segundo Guardião. Era bom o suficiente para
localizar a fugitiva e era o que importava.
Conseguindo farejar a pista certa, abriu mão
da vigília em torno do córrego e seguiu para a Vila.
*****
Alma estava descobrindo que os dias de uma
fada no cio eram longos e penosos. Atraia olhares
por onde quer que passasse. O número de elfos que
abordavam a barraca era assustador. Por causa
disso estava relegada a costura e não ao
atendimento. No fundo da barraca, Alma costurava
para distrair a mente e acalmar o ódio.
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Por mais que tentasse, não conseguia afastar


o sentimento de ódio. Tudo culpa de Santha e sua
ambição desenfreada. Sua desgraça era culpa de
Lucius e sua lasciva sem justificativa. Culpa dos
Guardiões que seguiam missões sem pensar nos
inocentes.
No finzinho da tarde, quando começava a
escurecer Alma notou a mudança na fisionomia
sempre neutra de sua protetora. A duende estava
irritada e fitava um lugar em específico na vila.
Curiosa e preocupada, Alma levantou do
banquinho e espiou o que ela tanto olhava. Através
do couro que protegia a barraca, ela espiou o elfo
que andava pela vila, sorrindo para as fadas e sendo
atencioso com os elfos.
Alma soltou a cortina de couro e bufou.
— Ele não vai me deixar em paz nunca? —
Perguntou para a velha duende. — Eu achei que
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tivesse que fugir dos Guardiões. Apenas dos


Guardiões!
— Fale mais baixo. — Sua protetora disse
entredentes.
— Por quê? É obvio que serei apanhada por
alguns desses elfos que ficam me rodeando por
causa do cio! — Disse sem esperanças. — O que eu
faço para acabar com essa crucificação? Como me
livro desse cio desgraçado? Meu corpo está
exalando esse cheiro... Como vou me esconder
assim?
A velha olhou-a por alguns segundos,
medindo suas palavras e suas intenções.
— O único modo de livrar-se do cio é
amenizar seu cheiro, livrando-se assim do interesse
desenfreado dos elfos... E a única forma de fazer
isso é deitar-se com um deles. Uma vez consumado
o ato, o cio acaba e sua vida segue normalmente.
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Alma sentiu vontade de gritar de indignação.


Muito fácil, não é?
— As fadas emprenham durante o cio —
lembrou a duende disso — qualquer um sabe disso.
Não era uma argumentação que pudesse ser
contestada. Para toda regra existe a exceção e
Alma gostaria de ter alguma certeza que poderia
fazer parte do seleto grupo privilegiado pela sorte.
Mas não se enganava. Era uma fada do Ministério
do Rei, condenada a clausura e por conta disso,
nascera condenada pelo azar.
Se ao menos pudesse usar suas asas sem o
receio de atentar contra a vida de outros seres
vivos... Triste por constatar que era uma inútil,
Alma voltou para seu canto, sentada no banquinho,
cabeça baixa, os cabelos escondendo sua expressão.
Vestia a túnica que mantinha suas asas
praticamente escondidas sob a faixa que as
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amarravam. Ao menos esconderia as asas das


criaturas não atingidas por seu cheiro de cio.
Fêmeas e outras criaturas de linhagens diferentes.
Fadas no cio, recentemente agraciadas com suas
asas são alvos visados, pois alcançam preços
altíssimos em mãos ilícitas, como as mãos
sangrentas de Caçadores de Fadas, elfos que viviam
de caçar fadas infantas e vendê-las para elfos
abastados. Fadinhas jovens e desprotegidas. Fadas
com suas asas recentes ou padecendo do
nascimento e, sobretudo, fadas no cio.
Normalmente os caçadores de recompensa,
também chamados de caçadores de fadas, eram
elfos desviados do caminho honesto e adeptos a
outros crimes. Mas atualmente, os Guardiões
desempenhavam o mesmo trabalho, caçando as
quatro fadas acusadas de assassinar o Rei.
Com o coração apertado de saudade de suas

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amigas, Alma seguiu costurando. Em determinado


momento fincou a agulha no próprio dedo sem
querer. O corte era pequeno e verteu uma única
gota de sangue.
Ela chupou o dedo, limpando-o e quando
ergueu os olhos descobriu que era observada com
interesse e obsessão masculina. Eldor estava diante
da barraca e ignorava totalmente as palavras ditas
pela velha duende, ocupado em fitar a fêmea
agraciada com suas asas, padecente do cio. Alma
reconheceu a podridão e a fúria naquele olhar
bonito.
Eldor era um elfo muito, mas muito bonito.
Tão atraente quando era possível uma carcaça
masculina ser. Alma não sentiu nenhuma punção de
excitação, mesmo estando no cio. Vinha reparando
nisso, que não sentia os impulsos do cio como as
demais fadas descreviam. Esperava pelo menos

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passar logo por isso. Sabia que o cio durava


semanas, caso não consumado. Era incomum uma
fada que permanecesse intocada nesse tempo, mas
nos raros casos que acontecia, o cio durava entre
cinco e seis semanas. A duende empurrou de volta
para as mãos do elfo um embrulho e em sua língua
de duende enxotou-o da barraca. Não eram palavras
educadas, mas Alma não entendeu o sentido exato
das frases, embora houvesse aprendido algumas
palavras desse dialeto por conta do convívio com a
duende. Os olhos de Eldor corriam por seu corpo.
— Eu não vou embora — ele disse,
quebrando o contato visual, provavelmente
incomodado com a duende. Era um empecilho
entre ele e a fada.
Duendes são um povo unido. Toque em um
duende e estará adquirindo uma vingança para o
resto da vida. Duendes caçam e matam agressores

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de outros duendes. Um tipo de união que os seres


humanos e mesmo os seres mágicos, na sua
maioria, haviam perdido ao longo dos séculos.
— Quero entregar meu presente para a fada
— ele exigiu.
Alma deixou a costura no chão e levantou.
Não sentia dor alguma, o padecimento havia ficado
para trás, e seu corpo parecia renovado. Era a
mágica que envolvia as fadas.
— O que deseja de mim? — Perguntou a ele,
de pé, atrás do balcão, sem pestanejar ou fraquejar.
— Me chamo Eldor. Sou um bom elfo.
Tenho casa, cuido de meus irmãos e de um pai
enfermo. Sou bom com armas e sei lutar. Tenho
poucos recursos, mas nunca deixei faltar nada para
minha família. Sou honesto e íntegro e sigo as
regras e leis do reino de Isac. Trabalho com
plantação e tudo que produzo vendo para o castelo.
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Também trabalho com ouro, transformando-o em


joias. Trabalho o ouro dos outros, é verdade isso,
mas sou habilidoso e consigo um bom rendimento.
Meus irmãos são elfos, um de doze anos e o outro
de oito. Meu pai é velho e preciso sustentá-lo e
cuidar para que sua vida seja primada, pois é o mais
sábio de todos nós. Tenho condições de sustentar
uma família e o desejo de criar filhos e cuidar de
uma fêmea somente minha. — Ele disse com voz
cadenciada, leve, provavelmente um discurso que
resultava efeito em muitas fêmeas.
Alma seguiu olhando em seu rosto, enquanto
ouvia suas palavras.
— Não sou um ladrão ou um caçador de
fadas. Eu me interessei por você, fada. Sei que seu
nome é Alma e sei sua origem. Mas não me
importo ou farei perguntas.
— Porque está me dizendo tudo isso? —

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Perguntou sem rodeios, seus olhos fitando os dele


com agonia.
— Digo essas palavras para que entenda que
não sou como os outros elfos. Eu sinto seu cheiro,
não vou negar. Mas não é por isso que estou aqui.
Eu a vi na Vila desde o primeiro dia em que
chegou. Eu me interessei, mesmo antes de saber
que suas asas iriam nascer. Ou saber quem era.
Preciso de uma fada ao meu lado e estou
apaixonado por essa fêmea em questão. Quero
cuidar de você e protegê-la. Tomou meu coração,
fada Alma, e eu farei tudo para impedir que a
encontrem. — Estendeu-lhe um embrulho. —
Pegue, olhe o que lhe trouxe. É um presente.
Alma pegou o embrulho, relutando em deixá-
lo tocar sua pele, mesmo que ele tenha tentado
encostar-se a suas mãos. Colocou o embrulho sobre
o balcão de madeira simples e abriu o papel.

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Encontrou sandálias de couro e uma túnica


nova. Ergueu os olhos para ele como quem faz
perguntas:
— Eu não quero que passe dificuldades.
Posso oferecer uma vida simples, é verdade, mas
uma vida com privações é melhor do que o
abandono. — Sorriu e estendeu a mão como quem
pede um carinho.
— Não estou abandonada — ela disse, na
defensiva.
— Eu soube das acusações de assassinato.
Suas amigas devem seguir suas vidas sem você.
Ninguém pode culpá-las. Ouvi dizer que a fada
Driana fugiu para o sul e que dificilmente volta
para cá — era mentira, e ela leu essa mentira em
seus olhos aparentemente sinceros.
O pensamento amargo de que ninguém
deveria notar. Era exasperante saber que
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provavelmente ninguém percebia o fel por de trás


das belas palavras do elfo, por trás de seu belo
rosto, de seus olhos compreensivos e cândidos.
Quantas e quantas fadas não deveriam ser
enganadas desse modo?
— Aceito o presente — ela disse com frieza.
— É um presente desinteressado, estou certa?
— É claro que sim — ele ficou
imediatamente satisfeito em ter conseguido chegar
até ela.
— Pois bem. Eu passo privações e não serei
orgulhosa. Fico com o presente.
— Aceite também minha afeição. Eu a
levarei para minha casa, onde será cuidada e terá
uma vida repleta de amor e cuidado. Eu lhe
prometo, Alma, que serei o melhor dos maridos e
nunca lhe faltará comida e teto.

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Plenamente convencido que ela estava


seduzida, Eldor sorriu quando Alma curvou o corpo
um pouco para frente e fixou os olhos castanhos
nos seus.
— Eu vejo você. — Ela disse com voz seca
e direta.
Três palavras que diziam muito mais do que
o mais longo discurso.
A postura de Eldor mudou radicalmente.
Ombros tensos, empostados, a face também mudou
para algo totalmente oposta a candura de outrora.
Sim, Alma via exatamente o que ele
escondia. A loucura interna. A fúria assassina,
amplamente posta em prática. Eldor sabia o que
fazia e era muito bom nisso. Enganar, persuadir,
envolver e tirar proveito. Alma arriscava algo
maior do que isso.
Ele era muito mais que um simples
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trapaceiro. Ia além do ato de matar. E isso lhe


causava um arrepio no corpo. Algo de medo e
admiração. Mas o medo prevalecia por ser a
possível vítima do momento.
— Então você também vê as razões para não
me dizer não. — Ele foi sério e direto, sem meias
palavras ou ridículas tentativas de se explicar ou
desmentir as acusações implícitas no olhar de alma.
— Sim, eu vejo todas as razões imundas para
uma fada não ter coragem de lhe dizer não. Mas
acontece que eu sou diferente das outras fadas... —
Baixou muito o tom de voz, como um sussurro
doce, que na verdade era um doce veneno, uma
lâmina afiada cortando ao meio as ameaças de
Eldor. — Que eu posso matá-lo com um único
grito. E levarei todos dessa vila com você para o
inferno. Sem testemunhas. Não confunda
submissão com necessidade. Eu posso me salvar

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quando bem entender. E você? Pode fazer o


mesmo?
Eldor reteve a raiva, ela pode notar o instante
em que o pensamento lógico superou o desejo
insano por dominar e possuir. Não era o simples
desejo de possuir uma fada no cio ou vendê-la para
lucrar. Era diferente, as razões desse maníaco eram
mais profundas e Alma conseguiu ver através de
sua bela face e entender esse desejo.
— Não faria isso. — Ele fez questão de
amedrontá-la. — Eu posso trazer o Guardião até
você. Ele é um idiota que confia em mim. Se me
rejeitar, colocarei o Guardião no seu encalço —
ameaçou.
— Um a mais, um a menos... — Alma deu de
ombros, fria como uma pedra de gelo. — Me valho
de um dom. Elfos se valem de que? Armaduras?
Quer testar se sou mais poderosa que uma

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armadura que sequer lhe pertence? — Ameaçou. —


Vá, chame o Guardião. Eu fico aqui esperando.
Conte a ele também a razão pelo qual eu o rejeito.
Eldor não era um caçador de fadas ou
recompensas. Seu interesse era mais profundo.
Algo interior que Alma bem compreendia.
Algumas vezes o desejo de matar era tão forte que
a sufocava. Como se o ato de cometer esse crime
contra a vida alheia pudesse aliviar todas as suas
dores e sofrimentos. Como se apenas assim a raiva,
a fúria desmedida pudesse esvair de seu coração e
deixá-la em paz.
Eldor fitou o embrulho como se olha para um
desafio. Alma jogou no chão, os pés do banquinho
onde sentava para costurar. Era um desdém
profundo. Além de dizer-lhe não, ainda ficava com
seus pertences. Ao contrário da roupa ganha de
uma fada desvalida da taverna, que Alma mantinha

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cuidadosamente dobrada e escondida sob o balcão,


para mais tarde levar consigo para ‘casa’, o
presente de Eldor era jogado no chão batido, em
meio a poeira e o descaso.
— Isso não acaba aqui — ele disse sério.
Aqueles olhos de vidro, pensou Alma. Olhos
de vidro. Como alguém poderia se deixar enganar
por olhos de rancor e vidraça?
Sim, pensou em lhe dizer. Não acabava ali.
O elfo foi embora e Alma virou-se para a velha
duende perguntando:
— De onde ele vem?
— Eldor vem das profundezas do seu pior
pesadelo — ela disse em metáfora. Ou talvez, não
propriamente uma metáfora.
— Eu preciso ir embora desse lugar — ela
disse assustada em pensar ter que lidar outra vez

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com esse homem. — Eu prometi a Reina, mãe


adotiva do Primeiro Guardião Egan que ficaria aqui
e esperaria pelas boas novas que me salvaria e
salvaria a todas nós fugitivas da clausura. Mas
agora... Eu não confio em ficar e esperar — ela
disse tensa.
A velha duende não lhe disse se estava
correta ou não. Com o peso do mundo nos ombros,
devastada por mais essa desesperança, Alma sentou
no banquinho e perguntou:
— Para onde eu vou?
A pergunta real era: Qual lugar nesse mundo
poderia ser suficientemente seguro para alguém na
sua situação?
Pergunta ingrata.
Ela mesma maneou a cabeça e abriu mão da
resposta. Costurar era a única coisa que a acalmava.

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Horas mais tarde, quando havia esquecido-se


de sua pergunta, ouviu a resposta:
— O Deserto. Terra das Areias Vermelhas.
Poder algum vinga por aquelas terras de calor e
penar.
Alma poderia ter indagado se era ou não uma
resposta para sua pergunta, mas fazia tanto sentido
que apenas acenou e baixou a cabeça continuando
com o trabalho.

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Capítulo 6 - Eu vejo no escuro

No comecinho da noite, as barracas sendo


fechadas e elfos e fadas partindo para seus
casebres, Alma estava exausta fisicamente e
emocionalmente, aguardando o momento de ficar
sozinha e dormir.
Deitar, fechar os olhos e adormecer,
esquecendo-se de toda a desgraça que a perseguia.
Em raros momentos de esquecimento, induzido
pelo sono, Alma desfrutava de um pouco de paz.
Depois de costurar calçados durante todo o
dia, sobrou-lhe uma manto para bordar. Era uma
peça de couro macio, em camurça, ricamente

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bordada nas barras. Nunca havia feito esse tipo de


trabalho, por conta disso prestou muita atenção
para não errar e causar prejuízo para a duende que
tanto a auxiliava neste momento de desespero e
aflição.
Alma costurava o manto, sentada ao lado da
velha duende, que se cobria com mantos verdes, e
mantinha sua pele da mesma cor, tornando-se quase
camuflada.
Sabia que era fugitiva, mas ninguém tecia
comentário, e levando em conta que Alma
suspeitava que a duende também estivesse fugindo
de algo... Tudo estava bem.
As duas mantinham-se caladas e se
ajudavam. Embora às vezes, Alma sentisse a
curiosidade aflorar e vir com força total, fazendo
sua língua coçar de vontade de perguntar a velha
duende se também fugia de algo ou era apenas

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impressão sua.
Alma parou de bordar o manto ao reparar que
outra vez a sagaz duende reparava em
movimentação suspeita na vila.
Era só o que lhe faltava! Eldor ter voltado e
insistir em infernizar sua vida, já tão miserável!
Não era nada disso, mas também era
preocupante. Era o Quarto Guardião Solon. Ele
falava com as pessoas por gestos e às vezes se
irritava, mas insistia em obter respostas.
Os habitantes da vila não lhe forneceriam
nenhuma pista, por solidariedade a uma pobre fada
que precisava fugir para sobreviver, assim como a
maioria dos moradores da Vila dos Desesperados,
que já sofreram ou ainda sofrem o peso do
preconceito, dominação ou apenas miséria.
Em uma das barracas ela ouviu a voz de uma
jovem fada de cor acinzentada e feições muito
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estranhas, uma das mais ignoradas de todas as


criaturas estranhas do vilarejo, ele gritava com essa
fada e ela respondia nervosamente. Não forneceu
nenhuma informação que pudesse ajudar, mas seu
nervosismo e o modo inconsciente de olhar sem
parar para a barraca de calçados indicou-lhe por
onde deveria começar.
Havia sim uma fada recentemente chegada a
Vila dos Desesperados e que a pouco mais de três
semanas se escondia entre os moradores. Uma fada
que nesse instante exalava um cheiro característico
e nada discreto de cio.
A velha duende havia pendurado vários tipo
de ervas por toda a barraca na tentativa de amenizar
o odor ou ao menos disfarçar sua origem, mas era
um ato falho. Tentativa desesperada de ao menos
despistar os elfos mais tolos ou influenciáveis.
Sua companheira de bordado não disse nada

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quando Alma largou o que fazia. Apenas apontou


para o fundo da barraca como quem alerta da
necessidade de fuga. Por isso, Alma não pensou em
nada, apenas levantou e correu para esconder-se
atrás do couro que limitava a barraca.
Solon encontrou apenas a velha bordando,
calmamente.
— Onde está a fada? — Perguntou invadindo
a barraca.
— Quem? — Ela perguntou, fingindo-se de
surda.
— Onde está a fada? — Ele gritou mais alto,
irritado.
— Quem? — Ela insistiu e Solon desistiu.
A velha duende sabia de sua carência
auditiva a usava isso contra ele! Se fosse outro elfo,
se vingaria desse deboche, mas era alguém justo e

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valoroso, e apenas ignorou seu ato contra a lei do


reino. Atrasar ou atrapalhar uma missão de um
Guardião a mando do Rei ou rainha era razão para
um longo julgamento.
Alma correu para longe da barraca,
escondendo-se entre árvores, espiando o Guardião
Solon sair do mercado, e quando se aproximou ela
rezou para não ser vista. Sem querer esbarrou em
pedregulhos e o barulho foi imenso.
Em pânico sabia que seria avistada, mas nada
aconteceu. O Guardião não ouviu o barulho.
Desconfiando que o Guardião não possuía
boa audição Alma correu para outro ponto no meio
das árvores.
Alma não tinha apegos sobre voar, pois tinha
medo de altura, mas lamentava não poder fugir do
modo mais fácil. Correu por entre árvores e mato,
torcendo para despistá-lo e evitar um confronto que
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a compelisse de usar seu dom contra um elfo bom e


justo, que apenas cumpria ordens, seguindo leis de
um reino que sempre mascarava suas falhas e
enganava seus olhos, assim como mascarava os
olhos de muitas outras criaturas mágicas.
Pensou em levá-lo para o córrego e então
para a clareira onde descobriu que podia controlar
sua voz para matar, mas faltou coragem para tanto.
Quem sabe, com um pouco de sorte, pudesse
despistá-lo sem a necessidade de cometer um crime
ainda maior?
Alma escondeu-se atrás de um carvalho
gigantesco. Até tentou entrar na árvore, em uma
fresta larga, mas não coube. Era grandalhona
demais para caber em um esconderijo de duendes.
Sem fôlego, fechou os olhos, torcendo para
ser agraciada por uma sorte inesperada, e o
Guardião perder seu rastro. Como se isso pudesse

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acontecer... Bastava que farejasse o ar para sentir


seu cheiro de cio!
Tomada de coragem, espiou pelos lados da
árvore, até avistar o elfo procurando por ela em
torno das árvores. Ele era cuidadoso e parecia
comedido demais. Não usava a armadura e isso era
índicio de que não a considerava uma inimiga ou
que não considerava sua capacidade de luta
suficientemente significativa para merecer proteção
extra.
Alma estreitou os olhos ao notar o chocalho
no cinturão de couro que ele usava. Era barulhento
e indicava a direção do vento. Estranho, porque ele
precisava de um guiso?
O súbito entendimento, depois de lembrar
que ele não a notou tão perto, mesmo tendo feito
muito barulho, a fez chocada. Seria possível que o
Guardião não estivesse ouvindo-a?

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Seria essa a razão que levava Tobias sempre


a desmerecê-lo e até mesmo rir dele?
Apreensiva, espiou-o mais um pouco e
descobriu que não era a única que reparou que o
Guardião não tinha boa audição.
Do outro lado da clareira, ele não percebeu a
aproximação de ladrões. O barulho dos passos não
chegou aos seus ouvidos e ele não percebeu que
seria atacado pelas espadas.
Atacado pelas costas, pois eram mestres em
roubo, e habilidosos em camuflar o barulho.
Alma olhou em volta, era sua oportunidade
de fugir. Deveria fugir. Quem a notaria fugir em
meio a uma luta de espadas entre ladrões e
Guardiões?
Dividida entre a liberdade e a obrigação para
com outro ser humano, observou a face do
Guardião com piedade. Um sentimento apertou seu
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coração. Era pena pura e límpida.


Ele não podia ouvir, e não podia se defender.
Como ela que não podia voar e se salvar. Simples
assim.
Por maior que fosse seu poder, ainda assim, o
Guardião Solon era indefeso quando seus truques
não funcionavam e não conseguia ouvir seus
agressores.
Como toda criatura que foge da perfeição
seria morto por sua vulnerabilidade.
Sem saber de onde viera o pensamento, Alma
decidiu que precisava ajudá-lo. Como faria isso lhe
era um mistério. Mas não permitiria que fosse
morto! Não por sua vulnerabilidade!
Era um impulso inexplicável vindo dela que
normalmente tendia a querer ver o circo pegar fogo
e a espada verter sangue.

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Gostava de assistir aos treinamentos dos


Guardiões e ao contrário de suas amigas do
Ministério do Rei, não o fazia para admirar belos
elfos sem camisa, suados e em posição de luta...
Não mesmo. Ela assistia as lutas com o desejo de
ver alguém se ferir. Eram desejos mórbidos
acompanhados de muita fúria interna.
Por isso, estava surpresa com esse apelo de
bondade surreal. Precisava ajudá-lo por caridade e
por sentir-se unida a um ser que como ela, é
imperfeito e não pode salvar a si mesmo. Assim
como faria de tudo para manter-se segura e não
colocar a vida de suas amigas em risco.
Esquecendo-se delas, Alma agiu por impulso.
Saiu do seu esconderijo, no exato instante em
que um dos ladrões ergueu a espada na direção do
Guardião.
Tão perto e mesmo assim Solon não notou o

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perigo. Claro, pensou Alma, seu cheiro de cio


impregnava nas narinas do Guardião e por causa
disso não farejava outros odores.
Lamentável, pensou Alma, enquanto se
aproximava sorrateira. Indiretamente seria culpada
pela morte do Guardião. E pelo visto, mesmo a
distância Rainha Santha continuaria causando mal
aos seus súditos.
Solon sentiu uma mudança sutil no ar e o
movimento do chocalho em sua cintura alertou-o
que algo estava muito perto. Virou-se a tempo de
usar o bumerangue como escudo e evitar o choque
da lâmina da espada com sua carne.
Foi tudo muito rápido, ele ouviu o som de
um grito estridente, mas era um som distante, que
pouco o atingia.
Mas ao contrário dele, os outros elfos
pararam de lutar. Um a um foram caindo no chão.
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Solon avistou a fada que gritava e reconheceu


Alma, a fugitiva da clausura.
Não viu suas belas asas, sinal que estavam
amarradas e escondidas sob a roupa. Ela mantinha
o grito num ritmo linear, estridente e pelo aspecto
de sofrimento dos elfos no chão, ele soube que seu
dom estava ativo.
Ela parou de gritar quando os elfos
desmaiaram, não por falta de vontade de terminar o
serviço e acabar com a vida daqueles biltres, mas
sim, por estar diante do Guardião que a caçava.
Distraídos um com o outro, não viram um
sétimo elfo surgir, usando de uma lança. Ele
avançou com um brado de luta, e atacou o
Guardião. Solon notou quando estava perto demais
para ser contido, a lança atingiu de raspão sua
cabeça e ele cambaleou, mas não caiu. Numa
fração de segundo retirou o punhal do cinturão e

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fincou-o na barriga do ladrão.


Abatido, o elfo larápio jazeu sobre o chão,
junto de seus parceiros de crime.
Solon cambaleou, ariscando alguns passos na
direção de Alma, mas não aguentou e tombou.
Ela havia se revelado para evitar que isso
acontecesse, mas como poderia prever que haveria
mais bandidos? Uma coisa estava certa... Se o
Guardião morresse, ela estaria livre daquela
opressão toda.
O Guardião era como ela, pensou. Limitado
em suas ações. Além disso, cumpria ordens, não
cumpria?
Tomada por um arremeto de pena, Alma
correu em sua direção e tentou tirá-lo do chão.
Solon estava confuso e abalado pela pancada, mas
após algum esforço, Alma conseguiu fazê-lo
levantar e até colaborar com alguns passos tortos
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enquanto o levava pela floresta.


O casebre onde se escondia com a velha
duende não ficava muito longe dali, e Alma
imaginava a fúria de sua protetora quando
descobrisse quem estava acoitando em seu lar.
Em alguns momentos da vida, pensamos em
tudo, menos nas consequências, e este era um dos
momentos perpendiculares a nossa vontade onde
agimos por impulso e não razão.
Solon desmaiou quando estavam a poucos
metros da cabana e coube à Alma colocá-lo no chão
e puxá-lo pelos braços, arrastando-o.
Quem diria que Guardiões poderosos
poderiam ser como sacos de batatas quando
abatidos? Sorte sua ter braços fortes, pois precisaria
deixar o elfo na rua. Era pesado e coberto de
músculos. Deixou-o caído no meio do cômodo,
perto do tear onde sua protetora fiava nos fins de
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dia.
Alma não era jeitosa como Joan, sempre
delicada e sabendo o que fazer para ajudar as outras
pessoas. Tão pouco era tão inteligente como
Driana, capaz de entender tudo rapidamente e saber
o que fazer na hora certa. Muito menos era abusada
como Eleonora que iria atrás de ajuda pouco se
importando com a própria segurança.
Alma era assim, pouco habilidosa na arte de
conviver. Por conta disso buscou o travesseiro
velho e murcho que usava para dormir e colocou
sob a cabeça do elfo, e deu-se por satisfeita.
Não sabia ainda o que faria com ele. Meia
hora depois Solon despertou do desmaio e olhou
em volta, começando a levantar, e cambaleante
tentou alcançar a fada.
Alma afastou-se e ele se recostou na parede,
uma das mãos segurando a ferida em sua cabeça
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enquanto a outra segurava sobre o estômago.


Nauseado e zonzo ele permaneceu assim, até
sentir mãos delicadas em suas costas, empurrando-
o para um corredor estreito e sem iluminação
alguma. Um pouco amparado, outro pouco
trocando os pés, mas ele chegou onde Alma queria,
e não fez perguntas ao avistar a simples e brejeira
cama.
Gemeu de dor e satisfação ao pousar o corpo
dolorido no conforto precária do colchão, este
conforto sendo mais do que iria esperar dada a
situação.
— Minha cabeça está doendo — ele disse
tolamente, encarando o teto de barro e palha, olhos
vidrados e avermelhados.
Depois da pancada que levou era um milagre
que estivesse acordado. Alma não disse nada e
tentou se afastar, mas Solon segurou sem punho,
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em um reflexo rápido, típico de quem vive sua vida


para a luta e guerra.
— Fale comigo — ele pediu.
Alma puxou o pulso e não disse anda.
Falar com ele? O que ela diria?
Saiu do quartinho e recostou-se em uma
parede do corredor, respirando com dificuldade,
massageando sobre o pulso onde ele segurou, não
por dor, mas sim, por um incômodo sem
explicação.
Fechou os olhos aflita e espiou para dentro
do quarto. Solon estava outra vez desacordado e ela
não sabia afirmar se por um desmaio ou por ter
adormecido. Não sabia cuidar de alguém. Ainda
mais se esse alguém fosse também seu perseguidor.
Alma franziu as sobrancelhas surpresa ao ver
um embrulho no canto do quarto. Era uma mochila

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de couro batido. Ela deu um passo para dentro do


quarto e espiou o que era. Não estava ali a um
segundo atrás.
Não chegou a tocar, pois foi surpreendida por
uma voz séria e muito furiosa perto dela:
— A armadura segue seu Guardião. — A
velha duende disse invadindo o quarto. — Não
questione a magia que os une.
— Eu sinto muito. Não era minha intenção
trazê-lo para cá. Eu não sei o que aconteceu
comigo... Ou o que eu devo fazer com ele...
— É um Guardião. Não pode matá-lo dentro
da minha casa — a duende alertou.
Alma sorriu, pois gostava muito de sua
protetora. Elas não conversavam ou tinham
qualquer forma de proximidade, mas era
interessante interagir com ela.

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Assassinar o Guardião em sua casa era


proibido, mas fora dali, ela não se importaria?
Como alguém responde a isso?
— Eu não pensei em matá-lo — admitiu.
— E porque não? Seus problemas estariam
findados — ela disse correndo os olhos pelo elfo.
— Eu não pensei ao trazê-lo para cá. —
Admitiu.
— Ele não pode ficar muito tempo. E isso —
apontou a armadura — não quero isso aqui.
— Os ladrões estavam atrás da armadura.
Não vejo outra razão para correrem o risco de lutar
com um Guardião. Acha que uma armadura vale
muito se for vendida?
— Alguns elfos pagariam verdadeiras
fortunas. Mas primeiro, o elfo precisaria estar
morto. Ou jamais teria paz — avisou.

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— Eu não penso em vender. Acha que devo


sumir com isso? — Apontou a armadura.
Não houve resposta. A duende saiu do
quartinho e voltou minutos depois com uma bacia
com água e panos. Largou em suas mãos e foi
embora. Alma ouviu o barulho do tear e olhou para
a bacia com água sem saber o que fazer.
Ou melhor, sabia o que fazer, mas lhe faltava
vontade.
Não contou para sua protetora a razão
verdadeira de socorrê-lo. Fora pena de uma criatura
desprotegida. Piedade tão profunda que apertava
seu coração. Alma deixou a bacia no chão e
aproximou-se do elfo. Evitando encostar-se à pele
do Guardião, Alma abriu os botões que mantinham
a túnica masculina fechada e puxou sem
delicadeza, pois não era jeitosa, livrando-o da parte
de cima da roupa manchada de sangue.

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Fez uma bola com o tecido sujo e descartou


no chão, enquanto decidia se valia a pena ou não
despir o restante das roupas. Ele estava limpo,
então, porque mexer em suas calças?
Retirou o cinturão analisando o trabalho feito
no couro. Colocou no chão o punhal e o
bumerangue, admirando o trabalho do metal.
Queria saber usar um desses.
Lembrou-se que fora salva mais cedo
daquele mesmo dia por uma arma idêntica a essa. O
Guardião salvou sua vida? E ela salvou a dele? Ou
era uma ironia do destino ou uma grande piada sem
graça.
Retirou as botas dos pés enormes e fez uma
careta diante do cheiro forte. Bem, alguém não
primava muito pela higiene de seus pés. Ou apenas
a caminhada demasiada floresta adentro estivesse
castigando os pés do elfo.

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Qualquer uma das opções não a agradava.


Alma pegou um pano molhado de dentro da bacia
de barro e virou a face do Guardião em sua direção,
revelando o machucado no lado esquerdo da
cabeça, entre os cabelos. O infeliz tivera muita
sorte. A ponta afiada da lança não perfurou, apenas
raspou e provavelmente machucou o osso. Iria
sarar. Ferimentos na cabeça são sempre
complicados, pois o mais insignificante ferimento
poderia causar a mais devastadora das sequelas.
Restava torcer para que o elfo tivesse sorte e
despertasse ileso.
Suas mãos eram firmes e ela quase se
esqueceu do risco que corria ao ajudá-lo. Limpou o
sangue seco, dobrou o corpo sobre o dele para ver
melhor entre os cabelos escuros. Sim, tinha razão,
não havia nenhuma perfuração. Seus dedos
correram pelos cabelos macios e espessos, e

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encontrou um relevo inesperado, por isso fuçou até


encontrar uma cicatriz. Era longa e fina e dirigia-se
para o ouvido. Plenamente escondida sob a
cabeleira bem cortada e aparada, de um negro
profundo, uma cicatriz acentuada e antiga se
escondia.
Alma ficou pensativa sobre ser esse
ferimento o responsável por sua perda quase total
de audição. Com gentileza, virou o rosto para o
outro lado e procurou uma ferida parecida do outro
lado. Encontrou.
Tornou a sentar sobre os joelhos e fitou-o
com uma expressão de profundo desgosto. Não era
um ferimento acidental. Não era algo ao acaso.
Eram duas cicatrizes gêmeas. Enojada de pensar
que alguém fizera isso propositalmente a outro ser
vivo, Alma levantou e pegou o maior dos pedaços
de pano, começando a esfregá-lo nos ombros do

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elfo.

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Capítulo 7 - Em conflito

Era uma fada no cio e contrariando toda a


situação que vivia, não sentiu nenhum impulso
incontrolável de excitação, como sabia que deveria
estar sentindo. Pelo contrário ao correr os dedos
pela pele firme, sentiu a textura, o calor e sim,
considerou como era agradável tal toque. Mas nada
que não pudesse ser controlado. Disse a si mesma,
que essa situação toda era culpa da rainha Santha e
de seu amante Lucius e ela pagava por isso e não
era justo padecer com medo e privações enquanto a
rainha refestelava-se no luxo.
Alma não sabia que a raiva impedia que
outros sentimentos viessem à tona. Pensou nas
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palavras da duende, que ouvia fiar no outro cômodo


do casebre.
Deveria matar o Guardião e se livrar do risco.
A culpa não cairia sobre seus ombros, pois ele
havia sido atacado por ladrões. Bandoleiros que
aterrorizavam a Vila dos Desesperados há muitos
anos.
Não seria difícil acabar com sua vida. Ele
estava tão frágil, tão desprotegido... Seus olhos
correram pelo corpo do Guardião e por sua face.
Era um elfo bonito. Curiosidade a instigou e Alma
apertou o pano, gotejando água em seu peito
coberto por pelos escuros.
Distraída levou um susto quando o elfo se
moveu e segurou sua mão. Ele abriu os olhos e
mirou-os nos seus. Ela enxergou confusão e dúvida,
como se desconfiasse que ela fosse fruto de sua
imaginação. Soltou sua mão e ela respirou aliviada.

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Ele esticou o braço e tocou seu cabelo longo, que


caia sobre ele. Segurou um punhado de cabelo
macio e não disse nada.
Alma tão pouco teve coragem de se mover e
alertá-lo que não era uma visão induzida pela
pancada na cabeça e sim realidade.
O modo gentil como Solon acariciou seus
cabelos, ela não sabia que isso existia. Puxou as
madeixas para longe, evitando assim ser tocada. Ele
sorriu e tentou sentar, mas não conseguiu. Tornou a
fechar os olhos e Alma ficou aliviada quando
adormeceu outra vez.
Deu sua tarefa de limpá-lo como encerrada.
A velha duende tinha razão. Não era seguro ter
aquele Guardião no seu encalço. Muito menos a
armadura perto de si. Levantou e olhou a bolsa de
couro onde carregava a armadura mágica. Espiou e
avistou o metal escuro. A armadura de Solon era de

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uma cor escurecida, como um metal que oxidou.


Era bonita, mas era também uma ameaça.
Pegou a alça e tentou erguer. Era
pesadíssima. Uma lástima, mas a carregou assim
mesmo.
— Eu vou me livrar disso — disse para a
duende, que parou de fiar e olhou-a com
indiferença. — Pode olhar o Guardião na minha
ausência? Ele pode acordar.
— O que pretende fazer com ele?
— Ainda não decidi — admitiu. — Mas já
sei o que fazer com a armadura. Como me livrar
disso.
A duende não perguntou nada. Quem sabe,
pudesse ler seus pensamentos e saber de seus
planos? Duendes não possuem dons, mas Alma já
não duvidava de mais nada na sua vida.

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Sua protetora trouxera consigo para casa o


presente recebido do elfo Eldor, aquele verme
imundo que a assediava e o presente da fadinha da
taverna, motivado por solidariedade.
Pegou o vestido, que era usado pelas fadas,
facilitando o uso das asas, e desamarrou as faixas
que prendiam suas asas. Vestiu a roupa e amarrou
atrás do pescoço. Moveu os ombros, como quem
liberta sua verdadeira essência, mas não bateu as
asas, para não causar dano a duende que a ajudava
tão despretensiosamente.
Ela não lhe fez perguntas e Alma também
não forneceu respostas. Carregando a armadura,
correu pela floresta até encontroar uma clareira
afastada e aparentemente vazia.
Não havia outro jeito, precisava rezar para
não causar mal a nenhum inocente e seguir seus
planos a risca.

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Sabia que não muito longe do vilarejo, havia


uma das saídas para o Deserto das Areias
Vermelhas, uma terra sem dono. Nada sobrevive no
calor capaz de dizimar até mesmo as magias mais
poderosas.
Aquele que pisa nas terras vermelhas padece
no corpo físico e mágico. Das terras quentes não
brota água ou cresce alimento. Raras espécies de
répteis sobrevivem naquelas terras, e os poucos que
ali estão, são tão venenosos ou cruéis que nenhuma
fada ou elfos se arriscaria a tentar abatê-lo como
alimento.
Uma magia protegia o Deserto, e dentro de
seu território o poder dos dons de uma fada é
anulado praticamente todo. Algumas fadas mais
fortes conseguem manter algum resquício de poder,
mas algo insignificante se comparado às limitações
do lugar. Nem mesmo a magia de uma armadura

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sobrevive ao deserto.
Uma vez enterrada naquelas areias, a
armadura não conseguiria sozinha encontrar
caminho de volta para o seu Guardião.
Essa era a sua ideia. Enterrar a armadura no
mais profundo dos buracos e escondê-la. Separar
Guardião e armadura. Apesar das fadas crescerem
sabendo da ligação entre um e outro, Alma não
sentiu um pingo de culpa quando alçou voo pela
primeira vez na vida.
Quando tentou voar mais cedo naquele dia,
foi apenas um esboço, não foi um voo. Dessa vez,
era matar ou morrer, e ela não pensou nas
consequências. Bateu as asas com força e subiu
rapidamente.
Olhos fechados, pânico em cada fibra do seu
ser. Foi obrigada a olhar, pois era a única forma de
se localizar e saber se ia para o lado certo. Na Vila
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falavam muito sobre o Deserto das Areias


Vermelhas, inclusive sobre o perigo que corriam
por fazer divisa com uma terra tão hostil e perigosa.
Não foi difícil localizar o deserto, pois era
devastadora a imagem vista do alto. Alma engoliu
em seco e apertou a bolsa com a armadura contra o
peito, em pânico sobre cair. Detestava altura e
odiava voar.
Odiava as razões que a levavam a precisar
voar tão longe e tão alto. Evitava bater as asas,
planando a maior parte do tempo. Não tinha
coragem de tentar descobrir se havia abatido
criaturas vivas ou não, apenas torcia para que não
houvesse acontecido.
Seu voo era rápido e ela ouvia o barulho do
farfalhar e sabia o quanto angustiante seria para os
que a ouvisse, por causa disso ela voava tão alto.
Muito mais alto do que outra fada precisaria.

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Era um voo desajeitado. Oscilava entre subir


e descer, o tempo todo perdendo o compasso do
bater as asas. Não era uma voadora nata. Precisava
sentir o chão sob seus pés.
Alma desceu o voo quando atravessou a
divisa entre a Vila dos Desesperados e sua floresta,
e o Deserto das Areias Vermelhas.
Precisou bater as asas com muita força, pois
o calor escaldante e a poeira fina no ar
impregnavam nas asas e as tornavam pesadas.
Seu corpo foi atingido imediatamente pela
mudança do ambiente. Uma mágica estranha
dominava aquela região e por causa disso Alma não
sentiu receio de bater suas asas, pois sabia que não
havia muitos seres que vivessem ali.
— Droga — ela reclamou em voz alta ao
descobrir que não sabia parar e descer.
Como uma fada faz para parar de bater suas
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asas e não cair em queda assustadoramente livre?


Alma imaginou que se estivesse na
companhia de Eleonora, Driana e Joan, elas
estariam rindo compulsivamente de seu desespero e
tolice. Ela mesma gostaria de rir, se o medo de cair
não fosse tão maior.
Decidiu por baixar a altura do voo antes de
parar de bater as asas. A uns dez metros do chão,
ela teve a boa ideia de soltar a armadura sobre a
areia quente e então, começar a descer. Foi parando
de bater as asas e quando notou estava caindo.
Faltou-lhe maturidade para saber como agir e
apenas gritou ao atingir a areia.
Ao menos era areia macia. Já era um
começo. Alma prometeu a si mesma que nunca
mais voaria. Mas lembrou-se que precisaria voltar
para a vila e que para isso sua promessa não teria
propósito.
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Enfurecida bateu uma das mãos na terra


quente e reclamou de dor, pois o calor queimou sua
pele sensível.
Levantou e olhou para a sola dos sapatos,
consciente que eles não serviriam como proteção
por muito tempo, pois o calor escaldante da areia
iria derretê-los. Fechando os olhos conformada,
bateu as asas e planou.
Hum, pensou. A sensação de planar era bem
mais agradável que voar. A poucos centímetros do
chão, sem riscos de quedas, era bem mais
agradável. Sorrindo, Alma encontrou a armadura e
levou-a no colo para um lugar bem afastado onde
pudesse localizá-la caso precisasse dela.
Avistou o tronco apodrecido de uma árvore,
e seus olhos quase a enganavam se era uma
miragem ou realidade. Convencida que o tronco era
maciço e os galhos realidade, Alma pisou na areia

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fervente e ajoelhou-se para cavar.


O calor castigava, o suor corria em sua face,
pescoço e colo. Pingos grossos, toda sua pele
molhada. Suas mãos latejavam, as unhas
carcomidas pelo esforço de cavar na areia fervente.
Sem sua armadura o Guardião seria
inofensivo, ainda mais levando em conta sua
péssima audição. Alma sempre estaria na vantagem
e não precisaria mais se preocupar com ele e sua
perseguição.
Horas mais tarde, terminou de cavar um
buraco suficientemente fundo para caber à
armadura e começou a jogar terra sobre ela.
Quando terminou, mal acreditou que estava feito.
Levantou e precisou apoiar as mãos nos joelhos,
respirando fundo, buscando ar.
Sedenta, a pele escaldando sob o sol ardente,
Alma recuperou um pouco do fôlego e usou a mão
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para proteger os olhos do calor, enquanto olhava


em volta. Não tinha muito o que ver. Era um
horizonte de areia vermelha exalando vapor.
Quilômetros e quilômetros de um nada
aterrorizador.
Alma pensou em si mesma. Era o lugar
perfeito para esconder-se. Poderia buscar alimento
vez ou outra nos arredores da Vila dos
Desesperados. Sim, era um bom plano esse.
Pensou no casebre onde tinha companhia,
mesmo que uma silenciosa companhia. Mesmo nos
piores momentos ela sempre teve companhia de
suas amigas de orfanato. Não sabia que a vida de
uma criatura sozinha era tão triste.
Então, como pensava suportar esse tipo de
solidão? Não, maneou a cabeça desconsolada, não
estava pronta para abdicar do mundo em nome da
fuga. Era cruel, mas ela usaria todas as opções

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antes de tomar decisões dessa magnitude.


Afinal, a culpa não era sua. Era culpa da
Rainha Santha e só de pensar nela, seu sangue
fervia e a fúria tomava conta do seu coração. Tudo
culpa da ambição desmedida de uma fada que um
dia pertencera ao Ministério do rei, que deveria
entender o sofrimento das fadinhas abandonadas
por suas famílias, e não usá-las como escudo para
seus crimes hediondos!
Alma olhou para a árvore uma última vez,
decorando a imagem para não esquecer caso
quisesse buscar a armadura. Quem sabe, se
conseguisse juntar suas amigas e não conseguissem
provar a inocência, pudessem vender a armadura no
mercado obscuro dos caçadores de recompensa,
para captar recurso para uma fuga?
Na Vila dos Desesperados falavam muito
sobre terras distantes, lugares que Alma supunha

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existir apenas em sonhos, mas que poderiam ser


reais.
Repleta de coragem, Alma bateu suas asas,
alçando voo, tencionando fugir do vento carregado
de areia que começava a sobrar a seu favor. Seria
terrível ficar presa em uma tempestade de areia.
Seu voo era desengonçado e ela parou umas
duas vezes, descendo para a areia antes de retomar
voo. Detestava voar, isso era fato.
Quando voltou para a floresta, nos arredores
do casebre, era madrugada, Alma recostou-se em
uma árvore, recuperando-se do tormento que havia
sido voar. Lágrimas correram em sua face e eram
lágrimas de medo. Sim, ela não queria ter que voar
nunca mais em sua vida!
Por sorte, não parecia que alguma criatura
houvesse sido atingida, embora ela notasse alguns
roedores em péssima situação. Pobrezinhos, não
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tinham culpa de nada. Com o coração em


frangalhos, limpou as lágrimas e correu para o
casebre.
Quando entrou, encontrou-a fiando. A velha
duende apontou para o quarto, e Alma correu para
saber o que acontecia. Areia caia do seu corpo e
precisava de um banho para livrar-se da sujeira
impregnada no corpo.
O elfo estava dormindo, mas seu sono era
confuso e ele se debatia. Um pesadelo induzido
pela pancada? Talvez. Alma aproximou-se e fez
uma careta de desgosto ao notar que um poderoso
inchaço tomara conta da região agredida.
Longe de sentir pena do Guardião, Alma
voltou para junto do tear e olhou para a duende em
dúvida.
— Eu poderia... — Não tinha coragem de
falar. — Seria tão mais fácil, não seria? Sem ele no
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meu caminho.
— Sim, seria muito fácil. — Ela concordou,
fiando sem parar.
— Eu poderia fazer isso. — Ela disse tensa,
insegura. — Eu acho que gostaria de fazer isso.
A duende olhou bem para ela, vendo através
de seus olhos. Não respondeu e se Alma esperava
algum apoio, perdeu as esperanças. Não seria
incentivada, tão pouco desmotivada. Ficou um
tempo de pé olhando-a trabalhar tentando descobrir
o que deveria fazer.
A reflexão era simples. Quando desse por
falta da armadura o Guardião se voltaria contra ela
com mais razões para aprisioná-la. Quanto a isso
não tinha receio, pois o via como um elfo
inofensivo sem armadura e sem boa audição. Por
outro lado, pensando friamente, ele era imune aos
seus gritos.
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Percebera isso ao atacar os bandidos. Eles


caíram abatidos, mas Solon... Sequer notou ou se
abalou. Era um perigo deitado sobre sua cama.
Tivera pena e o ajudara por compaixão.
Movida pelo errôneo sentimento de generosidade.
Ele era como ela... Alguém quebrado, pela metade
e incompreendido. Mas passado o momento de
angústia e caridade, se pegava pensando se estava
se deixando levar por sentimentalismos baratos que
causariam sua morte ou sua perdição, o que viesse
primeiro.
Poderia fugir e deixá-lo para trás. Mas seria
justo? Seria justo que ela fosse privada da
companhia de suas amigas por causa dos crimes de
outras pessoas?
Seria justo padecer de solidão e desilusão
longe do pouco apoio que tinha e veja, ela se sentia
apoiada pelos moradores da vila, e não estava

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disposta a abrir mão disso por causa de um


Guardião defensor de uma rainha que destruíra sua
vida!
Tomada por esse pensamento, Alma voltou
para o quarto, sem notar que a velha duende parou
de fiar, encarando a parede onde Alma estivera
apoiada até um segundo atrás.
Alma olhou para o elfo adormecido, inquieto
e lutando contra monstros imaginários que
permeavam seus pesadelos e pensou em justiça.
O que era justiça afinal? O desejo estava
dentro de si. E não era o desejo pelo elfo. Não era
desejo pelo cio. Era um desejo antigo que não tinha
nada a ver com sexo. Passava longe disso.
Quantas e quantas vezes não desejou fazer
isso? Aproximou-se do chão e pegou o punhal que
havia deixado jogado sobre as tábuas encardidas do
assoalho. A lâmina brilhou, mas era apenas
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impressão sua. Era o brilho de seus olhos,


refletindo a lâmina.
Quem sabe a vida sabe o que faz e a criou
assim, para que quando chegasse esse momento
fosse tudo tão mais fácil?
Tantos anos acalentando esse desejo em seu
coração, quem sabe, fosse a hora derradeira de
escolher o lado que desejava seguir? E quem
definia esses lados? Eleonora, Driana e Joan
sempre falavam sem parar sobre o lado bom e o
lado mal.
Alma ficou de cócoras no chão, descansando
o corpo, enquanto olhava o punhal e então cravava
os olhos no elfo.
Tão bonito. Era um macho muito bonito. Ela
gostava de olhar para ele, e como a centelha de
libido ameaçou queimar, Alma sufocou-a com a
lembrança da Rainha Santha rindo de sua desgraça
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e de suas amigas.
A luxúria do cio foi imediatamente contida,
mas não a labareda que queimava a vontade de
pisar para longe da linha imaginária que dividia o
lado bom do lado mal.
Ser boazinha, quando o mundo lhe fere e
agride sem parar? Fora abandonada antes mesmo
de nascer. Era uma das poucas fadas que sabia
exatamente de onde viera e que sua história era
demasiadamente simplória para merecer um
pensamento mais demorado. Abandonada como se
não tivesse valor algum. Padecente das piadas das
carcereiras, ano após ano, sempre lembrada de
como era estranha e sua voz temerária. De como
jamais seria amada ou seria feliz. Anos e anos
sendo espezinhada sem trégua.
Ser bruscamente apartada de suas amigas,
sua única família. Ser tratada como fugitiva, como

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assassina ou no mínimo cúmplice desse crime


terrível.
E tudo isso para quê? Por ambição? Para que
uma fada chamada Santha pudesse usufruir de luxo,
proteção e liberdade?
Alma levantou bruscamente e maneou a
cabeça. Não. Era hora de aceitar que o lado bom
não era o seu lado favorito. Ela era do avesso, e o
avesso era o seu lado perfeito.
Seria inteira e se parte disso era cometer esse
ato, ela faria o que tinha que ser feito e faria isso
um a um. Encontraria um a um os Guardiões e
daria fim naquela busca.
Estava cansada de lutar contra si mesma e
contra o mundo.
Era hora de descobrir quem era de verdade.

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Capítulo 8 - Ouço sussurros

O punhal deveria servir para o que tinha em


mente, mesmo assim, Alma percorreu todo o
casebre, calmamente procurando por mais opções.
Descobriu que a velha duende escondia uma espada
enferrujada dentro do único baú da casinha.
Encontrou duas facas afiadas, uma era usada
para limpar os peixes que comiam todos os dia e a
outra era usada para cortar os fios e o material
usado para preparar os sapatos, mantos e capas
vendidos na vila.
Alma passou a parte carnuda do dedo no fio
da maior das facas, testando o fio. Sentiu um

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frisson de antecipação. Sim, ela estava no caminho


certo.
Aquela seria a faca usada para cortar e
destrinchar o corpo, para facilitar o ato de enterrar e
esconder. Sim, era perfeito. Um meio sorriso cruel
pairava em sua face durante todo o tempo em que
procurava as ferramentas necessárias.
Uma das capas costuradas para serem
vendidas serviria de invólucro e um tapete velho
serviria de forro para estacar o sangue.
Satisfeita com as escolhas, Alma levou
algumas horas para arrumar tudo a contento. Uma
bacia com água no chão, perto da cama. Tirou o
vestido que tanto a agradava e vestiu a túnica ganha
de Eldor, roupa essa que não se importava nem um
pouquinho de sujar e posteriormente desfazer-se.
Estava tudo pronto. Calmamente, com a
mente limpa e leve, sem pensamentos que não
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fossem referentes ao passo a passo do que faria,


Alma despiu a calça e a roupa íntima do Guardião,
pois seria no mínimo ridículo ter pudor, diante do
ato tão maior que planejava.
Mais tarde levaria algumas peças de roupas,
inclusive o chocalho que ele usava e deixaria junto
aos raptores mortos nos arredores do córrego. Os
demais Guardiões haveriam de pensar que ele foi
abatido em uma luta ou no mínimo demorariam
alguns meses para encontrar seus restos.
Sim, ela ganharia tempo.
Friamente, Alma pegou o punhal e
aproximou-se da cama outra vez. Seus cabelos
longos caiam sobre seu peito, bonitos e brilhantes.
Ela era bonita, apenas não tinha consciência do
quanto.
Seios fartos, mal contidos pelo vestido,
canelas delicadas e pés charmosos em sandálias
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bem trançadas e costuradas. Ela olhou para os


próprios pés e então para as botas de Solon.
Aproximou o pé e mediu se eram parecidos. Sim,
ela poderia ficar com suas botas.
Seriam muito úteis em sua estadia por
aqueles lados. Calma, serena e secretamente
satisfeita com a decisão tomada, Alma notou a
duende olhando-a do batente da porta e não se
importou.
O mundo deveria perdoá-la por não se
importar mais em ser quem era de verdade.
Precisava desesperadamente deixar a verdadeira
Alma vir à tona, fosse ela quem fosse.
Não era culpa sua, disse a si mesma. Era
culpa da mercenária Rainha Santha, que a obrigou a
confrontar seu eu interior.
E o mundo que pagaria por isso. Alma não se
responsabilizaria mais pelos desatinos da vida.
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Era hora de deixar a infância, adolescência e


medos da vida adulta para trás.
Eleonora, Driana e Joan jamais a perdoariam,
mas ela poderia mentir, não é? Porque não? Seria
mesmo necessário ser sincera o tempo todo?
A própria pergunta, também era a resposta e
Alma olhou para a lâmina do punhal e para a
garganta do elfo.
Não fora desse modo que as acusaram de
assassinar o Rei Isac? Doce ironia. Ou apenas,
Santha era experiente na arte da morte e entendia
exatamente como deveria funcionar em relação a
uma fada e elfo.
A velha duende afastou-se da porta e Alma
não se importou. Se não tinha estômago para
presenciar isso era melhor que fosse embora. Pois
quando começasse... Nada iria detê-la.
Solon entreabriu os olhos, piscou e pareceu
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não saber onde estava. Pobre elfo, como poderia


saber o ninho de cobra onde havia se acoitado?
Doce, ardilosa e tão cínica quanto sua
essência lhe pedia para ser, Alma acalmou-o,
deixando que a visse.
— Como se sente, Guardião? — Perguntou-
lhe com doçura.
— Minha cabeça dói — ele alegou, tão
bonito. — Onde eu estou?
— Se eu lhe disser... Terei que matá-lo —
satirizou e ele sorriu.
Apesar da dor, o elfo sorriu e ergueu uma das
mãos para tocar a cabeça onde a dor acontecia.
— Não faça isso — ele pediu em tom de
humor — eu poderia ficar com medo de uma fada
bonita e doce. E isso seria uma vergonha para um
elfo em minha posição — ele piscava muito e Alma

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soube que não tinha ciência exata de onde estava.


— Vou lhe oferecer um chá para a dor —
disse num repente e levantou, saindo do quarto.
Porque não? Com um ar medonho em sua
face, Alma preparou lentamente o chá para sua
vítima. Havia algo de promíscuo em preparar
alimento para aquele de quem usurparia a vida.
Algo de visceral nisso.
Solon esperava por ela, meio bobo por causa
da pancada, confuso e com sono.
— Hum, a fadinha bonita voltou — ele disse
baixo e ela sentou no colchão e segurou sua cabeça,
ajudando-o a beber o chá.
Ele pareceu gostar, os olhos azuis sempre
fixos nos seus olhos castanhos. Ele era bonito de
olhar, mas ela não se importava com beleza. Não
mesmo. Alma estava tomada de pensamentos
horríveis. Quando o chá acabou, ajudou-o a
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recostar a cabeça outra vez no travesseiro e olhou


para o corredor, notando que a luz dos lampiões
não eram mais necessárias, pois o dia nascia e o sol
vinha coroar mais uma manhã.
Alma sentou-se no chão e ficou olhando para
ele deitado e adormecido. Ao seu lado as facas, a
bacia de água onde pretendia limpar as lâminas
quando sujas, a capa onde o colocaria e o tapete
que forraria o chão.
Tudo pronto. Ela estava pronta.
E suas amigas jamais a perdoariam.
Aquela linha tênue entre a dor e plenitude
continuava ali, diante dela, intacta.
Suspirando de pesar e lástima, Alma levantou
e começou a guardar tudo, como se nada houvesse
acontecido.
A calmaria e a serenidade foram embora e a

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fúria voltou com força total.


Era isso? Não teria coragem para sacrificar
aquela terrível linha imaginária onde pisava a anos,
bambeando de um lado ao outro sem definir uma
escolha?
Olhou para ele por alguns instantes, sabendo
que isso nada tinha a ver com o elfo sobre a cama.
Tinha a ver com escolhas.
De volta para perto da duende, sua protetora,
Alma sussurrou, mesmo sabendo que o barulho do
tear atrapalharia ouvi-la:
— Vou ter que fugir. — Não esperava uma
conversa, sugestão ou resposta. — Sou covarde
demais para me esconder no Deserto das Areias
Vermelhas. Pelo visto sou covarde demais para
tudo. Até mesmo para tomar uma decisão.
Como esperado, nenhuma resposta.

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Silenciosa, Alma voltou para o quarto.


Juntou o que era pertence seu, correu os olhos pelo
corpo nu do elfo e não o cobriu, como um deboche
particular, pois ele curaria rapidamente e voltaria
a persegui-la.
Pegou os poucos pertences que tinha,
colocou-os em uma trouxa e voltou para junto de
sua protetora.
Não cabia espaço para despedidas, por isso
com um longo olhar de pesar, Alma foi embora.
Esperava poder voltar um dia e lhe agradecer
por tudo que fizera a seu favor. E esperava que esse
dia não demorasse a acontecer. Sem muitas
esperanças, Alma se viu com o mundo todo diante
de si.
E ao mesmo tempo, sem opção alguma.
*****

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Dois dias mais tarde, Solon descobriu que


não conseguiria arrancar nenhuma palavra útil da
duende que o abrigava. O cheiro da fêmea no cio
impregnara nas paredes, nas roupas, no colchão, em
tudo, então negar sua estadia naquela casa era perda
total de tempo.
Solon se lembrava da presença da fada,
lembrava-se do modo carinhoso com que cuidou
dele. Lembrava-se de imagens perdidas, sem nexo.
A fada havia fugido, não restava dúvida a cerca de
seu paradeiro.
Tentou segui-la, mas estava ferido e
cambaleante. Precisou de alguns dias para se
recuperar e agora, pronto para outra, havia tido a
revelação que sua armadura estava desaparecida e
não respondia aos seus comandos.
A fugitiva da clausura havia roubado sua
armadura e isso era imperdoável. Mesmo assim,

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tendia a ser permissivo com ela e ainda esperava


encontrá-la e obter sua armadura de volta sem
grandes brigas.
E essa era a única razão para não estar
furioso e ter atacado a velha bruxa que se negava a
lhe fornecer as respostas que tanto precisava.
Ao menos a fada não levara seu chocalho
consigo. Solon preparou-se para partir e quando o
fez, foi para nunca mais voltar. Sabia que a velha
duende acharia um modo de saber de seu paradeiro,
pois era uma duende e sua raça era unida e
conectada entre si de um modo que raça alguma do
mundo mágico conseguia imitar.
Sua primeira parada seria na vila, para
adquirir um cavalo e apressar as buscas. A fada
possuía asas, sendo assim, alcançá-la seria questão
de sorte. E Solon era um otimista nato, apesar de já
superado muitas tragédias na vida, preferia crer na

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sorte e não no infortúnio.


Solon estava coberto de razão ao pensar na
sorte. Faltava-lhe a chance de estar frente-a-frente
com a fada. E essa chance em breve aconteceria.
Enquanto isso, Alma seguia solitária pelas
estradas, escondendo-se em cavernas, buracos e
frestas de árvores. Uma fugitiva, cheirando a cio...
Estava em maus lençóis em um lugar crivado de
caçadores de fadas e recompensas.
No segundo dia de fuga, certa que nunca
mais voltaria a ouvir falar do Guardião Solon,
Alma estava adormecida em um buraco perto de
uma árvore caída, que servia de camuflagem para
uma toca abandonada de raptor, quando acordou
com um sobressalto.
Era o barulho de um grito e um apito. A
primeira coisa que Alma pensou em fazer foi abrir
a boca e berrar, afugentando o perigo, mas antes
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que o fizesse teve um pedaço de estopa colocado na


boca e as mãos presas.
Era um elfo gigantesco e fortíssimo. Ela foi
erguida pelas mãos, puxada para fora de um modo
que sentiu os ossos dos braços estalarem, muito
próximos a uma fratura. Foi mantida assim,
debatendo-se até que um elfo menor apareceu,
puxou a estopa e imediatamente amordaçou sua
boca com uma mordaça de couro.
Fui tudo tão rápido e tão assustador, que
Alma não teve tempo para reagir.
— Cuidado que a fada é expert em gritar. É o
seu dom e não vamos subestimá-la — o menor dos
elfos disse.
Usava um chapéu de humano, com abas e
detalhes de algum clã humano. Camisa de linho,
colete de couro, calças de tecido e botas
caprichadas. Vestia-se exatamente como um
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humano.
Alma arregalou os olhos quando mais dois
elfos apareceram, um deles farejando-a com tanta
malícia nos olhos que a apavorou. Ele amarrou suas
mãos na frente do corpo e o outro prendeu uma
corrente em suas pernas, separando os pés com
apenas alguns centímetros de correntes.
— Acha que é a fada certa? — Um deles
perguntou, o maior, que a retirou do buraco com
tanta agilidade e presteza.
— Sim, é a fada encomendada. Reconheço as
características físicas e também o cheiro do cio —
o líder, que se vestia como um humano, apesar de
ser patético, pois era um elfo, apontou para um
lugar escondido entre as árvores. — O primeiro que
tocar na fada, será um elfo morto. Estão avisados.
Com o ouro que receberei pela venda dessa fada
poderemos comprar quantas fadas castas

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quisermos. Antes, durante e depois do cio.


Os três elfos de menor importância se
olharam e com risos e comentários chulos de
aprovação, começaram a empurrá-la para que
andasse.
Como alguém anda daquele jeito? Alma logo
descobriu que não havia escolha ou caminhava ou
era arrastada pelo chão coberto de pedregulhos,
galhos e folhas.
Com pavor nos olhos, descobriu que o grupo
era enorme. Uns doze elfos, liderados pelo elfo
vestido como humano. E eles não estavam
sozinhos.
Três fadas adultas, uma padecendo do
nascimento das asas, e duas fadas sem asas seguiam
amarradas do mesmo modo que ela, em mãos e
pernas, mas sem mordaças. Eram fadas novinhas,
ainda sem dons que não ofereciam tanto risco.
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Duas fadinhas infantas, de não mais que


quatro anos não eram amarradas, mas estavam
amplamente vigiadas. Alma viu outros objetos de
venda, como sacos com ouro, joias e objetos
roubados de vilarejos.
Alma foi presa a corrente que mantinhas as
outras fadas adultas presas em fila indiana. Elas
estavam jogadas no chão, exaustas. Alma
imaginava quanto tempo deveriam estar assim.
Dias, quem sabe, semanas.
A fada que padecia do nascimento estava
quase desfalecida e fora presa logo a sua frente.
Alma reconheceu a curiosidade nos olhos das fadas
que a mediam de alto a baixo, perguntando-se
porque uma fada precisaria ser amordaçada. Suas
asas atraíram atenção e Alma puxou o corpo para
longe quando uma delas tentou tocar em suas asas,
curiosa sobre como seria o toque.

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Fugiu e escapou de contato de qualquer


natureza. Era ressabiada por natureza. Estava em
uma situação sem saída e não queria amizade e sim
escapatória!
E como encontrar escapatória estando
amarrada e amordaçada? Seu dom estava na voz.
Poderia bater suas asas e causar dano em todos os
presentes, pensou. Isso era uma característica sua
que ninguém conhecia. Eles também não poderiam
saber, pois nem mesmo as carcereiras previram tal
peculiaridade. Mas se fizesse isso iria ferir as
fadinhas crianças e também as fadas adultas, que
como ela, eram apenas vítimas.
Pensou se conseguiria voar e levar todas elas
consigo... Quem sabe um voo rápido, do tipo
planar, como fizera no Deserto das Areias
Vermelhas...? Sabia que era um pensamento
estúpido, nunca daria conta de adultas e crianças.

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Não era assim tão forte.


Seus olhos analisaram os elfos e as fadas.
Eles falaram em ‘encomenda’. Alguém havia
encomendado seu rapto? Ela seria vendida sob
encomenda?
Isso era ultrajante, pois além de uma
violência brutal, ser ‘encomendada’ tornava tudo
isso absurdamente pessoal.
Realmente, Alma deveria ter se escondido no
deserto! Fugir e achar que poderia cuidar de si
mesma havia sido uma ideia estúpida. Reina,
madrasta de Egan, Primeiro Guardião, estava certa
ao decidir previamente para onde cada uma das
fadas fugitivas deveriam ir. Reina conhecia a vida
profundamente e sabia onde elas se adaptariam ou
não, e onde poderia conseguir ajuda.
Apesar de Eleonora ser a preferida de Reina,
que nutria por ela amor materno, a fada nutria em
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seu coração profunda afeição pelas outras fadinhas,


companheiras de Eleonora no calvário do
Ministério do Rei.
Deixar a Vila dos Desesperados havia sido
uma estupidez sem tamanho. E agora? Como
conseguiria escapar? Tentou se acalmar, dizendo a
si mesma que não poderia ser mantida amarrada
para sempre. Quem tinha encomendado sua prisão,
com certeza apareceria em breve e a soltaria. Nem
que fosse para aproveitar-se do cio. Nessa hora ela
acharia um modo de fugir.
Convencendo-se disso, Alma acalmou-se.
Um falso conformismo. Durante horas manteve-se
parada, esperando. As outras fadas prisioneiras
pareciam acostumadas e pelo estado de suas roupas
e higiene, poderia supor que estivessem a muitos
dias sendo levadas pela floresta.
Uma lavagem foi servida para elas, mas nada

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ofertado a Alma. Claro, não queriam desamarrar


sua boca e correr o risco de serem atacados com
gritos que poderiam matá-los. Espertos. Não muito,
mas espertos.
Alma quis saber quanto tempo eles
conseguiriam manter essa situação. Sem alimentá-
la. Ela não sabia, mas eles não pretendiam ficar por
muito tempo com esta fada em mãos, tão pouco
eles sabiam que era uma das fadas fugitivas da
clausura. Se soubessem, jamais a comercializariam
como uma fada qualquer.
O comprador não entrara em detalhes, apenas
alertara do dom da fada e da exigência do cio
preservado, e pelo valor em ouro que oferecia, eles
não fizeram muitas perguntas.
Alma não esperava ficar o dia todo naquele
lugar. Mas aconteceu. Não podia ignorar a verdade.
Eles não a levariam até o comprador. Ele viria

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buscá-la.
Na manhã seguinte, ela acordou de um
cochilo perturbado por pesadelos, quando a
corrente que a ligava nas outras fadas foi puxada e
arrastada.
Era hora de andar. Faminta, sedenta e
exausta, Alma arrastou os pés, seguindo-os por não
ter outra escolha.
*****
Solon precisou de um dia todo de vantagem,
mesmo que não soubesse desse fator, para
encontrar o rastro de Alma. As pistas eram claras,
ela estivera pelos arredores. Em determinado
momento farejou o cheiro de outra fada entrando
no cio, e isso o confundiu momentaneamente.
Conseguiu voltar ao rumo certo e segui-la de
perto. Fazia algumas horas que Solon deixara seu
cavalo para trás, pastando em uma clareira, para
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seguir a pé a comitiva de Caçadores de


Recompensa.
Eles lavavam fadas e crianças, além de muita
mercadoria roubada.
Pelo estado das roupas das fadas sem asas,
estavam a muitas semanas sendo levadas de um
ponto ao outro do Monte das Fadas, provavelmente
em busca de compradores interessados em pagar
por fadas sem asas e sem a certeza sobre quando as
asas nasceriam.
Uma delas padecia do nascimento das asas e
por certo, seria a primeira a ser vendida. Alma
ainda estava no cio, e haveria mercado garantido
para ela. As duas meninas pequenas seriam muito
visadas também.
Solon entendia o risco de enfrentar um grupo
grande de caçadores de recompensa sem o uso de
sua armadura. Era complicado. Não tinha medo,
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mas gostava de usar de algum planejamento antes


do ataque. Não era o primeiro grupo que cercava e
abatia. Mas era a primeira vez que sentimentos
como raiva estavam envolvidos.
A fada da clausura estava amarrada de um
modo desumano. E isso fervia seu sangue de raiva.
Precisou esperar muitas horas até surgir à primeira
oportunidade. Muito tempo apenas rondando e
assistindo aos maus tratos impostos a Alma.
Dois elfos afastaram-se do grupo em busca
de alimento ou de aliviar suas necessidades
fisiológicas.
Solon levou poucos minutos para abatê-los
usando seu bumerangue. Eles nem viram de onde
viera à arma que os derrubou definitivamente.
Com a arma de volta em mãos, Solon tornou
a observar. Eles demoraram por dar falta dos
companheiros, mas quando aconteceu, Solon
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observou um deles, o líder, ordenar uma varredura


nos arredores.
Não por preocupação. Essa corja
normalmente não se importa uns com os outros.
Mas sim, em busca de sinal de perigo que pudesse
atingir o restante do grupo ou nesse caso, atingir a
ele próprio e causar a perda de suas mercadorias.
Sim, a mente de algumas criaturas podem ser
mesquinhas e egoístas, e Solon não se surpreendia
mais com isso. Lamentava, mas não se surpreendia.
O líder, vestido como um nobre humano
dispersou alguns elfos para procurar os
companheiros desaparecidos. Como esperava, de
dois em dois, cada grupo para um lado, esperando
cobrir maior território.
Era uma boa estratégia se o perigo a atocaiá-
los não fosse um Guardião. Mesmo sem sua
armadura, Solon era um grande perigo.

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Solon preferia o uso do bumerangue e era


profundo conhecedor dessa arte, pois assim, não
precisava de confrontos diretos que colocassem sua
deficiência auditiva em foco. Ele nem sempre
conseguia acompanhar o inimigo, quando ele se
escondia dele. Preferia olho no olho ou então, o uso
do bumerangue.
Os últimos dois ladrões procuravam em um
campo de muitas árvores e Solon precisou abrir
mão desse gosto pessoal, pois não queria
desperdiçar o fator surpresa. Não foi difícil atacar
um deles pelas costas e o outro não era muito
habilidoso com a espada nas mãos.
Satisfeito, Solon voltou a atocaiar o grupo
restante. Cinco elfos, incluindo o líder.
Entre mercenários não existia lealdade e o
líder dos elfos não hesitou em seguir seu caminho
sem esperar o retorno de seus comparsas. O perigo

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rondava e como líder, cabia a ele a decisão de partir


ou ficar, e enfrentar o risco eminente.
Com espadas nas mãos e olhares atentos, os
elfos seguiram, arrastando as fadas que
acorrentadas seguiam em fila indiana, sendo Alma
a última da fileira.

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Capítulo 9 - Mentiras coloridas

Uma hora mais tarde o grupo foi abordado


por três elfos saídos das sombras, em meio às
árvores.
Carregavam pesadas espadas, eram elfos de
luta e não comércio. Elfos de guarda. Não como os
guardiões, mas eram provavelmente pagos para
defender algum elfo de maior poder ou prestígio.
Houve uma rápida conversa entre eles e o
líder, e Alma foi solta da corrente que a prendia as
outras fadas sendo arrastada para junto dos elfos.
Um deles olhou-a de alto a baixo e acenou com a
cabeça, provavelmente concordando com o preço e

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com a mercadoria.
Alma foi empurrada para um dos elfos que
começou a arrastá-la. Solon olhou para as demais
fadas, que foram repudiadas. Sim, ele tinha uma
missão, mas não iria abdicar de sua personalidade e
simplesmente ver um inocente ser vendido sem
interferir.
Observou Alma ser levada e aguardou algum
tempo, enquanto os elfos se afastavam. Seguiu-os
em surdina e sorriu satisfeito quando os dois grupos
se separaram, cada qual seguindo para um caminho.
Os elfos que levavam Alma optaram por seguir na
direção do Vilarejo Sem Fim e os Caçadores de
Recompensa para a divisa entre A Vila dos
Desesperados e a Floresta De Saul.
Era um plano audaz e ao mesmo tempo
arrogante. Solon esperou escurecer totalmente para
abordar os elfos. Eram apenas três e Solon contava

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com a vantagem de ter ótima visão e estar sóbrio,


pois dois deles bebiam elixir proibido há bastante
tempo.
Deveriam considerar a tarefa
demasiadamente fácil, pois conversavam
animadamente, sem preocupações.
Não foi uma luta difícil quando Solon se
revelou e os atacou. Alma caiu no chão, quando um
dos elfos pegou-a pelos cabelos, arrastando-a, para
usá-la como escudo.
Se a situação fosse outra, Solon tentaria
arrancar do bandido informações sobre o
comprador, mas visto que ainda precisava resgatar
as outras fadas prisioneiras e pretendia fazer isso
antes que alcançassem a Floresta de Saul, Solon
arremessou o bumerangue e foi um movimento
certeiro.
O elfos riu, debochado, por a arma ir longe,
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sem atingi-lo, por ter se esquivado tão facilmente


do ataque de um Guardião. Sacudiu a cabeça de
Alma, como quem diz que está no poder. Estava
prestes a gritar algum comentário ofensivo, quando
descobriu do pior modo, que o bumerangue que vai
é o mesmo que volta.
Atingido nas costas, soltou os cabelos de
Alma e caiu no chão.
A fada tentou engatinhar para longe, pois
estava com medo de ser pega pelo Guardião depois
de ter desaparecido com sua armadura. Esperava
uma surra de criar bicho ou coisa pior.
Solon segurou-a pelas correntes e puxou para
trás, de um modo petulante que a fez ferver de
raiva. O Guardião agarrou seus tornozelos e a fez
girar, até estar de frente para ele, olhos arregalados.
Solon largou seus tornozelos e segurou a
corrente que mantinha suas mãos presas. Então, a
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mordaça. Soltou-a com dois puxões nada delicados.


Alma puxou ar com força, pois estivera
muito sufocada. Sua face estava marcada pelo
couro e Solon passou uma das mãos sobre sua
boca, limpando as marcas ou ao menos tentando
limpar. Alma não notou a gentileza, apenas se
debateu.
— Fique quieta, fada — ele segurou seu
queixo e olhou no fundo dos seus olhos. — Eu sei
que foi você quem desapareceu com minha
armadura e sei também que poderemos chegar a um
acordo sobre isso. Você me diz onde a escondeu e
eu a ajudo a sair dessa enrascada que se meteu. O
que me diz? Um trato justo?
— Vá pro inferno! — Ela gritou, rechaçando
a proposta. Estava no limite dos nervos e não
queria ouvir proposta alguma!
— Vamos, Alma, você é uma fadinha
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inteligente — ele disse com lábia. — Seu dom não


me afeta. Sua força física não vai conseguir me
conter. Está acorrentada e o mundo é perigoso para
uma fada no cio. Ofereço-lhe a chance de inocentar
a si mesma e suas amigas, basta que colabore
comigo.
Solon era sincero, mas ela não acreditava.
Furiosa cuspiu no rosto do Guardião e debateu-se,
esperando pela surra que viria a seguir.
Solon afastou-se e limpou a face com a
manga da túnica. Sim, não era nada agradável ser
desafiado daquele modo. E ele não era um santo.
Mas pensava na fada e no seu emocional. Estava
fugindo, com medo e amarrada. Fora vendida. Ela
não estava em sua capacidade plena de pensar.
— Levante-se — ele disse sério, sem lhe
oferecer alternativa. — Eu preciso que use seu
dom para ajudar a resgatar as fadas aprisionadas

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pelos caçadores de recompensa. Você fará isso? Ou


devo amordaçá-la outra vez?
Alma não entendeu o seu pedido, mas acenou
concordando.
— Precisamos nos apressar, eles não podem
alcançar a Floresta de Saul ou teremos que lidar
com a magia do lugar — disse sério, pegando no
chão a mordaça, guardando-a no bolso.
— Eu vou soltá-la — ele disse piscando,
como quem quer ganhar sua confiança. — Quando
você se dispuser a me ouvir.
— Estou com fome e sede — ela disse,
apesar da raiva, precisava comer e saciar a sede, ou
não teria forças para fugir dele.
Fugir dele? A quem estava tentando enganar?
O Guardião deu conta de inúmeros elfos mesmo
sem sua armadura e com péssima audição.
Considerá-lo incapaz era uma tolice. Ele mostrou
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que era exímio lutador e estrategista.


— Beba — entregou o cantil em suas mãos e
sorriu. — Não beba rápido demais ou passará mal.
Solon não carregava alimento, mas arrumaria
algo para ela comer no trajeto em busca dos
caçadores de recompensa. Saciada, Alma jogou o
cantil no chão, em represália, privando-o de beber o
restante.
— Não vai conseguir me enfurecer. Sou
muito grato por ter me ajudado. Cuidou do meu
ferimento e graças a sua ajuda estou vivo. Por
causa disso, serei permissivo com sua falta de
educação.
— Se pretendesse mesmo me ajudar, me
soltaria — ela acusou, os olhos espalhando fúria.
— Eu a soltaria sem pensar duas vezes se
pudesse confiar na sua ajuda.

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Solon permaneceu na espera pela decisão da


fada. Ela não tinha alternativa. E era esperta demais
para não reconhecer isso.
— O líder é um idiota — ela disse seca,
referindo-se ao grupo de caçadores de recompensa
— ele é amigo de um humano ou diz que é. Está
levando as fadas para o Campo dos Humanos, para
vendê-las para esse humano. Antes, porém venderá
as duas fadas pequenas para um morador na Vila
das Fadas.
— Eu não terei tempo para investigar as
motivações dele. Mas não vou esquecer o que me
disse — afirmou, intrigado.
Nem tão intrigado quanto Alma diante do seu
interesse em ajudar as fadas aprisionadas. Não
esperava esse tipo de dedicação vinda de um
Guardião. Esperava ser surrada e levada a força
para o castelo, diretamente para as mãos nefastas da

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rainha e sua loucura.


— Como assim, não terá tempo para
investigar? O que você acha mais importante?
Entregar uma inocente para a morte, a prender
assassinos e sequestradores? — Acusou venenosa.
— Eu não sei. Não sei o seu grau de
inocência e também não sei o grau de culpa da
rainha. Entenda, fada raivosa, você e suas amigas
são apenas quatro fadas, rainha Santha controla a
vida de centenas de outras. — Era um aviso duplo.
O tempo que Alma levou para meditar sobre
isso, foi o tempo que Solon levou para começar a
puxá-la em direção a trilha por onde deveriam
seguir se quisessem encontrar pistas do caminho
seguido pelos caçadores de recompensa.
— Sou uma fada e tenho asas. Porque ir
andando? — Jogou verde, esperando conseguir
enganá-lo e fugir.
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— Porque suas asas estão livres e mesmo


assim não as usou para tentar escapar. Isso quer
dizer que existe algum impedimento para fazer
isso. Como deduzo que não vá me contar
espontaneamente a razão de sua hesitação... Resta-
me excluir essa possibilidade.
Ele estava coberto de razão.
— É surdo. Porque está me ouvindo? — Ela
fez questão de esfregar na face do elfo seu
problema.
— Não sou surdo — ele disse como se não o
abalasse falar do assunto, mas ela sabia que
abalava. — Sou quase. É uma diferença sutil que
faz toda a diferença.
— Hum, eu vi quando foi atacado e não
pareceu que essa diferença fosse muito significativa
— ela ofendeu.
— Às vezes uma coisa ou outra sai do
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controle, mas na vida é assim, não é? Nem sempre


conseguimos prever tudo que pode acontecer.
— Você ouve minha voz? — Insistiu.
Solon a puxava pela corda, e não havia muita
diferença entre o método que era levada e o modo
como os sequestradores de fadas a tratavam. No
fundo, eram todos iguais.
— Nitidamente — olhou-a e sorriu. —
Acredite, isso me surpreende também. Uma
surpresa agradável — ele disse.
— Não tem nada de agradável em conversar
com um Guardião — ela foi sincera.
— Diz isso porque não me conhece ainda.
Precisamos ter uma conversa, Alma. Uma conversa
longa e totalmente sincera. Eu estou disposto a
ouvir sua história. Você está disposta a contá-la?
Esse era o seu sonho secreto. Ter a chance de

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contar sua versão do acontecido. Explicar como


Eleonora era o pivô de um plano macabro. Mas ele
era um Guardião e era esperto. Usava de palavras
para enganá-la e fazê-la boba.
— Não — ela avisou — não estou nem um
pouco interessada em perder meu tempo
conversando com você.
— É uma pena. Eu estou apreciando
conversar com você. Fazia muitos anos que não
desfrutava de uma conversa onde posso entender
todas as palavras pronunciadas sem precisar ler
lábios — ele fez graça, mas por trás do sorriso,
havia muita verdade.
Solon estava contente em encontrar alguém
no mundo com quem pudesse ter uma conversa
sem dificuldade de entendimento.
— Eu não vou me deixar enganar — Alma
avisou, seguindo-o com raiva, seus pés doloridos de
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tanto andar e seu estômago apertado de fome. —


Não vou lhe contar onde está sua armadura. Não
vou mesmo.
— Hum, eu devo deduzir, que não
encontrarei minha armadura com os caçadores de
recompensa? — Ele pareceu decepcionado.
— Seja realista... Se estivesse com eles, você
já teria recuperado-a. — Havia satisfação em falar
sobre isso. O sentimento de vingança.
— Eu sei disso. Queria saber se você também
sabia — ele foi franco. — Achei que pudesse ter
vendido a armadura para eles. Esse tipo de escoria
sabe como esconder uma armadura. Eles conhecem
todos os segredos do mundo mágico.
— Não são apenas eles quem sabem todos os
segredos — ela avisou — eu também sabia onde
escondê-la. Mas não lhe contarei onde deixei sua
armadura. Não adianta insistir.
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— É uma pena — Solon deu de ombros —


eu vou encontrar minha armadura, isso é fato. Não
será uma fada que conseguirá separar armadura e
Guardião.
— É um otimista — disse com desdém,
cabelos caindo sobre a face, pois subiam um
pequeno decline de terra e pedras. — Ao menos
tem uma nova meta em sua vida. Mas creia no que
digo, tenho a satisfação de ter afastado a armadura
de você para sempre.
A seriedade da fada o convenceu que estava
convencida disso.
— Prefiro acreditar que entraremos em
acordo e você me contará o paradeiro da armadura
no momento adequado — ele disse para provocá-la.
Alma lhe ofertou um olhar de fúria mal
contida. Solon não suspeitava que estivera prestes a
matá-lo. Que havia desistido no último segundo,
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mas isso não queria dizer que o impulso não


existiria novamente.
Alma calou-se e manteve-se assim pelas
próximas horas. Solon tinha razão ao ter pressa.
Amanhecia quando encontrou a pista dos caçadores
de recompensa. Eles seguiam por um caminho
bastante previsível, rumo a Floresta de Saul. Um
trecho conhecido por sua utilização para fins
obscuros.
Alma estava exausta. Sua fome fora saciada
com alguns frutos, encontrados no caminho. Mas a
exaustão era presente e estava com as pernas
bambas, prestes a ceder, desmaiar ou ao menos cair
no chão e permitir o cansaço abatê-la.
O Guardião não apresentava sinais de
cansaço e isso incentivava sua raiva contra ele.
Enquanto seu corpo feminino sucumbia ao esforço
físico o dele exultava em vigor e força.

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Era uma deslealdade do destino, ter nascido


fêmea e frágil, se pretendia transformá-la em
fugitiva e ter sua vida ameaçada por elfos sem um
pingo de piedade.
Solon parou de andar e apontou o grupo de
elfos que dominavam as fêmeas. Eles estavam
acampados logo abaixo de um rochedo, de onde
Solon e Alma os avistavam.
— Eu quero que grite o mais alto que puder
quando eu mandar — ele orientou.
— Eu não posso — ela disse contrariada. —
Se eu fizer isso, as fadas serão afetadas.
Principalmente as pequenas. — Detestava ter que
contar essa verdade, mas era isso mesmo. Não
queria ver gente inocente pagando por seus
infortúnios.
— Um único grito. Eu tenho certeza que as
fadas preferem algum desconforto a serem
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vendidas para elfos sem escrúpulos. Elas vão sofrer


alguns segundos e depois, terão uma chance de
viver com liberdade. — Argumentou.
Para seus argumentos Alma não possuía
nenhuma resposta. Seguiu-o por falta de opção e
também, porque no fundo queria ajudar as pobres
fadas prisioneiras.
Solon pediu silêncio, enquanto aproximava-
se do acampamento com passos suaves, silenciosos.
Alma se perguntava como ele conseguia ser tão
silêncio se não sabia o barulho que produzia ao
andar. Isso era fruto de muito treinamento.
Afastou o sentimento de apreciação e fincou
os olhos em seu pescoço.
Solon possuía um pescoço curto, musculoso,
os cabelos negros cobriam-no quase totalmente. Era
um elfo bem cuidado, cuidava com esmero de sua
aparência. Do tipo de macho certinho, que sempre
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mantém a ordem em torno de sua vida, mesmo que


o restante do mundo viva no caos.
Tão diferente de Alma que era o caos em
pessoa. Ela baixou os olhos e quando olhou outra
vez descobriu que ele fazia um sinal para uma das
fêmeas do grupo que havia notado a presença do
elfo perto deles, espreitando.
Ele fez uma mímica, cobrindo os próprios
ouvidos, como quem pede que ela faça o mesmo. A
jovem estava confusa, mas acenou e cochichou
algo com as outras fadas.
Não era fácil se mover acorrentada, mas um
delas segurou uma das menininhas no colo, e lhe
falou no ouvido sobre a brincadeira de cobrir os
ouvidos com ambas as mãos e apertar bem forte.
As fadas estavam deitadas no chão,
descansando, enquanto os elfos comiam e bebiam.
Era uma pausa no percurso. Nenhum deles se
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ressentia mais com o risco de serem pegos.


Solon puxou a corrente e Alma o seguiu para
o outro lado do acampamento, para que ela atacasse
diretamente junto aos elfos, e não das fadas.
— Faça agora — ele disse baixinho, em seu
ouvido e Alma afastou a cabeça, pois desgostava
desse som e principalmente do hálito em seu
pescoço.
Estava no cio e incorria no risco de permitir
que a carne falasse mais alto. Sorte sua ser capaz de
se controlar.
Solon não saiu do seu lado, empunhando a
espada enquanto aguardava que fizesse o que
mandava.
Alma abriu a boca e imediatamente o grito
saiu. Parecia que a cada grito, ficava mais potente.
Mais agudo e afiado. As fadas gritaram em pânico,
a dor latejante em seus ouvidos, enquanto os elfos
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tentaram levantar, mas caíram, segurando as


próprias cabeças, sucumbido.
— Chega — Solon segurou seu braço, para
que ela parasse. Não surtiu efeito. — Chega! —
Solon a empurrou, interrompendo seu grito. —
Enlouqueceu, fada? Quer matar as meninas
também?
Sim, ele ficou furioso por um segundo. Não
sabia que para Alma se conter era muito difícil. A
resposta para sua pergunta poderia facilmente ser
sim.
Ela sentou no chão, abalada por essa
constatação. Solon avançou no acampamento e com
sua espada venceu os elfos facilmente. Eles
estavam abatidos, não havia porque permitir que
seguissem matando e sequestrando.
Do líder, vestido como humano, Solon
arrancou do pescoço um cordão com um pingente
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que continha um brasão. Aquilo ajudaria nas suas


investigações futuras sobre um elfo envolvido com
humanos.
As fadas choravam e estavam nervosas, mas
não fugiram da ajuda do Guardião. Solon não falou
com elas, pois não conseguiria entendê-las. Notou
que a fada Alma aproximava-se com passos
cambaleantes.
Revoltado por ver o estado em que as fadas
se encontravam, Solon revirou os pertences dos
elfos em busca do alimento recém cozido, pratos e
copos de barro.
Libertou uma das fadas e foi o bastante para
que uma a uma se soltasse. Uma delas, uma fada
sem suas asas ainda, bastante robusta, com o tom
de pele esverdeado, o que poderia indicar ser uma
descendente de fada verde, veio ajudá-lo.
— Ele tinha uma caderneta com os preços e
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nomes — ela dizia, mas ele não entendeu nada.


A fada ficou parada esperando por uma
resposta que não veio.
— Me solte e eu lhe digo o que ela falou —
Alma barganhou.
— Eu não vou soltá-la por causa de uma
chantagem, fada rabugenta. Farei isso para que
descanse, coma e durma algumas horas. Preciso
enterrar os corpos, para não atrair animais. —
Solon pensava nos raptores e outros semelhantes.
Alma sentiu-se péssima por ser tão egoísta.
— A fada disse que o líder tem uma
caderneta onde anotava informações sobre as
vendas — ela disse, como quem aceita um pedido
de trégua.
Solon sorriu para Alma, ergueu uma das
mãos, retirando uma sujeita que manchava a

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bochecha da fada. Ela não se afastou, mas paralisou


de surpresa.
— Comam, esses animais não serviam para
nada, mas a comida parece limpa — sugeriu e
afastou-se para arrastar os corpos para longe de
onde as fadas estavam.
Culpada por ter feito as fadinhas menores
chorarem, Alma aproximou-se para saber se elas
estavam bem. Uma delas, de não mais de quatro
anos, muito carente e assustada veio para seu colo,
e Alma ficou sentada com a menina abraçada ao
seu peito. Não gostava disso, pensou. Não, não
gostava. Não sabia como lidar com a menina.
Acabou acariciando as costas da fadinha, que
foi se acalmando e adormeceu.
— Eu não vejo a hora de ter meu dom —
uma delas disse, a que sofria do padecimento das
asas. — De não ser tão frágil.
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— Eu não sei se o meu dom é boa coisa —


Alma confidenciou sem saber por que conversava
com elas sobre isso.
— Como não? Você nos salvou. Você e o
Guardião — a fada disse agradecida.
Sim, melhor não frustrar suas esperanças de
vida lhe alertando que uma fada, com dom ou sem,
é sempre frágil. E que o Guardião não estava ao seu
lado e sim, contra ela.
Mais tarde, haviam comido e descansavam
quando Solon regressou. Ele fez um sinal para que
viesse até ele, longe das fadas.
— Encontrei isso — ele exibiu a caderneta e
um saco de ouro.
— Quanto ouro — ela disse com os olhos
compridos para o saco de ouro.
Solon afastou-o dela, como quem diz que não

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a deixará colocar as mãos sobre o ouro.


— Acha que as asas da fada nascem logo? —
Perguntou-lhe olhando para a moça que sofria.
— Sim, uma delas me disse que acha que as
asas nasceram em algumas horas. — Disse, ainda
olhando para o ouro.
— Ótimo. Não poderei cuidar delas, existe
um problema maior esperando por nós no castelo.
Um problema que irá causar sofrimento a muitos
elfos e fadas e que precisa ser resolvido logo.
— Pretende deixá-las aqui? — Surpreendeu-
se com seu egoísmo.
— Não, eu pretendo esperar as asas da fada
nascerem e seu dom aflorar. Entregar o ouro e
torcer para que elas consigam chegar sozinhas a
Vila dos Desesperados — contou.
— Isso é crueldade. — Ela acusou.

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— Diz a fêmea que roubou minha armadura.


— Acusou de volta — eu teria como ajudar a todas
se estivesse na posse da minha armadura. —
Lembrou-a disso.
— Me deixe partir e eu lhe conto onde está a
armadura. Você leva as fadas em segurança para a
Vila e eu caio do mundo e nunca mais ouvirá falar
de mim... — Barganhou.
— Acontece, fada, que se você e suas amigas
são inocentes — ele aproximou-se e ficou bem
pertinho, desafiando-a a lutar contra sua presença
— quer dizer que a rainha é uma mentirosa e
precisa ser parada antes que cometa mais desatinos
e acabe com a vida de outras pessoas. São fadas
perdidas — apontou as fadinhas — mas se não
pararmos a rainha, haverá muitas outras nessa
situação. Ou você acha que eu nunca percebi que os
Guardiões sempre são desviados de suas missões de

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conter os Caçadores de Recompensa? Sempre


acontece uma coisa importante ou uma nova missão
que nos desvia do que realmente importa. Se
Santha é esse monstro que Driana diz ser... Eu
quero saber. — Foi taxativo.
Alma queria acreditar nele. Queria muito.
Sorriu sádica e ofertou a ele as costas. Sim, não se
deixaria enganar por palavras bonitas.
— Não tem curiosidade de saber por quanto
foi vendida? — Solon perguntou, e ela parou.
Sim, queria saber. Por mais que doesse em
sua autoestima, ela queria saber.
Voltou os mesmos passos percorridos e
encarou-o com frieza.
— Veja você mesma — ele apontou a página
onde constava seu nome. — Alguém sabia seu
nome, seu dom e onde encontrá-la. Foi uma
encomenda.
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— Eu já sabia disso. Eles me chamavam de


‘encomenda’ o tempo todo — revelou. — Isso é
muito ouro — surpreendeu-se.
Solon sorriu. O modo como a mediu de alto a
baixo causou-se desconforto.
— É uma fada bonita. Tem um dom útil.
Asas... Suas asas são incríveis. E está no cio.
Acredite, eu pagaria mais do que isso. O preço foi
taxado muito abaixo do valor esperado. Vale no
mínimo o dobro. — Revelou.
— Meu dom não é útil — negou. — Eu mato
as pessoas com a minha voz.
— Proteção garantida para quem a tiver ao
seu lado — lembrou-a disso. — Mas acredito que
essa compra era mais pessoal do que baseada em
interesse de luta. O elfo que a comprou sabia seu
nome, esse tipo de mandante nunca sabe o nome
das vítimas. Isso é pessoal. Sabe quem poderia
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fazer isso?
— Não. Eu vivia no Ministério do Rei. O
único elfo com quem tive contato é Tobias.
— Não creio que seja alguém do castelo. —
Ele desacreditou.
Solon guardou a caderneta no bolso da roupa
e olhou-a com interesse:
— Descanse mais um pouco, levará algumas
horas para o nascimento das asas da fada.
Aproveite para desfrutar da proteção de um
Guardião. Verá que posso ser muito agradável com
quem protejo.
— Eu não me importo se é agradável ou não.
Eu quero ir embora. Quero me esconder. Não me
interessa quem você é. — Contou. — Ou suas
falsas intenções.
Solon não a impediu de ir, apenas maneou a

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cabeça. Era uma pena uma fada tão bonita ser tão
amargurada e ressabiada. Gostaria de lhe perguntar
sobre seu presente, de semanas atrás e seu pedido
de conhecê-la, enviado através de Tobias, mas era
melhor não arriscar a causar-lhe mais irritação.
Durante as próximas horas Alma se manteve
longe, evitando ajudar ou participar da situação da
fada que era agraciada com suas asas. Não era falta
de generosidade ou caridade, apenas não conseguia
lidar com o sofrimento alheio, quando não
conseguia lidar nem com o seu próprio.
Em um canto, Alma deitou e ficou assim por
muito tempo, ignorando os gritos da fada, tentando
descansar o corpo e a mente, para clarear os
pensamentos.
Podia fugir a qualquer momento. Bastava
bater suas asas e desaparecer. Sim, ela faria mal as
outras fadas? Mas e daí? O que lhe importava a

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vida dos outros, quando nunca, alguém se importou


com a vida dela?
Angustiada, Alma adormeceu sem notar.
Solon percebeu que Alma dormia e fez
questão de mantê-la assim pelas horas seguintes.
Alma não presenciou as asas da fada nascerem e
tão pouco presenciou a conversa entre Solon e uma
das fadas. Foi preciso explicar a ela que não podia
entendê-la e os dois se acertaram por mímicas.
Solon acordou-a quando as fadas estavam
prontas para partir.
Tocou seu ombro e a acordou gentilmente.
Alma abriu os olhos e afastou-se no exato segundo
que descobriu quem a tocava.
— É hora de irmos. Juntei tudo que pode ser
reaproveitado desse acampamento.
Alma sentou-se e olhou para as fadas que

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estavam prestes a ir. As asas da fada eram azuis.


Coloridas e brilhantes.
— Qual é o seu dom? — Perguntou para a
fada, que sorridente exibiu uma das mãos.
Suas unhas viraram farpas e então afiadas
lanças de madeira, sendo lançadas em direção a
uma das árvores. Elas se fincaram ao tronco e Alma
sorriu um pouco.
— É um dom muito útil. — Elogiou.
Não sabia como elogiar. Era desse jeito
desajeitado com as palavras.
— Elas ficarão bem — ele disse convencido
disso. — Não estamos longe da Vila dos
Desesperados. Pedirão ajuda em meu nome e tenho
certeza que serão abrigadas. Mais tarde, eu
procurarei informações sobre o elfo que as
sequestrou e para quem as venderia. Vamos, Alma,
nosso caminho é longo também.
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— E para onde pretende me levar? —


Perguntou levantando e ignorando a mão que
esticava em ajuda.
— Seguiremos o Rio Branco até a Nascente.
De lá, seguiremos para a Vila das Fadas. — Ele
explicou.
— Pretende atravessar a Floresta de Saul? —
Incomodou-se com essa possibilidade.
— Não. De jeito algum. Eu pensei em uma
solução perfeita. Eu não me abalo com seus gritos
ou com o barulho das suas asas — notou a surpresa
em seu olhar e sorriu. — Eu não sou bobo, Alma,
você não fugiu e a causa para tanta parcimônia não
é a figura de autoridade de um Guardião. Irá voar
sobre o rio. O som não vai abalar as criaturas do
rio. E quanto às margens... Bem, nada na vida é
perfeito.
— E porque eu iria levá-lo de carona com
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minhas asas se você pretende me entregar para a


morte? — Ela perguntou irônica, andando para
longe dele. — É uma ideia estúpida e não vou
colaborar.
Primeiro, Alma detestava voar e não iria
mostrar-lhe como era desajeitada, principalmente
tentando carregar alguém. Ela mal conseguira levar
a armadura até o Deserto das Areias Vermelhas!
Não, ela pretendia fingir colaborar com ele, e
quando estivessem longe das fadas, voaria sozinha
para bem longe dele!
Iria criar vergonha na cara e aceitar que o
único lugar seguro para ela era o Deserto. Alma
tinha planos fortuitos de fuga, e ele fingia não saber
para tentar ganhar sua confiança.
Alma detestou vê-lo entregar todo o ouro
para as fadas.
Afinal, esse ouro era fruto da negociação da
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sua venda. Teoricamente, lhe pertencia.


Egoísmo puro da sua parte, mas tudo bem,
ela nunca teve vocação para ser boazinha e
precisava se conformar com isso.

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Capítulo 10 - Junto a mim

Enquanto andava com Solon perguntava-se


porque ele não parecia abalado pelo cio. Talvez não
fosse um elfo com impulsos de macho. Às vezes,
em brigas de amigos, elas chamavam Tobias de
palavrões bastante ultrajantes, e um deles era
referente a ser afeminado. Nessas ocasiões ele
ficava muito ofendido e geralmente abandonava a
briga indo embora, permanecendo irritado por dias.
Quem sabe o Guardião Solon fosse isso? Um
elfo com impulsos femininos? Ele era bastante
compreensivo e calmo. Doce demais para um
Guardião. Quem sabe preferisse elfos a fadas?
Porque não? Toda forma de amar é válida desde
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que não cause dados a terceiros.


Alma seguia calada, mas seus olhos não
desgrudavam da imagem do Guardião. Em
determinado momento ele virou para trás e
comprou esse olhar. A fada possuía um modo
profundo de olhar. Não verbalizava em palavras
metade do que pensava e isso era perturbador, pois
não sabia como agir na sua presença.
— Porque usa esse guiso? — Ela perguntou,
sem rodeios. —É inútil se você não pode ouvi-lo. É
surdo demais para ouvi-lo.
Sim, era uma agressão. Ela não era de
ponderar as palavras ou medir as consequências.
Não era sua intenção magoar ou ofender. Era
apenas a verdade nua e crua, sem atenuantes, sendo
questionada.
— O chocalho foi enfeitiçado por um duende
antigo. Ele não toca para os seus ouvidos, mas sim
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para o meu. Quando o vento muda ao meu redor,


serve de aviso para que eu fique atento — explicou
pacientemente e sem se ofender com ela.
— Mas não serviu para nada no outro dia
quando foi atacado por ladrões. — Acusou outra
vez.
— Hum, sempre tem serventia. Às vezes, é
uma técnica falha. Nada substitui o recurso natural.
Seria melhor se eu pudesse ouvir plenamente, mas
como não é possível... Aprecio a ajuda que o
chocalho me dá em algumas situações perigosas. —
Explicou.
— Como aconteceu? — Ela perguntou. —
Alguma luta entre Guardiões?
— Como aconteceu o que? — ele perguntou,
sem saber exatamente onde queria chegar.
— Eu vi as cicatrizes em meio aos seus
cabelos — avisou, olhos frios, sem grande emoção.
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— Como foi que o feriram?


— Não fui ferido em combate — ele baixou
a cabeça e suavizou o andar, para ficar ao lado da
fada, achando inocentemente que poderiam
dialogar como amigos.
Talvez, aos pouquinhos conquistar sua
confiança? Não custava tentar, não é?
— Foi uma agressão premeditada — Alma
disse surpreendendo-o.
— Como sabe disso? — Perguntou-lhe.
— São cicatrizes idênticas, uma de cada lado.
Muita coincidência se fosse acidentais. Parece que
alguém planejou e executou um plano perfeito.
— Está certa. — Ele concordou. — Acho
que você entende muito de mentes cruéis.
Alma parou de andar e encarou-o com frieza:
— Eu ia matá-lo na cabana. — Avisou. —
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Preparei tudo para matá-lo. E não precisa fazer essa


expressão de surpresa e desagrado, eu não teria
sentido nada depois de matá-lo. Francamente, eu
teria apreciado a sensação de ter seu sangue
correndo entre meus dedos... — Olhou para a
palma da mão com uma sensação de desejo.
Sim, executar algo assim lhe daria muito
prazer.
— Você me assusta falando assim, fada —
ele disse desagradado do que via em seu olhar e em
sua face.
— Porque? Acha que todas as criaturas
nascem boas? Porque eu não posso ter prazer em
matar?
— Eu não sei. Gosto de pensar que as
pessoas podem escolher entre ser más ou boas. —
Solon disse imediatamente. — Porque não me
matou? Você disse que tinha tudo pronto para
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executar o ato, o que a fez desistir?


Alma deu de ombros, como quem nem se deu
ao trabalho de pensar no assunto.
— Senso de oportunidade, eu acho — disse
com descaso. — Surgiu outras ideias bem mais
interessantes e úteis em mente.
— Entendo — ele fingiu acreditar.
Alma fingiu não ter notado que Solon
escapou de lhe responder sobre quem o agrediu e as
razões para fazê-lo. Um não confiava no outro. Era
fato. Não poderia ser diferente, pois não se
conheciam e para piorar, eram antagonistas
declarados.
Solon tinha a convicção que a fada da
clausura pretendia fugir a qualquer momento. Ela
seguia placidamente cordata ao seu lado, aceitando
suas ordens, mas sabia que aguardava o melhor
momento para bater suas asas e voar.
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Era fim do dia quando alcançaram o lugar


onde Solon queria chegar. Na margem do Rio
Branco, um trajeto costumeiro de fazer travessia.
Solon imaginava que era agora que a fada lhe
passaria a perna e sairia voando. Por causa disso
tinha uma tática em mãos para evitar tão situação.
— Espere — ele pediu, enganando-a.
— Está vendo algum sinal de perigo? —
Alma perguntou sem entender e sem notar que
enquanto olhava em torno, Solon prendia uma
corda em suas mãos. Um nó previamente
ajambrado que serviu de algema.
Indignada Alma gritou, mas não surtiu efeito.
Solon era imune aos seus potentes berros. Imune e
debochado. Ele riu, sem tentar disfarçar quanto o
agradava ser superior ou estar ao pé de igualdade
com a fada.
Segurando suas mãos amarradas, Solon a
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puxou para o rio. Aquele trecho não era profundo


ou difícil, pois ele escolheu um trecho onde uma
represa natural continha a parte mais selvagem do
rio e o desviava para o Vale dos Humanos.
Alma poderia voar, mas de que serviria se
estava amarrada? Alguém encontraria uma fada no
cio amarrada e tiraria proveito. Melhor seguir com
ele, do que acabar nas mãos de outro caçador de
fadas.
Alma empacou várias vezes, tentando causar-
lhe problemas. Fingia não conseguir andar sobre as
pedras, para tentar empurrá-lo ou forçar que a
soltasse.
Solon raramente se irritava com alguma
coisa. Era preciso algo muito mal intencionado para
causar-lhe aflição e irritação. E a fada fugitiva
estava alcançando esse objetivo de ter êxito onde
tantos outros falharam.

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Cansado de lidar com ela de modo gentil,


Solon parou e a jogou sobre o ombro, carregando-a
como faria com um saco de batatas.
Alma se calou não por falta do que dizer ou
gritar, mas sim pela surpresa e incredulidade!
Quando recobrou a fala e os pensamentos
lógicos, era tarde, eles chegavam a outra margem
do rio, e estavam em território do Vilarejo Sem
Fim.
— Calada, Alma — ele a colocou sobre o
chão e pousou os dedos sobre sua boca, para
impedi-la de gritar. — Estamos no Vilarejo Sem
Fim. Não é seguro para nenhum de nós atrair
atenção errada. Muitos perigos rondam esse
vilarejo.
— E porque me trouxe para cá? —
Perguntou mordendo os dedos dele, o atazanando,
para que a soltasse.
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Solon lutou para não sorrir. Achava graça da


sua zanga constante.
Alma era de mal com o mundo. Fato. Mal
humorada e furiosa o tempo todo.
— Porque tenho um lugar onde escondê-la
por uns tempos. Um conhecido que nos abrigará
enquanto conversamos e nos entendemos.
— Entendemos? Não há nada para
conversarmos! — Ela ergueu as mãos em sua
direção. — Solte as cordas. Esse lugar é perigoso!
Não quero ficar amarrada e correndo riscos!
— Não posso desamarrá-la enquanto não
tiver certeza que ficará quieta ao meu lado —
negou.
— Eu devia tê-lo matado — ela rugiu
entredentes.
— Teve sua chance. — Solon concordou

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com escárnio. — Agora é minha vez de ter você


nas rédeas curtas.
— Solte as cordas — ela mandou, com um
olhar fatal de ódio.
— Conte onde escondeu minha armadura e
começo a pensar no seu pedido — ele disse com
descaso.
— Vá pro inferno — Alma respondeu.
Eu já estive por lá, pensou Solon, mas nada
disse. Era melhor não se lembrar dos tempos
nublosos de seu passado, quando a fúria e a
indignação o deixara com um comportamento
muito parecido com o de Alma.
Tão raivosa o tempo todo. Era um paradoxo,
pois seu cheiro de cio a tornava irresistível, mas sua
fúria exalando por todos os poros o desanimava de
vê-la como fêmea. Quem sabe mais tarde quando
todos os medos houvessem passado ela se
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acalmasse?
Provavelmente para Alma não era fácil lidar
com os sentimentos despertados pelo cio em plena
fuga.
Com um sentimento inesperado de
compaixão, Solon pousou a mão em seu ombro, e
ela afastou-se. Fugia de qualquer apoio emocional.
Fugia também do calor despertado em seu
corpo. Era quente, o ar seco, uma noite calorenta no
meio da floresta é sempre perigosa. Ainda mais
quando o elfo é um macho atraente e a fêmea está
padecendo do cio.
Alma se recusava a ser tão fraca. Pensou nas
amigas, passando por privações idênticas ou até
mesmo piores que as privações que sofria. Pensou
em Santha, tão bonita, afortunada e desfrutando de
luxo e dádivas, rindo das quatro fadas desgraçadas
que pagavam por seu crime.
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Pensou em tudo que a feria. Assim sufocou


os sentimentos animalescos do cio, e voltou a ser
indiferente a presença de Solon ou qualquer outro
elfo que pudesse inadvertidamente cruzar seu
caminho.
Alma conhecia as histórias contadas sobre o
Vilarejo Sem Fim. Más línguas diziam que uma
antiga magia protegia as terras, tal qual acontecia
com a Floresta dos Dois Dias e com a Floresta dos
Desejos, e que essa magia poderosa protegia os
moradores do Vilarejo contra ameaças externas. E
era complicado descobrir quem seria considerado
traiçoeiro e perigoso, e quem seria inocentado e
teria trânsito livre pelas Terras Sem Fim.
Era impressionante como durante a noite as
florestas se tornam assustadoras. Solon não se
importava de andar a noite, pois era exímio
farejador e seu olfato se acentuava durante a noite.

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Sua visão era perfeita e ele não via impedimentos.


Alma não era adepta de andar na floresta a
noite e depois de tropeçar algumas vezes, optou por
bater suas asas de leve e planar. Desse modo o som
não existia e não havia problemas de agredir outros
serem vivos.
Solon apenas fitou suas asas com olhos
brilhantes, com apreciação masculina vibrando em
seu ser. Eram olhos de cobiça.
Afinal, era um elfo interessado em fêmeas,
pensou Alma irônica.
Alma não via nada de especial na floresta,
muito menos no vilarejo. O dia raiava quando
chegaram ao centro comunitário do vilarejo. Era
diferente da Vila dos Desesperados.
Não havia barracas de comércio, eles não
produziam nada, compravam de outros vilarejos.
Uma aura de abandono pairava pelo ar. Casebres
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redondos, construídos com palha e madeira,


pequenos e sem janelas, apenas umas portinholas
estreitas para entrada e saída dos moradores.
Era muito cedo ainda, mesmo assim deveria
ter pessoas indo e vindo, pois muitos afazeres
aguardam aqueles que trabalham e cultivam para a
sobrevivência.
— Onde estão os elfos e as fadas? — Alma
perguntou em voz alta e Solon respondeu com um
tom muito parecido com o dela.
— É uma boa pergunta. Nunca vi esse lugar
tão deserto.
Alma olhou-o com dúvida.
— Me solte, Solon — pediu com medo no
olhar. — Solte minhas mãos.
Ela sentia o perigo rondando. Não sabia
como explicar em palavras para que compartilhasse

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com ela esse sentimento. Era algo que corria sob


sua pele, então sabia reconhecer.
Algo rondava e era mortal. Solon não
atendeu a uma ordem e sim a um pedido.
— Fique perto de mim. Não estou gostando
disso. — Disse retirando o bumerangue da cintura
onde o mantinha preso no cinturão.
Os habitantes do Vilarejo Sem Fim eram
hospitaleiros e na sua maioria, criaturas da paz.
Raras exceções. Era um povo muito unido que
guardava muito bem o grande segredo que envolvia
o vilarejo.
Uma vez, muitos anos atrás, Solon ouvira
falar de um elfo que tentou vender a informação e
foi sumariamente linchado. Mas era um fato
isolado e não comprovado. Eram comuns boatos
que tendiam incendiar e fabricar outros boatos, que
alimentassem uma mesma crendice. Solon não
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acreditava em magia alguma naquele Vilarejo.


Algo acontecia, é verdade, mas não era mágico e
sim real, vindo das mãos e espadas de elfos e fadas.
Essa era a sua teoria.
— Solon — Alma disse parando de andar.
Ela sentia algo vindo. Estendeu a mão e
agarrou a túnica do elfo, como quem pede ajuda.
Não era de pedir ajuda, e ele sabia disso. Segurou
sua mão, pois Alma estava em pânico.
Alma olhou em volta, sabia que estava ali,
estava rondando-os, estava vendo-os com olhos de
cobiça e loucura. Ela sentia em seus nervos esse
olhar, essa loucura carcomendo seu juízo.
— Solon! — Gritou, apertando seus dedos.
— Está aqui!
— O que está aqui? — Ele perguntou, talvez
crendo que não pudesse ouvir o inimigo.

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— Eu não sei! Eu não sei o que é! Mas está


aqui! Está vindo! Está vindo... — Ela bateu as asas
desesperadamente, querendo voar. Atrapalhou-se,
pois estava nervosa demais, e foi Solon quem usou
as mãos para conter suas asas. — Não! Está vindo!
Ela tentou se soltar e voar outra vez e ele
deixou, segurando-a pela mão. Era sério ou ela não
iria querer ajudá-lo. O que vinha e apenas Alma
conseguia sentir, era devastador e a deixava em
pânico.
— Não! Oh, não, está aqui! Está aqui! Solon,
não me solte! — Ela foi a primeira a ouvir e sentir.
Foi agarrada pelas pernas. Sim, ela era
agarrada pelas pernas e no instante seguinte estava
caindo.
Uma queda profunda, sem ter onde segurar.
Seus olhos abertos, arregalados, procurando por
imagens, mas era tudo escuro, era tudo negro, sem
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luz.
Ela ainda agarrava no braço de Solon, mas
seus dedos soltavam, pois ele era mais pesado e
caia em uma queda veloz em relação a ela.
Perder esse ponto de apoio a fez berrar.
Sentia cheiro de apodrecimento, ouvia sons
estranhos e encarava apenas a escuridão total. O ar
estava impregnado de poeira, fazendo-a lembrar do
Deserto das Areias Vermelhas, que possuía o ar
impregnado de areia.
Mas não era areia. Era mais pesado, menos
volúvel.
Era terra. Sim, era terra entrando por suas
narinas.
A queda durou alguns segundos, mas pareceu
séculos. Ela bateu em algo sólido com um som oco
e não viu mais nada, seus olhos fechando-se
imediatamente.
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Solon, caído não muito longe permaneceu


acordado, embora fosse imobilizado por vários
seres desconhecidos, vestindo capas que os cobriam
da cabeça aos pés.
Sendo mantido imóvel, ele cravou os olhos
nos pés que o cercavam. Sua cabeça foi imobilizada
e um capuz colocado sobre ela, barrando sua visão
e olfato. Solon gritou e tentou respirar nessa prisão,
mas não conseguia.
Não viu que era levado, assim como não viu
o que o mesmo acontecia com Alma...
*****
Suas pestanas se moveram com dificuldade,
pois a cabeça latejava dolorosamente. O
movimento de seus cílios era intenso. Ela piscou
quando conseguiu abrir os olhos a despeito da dor.
Não conseguiu mantê-los abertos, por isso
fechou-os em uma fração de segundos.
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Seus ouvidos apurados não conseguiram


captar som algum. Estava sozinha? Era provável. E
o Guardião? Onde estaria Solon?
Alma empurrou essa pergunta para o fundo
da mente, e se concentrou em prestar atenção para
o cheiro do lugar. Ainda cheirava a terra molhada,
um ar pesado, desagradável, muito parecido com o
ar carregado do Deserto das Areias Vermelhas.
A ausência total de calor era prova de que
não estava no deserto. Sentia frio. Principalmente
em suas costas. Um frio desolador. Umidade. Sim,
ela estava deitada em um lugar úmido, um lugar
frio.
Não era gelado, mas era frio. Alma tentou
abrir a boca e descobriu que a mordaça estava de
volta.
Pensou no Guardião, ele poderia ter feito isso
com ela?
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Não, lembrava que Solon estava ao seu lado


quando começou a cair.
Quando algo a pegou e puxou para baixo. Ou
teria sido impressão sua?
A dor em sua cabeça não permitia que
chegasse a conclusões lógicas. Amordaçada não
poderia gritar. Alguém não queria ouvir seus gritos.
Temia que seu dom causasse danos? Era provável.
Alma moveu as pernas, chutando. Descobriu
que suas pernas estavam livres, sem amarras, mas
suas mãos estavam amarradas com corda. Ela sabia
que eram cordas, pois ergueu ambas as mãos e
forçou os olhos abertos e enxergou a corda nova,
trançada e grossa. Peculiar, ela nunca vira uma
trama de cordas com aquele padrão.
Seus olhos estavam irritados pela terra no ar,
avermelhados e lacrimejando. Por isso, foi difícil
focar em torno de si.
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Estava deitada em uma cama? Não. Estava


deitada sobre uma esteira de palha fina que não
impedia a umidade da terra de atacar suas costas.
As carcereiras do Ministério do Rei iriam
brigar com ela, se a vissem ali. Diriam que isso lhe
causaria um resfriado e por consequência mais
trabalho para elas. Esse pensamento era ridículo
para a situação, mas Alma não conseguiu evitar.
Seus olhos focaram em volta e Alma não
entendeu o que enxergava. A imagem demorou em
fazer sentido em seu cérebro.
Estava em uma câmara, um quadrado exato,
com paredes feitas em terra. Teto, paredes, chão...
Tudo era feito em terra. Seus olhos arregalaram ao
entender que estava em uma tumba ou cripta.
Sim, ela estava enterrada. Mas estava viva!
Viva! Seria possível terem confundindo-a com uma
morta? Quem sabe com a queda...
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O mero pensamento a fez agitada e Alma


conseguiu sentar, grunhindo de dor e desconforto.
Com as pernas livres ficou de pé e andou no
pequeno espaço.
De pé, o topo de sua cabeça batia no teto de
terra e fragmentos caiam em sua face. Apesar de
amarrada, usou as mãos para procurar nas paredes
uma escapatória. Não encontrou portas, janelas ou
qualquer outra forma de entrada ou saída.
Desesperada, Alma olhou para cima, ergueu
os braços e começou a empurrar, percorrendo cada
centímetro com os dedos, procurando por saídas,
como nada aconteceu, ajoelhou-se no chão e
engatinhou em torno, procurando por saídas no
chão.
Em pânico, achou que o ar estava acabando.
Parou de procurar e levantou, batendo sem querer
contra uma parede de terra, muita terra solta caindo

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em sua volta, apavorando-a ainda mais.


Sim, não era impressão sua, o ar em torno
findava.
Não! Não! Não! Eu não posso morrer aqui!
Eu não posso morrer aqui!
Sua mente repetia essas palavras como um
mantra. Se ela estava enterrada viva, era provável
que o Guardião Solon também estivesse. Ou quem
sabe, estivesse de fato morto. Uma pontada de dor a
pegou de surpresa e grossas lágrimas vieram aos
seus olhos.
Tudo culpa de Santha! A rainha desgraçada
que forçara a fuga das fadas e colocara os
Guardiões em seu encalço! Seriam fadas vivendo
suas vidas miseráveis e os guardiões seguiriam sua
trajetória de lutas e glórias. E agora, estava
morrendo, e o corajoso Guardião estava morto.
Engatinhando no chão, Alma sentiu uma
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fisgada incontrolável de pânico e dor. Sim, seu


corpo sucumbia. Porque havia acordado? Por quê?
Teve uma onda de renovação em seu ódio
contra a rainha que desgraçara sua vida e por causa
disso, seu corpo reagiu. Ela bateu as asas no
limitado espaço, causando um barulho
ensurdecedor.
Não havia espaço para voar e suas asas
esbarravam nas paredes soltando mais e mais terra,
impregnando o ar com uma nuvem de pó.
Angustiada, ela bateu com mais força, rezando que
o barulho pudesse alertar sobre sua presença e
talvez a resgatassem dessa cova.
Alma não aguentou muito tempo. Exausta,
bateu contra uma das paredes e o choro irrompeu
quando se conscientizou que morreria presa e
agoniada. Era questão de tempo, talvez minutos.
Seu choro não era sentido, sua mente um
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amontoado de imagens perdidas. Nunca mais veria


o rosto de suas amigas, jamais voltaria a sentir a
alegria de correr livre por um prado, vendo o sol
nascer numa manhã de verão. Mesmo seu voo
desajeitado, jamais voltaria a provar dessa emoção.
Alma berrou o mais alto que pode, a mordaça
barrando todo o som, mas ela precisava extravasar.
Seu esforço não era totalmente em vão. Ela
não ouviu o barulho de luta, de um corpo se
chocando contra uma porta muito bem camuflada
na parede de terra aparentemente inteira e sem
brechas.
Alma seguiu gritando e pedindo ajuda, o som
abafado, mesmo assim, seus grunhidos e gemidos
eram ouvidos. Ela não viu imediatamente a parede
ceder, pois não era de verdade uma parede e sim
uma espécie de porta. Viu a terra caindo e levantou,
tentando fugir desesperadamente. Tinha medo de

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ser soterrada e morrer lentamente...


Solon enxergou a fada se debatendo em
desespero e correu para segurá-la. Suas asas eram
empecilho, e mais tarde ele se preocuparia em ter
ferido as estruturas delicadas. Agarrou-a por trás,
seus braços fortes segurando os braços delicados,
imobilizando-a.
Ela lutou muito e por muito tempo. Muita
adrenalina correndo em suas veias. Ela estava
descontrolada.
— Sou eu — Solon dizia em seu ouvido. —
Sou eu, o Guardião Solon. Não vou machucá-la.
Sou eu, Alma. Sou eu, se acalme, sou eu. Estamos
os dois vivos. Isso não é o que parece. Acalme-se
— dizia baixo, sabendo que em seu estado de
nervoso, usar de gritos seria o mesmo que atiçar
com chamas um emocional que estava incendiado.
— Eles nos separaram, Alma — ele dizia. —
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Mas eu a encontrei. Fique quieta, eu a encontrei.


As palavras não faziam sentido em seu
cérebro, mas ela foi acalmando e aos poucos
parando de lutar contra. Acabaram os dois no chão,
a fada exausta, em seus braços.
— Eu vou soltar a mordaça — ele disse
avisando. — Não grite. Existe inocentes aqui,
Alma. Não grite ou matará muitos elfos e fadas.
Ela acenou com a cabeça, entendendo, apesar
de não saber do que falava.
Solon a amparava toda recostada contra seu
peito, a cabeça em seu ombro, de costas para ele,
enquanto soltava o aperto em torno de seus braços,
para desamarrar a faixa de couro que mantinha seus
lábios presos.
Ela puxou ar avidamente e o gosto do ar, era
gosto de terra.

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Solon alisou sua testa, afastando o suor e a


sujeira, tentando assim, acalmá-la completamente.
— Onde estamos? — Perguntou depois de
um curto tempo apenas respirando com dificuldade.
— Eu não sei — foi sincero. — Pensei o
mesmo que você quando acordei preso em um
lugar idêntico a esse. Mas consegui sair e descobri
que existem corredores. Estava tentando encontrá-
la quando ouvi o barulho de suas asas. Elfos e fadas
começaram a aparecer e muitos ficaram nos
corredores, caídos e desmaiados.
— Eu não queria machucar ninguém — ela
admitiu, olhando para cima, com os olhos
castanhos injetados de medo. Encontrou um olhar
muito parecido no Guardião.
— Aposto como neste instante você está
profundamente arrependida de ter escondido minha
armadura — disse para distraí-la.
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Alam soltou uma espécie de riso e se moveu,


afastando a cabeça de seu ombro, olhando-o com
dúvida.
— Alguma coisa segurou minhas pernas. Foi
a última coisa que me lembro de ter acontecido
antes de cair.
— Será essa a magia que tanto falam sobre o
Vilarejo Sem Fim? — Ele ponderou.
— Pra mim pareciam mãos bem reais —
disse séria.
Solon soltou suas mãos presas pelas cordas e
segurou-as antes que Alma pudesse se afastar.
— Escute — ele disse sério demais. — Eu
acordei sem armas. Sem o meu bumerangue. Sem o
meu guiso. Sem espada e sem punhal. E como nós
dois sabemos, sem chances de reaver minha
armadura.

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Alma lhe forneceu um olhar irônico e tentou


puxar as mãos. Não conseguiu.
— Eu gostaria de dizer que nesse momento é
cada um por si.
— E quando não tem sido assim? — Alma
revidou azeda.
— Desde que nós dois fomos pegos por
terceiros. Não é algo entre nós dois. Não sou seu
inimigo, nunca fui. Sobretudo, agora não sou seu
inimigo. E você não é minha inimiga. Agora, sobre
os que estão lá fora, eu não posso dizer o mesmo.
— Eles sabem que sou uma das fadas
fugitivas? — Deduziu a que se referia.
— Ou sabem que eu sou um guardião? —
Ele revidou — o seu preço fada, é enorme, mas o
preço pela minha cabeça nas mãos de um Caçador
de Recompensa é ainda maior. Eu não a entrego se
prometer não me entregar.
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Alma entendeu a porcaria onde haviam se


enfiado. Sentia as mãos do elfo em torno das suas.
Era um modo de acalmá-la e ter sua atenção.
Estava coberto de razão. Alma ouviu som de vozes,
passos e acenou apressada, concordando com ele.
— Estão vindo — avisou-o, puxando as
mãos com força, querendo achar um modo e sair
dali.
Mas não havia. O único modo era se acalmar
e esperar. Solon levantou e estendeu a mão para
Alma. Ela aceitou apenas por falta de opção
melhor.
Três elfos armados com espadas surgiram
pela porta destruída e apontaram a espada para
Solon. Ele não se abalou.
— As assas da fada são mortais — um deles
disse, acusador e Solon leu seus lábios,
surpreendendo Alma, que imaginava ter que
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sussurrar-lhe tudo que os elfos dissessem.


— A fêmea estava nervosa. Eu a acalmei. Ela
me obedece. Não oferece mais perigo algum. —
Solon tentou acalmar os ânimos.
Alma precisou se controlar para não reagir.
Era assim entre elfos. Machismo puro.
— As asas devem ser cerradas — um deles
disse nervoso.
Alma ficou em pânico na mesma hora e sem
notar colocou uma das mãos no ombro do Guardião
e apertou quase ao nível da dor. Era o único modo
de sufocar a vontade de fazê-los pagarem pela
ameaça real.
— A fada está sob controle — ele avisou. —
Me leve ao seu líder.
Era um Guardião e sabia que aquele lugar
não era governado sem um líder ou rei.

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Não sabia onde estava, mas sabia como o


mundo funciona, e seja mágico ou não, sempre
segue as mesmas regras em um jogo onde um dá as
cartas e os outros obedecem.
E essas regras milenares de poder e ambição
jamais mudarão. Alternam de mão, mas sempre
seguindo o mesmo padrão.
Os elfos se olharam como quem mede a
decisão.
— A fêmea deve ser levada — um deles
disse aproximando-se com a espada em mãos.
— A fada me pertence — ele disse rápido,
estando na frente, barrando a passagem. — Sou o
dono dessa fêmea. É comigo que seu líder deve
falar, não com ela. — Não era trouxa. Sabia muito
bem que estavam ali por causa do cio da fada.
Isso estava ficando cada vez mais claro
diante de seus olhos.
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Um dos elfos disse para os outros:


— É direito do elfo falar por sua fêmea —
Solon disse sério e um dos elfos. Acenou e se
afastou.
Os dois outros não se moveram.
Permaneceram vigiando-os.
— Pergunte a eles onde estamos — ela
sussurrou para Solon, pois seria estranho uma fada
sob o domínio de um elfo tomar a palavra.
— Estamos no Vilarejo Sem Fim? —
Perguntou a um deles que não respondeu nada.
— Que lugar é esse? — Insistiu, mas foi em
vão.
— Filhos de uma puta — Alma esbravejou,
raivosa por lhes negarem a resposta que ela tanto
queria.
Solon olhou-a e sentiu vontade de costurar

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sua boca para que não causasse mais polêmica.


Muito tempo depois o guarda retornou e fez um
sinal para que fossem levados.
Alma arregalou os olhos de surpresa ao andar
pelos corredores. Eles andavam por corredores de
terra. Olhou para o guardião que pegou sua mão.
Era um modo de segurá-la perto de si evitando que
causasse algum problema prejudicando uma
situação que já era tão complexa.
Alma não tentou soltar-se. Nunca admitiria,
mas queria ficar assim. Sentir que não estava
sozinha nessa empreitada. Que alguém intercedia
por ela e sua sobrevivência. Não tentaria entender
esse sentimento.
Quando seus pés tocaram pedras, ela soltou o
ar preso nos pulmões. Rochas e pedras cobriam as
paredes de terra. Era uma ilusão de segurança, mas
era o bastante para acalmá-la.

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Havia muitas portas naqueles corredores. Um


labirinto de corredores. Em algumas dessas portas,
elfos e fadas os observavam passarem.
Todos vestiam roupas muito parecidas. As
fadas usavam vestidos de tecido simples, decorados
com fitas coloridas. Os elfos usavam túnicas, calças
de couro e mantos de peles.
A aparência física era variada. Alma ficou
surpresa ao ver uma fada verde de pé, na
companhia de um elfo escuro, alto e bonito. Ao
redor dela, duas fadinhas infantas que mesclavam
sua cor com a cor do elfo. Uma família?
Intrigada, Alma percebeu que o mesmo modo
desconfiado que ela olhava para aqueles elfos e
fadas, era o mesmo modo com que eram olhados.
Os corredores de pedra levaram para uma
escadaria que os fez descer ainda mais fundo. Solon
havia chegado à conclusão de que estavam sob a
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terra, provavelmente sob o vilarejo. Em um


esconderijo subterrâneo
Desceram muitos degraus e foram
empurrados diretamente para um salão amplo,
recoberto por chão de pedras lapidadas e coloridas.
Era um lugar especial onde não havia nada além de
chão decorado e paredes recobertas pelas mesmas
pedras decoradas.
Uma média de oito elfos munidos de espadas
esperavam por eles. Alma olhou para trás e notou
que eram seguidos por fadas e elfos, que eram
atraídos pela curiosidade. Não foram impedidos de
entrar, muito menos de participar da reunião que
aconteceria ali.
— Separem a fada do elfo — uma voz foi
ouvida e Alma reconheceu imediatamente a voz.
— Não — Alma disse para Solon, pois ele
ouviria apenas a sua voz. — Eu sei quem ele é!
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Solon não quis responder, mas claro que não


a soltou. Manteve as mãos unidas e elevou a voz:
— A fêmea me pertence. Já disso isso. Ela
está no cio e não permitirei que outros elfos tenham
contato com ela.
Era uma afirmativa plenamente aceita. Uma
realidade comum. Elfo algum permitiria que outro
tivesse contato com sua noiva ou esposa, estando
ela em um momento de descontrole hormonal, que
principalmente mexia com a libido de machos e
fêmeas.
— A fada foi escolhida por mim. Eu a
cortejei — a voz se revelou pertencer a um elfo
muito bonito e bem vestido.
Ele fez um gesto e foi atendido. Os elfos
abriram caminho para que surgisse.
Alma reconhecera a voz de Eldor, o elfo
psicopata que vinha infernizando sua vida a dias, e
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notou que o Guardião também o conhecia, mas pela


sua surpresa, tinha aquele espécime como alguém
bom.
— Existe um claro impasse aqui — outra voz
se fez ouvir.
Era de uma fada mais velha, com uns
cinquenta anos. Ela saiu do meio do grupo dos
curiosos e falou diretamente para Eldor:
— A fêmea não contradisse o elfo em
questão. — Apontou para Solon. — A quem ela
pertence, afinal?
— O nome da fada é Alma. Eu a escolhi
como minha companheira. — Eldor elevou a voz e
todos pareceram surpresos e agraciados com uma
bela dádiva. — Sim, finalmente terão uma líder
para ajudá-los. Uma fada com dom e asas para
ensiná-los sobre liberdade. Esse é meu presente
para o meu povo.
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Alma olhou em volta. Seu povo? Grande


mentiroso. Contara-lhe histórias mentirosas!
— Fui trazida para cá a força! — Alma
respondeu, soltando a mão de Solon, aproximando-
se de Eldor. — Eu disse não para seu pedido! Disse
que não o aceitava como meu elfo e que não queria
saber da sua companhia! Eu não sabia que era para
isso que me queria!
— Eu tenho certeza que agora que sabe a
magnitude do meu pedido, mudará de ideia —
Eldor alegou sorrindo.
— De modo algum! Eu fui trazida a força!
— Nós dois fomos sequestrados — Solon
aproximou-se e pousou ambas as mãos em seus
ombros, acalmando-a. — Trazidos para cá a força.
Alma levou um susto gigantesco sendo amordaçada
e vendida como um animal. Foi você quem
encomendou o sequestro dessa fada? — Exigiu
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saber e pela expressão dos outros elfos, eles não


sabiam disso.
— De modo algum. Meu povo não
compactua com sequestros.
— Sei — Solon desdenhou. — Baixem as
espadas e nos devolvam a liberdade. — Exigiu.
— De modo algum. Eu digo que a fada me
escolheu — Eldor afirmou com veemência.
— Sua palavra não me interessa — Alma
afirmou. — Sou livre, escolho o que eu quero fazer
e quem eu quero! Eu lhe disse não! Prova disso é
que nos trouxe aqui a força! Fui arrancada do chão
e jogada em um buraco! Fui amarrada e
amordaçada! Separada do elfo que me
acompanhava — apontou para Solon. — Achei que
estivesse... Enterrada viva! Crueldade pura! Eu não
lhe disse sim antes e não diria agora nem que
minha vida dependesse disso!
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A expressão de Eldor deixava claro que sua


vida dependia sim, de aceitá-lo.
— Espere — novamente a fada mais velha
intrometeu-se. — Meu nome é Agra. Sou madrasta
de Eldor — apresentou-se. — Até poucos anos
atrás era meu marido quem governava nosso povo.
Agora, cabe aos ombros de Eldor esse fardo. Ele a
escolheu, minha cara jovem, e deve ser grata por
essa dádiva. Mas... — Frisou bem a palavra
olhando para o enteado com desconfiança. — Se a
fada escolheu outro elfo que não Eldor e diz que
deseja partir, é nossa obrigação libertá-la
imediatamente.
— De modo algum — Eldor negou. — Alma
está confusa sobre o que deseja. Sobre o que é
melhor para ela. Tenho certeza que depois de
descansar e refletir fará a escolha acertada.
— Eu não preciso refletir! Eu quero ir

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embora daqui! — Alma começou a se exaltar e


Solon acalmou-a, tomando a palavra:
— Permita que Alma se acalme. Nenhum de
nós deseja que ela use seu dom em um momento de
descontrole — ele ameaçou.
Sim, era uma ameaça velada. A fada possuía
um dom mortal e ele possuía aparente domínio
sobre ela. Não era tolo. Sabia que metade do
interesse de Eldor para obter a fêmea referia-se ao
seu dom. A chance de possuir uma arma em mãos
facilmente controlável, que o tornaria imbatível.
— O elfo tem razão, meu enteado — Agra
disse mansa, traiçoeira. — Permita que a fada
descanse. Não é o momento para brigas, pois sua
história precisa ser esclarecida junto ao nosso povo.
Eles não entendem o que acontece aqui.
Alma lembrou-o que existiam pessoas a
quem deviam explicações. Eldor olhou-a como se
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ela fosse um inseto insignificante que o atrapalhava


em seus planos. Agra parecia muito acostumada a
esse tratamento.
— Leve Alma para meus aposentos — Eldor
ordenou.
— De modo algum — Solon, que lia os
lábios do elfo contrariou. — A fada está comigo. É
meu direito exigir que seja protegida de outros
elfos nesse momento delicado.
— Quer me convencer que é seguro manter
uma fada padecente do cio ao seu lado? — Eldor
debochou.
— Não. Não tenho essa pretensão. A fada me
pertence, me escolheu. O que acontecer entre nós
não é da conta de ninguém. Muito menos sua.
Defina agora se somos ou não seus prisioneiros.
Solon havia reparado que mencionar a
palavra prisioneiro deixava os aparentes curiosos e
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observadores, fadas e elfos pressentes, em estado


de choque. Eles não consideravam essa
possibilidade aceitável, por isso, Solon abusava
disso para deixar Eldor em péssima situação.
Era preciso descobrir o que acontecia
naquele lugar, que tipo de dominação existia sobre
essas pessoas.
— Ordene que levem os dois para um dos
aposentos vazios, eles tem o direito de desfrutar de
alguma privacidade, afinal, são nossos hóspedes —
foi Agra quem sugeriu.
Havia sim muita raiva e antagonismo entre
Eldor e Agra e Alma guardou isso no fundo da
mente, para ser usado em um futuro muito
próximo.
— Exijo que uma fada os acompanhe e
permaneça no quarto para vigiar o cio da fada —
Eldor não abriria mão facilmente de seu desejo
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obscuro.
— Acontece, que sendo vigiada ou não, eu só
faço o que eu quero — Alma avisou. — Eu sou sua
prisioneira. Não importa o quanto insistam em me
chamar de hóspede. — Alma olhou para os
presentes, e avistou a fada verde que se destacava
entre todos. — Eu peço ajuda. — Olhou para cada
rosto. — Sou prisioneira desse elfo! — Apontou
para Eldor. — Prisioneira! Alguém me ajude! Eu
quero sair daqui!
— Porque alguém iria querer voltar lá para
cima? — Um sussurro vindo de entre os presentes
causou desconforto imediato em Eldor.
— Isso é desnecessário, a fada tem razão —
Eldor disse falsamente constrangido. — Peço
perdão pelo meu ciúme. Mas eu estou apaixonado
pela fada e morro de pensar que outro a terá.
Agra, sua madrasta ergueu uma sobrancelha
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no alto da testa, com tanta ironia no olhar que Alma


quase se aproximou para cumprimentá-la por ser
capaz de ver que ele mentia, assim como ela via.
— Baixem as armas. — Solon tomou a
palavra. — Se não somos prisioneiro, não há razão
para apontar espadas para nós dois.
Era uma verdade incontestável.
— Nossos pertences devem ser devolvidos
— disse irritado. — Meu bumerangue, minha
espada, meu punhal e meu guiso.
— E meu ouro! — A fada mentiu, olhando
para Eldor com pura satisfação. — Eu carregava
um saco repleto de ouro. Muito ouro. Quero de
volta.
Solon não a desmentiu, pois ela dizia desse
modo que sabia que Eldor ordenou que fosse
sequestrada e pagou por esse serviço. E agora
pagaria mais uma vez.
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— Eu lhe ofereço o mundo, Alma. Não um


simples guiso. — Eldor ironizou e Alma virou a
face para olhar para o outro lado.
Alma lutou contra o impulso de mandá-lo
enfiar aquele guiso em um lugar bastante ofensivo.
Solon insistia em manter uma postura dominadora e
ela estava começando a chegar ao limite entre o que
conseguia aceitar e o que deveria aceitar.
Eldor fingia não conhecer o Guardião. Não
contou para ninguém quem era aquele elfo de
verdade.
Ela era uma fada valiosíssima, uma fugitiva
da clausura acusada de assassinato. Solon, um
Guardião sem sua armadura, mas que no mercado
negro valia uma fortuna. Muitos inimigos pagariam
o que fosse para obter vingança contra um
Guardião.
Agra encerrou a questão ordenando que
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saíssem do caminho para que pudesse guiar os


hóspedes até seus novos aposentos. Pela forma
como foi atendida, primava por alguma autoridade
entre aquelas criaturas.
Alma olhou para baixo quando sentiu algo
puxar a barra de seu vestido de fada. Viu uma
fadinha de cor verde escuro tocando-a.
Sentiu vontade de sentar e chorar.
Foi um sentimento forte demais para
aguentar.
Fadas verdes são tidas como raridade. Poucos
exemplares existentes e quando uma fada é
encontrada, ela decide dividir sua sorte com outros
a sua volta.
Ser tocado espontaneamente por uma fada
verde era sinal de sorte para a vida toda. A fadinha
afastou-se correndo, pois sua mãe chamava seu
nome.
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Solon segurou o braço de Alma e a puxou


para que lembrasse onde deveriam ir. Ela seguiu ao
seu lado, de mãos dadas. Por falta de escolha disse
a si mesmo. Unicamente por falta de escolha.

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Capítulo 11 - Pensando em você

Os corredores eram longos, recobertos por


pedras, alguns corredores em pedras coloridas,
outros em pedras feias, acinzentadas. Solon
imaginava que os corredores decorados eram
trajeto rotineiro dos moradores daquele estranho
lugar. Os demais corredores eram mantidos para o
trato mais braçal, por isso não necessitavam de boa
aparência.
Foram levados por muitos corredores, e foi
Agra quem fez um sinal para que os guardas de
Eldor parassem e reconhecessem o lugar como
sendo o quarto escolhido por Eldor. Um deles
chegou a abrir a boca para reclamar, mas Agra
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disse com voz séria:


— Este é o quarto perfeito para nossos
hóspedes. Abra a porta — ordenou e um dos elfos
obedeceu.
Ela estendeu a mão para receber a chave e
dispensou-os com um olhar de desprezo.
Agra era extremamente antipática. Alma
sabia como era ser rotulada desse modo. Afinal, ela
própria não primava pela simpatia mútua.
Eles entraram e Agra fechou a porta logo
atrás deles.
Era um quarto pequeno, com uma cama
coberta por roupa de cama, tudo em algodão e linho
simplório. Um móvel de madeira em um dos
cantos, onde deveriam colocar roupas.
Havia uma lareira em uma das paredes e
Solon foi o primeiro a pensar sobre como deveriam

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ser os dutos de condução da fumaça para a


superfície. Era um sofisticado sistema subterrâneo.
Lembrou-se imediatamente das casinhas do
Vilarejo Sem Fim, sempre com suas chaminés
liberando fumaça.
Não eram moradores prendados cozinhando.
Não, era apenas um disfarce!
— O Vilarejo Sem Fim não existe, não é? —
Ele perguntou e Agra não pareceu surpresa com a
pergunta.
— Não. Alguns de nós permanecem durante
o dia nos casebres. À noite, todos nos encontramos
aqui em baixo.
— E qual é a mentira que contam para os
outros para justificar a ausência dessas pessoas? —
Solon foi direto à ferida.
Sabia por instinto que a maioria dos
moradores daquele subterrâneo não sabia da vida
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dupla do vilarejo.
— Dizemos que é necessária uma vigília
constante para proteção de nosso povo. Eles creem
que a ausência se explica pela necessidade de
mandá-los vigiar as saídas e entradas.
— Quantas pessoas existem aqui em baixo?
— Solon insistiu.
Alma estava de pé, imóvel, sem falar nada.
— Oitocentas. — Agra disse, com o olhar
firme. — Oitocentas e duas, contando vocês dois.
— Acrescentou.
— De modo algum. Não ficaremos aqui —
ele negou.
— Essa decisão não é sua. Infelizmente. —
Agra disse olhando para Alma. — As fadas do
nosso povo perderam a capacidade de voar, a
maioria sequer desenvolve as asas. Faz muitos anos

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que não vejo uma fada nascida aqui em baixo


passar pelo nascimento ou padecer do cio.
— Isso quer dizer que as fadas não têm dom?
— Alma quis saber.
— Sim, eu sou uma das últimas a possuir
asas e ter um dom. Fui escolhida para casar-me
com o líder do nosso povo quando era muito jovem
e não sabia de suas ações. Assim como todos os
outros sequer imaginam o que existe por de trás das
próprias vidas. Eu nunca voei. Nem sei se as
minhas asas saberiam fazer isso, depois de uma
vida toda sem uso — ela disse em lamento. — Meu
dom é pequeno. Eu broto água do chão. Acho que é
somente por isso que Eldor ainda não me matou.
Sim, agora Agra chegava onde Solon
esperava que chegasse.
Agra era uma fada de pouca beleza, a tez
esbranquiçada, provavelmente por nunca ter sido
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tocada pela luz do sol. Cabelos longos trançados e


enrolados no alto da cabeça. Era morena, alguns
poucos fios mais claros indicando idade. Olhos
acinzentados, corpo miúdo. Nas costas ela
mantinha um par de asas curvadas, em tons
amarelados, provavelmente escurecidos pelos anos
de atrofia. Vestia uma túnica longa e bordada com
pedrarias. Uma tentativa de embelezar a si mesma
em um mundo de horror? Era possível.
— O que aconteceu com o pai de Eldor? —
Foi Alma quem se lembrou disso.
— Ele educou Eldor para ser seu sucessor
nessa vida que levamos. Quando Eldor fez quinze
anos... Eliminou a concorrência e assumiu seu lugar
de líder — disse tensa. — Fui poupada, pois como
disse, meu dom é útil em emergências. E também...
Porque ninguém acredita em mim quando tento
falar sobre a vida que existe lá em cima.

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— E porque não? — Solon não entendia essa


devoção.
— As fadas e elfos que estão aqui... Eles
nasceram aqui. Não conhecem outra vida. Os
primeiros a se refugiarem nesse esconderijo
subterrâneo o fizeram por necessidade. Havia uma
guerra acontecendo a mando do Rei Ulder e essa
guerra massacrava todas as fadas. — Ela disse com
lamento.
— Faz séculos que isso aconteceu — Alma
indignou-se. — Driana, uma das minhas amigas —
disse a Solon — ela sempre lia sobre esses assuntos
e passava horas nos contando... Mesmo que não
quiséssemos ouvir. — Era uma indireta sobre ela
não gostar muito de aturar as chatices de Driana. —
Rei Ulder era um rei caprichoso e invejoso que
desejava acabar com a suposta vantagem das fadas
sobre os elfos. Ordenou que todas as fadas fossem

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aprisionadas e tivessem suas asas cerradas. As que


aceitassem a submissão ao seu poder seriam
libertadas depois disso, as que não aceitassem...
Eram sumariamente mortas. A guerra entre elfos e
fadas foi sangrenta. E durou muitas décadas. Mas
acabou sem explicações quando o Rei Ulder foi
misteriosamente assassinado em sua alcova... —
Alma notou o olhar de Solon.
Ele pensava sobre isso. Sobre ela conhecer a
história do rei Ulder. Sobre suas amigas falarem
sobre isso. Sobre esse conhecimento poder ter
desencadeado um desejo de repetir o mesmo com
Rei Isac. Foi uma troca de olhar que apenas os dois
poderiam entender.
— A razão para existir esse lugar foi a
melhor possível — Agra explicou. — Um
esconderijo até a guerra acabar. Uma máscara para
impedir que os olhos do Rei Ulder recaíssem sobre

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os inocentes. Algumas fadas se sacrificaram e


perderam suas asas, jurando obediência ao Rei, e
voltaram a viver com suas famílias no Vilarejo Sem
Fim. Mas era tudo um escudo, uma máscara. Um
modo de manter os outros escondidos e protegidos.
Para que centenas de fadas não perdessem suas
asas! Para que não perdêssemos nossos dons! Era o
desespero da guerra! E olhe agora como estamos...
Olhe o que fizeram conosco? — Agra abriu os
braços mostrando a si mesma. — Antes
houvéssemos lutado e perdido a guerra. Não
seríamos prisioneiros. Eu sou uma das poucas que
conhece a história real. Não adianta tentar contar
para essas fadas e elfos. Eles não acreditam, são a
oitava geração desde os primeiros. Muita coisa se
perdeu, inclusive os ideais.
— Eldor é um porco — Alma disse
agressiva. — Eu soube disso no primeiro momento

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em que o vi. Sempre me rondando, como um raptor


caçando sua presa. Ele é um assassino. Senti o
cheiro de morte nele. — Dramatizou.
— Em muitos séculos não foi necessário
trazer uma fada para baixo. E às vezes em que
aconteceu, elas vieram de livre e espontânea
vontade, seduzidas por uma vida de proteção. Eldor
deseja mais do que ser líder de um povo
subterrâneo. Ele deseja muito mais. Por isso ele a
escolheu. Seu dom será muito útil para seus planos.
Eu não sei que planos são esses, mas sei que ele
tem metas que colocam a todos nós em risco.
Solon olhou para a Alma, e então para Agra.
Havia acompanhado a conversa, lendo os lábios de
Agra. Algumas palavras foram perdidas, pois ela
falava muito rápido. Mesmo assim conseguiu
entender praticamente tudo.
— O que nos aguarda daqui para frente? —

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Perguntou a ela.
— Eu não sei. Acredito que Eldor manterá
essa brincadeira por algum tempo. Ele não vai
desistir — contou.
— Como fujo daqui? — Alma não fez
rodeios para saber o mais lhe importava!
— Eu ainda não sei. — Agra foi sincera.
— Quais os meios de sair e entrar nesse
lugar? — Solon insistiu.
— Quem pode lhe dizer isso com
conhecimento profundo é o Guardião Estevão —
ela indicou.
— Guardiões? Existem Guardiões aqui? —
Solon surpreendeu-se.
— É o nome que Eldor deu aos cargos de
vigia. Meu enteado tem desejos de grandeza e
volúpia. Não entende que somos um povo

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desgraçado e prisioneiro da própria ignorância. Ele


acha que é importante. — Disse com pesar na voz.
— E como me aproximo desse elfo? —
Solon insistiu.
— Não será difícil. Elfos e fadas precisam
trabalhar para manter esse lugar funcionando.
Sugiro que conversem e descansem muito nas
próximas horas, pois amanhã cedo... Devem ser
levados para funções de trabalho. É um elfo grande
e forte. — Agra aproximou-se e olhou Solon de
alto a baixo. — Terá serventia no trabalho pesado.
E Estevão estará vigiando-o de perto. Sei que ele
anda desgostoso de Eldor desde que sua esposa
fugiu daqui e não foi mais vista. Ele ficou com duas
fadinhas órfãs para criar e nenhuma explicação
sobre o que aconteceu de fato. Uma de suas filhas,
pois eram três, está desaparecida junto com sua
mãe.

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Alma notou a expressão do Guardião


imediatamente mudar para algo de desgosto e nojo.
Agra não percebeu e seguiu falando:
— A vida aqui é muito simples. Um quarto,
água e alimento. Não esbanjamos, por isso
aproveitem cada refeição e cada punhado de água
que obtiverem. Quem não trabalha, não come.
Quem não tem boa saúde não serve para nada e é...
Fica a cargo de Eldor decidir o destino. Ele não vai
desistir de desfrutar do cio de uma fada, ele nunca
obteve isso antes, muito menos desistirá de ter
controle sobre um dom tão útil quanto o seu, fada
Alma.
— Meu dom não tem utilidade — ela negou.
— A menos que você tenha vontade de matar
e possa aliar o prazer a um dom mortal — Agra
corrigiu.
Alma sentiu essa verdade no fundo da alma.
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Sim, era assim que Eldor sentia-se, mas também,


era assim que ela se sentia às vezes.
— Enviarei uma fada de minha confiança
com alimento e água. Não devem sair sem
permissão. Por enquanto são convidados de Eldor...
Mas sabem que é apenas fachada. São prisioneiros
até segunda ordem.
Agra era elegante para falar e se mover, uma
fada de classe. Uma pena ter uma existência tão
inútil e sofrida, vergada aos desejos de poder
alheio.
A porta foi fechada e Solon pegou a chave
que estava consigo e trancou-a. Era uma patética
proteção, mas era melhor do que nada.
— Que situação — ele disse, mãos na
cintura, fitando Alma com uma dúvida no olhar.
— Eu não aceitei Eldor — ela disse,
entendendo muito bem o que estava pensando. —
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Eu não disse sim para aquele... Se eu houvesse


aceitado sua proteção, porque ele precisaria me
sequestrar ou contratar Caçadores de Fadas? É
ultrajante que pense que eu seria capaz de me
vender por tão pouco. — Disse irritada, cruzando
os braços, afastando-se dele o máximo que pode.
— Está no cio, Alma. Eu não poderia julgá-la
por fazer escolhas erradas. Esse momento não é
fácil para uma fada desprotegida. — Ele foi
sincero.
— Não sou uma fada desprotegida —
aproximou-se dele e disse olhando em seus olhos,
em um desafio — sou uma fada perseguida, é bem
diferente. E o cio... Não me afeta. Não estou nem
um pouco inclinada a arrancar as roupas e me jogar
sobre o primeiro macho que cruzar meu caminho.
— Não sente as dores do cio? — Solon ficou
curioso. — Sei de fadas que sofreram dores

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insuportáveis por não copular durante o cio.


— Eu passei pelo nascimento das asas. E
agora estou ótima. — Ela mentiu, não lhe contando
do desespero do nascimento, das horas de
sofrimento inesgotável.
Tão pouco quis lhe contar que sentia os
calores do cio. Não o tempo todo, pois a raiva a
impedia de se concentrar em qualquer outro
sentimento que não fosse ódio e rancor.
— É uma sorte que esteja passando por isso
de modo suave — ele ponderou, sentando-se na
beirada da cama, o corpo cansado. — Será o
inferno conter os elfos nesse espaço limitado.
Esteja preparada para não andar sozinha por esses
corredores. Até encontrar um modo de nos tirar
daqui... Terá que aceitar que sou seu elfo
dominante e que você me pertence, se eles
desconfiarem que não é desse modo... Sinto lhe

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dizer, Alma, mas a fuga do reino de Isac será o


menor dos seus problemas.
Ela sabia disso, era consciente da desgraça
onde estava envolvida.
— Você é um Guardião. É sua obrigação me
prender. Me subjugar. Eu não confio em você. —
Ela disse, sem esmorecer em sua expressão de
indiferença e raiva.
— Não. Eu não sou um Guardião aqui. Eu
sou um elfo aprisionado. E você é uma fada em
péssima situação. Baixe sua crista, fada raivosa. Ou
não poderei fazer nada para ajudá-la.
Alma concordava com suas palavras, mas
não admitiria em voz alta.
— Sabe o que eu acho? — Ela perguntou
andando pelo quarto de tamanho limitado. — Que
Eldor não pretendia trazê-lo para cá. Eu lembro
claramente de ter sido pega primeiro e você ter
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tentado me segurar. Foi isso, não foi? Ou foi


sonho?
— Foi real. Eu tentei segurá-la. Foi quando
caímos os dois. — Ele concordou.
— Sua presença é um inconveniente para
Eldor. Ele fará de tudo para se livrar de você. O que
para mim seria um adianto, pois pretendia me livrar
de você a qualquer momento. — Divagou. — Não
seria mais fácil aceitar Eldor e jogar o Guardião
que me caça aos lobos? Depois, eu aproveito dessa
falsa proteção por algum tempo... E então, mato
Eldor e tomo o poder. Sim, é um bom plano esse.
Um elfo adormecido é sempre uma presa fácil. Não
é de algo assim que me acusam no reino?
O modo como Alma falou não deixou
dúvidas de que pretendia fazer algo assim. Ou que
ao menos isso pairava em sua mente. E que não lhe
faltaria coragem uma segunda vez. Solon sempre

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tendia a pensar o melhor de cada criatura, tentando


ver as qualidades e não os defeitos.
Alma era confusa e um pouco má. Sim, era
inegável que ela transitava por um caminho muito
perigoso. A qualquer momento ela poderia se
tornar o pior dos monstros, como acontecera com
Rainha Santha ou o próprio Eldor.
É assim que o mal se manifesta. Como um
pensamento insistente. Como um atraente atalho
para livrar-se da dor e opressão.
Às vezes o mal nasce dentro de um coração e
reside ali uma vida toda. Às vezes, ele se instala e
vai crescendo aos poucos. Solon mediu a fada com
pesar.
— E suas amigas? O que elas diriam sobre
isso? Acha que elas a apoiariam nessa decisão? —
Ele perguntou sério.
— E porque não? Veja nossa situação, o que
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temos a perder? — Havia muito ódio em sua voz.


— Eu vi a fada Driana. Ela estava em poder
de Acheron, não interferi na caçada do meu amigo,
pois sei que ele acabará cedendo no final e ouvindo
a fada. E ela fala sem parar... — Sorriu a essa
lembrança — ela não me pareceu ser alguém que
concordaria com suas palavras.
— Você não sabe nada sobre minhas amigas
— Alma disse com veneno nas palavras.
— E você sabe? O que elas estão passando
nesse exato instante para fugirem da prisão? Para
que a captura de uma não signifique a captura das
outras? Tem ideia de como deve ser difícil para
uma fada inteligente como Driana se controlar e
não se livrar de Acheron com um plano
mirabolante vindo de sua mente privilegiada? Ou,
se vocês todas estiverem certas, e Eleonora
realmente for filha de Santha, como deve ser difícil

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para ela não usar seu dom de controlar o tempo e as


forças da natureza, e simplesmente, causar alguma
catástrofe natural que pusesse fim a toda a agonia
dela? Como seria muito fácil para todas elas
cruzarem os braços do jeito que você está fazendo
nesse instante, e tramar planos mortais para
inocentes, apenas por ser mais fácil do que lutar
pela verdade?
Alma descruzou os braços e lutou contra o
desejo de avançar sobre ele, arranhar seu rosto
inteirinho e depois, por em prática seus arrojados
planos de liberdade.
— Não fale comigo. Eu não tenho porque
perder meu tempo ouvindo-o.
Estava sendo infantil, é claro que sim.
Solon sorriu, mas não a forçou a falar com
ele. Alguns minutos de puro silêncio. Batidas na
porta alertaram da vinda do alimento e água.
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Solon abriu a porta, e ignorou o que a


fadinha vestida de azul lhe dizia. Não conseguia
acompanhar suas palavras, ela falava muito rápido
e não dava para ler seus lábios.
Alma sorriu irônica e conversou com a
fadinha, bem baixinho para que ele não entendesse
o que dizia. Pedia a jovem que tentasse arrumar-lhe
roupas limpas e descobrir onde estava o chocalho.
Disse-lhe que era seu, um presente dado ao seu elfo
escolhido e que gostaria de tê-lo de volta.
Era uma armadilha, Eldor não poderia negar
esse pedido sem parecer uma quebra em sua
conduta.
— Apenas os guardas usam espadas — a
fada disse, com olhos compridos para suas asas.
— Quantos anos você tem? — Alma lhe
perguntou enquanto observava a jovem dispor os
pratos e travessas em uma mesa no canto do quarto.
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— Dezenove — ela disse olhando mais uma


vez para suas asas.
— É verdade que as fadas nascidas aqui não
obtêm suas asas como acontece com as outras,
nascida na superfície?
— Eu não sei. O que sei... É que não nascem
asas aqui em baixo — ela disse triste.
— E se eu lhe prometer que consigo que suas
asas nasçam? Você me ajudaria em tudo que eu
precisar enquanto estiver aqui em baixo? —
Ofereceu.
A jovem parou de trabalhar fitou-a com
desconfiança, negou com a cabeça e quase correu
para sair do quarto.
— Ela vai mudar de ideia — disse Solon, que
conseguira acompanhar apenas o final da conversa.
— Não se meta nos meus negócios,

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Guardião. — Ela avisou.


— Solon. Chame-me apenas de Solon. E eu a
chamarei de Alma. É melhor evitarmos referências
sobre nossas verdadeiras histórias. Nada de usar
palavras como Guardião, clausura ou fugitiva.
Estamos de acordo sobre isso? — Tentou uma
trégua.
— Fala de esquecermos que você obedece a
uma rainha louca que está destruindo minha vida e
a vida de minhas amigas? — Ironizou — sim,
temos um acordo sobre isso.
Solon relevou seu ataque de mal humor.
Levantou e inspecionou a comida, farejando o
cheiro, tentando decifrar se havia alguma coisa
estranha no alimento.
— Pode comer, parece seguro. Não sinto
cheiro de nenhum veneno conhecido. — Ele
sugeriu pegando um dos pratos, levando consigo
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para a cama.
Alma pegou seu prato, mas permaneceu de
pé, comendo em silêncio. O alimento era bem
cozido, uma espécie de massa feita com grãos e
ervas. Não era algo que escolhesse comer.
Não, ela preferia carne suculenta e vinho.
Uma preferência tola, pois raramente tinha a
oportunidade de provar alimentos que a agradasse.
Na clausura prevalecia a economia. Todo alimento
que viesse para as órfãs seria dividido em pequenas
porções que mal saciariam a fome e então, o
excedente serviria de banquete entre as carcereiras.
Essa lembrança reacendeu o ódio em seu
coração. Solon analisava seu rosto e se
impressionou em como a fada poderia se enraivecer
facilmente. Era preciso menos que nada para
causar-lhe ódio.
Alma comeu com voracidade, estava faminta
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e seu estômago doía por comida. Esqueceu que não


estava só, comendo e bebendo da água fresca que
vinha acompanhada por algum tipo de bebida
fermentada, que nunca havia provado antes. Em
uma jarra havia leite fresco e Alma terminou a
refeição bebendo muito do leite, pois era raro
provar desse sabor. No Ministério do Rei o leite era
escasso e valioso demais para desperdiçar com as
fadas da clausura.
Abonou-se de um pão redondo e quentinho
que jazia em uma cesta e foi sentar no chão em um
canto do quarto, perdida em seus pensamentos
enquanto comia.
Solon terminou a refeição, deixou o prato e o
copo feito em barro sobre a mesinha e aproximou-
se de onde a fada estava, abrindo o pequeno
armário, conferindo que havia roupas limpas. Duas
mudas para cada. Um par de sapatos para cada.

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Sim, eles tinham o hábito de manter poucos


recursos para cada criatura que vivesse naqueles
labirintos subterrâneos. Torná-los dependentes de
Eldor era um modo de exercer poder sem precisar
de força.
Alma terminou de comer e Solon fez um
sinal de silêncio para que ela não falasse sobre o
assunto. Ele enrolou os pães que haviam sobrado
em um pano que encontrou dentro do armário e
escondeu sob a cama.
Sim, era uma boa ideia guardar alimento para
o caso de usarem a privação e a fome como arma
para forçar a fada a aceitar Eldor.
Não era a toa que aquele elfo era um
Guardião. Tinha boas ideias e compensava sua
lesão auditiva com atitudes corretas, habilidade de
luta, e muitas ideias brilhantes e bem executadas.
Pelo sim e pelo não, Alma levantou e bebeu
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todo o restante do leite que havia na jarra. Solon


sorriu:
— Eu pretendia pedir para deixarem o leite
aqui. — Ele disse sorrindo. — Algum líquido e
alimento eles devem manter nos quartos.
— É claro. Eu só... — Ela ficou
envergonhada, limpou a boca com as costas das
mãos e disse — não bebíamos muito leite no
Ministério do Rei.
— As carcereiras são mesquinhas, eu sei —
ele a surpreendeu dizendo. — Eu conheço algumas
delas pessoalmente e posso lhe dizer, elas não
valem muita coisa.
— De onde as conhece? — Ficou surpresa
com a revelação.
— Uma delas é minha mãe — ele disse sem
grande emoção na face.

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Era apenas um acontecimento na sua vida,


não permitia que isso guiasse seus dias ou lhe
causasse mágoa.
— Como é possível que uma carcereira da
clausura seja mãe de um Guardião? Porque ela
viveria numa vida miserável da clausura se pudesse
ter uma família?
— Hum, você não responde minhas
perguntas... Eu não respondo as suas — ele disse
sorrindo, lembrando-a que não lhe contou sobre a
armadura.
— Pode ao menos dizer o nome da infeliz?
— Insistiu.
— Miquelina. — Ele disse, esperando pela
surpresa que encontrou em sua face.
— Miquelina? Não é possível! — Ela não
conteve um sorriso. O primeiro em muito tempo.
— É a carcereira mais... Insuportável. Porque ela
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viveria uma vida tão horrível se tem família?


— No dia em que pudermos fazer e
responder perguntas por igual, ficarei feliz em lhe
explicar toda a minha vida — Solon debochou.
Intrigada com o pensamento da mãe dele ser
justamente Miquelina, a carcereira que mais
infernizara sua vida em todos os anos de orfanato,
Alma calou-se e pegou uma das roupas do armário
no cantinho do quarto.
Queria e precisava se lavar, mas não havia
água para isso. Seu vestido estava completamente
encardido. Havia perdido as sandálias de couro, e
estava com os pés cobertos de terra. Seus cabelos
estavam um nojo e ela queria muito tomar banho.
Solon reparou em sua intenção clara de se
trocar e virou de costas, sem sair da borda da cama.
Já vira a fada nua se banhando no córrego que
cortava a Vila dos Desesperados, mas não lhe diria
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isso ou seria desrespeitoso quando tentava cativar


sua confiança.
Alma fingiu não se importar em ter
companhia ao despir o vestido e usá-lo para tirar o
excesso de terra que a cobria da cabeça aos pés.
Vestiu a túnica, incomodada por tolher suas asas.
Pegou o sapato de couro e vestiu-o. Era uma
espécie de botinha e ela apreciou-o por ser
confortável para andar.
Incomodada com os cabelos, enrolou-os no
alto da cabeça e manteve-os em coque, para que o
cheiro de imundice não a incomodasse enquanto
dormisse.
Solon continuava de costas e Alma espiou se
ele não estava mesmo olhando. Um pouco
decepcionada, Alma aproximou-se da cama e
deitou:
— Se tentar me tocar eu juro que grito até os
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guardas de Eldor invadirem esse quarto e o


matarem — ela ameaçou, antes de fechar os olhos,
virar de lado e encerrar qualquer conversa que
pudesse existir.
Solon sorriu e olhou para o corpo delicado
deitado na cama, farejando o cio.
Ia ser uma longa noite, pensou.
Uma longa noite...

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Capítulo 12 - Pilar da vida

Na manhã seguinte foram acordados com


batidas frenéticas na porta. Alma levantou primeiro
e ficou no canto do quarto, sentada no chão,
escondendo-se de quem estivesse procurando por
eles.
Solon abriu a porta e encontrou a mesma
ajudante do dia anterior. Ela carregava uma bacia
pequena com água.
Solon deixou-a entrar e permaneceu longe,
observando-a interagir com Alma.
— Eu odeio esse lugar — disse Alma. —
Como faço para tomar um banho aqui?

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— Existem as casas de banho. — A


jovenzinha disse. — Mas Eldor disse para levá-la
para sua casa de banho particular. É uma honra
desfrutar desse luxo.
— Oh, sim, uma honra — Alma debochou,
satisfazendo-se com água para lavar o rosto. —
Como se chama?
— Pía. — A fada disse, olhando para Solon
com curiosidade.
— Pía. — Alma repetiu o nome e sorriu. —
Eu gostaria de lhe contar como é o mundo lá em
cima, Pía. Você gostaria de saber?
— Não — ela negou. — O mundo lá de cima
é feio, escuro e sangrento. — A menina negou,
baixando o rosto.
Era mirrada, com cabelo encaracolado e
curtinho, em um tom de castanho idêntico ao de
Alma. Era roliça e vestia uma espécie de turbante,
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mas no corpo e não na cabeça. Roupa de serviçal.


— Você acha mesmo que eu venho de um
lugar tão horrível assim? — Tentou confundi-la.
— Mostre a ela suas asas, Alma — Solon
opinou, estrategista como sempre.
Alma ficou de lado e permitiu que suas asas
se abrissem. A menina arfou de surpresa e ficou
maravilhada.
— Toque nas asas — Solon mandou.
Alma olhou para ele com raiva. Não queria
que a tocasse! Timidamente Pía correu os dedos
pelas estruturas que formavam filamentos e curvas,
e que sustentavam as películas finas e macias de
suas asas.
Alma sentiu um arrepio de paixão. Sim, ela
estava no cio, e um toque desses era muito
estimulador. Solon sorriu, notando o rubor em suas

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faces, sabendo muito bem que a culpa era do cio,


não de inclinações para o sexo entre mulheres.
— São lindas. São macias. Você já voo com
elas? — Pía perguntou encantada.
— Sim, algumas vezes — Alma afastou-se
um pouco e fitou o rosto da jovem.
— E como é...? — Ela nem terminou a
pergunta.
— É maravilhoso. — Contou. Não gostava
muito, tinha medo, e não possuía aptidão alguma
para voar, mas não diria isso para a jovem!
— Eu a invejo. — Pía confessou.
— Não deveria invejar uma fada — Solon
disse. — Existe um mundo lá em cima, um mundo
seguro, sem guerras, onde as fadas nascem,
crescem, obtém suas asas e seus dons, e vivem
felizes — ele claramente deixou de lado os

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problemas e as dificuldades que existiam no Monte


das Fadas, enaltecendo apenas as qualidades.
— Isso não é verdade — Pía negou. — O
mundo lá em cima é horrível! Uma guerra
sangrenta!
— E como pode ter certeza disso? — Alma
perguntou. — Eu lhe dou meu testemunho de que
existem lindas florestas, lindos campos e córregos
onde as fadas batem suas asas e alcançam lindos
voos... Lugares onde famílias e mais famílias
vivem em paz e harmonia. Problemas existem em
todos os lugares... Mas guerra? Não. Não vivemos
uma guerra. Rei Ulder morreu há muitos séculos, e
com ele, a guerra teve fim.
— Não — e menina negou.
— Acha que eu minto? — Alma perguntou.
— Eu acho que... Que eu não devo achar
nada — Piá se contradisse. — Eu posso levar a
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bacia?
— Claro — Alma permitiu.
Atrapalhada a menina pegou a bacia e a
toalha, dizendo antes de sair:
— Em poucos minutos virão buscá-los para o
trabalho.
— Eu a verei ainda hoje, Pía? — Alma quis
saber.
— Acho que sim. Agra me recomendou para
ensinar-lhe sobre o funcionamento dos labirintos.
Devo lhe mostrar nossa vida e ensiná-la a andar
sozinha por aqui.
— Ótimo. Quero ter a chance de lhe contar
de onde venho e sobre as minhas asas.
Pía manteve os olhos nas asas e então, baixou
a cabeça e saiu.
— Não se atreva a contar a ela sobre o
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Ministério do Rei — ele avisou. — Eldor sabe que


é uma das fadas da clausura, mas não precisamos
que mais deles saibam. Eu não confio nessas
pessoas. Existe uma parte deles que compactua
com Eldor. Que sabe como é lá em cima, e mente
para os outros. Lembre-se disso, Alma. Não
sabemos quem é quem.
— Sim. — Ela concordou. — Você viu como
Pía olhava para minhas asas? Será que eu consigo
motivar as fadas usando do desejo de ter asas?
— Acho que pode tentar arrancar
informações sigilosas sobre saídas e entradas e o
funcionamento dos dutos de ar. Quanto ao resto
desista, melhor não causar falatórios sobre
tentativas de fugas.
Alma concordou, mas não disse nada.
— E principalmente... — Solon não resistiu a
dizer. — Não vá a casa de banho particular de
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Eldor.
— Eu sei cuidar de mim. — Ela reclamou.
— Sim, você sabe. Esse é o meu medo — ele
admitiu.
— O cio me pertence. Talvez se ele obtiver
logo o que quer me deixe em paz — resmungou.
Solon parou de calçar o sapato e olhou para
ela com olhos de crítica:
— Se você entregar-lhe o cio, Eldor perdera
o interesse e você estará sujeita a todos os riscos
que os outros correm. Conserve o cio mais um
tempo e ele não a matará.
— Bobagem, ele também quer o meu dom.
As razões de Eldor são menos físicas e bem mais
ambiciosas. Você só diz isso, porque é como todos
os outros elfos... Quer o cio para si — acusou fria,
distante, cortante como uma lâmina afiada.

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— Talvez tenha razão — Solon admitiu.


Todos os elfos em um raio de quilômetros
queriam desfrutar do cio da fada. Não era vergonha
admitir isso.
— Um lembrete, Alma — Solon segurou seu
braço quando ela se aproximou da porta, para abri-
la, pois ouvia novas batidas.
Seu olhar era de descaso, pois ela não achava
que houvesse mais assuntos para discutir entre eles.
— Esse lugar pode encantá-la.
— É claro que não — ela negou, petulante.
— Não existe magia no Vilarejo Sem Fim, é tudo
uma armação bem elaborada e real. Nada de
mágico existe aqui!
— Eu falo de outro tipo de encanto. O de
fingir que a vida real não existe. É por isso que é
tão difícil conversar com Pía e fazê-la ver a verdade

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e será impossível convencer os demais com


palavras. Viver aqui, com uma aparente proteção, é
muito mais atraente do que estar lá em cima,
fugindo de caçadores de recompensa e Guardiões.
— Então porque eu deveria ter medo de ficar
aqui? — Exigiu saber, pois sem a presença
desagradável de Eldor, aquele lugar era um paraíso
para alguém como ela.
— Porque aqui não existem suas amigas,
aqui não existe felicidade verdadeira. Aqui existem
apenas mentira, e provações desnecessárias. Essas
pessoas passam fome e sede, existindo um mundo
de opção lá em cima. Lembre-se disso, Alma, cada
fada e elfo aprisionado aqui, é como uma fada da
clausura presa nas masmorras... Quando o mundo
lá fora continua abundante e cheio de vida.
Solon estava certo. Em cada palavra dita
havia toda a veracidade da situação. Baixando os

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olhos, Alma atendeu a porta. Eram dois elfos.


Solon tomou seu lugar, mantendo-a afastada deles.
Um dos elfos mantinha os olhos fixos na
fada. Cada pelo de seu corpo eriçado, em posição
de luta. Solon não duvidava que pudesse perder a
razão a qualquer momento e atacá-lo, em uma
disputa pela fêmea no cio.
O outro elfo, mais calmo, falou:
— Eldor os aguarda no pavilhão central.
— Estamos prontos — Solon avisou e pegou
Alma pela mão outra vez.
Ele fazia muito isso. Alma lutou para não
rechaçá-lo e escancarar diante de todos que não
pertencia a ele. Que na verdade não possuía dono
algum.
Desta vez percorreram um atalho e Alma
apertou a mão de Solon com mais força, sem notar,

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ao entrarem em um amplo salão recoberto por


pedras coloridas. Havia muitas mesas e bancos de
madeiras e centenas de pessoas. Pelo cheiro de pão
e leite, ela imaginou que era um salão para
refeições.
O elfo que parecia mais abalado pela fada,
agarrou-a pelo braço e tentou levá-la. Alma puxou
o braço de volta e encarou-o:
— Se ousar me agarrar outra vez desse jeito
eu juro que estouro seus tímpanos — ela grunhiu e
afastou-se dele.
Solon não gostou nada de vê-la fazendo
ameaças.
— Fique quieta. — Mandou e ela forçou a
raiva a ceder espaço para as ordens de Solon.
— A fada deve sentar ao lado de Eldor —
um deles disse e Alma reparou na mesa central, que
estava entre as demais, onde Agra e mais alguns
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elfos e fadas tinham o privilégio de ocupar espaços


de honra.
Ao lado de Eldor havia um espaço vazio.
— Eu não me importo com as ordens que
recebeu. A fêmea sentará ao meu lado. — Solon
avisou e a puxou para longe deles.
Havia um banco vazio em um canto recluso
entre os demais bancos.
— Continue me segurando como se eu fosse
sua prisioneira e eles duvidarão da minha vontade
— ela avisou e Solon soltou-a.
— Sinto muito — disse tenso. — Odeio essa
situação.
Alma entendia perfeitamente seu sentimento.
Amenizou a expressão e tocou espontaneamente no
braço do elfo.
— Farei isso para minguar com os boatos —

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avisou, como quem diz para não se acostumar com


isso.
Não eram amigos ou estavam no mesmo
lado. Eram inimigos, temporariamente unidos pelo
desejo de fuga.
Alma sentou ao seu lado e correu os olhos
sobre os elfos e fadas em torno. Todos olhavam
para eles. Ser o foco de toda atenção, sabendo
muito bem o que passava pela mente de cada um,
era desolador. Alma baixou a cabeça,
envergonhada de seu estado. Seu cheiro deixava os
elfos atentos e as fada incomodadas. O que era
suficientemente ruim ao ar livre, era ainda pior em
um espaço limitado.
Solon observou a fadinha Pía na companhia
de outra fada maior, mais alta e menos sorridente,
servir pão e um líquido quente, parecido com chá,
porém bastante amargo.

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Eles comeram e beberam com voracidade.


Alma até esqueceu-se dele, e da situação. Era a
necessidade de se alimentar falando mais alto.
— Preste atenção na companhia de Pía — ele
sussurrou, enquanto fingia que comia.
Alma procurou as duas com os olhos até
encontrar a fada morena e de olhos verdes olhando
para os dois fortuitamente, enquanto servia Eldor,
no centro do pavilhão.
— O que tem ela? — Quis saber.
— Faça a mesma proposta que fez a Pía. Ela
está curiosa e incomodada com a vida aqui dentro.
Olhe o modo desleixado com que serve seu líder —
ele não tirava os olhos de sobre a mesa do líder.
Alma não pode deixar de notar o mesmo.
Dificilmente um seguidor dócil e feliz derramaria
líquido quente na mesa do seu líder e limparia com
a manga da roupa. Ou ficaria tão desatento a ponto
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de precisarem gritar para que o servisse novamente.


E quando isso aconteceu, em vez de vergonha ou
timidez, ela ostentou um olhar superior como
alguém que acha que isso tudo é temporário.
— Eu tenho pensando em como vai ser
quando notarem que você é...? — Não quis usar a
palavra ‘surdo’.
Solon olhou-a com estranheza.
— Como tem sido nos último dez anos da
minha vida... Normal — ele desdenhou sua
pergunta.
— Não se faça de desentendido! Sabe do que
falo. Eles irão tentar usar isso contra você. Se o
meu elfo dominante estiver morto... Eles me pegam
— ela disse convencida.
— Subestima meu potencial, Alma. — ele
sorriu nem um pouco abalado pelo seu medo.

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— Que seja do seu jeito — ela não insistiu na


conversa, embora estivesse incomodada com a
perspectiva de ficar só outra vez. Era devastador a
sensação de desamparo.
Ela pensou na velha duende. Deveria ter
permanecido com ela. Que ideia estúpida ter
salvado a vida do guardião e com isso destruído seu
esconderijo perfeito!
Eldor cochichava algo no ouvido da jovem,
que de má vontade andou entre as mesas, em
direção aos dois. Posicionou-se atrás dos dois.
— O que você quer? — Perguntou Alma,
nada simpática.
— Fui designada para cuidar do bem estar da
escolhida de Eldor — a jovem disse com profundo
rancor na voz.
— Eu prefiro Pía... — Notando o modo
carregado de censura com que Solon a fitou,
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completou. — Ajude-a a cuidar do meu bem estar.


Agradei-me dela.
A jovem olhou-a com rancor descarado,
afastou-se e quando regressou trazia Pía.
— Estamos a sua disposição — tornou a
dizer com falsa submissão.
— Como se chama? — Alma perguntou para
a jovem.
— Anastácia — respondeu de modo seco,
sem olhar para ela.
— Pois bem, Anastácia, eu quero que você
faça algo para mim — pediu com satisfação na voz.
— Eu quero que vá até seu líder Eldor e diga a ele
para parar de olhar na minha direção, pois não
pretendo acasalar com ele. Que guarde seus
ímpetos para quem tenha interesse. E que usufrua
muito de seu poder nos próximos dias... Pois eu
pretendo acabar com ele antes de conseguir fugir
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desse inferno.
Anastácia olhou-a como quem olha para
alguém louco. Então, o que parecia um sorriso
surgiu em seu olhar. Pía tentou segurá-la, assustada
pela coragem de sua amiga em dirigir-se para o
líder.
Anastácia chegou a mesa central, curvou-se e
cochichou o recado no ouvido de Eldor. Ele olhou
para Alma com surpresa e ela sorriu, enquanto
bebia o máximo possível daquele líquido estranho,
de gosto amargo.
— Ótimo — Solon disse de mau humor. —
Agora você conseguiu atiçá-lo ainda mais.
Alma não acreditou no que ouvia.
— Deve saber, fada estranha, que ao
espezinhar um macho, você o atiça a conquistar e
subjugá-la. — Alfinetou-a.

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— Não me chame de estranha — ela grunhiu


ofendida.
Sabia que era estranha, mas não queria ouvir
isso!
— Então pare de comportar-se como uma
criança mimada. — Solon reclamou.
— Brigue comigo. — Ela alfinetou, batendo
os talheres. — Quer que todos vejam o quanto nos
odiamos?
— Eu não a odeio, Alma — Solon disse
surpreso. — Deveria saber depois do presente que
enviei.
— Presente? Que presente? — Perguntou
num impulso.
— Os pergaminhos e as tintas. — ele disse
rápido, ofendido por ela não lembrar — Tobias
entregou o presente, ele não é mentiroso. Isso faz

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meses. Muito antes das acusações. Era uma oferta


de apreço.
— Eu nunca recebi um presente na vida —
disse furiosa. — Não tente me enganar.
— Eu enviei papel e tintas — segurou seu
punho, mantendo-a sentada na cadeira, pois usaria
força se fosse necessário, mas não queria fazer isso.
Era necessário que ela se contivesse e
permanecesse ao seu lado, para não levantar
suspeitas sobre a afeição entre eles dois. — Eu vi
como desenhava as paisagens quando ficava com
suas amigas nos prados. Elas brincavam e se
divertiam... E você preferia o desenho. Achei que a
agradaria.
— Está mentindo. Eu nunca recebi um
presente em toda minha vida. — disse lutando para
não avançar sobre ele e matá-lo pela audácia de
mexer com esse sentimento tão cruel que

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machucava dentro de seu coração.


Eleonora, Driana e Joan sempre a
presenteavam com flores, folhas, beijos e abraços.
Eram os únicos presentes que elas conheciam. Não
possuíam bens para presentear.
Vez ou outra Reina, mãe do Primeiro
Guardião Egan, protetora de Eleonora, trazia
roupas e sapatos, mas não eram presentes, eram
provisões para quem vivia passando tanta carência
de tudo!
Tobias nunca entregou um presente para ela!
Nunca!
O pobre infeliz evitava presentear Eleonora,
sua preferida, pois não queria magoar a todas elas.
Ter sentimentos de namoro por Eleonora não
diminuía o amor de irmão que sentia pelas demais e
jamais poderia escolher entre uma ou outra.

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A única vez que Tobias trouxera um


presente, fora a muitos meses, quando trouxera
tintas e papel para Driana a mando de um
admirador secreto. Eram folhas para suas escritas.
Driana gostava tanto de escrever! Depois disso,
Tobias nunca mais falou do assunto e elas
deduziram que o admirador secreto havia perdido o
interesse na infeliz fada da clausura e Tobias não
tinha coragem de lhes contar.
Alma olhou para o Guardião com surpresa ao
pensar que talvez um engano pudesse ter
acontecido. Seria possível Tobias ter se confundido
com a fada presenteada? E esse engano e silêncio,
houvesse desmotivado o Guardião a insistir?
Ela o olhou com tanto horror nos olhos, que
Solon olhou para outro lado. Sim, saber de seu
interesse lhe causava horror. Podia acontecer. Ele
sabia que muitas fadas poderiam preferir elfos

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completos e não querer se aventurar por uma vida


muitas vezes difícil. Ele era quase surdo. Era fato.
Podia lidar com isso. Mas sua companheira talvez
não.
Anastácia voltou e disse com voz mansa,
repetindo as palavras de seu líder:
— Eldor solícita que o encontre mais tarde
para uma conversa. Seu acompanhante é bem
vindo. — Olhou para Solon com petulância.
— Pois diga a seu líder que se não obter
meus pertences de volta, não me dignarei a dirigir
uma palavra que seja em sua direção. Não tolero
falta de respeito e estou no meu limite com esse
lugar.
Anastácia parecia deveras contente em
retornar para junto de Eldor e causar intrigas. Era
bom saber que a jovem era inclinada a uma boa
intriga.
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Pía observava tudo calada. Alma olhou-a


com repreensão.
— Deve me acompanhar agora — Anastácia
voltou dizendo — As mulheres seguiram para o
trabalho. Os homens também.
— Não vou erguer um dedo para trabalhar —
Alma avisou. — Não sou uma convidada. Fui
sequestrada e trazia a força. — Cruzou os braços
emburrada.
— Cale a boca e siga as ordens — Solon
disse com autoridade.
Sim, Alma queria arrancar-lhe a cabeça e
servir de jantar para o primeiro raptor que
encontrasse pela frente. Estava escrito em sua face.
Obedecê-lo era apenas um indício de sua
submissão. E foi por isso que ela seguiu as duas
fadas. Para que todos soubesse que obedecia Solon.

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Foi preciso muita paciência para andar por


aqueles longos e sinuosos corredores, ignorando
que estava a metros do solo firme, com camadas e
mais camadas de terra sobre sua cabeça. Era um
pouco frustrante saber que estava longe do ar puro
e do sol.
Anastácia andava um pouco mais a frente,
com passadas rápidas e compassadas.
— Eu gostaria de ver Agra. — Alma disse
para chamar atenção da fada.
— Eu pensei que não quisesse ser a escolhida
de Eldor — Anastácia respondeu com arrogância.
— As fadas comuns, não tem direito de escolher
quando verão Agra.
— Sim, mas eu não sou uma fada comum, eu
sou uma prisioneira. Não há compaixão por uma
fada prisioneira?
Anastácia olhou-a com azedume, mas seus
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olhos a contradiziam.
— Agra está recolhida. Sempre se deita para
descansar após o desjejum.
Ou seja, ela era prisioneira em seu quarto.
Seu trânsito livre era mera ilusão. Ela era mantida
em seus aposentos quando não interessava a Eldor
sua presença.
— Para onde estão me levando? —
Perguntou.
— Oh, Eldor ordenou que a levasse para um
banho com toda a privacidade que a futura esposa
do líder merece. — Pía disse empolgada — depois,
escolherá uma bela roupa para seu encontro mais
tarde!
Alma sentiu vontade de gargalhar. Conteve-
se por duas razões bastante distintas. A primeira e
soberana, era a necessidade pungente de um banho
longo e caprichado. E a segunda, não menos
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importante, era a oportunidade de estar frente-a-


frente com Eldor para dizer-lhe exatamente o que
aconteceria se não a libertasse logo.
O faria entender o risco que corria. E faria
isso do pior modo possível!
Elas cruzaram por alguns elfos e o modo
como eles olharam para ela era de dar medo.
Alguns deles seguiram-nas de perto, e era claro que
não conseguiam se conter.
Foi preciso Anastácia trancar a porta que
separava o amplo salão de banho dos corredores,
para afugentar os elfos.
— Eu não sei quanto tempo poderá viver
aqui em baixo fedendo a cio — Anastácia disse e
ao reparar no que dissera, correu para se afastar
com a suposta desculpa de preparar o banho.
A casa de banho era uma imensa câmara de
pedras, com uma piscina de águas translúcidas,
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refletindo o colorido das pedras que cobriam seu


fundo.
Anastácia referia-se ao lugar onde vivia
como sendo ‘em baixo’, como se soubesse que
havia um ‘em cima’.
— Já esteve lá em cima? — Perguntou-lhe
apesar de Anastácia correr de um lado ao outro,
trazendo uma cestinha com sais de banho e potes.
Ela ergueu os olhos verdes, olhos traiçoeiros,
e respondeu:
— Não. — Mentia.
Era nítido que mentia.
— Pía sabe que já esteve lá em cima? —
Insistiu, observando a outra fada procurando por
toalhas e panos limpos.
— Eu nunca estive lá em cima — Anastácia
reafirmou, mas seus olhos negavam essa

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afirmativa.
Alma não insistiu, pois Pía voltava para junto
delas. A fadinha começou a despir sua túnica e
Alma deixou. Sabia que no castelo de Isac era
normal que os nobres fossem despidos e tratados
com todo esse luxo. Era impressionante que Eldor
possuísse a prepotência de achar que merecia o
mesmo.
Nua, Alma soltou os longos cabelos
castanhos e desceu os degraus até a água. Gemeu
de prazer quando entrou em contato com a água
gelada. Não sentia frio, pelo contrário, sentia um
calor infernal por conta do cio. Não era o tempo
todo que sentia-se assim.
Ficava mais difícil lidar com esse sentimento
desde que passara a estar ao lado de um elfo o
tempo todo. Fechou os olhos e mergulhou na água
límpida, nadando por alguns instantes.

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A piscina era funda e larga o bastante para


permitir algumas braçadas. Suas asas farfalharam
sob a água e ela sabia que não emitiria som desse
modo. Sim, era instintivo, ela sabia que não
aconteceria.
Sorrindo sob a água, Alma abriu os olhos, e
fitou as pedras coloridas que cobriam o fundo e as
laterais da piscina.
Quando emergiu sentia-se limpa e fresca.
Flutuou no centro da piscina, e procurou pela
imagem das duas fadas.
— Porque não entram na água? —
Perguntou, precisando ganhar a confiança de Pía.
— Não somos autorizadas — Pía confessou.
— A casa de banho coletiva é o único lugar onde os
inferiores podem se banhar — contou. — Essa casa
em especial pertence a Agra. Antes dela, pertenceu
as outras escolhidas do líder. Sempre há pelo
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menos duas escolhidas em cada reinado. Você é a


primeira que Eldor escolheu. — Contou com
orgulho.
— Inferiores? E porque vocês são inferiores?
Não vivem todos aqui, trabalham para gerar água,
alimento e algum conforto? O que os faz
inferiores? — Perguntou para atiçar Anastácia que
calada, andava pelos cantos, como uma cobra
peçonhenta que espreita todas as possibilidades
antes de palpitar.
Claro que Pía não ousaria responder tal
questão.
— Ninguém verá se você entrar — Alma
sugeriu. — Tão pouco eu contarei.
Pía olhou para Anastácia, e tornou a negar
com um movimento da cabeça.
— Se as duas entrarem... Não poderão
dedurar uma a outra sem se arriscar — Alma
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sugeriu e voltou a mergulhar, deixando que as duas


decidissem sozinhas.
Quando emergiu descobriu que as fadas se
despiam. Sorriu e voltou a mergulhar, emergindo
um instante mais tarde.
Pía mergulhou e começou a nadar, feliz
como uma criança ao ganhar um almejado presente.
Alma aproximou-se e segurou o braço de
Anastácia antes que ela fizesse o mesmo. A fada
era morena, cabelos longos e belos olhos verdes.
Era linda e seu corpo muito bem feito. Era também
egoísta e traiçoeira, Alma apenas não sabia se isso
era bom ou não.
— Como faço para sair e entrar sem ser
vista? — Alma perguntou direta, sem rodeios.
Anastácia puxou o braço e sorriu convencida:
— Essa informação custa caro. — Avisou.

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— Mesmo? Como é possível que saiba como


sair e não tenha obtido suas asas? — Alma
perguntou o óbvio.
Nas costas da fada havia marcas do
nascimento que não se concretizara. Apenas marcas
vermelhas. Ela obtivera o começo das dores, mas
não suas asas.
— Quando eu descobri como sair desse
inferno... Já era tarde demais para mim —
Anastácia cravou os olhos em Pía que nadava
alheia a conversa. — Cuidado com ela — referia-se
a fada — é uma criatura muito boa e boba. Fácil de
manipular.
Alma entendia isso. Pía poderia entregar um
segredo mesmo sem a intenção de fazer o mal.
— Era tarde demais para você. Mas havia
alguém que ainda poderia ter sua chance? —
Insistiu.
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— Sim — ela concordou e baixou a cabeça


diante de uma lembrança triste. — Não conte para
ninguém ou Eldor nos mata. — Anastácia disse
tensa, boa parte da sua rebeldia indo embora. —
Minha irmã possuía três filhas. A mais velha
começou a sentir as dores do nascimento. Foi nessa
época que eu descobri como sair daqui. Que eu
descobri todas as mentiras... — Engoliu em seco.
— Ela fugiu com as meninas.
— E o que aconteceu com elas? —
Imaginava a desgraça que deveria ter se abatido
sobre aquela família.
— Eu não sei. Eldor trouxe de volta as duas
menores, mas não há sinal da minha irmã ou da
minha sobrinha. Eu tenho certeza que ele lhes fez
mal. Meu cunhado Estevão está arrasado. É o mais
fiel seguidor de Eldor. Tão enganado, o pobre
infeliz. Ele precisa de ajuda para criar as meninas

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que restaram e não suspeita de nada errado sobre


Eldor. Ele acha que elas foram levadas por
invasores. Veja a que ponto chega a credulidade
dessa gente — disse irritadíssima com a mente
limitada dos seus conterrâneos.
Alma entendia esse sentimento.
— É mulher do seu cunhado? — Perguntou
sabendo qual seria a resposta.
— Ainda não. Mas a decisão é a mais
acertada, eu não tenho quem cuide de mim, e ele
precisa de ajuda com as meninas. E elas são minha
família, meu sangue. É um destino triste, pois eu
sei o que existe lá em cima. Eu poderia ter subido
sozinha, sabe... Eu poderia ter feito isso. Mas deixei
que elas fossem no meu lugar. Perdi minha chance
e elas estão... — Suas palavras morreram em sua
boca e Anastácia voltou a mergulhar.
Alma não insistiu mais. Guardou cada
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palavra dita e armazenou em sua memória.


Ficou observando-as nadar. Metade do belo
corpo para fora da água, cabelos molhados rentes a
sua cabeça. Asas abertas, inquietas, farfalhando
muito de leve, enquanto pensava sobre contar tudo
isso a Solon o mais rápido possível.
Alma não gostou de estar pensando isso.
Desde quando ele era seu amigo ou cúmplice?
Ele era um Guardião. Um pau mandado da
rainha que desgraçou sua vida e a vida de suas
amigas. Mas era também um elfo e cheirava a
virilidade.
Ela havia notado isso na noite passada. Ele
cheirava bem, um cheiro peculiar de madeira, suor
e ervas, como se estivesse sempre perfumado, o
que ela sabia que não era verdade, pois os dois
estavam imundos.
Alma banhou a cabeça com água e fechou os
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olhos, relaxando totalmente. Foi nesse momento


que uma coisa aconteceu. Uma inesperada quentura
varreu cada célula do seu corpo e Alma se assustou,
achando que estava em uma fogueira ou algo do
gênero.
Era algo dentro de si. Um calor escaldante. O
sangue correndo forte em suas veias, os
pensamentos invadidos pela lembrança do corpo nu
do elfo enquanto cuidava dele na cabana da velha
duende.
Solon segurando suas mãos. Afastando terra
da sua testa, contendo sua fúria... O hálito quente
em seu pescoço, a voz macia em seu ouvido...
Alma mergulhou para não enlouquecer. Era o
cio martelando em sua mente e entorpecendo seu
corpo.
Era o cio. Apenas e somente o cio!
Agarrando-se a essa verdade, sobretudo,
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exigindo que sua mente não esquecesse que era


tudo culpa da Rainha Santha, Alma conseguiu
bloquear aqueles sentimentos incontroláveis.

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Capítulo 13 - Lados opostos

Solon observava o ambiente com olhos


atentos e principalmente olhos perspicazes.
Precisava entender o funcionamento do lugar para
conseguir fugir rapidamente. Alguns servos de
Eldor olhavam-no de modo estranho. Ele não
duvidava nada que a ordem fosse abatê-lo em
segredo. Mais isso não aconteceria naquele
momento. Seria muito estranho se o elfo dominante
da fada Alma simplesmente desaparecesse
justamente enquanto a fada estava inconsolável e
indignada com seu aparente sequestro.
O elfo Estevão mostrou-lhe todo o
funcionamento e Solon não demorou para
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simpatizar com o elfo. Se ele notou sua dificuldade


em ouvir, não demonstrou, embora Solon tivesse
reparado que ele passara a falar bem mais alto
depois de um tempo de conversa.
Não era alguém sem coração e isso era bom,
pois pessoas frias e indiferentes são sempre
complicadas de lidar.
Solon foi levado para um corredor escuro e
fedorento, onde as pedras coloridas desapareceram,
assim como as pedras escuras que recobriam alguns
corredores de menor importância, e as paredes
eram apenas de terra batida.
Solon pousou uma das mãos em uma dessas
paredes, sentindo a terra, a umidade, o frescor.
Gostava da natureza e estava incomodado em ficar
preso ali embaixo.
— Não sentem falta do sol? — Perguntou a
Estevão enquanto andavam lado a lado.
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O elfo carregava a espada e outras armas na


cintura. Era alto, bem mais que Solon, bastante
magro e com feições simplórias. Não era muito
bonito, mas deveria ser agradável para os olhos de
uma fada.
— Poucos aqui conhecem a luz do sol —
contou. — Eu mesmo, estive poucas vezes do outro
lado.
— E como fazem para que todos acreditem
que existe mágica no vilarejo? — Perguntou
interessado.
Estevão sorriu e maneou a cabeça, contando
com orgulho:
— Sob o assoalho de cada casebre existe
uma passagem secreta. Exatamente como a
passagem por onde foram trazidos para cá. — Ele
explicou. — É um sistema simples. Usado para
transportar alimento e outras necessidades que
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tenhamos.
— Sim, eu vi que não falta alimento ou água.
Eu preciso dizer, é um sistema interessante de vida.
Eu apreciaria e até apoiaria essa escolha... Caso
fosse baseada em total conhecimento. Não sou a
favor do alienamento total.
— Eu já estive lá fora. Não é seguro —
Estevão contrariou.
— É seguro. Tanto quanto aqui em baixo.
Acaso aqui não existe crime? — Duvidou.
Estevão seguiu olhando para frente, sem
olhar em sua direção. Mas pensava em sua
pergunta.
— Possuímos leis severas para coibir certos
ímpetos — confessou.
— Conte-me sobre isso — ele pediu e
Estevão parou e mirou-o com seriedade.

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— Somos simples, Solon. Não existe


sofisticação em nossa vida. Já é tudo difícil aqui
embaixo, não complicamos o que já difícil. Existem
cinco leis e é o suficiente para manter a paz. Não
roubar. Não tocar em uma fêmea que não lhe
pertença. Não causar dano ao patrimônio alheio e
não matar.
— E qual é a quinta lei? — Já sabia a
resposta, mas queria ouvir.
— Não questionar seu líder. Neste momento
nosso líder é Eldor e sua vontade é nossa lei.
— E quem julga esses crimes? Quando
eventualmente acontece um crime, quem julga o
assassino ou ladrão? O líder, suponho eu.
— Sim, o líder. — Estevão concordou
tornando a andar.
— Porque estamos indo por esses lados? Que
tipo de trabalho terei que desempenhar?
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— Estamos construindo um novo sistema de


dutos. Precisamos de mais quartos e aumentar áreas
de banho e alimento. Estoque de alimento é
necessário, pois estamos crescendo. Muitas fadas
estão prenhes e muitas se casaram esse ano, no total
de noventa e seis fadas infantas que serão casadas
ainda esse ano. O que nos renderá um aumento de
população para o próximo ano.
— Fala com orgulho. Isso não é comum? —
Solon perguntou olhando em torno, analisando a
estrutura construída.
Por ser recente poderia ser a região mais
frágil e por consequência, mais acessível para uma
fuga.
— Existiram anos em que nenhuma criança
nasceu. Tempos difíceis onde foi preciso subir a
superfície e atrair interessados em fugir da guerra e
se abrigar no subsolo. O pai de Eldor, nosso antigo

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líder... Ele era muito bom em convencer as pessoas


a abrirem mão do medo e do sofrimento para se
abrigarem aqui em baixo — contou com orgulho.
— Eu imagino — Solon ironizou. Nem
perderia tempo explicando ao elfo que não existia
guerra alguma. — E o que acontecia se nenhum
elfo ou fada desejasse viver no subsolo? O que
fariam para garantir a sobrevivência de seu povo?
Estevão não falou sobre isso, mas pelo curvar
de sua testa em preocupação pensava sobre as
barbáries que seriam necessárias para assegurar a
sobrevivência, e que isso não seria necessário se
vivessem lá em cima.
Eles finalmente chegaram a um corredor
largo, onde outros elfos estavam trabalhando. Solon
imaginava que Eldor fosse mantê-lo longe de Alma
o dia todo, principalmente, em um trabalho
estafante. Não tinha ilusões sobre isso, por isso não

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foi surpresa quando Estevão lhe entregou uma


ferramenta e o colocou para quebrar pedras e cavar
mais um dos túneis que eram abertos naquela
direção.
Na companhia de outros elfos de posição
inferior dentro do clã Solon passou as próximas
horas do dia suado, calorento e cavando como um
condenado, pensando em onde estaria a fada. Alma
sabia se cuidar, disso ele tinha certeza.
O que o assustava mesmo, era se ela estaria
ou não lidando bem com toda aquela inusitada
situação...
*****
Após o banho relaxante e de passar boa parte
da manhã atirada em uma piscina de águas límpidas
e calmantes, Alma descansou e relaxou deitada em
uma esteira, ao lado da piscina, desfrutando de um
relaxamento nunca antes sentido.
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Sim, ela gostava de ser paparicada.


Foi Anastácia quem a ajudou a vestir uma
roupa coberta de pedrarias preciosas. Um vestido
sem mangas tomara que caia, com orifícios para
encaixar suas asas. Foi engraçado ver a menina
lidar com suas asas, pois não possuía hábito de
lidar com as preciosas asas de uma fada.
Pensativa, olhou para sua amiga Pía que
ainda não obtivera sua chance de ser agraciada por
asas. Havia saudosismo, pensando em si mesma e
em sua chance perdida, e também, em tantas outras
fadas que perderiam essa chance.
Alma sorriu como uma criança contente ao
calçar sapatos costurados em couro delicado e
macio. A camurça fez cócegas nas solas dos pés e
ela abriu um lindo sorriso para as duas ajudantes.
Pía se dispôs a secar sua longa cabeleira e trançou
duas finas tranças em sua testa, prendendo-as na

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parte de trás da cabeça, permitindo que a cabeleira


ficasse solta e macia em seus ombros, enquanto sua
testa era adornada com uma corente de ouro.
— Nunca vesti algo assim tão bonito —
confidenciou.
— Eldor é muito generoso com quem o
agrada — Pía disse alcoviteira.
— Hum, com quem faz o que ele quer, você
diz. — Alfinetou, encantada pela beleza do tecido
da roupa.
Anastácia trouxe um colar gigantesco feito
em pedras coloridas, naturais e provavelmente
retiradas dos confins da terra, pós cavavam em
camadas profundas. Prendeu em seu pescoço e
Alma tocou a joia, sentindo o metal gelado nos
dedos.
— Está linda. Ele ficará encantando com sua
beleza — disse Pía orgulhosa de ter ajudado a
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prepará-la para seu líder.


— Me diga, porque Eldor escolheu alguém
de fora e não uma fada daqui? Será que nenhum de
vocês merece essa honra? — Criou uma dúvida na
mente de Pía quando fez essa pergunta, tinha
certeza disso!
— As ordens são de levá-la para um almoço
privativo. Mais tarde, deve ser levada para a
companhia de Eldor. — Pía disse mudando de
assunto.
— Almoço privativo? Eldor é mesmo um
porco trapaceiro — disse incomodada. — Estou
pronta para um almoço privativo — ela ironizou e
por incrível que pudesse parecer, Pía achou bom
ouvir isso. Sua mente estava corrompida pelas
mentiras que ouviu a vida toda desde o seu
nascimento.
Alma foi levada para um salão ainda maior
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que a casa de banho. Possuía uma única mesa


longa, em madeira nobre, coberta de louças nobres.
Alma sentou na cabeceira, sendo servida, como se
fosse uma rainha.
Comida farta, abundância de vinho, nada de
vinho aguado e mal cheiroso. Não, era vinho de
primeira qualidade! Comida bem temperada, bem
feita e caprichada! Ela comeu com prazer, tentando
esquecer a escassez de alimento do Ministério do
Rei, quando na maioria das vezes ia dormir com
fome, ouvindo a barriga roncar. E não era apenas a
sua, a barriga de todas as órfãs roncavam de fome a
noite toda.
Ela devorou o almoço e quando Pía retirou
uma cesta de pães de sobre a mesa para colocar a
sobremesa, Alma segurou usa mão:
— Pode levar isso para meu quarto, por
favor?

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— Por quê? — Pía perguntou imediatamente.


— Eu tenho fome em horários inesperados
— mentiu.
É claro que Pía atentaria agradar a escolhida
do líder. Alma pretendia armazenar alimento, como
sugerira Solon.
Pensar em quando a paciência de Eldor
chegasse ao fim. Sozinha com Anastácia, Alma
disse:
— Então, qual o plano de Eldor para esta
noite? — Retirava um pedaço de doce de um tacho
e mordia, enquanto encarava a fada de olhar
traiçoeiro. Anastácia sorriu e cochichou, pois
apesar de estarem sozinhas, tinha medo de ser
ouvida contando segredos de seu líder.
— Ele pretende que seu macho seja ferido
em um ‘acidente’ nos corredores novos. Isso deve
acontecer amanhã à noite, para que não haja
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suspeitas. Para esta noite, pretende lhe enviar um


presente e então, mostrar a todos como cuida bem
de sua fêmea escolhida — apontou as roupas.
— É realmente adorável — ela disse enojada.
— E seu cunhado? Estará ao seu lado na mesa de
jantar esta noite?
Alma atingiu o alvo. Anastácia odiava a ideia
de deitar-se com seu próprio cunhado, para ajudar
na criação de suas sobrinhas. Ela queria a
liberdade, mesmo que essa liberdade a fizesse
escolher o cunhado. Queria ter direito a escolha.
Queria ver as sobrinhas com suas asas. Quem sabe
procurar a irmã e a sobrinha desaparecida e
encontrá-las com vida?
— Você é uma fêmea muito cruel — disse
Anastácia entredentes, magoada.
Sim, pensou Alma. Ela nunca foi um
cordeirinho de bondade. Se magoar Anastácia era o
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único modo de atiçá-la contra Eldor, e isso poderia


ajudar a conquistar sua chance de sair daquele
lugar... Bem, então, faria isso e coisa bem pior.
Uma hora mais tarde foi conduzida para uma
área de convívio comunitário. Muitas fadas e suas
crias brincavam e liam em uma sala especial para a
educação dos pequenos. Alma ficou olhando para
aquelas criaturas com superioridade.
E elas lhe retribuíam esse olhar. O olhar da
escolhida do líder era sombrio e elas sentiam isso
em seus corações.
Não era por causa da maldade e sim, por
saber o que de fato acontecia naquele lugar que
tornava Alma tão seca e distante. Ela viu Agra em
determinado momento, mas a fada não a procurou.
Foi obrigada a permanecer ali por muito
tempo apenas assistindo a interação entre fadas e
suas crias. Era um modo sórdido de seduzir uma
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fada ofertando proteção e uma vida calma e serena


ao lado de seus proventos. O único defeito nesse
mundo perfeito criado por Eldor, era a mentira
gigantesca que essas criaturas viviam, e que a
natureza encontrara um modo de boicotar tornando
evidente pela carência total de nascimento de asas.
Os corpos precisavam da vida natural, da luz
do sol, da chuva, do convívio com o que é mágico.
Observá-los causou efeito contrário em Alma que
sentiu a raiva renovar. Um banho relaxante, roupas
luxuosas, e ela estaria apronta para se vergar ao
poder e a vida sórdida que Eldor poderia lhe
proporcionar? Outra fada não hesitaria a tal
fraqueza, mas Alma não era fraca.
Ela sabia que acabaria fugindo dali, com ou
sem ajuda de Solon. Mesmo que precisasse deixá-
lo para trás. Pensando sobre isso, baixou a cabeça e
fitou os pés cobertos por sandálias bonitas e

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confortáveis.
O que ele diria quando a visse assim? Por
certo riria dela.
Será que falara a verdade ao lhe contar do
presente que lhe mandou meses atrás? Que as
folhas e tintas que Driana recebera eram na verdade
para ela? Será...?
O pensamento ingrato que teria sido tão
simples. Se a Rainha Santha não houvesse metido
seu bedelho real na vida delas, as quatro fadas da
clausura poderiam ter tido uma chance na vida.
Uma chance de felicidade.
Ela teria aceitado Solon. Mesmo que fosse
difícil aceitar ser domesticada por um macho,
aceitaria seu pedido e sua proteção em troca de ver
as amigas em boa situação. Se ele não estava
mentindo, havia tentado uma abordagem meses
antes do nascimento de suas asas, e haveria tempo
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para pedir a ele que convencesse outros guardiões


ou ajudantes de Guardiões a aceitarem suas amigas,
nem que fosse como um favor pessoal ao Guardião
Solon. Nem que a liberdade delas tivesse por preço
a humilhação de serem aceitas por caridade.
Tudo culpa de Santha!
Tudo culpa da ambição de Santha!
Ela abriu a e fechou os punhos com ódio
profundo, lutando para se conter. Era alvo dos
olhares e não queria ser observada desse modo.
Virou de costas para todas elas e sentou-se em um
divã afastado. Ali permaneceu até Pía regressar e
levá-la de volta para o quarto que dividia com
Solon.
A menina sorria muito e lhe cochichou:
— Prepare-se, Eldor preparou uma linda
surpresa para você no jantar.

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Oh, sim, ela estaria preparada para toda e


qualquer surpresa que aquele biltre tivesse
preparado para ela!
Minutos mais tarde, quem regressou foi
Solon. Os horários eram rígidos e mesmo querendo
cansar o elfo, Eldor não poderia parecer exceder em
seu poder diante dos olhos dos outros elfos.
Solon não disse nada. Jogou-se sobre a cama
e fechou os olhos.
Estava exausto. Suado da cabeça aos pés.
Sem camisa, sem sapatos. Ele estava um trapo.
Doze horas quebrando pedras, inalando terra
impregnada em ar e afogando-se em camadas e
mais camadas de terra solta que inadvertidamente
insistia em cair sobre os lacaios de Eldor.
— O que ele fez com você? — Alma
perguntou com uma sobrancelha erguida em sua
direção, em ironia pura.
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— Hum. — Ele rosnou em reclamação, sem


abrir os olhos. — Quebrar pedras.
Alma sorriu. Solon não precisava abrir os
olhos para saber que ria da sua desgraça.
— Creia no que digo, fada ingrata, você não
vale esse sacrifício todo. — Solon reclamou de
volta, mais por obrigação de defender seu orgulho
próprio do que por mágoa.
— Pía diz que ele tem uma surpresa para
mim no jantar. — Avisou.
— Espero que não sejam mais pedras — ele
reclamou abrindo os olhos, focando-os sobre ela.
— Vejo que seu dia foi bem diferente do meu.
— Passei toda a manhã em um banho
incrível em uma casa de banho particular, sendo
paparicada por Pía e Anastácia. Depois, um almoço
soberbo e por fim, fui levada para conhecer as
dependências que a prometida do líder deve
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frequentar — disse com sarcasmo.


— Vejo que desfrutou de cada minuto — ele
acusou levantando e estalando os músculos das
costas.
Alma nem se deu ao trabalho de fingir não
estar olhando. Que o mundo explodisse. Ela estava
no cio e ele tinha costas amplas, largas e bem
desenhadas. Seus dedos doíam de vontade de
apertar a carne suada... Conteve os ímpetos da
carne e pensou em uma resposta apropriada.
— Eu não vi porque reclamar. Afinal, nunca
fui bem tratada antes — era uma espécie de
confissão aliada a acusação.
— Poderia ter sido tudo diferente, Alma —
ele lamentou. — Se nada disso tivesse acontecido...
— Maneou a cabeça — não se pode mudar o
destino. Então, aproveite os paparicos que receber,
mas não esqueça quem é de verdade e onde deveria
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estar nesse momento.


— E onde eu deveria estar? — Desafiou-o.
— Lá em cima, ajudando suas amigas — foi
sério, fitando-a nos olhos. — Mas não falaremos
disso aqui. Não é apropriado.
Sim, ele tinha razão.
Alma ficou calada enquanto ele retirava a
roupa e trocava-se. Nada de timidez, era livre de
pudores e ela não hesitou em correr os olhos pelo
corpo masculino.
— É uma droga ficar em um quarto trancado
com uma fada no cio — ele reclamou tentando
abrandar a tensão do ambiente, com um meio
sorriso.
— Eu pensei que não se importasse — ela
disse com petulância.
— Aprendi a controlar meus ímpetos.

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Alguém com o meu poder não pode se dar ao luxo


de perder o controle facilmente. Principalmente em
relação às fadas a quem deve proteger. Sempre fui
designado para missões que envolvem caçadores de
fadas e recompensas, e mais de uma vez precisei
lidar com o cio de fadas desprotegidas. — Explicou
banalmente.
Estava explicado porque Solon às vezes agia
com indiferença ao seu cio.
— Eu notei que os elfos ficam me seguindo o
tempo todo — Alma disse em uma reclamação,
sem saber exatamente porque conversava com ele
sobre isso.
— Tenho pensando nisso. Não podemos ficar
aqui muito tempo. O cheiro do cio vai acabar
descontrolando algum elfo. Tenho receio que nos
preocupemos demais com Eldor e nos esqueçamos
dos outros.

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— Os outros não possuem o mesmo poder


que ele — desmereceu sua observação.
— Mesmo assim, não quero que seja
machucada. — Disse com simplicidade, sem notar
sua expressão, pois se vestia, tentando evitar
ofender a fada com sua nudez explícita.
Ninguém nunca se importava com ela.
Mesmo suas amigas, sabiam que se virava bem
sozinha e não precisava de ajuda. Abalada, Alma
sentou na beira da cama, pensando naquele
presente recebido meses atrás. Infelizmente isso
martelava em sua mente o dia todo e não conteve a
própria língua:
— Driana recebeu um rolo de pergaminhos e
tintas. — Sua voz era tensa.
Surpreso, Solon olhou-a e sorriu enquanto
vestia uma túnica limpa.
— Eu disse a Tobias para entregar para a
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amiga dele. A mesma que desenhava os montes e o


horizonte. — Defendeu-se.
Um riso irônico foi a resposta de Alma:
— Não é uma surpresa que Tobias nunca
tenha reparado qual de nós desenha. Ele é um parvo
estúpido. Serve apenas para distrair o Primeiro
Guardião como um cãozinho de estimação e para
enaltecer o ego de Eleonora chamando-a de bela e
de outros tantos elogios melosos — cruzou os
braços, raivosa pelo descuido de seu melhor amigo.
— Diz isso porque está com raiva. Tobias
não gastaria tanto tempo tentando salvá-la da
clausura se achasse que pensa isso dele. — Solon
soou como se a repreendesse.
Alma olhou para baixo e não respondeu
nada. Não iria lhe dizer do seu ódio de por causa de
Santha estar passando por tanto sofrimento.
— Estive pensando durante todo o dia nas
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acusações de Santha — ele falou baixo sentando ao


seu lado na cama.
Bem pertinho.
Alma olhou para ele com cobrança.
E ele continuou ali... Bem pertinho.
— As carcereiras disseram claramente que
seu dom era o hipnotismo através da voz. Elas
criam os órfãos. São elas quem observam as fadas
dia e noite, em busca dos vestígios de dom. E as
carcereiras nunca erram. Sabe por que isso não
aconteceu?
— Não. Eu não sei. Quando era mais nova...
— Calou-se ao notar que contaria sobre si. Olhou
para o outro lado. Solon não forçou que falasse.
Esperou pacientemente que falasse
espontaneamente. — Eu conseguia fazer isso. Às
vezes dava certo. Mas de um tempo para cá... Eu
não consigo mais hipnotizar animais ou criaturas.
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— O que é estranho, pois o dom se fortalece


com a aproximação do nascimento das asas. —
Solon concluiu. — Pensemos com calma sobre
isso. Sua voz é capaz de matar. Isso se sabe muito
bem. O farfalhar das suas asas é capaz do mesmo
feito. O que mais você notou? Algo diferente tem
acontecido com você desde o nascimento das asas?
— Caso não tenha notado estou no cio —
disse com rancor. — É claro que existem coisas
ultrajantes acontecendo comigo!
— Eu falo do seu dom e das asas. Foque-se
nas minhas perguntas e não em sua raiva do mundo
— ele elevou a voz para calar suas ofensas.
Alma nem se deu ao trabalho de responder a
altura.
— Quando eu nado o farfalhar das asas não
emite som — contou.
Infelizmente sozinha não parecia capaz de
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entender a si mesma.
— Isso aconteceu antes? — Ele insistiu.
— Sim, quando eu voo e plano... Não há
som. Eu fui muito longe para esconder sua
armadura — sorriu diante dessa lembrança e
principalmente, por causa da expressão de
desagrado dele — e houve alguns momentos em
que não... Emitiram som.
— E você não suspeita da causa? —
Perguntou displicentemente tocando sobre sua mão
que estava apoiada no colchão.
Alma olhou para ele e então para sua mão e
negou com a cabeça.
— Não. — Disse.
— E se eu pedisse que você fechasse os
olhos e tentasse se acalmar. Acha que poderia fazer
isso? — Perguntou insistindo no toque.

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Alam puxou a mão e levantou.


— Me deixa em paz. — Mandou.
Solon tinha uma teoria da razão de Alma não
conseguir usar seu dom verdadeiro. Acreditava que
os trejeitos desagradáveis de seu dom eram
secundários. Que o dom verdadeiro estava perdido
em meio a raiva e inquietação.
Havia muito ódio dentro de Alma para que
conseguisse descobrir quem era e ouvir o chamado
do seu dom que desejava vir à tona.
Solon não insistiu porque era interrompido
por batidas na porta. Incomodado por ter que
enfrentar Eldor estando exausto fisicamente, seguiu
a fada enquanto eram levados para o amplo salão
onde aconteciam as refeições coletivas.
A cena se repetia como no dia anterior.
Mesas repletas de fadas e elfos de todas as idades.
Eldor esperava por ela de pé, com uma taça de
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elixir proibido nas mãos.


— Está linda, Alma — ele segurou sua mão
separando-a de Solon, levando-a para o centro das
mesas, para que todos pudessem admirar e
cochichar sobre como recobrira a fada escolhida de
joias e luxo.
— Solte-me ou o mato aqui mesmo — ela
disse convicta de cada palavra dita.
— Eu ainda sinto seu cheiro de cio — Eldor
disse baixo para que apenas ela pudesse ouvir. —
Esteja pronta, quando menos esperar eu a pegarei
sozinha e a arruinarei por bem ou por mal. A
escolha é toda sua.
Alma encarou-o quase sem palavras.
Respirou fundo e tentou conter o ódio dentro de si.
Sua vontade era abrir a boca e gritar como uma
louca acabando logo com aquela coação.
Pensou nos inocentes em torno deles e notou
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o modo como Solon a olhava, de uma distância


ultrajante.
Era justo para todos que Eldor tivesse sua
chance de conquistar seu coração. Ela não teve
desculpas para não aceitar ao menos jantar ao seu
lado. Outra vez, foi fraca e comeu como uma
condenada. Não sabia quando em sua vida teria a
oportunidade de comer com tanta fartura e sua
mente inconsciente insistia que comesse o máximo
possível.
Cheia, recostou-se contra a cadeira estofada
em couro e peles e olhou para Solon. Ele
conversava com uma fada ao seu lado. Ou melhor,
a fada tentava conversar com ele. O Guardião
apenas acenava e fingiu prestar atenção. Então
baixou a cabeça e comeu com atenção exagerada ao
alimento.
Alma sentiu pena. Tão profunda pena que

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perdeu o apetite para a sobremesa. Pobre elfo, tão


forte, dedicado e honesto... Não merecia o
sofrimento de carregar uma limitação física.
Surpresa com o sentimento, sufocou as
lágrimas inesperadas com mais vinho. Virou uma
taça toda de uma vez, e o sorriso arrogante de
Eldor, sentado ao seu lado, indicava que achava
mesmo que estivesse sendo seduzida por comida e
vinho.
Porco, ele era um porco imundo. Mais tarde
quando o jantar chegou ao fim, um elfo entrou
carregando uma bandeja gigantesca com algo
coberto por peles.
Deveria ser o seu presente. Todos levantaram
e Alma a fez o mesmo. Esperava sinceramente que
fosse algo bem apetitoso que pudesse levar para seu
quarto e comer na madrugada quando sentia mais
fome. Resquícios da vida difícil no Ministério do

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rei.
O servo segurou a bandeja bem diante dela e
coube a Alma puxar as peles e revelar seu presente.
Alma era constantemente nervosa e por isso, ao ver
uma cabeça de raptor decepada sobre a bandeja,
gritou de susto, medo e horror, e o servo assustou-
se inclinado-se para frente.
A cabeça caiu sobre ela que desesperada,
debateu-se para se livrar daquilo. Seus dedos
roçaram a carne e os pelos e seus gritos eram de
horror profundo. Quantas e quantas vezes em sua
vida não tivera pesadelos horrendos com morte?
Lembrando-se dos raptores que a teriam pegado
durante seu primeiro banho com asas, Alma sentiu
o medo paralisá-la.
Estava desesperada e descontrolada mais
uma vez, pois era um poço de descontrole
emocional e seus nervos eram atacados e

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estimulados diariamente por conta de sua


personalidade e das tensões que viviam.
— Chega! — Ela ouviu um grito e então as
pessoas foram afastadas dela. — Tirem isso daqui!
Agora!
A cabeça desapareceu rapidamente e ela viu
por olhos nublados de lágrimas Agra dando ordens,
enquanto os gritos de ordem de Solon encerravam o
espetáculo. Ele a segurou como fizera na câmara de
terra quando ela achou estar enterrada viva. Alisou
seus cabelos de um modo que parecia acalmá-la e
Alma segurou em seu braço escondendo o rosto em
seu ombro, envergonhada de seu descontrole.
— Respire, Alma, e não grite mais — ele
pediu baixo, manso, tenso em cada poro, tentando
lhe passar calmaria e segurança, para acalmá-la.
Deixar uma fada nervosa como Alma
assustada era um perigo, levando em conta o poder
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de sua voz.
— Eu não quero ver aquilo — ela disse
baixo, mas ele poderia ouvi-la, pois sua voz era
sempre tão esguichada que seu mais delicado
sussurro sempre seria um falar alto. O que era
muito apreciado por Solon que podia ouvi-la
facilmente, apesar de sua carência auditiva.
— Feche os olhos e não olhe. Vou carregá-la
para o quarto — ele prometeu.
— Não — ela negou e afastou a cabeça
olhando em seus olhos. — Eu vou andando.
Sempre orgulhosa. Solon olhou em volta,
descobrindo que as fadas e elfos estavam
assustados com o comportamento de Alma e
cederam espaço quando ele se moveu, levando-a
pelo braço, servindo de apoio e ao mesmo tempo de
guia.
— Vejam o que seu líder faz com sua
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escolhida — Solon disse em voz alta, para ter o


clamor público a seu lado. — Vejam a crueldade
com que trata sua escolhida!
— Não é crueldade — Eldor defendeu-se. —
Eu sei que Alma gosta disso! Não seja fingida. Eu
sei que adora ver a morte de perto, eu conheço seus
desejos, Alma. Você me vê, querida, e o que vê é
espelho de seus íntimos desejos. — Ele disse em
referência a quando ela o confrontou ainda na Vila
dos Desesperados, na barraca escondida junto da
velha duende.
Ela não respondeu. Deixou-se levar.
Ele estava certo.
Isso era doentio, mas Eldor estava coberto de
razão!

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Capítulo 14 - Desordem e caos

Alma tremia quando a porta fechou atrás de


si.
A jovem Anastácia estava logo atrás dos
dois, e saiu correndo quando Solon gritou, exigindo
uma bacia e água para que Alma pudesse se lavar e
livrar-se do sangue que impregnava sua pele.
— Acalme-se — ele tornou a pedir, mas
Alma se afastou e ficou de costas, encarando uma
das paredes de pedra.
— Eu não posso me acalmar! — Bradou.
— Pode e deve. Esteve muito perto de ferir
pessoas honestas. — Avisou, com repreensão na
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voz. — Foi uma tentativa de Eldor de desestabilizá-


la e causar-lhe medo. Eu não deveria ter deixado
que ficasse perto dele um segundo que fosse!
— Você não entende — ela voltou-se, com
olhos repletos de rancor — você não sabe de nada!
— Eu sei o que importa. Eldor não vale nada
e você está assustada. — Ponderou e Alma soltou
um risinho cínico.
— Eldor não estava mentindo. Eu sou uma
fingida! Uma fingida! Eu nem sei por que estou
assim! Eu nem sei por que estou me sentindo desse
modo se eu... Na verdade eu gosto!
— Gosta de receber como presente uma
cabeça decepada de uma fera que assustaria a
qualquer um? Alma!
— Você não me conhece — ela disse
nervosa, e ele relevou.

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Com mãos trêmulas, tentou arrancar a joia


que adornava sua testa e os cabelos e lutou contra
as lágrimas quando alguns fios de cabelos foram
sacrificados.
— Eu gostei! — Alma parou, as palavras
incontroláveis em sua boca. — Eu não o ajudei por
piedade, quando vi que era surdo e não ouviria o
ataque. Não foi por isso! Não foi! Foi porque eu
sabia que seria mais fácil me livrar de você se
pudesse tê-lo em um lugar reservado! Eu gostei,
Guardião, eu gostei de forrar o chão, amolar a faca
e despir peça por peça das suas roupas enquanto
decidia como eu faria para a faca dar conta dos
cortes sem precisar pedir ajuda, pois a velha duende
nunca me ajudar a tirar a vida de um inocente! A
única coisa que me parou foi pensar nas minhas
amigas! Elas nunca me perdoariam! Eleonora
perdoaria, mas Driana? Não! Ela jamais aceitaria

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minha decisão! E Joan... Eu a assustaria demais.


Joan nunca poderia confiar em mim. Ela é frágil...
Sente medo de ser ferida o tempo todo e eu seria
um constante lembrete de tudo que ela teme! —
Jogou longe o colar de pedras preciosas, sem ligar
para as pedrinhas que se desprenderam da joia e
ricochetearam pelo chão de pedra. — Mas eu
queria fazer! Eu soube que Eldor não valia nada
quando o vi a primeira vez! E eu soube, porque ele
é igualzinho a mim! Por isso ele me quer, porque
eu sou perfeita para alguém como ele! E quer saber
a verdade? Eu poderia ser feliz aqui. Oprimindo e
mentindo para essas pessoas, eu poderia ser
plenamente feliz vendo-as sofrendo, na ironia de
saber que existe uma vida plena de tudo lá em
cima! — Gritou.
Solon não respondeu nada, pois batiam na
porta. Era Anastácia com uma bacia larga e pesada,

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carregada de água morna e toalhas. Pía ajudava a


carregar, com medo de aproximar-se de Alma.
— Me deixe! — Alma empurrou a menina
quando tentou lhe ajudar a tirar o vestido.
Solon esvaziou o quarto, mas Alma não
notou. Sangue do animal cobria o vestido bonito e
sujava seus braços, cabelos e asas. Enjoada ela
tentava se livrar das roupas, mas não conseguia,
com as mãos trêmulas como estavam.
— Pare quieta. — Ele mandou, enquanto
puxava os botões que prendiam o vestido em seu
pescoço. As asas estavam presas no tecido e Solon
precisou de paciência para soltá-las, pois a fada não
conseguia controlá-las.
Alma segurou o tecido sobre o peito, quando
o vestido escorregou por seus ombros. Imóvel,
demorou em notar que deveria se livrar da roupa e
aproveitar água morna.
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— Limpe-se — ele disse suave, segurando-a


pelos ombros — Não posse ajudá-la com isso. Eu
nem deveria estar aqui dentro... — Não queria falar
sobre o cio, mas era inevitável pensar nisso, pois o
cheiro da fêmea era estonteante. — Limpe o sangue
e metade do horror terá ido embora.
Alma pegou-se a esse conselho. Solon
gostaria de ter sido mais forte e não ter ficado
olhando. Mas não tinha mais condições de ignorar a
fêmea, não em um espaço tão limitado.
Perdida em seus pensamentos, Alma soltou o
vestido bordado com pedrarias e ficou nua,
andando com lentidão despercebida até a bacia com
água morna. Seus pés tocaram a água e ela sentiu
um frêmito de nojo de si mesma e por isso baixou o
e pegou a esponja, esfregando o sangue da pele
como se isso pudesse livrá-la do medo e do ódio.
Esqueceu-se do Guardião, de costas para ele,

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sentada na bacia, os cabelos longos foram limpos, e


ela deixou-os de lado, enquanto esfregava água nas
costas e essa água escorria por sua coluna entre as
asas macias.
Solon engoliu em seco, incapaz de conter-se.
Olhava cada pedacinho de pele exposta, desde a
curva macia dos ombros, até as nádegas redondas.
Era a segunda vez que tinha a oportunidade de ver
a fada nua e estava apreciando cada vez mais esse
privilégio. Não queria ser aquele que a oprime, pois
sentia que Alma não tolerava qualquer forma de
coesão. Isso a tornava raivosa e arredia e ele
esperava ter a oportunidade de ter seu apreço e não
seu ódio.
— Está olhando para mim? — Ela perguntou
de surpresa, olhando para trás, como se somente
agora se lembrasse da sua presença.
— Sim — ele admitiu, sem o menor pudor.

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O olhar castanho fixou-se no seu, ela deixou


água correr da esponja em um dos ombros e as asas
se dobraram como se formassem um adorável
casulo em torno de seu corpo.
— Um pouco tarde para pudor. Eu a vi se
banhar no córrego que banha a Vila dos
Desesperados. — Contou.
— Foi você quem me salvou do ataque dos
raptores — não era uma pergunta, mas uma
constatação.
— Sim, e você me salvou dos ladrões.
Estamos quites, nenhum deve nada um ao outro —
ele lembrou-a disso, livrando-a da opressão de
sentir-se em dívida.
— Mas eu tramei matá-lo. — Lembrou-o.
— Mas não executou seu plano, mesmo
tendo oportunidade. Não se deixe levar pelas
artimanhas de Eldor. Ele vê suas fragilidades e as
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usa contra você. Se os elfos e fadas daqui


começarem a achar que é louca... Bem, eles não
acreditaram em uma única palavra dita por você ou
por mim. — Avisou.
Alma parou o banho, levantou e deixou a
água escorrer pelo corpo, ouvindo o longo suspiro
de apreço do elfo. Mas ignorou. Pegou a toalha e se
enrolou, tomando cuidado de manter uma folga nas
costas, para as asas respirarem. Ainda se
acostumava a ter asas.
De frente, Alma fitou-o com curiosidade:
— Acha que é isso que Eldor está fazendo?
— Sim, e acho também que está obtendo
êxito em seus planos. — Alertou-a.
— Anastácia me contou que a filha mais
velha de Estevão e a esposa estão desaparecidas.
Que Eldor trouxe de volta as duas filhas menores. E
todos acreditam que é um herói. Ela sabe como sair
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daqui. Ela quer cooperar. Mas preciso convencê-la


de que vale a pena.
— A mulher está morta, eu vi o corpo. E vi
Eldor com as meninas, eu não sabia na ocasião do
que ele era capaz. Precisamos fugir antes que você
sucumba e faça uma besteira — foi franco. — Eu
preciso admitir que atualmente meu maior medo
não é Eldor, mas sim que você se descontrole e
mate alguém.
— E porque isso seria ruim se é o meu
desejo? Desde pequena é meu único desejo —
confessou.
— Desde pequena você é prisioneira, e não
conheço um único prisioneiro que nunca tenha tido
esse tipo de pensamento.
— Não são pensamentos... É a minha
vontade — não queria assustá-lo, não queria
mesmo, mas não conseguia conter a verdade,
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precisava dividir isso com ele!


— Tem algo bloqueando seu dom
verdadeiro. Esqueça suas vontades, esqueça tudo,
Alma, e se concentre nisso. O que está bloqueando
seu dom. Se você puder hipnotizar as pessoas...
Estará tudo resolvido. Encantará Anastácia e ela
nos mostrará a saída.
— Eu poderia convencer Eldor a contar a
verdade para todos que moram aqui. Libertá-los do
medo de uma vida lá em cima. Eles vivem na
mentira e isso não é vida. — Alma completou,
gostando dessa ideia.
— Mas primeiro precisamos descobrir o que
tem abafado o seu dom verdadeiro e causado toda
essa confusão dentro de você.
Alma não respondeu nada, mas baixou os
olhos. Não queria lhe dizer que tinha dúvidas se
queria mesmo descobrir o que a tornava assim.
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Tinha medo de ser algo incontrolável.


— Eu não sou a melhor das fadas. Tem algo
ruim dentro de mim — avisou com voz de cansaço.
Solon gostaria de lhe dizer que existia algo
ruim dentro de todas as criaturas. Era da natureza
de cada ser padecer de medos, angústias e muitas
vezes, de momentos de descontrole emocional, e
ele suspeitava que Alma vivia assim, no limite
entre o que conseguia suportar e o que era obrigada
a suportar. Era o ódio nutrido dia após dia, em estar
presa no Ministério do Rei, sob a constante ameaça
da clausura e agora, pela opressão da fuga, que a
deixava assim, sempre pensando em maldades para
livrar-se de tudo e todos!
Solon fingiu não notar que ela sentiu dor ao
andar. Era culpa do cio. Quando postergado e não
consumado, o cio começava a provocar dores
insuportáveis. Ele pensava se isso também não

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poderia ser a causa da dificuldade em obter seu


dom completo.
Alma não trocou de roupas, deitou-se
enrolada na toalha e ficou de lado, tentando não
demonstrar que sentia dor. Era inesperado e ela
também sabia que era culpa do cio.
Solon puxou o cobertor e colocou sobre ela.
— Tente dormir. Eu vou pensar em um modo
de fugirmos daqui. De amanhã não passa, eu lhe
prometo, Alma, de amanhã não passa.
Ela não respondeu. Mas escondeu o rosto no
travesseiro para esconder as lágrimas que
ameaçavam correr em seu rosto. Era emoção por
sentir a preocupação de Solon por sua causa.
Solon vigou seu sono por cerca de uma hora.
Então, ela acordou e sentou na cama, a toalha não
protegia sua nudez tão pouco Alma se importava
com tão pouco. Sentia dor no corpo todo e estava
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quase sem fôlego.


— É a dor induzida pelo cio — a voz de
Solon cortou o silêncio dentro do quarto. Embora
estivesse tudo escuro, e não pudesse vê-lo ou ser
vista, Alma tentou sufocar a expressão de
sofrimento.
— E como faço para isso parar? —
Perguntou entredentes, voltando a deitar quando a
pulsão de dor suavizou.
— Quando copular, o cio acabará. É do
mesmo modo para todas as fadas. Acalme-se e
tente relaxar. Ficar tensa não vai resolver seu
problema — ele avisou.
— Quanto tempo isso vai durar? —
Perguntou baixinho, lutando contra as lágrimas de
profunda humilhação.
— Eu não sei. Nunca conheci uma fada que
suportasse tanto tempo ou que não fosse pega a
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força ou ainda convencida a ceder. O que sei da


teoria, diz que uma fada permanecerá no cio
enquanto não copular. É só isso. Não adianta se
martirizar. Isso não vai passar por enquanto.
— Eu não aguento mais — ela confidenciou,
era mais fácil fazer confidências no escuro, sem
olhar para ele — os elfos ficam me seguindo...
Ficam farejando o ar na minha frente! Alguns... Eu
já notei o modo como eles tocam as espadas...
Como se pretendessem usá-las a qualquer
momento... Isso precisa acabar. Eu não consigo
pensar desse modo.
— Alma, você precisa ficar calma. Eu não
quero insistir ou irritá-la, mas preciso de sua
colaboração. Lembre-se que eu consigo resistir ao
cio por conta do meu treinamento de Guardião. Os
outros elfos são criaturas livres, sem obrigações,
sem noção do que significa para você o cio.

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— Não significa nada — ela disse furiosa —


acha que me importo com castidade? Com cio? Eu
não me importo! Se não estivesse me causando dor
e me impedindo de obter meu dom completo, eu
não pensaria uma única vez sequer nesse inferno de
cio!
— Alma — ele sentou também e tentou
encostar-se à fada, mas desistiu. A pele dela
queimava, por isso, afastou a mão de seu ombro,
pois o calor era abrasador e precisava se conter. —
Você precisa manter o juízo. Eu estou percebendo a
conclusão que chegou. E lhe peço para esquecer
isso.
— Esquecer? De modo algum! — Ela negou.
— Se eu me deitar com um elfo qualquer, eu me
livro disso! — Havia convicção em sua voz.
— Não. Você é uma fêmea e merece mais do
que isso. Merece a chance de conhecer sentimentos

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menos animalescos do que...


— Não perca seu tempo enchendo meu
ouvido com baboseiras.
Solon estava se acostumando a ser tratado
sem brutalidade e lidar com o veneno na voz da
fada. Nunca imaginou que ela fosse assim. Quando
tentou cortejá-la meses atrás, achava que era uma
bela fada triste e emburrada, mas que isso fosse por
causa da ameaça da clausura. Que ela seria
dedicada e atenciosa quando pudesse se dedicar a si
própria, sem medos.
— Eu lhe peço um pouco de paciência. Vou
dar um jeito de tirá-la daqui. Eu lhe prometo.
— Palavra de capacho da Rainha Santha não
vale nada para mim — voltou a deitar, com raiva,
engolindo o choro. Sentia a pele aquecida e o fato
dele ter tocado-a lhe causara um frisson
inexplicável. Era bom encerrar a conversa
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imediatamente.
— Não se entregue para qualquer um. —
Solon tornou a pedir, mas ela ignorou.
Solon sabia que Alma era cabeça dura, e que
faria exatamente o contrário. Encontraria um elfo
qualquer interessado no cio e acabaria com o
problema.
Incomodado, Solon não queria que
desperdiçasse esse momento único com alguém que
não gostasse dela.
No dia seguinte, ficaria de olho na fada, para
que Alma não tivesse oportunidade de fazer uma
besteira.

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Capítulo 15 - Pesadelos perdidos

Anastácia achava graça de olhar para ela,


lembrando-se de seu descontrole do dia anterior.
Por sua vez Pía estava assustada. Alma queria
passar o dia todo na casa de banho, mas as ordens
eram outras. Agra queria ter uma conversa e Alma
não poderia negar.
Era manhã, estava arrumada e pronta para
enfrentar mais um dia naquele infortúnio. No
caminho para os aposentos de Agra, Alma cruzou
com Estevão, que conduzia alguns elfos de poder
menor dentro do clã subterrâneo, entre eles Solon.
Ela reparou no Guardião, sobretudo, reparou nos
outros elfos. Eles usavam roupas esfarrapadas e
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sujas, roupas para trabalhar quebrando pedras e


cavando buracos.
Eram machos. Ela era fêmea. Precisava
acabar com o cio.
Era sua única ideia fixa.
— Não quero ver Agra. Quero ir para o meu
quarto — ela disse parando de andar, obrigando as
meninas a fazerem o mesmo.
— São ordens de Eldor. Não podermos
desrespeitar suas ordens — Pía disse com
humildade.
— Estou pouco me importando com as
ordens de Eldor. — Virou as costas e começou a
andar para longe delas.
Pía foi à única que a seguiu. Anastácia não
era babá de fadas e não perderia seu tempo
paparicando-a quando não havia ninguém olhando.

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— Porque está fazendo isso? É uma honra


ser escolhida por Eldor! — A jovem disse
esbaforida, correndo atrás dela.
Alma parou e encarou-a:
— É uma honra viver privada de suas asas? É
o que acontecerá com você. — Avisou. — Suas
asas não nascerão, pois está aqui em baixo, em um
ambiente hostil para sua natureza de fada. Lá em
cima existe um mundo livre de guerras onde você
teria suas asas e sua vida plena. Seu dom. Poderia
ter um dom, Pía. Rei Ulder não existe mais. Não
existem seguidores. O que você tem ouvido sua
vida toda são mentiras! Porque não pôde me ouvir?
Ajude-me a fugir daqui. Eu lhe imploro!
— Não. Eldor disse que o outro a tem
enfeitiçado. Que ele é um dos seguidores das leis
de Rei Ulder!
— Eldor disse isso? — Perguntou irônica. —
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E por acaso ele contou como seguiu a fada fugitiva


que levava suas três filhas lá para cima, na
esperança que suas filhas pudessem ter suas asas?
Solon viu Eldor próximo ao corpo da fada, levando
as duas fadinhas menores. Ele não sabia o monstro
que Eldor é na ocasião.
— Eu não acredito nas mentiras de um elfo
que deseja destruir nossa harmonia. — Pía alegou,
submissa e convicta de que Alma estava
terrivelmente enganada.
A fúria se avolumava dentro de Alma. Ela
ficou imóvel enquanto alguns elfos passavam por
elas, todos eles olhando fixamente para elas.
Miravam a fada no cio e não enxergavam a fêmea
de coração magoado que havia dentro de si.
Ofendida por ser apenas uma carcaça
carregada de libido, Alma descontou em Pía:
— Afaste-se de mim antes que eu perca a
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cabeça e a faça ver a verdade usando a força física!


— Tenho ordens de cuidar de suas
necessidades — Pía tentou amenizar a briga, mas
Alma afastou-se visivelmente enraivecida.
— Quero Anastácia. Ela me ouve e entende!
Agora vá! Saia de perto de mim! Eu conheço o
caminho para a casa de banho! Vá! Deixe-me em
paz!
Pía não teve coragem de contrariá-la, mas
Alma notou que a fada saiu correndo contendo as
lágrimas. Com fúria gritando dentro de si, vinda
das entranhas de seu corpo e mente, onde penava
por ter que aturar tanta humilhação, Alma avançou
pelos corredores, ficando um pouco desconfortável
quando cruzou com um grupo de elfos em
fiscalização dos guardas de Eldor.
Eram quatro e a olharam com ardor
indisfarçável. Alma estava decidida a entregar a
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castidade para um elfo qualquer e não perderia a


oportunidade de fazê-lo, estava sozinha e sem
ninguém para vigiá-la.
Acabar com a distração que limitava seu
dom., mas lhe faltou coragem de atiçar quatro
machos. Não importar-se com a castidade, não
queria dizer que tinha coragem para tanto!
Engoliu em seco e apressou o passo, olhando
para baixo, morrendo de vergonha de seu estado. A
decisão estava tomada, faltava agora encontrar a
coragem. Alma confessava ter pensando no
Guardião.
Não seria fingida e mentiria que não pensou
nele. Era um elfo gentil e não parecia ter
inclinações para agredir uma fêmea e mais do que
isso, ela conseguiria ter algum controle sobre ele
enquanto os dois estivessem presos ali em baixo.
Fora desmotivada por duas razões. A
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primeira e maior delas, era o medo de emprenhar


de um Guardião da Rainha Santha. Mais cedo ou
mais tarde teria que lidar com a causa dos dois
terem sido aprisionados e estarem no mesmo barco.
Ela era fugitiva, ele o caçador. Sabia do risco de
emprenhar durante o cio, mas ao menos, se fosse de
outro elfo, ela não ficaria ligada a um elfo que
odiava.
E segundo, caso o pior acontecesse e fosse
aprisionada, ao menos não daria a satisfação
daquele capacho da rainha ter se deitado com ela!
Sim, ela não se deitaria com o Guardião, nem
que Solon fosse o último elfo da face da terra!
Alma apressou o passo quando notou que não
conseguiria escapar de cruzar nos corredores
estreitos com dois elfos. Um deles era moreno, pele
escura, alto e forte. O outro era menor, mirrado e
louro. Alma parou e fitou os dois. Sim, ela poderia

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causar intriga entre eles depois, para que brigassem


por sua causa e apenas um deles vencesse e a
tomasse.
O modo como ela olhou para os elfos, mudou
a postura de ambos. Alma estava a um segundo de
abrir a boca e efetuar o convite que não teria volta,
quando foi agarrada pelo braço.
— Continue andando — Solon disse furioso,
segurando seu braço com força.
Ele empurrou-a, pois sabia que seriam
seguidos.
— Rápido — ele empurrou mais uma vez e
ela correu, sendo levada por alguns corredores
desconhecidos, sendo seguidos pelos dois elfos,
atentados de sua promessa não verbalizada, e
descontrolados por conta do cheiro do cio. — Para
onde você estava indo?
Alma pensou em não responder, mas olhou
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para trás e descobriu que seu maravilhoso plano de


descontrolar ambos os elfos obtiveram resultado e
eles os seguiam, com espadas nas mãos.
— A casa de banho de Agra fica nessa
direção — disse rápida, apressando o passo junto
com ele.
Solon conduziu-a na direção acertada e
quando estava quase atingindo o corredor correto, a
fez esconder-se junto dele, em uma bifurcação.
Pousou a mão em seus lábios para que ela não
gritasse ou chamasse atenção para eles.
Alma manteve os olhos atentos e viu os elfos
seguirem pelo caminho errado ainda procurando
por ela.
Solon a soltou e a puxou outra vez, na
direção da casa de banho. Ela entrou e foi Solon
quem usou a tranca para manter a porta fechada
atrás dos dois.
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— O que estava pensando ao provocar dois


elfos armados? — ele perguntou com pouca
paciência para seus joguinhos. — Eles lutariam
entre si por sua causa, fada desmiolada!
— Era essa a ideia — ela afastou-se e andou
para bem longe dele. — Que sobrasse apenas um.
— É mesmo? E o vencedor receberia o
grande prêmio? — ele Não a deixou fugir,
seguindo-a. — É aqui que tem passado seus dias
enquanto eu fico lá embaixo nos corredores
quebrando pedras e cavando por horas sem fim? —
Disse com amargor, observando a piscina de águas
clara e límpidas. Os ladrilhos coloridos. As
almofadas no chão, e os sais de banho.
— O que você quer? Porque veio atrás de
mim? — Alma soou como se estivesse lhe
cobrando. E na verdade, era o que acontecia.
— Eu fiquei desconfiado que pudesse fazer
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uma cosia estúpida como esta! Achei que deveria


segui-la e evitar uma catástrofe! E eu estava
coberto de razão!
— Catástrofe? Está brincando comigo, não
é? Se eu me libertar do cio, talvez meu dom
desabroche e eu possa sair daqui! A única
catástrofe é permanecer aqui mais tempo! Eldor é
louco e essas pessoas são alienadas de tudo! Veja
Pía! Ela se voltaria contra a mim, basta uma ordem
de Eldor! — Gritou com ele, e Solon a segurou
pelo braço, tocando seus lábios para que não
gritasse. — Me solte!
— Eles ainda procuram por você. Não grite,
Alma! Que mania de gritar! — Acusou soltando-a,
porém permanecendo bem perto. — Eu lhe prometi
achar um modo de fuga, não prometi? Estevão
deixou escapar que existem duas formas de sair
daqui. Estou estudando um meio seguro de fazer

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isso! Você precisa ter paciência!


— Não! Eu não deixarei minha vida nas
mãos de outra pessoa! Primeiro, minha vida esteve
nas mãos de um rei fraco e de uma rainha estúpida
e olhe onde terminei! Não! Sou eu quem decide o
que faço! Eu vou acabar logo com o cio e obter
meu dom completo. É fato! Você pode brigar o
quanto quiser, mas não poderá me cercar para
sempre!
— Eu sei disso! Mas vou tentar! — Solon
revidou seu ataque.
— Por quê? Você enlouqueceu? Não seja
estúpido! É preferível usufruir do meu dom a ficar
procurando rotas de fugas. —Tentou trazê-lo a
razão.
— Eu sei disso. Acontece que não quero que
entregue sua castidade para outro elfo. — Solon
confessou.
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— Oh, é mesmo? Que preciosidade é essa


que os elfos veem no cio? Quanta tolice! Pode
encontrar uma fêmea no cio quando bem entender!
É um Guardião! Nesse exato minuto existem
dezenas de fadas a beira de obter suas asas,
trancafiadas no Ministério do Rei, ansiosas por
serem escolhidas por um Guardião! Deixe-me em
paz e encontre uma delas para saciar sua vontade de
desfrutar do cio! — Empurrou-o e ganhou espaço.
Sentou em uma estrutura de madeira, que
servia de banco. Respirava com dificuldade, quase
sem ar, de tanto esbravejar.
— Você não entende — ele disse com voz
cansada. — Eu não tenho obsessão pelo cio de uma
fada. Eu tenho ciúmes de uma fada, é bem
diferente.
Alma não respondeu. Para Alma ciúmes e
obsessão eram a mesma cosia. O mesmo

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sentimento corrosivo que impulsionava elfos e


fadas do mundo todo a cometerem atos espúrios. E
com ampla justificativa!
— Não adianta fingir que não está me
ouvindo! — Ele ficou magoado com seu pouco
caso. — Eu tentei cortejá-la, não se faça de boba
fingindo que não sabe do meu interesse! Entre
todas as fadas da clausura você foi à única que eu
cortejei!
— Isso é o que você diz! Eu nunca recebi
presente algum! — Virou a cabeça, pois não
conteve a reclamação.
— Isso é culpa de Tobias. Reclame com ele!
Eu fiz minha parte! Teria a escolhido e feito-a
minha mulher! Será que eu não tenho o mínimo
direito de sentir ciúmes?
— Nossa, e deve ser um grande feito salvar
uma fada inferior de um destino de clausura — ela
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ridicularizou.
— Não. O grande feito está em escolher entre
todas as fadas do mundo uma única para amar. Mas
você não entende disso. Está com ódio de mim,
porque sabe que eu estou certo. Você quer se deitar
com um elfo que vai lhe bater e ofender? É o que
acontece durante o cio, entre animais que não se
conhecem, eles se arranham, se machucam e se
ferem.
— Eu só quero que isso acabe de uma vez —
ela baixou os olhos, para que não notasse que a
abalava ouvir a verdade.
— E eu quero que você me deixe ajudá-la.
Vamos esperar. Me dê a chance de tirá-la daqui
antes que seja necessário chegar tão longe — Solon
aproximou-se e ajoelhou-se na altura da fada,
tocando seu queixo, para olhar em seus olhos. —
Uma única tentativa.

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— E depois? Você me entrega para Rainha


Santha? — Ela afastou sua mão, para que não
encostasse em sua pele.
— Não. Depois procuramos juntos por sua
amiga Eleonora e se ela estiver falando a verdade,
ajudaremos a salvá-la e provar sua inocência. Se ela
for rainha, tudo estará acabado.
— Você mente. — Ela acusou.
— Isso é o que você diz — Solon revidou.
— Me deixe em paz — Alma levantou e se
afastou. — Se estivesse falando a verdade me
ajudaria a acabar com o cio e obter meu dom
completo! Iria preferir me ver forte e plena! Mas
não, prefere me ver inútil, assim pode me
aprisionar e levar para Santha quando sairmos
daqui!
— Quanta maldade em sua mente, Alma. —
Solon disse incrédulo. — Eu tenho pensando com a
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cabeça e não com a emoção. E se a causa do seu


bloqueio não for o cio? Você é tão raivosa o tempo
todo! Tão inquieta, tão tensa... Outras coisas podem
bloqueá-la! Outros sentimentos!
— Mentiroso — ela afastou-se, olhos nos
olhos, deixando claro que não acreditava em um
única palavra dita por ele. Não achava que se
importava com sua situação.
— Está bem — o Guardião disse abrindo os
braços em rendimento. — Será do seu modo. Fique
aqui dentro, vou encontrar um elfo para ajudá-la
com isso, pois pelo visto, você não aceitaria que
fosse eu! Isso vai convencê-la das minhas
intenções? Vai?
Alma não acreditou que estivesse falando
sério. Solon andou para a porta e ela se perguntou
se ele faria mesmo isso. Arrumar um elfo para...
Bem, para se deitar com ela?

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— Está bem — ele disse desistindo quando


estava quase na porta. — Eu não vou fazer isso.
Não quero outro se deitando com a fada que
escolhi! Mas quero reiterar que é ciúme e não
qualquer outra ideia estúpida que possa ter a meu
respeito. Eu não quero que outro a toque. Acredite
ou não em mim, mas é essa a verdade.
Alma soltou o ar que havia retiro ao achar
que iria mesmo arrumar alguém para possuí-la.
— Qual a possibilidade de uma fêmea
emprenhar logo na primeira vez? — Perguntou-lhe,
surpreendo-o, pois não esperava por essa pergunta.
— Poucas não emprenham — ele foi sincero
— não existe escapatória. Gostaria de lhe mentir
que existem modos de evitar, mas no caso do cio,
basta um pouco de contato, para que a fêmea
emprenhe. Então, nenhum método de prevenção
será útil de verdade.

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— Se eu me deitasse com você. Com quem


ficaria a cria? — Perguntou séria.
Solon quase não acreditou no que ouvia.
— Como assim? — perguntou desconfiado.
— Eu não quero ficar com a cria. Você
ficaria? Também não quero deixar um inocente
penando no Ministério do Rei. — Jogou a pergunta
de volta para ele.
— Sim. Claro que sim, e ficaria com você
também. Se me quisesse.
— Eu não quero. Sabe que não quero. Eu
teria dito sim ao seu pedido de casamento, se
houvesse feito meses atrás, apenas pela esperança
de salvar minhas amigas da clausura. Que você
pudesse me ajudar a convencer seus amigos
guardiões a escolhê-las. Apenas por isso.
Ser rechaçado era difícil e quando isso

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acontecia diante de uma total humilhação era ainda


pior. Solon mediu-a de alto a baixo. O que ele
estava esperando? Era quase surdo. Não era como
os outros elfos. Era justo que Alma quisesse coisa
melhor. Provavelmente pensava que a cria dos dois
pudesse herdar seu defeito.
— O que eu tenho não é hereditário. Uma
cria nossa não nasceriam como eu — avisou.
— Isso não me importa. Eu não quero nada
disso. Deito-me com você, se prometer que me
deixará em paz quando acabar. Que fará de conta
que isso nunca aconteceu!
— Se a situação fosse outra, fada, eu diria
não. — Ele avisou, engolindo o orgulho — mas a
situação é essa e eu digo que sim a todas as suas
reivindicações.
Alma afastou os olhos e olhou em torno. A
casa de banho era um lugar muito bonito, vazio e
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solitário. Por certo a jovem Pía levaria algum


tempo até encontrar Anastácia e convencê-la a
fazer seu trabalho.
— Você esteve nas dependências da cozinha
e dispensa? — Ela perguntou, surpreendendo-o
com a mudança de assunto.
— Sim, é lá que guardam as ferramentas de
trabalho. Existe um anexo onde ficam os materiais
pesados. Você não tem ideia de quanto espaço eles
criaram aqui em baixo, é impressionante.
Uma parte de Solon achava interessante esse
método de vida.
— Anastácia demorará para vir até aqui, ela
deve estar presa na cozinha. Tem reclamando sobre
isso. Desde que ela começou a fugir das ordens de
Eldor, ele a tem colocado no trabalho braçal. —
Confidenciou.
— E isso importa...? — Ele não entendeu
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imediatamente.
— Esse lugar está vazio. Você pode resolver
meu problema aqui mesmo. Não é preciso voltar
para aquele quarto... Abafado e cheio de poeira. —
Alegou, irritada.
Estava cansada de respirar pó de terra.
O descaso da fada ofendia. Qualquer elfo se
sentiria ofendido em sua virilidade por conta de seu
pouco caso.
Se Solon não estivesse convicto que por trás
de tanta amargura e raiva havia uma fada carente e
desesperada por amor, Solon desistiria dela.
— Está me convidando para fugir do trabalho
pesado e aproveitar essa água fresca e convidativa?
— Optou pelo humor, para suavizar a situação.
— Estou pedido para acabar logo com isso
— ela disse cansada.

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Exausta emocionalmente.
Parecia ser a única forma de acalmá-la. Solon
ainda pensava que era melhor tentar outras
alternativas, mas não a deixaria desesperada
tentando acabar com o cio nos braços de outro elfo.
— A água está convidativa — ele disse
aproximando-se. — Porque não relaxa um pouco?
— Está sempre me dizendo para relaxar —
ela avisou.
— Sim, porque você está sempre nervosa e
tensa. Está sempre furiosa.
— Eu não estou furiosa. Eu sou furiosa.
Você que ainda não notou isso. — Foi franca.
— Hum, eu ainda quero ter a chance de
conhecê-la fora do Ministério do Rei, sem ameaça
da clausura ou acusação de assassinato. Sem
ninguém coagindo-a a fazer o que não quer. Então,

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voltaremos a falar sobre isso. O que me diz? Você


pode dar uma chance a si mesma?
Alma pensou em lhe perguntar para que
serviria isso. Mas se calou. Solon havia erguido a
mão em sua direção e ela aceitou o pedido,
colocando sua mão sobre a dele. Era um toque de
apoio, no entanto, sabia que precisaria começar a
copula por algum lugar, e provavelmente era um
toque de introdução.
Solon segurou sua mão, pois não duvidava
que Alma tentasse escapar do contato. A fada não
olhava em seus olhos e ele preferiu fingir não se
incomodar com isso. Puxou-a gentilmente para
perto, tocando sua cintura com a outra mão.
Foi o bastante para Alma encará-lo com
acusação. Diante de sua fúria e indignação
feminina Solon precisou sorrir. Não era deboche,
apenas achava graça de tanta raiva desnecessária.

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Solon baixou o rosto bem devagar e ela foi


afastando a cabeça, fugindo de qualquer contato.
— Eu vou beijá-la — ele avisou, e soo como
um pedido — eu posso beijá-la? Não corro o risco
de levar uma mordida, levo?
— Eu não sei — foi franca.
Seus lábios estavam entreabertos, pois
pretendia falar mais alguma coisa, mas Solon não
esperou para saber o que seria. Aproveitou o
momento e grudou seus lábios aos dela, pegando-a
de surpresa. Do jeito esquivo que a fada era, melhor
seria contar com o fator surpresa ou jamais
conseguiria tocá-la.
O primeiro contato em seus lábios lhe
pareceu ofensivo, ele lhe roubava um beijo e ela
não gostava da sensação de ser enganada. Então, o
beijo começou de verdade, um toque gentil e doce e
Alma não acompanhou, por inexperiência e
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surpresa, mas quando Solon mordiscou seu lábio


inferior, algo queimou dentro dela. Apertou a mão
na dele e Solon fez o mesmo em sua cintura, como
quem responde que é assim mesmo.
Ele mordiscou de novo e ela fechou os olhos,
aceitando o beijo. Foi um segundo de rendição, que
Solon aproveitou. Soltou sua cintura, sua mão,
segurando seu rosto com ambas as mãos,
aprofundando o beijo de um modo delicioso
enquanto afundava uma das mãos em sua nuca e
baixava a outra para suas costas, em torno das asas.
Alma arqueou o torso ao sentir a pressão em
suas costas, em um ponto aprazível, sendo cingida
contra o peito, soltando seus lábios para que
pudesse respirar.
Face corada, lábios entreabertos e úmidos.
Era tão bonita, a face de traços fortes era muito
bonito com aquela expressão de confusão. Ela

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queria estar com raiva, mas não estava.


Os cabelos lisos, macios e castanhos
acariciavam o braço de Solon e ele baixos os olhos,
cravando-os no vão entre os seios que se
sobressaíam pelo decote da túnica. Alma quis
reclamar, não gostava quando os elfos a olhavam
assim, mas esse olhar em especial não a incomodou
tanto assim, por isso, ela não encontrou palavras
para reclamar.
Solon tornou a beijá-la, dessa vez
provocando-a com pequenos beijos nos lábios sem
aprofundar um contato maior. Ela ondulava o belo
corpo, o cio deixando o repouso em seu interior,
para comandar seus atos, e Solon sorriu quando ela
ergueu uma das mãos e segurou em seu cabelo
escuro, como quem quer causar dor.
Ele sentiu esse puxão e obedeceu, sugando
sua língua com a sua para uma troca intensa de

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saliva e paixão. A dor nesse caso era aliada do


desejo, não o contrário.
Calados, Solon não ouvia muita coisa, pois
não conversavam. Mas Alma ouvia o som molhado
do beijo, os gemidos de ambos, e esses sons eram
excitantes e afrodisíacos.
Alma nem percebeu quando agarrou os
cabelos do elfo com ambas as mãos e pediu por
mais beijo. Pedia através da voracidade com que
correspondia ao beijo.
Solon não a decepcionou, ofertando-lhe
exatamente o que precisava. Era elfo, e estava
abalado pelo cio da fêmea, mas usava de todo
autocontrole aprendido no treinamento de
Guardião, mais do que isso, aprendido com a vida,
depois de tantas decepções e sofrimentos, para
resistir ao impulso de dominar e possuir.
Ele escolhera aquela fada para si meses atrás,
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e seu sentimento não mudou. Queria agradá-la e


fazê-la macia em suas mãos. Não queria tensão e
retaliação. Muito menos paixão escachada, que não
corresponde e sim absorve.
Seu interesse na fada era profundo, beirando
sentimentos como amor. Solon não confiava em
fêmeas o bastante para usar essa palavra, mas
quando pensava em Alma, sentia-se pronto para se
deixar cair por ela, pensar em algo além da paixão.
Solon sufocou o sentimento negativo que
guardava dentro de si a cerca das fêmeas e
concentrou-se naquela em especial que queimava
em suas mãos.
O sabor da fada era delicioso e ele lambeu
seus lábios antes de terminar o beijo, sussurrando
em seu ouvido, enquanto mordiscava o lóbulo,
mantendo-a aconchegada ao seu corpo:
— Pronta para um mergulho inesquecível?
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Alma sentiu vontade de perguntar-lhe o que


tinha demais em um mergulho. Ou se ele estava
mais interessado na água convidativa do que nela.
Mas não disse nada. As palavras nunca foram seu
forte e agora, pareciam extraditadas totalmente de
sua mente.
Solon imaginava a confusão que deveria
estar ocorrendo dentro daquela cabecinha repleta de
pensamentos desencontrados. Amoleceu suas
negativas com suaves mordidas em seu pescoço,
enquanto se desvencilhava de suas mãos ansiosas
em apertar.
Alma fitou-o com olhos largos, curiosos e
um pouco repressores. Íris castanha tomada pelo
desejo, enegrecida, pois ela enxergava algo que
desejava e desejava muito.
Solon manteve o contato visual enquanto
derrubava a túnica por seus ombros. Alma não se

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importava com nudez, nunca foi apegada a pudores


referentes ao corpo ou vaidade, mas se importava e
até demais, com as mãos grandes que acariciavam
sua pele enquanto levavam o tecido por seus
braços.
O decote da roupa raspou seus mamilos rijos
e ela entreabriu os lábios surpresa com a sensação
aprazível, notando que Solon baixava seus olhos
para estudar a reação do seu corpo, reparando que
os seios eram grandes, não exagerados, mas
graúdos, cheios e rijos, vendo de perto os
pontículos eriçados, em rosa escuro, enrugados e
pontudos, atiçados pelo cio ou quem sabe, por um
desejo antigo que a fazia pensar muito em Solon
desde que esbarrara com ele a primeira vez, ainda
na Vila dos Desesperados, enquanto ajudava Driana
a fugir.
O tecido cedeu, amontoou-se aos seus pés.

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Alma fechou os olhos quando Solon curvou-se para


o chão e segurou sua canela, retirando sua sandália
de couro costurado artesanalmente.
Ele não retirava os olhos das curvas da fada,
e pousou um beijo em sua barriga, exatamente
acima do púbis, onde havia um sinal de nascença
deliciosamente inocente esperando por um carinho.
Faltou malícia para que Alma notasse que
enquanto descalçava seus pés, Solon aspirava o
cheiro de sua intimidade, e observava o vale que
revelava a cada vez que erguia seu tornozelo para
retirar o sapato.
Precisava de controle. E não era nada fácil
com uma fada que o cativava há meses e ainda por
cima, estava no cio. Nua, Alma abriu os olhos para
ver o que ele fazia. Solon segurou sua mão, a
mesma que Alma usava para afastar os cabelos da
face e jogá-los para trás, para que não a

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incomodasse nessa hora de confusão e descobertas.


Solon a puxou gentilmente para a água.
— Entre. Eu já vou — prometeu e Alma não
controlou a vontade de reclamar:
— Não fale como se eu fosse uma boba. Sei
muito bem o que vai acontecer. Não precisa ser um
professor. Isso nem deveria estar demorando tanto.
Solon optou por não retrucar e começar uma
discussão. Alma era fêmea e estava em seu direito
de tirar seu juízo.
Afinal, ele que estava escolhendo uma fada
complicada.
Cabia a ele protegê-la de ferimentos e
agressões, quando era a própria Alma que estava
disposta a se machucar. Ela esperava o pior das
pessoas e vinha recebendo exatamente isso durante
toda sua vida.

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Alma afastou o quadril, tocada por um desejo


que a envergonhava. O modo como Alma lutava
para não gritar, brigar e ofendê-lo era louvável.
— Coloque a culpa do que sente no cio —
ele disse baixo, a voz rouca e falha, voz tomada
pela paixão. Uma voz que ela quase não
reconheceu. Assim como não reconhecia o olhar
azul, agora tomado por nuvens escuras, como um
céu prestes a ser possuído por uma tempestade
inesperada. — Se é culpa do cio, não tem porque se
preocupar. Vai passar quando tivermos acabado.
Alma pareceu entender o que ele dizia. Sim,
não era nada para se preocupar, ela não estava
caída no amor por Solon ou coisa parecida, seria
assim com qualquer elfo que desfrutasse do cio.
Alma não precisava tentar escapar, aquilo
teria fim. Resoluta, andou para a piscina de águas
límpidas e mergulhou. Não era de movimentos

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contidos. Apenas mergulhou graciosamente e


nadou braçadas pesadas, acalmando a ansiedade.
Solon admirou o trabalho da natureza
naquelas asas perfeitas e macias. Costas suaves,
longilíneas, nádegas grossas, cheias e firmes. Coxas
torneadas e canelas musculosas de quem sempre
correu muito.
Bem se lembrava dela correndo com suas
amigas, sempre fugindo do Ministério do Rei com
alguma carcereira esbaforida correndo atrás das
meninas fugitivas. Quando era Miquelina, sua mãe,
Solon achava ainda mais graça das estripulias das
fadinhas. E as fadinhas haviam deixado para trás a
inocência de criança e se transformaram em fêmeas
lindas, No caso de Alma, uma fêmea pronta para
começar uma vida a dois e ser repleta de alegrias.
Bastava sossegar o facho e deixar de lado os
pensamentos negativos. Solon era um otimista nato

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e não se assustava com ela.


Alma era assustadora em alguns momentos,
mas ele preferia a sinceridade total, mesmo que em
carne viva, do que a falsidade singela e doce de
uma mentira.
Alma parou de nadar e virou-se em sua
direção, olhando para ele com expectativa. Ela
poderia mentir o quanto quisesse, mas seus olhos
pediam por sua presença.
E atiçado por seus olhar, Solon despiu as
roupas correndo, sem notar onde suas botas caíram,
uma delas infelizmente boiando na água, enquanto
suas roupas jaziam no piso repleto de pedras
coloridas.
Alma sentiu um arrepio percorrer sua espinha
quando o elfo ficou nu e excitado, diante do seu
olhar.
Ele mergulhou na água e ela baixou a cabeça,
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afundando para escapar dele...

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Capítulo 16 - Embaixo da cama

Solon encontrou-a do outro lado da piscina.


Alma havia mergulhado e parecia precisar desse
momento de fuga para reencontrar seu eixo de
autocontrole. Pois bem, ele não queria que isso
acontecesse.
Mergulhou atrás dela, surpreendendo-a ao
pegá-la com ambos os braços ao redor de suas
coxas erguendo-a para cima. Ela puxou ar com
força quando foi erguida bem acima da linha da
água. Solon ria, como uma criança pega fazendo
arte.
— O que... O que está fazendo? — Ela

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perguntou com ambas as mãos em seus ombros,


como apoio. Olhava para baixo, pois ele a erguia
bem acima da própria altura.
— Estou tentando fazê-la sorrir. — Solon
disse sincero, começando a soltá-la de leve, o corpo
feminino resvalando contra o seu enquanto descia
de volta para a água. — Não brigue comigo,
fadinha. Não me condene por gostar dos seus
escassos sorrisos.
Alma não ousou falar sobre isso. Era um
assunto perigoso. O modo como o elfo a olhava...
Não saberia descrever. Mas caso tentasse, diria que
seus olhos azuis escurecidos pela paixão pareciam
duas estrelas perdidas em um céu noturno, onde a
lua havia partido e deixado para trás apenas a sua
mágica presença. Como se aqueles olhos
procurassem por algo e encontrasse esse algo ao
olhar para ela.

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Ela lutou para não fechar os olhos e gemer,


pois o contato dos seios no peito musculoso do elfo
era muito aprazível. Para ser franca, o contato de
todo corpo no seu, era assustadoramente prazeroso.
Solon introduziu uma das mãos entre seus
cabelos molhados e agarrou sua nuca, obrigando-a
a olhar em seus olhos, sem uma segunda opção.
— Eu quero que você desfrute disso. É um
pedido, mas se for mais fácil lidar como se fosse
uma ordem... Então, é uma ordem. — Alertou.
— Eu não estou tocada pelo cio — avisou,
pois ele precisava saber disso.
Estava excitada, mas não era nada
comparado a como deveria ser o cio. Solon notou
isso desde o começo. Não quis lhe dizer que ela
possuía um forte bloqueio que barrava seu dom
completo, provavelmente, também reduzia os
instintos do cio a tênues nuances de fogo. Nada
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mais do que isso.


— Talvez seja melhor dessa forma. Apenas
você e eu. — Ele trouxe sua cabeça para junto da
sua e roçou os lábios nos seus bem de leve. —
Somente nós dois.
Alma não soube o que pensar. Solon
reivindicou sua boca em um beijo de roubar o
fôlego e Alma sem notar enlaçou-o com os braços.
Uma das mãos em sua cabeleira negra, a outra em
suas costas, embaixo do braço, os dedos agarrando
a carne masculina com o mesmo desespero com
que agarraria a uma tábua de salvação no meio de
um naufrágio.
Sua mente lhe trouxe imagens na mente.
Imagens feias de como poderia afogá-lo facilmente
ou empurrá-lo até que sua cabeça batesse no fundo
da piscina coberto de pedras coloridas... E Alma
cortou o beijo, afastando a cabeça, assustada.

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Empurrou-o e naquele instante pretendia sim


encerrar o momento. Solon foi atrás, e a agarrou
por trás antes que Alma pudesse alcançar a borda
da piscina. Ele não achava que seria fácil lidar com
a fada, sempre soube que seria difícil.
Sua mão imediatamente tocou sua barriga e
desceu, pretendendo seduzi-la de modo mais eficaz,
menos cavalheiresco, pois com Alma excesso de
zelo causava impaciência ou fornecia tempo para
fugas.
Atacou seu pescoço com beijos molhados e
as asas se agitaram. Solon sussurrou em seu ouvido
no mesmo instante em que sua mão desceu da
barriga para entre suas pernas, deixando-a sem
ação:
— Acalme suas asas, fadinha. Quieta, eu não
vou parar agora.
Alma sentiu um frisson de antecipação e
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conteve as asas, dobrando-as junto as costas.


Aliviado, pois Solon não tinha certeza se ela o
ouviria ou não, desceu os carinhos por seu ombro,
devorando a pele molhada enquanto agarrava um
seio, apertava a carne macia com dedos ansiosos.
Ela gemeu, surpresa pela sensação e empurrou-se
contra ele, esfregando, sem notar, as nádegas em
sua ereção. Solon gemeu em seu ouvido, enquanto
mordiscava ombro, pescoço e ouvido.
Sua outra mão enveredou por território
inocente, nunca antes explorado, e o primeiro roçar
dos dedos longos em seus grandes lábios arrancou-
lhe um gritinho miado de surpresa.
Precavido, Solon soltou o seio e tapou sua
boca com a mão, para que seus gritos não virassem
berros e causasse dano a todos os outros elfos e
fadas que viviam naqueles labirintos subterrâneos.
Os dedos alisaram a região macia entre suas

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pernas, um deles avançou por entre os lábios


maiores, encontrando o ponto de prazer, onde
passou a rodilhar a ponta do dedo, para aquecê-la e
amolecer seu coração sempre tão carregado e
pesado.
Alma fechou os olhos, o corpo todo
recostado no dele, enquanto a água morna banhava
suas curvas, alisando e acariciando cada centímetro
de pele carente de atenção.
Os dedos de Solon seguiram tocando-a
intimamente e Alma agarrou a mão que prendia sua
boca. Por isso, ele confiou de soltar seus lábios e
descer os dedos de volta para seu seio. Tocá-la era
delicioso e estimular o corpo feminino levava o
dele muito perto do clímax final.
Alma conteve os gritos por um tempo,
concentrada no balanço dos corpos, no movimento
da água, no roçar do dedo entre suas dobras

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íntimas. O mundo poderia ser feliz assim, pensou,


apenas sentindo aquela emoção doce e crescente
que enchia seu ser de uma vibração nova e
desconhecida.
Em uma crescente de paixão, Alma gemeu
muito forte quando ele juntou mais dedos e usou a
mão inteira para tocá-la, dessa vez, empurrando um
dedo gentilmente para dentro, enquanto o restante
da mão estimulava o clitóris.
Ele não foi fundo o bastante para romper o
hímen, mas fundo o bastante para enlouquecer a
fada resistente em seus braços e a levar a um
sobressalto sem volta. Muito perto, avolumado em
seu ventre um crescente de paixão que parecia
insuportavelmente perto de explodir, mas que não
acontecia.
Desesperado para agradá-la e poder ter sua
chance de possuí-la sem culpas, Solon soltou o

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toque e a deixou sozinha na água por exatos três


segundos. Alma virou para ele, olhando-o com
acusação, sem entender o que acontecia.
Não era nada demais, quis lhe dizer, apenas
queria ter a chance de ver seus olhos e saber como
se sentia.
— Isso acaba assim? — Ela perguntou, sem
ar, assustada com a decepção que sentia.
— Não. — Solon andou para ela e a cada
passo, Alma afastava-se um novo passo, até sentir a
borda da piscina em suas costas. Estava de pé na
parte mais rasa, água em seus ombros, pois os dois
eram quase da mesma altura.
O elfo olhava-a como se pudesse lhe tirar um
pedaço a qualquer momento e Alma não duvidou
que se fosse um raptor, ele o fizesse. Era algo
carnal que não se explicava com palavras e sim
atitudes.
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Com as mãos embaixo da água, Solon


esfregou entre as pernas da fada mais uma vez,
lambendo os dedos a seguir. Hipnotizada pela
imagem, ela entreabriu os lábios e não disse nada
quando ele esfregou os dedos nos lábios dela
também.
Ela gemeu baixinho e foi o convite que Solon
esperava para descer as duas mãos e afastar suas
pernas, ambos de pé, e encaixar o quadril entre
elas. Ergueu uma das pernas da fada, para que ela
se abrisse bem largo para sua invasão. Alma
manteve a perna erguida e para isso, precisou
agarrar em seus ombros.
— Não aperte, apenas segure. Não seja bruta,
fadinha — ele pediu, seduzindo-a com beijos doces
em seu rosto.
A resposta foram unhas fincadas em sua
carne com mais força. Solon grunhiu em um misto

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de prazer e dor, e em represália, esfregou seu


membro em sua intimidade, antes de se empurrar
um pouquinho, começando a deflorar a fada que
apenas mantinha o corpo rijo, tenso e assustado.
Solon distraiu-a com carícias no colo e com
um empurrão tentou ganhar espaço, sem sucesso.
Tentou um beijo, mas ela não correspondeu. Seus
olhos arregalados era um indício que não sabia
lidar com o que acontecia, que estava um passo de
se descontrolar e perder a razão de um modo
desagradável.
Solon tentou um carinho menos doce,
abocanhou um seio, atacando o mamilo com beijos,
chupões e mordidas na tentativa de distraí-la dos
pensamentos hostis e trazê-la de volta para seus
braços, de volta para o ato entre os dois.
Alma esqueceu por alguns segundos o medo
pelo desconhecido, do medo pelos sentimentos que

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Solon lhe despertava e desfrutou das carícias rudes


em seu seio. Por isso não ofereceu resistência, ao
contrário, sua intimidade inundou-se de excitação e
facilitou a penetração.
Com um empurrão de quadril, Solon
encontrou a barreira da castidade da fada e rompeu-
a, ganhando espaço e profundidade.
Ela gemeu e Solon precisou beijá-la, era uma
necessidade sua, dividir com Alma esse momento
de conquista e satisfação em fazer sua a fada que
desejava há tantos meses.
Foi correspondido e o beijo acompanhou os
movimentos gentis que ele executava com o
quadril. Sempre gentil, para não ferir a preciosidade
em seus braços. Bem devagar era bom e pelo modo
como Alma escapou do seu beijo, olhos fechados,
expressão de entrega, ela sentia o mesmo.
Solon voltou a acariciar seus seios, fonte de
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prazer inesgotável para sua fêmea e movimentou o


quadril no ritmo que parecia agradá-la. Sempre
devagar, sempre cadenciado, sem força, sem
brutalidade. Ela merecia carinho, atenção,
dedicação. Ela merecia tudo e mais um pouco, e ele
estava pronto para lhe entregar seu coração, toda
sua esperança de felicidade na vida.
Alma assistiu o elfo e sua expressão de
prazer, pois para ele estar dentro do corpo quente,
macio e cálido, era delicioso. Alma era estreita,
mas perfeitamente capaz de levar seu membro sem
sofrimento, e Solon sempre se orgulhou de ser um
elfo bem dotado. O encaixe era perfeito, por conta
de seus gemidos baixos, ele supôs que não
houvesse resquícios de dor.
Na dúvida, Solon parou de movimentar o
quadril e a beijou, oferecendo uma pausa, para se
acostumasse à sensação nova. Não concebia a ideia

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de ser a causa de mais mágoa e rancor no coração


tão machucado de Alma.
Alma não gostou que houvesse parado.
Retribuiu o beijo, pois não queria pedir que
continuasse, esperava que ele o fizesse sem precisar
se expor tanto. Solon desceu ambas as mãos por
entre suas asas e agarrou a carne opulenta de suas
nádegas, puxando-a para cima, penetrando-a outra
vez, acelerando um pouco o movimento do quadril,
surpreendendo-a.
Alma não havia sentido muita dor com a
intrusão inicial, quando seu hímen foi rompido,
mas se ressentia do desconforto inicial. Quando ele
parou foi um alívio para essa sensação estranha.
Agora, retomada a paixão, ela queimou.
Solon a segurou com firmeza. Força não lhe
faltava. Alma abriu os olhos para enxergar se o elfo
olhava para ela. Sim, ele olhava. Quis lhe contar do

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barulho ensurdecedor em seus ouvidos. Um


zumbido forte, que vinha de dentro para fora. Mas
não teve coragem para tanto.
Soltou os braços que tinha enrolado em seu
pescoço e seu corpo planou para trás, na água. Suas
asas mergulhadas totalmente na água se moveram,
batendo ferozmente, refletindo o prazer que Alma
não sabia expressar com palavras ou demonstrar de
modo mais afetuoso.
Solon gemeu, sustentando seu peso,
encantado pelas formas bonitas, os seios cheios
empurrados para cima, balançando a cada funda
penetração. Alma esticou os braços, permitindo que
seu corpo desligasse de todas as preocupações,
todas as raivas, rancores e medos, e simplesmente
desfrutou da sensação que explodia em sua
intimidade e envolvia seu ventre.
Era intenso, era estranho, era única a

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sensação de ser possuída lentamente, com tanta


delicadeza. Alma gostaria de poder descrever com
palavras a sensação de paz que insistia em se
infiltrar por dentro da opressão do seu corpo. A
tensão sexual atingiu seu ápice e Solon puxou-a
para si, abraçando-a junto ao seu peito, quando
sentiu que Alma se contraia e estava prestes a
atingir o ápice.
A fada não olhou para ele, escondeu o rosto
em seu ombro, e Solon pode afundar-se de um
modo que evitava para não ferir sua fada escolhida.
Alma mordeu o peito firme do elfo, cravando seus
dentes de um modo doloroso e não se arrependeu
disso. O sentimento queimou em seu interior e
levou um susto diante do seu primeiro orgasmo.
Tão forte que a fez esquecer-se de respirar por
alguns curtos segundos.
O elfo se movia dentro do seu corpo e Alma

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quis fugir. Havia acabado para ela e podia acabar


para ele também. O simples pensamento de um elfo
que seguia ordens de rainha Santha estar
divertindo-se com seu corpo era indigesta. Não era
um pensamento real, pois ela havia escolhido
aquele elfo em especial, sabendo muito bem quem
era e de quem recebia ordens.
Mas o terror pelo final do cio havia acabado
e ela se julgava pronta para esquecer aquela loucura
e obter seu dom completo.
Chegou a empurrar Solon e tentar
desvencilhar as pernas das dele. Era forte, por isso
conseguiu soltar as pernas e precisou lidar com o
sentimento de prazer escancarado ao sentir o
membro deslizar para fora de si, tão rijo e longo.
— Acabou. Pode me deixar em paz agora.
Está acabado — ela disse arfante, conseguindo
impor espaço. Chegou a virar de costas para sair da

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piscina.
Solon a segurou por trás, ambas as mãos
agarrando seus seios, apertando-os entre os dedos
de um modo que não poderia ser ignorado.
— Eu a ajudei sem pedir nada em troca. Não
seja mal agradecida, Alma.
Ela ouviu seu pedido e quase sorriu. Tocou
suas mãos e obrigou-o a soltá-la. Olhou em seus
olhos e então desceu os olhos para seu corpo. Era
impressionante pensar que aquilo tudo estivera
dentro dela. E pior, que havia apreciado isso.
Seus cabelos longos e molhados formaram
uma cortina molhada em suas costas, sobre as asas
agora quietas e dobradas junto a pele, quando ela
andou para a borda e saiu da água. Nua, sentou-se
no banco de madeira que adornava o amplo salão.
De costas para ele, ignorou-o.
Solon esperou que Alma voltasse. Esperou
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em vão. A ingrata não se importava nem um


pouquinho com ele. Indignado, socou a água em
sua volta, mas não lhe deu o gostinho de ir atrás
dela. Passou uma das mãos pelo cabelo, nervoso e
olhou para si, naquela situação indigna.
Não restava alternativa além de aplacar o
fogo nadando e queimando a energia acumulada
durante o ato, energia que não pudera extravasar.
— Se eu soubesse que faria isso comigo não
teria me preocupado com você, sua fadinha ingrata
— ele fez questão de dizer antes de mergulhar.
Alma respirou aliviada quando ele ocupou-se
de fortes braçadas, deixando-a em paz. Olhou-o,
sem virar na direção da piscina. Suas mãos tremiam
e fitou-as sem entender porque estava assim. Suas
pernas ainda estavam bambas. Apesar o ato ter
ocorrido na água, ela estava um pouco suja em
regiões íntimas e inconfessáveis.

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Ela esqueceria logo o acontecido. Sim, era o


que aconteceria. As braçadas fortes não cessavam e
após uns dez minutos, ela percebeu que ainda
estava nua e não fizera um único movimento no
sentido de se vestir.
Talvez inconscientemente quisesse que Solon
viesse atrás dela? Porque não? Ele lhe disse que
tinha planos de cortejá-la, não é? Que lhe enviara
um presente meses atrás? Era de esperar que fosse
tentar seduzi-la mais uma vez após a rejeição, não
é?
Fechou os olhos agoniada ao pensar que nem
sempre a vida é do modo que deveria ser. Solon
estava humilhado e a culpa era sua. Além disso,
havia se mostrado respeitador e protetor, não
abusaria de uma fada indefesa.
Alma levantou e segurou a bata diante do
peito, numa parca proteção para a nudez.

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Aproximou-se da beirada da piscina e ele parou de


nadar, encarando-a:
— Se eu lhe mandasse mergulhar e ficar no
fundo da piscina até perder o fôlego e sentir os
pulmões repletos de água o que você faria? —
Perguntou-lhe e Solon achou que estava ficando
louca.
— Eu a mandaria para um lugar bastante
ofensivo e lhe daria umas boas palmadas no
traseiro para que perca a vontade de tentar me
assassinar o tempo todo! — Respondeu com uma
pitada de humor.
Alma não esperava por isso!
— Acontece que eu deveria estar
conseguindo hipnotizá-lo! — Lembrou-o disso.
— Bem, eu tinha razão. Tem algo
bloqueando seu dom e não é o cio. Ou... O fato de
você ter interrompido o ato.
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— Eu não fiz isso — ela negou, sem


compreender.
— É claro que fez. Perdeu sua castidade,
fada, mas ainda posso farejar o cio. — Mentiu
descaradamente.
Alma mal acreditou que isso pudesse ser
verdade. Revoltada consigo mesma, deixou a túnica
cair no chão e mergulhou graciosamente na água.
Solon sorria quando ela emergiu.
Escondeu o sorriso para que não soubesse
que a ludibriava.
Água banhava a face sempre franca e séria de
Alma.
— Eu não posso demorar muito tempo aqui.
Seja rápido.
— Hum, e quem disse que eu quero
continuar? — Segurou seu queixou e pousou um

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beijo delicado na pontinha do seu nariz. — Não


quero mais.
— Está mentindo — ela disse cínica, olhando
para baixo, para a imagem que a água revelava, o
corpo masculino ainda tocado pelo desejo — eu
não gostaria de estar fazendo isso quando Anastácia
vier atrás de mim por ordens de Eldor.
— Não estou mentindo. Estou brincando com
você — ele afastou-se e encartou a fada. — Não
vou erguer um único dedo em sua direção.
Alma mergulhou para na verdade esconder
um sorriso. Não queria que soubesse que achava
graça quando agia assim com ela e que gostava de
rir com ele, pois assim, esquecia todos os
problemas e desilusões da vida.
Solon observou-a nadar para o lado oposto.
Alma ficou de costas e apoiou ambos os braços na
beirada da piscina, olhando para trás, perguntando:
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— Você vem?
Sim, ela também não ergueria um dedo para
fazer isso acontecer.
Solon não recusaria aquele convite. De modo
algum! Ansioso, nadou em sua direção e encurralou
a fada, beijando seu pescoço por entre os cabelos
longos e macios. Alma fechou os olhos e saboreou
o carinho, sentindo a tensão voltar para seu corpo
ou apenas, ser reacendida, pois na verdade, ainda
pairava em seus nervos sempre tão agitados.
Solon acariciou seus ombros, desceu os
beijos para suas costas, naquele caminho entre as
asas, acariciando a junção das hastes, uma região
extremamente excitante para uma fada. Ela se
contorceu, incapaz de disfarçar o prazer.
Solon segurou as asas e ajudou a abri-las,
para que pudesse acariciar os filamentos e as
junções, causando-lhe arrepios descontrolados.
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Sim, havia encontrado um gatilho perfeito


para enlouquecer a fadinha em seus braços.
Algumas fêmeas eram extremamente sensíveis nas
asas, outras não. Alma era uma das sortudas a
desfrutar de prazer ao ser tocada nas junções e
filamentos.
Era uma arma de sedução para não ser
esquecida no futuro.
Desceu os beijos e agarrou seus quadris com
ambas as mãos, erguendo suas nádegas para cima,
para poder beijar o caminho dentre elas. Alma
engasgou-se com água e tentou perguntar-lhe o que
faria, mas Solon não lhe deu chance de formular
perguntas antes de prová-la com a língua.
A água não era empecilho para a carícia e
Alma se contorceu em um prazer tão forte quanto o
desamparo que sentia por estar entregue as suas
mãos habilidosas. Ele era um amante gentil e

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experiente, nada ansioso.


Solon gostaria de ter mais tempo para
usufruir do ato, mas ela tinha razão ao dizer que
logo seriam pegos no flagrante. Deveria ser um ato
fugidio e não prolongado. Era inevitável tentar
fazer amor com Alma e não sexo. Ela poderia negar
o quanto quisesse, mas havia sentimentos entre os
dois e esses sentimentos vinham a tona quando
estavam juntos.
O sabor do sexo da fada era delicioso e nesse
momento, ele evidenciava o cio com força total. O
bloqueio emocional de Alma a impedia de desfrutar
dos sentimentos aguçados que o cio induzia e Solon
tentava acompanhá-la, não se deixar levar apenas
pelo cheiro forte. Lambeu e sorveu desse gosto,
fazendo o corpo da fada responder com arrepios,
tremores e gemidos involuntários. Ela se contorceu
e agarrou uma das mãos de Solon, que a segurava,

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e esse aperto era como um pedido por mais.


Ele sugou com força e Alma gritou. O prazer
foi forte demais para conter um grito. Da primeira
vez havia sido diferente, mais calmo, suave e doce,
mas agora, era um furacão varrendo tudo dentro de
si, levando todas as conclusões, dúvidas e
carências.
Solon tornou a tapar sua boca, com medo que
começasse ferir pessoas com seus gritos
guinchados, e ergueu o corpo. Alma não viu
quando ele se guiou para dentro, forçando caminho,
mas sentiu a penetração e segurou sobre a mão
dele, que a mantinha calada.
Era forte, duro e rápido, muito diferente da
sua tentativa de ser carinhoso e gentil da primeira
vez. Ele queimava de paixão e não lhe daria a
chance de fugir uma segunda vez. As asas de Alma
bateram com força e ele grunhiu de prazer ao sentir

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o toque das fadas em sua carne. Se ela fazia isso


para machucá-lo teria que se esforçar um pouco
mais, pois o agradava em muito o toque das asas.
Solon gemeu e empurrou com força, quase os
derrubando. Ergueu um dos braços e segurou na
beirada da piscina para apoiar os dois corpos,
empurrando dentro da fada com força.
Alma mordeu a mão que a mantinha calada,
não por desejar ser solta, mas sim, pois não
conseguir se controlar. Era mil vezes mais forte que
da primeira e segunda vez. Enxergava tudo
colorido sob as pálpebras fortemente fechadas e
ouvia algo que acontecia dentro do seu corpo. Algo
que somente ela sabia que estava lá. Como um
cálice de cristal precioso caindo ao chão e
estilhaçando-se. Era assim que se sentia ao ser
jogada outra vez num precipício chamado gozo.
Dessa vez foi acompanhada por Solon, que varreu o

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interior de sua intimidade com tudo que tinha para


lhe oferecer.
Era assim que uma fada emprenhava no cio,
pensou, desacorçoada. Solon foi parando os poucos
e descobriu sua boca, apenas para segurar seu
queixo e virar seu rosto um pouco de lado, para lhe
roubar um beijo.
Um beijo diferente dos beijos desfrutados até
aquele instante. Alma girou em seus braços e
agarrou sua nuca, segurando em seus cabelos, sem
notar acariciando o elfo que deveria detestar. Solon
ajudou-a a planar, as pernas em tono dele, os seios
grudados em seu peito, braços unidos e
provavelmente recomeçariam tudo outra vez.
Foi Alma quem ouviu um som de susto e
abriu os olhos, notando que Pía estava encarando-
os com horror, enquanto Anastácia parecia mais
ocupada olhando para o corpo do elfo, do que para

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a fada em questão. Solon reparou, pois Alma


reparava. Não havia ouvido nada em especial.
Pía saiu correndo e Anastácia fechou a porta
e permaneceu em seu canto, aguardando novas
ordens. Como serva, não deveria reparar em nada
que acontecia com seus senhores.
— Você deve ir agora — Alma disse para
Solon, sem ar, as palavras um pouco engasgadas
em sua boca.
— Sim — ele concordou. — Não conte a
elas do seu dom verdadeiro. Eu sei que tem algo a
bloqueando e agora sabemos que não é o cio. —
Sorriu sem vergonha, lhe roubando um novo beijo
antes de se afastar. — Falaremos disso mais tarde,
quando estivermos a sós.
Alma não queria sorrir por nada no mundo. O
certinho Guardião Solon havia enganado uma
fêmea com mentiras para obter a conclusão do ato
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sexual? Se ela não fosse à dita fêmea poderia achar


adorável.
Displicente, ele saiu da água e apanhou as
roupas, vestindo-as sem se importar com a nudez.
Alma não gostou de ver Anastácia olhar
despudoradamente o elfo em todo seu esplendor.
A fadinha chegou a estufar o peito de
vaidade quando ele passou bem perto, para sair da
casa de banho.
Sem saber o que pensar de si mesma e do que
aconteceu, Alma mergulhou e ficou sob a água por
alguns preciosos segundos, tentando pensar com
clareza.

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Capítulo 17 - Vendo o futuro

— Fico feliz que não pretenda escolher Eldor


— Anastácia disse enquanto segurava a toalha para
que Alma saísse da água.
— Não fale de assuntos que não conhece —
ela disse tentando se irritar, mas era difícil sentir
qualquer coisa além de satisfação plena e perfeita.
Seus cabelos molhados ficaram para o lado,
sobre seu peito, enquanto vestia o vestido bordado
com fios e ouro. Roupas dignas de uma rainha.
Uma fada pode se acostumar com tanto luxo,
pensou triste, por um instante.
Veio-lhe a mente o pensamento de como

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estariam suas amigas. Driana lhe contara


brevemente, durante o momento em que se
encontraram no Vale dos Desesperados, que havia
se deitado com o elfo que a perseguia, chamado
Acheron. Será que todas elas acabariam deitando-se
com seus perseguidores em nome da liberdade? Era
indigno, pensou.
Uma faixa foi amarrada em sua cintura e
Alma cutucou uma das pedras preciosas até soltá-la
do pano. Rodou a pedra nos dedos, notando os
olhos de Anastácia acompanharem o brilho da joia.
— Você quer? — Perguntou.
— Sabe que eu quero — ela disse sem
esconder a verdade.
— Lhe dou esta em troca de uma informação.
— Disse cautelosa.
— Dependendo das informações podemos
negociar — foi sincera.
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— Pois bem. Diga-me onde Eldor escondeu


as armas de Solon. — Estendeu a pedra em sua
direção e Anastácia pegou, sorrindo como uma
criança alegre.
— Na alcova de Eldor. Estão lá... Exibidas
como troféus. Eu sei, pois ele se deita com uma
fada que divide alojamento comigo. Ela sabe
muitos segredos, mas nem adianta tentar suborná-
la...Eldor a tem na palma da mão — avisou.
— E Pía? O que eu posso oferecer que a faça
ceder? — Foi direta, arrancando outra pedra
preciosa do cinto da roupa.
— Hum... — Anastácia parecia prestes a
pular de felicidade, pegando a joia, segurando junto
ao peito. — Ela quer se casar com meu cunhado,
Estevão. Mas Eldor quer que ele se case comigo. Se
você prometer a chance de viver esse amor... Pía
pode ceder.

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— Como é possível uma fada preferir um


elfo a ter suas asas? Eu ofereci a ela a chance de ter
suas asas! — Não acreditou.
— Não esqueça que para Pía o mundo lá de
cima não é real. — Anastácia lembrou.
As duas pararam de falar quando ouviram um
barulho ensurdecedor de passos.
— Veja, sua paz acabou — Anastácia disse
— Pía deve ter contado a Eldor o que viu.
Preocupada, Alma secou os cabelos
calmamente, a mente vagando nas lembranças do
que aconteceu naquelas águas. Sua castidade se
perdera nos braços do Guardião Solon. Sempre
havia o risco de emprenhar, mas contaria com a
sorte para que isso não acontecesse. Joan, sua
amiga, vivia dizendo que o pensamento tem força e
que se acreditamos que tudo ocorrerá de modo
correto, é o que acontecera.
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Alma fechou os olhos e pediu aos céus que a


ajudasse. Que a mãe de toda a natureza, olhasse por
seus filhos que sofrem. Que houvesse um momento
de paz em sua medíocre vida.
Abriu os olhos e fitou a água. Pensou ter
visto um movimento no centro da piscina, mas não
havia anda. Um movimento involuntário na água,
que a fez franzir a sobrancelha, mas não dar
atenção, pois a porta se abria e guardas de Eldor
entravam acompanhados por Pía.
— Eu não vou com nenhum de vocês —
Alma disse séria. — Digam a seu líder que não
quero vê-lo. Que estou cansada e vou me deitar.
— Cansada de deitar-se com outro? — Pía
cobriu a boca com a mão, chocada.
— Exatamente. Cansada de me deitar com
outro. Quero descansar. Acaso sou prisioneira de
seu líder? — Como nenhum deles disse nada, ela
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sorriu. — Pía deve me acompanhar até o quarto.


— Porque eu? — A menina não queria
ajudá-la. Estava revoltada com sua audácia em trair
seu líder.
Alma aproximou-se da fada, com uma
sensualidade que não sabia possuir e disse com um
olhar de segundas intenções:
— Porque é minha preferida.
Anastácia sabia o que faria, mas os guardas
não. Um deles tentou segurar seu braço e Alma
farfalhou as asas, e o princípio de som provocado
por elas, foi o bastante para que eles se
contivessem:
Com um olhar de aviso, Alma deixou a casa
de banho com a cabeça erguida. Não tinha do que
se envergonhar, não mesmo. A decisão era sua, seu
direito de fêmea em escolher quem lhe interessava,
e por mais que negasse, o elfo que a interessava era
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o mesmo com quem dividira aquele momento


especial.
No quarto, Alma mal esperou a porta se
fechada atrás de si para dizer:
— Diga a seu amante que posso ajudá-los. —
Pía pareceu assustada com essa informação. —
Sim, eu sei o seu segredo. Sei que Estevão pertence
a Anastácia. Mas ela não o quer. Eu faço um favor
a todos vocês. Vou embora e levo Anastácia
comigo. O que me diz? Tudo continua igual. A vida
que conhece não vai mudar pela minha ausência.
Diga sim, e sua vida será mais feliz.
— Não posso trair meu líder — Pía disse
baixando a face.
— Ele não precisa saber. Você não fará nada,
Pía. Apenas dirá uma informação de conhecimento
de todos, não é? Onde ficam as saídas para o
mundo lá de cima? Por onde os guardas saem e
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voltam todos os dias, e os elfos e fadas que habitam


os casebres do Vilarejo Sem Fim conseguem
passagem para ir e vir sem serem vistos? Conte-me
o segredo, Pía.
— Eu tenho medo — ela disse negando-se a
responder sua pergunta.
— Medo de Eldor? — Perguntou forçando a
jovem a ir a extremos.
— Não. Medo do que você disse ser verdade.
— confessou. — Medo que não havia guerra
alguma lá em cima e que todos nós tenhamos
desperdiçados nossas vidas aqui em baixo à toa...
O que Alma poderia lhe dizer? Calou-se para
que a jovem decidisse sozinha o que faria.
— Eu não posso contar nada. Mas posso lhe
dizer que Estevão levará alguns elfos e fadas para a
superfície amanhã cedo. É a única coisa que posso
contar. — Foi sincera.
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— É o que preciso para descobrir como sair


desse lugar — Alma disse respirando fundo. — E
você? Terá coragem de assumir o que sente?
— Pra que? Anastácia não lhe contou? — Pía
disse triste. — Estevão anseia pelo casamento com
ela. A ama. Ele não quer nada comigo. O que temos
é... Vento, que vem com intensidade, devasta tudo
que encontra no caminho e depois... Parte sem
deixar sinais de sua presença.
— Levo Anastácia comigo, ela têm coragem
de ver a superfície. Quer encontrar a irmã e a
sobrinha desaparecida. — Disse convencida.
— E o que muda? Estevão não me amará
mais ou menos por Anastácia estar longe. — Triste,
Pía aproximou-se da porta e perguntou. — Você
ama o elfo que escolheu?
Alma pensou nessa pergunta.
— Eu poderia ter amado. Se a vida fosse
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diferente, eu poderia ter aprendido a amá-lo —


confessou.
Pía partiu e Alma sentou na beirada da cama.
Apoiou as duas mãos no colchão, seus dedos
trêmulos. Por fora estivera firme, calma e serena.
Mas por dentro seu coração estava oprimido e
ansioso por uma resolução.
Se houvesse sido cortejada por Solon e
houvessem se casado, ela poderia ter se
acostumado a presença dele e ter aceito seu afeto.
Sim, ela sempre seria estranha, quebrada por
dentro, mas poderia ter se acostumado a uma vida
simples ao lado de um elfo que a amasse e também,
ao lado de suas amigas, sabendo que todas estariam
a salvo e felizes.
Mas o tempo de conjecturas havia findado e
Alma não podia perder tempo com isso. A vida é o
que é. E sua face mais feia era a face que encarava

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no espelho todas as manhãs.


Guardando dentro de si a mágoa, Alma
sufocou as lembranças do prazer, do calor, do
aconchego encontrado nos braços do Guardião da
Rainha Santha, e levantou. Precisava alertá-lo sobre
Estevão e a saída fortuita na manhã seguinte.
Sua mente sã lhe avisava que poderia esperá-
lo voltar a noite. Mas sua mente não controlava
suas ações. No fundo, temia uma represália de
Eldor contra Solon por ter se deitado com ela.
Por mais que vivesse insistindo em pensar
coisas feias, ainda assim, Alma lembrava-se da
fragilidade do elfo, mascarada por muita
competência e treinamento de Guardião, fragilidade
que ele muito bem escondia.
Sem pensar nas consequências de seu ato,
Alma deixou o quarto, percorrendo os corredores
com habilidade. Nunca fora tão inteligente ou sagaz
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quanto Driana, mas sempre se orgulhara de ser


observadora e decorar facilmente as coisas.
Não se perdeu nos corredores, pelo contrário.
Uniu-se a um grupo de fadas que andava
calmamente, discutindo algum assunto tolo da
convivência do local. Elas notaram sua presença,
notaram a ausência do cio, e como Alma supunha,
era boato consistente que havia se deitado com o
elfo Solon.
Em determinado momento avistou elfos e
baixou a cabeça, medindo o comportamento deles
ao passar por ela. A decepção era visível na face
dos elfos. Sim, a única fêmea no cio que
conheceram não estava mais disponível.
Alma seguiu andando. Depois de um tempo
era a única a percorrer os corredores de pedra
cinza, deixando para trás os corredores de pedra
lapidadas.

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Sentia um arrepio de desgosto ao lembrar-se


do momento trágico onde julgou estar enterrada
viva. Quanto horror. Fechou os olhos e seguiu
andando até sentir terra bruta entrar pelas sandálias,
sujando seus pés.
Estava andando pelos novos corredores
subterrâneos, recentemente abertos, em construção
ainda, que deveriam garantir maior espaço para as
novas gerações.
Alma olhou para cima e terra caiu em seu
rosto. Limpou a sujeita e maneou a cabeça. Não
gostava disso. Estar presa. Agoniada suas asas se
moveram inquietas e Alma quase esqueceu que
deveria conter o farfalhar.
Um olhar de aflição para a terra em torno, e
Alma esfregou uma das mãos na parede, sentindo a
terra nos dedos. Isso não era certo. Não gostava
disso. Poderia ser sua mente sempre negativa lhe

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pregando peças, mas ela não gostava de estar ali.


Do mesmo modo que desgostara de Eldor
imediatamente depois de conhecê-lo, estava
acontecendo com aquele lugar. Parte sua apreciava
o mundo criado para tranquilidade de quem tanto
sofreu no passado. Mas outra parte repudiava
aquele lugar com desespero.
Ouviu vozes distantes, vozes de elfos. Eram
os trabalhadores braçais, elfos considerados
inferiores relegados a um trabalho quase escravo.
De longe, Alma observou Solon sem camisa, pés
descalços, cabelos encharcados de suor, cavando
vorazmente. Ele estava furioso e Alma supunha que
não conseguir acompanhar a conversa que
acontecia a sua volta o irritava profundamente.
Havia percebido que o Guardião lidava bem
com sua carência auditiva, mas em alguns
momentos, perdia a calma consigo mesmo.

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Sua presença foi notada pelos outros. Sem o


guiso para indicar a mudança a sua volta, naquele
ambiente hostil, com barulho ensurdecedor de
pedras sendo quebradas e terra revirada, Solon não
poderia jamais notar a aproximação de quem quer
que fosse.
Os outros elfos notaram e pararam de
trabalhar. Alma não estava mais no cio e isso era
uma grande novidade, que aliada ao erotismo do
desejo despertado quando no cio, fazia com que os
elfos reparassem nela mesmo passado o momento
de maior libido.
Solon parou de cavar ao notá-la. Fincou a
ferramenta afiada no chão e apoiou o braço no
cabo. Seu olhar mesclava diversão e ironia.
— Preciso falar com você — Alma disse
seca, fingindo não notar que era admirada e até
desejada por outros elfos.

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Talvez fosse tolice da sua parte, mas era


diferente o modo como interpretava esses olhares
agora que sabia o que acontecia entre elfo e fada,
macho e fêmea, e entendia a razão de tanto
alvoroço por causa disso. Era prazer puro. Entendia
a vontade de fazer e fazer sem parar!
Corou, mesmo assim, não esmoreceu em um
centímetro em sua postura de cobrança.
— A escolhida do seu líder quer falar comigo
— Solon disse com deboche, olhando para Estevão,
que fiscalizava o trabalho dos elfos inferiores. —
Tenho sua permissão para abandonar o trabalho,
meu senhor?
— Quem sou eu para me colocar entre a fada
escolhida e seus desejos? — O elfo resmungou,
deixando claro seu desinteresse com toda aquela
inusitada situação entre seu líder e os forasteiros.
— Seus desejos, fada, são uma ordem para
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mim — Solon ridicularizou, fingindo muito bem ter


ouvido a resposta de Estevão.
Alma admirava sua capacidade de entender o
movimento dos lábios e saber o que diziam. Isso
lhe poupava de ter que contar aos demais de sua
carência auditiva.
Alma perguntou-se intimamente se era assim
que os elfos lidavam com suas fêmeas após a
conquista... Com essa petulância. Ou se era pessoal
com ela, que o desmerecera tanto, mesmo após o
ato sexual.
Solon a conduziu bem de perto, levando-a
para um dos corredores rústicos que estava quase
pronto, alargado, sendo reforçado por pedras,
mistura de pedras e barro, e outros métodos de
arquitetura que Alma não compreendia o
funcionamento.
O lugar estava abandonado, pois toda a força
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braçal estava concentrada no outro setor.


— Pía contou que amanhã cedo Estevão
levará um grupo de elfos e fadas lá para cima, para
as cabanas do Vilarejo Sem Fim. Pode ser a chance
que esperávamos. — Contou rápida, sem chance
para outro tipo de conversa.
— Está bonita, sabia disso? — Ele estendeu
uma das mãos e tocou seu rosto, tentando roubar-
lhe um beijo.
Alma afastou-o com ambas as mãos e
perguntou:
— O que está fazendo?
— Beijando a minha fada — ele sorriu,
desistindo do carinho — Sim, eu sabia que seria
uma tentativa vã. — Seu sorriso iluminava a quase
escuridão total do corredor.
Alma afastou os olhos do Guardião e olhou

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em torno, incomodada.
— Eu não sei o que é... Mas não deveríamos
ficar aqui mais tempo. — Confessou, abrindo-se de
um modo que não gostava de fazer.
Muitas e muitas vezes era um custo para suas
amigas lhe arrancarem o que pensava. E
normalmente isso só acontecia quando Eleonora,
Driana e Joan estavam enlouquecendo-a com tanta
insistência!
Então, porque contava espontaneamente para
Solon de suas aflições? Estava perdendo o juízo
presa ali embaixo?
— Explique-se — ele disse sem contestá-la.
Alma desviou o olhar para o seu. Sua
expressão era fechada.
— Eu não sei. Não sei explicar. Quando
Eldor me abordou eu sabia que ele não valia nada.

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Eu sempre sei quando algo ruim está perto. Talvez


porque eu seja igual. Eu não sei. E eu sei que têm
algo muito ruim se aproximando. E não quero estar
aqui quando acontecer.
— Algo ruim de que gênero? É algum tipo de
pressentimento? — Aproximou-se e a manteve
entre ele e a parede de terra.
Alma não se afastou.
— É claro que não. Pressentimentos são dons
extintos desde a guerra de Ulder. Todo mundo
mágico sabe que isso não existe mais. — Alma
ridicularizou.
— Minha mãe, Miquelina, foi isolada na
clausura por ter o dom do pressentimento — ele
revelou e Alma arregalou os olhos de susto. —
Sim, foi ela quem me avisou sobre você, antes
mesmo de Tobias tentar me convencer a reparar em
suas amigas da clausura.
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— Miquelina falou de mim? Por quê? Ela


sempre me odiou!
— Sim, e exatamente por isso. Porque ela
sabia que você era predestinada para o filho dela.
Miquelina sempre foi muito possessiva comigo —
explicou — também é assim com meu pai. Ela não
sabe lidar com a vida ou com as pessoas.
— Ela sempre me deu os piores castigos. —
Disse com rancor.
— Inveja e ciúme de mãe — ele abrandou.
— Tente perdoar, Alma. Ela nunca conheceu a
felicidade.
— E porque você nunca fez nada para salvá-
la da clausura? Que espécie de filho é você? —
Empurrou-o com uma das mãos e Solon segurou-a,
enlaçando os dedos nos seus.
Havia muita tristeza em seu olhar quando
respondeu:
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— Um dia lhe responderei essa pergunta,


Alma. Quando você confiar em mim, eu lhe
contarei sobre minha vida.
O modo profundo de olhar, o jeito... Algo lhe
dizia que Miquelina estava envolvida com a ferida
que encontrara cicatrizada na cabeça do elfo,
próximo a cada ouvido.
— Me diga onde está minha armadura.
Dependendo de onde a escondeu eu posso tentar
ordenar que me encontre — ele disse sério,
mudando o assunto.
— Não. Eu a escondi em um lugar onde
mágica alguma pode encontrá-la. — Confessou.
O entendimento perpassou a face do elfo, que
soltou sua mão e virou de costas, contendo a raiva.
— Deserto das Areias Vermelhas? — Era
uma pergunta retórica.

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— Não adianta perguntar, eu não lhe direi.


— Recusou-se a confirmar essa suspeita.
— Você é uma cobra, fada — ele disse
rancoroso. Respirou fundo, contendo sua raiva. —
Eu vou perdoar isso... Eu tenho que perdoar,
porque entendo o seu desespero e sua raiva. E
entendo que alguém tomado desses sentimentos
pode fazer as piores atitudes na esperança de se
proteger. Mas escute bem, se eu estivesse com a
minha armadura nós dois estaríamos livres. Então,
não acha que deveria ter pensado um pouco antes
de agir contra mim?
É claro que sim, pensou em responder. Mas
as palavras não lhe vieram a boca.
— O que pretende fazer sobre Estevão? —
Ela mudou o assunto.
— Segui-lo. Descobrir onde ficam as
entradas. E você? Está conseguindo manter
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Anastácia do seu lado? — Quis saber.


— Anastácia não está em lado algum. Ela
quer ser livre. É a única motivação que a move.
Soou como se falasse de si mesma.
— Pois bem, se tivermos sorte, amanhã
mesmo sairemos daqui. — Solon sorriu.
Alma não queria sorrir para ele. Não mesmo.
Mas um pequeno sorriso escapou e Solon entendeu
como um incentivo.
— Mantenha-se longe de Eldor — ele disse
tornando a toca-la, curvando-se para arriscar um
beijo.
Alma não o repudiou. O toque dos lábios do
elfo era morno. A pele suada, quente, coberta de
músculos e terra, era tentadora demais para se
conter. Alma enterrou os dedos na carne suculenta
do peito musculoso e aprofundou o beijo,

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acompanhando os movimentos ele.


Solon usou a mão livre para puxar seu
vestido para cima e liberar espaço para o caminho
entre suas pernas. Não tinha muito tempo, logo
procurariam por ele. O lugar não era apropriado,
mesmo assim, Alma parecia rendida e ele não
desperdiçaria uma oportunidade dessas.
Encostou-a contra a parede rústica e
serpenteou o corpo contra as curvas macias da fada,
arrancando-lhe um gemido. Solon começava a
liberar a roupa que usava, para ter liberdade para
possuí-la quando Alma quebrou o beijo.
— Você ouviu isso? — Pareceu assustada.
A pergunta quase o ofendeu.
— Não, você não ouviria — ela mesma
respondeu. — Eu ouvi um ruído. Um rangido.
Um... Eu não sei o que é.

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— Deve ser o som das ferramentas cavando a


terra. Estamos perto do corredor onde cavamos sem
parar — ele ariscou seguir beijando seu pescoço e
ela não lutou.
— Você não entende.
Alma não sabia como explicar.
— Isso não está certo. — Pareceu inflamar
de angústia e Solon parou as carícias, segurando
seu rosto.
— O que foi? Conte-me o que foi. — Pediu
sem suavidade e sim com voz de autoridade.
— Eu não sei. Quando olhei para a água...
Para a piscina da casa de banho... Eu vi a água se
movendo de baixo para cima. Isso não é normal. Eu
senti um calor estranho na terra quando estava indo
atrás de você... Eu sinto isso agora. A terra queima.
— Alma pegou um punhado de terra da parede e
estendeu para que Solon pegasse.
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Ele fez isso.


— Tem razão sobre a temperatura da terra —
Solon levou para perto do nariz. — Não conheço as
oscilações de temperatura aqui em baixo, mas
conheço esse cheiro.
— Cheiro? — Ela tentou sentir o que ele
falava.
— Água da chuva. — Disse tenso. —
Estamos na estação das chuvas, lembra-se?
Alma maneou a cabeça concordando. Era
esperado que as tempestades viessem a qualquer
momento. Era uma época do ano onde as chuvas
são intensas.
— Estamos a muitos metros de profundidade
da superfície. A água da chuva não deveria estar
escoando para cá. — Ele disse pensativo.
— Acha que...? — Parou a pergunta no meio,

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pois Solon jogava a terra no chão e soltava um


palavrão de desgosto.
— As obras. Estevão vive reclamando que
são audazes para quem não conhece tão bem esses
lados. E é época de tempestades. Você pode estar
certa. Precisamos avisar a todos do risco que
corremos.
— Não — ela negou. — Se avisarmos, eles
mudarão a rotina e não poderemos fugir amanhã. É
melhor sairmos daqui e acharmos um modo de
ajudá-los. — Disse ansiosa.
Solon soltou um som de desgosto.
— O que eu vou fazer com essa sua mania de
pensar em si mesma? — Disse pesaroso. — Nada
de planejar mortes ou de importar-se somente
consigo mesma. Consegue fazer isso, Alma? Pensar
um pouco nos outros? Uma vez na vida?
Alma afastou a mão que tentava tocar seu
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rosto e virou-se emburrada.


— Vá para o inferno — ela disse entredentes.
— Eu iria se estivesse com minha armadura.
Mas você a escondeu. E agora não posso ir para
lugar algum.
Alma respirou fundo, olhando para ele com
despeito:
— Acontece que se você houvesse sido um
macho eficaz eu teria obtido meu dom completo ao
perder o cio. Mas você não serviu para nada.
Continuo sem controle do meu dom. E desperdicei
o cio!
— Acontece que eu estava certo, o bloqueio
que a faz incapaz de lidar com seu dom é outro. É
essa raiva toda, esse ódio que grita por cada poro da
sua pele, que fica evidente em cada olhar seu! É sua
mágoa e rancor que suprima tudo que há de bom
dentro de você.
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— Sinceramente, eu não tenho disposição


para conversa fiada. Eu pretendo fugir amanhã, se
você quer contar a todos do risco de ficar aqui... O
problema é seu.
Alma deu a conversa por encerrada. Andou
apressada e com passos duros, foi seguida por
Solon.
— Não vire suas costas para mim, Alma!
Você acha que pode resolver tudo na sua vida desse
modo? Fugindo da verdade?
— Me deixe em paz! — Ela gritou, suas asas
agitadas.
Alma percorreu o corredor e começou a
correr, quando descobriu que não sabia como sair
daquele labirinto de novos corredores sendo
construídos. Não havia pedras nas paredes ou
ladrilhos coloridos, então, ela não sabia diferenciar
um do outro. Ainda mais estando nervosa e atacada
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como novamente se encontrava.


Solon correu atrás da fada, para impedi-la de
se perder. Ele odiaria ter que pedir ajuda para
encontrá-la. Eram forasteiros, e ele também não
conhecia profundamente aqueles corredores.
Alma parou de correr diante da cena que
encontrou.
Assustada, as palavras fugiram de sua boca:
— Solon! Solon, aqui! Oh, não... Isso não!
Solon foi guiado pelo som da voz da fada.
Uma voz naturalmente esguichada, mas que para
ele, sempre soava como uma voz normal. A fada
era perfeita para ele, esperava conseguir provar isso
para Alma algum dia.
Ela observava a cena a sua frente assustada e
Solon a encontrou, dividindo com ela esse temor.
Um dos corredores abandoados, pois eles

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desistiram de cavar por ali, por ser uma área de


difícil acesso e desembocar em um paredão natural
de rochas, intransponíveis, exibia a razão do medo
dos dois.
Água vertia pelas rochas e alagava o chão,
tornando-o barrento. As paredes de terra pareciam
chorar, água escorrendo rapidamente.
— Será que existe o risco de alagamento? —
Ela perguntou, segurando no braço de Solon, pois
ele a segurara primeiro.
— Não. Isso é pior do que um alagamento.
Veja — apontou para cima, onde a terra começava
a soltar. Alma afastou o rosto, pois terra caia em
seus olhos. — A terra vai ceder. Seremos
soterrados. — Ele disse realista.
— Mas... Será que aguenta até amanhã? —
Perguntou em uma última tentativa de salvar a si
mesma.
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Solon a olhou com profunda repreensão.


— Venha, precisamos contar isso aos outros
— ele a puxou pelo braço e Alma o acompanhou.
Uma voz interior insistia em gritar, dizendo
que era tolice. Eles poderiam ter uma chance de
fuga. Poderiam, não é? Mesmo com esse
pensamento, não fez nada para impedi-lo de levá-la
consigo para o corredor onde os outros
trabalhadores braçais se reunião para trabalhar.
— Pense bem, nós poderíamos sair daqui
amanhã — ela tentou falar uma última vez, mas foi
ignorada.
Ficou de lado ouvindo a conversa entre Solon
e Estevão. O guarda não acreditou em suas
palavras.
Alma fechou os olhos quando Estevão
recrutou dois guardas para escoltá-los até o quarto,
onde deveriam permanecer até serem chamados por
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Eldor.
— Ora, por favor, Solon, se o elfo quer
morrer soterrado, deixe-o! Ele já perdeu a esposa
para as mãos de Eldor e provavelmente a filha mais
velha também! Que mal tem morrer pela causa de
Eldor?
Sua ironia enfureceu Estevão, mas Alma não
esmoreceu.
— Veja com seus próprios olhos — pediu
Solon. — Acidentes dessa natureza podem
acontecer em lugares como este.
Desconfiado, o guarda concordou, mas Solon
e Alma foram escoltados pelos guardas.
— Eu não disse? — Alma perguntou
petulante quando chegaram ao lugar.
— Isso não quer dizer nada. — Estevão
contrariou — Já vi isso acontecer muitas vezes.

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Quando a chuva passar, tudo ficará bem.


— Se você diz — Alma provocou, olhando
para Solon com deboche.
Seus planos de esperar pela manhã seguinte
aconteceriam. Era a vitoriosa, afinal.
— O teto está baixo — Solon argumentou.
— Não vai aguentar o peso da água. Muitos
corredores novos, terra sendo remexida. Esse ano
as coisas podem ser diferentes, Estevão.
— Levem-nos — Estevão ordenou e Alma
seguiu os guardas sem reclamar, enquanto Solon
parecia inconformado.
O modo como à fada o olhava era de cortar o
orgulho de um elfo em tiras finas e esfarrapadas.
Alma sempre esperava o pior das pessoas e era
exatamente isso que acontecia.
Foram exilados para o quarto. Alma foi a

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primeira a notar que alguém estivera ali na ausência


deles.
Solon permaneceu quieto, até estarem
inteiramente sozinhos. Alguém havia deixado em
um canto do quarto, com discrição, as armas de
Solon e o chocalho.
— Isso é obra sua? — Ele perguntou,
prendendo o cinturão na roupa, conferindo a
espada, o punhal e principalmente o bumerangue. E
o seu guiso.
— Não. Mas pode ser obra de Anastácia —
Alma imaginava isso.
Estava tão surpresa quanto ele.
— E agora? Vamos esperar até amanhã para
irmos embora daqui? — Alma perguntou,
infelizmente, já prevendo a resposta.
— Não. Eu vou contar a todos o que está

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acontecendo.
Solon vestiu uma túnica limpa e Alma tentou
detê-lo quando tentou passar e sair do quarto.
— Espere o jantar. Os guardas não o
deixarão entrar na área de recreação, onde as fadas
e crianças ficam durante o dia. Muito menos, o
deixarão entrar na cozinha e outras dependências de
trabalho onde haja fêmeas. E os elfos... Estão sobre
comando de Estevão. É perca de tempo gastar
saliva com os guardas de Eldor.
Era verdade. Exasperado, Solon sentou na
cama e encarou-a com desespero velado:
— Acaso você percebeu, Alma, que se nada
for feito todas as pessoas serão soterradas? Mortas
por soterramento?
— Sim, estou ciente disso — ela foi séria,
como ele era.

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— E não se importa?
Era uma pergunta interessante. A demora em
responder foi de certo modo uma resposta.
— Eu nunca pedi para que você criasse
fantasias a meu respeito, eu sou isso que você está
vendo. Se não gosta... O problema é inteiramente
seu.
Alma não queria ser julgada.
— Eu me assusto quando vejo que você
parece tão indiferente ao sofrimento alheio. — Ele
admitiu.
— Eu não levantei um dedo para causar dano
aos moradores desse lugar. Mas não me peça para
fingir que me importo com o que vai acontecer com
eles.
Solon mediu sua face, perguntando-se até
onde havia verdade em suas palavras.

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— Sente-se do meu lado, Alma — ele pediu


cansado.
As conclusões ao qual chegava a cerca da
fada eram desconcertantes.
— Não. — Alma afastou-se, andando pelo
quarto estreito, como um animal enjaulado.
— Seu dom é muito útil, mas estava sendo
bloqueado. Eu tenho certeza que se você eliminar
essa raiva toda, limpar sua mente de pensamentos
de morte, tudo isso ficará para trás e seu dom será
completo. — Ele começou a falar.
— E como alguém limpa sua mente de
pensamentos que fazem parte de si? Caso não tenha
notado, eu lhe contarei: Metade de mim está
torcendo para ver essas pessoas morrem soterradas.
E de preferência, que eu possa achar um modo de
ficar e assistir acontecer.
Eram palavras feias. Solon engoliu em seco,
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mas não titubeou.


— E a outra metade? — Ele insistiu.
Alma soltou um profundo suspiro de raiva e
não respondeu.
— E a outra metade? — Solon insistiu mais
uma vez.
— A outra metade? Quer ir embora daqui e
levar essas pessoas consigo. Mas sabe que não vai
acontecer. Que é melhor partir só, livrar-se de um
capacho da Rainha Santha enquanto é possível.
Tentar encontrar minhas amigas, a única família
que eu conheci na vida e tentar recuperar a vida que
me roubaram desde o dia em que nasci! —
Revelou, revoltada.
— E quem lhe roubou sua vida, Alma? —
Ele levantou e perguntou — Sua família? Seus pais
que a abandonaram?

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— Não ouse fazer isso comigo. Conversa não


adianta comigo. Driana cansou de falar como um
papagaio sobre sentimentos e olhe só onde eu
estou? Contente em ver alguém se dar mal e que
pra variar, esse alguém não seja eu!
Alma saltou assustada quando ouviu batidas
na porta do quarto.
— Eu odeio isso — ela disse baixinho,
segurando-se em um fiapo de autocontrole — eu
odeio isso. Odeio.
Solon não disse nada, era melhor calar.
O autocontrole de Alma era um fio muito
tênue.
E ela era um perigo quando se descontrolava.
Um perigo mortal.

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Capítulo 18 - Malícias e beatas

Alma foi levada para um dos salões privados


de Eldor, esperava que o elfo não tivesse nenhuma
ideia errada sobre o que pretendia fazer com ela,
pois estava uma pilha de nervos e temia perder o
controle totalmente.
Trazia escondido sob o vestido um punhal,
que Solon havia surpreendido-a ao fazê-la
silenciar-se e com a intimidade de um amante,
erguer a parte de baixo de sua roupa para esconder
o punhal em sua roupa íntima.
Não adiantaria lutar contra os guardas, eram
muitos, e não poderia acompanhá-la.

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Alma esperava por Eldor. Que ele estivesse


furioso com a situação. Perder a oportunidade de
desfrutar do cio de uma fada? Poucos aceitariam
isso sem um pouco de raiva. Levando em
consideração que Eldor era um maníaco, seu ódio
deveria estar alcançando níveis alarmantes.
Enquanto andava, Alma sentiu um tremor.
Olhou para o chão. Parou de andar, olhando em
torno. Se os guardas haviam notado, não
demonstraram.
Eles a esperaram, por isso, Alma voltou a
andar, para evitar represálias.
Preocupada, seguiu andando, prestando
muita atenção onde andava. O caminho era de
pedras coloridas e aquela região deveria ser mais
segura que os corredores novos e sem nenhuma
estrutura de segurança.
Alma tentou esquecer que lá em cima, era
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provável que uma tempestade estivesse


acontecendo. Alguns minutos depois, sentiu um
movimento sob seus pés e olhou para os guardas.
Eles haviam reparado também. Um deles
olhou para cima e Alma fez o mesmo. Uma
pedrinha colorida soltou do teto e caiu no chão, aos
pés do guarda. Ele acompanhou o movimento.
Alma deu um passo para trás, pressentindo o
que aconteceria. Quando mais pedras soltaram, ela
começou a correr. De volta para o quarto. Ela não
queria estar entre inimigos quando o pior
acontecesse.
Ignorou um aviso interior que lhe
questionava sobre considerar Solon alguém amigo.
Correu e ninguém a seguiu. Ela olhou para trás
quando ouviu o barulho de algo pesado caindo.
Quase parou de correr ao ver terra descendo do
buraco que se abria no teto até então recoberto por

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pedras.
Os guardas corriam e ela fez o mesmo.
Levou alguns minutos para chegar ao quarto e
esmurrar a porta.
Solon era surdo, disse a si mesma. Ele não
ouviria as batidas na porta. Precisava pensar rápido.
Agarrou o trinco da porta e sacudiu-o como uma
condenada. Começou a gritar o nome dele, para que
a ouvisse.
Soltou o trinco quando ouviu a chave correr
na fechadura.
— Mas que droga! — Ela entrou angustiada
e furiosa. — Você precisava ser surdo, não é? —
Acusou, querendo agredir, extravasar seu ódio. —
O teto está caindo! Eu corri, mas o teto está caindo!
Os guardas correram para a ala reservada a Eldor.
— E ninguém vai avisar os outros? — Ele
verbalizou o que ela pensava.
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— Não é nossa obrigação — disse sem


fôlego, um pouco histérica.
Solon agarrou suas mãos e a fez parar, olhar
para ele, para que prestasse atenção ao que ele
dizia:
— Venha comigo. Eu vou avisar aos outros.
Alma sabia que era isso que Solon iria querer
fazer. Era típico de alguém como ele. Alma acenou
com a cabeça e se deixou levar.
Os dois correram pelos corredores. Alma
gritou de surpresa quando encontrou um corredor
completamente derrubado. O teto havia cedido e
coberto toda a passagem.
— É o caminho mais curto para a casa de
banho — ela disse nervosa, lembrando que o lugar
onde perdera sua castigada estava soterrado
totalmente.

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Empalideceu, mas não havia tempo para


recuperar-se da surpresa. Solou segurava sua mão e
eles correram para o lugar onde acontecia as
reuniões de todas as tardes, onde as fêmeas
cuidavam de suas crias, ocupavam suas mentes,
enquanto o trabalho era executado pelos elfos e
fadas de menor importância dentro da sociedade
criada por Eldor e seus antepassados.
Um estrondo fez com que Alma agarrasse
com força a mão de Solon e o puxasse, avisando:
— Não dá para seguir por lá — apontou o
corredor que Solon pretendia seguir. — Ouvi um
estrondo! Solon! — Ele não parecia querer ouvir.
— Você fica aqui, Alma. — A fez ficar
parada. — Se ficar com medo corra de volta para o
quarto. Eu vou tentar levar o maior número de elfos
e fadas para um lugar seguro. Eu volto para te
buscar!

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— Lugar seguro? Estamos embaixo da terra!


Não têm lugar seguro! Eu sabia que algo assim
aconteceria! Não vou ficar para trás!
Não adiantaria tentar argumentar com Alma.
O jeito foi levá-la com ele, mesmo sabendo do
risco que representava para os dois.
Alma seguiu correndo junto do Guardião
pelos corredores, e quando uma parte de uma das
paredes cedeu e a água correu, Alma gritou quase
atingida. Os dois finalmente encontraram o salão
onde ocorria a integração entre fadas e suas crias.
Estava vazia e parte do teto havia cedido.
— O que vamos fazer? — Alma perguntou
alarmada olhando em torno.
— Não é seguro voltar. Vamos seguir em
frente.
Alma concordou, amedrontada.

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O percurso não foi fácil, água corria pelas


paredes manchando as pedras coloridas e terra
soltava das paredes empurrando as pedras,
fechando a passagem. Solon ajudou-a a passar pela
estreita passagem e Alma segurou-se nele, não por
equilíbrio, e sim por necessidade.
— Não fique com medo — ele disse baixo,
como quem conta um segredo. — Vamos sair
dessa, fadinha, eu lhe prometo isso.
Alma bebeu dessas palavras. Sim, ela queria
que tudo acabasse bem. A começar pela salvação
de suas amigas e de sua própria liberdade.
Os próximos corredores não estavam em
estado melhor. Foi preciso destreza de movimentos
e agilidade. Alma o acompanhou, mas estava sem
ar e toda doída.
— Não, não consigo passar. — Ela disse
parando de correr quando encontraram uma pilastra
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derrubada sobre o chão, com metade do teto caído.


O caminho era praticamente impossível de seguir.
Solon avistou uma fenda, por onde poderiam
passar.
— Vá na frente. Boa vontade, Alma, você
precisa passar por aqui. — Ele disse ajeitando sua
cabeça para que ela conseguisse se espremer e
passar.
Alma não era uma fêmea pequena, possuía
formas e corpo graúdo, por isso sofreu para se
espremer e conseguir passar por uma fenda
mínima. Caiu sentada do outro lado da fenda. Solon
pelo contrário, encolheu-se e se contorceu como
um gato, passando rapidamente pela fenda.
Ele notou algo antes dela, por isso ajudou-a a
levantar e segurou seu rosto, dizendo:
— Não olhe para os lados ou para baixo,
Alma. Olhe só pra frente. — Pediu.
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Ela reteve o ar, sabendo muito bem o que


deveria ter de tão assombroso no chão para que
Solon tentasse protegê-la.
Não o obedeceu por submissão e sim, por
não se sentir capaz de encarar a realidade de modo
tão cru e sangrento.
Seguiu Solon resistindo ao impulso de olhar.
Infelizmente o subconsciente sempre prega peças e
Alma olhou com o canto dos olhos.
Entre os corpos soterrados e esmigalhados
pelo peso das pedras, Alma reconheceu alguém.
— Solon — ela disse com voz falha. — É
Pía, não é?
A menina estava morta. Boa parte do corpo
soterrado por terra e pedras. Um dos braços
esticados e parte da face a mostra. Era a jovem Pía.
Alma ajoelhou-se perto e tocou sua mão.

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Uma prece silenciosa para que obtivesse paz,


mesmo que após a morte.
— Será que Anastácia estava com ela na hora
do soterramento? — Perguntou a Solon. — As duas
sempre andam juntas...
— Vamos torcer que não. Venha Alma, não
há tempo para despedidas. — Chamou, com receio
da reação de Alma se permanecesse mais tempo
junto aos mortos.
Apesar de sonhar com a chance de extinguir
a vida de alguém, Alma nunca vira um cadáver.
Nunca. Seu coração estava apertado, pois apesar de
tudo, tinha algum tipo de afeição distorcida pela
jovem que relutava em crer que vivia uma enorme
mentira.
Entendia a pressa, mas se ressentia de deixar
alguém assim, sem um enterro digno.
Os corredores seguintes estavam vazios,
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parcialmente soterrados. Mas vazios.


Alma quase gritou de alegria ao ouvir vozes
e som de passos. Foi só o tempo de dizer a Solon
para onde ir e terra soterrou o corredor por onde
vinham. Alma olhou para trás com medo, mas não
havia tempo para lamentar.
Alma não conhecia aquele salão, mas quando
os dois adentraram, foram recepcionados por
alguém que em total histeria correu na direção de
Alma.
— Ela morreu! Eu não pude evitar! — O
rosto de Anastácia estava banhado de lágrimas —
eu tive que cuidar das minhas sobrinhas. Foi minha
culpa, eu deixei Pía sozinha!
— Eu vi Pía. O corredor está soterrado agora
— Alma disse, mantendo distância de Anastácia e
seu sofrimento.
A fada se conteve, pois Alma era o mais
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próximo que conhecia como amizade. Pía, sua


única amiga estava morta. E Anastácia não queria
assustar Alma com sua carência.
— O que será de nós agora? — Anastácia
perguntou em voz baixa, sussurrada.
— Onde está seu líder? — Solon perguntou,
mantendo-se atrás de Alma, em uma postura que
deixava claro que na ausência de poder maior,
tomaria as rédeas da situação.
Era um Guardião e com seu treinamento era
capaz de estruturar uma forma de lidar com a
situação. Mas para isso, precisava estar vivo e não
sendo coagindo por sua suposta desobediência.
— Eldor está em seus aposentos. O lado leste
não foi abalado pelo soterramento — Estevão
respondeu, surgindo do meio das pessoas, com
expressão fechada. — Você me avisou que
aconteceria. Eu não acreditei. — Era um lamento.
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— Aconteceu muito rápido. Não teria feito à


mínima diferença se houvesse acreditado em mim.
Agora me diga: porque Eldor não está aqui
contando os mortos e decidindo o que fazer?
— As ordens são para que todos fiquem aqui
enquanto ele decide o que fazer — Estevão contou
contrariado.
— Acaso uma tropa de guardas está
vasculhando os corredores para resgatar os
sobreviventes e feridos? Alguns corredores estão
parcialmente destruídos, pode haver sobreviventes.
— Eldor está decidindo o que fazer —
Estevão tornou a falar.
— Entendo — Solon ignorou suas palavras e
elevou a voz, para que cessassem as conversas
paralelas e prestassem atenção a ele. — Enquanto
seu líder não decide o que fazer — ironizou —
preciso saber qual de vocês conhece todos os
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moradores do subterrâneo.
Um elfo vestido com roupas simples,
descabelado e com um ferimento feio na testa
ergueu a mão e chamou atenção sobre si:
— Eu sou responsável pela contagem
semanal das alas.
— Como se chama? — Solon perguntou.
— Ezequiel, senhor — ele respondeu
baixando a cabeça, com dor, segurando um pano
sobre o sangramento.
— Ezequiel eu quero que organize uma lista
com todos os nomes. Elfos, fadas e crianças. Não
esqueça ninguém, está bem? E seja rápido.
O elfo acenou e começou a procurar nos
bolsos da roupa por papel e tinteiro.
— As saídas estão preservadas? — Solon
perguntou a Estevão. — Não é hora para se

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preocupar com a fuga de dois prisioneiros —


referia-se a eles mesmos — e sim, de pensar na
salvação de todos.
Estevão olhou em torno, muitos queriam
saber a resposta para essa pergunta. Ele aproximou-
se de Solon e falou baixo, complicando ainda mais
o entendimento do que dizia:
— As saídas ficam para o lado das novas
construções. Todo essa área está desabada, não sei
o estado das saídas, mas arisco dizer que estão
perdidas.
Alma odiou ouvir isso. Temia que isso
acontecesse!
— É preciso uma varredura para conferir se
há sobreviventes e qual a situação das saídas. Caso
estejam perdidas, precisamos definir um ponto
estratégico para tentar abrir outra. Você conhece o
posicionamento das casas do Vilarejo Sem Fim,
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então, deve saber o melhor ponto para escavar. —


Solon anunciou.
Estevão mexeu a cabeça negando:
— Não é inteligente cavar depois do que
aconteceu. Não sobreviveremos a um segundo
desmoronamento — alegou.
— Isso nunca aconteceu antes? — Alma
intrometeu-se. — Há tantos anos vivem assim...
Nunca antes algo desse tipo aconteceu?
— Não. É a primeira vez que fizemos obras.
Vivíamos com conforto nas construções feitas
pelos primeiros habitantes do mundo subterrâneo.
— Estevão confidenciou, com uma pontinha de
recriminação. — Eu era contra esse plano de
aumentar o espaço — confessou — vivíamos bem
antes.
— Agora, ninguém viverá bem aqui — Alma
lembrou-o disso. — Existe um mundo
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perfeitamente habitável lá em cima. E não me


venham com essa história de guerra, porque não
existe Rei Ulder ou seguidores. Existe um mundo
normal, com problemas normais, onde fadas e elfos
são livres.
— Politicagem. — Estevão disse contrariado.
— Não vou discutir isso.
Alma poderia ter discutido com o elfo, mas
sua atenção foi chamada para Ezequiel que trazia a
lista.
— Tem certeza que não se esqueceu de
ninguém? — Solon perguntou.
Ezequiel apenas acenou e sentou em um
canto qualquer no chão, com dor.
— Alguém precisa cuidar dos feridos —
Alma lembrou Solon disso. — Alguém com
conhecimento.

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— E quem seria essa pessoa? — Solon


perguntou para Estevão que olhou em volta.
— Agra é uma exímia curandeira — ele
respondeu. — Mas ela está com Eldor nos
aposentos do líder.
— Mais alguém? — Solon insistiu.
— Eu sei cuidar de feridas — Anastácia
disse, oferecendo-se. — Não sou curandeira, mas
sei fazer curativos.
— Deve ficar com suas sobrinhas — Estevão
disse com seriedade, contrariado pelo oferecimento
de Anastácia.
— Não tente mandar em mim. Não vou me
casar com você ou cuidar de suas filhas porque
você quer. São minhas sobrinhas e eu cuido delas
por amor. Agora, saia da minha frente, Estevão —
Anastácia estourou. Há muito tempo vinha
contendo sua raiva para com o cunhado. No ápice
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da emoção, encontrava coragem para enfrentá-lo.


Estevão não era um elfo com más intenções.
— Ajude Anastácia nisso — Solon sussurrou
para Alma, segurando sua mão, para que não se
sentisse sozinha. — Fique onde eu possa vê-la.
Não era uma ordem, era precaução.
Alma seguiu Anastácia, que encontrou suas
duas sobrinhas e as levou consigo enquanto
juntavam os feridos e os isolavam dos outros, para
curativos serem feitos. Não havia quase material.
Precisavam encontrar a dispensa.
Alma retornou para junto dos elfos, que
faziam uma chamada com os presentes, assinalando
quem faltava.
— Precisamos acessar a dispensa — ela
avisou. — Não há provisões ou curativos.
— Eldor precisa decidir o que fazer —

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Estevão disse acuado, olhando em volta, para seus


conterrâneos que sofriam, que precisavam de ajuda.
— Então vá buscar seu líder e diga a ele, que
eu vou assumir o comando. É melhor que ele
apareça se não quiser perder seu estimado posto de
Rei. — Solon avisou. E amargurado murmurou,
fazendo com que Alma sorrisse dessa grande
verdade. — Um rei de coisa alguma.
Não era algo discutível. Em uma situação de
crise, não permaneceria parado vendo o sofrimento
alheio sem fazer nada para ajudar.
Estevão não foi atrás de Eldor, mas enviou
alguns dos guardas sob seu comando. Era um sinal
de que apoiava as ordens de Solon ou quem sabe,
uma demonstração de que não confiava em deixá-lo
sozinho dando ordens.
Uma hora mais tarde, contado os vivos e
feridos, chegaram a uma lista precisa de quantas
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pessoas estavam desaparecidas. Alguns nomes


foram riscados, pois suas mortes foram
confirmadas por quem os viu ficar para trás.
— É um milagre que apenas um número
pequeno de elfos e fadas estejam desaparecidos —
Solon disse aliviado. — É necessária uma
varredura para encontrarmos essas pessoas, mesmo
que mortas.
— Não vamos conseguir ir longe — Estevão
foi franco — A ala sul está perdida. Tudo
desabado. Tenho medo que... A cozinha e dispensa
tenham sofrido o mesmo fim.
— Existe algum outro lugar onde guardem
provisões? — Solon perguntou com uma ruga de
preocupação na testa.
— Não. Tudo que possuímos de alimento e
medicamento fica na dispensa, a disposição de
todos. Somos uma sociedade igualitária, Solon.
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— Neste momento são sobreviventes —


Solon lembrou-o. — E sobreviventes vivem por si
mesmos, não por líderes. Lembre-se disso, Estevão.
Onde está o seu líder? Eu não consigo vê-lo aqui.
O guarda não obteve resposta capaz de sanar
essa acusação. Solon juntou-se a Alma, que tentava
ajudar no que podia. Ele reconheceu as duas
meninas que estavam com Eldor na floresta quando
o conheceu. Elas estavam assustadas e Solon
abaixou-se para falar com a maiorizinha:
— Lembra-se de mim, fadinha?
A menina acenou concordando.
— Nos vimos na floresta. Você sabe onde
está sua mãe e sua irmã mais velha?
A menina negou com a cabeça e Solon olhou
para Anastácia.
— Eu tenho certeza que elas logo estarão

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aqui, junto de vocês. — Ele disse para alegrar a


menina e fez um carinho nos cabelos da criança,
levantando.
— Então é verdade que esteve com minhas
filhas na floresta. Eldor negou essa acusação. —
Estevão disse, surgindo próximo a eles.
Ele viera atrás, para vigiar o prisioneiro, e
não esperava descobrir que suas meninas
conheciam Solon e não sentiam medo dele.
— É claro que ele negou. Eldor matou sua
esposa e provavelmente sua filha mais velha. Eu só
vi o corpo da fada mais velha — contou sendo
direto e frio, pois não era tempo para emoção que
dispersasse qualquer um dos dois. — Não precisa
acreditar em mim. Levando em consideração a
situação que vivemos, sua confiança não me serve
para nada.
Alma gostou de ouvir isso. Era a verdade e
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era bom que todos ali dentro soubessem disso.


Solon preocupava-se muito com os outros.
Com o bem estar e a saúde de elfos e fadas que não
retribuíam essa afeição. Era algo que nutria dentro
de si: a necessidade de cuidar e proteger.
Alma olhou em volta e notou quando as
pessoas pararam de falar. Desgostosa, notou a
entrada de Eldor, seguido de perto por Agra e mais
uns dez guardas.
Era um psicopata, pensou Alma. Mesmo
naquela situação Eldor exibia uma expressão
orgulhosa e banal, como se nada demais estivesse
acontecendo.
Uma fada chorando tentou obter sua atenção,
mas foi delicadamente afastada do líder. Essa era a
forma de cuidar e apoiar de Eldor. Enojada, Alma
olhou para Agra.
A expressão da fada era diferente. Ela estava
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profundamente contrariada.
Estevão aproximou-se de seu líder e o
colocou a par do que fazia. O modo como Eldor
olhou para Solon deixava muito claro que haveria
represálias por ter tomado seu lugar e ordenado sua
gente.
— Toda a área leste está preservada — Eldor
disse em voz alta atraindo a atenção de todos sobre
si. Alma notou como Solon se esforçou para
enxergar a imagem do homem, para assim tentar ler
seus lábios.
Havia muitas pessoas no caminho e
dificultava tal feito.
— Moveremos os feridos para o salão de
convivência. Devem ser cuidados por seus
familiares. Os demais, devem permanecer aqui.
Solon olhou para trás surpreso quando Alma
ficou fora do campo de visão de todos e lhe
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sussurrou tudo que Eldor lhe dizia. Ficou atrás dele


como uma sombra murmurante, lhe repassando
tudo que era dito:
— O roto está tomando para si os créditos do
que você está fazendo — ela alinhavou com um
comentário maldoso.
— Está surpresa com isso? — Solon
perguntou entredentes.
— E quanto ao alimento? — Estevão
perguntou ao seu líder. — Precisamos checar se o
acesso à dispensa está livre ou não.
As ordens de Eldor eram cópias escarradas
das sugestões de Solon. Enquanto repetia suas
palavras, Alma sentia o sangue ferver.
Cínico. Descarado. Usurpador. Olhar para
Eldor a fazia lembrar-se de Santha e todo ódio
vinha à tona.

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— Onde está minha escolhida? — Eldor


perguntou a Estevão, mas todos olharam na direção
de Alma.
Ela manteve-se escondida, não queria ser
alvo da atenção daquele dissimulado.
Ao enxergá-la, Eldor andou em sua direção,
mediu Solon de alto a baixo, com um olhar
profundo, de um macho que perdeu sua chance para
outro. Então sorriu irônico e afastou-a de Solon,
segurando seus braços com ambas as mãos.
— Está ferida? — Eldor perguntou com voz
mansa, pois sabia que eram foco do interesse de
todas aquelas criaturas que perderam seu lar
abruptamente.
— Estou — ela disse cínica. — Ferida em
meu orgulho. Agora tire suas mãos nojentas da
minha pele ou vou gritar até vê-lo cair morto aos
meus pés.
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Sua voz era macia, mas seus olhos diziam a


Eldor que faria exatamente isso. Ele soltou-a e
sorriu:
— Não se guardou para mim, Alma. —
Começou a falar, mas Alma o interrompeu:
— Não acha que existem assuntos mais
importantes a tratar do que a minha escolha? Eu
vim parar aqui na companhia de um elfo. E é nessa
companhia que permanecerei. Precisará subir a
superfície e raptar outra fada no cio, pois essa será
a única chance que terá de se adornar do dom de
uma fada.
— O tempo é o dono de tudo, inclusive das
nossas vontades — Eldor disse baixo, manso, olhos
brilhantes. — Não me julgue por aquilo que você
também faria.
Era verdade. Se os dois trocassem de lugar,
poderia não haver diferença alguma.
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— Como se sente vendo o seu pequeno


mundo de conto de fadas destruído? — Ela
perguntou maldosa e sorriu diante da mudança no
olhar de Eldor — você tem razão. Somos iguais, e
por isso mesmo que você sabe que eu estou rindo
por dentro.
Solon detestava vê-la interagir com Eldor
como dois iguais. Alma não era como o maníaco.
Era alguém ferido e mantido em cárcere por toda a
sua vida. Alguém que guardava um forte senso de
liberdade sob controle, escondido em meio à raiva e
ódio.
Eldor nasceu livre, com suas escolhas
prontas, mesmo assim, livre. Poderia ter escolhido
qualquer caminho, mas escolheu ser um ditador.
Eldor se vingou de Alma afastado-a de
Solon. Como se ela se importasse. O Guardião era
treinado para tomar a liderança em momentos de

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crise, e Alma já sabia que iria se expor ao risco,


ajudando nas buscas.
Alma observou-o juntar-se ao demais
guardas e elfos selecionados para as buscas. Fingiu
não reparar quando olhou em sua direção. Solon
não queria partir sem garantir-lhe que tudo ficaria
bem. Temia pela sanidade de sua fada. Mas Alma
estava confortável entre as outras fadas. Era difícil
vê-la unificada com outras de sua espécie.
Alma dedicou toda sua atenção para os
feridos, ajudando nos curativos.
Vez ou outra notava Eldor rondá-la. Nestes
momentos, juntava-se ao grandes grupos de fadas,
assim, criava uma barreira sólida entre Eldor e seu
desejo.
Era noite, quando o lugar se acalmou. Os
feridos foram levados junto aos seus familiares para
um dos salões intactos, onde seriam mantidos
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apartados dos sobreviventes saudáveis, em uma


suposta medida de paz, quando na verdade, Alma
sabia que era uma tentativa de afastar o problema
dos olhos daqueles que podiam lutar contra Eldor,
pois possuíam saúde intacta.
Quando acabou o trabalho, Alma apoiou-se
em uma das paredes e fechou os olhos, cansada.
Aquele havia sido um longo dia.
Primeiro, perder sua castidade nos braços de
Solon, depois descobrir que corriam risco de vida.
Por fim, ver aquele lugar desabar e não poder fazer
nada além de correr e escapar.
Distraída não notou a conversa que acontecia
perto de si, até reparar em uma das vozes alteradas.
— Isso não é justo — Ezequiel dizia,
recuperado de seu ferimento. Decidira ajudar e não
permanecer sendo cuidado. — Solon tem nos
ajudado. Sem as ordens dele estaríamos sentados
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esperando por Eldor até agora!


— São ordens — o outro elfo mais jovem
dizia — ordens são ordens. Meu pai precisa
cumpri-las.
— E quem ordenou que matassem o elfo
Solon? — O outro elfo jovem, que também fazia
parte da conversa perguntou baixinho.
— Ouvi quando nosso líder Eldor ordenou
para o guarda, que junto do meu pai, foi designado
para dispersar Solon do grupo de buscas e matá-lo
em algum dos corredores. Meu pai não é um
assassino. Mas ele não pode ir contra as ordens de
Eldor, pode?
Os outros dois elfos permaneceram em
silêncio pensativo. Não conheciam resposta para
essa indagação.
Ao rejeitar as ordens impostas por seu líder,
automaticamente perderiam seu lugar na sociedade
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onde suas famílias viviam. Era um passo delicado


que poderia custar a vida e a dignidade de todos
que amavam.
Esse tipo de coação enojava Alma. Quantas e
quantas vezes ela não se manteve quieta, aceitando
os castigos injustos e as privações do Ministério do
Rei unicamente para não ver suas amigas e as
outras meninas do orfanato serem punidas por
causa das suas decisões de rebeldia?
Alma afastou os cabelos do rosto, abriu suas
asas, que jaziam dobradas e adormecidas em suas
costas. Tirou-as do repouso, pois era hora de
esfregar na face de todas aquelas pessoas o que
perdiam.
Visualizou Agra entre a multidão de fadas,
crianças e elfos jovens que jaziam sentados ou
deitados, aguardando notícias sobre o que
aconteceria.

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Bateu as asas muito de leve e planou a alguns


centímetros do chão. Nada mais que uns poucos
centímetros, pois assim não era preciso bater as
asas com força e conseguia mantê-las silenciosas. É
claro que todos os olhares a acompanharam.
Era sua intenção que vissem o que perdiam
seguindo as ordens de um líder louco. O próprio
Eldor parou de falar com elfos de sua confiança
para fitar a fada. Ele sabia que essa exibição toda
vinda de alguém como Alma era apenas uma
intenção de armadilha.
Quando um desejo intenso toma conta de um
ser não existe leis ou regras que o contenha, e se
Alma pudesse despertar o desejo daquelas fêmeas
de verem suas filhas poderem ter a chance de obter
suas asas... Então, ela teria um grande número de
pessoas ao seu lado.
Alma finalmente tocou o chão, ao chegar

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perto de Agra. Não perderia seu tempo


conversando, por isso foi direto ao assunto:
— Eldor ordenou a morte de Solon e você
sabe para onde o levaram.
— Sim, o levaram para os corredores
desabados, onde fica a dispensa. A ordem é que a
morte de Solon pareça um trágico acidente. —
Agra confirmou.
— Me conte qual é o plano — Alma exigiu
saber, pois a tranquilidade de Agra indicava que
algo aconteceria.
— Não existe plano. Na atual situação de
precariedade não há margem para elaborados
planos. Eu deixei as armas do elfo em seu quarto —
revelou — agora cabe a ele conseguir se defender
sozinho.
Agra havia sido a responsável pela devolução
das armas de Solon. Essa era uma revelação
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intrigante, pois atribuirá esse feito para Pía ou


Anastácia.
Novamente esse tipo de indagação para lidar.
A morte do Guardião resolveria um grande
problema seu.
Alma fechou os olhos e escovou a face com
uma das mãos, inquieta.
Quanta complicação.
Era uma fada que desejava a liberdade. Era
seu único intento na vida.
Eleonora, Driana e Joan eram suas parcerias
de sonho de liberdade. Era o único desejo delas. A
liberdade.
Então, porque era tão difícil? Porque tudo era
tão difícil em sua vida?
A decisão estava tomada mesmo antes de
reconhecê-la para si mesma.

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Ninguém percebeu sua saída do salão de


convivência. Os corredores estavam em estado bem
pior do que lembrava. Percorrê-los sem escolta de
um Guardião treinado para situações complexa era
difícil. Em determinado momento, Alma sentiu que
era seguida. Podia sentir em sua nuca olhos
estranhos seguindo-a. Incomodada, fingiu dobrar
uma esquina de corredores e esperou seu
perseguidor.
Anastácia quase gritou de susto ao ser
interceptada em sua perseguição por Alma. Às
vezes, a fada lhe dava arrepios.
— Porque está me seguindo? — Alma
perguntou a queima-roupa.
— Eu vi quando saiu. Você não conhece os
corredores. E tudo está mudado com o
desabamento. Eu achei que era melhor ver de perto
se você ficaria bem — disse com simplicidade.

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Alma não era de acreditar imediatamente na


palavra de terceiros, mas Anastácia não era de
mentir. Na verdade, era franca até demais. O olhar
insistente de Alma acabou por extrair-lhe a
verdade:
— Está bem — Anastácia cedeu,
envergonhada e revelou. — A verdade é que eu não
queria permanecer mais tempo com minhas
sobrinhas.
— São crianças. Porque você foge delas? —
Alma duvidou.
— Porque elas sabem que eu sou a única que
cuidará delas daqui para frente. Sem Pía... Eu não
terei desculpas para negar o casamento com
Estevão. Elas me olham com desespero, Alma. Elas
precisam tanto de mim.
Seu tom era de desamparo. Estar presa a uma
vida que não desejava. Alma mediu-a de alto a
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baixo.
— Você é estranha — disse afinal. — Eu sei
que ama seu cunhado. E agora Pía não é mais razão
para sentir culpa.
Anastácia não tentou negar. Sorriu e disse:
— É por isso que nos damos bem. Nenhuma
de nós presta — Anastácia disse e apontou para um
dos corredores. — Eles devem ter seguido por aqui.
É a única forma de chegar à dispensa por esses
lados.
Alma não insistiu no assunto, apenas acenou
e a seguiu. As duas andaram por algum tempo. Os
corredores foram afunilando e Alma parou de andar
quando encontraram uma barreira física de entulhos
e terra. Bateu suas asas e foi erguida o bastante para
alcançar o alto, onde havia um buraco
suficientemente alto para passar. De lá, sorriu e
esticou uma das mãos na direção de Anastácia, para
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ajudá-la a alcançar o espaço.


Era uma tremenda aventura para Anastácia.
Para Alma era uma tortura. Pensativa, seguiu
andando, cuidando para não tropeçar ou escorregar.
A precariedade da iluminação se tornou
inexistência total quando alcançaram os corredores
da área mais afetada. Na quase escuridão total,
Alma viu pegadas. Muitas pegadas. Elfos haviam
passado por ali, e era provável que há essa hora
estivesse atocaiando Solon.
O infeliz era quase surdo e quando ela usava
a palavra quase era uma temeridade, pois com
exceção de sua voz que era uma questão especial,
Solon não ouvia mais nada. E se ouvia, Alma
duvidava que conseguisse disseminar o significado
dos sons. O uso do termo quase era uma delicadeza
para fazê-lo sentir-se menos inútil.
Seria fácil atocaiá-lo. Ainda mais em meio ao

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caos e pior, por elfos em que aprendeu a confiar.


Por essas e outras que Alma preferia não acreditar
plenamente.
Alma perdeu-se nos pensamentos pesados
sobre morte e perda, não reparando que em torno
de si o perigo rondava. Ao seu lado, um passo atrás,
Anastácia escorregou na lama que cobria o chão e
Alma se virou para ajudá-la. Foi nesse momento
que o perigo achou meios de se criar e atacar.
Um estrondo e mais terra caiu do teto e das
paredes. Anastácia gritou desesperada, quando a
lama a empurrou para o lado. Seu súbito senso de
proteção desvairado e fora de hora lhe custou o
bem estar. Alma não gritou quando foi atingida,
mas Anastácia gritou por ela.
Terra a cobriu e tudo ficou escuro. Alma
manteve os olhos abertos e uma tábua caiu sobre
ela antes de ser coberta por mais terra e barro.

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Foi tudo muito rápido, em um instante, tudo


ficou escuro e frio.

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Capítulo 19 - Noites insones

O ar era limpo. Alma puxou o ar com força,


pois ainda sentia a ausência dele como um
desespero que não queria ir embora. Piscou, mas
não abriu os olhos. Não queria abri-los e descobrir
que estava acabada ou pior, que estava no aguardo
de seus últimos momentos.
— Eu não vou olhar — ela sussurrou para si
mesma, como um devaneio ou algo assim.
Poderia jurar que se abrisse os olhos
encontraria Eleonora ao seu lado, olhando-a ansiosa
por vê-la acordar.
Estaria bem perto, analisando sua face,

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procurando por sinais de que Alma estava acordada


ou presa em um pesadelo induzido pela dor.
Driana estaria com a cabeça enfiada em um
livro qualquer, procurando uma fórmula ou
resposta para curá-la mais rápido, mesmo que
soubesse que isso era em vão, a ajudaria a se
acalmar. Em algum canto, Joan estaria sentada,
roendo as unhas da mão, rezando e pedindo ajuda à
mãe de toda natureza, para que rogasse pela vida de
Alma. Sim, Joan fazia isso quando desesperada. Ela
limparia as lágrimas de aflição e seria a primeira a
tentar acordá-la enquanto dizia:
— Não é bom que fique desacordada depois
de bater a cabeça com tanta força.
Alma ouviu a voz e sentiu o coração explodir
de felicidade. Era Joan! Joan! Eleonora e Driana
estariam com ela! Ela estava em casa? Estava com
suas amigas!

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— Joan! — Acordou, abriu os olhos ansiosa


para ver sua amiga. Abraçá-la, apertar sua amiga
ruiva e suave em seus braços, protegendo-a de toda
dor e medo.
Acalentar a suave bonequinha ruiva, de saúde
frágil e olhar inocente em seus braços, protegendo-
a de todo mal do mundo! Para que Joan nunca
precisasse enfrentar o sofrimento que Alma tão
bem conhecia!
Seus olhos encontraram a imagem de
Anastácia. Morena, cabelos negros, olhos
preocupados. Não era a face sardenta e de boneca
que Joan ostentava.
Suas mãos tentavam tocar Joan, mas ao
encontrar outra pessoa, suas mãos perderam a
vontade e Alma deixou-as cair em seu colo. Estava
deitada, agora sentada, em uma cama improvisada,
sendo alvo de olhares estranhos.

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Estranhos para Alma que esperava encontrar


suas amigas. Estanhos para ela que sentia a
necessidade opressora de voltar ao passado quando
tinha sua família ao seu lado, pois suas amigas
eram a única família que alguma vez conheceu.
— Eu cuido dela agora — Alma ouviu a voz
forte, mas não prestou atenção, até enxergar uma
mão graúda tocar o ombro de Anastácia e a jovem
se afastar.
Alma notou que não era a única a olhar para
ela. Agra estava de pé, mãos entrelaçadas em frente
ao corpo, com olhar cândido. Estevão, contrariado
esperava por Anastácia. Lama e barro sujavam as
roupas do guarda até a cintura.
Confusa, observou que cortinas improvisadas
separavam as camas igualmente improvisadas.
Colchões forrados com lençóis acomodados no
chão, com travesseiros e no seu caso uma bandeja

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com água e comida no chão ao lado da cama


precária.
Sozinha, Alma finalmente fitou o Guardião.
A roupa dele estava limpa. Solon estava molhado,
como alguém que tomou banho ou se lavou
recentemente.
— sabe o que aconteceu? — Ele perguntou
sentando perto dela, tirando as botas, deitando junto
dela na cama estreita.
Perdida, sem saber o que fazer ou dizer, ficou
calada.
— Você bateu a cabeça quando foi soterrada.
— Solon deitou de lado e enlaçou sua cintura para
que deitasse também.
Alma tocou a base do crânio, onde sentiu dor
ao se mover. Solon afastou seus cabelos e disse
baixo para não ser ouvido pelos outros feridos que
descansavam em suas camas improvisadas.
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— Anastácia nos encontrou a tempo de


resgatá-la — ele continuou contando, como se ela
esperasse ouvir o que aconteceu. — Foi tudo muito
rápido, a terra foi barrada por uma tábua que a
protegeu. É uma fada de sorte, Alma. Muita sorte.
Estranho, pois ela não se sentia assim. Nada
sortuda. Pelo contrário.
— Fiquei assustado, Alma — sussurrou em
seu ouvido — com medo de não conseguir resgatá-
la a tempo.
Alma ignorou essa declaração. Não
conseguiria lidar com isso agora.
— Diga alguma coisa — ele pediu,
fragilizado por crer ter perdido a fada que detinha
todo seu interesse.
— Quando abri os olhos eu achei que fosse
Joan falando comigo — contou, sem saber por quê.
— Mas não era.
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— Saudade. Você sente saudade de sua


amiga — explicou, abraçando-a por trás. —
Passaremos a noite aqui. Você precisa ser cuidada.
Ficar bem para quando sairmos daqui — ele queria
vê-la menos triste.
— Nunca sairemos daqui. Eldor ordenou sua
morte — disse com pessimismo — como é possível
que ainda esteja vivo?
— Eles me encontraram — Solon revelou,
erguendo o corpo, fitando-a com carinho. Alma se
moveu, ficando de frente para o elfo, para ver seus
olhos. — Estevão me contou da ordem dada. Ele
está dividido entre o que acredita e o seu senso de
dever para com seu líder. Eu já estive em uma
posição bastante parecida e posso compreendê-lo
— revelou, pois não era fácil para alguém que
cresce seguindo um líder e regras, simplesmente
jogar tudo pro algo e crer em novas diretrizes da

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noite para o dia. — Estávamos decidindo o que


fazer quando Anastácia surgiu aos gritos pedindo
ajuda.
— Ao menos conseguiram uma desculpa
para abortar a ordem de Eldor — ela ironizou e
observou um sorriso nascer na face de Solon. —
Fico feliz em ter sido útil.
— Não repita isso — ele disse com um
sorriso triste — fiquei apavorado quando Anastácia
contou que estava soterrada — corria um dedo por
seu colo, no vão entre os seios cheios que se
destacam pela roupa limpa.
— Quem cuidou de mim? — Perguntou
suave.
— Anastácia e outras fadas. Agra ajudou a
fazer compressas e um emplasto para a dor e o
inchaço na sua cabeça. — Contou.
— E Eldor? Veio atrás de mim? —
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Perguntou só para checar.


— Não. Eu não permiti que a levasse com
ele. Porque quer saber? Gostaria de ter sido cuidada
por ele? — Perguntou.
— Eu prefiro ficar sozinha. Não gosto de
companhia — ela enxotou-o.
— Sem chances. — Negou, tornado a deitar
e a abraçá-la. — Para todos os efeitos eu sou o seu
escolhido. Não pode me mandar embora ou
pensaram que não me quer mais e que escolheu
Eldor. — Solon encostou a boca em seu ouvido e
acariciou a pele com intimidade antes de sussurrar.
— Estou conseguindo organizar uma rebelião
contra Eldor. Não estrague isso.
Alma fechou os olhos e se moveu, escapando
dele, virando de lado. Solon não pretendia deixá-la
só, por isso ajeitou-se contra ela, de conchinha.
— Tente dormir — ele sugeriu — eu sei que
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não é fácil, mas precisa descansar um pouco.


Amanhã será um dia difícil. Muito difícil.
Alma deixou-o acariciar seu braço e beijar
seu pescoço. Deixou-o abraçá-la e cuidar dela, pois
Solon estava coberto de razão.
No dia seguinte tudo seria ainda pior.
*****
Pior e barulhento. Acordou com uma dor de
cabeça insuportável e o corpo dolorido em cada
pedacinho que pudesse tocar. Moveu-se na cama
improvisada com letargia e espreguiçou-se com
preguiça e lentidão dolorida. Quando abriu os
olhos, descobriu que o lugar estava em polvoroso.
Feridos eram cuidados por seus familiares, e
isso causava um atropelo de crianças correndo de
um lado para ao outro, aos gritos, pois sem atenção
de suas mães, elas ficavam livres para brincar. Sem
entender a seriedade do que acontecia, o lado
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lúdico dominava.
Um monstro de raiva revirou dentro de
Alma, que ela sentou na cama, observando aquelas
crianças gritarem e rirem como se o mundo
estivesse em paz.
— Chega dessa gritaria! — Alma gritou e as
crianças pararam de brincar, olhando-a com medo.
Na verdade, ela não conseguiu medir a altura
de sua voz, por isso todos pararam o que faziam
para encará-la com receio.
— Minha cabeça dói. Calem a boca um
pouco — ela amenizou o tom e voltou a deitar, a
cabeça no travesseiro, puxando o lençol até cobrir
seu rosto.
Não era vergonha, disse a si mesma. Sentia
lágrimas quentes em seus olhos. Não queria
assustar ninguém. Seu comportamento era
involuntário.
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— Você acordou — ouviu a voz de


Anastácia e não se moveu. — Eu ouvi seu grito.
Fico feliz que alguém tenha feito àquelas crianças
ficarem quietas. — Disse sorrindo, mas Alma não
viu o sorriso, apenas imaginou que sorrisse.
Descobriu a cabeça e olhou para Anastácia.
Profundas olheiras. Marcas de muito choro.
— Onde ele está? — Perguntou.
— O seu elfo? Seguiu com Estevão para os
corredores destruídos. Eles precisam trazer
alimento para cá antes que a terra desabe outra vez.
Metade da dispensa esta perdida, mas um pouco se
salvou. O que é bom por um lado.
— Como conseguiremos comida se não
pudermos usar as saídas secretas para a superfície?
— Alma perguntou séria.
— Eu não sei. Tirávamos alimento das
plantações do Vilarejo sem Fim. Dos animais e das
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compras feitas de forasteiros. Vez ou outra Eldor


procurava fornecedores em outros vilarejos. Agora
eu não sei como vai ser. A água está acabando.
Nosso reservatório precisa ser bombeado todos os
dias, pelos que ficam na superfície. Mas a válvula
está destruída. E não há ninguém lá em cima.
Quando o desabamento começou, todos estavam
aqui embaixo com suas famílias.
Anastácia baixou a cabeça amedrontada.
— Sem água e sem comida. — Alma
suspirou pesarosa — eu sempre soube que minha
vida seria uma merda e que meu fim seria horrível,
mas nunca imaginei algo tão medonho — admitiu.
— Porque Eldor a deseja tanto? — Anastácia
perguntou — Ele está dando ordens estranhas. Ele
quer deixá-la a sua mercê. Proibiu que lhe desse
alimento. Disse que o elfo pode comer e beber, mas
você não. Que deve escolher entre a morte ou a

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presença dele. Eu nunca vi nosso líder assim. Eldor


nunca prestou, é verdade, mas nunca o vi tão louco.
O que você tem que o deixa assim?
— Meu dom. Minha voz pode matar. E eu
acho... Que meu dom é mais que isso. E ele precisa
desse dom para manter todos vocês no cabresto. —
Contou, suspirando. — Então, eu serei a primeira a
morrer?
— Não — Anastácia sorriu e retirou um
pedaço de pão das vestes. — Não tem muita água,
mas vou tentar trazer um pouco para você.
Ela levantou, pois estava ajoelhada ao lado
da cama, e desapareceu em meio às fadas e elfos
que eram cuidados ou cuidavam de seus familiares.
As duas sobrinhas de Anastácia vieram brincar
próxima à cama de Alma. As ignorou, comendo o
pão com fome.
Uma das meninas chegou-se na cama e Alma
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estendeu para ela um pedaço, pois era claro que a


menina sentia fome.
Logo, o pão era repartido em três partes.
Alma que sempre padeceu de fome no
Ministério do Rei, prometeu a si mesma que não
morreria desse modo. De jeito algum!
Eldor deveria saber se alguma passagem
escusa, que fugia ao conhecimento de seus
seguidores, mesmo os mais próximos.
Quando Anastácia voltou, havia adormecido
outra vez. As meninas brincavam perto, mas em
silêncio para não incomodá-la. Anastácia fez sinal
para que ficassem bem quietinhas e foi ajudar os
outros feridos, que necessitavam de atendimento
especial, pois padeciam de dores horríveis.
Sorte que Agra possuía algum conhecimento
de curandeirismo.

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Alma dormiu e acordou várias vezes naquele


dia. Seu corpo se ressentia do sofrimento passado e
por conta disso, não conseguia se controlar.
Oscilava entre o despertar e o adormecer.
Em um dos momentos que adormeceu, ouviu
como quem ouve um sonho distante, uma conversa
que acontecia em torno de si:
— Ela está bem? — Era a voz de Solon.
— Acho que sim. Eu consegui trazer comida
escondida e Alma comeu bem. Mas tem dormido
muito. Eu pensei em acordá-la, mas fiquei com
receio de irritá-la.
Alma lamentou que todos achassem que
poderia explodir por tão pouco.
— Alma nunca descansa. Ela tem uma vida
difícil, deixe que durma. Escute, Anastácia, manter
Alma calma é muito importante. Vou trazer comida
mais tarde, não se preocupe com isso. Não seguirei
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as leis de Eldor e muitos pensam como eu. Eu


preciso ir. Há uma boa chance de conseguirmos
acessar os corredores onde ficam as saídas do
subterrâneo. Mas isso precisa ficar entre nós.
— Estevão sabe? — Anastácia perguntou.
— Sim, ele está ajudando com isso — ele
explicou. Uma das mãos do Guardião afastava os
longos cabelos da face de Alma, que se ressentiu
desse carinho.
Um sentimento estranho diante desse afeto.
— Eu não sei se confio em Estevão. Ele
sempre foi o braço direito de Eldor. Cuidado com
ele, Solon. Cuidado com ele.
O aviso vinha de Anastácia, a fada que
amava secretamente o cunhado. Talvez por isso,
mesmo sem ninguém para atrapalhar, Anastácia
ainda mantinha distância de seu amor proibido.
Não confiar em alguém é o pior sentimento do
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mundo.
Alma afastou-se do toque de Solon e ele
sorriu, curvou-se e sussurrou em seu ouvido,
provando que sabia que fingia dormir para não ter
de lidar com ele:
— Eu volto mais tarde, descanse bastante,
fadinha.
Ela abriu os olhos para encará-lo depois
dessa indulgência. Solon apenas sorriu e esfregou
um beijo casto em seus lábios cerrados, antes de se
afastar e ir embora.
Alma não sabia lidar com ele. Era hora de
arrumar um modo de livrar-se desse elfo. De acabar
com tanto sofrimento. Quem sabe, um grito que
acabasse com todo o sofrimento dessas criaturas
que penariam de fome e sede até um derradeiro
final? Não seria mais justo e piedoso de sua parte?
Alma suspirou e não disse nada, mesmo
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sabendo que Anastácia queria conversar.


— Eu vou deixá-las aqui. — A fada disse
suave, referindo-se as sobrinhas — elas sabem que
não devem fazer barulho.
— Porque está cuidando de mim? — Alma
perguntou em tom de acusação.
— Porque eu gosto de fazer isso. E porque eu
sinto que você pode me levar para a superfície —
foi sincera. — Eu quero ver minhas sobrinhas
obterem suas asas.
Alma olhou para as meninas e acenou,
virando de lado, angustiada e exausta demais para
conversar.
Anastácia tornou a ajudar os outros feridos e
Alma fingiu não notar que as meninas se ajeitaram
na cama ao seu lado, para dormirem também, pois
era isso que meninas pequenas faziam após o
almoço. Ignorando-as, pois muitas e muitas vezes
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Joan viera dormir em sua cama, em busca de


segurança após um pesadelo, Alma sufocou os
pensamentos ruins e descansou.
Quando Alma acordou era noite outra vez. O
barulho de idas e vindas de elfos e fadas em busca
de medicamentos, alimento e notícias havia
cessado. Silêncio total era a única coisa que pode
notar. A escuridão era quase total também.
Ouviu o som de uma respiração funda e
passos pesados em torno da cama no chão, onde ela
estava. Havia cordas amarradas nas paredes, que
permitiam que panos velhos, lençóis e outros
tecidos fossem usados como cortinas improvisadas,
garantindo alguma falsa privacidade para as
famílias dos feridos. Alma supunha que o mesmo
havia sido feito no pavilhão onde estavam os
sobreviventes que escaparam sem ferimentos.
Solon deitou ao seu lado, sem as roupas e ela

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disse baixinho:
— O ar está carregado de poeira.
— Tem sido assim na última hora. Um dos
corredores desabou e não é seguro voltar para a
dispensa — ele contou desanimado.
— E agora? — Perguntou sentindo uma
pulsão de medo instalar-se em sua mente e coração.
Solon beijou sua testa e a puxou para seu
peito, abraçando-a mesmo que Alma não quisesse
seu carinho.
— Eu não sei. — O Guardião admitiu. —
Precisamos nos manter vivos e a salvo o maior
tempo possível até encontrarmos uma escapatória.
Estevão está falando sobre tentar cavar uma saída.
Mas é perigoso, ele mesmo revelou que Eldor
decidiu abrir novos corredores, pois essa região
está condenada a anos. É um milagre não ter sido a
primeira a despencar.
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— Que ótimo — ela disse amargurada,


escondendo o rosto no peito do elfo, sem saber por
que se deixava levar desse modo. — Eldor é
tinhoso. Ele deve saber como sair daqui.
— Não adianta torturá-lo, fada malvada —
ele antecipou sua sugestão, pois ela pensava muito
em morte e torturas — esse tipo de maníaco não
abre mão do poder. Ele nunca aceitaria desistir do
poder que tem sobre seus seguidores.
— Maldito — ela reclamou e Solon sorriu na
escuridão — Amanhã, se você estiver melhor, eu
quero conversar com você sobre o seu dom. Uma
conversa franca e verdadeira, sem mascaras.
— Eu não uso máscaras — ela disse
sonolenta.
— Sim, você usa uma máscara Alma. E é tão
perfeita, que engana a si mesma.
Solon percebeu que estava adormecida e que
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provavelmente não se lembraria dessa estranha


conversa no dia seguinte. Acariciou seus cabelos e
inalou o ar, enojado pela terra que impregnava.
Preocupação apertou seu coração. Precisava
tirar aquelas pessoas dali e salvá-las. Era sua
missão salvar e proteger os inocentes. E Solon não
lidava com isso de vida de forma banal. Era mais
que uma missão, era a razão de sua existência.
Sabia que Eldor estava se movendo no
sentido de tolher seus avanços. Acreditava em
novas tentativas de eliminá-lo e por conta disso, se
mantinha atento e em alerta. Acreditava também
em uma mudança de estratégia. Desacreditá-lo
totalmente, obrigando-o a sair de cena para não
causar histeria entre os sobreviventes.
Criaturas tão sensibilizadas e amedrontadas
que facilmente se voltariam contra qualquer agente
que oferecesse novo risco.

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Capítulo 20 - Massacre

Três dias mais tarde, Alma ainda se mantinha


no pavilhão dos feridos. Primeiro, por não estar
totalmente recuperada. Depois, por preferir ajudar e
ocupar sua mente a ficar pensando que estava
soterrada em um buraco fedorento miserável e que
não encontraria salvação.
Talvez por isso estivesse tão saudosa de suas
amigas, a lembrança delas vindo perturbá-la o
tempo todo. Queria notícias de Joan, que sabia ser
perseguida por Zoé uma Guardiã totalmente
grotesca e selvagem. Driana se entendia com
Acheron, e vivia naquele jogo de gato e rato. Alma
não duvidava que sua amiga obteria êxito. Mas
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Joan... Não. Ela era frágil e como todo ser frágil,


necessitava de amparo e cuidado.
Angustiada, Alma procurou entre os feridos e
seus familiares pelas sobrinhas de Anastácia. Elas
deveriam estar brincando perto de onde Alma
estava, mas encontrou apenas uma.
— Onde está sua irmã? — Perguntou para a
menina que apenas apontou em direção à porta de
saída do pavilhão.
As duas meninas eram muito agitadas, por
causa disso, a comunicação era sempre precária
para Alma que não estava habituada a tanta energia.
A fada da clausura não gostava de pensar em sua
afeição pelas meninas. Não gostava de pensar em
porque gostava dessas crianças quando sempre
detestou crianças.
As meninas eram como ela e Solon, eram
pela metade, e sempre seriam tratadas com
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diferença, sempre seria subjugadas e atacadas, por


serem incapazes de cuidar de si mesmas o tempo
todo.
— Fique aqui. Se você sumir também, eu lhe
dou umas palmadas, entendeu? — Segurou a
menina pelos braços e a colocou sentada na cama.
Entregou-lhe um brinquedo de madeira, que vivia
arrastado de um lado para o outro.
A menina pareceu obedecer, e Alma
procurou por Anastácia antes de decidir que era
melhor procurar a menina e fazer algo de útil, em
vez de ficar ali parada reclamando do mundo e
enlouquecendo todos os demais com seu gênio
forte e seu mau humor insuportável.
Eles a toleravam por achar que era o grande
amor de seu líder e apesar dela ter escolhido outro
elfo, nutriam a esperança de que mudasse de ideia e
aceitasse ser a fêmea a reger aquele povo.

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Alma não entendia esse tipo de idolatria, pois


seu espírito sempre foi líder, apesar de sua carne
ser prisioneira.
Estava frio e úmido, e ela tremeu enquanto
caminhava hesitante pelos corredores. A umidade
tomara conta das paredes e do ar. Sabia que em
breve todos adoeceriam. Não havia como manter
fogo acesso por muito tempo e o alimento vinha
sendo ingerido cru. Ela agradecia a sorte por boa
parte do alimento ser vegetal e não animal. Rações,
grãos e legumes.
Alma teve um vislumbre de cachos cor da
noite e correu atrás da menina, esquecida de seu
receio em percorrer aqueles corredores sombrios e
ser outra vez soterrada. Ainda tinha pesadelos com
isso, mas não se lembrava deles na manhã seguinte.
Sufocou a voz interior que lhe dizia que
lembrava apenas da voz sussurrada em seu ouvido,

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lhe dizendo que tudo ficaria bem.


Solon em suas mentiras piedosas.
— Aí está você! — Guinchou irritadíssima
quando viu a menina brincando com um animal.
Era um filhote de coelho talvez. Ela cutucava o
bicho com sua mão, curiosa, e olhou para ela como
quem pergunta por que seu filhote não está mais
brincando.
Alma reconheceu o bicho, pois era de criação
de Anastácia, e havia sobrevivido ao soterramento
junto com outros bichos de estimação de outros
moradores do subterrâneo.
Alma segurou a menina pela mão e olhou o
animal.
— Oh — ela segurou a menina perto de si
escondendo o rostinho bonito contra sua barriga
para que não olhasse para o animal outra vez. —
Não olhe.
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Alguém havia assassinado o pobre animal


com crueldade.
A menina olhou para Alma que segurou seu
rosto, sabendo que precisava dizer-lhe algo:
— Sua irmã está procurando-a. Não quer
deixar Anastácia furiosa quer? Vamos.
A menina segurou a barra da sua saia, que
lhe chegava ao joelho, e apontou para o coelho
abatido.
— Eu lhe arrumo outro coelho quando
sairmos daqui, ok? Só não faça isso comigo, não
faça — ela implorou agarrando sua mão, levando-a
para longe.
Não era boa com crianças e não tinha a
menor ideia de como lidar com o sofrimento de
uma!
— Prestativa e dedicada como uma boa fada

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deve ser. Estou orgulhoso.


Alma parou de andar e olhou para trás, de
onde a voz sombria vinha atazanar sua vida.
— Foi você? Não estou surpresa — disse ao
reconhecer Eldor — Atacando pobres coelhos
indefesos? O que foi? Está ficando desesperado?
— Porque ficaria? — Ele sorriu e
aproximou-se olhando para a menina.
Alma segurou a mão da criança com força e
sentiu um arrepio percorrer sua coluna. Eldor havia
aberto mão do manto e do excesso de luxo. Comum
como qualquer outro elfo, havia saído para caçar.
Primeiro o coelho, depois a criança.
— Seu mundo está ruindo ao seu redor. Eu
não sou estúpida, você não sabe o que fazer. Essas
pessoas irão morrer e você ficará sozinho. — Jogou
em sua cara.

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— Sozinho? — Eldor estreitou os olhos e


sorriu. — Você acha mesmo que alguém com o
meu poder de persuasão ficará sozinho? Neste
mundo de puro desespero e medo, você acredita
mesmo que não encontrarei fadas e elfos dispostos
a trocarem vidas miseráveis e de escravidão por
uma vida de privações, porém de paz e
tranquilidade? É uma tola, Alma. Uma grande tola.
Como dizer que mentia? Ela mesma era uma
dessas fadas disposta a encontrar um pouco de paz
na vida.
— O que você ainda quer comigo? —
Perguntou tensa — eu escolhi o Guardião e você
sabe muito bem por que.
— Porque o seu dom insiste em não se
revelar em sua plenitude. Eu soube no momento em
que a via na Vila dos Desesperados — sorriu
tocando a parede de pedras, que apesar de

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aparentemente intacta, conservava relevos que


indicava uma lenta mudança de lugar, pois a terra
vinha cedendo lentamente.
— E você quer obter o meu poder de
convencimento. — Ela disse sorrindo. — Bom, eu
também quero. Mas pelo visto, ambos ficaremos
frustrados. — era satisfação pura que pairava em
sua face.
— Eu quero mais que obter seu dom, Alma.
Eu quero uma parceira que me entenda e desfrute
do mundo que eu criei. E essa parceira é você.
— você é patético — segurou a menina pela
mão com força quando Eldor aproximou-se.
Ele tinha a atenção dividida entre ela e a
fadinha. Alma entendia que aquela mente doentia
precisava ser enaltecida e que Eldor obtinha
satisfação plena tirando a vida de pequenos seres
vivos e a menina era perfeitamente pequena e
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indefesa. Não poderia gritar ou pedir ajuda.


— Vá atrás de sua irmã, e não desvie do seu
caminho ou eu realmente vou lhe dar a surra que
prometi — ela pôs medo na menina e viu seus
olhos arregalados de receio, sem saber que o
verdadeiro perigo não era a fada e sim o elfo.
Soltou a mão da criança que correu para
junto de sua família. Sozinhos no corredor vazio,
Alma perguntou:
— Você sabia o tempo todo que isso poderia
acontecer, porque não fugiu?
— E abrir mão de tudo que é meu? — Ele
divagou.
— Nada é seu. — Ela negou petulante.
O modo como o encarava era de pura
arrogância. Mesmo subjugada, Alma não lhe
pertencia.

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— Eu soube que éramos almas idênticas


quando a via a primeira vez. Cheira a morte, Alma,
e eu posso farejá-la. Não foi o cheiro de cio que me
instigou e atraiu, foi o seu cheiro de morte. Suas
mãos estão sujas de sangue inocente. E eu amo isso
em você.
— Eu nunca matei ninguém. — Negou.
— Ainda — ele corrigiu — é questão de
tempo.
Por mais triste que fosse admitir, Alma
precisava ser sincera e admitir que ele tinha razão.
Toda razão do mundo.
— O Guardião vai tentar domesticá-la.
Domar seu dom e conter seus impulsos. É um
idealista. E você é um desafio para alguém que se
julgar capaz de salvar os desvalidos e
desprotegidos. Solon pode conseguir conter seus
desejos por algum tempo, mas não para sempre.
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Quando menos esperar, você cometerá um ato que


mudará tudo. Eu sei como é. Eu passei por isso.
Você não escapará de sua natureza, Alma, ninguém
escapa de ser quem é para sempre.
— Me deixa em paz — ela negou e virou de
costas.
Sua intenção era sair do confronto sem
aparentar covardia. Eldor a seguiu e a fez parar,
encostando um punhal em suas costas.
— Nós dois sabemos que se você gritar e me
matar estará fazendo o mesmo com todos os elfos e
fadas que estão aqui embaixo conosco. Sendo
assim, não importa o que acontecer, você não vai
poder escapar de mim.
— É mesmo? E o que você vai fazer comigo?
Ele estava atrás dela e passou uma das mãos
por sua barriga, mantendo seu corpo contra o seu.
Era assim, não era? Os machos sempre se acham no
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direito de submeter uma fêmea aos seus caprichos?


Fervendo de raiva, Alma tentou soltar-se, mas foi
em vão.
Eldor a empurrou contra a parede, com a face
esmagada contra as pedras e agarrou seus cabelos,
segurando o punhal contra sua garganta. Alma
farejou o sangue, pois cortava sua pele.
Gemendo em seu ouvido, Eldor levou a mão
livre para baixo de sua saia e a tocou nas coxas,
alisando sua pele.
— Eu vou mostrar-lhe, Alma, como será
perfeito ao meu lado. É justo que tenha um
comparativo. O direito de escolha. O Guardião é
um capacho de um Rei deposto. Eu sou um elfo
livre, que sigo minhas próprias leis. E você sentirá
a diferença entre um e outro quando terminarmos.
Alma gemeu de nojo e conteve a vontade de
gritar e lhe dizer que já sabia a diferença entre um e
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outro. Um a estuprava, outro a seduzia.


A diferença era muito clara e não havia como
ignorá-la.
— Você pode ir em frente — avisou a Eldor
— quando terminar, eu arrumarei minha roupa e
seguirei minha vida, sem olhar para trás. Acha que
me importo com quantos elfos me deito? Acha que
me importo com quem está comigo? Se você sabe
que somos iguais, então, sabe que eu não me
importo nem um pouco com você. Que não sou
capaz de amar um elfo ou me importar. Vá em
frente, tome a força o que você quer. Eu posso
muito bem suportar e depois esquecer.
Suas palavras eram sinceras. Ela não se
importava, disse a si mesma. Não se importava.
Mesmo que mantivesse trancafiado em seu coração
a lembrança doce do modo como Solon a tocou.
Ainda assim, ela sobreviveria a essa violência,

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como sobreviveu a todas as outras tristezas de sua


vida.
Furiosa, sentiu-o subir aquela mão asquerosa
para entre suas pernas. Contrariando as próprias
palavras, Alma tentou escapar. Eldor riu e a
pressionou contra a parede, esmagando seu corpo
dolorosamente.
Eldor havia esquecido que havia mais um
atributo em Alma além de seu aparente dom inútil.
Ela tinha asas e as bateu fervorosamente, causando
seu afastamento involuntário. Foi questão de
segundos, mas ela conseguiu escapar e correr. Não
foi muito longe, pois Eldor a derrubou no chão e
montou sobre ela, segurando sua cabeça contra o
barro que cobria o chão. Alma engasgou engolindo
terra e inalando barro, mas ele não parou.
Ela pensou ter ouvido gritos e passos, mas
não percebeu o que de fato acontecia, até sentir que

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estava livre.
Eldor estava de pé, com o punhal nas mãos,
afastando-se dela com passos inseguros.
— A fada me escolheu. Estava tomando o
que me oferecia. — Explicou e Alma ergueu a
cabeça o suficiente para olhar e descobrir que
vários elfos e fadas olhavam para os dois inseguros.
A sobrinha de Anastácia estava ali e uma das fadas
a pegou no colo e levou entre as pessoas, para que
não visse a cena degradante.
Era provável que a menina houvesse
explicado para Anastácia onde estava e com quem.
Eles esperavam que Alma levantasse e
confirmasse a versão de seu líder. Solitária,
magoada e ferida, Alma sentou e tentou levantar.
Seus joelhos estavam ralados e ela estava
desconjuntada.
— Eu não o escolhi — disse em um fio de
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voz — ele ia me pegar a força. — Baixou à cabeça


envergonhada, lamentando a própria existência,
sem notar que lágrimas corriam em seu rosto — eu
não o escolhi — sua voz tornou-se um gemido e ela
andou com dificuldade até ser ajudada por algumas
fadas que a apoiaram, sempre olhando para Eldor
com cobrança.
— É mentira. A fada me escolheu e deve ser
levada para meu quarto. Agora me pertence.
— Se isso é verdade, porque segura o punhal
em posição de ataque? — Perguntou Anastácia
antes de virar as costas e ajudar Alma a seguir pelo
corredor.
A pergunta ficou no ar, mas Alma não soube
como a conversa continuou.
*****
Alma enxergou o Guardião se destacando
entre as pessoas e suspirou. Ele parecia
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descontrolado e um pouco frenético. Esperou-o


enxergá-la entre as fadas e elfos, e se preparou.
— Não — ela disse antes que ele tivesse
tempo de falar — eu não me importo com isso.
Você sabe que não ligo para quem se deita comigo
— era mentira, mas ela ficaria contente se ele
fingisse acreditar nisso e a deixasse em paz. —
Agora a maioria desses elfos e fadas sabem que seu
líder é capaz de forçar uma fêmea. Isso é bom, não
é? A confiança é quebrada.
— Anastácia disse a Estevão que não teve
tempo para tocá-la... Isso é verdade? Ele não
abusou de você? — Preferiu manter-se distante,
pois ela impunha distância emocional. Por mais que
fingisse estar bem, ele reconhecia os claros sinais
de seu esforço para não surtar e causar uma
tragédia.
— Não ouve tempo — contraiu, olhos

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brilhantes. — Por favor, me deixe quieta.


Era um pedido de que não a obrigasse a
mostrar fraqueza na frente de tanta gente.
Solon tocou seu rosto, seu queixo e olhou em
seus olhos em busca de tranquilidade. Ela estava
um caos.
— Tem razão, é um bom momento para
conseguir alianças. Conte a todos do horror e do
medo que sentiu. Isso ajudará a reforçar a imagem
pejorativa de Eldor.
E aliviar o peso em seu coração, pensou
Solon, mas não disse.
Alma acenou concordando e afastou-se.
Fechando os olhos com força, Alma deixou que
Anastácia viesse limpar os arranhões em seus
joelhos e não disse anda, mesmo quando Anastácia
parou de limpar os machucados e disse:

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— Eu tenho medo que ele tenha feito o


mesmo com minha sobrinha mais velha —
confessou.
— Eu quero sair daqui — Alma disse, e isso
resumia tudo. Inclusive a resposta para a dúvida de
Anastácia.
— Estevão me contou que Solon crê que
você pode adquirir um dom maior capaz de salvar a
todos nós. Mas que você não o deixa ajudá-la. — A
serva contou, olhando-a com cobrança.
— Eu sou egoísta, eu sei disso — afastou-se
e deitou na cama, escondendo o rosto no
travesseiro.
— Não. Você é covarde. Eu também. —
Anastácia disse cansada. — Agra quer vê-la mais
tarde, o que digo a ela?
— A menos que ela queira me ajudar a sair
desse inferno, diga que não quero ver ninguém.
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Sua raiva não era dirigida para a jovem, mas


sim, para Solon que ousava falar dela por suas
costas.
Era típico dos elfos decidirem sua vida.
Lucius e sua amante Santha a jogaram aos leões.
Solon a perseguia e levava consigo para essa
armadilha do destino. E agora, Eldor a tocava e
tentava lhe roubar os desejos do corpo, quando não
obtinha permissão para ser dono dos desejos de seu
coração.
Era injusto. Muito injusto ser vítima dos
desejos alheios e não poder lutar contra. Furiosa,
Alma agarrou o tecido sujo do travesseiro e
sufocou as lágrimas. Apertava o tecido para
extravasar o ódio, mas era em vão. A raiva não
passaria assim tão fácil.
As palavras de Eldor marcavam seu coração,
pois ele estava certo ao dizer que eram idênticos.

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Quem sabe, no futuro, ela seria igual a ele em


comportamento? Só de pensar nisso, sentiu o
coração apertado.
Não queria ser má, pois sabia que não
haveria volta caso pusesse em prática todo o ódio
que carregava no peito.
Solon não voltou nas próximas horas. Alma
esperava que voltasse e lhe dissesse que tudo
ficaria bem. Era infantilidade sua, mas queria ser
abraçada e sossegada. Era fraqueza, mas era um
sentimento tão grandioso que não sabia ignorar.
Ela comeu sem vontade, empurrando a
comida, e interagiu com os outros por necessidade
e não opção. As sobrinhas de Anastácia pareciam
ter tomado-a como uma familiar, pois insistiam em
rodeá-la. Com dor de cabeça, a cabeça quente, e os
nervos a flor da pele, Alma tentou dormir quando
tudo silenciou.

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Foi um momento de fechar os olhos e rezar


para tudo acabar bem. Um momento de falsa paz
que não perdurou.
Ela ouviu gritos e algazarra. As luzes foram
acesas há bastante tempo quando ela notou o que
acontecia.
— Está tudo bem — disse Anastácia, que
pálida estava sentada no chão com as irmãs, ao lado
do colchão ao qual alma repousava. —
Não se assuste. Estevão e Solon estão liderando
uma rebelião. Devemos ficar aqui e não interferir.
— Rebelião? — Sentou-se na cama, agitada.
— Sim, veja — apontou uma fila de elfos e
fadas. — É uma trégua. Os que apoiam Eldor estão
sendo trocados pelos que não apoiam. Uma
tentativa de Eldor parecer bonzinho. Os guardas
estão do seu lado e eles são maiores número e estão
armados. Somos a minoria.
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Alma observou calada o movimento. Vez ou


outra um guarda entrava e observava em torno,
checando se não havia nenhum infiltrado de Eldor
entre os presentes. Levou muitas horas para que
Solon voltasse. Quando isso aconteceu, Anastácia
se retirou na companhia de suas sobrinhas e a
cortina foi fechada em torno da cama.
— Isso nunca vai dar certo — Alma disse-lhe
no instante em que ficaram sozinhos.
— Acha que precisa me dizer isso? —
Ironizou, sorrindo desconsolado. — É um pouco
ridículo uma guerra com dois lados distintos em
uma situação como esta. Não há condições, espaço
ou pessoas disponíveis para uma luta. Nossa
resistência é mínima. Enquanto pudermos contar
com a decisão de Eldor em se manter fingindo ser
um bom líder, poderemos ganhar tempo.
— Ganhar tempo para que? — Perguntou

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observando-o despir apenas a camisa e as botas.


Sua pergunta foi silenciada pelas luzes sendo
apagadas. Apenas uma luz muito suave mantinha-
se acessa, pois os guardas precisavam de luz para
cuidar da entrada. Estevão era um deles, e Solon
faria revezamento com ele.
— A água não dura mais que uma semana. A
comida menos que isso. Eldor tomou a frente e
agora detém praticamente todo o alimento. O
racionamento vai piorar. Prepare-se para isso. —
Deitou ao seu lado — como está se sentindo?
— Ganhar tempo por quê? — Ela insistiu na
pergunta.
— Eu tenho esperança de conseguir vencer
seu bloqueio, Alma. — Ele prometeu, a voz exausta
pelo pesado trabalho e também pela tensão de toda
aquela situação.
— Não seja patético. Eu não tenho bloqueio
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algum. Rainha Santha mentiu sobre meu dom, com


base no engano das carcereiras em deduzirem que
esse seria meu dom. todos estão esperando por algo
que não acontecerá.
— Miquelina nunca se engana. Ela prevê o
futuro. Se ela disse que seu dom é lidar com a voz e
ser obedecida, é o que acontecerá. Resta
conseguirmos vencer todas as suas barreiras e
libertar o que existe aí dentro escondido.
— Acredite, Solon, você não quer fazer isso
— ela satirizou com veneno na voz.
Solon estendeu uma das mãos e esfregou
suas costas, pois ela havia virado de costas, para
afastar-se dele o máximo possível.
— O seu problema é que está sempre
nervosa. Sempre com ódio e raiva. Eu não a culpo
— ele corrigiu o que dizia antes que ela ficasse
ainda mais tensa.
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Os dois falavam por sussurros e era possível


que ninguém os escutasse. Havia um pouco de
privacidade, mesmo assim, era uma ilusão, pois
apenas cortinas os separavam dos outros.
— Sua vida toda tem sido de lástimas.
Opressão. Sofrimento. Uma prisão, sempre
algemada por decisões alheias. Você precisa deixar
esse ódio sair.
— Mesmo? — Ironizou — e como eu faço
isso?
— Não tenho como lhe responder essa
pergunta, eu lhe sugeriria tentar ser mais suave e
respirar fundo, não aguardar todas as raivas e todos
os rancores.
— E como é possível fazer isso? Não tenho
sangue de barata como você! — Agredir era sua
forma de escapar das palavras verdadeiras de
Solon.
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— Acha que eu sempre fui assim? Que eu


sempre vi o lado bom de tudo? — Ele perguntou
incomodado com seu modo de falar. — Eu já tive
tanto ódio dentro de mim, que achei que a vida não
valia a pena. Foram muitos anos vivendo e me
alimentando do rancor e da raiva. Tempo perdido,
pois esses sentimentos se refletem nas nossas
ações.
— Como você fez para se livrar desses
sentimentos? — Alma virou para o seu lado,
perguntando baixinho.
Solon aproveitou a brecha e acariciou seu
rosto, observando o brilho intenso de seu olhar. Ela
implorava para ser salva.
— É algo gradativo. — Contou. — Primeiro,
é preciso admitir que queira ser feliz. Que você
merece ser feliz. Que tudo que lhe fizeram até hoje
não foi culpa sua. Que o mal que lhe infringiram foi

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gratuito e que não merecia nada disso.


— Mas se... — Quase não conseguiu falar.
— E se eu mereço?
— De que jeito? Um bebê não merece que a
vida lhe imponha o abandono. Você foi
abandonada, Alma, como centenas e milhares de
bebês são abandonados todos os anos. E isso não
quer dizer que seus pais sejam maus. Ou que você
mereça ter sido deixada em um orfanato. É tudo
culpa do acaso. Talvez seus pais tivessem fortes
razões para isso. E talvez você jamais descubra que
razões são essas.
Alma ouvia atentamente suas palavras.
Eleonora vivia lhe dizendo o mesmo. Driana,
então? Cansava seus ouvidos com esse discurso
otimista. Joan era a única que não lhe falava nada,
apenas a abraçava e beijava a face, como quem diz
que não há explicação e é melhor esquecer.

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Ouvir as palavras de Solon era um modo de


confirmar se suas amigas estavam certas.
— Você não tem culpa que rainha Santha
tenha decidido abandonar sua filha. Ou tenha
decidido vingar-se de um Rei que a amou a vida
toda. Muito menos, culpar sua filha por seus
crimes. Você é vítima. Eleonora é vítima. Suas
amigas são vítimas.
— Eu não matei o Rei. Não fui cúmplice —
admitiu — mas eu sempre quis... Saber como é.
— Matar? — Ele verbalizou em voz alta. —
Não pode se culpar por algo que não fez ainda. E
quando eu digo ainda é sabendo que esse momento
não chegará. Eu vou lhe dar razões para não querer
descobrir como é.
— E como pretende fazer isso? — Ela
duvidou de suas palavras.
— Hum, deixe-me ver: vou ajeitar nossa vida
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de um modo que você não vai querer correr o risco


de perder o que teremos. Uma família, suas amigas,
um lar. O que me diz? Você abriu mão da sensação
de matar, quando me deixou viver, por receio de
perder a confiança de suas amigas. Eu confio que
sempre fará a escolha certa. Agora, você precisa
confiar em si mesma.
— Parece tão simples ouvindo-o falar —
confessou.
— Fique perto do que é bonito, Alma. Perto
de crianças, de fadas que sorriem e de pessoas que
amam. Fuja das pessoas sombrias. Fuga de pessoas
como Eldor. Quando os pensamentos ruins a
atormentarem, procure por algo bonito. Você
desenhava, lembra? Eu a vi desenhar algumas
vezes. Imagine em sua mente que está desenhando
algo bonito. Quando puder lhe conseguirei papel e
tintas. Distraia sua mente do perigo. Engane o mal

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que existe dentro de si, com o tempo, ele deixará de


existir.
— Como foi que você enganou o mal que o
rondava? — Deduziu que falava por experiência
própria.
— Hum, Acheron me levou a força para
treinar, eu não queria. Sabia que seria rejeitado pela
minha armadura. Nos nunca nos acertamos
totalmente, minha relação com minha armadura
sempre havia sido conturbada e eu sabia que seria
rejeitado definitivamente. Acheron me convenceu a
provar a mim mesmo que era digno de usar a
armadura outra vez.
— Sua armadura não lutou contra mim
quando a roubei — não queria decepcioná-lo, mas
era a verdade.
— Isso aconteceu, porque você é minha fada
escolhida e a armadura pode não gostar de você,
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mas sempre vai aceitá-la, pois é aceita por mim —


contou.
— Mas como... Como você conseguiu se
acalmar? Eu não entendo como é possível
simplesmente deixar para trás e esquecer tudo que
me fizeram! — Ela disse indignada e Solon
abraçou suas costas, pousando um beijo em seu
ouvido.
— Miquelina, sua carcereira, me abandonou
no Ministério do Rei quando eu tinha dois anos —
contou, para surpresa de Alma. — Eu cresci no
mesmo lugar que você. Aos sete anos um caixeiro-
viajante buscou por um menino entre os órfãos,
porque precisava de ajuda com as vendas. Ele
queria um ajudante, não vou usar a palavra escravo,
pois sempre me tratou bem. Quando eu fiz quinze
anos ele foi assassinado por caçadores de
recompensa. Eu fiquei sem saber para onde ir.

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Voltei para o Castelo de Isac. Fiz alguns trabalhos,


vivi sem paragem, até que fui pego roubando e me
levaram para ser julgado por Isac. O Rei que
sempre foi injusto com os órfãos era justo com
outros desvalidos, Alma. Isac era uma criatura
atormentada. Ele me absolveu em troca de ser
mandado para treinamento. Foram muitos anos
sendo treinado para a escolha da armadura. Eu
odiava o que eu fazia. Detestava me sentir um
prisioneiro. Como dizem por aí, eu mordia a mão
que me acudia. Quando fiz vinte anos, a armadura
me escolheu.
Alma sentiu profundo alívio ao ouvir algo
feliz na história de vida de Solon.
— Foi uma escolha, mas eu me sentia
desconfortável com a armadura. Era estranho. A
armadura me escolheu, mas não me aceitava
plenamente. Eu fui ficando louco com isso. Fiz

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muitas coisas feias. Andava com fadas, bebia e


ficava mais tempo nos vilarejos arrumando arruaça
do que no castelo servindo ao meu Rei.
— Eu nunca poderia imaginar — ela disse
surpresa.
— Um dia, o pior aconteceu e você sabe o
resultado — ele disse com voz triste. — Foi quando
me recuperei e voltei para o castelo, certo que seria
rejeitado definitivamente pela armadura. Acho que
parte de mim esperava por isso e queria isso. Eu
queria me destruir antes da minha tragédia e esse
sentimento só aumentou depois.
— E o que aconteceu? Quem fez isso com
você? — Se moveu em seus braços, tocando sobre
sua orelha, onde sabia que havia muitas cicatrizes
escondidas pelos cabelos escuros e fartos.
— Eu não falarei disso agora. Mas lhe direi,
Alma que no instante em que Acheron percebeu o
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que eu fazia... Ele me obrigou a esperar. Levou-me


para o treinamento pesado e me disse algo que
jamais esquecerei. Ele me disse que no instante em
que o ódio fosse embora, eu poderia ter uma chance
de ser feliz.
— Simples? Como alguém faz isso? — Ela
ironizou.
— No meu caso... Eu treinava pesado dia e
noite. Parava de treinar só quando estava exausto.
Acheron me levava nas piores caçadas e nas piores
missões. Era exaustão noite e dia. Meu corpo mal
aguentava ficar de pé. Foi quando comecei a
perceber que depois que a exaustão passava, eu
acordava disposto. Se alguém dançava, eu achava
bonito. Se alguém ria, eu ria também. Um pouco
aqui, um pouco ali, andando entre pessoas
estranhas, conhecendo criaturas diferentes... Eu fui
aprendendo a ler lábios, a me comunicar com as

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mãos. Eu fui esquecendo as outras coisas e me


apaixonando pela diversidade da vida. Eu fui sendo
alguém novo. Eu nunca fui nada além de um elfo
furioso. Não foi rápido ou fácil, e não levou um dia.
Mas eu consegui me acalmar o suficiente para
pensar antes de agir.
— Você é tão calmo. Nada parece irritá-lo —
Alma disse, mas falava para si, não para ele.
— Bem, você se esforça para me tirar do
sério — ele suavizou a voz — mas eu procuro ver
seu lado bom e ignorar seu veneno. — Ponderou.
— Eu não posso sair daqui e treinar lutas até
a exaustão. Como eu posso me livrar dessa raiva
toda?
— Raiva é energia. Você não precisa se
livrar dela, pode redirecioná-la. Tem muito trabalho
para executar aqui dentro. Essas fadas não
conhecem o mundo lá de cima. Conte a eles como
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é. Ensine-os a pensar com suas próprias cabeças.


Gaste seu tempo fazendo isso. E quando estiver
comigo... Permita-me mostrar-lhe como pode ser
doce o encontro entre macho e fêmea. Permita-se
desfrutar disso. Algumas pessoas acreditam — ele
sussurrou em seu ouvido, arrepiando sua pele —
que a satisfação sexual alivia as tensões e acalma os
sentidos.
Alma soltou um som de indignação e o
empurrou na cama. Solon riu baixinho e a puxou de
volta.
— Fique quieta, não estamos sozinhos,
esqueceu? — Avisou, para que se contivesse.
— Isso torna sua sugestão cada vez mais
ridícula. — Ela cruzou os braços sobre o peito,
furiosa com sua audácia.
— Por quê? Vai negar como se sentiu
relaxada e calma quando fizemos amor? Como foi
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boa a sensação depois que acabou? — Insistiu.


Alma não poderia negar. Fisiologicamente
falando seu corpo ficou calmo e sereno. Ela estava
calma, relaxada e controlada.
Não foi um sentimento que durasse muito,
pois ela vivia carregada de tensões e muita raiva,
mas durante alguns minutos, ela se sentiu como
alguém normal.
— É uma sensação que passa rápido demais
— negou e desconsiderou essa possibilidade.
— Hum, mas você pode fazer durar — ele
sugeriu. — Passe essa noite nos meus braços, sem
brigar, sem lutar contra o que estiver sentindo...
Amanhã, quando acordar, faça o que pedi. Conte
para os interessados como é o mundo lá em cima.
Fale das coisas boas. Do clima, do sol, dos lagos,
das árvores. Lembre-se que a maioria nunca viu um
pássaro ou qualquer outro elemento da natureza.
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Conte como é sentar-se na grama macia, uma relva


verde e orvalhada e desenhar o horizonte, sabendo
que com suas asas poderá desvendar os mistérios
que se escondem além das terras onde pisam seus
pés.
O cenário descrito por Solon era perfeito,
Alma entreabriu os lábios, sem notar que cedia, ao
perguntar:
— Acha que será o suficiente para
desabrochar o meu dom?
— Não. — Foi sincero — mas é um passo
nessa direção.
— Se eu obtiver meu dom completo... Eu
posso convencer Eldor a contar onde fica a saída
secreta que não está destruída. Ele nunca contará
sem ser obrigado a isso e suspeito que tortura física
não obterá resultado com alguém louco como ele.
— O seu dom será uma bênção nesse
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momento, Alma. Poderemos salvar a vida de todas


essas criaturas. Pense comigo, um ato de tamanha
abnegação supera qualquer pensamento ruim sobre
causar mal a outra criatura viva. Estou certo?
— Acho que sim. Driana diria que sim — se
lembrou disso. — Ela sempre fala dessa forma.
Com teorias mirabolantes sobre assuntos triviais.
— Sua amiga é esperta. É sempre bom
meditar sobre um assunto difícil antes de tomar
uma decisão importante. Evita arrependimentos.
— Eu nunca me arrependi de nada que fiz até
hoje — foi teimosa.
— Ainda bem que nunca fez nada
repreensivo. Ou eu poderia me preocupar
seriamente com você — ele tentou suavizar sua
expressão.
Alma suspirou de pesar, ajeitando-se na
cama, suas pernas inquietas.
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— Miquelina estava envolvida diretamente


com o que lhe aconteceu? — Perguntou curiosa,
sua mente fervilhando com mil pensamentos
desencontrados.
— Pensamentos desta natureza não irão
ajudá-la a relaxar, Alma — ele fugiu da resposta.
— Olhe para mim e veja o que sou e não o que fui.
Eu me conformei com a mudança na minha vida.
Não é fácil, e eu não vou mentir que gosto. Mas
aceitei e convivo sem amarguras. Conviva você
também com seus problemas sem amarguras.
Sobretudo, não guarde rancor por indignar-se com
as atitudes alheias a sua vontade. Será mais fácil
lidar com cada pedra do seu caminho se você tentar
separar o que pode feri-la do que pode fortalecê-la.
— Filosofia barata. Eu sei que não quer me
contar quem lhe fez isso — desmereceu sua
resposta e ouviu seu riso.

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— Em poucas horas estarei de pé,


protegendo os poucos que acreditam em nós. Não
quero desperdiçar esse tempo falando do meu
passado. — Solon admitiu, adoravelmente
despojado.
— Mas eu quero saber — ela disse
incomodada com isso.
— Fique do meu lado e um dia, eu lhe
contarei. — Solon prometeu.
Quando, pensou Alma? Antes ou depois de
entregá-la para Rainha Santha? Seu corpo ficou
tenso e ela maneou a cabeça, soltando o ar preso no
pulmão com raiva.
Ouvir Solon filosofar fazia tudo parecer
simples.
— Relaxe — ele pediu, sussurrando outra
vez em seu ouvido, cheirando seu ouvido.

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— Não estamos sozinhos — ela pousou


ambas as mãos em seu peito, barrando seu avanço.
Uma ínfima cortina improvisada separava o
limitado espaço onde o colchão estava colocado no
chão. Era tudo muito precário. Totalmente sem
privacidade.
— Seremos silenciosos. É muito tarde, os
feridos estão dormindo e seus familiares,
preocupados demais com sua própria segurança
para reparar em nós. — Subornou-a com um
carinho atrás da orelha.
Tensa, Alma manteve distância, mesmo no
espaço limitado. Testa franzida, indecisa sobre isso
acontecer outra vez.
— Feche os olhos — ele pediu, pois seria
impossível lidar com suas preocupações e tensões
se Alma não se desligasse do mundo.
Alma fixou os olhos nos dele, com veneno no
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olhar.
— Você precisa confiar em mim... Ao menos
nisso. — Ele ponderou.
Alma sorriu. A expressão pedinchona do elfo
a fez sorrir.
— Espero que consiga me fazer relaxar —
ela disse mudando algo em sua face, pois deixava
um pouco de lado a raiva e os pensamentos
frustrados sobre liberdade e prisão. — Porque eu
preciso sair desse lugar. E rápido. Eu não estou
brincando quando digo que preciso sair daqui!
— Vou me esforçar, fadinha, eu prometo,
que vou me esforçar para resolver esse nosso
problema — ele sorriu, e segurou seus pulsos, se
colocando sobre Alma, sem esconder o sorriso e o
olhar empolgado pela chance de fazer amor uma
vez mais com sua fada escolhida.
— Não me chame assim. Eu não sou uma
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fadinha. Sou uma fada adulta. Sou madura. Não


sou uma criança — reclamou.
— Hum, por quê? Porque você não pode ser
uma adulta com sentimentos nobres como uma
criança? Um momento de liberdade, Alma. Nem
sempre nossa prisão é feita de algemas e
masmorras. Às vezes, nossa prisão está aqui — ele
tocou de leve sua testa, fazendo alusão a sua mente.
— Você fala demais. — Disse azeda.
Solon sabia que deveria esperar isso dela.
Um passo enorme estava sendo dado ali. Um passo
na direção do coração da fada.
Alma lhe despertava doces sentimentos,
principalmente a cerca de abnegação. E outros
sentimentos menos nobres, como paixão. As
palavras haviam chegado ao fim, era hora de
mostrar a ela como era bom render-se, apenas sentir
e não pensar.
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O Guardião roçou o queixo no seu e ela


perdeu a vontade de falar. A pele arranhava a sua,
coberta por uma barba cerrada que começava a
despontar de modo doloroso em contato com sua
pele suave. Era um modo doido de sentir. Ela
gostava. Por isso, dobrou a face, cedendo espaço.
Solon manteve um braço em torno de sua
cintura, uma das pernas entre as pernas da fada,
roçando beijos em sua face, pescoço e a região
entre o ouvido e a nuca, onde Alma era muito
sensível.
Alma ficou inquieta, Solon sorriu na
escuridão quase total. Carícias delicadas deveriam
amansá-la. Era uma tentativa que não garantia
resultado imediato, mas ao menos, poderia torná-la
menos raivosa.
Solon queria seu sorriso e não sua fúria,
assim como esperava conseguir salvá-la e

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conquistar ao menos um pouquinho de sua


confiança.
Alma sufocou um gemido quando o elfo
baixou a gola ampla da túnica, mordiscando seu
ombro. Ele não tinha pressa alguma, quanto mais
Alma se agitava, maior a candura e gentileza dos
toques.
Uma lenta tortura para quem era acostumada
a ser maltratada. Como os longos abraços de Joan,
sempre tão amorosos. Abraços que muitas vezes
deixavam Alma desconfortável como alguém que é
obrigado a suportar um mosquito chato pairando
em torno de sua cabeça.
Mas contrariando a lógica de tudo que viveu
até aquele momento, Alma não queria que
acabasse. Tinha pressa, é verdade, era muito
impaciente. Mas não queria que terminasse rápido.
Na primeira vez em que a amou, Solon foi calmo,

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tentou ser doce e generoso, mas Alma não


colaborou e precisou de um pouco mais de ênfase
para seduzi-la. Desta vez esperava contar com sua
colaboração para lhe mostrar o que era amar com
sentimento e não apenas pele.
Com cuidado para não despertar sua raiva,
Solon puxou a túnica para baixo, revelando seus
braços longos, seu tronco e seus quadris.
Alma puxou-o de volta, quando Solon
pretendia baixar totalmente a roupa. Ela não queria
se afastar, mas também não queria acordar nua e
exposta na frente de crianças e enfermos. Não por
pudor tolo, mas por respeito.
Solon sufocou suas críticas com um beijo
suave, um toque leve, mordiscando seu lábio
inferior com o seu. Alma tentou retribuir ao beijo,
mas seu modo era sempre opressor, por isso Solon
não deixou que o beijo seguisse um caminho

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pesado, forte e voraz. Manteve um ritmo muito


doce.
Demorou algum tempo para que ela aceitasse
que seus desejos não seriam atendidos e retribuir no
mesmo ritmo lento e doce. Alma segurou no
antebraço de Solon, cravando os dedos no músculo,
deixando a tensão extravasar através desse aperto.
O beijo de Solon era meigo e suave, ela nem
sabia por que algo tão inocente e simples poderia
estar despertando aquela necessidade toda de tê-lo
entre suas pernas e mais, tê-lo profundamente
íntimo. Era um beijo com pretensões de seduzi-la,
mas Alma não sabia disso ainda, pois lhe faltava
experiência sexual para conhecer todos os mistérios
de um elfo acostumado a desfrutar do prazer físico.
Antes de ser atacado e ter sua audição
destruída, Solon era um devasso, de leito em leito e
muito aprendeu sobre a arte do amor. Depois da

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tragédia, repudiou o contato feminino por muito


tempo, culpando-as por sua desgraça. O tempo
cicatrizou as feridas físicas e também, amenizou as
chagas de seu coração. De um ao outro, sobrou um
meio termo, onde sobressaia um elfo que apreciava
o ato sexual e tentava envolver-se com a fada que o
agradasse.
Não escolhera nenhuma outra além de Alma
nestes anos todos, mesmo assim, nunca ia embora
sem tentar agradar a fada que confiasse o bastante
para deitar em sua cama. O problema era que
raramente confiava em alguém.
Alma segurou os cabelos de Solon e retribuiu
cada avanço da língua saborosa do elfo. Solon
havia bebido café, algo mais pesado, talvez vinho.
Com a escassez de água, era de esperar que
estivessem consumindo o vinho estocado. Esse
sabor doce e amargo, em um composto complexo, a

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entorpeceu. De olhos fechados, Alma, esqueceu o


mundo.
Não havia razão para pensar em qualquer
outra coisa que não fosse os dois. No escuro quase
total, naquele espaço mínimo, eram apenas dois
seres em busca de carinho. Solon moveu o quadril e
usou as pernas para afastar as dela. Alma afastou as
coxas, para recebê-lo entre elas.
Solon quebrou o beijo e ela não o deixou ir,
grudou os lábios outra vez aos seus, oferecendo a
ele o ritmo carinhoso a qual foi apresentada.
Seu beijo era guloso, Alma sentia a
necessidade pungente de senti-lo. Era como se algo
estivesse desperto dentro de seu corpo. Não era
apenas um amontoado de células e vísceras se
remoendo em um caleidoscópio de atividades
celulares. Era paixão pura.
Da outra vez, no dia anterior, quando ficaram
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juntos havia sido diferente, pois havia uma pitada


de curiosidade e culpa mascarada por opressão.
Prazer nostálgico que a obrigara a mentir que
não havia gostado. E mentia para si mesma.
Naquele primeiro momento, quando optou por se
entregar justamente para o Guardião, havia pouco
do seu coração envolvido. Apesar de gostar de
Solon secretamente, poderia ter sido ele ou
qualquer outro elfo.
Em segredo, admitiria que ficava aliviada de
ter sido com ele. Mas poderia ter sido com outro e
ela na se importaria. Tudo que lhe interessava era
acabar com as barreiras que a impediam de adquirir
seu dom completo.
Desta vez, Alma sentia que era diferente,
pois tinha que ser com Solon e nenhum outro
poderia substituí-lo!
O ritmo do beijou cresceu e fugiu do
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caminho carinhoso e seguiu por outro destino, da


paixão desmedida, um tipo de beijo que não
precisava de gritos, tapas ou brigas para explodir.
Precisava apenas de beijo. De língua. Saliva.
Dentes e mordidas.
Solon deslizou as mãos por seu peito,
agarrando seu seio, enquanto a outra mão descia
entre suas pernas, procurando a resposta do corpo
feminino a sua proposta de carinho.
Alma estava molhada e pronta,
provavelmente somente o fato de ter falado deste
assunto já houvesse sido o bastante para deixar sua
fada excitada. Alma era muito excitável, por de trás
da garota irritada e com raiva de tudo e de todos,
havia uma mulher extremamente sensível, e era
essa mulher que Solon queria tocar. E a única
ferramenta para esse toque era através da relação
física, através do prazer de seus corpos.

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Solon esfregou suavemente suas coxas, para


que Alma sentisse que de forma alguma ele lidava
com isso como algo rápido. Não poderiam demorar,
era verdade, a situação não permitia uma noite de
prazeres sem fim, mas mesmo assim, se o tempo
era curto não queria dizer que necessariamente
precisariam ter pressa. Era um daqueles paradoxos
da vida, que não pedia explicação para acontecer.
Solon intensificou o carinho entre suas coxas,
enquanto era beijado com paixão correspondida.
Ser beijado expostamente por Alma era um sopro
de alívio e esperança em seu coração.
Essa era uma das últimas oportunidades para
fazerem amor antes de sair daquele lugar. Das duas
uma, Solon estava convencido que haveria uma
rebelião e muitos seriam mortos, por estarem em
menor número de elfos feridos e famílias de
crianças e fadas sem asas. Enquanto Eldor contava

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com um grande número de guardas armados e


crédulos de suas mentiras. Ou seriam soterrados
vivos. Essa era a grande verdade.
E se um ou outro não acontecesse, a privação
do alimento e da água, inadvertidamente acabaria
levando-os para o mesmo resultado.
Por isso fazer amor com Alma era mais do
que apenas um meio para amenizar sua tensão,
raiva e aliviar seu coração, para quem sabe deixar
seu dom completo desabrochar. Era um modo de
perpetuar o que sentiam antes do pior acontecer.
E se o pior não viesse e sim o melhor, com a
liberdade total, não apenas dos dois, mas também
daquele povo oprimido, Solon desconfiava que não
seria tão fácil conviver com Alma fora de qualquer
ambiente que obrigasse Alma a aceitá-lo.
Alma acharia um modo de fugir dele ou o
rejeitaria por estarem em lados opostos. De uma a
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outra, o correto era afirmar que Solon perderia e


ficaria sozinho.
Alma gemeu contra seus lábios e parou o
beijo sem notar, por isso Solon desvencilhou-se e
acariciou-a na curva do pescoço, pois havia notado
que gostava muito desse tipo de carinho.
Apertou suave no seio, bem de leve, não
queria agarrar, oprimir ou causar danos. Era para
Alma lembrar ou quem sabe descobrir, que o amor
não precisa doer. O amor pode simplesmente
acontecer.
Carinhos doces, era o que Solon
singelamente lhe oferecia, suas mãos apalpando
seus seios macios e cheios, pois Alma possuía
mamas repletas de carnes. Desceu os lábios por sua
pele perfumada, muito devagar, até rolar os bicos
em sua língua, um por vez.
Alma contorceu o corpo. Ela tinha pressa.
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Sempre aquela pressa sem fim e dessa vez, Solon


não poderia lhe dar isso. Era sua decisão fazer do
ato algo inesquecível. Solon passou de um seio ao
outro, molhando e chupando delicadamente cada
mamilo, muito vagaroso, sentindo a textura de
veludo em sua língua. Seus bicos foram enrugando
em sua boca e foi Solon quem gemeu, sem afastar
os dedos que bolinavam sua parte íntima.
Alma se contorcia. Estava muito perto do
clímax, quase alcançando esse sentimento pleno
outra vez, quando fizeram amor. Estava muito perto
de gritar, mesmo assim, sua voz não saia, abafada
pelas sensações. Murmurava baixinho. Gemia
baixinho.
Sons castos, ingênuos, tentando ser menos
afoita, pois sabia que deveria conter seu ímpeto,
pois não estavam sozinhos. Fazer barulho era além
de falta de respeito aos feridos, avisar a todos que

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estavam fazendo amor, estavam copulando e para


Alma representava uma derrota de sua força de
vontade.
E não poderia esquecer as crianças que não
deveriam ouvir. Por isso a necessidade de silenciar,
mesmo quando ansiava gritar por mais. Um
interessante exercício de autocontrole para alguém
que nunca antes aprendeu a se conter, a menos que
fosse usado força bruta, como acontecia no
Ministério do Rei, quando era contida com castigos
físicos.
Os carinhos perduravam e Alma não sabia
como suportar sem avisar a todos que estava
enlouquecendo de prazer. Naquele exato momento,
Solon levantou a cabeça e tirou os dedos. Esfregou
gentilmente a barba por fazer em seus seios,
atiçando-a. Alma agarrou sua cabeça, pois não
sabia se queria pressionar contra a pele ou se queria

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afastá-lo. Solon manteve esse carinho arrojado,


descendo a barba para sua barriga, arranhando bem
de leve, sem saber ou talvez prevendo, que isso lhe
causaria arrepios incontroláveis na base da espinha.
A túnica continuava no caminho, não havia
sido retirada, estava amontoada em sua cintura, por
isso Solon apenas ergueu o tecido, revelando seu
sexo, e Alma temeu que ele seguisse fazendo
exatamente isso.
Cada vez mais para baixo, irritando sua pele
com o contato da barba em sua pele delicadíssima.
Alma usava o termo ‘irritar’ pois para ela era difícil
usar palavras como acariciar, seduzir, excitar. Alma
preferia o uso de palavras negativas, depreciativas,
pois isso a fazia sentir-se mais forte, no controle de
seus sentimentos.
Sua vida toda foi pensada de modo negativo
e agora do nada, um mundo se abria diante de seus

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olhos e Alma descobria muito mais do que pensou


existir em seu mundo feio, cinzento e carregado de
rancor e ódio.
Solon acariciava suas coxas com as mãos,
coxas cheias, apesar de ser magra.
Grandalhona, suas coxas eram cheias e Solon
gostava disso, de pernas longas, pernas grossas, que
podia acariciar com boca, mordiscando bem na
curva entre a lateral interna da coxa e a intimidade.
Alma achou que poderia levitar, mesmo sem o uso
de suas asas, seu quadril se ergueu e Solon a
segurou contra o colchão.
Eles não podiam fazer barulho e parte de não
poder fazer barulho era não causar reboliço no
lugar onde dormiam. Manteve-a imóvel, enquanto
provava seu sabor bem de leve, correndo sua língua
vagarosamente, causando as mais devastadoras
sensações em seu corpo tenso.

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Solon queria devorá-la, queria que fosse


romântico e adorável, e não uma simples cópula
animal. Havia referência em seu modo de tocar,
provar seu gosto, invadir sua intimidade com dedos
e língua, resistindo ao impulso de ser voraz, de
morder e de causar sobressalto.
Ergueu os olhos para observá-la, medir suas
reações, saber se agradava ou não. Com Alma
contar apenas com sua experiência e instinto de
macho não era suficiente, precisava checar se não
lhe causava mágoa. Alma não conseguiria lidar
com mais nenhum tipo de mágoa. Estava no limite.
De olhos fechados, Alma estava ocupada, a
cabeça um pouco de lado, os lábios entreabertos,
procurando desesperadamente por ar. Estava
silenciosa e quieta, como Solon havia pedido. Seu
peito cheio, bonito e tentador subia e descia
rapidamente, sua barriga se contraia, seu quadril

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lutava para se erguer, sob o aperto dos dedos do


elfo. Alma estava lutando contra aquela deliciosa
empreitada.
Por isso mesmo, por saber que ela precisava
desse alívio físico mais do que qualquer outra
coisa, Solon enfatizou o movimento da língua em
seu clitóris, em função do tempo.
Lambeu, delicadamente por vários minutos,
deixando-a cada vez mais tensa. Não queria
simplesmente fazê-la gozar, queria que fosse uma
lenta escalada. Para que Alma entendesse que às
vezes na vida não é preciso força para abrir uma
janela, que nem sempre é preciso força bruta para
conseguir o que se deseja.
Muitas vezes é necessário apenas um pouco
de carinho, gentileza e sentimento. Alma sentiu
aquele fogo subindo por seu corpo, queimando sua
intimidade, seu ventre, algo que subia, bem de leve,

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queimando, aumentando, brasas acessas reavivadas


pelos carinho de Solon. Quando rodou o clitóris
entre os dentes, muito de leve, Alma contraiu os
lábios, pois não queria e não podia chamar atenção.
Seu peito arquejou e indicou a Solon que não
havia porque esperar. Pois Alma estava a um passo
do auge ou já estava desfrutando-o. Alma também
não saberia explicar, era um prazer diferente,
calmo, algo totalmente novo, explosivo. Uma
explosão que nascia do nada, sem pretensões. Não
precisou de um detonador. A explosão foi
construída aos pouquinhos em seu coração.
Para Solon também era novo toda essa
dedicação. Desaforando-a, Solon subiu beijos por
sua barriga, mordiscou seu umbigo, sugou seu seio,
apertando o outro entre os dedos, pois sabia como
apreciava esse tipo de carinho. Fixou-se em seus
seios, pois ela se rendia totalmente quando tocada

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no peito.
Alma não percebeu quando Solon usou a
mão livre para abrir bem suas pernas e encaixar-se
ali. Foi um momento demorado, não queria ser
bruto, muito menos que gritasse, por isso cobriu
sua boca com a sua, beijando-a para distraí-la.
Alma permitiu o beijo, não apenas aceitou.
Estava começando a perceber que existia
grande diferença entre aceitar e permitir.
Recebeu-o profundamente, com jubilo e
euforia, mas não demonstrou. Seus olhos brilhavam
inteiramente e ele sabia o que isso queria dizer.
Suas pernas o enlaçaram pelas costas. Agarrou seus
ombros, em um abraço puxado, seus lábios
corresponderam aos seus, havia um frêmito
inexplicável entre eles. Um calor, uma faísca, que
não seria fácil explicar com palavras.
Solon se moveu vagarosamente, em uma
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constante, moendo o quadril contra o seu, enquanto


cheirava seu pescoço e beijava sua pele, enlevando
os sentidos ao máximo possível.
Cada recuo a deixava ansiosa, cada retorno
fazia gemer sem som. Essa dança era contagiante e
mordaz, rasgando seu autocontrole, deixando-o em
farrapos esmigalhado sob o toque do Guardião.
Alma não lutava mais, não era necessário.
Ela subia rapidamente uma escada inacabável,
torcendo de todo coração para que houvessem
degraus de volta, pois não conseguia imaginar um
modo de seguir, não sem ele. Suas mãos apertaram
os músculos das costas e Alma percorreu-os com
um toque possessivo, amassando os cabelos da
nuca entre dedos ansiosos enquanto acelerava o
mover do quadril, desafiando-o a ir mais fundo e
rápido.
Solon a conteve, impondo seu ritmo e Alma

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fechou os olhos, arfando, cravando os dedos na


pele dos ombros, arranhando enquanto galgava os
últimos centímetros daquele espiral de prazer.
Não era nada sobre o prazer físico de Solon e
sim da fada em seus braços. Mesmo assim, ele
procurou seus lábios para um beijo fundo, longo e
molhado, enquanto os dois alcançavam o ápice,
pernas entrelaçadas, braços apertados em torno um
do outro, os corpos unidos e grudentos de suor.
Ele era pesado e amassava seu corpo. Essa
pressão era divina e quando o prazer esmoreceu e
Alma voltou à realidade, abriu os olhos para
encontrar o olhar claro sobre sua face, analisando
suas reações.
Sem notar, Alma passou uma das mãos pela
face suada do Guardião e então pelo pescoço, um
carinho de amante. Um cuidado de fêmea para com
seu macho escolhido. Solon sorriu, malicioso e

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preguiçoso, se movendo para libertar sua carne,


enquanto alisava seus cabelos longos, acariciando
suas costas, entre as asas, correndo os dedos por
sua espinha, para puxar sua roupa para cima,
protegendo sua nudez, caso adormecesse antes de
se vestir.
O brilho de satisfação no seu olhar
confirmando que sabia que Alma estava relaxada e
incrivelmente calma, a fez esconder um sorriso e
olhá-lo de modo acusador.
— Mercenário — ela disse, em retribuição ao
seu carinho.
Não foi uma ofensa, pelo contrário. Era o seu
jeito de dizer-lhe que entendia e aceitava sua
tentativa de amá-la. Alma baixou a guarda e seria
assim por aquela noite.
E se Solon insistisse e lidasse com seus
traumas, poderia ser assim por muito tempo.
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Quem sabe, uma vida toda a dois? Sim, ele


aprendeu a ser um elfo esperançoso.
Sorrindo, Solon observou-a se mover,
deitando de costas para cima. Com as asas esticadas
por um segundo. Então, ela acalmou suas asas que
repousaram em suas costas. Solon gostava de ver as
asas. Tinha um carinho todo especial pelo corpo
daquela fada que o encantava com sua
personalidade e seu jeito. Beijou entre as hastes das
asas e ela se arrepiou, mas não lhe deu atenção.
Estava lânguida, sonolenta e pronta para ter uma
noite de sono tranquilo. Solon relaxou contra o
colchão velho, um braço atrás da cabeça, enquanto
fitava a escuridão quase total.
Era possível existir esperança em meio ao
caos. Solon acreditava fervorosamente nisso.
Ele esperava que Alma pudesse compartilhar
desse pensamento junto dele.

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Capítulo 21 - Em busca da liberdade

Alma despertou na manhã seguinte com um


suave toque em sua testa. Não poderia dizer se era
um beijo ou um afago, pois foi muito rápido e logo
adormeceu outra vez. Poderia ter sido apenas um
sonho.
Tornou há despertar uma hora mais tarde,
quando os elfos e fadas a sua volta começaram a
despertar também. Alma arrumou a roupa antes de
levantar, pois as cortinas estavam abertas e ela
coberta por pouco lençol. Ninguém reparava, pois
estavam vivendo na precariedade, mas ela se
importava que soubessem que havia se deitado com
Solon. Eles saberiam que ela era apenas uma fada
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que amava. E isso lhe soava estranho.


Alma arrumou a roupa de cama e calçou os
sapatos antes de sair a procura de Anastácia. A fada
ajudava a trocar curativos dos feridos e era
impossível ignorar o clima tenso e preocupado que
tomava conta do limitado espaço.
Famílias divididas por medo e ideais.
Opressão e incerteza sobre o dia de amanhã.
Algumas fadas choravam silenciosamente enquanto
cuidavam de seus familiares. Até mesmo as
crianças, sempre inocentes ao perigo, estavam
menos arteiras e bem mais quietas.
As duas sobrinhas de Anastácia estavam
sempre correndo atrás da irmã ou seguindo os
passos de Alma, carentes de atenção, querendo a
proteção das adultas.
Alma ficou observando aquela gente tão
enganada na vida, e lembrou-se das palavras de
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Solon quando a raiva subiu a sua cabeça diante da


injustiça do que acontecia com eles.
Sentou-se em um canto, no chão e fez sinal
para que as meninas se aproximassem.
— Vocês querem saber como é lá em cima?
— Perguntou com esforço.
Era-lhe custoso baixar a guarda e ser suave.
Anastácia parou o que fazia, deixando a atadura de
um elfo ferido na cabeça pela metade enquanto a
observava deixar a menina menor sentar em seu
colo e brincar com seus longos cabelos castanhos,
enquanto a maiorzinha sentava pertinho, agarrando
suas pernas, como toda criança faz com quem
confia. Outras crianças se aproximaram e Alma
pareceu prestes a sair correndo.
Fechou os olhos e começou a falar:
— Eu vivi muito pouco em liberdade. Pouco
depois de nascer fui deixada em um orfanato no
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Reino do Rei Isac — ela começou a falar e como


esperado, foi interrompida:
— Quem é Rei Isac? — Uma das crianças
perguntou.
— É um rei muito bom — preferiu omitir seu
ressentimento e também o infortúnio do Rei, para
que eles confiassem em algo melhor do que a vida
que tinham — tem seus erros, é verdade. Mas
mantém o Monte das Fadas em paz. Essa paz
perdura a muitos séculos, desde que o Rei Ulder e
seus seguidores foram derrotados. Eu cresci em
uma masmorra, no Ministério do Rei. Não
tínhamos autorização para sair. Então, minhas
amigas e eu, fugíamos — ela sorriu dessa
lembrança — o tempo todo. Fugíamos sempre que
podíamos. Acho que com o tempo as carcereiras
facilitavam nossas fugas... Ou apenas desistiram de
tentar nos vigiar. Passávamos o dia correndo pelos

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prados ou enfurnadas nos campos. Sempre dentro


do castelo, pois não conseguiríamos passar pela
segurança do reino, e sair do castelo. Mas era o
bastante para vermos o mundo e sentirmos o desejo
de liberdade — ela confidenciou.
— E como é o mundo? — Uma outra criança
perguntou, bebendo de suas palavras.
— O mundo é lindo. Injusto. Mas também é
lindo — sentiu essas palavras dentro de si, pois era
verdade. Quando mais se fechava em seu rancor
mais difícil era ver o quanto gostava do mundo, das
pessoas e de viver. — Algum de vocês já viu de
onde vêm as sementes que comem?
Houve uma negativa coletiva.
— As sementes, folhas, frutos, legumes...
Tudo vem das plantas. As plantas são verdes,
algumas coloridas, grandes, outras pequenas e
delicadas. Aposto como nunca viram flores. —
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Outra vez uma negativa — são lindas, coloridas,


perfumadas. — Divagou — Eu já andei descalça na
grama verde e orvalhada... É um sonho.
— O que é grama?
A pergunta a fez sorrir e manear a cabeça,
afastando as mãos da menina menor, que insistia
em trançar seus longos cabelos castanhos.
— A grama cobre o chão. É macia e viva.
Quando a noite vai embora e o dia começa, orvalha
o chão, que fica úmido ao toque. É refrescante. —
Explicou. — Eu amo andar descalça na grama...
Alma seguiu contando, falando sobre a
chuva, sobre o sol, sobre o ar.
— O ar puro é delicioso. Não é como o ar
que respiramos aqui. Mesmo antes do
desmoronamento havia uma camada fina de poeira.
Um ar impregnado de impurezas. Não é a mesma
coisa que viver lá em cima. O ar é puro, límpido.
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Cheiro de mato, de flor. Cheiro de animais. Cheiro


de vida. Aqui embaixo tem cheiro de... — iria dizer
‘cheiro e morte’ mas se conteve, pois eram crianças
— cheiro de terra. Só de terra. De poeira de terra.
— Alma — Anastácia a chamou, encerrando
a conversa, pois era preciso ajuda para trocar as
bandagens de um enfermo.
Alma permaneceu o restante do dia ajudando
a cuidar de quem precisava de ajuda. O tempo
correu. Todos comeram uma comida mal feita,
parecida com um mingau. Água suja, barrenta. Ela
sabia que era a escassez aproximando-se. Solon
tinha toda razão em querer despertar seu dom
enquanto havia tempo. Foi preciso lutar várias
vezes durante o dia contra o sentimento de
indignação.
No finzinho do dia, quando sentou para
descansar, percebeu o quanto aquelas fadas

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estavam desgastadas. Sentadas em posições muito


parecidas com a sua, no chão, exaustas física e
mentalmente, tristes e assustadas, uma era reflexo
da outra. E todas sentiam o mesmo desespero que
ela própria.
Era provável que sua vida toda houvesse sido
assim. Suas amigas Eleonora, Driana e Joan se
sentiam assim, apavoradas com a clausura tanto
quanto ela. As demais órfãs também
compartilhavam desse desespero. Mas todas
aprenderam a sufocar essa dor e tentar viver o lado
bonito da vida.
Sorrir para não chorar, como vivia repetindo
Eleonora e agora, Alma se perguntava se não havia
bem mais em suas palavras do que otimismo.
Talvez houvesse desespero de que isso fosse
possível: sorrir em meio à desgraça.
Sufocada pela emoção, pela vontade de

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chorar, Alma escondeu rosto nos braços, que


estavam curvados em seus joelhos e desejou se
render ao sofrimento. Não foi possível, uma das
fadinhas menores, veio brincar com suas asas.
Sim, suas asas eram um acontecimento novo
e incrível, e as crianças adoravam tocar, acariciar e
brincar de esconde-esconde entre as asas. Alma
fingiu não se importar. Tentar lidar com
naturalidade, pensar que para uma criança era uma
válvula de escape. Uma forma de ser feliz.
Ser feliz... Isso era mesmo possível?
Tentou levar as próximas horas com um
sorriso menos triste na face e esperou Solon
retornar, do mesmo modo que as outras fadas
esperavam seus maridos ou familiares retornarem.
Exausta, Alma acabou adormecendo antes do
retorno do Guardião.
E foi desse modo pelos próximos três dias.
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Solon retornava durante a madrugada. Quando


retornava, deitava ao seu lado e a abraçava, sem
tencionar acordá-la, pois estava exausto demais
para conversar ou tentar qualquer carinho mais
ousado. Na terceira noite, ele sussurrou em seu
ouvido:
— Estou com saudades suas — foi um
sussurro cansado, antes de cair em um sono pesado,
com direito a roncos altos.
Nessa noite, a terceira, Alma não conseguiu
mais dormir. Estava acordada quando Solon
levantou e deixou o lugar.
E foi nessa manhã que a água chegou até eles
totalmente barrenta. E a comida havia chegado ao
fim. As crianças foram alimentadas e os feridos. Os
demais ficaram com a fome e a consciência que a
resistência chegara ao fim.
Era difícil nutrir esperança em seu coração
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quando a desesperança rondava cada elfo e fada a


sua volta. Apesar dos pesares tentou manter a
conversa e acompanhar as tentativas de manter um
clima menos tenso. Parecia que Anastácia notava
sua tentativa de ser diferente em relação a sua raiva
e a ajudava nisso.
Alma encontrou Anastácia chorando
baixinho, atrás de uma das cortinhas, foi ao acaso.
Pensou em fingir que não viu, mas ela olhou em
sua direção e não pode afastar-se, apesar de seu
coração gritar para fugir disso.
— Eu tenho saudade da minha irmã —
Anastácia disse chorando. — Sinto falta de Pía. Era
minha melhor amiga. — confessou, limpando as
lágrimas da face. — Faz três dias que não vejo
Estevão. Ele pode estar morto, não é? — Baixou os
olhos. — Só o tenho na vida. As meninas são tão
pequenas...

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— Não é vergonha estar com medo por amar


Estevão — Disse nua e crua, sem colocar panos
frios na verdade.
— Eu não queria gostar dele. Estevão foi o
único amor da vida da minha irmã. E era o grande
amor de Pía. — Anastácia disse sofrendo.
— Mentira — ela corrigiu — Sua irmã
amava as filhas acima de tudo. Ela escolheu a
chance de salvá-las dessa vida de podridão e
mentiras. Ela queria a liberdade e não a vida ao
lado de um elfo escolhido por Eldor. Não confunda
complacência e aceitação com amor. E Pía... Ela
nem sabia o que era querer de verdade, seguia
ordens. Não teve a chance de conhecer o direito de
escolha, inclusive de amar outras pessoas.
— E eu? Porque eu choro então? —
Perguntou nervosa.
— Porque apesar de tudo, você sente carinho
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por Estevão, talvez amor. — Foi sucinta.


— Como você sente amor por Solon? —
Anastácia precisava de uma resposta.
— Odeio admitir que exista essa
possibilidade — Alma deu de ombros.
— Eu notei que você está diferente...
Sorrindo mais. — Anastácia disse, mudando de
assunto para tentar sofrer menos. — Acha que
sairemos vivos daqui?
— Se eu conseguir controlar minha raiva e
deixar meu dom aflorar... Existe a chance. Mas eu
não sei se consigo fazer isso — havia um pedido de
desculpas em suas palavras.
— Não é culpa sua. Vivíamos aqui muito
tempo antes de você chegar. E esse desastre
aconteceria uma hora ou outra. Sua presença só trás
uma esperança onde antes não havia nada. —
Anastácia levantou do chão e sacudiu a saia,
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respirando fundo. — Me ajuda a descobrir onde


estão minhas sobrinhas?
— Elas não estão escondidas nas minhas
asas? Jura? — Tentou uma brincadeira, como faria
com suas amigas e Anastácia riu.
Em meio ao desespero era bom sorrir.
— Não, acho que não. Mas se vamos sair
daqui e escapar, é bom que elas se acostumem com
asas, pois um dia possuíram asas lindas —
Anastácia disse cheia de esperanças.
Alma acenou e ajudou-a a procurar as
meninas.
Quando anoiteceu todos ouviram uma
gritaria insuportável nos corredores. O medo tomou
conta de todos.
Eram gritos de uma fada. Histérica a fada
berrava sobre ser o fim de todos eles. O tumulto

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demorou um minuto e então, o salão onde estavam


acampados foi invadido por guardas de Eldor.
— O que está acontecendo? — Uma fada
gritou, sendo empurrada para fora do caminho dos
guardas.
Eles procuravam algo. Não havia onde se
esconder e Alma sabia muito bem que a caçavam.
Era sua vida, não era? Ser caçada como um
animal?
Foi agarrada pelos braços, pelos cabelos e foi
arrastada para fora.
— Não! Não! — Gritou, mas era um aviso
para que Anastácia não tentasse ajudá-la. A fada
segurava um punhal. Mas não teria chance contra
os guardas. — Solon! Solon! — Ela berrou, mas
não foi atendida.
Rezando secretamente para que ele estivesse

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longe e não pudesse ouvi-la. E não que estivesse


morto e por isso não atendia seu pedido de ajuda.
Alma foi arrastada pelos corredores destruídos e
quando alcançaram um corredor especialmente rico
em adornos, ouro e pedras preciosas, Alma soube
que era aquele o esconderijo de Eldor. Seus
aposentos pessoais.
Um aposento imenso, repleto de paredes
cravejadas de rubis vermelhos. Joan ficaria
encantada se visse essas pedras preciosas. Ela
adorava a cor vermelho. Imaginava como sua
amiga ficaria impressionada.
Foi jogada no chão, como se fosse um
animal. Aprisionada, Alma olhou em volta e
descobriu que havia uma porta em uma das
paredes. Mesas com cadeiras e louças adornadas
com ouro. Móveis sofisticados como poucas vezes
vira na vida. Nas raras vezes em que viu a mobília

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real, ainda assim, não poderiam ser comparado a


todo o luxo, pois Eldor gostava mesmo da
ostentação.
Alma levantou e andou em torno,
aproximando-se da porta para descobrir que não
havia trinco ou trancas, ao contrário da porta
principal por onde fora empurrada e lançada ao
chão.
— Aproxime-se, Alma — ela ouviu a voz
pastosa e assustou-se o bastante para esquecer-se da
porta.
Virou e encontrou Eldor vestindo uma longa
túnica branca, com bordados em dourado e
vermelho. Botas de couro nos pés. Cabelos bem
penteados. Expressão satisfeita.
— Não — ela negou e ficou parada no
mesmo lugar.
Eldor andou até a mesa caprichosamente
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arrumada e pegou uma jarra, sem afastar os olhos


astutos de sobre Alma. Derramou água fresca e
límpida em uma taça e ergueu em sua direção:
— Está com sede. Beba. Não há razão para
que passe privações. Tudo que é meu lhe pertence.
— Mentiroso — ela disse seca, afastando os
olhos da água. A sede deixava seus lábios secos e
só de pensar em provar da água fresca, sentia uma
palpitação no coração.
— Por lhe oferecer o melhor da vida? —
Eldor perguntou, bebendo a água, sem afastar os
olhos dos seus.
— O que me oferece não é vida. Não é
diferente do que eu tinha no Reino de Isac. É uma
prisão. — Acusou.
— Depende do ponto de vista. Eu considero
um novo modo de vida. Quando quero, vou à
superfície. Minha companheira desfrutará da
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mesma liberdade. — Prometeu.


— Companheira? Não subestime minha
inteligência. Não sou uma fada estúpida como as
demais que você convive aqui embaixo! Essas
fadas foram treinadas para obedecê-lo e crer em
suas enganações. Eu não sou assim. Eu vejo quem
você é, e não gosto do que meus olhos enxergam.
— Disse irônica.
— Será mesmo que não gosta? —
Aproximou-se, com a taça entre as mãos, o líquido
incolor respingando o chão enquanto ele balançava
o conteúdo, atraindo seu olhar. — O que há de
errado em oferecer água para uma fada sedenta?
— Olhe o luxo que você vive. E olhe a
situação do povo que você considera seu. — Ela
disse amarga. — Isso é injustiça. Fadas que
perderam o direito a ter suas asas, sufocando sua
natureza nessa vida de sofrimento. Você mente

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para essas pessoas, Eldor. Você não presta.


— A mentira é bastante volátil. Não a vi
contar a qualquer um do mundo subterrâneo que é
uma fada fugitiva e assassina e seu amante um
Guardião surdo. Na verdade, notei que nenhum dos
dois tem sido sinceros com aqueles que fingem
proteger numa anciã de encontrar a própria
salvação. Acontece, Alma, que sua salvação está do
meu lado.
— Olhe em volta — ela pediu cínica —
quanto tempo você acha que levará para esses
corredores cederem? Você irá perder tudo, Eldor.
Sim, ela esbanjava satisfação ao dizer isso.
Ele perderia seu mundo de mentiras. Eldor fechou a
expressão e deixou a taça cair, espalhando a tão
querida água. Alma lamentou o desperdício, mas
não ousou dizer nada. Sua vontade era ajoelhar-se
no chão e tentar lamber o que conseguisse da

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pequena poça de água. Mas seu orgulho não


permitiu.
— É por isso que tem me rondado não é? —
Sorriu com algo de maléfico na face. — Eu sabia
que não era interesse. No começo achei que fosse
por causa do cio, mas essa impressão durou o
tempo de ver seu olhar e reconhecer o mal que se
esconde por trás desse seu rosto aprumado — ela
explicou, para que entendesse com quem lidava. —
Você queria meu dom. Meu poder. E eu tola...
Achei que fosse para ter uma arma de destruição
em massa. Uma fada com asas e dom mortal, em
meio a tantas fadas incapazes de oferecer isso.
Quanta inocência. — Ela andou pelo salão e
chegou bem perto dele, passando direto, deixando-
o para trás, como quem diz que não sente medo.
Sentia medo, tanto que seus joelhos quase
fraquejavam, mas não mostraria para ele. Audaz,

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serviu-se de uma taça com água gelada e saborosa.


De costas para Eldor conteve um gemido de puro
deleite. Não passaria sede diante de tanto
desperdício. Uma coisa era aceitar algo vindo de
suas mãos, outra era apropriar-se de um bem
comum a todos que viviam no subterrâneo.
Sedenta, apreciou a água descendo pela
garganta e quase se esqueceu de Eldor por alguns
instantes. Ele sorria satisfeito, quem sabe
considerando uma fraqueza que cedesse e bebesse
de sua água.
— Eu sei que você quer o meu dom real.
Aquele que eu nunca considerei real. Que achei que
fosse apenas conversa das carcereiras. O dom de
dar ordens e ser obedecida. Imagine como deve ser
isso... Hipnotizar com o poder da voz? Eu estou
ansiosa para usar o meu dom. Você não está
ansioso para me ver usar esse dom? — Satirizou.

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— Você não acha patética a tentativa do


Guardião em acalmá-la? — Ele mudou de assunto
— eu sei de tudo que acontece em meu território.
Solon confia em Estevão. São amigos. Mas eu
tenho infiltrados entre os rebeldes. — Eldor sorriu
— bem vejo que não está surpresa com isso.
— Eu deveria estar? — Perguntou
incomodada pelo fato de Solon ter falado de sua
situação íntima com terceiros.
— O Guardião está completamente errado.
Acalmá-la não vai trazer seu dom a tona. Assim
como a perda do cio não libertou seu poder — ele
jogou em sua cara, com voz mordaz, língua afiada,
venenosa. — Esses artifícios conseguem apenas
postergar ainda mais o momento de libertação. Eu
acredito, e se você for sincera me dará razão, que o
único modo de libertar seu dom é libertar a
verdadeira Alma que está aprisionada dentro de

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você. Presa por falsos laços de amor. Onde estão


suas amigas? Pelo que sei uma delas, chamada
Driana, a deixou para trás em sua fuga. Poderia ter
levado-a consigo, mas a deixou para trás. É isso
que você quer? Ser deixada para trás?
Alma baixou as pálpebras pensando no
abandono ainda na tenra infância. Não, não queria
ser abandonada outra vez. Nunca mais!
— Acalmá-la irá atrasar o momento do seu
dom vir a tona. Será como domesticar uma fera
livre de amarras — ele a encantou com sua fala,
aproximando-se. — Escute seu coração bater,
Alma. Ele bate com sangue. Bate e queima com
vida. Ter passado esses dias como uma santa,
falando de sol, chuva e grama verde não mudou
quem você é. Não mudou o pulsar agitado do seu
corpo, pedindo por mais. Admita, não mudou em
nada seu desejo de sentir o gosto da carne e provar

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do fel de ser aquela que segura o chicote. Uma vez


apenas, ser aquela que açoita, e não a açoitada —
ele segurou seu pulso, segurou seus braços e subiu
o toque por seu braço.
Era diferente de ter tocada por Solon.
Não era ruim. Era apenas diferente.
Olhos nos olhos, ele era um elfo bonito.
— Aqui dentro — tocou sobre seu colo,
acima do seio, numa carícia que a confundiu —
bate um desejo que o Guardião não compreendeu.
Um desejo que nasceu com você. Que nasceu
comigo. Eu herdei esse pequeno paraíso, Alma. Eu
herdei poder — ele ergueu a mão e fechou o punho
e Alma acompanhou esse movimento, olhos
vidrados, cada palavra fazendo um sentido concreto
em sua mente. — Eu sou herdeiro desse império
subterrâneo, mando e desmando na vida de cada
fada e elfo. Sou idolatrado. Essa é a vida que lhe
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ofereço. Você sente o desejo de ser mais que uma


fada fugitiva. Seja minha parceira, e eu lhe darei
isso. O poder. O poder de decidir a existência
alheia. O gosto de segurar o açoite. Você quer isso,
Alma?
O toque em seu peito ficou mais insistente e
ela afastou o tronco quando os dedos desceram para
o seio. Não era desgosto pela carícia, era incerteza
se estava aceitando isso ou não.
— Você me oferece uma mentira. Eu não
quero ser sua prisioneira. Não serei prisioneira de
mais ninguém.
— Eu lhe ofereço a liberdade total. Inclusive
de quem você realmente é. Eu aprecio essa Alma
cruel que se esconde por trás de um rosto bonito e
delicado — ele tocou seu queixo e Alma sentiu
uma dor opressora no coração.
— É mentira. Você não me oferece nada.
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Sabia que esse lugar desmoronaria. Por isso


começou a construir novos corredores. Por que
sabia que a estrutura estava comprometida e esse
desastre aconteceria. Não serei livre em um reinado
que não existe. Não existem reis sem um povo. É
tudo mentira. Você precisa do meu dom para
hipnotizar esses elfos e fadas para que eles o
obedeçam lá em cima, quando for obrigado a
libertá-los.
— Você não entende, Alma, se você não
fizer isso, eles não serão libertados — Eldor afastou
qualquer toque e tornou a exibir sua face de
crueldade velada.
A face do mal escondido por gestos
comedidos e elegantes. Se a falsidade possuísse um
nome, seria Eldor!
Ele deixaria o povo subterrâneo morrer em
massa se Alma não colaborasse?

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— Você mesmo disse que eu não presto,


Eldor. Porque me importaria com o que acontece
com eles? — Jogou de volta, sorrindo satisfeita por
deixá-lo sem reação por um instante.
— Porque você pode ser rainha ao meu lado.
Ter o poder em suas mãos — ele insistiu.
— Está sendo patético. — Afastou-se e
tornou a aproximar-se da porta que encontrou no
fundo do amplo salão, a porta que não estava
trancada. — Se eu puder hipnotizar quem eu
quiser... Poderei ser rainha em qualquer lugar,
inclusive, poderei voltar ao Reino de Isac e me
livrar da Rainha Santha e todas as acusações contra
mim. Posso ser rainha se eu quiser, e não preciso de
você para isso.
Era a mais tenra das verdades.
— Mas seu dom não está ativo. Por enquanto
você está em minhas mãos — Eldor jogou de volta.
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— Eu não vejo desse modo. Você precisa de


mim, eu não preciso de você. Como pode ver... Não
é um impasse. Eu sou a ganhadora. Não importa
como você conte essa história, eu sou a ganhadora.
Você pode ter feito as regras do jogo, mas não pode
me obrigar a jogá-lo. — Disse vitoriosa.
Seus olhos brilhavam de satisfação. Eldor
estava encurralado. O sentimento de oprimi-lo era
delicioso. Alma gostaria de guardar esse instante
para sempre em sua mente. Poucas vezes em sua
vida ela esteve com o poder nas mãos.
— O guardião não vai aceitar seus instintos
verdadeiros, Alma — ele ponderou. — Está se
enganando se acha que ele vai aceitá-la como é. O
que vocês estão vivendo é fogo de palha. É
empolgação momentânea. Ele quer convertê-la e
levá-la para a Rainha Santha. Ele tem boas
intenções, mas é um tolo vivendo de idealizações

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sobre um mundo justo. Você nunca terá espaço na


vida de um Guardião.
— Eu não pretendo ficar com Solon — ela
confessou. — Tão pouco com você. Não fale como
se fosse uma escolha entre um e outro. Eu escolho a
mim mesma e se a sua intenção é me manter presa
aqui, saiba que estou a um passo de colocar tudo a
perder e acabar com você — ela bateu as asas de
leve, numa sutil ameaça.
Se gritasse, Eldor não sobreviveria. Se
batesse suas asas com força, ele estaria perdido.
Eldor pareceu encantado com sua ameaça.
— Eu gosto tanto de você, Alma — disse
esbanjando veracidade — quando você me
ameaça... Eu sinto vontade de beijá-la e fazer-lhe
amor por horas e horas. Você é meu par perfeito,
fada. Feita para mim.
Era amor, pensou Alma. Eldor a amava por
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representar a parceira perfeita para alguém como


ele.
— Porque você não liberta essas criaturas?
Não vê... Libertá-los é uma crueldade sem
tamanho. Eles não sobreviverão na superfície.
Solon é um idealista, como você disse. Mas eu não
sou. Essas fadas e elfos não conseguirão viver na
realidade, depois de séculos de vida mentirosa.
Alguns enlouquecerão, outros não conseguirão
sobreviver. Você poderia achar divertido ver isso
acontecer. — Barganhou. — Me conte onde fica a
saída secreta, Eldor.
— Não. Eu mostro somente se você provar
que ficará comigo. Que deixará que eu ajude a
trazer seu dom a tona. — Ele barganhou também.
— E como eu faria isso? — Ela foi cínica
sem notar.
— Eu tenho um presente para você. Eu quero
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que você desfrute desse presente antes de tomar


qualquer decisão, minha querida — tentou uma
nova aproximação e Alma deixou.
Eldor era louco e mau. Alma não queria
perder tempo com alguém asqueroso como ele.
Afinal, representava tudo que ela mais detestava
em si mesma. Olhar para Eldor era como ver em
um espelho. Ver um espelho que lhe contava o
futuro. Um futuro onde ela seria assim, impiedosa e
cruel. E estranhamente, essa perspectiva não a
incomodava tanto assim.
Ao menos seria soberana aos demais e não
seria ferida e humilhada nunca mais.
— Mostre-me a saída, Eldor. Eu parto
sozinha. Você sabe que não me importo com essa
gente e definitivamente não me importo com o
Guardião. Ele é um emprazo para minha fuga.
Deixe-me partir. Quem sabe um dia... Nos

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encontraremos nos caminhos da vida e possamos...


Tornar a falar desse assunto? — Sugeriu, traiçoeira.
— É uma pena que eu não possa acreditar em
alguém tão bonito — ele sorriu e puxou-a
gentilmente pela mão em direção a porta. — Este é
meu quarto. Meu leito. O único lugar onde sou
verdadeiro. E você me verá em minha mais pura
essência.
Por um segundo ela pensou que Eldor se
referisse a sexo. Talvez devesse experimentar algo
diferente do que Solon lhe oferecia. Como saber se
o que sentia pelo Guardião era real, a menos que
obtivesse um comparativo justo?
Brevemente confusa sobre afastá-lo ou não,
observou-o abrir a porta e tentou focar sua atenção
no que a aguardava.
Era um quarto ricamente decorado e isso não
era surpresa. Uma cama enorme, de dossel e
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cortinas bordadas com ouro e pedrarias recobria a


cama. Parecia tão confortável que Alma quase
esqueceu sua decisão de não ceder a ele, tentada
por uma noite de sono em lençóis macios e colchão
de penas...
Tapetes macios, paredes incrustados em
rubis. A temperatura no quarto era fria, tão
diferente do calor insuportável que tomava conta
dos corredores depois do desmoronamento. Era por
causa do material que revestia as paredes. Seria
delicioso ter uma noite de sono em um lugar de
sonhos como aquele...
— Veja, esse sou eu. Lhe apresento o
verdadeiro elfo por de trás do líder do povo
subterrâneo. — Eldor apontou um gigantesco
espelho numa parede lateral e Alma se enxergou ao
lado de Eldor.
Faziam um belo casal. Da mesma altura, com

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corpos jovens e bonitos. Suas asas eram lindas,


pensou Alma, orgulhosa de si mesma. Bateu as asas
de leve, ignorando Eldor, se admirando. Foi quando
ouviu um choramingo de lamento.
Curiosa, ela andou em torno da cama, a
procura do animal ferido.
Deveria saber que não era um animal.
Alma ficou de pé e foi recebida pelo olhar
acuado de uma fada. Pouco mais de vinte anos,
estava acorrentada pelo pescoço. A corrente era
curta e estendia-se por pouco mais de um metro,
por isso estava deitada no chão puro. Suas roupas
estavam rasgadas e encardidas.
Muito sangue seco e secreções sujas em suas
pernas e coxas, provavelmente de constantes
relações sexuais. Cabelos imundos, fedia muito. A
fada ergueu os olhos em sua direção, tão cansada
de lutar, que mal respirava.
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Alma perguntou em voz cansada:


— É a filha desaparecida de Estevão?
— Sim. Ela é linda, não é? — Eldor ficou de
cócoras e acariciou a cabeça da fada que apenas se
encolheu como um animal exausto de lutar. Seus
olhos refletiam um horror tão grande que Alma
sentiu o coração sangrar de pena. — Eu preferia a
mãe. Mas ela quis fugir e levar as meninas. Eu fui
atrás e precisei me livrar dela. Mas essa
preciosidade não poderia ser desperdiçada.
O modo carinhoso como acariciou a face da
fada era nauseante.
— Ela estava no cio? — Perguntou imóvel,
sem mover um único músculo.
— Sim. O cio mais delicioso que já provei —
ele ergueu-se e olhou para Alma com candura.
Alma reconheceu na fada aprisionada como

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um animal, traços físicos semelhantes aos seus.


Eram fisicamente parecidas.
— Você a pegou porque eu lhe disse não? —
Perguntou séria.
— Uma substituta temporária — disse
sorrindo — você é minha favorita, Alma. Por isso
guardei essa pequena para você.
— Guardou-a para mim? — Perguntou
correndo os olhos pela corrente.
Eldor andou em torno, pelo quarto, buscando
por algo. Quando retornou exibia um punhal em
suas mãos. Possuía um cabo de marfim, com uma
lâmina longa e afiada. Ele ofereceu a arma e
esperou que Alma a pegasse.
Ele não oferecia armamento para um inimigo
e sim para um aliado. Essa certeza gritou em sua
mente.

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Alma aproximou-se da menina e olhou suas


asas. A esposa de Estevão havia arriscado a própria
vida pela esperança de ver a filha obter suas asas. E
conseguiu, pensou. As asas eram amarelas, belas e
vistosas. Uma pena que Eldor houvesse cortado-as
pela haste, quase no limite entre o recuperável.
Seriam muitos meses de cuidado e quem sabe um
dia pudesse voltar a voar. Quem sabe conseguissem
reverter os danos... Era provável que não, mas não
custava ter esperanças, não é?
Alma pensou nisso.
Esperanças? Parecia conversa de Solon.
Talvez o Guardião estivesse impregnado em
sua mente com suas conversas fiadas sobre
esperança, justiça e amor.
— Faça — Eldor incentivou. — Você quer
isso, então faça, Alma. — Segurou sua mão, e a fez
erguer o punhal. — Um corte longo no pescoço e
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ela estará em suas mãos.


— Eu prefiro que você saia — Alma disse
azeda.
Sentia tanto nojo, que bílis estava na ponta da
língua.
A jovem sequer lutava. Havia perdido a
vontade e a capacidade de lutar. Entregue, seria um
alívio aquela tortura chegar ao fim.
— Não. Eu quero ver. Será um momento
nosso, Alma. Um momento que elfo algum poderá
lhe proporcionar. Somente eu a entendo. Somente
comigo você obterá o que mais deseja, Alma. Faça.
Sinta o prazer de dominar. Pela primeira vez em
sua vida, fada escolhida, seja a soberana.
Ela queria fazer. Não iria mentir sobre sua
real vontade. Mas até onde era verdade? Tudo
parecia tão irreal. Nos braços de Solon, ela
acreditava em um mundo justo e por mais difícil
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que fosse acreditar, esperava que esse mundo


existisse um dia.
Mas quando ouvia Eldor, sentia vontade de
ceder e acabar logo com toda a sua fragilidade
diante do mundo a sua volta. Extrapolar os limites e
ser inabalável.
— Faça — ele falou em seu ouvido por trás,
tentando-a como uma serpente faria.
A jovem se moveu, parecia em transe, olhos
nos olhos de Alma, como quem pede para que a sua
desgraça tivesse ao fim.
O inocente que implora pela redenção,
mesmo que sua salvação fosse também a perda da
vida.
Como alguém lida com isso?
Diante da sua demora, Eldor cansou e tomou
o punhal da sua mão.

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Alma ficou olhando enquanto ele segurava a


fada pelos cabelos e a erguia. O punhal correu pela
garganta da fêmea indefesa e Alma viu o sangue
verter. Chegou a dar um passo para trás quando
notou que a fada se debatia. Não era uma ferida
fatal. Ainda não era fatal. Era para acordar os
instintos de Alma. Despertar algo dentro dela.
E Eldor obteve êxito. Em completo
alienamento, Alma avançou e puxou a fada de suas
mãos. A jovem caiu no chão, gritando e chorando
desesperada, enquanto tentava se proteger. Eldor
acertou um tapa em Alma, para que ela aprendesse
a não atacá-lo.
A fúria surgiu de suas entranhas e Alma o
empurrou de volta. Era alta, grandalhona e usaria
sua força contra ele. A força induzida por um ódio
que vinha desde sua tenra infância.
Ódio da opressão.

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Os dois caíram sobre a cama e Alma tentou


tirar o punhal das mãos de Eldor. Ele não deixou e
segurou sua garganta, sufocando-a com ambas as
mãos, enquanto o punhal era esquecido ao lado, no
colchão.
Sem ar, ela arregalou os olhos, enxergando a
imagem de suas amigas, vivas em sua mente e
subconsciente. A imagem de Solon e seus carinhos
gentis, lhe dizendo que acreditava em sua índole. O
conforto que sentira ao contar sobre o mundo para
as fadinhas sobrinhas de Anastácia... Imagens de
uma vida que não lhe pertencia mais.
Tentou se soltar, mas não conseguiu. Suas
asas estavam espremidas no colchão pelo peso do
elfo. Não poderia batê-las e causar dor aos
tímpanos do elfo. Sua garganta apertada,
impedindo gritos impedindo-a de respirar.
Alma não conseguia distinguir o que

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acontecia, mas teve a impressão de ver um relance


de movimento quando a fada tentou levantar e
cambaleando tentou ajudá-la, sendo empurrada
para o chão outra vez.
Alma estava imóvel, abatida, por isso Eldor a
deixou e avançou sobre a fada indefesa, cravando
os dentes em sua pele tenra, como uma fera que não
aceita apenas ferir e matar, uma fera que precisa de
mais, de novas experiências.
Os gritos da fada a despertaram do transe e
da apatia que seu emocional a impunha. Conseguia
respirar. Estava viva e conseguia respirar.
Tossindo, Alma girou na cama, escorregou no chão
quando tentou levantar, suas mãos tremendo ao
levar com elas o punhal.
Via tudo vermelho. Desfocado. Em brumas.
Seus ouvidos palpitavam, não escutava nada
além do som de gemidos e grunhidos animalescos
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vindos da dor que a fadinha sentia e dos sons de


satisfação de Eldor em provar um novo sabor, em
seu próprio transe induzido pela maldade que
cultivava dentro de si.
Trocando as pernas, decadente e trêmula,
Alma avançou sem pensar no que fazia. O punhal
penetrou a carne com um baque seco. Ela nem
sabia que tinha tanta força até sentir a lâmina
cravada nas costas de Eldor.
Tudo turvo, vermelho e confuso, ela retirou o
punhal e enfiou-o outra vez.
Repetiu o gesto até que conseguiu pará-lo
definitivamente. Mas não conseguiu parar a si
mesma. Em um frenesi de desespero induzido pelo
horror, Alma enfiou a lâmina quantas vezes
conseguiu antes de ser brutalmente parada.
Debateu-se e empurrou, esperneando para
não ser impedida.
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Mãos a seguravam. Eram muitas mãos.


Precisava muitos elfos para segurá-la.
Uma mão tapou seus lábios quando ela
começou a gritar desesperada. Mordeu os dedos e
arrancou dor do seu opressor. Eldor, pensou, ele
estava de volta! Lutou o quanto pode, até ser
amordaçada com couro.
Amarrada e abatida, Alma correu os olhos
em torno, tentando ver e registrar o que acontecia,
sem êxito. Não conseguia. Estava frenética, estava
desesperada, estava louca.
Ouviu a distância uma voz gritar seu nome e
abrir caminho. Ela conhecia aquelas mãos e aquela
face, e a mordaça foi arrancada de sua face, por
isso gritou e berrou, sem saber que suas palavras
eram de pedido de ajuda.
Ela precisava de ajuda.
Ser salva.
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Ela não queria que tudo acabasse assim.

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Capítulo 22 - Parceiros de corrida

Alma reparou primeiramente no silêncio.


Aos poucos ouviu sussurros. Voz de fêmea. Vozes
de fêmeas. Ela estava cercada de fêmeas. Uma
delas estava perto, checando se estava dormindo ou
não. Alma entreabriu os olhos e a fada afastou-se.
Talvez com medo. Talvez em busca de alguém que
queria vê-la quando acordasse.
Quando conseguiu olhar em volta e fixar os
olhos, descobriu que não estava no salão onde os
feridos estavam relegados e exilados, pois faziam
parte do grupo rebelde. Estava no salão principal.
Água fresca foi colocada ao seu alcance. Era

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Anastácia. Suada, nervosa, mãos tremendo, ela lhe


oferecia uma caneca com água limpa e cálida.
— Existe um reservatório secreto na alcova
de Eldor. Água limpa. Deve durar uma semana. —
Explicou com voz sussurrada. — Há comida.
Pouca, mas o bastante para as crianças
sobreviverem por muitos dias.
— Sua sobrinha...? — Tentou sussurrar, mas
não conseguiu.
Sua garganta doía. A agressão sofrida, a fez
sentir dor.
— Está viva — Anastácia se apressou a
dizer. — Eu nem acredito, mas ela está viva.
Ferida, magoada e doente, mas está viva. —
Anastácia parou de falar e olhou para longe,
segurando a caneca, afastando-se.
Todo o corpo de Anastácia tremia, mas ela
precisava ajudar e amparar, por isso ignorava seu
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próprio emocional.
Alma sabia que apenas uma pessoa poderia
ter interesse em vê-la. E era também a única pessoa
que Alma não desejava ver naquele momento.
Deitada, perguntou-se porque estava ali, se não
estava doente. Não estava ferida. Era assassina, não
vítima.
— Como está se sentindo? — A pergunta
soou banal demais.
Cravou os olhos sobre o Guardião. Ou
melhor, sobre o que restara do Guardião depois de
tantos dias de provação e ausência de vida. Solon
estava abatido, exausto, pálido e perdendo peso
rapidamente. Aliás, o que acontecia com todos os
outros, inclusive Alma.
— Eu matei Eldor. — Ela disse com voz
fraca.
Suas únicas chagas eram marcas vermelhas
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de mãos que tentaram estrangular seu pescoço. Dor


por cauda dessa tentativa falha. Era muito pouco
para ser tratada como vítima.
— Sim, e agora todos sabem que Eldor é um
monstro. Ele manteve a filha de Estevão
prisioneira. Cometeu crimes de cárcere, estupro,
tentativa de assassinato. As ilusões chegaram ao
fim. — Solon sentou na beira da cama e pousou
uma das mãos na coxa de Alma acariciando a carne
com parcimônia. — Sabe o que acontece quando
um povo perde todas as suas ilusões?
— Não. Mas eu sei o que acontece quando
uma criatura nunca teve ilusões em sua vida —
respondeu pensando em si mesma. — Porque está
me tocando? Eu matei Eldor.
— É de conhecimento de todos que foi
preciso matá-lo. Ninguém questiona seu feito, fada.
Foi necessário lutar por sua vida e pela

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sobrevivência de uma fada aprisionada. É da


essência de uma criatura salvar outra de sua
espécie. Não lhe foi dada escolha. Matar ou morrer.
Quem poderá condená-la?
— Mentira. Eldor me ofereceu uma escolha.
Eu poderia ter ido embora. Eu poderia ter aceitado
ficar ao lado dele. Eu tive muitas escolhas. Mesmo
assim, eu o matei. Não finja que não sabe que eu
gostei de fazer isso. — Esfregou essa verdade na
sua cara.
Solon pareceu agredido por suas palavras.
Problema dele se não era capaz de aceitá-la como
era. Talvez fosse a vez do Guardião perder suas
ilusões sobre ela.
O que Alma não sabia, era que estava vendo
tudo deturpado. Sua mente confusa por anos de
sofrimento a confundia sobre quem era quem
naquela história.

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— A filha de Estevão contou que você


poderia ter feito mal a ela. Que Eldor a ofereceu em
sacrifício. Porque não a tocou? — Solon perguntou.
— Eu não tenho nada contra ela. — Alma
disse com desânimo.
— Você queria me matar, Alma — Solon a
lembrou disso, de quando planejou se livrar dele
ainda na Vila dos Desesperados, na cabana da velha
duende — porque eu a perseguia. Eu representava o
perigo. Você atacou Eldor pela mesma razão. Não é
uma assassina fria e cruel, é uma vítima oprimida e
assustada. Não assuma um lugar no mundo que não
lhe pertence.
— Eldor disse que você é um idealista. Ele
estava coberto de razão. — Alma acusou,
ignorando o sentido de suas palavras — Eldor sabia
onde ficava uma passagem secreta. Agora... Essa
chance de fuga acabou. Eu deveria ter pensado

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antes de reagir. Eu deveria ter manipulado-o. Como


sou tola. — Disse inconformada.
— Não veja as coisas desse modo. Nossas
chances aumentaram. Não existe dois lados, somos
um lado só. Os que protegiam e seguiam Eldor
acordaram de suas mentiras e estão do nosso lado.
Iremos procurar e encontrar essa saída. Existe água
e alimento para mais uma semana. Ganhamos
tempo. Isso é importante, não é? Tempo para achar
uma escapatória?
— Se você diz — ela virou de lado na cama,
e fitou a parede de pedra, ignorando a presença
dele.
— Nenhum elfo ou fada está condenando-a
pelo que fez — Solon curvou-se e falou baixinho
em seu ouvido. — A maioria é grata pela sua
coragem. Não aceito que se culpe pelo que
aconteceu. Foi forçada a isso. Eldor não lhe deu

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outra alternativa, não importa as besteiras que ele


tentou colocar na sua cabeça.
— Não faça isso, Solon — ela olhou para
Solon por sobre o ombro, as faces muito próximas.
E por isso Solon não pode ignorar o que seus olhos
diziam. — Até quando vai fingir que eu não gostei
de ter feito isso?
Solon não respondeu nada.
Não queria brigar e deixá-la nervosa. Estava
tão orgulhoso da evolução de Alma naqueles
últimos dias, sempre atenta e disponível para uma
conversa amigável, se esforçando para ouvir e
entender, antes de deduzir e julgar. Querendo
ajudar e ser aceita. Tudo isso para quê? Para Eldor
acabar com seu pequeno avanço e confundir sua
mente tão perturbada pela vida que lhe impuseram
no Ministério do Rei?
— Você não gostou de ter feito isso, Alma. É
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a única certeza que eu tenho sobre você. Acredite


em mim, se não pode acreditar em si mesma.
Alma lutou contra o impulso de gritar com o
Guardião. Ele iria insistir em não ver a realidade?
Em não enxergá-la como realmente era?
Recusou-se a falar com ele e Solon foi
embora. Na ausência de um líder, muitos guardas
vinham solicitando sua opinião sobre o que fazer.
Era um povo carente de diretrizes e ele iria tomar a
frente até quando fosse necessário.
Alma ouviu a voz de Anastácia e não pode
ignorar a conversa entre a fada e o Guardião. E pelo
visto, Solon não se importava que ouvisse.
— Não seria melhor levarmos Alma para os
aposentos que pertenciam a Eldor? É mais
confortável. Lá tem um pouco de luxo para
confortá-la nesse momento. — Anastácia ofereceu
solícita.
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— Não — Solon disse olhando para Alma,


deitada naquela cama precária e improvisada no
chão. — Não quero que Alma desfrute do que não
lhe pertence. É melhor que conviva com o que é
real, e não com fantasias de um mundo de luxo e
falsidade. Alma é igual a qualquer outro de nós.
Estevão levará os feridos gravemente para os
aposentos de Eldor. É mais confortável que fiquem
lá enquanto nos ajeitamos aqui.
Anastácia não compreendeu exatamente o
que ele queria dizer, mas Alma entendeu o porquê
da negativa de Solon em lhe proporcionar conforto
e era o que importava.
Ele sabia sim quem era a fada Alma e seus
impulsos. Suas necessidades interiores, suas
inclinações pouco ortodoxas. Conhecia e entendia,
por isso lutava para lhe dar um voto de confiança e
desejava estar ao seu lado, para que o mundo e suas

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maldades não despertassem cada um desses


impulsos feios.
Horrorizada consigo mesma e confusa com
tudo que sentia, Alma fechou os olhos com força,
ignorando os sons e vozes em volta. Queria ficar
sozinha e reclusa. Nunca mais precisar ter contato
com outras criaturas. Ser esquecida.
Emocionalmente abalada, Alma adormeceu.
Quando acordou, era quase noite. Abriu os olhos
para descobrir que as sobrinhas mais novas de
Anastácia brincavam perto dela. Anastácia deveria
estar insana por achar seguro deixar as crianças
perto de uma assassina.
Eleonora ficaria decepcionada por ter cedido
aos seus impulsos de morte, lembrou num resquício
de sofrimento pelo que fizera. Driana nunca a
perdoaria por ter cedido aos seus impulsos, depois
de ter lhe implorado para se controlar e empenhado

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sua palavra nisso e Joan... Pobre Joan ficaria tão


assustada. Joan... Tão doce, tão frágil quanto uma
flor. Ela sentiria tanto medo... Mesmo assim ficaria
ao seu lado apoiando-a e isso era ainda pior que a
rejeição.
Com medo da reação de suas amigas quando
descobrissem o monstro que era, Alma sentiu os
olhos cheios de lágrimas.
Chorar era sinal de fraqueza. Angustiada,
limpou as faces e sentou não colchão, abraçando os
joelhos enquanto observava o movimento no
pavilhão.
Um sentimento ruim a motivava a alimentar
rancor contra aquelas criaturas desprotegidas. Se
não fosse por causa da existência dessa gente, Alma
não teria sido aprisionada por Eldor e não estaria ali
perdendo seu tempo e seu juízo. Era tudo culpa
deles!

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Seus olhos acompanharam a imagem de


Agra, que andava entre os elfos e fadas,
conversando e fornecendo ordens necessárias para
a manutenção do lugar, dentro daquela situação tão
difícil.
Com os olhos fixos na madrasta de Eldor,
Alma notou algo. Agra lhe contou sobre Eldor e
ajudou-os a obter as armas do Guardião de volta.
Era uma aliada, mas não lhes contara o mais
importante: que Eldor escondia água e alimento.
De longe, Agra notou seu interesse e lhe
sorriu. Vendo-a com os olhos da maldade, Alma
notou que estava completamente enganada sobre
Agra. A matriarca do povo subterrâneo era pior que
Eldor. O elfo era tomado de uma monstruosidade
visceral, que provavelmente nascera com ele. Agra
não... Ela era uma cobra criada pela vida.
Agora, Alma via tudo com clareza. Agra

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usava do enteado ensandecido para livrar-se de um


marido repressor e ter quem levasse a culpa por
manter esse povo escravizado. Era Agra quem
aliciava e incitava Eldor. Que criava um cenário
apropriado para as maluquices de Eldor!
Tão claro quanto à luz do sol em um dia de
verão, era a certeza que Agra conhecia a passagem
secreta. Mas ela nunca contaria. Ninguém chega tão
longe em uma obsessão para ceder diante de
alguma pressão.
Alma impulsionou o corpo para fora do
colchão e levantou.
— Não — ela disse firme, quando as crianças
tentaram segui-la. — Fiquem aqui, não quero
fedelhos atrás de mim.
Seu tom era de briga, mas as meninas não
sentiam essa repressão. Alma não era capaz de
compreender que se uma criança inocente não sente
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sua maldade, é porque algo de bom supera seus


anseios mais obscuros.
— Onde ele está? — Alma perguntou para
uma fada que estava no caminho. Deduzindo que se
referia ao elfo Solon, a jovem apontou para a saída
do pavilhão.
Com passos cansados, sentindo peso do
mundo nos ombros, ela procurou por Solon.
Encontrou-o junto aos guardas. Ele a viu pelo canto
dos olhos e afastou-se dos demais, pois não queria
saber de Alma espalhando aos quatro ventos que se
achava uma assassina cruel. Bastava sua cabecinha
acreditando nessa besteira. Não precisava que mais
fadas e elfos comprassem essa ideia.
— Agra não é de confiança. Eu percebi isso
agora. Ela é cúmplice de todas as armações de
Eldor. — Contou a ele, a seco, sem preâmbulos.
— Eu suspeitava disso — Solon confirmou.
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— Uma fada se descontrolou mais cedo e isso


causou uma briga entre os guardas de Eldor e os
meus guardas. Foi por causa dessa distração que
não vigiamos nossos protegidos e você pode ser
pega tão facilmente. — Explicou suas
desconfianças — faz sentido, Agra tem poder de
liderança sobre essa gente. — Disse desacorçoado.
— Eldor sabia sobre sua tentativa de me
acalmar. — Ela contou, corando um pouco — ele
achava patético e desnecessário.
— É claro que sim. — Solon disse irritado.
— Eu não quero incomodá-la com lembranças
tristes, Alma — Solon mudou sua postura, ficou
bem pertinho, barrando os olhares que incidiam
sobre a fada, para ter sua atenção toda para si —
não quero vê-la sofrer. Mas eu preciso saber...
Eldor a agrediu?
— Fala de cópula? — Foi direta, pois ele

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fazia rodeios demais para perguntar o que desejava


saber.
— Sim, é disso que eu falo. Ele a forçou? —
Havia uma veia saltada no pescoço do elfo, que
indicava uma fúria contida, que não desejava
transparecer.
— Não. Ele não me tocou a força — notando
que a tensão se mantinha presente, acrescentou —
ou por querer. Não houve sexo.
— Eu não achei que houvesse. Você não
gosta dele e não se entregaria. — Disse aliviado.
— Mesmo assim você tinha dúvidas. Não
confia em mim tanto quanto gostaria de acreditar.
— Ela disse cruzando os braços em frente ao peito,
magoada, mas sem saber o que era esse sentimento.
Sem identificar dentro de si a causa dessa tensão.
— Alma, precisa voltar lá para dentro e
descansar. Eu quero uma acareação entre você e a
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filha de Estevão. A situação aqui em baixo é


precária, mesmo assim, manteremos a ordem, e
resolveremos a situação da morte de Eldor como
seria feito em dias de normalidade. Se isso não for
feito a desordem e o caos se instalaram.
— Você teme um descontrole em massa —
ela deduziu.
Solon segurou seu braço e a levou para longe
dos guardas.
— O líder dessa gente manteve uma fada
prisioneira. Mentiu sobre segurança e prosperidade,
sabendo que estavam a dias de uma catástrofe. Eles
perderam o chão e o sentido da existência. E estão
prestes a perderem a vida. Um pouco de esperança
é necessário para mantê-los unidos. Explicar o
acontecido, sem grandes detalhes, para que eles
entendam que a segurança voltou a reinar. Que
mesmo sem um líder eleito, eles podem se

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considerar seguros.
— Então, contar sobre Agra está fora de
questão — ela disse com recalque.
— Exatamente. Ouça, Alma, você ainda pode
despertar seu dom e fazer Agra falar. Mudou o
opressor, mas seu dom continua sendo necessário e
vital. Seremos discretos sobre os últimos
acontecimentos.
— Está pedindo para que eu minta? —
Estranhou, fitando Solon com acusação.
— Estou pedindo que não conte sobre sua
ligação com Eldor. A filha de Estevão concordou
em não contar sobre a estranha conversa que
presenciou. Ela falará sobre como Eldor a agrediu e
tentou matá-las, sobre como ambas se defenderam
do modo que foi possível. Faça o mesmo. Não é
preciso assustar esse povo com conjecturas que
estão vivas apenas em sua mente, Alma.
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Confusa, ela soltou o braço e afastou-se um


passo:
— Você acha que sou louca? — Perguntou
incapaz de conter a pergunta.
— Às vezes eu desconfio disso — ele sorriu,
tentando fazer graça e acalmá-la. Alma não
compartilhou desse desejo e continuou esperando
uma resposta verdadeira. — Você não é louca.
Muito menos uma psicopata. Ou uma assassina fria
e cruel. Enquanto estiver confusa e não puder
acreditar em si mesma, confie e acredite em mim.
— Tocou seus braços, que mantinha cruzados
contra o peito, em uma posição de defesa.
Foi uma carícia de conforto. De apoio. Isso a
irritava profundamente. Afastou-se desse contato e
disse séria:
— Eu farei o que me pede. — Seu tom era
jocoso.
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— Alma, eu quero ter a oportunidade de


conversar com você sobre tudo isso. Não se feche
para mim, está bem? Afaste-se dos outros, mas não
de mim. Temos um acordo?
Ela negou com a cabeça.
— Uma chance para conversamos. Eu não
posso fazer isso aqui, Alma. Eles precisam de uma
liderança. — Implorou.
— E o que você pretende me dizer que eu já
não saiba? — Perguntou, atacando para se
defender. — Nada que disser mudará a verdade. Eu
não presto. Eu sempre soube. Agora, não posso
mais ignorar. Eu quero ficar sozinha. Faço o que
me pediu, minto para essa gente, mas não me peça
para ficar ouvindo sua conversa fiada sobre bons
sentimentos.
Solon não a deixaria ir com a cabeça cheia
desses pensamentos ruins. Mas os guardas o
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chamaram e entre aliviar seu emocional ou garantir


sua sobrevivência, Solon preferiu garantir que a
fada estivesse fisicamente bem para lidar com seus
problemas emocionais.
— Volte para a cama. — Ele mandou.
Não era um pedido, era uma ordem. Ele
precisa ser líder.
— Contou a eles que é surdo? — Perguntou
antes que Solon se fosse. — Deveria contar.
— O medo é estranho, Alma. Eu não quero
que o medo vença essa briga antes que todas as
oportunidades tenham se desgastado — Solon
avisou.
Alma deu de ombros e foi embora. Deixou
Solon sozinho, para cuidar dos afazeres de um
lugar que estava em ruínas. Caminhando em meio
ao caos e destruição, Alma sentia o coração
apertado. Marchou por entre os elfos e fadas, e
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quando avistou as meninas brincando em seu


colchão, ficou de pé encarando-as.
— Eu juro que vou tirá-las daqui pelas
orelhas se não me deixarem em paz! — Gritou com
as meninas.
A menor teve a audácia de rir antes de correr
para brincar em outro canto. A maiorzinha ainda
pulou algumas vezes antes de ir brincar em outro
lugar.
Pelo visto ninguém a respeitava. Era passado
o tempo em que assustava as meninas mais jovens
no Ministério do Rei. Havia perdido toda a
autoridade. Culpa de Solon, sempre ao seu lado,
sorrindo e esbravejando aos quatro ventos como o
mundo é bonito e a vida cheia de esperanças. Ter
um elfo bondoso ao seu lado desmentia sua
ferocidade. As criaturas acreditavam que
fraquejava.

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Pensar mal de Solon não lhe fez bem, como


fazia antigamente. Pelo contrário. Alma deitou de
lado, depois de puxar a cortina e esconder-se no
diminuto espaço. Deitou de lado e fingiu não notar
que as lágrimas corriam em seu rosto.
Chorar por causa de um monstro como Eldor
era patético. Fizera um favor ao mundo livrando-o
da presença espúria de Eldor. Então porque sentia
aquele peso no coração? Seria pena de Eldor? Ou
falta da sua presença? Assustada, Alma virou e
olhou para o teto, olhos arregalados de pânico ao
pensar que poderia estar com o coração aos
pedaços por estar secretamente apaixonada por
Eldor.
Não, pensou. Isso não era possível. Ela
gostou de matá-lo. Era essa a única razão para sua
mágoa. Sentiu prazer em acabar com a existência
daquele miserável! Eldor estava coberto de razão

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ao dizer que ela cultivava dentro de si um monstro


ávido por crueldade.
Quem seria o próximo? As lágrimas vieram
com maior intensidade quando se lembrou de anos
atrás, quando flagrara uma conversa entre suas três
amigas. Driana dizia para Eleonora e Joan que
temia que Alma cometesse um desatino. Que
cometer um ato cruel uma única vez, poderia
despertar permanentemente o desejo de matar e que
não seria possível contê-la. Que elas precisavam se
unir para não permitir que isso acontecesse. Ficar
ao seu lado para impedir que derrapasse a primeira
vez.
Será que Driana estava certa? Na ocasião
Joan havia defendido-a fervorosamente,
acreditando em sua boa índole, mas Eleonora
parecera tão incerta, em dúvida sobre o que poderia
acontecer caso Alma cedesse aos seus impulsos,

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que a magoava.
Chorando baixinho, Alma afundou a face no
travesseiro, e se permitiu um momento de tristeza.
Nunca chorava no Ministério do Rei. Era algo
pessoal, algo somente seu. Guardar o choro, para
que suas amigas soubessem que era insensível às
dores infligidas ao abandono e humilhações da vida
de confinamento.
Naquele momento, queria chorar e não se
importava com o mundo a sua volta. Não soube por
quanto tempo chorou ou se adormeceu, pois as
imagens passavam por seus olhos sem parar. O
momento em que suas mãos agarraram o punhal e o
zumbido em seus ouvidos, as marteladas pesadas
de seu coração batendo em seu peito como um
louco, enquanto ela perfurava a pele de Eldor,
acabando com seu ataque animalesco.
Angustiada, Alma não viu o tempo passar.

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Assustada, saltou na cama, quando Anastácia


a despertou de suas divagações, tocando seu ombro.
Estava séria e não disse nada apenas apontou para
fora, como quem diz que é para segui-la.
Limpando as faces, sabendo que não poderia
esconder o inchaço e vermelhidão dos olhos, Alma
levantou, mas não calçou os sapatos. Faltou-lhe
ânimo para isso.
Era madrugada e com exceção dos feridos e
crianças, o restante de elfos e fadas estavam
acordados, reunidos em torno de lampiões acessos.
Estevão, Solon e Agra eram os principais.
Algo como líderes improvisados. Alma sabia muito
bem, que se não conseguisse arrancar a verdade de
Agra, ela encontraria um modo de tomar o poder e
manter aquelas criaturas sob seu poder por mais
algumas décadas de privação, até encontrar um
novo sucessor.

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É uma pena ver que o mal se renova com


tanta facilidade enquanto o bem demora tanto para
se propagar.
Suspirando pesarosa sentou no chão, no
canto indicado por Anastácia.
A jovem Elba, filha de Estevão, agora com
curativos nas asas e no pescoço, banhada e vestida
em roupas limpas, estava ao lado de seu pai, a
cabeça apoiada em seu ombro, precisando de sua
proteção.
Alma queria isso. Uma proteção de pai.
Angustiada, olhou para Solon. Baixou os olhos,
pois não era nele que deveria buscar proteção. Isso
não existia para criaturas como ela, criaturas
desassossegadas.
— Elba nos contou da insensatez de Eldor.
— Foi Estevão quem tomou a palavra. — Eu lhe
peço Alma que nos conte sua versão.
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— Por quê? — Alma questionou apática.


Face abatida, cansada, sem vontade para
nada, braços largados, sem a energia de sempre.
— Assassinato não será perdoado. É nossa
lei e deve ser cumprida, mesmo que em momento
de desespero como o que vivemos. — Estevão
gentilmente afastou a filha e levantou, andando em
torno das pessoas. — É preciso que julguemos seu
ato, para que não restem dúvidas sobre sua culpa.
— Minha culpa? Eu matei seu líder. Essa é
minha culpa — ela disse séria.
— Alma — Solon a fez se calar e atraiu sua
atenção. — Conte o que aconteceu. Em detalhes,
por favor.
Ela piscou melancólica.
— Eu fui levada pelos guardas de Eldor, os
mesmo que estão aqui, agindo como se não

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houvessem participado disso tudo — ela acusou e


causou desconforto generalizado. — Fui deixada
em seus aposentos. Um lugar imenso e luxuoso. Eu
diria para que catassem todas aquelas pedras
preciosas das paredes e guardassem. Serão úteis
caso saiam daqui. — Ela disse com lástima e ironia
velada, esfregando um dos braços, sentindo frio.
Não era frio propriamente. Era algo interior,
um desamparo que lhe causava arrepios.
Solon percebeu e levantou, colocando em
seus ombros uma manta que jazia esquecida em um
canto qualquer. Ela olhou para cima, encontrando
seus olhos. Quis pedir que ficasse ao seu lado, mas
era inapropriado. Segurou o manto e aconchegou-
se. Isso deveria bastar. A falsa ilusão de proteção
deveria lhe sossegar o coração. Mas não a mente.
— E o que aconteceu quando foi
recepcionada por Eldor? — Estevão perguntou

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cordato, para não irritá-la, em uma troca de olhares


com Solon, uma troca de cumplicidade.
— Ele apareceu e me fez propostas. Queria
me ajudar a despertar meu dom verdadeiro. Não
sou apenas uma doida gritando e esbravejando. Eu
tenho um dom bonito, só não tenho controle sobre
ele ainda. — Ela disse magoada.
— E que dom é esse? — Perguntou
interessado.
— Eu posso... Eu poderei, ao dominar minha
natureza, hipnotizar as pessoas com minha voz.
Torna-las fantoches das minhas vontades. Claro, eu
ainda estou aqui, então sabemos que não tenho
domínio de mim mesma. — Satirizou.
— E o que Eldor esperava conseguir usando
de seu dom? — Estevão ignorou seu descaso.
— Ele sabia que não teria domínio sobre
vocês quando fossem obrigados a subir a
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superfície. Que todos descobririam suas mentiras e


se voltariam contra ele. Eldor desejava que eu os
encantasse e os obrigasse a concordar em segui-lo,
onde quer que ele fosse. E é isso que Agra espera
que eu faça. Ela é cúmplice de tudo que o enteado
fez. Uma sádica mentirosa que me enganou por
muito tempo.
Solon praguejou, pois não queria que ela
falasse sobre isso.
— Dane-se — Alma disse olhando para ele
— eu cansei de mentiras. Agra vai tomar o lugar de
Eldor. A única esperança de todos nós é que eu
consiga arrancar dela a localização da única saída
preservada. Um caminho direto para a superfície.
O burburinho foi generalizado. Alma sabia
que aconteceria. Fechou os olhos e fingiu não ouvir
os burburinhos. Agra manteve-se impassível,
consciente que ninguém se voltaria contra ela, e

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acreditaria em uma fada forasteira e assassina.


— Eldor manteve minha filha prisioneira.
Estuprou seu corpo, aproveitou-se do cio, e feriu
suas asas. Ele disse que asas não existiam mais e a
fada Alma prova o contrário. E também as asas da
minha filha são a prova derradeira que era mentira.
Nossas fadas poderiam ter suas asas. E vejam o que
ele fez com as asas de uma filha de seu povo —
Estevão fez Elba levantar e mostrar os curativos em
suas costas, uma tentativa de unir as asas e salvá-
las. — Eu não me perdoarei jamais por ter
acreditado naquele animal. — Estevão abaixou o
rosto humilhado.
— Eldor admitiu ter assassinado sua esposa
porque ela se negou a voltar e calar-se sobre o
mundo que viu na superfície — Alma contou.
Agora que começara a ser sincera, iria até o
fim, sem dó nem piedade.

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— Ele ria de todos vocês. Ofereceu essa fada


— apontou Elba. — Ofereceu-a como um presente.
— Lembrou-se do pedido de Solon sobre não
contar seus impulsos e pensou em não obedecer.
Queria ser sincera, não é mesmo? Fechou os olhos
angustiada sobre não saber o que queria. Por não se
controlar. — Para que eu a ferisse em homenagem
a ele, como uma prova de minha submissão. Eu não
quis. Ele decidiu matá-la na minha frente, como
uma oferenda... Eu acho que era essa a ideia dele.
A briga começou, ele tentou me enforcar e quando
eu percebi... O punhal estava nas minhas mãos e
então... — Parou de falar, as lembranças vivas em
sua mente.
— Eldor era um animal — Anastácia
interrompeu-a revoltada. — Um monstro! Vejam o
estado em que deixou minha sobrinha! Olhem as
marcas das mãos daquele verme no pescoço de

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Alma! — Levantou e gritou, aflita e indignada. —


É por causa dele que estamos todos nessa situação!
Ele sabia que o nosso mundo iria ruir e não fez
nada por nós! Alma não pode ser culpada por salvar
a si mesma! Eu faria o mesmo!
— Não estamos em um julgamento —
Estevão tentou controlar sua prometida e ela
afastou-se com rancor. — Ouvimos suas palavras,
Alma. Tem sua versão dita. Cabe a todos uma
votação sobre o que deve ser feito. Eu proponho o
esquecimento e o perdão para o ato de violência
cometido por Alma. Proponho a escolha de outro
líder. E, sobretudo, proponho uma vigilância sobre
Agra até decidirmos o que é real ou não nessa
conversa toda.
Solon concordava com ele. Ergueu-se e
tomou a palavra, falando sobre o que iria acontecer
nos próximos dias. Era demais para Alma. Ela

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levantou e deixou a manta cair no chão, retirando-


se da conversa.
Passos cansados, pesados, melancolia pura.
Voltou para seu canto, puxou as cortinas, deitou-se
puxando um lençol sobre a cabeça para se proteger
do barulho das vozes.
Que decidissem sua vida.
Isso não era uma novidade, era?

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Capítulo 23 - Pessimismo

Alma não contava os dias, mas


inconscientemente sabia que uma semana havia
corrido no calendário. Era meio dia. Sentia fome.
Era a primeira vez em dias que sentia fome
espontaneamente, talvez por que a comida estivesse
cada vez mais escassa.
Dessa vez não foi Anastácia quem lhe trouxe
comida e água, e sentou pacientemente ao seu lado
insistindo para que comesse. Não, dessa vez, foi
Solon quem trouxe o prato e a jarra de barro com
água barrenta. De volta à escassez e a privação.
Sua vida era assim, pensou.

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— Está com fome? — Ele perguntou


sentando no colchão e provando uma colherada da
comida de Alma. — Hoje você não irá comer. —
Ele sorriu ao dizer isso. — Você não quer e existem
outros famintos. Ordenei que dessem sua comida
para as crianças que penam de fome.
Alma ouviu suas palavras, incrédula.
— Mas eu estou com fome — ela disse
baixinho.
— Está curada, mas não ajuda em nada. —
Solon continuou falando — não precisa comer
tanto. Não faz nada de útil.
— Tanto faz — ela disse emburrada, virando
para o lado oposto, para não olhar para ele, com os
olhos rasos de lágrimas.
— Está contente agora? — Solon perguntou,
pousando o prato no chão com maior força que o
esperado. Talvez ele estivesse raivoso com ela.
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— Porque estaria? — Ela perguntou com voz


abafada, pois tinha a face escondida parcialmente
pelo travesseiro.
— Porque você conseguiu: vou tratá-la do
modo que espera ser tratada. — Revelou. — Cansei
de tentar falar com você. De tentar ajudá-la. Como
você não se cansa de dizer, todos morreremos aqui.
É hora de vivermos a verdade da nossa situação.
Alma não se conteve e olhou para Solon.
— Você não é assim, — Disse confusa.
— Quem disse? Não é você quem vive
dizendo que eu minto e que vou enganá-la para
entregá-la para Santha? — Perguntou sem amargor.
— O que você tem? Enlouqueceu? — Alma
perguntou sentando no colchão, ficando bem perto
dele. — A reclusão nesse lugar entorpeceu sua
mente? É isso?

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— Não. — Solon negou. — Estou sendo


exatamente do jeitinho que você espera que eu seja.
— Seu olhar era firme.
— Eu não espero nada de você — ela disse
em sua defesa.
— Por isso não estou lhe oferecendo nada —
ele alegou, sem hesitar em sua postura.
Alma baixou os olhos. Ele ficou em silêncio
e ela esfregou uma das mãos no rosto, para afastar
o sono e limpar o suor.
Cada dia mais quente. Era culpa do ar
impregnado de pó e da queima de óleos, das poucas
saídas de ar completamente impregnadas de
fumaça.
— Eu gostei de ter matado Eldor — ela disse
com parcimônia. — Você sabe disso. Porque não
me deixa em paz?

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— Eu sei de culpa, e você é alguém culpado


— ele disse sério. — Foi perdoada e todos a
idolatram por terem-nos salvado de um líder
monstruoso, mas a culpa a ronda. Você se culpa,
Alma. Não os outros.
— Você é surdo mesmo, não é? — Ela
acusou, ofendendo — eu disse que senti prazer em
matar Eldor!
— Sim, você sentiu tanto prazer que está
definhando em culpa. — Devolveu a acusação. —
Assassinos frios comemoram seus feitos. Pessoas
honestas e justas sofrem e se martirizam por
cometer um ato de crueldade, mesmo que contra
quem mereça.
Alma encarou seus olhos procurando por
falsidade.
— Eu sempre quis saber como era fazer isso
— admitiu em um sussurro.
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— E a vida a obrigou a descobrir e aqui esta


você, desfazendo-se em culpa e desespero. Eu não
tenho tempo para conversar com você e consolar.
Eu mal tenho tempo para sentar e comer. E eu
preciso comer e estar de pé, porque tenho
esperanças que você acorde e me ajude. Isso vai
acontecer?
— Ajudá-lo? — A pergunta escapou por seus
lábios com incerteza.
— Agra está sendo mantida amarrada. Ela
não revela a verdade, prefere que todos paguemos
por sua loucura. Eu tenho fé que você possa
convencê-la a falar a verdade. — Exasperado,
Solon disse: — A água não dura mais que dois dias.
O alimento acabou hoje. — Ele baixou a cabeça
furioso com a situação. — Os homens não comem
há dois dias. As mulheres mais fortes pararam de
comer hoje. Os feridos e as crianças terão alimento

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até amanhã. Depois... Não resta um depois. — Era


essa a situação.
Alma notou que as mãos de Solon tremiam.
Exasperado, ele enterrou-as no cabelo e baixou a
cabeça, deixando-a ver sua dor:
— Eu não pude ajudá-los. Não pude fazer
nada. Eu não tenho como ajudá-los, Alma. Não
posso fazer absolutamente nada por eles!
Solon não se importava consigo mesmo e sim
com o bem estar dos inocentes e desprotegidos.
Sem refletir, Alma estendeu uma das mãos e
tocou a dele. Então, quando notou, o abraçava pelas
costas, escondendo o rosto em suas costas.
— Eu queria ser forte como você — ela
sussurrou, mas ele conseguiu ouvir.
Sua voz era perfeita para a audição do
Guardião. Eram perfeitos juntos.

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— Você é. É tão forte, que eu sei que vai me


ouvir e acreditar em mim. — A puxou para seu
colo e Alma deixou-se sentar em suas pernas, o
rosto a centímetros do dele. — Você é boa. Meiga,
doce e inocente. O mundo é feio, escuro e sombrio.
Somos todos vítimas. Caçador ou caça, todos
acabaremos sendo pegos um dia. Uns mais cedo,
outros mais tarde. Em meio a essa certeza, existe a
felicidade. Escassa e muitas vezes fugidia, mas
existe felicidade. É o que eu quis lhe mostrar. E não
consegui. Desculpe-me por isso.
Alma vislumbrou a verdade sobre medo e
perdão, olhando naqueles olhos claros. Solon era
sempre tão sincero e desprovido de segundas
intenções. Ele realmente se culpava por não ter sido
capaz de lhe mostrar a vida bonita que gostaria que
conhecesse.
Solon era o elfo mais honesto e justo da face

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da terra, pensou Alma.


Havia algum exagero em seu pensamento,
mas sentia essa verdade com profundidade e era a
única coisa que lhe importava naquele momento.
Solon beijou sua testa e Alma permitiu.
— Eldor estava errado quando tentou
convencê-la a se render aos maus pensamentos.
Completamente equivocado ao dizer que você é
repleta de crueldade. — Afirmou, sorrindo com
admiração para a fada em seus braços.
— Porque diz isso?
— Você sentiu o gosto de matar e continua
sem o seu dom. Se Eldor estivesse certo, tudo seria
diferente. — Ele afirmou contente em ao menos ter
essa alegria.
— Mas você também não obteve êxito. —
Lembrou-o disso.

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— Por falta de tempo e intromissão de Eldor.


Eu poderia ter conseguido.
Solon tinha a convicção que sua fada
preferida teria se acalmado aos poucos e isso
ajudaria a desabrochar seu dom verdadeiro. Mas
não houve tempo. E agora, não adiantava lamentar.
— Quer vir comigo? — Ele perguntou
roçando o nariz no dela.
— Para onde? — Perguntou meiga.
— Ficar com os outros. Passaremos as
próximas horas juntos, conversando. É o melhor
jeito de passar o tempo.
E escapar dos pensamentos sobre o que
aconteceria com todos eles nos próximos dias sem
comida e água.
— Eu não sei se eles me querem por perto —
ela admitiu, magoada.

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— Você os libertou de uma vida de mentira.


Há consideram como uma de seu povo. Você tem
se isolado, Alma. Por isso não sabe do apreço que
essa gente tem por você.
— Isso é verdade? — Ela perguntou
surpresa.
— A mais pura das verdades. Eu não minto
para você.
O pior de tudo era acreditar no Guardião.
Fechando os olhos, Alma escondeu o rosto no
pescoço de Solon e ficou assim por alguns
instantes.
— Eu não posso morrer aqui. Minhas amigas
precisam de mim. — Alma disse com angústia. —
Eu tenho medo que elas não saibam que eu tentei
voltar para junto delas. Que eu fiz tudo que pude
para me salvar e ajudá-las. Eu tentei, Guardião. Eu
tentei de verdade.
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Solon tocou seu rosto e a fez erguer o rosto e


olhar para ele. Lábios entreabertos. Olhos
marejados. Pálida. Era a face da dor. Do
arrependimento. Do medo. E Solon não podia fazer
nada para aliviar seu pesar. Ele próprio tinha suas
dores e seus pesares.
Queria ver sua mãe uma última vez.
Agradecer Acheron, o Guardião que o ajudou a
superar a raiva, a depressão e o fez encarar a vida, e
que nunca obteve uma palavra de gratidão da sua
parte, embora soubesse de seu eterno
agradecimento.
Queria ter feito tantas coisas antes desse fim
trágico.
— Nunca saberão o que nos aconteceu — ele
disse triste. — Ao menos suas amigas não sofrerão.
Talvez pensem que você escapou. Não é melhor
assim? Que elas esperem sua volta, com a certeza

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que está bem e feliz em algum lugar, vivendo sua


vida?

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Capítulo 24 - Ingratidão fere

Alma acenou concordando. Preferia que suas


amigas vivessem com a esperança do que com a
certeza que seu fim havia sido triste e amargo.
Será, ela pensou? Nunca em sua vida houve
pessoas que confiassem e a admirassem. Com
exceção de Eleonora, Driana e Joan, não sabia o
que era carinho até conhecer Solon.
Alma gostava de olhar para o Guardião. Ele
tinha feições bonitas. Sempre arrumadinho. O
cabelo bem penteado, mas depois de tanto
sofrimento e desânimo, estava despenteado, mesmo
assim conservava aquele ar de corretidão.

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Seu nariz era bonito, pensou, seus olhos eram


fascinantes. Seus lábios. Ela gostaria de ter tido
mais tempo para conhecê-lo.
Sem saber de onde a coragem surgiu, Alma
tocou o queixo quadrado e alisou a pele coberta por
uma barba rala, que pinicava a pele da sua mão.
Solon ficou quieto, esperando que viesse de Alma a
iniciativa. E sua espera não foi frustrada. Alma
aproximou o rosto e tocou seus lábios com os seus,
em um beijo muito simplório, doce e pueril.
Segurou o queixo masculino e moveu os lábios,
pedindo que ele abrisse os seus, querendo beijá-lo
para valer.
Guardava as lembranças de seus beijos e
carinhos, mas sentir era mil vezes melhor do que
lembrar. O beijo começou vagaroso, preguiçoso e
suave. Solon apertou sua cintura. Era a maior
demonstração da possessão e necessidade que

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nutria pela fada. Não a prenderia ou pressionaria.


Aquele aperto acendeu a fogueira dentro de
Alma. Ela queria mais, queria tudo com Solon. Mas
precisou se conformar com um beijo intenso e
profundo. Uma troca generosa de afagos e muita
paixão.
Quando o beijo chegou ao fim, sem ar,
corada e aliviada por ter finalmente deixado à
necessidade falar mais alto, Alma disse:
— Eu quero ficar com você nesses últimos
momentos.
Solon sorriu e lhe fez um carinho no queixo
antes de ajudá-la a levantar, deixando seu colo.
— Eu gostaria de ter ouvido isso em outra
situação — confessou, beijando de leve sua testa,
sugerindo. — Será que eu consigo encontrar algum
instrumento para tocar nessa confusão de
destroços?
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— Você toca um instrumento? — Ela


perguntou surpresa.
— Não, mas eu canto — ele explicou,
distraindo sua mente.
— Você não canta! Você não ouve bem.
Como poderia cantar? — Perguntou com total
sinceridade. Sem resquícios de maldade ou
preconceito, apenas dúvida.
— Eu cantava antes de perder a audição e
canto agora. Enquanto ninguém reclamar... Eu vou
continuar cantando — ele sorria.
— E como você sabe se está cantando no
ritmo certo? — Perguntou com expressão de
dúvida.
— Certas coisas a gente sente, Alma. Não é
preciso ouvir, tocar ou enxergar. A gente sente e
isso basta.

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Alma ainda não compreendia o que Solon


queria dizer com isso, mas acreditou em suas
palavras, pois era ele quem dizia. E era estranho
confiar em alguém que não fosse Eleonora, Driana
ou Joan.
Solon entrelaçou os dedos nos seus, e de
mãos dadas a levou para longe da reclusão ao qual
vinha se submetendo por depressão.
Os moradores do mundo subterrâneo estavam
reunidos no outro pavilhão, alguns ainda jantavam
outros apenas conversavam. Alma sentiu os olhos
de todos se voltarem para eles. Sim, eram um casal
diante dos olhos de todos, e Alma suspeitava que
não somente em aparência.
Era um casal de verdade. O mais estranho
dos casais. E apesar das diferenças gritantes entre
eles, funcionavam muito bem como um casal.
Solon a levou gentilmente por entre os elfos
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e fadas, as famílias reunidas e encontrou entre eles,


Estevão e suas filhas. A jovem Elba que fora
brutalizada por Eldor estava entre eles, menos
pálida e abatida. Um sorriso pairava na face de
Elba enquanto interagia com as irmãs. Ela parou de
conversar e olhou para Alma com gratidão.
— Gostaria de um pouco de vinho? — Solon
perguntou em seu ouvido. Alma tocou seu ombro
para impedi-lo de causar-lhe tantos arrepios.
Seu jeito de falar, de olhar e de tocá-la lhe
provocava um rebuliço emocional.
— Sim — concordou, imaginando que Solon
não lhe ofereceria algo que fizesse falta para os
demais necessitados.
— Sente-se aqui — ele indicou um espaço
perto das filhas de Estevão. Alma obedeceu e o fez
por vontade, não obrigação.
Estevão seguiu Solon e ela sabia que
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conversariam. Anastácia estava adiantada e trazia


uma bandeja, provavelmente esperando encontrá-la
faminta e sedenta.
Alma não reclamou quando as fadinhas
vieram acabar com sua paciência. Elas tinham um
jeito de estar sempre pegando, tocando e agarrando
alguma parte do seu corpo, tomadas da carência e
necessidade de conhecer.
Alma era uma grande novidade, com suas
asas móveis e seu dom aflorado.
Distraída pelas meninas, ela não percebeu a
conversa entre Estevão, Solon e Anastácia.
— Alma já sabe? — Foi Anastácia quem
perguntou. — Ela parece tão mais contente. Você
contou a ela?
— Não — Solon olhou na direção da sua
fada escolhida. — Pelo contrário.

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— Como assim? Você não contou para Alma


que encontramos um compartimento secreto nos
aposentos de Eldor com água e alimento para mais
um mês? Ela ficará muito aliviada em saber que
ganhamos tempo para cavar uma saída — havia
indignação na tez de Anastácia.
— Cavar é perigoso. As estruturas estão
frágeis — Estevão respondeu cúmplice de Solon.
— Alma é uma guerreira. Ela é motivada
pela raiva e não sabe o quanto é lutadora. Eu tenho
esperança que saber que estamos no limite e que
não existe mais razão para ódio possa libertá-la dos
sentimentos ruins que barram seu dom. Um
tratamento de choque, acho que é disso que ela
precisa para superar suas ansiedades e
ressentimentos.
— É cruel deixá-la acreditar que não há mais
chances — Anastácia não gostou disso.

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— Alma tem muito ódio no coração — ele


disse pensativo — Se o fim está próximo, o ódio
perde o sentido. E sem ódio... Ela vai deixar seu
dom aflorar. — Ele meditou. — Ela vai ficar com
raiva quando descobrir que menti... Mas vai me
agradecer se descobrir isso com seu dom em mãos.
— Solon está coberto de razão. As fêmeas
não sabem o que é melhor para elas. — Estevão
alegou.
O som de desprezo de Anastácia alertou o
cunhado de seu desagrado. Apesar de não
concordar com essa posição machista, não ousava
contrariá-los, pois havia uma grande chance de
estarem certos.
— Asas — a menina menor dizia,
começando a demonstrar que apesar de ter uma
dificuldade e lentidão, poderia ter chances futuras
de conseguir adquirir a mágica que um dia lhe

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traria asas. A vida subterrânea acabava com a


genética das criaturas mágicas e muitas sequelas
eram presenciadas. Apesar de sentir uma profunda
ternura pela menina e estar contente de vê-la
evoluir, Alma a ignorava por tudo que valia. Não
possuía paciência para as fadinhas infantas.
— Sim, são as minhas asas — Elba disse
com doçura e saudade, pegando a menina no colo
para que não incomodasse Alma. Estivera muito
tempo apartada das irmãs e sentia uma saudade que
parecia nunca ter fim. — Minhas asas serão tão
belas quanto as de Alma quando estiverem curadas.
— Posso ver suas asas abertas? — Uma das
meninas, filha de algum morador do subterrâneo
perguntou.
Ela pareceu frenética sobre isso, de pé,
saltitando, com olhos de súplica.
— Mostre a elas, Alma — Elba pediu. — Eu
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tenho curiosidade de ver asas normais. As minhas


foram feridas logo depois do nascimento. Não
cheguei a ver minhas asas abertas ainda. — Disse
com pesar.
Como negar um pedido dessa magnitude?
Alma levantou e afastou os cabelos das
costas, colocando-os para o lado, sobre o peito.
Divididos ao meio, longos e castanhos, sempre
lisos e brilhantes, seus cabelos não eram empecilho
para asa asas.
Abriu-as, e as meninas menores tomaram
conta, acariciando, mexendo e fingindo balançar as
delicadas estruturas presas aos filamentos.
— Parecem as asas de borboletas que vi
quando estive na superfície — disse Elba. — Eu vi
lindas borboletas. Esse padrão é muito parecido.
Sim, pensou, Alma. Eram parecidas com
troncos de árvores, madeira e terra. Fáceis de
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camuflar na natureza. Alma gostava de suas asas,


mas normalmente não perdia tempo com vaidade.
— Você pode voar? — Elba perguntou
fascinada.
— Sim — Alma temia bater suas asas e o
som causar problema para as meninas pequenas.
Mordeu o lábio inferior em dúvida. Não
queria frustrar o desejo delas em ver o voo de uma
fada. As pobres infelizes jamais obteriam suas asas
e Elba que as tinha, não viveria para ter suas asas
curadas e poder desfrutar de um voo.
Por favor, Alma implorou a si mesma.
Por favor, não façam barulho dessa vez. Por
favor, somente dessa vez... Sejam silenciosas.
Era um pedido tolo. Mesmo assim, ela
concentrou-se nisso.
Não sabia que era atentamente observada por

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Solon. Ele mantinha-se a distância, lendo os lábios


das outras fadas para saber o que diziam.
Alma bateu vagarosamente as asas e as
fadinhas riam contentes. Uma delas colocou-se
entre as asas e Alma riu. Por milagre suas asas
estavam sendo silenciosas.
Elba ria e incentivava as meninas a
brincarem. Quando os pés de Alma saíram do chão,
uma das fadinhas pediu para ir ao seu colo.
Sem notar que sorria, Alma pegou a pequena
no colo, e subiu alguns centímetros, mantendo um
bater de asas suaves.
Mesmo a distância, Solon sorriu e disse para
Estevão com autoridade e muito orgulho na voz:
— Traga a fada Agra até aqui. Chegou o
momento de confrontá-la.
Não interrompeu a brincadeira das fadas.

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Quando Alma pousou a fadinha no chão e revoo


acima da cabeça das fadas e elfos foi brindada com
a atenção coletiva.
Por alguns momentos essa foi a maior alegria
daquele povo em anos. Ver asas. Saber como eram,
pois a maioria das fêmeas jamais viu um par de
asas em toda sua vida.
Quando pousou outra vez, estava corada pelo
esforço e sorrindo de orelha a orelha. Procurou com
os olhos a imagem de Solon e o encontrou parado,
olhando-a de longe.
— Eu não sei qual é o meu dom. — Elba
disse. — Não consegui descobrir. Nunca tive
sintomas de como seria... As asas não nascem aqui
embaixo, muito menos aflora o dom. Eu gostaria
que fosse algo bem legal.
— Quem sabe que se pudermos subir a
superfície — Alma disse apenada — você consiga
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descobrir qual é o seu dom.


— Será que isso acontecerá? — Elba
perguntou e sua expressão era de descrença.
Anastácia aproximou-se delas e disse tensa:
— Fiquem quietinhas, queridas — juntou as
sobrinhas menores e sentou-se perto de Alma.
— Porque você está nervosa? — Alma
perguntou desconfiada.
— Não fique brava, por favor, Alma. Não
fique magoada. — Anastácia pediu em tom de
desculpas e não precisou elucidar o que dizia, pois
a entrada dos guardas trazendo Agra contou a Alma
o que precisava saber.
Levantou e encarou Solon com repreensão.
— Obteve domínio de suas asas — ele disse
sério, lidando com seu olhar de cobrança. — É
dona de suas asas e pode dominar seu dom. Teste-o

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com Agra.
— Isso não é verdade. Às vezes eu consigo
dominar minhas asas, fiz isso quando me livrei de
sua armadura — ela desacreditou. — Eu gostaria de
ajudar, mas não consigo.
— Consegue — disse Solon convencido. —
Tente — ele segurou seu braço e praticamente a
arrastou até o lugar aonde Agra era mantida presa
pelos guardas.
O silêncio em torno deles era gritante, como
um grito de lamento nunca emitido.
— Não — Alma tentou se soltar do seu
aperto, Solon não recuou. — Não faça isso comigo.
— Pediu.
— Faça — ele mandou mais uma vez.
— Não! — Alma gritou e Solon agarrou seu
outro braço, sacudindo-a uma única vez para que

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parasse.
— Faça, Alma. Faça o que tem que fazer.
Chega de se esconder. Chega de negar a si mesma
seu direito. Chega de fugir. Não é prisioneira, não
tem ninguém a mantendo cativa. Chega de recuar.
Chega.
O modo como Solon a soltou e empurrou na
direção de Agra era decidido. A hora da decisão
final.
Ele confiava em seu dom. Ele a vira dominar
suas asas. Isso não queria dizer nada. Nada.
Alma quis correr e se esconder. Ele era um
monstro, um mentiroso. Ele a enganava para obter
seu dom. Solon não valia anda.
Fechou os olhos com força. Não adiantava
culpar Solon por seu medo. Ele não era um
monstro. Não era mentiroso. Não a enganava.

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Ela mesma se enganava. E isso acontecia há


anos.
Agra exibia a expressão de arrogância e
petulância típica das mentes doentias. Dos insanos
ávidos por poder e controle da vida dos fracos e
desvalidos. Mesmo na desgraça, Agra ainda
esperava uma oportunidade para se erguer e obter
outra vez o poder nas mãos.
E se Alma fraquejasse, Agra venceria e sua
vitória seria uma vitoria a mais para o mundo de
podridão.
Uma vitória para o lado negro da vida,
juntando-se a vitória de tantos outros monstros,
como Santha e Lucius. Existiam muitos monstro
espalhados pelo mundo. Muito mais do que Alma
poderia contar.
Com nojo dessa espécie de criatura, que não
era fêmea, era um ser desprezível e não merecia
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respeito ou piedade.
— Porque colaborou com Eldor? —
Contrariando a ordem de Solon, ela precisava saber
a razão que motivava uma mente como a de Agra.
— Nunca colaborei. — Agra disse séria e
distante, inalcançável. — Eu criei Eldor. Eu o fiz
ser o que era.
— Por quê?
Naquele momento Agra não poderia lhe
negar a verdade mesmo que assim desejasse.
Ninguém notou, foi algo muito sutil. Uma mudança
mínima no tom de voz de Alma. Apenas Solon
distinguiu essa diferença.
— Eu perdi o direito a ter asas. Quando nasci
meus pais viviam nessa submissão. E então, eu
descobri que havia uma vida lá em cima e eu
poderia ter tido asas. Eu não quis que nenhuma
outra pudesse ter aquilo que me roubaram. Menti
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ter um dom. Menti ser melhor do eu era.


— Está bem — Alma disse, entendendo —
Eu posso compreender suas razões.
Era verdade, ela entendia. Não concordava
totalmente, mas também, não podia afirmar não
pensar sobre o assunto.
— Alma... Pergunte como sair daqui —
Solon segurou seu braço e Alma o olhou com
superioridade.
Seu modo de olhar deixava claro que não
aceitaria ordens suas. Ter um dom tão avassalador
era ter o poder nas mãos. Por um segundo, Alma
pensou sobre isso. Poderia voar para o Reino de
Isac e acabar com a liderança de Santha. Uma
expressão tão óbvia tomou a face de Alma que
Solon precisou segurar sua mão e puxar seu rosto,
para que olhasse em seus olhos.
— Pergunte a Agra onde fica a saída secreta
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que Eldor mantinha em total mistério.


Novas ordens. Como ele ousava ordenar o
que fazer para alguém que possuía o domínio de
suas vontades?
Contrariando seus pensamentos de
superioridade, Alma virou-se para Agra e
perguntou, rezando secretamente para seu domínio
do dom não ser apenas fruto da sua imaginação.
Para que fosse de fato real.
— Onde fica a passagem secreta para a
superfície?
A pergunta foi verbalizada e Agra abriu os
lábios para responder. Não podia negar a resposta.
Era mais forte que ela. Mesmo assim, relutou.
Alma aproximou-se e curvou o corpo, até
estar na mesma altura que Agra, que era mantida
sentada.

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Os olhos de Agra brilhavam com lágrimas de


raiva por ter que revelar seu mais profundo
segredo.
— Eu perguntei: onde fica a saída desse
buraco?
Agra rangeu os dentes, e então emitiu um
grito, em meio a um choro de ódio, enquanto Alma
insistia:
— Onde fica a saída? Onde fica a saída? —
Repetiu sem parar, enquanto Agra fugia a face,
tentando olhar para todos os lados, tentando fugir,
tentando ser mais forte.
Alma agarrou os cabelos bem cuidados da
mulher, mantendo sua cabeça imóvel e fixou seus
olhos nos seus, pausando a dicção de cada uma das
palavras ditas:
— Eu ordeno que me diga onde fica a saída
secreta para a superfície. Não é um pedido, é uma
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ordem.
Chorando, Agra puxou a cabeça e Alma a
soltou. Agra levantou e tencionou andar. Alma fez
sinal para que deixassem. Imediatamente ao
primeiro passo de Agra, Estevão se posicionou
atrás da fada, fiscalizando que não estivesse livre
para fugas. Solon ofereceu a mão para Alma, para
que ela se mantivesse perto, e o pequeno grupo
seguiu Agra, enquanto os guardas mantinham a
ordem entre os outros elfos e fadas, pois a
motivação de escapar logo era imensa e poderia
atrapalhar.
Poderia ser inacreditável para outra criatura,
mas a essência de maldade que Agra carregava
dentro de si impedia que verbalizasse com palavras
a resposta para a pergunta de Alma. Mesmo sob
forte encanto.
O pensamento de retornar aos aposentos de

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Eldor era desolador, mas Alma enfrentou as


lembranças. Felizmente não foi necessário adentrar
o quarto principal, onde manchas de sangue ainda
marcavam o chão.
Agra retirou um móvel do lugar, revelando
que sob o tapete bordado a ouro que cobria o chão
de pedras, havia um compartimento secreto. Era
estranho que descessem, em vez de subir, mas
nenhum deles questionou enquanto desciam a
escada de degraus frágeis e apodrecidos.
Por certo era uma passagem construída há
muitos séculos e esse segredo perdurara a custo do
silêncio dos descendentes de Eldor.
Solon manteve Alma perto de si. Era
preocupação. Ela não lidava bem com situação
tensas. O longo corredor de paredes fétidas e
úmidas desembocou em um salão estreito onde
havia pedras revestindo as paredes. Todos olharam

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para cima, quando Agra fez isso. Estavam


exatamente sob uma passagem que levaria para a
superfície. O único problema era que a saída estava
a uns bons cinquenta metros de altura.
— A saída levará para o Vilarejo Sem Fim?
— Perguntou Solon.
Sob a terra era difícil precisar se estavam
exatamente sob os casebres ou invadindo o
território da floresta.
— Sim — foi Estevão quem respondeu.
Ele possuía total conhecimento e experiência
para definir onde estavam. Conhecia a planta
daquele lugar como conhecia as linhas da palma de
sua mão.
Solon sabia o que precisava ser feito. Era
lógico. Era claro como água a única solução,
mesmo assim não verbalizou o obvio. Alma olhou
para ele e com um sorriso de pura satisfação
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surgindo na face perguntou:


— Por acaso serei eu a primeira a sair daqui?
— Sim, e você não pode fugir, fada — Solon
avisou sério.
— Porque Alma fugiria? — Perguntou
Estevão sem compreender.
— Porque sou acuada de assassinar o rei
vigente, chamado Isac. Sou fugitiva e Solon é um
Guardião, enviado para me caçar e levar viva ou
morta, de volta para o castelo para ser julgada... Ou
melhor, condenada sem direito a um julgamento
justo. — Revelou. — E agora, Guardião? Tem
medo que eu suba e o deixe para morrer aqui em
baixo?
Por um segundo louco a palavra ‘sim’ pairou
na mente de Solon, e foi esse segundo que a
envergonhou de si mesma e de suas atitudes.

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— Eu acredito que você sabe disseminar


entre o certo e o errado — ele foi sincero, e Alma
pareceu decepcionada por não ser capaz de saber
até onde ia à confiança de Solon. Ele parecia
sempre tão verdadeiro quando se dirigia a ela!
— Nossa situação não muda o que somos e o
que fizemos por seu povo — Solon disse a Estevão
antes que essa nova revelação criasse um abismo
entre eles. — Não pretendemos permanecer junto
dos seus. Ajudá-los será nossa prioridade. Depois,
seguiremos nosso caminho.
— E o que será de nós sem um líder? —
Estevão questionou preocupado.
— Não nego que tenho o desejo de
acompanhar o desenvolvimento e estabelecimento
de seu povo nas terras do Vilarejo sem Fim. Será
necessário uma adaptação profunda e demorada, e
como Guardião — olhou para Alma frisando a

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palavra — gostaria de ajudá-los. Mas devo


obediência ao meu Rei, neste caso em especial, a
Rainha Santha. E não gostaria de contar a ela
imediatamente sobre vocês. Prefiro manter a
existência desse povo subterrâneo como um
segredo até as coisas se ajeitarem.
— Você diz, até acertar nosso julgamento —
Alma acusou.
— Sim, é disso que falo. Se Eleonora for
inocente e sua história for verdadeira, é possível
que haja uma rainha justa e honesta com quem
dividir esse segredo. Se ela não for... Vou esperar o
Conselho escolher um novo substituto para Isac
antes de contar.
— Rainha Santha fará de Lucius o Rei. —
Alma disse melancólica.
— Esperemos que não — Solon disse
preocupado — ou os Guardiões terão uma luta
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árdua pela frente. — Disse pesaroso.


— Acredita que os Guardiões se revoltariam
contra a escolha de Lucius como Rei? — Perguntou
incrédula.
— Esse não é o melhor momento para
discutir política. — Lembrou-a disso. — É
necessário escolhermos a melhor estratégia para
levarmos todos para a superfície.
— Isso não será fácil — Estevão disse
bastante realista. — Eu diria até impossível.
— Nada é impossível quando a vida está em
jogo — Solon lembrou-o dessa verdade
incontestável. — Preciso que traga suas filhas e
Anastácia até aqui.
— Por quê? — Estevão quis saber na
defensiva.
— Porque Elba e suas irmãs estiveram na

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superfície. Elas não se deslumbraram ao chegar lá


em cima. Anastácia irá cuidar delas e ouvi-las, pois
é bastante centrada. Precisamos de ajuda para
definir como as coisas acontecerão daqui para
frente.
— Solon quer dizer que precisarei de ajuda,
para conferir o estado das casas e se há forasteiros
ou viajantes com os quais nos preocuparmos.
Ajeitar as coisas antes de levar a todos. — Alma
concordou. — Pensou em uma ordem de
prioridade?
— Sim. Dez homens fortes devem ser
levados à superfície. É necessário força para manter
a ordem e ir ajudando a estabelecer os demais.
Então, primeiro as mulheres. Depois as crianças.
— É melhor deixar os guardas de Eldor por
último — ela disse com rancor olhando para
Estevão. — É impossível saber quais deles não

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eram simpáticos à causa de Eldor e apenas


aceitaram a nova situação por não ter alternativa.
Estevão levou Agra, agora dispensável e
Solon e Alma ficaram sozinhos. Ela afastou o
olhar, e tentou ignorar que o elfo esperava algo
dela. Até um instante atrás, Alma estava
convencida de seus sentimentos e disposta a se
curvar a palavra de um macho. Agora... Ela não
sabia mais o que pensar.
— Lembre-se de dominar suas asas, Alma.
Elas a obedecerão e devem ser silenciosas. —
Solon disse cordato, querendo poder falar com
Alma sobre assuntos bem mais profundos do que
estes.
— Você mentiu para mim? — Alma
perguntou de surpresa, pensando sobre a situação
toda. — Alguma vez, aqui em baixo, você mentiu
para mim?

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— Sim — ele foi verdadeiro — Não posso


dizer que seja uma mentira que mudasse a situação
a meu favor. Eu apenas apressei o que aconteceria.
Encontramos um suprimento de alimento e água
que nos permitiria pelo menos um mês para escavar
túneis que fatalmente acelerariam o restante do
desmoronamento. Estevão estava animado com a
esperança que isso representava, mas eu sabia que
não mudaria em nada o sofrimento dessa gente. O
resultado seria o mesmo.
— Porque mentiu sobre isso? — Queria
ouvir suas palavras.
— Para que pela primeira vez na vida você
estivesse completamente livre e pudesse ser a Alma
verdadeira. Admita, você parou de se proteger
quando achou que isso não faria diferença, dada à
situação em que todos nos encontrávamos. —
Solon aproximou-se e ela deixou. — Eu quis lhe

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dar uma chance de nos salvar, mas principalmente


de saber como você é. Eu confesso, gostei do que
eu descobri.
— E como eu sou? — Perguntou,
hipnotizada por sua voz.
Era complicado, pois quem detinha o dom de
hipnotizar com a voz era Alma. Solon possuía outro
tipo de poder que funcionava somente com ela. Um
poder que Alma detestaria precisar nomear.
— Não deixe o mundo lá em cima revirar sua
cabeça outra vez, Alma — ele pediu amoroso, com
carinho em sua face, segurando seu rosto entre as
mãos, salpicando um suave beijo em seus lábios.
Algo muito doce.
Alma suspirou ruidosamente quando ele a
soltou. Sentia que jamais sua vida seria a mesma
depois que deixasse Solon para trás. Olhou para
cima, para onde ficava a saída.
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— Vou precisar de uma corda bastante


resistente — ela disse séria. — Não vou aguentar
levar todos os moradores. Os elfos podem subir
sozinhos — ela disse analisando a situação.
— Foi o que pensei — ele disse sorrindo
cúmplice.
Alma correspondeu a esse sorriso, de forma
tímida. Não havia porque não aproveitar a
oportunidade de agradá-la, por isso Solon ficou
bem perto e a abraçou de leve pela cintura, com
Alma apoiando o braço em seu ombro, enquanto
sussurrava em seu ouvido banalidades de amantes.
Ela estava corada quando foram
interrompidos. Sorriu envergonhada, e achou graça
da expressão de pânico de Anastácia. Ela que
sempre se fazia de corajosa, pronta para lutar com
tudo e todos. Mas estava morrendo de medo de
encarar a vida na superfície, longe do casulo de

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falsa proteção criado por Eldor.


Com uma trouxa de pertences de suas
sobrinhas e dela própria, Anastácia permaneceu
quieta, com o olhar assustado. Alma não queria
levar nenhuma delas consigo enquanto não
soubesse se a escotilha era fácil de abrir ou não.
Sem pedir opinião, bateu suas asas e ganhou altura.
Voou diretamente para a escotilha. Era
incrível como seu voo estava ordeiro. Quando
escondeu a armadura de Solon, seu voo foi
desorganizado, estranho e pesado. Agora, era solto,
livre e concentrado. Desfrutando desse controle,
Alma chegou até a escotilha e planou, enquanto
forçava a abertura. Poeira, terra e barro caiu em seu
rosto. Mesmo assim, ela insistiu. Seus braços
doíam quando conseguiu erguê-la o bastante para
arrastar para o lado.
Seu corpo se espremeu para passar pela

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pequena abertura e suas asas, foram amassadas


dolorosamente. Livre, Alma se arrastou na grama e
mato orvalhado, pois era noite. Ficou longe, fitando
a abertura. Era camuflada por grossa camada de
mato e grama, típica vegetação da floresta em torno
do Vilarejo Sem Fim.
Ignorando a voz dentro de si que ameaçava
desnorteá-la, repetindo sem parar que estava livre e
deveria partir enquanto era seguro, Alma levantou e
voo baixo, a meio metro do chão, em direção ao
Vilarejo.
Não havia sinal de forasteiros, apenas uma
solidão e abandono completo. Alma perguntou-se
como fariam para acomodar centenas de pessoas
em menos de cinquenta casebres diminutos.
Bem, isso não era problema seu. Demorou
bastante para abrir as portas e conferir se estavam
mesmo vazios. Abandonados completamente, mas

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por sorte, abastecidos com alimento e móveis.


Era um começo precário para quem
precisaria de tudo.
Alma sabia exatamente a dimensão da
angústia e aflição que sua demora deveria estar
causando nos elfos e fadas que a aguardavam lá em
baixo. Uma vozinha masoquista dentro de si a
obrigou a sentar na grama, pertinho da escotilha
quando retornou, e ficar imóvel, esperando os
minutos passarem.
Não era somente maldade. Quem esperou
uma vida toda pela liberdade, vivendo na
ignorância, poderia esperar mais alguns minutos.
Era um nada discreto recado simbólico para o
Guardião. Ela não o obedecia. Enquanto Solon não
se esquecesse disso, os dois ficariam bem.
Ficar bem? Como poderiam resolver essa
situação? Viviam em mundos totalmente diferentes
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e suas personalidades eram opostas, como chuva e


sol.
Seria impossível conciliarem uma vida a
dois. E se por ventura arriscassem, que bem Alma
traria para a vida de alguém tão honesto e justo?
Fechou os olhos pensando na sensação de
alívio ao eliminar Eldor. As lembranças vieram
atormentá-la e Alma se manteve sentada ao lado da
saída, incapaz de se mover.
Ouviu os gritos vindos lá de baixo,
chamando seu nome e sorriu. Pobre Solon, deveria
estar ficando desesperado achando ter sido
enganado. Um pouco realizada em causar-lhe esse
destempero, Alma puxou totalmente a cobertura
que mantinha a fenda escondida, alargando a
passagem. Colocou primeiro as pernas para dentro
e depois se lançou, confiando em suas asas.
Os gritos pararam e quando ela tocou o chão
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com os pés, Solon exibia uma expressão de fúria


controlada.
Sorrindo, como se não soubesse o que
passava em sua mente, Alma disse:
— As casas estão prontas para receber os
moradores, mas são poucas. O Vilarejo está às
moscas e é noite lá em cima.
Solon acenou e quando falou, foi controlado:
— Leve Anastácia primeiro. Ela ajudará a
amarrar a corda — ele sugeriu.
Alma não perguntou sobre isso, imaginava
que Sólon teria pensando em algo para resolver o
impasse de como levá-los lá para cima.
— Se você reclamar, eu a jogo lá de cima —
avisou para Anastácia, pois não queria lidar com
pânico de voo ou mazelas de quem não sabe se tem
ou não medo de altura e a expressão de pânico de

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Anastácia era um alerta de que poderia haver um


ataque de nervos no meio do caminho. Voava em
torno da fada e a segurava por baixo dos braços,
erguendo-a.
Anastácia gritou de susto, deixando de lado a
sempre ostentada frieza. Agarrou contra o peito a
pesada corda.
Juntos, o peso igualava-se ao da armadura de
Solon, e por experiência própria Alma já sabia que
seu voo perderia boa parte da elegância e destreza.
Quando colocou Anastácia na superfície,
descobriu que não era a única emocionalmente
desamparada.
— Como é possível termos aceito menos do
que isso? — Anastácia sussurrou, olhando em
torno, enxergando pela noite repleta de estrelas.
— Não saia daqui. Mesmo que fique com
medo — Alma avisou sem grande paciência.
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Quando voltou para baixo, Solon não esperou


que ela reclamasse, instruiu-a sobre como carregar
Elba que estava ferida. Olhando para ele com
rancor, Alma obedeceu.
Sem fôlego, retornou minutos mais tarde, em
um voo preguiçoso.
Ouviu atentamente as instruções de Estevão e
revirou os olhos de indignação.
— Está bem, farei isso — assegurou ao ouvir
instruções sobre a corda. — Eu disse que entendi
— ela reclamou quando Solon continuou olhando-a
em dúvida e teimou em repetir as mesmas
instruções.
Depois de tantas viagens precisou deitar na
relva, para descansar, olhando as estrelas que
coroavam o céu e garantiam luz suficiente para que
pudesse ver em meio à mata. Tensa, Anastácia
olhava-a esperando coordenadas.
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Elba conhecia a Vila dos Desesperados e a


floresta, que eram bastante parecidos com aquele
lugar, com exceção da vegetação de cor escurecida,
enquanto as plantas e árvores da Vila dos
Desesperados possuíam coloração clara.
Exausta, instruiu sobre procurarem uma
árvore de tronco grosso e com aparência antiga.
Uma árvore que aguentasse o peso de um elfo e o
impacto da subida. Ao encontrar, coube a Anastácia
amarrar e formar um nó deplorável.
Alma ajudou-a lembrando dos nós do
Ministério do Rei. Nós insolúveis usados para
amarrar as fadas rebeldes e mantê-las presas por
uma noite e um dia, em meio ao salão principal,
para que todas as outras a tomassem, por exemplo,
e temessem punições para atos considerados
espúrios pelas carcereiras.
Quantas e quantas vezes Alma não passara

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por essa punição por responder a uma carcereira,


principalmente Miquelina, que infernizava sua vida
diariamente?
Satisfeitas, Alma tentou fazer Anastácia
sorrir ao perguntar:
— Enfim, vamos testar nosso trabalho com
qual dos dois? Solon ou Estevão?
Era uma insinuação venenosa sobre qualquer
um que caísse, não fazer grande falta.
Tensa, Anastácia estourou em um riso
histérico, sentando no chão para chorar quando as
lágrimas de nervosismo sobrepuseram à histeria.
— Meu pai deve permanecer lá embaixo,
Alma — disse Elba, manifestando-se para ajudá-
las. — Ele entende tudo sobre a nossa gente e
Solon... Entende tudo sobre o mundo aqui de cima.
É justo que cada um ajude no lugar onde pode ser
útil.
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Concordando com a sugestão, Alma não


escondeu o desagrado de precisar voar outra vez.
Ela não carregaria nenhum elfo em suas
costas, sobretudo, não carregaria Solon, com quem
vivia uma relação estranha de amor e ódio.
Acompanhou a subida perto, levando consigo uma
das sobrinhas de Anastácia. Solon era rápido e ágil,
e não demorou a vencer a escalada. Vendo-o fazer
isso, parecia fácil, mas Alma sabia como seria
complicado levar todas as pessoas para cima.
— Eu acho que deveria trazer carregamento
de alimento antes de trazer as pessoas — ela disse
pensativa, sem notar que estava quase colada ao
elfo, como se fosse natural, ficar pertinho, como
um casal.
Solon repousou o braço em suas costas e
concordou, completando seu pensamento:
— Seria uma lástima ter esse pessoal
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passando necessidade enquanto trazemos todos os


outros.
— Você tem ideia do tamanho do problema
que isso aqui representa? — Alma perguntou
baixinho em seu ouvido — você está adquirindo
responsabilidade para com esse povo. Eles o veem
como um líder.
— Não olhe para mim assim, fadinha — ele
sussurrou em seu ouvido, cúmplice — pois esse
mesmo povo a vê como uma heroína que os
libertou. A responsabilidade também é sua.
Sem palavras para rebater esse argumento,
Alma repousou o rosto em seu ombro e disse:
— Estou exausta — não era seu costume
reclamar ou admitir fraqueza.
— Apenas mais uma viagem, depois você
pode descansar — ele incentivou.

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Com um resmungo de revolta, Alma


empurrou-o e aceitou a lástima de ter que voltar lá
para baixo.
Voltou para buscar a filha mais jovem de
Estevão e avisá-lo dos planos de Solon. Ele deveria
selecionar um grupo de dez elfos fortes e
responsáveis, de confiança. Dez fadas igualmente
capazes de agir em momentos de conflito,
preferencialmente esposas, filhas ou mães desses
mesmos elfos. Uma questão de lógica, para evitar
conflitos futuros. E as crias que eventualmente
dependessem dessas fadas.
Alimento deveria começar a ser embrulhado
e amarrado em panos, e tudo que pudesse ser usado
para içar alimento para cima. Era algo gradativo.
Um trabalho exaustivo que levaria dias para chegar
ao fim.
Quando retornou para a superfície, Alma não

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esperou permissão, deitou-se na grama e fechou os


olhos. Estava exausta.
Sentiu um toque no cabelo e não olhou para
Solon, apenas resmungou:
— Me deixe descansar um pouco e estarei
pronta para trazer mais gente para cima.
— Eu só queria agradecê-la por estar
colaborando — Solon avisou, beijando de leve sua
testa. — Sem você, nada disso seria possível. Fique
com Anastácia e Elba e as ajude se necessário. Eu
vou olhar as cabanas e separar tudo que possa ser
útil.
Alma concordou e resmungou, olhando-o
com olhos repletos de lágrimas não derramadas,
pois era estranho ouvir alguém agradecer-lhe e lhe
atribuir algum valor.
— Estou com fome e não posso trabalhar
com tanta fome.
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Era uma reclamação. Alma era assim, não


adiantava tentar convencê-la a ser diferente.
*****
Alma descansou por uma hora. Não
conseguiu dormir, a cabeça cheia de pensamentos e
ansiosa por continuar ajudando. Solon encontrou-a
sentada na relva, abraçando os joelhos, a mente
distante.
— Veja só o que arrumei — ele sentou ao
seu lado e mostrou-lhe um pote de metal com alça,
um balde pequeno e uma cordinha fina, amarrada a
várias outras cordas menores. — O que acha de
usarmos isso para enviar recados lá para baixo?
Isso lhe poupará algumas viagens desgastantes.
Alma manteve os olhos sobre o seu
Guardião. Aprovava sua sugestão, mas isso não era
importante.
— Achou mesmo que eu houvesse fugido e
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deixa-o para trás? — Perguntou, sabendo que não


seriam interrompidos, pois Elba dormia perto de
onde estavam e Anastácia estava frenética demais,
em conhecer esse mundo novo para ela, para se dar
ao trabalho de reparar neles.
— O pensamento passou pela minha cabeça
quando demorou a voltar — ele foi franco. — Mas
não pelas razões que você imaginou.
Solon pegou e manteve sua mão entre as
dele, sem forçá-la a entender o que dizia. Nada de
maiores explicações. É claro que Solon temia que
Alma sucumbisse aos pensamentos de liberdade.
Depois de tantos anos de prisão no Ministério do
Rei.
Frente aos anos de clausura que podia
visualizar em um futuro próximo, a fuga era a única
alternativa aceitável.
— É melhor descer o recado. Quanto mais
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cedo trouxermos essa gente para cá, mais cedo eu


poderei partir — ela avisou, levantando.
Solon fez o mesmo e segurou sua mão com
força, para que ela não fugisse justamente durante
uma conversa:
— Irá fugir de mim? — Era uma pergunta
retórica.
— Não. Eu pretendo ir atrás de Joan. Ela é a
mais frágil de todas nós. E pelo que Driana me
contou... A Guardiã Zoé é a perseguidora e eu não
confio nessa cobra. — Foi franca. — Eu sei que
não é a melhor alternativa, mas não sei como
encontrar Eleonora. A essa altura ela deve ter
obtido suas asas e eu não a encontraria no mesmo
lugar onde foi deixada. Joan é muito jovem ainda...
Ela não tem asas, e duvido que tenha tão cedo. Eu
posso achá-la logo. Tirar Zoé do caminho.
Solon não perguntou que modo usaria para
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tirar uma Guardiã do caminho, mas a pergunta não


verbalizada pairou entre eles.
— Venha comigo para o Reino de Isac — ele
pediu.
— Voltar para o castelo? — Ela não
acreditou nesse pedido estapafúrdio.
— Voltar como a minha protegida. Eu lhe
digo Alma, e você precisa acreditar em mim: eu
conto com influência entre os Conselheiros.
Apelarei por sua causa. Por suas amigas. Venha
como minha protegida. Eu não permitirei que mal
algum se abata sobre você.
— Você pode estar mentindo — ela disse
seca, puxando a mão para se soltar.
— Mas não estou — ele foi decidido,
segurando-a com ambas as mãos, em um ato de
possessão.

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— Você pode mentir. — Ela pausou cada


palavra, com mágoa — Você é como todos os
outros. Mente quando lhe convém e isso não é um
defeito. É a natureza de toda criatura. Você pode
mentir para mim, Guardião, e me levar para o
perigo por vontade própria. Eu faria isso, usaria de
seu afeto para conseguir cumprir uma missão.
Como posso confiar que você não faça o mesmo
comigo?
Conseguiu se soltar e fitou-o com tristeza.
— Não voltarei com você. Não insista.
A tristeza impregnava sua voz. Voltar para os
túneis destruídos e para a escuridão quase total
daquele lugar, era encontrar um refúgio em sua
confusão.
Estevão separou os elfos e fadas que
deveriam ir à superfície e nas próximas horas,
Alma desanuviou a mente trabalhando para ajudá-
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los nessa árdua tarefa. Aos poucos, foram se


estabelecendo nas casas do vilarejo.
Quando amanheceu, Alma achou difícil crer
que eles nunca antes houvessem estado na
superfície. Integrados, ordeiros e nada
deslumbrados. Com exceção das crianças que
corriam pela grama, e brincavam com total
liberdade lúdica, os adultos preparavam a chegada
dos demais.
Uma sociedade fortemente unida por laços de
respeito mútuo, proteção comum e não individual.
Alma ouviu quando Solon instruiu dois elfos
fortes sobre usar as ferramentas encontradas nos
casebres para derrubar e cortar árvores, para usar a
madeira na construção de choupanas improvisadas
para abrigar as famílias que ficariam no sereno
quando resgatadas.
Tudo muito improvisado, mas era um
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começo.

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Capítulo 25 - A fera

O resgate demorou três dias para alcançar o


ápice. Era necessário cuidado em demasia com os
feridos e anciões. Fadas gestantes e outras situações
complexa que demandaram muito trabalho e força
física.
No final do terceiro dia, Solon havia
inventado uma engenhoca formada com cordas e
uma espécie de banco, onde ele descia e subia,
usando da força física dos elfos e fadas que já
estavam na superfície. Era desse modo que ele
içava os feridos, e muitas vezes, os levava em seu
colo.

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A criatividade daquele elfo parecia não ter


fim. Observando-o de longe agir, Alma quase
acreditava que possuísse mesmo uma carta em sua
manga e que pudesse se valer disso para ajudá-la a
enfrentar as acusações de cumplicidade no
assassinato do Rei.
Estevão foi o último a ser resgatado. Sim, era
quase simbólico que ele fizesse isso. Ainda haveria
muitas decidas ao interior daquele subsolo, para
resgatar objetos, alimentos e pertences, mas
oficialmente estavam livres daquela vida de
mentira e sofrimento.
Estevão foi recepcionado com gritos de
euforia quando chegou ao vilarejo. Era cair da tarde
e Alma sorriu diante de tanta alegria e disposição.
Nenhum elfo ou fada comemorou enquanto o
último de seu povo não foi resgatado. Agora eram
livres para comemorar.

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Alma não quis se aproximar de Anastácia e


sua família, pois a relação entre o cunhado e a
jovem era delicadíssima. Recebê-lo de volta era
uma faca de dois gumes. Uma relação que envolvia
amor e culpa.
Distraída, captou a imagem de Solon
andando por entre os elfos e fadas em direção a um
dos casebres. Em meio a toda a festa e
comemoração, tanta euforia e êxtase coletivo, ele
queria e precisava de solidão.
Não conseguia interagir em meio a um
tumulto. Era difícil ler lábios quando as pessoas
estão eufóricas. E muita gente falando ao mesmo
tempo o impedia de acompanhar as conversas.
Preso em seu mundo de silêncio, Solon
encostou a porta do casebre, um que
temporariamente era de seu uso, e retirou o
bumerangue do cinturão. Pousou-o sobre a mesa de

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madeira no canto do quarto e alisou o metal frio.


Sentia tanta falta de sua armadura. Era como
se uma parte sua estivesse adormecida e precisasse
acordar. Retirou o chocalho do cinturão, estava
entre amigos, e não precisava disso. As botas
libertaram seus pés, deixando a que a carne
respirasse. A túnica de linho puída foi esquecida
em um canto qualquer. Ele puxou a bacia de água
que jazia sobre a mesa e usou a água para lavar a
face e espalhar água na cabeça, acalmando o calor e
também os pensamentos nervosos.
Alma o observava pelo vão da porta. Água
corria em seu peito e se perdia no cós da calça de
camurça. Solon virou de costas, e observou o final
do dia através da janela aberta, sob a cama estreita
de colchão de palha.
Ele parecia pensativo e resignado. O mundo
sem sons deveria ser assim, pensou Alma. Solitário

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e frio, sem companhia.


Solon se moveu, com a graça de quem tem
total domínio sobre o corpo e seus sentimentos.
Sentou na beira da cama e enterrou a cabeça nas
mãos, demonstrando que seus pensamentos não
eram tão tranquilos quanto lhe parecia a distância.
Alma olhou em volta, conferindo se alguém
reparava nela. Sem saber de onde viera esse
impulso, depois destes dias de afastamento, Alma
soltou as tiras que mantinham seu vestido preso
atrás do pescoço e retirou os chinelos, deixando-os
na soleira da porta.
Entrou e fechou a porta. Perdido em seus
pensamentos, sem ouvir o som de sua
movimentação, Solon não viu a fada deixar o
vestido cair no chão e andar em sua direção.
Muito natural, o desejo queimava em suas
veias e Alma queria estar com ele uma última vez
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antes de partir. Estava decidida a partir e procurar


esconderijo bem longe do Guardião. Não era por
falta de confiança, era por excesso de credulidade.
Vinha crendo demais nas palavras labiosas daquele
elfo.
E isso era perigoso. Entregou a ele sua
castidade, entregou a ele sua confiança. E relutava
em usar seu dom contra ele e isso era assustador e
perigoso. Não estava disposta a ser presa em uma
armadilha enredada por paixão e sentimentos fúteis
como amor.
Não sabia que ansiava por um ‘adeus’. Mas
era esse o sentimento que a movia em direção a
Solon. Era provável que jamais voltassem a se
encontrar. Primeiramente, Alma não tinha planos
de ficar no Reino de Isac, caso um milagre
acontecesse e fosse inocentada junto de suas
amigas. Se a sua situação permanecesse crítica, ela

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pretendia voar para as terras mais distantes que


pudesse encontrar. Abandonar o Monte das Fadas.
E em nenhum dos seus planos, poderia
encaixar um Guardião movido por honestidade e
hombridade.
Solon reparou que não estava sozinho e
ergueu a cabeça para encontrar a imagem da sua
fada escolhida nua e pertinho, ao seu alcance.
Os cabelos castanhos cobriam os seios bem
feitos e cheios e Solon molhou os lábios, pois
sentiu toda a saliva desaparecer diante do
nervosismo de ser alvo do interesse de uma fada tão
esquiva.
Agradar Alma era como tentar agradar uma
deusa. Impossível para um simples mortal comum.
Ela era intocável, sempre fechada como uma ostra.
E dentro dessa linda ostra havia uma pérola
intocada, pura e perfeita. E era essa pérola que
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Solon enxergava quando olhava em seus olhos.


Alma ergueu a mão e tocou seus lábios,
pedindo que não dissesse nada. Correu os dedos por
seus lábios e Solon segurou sua mão, beijando os
dedos, sem afastar seus olhos dos seus.
— Eu quero passar a noite com você — ela
disse baixinho, mas ele ouviu.
Ainda era dia, mas Alma não se referia a
isso. Não era uma colocação sobre horário e sim
sobre a situação. Ela queria passar todo tempo
possível ao lado deste elfo antes de voltar a viver
solitária e angustiada. Não queria pensar em
detalhes tolos como horários.
Solon sorriu e mordiscou seus dedos
sensualmente. Alma também sorriu e se curvou
para beijá-lo. Beijar Solon era sempre uma
aventura. Os braços musculosos rodearam sua
cintura, apertando fortemente na altura dos quadris,
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enquanto ditava o ritmo do beijo. Alma enterrou as


mãos em seus cabelos escuros, agarrando os fios,
acariciando e desfrutando desses pequenos
detalhes, da sutileza de decorar seus traços através
do tato.
Solon fugiu do beijo, em prol de enterrar a
face nos seios que estavam exatamente na altura do
seu rosto. Macios, perfumados e quentes. Ele era
um apreciador dos seios femininos.
Alma era uma fêmea de cheiro forte, ardente,
anunciando previamente seu estado de excitação e
ele apreciava seu cheiro. Desfrutava disso, tanto
quanto desfrutava de seus gemidos miados, como
um gatinho ronronando sob os carinhos de seu
dono.
Alma mantinha os olhos fechados, egoísta
em seu prazer, enquanto Solon mordiscava e
lambiscava seus bicos cheios. Sugou-os

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avidamente, quando ela sentiu os joelhos


fraquejarem e se apoiou totalmente, sendo segura
por seus braços.
Não ofereceria a ela apenas suavidade e sim
ardência. Se a fêmea viera procurá-lo, era justo que
decidisse e definisse o ritmo desejado. Seu corpo
deveria guiá-los. Solon soltou seu peito com um
som firme de sucção e ela abriu os olhos, atiçada,
com os pelos do corpo eriçados, como um animal
prestes a se defender.
Alma empurrou seus ombros e Solon caiu
para trás sobre o colchão, bastante contente em
ceder aos seus impulsos de fúria. Havia suavizado
seus rompantes de ódio, antes tão comuns e
frequentes, e era esperado que tivesse momentos de
válvula de escape.
E se fosse assim, na cama, Solon seria
eternamente grato pela sorte de ser seu macho

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escolhido.
Sorrindo agarrou as laterais das coxas da fada
quando ela montou sua cintura, sem trégua ou
preliminares. O encaixe foi perfeito e instantâneo.
Solon plantou os pés com força no chão,
oferecendo suporte para seu peso. Ela pousou as
mãos em seu peito, descendo-as para sua barriga e
então as subindo novamente, enquanto rebolava
sobre ele, esfregando em seu corpo, querendo
contato íntimo.
Solon fechou os olhos, gemendo e apertando
suas carnes, levado por sua sedução. Abriu os olhos
imediatamente ao ouvir o som das asas sendo
abertas e por isso a puxou pelos cabelos, com um
puxão nada delicado, para lhe roubar um beijo que
a distraiu do rompante de paixão que deixava alheia
ao que fazia.
Pensou em lhe dizer sobre conter suas asas e

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o barulho, pois não desejariam ferir alguém. Não


precisou falar nada, pois ela se aquietou, as asas
abertas, porém silenciosas.
Alma esfregou o peito no seu, gemendo forte,
enquanto roçava a face em sua bochecha coberta
por uma barba rala, de um dia apenas. Pinicava e
ela estava pegando fogo.
Respirando com força, arfante, ela subia
descia, os braços fortes mantendo-a curvada sobre
ele, enquanto a possuía rapidamente e com força.
Alma queria assim. Uma lembrança que
permanecesse em sua mente enquanto vivesse.
A janela aberta permitia que a brisa forte
daquele dia, uma ventania que anunciava chuva
entrasse e varresse o pequeno casebre, levando
consigo algumas folhas de pergaminho esquecidas
sobre a mesa, onde Solon estivera fazendo
anotações e escrevendo uma carta. O papel correu

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pelo chão, e ficou esquecido em um canto qualquer.


Alma buscou para mais um beijo, segurando
seu rosto, voraz em sua paixão e necessidade de
possuir o coração do Guardião que deveria caçá-la
e levá-la diretamente para as mãos nefastas de uma
rainha louca.
As diferenças culturais e sociais entre os dois
estavam destruídas desde o instante em que suas
peles se tocaram, e nem mesmo que pudesse, Alma
lembrar-se-ia das razões para não estar fazendo
isso.
Permitir que Solon desfrutasse de seu corpo e
obtivesse prazer, era uma forma de afrontar suas
amigas, que penavam e sofriam na luta diária de
esconder-se e manter-se incólume. Era um sinal de
derrota. Mas se ela insistisse em pensar desse modo
jamais teria qualquer tipo de felicidade. Seria uma
eterna refém do martírio da culpa.

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Alma sentiu quando Solon a empurrou


gentilmente para longe e subiu o dorso, pois ele
queria assisti-la. Imediatamente suas mãos
envolveram seus seios, e apertaram a carne com
dedos possessivos. Simplesmente esquecida de
quem era, e de qual a sua real motivação para estar
em seus braços, alma cavalgou o elfo, fingindo para
si mesma que não precisaria apartar-se dele jamais.
Seu coração havia admitido, mesmo que
simplório, que o nome certo para os sentimentos
que nutria por Solon, era ‘amor’. Um sentimento
simples, inocente e sem malícia. A carne, o corpo e
os instintos possuem malícia, jamais o coração.
Ela segurou um grito, empurrando o corpo
para trás. Praticamente erguendo as pernas,
retirando o membro praticamente todo, antes de
empurrar o quadril para frente, engalfinhando-o
outra vez.

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Repetiu esse movimento umas duas ou três


vezes, e Solon retribuiu apertando suas coxas,
agora que fora privado do prazer de ter seus seios
nas mãos. Ele lhe deu um tapinha na coxa direita,
instigando-a a fazer isso mais uma vez.
Alma empurrou os cabelos para trás e repetiu
o movimento. Sua mão tocou o próprio ventre,
apreciando o prazer que isso lhe conferia. Um
pouco de compasso, onde havia apenas o caos.
Solon puxou-a pelas coxas, pedindo que voltasse ao
ritmo anterior e ela riu suave, enquanto endireitava
o corpo e o cavalgava duramente.
Pouco tempo depois, aos gritos, Alma
encontrou a libertação que tanto procurava. Foi
voraz e intenso, luzes escuras sob seus olhos
pesados, fechados e tensos. A libertação era
maravilhosa quando seu corpo estava assim,
retesado, tenso e exigindo alívio.

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Não era apenas sexual. Era vital libertar todo


o amor que não conseguia demonstrar. Era egoísta
de sua parte, mas ela desfrutou sozinha do ato,
assistindo deliciada os nuances do rosto do elfo
quando foi à vez dele gozar.
Era um espetáculo assistir as expressões do
rosto bonito. Beijou-o antes que as palavras
viessem e estragassem o momento. Alma acalmou
os movimentos e subiu o corpo, libertando o corpo
do elfo, enquanto se movia na cama estreita e
apoiava a cabeça no travesseiro de penas. Seu
profundo suspiro de contentamento foi a deixa para
que Solon se ajeitasse ao seu lado, e a trouxesse
para o seu peito, em um abraço calmo.
Um beijo suave em sua testa e carinhos em
seu cabelo. Os mesmo carinhos que a poucos dias
atrás tencionavam acalmar uma fera ensandecida e
enjaulada, na busca frenética por liberdade, e que

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agora, tencionava apenas recompensá-la por


permitir que desfrutasse desses momentos tão
íntimos e prazerosos ao seu lado.
— Eu não quero sair daqui — ela disse
baixinho, avisando-o que esperava que ele também
não quisesse.
Havia uma festa acontecendo, onde
comemoravam liberdade e redenção, mas para
Alma era o final de um ciclo. Se sentia outra fada.
Sua cabeça estava do avesso e estranhamente isso
não lhe parecia errado.
— Ficaremos aqui dentro, apenas nós dois.
— Solon prometeu. — Eu disse a Estevão que não
pretendo participar das comemorações.
— Tolice comemorar quando há tanto para
fazer — ela disse erguendo a cabeça para olhar em
seus olhos.
Corada do recente prazer, arrancou do elfo
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um sorriso malicioso que fingiu não notar.


— Essa gente precisa de esperança, Alma.
Eles perderam tudo. Suas casas, as regras, a rotina
de suas vidas. Eles não sabem o que pensar ou a
quem seguir. Alguns falam em partir, conhecer o
mundo, outros em voltar lá para baixo. É um
momento confuso. Em alguns dias, tudo se
acalmará e pensarão com clareza.
— E uma festa os ajudará a pensar com
clareza? — Duvidou dessa fraqueza.
— Não, mas ajudará a lembrá-los do que vale
a pena. A amizade construída ao longo dos anos de
convívio, os laços afetivos, o amor e o respeito.
Isso é a única coisa que prevalece apensar de tudo.
Por isso é tão importante amar, Alma. Pois esse é o
único sentimento que não parte jamais.
Pensativa, deixou a cabeça em seu ombro e
fechou os olhos, sussurrando:
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— Eu gostaria de conseguir fazer isso.


Comemorar e me divertir, sem pensar em mais
nada.
— Não quer tentar? — Solon perguntou após
alguns instantes de silêncio, meditando sobre isso.
— Eu teria que sair daqui — ela lamentou, e
seu sorriso convencido quase à fez desmentir essa
afirmação. — Para você não deve ser confortável
ficar em uma comemoração com tantas criaturas.
— Eu posso repensar o que é bom para mim,
se tiver a companhia certa — ele sugeriu,
segurando-a pelas costas, enquanto a beijava de
surpresa, um beijo rápido e modesto apenas para
sumir com o vinco de preocupação que insistia em
surgir na testa bonita de Alma.
— Afinal, eu não o vi tocar instrumento
algum — lembrou-se de sua promessa de dias atrás,
quando ainda estavam presos no subsolo. — Eu
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gostaria de ver se isso é mesmo possível.


— Hum, eu posso tocar para você. Mas... —
Fez um gesto exagerado, como quem exige
atenção. — Exijo uma paga em troca desse agrado.
— E o que mais posso lhe oferecer? — Ela
apontou o corpo nu, exposto e ainda suado do ato
sexual.
— Dance comigo. — Pediu singelo.
Era um pedido tão singelo.
— Eu posso dançar normalmente, se você
ditar o ritmo com sua dança. Sabe dançar?
— É claro que sei — ela disse quase
ofendida por achar que não. — Eu não danço.
Nunca. Jamais. Nem em sonhos. Mas sei dançar.
Sua veemência e a contradição impressa
nessa afirmação o fez rir leve, do jeito que apenas
um amante satisfeito e apaixonado pode rir.

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— Aposto como dançava no Ministério do


Rei, escondida de todos — ele sugeriu o riso
alcançando os olhos de modo cativante.
— Tudo culpa de Eleonora e Joan. — Alma
disse imediatamente, corando. — Elas não aceitam
um ‘não’ como resposta. Deixo claro que Driana ou
eu, não colaborávamos de livre vontade, éramos
sempre forçadas — disse convencida disso.
— Eu acredito — ele fez troça.
— É verdade! As duas são impossíveis
quando se juntam em uma ideia! — Insistiu.
— E você, se vergava a vontade de suas
amigas? — Ele fingiu duvidar.
— Como eu disse as duas não aceitam um
‘não’ como resposta — reafirmou, escondendo um
sorriso.
Às vezes em que dançavam escondidas de

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todos, ouvindo a música das festas do castelo, que


democraticamente alcançavam cada recanto, sem
distinção, Alma sempre participava com alegria,
mesmo que escondesse.
Repudiava esses momentos com a mesma
veemência com que os apreciava.
— Eu danço. — Concordou de má vontade,
escondendo a vontade reprimida de participar de
uma festa real. — Mas primeiro, quero vê-lo tocar.
— Muito justo, fada desconfiada. — Solon
sentou na cama e Alma observou-o andar pelo
casebre juntando suas roupas e seu vestindo.
Preguiçosa, relutou em fazer o mesmo.
Estava amarrando o vestido atrás do pescoço
quando notou as folhas de pergaminho jogadas no
chão. Pegou-as e leu brevemente o que dizia.
Solon possuía letra caprichada, bem feita e
graúda.
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— Está escrevendo para a rainha? — Sua


pergunta soou acusadora.
De costas, prendendo o chocalho ao cinturão
Solon respondeu completamente despreocupado:
— Leia até o final antes de me acusar — era
um lembrete.
Foi o que Alma fez. Não era nada demais,
um bilhete simples, dizendo que estava seguindo
uma pista consistente do paradeiro da fada Alma.
Sem, no entanto, fornecer detalhes significativos.
Também dizia ter vasculhado o Vilarejo Sem Fim,
e não ter encontrado indícios da necessidade de
maior investigação por aqueles lados.
Era um meio de manter o vilarejo fora do
alcance dos olhos de rapina da Rainha Santha e
assim garantir algum tempo para que aquela gente
se estabelecesse e acalmasse, decidindo o que fazer
das próprias vidas.
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— Vamos? — Solon estendeu uma das mãos


em sua direção, e ela deixou os pergaminhos sobre
a cama, aceitando seu convite, entrelaçando os
dedos sem hesitação.

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Capítulo 26 - Tenha medo do escuro

Os elfos que tocavam acharam graça de ceder


uma das flautas para Solon. Não falavam do
assunto, mas há muito tempo haviam notado sua
dificuldade para ouvir. Evitavam perguntas, pois se
não era desejo do elfo falar do assunto. Não era
desejo deles questionarem o único ser em toda a
existência daquele povo que se dedicou à salvá-los
e lhes dar a oportunidade de viver plenamente.
Vestindo a túnica, em desalinho, e a calça
justa com as botas, Solon posicionou a flauta e com
uma mesura começou a tocar. Alma achou
instigante vê-lo em desalinho, pois lembrava que
Solon era o Guardião mais arrumadinho e pomposo
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de todos. Sempre perfumado, bem penteado e


barbeado.
Isso deveria ser uma máscara para esconder
sua natureza simplória. A música ecoou naquele
comecinho de noite, e ele deixou o corpo
acompanhar às notas musicais que estavam
impregnadas e registradas em sua mente, mesmo
que seus ouvidos não pudessem entendê-las.
O som das palmas acompanharam a música e
os casais e crianças dançando incentivaram os
outros músicos a tocarem, acompanhando a flauta.
Alma não sabia que um Guardião pudesse tocar
uma flauta. Múltiplos talentos, pensou Alma.
Porque ficaria surpresa? Solon era um
estrategista nato, hábil em tomar decisões acertadas
em momentos críticos. Um líder sem comparativos.
Um Guardião competente e justo, um amante
dedicado e um exímio tocador de flautas.

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A canção durou alguns minutos e Solon


terminou sua apresentação sorrindo, com uma
felicidade genuína que alcançava seus olhos
brilhantes. Galante, estendeu uma das mãos para
entregar a flauta longa e dourada, que pertencia a
uma dos elfos, e com a outra mão buscou por
Alma.
Ela lutou para não rir tolamente quando foi
rodopiada ao som da música. Não eram os únicos a
dançar. Alma acompanhou-o entusiasmada. Solon
sabia conduzir, marcando as passadas com força,
enquanto sua parceria de dança girava e rodopiava,
movendo os quadris no som da batida forte
entrelaçada a suavidade da flauta agora tocada por
um jovem elfo que substituía Solon.
Esquecida de quem era e de suas aflições
diárias, Alma dançou com todo seu coração,
divertindo-se como nunca em sua vida. Solon

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estava certo em dizer que comemorar era libertador


para a mente.
Os corpos se roçavam o tempo todo,
ansiosos, procurando contato, usando da dança para
acarinhar e provocar. Era sensual e excitante. Alma
sentia o sangue ferver nas veias, as faces quentes,
as mãos ansiosas por pegar e apertar o elfo entre
seus dedos, obtendo dele mais e mais daquela única
sensação de ser amada.
Em determinado momento, muitas horas
mais tarde, em meio à dança e animadas conversas,
alimento e vinho, Alma foi pega por Solon,
abraçada por trás, enquanto ele sussurrava
obscenidades em seu ouvido. Não adiantava tentar
afastar suas mãos, as crianças estavam dormindo
nos casebres, e haviam apenas adultos desfrutando
da música e dança.
Solon apalpou sua barriga, suas coxas e a

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chamou baixinho, convidando-a para algo. E nesse


enlevo de paixão, sob as estrelas de um céu sem
lua, Alma o seguiu para as árvores, escondendo-se
junto dele de olhos curiosos. Solon a encostou no
tronco de uma grande árvore, ergueu a saia de seu
vestido, escondendo o rosto em seu pescoço
quando a possuía sem delongas, pois a uma noite
toda de dança e carícias veladas em público
manteve os corpos em constante estado de
excitação e adrenalina.
Depois disso, não restou espaço para
conversa. O prazer levou todas as perguntas e os
dois passaram muito tempo em meio a floresta,
desfrutando da liberdade de escolher onde e com
quem desejavam ficar.
Mais tarde Solon a levou para o casebre onde
adormeceram juntos e abraçados na cama estreita.
*****

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Os primeiros raios de sol acordaram Solon de


um sono profundo, carregado de sonhos de um
futuro acolhedor e feliz. Sonhos bobos para um elfo
que já vira de tudo em sua vida, e sabia que a
felicidade é constantemente posta a prova e
raramente sobrevive as peripécias do destino.
Avistou Alma de pé, se preparando. Ela não
vestia o vestido, e sim uma calça de elfo com uma
espécie de colete feminino, feito em couro, com
aberturas ajustadas as suas asas, permitindo total
liberdade de movimento.
O couro trançava diante de seu peito,
moldando-o sedutoramente. Ela amarrou os longos
cabelos em uma trança alta, pendendo de um rabo
de cavalo.
Solon admirou a força que o penteado
empregava em sua face. Nos pulsos Alma usava
braceletes de couro e quando ela prendeu um cinto

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largo, com punhais, Solon entendeu que acontecia.


Enquanto dormia, Alma levantara, zanzara
pelo vilarejo e voltara para a cabana, talvez para
esperá-lo acordar.
— Está partindo — ele afirmou.
Alma havia percebido que o Guardião estava
acordado. Esperou que falasse com ela, que
percebesse o que acontecia, pois assim, se isentava
de precisar explicar.
— Sim, estou indo embora — não negou.
Ainda de costas, Alma arrumou o cinturão.
Solon fitou a bolsa de couro, com uma única alça,
onde provavelmente ela juntara todos os seus
pertences.
— Está bonita vestida assim. — Solon disse
sério, mas sem confrontá-la por causa de sua
partida.

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Alma olhou para trás, fitando-o com


curiosidade.
— Anastácia me deu algumas roupas. Ela diz
que eu pareço desajeitada de vestido — explicou,
seguindo a mesma estratégia de Solon.
Não falar do acontecimento maior. Gastar
tempo, permanecer junto mais um tempo, mesmo
que a partida estivesse próxima.
— As botas serão úteis na floresta — ele
disse banalmente, referindo-se as botas que Alma
usava. Eram botas de cano longo, que cobriam suas
canelas e subiam até os joelhos. Não havia salto,
eram perfeitas para longas caminhadas.
— Eu posso usar minhas asas sem medo.
Não andarei pela floresta — ela negou, e
aproximou-se da cama. — Eu pretendia dizer adeus
antes de ir. Não é uma fuga — explicou.
— Eu não pensei nada diferente disso —
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Solon tocou a ponta dos cabelos, onde havia uma


fita de couro amarando a trança. Era um carinho
saudoso.
Os olhos de Solon refletiam saudosismo.
— Eu disse que não estou caçando-a e não
vou me desmentir, impedindo-a de ir — sentou na
cama, e enrolou-se no lençol, levantando. — Eu
vou me vestir. Precisamos conversar sobre sua
partida.
Solon não lhe pedia que o esperasse. Ele
dizia que iria esperá-lo, porque era o mínimo que
ambos mereciam depois de tudo que passaram
juntos. Acenando com a cabeça, Alma concordou e
saiu do casebre, misturando-se aos elfos e fadas que
trabalhavam.
A festa da noite anterior não os impediu de
acordar cedinho para continuar os trabalhos
exaustivos. Muitas famílias estavam ao relento, era
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necessário pensar em moradias e era melhor fazer


isso antes que a temporada de chuvas começasse de
verdade.
Alma sentou-se em um tronco de árvore
derrubado, que em breve se transformaria em
madeira para construção e esperou por Solon. No
dia anterior ele havia desenhado um mapa da região
e feito uma espécie de calendário com anotações
imprescindíveis para quem vivia na superfície.
Por exemplo, a temporada das chuvas.
Apesar das constantes tempestades que impediam
as obras de seguirem e assustavam as crianças
menores que nunca antes ouviram barulho de
chuva, trovões e viram raios, a temporada chuvosa
não havia atingido o ápice quando os temporais
eram impiedosos.
Internamente Alma se perguntava como
Solon faria para se livrar daquela gente. Mesmo os

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elfos mais fortes, eram desprotegidos por conta da


ignorância. Não sabiam sobreviver na superfície.
Lidar com a terra viva e as plantas.
Os elfos e fadas que costumavam habitar a
superfície, mantendo a farsa sobre o Vilarejo Sem
Fim haviam se tornado prisioneiros juntos com
Agra, e não serviam como referência de
sobrevivência, pois não poderiam confiar em seu
julgamento.
Solon poderia não ter se conscientizado
ainda, mas estava preso a dependência emocional e
social de todo aquele povo.
Distraída, Alma sorriu quando uma das
fadinhas, sobrinha de Anastácia correu na sua
direção. Ela sempre se empoleirava em qualquer
lugar que pudesse escalar, para alcançar as asas de
Alma e saturar sua curiosidade, brincando com
elas.

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Anastácia surgiu gritando e chamando-a de


volta para o casebre. Era uma vida estranha e Alma
sabia o quanto a outra fada estava estranhando.
Viviam em uma casinha, e precisava lidar com a
presença angustiante de seu cunhado e suas
sobrinhas. Não eram um casal, mas caminhavam
para isso, e Alma podia sentir o desespero de
Anastácia por conta disso.
Metade sua amava Estevão. A outra metade
se destroçava em culpa e remorso por querer o elfo
que pertenceu a sua irmã e posteriormente a sua
melhor amiga Pía.
A fada acenou a distância e Alma retribuiu o
gesto. Haviam conversado no dia anterior e
Anastácia sabia de sua partida.
Alma baixou a cabeça quando Solon chegou
até o lugar onde se escondia. Ele sentou ao seu lado
e fitou-a com insistência, esperando que falasse em

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primeiro lugar.
— Eu preciso ir. Não posso e não quero
continuar aqui esperando que me encontrem e me
entreguem para Rainha Santha. — Fitou-o, olhos
piscando pelo sol que os banhava e doíam sua
retina — antes de conhecê-lo eu já devia minha
vida para as minhas amigas. É para com elas que
devo minha lealdade.
— Eu não quero seu dever, Alma — ele
tentou conversar.
— Tão pouco minhas amigas me pedem isso.
É um dever diferente. Eu preciso ajudá-las. E me
manter segura é a melhor forma de impedir que
todas sejam apanhadas. Seu amigo Acheron, tentou
usar Driana como isca. Quem garante que outro
Guardião não tente o mesmo me usando como isca?
— Eu só posso responder por mim mesmo —
Solon se defendeu.
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— Eu sei disso — concordou. — Eu parei de


culpá-lo por ser quem é. Você escolheu sua
profissão antes de me conhecer. — Tentou sorrir e
ele fez o mesmo.
— Eu não escolhi ser Guardião. Não me
restou alternativa, Alma. Acredite quando eu digo
que assim como acontece com você, também não
me deram direito a escolha.
— Você nasceu para fazer isso — ela disse
carinhosa, estendendo a mão para tocar seu braço.
Não era um carinho propriamente, era apenas um
toque. Era uma evolução imensa para alguém como
ela, no entanto, Solon apreciava demais vê-la tão
entregue e sem medos.
— Mas nem sempre foi assim ou me senti
assim. Um dia, — ele segurou sua mão e levou aos
lábios, beijando seus dedos com muito amor — eu
lhe contarei toda a minha história, fada, e nesse dia

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você entenderá porque eu a escolhi e porque me


recuso a desistir de você.
Emocionada, Alma baixou a cabeça e lutou
contras as lágrimas.
— Eu queria muito acreditar em você e em
suas intenções. Eu tenho muito a perder se for tudo
uma fantasia. Prefiro ir embora enquanto é tempo.
— Está sendo tola. Com o seu dom você
pode controlar a situação facilmente. Eu sei que é
errado e desonesto, mas você pode mudar a vontade
da Rainha Santha e de qualquer outro que deseje se
impor sobre você.
Alma concordou. É claro que sabia disso.
— Eu não sou burra, Solon. É provável que
haja uma proteção extra no castelo esperando por
um ataque nosso. Principalmente por causa do meu
dom. Não vou correr o risco de colocar tudo a
perder e ser apanhada. Prefiro encontrar Joan e
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Driana e juntas decidiremos o que fazer. Com


minhas asas... Eu posso encontrá-las rapidamente.
Eu sei como elas pensam e sei onde achá-las. É
questão de tempo para que isso aconteça.
— Eu temo por vocês quatro sozinhas sem
orientação. Que abram mão de serem inocentadas e
optem por uma vida inteira de fugas, sem saber que
há uma alternativa. Alma, eu lhe garanto que tenho
influência junto aos Conselheiros. Posso conseguir
interceder por vocês. Conseguir um julgamento
justo.
— Influência? Que tipo de influência? —
Perguntou irônica.
— Eu não posso lhe contar ainda, você não
confia em mim e eu não me sinto pronto para lhe
contar sobre isso — admitiu.
— Veja — ela levantou e disse acusadora. —
Eu não confio em você e a recíproca é verdadeira.
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É melhor eu ir de uma vez.


— Ao menos diga onde escondeu minha
armadura — ele pediu humilde, magoado por ser
abandonado, por sua fada escolhida não confiar em
sua proteção.
— Não. Você é um Guardião. Eu não lhe
contarei onde está, para que não tenha uma
vantagem sobre mim. Sou uma fada, tenho asas e
um dom útil, mas não sou páreo para uma armadura
na posse de seu Guardião.
— Não pode partir e me deixar sem minha
armadura. Eu deixei esse assunto de lado porque
achei que em algum momento me contaria do seu
paradeiro! — Indignou-se.
— Sinto muito, eu deixei claro desde o
princípio que isso não aconteceria. Eu não sou um
anjo de candura, Solon. Você se recusa a ver isso.
Posso não ser uma assassina fria e calculista, ou
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uma psicopata louca, como agora consigo ver que


não sou, mas ainda assim, não sou uma fada
desprotegida e doce. Sou diferente das outras fadas.
Sou o oposto do que você quer que eu seja.
— Eu quero minha armadura de volta, Alma,
não posso voltar para casa sem ela! Todos saberão
que fui roubado e não fiz nada para recuperar meu
poder! — Solon andou, alcançou-a e segurou-a
pelo braço — não seja covarde, me conte onde está.
Eu levarei muito tempo para recuperá-la, não tenho
asas, você sabe disso. Conte-me onde escondeu
minha armadura!
— Não! Se o envergonha admitir sua derrota,
não volte para o castelo. Faça como eu, fique
zanzando seu destino, sem paragem. É assim a vida
de fadas fugitivas, porque seria diferente com um
Guardião que envergonha seu reino?
Solon a soltou e tomou distância.

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— Eu vou seguir para o castelo e enfrentar as


consequências da minha submissão a uma fada que
não gosta de mim. E você? Siga sua vida de
covardia. — Disse magoado, fechando-se em pura
mágoa.
Alma não sabia, mas ele havia superado
muitos traumas passados para tentar ajudá-la. E
agora, a consternação de descobrir que novamente
era enganado e espezinhado por quem amava.
— Não venha atrás de mim, seria patético —
ela disse, segurando a bolsa de couro em um ombro
e olhando em torno, despedindo-se simbolicamente
daquele povo que a acolheu e lhe devolveu a
sanidade perdida durante os anos de clausura no
Ministério do Rei.
— Eu não sei se eu ainda quero ir atrás de
você — ele afirmou com a voz carregada de pesar e
desilusão.

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— Não me culpe por ter se iludido sobre


mim. Eu nunca lhe prometi nada, Solon. Eu nunca
lhe ofereci nada. Eu nunca partilhei nada de mim
com você. — Era seu modo de pedir desculpas por
magoá-lo, pois no fundo, ela não fizera nada para
que ele acreditasse que seria diferente.
Pelo contrário, Solon a ensinou a ser menos
bruta e odiosa, ajudou-a a obter seu dom definitivo
e a desconfiar de si mesma, quando se perdia em
pensamentos de morte. Solon a ensinou a ver algo
de bom dentro de si. Ela devia tudo a ele. Mas não
podia partilhar nada com ele.
Dividida entre esses desejos, fitou-o a espera
de um comentário qualquer.
— Eu vou tentar encontrar minha armadura
antes de voltar ao castelo. Se você se arrepender de
me apunhalar pelas costas... Procure-me. Eu estarei
esperando-a de braços abertos. — Contrariando a

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mágoa e a raiva Solon lhe oferecia uma segunda


chance.
Enraivecida por ser pega de surpresa com sua
complacência, Alma olhou para o céu antes de
bater as asas.
— Eu não vou procurá-lo. Não adianta
esperar por isso. Vai perder seu tempo.
— Vale a pena perder meu tempo esperando-
a — ele disse irritando-a novamente.
— Não fale assim! — Alma desistiu de voar
e avançou em sua direção, jogando sobre ele sua
frustração. — Não vou me sentir culpada e lhe
contar do paradeiro da armadura! Desista de me
manipular! Desista!
Alimentar uma raiva imaginária era o
combustível que precisava para conseguir
abandoná-lo. Em muito pouco tempo Solon lhe
roubou o coração e ela não sabia que não queria
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seguir sem ele. Até mesmo sua fúria parecia branda


demais para quem sempre foi alimentada por ódio e
rancor.
Invocada, Alma bateu as asas fervorosamente
e alçou voo. Para bem longe do Guardião, pensou.
O mais longe possível do risco que representava
entregar-se a um amor impossível!
Solon permaneceu de pé, observando-a
desaparecer no céu azul. Quando sua imagem
sumiu de vista, baixou a cabeça e olhou para os
próprios pés. Alimentaria a esperança que Alma
voltasse para ele. Por isso não a prendeu. Nem
mesmo tentou subjugá-la ou aprisioná-la. Preferia
confiar que nutria sentimentos por ele, que voltaria
espontaneamente.
Esperava não estar enganado. Não queria
passar por uma desilusão desse porte uma segunda
vez na vida. Sem sua armadura, não era nada além

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de um elfo sem capacidade de ouvir. Lutando


contra a autodestruição, Solon desistiu de esperar
que voltasse arrependida naquele instante, pois
suspeitava que levasse alguns dias para o
arrependimento trazê-la de volta.
Solon procurou por Estevão, pois precisa
arrumar suas coisas e partir, mas possuía o desejo
de orientá-lo sobre como manter seu povo unido
em sua ausência.
Uma ausência que esperava ser breve, pois
Solon temia ter encontrado seu lugar no mundo.
Um mundo da qual a presença de Alma era
imprescindível.
Ela voltaria, convenceu-se. Voltaria para ele.
Alma pousou na copa de uma árvore. Nunca
fizera isso antes, estar sobre a copa de uma árvore,
mas conseguiu se manter com dignidade apoiada
em um galho enquanto observava o Vilarejo Sem
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Fim. Estava arfante, primeiro havia voado para


longe, muito longe mesmo, então seu coração
apertou e ela precisou voltar.
Ainda não sabia o que iria fazer, mas voltou
assim mesmo. Ficou observando a movimentação
do vilarejo, os elfos e fadas que iam a vinham,
cuidando de suas vidas.
Alguns ainda trabalhavam no subterrâneo
recuperando pertences e móveis, mas a maioria
cuidava da nova vida e do novo lar.
Alma ajeitou-se sobre a copa das árvores, vez
ou outra olhando desconfiada para baixo, pois não
gostava de altura. Incomodava-lhe profundamente
estar frágil e dispersa.
O que ela queria afinal?
Precisava encontrar Joan e Driana! Precisava
aliar seu dom aos pensamentos lógicos e dinâmicos
de Driana. Sua amiga saberia exatamente como
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usar seu dom de hipnotizar com a voz, de um modo


que obtivessem êxito total.
Era nisso que precisava se concentrar e não
ficar correndo atrás de um Guardião! Com o
coração quebrado, Alma permaneceu ali por algum
tempo. Solon demorou até sair da casa e percorrer o
vilarejo delegando ordens, conversando com elfos e
fadas antes de pegar estrada.
Será que ele falava mesmo a verdade quando
dissera que procuraria a armadura sozinho? Ele
nunca encontraria sem a sua ajuda e
direcionamento!
Alma se moveu, voando alto, bem distante,
seguindo-o sem se fazer notar. Quando Solon
entrou na floresta e dirigiu-se para os lados do Rio
Branco imaginou que seu destino fosse o Vale dos
Desesperados, na busca pela velha duende que a
ajudou no começo de sua trajetória de fugitiva.

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Era inteligente de sua parte buscar por pistas,


mas totalmente ineficaz, pois mesmo que houvesse
contado para a duende sobre a armadura, algo que
não fizera, ainda assim Solon jamais convenceria a
criatura a abrir o bico.
Sofredora de causar dissabores para um elfo
que apenas lhe trouxera alegrias, Alma manteve o
ritmo do voo, para não se revelar. Desse modo o
seguiu até escurecer.
Solon acampou em uma clareira discreta no
meio das árvores. Sempre sozinho, ele agiu de
modo coreografado cuidando de si mesmo. Foi
assim sua vida toda e ele se iludira com a
possibilidade de ter alguém com quem dividir sua
vida e sua confiança.
Alma observou-o dormir ao relento, fitando
as estrelas, procurando nelas a resposta para suas
aflições e milhares de perguntas.

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Ela também possuía perguntas.


Por exemplo, a vontade inexplicável de saber
em quem pensava.
Se era nela e no que aconteceu entre eles
naquela realidade paralela, presos em um mundo
subterrâneo, vivenciando uma experiência única,
lutando pela sobrevivência, ou se pensava em outra
pessoa.
Algumas vezes ela suspeitava que Solon
possuísse um amor perdido ou algo do gênero. Que
talvez por isso se negasse a falar com ela sobre o
que lhe acontece e a causa de ter sofrido o
atentando que lhe roubara a audição.
Escondida na floresta, recostou-se no alto da
mais frondosa das árvores e encostou a cabeça em
seu tronco, suspirando pesarosa.
Culpa assolava seu coração. Porque não lhe
contou onde estava a armadura? Era o mínimo que
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poderia fazer para retribuir o bem que lhe fizera!


Alma não tinha como saber que deitado,
insone, Solon torcia secretamente e silenciosamente
para a sua fada se arrepender e vir atrás dele. Era
uma ilusão, assim como a maior parte dos amores
é, mas era uma ilusão tão bonita que ele se recusava
a abrir mão dessa chance de ser feliz.
Afastando a angústia e o desespero que as
lembranças do passado lhe traziam, Solon fechou
os olhos e tentou dormir. Quando pegou no sono
não ouviu ou notou que Alma desceu do galho de
árvore e andou lentamente em sua direção, incapaz
de conter seus impulsos egoístas.
Surrupiou de sua comida, ainda quente em
uma panela improvisada. Bebeu de sua água e
roubou uma das frutas que ele escondera em sua
bolsa de couro.
Infelizmente no afã de partir, ela se esqueceu
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do detalhe importante que era levar alimento extra.


Levava consigo apenas um cantil e caçar estava
fora de cogitação, pois nunca fizera isso em sua
vida.
Comeu calmamente, pois conhecia o sono
pesado de seu amante. Solon dormiu durante todo o
tempo em que ela ficou junto dele no
acampamento. Então, quando começava a
amanhecer, ela voo e se escondeu.
Solon acordou, juntou seus pertences e fingiu
não notar que havia menos comida que na noite
anterior. Fingiu não dar por falta de água extra e
frutas. Ocultou um sorriso de alívio e alegria ao
perceber que estava certo em acreditar que aquela
fada era perfeita para ele e aprendera a amá-lo de
algum modo.
Tudo ficaria bem, pensou Solon. Os dois
encontrariam um modo de fazer as coisas se

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acertarem. Recolhido seus pertences Solon seguiu


viagem. Admitia que seria mais fácil se a fada
simplesmente desse o braço a torcer e lhe
oferecesse uma carona com suas lindas asas. De
preferência uma carona até o lugar onde escondera
sua armadura.
Mas enquanto isso não era possível, ele
aceitava sua secreta presença. Era melhor do que
nada.
Crendo estar incógnita, Alma o seguiu de
perto, sempre no meio das árvores. Preferia andar,
não era uma fada apegada a voar. O medo havia
amenizado, mas ainda era da terra e não do ar.
Algumas vezes ela sorria vendo Solon
interagir com a natureza. Era ágil para caçar e
apreciava a flora. Infelizmente era uma toupeira em
relação aos perigos distantes.
Tensa, ela percebeu que não estavam
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sozinhos, alertada pelo barulho de passos. Solon


percebeu pelo barulho do chocalho mágico, mas
somente quando o perigo estava muito próximo.
Alma ficou imóvel, observando-o manter a
postura corajosa quando seu inimigo se revelou.
Um elfo gigantesco, coberto por marcas
desenhadas na pele e roupas de linho brancas como
algodão. Era moreno, pele escura, cabeça raspada
inteiramente. Não carregava espadas ou qualquer
outra forma de armas.
Solon notou bem antes de Alma que na
verdade o risco era outro, não apenas o elfo de
postura intimidadora. Ao lado do homem, dois
raptores imóveis a espera de ordens, ambos da cor
branca, anomalias da natureza, pois a cor
predominante da raça era um marrom escurecido.
Uma miúda fada surgiu de trás do elfo. Muito
pequena, curvilínea e vestida de branco, como uma
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aparição ou uma deusa de candura, a fada sorriu e


adiantou-se a presença dos elfos e seus animais de
estimação.
Na verdade, o elfo gigantesco era um dos
seus animais, em total domínio. A fada sorriu e
cravou os olhos no Guardião.
E o pior de tudo, era que Solon a reconhecia.
Alma conscientizou-se com horror, que o
Guardião conhecia aquela fada.

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Capítulo 27 - O que me pertence

— Quanto tempo — disse a fada. — Quanto


tempo que não vejo o Guardião Solon
pessoalmente. — Sua voz era cantada, rítmica e
suave, e ela sorriu ao notar que ele não podia
entendê-la. — Vejo que continua surdo como uma
pedra. Que decepção, Solon, pensei que seu pai
ajeitaria as coisas para você.
Alma franziu as sobrancelhas sem entender o
que a fada queria dizer. Não sabia quem era o pai
de Solon, pois nunca ouviu falar sobre ele.
Solon entendeu parte da frase,
acompanhando o movimento de seus lábios. Estava

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contrariado com sua visita inesperada.


— O que você quer de mim? — Perguntou
sem delongas.
— De você? O que eu quero de você? Porque
eu deveria querer algo de você? — A fada
aproximou-se e Solon não se moveu, mas Alma
notou sua postura tensa. — Nosso último encontro
não foi dos melhores... Mas eu ainda guardo boas
lembranças.
A fada falava em códigos e Alma sentiu o
ciúme remoer dentro de si. Chegou de considerar a
possibilidade de virar as costas e partir, para que
não ser obrigada a ver um embate entre Solon e
uma ex-amante. Ou quem sabe, um ex-amor do
passado?
— Está me seguindo? — Ele perguntou
sério. — Foi banida dessas terras, Charlotte.
— Não posso ser banida da terra de meu pai
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— ela disse com empáfia. — Tenho sangue de Rei


Ulder correndo nas veias. Sou a vigésima geração
depois dele, e essa terra ainda é minha por direito.
— Fez questão de elucidar.
— Não. Você é a filha bastarda de um
Guardião. Você não é nada. Foi renegada e expulsa
por conta de seus crimes. É uma fugitiva. — Ele
disse com maldade na voz.
Alma sentiu desconforto de reconhecer esse
sentimento em Solon. Ele não era assim, mas
aquela fada lhe despertava esse instinto.
Pequena, com pouco mais de um metro e
meio, curvas suaves e bonitas, rosto de boneca de
pano, com traços angelicais e longos cabelos louros
encaracolados até a cintura. Asas rosadas, curtas e
arredondadas, a fada era tão bonita como uma flor
recém-colhida pelo orvalho de uma manhã de
primavera.

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O oposto exato de Alma.


— Papai não sabe o que faz, é muito velho
para decidir por si mesmo. Eu andei muito, Solon,
meu querido, e aprendi a dominar meu dom. Agora,
eu quero tudo que é meu de volta. Por isto estou
aqui. Por isso o segui desde a sua partida do Reino
de Isac. Eu fiquei confusa — disse sorrindo,
andando em torno de Solon com plena confiança de
não ser atacada. — Foi bom ter aguardado. Que
bela surpresa descobrir que você trouxe a superfície
o povo da escuridão. Eu já tinha ouvido falar deles,
mas nunca antes soube como encontrá-los. —
Sorrindo Charlotte estreitou os olhos
poderosamente azuis ao perguntar com malícia —
você notou quantas fadinhas infantas trouxe a tona?
Quantas adolescentes prestes a se tornarem
maduras? Sabe o lucro que terei ao vendê-las?
— Ainda neste negócio sujo? Pensei que

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houvesse evoluído. — Solon ironizou.


— Não finja para mim, Solon. Eu sei que
sentiu minha falta. — Ela sorriu ainda mais — eu
sei que nunca conseguiu me esquecer. Que eu
hábito suas memórias mais íntimas — riu com um
resquício de loucura que incomodou Alma.
O comportamento daquela fada lembrava
muito Eldor. Algo temerário e enlouquecido,
inexplicável. Charlotte ficou séria e apontou para
Solon com olhos brilhantes:
— Eu sei que nunca acreditará em mim,
Solon, que sempre pensará nas minhas atitudes e
escolhas e não em meus sentimentos. Mas eu o
amei e ainda amo com todo o meu sentimento.
Quando vasculho minhas lembranças mais felizes é
sua imagem que encontro.
— Eu não vou lidar com você, Charlotte.
Não é meu negócio.
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— Hum, Solon... Você não mentiria para


mim, não é? Não esperaria que eu seguisse viagem
inocente as suas intenções e tentaria me pegar
desprevenida antes que eu tivesse a chance de
colocar minhas mãos sobre aquelas lindas fadinhas
cheirando a castidade e ansiosas pelos nascimentos
de suas asas, não é?
Era exatamente isso. Alma notou que Solon
correu os olhos sob o elfo e os raptores. Charlotte
também notou.
— Elman me obedece cegamente, na
verdade, neste exato instante ele está preso em
algum lugar entre o aprisionamento de sua família e
a morte de seus filhos. Eu não quis entrar em suas
memórias e descobrir qual é exatamente a sua mais
horrível lembrança que o aprisiona — ela explicou,
com seu sorriso angelical, referindo-se ao elfo sob
seu domínio.

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Um sorrido demente.
Alma pensou sobre isso. O dom da fada era
aprisionar a mente das criaturas usando de suas
lembranças? Neste caso as piores lembranças? Se
fosse verdade, Charlotte era perigosíssima.
— Eu levei muitos anos para me aperfeiçoar.
Você ficará orgulhoso quando souber tudo que sou
capaz de fazer. — Havia sim um tom de amor em
sua voz.
— Usará seu dom contra mim? — Ele
ironizou aparentemente sem medo.
— Eu não preciso fazer uso do meu dom para
acabar com você, meu amor. Lembra-se de como
fui rápida e eficaz?
— Lembro. Claro que lembro. — Solon
apontou para as mãos da fada e perguntou. — E
você lembra?

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Era um jogo de palavras. Alma notou que a


perfeição física da fada acabava em suas mãos.
Cicatrizes grossas e profundas marcavam suas
mãos, braços e provavelmente marcavam o restante
do corpo. Charlotte olhou para si mesma, e Alma
notou que seus pensamentos não eram
propriamente agradáveis.
— Onde está sua armadura? — A pergunta
foi seca.
— Em um lugar seguro — ele respondeu em
um tom dissimulado.
— Será que a fada Alma a roubou? Não me
diga Solon, que ela obteve êxito onde eu falhei —
fingiu expressão coquete, mas por dentro lhe
incomodava profundamente que outra possuísse o
Guardião e a armadura.
— Foi por isso que voltou? Para ter uma
nova chance de roubar minha armadura ou por que
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soube do meu interesse pela fada da clausura?


Pega em seu crime, Charlotte relutou em
responder.
— Eu soube que você ia pedir Alma em
casamento. Que há escolheria esse ano. Como pode
pensar em fazer isso comigo, Solon? Eu sou a sua
escolhida! Fui eu quem o recebeu de braços
abertos! Eu sou a sua fada escolhida! — Charlotte
bateu no próprio peito, furiosa.
— Voltou por minha causa, Charlie? —
Solon perguntou, aproximando-se.
— É claro que sim — ela parou, e fitou-o
com olhos de puro arrependimento, a voz
suavizando. — Eu nunca consegui viver sem você.
Eu tive que voltar quando soube das suas intenções.
Eu não podia viver com a ideia de outra ter roubado
seu coração de mim.
Solon ficou bem perto e Alma reteve o ar,
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indignada só com o pensamento de que os dois


pudessem ser um casal, e acontecer uma
reconciliação amorosa. Tudo isso, pelas suas
costas.
Solon fez um movimento e pareceu prestes a
tocar o rosto da fada, mas para surpresa tanto de
Charlotte, quanto de Alma, ele agarrou os cabelos
da fêmea e falou bem pertinho do seu rosto:
— Você nunca foi a minha escolhida.
Com a mesma raiva com que falou, Solon
jogou-a no chão. Charlotte gritou furiosa, atacada
em sua vaidade e Alma ouviu o barulho, apavorada
que Solon não ouvisse.
Mas ele previu o ataque. Os dois raptores
avançaram sobre o Guardião e o bumerangue
cortou o ar atingindo um deles exatamente no
pescoço. O animal foi lançado para trás e caiu perto
de Charlotte, agonizando. O segundo raptor foi
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mais rápido e derrubou Solon.


Com a espada, o Guardião lutou e livrou-se
do ataque. Manteve-se distante, espada nas mãos
fitando o animal, arfando. Seu bumerangue estava
preso na carne do outro animal, então precisava
contar apenas com a espada e a força física.
O raptor, branco como a neve, mancava, e
sangue corria do ataque da sua espada. Ele recuou
alguns passos e foi à vez do elfo aproximar-se. Ele
retirou um cajado cravado de pedrarias preciosas e
girou-o nas mãos, pronto para lutar. Seus olhos
vítreos, esbranquiçados, sem vida própria, sua
mente presa nas lembranças de seu passado,
enquanto Charlotte dominava suas vontades.
A luta começou e Solon precisou evitar o uso
da espada, pois temia estar lutando contra um elfo
de boa índole. Solon derrubou Elman e debatia-se
mortalmente sobre matá-lo ou não quando notou

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que os olhos do elfo readquiriam a cor normal.


Ouviu um sussurro, e pensou ser sua
imaginação:
— Pare de lutar — a voz repetiu e as mãos
do elfo, que apertavam o cajado com força, o
soltaram.
Solon ergueu os olhos e viu Alma de pé,
olhando para os dois. O raptor branco estava ao
lado dela e Alma estendeu uma das mãos para tocar
o pelo claro do animal.
— É uma criatura linda quando não está
tentando nos comer vivos — ela disse suave
referindo-se ao animal selvagem.
Sua voz mantinha o domínio do animal, mas
não de Charlotte, que levantou do chão e encarou a
fada.
— Uma luta de fadas por causa de um elfo?

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— Charlotte disse irônica. — Eu pensei que não


viveria para ver isso acontecer. Duas fêmeas
lutando por um macho? Incomum e peculiar, mas
sem duvidas interessante. — Seu riso era quase
nervoso. — Porque não nos aliamos? Fada Alma,
eu admiro qualquer um que tenha a petulância de
matar seu rei. Admito sua coragem e sua eficácia.
Admiração é o primeiro passo para uma linda
amizade e parceria. Solon não vale uma gota do
nosso sangue. Eu posso ajudá-la a vender a
armadura. O que me diz?
Solon notou imediatamente que o
pensamento chegou a ser considerado. Indignado,
ele ajudou o outro elfo a levantar e fez um sinal
para que se mantivesse imparcial, pois a luta seria
complicada. Uma luta entre fadas, o que era
perigoso para dois elfos.
— Eu tenho seus bichos de estimação e seu

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elfo. Não preciso me aliar a você — Alma disse e


virou de costas, exibindo a ela seu desprezo e
despreocupação — vá embora enquanto posso ter
piedade.
Charlotte nunca fora humilhada. Não
conhecia o sabor disso. Furiosa, ergueu as duas
mãos e traçou um movimento no ar, como se
estivesse esticando uma corda imaginaria e gritou:
— Me conte sua pior memória — seus olhos
se tornaram esbranquiçados e sua face mudou
drasticamente, linhas bancas surgindo em toda sua
pele, tornando-a parecida a uma pedra de gelo
rachada.
— Não. Conte-me você a sua pior memória
— Alma respondeu.
Era um duelo. Dom de fada contra dom de
fada. Aquele que tentasse interferir teria que lidar
com ambas.
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Charlotte riu consciente que seria a vitoriosa


daquele duelo. Enxergava sangue correndo. Sangue
correndo pelas mãos de Alma. O punhal caído no
chão e ela com o sangue de Eldor nas mãos.
Não era sua culpa, agora Alma sabia que não
era maldade e não era sua culpa, mas era sua pior
lembrança.
As duas enxergavam as imagens, como se
estivessem presentes, mas eram as únicas a verem.
Solon conhecia o dom de Charlotte e sabia que era
perigoso tentar libertar alguém preso em suas
memórias. Por isso Charlotte era tão perigosa. Ela
sempre conseguia o que desejava, mas dessa vez,
Solon confiava plenamente no poder de Alma. Em
sua determinação.
— Não — Charlotte guinchou quando entre
as lembranças de Alma surgiu vestígios e suas
próprias lembranças. — Não! Não aceito isso! —

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Intensificou seu poder, mas não era possível vencer


o dom do convencimento.
Charlotte precisava primeiramente entorpecer
os sentidos e a mente para conseguir tomar conta da
vontade, com Alma era mais rápido e menos
complicado. O comando de sua voz bastava para
tornar às vontades alheias inexistentes.
Uma música forte, batidas intensas ecoava
nas lembranças de Charlotte. Som de tambor, de
mãos que batem no couro do instrumento. Pés que
riscam o chão de terra. Era hora de comemorar.
Mais uma vitória do Guardião pomposo e festeiro,
que vivia atazanando os povoados em busca de
aventuras e amantes.
Nesta noite, sua favorita, Charlotte era
também, seu alvo. Incapaz de ver por trás do rosto
bonito e bem maquiado, o jovem e tolo Guardião
Solon, que andava sempre as volta com vitórias e

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rixas com sua armadura, gastou o tempo e a


paciência da fada com sua conversa sem fim.
Calou-se apenas quando Charlotte o levou para seu
quarto, despiu as roupas e o fez gemer em seus
braços.
Alma detestou cada imagem. O ciúme trouxe
lágrimas em seus olhos e por mais que se
esforçasse a lembrar de que isso aconteceu anos
atrás quando Solon ainda podia ouvir e era um
jovem perdido na vida, sem rumo ou
responsabilidade, doeu vê-lo nos braços de outra
mulher. Nesse momento Charlotte quase conseguiu
inverter o jogo, mas Alma a pegou no pulo e disse:
— De joelhos — mandou furiosa.
O corpo de Charlotte desceu para o chão e
baixou os braços, fitando a relva enquanto as
lembranças tomavam sua mente.
Quando a cópula chegou ao fim, Solon
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adormeceu, vítima do cansado físico e de forte


elixir proibido.
Charlote saiu da cama nua e abriu a porta do
quarto para que um elfo entrasse. Não se preocupou
em se vestir. Aquele homem também era seu
amante e ela não possuía pudor:
— Onde está a armadura? — O elfo
perguntou.
— Ali — ela apontou a caixa da armadura
devidamente guardada em uma bolsa de couro
grande e larga. — O tolo deixou no canto. Ele não
dá valor à armadura. Não sei como ambos se
suportam. A armadura não o escolheu por vontade.
— Eu sei — o elfo disse com calma e fez um
carinho no rosto de Charlotte. — Essa armadura
deveria ter sido minha. Veja — ele apontou Solon
que dormia de barriga para baixo, um braço jogado
para fora da cama, suado e fedendo a elixir
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proibido — olhe a degradação desse elfo. É


revoltante.
— Seu irmão passou a armadura para o filho.
É desse modo que acontece em família... —
Charlotte recebeu uma bofetada por conta desse
comentário e se afastou dele com raiva. — Não me
bata!
— Repita outra vez uma coisa dessas e nosso
trato está desfeito. Tem seu dom, fada da taverna?
— Não sou uma fada da taverna. — Ela
reclamou. — Você me trouxe para cá. Solon me
escolheu para casamento. Ele me jurou casamento.
— E, no entanto, não moveu um dedo para
tirá-la do trabalho da taverna — ele ironizou.
Era um elfo baixo, gordo e vestido em muito
veludo verde e joias reluzentes.
Charlotte sabia que era verdade. Solon era

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um elfo agradável de conviver, contente,


paquerador, mas não era para casamento. Ele não a
assumiria jamais. E Charlotte não gostava dele com
a responsabilidade de esperar o amor nascer.
— Essa armadura seria minha, se o meu
irmão não houvesse me aleijado em combate — ele
reclamou pensativo — é justo que eu tenha o que
me pertence de direito. Leve-a até mim quando
houver terminado — o elfo estendeu uma das mãos
na direção da armadura como quem tenciona tocá-
la, mas desistiu.
É conhecida a mágica que impede alguém de
apartar a armadura de um Guardião. Tocá-la era
perigoso, a menos que seja aceito por Guardião e
armadura.
— Acha mesmo que a armadura o rejeitará se
Solon estiver... Se ele estiver imperfeito? —
Charlotte perguntou uma última vez,

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provavelmente para se certificar que não mentia e


ela perderia muito tentando algo ineficaz.
— Eu não mentiria para você, querida
Charlotte. Leve-me a armadura. Sua vida estará
garantida e repleta de ouro até o final dos seus dias.
Diante dessa promessa, Charlotte sentiu a
confiança renovar. Esperou o elfo sair e fechou a
porta. Abriu uma gaveta de um móvel qualquer e
retirou um longo e fino punhal.
Vestiu um penhoar em seda branca, muito
fina e transparente e andou até a cama, balançando
o ombro do elfo, para acordá-lo. Os olhos claros de
Solon se abriram e ele sorriu ao ver sua amante, sua
mente confusa pelo sono e pelo álcool.
— Olhe para mim, meu amor — Charlotte
segurou seu rosto e beijou-o de leve nos lábios. —
Isso, deite pertinho de mim...
Ajudou-o a virar de lado e quando Solon
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fechou outra vez os olhos, ela apontou o fio na


lâmina em seu ouvido, e não titubeou antes de olhar
para armadura e fincar a lâmina.
O elfo gritou e acordou, tentando se
defender, mas Charlotte, tomada pelo desejo e
ambição montou-o e empurrou sua cabeça de lado
perfurando seu outro ouvido. Foi tudo muito
rápido, em segundos estava terminado. A roupa
branca que protegia deu corpo nu perfeito em
formas e cores, estava lavado de sangue e o elfo
desmaiado.
Talvez morto. Charlotte desmontou-o e
correu os dedos pelo peito do elfo, sentindo o bater
de seu coração. Não podia morrer. A ordem era
deixá-lo vivo. Trêmula, as lágrimas corriam no
rosto de Charlotte quando se curvou sobre ele e
beijou de leve seus lábios entreabertos,
sussurrando:

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— Me perdoe... Eu preciso pensar em mim,


querido. Você não me ama. E podia amar mais. Eu
preciso pensar em mim.
Era um argumento dos egoístas.
Saindo da cama, Charlotte deixou o punhal
sobre a cama, e pelo cair do penhoar, Alma pode
ver em suas lembranças que havia marcas suaves
em suas costas denunciando que em breve ela
obteria suas asas. Uma fada da taverna passa sua
vida toda sendo humilhada e espezinhada, sendo
submetida a donos e constante violências.
Esquecendo-se do elfo, pois seu amor era
tudo, menos sólido, Charlotte aproximou-se da
armadura e puxou o couro revelando a caixa que
continha a armadura. Era uma caixa de metal, de
cor escurecida. Mordendo o lábio, Charlotte
agachou-se e estendeu a mão para pegar a
armadura.

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Sim, era esse o plano. Com o Guardião


‘estragado’ a armadura não o reconheceria e
qualquer um poderia tocá-la. E esse qualquer um
era Charlotte, que a venderia pelo preço em ouro
que uma fada bonita e sensual merece para ser
feliz.
Sorrindo ela tocou o metal e sentiu o calor da
armadura percorrer seu corpo.
Esse calor tornou-se insuportável e ela abriu
os olhos assistindo as chamas formando-se sobre a
sua pele. Gritando ela levantou e se debateu, saindo
porta a fora do quarto, implorando ajuda.
As chamas não puderam ser apagadas,
mesmo com a ajuda de elfos e fadas. O fogo
consumiu a carne e a dor a fez inerte. Levou muito
tempo para que parasse e pudesse respirar outra
vez. Recebera ajuda, ninguém suspeitava que ela
houvesse feito aquilo ao Guardião ou a si mesma.

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Uma tragédia se abateu na taverna, na Vila


das Fadas e quando outros Guardiões surgiram,
juntamente com Miquelina e o Guardião
aposentado Rodor, que assumira o cargo de
Conselheiro recentemente, Solon foi tratado e
levado para o castelo.
Dias mais tarde, Charlotte recuperou-se o
suficiente para levantar e olhar para si mesma.
Queimada. Carne queimada. Dor
insuportável. Feiura para quem sempre exultou em
sua beleza contagiante. Naquela mesma noite,
vestindo uma capa para esconder seu corpo
deformado, procurou pelo homem que lhe
prometera ouro.
Este elfo estava morto. Ela viu o agressor
deixar o quarto dele, na calada da noite. Esbarrou
nele e reconheceu-o imediatamente. Tentou revirar
o lugar, mas encontrou apenas algumas moedas

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sem grande valor.


Sua vida estava acabada e precisava fugir
antes de ser encontrada e presa pelo crime contra o
Guardião Solon.
Charlotte chorava enquanto Alma mantinha o
poder sobre ela.
— O que eu faço com essa fada? — Alma
perguntou a Solon, lutando contra o ódio que a
fazia tremer.
Ver tudo que fizeram a ele explicava sua
relutância em lhe contar sobre o passado. Suas
mãos tremiam.
— Deixe-a viva — Solon pediu.
— Não — negou, narinas dilatadas, fúria
acesa em suas entranhas — ela merece pagar pelo
que fez!
— Sim, mas não será sujando suas mãos que

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a justiça será feita — ele aproximou-se e segurou-a


por trás.
Alma afastou-se e olhou em seus olhos, com
acusação:
— Está protegendo-a?
— Não, estou protegendo você. — Afirmou.
— Viu o que aconteceu?
— Sim. E você, sabe tudo que aconteceu? —
Perguntou de volta, pois era provável que não
soubesse detalhes sórdidos que apenas aquela bruxa
conhecia. — Me solte. — Mandou e abaixou-se
ficando na altura de Charlotte. — Olhe para mim,
sua cadela.
Obediente, Charlotte olhou com a face tão
bonita e inocente que era impossível crer que
realmente fosse capaz de crimes hediondos.
— Está condenada a uma vida de submissão.

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Jamais voltará a erguer os olhos ou a voz a quem


quer que seja. De hoje em diante é uma fada sem
dom. Esquecerá seu dom, como se nunca houvesse
sido agraciada por ele. Está me ouvindo?
— Sim — Charlotte respondeu submissa,
olhando para baixo.
— Eu deveria fazê-la pagar pelo que fez —
Alma disse entredentes, com tanta raiva que era
difícil não chorar.
— Eu posso cuidar dela — a voz do elfo
grandalhão quebrou o encanto e Alma engoliu em
seco, levantando e encarando-o. — Esta fada tomou
meu reino e me aprisionou. Aprisionou minha
família. Agora estou livre. Ela precisa ser julgada e
condenada de acordo com seus crimes, e meu povo
precisa ter seu rei de volta.
— Seu reino? — Solon perguntou.
— Sim, venho de um reino distante além das
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terras geladas. — O elfo baixou o corpo e estendeu


uma das mãos para tocar os pés de Alma e então
levantou. — Sou seu escravo para sempre, fada. Fui
libertado pelo seu poder e serei seu seguidor se
assim o desejar.
— Meu escravo? — Ela riu com algo
histérico na voz. — Não. Eu não quero escravos.
Eu sou prisioneira e não quero escravos. — Sua
frase não fazia sentido. — Mas eu quero esse
animal para mim — pediu em um impulso
incontrolável.
Os elfos olharam para o raptor ferido e o elfo
sorriu:
— Meu animal de estimação — alegou. — É
um preço pequeno a pagar em troca da liberdade.
Devo partir. Estou há muitos anos longe de casa.
Era tudo surreal. Alma observou o elfo
erguer a fada pelo braço e ordenar algo em seu
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ouvido, sendo prontamente atendido. Submissa,


Charlotte alçou voo e levou o elfo consigo,
provavelmente de volta para sua casa.
Alma manteve os olhos no céu até não haver
mais nada a ser visto.
— O que você vai fazer com esse animal,
Alma? — Solon atraiu sua atenção e Alma sorriu:
— Eu preciso de companhia. — Aproximou-
se do raptor, um animal tão feio por natureza, mas
com aquela coloração branca era lindo e único.
Acariciou seu pelo espesso. — Vou cuidar dele, e
seremos bons amigos. Quem sabe... Ele não cuida
de mim?
— Não. Eu cuido de você. — Solon ficou
parado olhando para ela — Eu sabia que viria até
mim. Vai me permitir ajudá-la?
— Eu não sei. Pretende cobrar seu pai e obter
ajuda através de chantagem? — Perguntou. — Eu
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não aguento mais isso, essa sujeira que nunca tem


fim.
— Minha relação com meu pai não é assim.
Não há chantagens. — Solon afirmou. — Vem
aqui, Alma.
Ela não queria ir. Queria respostas. Muitas
respostas. Estava confusa e ainda chocada em ver o
que aconteceu com Solon no passado.
— Eu sabia que viria atrás de mim. —
Alegou e ela lhe lançou um olhar desconfiado. —
Está bem, eu vi que a comida faltar e deduzi que
você estivesse me seguindo.
— Porque não tentou me pegar? — Duvidou.
— Hum, achei que você merecia o direito de
escolher quando me abordar.
Alma desistiu de esconder o que sentia.
Aproximou-se de Solon e disse:

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— Não fique muito convencido, isso é uma


fraqueza momentânea.
Solon sorriu e a acolheu em seus braços. O
aperto daquele abraço desmentia as palavras de
Alma. Seus braços envolveram as costas do elfo,
suas mãos agarrando o tecido da roupa, precisando
segurá-lo contra seu corpo. Seu rosto escondido no
pescoço de Solon, aspirando seu cheiro forte e
masculino.
Solon acariciou seus cabelos, aliviado por
obter seu carinho. Um alívio difícil de descrever,
quase impossível de exemplificar com palavras.
— Você a amou? — A pergunta veio
abafada.
— Charlotte? — Ele perguntou, mas era
apenas um jeito de ganhar tempo antes de
responder.
Alma afastou a cabeça de seu ombro e olhou
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em seus olhos como quem diz que o assunto é sério


e que precisa de uma resposta igualmente séria.
— Eu era egoísta demais para amar uma
fêmea — ele admitiu.
— Agora eu acredito em tudo que me disse
sobre raiva e indignação. Eu não passei um terço do
que você passou. — Disse triste por causa dele. Fez
um carinho em seu cabelo, onde ela sabia que se
escondiam as cicatrizes.
Solon pegou sua mão e beijou seus dedos,
como um mudo agradecimento.
— Está com fome? — Ele mudou o assunto
drasticamente.
— Faminta. — Confessou e sorriu.
Solon não disse muita coisa enquanto
afastava o corpo do raptor abatido e ajeitava um
acampamento improvisado. Solon caçou e preparou

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um almoço saboroso enquanto Alma cuidava do


raptor ferido.
Nunca imaginou que fosse se apegar a um
animal capaz de ferir. Ela própria era capaz de ferir,
não era? Cuidou da ferida na perna do animal
contente em descobrir que era um ferimento
superficial. Sussurrou besteiras no ouvido animal e
retirou o encanto de sobre ele, quando o bicho se
ajeitou no chão para descansar.
A boca gigantesca se abriu e ele pareceu
querer avançar. Por isso Alma o controlou outra
vez.
— Tente usar isso — Solon lhe entregou uma
ave abatida e sangrenta. — Normalmente os
animais ariscos aceitam comando de quem os
alimenta em momento de dificuldade — sugeriu.
— É uma troca justa baseada em interesse.
— Nossa, quanto romantismo. É por isso que
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está me alimentando? — Apontou a comida que


cozinhava em uma fogueira bem feita.
Solon apenas sorriu e ergueu ma sobrancelha
com charme, beijando seu pescoço antes de se
afastar para cuidar do almoço.
Eles precisavam conversar. Ambos sabiam
disso. Por hora, Alma apenas sorriu feliz,
mordiscando o lábio maliciosa, enquanto retirava o
encantado do raptor e lhe oferecia a comida, como
barganha por sua simpatia...

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Capítulo 28 - Lágrimas puras

Bem mais tarde Alma estava deitada, sob a


sombra de uma árvore, enquanto fazia a digestão do
almoço e esperava que seu novo amigo melhorasse.
O raptor apelidado de El, em homenagem a sua
amiga Eleonora, que entenderia a brincadeira
mórbida referente à sua cabeleira loura clara,
esbranquiçada, em relação ao pelo branco do
animal.
Sonolenta, uma das mãos pousadas sobre a
barriga, a outra alisando os cabelos do seu amante,
que silencioso esperava pelo momento em que ela
conversaria. Eles apenas almoçaram a comida farta
e deitaram para descansar, presos em uma conversa
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superficial que logo virou um silêncio profundo e


contemplativo.
Alma olhou para Solon, e suspirou atraindo
sua atenção.
Olhos tão bonitos e cativantes, cobrando dela
uma resposta para esse suspiro.
— Você sabia que seu pai é um Conselheiro
do Rei? Um ex-Guardião? Por isso me disse que
tem influencia junto ao Conselho? — Perguntou
direta.
— Sempre soube quem eram meus pais —
ele foi simplista em sua resposta. — Miquelina era
uma fada simples, filha de taverneiros, mas não era
uma fada de taverna. Ainda não, mas acredito que
teria sido seu caminho natural. Quando conheceu
meu pai, ele havia se casado com uma fada e era
infeliz. Eles tiveram um caso. Eu sou o resultado
disso. A única forma desse relacionamento não
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acabar em morte ou prisão, pois um Guardião segue


rígidas regras de conduta, era esconder esse crime.
Ou seja, me esconder. Miquelina me entregou ao
Ministério do rei. Mas não foi um abandono. Ela
pediu para trabalhar como carcereira.
— Mas você não acha que foi por amor ao
filho? — Alma deduziu. — Notei que sente rancor
por Miquelina.
— Eu tive rancor e ódio por muitos anos.
Depois entendi que Miquelina é mais profunda do
que isso. Seu dom é a previsão do futuro, um dom
tido como extinto. Viver na clausura era uma
proteção para uma fada que seria caçada e morta
por conta de seu dom, ou constantemente caçada
para a venda. Ela aliou o útil ao necessário.
Manteve-se amante do elfo que amava. Cuidou do
filho dele. Ela fez o que tinha que fazer para ser
feliz, com os recursos que a vida lhe ofereceu.

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— Ela o ajudou quando foi atacado? —


Estranhou. — Eu vi nas lembranças de Charlotte
que seu pai cobrou sua tragédia com a espada. Ele
puniu o mandante. Mas não vi Miquelina ajudando-
o.
— Ela sabia o que me aconteceria — ele
afastou os olhos, fitando o dia luminoso, bonito, de
nuvens claras no céu. — Ela previu o que Charlotte
faria comigo e não me alertou.
— Oh — ela não esperava por isso. — Como
pode fazer isso com o próprio filho?
— Eu não sei. E por muito tempo essa
indagação me perturbou. — Foi sincero.
— E não perturba mais? — Queria conhecer
suas mágoas para entender exatamente como Solon
pensava.
— Eu esqueci. — Admitiu — precisei
esquecer minha vida passada para suportar minha
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nova condição. — Havia tristeza em sua voz — não


sou o Guardião jovem e egoísta que fui. Sedutor
barato, inconsequente e irresponsável. Espero que
Miquelina também não seja mais a mulher fria e
capaz de deixar o filho padecer em prol de nada.
— Eu gosto do modo como sua mente
funciona — ela disse sorrindo simpática a causa de
Solon. — Talvez eu devesse fazer o mesmo.
Esquecer.
— É o melhor caminho quando não há uma
segunda opção.
— Segunda opção? — Ela riu suavemente.
— Sou fugitiva e acusada de cumplicidade no
assassinato do Rei. Você consegue mesmo ver uma
segunda chance para mim?
— Sim, eu vou apelar junto ao meu pai. Ele
intercederá por nós dois. Confiará na minha palavra
e será esse voto de confiança que atrasará seu
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julgamento. Conseguirei tempo para que Eleonora e


suas asas apareçam e libertem suas amigas das
acusações.
— E se Eleonora não aparecer ou suas asas
não puderem nos salvar? — Perguntou triste, não
queria pensar nessa possibilidade, mas era
amplamente possível.
— Eu fugirei com você. Mas apenas em
último caso. — Falou com complacência e
aceitação.
— Deixaria de ser Guardião para viver
comigo? — Perguntou surpresa.
— Nunca deixarei de ser um Guardião até o
dia em que minha armadura me rejeitar, pela idade
ou condição física. Posso ser um Guardião em
qualquer lugar do mundo, mesmo em uma cabana
escondida em algum lugar, só você e eu.
Alma manteve os olhos nos seus. Faltou-lhe
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palavras para expressar a gratidão e o amor que


apertava sua garganta com força.
Beijou-o na bochecha, pois lhe faltou
condições para pensar em algo mais profundo.
Solon retribuiu beijando seus lábios, um beijo curto
e molhado, para dividir sentimentos e não causar
um ataque sexual.
— No Deserto das Areias Vermelhas. Foi lá
que escondi sua armadura — ela revelou, corada e
arfante do beijo, acariciando o pescoço masculino,
um pouco curvada sobre ele, cabelos lisos e
castanhos caindo em sua face.
— Você é uma fada malvada — Solon sorriu
ao dizer isso. — Onde exatamente você a enterrou?
— Não se preocupe, eu buscarei para você —
disse com humildade. — Eu nunca quis seu mal.
Agora eu sei disso. — Admitiu. — É verdade que
você iria me escolher mesmo antes de me
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conhecer?
— Eu a conhecia, Alma. A distância é
verdade, mas eu a conhecia. — Disse romântico. —
Eu a quis por sua beleza, porque aos meus olhos
você é a fada mais linda desse mundo, eu a quis por
sua seriedade e por seu olhar assustado.
— Eu não tenho o olhar assustado — ela
desconfiou dessa afirmação.
— Tem. Você tem susto no olhar. Um susto
que vem do ódio e do medo. Eu soube reconhecer
esse olhar desde a primeira vez em que a vi. Culpa
de Tobias que enalteceu as qualidades de suas
amigas, mesmo assim, meu interesse é apenas meu.
Fui eu quem a desejei acima das recomendações de
um amigo.
— Acha que Miquelina aprovará sua decisão
sobre mim? Ela sempre me detestou. — Disse
ocultando um sorriso.
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— Não cabe a ela aprovar. — Solon foi


franco. — Então, terei que esperar muito tempo
para reaver minha armadura? — Mudou de assunto
e ela manteve um sorriso gigantesco na face.
— Dependente. O que você mais deseja
nesse momento? Sua armadura ou... — Sussurrou
uma obscenidade em seu ouvido e Solon a girou na
relva — é, eu imaginei que escolheria a segunda
opção! — Alma disse rindo, antes de soltar um
gritinho ao ser atacada com beijos e cócegas.
Era tão fácil sentir-se feliz nos braços de
Solon. Tão simples e único momento, que Alma
esqueceu-se das obrigações e as feridas abertas em
seu coração, desfrutando da sensação de ser apenas
feliz.
*****
Horas mais tarde, Alma pousou no chão,
depois de um longo voo sobre o Monte das Fadas.
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Um voo pesado, pois levara consigo o Guardião e


não era adepta de carregar peso. Pousou-o
reclamando de ter lhe dado carona. Solon fingia
não ouvir suas reclamações, roubando-lhe um beijo
rápido para calar suas reclamações.
— Oh, aí está você — ela disse ao ver El, seu
novo amigo surgir de entre as árvores, correndo.
Havia ordenado que o raptor os seguisse, e
com a velocidade que o animal alcançava quando
correndo, não foi difícil alcançá-los. Alma
observou a divisa entre o Deserto das Areias
Vermelhas e a Vila dos Desesperados. Podia sentir
o calor e o bafo do deserto mágico.
Com uma careta, ela fez um carinho rápido
no animal e então se aproximou de Solon.
— Eu vou sozinha, você vai acabar me
atrasando.
— Quanta simpatia — ele ironizou,
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enlaçando-a pela cintura.


— Não é muito longe daqui. — Alma
respondeu assim, fingindo não achar graça de seu
modo de tratar seus desaforos gratuitos.
Não era uma fada doce e suave. Era bom que
soubesse com quem pretendia passar o restante de
sua vida. Melhor não haver enganos.
Alma voo novamente, enfrentando o calor e
o mormaço que dificultava sua respiração. Da
última vez seu voo era deselegante e instável.
Dessa vez foi um pouco mais fácil e menos penoso.
Sorte sua ter tido a boa ideia de enterrar em um
lugar próximo a divisa entre o Deserto das Areias
Vermelhas e a Vila dos Desesperados, ou sua tarefa
seria ainda mais cansativa.
Por um momento, Alma parou de voar e
manteve as asas batendo em ritmo lento, imóvel no
ar, cobrindo os olhos com ambas as mãos, criando
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uma proteção contra o sol escaldante que a limitava


momentaneamente. Começou a nutrir um
sentimento de pânico ao não avistar a árvore que
usava como referência. Uma árvore velha e seca,
sem folhas, mas que servia como ponto de
referência.
Seu coração voltou a bater normalmente
quando avistou os galhos e o alívio a fez sorrir.
Deveria ter trazido uma pá, pensou amarga, ao
começar a cavar com as mãos a areia fumegante.
Meia hora mais tarde, puxou a caixa revestida por
couro de dentro do buraco e caiu para trás, suada e
sem fôlego.
Estava respirando com força, tentando
recuperar seu fôlego quando ouviu o som de um
grunhido animalesco. Na imensidão de areia
vermelha e vapor quente, Alma avistou um ponto
branco correndo em sua direção e sorriu antes de

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fechar os olhos e aguardar.


Seu príncipe era na verdade um Guardião e
seu cavalo branco, na verdade era um raptor, uma
besta fera animalesca quando não controlada e
domesticada.
E poderia haver algo mais perfeito que isso?
— Eu pedi que me esperasse — ela disse
mansa, abrindo os olhos para ver seu Guardião
montado no animal.
— Esse seu bicho de estimação é ótimo em
seguir rastros. — Solon disse sorrindo. — Venha, é
um caminho difícil até sairmos daqui.
— Eu prefiro voar — ela disse levantando,
erguendo para Solon a sua bendita armadura.
— Não seja petulante comigo — ele
recomendou, suando tanto quanto ela.
— Eu não poderia ser petulante com você,

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Guardião. Ter asas é uma bênção, mas disso os


elfos não entendem.
Solon não a corrigiu ou pediu retratação pela
ofensa. Gostava de vê-la adquirir confiança em si
mesma. Seguiu-a da terra, no lombo do animal,
enquanto Alma cortava o céu com suas asas.
Quando tornaram a se encontrar, em solo
seguro, a decisão estava tomada.
Sem medos, os dois seguiriam juntos para o
Reino de Isac.
A fada Alma, fugitiva e acusada do
assassinato do Rei Isac estava prestes a se entregar.
*****
Nos dias seguintes, nenhum dos dois falou
sobre seguir o mais longo dos caminhos de volta.
Poderiam ter optado por seguir voando ou no longo
de El, que rapidamente se tornara o queridinho de

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Alma.
Tanto um quanto o outro, preferia atrasar a
chegada ao máximo possível. Não era medo
propriamente, era um sentimento de perda
antecipada. Perder a espécie de lua de mel que
viviam. Acampando juntos, fazendo amor,
conversando e falando muito, muito mesmo sobre
retornar para junto do povo subterrâneo para viver
junto das fadas e elfos que os trataram como um
dos seus.
Um pensamento em comum. Um desejo em
comum, eles tinham muitas escolhas parecidas.
Vivendo uma espécie de relacionamento sério,
Alma e Solon seguiram juntos, firmes nessa
decisão. Mesmo que Alma parecesse disposta a
fraquejar quando margearam a Vila das Fadas e
fizeram um atalho diretamente para o castelo.
Ela olhava muito para o céu enquanto Solon

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se reportava a um dos guardas que fazia proteção


em uma torre baixa, na murada de proteção do
castelo. Ele notou que a fada estava insegura e
segurou seu braço. Intimamente Alma sabia que
Solon temia que ela se arrependesse no último
instante.
Não custava precaver, não é mesmo? Os dois
haviam chegado muito longe naquela decisão para
simplesmente um deles se arrepender e voltar atrás,
estragando tudo.
O olhar de aviso que Alma o presenteou não
o fez fraquejar. Era o certo, e ela precisava entender
isso.
Chamaram atenção enquanto percorriam o
caminho de barracas e estrebarias em direção do
portão principal, por onde Solon pretendia avançar.
Não iria expor Alma à exibição pública diante dos
aldeões que trabalhavam e residiam em casebres

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junto ao castelo.
Há quase um século os aldeões viviam na
Vila das Fadas. Apenas os moradores e
trabalhadores do castelo residiam nas imediações
mais próximas. Era um modo de manter a
hierarquia e garantir que miscigenações aleatórias
não acontecessem. Pensamento pequeno e
mesquinho, digno de reis inseguros, que
mantinham a paz à custa de leis arbitrárias.
Rei Isac não poderia ser totalmente julgado
como indulgente. Ele fizera o que podia em tempos
de guerra e sofrimento. Os anos passaram e ele não
soube acompanhar as mudanças. Talvez estivesse
muito ocupado com uma rainha dominadora, que
mantinha um controle doentio sobre seu Rei e seu
povo.
Solon rechaçou a proximidade de guardas,
que tencionavam aliviar o fardo do Guardião,

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levando armadura e prisioneira, pois era esperado


que quisesse descansar após semanas de trabalho
pesado em uma caçada importantíssima para a vida
do reino.
Alma mal respirava enquanto percorria os
corredores tão conhecidos, gravados em sua
memória desde os tenros primórdios de sua
infância. Talvez por ter estado livre pela primeira
vez em sua vida, Alma sabia diferenciar o belo do
feio, e podia ver com clareza que aqueles
corredores não eram bonitos e sim, claustrofóbicos.
Antigamente as fadas da clausura ficavam
tão felizes em caminhar fora da clausura, que viam
os corredores do castelo com olhos de admiração.
Tempos de nulidade total.
Em um dos corredores, cruzaram com um
grupo de fadinhas do Ministério do Rei, mantidas
sob controle ferrenho por duas carcereiras, uma

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delas Miquelina. Alma sentiu os olhos da fada


sobre si e sentiu a fúria ameaçar vir à tona quando a
fada juntou as meninas, como se as protegesse da
fugitiva assassina.
— Paciência — Solon sussurrou em seu
ouvido, pois sentia a tensão tomar conta do corpo
da fada. — Controle sua raiva. Demonstrações de
insubordinação causarão ainda mais problemas para
você. Eu não posso ajudá-la, se não me ajudar.
Alma olhou-o com olhos de veneno. Claro
que Solon tinha razão. Mas naquele momento
separar uma coisa da outra era muito difícil.
Alma parou de andar quando enxergou um
grupo de Guardiões avançarem na direção deles.
— Não — ela parou de andar, olhando para
trás com medo, talvez tencionando fugir. — Eles
vão me machucar.
— Não. Eles não farão nada sem minha
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permissão.
— Está mentindo — ela disse seca.
— Não, você está com medo e me agredindo
— apertou a carne do seu braço, para que acordasse
e ouvisse o que dizia.
Três Guardiões fizeram uma mesura e Solon
falou rapidamente, ordenando que juntassem os
Conselheiros. O mais confiante dos jovens
Guardiões lhe respondeu em tom de orgulho:
— Sua chegada já foi anunciada e a Rainha,
junto ao Conselho, o aguarda no salão principal.
— Ildegar — disse Solon. — Sua lealdade
pertence aos Guardiões, Conselheiros ou a Rainha?
O guardião pareceu ponderar a pergunta:
— Aos meus eu ofereço minha cega
lealdade, Solon — ele disse com certeza absoluta.
— Certo — Solon disse, agradado de sua
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resposta — então, prepare sua espada.


O Guardião abriu um sorriso cúmplice e
maneou a cabeça:
— Eu lhe diria para ir com calma, meu
senhor. Um curto tempo passou desde sua partida.
E creio que surpresas o aguardam. — Disse com
respeito pertinente a um Guardião novato, mesmo
assim parecia achar graça, embora um pouco de
tensão sempre fosse presente em uma situação
como aquela.
Os três Guardiões os seguiram de perto e
Alma sussurrou para Solon:
— Eu não sei se gosto deles.
— Não precisa gostar, precisa obedecer —
ele avisou tenso.
Finalmente diante do amplo arco que
indicava a passagem para o salão principal do

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trono, Alma segurou sobre a mão que segurava seu


braço.
— Eu vou ter que fazer o que for para ficar
livre se você falhar, Solon. — Lembrou-o disso —
você não pode me acusar por nada que acontecer
depois.
— Eu sei. E digo o mesmo.
Olhos nos olhos. Solon confiava que
conseguiria resolver tudo com ajuda de seu pai.
Alma desconfiava seriamente que era sua
oportunidade de manipular a Rainha Santha, a
traiçoeira ordinária, e salvar a todas elas. Cada qual
com sua estratégia.
Solon não encontrou a imagem de Egan ao
levar a prisioneira consigo. Muito menos Acheron
ou Zoé, sinal que nenhum havia retornado ainda.
Seu pai, o Conselheiro Rodor estava presente
e não esboçou reação ao vê-lo. Havia orgulho por
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trás da expressão gélida. Solon conhecia aquele


elfo amargurado. Era seu jeito. Amava o filho em
silêncio. E em silêncio aquele amor deveria ser
mantido.
— Onde está Lucius? — Foi Alma quem
notou a ausência.
Tenso, Solon esperou que alguém dissesse
algo. O primeiro a falar foi Túlio, pai do primeiro
Guardião Egan. Como Conselheiro Real e primeiro
em hierarquia, cabia a ele a palavra:
— Diga seu nome, fugitiva — ordenou,
andando em torno de Alma.
Solon soltou o braço da fada e Túlio a
analisou da cabeça aos pés.
— Alma. — Ela respondeu seca, sem olhá-
lo.
— A fada Alma, com suas asas nascidas e

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sem cheiro de cio. — Olhou brevemente para


Solon. — Com suas asas, seu dom foi adquirido. É
necessário uma fada de controle da mente — ele
ordenou a um dos jovens Guardiães — pois
precisamos conter seus impulsos.
— Não será necessário — Alma disse gélida.
— Sei meu lugar.
— Está se entregando e admitindo sua culpa
no assassinato do Rei Isac? — perguntou Túlio
com uma pontinha de surpresa na voz.
O modo selvagem como Alma olhou-o e a
empáfia em sua postura mostrava exatamente o
oposto.
— Eu gostaria de ver isso acontecer. Ver
alguém capaz de convencer Alma a confessar algo
que não fez. Eu realmente gostaria de saber se essa
pessoa existe. — Disse uma voz conhecida, saída
de uma porta lateral.
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Uma voz carregada de ironia velada e


sentimentos profundos em relação à fada Alma.
A voz também vinha carregada de humor e
algo de choro.
— Alma nunca admite que errou. Jamais. —
A voz insistiu e a imagem não cabia a voz.
Por um segundo Alma achou estar vendo a
Rainha Santha vinte anos mais jovem, vestida em
um longo vestido de véus e rendas na cor vermelho.
A pele branca feita de seda e leite era realçada pelo
tecido diáfano, coberto por pedrarias belas e
brilhantes, enquanto faixas do tecido macio
cobriam seu peito, cintura, quadris e pernas como
uma carícia e não uma roupa.
Na cabeça uma tiara corria por sua testa feita
em ouro dourado e as mesmas pedras vermelhas. A
tez tão pálida, sem maquiagem, lábios opacos e
traços esculpidos pela própria beleza realçavam os
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olhos claros, esbranquiçados assim como os


cabelos.
Braços nus, mãos longas, dedos finos.
Aquelas mãos pertenciam a Eleonora. Não
pertencia a Santha.
— Querida — disse Eleonora diante de seu
assombro. — Oh, minha querida — correu para
aproximar-se e dizer Alma quem era, pois ela
parecia em total choque.
Foi tarde demais, enfraquecida pelos
sentimentos, Alma caiu de joelhos e pousou as
mãos no chão, para se segurar e não cair deitada.
— Não, não fique no chão — disse Eleonora,
ajoelhando-se e amparando. Segurando-a em seus
braços, abraçando-a. — Sou eu, Alma. Minha
adorada, sou eu — disse com voz embargada, sem
ligar para as lágrimas que presas tornavam sua voz
um fiapo frágil. — O que fizeram com você, Alma?
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O que fizeram com nossos corações? — Eleonora


sussurrou no ouvido de Alma. — Estou salva. Você
está salva. Alma, por favor, diga alguma coisa...
Não fique no chão, eu não concebo a ideia de vê-la
sem forças no chão... — Implorou.
Eleonora não queria que fosse assim, que
Alma soubesse em meio ao susto. Ela precisava de
cuidado.
— Onde ela está? Onde a desgraçada está?
— Alma perguntou aceitando seus carinhos.
Referia-se a Santha.
Eleonora estava extasiada com as asas de sua
amiga. Era uma visão esplêndida e precisou de um
momento para entender o que dizia.
— Está salva. — Não quis falar disso ainda.
— Pode levantar?
— Não. Minhas pernas tremem — Alma
admitiu facilmente e Eleonora riu, pois as suas
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também estavam bambas.


Solon observou-as juntas e mal pode crer que
sua fada ressabiada e esquiva fosse à mesma que se
soltava e derretia nos braços de sua amiga.
— Eu a levo no colo — ofereceu, mas sua
mão foi afastada de perto de Alma, e o olhar da
Rainha Eleonora era duro.
— Afaste-se, Guardião. Enquanto eu não
souber o que fez com Alma o considerarei um
traidor.
Alma não a desmentiu, mas afastou-se e
aceitou a mão do Guardião. Não conseguia falar e
contar Eleonora tudo que lhe aconteceu. Então,
aceitar o toque do Guardião era uma pista da
situação real.
Eleonora não o impediu de pegar a fada
Alma nos braços.

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— Leve-os para meu aposento — mandou


Eleonora, e dois jovens guardas os acompanharam
enquanto levantava e aceitava o abraço de Reina,
sua mãe postiça.
Precisava de um coração muito forte para
suportar tantas emoções.
Sua fraqueza durou pouco.
Seguiu-os decidida a saber tudo que
aconteceu.
Encontrou Alma deitada na cama, e o
Guardião Solon lhe acarinhando os cabelos.
O elfo estava vivo para insistir no carinho.
Então, Eleonora deduziu que Alma consentia sua
proximidade.
Quando a viu outra vez, Alma afastou o
toque do Guardião e ergueu as mãos para Lora.
— Pode voltar para seu posto, Guardião —

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Eleonora disse sem prestar atenção a ele. — Será


colocado a par de suas obrigações para com o reino
segundo as novas leis. Agora vá — despachou-o.
Como Alma não se manifestou para pedir
que ficasse, magoado, Solon saiu.
O pouco caso de Alma não foi notado por ela
mesma. Só tinha olhos para Eleonora.
A rainha retirou os sapatos e subiu na cama,
deitando ao seu lado, pousando a cabeça em seu
ombro, abraçadas como faziam no Ministério do
Rei, quando sentiam medo. As quatro se juntavam
em uma mesma cama estreita e se abraçavam,
desde pequenas era assim.
Mas dessa vez não havia medo.
— Egan me encontrou e viu minhas asas.
Ajudou-me a provar minha inocência perante o
reino. Houve um justo julgamento e Rainha Santha
foi sentenciada a morte. Lucius está nas masmorras
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— Lora explicou baixinho, com palavras sucintas,


pois sabia que a mente de Alma era direta e não
precisava de muitos detalhes para funcionar, o que
não aconteceria com Driana, que precisaria de mil
explicações para se satisfazer. — Driana está a
salvo. — Ergueu a cabeça e sorriu, pois Alma
precisava ser tranquilizada. — Ela segue sob a
proteção do Guardião Acheron. Recebi uma carta
dela. Está bem e feliz. Optou por seguir viagem na
busca por Joan. Ela nos preocupa muito, Alma.
Joan é tão frágil e delicada. Tão doente. Zoé é uma
fera. Uma selvagem. Driana não quis esperar. Mas
tenho fé que em breve estará de volta trazendo Joan
consigo. Diga alguma coisa, Alma.
Era um pedido simplório.
— Eu posso controlar as criaturas usando o
poder da minha voz. Eu vi e convivi com uma
civilização subterrânea secreta e tenho um raptor de

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estimação. — Atropelou as palavras. — E eu matei


um elfo.
Eleonora manteve os olhos nos seus. Não fez
alarde de sua declaração.
— Um raptor? Como alguém consegue um
raptor como animal de estimação? — Optou por
não enfrentar sua última declaração.
Alma sorriu diante de sua precaução.
— Eu não sou uma assassina, não se
preocupe. Eldor queria me tornar uma assassina,
mas eu não aceitei. Ele era horrível, um monstro.
Eu fiz o que tinha que fazer para me salvar e salvar
a muitos outros. — Havia convicção em sua voz.
— Ao menos, foi isso que Solon disse para me
convencer que sou socialmente aceitável.
— E porque ele se deu a esse trabalho? —
Uma ruga em sua testa mostrava a Alma que
Eleonora desconfiava do interesse do elfo.
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— Lembra quando Driana recebeu


pergaminhos e penas de um admirador secreto? —
Alma perguntou de surpresa.
— Sim, eu lembro. Ele nunca mais enviou
nada. Achamos que era fogo de palha — Lora
disse.
— Não era para Driana. Era para mim. Solon
mandou para que eu desenhasse. Tobias confundiu
tudo, o cafajeste. — Disse com falso rancor.
— Está me dizendo que você e o Guardião...?
— Eleonora manteve na voz uma surpresa velada.
— Não está mais surpresa do que eu. —
Alma foi taxativa.
— Ele aproveitou-se de você? — Eleonora
perguntou ainda desconfiada.
— Não. Solon é incapaz disso. — Defendeu-
o.

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— Como ele conseguiu esse feito? — Lora


perguntou exibindo toda sua incredulidade. Então
riu, deitando na cama, olhando para o teto decorado
do quarto. — Afinal, o que aconteceu conosco?
Egan está buscando por Joan, antes ele esteve na
busca por Driana. Quando ele regressar nos
casaremos. Acho que é o caminho natural para
Driana e Acheron. E agora você e Solon. O que
aconteceu conosco?
— Eu não sei. A única coisa que sei é que
vivi um século em pouco menos de dois meses —
Alma confessou deitando de lado, cansada
emocionalmente.
— Conte-me tudo que aconteceu, Alma.
Cada palavra, eu quero saber tudo. — Eleonora lhe
fez um carinho e ouviu atentamente quando Alma
começou a narrar sua aventura, desde o momento
em que deixou o castelo, até o instante em que

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tomou a decisão de enfrentar o perigo junto ao


Guardião Solon...

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Capítulo 29 - Longe dos meus olhos

Um dia e uma noite. Foi esse o tempo em que


Solon permaneceu sem ver Alma. Estava quase
convencido que fora esquecido e abandonado por
sua fada escolhida, quando foi chamado para uma
conversa privada junto da Rainha Eleonora em seus
aposentos pessoais.
Uma sala anexa ao quarto, decorada com
capricho e ostentação. A primeira criatura que
Solon reparou foi em Alma vestida com uma calça
de couro nova, um colete do mesmo material,
trançado nas costas para permitir total liberdade
para suas asas tão agitadas. Na frente o couro
enaltecia seu decote generoso e uma coleira de fios
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trançados da mesma cor marrom do traje, realçava


seus cabelos e olhos amendoados.
Nos pulsos os adornos ganhavam utilidade,
pois ele notou que pequenos punhais escondiam-se
ali. Nada de cinturões, ela não gostava disso. As
botas altas, não possuíam salto, perfeitas para
longas caminhadas de uma fada que não apreciava
muito voar. Os cabelos estavam soltos e pelo
menos, seu olhar não era de desdém.
A rainha Eleonora havia o convidado à
presença de Túlio e Rodor. Reina permanecia no
cômodo sem função diplomática, porém por ampla
necessidade de manter a paz entre os elfos e as
fadas, caso a conversa não prosperasse de modo
conciliador. Eleonora prometia ser uma rainha
generosa e bondosa, mas lhe faltava experiência, e
poderia se desviar de seus verdadeiros interesses
sem uma direção firme.

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— Aí está o Guardião Solon — disse


Eleonora, andando pela sala, arrastando seu vestido
belíssimo, em azul muito claro, quase
esbranquiçado como sua pele. — Pesa sobre seus
ombros, Guardião, a acusação de defloramento de
uma fada casta da clausura — foi direto ao ponto,
para surpresa de Solon. — Como dilui o Ministério
do Rei e por consequência a clausura, a acusação
não procede. Porém, em qualquer situação,
aproveitar-se do cio de uma fada continua sendo
crime diante do reino.
— Eleonora — Alma reclamou. — Isso não é
necessário.
— Sim, isso é necessário. Incorre sobre Egan
e Acheron o mesmo crime. Como todos sabem,
Egan preferiu ser rei, a ser prisioneiro — ela fez
graça, pois para o assunto era tão menor, que não
merecia tanta tensão. — Acheron manifestou-se

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sobre assumir suas responsabilidades. E você?


Devo exigir compensação ou honrará suas calças?
— Fale pausado — Alma disse a ela,
irritadíssima com esse constrangimento. — Solon
lê seus lábios e não tem culpa de você falar as
palavras sem mover os lábios adequadamente. Não
é obrigação do elfo lidar com seu pouco jeito, Lora.
Era uma alfinetada entre amigas. Estava
irritada com Eleonora por fazê-la passar por isso.
— Não é necessário que me defenda —
Solon reclamou. — Me caso com sua amiga. Minha
palavra está empenhada nisso.
Alma fez troça de suas palavras e Eleonora
segurou a mão de Alma, dando um tapinha amigo
em sua mão para que não abrisse a boca para falar
besteiras e magoar o elfo.
— Alma pediu permissão para uma viagem.
Como rainha, consenti, pois é uma fada livre.
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— Uma viagem? — Ele perguntou sem


entender, olhando para Alma com olhar acusador.
— Vou ao Campo dos Humanos, ajudar nas
buscas por Joan. — Disse com voz seca.
— Não é necessário. Egan e Acheron estão
nessa busca. — Ele negou. — Porque está indo
também?
— Porque eu quero — Alma disse séria.
— Pensei que houvéssemos passado dessa
fase — ele disse magoado.
— Eu nunca neguei quem sou ou meus
instintos. Eu ainda quero tudo que lhe disse, mas
primeiro vou procurar por Joan. Fazer a minha
parte. Venha comigo se quiser. Se não quiser... É
livre para seguir seu caminho sem mim. — Disse
no mesmo tom que ele.
Solon não acreditou no que ouvia. Eleonora

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olhou de um para o outro e sentou-se em uma das


poltronas que adornava a saleta.
— É verdade que tem o desejo de cuidar
pessoalmente do povo subterrâneo resgatado no
Vilarejo Sem Fim? Alma me contou em detalhes
sobre toda a situação. — Eleonora mudou o
assunto.
— Sim, tenho o desejo de ajudá-los a erguer
um povoado e a lidar com a situação. Não é fácil
para eles lidar com todas as novidades. Não
conhecem a nossa vida. — Disse ainda olhando
para Alma. — Pensei que essa traidora quisesse o
mesmo que eu.
— Hum, não confie no querer de Alma —
disse Eleonora entendendo muito bem o que ele
sentia. — Ela se fecha com o passar do tempo. É
necessário conquistá-la novamente e novamente.
Não pense que é fácil. É uma luta constante manter

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seu amor e sua consideração. Uma luta diária. Uma


reconquista diária, eu diria.
Alma mal acreditou nas palavras de
Eleonora.
— Eu não sou assim — defendeu-se.
— Intencionalmente não — Lora disse
cordata, sorrindo para acalmá-la. — Sou muito
grata, Solon, por tudo que fez por Alma. Você não
acredita na evolução que conseguiu. Ela era
praticamente selvagem na última vez em que a vi.
E agora... É uma fada quase tranquila. Toda aquela
fúria angustiante se tornou segurança e confiança
em si mesma. Por ter mantido-a em segurança e ter
cuidado tão bem dela, lhe ofereço o domínio sobre
o Vilarejo Sem Fim e todos os meios e recursos
para manter esse povo em segurança. Eu temo que
meu presente possa ser a razão de uma separação
definitiva entre os dois — Lora apontou Alma e

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Solon — mas também sei que entre elfo e fada não


existe empecilhos quando desejam ficar juntos. Não
cabe a mim, como rainha, forçá-los a nada.
Solon agradeceu com um movimento da
cabeça e olhou fixamente para Alma.
— Deseja falar as sós com Solon? —
Perguntou Eleonora, no fundo achando graça do
comportamento dos dois.
Alma namorando era uma imagem quase
irreal.
— Não temos nada para falar. Eu vou partir,
quando voltar, se ele tiver interesse, podemos
conversar. — Disse com distanciamento.
— Eu não tenho inter.
— Que assim seja. — Alma levantou. —
Posso ir agora, Rainha?
Seu tom era petulante. Eleonora levantou e a

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beijou na face enquanto dizia:


— Se encontrar Egan no caminho, diga-lhe
que sinto saudades.
— Seu pedido é uma ordem, minha rainha —
Alma fez uma mesura e partiu com uma expressão
decidida, sendo seguida diretamente pelo Guardião.
— Não deveria ter permitido que ela fizesse
isso — disse Reina, em aviso.
Rodor e Túlio discutiam entre eles sobre o
comportamento do Guardião e da fada, e as duas os
ignoraram.
— Porque não? Alma é assim. Ou Solon
aprende a lidar com ela, ou é melhor que desista
logo de uma vez. — Admitiu. — Não ache que é
fácil viver ao lado de Alma. Tem vezes que dá
vontade de esganá-la... Em outras, de lhe dar todo o
amor do mundo. Eu mesma me divido entre as duas
vontades — sorriu e abraçou Reina, acalmando-a
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— imagine esses dois juntos... — Sentia tanto


orgulho que podia chorar de felicidade.
— Deseja deitar-se, Eleonora? — Perguntou
Reina em seu ouvido.
— Sim. Acha que alguém notou?
As duas deixaram a saleta sem serem
notadas. Reina a levou para o quarto principal e
ajudou-a.
— De modo algum. Os machos são
desatentos para isso. — Disse ajudando-a a despir
as roupas e deitar-se.
— Egan precisa voltar logo, precisamos nos
casar, ou todos pensarão que a cria pertence à
Ildegar.
Reina sorriu orgulhosa e sentou na cama,
tocando seu ventre com ternura.
— Isso não acontecerá. Antes que sua barriga

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desponte, Egan estará de volta e o casamento


ocorrerá. Depois, é só evitar fazer contas e todos
acreditarão no que a Rainha Eleonora disser.
Afinal, você é a salvadora de seu povo. O carinho
que essa gente tem por você tudo perdoa Eleonora.
— Que assim seja. — Sorriu e disse
sonhadora. — Mas eu quero Egan de volta, o mais
rápido possível. Sinto falta dele. Muita falta.
Confortando-a, Reina lhe fez companhia.
*****
Alma ignorou a presença de Solon. Ele a
seguiu por muitos corredores. Então parou de andar
e afastou-se emburrado. Alma virou a tempo de vê-
lo ir embora. Sim, ela fizera isso de novo.
Conseguira irritar até mesmo Solon. Sem saber por
que a raiva estava de volta, Alma andou apressada.
Praticamente correu.
Era estranho estar finalmente livre e optar
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por ir justamente para o caminho da prisão. O


Ministério do Rei não existia mais. Os órfãos
haviam sido transferidos para outra ala do castelo.
Os cômodos abafados e desumanos estavam vazios
e abandonados. Mesmo assim, foi para lá que Alma
dirigiu-se marchando a passos duros.
O quarto que dormiu sua vida toda parecia o
mesmo. Nada havia mudado com exceção da
ausência das fadas. As mesmas paredes podres,
mofadas e fedidas, as mesmas camas pequenas,
cobertas por colchões de palha seca, os mesmos
lençóis amarelados.
O único baú de pertences ainda estava
escorado contra a parede oposta à cama e Alma
ajoelhou-se no chão para abri-lo. Estava vazio.
Levantou-se e andou para trás, olhos fixos no
vazio do baú. Ela não sentia as lágrimas correndo
em sua face. Estava absorta no passado. Ouviu

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passos, mas os ignorou totalmente até sentir uma


presença aterrorizante atrás de si.
— Eu sabia que a encontraria aqui — era
Miquelina.
Vestida com a túnica e o mesmo manto de
sempre, com sua touca na cabeça, Miquelina não
havia mudado nada, ainda lhe parecia à mesma
megera fria e calculista, sempre a caçando pelos
corredores querendo puni-la por algum crime não
cometido. As chicotadas eram sempre mais fortes
quando dirigidas a Alma.
— O que você quer? Pelo que sei o chicote
está abolido do Ministério do Rei — disse
entredentes, limpando as lágrimas das faces, para
não exibir sua fraqueza para sua inimiga.
Miquelina não fraquejava diante do olhar de
Alma. Aliás, enquanto as outras carcereiras
pareciam temê-la e com os anos, foram parando de
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mexer com ela, Miquelina parecia instigada em


enfrentá-la, como agora ao falar independente de
Alma querer ouvi-la ou não.
— A primeira previsão que eu tive em minha
vida foi sobre a morte do meu filho. Eu não possuía
grande domínio sobre o meu dom, era jovem
demais, mal haviam nascido minhas asas quando
emprenhei. — Miquelina disse, ignorando sua
ironia e seu rancor. — Foi durante o parto, no
instante em que colocaram Solon nos meus braços.
Depois disso, todos os dias eu via como seria. O
menino havia nascido predestinado a uma morte
prematura. Então, eu fazia tudo diferente, todos os
dias, tentando impedir. Quando o entreguei o bebê
no orfanato eu achei que ele estaria a salvo do
mundo. Preso entre paredes. Mas os perigos
aumentaram. Eu me ofereci de carcereira. Solon
acredita que foi para esconder os crimes de

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adultério de Rodor. Mas não foi. Amar o pai de


Solon não seria o bastante para me fazer abandonar
meu filho em um orfanato. Quando Solon fez sete
anos eu vi que sua paz havia finalmente chegado.
Ele estava livre de previsões de morte. Eu pensei
que tudo ficaria bem. Foi quando previ a destruição
total do Monte das Fadas. Aconteceria em
aproximadamente vinte anos. Rei Isac seria
assassinado por sua rainha louca Santha e Lucius
seria Rei. Ele levaria nosso povo à destruição em
meio a guerras incitadas entre criaturas mágicas e
humanos. Uma tragédia horrorosa. Meu filho seria
um dos primeiros abatidos. Rodor partiria logo
depois e eu vi o modo de impedir tudo isso. Um
bebê abandonado no Ministério do Rei. Uma
criatura chamada Eleonora. Eu fiquei para ajudar a
vigiar que essa menina estivesse viva para impedir
tudo isso acontecer. As previsões foram seguindo.
Eu previ a tragédia de Solon, e previ que isso o
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transformaria em um homem justo e adorável. Eu


previ que a fada Alma, a menina que infernizava
meus dias desde o dia em que foi deixada no
orfanato seria importantíssima na vida do meu
filho. O que eu faria? Amar essa menina? Não. Eu
a detestei com todas as minhas forças. Você terá
algo que eu nunca tive. A chance de viver com
Solon e ter o seu amor. Eu perdi isso, eu optei por
não ter isso. Eu tenho a satisfação de vê-lo criado e
autossuficiente, em um mundo que parece seguir
por um caminho de paz, longe das guerras. Eu
tenho o amor de Rodor. Agora que o Ministério do
Rei não existe mais e ele é viúvo... Talvez haja uma
chance para nós dois.
— Porque está me contando tudo isso? Eu
não me interesso nas suas razões. Eu não gosto de
você. Não me importa que seja uma mártir. Eu não
vou esquecer o que me fez.

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— Eu não quero que esqueça. Eu quero que


olhe para mim e veja a si mesma daqui a vinte
anos. — Miquelina disse amargurada.
Alma correu os olhos por aquela fêmea e
engoliu em seco atingida por essa verdade.
— Ceda e aceite ajuda. Solon merece essa
oportunidade. Ele vale qualquer sacrifício. Cuide
dele. Será bom para vocês dois.
Alma não respondeu. Quando Miquelina
estava saindo do cômodo, voltou e olhou-a com
superioridade:
— Alguém lhe mandou lembranças. — Ela
disse sorrindo misteriosa.
— Quem? — Perguntou surpresa.
— Uma amiga. Uma velha amiga duende —
ela disse erguendo uma sobrancelha do mesmo
modo que Solon fazia ao sentir-se superior.

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Agora era possível ver a semelhança entre


mãe e filho.
— A velha duende? Você tem algo a ver com
toda a ajuda que recebi? — perguntou chocada.
— Eu sabia que você era selvagem demais
para aguentar sozinha. — Miquelina disse cínica.
— Parece que isso mudou. Posso dizer que olha
quase... Civilizada.
Miquelina se foi e Alma ficou parada
olhando para o vazio deixado por sua presença.
Aproximou-se do baú e empurrou a tampa, que
bateu com um som alto, fechando-o e selando o
passado em seu devido lugar. Talvez aquele lugar
não fosse apenas um receptáculo de lembranças
ruins.
Fechou os olhos pensando em Solon e sua
bondade. No modo como a manteve íntegra.
Sorriu para si mesma. Sentia saudades dele.
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Fazia apenas um dia e uma noite afastados, mas


sentia tanto a sua falta!
Sentia falta de Anastácia e suas sobrinhas, da
pobre Pía que não teve chance de viver plenamente.
Falta de Driana e Joan. Até mesmo da silenciosa
velha duende! Mas principalmente falta de estar na
companhia de Solon.
Decidida, Alma deixou o Ministério do Rei
com passos urgentes. Percorreu os corredores e
desembocou em um corredor aberto, margeado por
uma parede de tijolos, onde no passado escondiam-
se canhões. Lá de cima, avistou El amarrado e
mantido sob controle, próximo ao local onde
ficavam os cavalos. Sorriu e correu as mãos pelos
tijolos, balançando suas asas. Seu primeiro voo no
castelo.
Cruzou o pátio em um voo manso e sagaz.
El ergueu-se imediatamente ao vê-la. Seu
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raptor de estimação estava quase curado do


ferimento na perna e totalmente dócil, cheirou seus
dedos, enquanto Alma acarinhava seu pelo branco.
— Vai se comportar, El? Diga, você se
comportará em nossa nova vida? Espero que sim,
garoto, porque eu gosto muito de você. Muito
mesmo. — Cochichou no ouvido do animal, mas
seus olhos miravam outra criatura.
Solon fingia não vê-la, enquanto encilhava e
cuidava de seu cavalo. Iria partir, estava pronto
para isso. Era louvável o esforço que ele fazia para
ignorar totalmente sua presença.
Era um elfo tão bonito. Tão cativante. Ela
queria muito ouvir sua voz, falar com ele, estar em
seus braços... Antes de mudar de ideia, cedeu ao
impulso de andar em sua direção. Solon continuou
ignorando-a, mesmo quando Alma chegou perto
demais para fingir não vê-la.

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— E se eu sentir vontade de matar outra vez?


— Perguntou do nada, pois era uma das razões do
subconsciente que a fazia fugir dele.
— Não vai acontecer — ele respondeu ainda
em olhar para ela.
— Mas e se acontecer? — Insistiu.
— Não vai acontecer. — Ele repetiu taxativo,
sem permitir argumentações sobre como poderia
saber disso. A voz séria. Virou para encarar seus
olhos. — Pegue suas coisas, vou partir em uma
hora.
Alma não conseguiu conter um sorriso de
pura felicidade. Ele voltou a cuidar do cavalo, mas
sorria. Não queria dar o braço a torcer, mas sorria
com a mesma alegria e alívio que ela.
Não conseguiriam se separar mais. Estavam
unidos para a vida toda. Era fato.

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Solon partia para assumir uma vida no


Vilarejo Sem Fim, até ser designado para outra
missão e sua mulher o seguiria. Alma ficaria ao seu
lado e esperaria notícias de Driana e Joan.
Quando Alma correu para o castelo, para
providenciar uma trouxa de pertences, Solon
observou-a a distância.
A vida não seria fácil ao lado de Alma, e ele
estava preparado para vencer mais essa batalha. A
mais bonita das batalhas.
Uma hora mais tarde, o cavalo partiu levando
Guardião e fada, ao lado um raptor branco como a
neve os seguia dócil. Da mais alta das muralhas
Eleonora acenava para Alma. Não era uma
despedida. Em breve estariam reunidas outra vez.
Longe do castelo, Solon cingiu os braços em
torno de Alma, ambos sobre o cavalo e beijou seu
pescoço. Ela virou a face e lhe roubou um beijo.
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— Eu te amo — sussurrou Solon em seu


ouvido.
Alma não respondeu. Ainda era cedo para
uma confissão, mas tornou a beijá-lo.
Um beijo que valia mais que mil palavras...
*****
Palavras que faziam sentido aos ouvidos de
Joan. Ela estava presa. Não importava as desculpas
usadas. Ela entendia o significado de grades em
suas janelas. De pé, diante da janela coberta por
grades, Joan observava o céu azul coberto por
nuvens brancas. Encostou a face na grade e fechou
os olhos, enquanto ignorava as palavras que ouvia.
— Acha que ela está louca? — Rowell
perguntava aos sussurros.
— Você não ouviu quando ela me falou
sobre fadas e poderes mágicos? — Perguntou para

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a aldeã belamente vestida ao seu lado. —


Pobrezinha, perdeu o juízo. Isso acontece muito
quando uma mulher passa por tudo que ela passou.
Joan não suportou mais. Olhou para Zoé, a
Guardiã que a caçava. As duas mantiveram o olhar
desafiador. Joan baixou os olhos, não suportava
esse tipo de tratamento. Arrastou-se para a cama e
deitou. Vestia apenas uma camisola e um penhoar.
Os cabelos estavam desgrenhados, pois não
pensava muito em vaidade depois de ter sido presa
naquela torre.
— Eu não consigo acreditar que Joan... —
Rowell conteve as palavras e aproximou-se da
cama. — Algumas vezes é um mal passageiro. Ela
pode estar confusa.
Zoé correu os olhos pelo humano, com
recalque e ciúme na face, mas ele não notou. Muito
próximo, acariciou os cabelos ruivos e longos de

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Joan enquanto dizia:


— Eu gostaria de ter Joan na mesa de jantar
essa noite. O ar da noite há de fazer bem para sua
saúde.
Zoé não queria concordar.
— Acha prudente expor seus filhos a uma
aldeã insana? Não seria mais apropriado mandá-la
de volta para a vila? Para que seja cuidada por seus
familiares?
Rowell olhou para Zoé com dúvida no rosto.
Sim, era prudente e apropriado.
— Joan cuidou de mim. É minha vez de
cuidar dela. — Rowell disse e se afastou.
Joan fechou os olhos com raiva, mas não se
intrometeu na conversa. Quando ouviu Zoé tentar
convencê-lo mais uma vez a desistir do jantar,
sentou na cama e pediu:

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— Fica mais um pouco comigo? Eu tenho


medo de Zoé — ser louca lhe conferia uma
liberdade arrebatadora contra Zoé. — Ela é uma
fada, tem asas e o dom de ver tudo que escondo
dela. Eu tenho asas, Rowell. Mas não posso mostrá-
las na presença de Zoé, pois o dom dela me impede
de revelar minhas asas. É culpa do meu dom que as
esconde. Mas um dia... Eu vou mostrar a verdade.
Fique mais um pouco comigo. Por favor. Eu tenho
medo de Zoé. Ela vai me machucar se me deixar
sozinha com ela.
Louca ou não, Joan ainda detinha toda sua
afeição.
— Saia — Rowell disse para Zoé, sem lhe
dignar um único olhar — e feche a porta.
— Não faça isso. Não é seguro expor-se a
uma situação dessas. — Zoé disse furiosa.
— Eu mandei sair — ele insistiu,
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aproximando-se da cama, segurando a mão de Joan,


sorrindo para ela, com piedade aliada a outros
sentimentos.
Não restou outra alternativa que não fosse
sair. Zoé fechou a porta atrás de si e lutou contra o
susto ao descobrir que Edward a esperava.
Com um olhar de aviso, Zoé afastou-se.
Edward era um problema, mas estava sob o seu
ferrenho controle. Ou era o que pensava. O humano
olhou para a porta fechada lutando contra muitos
sentimentos contraditórios. Fugiu dali antes de ser
arrebatado por suas secretas vontades.
Joan deixou-se acomodar na cama e piscou
graciosamente para Rowell.
— Quer ouvir sobre o mundo mágico,
Rowell?
Ele engoliu em seco e acenou concordando.

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— É claro que sim. — Queria agradá-la,


mesmo que lhe doesse achar que Joan perdera sua
mente inteligente e doce para a insanidade.
Joan sorriu e começou a contar. Prepará-lo
para quando a verdade viesse à tona e a vida de
Rowell mudasse totalmente. Para quando não fosse
possível impedir a guerra entre o mundo dos
humanos e o mundo mágico.
Uma guerra que era realidade e não mais um
sonho distante de Lucius, o amante da rainha
Santha.
Guerra que não interessava Tobias. Ouvia
boatos, mas estava mais ocupado tentando
sobreviver. Arrastou-se sobre as cincas frias,
despidos das roupas, o corpo nu ressentido do calor
que ainda exalava das cinzas. Caçou os restos de
carne dos ossos jogados para os animais.
Estava faminto, desesperado por comida.
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Roeu os ossos e arrancou o que encontrou de carne.


Quando ergueu os olhos notou que ela estava de pé,
encarando-o. Não sentiu vergonha de sua situação,
não era sua culpa, mas sentiu raiva do modo que
era tratado.
Uma delas aproximou-se e cochichou no
ouvido da criatura que o encarava.
— Posso levá-lo, Helana?
— Sim — ela disse com voz firme, mas seu
olhar dizia outra coisa. — É a sua vez.
A criatura aproximou-se e cutucou suas
costelas com a ponta da longa lança. Foi obrigado a
levantar e andar, mesmo que olhasse para trás,
procurando encarar a mandante, para que ela
soubesse que a culpa era inteiramente sua...
Culpa essa, que assolava Egan. Seguia a
liderança de Acheron, pois o Guardião era deveras
bom farejador. Na companhia de sua fada Driana,
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Acheron seguia em marcha rápida. Procuravam no


Campo dos humanos, mas não era fácil conseguir
informações quando se é tão diferente dos
Humanos. Eram tratados como forasteiros
estranhos e a desconfiança instalara-se em todos os
moradoras.
A culpa vinha assolar quando seus
pensamentos se remetiam para Eleonora. Uma
rainha sem um rei é um alvo fácil, um reino sem os
seus principais Guardiões é um alvo fácil. Sua fada
escolhida, sem o seu grande amor, é uma criatura
frágil. Sentia saudades e ansiava para voltar para
casa e ter sua escolhida outra vez em seus braços.
Egan tentou tirar as preocupações da mente,
mas sentia um arrepio no pescoço, como um aviso
de que o perigo estava próximo.
E a cada passo distante de casa, mais perto
do perigo.

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Um perigo que acabaria com a existência do


Monte das Fadas.

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Capítulo 30 - Epílogo

Oito anos depois

O raptor mais jovem e também o mais afoito,


acelerou o passo e foi contido com um grito de
ordem. Ele parou e rosnou, arranhando o chão com
suas unhas gigantescas, enquanto baixava a cabeça
e encarava seu treinador com olhar feroz.
— O que há de errado com ele, mamãe?
A pergunta quase a distraiu. Alma estava
cansada das perguntas inoportunas de Joá. Ele
estava avisado sobre fazer isso em horas
impróprias.

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— Eu já lhe disse para não me assustar


assim, da próxima vez eu o mando para uma
estadia prolongada nos montes gelados, junto de
sua madrinha Driana — ameaçou.
Joá sabia que a ameaça não era vã. Sua mãe
era bem capaz de fazer isso. E ele era bem capaz de
apreciar a punição.
Alma olhou para o filho vestido em roupas
parecidas com as suas, em couro e algodão, e
maneou a cabeça, cedendo:
— Ele está com raiva. Muita raiva. Por isso é
tão demorado treiná-lo.
— Porque não desiste dele, então? — Joá
subiu na cerca de madeira que delimitava o espaço
de treinamento, bastante retirado do Vilarejo Sem
Fim. Mordeu uma maçã e aguardou a resposta.
Alma ficou em silêncio por um instante,
pensando em si mesma no passado.
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— Porque às vezes é preciso persistência. —


Respondeu vaga.
— Por quê? — Joá insistiu.
— Mas que garoto chato — Alma parou de
treinar o raptor e abriu mão do comando de voz,
libertando assim o raptor.
Protegida fora do círculo de madeira amplo
protegido por magia, Alma observou o animal
correr e cabecear a cerca, ferindo a si mesmo, na
ansiedade de fugir. Alma deixaria que o animal
gastasse energia antes de tentar continuar. Olhou
para Joá e estendeu a mão pedindo um pedaço da
fruta.
— Saia da cerca, se cair do outro lado eu não
irei buscá-lo — avisou e o menino pulou.
Alma sorriu enquanto comia a fruta e lhe
devolvia para que seguisse com seu lanche.

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Não queria assustar o filho falando sobre


como às vezes a fúria pode cegar todos os demais
sentimentos bons. Que é necessário vencer o ódio e
o rancor para alcançar a plena felicidade. Que foi
Solon quem lhe ensinou isso.
Olhou para o raptor branco, cria de El com
um raptor fêmea de pelo escuro, o que lhe conferira
orelhas escuras e calda manchada, e viu a si mesma
no passado, cabeceando a vida com o desejo insano
de se ferir e acabar com tudo.
— Quando eu terei um raptor para mim,
mãe? — Joá perguntou esquecido de suas perguntas
anteriores sobre raiva.
— Um dia. Quando for do tamanho do seu
pai. — Ela disse olhando-o com olhos orgulhosos.
— Eu quero este raptor — Joá virou para a
cerca e apontou o raptor.
— Por quê? Veja como ele é bravo. —
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Tentou dissolvê-lo da ideia.


— Eu não sei por que, mas gosto dele. — O
menino falava a verdade e Alma despenteou seus
cabelos e o empurrou docemente para longe da
cerca. — Vá cuidar de seus serviços, garoto. Aqui
não é lugar para você. — Seu modo carinhoso de
olhar e beijar a testa do menino desmentiu-a
vergonhosamente.
Joá correu e obedeceu a suas ordens, mas ela
sabia que era questão de minutos para voltar
acompanhado.
Encarando o animal selvagem, Alma deixou
a mente vagar para o passado. Exatamente um ano
após tornar-se uma fada livre e reencontrar suas
amigas, todas a salvo, Alma emprenhou. Qual não
foi sua surpresa quando pariu uma ninhada, em
lugar de uma única cria.
Três elfos. Morenos como o pai, com as
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mesmas feições e personalidades muito


semelhantes à Solon. Eram machos e deveriam ser
mais próximos ao pai do que a mãe. Mas não era
bem assim que acontece quando o coração de uma
fêmea ama incondicionalmente. Apaixonada por
suas crias Alma criou-os apegados a sua saia. Não
era uma mãe convencional, e ninguém parecia
incomodado com isso.
Solon rapidamente se tornara uma espécie de
líder do povo subterrâneo e ajudara a criar um
vilarejo próspero e seguro. Um lugar governado
com mãos flexíveis, pois Solon exigia que
seguissem as leis do Reino de Eleonora, mas não
obrigava que permanecessem prisioneiros a uma
vida infeliz. Todo elfo e fada que desejasse partir,
encontraria apoio e ajuda para seguir uma nova
vida.
Felizmente poucos tiveram esse desejo e

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naqueles anos todos, o vilarejo prosperara e


expandira-se prosperamente.
Alma tornou a controlar o raptor, pois seu
trabalho era esse. Treinar os animais selvagens para
o uso e venda. Muitos elfos e fadas adquiriam
raptores treinados para o trabalho, pois eram fortes,
rápidos e aliviavam o fardo dos cavalos. Não eram
baratos, e era uma das fontes de lucro do Vilarejo
Sem Fim. Dois anos de treinamento para que
estivessem suficiente manso para aceitarem ordens,
sem a necessidade do poder de Alma para controlá-
los. Ela os dominava e excluía a parte selvagem do
instinto do animal, mas era preciso convencê-lo a
aceitar ordens de outros elfos e fadas.
Esse era um trabalho prazeroso e Alma
adorava o que fazia.
Como esperado, visualizou a corrida das três
pestes que alegravam sua vida. Joá era o mais

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velho, nascido com doze minutos de diferença dos


irmãos. Diego e Dean eram separados por menos de
dois minutos. O que não fazia diferença alguma
quando Alma se lembrava dos quatro dias de
trabalho de parto e dor lacerante. Ela afastou as
lembranças aterrorizantes da mente e sorriu para os
filhos, que se dependuravam na cerca de madeira.
— A mãe avisou para não fazer isso — Joá
ainda tentou avisar, sem sucesso.
Diego foi o primeiro a passar por baixo da
cerca e correr até ela na grama verde, ignorando o
perigo.
— O pai precisa que volte para casa —
arfante o menino avisou, enquanto dedicava toda
sua atenção para o animal. — Eu posso continuar o
que está fazendo? Eu já sei como treiná-los. —
Ofereceu.
Sim, uma oferta por hora, durante todo o
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último ano. Alma segurou o queixo do filho e olhou


profundamente em seus olhos.
— Eu já disse que não. — Era um aviso
divertido. — Volte para a cerca.
— Mas eu sei fazer isso, mãe. Não confia em
mim? — Diego perguntou sério.
Aos sete anos, Diego era mais adulto do que
criança. Joá ainda conservava um pouco da
inconsequência de criança, mas Diego era
responsável e sério a maior parte do tempo. E
corajoso. Muito corajoso.
— Confio, mas você sabe que a armadura do
seu pai lhe escolheu. Não treinará raptores. Será um
Guardião a serviço do Reino da Rainha Eleonora.
Deixe algo para seus irmãos fazerem. Não queira
tudo para si. — Disse séria, e era um assunto entre
eles.
Diego baixou a cabeça e seus belos olhos
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claros, idênticos ao pai e aos irmãos exibiam sua


mágoa. Alma desistiu do treinamento do raptor e
ordenou que deitasse e descansasse enquanto tirava
o filho de perto do perigo.
Junto dos três elfos infantis, Alma encarou o
desafio de falar a verdade sem magoá-los:
— Eu não quero saber dos três desafiando
uns aos outros. O que é de um, o outro não deve
querer para si. Diego, é uma honra ser escolhido
Guardião. Você não tem o talento para o trato dos
animais. Joá tem o jeito de lidar com os bichos e é
para ele que ensinarei o ofício.
— E eu, mamãe? — Dean era sempre o mais
doce.
Alma abriu um lindo sorriso e puxou o filho
para perto de si abraçando-o pela cintura, pois
apesar da pouca idade, os meninos eram bastante
corpulentos como ela e também Solon:
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— Você me surpreenderá ainda. Tenho


certeza que me surpreenderá com seus feitos. —
Era seu modo de dizer que o filho não possuía
aptidão para nada em especial.
O modo como ela olhou para Diego e Joá
avisava muito bem o que aconteceria se ousassem
implicar com o irmão mais jovem. Eram idênticos
fisicamente, mas Alma era precavida e nunca
permitia que se vestissem iguais.
Era apaixonada pelos filhos, mas não era
uma santa e precisava de uma ajudinha externa para
reconhecer quem era quem. Sobretudo, quando as
pestes se uniam para enganá-la em alguma tentativa
de fugir das surras bem dadas por suas constantes
traquinagens.
— Vão — ela disse suave — brinquem um
pouco com El, mas não se aproximem dos outros
raptores até que eu diga que podem fazer isso.

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Beijou a cabeça dos três e eles correram,


dispersos e esquecidos de qualquer assunto sério.
Eram seus amores. Menos ativa que os trigêmeos,
Alma andou calmamente para o vilarejo.
As casas não eram mais de palha e barro.
Eram construções bem feitas em madeira e pedras.
Uma delas, pintada em tons de marrom e vermelho
era a sua casa. Secretamente ansiosa, Alma entrou e
encostou a porta.
A fada jovenzinha que cuidava do bebê
levantou e acenou antes de sair. Era a babá oficial
de sua pequenina fada.
Alma ficou de pé observando Emmanuelle
brincar no ar com suas mãos gordinhas e diminutas,
olhos azuis profundos e bochechas rosadas. Sorriu
encantada. Era uma florzinha bonita e delicada. Sua
pele era uma pétala macia de margarida. Seus
cabelos negros como os do pai eram macios e com

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suaves cachinhos. Era toda suave. Olhar para ela


era como ver um anjo.
Muitas vezes, no meio da noite, Alma
acordava e observava a menina dormir e pensava se
era mesmo possível ter gerado e parido um
pequeno anjo com quem dividiria o mistério do seu
dom, seu cheiro e suas asas. Se perguntando se
merecia tanta felicidade e harmonia. Seus meninos
eram brutos, arrogantes e cheios de defeitos como
ela, mas aquela fada... Sim, era linda demais para
ter defeitos.
Um pensamento louco de quem ama demais.
Pois havia pensado o mesmo dos bebês elfos
quando estavam no berço, dormindo inocentes. Um
dia àquela menina cresceria e seria levada e mal
criada. Era assim, seus genes prevaleceriam.
— Vai mimar Emmanuelle — Solon chamou
sua atenção, parado na porta, observando-a fazer

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isso novamente. — Vai estragá-la e será uma fada


vaidosa e impossível de lidar.
— Eu sinto muito, não posso evitar. O bebê é
lindo. — Disse em suave desculpa, levando a filha
nos braços.
— Eu não quero que continue treinando os
raptores. Emmanuelle tem dois dias de vida, Alma.
Você deveria estar repousando. — Solon
aproximou-se e fez um carinho na filha.
— Eu torço que ela tenha puxado seu jeito —
disse-lhe — que ela não seja como eu.
— Não tem nada de errado com você, Alma.
— Solon sentou na beirada da cama e ajudou-a
fazer o mesmo, mantendo a fadinha nos braços.
Alma era muito jeitosa com crianças e se
desmanchava com os filhos.
— Por sua causa. Se eu estivesse sozinha...
Eu não sei como eu seria — ela disse sincera.
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— Hum, eu posso dizer o mesmo — ele


desconversou, pois Emmanuelle bocejava e os dois
ainda estavam naquele encanto permanente com a
filha nascida há tão pouco tempo. — Quando você
deseja levá-la para conhecer a rainha?
— Eu escrevi para Lora, não vamos até lá
dessa vez. A rainha virá até nós. Ela quer conhecer
o Vilarejo Sem Fim, e você sabe que é um sonho
antigo conhecer o que fizemos nesse lugar.
— A vida de uma rainha é muito atribulada
— Solon sorriu. — Talvez seja uma boa ideia
Eleonora e Egan viverem um tempo para eles,
longe das obrigações.
— Ainda bem que pensa assim — ela disse
abrindo um lindo sorriso de quem sabe que vai
causar-lhe um grande desagrado. — Pois
combinamos de seguir viagem daqui, buscar Joan e
as crianças. Então, iremos para os montes gelados,

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visitar Driana. É uma viagem sem elfos. Apenas


nossas crias.
Solon sequer piscou diante dessa informação.
— Você já sabia — ela deduziu.
— Acha mesmo que Egan não nos avisaria?
Que são as únicas a terem segredinhos? Essa
viagem será preparada por nós e vocês não partirão
com nossos filhos sem proteção extra.
— Mas não queremos elfos nos atrapalhando
e exigindo nossa atenção o tempo todo. Queremos
liberdade para ficarmos juntas por alguns dias. Em
paz — frisou a palavra.
— Estaremos por perto. — ele fugiu de uma
discussão. — Mas não iremos tomar o tempo de
vocês. A menos que sintam saudades e nos chamem
— sorriu e ela corou.
— Continua um mercenário — ela disse

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baixinho. — Mas não foi por causa disso que


mandou Diego e Dean me chamarem. O que foi?
Alguma notícia ruim?
Pela seriedade que a expressão de Solon
adquiriu diante da sua pergunta, imaginou que não
fosse algo inteiramente bom,
— Eu não sei. Meus pais estão aqui. — Foi
sua resposta simples. — Eles querem se mudar para
cá.
— Oh, não — ela disse e colocou
Emmanuelle nos braços de Solon antes que se
agitasse e deixasse a menina angustiada. — Eu não
quero seus pais aqui!
— Eu também não — era uma afirmativa
nada verdadeira. — Talvez eu queira um pouco,
mas não sei se confio nas razões dos dois.
Alma andou de um lado para o outro,
pensativa.
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— Quer que eu os convença a ir embora? —


Ofereceu, e deu de ombros diante do olhar
recriminador de Solon. — Eu em seu lugar iria
querer — disse maldosa. — Eu sei que seu pai está
de olho em Diego há anos. Ele quer treiná-lo, como
fez com você. Mas isso não é certo, Solon. Você é
o pai, você é o Guardião. Ele deve ser treinado por
você. E a sua mãe — seu tom ao falar de Miquelina
era o pior possível. — Ela só quer me roubar
Emmanuelle. Eu suspeitei disso desde que ela
escreveu para contar que havia previsto que eu iria
parir uma fêmea. Ela tentou me convencer que
queria me alertar, para que eu não ficasse
preocupada em ter outra ninhada... Mas eu sei que
era mentira. Miquelina quer conquistar minha filha
e roubá-la de mim.
Solon levantou e com cuidado colocou o
bebê de volta no berço. Aproximou-se de Alma e a

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abraçou.
— Fale a verdade — ele pediu manso e Alma
agarrou-o pelos ombros, enterrando o rosto em seu
pescoço.
— Eu tenho medo que Miquelina roube o
amor da minha filha, que ela seja melhor do que eu
e Emmanuelle me odeie.
— Isso não vai acontecer. Você teve o
mesmo sentimento sobre os meninos e eles são
loucos por você. — Solon garantiu.
— Mas é diferente. Eles são elfos.
Emmanuelle é fada. Eu vou ser um péssimo
exemplo para ela.
Solon não podia rir diante dela. Manteve-a
abraçada e fez sinal de silêncio quando a porta da
casa abriu e os trigêmeos entraram.
— O que a mãe tem? — Dean perguntou, era

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o mais meigo e Alma soltou o marido para abraçar


o filhote.
— Nada — ela disse sentindo-se uma boba.
— Não tem nada errado comigo. Eu quero que
vocês três se comportem. Eu não estou brincando,
Joá — ela fez questão de frisar para não restar
dúvidas sobre para qual dos três era o aviso. Era
sempre o mais velho que incitava as traquinagens
dos mais novos. — Seus avós estão aqui e eu não
quero saber de... Arruaças.
Era tarde para sermões. Os três haviam saído
atrás dos avós antes que Alma pudesse começar a
reclamar sobre não fazer isso.
— Eu não sei por que eles gostam tanto
daqueles dois. — Alma disse com rancor — eles
foram horríveis com nós dois no passado.
— Sim, e você faz de tudo para lembrá-los
disso todos os dias da nossa vida juntos — Solon
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disse em tom de aviso. — Miquelina não quer lhe


roubar sua filha, quer apenas a chance de ver a neta
crescer e meu pai não quer me roubar o treinamento
de Diego, ele quer apenas ser útil. E eu posso
gostar disso, de ter meu pai por perto. — Solon
pegou sua mão e Alma o olhou de má vontade.
— Eu sei — deu o braço a torcer. — Mas
não espere que eu goste de Miquelina. Isso nunca.
— Eu não espero isso. — Solon beijou a
palma de sua mão e ela se esqueceu do assunto.
— Você sempre me convence a fazer o que
eu não quero — Alma reclamou cedendo ao seu
abraço.
— Não diga isso. Eu penas a faço ver o que
você também quer. — Ele disse com ternura.
Sorrindo, ela beijou o queixo e Solon e
provocou.

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— Mesmo? Acho que eu vou antecipar essa


viagem com minhas amigas e deixá-lo aqui com
sua família. Talvez eu nem volte mais... — Alma
soltou um riso assustado quando Solon a ergueu no
colo em represália a sua ameaça. — Está bem, está
bem, eu estou mentindo. Nunca iria embora. Solon!
— Reclamou quando os dois caíram juntos na
cama.
Não podia fazer nada, ela estava de
resguardo do recente nascimento de sua filha, mas
os beijos compensavam a saudade e aliviavam o
fardo de quem sempre temia ver o pior lado da
vida.
Envolvidos no namoro, não notaram a
confusão e gritaria do lado de fora até que o
barulho se tornou ignorável. Solon foi o primeiro a
correr pra fora e descobrir o que acontecia.
— É melhor você vir — ele voltou para

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chamá-la, na face uma expressão de profundo medo


e horror.
Alma correu junto com Solon, depois de
conferir que a menina que cuidava de sua filha
estava por perto, e ficaria com Emmanuelle.
A confusão estava feita. O raptor que Alma
treinava havia escapado do cercado, rosnava e
riscava o chão, ameaçando avançar sobre os elfos e
fadas. Alma surgiu entre a multidão e fez um sinal
para que os guardas de Estevão baixassem as armas
e se afastassem.
— Não — ela disse para o animal,
gesticulando pra que se afastasse. — Não ouse
avançar — ela tornou a avisar. — Para trás, isso,
garoto, para trás.
O raptor puxou o corpo para trás com força,
sua bocara repleta de dentes assustadores aberta,
escancarada, sendo um terrível lembrete do que
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aconteceria caso não conseguisse contê-lo.


— Eu já disse que não o machucarei. Porque
não consegue me ouvir? Isso se acalme. Eu não vou
machucá-lo — Alma deixou o tom de ordem para
trás, pois o animal se acalmava, o corpo pesado
pulsando em uma respiração funda, rápida e
frenética, rosnados assustadores. Sua presença o
fazia sentir-se seguro e ele se acalmava lentamente.
— Eu só quero ajudá-lo a se sentir melhor...
Aos poucos com cuidado conseguiu tocar o
animal. Ele rechaçou seu toque e Alma deu um
passo para trás, então, tentou mais uma vez,
conseguindo tocar os pelos macios da fera entre
seus dedos.
Aquele raptor era o mais complicado e difícil
de treinar que Alma conhecera nos últimos anos.
Com os olhos cheios de lágrimas ela fez um
carinho na fera que respirava com tanta rapidez,

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fruto do medo incondicional que o fazia agredir


para se defender e sussurrou:
— Você está bem, agora está protegido, nada
poderá lhe fazer mal. Eu vou lhe mostrar isso. Vou
lhe dar um dono que fará todo o medo ir embora.
Você quer isso? Eu sei que quer um pouco de paz...
— Não podia chorar, por isso se controlou e olhou
na direção de Solon sorrindo. — Você o quer? Ele
não serve para a venda. É muito instável.
Era mentira, Alma não queria se desfazer do
animal. Solon aproximou-se e passou uma das
mãos no pelo fartos do animal e sussurrou em seu
ouvido:
— Sim. — Sabia por instinto que ela
precisava de conforto, tanto quanto o animal
precisava. — Eu te amo, Alma. Um pouco mais a
cada dia.
— Não tanto quanto eu o amo — ela
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sussurrou tão baixo que Solon mal ouviu.


Era a primeira vez que Alma dizia isso em
oito anos de convivência. Solon apenas sorriu e
enlaçou seus dedos, apontou para o raptor enquanto
perguntava:
— Então, como eu faço para manter os
meninos longe dele?
FIM

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O CAÇADOR DE FADAS E AS FACES DO MAL-


LIVRO 4

Capítulo 1 — Flores pelos campos

Seus olhos se abriram com fraqueza. Estivera


presa em um sono permeado de pesadelos. Por isso,
abrir os olhos e ver o sol, além de ferir suas pupilas,
causava-lhe o assombro de saber que mais um dia
começava e que esse dia seria tão assustador quanto
os demais.
Joan se moveu em meio ao feno seco e as
gaiolas de galinhas. Estava escondida na parte de
trás da carroça e Tobias manobrava os cavalos com
atenção redobrada aos perigos da estrada. Fazia um
dia e uma noite que haviam deixado à carroça
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abandonada em um trecho do percurso e comprado


uma nova carroça nos moldes humanos. Um
disfarce para ludibriar os olhos.
Quando olhava para trás, a impressão de Joan
era que uma vida havia se passado e não uns
poucos dias de terror e medo. Tobias se esforçava
para não lhe causar maior susto, mas eles nunca
foram tão próximos quanto eram de Eleonora.
Eram amigos, porém sem assunto quanto
sozinhos. O elfo se esforçou para ser um cavalheiro
e ajudá-la a lidar com sua nova situação de fugitiva.
Mas não era a mesma coisa. Joan não sabia ser
sozinha.
Tobias conhecia um caminho secreto entre as
pedras do desfiladeiro, de uma estradinha de chão
batido, estreita e escura, protegida pela eterna
sombra da murada de pedras, que os protegiam de
olhares atentos. Era um lugar perigoso e hostil, mas

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eles venceram esse caminho em poucos dias.


Comendo mal, bebendo água suja dos
córregos que cortavam aquela região
desprivilegiada, passando as noites acordados,
vigiando a noite pesada, sem estrelas, sem lua e
sem esperança, na ansiedade de que o amanhecer
trouxesse uma nova chance de sobrevivência.
Faminta, Joan olhou por cima do feno e das
galinhas e chamou por Tobias baixinho.
— Quieta — ele respondeu sem olhar para
trás.
— O que esta acontecendo? — Perguntou
aos sussurros.
Era manhã e ela havia adormecido por muitas
horas.
— Vista o manto e se cubra — ele sussurrou
de volta, conduzindo os cavalos para um lugar

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desconhecido.
Joan espiou por sobre a borda de madeira da
carroça e avistou casas.
— Não — ela disse baixinho — não, não,
não...
Se aquele era o Campo dos Humanos, isso
queria dizer que Tobias partiria e ela ficaria sozinha
definitivamente!
— Onde estamos? — Perguntou a ele, na
agonia, esquecendo a precaução.
— Fique calada. — Ele exigiu.
— Tobias — Joan arrastou-se no limitado
espaço e ficou pertinho, olhando para ele, com
olhos de pura súplica.
O elfo olhou para esses olhos e afastou os
seus, pois era difícil dizer não para um animalzinho
amedrontado e frágil.

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— Por favor, Tobias, não me deixe sozinha.


Eu imploro, não me largue aqui.
— Não estou fazendo isso porque quero.
Reina sabe o que devemos fazer. Você fica. Eu
tenho que partir e me esconder. É a única forma de
manter Eleonora a salvo. Ela precisa de tempo para
que suas asas nasçam. Se isso não acontecer
nenhuma de vocês terá chance de escapar, Joan.
— Eu sei — ela recostou-se contra a madeira
velha da carroça e sufocou o choro. — Sabe o
quanto é difícil estar sem notícias delas? —
Perguntou-lhe.
Tobias não respondeu. Ele vivia longe das
meninas. Eram amigos, mas todo dia se separavam.
Ele tinha uma vida para cuidar fora do Ministério
do Rei. Para Joan a separação total era um choque.
— Você virá me ver? — Ela o pressionou.
— Eu não posso fazer isso. Eu quero, mas
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não posso. — Negou com dó profundo.


Tobias era moreno, cabelos bem mais longos
que os usuais, presos em um rabo-de-cavalo rente
ao pescoço. Na orelha um brinco. A sempre
impecável túnica de linho estava encardida e puída
e seu colete de couro, era a única resistência de
rebeldia que se mantinha em pé em seu corpo
abatido de expressão preocupada.
— Eu não sei usar espadas. Não sei lutar.
Não sei caçar. Nunca trabalhei pelo meu sustento.
Não tenho meu dom ou minhas asas. Como eu vou
sobreviver? — Ela sussurrou como quem pergunta
a si mesma.
— Tente encontrar trabalho no forte — ele
respondeu tenso, enquanto adentrava o vilarejo.
— Forte? O que é isso? — Joan olhou em
volta, assustada e confusa.
Por um segundo Tobias hesitou e quase
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desistiu de tudo. Uma fada inocente, desprotegida e


ignorante sobre o mundo humano?
— Pergunte para as pessoas da vila sobre
trabalho no forte. Se houver algum, pergunte como
ir até lá. Diga que é de longe, invente uma desculpa
qualquer, Joan. O que você acha que Driana diria
nessa situação? — Ele perguntou fazendo-a sorrir
por um instante.
— Ela diria para ser criativa. Eu poderia
mentir que perdi a memória — ela disse pensativa,
abraçando os joelhos contra o peito.
— É uma boa ideia — não quis desmotivá-la.
— Estamos chegando.
Joan sabia o que isso queria dizer. Sentou-se
visível na carroça, como haviam conversado no dia
anterior. Pela falta de uma capa nova, Joan usava
uma capa bastante surrada, masculina, que era o
dobro de seu tamanho. Mas isso não importava.
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— Tenha sorte em sua jornada, Tobias. Eu


vou ficar aqui e esperar — ela disse para Tobias. —
Se ninguém vier me buscar, mesmo assim, eu
esperarei. Pelo resto da vida se for preciso, eu
esperarei aqui. — Avisou-o, lábios trêmulos,
lutando para não chorar.
Tobias fez a carroça parar. Em um canto
recluso do vilarejo, ele parou, mas não saltou da
carroça. Pelo contrário, esperou que Joan fizesse
isso.
Amedrontada, mãos trêmulas, Joan saltou da
carroça e ficou parada de pé, olhando para Tobias.
Esperando que algum milagre acontecesse e a
salvasse da solidão.
— Eu sou um fardo — ela disse baixinho,
para que apenas ele ouvisse. — Eu não posso
ajudar minhas amigas. Eu não sirvo para muita
coisa. Mas prometo que vou me manter escondida,

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que ninguém me encontrará. Não vou atrapalhar.


Eu juro, Tobias, eu morro, mas não deixo que me
usem para chegar a Eleonora.
Tobias não respondeu nada. Apenas alguns
dias atrás, ele era apenas um elfo sem
responsabilidades, aproveitando a vida de conforto
e algum poder que sua situação de filho de
Conselheiro Real lhe atribuía após uma infância
miserável no Ministério do Rei.
Era apenas um bandoleiro arruaceiro como
vivia chamando Túlio, seu pai adotivo. Um
provocador, deitando-se de cama em cama,
enquanto esperava sua chance de ser um homem
responsável, e tomar Eleonora para esposa.
Agora tudo isso parecia tão pequeno. Tão
vazio.
Ele deixaria uma fêmea para trás,
abandonada a própria sorte, e para tornar sua culpa
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ainda maior, essa fada era doce, desprotegida e


frágil como uma pétala de flor. Como era possível
que Tobias nunca houvesse reparado em quanto
Joan era sensível a tudo? Mesmo o sol forte parecia
ferir sua pele. Tudo a agredia de modo assustador.
Era uma crueldade deixá-la sozinha. Mas
como impedir? A vida de mais três fadas
dependiam disso. Cada uma das fadas
supostamente envolvidas no assassinato do Rei Isac
deveriam ser mantidas escondidas. Reina fora
muito precisa em suas instruções.
— Não tenha medo, Joan, tudo ficará bem —
ele disse para consolar seu coração aflito. Olhou em
torno reparando no Campo dos Humanos.
Raramente vinha neste lugar. Apenas duas
vezes em sua vida e sempre na companhia de seu
irmão Egan. Era parecido com o mundo mágico, e
Joan com sua aparência pouco distinta, conseguiria

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misturar-se com perfeição.


— Tenha coragem, Joan. Coragem — pediu
antes de balançar os arreios e movimentar os
cavalos.
— Tobias! — Ela chamou, ignorando a
prudência, deixando cair no chão à pequena trouxa
de pertences que segurava nos braços. — Não me
deixe!
A carroça ganhou velocidade e Joan correu
atrás dele. Correu por alguns metros, antes de parar
e agarrar o tecido da túnica, na altura das coxas,
amassando o tecido com os dedos, se contorcendo
em sentimentos como medo e angústia.
O grito de pânico ficou preso em sua
garganta, mas as lágrimas corriam em sua face. Ela
cravou os olhos na carroça e manteve-se assim até
vê-la desaparecer entre as árvores, sumindo para
longe.
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Sozinha, não havia retorno, o derradeiro


momento havia chegado. Joan engoliu o choro de
desespero, as lágrimas ainda correndo em sua face.
Deu a volta, sufocando o medo e a angústia, na
busca de seus escassos pertences. Encontrou a
trouxa e abaixou-se no chão, pegando com as mãos
aflitas.
A dor em seu coração era tão forte e pesada
que achou que não levantaria mais. No entanto, era
preciso. Não havia ninguém para socorrê-la. Era
manhã, e Joan precisava encontrar um lugar para
ficar e um trabalho.
Olhou para trás mais uma vez, em uma
esperança tola de ver a carroça voltar e Tobias
buscá-la. Não podia culpar seu amigo. Era uma
recomendação de Reina e ela sabia o que fazer,
sempre soube o que fazer. A protetora de Eleonora,
que sempre protegeu também suas amigas, Joan,

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Driana e Alma.
Recusar uma ordem de Reina, ainda mais
nessa situação, seria loucura.
Abraçada a sua trouxa de pertences, Joan
olhou em torno. Várias casas, um poço de tijolos,
alguns cavalos amarrados, com comida e água à
frente. De uma das construções fumaça abundante
escapava da chaminé. No castelo de Isac sinal
abundante de fumaça era sinal de que havia uma
ferraria. Um lugar para trabalhar o ferro e criar
espadas. Era um lugar de trabalho.
Joan olhou para o chão, e pensou na besteira
que lhe vinha à mente. Ela trabalhando com metal
pesado?
O que ela faria para sobreviver?
Fechou os olhos e quando os abriu notou que
alguns aldeões olhavam em sua direção. Tentou
sorrir e cumprimentá-los. Eram mulheres da aldeia,
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simples e preocupadas com a lida do campo. Elas


lhe retribuíram o cumprimento e Joan sentiu alívio
imediato.
Ao menos sua aparência não causava
rechaço. Era ruiva, os cabelos vermelhos longos na
cintura, grossos e ondulados. De um tom vermelho
vivo, brilhante e intenso. A pele pálida, coberta por
sardas adquiridas pela exposição exaustiva ao sol
forte. Seus olhos eram verdes e seu porte físico
pequeno. Tinha uma altura comum, em um corpo
fino, de pernas e canelas fininhas. Cintura
magricela, braços sem músculos. Ela era toda
delicada, beirando o etéreo. E agora, não via
vantagem alguma em ter um corpo aristocrático.
Outras fadas mesmo antes de obterem suas
asas possuíam características físicas
demasiadamente definidas para se misturarem aos
humanos. Como Eleonora, que possuía

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praticamente pigmento algum em sua pele, cabelos


e olhos. Ou Alma com sua voz rachada e feia. Ou
ainda Driana, que fisicamente poderia se misturar,
mas bastava abrir a boca para seu intelecto assustar
qualquer criatura viva a sua volta.
Tobias também não poderia permanecer ali,
com suas orelhas pontudas de elfo.
Aquele era o único lugar onde ela poderia
estar segura, pois mesmo que a encontrasse, o
Guardião enviado em sua caça não poderia se
revelar diante dos humanos. Precisaria encontrar
modos de pegá-la sem chamar atenção. Então, ficar
entre os humanos era sua melhor chance de
sobrevivência.
Repetindo mentalmente essa verdade, para
que isso a consolasse, Joan começou a andar com
passos lentos, olhando em torno em busca de uma
oportunidade. Para quem sequer tinha ideia do que

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procurava, a chance de encontrar algo era remota.


Angustiada, avistou um pequeno grupo de
mulheres jovens, quase da sua idade. Elas pareciam
agitadas. Joan aproximou-se e uma delas a cutucou
sem querer com o braço, notando-a e analisando
seu porte da cabeça aos pés antes de dizer:
— Tire isso ou ela vai lhe roubar — a jovem
era pequena, gordinha e sorridente.
— O que? — Não entendeu imediatamente.
A jovem apontou a capa, mas não repetiu a
frase, engatando uma conversa com outras jovens.
— A capa. Retire isso, ou Matilde ficará com
ela. Esconda bem se quiser manter isso com você.
— A voz era de outra jovem.
O oposto exato da primeira jovem, a locutora
era altíssima, e magrela, vestida em uma roupa
cinza sem graça e velha.

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Rápida, Joan retirou a capa de peles e socou-


a com dificuldade dentro da bolsa de couro onde
guardava seus pertences.
Notou que alguns olhares pareciam estranhar
sua túnica. Era uma roupa longa de tecido comum,
sem adornos e sem forma de vestido. Era a roupa
usada no Ministério do Rei.
As outras jovens usavam vestidos simples,
mas com forma distinta. E a maioria tinha os
cabelos presos ou trançados.
Joan pretendia perguntar o que elas
esperavam quando uma mulher começou a
sabatiná-las. Uma a uma, paradas lado a lado, ela
avaliava de alto a baixo e perguntava os nomes.
Quando chegou a sua vez, a mulher olhou-a
de alto a baixo e disse franzindo o rosto em
desgosto.
— Está não serve. Não serve para nada.
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Joan abriu a boca surpresa, mas não disse


nada, pois a jovem gordinha a cutucou para que não
ousasse abrir a boca.
— Perdão, senhora. Ela serve para cuidar de
crianças. — Disse a mais alta, saindo da fila.
Pelo visto conhecia a mulher e lhe tinha
alguma importância, pois Matilde parou para ouvir
o que dizia.
— Pense em alguém que possa servir para
lidar com aqueles... Os demônios insuportáveis. —
A jovem tentou-a com sua boa lábia.
Sua frase causou horror em Joan. Ela temia
os demônios profundamente. No mundo mágico
ouvira falar sobre essas aparições do mundo
mundano, mas nunca soubera se era mentira ou
não.
— Quer se livrar do fardo, Liara? — A
mulher pareceu achar graça, mas não demonstrou.
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— Está enganada. Olhando melhor vejo posso ver


que ela serve para escovar as escadarias. Alguns
calos nessas mãos irão fazê-la bem mais atraente ao
trabalho — a mulher disse agarrando as mãos de
Joan e exibindo-as.
— Alguma vez já viu pele tão lisa em sua
vida? — Perguntou a sua ajudante com escárnio
antes de olhar outra vez para Joan. — Como se
chama?
— Joan — sua voz mal saiu.
— Ao menos ela parece saber falar —
Matilde ironizou soltando suas mãos, passando para
a próxima jovem, perguntando seu nome.
Joan estava confusa. Não sabia se isso queria
dizer que ela tinha um emprego ou não. Ou se tinha
o que feria e para onde iria?
A jovem alta continuou acompanhando a
mais velha enquanto rejeitava e escolhia outras
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jovens. Quanto aparentemente tudo acabou, elas


começaram a andar e Joan se esforçou para
acompanhar o ritmo.
Uma carroça grande, com um suporte em
madeira, lembrando muito uma grande armadilha
de caçar roedores, foi lotada com as moças. Uma a
uma subiram na carroça e então o cadeado foi
trancado. Em pânico, Joan olhou para as outras
jovens. Elas pareciam tranquilas. Isso a acalmou
um pouco.
A carroça entrou em movimento e quase
caiu, agarrando-se as grades de madeira para não
cair.
— Para aonde vamos? — Balbuciou para
uma das jovens.
A moça olhou-a com estranheza e respondeu:
— Para o castelo. Para onde mais iríamos?

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O castelo? Por um segundo, Joan temeu o


pior, então lembrou a si mesma que os humanos
também possuíam reis. Tentou se acalmar,
enquanto era levada presa como um animal.
Pelo visto a liberdade não era muito diferente
da prisão da clausura.
*****
Horas mais tarde, finalmente chegaram ao
Forte de Mac William. Os gigantescos portões
foram abertos e a carroça seguiu por uma ponte
frágil, que a primeira vista não parecia capaz de
aguentar o peso.
Chegaram do outro lado, e a carroça foi
conduzida em meio ao vai e vem de pessoas. O
fluxo era intenso.
Joan reparou nas construções incendiadas,
ainda exalando cheiro de queimado e fumaça, no
corre-corre das mulheres com baldes, bacias e
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trouxas de lençóis nos braços. Nas crianças


correndo de um lado para o outro sem supervisão.
Tudo cheirava a esgoto, fezes, urina, fumaça
e sangue.
A carroça parou por um instante, enquanto o
condutor conversava algumas poucas palavras com
um cavaleiro do forte, antes de seguir seu caminho.
Foi nesse momento que Joan piscou para saber se o
que enxergava era real.
No meio da bagunça de crianças correndo,
gritando e brincando, ela avistou uma cria de
lagarto. Sim, era um mestiço de homem-lagarto.
Ela pode notar pela pele escura, mas não negra. Era
um tom comum, como um humano bronzeado, mas
para os seus olhos de ser mágico, essa pele ganhava
um viço diferenciado. E quando a criança olhou em
sua direção, provavelmente atraída pelo cheiro de
criatura mágica, Joan viu o brilho em seus olhos.

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Olhos que em breve, muito breve, seriam oblíquos


e enviesados, mas por hora pareciam quase banais.
A criança deveria ver o mesmo, pensou sorrindo.
Ao olhar para ela, sua atenção se mantinha, pois se
reconheciam na multidão.
O menino voltou a brincar com seus amigos
e Joan disfarçou a emoção. Será que em meio aos
humanos encontraria outros seres mágicos
escondidos, tal como ela?
Suas perguntas não seriam respondidas
naquele momento. Joan guardou essa pequena
felicidade em seu coração e observou com olhos
atentos cada detalhe do lugar. A carroça parou uma
segunda vez diante de uma construção menor e a
mulher de antes, vestida com roupa cinza, uma
espécie de avental que cobria dos ombros aos pés,
na cor branca, com cabelos em coque na altura da
nuca, surgiu e retirou um molho de chaves de um

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dos bolsos, soltando o cadeado e gritando para que


elas saíssem porque iria contá-las novamente.
Matilde. Esse era o seu nome. Deveria ter a
idade aproximada de Reina e era muito bonita. Joan
era capaz de ver a beleza por trás da seriedade e das
sombras de ódio e tensão que marcavam seu rosto
com rugas de expressão.
Seu olhar insistente irritou ainda mais a
mulher que se voltou contra ela:
— De onde mesmo você disse que é? — A
voz era dura.
— É daqui mesmo. Criada nas montanhas,
em uma cabana — disse a jovem magricela que
sempre acompanhava Matilde. — Eu a conheço,
está sozinha no mundo. Não é isso?
— Sim — ela balbuciou concordando.
— Que assim seja — Matilde disse com

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escárnio. — Leve essa e as outras para um banho.


Elas fedem.
Com essa informação, se retirou a passos
duros. Quando as moças começaram a ser levadas
em fila indiana para dentro da construção menor,
Joan aproximou-se da jovem e sussurrou:
— Obrigada, você me ajudou muito...
— Não agradeça — Liara disse séria. —
Todo ano é igual. Matilde escolhe uma de nós para
odiar e infernizar. Eu fui a infeliz do ano passado.
Esse ano... Matilde desgostou profundamente de
você. Se você for embora, ela não me deixará em
paz. Mas se você ficar... Eu sinto que finalmente
terei paz.
Dizendo isso, Liara se afastou, gritando com
as jovens, dando ordens.
Hostil, pensou Joan. Os humanos eram
hostis.
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Olhando em torno com curiosidade, seguiu as


moças e quando foi conduzida para um salão
fechado e escuro, e a ordem foi para que todas se
despissem, enquanto bacias e tinas de água
escaldante eram trazidas, Joan começou a se
arrepender amargamente de seguir as sugestões de
Reina...

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Capítulo 2 — Menos que uma

moeda de ouro

Ao todo eram treze moças entre dezesseis e


vinte e cinco anos. A maioria era órfã ou viúva sem
filhos. Físicos diferenciados, histórias de vidas
diferentes. A única coisa em comum entre todas
elas era a necessidade pungente de ter um teto
sobre as cabeças e comida em um prato.
Joan despiu as roupas sem grande melindre.
Era comum no Ministério do Rei vestir-se e
banhar-se junto das outras moças. O que não era
comum eram o escárnio e as risadas das outras

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fêmeas, como acontecia agora.


Elas riam, e apontavam-lhe.
— Não ligue — disse a mais gordinha, farta
em carnes, mesmo assim, bonita aos olhos de Joan.
— Elas estão invejosas da sua pele. É suave como
leite — disse abismada, passando os dedos
gentilmente pela pele de um dos ombros de Joan.
— Você nunca pegou sol em sua vida?
— Eu não sei. Eu sou assim... — Disse
nervosa.
Começava a notar que seu corpo e traços
chamavam atenção sim entre os humanos, mas
como chacota.
— Prepare-se, lá vem ela — disse a jovem.
— Ela quem? — Perguntou com medo,
envergonhada da própria nudez.
— Matilde. Ela é horrível. Fará da sua vida

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um inferno. Ela faz isso com todas nós. Eu já


desisti de trabalhar no castelo umas mil vezes por
causa dela. Mas sempre acabo voltando. A
necessidade obriga. Mas confesso, por causa de
Matilde quase não vim dessa vez.
— E porque veio? — Perguntou curiosa.
Os olhos da jovem ficaram tristes.
— Você não soube? O castelo foi atacado faz
duas semanas atrás. Invasores tentaram tomar o
ducado, e matar os aliados do Duque Rowell Mac
William. Foi uma luta feia. Muitos estão feridos e
muitos morreram. Eu vim por que... Um dos
cavaleiros me interessa e eu sei que ele está ferido.
Nada sério, graças ao bom Deus. — Parecia
aliviada ao lembrar-se desse detalhe sobre seu
pretendente.
— O reino está sem líder? — Perguntou
surpresa, no mundo mágico isso não era
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concebível. Um reino sem um rei?


Estranhando seu modo de falar, a jovem
sorriu:
— Não. O Duque está vivo. Mas está ferido.
Estive aqui no primeiro dia, quando o pior
aconteceu e eu vi a ferida. Duvido que o pobre
homem torne a levantar da cama algum dia. Mas
ninguém ousará dizer isso a ele ou espalhar a
trágica notícia. Afinal, um milagre sempre pode
acontecer, não é mesmo?
As fofocas foram caladas abruptamente pela
entrada da temível Matilde. Acompanhada da outra
jovem alta, ela começou a inspecionar os cabelos
de uma a uma. Quando foi a vez de Joan, puxou
alguns tufos de cabelo e Joan reclamou.
Tocou as madeixas entre os dedos com
interesse mascarado por nojo.
— Calada, vou tirar esses piolhos fedorentos
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dessa sua cabeça podre antes que empesteei a todos


nos! — Matilde deu alguns puxões e Joan afastou-
se.
— Eu não tenho piolhos! Sou limpa! Meu
cabelo é vistoriado toda semana! — Respondeu.
Um resquício do Ministério do Rei, onde os
cabelos eram inspecionados semanalmente para
evitar surtos de piolhos.
Pelo visto não era o comportamento aceitável
responder para Matilde. A jovem mais alta
imediatamente estendeu para Matilde um fino e
longo cajado e Joan descobriu na pele porque não
deveria responder para Matilde.
Duas pancadas bem dadas em suas pernas.
Joan caiu no chão. Mais duas lambadas da madeira
em suas costas e uma no braço, e Joan achou que
fosse desmaiar.
— Limpe os piolhos dessa infeliz. Ela deve
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lavar os corredores. — Matilde disse antes de


seguir para a inspeção das próximas mulheres.
Ninguém a ajudou. Joan levantou com
dificuldade quando duas empregadas do castelo
disseram para fazer isso. Vestiu-se e foi levada para
outra ala, junto das mulheres que estavam liberadas
para isso.
As lágrimas corriam em sua face e ela
entendeu finalmente o que Alma sentia em seu
coração angustiado.
Naquele momento, se ela pudesse, mataria
Matilde pela dor que lhe causava, pela humilhação
e pela degradação. Mas não era assim, por isso, as
lágrimas eram seu refúgio.
Quantas e quantas vezes Alma não se
ofereceu para as surras no lugar de Joan? Pensar
nisso lhe causou um aperto no coração tão forte que
achou que morreria. Só quem sente na carne e no
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coração a dor de apanhar injustamente, para julgar


o tamanho da culpa que Joan sentia ao lembrar-se
das vezes em que Alma a protegeu.
Alma sempre fazia parecer que não sentia
nada. E Joan acreditou nessa mentira até sentir o
corpo ser atacado pela surra.
Seguiu as empregadas silenciosamente,
ignorando a conversa entre elas sobre as novas
ajudantes, e os problemas que assolavam o forte.
Algumas rezavam secretamente para que não
houvesse novos conflitos.
Confusa com tantas novas informações Joan
foi levada juntamente com outras jovens na direção
de uma construção anexa ao castelo. Uma porta de
fundos, por onde entraram quase correndo,
percorrendo a ampla e movimentada cozinha com a
rapidez de quem corre de um inimigo.
Não foram rápidas o bastante em levarem as
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novatas. Um homem enorme e gordo interceptou-as


no caminho. Ele vestia uma camisa branca, calças
novas e um perfume enjoativo. Cabeça totalmente
coberta de cabelos raspados, sobrancelhas fartas e
uma barbicha que lhe alcançava o centro do peito.
Ele apontou para as jovens e perguntou:
— São as novas ajudantes?
— Sim — disse uma das empregadas. —
Sim, senhor. São as escolhidas de Matilde para o
trabalho do castelo. Ela ordenou que eu leve essas
para os aposentos e depois para a limpeza pesada.
— Não — ele disse apontando para Joan —
quero essa na cozinha. — Apurou os olhos tentando
ver melhor o rosto de Joan, mas ela baixou tanto
quanto pode a cabeça para não ser observada
daquele modo.
— Sinto muito, Hector, mas essa é a
escolhida da vez, nada vai tirá-la das mãos de
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Matilde — a jovem respondeu e ele suspirou


apenado.
— Escute, pobre criança, qual é o seu nome?
— Apontou para Joan e ela não pode negar-se a
responder seu nome. — É um belo nome para um
coelho de estimação. Eu tenho um — ele apontou o
enorme e gordo coelho marrom que ficava em um
canto da cozinha. — Quando estiver com fome
venha até a aqui, eu sempre tenho um agrado para a
coitada da vez.
Ela sorriu agradecida, mas não sabia se era
uma boa coisa. Afinal, ela era a ‘coitada da vez’.
A caminhada seguiu e Joan evitou erguer o
rosto por onde passava, para não ser vista ou evitar
que reparassem nela. Ao seu lado, a jovem
gordinha que falava sem parar a cutucou:
— Meu nome é Molly.
— O meu é Joan — respondeu sem jeito.
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— Você deveria prender o cabelo. — Ela


disse apenada — chama muita atenção. Vai acabar
em maus lençóis com os soldados e os
trabalhadores. Eles acham que todas nós somos
propriedade do castelo.
— Eu não quero chamar atenção —
balbuciou nervosa.
— Então cubra a cabeça. — Sugeriu,
voltando a conversar com outras jovens.
Os humanos não pareciam interessados em
conversas profundas, apenas em fofocas.
Estranhando esse comportamento, Joan foi levada
para um dos quartinhos. Ela dividiria o lugar com
as outras jovens. Enquanto as moças reclamavam
dos lençóis e da falta de espaço, Joan sentou na
beirada da cama, alisando o lençol branco e limpo.
Nunca antes dormiu em uma cama de colchão
verdadeiro. Os colchões do Ministério do Rei eram

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feitos em palha e machucavam suas costas.


Ouviu risos e olhou para suas companheiras
de quarto. Elas pareciam bem à vontade com a
nova vida. Eram acostumadas ao trabalho e
conheciam aquela vida. Mercê do medo e do susto,
Joan era vítima do pânico oriundo do
desconhecido. Era uma fada entre humanos e isso
não podia prestar.
Uma delas falava sobre o filho, deixado aos
cuidados dos avós na vila. A conversa girou sobre
isso, e quando lhe perguntaram sobre filhos, Joan
respondeu prontamente:
— Não, eu não tenho crias. Mas logo vou ter,
estou quase na idade de reproduzir. — Foi uma
resposta imediata e se arrependeu quando elas
começaram a rir.
Sua aparência poderia assemelhá-la a uma
mulher humana. Mas seu modo de pensar a
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diferenciava bruscamente. Baixou os olhos e


pensou no que faria. Estava trançando e prendendo
os cabelos em um penteado no alto da cabeça
quando ouviu um risinho e Molly veio socorrê-la.
— Coloque isso. Nada vai esconder sua
beleza — ela disse amarando um feio lenço em sua
cabeça. — Mas pode ajudar, vai precisar de um
vestido também. Não pode continuar usando essa
camisola — ela disse referindo-se a sua túnica.
Para os humanos, sua roupa assemelhava-se a
uma camisola.
— É grande e vai ter que me pagar um
vestido novo quando receber seu salário — Molly
avisou lhe entregando um de seus vestidos velhos.
Infelizmente faltava a Joan a malícia de
entender que Molly se livrava de um vestido velho
que não lhe servia mais em troca de conseguir um
novo com a tola novata que parecia agradecida em
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ter o que vestir.


Era realmente grande, facilmente caberiam
três moças com o porte de Joan dentro do vestido.
Mesmo assim sentiu-se feliz ao vestir a roupa.
Dobrou as mangas amplas e olhou para baixo, feliz
por terem ao menos a mesma altura e não precisar
arrastar o vestido pelo chão.
— Onde você conseguiu isso? — Perguntou
uma das jovens, apontando para seus pés. Sem a
túnica era possível ver suas sandálias
caprichosamente trançadas e decoradas. Fora Alma
quem fizera.
— Foi um presente de uma amiga muito
querida. — Ela disse sem jeito.
— Mas eu quero fazer uma troca com você.
— A jovem disse cobiçando seu sapato.
— Eu não posso ficar sem sapatos — Joan
disse sem saber o que fazer.
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— Fique com um sapato meu — a jovem


disse empurrando uma botinha velha de couro que
deveria lhe servir — o que você quer em troca
dessa sandália?
Joan olhou para os próprios pés e meditou
sobre o que Driana estaria pensando a cerca do
assunto. Quanto menos chamasse atenção, melhor.
— Eu lhe dou — ela disse triste em perder o
presente de Alma — Fique com elas.
— O que você quer em troca? — A jovem
perguntou desconfiada, observando-a tirar as
sandálias dos pés, e calçar a bota desconfortável.
— Nada, eu não preciso de nada em troca. —
Entregou-lhe a sandália e tentou sorrir. — Eu não
sou daqui e não nunca antes fiquei inteiramente
sozinha. Se puder me avisar quando estiver
agindo... Estranhamente, eu ficarei muito grata. —
Tentou não corar.
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A jovem pegou a sandália e disse-lhe, com a


sombra de um riso na voz:
— Você está agindo estranhamente nesse
exato minuto.
Obviamente suas palavras eram amigáveis e
promoveu o riso entre as outras. Menos tensa, Joan
esperou pelo que aconteceria. Quando a jovem alta
e ranzinza veio buscá-las, Joan levantou da beira da
cama e seguiu-a juntamente com as outras.
Era a última na fila indiana que seguiam.
Joan tentou seguir o ritmo urgente das passadas,
mas poucos minutos depois estava exausta e
arfante. Isso sempre acontecia, seus pulmões não
eram muito bons. Dizendo a si mesma para
aguentar e não desmaiar, exigindo que seu corpo
aceitasse a nova realidade da sua vida, Joan
acompanhou o ritmo e quando ficou para trás sem
querer, ouviu um grito de tremer as paredes.

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Era Matilde exigindo saber onde estava a


novata. Correu o quanto pode para não irritá-la
ainda mais e ser expulsa do lugar. Não poderia
haver esconderijo melhor do que aquele entre os
humanos.
— Aí está você — Matilde disse e a puxou
por um braço, levando-a por entre os corredores,
para longe das demais.
Foi uma tortura que durou alguns instantes.
— Aqui é o seu lugar, quando acabar esse
corredor, eu saberei. Não ouse bater nas portas ou
entrar sem ser chamada. E se for chamada, primeiro
recorra a uma das serviçais e jamais... Ouça bem o
que lhe digo, jamais entre nesse quarto sem a
minha permissão — ela apontou uma das portas.
— Por quê? — Perguntou, e recriminou-se
um segundo depois.
A expressão de raiva de Matilde prometia
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uma surra caso ela tivesse em mãos seu cajado.


— Porque o Duque Mac William precisa
repousar e não tolera empregadas que não saibam o
seu lugar.
— Mas eu sei o meu lugar — ela disse sem
compreender. — Você disse que devo ficar aqui e
limpar os corredores. Não foi isso que disse?
Matilde focou os olhos na novata dividida
entre a certeza que caçoava ou a dúvida se Joan era
tola e insípida como aparentava.
Mas não era nem uma coisa, nem outra. Ela
não compreendia os humanos e seu modo de falar.
Aturdida, foi deixada para trás e olhou para os
baldes de metal pesados com água, os esfregões e
vassouras.
Em meio ao desespero de não saber por onde
começar ou como aguentaria tanto esforço físico
sem passar mal, Joan sorriu diante de uma
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lembrança.
Podia imaginar a expressão voraz de Alma
caso visse alguém tentar impor trabalho braçal para
sua protegida Joan. Ela avançaria na criatura que
tivesse tal audácia como uma fera furiosa e
espantaria a criatura com sua postura dominadora.
Driana por sua vez, ergueria uma sobrancelha
de escárnio e tentaria uma barganha em troca de
amenizar o trabalho e caso não surtisse efeito, lhe
recomendaria uma saída à francesa, para que elas
pudessem fazer seu trabalho sem que ninguém
notasse.
Nessas horas normalmente Eleonora apenas
olharia para tudo aquilo com dor no olhar e pegaria
os esfregões para ajudá-la, sem saber como dizer ou
agir sobre a humilhação de serem oprimidas.
Agora, estava sozinha e não lhe restava
alternativa alguma, além de se ajoelhar no chão,
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começar a lavar e esfregar...

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Capítulo 3 — Ando devagar

Os corredores pareciam se multiplicar. Não


importava o quanto limpasse, varresse e esfregasse,
sempre haveria um pouco mais para fazer. E no
final do dia, quando finalmente pudesse descansar,
primeiro precisaria ouvir os gritos e histerias de
Matilde.
Na primeira vez que aconteceu, ela tremeu
como vara verde ouvindo seus berros sobre como a
mulher a considerava incompetente e relapsa e
sobre como sua presença não valia mais que alguns
centavos.
Com o passar dos dias, Joan quase não ouvia

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mais sua voz. E no final da primeira semana, de pé,


pernas exaustas quase se recusando a mantê-la
naquela posição, balde pesado pendendo em suas
mãos, suada, suja e exaurida, Joan ouvia seus gritos
e insultos como quem não está presente.
O som penetrava em seus ouvidos, mas não
em sua mente.
Estava em um dos corredores, ouvindo os
berros de Matilde enquanto pensava no Duque Mac
William, que se mantinha enfurnado o dia todo em
seu quarto. Pobre humano pensava Joan. Não fazia
bem para qualquer criatura viva manter-se
refugiado entre quatro paredes, fosse acamado ou
não.
O sol, o vento, a brisa... Era disso que
qualquer alma viva precisa para ao menos curar o
coração, se não possível ajudar o corpo.
Seus olhos pendiam quase fechados, quando
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Matilde virou-se em sua direção e a agarrou pelos


ombros, sacudindo-a.
As outras serviçais oscilavam entre achar
graça e ter pena.
— Oh, desculpe, eu cochilei por um instante.
— Joan pediu desculpas, sem nem saber por quê.
Seu jeito exasperava Matilde. Ela não lhe
batia tanto quanto fazia com as outras, mas os
ataques verbais eram intensos. E também a
implicância. Algumas vezes, apenada Molly
ajudava-a no trabalho para que Matilde não tivesse
tanta razão para rechamar.
— É uma insolente. — a mulher disse
revoltada. — Não há outra palavra para descrevê-
la.
— Desculpe, mas eu estou cansada, não
insolente. É cansaço. — Respondeu sem
compreender exatamente porque Matilde dizia
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essas coisas sobre ela.


Inflada de raiva, Matilde pareceu prestes a
lhe bater.
— Eu quero que volte para a vila, não tem
trabalho para uma marafona como você. Eu não
aceito desrespeito. Vou acabar fazendo uma
besteira — disse furiosa, engolindo ar e tentando se
controlar.
No corredor, correndo na direção delas, a
jovem Liara vinha desesperada, com uma criança
perseguindo-a.
— Eu não aguento mais — disse Liara,
escondendo-se atrás de Matilde, o que muito a
desagradava. — Olhe, Matilde! Olhe isso! —
Mostrou as canelas mordiscadas — ele me morde!
Morde-me! Eu não aguento mais!
O menino deveria ter uns quatro anos de
idade, carregava uma espadinha de madeira nas
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mãos e achava graça de sua acompanhante chorar.


Joan sentiu todo o sono ir embora.
Raramente tinha a chance de ver o menino, mas
sentia o impulso de procurá-lo. Precisava se
controlar, mesmo que ele viesse cheirar seus pés.
Era hábito de sua raça, lembrou Joan. Cheirar
os pés, a virilha e às vezes provar o sangue. Um
modo de saber a condição da criatura a sua volta.
— Oh, meu Deus, ele vai mordê-la também!
— Liara apontou o menino e então Joan.
— Que morda — disse Matilde com maldade
na voz. — O que faz com essa criança aqui? Ele
deveria estar com os irmãos!
— Sim, mas o Duque Mac William pediu
que leve o menino até seu quarto. O senhor Edward
proibiu. E eu não sei a quem obedecer. Se eu digo
sim a um, desagrado o outro.

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— O trabalho é seu, não cabe a Edward


envolver-se em suas tarefas, sua inútil — disse
Matilde. — Deve obediência ao Duque.
— Sim, mas o senhor Edward vai me cobrar
se eu fizer isso... Oh, não, pare, criança infernal,
pare com isso! Pare com isso! — Liara fugia do
menino e quando notou o sorriso de Joan,
provavelmente o primeiro sorriso verdadeiro em
duas semanas, disse furiosa — está rindo? Está
rindo da minha desgraça?
O menino seguia cheirando a mulher e
brincando com ela, e quando começou a correr de
quatro atrás dela, Liara gritou.
— Quantos anos ele têm? — Joan perguntou
de súbito.
— Esse monstro tem dois anos. Deveria ter
apenas dois anos! Mas foi tomado! Foi tomado por
alguma força oculta que se apropriou de seu corpo!
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— Disse Liara, apavorada.


— Ele pode apenas estar querendo e
precisando de algo para morder — Joan abaixou o
corpo e ofereceu a mão sem medo. Sentiu as
mordidinhas e sorriu. Era a primeira dentição de
sua raça. Ainda não tinha condições de ferir.
Por trás dos dentes de humano, ela sentia os
dentes verdadeiros começando a surgir e entendia o
desespero de Liara. Não sabia o que era, e
estranhava. Tinha medo.
O menino concentrou-se em morder sua mão
e Liara olhava-a com horror.
— Se achar algo macio e suave para que ele
morda... Tudo ficará bem. — Joan acariciou o
cabelo macio e escuro do menino.
— Como sabe disso? — Liara olhava-a com
parcimônia. — Tem parte com forças ocultas?

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— Eu sei lidar com crianças — ela disse


corando. — Só isso. É só uma criança grande para
sua idade. — Ponderou.
— Ele não me obedece. Todos me obedecem,
menos ele! — Liara disse com rancor.
— Porque você não o chama pelo nome? —
Perguntou puxando a mão, pois o menino
começava a cansar suas mordidas e acalmava toda
a energia acumulada.
— Porque eu não tenho certeza se devo — a
serva disse com medo.
Joan sentiu um forte aperto no coração,
olhando para aquela criatura mágica nascida e
criada entre humanos que não compreendiam ou
aceitavam suas diferenças. Sem carinho, amor ou
refúgio.
— Tente. Ele não vai mordê-lo mais ou
menos do que já fez — ela tentou sorrir.
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— Marmom — Liara disse com receio. —


Eu vou levá-lo até seu pai.
O menino estendeu a mão para Liara como
quem pede colo.
Com receio, Liara segurou sua mão e olhou
para Joan com um mudo pedido de ajuda.
— Com a chegada do Senhor Edward as
regras vão mudar por aqui — Matilde disse em alto
e bom tom, roubando a atenção de todas. — Eu não
aceito que se deitem com ele ou qualquer outro de
sua confiança. As serviçais devem ser honestas e
não executarem fofocas sobre seus senhores. —
Disse impertinente e indiferente a estar ofendendo-
as ou não. — Você! — apontou Joan — volte para
o corredor principal e escove o chão até se ver
refletir nele. — Falou bem perto ao rosto de Joan.
— Não importa o quanto você limpe... Sempre
deixa alguma imundice para trás.

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Era uma ofensa direta. A sujeira vinha dela e


não o contrário. Dessa vez, Joan teve a vontade de
revidar. Empurrá-la com ambas as mãos até vê-la
caída de bunda no chão. Seria uma forma de livrar-
se do mau sentimento em seu coração.
— E lave suas roupas. É uma vergonha expor
sua condição de mulher diante de todos.
Recomponha-se. — Matilde ofendeu uma última
vez e Joan não entendeu imediatamente.
— Tem sangue no seu vestido. — uma das
jovenzinhas disse apenada antes de sair correndo
para acompanhar Matilde e seguir suas ordens.
Intrigada, Joan correu para longe, passando
pelos corredores que aprendera a conhecer como a
palma de suas mãos. Não existiam espelhos no
quarto das serviçais, mas havia um grande espelho
no corredor principal, onde ficava o quarto do
duque. Era um lugar relativamente discreto.

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Ansiosa, Joan correu para lá.


Sangue em seu vestido? Fadas não
sangravam como as humanas faziam mensalmente.
Sua genética íntima era um pouco diferente. Com o
coração saltando no peito, apalpou as costas e não
encontrou nada diferente. Puxou os botões do
vestido e olhou as costas.
Sentiu as pernas fraquejarem diante das
marcas escuras e feias. Suas asas? Suas asas
nasciam? Era uma dádiva, pensou, recompondo a
roupa.
Não sentia dor alguma ou fraqueza. Na
verdade, apesar do cansaço e do sofrimento físico
para executar tantas funções e trabalhos pesados,
Joan não sentia metade dos problemas físicos que
tinha antes. Ainda respirava com dificuldade em
alguns momentos, mas os outros problemas haviam
sumido.

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Culpava o ar da região por isso. Era um ar


menos seco, mais úmido, e parecia fazer bem para
seus pulmões.
Com uma empolgação genuína, Joan
ajoelhou-se para escovar outra vez o chão. Tudo
para deixar Matilde feliz.
Uma hora mais tarde, Liara deixou o quarto,
arrastando o menino pela mão. Um segundo antes
de fechar a porta, o menino correu de volta para o
quarto e Liara o seguiu esquecendo a porta
entreaberta.
Às vezes acontecia isso, alguém esquecia a
porta entreaberta e Joan via o interior do quarto.
Curiosidade a fazia tentar enxergar mais do que
uma fresta. Via a cama de madeira, com dossel
sustentando cortinas de veludo vermelho e dourado.
Via muito requinte e limpeza, graças aos cuidados
de Molly, a serviçal cheia de cuidados com o

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quarto do duque, e que se apaixonava facilmente


por todos os humanos machos que cruzavam seu
caminho.
Sua suposta nova paixonite era o duque. Mas
Joan não conseguia vê-lo. Às vezes via seu
contorno, deitado ou sentado na cama, com as
pernas cobertas por uma manta. Hoje, ela
conseguiu ver o pequeno Marmom pular na cama, e
ouviu um riso típico da espécie masculina.
O pai da criança o apreciava apesar da
estranheza de sua espécie. Joan sufocou a
curiosidade. Será que o duque sabia que a menino
era uma cruza de humano com homem-lagarto?
Se ele cruzou com uma fêmea da espécie, era
impossível não notar. As características físicas da
raça eram muito distintas, impossível não reparar.
Qual a possível explicação para isso? Os outros
dois filhos do duque eram totalmente humanos, ela

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reparou nisso. A menina chamava-se Alice e o


menino do meio, chamava Antônio, chamado por
todos de Tommy.
Alice era morena, cabelos escuros e olhos
claros. Muito bonita, mas mal educada, corria pelo
castelo como se fosse um menino. Tinha doze anos,
e Joan ouvira boatos que seu tio, Edward queria
casá-la em breve com um nobre. O menino do
meio, Tommy tinha sete anos. Era a cópia fiel da
irmã. Muito tímido, vivia sozinho pelos cantos do
jardim ou corredores sempre lendo. Lembrava-a de
Driana.
O pequeno Marmom estava sempre correndo
com as outras crianças menores do forte, mas Joan
ainda não sabia se ele corria atrás das crianças ou
corria com elas. Matilde lhe dava tanto trabalho que
tornava impossível arrumar um tempo livre para
descobrir mais sobre a criança.

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Pensar no menino lagarto ajudava a gastar


seu tempo e ocupar sua mente para não pensar em
sua situação e na ausência de suas amigas e do
mundo a qual era habituada.
Ela não compreendia metade das conversas
que ouvia, não sabia interagir com ninguém.
Sempre ficava de lado, em seu canto tentando não
chamar demasiada atenção sobre si mesma.
O que era impossível de acontecer, pois
Matilde parecia adorar seu nome e por isso passava
o dia todo gritando-o aos quatro ventos. Joan se
perguntava em como Matilde sobreviveria sem sua
presença para extravasar todo seu ódio diário,
quando finalmente fosse seguro para voltar para
casa junto as suas amigas.
Minutos mais tarde, Liara deixou o quarto e
fechou a porta atrás de si com um baque. O menino
parecia distraído por um pedaço de pano, talvez um

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travesseiro antigo, pequeno e macio, onde mordia


calmamente, como qualquer criança que encontrou
um brinquedo favorito. Liara não parecia tão
nervosa, mas era impossível dizer, pois estava
bastante corada, como sempre acontecia quando as
fêmeas deixavam o quarto do Duque Mac William.
Elas sempre cochichavam entre elas que o
Duque era bonito. Mas Joan não conseguia ver
pelas frestas da porta. Nem sabia se queria ver.
Distraída com a limpeza, Joan sentiu cheiro
de chuva. Vinha de longe, mas impregnava o ar.
Como bicho, ela sentia a chuva em cada poro. Era
bom, pois aquela terra penava pela ausência de
chuva depois da tragédia.
Com a mente vagando por caminhos
perigosos, Joan passou muito tempo ali. Era noite,
estava exausta. Podia facilmente encostar-se nas
paredes e tirar um cochilo, mas a curiosidade era

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maior. O castelo estava silencioso e todos deveriam


estar dormindo ou se encaminhando para isso.
Ninguém iria percorrer aqueles corredores ou
visitar a alcova do duque. O que poderia acontecer
se ela fosse pega naquele quarto? Matilde
provavelmente iria gritar até cansar e bater-lhe com
o cajado. Alguma novidade nisso?
Tomada de uma coragem que normalmente
não lhe pertencia, Joan levantou e escondeu o
material de limpeza em um canto particularmente
escuro. Aproximou-se sorrateira da porta e
empurrou de leve, até abri-la. Não queria fazer
barulho e sabia como ser silenciosa.
Quando precisava escapar do Ministério do
Rei durante a noite para alguma travessura de
Eleonora geralmente era Joan quem ia à frente,
abrindo as portas e checando as passagens por ser a
mais leve e ter os passos suaves como seda.

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E também, por facilmente esconder-se em


qualquer canto, pois mesmo sem grande atividade
às vezes resquícios do seu dom lhe eram úteis, com
o a capacidade de esconder sua imagem e camuflar-
se ao ambiente.
Entrou e andou lentamente em direção à
cama. Nada mais lhe captava a atenção além da
cama. A vela ao lado da cama estava acesa e havia
um livro caído no chão, ao lado da cama, sobre o
tapete de peles. Uma pena e tinteiro na mesinha ao
lado da cama, assim como uma caderneta de notas
pendendo, quase caindo, repetindo o fatídico
destino do livro.
Joan pegou a caderneta e pousou-a no criado
mudo. Percebeu o cuidado com a cama e a colcha.
Estavam no verão, mesmo assim havia um cobertor
ao alcance das mãos do homem.
Duque Rowell Mac William, popularmente

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conhecido entre os seus aldeões como Rowell, era


um homem bonito. As serviçais, colegas de quarto,
não mentiram quanto a isso.
Adormecido, vestia uma camisa branca,
desabotoada. Era definido, músculos apropriados
para um lutador. Não era de admirar que houvesse
erguido a espada para defender seu povo, pois seu
corpo acusava um macho de ação.
Era um belo espécime de humano. Joan
chegou bem perto e aspirou seu cheiro. Gostou do
aroma. Não era parecido com os elfos, nem de
longe, mas ela gostou do cheiro natural do humano.
Seu cabelo era curto, negro e liso, bem
curtinho, e ela sabia de ouvir fofocas que mantinha
os cabelos assim a pedido da esposa morta no parto
de seu filho mais novo. Joan não ouvira muito
sobre a perda, ninguém queria falar disso com ela.
Aliás, ninguém falava sobre nada com ela.
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A pele dele era queimada do sol, mas havia


resquícios de palidez e a culpa era do ferimento.
Seus traços eram harmoniosos, queixo muito
quadrado, nariz longo. Lábios cheios... Não
conseguia ver seus olhos para saber a cor, por isso
podia apenas imaginar e compor uma imagem em
sua mente.
Tentar ligar o som do riso que ouvira mais
cedo com a imagem mental de como deveria ser
seu sorriso.
Joan gostou dessa imagem. Observou em
volta e desgostou do abafado do quarto. Cheiro de
mofo. Com passos lentos andou até a ampla janela
e entreabriu uma das folhas, permitindo que uma
brisa entrasse. Não lhe faria mal um pouco de ar
puro. Voltou para junto da cama e apagou a vela,
pois era perigoso que dormisse com a vela acesa.
Ele estava recostado nos travesseiros, quase

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sentado, mas visto sua atual situação, a posição era


adequada.
Pesarosa de sair e deixá-lo sozinho, Joan foi
cuidadosa ao deixar o quarto e fechar aporta.
Sozinha na solidão do castelo, ela andou
pelos corredores. Seus pensamentos confusos e
distantes da realidade foram tolhidos pelo ronco
insistente do estômago. Sorriu e tocou a barriga.
Bem, para esse mal ela conhecia a cura, e se
bem conhecia o funcionamento da cozinha do forte,
aquela era a hora perfeita para surrupiar restos do
cordeiro do jantar, enquanto ouvia as boas
conversas do cozinheiro Hector e seu inseparável
coelho.

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Capítulo 4 — Mágoas sobre o chão

Contrariando a temperatura amena da região,


ao pé do desfiladeiro, o frio era mordaz. Culpa das
fortes correntes de ar que desembocavam contra as
pedras maciças. A falta de vegetação e o excesso de
umidade não contribuíam em nada para subir a
temperatura.
Tobias estava começando a se habituar a
passar o dia todo dormindo ou lamentando o
próprio azar enquanto refugiava-se em uma manta
que surrupiara no Campo dos Humanos, depois de
deixar Joan para trás. Ele não era tão irresponsável
como todos diziam que era.

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Observou sua amiga a distância para saber se


ela conseguiria se virar sem ajuda. Confiava na
sagacidade da menina, mas não inteiramente em
sua capacidade de distinguir o caminho correto,
estando com tanto medo.
Ao vê-la ser acolhida para trabalhar no forte
Mac William acalmou-se sobre sua sobrevivência.
Joan conseguiria alimento e um teto. No Campo
dos Humanos, criatura mágica alguma teria
coragem de atacá-la.
Por causa disso, optou por esconder-se longe,
muito longe de lá. Em um lugar jamais imaginado
por outra criatura. Na solidão daquele
acampamento improvisado, Tobias sorriu.
O único que saberia instantaneamente onde
se escondia era seu irmão adotivo Egan. Ele saberia
que seu comodismo natural e seu radicalismo em
relação à regras o obrigaria a refugiar-se no lugar

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mais inesperado para os demais.


Um lugar onde o pequeno Egan brincava na
infância, sempre sozinho e audaz, antes de ter um
irmãozinho para quem ensinar tudo que sabia e
amava. Antes de Tobias entrar em sua vida, e trazer
cor para uma vida de obrigações para com um pai
Conselheiro.
Tobias passou a conhecer o mundo particular
de Egan e ficou muito feliz de compartilhar seus
segredos. Ao contrário do que muitos acreditavam,
não havia divergências entre os dois irmãos. Muito
menos inveja ou ressentimentos.
Egan queria ter à liberdade de Tobias para
suas escolhas e se realizava através da rebeldia do
irmão mais novo, secretamente incentivando-o em
suas aventuras. Enquanto Tobias realizava-se
através de Egan, em seus ideais de seriedade e
honestidade, quando ele próprio era tão falho e

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cheio de defeitos. Completavam-se e talvez por


isso, a amizade havia sido instantânea ao se
conhecerem.
Eram irmãos desde o primeiro segundo,
quando apresentados.
O amor por seus pais adotivos Reina e Túlio
nasceu lentamente. Mas o carinho e afeição por
Egan foi imediato. Tobias não acreditava que teria
aguentado o afastamento de Eleonora e suas
amigas, se não fosse à presença de Egan.
Viver com uma família era o sonho de
qualquer criança nascida órfã e abandonada em um
Ministério do Rei com leis rígidas e quase cruéis.
Mas alguma coisa sempre faltava por isso Tobias
sempre voltava ao Ministério. Era um desejo de seu
coração, e depois de algumas reclamações de Túlio,
seu pai adotivo, eles entraram em acordo sobre a
necessidade do menino precisar manter o vínculo

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entre suas duas realidades: seu passado e seu


presente.
E Tobias era incapaz de dizer qual desses
dois elos eram mais importantes em sua vida. Sua
família ou suas amigas? Reina, sua mãe, dividia
com ele esse sentimento e o compreendia, mas as
vezes, Túlio e Egan o questionavam.
Sobretudo, depois de crescer e se tornar um
elfo maduro. Estava na idade de escolher uma
fêmea e casar-se. Túlio até mesmo tentou
incentivá-lo a escolher uma das amigas, pois isso
ajudaria a resolver seus sumiços atrás das jovens do
Ministério do Rei.
Mas como ele faria isso? Escolher Eleonora,
sua secreta paixão, e deixar as outras três para trás,
sabendo que o coração de Lora seria partido em
milhares de pequenos pedacinhos?
A culpa o assolaria para sempre. A vida uniu
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as quatro fadas e jamais poderiam ser inteiramente


felizes se não pudessem se ajudar mutuamente.
Encolhido no vão entre as rochas, em sua
caverna improvisada, Tobias achou ter ouvido
algum barulho, talvez som de passos, mas era
apenas o sussurrar do vento, anunciando chuva.
Nada para se preocupar. Havia água,
alimento e abrigo. Ele podia viver assim pelas
próximas semanas. Mas não poderia viver assim
muito tempo, a menos que obtivesse notícias.
Tobias saiu de seu esconderijo e olhou para a
noite escura, um céu tão longínquo e encoberto pela
sombra do abismo, que tornava impossível ver a lua
e nutriu a esperança de que em breve seria avisado
da salvação das fadas.
Egan saberia intuitivamente onde seu irmão
adotivo escondia-se e o procuraria ao menor sinal
de paz. E Tobias confiava em Egan cegamente.
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De volta ao seu canto, Tobias fechou os


olhos e adormeceu. O cansaço e a solidão não lhe
permitiu ver que alguém, ou alguma coisa rastejava
pelas pedras em sua direção.
O alguém misterioso ficou de pé e andou
lentamente em direção à fogueira. Alimentou-a
com mais gravetos secos e observou-o dormir
inocentemente.
Uma brisa mansa anunciando chuva balançou
os longos cabelos da intrusa e ela esquadrinhou a
estrutura óssea do invasor, medindo as
possibilidades. Quando chegou a uma boa
conclusão, afastou-se.
Tobias acordou de seu cochilo sentindo um
forte cheiro, trazido pelo vento, era cheiro de
animal, mas ele não sabia identificar que raça.
Tobias nunca foi do tipo de preocupar-se por
antecedência, por isso descartou qualquer

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possibilidade de perigo e voltou a dormir.


*****
Joan ria tanto que sentia dor no estômago.
Havia comido toda a sobra do jantar que Hector
pusera em seu prato e depois que Molly unira-se a
eles na cozinha, o assunto havia surgido
rapidamente e ela mal aguentava rir de sua imitação
barata do jeito de Matilde.
Naquele exato momento Molly andava pela
cozinha imitando os trejeitos da governanta e eles
riam sem parar.
— Veja só, Molly — Hector dizia enquanto
cortava uma fatia de bolo e oferecia a elas. — A
pequena coelha sabe rir.
Molly sorriu e sentou-se perto deles para
comer.
— Isso é uma surpresa, não é? Joan quase

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não fala ou ri. A não ser quando quer atazanar a


vida de Matilde com suas frases que a deixam de
cabelo em pé.
— Eu não faço de propósito — Joan
defendeu-se instantaneamente. — Eu não sei
quando estou incomodando-a. Sinto muito por isso,
eu não entendo tudo que ela diz.
— Continue respondendo para Matilde, ela
precisa disso — disse Hector, sentado em seu
banquinho, com o grande coelho marrom aos seus
pés. — Ser desafiada.
Joan pensou em perguntar a ele, se Hector
sabia que seu coelho não era apenas um animal
comum. Ela sentia uma aflição sempre que olhava-
o. Algo mágico rodeava o animal, mas ela ainda
não sabia o que era.
— Eu realmente não faço por querer. — Joan
disse triste, em ser mal compreendida.
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— Você tem família, Joan? — perguntou


Molly, olhando para ela com curiosidade — você
não é daqui. Eu nem sei de onde você pode ter
vindo. Não é como nós.
— Eu... Tenho família. — Disse, e não
deixava de ser verdade. Suas amigas eram como
sua família. — É melhor ir dormir. Estou muito
cansada.
Queria fugir do assunto. Levantou e
agradeceu pela comida, e antes que saísse, Molly
levantou e a seguiu:
— Eu sei um jeito de você conseguir trocar
de lugar com Liara — cochichou.
— Como assim, trocar de lugar com Liara?
— Parou de andar e olhou-a surpresa.
— Ora, vamos, você não aguenta esse
trabalho todo. Quem quer isso para si? —
Desacreditou. — Você pode ter muito mais do que
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isso. E eu sei como você consegue o que desejar


rapidamente!
— Como? — Perguntou curiosa.
— O Senhor Edward. Ele tem mil olhos,
Joan, e já andou colocando-os sobre você.
— O irmão do duque? — Estranhou — mas
eu nunca o vi em toda minha vida.
— Como eu disse... Edward tem muitos
olhos e muitos ouvidos. Eu posso conseguir uma
troca entre vocês dois. Liara pode cuidar do
trabalho pesado e você... Das crianças.
— Em troca de...? — Começava a entender o
mundo dos humanos.
Sempre havia uma paga em troca de um
favor.
Nada era caridosamente oferecido sem
segundas intenções.

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— Você sabe em troca do que! — Molly


disse maliciosa. — Não seja boba. Aceite, isso
facilitará em muito a sua vida! Eu não gosto de vê-
la sofrendo tanto no trabalho pesado!
— Molly, eu não sei como funcionam as
coisas por aqui... Mas eu não posso fazer algo desse
gênero. Eu vou entrar no cio em pouco tempo! Não
posso desperdiçar esse momento copulando por
interesse! — Disse tocada pelo vinho bebido de
acompanhamento do resto do jantar — imagine
desperdiçar esse momento único... Não, eu aguento
o trabalho pesado. Eu aguento!
Molly chegou a abrir a boca para insistir na
oferta, mas o grandalhão Hector a espantou e
aproximou-se de Joan, segurando sua mão com
afeto.
— Mantenha-se longe do irmão do duque.
Edward não vale mais do que um osso de costela

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ruído — ele jogou um pedaço de osso no chão, com


raiva, pois o segurava nas mãos, depois de roer a
carne. — Fique longe. Ele vai acabar com sua
juventude e alegria. Ele não presta.
Joan engoliu em seco, sem saber o que
responder e apenas acenou concordando. Hector
soltou sua mão e tornou a ser o humano agradável,
oferecendo-lhe um pedaço de bolo para levar
consigo para o dormitório.
Com medo que Matilde descobrisse a comida
em seu quarto negou e partiu. Não estava enganada
sobre a chuva. Pingos grossos caiam do céu, por
isso Joan correu pelos corredores, e parou de correr
quando encontrou uma porta entreaberta, que
levava diretamente para o alto do castelo, onde não
havia proteção e sim o céu aberto. Pensou ter
ouvido voz de criança e num impulso correu por
ali.

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De longe ela avistou o vulto de um homem


que levava uma menina pela mão. Joan não
conseguia ver o rosto do homem, tão pouco,
reconhecê-lo pela postura, pois não se parecia com
nenhum dos humanos que conhecera desde que
chegou ao castelo.
A menina que corria ao lado dele era Alice,
vestida em uma camisola branca, agora molhada
pela chuva.
Do céu despencava uma chuvarada que se
acentuou com o passar dos minutos. De longe, Joan
observou o homem ajudar a menina a subir na
murada de pedras e segurá-la, falando algo para ela.
Joan não gostou naquela daquilo. As
humanas fêmeas não possuíam asas ou o dom do
voo. Eram frágeis quanto à altura. Se a menina
pulasse, era morte certa!
Angustiada, Joan se fez notar ao correr na
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direção deles.
— Pare! Alice! Não pule!
A menina a conhecia de vista, mesmo assim,
Joan a conhecia muito bem, pois reparava muito na
menina. Não era nada explicável. Era apenas
interação, afeição que nasce sem justificativa.
Joan teve a impressão de vê-los olhar em sua
direção, então, em um piscar de olhos não havia
anda além da chuva, escuridão da madrugada e
vento frio. Ela parou de correr e olhou em volta,
procurando-os. Nada. Aproximou-se da murada e
curvou-se olhando para baixo. Não havia nada
mesmo.
Teria sido uma alucinação? Joan não soube
responder a sua própria indagação. Não era
acostumada com o vinho produzido pelos humanos,
com grande quantidade de álcool. Poderia ser isso?
Uma alucinação?
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Confusa, Joan voltou a andar, percorrendo o


lugar rapidamente e então, correndo para refugiar-
se da chuvarada. Encharcada da cabeça aos pés, ela
refugiou-se em um canto escuro, onde encontrou
abrigo temporário.
Escorregou para o chão e recostou-se na
parede. Tremia de frio e medo. Minutos mais tarde
quando tentou levantar, sentiu uma fisgada nas
costas. Não era dor. Era uma fisgada quase indolor.
Suas benditas asas. Joan saiu do esconderijo e
andou pela chuva, até fitar o céu escuro, coberto
por estrelas, uma lua distante, banhando-a com seu
poder mágico.
Abriu os braços, como quem abre as asas e
fechou os olhos esperando. A fisgada aconteceu
mais uma vez e ela sorriu, olhos abertos, encarando
a madrugada, com a certeza pungente em cada
célula do seu organismo.

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Era agora, era mágico e era à noite


envolvendo seu corpo, alma e coração. Ela
obedecia ao chamado da natureza. Permitiu que a
natureza e seu chamado fossem atendidos.
Não fora assim que sonhou. Ela achou que
estaria entre suas amigas, com Eleonora segurando
sua mão, Driana e Alma elogiando seu esforço e a
beleza de suas asas, e quando voasse pela primeira
vez teria a companhia de suas amigas.
A vida não quis assim e Joan sentiu o corpo
reagir, embora sem dor, sentiu a carne retorcer,
sentiu a punção de força e esforço que seu corpo
sofria na ansiedade de expulsar suas asas.
Curvou o corpo e seus joelhos sucumbiram,
por isso ela caiu de joelhos e puxou o vestido
livrando as costas até a cintura, segurando-se no
chão, palmas das mãos cravadas nas pedras
enquanto sentia a mágica pura que a envolvia

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chegar ao ápice.
Nunca imaginou que seria assim, que seria
ali entre humanos, em uma noite de temporal,
desprotegida e meio bêbada, mas era perfeito.
Um baque poderoso tomou seu corpo quando
as asas romperam a pele. Ela sentia o sangue verter
e viu pingos correrem para o chão, em meio à água
da chuva. Foi um momento demorado, ela não
conseguia se mexer. Tombou para o lado meio
deitada sentindo o bater acelerado do coração.
Sentindo o peso das asas, o pulsar de sua carne
acomodando-se ao novo estado do seu corpo.
Era diferente, não sabia explicar no que. Não
havia acabado ainda, pensou Joan. Ergueu os olhos,
para ver o céu e sua certeza se acentuou.
Não havia acabado ainda. Ela ergueu uma
das mãos trêmulas e tentou escondê-la. Não
conseguiu. Deveria conseguir enganar os olhos
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alheios. Ela fazia isso desde muito jovem.


Mas não conseguiu. Trêmula, tentou levantar
e caiu de volta no chão. Estendeu uma das mãos
nas costas e tocou suas asas. Eram curtas.
Pontiagudas, macias e sem muitas hastes. Asas
pequenas, pensou sorrindo. Suas asas haviam
nascido. Sem dor ou sofrimento. Ela somente
poderia agradecer a mãe natureza por ter pena de
seu pesar e ter amenizado esse momento.
Renovada em sua coragem Joan ficou de
joelhos outra vez e respirou fundo, exigido ser
obedecida. Exigia deu dom completo e exigia ser
obedecida. Precisava camuflar suas asas para que
os olhos humanos não as vissem. Foi um momento
de expectativa onde ela esperou que algum tipo de
ilusão fosse escondê-las.
Mas não, Joan sentiu um reboliço em suas
costas. Suas asas se recolheram para dentro da pele

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como se nunca antes houvessem nascido.


Embevecida, sem compreender, ela ponderou
que Driana saberia lhe explicar o que acontecia.
Seria parte do seu dom? Como faria para
descobrir isso agora? Impossível. Confusa e
perdida, Joan arrumou o vestido cobrindo o torço
nu e respirou fundo, olhando para a lua que a
banhava com sua luz mágica.
Estava tão longe de casa e ao mesmo tempo
tão perto de tudo que valia a pena. Onde estivesse
sua gente estaria também. Pois os guardava no
fundo de seu coração.
Rezando secretamente para que tudo ficasse
bem e em breve pudesse voltar para casa, Joan
andou para longe e quando conseguiu começou a
correr na chuvarada, até encontrar a porta aberta e
voltar para dentro do castelo.
No dormitório todas as jovens dormiam
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pesadamente, cansadas do pesado trabalho no


castelo. Por isso, ninguém viu quando Joan despiu
a roupa molhada e a colocou para secar
dependurada perto da cama. Entrou sob a coberta
nua e fechou os olhos, sorrindo.
Em poucos segundos, adormeceu.

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Capítulo 5 — O tempo voa

Por mais uma longa semana, Joan observou


os dias passarem entre limpeza pesada, gritos de
Matilde e intrigas entre as moças humanas do
dormitório. Elas brigavam muito entre si, o que não
costumava acontecer no Ministério do Rei.
Havia harmonia entre as fadas, mas não entre
as humanas.
Toda noite, ela encontrava uma esculpa
qualquer para passar perto da alcova do Duque e
entrar sorrateira, para espiá-lo e também abrir sua
janela.
Não cansava de sentir dó da criatura humana
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que padecia inválido e sem esperanças. Certo dia,


ela tentou ver seu ferimento, mas ele se mexeu e
Joan precisou correr para fora do quarto com medo
de ser vista. No domingo, Joan terminava de abrir a
janela, apenas uma fresta, quando notou que era
observada.
Imóvel, ela permaneceu parada, torcendo
para não ser vista. Observou o duque, que acordado
olhava em torno, uma expressão confusa na face,
tentando encontrar a imagem da jovem bonita que
abria a janela de seu quarto. Um segundo atrás ela
estivera ali, diante de seus olhos, real e perfumada,
um cheiro de mato, de folha e de chuva.
Mas esse segundo passou e a imagem sumiu
diante dos seus olhos. Joan encarou o espelho na
parede oposta, descobrindo que não era possível
vê-la. Estava camuflada contra a parede de pedra,
cortina de veludo vermelho e uma mesa de madeira

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maciça adornada com ouro e prata.


Seu dom era pleno, pensou Joan, encantada
consigo. Era pleno e útil, finalmente.
O Duque maneou a cabeça e pegou o livro
esquecido ao seu lado da cama, fechando-o e
colocando-o no criado mudo ao lado da cama. Com
dificuldade e evidente dor, pegou uma garrafa com
água e bebeu do gargalo, deixando a garrafa de
prata ao lado, esquecida.
Sua condição não era nada boa e ele sabia
disso. Em momentos de solidão Rowell se afligia
com sua situação. Exasperado, passou ambas as
mãos na face e fechou os olhos. Não poderia
sustentar aquela mentira para sempre.
Agoniado olhou em volta mais uma vez e
suspirou. Ele queria acreditar que não estava
sozinho, que não era apenas sonho. Queria acreditar
que seus olhos não lhe enganavam.
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Na manhã seguinte descobriria quem abria a


janela todas as noites. Com sorte, era a ordem de
Matilde e alguma das serviçais obedeciam
fervorosamente suas ordens. Acalmando-se, o
Duque tornou a olhar fixamente para um ponto
qualquer do quarto. O sono o abandonou e a aflição
tomou o lugar do cansaço.
Joan ficou ali, incólume por muito tempo,
observando-o. Passado mais de uma hora, precisou
partir, pois se Matilde desse por sua falta mais uma
vez, seria levada de volta para a vila e perderia seu
perfeito esconderijo.
Mesmo querendo ficar, Joan partiu.
Camuflada andou por muitos corredores.
Empolgada com a nova descoberta sobre si mesma,
Joan escondeu-se em um lugar recluso e deixou as
asas aflorarem. Era um pequeno prazer de uma fada
que ainda não tivera a chance de voar e descobrir

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essa maravilha de sua natureza.


Havia descoberto que ser invisível aos olhos,
camuflada no ambiente, lhe conferia uma liberdade
única. Entrar e sair de lugares proibidos, como a
alcova de Matilde.
A noite era a companheira de Joan desde que
chegara ao castelo. Os humanos dormiam e ela
transitava pelos corredores em busca de
conhecimento. Agora, com seu dom desperto, seria
ainda mais fácil.
Andando pela madrugada, Joan chegou à
frente da porta tão cobiçada. Era o dormitório de
Matilde. Em um corredor simplório, mas de melhor
acesso, privilegiado em comparação com os
corredores onde as serviçais dormiram, Matilde
possuía um quarto unicamente para si.
Uma regalia importantíssima em uma vida
coletiva como a dos humanos.
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Nisso humanos e criaturas mágicas


assemelhavam-se profundamente. Em um mundo
ou outro, os serviçais eram tratados com descaso.
Com humilhação e muitas vezes abusos.
Com a coragem adquirida com seu dom, Joan
entreabriu a porta do quarto e entrou. Velas
mantinham todo o quarto iluminado. Uma cama
simples, com lençóis limpos e perfumados, uma
mesa de estudos com uma cadeira, onde Matilde
estava sentada, escrevendo o que parecia ser uma
carta. Ela limpava as faces, onde lágrimas
molhavam a pele.
Intrigada, Joan aproximou-se e espiou por
seu ombro. Ela escrevia uma carta para um
humano. Não reconheceu o nome, muito menos seu
título. Ainda não compreendia a hierarquia de
títulos humanos. Rowell Stiller Delan era o Duque
de Mac William, por isso apenas nomeado de

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duque Rowell Mac Willian, enquanto seu irmão


mais novo em três anos era apenas um empregado
em seu próprio forte de nascimento, sem títulos.
Liara havia contado que Edward, o irmão do
Duque poderia ter se nomeado cavaleiro do rei, se
assim o desejasse, mas lhe faltava talento com
espada e dedicação. Poderia ter se dedicado ao
comércio ou a religião, mas lhe faltava talento e
vontade para ambas as coisas.
Era um preguiçoso nato. Um ambicioso
maledicente.
Matilde terminou de escrever a carta e
dobrou-a cuidadosamente antes de colocá-la dentro
de uma gaveta e chaveá-la. Joan teve um vislumbre
de outros papéis semelhantes colocados dentro da
mesma gaveta.
Pobre Matilde, escrevendo cartas que jamais
enviaria...
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Apenada, Joan observou-a esconder a face e


o choro entre as mãos, e pousou uma das mãos em
seu ombro muito de leve, como fazia com Alma,
quando sua amiga estava descontrolada. Não
pretendia se revelar, apenas apoiá-la.
Matilde sentiu o toque de um anjo e pensou
ser impressão sua. Minutos mais tarde, recompôs-
se do choro e Joan afastou-se a observando deitar-
se e tentar dormir.
O forte era um lugar tão triste, pensou. Tão
triste que cortava seu coração.
Sem vontade de voltar ao dormitório e
simplesmente adormecer, Joan vagou pelo castelo
adormecido e então, pelo pátio. Fumaça ainda
escapava de uma chaminé onde ficava a fábrica de
metal, onde criavam as espadas e consertavam as
armaduras humanas dos cavaleiros que protegiam o
castelo.

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Os cavalos relinchavam nas baias e Joan


reparou que havia luz fraca vinda de um dos
casebres onde mantinham uma pequena taverna
adjunta ao forte.
Joan sorriu ao ouvir o toque choroso de um
instrumento musical. Lembrou imediatamente de
Tobias e sua gaita sofrida, soando pelos prados,
onde as fadas dançavam ao som de sua música,
aproveitando o pouco de felicidade que conseguiam
com suas fugas fortuitas.
Falsa liberdade, mas que lhes trazia tanta
alegria... Hipnotizada pelo som, Joan se lembrou
dos pés brancos, pálidos e canelas finas de
Eleonora, movendo-se com graciosidade pela
grama e mato da relva, enquanto dançava com ela.
Driana normalmente dançava quando era
obrigada a isso. Preferia ler, treinar sua mente e
dedicar-se ao conhecimento. Alma acompanhava-as

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com reticências, embora no fundo, Joan suspeitava


que se divertisse nesses momentos de diversão.
Eram quatro pares de pés rodopiando na
grama verde, macia e orvalhada, sob um lindo sol
da manhã... Saudosa, reprimiu o suspiro triste, e
desviou a atenção para uma fêmea humana que
andava com passos apressados naquela direção.
As roupas pareciam muito com vestimenta
masculina, a capa longa cobrindo sua face e suas
maneiras rápidas, mas Joan sentia cheiro de fêmea.
Uma pena que perdesse seu rastro. Queria
muito ter alguma coisa para ver e pensar. Algo para
ocupar sua mente e impedi-la de enlouquecer
enquanto esperava Eleonora provar sua inocência e
salvar a todas elas.
Nutria essa esperança infantil e não abriria
mão disso por nada no mundo!
Mais uma noite triste chegava ao apogeu e
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ela precisava dormir um pouco, para dar conta do


trabalho na manhã seguinte.
Cada dia era mais difícil ir dormir. A insônia
a impedia de conciliar o sono e quando acontecia os
pesadelos a atacam sem dó.
Era nesses momentos que Joan normalmente
corria para a cama de Alma e refugiava-se na
presença e segurança que sentia ao lado de Alma.
Mas estava sozinha e não havia para quem
correr.
Voltou para o castelo com passos lentos. A
meio caminho olhou para cima, para onde deveria
ficar a varanda do quarto do Duque.
Mordeu o lábio, e conteve a vontade
abrasadora de voltar para junto dele.
Era uma vontade que passaria, disse a si
mesma.

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Como diria Driana, ela estava procurando


sarna para coçar.
De volta para o quarto onde as outras moças
dormiam Joan se lembrou de revelar-se no último
instante antes de adormecer. Seria temerário se
adormecesse camuflada. Sorrindo desse
pensamento, fechou os olhos por um instante e
quando os abriu outra vez já era manhã, e os gritos
de Matilde a arrancaram da cama.
— Levante-se, sua preguiçosa! Limpe-se!
Está fedendo! Vamos! Levante! — Agarrou seus
cabelos e a puxou da cama.
Joan segurou sua mão, mais por instinto do
que por agressão, e sem querer, fincou as longas
unhas em sua pele. Matilde soltou e ela ficou caída
no chão, usando apenas as roupas íntimas que
usava sob o vestido largo que Molly lhe dera em
troca de pagamento por um novo.

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— Você vai pagar por isso — Matilde disse


segurando o pulso — Você vai pagar, seu demônio!
Exigiu o pulso como quem pede apoio.
Joan reparou que não aparecia nada em sua
pele. Sorriu e disse com satisfação:
— Eu não vejo nada!
Molly pareceu sentir prazer ao dizer:
— Eu também não vejo marca alguma. Não
pode estar doendo se não tem marcas.
— Você é uma bruxa — disse Matilde
afastando-se alguns passos. — Eu vou me livrar de
você e da sua bruxaria — ameaçou.
— Eu sinto muito, não sou uma bruxa. —
Joan disse levantando, pegando o vestido
dependurado no encosto da cama, para secar, pois
era sua única roupa. — Eu nunca vi uma bruxa na
vida. Eu penso que elas existem, mas não posso ter

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certeza, ainda não conheço todo o mundo... —


Quase se referiu ao mundo mágico, mas se calou a
tempo — Eu não acredito nessas coisas. Não em
bruxas. Porque nunca as vi pessoalmente.
Matilde encarou-a com ódio evidente.
Joan a confundia e isso a deixava louca.
Completamente fora de si!
— Vista suas roupas e penteie esse cabelo
imundo. Prenda-o. Não quero seus piolhos
contaminando o Duque. — Disse com rancor na
voz.
— Duque? — Joan parou de se vestir e
encarou-a com surpresa.
— Servirá o Duque essa manhã. — Apontou
para Molly. — Faça o trabalho de Joan.
Pela primeira vez a chamou por seu nome e
Joan sorriu. De mais a mais, gostava de Matilde.

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Não o tempo todo, mas simpatizava com ela. Era


errado, e Driana a alertaria para o fato de sempre
gostar das criaturas, mesmo que elas não valessem
a pena.
Ansiosa, com um frio súbito no estômago,
Joan arrumou o vestido e lamentou não ser mais
justo ou bonito. Trançou rapidamente os cabelos
para o lado, pois eram longos demais para trançar
sozinha.
Ainda calçava os sapatos quando correu para
acompanhar as passadas rápidas de Matilde.
A primeira parada foi na cozinha. Liara
alimentava o menino Marmom e Joan desejou fazer
graça para o menino, mas Matilde lhe arrancaria a
língua se fizesse isso. A menina Alice comia
calada, sem erguer os olhos para ninguém. Tommy,
o filho macho do Duque, o provável sucessor de
seu ducado, não parecia se importar com o silêncio

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na cozinha, muito menos com a ausência do pai.


Joan sentia tanta pena daquelas crianças...
Tanta pena que doía seu coração.
— Não ouse derrubar — Matilde avisou
quando Joan pegou a bandeja pronta.
Era pesada, mas nada comparado aos baldes
que carregava para a limpeza dos corredores.
O silêncio imperou entre elas, o que era
estranho, pois Matilde adorava gritar com ela. Em
frente ao quarto do Duque, Matilde parou e avisou:
— Não ouse olhar na direção do Duque. —
Sua voz era pesada, inflamada de revolta. — Ouviu
o que eu disse?
Era uma pergunta retórica, mas Joan não
entendia essas frases humanas.
— Ouvi — respondeu sem notar que
inflamava ainda mais a implicância de Matilde por

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ela.
Ansiosa por entrar, não prestava muita
atenção na governanta.
— Se você ousar falar com o Duque ou
derrubar essa bandeja sobre ele ou qualquer outro
lugar do quarto, eu vou arrastá-la de volta para a
vila pelos cabelos. Entendeu?
— Entendi — seu tom era de pressa, e
Matilde notou.
— Você faz isso para me enlouquecer —
Matilde disse muito baixo, provavelmente
esbravejando, mas Joan ouviu.
A porta foi aberta, e Joan sentiu a
empolgação de entrar naquele quarto durante o dia
esvair-se em puro nervosismo. Segurou a bandeja
com toda sua concentração em pânico de tropeçar e
derrubá-la sobre o Duque. Não era medo pelas
ameaças de Matilde e sim um medo diferente. Ela
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não queria causar uma má impressão no humano.


Seguiu Matilde com passos comedidos e
ficou bem atrás, escondida.
Matilde parou de andar e encarou-a com
repreensão contida, pois não podia gritar com a
serviçal na frente do Duque:
— Sirva seu senhor, criada — disse com
falsa simpatia.
Na cama, recostado contra travesseiros, o
Duque sorria da expressão fechada de Matilde.
Joan não ousou dizer nada, mas o pensamento
insistente e frívolo de como o Duque era mais
bonito a luz do dia que a noite, a fez quase suspirar.
Conteve-se a tempo e aproximou-se com a
bandeja. Depositou-a com cuidado sobre as pernas
do humano e serviu o chá, café e leite, como era
ensinado pela governanta.

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Fez tudo sem olhar na direção do humano.


Por mais que quisesse, se conteve. Mantinha a
respiração suspensa, até terminar. Endireitou o
corpo e olhou para o chão. Não era medo de
Matilde. Era timidez inesperada e exagerada.
Driana poderia lhe explicar o porquê disso, mas sua
amiga não estava ali, então Joan precisava lidar
com a própria ignorância sobre os assuntos
humanos.
Ouviu o barulho da louça, dos talheres e
ouviu a conversa fiada de Matilde. A governanta
olhou para a serviçal de pé, parada imóvel, com os
braços junto ao corpo e ordenou:
— Arrume as cortinas, estão tortas.
Era apenas um modo de colocá-la para
trabalhar. Matilde não se continha. Não adiantava.
Joan aproximou-se da janela e arrumou os
problemas imaginários da cortina, apenas para

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satisfazer Matilde, sem notar que os olhos do


Duque a acompanhavam.
— Eu gostaria de mais um cobertor, Matilde
— disse o Duque com sua voz forte e rítmica, e
Joan conteve a vontade de olhar e assisti-lo
conversar, para saber como era sua face falando e
interagindo. Sempre o via adormecido ou
silencioso.
— Eu posso lhe trazer uma das cobertas que
guardo no armário... — Matilde estava a meio
caminho de suas explicações e também, de seu
percurso até o armário principal onde guardavam
mais roupas de cama quando o Duque impediu-a de
seguir.
— Eu prefiro um cobertor novo. Sem cheiro
de mofo.
Matilde pareceu inconformada, olhou para
Joan e disse:
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— Como queira, meu senhor. Joan me


acompanhe — mandou suave, contraditória a sua
verdadeira personalidade e ações diárias.
Joan olhou-a com uma sobrancelha erguida
em desacato. Quem via o cordeirinho Matilde, não
imaginava o lobo sanguinário que se escondia sob
sua pele.
— Preciso de ajuda com minha higiene — o
Duque lembrou Matilde, deixando-a em um grave
dilema.
— É claro. Como pude me esquecer disso?
— Disse a si mesma. — Esta criada chama-se Joan
e irá atendê-lo em todos os seus desejos. Não
demoro a voltar — disse em aviso, e esse aviso era
para Joan;
Quando Matilde saiu, o Duque disse:
— Feche a porta.

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Ainda sem olhar em sua direção Joan


obedeceu.
Fechou a porta e manteve-se de pé, olhos
baixos, esperando ordens.
Vinha sonhando há duas semanas com o
momento de interagir com o Duque, mas lhe faltava
coragem para tanto.
— Soube que tem apreço pelo meu filho
mais novo, o pequeno Marmom — ele disse
deixando o café da manhã de lado.
Surpresa Joan ergueu os olhos. Que erro. Ele
olhava para ela fixamente com seus olhos bonitos,
brilhantes em um tom perigoso de cor terra e cor de
árvore. Um misto de verde com nuances de
castanho.
— É um bom menino — foi sua única
resposta.

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O que ela poderia lhe dizer?


— Sim, é um menino muito alegre. — Ele
insistiu. — Tenho ouvido o barulho do escovão que
usa para limpar o corredor. Todos os dias. Matilde
há escolheu esse ano?
— Matilde escolheu a todas nós, senhor. —
Respondeu com diplomacia. Desconfiando de suas
intenções.
O duque sorriu de leve e esse sorriso fez o
coração de Joan saltar no peito.
— Agora eu vejo porque Matilde a escolheu
esse ano. Deve estar enlouquecida com seu
comportamento.
— Sinto muito se o desagrado. — Disse
nervosa. — Deseja que o ajude, senhor? —
Perguntou quando ele ergueu facilmente a bandeja
e colocou ao lado, na cama.

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Um riso morno ecoou pelo quarto e ela ficou


parada, olhando para ele sem fala.
— Você é uma preciosidade a enlouquecer a
cabeça de Matilde, e agora eu vejo por que. Ela
deve estar ficando louca. Aproxime-se, quero
entender o que acontece em meu forte.
— Eu não fiz nada de errado — disse em um
impulso. — Eu não posso controlar o gostar ou
odiar de uma fêmea. Se Matilde me odeia... Eu
apenas lamento.
Seu modo de falar o intrigou.
— Liara contou de sua simpatia com meu
filho caçula. Não são todos que conseguem gostar
de Marmom.
— Oh, mas ele é adorável — ela deixou
escapar e se repreendeu mentalmente.
— E a janela? É você quem tem aberto todas

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as noites? Ou Matilde está coberta de razão quando


esbraveja que a pequena Joan é uma bruxa astuta?
Que sua bruxaria penetrou em meus sonhos e me
fez conhecê-la antes mesmo de nos encontrarmos?
— Ele zombava dela. Joan notou que era zombaria,
mas não sorriu. Conteve-se.
— Sinto muito, meu senhor. Eu achei que...
Um pouco de ar puro faria bem para sua
recuperação.
— Eu gosto disso — ele avisou — estou
entrevado nessa cama, Joan. Não é algo temporário.
Não estou me curando, pelo contrário. Por isso, um
pouco de ar fresco alivia minhas dores e meus
pensamentos ruins. Eu lhe agradeço pela atenção.
Sobretudo, pela afeição ao meu filho mais novo.
Joan sentiu os joelhos falharem. Molly e
Liara não exageravam em seus suspiros. O Duque
era bonito e gentil e ela estava morna em toda pele.

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Perguntou-se com inocência se ele era capaz de


fazer isso com todas as fêmeas humanas.
— Eu sinto por sua situação, meu senhor.
Posso fazer algo para ajudá-lo a minimizar sua dor?
A face delicada da jovem lhe causava dúvida.
Intrigado ele disse com um meio sorriso.
— Pode afofar os travesseiros. Estão
desconfortáveis.
Geralmente era nesse momento que as jovens
mais afoitas demonstrariam suas verdadeiras
intenções ao paparicar os filhos do duque e tentar
chamar sua atenção a qualquer custo.
Joan aproximou-se e curvou o corpo um
pouco para conseguir realizar a função sem tocar
no duque. Sua longa trança roçou o braço do Duque
e ela corou em toda a sua face, pois não conseguia
se conter.

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Uma troca de olhares, sem palavras para


atrapalhar.
— Está confortável, senhor? — Perguntou-
lhe com doçura.
— Porque faz isso? — Rowell foi direto, pois
não conseguia ler seus sinais e saber suas intenções.
— O que eu faço? — Perguntou confusa,
recuperando a postura ereta.
— Cuidar de mim e da minha família. Porque
tem feito isso? O que espera em troca de tanta
generosidade?
Joan olhou para o Duque e notou que por trás
de sua simpatia havia desconfiança.
— Eu... Tenho saúde frágil. Sempre tive
problemas para respirar. Eu... Já passei muito
tempo da minha vida encarcerada em uma cama
sem poder interceder por mim mesma. Eu tenho

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pena de seu sofrimento. Eu nunca fui bem quista


pelas outras criaturas por ser mais frágil. Por isso
gosto de seu filho, ele também é... Rejeitado. Assim
como eu sempre fui rejeitada.
Foi sincera, era isso que lhe ia ao coração.
Doía ouvir, para um homem tão forte e sempre
capaz de cuidar de si mesmo, doía ouvir essa
verdade.
Que despertava pena e seu filho rejeição.
— Pode ir. — Ele disse simplesmente,
dispensando-a.
Arrependida de cada palavra dita, Joan
acenou com a cabeça e aproximou-se para pegar a
bandeja de sobre a cama. Seu cheiro era de
natureza e o Duque aspirou esse cheiro sem
conseguir distinguir de onde vinha.
Cheiro de chuva. De grama verde molhada.
Como alguém consegue cheirar assim?
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— Espere — ele disse quando Joan estava


quase saindo do quarto.
Ela parou e esperou com expectativa por suas
ordens.
— Diga a Matilde que não preciso do
cobertor. Estou confortável. E traga meus filhos
para me ver.
Joan acenou e saiu do quarto. Caminhou
rapidamente para a cozinha. Encontrou Matilde aos
gritos sobre conseguir um cobertor limpo, que não
estivesse mofado ou guardado há muito tempo.
— O Duque pede que leve seus filhos para
vê-lo. E que não precisa mais do cobertor — ela
disse trêmula.
Hector retirou a bandeja de suas mãos e ela
sentou-se na primeira cadeira que encontrou.
Estava pálida e assustada. Sua pressão

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deveria ter caído outra vez. Quando ficava assim


era culpa de alguma forte emoção que a fragilizava.
Ela reparou no modo como Matilde a olhava. Tanto
ódio e rancor.
— O Duque pediu que eu levasse seus filhos.
É o que devo fazer? — Perguntou-lhe mais uma
vez, pois Matilde parecia ter perdido a língua.
— Escute o que vou dizer, insolente —
Matilde ficou diante de Joan e a fez levantar
segurando seu braço com força. — Não importa o
quanto você seduza o Duque, ou o quanto você
encante a todos nesse forte... No final, você irá
embora como todas as outras e eu permanecerei
aqui, cuidando do forte e do Duque.
— Eu não quero seduzir ninguém — disse
surpresa, puxando o braço com força sentindo os
sentidos falharem, e o mundo escurecer. Foi um
segundo, sempre acontecia, e ela precisava respirar

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fundo para se recuperar — Como pode? Como


pode ter prazer de me ferir sempre que tem
oportunidade?
Sua pergunta era quase um sussurro. Quando
liberta sentou-se outra vez na cadeira e respirou
com força, recuperando o ar.
— Siga as ordens do Duque. — Matilde disse
séria e brava. — Eu já lhe avisei o que acontece
com serviçais abusadas. Eu cuido desse forte. É a
minha vida. Não ouse tentar roubar o que é meu.
— E como eu faria isso? — Ela perguntou de
surpresa, sem que alguém esperasse.
Hector parou de cuidar de suas panelas
assustado em ver alguém enfrentar Matilde. Molly
que descascava batatas para ajudar ficou a meio
caminho com a faca. Até mesmo o enorme coelho
no canto da cozinha pareceu interessado no que
acontecia.
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— Como eu posso roubar o que é seu? Eu


não tenho nada, não sou nada, e não quero nada. Eu
só quero viver em paz e esperar a hora de partir em
paz. Eu nunca fiz mal a ninguém. Eu nunca quis o
que é do outro. Mesmo quando estava com fome,
frio e medo. Eu nunca quis nada que pertencesse a
outro. Eu não sei por que você acha que eu sou
assim. Eu não sei por que me odeia tanto. Eu só
estou vivendo, tentando sobreviver longe de casa,
longe das minhas amigas, longe de tudo que amo e
me ama. Eu não quero sua vida, seu Forte, seu
Duque. Eu não quero nada. Eu só quero que me
deixe em paz. Um pouco de paz. Só isso — Joan
terminou de falar em um fio de voz, sentando outra
vez, pois o mundo rodava.
O silêncio foi total.
Matilde parecia pensar no que ouvira.
Não respondeu, as ordens e o aviso estavam

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dados. Era hora de sair e manter a dignidade.


— Eu não acredito que teve coragem de falar
essas verdades na cara de Matilde! — Foi Molly
quem sussurrou provavelmente com medo que
Matilde ouvisse. — Eu não creio no que meus
olhos viram. Você é minha heroína, Joan. Eu vou
amá-la eternamente por ter me proporcionado esse
momento de rara felicidade!
Seu riso fez eco ao riso de Hector e Joan
sentiu lágrimas quentes rolarem em seu rosto,
dizendo com a voz presa:
— Mas é a verdade do que sinto. Eu só tenho
saudade de casa...
O riso de Molly morreu e Hector aproximou-
se, colocando a mão em seu ombro.
— Essa hora da manhã as crianças estão no
quarto. Se você se apressar pode pegá-las
facilmente antes que saiam do castelo e se juntem
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as outras crianças.
Era assim pensou Joan, pousando uma das
mãos sobre a de Hector que lhe dava apoio.
O mundo dos humanos finge não ver o
sofrimento.
E assim tudo parece de mentira.
Erguendo a cabeça, Joan limpou as lágrimas
e saiu atrás das crianças.

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Capítulo 6 — Tudo por nada

Alice a detestava, isso era claro demais para


ser ignorado. Não importava que seu irmãozinho
Marmom segurasse a mão da intrusa com calma e
carinho, quando sempre era avesso ao contato de
outras pessoas. Ou que seu irmão do meio Tommy
estivesse gostando de ouvir sobre histórias de
gnomos e duendes.
A intrusa queria conquistá-los com palavras
doces. Mas Alice estava bastante acostumada com
isso. Todas as ajudantes e serviçais desejavam o
lugar de sua mãe. Mas Alice sabia que um dia sua
mãe voltaria e por isso, não podia permitir que

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alguém conseguisse seu intento.


Correu a frente, ignorando o chamado de
Joan. Adentrou o quarto de seu pai e correu para
ele, jogando-se ao seu lado na cama, conseguindo
sua atenção.
— Mande-a embora, papai — ela dizia para o
Duque quando Joan entrou. — Eu não gosto dela.
Joan corou e não respondeu nada. Tommy
participou da brincadeira da irmã na cama, sem
entender que era algo sério e o Duque
desconsiderou a birra de sua filha.
Joan permaneceu longe, apenas ouvindo a
interação entre pai e filha. Tommy interrompia o
tempo todo querendo sua atenção. O pequeno e
estranho Marmom ganhou o olhar de Joan. Ele
detinha atenção às cortinas de veludo, sem notar
arranhando-as com suas unhas. Era tempo de
nascerem suas longas unhas. Por enquanto nasceria
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uma fina camada de unhas escuras sobre as


humanas e em um ou dois anos, essas unhas
cairiam e as definitivas surgiriam.
Se o menino detinha a idade de dois anos, era
provável que em breve estivesse subindo pequenas
alturas com sua pele escamosa. Joan perguntou-se
como seria sem alguém para ensiná-lo a fazer isso.
— Marmom — O duque chamou o filho —
venha cá, pequeno cavaleiro. Quero ver suas mãos
— ele chamou e o menino correu para ele, como
sempre preferindo correr de quatro a seguir de dois
pés.
O modo como o duque olhava para o filho
era quase doloroso. Amá-lo não escondia sua
preocupação. Ele olhou para as marcas escuras nas
unhas de seu filho e tentou sorrir.
— Está doendo? — Perguntou a ele e o
menino negou com a cabeça e apontou Joan.
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— Precisa me dizer o que você quer


Marmom. Precisa começar a falar se quer ser
entendido. Eu sei que você pode. — O Duque
incentivou, mas o menino apenas ronronou com um
rangido e Joan não aguentou mais:
— Ele deve estar com a garganta doendo.
Isso acontece por não... — Como ela explicaria
isso? — Talvez ele precise apenas comer e beber
um pouco mais de líquido que as outras crianças,
assim sua garganta não vai doer e ele falará.
— É mesmo? É esse o seu mistério,
Marmom? — O Duque tentou sorrir para o filho,
mas era óbvio que estranhava essa conversa.
— E talvez... Apenas talvez... Ele devesse ser
incentivado a subir nos objetos. — Era
definitivamente uma frase estranha para os ouvidos
de um humano.
— Uma brincadeira deveras perigosa para
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uma criança de dois anos. — Rowell lembrou-a


com seriedade, estranhando muito aquela conversa.
— Eu já vi Marmom subindo nas paredes,
papai — Alice queria sua atenção — foi quando
Liara correu pela primeira vez, gritando que ele era
um demônio vindo das profundezas do...
— Não — Rowell impediu-a de continuar —
não diga essas coisas em voz alta. Seu irmão não é
nada disso.
O modo carinhoso do Duque tratar o menino
deixou Joan com o coração partido.
— Cada criança tem seu jeito. — Joan disse
para suavizar o peso nos ombros daquele homem.
— Veja Alice... É tão inteligente e esperta para a
idade. Não é como as outras meninas. — O modo
como a jovem olhou para ela era de repugnância.
— Marmom é apenas diferente.
— Como você? — o Duque perguntou a
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queima-roupa.
— Sim, como eu — ela respondeu sem
titubear. Sem querer o duque acertava na mosca.
Como ela, o menino era estranhíssimo e fazia
parte de um mundo incrível e desconhecido aos
humanos.
Marmom interrompeu a conversa saindo da
cama, tornando a cheirar Joan que apenas riu
suavemente. Quando o menino tentou cheirar suas
asas, escalando em suas costas, Joan deixou e o
levou nas costas.
— Não, não, pequeno, não me morda — ela
pediu suave, pois não queria ferir suas asas.
Como um ser mágico ele era capaz de saber
que suas asas estavam ali, e ela temia não conseguir
mantê-las escondidas, pois o menino era muito
entusiasmado. Cheia de cócegas, Joan foi até a
cama e o derrubou gentilmente fazendo cócegas de
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volta no menino, esquecida do Duque.


O riso da criança era bonito e ela aproveitou
para dar uma espiada em sua arcada dentária e ver a
que pé andava sua dentição primária.
Quando olhou em torno encontrou o Duque
olhando-a com interesse.
Receosa que isso acabasse em represálias,
afastou-se da cama.
Alice tomou a palavra querendo a atenção do
pai toda para si. Manhosa, ela reclamava sem parar,
enquanto Tommy tentava contar sobre suas
bobagens de menino cheio de agitação e pouca
companhia masculina da sua idade.
A manhã foi muito divertida, apesar de não
participar da conversa, Joan gostou de acompanhar
o que era dito. O Duque tentava explicar algo para
Alice que não gostou do que ouvia.

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Joan acompanhou a menina neste sentimento


e era provável que a expressão de ambas se
assemelhasse muito quando o Duque começou a
falar:
— Lembra-se de Howard? — A menina
concordou com um aceno. — Howard sempre foi
meu melhor amigo. Leal a meu ducado e ao meu
povo. Um homem de valia inestimável. Você
conviveu com ele, e tem idade suficiente para saber
que Howard sacrificou sua própria vida para salvar
a minha e que graças a isso estou aqui, apesar de
ferido, é por causa disso que estou vivo.
— Eu sei disso, papai. Tio Howard foi muito
corajoso — a menina disse com doçura destinada
apenas ao pai. Toda a ferocidade desaparecia
quando destinada ao pai.
— E você sabe que eu adquiri
responsabilidades para com a família de Howard?

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Eu fiz uma promessa a ele, Alice, em seu leito de


morte, eu prometi cuidar da família do meu grande
amigo. Ele está morto e sua família desprotegida.
Eu preciso cumprir minha promessa.
— Papai... — Alice tentou interromper, mas
o modo sério do Duque a impediu.
— A irmã de Howard chegará em algumas
semanas e é para com ela que dedico minha total
lealdade. Cumprirei minha promessa. Vou me casar
com ela e honrar seu irmão.
Joan e Alice exibiram a mesma expressão,
mas ninguém reparava em uma serviçal por isso
Joan manteve-se calada.
— Mas, papai, eu não quero outra mulher no
lugar da mamãe! Eu não quero!
— Ela também não queria perder seu irmão e
único protetor, e isso aconteceu em nome de nossa
amizade e lealdade. Eu daria minha vida por
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Howard, mas ele o fez primeiro. E agora vou


honrar minha palavra e tentar devolver um décimo
do favor que ele me fez. Eu posso cuidar da minha
filha — ele fez um carinho no rosto da menina — e
dos meus meninos. Em breve, Tommy será um
homem e poderá cuidar de todos nós.
Joan sabia que o homem dava sua vida como
acabada por causa do ferimento.
— Quando ela chegar eu exijo que a trate
com respeito. Está me ouvindo, Alice?
A menina levantou da cama, com os lábios
trêmulos e moveu a cabeça concordando em um
aceno.
— A mamãe está viva — ela disse chorosa
— como será quando ela voltar?
— Sua mãe partiu, Alice. Ela morreu no
parto de Marmom. Sophie não voltará. — Tentou
levantar, mas sua condição o impediu.
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— É mentira! Mamãe vem me ver quando


ninguém está perto! Ela está viva e linda! Ela tem
lindas asas! E ela me levará para voar com ela um
dia! Ela prometeu!
A menina gritou e saiu correndo do quarto.
Exasperado o duque praguejou e socou o
colchão ao seu lado, pois estava preso naquela
cama.
Confusa, Joan pensou no que ouviu. Asas?
Seria possível que a esposa de Rowell, Duque de
Mac William, fosse uma fada?
Mas se assim o fosse, ele teria visto suas
asas, não é mesmo?
A menos claro, que a fêmea possuísse dons
semelhantes a Joan, o que seria uma curiosidade
inexplicável. E nesse caso, como uma fada poderia
gerar um mestiço de lagarto?

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Confusa ao extremo, Joan aproximou-se da


cama e retirou o menino de sobre o Duque, pois o
nobre estava nervoso e temia que o menino se
agitasse e o arranhasse. Segurou-o no colo, apesar
do garoto ser enorme e pesado.
Tommy estava quieto, era perdido naquele
turbilhão de acontecimento.
— Leve-os. — O Duque mandou. — Eu
quero ficar só.
Joan concordou e estendeu a mão chamando
Tommy. O menino obedeceu e agarrou sua mão
com força, como quem pede socorro, e Joan levou-
os para fora do quarto. No corredor, o menino
estava choroso e a abraçou pela cintura.
Joan deixou e acariciou seus cabelos negros,
tão parecidos com os do pai. Quanta dor para uma
criança tão pequena.
Joan não notou que a porta do quarto estava
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apenas encostada e da cama, melancólico refúgio


de um homem ferido, o Duque observava sua
interação com seus filhos.
*****
Escurecia lentamente naquela noite. Sem a
designação de cuidar do serviço da limpeza, Joan
passou o dia ajudando na cozinha, como era o
desejo de Hector desde o primeiro dia quando a
viu.
O Duque se recusou a almoçar e Joan temia
ser a culpada por isso. Talvez estivesse evitando
sua presença.
O jantar estava pronto e a ordem era de servi-
lo, o que há acalmou um pouco. Audaz, ela
convenceu Hector a preparar um chá com ervas
colhidas da horta do forte. Ervas normalmente
usada como temperos, mas que Joan conhecia
como medicinais e apropriadas para os nervos.
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Eram usadas em chás que lhe davam no


Ministério do Rei quando estava nervosa ou
adoentada.
Com receio levou o jantar para o Duque em
seu quarto. Ele comeu em silêncio e quando
terminou Joan esperou que a mandasse sair.
— Meu melhor amigo deu a vida por mim.
— Ele disse de surpresa — porque acreditava na
liderança de um duque justo. Que todas as pessoas
sob minha proteção precisavam mais de mim do
que de um simples cavaleiro escravo, nunca
reconhecido pelo rei. E olhe para mim agora... Não
sirvo para nada. Casarei com a irmã de Howard
sem saber se lhe ofereço proteção ou a desgraça de
casar-se com um inválido. Tenho que casar minha
própria filha, tão jovem, ainda tão criança, na
esperança que outro homem possa tomar as rédeas
de um cargo que é meu. Rezar para que Tommy

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cresça e herda meu título. Enquanto eu? Eu fico


aqui. Sem serventia.
Joan ouviu seu lamento e chegou a dar um
passo na direção do duque.
— Eu tive que aprender muito sobre saúde.
Onde vivia quando adoecíamos não podíamos
contar com ninguém além de nós mesmos. Eu
penso se... Você tem noção do seu ferimento? O
que lhe aconteceu?
— Sim, eu vi esse ferimento em outros
homens. Sei o que me aguarda. Não vou me
recuperar. É fato.
— Eu posso... Eu posso ver? — Perguntou
corajosamente.
O modo como Rowell a olhou era reflexo de
seu próprio sentimento.
— Se você aguenta ver um pouco de sangue.

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— Eu aguento muita coisa — ela disse


tentando sorrir.
Rowell moveu o torço e ela aproximou-se.
Ele retirou a túnica por sobre a camisa e Joan
reteve o ar quando avistou o ferimento em suas
costas. Era longo, não cicatrizado e aparentemente
muito profundo.
Ele tinha razão ao referir-se a sangue. Era
uma imagem feia, pois a ferida ainda estava aberta,
coberta de pontos mal feitos. Era um milagre que
ele estivesse vivo. Joan sentiu as mãos tremerem ao
tocar a pele em torno do ferimento.
Chegou de ouvir em sua mente as palavras de
Driana:
“— Existem ervas que podem curar, mas
também existem as que podem matar. Para tudo há
uma solução. Eu nunca usaria folhas vermelhas em
um ferimento, mas as amarelas de todo tipo
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costumam ser ótimas para minimizar a inflamação


e cicatrizar os tecidos mais profundos. Nas
margens do Rio Branco, é onde crescem as
melhores.
— Ah, sim — disse na ocasião Eleonora
puxando seu livro para olhar em sua face,
enquanto fazia graça de seu entusiasmo com a
leitura. — E que tipo de ervas poderíamos usar
para curar sua chatice aguda?
— Eu não sei, talvez ervas com folhas verdes
que são ótimas para curar coceiras e ardências.
Do tipo que posso colocar em suas calcinhas
durante a noite, Eleonora. — Ameaçou e a fada
esbranquiçada e pálida riu e roubou-lhe o livro,
correndo pelo quartinho do Ministério do Rei,
saltando sobre as camas tentando manter o livro
longe de Driana enquanto era perseguida.
O riso de Joan acompanhava a brincadeira

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das duas, mas Alma apenas pedia que parassem,


pois os gritos de gralha das duas incomodavam
seus ouvidos delicados...”
Mas quem sabe, pensou Joan, algumas folhas
amarelas pudessem ajudar? Folhas mágicas,
desconhecidas dos humanos.
— Quem tem cuidado de seu ferimento?
Matilde? — Perguntou pensativa.
— Sim, ela tem experiência com esse tipo de
prática — ele tornou a vestir a roupa e recostou-se
dolorosamente contra o encosto da cama.
— Alguma vez desde que se feriu tentou
levantar e andar pelo quarto? — Perguntou curiosa.
— Eu sinto muita dor e um peso nas pernas.
Matilde não acha prudente esse risco. — Disse
pesaroso.
— Hum — ela não disse nada, mas o simples

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som que fez foi o bastante para despertar a


curiosidade do duque.
— Discorda de Matilde? — Perguntou
intrigado.
— Não, ela faz o que sabe. Eu penso em
outros meios de tratamento... Eu não tenho a
experiência de Matilde, mas conheço um pouco da
essência de uma criatura... Se você não tentar se
exercitar, como poderá recuperar seus músculos?
Hector, o cozinheiro me contou de suas façanhas.
Sobre suas lutas e batalhas. É um exemplar de
macho da sua espécie que lida com o corpo e a
atividade física constante. Não pode ficar restrito a
uma cama, a menos que de fato seja uma lesão
permanente.
— A minha situação é muito delicada, Joan
— ele foi sincero, abrindo suas aflições para a
jovem de olhar puro e faces coradas de um

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embaraço puramente romântico.


Com sua experiência de vida era capaz de
julgar o interesse de uma jovem. Ainda não
entendia suas verdadeiras intenções, pois ela era
uma moça peculiar e estranha, mas sabia que
sentimentos como atração são pouco disfarçáveis, a
menos que a jovem fosse uma atriz perfeita.
— O que há de complicado em um líder
tentando se curar para cuidar de sua família e seu
povo? — Perguntou em dúvida.
— Eu sou um Duque, Joan. O que você sabe
sobre um ducado e sua fidelidade ao rei? —
Sondou, pois ela lhe parecia ignorante sobre esses
assuntos, o que por si só era um fato estranho.
— Não sei muita coisa. — Confessou
humilde em seu nulo conhecimento do assunto.
— Um Duque por direito adquirido em
nascimento, como é o meu caso, deve fidelidade ao
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seu rei. Defender o Rei e a terra que lhe é de direito


sob pena de perder seu povo e sua vida. Vivemos
tempos difíceis. Muita batalha por poder e terras. A
batalha que me feri, não foi à primeira deste ano.
Houve outras e tão logo o boato que o Duque Mac
William não pode lutar e defender seu ducado
espalhe-se, outros invasores tentarão invadir e
tomar o forte. Manter-me forte e intacto, ao menos
em fama é a única forma de manter minha família
segura. — Explicou e Joan perguntou começando a
entender seu dilema:
— Mas o Rei não lhe deve algum tipo de
lealdade também? Você o honra e vive por suas leis
e ele não lhe deve lealdade?
— Sim, uma vez invadida minhas terras e
meu ducado tomado por outro, o Rei enviará tropas
e massacrará os invasores. Acontece que há uma
forte razão a me preocupar que torna isso

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impossível, que atará as mãos do Rei e não poderá


interceder por minha gente. — Ele disse com
tristeza na voz. — Alice.
— Alice? Sua filha? Eu não entendo — Joan
sentou na pontinha da cama, longe de Rowell, sem
notar que gostava de ouvir sua história e que o
Duque parecia gostar de contá-las para ela.
— Se o forte for tomado, Tommy será morto.
Ele é meu herdeiro de direito. O nascimento de
Marmom é carregado de desconfianças. Ninguém o
considerará meu herdeiro, mas Tommy... Sim, ele
será morto. Sem um herdeiro de sangue aquele que
invadir o castelo e me vencer, tomará Alice por
esposa e revindicará seu direito ao ducado. Nem
mesmo um rei pode lutar contra isso. Seria um caos
com os demais súditos. Casar Alice enquanto há
tempo é minha única medida de segurança para
com minha filha.

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— Mas ela tem apenas doze anos —


lamentou. — E com quem você pensa casá-la?
Alguém do castelo? — Perguntou.
— Preciso de alguém de fora. Alguém
poderoso. Por isso meu casamento será tão útil. A
irmã de Howard mora em um ducado vizinho.
Escrevi logo depois do acontecido e ela deve estar a
caminho. Com ela, pedi que viesse o filho do
Duque de Brixton. Ele é solteiro. Farei a proposta.
Com sorte um arranjo pode ser feito entre nós. —
Afastou o olhar amendoado dos olhos da fada,
sentindo-se culpado por fazer planos para sua filha.
— Eu tenho esperança dele aceitar um casamento
platônico até Alice ser menos menina e mais
mulher.
— Alice não vai aceitar isso — ela disse
realista. — Desculpe se pareço ofensiva... Mas sua
filha é temperamental. Ela vai se rebelar contra um

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casamento nestas condições.


— Eu sei disso — ele sorriu, pensando na
filha. — Alice tem minha personalidade. Ela vai
espernear. Mas no final, vai aceitar.
— Mas e se você melhorar antes da chegada
de sua noiva? Antes que esse arranjo entre os dois
ducados aconteça? — Perguntou ansiosa.
— Eu gosto do seu entusiasmo, Joan — ele
desse com ternura. — Acho que não lhe contei
como a conheci.
Joan negou com a cabeça.
— Eu ouvia suas discussões com Matilde nos
corredores. Confesso que era um sopro de humor
em meio a tanta apreensão. O modo como você
responde para Matilde sempre me faz rir. — Disse
manso e Joan corou.
— Não é por querer. — Defendeu-se.

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— Estou notando isso. — Ele apontou a


bandeja do jantar. — Eu senti o que você disse
mais cedo. Tem pena de Marmom. Tem pena de
mim. Eu fique furioso, mas sei que não disse por
maldade e sim por ser seu íntimo sentimento.
— Não há vergonha em ser diferente ou
penar de uma doença. O mundo que está errado e
não o contrário. Marmom... — Ela mordeu o lábio,
incerta de sua pergunta — ele é mesmo seu filho?
— Às vezes eu penso que não. — Ele foi
franco.
— E a fêmea progenitora de Marmom... É a
mesma de Alice e Tommy?
Rowell sorriu de seu jeito e perguntou:
— Você sempre fala assim? — Franziu as
sobrancelhas, curioso.
— Assim como? — Não compreendeu de

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imediato.
Ele sorriu de lado, olhando-a com candura e
outros sentimentos nem tão pueris, mas ela não
notou o interesse por trás do olhar do duque.
— Sophie, minha esposa, deu a luz a três
filhos. Infelizmente morreu no parto de Marmom.
— Ele achou por bem contar. — Isso foi a pouco
mais de dois anos.
— Ela era como... Como você? — Perguntou
exibindo toda sua curiosidade.
— Como eu? — Rowell começou a se
consternar com as perguntas, sem saber onde Joan
queria chegar.
— Eu digo... Ela se parecia mais com Alice e
Tommy, ou mais com Marmom?
Era a pergunta mais estapafúrdia que Rowell
ouvira em toda sua vida.

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— Alice e Tommy. — Ele confessou


pensativo. — Muitos acham que a gravidez de
Sophie foi tomada por algum espírito vagante, e por
conta disso Marmom não nos pertence e sim a eles
— disse com cinismo. — E como eu posso explicar
o nascimento do meu filho de outro modo?
Joan suspirou. Era isso. Marmom não era cria
de Sophie Stiller Delan, Duquesa de Mac William.
Como dizer isso a um humano?
— Eu me pergunto por onda seus
pensamentos quando se cala — ele divagou
rastreando sua face em busca de indícios de seus
pensamentos.
— Eu pensava em seu ferimento —
desconversou. — Em uma melhora antes do seu
casamento e do casamento de Alice. Era isso que
dominava meus pensamentos.
— Mesmo que um milagre aconteça, ainda
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assim me casarei. Vou honrar a promessa que fiz


— disse em tom de aviso.
Joan ergueu uma sobrancelha em dúvida.
Uma coisa de cada vez, pensou. A noiva trazida de
longe poderia ter um amor escondido ou
simplesmente não aceitá-lo por antipatia? Tudo é
possível no amor, não é? Ao menos era isso que
Reina vivia dizendo.
— Bom — ela disse levantando, ajeitando o
tecido do vestido, atraindo sem querer atenção do
duque sobre seu corpo. — Eu posso fazer algo para
tornar sua noite mais agradável? Um chá, talvez?
— Era uma oferta inocente.
Rowell fingiu não pensar em possibilidades
bem menos inocentes para tornar sua noite
agradável. Algumas serviçais eram ousadas em
suas tentativas de conquistar o apreço do duque
Mac William. Mas Joan não parecia padecer deste

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mal.
— Pode abrir um pouco a janela? Eu tenho
gostado de desfrutar da brisa noturna.
Joan presenteou-o com um enorme sorriso de
contentamento enquanto abria a janela e permitia
que uma fresta permanecesse aberta, arrumou as
cortinas e virou-se para ele com olhos brilhantes:
— Eu lhe desejo uma boa noite, Duque Mac
William.
Rowell apenas acenou aceitando suas
palavras como quem aceita um afago.
Ao sair e fechar a porta Joan não podia saber
que sua presença vinha aquecendo a vida do Duque
de esperança. Um sentimento a muito esquecido.
Desde os estranhos dias apenas ouvindo sua voz
meiga respondendo para Matilde e arrancando-lhe
gritos quase histéricos de fúria, que Rowell estava
encantado com a serviçal mesmo sem conhecer sua
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face.
E agora que conhecia seus traços e a doçura
em seus olhos, ele estava enfeitiçado.

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Capítulo 7 — Cacos de vidro

A pior parte de viver na solidão é acostumar-


se com o silêncio. Tobias sentia o impulso de
conversar sozinho para afastar a tristeza e os
pensamentos loucos. Era esperado que alguém
ativo e acostumado com dias agitados, ficasse tonto
e louco com tanta passividade.
A duas noites atrás ele começara a pensar se
aquele era um esconderijo verdadeiramente seguro.
Não temia ser achado por Guardiões, duvidava que
algum o seguisse, pois não tinha valia alguma para
o reino e não era diretamente acusado de crime
algum. E se eventualmente Rainha Santha, a rainha

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louca, tentasse incriminá-lo Túlio, seu pai adotivo,


daria um jeito nestas acusações descabidas.
Sim, ele era um bon vivant colhendo os
frutos de uma adoção abastada. Ele amava
incondicionalmente Túlio e Reina, e seu irmão
Egan, mas amava também o poder e o ouro que
essa nova vida lhe trouxera. E isso não o fazia
menos honesto, apenas sincero.
Começando a lamentar cada negativa
desbocada que fornecera a Túlio no passado para
fugir dos treinamentos com espada, Tobias
esperava. Algo o espreitava. Ele sentia em cada
poro de seu corpo e ele era uma visão bastante
patética com um punhal nas mãos e nenhuma
coordenação física de luta.
Um prato cheio para qualquer criatura
faminta que estivesse em busca de uma farta
refeição. Lamentando profundamente ter deixado o

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posto de herói da família para Egan, Tobias andou


pelo acampamento improvisado e nem tão
incólume como imaginou, e apagou os rastros da
fogueira usando restos de mato molhado das
recentes chuvas. No escuro total, escondeu-se nas
pedras.
A visão é um sentido poderoso para os
caçadores da noite. Assim dificultava o trabalho da
criatura que o espreitava.
Tobias era péssimo em luta, mas exímio em
fugas ousadas. Não era de surpreender que
houvesse aprendido a escapar de confrontos, visto
ser o filho adotivo de um poderoso Conselheiro,
que também era braço direito do Rei Isac.
As outras crianças não aceitavam um órfão
do Ministério do Rei entre eles, sendo bajulado por
causa de um ato considerado espúrio. Túlio e Reina
deveriam ter escolhido entre alguma das famílias

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importantes, tendo assim um filho com sangue de


boa linhagem.
Os anos o fizeram um vagabundo provocador
que parecia confirmar essas afirmações maldosas
do passado. Desafiar aqueles que não o aceitavam
em sociedade e lidar com suas atitudes torpes,
quando o único modo de fazê-lo era revoltar-se
contra o então Primeiro Conselheiro Túlio. A
hipocrisia de toda uma gente sendo devolvida na
mesma moeda. Envergonhar seu pai, era um modo
de repudiar aqueles que o desprezavam e mentir
que não se importava com eles.
Enfurnado em uma caverna no meio das
pedras, Tobias contava com o fator surpresa para
pegar seu possível agressor. Ele não sabia que a
ausência de luz não interferia em nada quando o
perseguidor é um exímio caçador da noite.
Na parede, ao lado de Tobias que de pé

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esperava seu agressor segurando o punhal, algo


rastejou e aproximou-se a ponto de fungar em seu
pescoço, o hálito quente deixando-o paralisado.
Foi apenas um momento de medo irracional,
e então Tobias fez o que sabia fazer de melhor...
Saiu correndo, fugindo do confronto.
Na escuridão da caverna a criatura deixou a
parede, pousando os pés no chão e encarou o vazio
desolador. Ele havia corrido, pensou a fêmea. Era
isso? Fugido do confronto como uma fadinha
assustada?
Retirando a espada curva da cintura, afiada e
fulminante, Helana sorriu sedenta de sua caça,
antes de correr atrás do coelhinho assustado que
tencionava esconder-se nas pedras, sem saber que a
escuridão e as pedras eram o lar milenar da raça
que o perseguia em uma caçada onde haveria
apenas um vencedor...

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*****
Durante a madrugada, Joan acordou de um
pesadelo. Imagens distorcidas de Alma precisando
de ajuda. De Driana perdida e com medo. De
Eleonora sendo pega e aprisionada. Pesadelos
assustadores que lavaram sua pele de suor e
enjoavam seu estômago.
Ela acordou no ápice, mas não foi a única a
ter o sono interrompido. Pelo visto seus gritos
haviam acordado as outras serviçais que acenderam
seus candelabros para saber o que acontecia.
— Você está bem? — Perguntou-lhe Molly,
vindo até sua cama, para acudi-la.
— Sim, eu estou apenas enjoada —
confessou sentando na cama — eu fico assim às
vezes. Não é nada, já vai passar — explicou.
Por mais que soubesse como era sua saúde,
ainda assim, Joan não pode evitar curvar-se e
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vomitar na comadre que ficava sob a cama, pega as


pressas para evitar uma tragédia no chão.
— Tem certeza que está bem? — Molly
perguntou com insistência.
— Sim, não foi nada, volte a dormir. Eu
ficarei bem — encolheu-se na cama, depois de
limpar a boca e fechar os olhos, para afastar as
imagens desoladoras de seu pesadelo.
As outras jovens voltaram para suas camas e
a luz foi sumindo aos poucos, até permanecerem no
escuro. Joan tentou fechar os olhos, mas o sono
havia partido definitivamente.
Sentia apreensão e saudade de suas amigas,
medo do que acontecia com elas. Estava
impressionada com o que poderia acontecer com o
Duque. Estava muito assustada com tudo isso.
Deitando de lado, Joan encostou a cabeça no braço
e fechou os olhos rezando silenciosamente para que
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suas queridas amigas tivessem sorte e não


penassem em sua trajetória.
Que obtivessem suas asas o mais rápido
possível, como aconteceu com ela, e que pudessem
salvar a si mesmas.
Nesta melancolia as horas passaram e quando
Joan abriu os olhos outra vez era manhã e Matilde
gritava com Molly sobre algo que a jovem fizera
errado. Joan gostaria de ter coragem de dizer-lhe o
quanto era desgastante todas as manhãs suportar
gritos e berros. Que a vida poderia ser menos tensa
se todos falassem em tom de voz normal.
Joan estava pensativa sobre o que faria em
relação ao seu único vestido. Era grande,
desajeitado e não contribuía em nada para uma boa
aparência. Mas ao menos deveria estar limpo. Com
as recentes chuvas não secaria facilmente. O que
ela usaria nesse meio tempo?

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Pensava sobre como conseguir roupas


quando ouviu Matilde falando dela com Liara.
— É mesmo? — Perguntava olhando para
Joan com satisfação.
Finalmente obtinha a desculpa perfeita para
livrar-se daquele incômodo.
— Não se dê ao trabalho de ir à cozinha. —
Matilde lhe disse com um sorriso satisfeito na face.
— Faça sua trouxa e me aguarde lá fora, perto do
portão.
— Por quê? — Joan perguntou sem entender.
— Obedeça as minhas ordens, criada. —
Disse saindo em seguida do quarto.
— Mas o que foi que eu fiz? — Perguntou
para Molly e Liara.
— Além de tornar-se a queridinha do Duque?
Matilde jamais perdoaria isso — foi à resposta de

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Liara.
— Mas eu não fiz nada de errado! —
Afirmou desesperada por ter que partir.
O pensamento insano de não querer partir e
deixar o duque e sua família para trás. Um
pensamento inesperado, visto que sua primeira
intenção em esconder-se no castelo era proteger-se
do Guardião que deveria estar seguindo-a,
procurando por ela em surdina!
— É claro que você fez. Você tirou o prazer
de maltratá-la. Para Matilde é inaceitável obedecer
à protegida do Duque. — Liara insinuou.
— Você fala como se houvessem muitas
protegidas do duque — sim, ela perguntou com
uma pontinha de ciúmes na voz.
— Você não entende, Joan? — Liara
perguntou bem perto, pousando ambas as mãos em
seus ombros — você é diferente de nós. Em tudo.
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Faz com que pareçamos errados o tempo todo.


Matilde não sabe lidar com você e isso nunca
aconteceu antes. E o duque... Desde a morte da
esposa, ele jamais olhou para outra mulher. E
Matilde não permitirá que essa mulher venha a ser
uma serviçal.
— Mas o duque vai se casar! Ele chamou sua
prometida. — Disse derrotada.
— Uma mulher de pele escura? Matilde
acredita que ele desistirá quando perceber a loucura
que fará diante do Rei.
Joan começava a entender esses aspectos de
preconceitos humanos, tão comuns entre criaturas
mágicas, onde normalmente a cor da pele não
influenciava e sim, a sua descendência. Cada povo
com sua maledicência, pensou Joan.
Ninguém sabia da situação do Duque em
relação ao medo de não conseguir proteger sua
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família. Sua intenção de ceder seu título a um


futuro marido de Alice. Sendo assim, tanto fazia as
características da nova esposa de um duque que
passaria adiante seu título diante do Rei.
— Matilde não pode acreditar que sou uma
ameaça. Eu nunca fiz nada contra ela. O Duque é
apenas gentil comigo. A maldade está na cabeça
dos outros.
Liara e Molly entreolharam-se como quem
diz que a jovem Joan era inocente demais sobre os
homens para compreender o que de fato acontecia
entre um senhor e sua serviçal.
— Pegue e leve isso com você, Joan —
Molly retirou debaixo de seu travesseiro um punhal
pequeno — eu consigo outro para mim. Leve
consigo, as estradas são muito perigosas desde que
o duque foi abatido. Não é seguro andar sozinha
por essas estradas, na verdade, não é seguro para

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qualquer um seguir sem escolta.


Sozinha? Joan não teve tempo para
raciocinar ou despedir-se. Foi escoltada até o
portão principal e de lá despachada.
Encarou o portão do forte, fechado e austero
e pensou em voar e saltar por sobre, voltando para
junto do castelo. Mas a racionalidade falou mais
alto. Era uma fada, mas pretendia passar
despercebida entre os humanos. Por isso, Joan
começou a andar com passos cansados e sem
vontade, enquanto segurava junto ao peito sua
bolsa, onde continha à capa que Tobias lhe
conseguira durante a fuga e sua túnica de algodão,
usada no Ministério do Rei.
Joan olhou para o céu bonito, com nuvens
brancas e fofas. Ainda não havia voado nenhuma
vez. Secretamente guardava esse momento para
compartilhar com suas amigas, o que era uma ideia

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bastante ingênua. Agora seria um bom momento


para usar suas asas, e proteger a si mesma.
Limpando uma lágrima fortuita que corria
em sua face, Joan disse a si mesma que faria isso se
corresse perigo. Se não, ela voltaria para a vila e
tentaria misturar-se aos demais humanos. E quem
sabe, ao menos conseguisse notícias ocasionais do
forte e seus habitantes?
Notícias do Duque e seu olhar sofrido. De
sua filha Alice, tão acuada e agressiva por conta do
medo. De Tommy tão pequeno e carente de atenção
materna. E Marmom, sem xodó.
Sufocando o choro, Joan pensou em Matilde,
até de seus gritos sentiria saudade.
Mas a saudade não lhe serviria de nada em
sua jornada. Precisava esconder-se de qualquer
Guardião que chegasse perto demais. Era sua meta
de vida, e concentrar-se-ia nisso!
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Joan não sabia, e dificilmente poderia


imaginar que horas mais tarde, quando Molly levou
o desjejum para o Duque houve perguntas sobre
ela.
— A jovem partiu — respondeu Matilde
cuidando das cobertas, paparicando o duque, sem
olhar em seus olhos enquanto mentia —
aparentemente a jovem tem um amante na vila e
espera um filho. Tem passado mal todas as noites.
Não é prudente que continue aqui, pois em breve
não servirá para o trabalho.
O duque não disse nada. Tão pouco a criada
Molly. Ela serviu o Duque e quando Rowell pediu
que o ajudasse com sua higiene matinal, Matilde
saiu e fechou a porta, sem saber que era um grande
erro fazer isso.
— O que Matilde disse é verdade? — Rowell
perguntou.

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— Eu não sei quanto a uma amante. Sei que


Joan passa mal quase todas as noites. Ela tem
pesadelos horríveis. Pobrezinha, não duvido de sua
condição. Quando a conheci na vila estava
desesperada por encontrar um lugar para viver. Ela
parecia desamparada. Completamente abandonada
à própria sorte. — Molly contou pesarosa.
A falta de resposta do duque a fez silenciosa.
Cuidou do seu serviço e saiu logo depois. Liara que
levava os filhos do duque de um lado para o outro,
entretendo-os, chegou de ver o entra e sai de
cavalariços do duque.
O homem deveria ter bons assuntos a tratar.
No meio da tarde, um cavalo partiu do Forte
Mac William na direção da vila.
Joan ouviu o som dos cascos e virou para trás
tentando ver se eram cavalos de humano ou
criaturas mágicas. Aliviada reconheceu um dos
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serventes do duque. Esbaforido o homem puxou as


rédeas do animal e o fez parar, o animal impaciente
em seguir, sendo controlado pela força masculina
de seu dono.
— Trago ordens do Duque Mac William de
levá-la de volta para o forte. — Ele disse com
pompa e circunstâncias.
— Ele quer que eu volte? — Perguntou
surpresa.
— Sim, e a ordem foi trazê-la antes do
anoitecer — olhou para cima para o céu. — Vejo
uma chuva se anunciando.
Estupefata, Joan apressou-se a segurar a mão
do homem e subir em seu cavalo, em sua garupa.
No coração uma sensação única de ser bem
quista.
Não entendeu imediatamente a guerra que se

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anunciaria junto com sua chegada. Matilde jamais


aceitaria seu retorno e isso ficou evidente quando a
mulher a viu chegar. Uma chuva fina os pegou
ainda na estrada e Joan tinha a roupa salpicada por
chuva e os cabelos molhados. Ela sorriu muito ao
despedir-se do jovem que a trouxera de volta e
correr para dentro do castelo, passando por Matilde
sem uma palavra sequer.
Ouviu os passos da mulher atrás de si, mas
não perdeu tempo com ela, seu coração estava
acelerado e queria trocar a roupa molhada e ir até o
Duque agradecer-lhe por ter desejado sua presença.
Era tolo agradecer por algo assim, mas era grata
por ter seu apreço.
Há quem não saiba o valor de uma amizade,
mas Joan não era uma dessas pessoas. Ela sentia
vontade de gritar de alegria.
Chegou ao pequeno dormitório, deixou a

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trouxa de roupas em sua cama, ainda vazia, no


aguardo da próxima serviçal a ocupá-la. Retirou as
botas molhadas e esfregou um dos pés na canela,
ansiosa por sentir a terra, o mato ou grama verde
contra as solas de seus pés.
Essa vida de sapatos, paredes de pedra e
ordens era muito parecida com a do Ministério do
Rei, com a única diferença de não ter Eleonora,
Alma e Driana para levá-la em suas fugas para que
corressem com liberdade pelos prados.
Matilde a alcançou antes que pudesse tirar o
vestido molhado e vestir sua túnica sequinha,
guardada em sua trouxa de pertences. E eram tão
poucos seus pertences. Apenas uma túnica velha e
uma capa de couro, recebida de Tobias ainda na
fuga. E um pente. Ela tinha um pente velho, e um
espelhinho rachado. Sua única vaidade.
— Como ousa estar de volta? — Matilde

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perguntou furiosa.
— Foi uma ordem do Duque Mac William.
— Respondeu sem muita atenção.
Matilde detestava ser deixada de lado.
Agarrou seu braço e disse severa:
— Eu não acredito em nenhuma mentira que
saia de sua boca imunda. — Ela disse com prazer
na voz. — Veremos se o Duque compactua com
suas artimanhas.
Joan não a impediu de levá-la pelo braço.
Primeiro, porque no fundo estava ansiosa para ver o
duque e Matilde fornecia a desculpa perfeita para
fazê-lo sem parecer audaz e em segundo, pois era
bom que a mulher ouvisse da boca do duque que
era sua ordem mantê-la no castelo.
Encontraram Rowell acordado fitando a
parede com nostalgia. Ele se fazia de forte, mas
Joan podia sentir sua aflição e angústia em estar
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naquele estado.
Matilde empurrou-a bem a vista do humano.
Joan tentou arrumar os cabelos molhados e
melhorar a própria aparência em vão. Cheirava a
estrume de cavalo e a barro. Nada poderia melhorar
isso.
— Essa serviçal alega que partiu do Duque a
ordem de trazê-la de volta. — Matilde disse
respirando com força, a um passo do descontrole
total.
— Sim, foi minha ordem — ele respondeu
com convicção — Não vejo razão para mandar uma
criada útil embora por que carrega uma criança.
Existem outras criadas grávidas, e é bem vinda
qualquer criança que nasça sobre o teto do forte
Mac William.
— Está mulher é uma devassa. — Matilde
disse com insistência — ela é terrível. Repense sua
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postura, meu senhor. Não é inteligente mantê-la


aqui dentro. Perto de seus filhos.
— Espere... — Joan disse com voz falha, sua
garganta começando a se ressentir do banho de
chuva. — Eu não estou prenhe. — Disse com
estranheza.
Como nenhum deles pareceu entendê-la,
Joan repetiu:
— Eu não estou prenhe. Nunca estive. Não
tenho crias, eu disse isso no primeiro dia, quando
cheguei. Não chegou meu momento de cruzar. O
que é estranho por si só — disse ao lembrar que
deveria estar no cio, e não estava. — Eu nunca
passei pelo coito com nenhuma espécie de macho!
Muito menos um da sua raça! — Acusou. — Eu
deveria estar ofendida com isso? Eu acho que sim
— disse para si mesma. — Porque me acusa de
algo que não fiz? Eu vim para trabalhar e cuidar do

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meu serviço. Não peço que fique o dia todo em


torno de mim! — Ela disse para Matilde.
— Eu tenho tanta vontade de torcer seu
pescoço com minhas próprias mãos — Matilde
disse entredentes, e seus olhos contavam uma
história de ódio, mágoa e raiva.
Tanta raiva que trazia lágrimas aos seus
olhos.
— E por quê? O que eu lhe fiz? — Perguntou
com súplica no olhar.
Que lhe contasse a verdadeira razão de tanto
ódio. Mas Matilde não faria isso. Era uma luta sem
vencedores. A humana olhou para seu senhor e
perguntou com voz embargada:
— Eu vejo que não tenho valor ou utilidade
neste forte. Se for permitido pelo meu senhor,
desejo partir ainda hoje. — Matilde disse
humilhada.
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— Por minha causa? — Joan num impulso


tocou o braço da humana e perguntou emotiva. —
Mas eu nunca quis isso!
— Não ouse me tocar! — Matilde afastou-se
com aviso na voz.
— Eu não permito sua partida — a voz do
Duque encerou a questão. — Este forte é seu lar,
Matilde. Minha família é sua família. Sendo assim,
aceite meu pedido para que fique e suporte a
presença de Joan. Não será muito difícil, pois
ambas são inteligentes o bastante para viverem em
um mesmo castelo sem esbarrarem uma na outra.
— Ele fixou os olhos em Joan com seriedade. —
Está proibida de ter qualquer contato com Matilde
daqui para frente.
Joan entreabriu os lábios, surpreendida por
sua reprimida.
— Suas ordens serão repassadas por outro
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serviçal a escolha de Matilde. Agora, eu quero ficar


só — disse para as duas.
Altiva e satisfeita com o resultado, pois ao
menos a intrusa estava sendo posta em seu devido
lugar, Matilde aproximou-se da porta, mas Rowell
interrompeu-a:
— Não acho prudente ambas andando pelo
mesmo corredor. Joan irá esperar que tenha
chegado ao seu destino, Matilde, antes de sair.
Matilde olhou de um para o outro antes de
sair e fechar a porta.
Quando Joan olhou para o Duque havia um
meio sorriso em sua face.
— Está de volta, intrusa — ele brincou e ela
baixou os olhos corando.
— Eu não entendi se você falou a sério ou
não — ela confidenciou. — Eu devo ficar longe de

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Matilde?
— Sim, mas não sou otimista sobre ela
deixá-la em paz. — Admitiu, fazendo um gesto
para que se aproximasse da cama.
Joan espirrou umas duas vezes antes de ficar
perto da cama.
— Eu não sei o que fiz de errado para que
alguém me odeie tanto. De onde eu vim, eu não
tinha muitas amizades... Mas também nunca tive
um inimigo. Nunca. — Disse consternada com esse
pensamento.
— Pegue a manta — ele apontou a roupa
dobrada sobre a cama. — Está com frio?
— Sim, eu fico doente muito fácil — ela
lamentou, envolvendo-se na manta quentinha. —
Obrigada por me deixar ficar, eu preciso muito de
um lugar para me abrigar e estava com medo de
ficar sozinha outra vez — admitiu com sinceridade.
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— De onde você vem, Joan? — Rowell


perguntou intrigado.
Por um louco instante ela pensou em contar-
lhe, mas conteve as palavras e mudou o assunto:
— Eu não sei por que Matilde disse aquelas
coisas de mim. Eu nunca estive com um homem.
Fui educada para aguardar o momento certo. Mas
Matilde ficou tão furiosa comigo que não me
permitiu explicar nada. — Espirrou mais algumas
vezes, em sequência e fechou os olhos para afastar
a ardência nos olhos.
Da última vez em que estivera gripada,
permanecera de cama por dias. Era só o que lhe
faltava.
Por causa da sua situação não reparou no
modo como o duque a olhava. Molhada e
totalmente natural, ela era bonita e fresca, como o
orvalho da manhã e trazia algo de vivo para dentro
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de sua vida mórbida e triste.


— Porque me chamou de volta? — Joan
perguntou e era essa a pergunta que queria lhe fazer
desde o instante em que descobriu que voltaria. —
Porque mandou me buscar?
— Porque eu gosto da sua companhia — ele
disse com um pouco menos de tristeza na voz. —
Eu tive um único amigo em minha vida. E ele está
morto. Morreu para me salvar. E eu me sinto só o
tempo todo. — Admitiu.
Apenada, Joan tentou pensar em como seria
perder suas amigas. Era uma possibilidade, pois a
situação das quatro era perigosa e tensa. Afastando
esse pensamento e essa dor silenciosa, Joan
respondeu:
— Eu gostaria muito de ser sua amiga,
Duque Mac William. De todo o meu coração, eu
gostaria muito de ter essa honra. — Ela sorriu
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tímida.
— Seremos amigos, então — ele proferiu as
palavras com um olhar que dizia outra coisa. — e
você precisa começar a me chamar pelo meu nome.
E não de Duque. Rowell, como me chamam os
meus filhos.
Sem saber a razão Joan abriu um sorriso
maior e olhou para longe. Havia um mundo entre
eles. Sua fuga, a acusação de assassinato de um rei
que Rowell não sabia sequer da existência. Suas
amigas e o bem estar de todas elas. O noivado de
Rowell baseado em honra e, sobretudo, a diferença
de espécie entre ambos.
Joan era uma fada e possuía asas. Diante de
um humano seus poderes mágicos não eram reais
ou havia interação entre suas espécies. O cio não
estava manifestado, pois a espécie humana não lhe
despertava os instintos sexuais. Ao menos não do

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modo esperado.
Joan precisava responder algo, mas não havia
palavras em sua mente para explicar a ele o que
sentia e pensava, e por sorte do destino seus
espirros sequenciados interromperam a conversa e
Joan precisou ir embora para trocar as roupas
molhadas e tomar um banho quente antes que seu
resfriado piorasse.
Chegou a percorrer alguns corredores em
paz, até ser barrada pela imagem de Matilde
surgida de um canto qualquer, provavelmente
esperando-a na espreita:
— Você não sabe o que fez. Mas irá pagar
por isso — ela avisou entre dentes — eu vou pegá-
la de jeito e provar quem você é.
— Você sabe quem eu sou? — Joan
perguntou, interpretando mal suas palavras.
— Não se faça de boba comigo. Não vou
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permitir que uma qualquer destrua a harmonia


dessa família. Eu prezo pelos Mac William e você
não vai durar aqui. Eu não sei o que você faz para
cativar o duque, mas eu colocarei fim a esse
encanto. Se prepare, eu vou acabar com você.
A ameaça foi feita e Matilde sumiu no
corredor, rápida, pisando duro, arfante pelo ódio
despertado dentro de si.
Não era uma ameaça suficientemente
assustadora para alguém ameaçada de penar da
clausura por toda uma vida, ou ser presa por
assassinato. Mas era doloroso saber que despertava
tanta raiva. Matilde estava tão errada sobre tudo.
Apesar dos pesares, nem mesmo uma ameaça
feia poderia suprimir a alegria de ser considerada
uma amiga pelo Duque Mac William.

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Capítulo 8 — Feito em retalhos

Ser odiada por Matilde representava uma


tortura diária. Mas Joan não reparava mais.
Confessava que sua estadia entre os humanos
estava sendo apreciada a extremos. Ela vinha
passando seus dias na cozinha, ajudando Hector
com a comida e cuidando do trato pessoal do
Duque.
Ele gostava que lhe levasse as refeições e às
vezes que estivesse presente quando pedia a visita
de seus filhos. Na hora de seu trato pessoal, como
higiene e banho, ele insistia que Molly era mais
apropriada para ajudar alguém de seu peso e

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tamanho.
Em uma dessas vezes, quando delicadamente
foi retirada do quarto, Molly a alertou para não
questionar a decisão do Duque:
— Pelo amor de Deus, Joan, o pobre homem
tem vergonha de sua condição. — Lhe dissera em
meio a uma longa caminhada pelo castelo,
enquanto carregava as trouxas de roupa suja, e Joan
a ajudava. — Você é bonita, jovem e obviamente
virgem até seu último fio de cabelo. Ele tem
desejos, e não pode erguer as vistas para você.
Surpreendida com essa informação, Joan
havia perguntado:
— Por quê? Porque ele não pode olhar para
mim desse modo?
Um louco pensamento de que o duque
poderia saber da diferença entre as espécies.

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Molly havia parado de andar e a fitado com


seriedade:
— O homem está inutilizado da cintura para
baixo. Não fale com ele desses assuntos, é
humilhante para ele.
Nesse momento Joan havia lutado contra o
constrangimento. Não era tão tola para o coito que
não pudesse entender a que Molly se referia.
As duas haviam seguido com o trabalho e em
nenhum outro momento tocaram no assunto.
Desde aquele dia, passado mais de uma
semana, Joan apreciava os momentos a sós com o
duque, ou então, com a companhia de seus filhos,
principalmente Marmom e Tommy.
E vinha em segredo pensando em como
ajudá-lo, mas para isso precisaria de coragem,
muita coragem. E, precisaria também da permissão
do duque de Mac William, ou Matilde lhe
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arrancaria as vísceras pela ousadia de sair sem


permissão.
Naquela manhã em especial, Joan levava o
café da manhã para Rowell.
Na cama, Rowell tinha o peito enfaixado e
estava sem camisa, um pouco febril ainda, pois na
noite anterior estivera com muitas dores. Os
cabelos negros estavam úmidos do recente banho
dado pelas outras servas e seus olhos esverdeados
estavam cansados, mirando o espelho na parede do
quarto, com pesar e pensamentos pesados.
Abatido, o homem não suportava ter que
ficar na cama e passar dias sem poder cuidar de sua
gente.
— Eu não quero comer — ele reclamou
quando a serva lhe trouxe o jantar.
Seu mau humor era corriqueiro. Havia dias
em que não conversava. Em outros, a presença de
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Joan ao menos o fazia menos chateado. Mas eram


oscilações perigosas de humor. Joan não poderia
culpá-lo por isso. Era um homem de luta e de ação
e agora estava preso a uma cama.
— Eu... — Ela começou a falar e quase
perdeu a coragem.
Vestia um vestido verde, de veludo simples e
gasto, que Liara lhe emprestara, enquanto
maliciosamente lhe confidenciara que torcia que
conquistasse o duque o suficiente para conseguir
que Matilde fosse mandada embora. Usava também
um lenço que cobria parte dos cabelos, pois estava
cansada de Matilde gritando que era piolhenta e
fedida. Quem sabe se não visse seus cabelos, não
pudesse ter desculpas para os gritos?
Mesmo assim sua face sardenta e os olhos
claros não escondiam sua beleza e o humano era
capaz de notar e se apegar a isso, mas Joan não

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notava esses detalhes.


— Eu estive pensando... Conheço um pouco
sobre ervas. Poderia, se o meu senhor autorizasse,
eu poderia buscar ervas e lhe fazer um chá que
deve apressar sua recuperação.
— Isto existe? — Ele ficou imediatamente
interessado e Joan sorriu aliviada por entender que
não seria punida.
Ele não acreditava em muitas coisas, mas
quando ela falava normalmente levava em
consideração.
Joan gostava da interação com Rowell, mas
ainda temia as represálias de Matilde. Estava
cansada de apanhar de Matilde, a governanta que
dava ordens às servas e que adorava gastar a
madeira de seu cajado lambendo as costas e as
pernas das servas com surras de horas. Até então
fora vítima de algumas pancadas, mas as demais
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moças viviam feridas.


— Sim, não fazem milagres, mas ajudam
muito a aliviar a dor e fechar as feridas. —
Garantiu.
— E onde pode achar essas ervas? — Ele
sentou na cama com uma careta de dor.
— Perto do lago. — Aproximou-se um
passo, com vontade de ajudá-lo, mas se conteve.
Era na verdade, um córrego do Rio Branco, que de
desviava do rio e cortava a região, formando um
belo lago de águas calmas, não muito longe do
castelo.
— O lago fica muito longe daqui — ele
decepcionou-se.
Joan abriu um lindo sorriso e disse:
— O meu senhor acredita em magia? —
Perguntou, gostando até demais de conversar com

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ele e desafiá-lo a deixar a dor de lado para prestar


atenção em outros assuntos.
— Não. Você acredita? — Ele perguntou de
volta.
— Talvez. Mas e se eu posso ir e voltar com
as ervas em uma hora? Isso o convenceria que
existe alguma magia no mundo?
— De modo algum, apenas me convenceria
que conhece alguém que já colheu as ervas e que
mora perto daqui — ele opinou.
— Acho que essas leituras fazem mal para a
capacidade de crer de um macho humano — ela
apontou a pilha de livros sobre a mesinha de
cabeceira.
— Vá, busque as ervas. Eu tenho pressa de
sair dessa cama. — Ele autorizou não mais
estranhando seu modo de falar.

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Joan era diferente das outras moças e ele se


dividia entre curiosidade de fazer-lhe perguntas e
exigir respostas, e o estranho fascínio de apenas
desfrutar de sua companhia.
Um estanho sentimento de que era
temporário. Em algum momento a perderia. Como
uma aparição, talvez um anjo, Joan partiria e
levaria a pouca esperança que o fazia aguentar seu
estado com menos sofrimento.
Joan conteve a vontade de dizer-lhe que tinha
pressa para vê-lo sair da cama. Não deveria, mas
seu coração estava acelerado por conta daquele
humano.
Mesmo que não fosse uma fugitiva, era uma
fada e ele um humano. Uma relação impossível.
Sorriu-lhe enquanto observava-o comer e
beber do café com interesse. Seu apetite estava
melhor e ele vinha se fortalecendo, pois tinha
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prazer de comer na companhia de sua nova amiga.


Quando terminou, apressada, Joan despediu-
se e levou a bandeja para a cozinha.
Em surdina para não ser vista, Joan andou
pelo castelo e em um canto discreto abriu os botões
do vestido nas costas e revelou as asas. Eram asas
pequenas, avermelhadas e ágeis.
Era a primeira vez que voaria em duas
semanas de obtenção de suas asas. Era o momento
certo e valia a pena o risco da exposição.
Ela tinha medo de andar sozinha pela
floresta, ainda mais voando. Receio do cheiro do
cio, imperceptível para os humanos, ser captado
pelas criaturas mágicas da floresta, e por isso, ser
perseguida e interceptada por malfeitores.
Caçadores de Fadas, de Recompensa ou
Guardiões.

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Ela temia por sua vida, e pela existência de


suas amigas. Mas temia também que a vida de um
bom macho humano se perdesse por conta da
ignorância e desconhecimento sobre o que é
mágico.
Assustada com o que faria, pois nunca antes
voou, Joan ergueu uma das pernas e pousou o pé na
murada de pedra da mais alta das muralhas. Bateu
suas asas, e foi erguida o bastante para seu outro pé
tocar as pedras. De pé, ela olhou para baixo.
Fechou os olhos diante dessa liberdade. Era único,
não era prisioneira, não era padecente da clausura,
não era fada e não era humana.
Era apenas um corpo suspenso no ar, prestes
a se lançar ao desconhecido.
Cheia de coragem e impulsionada por
sentimentos profundos demais para nomear em tão
pouco tempo, Joan se lançou. Suas asas

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imediatamente a içaram para cima e ela ganhou


velocidade e altura. Tão alto, que se a vissem lá
embaixo pensariam ser um pássaro.
Era estranho como às vezes certas coisas
sobre o interior de um ser é revelado apenas nos
momentos mais inesperados. Joan era fada. E sua
essência era profundamente ligada a suas raízes e
ela não sentia o menor incômodo ou dificuldade em
voar. Francamente, era de surpreender-se que viveu
por longos vinte anos sem suas asas!
Meia hora depois, ela pousou os pés na
grama macia, em meio à floresta, nos arredores do
Rio Branco, que banhava o campo dos humanos, a
poucos quilômetros do lugar onde o Campo dos
Humanos fundir-se-ia com o mundo mágico.
Um campo repleto de plantas altas. Que lhe
chegavam à cintura, com folha longas e
amareladas, com miolo carregado de esporos e

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pequenos insetos que costumavam polinizá-la.


Joan recolheu uma grande quantidade dessas
folhas, e então, das florzinhas do miolo, que ela
lembrava que eram boas para os pulmões.
Menos de uma hora depois estava com as
ervas cortadas e presas a uma bolsinha em sua
cintura quando reparou em uma fada se banhando
do outro lado do lago.
Um princípio de esperança a fez sorrir
pensando na possibilidade de uma de suas amigas
andar por aqueles lados, escondendo-se de seu
Guardião perseguidor.
O sentimento foi tão forte, que Joan quase
derrubou a bolsa com as ervas, na ansiedade de
aproximar-se e descobrir que estava certa.
Ela queria tanto abraçar Alma. Tanto que seu
seus braços doíam de ansiedade. Ouvir a voz de
Driana mesmo que a repreendesse por estar se
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expondo ao perigo por causa de um humano, ou


quem sabe ainda, e isso lhe trouxe lágrimas aos
olhos, ouvir a voz suave de Eleonora elogiando-a
pelas lindas asas vermelhas que se estendiam de
suas costas.
Perto, Joan fixou os olhos na imagem que
emergia da água após um longo mergulho.
Era linda e estava nua. A pele era escura,
brilhante pela água e pela luz do sol. Os cabelos
longos trançados escorriam por suas costas. Em sua
testa uma linha pintada com tinta negra, em formas
circulares e ornamentais que descrevia sua
descendência, cravada em sua carne, em uma
tatuagem eterna.
Joan correu os olhos pela figura e toda a
esperança caiu por terra, diante de seus olhos,
revelando novamente o horror da vida.
Na margem do lago uma armadura de
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Guardião. Assustada, Joan engoliu em seco e


camuflou-se para não ser vista.
Invisível aos olhos de tudo e todos, andou
para longe sem saber que para os olhos de Zoé não
havia nada capaz de se esconder.
Com o coração apertado, acelerado e sem ar,
Joan correu para longe, floresta a dentro.
Zoé sorriu, saindo da água vestindo a
armadura sem pressa. Ela achara a fada fugitiva e
agora era questão de tempo para cumprir sua
missão.
Joan correu muito, até sentir que estava
segura. Seu dom a camuflava e isso a manteria
segura. Respirando com dificuldade apoiou-se em
uma árvore e escorregou para o chão, tentando
descansar um pouco, ganhar tempo.
Ouviu passos na floresta e levantou, olhando
em torno.
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Não era possível estar sendo seguida pela


Guardiã! Tentou lembrar tudo que sabia sobre Zoé,
mas não conseguiu.
A bela imagem vestida de metal escuro
surgiu de entre as árvores, olhando diretamente
para ela.
Em pânico Joan entendeu que podia
reconhecê-la mesmo camuflada.
— Você não pode esconder-se de mim. — A
voz era forte, fria, distante, carregada de certeza
incondicional. — Eu esperei todos esses dias que
saísse do castelo. Eu sabia que não resistiria muito
tempo a experimentar suas asas. Eu posso farejá-la
e soube imediatamente quando obteve sua dádiva.
De resto, foi uma questão de paciência e espera,
para não ser vista pelos humanos.
Zoé andou em torno de Joan, que muda de
surpresa e medo não respondeu nada, apenas
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acompanhou seus movimentos.


— Quanto azar a frágil Joan ser caçada por
um Guardião com dom de fada, não é? Eu posso
vê-la onde quer que tente se esconder. O seu dom
esconde, e o meu revela. — Ameaçou, avançando
em sua direção. — Entregue-se, pequenina Joan, e
não lhe farei mal.
Suas palavras soaram como a pior das
ameaças. Se Zoé colocasse as mãos sobre ela, não
restaria nada para entregar a rainha Santha e
Lucius.
Por um segundo Zoé realmente desconfiou
que a fada pudesse ser tão fraca e boba a ponto de
se entregar por causa de medo e coação.
Mas foi apenas um momento e Joan bateu
suas asas, cortando o céu em um voo desesperado.
Uma fadinha recentemente agraciada com
asas, lutando contra uma fada experiente dominante
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e, sobretudo, uma Guardiã? Zoé sorriu dessa


bestialidade e seguiu-a.
Desesperada, Joan fugiu de Zoé tentando
despistá-la. Cada vez mais perto, Zoé chegou de
raspar as pontas dos dedos no calcanhar de um dos
pés da fada, quando Joan quebrou o voo e fez uma
descida inesperada.
Um voo cortante sobre a copa das árvores,
um voo perigoso para qualquer fada inexperiente.
Mas suas asas eram curtinhas e práticas e ela
conseguiu manter o caminho sem acidentes, o
contrário de Zoé que dona de asas longas e
esverdeadas, da cor da copa das árvores, não
conseguia manter o mesmo ritmo sem machucar
suas asas.
Notando isso Joan manteve-se assim, até
descobrir que estavam em uma planície sem
árvores. Em pânico, subiu e desceu várias vezes,

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tentando manobras inesperadas na ansiedade de


escapar de Zoé.
Furiosa com a audácia da fada, Zoé usou o
poder de sua armadura para atingir a fada. Foi de
raspão, mas Joan gritou e rodopiou no ar, perdendo
altitude rapidamente. Em outras palavras, estava a
um passo de espatifar-se no chão de terra.
Por sorte do destino, o mesmo destino que
Reina insistia em sempre afirmar que nascia
traçado para cada individuo, Joan caiu em um
amontoado de feno, na parte de trás de uma
carroça, o que amorteceu sua queda.
O humano que a conduzia pareceu não notar
nada demais, pois no mesmo instante os dois
cavalos que puxavam a pesada carroça fizeram
algazarra e ele se distraiu. Escondendo-se ali, Joan
olhou para cima, e viu Zoé parada no ar, olhando-a
com ódio fatal.

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Sem saber por que ou se deveria, Joan abriu


um sorriso e começou a rir, cobrindo a boca para
não revelar ao humano que havia uma carona extra
em sua boleia.
Zoé não poderia investir contra ela sem se
relevar para o humano que conduzia a carroça e as
duas outras humanas que seguiam ao seu lado,
provavelmente esposa e filha.
Era regra do mundo mágico não expor sua
raça aos humanos. E nem mesmo Zoé quebraria
esse voto perpétuo.
Joan não era do tipo que gostava de fazer
troça de ninguém, mas seu riso era de alívio, alegria
e orgulho de si mesma. Havia escapado da grande
Guardiã Zoé!
Por sorte, pouco depois a carroça chegava ao
castelo, Joan saltou um pouco antes, fingindo ter
chegado ao mesmo momento, pois estava no
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campo, em torno do forte. Ninguém reparou nela,


era apenas uma servente do forte.
De longe Zoé observou o ratinho
escondendo-se em sua ratoeira. Por isso era tão
frustrante e difícil pegá-la. A fadinha frágil e boba
era na verdade uma raposa esperta, que se
misturava aos humanos com perfeição.
Sem fôlego, Joan correu para a cozinha do
castelo, sufocando um riso quase histérico por ter
escapado. Ela encontrou Hector entretido com suas
panelas. Quase tropeçou no coelho gordo que
andava livremente por toda a cozinha. Alice, a filha
mais velha do duque estava na cozinha, de cabeça
baixa comendo um pedaço de bolo e apenas ergueu
os olhos para ela com desdém.
— Onde você esteve, menina? Caiu dentro
de uma colmeia de mel? — Perguntou Hector,
observando o estado de seu vestido.

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Ela estava coberta por gosma amarelada,


muito parecida com mel. Era o pólen esmagado das
plantas colhidas que grudaram na saia do vestido.
Sorrindo, Joan respondeu:
— Quem sabe, Hector? Quem sabe não caí
em um grande favo de mel?
— Isso é impossível — respondeu Alice, de
má vontade e sentindo óbvio prazer em responder
com má criação para a serviçal que lhe desgostava.
Joan parou de andar pela cozinha e fitou a
menina com surpresa:
— E quem lhe disse que é impossível?
— O meu pai. Ele disse que essas coisas não
existem.
— Bem, se o seu pai lhe disse, é porque é
verdade — Joan respondeu sorrindo. — Eu não caí
em um favo gigante de mel. Mas estive entre

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muitas folhas e flores coloridas, belas e


perfumadas, por isso estou suja. As flores são doces
e perfumadas, então, não é muito diferente de cair
em um favor gigante de mel, não é?
— É, é muito diferente — Alice insistiu,
brava.
Joan deu de ombros, contente demais para
ser irritada pelo comportamento de Alice. Vencer
Zoé, mesmo que na base da sorte pura, lhe conferiu
uma estranha segurança e felicidade. A Guardiã
rondava, mas não poderia pegá-la dentro do Campo
dos Humanos.
Joan tinha razão quanto a isso. No Campo
dos Humanos ela era intocável. Sobrevoando a
região, Zoé amargava essa verdade até avistar uma
comitiva de duas carroças, uma carruagem e alguns
cavalos. Eram humanos parados na estrada, a
muitos quilômetros de distância.

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Aproximando seu voo, atraída pela


curiosidade de ver humanos, Zoé avistou uma
jovem sair da carruagem vestindo um lindo vestido
azul, adornada por joias e acompanhada por uma
pajem.
A moça era humana, sem dúvidas, e era
negra tal como Zoé.
Sorrindo, Zoé chegou a uma conclusão
maravilhosa.
Joan era uma cobra espertalhona,
escondendo-se entre os humanos, mas ela era uma
Guardiã e muito mais esperta que uma fada fugitiva
da clausura!

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Capítulo 9 — Amarelo ouro

— O que ela está fazendo? — Alice


perguntou, brincando com o coelho de Hector,
embora não tirasse os olhos de sobre Joan.
Enquanto mexia o caldeirão fervente, Joan
olhou para a menina e sorriu, porém não respondeu
nada.
— Diga de uma vez, Joan, o que você está
cozinhando nas minhas panelas? Nunca senti um
cheiro parecido com esse!
Joan piscou para Hector e então respondeu
para Alice, pois partira dela a pergunta:
— Não estou cozinhando alimento e sim um
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remédio. Um poderoso medicamento.


— Duvido — disse Alice. — Nunca vi
Matilde cozinhar algo tão mal cheiroso e ela
entende tudo de medicamentos! — A menina não
resistiu a menosprezá-la e falar com ela, mesmo
que uma provocação.
— Hum, sim, ela tem seus conhecimentos e
eu os meus. — Deu de ombros, colocando mais
folhas na água, aspirando o cheiro forte.
— Isso é para o meu pai? — Alice perguntou
séria, enquanto amassava o pelo do coelho entre os
dedos, distraída entre brincar e ser criança, ou
prestar atenção aos adultos e ser adulta também.
— Sim, ele me autorizou a preparar um
remédio. Eu tenho fé que esse composto possa
ajudá-lo, Alice.
— Meu pai pode se curar bebendo isso? —
Alice levantou e abandonou o coelho.
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— Eu não tenho certeza — foi sincera,


parando por hora de mexer, olhando para a menina
com carinho. — Eu tenho esperança que sim. E não
é para beber e sim passar os ferimentos. Veja — ela
apontou as flores miúdas que aguardavam para ser
amassadas e abafadas na água fervente — elas são
para beber. Porque você não as amassa com as
mãos enquanto a água ferve?
— Isso não é bruxaria, não é? — perguntou
Hector baixinho enquanto passava por Joan e
pegava uma jarra de água para colocar no fogo, e
aquecer.
— Você se importa se for? — Joan
perguntou de volta, quase sorrindo.
— Francamente — Hector deu de ombros,
mas não respondeu.
Sorrindo, Joan continuou mexendo a colher
de pau, enquanto suava e mexia com força.
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Concentrada, Alice amassava com as mãos as


florzinhas e fazia uma expressão de nojo com o
líquido adocicado que expeliam.
— Prove. É doce. — Joan instigou-a. Era um
delicioso doce que ela e suas amigas comiam
quando fugiam do Ministério do Rei.
Ainda com expressão de nojo, Alice provou.
Sua careta amargurada mudou para algo de
surpresa e agrado.
— É doce — ela disse provando o doce dos
dedos. — Hum, é muito doce!
— Sim, mas não coma demais, preciso disso
para o chá do Duque. — Avisou tornando a cuidar
do preparado.
— E precisará de muito mais do que isso
para adoçar a língua de Matilde quando descobrir
que está lhe roubando o lugar nos cuidados para
com o Duque — disse Hector, coçando sua enorme
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barriga de cerveja e vinho. Ele tornou a sentar-se


pesadamente em uma cadeira de madeira, com o
coelho aos seus pés.
— Eu tenho permissão de Rowell. E mais do
que isso, eu perdi o medo de Matilde.
Mal terminou de fechar a boca, e Joan se
arrependeu da confidência. Na porta da cozinha a
dita, personalizada em carne, ossos e muita raiva,
encarava-a com a severidade de sempre.
— Eu tenho permissão do Duque Mac
William — Joan apressou-se a dizer. Limpou as
mãos no avental que Hector lhe emprestara,
gigantesco em seu corpo mirrado e encarou a
mulher.
Joan observou-a andar pela cozinha
encarando Alice, que até então era uma aliada em
seu ódio para com a novata, mas que agora parecia
atraída para a jovem do mesmo modo que acontecia
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com todos. Hector, nada discretamente retirou uma


das facas que jazia sobre a mesa, provavelmente
com recio velado que a mulher pudesse usá-la
contra Joan.
Pensando bem sobre o assunto, Joan
concordava com ele.
— O senhor Edward pediu que preparasse
um janta especial, Hector — a mulher disse,
engolindo a raiva, tentando aparentar profunda
indiferença. — Ele espera visitas para os próximos
dias, prepare-se para alimentar no mínimo doze
pessoas. E livre-se de todos os entojos que tornam
essa cozinha imunda. — Avisou antes de sair.
Joan soltou o ar preso nos pulmões e
lembrou-se do seu preparado, voltando a mexer,
para que não queimasse no fundo e estragasse o
composto.
A cozinha permaneceu em silêncio
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contemplativo depois da saída de Matilde. Nenhum


deles queria correr o risco de falar algo e ser mal
interpretado caso a ditadora estivesse ouvindo atrás
das portas outra vez.
Muito tempo depois, tudo pronto, Joan
guardou a pomada em um pote de barro e separou o
que precisaria além do chá e de toalhas limpas.
Para sua surpresa, Alice pegou as toalhas,
como quem se oferece para ajudar. Era amor pelo
pai, pensou Joan.
Silenciosas, pois não havia assunto entre
elas, percorreram os corredores. Foi Alice quem
abriu a porta do quarto do Duque e avisou-o da
chegada das duas. O homem estava adormecido,
mas despertou com a entrada de ambas.
Hoje era um dia particularmente difícil para o
pobre humano. A dor intensa, o sofrimento da
carne refletindo-se na alma e nos modos.
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— Esse cheiro é horrível — ele reclamou


quando sentiu o forte odor.
— Não é para comer, papai — Alice
apressou-se a dizer subindo na cama, beijando o
rosto do pai.
— Sorte minha — ele disse de mal humor.
— Não comemore ainda. O chá deve ser
tomado ainda quente. — Joan sorriu enquanto dizia
isso.
Rowell torceu o nariz para o cheiro do chá,
mas não reclamou mais.
Foi preciso muito jeito e bom humor para
convencê-lo a deixar que passasse aquela gosma
mal cheirosa em seu corpo.
Lutando contra o constrangimento que tomou
conta dela e a fez corada, algo que parecia divertir
o duque, Joan ajudou a despir sua camisa e então

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afastou as cobertas. Alice retirou as meias dos pés


do pai com todo carinho de uma filha.
— Alice, você deve esperar lá fora — Joan
pediu.
— Por quê? — Alice perguntou desconfiada,
voltando a parecer arredia.
— Porque é apenas uma menina. E eu
preciso cuidar do seu pai. — Disse com firmeza,
mas sem causar mais raiva na menina.
— Eu vou ficar no corredor.
Era como se Alice quisesse avisar ao pai que
o protegeria a todo custo. Não deixava de ser
bonito e doce da parte da menina.
Evitando olhar para o duque, Joan ajudou a
despir suas calças. Não tocou na roupa íntima, mas
sabia que precisaria retirar. Suspirou e encheu-se de
coragem para puxar sua roupa íntima e retirá-la por

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suas pernas.
Nesse processo ela sentia o olhar do humano
sobre ela.
— Isso é mesmo necessário? Tirar toda a
roupa? — Ele perguntou, com algo de travessura na
voz.
Finalmente Joan encarou seu olhar e corou
ainda mais.
— Sim, é preciso passar no corpo todo. —
Disse com voz baixa.
— Você quer dizer passar essa pomada em
todo o corpo? — Rowell perguntou divertido,
conseguindo esquecer um pouco da dor.
— Sim, passar por todo o corpo —
respondeu cada segundo mais corada.
— Com o uso de um esfregão? — Ele
insistiu, achando muita graça de sua expressão.

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— Não. Usando as mãos. É necessário o


calor da palma das mãos para ativar a pomada.
Torná-la mais eficaz. É um preparado muito
poderoso, você sentirá o corpo arder muito. E será
preciso fazer isso... Várias vezes até resultar em
algum efeito real.
Rowell pareceu gostar dessa ideia. Joan
tomou o cuidado de colocar uma toalha sobre suas
partes íntimas sem olhar diretamente para isso.
Morria de vergonha só de pensar em olhar.
O duque fingiu não notar sua reação
exagerada de recato.
Entre as humanas poderia ser um exagero
baseado em uma criação ferrenha na moral e
religião. Mas para Joan e seu crescimento em um
Ministério do Rei, um orfanato, era apenas a
ausência de costume de estar com seres de outra
raça e sexo.

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O único elfo que tinha contato era Tobias e


muito ocasionalmente com Lucius quando o
amante da rainha perdia seu primoroso tempo
seguindo as fadas da clausura na busca de alguma
travessura que pudesse ser usado como desculpa
para uma severa e injusta punição.
Depois de tantos anos, finalmente
compreendia a razão de tanta implicância e
malvadeza.
— Onde você aprendeu sobre isso, Joan? —
Perguntou Rowell.
Ele não queria admitir, mas a cada dia que
passava maior era sua curiosidade a cerca da serva
Joan. Ela falava de um modo diferente, agia de
modo estranho e muitas vezes demonstrava
conhecimentos que não se assemelhavam aos de
uma moça da sua idade.
Joan vivera um tipo de vida que a fazia mais
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aberta e crédula do que qualquer outra mulher que


Rowell conhecera em toda sua vida.
Ainda duvidava um pouco de sua veemência
em alegar castidade, pois as mulheres sempre
mentem sobre esse assunto, mas aprendia a confiar
em suas palavras a cada dia.
— Eu sempre fui observadora. Quando
pequena faziam em mim, para me ajudar a
melhorar. Quando cresci um pouco, sempre
ajudava a cuidar das minhas irmãs e amigas,
sempre havia alguma doente, porque vivíamos em
um lugar bastante abafado e seco. — Confidenciou,
pensando nesse tempo distante.
— E onde era esse lugar? — Ele insistiu.
Joan ergueu os olhos para ele, e respondeu
com toda a sinceridade do seu coração:
— Um orfanato.

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— Não existe nenhum orfanato nesse lado do


país — ele revidou, precisando de respostas. —
Existem dois conventos que aceitam moças
afortunadas, mas dificilmente uma delas pode sair e
tornar-se uma serviçal.
Um longo suspiro e Joan pegou a xícara com
o chá e entregou a ele.
— Precisa beber tudo. Seu corpo vai
esquentar muito por causa do chá. Essa será a hora
de começar a passar o preparado em toda sua pele.
Era uma nada sutil mudança de assunto.
Rowell recebeu a xícara e tocou as mãos da fada
nesse processo. Ela afastou-se apressada, e não
olhou para ele.
O que ela pensava? Era uma fada! Precisava
esperar por um elfo. Um companheiro para sua vida
toda! Não podia sentir o coração acelerado por um
único toque de um humano!!!
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— Se fugiu de um convento... É uma fugitiva


— ele disse antes de começar a beber o chá.
A palavra 'fugitiva' causou arrepios em Joan.
Ela parou de ajudá-lo e ficou imóvel esperando
pelo que viria a seguir.
— É uma fugitiva, Joan? — Rowell
perguntou direto, aguentando o gosto amargo do
chá sem reclamar.
— Sim, eu sou uma fugitiva. Mas não estou
fugindo de um convento. Eu... Não sei o que é um
convento. — Disse envergonhada. — Eu estou
fugindo, mas não fiz nada errado. Não sou uma
criminosa. Eu lhe juro isso, Duque Mac William.
— Rowell — ele corrigiu e terminou de
beber todo conteúdo da xícara. — Eu sou capaz de
reconhecer um criminoso e você, definitivamente,
não é capaz de fazer mal a uma mosca — ele sorriu
e ela pode relaxar um pouco. — Mas eu quero
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saber de onde vem e porque está fugindo.


— E eu quero contar. Não tenho segredos
para meus amigos — foi sincera, lembrando-se do
outro dia, quando ele disse que a considerava uma
amiga. — Mas é tudo muito complicado, eu não
posso falar nada agora. — Joan parou de falar e
ficou com um meio sorriso no rosto ao perguntar.
— Posso começar?
Rowell fitou seu rosto inocente e sorriu
concordando. Perguntou-se até onde ia sua
inocência. Joan não sabia que desde a morte de sua
esposa, dois anos antes, Rowell dedicava-se
unicamente ao cuidado de seu Forte e a preservação
de seu Ducado, a herança de seus filhos. Que as
preocupações constantes e as lutas contra invasores,
algo que acontecia cada vez mais, o tornaram um
homem inquieto e de poucos momentos de paz e
relaxamento.

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Sobretudo, poucas oportunidades de estar


com mulheres. Uma ou outra, na sua maioria
cortesãs, pagas e esquecidas no instante seguinte ao
ato. Nada de sedução premeditada ou no caso de
Joan, de sedução inocente.
Ele estava encantado por sua voz desde a
primeira vez que a ouviu discutindo com Matilde
nos corredores próximos ao seu quarto. Então,
encantou-se com sua presença em seu quarto, no
escuro, com seu perfume peculiar. Um perfume de
natureza.
Joan cheirava a orvalho e grama molhada, a
flor e água limpa. Era impossível distinguir seu
cheiro. Seu fascínio era exatamente este. Ser tão
peculiar, talvez por isso, Rowell fosse pernicioso
com seu comportamento obtuso, permitindo-a
confundir sua cabeça e as ideias de todos os outros
moradores do Forte Mac William.

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Com seu jeitinho calmo, Joan sentou-se na


beira da cama, e mergulhou uma das mãos no pote
de barro retirando grande quantidade de pomada.
Espalhou-a nas mãos e esfregou até senti-las
aquecerem. Então foi o momento tão temido.
Segurou um dos pés do Duque e começou a
esfregar e espalhar o medicamento. A pomada era
clara, sem cor, mas garantia uma luminosidade à
pele, um brilho úmido, como se estivesse suado ou
besuntado em óleos essenciais. Tentou ser
indiferente e assexuada como acontecia com todas
as enfermeiras ao cuidar de um enfermo sob sua
responsabilidade, mas falhou miseravelmente.
Era a pele do duque e ela sentia o calor e o
pulsar do sangue em suas veias conforme subia a
massagem pelas canelas e coxas, dando a mesma
atenção para ambas às pernas.
— Você tinha razão. Isso arde — ele

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reclamou, mas sua voz estava rouca, farta, e ele não


estava propriamente referindo-se ao incômodo
causado pelo torpor do medicamento.
— Vai piorar — ela garantiu sem notar que
sua voz parecia muito falha.
Suas mãos formigavam e não era por causa
da pomada. Não mesmo. Joan fixou os olhos na
pele morena, na firmeza dos músculos sob a palma
de suas mãos. Mesmo que não quisesse e tentasse
ser politicamente correta, seus dedos faziam
perigosos círculos em carícias sensuais, enquanto
espalhavam o remédio.
Movimentos inconscientes, assim como o
inclinar o corpo de fêmea sobre o dele, revelando
muito do decote até então pudico do vestido, mas
que naquela posição forneciam uma ótima visão da
pele clara e dos seios pequenos.
Rowell engoliu em seco a cada movimento
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de Joan, esperando pelo segundo inestimável onde


ela revelaria a totalidade daqueles montes jovens e
delicados. Mas ela moveu-se e subiu os
movimentos, mudando o ângulo e afastando a
imagem de seus olhos.
Para que perder tempo com seios, se um
homem pode refestelar-se em pele perfumada,
macia, olhos verdes e inocentes? Lábios rosados,
entreabertos, pedindo por um beijo? Joan esfregou
sua barriga, subindo por seu peito, e Rowell ergueu
as mãos para segurar suas pequenas mãos.
— É melhor chamar outra serva para ajudar
nisso — foi direto, sem rodeios.
— Não pode ser outra — faltou-lhe coragem
para contar-lhe que seu poder mágico, sua essência
de fada tornava aquele emplasto de ervas ainda
mais potente. Sem isso, era apenas uma mistura
inútil.

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O humano apertou suas mãos entre as suas e


disse muito sério e convencido de que ela precisava
saber disso:
— Você é muito bonita, Joan. E eu não posso
lhe oferecer nada.
Ela não queria nada. Joan não queria de
modo algum se ofender ou entristecer com essa
revelação que era mais do que conhecida.
— Eu não quero nada. Eu não poderia aceitar
nada de você. — Confidenciou — eu vou partir,
Rowell, muito em breve, eu partirei para todo o
sempre. Não pode me oferecer nada e tão pouco eu
posso lhe dar alguma coisa de mim. A não ser isso
— ela esfregou as mãos nas dele. — A não ser
ajudá-lo a estar de pé outra vez.
O Duque Mac William não gostou de ouvir
isso. Em seus olhos essa verdade gritava. Ele soltou
suas mãos e se deixou tocar. Joan esfregou seu
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peito, os músculos cobertos por cicatrizes e


ferimentos antigos de lutas travadas no desespero
de conservar sua terra, seu clã e sua família livres.
Seu corpo era bem feito, moldado pelo árduo
trabalho de luta. Ombros largos, generosos, e
quando Joan esfregou essa carne em especial,
descobriu que estava estranha. Seu coração batia
descompassado, sua boca ressecada, seus seios
dolorosamente rijos e uma palpitação nova entre
suas pernas.
Seu corpo de fada escapava das apreensões
do cio por estar fora do mundo mágico. Mesmo
assim, conhecia essas novas experiências sexuais,
justamente com um humano, algo impensável para
uma fada.
Corada, excitada, ergueu os olhos, assim tão
pertinho e fitou o Duque como quem pede um
beijo.

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Sim, ela pedia um beijo. Seus olhos


imploravam por isso. Seus movimentos cada vez
menos clínicos e a tensão em torno de ambos a
impulsionou a tomar uma atitude que nunca antes
em sua vida pensou ser possível.
Era tímida, naturalmente envergonhada e
contida. Não era explosiva como Alma ou
extrovertida como Eleonora, ou ainda segura de si e
decidida como Driana. Era tímida e insegura. Não
era uma sedutora.
Joan roçou de leve os lábios nos lábios
humanos. Foi um toque eletrizante. Seu primeiro
beijo. Seu único beijo em um macho fosse ele de
que espécie fosse. Seu primeiro fechar de olhos em
meio a um arrepio de paixão.
Era diferente de tudo que imaginou. O Duque
pousou uma das mãos em suas costas, possessivo,
cingindo seu corpo pequeno contra o seu, deitando-

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a sobre ele, umedecendo definitivamente suas


roupas com o toque do emplasto.
A outra mão de Rowell entrou entre seus
cabelos, na altura do queixo e segurou-a para um
beijo profundo. Ele não forçou o momento,
permitindo que a delicada flor em suas mãos
tomasse o que desejasse dele, mas quando a sentiu
rendida e apaixonada, assim como ele, aprofundou
o beijo, roubando-lhe uma resposta ardente.
O beijo durou muito tempo, quando o Duque
tentou afastar o rosto, ela o segurou com ambas as
mãos na face e aprofundou a língua em seus lábios,
correspondendo com a mesma paixão que o
humano, roçando o corpo no seu, completamente
esquecida sobre diferença de espécies e qualquer
outra besteira sobre se guardar para o cio, e não
desfrutar de um sentimento tão grandioso como
aquele, que envolvia corpo, alma e coração.

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— Joan... — Rowell afastou-a e seus lábios


cheios pelo beijo dos dois atraiu o olhar de Joan
como um imã. — Isso arde. Meu Deus, eu quero
beijá-la, mas isso está ardendo demais... —
Precisou avisar e ela afastou-se imediatamente.
— Como eu pude esquecer? Como sou
relapsa! — Joan ficou sem ação ao notar que o
deixara sofrendo em vão. — Eu sinto muito por
isso, não era minha intenção.
— Não peça desculpas por isso — Rowell
sorriu apesar da dor que começava a se espalhar por
todo seu corpo. — Foi a coisa mais bonita que me
aconteceu em anos.
Joan ficou parada de pé diante da cama,
olhando-o sem saber como se explicar.
— Eu tenho receio, Joan, de forçá-la a me
contar seus segredos. Por isso me calo. Você pode
fazer o mesmo? Se calar, e fingir que isso nunca
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aconteceu? — Perguntou preocupado com a


reputação da jovem e também com sua situação
quando a noite chegasse. — Eu não posso correr o
risco de deixar meus filhos desamparados.
— Eu sei disso — ela apressou-se a se
aproximar. — Somos amigos. Apenas amigos. Eu
entendo e não procuro mais do que isso. — Tentou
sorrir e até conseguiu.
Quando sorria o Duque exibia duas covinhas
nas bochechas, o que o desacreditava totalmente
em seriedade e severidade. Ele deveria sorrir mais,
pensou Joan.
Ela adoraria ficar ali e ser a causa de seus
sorrisos.
— Eu preciso passar em suas costas... —
Joan disse recuperando a compostura. Pigarreou
para clarear a voz, pois estava soando trêmula. —
Você consegue virar sozinho?
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— Sim — ele respondeu em um tom quase


irritado.
No fundo Joan sabia que essa raiva não era
por sua causa e sim da situação. Sentindo-se inútil,
o humano conseguiu ficar de lado, quase de costas
e ela puxou rapidamente a toalha cobrindo seu
traseiro, pois ela não estava preparada para lidar
com isso. A tentação era grotesca, principalmente
quando sentou-se atrás dele e começou a cobrir os
ferimentos com mãos firmes e suaves.
— Matilde está com mais raiva de mim agora
que soube que tenho sua permissão para cuidar de
seus ferimentos. Acho que se ela pudesse me
esganaria com as próprias mãos. — Confidenciou,
mudando de assunto.
Era melhor falar de amenidades do que
continuar em um silêncio tenso, que gritava as
intenções sensuais de ambos. Muitas vezes o

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silêncio é ainda mais poderoso do que a fala. Como


os silêncios dolorosos a cada nascimento de asas,
quando suas colegas de Ministério do Rei eram
levadas para a clausura definitiva e nenhuma fada
conseguia encontrar palavras para expressar o
medo e a angústia de saber que a qualquer
momento poderia ser a próxima.
Apreciando a mudança de assunto,
sobretudo, a chance de ocupar sua mente com
qualquer outro assunto que não lhe trouxesse
pensamentos eróticos proibidos a mente, Rowell
sorriu ao dizer:
— Você sabe quem é Matilde?
— Sim, a governanta do Forte Mac William
— Respondeu com sua ingenuidade de sempre.
O duque olhou-a por sobre o ombro, e disse:
— É por causa disso que Matilde a detesta.
Você é única, Joan.
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— Não, eu não sou — Joan disse


imediatamente, lembrando-se que existiam muitas
fadas além dela no mundo mágico. — Existem
muitas fêmeas como eu de onde eu vim.
— Eu me referi a sua personalidade — ele
achou por bem explicar que falava por metáfora e
não no sentido literal.
Joan ainda não estava acostumada com o
modo dos humanos de falar sem dizer. Um humano
floreava muito as palavras para dizer a mesma
coisa que ela dizia com poucas palavras.
— Entendo — Ela disse esfregando com
muito cuidado sobre suas costas, sobretudo na
altura dos ferimentos.
— Matilde não é apenas uma governanta.
Matilde é minha mãe. — Rowell contou o grande
segredo de Matilde.
— Isso não é possível! — Joan afastou-se do
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Duque imediatamente. — Oh, que judiação! Como


pode ser filho de Matilde?
Seu horror era verdadeiro. Rowell achou
tanta graça de seu jeito que correu os olhos por seu
rosto e colo, desejoso de beijá-la mais uma vez.
— É um segredo, não pode comentar pelos
corredores. Mas Matilde é minha mãe.
— Por isso que aceita o comportamento
dela... — Agora tudo fazia sentido, pensou Joan. —
Matilde chega a ser cruel às vezes, eu pensei que
fosse pelas costas do Duque. — Confidenciou em
voz baixa, íntima.
— Eu sei dos abusos de Matilde, mas o que
eu posso fazer? Ela é minha mãe. Eu não sei lidar
com ela. — Admitiu.
— Porque não? Se ela é sua mãe, deve haver
amor entre vocês dois! — Estranhou.

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— Sim, nós somos bastante íntimos. Mas eu


tenho receio de dizer não e causar outros problemas
para Matilde. — Disse pesaroso.
— Outros problemas? Como assim? —
Tornou a espalhar a mistura em seus músculos e
Rowell precisou avisá-la:
— Tem certeza que isso está direito, Joan?
Isso machuca — ele reclamou, sufocando gemidos
de dor.
Ela havia terminado por isso tocou seus
ombros e o puxou gentilmente para atrás,
recostando-o em seu peito e envolveu seus ombros
com os braços, acariciando os cabelos negros.
— Eu sinto muito, mas agora vai piorar. Vai
sofrer muito, Duque. Eu sinto muito por isso, mas é
necessário. — Desculpou-se com o coração
condoído por ele.
Rowell fechou os olhos, desfrutando do
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carinho e também tentando acalmar o padecer do


corpo. Era um guerreiro, provinha seu forte e lutava
por liberdade e prosperidade, não temia espadas ou
luta, e a dor da carne fazia parte de sua vida. Não
era novidade estar ferido. A grande novidade era
não conseguir se recuperar. O fim chega para todos,
mas Rowell gostaria de ter mais tempo em sua vida
para ver os filhos criados e ajudar a manter em
segurança o ducado que era de sua família há
décadas.
Fingindo que não sentia nada, Rowell
começou a falar, enquanto Joan tentava minimizar
seu sofrimento com afagos que eram tudo, menos
carinhos de amiga.
— Matilde tinha sua idade quando meu pai a
escolheu para ser a Duquesa Mac William — ele
disse com voz menos forte, mais cansada. — Não
houve empecilhos ao casamento, o Rei cobrava

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herdeiros do Duque há muito tempo. Meu pai era


um homem mais velho, Joan, ele não era mais um
menino. Ele precisava de herdeiros para sua terra.
Foi quando se apaixonou por Matilde.
— E ela? Apaixonou-se pelo duque? —
Perguntou para instigá-lo a contar mais.
— Creio que sim. Sempre vi muito amor
entre meus pais —olhou para cima, procurando seu
olhar e Joan lhe sorriu. — Sim, eu convivi com
Matilde em momentos pessoais como mais
ninguém conviveu. Eu sei multou bem o que se
esconde por baixo daquele cajado.
— Não me diga que provou do cajado de
Matilde! — Disse surpresa.
— Sim, quando adolescente após a morte do
meu pai eu provei muito do cajado de Matilde. —
Disse pensativo.
— Não é a melhor das experiências — ela
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concordou.
— Matilde lhe bateu? — Ele parecia não
acreditar nisso — Como ela pode ter tido coragem
de bater em alguém com sua aparência? — O
duque segurava entre os dedos um punhado de seu
cabelo longo e ruivo, parecendo surpreso com a
crueldade de sua própria mãe. — Às vezes eu não
entendo minha mãe.
— Mesmo assim não a questiona em seu
modo de agir — ela acusou sutilmente.
— Não, eu não questiono nenhuma das
decisões ou atitudes de Matilde. — Foi franco em
exibir sua fraqueza para com sua progenitora.
— E porque um humano tão justo e honesto
permite essas indulgências contra seu próprio
ducado? — Pressionou.
— O casamento nunca aconteceu, Joan. No
mesmo ano, meses antes da cerimônia, minha mãe
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passou mal. Ela teve um surto ou algo assim. Por


muitas semanas seu juízo não foi o mesmo. E essas
semanas se tornaram meses. Um ano mais tarde
meu pai não podia esperar que se recuperasse.
Quando o rei ordena, cabe aos seus súditos
obedecerem — ele engoliu em seco, tenso. — Eu
mesmo pedi permissão ao rei para casar-me com a
irmã de Howard. Não existe outro modo. A
desobediência ao Rei é paga com a morte.
— Então os dois não se casaram? — Sentiu
pena de Matilde.
Talvez a carta que vira ser escrita na calada
da noite fosse para seu amante sigiloso, o pai
falecido do Duque. Um lamento de sofrimento.
Apenada, ouviu atentamente a cada palavra dita por
Rowell.
— Meu pai se casou com uma boa moça,
mas nunca a amou. Pouco tempo depois Matilde

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recuperou-se do surto que se abateu em seu juízo e


eles se tornaram amantes. A Duquesa engravidou
no mesmo ano que Matilde engravidou de mim. —
Sorriu ao pensamento. — Isso é o mais profundo
dos segredos, Joan, você não pode contar isso para
ninguém. — Tornou a contar. — O filho da
Duquesa nasceu morto, e mantiveram esse
nascimento em segredo até que Matilde desse a luz.
Fizeram uma troca.
— Ela aceitou dar o seu filho? Pobre mulher
infeliz.
— Era meu direito de ser o primeiro
herdeiro. Eu nasci vivo, nada mais justo do que ter
meu lugar de herdeiro do ducado. — Rowell contou
como se isso fizesse sentido.
— Eu nunca vou entender sua raça — ela
disse séria.
Rowell apenas segurou sua mão e entrelaçou
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os dedos, continuando a contar:


— Depois anos mais tarde, a Duquesa
engravidou outra fez e nasceu Edward, meu irmão
mais novo. Ela morreu pouco tempo depois em um
acidente com seu cavalo preferido. Foi um tombo.
Uma morte trágica. Matilde e meu pai continuaram
amantes em segredo. Treze anos atrás meu pai se
foi e eu precisei tomar seu lugar. Era muito jovem,
o último em linhagem. Meu irmão estava em um
seminário. O Rei decretou meu casamento com
uma afiliada de um conde. Eu aceitei. Sophie e eu
nos casamos no inverno daquele mesmo ano, e ela
logo engravidou de Alice. — Um suspiro de pesar
pois fim ao seu relato e Joan perguntou baixinho
em seu ouvido:
— Você amava muito Sophie?
O modo como o Duque a olhou a fez duvidar
desta pergunta.

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— Aprendia a gostar dela com o tempo. E ela


de mim. A palavra amor é muito forte em tempos
de crise, Joan. Vivíamos bem, com harmonia e
afeição. Ela me deu lindos filhos e anos felizes.
Lamentei e ainda lamento sua morte prematura.
— Mas não a amava — ela completou triste
por ele.
— E você? Já amou alguém? Ou está me
cobrando isso por ser uma menina cheia de
fantasias sobre amor? — Rowell perguntou, mas
sua expressão de dor a desmotivou a responder.
Permaneceram em silêncio por alguns
instantes, enquanto ele tentava acostumar-se a dor.
Passado o ápice, Joan abanou-o levemente com
uma das mãos e ele reclamou sorrindo e por isso
ela parou:
— Você não me disse que mal foi esse que
tomou o juízo de Matilde e a fez perder a chance de
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ser a duquesa Mac William.


— Hum, eu preciso de um pouco de água —
ele pediu angustiado com sua situação.
Joan apressou-se a ajeitá-lo contra os
travesseiros e preparar um copo com água fresca,
esperando sua resposta:
— Naquele ano, Matilde jurou a todos que
havia visto um ser de outro mundo bem dentro do
Forte, na torre mais alta. Que trocaram palavras e
descreveu com perfeição como era esse ser. Isso
assustou a todos. Ela demorou muito tempo para
entender que o que vira era fruto de sua mente
doente e não da realidade.
— E o que foi que Matilde viu para causar
tanta confusão? — perguntou distraída preparando
a água de costas para o Duque.
— Uma fada.

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Capítulo 10 — Aos meus discípulos

Sua mão tremulou e por um acaso que Joan


não derrubou o copo com água. Foi bom estar de
costas assim Rowell não viu sua expressão de
choque.
Alegar ver uma fada era o bastante para
alguém ser considerado louco entre os humanos? O
suficiente para perder a chance de se casar com seu
grande amor e viver uma vida de mentira?
Era por isso que Matilde era tão amargurada?
Joan subestimara até onde ia à ignorância dos
humanos sobre o mundo mágico. Vinha ignorando
a impossibilidade de conciliar esses dois mundos.
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Sufocando esses pensamentos e as perguntas que


lhe vinham à ponta da língua, e eram muitas
perguntas, Joan levou o copo com água fresca e
ajudou-o a beber.
Toda a pele do corpo masculino ardia em
febre e avermelhava completamente. Minutos mais
tarde, ardendo em dor e delírios, o Duque agarrou
sua mão com força, a mesma que acariciava seus
cabelos escuros na ansiedade de consolá-lo. Com
olhos injetados de dor, ele perguntou entredentes:
— Isso é bruxaria, não é?
— Não. — Ela respondeu rapidamente, para
acalmá-lo em seus medos humanos. — Não sou
uma bruxa. Um dia, Duque, eu lhe contarei o que
sou. Agora feche os olhos. Você precisa dormir um
pouco.
Sabia como era. A exaustão o faria
adormecer por muitas e muitas horas. E quando
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acordasse, se sentiria menos pesado, menos tenso,


menos tudo. Um passo para o começo da cura e se
Joan não estava errada, seu ferimento tinha cura.
Era questão de tempo, paciência e um tratamento
mágico adequado.
Duas horas mais tarde, preso em um sono
pesado, o Duque não viu sua serva andar até a
janela e abri-la em sua totalidade, revelando a
passagem para a varanda. O quarto do Duque Mac
William ficava em uma das torres mais altas do
castelo, e não poderia ser diferente. Mesmo no
castelo de Rei Isac, no Monte das Fadas, o rei
sempre escolhia para si o quarto mais alto.
Em algumas coisas os humanos e os elfos
eram muito parecidos.
Angustiada com o que ouvira a cerca de
Matilde, Joan decidiu por manter-se em alerta e
tentar se conter para não se revelar em sua essência

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mágica. Os humanos não estavam prontos para uma


verdade dessas.
Distraída, observou o movimento ao longo
do forte. As pessoas indo e vindo, vivendo suas
vidas inocente diante das maravilhas que havia em
um mundo tão próximo. Tantas maravilhas ao
alcance das mãos. Bênçãos como a cura através de
plantas poderosas e de dons divinos, como o dom
que Eleonora um dia seria agraciada, isso, se não
houvesse ocorrido o padecimento das asas nesse
tempo de afastamento.
Controlar o tempo, quem não queria esse
dom? Trazer chuva quando houvesse seca. Ter
trégua quando as chuvas fossem demais. Ter asas,
pensou Joan, para ir e vir rapidamente?
Perdida em seus pensamentos, Joan ouviu a
porta do quarto abrir-se e espiou pela fresta entre a
porta e um vão da cortina. Viu quando Matilde

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entrou, olhou em volta e ao não avistar ninguém,


aproximou-se da cama e fez um carinho carregado
de emoção no Duque.
Era uma mãe afetuosa. Ela escondia algo
muito emotivo dentro de si. Apenada, Joan ficou
quieta em seu canto, para não atrapalhar esse
momento. Minutos mais tarde, Matilde percebeu
que ela estava ali. Joan encolheu-se na varanda,
observando-a abrir a cortina e olhar com mordaz
ódio em sua direção.
— Você ainda vê fadas? — Perguntou antes
que pudesse conter a pergunta.
O modo estático de Matilde foi torridamente
angustiante. Ela tomou sua pergunta como uma
piada. Logo Joan que queria ter alguém para
conversar sobre sua condição. Talvez uma amiga
que a compreendesse.
Matilde soltou a cortina e voltou para junto
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do Duque. Quando Joan saiu da varanda, a mulher


não lhe dignou olhar algum. Era uma pena, pensou
Joan. Elas poderiam ser boas amigas.
Tinham algo em comum. O desejo do bem
estar de Rowell era um desses pontos semelhantes.
Com um olhar de apatia por apartar-se do
cuidado para com o Duque, Joan saiu
silenciosamente do quarto.
*****
Tobias estava encurralado. Ele entendia isso.
Não era apenas uma desconfiança, ele estava
realmente encurralado no lado oposto das pedras.
Na região que nunca antes fora seguro estar sem a
companhia de um Guardião. Mesmo Egan evitava
aqueles lados.
Amplamente arrependido de nunca ter
questionado seu irmão das razões para tanto zelo
em relação às cavernas do lado baixo das pedras.
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Cavernas fundas e estreitas, nas pedras escuras e


úmidas, em um canto totalmente sem iluminação,
onde o sol jamais encostava seus raios de luz.
Tobias torcia para que o chuvisqueiro
passasse, e torcia também que o que estivesse
espreitando-o logo se cansasse. Estava escondido
naquele buraco há quase um dia inteiro. Estava com
fome, sede, sua temperatura corporal caindo
absurdamente. O que lhe dera na cabeça para fugir
levando consigo apenas um punhal?
Era nessas horas que uma criatura se
pergunta de que vale nascer elfo quando não nasce
com dom da luta e inclinações a selvageria. Ele
gostava da ser livre, de correr o mundo conhecendo
e usufruindo da vida, sem se preocupar com
dominar e possuir.
Era um bandoleiro, um arruaceiro, procurava
por aventuras e prazeres espúrios. Não procurava

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por seriedade!
Ouviu um sussurrar, um ganido que parecia
uma conversa. Isso o apavorava cada vez mais. Ele
ouvia esses sussurros e sabia que era uma conversa,
apenas não reconhecia a língua. Algo antigo,
desconhecido para um elfo sem responsabilidades
como ele!
Se fosse Egan em seu lugar, estaria lutando e
vencendo seu oponente com maestria. E
sinceramente, sobrava hombridade e humildade em
Tobias para admitir que ele adoraria estar sob a
proteção de Egan quando isso acontecesse, e não ali
sozinho.
Ouviu os sussurros a cada instante mais perto
e levantou. Estava encolhido entre as pedras e
achou por bem ter espaço para correr. Andou em
direção a uma das cavernas e encolheu-se pela
passagem, adentrando o escorregadio e perigoso

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labirinto de rochas. Ouviu o barulho de água,


imaginando que houvesse um córrego ou nascente
por aqueles lados.
Um bom esconderijo para quem estava
sedento. Com uma tocha de chamas na mão,
iluminando pouco do caminho Tobias avançou pelo
território, sem notar que nas paredes era seguido de
perto por uma criatura que rastejava na rocha
enquanto outra seguia pelo teto da caverna,
seguindo-o com a mesma intenção.
Os sons cessaram em determinado momento,
e Tobias convenceu-se que estava a salvo,
provavelmente havia despistado a criatura que o
espreitava.
Na beira de um pequeno lago natural
formado entre as rochas, Tobias agachou-se para
beber uma porção da água límpida. Era um alívio
para se corpo exaurido. Como vinha acontecendo

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muito nos últimos dias o pensamento insano de


como estaria Eleonora e as meninas vinha perturbá-
lo.
Confiava plenamente que Driana estaria bem.
Esperta como era dificilmente alguém conseguira
colocar as mãos sobre ela. Ficaria bem, mesmo que
sozinha e assustada. Alma, por sua vez,
representava um perigo eminente, mas ele não
sabia exatamente para quem. Se para ela mesma ou
para quem a perseguisse e ainda, se não
representava perigo para as pessoais inocentes que
cruzassem seu caminho. Joan... A culpa o corroia
só de pensar que deixara um passarinho frágil, fora
de seu ninho, à espreita de seus predadores.
Tobias jogou água gelada na nuca e na face,
tentando aliviar a tensão, pois pensar nelas não
ajudava em nada.
Distraído, não percebeu o bote sendo armado

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até ser jogado na água. Não era o bastante para um


afogamento, mas em instantes ele estava
imobilizado por uma longa cauda e garras enormes
que calavam seu protesto. De olhos arregalados,
completamente imobilizado pela criatura Tobias
fitou a outra criatura que saltava da parede, até
então escondida pela sua semelhança física com o
local, e começava a andar em sua direção.
Já era boa coisa que andasse em duas patas,
pensou cínico. Sem condição de falar ou lutar, ele
mal acreditou quando a fêmea de lagarto revelou-se
aos seus olhos.
Um segundo de júbilo, por ser provavelmente
o único elfo em séculos a ver uma fêmea dessa
espécie de perto, e então Tobias foi socado na parte
de trás da cabeça pela criatura que o mantinha
imóvel e desmaiou.
A fêmea que o mantinha imóvel soltou-o e

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arrastou-o para a margem das pedras. Aralou era


seu nome e ela sequer arfava, pois o esforço físico
não a desgastara em nada.
— Está feito, Helana. Devo levá-lo comigo?
— Perguntou satisfeita com o feito das duas.
— Sim, leve-o diretamente para seus
aposentos. Não conte para as outras ainda. Não o
demarque com seu cheiro, Aralou, ou ele perderá a
serventia — avisou séria.
Sorrindo, a fêmea de lagarto concordou e
arrastou o elfo consigo, até erguê-lo com facilidade
e jogá-lo sobre o ombro, levando-o embora
consigo.
Aliviada de ter obtido êxito, Helana respirou
fundo e retomou a saída da caverna. Tolo elfo,
esconder-se e uma caverna de lagartos. Era uma
estupidez digna de um ser de pouca inteligência e
serventia.
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Apesar das ordens a ser dadas e autorizações


que a aguardavam, Helana pôs-se a correr para fora
do abismo, pois antes, precisava ir a um lugar e ver
uma pessoa.
A saudade a corroia por dentro e era hora e
ver aquele que possuía seu coração e sua eterna
devoção.
*****
No final do dia, quando anoitecia, Joan
voltou ao quarto do Duque com seu jantar com
Alice e Tommy em seu encalço. A menina era
inteligente, mas também sabia ser desagradável e
chata, e Joan suspeitava que se não fosse contida a
tempo, tornar-se-ia outra Matilde no futuro.
Tommy brincava com seu irmão, que corria bem
mais a frente, independente, como poucas crianças
de sua idade poderiam ser.
Nem um pouco preocupada com o fato de
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Liara delicadamente colocar o menino ao seu lado


o dia todo, livrando-se do fardo que Marmom
representava, Joan estava bastante contente em ter
momentos a sós com o menino.
— Não, Marmom — ela disse autoritária,
fazendo-o parar e esperar por eles.
Alice abriu a porta e espiou.
— Meu pai ainda está dormindo — ela disse
em aviso, como quem reclama sobre acordá-lo.
— Não por muito tempo — Joan sussurrou
ao ver Marmom e Tommy correrem para a cama do
Duque.
O cheiro forte da mistura usada para medicar
Rowell havia desaparecido e o tom da pele humana
estava normalizado. Sorrindo, Joan confirmou que
ele não estava com febre ou desacordado por um
desmaio e sim preso em um sono profundo.

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Tommy despertou o pai com suas


brincadeiras e um pouco confuso, Rowell olhou em
torno, procurando seu anjo de cabelos ruivos que
permeava sua mente e seus sonhos.
Encontrou-a usando um lenço nos cabelos,
escondendo-os arrumando o alimento em um prato,
para servi-lo.
— Como se sente, Duque? — Ela perguntou
de costas, servindo água.
— Estranho — ele respondeu com
sinceridade.
— Isso é bom — disse sorrindo-lhe enquanto
levava a bandeja até a cama.
— E desde quando algo estranho pode ser
bom? — Ele duvidou.
— Sente dor, desconforto ou qualquer outro
malefício? — Como ele negou Joan sorriu ainda

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mais. — Então, convenha, 'estranho' nesse caso é


muito bom.
Era uma lógica simples e inquestionável.
Ainda confuso do sono e pesado do efeito do
medicamento, Rowell comeu e bebeu sem
conversar. O que era bom, pois Joan gostava de
apenas observá-lo.
— Hector tem caprichado na comida — ele
comentou quando terminou. — Eu notei a mudança
no tempero.
— Acho que é o seu apetite, papai, pois
Hector está ocupado com a chegada das visitas e
mal tem tempo para cuidar da alimentação do
castelo — Alice disse, em um resmungo deitando
com a cabeça apoiada no peito de seu pai, querendo
e precisando de sua atenção.
— Talvez seja isso — ele respondeu
observando a filha com olhos curiosos. — Tem
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pensado em seu casamento, Alice?


Joan imediatamente olhou para a menina
esperando que não houvesse uma discussão de
tremer as paredes, pois a menina não era muito
receptiva a esse assunto.
— Eu não quero me casar — ela disse com
calma, mas algo fervia em seu olhar.
— E eu não quero que você case — ele
alegou como quem pede desculpas — quem sabe se
a mágica de Joan der certo, eu possa cuidar do
forte, e isso não seja mais necessário? — Ele
brincou para ver a filha sorrir.
— Isso é mesmo possível? — Alice
perguntou sentando-se e olhando para Joan.
— Não pergunte a mim. Joan fala de mágica
com maior credulidade do que eu. — Era sem
dúvidas uma brincadeira e Joan sorriu.

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— Em uma semana eu coloco seu pai de pé,


Alice — disse com certeza inabalável. Conhecia o
poder das folhas mágicas e acreditava totalmente
em seu conhecimento. — Você gostaria de fazer
uma aposta comigo?
— Apostar com você? — A menina
hostilizou. — E o que você quer apostar?
— Não seja assim, Alice, ousa a proposta de
Joan — Rowell tentou impor disciplina, mas o
modo esnobe da filha quase o desmotivou.
— Se o seu pai estiver de pé em uma semana
exata, você se livrará de um casamento prematuro.
Estou certa?
— Eu quero meu pai bem. É só o que me
importa! — Alice reclamou, pois o modo como
Joan falava fazia parecer uma megera.
— Pois sim, isso também — Joan não
hesitou em brincar com os brios da menina. — Se
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eu cumprir minha parte e obtiver êxito eu venço a


aposta e quero algo em troca. Dois favores seus.
— Favores para uma serva? — Alice
rechaçou a proposta.
— Dois favores muito simples. — Joan
sorriu para a menina, aproximando-se da cama,
para olhar em seus olhos. Olhos parecidos com os
do duque. Olhar para Alice era ver Rowell em suas
feições. Não conhecia a face de Sophie, a duquesa,
mas pela semelhança entre pai e filha, supunha que
Alice não puxara a mãe em aparência.
— Pois diga o que quer. — A menina disse
com empáfia.
— Primeiro, quero que me ajude a conviver
com Matilde. Ela me odeia profundamente, mas a
ama incondicionalmente. Fale bem de mim para
ela. Ajude-me a conquistar o coração turrão de
Matilde. — Pediu com simplicidade.
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— E porque você quer isso? — Alice


desconfiou.
— Porque eu não gosto de apanhar de
cajado? — Retrucou e a menina perdeu a vontade
de argumentar. — E o meu segundo pedido é...
Bem, eu preciso aprender a conviver em meio aos...
— Iria dizer 'humanos', mas se conteve — a
conviver no forte. Sou muito despreparada para o
convívio em sua sociedade. Preciso que me oriente
e ajude sobre isso. Molly ia me ajudar, mas a pobre
está presa no meu antigo ofício de limpar os
corredores e não tem tempo para me ajudar.
— Eu não sei se quero que você fique aqui
tempo o bastante para aprender a conviver conosco
— Alice ofendeu.
— E porque não? — Joan insistiu.
— Porque eu não gosto de você. — Alice foi
direto na jugular.
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— Bem, se eu ganhasse uma moeda de ouro


cada vez que ouço isso na minha vida, estaria mais
rica que o seu rei. — Ela desdenhou sorrindo. —
Acredite, você não é a primeira a me desprezar. E
novamente, eu não fiz nada para merecer isso.
Ser uma fadinha adoentada o tempo todo não
alimentou boas amizades. As outras fadas do
Ministério do Rei a invejavam pela atenção que
recebia das carcereiras e até mesmo de Reina,
sempre lhe trazendo presentes para amenizar seu
sofrimento.
Alice era orgulhosa demais para dar o braço
a torcer. Olhou para o pai e então parta Tommy seu
irmão menor. Se ela casasse, ainda assim não seria
garantia de segurança para seu irmãozinho. Se o
ducado fosse tomado, além de assassinarem o
Duque, matariam seu irmão, o próximo na linha de
sucessão.

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— Eu espero que meu esforço não seja em


vão — Alice ridicularizou e Joan sorriu entendeu
que era seu jeito de dizer que sim.
Estava prestes a dizer que apreciava sua
escolha acertada, quando as pequenas mãozinhas de
Marmom vieram arranhar suas canelas por baixe do
vestido. O menino nutria esse estranho fascínio em
entrar sob as saídas e arranhar as canecas de todas
as fêmeas do castelo.
Se o pequeno filhote de homem lagarto fosse
mesmo viver entre os humanos, precisaria aprender
a controlar esse hábito ou arrumaria muita confusão
por onde andasse. Sorrindo para ele, abaixou-se e o
pegou no colo.
Marmom estava ansioso outra vez, e ela o
balançou, carregando-o com dificuldade, por causa
de seu peso. Levou-o para a varanda e soltou-o lá.
Para os humanos soaria como 'largar' um bebê na

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varanda e fechar as cortinas. Abandono puro e


simples, mas para a raça de Marmom era apenas
uma ajuda muito bem vinda.
O menino precisava afiar as garras que em
breve nasceriam absolutas. Ele arranharia as pedras
das paredes da varanda e cheiraria tudo que
conseguisse. Ele ainda não dominava a arte de subir
pelas paredes, então não havia riscos de se
machucar.
— Você não pode deixar Marmom lá fora
sozinho — Rowell disse com um resquício de
aversão na face, olhando com preocupação para a
varanda.
O súbito som de algo sendo arranhado
chegou aos ouvidos de todos e Joan disse com
simplicidade:
— Quando você tem fome, você deve comer.
Quando tem sede, precisa beber água. Quando quer
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morder... Deve morder. E quando quer arranhar,


deve arrumar algo para arranhar. — Ela disse com
simplicidade. — Não importa quem você é.
— Ou o que você é. — Foi Alice quem
completou com um sussurro quase inaudível.
— Marmom é adorável. — Joan disse com
um suspiro e olhou para Tommy impaciente para
sair e brincar. — E quando alguém quer brincar lá
fora... Deve brincar lá fora.
Alice achou graça de seu comentário, mas
não admitiria. Levantou da cama e puxou o irmão
menor pela mão.
Olhou para a varanda, mas faltou coragem de
chamar Marmom. Sozinhos no quarto, Rowell
observou-a com interesse:
— De onde vem essa sabedoria toda? É
muito jovem ainda, Joan, não pode ser tão madura
assim.
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— Eu não sou uma menina. Tenho vinte


anos. Já passei pelo amadurecimento e o
padecimento das... — Travou ao notar o quanto
revelava sobre si mesma. Corou e respondeu. — De
onde venho estou no ponto para casar e procriar.
— O que me leva a duvidar da sua razão em
estar aqui e me ajudar. — Ele disse com algo no
rosto que a fez sorrir. — Eu sei que muitas jovens
na vila creem que podem ter sua chance de ser
duquesa conquistando o coração de um Duque
viúvo e disponível. Mas isso não vai acontecer.
Não aconteceria antes, sobretudo, agora. Eu me
comprometi em casamento e não voltarei atrás da
minha decisão. — Foi sério nessa hora.
— Eu sei disso, tem repetido isso demais,
Duque. Não é para mim que deve dizer. Eu seria a
última das fêmeas a desejar um casamento com um
humano como você. Eu não posso me comprometer

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com sua gente. Eu vou embora, estou de passagem.


Mas admito, eu gosto de estar aqui — aproximou-
se da cama. — Eu gosto muito de estar aqui. Quase
me esqueço da minha vida e das minhas razões.
— Eu nunca fui um homem capaz de aceitar
e acreditar na honestidade de alguém sem obter
todas as respostas para as minhas dúvidas, Joan —
ele alegou estendendo uma das mãos em sua
direção. O que ela aceitou de bom grado. — Mas
você é terna, doce e gosto de olhar para você. Tem
carinho e cuidado com meus filhos, ainda mais
Marmom. Eu olho para seu rosto e... — Pareceu
confuso com o que deveria dizer e o que não
deveria. — Tenho vontade de beijá-la.
Joan não pode deixar de corar e sorrir. Ser
correspondida em um sentimento era a melhor
sensação do mundo.
— Eu vou embora em breve, não sou uma

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ameaça a sua promessa de casamento. E eu não me


importaria... Com alguns beijos. — Disse suave.
— Não posso me aproveitar de uma serva
sob o teto de Mac William — ele foi sincero,
acariciando seu rosto com uma das mãos.
Joan pousou uma das mãos em seu peito,
onde o coração do duque batia acelerado.
Havia umidade nos olhos claros da fada, pois
ela sentia paixão, ternura e muita vontade de
permanecer ao seu lado naquele instante. Os
arranhões de Marmom cessaram na varanda e um
ganido os interrompeu.
O Duque a soltou e olhou horrorizado para a
varanda, como quem tenciona levantar-se e acudir
o filho.
Pelo barulho assustador, Joan poderia
facilmente supor que uma azarada ave qualquer
havia pousado no parapeito da varanda. Sua
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expressão era muito óbvia, o Duque imaginava o


mesmo.
— O que o meu filho é? — Rowell
perguntou baixo, assustado, preocupado.
— Ele não é seu filho, Rowell — ela
sussurrou de volta, muito baixinho. — Mas se você
o ama isso não faz diferença não é?
— Sophie não me trairia. — Ele rejeitou essa
afirmação.
— Não. Marmom não pode ser filho de
qualquer ser sob seu teto. Ele é legítimo em sua
raça, não é um mestiço, como pensei a princípio.
Quanto mais convivo com ele, mais convencida
disso eu fico. Ele não nasceu de Sophie. — Alegou
triste. — Um dia, antes de ir embora, eu lhe
contarei tudo sobre Marmom. Mas não hoje.
Precisa repor suas forças, pois amanhã bem cedo
preciso tratá-lo mais uma vez.
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— Se o que diz for verdade... Onde está o


meu filho? Naquela noite Sophie deu a luz. Eu ouvi
o choro. Joan — ele agarrou sua mão e em seus
olhos havia dor — eu não posso acreditar que
levaram uma criança desse forte sem que ninguém
tenha notado.
— Talvez nada disso tenha acontecido — ela
disse triste por ele. — Você precisa sair dessa cama
para ter suas respostas. Eu acho... Que sua esposa
não deu a luz naquela noite. Mas isso eu não posso
provar. Mas quando você levantar dessa cama irei
lhe mostrar tudo sobre Marmom. Na floresta — ela
disse sorrindo — eu os levarei na floresta além do
rio que faz divisa com o vilarejo. — Curvando-se
na cama, Joan sussurrou — eu lhe mostrarei um
mundo, Rowell, um mundo que jamais poderá
esquecer. Que jamais supôs existir — era uma
promessa.

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Ela queria cumprir essa promessa. Não


importava o preço a pagar.
— E é desse modo que você espera que eu
me contenha e não a beije? — Rowell perguntou
com um olhar apaixonado que não poderia ser
ignorado.
Joan mordeu o lábio, indecisa. Poderia se
afastar e ganhar distância ou deixar que o beijo
acontecesse.
— Eu nunca pedi que não me beijasse. Eu
disse que partirei em breve. Foi o que eu disse —
ela tentou não sorrir.
Tentou em vão. O modo como Rowell a
olhava derretia seus sentidos. Ela perdia o rumo.
Fechou os olhos, arrepiada quando Rowell colocou
uma das mãos por seu rosto e entrou com os dedos
em sua nuca, acariciando seus cabelos e uma área
sensível do pescoço antes de puxá-la gentilmente
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para si, roçando os lábios nos seus.


Joan lutou contra o impulso de agarrar-se no
pescoço do Duque e beijá-lo com todo o calor que
se avolumava em seu coração. Talvez fosse culpa
do cio, mas era estranho, pois humanos não
poderiam lhe despertar os instintos.
Rowell entreabriu os lábios contra os seus e
Joan fez o mesmo, recebendo o toque de sua língua
na sua, com um gemido de antecipação e prazer.
Ambas as mãos no peito nu, correndo-as em
carícias provocantes, sem saber que esse beijo era
tudo, menos um simples beijo entre amigos
compromissados com suas próprias vidas.
O beijo não foi quebrado, foi arrancado dos
dois, quando algo pulou na cama e os assustou.
— Marmom! — Joan agarrou o menino para
que não se jogasse sobre Rowell que convalescia.
— Não, não, querido, não faça isso! — Ela
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começou a rir enquanto levava o menino no colo,


para longe da cama. — Não é a toa que Liara tem
fugido de Marmom! — Ela contou ao Duque. —
Ele tem muita energia! Precisa gastar essa força
toda ou vai me enlouquecer como faz com Liara!
— Joan — Rowell chamou quando ela
chegou à porta do quarto, levando o menino em seu
colo, desejando dar um jeito para que o pequeno
Marmom não incomodasse o duque.
— Sim? — Perguntou corada, ainda sem ar
do beijo que não foi total, mas foi suficiente para
acelerar seu coração e deixar seus joelhos bambos.
— Você me faz muito bem.
Essa era a típica declaração que faz uma
fêmea se derreter de amor, pensou, contendo a
vontade de voltar para a cama e mostrar-lhe que
sentia o mesmo.
Porta fechada, coração acelerado, ela colocou
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Marmom no chão e o segurou antes que corresse


demais.
— Espere — agachou-se e ficou na altura do
menino. — Fale comigo, eu sei que você entende
nosso dialeto. Diga seu nome e o nome de sua
família.
O menino tentou fugir e não queria
responder.
— Diga, Marmom — ela exigiu, com voz
forte, como Alma fazia no Ministério do Rei
quando queria obter uma resposta. — Estou
ordenando que diga seu nome e o nome de seus
familiares.
O menino continuou fugindo, mas ela não
deixou que escapasse. Pelo canto do olho notou que
Matilde a espreitava no fundo do corredor, mas não
interferia.
— Marmom — ele respondeu de má vontade
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tentando arranhá-la no rosto.


Joan segurou sua mão a tempo de impedir
isso, mas um arranhão superficial ficou em sua
bochecha.
— Nunca mais, Marmom, está me ouvindo,
nunca mais ouse atacar um humano desse castelo!
Seu nome, repita em voz alta!
— Marmom — ele disse com sua voz infantil
e rachada, como um guincho de animal.
— O nome do seu pai?
— Rowell — ele reclamou.
— Seus irmãos?
— Tommy. Alice. — Marmom ainda não
conseguia dizer 'Alice' com perfeição.
O menino estava profundamente magoado
em ser pressionado e Joan o segurou, fazendo-o
olhar para ela.
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— Eu quero que comece a falar mais. E


agora me de um abraço, para que não haja mágoas
entre nós dois. — pediu e de má vontade o menino
a abraçou.
Sorrindo, Joan levantou com ele empoleirado
em seu colo e disse:
— Agora, querido Marmom, eu vou levá-lo
para morder as canelas de Liara. O que acha? —
Brincando com o menino o fez esquecer-se da
mágoa infantil pela reprimida.
Ele precisava começar a falar e ser
domesticado para a vida entre os humanos ou em
breve seria caçado e morto.
Passou por Matilde que não ousou dizer
nada. Fez um aceno e seguiu seu caminho
ignorando Matilde.

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Capítulo 11 — Pela fresta da porta

Era em momentos de calmaria que a mente


avançava por territórios perigosos. Deitada em sua
cama, no dormitório das empregadas, Joan estava
de lado fitando na escuridão quase total o rosto
adormecido de Molly na cama ao lado.
A jovem dormia e roncava que dava gosto de
olhar. Liara em uma cama próxima mantinha a luz
do candelabro acessa, pois escrevia uma carta, na
sua única hora de folga do dia.
As outras moças dormiam calmamente, em
paz, como os justos merecem dormir. Quem sabe,
por isso, Joan não conseguisse conciliar o sono?

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Por não ser justa? Era uma mentirosa. E os


mentirosos merecem o desassossego da alma?
Suspirando melancólica lembrou-se das palavras de
Rowell sobre Matilde e seu passado. A humana
havia perdido a chance de ser alguém na vida e
viver um amor às claras por conta de uma verdade
dita. Ver uma fada e falar sobre isso era razão
suficiente para ser considerado louco entre os
humanos. Isso era assustador demais. Inquietante
saber até onde ia a ignorância humana.
Uma raça tão bonita, capaz de construir
muralhas e vidas inteiras mesmo sem o uso de
magia e dons. Capaz de belos feitos sem suspeitar
das facilidades que o mundo mágico poderia
oferecer.
Uma pena viverem uma vida de incertezas,
vidas vazias e sem objetivos, sem saber de toda a
beleza que havia no mundo.

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Suprimindo o pensamento sobre sua situação


e a saudade, Joan lembrou-se que no mundo
mágico apesar das facilidades de convívio trazidas
por poderes maravilhosos e asas de fadas, vivia as
constantes lutas, entre Caçadores de Fadas e
Recompensas.
Os reis e rainhas injustos que mantinham
orfanatos em situação precária e alimentavam o
sofrimento de pobres crianças inocentes.
Joan tentou pensar apenas nas coisas boas.
Nas alegrias. Abrir suas asas e alçar voo havia sido
uma felicidade inexplicável com palavras. Porém
fugir de uma Caçadora de Fadas, uma Guardiã, não
ajudava em nada a alimentar bons pensamentos
sobre sua existência de fada.
Fechou os olhos agoniada ao pensar em Zoé.
O que ela sabia sobre a Guardiã? Quase nada.
Apenas boatos que não poderiam ser provados. Era
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uma fêmea e não um macho, como de costume.


Supostamente, nascida de um pai Guardião, que
tivera apenas fêmeas e não crias masculinas. Sua
mãe era desconhecida, mas esse tipo de informação
normalmente não interessava no Monte das Fadas,
pois imperava o machismo.
Era uma fêmea maravilhosa. Deveria ter por
volta de trinta anos, alta e esguia, possuía traços
genuinamente étnicos, a pele escura, marrom como
calda de chocolate. Cabelos longos sempre
trançados ou presos no alto da cabeça por tiras de
couro, o que definitivamente favorecia seu rosto
anguloso, orgulhoso e altivo. Olhos escuros, boca
farta. Na testa, Zoé carregava tatuagens feitas com
símbolos de seu povo, de sua etnia. Nas orelhas
furadas brincos argolas feitas em madeira.
Sua vestimenta era sempre masculina, calças
de couro e túnica. Com exceção de quando caçava,

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pensou Joan.
Fazendo uso de sua armadura Zoé era
praticamente invencível. Possuía asas, dom e
armadura. E Joan estava muito ferrada.
Angustiada moveu-se na cama, fitando o teto
de pedra. Zoé a encontrara e agora era questão de
tempo para aprisioná-la. Estar entre os humanos
impunha-lhe alguma vantagem.
Mas era uma frágil vantagem. Não poderia
permanecer escondida para sempre. Não concebia
uma vida toda afastada de suas amigas. Por maior
que fosse seu deslumbramento com os humanos,
ela não queria e não aceitava uma vida longe de
suas amigas, suas irmãs de coração.
Fechando os olhos, Joan tentou afastar a
lembrança dos dois beijos trocados com o Duque.
Ele era bonito, gentil e sabia como tocar uma
fêmea. E ela estava encantada com sua presença em
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sua vida. Era um sopro de alegria.


Mas poderia não ser real. Se estivesse ali,
Driana a alertaria sobre o risco de trocar seu
coração e o cio por nada além de companheirismo e
necessidade de ser amada.
Seus suspiros de desconsolo atraíram o olhar
curioso de Liara que parou de escrever para olhar
para Joan, mas ela não notou. Sonolenta manteve
os olhos fechados até conseguir entrar em um sono
superficial e carregado de angustias.
Em seu sono ela via o Reino de Isac pelos
olhos de Eleonora, que de pé sobre a murada da
mais alta das torres do castelo apontava para as
florestas e os montes que viam a distância. Ela
falava sem parar sobre seus sonhos e sobre
percorrer toda aquela imensidão com suas asas.
O vento despenteava seus cabelos loiros
clarinhos, quase brancos, e ameaçava derrubá-la.
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Mas Eleonora não sentia medo algum. Em um


canto qualquer Driana observava o falatório da
amiga com um sorriso resignado na face de quem
sabe que jamais cumprirá tantas metas e sonhos.
Na ocasião Joan ainda padecia de um forte
resfriado e estava abrigada em uma quentinha
manta em torno de seus ombros, enquanto Alma se
calava depois de repreendê-la por ter seguido-as
até ali.
Joan ignorou sua amiga rabugenta e curvou-
se na murada, olhando para baixo.
— Aquele ali é Egan? —Perguntou atraindo
a atenção imediata de Eleonora.
Ela saltou da murada e curvou-se também,
protegendo os olhos do sol com a palma da mão.
— Sim, é Egan. Ele está treinando alguns
jovens para a segurança do castelo. — Eleonora
disse empolgada de ver Egan. — Faz muito tempo
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que não o vejo. Por onde será que ele andou?


— Eu não sei. Tobias não lhe disse nada
sobre ele? — Perguntou Joan de volta.
— Tobias contou que Egan tem ajudado nas
negociações com o líder dos duendes. Parece que
as coisas andam feias entre elfos e duendes. —
Disse Eleonora, sem afastar os olhos da imagem
que lutava lá embaixo.
— Não me admira — dissera Driana
eloquente até demais. — As relações diplomáticas
entre as criaturas mágicas e os elfos sempre foram
delicadas. Rei Isac, apesar de seus erros, tem
mantido a ordem há muito tempo e à custa de
muitas regalias para os duendes. E agora,
justamente quando estão inquietos e desejosos de
uma maior participação nas decisões do reino,
Lucius resolve cortar essas regalias? Impor novos
impostos sobre o ouro escavado pelos duendes?

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Não bastasse isso, ainda deseja redefinir o


mapeamento do Reino das Fadas e até onde pude
apurar, para Lucius o território dos duendes seria
muito melhor aproveitado se pertencesse ao reino.
— como suas amigas prestavam atenção a ela, mas
sem grande entusiasmo, Driana revirou os olhos
antes de dizer — Resumindo: Lucius tem
provocado os duendes e isso não vai acabar bem.
As três permaneceram olhando-a como quem
questiona a importância das informações. Então,
tornaram a falar dos assuntos tolos de Guardiões,
músculos e lutas.
— Olhe! — Foi Eleonora quem apontou. —
O treinamento de Egan acabou! — Ela sorria ao
olhar para elas. — Ele sempre se banha antes de
voltar para seus afazeres!
Não foi necessário um segundo convite.
Egan era a grande paixão da vida de
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Eleonora, e ela tinha um hábito nada discreto de


espiar o Guardião banhando-se no alojamento
público dos treinadores antes de seguir com seus
trabalhos diários.
Ele não ficava nu, pois era um local público,
mas ver a água límpida correr pelos músculos
definidos e suados do treinamento era sempre uma
diversão para Eleonora!
Menos ágil, Joan correu atrás das amigas e
as alcançou com atraso. Ao sentir a terra árida nos
pés descalços, Joan olhou em volta, pois perdera
as amigas de vista. Procurou por elas um instante e
quase foi atropelada por um grupo de jovens
treinados que corria para o campo de treinamento,
pois estavam atrasados e sua treinadora não
aceitava indisciplina.
Rodopiando em torno de si mesma, Joan
esforçou-se para ficar de pé, mas acabou sendo

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levada pelo movimento de pessoas, sem conseguir


escapar do fluxo intenso.
Agitados, os recrutas aguardavam sua vez de
passarem pelo treinamento daquele dia. No fundo,
eles sabiam da impossibilidade de alcançarem o
posto de Guardião, por não serem herdeiros de
sangue de um Guardião a se aposentar, mas a
esperança era sempre um motivador para aqueles
jovens desafortunados.
Pois mesmo sem títulos e posições de
respeito dentro do reino, ainda assim, o
treinamento direto com um Guardião os tornaria
exímios guerreiros e poderiam fazer carreiras e
fortuna servindo ao rei ainda que apenas
agregados.
Um deles, muito jovem e franzino era o
escolhido da tarde para travar um combate com
sua treinadora.

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De pé na arena de terra, Zoé riscou o chão


com o pé enquanto girava a pesada espada na
mão, causando medo no rapazola.
Ela vestia uma calça de couro de raptor e
botas bem feitas e caríssimas adquiridas no
mercado da Vila dos Desesperados. Cobria o torço
com um conjunto de tiras de couro que protegiam
seus seios da nudez total, mas revelavam
completamente sua pele escura e brilhante pelo
suor da manhã.
Os cabelos estavam praticamente presos no
alto da cabeça, permitindo que boa parte da
cabeleira negra e espessa brilhasse sob o sol.
Irônica sobre seu opositor, Zoé apontou a
espada para o rapaz e gritou acima das vozes e
cochichos daqueles que os circulavam, em uma
roda de curiosos e ansiosos rapazes querendo sua
chance de fazer história junto ao reino.

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— Erga o braço — ela mandou com voz


potente. — Olhe na minha direção. O chão não vai
ajudá-lo, não precisa fixar os olhos sobre ele como
se pudesse criar vida e lutar por você! — Seu
brado irônico fez o menino corar, mas obedecer. —
Sempre olhe nos olhos de seu opositor. Mesmo que
seja para reconhecer o bastardo que o matou
quando ambos estiverem do outro lado — ela fez
referência ao céu e inferno, conceitos humanos,
mas que rapidamente tornava-se um boato entre as
criaturas mágicas.
— Para cima — ela gritou e no susto o
garoto ergueu a espada para cima — esquerda!
Ele foi obedecendo, enquanto saltava para
trás conforme a espada potente de Zoé chocava-se
contra a dele.
Assim, meio no susto, ela foi instruindo o
garoto. Quando parou, o menino transpirava

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copiosamente e parecia prestes a desistir e urinar


nas calças de medo.
Sorrindo, algo meio de lado, Zoé apontou a
espada para ele:
— Agora é para valer — era um aviso
terrível. — Postura!
Se era para valer, não haveria clemência.
Joan andou para um canto menos cheio e manteve
os olhos sobre a luta, assustada pela agressividade
da Guardiã. Joan viu a fêmea investir na direção
do rapaz com um brado de guerra. Seu movimento
foi barrado por um escudo vindo de algum lugar,
algo inesperado.
Zoé parou e virou-se com fúria no olhar.
— Deixe o rapaz em paz, Zoé — era o
Guardião Acheron.
Usando suas roupas comuns, calça e túnica,

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Acheron manuseou o escudo e retirou a espada no


cinturão em sua cintura.
— Eles precisam aprender, Acheron — Zoé
gritou, enquanto atacava e se defendia.
— Sim, mas não precisam sujar as calças
enquanto aprendem a lutar — ele revidou quase
conseguindo dominá-la.
— Você se mete demais com assuntos que
não são de sua ossada — ela revidou quase o
acertando com a espada.
Acheron imobilizou-a, um braço embaixo do
pescoço, sufocando-a. De olhos arregalados,
achando aquilo tudo uma barbárie, Joan tentou se
afastar, sem notar que no mesmo instante em que
ela achava uma brecha para andar para longe, Zoé
livrava-se de Acheron e mirava um punhal em sua
direção, lançando-o como um dardo potente e
afiado.
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Sagaz, Acheron escapou da arma, mas essa


cortou o ar sem direção, sem meta e sem alvo.
Joan chegou a esbarrar em um dos rapazes
que se esquivava do punhal e naquele corre-corre,
Joan foi empurrada na direção exata da arma.
Escapou de ser morta sumariamente por
pura sorte. Mas perdeu o equilíbrio e caiu no chão,
o rosto no chão, cuspindo terra.
Atordoada, Joan gritou quando foi erguida
pelos cabelos. A Guardiã havia agarrado seus
cabelos e a erguia na base da dor.
— De onde saiu esse ratinho, Acheron? —
Zoé perguntou, o halito muito perto do rosto de
Joan.
Realmente atordoada, a beira de um
desmaio, seja de medo ou de fraqueza, Joan olhou
para ela, tentando segurar sua mão, que a
agarrava e erguida do chão pelos cabelos. Zoé
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sacudiu sua cabeça e Joan gritou de dor.


— Deixe a jovem, Zoé — foi uma
reclamação. Um rugido de reclamação vindo do
outro Guardião, que apenado não podia intervir,
mas não queria permitir uma desumanidade.
Todo o corpo da fadinha tremia. Dava pena
olhar seu pavor.
— Eu nunca vi essa coisinha por aqui — Zoé
continuou fazendo troça do físico de Joan. —
Deseja ser treinada, fada sem asas? — Ela
perguntou tentando farejar o nascimento das asas,
e obtendo a resposta de que não havia vestígios de
asa ou cio.
— Não... Não... — Joan gaguejou, quase sem
voz, travada pelo medo. — Eu me perdi, senhora,
eu me perdi...
— E olha só que péssimo lugar para se
perder — Zoé definitivamente achava graça de
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coagi-la em público. — O que eu faço com você? O


que acha que devo fazer com uma arruaceira que
atrapalha meu treinamento?
Incapaz de falar, Joan apenas sufocou o
choro em vão.
— Solte a menina, Zoé — Acheron
aproximou-se e ficou frente a frente com a
companheira de guarda. — É uma das órfãs da
clausura. Olhe as roupas e a sujeira, é irmã das
desvalidas da clausura — ele apelou.
— Eu deveria sentir pena? — Zoé sorriu. —
Eu poderia abreviar o sofrimento dessa criatura...
— Sim, você poderia, mas não hoje —
Acheron insistiu até conseguir que Zoé desistisse e
soltasse Joan.
Sem forças, Joan caiu no chão, tossindo sem
parar.

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Foi um momento de incerteza, pois Zoé


parecia arrependida de perder um brinquedo
adorável para suas horas de tédio. Acheron não
queria lutar com uma companheira de guarda, mas
não poderia permitir que Zoé se divertisse à custa
da infelicidade de um ser inferior em força e
nascimento.
— Afastem-se! Saia da frente! — Eles
ouviram os gritos, e em meio aos rapazes que
observavam calados sua treinadora coagir e
assustar a menina surgiu três fadas.
Uma delas, de cabelos claros como um tufo
de algodão, caiu de joelhos no chão acudindo a
fadinha ruiva que se contorcia no chão.
A outra, alta e grandalhona, cabelos
castanhos e expressão feroz apontava um cajado de
madeira, esculpido em forma de lança, na direção
de Zoé.

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— Não ouse tocar em Joan outra vez! —


Alma gritou furiosa.
— É mesmo? E porque eu não posso fazer
isso? — Zoé aproximou-se a centímetros de Alma,
fitando a fada da clausura com ferocidade e
revolta por estar sendo enfrentada.
Zoé era alguns centímetros mais alta que
Alma, mas isso não a impediu de encarar esse
olhar de luta e enfrentar sem medo algum sua
opositora.
Sem fraquejar, olhos flamejantes, a fada
respondeu:
— Porque eu a mato se encostar outra vez
em Joan.
De um modo estranho, apesar da óbvia
discrepância entre ambas, uma armada, com
poderes de dom, e a outra sem asas, sem dom e
presa ao Ministério do Rei, Acheron sentiu um
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arrepio diante dessa ameaça.


De um modo ou outro a fada da clausura
Alma se vingaria de Zoé se fizesse mal para Joan.
— Quanta brutalidade — outra voz foi
ouvida. Era Driana observando tudo de longe,
enquanto remoia a raiva. — Segundo as normas do
Rei Isac um Guardião é veementemente proibido de
atacar, molestar ou causar dano físico a uma fada
da clausura! Devem ser vigiadas, protegidas ou
mortas, mas as ordens devem vir diretamente do rei
e não de um Guardião, muito menos um Guardião
fêmea! — Citou trechos das leis do Reino de Isac e
até mesmo Zoé precisou reconhecer a exatidão de
cada palavra. — É uma vergonha que atente contra
a vida de uma fada desprotegida — ela completou
a frase, a voz trêmula, os olhos marejados de
lágrimas de ódio e mágoa. — Ainda mais se
tratando de Joan.

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Sim, Driana se apenava da amiga ser frágil,


desprotegida e odiava com todo o coração as
criaturas capazes de coagir o que é frágil e
propenso a sucumbir com facilidade.
A fada Alma, que ainda mantinha o desafio
contra Zoé, como se as duas fossem se pegar em
uma luta mortal a qualquer momento, afastou-se
ajudando Eleonora a erguer Joan. Driana foi à
última a virar as costas para partir, pois o rancor
a compelia a querer gritar e xingar.
— Não ouse — Acheron disse pousando uma
das mãos no ombro de Zoé, para impedi-la de
seguir as fadinhas e tomar satisfações.
Furiosa em ter sido enfrentada, Zoé
empurrou-o e correu para longe.
Fora do campo de visão dos outros, elas
pousaram Joan no chão e tentaram fazê-la acordar
e se situar, pois ela estava em choque.
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— Eu odeio isso! — Disse Eleonora, de pé,


torcendo o tecido da roupa com uma das mãos,
como quem torce o pescoço de Zoé — eu odeio ser
sempre atacada! Eu não aguento mais saber que
não nos respeitam! Mas com Joan? — Disse quase
chorando — como posso ver isso acontecer e ficar
calada?
— É melhor nos calarmos ou Joan ficará
ainda mais assustada — disse Driana acariciando
os cabelos de Joan, enquanto ela se movia e ficava
sentada em um cantinho, com o rosto escondido
entre as mãos.
O choro de Joan cortava o coração de suas
amigas e saber que apesar da força e do esforço
em manter-se firme, até mesmo Alma controlava
um choro de humilhação, pena e indignação, era
de acabar com as esperanças de todas.
Essa era a vida de uma fada da clausura. E

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elas deveriam estar acostumadas, mas não


estavam.
*****
E nunca estariam, pensou Driana, em algum
lugar da floresta, seguindo a caminho do Campo
Dos Humanos, na busca por Joan. Naquele mesmo
dia haviam sido avisados da presença de Zoé na
região. Depois disso, Driana não conseguira mais
sossegar o coração. Estava aturdida e assustada
com medo de chegar tarde demais.
Estava deitada, abraçada ao seu Guardião
Acheron, que dormia sem perceber seu
desassossego. Driana fez um carrinho no peito do
elfo e tentou se acalmar. Mikazar havia seguido
sem eles e quem sabe, com sua velocidade única
conseguisse alertar Joan do perigo a tempo?
Alma não era tão otimista. Estava acordada,
era madrugada, mas não conseguia dormir. Sólon
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não dizia nada, conhecia a exatidão de seus medos


e o quanto lhe custava ficar parada sem agir,
enquanto contava com outras criaturas para salvar
Joan.
Sua Joan, ela pensava. A mais delicada e
frágil, que sempre protegera com unhas e dentes. O
medo a fazia mole, pensava Alma ao voltar para a
cabana que dividia com seu elfo escolhido, e fechar
a porta, encontrando-o na cama, para uma noite de
sono, pois no dia seguinte, muito trabalho os
aguardava naquele novo povoado que criavam e
mantinham juntos.
Joan não sabia que suas amigas estavam
pensando nela. Quando sentiu um toque no braço,
acordando-a, piscou os cílios e sorriu, achando que
era Eleonora, acordando-a no meio da noite para
alguma estripulia que enlouqueceria a mente cética
das carcereiras do Ministério do rei.

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Mas não era Eleonora, era Liara com seu


candelabro na mão.
— Você estava começando a gritar. —
Avisou aos sussurros. — E Matilde anda nos
corredores. Eu não sei o que ela está procurando,
mas acho que está vigiando você.
Suspirando pesarosa, Joan concordou e virou
para o outro lado, mantendo-se acordada, para
controlar os pesadelos.
Muito em breve enfrentaria Zoé de frente, e
tal como no passado, sairia perdendo.
Estava sozinha, sem suas amigas para
intercederem por ela, sem qualquer criatura mágica
para implorar ajuda.
Seriam apenas as duas, em uma luta mortal.
E por mais que confiasse em seu dom e em suas
asas, Joan sabia que perderia.

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Capítulo 12 — Coragem para falar

de amor

Joan estava se acostumando a ver os dias


passarem sem novidades sobre sua situação junto
ao Reino de Isac. A cada dia lutava contra o
desespero pela ausência de notícias e do fato de
ninguém surgir para buscá-la e dizer-lhe que
finalmente poderiam voltar para o monte das fadas
em segurança.
Preocupada com as amigas, e também com a
facilidade com que se adaptava ao Campo Dos
Humanos, e seu modo de viverem, Joan dedicava

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seu dia a cuidar do Duque, ouvir as explicações de


Alice sobre como se portar na mesa, no dia a dia, e
em uma conversa entre humanos.
A menina achava que era apenas uma serva
sem instrução. Mas vez ou outra lhe lançava um
olhar de desconfiança.
Há alguns dias que Joan não conversava com
Matilde ou era alvo de seu cajado. Não que isso
minimizasse seus atos, pois a cada dia Molly e
Liara se queixavam das constantes agressões.
Naquela manhã em específico, Joan estava decidida
a pedir ajuda ao Duque, para que ele intercedesse
junto de sua mãe, para que ela deixasse as serviçais
em paz. Pois Joan sabia que era apenas represália
pela amizade que lhe dedicavam.
Enquanto levava a bandeja de café da manhã,
ouvia a papagaiada de Alice sobre se portar e
dançar em lindos bailes. Olhou para a menina, e

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quis lhe dizer que o forte estava em ruínas,


parcialmente destruído, tentando desesperadamente
se reerguer apesar do desespero do que aconteceria
com os moradores sem poder contar com a
proteção do título do Duque.
Melhor deixar a menina com suas ilusões. A
vida tende a ser demasiadamente agressiva com os
inocentes.
— Eu vou participar de um desses bailes.
Muito em breve — Alice disse sonhadora. — Um
lindo baile junto do rei. Será lindo. O rei irá se
apaixonar perdidamente por mim... — Parou de
falar e mordeu o lábio, indecisa. — Acha que o rei
se apaixonaria por uma duquesa, Joan?
— Eu não sei. Não conheço sobre seus
títulos, Alice — foi franca — porque você quer
conquistar o Rei? Não lhe basta um homem justo,
bondoso e quem sabe, bonito?

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— Se o Rei se apaixonasse por mim ou por


uma mulher de minha família, seria perfeito.
Poderíamos viver plenamente, sem nos esconder!
— E de quem você se esconde, Alice? —
Perguntou curiosa, quando pararam diante da porta
do quarto do Duque.
— Você sabe guardar segredos, Joan? — Ela
perguntou baixinho, olhando em torno, como se
temesse que alguém a ouvisse.
— É claro que sim! Você não tem ideia de
como sei guardar segredos — sorriu pensando no
grande segredo que guardava sobre si mesma.
— Eu sei de um segredo, mas não posso
contar para ninguém. Meu tio Edward pediu para
me calar. — Alegou incerta sobre falar desse
assunto.
— Esse assunto envolve seu pai e o ducado?
— Quis saber.
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— Acho que sim. Meu pai não poderia se


casar, se esse assunto viesse à tona. — Ela disse
triste.
— Bem, se é um assunto assim tão sério,
você tem que contar para seu pai.
— Eu não sei se devo. Ele está melhor
agora... — Alice teve que concordar incerta sobre
abalar a saúde de seu pai.
— Escute, Alice, um dia você vai me contar,
está bem? Quando achar que deve contar, me
procure e conte. Eu não vou julgá-la sobre nada que
disser. Estamos entendidas?
Desconfiada, Alice concordou.
Ela pretendia entrar no quarto sozinha nesta
manhã, pois faziam dias suficientes do tratamento
para testar os benefícios na saúde do Duque e
pretendia fazer isso com privacidade.

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— Alice, esqueci o açúcar para o chá. Você


pode buscar para mim?
A menina ainda não confiava inteiramente
nela. Por isso olhou para a porta e então para Joan
como quem pondera se deveria ou não deixar o pai
inteiramente sozinho com ela.
Aliviada, Joan observou a menina correr
pelos corredores, esvoaçando seu vestido azul de
veludo e seus cabelos longos e negros.
Com uma batida na porta e Joan entrou.
A primeira coisa que notou foi que a cama
estava vazia. Assustada deixou a bandeja sobre
uma mesinha e olhou em torno, desesperada sobre
alguém ter feito mal ao Duque.
Num ímpeto de pânico empurrou as cortinas
da varanda, e ficou imóvel ao vê-lo apoiado na
murada, olhando para baixo, para o horizonte.

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— Estive pensando se conseguiria fazer isso


sozinho — ele disse com tranquilidade na voz.
Apesar do redemoinho que tomava conta de
seu coração, Joan agiu com muita naturalidade.
— Apressou-se, Duque Mac William. Eu
pretendia testar suas pernas essa manhã. Mas acho
que isso não será necessário. — Sorriu e
aproximou-se, ficando ao seu lado diante da
murada.
— Eu vinha sentindo que conseguiria mover
minhas pernas. Quis tentar sozinho, poupar a todos
da minha vergonha caso falhasse. — Alegou.
— Não diga isso. Não há vergonha na
enfermidade. E tão pouco na possibilidade de
falhar. Eu lhe disse que o tratamento era eficaz. Sua
eficácia é de uma dimensão que humano algum
pode entender. — Disse transparecendo na face e
nos olhos a alegria de vê-lo de pé.
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O Duque era bem mais alto do que ela. Uns


vinte centímetros, o que a fazia parecer mínima ao
seu lado. Ele não parecia tão musculoso e forte
deitado. Mas agora, corado e de pé, ele parecia um
gigante.
E de algum modo estranho, Joan sentia a
distância imposta entre eles. Não sabia onde
enquadrar-se na vida de um Duque que agora podia
cuidar de si mesmo.
— Eu me pergunto o que quer dizer quando
me chama de humano — ele alegou pensativo — A
razão que eu estou de pé nesse momento é a mesma
razão de você me chamar de humano?
— Faz muitas perguntas para quem tem tanto
a pensar, Duque — ela desconversou. — Olhe para
si mesmo, está de pé e pronto para retomar seu
ducado e sua vida. E mais importante que tudo...
Alice não precisará se casar precocemente.

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— O que é um alívio. Não estava pronto para


causar sofrimento para minha filha — ele alegou
taxativo, olhando para Joan com algo úmido nos
olhos. — Nunca vai entender a dimensão do que
fez por mim, Joan. Jamais terei palavras suficientes
para lhe agradecer ou pagar por essa maravilha que
trouxe a minha vida. — Ergueu uma das mãos para
tocar seu rosto, e quase perdeu o equilíbrio. — Eu
ainda estou me adaptando.
— Ficou muito tempo sem andar, mas logo
estará forte outra vez — disse tocando sua mão.
Não o afastou quando Rowell aproximou-se, ainda
segurando na murada e a envolveu em seus braços,
beijando o topo de sua cabeça, enquanto dizia:
— Eu serei eternamente grato por ter
devolvido minha vida, Joan. Foi Deus quem a
enviou para minha vida.
Foi um momento perfeito. Joan o envolveu

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pela cintura e descansou a cabeça em seu peito,


apertando-o com saudosismo antecipado. O Duque
estava de pé e a um passo da recuperação total. De
agora em diante sua atenção não mais lhe
pertenceria!
O cheiro da pele, o calor do corpo, a
respiração pesada, eram detalhes que Joan desejava
gravar em sua mente e coração, pois previa um
afastamento definitivo.
— Você me prometeu que quando me
recuperasse me mostraria um mundo único e cheio
de maravilhas, onde eu entenderia quem é, e tudo
faria sentido. Sua promessa ainda está de pé, Joan?
Ela riu baixinho e afastou o rosto do peito do
duque para olhar em seus olhos, sendo acariciada
ternamente na face e nos cabelos.
— Sim, é tudo que mais desejo. Mostrar-lhe
o meu mundo, para que entenda quem sou. Mas
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primeiro... Precisa estar totalmente curado.


— Sim, com sorte estarei ágil e forte outra
vez antes da chegada de minha noiva. — Rowell
disse pensativo.
Joan tomou esse pesar como ansiedade e
afastou-se um tanto, ocultando a mágoa.
— O café da manhã vai esfriar. E você
precisa comer para restabelecer suas forças —
afastar-se era custoso, mas necessário.
Havia uma noiva que casaria com o Duque,
teria seu amor e sua companhia. Enquanto Joan
somente podia contar com alguma clemência do
destino, e que junto a essa clemência viesse à
liberdade e a redenção.
— Eu preciso da sua companhia para me
dizer que tudo ficará bem e que o mundo é bonito e
cheio de esperanças. — Ele brincou e Joan não
resistiu a lhe presentear com um lindo sorriso.
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— Eu só digo essas coisas por que é a mais


pura verdade. A esperança é a única joia preciosa
que ninguém pode nos roubar. Não duvide disso,
sua recuperação é fruto dessa esperança.
— Suas palavras são bonitas. Mas nada se
compara com seu olhar — ele disse encantado com
seu jeito — ou com seus lábios — correu os dedos
sobre seus lábios cheios e rosados e mudou o tom
de voz ao dizer — eu quero beijá-la assim, ambos
de pé, abraçados, como se não existisse nada no
mundo além desse momento.
— Mas existe — Joan apontou para o
horizonte, uma paisagem tão remota quanto os
olhos podiam alcançar. — Sua noiva chegará em
breve. E eu partirei em breve também. E o que
faremos com os beijos que ficarão para trás?
Para essa pergunta o Duque não possuía
respostas ou argumentos.

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— Eu gostaria que ficasse, Joan. Que não


partisse. — Era a única forma de expressar o que de
fato sentia. E talvez esse argumento fosse à
resposta para a pergunta de Joan.
— E sua noiva? O que fará com a promessa
de honra que fez ao seu amigo em seu leito de
morte? Dirá que foi tudo um mal entendido?
— Eu não posso fazer isso. Mesmo que eu
voltasse atrás com minha palavra, o Rei foi
informado da união entre mim e a noiva de
Haword. Ele não detinha título de nascimento, mas
era um cavalheiro muito bem quisto pelo Rei. Em
mais de uma vez salvou a vida do Rei e por conta
disso, lhe devotou terras e pertences.
— Qual o nome de sua noiva? — Perguntou
invejosa e ciumenta.
Ainda nos braços do Duque, era impossível
sair daquele conforto que aquecia suas veias de
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calor e paixão. Mesmo assim, distante de qualquer


contato íntimo, como beijos ou carícias de amantes.
— Eu não sei. Soube da existência dessa
jovem há pouco tempo. Escrevi para o condado
onde ela vive, mas sempre me referindo à família
de Haword e não a ela em especial.
— Uma desconhecida — disse com quase
amargor. — Uma estranha?
— Sim, uma estranha. Mas segundo suas
próprias palavras, o que é estranho também pode
ser bem vindo e apreciado — ele lembrou-a de suas
palavras dias atrás.
— Não quando causa dor, sofrimento ou
mágoa — ela reinterou. — Eu devo deixá-lo em
paz para que coma seu desjejum.
— Não faça isso — ele pediu segurando seu
pulso, para mantê-la perto. — Não me erga de pé e
depois parta. Eu não quero ficar sem você antes da
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hora.
Joan olhou para longe, ficou de costas,
olhando para o horizonte.
— Alguma vez eu lhe contei que tenho
amigas esperando por mim?
— Sabe que não — ele disse imediatamente
a sua afirmação — eu não sei nada sobre você. É
um completo mistério para mim, Joan.
— E assim deve ser. Um mistério. — Disse
engolindo em seco, apoiando ambas as mãos na
murada da varanda, quando tudo que desejava era
revelar suas asas e mostrar-lhe um espetacular voo
em direção ao horizonte de montanhas e florestas
que enxergavam ao longe. — Eu cresci em um
orfanato, como já lhe disse em outro momento e
não acreditou em mim. Eu tenho três amigas, que
são como irmãs de sangue para mim. Recentemente
fui apartada delas. Cada uma para um destino
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diferente. E nenhuma delas veio me buscar... O que


quer dizer que ainda correm risco de vida e que
devo me manter escondida. É por causa delas que
eu estou aqui. E por amor a elas não lhe contarei
quem sou ou de onde venho. E é também por esse
amor incalculável que partirei quando me
buscarem.
Rowell ouviu calado cada palavra dita.
— Penso se não devo proibir a entrada de
qualquer mulher desconhecida que ouse bater nas
portas do meu forte para buscá-la e levá-la de mim
— ele foi sincero.
— Mesmo que pudesse impedi-las de
entrar... O que eu duvido — ela disse sorrindo,
menos tensa e triste diante da impressão de
desamparo de Rowell — ainda assim, o que faria
comigo aqui? Eu não sei se gostaria de ser como
Matilde.

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A expressão de Rowell endureceu diante da


chamada de atenção. Mantê-la como sua amante
depois do casamento com a irmã de seu melhor
amigo seria a mesma coisa feita por seu pai no
passado ao manter Matilde seu grande amor como
sua amante secreta. E isso acabou com a vida de
Matilde.
— Eu gostaria de lhe dizer, Rowell, que
existem muitos segredos dentro do seu forte. Que
deve ficar atento a isso. Aos nuances. As
diferenças. Aos sussurros dos corredores. Coisas
acontecem pelas suas costas. É hora de abrir bem
os olhos e enxergar de onde vem à traição.
— Dizendo isso espera que eu não a
interrogue atrás de informações? — A fez ficar
parada, enquanto exigia-lhe respostas.
— Eu mesma não sei todas as respostas.
Talvez não fique tempo o bastante para descobrir o

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que acontece pelos corredores. Mas eu sei que algo


aconteceu na noite em que Marmom nasceu. Algo
que se estende até hoje, acontecendo em surdina.
Algo que pode estar envolvendo Alice. Observe
atentamente, antes que seja tarde demais para
mudar planos traçados pelas suas costas, Duque.
— Eu nem sei para o que deveria estar
olhando. — Ele alegou assustado com essa
afirmação. — Eu nem sei o que Marmom é.
— Essa é uma resposta que posso lhe dar.
Mas não agora. Em breve — afastou-o com uma
das mãos. — Devo chamar Matilde para ajudá-lo
com sua higiene matinal? — Sugeriu, mudando
drasticamente de assunto.
— Matilde nunca me ajuda com a intimidade
da minha higiene — ele desconversou e ela sorriu.
— Eu sei disso, mas nessa manhã em
especial, creio que ela gostaria de ser uma das
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primeiras pessoas a estar com você. — Apontou


suas pernas e o Duque abriu um lindo sorriso de
felicidade.
— Tem razão, minha mãe merece esse
privilégio. — Concordou.
— Então me permita o gostinho de ser eu a
portar as boas notícias. Talvez assim, Matilde me
odeie um pouco menos.
— Como queira, Joan. — Rowell
concordou, olhando-a de um modo que ela sabia
que acabaria em um beijo roubado.
E ela queria que lhe roubasse esse beijo. E
como queria. Foi forte e fugiu dele, correndo para
fora do quarto. Sem ar, corada e excitada pela
companhia do duque, Joan correu pelos corredores
em busca de Matilde. Quando a encontrou, em um
dos corredores mais baixos, gritando ordens para
Molly que esfregava as pedras, enquanto seus
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ouvidos doíam pelos gritos, Joan sorriu e se fez


escondida e camuflada contra as paredes.
Aproximou-se sorrateira, completamente invisível
aos olhos de qualquer criatura, ainda mais, de
Molly que estava de costas e de joelhos esfregado o
chão. Quando chegou bem pertinho de Matilde, se
fez visível, dizendo com voz normal bem no ouvido
de Matilde, alto o bastante para assustá-la
mortalmente:
— Matilde!
A pobre infeliz humana saltou em seus
próprios pés, cobrindo o peito com uma das mãos e
a face com a outra, escorregando contra a parede,
prestes a desmaiar. Pernas bambas pelo susto,
coração disparado, descomposta. Ajoelhada no
chão, Molly esforçou-se para não cair na
gargalhada. Joan conteve um sorriso e quando
Matilde gritou com ela, foi impossível não sorrir,

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mesmo que baixasse a cabeça e escondesse esse


sorriso com os cabelos. A voz da mulher estava
rachada e arfante. Uma lástima.
— De onde você saiu, sua imprestável? De
onde? — Matilde questionou e Joan apontou para o
corredor.
— Eu vim por ali, senhora, pelo corredor.
Por onde mais eu viria? — Perguntou batendo as
pestanas, com tanta inocência que era impossível
questioná-la.
— O que você quer afinal? — Matilde tentou
recuperar-se, mas era impossível diante do nervoso
que se abatera em seus nervos.
— O Duque Mac William pede sua presença
no quarto, senhora — disse com voz mansa.
— Às vezes eu acho que foi enviada das
profundezas do inferno para acabar com meu juízo
— Matilde revidou muito perto de perder a razão e
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lhe bater. Mas o pedido do Duque sobre não usar


força bruta contra a serviçal Joan ainda pesava em
seus ouvidos e consciência. Não negaria um pedido
do filho! De modo algum! — Afinal, para que você
serve? Nem um simples recado é capaz de dar com
alguma eficiência!
A mulher alisou o tecido do vestido e tentou
se recompor, e quando virou as costas para sair
triunfal sobre sua serviçal, Joan a interrompeu,
sentindo-se profundamente satisfeita ao dizer:
— Sirvo para escrever cartas, senhora,
algumas pessoas dizem que minha caligrafia é
perfeita.
Sim, era uma indireta sobre as cartas secretas
que Matilde escrevia e escondia em sua gaveta com
chave. A mulher não respondeu, mas bateu os pés
furiosamente enquanto andava para longe, em
direção ao quarto do filho.

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— Um dia desses Matilde irá se vingar disso.


Escreva o que lhe digo Joan, ela não vai aguentar
isso por muito tempo — Molly avisou.
— Eu não faço nada contra ela. Pelo
contrário. Precisa de ajuda? — Ofereceu notando
seu esforço.
— Não, claro que não. É a preferida do
duque, não pode fazer serviço braçal. — Molly
sorriu com malícia. — Me diga e seja sincera, tem
se deitado com o duque?
— É claro que não! Sou casta! Não me
deitaria com humano algum! — Negou veemente.
— Eu não sei. Tantas regalias. Como alguém
pode acreditar que passe tanto tempo no quarto do
duque apenas conversando? — Molly duvidou.
— Eu estava ajudando a cuidar dele. Verá
com seus próprios olhos que agora que não precisa
mais de mim, o duque não solicitará minha
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presença como antes.


— O Duque está curado? — Molly
surpreendeu-se.
— Sim, creio que sim.
— Isso é um verdadeiro milagre, Joan —
disse surpresa e empolgada com a notícia — um
milagre que garantirá a proteção de todas nós!
Afinal, como fez isso?
— Eu não fiz nada especial. O Duque tem
boa saúde — desconversou.
— Hum, eu não sei. Você parece ser um anjo
caído do céu em nossas vidas. Enfrentando Matilde
e livrando a todas nós de sua presença furiosa.
Trazendo saúde para o Duque quando todos davam
seu título por perdido. — Molly gracejou. — É
mais fácil sorrir perto de você, Joan. Está sempre
alegrando nossas vidas com sua presença. E
definitivamente, você não veio pelo corredor e
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assustou Matilde. Eu estava olhando, você apareceu


do nada. — Molly alegou convencida disso.
— Isso é o que você diz. — Joan brincou —
acho que precisa mesmo de ajuda, pois o sabão tem
lhe subido a cabeça!
Joan fez menção de ajudar, mas Molly barrou
sua ajuda, dizendo-lhe:
— Porque não ajuda Liara com as crianças
do Duque? Sei que ela prefere esfregar os
corredores a cuidar do menino — disse aos
cochichos como se temesse falar da criança.
Pobre Marmom. Sempre seria rejeitado entre
os humanos.
— Tem razão, Molly. Eu devo ajudar com as
crianças — disse triste. Tentou até sorrir, mas não
foi totalmente verdadeiro.
Não tomou muito de o seu tempo encontrar

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Liara e tomar conta de Marmom. Tommy brincava


com outros meninos e foi sua chance de ficar com a
cria de homem-lagarto.
Com o menino no colo, Joan refugiou-se em
um corredor perto da mais alta das torres, perto da
murada, mostrando-lhe o horizonte, conversando
com ele. Não havia como serem vistos lá embaixo,
por isso, Joan colocou o menino no chão e abriu os
botões do vestido, mantendo-o preso no corpo, mas
com as costas nuas. Permitiu que suas asas viessem
à tona e o menino ficou indócil para ser pego outra
vez no colo.
— Somos iguaizinhos, Marmom. Você e eu
somos de outro lugar. Eu o entendo e você me
entende. É certo ser desse modo, mas você precisa
começar a interagir com aqueles que o criam. Seu
pai o ama, seus irmãos também — suspirou —
comece a falar mais e não fareje ou morda os

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humanos.
Conversava com o menino, instruindo-o
sobre sua vida e sua raça sem notar que alguém a
observava. Esse alguém também não notou a
aproximação de uma terceira pessoa, e quando Joan
ouviu o grito assustado era tarde demais para
esconder-se.
Molly derrubava seu balde, esfregões e caia
desmaiada aos pés da escada que levava até a torre.
Sem saber como agir, Joan pousou o menino
no chão e encolheu suas asas, para que se
escondessem. Fechou o vestido e aproximou-se de
Molly, tentando acordá-la com tapinhas suaves nas
bochechas.
— Oh, meu Deus, você é mesmo um anjo!
Eu vi suas asas! É um anjo de Deus! — Molly
gritou encantada e em êxtase religioso.
— É claro que não, Molly! Olhe para mim,
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está vendo alguma asa? — Perguntou jocosa,


tentando minimizar o estrago.
— Mas eu vi! Lindas asas vermelhas e
sedosas, macias e brilhantes... Lindas, lindas
demais. Uma aparição divina, Joan! — Tocou suas
costas, mas não encontrou nada.
Joan abriu o vestido e lhe mostrou as costas
lisas e suaves, sem marcas ou asas. Totalmente
normal e comum.
— Mas eu vi... Eu juro que vi. — Molly
disse confusa.
— É claro que viu. Você viu o que desejava
ver. Você fica falando de anjos o tempo todo.
Rezando o tempo todo. Pensando nisso o tempo
todo. Sua mente lhe pregou uma peça. Estava aqui
em cima, mostrando a Marmom a paisagem. Ele é
muito inquieto, mas gosta de ouvir histórias e
contos. É o que eu estava fazendo, sua tola. — Joan
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brincou.
— Será possível que eu vi o que eu quis ver?
— Molly sentou-se no chão e segurou a mão de
Joan, para sentir-se segura.
— E porque você iria querer ver um anjo? —
Quis saber.
— A vida é tão escura, Joan, tão triste. Eu
acho que gostaria de ver um anjo e saber que existe
mais do que... Tristeza, angústia e humilhação.
Você é sempre tão doce, tão fresca como o orvalho
da amanhã... Eu não me surpreenderia se fosse um
belo anjo de Deus enviado para trazer luz a tanta
tristeza. E depois do que tem feito pelo Duque...
Acho que me convenci disso. — Disse
envergonhada.
— Não sou um anjo, mas você faz bem de
crer neles. Devem existir. Muitas coisas existem,
Molly. Não se envergonhe de suas convicções. —
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Sorrindo para animá-la. — Apenas não vamos


contar sobre esse incidente para ninguém, está
bem? Poderiam pensar mal de nos duas.
— Jamais contaria sobre isso! — Molly
assustou-se e fez o sinal da cruz. — Poderiam
pensar horrores de mim. — Ela disse amedrontada.
— Foi tudo um mal entendido. Só isso. —
Joan olhou em volta, aliviada por Molly crer em
suas palavras. — Oh, não! Onde está Marmom? —
Notou a falta do menino e levantou rapidamente,
procurando por ele. — Marmom!
Nem sinal do menino. Pensando ter ouvido
seus grunhidos, Joan correu pelos corredores,
esquecida do incidente com Molly.
— Não se esconda de mim! Marmom! — Ela
exigia, começando a se desesperar com a ausência
da criança — Oh, não faça isso comigo, Marmom!
Onde está você?
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Chegou de olhar pelas paredes e curvar-se na


murada, com receio do menino ter escapado ou
decido pelas paredes. Era muito novinho para isso,
mas nunca se sabe.
Estava a um passo de chamar ajuda quando
ouviu sua voz infantil e encontrou-o brincando
atrás de uma pilastra.
— Oh, meu querido! Aqui está você! — Joan
ajoelhou-se no chão e o abraçou com força. —
Porque correu de mim? Que susto me deu!
Na confusão de sentimentos do momento,
Joan não percebeu que o menino carregava nas
mãos um brinquedo feito de couro de raptor,
quando antes tinha as mãos vazias.
Protegendo-o em seus braços, Joan levou-o
de volta para a proteção dos corredores do castelo e
então para a cozinha de Hector, para que Marmom
fizesse um lanche e também brincasse um tanto
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com o coelho.
E para que Joan pudesse tomar um copo de
água e tentar acalmar seus nervos.

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Capítulo 13 — As nuvens do céu

Naquele finzinho de tarde, Tobias ouviu mais


uma vez aquela conversa estranha sobre guerra.
Boa parte da conversa não compreendia, pois a
língua não lhe era totalmente compreensível.
Entendia poucas expressões e poucas
palavras. Alguns semblantes preocupados, alguns
cochichos sobre a ausência da líder dos homens-
lagartos. Homens-lagarto? Quanta ironia. Em dias
de cativeiro, Tobias não vira um único macho,
apenas fêmeas.
Não que estivesse reclamando, pois em teoria
lidar com fêmeas era sempre mais fácil do que

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combater machos fortemente treinados. Mas


levando em conta a qualidade da luta daquelas
fêmeas... Tobias preferia muito mais um diálogo
doloroso com machos furiosos.
Estava convencido que elas falavam sobre a
fuga das fadas da clausura e a luta que isso
representava contra o Reino de Isac, ou seja, contra
Santha, a rainha louca.
O que era muito bom, pois reforçava sua
esperança de Eleonora ter obtido suas asas e estar
provando sua inocência. Ou ao menos, levantando
suspeitas sobre Santha e seu amante Lucius.
Se o boato havia se espalhado era porque
estavam causando estrago.
Ao menos era isso que Tobias pensava. Que
suas considerações sobre guerra referiam-se as
fadas fugitivas. Não concebia outra razão.
Ouvia os boatos, mas estava mais ocupado
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tentando sobreviver, por isso não apurava as


informações.
Tobias arrastou-se sobre as cinzas frias,
despido das roupas, o corpo nu ressentido do calor
que ainda exalava das cinzas e com desespero
caçou os restos de carne dos ossos jogados para os
animais.
Estava faminto, desesperado por comida.
Roeu os ossos e arrancou o que encontrou de carne.
Quando ergueu os olhos notou que ela estava de pé,
encarando-o.
Pelo visto a líder daquele povo de fêmeas
estava de volta.
Não sentiu vergonha de sua situação, não era
sua culpa, mas sentiu raiva do modo que era
tratado. Do olhar superior.
Uma delas aproximou-se e cochichou no
ouvido da criatura que o encarava.
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— Posso levá-lo, Helana?


— Sim — ela disse com voz firme, mas seu
olhar dizia outra coisa. — É a sua vez.
A criatura aproximou-se e cutucou suas
costelas com a ponta da longa lança. Foi obrigado a
levantar e andar, mesmo que olhasse para trás,
procurando encarar a mandante, para que ela
soubesse que a culpa era inteiramente sua.
Agora sabia seu nome, não era mais um
carrasco sem nome. Helana? Um nome tão simples
e feminino para uma criatura sem amor a vida
alheia?
A fêmea de lagarto levou-o para um canto
escuro em uma das recôncavas cavernas e Tobias
sabia o que o aguardava.
Fora assim na primeira vez. Uma fêmea
qualquer o arrastou para um lugar afastado e
quando julgou que seria morto e devorado, pois
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contava de muitos séculos os boatos sobre o povo


da raça homem-lagarto ser carnívoro. Mas a fêmea
o surpreendera ao exigir que retirasse as roupas.
Ela fez o mesmo, abandonando inclusive as
armas. Por um instante, naquele choque de não
compreender o que acontecia, Tobias apenas
avaliou o corpo delgado, musculoso e coberto de
curvas perfeitas. A pele era mais escura que o
comum, em um tom levemente esverdeado, possuía
uma longa e fina cauda de uns dois metros. Era
uma fêmea jovem, possuía ranhuras nas costas, nos
braços e sobre a cauda, que indicava sua juventude.
Seus olhos eram levemente amarelados, com
íris escura. Cabelos curtos moldavam seu rosto e
naquele enlevo de surpresa, Tobias não reagiu
quando a fêmea o imobilizou no chão e o atacou
sexualmente.
Não poderia dizer ter sido uma barbárie, pois

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em determinado momento ele se pegou


colaborando com o acontecido. Muitas semanas
sem deitar-se com uma fêmea fosse ela da raça que
fosse, e estava começando a sentir-se sortudo.
Até descobrir que seria passado de mão em
mão, para fêmeas de todos os tamanhos, formas e
rostos, que o tratariam como um animal.
Não o impediam de comer, desde que se
contentassem com os restos. Podia dormir o quanto
quisesse, mas não lhe ofereciam abrigo ou
liberdade. Durante a noite permanecia amarrado
pela perna, por correntes e por uma vigília
constante. De dia era solto, mas sua liberdade
condicionada à presença das fêmeas a sua volta.
Não eram tantas que não pudesse contar.
Umas trinta, no máximo. Ele via a ausência total de
machos, fossem adultos ou infantos. Mas havia
algumas meninas pequenas, que até então não lhe

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impuseram a cruza e isso muito o alegrava, pois


detestaria deitar-se com uma jovem. Preferia
mulheres criadas, adultas o bastante para saber o
que faziam.
A fêmea que o empurrava sem delicadeza
grunhiu algumas ordens e Tobias cansado daquela
ofensa a seus brios, tentou empurrá-la e ganhar
espaço, talvez uma fuga patética.
A fêmea o deixou ir. A ordem era não ferir o
elfo.
Ele correu para fora da caverna e fitou as
outras fêmeas que não se manifestaram.
— Eu vou embora daqui — ele disse sério,
convencido disso — Eu agradeço a hospitalidade,
agradeço o apreço e a companhia adorável de...
Todas — ele desistiu de apontar uma só, pois já
havia copulado com um bom número delas. —
Então, isso é um adeus.
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É claro que ele sabia que não seria assim


fácil.
Não chegou a dar meia dúzia de passos,
mantendo a cabeça erguida, apesar de totalmente
nu e indigno, quanto foi derrubado por um chicote
que era usado como corda e amarrava seus pés
dolorosamente.
Ele reclamou da dor e olhou para cima.
Helana olhou-o com o mesmo desprezo de
sempre e disse em sua língua, para que entendesse:
— Leve-o de volta, Hera. E não seja gentil
com ele.
— Ah, sim, grande coisa! — Ele revidou
furioso e humilhado em sua masculinidade — que
bela líder você é! Sacrifica seu povo, mas não se
sacrifica! O que foi? Precisam procriar? Eu não
duvido! Qual macho aguentaria viver aqui de livre
e espontânea vontade? — Notando que acertava no
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alvo, ficou de pé ao ser erguido e chegou de


encostar na líder, empurrando-a como quem deseja
na verdade agarrar e esganar. — Onde está o
sacrifício da grande líder? Vamos, deite-se comigo
e procrie! Ou se acha melhor do que eu?
Ele desejava impor intrigas entre elas. Muitos
anos de amizade com quatro fêmeas o fizera
entender tudo sobre a mente feminina. Principiante
sobre como são sucessíveis a intrigas e
desconfianças entre si.
— A cria de uma líder deve ser pura. Sem a
sujeira de seu sangue — ela disse sem se abalar e
ao olhar em volta. Ele percebeu que falara sem
intenção de ofendê-las e causar dano. — Hera, ceda
à vez para Biarca. Creio que ela saberá dar conta de
ensinar uma boa lição para esse elfo.
Hera sorriu misteriosa e concordou,
chamando sua companheira com um grito. Uma

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fêmea de homem-lagarto surgiu e Tobias quase


engasgou de medo. A fêmea era grande, alta, larga
e carregada de carnes. Isso normalmente não o
desagradava, pois ele gostava de uma fada recheada
de curvas e formas para agarrar. Mas a expressão
da fêmea o assustou.
Ela pegou o chicote das mãos de Helana e o
arrastou com empurrões nada delicados de volta
para a caverna. Olhando para trás, Tobias
encontrou um olhar de satisfação na face de
Helana.
Sua indignação com a líder durou apenas o
tempo de descobrir que Biarca gostava de um ato
sexual intenso e masoquista e que ele estava em
péssimos lençóis ao ser jogado contra uma parede e
atacado por seu corpo enorme e quente, enquanto
ela usava o chicote sem dó...
Seus gritos, misto de susto, dor e prazer

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inestimável, ecoaram pela caverna e quando acabou


Tobias disse de má vontade:
— Espero de coração ter gerado uma
ninhada, você merece uma ninhada depois disso
tudo... — Estava exaurido no chão. Pegara um
pedaço de pano que ela deixara no chão e cobrira as
partes íntimas, quase envergonhado de si mesmo.
— Não se preocupe. Sua raça não gera
ninhadas em nossa raça. Mesmo que seu irmão
tenha tentado com todas as suas forças.
Dizendo isso, Biarca o deixou sozinho e
Tobias mal acreditou no que ouvira.
Egan? Seu irmão Egan conhecia essas
fêmeas... Ou melhor, Egan, sem irmão postiço, o
primoroso Primeiro Guardião, irretocável em suas
ações e pretensões, havia sido escravizado pelas
fêmeas? Ou pior que isso... Doado seus genes de
boa vontade? Será que era essa a razão de Egan
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passar longos dias acampando ao pé do abismo?


Com um meio sorriso sem vergonha na face,
Tobias ajeitou os cabelos bagunçados e maneou a
cabeça ao pensar que se isso fosse verdade, não
havia razão para temer essas fêmeas.
Egan nunca permitiria que qualquer espécie
de crime se alastrasse sob suas barbas. Se ele
colaborava de livre e espontânea vontade ou se não
as delatava, era porque não havia risco real. E
sendo assim... Agora Tobias tinha uma vantagem
sobre elas. O conhecimento da verdade.
*****
Saudosa, Joan manteve-se afastada do quarto
do Duque. Rowell precisava de tempo para si
mesmo e ela não poderia fazer mais nada por ele.
Estava curado. E não precisava mais dela.
Manter distância era a única coisa que
poderia fazer por ele e sua família. Pensativa, Joan
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comia sem pressa enquanto Hector falava sem parar


sobre seus tempos de aventura fora do castelo. Ele
tivera alguns amores proibidos e Joan às vezes
sorria ao pensar nisso.
Olhando para o coelho, em um momento de
descuido, ela perguntou:
— E qual é o nome desta?
E foi em um momento de descuido que
Hector respondeu:
— Minha querida Anesi.
Foi uma surpresa para os dois. O coelho
pulou para longe e Joan baixou o rosto, sem saber
como prosseguir depois disso. Hector mudou
drasticamente de assunto e ela não insistiu.
— Já ouviu falar das fadas das montanhas,
Joan? — Ele perguntou depois de quase uma hora
de assuntos amenos. Fingia atenção a uma comida

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qualquer que mexia com sua colher de pau imensa,


mas que tão bem cabia em suas mãos, e ela
respondeu:
— Não, eu nunca ouvi falar. — Mentiu, e ele
sabia que era mentira.
— Pois sim, há quem diga que há fadas por
toda a floresta — ele fugiu o olhar, mesmo que de
vez em quando olhasse com saudade para o coelho
— ouvi uma história curiosa, uns trinta anos atrás
que talvez um dia você quisesse conhecer.
— É mesmo? E sobre o que seria essa
história? — Fez-se de desentendida.
— Sobre uma moça muito bonita e sorridente
que cruzou o caminho de uma dessas fadas do mal.
Ela transformou-a em um animal. E tem sido assim
pelos últimos trinta longos anos... — Hector disse
baixo, melancólico.
Com um aperto no coração, Joan levantou da
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cadeira e disse:
— Mas será que todas as fadas são más?
Hector olhou-a com indagação.
— Um dia eu gostaria que me contasse dessa
fábula. Deve ser encantadora — ela desconversou e
saiu da cozinha.
Era um assunto que não poderia evoluir. Sem
ar, ela correu pelos corredores, esquecida de ficar
invisível e camuflada. Manteve a corrida até
alcançar a mais alta das torres, onde estava
acostumando-se a se refugiar.
Era seu lugar favorito, onde podia deixar as
asas virem à tona e simplesmente sentar no chão,
descansar do fingimento que mantinha o dia inteiro.
Ou simplesmente bater as asas e tentar voar um
pouco, mesmo que mal tirasse os pés do chão.
Temia avançar além dos limites do forte e

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precisar encarar a Guardiã Zoé. E se voasse nos


limites do castelo poderia ser vista e causar um mal
irreparável. Angustiada, Joan entregou-se a um
choro baixo e contido.
Sentia-se desprotegida, precisava de um
abraço e alguém que lhe dissesse que tudo ficaria
bem. Esse alguém precisava ser Alma, Driana ou
Eleonora. Não servia outra pessoa. Permaneceu ali
por muito tempo, olhando em volta, como se
conferisse se Zoé estava sobrevoando o castelo ou
não. Mas não havia nada. Estava ficando paranoica.
Joan escondeu suas asas e voltou para a área
de convívio normal das empregadas. Em seu
caminho cruzou com Matilde, mas baixou o rosto e
temeu ter que enfrentá-la em um combate.
Sinceramente, estava cansada de sempre ser a
vítima. Era cansativo aguentar tudo calada.
— O Duque Mac William está andando outra

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vez — Matilde disse entredentes. — Eu não sei


como fez isso, mas vou descobrir. — Ameaçou.
— É mesmo? — Joan parou de andar e fitou-
a decididamente querendo briga. A saudade, a
angústia, o medo de perder o afeto do Duque e a
coação que sofria de Zoé... Tudo isso a punha em
um estado de alerta estranho, com o desejo por
desordem e caos. Vai ver que era esse sentimento
que Alma nutria em seu coração e a fazia sempre
tão arredia. — Você quer punir a única pessoa que
conseguiu colocar seu filho de pé outra vez,
livrando-o de uma vida de sofrimento e angústia? É
isso que você quer fazer? Se for, sou capaz de lhe
contar o meu segredo apenas para ver isso
acontecer.
Enfrentada, Matilde mal acreditou no que
ouvia.
— Como sabe sobre mim e o Duque? —

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Agarrou seu braço e Joan soltou-se com um


safanão e uma força que não sabia que tinha.
— Ele me contou! Rowell me contou!
Porque sabe que me importo com ele!
— É mentira! — Matilde disse com horror e
uma das mãos erguida, pronta para esbofeteá-la,
como era seu costume.
— Quer me bater? Faça. Mas saiba que eu
vou entrar em seu quarto quando estiver dormindo
e lhe farei mal maior que uma simples bofetada! Eu
posso fazer isso. Eu já estive em seu quarto. Pense
nisso, Matilde, quando estiver em seu quarto,
durante a noite prestes a dormir... Que eu posso
estar lá esperando a hora de me vingar de você por
tantos anos de humilhação contra as empregadas
submissas por necessidade! Eu quero que me diga,
manhã cedo, como é passar uma noite inteira
tremendo de medo.

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— Perdeu a lucidez me ameaçando? —


Matilde quase espumava pela boca.
— Não. Eu perdi foi à capacidade de temer.
Chega de ter medo. Eu não posso me defender com
suas armas. Mas eu tenho as minhas. Se daqui por
diante você encostar um único dedo em qualquer
uma das servas — Joan disse bem pertinho olhando
nos olhos de Matilde com a mesma raiva que via no
olhar da humana — eu vou atazanar sua vida e
nunca mais terá uma noite de sono em paz. Se você
acha que já conheceu a dor e sofrimento... Aguarde
para ver do que sou capaz.
— Não tem autoridade para fazer isso. É
apenas uma criaturinha insossa e pequena. Eu
posso quebrá-la ao meio com um golpe do meu
cajado, sua vadiazinha de vilarejo! — Matilde
avançou sobre Joan e a agarrou pelos cabelos.
Joan havia descoberto uma grande vantagem

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entre os humanos: os gritos.


Berrou o quanto pode, até atrair serviçais e
Alice que brincava ali perto. Nem mesmo a
presença da neta, aquietou Matilde.
— Eu a odeio! Deus é testemunha do quanto
eu me contenho para não matá-la! Eu não suporto
sua presença! Não é possível que vivamos sob o
mesmo teto! — Em meio ao seu frenesi de raiva
Matilde não esperava que Joan se soltasse.
Era fada e com um reflexo rápido fez com o
que parte do cabelo desaparecesse das vistas de
Matilde, mas não fosse possível que os outros
notassem, pois seu dom obrigava todos a verem o
que ela queria que vissem.
— Meu Deus! Meu Deus! — Matilde gritou
em pânico, soltando-a no chão.
— Eu avisei! — Joan levantou gritando,
chorando e alisando os cabelos feridos, com dor e
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mágoa. — Foi avisada! Dessa noite não passa! —


Antes que alguém tentasse acudir, Joan afastou-se
correndo, deixando Matilde para trás.
Desolada a humana olhou em volta e não
sabia para onde ir. Ambas, fada e humana estavam
em pé de guerra. Era oficial. E por mais que amasse
o Duque e esse pensamento chocou Joan
profundamente, não poderia perdoar os desfeitos de
Matilde. Era hora de alguém lhe dar uma lição. E
ela nunca se esqueceria dessa lição enquanto
vivesse! Apesar da decisão tomada, Joan ainda
limpava as lágrimas quando avistou alguém
desconhecido saindo do quarto do Duque Mac
William. Era seu irmão Edward. Conhecia o
humano de vista, mas nunca de tão perto. Diziam
que era um bêbado inveterado, e que não havia
recuperação para sua alma. Ele cheirava sim a
uísque e vinho. Trocava os pés enquanto assoviava

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pelos corredores.
Se ele a notou, não demonstrou. Joan baixou
a cabeça ao cruzar com ele e bater de leve na porta
do quarto do duque. Edward notou-a. Mas foi um
olhar rápido. A voz de Rowell pedindo que entrasse
a fez esquecer-se de tudo. Mal fechou a porta atrás
de si e disse:
— Eu sinto muito, mas preciso dar uma lição
em Matilde. Ela está acabando com meus nervos.
Eu aprecio sua família e cada dia mais eu gosto...
Eu aprecio sua companhia Duque de Mac
William... Mas Matilde não me deu outra escolha!
Preciso acabar com seus hábitos feios! Ela precisa
parar de nos coagir! Alguém precisa por fim a isso!
Sua exasperação era surpresa para o Duque.
Rowell estava de pé, exercitando suas pernas,
enquanto andava pelo quarto, de canto a canto,
fortalecendo os músculos. Primeiro, a surpresa de
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sua visita noturna. Depois a breve alegria de ouvir


que gostava dele como companhia e agora a
informação sobre mais uma briga com sua mãe.
— Está me pedindo permissão para vingar-se
da minha mãe? — Perguntou com cautela.
— Sim, mas não farei nada que coloque em
risco sua saúde. Quero mostrar a ela o que é sentir
medo o tempo todo. Humilhação, raiva e coação!
Não é possível que alguém se sinta no direito de
coagir outra pessoa o tempo todo! Como alguém
aguenta isso? Viver fugindo? Viver na angústia de
ser pega e... — Calou-se, pois estava desviando o
assunto para o que lhe acontecia em relação à Zoé.
— A vida de um fugitivo é angustiante — ele
concordou, e pela expressão de Rowell, imaginava
que Joan fosse uma fugitiva a um passo de ter um
ataque de nervos. — Matilde merece uma correção.
Mas não autorizo que lhe faça mal, Joan.

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— Nem mesmo uma pequena brincadeira


inocente para fazê-la mais... Humana? — Fez um
trocadilho que apenas ela entenderia.
— Acho que tem algo de malvado dentro de
você — ele sorriu e estendeu uma das mãos
pedindo sua companhia.
Mesmo sem querer, Joan olhou para a cama
desfeita, onde até então o Duque estivera.
Negou com a cabeça. Não iria se aproximar.
A tentação era maior. Se ela se deitasse naquela
cama com Rowell... Nunca o deixaria. Mas, ele
estava curado, e era ela a única que pensava em
camas!
— Espero que sim. Estou cansada de ser
enxovalhada pelo ódio alheio. Quero que me
odeiem pelo que faço e não pelo que sou — foi
franca.
— É o que o mundo espera. — Ele deduziu.
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— Agora, se me perdoar à indelicadeza, eu espero


que saia antes que eu use minha recém adquirida
capacidade de andar, para a encurralar contra a
parede para um beijo que nós dois sabemos que
queremos.
Por um segundo Joan pensou em atiçá-lo.
Sua raiva rapidamente dissipou-se. Ela sorriu
maliciosa e foi por pouco que Rowell não a
alcançou a tempo. Sorrindo, Joan o deixou para trás
e fechou a porta bem diante de seu nariz humano.
Sozinho no quarto, Rowell riu e ficou
pensativo. Assumira a responsabilidade de casar-se
com uma completa desconhecida, quando não
achara que poderia amar outra vez. E agora? O que
seria dele completamente apaixonado por uma
serviçal inocente e pueril que trouxera felicidade e
ares novos para sua vida?

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Capítulo 14 — Querendo uma boa

confusão

Desta vez Joan cumpriria suas ameaças. Era


o tipo de criatura que sempre voltava atrás em suas
intenções de vingança, ódio ou mágoa. Era sempre
aquela que perdoa e esquece rapidamente. Mas
dessa vez era questão de honra e sobrevivência.
Precisava dar uma lição em Matilde e finalmente
ter alguma paz em sua jornada de fugitiva. Estava
cansada de ser emboscada e atocaiada o tempo
todo, cansada de estar sempre com medo da própria
sombra!

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E suspeitava que as outras servas do forte


Mac William apreciariam uma boa trégua nos
gritos e cajadadas da governanta!
Era começo da noite, a lua soberana em um
céu sem estrelas, pesado com nuvens de uma chuva
que se anunciava, quando Joan percorreu os
corredores, camuflada. Ela estava começando a
perceber que conseguia mudar a imagem que os
olhos alheios viam. Até então, sabia que era capaz
de se camuflar e manter suas asas retraídas dentro
do corpo, mas tal como supunham as carcereiras do
Ministério do Rei, ela seria mesmo capaz de
controlar as imagens e formas vistas pelos olhos
das demais criaturas.
Com um sentimento único no coração, algo
entre satisfação antecipada e ansiedade, chegou à
porta do quarto de Matilde.
A humana deveria considerar que suas

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ameaças eram apenas palavras vãs de uma serviçal


amedrontada tendo um arremeto de coragem
passageira. Estava totalmente errada. Joan tocou o
trinco da porta e este passou a fazer parte da ilusão
criada por ela. Quando aberta Matilde não poderia
ver que sua porta se movera. Seus olhos viam
apenas a imagem de sempre.
Dentro do quarto, Joan piscou para se
acostumar com a luz parda das chamas das velas e
lutou para não espirrar por causa do cheiro forte das
velas derretidas.
Matilde estava pronta para dormir, vestida
em sua camisola pudica, cabelos soltos, que
trançava lentamente, pensando em algo que
ocupava totalmente sua mente. Talvez na saúde
recém recuperada de seu filho. Ou na briga tórrida
com sua subalterna. Quem sabe ainda, um pouco de
culpa por infernizar a vida de todas as outras moças

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desvalidas de proteção, como um dia a própria


Matilde o fora?
Eram conjecturas vãs. Nunca saberia o que
pairava em sua mente e sinceramente, não queria
saber. Nesse instante tudo que desejava era uma
pequena vingança. Como diria Alma, um ‘acerto de
contas’. E as contas, até aquele presente momento,
apontavam saldo negativo em relação a Joan.
Sentindo um gostinho antecipado de euforia,
Joan olhou para o cajado displicentemente apoiado
na parede do quarto, soberano aos olhos de quem já
provou do seu fel. Apesar de ter sido apenas uma
vez, Joan ainda tinha as marcas nas canelas, marcas
ainda roxas, que relutavam em curar totalmente.
Queria evitar fazer algo que pudesse levantar
suspeitas sobre sua descendência, nada tão drástico
que fizesse Matilde ter o que falar na manhã
seguinte, por isso, Joan aproximou-se do cajado e o

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empurro para o chão.


O baque da madeira chocando com o chão
acordou Matilde de seu transe. Assustada, a mulher
levantou e esqueceu a escova de cabelos sobre a
mesa. Imediatamente, Joan pegou e colocou a
escova sobre a penteadeira.
Matilde olhou em volta, ao notar que não
havia nada no quarto provavelmente deduziu ser
um acidente corriqueiro. Recolocou o cajado no
mesmo lugar e voltou para perto da cama.
Estranhou a ausência da escova e quando a notou
sobre a penteadeira, franziu as sobrancelhas com
estranheza, mas não se abalou.
Joan imaginava que por ter sido tratada como
louca no passado, Matilde não teria coragem de
contar nada do que acontecia para outros humanos,
com medo de ser mal vista outra vez. Sufocando o
riso, Joan aproximou-se da cama e começou a

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mexer nos cabelos longos de Matilde, assustando-a.


Dessa vez ela ficou realmente assustada.
Procurou pelo invasor, enquanto se aproximava da
porta. A chave havia desaparecido e a porta estava
trancada por dentro. Joan correu para pegar o
cajado e esconder sob a cama.
Matilde mal sufocou um grito quando tentou
se proteger recorrendo ao cajado e não o encontrou.
Encolhida contra uma das paredes, segurou o
crucifixo em seu pescoço e começou a rezar
fervorosamente.
Joan nem sabia que era capaz de desfrutar
tanto de uma malvadeza dessas! Assustada consigo
mesma, sentiu um prazer quase físico ao ficar
parada do lado de Matilde, sobretudo, pertinho de
uma das velas que iluminavam o quarto. Curvou-se
e assoprou a chama até apagá-la.
Matilde olhou para isso em pânico. Seus
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reflexos demoraram um segundo para fazê-la agir e


tentar alcançar a próxima vela, mantendo-a segura.
Joan foi mais rápida, assoprando uma a uma, até o
quarto estar na mais completa escuridão.
Matilde escorregou no chão, e ficou sentada,
encolhida naquele canto, rezando e implorando por
clemência.
Como acontecia com as meninas ingênuas e
desprotegidas que ela adorava ofender, enxovalhar
com seus gritos e humilhações, com seu cajado e os
espancamentos que nunca tinham fim.
Joan pegou uma das velas e a manteve em
mãos, sentou-se ao lado de Matilde, para que ela
sentisse a presença ao seu lado. Imóvel, tremendo,
a humana parou de rezar e ficou no aguardo da
desgraça que poderia se abater sobre ela.
Dividida entre pena e raiva, Joan conduziu
seus olhos para a ilusão que desejava mostrar-lhe.
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Não era propriamente uma ilusão. Era um dos


corredores da clausura, dentro do Ministério do
Rei, quando uma das carcereiras, a pior delas,
chamada Miquelina, humilhava e espezinhava as
fadinhas com seus gritos, suas surras e humilhações
gratuitas.
As carcereiras vestiam túnicas longas, em
linho antigo e amarelado. Cabelos presos em
toucas fechadas e asas recolhidas, escondidas pela
roupa. Naquele momento uma fadinha jovem, com
uns doze anos, a própria Joan, chorava baixinho
enquanto apanhava de cinto. Não precisava de
uma razão para isso.
Matilde não poderia reconhecê-la, mas
bastava ver seu próprio comportamento refletido
em Miquelina, pois nesse aspecto, humana e fada
muito se assemelhavam.
As imagens continuaram, principalmente

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quando uma das fadas mais velhas e enclausuradas


havia surgido no fundo do corredor, usando uma
das toucas e túnicas velhas, com pés amarrados e
asas cerradas. Estavam cicatrizadas, já fazia muito
anos que estava presa na clausura.
Pálida, feia pelos anos de sofrimento e
apatia, a fada tivera um acesso de fúria
inesperado, e avançara sobre Miquelina com uma
fúria animalesca de quem não tem mais nada a
perder e está com o juízo findado. Usando as mãos,
a fada esganava Miquelina sem dó ou piedade.
E o pior de tudo, era que as fadinhas jovens,
apenas assistiam, sem interferir. Nenhuma delas
ergueu um dedo para salvar Miquelina. Nem
mesmo Joan, encolhida e chorando em um canto.
Nem um movimento de ajuda.
A vida de Miquelina estava por um fio,
quando outras carcereiras surgiram e retiraram a

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fada enclausurada de sobre a carcereira. A infeliz


berrava e tentava se soltar, decidida a acabar de
uma vez com sua desgraça.
Uma das carcereiras, uma das mais antigas,
deixou de acudir Miquelina e aproximou-se da fada
que esperneava e tentava acabar com tudo. Usando
de seu dom a carcereira pousou uma das mãos na
testa da jovem e foi lentamente acalmando-a.
— Por favor, me salve — dizia a fada ao ir
desfalecendo lentamente — me salve, por favor...
Eu imploro, me salve... Eu não aguento mais...
Salve-me...
Quando a voz silenciou e a fada estava
desmaiada e contida, as carcereiras começaram a
se movimentar e arrumar toda aquela bagunça.
Mas não importava se a bagunça podia ou
não ser arrumada. O silêncio gritante queria dizer
apenas uma coisa: fadas da clausura e carcereiras,
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ambas remavam no mesmo barco a deriva em um


mar de solidão, abandono e sofrimento.
Matilde não tinha ideia de que mundo era
aquele ou o quem eram aquelas pessoas, apenas
assistia com olhos arregalados, de pânico completo.
E quando Joan acendeu uma das velas, deixando ao
lado de Matilde no chão, levantou e saiu do quarto
do mesmo modo que entrou, a governanta ficou
para trás.
Imóvel, incapaz de reagir, Matilde fitou a
chama da vela.
Ela fora avisada pela serva Joan que isto
aconteceria. Aquilo não podia ser um truque, fora
realístico demais. Também não poderia ser real.
Uma vez, muitos anos atrás, Matilde se convencera
que algo assim era real e isso acabou com sua vida.
Com as mãos tremendo, pegou a vela e
trouxe para junto de si, segurando-a com quase
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desespero.
Não reparou que a chave estava de volta na
porta e que poderia sair quando bem quisesse. As
teias do medo haviam envolvido-a e Matilde não
tinha certeza de como prosseguir, como agir depois
de algo assim.
Não podia deixar a serviçal vencer essa
batalha. Não mesmo. Não possuir o título de
Duquesa não queria dizer que aquele ducado não
lhe pertencesse. Era Matilde quem ditava as ordens.
E continuaria sendo assim enquanto vivesse.
Cuidaria de seu filho e de seus netos e lutaria
por eles com unhas e dentes, mesmo que para isso,
precisasse enfrentar Joan e submeter-se a esses
delírios de loucura.
Matilde fechou os olhos lembrando-se dos
gritos implorando ajuda. Sim, era esse o final de
quem coage e de quem é coagido.
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Uma estrada sem volta.


Nunca há um vencedor.
No final, todos perdem.
*****
Em uma estrada, não muito longe do forte
Mac William, uma caravana de carruagem e
carroças acampava na beira da estrada. Muito bem
protegida, uma jovem desfrutava de um pequeno
descanso perto da fogueira, depois de espichar um
pouco as pernas, cansada de permanecer tantas
horas sem exercício, tantas horas sentada em uma
carruagem.
Sua pajem estava comendo o jantar, perto da
fogueira acesa para os serviçais. A jovem pensava
em seu irmão e na chegada abrupta ao forte Mac
William. Não queria se casar com um completo
desconhecido. Estava apaixonada por um homem
justo e bom, mas não lhe fora dada escolha. Seu
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irmão escolhera seu marido, e dada à situação de


sua família com a morte de Howard, casar-se com o
Duque era sua melhor alternativa.
A jovem nunca foi nada além do que
submissa. Ela observou o céu e lamentou a
ausência de estrelas. Sua serva sorria muito para
um dos cocheiros e quando ambos saíram à
francesa e desapareceram entre as árvores, a jovem
corou e afastou os olhos, pois sabia muito bem o
que fariam.
O mesmo que fazia escondida com seu
grande amor. Um a um os empregados encontraram
um canto para se recostar e dormir. Ela não tinha
sono, permaneceu acordada. Andou pela estrada,
mesmo que não fosse muito longe.
Não sentia sono, pelo contrário, estava
inquieta com a chegada eminente. No dia seguinte
estaria diante do noivo e quem sabe, até o final

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daquele mesmo dia se tornasse a Duquesa Mac


William, amada esposa e cordata madrasta de três
crianças.
A jovem olhou para o céu e pensou ter visto
uma estrela cadente, algo em cor de ouro escuro,
cortando o céu. Olhou em torno, sem ver o que era.
Distraída não percebeu o que era até ser
atacada.
Zoé alçou um voo firme e compassado,
levando consigo o peso da jovem sequestrada. A
infeliz havia desmaiado de medo ao ser erguida do
chão e levada em um voo alto por sobre a copa das
árvores.
Humana estúpida, como todos os outros
humanos eram estúpidos e insípidos. Com a
velocidade de quem conhece a região e esta
habituada a voos longos, Zoé demorou mais de
duas horas para chegar ao seu destino.
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Em meio à floresta que margeava a Vila dos


Desesperados, ela pousou os pés no chão e com
agilidade e força que lhe era peculiar,
principalmente ao usar a armadura, jogou a humana
em seu ombro e avançou na direção do casebre.
A velha duende sem nome esperava-a na
porta.
A fêmea de duende era conhecida por
serviços pouco ortodoxos, por ser silenciosa e de
confiança. Aquela era a criatura certa para esconder
e guardar um perigoso segredo.
— Preciso que a humana esteja intacta
quando vier buscá-la — avisou a duende mais uma
vez, lembrando-a do acordo.
— Precisará disso para calar as perguntas dos
humanos — a fêmea lhe disse empurrando para ela
um saco com moedas de ouro humanas. Eram
moedas menores, diferentes das usadas no mundo
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mágico.
Fechando o saco de veludo, Zoé amarrou-o
na cintura e olhou para a jovem desmaiada no chão,
aos pés da velha duende.
— Não pode comercializar esta humana ou
trocá-la por qualquer outro bem. Preciso dela de
volta e em breve. Está me entendendo?
— Claro que sim. Não é a primeira vez que
faço isso. — A duende disse séria como sempre. —
Eu fiz um serviço bastante parecido para uma
conhecida sua. Talvez tenha interesse nesta
informação. São duas moedas de ouro e lhe conto o
que fiz e tudo que sei — barganhou.
Zoé analisou a velha duende, capaz de trocar
a própria vida por ouro, e perguntou:
— Quem é esta conhecida?
— Miquelina. Uma das carcereiras do

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Ministério do Rei —disse com empáfia e Zoé fez


uma expressão de escárnio antes de dizer:
— Acha que pagarei duas moedas de ouro
para saber dos serviços obscuros de uma carcereira
da clausura? Está louca. Não me importo com o
que as ratazanas fazem em suas tocas. Cuide dessa
humana, lhe dê de comer e beber, e não a deixe sair
da cabana e ver nosso mundo mágico. Eu venho
buscá-la em poucos dias e lhe trago o restante do
pagamento.
A velha duende apenas acenou concordando.
Não insistiu em lhe vender a informações sobre a
carcereira da clausura e quando Zoé partiu riscando
o céu com suas asas longas e verdes,e a velha
duende fitou a humana desfalecida aos seus pés.
Graças à arrogância da Guardiã, não lhe
contara uma informações vital que mudaria
totalmente seus planos.

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Era uma comerciante, não podia entregar


informações e sim vendê-las. Por isso, um preço
tão baixo, quase simbólico, apenas duas moedas de
ouro.
Queria ter lhe contado que Miquelina a
pagou para manter a fada fugitiva da clausura Alma
resguardada e em segurança, enquanto aguardava,
cheia de esperanças, que o Primeiro Guardião
encontrasse e acreditasse na fada Eleonora, após
ver suas asas. Que Reina e Miquelina acreditavam
na inocência das fadas fugitivas e esperavam há
anos por esse momento, um momento previsto pelo
dom de Miquelina.
Que neste momento, Alma estava em
segurança, após descobrir que Eleonora era Rainha
e Santha e Lucius haviam sido derrubados do
poder.
Ao saber disso, a Guardiã se reportaria

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imediatamente ao reino, diante de sua nova rainha e


obteria novas ordens. Resgatar a fada Joan, em
lugar de caçá-la.
Mas a velha duende não podia dar uma
informação. Ela apenas vendia informações. Era
contra sua natureza e graças a isso, a Guardiã
sovina continuaria caçando vento e tempestade,
sem saber que a bonança havia chegado ao reino de
Isac.
*****
Joan ansiava pelo momento de ver Matilde
na manhã seguinte. Não havia conseguido dormir
nada, na expectativa de ver sua opositora e
descobrir os benefícios que alcançara ao mostrar-
lhe que seus erros tinham consequências.
Observava Molly e Liara conversando sobre
seus envolvimentos românticos, pois Molly andava
trocando beijos com um arqueiro, que cuidava da
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proteção do forte, sempre de guarda na torre mais


alta da murada de fora, junto ao portal principal.
Liara, por sua vez, tinha um namorado
secreto, e pelo corado em sua face, Joan sabia que
deveria ser alguém problemático, talvez
comprometido. Uma provocava a outra. Naquele
reboliço de vozes de jovens, Joan quase não notou
a porta do dormitório ser aberta com força e
brutalidade.
A forte batida calou as vozes. Matilde,
vestida com seu mais sóbrio vestido azul escuro em
veludo pesado, abotoado até a altura do queixo,
avançou pelo pequeno quarto e para surpresa de
Joan, avançou até sua cama, onde Joan ainda estava
deitada, vestindo apenas uma camisola fina e larga,
presente de Molly que se desfizera daquela roupa
usada com uma desculpa qualquer, que mascarava
seu único desejo de ajudar alguém em situação

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ainda pior que a sua. Num ataque premeditado,


Matilde arrancou-a de sobre a cama pelos cabelos.
— Eu vou mostrar onde é o seu lugar neste
castelo, sua imunda fedorenta! — Esbravejava,
enquanto seguia um turbilhão de palavrões,
arrastando-a pelo chão, pelos cabelos.
Faltava força física para que Joan
conseguisse escapar, mas conseguiu ao menos ficar
de pé, tentando puxar os cabelos das mãos de ferro
de Matilde, o que foi em vão.
Gritando, tentava se soltar, sem notar que no
meio daquele escândalo todo, as servas as seguiam
horrorizadas, sem cuidado com as próprias
vestimentas, seguiam-nas pelos corredores.
— Você quer medir forças comigo, não é? —
Matilde gritou, em determinado momento, parando
de andar, sacudindo sua cabeça com força enquanto
fitava seus olhos com verdadeiro frenesi de ódio.
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Depois que o medo passou Matilde foi


tomada de um ódio incondicional, um ódio de
mostrar quem vencia no final.
— Você quer tomar meu lugar no forte?
Você quer meu lugar no coração do Duque? Quer
tudo que é meu? Eu vou lhe dar o que você quer! O
que vem pedindo desde que chegou aqui! Eu vou
lhe dar o que você merece!
Esse grito, em particular, fez Joan tremer por
dentro, mas não chorar.
Havia decidido não chorar mais. Matilde não
valia suas lágrimas, mesmo que a dor estivesse
sufocando-a.
— Me solte! Eu lhe juro, Matilde, se não me
soltar essa noite você vai pagar por isso!
A ousadia de chamá-la diretamente pelo
nome e a ameaça rivalizaram no conceito de
Matilde sobre provocação e ousadia.
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— Mil noites em claro não me farão permitir


sua ousadia! Eu espero que goste do seu lugar,
criatura sem valor, porque de hoje sua estadia neste
castelo não passa!
Joan se calou diante da última ameaça e
quase sentiu alívio ao descobrir que haviam
chegado a um lugar. Que aparentemente Matilde
não pretendia expulsá-la pelos cabelos do castelo.
— Aqui! Este é seu lugar! — Arrastou-a de
tal modo que Joan foi lançada ao chão quando
Matilde parou e soltou seus cabelos.
— Está diante do lugar que tanto deseja! O
lugar que me pertence! — Matilde disse-lhe
encarando os demais presentes.
Joan ergueu a cabeça e calou qualquer ofensa
que pudesse dirigir a Matilde.
As duas haviam chegado a um ponto onde
diálogo não existia mais, apenas ofensas e ameaças.
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Joan não estava disposta a abrir mão dessa briga.


Vencer Matilde seria como expurgar todos os
fantasmas passados que ainda a assustavam.
Estava na sala de jantar principal onde nunca
antes presenciou um jantar ser servido.
A longa mesa estava arrumada com o café da
manhã. Pela primeira vez em semanas, a família
Mac William toda reunida em torno da mesa longa
de madeira.
O Duque na cabeceira, seu irmão Edward ao
seu lado esquerdo. Ao lado direito uma cadeira
vazia. Na sequência Alice, Tommy e o pequeno
Marmom.
Com uma mesura, Matilde virou-se para o
duque e disse:
— A serva tem causado arruaça, meu senhor.
Desejo puni-la como merece ou enviá-la de volta

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para o vilarejo. Sempre foi do meu cuidado as


decisões referentes aos empregados. Se houver
mudança quanto a isso, estarei plenamente feliz em
abdicar do meu cargo e partir eu mesma para o
vilarejo. — Disse olhando fixo para o Duque. — E
farei isso ainda hoje. — Frisou a ameaça com voz
seca.
Rowell olhou para sua mãe, altiva e furiosa,
mascarando os sentimentos com uma expressão de
indiferença. Então olhou para Joan, largada no
chão, vestindo apenas uma roupa fina de dormir,
que revelava ombros delicados, macios e
tentadores. Cabelos longos por todos os lados,
bagunçados e despenteados.
Sua face pálida, assustada, mas com os olhos
acusadores. Verdes, límpidos e puros. Um olhar
furioso cobrando uma atitude do duque!
Humilhada, espezinhada e agredida.

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Se ele acudisse uma delas, perderia a outra.


Era fato.
— É o primeiro dia que partilho de um
passeio pelo castelo após semanas de
convalescimento — Rowell disse com voz
aparentemente calma, pois várias empregadas
espiavam pela porta aberta, aguardando ver qual
das duas seria a vitoriosa. — Meu primeiro café da
manhã em família depois de tanta espera por minha
recuperação. Como podem ver, meus filhos estão
na mesa. Meu irmão está na mesa. Eu tenho
assuntos mais importantes para lidar do que intrigas
entre serviçais.
— Se esta mulher ficar sem punição, eu
partirei ainda hoje. É minha última palavra, Duque
Mac William.
A voz de Matilde não deixava alternativa.
Ele sabia que Joan se vingaria e pela fúria de

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Matilde, havia alcançado seu intento.


— A comitiva que trás minha noiva foi vista
aproximando-se do forte. Não posso dispor de
servas nesse momento, quando o trabalho deve
aumentar. Sei que é plenamente capaz de resolver
esse problema do seu modo, Matilde. — Ele disse
tornando a dedicar sua atenção ao café da manhã
como se isso não lhe importasse.
Sorrindo vitoriosa, Matilde olhou para Joan
como quem olha para um inseto:
— Volte para seu quarto, se vista e
recomponha. Pense em sua insubordinação e mais
tarde, lhe darei a punição adequada.
Joan olhou para a mesa mais uma vez,
notando que o irmão do Duque bebia seu vinho,
achando muito divertida a situação toda.
É claro que a cobra peçonhenta que era
Matilde sabia muito bem que o filho nunca a
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deixaria partir do forte. Joan sentia mágoa do


Duque, mas não raiva.
Tremendo, pois sentia dor no corpo todo,
levantou e quase cambaleou. Antes de sair, no
entanto, virou-se para Matilde e pretendia sair,
antes que o choro de revolta viesse à tona.
Mas a injustiça do destino sempre nos trás
mais mágoa. Sentiu algo agarrar suas canelas e
quando olhou para baixo encontrou Marmom
olhando-a com idolatria e um sorriso fácil na sua
boca cheia de dentinhos humanos que em breve
cairiam e daria lugar a sua dentição definitiva de
homem-lagarto.
— Não, Marmom — ela disse com voz
embargada. — Agora não. — soltou suas mãos de
suas canelas e quase correu porta a fora.
No corredor, Molly tentou ajudá-la, mas Joan
desvencilhou-se de suas mãos e disse:
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— Me deixem em paz!
Correu pelo corredor, mas não em direção ao
quarto das servas. Camuflada, percorreu os
corredores até o quarto de Matilde, entrou e pegou
o cajado.
Com ódio, desejou quebrar o quarto todo,
mas não fez isso. Não mesmo. Pegou o cajado e as
cartas de Matilde.
Agora sim, a guerra estava de igual para
igual!

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Capítulo 15 — Cartas de amor

Matilde encontrou-a vestida, penteada e sem


marcas de choro, esperando-a no quarto das
serviçais.
Mal entrou e Joan levantou da cama,
dizendo:
— É bom pensar bem antes de encostar um
dedo em mim outra vez. Dessa vez você tem muito
a perder. Eu peguei suas cartas — foi direto ao
ponto e para surpresa de Matilde o cajado surgiu
nas mãos de Joan como que por magia.
A outra engoliu em seco e Joan moveu o
cajado de um lado para o outro nas mãos.
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— Eu gostei de carregar isso. Você tem razão


de usá-lo. Deve ser bem útil quando se é coagido,
não é? Se eu tivesse ele em mãos hoje cedo... Você
não teria me machucado mais uma vez.
— Me devolva. Isso é meu. — Matilde
ergueu a mão exigindo que devolvesse o cajado.
— Não. De agora em diante, nunca saberá
quando eu terei isso comigo. Quando vou usar
contra você. Eu também sei bater, principalmente
quando a luta é injusta. Sua humana nojenta, você
acha que só você no mundo sabe bater? —
Aproximou-se com o cajado nas mãos e encostou-o
na bochecha de Matilde. — Eu quero te respeitar.
Mas é muito difícil. Prepare-se... Ontem a noite foi
só o aperitivo.
— O que você é, sua imunda? — Matilde
perguntou com nojo na voz.
— Seu pior pesadelo? — Joan provocou. —
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Eu poderia ser sua amiga, lhe contar tantas coisas...


Mas você não quer amigos. Você quer ver choro.
Mas eu cansei de chorar.
— Você é exatamente como ela — disse
Matilde. — Anos atrás eu conheci alguém
exatamente como você. E ela acabou com minha
vida. Eu não vou deixar isso acontecer de novo. —
Avisou. — De hoje em diante você cuida da
lavanderia junto com as outras criadas. Vai cuidar
da roupa. — O sorriso de vitória de Matilde era
doentio.
— Desde que eu não precise ficar olhando
para sua cara, para mim está ótimo — Joan
provocou.
— A noiva do Duque Mac William está
chegando e eu não quero ver você perto da jovem.
Eu quero que mantenha distância. Não permitirei
que destrua o casamento do duque.

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— Do seu filho — ela corrigiu e Matilde


estreitou os olhos. Num gesto audaz de quem está
perdendo o controle, tentou tirar o cajado das mãos
de Joan.
Joan era pequena demais para lutar com ela,
mas tomada de uma fúria igualmente potente a
força física de Matilde, lutou pelo cajado a ponto
de cair sobre Matilde no colchão da cama.
As duas iriam sempre se engalfinhar. Quando
Matilde tentou agarrar seus cabelos descobriu que a
estratégia de amarrá-los em um coque era
proposital, pois assim Matilde não tinha onde
agarrar. Matilde tentou unhá-la, mas Joan usou o
cajado para imobilizá-la. A madeira embaixo do
queixo de Matilde, que ficou sem ar, e parou de se
mexer.
— Vai ser assim daqui para frente. Você me
bate e eu te bato de volta. Você sai do meu

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caminho e eu saio do seu. Eu não quero seu lugar.


Você é a mãe de Rowell! Eu? Eu quero ser outra
coisa... Eu quero ser a mulher dele! — Nem mesmo
Joan sabia que essa revelação estava a caminho. —
Se ousar me bater de novo ou a qualquer outra
criada, eu juro que rasgo suas cartas, uma a uma. —
notou que Matilde olhava em volta e sorriu de
modo doentio, com o mesmo veneno que sempre
lhe dispensara. — Nem adianta procurar, do jeito
que eu escondi... Você nunca vai achar.
Confusa com o que fizera e de onde saíra
tanta coragem, afrouxou o aperto do cajado e
desmontou de sobre a governanta. Ajeitou o coque
que Matilde quase desfizera com as mãos, lhe
dizendo petulante:
— Vou cuidar do meu serviço. Alguma
recomendação, senhora?
Matilde não respondeu nada, sem palavras, e

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Joan tomou aquilo como um não, saindo do quarto.


Finalmente, pensou. Finalmente havia se
defendido. E o sentimento de se proteger e não ser
coagida era maravilhoso!
*****
O gosto do poder era saboroso. Por isso que
Alma não abdicava de impor respeito usando da
força, coação e por mais que não concordasse, Joan
não podia dizer que não possuía um fundo de razão
em ser assim.
Joan sabia onde ficava a lavanderia do
castelo, mas nunca estivera ali antes. Aturdida,
fitou o movimento intenso e algumas servas que
conhecia. Principalmente as que dormiam em seu
quarto, dividindo dormitório.
Uma delas ao vê-la, empurrou-lhe um
enorme avental branco, quase um casaco, e uma
touca branca. Todas usavam isso. Joan vestiu-se
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rapidamente, seguindo-a em direção aos tonéis.


Tonéis gigantescos onde água borbulhava e
cozinhava os tecidos sujos dos lençóis e roupas
usadas pelos cavaleiros, escudeiros e arqueiros.
A criada lhe explicou que ali era preciso
atenção redobrada para não se queimar. Alguns
cozinhavam também tinta para modificar a cor de
alguns tecidos.
O calor intenso corou suas bochechas e suor
surgiu em sua testa. Rapidamente esse suor corria
por todo seu rosto, pescoço e formava manchas
escuras em sua roupa.
O trabalho era pesado demais para moças.
Mesmo assim, precisava ser executado e Joan não
reclamou em nenhum momento. Tudo para ficar
longe de Matilde.
Joan descobriu que o trabalho era intenso e
parecia não acabar nunca. Elas comeram o almoço
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rapidamente, servido em uma pequena saleta anexa


a lavanderia e ela imaginou que a causa disso fosse
o cheiro intenso de produtos de limpeza que
impregnava suas roupas e corpos, que estragaria
totalmente o apetite de qualquer outro trabalhador
do castelo caso se juntassem e a eles na cozinha
principal.
Apesar de todo trabalho pesado e toda a
tensão acumulada durante a manhã, Joan conseguiu
aproveitar a conversa e o alimento. Quando
retornaram ao trabalho, foi com uma das criadas
ajudar a levar as roupas lavadas para os varais.
Gigantescos varais escondidos dos olhos de todos,
em um canto escuro do castelo, onde poderiam
esticar as roupas de cama e deixá-las quarar.
Uma a uma foram estendendo as peças de
roupas ao som das vozes que conversavam assuntos
humanos de suas vidas. Muitas palavras e

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discrições Joan não compreendia e se exímia de


responder.
Em determinado momento, uma das criadas
avisou-a sobre terminar de dependurar os lençóis,
pois voltariam com mais roupas em breve. Ela não
conseguia carregar o peso todo e era mais útil
estendendo as roupas.
Sua roupa estava bastante molhada. Estava
cansada.
Pensou ter visto um vulto entre os lençóis
esticados nos varais e andou entre eles, procurando
a imagem que se afastava e aproximava conforme
sua vontade. Assustada com a possibilidade de ser
uma ameaça, seu coração culpado saltitava dentro
do peito quando afastou um dos lençóis molhados e
não enxergou nada.
Aturdida, Joan quase gritou assustada quando
alguém a segurou por trás. Uma mão enorme em
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sua barriga, cingindo-a contra o corpo de um


homem.
Um humano, ela sentiu cheiro de humano.
Sem ar, dessa vez, sem medo, Joan esperou.
Um queixo coberto por barba rala roçou em seu
pescoço e arrepiou-a da cabeça aos pés quando foi
beijada exatamente entre a curva do pescoço com o
ombro. Segurou sobre aquela mão possessiva que a
mantinha imóvel e embora mantivesse os olhos
fechados, desfrutando da carícia, precisou empurrá-
lo e soltar-se.
Virou-se para encarar Rowell que de pé,
vestido e retomando sua postura de Duque Mac
William começava a lhe parecer deveras perigoso
para seu juízo de fêmea. Com seus instintos ela
podia farejar a excitação dos corpos animais e não
era imune ao que se passava entre os dois.
Mesmo entre raças diferentes, às vezes, a
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compatibilidade pode ser total. A raça humana e a


sua não eram fisicamente tão desproporcionais.
— Está com raiva por que eu acatei o pedido
de Matilde — ele verbalizou a razão de sua raiva e
Joan o ignorou, fingindo interesse em pegar mais
um lençol na imensa bacia que jazia no chão do
gramado e estendê-lo no varal. — Fui pego em uma
armadilha perigosa e a culpa é das duas. — Joan
olhou para o Duque que manteve o olhar. — Se eu
desautorizasse Matilde, colocaria a criada Joan em
uma posição difícil. Todos a tratariam como uma
privilegiada dentro do castelo. Metade dos criados
iriam tratá-la como minha amante, a outra metade
desprezá-la. Se eu apoiasse totalmente você, eu
perderia minha mãe. E se apoiasse totalmente
Matilde, perderia você. De um modo ou de outro,
eu sou o único que perde. — Avisou como quem
pede desculpas.

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— Você não perde nada! — Ela lembrou-o


disso. — Eu não o culpo por tomar um partido na
situação. É sua mãe, você tem o dever de defendê-
la.
Joan sacudiu a água de uma túnica com tanta
força que acusou sua raiva eminente.
— Acontece que eu tomei partido muito
antes da briga das duas. Ontem à noite, quando me
pediu permissão para se vingar de Matilde, eu
tomei o seu partido, Joan. Eu a apoiei nessa luta
contra Matilde, mas ela não sabe disso. Você sabe.
E você não pode me julgar por entregá-la aos lobos
e permitir que as duas lidem com a situação que
criaram.
Era uma grande verdade.
Joan parou de trabalhar, água respingando
entre eles, dizendo resignada:
— Sabe o que acaba comigo? Eu gosto dela!
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Eu gosto de Matilde! Eu nunca pensei que poderia


gostar e odiar uma pessoa na mesma medida!
Como isso é possível?
— O amor e o ódio são amigos íntimos,
Joan. Quando um trai a confiança do outro, o caos
se instala — Rowell deu um passo em sua direção,
e Joan manteve o olhar preso ao seu, desfrutando
desse momento.
O Duque vestia uma camisa de linho com
tiras intercalçadas em seu peito, que a mantinha
fechada, mas não escondia o peito amplo e coberto
por pelos escuros. Ele usava um casaco estranho,
ricamente bordado, que Joan imaginou que fosse a
vestimenta dos nobres humanos. A calça colada ao
corpo e as botas muito se assemelhavam as dos
elfos. Mas o material era totalmente diferente.
Rowell era diferente quando em seu habitat
natural. Fora da prisão que o quarto e o

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convalescimento representavam, o duque era


completamente diferente. Sua voz mais grossa,
menos tênue. Sua postura totalmente ofensiva. Joan
moveu os pés em um passo desajeitado, não por
querer fugir dele ou temer suas ações agora que
recuperara suas forças e sua saúde, mas sim, por
temer o que aconteceria entre eles se não fugisse a
tempo.
As besteiras que faria por não pensar direito,
envolvida por seu cheiro e sua presença. Às vezes
esquecia que estava em pleno cio. Entre humanos
não sentia os efeitos de sua situação atual, mas
quando Rowell a olhava... Ela sentia algo muito
forte. E perigoso, pois se não é pele e carne... Só
pode ser coração e alma, e nesse caso, como ela
poderia esquecer-se dele e seguir sua vida?
— Não vou causar-lhe problemas, Rowell.
Vou resolver minha situação com Matilde e você

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não deve tentar me defender. Sou apenas uma


criada e não ficarei aqui tempo suficiente para ser
mais do que isso — disse triste com essas palavras.
— Eu não posso evitar defendê-la. Depois de
tudo que fez por mim, Joan... Eu não estaria aqui,
de pé olhando para seu belo rosto, se não houvesse
cuidado de mim e me salvado de uma vida de
tristeza e padecimento. Eu preciso retribuir tudo
que fez por mim.
— Eu não quero sua gratidão. — Joan
maneou a cabeça, ofendida com essa possibilidade.
— Tudo que eu não quero é sua gratidão. Eu não
lhe dei nada ou fiz algo estupendo. Se não fosse a
ignorância de sua raça... Estaria curado pelos seus e
não precisaria de mim. A natureza lhe deu a chance
de viver, a sorte o fez sobreviver ao ataque ao seu
forte. Eu? Apenas busquei as ervas corretas para
seu tratamento. Se o seu povo não fosse ignorante

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sobre muitas coisas... Saberiam onde encontrar e


para que servem essas mesmas ervas. — Explicou.
Quando falava assim, o duque não a
compreendia. Um abismo se abria entre os dois.
— Eu fico fascinado quando você fala assim
— ele admitiu, e Joan não notou sua proximidade,
perdida em seu olhar castanho-esverdeado.
Rowell andou entre os lençóis molhados e
encurralou-a junto a um deles, o mais pesado, que
molhava suas costas.
Joan nem tentou resistir. O pensamento de
fugir era inaceitável. Foi beijada com o mesmo
empenho das outras vezes. Calor imediato à fez
agarrar-se ao pescoço do duque. Entrelaçando os
dedos em sua farta cabeleira negra, enquanto ele a
abraçava pelas costas, apertando-a tanto e tão
próxima quanto possível.
Uma das mãos subiu para seu cangote e ela
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gemeu quando a língua alcançou a sua e a provocou


sem folga. A outra mão desceu muito e apertou a
carne de suas nádegas, por sobre o excesso de
roupa, Joan saltou em seus braços, assustada com a
ousadia do toque, entregando-se ainda mais ao
calor do momento.
Nunca estivera envolvida em um arremeto de
paixão. Ela sabia a teoria de como acontecia, pois
Driana era uma leitora voraz e lia todos os livros
que lhe caiam em mãos, sobretudo, os livros
proibidos e roubados dos quartos das carecerias,
geralmente roubados por Eleonora.
Em companhia dela, pois Joan sempre
acompanhava Eleonora em qualquer bagunça e
quebra de regras que desejasse fazer, em busca de
alguma fictícia adrenalina, em meio aquela vida de
monotonia e sofrimento.
Esses livros eram pesados e com relatos

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bastante eróticos sobre o que acontecia em meio ao


cio de uma fada. Sem contar as informações obtidas
das conversas secretas entre as carcereiras que vez
e outra bebiam elixir proibido e falavam de suas
obscenidades em meio a riso histérico e muito
choro bêbado.
Joan sabia que em pleno cio a fêmea perde o
controle de seu lado animal e acaba sendo muitas
vezes agredida e ferida por despertar o mesmo
instinto em um elfo. Era culpa dos instintos. Por
isso era viável ter um parceiro previamente
escolhido antes do cio ou durante ele, para que esse
macho pudesse ser preparado e escolhido de acordo
com a família da fada.
Joan nunca imaginou que entre humanos,
algo assim pudesse acontecer. Muito menos entre
eles dois. Até então estiveram envolvidos em uma
suave paixão, que a envolvida quando nos braços

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do duque. Mas recuperado fisicamente, o humano


demonstrava não apenas força e personalidade, mas
também uma sexualidade forte e impaciente.
Ela tentou segurar seu braço e conter suas
mãos, mas foi uma tolice, pois queria esse contato
mais do que tudo. Rowell aproveitou-se de suas
curvas, apertando nádegas, coxas e assumindo a
permissão para tentar erguer sua saia.
Joan nem percebeu como eles acabaram
contra o muro de pedras que separava o pátio dos
fundos do restante da ala dos serviçais. Ofegante,
Joan sussurrou seu nome enquanto agarrava sua
cabeça, acariciando seus cabelos como um
incentivo. Rowell correu os beijos por seu pescoço
e encontrou a curva de seu ombro, desnudando o
máximo possível que conseguiu de pele, antes de
subir a cabeça outra vez e devorar seus lábios em
um beijo forte.

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O corpo pesado a pressionou inteira


completamente coberta por seus músculos.
Envolvida pela presença do seu humano escolhido.
Joan agarrou o casaco, nas lapelas e o puxou com
força, obedecendo aos instintos sobrecarregados,
sendo plenamente atendida por Rowell, que afastou
suas saias o suficiente para encaixar-se entre suas
pernas.
Incapaz de pedir que parasse ou que
continuasse, Joan apenas deixou que o momento
acontecesse.
— Eu vou escrever ao Rei — Rowell disse
sem fôlego, quebrando o beijo, uma das mãos
pousando sobre seu seio, olhos fixos nisso, como
um toque de reverência, que imprime todo um
secreto desejo, guardado no fundo de um coração
que nunca conheceu um amor verdadeiro. — Eu a
quero como nunca antes aconteceu. Eu a quis

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quando era apenas uma voz no corredor. Quando


era apenas uma ideia na minha cabeça. Joan, eu não
vou deixá-la se afastar de mim.
— Não — Joan negou, sem ar, sem notar a
tentação que representava, oferecendo o peito para
seu toque, mesmo que inconsciente a isso. — Você
não pode fazer isso, Rowell. Sua promessa, você
não pode esquecer-se da sua promessa....
— Eu não quero esquecer da minha
promessa, Joan, farei tudo que puder pela jovem
que Howard deixou sob minha proteção.
Encontrarei um marido e uma posição para ela.
Mas não posso me casar com outra depois de
conhecer você, Joan. Não posso. — Foi tão incisivo
que a deixou repleta de esperanças de uma vida ao
seu lado. Encostou a testa na sua, com um sorriso
de quem finalmente abriu seu coração e está feliz
por isso. — Sempre fui obediente ao Rei e nunca

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houve desavenças entre nós. Eu acharei um modo


de negociar com ele. A situação nunca foi aprovada
totalmente pela corte. Eu posso encontrar uma
brecha para escapar disso. — Não lhe falaria sobre
o preconceito do Rei. Falaria-lhe apenas sobre as
coisas bonitas. Sorrindo, completou: — O que
temos é maior do que tudo. Antes eu era um
homem sem opções, em uma cama sem esperanças.
Mas agora eu sou capaz de gerir minha própria vida
e lutar pelo que eu quero e pela minha família. Lhe
ofereço meu coração, minha proteção e minha
família. Diga sim e me caso com você hoje mesmo
— ele ofertou.
— Eu diria sim. — Ofegou ao dizer,
sufocando os sentimentos. — Eu poderia dizer sim,
Rowell, poderia ser feliz a vida toda com a escolha
que fiz! — Ela correu os dedos pelos cabelos do
duque e fixou os olhos nos seus, para que soubesse

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que era sincera. Que suas palavras continham


apenas a verdade de seus sentimentos. — Apesar de
todas as nossas diferenças, de nossas raças não
serem compatíveis e de tudo que eu perderia com
essa união... Eu ficaria com você para sempre. —
Admitiu, mesmo que para o humano não fizesse
sentido.
Ela pensava em suas asas e no fato de nunca
poder plenamente usá-las, como as outras fadas
faziam. Ou do fato de viver entre pedras e
construções, ao invés de perto das florestas, junto
da mãe natureza, que tudo rege e cria. Um ser
mágico precisa desse poder, dessa energia e ela
perderia o convívio com seu povo, com as criaturas
semelhantes a ela.
Mas por Rowell e esse amor imenso que
sentia, abriria mão de tudo isso!
Com um sentimento de tristeza, piscou para

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não chorar e contou:


— Eu tenho um amor no peito, Rowell, que
carrego dentro de mim desde o berço. Eu não posso
trair esse amor ou renegá-lo. Eu tenho três irmãs de
nascimento e não de sangue, que são tudo para mim
nesse mundo. Eu falei sobre elas, como eu as amo.
Eu as amo desde sempre. Eu não me lembro de
mim mesma sem a companhia delas. Desde o
berço, Rowell. Enfrentamos tanta coisa juntas...
Tanto sofrimento, tanta coação. Tanto desespero!
Eu não posso simplesmente virar as costas para elas
e construir uma vida feliz. Eu preciso ajudá-las, eu
preciso esperar por elas! Sobretudo, eu preciso
partir por elas! Quando for a hora, elas me buscarão
e eu preciso segui-las para onde o destino as levar.
Seja perto ou longe. Eu estarei pensando em você o
tempo todo, mas não posso ficar e ser feliz sem
elas. Eu não poderia trair quem salvou a minha vida

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de todos os modos possíveis. Sem elas, eu nunca


teria suportado o Ministério do Rei por toda uma
vida de angústia. Nem um dia, Rowell. Eu não teria
sobrevivido um único dia sem elas... — No calor da
emoção Joan revelava fatos que não queria; que
não fazia sentido aos ouvidos de um humano. —
Eleonora sempre me alegrando com suas
brincadeiras, com seu riso fácil... Sempre querendo
me mostrar coisas bonitas e me fazer sorrir mesmo
nos piores momentos. Driana... Você não tem ideia
de quantos riscos ela correu até hoje atrás de
remédios e conhecimento para me ajudar nas
minhas crises... Sempre tão esperta, pensando em
modos de aliviar as punições e me livrar de mais
dor. Alma... Olhe, eu nunca poderia deixar Alma.
Ela anda no limiar do certo e do errado. Eu não
poderia abandoná-la! Nunca! Jamais faria isso! —
Eram palavras de desabafo, não queria de fato lhe
contar sua intimidade, pelo medo de serem ouvidos,
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mas não podia conter a verdade, pois precisava que


ele entendesse o que sentia. — Eu não posso virar
as coisas para elas! Porque eu sei que em meio a
todo o medo, elas buscam por mim. Elas lutam pela
liberdade e eu sou a última a ser buscada, eu sou
aquela que tentaram proteger mesmo quando não
há mais o que proteger!
Rowell segurou seus braços gentilmente, pois
Joan gesticulava muito, nervosa e emotiva, pois
abrir mão dele não fazia sentido em sua mente. Lhe
disse baixinho para acalmá-la:
— Minha proteção estende-se a elas, Joan.
Eu não as conheço, mas as protegerei com minha
vida se esse for o preço para ter você em minha
vida.
Era uma promessa tão linda. Tão verdadeira.
Tão apaixonante que Joan não respondeu, apenas
beijou-o com sofreguidão e desespero apaixonado

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de quem abria mão de um grande amor.


Rowell correspondeu e quando Joan o soltou,
lágrimas brilhavam em seus olhos. Sua decisão de
não mais chorar havia caído totalmente por terra.
— Eu não posso. — Ela sussurrou
desesperada. — Me perdoe, duque, eu quero, mas
não posso.
Claro que o humano não entendia a
profundidade que Joan carregava dentro de si. Ele
via uma jovem apavorada por uma vida sofrida e
sem esperanças, e sabia que com o tempo curaria
suas feridas e construiria ao seu lado uma bela vida.
Uma família feliz. Era questão de tempo.
Por isso Rowell a beijou outra vez, deixando
aquele assunto de lado.
Joan deixou lágrimas molhando sua face
enquanto o beijava com todo sentimento que
carregava dentro de si. Segurou o rosto de Rowell
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com ambas as mãos para acariciá-lo enquanto ainda


podia. O beijo teria evoluído para a mesma paixão
desenfreada de antes se um pigarrear alto não os
assustasse.
Pega no flagra, Joan sorriu apesar dos
pesares.
Seu coque desfeito, madeixas soltas por
todos os lados, desfeito pelos toques apaixonados
de seu futuro amante. Face corada, lábios
machucados dos beijos... Ela sorriu, não por
alegria, mas porque o olhar de raiva reprimida de
Matilde valia um sorriso.
— Sua prometida finalmente chegou — a
governanta disse com voz mordaz e satisfeita. — A
comitiva está no portão esperando sua permissão
para entrar, Duque Mac William.
— Faça o que tem que fazer, Matilde — ele
disse com um olhar incerto. — Eu já vou.
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— A demora demonstrará escárnio para com


sua noiva, Rowell — o modo sério e petulante de
Matilde finalmente conseguiu tirá-lo da sua
rotineira calma para com os caprichos de sua mãe.
— Eu já fiz o que você queria uma vez neste
dia, mãe. Não peça mais de mim do que posso dar.
A permissão está dada. Estarei com eles em alguns
minutos.
Era raro ouvir Rowell chamá-la de mãe, pois
temia ouvidos curiosos e boatos que pudessem
causar dúvidas sobre o direito dele ao título de
Duque Mac William. Mas Matilde conseguia tirar
até mesmo um homem pacato de seu eixo.
Enlouquecia qualquer ser racional!
— Essa não é uma boa ideia. Um Duque
precisa saber seu lugar e suas obrigações...
— Eu já disse que estou indo — ele
reafirmou, saindo do sério.
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Desistindo de infernizá-lo, pois o filho não


cederia dessa vez, Matilde afastou-se arrastando as
saias na terra, remoendo sua insatisfação.
— Não faça isso, duque, não mude sua vida
por minha causa. Eu não vou ficar. No final,
quando menos esperar, é isso que acontecerá. —
Joan fez questão de afirmar.
— É claro que vai. No devido tempo, você
vai mudar de ideia e verá que ficar aqui é a única
alternativa. Ficar comigo. — Rowell afirmou
convicto.
— Não. Eu vou embora, e para onde vou...
Jamais voltaremos a nos encontrar — foi taxativa,
empurrando-o com ambas as mãos. — Está curado,
está de pé outra vez, pronto para assumir suas
responsabilidades! Então faça isso! Matilde está
certa, você precisa honrar suas obrigações! Vá de
uma vez! Eu não posso ficar aqui e não posso lhe

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oferecer nada!
Rowell não aceitaria suas palavras.
— Eu vou apenas adiar essa decisão, Joan.
Peça minha ajuda, não parta assim. — ele pediu, e
ela afastou-se de qualquer toque.
— Apenas vá de uma vez e recepcione sua
noiva. Ela não tem culpa de termos perdido a razão.
Nenhum de nós é livre, duque. — Joan disse com
angústia mortificante.
O duque não queria ir. Não deveria deixá-la
assim, mas obedeceu. Um longo olhar que prometia
que aquela conversa ainda teria continuação e ele
partiu.
Sozinha, Joan apoiou-se no murro de pedras
para não cair. Respingos que o vento trazia, vindos
dos lençóis de roupas molhadas salpicaram sua pele
e ela olhou para o céu azul.

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Queria abrir suas asas e voar para bem longe,


em algum lugar onde não precisasse assistir Rowell
interagir com sua noiva.
Mas não podia fazer isso.
O céu não era seguro. Ela não era livre. Suas
asas não serviam de nada com Zoé lá fora
espreitando.
Limpando as lágrimas, Joan retomou o
trabalho de estender as roupas que ainda
repousavam nas bacias e sufocou os soluços, pois
apesar de Rowell não acreditar e aceitar, qualquer
envolvimento entre os dois era impossível!

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Capítulo 16 — De seda e de veludo

De um canto, perto das pedras, Tobias


analisava uma das meninas menores que brincava
perto das fêmeas. Ela era bonitinha e engraçadinha.
Ele sorriu para a pequena e fez uma florzinha
amarela aparecer em sua mão, atraindo a atenção da
menina de um modo instantâneo.
— Pegue, é para você, lagartixazinha — ele
disse em um gracejo e a menina foi somente
sorrisos para ele.
Uma série de pequeninas mágicas para gastar
o tempo e ele soube que sua brincadeira estava
arruinada quando avistou Helana aos cochichos

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com outras fêmeas. Rapidamente as mães vieram


na busca de suas crianças e ele ficou sozinho outra
vez.
A fêmea de homem-lagarto precisava juntar
armas, ele vinha notando que uma movimentação
estranha estabeleceu-se entre elas, onde havia a
necessidade por armas.
As fêmeas que até então apenas cuidavam
das crianças, agora passavam o dia todo esculpindo
flechas e afiando lâminas.
No dia anterior uma delas voltou com as
costas carregadas de espadas em uma bolsa de
couro. Ele não era tolo, poderia não ser um elfo de
luta, mas não era estúpido a ponto de não saber o
que acontecia.
Ou atacariam ou seriam atacadas. Em
qualquer uma dessas hipóteses ele estaria em
péssimos lençóis.
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Se fossem abatidas, ele seria levado escravo


por seus inimigos e viraria moeda de troca por ser
irmão do Primeiro Guardião, filho do Conselheiro
Real de Isac e, um procurado por assassinato.
Se elas atacassem, por certo o deixariam
preso ali sem água e comida por dias. O que
também não contribuiria em nada para seu bem
estar.
Incomodado, Tobias preferiu fingir não
perceber o que acontecia, e andou para longe da
entrada da caverna, sentando-se no chão, próximo
de onde Helana preparava uma bolsa de viagem.
Ela acampava muito. Sempre longe do
bando. Ele notou isso também. Muita negociação,
movimentação escusa. A líder das fêmeas de
lagarto gastava muito do seu tempo barganhando
alimento, armas e provavelmente afiando relações
diplomáticas com outros povos.

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Ele sempre temia o tipo de gente com quem


se metia. Apesar de prisioneiro, vinha se
afeiçoando aquelas fêmeas puras de coração, e
ansiosas por procriar. Era o único desejo da
sobrevivência e perpetuação da espécie. Um povo a
beira do precipício da dizimação de toda sua raça.
Olhando de esguelha, percebendo que ela
fazia o mesmo, pois desconfiava de sua
proximidade espontânea. Tobias puxou assunto:
— Quantas delas são de Egan? — Usou um
movimento sutil da cabeça para apontar as fêmeas
infantas que brincavam não muito longe deles.
Helana parou o que fazia e olhou para as
meninas antes de responder.
— Nenhuma delas. Nossa raça não pertence
a macho algum.
— Eu me referia à paternidade delas — ele
fingiu não notar que escapava de sua pergunta
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usando de hostilidade. — É possível que algumas


delas sejam minhas sobrinhas. E eu gostaria de
saber quais. — Ele sorriu sem vergonha e piscou
para Helana, como quem espera abrandar seu
coração e ganhar sua confiança. — Agora eu
entendo o desejo de solidão de Egan. Todos os anos
apreciando um bom tempo de reclusão nas
pedreiras do abismo, aproveitando de todo o
silêncio e afastamento do restante das raças... Egan,
o sério e incorruptível Primeiro Guardião e seu
segredinho sujo com as fêmeas de lagarto! — Não
resistiu a provocá-la.
— Seu irmão possui um senso de decência
que você não entenderia. Ele não se divertia
fazendo isso. — Ela respondeu com seriedade, sem
um único traço de candura na face. — Pelo
contrário, sempre um grande sacrifício de ambas as
partes. Egan sempre foi justo e útil para nós. Ele

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nos ajudou muito e por dois longos anos. E por


conta disso, nossa lealdade para com ele é eterna.
— E porque eu estou aqui? — Tobias
perguntou. — Não precisam de uma colaboração
forçada se Egan contribui espontaneamente para a
raça — ele apontou essa verdade com inveja.
Seu irmão era melhor do que ele. Era isso
que parecia.
E no fundo do peito, afastando o quase
rancor por Egan estar na perseguição às fadas e não
as ajudando, sabia que ele não desfrutaria do
infortúnio dessas fêmeas e sim as ajudaria de
coração limpo e sem malícia. Algo que ele próprio,
não seria capaz de fazer.
— A situação mudou. Não é mais plausível
contar com Egan. Em breve nossa situação deve ser
resolvida, mas enquanto isso não acontece... Você
serve para suprir nossa necessidade imediata. —
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Helana disse com ironia, voltando a arrumar seus


pertences.
— Você diz que Egan não pode mais ajudar?
O que você sabe sobre ele? — Tobias levantou
imediatamente a sua afirmação. Ele tinha uma
corrente prendendo seu pé, mesmo assim era longa
o bastante para andar entre as pedras e interagir
entre as fêmeas.
— O que você acha que eu sei? — Ela
revidou, provavelmente gostando de ver o
desespero em seu rosto.
— Egan estava seguindo uma das fadas
fugitivas — ele disse com frieza na voz, um
desespero velado de quem teme o pior. — Eu não
posso acreditar que algo tenha acontecido com meu
irmão. Para que Egan deixe de cumprir suas
obrigações ou cumprir promessas empenhadas... Eu
não posso pensar em outra razão além de... Não, eu

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não posso conceber essa ideia — tornou a sentar e


enterrou a cabeça entre as mãos, tomado pelo pior
dos pensamentos.
Perder seu irmão seria um golpe que jamais o
permitiria seguir em frente. Não, ele não concebia a
ideia de viver sem o irmão por perto!
Helana jogou a trouxa arrumada de pertences
nas costas e com um vestígio de pena, que Tobias
não chegou a ver, decidiu por ter clemência.
— Egan está vivo e bem fisicamente. —
Avisou. — Ele não pode mais reproduzir com
nossas fêmeas. Ele tem obrigações agora. Um rei
não pode ter crias que suprimam suas obrigações de
rei. Até então, apenas fêmeas vieram de sua
contribuição... E não colocam em risco a
descendência real de seus futuros herdeiros machos
— ela apontou um grupinho de meninas brincando,
eram muito pequenas, entre um e dois anos — de

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hoje em diante seus filhos serão herdeiros do trono


de Isac, e precisam ter o sangue de sua rainha e não
de uma fêmea de lagarto.
— Rei? — Tobias olhou para ela em choque.
Sentimentos que iam aos extremos.
— É claro que não sabe das novidades. —
Helana satirizou, satisfeita em lhe dar às notícias.
— Rainha Eleonora subiu ao trono. O poder agora
lhe pertence e ela escolheu um rei. E esse Rei é
Egan, o Primeiro Guardião. Nada mais natural que
isso acontecesse. Filho do Primeiro Conselheiro
Real e de Reina, a mulher que sempre zelou por
Eleonora, e Primeiro Guardião. Quem não
escolheria Egan para ser seu rei? — Ela sabia que
suas palavras feriam a vaidade de Tobias — que
coisa estranha... — Sentiu prazer em dizer isso —
olhando para você agora... Ninguém diria que é
irmão de um rei.

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Com essas palavras, Helana afastou-se


deixando para trás todo o seu desprezo. No chão,
Tobias não acreditava nas palavras ouvidas.
Eleonora estava a salvo e era rainha. Engoliu em
seco, lutando contra o sentimento de felicidade por
saber que em breve todas as quatro fadas estariam
livres e ele também estaria a salvo. Mas então a
euforia foi sufocada pelo ódio e ciúme.
Egan? Eleonora escolheu seu irmão para ser
seu macho escolhido?
Depois de tanto companheirismo e
cumplicidade, de tantos anos sabendo de seus
sentimentos, Eleonora simplesmente escolhia
outro?
Tomado de uma indignação sem precedentes,
ele tentou levantar e sair dali, mas a corrente que
prendia seu pé foi um empecilho. Seu brado de
ódio assustou as meninas menores que correram

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para suas mães.


Engolindo a raiva, Tobias limpou o suor da
testa e olhou para tantos olhares femininos e
recriminadores, puxou a corrente praticamente até
desistir, ao confirmar o que já sabia. Não podia ir,
estava preso.
Devastado, Tobias voltou para o chão e
conteve a raiva, pois agora, mais do que nunca,
precisava encontrar um modo de fugir!
Quem sabe... Ainda houvesse tempo para
impedir o casamento e a consumação?
A escolha do Rei não queria dizer nada, a
menos que ele seja realizado e consumado diante
dos olhos dos Conselheiros Reais!
*****
Joan estava cansada de ouvir os burburinhos
que corriam soltos pelos corredores. Havia passado

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o dia todo fugindo, mesmo assim as criadas


estavam agitadas por conta da chegada da noiva do
Duque e vinham lhe perturbar com fofocas.
Ela sentia seus ouvidos doerem de tanto
ouvir elogios. Bonita, charmosa, perfumada,
coberta de joias... Elegante e brilhante, como uma
nobre dama deve ser. Claro, e Joan estava
rapidamente adquirindo um hábito humano: odiar.
Sua única alegria daquele dia foi ter visto
Matilde esbaforida, correndo pela cozinha, no
desespero primitivo de agradar a infeliz que viera
meter-se em seu domínio e que Joan esperava que
não sofresse tanto quanto ela vinha sofrendo nas
mãos de Matilde.
Mentira, queria que Matilde fizesse da vida
da noiva metida de Rowell um verdadeiro inferno.
Ciumenta, ela comia uma maçã na cozinha ouvindo
as estórias de Hector, enquanto as criadas corriam

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de um lado ao outro.
Quando Matilde apareceu na cozinha para
trocar um dos pratos do jantar, pois a noiva do
Duque não gostara do tempero, Joan indignou-se
tanto ou mais do que acontecia com Matilde.
Como uma novata ousava impor-se entre os
cuidados de Matilde e o tempero de Hector?
Sabendo muito bem que vinha procurando defeitos
na jovem, Joan fingiu não notar e concentrou-se em
seu orgulho machucado, em seu ciúme e inveja.
Em determinado momento, de seu canto, ela
ergueu os olhos para descobrir que a mãe de
Rowell mantinha os olhos sobre ela. Sim, Matilde
conhecia bem o sentimento que dominava Joan.
Vira seu amante casar-se com outra bem diante de
seu nariz, e não pudera fazer nada para evitar. E no
caso de Joan era ainda pior, pois não podia e não
queria fazer nada para evitar.

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As horas passaram e o bendito jantar de boas


vindas chegou ao fim, e finalmente Joan teve
permissão, junto das demais criadas, para se
recolher.
Todas dormiam, e quando a lua tomou conta
de seu domínio nos céus, Joan refugiou-se nas mais
altas muradas. Queria um tempo para si, para
respirar e ver a natureza de um ponto onde humano
algum maculou.
Um pequeno voo não seria detectado pela
Guardiã. A infeliz deveria estar longe dali e não a
veria. Talvez a farejasse, mas Joan não pretendia ir
longe. Apenas um voo curto para espairecer a
mente e lembrar-se de quem era.
Fungando, fingia não saber que o choro
corria em suas bochechas. Ela sempre foi chorona,
tanto na felicidade quanto na tristeza, mas chorar
por amor era um tipo pior de choro. Um tipo

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angustiante.
Uma palavra sua e ela estaria no lugar
daquela fêmea humana, sendo alvo de todo o
sentimento do Duque Mac William. Mas sua
escolha estava feita. Ela nunca viraria as costas
para suas amigas por conta de um humano. Ainda
não sabia se seria plenamente capaz de deixar de
ser uma fada por conta de um amor. Como ter
maturidade suficiente para decidir algo dessa
magnitude?
Uma vida toda presa, ansiando pelo momento
de ter suas asas e desfrutar da liberdade total, e
agora que esse momento chegou, não importava a
razão, ela considerava a possibilidade de abrir mão
de tudo por um humano?
Primeiro ela reencontraria Eleonora, Driana e
Alma. Então, regressaria um dia, quando todos
estivessem esquecidos dela, e tentaria recuperar

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esse amor perdido. Angustiada com esse


pensamento, Joan abriu os botões do vestido, nas
costas e esperou que suas asas viessem à tona para
usufruir um pouco de alívio e liberdade.
Nada aconteceu, e Joan insistiu mais um
pouco. Nada de suas asas aparecendo. Ótimo, ela
estava exausta de tanto trabalho na lavanderia do
castelo e estressada por conta da chegada da noiva
de Rowell. Suas asas não a obedeceriam enquanto
estivesse assim. Conformada, ela pensou ter visto
um vulto na escuridão quase total e procurou pelo
humano que estava ali.
Era Edward, o irmão de Rowell. Ele estava
sozinho. Bebendo outra vez. Uma garrafa de vinho
ao seu lado. Nada elegantemente o homem sentou
no chão para chorar suas lamúrias alcoólicas.
Apenada, Joan ficou espiando. Quando pensou ter
ouvido o som de asas de uma fada, tentou ficar

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camuflada, invisível aos olhos humanos e não


conseguiu.
Precisou esconder-se atrás de uma parede e
ficar silenciosa na esperança de ver se estava certa.
Mas não estava. Não havia ninguém.
Estava ficando paranoica, ou desesperada,
tentando encontrar algo de mágico a sua volta.
Uma boa noite de sono afastaria o medo, a
decepção e quem sabe, aquela dor que o ciúme
despertara em seu coração.
Quando partiu, Joan deixou para trás o irmão
do Duque que chorava baixinho bêbado e mais
alguém. Alguém que Joan não viu.
Uma mulher humana, muito bonita, coberta
por mantos e capas, saiu das sombras e aproximou-
se do humano. Ajoelhou-se no chão e tocou o rosto
úmido de lágrimas, sussurrando:

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— Olhe para mim, Edward, agora eu sou


mesmo uma fada — era uma voz suave, ferida e
apática.
Olhando para o rosto bonito, que um dia fora
incrivelmente belo, Edward viu palidez
assustadora, veias avermelhadas e muitas marcas de
hematomas. Apenas os belos olhos cor de avelã
haviam resistido aos anos de sofrimento físico.
Ela levantou e seu corpo cambaleava. Mesmo
assim, um sorriso pairava em sua face ao deixar a
capa e o manto caírem no chão revelando seu corpo
nu.
Ela virou de costas e ele viu suas belas asas.
Era uma visão assustadoramente feia.
As asas brancas, salpicadas com dourado,
longas e com detalhes ricamente bordados pela
natureza em suas hastes e formas, que deveriam ter
sido lindas um dia, estavam começando a murchar
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e apodrecer. A junção do corpo humano com as


asas estava apodrecendo onde havia uma costura
mal feita.
Mais uma vez ele teria que dizer a ela. Outra
vez seria sua vez de dizer e destruir seus sonhos:
— Eu sei de uma fada que se adapta a tudo,
Sophie. — Edward disse com voz mansa — suas
asas são adaptáveis. Elas não são como as outras
asas, não são como essas. — Apontou o corpo
ferido e retalhado, principalmente onde havia uma
patética tentativa de fundir as asas roubadas de
alguma fada com o corpo de uma humana.
— Mas eu consegui voar com essas asas.
Pela primeira vez. Elas me pertencem agora — ela
disse ajoelhando-se no chão, a face trincada, funda,
marcada pelos anos de obsessão.
— Não, elas estão apodrecendo. Outra vez,
não vão durar e precisarão ser trocadas, como
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aconteceu com todas as outras — tocou seu rosto


antes que ela se desesperasse. — Mas dessa vez eu
tenho as asas perfeitas para isso. Não faça nada sem
minha permissão, querida. Eu vou ajudá-la nisso
mais uma vez. É questão de tempo agora.
— Fala da criada que tem se deitado com
Rowell? Ela cheira a fada, cheira a cio de fada —
ela disse com apatia total, nada era capaz de alegrar
verdadeiramente seu rosto.
— O nome é Joan. Sim, ela é uma fada e está
no cio. Mas isso não importa. O que importa são
suas asas. Ela tem um dom muito útil para nós,
Sophie. Você verá com seus próprios olhos.
— Quando? — Perguntou frágil.
— Logo. Quando tudo estiver acabado e os
dois mundos estiverem em nossas mãos — ele
sorriu e ela fez o mesmo, mesmo que apaticamente
— eu lhe darei isso, Sophie. Será a mais linda das
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rainhas. E suas asas serão vermelhas, curtas e ágeis.


Você verá.
— Eu nunca tive asas vermelhas — ela
recostou-se ao peito de Edward e começou a contar
sobre todas as outras asas que foram roubadas de
fadas sequestradas e costuradas em seu corpo.
Sobre todas as outras asas perdidas e apodrecidas.
— Eu sei o que está acontecendo, Edward. Depois
de tantas tentativas, eu sou quase uma fada. Eu
posso sentir a magia correr em minhas veias — ela
disse com a face refletindo essa insanidade.
— É claro que sim, Sophie — ele abraçou-a,
tomando cuidado para não tocar naquela aberração
nas suas costas. — Precisa voltar para o seu
esconderijo, ainda não é hora de se revelar.
— Alice? — Ela disse com olhos brilhantes.
— O último carregamento que trouxeram contem
uma fadinha no cio. Ela é pequena e tem asas finas

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e macias. O que me diz? Alice tem idade o bastante


para começar as tentativas...
— Hum, ainda não — Edward disse
angustiado. — Primeiro mostraremos a ela como
sua mãe possui lindas asas. Como é soberana em
um mundo de criaturas lindas e inacreditáveis.
Depois, será a vez de Alice.
— Sim, e então, de Tommy. — Sophie disse
pensativa. — O meu pequeno Tommy será um
lindo elfo, Edward, você não acha?
— É claro que eu acho. — Ele respondeu
com apatia.
— E o pequeno Marmom? Porque nunca o
traz para que eu o veja? Eu o vi apenas uma vez,
quando nasceu. Quero abraçá-lo um dia desses.
— É claro que sim. — Edward disse com o
olhar perdido na imensidão da noite, em uma apatia
trágica. — Todos os seus desejos, Sophie. Eu
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realizarei todos os seus desejos...

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Capítulo 17 — Veneno de cobra

Naquela manhã Joan acordou com uma


pequena poça de sangue em sua cama. A primeira a
notar além dela, foi Molly. Ela tratou como algo
normal, como se a surpresa de Joan se devesse a ser
sua primeira menstruação.
Mas não era nada disso. Era o cio
machucando-a por dentro. Ela escondeu isso e
fugiu dos sorrisos das outras criadas, se refugiando
na cozinha, sob a proteção de Hector. Ajudou na
cozinha durante a manhã, esperando o momento de
ser chamada pela responsável da lavanderia.
Estava com uma dor de cabeça imensa, que

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parecia crescer a cada palavra dita por Hector. Ele


falava sem parar da noiva do Duque Mac William.
A noiva misteriosa havia conquistado a
admiração e afeição de todos no forte.
Todos menos Matilde. O que era de esperar,
pois a humana não tendia a simpatizar muito com
as escolhas do filho.
Quando ela surgiu na cozinha e apontou-a,
Joan soube que era algum tipo de vingança pessoal.
— Leve o chá para a saleta principal. —
Matilde mandou, e embora não houvesse sorriso
em sua face, Joan sabia que estava contente em
humilhá-la. — E seja cuidadosa, estamos usando
nossa melhor prataria.
Joan olhou para a prataria e concordou. Não
por submissão, mas porque não andava com ânimo
para incentivar a guerra com Matilde. Apática,
pegou a bandeja e saiu da cozinha.
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Desconfortável, Joan sentia o ataque feroz do


cio em seu corpo e se perguntava por que disso.
Talvez algum ser mágico estivesse por perto e não
houvesse notado. Isso, com toda certeza, afetaria
seu corpo padecente do recente nascimento das
asas.
Preocupada sobre seu cheiro de cio ter
atraído alguma criatura mágica, algum elfo de má
índole, algum caçador de fada, Joan decidiu por
subir na murada mais alta, para observar o pátio
todo na busca de algum invasor.
Infelizmente Joan não precisava se preocupar
em esconder seu cheiro de fada, pois a Guardiã Zoé
sabia onde estava. Apavorada, Joan tentou refutar o
pensamento insistente de Zoé ter invadido o
castelo. Com esse medo correu pelos corredores do
castelo, no alto, olhando para o pátio onde os
humanos trabalhavam e mantinham o forte em

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perfeito zelo.
Tentou ver onde estaria Zoé, pensar onde
poderia estar escondida esperando-a para uma
caçada de vida e morte, que para piorar tudo
poderia por em risco a vida dos humanos. Quanto
mais andava, mais forte o cheiro de criatura mágica
ficava. Aos poucos esse cheiro se tornou
insuportavelmente azedo e ela teve certeza que era
uma fêmea.
Apavorada, Joan temia por sua vida e pela
vida de todas aquelas pessoas. A estratégia de Zoé
em caçá-la dentro do castelo a assustava muito
mais do que um ataque direto em plena floresta.
Zoé parecia muito mais interessada em
derramar seu sangue do que aprisioná-la e levá-la
para a Rainha Santha.
Joan voltou a correr e parou abruptamente ao
ver Rowell, o seu humano. Gostava de pensar nele
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dessa forma: O seu humano. Ele não estava


sozinho. Ao seu lado uma bela nobre trajando um
vestido delicado e um sorriso falso na face.
Ele estava de frente para a murada mais alta,
apontando algum ponto no horizonte enquanto
conversava com a humana, provavelmente lhe
contando sobre histórias antigas do ducado, sobre
como fora conquistado com lutas e mantido durante
anos e anos, através de ferozes defesas contra
inimigos dispostos a tudo para obter suas férteis e
bem localizadas terras.
Alta, tanto quanto Rowell, a mulher vestia
um belo vestido verde jade, com adornos em
dourado por todo o tecido. Sua postura era reta,
firme, longilínea, o que muito combinava com seu
corpo coberto de curvas sensuais. Seios fartos e
rijos, cintura finíssima, quadris redondos, pernas
musculosas cobertas pelas camadas de tecido.

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Os longos cabelos negros e crespos estavam


soltos da nuca em diante. Sobre a cabeça, presos e
mantidos domados. Enquanto uma bela joia em
forma de tiara cobria sua testa inteira.
Para os humanos, uma linda joia forjada em
ouro. Para Joan, era uma parte de armadura de
Guardião. E essa joia escondia as tatuagens de um
clã que marcavam a testa de uma fêmea com sinais
de seu local de nascimento.
Essa humana na verdade era Zoé caçando-a
dentro do castelo, nas fuças dos humanos.
Sentindo seu cheiro e sua presença, e quem
sabe também sentindo o cheiro de medo, Zoé olhou
para trás e sorriu com algo de misterioso na face.
Depois de sua última derrota, ao ver a ratinha
inocente Joan fugir com o gosto da vitória, pegá-la
desse modo, de surpresa, dentro de sua toca, era no
mínimo satisfatório.
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Joan deixou cair à bandeja com pratarias que


carregava e por um segundo ficou imóvel.
Naquele momento de caça encurralada a
única certeza que Joan teve era que Rowell estava
de pé diante de uma Guardiã do Reino de Isac, uma
criatura que deveria levá-la embora viva ou morta.
Como pudera ser ingênua a ponto de
acreditar que estaria segura dentro do forte dos
humanos?
Num impulso incontrolável de não saber o
que fazer ou para onde ir, Joan correu para longe,
esperando ter alguma vantagem. Mas era tarde
demais para temer por suas amigas, pois sua vida
estava por um fio, e agora que estavam no mesmo
lugar nada impediria Zoé de matá-la.
Principalmente depois do que fizera,
vencendo-a alguns dias atrás!
Joan não conseguiu ir longe. Ouviu o grito de
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Rowell exigindo que aguardasse. Não podia negar


um chamado do duque, podia? Ficou parada, de
costas, tremendo da cabeça aos pés, sentindo a
aproximação dos dois.
— Espere, Joan. Quero que conheça Zoé.
Condessa Zoé de Ruminosses, viúva do Conde
Francisco Ruminosses. — Ele apresentou com algo
no olhar, que ao virar-se e fitá-lo cortou o coração
de Joan. — A Condessa precisará de cuidado
especial da criadagem. Ela não deve se casar nos
próximos dias, está de luto recente. Mas precisa
fazer amigos e conhecer seu futuro forte.
— Eu direi isso a Matilde — Joan respondeu
sem saber de onde encontrara voz para isso.
— Faça isso — ele respondeu com um tom
muito parecido a condescendência. — Gostaria que
levasse a Condessa para conhecer o castelo. —
Rowell pediu.

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— Sinto muito, duque, Matilde me designou


para a lavanderia... — Tentou fugir.
— Estou autorizando-a a conduzir minha
noiva a um passeio pelo castelo — ele sorriu e
aproximou-se suavemente sussurrando para que
apenas ela ouvisse. — Não quero ter que falar
sobre o casamento agora, distraia-a para mim, Joan.
Por favor.
Ótimo, Rowell queria escapar de uma
conversa sobre casamento. E ela queria escapar de
ser morta, empalhada, e levada de presente para a
coleção pessoal de morbidezes de uma rainha louca
chamada Santha.
Contendo uma vertigem, acenou e
concordou.
Olhou para Zoé e encontrou-a olhando para
os dois com malícia indisfarçável.
— Um passeio será encantador, Rowell —
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Zoé disse sedutora, e pousou uma das mãos no


braço do Duque, embora os olhos estivessem fixos
em Joan.
Era o segundo dia da Condessa em seu novo
lar. Era natural que desejasse conhecer seu
patrimônio, ainda mais as possíveis amantes de seu
futuro cônjuge.
Livre do incômodo que sua noiva
representava, Rowell suspirou aliviado quando as
duas se afastaram dele, lado a lado, unidas por um
silêncio tenso.
— O que achou de sua noiva?
A pergunta não o assustou, pois estava
acostumado com as chegadas de sua mãe, sempre
em surdina, espreitando, pegando-o de surpresa em
algum momento de descontração. Olhou para trás e
sorriu-lhe.
— É bonita — era um quase consolo.
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— Você não gostou dela. — Matilde ficou ao


seu lado, olhando para as duas figuras femininas
que se afastavam ao longe.
— Eu não gostei de Sophie quando a conheci
e isso nunca fez diferença alguma para você. —
Rowell revisou, com um pouquinho de amargor na
voz.
— Mas agora é diferente — Matilde acusou e
ele sabia muito bem do que se referia. — Agora
você tem uma razão em especial para rejeitar esse
vantajoso casamento.
— Deixe Joan em paz. Eu ofereci a ela meu
ducado, proteção e meu amor, e mesmo assim, ela
disse que partirá em breve. —disse incomodado
com o comportamento de sua mãe. Ressentido, essa
era a palavra certa para descrever o que sentia.
— A ousadia dessa mulher parece não ter fim
— Matilde ruminou e ele sorriu.
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— Seja agradecida a Joan, ela me salvou de


muitas maneiras. — ele pegou a mão de Matilde e
fez um carinho.
— Ela é estranha e trará muita desilusão para
este forte. Eu já vi isso acontecer antes. Não duvide
de sua mãe, Rowell. Eu sei o que digo.
Ele não respondeu nada, apenas manteve o
carinho, dizendo silenciosamente para ser menos
tensa e mais emocional.
*****
Joan andou lentamente ao lado de Zoé, sem
assunto, até estar longe o bastante para não ser
ouvida pelo Duque Mac William.
— Então, como anda o funcionamento de
suas asas, fadinha da clausura? — Perguntou Zoé
com uma expressão de tanta satisfação que a irritou
profundamente.

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— Muito bem, obrigada — mentiu.


— Não seja mentirosa — Zoé esnobou sua
tentativa de manter a dignidade. — Belo dom esse
seu. Recolher suas asas é algo muito prático. —
Disse com mistério no olhar. — Porém, um dom
complicado quando o meu o bloqueia. Quem diria,
não é? Que eu apareceria aqui e depois disso, seu
dom e asas não serviriam para mais nada?
Joan ouviu e fez sentido total. Suas asas
estavam recolhidas e escondidas quando Zoé
chegou. Agora seu dom bloqueava o seu e ela não
podia usar suas asas e dom.
— Você não pode me pegar na frente dos
humanos. — Joan parou de andar e foi direto ao
ponto. — Nem mesmo você poderia exibir quem é
diante dos humanos. Suas asas estão aí, não estão?
Escondidas nesse belo vestido. — Acusou — mas
se você revelar quem é, será alvo dos humanos e eu

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bem tenho visto do que eles são capazes por conta


do medo e ignorância que nutrem sobre nós. Eu não
posso fugir, mas você também não pode atentar
nada contra mim na frente deles! — Joan avisou.
— Eu não pretendo pegá-la na frente dos
humanos. Eu vou esperar o momento certo, Joan, e
tirá-la da toca. Virá de bom grado até mim.
Enquanto isso não acontece — fitou Joan com riso
no olhar — eu vou tomar tudo que é seu. Eu vi o
modo como interagiu com o humano. Que coisa
feia, fada da clausura. Está sujando nossa raça com
a genética dos humanos?
— É claro que não — Joan negou
imediatamente — eu não poderia enganá-los desse
modo. Eu vou partir em breve... Zoé, por favor, me
ouça — Joan tentou um passo de aproximação, mas
o olhar de Zoé a impediu. — Fique no aguardo
junto comigo. Uma trégua para nós duas. Eu tenho

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esperança que em breve terei notícias de que


estávamos certas!
— Certas em matar um rei bom e justo? —
Zoé perguntou gelada.
— Acho que você ainda não sabe dos boatos,
não é? Rainha Santha é a assassina. Ela é
progenitora de Eleonora. Esse assassinato foi um
ato desesperado para esconder sua filha ilegítima
que estava à beira do nascimento de suas asas, na
clausura, bem diante do nariz de todos. É uma
questão de aguardar. As asas de Lora devem estar
nascendo em breve, isso, se já não houverem
nascido. Toda essa nossa briga pode estar sendo em
vão!
— Hum, como se eu não conhecesse as
mentes insanas da clausura. — Zoé desdenhou. —
Vou levá-la comigo, viva ou morta. Foi à ordem
que recebi. Estarei vinte e quatro horas no seu

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encalço, esperando um momento apropriado para


raptá-la e fugir voando. Não importa o quanto
demore você e eu sabemos que terei êxito em meu
plano. É questão de tempo. Enquanto isso não
acontece, eu aproveitarei a hospitalidade do Duque
Mac William e sua boa vontade em agradar sua
noiva. — Sorriu maliciosa e Joan lutou contra a
raiva.
— O que você fez com a noiva verdadeira do
duque? — Temia a resposta.
— Ela está bem guardada em um lugar
seguro e seus criados muito bem pagos para
manterem as bocas fechadas — Zoé sorriu —
agora, quanto a você, não posso dizer o mesmo.
— Eu não vou me esconder com medo —
Joan avisou. — Você não pode me pegar na frente
dos humanos. Não tem nada que possa fazer contra
mim aqui dentro! Sendo assim, espero que tenha

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uma boa temporada vivenciando os costumes


humanos. Se me permite recomendar, a comida é
muito boa, mas a higiene deixa a desejar.
— Pois bem, estou vendo uma fêmea muito
confiante, bem diferente do ratinho assustado que
me lembro de ter visto várias vezes se escondendo
pelos cantos, fugida do Ministério do Rei, junto
com suas amigas assassinas. Eu sempre soube que
vocês eram um grande problema para ser
extirpado. — Zoé desmereceu, aproximando-se,
coagindo-a com seu corpanzil tão mais alto e forte.
— Eu deveria ter trazido um elfo na minha
companhia. É disso que você precisa: entretimento,
para deixar de ser tão corajosa.
Joan sentiu um aperto no estômago ao pensar
em ser entregue para um elfo que quisesse apenas
desfrutar de um cio. Ouvira falar tantas crueldades
e abominações sobre isso!

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— E a sua armadura? Onde a escondeu? —


Revidou a ofensa, com uma insinuação — cuidado,
se algum humano achar, irá derreter e fazer taças de
ouro. Já pensou? Que lindas taças seriam? — Soou
como uma ameaça.
— Não ouse brincar comigo, sua ratinha
imunda — Zoé agarrou seu braço e a fez erguer-se
na ponta dos pés para não sofrer tanto com a
agressão — eu vou vencer no final. Escreva o que
eu digo.
— Não. Você vai perder e ficará tão
envergonhada quando Eleonora for rainha e lhe
cobrar essa maldade que faz comigo, que o mínimo
que poderá fazer para custear sua dívida de honra
será abrir mão de seu cargo e baixar sua cabeça
limpando o chão imundo de alguma taverna! —
Respondeu com raiva.
Sim, ela havia aprendido com Matilde que

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nem sempre baixar a cabeça adianta. O melhor, às


vezes, é enfrentar de frente, sem medo!
— Eu vou arrancar seu couro, fada da
clausura, e costurar um belo par de botas para mim.
— Zoé ameaçou. — Eu sei de toda a verdade.
Egan, Primeiro Guardião encontrou sua amiga. Ela
estava escondida em um buraco. Está morta.
Acheron encontrou a pequena Driana escondida em
uma toca qualquer e ela está morta também! E sua
amiga, a grandalhona Alma... Ah, é prisioneira
pessoal de Lucius. Tobias... Você sabe que sempre
intercederão por ele. Mas você... Agora só falta
você, ratinha, só falta você sucumbir. — Zoé fez
questão de feri-la com as palavras.
Achar que era mentira, não evitava que a dor
viesse e o medo crescesse. Joan estava a um passo
de sucumbir em sua repentina coragem de implorar
para que a deixasse ir quando, ambas ouviram um

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pigarrear.
Era bom que Zoé fosse se acostumando com
o pigarreio de Matilde, principalmente, com sua
mania de aparecer do nada assustando todo mundo.
— Não é apropriado que uma Condessa seja
vista brigando com uma criada — Matilde disse
com voz séria e superior. — Isso é um absurdo e...
— Eu decido o que é certo ou errado na
minha vida. Não ouse me dar ordens, criada — Zoé
disse bem alto, com voz inquestionável. — Agora
mexa essa sua bunda humana, e me prepare um
longo banho. Estou suando e essa terra é quente
como o inferno. E fede. O cheiro daqui me enoja.
Zoé partiu e deixou Matilde e Joan para trás.
Por um segundo Joan gostou de ver algum
colocar Matilde em seu lugar. Por outro lado, ela se
perguntou o que acontece quando um inimigo é tão
poderoso a ponto de vencer seu segundo maior
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inimigo em segundos?
Matilde olhou-a e Joan deu de ombros:
— Você ouviu a Condessa — Joan disse com
voz sem vida.
— De onde você conhece a Condessa? —
Matilde foi direto à ferida.
— Eu sou uma fada, estou escondida e Zoé é
uma Caçadora de Fadas, uma Guardiã que tomou o
lugar da Condessa. Ela está aqui para me caçar e
levar de volta ao Reino de Isac, lá em cima, no
Monte das fadas. — Contou com voz mortalmente
azeda, sabendo muito bem que Matilde acharia ser
uma piada. — Bem, eu imaginei que não
acreditaria. Se me de licença, tenho trabalho a
fazer. — Fez uma mesura e saiu correndo para
longe daqueles corredores.
Matilde ficou parada, estática. Achara
sinceramente que a chegada da noiva de Rowell
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pusesse fim naquela loucura de amar uma serviçal,


mas agora começava a se perguntar se estava errada
ou não.
Sentindo a ausência de seu cajado, com as
mãos coçando de vontade de extravasar sua
frustração no lombo de alguma criada desaforada.
Na noite anterior esperou que Joan viesse
atazanar sua noite, mas nada aconteceu. Por um
lado, regozijava-se na certeza da chegada da noiva
de Rowell ter vencido a empáfia da criada com sua
chegada. Por outro lado, começava a duvidar da
bonança trazida por essa mulher.
Certos ventos não veem para bem e certas
tempestades trazem apenas destruição.
Esperava que não fosse o caso de Zoé. Mas
se assim o fosse, ela queria ter seu cajado em mãos
outra vez...

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Capítulo 18 — Miolos e migalhas de

pão quente

Joan permaneceu todo o tempo que pode na


sozinha com Hector. Quando ficou tarde e todos
foram dormir, ela encolheu-se em um canto e ficou
acariciando o coelho, pois Anesi era uma ótima
companhia, que não fazia perguntas e não exigia
que falasse de seu sofrimento.
Vez ou outra, Hector olhava para ela com
curiosidade, mas não exigia que se abrisse.
Encolhida naquele canto da cozinha, sentada no
chão, acariciando o pelo do animal de estimação do

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cozinheiro, Joan limpou as lágrimas de frustração


que corriam, e ficou surpresa ao descobrir que
alguém buscava por ela na cozinha.
Um olhar de esguelha e ela fingiu não ter
notado.
Era uma honra para um cozinheiro receber o
Duque Mac William em sua cozinha. Com uma
desculpa qualquer, ele ganhou espaço e atenção de
Hector.
Se Rowell esperava que mudasse de ideia
quanto a seu casamento estava muito enganado. Ela
iria embora quando chegasse a hora.
Isso se conseguisse obter suas asas de novo,
se conseguisse barrar o dom de Zoé e conseguisse
se livrar dela. Ou melhor, se conseguisse sobreviver
tempo bastante para ser encontrada por suas
amigas.
— O chão está gelado, Joan — Rowell disse
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com voz mansa, quando Hector fingiu ter


entretimento com seu coelho, retirando-o dos
braços de Joan.
— Não leve Anesi, ela me faz companhia —
Joan reclamou, mas o cozinheiro parecia mais
dispostos a agradar o duque do que agradar uma
criada. — eu gosto de algo gelado às vezes — ela
reclamou, birrenta.
— Não se isso a tornar doente — ele
lembrou-a delicadamente de sua frágil saúde.
— Que diferença faz? — Revidou sem
pensar.
— Eu quero conversar, procurei-a por todo
castelo, porque se escondeu de mim?
— Eu não me escondi de você — Respondeu
na mesma hora mesmo que não devesse. — Apesar
de não termos o que conversar... Ainda assim eu
não me esconderia de você. Eu quero e preciso
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ficar sozinha. Hector é um bom ouvinte, eu posso


ficar horas em sua cozinha sem que reclame da
minha presença.
— Marmom sente sua falta, afastou-se dele
também. — Rowell acusou, puxando uma cadeira e
virando-a na direção de Joan. Sentou-se e fixou os
olhos nela. — Até mesmo Alice perguntou por
você. E o que eu digo? Que cansou de nós e
pretende ir embora?
— Não deveria perder seu tempo falando de
uma criada e sim, falando de sua adorável noiva.
Conte a seus filhos sobre o casamento. — Joan
acusou ciumenta.
— Não gostou da Condessa? — Rowell
perguntou sorrindo.
Sabia que era ciúme, mas não sabia do quão
profundo era esse desgosto.
— Porque não a chama pelo primeiro nome?
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— Jogou de volta.
— Não somos íntimos o bastante. Embora...
Ela tenha se oferecido para passar a noite em meu
quarto — contou, esperando sua reação.
— Zoé fez isso? — Toda a apatia fugiu de
Joan na mesma hora. Revoltada, levantou e andou
pela cozinha. — Eu deveria saber que faria isso! —
Disse furiosa. — Ela quer... — Conteve as
palavras, pois para ele não fariam sentido.
Zoé queria feri-la, obrigá-la a enfrentá-la fora
do castelo. Que na ansiedade de proteger o amor de
sua vida, Joan se entregasse e fosse levada de livre
e espontânea vontade para as garras de Rainha
Santha e seu amante Lucius.
— Ah, mas ela esta muito enganada. —
Disse em voz alta. — Eu nunca pensei, Rowell, eu
nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo.
Mas olhe para mim — parou de andar e apontou
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para si mesma — olhe como estou feia e amarga. É


o ódio me consumindo. Ódio de Matilde e seu
cajado, ódio de Zoé, ódio de tudo e todos! De
Santha, a desgraçada! — Lágrimas de indignação
vieram aos seus olhos e se perguntou — o que uma
criatura faz com tanto ódio?
— Eu não sei, mas esse sentimento destrói e
arruína — Rowell levantou e a fez parar, segurando
seus braços. — E eu não suporto a ideia de perder a
Joan doce e meiga que me conquistou com seus
olhos de pureza e seu sorriso de esperança — ele
disse emocionado, tocando sua face. — Faça o que
fizer, não me prive de conviver com essa Joan. Eu
não suportaria voltar a viver em um mundo frio e
sem os seus sorrisos doces.
Sem palavras, ela pensou em Zoé e na
verdadeira Condessa de Ruminosses. Não
importava o que a Guardiã dizia, Joan duvidava que

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a pobre condessa ainda estivesse viva depois de


passar pelas mãos de Zoé. Suspirando de pesar, ela
afastou-se do duque Mac William.
Aquele sentimento todo não tinha sentido de
ser. Tomada por uma tristeza infinita, afastou as
mãos de Rowell e tentou sair da cozinha para ficar
longe dele. Mas ele segurou sua mão e disse baixo,
contido, com voz sussurrada, para que não fugisse
mais:
— Eu não vou ficar com Zoé ou com
qualquer outra. Estou ganhando tempo até você se
decidir. — Sua face dizia isso.
Seus olhos castanhos, quase verdes, diziam
isso. Todo o corpo do duque dizia isso. Ela soltou a
mão e fugiu.
Era uma covarde, ciente disso, mesmo assim
fugiu.
A noiva não era de verdade, pensou. Rowell
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era livre, pois ela duvidava que a verdadeira


condessa ainda estivesse viva. E tinha fé que
Eleonora obteria êxito em salvar a todas elas.
Então? Ela abriria mão do amor pelo que?
Por medo? Uma vida toda protegida pelos punhos
fortes e gritos afiados de Alma? Ou pela astúcia de
Driana? Ou ainda pelas artimanhas de Eleonora?
Não era hora de ser a verdadeira Joan, e
procurar por seu caminho?
Enfrentar seus medos e lutar por sua
felicidade e seu direito de existir?
Zoé que se explodisse. Ela amava o duque e
nada mudaria isso! Nada mesmo!
Num arremeto de coragem, refez o caminho
de volta para a cozinha, mas não o encontrou mais.
Pelo avançado da hora imaginou que estaria de
volta ao seu quarto.

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Rowell vinha dedicando seu dia a colocar o


forte em ordem após tanto tempo de abandono sem
o pulso firme de seu duque. Era natural que
estivesse cansado.
Com o coração acelerado, praticamente
correu pelos corredores em direção ao quarto.
Diante da porta ela parou e arfante pela corrida
tentou reaver o controle de seu próprio pulso, mas
era impossível, pois batia descompassado por conta
da emoção e não apenas pelo esforço físico.
Uma decisão tomada no ápice da emoção.
Mordiscando o lábio, insegura, Joan pensou
se deveria ou não. Sua mão pousou no trinco e ao
sentir o metal frio sob os dedos ela soube que não
havia outro caminho. O destino de cada uma das
fadas da clausura foi traçado naquela fatídica noite
no castelo de Isac, quando por culpa de Santha, as
quatro se lançaram ao mundo e agora o mundo as

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acolhia.
E por mais que tentasse ser a mesma Joan da
clausura, algo rompera dentro de si, desde o dia em
que viu a carroça partir, sendo deixada para trás na
Vila dos Humanos. Daquele dia em diante,
encontrou forças não sabia de onde para seguir
vivendo e erguendo a cabeça a cada dia, com
orgulho de quem era.
Era fada. Era fêmea. Era capaz e era
inteligente. E agora, era apaixonada e decidida a
viver esse sentimento.
Abriu à porta, o quarto estava vazio, mas a
janela aberta. Emocionada, ela sorriu. Pelo visto
Rowell havia gostado de manter sua janela aberta,
para que o ar puro pudesse limpar seu espírito
conturbado.
Joan trancou a porta e aproximou-se da
ampla cortina, espiando para ver o Duque apoiado
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na murada, com o olhar perdido na noite escura e


sem estrelas.
Sabia que para sua mente humana o que
fizera, ao ajudá-lo a sair daquela cama, era um feito
digno de gratidão eterna. Mas ela não queria sua
gratidão. Queria seu amor. E era o sentimento que
via em seus olhos.
Ficou parada e esperou que a notasse. Rowell
percebeu que não estava sozinho, o perfume de
natureza que Joan sempre exalava veio avisá-lo de
sua presença.
Ela cheirava a mato verde, a água viva, a ar
puro. Ele não tinha ideia de como descrever esse
perfume ou o efeito que lhe causava.
— Posso ficar? — Joan perguntou com voz
baixa, insegura, esperando que dissesse algo.
Um pouco tímida, apoiada no batente da
ampla porta, que conduzia para a varanda.
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— Você é bem vinha sempre que quiser —


ele disse com carinho e estendeu uma das mãos em
sua direção. Joan aceitou o convite, indo refugiar-se
em seus braços.
Rowell abraçou-a pelos ombros, trazendo-a
diante dele, para envolvê-la com seus braços e
apoiar o queixo em seu ombro.
— A noite está linda — ela comentou
baixinho, apreciando o aconchego daquele abraço.
— Mas eu não vim para assistir a noite.
— Não? Veio para conversar? — Rowell
perguntou curioso, cheirando seu pescoço, apesar
da paciência em sua voz, ela sentiu uma das mãos
de Rowell ousar por suas curvas, indo apoiar-se
sobre sua barriga, de um modo possessivo.
Uma sedução calma, velada, para não
assustar a vítima. Sorrindo, olhou-o com seus olhos
límpidos e sinceros.
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— De modo algum. Vim para ter o que é


meu. Só meu. — Disse possessiva. — Mesmo que
eu vá embora, Rowell, ainda assim, eu quero o que
é meu — disse com voz decidida, pela primeira vez
na vida a decisão era totalmente dela.
Joan virou-se em seus braços e tocou o
queixo coberto por uma barba rala, esfregando seus
lábios de leve nessa pele áspera, enquanto
murmurava sedutora:
— Se eu partir amanhã, me espere, porque eu
volto. Eu não sei quando, nem como, mas eu volto
para você. — Prometeu.
Sim, não era comum que as promessas
românticas viessem de uma mulher, fosse humana
ou fada, pois normalmente cabia ao homem às
promessas fantasiosas ao pé da alcova, mas com
Joan nada era convencional.
Ela pressionou o corpo frágil contra o dele e
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ergueu os olhos, boa parte da íris verde tomada pela


cor negra de sua pupila dilatada, pois ela via algo
que desejava, e esse desejo era maior que tudo,
muito maior que sua capacidade de pensar!
— Tem coisas a meu respeito que você
nunca entenderia, Rowell, coisas que acontecem
dentro de mim, com meu corpo... Não sou como as
mulheres que você já teve. Nem eu mesma sei
como eu sou ou o que acontecerá comigo... — Ela
corou e afastou os lábios do carinho que fazia,
dizendo com voz mansa, porém carregada de
paixão. — Eu não tenho nem ideia de como isso
acontece entre a minha raça e a sua. Ainda mais no
cio... — Baixou os olhos, pois ele não entendia
nada, e pretendia fazer perguntas.
Imediatamente, Joan pousou os lábios nos
dele, sussurrando em meio ao carinho:
— Sem perguntas? — Implorou.

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Um olhar profundo, direto, que procurava


mentiras ou artimanhas, tão comuns no mundo
humano, mas ao encontrar apenas verdade e
entrega, Rowell apenas envolveu ambas as mãos
em sua cintura e puxou-a para si com força,
respondendo diante de seus lábios:
— Sem perguntas, Joan. Sem cobranças, será
do seu jeito, minha pequena fada — ele disse como
um gracejo e ela abriu um lindo sorriso antes de
responder:
— Você não tem nem ideia, Rowell. Você
não tem a menor ideia de quem eu sou de verdade...
— Seu gracejo se perdeu, assim como sua resposta,
pois Rowell a beijou e tudo ficou esquecido.
Joan não sabia se era por conta do cio ou não,
mas ela fervia por todos os lados. O duque beijou-a
até roubar-lhe gemidos altos. Em determinado
momento, ela girou em seus braços, roçando as

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costas em seu peito e ele agarrou seus cabelos,


soltando-os do pesado coque que os escondia, uma
prevenção contra os constantes puxões dolorosos
que Matilde tanto gostava.
Livre da prisão, sua cabeleira ruiva foi
acariciada e amassada entre os dedos do duque,
enquanto ele cheirava e deleitava-se com a
suavidade e abundância. Joan contorceu-se contra
ele, quando mordiscou seu pescoço e molhou a pele
com beijos e chupões.
Apesar de saber que os humanos não eram
capazes de magia alguma, Joan sentia a magia
brotar das mãos do duque. O modo como corria os
dedos fortes e apertava seu corpo. Uma das mãos
agarrou sobre seu seio, por sobre o vestido e ela
murmurou de prazer. A outra mão hábil de Rowell
pressionando seu quadril contra sua virilha,
esfregando carne contra carne de um modo

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excitante e obsceno.
Os dedos encontraram os contornos suaves
de seu seio. Joan arfou quando foi beliscada sobre o
mamilo. Ele correspondia a sua paixão, em
determinado momento, Rowell sussurrou em seu
ouvido e ela se contorceu, quase mentindo para que
ele não se contivesse:
— Você não mentiu sobre nunca ter estado
com um homem, ou mentiu, Joan? Preciso ser
suave? Eu sei que sim... Confirme isso, para que
me convença que devo ser suave — era um desejo
intenso por duas verdades. A primeira, que fosse o
primeiro a se deitar com a doce Joan, e a segunda
verdade, que deveria conter seu desejo e ser suave,
quando na verdade ambos desejavam a força e a
rapidez.
— Eu nunca estive com alguém — ela
confessou. — Nem poderia. No lugar onde vivi

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enclausurada isso não era permitido...


Como sempre Rowell iria pensar que ela se
referia a algum convento da região. Jamais a um
Ministério do Rei, um orfanato onde
enclausuravam as fadas desvalidas e
desafortunadas, privando-as de ter uma vida,
apenas pelo caos que poderia haver por injetar
fêmeas sem recursos em uma sociedade organizada
por grupos socialmente parecidos, onde na maioria
das vezes, as uniões se davam por comum acordo
de interesses e não amor verdadeiro.
— Seja suave comigo, Rowell... Mas não
muito — ela provocou, sem saber que era capaz
disso.
O seu humano libertou uma fera dentro de si,
e essa fera estava descontrolada, obcecada por
paixão e ação.
Joan soltou um gemido alto de surpresa
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quando Rowell a pressionou contra a murada da


varanda e atacou seu pescoço, mordendo a pele,
descendo por suas costas ainda cobertas por tecido.
As mãos do duque correram por seus quadris
femininos. Joan sentiu o ar da noite batendo em
suas pernas quando ele ergueu o tecido e enfiou
ambas as mãos por baixo, enroscando os dedos em
sua roupa íntima, puxando o tecido sem muita
gentileza.
Ela ajudou, chutando a roupa para longe.
Arfou, puxando ar com força, quando àquelas mãos
quentes voltaram a agarrar seu quadril, dessa vez
por baixo da roupa, diretamente sobre sua carne
quente.
Humanos vestiam roupas demais e ela tentou
tirar a parte de cima do vestido sem sucesso, pois
era abotoado nas costas.
— Calma — ele mordiscava seu ouvido ao

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dizer isso — quieta, Joan, fique quietinha...


Como se ela pudesse simplesmente ficar
quieta! Olhou em torno, para a escuridão da noite,
para as tochas de fogo ardente que mantinham
alguma claridade no pátio do castelo, sobre as
muradas, onde cavaleiros, arqueiros e outros
serventes do castelo mantinham a segurança.
Nenhum desses pontos de luz poderiam ser mais
ardente do que ela naquele louco momento.
Esquecida de qualquer pensamento lógico,
Joan apenas se contorcia e aceitava as carícias.
Rowell começou a desabotoar ao vestido, e ela
sentiu falta das carícias em seus quadris por baixo
do tecido.
Roçou as nádegas contra a virilha do
humano, pois ele gemia quando fazia isso, o que a
fazia supor ser tão prazeroso para ele quanto era
para ela. Cada bocado de pele revelada, Rowell

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brindava com um chupão firme e uma mordida


leve, de quem não quer machucar e sim, devorar.
Quando alcançou o último dos botões, ele
mordicou a curva suave abaixo de sua cintura,
puxando o vestido para baixo, revelando primeiro
ao seu olhar, suas nádegas pequenas, curvas e
macias.
Coxas finas, pernas curtas. Joan era pequena
e de estrutura frágil, com ossos miúdos e delicados.
Rowell refreou o desejo de acomodar-se a ela, e
terminar o ato muito rápido. Joan merecia bem
mais do que isso. Não apenas por gratidão, por ter
salvado-o de uma vida de sofrimento e limitações,
mas por ter despertado em seu coração um amor
maior do que conseguia explicar.
O tecido pesado da roupa raspou sobre seus
mamilos e ela tentou segurar o tecido, mas era tarde
para qualquer pudor remanescente. Rowell não deu

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chance para mudar de ideia, puxando a roupa para


baixo com a velocidade de um homem curado e no
ápice do desejo físico.
Por ser a mais frágil de todas as fadas da
clausura, muitas vezes se envergonhava do próprio
corpo. Mas sob as mãos do duque Mac William
esse sentimento não existia. Ele apreciava seu
corpo e não se importava com qualquer falso pudor
que ela pudesse resguardar.
Se Joan pudesse entrar em sua mente, saberia
que Rowell apreciava as mulheres e não os tabus de
feminilidade impostos pela sociedade. Por conta
disso, era capaz de excitar-se com o contato, a
presença e as formas que via, e não com o que os
outros pensavam que deveria ser excitante.
Ele manteve uma das mãos em sua barriga,
colando os corpos, enquanto descia os lábios por
suas costas, molhando a pele, arrancando arrepios e

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gemidos incontroláveis. Joan moveu as pernas,


ofertando mais espaço e por pouco Rowell não
aceitou esse ingênuo convite. Precisou lutar contra
a pressa, para saborear o momento e permitir que
saboreasse também.
Joan agarrou com força a beirada da murada,
lutando para manter os olhos abertos enquanto a
mão poderosa subiu por sua barriga, estendendo-se
sobre seu seio. Seu lamento não era de dor, e sim
uma represália para as sensações nunca antes
imaginadas. Rowell sabia disso, tanto que a puxou
em seus braços e a trouxe contra a parede, atrás dos
dois.
De frente, ele correu os olhos pelo corpo
pálido, enquanto Joan agarrava o tecido de sua
roupa, tentando puxar para baixo, numa patética
tentativa de descobrir seu amante.
Rowell lhe sorriu e o mundo parou por um

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instante. Era romântico demais, mas era assim que


ela se sentia. Sem chão, sem rumo, envolvendo os
braços em seu pescoço, quis seu beijo.
Correspondida, Joan mal notou quando o duque a
puxou para seu colo e a levou para dentro do
quarto.
Definitivamente curado, ele não teve
dificuldades de levar seu pouco peso no colo. Ela
sentiu o ar faltar quando foi gentilmente pousada
no centro da ampla cama. Cama luxuosa, coberta
por colchas de tecido caro e bordadas, escondida
por dossel alto, com cortinas de veludo e muito
requinte, Joan ficou esperando pela volta do seu
duque.

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Capítulo 19 — Doce prisioneira

Ele andou em torno da cama enquanto


desabotoava a camisa e livrava-se do excesso de
tecido. A calça e as botas seguiram o mesmo
caminho. Quando ele parou, no lado direto da
cama, Joan suspirou e apoiou-se em um dos braços
para vê-lo melhor e deixar claro que apreciava
olhar para ele.
Joan conhecia o corpo de Rowell, depois que
o vira nu a primeira vez, nunca mais esqueceu
aquelas lembranças que aqueciam suas noites.
Mesmo assim havia certos detalhes que por pudor
ela não conheceu.

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Mas agora, data a situação, ela queria ver


tudo, sem pudores e sem medos. Correu os olhos
pelos músculos dos braços, do peito, da barriga e
das coxas. Ele era proporcional, não exagerado,
mesmo assim mais largo em músculos que a
maioria dos elfos que ela conheceu, com exceção
de alguns Guardiões que por função do treinamento
cresciam em músculos.
Engoliu em seco, sabendo bem que Rowell
dedicava sua vida a luta, a defender seu forte e a
manter a ordem, e seus treinamentos de luta não
eram de modo algum suaves.
Rowell sorriu por conta do modo que era
olhado e Joan corou, e mesmo sem querer parecer
constrangida, o rubor o fez saber de seus íntimos
sentimentos. Rowell subiu na cama. Joan ergueu
uma das mãos para encostar-se ao seu peito nu. Era
mais forte do que ela. O desejo de correr os dedos

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pelos músculos, principalmente os da barriga, por


onde aventurou os dedos, descendo inocentemente
para baixo, incentivada pelos gemidos do duque.
Ele não tentou pará-la, pelo contrário, beijou-
a, embrenhando ambas as mãos em seus cabelos,
curvando-se para que o beijo fosse completo.
Rowell estava ao seu lado, de joelhos na cama e
Joan não cessou o movimento da mão até sentir
aquela área em especial que na outra noite, quando
cuidou dele, tanta curiosidade lhe despertou e que
margeava suas fantasias como uma curiosidade e
um desejo secreto.
Joan fugiu do beijo por um segundo ao
alcançar seu intuito, algo entre surpresa e
curiosidade aguçada, mas Rowell tornou a saquear
seus lábios e ela dividiu-se entre as duas tarefas,
ambas prazerosas.
Agarrou a intimidade masculina com uma

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das mãos e sentiu quando ele tocou sua mão para


posicionar do modo correto e de certo modo
ensinar como deveria acontecer. O beijo cresceu e
ela quase saiu da posição deitada, na ansiedade de
obter tudo dele.
Experiente, Rowell manteve o beijo,
enquanto levava uma das mãos pelo o corpo da
jovem mulher em sua cama. Não era sua noiva ou
esposa, mas ele a tratava como uma donzela em sua
lua de mel. E de certo modo era exatamente isso.
Um casamento acontecera naquele quarto, semanas
atrás quando seus ouvidos captaram a doce voz no
corredor pela primeira vez. Quando na escuridão de
uma noite de pesadelos, ele acordou e viu a
imagem etérea e quase sobrenatural em seu quarto,
aterrorizando-o pela incerteza de ser ou não
realidade.
Esse tipo de casamento dura uma vida inteira

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e ao descobrir que aquela voz e aqueles olhos eram


reais, Rowell reafirmou àquele compromisso dentro
de si. Protegeria Joan com sua vida se necessário,
mais do que isso, protegeria suas amigas, mesmo
sem conhecê-las e sem saber os crimes cometidos
por elas.
A vida de Joan até aquele dia, quando seus
olhos se cruzaram pela primeira vez, não lhe
importava. Ele sabia quem era, bastava um segundo
de silêncio ao seu lado e ele sabia exatamente quem
era a misteriosa Joan.
Deslizou a mão por um dos seios e apertou
de leve, testando suas reações. Insistiu,
massageando o bico com insistência e Joan fugiu
definitivamente ao beijo, não por ausência de
vontade de continuar, mas por outros sentimentos
inomináveis que a obrigavam a olhar o que ele
fazia com seu corpo.

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Os dedos roçaram e apertaram a carne


saudável e macia de seu seio, brincando com o
mamilo, enquanto inclinava o rosto para saboreá-lo
com os lábios. Joan folgou os dedos em torno dele,
e o duque sorriu, sussurrando:
— Não pare, Joan — ele piscou malicioso e
ela derreteu por dentro, apertando com mais força,
voltando a mover a mão como ele queria e gostava.
— Assim, não pare, eu gosto quando faz assim...
Incentivada, continuou o que fazia, fechando
os olhos, envolvida no clima do momento quando
Rowell deslizou os dedos para baixo. Ele passou a
mão por sua barriga, sempre para baixo, enquanto
sua outra mão acariciava um dos seios, e os dedos
que desciam logo encontraram as curvas entre as
pernas, onde queria realmente chegar.
Esfregou os dedos de leve, por entre os pelos
ruivos. Joan não pode evitar o impulso de parar e

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olhar. Rowell não insistiu que voltasse aos carinhos


anteriores, pelo contrário, concentrou-se na carícia
atual.
Juntou ambas as mãos na mesma carícia,
usando os dedos para abrir caminho e desvendar o
grande segredo feminino que se escondia entre as
pernas da mulher que mexia com seus sentimentos.
Joan observou os longos dedos encontrando
caminho por suas curvas e gemeu, apoiando ambas
as mãos no lençol para se erguer e espiar
exatamente o que ele fazia. Com um sorriso
cafajeste, Rowell lhe roubou um beijo e a fez deitar
outra vez, movendo-se para ficar de frente, e não
mais de lado.
Sondou-a com gentileza, conhecendo as
formas, aspirando o cheiro, satisfazendo os olhos,
antes de satisfazer os outros sentidos. Joan era
macia e delicada em toda parte e ele não queria ser

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o autor de mágoas em seu coração, muito menos o


causador de péssimas lembranças futuras.
Joan não tinha a menor ideia sobre o que lhe
passava na mente, sobre suas inseguranças. Era
tudo tão perfeito, que superava qualquer fantasia.
Ele esfregou os dedos na junção, abrindo as
partes lentamente, esfregando os dedos com
jeitinho sobre o feixe de nervos que se escondiam
ali. Ela entreabriu os lábios e não ousou dizer nada,
simplesmente deixando os braços largados ao lado
da cabeça enquanto lutava para não gritar de susto e
paixão.
Ele esfregou mais forte e quando a língua
escapou da boca do duque e saiu para brincar com
suas dobras, Joan resmungou um protesto,
contorcendo o corpo de ansiedade. Nunca imaginou
que fosse assim, muito menos que existisse esse
tipo de intimidade.

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Rowell lambeu e mordicou sem paragem.


Quando Joan tentou virar de lado, ele manteve seu
quadril parado, mesmo que ela agarrasse o
travesseiro sob sua cabeça e o abraçasse, como
quem precisa de algo para segurar, apertar e fincar
os dedos.
Ela mordeu o travesseiro quando ele mordeu
lá em baixo. Era uma reciprocidade sem limites. A
sensação que a princípio era apenas deliciosa,
começou a ficar angustiante e avançada, como se
estivesse com um queimor nas regiões íntimas.
Rowell sabia tocar uma fêmea, mesmo que
essa fêmea fosse de outra espécie e Joan soltou oi
travesseiro na angústia do pré-clímax e chamou seu
nome, enquanto empurrava o quadril contra sua
boca.
Ele mordiscava muito, pois ela gostava
assim. Lambia com mais força e sugava enquanto

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mantinha suas nádegas paradas, agarrando a carne


com dedos fortes.
Joan era toda magrinha e fraquinha, e ele
tinha medo de machucá-la. Mesmo os mais gentis
apertos mantinham marcas vermelhas em sua pele
suave. Ele não acreditava muito quando ela contou
ter crescido em um orfanato, pois não havia
nenhum orfanato na região, nem mesmo nas
redondezas mais longínquas, mas fosse lá onde
houvesse nascido e crescido, não era um lugar que
fornecesse muita alimentação.
Um pensamento nada sutil sobre falar com
Hector para caprichar na comida de Joan. Ele a
desejava saudável e não tão singela como um
pássaro assustado.
Ela murmurou uma reclamação, em meio ao
clímax e ele abocanhou sua intimidade sem dó
erguendo suas pernas sobre os ombros, para levá-la

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com toda a força que ela gostaria.


Joan bateu os dos braços contra o colchão,
olhos fechados, cabeça jogada para trás, em um
emaranhado de cabelos longos, embaraçados e
ruivos, e gemeu muito ao atingir o ápice. Se alguém
tentasse lhe contar sobre aquele sentimento ela se
recusaria a acreditar que algo assim pudesse existir!
Segundos de puro individualismo e delírio.
Ela ficou sobre a cama, um pouco inconsciente do
que Rowell estaria fazendo, de olhos fechados,
apoiou o rosto em uma das mãos e manteve-se
assim, dengosa demais para falar ou fazer qualquer
coisa além de desfrutar do sentimento novo que a
abandonou tão rápido quanto veio!
Sentiu um beijo na clavícula e as mãos do
duque por todo seu corpo. Ele separava suas pernas
e pesava sobre ela. Abriu os olhos quando Rowell
beijou seu rosto, despertando-a para sua presença e

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seus olhos brilhantes.


Ela sorriu e foi beijada com o mesmo
sentimento com que correspondeu. O que acontecia
entre eles dois era lindo e único e esse sentimento
não se dissolve no ar após o gozo. É algo que
permanece e evolui, e ela abraçou-o pelas costas,
agarrando seus ombros com quase desespero,
enquanto era beijada por toda face e pescoço.
O duque se posicionava e Joan apenas arfou
tentando não se assustar e atrapalhar. Estava macia,
úmida, palpitante e não foi difícil encontrar
caminho e empurrar.
Usando as coxas firmes e trabalhadas por
anos de luta, treinamento e cavalgadas, Rowell
abriu as coxas de Joan mais largo, rodilhando o
próprio quadril entre os seus, para facilitar a
invasão, que nada suavemente encontrava barreiras
de proporcionalidade. Era tão miúda que causava

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ternura em seu amante.


Ela mantinha os olhos abertos agora,
cobrando dele uma explicação. Rowell segurou seu
queixo e então segurou seu rosto pelas bochechas
com uma das mãos, beijando-a, distraindo-a do
movimento forte e impiedoso que seus quadris
fizeram ao invadir completamente, rompendo a
barreira da virgindade, deflorando seu corpo
completamente.
Ela grunhiu de dor e negação, e ele soltou o
beijo, mas não parou de mover o quadril. Era a
primeira vez para ele também, pois nunca antes
esteve com uma donzela. Sophie, sua esposa, viera
para o casamento com o coração partido depois de
ser abandonada por um amante que a enganou, mas
ele não se importava com isso, pois o casamento
era conveniente para ambos e na ocasião, Rowell
fora feliz na sua presença.

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Sem muito amor, sem muita confusão. Fazia


sentido na época.
E parecia o maior dos absurdos agora que
conhecia o verdadeiro sentimento que deveria unir
homem e mulher. Ou melhor, homem e Joan. Ele
ainda não tinha certeza de quem ou que era Joan.
Molly, a criada que cuidava da limpeza dos
corredores, vivia aos cochichos sobre Joan ser um
anjo caído dos céus para salvar a todos eles, o que
era um exagero tremendo de uma mente tomada
pela religião, mas o fato é que Joan não era
exatamente como eles.
Havia algo nela. Algo que não se explicava
por rótulos.
Ele gemeu, perdendo o domínio dos
pensamentos ou ações. Abraçou-a com força e
deixou que o corpo falasse o que lhe faltava de
palavras. Bem agarrados, sem espaço para ar ou
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respirar, o beijo aconteceu e selou o momento.


Braços trincados nas costas de seu amante, Joan
não respirava, apenas beijava.
Os pensamentos desapareceram, o ar ficou
denso e pesado, carregado de tensão, suspiros,
gemidos e sussurros de paixão. Joan foi a primeira
a romper, deslizar daquela montanha imensa que os
levava a altura mais longínqua do chão que
poderiam imaginar. Ela moveu a cabeça para longe
do beijo e espalmou ambas as mãos no peito do
humano, tentando empurrá-lo, enquanto lutava
conta o sentimento que bem maior que o anterior a
fazia contorcer-se e sentir tudo mudar dentro de si.
Era culpa do cio. Era culpa da paixão
humana despertada dentro de um corpo mágico. Ela
não tinha respostas para suas perguntas, mas era
quase doloroso demais para suportar. Rowell não
permitiu que se afastasse, manteve seus braços

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parados, erguendo ambos acima da sua cabeça,


apertando os pulsos contra o colchão enquanto
empurrava os quadris com maior força e rapidez.
Ela gritou, o peito frágil balançando, as pernas
largadas em torno dele, sendo levada de um modo
impensável, quase rude.
Àquela quase dor desapareceu e ela se calou
quando o sentimento explodiu em torno de si em
uma miscelânea de sensações indescritíveis. A mais
forte delas era um quase choque que a fez tremer da
cabeça aos pés.
O mesmo que aconteceu com Rowell. A
palavra correta era 'possuído'. Joan não era um
anjo, pelo contrário, era uma devoradora de
corações, que esmigalhava o seu com seu corpo e
olhar.
Ela abriu os olhos brilhantes pela emoção do
prazer e o fitou enquanto Rowell desfazia-se em

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seus braços, terminando o ato, com um grunhido de


prazer e posse. Olhos verdes, claros, úmidos de
lágrimas.
Sua pequena Joan, que se tornara uma
gigante em seus braços e lhe espertava sentimentos
contraditórios. Desde o impulso incontrolável de
mordê-la inteirinha e devorá-la, ao sentimento
imensurável de ternura, de abraçar e acarinhar,
protegendo-a do mundo, inclusive dele próprio e
sua paixão desvairada.
Rowell correu suas mãos pelos braços
pálidos e contornou seu rosto, pousando um beijo
suave em sua testa.
Suados, arfantes, suas bocas se encontraram
para um beijo de consolidação. Ele não se casaria
com humana alguma depois do que partilharam
disso Joan tinha certeza!
Quando o beijo acabou, ela sentiu aquela
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sensação incontrolável revirar tudo dentro de si, e


apesar de não saber se era o cio ou não se
manifestando, Joan sussurrou:
— Eu quero mais.
O modo íntimo como seus olhos pediam por
isso, era muito mais que um pedido de luxúria e
Rowell sabia disso. Ela disse algo sobre não ser
como as demais mulheres o que ele começava a
crer pudesse ser verdade. Nunca se cansava de
pensar, intrigado, sobre o que havia em Joan que a
fazia tão peculiar. Tão única.
— E como você quer? — Ele provocou, se
movendo entre as suas pernas.
Ela ajeitou o quadril, convidando para mais.
— Eu não sei. Como você gosta? — Ela
perguntou de volta, suas unhas arranhando de leve
o ombro e o peito de Rowell enquanto os olhos
duelavam por rendição e as bocas se caçavam em
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suaves mordidas intercaladas por palavras.


— Eu não tenho uma resposta para sua
pergunta. Com você, eu gosto de qualquer jeito. —
Galanteou e ela riu com humor e leveza.
— Tem tantas coisas sobre mim que eu
gostaria de lhe contar, Rowell. Tantas coisas. Mas
não sei por onde começar. Ou se devo contar. Eu...
Não sei se o que sinto é por nossa causa ou... Por
algo que acontece dentro de mim. Precisarei me
deitar com você novamente, para sanar essa dúvida.
— Foi sincera.
— Você fala coisas tão estranhas — ele disse
com um meio sorriso na face. — Você é uma
pequena fada estranha. Mas não me importo com
isso. Estou me apaixonando por você, Joan — ele
declarou.
— Eu adoro quando me chama de fada. —
Sorriu emocionada — Joan suspirou de
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contentamento. Primeiro, gostava do apelido


íntimo. Ser chamada de ‘fada’ mesmo que Rowell
não tivesse ideia da ironia que representava falar
isso para alguém que escondia sua verdadeira
natureza mágica. Segundo, porque era uma
declaração de amor e como qualquer fêmea,
exultava em ouvir isso da boca do macho que lhe
despertou sentimentos. — Isso é um problema,
Rowell — disse sorrindo, e aconchegando-se sob
ele, roçando os corpos, instigando mais do ato. —
Por que eu sei que vai levar um susto quando
souber quem eu sou. E então, o que faremos com
esse amor todo?
— Eu levarei um susto? É algo tão grave
assim? — Rowell fingiu debochar para não
conversar sobre o quanto o assustava essa
possibilidade. Sobre a verdade da vida de Joan
causar uma barreira instransponível entre eles.

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— Hum, eu não sei, em outro momento, se


eu não estivesse fugindo e me escondendo... Talvez
não fosse algo tão grave assim — confessou
pesarosa, no entanto, sem conseguir afastar aquela
felicidade toda que parecia tomá-la inteiramente e
não deixar espaço para lamentação alguma! — Eu
acho que você entenderia. Caso contrário não
amaria e aceitaria Marmom.
Por um segundo ela viu um vislumbre de
medo real no olhar de Rowell. Ele temia a verdade
sobre o que era Marmom e principalmente, sobre a
real possibilidade de não ser seu filho e ter uma
criança com seu sangue apartada de si em algum
lugar do mundo, provavelmente roubada na noite
de seu nascimento.
Joan plantou um beijo suave na bochecha do
duque e o distraiu de seus medos. Rowell beijou-a e
esse foi o estopim para o final da conversa.

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Não poderiam manter uma relação sem falar


do passado e do futuro, mas ela não podia fazer
promessas agora.
Rowell conduziu-a outra vez pelos mistérios
do amor e quando terminaram Joan se moveu na
cama, deixando-o deitado, e apoiou-se em uma das
pilastras que segurava a cortina em torno da cama.
De costas para ele, respirou fundo várias vezes,
acalmando a mente e o coração.
Sim, não era culpa do cio. Ela tornou a sentir
a mesma avassaladora torrente de paixão nos
braços de Rowell, e passado o defloramento isso
não deveria se repetir, caso fosse mesmo
responsabilidade do cio.
Sorriu e mordeu o lábio de expectativa e
prazer quando sentiu uma mão quente correr por
entre seus cabelos, sobre a pele de suas costas,
reascendendo o calor dentro de si. Era Rowell

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vindo atrás do aconchego que apenas sua amante


ruiva e suave poderia lhe proporcionar.
Difícil crer que alguém tão meigo e terno
pudesse ser tamanhamente selvagem sobre a cama.
Mas era o caso de Joan. Uma leoa despertava
dentro de seu corpo quando tocada com intimidade
e ele estava bastante grato de ser sua vítima.
Sorrindo, mordiscou seu ombro e ela gemeu.
— Hum, como foi que eu não vi essas duas
cicatrizes na sua pele? — Ele perguntou e Joan
olhou para trás, para saber do que falava.
— Cicatrizes? — Não entendeu
imediatamente.
— Sim, essas duas linhas paralelas e
cicatrizadas nas suas costas. Eu não sei como não
notei antes... — Ele duvidava da própria sanidade,
pois não vira isso na varanda quando a despiu.

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Joan se moveu e sorriu. Eram suas asas


lutando contra o poder do dom de Zoé, tentando
desesperadamente encontrar saída por sua carne.
— Não é nada demais. Conto-lhe sobre isso
quando... Quando falarmos sobre meu passado —
ela prometeu, acariciando o rosto de Rowell com
essa promessa no olhar, tornando a apoiar os braços
na madeira e o queixo sobre os braços, descansando
e respirando calmamente, para aquietar o corpo
após tanto exercício e prazer.
Rowell queria a atenção de Joan, queria ser o
alvo único de seus pensamentos, e era culpa da
possessão que lhe despertara. Ele mordiscou outra
vez seu ombro e ela riu com aquele som que
agradava seu coração. Ouvir o riso de Joan era
como ouvir o riso de um anjo.
Ele voltou a morder a pele de suas costas, em
uma carícia íntima e delicada. Um pensamento a

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fez sorrir e soltar um risinho que o fez parar e girá-


la em seus braços.
— Está rindo de mim? — Ele perguntou
cravando os olhos nos seus como se não estivesse
nua e trêmula em seus braços.
— Não. Eu pensava que não é apenas
Marmom que gosta de morder... — Seus lábios
cativaram totalmente a atenção do duque. O modo
como ela disse isso, atiçou e obrigou Rowell a lhe
punir com um beijo.
Perdida naquele enlevo de sentimentos, Joan
pensou se aquilo era real. Era mesmo ela quem
estava sendo devorada em um beijo apaixonado,
nua, pertencendo a um humano?
O modo como Rowell mordicou seu lábio,
em represália a sua brincadeira sobre mordidas, a
fez lembrar que era tudo muito real e que ela estava
adorando cada segundo.
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— Eu gosto de estar aqui, de estar assim, de


estar com você. — ela confessou, como um eu te
amo não verbalizado.
Rowell engoliu em seco. Ele nunca se
apaixonou, não assim, e ainda não entendia como
poderia ser tão simples. Atípico a um momento de
paixão e sexo, ele parou tudo para afastar os
cabelos ruivos da face de boneca e salpicou um
beijo em seu nariz, para ouvi-la rir outra vez.
Então, a puxou para o colchão outra vez.
Joan ria quando foi colocada sobre ele.
Dessa vez não havia dúvidas sobre o olhar do
seu humano. Rowell correu os olhos por suas
pernas, montadas em seu quadril, suas coxas,
virilha e seios empinados. Um olhar demorado, de
pura apreciação.
— Eu não posso passar a noite aqui — ela
disse com reticências, enquanto pousava a cabeça
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em seu peito, em uma posição dolorosamente


erótica.
Rowell afagou seus cabelos e fez um carinho
em sua bochecha antes de concordar:
— Não. Não pode. Não vou me casar com
Zoé, mas não quero arrumar problemas com o rei
antes de ter contado a ele minha versão dos fatos —
disse pesaroso.
— Rowell, me prometa uma coisa. É muito
importante para eu ter sua palavra. — Pediu,
erguendo o torso para fitar seus olhos. — Não
escreva ao seu rei ainda. Espere um pouco. Minha
situação é complicada, diante dos olhos dos
humanos de sua terra eu sequer existo. Quando eu
resolver minha situação, aí sim, você poderá lidar
do modo certo com a situação do seu casamento. —
Alertou.
— Eu não posso enganar Zoé para sempre.
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Ela é irmã do meu melhor amigo. De quem deu a


vida por mim. Se eu estou vivo, aqui com você, é
graças a Howard. Eu devo a ele proteção para sua
irmã, mesmo que não me case com ela.
— E se eu lhe disser que Zoé não é quem
parece ser? — Disse começando a ficar tensa. —
Escute, não vamos falar disso — pediu, tornando a
pousar a cabeça em seu peito. — Apenas confie em
mim e me dê um pouco de tempo antes de tomar
qualquer atitude que possa prejudicar sua vida e
seus filhos.
Como ele poderia dizer não para o pedido de
uma mulher que se preocupava também com o
destino de seus filhos? Rowell envolveu os braços
em torno de Joan, controlando a exasperação,
retribuído a afeição dela com confiança.
Permaneceram em silêncio por longos
minutos até que Rowell quebrou a gostosa nostalgia

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que os envolvia.
— Precisa devolver as cartas de Matilde —
ele alertou.
— Eu não quero fazer isso — disse Joan.
Com um pesado suspiro de exasperação ela
preparou-se para um sermão sobre ser boazinha
com a mãe do duque.
— Tem rodas às razões do mundo para
declarar guerra contra minha mãe. Mas eu preciso
interferir nisso. Devolva as cartas, Joan. Isso é
muito importante para Matilde e vai além da briga
pessoal entre vocês duas.
— Por quê? São cartas antigas, que ela nunca
enviou. — Ergueu a cabeça e desmontou de sobre o
humano, pois ficava irritada de ser contrariada
nesse assunto.
— Matilde nunca enviou essas cartas, pois as

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escreve para meu pai que está morto. É o único


modo que ela encontrou de superar a perda e a
saudade. São as suas palavras de saudade, Joan.
Tenha pena e devolva as cartas.
— Matilde não tem pena do sofrimento de
nenhuma de nós. Sabia que Liara perdeu a família
recentemente? E mesmo assim, mesmo sabendo,
Matilde a castiga com gritos e ofensas o tempo
todo! E Molly? Pobrezinha, ela já foi abandonada
tantas e tantas vezes por tantos amores falsos, e
mesmo assim, Matilde a chama de meretriz e
prostituta e lhe bate com o cajado... Ou batia, eu
roubei o cajado. — Contou, emburrada.
— Matilde não merece sua piedade. Eu sei
disso e meu pedido não é baseado em justiça. Ela é
minha mãe e você será minha esposa. Será a
duquesa e será a única a dar ordens nesse castelo,
inclusive no trato da criadagem. Devolva as cartas,

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Joan.
Ele não cederia. Contrariada, e claramente
emburrada ela acenou concordando.
— Mas eu manterei o cajado para mim —
avisou, antes que isso fosse debatido também.
— Está bem, eu posso entender seu ponto de
vista. Fique com o cajado. Mas não use contra
Matilde. — Ele também avisou.
Meio tarde, pensou Joan, mas não lhe contou
da briga com Matilde. Manteria esse segredo, assim
como Matilde mantinha segredos de seu próprio
filho.
— Eu preciso ir — Joan disse olhando em
torno no quarto. Apenas as chamas das velas
iluminavam o ambiente, e ela sentia falta
antecipadamente de estar ali.
— Uma vida de aparências. — Rowell disse

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em tom de profundo desgosto.


— É melhor do que nada — tentou animá-lo
sobre isso. — Amanhã à noite eu volto. Quer que
eu volte?
— E como eu vou conseguir esperar até
amanhã à noite? — Ele devolveu a pergunta.
Joan riu esquecida de todas as tristezas,
inclusive da rincha entre os dois causada por
Matilde e juntou-se a ele na cama mais uma vez,
para um abraço e um beijo de despedida.
— Vou sentir sua falta — ela disse olhando
para os lábios que beijara.
Rowell prendeu os braços em torno dela,
para não deixá-la ir.
— Eu não quero passar o dia todo longe de
você. — Queixou-se e ela nem tentou fugir do
abraço.

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— Porque você não vem comigo na vila?


Podemos passar o dia juntos, com a desculpa de
encontrar ajuda extra para o trabalho. E Hector está
reclamando da falta de mantimentos.
E, apesar de não confessar, Joan queria a
chance de ficar bem longe de Zoé. Afastar-se do
dom da outra, que anulava o seu. Poder libertar
suas asas e voar. Não para partir, mas sim contar
tudo a Rowell, provando o que dizia com a imagem
de suas asas.
— Minha mãe não pode saber. Precisamos
despistá-la — ele mesmo sorriu diante da tolice de
um homem adulto, um duque, precisar de
artimanhas para desviar do cuidado exagerado de
uma noiva indesejada e uma mãe controladora.
— Agora eu vou — ela disse novamente.
— Vá antes que eu perca o juízo e acabe com
todos os segredos desse forte. — O duque
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confirmou.
Era muito difícil simplesmente ir. Ambos
sorriram e dividiram um beijo longo e carinhoso.
Tomada de um arremeto de coragem, Joan saiu da
cama.
Rowell ficou olhando-a vestir-se e correr
para a porta. Era o único modo de sair sem ser
barrada pela vontade de ambos ficarem juntos.
Com o coração leve e sentimentos
contraditórios sobre assumir ou não aquele amor,
Joan abriu a porta e saiu, cuidadosa ao fechar a
porta e andar pelo corredor. Não queria falatórios
sobre o comportamento do Duque Mac William.
Zoé saberia imediatamente que havia se
deitado com ele, pois o cheiro de cio havia
abandonado-a. Mas não poderia acusá-los de nada
sem entregar quem era e como sabia do acontecido.
Então, não havia razões para preocupar-se
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quanto a isso.
Sorrindo de orelha a orelha, incapaz de
suprimir a própria felicidade, Joan dirigiu-se para o
alojamento dos serviçais.

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Capítulo 20 — Nuvens de chuva

Joan entrou no quarto onde dormia com as


outras serviçais, cuidadosa para não ser ouvida e
acordá-las. Ignorou a cama e abaixou-se,
procurando embaixo do colchão pelas cartas de
Matilde.
Era um esconderijo camuflado por seu dom,
por culpa de Zoé não poderia desfazer essa mágica,
mesmo assim, as cartas não estavam camufladas,
apenas guardadas nesse esconderijo. Uma pena que
não fosse tão simples recuperar o uso de suas asas.
Estava com a mão enfiada sob o pesado
colchão procurando pelo peso das cartas, quando

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foi interrompida por um sussurro na escuridão:


— Joan, é você?
Era Molly. Aliviada, levantou e andou até a
cama de Molly tomando cuidado para não tropeçar
na completa escuridão. Ajoelhou-se no chão,
pertinho dela e sussurrou de volta:
— Sim, desculpe acordá-la. Volte a dormir,
Molly. — Pediu.
— Onde você estava? Fiquei preocupada
com sua demora em voltar para o quarto. Hector
me contou de sua conversa com o Duque Mac
William... Eu... Cheguei a pensar que você não
voltaria mais... — Havia dependência emocional
sendo verbalizada nas palavras de Molly.
Carinhosa com sua recente amiga adquirida
naquela louca vida entre os humanos, Joan
sussurrou de volta, para tranquilizá-la:

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— Não se preocupe. Rowell e eu não


brigamos. Nós... Molly, eu estou completamente
apaixonada pelo duque. Eu sei que é inapropriado,
mas... Não posso evitar. Seria terrível se alguém
ficasse sabendo, e colocasse o nome do duque em
uma roda de fofocas. Seria um escândalo que
poderia causar tragédias para toda a família Mac
William. Eu não tenho certeza de como essas coisas
acontecem, mas acho que seria perigoso.
— Sim, muito perigoso. O Rei deu sua
permissão para um casamento entre o duque e a
condessa. — Na escuridão, Molly sentou na cama
e segurou sua mão com afeição — prometo ser
discreta!
— Obrigada. Você é uma boa amiga. Eu
nunca vou esquecê-la enquanto viver! — Joan disse
emocionada.
— Não fale como se fosse partir. A vida

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voltaria a ser escura e sem felicidade. — Molly


disse com dor.
Joan não soube o que responder. Faltava-lhe
palavras, pois em breve precisaria partir sim,
mesmo contra sua vontade, mesmo tencionando
voltar!
— Oh, Deus, vocês duas não vão se calar?
Eu quero dormir! — Os resmungos de Liara
fizeram as duas rir.
Pronto, na escuridão total, uma a uma as
servas foram acordando.
— O que estava procurando, Joan? —
Perguntou Molly, notando que não havia sentindo
em manter segredo, pois agora todas elas estavam
acordadas e eram suas amigas. Para bem ou para
mal, eram todas empregadas e penavam da mesma
vida de privações. Identificação por amizade e
sobrevivência.
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— As cartas de Matilde, eu as escondi


embaixo do colchão. O Duque Mac William me fez
prometer que devolverei para ela amanhã cedo. —
Disse apenada de ter que fazer isso.
— Você roubou as cartas de Matilde? — O
gritinho empolgado veio de outra serva, que quase
pulou da cama em empolgação — Eu sempre quis
fazer isso! Mas ela esconde tão bem, e seu quarto é
tão vigiado! Como conseguiu? Oh, isso não
importa! Vamos, me dê, eu quero ler!
— Sim! — Disse outra jovem. — Quem sabe
descobrimos algum pobre cabeludo da enjoada para
usar contra ela? Eu bem gostaria de usar aquele
cajado contra ela um dia desses!
— Eu não posso mostrar. Eu prometi ao
duque. — Joan negou e levantou na escuridão.
— Acenda uma vela, Joan, desse jeito você
vai cair! — Disse Liara, ainda irritada de ter que
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acordar no meio da madrugada.


Entre tropeços e risos, conseguiu pegar a vela
das mãos de Liara que voltou a deitar a cabeça no
travesseiro querendo e precisando de mais tempo
de sono.
— Você não pode esconder as cartas de nós,
Joan — dizia Molly. Enquanto Joan acendia a vela
de costas para as demais camas, pois a sua era no
canto mais fundo do quarto. — Pense, é nossa
única revanche contra aquela cobra asquerosa...
Joan considerou essa possibilidade. Rowell
não precisava saber disso, precisava? Seria deveras
interessante ver a cara da bruxa amarga ao saber
que suas serviçais haviam lido suas cartas! Mas,
eram cartas para o pai de Rowell, e ela não queria
invadir a individualidade de seu grande amor. A
menos, claro que selecionasse as cartas menos
comprometedoras e...

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Joan terminou de acender à vela, protegendo


a frágil chama com a palma das mãos e virou-se de
costas, enquanto ouvia Molly falar sem parar sobre
as cartas.
Chegou a andar alguns passos na direção da
cama, antes de erguer os olhos para longe da chama
e fitar o colchão.
Foi quando ela viu.
Com um grito, ela derrubou a vela no chão.
Não foi um grito qualquer, foi um som de
horror e pânico.
Liara foi à única que percebeu o fogo
alastrar-se no chão e correu para apagá-lo usando
um dos cobertores. Rapidamente a fumaça subiu e
inundou o quarto.
Joan ficou imóvel quanto às chamas eram
apagas e uma a uma as servas ascendiam suas

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próprias velas, levantavam e gritavam assustadas


com a imagem inédita e assombrosa sobre sua
cama.
No final, restou apenas Joan de pé encarando
a imagem inesperada.
Sobre sua cama, imersa em uma poça de
sangue, a cabeça de uma mulher morta jazia sobre
seu colchão.
Olhos ainda abertos, morta em meio ao
horror de um vil ataque. A face da mulher não era
desconhecida. Era muito semelhante à face de Zoé
e por um segundo Joan quase achou ser a Guardiã.
— Cristo! — Ouviu o grito de Matilde, vindo
de suas costas, mas não registrou.
Sentiu braços agarrando-a e puxando para
fora do quarto e não fez nada para evitar, apenas
tentava olhar e olhar a imagem assombrosa, como
quem precisa decorar e ter certeza que é real.
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Em choque, Matilde a arrastou pelo corredor


até uma sala no andar de baixo onde as outras
criadas estavam. Sem saber por que, Joan parou e
tentou segurar Matilde, antes de entrarem:
— Foi ela! Foi Zoé! Foi ela!
Se Matilde ouviu ou registrou suas palavras
ela não sabia. Foi deixada junto das demais, e só
percebeu que chorava pelo medo e susto quando
Molly ajudou-a a sentar-se e segurou suas mãos
entre as suas, consolando-a.
— Foi você, Joan? Que trouxe... Aquilo? —
Liara perguntou a queima-roupa — você não estava
no quarto!
— Não! — Molly respondeu por ela. — É
claro que não! Joan estava com o duque! Estava
com ele em seu quarto! Pobre menina, nunca faria
isso com uma criatura viva! Como pode pensar
isso, Liara?
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— Eu não estou recriminando-a — disse


Liara, sentando ao lado das duas, pousando uma
das mãos sobre a perna de Joan para acalmá-la. —
Tem coisas que precisamos fazer... Eu só a culparia
de ser boba o bastante para levar isso para seu
próprio quarto.
— Liara! — Molly gritou e a calou.
Seria algo que sua amiga Alma diria. Mas
não, Joan não fizera aquilo. Aquilo era um aviso
para ela!
Zoé a mataria do mesmo modo que fez com a
verdadeira noiva de Rowell. Assustadíssima, Joan
escondeu o rosto entre as mãos e chorou sem saber
o que fazer.
Primeiro, desfrutara dos momentos mais
deliciosos e emocionantes que jamais pensou
existir entre macho e fêmea, e então, a realidade
caia sobre sua cabeça com o peso de uma bigorna!
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Minutos depois, Rowell invadiu a sala.


Vestia apenas parte das roupas na pressa de juntar
sua família. A fumaça o alertou do perigo e o medo
o fizera procurar pelos filhos e por Joan. Um
incêndio em um forte poderia ser uma tragédia
irrecuperável!
Ele trazia Marmom em seu colo, abraçado ao
seu pescoço, Alice levava Tommy pela mão, ambos
assustadíssimos. O menino soltou a mão da irmã
assim que viu Joan e aproximou-se querendo seu
colo.
Trêmula, ela não poderia oferecer conforto a
quem quer que fosse.
— Não foi um incêndio — disse Joan — eu
derrubei uma vela... Eu... Oh, Rowell, você precisa
ver o que fizeram no quarto! — Ela disse com
olhos marejados, sem coragem de levantar e fazer
qualquer outra coisa além de ficar ali imóvel, sem

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reação.
— É verdade, Duque Mac William — disse
Liara. — É um horror. Não é possível descrever
com palavras!
— Um ataque? — Rowell perguntou
retirando a espada da bainha, presa em sua cintura.
— Sim — Joan respondeu e levantou no
mesmo instante quando avistou Zoé entrando no
amplo salão, seguida de Matilde. — Ela! Foi ela!
Sua assassina! Assassina!
O tempo que levou para afastar-se de Tommy
e avançar na direção de Zoé, foi o mesmo tempo
que Rowell levou para colocar Marmom nos braços
de Alice e tentar apartá-las.
Joan empurrou Zoé contra a parede, furiosa:
— Como pode fazer isso? Como pode agir
contra tudo que acreditamos? Uma humana! Como

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pode fazer isso?


Era proibido aos seres mágicos atacar ou
causar qualquer forma de dano físico aos humanos,
com exceção em casos de ataque prévio. Na
verdade era repugnante que qualquer ser, mágico
ou não, atacasse uma criatura viva que não
houvesse lhe causado agressão alguma!
— Eu não fiz nada! — Zoé empurrou-a de
volta — sua louca, eu não sei do que está falando!
— Não? Mentirosa! — Joan foi afastada de
Zoé, e não quis saber se era Rowell ou não.
Empurrou-o, tomada pela fúria de ser manipulada
outra vez:
— Uma cabeça em minha cama? Uma
cabeça decepada em minha cama? É assim que
você joga, Zoé? Matar uma humana para me acuar?
— Desarvorada, Joan limpou as lágrimas da face e
gritou outra vez, temendo ter um ataque de nervoso
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ou algo assim — ela está morta! Você disse que ela


estava bem! Como você pode fazer isso?
Rowell a calou, ao afastá-la de Zoé e segurar
seus braços, obrigando-a a olhar em sés olhos:
— Não está falando coisa com coisa, Joan.
Cale a boca e me deixe cuidar disso. Sente-se e
fique calada, é uma ordem, não é um pedido.
Ela não queria obedecer, pois Rowell não
sabia o perigo que corria. Mas ele tinha razão. Não
falava um assunto que humanos pudessem
entender. Calou-se e baixou os olhos, sentando
perto de Molly e Liara outra vez. Não por
submissão, mas por não querer fazer o joguinho de
Zoé.
Olhando de uma para a outra, intrigado com
a troca de olhares profundos de Zoé e Joan, algo
que ia muito além de rivalidade feminina pelo amor
de um homem, Rowell repassou a Matilde o que
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deveria fazer.
Ele saiu e minutos mais tarde alguns
ajudantes de Rowell apareceram para fazer a
guarda, pois um crime havia sido praticado dentro
dos portões do Ducado Mac William.
Fungando, Joan foi acalmada por Molly e
precisou se ajeitar e sufocar o choro, pois acordado
Marmom queria sua atenção e conforto e o menino
Tommy, sempre tão arteiro e risonho estava
precisando de uma postura feminina naquele
momento. Alice estava ao lado da avó, tentando
esconder o medo.
— Quem é aquela mulher? — Matilde
perguntou para Joan, que nada respondeu, mas sim
olhou para Zoé, com acusação no olhar.
— Minha pajem — disse Zoé, com voz forte,
nada abalada ou ao menos parecendo nada abalada
pela situação. — Eu gostaria de ver para confirmar.
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Eu não sei se falam da pessoa que acho que falam.


Essa mulher me acusa, mas eu não sei o que
acontece.
— Falsa — Joan disse entredentes.
— Como pode saber que é sua pajem se não
esteve em nosso quarto? — Perguntou Liara,
inteligente demais para se deixar levar pelo medo e
abalo da situação.
A pergunta não foi respondida ou reparada
pela maioria das mulheres assustadas daquela sala.
Mas Matilde e Alice notaram a ausência da
resposta.
Joan beijou a cabeça de Marmom, pois ele se
aquietava e adormecia em seu colo, abraçado a um
brinquedo feito em couro. Joan não queria acordá-
lo outra vez.
Zoé, de braços cruzados afastou-se de todas e
de costas, fitou um quadro na parede. Seus
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pensamentos iam longe. Pelo modo como Joan a


acusava, a pessoa sacrificada deveria ter sido a
verdadeira noiva do Duque, a verdadeira Condessa
de Ruminosses, viúva do Conde Francisco
Ruminosses.
Mas como era possível? Ela estava sob os
cuidados da duende da floresta, nos arredores da
Vila dos Desesperados. Mesmo que a humana
tentasse fugir, ainda assim, a duende seria
praticamente implacável. Mas não agressiva, pois
recebia pelo trabalho e não ousaria abusar da boa
vontade de uma Guardiã! Não era a primeira vez
que usava dos serviços da duende e não lhe cabia a
imagem de traiçoeira ou incompetente.
Mas quem teria interesse em acabar com a
vida da humana? Olhou para Joan com ponderação.
Sim, cabia a essa fada a intenção de fazer isso. Joan
olhou-a com a mesma acusação. A fada da clausura

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era acusada de assassinado. Uma acusação passível


de condená-la previamente por outros crimes,
inclusive a morte desta humana.
Mas em primeiro lugar, pesava sobre a fada
Driana, Alma e Joan a acusação de cumplicidade, e
a Eleonora o crime de assassinato. Ela empunhara a
arma e tirara a vida do Rei Isac. Não havia provas
de nenhum outro crime contra Joan ou as demais
fadas. Nada além de cumplicidade.
E também, Joan não possuía grande força
física ou boa saúde que a fizesse capaz de cometer
um crime pesado como aquele, usando armas ou
mesmo as mãos livres. E nesse momento, Joan não
podia usar suas asas. Não podia sair do castelo. A
menos que... Estivesse comunicando-se com
alguém de fora.
Talvez uma das outras fadas. Zoé desejava
estar a sós com a fada da clausura para lhe arrancar

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a verdade.
Mas para que? Já sabia a verdade. Vinha
vigiando-a a semanas. Ela não saia ou entrava do
castelo, com exceção da vez que voou pela primeira
vez, em busca de ervas que poderiam ajudar ao
humano.
Olhando bem para a fadinha do Ministério do
Rei, ignorando a missão que tinha em suas costas e
o preconceito que nutria por todas as fadas da
clausura, Zoé precisava admitir que o que via não
era nada muito animador em questão de ação. Joan
era pequena e frágil demais para cometer
atrocidades desse tamanho. E sem os meios
adequados para isso, restava anular qualquer
acusação contra ela nesse sentido.
Do mesmo modo que Zoé não entendia o que
acontecia, Joan estava confusa.
Horas mais tarde, agregados de Rowell
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trouxeram Hector, ainda assustado depois de ser


acordado daquele modo abrupto, com seu imenso
coelho no colo, que imediatamente atraiu o olhar de
Zoé, que tal como Joan conseguia reconhecer o
poder mágico no animalzinho.
Incapaz de se conter, Joan levantou,
aproximou-se de Hector, afastando-o de Zoé, com
um impulso visceral de proteger a todos que tinha
afeição. O modo como olhava para Zoé era muito
claro.
Elas eram animais e estavam prestes a entrar
em uma luta. E quem ficasse no caminho estaria
perdido.
Edward foi o último a ser trazido, bêbado
como sempre, trocando os pés, cheirando a bebida
fétida, falando amenidades como sempre. Matilde
esbravejou contra o homem, causando um tumulto
enorme por conta disso.

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Amanhecia quando Rowell voltou para junto


delas. Encontrou uma guerra armada e não
verbalizada entre Joan e Zoé.
— Não encontramos o restante do corpo —
ele avisou. — O castelo foi vasculhado e não
encontramos ninguém estranho ou qualquer indício
do que aconteceu. Será feita uma busca pelo local
do crime. Por hora é seguro saírem dessa sala, mas
não do forte. Todos que estão aqui irão me contar
exatamente o que viram e o que sabem. Sem
exceções — ele olhou para Matilde que estava
prestes a brigar sobre isso.
— Hum, quanta tolice — resmungou Edward
que havia se deitado no primeiro sofá que
encontrou e escondido o rosto no estofado, de
costas para todos eles. — É muito claro o que
aconteceu. O assassino não está entre nós. Foi um
aviso. De que servira uma cabeça, além de

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assustar? Mande a criada embora e resolverá o


nosso problema de segurança. Solução imediata.
— Seu irmão tem razão — Matilde disse no
mesmo instante que Edward calou a boca. — Pela
primeira vez na vida esse imprestável disse algo
útil! Essa criada deve partir imediatamente! Foi um
aviso para ela! Não devemos nos envolver em seus
assuntos perniciosos!
— Joan não fez nada, ela estava comigo, em
meu quarto — Rowell disse sem hesitar. Preferia as
maledicências dos comentários à possibilidade de
Joan ser culpada por assassinato. — Seja o que for,
é uma ameaça contra ela. Uma ameaça de morte e
protegê-la é o que farei.
É claro que Rowell esperava represálias.
Matilde não cansaria de falar sobre isso, mas
naquele instante ele esperava um posicionamento
da condessa. Sua noiva.

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— É comum que um duque tenha amantes.


— Zoé disse séria. — Até as bodas posso aceitar
esse comportamento. Depois, essa prostituta não
será bem vinda a minha casa e a vida do meu
marido — ela disse com ofensa e seriedade na voz.
— Não diga essa palavra na frente de
crianças — disse Joan, furiosa.
Tommy estava adormecido junto ao irmão
menor, no sofá menor aos cuidados de Liara, mas
Alce ainda estava acordada, incapaz de descasar em
meio aquela confusão toda.
— Eu falo como eu quiser — Zoé alegou.
Aquela briga era entre as duas, algo antigo, algo
que ninguém poderia compreender.
— Lembre-se que essa gente não é como
você ou vem do mesmo lugar que você! Ninguém
tem obrigação de obedecê-la ou ouvir suas
maldades! Matilde — Joan virou para a mulher
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detestável — como pode deixá-la falar assim na


frente de sua... — quase disse ‘neta’. — De Alice?
Não é sua responsabilidade o cuidado para com os
filhos do duque?
— Não — Foi Rowell quem disse, erguendo
a voz alto o bastante para calar as três vocês, pois
tanto Zoé quando Matilde haviam aberto a boca
para falar ao mesmo tempo e ele não queria ouvir
as gralhas matracando em seu ouvido, sobretudo,
Joan sendo uma delas. Nunca imaginaria que a
pequena fadinha que aquecia se coração com
doçura e meiguice também era aquela megera
irritando seus ouvidos com brigas. — As três em
silêncio. Hector, a cozinha está segura. Prepare o
desjejum. Até o almoço espero liberar todos para o
uso do castelo. Até lá, quero silêncio total aqui
dentro!
— Não se engane, Rowell. É culpa é dela. De

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Zoé! — Joan não obedeceu, desafiando-o.


Ficou bem perto e desafiou-o:
— Pergunte para a Condessa quem é a
verdadeira Zoé e saberá quem colocou... Aquilo
sobre a minha cama! — Continuou insistindo.
— Eu não sei de nada! — Zoé defendeu-se,
rapidamente voltando para a discussão — creio ser
minha pajem, que desapareceu ainda no vilarejo.
Na verdade, ela pediu para ficar e ajeitar-se com
algum homem do vilarejo. O que eu faria? Impedi-
la de ser feliz? — Satirizou Zoé, desafiando Joan a
desmentir essa imensa falsidade.
— Como mente bem — Joan acusou.
— Não sou a única — Zoé retrucou.
— Chega! — O duque gritou e elas se
calaram imediatamente. — Matilde, é sua
responsabilidade mantê-las caladas. — Ele passou a

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dianteira para a única pessoa que saberia fazer isso


como ninguém.
Um longo olhar de aviso para Joan, e Rowell
saiu acompanhado de Hector. Deixou a todos
trancados e protegidos ali dentro. Joan culpava-se
por estar sendo detestável, mas estava furiosa com
a audácia de Zoé, o medo elevado a níveis
alarmantes e transformado em força para lutar.
— Aposto como foi umas das suas amigas
imundas — disse Zoé para trazer Joan ao limite do
autocontrole.
— É mesmo? Pois eu tenho certeza que foi
você! Assassina! — Acusou.
As vozes se elevavam rapidamente.
Matilde empurrou Joan para longe de Zoé e
virou-se para a condessa:
— São ordens do Duque que ambas se calem.

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Obedeça! — Disse com propriedade e Zoé


aproximou-se, simplesmente ergueu uma das mãos
e acertou o rosto de Matilde com um tapa.
— Eu sou uma condessa. Não ouse elevar a
voz para mim, sua serviçal.
Incrédula, Joan nem sabia porque, mas se
colocou entre Zoé e Alice que tencionava proteger
a avó.
— Como ousa tocar em Matilde? Você não é
daqui! Você não pertence a esse lugar! Você não
pode erguer sua mão para um humano! Eu juro,
Zoé, quando sairmos desse lugar, eu vou denunciá-
la por isso. Eu vou acabar com você. Vou contar
tudo que fez, desde sua pretensiosa oferta de cópula
a um humano, até suas agressões. Vai pagar por
esses crimes, assassina. Vai pagar!
— Ouça bem o que diz, ratinha, e não
esqueça de onde você vem e de onde eu venho. Se
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essa serviçal ousar erguer a voz para mim outra


vez... Ou qualquer outra erguer a voz para mim —
ela olhou em torno — isso irá se repetir e eu não
me importo com parentescos. — Era um claro
aviso sobre Alice, a menina que a odiava.
— Você é um monstro. Eu sempre soube
disso. Não importa o quanto a idolatrem e o posto
que ocupe! Você não presta! Eu sinto medo de
você. E isso não faz de você alguém bom. — Joan
esbravejou e tornou a afastar-se de Zoé,
empurrando gentilmente Alice para que se afastasse
também e ficasse perto dos irmãos.
Matilde permaneceu de pé, humilhada e sem
ação, prevendo que ainda haveria muito desgosto
com a nora que Rowell lhe arrumou.
Um olhar de esguelha para Joan e Matilde
afastou-se do confronto também.
Zoé era mais forte do que as duas juntas. Era
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mais forte do que qualquer um ali dentro, mesmo


Rowell.
Angustiada, Joan sentiu o peso de não contar
para ele sobre a verdade a cerca de Zoé. Precisava
contar, era simples assim. Ela precisava contar e
alertar Rowell do perigo acoitado dentro de sua
própria casa!
O modo como Joan estava se portando era
bastante óbvio. Ela contaria tudo ao humano. Além
de expor sua raça aos conhecimentos humanos e
aos seus preconceitos, Joan colocaria o disfarce de
ambas no chão com apenas algumas palavras.
E como impedi-la de fazer isso? Afinal, não
podia esquecer que a ratinha imunda havia achado
um fácil caminho para a cama do duque e pela
ausência total do cheiro do cio, podia dizer que
obtivera êxito em firmar-se como a preferida de
Rowell.

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Se era por amor ou interesse, não sabia dizer,


mas estava um passo a sua frente.
Olhando para aquelas mulheres, Zoé reparou
em uma das criadas que a olhava com um quase
sorriso. Fora uma das moças que achou graça de
ver Matilde apanhar. Liara era seu nome e Zoé
apostava que saberia muitos segredos daquela terra
de humanos.
As horas correram para os homens que
procuravam pelo assassino e pistas do que
aconteceu, mas andou vagarosamente para as
mulheres presas naquela sala. As crianças estavam
acordadas e foi Joan quem cuidou de Marmom.
Tommy e Alice orbitaram em torno de Matilde, que
calada observava cada passo da condessa.
Por um segundo Joan considerou a
possibilidade de provocar a governanta e lhe jogar
na cara que tanto quis a chegada da condessa e a

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partida da serviçal, e agora era humilhada e


espezinhada merecidamente.
— Eu não sei como você consegue lidar com
ele — disse Liara baixinho referindo-se a Marmom
— esse menino me assusta tanto.
O menino brincava no tapete e Joan lutou
para não brigar com Liara e explicar-lhe que
Marmom era perfeito do modo que era. Mas não
seria ela a lhe explicar isso.
Joan ergueu os olhos para sondar e monitorar
Zoé e surpreendeu-se ao vê-la com expressão
contrariada diante do comentário de Liara. Eram
raças diferentes, mas o sangue mágico falava mais
alto mesmo em alguém como Zoé.
Apreensiva, sim, a Guardiã estava
apreensiva. Corajosa, Joan levantou e aproximou-se
de Zoé.
Era uma surpresa total ter coragem para
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tanto.
Depois de apartar-se de suas amigas, ser
deixada sozinha entre os humanos e lutar
diariamente contra a hostilidade de Matilde, nada
poderia amedrontá-la e fazê-la abater-se
novamente.
Enfrentar era sua única alternativa, pois até
então, fugir não estava dando muito certo para ela!
Pela primeira vez em muitos anos, Zoé
sentiu-se sendo rodeada por uma serpente, e não
pela ratinha indefesa Joan. O modo como a fada da
clausura a sondava, rondava, olhava e aproximava-
se era peculiar. Sem medo. E quando o medo
acaba, o domínio é extinto.
E o que sobraria para Zoé além do domínio
imposto pelo medo?
— O que você quer? — Perguntou a Joan, na
defensiva.
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— Não foi muito inteligente da sua parte


colocar aquilo na minha cama. — Disse com voz
mansa.
Braços cruzados, postura de retraimento que
escondia sua súbita coragem de enfrentar seu pior
pesadelo.
— E porque eu faria isso? Não preciso de um
gesto tão inconsequente para assustá-la — Zoé
disse com um meio sorriso e Joan sorriu.
— Está enganada. Eu ainda tenho medo de
você, pelo que sei que é capaz de fazer contra
aquilo que considera frágil! Eu tenho receio porque
sei que odeia o que é menos capaz de se defender,
mas não tenho aquele medo que faz fugir... Isso
acabou, se for preciso eu enfrento você. Se for isso
que você quer, Zoé, eu aceito o desafio.
— Você me enfrentar? — A Guardiã sorriu
sádica. — Sem asas e sem dom? — Ironizou.
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— Exatamente. Sem asas e sem dom. —


Joan revidou.
No fundo não pretendia enfrentar Zoé em um
confronto desse tipo! Precisava pensar em um
modo de vencê-la mesmo sem seu dom e sem o uso
de suas asas. Algum modo, mesmo que ilícito de
fazer isso acontecer. Agora que adquirira o desejo
de vitória, nada poderia dissolvê-la disso.
— Só nós duas, longe daqui. — Disse
convencida que isso era o melhor — longe de
Rowell e das crianças. Longe desses humanos que
não lhe fizeram nada de mal.
— Rowell? Acha que uma noite de cópula
pode afastá-lo de mim? Ele me deseja, ratinha. E
ele vai desejar ainda mais. Quando o encanto por
você passar... E isso vai acontecer em breve, então,
eu vou ter Rowell em minhas mãos, e nessa hora eu
espero encontrá-la de joelhos e cabeça baixa

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esperando pelas algemas. Porque eu me daria ao


trabalho de sair desse forte e correr o risco de vê-la
fugir como fazem os covardes? Estou gostando de
ficar aqui. É um lugar hospitaleiro e essa
brincadeira de ser humana é muito divertida. Você
não acha?
— Acho. Acho que você blefa. Vai matar a
todos. Mas eu não vou deixar isso acontecer —
Joan elevou a voz, mas acabou se contendo para
não alertar a todos do que diziam. Que pensassem
ser apenas farpas entre duas mulheres que
disputavam o mesmo homem. — Minhas amigas e
eu estamos sendo injustiçadas e em breve Eleonora
vai provar isso. E quando acontecer... Ela será
rainha porque é isso que acontece com a filha de
uma rainha deposta. Na ausência de um rei e de
herdeiros de sangue, Eleonora será rainha e quando
isso acontecer... Você será punida pelos seus

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crimes. A começar pela morte dessa pobre moça


inocente. O que ela lhe fez? Nada. Porque sacrificá-
la? Por tão pouco! Por ordens de uma rainha louca!
— Eu não matei ninguém! — Zoé avançou
um passo e Joan afastou-se na mesma medida.
— Assassina. — Disse entredentes. —
Animal. Você é um animal, Zoé. Eu não sei por que
uma fada tão poderosa, bonita e inteligente, aceita
por todos como Guardiã, admirada e saudada por
seu posto, é tão horrível assim! Mas você é! Cruel,
sem dó ou piedade! — Disse mordaz e ferrenha em
sua acusação.
— Cale a boca — Zoé revidou no mesmo
tom.
Bem, essa era uma arma que Joan poderia
usar contra Zoé: as palavras.
— Animal. Assassina. Repugnante. Seu
poder não é nada.
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— Eu não sei como a humana apareceu


morta em sua cama. Eu não fiz isso. O jogo é entre
nós duas. Ela estava em segurança. Eu não sei
quem fez isso! — Zoé agarrou seu braço e Joan
olhou para isso com nojo. Lágrimas de indignação
correndo em sua face, mesmo que tentasse se
conter.
— Sinto o cheiro de choro de inocente em
você, Zoé. E não vem da mulher sobre a minha
cama. Vem de antes. De todos que já humilhou,
espezinhou e ofendeu. Vem de todos que agrediu e
matou.
Foi suas palavras que fizeram Zoé soltá-la.
— Não fui eu — Zoé disse mais uma vez,
mas Joan ignorou e afastou-se ofegante e assustada
com a própria coragem e o confronto.
— Não fui eu — Zoé tornou a sussurrar para
si mesma, virando de costas para todos eles,
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remoendo isso, as possibilidades e principalmente,


remoendo quem teria cometido aquele crime em
seu nome.

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Capítulo 21 — Ideias tolas

O entardecer trouxe consigo a liberdade. As


criadas saíram praticamente correndo do amplo
salão. Elas não queriam permanecer nem mais um
minuto presas à chave em um mesmo lugar onde
estivesse Matilde.
Uma delas chegou a sussurrar um
inapropriado “pena que não era a cabeça de
Matilde” ao sair do salão e ouvir os gritos da
governanta sobre existir muito trabalho esperando
por elas.
— Eu mesma quero arrumar minha cama.
Preciso recuperar algo que escondi no colchão. —

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Disse Joan levantando, andando para perto de


Rowell que esperava no corredor, com Marmom no
colo e os filhos perto.
— Não — ele disse. — Não vai tocar
naquela monstruosidade. — Ele negou
imediatamente. — Ficará no meu quarto de hoje em
diante. — Não olhava na direção de Zoé e Joan
sorriu, mas negou com a cabeça:
— Eu não posso fazer isso. Vai lhe trazer
problemas. Eu posso dormir no quarto com Matilde
— ofereceu — é seguro o bastante e em breve
voltarei para junto das minhas amigas.
Por um minuto ele não soube se falava
mesmo sobre as criadas ou suas outras amigas,
aquelas que Joan vivia falando estarem escondias
esperando o momento de buscá-la.
— Você pode dormir no meu quarto se
quiser — a oferta veio de Alice e diante dessa
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surpresa, Joan sorriu e disse:


— Oh, querida, eu adoraria, mas não é o
momento adequado. Em breve refaça seu convite e
eu vou adorar passar uma noite em seu quarto, na
sua companhia. — Prometeu, feliz em ter o apreço
da menina.
— Sentiu medo, Joan? — A menina
perguntou — quando viu aquilo... Na sua cama?
— Sim, eu estou tremendo até agora — foi
sincera. — Mas já passou. Tenho certeza que nunca
mais acontecerá algo assim. — Olhou para Zoé
como quem a avisa sobre isso e então, sorriu —
Não gostaria de ir à cozinha comigo ver se Hector
teve tempo para preparar um delicioso bolo para
nós? — Sugeriu ofertando a mão, ao qual Alice
aceitou de prontidão.
— Alice tem suas obrigações — Matilde
impediu, afastando a neta da presença de Joan e de
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Zoé. — Eu cuido das crianças, Duque Mac William


— ela disse com seriedade. — Imagino que tenha
assuntos a tratar com a Condessa e com sua...
Serviçal. — olhou para Joan de alto a baixo.
Realmente, Matilde nunca desistiria de
ofendê-la? Pensando por esse ângulo, uma ou outra
bofetada de Zoé em Matilde, poderiam ser uma boa
ideia no futuro...
Sozinhos no corredor o clima era no mínimo
tenso.
— Entrem — ele disse sério e apesar da
postura ferrenha, o olhar era todo de Joan.
Não foi surpresa descobrir que Edward ainda
dormia no sofá completamente embriagado. Rowell
simplesmente ignorou a presença do irmão e olhou
para as duas.
— Eu não vou pedir desculpas por ter outra
mulher em minha vida. — Rowell foi direto. — Eu
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deveria ter sido sincero quando chegou, Zoé. Mas


não sabia como fazer isso. Tenho obrigações com
você. Não fugirei disso.
— É claro que não. Eu não aceito menos do
que casamento — Zoé disse severa.
— E porque uma viúva é tão exigente? —
Joan provocou, pois era mentira de Zoé.
— Joan — Rowell pediu e ela se calou. —
Seu irmão foi meu amigo durante toda uma vida. E
eu nunca vou esquecer esse vínculo — ele
aproximou-se de Zoé e tocou seu rosto — eu não
poderia esquecer Howard mesmo que eu quisesse.
Vou carregar a dor da perda dessa amizade para
sempre.
Infelizmente Joan sabia muito bem o efeito
daqueles olhos claros e cândidos no coração de
uma fêmea. Temendo o pior, que a atração que Zoé
sentia pelo humano evoluísse para algo maior,
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pensou em interromper, mas se manteve calada,


atacada pelo ciúme.
— Eu tenho responsabilidade com você.
Quero que fique no forte, sob minha proteção. Se
for sua vontade, encontrarei alguém com um bom
título para casar-se. Mas eu não posso me
comprometer. Eu tenho sentimentos por Joan, e não
me importa se ela é uma serviçal ou não. Quando se
refere a ela pejorativamente, me ofende mais do
que a ela.
— Isso é tolice, Rowell. Conheço essa
mulher — Zoé jogou — é uma vagabunda de
taverna. Eu esbarrei com ela no caminho para cá.
Não se iluda com uma castidade e um sorriso
bonito. Ela comete crimes e o que aconteceu ontem
à noite, foi apenas o começo. Mantê-la nesse forte é
trazer para sua gente a tragédia e perseguição.
Livre-se dela enquanto é tempo.

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— Como é mentirosa! — Disse Joan, e


Rowell afastou-se de Zoé olhando de uma para a
outra.
— Quando gritam uma com a outra, estão
longe de me convencer quem está falando a
verdade. Eu sei que as duas se conhecem. Eu só
não sei qual das duas está mentindo e o porquê
disso — foi direto com ambas e por mais que
contrariasse Joan, ela sabia que era da índole do
duque agir assim. — Tenho obrigações com os
aldeões sob minha proteção. Zelo pelos amigos,
companheiros de luta. Sobretudo, por minha mãe e
meus filhos. — Ele não esclareceu para Zoé quem
era sua mãe, mas Joan notou que ela guardava essa
informação para mais tarde usar contra eles. —
Vou manter as duas sob as minhas vistas e estou
proibindo ambas de se encontrarem sozinhas. Não é
uma recomendação. Descumprir as ordens do

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senhor desse forte é pedir por punição. Se eu


souber que andaram perto, brigando, ambas serão
punidas severamente — era a verdade. — Antes
que comecem a reclamar — ele adiantou-se as
queixas — é o comportamento adotado em relação
a todos nesse forte. Serviçais ou nobres. Quero as
duas dispersadas. Zoé, sua companhia é bem vinda.
Joan, sua presença é indispensável em minha vida.
Mas isso não quer dizer que irei permitir que gritos
e brigas se tornem rotina. Já me chega o
comportamento de Matilde, não vou suportar que
se transforme em alguém como ela, Joan. Ou que
Zoé tome o lugar dela. Matilde só tem uma nesse
castelo e é assim que continuará sendo. — Rowell
foi taxativo.
— Pois diga isso para a Condessa — Joan
usou do seu direto de amante, enlaçou os dedos na
mão de Rowell e apoiou o queixo em seu ombro,

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traiçoeira, vingando-se de Zoé como podia. — Essa


humana acertou uma bofetada na face de Matilde.
— A serva me aborreceu — Zoé defendeu-
se.
— Castigos físicos não são tolerados dentro
do meu forte. — Ele foi direto, olhando de uma
para a outra — assim como mentiras e intrigas
também não são toleradas.
Era um aviso para Joan. Ela afastou-se dele e
virou de costas.
— Eu gostaria de me recolher ao meu
aposento — disse Zoé com toda a elegância e
pompa de uma senhora de requinte. — Mas
primeiro — aproximou-se do duque e ergueu uma
das mãos para que ele cumprimentasse como era de
praxe entre pessoas de títulos — devo avisá-lo que
não padeço das mazelas que as outras mulheres
padecem. Sou viúva e como tal, não tenho apego a
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rótulos. O receberei de braços abertos em minha


alcova. — Olhou para Joan com superioridade. —
Para que saiba que possui opções, Rowell.
Melhores opções.
Zoé sorria de leve, maliciosa, ao virar de
costas e partir. Apesar de ser um monstro assassino,
Zoé era também uma linda fêmea cor de ébano e
tomada de um ciúme primitivo, Joan aproximou-se
de Rowell e segurou seu rosto, virando-o em sua
direção.
— Não olhe para ela desse modo! —
Mandou.
— E como você acha que eu estou olhando
para a Condessa? — Ele afastou sua mão, com
revolta por seus modos agressivos.
— Como um homem que possui opções! —
Joan revidou, azeda e ofendida.
— Não coloque suas garras de fora, Joan. —
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Ele avisou, tolhendo seu gesto possessivo. — Eu


não suporto falsidade em uma mulher — era algo
muito direto. — Eu me apaixonei por uma jovem
doce e meiga, com o coração mais puro que alguma
vez pude conhecer. Não me assuste mudando seu
comportamento!
— Estão envenenando meu coração. Será que
não vê isso? — Desabafou afastando-se magoada.
— Eu lhe contei que havia segredos sobre mim!
Não haja como se o tivesse enganado!
— Mas nenhuma das possibilidades que me
contou envolvia cabeças decepadas sobre sua cama,
Joan! — Ele agarrou-a pelo braço e a fez virar-se e
encará-lo.
— E você acha que eu pensei que isso
chegaria tão longe? — Ela acusou. — Eu nunca
achei que ela fizesse algo assim! Aquela mulher,
Rowell... A mulher morta é a verdadeira Condessa!

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Será que você não vê? Essa mulher que você chama
de Zoé é uma impostora! É ela quem está me
caçando! Quer me levar embora! Ou me matar, o
que conseguir primeiro!
— Não faz sentindo, Joan. Ela não chegou
desacompanhada! Seus empregados estão aqui de
testemunha de quem é! — Rowell alegou,
esperando arrancar de Joan a verdade. — Porque
ela estaria perseguindo-a?
Silêncio total. Joan não podia contar sobre
isso. Ainda não.
— Certo. Você se cala. — Ele soltou-a,
exasperado.
— Eu disse que era assim. Que eu tinha
segredos! Eu tentei me afastar de você! Mas foi
você, Duque Mac William, que veio atrás de mim e
me convenceu que isso não importava! — Ela
acusou.
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— E não importa! — Respondeu,


completamente exasperado. — E isso é revoltante.
Não importa o que você fez de errado ou do que a
acusam! Isso é o pior de tudo. Eu não me importo
desde que você não saia da minha vida!
Era uma angustiante declaração de amor.
Pobre Rowell, envolvido em seus segredos e
podridões.
— Eu sinto muito, Rowell. Sinto tanto por
trazer infelicidade para sua vida. — Ela sentou-a na
primeira poltrona que encontrou, sem forças para
lutar contra a tristeza. — Eu juro que meu segredo
não é horrível. Que eu não sou um monstro ou
criminosa. Que tudo isso está acontecendo por
culpa de outras pessoas, não por minha culpa!
Mesmo assim, eu deveria ter partido quando
percebi o quanto o queria. Não é justo trazer essa
imundice para sua vida. Não é justo.

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— Você me salvou. E tem me mantido a


salvo desde o dia em que chegou aqui — ele
aproximou-se e sentou ao seu lado, tentando
segurar sua mão.
Joan não queria deixar, para tentar se afastar
e quem sabe ir embora, mas ele segurou mesmo
assim, e ela se perdeu naquele olhar claro, bonito,
que exalava charme e paixão. Que a olhava tão
bonito...
— Não foi minha culpa o que aconteceu essa
noite — ela disse angustiada para que entendesse
isso. — Mas foi por minha causa que fizeram essa
barbárie. Por minha presença.
— E o que esperavam com isso? Que você
partisse? — Tentou arrancar-lhe qualquer migalha
de informação que Joan pudesse lhe dar.
— Não. Não exatamente. O responsável pela
morte daquela mulher deseja que eu saia do forte.
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Para poder me pegar longe de vocês.


— Vocês? E de quem você fala? — Insistiu.
— Você. Sua família. As pessoas nesse forte.
Longe da sua raça. Ah, Rowell, não me obrigue a
contar mais que isso. Eu ainda não posso provar
nada que eu disser!
Temia a verdade absoluta. Não podia expor
suas asas, mesmo que abdicasse das regras que
proibiam um ser mágico de se revelar a humanos.
Suas asas estavam recolhidas e fora do seu
domínio. Sendo assim, como provaria suas
palavras? Seria tratada como louca, do mesmo
modo que aconteceu com Matilde anos atrás!
— Rowell, eu estou com tanto medo. —
Desabafou, finalmente desabando — tanto medo de
ser a próxima vítima...
— Isso não vai acontecer — ele garantiu. —
Não importa o que digam, não importa os boatos.
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Ficará no meu quarto de hoje em diante. Eu


prometo lhe fazer honesta em breve, Joan. Tão logo
eu entenda tudo que acontece com você.
— Suas regras e leis não me dizem nada,
Duque. — Joan tentou sorrir, mas faltava vontade.
— E isso me assusta. Quando fala assim, me
assusta um pouco. — A abraçou. Joan apertou-se
contra ele, com desespero de perdê-lo. — Me
assusta ainda mais o quanto eu a quero. Apesar de
todas as implicações, eu não vou abrir mão de você.
Joan não sabia se esse tipo de afirmação
enervava seus sentimentos e a acalmava, por saber
que apesar de tudo, havia encontrado o amor
verdadeiro e perto disso, nenhum perigo parecia
importante; ou se temia o pior, pois amar Rowell o
colocava em perigo junto com ela.
Abraçada a ele, deitou a cabeça no ombro do
seu duque e deixou que a consolasse. Ele não a
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beijou naquele instante, pois Edward seu irmão


acordava de seu porre e reclamava sobre barulho e
sobre seu sono interrompido.
Trocando os pés, o humano deixou a saleta, e
Joan olhou para a porta fechada, perguntando:
— Porque ele bebe tanto assim? — Havia
curiosidade em sua voz.
— Eu não sei. Eu nem mesmo sei se Edward
sabe por que bebe desse jeito.
— Talvez ele sinta saudades do pai e da mãe.
Esse tipo de dor deve enlouquecer alguém com um
sentimento frágil — ponderou.
— Não. Ele nunca foi tão sensível assim.
Acho que não é a única que guarda segredos, Joan
— beijou sua testa e sorriu. — Não vamos deixar
que o susto dessa madrugada estrague a lembrança
da noite que passamos juntos. — Ele pediu
romântico.
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— Como se eu pudesse esquecer o que


aconteceu entre nós dois — ela sorriu e beijou-o
próximo aos lábios, querendo que Rowell se
esquecesse das aflições por um instante e confiasse
nela. — Eu quero repetir essa noite, Rowell. Muitas
e muitas vezes.
— Me conte seus segredos, Joan. Eu posso
ajudá-la. Eu sei que posso.
Era uma oferta tentadora. Ela fez um carinho
no rosto do duque:
— Eu sei que pode. Mas tem coisas sobre
mim que não posso provar agora. E que será
impossível para sua mente acreditar sem provas.
— Isso é impossível, não há nada que me
dissesse que eu não poderia acreditar! Joan, eu
confio em você! — Indignou-se — você entrou na
minha vida e colocou tudo em ordem! Será que não
vê que eu acredito em você? Eu confio cegamente
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em você, Joan. Não são palavras vazias.


Era a hora de contar. Essa certeza gritava
dentro dela em medo e aflição. Talvez por isso as
palavras fugissem de sua mente e por isso beijou
Rowell em um ato desesperado de fuga. O beijo era
apaixonado e desesperado.
Ele enlaçou sua cintura, suas costas e
correspondeu com a mesma ferocidade. Um beijo
devorador que precisava suprimir em ato tantos
sentimentos e palavras carregadas de pesar.
Quando o beijo terminou e os olhos se
encontraram, Rowell não insistiu nas perguntas.
Ele viveu uma vida toda ausente de amor e
paixão verdadeira, mas havia sido uma vida. Com
histórias, pessoas e passado. Uma vida toda que
não poderia simplesmente ignorar por causa de um
amor repentino. E o mesmo acontecia com Joan.
Ela possuía um passado antes de conhecê-lo, com
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pessoas, atos e responsabilidades. Então, como ele


poderia pedir que ignorasse toda uma vida em
nome do amor dos dois?
Isso não seria amor, e sim, egoísmo.
— Não me deixe de fora, Joan. Peça ajuda.
— Disse ao beijar de leve sua testa e ser
recompensado por um dos lindos sorrisos sinceros
de Joan. Ninguém sorria como ela. Com exceção
talvez das crianças. Essa sinceridade e pureza era
algo somente dela. De mais ninguém.
— Eu te amo, Rowell. Essa é a única verdade
que posso confessar nesse momento. E que estou
morrendo de fome. Acha que pode lidar com essa
verdade absoluta?
Era uma parca tentativa de trazer um sorriso
ao rosto sério de Rowell, aliviar o peso da
discussão e quem sabe, impedir que um
afastamento doentio viesse junto com a
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desconfiança.
— Como eu disse, eu posso ajudá-la sempre
que me contar a verdade — ele entrou em sua
brincadeira e segurou sua mão com carinho,
determinação e mais do que isso, encanto. — Vou
deixá-la na cozinha, junto de Hector. Essa hora ele
deve ter tido tempo de preparar algo.
— Não precisa. Eu vou sozinha — beijou-o
de leve no rosto — eu sei que você precisa acalmar
sua gente depois de tudo que houve.
— Sua gente, Joan. Essas pessoas fazem
parte da sua gente, também. No momento em que
se tornou minha paixão, essas pessoas passaram a
ser parte da sua vida também.
Sorrindo, um pouco melancólica, Joan
perguntou-se se isso duraria depois da grande
revelação sobre serem de raças distintas.
Carinhosa, beijou-o outra vez, dessa vez na
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altura do ouvido, e sussurrou um eu te amo em sua


língua natural, a língua das fadas, e afastou-se.
Os olhos de Rowell brilharam intensamente,
quando ela tocou sobre seu peito, dizendo:
— É parte de uma verdade, Rowell. — Não
fazia sentido suas palavras, ou faziam sentido até
demais.
Uma língua estranha, nos lábios de uma
criatura que não pertencia a sua gente e que se
referia a eles como ‘humanos’.
Confuso, Rowell deixou-a ir, não sem antes
pensar que a Condessa, sua até então noiva,
também se referia a eles desse modo.
Lutando contra a desconfiança total, quando
havia decidido confiar plenamente, Rowell tomou
caminho para fora do castelo, para interagir com
seus homens de confiança. Até segunda ordem,
havia um assassino a solta e Rowell faria de tudo
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para alcançá-lo antes que o pior sucedesse com sua


adorada Joan.
*****
Joan escapou dos olhares dos homens que
faziam a guarda do quarto das serviçais, onde a
tragédia se deu, e fortuitamente conseguiu entrar,
recuperar o lenço camuflado, onde escondera as
cartas de Matilde e sair sem ser vista. Tudo com
discrição.
Bem, ela aprendeu a fazer isso mesmo sem
seu dom, no tempo em que vivia seguindo
Eleonora, Driana e Alma em suas travessuras:
“— Pés silenciosos — dizia Eleonora
andando sobre um galho alto, sobre uma árvore,
de uma ponta a outra, sem cair ou bambear. —
Gestos folgados — ela abriu os braços, como uma
bailarina faria — olhos atentos — ela piscou para
Joan antes de concluir: — E pronto! Você entra e
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sai de onde quiser sem ser vista!


— E porque eu iria querer fazer isso, Lora?
— Joan perguntou, sentada na grama macia, sob o
sol de um dia caloroso, sendo brindada por uma
leve brisa que movia os cabelos esbranquiçados de
Eleonora de um lado ao outro, como se ela fosse
uma bela aparição.
Eleonora não respondeu. Algo menos doce
cruzou seu rosto e ela terminou de percorrer o
galho com seus passos de pluma, saltando para o
chão graciosamente.
— Acho que Eleonora não quer que você
saiba que o mundo é feio e que um dia
precisaremos fugir — disse Driana com amargor
disfarçado por um sorriso de provocação para com
Eleonora, sempre andando de um lado de outro,
carregando um livro aberto, enquanto lia algo que
lhe cativava a atenção.

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— Porque? — Joan não entendeu de


imediato.
— Ora, por favor, Joan! — Foi Alma quem
se irritou, pois esse assunto a descompassava e
exasperava. — Um dia seremos trancafiadas e
esquecidas! Você pretende passar o resto de sua
vida presa?
— Não. Mas eu pensei que... Tobias vai
escolher uma de nós, não é? Ele vai escolher
Eleonora! E vai convencer o irmão a escolher
outra de nós e assim será, até que estejamos livres.
Eu... Será assim, não é? — Perguntou convencida
disso.
Foi Alma quem a fitou com incredulidade.
— Acho que você é lesa. Só pode ser isso! —
Alma levantou da grama e tencionou se afastar,
mas voltou e encarou Joan com mágoa no olhar.
Rancor do mundo. — Tobias vai esquecer-se de
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nós. Quando formos trancafiadas, ele se esquecerá


de todas nós! Ele faz tudo que o pai e o irmão
mandam! Ele tem uma família! Eles o convencerão
a casar-se com uma moça de boa família! Tobias
seguirá o exemplo do Primeiro Guardião. É assim
que será! Uma a uma trancadas. Sem chances, sem
saída, sem retorno! É nosso destino!
— Não diga isso, Alma! — Eleonora segurou
o braço de Alma, que a empurrou. — O que você
quer? Assustar Joan?
Alma fitou a amiga e por um segundo,
pareceu fraquejar em seu ódio contra o mundo. Ela
não queria magoar Joan. Mas estava no limite do
autocontrole. Os meses aproximavam-nas do
nascimento das asas. Ou seja, da desgraça total.
— Alma está certa — disse Driana triste,
fitando Eleonora. — Egan sequer é irmão de
verdade de Tobias. Ele não tem uma família, tanto

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quanto nós não temos uma. Não possuí influencia


alguma para nos ajudar! Precisaremos encontrar
um modo de fugir.
— Fugir da clausura é impossível. — Disse
Joan, olhos arregalados, assustada.
— Ah, isso? É o que dizem para que
acreditemos. Eu ouvi uma conversa entre duas
carcereiras. Elas bebem como gambás quando não
estamos vendo. E eu deixei elixir proibido
suficiente para que a língua delas ficasse bem
soltinhas...
— Onde conseguiu elixir proibido? —
Perguntou Eleonora, com olhos brilhantes.
— Eu roubei, por que da surpresa? Eu
precisava de respostas! Não há magia alguma
protegendo a clausura. Apenas parede e chaves.
Depois de trancafiada, usam uma coleira com
veneno no pescoço da fada, para inibir o uso do
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seu dom. Essa é a única razão para nenhuma fada


fugir. — Seu sorriso era sugestivo.
— Fugir? — Perguntou Joan. — E como
faríamos isso?”
Lembrar-se de suas amigas era como cravar
um punhal em seu coração. A saudade a corroia. O
medo, o susto. Pensar em como estaria sendo a fuga
para Eleonora, com tamanha responsabilidade
sobre seus ombros. Ou Driana, angustiada e sem
notícias. E pobrezinha de Alma, sempre tão odiosa
e odiando o mundo. Temia que Alma cometesse um
desatino! E mais do que isso, temia que Tobias se
metesse em alguma confusão e se perdesse delas
para sempre!
Angustiada, Joan rumou para a cozinha,
levando consigo o lenço camuflado. Enquanto as
cartas estivessem escondidas ali, ninguém as
encontraria.

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Esperava encontrar Hector e algum alimento


pronto. Depois de tantos anos de fome,
alimentando-se de restos, Joan estava
acostumando-se rápido demais a vida de fartura.
Era incrível como uma boa vida pode levar uma
pessoa à dependência total!
Sorrindo desse tolo pensamento, dessa
futilidade, entrou e procurou por Hector.
— Hector? Você está aqui? — Procurou-o
inclusive na portinhola que dava para a dispensa,
onde às vezes o gordo cozinheiro escondia-se para
conversar com seu coelho. — Anesi, onde está,
Hector? — Ela perguntou para o grande e farto
coelho.
Encolhido em um canto, o animal estava
acuado. Joan agachou-se e fez um carinho no pelo
do animal, sussurrando em sua língua de fada:
— Eu sei o que acontece com você, querida
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Anesi, e tenho tanta pena que dói. Mas escute o que


eu digo, quando eu estiver livre, eu vou achar um
modo de ajudá-la. Não precisa temer as fadas. Não
somos as culpadas por sua tragédia. Não julgue
todas, pelo que uma única fada lhe fez.
O coelho não poderia lhe responder, é óbvio
que não.
Joan levantou e sorriu para o animal.
Pretendia sair da pequena dispensa e procurar por
Hector em outro lugar quando foi barrada por algo.
Uma sombra que a encurralou contra a
parede e acertou-lhe uma pancada na cabeça antes
que tivesse a oportunidade de olhar para trás e
enxergar seu opositor.
Não houve tempo para grandes pensamentos.
Joan caiu no chão com um baque seco.
Um peso morto, que facilmente foi erguido e
levado para longe da cozinha e para fora do castelo.
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Capítulo 22 — Por um pouco de

clemência

Joan acordou, mas não conseguiu abrir os


olhos. Estava relegada a escuridão total. Moveu-se
no chão, tinha certeza que estava no chão, o que era
estranho, porque não era mato, não era grama e não
eram pedras em construção.
Era terra. Terra seca. Ela não fazia menor
ideia de onde dentro do castelo poderia ter terra
seca. Provavelmente em lugar algum.
Com sorte, ainda estaria dentro de algum
aposento o que não fazia sentido algum, por isso

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mesmo ela duvidava.


Tornou a se mover com dificuldade, quem
quer que a tenha acertado havia feito com vontade.
Sua cabeça doía, mas ela duvidava que estivesse
seriamente ferida.
Com algum esforço, conseguiu se apoiar e
sentar-se. Havia rochas em torno, onde apoiou as
costas, mas mesmo assim não conseguiu levantar.
Suas mãos estavam soltas, o que era uma
surpresa, pois imaginou que estivesse amarada,
tateou o chão descobrindo que era terra batida
misturada a pequenas pedrinhas minúsculas. Nada
que pudesse ser usado como arma.
Alguém havia lhe acertado a cabeça ainda
dentro da cozinha, e provavelmente não era obra de
Hector, pois com a força que o cozinheiro possuía
haveria de ter-lhe matado na hora.
Talvez a culpa fosse de Zoé. Era um pouco
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estranho, ela deveria estar desesperada para agredi-


la dentro do castelo, correndo risco de ser flagrada
por humanos. Mas se fosse Zoé duvidava que
estivesse viva para ter este tipo de pensamento e
dúvida. E também duvidava que estivesse amarada
sobre um chão de terra, há esta hora estaria no
castelo aguardando o julgamento a mercê da rainha
louca Santa. Teria imediatamente reconhecido o
cheiro do castelo.
Sendo assim deveria ser um terceiro agressor.
Quem poderia ter interesse nela? Matilde poderia
ter feito isso. Mas levá-la para um local de terra
seca? Matilde não iria tão longe ou lhe faltaria
recursos para ir tão longe.
Joan apurou os ouvidos na ansiedade de
ouvir algo. Não havia nada para ouvir. Nem canto
de passarinho, nem o movimento dos galhos das
árvores dançando ao sabor do vento. Ela estava

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longe do mato denso, longe de tudo que fosse


planta e animal.
O que era ainda mais estranho. Talvez Zoé
houvesse lhe batido na cabeça apenas para levá-la
para longe, esperando mantê-la prisioneira
enquanto não a levasse para a rainha Santha. Se
assim o fosse, ainda havia esperanças. Tornou a
concentrar-se e ouviu uma conversa distante.
Na verdade eram várias conversas distantes.
Vozes femininas. E de onde poderiam estar vindo?
Normalmente este tipo de burburinho era
costumeiro entre fêmeas agrupadas. Algo
extremamente comum nos pavilhões lacrados do
Ministério do Rei, quando todas falavam baixinho,
todas juntas, cada indivíduo em seu grupo de
amigas. Era burburinho distante e sempre
acarretavam críticas, brigas, safanões das
carcereiras. Às vezes castigos que duravam

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semanas. Mas ela estaria no meio de fêmeas?


Não era possível, no castelo não havia tantas
humanas que pudessem agregar tamanho
contingente de vozes. Joan poderia estar na vila dos
aldeões e se fosse assim ela estaria amarrada.
Puxou o pé e descobriu que apesar das mãos
estarem livres seu pé estava acorrentado. Típico,
aquilo não era coisa de humanos. Não se acorrenta
o pé de um humano. Acorrentam-se as mãos.
Costuma-se acorrentar uma fada pelo pé, pois
possui asas.
Por um segundo Joan tentou lembrar-se de
algo muito importante que deveria ter esquecido
naquela confusão de sentimentos.
Algum pensamento importante, que lhe fugia
da mente por causa do alienamento causado pela
agressão sofrida. Sua cabeça doía e era impossível
pensar com clareza. Num rompante, tomou ciência

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que o assunto tão importante atentava para a


existência das suas asas!
Estava longe da Guardiã Zoé. E se era
possível estar longe de Zoé, era também possível
ter recuperado seu dom e principalmente o uso
indiscriminado de suas asas.
Por isso ela estava acorrentada pelo pé e não
amarrada pelas mãos!
Em um movimento continuo tateou a venda
que lhe cobria os olhos, ansiosa para livrar-se desse
empecilho que a impedia de ver onde estava.
Assustadíssima descobriu que não poderia
retirar aquilo, pois não era uma venda presa por um
nó. Ela estava usando uma espécie de máscara nos
olhos, feita em metal. Aquilo lhe cobria a testa e os
olhos e era acorrentado logo abaixo do seu pescoço,
mal permitindo que sua boca ficasse de fora.
Apavorada, tentou encontrar um local onde pudesse
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bater e quem sabe, soltar o metal.


Obviamente, descobriu da forma mais
dolorosa, que não era possível fazer isso sem ferir
ainda mais sua cabeça. Agora sabia que a dor
insistente não vinha na pancada que lhe infringiram
e sim, daquela coisa que a aprisionava. Um
segundo de pânico e ela pensou onde estaria, e se
ficaria ali para sempre. Passar o resto de sua vida
com aquela máscara de metal cobrindo parte do seu
rosto era uma possibilidade assustadora!
Mesmo em pânico, Joan chegou à conclusão
de que se fosse Zoé, não usaria dessa crueldade
absoluta. Estaria morta, como a verdadeira
Condessa, ou então, nas mãos da rainha Santha e
seu amante Lucius.
No caso de Matilde, em especial, a pobre
infeliz não teria tanto rancor para um ato vil destes,
tão pouco, tantos recursos. No máximo estaria no

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vilarejo, bem longe de Rowell e sua família.


Mas então, quem poderia ter feito isso com
ela?
Se Joan acreditasse nas religiões humanas,
como Molly acreditava, nesse instante estaria
rogando por clemência e ajuda divina. Mas ela
acreditava em formas divinas, como a natureza e
suas inesgotáveis fontes de magia, sempre
interligadas com os seres mágicos.
Afinal, em sua situação atual, um pouco de
positivismo viria bem a calhar!
Procurando qualquer tábua de salvação Joan
apalpou as costas na busca frenética por suas asas.
Felizmente, se é que podia ver algo positivo em sua
situação atual, o dom de Zoé não parecia incidir
sobre ela naquele momento. Suas asas estavam
reveladas, provavelmente encontraram caminho
para fora do seu corpo enquanto estivera
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inconsciente.
O alívio momentâneo quase a fez esquecer-se
do perigo. Ter o domínio de suas asas e de seu dom
para camuflar-se era uma tênue garantia contra seu
algoz. Joan ouviu ruídos aproximando-se, ruídos de
pés.
Assustada, encolheu-se contra as pedras e
tratou de exigir de seu dom obediência,
camuflando-se diante dos olhos de quem lhe
causava medo. Ela sempre tinha uma sensação
diferente quando camuflada.
Joan ouviu uma voz alta e definida, era voz
masculina. Havia uma ausência total de cheiro, ela
não reconhecia o odor expelido pelo possível
macho que a sondava. Não era um cheiro de um
elfo ou de qualquer criatura mágica que pudesse
reconhecer pelo olfato. Uma criatura mágica
sempre sabe quando outro de sua espécie está

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próximo e neste caso ela conseguia identificar com


precisão o odor que farejava.
E, pelo contrário o cheiro da fêmea que
deveria estar acompanhando seu algoz, era
pungente. Sentia o cheiro dela mesmo que a
distância. Era um cheiro bem mais forte que o odor
natural de uma fada.
— Ela está escondida? — A voz que
perguntava era definitivamente masculina.
— Sim. Mas eu posso vê-la, não se preocupe.
Não importa que ela use seu dom para se camuflar
tão bem assim. — A voz da fêmea era simples,
clara e sem rouquidão.
Sua decisão não deixava dúvida sobre cada
palavra dita. Queria dizer e dizia. Era estranho, pois
criatura alguma poderia vê-la, essa possibilidade
não existia. A menos que a Guardiã Zoé não fosse a
única fada com o dom da revelação em um raio de
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quilômetros. E se isso fosse possível, aí sim, Joan


obteria a confirmação de que era uma entre as
quatro fadas mais azaradas do Monte das Fadas,
quiçá do mundo todo!
— Tem certeza? Eu quero vê-la. — Disse o
possível humano.
— E como eu farei isso? Não posso reverter
o dom de uma fada. Eu posso mantê-la presa até
você voltar. É a única coisa que posso prometer.
— Eu não quero mantê-la presa. Eu quero
que você amarre as asas da fada e serre-as. Eu
preciso apenas das asas. — Ele disse com um tom
de voz que fazia parecer que este tipo de diálogo
era corriqueiro e totalmente aceitável em sua vida.
Imóvel, assustada e indignada, Joan ouviu o
som de uma faca ou espada sendo retirada de sua
bainha.
— Você não pode fazer isto aqui. Não posso
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permitir que as asas desta criatura sejam cortadas


na frente do meu povo. Deve levá-la para longe
daqui.
— Pelo preço que estou pagando em ouro
você deveria fazer isto e muito mais. — O humano
reclamou.
— Manterei essa criatura guardada por
apenas uma noite. — A fêmea que conversava com
o humano não se vergou diante das reclamações.
— Amanhã cedo estarei aqui e levarei a fada
para um lugar discreto onde eu possa fazer o
serviço. — Ele disse.
— Serviço? Eu posso saber quem seria tolo o
bastante para lhe pagar por asas? O que fará com
asas de uma fada? Elas não servem para nada.
Depois de apartadas de sua progenitora, durarão
por dois dias ainda vistosas, e então, estarão mortas
e murchas. Já vi acontecer. Os Caçadores de Fadas
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costumam livrar-se das pobres infelizes quando não


agradam os compradores, cortando as asas e
abandonando as fadas a própria sorte, perdidas na
floresta. As asas ficam largadas pelas estradas e
para nada servem, nem para alimento de algum
animal esfomeado servem. Viram menos que nada.
No máximo servem de adubo para o chão. Então,
me pergunto por que você deseja as asas desta
fada?
— Quem lhe disse que quero as asas? Eu
quero cortá-las, não disse que preciso das asas. —
Ele falava através de jogos verbais.
— Oh, por favor! Você não me engana,
Edward. Para alguma coisa você quer estas asas.
Ou a fada já estaria morta! Eu não entendo porque
cortar as asas e perdê-las. Seja sincero, precisa
destas asas para outros fins. É uma encomenda feita
para outra pessoa? — A voz dessa fêmea estava

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carregada de veneno. — Eu o vi com aquela


humana. Aquela que fede a um cheiro estranho e
pelo que vi ela é louca e perigosa.
— Você não viu nada. — Disse Edward.
Joan reconhecia o nome Edward, mas lhe
custava crer que o humano que falava aquelas
atrocidades fosse o irmão de Rowell.
Joan pensou estar ouvindo um gemido de dor
e ponderou que ele estivesse machucando a fêmea.
Se ela pudesse estar enxergando, veria que ele
segurava o rosto da fêmea de homem-lagarto
apertando os dedos em seu queixo e bochechas
enquanto olhava em seus olhos amarelados e dizia:
— Você não vê e não ouve. E
principalmente, não abre sua boca para contar o que
não sabe. Não meta-se nos meus negócios e me
obedeça. — Soltou-a e apontou para Joan —
mantenha esta fada presa por uma noite, nas
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primeiras horas da manhã virei buscá-la. Deixe as


asas separadas, preciso delas ainda frescas.
— E onde eu guardarei isso? Caso não tenha
notado não estou em um local onde eu possa fazer
isso!
— Os meios que encontrará para executar
minhas ordens é problema seu. Deixe-a pronta.
— Não é mais prático levar a fada com você
e cortar as asas somente no momento do uso? Elas
estarão frescas. O sangue ainda correrá pelas
hastes. É muito mais prático.
Ouve um silêncio. Provavelmente Edward
estava pensando nisso. Sua mente considerava se
era possível que tantos anos de fracasso tivessem
por explicação a simples insistência em repetir o
mesmo erro de usar asas já cortadas. Talvez a
fêmea de homem lagarto estivesse com a razão. O
sangue ainda correndo pelas hastes poderia facilitar
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a aceitação e fundição do sangue mágico com o


sangue de Sophie.
Quem sabe este fosse o grande erro de todos
aqueles anos?
— Você acha que as asas dela são boas? —
Ele perguntou.
E, pelo som engraçado de escárnio que a
fêmea deixou escapar diante da pergunta estúpida
ela duvidava da esperteza de Edward. Talvez,
fizesse troça deste tipo de comportamento.
— A fada possui asas tão boas quanto
quaisquer outras. O que você pergunta não tem
lógica. É uma fada e suas asas são úteis para uma
de sua raça. Elas voam. Não há o que debater sobre
seu funcionamento.
— Eu pergunto porque são asas curtas e
feias. — Ele disse. — Não são asas bonitas. São
pequenas demais, eu pessoalmente nunca vi asas
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tão miúdas.
— A fada é pequena. Deveria ter pensado
nisso antes de escolher uma fada com estas
características físicas. O tamanho das asas de uma
fada não costuma incidir em seu funcionamento.
Esta é a única coisa que posso lhe afirmar, pois não
sou especialista nesta raça. Meu povo não possui
asas. Sorte nossa ou você teria feito coisa ainda
pior conosco.
— Não fiz nada com seu povo. Vocês foram
responsáveis pela sua própria desgraça. Não me
culpe por aquilo que você procurou. — Havia sim
um tom de deboche naquela voz. — devo ir agora.
Quanto a você... Sabe muito bem as regras. Ande
por fora da linha que eu tracei e todos de sua raça
pagarão por sua insubordinação.
— Não precisa me lembrar das minhas
obrigações todas às vezes em que nos encontramos!

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Manterei esta criatura a salvo — referia-se a Joan


— não encostarei um dedo nas asas, não serei
inconsequente a ponto de estragar seus planos e
fazer uma pobre criatura sofrer em vão. Longe de
mim impedi-lo de fracassar mais uma vez. A
prisioneira é sua, todinha sua.
— Não me julgue por ter uma prisioneira
quando é você que inventou este conceito. —
Ironizou maledicente. — Não é nada diferente do
que faz com seu elfo.
— Não vou discutir sobre este assunto com
você. Trouxe a mercadoria. A ordem está dada e
compreendida. Suma daqui antes que infecte nosso
refúgio com a sua podridão. Se não vier buscá-la
até o meio do dia eu a deixarei em algum lugar para
ser encontrada pelos humanos ou pelos Guardiões
que a caçam. Não tenho a menor intenção de atrair
vingança para meu povo.

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Joan ouviu o som do riso de Edward, um riso


de quem duvida da ameaça feita. Era óbvio que a
fêmea de homem-lagarto não estava em condições
de contrariá-lo ou rebelar-se. Neste tipo de relação,
onde um manda e o outro obedece por coação, não
é esperado ou aceito que o lado frágil encontre
forças para reagir sem um prévio planejamento.
A fêmea era oprimida de algum modo e nem
mesmo a altivez em sua voz poderia esconder isto.
No chão, escondida Joan ouviu a
aproximação e deduziu que seria ele. Ela não
conseguia ver por conta da máscara de metal em
seu rosto, mas Edward usava a espada para cutucar
o chão de terra seca esperando encontrar um corpo
sólido que lhe mostrasse que a fada estava mesmo
ali. Ouviu a voz da outra fêmea dizendo:
— Eu no seu lugar não iria querer ferir a
fada. As asas são ligadas ao seu corpo físico e irão

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se resentir e demorar a recuperar-se juntamente


com a fada. — Era uma mentira velada.
Qualquer fêmea possuía o conhecimento de
que não era desse modo que funcionava a anatomia
de uma criatura de sua raça. A agressão no corpo
não incidia na execução das funções das asas. Neste
ponto asas e fada eram quase independentes.
Talvez por isso fosse tão mais fácil que as asas se
recuperassem de um ferimento do que qualquer
outra parte do corpo.
As palavras de explicação haviam sido
registradas e mesmo que Edward recolocasse a
espada de volta a bainha, não aceitaria sair por
baixo em uma discussão. Aproximou-se da fêmea
de homem-lagarto e provocou-a com um tapinha
amigável em seu rosto. Só então partiu.
Helana ficou imóvel, como quem espera que
o perigo esteja longe para retornar a vida normal.

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Joan ouviu os passos distanciarem-se e


deduziu que ele havia ido definitivamente. A seguir
foi à vez da outra fêmea que a abandonava.
Sozinha, ouviu as vozes ressurgirem, e eram
vozes de fêmeas. Em determinado momento pensou
ter ouvido a voz de um elfo e então os gritos
começaram. A fêmea que estivera ali até então
gritava furiosa, era de esperar que estivesse nervosa
e agressiva após ser tratada como uma escrava pelo
humano Edward.
Joan ficou quieta, encolhida e com frio. As
horas foram passando e a noite alastrando-se. O
lugar onde estava era muito frio, pelo visto deveria
pegar pouco sol. Joan não percebeu que tremia,
quando levantou e tentou soltar o pé sem sucesso.
Suas asas. Ela parou com as tentativas,
quando esse pensamento de puro horror lhe veio à
mente. Era alvo do tráfico de fadas? O que seria

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dela sem suas asas? Sem forças, ela voltou a sentar


no chão e recolheu as pernas para junto do peito.
Escondeu a cabeça nos joelhos, mesmo com o peso
da máscara de ferro, e encolheu-se, refugiando-se
em seu medo, as lágrimas correndo sob o metal.
Poderia aceitar tudo na vida, menos perder
suas amigas. Menos perder Rowell. E suas asas?
Ela poderia viver sem elas agora que descobrira a
liberdade de voar?
É claro que não! Tornou a levantar, em um
rompante e esmurrou as pedras onde a corrente
estava presa, com um sofisticado sistema de soldas.
Desesperada não reparou que estava visível.
Esqueceu completamente de manter-se camuflada...

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Capítulo 23 — É tudo culpa do

medo

Helana não esperava encontrar a cena que se


distendia sob seus olhos.
O elfo era um prisioneiro temporário. Elas
precisavam de seu material genético e dada a
situação de fragilidade do macho, por conta de ser
caçado como um traidor do reino, ninguém daria
por sua falta.
As ordens eram muito simples: alimentá-lo
com o mínimo para a sobrevivência. Garantir-lhe o
mínimo de higiene para que não lhes transmitisse

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germes e usá-lo para o coito enquanto fosse


necessário.
Se conseguissem umas duas ou três
gestações, poderiam libertá-lo.
Mas nunca em seus planos imaginou que
encontraria o fanfarrão sendo tratado como um rei!
Ele contava histórias e as fêmeas riam, em sua
volta, uma fogueira acesa no centro, a conversa
correndo solta, enquanto uma das fêmeas, uma
jovem e bonita, ainda casta, pois não era época de
reprodução, desvelava-se em cuidados para com o
elfo.
Era isso? Ela ficava dois dias longe de casa e
a carência afetiva de suas conterrâneas o
transformariam em uma espécie de sultão?
Irritadíssima Helana acabou com a
brincadeira, gritando e dispersando suas irmãs de
raça e sangue. Uma a uma elas foram respondendo
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e obedecendo, mesmo que magoadas.


Por fim, um longo e gritado discurso para a
jovenzinha casta, lembrando-a sobre o fato de
estarem guardando seu ventre para o coito com
outro de sua espécie, um homem-lagarto, para que
assim a raça fosse totalmente pura.
Sentado no chão, Tobias fitava sua histeria
com humor. Ele fizera de propósito. Conquistar,
dispersar e atacar. Era sua estratégia. Aproveitar da
ausência daquela fêmea eternamente furiosa e
agressiva para conquistar afeição de suas súditas.
Uma delas, inclusive contou-lhe que Helana
era a líder entre elas. Desde a morte do líder,
Ethanael, que a fêmea havia adquirido o posto de
governo. Supunha Tobias, por ligação de sangue.
Aquele homem-lagarto deveria ser seu pai ou irmão
mais velho. E agora, ele estava convencido que ela
não era intocável, pois seu ataque de fúria era prova

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que havia acertado na mosca.


Helana parou de gritar e ao ficar sozinha com
Tobias, fitou-o com fúria assassina.
— Você ri — ela disse com voz amarga. —
Você ri!
Ele não disse nada, apenas ostentou o seu
melhor sorriso na face e ergueu as sobrancelhas
como quem a provoca.
Fora de si, Helana avançou sobre Tobias e o
fez erguer-se, empurrando-o para longe do fogo,
prensando-o contra uma rocha escura e pontiaguda,
que machucava suas costas.
Cara a cara, Helena avisou, seus belos olhos
amarelados, largos, úmidos, refletindo a dor e a
raiva que um ser carrega ao ser humilhado e
desafiado.
— Enquanto você brinca — ela segurava-o

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pelas laterais da túnica que Tobias vestia — o


mundo está desmoronando sobre nossas cabeças. O
mundo mágico está se desfazendo sob nossos pés.
Enquanto você mede forças comigo, tudo que ama
está se perdendo. E você ri? — Empurrou-o outra
vez e Tobias gritou reclamando. — Está doendo?
Acredite, as desgraças nem começaram ainda! A
dor que sente não é nada comparado com o que vai
acontecer a qualquer momento!
Helana parecia aguardar uma resposta.
Tobias notou que era um assunto sério. Mas o que
ele faria? Não tinha a menor ideia do que ela dizia!
— É verdade que Eleonora é rainha? —
Tobias gritou de volta, e essa pergunta parecia ter
maior relevância do que qualquer outra coisa.
— Você é inacreditável! — Ela soltou-o, mas
Tobias agarrou seu braço. Helana, em um reflexo
ágil, uso o punhal que sempre mantinha na cintura

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para imobilizá-lo outra vez, a lâmina abaixo do seu


queixo. — Eleonora, a fada fugitiva, é rainha. Mas
por pouco tempo. Não se pode ser rei quando o seu
mundo desaba! E é exatamente isso que está
acontecendo! E você? Rindo! Desafiando-me! Seu
imprestável! — O puxou pelos cabelos e o levou
para a entrada de uma das cavernas, uma que estava
vazia. — Em três meses você não emprenhou
nenhuma das fêmeas! Todas férteis e saudáveis!
Você não serve para nada! É desperdício de
comida!
— Então me mate! — Ele revidou, e
finalmente deixou de lado a parcimônia que sempre
o fazia afável.
Empurrou à fêmea e ela lutou. Acabou no
chão, comendo terra, como era esperado, pois não
tinha treinamento de luta. Mas não era um bobo!
Era um trapaceiro!

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Num movimento ágil agarrou a ponta da


longa cauda da fêmea de lagarto e mordeu-a.
Ela gritou e soltou-o, caindo de joelhos no
chão. Um pouco pela dor, outro pouco pelo susto.
Tobias soltou a cauda e gargalhou diante da sua
expressão de susto. Essa expressão aos poucos se
tornou desamparo e Tobias não soube o que fazer
quando ela não conseguiu esconder o tremor das
mãos e as lágrimas.
— Todos serão mortos — ela disse entre
lágrimas, e gemidos de fúria. — Não importa o que
façamos, está tudo perdido. Eleonora é rainha, mas
isso aconteceu tarde demais. Não há volta. —
Sentou contra uma das rochas e ele rastejou de
joelhos no chão até sentou ao seu lado.
— Lora é inteligente. Ela não permitiria que
nada de errado acontecesse — defendeu a amiga,
sua grande paixão.

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— Ela é apenas uma fada inexperiente. Ela


não tem ideia do que está acontecendo. A pobre
infeliz será a primeira a morrer. — Helana contou,
retirando o punhal da cintura, deixando ao seu lado,
pois a machucava na cintura. — Ela está prenhe. —
Contou e o modo como o surpreendeu a fez sorrir
com amargura — Os Conselheiros estão vendidos,
entregaram suas esperanças e poder nas mãos do
primeiro que ofereceu ouro abundante. Com
exceção de Túlio, os demais estão vendidos. Os
Guardiões... — Ela riu com humor negro. — Sem
os quatro principais Guardiões, o que será do reino
dependendo da proteção de seis meninos bobos,
cobertos de músculos e nenhuma agilidade no uso
de suas próprias armaduras? O Reino de Isac será
tomado e destruído e sua querida Eleonora será a
primeira a morrer, provavelmente antes mesmo de
sua cria nascer!

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— Você está falando de Lucius? De Santha?


— Tobias perguntou, nada fazia sentido, Helana
não falava exatamente o que acontecia.
— Sim. Mas agora não há volta. Está feito.
Acho que nem mesmo Santha sabia o que acontecia
pelas suas costas. É questão de tempo, Tobias.
Todos estaremos perdidos.
— Se isso é verdade, porque insiste tanto em
reproduzir? Não faz sentido. — Tobias acusou.
Um sorriso carregado de veneno. Helana
respondeu:
— Em breve não haverá um só elfo saudável
nessa terra. Eu tenho esperanças de encontrar um
macho de minha espécie no futuro. Por isso,
preciso manter nossa gente viva e saudável. Não
importa como. Não importa o preço disso.
— Você disse que todos nós estaremos
mortos em breve. E mesmo assim, acha que
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conseguirá manter sua gente a salvo? Você


enlouqueceu? — Perguntou e ela negou com um
movimento da cabeça.
— Não. Eu estou do outro lado. E do outro
lado, é que vou conseguir a segurança que
precisamos.
— Isso não faz sentido algum. — Tobias
disse pensativo.
— É. Não faz. — Helana concordou,
recuperou o punhal e levantou. — Não me desafie
outra vez, elfo. Estou no limite com sua raça. Não
queira ser ao primeiro a morrer.
— Porque não avisa Egan? — Doía falar
isso.
Pensar em Eleonora e Egan juntos,
principalmente, em seu amado irmão emprenhando
a fêmea que amava, lhe despertava ciúme, inveja e
mágoa. Mas isso não o impedia de ver Egan como
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ele realmente era. Um herói. O mundo ficaria em


paz e seguro se pudesse falar com Egan e lhe contar
o que acontecia.
Era assim desde pequeno. Egan sempre
mantinha o mundo calmo, seguro e em ordem. Ao
menos era assim que mantinha o mundo de Tobias.
Não havia sujeira que Egan não conseguisse
limpar.
— Acha que um único Guardião poderia
salvar a todos nós? — Helana debochou.
— Sim — ele respondeu sem pestanejar.
— Não pode estar falando sério — ela
duvidou.
— Egan pode faze o que ele quiser. Egan
sempre salva a todos nós. — Tobias afirmou outra
vez.
Helana maneou a cabeça e tencionou afastar-

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se quando Tobias a fez parar com o peso de uma


pergunta inocente:
— Quem é Ethanael?
Pena que não pudesse ver a expressão de
Helana para saber o que ela sentia. Angústia, dor,
saudade. Ela afastou-se e ele não impediu, ou
tentou mantê-la junto dele mais tempo.
Ao menos agora sabia que Eleonora estava
perdida para ele. Pertencia ao seu irmão.
Angustiado, socou o chão e o único retorno obtido
foi à dor.
Não ficaria ali sendo tratado como um
reprodutor, enquanto o perigo rondava Eleonora.
Ela não poderia lhe pertencer, se era verdade que
agora pertencia a Egan e estava prenhe, mas isso
não mudava seus sentimentos. Amar era isso,
pensou angustiado, sufocando o ciúme e a
amargura.
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Nem um único beijo trocado em tantos anos.


Nunca conseguiu coragem para tanto e agora, era
melhor que isso não houvesse mesmo acontecido.
Seria pior se conhecesse o sabor da paixão entre
eles.
— O que aconteceu? — Perguntou uma voz
vinda da escuridão.
Era Clarita, a fêmea jovem e doce, que
sonhava com um grande amor e que esse amor
fosse de sua mesma espécie. Ela falava sobre isso, e
cantarolava lindos cânticos românticos. Era muito
bonita, suave, generosa e lhe trazia comida extra
pelas costas de suas conterrâneas.
Possuía cabelos escuros, bem curtinhos, a
pele esverdeada ainda muito verde folha, típica
coloração de sua raça na juventude. Ele sorriu e
disse:
— Sua líder me bateu mais uma vez. Ela
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gosta bastante de agredir — disse com amargor e


Clarita aproximou-se percorrendo a parede, pois ela
era a que mais gostava de andar pelas paredes e
teto, outra característica típica da juventude em sua
raça.
— Nem sempre foi assim. — Saltou para o
chão perto dele. — Antes, quando tudo era seguro e
éramos um povo maior... Helana não era nossa líder
e não agia assim.
— É mesmo? E o que aconteceu? Porque ela
ficou assim? — insistiu, querendo saber a verdade.
— Eu não sei. Os mais jovens não possuem
permissão para conhecer os segredos da líder. A
única coisa que sei, é que depois que Ethanael
morreu e o bebê sumiu, Helana se tornou líder e
tem se mantido ausente por muito tempo. Isso faz
uns dois anos... Foi quando... — Clarita parou de
falar e baixou cabeça triste com alguma lembrança.

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— Não pare. Eu quero saber o que aconteceu


com seu povo. — Insistiu e ela piscou
graciosamente, dizendo:
— Eu gosto de você, Tobias. É tão bonito...
E faz mágicas. Eu gosto de você. — Ela disse e
sorriu corada como qualquer adolescente boba. —
É uma pena que não seja da minha raça. Eu sou a
única fêmea em idade de procriar que nunca o fez
com outra raça. Meu ventre está sendo preservado
para quando encontrarmos alguém de sangue puro.
Como nós. Eu espero que se esse macho exista, seja
tão bonito quanto você. — Eram devaneios de uma
menina sonhadora e Tobias sentiu-se mal por usar
disso para obter informações:
— O que aconteceu com os machos do seu
povo? Onde eles estão? — Perguntou sério.
— Você não sabe? Achei que todas as
criaturas mágicas soubessem... Dois anos atrás

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fomos atacadas e mataram todos os machos da


nossa raça. Deixaram apenas as fêmeas vivas.
Agora somos prisioneiros de nossos assassinos. Se
não trabalharmos para eles... Seremos as próximas
eliminadas.
Isso explicava porque Helana dizia trabalhar
com o 'outro lado'. Sério, Tobias tentou não
demonstrar o desgosto em sua face. A jovem
ofereceu-lhe alimento e ele aceitou. Não adiantava
insistir, a jovem não sabia mais nada.
Afinal, o que estava acontecendo pelas costas
do Reino de Isac?
*****
Helana fitou de pé fitando a cena patética. A
fada da clausura guinchava, lutava contra corrente
que a mantinha prisioneira. Um pouco caída no
chão, um pouco de pé, tentava desesperadamente
livrar-se da prisão imposta pelas correntes.
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Revelada aos olhos de sua algoz, tão inocente.


Sangue corria pela canela da fada, onde o
grilhão cortava e marcava a pele. A máscara em
ferro bruto que cobria seus olhos e parte do rosto,
com toda certeza iria ferir sua pele tão bonita e
pálida.
Uma pena ferir uma flor tão delicada, que por
único crime, fora nascer e florescer ao lado de
outras flores nascidas para morrer cedo. Um lindo e
perfumado jardim de lindas flores predestinas a
prisão.
Apenada, Helana pensou em si mesma e em
seu povo, que até poucos anos atrás era livre e
absoluto sobre si mesmo, e agora era escravo das
escolhas alheias. Vergado ao desejo de um insano.
Ela fechou os olhos com força, pensando na
certeza absolta de Tobias a cerca de Egan, o
Primeiro Guardião. Seria possível? Uma terceira
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alternativa em um jogo de xadrez, marcado para


acabar com o xeque-mate?
Furiosa e desconcertada, Joan gritou mais
uma vez, escorregou caindo sobre o chão, ralando
os joelhos dolorosamente. Seus gritos não eram
pela dor e sim pela exasperação e impotência diante
de mais uma prisão.
Esse era seu destino? Seria sempre
prisioneira?
Porque fugir das acusações de assassinato se
o seu fim sempre seria esse? As correntes!
Joan estava se rendendo a angústia, prestes a
desistir de uma fuga, coisa que sempre acontecia
com ela no passado, sempre esperando que Alma,
Eleonora e Driana a ajudassem, quando sentiu
mãos pesadas e rudes mexendo na máscara em sua
cabeça.
Em pânico tentou se soltar e afastar o perigo,
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mas a criatura não permitiu. Segundos de coração


acelerado, pele arrepiada e completo alienamento,
como quem sente a morte aproximar-se. Finalmente
aquilo foi retirado de sua cabeça e jogado no chão.
Os olhos verdes e límpidos de Joan fitaram a
figura peculiar de alto a baixo, e por mais que
estivesse com mil perguntas na mente a única frase
que fez sentido foi:
— Você é da mesma raça que Marmom... —
Sim, ela vinha lidando com a aflição de ver um ser
mágico tão peculiar limitado a uma vida regrada
entre os humanos que desconheciam sua condição.
Isso pairava em sua mente.
Pela expressão na face da fêmea, suas
palavra fizeram sentido.
— É por causa do menino que não a mato
agora mesmo. — Helana disse com força,
afastando-se da fada que jazia no chão.
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— Você é cúmplice de um humano que


atenta contra todas as leis do nosso povo. Quem é
você e porque eu estou aqui? — Perguntou
debilmente, pois duvidava que lhe respondesse com
a verdade.
— Interessante. Muitos a descreviam como
uma completa estúpida. Agora vejo que
aparentemente o termo 'esperta' lhe cai melhor. —
Helana sorriu. — Gosto disso. É preciso ser um
pouco dissimulada para sobreviver no mundo em
que vivemos.
— Eu não sou dissimulada. — Joan reclamou
na mesma hora.
— Mas também não é frágil como a
descreveram. Quem está errado? Quem a descreveu
ou quem acreditou em você?
Para essa pergunta Joan ao queria ter
resposta. Sim, até pouco tempo atrás ela era frágil e
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boba.
— Eu tive que aprender a me defender —
disse altiva, olhos fixos na fêmea de lagarto.
Porque se justificaria para seu carcereiro?
— Edward é irmão do humano com quem se
deita — disse Helana, acocorando-se no chão, para
que os olhos ficassem na mesma altura e não
perdessem aquele contato visceral.
Sua cauda se movia nervosamente pelo chão
e Joan ignorou a beleza de sua raça, para atentar-se
apenas em suas palavras.
— Rowell é muito diferente do irmão. Ele é
bom e honesto — defendeu-o imediatamente.
— Mas não sabe quem você é. Ele não sabe
de nossa raça, das criaturas mágicas. Ele não sabe
com o que o irmão está lidando. As barbaridades
que ele já fez.

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— E você sabe? Porque ele precisa das


minhas asas? — Quis saber, ignorando a dor na
cabeça, que aumentava e se acentuada. Moveu as
mãos e procurou por ferimentos, mas não havia
nada. Somente a dor.
— Ele precisa de asas, não necessariamente
as suas, qualquer fada serve. Há muitos anos
Edward vem contrabandeando fadas. Ele contrata
Caçadores de Fadas e Recompensa, e paga em
nossa moeda, altos valores. Já ouvi falar de muitas
tentativas. Ele já tentou criar as fadas desde a
infância, para pegar suas asas. Já tentou comprar
fadas de todas as cores e dons. Nenhuma nunca
teve serventia. Até conhecer você. Eu não posso
negar que ele tem sua razão. Suas asas se adaptam a
qualquer situação. Talvez se adaptem ao que ele
tem em mente... — Helana disse pesarosa.
— E o que ele tem em mente? — Joan

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perguntou, lutando para não chorar pelo medo.


— Uma aberração. No momento certo você
saberá de tudo. Por hora... Eu preciso saber até
onde você iria pelo duque Mac William.
— Como assim? — Duvidou dessa pergunta.
— Até onde você iria pelos humanos, fada da
clausura? — Insistiu na pergunta.
— Não sou uma fada da clausura — sentindo
um ódio ferino, Joan avançou na direção de Helana
sendo barrada pela corrente que puxou seu pé e
impediu-a de avançar mais. Com sangue nos olhos,
de tanto ódio, Joan avisou: — Não posso ser
chamada assim, agora sou uma fada livre! Não
importa quantas correntes use, eu sou uma fada
livre! Nada mais pode me por medo! Mesmo que
eu perca minhas asas, ainda assim, eu serei livre! E
ninguém, criatura ou humano, pode tirar isso de
mim!
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Sua voracidade e o desejo de vida em seus


olhos contaram uma estória para Helana. Aquela
fada estava disposta a tudo pela sobrevivência.
— A causa de Edward para querer suas asas
não são seu pior defeito. Ele tem tramado contra o
mudo mágico. Ele sabe de nós, eu não sei como,
mas ele tem ligações e influência. Eu não sei de
tudo, como tem feito ou quem são os seus
parceiros. Eu sei apenas que ele vai destruir tudo. A
começar pela rainha.
— Santha? — Joan sentou, agora bem mais
perto de Helana, apenas duas fêmeas destruídas
pelas circunstâncias falando sobre as desgraças que
se abatiam sobre suas cabeças.
— Não. Santha foi destituída. Lucius está nas
masmorras. Mesmo assim, o estrago que Lucius fez
não pode ser revertido. A Rainha possui um
escolhido, mas ele não está presente. Ela está

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sozinha, prenhe e vulnerável. E o fim se aproxima.


Quando ela cair, será questão de tempo para que
todos os outros lideres caiam também. Eu serei um
desses lideres. Achei que ficar do lado de Edward
poderia garantir a sobrevivência do meu povo, mas
isso não vai acontecer por que... — Ela não queria
falar mais, mesmo assim, o modo puro como os
olhos da fada a olhavam, sem maldade alguma, a
fazia sentir a compulsão de contar todos os seus
pecados.
— Eu não vou conseguir participar das
atrocidades que Edward faz, tão pouco as fêmeas
que sobraram do meu povo. Vamos sucumbir e ir
contra ele em algum momento. E isso será nosso
fim. Não podemos fugir... Não possuímos asas,
dependemos de um habitat ideal para procriar.
— Ao pé do desfiladeiro? — Joan disse
pensava — minha amiga Driana lia muito na

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clausura. Ela me contou um dia sobre os homens-


lagarto. Eu entendo o que diz. É difícil escolher um
lado. Eu ainda não sei como fazer isso. Você disse
que Rainha Santha caiu? Eu tenho medo da
resposta... Mas a nova rainha... Você fala de
Eleonora, não é?
— Sim, a única em herança genética. O que
sobrou de Santha. Ela escolheu o Primeiro
Guardião, ou trocou sua liberdade por ajuda, eu não
sei como se deu essa escolha. O que sei é que ela
está com os dias contatos. — Foi sincera.
— Impossível. Se o reino for atacado os
Guardiões o defenderão. Mesmo os Guardiões de
menor importância são bons em luta e erguerão
suas espadas. E todos os machos em treinamento?
Eles farão frente e defenderão a rainha! —
Argumentou, sem compreender.
— Os Guardiões? O Primeiro Guardião está

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em uma busca pela fada Joan, a única que resta


desaparecida, em uma caçada que visa salvá-la das
garras da Guardiã Zoé. Edward não é burro, tem
levado os Guardiões cada vez mais longe.
Atrapalhando seu caminho, despistando. Egan não
vai encontrá-la tão cedo.
— Você disse que sou a única que resta
desaparecida? — Joan sentiu uma dor opressiva no
coração. — E Driana e Alma? Onde elas estão?
— Driana está na companhia do Segundo
Guardião Acheron. Eles ajudam nas buscas por
você. Eu não sei onde estão ou se estão próximos.
Alma, até onde eu sei, juntou-se ao Terceiro
Guardião e estão no Vilarejo sem Fim, lidando com
uma situação que é nova por lá.
— Alma... Juntou-se a um macho? — Joan
queria sorrir, mas faltava ânimo para isso — isso é
uma grande surpresa.

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— A grande surpresa será um ataque


inesperado a Guardiões inexperientes e tolos que
não poderão salvar as próprias bundas quando o
pior acontecer. Os Conselheiros... Eles se vergaram
aos deslumbramentos de poder de um novo líder.
Eles não sabem que esse líder é um humano.
Sabem apenas a história contada por muito ouro e
regalias. Em breve, Joan, eles facilitarão uma
invasão e o reino será tomado. Sei que os duendes
estão a favor desses planos.
— Isso não é possível! — Joan não queria
acreditar. — Como isso pode acontecer?
— Como você acha? Lucius. Acha mesmo
que a única razão em convencer Santha a livrar-se
do rei era esconder o nascimento de uma cria
indesejada? Tenha paciência. Ele queria ser rei.
Tomar o poder. E para isso usaria da ajuda dos
duendes. Incitar o ódio entre eles foi o primeiro

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passo. Agora são seus aliados, e eles estão por toda


parte. É por isso que não posso fazer nada além de
ficar ao lado de Edward e rezar para que falhe em
seus panos.
— Não — Joan negou — você pode fazer
muito mais do que isso! Podemos encontrar os
Guardiões. Avisá-los do perigo!
— Não. Eu não posso. Se eu me afastar da
minha gente... Edward saberá que o traí e matará a
todas. Da minha gente, sobrou apenas fêmeas, Joan.
Ele assassinou todos os nossos machos. — Helana
disse escondendo o desespero dessa lembrança.
— Marmom é de sua raça. Ele é...? — A
pergunta ficou no ar.
— Sim, ele é o último macho da nossa
espécie vivo. O último com sangue puro. Nossa
única esperança de continuação da espécie. Por isso
eu zelo por ele. Eu o vejo sempre que posso. Mas
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não são muitas as oportunidades.


— Marmom tem mãe viva? — Perguntou
interessada. Se não possuía sangue humano, havia a
chance de ter uma mãe viva.
— Sim, Marmom é meu filho. — Helana
admitiu.
Diante dessa declaração Joan pensava no que
poderia dizer. Que entendia seu sofrimento? É claro
que não. Não era progenitora de crias, não entendia
esse sentimento. Joan nunca pariu e também nunca
conviveu com uma mãe de verdade. Não sabia nada
sobre esse sentimento de maternidade intenso que
unia progenitora e cria.
— Eu tenho cuidado do menino. Gosto muito
dele — foi à única coisa que conseguiu dizer —
Rowell o ama como filho. O pobre humano não
tem ideia de quem é Marmom. Ele possui irmãos,
uma irmã e um irmão. E eles o amam. Quanto a
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isso não se preocupe.


— Minha maior preocupação é Edward. Ele
usa Marmom para me obrigar a segui-lo e obedecê-
lo. Ele o roubou de mim.
— Quando? — Perguntou, precisando saber
toda a estória.
— Isso não é da sua conta — ela disse e
levantou, andando para longe.
— Você não pode fazer nada, está acuada...
Mas eu posso fazer muita coisa! — Disse Joan,
antes que ela sumisse.
A bela criatura esverdeada, coberta por
roupas mínimas e feitas em peles e couro parou, e a
encarou.
— Você não pode ir contra Edward. Mas eu
posso. Eu posso tentar conversar com Zoé. Ela é
uma Guardiã, não é? Tem asas, dom, e armadura.

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Ela pode juntar os outros Guardiões facilmente e


poderemos contratacar a tempo!
Essa possibilidade fez sentido na mente de
Helana, que tornou a andar para perto.
— Como? Como faríamos isso? — Quis
saber.
— Eu não sei — Joan admitiu. — É uma
possibilidade. Zoé me odeia, precisaremos de uma
prova para que acredite em mim. Quanto tempo
acha que temos até o ataque ao Reino de Isac
acontecer?
— Pelo que sei, primeiro Edward quer
resolver a questão das suas asas — ela foi sincera.
— Depois... É questão de dias. — A fêmea de
lagarto engoliu em seco e Joan abriu um sorriso,
para surpresa de Helana.
— Como se chama? — Perguntou-lhe Joan.

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Estranhando a pergunta, respondeu:


— Helana. — Sua voz era ativa e o sorriso de
Joan aumentou em sua face aparentemente tão
inocente.
— Edward não é tão esperto quanto parece.
Ajude-me a fugir, Helana. É isso que faremos.
Você me ajuda, eu a ajudo.
— Fugir não vai adiantar, ele vai se voltar
contra mim! — Helana negou.
— Não, ele não vai saber que eu fugi. Pelo
adiantado da hora, deve estar bêbado em algum
canto do castelo. Está é sua fraqueza e aposto que
você não sabia dos vícios dele, não é? Eu sei por
que desfruto da intimidade da família do duque. Eu
volto, e ajo como se nada houvesse acontecido.
Quando ele a procurar, haja como se não soubesse
o que aconteceu e que não sabe do que ele está
falando! Ele vai acreditar ser culpa da bebida. Que
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está tendo alucinações. Ganharemos tempo. Tempo


para convencer Zoé a nos ajudar. Tempo para
encontrar os Guardiões.
— Isso é loucura. Edward vai aprisioná-la
outra vez! — Helana foi lógica.
— Não, agora eu sei o que ele pretende.
Ficarei um passo a frente e tomarei cuidado. Ele
não pode me atacar na frente de todos! Vai dar
certo. Eu volto e acho um modo de convencer Zoé.
E se não conseguir... Eu saio na busca pelos
Guardiões. Mesmo sozinha, eu posso sair ao castelo
e avisar Eleonora, avisar o Terceiro Guardião que
acompanha Alma. Agora eu sei onde ele está, você
mesma disse que ele está no Vilarejo Sem Fim!
Com minhas asas eu o encontro em poucos dias!
Qualquer ajuda é bem vinda. Iremos armar o contra
ataque! Acabar com as chances de rebelião contra o
reino!

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— Isso pode dar certo... — Helana mal


acreditava no que ouvia, aparvalhada com essa
nova possibilidade até então não plausível sem a
ajuda de uma fada.
Aproximou-se e tocou o pé de Joan, onde o
metal feria a carne delicada. Olhou em seus olhos e
disse:
— Tanto tempo de opressão. Será que uma
fadinha de asas miúdas pode salvar a todos nós?
Era uma pergunta retórica.
Será que aquilo que nos desperta pena pode
ser nossa salvação?
Que o frágil e desprotegido pode ser mais
forte que o mal que ronda e atormenta?
Joan queria acreditar que sim!

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Capítulo 24 — Desilusão e

ingenuidade

Era impressionante o que poderia ser feito


em poucas horas. De volta ao castelo, Joan pousou
os pés no concreto e segurou-se na murada de
pedras para não cair. Seu corpo todo tremia
compulsivamente.
Helana, agora sua aliada a soltara e cuidara
do ferimento em sua canela. Camuflada, Joan
respirava fundo e lutava contra o choro. Sabia onde
era o lugar que Edward gostava de dormir e beber.
Percorreu os corredores alerta, na luz do luar, e

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quando avistou seu corpo caído no chão em uma


poça de álcool e urina, e quem sabe vômito, ela
aproximou-se e cuidadosa para não o despertar,
colocou uma garrafa de elixir proibido em suas
mãos, depois de espalhar o líquido pelo corpo do
humano.
Helana lhe conseguira uma garrafa e a ideia
era deixá-lo confuso. Elixir proibido era fortíssimo,
uma das bebidas mais fortes de todo mundo
mágico, e capaz de produtor as piores alucinações.
Quando acordasse ele pensaria estar sob o efeito da
bebida.
Joan sufocou um grito de medo quando ele
abriu os olhos e olhou diretamente para ela. Claro,
não podia ver o que seu dom escondia. Não viu a
fada curvada sobre seu corpo, com olhos
arregalados de puro pânico, cabelos ruivos
despenteados, roupas rasgadas e sujas.

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Não viu nada, ergueu a garrafa e bebeu


alguns goles antes de fechar os olhos e tornar a cair
em um pesado sono induzido pelo porre.
Aliviada, Joan correu pelo castelo. Uma
rápida parada no quarto das crianças para espiar se
Marmom dormia bem. Depois de saber da origem
do menino e de sua desgraça, ela sentia vontade de
apertá-lo em seus braços e lhe dar todo o amor do
mundo.
A criança dormia calmamente em seu berço.
Na cama ao lado, o herdeiro do título de duque, o
menino Tommy, sonhava e reclamava em seu sono
agitado. Joan aproximou-se e fez um carinho em
seus cabelos, acalmando-o. O menino entrou em
um sono calmo e ela afastou-se, saindo do quarto.
Não sem antes olhar com afeição para Alice que
dormia em uma cama perto da parede.
Eles estavam bem. Era Joan quem remoia a

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carência e o medo sentido naquelas apavorantes


horas nas mãos de Edward, com medo do que
aconteceria com suas asas.
Ela percorreu os corredores e parou diante da
porta do quarto do duque. Sim, o que faria agora?
Precisava encolher suas asas, mantê-las escondidas,
pois Rowell não sabia quem era. E quando
amanhecesse e Zoé se aproximasse, suas asas não
mais poderiam ser reveladas. Era uma catástrofe.
Poderia fugir agora mesmo e procurar por
Eleonora.
Joan permaneceu imóvel travando um debate
moral dentro de si que definiria todas as suas
chances de sobrevivência. Acreditar no interior de
um ser? Acreditar que poderia haver alguma
bondade dentro de Zoé? Que uma Guardiã, poderia
colocar em primeiro lugar seu dever e esquecer-se
de seu rancor pessoal?

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Crer em outro ser vivo apenas e somente com


a credulidade de que todo ser nasce bom?
Ela fechou os olhos, sabendo previamente
que estaria enganada, mesmo assim, apostando
todas as suas fichas no bom coração de Zoé.
Alma sempre a acusava de pensar na
bondade das criaturas. Driana a questionava de
porque ser assim, e Eleonora apenas a abraçava e
dizia que nem todas as pessoas são boas, nem todas
são más e é preciso apostar sempre no bem. Se
esperarmos sempre pelo mal, este se alastra e ganha
força.
Joan sentiu suas asas se encolherem e seu
dom indo embora.
Agora não havia volta. Estava decidido.
Andar sempre para frente, pensou Joan. Mesmo que
sentisse tanto medo que seus dentes batiam sem
parar uns nos outros. Mesmo que soubesse que
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estava errada, que no fundo, nunca obteria êxito.


Abriu a porta e entrou. Encontrou Rowell
acordado. Ele estava deitado, com um livro nas
mãos. Ergueu os olhos para ela, com acusação.
Joan fungou e limpou a bochecha onde
suspeitava existir lágrima e aproximou-se da cama.
Subiu e encolheu-se na direção do humano.
Ele não disse nada quando escondeu o rosto
em seu peito e começou a chorar. Suas roupas
estavam sujas, rasgadas, e ele viu um curativo mal
feito em sua canela. Afastou os cabelos vermelho
para ver as feias marcas em sua testa, escondidas
pela cabeleira espessa.
O cheiro impregnado em sua roupa era bem
característico. Cheiro de floresta.
— Saiu do castelo? — Ele perguntou sério.
— Sim — ela respondeu, envergonhada

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demais para mentir-lhe.


— Vai me contar o que aconteceu? Como
saiu e voltou sem que ninguém notasse? Vai me
contar quem a machucou?
— Não — ela negou, mortificada.
Rowell não respondeu nada.
Joan ergueu o rosto e fitou-o com olhos de
súplica:
— Eu voltei, não voltei? — Era um pedido
de compreensão.
— Joan... Você está machucada — ele disse,
pois não podia ficar sem reação!
— Eu preciso que mantenha segredo disso,
Rowell. Ninguém pode saber que eu sai e voltei.
Por favor. Ajude-me. — Implorou.
Sabia que abusava do amor de Rowell. Era
pedir demais para alguém como ele, que visse algo
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errado acontecer com alguém e não fazer nada para


impedir!
— Isso vai se repetir? — Ele perguntou sério,
guardando a raiva, olhando-a com expressão
fechada, algo passional.
— Eu espero que não. — Foi franca.
— Esteve com outro homem? Por isso está
machucada? — Ele precisava de algumas respostas,
mesmo que superficais.
— É claro que não. Minha vida é uma
confusão, mas a única certeza é que não deixaria
outro se deitar comigo. Eu amo você, duque. Só
você. — Tranquilizou-o.
— Está machucada — ele fez um carinho em
sua testa — isso me corta o coração. E não posso
fazer nada para punir o agressor?
— Não. Manter segredo sobre minha saída

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pode ser uma forma de punir o agressor. Isso o


deixa mais tranquilo?
— Saber a verdade me deixaria tranquilo,
Joan, mais nada pode me tranquilizar depois de vê-
la machucada assim — ele foi franco.
Seu jeito resignado a deixou triste, mas não
queria perder sua noite ao lado do duque por causa
do que aconteceu.
Era uma lógica estranha, mas fazia sentido
em sua cabeça. Pensar que em breve poderia estar
apartada de Rowell a fazia querer aproveitar cada
pequeno segundo ao seu lado. Principalmente na
intimidade de um quarto.
Carinhosa, Joan o provocou com beijos na
altura do queixo. Rowell afastou e girou sobre a
cama, acariciando a pele de sua testa onde alguns
vergões atestavam a presença de uma ferramenta de
tortura que a deixou em pânico.
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— Eu não quero abusar de você — ele foi


sincero, e beijou a área machucada. — Durma um
pouco.
— Eu estou bem, Rowell. O pior já passou.
Não sou tão frágil quanto aparento! — Negou,
decidida a convencê-lo a tocá-la, pois aquela noite
desejava tudo e mais um pouco!
— Você é tão frágil quanto aparenta. — Ele
negou e acalmou-a com beijos doces em sua face.
Ela sorriu apesar da frustração.
— Eu quero que permaneça neste quarto,
Joan. Fique descansando o dia todo. Não levante
com o amanhecer. Um pouco de conforto e regalias
fará bem para você. — Sugeriu e ela não notou as
segundas intenções por trás da oferta.
— Eu poderia gostar disso — ela disse
sorrindo.

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Aquele belo sorriso sem maldade que o


encantava. Rowell não cansava de admirar tanta
doçura e ingenuidade.
Será? Era isso que se escondia sob o sorriso
de Joan? Apavorado com o rumo que sua mente
tomava, sobre a desconfiança que nascia em si
diante de suas atitudes estranhas, Rowell abafou o
apelo da mente com um beijo naquela boca
suculenta.
Correspondido com a candura de uma mulher
apaixonada. Verdadeiramente apaixonada. Ele
sabia diferenciar um beijo de amor, de um beijo de
obrigação ou reles paixão.
Nos primeiros anos de casamento com
Sophie, ele não notou o que acontecia sob seu teto.
Tão pouco se importava. Ela era bonita, nada
especial, mas era bonita e elegante. Sabia se portar
e comandar o trato com os empregados. Entendia-

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se com Matilde, o que sempre foi muito importante


para ele. Uma mulher que não enfrentasse sua mãe
e a questionasse. A única alegria da vida de Matilde
era comandar o castelo e muito jovem, Rowell não
sabia como lidar com seus abusos sem causar-lhe
sofrimento.
Então, ele ficou imensamente aliviado de
encontrar uma boa esposa, que além de agradável
ao leito, também pudesse ser uma boa companhia
para sua mãe.
Nas primeiras semanas, ele sabia que Sophie
viera com um filho em seu ventre. Não era tolo.
Notava os sintomas. Ela estava grávida e com medo
de contar. Foi quando a confrontou e ela lhe contou
que havia feito de tudo para livrar-se do bastardo,
sem sucesso.
Rowell não se importava com a paternidade
da criança. Preocupava a descendência de seu

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sangue e do ducado. Mesmo assim, tentou entender


que Sophie havia sido trazida para aquele
casamento contra a vontade, tal como ele, e assim
como tinha um passado, a jovem também tinha
lembranças e responsabilidades passadas.
Infelizmente ou felizmente, ele ainda não
sabia, a gravidez não vingara. Muitos meses de
sofrimento, ela se culpava por ter atentado contra
aquela criança e arrependida do que fizera lhe
pedira um filho. Para lhe suprir a dor da perda.
O que ele faria? Consentira-lhe esse pedido,
mesmo que ambos fosse bastante distantes como
um casal, empenhando-se o máximo possível. E no
inverno seguinte, Sophie deu a luz a Alice.
Depois disso o casamento entrou nos eixos.
Rowell se orgulhava de viver em paz, de ter um
casamento confortável. Sem atropelos. Sem
traições. Ao menos nos primeiros anos fora assim.

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Quando nasceu Antônio, hoje chamado


carinhosamente de Tommy, realizada, Sophie
anunciara que cumprira sua missão de dar-lhe um
herdeiro homem para ostentar seu título. E que não
desejava deitar-se com ele outra vez, a menos claro,
que fosse necessário outro herdeiro, no caso de algo
acontecer com Tommy e essa criança não viesse a
tonar-se um homem feito que pudesse receber o
título de duque.
Apesar do significado disso, Rowell não
podia dizer que se ressentira. Era tudo muito
natural entre eles. Sem amor, era fácil lidar com
esse tipo de acontecimento sem absorver como uma
rejeição. Ele viveu bem pelos quatro anos
seguintes, vez ou outra, usando dos serviços de
jovens da taverna. Seu foco era cuidar do ducado
Mac William, o orgulho de seu pai, a qual deveria
manter em segurança.

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Seu filho Tommy crescia saudável e


próspero. Alice era a graça do castelo encantando a
todos com seus modos e sua impertinência. E o
convívio com Sophie era agradável. Ela era uma
boa companhia.
Mas algo mudou em uma primavera, quando
ela lhe pedira outro filho. Queria ser mãe outra vez.
Ele não entendeu essa necessidade, mas
vindo de uma mulher dedicada à família, aos filhos
e a vida religiosa, supunha ser um apelo da
maternidade gritando em seu coração. Foi quando
ela engravidou a terceira vez.
Longos meses de sofrimento físico e então,
um parto de um dia inteiro de gritos e choro.
Sophie padeceu por horas e horas, em vão, pois tão
logo o filho abriu os olhos, os dela se fecharam
para sempre.
— O que foi? — Perguntou Joan quando o
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beijo acabou e notou o modo intenso como Rowell


a olhava.
— Eu pensava em minha esposa. — Ele disse
com sinceridade. — Em como tudo foi superficial
entre nós. Desde o começo, nunca houve amor.
Pensava em tudo que perdi ao lado dela. —
Admitiu.
— E o que ela perdeu? — Perguntou suave
— amar você, Rowell, é muito bom. Ela perdeu
uma chance que não volta mais.
— Apesar dos pesares, sinto que ela tenha
partido tão cedo, afinal, era a mãe dos meus filhos e
eles ainda são tão pequenos — disse deitando ao
seu lado, aconchegando-a ao seu peito.
— Eu não sei... — Joan baixou os olhos, com
medo de assustá-lo. — Não sei se você está pronto
para saber disso... Mas não tem a mínima
possibilidade de Marmom ser filho de Sophie.
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— Como pode ter tanta certeza? — Quis


saber, apertando a carne de seu ombro com os
dedos, sem notar, pois o assunto o deixava tenso.
— Porque eu conheço a mãe de Marmom. —
Admitiu.
— Joan... — Ele imediatamente tentou
sentar, mas ela o conteve.
— Eu não posso contar quem é ou onde
achá-la. Ainda não, basta saber que é alguém
valoroso. E que eu não sei onde está a cria que
Sophie pariu. Ou se existiu de verdade. Ou se a cria
está viva ou morta. E tão pouco, posso lhe contar
mais do que isso.
— Simples assim? Eu ouço isso e fico quieto,
esperando você me contar a verdade? — Não
poderia fazer isso, ia além das suas forças.
— Rowell — ela disse com firmeza,
estranhando seu jeito, sentando na cama, afastando-
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se dele. — Não haja como se eu devesse algo a


você. Eu cheguei aqui depois de tudo ter
acontecido! Não tenho por obrigação contar-lhe
nada! O que sei, faz parte da minha vida, do meu
passado, não do seu! Se por acaso, e por capricho
do destino, nossas estórias se enredaram e
entrelaçaram e me fizeram conhecer uma
informação que lhe interessa... Bem, fique feliz.
Provavelmente você nunca saberia a verdade!
— Você fala como se isso realmente fosse
real. Como se fizesse sentido agir desse modo! —
O duque exasperou-se.
— E faz sentido! — Joan saiu da cama e
encarou-o com o mesmo sentimento. — Faz
sentido porque eu faço parte de um mundo e você
de outro! Creia, se uma única revelação feita por
mim o deixou assim, será o inferno quando souber
tudo!

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— E quando isso vai acontecer? — Ele jogou


de volta, tão irritado quanto ela.
— Quer saber? Eu vou para o quarto das
servas. É melhor assim — Joan resolveu desistir
daquela conversa. — Eu garanto que corro risco
algum neste castelo. Não mais do que já passei.
Tenha uma boa noite, Rowell!
Pelo contrário, esperava que ele se
arrependesse e não a deixasse sair. Isso não
aconteceu. Ainda na porta, virou e olhou para ele
com pesar:
— Eu não posso provar nada do que disser,
Rowell. Nada! E eu sei que a sua gente não lida
bem com certas coisas, ainda mais sem provas —
disse incerta. — Eu não tinha obrigação nenhuma
de lhe falar sobre Marmom. Eu estou contando o
que posso. Eu lhe juro, estou contando o que posso,
porque não quero mentir ou omitir nada de você!

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— E voltamos ao mesmo impasse — ele


disse estendendo uma das mãos em sua direção. —
É melhor dormimos agora, amanhã será um longo
dia. Eu não vou sossegar enquanto não desvendar o
assassinato que aconteceu dentro das portas do meu
castelo! É uma questão de honra.
Joan aceitou o convite e voltou para junto
dele. Antes de deitar desabotoou o vestido e
deixou-o no chão, notando o olhar do duque sobre
o seu corpo nu. Deitou-se sob as cobertas e ele
despiu as roupas fazendo o mesmo, sem esconder o
sorriso de malícia. Era fácil esquecer-se das
responsabilidades e dúvidas na presença de Joan.
A pior parte de tudo era que agora, assassina
ou não, Joan não poderia acusar Zoé. Precisava da
ajuda da Guardiã. Seus crimes poderiam ser
julgados depois. Era egoísmo seu, pois o crime era
contra uma humana, mas visto que pensava na

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necessidade de sobrevivência de um povo, ela


pensava ser melhor conservar Zoé livre de prisões
humanas.
Joan abraçou o seu humano e ergueu o rosto
para olhar em seus olhos e saber se estava tudo bem
entre eles ou não. Havia angústia e conflito no
olhar de Rowell. Não poderia ser de outro modo.
Aflita abraçou-se a ele como isso pudesse resolver
todos os seus problemas. A exaustão emocional e
física a pegou de surpresa.
Rowell notou que sua fadinha bonita e doce
havia adormecido. A serva Molly falava pelos
cantos que Joan parecia um anjo. Ele pensava o
contrário, que ela parecia uma pequena e suave
fada do campo. Mas o assunto fadas era perigoso.
Seres místicos eram lendas e como tal,
deveriam ser tratadas. Sophie contava estórias de
fadas nos campos e florestas, nos montes, e Alice

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gostava dessas historinhas para dormir.


Sorrindo, Rowell beijou sobre os cabelos
ruivos e perfumados e pensou em sua sorte e em
seu azar.
Amar não o fazia um completo estúpido.
Confiar em Joan não eliminava o perigo a qual ela
vinha se expondo.
A partir da manhã seguinte a seguiria.
Iria descobrir sozinho o que Joan lhe
escondia.

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Capítulo 25 — Sem esconderijos

Nas primeiras horas da manhã Rowell


despertou e descobriu que Joan acordava ainda
mais cedo do que ele. Ela estava na varanda, onde
um dia atrás haviam se encontrado e decidido por
passar uma inesquecível noite um nos braços do
outro. Ele a encontrou e abraçou por trás,
surpreendo-a.
— Acordou cedo — ele disse suave,
cheirando seu cangote.
— Eu sempre acordo cedo. De onde vim,
acordávamos de madrugada para começar os
trabalhos do dia. Eu raramente os fazia. Minhas

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amigas sempre cumpriam minhas tarefas para


poupar minha saúde. Mesmo assim, eu as
acompanhava, e isso aconteceu desde que me
lembro de como... — Quase disse 'fada'. — Como
criatura viva. — Mudou a frase e o sentido
continuou o memo.
— Em meu forte você pode dormir até a hora
que desejar. Não precisa madrugar. Cabe aos
homens o trabalho pesado. — Rowell disse galante.
Joan virou em seus braços e olhou-o com
ironia velada.
— E para as mulheres pobres e desvalidas
cabe o trabalho braçal também? Amante do duque
não precisa fazer nada? Isso é justo para você,
duque Mac William?
— Desde que não fui eu quem criou as regras
do mundo, sim, é justo — ele gostava desses
entraves verbais.
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Pensavam muito diferentes e ainda assim se


complementavam com argumentos que fazia lógica
na mente de ambos.
— Pois eu acho que uma boa organização
poderia colocar o trabalho do castelo em dia sem
exigir tanto sofrimento das criadas. Mas Matilde —
ela fez uma careta de desgosto — não sabe o que
quer dizer a palavra 'organização'.
— Minha mãe, Joan. Um pouco de tato para
lidar com ela, está bem? — Pediu e ela apenas
ergueu uma sobrancelha de dúvida.
— Hum, eu vou pensar nisso — prometeu e
tentou não sorrir diante da seriedade no rosto de
Rowell. — Eu preciso ir. Quero ver Marmom antes
de... — Calou-se novamente a tempo de conter o
que diria. — Fazer o que tenho que fazer.
— Certo. Mais segredos. — Acusou de
forma mansa.
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— Um segredo a mais, um a menos... Que


diferença faz? Depois de tanto esconder a verdade,
tudo parece real, não é mesmo? — Ela ironizou e
Rowell salpicou um beijo na ponta de seu nariz,
arrancando-lhe um sorriso involuntário, enquanto
afastava o rosto, por conta das cócegas.
— Depende. Seu amor é mentira? — O
duque perguntou, tentando não alimentar mágoas
entre eles.
— De modo algum — garantiu.
— Então, temos uma verdade a qual nos
apegar, visto que o meu sentimento também é
sincero. — Ele sorria ao dizer isso.
— Eu vou agora. Provavelmente nos
veremos apenas a noite... E eu estou previamente
avisando que talvez saia do castelo sem que você
note ou qualquer outro e que talvez, eu demore
alguns dias para voltar. Meia verdade também
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conta como sinceridade?


— Não. Conta como meia mentira. — Fez
questão de salientar.
— Melhor que uma mentira inteira eu sei que
é. — Fazer graça era seu modo de aliviar o
momento. Rowell pretendia beijá-la e por isso, Joan
escapou passando por baixo do braço dele e correu
para a porta, enquanto ria.
Porque não? Ser séria o tempo todo era
cansativo. O mundo estava desmoronando a sua
volta, mas ela gostava daquele mundo e não abriria
mão assim tão facilmente!
Sozinha, naqueles longos corredores Joan
cruzou com Molly e Liara em seu trajeto e
perguntou-lhes sobre a Condessa.
Aparentemente a condessa estava ocupada
com ordens no castelo, principalmente mudanças
na dinâmica do trabalho. Fervendo só de pensar
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naquela Guardiã desalmada ousando tentar roubar


seu lugar dentro do castelo, Joan correu para o
lugar onde Zoé deveria estar.
Liara lhe dissera que a última vez que a viu
estava com Matilde perto da torre principal.
Esperava sinceramente que Zoé não houvesse
atirado Matilde da torre, porque sinceramente não
poderia adverti-la, pois seria bem merecido. E a
recíproca era totalmente verdadeira!
Se Zoé e Matilde fossem da mesma raça,
poderiam ser mãe e filha. Diante desse pensamento,
Joan quase relaxou a tensão do que faria.
Como indicado, após percorrer boa parte do
castelo, finamente encontrou Zoé observando a
floresta em torno do forte com saudosismo.
— Eu também sinto falta — disse para
surpreender Zoé, e conseguiu.
A Guardiã não olhou para trás, mas inclinou
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o rosto para o lado deixando claro que a ouvira.


— Sinto fala de tudo, do ar puro, das árvores,
da natureza ao alcance das mãos. Não é estranho?
Eu nunca fui livre e então... Sinto falta disso?
— Você é estranha. — Zoé completou,
finalmente olhando-a — porque está surpresa com
isso?
Ignorando a ofensa, Joan aproximou-se.
— Sei que está com raiva de mim por causa
de Rowell. Mas é injusto. Eu cheguei primeiro, nos
apaixonamos. É justo que ele não a queira e sim a
mim. Ele é o meu escolhido. Não pode se
intrometer nisso.
— Meu problema com você não se atenta aos
humanos — Zoé aproximou-se apenas um pouco,
ambas frente a frente — Porque veio até mim?
Julguei que se manteria afastada o maior tempo
possível.
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— É o que eu queria fazer — admitiu. —


Mas eu... Tenho algo a contar. Algo que é do seu
interesse tanto quanto é do meu. — Explicou. —
Será que pode por um minuto esquecer quem é e
quem eu sou, e me ouvir?
— E para você, Joan, quem eu sou? — Zoé
quis saber.
Tomando aquilo como o começo de uma
profunda conversa sobre mal entendidos do
passado, Joan baixou os olhos, triste.
— Eu sempre tive medo de você. Sempre tão
forte. Determinada, você sempre me olhou como se
eu fosse um inseto que a incomodava
profundamente. Quando a via de longe ou de perto,
não importava, sempre sentia seus olhos sobre
mim. Eu sei que me detesta há muito tempo e não
sei a causa.
— Eu esperava que você dissesse a verdade
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— Zoé a pressionou.
— A verdade? Você é uma Guardiã e deveria
zelar por aqueles sob sua proteção! Deveria me
proteger e não caçar! Deveria ouvir o que eu tenho
a dizer! — Exasperou-se e jogou isso na cara de
Zoé. — Eu merecia um pouco de compaixão!
Somos da mesma raça! Somos fêmeas, estamos
vivendo sob as mesas regras opressoras!
— Isso parece conversa daquela sua amiga
Driana. Não é ela que gosta de incitar politicagem?
— Era uma referência ao dia que Driana a
enfrentara para defender Joan, invocando as leis do
reino de Isac.
— Eu sempre acreditei que os Guardiões
eram justos e lutavam por nós os desprotegidos de
qualquer natureza. Tobias sempre idolatrou o
irmão, o primeiro Guardião Egan. Por causa das
histórias que ele contava eu cresci acreditando que

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sempre poderia confiar na proteção de uma


armadura. Porque seria diferente com você? Me
diga, Zoé, porque precisamos ser inimigas?
O modo como Zoé a olhava quase a fazia
crer que acompanhava e compendia o que dizia.
Que essa pergunta mexia com seus sentimentos.
Engolindo em seco, Joan tomou coragem para
aproximar-se e perguntar:
— Você quer isso? Lutar contra uma fada da
clausura? Uma das infortunadas do Ministério do
Rei? Justamente uma das que não possuem armas
para lutar contra você? Eu estou diante de você,
Zoé, sem usar meu dom, sem usar minhas asas, eu
estou diante de você com um pedido a fazer: que
me ouça. Uma única vez. Ouça-me e não me julgue
pelo que ouviu da boca de Santha, a louca.
— E que tipo de pedido uma criatura como
você pode ter a me fazer? — Zoé jogou de volta.

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Em outro momento, menos desesperada por


ajuda, Joan poderia ter notado seu excesso de
suavidade ou a parca trégua imposta por Zoé, que
vindo da Guardiã era algo inacreditável e
inaceitável. Nada de agressão ou ameaça. Apenas
parcimônia e audição afiada.
Coberta de cautela. Mas Joan não notou nada
disso. Tola, continuou falando:
— Que me ouça. Esqueça por um minuto as
ordens que recebeu dos Conselheiros e me ouça. Eu
direi a verdade e somente a verdade.
— E que garantias me dá de sua palavra? —
Zoé perguntou com um meio sorriso que Joan não
entendeu como sendo irônico. Tão pouco notou que
a Guardiã movia o olhar negro e intenso em uma
direção além da presença de Joan.
Logo atrás, havia alguém as espreitando, mas
Joan não notou, e seguiu falando:
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— E quer garantia maior do que minha


entrega? Estou sem minhas armas, Zoé. Mesmo
assim, eu possuo uma arma que nem mesmo você
pode lutar. Eu poderia convencer Rowell a mandá-
la embora. Ou então, a me levar para longe daqui.
Não seria difícil, Matilde está sempre histérica
sobre me expulsar do castelo — não resistiu a uma
careta ao lembrar-se da bruxa má que era também
sua futura sogra. — Mas eu não estou fazendo nada
disso. Estou aqui, de pé diante de você, pedindo a
chance de contar toda a verdade que você
desconhece.
Zoé mediu-a de alto a baixo e disse:
— Está bem, você tem seu ponto. Fale, vou
ouvir o que tem a dizer, Joan.
O uso de seu nome a surpreendeu. Zoé
sempre a tratava por insultos bastante feios. No
entanto, ter uma brecha para conversar com Zoé era

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algo tão inesperado, pois previa uma luta


incansável para conseguir falar, que não concebia a
possibilidade de desperdiçá-la.
Respirando fundo, Joan pensou por onde
começaria.
— Eu não sou como você pensa. Eu não sou
uma usurpadora. Tenho o direito de estar aqui, eu
amo Rowell, não me pergunte como isso pode
acontecer, eu não sei. Mas não foi intencional. Não
foi.
— E como isso aconteceu? Como alguém
como você simplesmente surge do nada e se
envolve com humanos? — Zoé era propriamente
evasiva, mas Joan não notou.
— Você sabe da minha história, de como sou
perseguida e caçada. Não há nada sobre mim que
não saiba Zoé. — Alegou.
— Sim, mas eu sei a versão que me
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contaram. Eu quero saber sua versão dos fatos —


ela piscou melancolicamente, chateada e entediada
com aquela conversa toda.
— Eu não ajudei a assassinar o rei. Eu
poderia, mas não fiz isso. Todas nós poderíamos ter
feito. É claro que sim. Com o meu dom poderíamos
e conseguiríamos passar pela segurança e chegar
aos aposentos do rei. Alma poderia convencer
Santha a ajudar, e Eleonora poderia sim ter se
deitado com Rei Isac. Não há sombra de dúvidas
que com dom ou sem dom, Driana conseguiria
arquitetar esse plano infalível. Mas seja sincera,
você notou algum plano de fuga? Seria um tanto
estúpido da nossa parte, assassinas indiferentes e
sanguinárias como nós, não arquitetar rotas de
fuga?
Era uma pergunta válida.
— Santha enganou o rei. Ela teve uma cria

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antes do casamento, ainda na clausura. Ela e Lucius


se livraram da cria, mas como a vida é feita de
coincidências, Reina encontrou a fêmea e a levou
para o Ministério do Rei — Joan contou. — Essa
cria era Eleonora. Você não lembra? Da
semelhança entre as duas? São praticamente
idênticas.
— Sim, isso é verdade. — Zoé disse séria.
— Pois bem, não é segredo para ninguém
que a idade de Eleonora data vinte anos. Nossas
asas nasceriam em breve, e Lucius contou a Santha
do risco que corriam. As asas de Lora seriam uma
prova irrefutável de seu crime. Por isso armaram
contra Eleonora. Mas veja, todos olhariam para
Eleonora com maior atenção quando soubessem do
crime. Santha precisava desviar a atenção. E por
que não criar um crime de vingança? Fadas da
clausura na eminência da prisão definitiva,

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voltando-se contra o bom e justo rei que as


provinha mesmo tendo uma vida de infortúnio
desde os seus nascimentos miseráveis? Viramos as
vilas no afã de que Guardiões e Conselheiros não
reparassem em Eleonora! — Disparou tudo, com
receio que Zoé começasse a se irritar e não quisesse
mais ouvir. — Eu fiquei sabendo de fontes
confiáveis, que existe uma nova rainha. Que Egan,
o Primeiro Guardião salvou e resgatou Lora. Que
ela é rainha agora. Sendo assim, não cabe a você
questionar as leis e regras, devemos as duas
retornar ao castelo. Zoé... — Deu um passo em sua
direção e com uma coragem que não sabia que
possuía segurou a mão de Zoé.
A fada Guardiã não era acostumada ao toque
de outro ser. Ela congelou no lugar e por dentro
Joan sabia que Zoé era alguém muito solitário e
triste.

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— Eu a perdoo por tudo que tem me feito, e


o que me fez no passado. Zoé, eu não guardarei
rancor. Tenho certeza que Rainha Eleonora será
justa se você confessar o que fez para a humana...
A verdadeira condessa. Se me ajudar agora eu
intercederei a seu favor! Por favor, precisamos
voltar para o castelo e conversar com Lora!
— É isso que tem a dizer? Que é uma fada?
Uma fada de verdade? Com asas e tudo? E que eu
sou... Como foi mesmo que você chamou...
Guardiã?
Com um sorriso malvado, Zoé puxou a mão e
sem compreender, Joan disse:
— Sim, você é uma Guardiã, dona de uma
armadura. Você é uma das protetoras do Reino de
Isac, no Monte das Fadas...
— E eu também sou uma fada? — A
pergunta soou estúpida aos ouvidos de Joan.
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— Sim, uma das mais poderosas do mundo


mágico... Zoé, eu não entendo! Porque você esta
falando assim?
— Você é louca, ratinha. Louca de pedra. —
Zoé disse bem diante de sua face, enquanto olhava
além de Joan. — Eu lhe disse, Rowell, ela é louca.
Insana. Tomada por um espírito maligno ou algo
assim! Ouça o que diz? Que é uma fada? Eu tenho
ouvido essas sandices há muito tempo. Eu contei
que a conheço, você não quis acreditar em mim!
Sua insanidade é conhecida há muitos anos, por
isso ela vivia resguardada junto aos seus familiares.
Bem longe daqui!
O riso de Zoé fez Joan olhar para trás em
pânico.
Lá estava Rowell de pé encarando as duas, ao
seu lado Edward e mais além, a temível Matilde.
O ódio nasceu no coração de Joan como uma
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erva ruim. Ela olhou para a Guardiã e não pode se


controlar. Avançou sobre ela e derrubou-a no chão.
— Uma armadilha! Eu não acredito que me
pegou em uma armadilha! — Gritou.
— Não é assim que se pegam os ratos? Com
armadilhas? — Zoé a girou e imobilizou-a no chão,
o vestido de veludo bonito e elegante sungado,
revelando pernas e coxas ágeis.
O movimento de luta não passou
despercebido por Rowell, que atraiu a atenção de
Zoé, ao aproximar-se e tentar retirá-la de sobre
Joan.
Ele conseguiu o que queria, mas tomada pela
raiva de ser traída mais uma vez, cansada de
sempre apanhar quieta, Joan ergue-se e a primeira
coisa que fez foi engalfinhar as duas mãos nos
longos e crespos cabelos da condessa.
Adeus penteado bonito e sofisticado.
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Descabelada, Zoé fez o mesmo, agarrando os


longos cabelos ruivos de Joan, em uma típica briga
de mulheres. Rowell tomou Joan pela cintura e a
puxou para fora da briga. Por ser a mais leve a
delicada, precisou soltar os cabelos de Zoé, mas
não sem arrancar um pequeno chumaço.
Apertou com os dedos, berrando todos os
tipos de palavrões que conhecia em sua língua de
fada, foi levada para longe e largada sobre o chão.
Rowell abaixou-se e tapou sua boca com pressa.
Havia algo nos olhos que a assustou.
— Cale a boca, Joan. Pare de falar essa
língua estranha! Será que não vê o que está
fazendo?
A briga e os gritos haviam atraído atenção de
serviçais e agregados. Até mesmo um dos arqueiros
que sempre fazia guarda por aqueles corredores
abertos, próximo às tores mais altas, estava vendo o

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que acontecia, curioso e provavelmente cheio de


pressa para reassar as fofocas.
— Ela está mentindo, Rowell! — Joan soltou
o aperto e gritou — Ela me odeia!
— Quita, fique quieta — ele implorou —
quieta, Joan. Apenas fique calada!
Como se ela pudesse ficar calada!
— Não adianta falar com ela, Rowell. —
Disse Zoé, recuperada da briga, ainda sem ar, com
um brilho de satisfação puro nos olhos. — Está em
uma crise. Ela não sabe onde está ou quem com
conversa. A pobrezinha me ataca, mas não sabe o
que está fazendo. É um risco para si mesma e a
todos nós.
Rowell olhou para Zoé duvidando de suas
palavras.
— Eu a conheço a muito tempo. Nunca

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imaginei que a encontraria justamente aqui! Que


lástima. Joan é filha de um dono de taverna, do
condado de onde venho, a pobre nasceu saudável,
mas com os anos... Ela tendia a fazer mal para as
pessoas. Passou a ser mantida em casa, resguardada
pelas três irmãs. Mas ela matou as pobrezinhas,
uma tragédia que jamais será esquecida enquanto
eu viver! Ela é perigosa. O que aconteceu na outra
noite... Foi apenas o começo.
— Não — ele negou. — Eu não acredito em
nada que diz.
— O que eu digo? — Zoé perguntou sorrindo
diabolicamente — Mas você ouviu da boca de
Joan.
Rowell não podia contestar esse argumento.
Ouvira uma louca história saída da boca de Joan.
Ela se machucou na noite passada e não quis lhe
contar como. Poderia estar ferindo a terceiros e a si

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mesma. Angustiado, ele não pode manter o olhar


sobre ela e Joan percebeu que ele acreditava em
Zoé.
— Não, não, não, Rowell, não acredite nela
— Joan tentou abraçá-lo desesperada por Rowell
pensar essas coisas — eu não sou louca! Não sou!
— Não é seguro mantê-la aqui fora, ela pode
fugir. Ela faz muito isso. Joanna, esse é seu
verdadeiro nome. Ela sempre foge de sua casa. É
muito triste sua situação. — Zoé merecia um
prêmio por mentir tão bem.
Confuso, dividido entre o que via e ouvia, e
sobre o que sentia, Rowell pegou Joan pelos braços
e ajudou-a a levantar, afastou os cabelos de seu
rosto e fitou seus olhos com piedade:
— Vamos para o quarto, você precisa deitar
um pouco, Joan.
— Não — ela afastou-se, atormentada pelo
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fato dele não crer em suas palavras. — Está


achando que eu sou louca? É isso? Eu disse que
não contaria sobre mim porque você pensaria
exatamente isso sobre mim! Rowell, eu não estou
mentindo!
— É claro que não — interrompeu Zoé —
não podemos esquecer que para ela esse mundo
imaginário é real. Fala a verdade sobre o que vê. É
uma mente perturbada e muito perigosa, Rowell.
Foi ela quem matou a aldeã e trouxe sua cabeça
para o quarto. Pense, querido duque, a próxima
vítima pode ser um de nós. Ou quem sabe, um de
seus filhos.
Era uma temática sensível para Rowell: a
segurança de seus filhos.
Honra e amor sendo colocados a prova.
— Não — disse Joan. — Não faça isso,
Rowell. Eu não estou louca! — É claro que ele não
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poderia lidar com a dúvida total — Matilde, me


ajude, diga a eles que não estou louca!
Ela recorreu a única pessoa que poderia
entendê-la.
— Matilde, eu sou como você! Matilde, me
ajude!
O modo como Rowell a pegou nos braços e
forçou-a com delicadeza a se calar, era o modo que
encontrava de protegê-la de si mesma e proteger
sua mãe da lembrança de quando algo semelhante
aconteceu-lhe.
— Boca fechada, Joan — ele disse baixinho
enquanto a levava no colo para dentro do castelo e
então para dentro de seu quarto, sendo seguido de
perto por Zoé, algumas criadas e o arqueiro que
precisava saber se haveriam ordens dadas ou não
pelo duque a cerca do acontecido.
Ficou para trás Edward, o irmão de Rowell,
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confuso e incerto sobre o que ouvira. Ele virou-se


para Matilde, que estava petrificada ao seu lado, em
choque por estar diante de uma cena acontecida
consigo mesma no passado!
— O que aconteceu aqui, afinal? — Edward
perguntou confuso.
Confuso desde que acordou e descobriu que
tivera um vívido sonho na noite anterior, um em
que colocara em prática o desejo de Sophie, ao
raptar a fadinha Joan.
— Aconteceu o de sempre. A jovem é louca.
Você não ouviu? — Matilde disse com raiva na
voz. — Não tem vergonha de estar bebendo assim
tão cedo? — Jogou sobre ele sua frustração antes
de sair apressada atrás do filho.
Edward não a seguiu. Dividido entre a
satisfação de ver a jovem fora de circulação o que
facilitaria o momento de aprisioná-la para valer e o
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peso de ter que retirá-la de dentro do quarto do


próprio irmão para fazer isso, Edward também se
colocou a andar. Atrás de outra garrafa de vinho
que o fizesse pensar e ser menos culpado sobre suas
decisões.
*****
Joan não quis falar na presença de Zoé.
Rowell a deixou na cama e afugentou todos os
curiosos.
— O boato vai se alastrar. — Ele disse
assustado. — Precisamos negar com veemência
qualquer comentário sobre você falar em línguas.
Está me entendendo, Joan? Isso é sério.
Ela não entendia o porquê, mas se ele parecia
assim desesperado por tão pouco, ela acenou
concordando. Não entendia como funcionava a
religião de Rowell e o domínio que exercia sobre
todos os humanos.
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Muito menos as atrocidades cometidas em


seu nome. Ou os medos, crenças e punições
impostas por regras expressas contra magia e
bruxaria. Infelizmente Joan não entendia o que
queria dizer isso. O que era falar em línguas para
alguém da religião de Rowell.
— Ela não entende o que diz, Rowell. A
pobrezinha não compreende nada. É louca. — Zoé
fez questão de lembrar.
— Pobrezinha? Você tem chamado Joan de
'ratinha' desde que chegou. Não se faça de bozinha
agora — ele disse furioso, afastado das duas,
fechando a porta do quarto com a chave,
encarando-as. — Eu quero ouvir a versão das duas.
— Ora, Rowell... — Zoé chegou a tentar
falar.
— Agora — ele mandou, voz pesada e
exigente. — Joan, quero ouvi-la primeiro. Sem
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interrupções. — Era um aviso bem direto para Zoé.


— Sente-se — ele mandou, apontando para um
poltrona do outro lado do quarto.
"Isso aí, Zoé, eu cheguei primeiro", pensou,
Joan, vingativa. Sentou-se na beirada da cama, e
olhou de um para o outro:
— Eu não menti em nada que eu disse. — foi
categórica — A floresta que cerca seu ducado...
Você a vê como um lugar comum. Para o meu povo
o nome é Monte das Fadas. Divide-se em pequenos
vilarejos e florestas distintas. Eu nasci na Vila das
Fadas, nos arredores do Castelo. Você não pode ver
o castelo, porque é humano, mas na companhia de
um ser mágico você poderia vê-lo. É por isso que
eu dizia não querer falar disso sem poder provar!
— Joan disse exasperada, levantando da cama,
andando em torno, remoendo o que dizer. — Eu
não sei quem são meus pais. Eu fui deixada no

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orfanato, um lugar chamado de Ministério do Rei,


quando era um bebê. Cresci sendo cuidada pelas
carcereiras, que me perdoe, mas são muito
parecidas em comportamento com Matilde. — Não
era hora de ofender a mãe do duque, mas queria ser
totalmente sincera. — Eu cresci ao lado de amigos
muito queridos. Driana, Eleonora, Alma. E não
posso esquecer-me do elfo Tobias. Há poucos
meses atrás Eleonora foi acusada de assassinar
nosso rei. Fomos acusados de cumplicidade. Por
isso fugimos. Cada uma de nós se escondeu. Somos
perseguidas por Guardiões do Reino de Isac. Para
meu azar e desgraça, sou perseguida pela única
Guardiã fêmea que existe e que dotada de um dom
que neutraliza o meu. — desesperada, pois estava
na face de Rowell que não acreditava, Joan
lembrou-se de algo e puxou o vestido para baixo,
revelando as costas. — Olhe, Rowell, na outra noite
você disse que havia marcas nas minhas costas. E
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agora? Você ainda vê as cicatrizes?


Rowell aproximou-se e deslizou uma das
mãos pela pele lisa e sem marcas.
— Não, as cicatrizes sumiram.
— É claro que sim! Não eram cicatrizes!
Meu dom pode esconder e camuflar. E minhas asas
se escondem dentro da minha pele. Por causa de
Zoé não consigo retirá-las e usá-las! Mas com o
tempo, minha natureza fica impaciente e tenta se
libertar. E as marcas que viu são a prova disso!
Ontem à noite eu saí do castelo e usei minhas asas!
Vai levar alguns dias para que elas voltem a me
machucar ao tentar rasgar a pele a força.
— Rowell, se o que ela diz é verdade, porque
voltaria para o castelo e para essa situação? Afinal,
eu sou seu algoz, não é? — Zoé debochou.
— Acontece, que enquanto você mede forças
comigo e tenta se vingar seja lá pelo que, o mundo
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está acabando sob nossos pés! — Joan se esqueceu


de Rowell e voltou-se para Zoé furiosa. — Eu fui
pega ontem à noite! Levada até um grupo de
fêmeas de lagarto! Alguém queria minhas asas e
esse alguém, está tramando tomar o poder e destruir
o nosso mundo! Por isso eu voltei! Para avisá-la e
pedir ajuda, porque apesar de ser uma escrota, você
ainda é uma Guardiã! — Apontou para Zoé com
fúria.
— Veja, é uma pena, mas são delírios de uma
mente perdida em loucura — Zoé sorriu. — Eu
posso contar o que sei sobre essa mulher, Rowell?
Antes que ela faça sua mente sã se perder como a
dela?
Era uma clara insinuação sobre o que
acontecia com um Duque que vai contra as leis de
seu Rei. Rowell engoliu em seco, tenso, e acenou
com a cabeça:

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— Essa mulher nasceu assim. Não


aparentava ser louca até alguns meses atrás, quando
atacou suas três irmãs e as matou com uma
crueldade impressionante. Ela alegava que as três
eram Guardiãs de um reino de fadas. A família
achou que Joan merecia a chance de recuperar-se e
a manteve presa em casa. Mas ela fugiu, e como
pode ver, conseguiu vir longe mesmo sozinha.
Quando ela fala que eu sou uma Guardiã, em sua
mente, isso faz sentido, todos que a desagradam são
os vilões tentando caçá-la. Vê? Ela repete o mesmo
padrão. É questão de tempo para que mais tragédias
se abatam sobre seu teto, Duque Mac William. É
por isso que eu não gosto dela, não sou uma mulher
doce. Para mim, os loucos devem ser abatidos antes
que cometam um mal maior aos sãos.
— Oh, é claro que sim, sua mentirosa! —
Joan alegou, olhos vermelhos de ódio. — Quando

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isso tudo acabar você vai se sentir tão imbecil! Tão


estúpida! Lora é rainha agora, e você vai pagar
pelos seus crimes contra mim!
— Engraçado, eu pensei que o 'nosso' mundo
estivesse as portas de ser destruído — Zoé usou
suas palavras contra ela.
— Tenho pena de você, Zoé, pois está tão
errada. — Joan abrandou a raiva e descobriu que
não adiantava de nada bater contra ela. — E será
tão arrependida quando descobrir que eu estou
falando a verdade!
O modo sincero como Joan disse isso quase
desconcertou Zoé. E foi essa expressão de dúvida
de Zoé que fez Rowell duvidar da condessa.
— Então é isso? O nome verdadeiro de Joan
é Joanabeth? — Rowell jogou verde, usando um
nome errado para confundi-la e pescar uma
mentira, pois Zoé usara o nome Joanna, há poucos
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minutos atrás. Era uma sutil trapaça para descobrir


se a condessa mentia ou não.
Raramente um mentiroso é atento a os
mínimos detalhes. Joan repetia sempre o mesmo
padrão, sempre com os mesmos requintes em seus
mínimos detalhes.
— Sim — Zoé disse apressada. — Acho que
ela prefere um nome falso para se esconder do que
realmente é.
— Certo — ele disse sério. — Eu quero ficar
a sós com Joan.
— Rowell, não é prudente que faça isso. —
Zoé negou.
— Saia — ele mandou e era o único aviso
que viria dele.
Frustrada, Zoé obedeceu por falta de
alternativa melhor.

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Sozinhos, Joan esperou que o duque dissesse


algo.
— Não é seguro ficar nesse quarto. Enquanto
não descubro qual das duas mente mais, e eu sei
que as duas mentem — foi taxativo — vou colocá-
la no quarto da torre.
— Não, Rowell, eu quero ficar com você...
— Joan apelou para o amor entre ambos e tentou
abraçá-lo, mas Rowell segurou seus pulsos,
afastando-a.
— Se você estiver mentindo é um lugar
seguro para que eu saiba que não fugirá. E se
estiver falando a verdade é seguro e garantido que
na torre ninguém poderá lhe fazer mal. — Lhe deu
uma parca esperança sobre ter dúvidas ainda.
Joan acenou concordando.
— Enviarei uma carta ao Condado de onde
Zoé vem e tentarei encontrar provas do que diz —
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ele alegou soltando-a


Joan sorriu triste e disse:
— Será perca de tempo. Ela vai destruir suas
expectativas e impedir que a carta chegue ao seu
destino. Quer saber quem fala a verdade? Olhe bem
para mim e olhe bem para ela. Zoé tem asas. Ela
não pode escondê-las como eu posso. Olhe por
baixo de suas roupas e verá as asas.
— Joan — ele tocou seu rosto, e segurou-o
com ambas as mãos, olhando em seus olhos. — A
condessa ofereceu seu leito. Ela sabia que ficaria
nua diante do meu olhar.
— Hum, ela acharia um modo de não retirar
a parte de cima das roupas. Fadas usam muitos
estratagemas para manter suas asas incólumes. —
De repente, ela lembrou-se de algo e seus olhos
brilharam. — Você precisa olhar as costas de Zoé
de surpresa, sem que ela note sua intenção.
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— Farei isso, eu prometo, mas agora, preciso


deixá-la segura, Joan. Segura de quem a estiver
importunando, mesmo que seja sua mente a causa
dessa perturbação — ele beijou gentilmente sua
testa e a aninhou contra seu peito, apenado.
Mortificada, ela agarrou-se em sua roupa e a
ele, e sufocou o choro de indignação.
Havia caído na armadilha de Zoé, era fato.
Rowell tinha todas às razões do mundo para
duvidar de suas palavras! A Guardiã estava jogando
para ganhar.
Mas ela se esquecera de um pequeno detalhe:
Joan estava decidida a vencer.
Minutos mais tarde foi deixada sozinha no
quarto da mais alta das torres. Rowell precisava
cuidar do ducado, precisava também investigar a
morte ocorrida ali dentro. E agora, mais do que
nunca, acalmar seu povo sobre a existência de uma
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mulher tomada pela loucura dentro das portas do


castelo.
Guardando a fúria dentro de si, para usar
contra Zoé mais tarde, andou até a janela a
descobriu que ao afastar a cortina, haviam grades
protegendo a saída. Observou o céu azul e seu
coração apertou dolorosamente. Ouviu a chave ser
girada na fechadura e ficou imóvel enquanto via
Matilde entrar.
— Este foi meu quarto por muitos meses —
ela disse assim que trancou a porta por dentro,
encarando-a. — É muita coincidência duas
mulheres enlouquecidas contando a mesma história
em um mesmo castelo, com diferença de poucas
décadas. Isso me veio a mente no instante que ouvi
a ladainha da condessa.
— Como é que pode? — Joan disse quase
sorrindo. — Um pouco de lucidez, afinal. Você não

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estava louca no passado. Eu sou uma fada e posso


provar. Primeiro, vou lhe provar o meu dom.
Quando entrei em seu quarto e a apavorei, foi
usando o meu dom de fada. Todo o tempo eu estava
lá dentro do seu quarto, rindo de você.
Sua confissão fez Matilde indignar-se.
— E nesse momento se você for ao quarto do
duque e revirar o chão, encontrará um lenço
invisível, onde dentro escondi suas cartas,
felizmente não camuflei as cartas apenas o lenço.
Precisará usar o tato e não os seus olhos. Se puder
acreditar em um lenço invisível, poderá crer em
uma fada. — Foi direta.
— E se eu acreditar em você? O que vai
mudar? — Matilde desafiou-a.
— Zoé não presta e está ao lado do seu filho
e de seus netos. — Era um bom argumento e Joan
aproximou-se, ficando bem pertinho de Matilde. —
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Admita, somos iguais. Eu posso imaginar a


felicidade que seria provar a todos que fadas
existem e que você não estava louca. Todos que
riram de você, que duvidaram de você... Todos que
ainda a olham com piedade. Eu estou errada?
Nenhuma resposta. Matilde virou as costas e
saiu.
Passada a coragem, Joan sentou na cama e
enterrou o rosto nas mãos lutando contra o choro de
medo e indignação.
Presa outra vez. Em sua existência
insignificante isso não era novidade, ou era?

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Capítulo 26 — Entre fagulhas e

palha

Joan aguardou que Rowell voltasse ainda


naquele dia. Tola ilusão. Ele não apareceu. Quatro
dias mais tarde, ela estava começando a se
convencer que não estava sendo cuidada e sim
aprisionada. Ele não aparecia, nem mesmo para
dizer-lhe que não acreditava nela.
Sozinha naquele quarto, a um passo de
enlouquecer mesmo, Joan fitava o céu, o pouco que
conseguia ver pela pequena janela coberta por
grades.

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Suas costas doíam, sabia que eram suas asas


tentando sair. Naquela manhã em especial, estava
melancólica, tomada pela saudade de suas amigas.
Sobretudo, de uma nova saudade, que apertava seu
coração perigosamente. Saudade de Rowell, de
Marmom, de Tommy e de Alice.
Saudade de Molly, Liara, do cozinheiro
Hector e seu coelho de estimação. Saudade
inapropriada, mas típica de quem se apegou e se
apaixonou por uma nova vida. O que seria dela
longe daqueles humanos?
Inconformada, passou uma das mãos pelos
cabelos e encostou a cabeça contra as grades,
pensando em Helana, a fêmea de lagarto. A essa
altura ela sabia do seu infortúnio. Tinha certeza
disso e deveria estar impaciente por ajuda.
Matilde não havia voltado para dizer se
encontrou ou não o lenço com suas cartas. Vindo

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de Matilde era bem capaz de ter encontrado e


optado por deixá-la jogada aos lobos. E porque
não? As duas viviam em pé de guerra. Matilde via-
se as voltas com duas inimigas: Joan e Zoé. Uma
livrou-se da outra. Agora era questão de tempo para
Matilde livrar-se de Zoé.
Amargurada e angustiada, ela ficou quieta,
cantarolando sem palavras apenas o som de uma
cantiga antiga que Eleonora sempre cantava no
quarto onde viviam no Ministério do Rei. Isso
ajudava a acalmá-la, reconfortar em meio a tantas
dúvidas e aflições.
De olhos fechados ouviu a chave virar na
fechadura e imaginou que fosse Molly trazendo seu
almoço. A pobrezinha sempre que vinha lhe trazer
as refeições era rápida e apavorada, com medo de
Joan. O que era amizade e idolatria, rapidamente
virou medo e coação. E isso era tão triste... Joan

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secou uma lágrima triste e olhou para suas visitas.


Nossa, quanta alegria, ela pensou revoltada.
Rowell, o seu duque Mac William, finalmente viera
vê-la. Junto dele, ao seu lado, como uma parceira e
amiga deve ser, estava a Guardiã Zoé.
Doeu em sua vaidade ver a fada tão bonita e
bem cuidada, enquanto ela vagava por aquela torre
vestindo apenas a longa camisola, despenteada e
descuidada. Baixou os olhos, envergonhada, e não
se dignou a falar com nenhum dos dois.
— Ela não deve lembrar quem somos —
disse Zoé. — É algo típico da doença...
— Que cínica. Eu sei quem são, só não quero
olhar para os dois — Joan disse séria.
Rowell esperava por isso. Dias sem procurá-
la. Um olhar na direção de Zoé e ele conteve o que
queria verdadeiramente dizer:

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— Houve complicações por conta do que


aconteceu. Tive que me afastar para abafar os
boatos sobre o duque Mac William ter escolhido
uma mulher louca como esposa. — Rowell foi
bastante superficial em sua explicação.
Joan olhou bem para ele. Barba por fazer,
expressão cansada. Lembrava muito o Rowell que
ela conheceu acamado e abatido. Estava abalado
com o que aconteceu. Sofrendo tanto quanto ela.
— E agora? Como estão as cosias? —
Perguntou calma, não querendo brigar.
— As pessoas estão esquecendo aos poucos.
Eu convenci Liara de que você estava bêbada na
ocasião. Que bebeu além da conta. Me desculpe por
isso, mas a única forma de combater um boato é
alimentando outro. — Desculpou-se esperando uma
brecha para aproximar-se.
Mas Joan estava distante dele,
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emocionalmente fechada para sua emoção. E não


podia culpá-la por isso!
Não se aborreceu com isso. Eram palavras
que faziam sentido aos ouvidos de Joan.
Não importava as desculpas usadas. Estava
banida da vida do duque. Ela entendia o significado
de grades em suas janelas. De pé, diante da janela
coberta por grades, Joan observou mais uma vez o
céu azul coberto por nuvens brancas. Encostou a
face na grade outra vez e fechou os olhos, enquanto
ignorava as palavras que ouvia.
— Acha mesmo que ela está louca? Você
não acha que pode estar confundindo Joan com
outra pessoa? — Rowell perguntou a Zoé, e Joan
imaginava que isso era alguma espécie de
confronto entre ambas.
— Você não ouviu quando ela me falou
sobre fadas e poderes mágicos? — A condessa
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perguntou belamente vestida ao seu lado. —


Pobrezinha, perdeu o juízo. Isso acontece muito
quando uma mulher passa por tudo que ela passou.
Uma vida de privações, pobreza, abusos. Muitos
irmãos, pouca individualidade, ouvi boatos que
sempre foi adoentada. É uma vida que propícia o
surgimento de doenças.
Joan não suportou mais. Olhou para Zoé, a
Guardiã que a caçava. As duas mantiveram o olhar
desafiador. Joan baixou os olhos, pois não
suportava esse tipo de tratamento. Arrastou-se para
a cama e deitou. Vestia apenas uma camisola e um
penhoar. Os cabelos estavam desgrenhados, ela não
pensava muito em vaidade depois de ter sido presa
naquela torre.
— Eu não consigo acreditar que Joan... —
Rowell conteve as palavras e aproximou-se da
cama. — Algumas vezes é um mal passageiro. Ela

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pode estar confusa.


Afinal, isso aconteceu com sua própria mãe
no passado e ela se recuperou.
Zoé correu os olhos pelo humano, com
recalque e ciúme na face, mas ele não notou. Muito
próximo, sentou ao lado dela na cama e acariciou
os cabelos ruivos e longos de Joan enquanto dizia:
— Eu gostaria de ter Joan na mesa de jantar
essa noite. O ar da noite há de fazer bem para sua
saúde.
Zoé não queria concordar.
— Acha prudente expor seus filhos a uma
aldeã insana? Não seria mais apropriado mandá-la
de volta para a vila? Para que seja cuidada por seus
familiares?
Rowell olhou para Zoé com dúvida no rosto.
Sim, era prudente e apropriado.

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— Joan cuidou de mim. É minha vez de


cuidar dela. — Disse e se afastou.
Joan fechou os olhos com raiva, mas não se
intrometeu na conversa. Quando ouviu Zoé tentar
convencê-lo mais uma vez a desistir do jantar,
sentou na cama, segurou a mão de Rowell,
revertendo o jogo de Zoé a seu favor:
— Fica mais um pouco comigo? Eu tenho
medo de Zoé — ser louca lhe conferia uma
liberdade arrebatadora contra Zoé, e a Guardiã
descobriria isso do pior modo. — Ela é uma fada,
tem asas e o dom de ver tudo que escondo dela. Eu
tenho asas, Rowell. Mas não posso mostrá-las na
presença de Zoé, pois o dom dela me impede de
revelar minhas asas. É culpa do meu dom que as
esconde. Mas um dia... Eu vou mostrar a verdade.
Fique mais um pouco comigo. Por favor. Eu tenho
medo de Zoé. Ela vai me machucar se me deixar

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sozinha com ela.


Louca ou não, Joan ainda detinha toda sua
afeição.
— Saia — Rowell disse para Zoé, sem lhe
dignar um único olhar — e feche a porta.
— Não faça isso. Não é seguro expor-se a
uma situação dessas, Rowell. — Zoé disse furiosa.
— Eu mandei sair — ele insistiu, segurando
a mão de Joan, sorrindo-lhe, com piedade aliada a
outros sentimentos.
Não restou outra alternativa que não fosse
sair. Zoé fechou a porta atrás de si e lutou contra o
susto ao descobrir que Edward a esperava no
corredor, em frente à porta.
Com um olhar de aviso, Zoé afastou-se.
Edward era um problema, sempre rondando pelos
cantos. Eles não conversavam, mas ela sentia os

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olhos do verme sobre ela. Em alguns momentos


tinha a impressão de que o humano a seguia e
espreitava pelos corredores.
O humano olhou para a porta fechada lutando
contra muitos sentimentos contraditórios, fugiu dali
antes de ser arrebatado por suas secretas vontades.
Joan deixou-se acomodar na cama, os longos
cabelos vermelhos espalhados sobre o travesseiro e
piscou graciosamente para Rowell.
— Quer ouvir sobre o mundo mágico,
Rowell?
Ele engoliu em seco e acenou concordando.
— É claro que sim. — Queria agradá-la,
mesmo que lhe doesse achar que Joan perdera sua
mente inteligente e doce para a insanidade.
Joan sorriu e começou a contar. Prepará-lo
para quando a verdade viesse à tona e a vida de

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Rowell mudasse totalmente. Para quando não fosse


possível impedir a guerra entre o mundo dos
humanos e o mundo mágico.
Uma guerra que era realidade, não mais um
sonho distante de Lucius, o amante da rainha
Santha.
— Tudo que Zoé disse sobre mim é mentira.
O que ela diz sobre si mesma é mentira. Você
conseguiu ver as asas de Zoé? — Perguntou triste
com a ideia de Rowell se deitando com outra fêmea
que não ela.
— Convenientemente desde que a acusou, a
Condessa resolveu fechar-se em pudor e recato —
ele disse irônico. — Não tive chances de ver seu
corpo, quanto mais conferir suas supostas asas.
— É, eu deveria ter imaginado. Zoé não tem
interesse verdadeiro em você. É apenas um modo
de me punir. Ela sempre me detestou, mas eu não
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sei a razão. Sempre foi muito raro nos vermos. Eu


cresci em um orfanato, saíamos muito pouco das
masmorras, com exceção das nossas fugas, ou para
executar trabalho domestico no castelo. Quando
acontecia era fugindo das regras. Você não sabe
como é, Rowell, crescer sem família, sem proteção
de nenhuma natureza. Eu... Tive sorte. Fui amada e
protegida. Minhas amigas cuidaram de mim. Agora
eu fico pensando como era para elas. Quem cuidava
delas? Principalmente Alma, sempre brigando e me
defendendo. Ela apanhava em meu lugar. E agora
eu sei como dói apanhar. E não apenas no corpo. —
Baixou os olhos, envergonhada. — Dói no coração
e na dignidade apanhar sem razão. Sendo inocente.
— Joan... — Rowell fez um carinho em seu
rosto e ela sorriu, afastando as lembranças
dolorosas.
— Eu quero lhe contar sobre elas. Sobre

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quem é cada uma delas. De um modo que ainda não


pude contar. Eu sei que acha mesmo que eu sou
louca — disse magoada.
— Não, eu estou desconfiado disso tudo —
ele corrigiu e ela até sorriu, pois seu duque tentava
não magoá-la demais — é verdade. Eu não sei em
quem acreditar ou no que acreditar. Minha mãe foi
taxada de insana, e é a pessoa mais lúcida que
conheço.
— Eu não sei se Matilde é tão lúcida assim
— ela tentou fazer graça e ele sorriu.
— Eu estou apaixonado por você, Joan. E
não vou acreditar que enlouqueceu. Eu não posso
acreditar nisso. Farei algo que meu pai não teve
tempo de fazer: esperar. Esperarei que isso tudo
passe e a verdade venha à tona. Eu não acredito em
tudo que a Condessa falou. Mas eu ouvi o que você
disse, com sua própria boca. Não se esqueça disso.

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— Hum — ela fez um som de desprezo e


tentou sorrir — quer ou não ouvir sobre minhas
amigas? Debater minha sanidade não nos levará a
lugar algum.
— Conte-me sobre elas — ele concordou e
Joan estendeu os braços pedindo que ficasse ao seu
lado.
Era uma tentação sem tamanho. Não queria
abusar de Joan sem saber seu estado real de
sanidade. Mesmo assim deitar ao seu lado,
segurando-a de conchinha era uma tentação quase
insuportável!
Abraçou-a, moldando sua coxa com uma das
mãos, ouvindo o gemido delicioso que ela esboçou.
— Não podemos — ele explicou, em eu
ouvido, cheirando seu cangote, beijando atrás da
orelha de um modo que a fez se roçar contra ele.
— Isso é tão estúpido. Eu sei que não sou
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louca. Olhe minhas costas, Rowell, e diga se não


acha isso estranho... — Ela disse com voz mansa.
Rowell baixou o tecido amplo da camisola e
conferiu suas costas, as cicatrizes que vira no outro
dia estavam de volta, porém bem mais fortes.
Quase como se houvesse realmente algo querendo
sair dali.
Sem palavras para falar do assunto, ouviu
Joan falar. Preferiu cobri-la outra vez e
simplesmente ouvir, sem falar nada:
— Falarei primeiro de Alma. Ela sempre me
protegeu. Minha amiga é a mais velha de nós
quatro. Ao menos é o que acreditamos. É
impossível para uma órfã da clausura saber sua
idade exata. Alma não é como nós. Ela é má. —
Doía falar isso — tem algo ruim dentro dela. Algo
que assusta às vezes. Mas ela nunca deixou isso
dominá-la. Acho que nossa presença a continha. Eu

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tenho pensado todos os dias em Alma e sobre como


ela está se controlando. Eu morro de medo de saber
que ela se perdeu. — Suspirou pesarosa. — As
fêmeas da minha raça nascem sem dom e sem asas,
nascem sem distinção alguma. Com o passar dos
anos, o dom se manifesta aos pouquinhos... Mas
não é nada definitivo. As carcereiras costumavam
nos testar para irem se preparando com o que
teriam que lidar no futuro. Aos vinte anos, nossas
asas nascem. Chamamos de ‘padecimento das asas’
ou nascimento. Junto com as asas nosso dom aflora
completamente. Assim como entramos no cio. Eu
estava no cio quando fizemos amor pela primeira
vez — sorriu diante da lembrança — mas você é
um humano, então eu não devo ter sofrido do cio
como acontece com as outras fadas — explicou. —
O nascimento das minhas asas aconteceu aqui, em
seu castelo — sorriu dessa lembrança. — Meu
primeiro voo foi aqui também. Quando você estava
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doente, eu lhe perguntei se acreditava em magia e


você disse que não. Lembra-se?
— É claro que me lembro — ele concordou,
ouvindo sem opinar ou interrompê-la.
— Pois bem, naquele dia eu voei até a divisa
entre o seu mundo e o meu. Onde a floresta deixa
de ser dominada pelos humanos e passa a ser
território das fadas. Foi lá que busquei ervas que
sabia que poderiam salvá-lo, pois possuem
propriedades que os humanos não conhecem. Eu
fiquei lhe dizendo que não fizera nada demais em
ajudá-lo e era verdade, pois o poder dessas ervas
são amplamente conhecidos em nosso mundo, e seu
uso bastante corriqueiro. — Respirou finalmente,
pois falava sem respirar. — Estou falando rápido
demais?
— Sim, está um pouco eufórica — ele sorriu
e a beijou de leve na testa.

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Joan aproveitou do momento para lhe roubar


um beijo nos lábios, um beijo rápido, pois queria
contar tudo.
— Estou feliz em finalmente poder lhe contar
sobre mim... — Confessou. — Alma sempre me
defendeu. Era para a cama dela que eu corria
durante a noite, quando estava com medo. Ela
fingia não gostar, mas eu sei que gostava de cuidar
de mim — havia muita ternura em sua voz. — O
dom de Alma estima ser o poder de controlar com o
tom de voz. As carcereiras chamam de hipnotismo
com a voz. Um dom muito útil, se me permite
opinar. Já Driana é a mais inteligente de todas nós.
Ela nunca luta com armas ou força física. Não, ela
não precisa. Às vezes irrita uma criatura com suas
palavras diretas ou seus discursos chatos, mas ela
não nota que faz isso. Tudo que sei na minha vida,
foi adquirido através de Driana, pois as fadas do

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Ministério do Rei não tem direito ao estudo. Nem


preciso dizer que o dom de Driana é a inteligência e
sagacidade. Isso enlouquecia as carcereiras.
Inclusive Zoé, a Guardiã, pois contra aos
argumentos de Driana não há quem possa se
rebelar! Você não iria gostar de entrar em um
debate com ela! Não mesmo!
— E a outra? A terceira fada? Como disse
que ela se chama? — Ele perguntou aninhado a
Joan, ouvindo sua história com um duplo
sentimento: desconfiança e interesse.
— Eleonora. Você iria achá-la tão linda,
Rowell. Toda branquinha, como uma nuvem no
céu... Lora é...
Sua intenção de conversar foi suprimida pelo
barulho de alguém destrancando a porta. Ambos
olharam para o intruso e Joan surpreendeu-se em
encontrar Matilde com a bandeja contendo seu

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almoço.
— É inapropriado que permaneça na torre,
Duque Mac William, enquanto sua noiva, a
Condessa, almoça sozinha, na única presença de
Alice.
Rowell pareceu querer enfrentar sua mãe por
conta da reprimida. Mas Matilde estava coberta de
razão. Não cabia a ele tentar se justificar,
principalmente quando cometia um engano que
poderia trazer consequências para todos que
dependiam de seu título.
Rowell fez um carinho discreto em Joan e
levantou da cama. Perto de Matilde, beijou a testa
de sua mãe e pediu:
— Seja gentil com Joan. Trate-a bem na
minha ausência. Estou colocando-a aos seus
cuidados, mãe, não a maltrate — era um pedido de
filho e não de duque.
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Até então, apesar de saber da afeição entre


eles, Joan ainda não testemunhara o carinho
dispensado por Rowell para com Matilde. Sorriu
com ternura diante dessa nova faceta revelada pelo
duque.
Antes de sair da torre, Rowell olhou-a uma
última vez e Joan lhe sorriu, esperando que ele
entendesse que não o odiava por não crer em suas
palavras. Afinal, se ela fosse humana e criada com
a mente fechada para tudo que é inacreditável,
também não acreditaria em histórias de fadas e
Guardiões.
Matilde esperou Rowell sair, fechar a porta
para colocar a bandeja sobre uma mesinha e mover-
se pelo quarto, aproximando-se da pequenina janela
onde havia grades.
— Sabe por que dessas grades? — Perguntou
com voz tensa, distante, perdida em lembranças

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enquanto tocava aquelas grades.


Pela expressa facial de Matilde as
lembranças não eram nada boas.
— William mandou instalar essas grades
quando fui trazida para cá, trinta anos atrás —
contou sem esperar por sua resposta. Olhou bem
para Joan e continuou — ele acreditava que estava
me protegendo. Eu não poderia pular em meio a um
surto de loucura.
— Acha que é por isso que Rowell me trouxe
para cá? — Perguntou triste.
— Olho para você e vejo a mim mesma. —
Disse Matilde. — Eu não estava louca. E você?
Está louca? — Perguntou com algo no olhar que
fez Joan sorrir e manear a cabeça.
— Encontrou o lenço, não foi? — Deduziu.
— Não. Eu espiei e vi quando a Condessa

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encontrou. Ela escondeu de mim e me mandou


cuidar da minha vida imunda. E outros tantos
palavrões que não cabe mencionar agora — disse
com amargor.
— Não deixa de ser bem feito que seja
tratada com o mesmo desprezo com que trata todas
as serviçais desse castelo — Joan disse em
disparada, sem medir se deveria ou não.
— Essas coisas existem. Eu me contradisse a
vida toda. Mesmo meu querido William achava que
tive um surto passageiro. Ele nunca acreditou em
mim. Mas eu sei que era real. O que vi era real.
Não é?
— E o que você viu? — Perguntou.
— Uma mulher parecida com qualquer
humana normal. Mas ela tinha asas amarelas,
longas e brilhantes. Ela saltou da murada mais alta
e cortou os céus voando alto. Eu deveria ter ficado
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quieta, mas o deslumbramento me fez contar para


todo mundo. Levou meses para que entendesse que
lutar contra o que diziam era pior. Foi Hector quem
me convenceu a calar-me. Depois de tanta
desgraça, eu deveria apenas me calar e me
desmentir. Cruel não é? — Ironizou.
— O que posso dizer? — Joan apontou a si
mesma com desdém e tristeza. — Zoé é uma fada
perigosa. Não deve confrontá-la, Matilde. Não
gosto de você, mas não quero que seja ferida por
Zoé.
— Anos atrás... Eu contei com ajuda para
reverter o jogo a meu favor — Matilde confessou e
o que parecia um sorriso surgiu na face de Matilde.
Era estranho vê-la sorrir. Parecia que a
humana não sabia como fazer isso. Sua expressão
suavizava quando lidava com o filho e os netos,
mas nunca um sorriso verdadeiro.

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— Eu descobri o que acontecia e tive ajuda


para mudar tudo. Agora eu me pergunto se a
história deve se repetir. Se eu devo ajudá-la a
reverter o que acontece contra você.
— E porque não? Se eu ficar trancafiada
aqui, em algum momento Rowell cederá as
pressões e casará com Zoé. Ela faria isso pelo
capricho de me punir. É isso que você quer? Zoé
infernizando seus passos e corrompendo seus
netos? — Joan estava sentada na cama. Afastou os
cabelos do rosto, olhos brilhando com sinceridade.
— Podemos nos odiar, mas nem mesmo você pode
negar o meu amor por Rowell. Eu o amei, Matilde,
naquele corredor, escovando o chão e ouvindo a
voz dele pela fresta da porta do quarto... Eu o amei
no momento em que o vi. E amo tudo que vem
dele. Amo seus filhos, seu ducado... Eu acho que
poderia até amar você, se parasse de usar aquele

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maldito cajado e parasse de infernizar todo mundo!


— Não resistiu a uma pequena provocação.
— Hector me ajudou muito. Ele me
convenceu a parar de tentar convencer os outros
que eu estava certa. Acho que não sabe, que
ninguém mais lembra, mas éramos muito amigos.
William, o pai de Rowell, Hector, o cozinheiro,
Anesi a pajem que me acompanhava. E eu, vinda
da vila para em casar com o duque. Ele me viu em
uma visita aos aldeões. Eu vivia com minha família
e lavorávamos o trigo. Foi de longe, eu o vi de
longe... — Matilde queria dizer mais do que isso.
Apaixonara-se pelo pai de Rowell ainda sem
contato algum, como aconteceu entre Rowell e
Joan.
— Anesi deve ter sido uma bela mulher antes
de ser transformada em coelho. — Pela surpresa de
Matilde, ela sabia que acertara em cheio em falar

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sobre isso. — Deve ser tão doloroso perder a


chance de ser a verdadeira esposa do duque, e ainda
perder sua melhor amiga, pois um coelho não conta
como boa amizade. Se eu perdesse uma das minhas
amigas... Não sei o que faria. — Disse pesarosa. —
Talvez eu possa ajudá-la, Matilde. Quando tudo
isso acabar, sei que minha amiga Driana pode
encontrar algo em seus estudos para ajudar Anesi.
— Existe mesmo um mundo lá em cima,
naquelas montanhas distantes? — Matilde
perguntou olhando pela janela, provavelmente em
dúvida sobre a própria sanidade, por considerar as
palavras de Joan.
— Me ajude e quem sabe um dia eu a levo
até lá com minhas asas — Joan barganhou.
O modo como Matilde a olhou era
controverso. Parte sua admirava a criatura diante de
si, outra parte repudiava.

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— Eu não quis ver, mas eu sabia o que você


era. Desde o dia que coloquei meus olhos sobre sua
carcaça magrela, eu soube quem você era. Ainda na
vila, eu não sei porque a trouxe comigo.
— É claro que sabe. — Joan duvidou,
arrumando a gola da camisola, levantando-se, para
se aproximar de Matilde. — Porque me trouxe para
o forte?
Matilde olhou-a fixamente. Por fim admitiu:
— Seu olhar. Eu vi o medo em seu olhar, o
desamparo. Fui por isso que a trouxe mesmo indo
contra tudo que acredito.
Nenhuma das duas estava feliz com a
revelação. Nenhuma das duas queria ter razões para
gostar uma da outra.
— Existe uma saída da torre, que não passa
pelos vigias que Rowell colocou para protegê-la. —
Finalmente Matilde disse. — Foi por onde eu
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entrava e saia da torre durante os meses em que


fiquei presa, sendo cuidada. — Ironizou.
— Me tire daqui, Matilde, e eu poderei obter
minhas asas — Joan disse com olhos brilhantes. —
Eu preciso ver Hector.
— Por quê? — Matilde duvidou,
desconfiando dela.
— Porque ele pode me ajudar a tirar Zoé do
castelo. — Disse empolgada com uma ideia que lhe
vinha à mente — mas primeiro precisa me ajudar a
sair do castelo. Para bem longe de Zoé.
— Eu devo estar realmente louca para
considerar a possibilidade de ajudá-la — disse
Matilde percorrendo o chão com um dos pés. Até
encontrar o som oco que indicava a saída secreta.
Curvou-se no chão e tateou o tapete,
afastando-o, revelando o alçapão.

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Joan juntou-se a ela, e juntas puxaram a


pesada portinhola. Era estreito, apertado, e Matilde
disse:
— Siga sempre reto. Quando encontrar uma
porta, aguarde, eu irei buscá-la.
Era perigoso confiar em Matilde. Ela poderia
simplesmente colocá-la em uma armadilha. Mesmo
assim, acenando, Joan entrou.
Desceu uma escadinha apodrecida. Trêmula,
quando seus pés tocaram o chão de pedra, ela
respirou aliviada. A escuridão era total. Assustada,
tateou as paredes sujas lutando contra o nojo e
asco, usou disso para se guiar pelos caminhos
estreitos.
Depois de muito tempo, quem sabe horas,
Joan chegou a uma barreira. Uma parede. Depois
de procurar muito encontrou uma maçaneta. Era a
porta que Matilde se referira. Lutando contra o
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desespero por estar sozinha na escuridão total,


ajeitou-se no chão e ficou esperando por Matilde.
E foi a mais longa espera de toda sua vida.

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Capítulo 27 — Anjo caído

Um pequeno sorriso estampou os lábios de


Driana enquanto observava Acheron lidar com as
roupas humanas. Ele movia os ombros largos sem
parar e parecia irritadíssimo com as tiras de couro
que prendiam a túnica na altura da cintura,
carregadas de pequenos bolsos e sacos. As roupas
do aldeão que lhe vendera bens humanos eram
muito pequenas para seu porte físico, muito
desconfortáveis. Ele andava agindo como a fúria de
uma fera presa em uma gaiola.
Ele olhou em sua direção e Driana tentou
esconder o sorriso, os longos cabelos negros, presos

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em muitas trancinhas, cobrindo parcialmente seu


rosto, enquanto ela fingia arrumar uma dobradura
em sua ampla saia, do vestido amarelo que usava.
Fazia de tudo, menos encará-lo.
Ela evitava um surto de riso e Acheron não
poderia culpá-la por isso. Enquanto Driana parecia
uma linda princesa vestida com roupas fidalgas
bem cortadas, realçando seus traços angelicais, ele
parecia um urso apertado em calças finas que
marcam lugares bastante indiscretos.
Afinal, porque os humanos precisavam usar
aquelas roupas constrangedoras?
A carroça havia finalmente chegado ao seu
destino. Acheron esperava que o aldeão que os
acompanhava negociasse a entrada. Ele olhou para
trás na carroça, onde escondido pelo feno à criatura
Mikazar mantinha-se silenciosa, pois sua aparência
física não passaria despercebida em nenhum lugar,

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muito menos entre os humanos.


— Espero que lembre que é uma entrada
rápida, Driana — ele disse com quase aviso na voz,
olhando para sua fêmea escolhida.
— O que quer dizer com isso, Acheron? —
Perguntou de boba, pois já imaginava a resposta.
Uma sobrancelha erguida no alto da testa que o
alertava sobre o perigo de continuar naquela
conversa.
— Você sabe. Sem ficar arrumando
desculpas para conhecer o povo e o método que
eles vivem. A ideia é entrar, pegar Joan e ir
embora. Sem estudos, sem conversas, sem
amizades — Acheron tinha a voz forte e ela
admirava o esforço que fazia para não ser ouvido
pelos humanos que ainda conversavam com o
aldeão que após algumas moedas de ouro ficara
bastante feliz em ajudar os forasteiros. — E sem

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arrumar nenhuma confusão que eu tenha que


resolver.
— Pois eu lhe digo o mesmo. Nada de usar
sua espada, brutamontes — ela alfinetou. — E
lembre-se que os humanos não alimentam o hábito
de rugir quando contrariados. — Devolveu na
mesma moeda.
— Não tenho intenção de me misturar aos
humanos ou agir como eles — Acheron avisou. —
Se fizesse isso, a primeira providência a tomar seria
deixar você e arrumar uma noiva nos moldes
humanos. Uma humana bonita e quieta. Bem quieta
mesmo.
— E como seria essa noiva, eu posso saber?
— Driana não conteve o ciúme imediato, perdendo
a noção da brincadeira expressa na afirmação.
— Ela seria apenas bonita. Sem conversas
desgastantes, sem desafios, sem argumentos.
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Apenas um corpo bonito e uma personalidade


submissa — o Guardião desafiou e ela afastou o
olhar, ridicularizando:
— Permita-me primeiramente o assombro de
ouvi-lo pronunciar as palavras' personalidade' e
'submissa' em uma única frase. Eu nem sabia que
seu vocabulário tinha esse alcance.
Um som parecido com um rugido de irritação
foi à resposta e Driana sorriu, inclinando-se no
banco de madeira da carroça onde estava sentada
ao lado do enorme elfo, segundo Guardião
Acheron, o príncipe fugitivo de longínquas terras
geladas.
Ela tocou sobre seu antebraço peludo,
coberto por pelos espessos e louros sob uma pele
morena de sol. O toque era quente e carregado de
sentimento. Mas parecia algo trivial, não fosse o
apelo de uma fada sob o autocontrole de seu macho

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escolhido.
Ela beijou seu queixo com afeição e
sussurrou:
— Nada de rugidos, Acheron. Nada de
rosnados, também. — Atiçou e quando o elfo virou
o rosto e fixou os olhos nos seus, Driana quase
abandonou a intenção de irritá-lo. Aquele elfo era
poder puro, e ela acariciou o lugar onde sua mão
repousava. Tornou a ajeitar-se no assento com o
coração acelerado, a circulação sanguínea
enlouquecida.
Era por causa dessas e outras, que alguém
como ela se perdeu por um elfo selvagem e sem
grandes apegos a literatura ou estudo. Quando os
corpos e os olhos se encontravam, qualquer
pensamento sumia. E ela ainda achava isso
perigoso.
Ainda bem que haviam resolvido as
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pendências entre eles e em breve se casariam. O


pequeno sorriso no rosto da fada de cabelos negros
e franja sobre os olhos, sempre despertava
curiosidade em Acheron. Se Driana estava
pensando sobre ele ou principalmente, se ela estava
pensando sobre os dois.
Depois de dividirem-se em dois grupos,
Acheron e Driana havia seguido para o forte Mac
William e o pai e irmãos de Driana para o Vilarejo
sem Fim, onde encontrariam Alma e Solon.
A angústia de saber sobre Alma havia
chegado ao fim quando Mikazar trouxera o recado
do vilarejo contando sobre Alma e sua parceria
com Solon. Eles vivenciavam algo grandioso por
aqueles lados, e Driana mal podia esperar para
juntar-se a amiga e conhecer seu trabalho mais a
fundo.
Sentimento esse que se estendia a Eleonora,

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principalmente a Joan. As suspeitas de que Joan


estaria no castelo se acentuaram quando eles
ouviram falar sobre uma amante do duque Mac
William.
Os boatos e fofocas pareciam ser costumeiros
entre os humanos, tanto quanto eram entre as fadas
e elfos. Supostamente o Duque possuía uma amante
ruiva e delicada, bonita e encantadora,
recentemente chegada ao castelo para trabalhar
como criada. Que as brigas entre Matilde, a
governanta do duque, intitulada pelas más línguas
como mãe verdadeira do duque, tratavam de tortura
e escândalos assombrosos.
Como dissera Acheron "onde há fumaça, há
fogo". Com sorte encontrariam Joan de uma vez,
poderiam as quatro se reunir outra vez e esquecer o
passado de sofrimento!
Com esperança aliada a expectativa, Driana

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sorriu para Acheron quando os portões do forte


foram erguidos e a carroça foi conduzida para
dentro.
Sua pequena Joan, pensou Driana
emocionada. Mal podia esperar para segurá-la em
seus braços e jurar-lhe que tudo ficaria bem, que
estava finalmente protegida!
O que Driana não sabia, era que a pequena
Joan não era mais tão desprotegida assim.
Assustada, talvez. Mas desprotegida não.
Desde que aprendeu a revidar, Joan não queria e
não aceitava mais ser desprotegida. De olhos
fechados, Joan ignorava a escuridão total, e torcia
para não ter sido abandonada por Matilde.
Horas se passaram e quando ouviu barulho
vindo de fora, do outro lado daquela porta sentiu
um alívio inexplicável.
— Matilde? É você? — Sussurrou, esperando
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a confirmação.
— E quem mais perderia tempo precioso
para ajudá-la? — Foi à resposta enviesada que veio
abafada pela barreira que era a porta de madeira.
Sim, tanta doçura só poderei remeter a
Matilde. Sempre adorável, pensou Joan, irônica.
Tensa, Joan aguardou que a velha fechadura
sucumbisse à pressão exercida pela chave e os
empurrões de Matilde. Aquela porta deveria estar
trancada, os corredores sem uso, há no mínimo
trinta anos.
Ao finalmente ver a carranca desagradável de
Matilde, Joan quase abraçou a megera, tamanho era
o alívio que sentia.
— Acha mesmo que Hector concordará? —
Perguntou Joan seguindo os passos da governanta.
Matilde a levou por corredores estranhos até

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desembocar em outra porta.


— Hector não tem escolha. Você é um
problema que precisa ser extirpado.
— Espero que com isso esteja tentando dizer
que sou alguém merecedor de ajuda. — Corrigiu
Joan.
O modo sujo como Matilde a olhou lhe deu
uma pista significativa do que pensava sobre o
assunto. As duas deixaram a despensa, por uma
passagem secreta. Joan foi a primeira a avistar
Hector.
O humano cortava legumes para o jantar
enquanto seu coelho repousava aos seus pés. Ao
vê-las, parou de trabalhar e disse:
— Imagino que a história esteja se repetindo
— a expressão do cozinheiro era bastante óbvia,
principalmente ao reclinar-se na cadeira, sua túnica
mal contendo sua enorme barriga — o que as duas
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querem comigo? Da última vez perdi meus


melhores amigos. — Disse com pesar na voz e na
postura. — E também perdi Anesi.
— Desta vez é diferente, Hector! A história é
igual, mas lhe garanto que o final será diferente!
Joan aproximou-se de Hector e ajoelhou-se
no chão, ao lado de Anesi e pegou o coelho nos
braços.
— Olhe para ela, Hector. O que fizeram com
Anesi no passado pode ser desfeito! Eu ainda não
sei como, mas sei que a resposta está no mundo
mágico, o mundo de onde eu vim! — Prometeu.
Para sua surpresa, o homem retirou o coelho
de suas mãos e levantou-se levando o animal para
longe, como quem deseja protegê-lo.
— Não me contou que é uma fada — Hector
acusou.

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— É claro que não. Você acredita que as


fadas são más. E eu não posso mudar seu
pensamento com palavras. Apenas ações. Me ajude,
Hector, eu posso provar que existem fadas
bondosas! Por favor! — Apelou para o emocional
do homem, com súplica no olhar verde.
— Você está nisso, Matilde? — Ele apontou
Joan, como quem cobra da humana uma posição.
— O que posso lhe dizer? É minha chance,
Hector, de provar que nunca estivesse louca. Além
do mais... O que você prefere? Essa coisa como
senhora do forte ou a outra? A condessa?
Joan ignorou que era chamada de 'coisa' e
esperou que Hector pensasse por um instante.
— E o que eu tenho que fazer? Cortar a
garganta daquela cobra com minha faca? — Ele
satirizou, pois estava cheio das ofensas de Zoé, a
suposta condessa. Cheio de suas reclamações de
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que a comida parecia lavagem.


— Não, não precisará tanto! — Joan sorriu e
o abraçou em um impulso. — Obrigada, Hector,
obrigada por acreditar em mim! Eu farei tudo que
puder por Anesi! Eu lhe juro isso!
— Diga a ele o que tem em mente — Matilde
cortou seus agradecimentos, impaciente. — Precisa
voltar para torre antes que deem por sua falta!
— Está bem, está bem! — Joan revirou os
olhos, pois Matilde era extremamente desagradável.
— Eu preciso que coloque algo no chá de Zoé.
Algo que a faça dormir como uma pedra.
— Hum, a cobra gosta de beber leite morno
antes de dormir. Posso colocar uma coisinha ali...
Que a fará bastante calma por algumas horas — ele
disse em tom conspirador, piscando para Joan que
sorriu-lhe.
— Eu sabia que podia contar com você,
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Hector! Eu posso ver o tamanho do seu coração! É


imenso! — Elogiou emocionada. — Precisa ser
essa noite.
— E assim será — ele prometeu, o olhar
triste para seu coelho Anesi.
O cozinheiro não falaria sobre a esperança de
salvar sua amada Anesi. Não, ele não falaria sobre
isso. Apenas a incentivava com ajuda. Era o certo a
fazer, pois Joan carregava no olhar um brilho de
vida e bondade que o cativou desde o primeiro
instante em que a vira!
— Vamos de uma vez, você tagarela sem
parar — reclamou Matilde pegando-a pelo braço,
preocupada sobre alguém aparecer e flagrá-la na
cozinha.
— Estou indo — Joan reclamou ao ser
empurrada sem gentileza alguma para a despensa,
por onde entraram novamente na passagem secreta.
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— Está noite eu preciso sair do castelo antes


de pegar Zoé. Sabe como eu posso fazer isso? —
Perguntou para Matilde, seguindo-a pelos
corredores escuros.
— Eu sei todos os caminhos para dentro e
fora desse forte — a mulher disse com a voz brava
de sempre.
— Hum, eu deveria ter puxado seu saco para
ser sua amiga. Seria mais vantajoso — Joan
brincou e o modo como Matilde a olhou, fez Joan
sorrir.
— Quando escurecer, após o jantar irei
buscá-la. Não saia sem mim. Se o fizer, não venha
atrás de ajuda quando fizer tudo errado — Matilde
avisou.
— Porque você é assim tão malvada comigo?
Com todas as serviçais? — Joan perguntou
enquanto seguia a mulher pelos coredores. —
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Afinal, o que fizemos para você?


— Nada — Matilde não olhou em sua
direção — vocês nunca fazem nada. São apenas
ratos traiçoeiros espiando a vida de seus senhores e
depois os apunhalando pelas costas. Agora vá, não
quero que notem sua falta e me culpem por isso.
— Como se Rowell pudesse repreendê-la. Se
quer saber, ele é um santo em aturar tudo que você
faz e ainda paparicá-la. — Joan enfrentou Matilde.
A governanta a fez parar e segurou seu braço com
força:
— Lave a boca quando falar sobre o meu
filho — ela avisou — Eu não estou ajudando você.
Eu estou me livrando da condessa. Lembre-se
disso: quando tudo acabar será a hora de nós duas
colocarmos nossos assuntos em dia.
— Não temos assuntos em dia. Suas cartas
estão com Zoé, você pode pegá-las de volta quando
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nos livrarmos dela. E depois... — Joan baixou os


olhos envergonhada pelo que diria — eu irei
embora.
— Embora? — Matilde a soltou, surpresa
pela confissão.
— Meu mundo está correndo perigo. Eu
preciso avisar algumas fadas queridas que possam
salvar a rainha Eleonora — era estranho referir-se a
sua amiga como rainha, mas sua mente era treinada
para atentar-se ao respeito que seu rei merecia. —
Depois eu volto. Não sei quando. Mas volto.
— É claro, como uma peste a envenenar a
todos nós: você volta. — Matilde ofendeu e Joan
nem se deu ao trabalho de responder.
— Eu dou conta do alçapão. Você pode ir
agora — dispensou Matilde, pois definitivamente
não estava com disposição para aturá-la mais do
que o necessário!
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O olhar de Matilde lhe prometia represália.


Em breve as duas se enfrentariam. Dois inimigos
aliados em nome de uma única causa em comum?
Isso não pode prestar.
Lutando para expurgar a angústia, Joan
encontrou a escada, o alçapão e voltou para o
quarto na torre. Precisou trocar as roupas sujas pela
imundice dos corredores e deitar-se, pois estava
cansada.
Exaustão total. Suas costas doíam muito,
onde as asas lutavam para sair. Ela virou-se de lado
e tentou descansar um pouco, pois mais tarde
haveria uma longa luta por sobrevivência e ela
esperava ser a vitoriosa.
Era hora de Zoé pagar o mal que lhe fazia e
só de pensar nisso... Um sorriso pairava em seus
lábios.
*****
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Rowell observava a entrada dos forasteiros


em seu forte. A desculpa esfarrapada não lhe
convenceu, mas ao ouvir que a jovem procurava
por sua irmã perdida, chamada Joan, ele não
pensou duas vezes em deixá-los entrarem. O
homem era absurdamente alto e largo. Tantos
músculos que era impossível imaginar um trabalho
normal que pudesse lhe dar essa complexidade
física. Louro da cabeça aos pés, moreno do sol,
bonito como poucos homens que Rowell conhecera
na vida. Era impossível não reparar.
Chamava-se Acheron. Sem títulos, sem
referência ao seu nascimento ou terras. O que era
estranho. A jovem era pequena, simplória, bonita,
mas nada exagerado. Contrastava imensamente
com o homem cabeludo, pois era mais baixa e
observava a tudo com olhar interessado. Ela vestia
um longo vestido amarelo com uma pesada capa

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que cobria suas costas.


Rowell afastou o pensamento insistente sobre
a desnecessidade de uma capa como aquela.
A jovem pegou no braço do gigante, mas ele
não parecia entender que queria lhe dar o braço. Ela
disse algo baixinho que o irritou, e o gigante pegou
seu braço e enganchou no dela. Então a jovem
sorriu e continuou a andar, bastante satisfeita em
ser atendida.
Quando chegou diante do Duque Mac
William, que os aguardava em frente à porta
principal do castelo, em frente à escadaria, os dois
se curvaram em um comprimento desajeitado.
— Seu nome — Rowell apontou a jovem,
sem saber por que seu sexto sentido lhe dizia para
ter cuidado.
A jovem olhou para seu acompanhante e
abriu a boca para falar, quando foi interrompida
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pela chagada inesperada da Condessa.


Zoé aproximou-se e pousou uma das mãos no
ombro de Rowell. Seu sorriso morreu em sua face
no instante em que viu Acheron. Retirou a mão,
como que queimada por fogo. Então ela olhou com
verdadeiro horror para a jovem.
— Me chamo Driana. — A moça disse
olhando fixamente para Zoé. — Vim em busca da
minha irmã. Chama-se Joan. Na vila disseram que
uma jovem deste nome vive nesse forte sob a
proteção do duque... — Olhou com carinho para o
gigantesco homem que parecia desconfortável ao
seu lado. — Nós viemos de longe. Venho reclamar
o direito de levar minha irmã comigo para casa.
— Joan — ele pronunciou o nome com
pesar. Baixou os olhos, pensando sobre a jovem.
Driana era seu nome.
— Driana? — Ele verbalizou seu nome e
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então perguntou — a jovem capaz de decorar uma


biblioteca inteira em um único dia? — Revidou,
sondando.
— E também, capaz de enlouquecer um
santo com seu palavreado inacabável — Acheron
completou.
Driana retirou o braço do seu e olhou-o com
seriedade e irritação.
— Pelo visto minha irmã falou de mim. —
Driana sorriu. — Eu posso vê-la?
Apesar de falar com o duque, os olhos da
mulher estavam grudados em Zoé. Elas se
conheciam.
— Onde ela está? — A jovem avançou um
passo como se pretendesse invadir o castelo e
procurar sozinha por todos os cômodos. — Joan?
— Driana elevou a voz, como se esperasse ser
ouvida. — Onde está ela?
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— Joan não está aqui. Porque não entram e


se juntam a minha família no jantar? Gostaria de
ouvir a história de vocês — Rowell disse com
seriedade.
— Não — Driana começou a se exaltar. —
Eu sei que ela veio para esse ducado como amante
do duque! Joan não é assim! Onde ela está?
O homem louro a segurou por trás e apenas
isso a impediu de entrar a força no castelo. Ela
olhou para trás e se calou, pois o homem tinha
poder de decisão sobre ela.
— Ignore o descontrole de Driana. Muito
tempo na estrada, ela precisa de um copo de água e
algum tempo de descanso. — Acheron argumentou,
com um olhar de aviso, que dizia para ela se calar.
— Onde esta a jovem?
— Como eu disse, o jantar seria uma ótima
oportunidade de conversarmos sobre Joan.
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Driana não queria conversar. Não mesmo.


Ela olhou para Acheron cobrando dele uma atitude.
Era irracional para alguém como ela. Era a primeira
a concordar que o elfo não podia simplesmente
retirar a espada da cintura e obrigar os humanos a
contarem do paradeiro de Joan, mesmo assim,
olhava para Acheron como se lhe cobrasse essa
atitude!
O duque Mac William adentrou as portas do
castelo e ficou claro que deveriam segui-lo.
Remoendo a raiva e o medo, Driana passou
pertinho de Zoé e disse aos sussurros:
— Se eu souber que você feriu Joan... Eu
nem sei o que faço, mas eu faço. — Era um aviso
desesperado de quem não sabe ameaçar, mas sabe
que não aceitará uma tragédia sem lutar.
— Onde esta a fada fugitiva, Zoé? — Como
Segundo Guardião, Acheron detinha o poder de

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inquirir a quarta em hierarquia.


— Porque está aqui com essa fada assassina?
— Zoé perguntou de volta, olhos arregalados,
injetados de ódio.
— As fadas foram inocentadas. Eleonora é
rainha agora — ele disse com voz decidida.
— Isso é impossível — Zoé disse e virou as
costas para os dois, seguindo o duque.
— O que esse animal fez com Joan,
Acheron? — Driana ficou parada no mesmo lugar
perguntando com a voz carregada de angústia.
— Não aconteceu nada de ruim com sua
amiga. Creia no que digo. Zoé não é tão ruim
quanto todos pensam.
— Ela é pior — disse Driana, seguindo-os
pelo castelo.
Não reparou na construção de pedras, nas

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esculturas ou no trabalho bonito de tapeçaria.


Muito menos no caprichado jantar.
Bebeu muita água, pois estava com sede.
Sentou-se ao lado de Acheron e fitou a comida sem
apetite. Apenas o duque e Zoé na mesa, além dos
dois.
— De onde vocês disseram que vieram? —
Rowell perguntou, olhar fixo no gigante.
— Não dissemos de onde viemos — foi
Driana quem respondeu por ele. — Eu não vou
ficar de brincadeiras. Quero minha amiga de volta!
— Amiga? Não era irmã?
A pergunta calmamente feita pelo duque
desconcertou Driana por um segundo. A emoção de
estar perto de ter Joan em seus braços novamente
depois de tanta aflição a tirava da sua natural
concentração.

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Ela não sabia que Rowell estava cansado


daquelas mentiras sem fim. Zoé, Joan e agora
Driana.
Lembrava-se do modo carinhoso que Joan
contava sobre Driana, mas lembrava-se também das
mentiras de Zoé sobre Joan ter assassinado suas
irmãs.
Irmãs, amigas, o que eram afinal? Confusões
de uma mente perturbada? Perseguidoras
perigosas?
Ele somente sabia que protegeria Joan de
todos, até mesmo daqueles forasteiros.
Driana ocupou a boca com vinho, temendo
dizer a coisa errada.
— A jovem se encontra em seu poder, duque
Mac William? — Foi Acheron que tomou à
dianteira. Por mais que machucasse o orgulho
feminista de Driana, ele sabia sim como lidar com
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esse tipo de negociação. — Possuo ouro suficiente


para compensar sua perda.
Sim, comprar uma fêmea, fosse humana ou
fada, irritava profundamente Driana. E pelo visto o
duque também se ressentia disso.
— Joan está na vila, eu não sei por que
vieram até aqui. Ela foi deixada na casa de uma
tecelã. Perderam a viagem vindo até aqui. Não
somos amantes, a pobre menina não serviu para
criada. Tem saúde frágil — ele mentiu, e odiou-se
por isso.
— Eu poderia ver suas criadas? Uma a uma?
— Perguntou Driana a queima-roupa.
Rowell sorriu para ela ao dizer:
— Não. Espero que aproveitem o jantar e
desfrutem do alimento — levantou da cadeira e fez
sinal para a aproximação de dois escudeiros. —
Espero que tenha uma boa viagem de volta à vila.
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Era a última palavra do duque. Furiosa,


Driana chegou a levantar para brigar, mas o modo
como Acheron segurou seu pulso a fez parar.
— Isso é verdade? — Acheron perguntava
para Zoé enquanto fazia Driana sentar-se
novamente.
— Eu não sei. Eu não sei de mais nada. A
última vez que pus meus olhos sobre a imunda
fugitiva da clausura, ela estava presa na torre.
Depois, eu não sei. Do jeito que Rowell é
apaixonado por ela e protetor... É bem capaz de ter
levado-a embora por uns tempos. Ele não faria mal
para a ratinha. Apegou-se a ela.
— Como pode uma Guardiã falar desse
modo sobre uma fada desprotegida? — Driana
perguntou com asco. — Eu tenho nojo de você.
Quando tudo isso acabar, irá entender-se com a
rainha. E sabe o que a aguarda, não é? Eleonora

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elegeu Egan como seu rei. Tudo mudou. Você


pagará por suas ofendas e por cada chaga que
causou em Joan! Isso não é uma ameaça, é uma
constatação! — Empurrou uma das taças de metal
com a mão, sem querer, mas esta rolou para o chão
e caiu, esparramando o vinho sobre o chão de
pedras. Nervosa, Driana escondeu o rosto nas mãos
e ficou calada, enquanto tentava se controlar.
— As quatro fadas passaram o inferno de
provação por conta das mentiras de Santha. É nosso
dever protegê-las, Zoé — Acheron afirmou
mediando-a de alto a baixo com desgosto. — Olhe
para si mesma, rancorosa e amarga. Disputando a
atenção e afeição de um humano que não a quer?
— Não fale do que não sabe Acheron! —
Zoé levantou furiosa.
— Não sei? Eu reconheço o cheiro de uma
fêmea interessada por um macho à distância! —

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Ele também levantou. — Troque essas roupas, vista


sua armadura e limpe essa cara pintada como as
humanas! Você é uma Guardiã!
— Não, eu sou mais do que isso. Eu tenho
um coração, sabia? — Ela jogou de volta. — Não,
você não sabia. Você nunca reparou em mim!
Nunca! Sempre atrás das fadas delicadas e
sorridentes! Sempre pensando em aceitar os
convites de Tobias e casar-se com uma das fadas da
clausura, enquanto eu estava ao seu lado
trabalhando e vivendo o pior da vida ao seu lado!
— De novo esse assunto Zoé? — Acheron
reclamou, olhando para Driana, meio sem jeito. —
Houve um tempo em que pensamos em casamento,
mas era algo conveniente para nós dois. —
Explicou.
— Eu acho que vou vomitar — disse Driana
com nojo. — Dormiram juntos?

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— Não vou embora — Zoé negou


imediatamente. — Eu gosto de estar aqui. Não
quero ir embora!
— Eu nem vou discutir isso. Temos uma
missão a cumprir. Depois você vai para a onde
quiser e faz o que bem entender da sua vida! —
Disse Acheron — mas agora, vai trocar essa roupa
e nos acompanhar ao vilarejo atrás de Joan. Não é
um pedido, é uma ordem do seu imediato superior!
Zoé engoliu em seco, e pareceu decidir se
queria ou não entrar nesta luta.
— Eu quero ir agora — disse Driana — Se
Joan está na vila escondida eu quero achá-la o mais
rápido possível! Está Guardiã — o modo como
disse e olhou para Zoé era bastante ofensivo e
demonstrava toda sua revolta — pode nos encontrar
lá.
Claro, Acheron não ousaria irritá-la ainda
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mais. A pressa de Driana em encontrar sua amiga


não poderia ser contrariada pelos desmandos de
Zoé, ou pelas pendências do passado entre eles.
Obedeceu a sua fada escolhida e a seguiu
para fora do castelo.
Algumas horas mais tarde estavam de volta à
vila.
Zoé subiu para seu quarto no castelo e
arrasada arrancou parte do vestido, ficando apenas
com o corpete apertado e a saia fina que usava por
baixo. Seus cabelos longos e cheios estavam soltos
e ela esmurrou a porta logo depois de despir as
roupas, gritando de ódio.
Santha a enganou. Enganou a todos eles! As
fadas do Ministério do Rei eram inocentes! Como
isso pode acontecer? Ela nunca se enganava com as
criaturas! Porque esse ódio todo para com a fadinha
Joan?
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Sufocando a fúria contra Santha, contra seu


plano ardiloso, Zoé arrastou-se até a cama e deitou,
mordendo o lábio para não chorar e ser fraca. Ser
enganado doía terrivelmente. Ainda mais para ela,
que somente foi aceita como Guardiã porque a
rainha Santha intercedeu em seu favor e convenceu
seu rei de que uma fêmea como Guardiã poderia ser
produtivo para a segurança!
Sufocada com as próprias emoções, o que
não era muito habitual para Zoé, levantou e andou
pelo quarto, o belo corpo cor de ébano seminu,
coberto por curvas generosas e longilíneas. Acuada,
não sabia exatamente o que deveria fazer.
Avistou o copo de leite, que ordenara que as
criadas colocassem em seu quarto todas as noites, e
bebeu avidamente, pois sentia sede e isso a
reconfortaria.
Em meio ao turbilhão de emoções, não notou

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de imediato que havia algo estranho. Seus olhos


ficaram sem foco. Sua respiração foi perdendo
força, seus pensamentos embaralhando e quando
notou estava caindo ao chão, como uma fruta pobre
cai do pé.

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Capítulo 28 — Avalanche de estrelas

Joan esperava pela vinda de Matilde com


expectativa. Sentia suas asas, agora recolhidas em
suas costas, e sorria. E foi assim que a governanta a
encontrou.
— Está sorrindo — ela reclamou, como se
qualquer tipo de felicidade vinda de Joan a
incomodasse profundamente.
— Sim, eu não preciso sair do castelo, acho
que Zoé está sem o domínio de seu dom, porque
minhas asas voltaram! — Sua felicidade era
genuína.
— A cobra está no quarto. É provável que o
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sonífero tenha sido bebido e esteja desacordada.


Precisamos ir — Matilde tencionou abaixar-se em
busca do alçapão que conduzia para a passagem
secreta, mas Joan fez o mesmo e tocou sua mão
impedindo.
— Não é preciso, Matilde — disse com algo
no olhar que impediu que a mulher reclamasse. —
Fique perto, eu a levarei ao meu lado.
— Irão nos ver — Matilde alegou,
ressabiada.
— Não, eu estou novamente com o domínio
do meu dom. Ninguém nos verá. Andaremos
livremente pelo castelo. — Explicou e manteve
uma das mãos de Matilde sobre seu ombro. —
Assim, verá que é a forma mais adequada de andar
pelo castelo em nossa situação.
— Eu... — Matilde achava que a jovem era
louca. Agora estava confirmando isso!
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Mesmo assim, as duas saíram da torre.


Andaram pelos corredores livremente, até passarem
por Molly e por Liara que levava pela mão o
pequeno Marmom. Elas passaram bem ao seu lado,
e não a viram. Menos Marmom que podia farejá-
las. Matilde estava tensa, mas Joan explicou:
— Marmom não pode nos ver, mas fareja
meu cheiro de fada. É algo da nossa raça. As
criaturas mágicas se farejam.
— Meu neto é humano. — Matilde disse com
a proteção de uma leoa diante de sua cria.
— Não, ele não é. E jamais será feliz entre os
humanos. Sua raça é peculiar, Matilde. Marmom
não é filho de Rowell ou da duquesa Sophie. Ele
tem uma mãe, que chora sua falta e faz de tudo para
protegê-lo, mesmo que a distância. Vai chegar o
momento em que a verdade virá à tona e você deve
apoiar Rowell e não causar-lhe mais sofrimento!

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Como esperado a represália a Matilde a fez


soltar de Joan e acelerar o passo. Ninguém
estranharia vê-la andando livremente pelos
corredores. Estressada com Matilde, Joan acelerou
o passo e a encontrou diante da porta da condessa.
As duas entraram e Joan sorriu ao ver a Guardiã
caída no chão.
— Eu deveria ter pensando nisso antes, teria
me livrado dessa daí bem mais cedo... — Disse
pensativa, olhando para Zoé com nojo. — Ela está
apenas adormecida, não é? — Perguntou
abaixando-se para checar se respirava.
— Sim... Oh, Deus — Matilde continuava de
pé, apoiando as costas na porta fechada, encarando
a imagem da fada caída no chão.
Mais precisamente encarando suas asas.
— São lindas, não é? — Joan tocou as
estruturas rugosas, macias, e sorriu. — É uma pena
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que Zoé desperdice tanta beleza sendo amarga. —


Era uma contemplação melancólica da realidade.
— Eu nunca pensei que veria uma criatura
dessas assim... Tão de perto. — Matilde confessou,
sua face lívida de sentimentos contraditórios.
— Você precisa ver as asas em
funcionamento. Se tudo der certo... Posso trazê-la
de volta para o castelo voando. — Prometeu e
gostou de ver a expressão de Matilde mudar de
total amargura para uma esperança quase infantil.
— Você voa? — A pergunta era boba, mas
Matilde era humana e fazia sentido em sua cabeça.
— Sim, agora vamos levá-la antes que
alguém apareça. — Pediu Joan ocultando o sorriso.
Com cuidado para não machucar a Guardiã,
agarrou por baixo de seus braços e Matilde pelos
pés. Ergueram-na. Era pesada e Matilde blasfemou
com rancor:
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— Como pesa essa cobra.


— Fada — corrigiu Joan tentando sorrir. —
Cobras não voam.
— Mas abutres sim — Matilde corrigiu.
Joan sorria enquanto mantinha seu lado
perigosamente perto do chão, pois lhe faltava força
física para carregar Zoé e ainda manter intacto a
camuflagem que induzia olhos alheios a não verem
nada além de corredores vazios enquanto
percorriam o castelo e tiravam Zoé de lá.
Felizmente Matilde não mentira sobre
conhecer muitos caminhos secretos para sair do
castelo. Horas mais tarde, finalmente deixaram a
carcaça de Zoé no meio do mato, a um quilômetro
do castelo. Exausta, Joan apoiou-se na primeira
árvore que encontrou e quase tombou para o chão,
puxando ar, pois estava a mercê de um desmaio.
— Precisamos voltar — Matilde estava
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coberta de suor, mas em melhor estado que Joan —


Ela está acordando!
Joan olhou para Zoé e sorriu. Aproximou-se
e agachou-se diante dela, virando com delicadeza
seu rosto moreno, para que a visse. Por olhos
marejados e nublados ainda envolvida pelo
sonífero, Zoé a enxergou e o medo tomou conta de
seus olhos.
— Sim, sou eu, Zoé. A ratinha imunda que
você pode destruir com o poder de suas mãos.
Sabe, o que você fez comigo não tem perdão. O
medo, a coação, a perseguição. Você me deixou
com tanto medo que eu desejei desaparecer da face
da terra, e isso não é justo, pois o mundo pertence a
todas as criaturas vivas, e não a você. Eu fui
privada do meu dom, das minhas asas, pois eu não
podia contar com elas para me defender. E você?
Basta-lhe contar com asas e dom? Um dom de

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revelar me parece deveras inútil a menos que seu


oponente tenha algo a esconder... — Zoé tentou
pronunciar seu nome e afastar-se, mas Joan
segurou-a com força pela nuca e olhou bem dentro
dos seus olhos ao dizer. — Eu espero que aprecie o
sentimento. Que desfrute da sensação de
desamparo. Eu espero, que se torne alguém melhor
depois disso. Que saiba que do lado fraco também
há valor. — Sem remorso, retirou a tiara que cobria
a testa de Zoé e estendeu como um troféu para que
Matilde visse. — Um Guardião pode comandar sua
armadura, não importa quantos pedaços faltem.
Mas não uma fêmea. Driana me contou que as
fêmeas não possuem domínio total de suas
armaduras, por isso são raramente escolhidas. Eu
me pergunto... Sua armadura a obedecerá sem essa
tiara? — Viu o pânico infiltrar-se pelas sombras do
sono e levantou-se, levando consigo a tiara. — Eu
lhe desejo sorte, Zoé. Isto... — Olhou para a
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armadura. — Será um belo colar no pescoço de


alguma humana depois de derretido e vendido.
Com um olhar de prepotência, Joan virou as
costas e Matilde a seguiu, embora apenada dos
gemidos de Zoé que ainda afetada pela bebida
tentava, mas não conseguia revidar ou lutar.
Andando rapidamente, sem nunca olhar para
trás, Joan ouviu a pergunta de Matilde:
— Fará isso? Destruir essa coisa? —
Apontou a tiara nas mãos de Joan que sorriu, entre
um gemido que parecia um quase choro:
— Não. Eu nunca faria isso. Nunca. — Era
verdade. Entregaria aquele pedaço de armadura
para o primeiro Guardião que encontrasse ou para
Eleonora.
Mas não custava dar um susto em Zoé.
Lutando contras as lágrimas, contra um choro de
vingança e dor, pois lhe doía causar medo e coação
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a uma criatura viva, Joan parou e olhou para trás


como quem desejava voltar.
— Em minutos aquela cobra estará de pé e
virá atrás de você — Matilde alertou-a.
— Ela não poderá entrar no castelo sabendo
que estou com minhas asas sob meu domínio.
Todos notariam nossa briga. — Joan suspirou e
escondeu a joia nas vestes. Abriu apressada alguns
botões do vestido nas costas. — Nem todas as fadas
podem esconder suas asas como eu faço. Tem
ligação com meu dom. — Explicou olhando nos
olhos de Matilde enquanto sentia suas asas
escaparem de sua prisão.
Era um alívio sem precedentes. Algo que
para ela era normal, para Matilde era inacreditável.
— Então? Não vai dizer que minhas asas são
pavorosas? — Joan perguntou, sem querer admitir
que sua opinião lhe importava.
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— Se você casar com meu filho... Como


serão os filhos? Terão... Asas? — Matilde mal
respirava, vendo asas abertas e em toda sua glória.
Apesar de curtas, as asas de Joan eram inquietas e
belas.
— Eu não sei responder essa pergunta. Até
onde sei é imprevisível. Se a natureza favorecer
minha raça, as fêmeas terão asas, se forem machos,
terão orelhas pontudas, olfato e força acentuada.
Mas a raça humana pode ser favorecida e serão
crianças totalmente humanas. — Confidenciou.
— Isso não é aceitável — Matilde foi
taxativa.
— Eu imaginava que diria isso. — Joan
revidou incomodada em ser rejeitada por ser o que
era. — Voltará andando? — Perguntou com um
olhar esperançoso.
— Que Deus me ajude, eu quero saber como
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é... — Matilde olhou para o céu e então para as asas


de Joan. — Se você me jogar lá de cima... Eu nem
sei o que farei com você!
Joan pensou em apontar a incoerência de sua
frase, mas preferiu ignorar e bater suas asas
subindo o suficiente para estender os braços para
Matilde e a humana segurar-se em suas mãos e
pulsos.
Não foi um voo alto, Joan não possuía muita
força, mas foi o suficiente para encantar o coração
ferido de Matilde e levá-las de volta rapidamente
para o castelo.
Em sua empolgação, Joan não viu a carroça
que cortava a estrada, levando Driana e Acheron,
pois era prudente manterem o disfarce. De volta ao
castelo, Matilde apressou-se a sumir, pois não
queria lidar com a fada Joan. Decepcionada com
essa rejeição. Joan voltou para a torre. Naquele

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frenesi levou um susto ao descobrir que Rowell a


aguardava na torre. Ficou parada na porta,
encarando a figura solitária que observava o céu
através daquela pequena janela.
— Rowell — chamou baixinho. Camuflou
suas asas. Não sabia o que fazer.
Era assim, estava lívida diante dele.
O modo como o duque a olhava era de partir
o coração.
— Eu achei que tinha partido para sempre —
ele disse com algo no olhar que a fez culpada —
que houvesse desaparecido para sempre.
— Não, eu lhe disse que mesmo partindo,
ainda assim, eu voltaria. — Joan defendeu-se —
você me prendeu, Rowell. E não acredita em mim
quando digo que não estou louca. O que esperava
que eu fizesse? Ficasse aqui esperando Zoé tomar
tudo que é meu? Minha liberdade, meu humano, e
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minha vida? Não, eu precisava fazer alguma coisa


por mim mesma. O tempo de ser cuidada passou.
— Como eu posso ouvir esse tipo de coisa e
ainda acreditar em você? — Ele perguntou,
magoado. — Eu não sei em quem acreditar. Eu não
sei quem você é, Joan. Eu não sei. E mesmo assim,
algo me diz que isso não faz a mínima diferença. E
isso é loucura. Ou estamos ambos loucos ou ambos
sãos. Eu preciso saber da verdade.
— Rowell, eu não tenho tempo para lidar
com brigas. Eu descobri que muitas coisas ruins
estão acontecendo pelas nossas costas. Eu preciso ir
embora. Eu... Somente voltei ao castelo para lhe
provar minha palavra e mostrar quem eu sou.
Depois eu preciso partir.
— Isso não é justo, Joan. — ele aproximou-
se, mas Joan afastou um passo para trás e ergueu a
mão para impedi-lo de chegar mais perto — está

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me repudiando?
— Não. Eu estou dizendo que entrei em seu
mundo, Rowell, eu entrei sem pedir permissão e
sem avisar, eu menti e escondi quem eu sou, e isso
causou toda essa confusão. Agora, é justo que você
entre em minha vida, mas sabendo previamente
onde está se metendo. Se quiser me mandar embora
do seu coração depois que me conhecer como
realmente sou, eu vou entender. — Joan baixou os
olhos com receio. — Mentira, não vou entender.
Nem aceitar, mesmo assim, precisa ver com seus
próprios olhos ou nunca acreditará em mim!
Rowell enxergou a dor em sua face. Saber
que seu amor não é suficiente para que a confiança
seja absoluta.
— Joan, se eu não fosse um duque e não
possuísse uma família para proteger... Pessoas que
dependem de mim e da minha proteção... Eu não

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hesitaria um instante em acreditar em você. — Ele


a segurou, enlaçando os dedos nos seus, em sua
mão direita, olhos nos olhos. — Quem você é de
verdade, Joan? Apresente-se a mim, eu quero
conhecê-la.
Emoção embargou a garganta de Joan que
apertou sua mão com força e piscou, afastando a
emoção e as lágrimas.
— Lembra quando você me chamava de
‘fadinha’? O carinho que você usava para me
chamar assim? — Perguntou soltando sua mão,
andando pelo quarto, pensativa.
— As fadas são pequenas e delicadas, não
são? Como você. Elas cabem na palma da mão e
possuem asinhas coloridas. Eu já li contos de fadas
para que Alice dormisse. E também, as fadinhas
sorriem como se o mundo fosse feito de bondade e
alegria. E é assim que eu a vejo. Do tamanho da

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palma da minha mão — ele olhou para a própria


mão, com carinho. — É isso que você é, Joan?
Uma fadinha do campo, pousada na palma da
minha mão?
Era uma visão romantizada, e ela mal podia
evitar as lágrimas;
— Não — negou e em uma das voltas que
fez pelo quarto, permitiu que suas asas se
revelassem. — Eu não caibo na palma de sua mão,
Rowell, eu caibo em seus braços, completamente
em seus braços abertos. — Explicou, sem negar
que era uma fada. — Afastei Zoé e seu dom, agora
posso mostrar quem sou.
Sim, finalmente, pensou Joan.
Rowell correu os olhos pela figura a sua
frente. Ainda era a sua Joan. Pequenina, delicada,
com os olhos mais puros e verdes que ele viu em
sua vida. Os mesmos cabelos longos e vermelhos.
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As mesmas sardas atiçadas pelo sol na pele clara. A


mesma boca úmida e suculenta. O mesmo cheiro de
mato e água fresca.
A mesma Joan. Com exceção de asas de
borboleta em suas costas. Era sua primeira
descrição, pois não conhecia outro inseto ou animal
que possuísse asas, além de lindas borboletas e
passarinhos coloridos. Curtas, fartas e vermelhas.
Eram assim as asas de Joan.
— Eu fiz a maior besteira da minha vida —
ele disse exasperado ao se conscientizar disso.
O encanto se quebrou e Joan mal acreditou
no que ouviu sair da boca de Rowell.
— É verdade, você é uma fada — ele
afirmou para si mesmo.
Envergonhada, Joan se encolheu e disse:
— Eu vou embora, deve ser melhor assim...

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— Esperava a estranheza e quem sabe um pouco de


medo, mas nunca uma confissão de erro.
Tudo que viveu em seus braços não poderia
ter sido um erro!
— Eu fiz algo errado sobre você, Joan — ele
tentou tocá-la, mas sua mão esbarrou em sua asa
quando Joan se virou. — São macias... Como sua
pele. — Deslizou os dedos pelas estruturas
delicadas e o encanto em seu olhar confundiu Joan.
— Achei que estivesse protegendo-a, mas estava
errado. Precisa saber que o que fiz, foi achando que
a protegia — disse exasperado.
— Não está dizendo que ficar comigo foi um
engano? — Ela perguntou quase sem voz depois
desse susto!
— E como poderia ser um engano? —
Mantinha a mão sobre a estrutura de suas asas, mas
os olhos nos seus, em um olhar carregado de
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confiança e sentimentos profundos. — Eu não sei


como expressar o que estou sentindo nesse
momento. Eu nunca vi um milagre diante dos meus
olhos. Eu não...
Joan pousou os dedos da mão em seus lábios
calando as palavras de Rowell.
— Eu não sou um milagre, Rowell. Sou real,
sou como você. Em sua espécie, é um humano de
valia. Na minha espécie, sou uma fugitiva que
agora sabe que é livre, mesmo assim, tem
responsabilidade com sua raça. Eu preciso ir,
preciso encontrar ajuda e salvar a todos nós.
— Não vai partir sozinha, é tempo de
Edward, meu irmão, tomar frente do ducado. Ele
não pode se esconder atrás de uma garrafa de vinho
para sempre. Eu irei ajudá-la, não vou deixar que
corra perigo!
— Não! — Joan negou veemente. — Não!
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Seu irmão não pode ficar cuidando de sua família!


Eu sinto muito, Rowell, mas tenho minhas razões
para não confiar nele!
Não iria lhe contar agora, era tudo muito
sórdido para merecer atenção. A prioridade era
avisar Eleonora do risco que se abatia sobre sua
cabeça!
— Vieram buscá-la, Joan. Como você disse
que aconteceria — ele contou e pela expressão de
Joan, era claro que não esperava por isso.
Acreditava que não seria abandonada, mas
não esperava que fosse possível priorizá-la dentro
daquela situação toda.
— Quem? — A pergunta soou frágil.
Joan deslizou a mão pelo braço de Rowell,
apoiando-a em seu ombro, precisando ser segura,
pois a emoção fragilizava seu corpo, tanto quanto
sua alma.
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— Uma mulher chamada Driana e seu noivo


Acheron — ele respondeu e a fada soltou um riso
de surpresa e alívio.
— Driana! Eu esperava por Alma, mas
deveria saber que Driana me acharia mais
facilmente! Ela não é mulher, Rowell, é fada como
eu. E Acheron... É um elfo, um Guardião.
Ela encostou a cabeça em seu ombro e
Rowell sussurrou em seu ouvido:
— Eu não sei como tocá-la, Joan. — Era uma
confissão deliciosa de ouvir.
Tanto cuidado e carinho, a fez erguer os
olhos e sorrir como quem pede um beijo.
— Somente você sabe como me tocar,
Rowell — confidenciou. — Não tenha medo,
minhas asas não quebram. — Seu sorriso alargou-
se — continuo sendo a mesma fêmea que
conheceu. Eu já tinha minhas asas quando me deitei
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com você. Isso não muda nada entre nós.


— Eu mandei sua amiga embora, tive medo
que estivesse aqui para machucá-la. Perdoe, eu não
sabia de nada. Na dúvida, optei por conservá-la
longe do perigo. — Rowell encostou os lábios em
sua testa e envolveu-a com os braços, inclusive
suas asas que Joan fechou e manteve junto das
costas.
— Você mandou Driana para a vila, não foi?
— Deduziu. — Ela ficará inconformada quando
descobrir que alguém conseguiu ludibriá-la. — Riu
contra seu peito, escondendo assim a emoção que
sentia. — Me leve até Driana. Depois disso estarei
protegida, lhe juro. Eu vou, mas volto para você.
Quero que fique e cuide de sua família. Eu quero os
dois mundos, Rowell. Não quero fazê-lo escolher
um dos lados.
Rowell queria acreditar nisso.

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Mas temia soltar o aperto dos braços e perdê-


la. Depositou todo seu amor e esperanças em uma
criatura com asas e importância maior que a dele.
Se Joan partisse para sempre, o que seria
dele?
Era um abraço de muito mais do que amor,
era de necessidade. Rowell a fez erguer o rosto e a
beijou. Uma tentativa de selar aquele momento, de
acalmar ambos os corações. Aquietar o medo de
que as diferenças entre os dois mundos, tão
distintos, pudessem separá-los para sempre.
Para Joan aquele beijo representava aceitação
de sua espécie e uma promessa de esperança para
os dois. Talvez por isso seu coração estivesse
expresso em um beijo apaixonado.
Estavam tão envolvidos que quase não
ouviram as batidas frenéticas naquela porta. Era
Liara aos gritos, chamando pelo duque.
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— O que está acontecendo? — Joan


perguntou, sendo colocada de lado, como se Rowell
não quisesse que a vissem.
Mais do que rapidamente Joan camuflou suas
asas, pois não mais desejava escondê-las dentro da
pele. Era muito perigoso, pois Zoé poderia se
recuperar, querer vingar-se e Joan não desejava ser
pega de surpresa.
Liara parecia em choque. Falava sem parar
sobre algo que aconteceu em um dos corredores
abertos do castelo próximo a uma das guaritas onde
ficava um dos arqueiros.
— Foi Molly quem viu, senhor — dizia
Liara, engasgando com o choro.
— O que Molly viu? — Ele perguntou
olhando para Joan com receio de alguém ter visto-a
com suas asas.
— Uma criatura surgiu do nada... Foi Molly
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quem viu! Eu não vi nada! — Seu horror desmentia


essa afirmação. Temia ser tachada de louca
também. — Quase pegou o menino, mas avançou
sobre Alice...
A mera menção do nome de sua filha tornou
Rowell outro homem.
As duas precisaram correr para acompanhar
sua corrida para fora da torre e pelo castelo.
Matilde encontrava-se no lugar indicado por
Liara e consolava Molly. O pequeno Marmom e o
irmão Tommy estavam ao cuidado de outras
criadas, em segurança.
— Onde está Alice? — O duque perguntou
vorazmente.
— A criatura a levou! Foi horrível! Surgiu
com suas imensas asas brancas e arrastou a menina
de perto de mim! Foi horrível, senhor, foi horrível!
— Molly chorava enquanto contava. — Eles foram
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para lá! — Apontou um lugar qualquer nas


montanhas e Rowell olhou para Joan em busca de
reconhecimento.
— O que vai fazer, Rowell? — Perguntou
Matilde, esquecida de sua costumeira formalidade.
Era sua neta, e o desespero suprimia qualquer
estúpida regra que ousasse ter contra familiaridade
entre mãe e filho.
— Trazer minha filha de volta, custe o que
custar — ele avisou, puxando Joan pelo braço, para
longe, depois de ordenar sobre levarem as crianças
para o quarto do duque e ordens sobre mais
segurança. — Sabe para onde levaram Alice? —
Perguntou, lutando contra o desespero.
— Pela localização que Molly indicou... Só
pode ter sido levada para o castelo do Rei Isac... Da
rainha Eleonora — disse rápida, quase se
confundindo — Rowell. — O fez parar e disse: —
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Eu tenho uma ideia de quem pode estar por trás do


sequestro de Alice, mas você precisa acreditar em
mim e aceitar ajuda.
— Eu acredito em você. — Rowell
concordou. — Pode parecer que não, mas acredito.
— Driana e a Acheron podem ajudar a trazê-
la de volta, mas eu preciso achá-los e enviar um
recado para... — As palavras iam feri-lo, mas
precisavam ser ditas. — Para a mãe de Marmom. A
verdadeira mãe. Ela pode ajudar a proteger o forte
na sua ausência. Porque se levaram Alice para o
Monte das Fadas... É um assunto que só você pode
resolver. Por que... Envolve seu irmão. Eu não
posso falar mais nada agora. Vem comigo, eu posso
nos levar para o vilarejo em minutos.
Ela disse e revelou suas asas abertas. Bateu-
as com precisão tirando os pés do chão.
Do alto, estendeu uma das mãos para Rowell
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e esperou.
Era hora de saber até onde ia à confiança do
Duque Mac William em relação a sua amada Joan...

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Capítulo 29 — Visão noturna

Joan mantinha um voo baixo, pouco acima


de um metro, para acompanhar as passadas de
Rowell. Infelizmente lhe faltou força para dar conta
de percorrer todo o caminho até a vila dos aldeões
carregando-o. Rowell não estava chateado em ter
que andar, pelo contrário, ainda parecia administrar
o fato de ter percorrido quilômetros mata adentro
voando sobre a copa das árvores.
Ele olhava-a o tempo todo e Joan meio que
esperava que dissesse algo sobre isso. Afinal, a
mulher que o fez apaixonado pela primeira vez em
toda sua vida nesse exato momento batia asas e

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voava ao seu lado, como se isso fosse à coisa mais


natural do mundo.
Sua filha adorada sequestrada por uma
possível criatura com asas, quem sabe uma fada.
Aquilo era complicado demais para alguém
compreender e aceitar em tão pouco tempo. E de
um modo estranho, fazia todo sentido do mundo.
Joan e suas respostas esquivas sobre sua
vida, sua chegada abrupta ao forte, fugindo de algo
ou alguém que ele não sabia identificar. Seu
comportamento sempre ambíguo, seu modo de falar
e agir. Seu jeito especial, distinguindo-a de todas as
demais mulheres que ele conheceu.
As várias conversas estranhas de Alice sobre
sua mãe voltar para buscá-la com lindas asas e
promessas de conhecer o mundo ao seu lado.
Aquilo sempre o preocupou, pois achava tratar-se
de saudade e delírios de amor por sua mãe perdida

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tão prematuramente. Mas não era nada disso,


alguém lhe fazia promessas, enganava sua
cabecinha e seu coração. Alguém com asas, uma
fada provavelmente.
— Quais os tipos de criaturas que você
conhece possuem asas, Joan? — Ele perguntou
afinal, depois de tanto silêncio.
Com um suspiro de desgosto, ela respondeu:
— Fadas, apenas fadas possuem asas,
Rowell. Elfos nascem com outras características.
Eu não sei de outras criaturas que possam ter asas.
Driana deve saber se existem outras, mas no caso
de Alice, eu tenho certeza que foi uma fada —
explicou envergonhada.
Desceu de seu voo e tocou os pés no chão,
para ficar mais próxima dele.
— Está acontecendo uma revolução em meu
mundo, e muito antes de nos atingir, já atingia o
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seu mundo, Rowell. Pode parecer loucura, mas a


causa da nossa desgraça começou entre os
humanos.
Rowell parou de andar e Joan encostou os
dedos nos seus, enlaçando sua mão na dele.
— Não faça perguntas agora, não vale a pena
perder tempo falando disso. Cada segundo que
conversamos é tempo perdido na busca por Alice
e... Na minha busca por ajuda ao meu mundo.
Precisamos encontra Driana e Acheron. Ele é um
Guardião. Ele pode fazer por nós o que sua espada
não pode, Rowell. Ou minhas asas. — Explicou.
— Estamos falando da minha filha. Eu já não
sei se tenho um filho perdido, se trocaram meu
filho por Marmom. Já não sei se também vou
perder Marmom por causa disso. Eu já não sei de
mais nada. Não posso pensar em abrir mão de Alice
ou deixar essa responsabilidade nos ombros de

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outro.
— Não é um outro qualquer, Rowell. É um
Guardião. É dever proteger e amparar aqueles que
necessitam de ajuda. Se uma fada sequestrou uma
humana, ainda mais uma criança, não importa a
raça, um Guardião deve procurar e salvar a criança.
— Um Guardião? Que não protegeu uma de
suas fadas e vai salvar a minha filha, que não é de
sua raça? Eu acho que não, Joan. — Apertou sua
mão com carinho, mas soltou-a, em um claro sinal
de que se afastava não apenas da conversa, mas
também da fada.
Lhe faltou palavras para tentar convencê-lo
do contrário.
Como imaginava e até esperava, as
diferenças de pensamento e de vida os separariam.
Por um momento essa certeza foi tão forte que
vendo Rowell afastar-se pela estrada, com passos
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rápidos, ela pensou em desistir de tudo. Do amor,


da salvação, da ajuda. Simplesmente jogar tudo
fora e desaparecer.
Baixou o rosto e fechou os olhos com força.
Quanta tolice. Se o amor fosse fácil, não seria tão
raro.
Neste momento de confusão e disparate, Joan
chegou a bater suas asas para emparelhar com
Rowell, pois depois de obter suas asas era bem
mais aprazível voar, do que caminhar e menos
cansativo também, pois ela nunca foi muito
resistente em longas caminhadas. Mas nunca
chegou a sair do solo.
Algo agarrou sua canela e a segurou para
baixo. Joan gritou ao cair e Rowell virou a tempo
de ver algo pequeno e rápido soltar a canela da
fada, que jazia agora caída e retirar algo das vestes.
Algo pequeno, meio metro no máximo, caso
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chegasse a tanto, com uma juba vermelha que


parecia sair de todos os lados, cabeça, pescoço e
afins. Sua bocarra revelava dentes enormes e
pontiagudos. Rowell sacou a espada e derrubou a
pequena criatura no chão antes que pudesse ferir
Joan.
Rápido, o animal fugiu e Rowell lutou para
alcançá-lo. Era humano e não detinha dons ou força
extremada como elfos, mas era sagaz na luta e tinha
um bom olho para caçar.
A espada sob o queixo do animal o paralisou.
Normalmente Rowell não fazia perguntas ao ser
atacado ou defender um dos seus. Lâmina estava
por um fio de derramar sangue, quando o grito de
Joan pedindo clemência o distraiu por um segundo.
Era uma criatura mágica e Joan não concebia a
ideia de ver isso acontecer.
Mas de fato o que o parou foi um rugido e

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uma fera partindo para cima dele. Rowell nem viu


de onde veio o elfo, mas foi derrubado pelo peso do
monstro de músculos e gritos de animal. Acheron
era exímio lutador e na pressa de defender Mikazar
se esqueceu da espada e investiu como faria um
urso, típico de sua terra natal. Cabeceou o humano,
que caiu no chão.
A partir daí a luta física começou. Um soco
inesperado tonteou Acheron, mas ele era bom em
imobilizar seus opositores e quase conseguiu fazer
isso com Rowell. Acabaram os dois longe um do
outro, separados por um metro de estrada, enquanto
Acheron retirava a pesada espada da cintura.
Rowell fazia o mesmo com sua lâmina forjada por
um artesão de seu forte, que preparava as mais
resistentes e belas espadas de toda região.
Os dois machos, humano e elfo,
enfrentavam-se, olhos nos olhos. Quando Acheron

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foi atacado pelas costas, algo que agarrava em seu


pescoço e tencionava levantá-lo do chão.
Era uma fada! Atacado por uma fadinha
diminuta! A pequena conseguiu embaralhar seus
cabelos logos, louros e arrancar-lhe um brado de
dor com os puxões, mas não conseguiu arrastá-lo
um milímetro do chão que fosse.
Indignado Acheron segurou as canelas da
fadinha e a puxou para baixo, mas não conseguiu
derrubá-la, pois ela desapareceu diante de seus
olhos. Assustado, Acheron soltou-a. Sentiu um
empurrão nas costas e usou a espada no ar,
tentando atacar quem o atacava de volta.
— Pare! Pare, Acheron! — O grito veio de
entre as árvores, de uma fada que voava com
perfeição, com rapidez e determinação, com longas
asas negras, surgidas de filamentos pontiagudos,
lindos e únicos. — Pare!

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Os berros de Driana o fizeram parar na


mesma hora, e mesmo assim manter sua postura de
luta, espada em risque.
A fada que o atacava se revelou e parou de
atacá-lo, parando no ar.
— Joan! — O grito de Driana, revelava tanto
desespero quando o que obrigava Joan a descer ao
chão, pois a emoção atrapalhava manter seu ritmo
de voo.
O cansaço e o esforço de atacar Acheron
também acabavam com suas forças.
— Parem de lutar agora! — Driana desceu ao
chão e gritou para os dois, colocando-se entre eles.
— Guardem as espadas! Enlouqueceram os dois?
Seu berro furioso foi respondido na mesma
medida por Acheron, que tinha esse péssimo hábito
de resolver todos os seus conflitos com berros:

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— Este humano mentiu para um Guardião!


Escondeu a presença da fada em seu castelo! Ele
começou!
— Eu nem vou me dar ao desplante de
responder a isso — Driana disse furiosa.
— Eu não menti por querer — Rowell disse
no mesmo tom, arfante da luta. — Eu protegia
Joan!
— De um Guardião? — Acheron parecia
prestes a retomar a luta.
— E porque não? Alguém precisava proteger
a fada que sua própria raça vem caçando! —
Rowell não colaborou atiçando ainda mais a briga.
— Chega! — Pediu Joan, voz falhando,
olhos fixos nos dois elfos. — Isso é culpa de Zoé!
Ela espalhou mentira sobre mim, ela fez todos
pensarem que eu era louca! Ela confundiu Rowell
com suas mentiras — estava prestes a chorar de
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angústia e susto depois dessa luta, que poderia ter


sido mortal. — Rowell só quer o meu bem! Ele só
tem feito o que os Guardiões não fizeram! — No
último resquício de autocontrole ela gritava,
apontando para Acheron, descontrolada, com os
nervos a flor da pele. — Vocês não me protegeram!
Rowell sim!
— Oh, Joan... — Driana correu até ela e
tentou abraçá-la. — Oh, querida, eu tentei achá-la
de todos os modos. Eu sei que demorei demais, me
perdoe, mas sempre que nos aproximávamos
alguma luta aparecia, algum imprevisto surgia... —
Driana tocou seu rosto, e Joan olhou em seus olhos,
com lágrimas correndo em sua face. — Eu tive
tanto medo de não chegar a tempo, Joan. — Puxou
sua amiga para um abraço e Joan agarrou-se a suas
roupas com o desespero de quem nunca achou que
conseguiria.

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Com a garganta engasgada, Rowell olhava


para as duas juntas. De repente tudo fazia sentido.
Humano ou mágico, a emoção é a mesma. Baixou a
espada, e afastou-se alguns passos, sem saber se
havia mesmo espaço para ele na vida de Joan.
Bastava olhar para o elfo Acheron para saber
que a diferença entre humano e elfo era enorme.
Será que com o tempo Joan não sentiria falta da
continua convivência com sua raça?
— Acalme seu coração, Joan. Eleonora esta
salva. Alma está em segurança. Acharemos Tobias
e eu tenho certeza que ele também está bem. —
Driana dizia com a voz embargada. — Acabou. O
medo acabou, somos fadas livres, querida. Livres.
Joan ergueu a cabeça e olhou nos olhos de
sua amiga. Não queria ser a portadora de tão trágica
notícia. Não era justo que justamente ela tão frágil
de saúde e força, precisasse portar essa

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responsabilidade!
— A Guardiã Zoé está na floresta. —
Afastou-se e olhou para eles com sofrimento
estampado na face. — Matilde e eu a dopamos e
levamos para a floresta — notou o modo como
Rowell a olhou com pasmo e nem tentou explicar.
— Eu fiquei com isso — retirou a parte da
armadura que roubara. — Isso não me pertence. Eu
não quero ficar com isso.
Sua mão tremia ao erguer a tiara de ouro.
Acheron adiantou-se para tirar essa
responsabilidade das mãos da fadinha.
— Está tudo bem, Eleonora irá resolver tudo
isso, Joan. Não se preocupe. O mal entendido entre
fadas da clausura e Guardiões está explicado e Zoé
entenderá. — Driana achava ser esse o problema, e
que sua antiga rixa com a Guardiã selvagem fosse à
causa de sua dor.

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— Não é isso. Driana, não é nada disso. O


que a rainha Santha fez não foi nada comparado
com o que está para acontecer. Lucius criou uma
luta maior, e fomos a distração para que isso
acontecesse! — Exasperou-se.
Esse sentimento a fez procurar distância de
Driana e Acheron. Era sua melhor amiga, mas não
sabia como começar a contar as desgraças e acabar
com a felicidade que via no rosto de Driana.
Apesar de não ser sua intenção, Joan afastou-
se para perto de Rowell e silenciosamente pediu
que segurasse sua mão. Ele o fez, mas ela sabia que
algo não estava bem.
Driana não gostou nada de ver sua amiga
perto do humano. Sua mente privilegiada entendia
toda a situação sem precisar de palavras. Joan
criara um vínculo o humano, algo comum quando
um dos envolvidos está emocionalmente frágil e

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dependente de afeição, como era o caso de Joan.


— Vamos conversar sobre isso, Joan, em
outro lugar apropriado, que não seja entre os
humanos — Driana disse e estendeu uma das mãos
em sua direção.
Como se Joan pudesse escolher entre um ou
outro.
— Não, Driana. A filha de Rowell foi levada
por uma fada. Por uma de nós!
— Isso não é possível — foi Acheron quem
estranhou. — Fadas e humanas não se misturam.
Tem sido assim por séculos — havia um tom de
aviso na voz do elfo e Joan maneou a cabeça.
— Infelizmente isso não é verdade. A raiz de
toda a nossa desgraça começou a partir de humanos
aliados a elfos. Um elfo e um humano envolvidos
no mesmo plano! Então, Driana, por mais que eu a
ame, não haja com superioridade de raça em
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relação à Rowell!
— Eu não faço isso, Joan! — Driana negou
imediatamente chocada.
— Ah, você faz isso o tempo todo, mesmo
entre os de sua raça — disse Acheron. — Como
sabe que o sequestro foi realizado por uma fada? —
Ele tomou à dianteira.
Joan baixou o rosto, envergonhada.
— Eu sei muitas coisas. É injusto que as
informações tenham vindo parar justamente em
minhas mãos... Mas, existe uma líder do povo
lagarto — ela tinha até medo de olhar para Rowell
e saber o que ele pensava ouvindo tudo isso — ela
me contou detalhes do que acontece. Lucius
arquitetou uma tomada de poder junto a um
humano. Um humano que caça fadas há anos, e
contrata Caçadores de Fadas em troca de ouro. —
Mal podia olhar para Rowell ao contar isso!
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— Solon falou sobre isso. A fada Alma foi


sequestrada por um elfo que caçava em nome de
um humano — lembrou Acheron.
— Alma está bem agora, não é? —
Perguntou Joan assustada com essa informação.
— Sim, ela está na companhia do Guardião
Solon, no Vilarejo sem Fim. Ela está bem e feliz —
garantiu Driana sabendo exatamente o medo que
afligia Joan. — Alma não cometeu nenhum ato
repreensivo, Joan, não se preocupe com Alma.
Você precisa contar tudo que sabe. Tenho certeza
que os acontecimentos só parecem sérios. A
menina humana deve ter ido passear sozinha... Os
humanos fazem isso, Joan. Entram na floresta sem
conhecimento algum da natureza e se perdem. Eles
não respeitam nosso mundo ou o entendem...
— Driana — surpresa pelo preconceito que
encontrou em sua amiga, Joan mal acreditou que

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essas palavras saíssem de sua boca. — Logo você


tão intelectual pensar esse tipo de coisa? Alice é
uma menina inocente! Ela não tem permissão para
sair do castelo sozinha! Os humanos não entram na
floreta por desrespeito, e sim necessidade! Se não
podem ou não querem nos ajudar, ao menos não
nos atrapalhem! — Jogou com essa verdade. —
Estamos perdendo tempo com essa conversa fiada!
— Joan! — Surpresa, principalmente porque
sua pequena Jon viraria mesmo as costas para ela,
Driana a alcançou e segurou pelo braço. — Me
desculpe. Eu nunca convivi com os humanos.
Perdoe-me. Conte-nos o que sabe. Não aceito que
precise procurar ajuda em outro lugar!
— Venha, Joan, sua amiga não quer saber
dos meus problemas — Rowell tomou partido e
pelo modo como as pessoas mais importantes da
vida de Joan se olhavam, ela soube que não podia

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aceitar esse antagonismo todo.


— Isso é inaceitável! Eu não vou a lugar
algum com quem não acredita em mim! E isso
serve para você também, Rowell!
Uma vida toda sendo oprimida, agora que era
livre e por isso, não aceitaria continuar nesse trajeto
de humilhação e submissão.
— Joan — a voz de Driana soou magoada,
quando aproximou-se da fada ruiva, enquanto suas
asas eram recolhidas em suas costas, tornando-as
um aspecto de 'dobradas'. — Eu nutri um desespero
por encontrá-la e durante todas essas semanas de
afastamento, eu só pensei em encontrar você e as
outras. Eu não posso conceber que me afaste depois
de tanta luta. Eu acredito em você. Não pense o
contrário. Mas é muito difícil ter que lidar com os
humanos, quando eu nunca pensei sobre eles. O
mesmo deve acontecer com o humano Rowell —

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olhou de esguelha para o duque. — Me perdoe por


parecer arrogante. Tudo que eu desejo é tê-las nos
meus braços e protegê-la, preferencialmente
levando-a daqui em segurança.
— Rowell não é um humano qualquer,
Driana. É o meu humano. Respeite-o. — Joan
respondeu igualmente magoada.
— Não — Driana sorriu condescendente. —
É um humano. E você é uma fada. O que quer que
tenha acontecido nesse meio tempo... Deve ser
pensado com calma. Não se deve misturar as raças
sem a certeza absoluta do que isso significa —
Driana ponderou.
— É um pouco tarde para dizer isso, não é?
Eu já sei o que significa. — Joan foi firme em sua
decisão.
— Ignore as palavras de Driana. Ela pensa
mais do que sente — disse Acheron com tom de
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aviso, olhando para a sua fada escolhida com algo


de recriminação. — Conte sobre o que sabe, fada
livre. Não me interessa com quem se deita, e sim o
que você sabe.
Driana revirou os olhos revoltada com essa
agressividade animal. Típico de Acheron. Olhando
desconfiada para o humano, sabendo que era
olhada do mesmo modo, Driana esperou que Joan
falasse tudo que sabia.
— Zoé tem me caçado desde o dia em que
me escondi no castelo. Eu achei que ela fosse meu
maior problema, mas isso não era verdade — disse
tensa. — A duas noites eu fui levada do forte. —
Olhou para Rowell que ficou surpreso com essa
revelação. — Eu fui sequestrada e levada para um
lugar escondido na base do penhasco. Um humano
me levou para ser... — Quase lhe faltou o ar ao
lembrar-se disso. — Eu fui levada para uma fêmea

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da raça dos lagartos. A líder das fêmeas. Helana é


seu nome. — Contou.
— Sim, esse é o nome da líder. Ela tomou o
poder quando os machos foram extirpados após
uma peste devastadora — disse Acheron.
— Não. Não, isso é mentira! Nunca houve
uma doença que pudesse extirpar essa raça! —
Driana surpreendeu-se e revoltou-se com a falta de
conhecimento de Acheron. — A imunidade física
dos corpos dos lagartos são praticamente
impenetráveis! Doença alguma poderia extinguir
todos, ainda mais, por seleção de sexo!
— Driana está certa. Essa foi uma desculpa
inventada para impedir que soubessem da verdade.
Os machos da raça foram eliminados. As fêmeas
ficaram a mercê de um algoz. Um humano que tem
usado as fêmeas para cometer crimes e agir sob
suas ordens.

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— Eu não acredito nisso. Como ele poderia


controlá-las? — Acheron duvidou.
— Muito simples: ele guardou um único
macho da espécie. Um único puro de sangue. A
única chance de no futuro a raça se perpetuar sem
miscigenação. Acho que mesmo os humanos sabem
o que isso significa.
Rowell a segurou pelo braço de um modo
que deixava claro ter chegado à conclusão de quem
era esse último exemplar masculino da espécie.
— Eu sinto muito, Rowell. Marmom é um
bebê ainda, tem poucos anos de vida, e é criado
entre os humanos. Por isso Helana não pode invadir
o forte e resgatar o próprio filho. E também, ela
teme um massacre de suas fêmeas caso faça isso. A
pobre fêmea teve o filho roubado, teve a família
destruída e ainda por cima, luta como pode para
manter sua espécie viva!

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— E você disse que tudo isso aconteceu por


conta de um humano? — Driana via o sentido
naquela história. Tudo parecia se encaixar.
— Helana me contou que há anos esse
humano encomenda fadas, e usa as asas das pobres
infelizes para... Uma humana vem tentando
apropriar-se das asas de fada. Não me pergunte
como isso poderia acontecer, mas é por causa disso
que ele vive uma vida dupla.
— Ele quem? — A pergunta soou dura.
Joan esperava por isso. Olhou nos olhos de
Rowell e pousou uma das mãos em seu queixo
onde a barba começava a pinicar. Ele estava
bastante abatido desde que a prendeu na torre,
achando que era para seu bem e recuperação. Um
homem tão honesto e doce e que não merecia essa
decepção.
— Eu acho que você já sabe de quem eu falo
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— ela disse doída de ser a causadora desse


sofrimento. — Edward.
A expressão de Rowell confirmou que o
duque já imaginava que seu irmão poderia estar por
trás de algo assim.
O duque era inteligente o bastante para juntar
os pontos e deduzir que os sumiços de seu irmão e
suas desculpas esfarrapadas poderiam facilmente
esconder algo obscuro.
Além disso, é preciso uma grande
obscuridade na alma para justificar um vício tão
permanente e intenso quanto o que Edward
alimentava, sempre bebendo.
— Edward me levou para Helana, achando
que ela estava do seu lado para tudo. Mas nos
aliamos contra ele. Eu dei uma esperança para
Helana, que se apegou a isso. Ele ordenou que
cerrasse minhas asas. Depois poderia me matar ou
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jogar na floresta. — Contou revivendo aquelas


lembranças e aquele medo. Olhou para o Guardião
e disse. — Edward é irmão do Duque Mac William.
— O mesmo humano que nos despistou para
não encontrá-la — Acheron disse com empáfia,
ainda desconfiado do humano. — E querem me
convencer que ele é inocente?
— Não deve ser muito difícil convencê-lo do
que quer que seja — Rowell retribuiu na mesma
moeda agredindo o Guardião. — Eu sabia que Joan
era caçada, só não sabia por quem. Eu não estava
errado ao deduzir que vocês dois são perigosos.
— Rowell, não diga isso — Joan ficou
incomodada, mesmo assim não saiu do seu lado. —
Eu espero que as pendências entre raças não se
sobressaiam a necessidade de avisar Helana que um
dos Guardiões está do nosso lado e que agora
podemos avisar Eleonora do que está acontecendo!

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— Infelizmente é precioso mais do que isso


para evitar uma tomada de poder — Driana disse
pensando no assunto com sua mente privilegiada.
— É preciso um plano. Primeiro de tudo, encontrar
esse humano chamado Edward. Descobrir os
detalhes da tomada do poder. Encontrar Egan em
primeiro lugar. Avisar o Guardião Solon. Não
podemos impedir uma revolta com apenas um
humano, um Guardião e duas fadas. — foi taxativa.
— Não reclame, Driana, querida, há poucas
horas eu pretendia fazer isso contando com um
humano e uma única fada — Joan tentou sorrir e
Driana não pode evitar de fazer o mesmo.
— É preciso voltar ao forte — Rowell
definiu a situação — Primeiro, tentar encontrar
Edward, se ele é responsável por tudo isso é
provável que tenha fugido ao saber da chegada de
um... Guardião — para Rowell ainda era novo

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conhecer esse ser e esse cargo. — Se tudo começou


dentro dos portões do forte Mac William, então é
possível que muitas respostas ainda estejam lá.
— Matilde? — Joan imaginou que fosse isso,
por isso entrelaçou os dedos nos seus, apertando
sua mão com carinho. — Rowell está certo,
podemos começar pelo forte. Existem repostas
esperando para serem conhecidas.
— Isso não é inteligente — Driana negou. —
Lora precisa ser avisada do que acontece.
— Não. Os Conselheiros estão vendidos,
Driana. Os Guardiões que fazem guarda são todos
jovens e inexperientes. Será um massacre ainda
maior se tentarem lutar agora. Não sabemos o dia
exato que invadirão o Reino de Isac. — Foi
Acheron quem completou.
— Os Conselheiros podem estar confusos. —
Driana apelou.
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— Você acha mesmo? Aquelas cobras


peçonhentas são ressentidas com tudo. Sempre se
organizando contra as leis do rei e tentando causar
empecilhos para o trabalho dos Guardiões. —
Acheron discordou, olhando para o humano. —
Mostre o caminho para sua terra, humano.
— Como queira, elfo — foi à resposta no
mesmo tom.
Joan mal podia acreditar que os dois mundos
se hostilizariam em meio a uma catástrofe.
Que depois de tanto esperar ser encontrada,
precisaria enfrentar mais uma batalha de egos entre
humanos e elfos. Ela podia entender o que
acontecia na mente de Rowell sendo hostilizado por
uma raça de poder superior, mas não conseguia
entender porque um elfo se rebaixaria a responder.
— Acheron não entende porque uma fada
trocaria um elfo por um humano. É uma agressão
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ao ego de macho da raça — disse Driana aos


sussurros.
— Mas eu amo Rowell. Isso não deveria
bastar para que o respeitem? — Perguntou de volta,
olhando nos olhos de sua amiga.
Driana não possuía resposta para essa
pergunta. Bem da verdade não queria responder.
Não sabia se aceitaria ou não essa relação entre
fadas e humanos. Ainda mais achando que esse
sentimento todo era fruto da carência de Joan.
— Será mais rápido cobrirmos a distância
por ar — Driana informou mudando de assunto
drasticamente. — Levo Acheron, estou acostumada
com esse peso morto — era uma crítica carregada
de afeto. — Você dá conta de levar... O humano?
— Por um trecho sim — Joan contou
cansada de tentar mudar o modo de agir de Driana
e Acheron.
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— Já é o bastante — Driana tentou incentivá-


la, mas algo não poderia ser igual depois de
constatar que sua amiga não aceitaria o amor que
sentia por um humano.
O modo como Joan baixou o olhar e
manteve-se ao lado do humano deixou claro o que
sentia. De pé, Driana ficou observando a pequena
Joan interagir com o humano, com palavras baixas,
murmuradas, com gestos doces, enquanto se
preparava para um novo voo.
Não concebia perder a pequenina Joan para a
vida humana. Não depois de tanta luta e provação.
— Será nosso primeiro voo juntas — Driana
disse para tomar sua atenção para si — é uma pena
que o momento seja estragado pela presença de
machos. — Tentou fazer a fada vermelha sorrir.
— Eu senti muita falta sua, Driana — Joan
afastou-se de Rowell e abraçou-a espontaneamente,
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o que era um alívio. — Você terá uma surpresa


com minhas asas. E vai morrer de inveja!
— Dificilmente. Minhas asas são lindas,
negras e gigantescas. Você viu? Elas se dobram! —
Driana não pode conter o orgulho de suas próprias
asas.
— Ah, mas as suas asas não fazem o mesmo
que as minhas! — Joan esperou, pois os machos
precisavam de um instante para prender suas armas,
e permitiu que suas asas se escondessem.
A expressão de Driana era bastante óbvia.
Ela não aceitava perder.
— Mesmo assim... São asas pequeninas. As
minhas são gigantescas e negras, facilmente
camufladas na mata. As suas? Vermelhas e
berrantes. Um perigo na floresta. — Driana sempre
precisava sair por cima de uma discussão.
O riso cristalino de Joan foi música para os
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ouvidos de Driana, principalmente para os de


Rowell que não a ouvia rir assim há dias.
Ele estendeu uma das mãos em sua direção
chamando-a para junto de si. Depois de sorrir para
Driana, ela foi ao encontro de seu macho escolhido,
fosse ele, da raça que fosse.

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Capítulo 30 — Rastilho de pólvora

A seriedade de Rowell era esperada, mas


também assustadora. Sua mulher era um ser
carregado de mistérios. Sua filha sequestrada. E seu
companheiro de luta relutante e desaforado, sempre
o olhando com superioridade de raça.
Dentro do castelo, o duque ignorou todas as
perguntas sobre como entrou e de onde vinha.
Ignorou tudo, seguindo a passos duros na direção
onde encontraria as respostas para suas perguntas.
Logo atrás, vinha Joan correndo para acompanhar
suas passadas, e o elfo gigantesco acompanhado da
fada intransigente, chamada Driana.

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A porta foi praticamente arrombada, pelo


horário do dia, Rowell sabia que sua mãe estaria no
quarto, rezando, escrevendo suas nostálgicas cartas
ou se punindo com a solidão, enquanto via a vida
passar enfurnada entre quatro paredes.
Matilde não fazia nem uma coisa, nem outra.
Ela estava sentada em uma cadeira de balanço,
chorando, nas mãos uma boneca de pano, vestida
com esmero.
— Você a achou?— Foi à primeira pergunta
ao ver o filho entrar pela porta sem aviso. —
Encontrou Alice?
— Ainda não — ele disse sério, correndo os
olhos pelo quarto. Tommy e Marmom tiravam um
cochilo na cama de Matilde, perto da avó,
protegidos por seu zelo.
Joan aproximou-se da cama e fez um carinho
no pequeno lagarto que dormia com um paninho na
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boca, para ser mastigado por sua dentição de


lagarto. Tommy recebeu um afago no cabelo macio
e piscou os olhos claros idênticos aos do pai, e
voltou a dormir.
Aliviada de ver que os meninos estavam
bem, prestou atenção na conversa entre Matilde e
Rowell.
— E porque está aqui? Agora você sabe
quem essa aí é de verdade — apontou Joan — e
sabe também o que levou Alice. Porque está aqui,
Duque?
— Eu não sou um duque, sou o seu filho —
ele foi taxativo, cansado de lidar com os melindres
de Matilde. — Eu preciso da verdade, mãe. Da
verdade que você sempre escondeu.
O modo como Matilde baixou as vistas e
demorou a responder deixou claro que não
ouviriam a verdade vinda de sua boca. Muitos anos
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de mistérios e segredos, Matilde não sabia por onde


começar.
— Talvez Hector saiba e possa nos contar —
disse Joan, apenada de Matilde. — Precisamos da
verdade, Matilde, porque Edward também está por
trás do sequestro de Alice.
— A verdade? — A pergunta de Matilde
soou sofrida. — A verdade do porque escrevo
cartas para um homem que partiu muito cedo? A
verdade do porque não posso contar que sou mãe
do duque e fazer um carinho em meus netos, sem o
medo que vejam e nos denunciem ao rei? Pra que
falar sobre uma verdade, quando todos nós
sabemos que a verdade não tem o poder de mudar a
realidade.
— Como não? — Joan levantou de onde
estava e aproximou-se de Matilde retirando a
boneca de suas mãos, desse modo tentando atrair

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sua atenção. — Graças à verdade agora sou uma


fada livre. Não sou mais caçada como um animal
ou preciso me esconder. Você teme a verdade,
porque nunca conheceu o poder que ela exerce
sobre a vida de uma criatura viva!
— A verdade trará Alice de volta? — A
pergunta de Matilde cortou o coração de Joan.
— Espero que ajude a entender o que
acontece com Edward e onde ele pode estar
escondido. — Disse Rowell. — Meu próprio
irmão... O que levou meu próprio irmão a tramar
contra mim? O que eu fiz contra ele? O que eu fiz
de errado, mãe?
— Nada — Matilde disse conformada. — O
que eu fiz de errado, Rowell, para ser apagada da
sua história? Para ser a governanta e não a mãe do
duque? Tudo por culpa de uma coisa insignificante
como essa daí! — Apontou Joan — se eu tivesse

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prestado atenção! Se eu tivesse percebido antes...


Mas eu não via a maldade! Eu não via!
Como sempre, agredia Joan. Pelo menos era
uma forma de ver a boa e velha Matilde de sempre
na ativa. Aquela apatia toda assustava Joan.
— E o que você não conseguia ver com
clareza, Matilde? — Perguntou Joan com candura,
ajoelhando-se perto da cadeira de balanço. Matilde
estendeu a mão e tocou seu queixo olhando fundo
em seus olhos verdes e límpidos.
— Porque o mal sempre ostenta uma
expressão tão pura? — Perguntou a humana com
dor profunda em seu peito diante das lembranças.
— Aposto como não sabia que seu pai, Hector e eu
éramos os melhores amigos de todo o mundo, não
é?
Matilde se esqueceu de Joan em prol de olhar
para o filho. Rowell negou com a cabeça, pois de
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fato era uma surpresa.


— Sim, William não se importava com
títulos. Ele era amigo de Hector, o cozinheiro,
como se fossem da mesma classe social. Do mesmo
modo que escolheu uma aldeã sem família ou
posses para ser sua esposa. Eu fui à escolhida de
William, e foi uma escolha feita por amor. Quando
vim para o forte, para esperar o casamento, trouxe
comigo minha grande amiga, quase uma irmã. Seu
nome era Anesi. Éramos apenas nós duas no
mundo, uma era a família da outra. Logo nós quatro
nos tornamos inseparáveis. Hector e Anesi se
apaixonaram. — Sorria das boas lembranças.
— Mas Anesi é o nome do... Coelho de
Hector — Rowell disse surpreso.
— Não. Anesi é o nome de uma amiga
inestimável que foi arrancada de mim. — Matilde
disse triste, a dor em sua face não conseguia se

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tornar lágrimas e isso era de cortar o coração. —


Um dia, Rowell, faltando poucos meses para o
casamento... Uma aliança, onde o Rei estaria
presente, eu vi uma coisa. No alto da torre, eu
estava andando, pensando, eu gostava de ir lá... Eu
gostava da paz e do sossego. Eu não podia imaginar
que era uma armadilha. Eu deveria ter sido raptada
naquela noite. Mas não foi o que aconteceu. Eu vi
uma criatura com asas. Uma fada. Ela olhou para
mim e bateu suas asas com graciosidade. Eu nunca
senti tanto medo na minha vida. Eu gritei, pedi
ajuda, corri, chorei. Eu contei, Rowell, contei o que
vi e não aceitei me desmentir, por isso fui taxada de
louca. Demente, tomada por maus espíritos. Seu pai
esperou meses para casar-se. Ele tentou esperar.
Mas eu continuava falando sobre o que vi. Me
recusava a me desmentir. Eu não entendia que
muito melhor que me sequestrar, era me
desacreditar. E eu não percebi. Seu pai precisava se
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casar. Era necessário, o rei viria em poucas


semanas e não seria nada agradável causar irritação
ao rei — ironizou.
— Fo quando meu pai casou com outra
mulher? — O duque deduziu.
— Ainda não. Pedi a Anesi que se casasse
com o seu pai. Hector e William até fizeram um
pacto. Seria um casamento de fachada. Em alguns
meses Anesi partiria com Hector e todos ficaríamos
felizes outra vez. Mas então, algo aconteceu. A
fada que eu vi... Ela transformou Anesi em um
coelho no dia da cerimônia. O rei hospedado em
um quarto e a noiva transformada em um coelho no
cômodo ao lado... Foi um desespero sem fim, até
que... William percebeu que uma das criadas era
parecida com Anesi. Elas eram mulheres comuns,
sem grande diferença física e o rei não notaria a
diferença... Foi um casamento rápido. O rei passou

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alguns meses no forte. Eu notei que precisava me


calar. Uma noite eu sai da torre, e encontrei a
duquesa conversando com aquela fada. A
causadora da minha desgraça. Eu a confrontei. Foi
quando ela riu e jogou na minha cara a minha
tolice. Que sempre foi a intenção dela, ser a
escolhida do duque. Levou tempo, mas eu fui
descobrindo a verdade sobre ela. Contei a William
que se afastou da esposa. Eu estava grávida de
você, Rowell, e temia que algo acontecesse. Você
nasceu, e ela também deu a luz a uma criança
morta. Fizemos a troca. Ninguém soube, nem
mesmo a duquesa. Era o segredo mais absoluto de
nossas vidas. Ela se divertia me vendo cuidar do
futuro sucessor do ducado, refestelando-se na
minha desgraça, sem saber que eu cuidada do meu
próprio filho. Você tinha quatro anos quando ela
apareceu grávida de Edward. Nenhum de nós se
importou se o menino possuía sangue nobre ou não.
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William me jurava que nunca havia se deitado com


ela, que a primeira criança também não era dele. Eu
acreditava nas suas palavras. Sabíamos tanta coisa
dela... Mas como nos livraríamos de uma duquesa?
— Era uma pergunta válida.
— E quem era essa fêmea? De verdade,
quem era a duquesa? — Perguntou Joan.
— Um cruza de fada com um humano — o
olhar de Matilde era poderoso. — Ela nasceu sem
asas. Ela teve uma filha antes do casamento, com
um elfo. Uma tentativa de obter uma fada com asas.
Eu não sabia quem era essa menina ou onde estava.
Na ocasião deduzi que estivesse morta e que
Edward fosse uma nova tentativa frustrada de ter
uma raça pura. A duquesa era obsecada com a raça.
Eu sempre tive dúvidas se isso tudo era real ou não.
Eu sabia o que via, mas não podia acreditar.
Quando ela morreu... Foi um grande alívio. Ajudei

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a criar Edward como se ele fosse da família. Afinal,


era uma criança e não tinha culpa dos erros dos
adultos. Criei meu filho ao lado de William.
Vivemos felizes por muitos anos, não foi, Rowell?
O humano concordou e Joan levantou,
ficando perto de Rowell, como uma lembrança do
que precisavam saber.
— Tem mais alguma coisa que eu não saiba?
— Rowell perguntou magoado.
— Sempre tem um segredo ou outro a ser
descoberto — disse Joan pensativa — nunca
conhecemos toda a vida que veio antes de nós —
pensava muito nisso. Sobre suas origens. Uma
incógnita sem solução.
— Sophie era a filha desconhecida da
duquesa. Ela foi criada longe daqui. E veio para se
apossar do que lhe pertencia.
— Sophie veio grávida para esse forte —
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disse Rowell surpreso com revelação. — Acha que


era uma tentativa de...?
— Cruzar seu sangue com o sangue de elfo?
Faz sentido que não conseguisse vingar a gestação
— deduziu Joan — quando mais mistura nas raças,
mais difícil uma cria pura. Impossível, a gestação é
praticamente impossível.
— Eu achei que Sophie quisesse um filho.
Quando nasceu Alice ela parecia feliz — ele disse
amargurado sem entender.
— É provável que esperasse alguma
manifestação mágica — disse Joan apenada,
olhando pra trás, para encontrar Driana na porta,
sem entrar, observando-os, com Acheron ao seu
lado. — A fêmea sempre manifesta algum vestígio
do seu dom ainda na infância. Depois, aos vinte
anos ou próximo a isso, as asas nascem e o dom
floresce. Mas Alice não tem vestígios de magia. Eu

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não senti nada vindo dela. Ou de Tommy. São


humanos. Puxaram a você, e não a Sophie. Embora,
que a miscelânea no sangue de Sophie não
permitiria qualquer vestígio de magia.
— Alice sempre disse que a mãe vinha
encontrá-la, que possuía lindas asas — Rowell
disse pensativo, olhando para Joan com horror no
olhar. — É por isso que Edward precisa de asas de
uma fada?
— Sim, Sophie está viva. Só pode ser isso.
Ela quer ter asas. — Joan encostou o rosto no
ombro de Rowell, apavorada sobre isso.
— Isso é abominável — disse Driana
chamando atenção para si.
Os olhos de Matilde se arregalaram para a
estranha, principalmente para suas asas negras
dobradas em suas costas.
— Oh, Deus, existem mais de vocês? —
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Matilde disse com horror olhando para Joan.


— Não responda, Driana — Joan pediu
apressada, antes que uma discussão começasse. —
Está humana é mãe de Rowell. É uma cruz a
carregar, mas é a mãe de Rowell... E nos
entendemos. Do nosso jeito, mas nos entendemos.
— Eu odeio você, sua coisinha — Matilde
disse furiosa — olho para você e lembro dessas
servas imundas sempre espreitando seus senhores,
esperando um momento para passar a perna e
roubar nossos homens!
— Ah, por favor, Matilde! — Joan perdeu a
calma. — Até num momento desses? Onde você
acha que está Edward?
— Eu não sei. Ele foi embora. Eu acho que
foi. Não o encontrei para me ajudar com a
segurança do forte. Ele deve ter partido ou
participado do sequestro de Alice.
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Derrotada, essa era a expressão de Matilde.


Pobre humana, pensou Joan.
— E agora? O que faremos? — A fada ruiva
olhou para Rowell.
— Eu vou atrás de Alice. Mas não posso
deixar o forte desprotegido. — Tocou sua mão que
segurava em seu ombro, como quem pede ajuda e
Joan sorriu.
Algo deles, algo íntimo e somente deles.
Sabia exatamente o que ele lhe pedia. E era
doloroso para alguém tão orgulhoso como Rowell.
— Eu vou pedir ajuda a Helana. Ela quer
proteger Marmom. E precisa de abrigo para seu
próprio povo, pois ao descobrir da traição, Edward
vai se voltar contra os lagartos e não há como saber
exatamente quem está ao lado dele e o poder de
destruição! Precisa... Falar com sua gente, Rowell.
Explicar o que acontece, convencê-los a aceitar a
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presença e proteção dos lagartos.


— Você fala como se isso fosse normal —
Rowell reclamou, mas não era exatamente uma
reclamação.
Joan sorriu, com um sorriso bastante triste,
roçando um beijo doce e carinhoso de apoio em sua
bochecha antes de sussurrar:
— Prepare o seu povo para aceitar a
mudança. Eu vou avisar Helana.
Não era um pedido por permissão. Era um
modo suave de pedir que não ficasse com medo por
ela. Driana não gostava de ver sua amiga tocando
um humano. Era difícil de assistir. Ciúme puro.
Egoísmo puro. Driana olhou para o chão,
recusando-se a ver que mais alguém no mundo
detinha o amor de Joan.
A florzinha delicada e suave que era uma das
poucas razões de crer na beleza. Quantas e quantas
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vezes naquele confinamento de medo e solidão, no


Ministério do Rei, Driana não olhou para a face
doce de Joan para se convencer que a vida pode
criar mais do que desespero e sombras? Que pode
criar beleza e meiguice, nascida e criada em meio à
dor e o desespero?
E agora, alguém era digno de ter essa
preciosidade em mãos? De afastá-la de suas
amigas?
— Vem comigo, Driana?
A pergunta macia foi sua salvação.
Resgatada daquele buraco horrendo onde era
soterrada pelo ciúme e recalque, Driana sorriu e
segurou a mão que Joan lhe oferecia.
— Já era hora de voarmos juntas pela
primeira vez — disse Driana contente.
Joan nem perdeu tempo respondendo. Não
era uma razão para voar que a agradasse.
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— Não seja egoísta, fada livre — a voz de


Acheron a repreendeu. — Mikazar as acompanhará
por terra — não era um pedido e sim um aviso.
Driana olhou-o com ceticismo, mas não
recusou a oferta.
— Melhor não fazer isso, mãe — a voz de
Rowell fez Joan sorrir, ainda no corredor, pois ele
tentava impedir Matilde de ver o que era Mikazar.
Protegia o emocional fragilizado de sua mãe.
— Não faça isso, Joan, não se apaixone por
ele. É um humano. — Pediu Driana baixinho.
— Acheron é um Guardião — disse Joan
com voz perniciosa, enquanto andavam pelo
castelo, pelos caminhos que Joan conhecia de cor.
Seu dom as camuflava e protegia dos olhares.
— E isso é empecilho? Somos da mesma
raça! — Driana argumentou.

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Joan parou de andar e olhou bem para


Driana:
— Os Guardiões nos prosseguiram, caçaram
e assustaram. Rowell me protegeu, amparou e
amou. Você quer realmente falar sobre quem
merece ser amado?
— Esse assunto não acabou aqui, Joan.
Espero que Eleonora não permita essa loucura. Ela
é rainha agora. Não é possível que aceite isso!
— Eu juro, Driana, que se não a conhecesse e
soubesse como você é intransigente, eu realmente
ficaria magoada com você — infelizmente Driana
era racional demais para aceitar argumentos
puramente emocionais.
— Suas crias serão mestiças e desprovidas de
asas e dons — Driana alegou enquanto andavam
rapidamente, lado a lado.
— Não necessariamente. — Provocou-a.
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— Vai contar com a possibilidade de uma


exceção? — Havia horror na voz de Driana.
— Porque não? — Joan perguntou e para
horror de Driana parecia sincera.
Para Driana era inconcebível contar apenas
com a sorte para embasar uma tomada de decisão!
— Eu vou fazer de conta que não ouvi isso.
Eu não ouvi isso. Não ouvi mesmo!
Apesar dos pesares Joan ria. Era Driana, e
esse comportamento era esperado dela!
As duas chegaram à torre mais alta onde a
murada fornecia espaço suficiente para duas fadas
abrirem suas asas e alçarem voo.
De mãos dadas às duas se lançaram no vazio
da imensidão sob seus corpos e rapidamente
ganharam dimensão e altura, ascendendo em
direção às nuvens de um céu ensolarado...

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*****
De cócoras, Tobias comia os restos que
confiscara do pós-almoço das fêmeas, observava
calado a tensão na face de cada uma delas.
Principalmente da líder. Calada, introspectiva
e nervosa a fêmea de lagarto mantinha-se armada,
com espada e arco, e parecia vigiar o acampamento
constantemente.
Dia e noite. Preocupado, ele pensava naquela
corrente prendendo seu pé. Depois que retiraram a
corrente do pescoço, achou que poderia ter alguma
liberdade, mas a corrente em seu pé era um
constante lembrete da sua situação de prisioneiro.
Tobias havia se deitado com todas as fêmeas
adultas, em idade de procriar, apenas Helana
mantinha-se longe e supunha que a líder não
quisesse misturar as raças.
Ela permanecia intocável, sempre carrancuda
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e nervosa. Às vezes gritava com as outras fêmeas


sempre em sua língua. Ele não entendia, mas sabia
que falavam dele.
Sem apetite deixou os restos e se recostou
contra a pedra, onde ficava sempre preso.
Seu modo irritado de agir chamou atenção de
Helana que desviou o olhar da comida, do prato
com alimento, e cravou o olhar amarelado sobre
ele. Olhar penetrante, profundo, que parecia
arrancar-lhe as verdades escondidas. Quando o
olhava desse modo um profundo arrepio corria a
espinha de Tobias e duvidava se era medo ou
ansiedade.
O pensamento insano de porque essa fêmea
em especial não queria deitar-se com ele.
— Deitou com meu irmão? — Ele perguntou
de surpresa, e pareceu tão surpreso quanto Helana
com a pergunta verbalizada.
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A resposta era não, mas ela não lhe daria o


prazer de ouvir isso da sua boca.
— O que esta acontecendo? Porque o
armamento? — Nenhuma resposta. — Escute, eu
estou preso — ele puxou a pesada corrente e era
como se tentasse exibi-la ao olhar da fêmea — se
algo acontecer eu serei o primeiro a morrer. Não
sou da sua raça, mas sou uma criatura viva e não
lhe fiz nada. Eu não ergui um dedo contra seu
povo. Pelo contrário, fui preso e ainda assim
colaboro com sua causa... — Tentou não ostentar
uma expressão sem vergonha ao dizer isso —
depois que soube da necessidade de proteger a
espécie da extinção.
Por um segundo, um único e fugaz segundo,
pensou ter visto riso no olhar severo. Mas foi muito
rápido e logo desapareceu.
— Eu não vou fugir. — Tobias disse

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mudando a estratégia. — Para onde eu iria? Se


você sabe quem sou, sabe também porque estava
me escondendo... E sabe que não tenho para onde
ir.
Helana afastou o prato e encarou-o. Apetite
perdido.
— Está errado. Eu lhe disse que Eleonora é
rainha agora. E você é um elfo livre. As correntes
não são necessárias, é inofensivo como um filhote
de unicórnio. — Helana desmerece-o e isso o
ofendeu em sua hombridade.
— Então porque ainda estou preso? — Era
quase um esperneio infantil da parte de Tobias e a
mulher lagarto sabia disso.
— Porque precisamos do seu sêmen. E você
fugiria. Não aguentaria a pressão. E de qualquer
modo não é seguro para um elfo desprotegido
enfrentar a floresta agora. Existe uma guerra
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começando, elfo. E você não quer estar em outro


lugar, acredite no que eu digo.
— Me solte, eu preciso encontrar Joan e
ajudá-la. Ela não pode ficar sozinha. Se o que diz é
verdade. Eleonora está protegida. Alma sempre
soube se virar sozinha, não precisa da proteção de
ninguém e Driana... Bem, ela é esperta e capaz de
se manter escondida. Mas Joan é frágil demais
para... Espere, por que está rindo? — Perguntou
irritado, pois ela sorria debochada.
Um olhar cínico, e Helana o ignorou. Soltou
um grito em sua língua quando ele tentou insistir
em falar e um empurrão usando seu cajado, que o
lançou contra a pedra. O mais triste disso tudo era
admitir para si mesmo que cada vez que Helana o
ofendia e agredia mais excitado o deixava.
A única fêmea de lagarto, entre todas que ele
não podia ter.

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— Sua amiga, Joan, não é essa fadinha


desprotegida que você pensa que é. A vida a forjou
em aço. É o que acontece quando o lado feio da
vida se apresenta. A criatura muda. Ela está do meu
lado, lutando por uma chance para nossos povos.
Espero em breve ter notícias dela.
— Joan sabe que estou aqui? — Ele
perguntou surpreso com a informação adquirida.
— Porque saberia? Você é um assunto de
menor importância.
Seu pouco caso o deixou mudo. Exasperado.
Duas fêmeas de lagarto atrapalharam a
conversa. Uma delas era baixinha e cheinha, e
olhava-o com um sorriso de dar gosto, mas
esperava pela permissão de se aproximar. A mais
velha disse algo para Helana, que a fez olhá-lo com
surpresa. Elas conversaram em silêncio um tempo.
Quando as fêmeas se juntaram as demais,
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Helana levantou e aproximou-se dele. Um olhar de


dúvida, de incerteza. Ela retirou a longa e pesada
espada da cintura e Tobias se encolheu, assustado.
Provocar aquela criatura selvagem nunca era
uma boa ideia. Apavorado, Tobias ergueu os braços
instintivamente para se defender quando Helana
ergueu a espada e desceu com fúria, e um brado de
guerra.
Sabia que era seu fim, mas a dor não veio e
ele espiou por entre a proteção de seus braços. A
lâmina afiadíssima cortou a corrente em duas.
Ele estava livre. Ela guardou a espada e
afastou-se.
— Hei! O que é isso? — Gritou, sem
compreender, apontando para a corrente.
— Você é um elfo livre outra vez, pode partir
— Helana avisou, sem olhar na sua direção, de
costas.
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— Por quê? — Ele gritou, querendo saber a


resposta.
— Três fêmeas estão prenhes e duas
desconfiavam disso. Finalmente confirmamos.
Cinco crias. É um bom número. Você pode ir. Não
precisamos mais de você.
Tobias mal acreditou que estivesse sendo
dispensado. Assim, sem aviso? Sem
reconhecimento do seu 'esforço' e dedicação?
Aturdido, descobriu que não queria ir embora e
deixar aquele grupo de mulheres para trás.
Afeiçoado a elas, não gostava da ideia de
nunca mais vê-las. Era um sentimento contraditório
e nada fácil de compreender.
Não era algo sexual.
A sorte dos dois, algoz e prisioneiro, foi que
a conversa não precisou seguir por aquele caminho
estranho. Uma sombra no céu, fez com que ambos
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erguessem o olhar.
Sol era coberto por duas fadas que revoavam
a uma altura segura para não serem vistas por
Caçadores de Recompensa, ou de qualquer outro
perigo que rondasse a floresta e o rochedo sob o
abismo...

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Capítulo 31 — Lágrimas de outono

Joan soube que Rowell não contara a verdade


para seu povo no instante em que seus pés tocaram
o chão de pedra e encontrou seu olhar culpado.
Logo atrás dela, Driana pousava e sua expressão de
represália indicava que entendia o mesmo.
— Eu contei sobre o sequestro e sobre a
necessidade de respeitar a autoridade de Matilde.
Eu deixei uma mulher a comando de um ducado,
Joan. É muito mais do que a maioria desses homens
e mulheres podem suportar. Eu não sei como contar
sobre você. Sobre todos vocês. Eu não sei como
fazer isso.

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Era preciso muita humildade para admitir tal


fraqueza.
Magoada, Joan aproximou-se e estendeu
ambas as mãos para segurar no pescoço do seu
humano, correndo os dedos para uma carícia em
sua nuca. Encostou os lábios nos seus e sussurrou:
— Haverá um dia em que não será necessário
que humanos temam o que é mágico. E neste dia,
Rowell, todos saberão que seu líder é um homem
de coragem. Um pioneiro entre os seus.
Os olhos azuis sempre tão vivos e
esperançosos refletiam uma profunda apatia.
Derrota, Rowell assumira a derrota muito antes do
necessário. Acuada, Joan pensou em como lhe
explicar o que aconteceria.
Em momentos dezenas de fêmeas de lagarto
estariam desembocando dos túneis secretos de
Matilde e seria inevitável o confronto entre
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humanos e criaturas mágicas.


Assustada, e esse medo se refletindo em seus
olhos, Joan sentiu um toque suave no ombro. Era
Driana, cobrando-lhe atenção.
— Use seu dom de fada. Sua dádiva, Joan.
Use-a para esconder quem somos.
— Eu... Não sei se posso. — Joan duvidou,
ainda muito perto de Rowell. — Não sou tão
poderosa assim! Eu mal consigo me camuflar...
— Isso acontece, pois seu dom não está em
uso. Se esforce. — Driana disse com sua voz
sempre empostada e arrogante.
— Se eu conseguir... Como devem parecer?
— Joan perguntou olhando para Rowell.
— Como humanos — disse Driana,
respondendo por ele. — Não deve ser muito difícil
imitar a aparência humana. São todos iguais.

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Joan não queria esse tipo de discussão.


Rowell estava sendo compreensivo com Driana. O
brilho de guerra estava outra vez no olhar de
Rowell, e ele enlaçou sua cintura, enquanto dizia:
— É uma fada muito arrogante, Driana. Eu
me surpreendo que tenha o amor de Joan.
— Parece que Joan resolveu surpreender a
todos nós — Driana sussurrou.
— Chega! Driana, procure por seu elfo
escolhido. E Rowell.... Me leve até o lugar de onde
Helana virá? Por favor, quero que seja o primeiro a
vê-la. É a mãe de Marmom, vocês dois precisam se
conhecer.
Rowell não queria conhecer aquela mulher
que lhe tiraria Marmom. O menino não era como os
outros. Naturalmente, não se encaixava entre os
seus. Os humanos, como chamava Joan.
Com o coração apertado, Rowell manteve
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uma força na mão que segurava sua cintura, um


aperto que desejava dizer-lhe que não poderia
deixá-la ir. Afinal, Joan era como Marmom, não
fazia parte do mundo dos humanos.
— Vamos — disse Joan, ignorando sua
amiga propositalmente.
A vida estava suficientemente difícil para
perder tempo com o ciúme doentio de Driana. A
fada das asas negras sempre foi a mais ciumenta e
possessiva. A mais difícil de lidar. Ser inteligente
demais nem sempre é uma bênção. Driana sempre
foi astuta para tudo, menos para o trato pessoal.
— Está tão calado — ela cochichou para
Rowell quando finalmente entraram na torre, onde
ficava a entrada no chão.
— Não é fácil, Joan. Eu saí daquela cama e
de repente, o mundo está de pernas para o ar — ele
confessou. — Você tem sido a luz da minha vida.
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— Foi sincero, de um modo que apenas quem ama


pode ser. — Mas e o que eu sou para você? Um
empecilho?
— Rowell...? Como pode dizer isso? —
Surpreendeu-se.
— É tão doce, tão pura. Eu me abonei do seu
sentimento, eu monopolizei seu afeto. Desviei seu
olhar para a minha vida, e agora está presa a mim.
Isso não é justo, seu mundo tá tão mais bonito que
o meu. Você merece viver em um lugar bonito,
repleto de pessoas boas. Um mundo onde cortar o
céu com suas asas seja possível e admirado. — Ele
disse com emoção na voz.
— Um mundo bonito? Mais bonito que o
seu? Eu vi um pai sobre uma cama sacrificar-se em
nome de sua filha, disposto a abdicar de seu título e
até mesmo da inocência de sua filha, para que ela
se casasse e pudesse ser protegida por esse

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matrimônio, e assim proteger a vida de todos os


aldeões sobre o ducado de Mac William. Eu vi algo
que não sabia que existia, Rowell. O mundo bonito
em que vivi toda minha vida, aprisiona jovens sem
família e as prende em uma masmorra por toda a
vida, até o dia de sua morte, por não saber o que
fazer com seu nascimento infortunado. O lindo
mundo onde vivo, faz uma mãe tentar assassinar a
filha, pois ela representava a perda de um trono. Eu
vivo em um mundo bonito, onde voar entre as
nuvens é um prazer que custa caro! A qualquer
momento uma fada pode ser abatida em pleno voo
e vendida como souvenir para elfos e outras
criaturas mágicas. Eu vivo em um mundo colorido
e mágico que está ao alcance de qualquer criatura,
no entanto, regras e leis estúpidas nos tornam
intocáveis! Existem injustiças sangrentas em seu
mundo, Rowell. E boa parte delas se reflete no meu
mundo. Há morte em nome do rei. Há vida em
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nome do rei. Há ouro comandando a vida de todas


as criaturas, há soberba e luxo. E, sobretudo, há
medo. O mesmo medo que você sente agora, eu
senti minha vida toda. A única verdadeira diferença
entre o seu mundo e o meu, Rowell, é que ambos
perderam a capacidade de sonhar e acreditar. —
Tocou o rosto de seu humano com candura,
lágrimas nos olhos verdes, como duas folhas
jovens, em um ramo de alecrim. — E o amor,
Rowell, é o mesmo em qualquer mundo que eu
viva. Mas o amor que sinto por você, esse sim, é
capaz de unir o que homem ou criatura jamais
conseguiu unir. Em minutos surgirá por essa
escotilha criaturas que nunca imaginou ver em sua
vida — ela podia sentir o cheiro das fêmeas.
Mesmo sem ouvir passos, elas eram
silenciosas e exímias guerreias, capazes de
camuflar qualquer som. Mas o cheiro era pungente.

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— Receba e acolha essas criaturas. Com o


tempo, sua gente fará o mesmo. Com o tempo,
Rowell.
A voz era tão suave que encantava,
hipnotizava, mesmo que esse não fosse seu dom de
fada. Era a voz macia do querer, e seu coração
falava por ela. Eram palavras sussurradas por sua
alma. E nada poderia ser mais forte do que isso.
Gentilmente, com medo de quebrar o
encanto, Rowell segurou-a pela cintura e
aproximou seus lábios de sua testa, acalmando o
medo que havia entre os dois.
— Me ajude a suportar a perda, Joan — ele
pediu com voz embargada. — Marmom é parte de
mim. — Rowell não queria chorar ou mostrar
fraqueza.
Mas sua filha corria perigo e agora, Marmom
seria tirado dele. Era demais para aguentar.
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— E Marmom sabe disso — ela garantiu,


olhando em seus olhos com o mesmo sentimento.
— Aquele que ama não esquece, nem mesmo com
a distância. Não lamente a partida de Marmom,
comemore o encontro de uma mãe e seu filho, veja
a mágica que há nisso, querido Rowell. Se você
puder ver a mágica desse encontro, então, será
capaz de suportar a saudade e a perda.
Podia ver um receio sem igual no humano.
Rowell temia perder tudo que amava.
— Tenha esperança — ela pediu, lutando
para que as lágrimas não descessem por seu rosto.
— Por favor, Rowell, tenha esperança. Eu tive e
não me arrependi.
Quis lhe contar do medo imenso que sofreu
sozinha e abandonada naquela vila de humanos
quando Tobias partiu sem olhar para trás deixando-
a completamente sozinha, acreditando que essa era

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a única forma de conservá-la viva.


E no final, a justiça prevaleceu. O bem ainda
não vencera o mal, mas havia uma esperança.
— Eu sempre amei o meu irmão. Não sei
onde errei com ele — Rowell confessou e ela
tentou sorrir.
— Talvez não houvesse erro ou acerto.
Talvez apenas humanos e criaturas confusas,
perdidas e desesperadas para ter segurança e
felicidade — pensou em Rainha Santha, a rainha
louca, que provavelmente tivera razões para
abandonar a própria filha em prol de uma liberdade
que jamais conheceu. — Quem sabe, Rowell, seu
irmão apenas esteja perdido, precisando de você?
— Depois de assassinar fadas e quem sabe,
humanos? — Ele maneou a cabeça em negativa. —
Nem mesmo seu puro coração, Joan, poderá
perdoar isso. O que dizer do meu calejado coração?
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A verdade é sempre dolorosa e ainda assim,


libertadora.
— Elas estão vindo — disse Joan apenada,
confiante que nada poderia ser feito com palavras
ou lágrimas.
Demorou, mas a vida lhe ensinou que o
choro não resolve os problemas. Alivia o espírito,
mas não alivia as dores do corpo e do coração. Às
vezes, a luta é o único modo de matar o medo e
vencer o inimigo.
O inimigo vem pela frente, pensou Joan, mas
o medo... Não, o medo age pelas costas.
— Elas? — Perguntou Rowell, mantendo-se
ao seu lado, soltando-a. Queria que essa intimidade
fortalecesse o casal que eram. Que os fortalece
somo senhor e senhora daquele forte.
— São todas fêmeas — ela corou. — Eu
sinto muito, Rowell, mas elas precisam e tentarão
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copular enquanto estiverem aqui. Eu deveria ter


falado sobre isso antes de trazê-las, mas...
— Copular? — Ele entedia o sentido disso,
mas não como ela poderia falar desse modo
desprovido de romantismo.
— Sim, copular. Às vezes as espécies
precisam disso: reprodução. Seja paciente com elas,
um dia pode ser minha reaça na mesma situação...
Ou a sua. — Avisou.
Romantismo a parte, fazer amor era divino, e
as criaturas de seu povo entendiam isso. Mas
quando uma raça está à beira da extinção total, o
amor e o romantismo devem ser deixados de lado.
O alçapão foi empurrado com força bruta e
Joan segurou a mão de Rowell, para que não a
deixasse sozinha. Era o duque do forte, e seria
natural que as fêmeas de lagarto preferissem
negociar com ela, uma fada, do que com um
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humano. Mas Joan não era duquesa. Ainda... Sorriu


para ele.
O humano não podia saber por que do
sorriso, mesmo assim aliviava seu coração ver um
sorriso doce e cálido. Aquela jovem, aquela fada,
era uma luz em sua vida escura.
O alçapão cedeu e uma voz foi ouvida. Logo
um corpo apareceu. A fêmea falava em sua língua
nativa, provavelmente acalmando as demais
fêmeas.
Sujas de terra e poeira, dos túneis e caminhos
obscuros, pois eram muitas e preferiam rastejar nas
paredes do que andar com dois pés, as criaturas
finalmente saíram uma a uma pelo buraco do
alçapão.
Tenso, gelado, era assim que Joan sentia seu
humano. Umas trinta fêmeas se encolheram na
torre, algumas preferindo as paredes e o teto. Os
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olhos de Rowell seguiram uma delas, que ágil e


pequena, correu pela parede com seu longo rabo,
sua cor esverdeada, e seus olhos amarelados. Ela
possuía ranhuras na pele. Era mal coberta por panos
e peles em suas partes íntimas.
— Por favor, ela precisa descer — pediu
Joan, referindo-se a jovem que corria pela parede
de pedras. — São bem vindas aqui, e estarão
seguras atrás dessas portas. Mas... Helana, como
contar a todos os humanos, assim, de uma única
vez? Olhe para vocês. Olhe para mim. Eles são
humanos, não conhecem nosso mundo. — Apelou
— eu posso tentar camuflá-las. É a melhor forma
de mantê-las junto aos humanos sem causar horror
ou pânico. Isso a ofende?
Não queria causar dissabor entre elas, e algo
desse tipo pode acabar com a mais sólida das
amizades.

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— Sim, isso nos ofende. — Helana disse


altiva. — É o líder dos humanos?
— Desde ducado, sim — disse Joan,
respondendo por Rowell — Existem outros lideres,
aos quais Rowell se reporta, e eles não entenderiam
quem você é, Helana.
— É o líder dos humanos? — A fêmea de
lagarto insistiu na pergunta, espada na mão, a
lâmina baixa, mesmo assim, cada poro pedindo por
luta.
— Sim — ele respondeu entendendo que ela
não queria saber de outros lideres, e sim do líder
daquele ducado em especial. — Eu nunca vi algo
como você. Perdoe meu pasmo. — Encontrou a
voz, e Joan olhou de um para o outro, buscando por
interesse.
Helana era bonita e Rowell parecia bastante
inclinado a se apaixonar por raças distintas, como
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ela própria.
— Rowell é o meu escolhido, nenhuma delas
pode tentar cruzar com ele! — Joan acabou
envergando pela conversa, trazendo o assunto à
tona muito cedo. — Eu quero dizer... Ele tem uma
fada escolhida, não deve cruzar com outra de seu
povo, pois as crias pertenceriam a ele. Não
esqueçam que sobre essa terra, o título que
prevalecesse é o humano e devemos respeitar esse
direito. — Joan baixou a cabeça envergonhada,
pois é claro que as outras fêmeas sabiam do seu
ciúme imediato.
Uma delas disse algo em sua língua e
mortificada, ela assistiu Helana calar os
burburinhos.
— Deixamos o elfo lá embaixo. Ele falava
sem parar e nos atrasava — disse Helana, mudando
o assunto. — Podemos sair? É preciso avaliar o

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forte e definir os pontos de defesa. Se começarmos


agora, até a noite teremos total domínio sobre a
segurança do local.
Aturdido com a rapidez que tudo acontecia,
Rowell acenou concordando.
Joan soltou a mão dele e concentrou-se. Não
era fácil. Não mesmo. Ela nem sabia se
conseguiria. Aos poucos Rowell foi observando
algumas belas aldeãs surgindo entre as fêmeas de
lagarto. Quando Joan terminou o que fazia, todas
elas se pareciam, vestiam e agiam como humanas.
Humanas com pouca roupa é verdade, mesmo
assim humanas.
— Eu as apresentarei aos meus homens de
confiança — ele disse sério, apontando a porta. —
Você vem? — Ele estendeu a mão para Joan que
sorriu orgulhosa e estava quase saindo com ele,
quando parou e disse:

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— Não, não, não. Eu quase esqueci! Tobias!


Vá, ajude-a, eu estarei com você em breve —
salpicou um beijo rápido nos lábios de Rowell e
correu para o alçapão, gritando o nome de Tobias.
Rowell ficou de pé observando o vazio da
torre.
Tudo acontecia tão rápido.
Lá embaixo, Joan não demorou a encontrar
Tobias amordaçado e amarrado.
— Tobias! Eu não acredito! — Joan quase
zombou, abaixando-se no chão de cócoras para
soltar as cordas. Ficou muito próxima e ele
perguntou no mesmo instante em que a mordaça foi
tirada:
— Eleonora é mesmo rainha?
— Sim, Eleonora agora é uma rainha. Rainha
do Monte das Fadas — ela disse, os longos cabelos

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ruivos cobrindo sua face e encantando qualquer


olhar masculino que estivesse perto. — Não faça
nenhuma piadinha infame, Tobias — avisou
sabendo bem o que passava pela mente maliciosa
do amigo — se fizer qualquer piadinha sobre o
cheiro de cio ou ausência dele, eu juro que o deixo
aqui!
Tobias não resistiu a rir. Era bom estar com
sua amiga outra vez.
— Driana está aqui. E ela é escolhida do
Guardião Acheron, não ouse rir dela! Driana anda
com o humor de um duende logrado!
Finalmente solto, Tobias levantou e a
surpreendeu com um abraço apertado.
— Ainda bem que acabou. Que essa
perseguição toda acabou! Estou morrendo de fome.
Onde acho comida nesse lugar?
Joan sorriu.
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Sim, esse era Tobias.


*****
A expressão de Matilde era angustiante. As
humanas Molly e Liara cuidavam dos meninos, e o
modo como Molly olhava para Joan era
assustadoramente frágil. Liara agora sabia da
verdade. Infelizmente descobrira pela boca nada
gentil de Matilde.
Liara evitava olhar para as duas criaturas
com asas que estavam no mesmo recinto que ela.
Seu pavor cheirava a fuga. A pobre humana parecia
prestes a decidir se deveria ir embora ou ficar.
Dentro dos portões do forte era protegida.
Molly, pelo contrário parecia desesperada
por olhar e decorar cada nuance das fadas. A ponto
desde olhar insistente irritar profundamente Driana.
Como se sua amiga não estivesse suficientemente
incomodada com as fêmeas de lagarto, que viram
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em Acheron um partido e tanto para gerar crias


fortes e resistentes, pois o Guardião era uma
muralha de força e vitalidade.
Quando Rowell regressou com Helana, havia
se passado menos de uma hora, mas a ansiedade
transformava esse tempo em algo insuportável de
aguardar.
— Eu garanto a segurança desse forte e dos
humanos — disse Helana, achando que devia
satisfações para Joan, pois de um modo totalmente
inesperado, a fadinha havia se tornado uma líder
para seu povo. As salvara de um caminho
destrutivo e trazia esperança para sua raça, e quem
sabe, todas as demais. — Em troca da proteção que
estas muralhas garantem para minha gente. É uma
troca justa — Helana falava, e seus olhos
acompanhavam cada movimento da criança que
brincava perto de Liara.

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O modo como Rowell olhou para o filho era


de cortar o coração. A real vontade do duque era
pegar o filho nos braços e sair fugido dali, para
protegê-lo e mantê-lo consigo.
Mas era um desejo egoísta. O menino não era
de sua raça, e isso era facilmente notado não apenas
em aparência e comportamento, mas também em
propensão em achegar-se a Joan. Sempre querendo
o carinho da fada.
As raças se reconheciam. Entrosamento
natural.
— Marmom, querido, venha cá — Joan
chamou, abaixando-se para interceptar a corrida
empolgada do menino. Ergueu-o no colo, e riu,
libertando os cabelos do ataque dos dentes vorazes
da criança. — Quero que conheça algumas pessoas,
Marmom. — Disse com voz meiga, atraindo a
atenção do menino. — Não, não coma meu cabelo,

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querido! — Ela fez um afago no rosto do menino e


ele escondeu o rostinho em seu pescoço, manhoso.
— Veja, essa fada rabugenta é minha amiga Driana
— mostrou ao menino, arrancando um suspiro
exaltado de Driana — esse elfo enorme é Acheron.
Ele é um Guardião. Quem sabe um dia não lhe
ensinará a lutar? Já pensou? Um homem lagarto
unindo sua força ao poder de uma armadura? —
Era um modo doce de explicar ao menino quem
era. E pelo modo como Rowell olhava os dois, isso
o mortificava e doía em seu coração. — E esta, é a
líder do seu povo, Marmom. Você já a conhece,
não é mesmo? Seu nome é Helana. Você a conhece,
Marmom?
Era um pergunta retórica. Tão logo os olhos
levemente amarelados do menino viram por de trás
do disfarce e camuflagem que Joan criara para
Helana, reconheceu-a, estendeu os braços em sua

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direção, pedindo colo.


Joan ouvia o menino chamando Helana por
algumas palavras de seu dialeto, e imaginava que
nas visitas feitas à criança, Helana conversava em
sua língua. De seu canto, Tobias aproximou-se e
Helana afastou-se com o menino no colo, no
mesmo instante, como quem deseja se proteger e
proteger a cria.
Longe de todos, apenas os dois, sem mais
segredos, sem mais medos.
— Quem é o menino? — Perguntou Tobias,
confuso.
— É filho de Helana — contou Joan,
orgulhosa de ver mãe e filho finalmente juntos, sem
segredos. — O humano Edward liderou um ataque
que exterminou os homens lagarto, inclusive o
marido de Helana, líder de seu povo. E aprisionou
suas fêmeas. Marmom é o último macho de sangue
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puro de sua raça. — Explicou baixinho, seus olhos


procurando pela imagem de Rowell.
Ele olhou para Tommy, um menino bem
mais crescido, mas ainda inocente. Ele não entendia
nada de diferenças de raças.
Aonde o irmão ia, Tommy ia atrás. Era assim
que funcionava. Nada mais natural que procurar
por Marmom, com uma bolinha de pano nas mãos,
chamando-o para brincar.
A fêmea Helana olhou para a criança humana
com assombro. Seu primeiro e único impulso foi
afastá-los. O tempo de mentiras acabou, Marmom
era seu filho e teria o nome do pai. Não aquele
nome humano.
Observando o modo como Helana parecia
prestes a chutar a criança humana para bem longe,
afastando o filho dos humanos definitivamente,
sem saber, causando uma briga e rachadura entre a
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frágil aliança de criaturas e humanos, Tobias num


impulso aproximou-se e pegou o menino humano e
o colocou sobre o os ombros.
— Crianças gostam de jogar bola, Helana.
Deixe o menino brincar — ele não esperou
permissão, roubou-lhe Marmom e Joan sorriu
orgulhosa de seu amigo.
— Não se preocupe — disse Joan para
Rowell — Tobias é maravilhoso com crianças. —
Observou que o elfo saiu da sala, levando as
crianças para longe de toda a agitação.
Infelizmente Marmom poderia ser o pivô de
uma briga. Estavam todos tensos e a lucidez se
perde em momento de tensão. A pobre Liara seguiu
correndo, pois era seu dever cuidar das crianças do
duque, mesmo que isso lhe causasse medo e
assombro.
— É tempo de partir — disse Rowell nada
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convencido que aquilo era uma boa ideia. — Já


esperei tempo demais. Alice precisa de mim.
— Vá — disse Helana. — Seu povo está
seguro. Nossas diferenças serão acertadas quando
retornar.
Era um claro aviso que precisariam discutir
sobre o menino Marmom.
— Isso mesmo, chega de imprevistos —
disse Driana incomodada com a demora —
Acheron despachou Mikazar para que avise Alma e
Solon. Precisamos reunir o maior número possível
de Guardiões. Ainda resta Egan para ser avisado.
— Minha mãe — Rowell aproximou-se de
Matilde e a beijou na testa, confortando-a — fique
de olho no forte. O ducado está sobre suas ordens.
Não gaste sua energia contra aliados e sim, contra
os inimigos — era um aviso para que não se
envolvesse em brigas com aquelas criaturas que os
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ajudavam.
— Traga Alice de volta — pediu Matilde,
com voz embargada.
— É o que farei. — Ele prometeu. Virou-se
para Joan e ela aproximou-se com o coração
acelerado dentro do peito.
— Não tenha medo, Duque, vamos encontrar
Alice e trazê-la de volta. Tenha fé.
O Duque Mac William não podia ter fé, ele
precisava de ação. Mas o humano Rowell, o
homem apaixonado, tinha esperanças. E era isso
que importava.
Era tempo de erguer a espada e lutar. E com
essa certeza, humano e criaturas, partiram do forte
em direção ao Monte das Fadas.
Em algum lugar próximo ao castelo, Egan foi
impedido de saber de tudo que acontecia através da

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boca de um Guardião de confiança, como era


Acheron. Pelo contrário.
Encontrou Zoé. Na beira de um rio, suja,
zonza e aos prantos. Primeiramente não entendeu o
que dizia. Depois, tudo fez sentido. Algo perigoso
acontecia e Zoé apenas trouxera um empecilho a
mais para a fada Joan.
Foi preciso paciência e um tempo inútil para
convencer a Guardiã a levantar e seguir com ele.
Precisava de suas asas para chegar ao castelo em
tempo menor. Zoé entre choro e mãos trêmulas lhe
disse que havia perdido sua armadura. Agora era
apenas uma fada comum, sem proteção.
Era apenas uma fada com dom e asas.
Apenas isso...
*****
Do alto de um voo desengonçado, Joan olhou

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para baixo e viu o mesmo que Rowell: fêmeas de


lagarto cobrindo cada pedaço do telhado, das torres
e muradas, entrosadas aos humanos, com suas
armas em mãos, prontas para a luta.
Um novo tempo estava para começar naquele
ducado. Um novo tempo estava para começar no
Monte das Fadas.

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Capítulo 32 — Girassóis e

margaridas

O ar parecia menos respirável dentro das


portas do castelo do Rei Isac. Eleonora sentia na
pele a hostilidade. Não sabia por que ou o que
levou a isso, mas sentia o desagrado. Era perita em
identificar o nojo e rechaço. Uma fada da clausura
aprende a lidar com a rejeição desde a tenra idade.
Ela retirou-se do jantar, deixando a mesa
repleta de Conselheiros e seus familiares, e foi
ajudada por Reina, seu braço direito. Ou muito
mais do que isso, sua amiga, sua mãe não de

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sangue, mas sim de coração.


As duas andavam pelos corredores
silenciosos.
— O que está acontecendo, Reina? Porque
eles estão assim? — Perguntou ao sussurros,
enquanto ambas andavam rapidamente, como se
estivessem sendo perseguidas.
— Eu não sei. Túlio anda preocupado. Na
verdade, ele anda nervoso. Algo acontece,
Eleonora. Ainda não sabemos o que é. Mas os
Conselheiros tramam algo. — A escoltou até a torre
mais alta, onde ficava o quarto do Rei, antigo
quarto de Isac e Santha.
Em breve, Eleonora pretendia mudar de
dormitório, pois aquele lugar lhe dava pesadelos.
Mas por hora, precisava preocupar-se com suas
amigas e Tobias. Alma estava segura, Driana
também. Mas ainda restava encontrar e salvar Joan.
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Pensar em sua fadinha de olhos delicados e


expressão assustada, cortava seu coração.
Reina a levou diretamente para a cama, pois
Eleonora vinha sentindo-se péssima. Ela deitou,
mas não deixou Reina ir. Segurou sua mão e
perguntou angustiada:
— Egan encontrará Joan viva, não é?
— É claro que sim, querida — Reina a
abraçou e Eleonora escondeu o rosto em seu
ombro, precisando ser confortada.
— Miquelina não viu nada sobre Joan? Você
não pode pedir a ela que...? — Insistiu, e era uma
conversa sempre abortada pelas desculpas de
Reina.
— Miquelina não gosta das fadas do
Ministério do Rei. Ela dirá se vir algo. Não adianta
pedir por ajuda. Ela negará a menos que haja razão
para interferir.
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— Isso não é justo! — Eleonora revoltou-se.


— Eu sou uma rainha! Ela me deve obediência!
— Ora, por favor, Eleonora, Miquelina nunca
respeitou nem mesmo Santha que impunha respeito
baseado em medo! Acha que respeitará uma fada
da clausura? — A voz de Reina era forte e
dolorosamente verdadeira.
— Porque não diz de uma vez, Reina?
Ninguém me respeita. Os Conselheiros estão
armando contra mim! Eu sinto! Eu posso sentir,
algo está errado. Algo acontece. Olhe para mim
quando falo! — Exigiu, pois Reina afastava-se e
andava pelo quarto. — Olhe para mim! Estou
murchando! O ar está seco, está sem vida, sem
viço! O ar está ralo, sem calor, sem frio! Eu sinto!
O tempo muda, e eu nunca vi uma mudança dessas,
nem mesmo nos piores invernos ou verões! O que
está acontecendo? Quem está agindo contra o

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clima? Quem além de mim poderia fazer isso?


— Não deve se preocupar com isso,
Eleonora. Pense em seu estado. Egan voltará em
breve e tudo ficará bem — Reina disse nervosa —
apegue-se a essa certeza. Tudo ficará bem.
— Não! Eu quero saber o que deixa Túlio
nervoso! Porque o primeiro conselheiro está
nervoso?
Reina demorou em responder. De costas,
deixou de lado os cuidados com uma bela peça de
roupa e olhou para Eleonora com angústia.
— Porque os Conselheiros não o obedecem
mais. Eles o ignoram. Os Guardiões... São apenas
seis Guardiões jovens. Eles obedecem cegamente
aos Conselheiros. O povo obedece aos
Conselheiros. Acho que era por isso que Isac
amava tanto Santha... Ela impunha respeito baseado
no medo e esse medo trazia obediência. Você...
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Você trás afeição de um povo sofrido e


escravizado. Apenas isso. Você terá a eterna
gratidão e obediência dos fracos, Eleonora.
Daqueles que não impõe poder de luta. Você é um
alvo frágil. É o que está acontecendo.
— Serei traída? — A pergunta soou gélida,
mas ela tremia.
Sua mão pousada sobre o ventre, onde o
primeiro herdeiro do reino crescia. As roupas largas
disfarçavam a cria, mas as fêmeas sabiam. O cheiro
de uma fada prenhe era facilmente captado pelas
outras fêmeas. Era possível que alguma delas
houvesse contado aos Conselheiros?
— Mas o que eles ganham me tirando do
poder? Nenhum deles pode assumir? — Era uma
dúvida baseada em lógica e nas leis do Reino.
— Eu não sei. Mas você precisa ficar aqui.
Não saia sem mim. Eu... Túlio pediu que cuidasse
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de você. Eu não posso protegê-la se estiver longe


de mim.
— Ninguém pode me proteger — Eleonora
disse séria. — Se a traição acontecerá dentro do
castelo, eu preciso fugir. — Ela disse séria. — Eu
não me envergonho, Reina, eu fujo e protejo o
direito de sucessão. — Olhou para a própria barriga
— eu preciso proteger minha cria até o retorno de
Egan.
— Não pode fugir, Lora. Eles não deixarão
— Reina explicou, a força e determinação sempre
presente em sua personalidade, desapareceram
enquanto falava. — Eu não deveria lhe contar...
Seu estado é tão delicado... Estamos presas.
Cercadas. Túlio não pode interferir. Ele está sendo
vigiado. Será morto se erguer um dedo contra os
Conselheiros. Nada poderemos fazer sem os
Guardiões Egan, Acheron, Solon e Zoé.

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— Será... Será que... Oh, não, Reina, isso


explica uma dúvida que sempre tive — ela disse a
beira do choro.
Vestida com um vestido branco, coberto por
pedras delicadas e brancas como a roupa, com um
longo manto azul claro, também coberto por
pedraria, nos pés sandálias trançadas e na cabeça
uma tiara passando sobre a testa com lindos
diamantes, que constatavam com sua tez muito
clara, seus olhos quase sem cor, e seus longos e
ondulados cabelos louros, praticamente
descoloridos. Suas asas recolhidas em suas costas e
escondidas pelo manto.
— Do que fala, Eleonora? — Reina
aproximou-se da cama, e o olhar perdido de
Eleonora despertou seu medo maior.
— Eu sempre entendi a ideia de Santha em
acusar quatro fadas. Isso esconderia minha

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descendência. O que nunca entendi... Foi porque


Lucius permitiu essa estupidez.
— Estupidez? — Reina não entendeu.
— Sim, qual líder em sã consciência enviaria
de uma única vez seus únicos Guardiões de força e
treinamento, capazes de defender seu reino? O
lógico seria enviar um Guardião experiente e outros
de menor valia. Agora faz sentido... Se Lucius
pretendia tomar o poder... Ele faria isso à revelia do
desejo de liberdade de Santha. Ele a enganaria,
Reina. Ele tiraria seu trono. — Era a dedução mais
lógica.
— Não sinta pena dela — disse Reina,
sabendo muito bem que o coração bondoso de
Eleonora sofreria pela mãe desnaturada que a traiu.
— Eu não sinto — Eleonora mentiu, e Reina
sabia que era apenas para tentar agradá-la. Para
dizer-lhe sem palavras que era sua escolhida, sua
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mãe substituta e que seu amor era todo dela. Que


seus sentimentos por Santha eram confusos e
deslocados, orbitando entre piedade e outro
sentimento inominável, de não ter tido a chance de
conhecer a verdadeira Santha.
Por mais que amasse Reina, não podia pedir
que entendesse o que uma fada condenada a
clausura sentia. Os mistérios que se camuflavam
em seu coração.
Ano após ano vendo Alma perdendo o
controle e o juízo, uma bomba prestes a explodir,
presa entre quatro paredes, tentando não
enlouquecer completamente. Ver Driana com a
cabeça enfurnada em livros, em uma eterna busca
por uma saída, uma alternativa, uma lei ainda não
explorada, que pudesse ser burlada, mesmo
sabendo que seria uma busca vã. Ou ver Joan
chorando pela reclusão eminente. Sim, Reina não

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entendia nada disso, era profundo demais para


alguém que nasceu livre compreender.
Mesmo assim não desejava machucar o
coração de Reina.
— Não falaremos mais dessa fada imunda.
Eu vou buscar algo para você comer. Mal tocou no
jantar. E meu neto merece ser cuidado com todo
zelo — Reina disse carinhosa, aproximando-se para
um beijo suave em sua testa.
Reina saiu e Eleonora não se acalmou.
Sim, fugir era sua única alternativa. Ela não
queria ser rainha. Poderia facilmente viver feliz em
uma casinha na floresta, ao lado de Egan, de sua
cria, e de suas amigas. Prezar sua linhagem e sua
família era seu único desejo.
Uma guerra destruiria o mundo mágico, mas
Eleonora não deixaria que destruísse também sua
vida.
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Na inércia de não saber o que fazer com a


liberdade que afastara suas amigas de si, impedia
seu grande amor de estar perto, de quebra colocava
sua vida e a vida de sua cria em risco, Eleonora
levantou e aproximou-se do gigantesco espelho no
canto do quarto. Ao lado uma penteadeira coberta
de perfumes, joias e luxo. Ela retirou a tiara da testa
e soltou o manto dos ombros, o tecido diáfano
caindo sobre o encosto de uma cadeira de veludo e
metal dourado.
Com o peito pesado de medo e angústia,
Eleonora ergueu os olhos para o espelho e o que
viu a deixou imóvel.
Seu reflexo duplicado?
Não, não era uma vertigem ou algo assim.
Havia duas mulheres, uma jovem e outra
austera, ambas parecidas, quase idênticas, não fosse
a diferença de idade, ambas refletidas na mesma
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imagem.
A primeira com sua beleza esfuziante, juvenil
e cuidada. Cabelos brilhantes, pele cristalina e
olhos brilhantes de uma esperança que jamais
poderia ser extinta. A segunda apática, suja, e
abatida, os olhos sem vida, sem brilho. A esperança
perdida. A vida roubada, o preço pago pelos
próprios desejos de domínio e soberba.
Passado o susto, Eleonora se moveu e pegou
o punhal que sempre ficava sobre a penteadeira,
uma lâmina pequena e perfeita para uma fada frágil
usar contra seu oponente.
— O que você está fazendo aqui? —
Perguntou, virando para a intrusa, erguendo a arma,
como uma oferta, pois não hesitaria em usar a
lâmina se necessário.
— Você me deixou ir — disse Santha, sem
mover um dedo para aproximar-se ou fugir de uma
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possível agressão. — Me deixou ser livre.


— Não. Eu não fiz isso. — Eleonora negou.
— O que você quer?
— Avisá-la. — Disse Santha com voz sem
viço. Sem vida.
— Avisar? O que você pode ter para me
dizer que possa me interessar? — Sua mão tremia.
— Um humano trama contra seu reino,
rainha — disse Santha, um passo para frente. —
Um humano lidera uma revolta. Estará morta antes
do amanhecer do novo dia.
— Está mentido. Quer seu trono de volta? —
Eleonora acusou e sua voz cresceu um tom, em
fúria. — Não basta tudo que já me fez na vida?
— Eu posso provar. Esse humano rouba asas
de fadas. Ele trará sua amante louca para tomar seu
trono. Você me deu a liberdade, Eleonora, e eu não

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pude ser livre. Não era meu destino. Roubaram a


liberdade de mim outra vez.
Eleonora temeu sua movimentação. Santha
apenas virou de costas e deixou o manto surrado e
fétido que usava cair no chão, revelando roupas em
trapos e uma imagem devastadoramente cruel, que
fez o punhal cair das mãos de Eleonora e despertou
um som de horror de Reina, que naquele instante
abria a porta do quarto e adentrava.
As costas de Santha eram uma cena
devastada. Asas cerradas, feridas abertas, ainda
cicatrizando. O medo de toda fada.
— O humano rouba asas de fada. Eu tive
azar, Caçadores de Fada me apanharam. Eu nunca
fui livre. Não sabia para onde ir ou onde me
esconder. Eu nem sabia que existiam Caçadores de
Recompensa. Eu não sabia de nada disso — disse
Santha com voz perdida e viçosa.

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— E como poderia? — Foi Reina quem


disse. — Viveu toda uma vida de luxo e poder, mas
nunca olhou para seu povo! Todas as leis que
protegiam os humildes foram vetadas por Isac, e eu
sei que era você quem o convencia! Nessa cama —
Reina apontou a cama majestosa que adornava o
quarto. — Nessa cama, você fazia a cabeça do rei
contra as boas leis! Instruída por Lucius! Alguma
vez perguntou ao seu amante a razão disso?
— Não — disse Santha, olhando para sua
antiga pajem, que cuidava de sua vaidade e suas
necessidades de rainha caprichosa e cheia de
vontades. — Fui pega e levada para uma caverna.
Eu não preciso dizer o que aconteceu depois.
Levaram minhas asas. Minhas lindas asas. — Ela
baixou os olhos, lágrimas não existiam mais. Oca,
sem lágrimas, era como se sentia. — Eu ouvi tudo,
o que fariam e por que. Nenhum deles achou que

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sobreviveria para contar a alguém. Eu não valia a


venda. Não servia para mais nada, fui deixada para
morrer. Como pode ver, não foi o que aconteceu.
— Que lástima — disse Reina rancorosa. —
Pelo que vejo, mãe e filha sobrevivem a tentativas
de assassinato com muito propósito — era uma
lembrança que fizera algo muito parecido com
Eleonora, quando esta era apenas um bebê
desprotegido.
— O que você quer, Santha? — Perguntou
Eleonora, recuperada do choque. — Compaixão?
Ajuda? É isso que você quer de mim? É o que veio
buscar?
— Não — Santha disse aproximando-se do
enorme espelho, ficando ao lado de Eleonora e com
um sorriso de pavor, disse — Que feia, estou tão
feia.
— Você sempre foi horrorosa — disse Reina.
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— Sempre que eu a via, sentia um embrulho no


estômago. A coisa mais feia que já vi na vida.
Olhar para sua bela face sempre me despertou
apenas medo e horror.
— Eu não fui sempre assim — disse Santha
olhando-se no grande espelho com piedade da linda
mulher que fora um dia. — Não tente entender,
Reina, aquilo que lhe é desconhecido — ela dizia,
seus olhos encontrando os olhos de Eleonora
através do espelho. — Eu nem sempre fui
horrorosa. Nem sempre. — Eleonora não duvidava
disso. No Ministério do Rei, quando era penas uma
órfã desesperada por liberdade, quem sabe, Santha
houvesse sido alguém valoroso? Mas ponderar
sobre seu caráter não mudaria nada. O que está
feito, está feito. — Os Conselheiros estão vendidos.
Com exceção de Túlio, os demais estão vendidos
para o humano. Os Guardiões de menor

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importância se reportam unicamente a eles. Eles


creem em um ataque de duendes e seguirão as
ordens dos Conselheiros. Não sabem das enormes
mentiras por trás de cada Conselheiro. Do ódio e do
rancor que cada um guarda. É o que acontece
quando se perde àquilo que mais ama — ela disse
com propriedade. — A perda de uma armadura.
Um verdadeiro Guardião sabe abrir mão de sua
armadura em prol da juventude. Mas poucos foram
agraciados com a possibilidade de passá-las para
seus filhos e de algum modo, ainda possuí-las. A
maioria guarda rancor e ódio. E esses sentimentos
são poderosos — olhou para Reina e afastou-se do
espelho. Era impossível não olharem para as feridas
horrendas em suas costas. Ainda abatida, mesmo
que fraca e cansada.
— Haverá uma guerra, e nenhuma fada ou
elfo erguerá um dedo contra Guardiões. No instante

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em que os Guardiões erguerem suas espadas, tudo


estará perdido. A guerra decidida e sua morte é
uma certeza definida — Santha disse apática. — A
única forma de impedir é escondendo-a dos olhos
dos Conselheiros enquanto os Guardiões
experientes voltam.
— Como sabe que os Guardiões estão
voltando para o castelo? — Perguntou Eleonora
insegura do que ouvia ser verdade.
— Quando se vive em surdina, aprende-se a
ter olhos e ouvidos apurados. Eu estive na
companhia de uma duende muito bem informada
— olhou diretamente para Reina que sabia de quem
falava.
— E Lucius? Ele está nisso, não é? — Reina
perguntou aproximando-se para ficar entre as duas
fadas, mantendo Eleonora sob sua proteção, mesmo
que não pudesse de fato protegê-la.

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— Acho que descobrirá que Lucius foi morto


em sua cela — ela disse com olhos vazios,
carregados de demência e vingança.
— Você o matou? — Eleonora perguntou
surpresa.
— Isso a admira? Eu conheço esse castelo
como a palma da minha mão. Eu não atentei contra
você, porque o trono não mais me interessa. —
Santha revidou. — É rainha, Eleonora. E deve
proteger seu poder. Esconda-se enquanto a luta
acontece. Guardião Acheron está a caminho com
suas amigas.
— Todas elas? — A pergunta soou frágil e
Santha nada respondeu.
— Pegue o punhal, Reina — disse Santha. —
Acho que isso lhe dará um prazer indescritível. —
Disse quase sorrindo.
— O que devo fazer com o punhal? —
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Perguntou Reina engolindo em seco.


— O que você sempre desejou fazer. —
Santha explicou. — Me dê um belo vestido,
Eleonora, e sua joia preferida. E seu perfume mais
usado.
Eleonora olhou para Reina como quem
pergunta se deve mesmo fazer isso. O modo como
Reina a olhou era indescritível. Dez minutos mais
tarde, vestida e penteada, Santha aproximou-se da
cama e disse:
— Durante vinte anos este foi meu leito. O
meu lugar no mundo. Quando a porta se fechava,
meus pecados ficavam do lado de fora e eu era
protegida e amparada. Nos braços de Isac. Quando
a porta se fechava, eu conhecia o amor. Eu amei e
fui amada. Eu não sei se alguém merece isso. Se eu
mereci. Mas esse leito foi o único lugar onde fui
verdadeiramente livre. — Angústia em seu olhar,

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finalmente se refletiu em lágrimas e ela olhou para


a filha com esse sentimento. — Eu não a amei,
Eleonora. Eu não pude amar a cria que vinha do
desespero e da desistência. Eu não amei Lucius, ele
era meu apoio na desgraça. Eu não amei a mim
mesma. Eu não peço perdão. Eu não sei como fazer
isso. Deixou-me viver meses atrás, e agora eu
escolho que você viva. Isso não vai redimir tudo
que fiz. Faça de conta que hoje é seu nascimento. E
hoje estou lhe trazendo ao mundo. Apenas faça de
conta que eu fiz minha parte e lhe fui uma boa
progenitora.
Eleonora não entendeu o que isso significava,
até ver Reina aproximar-se da cama com o punhal
em mãos.
— Vista uma roupa simples e uma capa
longa, que cubra seus cabelos e seu rosto — disse
Reina, com tensão na face e voz. — Olhe para o

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outro lado e cubra seus ouvidos, Eleonora.


— Não, Reina, você não pode fazer isso... —
Eleonora apelou, ao entender.
— Obedeça! — Reina gritou, empurrando
Eleonora na direção do biombo que separava as
roupas do quarto. — Vista-se!
— Reina, não faça isso! — Tentou segurá-la,
mas Reina a manteve imóvel e olhou fundo em seus
olhos, o punhal em uma das mãos, a outra agarrava
o rosto de Eleonora e a mantinham imóvel.
— Eu a resgatei da morte, Lora, e você foi
minha razão de viver por todos esses anos. Não
permitirei que a tirem de mim. Santha entende. Eu
entendo. Olhe para si mesma e para sua barriga,
pense em sua cria, e entenderá também.
Era um momento de desequilíbrio ou quem
sabe, pela primeira vez na vida, de lucidez total.
Eleonora ficou ali, sem ver o que acontecia. Olhos
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arregalados, medo, dor, eram sentimentos que não


sabia definir. Suas mãos agarraram o metal gelado
do biombo, ouvindo os passos de Reina pelo
quarto.
— Faça — Eleonora ouviu o sussurro de
Santha e ouviu um sussurro ainda menor de Reina:
— Se pudesse ser tudo diferente...
Eleonora não viu, mas Santha deitou-se na
cama, bem no centro, a cabeça apoiada nos limpos
e perfumados travesseiros e sorria. Sim, ela sorria
para sua pajem, sua companheira de uma vida toda.
Onde sempre houve ódio, havia agora amor.
Amor por uma única pessoa: Eleonora. Reina
ergueu o punhal e Santha fechou os olhos. Pensava
em Isac e na dor de sua ausência, que finalmente
chegaria ao fim.
O punhal desceu e encontrou abrigo entre os
seios da fada. O pequeno grito de agonia, veio de
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Reina e não de Santha, que não gemeu ou gritou,


apenas piscou os olhos, enquanto a vida partia. No
final, apenas uma poça de sangue pequena e um
punhal caído no chão.
Reina ficou olhando para o corpo sem vida.
Eleonora saiu de trás do biombo vestida como
Reina pediu, e aproximou-se com um lenço nas
mãos. Tomou o punhal das mãos de Reina e
limpou-o para afastar seu cheiro de fada. Jogou a
arma em um canto qualquer.
— Parece que esse quarto é fadado as
tragédias e artimanhas — disse Reina, sem reação
diante do que fizera.
— Para onde eu vou, Reina? — Perguntou
sem saber o que fazia.
Sem olhar para a cama, onde o corpo jazia.
Ela lutou para não olhar. Era como ver um espelho
refletir a si mesma, era como ver o passado e
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presente fundindo-se em um único caminho. Era


deveras triste, sombrio e louco. Ela não podia
chorar, temia agarrar-se ao corpo sem vida, pedindo
pelo amor que nunca recebeu.
Era forte demais, tremia por dentro e por
fora. Era grandioso demais. Olhar para Reina e vê-
la como uma assassina, olhar para si mesma e saber
que era cúmplice. Olhar em torno e enxergar três
fadas tentando salvar uma descendência que se
abrigava em seu ventre. Amor que não nasceu
ainda, mas mudava toda a história de um povo.
— Para o Ministério do Rei. Para Miquelina.
Ela vai abrigá-la. Ninguém a procurará naquele
inferno.
Era verdade, o orfanato fora destituído, mas
as carcereiras ainda viviam lá, numa espécie de
revolta contra as ordens da rainha. O lugar era um
monumento à solidão.

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— Vá. Tem poucos minutos para esconder-


se. — Reina a beijou em uma das bochechas e
Eleonora correu para a porta.
Percorreu os corredores em surdina, o
coração acelerado e uma das mãos sobre o ventre.
Era sua cria e de Egan. Era um futuro rei ou rainha.
Era seu amor, e não permitiria que nada
acontecesse com sua cria.
Nem que para isso precisasse desaparecer
para sempre!

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Capítulo 33 — Queimando

lembranças

Escondida nas masmorras, em um quartinho


usado como dormitório pela carcereira Miquelina,
Eleonora espiava tudo que acontecia nos pátios,
através de uma pequena abertura coberta por
grades, que servia de janela ou de entrada de ar,
difícil saber como o castelo fora planejado, pois
estava de pé desde o reinado do Rei Ulder.
Ela enxergava fadas e elfos em uma correria
desesperada, uma movimentação anormal. A rainha
fora assassinada em seu leito, e os Conselheiros

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erguiam uma pira na região central do povoado,


para que fosse exibida como uma oferenda. Na
verdade era um modo de apagar definitivamente a
lembrança de uma doce e bondosa rainha. Para que
não restassem dúvidas de sua partida.
Com horror e lágrimas nos olhos, assistiu por
aquelas frestas, o corpo de Santha ser queimado e
velado. Naquele desespero, encolheu-se em um
canto escuro e abraçou a si mesma, com medo. Em
seu ventre sua cria se movimentava, lembrando-a
de tudo que perderia caso fosse apanhada.
Do lado de fora do castelo, Acheron foi o
primeiro a pousar os pés no chão coberto de grama
verde. A fada Driana o lançou, descartando o peso
desnecessário. E furiosa, gritou:
— Chegamos tarde! Olhem! É
posicionamento de guerra! Venha, Joan — ela
pegou a amiga pela mão e as duas alçaram novo

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voo.
Observaram tudo. Minutos mais tarde as duas
juntaram-se a Acheron e Rowell.
— É inútil tentarmos entrar por ar. Arqueiros
estão posicionados — disse Driana horrorizada.
— Fadas foram colocadas nas muradas mais
altas. Elas usam... Algo em seu pescoço, um
espécie de coleira. — Disse Joan sem entender o
que via.
Acheron praguejou e explicou:
— Há alguns anos atrás Lucius tentou
aprovar o uso de coleiras com veneno embutido e
liberado no caso de uma desobediência. Era para
uso de fadas. Para que elas fossem obedientes às
leis do reino. É claro que essa arma foi abolida
desde o reinado de Ulder. — Ele maneou a cabeça,
incrédulo. — Eu deveria saber que os Conselheiros
usariam isso nas fadas que se negassem a colaborar.
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— Não podemos entrar por ar — disse


Driana. — Nem por terra. Eu passei muitos anos
pesquisando como fugir do reino — confessou — e
sem ajuda de dentro é impossível. Não há rotas ou
caminhos secretos. A única entrada e saída é pela
porta da frente — ironizou.
— Algo me diz que isso acontecerá —
apontou Rowell notando algo que eles não viram
até então.
O portão principal estava baixando, apenas a
porta de segurança, forjada em aço puro era
erguida. Ele mesmo mantinha esse tipo de
segurança em seu forte e nunca, nem mesmo nas
batalhas mais brandas, ele manteve a primeira das
portas erguida. Jamais.
Rowell sacou a espada e disse:
— Estamos sendo vigiados. — Era uma
dedução lógica.
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O caminho em torno do castelo estava sendo


vigiado.
— Nenhum Guardião atacará um superior em
hierarquia — disse Acheron e o som irônico de
Driana o fez olhá-la com fúria comedida.
— Vista sua armadura, Guardião. Hoje será o
dia em que lutará contra sua própria gente — disse
Driana, abrindo as asas, que estavam recolhidas em
suas costas.
Era hora da luta. O som ensurdecedor de
rugidos era um indício de que algo realmente sairia
do castelo.
— Lá em cima! — Gritou Joan, a primeira a
notar.
Fadas voavam além dos portões e de suas
mãos bolsas eram miradas e jogadas sobre eles.
— Oh, não! Corram! — Gritou Driana

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prevendo o que era.


Ela ergueu voo e juntou-se as fadas, tentando
impedir que soltassem aquelas armas contra
Acheron e o humano. Eram bolsas contendo
formigas carnívoras, aos quais, uma vez encontrado
carne, amontoam-se e devoram a vítima em
segundos. Ela lutou, mas não conseguia sozinha.
Por isso ganhou distância, levando-as para longe.
Foi quando olhou para trás que viu uma das fadas
gritar e cair. Então, com outra aconteceu o mesmo.
Era Joan invisível, pegando-as de surpresa e
nublando seus pensamentos e visões. Mas não
conseguiria fazer isso com todas. Driana tocou na
mão de Joan e elas ficaram invisíveis, voltando ao
chão, para perto do Guardião.
Vestido em sua armadura, Acheron criou um
escudo de poder, onde as formigas eram queimadas
ao tocar essa parede invisível. As duas fadas

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pousaram entre ele e Rowell, e Joan disse:


— Eu posso tentar entrar. — Joan avisou. —
Eu sei que posso!
— Não adianta! — Disse Driana — eles nos
querem lá dentro. E não é por razão amigável!
Nem precisava dizer isso. Quando o portão
se ergueu, eles viram o que os aguardava.
Duendes de todas as espécies, tamanhos e
cores, fortemente armados formavam um exército.
Eles começaram a sair e os quatro andaram cada
vez para mais longe. De entre eles, surgiu um
cavalo com um Guardião sobre ele.
Acheron baixou o escudo, e com um olhar
avisou que não se movessem.
Era de praxe uma tentativa de acordo.
O Guardião era o mais jovem, o décimo
Guardião, quase uma criança ainda.

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— Qual a situação, Folson? — Gritou


Acheron de uma distância segura.
— A Rainha foi morta essa manhã. A guerra
está declarada. Os Conselheiros nos contaram tudo
— ele disse impaciente por luta — Sabemos de
tudo sobre os planos dos Guardiões para tomar o
poder!
— Foi isso que os Conselheiros disseram? —
Acheron não se surpreendeu. — E é por mentiras
que você veste sua armadura?
— Não! Visto minha armadura, pois ela
acusa perigo! Rendam-se e serão julgados pela lei
do reino! Talvez, julgados com alguma clemência!
— O jovem tornou a dizer.
Um pobre pião sendo sacrificado para o
envio de um recado desprezível.
— E quem rege o castelo? Os Conselheiros?
— Acheron perguntou só para checar.
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— Rendam-se! — O jovem não sabia


responder, não fora informado sobre nada disso.
— É meu pupilo, Guardião. Como ousa
erguer a espada para quem lhe ensinou a lutar?
As palavras de Acheron pesaram nos ombros
do jovem. Foi uma fração de segundos, e uma
flecha vinda do arco de um duende pois início a
luta, pois o cavalo se assustou e o décimo Guardião
também. Ergueu sua espada e investiu contra
Acheron.
Os duendes avançaram, mesmo no uso de sua
armadura, Acheron foi cercado por todos eles.
— Não! — Gritou Driana em pânico de
perder seu elfo escolhido, alçando voo, mas sendo
segura por Joan.
— Fique! — Joan pediu, e empurrou a amiga
para longe da luta. Fechou os olhos e ergueu ambos
os braços na direção dos duendes.
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Imediatamente ao seu desejo, um gigantesco


duende surgiu, uma imagem criada por seu dom de
fada, mas que deveria assustá-los.
Uma distração tão grandiosa que assustou a
todos eles, que recuaram. Mas assustou também
Acheron que vacilou por um instante e quase foi
alcançado pelo fio da espada do décimo Guardião.
O que o impediu de conhecer a morte
naquele momento exato, foi a pequena lâmina que
atravessou o punho do jovem Guardião, ferindo
entre a proteção da armadura e a palma da mão, e
fez a espada escorregar de sua mão, roubando a
força que o jovem tinha.
Um punhal lançado por Rowell.
Espadas começaram a se chocar, em um mar
de fúria. Joan permaneceu atrás de Rowell,
enquanto seu gigante duende de mentirinha
esmagava duendes de verdade. Era o peso da ilusão
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derrubando-os, refletindo no corpo uma paralisia


temporária. Aos poucos eles foram se erguendo e
descobrindo que era faz de conta.
Nessa hora a luta tornou-se impossível de
vencer, e Acheron considerava um recuo nada
elegante ou corajoso, mas não precisou comunicar
sua decisão a ninguém. Um clarão veio do céu.
Uma Guardiã vestida em sua armadura de cor
escurecida, voando com suas asas imponentes.
Ela lançava lanças pequenas e pontiagudas, e
vinha acompanhada de Egan, o primeiro Guardião.
Três Guardiões dariam conta de duendes. A
luta poderia ser vencida.
Joan manteve-se a uma altura segura, mas foi
surpreendida quando um duende acertou uma corda
em seu pé e a desceu para o chão. Seus berros de
medo e asco fizeram eco aos berros de guerra dos
demais duendes que investiram sobre ela. Um
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momento de puro horror, mãos, pés, bocas, toques.


Eles tentavam imobilizá-la e prender a fada. Driana
tentou livrá-la dos duendes, mas suas asas
enroscaram nas mãos e espadas, e ela gritou de dor
quando um dos duendes acertou um punhal afiado e
rasgou um pedaço da asa, cortando um dos
filamentos. Ela caiu, e virou vítima junto com Joan.
Não adiantava debater-se, ou tentar chocar o
peso do corpo contra eles. Eram muitos e apesar do
tamanho diminuto, eles eram fortes e usavam
proteção em pulsos, peito e pernas. Driana sentiu os
dedos da mão quebrarem ao tentar acertar um deles
na face, e acabou por acertar o elmo que protegia o
rosto do duende.
Joan ouvia os gritos de Driana, mas não
podia fazer nada. Em um surto, Joan berrou o mais
alto que pode, e suas piores lembranças do
Ministério do Rei vieram a tona, e ela as colocou

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pra fora, criando um cenário horrível.


Uma queda vertiginosa sob Driana e os
duendes que as subjulgavam. Uma sensação de
queda tão forte e tão horrível, que mesmo sabendo
que era apenas algo criado pela sua mente e dom,
Joan berrou em pânico.
O que dizer dos duendes? Cada qual tentou
fugir daquela sensação, mas acabaram todos
confusos e perdidos, e não foram pareô para Driana
que enfurecida, ergueu-se e passou a chutá-los para
longe, sua mente lógica e sagaz nem um pouco
atingida pela ilusão criada por Joan. O que Driana
não viu foi que os duendes cediam sob o peso da
espada dos dois Guardiões, sob as garras afiadas de
Zoé e a espada furiosa do humano Rowell, que
infelizmente tinha sangue mágico em suas mãos.
Não viu que uma grande quantidade de elfos
e fadas vinham do portão do castelo. Todas as fadas

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presas pelas coleiras, destinadas a se transformarem


em guerreiras, quando na verdade eram apenas
camponesas criadas para cuidar de suas famílias.
Fadas do Ministério do Rei. E até mesmo as
esposas viúvas de rei Isac. Nenhuma fada, jovem
ou velha, foi poupada.
De costas, Driana não viu uma de essas fadas
apontar em sua direção suas mãos e delas pequenas
farpas afiadíssimas surgirem arremessadas em sua
direção. Mas Acheron viu. De longe, ele sabia que
não conseguiria chegar a tempo para salvar sua
fada escolhida. O humano Rowell estava perto.
Bem mais perto. Em um arremeto de desespero,
Acheron retirou a parte da armadura que cobria seu
braço e arremessou na direção do humano:
— Use! — Gritou, e o humano não teve
tempo para pensar.
Correu em direção as farpas, secretamente

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confiando em uma criatura que nunca antes em sua


vida viu ou soube da existência. Se as farpas
atingissem Driana, atingiriam também Joan, que no
chão, parecia dominada pela própria imagem
criada. Imagem essa que mantinha os duendes no
chão, lutando contra suas próprias mentes.
Foi tudo muito rápido, um clarão provocado
pela armadura e as farpas foram remetidas de volta
para a fada, que infelizmente foi sacrificada por seu
próprio dom. A armadura de Acheron protegeria
sua fada escolhida, reconhecendo o perigo.
Driana caiu no chão e Joan acordou de seu
quase transe, sendo que ambas foram erguidas
pelas mãos fortes de Rowell que cambaleou pelo
baque do poder de uma armadura de Guardião.
De longe, Acheron respirou aliviado diante
do bem estar de sua fada escolhida e exigiu o
retorno de sua armadura, que obedeceu.

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— Formação! — Gritou Egan, sempre no


comando.
Ele era o Primeiro Guardião e cabia a ele a
decisão de quando torná-los uma única formação de
poder. Algo raramente usado.
Zoé pousou os pés no chão, asas abertas, e
ficou ao lado de Acheron. Ela olhou para o gigante
louro e então para a fada Driana, que ao longe era
apoiada por sua amiga e seu humano escolhido.
O humano que cativou o coração de Zoé, mas
não a fez esquecer-se do amor antigo por um
Guardião que não tinha olhos para ela.
— Eu sempre te amei — Zoé disse para
Acheron, para surpresa dele. — Porque você não
pode me amar?
— Verdade? — Acheron gritou, furioso. —
Verdade que você vai falar disso agora?

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A fera era sempre raivosa. Ela adorava isso


nele.
— Por que ela? — Zoé perguntou. — Porque
elas merecem o amor e eu não? Porque são frágeis?
— Frágeis? — Ele gritou de volta encarando
os olhos de Zoé. — Frágil? Enquanto você brincava
de ser humana, as fadas lutavam por suas vidas!
Essa verdade não cabia espaço no coração,
mas sim na mente de Zoé.
Talvez não houvesse nada de errado com ela
ou com as fadas da clausura. Talvez o amor apenas
não escolhe, acontece.
Em formação, os três olharam para os
Guardiões mais jovens que também se organizaram
em formação para luta.
Seis Guardiões, mesmo que inexperientes,
em domínio de suas armaduras. Geralmente dois

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Guardiões evitavam lutar, pois seria uma luta longa


e mortal. Seis contra três? Os três se olharam
sabendo muito bem o que aconteceria.
— Isso vai ser uma carnificina. — Disse
Egan.
As fadas presas por coleiras não eram
culpadas de ter que lutar. Eram vítimas. Os elfos
erguiam suas espadas, pois aquelas fadas eram suas
esposas, mães e filhas. Era uma luta de fracos e
vítimas, contra seus heróis. Covardes que se
escondiam sob a proteção daqueles que são
subjulgados e os heróis, os Guardiões que deveriam
protegê-los, serviam de peões de um jogo fétido.
— Sou o Primeiro Guardião — Egan gritou,
acima do barulho de luta, fazendo com que os seis
Guardiões ordenassem a parada da batalha. — Eu
ordeno que recuem imediatamente!
— A Rainha está morta — gritou um deles,
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Folson, tomando o comando para si. — Agora


sabemos que Guardiões e fadas se uniram para
tomar o poder dos Conselheiros e matar a todos
nós! Lutamos por justiça!
— E as coleiras nas fadas? — Gritou Egan
apontou as fadas. — Isso é justiça? Onde está
rainha Eleonora?
— Morta! Seu corpo ainda queima na pira!
— Um deles gritou e apontou para um ponto acima
das muradas do castelo, onde fumaça era vista. —
Morta em seu leito!
Egan permaneceu olhando para a fumaça,
perdido das palavras.
— Isso não é verdade! — O grito veio de
trás, um grito de dor, era Joan quem gritava. — Isso
não é verdade! Eu saberia! Meu coração saberia! —
Rowell a segurava, para que ela não avançasse
contra os Guardiões. — Reina! Onde está Reina!
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Onde ela está?


— Eu não sei — respondeu Folson. — Reina
não está no castelo. Fugiu.
— Reina está com Eleonora! Lute por sua
rainha, Guardião! — gritou Egan. — Minha mãe
nunca abandonaria Eleonora, mesmo na hora da
morte! Lora está viva! Olhe para suas atitudes!
Atacará seu mestre?
Anos e mais anos treinando aqueles garotos,
era um peso considerável de gratidão sobre os
ombros de cada um deles.
— Lutamos pelo reino. Servimos a um povo
e não aos Guardiões — Folson ordenou, em
formação com os outros Guardiões.
— Lutam pelos Conselheiros! — Gritou
Egan de volta. — E pagarão pela insubordinação!
— Eu acho que não — disse o Guardião,

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desafiador. — É hora de mudanças, Primeiro


Guardião. É hora de mudanças.
Sim, aquele Guardião também estava
vendido. Palavras nada resolveriam.
Era a hora temida.
Mesmo as fadas com suas coleiras,
afastaram-se, temendo participar do confronto. Os
duendes sobreviventes se afastaram sorrateiros e
Driana, com sua asa ferida, puxou Joan para longe,
obrigando-a a ir embora com ela.
O humano ergueu sua espada, mas Driana o
impediu:
— Não. Eles vão se matar. Tudo morrerá
com eles. — Era a constatação óbvia.
Quando a luta terminasse, toda a vida ao
redor estaria destruída. O poder mágico de cada
armadura era letal. Raramente usado em sua

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totalidade.
Driana pensava sobre a fumaça, pensava
sobre a possível morte de Eleonora, sobre o que
fazer. Ela escorregou, não conseguia andar.
— Eu posso acabar com a mente deles. Eu
posso — disse Joan desesperada para evitar aquilo.
— Eu preciso me aproximar.
— Venha — disse Rowell, segurando sua
mão — eu a levo até eles.
— Não. Você é humano. Precisa encontrar
Alice e salvá-la. Precisa ir daqui, Rowell. Fuja! —
Joan o empurrou e para surpresa dos dois, começou
a correr na direção da luta dos Guardiões, içando
voo para o alto para chegar mais rápido.
Em seu desespero de chegar perto o bastante
para uma última esperança, impedir o confronto ou
ao menos atrasá-lo, criando imagens que pudesse
confundir os seis Guardiões, Joan não viu ou ouviu
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a movimentação que acontecia em suas costas.


Som de patas quebrando pedras e surrando o
chão com seu peso. Som de asas e de corrida
frenética.
Abismada, Driana assistiu uma imensidão de
fadas e elfos surgirem do meio da floresta, com
espadas e asas, todos livres para lutar. Entre eles,
gigantescos raptores, um deles muito branco e
determinado, levando em seu lombo uma
determinada fada, que o guiou diretamente na
direção de Joan, em pânico de ver a fadinha
cometer uma loucura sem volta.
De pé sobre o lombo do animal, Alma pegou
o pé de Joan em pleno voo e a trouxe para baixo,
sobre o lombo do animal.
Joan olhou-a incrédula, mas não houve
tempo para conversa. Os Guardiões haviam
finalmente percebido o que acontecia, e Alma
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parou o raptor selvagem, que rugia com seus


potentes dentes e bocarra assustadora, ao lado dos
três Guardiões, e para maior surpresa outro raptor
posicionou-se, com Solon sobre o lombo.
— Quatro Guardiões! — Ele gritou para os
demais. — Quatro contra seis! Um número bastante
justo!
O medo estampou-se na face dos mais
novatos.
Principalmente com os elfos e fadas
desconhecidos e com expressões selvagens que se
aglomeravam atrás dos Guardiões. Na multidão,
Driana e Rowell. Algo grandioso acontecia ali.
— O que é isso? — Gritou Folson. — Os
Conselheiros não falaram nada sobre isso!
— Os Conselheiros estão vendidos!
Barganharam a cabeça de cada um de vocês em
troca do poder e do trono! Tolos, são tolos se
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voltando contra seus mentores! — Gritou Joan


corajosa demais para quem era salva na última
hora.
— De onde essas criaturas vieram? — Folson
disse a si mesmo.
— Do mundo subterrâneo — gritou Solon —
e eles lutarão até a morte por justiça! Quando
tombarmos — ele referia-se aos quatro — Eles
seguirão adiante. Cada fada e elfo lutará por justiça,
mesmo que estejamos mortos!
— Que seja assim — disse Folson. — Não
temeremos os traidores! — Ergueu seu escudo e
gritou para os demais. — Pelo Reino! Lutem por
suas vidas!
Imediatamente ao aviso de Folson, um grito
estridente ecoo nos ouvidos de todos.
Acostumados, o povo subterrâneo mantinha cera
nos ouvidos, um estratagema de quem sabia que
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precisaria usar do dom mortal de grito. E foi assim


que a luta recomeçou.
Escondida, Eleonora ouviu um grito
inconfundível.
Era Alma! Era Alma quem participava da
luta. Ela não poderia permanecer escondida
enquanto a luta acontecia. Não mesmo!
Ela saiu de seu esconderijo e não encontrou
obstáculos enquanto esgueirava-se até a mais alta
das torres. Lá, deixou cair à capa que escondia seu
corpo e face e abriu as asas brancas, quase
transparentes com padrões espetaculares tramados
em cada pedacinho. Asas de estrela, como dizia
Reina. Asas que mais pareciam joias.
Ela viu a luta do alto da torre. Guardiões,
armaduras, espadas, fadas, asas, dons. A desgraça
se abatia em corpos que pendiam para o chão sem
vida. Na multidão avistou Joan, destacando-se com
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seus longos cabelos vermelhos. Ela viu alguém


estanho, que não cheirava a criatura mágica. Um
humano? Sim, ela via um humano lutando e
defendendo uma fada caída no chão. Era Driana?
Seu coração apertado pelo que faria.
Eleonora ergueu as asas e subiu ao céu. Do alto, ela
fechou os olhos e lamentou cada vida perdida, cada
dor, cada lágrima que seria derramada. Seus olhos
se abriram no exato momento que o sol
desapareceu e a escuridão total tomou conta do
Reina das Fadas. Da mais distante das nuvens
escuras veio o primeiro raio.
Esse raio caiu sobre a terra, extravasando
uma carga poderosa de poder, quebrando em duas
uma armadura, levando consigo o Guardião. O
disseminador da discórdia. Folson foi o primeiro a
cair. E a culpa era unicamente de suas escolhas
erradas. Ao não ouvir a verdade e insistir na luta,

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Folson não teve experiência suficiente em luta para


perceber que sua própria armadura não lhe
respondia, por não reconhecer o perigo.
Uma sequência de raios poderosos. As lutas
foram extirpadas, enquanto cada criatura tentava
proteger a si mesmo, contra a chuva de raios.
— Eleonora! — O berro de surpresa,
felicidade e necessidade veio de Joan, ao avistar
sua amiga, depois de tantos meses de afastamento.
Infelizmente, Eleonora não podia ouvi-la e
atendê-la.
— Para dentro do castelo! — Foi Egan quem
gritou na multidão, orgulhoso de sua rainha. —
Peguem os Conselheiros!
Ele avisava as fadas, pois os Guardiões não
poderiam sair dali.
Rowell ergueu a fada Driana no colo, e foi

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ajudado por Alma e seu raptor. A colocou no


lombo de seu animal.
Desse modo correram por entre elfos e fadas,
e fugiram da chuva de raios. Egan olhou para cima
em determinado momento, esperando que Eleonora
parasse. A luta fora dispersada, mesmo assim, ela
não parou.
Era uma rainha e parte disso era a
responsabilidade perante o povo sob sua proteção.
Mostrar aos inimigos que quando necessário à fúria
de sua rainha cairia sobre eles.
Mesmo que essa rainha fosse doce e
bondosa, ainda assim, seria impiedosa contra seu
inimigo e voraz na proteção de seu povo.
De uma coisa Santha tinha total razão. A
força impõe medo.
Eleonora vinha descobrindo que não é
possível esperar respeito de seus inimigos. Então,
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ao menos o medo deveria servir como coação.


O vento abundante veio acompanhar os raios
e em poucos minutos, envolvia apenas os cinco
Guardiões jovens que restaram como resistência.
Eles foram erguidos pelo vento e lançados no ar,
jogados de um lado ao outro, como bonecos de
pano.
Frente a isso as fadas com coleiras pararam
de lutar, e procuram um lugar seguro para se
esconder.
Firme em seu propósito, Eleonora diminuiu o
poder dos raios, mas não os exigiu até ver todos os
Guardiões desertores caídos no chão, de joelhos ou
desmaiados.
O medo imperou, principalmente quando
Eleonora pousou no chão e manteve pequenos
raios, que incidiram sobre cada coleira pressa aos
pescoços das fadas. Com o poder único de quebrá-
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las com tanta força e rapidez que o veneno não teve


força suficiente para alcançar a pele das fadas antes
que o metal cedesse e caísse no chão, sem ferir a
nenhuma delas.
Seus elfos, partiram para proteger suas fadas
e Egan baixou a espada ao entender que a luta
havia acabado. Ao menos entre Guardiões.
Depois do susto de achar que Eleonora
poderia ter sido apanhada, Egan não hesitou em
capturar sua fada rainha em seus braços, ela tentou
se afastar, ainda enérgica por causa da adrenalina
da luta, mas ao reconhecer seu cheiro, acalmou-se
em seus braços, agarrada ao seu pescoço.
— Onde está Reina? — Ele perguntou
baixinho em meio aquela confusão toda.
— Eu não sei — Eleonora foi sincera,
afastando o rosto de seu ombro para olhar em seus
olhos sempre tão sinceros. — Santha voltou. Ela
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deu a vida para me ajudar, para salvar a todos nós.


Ela não era tão má, Egan. Não era tão má.
Seu choro era de rasgar o coração de quem a
queria bem. Apertando-a em seus braços, Egan
olhou em volta.
Olhou para o caos e morte, sem nem saber
por onde começava.
— Egan... Ainda bem que você voltou a
tempo — ela disse com um meio sorriso entre as
lágrimas — Ainda bem.
— A tempo? — Egan perguntou sem muita
condição de prestar atenção a isso, não em meio a
destruição que assistia a sua volta.
— Nossa cria. Precisamos nos casar, para
que você possa assumir nossa cria.
Egan afastou-se dela, o suficiente para olhar
em seus olhos, e então, para sua barriga. Era

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verdade, estava ali. Uma barriga que a roupa queria


disfarçar, mas não conseguia.
Sem palavras para expressar o que sentia,
Egan a abraçou e tomou no colo.
Era hora de cuidar da Rainha do Monte das
Fadas.

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Capítulo 34 — A lenda dos

cavaleiros

Alma desmontou o raptor e com ajuda do


humano amparou Driana. Ela foi colocada no chão,
em um canto discreto, entre as barracas de
comércio da vila. Sua asa estava perigosamente
ferida. Os ossos dos dedos de sua mão feridos.
— Eu estou bem — dizia Driana. — Onde
está Acheron?
Um bufo irritado, e Alma manifestou sua
insatisfação de ver a amiga precisar e querer o
Guardião.

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— Onde ele está? — Insistiu Driana.


— Vivo. Todos estão vivos. — Garantiu
Joan, ajoelhada ao lado de Driana, segurando sua
mão não ferida, com lágrimas nos olhos. — Quem
precisa de cuidados é você.
De pé, Rowell observava aquele luta. Era
muito parecido com seu próprio forte, embora
construído com pedras de cor atípica para os
humanos. Era tudo tão igual e tal diferente.
Do alto de uma das torres ele pensou ter visto
o brilho de uma lâmina, talvez uma espada. Mas
não era nada disso, era o brilho da malha de metal
que cobria o peito de um cavaleiro do rei, uma que
continha o brasão de sua família, que fora roubada
de seu forte, e na confusão das últimas semanas,
Rowell não se deu ao trabalho de pensar nisso.
Rowell olhou para Joan e para os outros.
— Como chego lá em cima? — Perguntou e
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as três fadas cravaram os olhos sobre ele.


— Quem é esse humano? — Perguntou Alma
enviesada, pretendendo levantar e colocar o dito
homem para fora dali a pontapés.
— É Rowell. Por favor, Alma — era um
pedido de Joan, pedia que se acalmasse.
Enquanto Joan levantava a falava com
Rowell, ouviu Driana falando em sua língua de
fadas:
— É o humano de Joan. Como pode isso?
Ela entregou o cio a um humano.
— Joan não pode ter feito isso. Eu mato esse
infeliz por ter se aproveitado da inocência e
ingenuidade de Joan... — Alma dizia transtornada.
Joan olhou para as duas com surpresa, mas
não disse nada.
— Venha, Rowell, eu lhe mostro como

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chegar lá em cima. — Puxou-o pelas mãos.


Um longo olhar para Alma, pois se contorcia
de saudades de abraçar sua amiga. Mas Alma
rechaçava Rowell com maior voracidade que
Driana. Primeiramente afastaria os dois, evitando
uma tragédia.
Joan estava tão exausta que mal deu conta de
levar Rowell até a torre mais alta. Exaurida quase
caiu de joelhos no chão.
Preocupado, Rowell tentou ampará-la, mas
Joan empurrou-o.
— Vá. Encontre Alice. Eu preciso respirar
um pouco.
Era verdade, o ar faltava e ela sentia-se a
beira de um desmaio.
Ele não queria deixar sua querida Joan para
trás. Mas era sua filha quem detinha toda sua

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preocupação naquele momento. Dois amores


diferentes, mas igualmente preciosos, era
impossível escolher entre uma e outra.
Com determinação, Rowell correu pelos
corredores em busca de Edward. Somente seu
irmão teria a audácia de vestir sua roupa de
cavaleiro, roubada, e espiar a luta por trás da
segurança de uma torre.
Um rato covarde!
Estava certo. Encontrou Edward tentando
arrombar uma porta, pois provavelmente sabia que
seus planos acabaram e a fuga era sua única
alternativa.
— Fugindo outra vez, Edward? —
Perguntou, espada nas mãos, acoitando o irmão.
— Não exatamente — Edward respondeu
com ironia — eu chamo isso de saída estratégica.

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— É mesmo? E posso saber o que você faz


nesse mundo de fadas e elfos?
Ambos se ironizavam.
Suor abundante corria no rosto de Edward.
Ele pareceu vacilar e olhar para lâmina do irmão
com pesar.
— Escute, Rowell, somos irmãos. Eu sei que
isso diz muito para você. Irmãos.
— Meio irmãos. E agora vejo que isso faz
toda a diferença. Me traiu. Sequestrou minha filha!
Onde está Alice?
— Não fui eu quem levou Alice. Na verdade
— ele foi quase sádico — eu evitei isso por muito
tempo. Eu não fiz nada contra nossa gente, não
pode me culpar por nada! Nunca ergui um dedo
contra nossa gente! Não sou um assassino!
— Matar fadas e elfos não contam como

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assassinato? — Rowell perguntou enojado do


próprio irmão.
— E porque contariam? Eles não são nossa
raça. Olhe em volta, Rowell. Se eles desejarem
tomar o que é nosso, acha que teríamos alguma
chance? — Tentou colocar intrigas em sua mente.
— Eu fiz o que deveria fazer!
— Mentira! Você caça fadas e rouba suas
asas. O que isso tem a ver com a nossa vida? Com
manter nossa raça a salvo? Admita, Edward, você
tem feito tudo isso por causa de Sophie!
Edward baixou os olhos por um instante.
— Eu deveria saber que aquela fada
vermelha causaria problemas. — Seu irmão disse
seco — ela me enganou. Em deveria saber que não
era um sonho ter sequestrado-a. Ela lhe contou
sobre Sophie?
— Minha mãe me contou sobre Sophie —
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Rowell contou e Edward riu irônico e displicente,


sequer tentava erguer a espada para se defender,
caso fosse atacado.
— Eu deveria saber que a bruxa ranzinza
sabia de tudo. Sophie quer ter asas, Rowell. Ela
quer ser uma fada completa, mesmo que seu sangue
mestiço não permita. E eu quero fazer tudo por ela.
Eu faço tudo por ela.
— Por quê? Porque faz tudo por Sophie?
Qual a ligação entre vocês dois?
— Porque eu tenho sangue de elfo, mas não
sou elfo. Minha mãe deitou-se com tantos de sua
raça quanto pode, mas nunca conseguiu uma cria
perfeita. Nunca. Eu sei o que é saber que poderia
ser um ser maravilhoso e completo e, no entanto,
ser isso — apontou para si mesmo com desdém. —
Eu quero que Sophie tenha o que deseja. Ela me
completa.

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— São irmãos de sangue? — Perguntou


surpreso, com a revelação de Edward não ser seu
irmão. — Isso é incesto, Edward! Isso é errado!
— Errado? Olhe em volta! Estamos em um
castelo de fadas e elfos, Rowell! Não existe certo
ou errado! Existe nossa vontade! Junte-se a mim, e
poderemos dominar esse mundo. Imagine as
maravilhas que faremos juntos, usando do poder
dessas fadas? Você pode imaginar? Rei algum terá
poder sobre nós!
— Você está louco e a culpa disso é de
Sophie. Onde ela está? — Perguntou furioso por
descobrir finalmente o que Sophie fizera com a
cabeça de seu irmão.
Edward nunca foi muito forte
emocionalmente.
— Sophie? — Ele sorriu. — Ela tem o que
tanto desejou. Finalmente eu pude dar a ela seu
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maior sonho! Veja com seus próprios olhos,


Rowell. Veja o que você perdeu, meu irmão!
A insanidade gritava pelos lábios de Edward.
Rowell avançou para o irmão, sem ver o que
o espreitava por ar. Uma fada o atingiu pelas costas
e ergueu-o do chão aproximadamente uns dois
metros, antes de jogá-lo de volta. Por sorte, caiu
sobre a murada e não pendeu em uma queda fatal.
— Não, Sophie! Não foi esse o combinado!
— A voz de Edward o surpreendeu. Seu irmão o
ajudou, puxando-o de volta, para que não caísse. —
Rowell não merece ser ferido! Você prometeu!
Tão louco, tão frágil. Seu irmão estava
perdido entre o mundo da sanidade e da total
loucura. Incrédulo, ele viu Sophie pousar, longas
asas brancas, com padrões divinos desenhados.
Asas lindas, mas que apodreciam do centro para as
laterais. A mulher estava com expressão
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cadavérica.
— Cale-se, Edward — Sophie disse com voz
sussurrada, muito fraca, pois vinha perdendo alguns
sentidos básicos como a fala e a audição. — Rowell
sempre mereceu isso. Por não ver meu sofrimento.
— Seu sofrimento? — O duque gritou. — O
sofrimento de uma duquesa respeitada e protegida
por todos? Eu sempre fui fiel enquanto você era
minha esposa! Eu sempre a respeitei! O que mais
você queria?
— Asas! Eu queria ter minhas asas! Eu
queria ter meu dom! — Ela gritou histérica. — E
você? Tão ignorante sem saber de nada... Edward é
o único que me entende. O único que me amou de
verdade!
A face doente se transformava por conta da
loucura. Era horrível de ver.
— E agora você conseguiu o que você tanto
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quis? — Rowell ironizou — porque o que eu vejo


são asas podres!
— Não! — Ela berrou, negando-se a ver a
verdade. — Eu consegui! Esse reino é meu!
— Não! A luta acabou, eles são os vitoriosos
— Rowell apontou o povo lá em baixo, que
adentrava o castelo, finalmente em paz entre si.
— Isso não pode ser verdade... — Sophie
olhou para Edward e pela forma como seu amante
baixou a cabeça, soube que isso acontecia. — Não!
— Apoiou-se na murada, olhando para baixo com
desgosto. — Não! Mil vezes, eu não aceito! Não!
Isso tudo é meu! Eu sou uma fada! Uma fada!
Seus berros foram calados pela imagem de
uma fada feita de pequenos pontos brilhantes, que
surgia do céu. Ela possuía asas lindas, longas e cor
de rosa, e aproximava-se de Sophie com as duas
mãos estendidas em sua direção.
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Era uma ilusão criada para a mente de


Sophie. Joan havia alcançado-os a tempo de ver
parte de briga. Sophie estava a um passo de tocar a
fada e erguer-se sobre a murada, provavelmente
caindo, quando um brado de ódio foi ouvido, e
finalmente Edward mostrou que mesmo em sua
loucura havia escolhido uma posição, e que isso
não tinha volta, contrariando as esperanças de
Rowell.
O humano ergueu a espada e avançou sobre
Joan, que perdida nas imagens que criou, não
percebeu nada até que o grito foi extinto e sangue
verteu pela boca de Edward, a centímetros de onde
ela estava.
A ponta da espada do humano estava prestes
a tocar sua barriga e a morte teria sido certa, caso
Rowell não houvesse impedido, acertando o irmão
pelas costas.

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Edward caiu ao chão, sem vida, e o encanto


de Joan se desfez. Logo ela que inocentemente
acreditava acabar com tudo sem derramar sangue
da família de Rowell...
Seus olhos claros, límpidos e sempre tão
puros, estavam maculados pelo horror que viam, e
Rowell baixou os seus, envergonhado de cometer
um ato contra a vida humana, justamente na frente
de sua fadinha inocente.
— Edward! — Livre da imagem criada por
Joan, Sophie deu-se conta do que acontecia e
ajoelhou-se no chão, perto do amante desfalecido.
— Não, acorde, abra os olhos... Querido, não me
deixe. Não agora. Por favor...
Apenada do sofrimento daquela humana, que
tinha sangue de fada, mas a mente distorcida entre
os dois mundos, Joan aproximou-se um passo, no
afã de acudir e não de atacar.

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Sophie ergueu os olhos vermelhos de choro e


ódio e avançou sobre ela. Tão rápida quanto às
cobras, agarrou o pescoço de Joan com as mãos e
içou voo. Sem ar, Joan debateu-se, tentando chutá-
la em vão. Foi levada aos céus e suas asas pequenas
se moviam desesperadamente, tentando conseguir
velocidade para escapar.
O estrangulamento a fez perder os sentidos
por alguns instantes. Quando abriu os olhos, foi
para ver um borrão escuro, que cortou o céu em
velocidade inacreditável para uma fada, agarrando
as asas falsas de Sophie, separando-as do corpo
humano, tão frágil e retalhado daquela experiência
medonha. Sophie acabou soltando Joan e as duas
caíram vertiginosamente.
Sophie sem poder voar, despencou
diretamente para o chão em uma queda feia, que
culminou com seu corpo estatelado nas pedras de

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uma coluna, antes de escorregar e cair no chão,


entre as barracas do mercado do vilarejo.
Joan tentou bater suas asas, mas seus
sentidos estavam falhando e ela viu tudo escuro.
Por isso, não conseguiu manter o ato de voar. Teria
caído e tido destino idêntico ao de Sophie se não
houvesse sido pega por braços fortes e levada de
volta, em segurança, para junto de Rowell.
Seus sentidos voltaram e ela pode ver quem a
salvou. Por um instante sua mente não conseguiu
apartar realidade e fantasia, e gritou de medo,
pedindo ajuda. Rowell a trouxe para seus braços,
amparando-a, enquanto Joan se agarrava a ele em
completo pânico. Ainda não conseguia entender
que a Guardiã Zoé, que lhe prometera uma morte
lenta e horrenda era a mesma criatura arrependida
que salvava sua vida.
De cabeça baixa, Zoé olhou para o chão,

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esperando por algo. Que dissessem o que deveria


fazer. Rowell mal acreditava que a criatura
lindamente vestida de fada e Guardiã, fosse à
mesma fidalga que se passara por sua noiva e
tentara seduzi-lo.
— Joan — ele afastou seu rosto de seu peito,
olhou em seus olhos, precisando despertá-la do
medo. — Eu preciso da sua ajuda. Você conhece
esse castelo. Onde Sophie pode ter escondido a
minha filha? Para onde levaria Alice?
— Eu não sei... — Joan choramingou e
tentou pensar. — Eu não sei, mas... Ela queria ser
rainha... Ela poderia estar usando o quarto do Rei
Isac, onde Eleonora tem mantido seu quarto. Mas
eu não tenho certeza de nada...
Seu choro cortava o coração. Em meio ao
susto, ao choque, Joan não conseguia entender que
aquilo era o final de um ciclo, de uma guerra e que

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em breve, o sofrimento iria embora. Ela somente


sentia o frio do pesar, e permitia que o horror
dominasse seus sentidos.
— A ala real fica por ali — disse Zoé com
voz seca, sem olhar diretamente para a fada, apenas
para Rowell. — Joan tem razão. Aquele é o único
lugar viável para alguém que se considera uma
rainha.
Tomados dessa certeza, os três seguiram para
os aposentos reais. Joan não queria ir, mas seguiu-
os. Zoé ao seu lado? O mundo estava louco?
Depois de deixá-la na floresta e levar parte
de sua armadura, no mínimo Zoé iria querer
vingança eterna contra a ratinha da clausura que
ousara desafiá-la! Imagine ficar ao seu lado em
uma luta? Inconcebível!
A porta do quarto de Isac estava trancada e
Zoé a arrombou com seu poder de Guardiã. O som
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da explosão foi de ensurdecer, mas o estrago


causado na porta de madeira maciça foi eficaz.
O quarto estava vazio. A cama vazia. Sem
sinal de que alguém estivera ali ou ainda estivesse.
Quem notou foi Joan. Atrás do biombo onde
a rainha se trocava todas as manhãs havia um
espelho cobrindo parte da parede, e Joan notou
algo. Uma sombra.
Foi ela quem deu a volta no biombo e olhou.
Havia uma fada no chão, talvez desmaiada.
— Me ajude... — Ouviu o sussurro e
percebeu que não era uma fada e não estava
desmaiada.
O horror correu suas veias ao afastar o fino
manto que cobria as costas de Alice.
— Oh, não! Não, pobrezinha, não... — Joan
mal conteve o susto, quanto mais o horror.

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Completamente nua, a menina pendia de


costas para cima, mal respirando, lágrimas
cobrindo seu rosto, e horror em seus olhos. Em suas
costas dois cortes enormes, onde foram encaixadas
duas asas menores, talvez de fadas recentemente
agraciadas com asas e dom. As costuras eram
precárias, a rejeição da carne eminente. A dor que a
menina deveria estar sentindo era visceral.
Joan mal notou quando Rowell viu e Zoé
também.
— Eu vou ajudá-la, querida — Joan
prometeu, as mãos tremendo, enquanto afastavam o
cabelo de Alice de sua face, pois estavam
manchados de sangue.
Ergueu o rosto para Rowell, como quem
implora ajuda.
— Eu estou aqui, filha — ele abaixou-se e
começou a ajeitar o corpo fragilizado da filha em
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seu colo, para levá-la para a cama.


— Pai... — A menina chorou agarrada ao
pai, finalmente sentindo-se acolhida.
— O que é isso? — Perguntou Zoé,
capturando no chão um animal estranho. Talvez um
inseto.
— Eu não sei — disse Joan.
Sua mente imediatamente soube quem
poderia responder essas perguntas.
Por isso, saiu do quarto correndo, sem dar
satisfações...

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Capítulo 35 — Saudações aos

incrédulos

— Eu não sei o que dizer, é um absurdo que


tenha permitido sua mulher chegar a esse ponto —
disse Driana, enquanto observava Alice, que depois
de muito chorar, estava adormecida.
— Sophie não é minha mulher — Rowell
defendeu-se. — Eu acreditava em sua morte. Como
teria controle sobre o que acontecia com Sophie?
Um som irônico veio de Driana. Com sua asa
machucada, sua mão enrolada em um curativo,
Driana olhava para ele com escárnio.

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— Me parece óbvio o que aconteceu aqui.


Esse Still — apontou o inseto que Zoé guardara em
um porta joias de vidro transparente. — Foi usado
para sugar a essência de alguma fada com poder
que interessava aos humanos. Provavelmente o
sangue de Joan quando foi sequestrada por Edward,
o humano. — Driana fazia questão de frisar que
Rowell e sua família eram apenas humanos. —
Essa essência deve ter sido importante para fazer o
corpo de Sophie aguentar tanto tempo as asas
costuradas em seu corpo. Joan pode reter suas asas
para seu corpo. É uma adaptação notável. Nunca li
ou ouvi sobre um dom dessa magnitude. Sendo
assim, o poder de adaptação deve estar presente no
sangue de Joan. Se isso fez a humana suportar as
asas de uma fada, até mesmo voar com elas, é
possível que ajude o corpo da menina humana a se
recuperar da retirada das asas.

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— Driana — Joan chamou seu nome, para


que lhe desse atenção. — Alice não é apenas uma
menina humana, não fale nesse tom rancoroso e
superior. É uma mestiça. Alice tem sangue de fada.
Sophie tinha sangue de fada. Está desprezando um
ser que pertence a sua raça. Não seja assim, por
favor.
— Joan está certa — foi à voz de Eleonora
que impediu que Driana revidasse. — Eu não quero
e não aceito, qualquer forma de preconceito dentro
do Reino das Fadas. Sim, eu não pretendo que
chamem meu reinado de Reinado de Eleonora,
como acontecia com Isac que se autonomeou. É um
reinado de fadas e elfos, sou apenas um símbolo e
impedimento para que cada um tome a soberba
como status de vida. — Ficou perto de Joan e lhe
sorriu — Joan ama esse humano, e esse amor
estende-se para a pequenina humana que sofre

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nesta cama, vítima da loucura alheia. Eu fui vítima


dessa loucura. Alma, Joan... Você, Driana, fomos
vítimas dessa loucura. Não importa de onde vem ou
quem é. As vítimas devem se unir e assim serão
fortes. Acha que pode ajudar a menina a se
recuperar? — Perguntou a Driana com olhar
carinhoso.
— Acho que sim — ela acabou por ceder. —
Esse Still pode suportar mais um pouco de essência
de fada. E depois... Posso passar isso para a
humana... Para Alice — se vergou a verdade dita
por Eleonora. — Reina pode me ajudar, não pode?
Ela é especialista em ervas curativas.
— Sim, ela está com Túlio. Egan e os outros
estão com os Conselheiros. Ele nos chamará
quando tudo estiver calmo. — Eleonora disse
sorrindo com simpatia para todos naquele quarto.
— Eu sei que o momento não é adequado, mas...

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Estamos juntas outra vez. Não permitamos que


qualquer pensamento perturbador nos separe. —
Pediu.
Um som de irritação fez com que olhassem
para a quieta Alma, que andou pelo quarto, e sem
muita gentileza, pegou o inseto de dentro do porta
joia e o bicho debateu-se em suas mãos. Driana que
tivera o desprazer de ter um deles em sua pele,
quando era apenas o garoto Jô, afastou-se com
asco. Alma, pelo contrário, não possuía nojo ou
esses trejeitos femininos de repugnância quando
tratava de assuntos assim revoltantes.
— O pescoço é o melhor lugar — sugeriu
Driana — Joan é pequenina, seu sangue não deve
ser drenado em demasia. Fiquemos atentas a isso.
— Vá ensinar uma fada a voar, Driana —
ironizou Alma, retrucando — eu sei o que estou
fazendo.

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— É claro que sabe — Driana ironizou. —


Vejam como Alma ficou sabichona desde que
começou a se deitar com um elfo...
O olhar sujo de aviso que Alma lhe ofertou
arrancou um sorriso da fada Driana. Joan não
conseguiu sorrir, não ainda.
Manteve os olhos nos de Alma, enquanto ela
ajudava a colocar aquele inseto repugnante em sua
pele. Deitou-se perto de Alice, pois isso demoraria
um tempo. Seus olhos correram para Rowell, tão
deslocado entre as fadas.
— Rowell, porque você não fica com os
machos? — Perguntou suave. — Tenho certeza que
existem assuntos pendentes entre eles. Ajudem-nos.
É preciso contar a Egan e aos demais, sobre
Helana.
Ele olhou para a filha e apesar de não saber
se era certo ou errado, confiava em Joan o bastante
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para deixar a vida de sua filha amada em suas


mãos. Um olhar de pesar e pena, para sua menina
tão magoada e ferida, e ele saiu do quarto.
Zoé o seguiu e Joan quase levantou para
impedir. Não queria Zoé perto de Rowell!
— Acalme-se, Joan, existem muitos assuntos
pendentes para serem resolvidos. Não quer resolver
tudo agora, quer? — Perguntou Eleonora, sorrindo.
— Diga-me, onde ficou Tobias, afinal?
— Eu não sei — disse Joan. — A única coisa
que eu sei, é que ele está no ducado de Mac
William, ajudando as fêmeas de lagarto a cuidarem
do forte. E que ele está magoado e provavelmente
furioso com sua escolha, Lora. — Disse, exaurida
de tanta luta.
— Tobias vai fazer um pandemônio quando
confrontá-la junto a Egan — alertou Driana,
sentando na cadeira em frente à penteadeira para
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cuidar do machucado em suas mãos.


A silenciosa Alma nada dizia, apenas ajudou-
a a cuidar do machucado, sem opinar.
— Eu não sei o que aconteceu — disse
Eleonora depois de algum silêncio. — Eu não sei
como pode ter passado apenas alguns meses.
Éramos fadas da clausura. E agora? O que somos?
— Uma rainha? — Perguntou Joan, quase
sonolenta, pois o inseto drenava suas forças.
— Eu escolhi Egan por amor. — Disse
Eleonora, acariciando os cabelos ruivos e sedosos
de Joan, pois sua amiga precisava de afeto e
carinho. — E a sua escolha, Driana? Foi baseada
em amor? Eu sei que a escolha de Alma foi amor.
Já falamos sobre isso, pois nos encontramos
algumas semanas atrás.
Alma ignorou o comentário, mas um corado
em sua face denunciava seus sentimentos.
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— Tenho afinidades com Solon — Alma


disse entre dentes, contradizendo Eleonora,
detestando esse tipo de conversa.
— Eu escolhi Acheron por amor sim — disse
Driana. — Não que alguém possa entender isso.
Ele é basicamente um cavalo sem cérebro... Mas
muito bem dotado. — Reclamou, com escárnio.
Eleonora riu suave e Joan ao menos sorriu.
— Eu quero ficar com Rowell. Ele é
humano, terá que aceitar isso, Driana. — Disse com
voz mansa, cansada.
— Vá contando com isso — disse Driana, em
negativa.
Um puxão forte de Alma, ao cuidar de seu
machucado, fez a fada erguer os olhos e encontrar
muitos sentimentos ali.
— O que, eu não estou certa? Ele é um

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humano, Alma! — Reclamou e outro puxão foi seu


aviso.
— Eu viverei longe daqui — disse Alma
afinal. — E você? Onde você viverá Driana?
— Onde Acheron quiser. — Admitiu.
— Eu sou rainha, não posso sair do reino. E
não faria isso mesmo que pudesse. Quero ficar ao
lado de Egan. E aqui é o lugar de um Guardião. —
Admitiu Eleonora.
— Sim, é isso o que eu quero dizer —
afirmou Alma, lhe bastando esse argumento.
— Desculpe, mas terá que ser mais
específica do que isso, Alma — Driana reclamou,
apesar de saber muito bem o que sua amiga queria
dizer.
— Joan ficaria sozinha? É esse seu desejo
para Joan? A solidão?

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Driana abriu a boca, mas som algum saiu.


— Ela pode viver aqui no reino. Encontrar
um elfo bom que a acolha. Alguém que ela...
— Goste? — Sugeriu Eleonora. — Você tem
direito ao amor, mas Joan merece um simples
‘gostar’?
— Não é nada disso — reclamou Driana,
observando a mão finalmente enfaixada. Baixou os
olhos, quando os ergueu, lágrimas pareciam prestes
a correr. — Quem poderá cuidar de Joan melhor do
que nós? Esse humano?
— Se ele a ama, saberá cuidar dela do
mesmo modo que nós — disse Eleonora.
— Alma — Driana apelou para a mais
protetora de todas elas. — Ouça a voz da razão!
— Joan não precisa mais ser cuidada. Acaso
não percebeu, Driana, que foi Joan quem teve que

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lidar com tudo isso? Que foi ela quem juntou os


Guardiões e proporcionou uma chance de luta? Que
Joan não é mais inofensiva e assustada? Ela
cresceu. Suas asas nasceram. Seu dom aflorou. Ela
é poderosa. É forte. Ela é capaz de cuidar dos
humanos e viver entre eles. Não serei eu a impedi-
la de ser feliz.
— Falou à fada que prefere o lombo de um
raptor — Driana ironizou baixinho e Alma
respondeu com um safanão em seu ombro. A
reclamação aguda de Driana era de praxe.
Certas coisas não mudam, pensou Eleonora
sorrindo para suas amigas.
Ela se curvou na cama e encostou a cabeça
na cintura de Joan e mal percebeu que lágrimas de
alívio corriam em sua face.
— Estamos juntas de novo. E somos livres.
De resto, aprenderemos a viver, não é necessário
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brigar.
— Não estamos brigando — disse Driana
levantando, aproximando-se de Eleonora, deitando-
se ao lado delas na cama — Não estamos brigando,
não é mesmo, Alma?
— De modo algum. — A fada disse com voz
embargada. Era Alma, e o ato de sentar no chão,
perto da cama, era uma grande demonstração de
afeição.
— Bom, nunca brigaremos. Enfrentamos
tanta coisa juntas... E também separadas. Jamais
haverá brigas entre nós. Eu aceito e acolho cada um
dos escolhidos por minhas amigas. E é assim que
deve ser.
— Sim — concordou Joan, sonolenta, e
reclamou baixinho que aquele inseto estava
devorando-a.
Um riso manso alegrou as quatro. Alice
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achou por bem acordar naquele instante e a


primeira coisa que fez foi chamar pelo pai. Joan, ao
seu lado, não podia fazer muita coisa, estava refém
do Still.
Restou a Eleonora levantar e abraçar a
menina, acalmando-a. Mesmo dizendo que não
aceitava, Driana tentou acalmá-la com palavras.
Era muito sofrimento para uma fêmea tão jovem,
fosse da raça que fosse.
Uma hora mais tarde, acordada, mais calma,
Alice, aceitou o cálice com um conteúdo estranho
que lhe foi entregue. O modo mais rápido era a
ingestão. Disfarçado o gosto com ervas e chás, a
menina mal notou o que bebia até acabar com todo
o conteúdo. Era sangue de fada, mas Alice não
precisava saber disso. Jamais.
Driana havia encontrado Reina e as duas
entraram no quarto, a tempo de ver a menina sendo

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consolada por Joan, agora bastante desperta.


Reina ajudou a deitar a criança de lado, com
as costas expostas.
Era uma imagem devastadora.
— Querida, eu quero lhe mostrar um lindo
lugar. — Disse Joan com voz embargada de
piedade por ver Alice penar daquele modo. —
Apenas relaxe. — Usou seu dom para criar na
mente da menina um lindo jardim, onde podia
brincar com seus irmãozinhos Tommy e Marmom,
e com seu pai, e sua avó. Um lindo campo de flores
amareladas e perfumadas, onde toda aquela família
desfrutava de um lindo dia de sol. Joan incluiu-se
nessa imagem, pois era muito bonito para ignorar.
E foi desse modo, que impediram a menina
de ver Reina cortando as asas implantadas em suas
costas, abrindo os pontos, para arrancar aquilo do
corpo da humana. O corpo de Alice tremia a se
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resentia da dor e penação, mas a mente da criança


não sentia e nada percebia.
Quanto mais doloroso e feio o processo, mais
bonito o jardim criado por Joan em sua mente, e
mais feliz o momento compartilhado com sua
família.
Quando acabou, Reina costurou as feridas,
duas linhas paralelas que sempre marcariam a pele
de Alice e foi Alma quem pegou os restos e juntou
em uma bacia, levando para fora do quarto.
Eleonora estava em um canto do quarto, enjoada da
gestação, lutando para não ser atingida pelas fortes
imagens.
Quando regressou, Alma tocou o braço de
Joan, para que voltasse para junto delas, mesmo
que a menina continuasse presa nesse lindo sonho.
Um dia para Alice aquilo tudo teria sido um
longo e estranho sonho.
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*****
Um longo e estranho sonho, como o que
vivia Helana. As fêmeas se misturavam com os
humanos, ela mantinha-se a par, evitando contato.
Estava em um dos quartos, com Marmom perto.
Ele brincava sobre a cama, brincava com o
brinquedo que lhe trouxera em uma das muitas
visitas escusas que fazia ao menino.
Ela havia vestido uma roupa comum,
mantinha os cabelos soltos, deixando que o filhote
conhecesse sua mãe, que a reconhecesse como
verdadeiramente era. A guerreira existia, mas na
intimidade, Helana era bem mais do que isso.
Ela pensou ter ouvido uma batida na porta e
ignorou. Deveria ser a governanta Matilde tentando
tirar Marmom de perto dela. Isso acontecia o tempo
todo.
— Posso entrar? — A voz era de Tobias.
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Ele já havia entrado.


— Saia — ela mandou séria.
— Acho que não — ele apontou o filhote de
lagarto. — Eu fico impressionado em como
Marmom parece adaptado. Pensa em levá-lo
embora quando partir?
— E de que outro modo poderia ser? A cria
me pertence. — Disse convencida disso.
— Ele é macho. Precisa conviver com outros
de seu sexo. — Tobias avisou. — Aqui ele tem
irmãos. Têm súditos. Aqui ele é feliz.
Helana não respondeu a essa colocação. Não
queria falar sobre isso.
— Então, você foi casada — ele disse
sentando em uma poltrona. Desgostoso da distância
levantou e aproximou-se da cama, fazendo caretas
para o filhote que interagiu com ele, para horror de

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Helana.
— Isso não é da sua conta. — Helana
desmereceu.
— Não é mesmo. — Ele concordou. —
Sente falta dele?
— Todos os dias — ela disse sem pensar.
Sentia falta de Ethanael todos os dias, todos os
minutos.
Os sentimentos em seu coração eram um
mistério perigoso para Tobias. E ele nunca foi se
aventurar por perigos que não desse conta. Helana
era um desafio a ser conquistado e desconfiava de
suas próprias intenções ao querer sua atenção para
si.
O forte estava repleto de fêmeas de lagarto
esperando atenção de um macho que pudesse lhe
dar afeto. E onde ele estava? Procurando sarna para
coçar-se.
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— Não pode manter sua linhagem sem um


macho. Se vai levar Marmom com você, precisará
do convívio de um macho. Ele precisa aprender a
ser um guerreiro.
— Espero que não esteja falando de si
mesmo ou terei que rir na sua cara — ela disse com
seriedade.
Tobias não era um exemplo de guerreiro. Era
uma boa vida.
— Você entendeu o que eu disse. Alguém
com quem aprender a ser do seu gênero.
— Não — ela disse séria. — Conseguimos
crias, elfo. Não precisamos mais de você. Sua
colaboração chegou ao fim. — Sorriu quando
Marmom saiu da cama, e correu pelo quarto,
brincando com os objetos que para ele eram
rotineiros de sua vida.
— Acha que ele se acostumará a viver sem
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companhia? Sem os irmãos? Sem sua família? —


Tobias foi corajoso ao arriscar sentar na beirada da
cama. O olhar dela o fez levantar e desistir.
— Eu sou a família de Marmom. E não era
esse o nome que escolhi. Me roubaram o direito de
criar minha cria. É justo que eu o leve comigo. Ele
precisa crescer dentro dos seus costumes!
— Eu não contesto isso. Só acho que deveria
entrar em acordo com o humano, o duque deste
forte. Ele precisa ter contato com os irmãos.
— Você não sabe do que está falando — ela
negou, afastando o olhar do seu.
— Não? Eu acho que um novo tempo está
para começar. Se Eleonora é rainha... E Egan seu
rei... — Ainda o incomodava falar sobre isso. —
Será um novo tempo, Helana. Um tempo de
prosperidade. E sua gente não pode continuar do
jeito que está. As fêmeas são adoráveis — disse
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sonhador — elas merecem companhia. Sei de elfos


que ficariam maravilhados por ter a chance de
conhecê-las.
— Enlouqueceu? Meu povo não pode viver
assim, somos diferentes. Caso não tenha notado,
nossa genética exige mudanças. Precisamos do
rochedo, do frio, do molhado. Não somos como
elfos e fadas. Além disso... Eu soube que existe
uma colônia de uma raça igual a minha além do
horizonte. Não sei onde fica, mas eu tenho
esperança de encontrá-los.
— E levará Marmom em uma cruzada além
do horizonte? — Perguntou.
Ambos sabiam da resposta dessa pergunta.
É claro que não sujeitaria uma cria tão
pequena, o último macho de pura linhagem de sua
espécie, a uma viagem penosa que poderia perdurar
por anos, sem a certeza de uma conclusão
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satisfatória.
— E o que sugere? Que eu abandone minha
cria? — Helana perguntou com ironia, embora
soubesse que o que Tobias dizia fazia sentido.
— Eu acredito que precisará de ajuda, e
Eleonora poderá fornecer essa ajuda. Que Joan é
uma fada excepcional, incrível e doce, que ela será
uma mãe substitua esplêndida.
— Não — Helana negou, se recusando a
aceitar isso. — Eu não vou perder minha cria.
— Isso é possível? Marmom reconhece seu
cheiro. E com sorte, não será uma cruzada tão
longa que perca o crescimento de Marmom.
— Acredita mesmo nisso? — Helana
duvidou. — Aqui, querido, seu brinquedo — Ela
ergueu o boneco feito de couro e Marmom negou
com um movimento da cabeça, preferindo mastigar
uma almofada. — Ele parece gostar tanto de viver
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aqui. — Disse pesarosa.


— Talvez isso seja bom — Tobias disse
corajosamente, não por desejar magoá-la, mas sim
por ver a realidade. — Quando o humano voltar
com Joan, eles serão um casal. Criarão as crianças
humanas e terão suas próprias crias mestiças. É um
bom lar diversificado. Marmom nem se destacará
tanto assim... — Esperava fazê-la sorrir. — Pense,
é um bom arranjo esse. Procurar em outros
povoados por sua espécie. Uma chance de
continuação. Isso pode levar alguns meses. Pode
ser uma aventura.
— Não está sendo convidado para essa
aventura — ela fez questão de frisar.
— Porque não? Você não saberia abordar
outros povoados. Poderia ser mal interpratada com
essa mania de aprisionar e procriar. Outras fêmeas
podem não ser tão afáveis diante da ideia de

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compartilhar seus machos.


Era uma verdade incontestável.
— Eu quero que você saia, elfo — ela
apontou a cama. — Eu posso pegar minha espada e
tirá-lo a força. Escolha.
Tobias andou até a porta e acenou para
Marmom, fazendo o filhote de lagarto responder
com o riso infantil, e disse para Helana:
— Eu não sirvo para lutar, isso nos dois
sabemos. Mas sou bom contando histórias. Você
trás a comida para casa, fêmea, e eu espalho a
palavra... — Tobias sorriu de seu gracejo, e a
expressão de Helana era apropriada para quem
sacaria a espada a qualquer momento e se livraria
de um incômodo. — Eu perdi meu lugar no mundo.
Não posso voltar para casa e assistir Eleonora e
Egan juntos. Não agora. Não tão cedo. E você? O
que tem a perder?
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— Saia! — Ela gritou, encerrando a


conversa.
Marmom correu para a cama, e sua mãe o
recebeu nos braços. Eram da mesma espécie,
progenitora e cria, se reconhecendo. Por mais que
Tobias a irritasse e tirasse sua paciência, ainda
assim ele estava coberto de razão.
Com o coração apertado, Helana abraçou seu
filho e fechou os olhos, guardando na memória esse
momento feliz...

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Capítulo 36 — Aguando saudade

O amplo salão real, onde antigamente Rainha


Santha e Rei Isac promoviam festas regadas a luxo
e diversão, ou reuniões enfadonhas e desgastantes,
de interesse puramente dos Conselheiros, estava
repleto de um seleto grupo de fadas e elfos. De
espécies estranhas, como um humano e Mikazar.
Eleonora sorriu para o amigo, conhecido em um
deserto perigoso, em seu pior momento.
Cinco Guardiões, muito arrependidos,
desprovidos de suas armaduras e de suas espadas,
aguardavam a palavra da rainha. Egan observou-a
andar pelo salão, acompanhada por suas três

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amigas.
Em pensar que toda aquela aventura havia
começado por causa de uma única fada e suas três
amigas. Eleonora sentou no trono, não por desejo,
sim por necessidade, pois estava cansada e trêmula,
enjoada e precisando de descanso. Alma
permaneceu ao seu lado, como um cão de guarda,
enquanto Driana e Joan permaneceram sentadas
sobre o degrau que acompanhava os tronos. A fada
vermelha estava visualmente esgotada.
— Mikazar — disse Eleonora. — Aproxime-
se.
O ser obedeceu e Eleonora apontou para a
direita onde havia um espaço, onde no passado os
Conselheiros se mantinham sentados, para que ele
se acostumasse a se posicionar ali.
— Por onde andou, meu caro amigo? — Ela
perguntou sorrindo para a criatura.
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— Mikazar obedeceu ordens minhas, Lora —


disse Alma. — Ele buscou e encontrou alguém que
sabe muito e tem ainda mais a dizer.
Um jovem elfo ergueu uma duende, coberta
por uma capa. A criatura manteve-se silenciosa até
ser levada para junto da rainha.
— Essa criatura vende seus serviços para
quem pagar mais. Foi ela quem me abrigou a
pedido de Miquelina. E foi ela quem recebeu
pagamento da Guardiã Zoé para cuidar de uma
humana, enquanto tomava seu lugar junto aos
humanos.
O assunto intrigou Eleonora que olhou para a
Guardiã Zoé, perguntando:
— E onde está essa humana?
— O corpo eu não sei — respondeu Joan,
intrometendo-se, ainda magoada com a lembrança
— mas sua cabeça foi deixada sobre minha cama,
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para me assustar.
Sim, nutria rancor por Zoé.
— Assassinato de humanos? — Eleonora
levantou e fez um gesto para que Zoé se
aproximasse.
De cabeça baixa a Guardiã andou até a rainha
e ficou a sua frente.
— Confessa seu crime? — Eleonora
perguntou, torcendo pela resposta ser negativa.
— Não. Paguei para que a duende cuidasse
da humana. Apenas isso. Queria seu lugar, não sua
morte.
— Isso é verdade? — Eleonora perguntou
para a duende.
A velha duende não gostava de conversar,
mas sabia a hora de cantar como um passarinho.
Surpreendeu Alma com sua tagarelice espontânea.

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— Sim. Uma humana apareceu em minha


cabana. Ela tinha asas costuradas em suas costas.
Eu não luto com fadas, sejam elas verdadeiras ou
não. Deixei que levasse a humana. Esse é meu
trabalho, eu não luto, apenas acolho.
Eleonora olhou para Egan, que de entre os
Guardiões, não queria tomar seu lugar. Cansada ela
estendeu uma das mãos em sua direção como quem
pede ajuda. Andou de volta para o trono e sentou-
se. Ele olhou para a duende e disse:
— Crimes entre humanos e criaturas mágicas
não são previstos em nossa lei. A assassina está
morta. Não sei como poderia julgar um crime dessa
magnitude. Imagino que novas leis devam ser
criadas, visto que as raças se entrosaram
fatidicamente — ele concluiu. — O acertado é
manter essa história em segredo. Não é necessário
que mais humanos saibam do Monte das Fadas.

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Quanto aos crimes cometidos pela duende... Pelas


leis de Isac aceitar ouro em troca de proteção é
crime. Duendes não tem permissão para trabalhar
nas imediações do castelo.
Eleonora olhou para Egan e quase sorriu.
— Existe relevância na interferência dessa
fêmea de duende em tudo que aconteceu? —
Eleonora perguntou petulante, olhando para Alma e
então, Joan.
As duas negaram, pois de fato não as
interessava o que a duende fazia ou deixava de
fazer.
— Mikazar deve me fazer esse favor —
Eleonora disse, tomada dessa ideia. — Percorra o
Monte das Fadas e cadastre todas as famílias de
duendes. Preciso saber o nome e o ofício de todos
eles. Definir interesses e limites entre trabalho e
crime. Não é justo que eles sejam privados do
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trabalho honesto, seja em suas terras ou nas nossas.


Era um cargo de confiança para quem sempre
se escondeu no deserto com medo de ser visto. Era
também um desafio. Até onde iria a lealdade de
Mikazar? Ele era capaz de suprimir seus medos por
lealdade a Rainha Eleonora? Pelo visto sim.
Egan mandou que levassem a duende em
segurança até sua casa. Era o mínimo que poderiam
fazer.
Zoé, ao ver o que acontecia abriu a boca para
falar.
— Cale-se — disse Eleonora, guardando a
raiva para mais tarde. — Não é hora de falar com
você, Guardiã. Não se dê demasiado valor.
Primeiro, quero saber o que foi feito dos
Conselheiros.
Era uma pergunta para Egan. Ele era o rei.
Ainda não empossado, mas era seu rei e lhe cabia
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definir o que fazer com os traidores.


— Meu pai e o pai de Solon estão nas
masmorras acompanhando a adaptação dos demais.
Estes são os únicos inocentes, rainha. — Joan
contou, com uma sombra de tristeza na face.
Era seu pai e o pai de Solon. Os únicos não
vendidos.
— Todos os demais eram cúmplices do
humano que desejava tomar o poder e destruir
nosso mundo? — Perguntou Driana, surpresa, não
deveria, mas ainda se surpreendia com a ambição
desmedida.
— Isso a surpreende? — Perguntou
Eleonora. — E Lucius? É verdade que ele...?
— Sim, o corpo foi encontrado em sua cela.
— Egan contou, medindo seu tom, para saber se ela
estava ou não abalada com isso. — O corpo na pira,
era de Santha, a fugitiva. Ela participou da tomada
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do poder?
— Sim — respondeu Eleonora, para surpresa
de suas amigas.
Santha havia ajudado a salvá-las. Mas isso
não a exímia de seus crimes. Ela conspirou ao lado
de Lucius e isso levou toda aquela situação a um
ponto insuportável. As mortes e perdas daquela luta
eram consequência de seus atos. E de um modo
estranho, Santha ficaria feliz em saber que sua
imagem de Rainha intocável e maldosa estaria
resguardado. Que ninguém saberia que era fraca e
singela, com um coração ferido.
Mesmo assim, no fundo do coração,
Eleonora havia destruído o rancor e o ódio, e
guardaria para sempre aquele singelo sentimento de
ser amada, nem que fosse um pouquinho, pois foi
preciso amor para que uma fada sacrificasse sua
existência por uma cria que nunca desejou.

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— A rainha deseja mais tempo para lidar


com esse assunto? — Perguntou Egan, pois não
deveria decidir por ela.
Eleonora apenas piscou e negou com a
cabeça.
— E os Guardiões? — Perguntou Alma,
olhando para eles com fúria mortal. — Não podem
ficar sem punição.
— Não, eles não podem. — Eleonora não
queria lidar com isso.
— Elfos com treinamento e armaduras —
disse Egan pesarosos. — O que fazer com
desertores que carregam o peso da responsabilidade
de uma armadura?
— Não somos desertores — o primeiro deles
a se manifestar, foi o Guardião Ildegar. Ele havia
sido de inestimável ajuda para Egan e Eleonora
quando precisaram provar que ela não mentia. —
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Os Conselheiros deixaram claro que uma guerra


acontecia. Eu mesmo vi o corpo sem vida da
rainha. Lutávamos pelo reino. Menos Folson.
Agora vejo que ele lutava por si mesmo. — Era
luto o que se via em sua face.
Um amigo morto, um Guardião morto em
batalha, ainda mais um traidor. Uma ferida que
jamais iria cicatrizar entre eles. Uma eterna
rachadura entre os Guardiões.
— Eu, por mim, jogaria todos eles nas
masmorras — disse Alma, rancorosa. — Onde já se
viu permitir que colocassem coleiras em suas fadas!
Em suas mães, esposas e filhas!
— Os Conselheiros juraram que era obra dos
inimigos! — Ildegar defendeu a todos eles. —
Pergunte a Túlio, ele viu tudo! Egan, a palavra de
seu pai pode nos inocentar! Folson era o único que
conversava com os outros Conselheiros. Nós —

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apontou os outros Guardiões — apenas seguíamos


ordens baseadas em tudo que ouvimos. No que
vimos e no que nossa mente se convenceu que era
certo! Somos Guardiões, mas dependemos de
ordens! Na ausência dos Guardiões de primeira
escala, nos reportamos aos Conselheiros! Tem sido
assim há séculos!
— Conversa de covarde — disse Driana.
Levantando e aproximando-se do Guardião jovem.
Ela tinha a asa costurada em uma das hastes,
coberta por emplastos e medicada, pois estava
ferida e levaria um bom tempo para voltar a voar.
Sua mão enfaixada também era uma lembrança dos
péssimos momentos. — Conversa fiada. Não
mascare a verdade. Não são criminosos, mas são
covardes. Covardes demais para se rebelarem
contra as ordens dos Conselheiros! Sem o Primeiro
Guardião, ficaram perdidos como crianças sem os

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pais! Estúpidos! Eleonora, eles merecem uma


punição a contento para aprenderem a ser machos
de culhões e não fadinhas mimosas brincando de
roda-roda enquanto fingem proteger o reino! —
Seu desabafo era verdadeiro.
— Verdade seja dita, Eleonora, — foi Alma
quem se manifestou — nenhum deles presa por
grande esperteza — seu escárnio incluía sim os
Guardiões de primeiro escalão. — Onde já se viu
perseguirem fadas sem asas e sem dons? Quem em
sã consciência acreditaria cegamente em Lucius?
Ou Santha? Eles sempre foram imundos!
— Os primeiros Guardiões terão seu
momento de explicar, Alma — Eleonora colocou
panos frios na raiva de Alma — quanto aos
Guardiões de menor hierarquia, deixo aos cuidados
do Primeiro Guardião a punição. E esta deve ser
exemplar — ela completou, num aviso que sendo

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seu rei ou não, ela queria ver àqueles rapazes


folgados pagarem pela própria estupidez.
— Sua ordem será cumprida, Rainha
Eleonora — o tom de Egan era seco. — Quanto à
armadura de Folson, o mais sensato é mantê-la
guardada até que algum dos elfos em treinamento
possa disputá-la e merecê-la. Ele era muito jovem e
não deixou descendentes...
— Ainda bem — sussurrou Alma, não tão
baixo que não fosse ouvida, e não constrangesse
Solon com seu comportamento azedo.
— Deveria criar uma lei que impedisse
Guardiões burros e estúpidos de procriar, Lora.
Mas temo ser tarde demais para isso — disse
Driana amarga, referindo-se a cria que Eleonora
esperava.
E se fosse sincera, havia a grande
possibilidade dela estar prenhe de Acheron. Melhor
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não jogar pedra em teto alheio, quando o seu era


feito de cristal delicado.
Era justo que causassem constrangimento
naqueles que lhe causaram mágoa e sofrimento. Os
cinco jovens foram dispensados e pela humilhação
sofrida nenhum deles teria coragem de questionar
qualquer punição que Egan pudesse inventar.
Entre aliados, o suspiro de Eleonora era de
alívio e cansaço. Foi Joan quem lhe perguntou se
não desejava voltar ao quarto, onde pudesse
descansar. Ela negou e olhou para Egan como
quem diz que não tem mais interesse em tomar
decisões ou manter sua postura de rainha.
— Existem leis, e estas leis precedem de
séculos. Para cada Guardião, deve haver um
Conselheiro. Força e razão. Uma aliança preciosa e
necessária. O que nos restou foram nove Guardiões
e dois Conselheiros. Essa conta é injusta.

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— Nem tanto — disse Acheron, tomando a


palavra. — Oito desses Conselheiros não serviam
para nada.
Driana foi à única que sorriu. Sim, mesmo
com seus modos pouco gentis, Acheron era capaz
de dizer uma bela e grande verdade.
— Baseado nisso, sugere uma mudança na
lei? — Perguntou Egan.
— O que Acheron quer dizer — disse
Driana, lapidando o raciocínio de seu elfo
escolhido. — É que o tempo irá corrigir essa
defasagem. Para cada Guardião aposentado, surgirá
um Conselheiro. É assim que deve ser. O assunto
de maior urgência, se me permitem trazer a voz da
razão, é definir o que será feito com o humano. Ou
define-se uma aliança ou lidaremos com ele. — Era
claro que preferia a segunda opção. — A Guardiã
Zoé é outra questão a ser tratada. E sem dúvidas, o

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fato do Primeiro Guardião tornar-se Rei, muda a


hierarquia entre os Guardiões, o que me faz pensar
que a natural escolha seja Solon, o terceiro
Guardião, que prima pela astúcia e comportamento
afável — ela olhou para um incrédulo Acheron e
sorriu. — Sejamos realistas, Acheron, lhe falta
traquejo para lidar com tantas personalidades
diferenciadas. É incapaz de apaziguar.
— Escute, Rainha Eleonora, eu lhe devolvo
de bom grado sua amiga. Fique com ela, eu não
tenho paciência para suas ironias — Acheron
definiu, no limite do autocontrole com sua fada
escolhida.
Driana apenas revirou os olhos e tornou a
sentar aos pés de Eleonora, ao lado de Joan, que
pousou a cabeça em seu ombro e sussurrou-lhe, que
repassou a Eleonora em tom baixo.
— Uma aliança será firmada entre humanos e

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elfos, mas não vejo relevância suficiente para


minha presença durante essa longa e desgastante
conversa. Egan pode muito bem cuidar disso, com
ajuda de Túlio e Reina. Eu não tenho interesse em
interferir — disse, e olhou para o calado humano.
— Ofereço como cortesia por sua boa vontade em
negociar uma aliança a mão de minha fada
preferida, Joan. Ela deve ser sua esposa e cuidar de
seu lar. Em troca, uma aliança entre os dois mundos
deve ser firmada. Uma aliança de sigilo e votos de
colaboração. Mas não responda agora. Esse assunto
é para depois, entre elfos e machos de todas as
espécies existentes no Monte das Fadas. Quando a
Zoé... — Ergueu a voz e olhou para Guardiã com
verdadeiro asco. — Caçou uma de sua raça.
Subjulgou e caçou sem dó. Sem a piedade esperada
de uma fêmea. Isso me assusta.
A fada Guardiã não ousou dizer palavra

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alguma em sua própria defesa.


— Esse assunto não merece debate. A
armadura deve ser deixada aos cuidados de Egan.
De hoje em diante não lhe pertence mais. Seu
treinamento não poderá ser executado dentro do
castelo ou em qualquer outro recanto do Monte das
Fadas. Será uma fada como qualquer outra, e
dependerá de seus talentos como fêmea e do seu
dom. Como todas nós. Sem regalias. — Eleonora
disse com firmeza.
Ninguém ousou dizer nada contra sua ordem.
Era uma punição justa. Mesmo assim a expressão
de Joan alertou Rowell de que ela não concordava.
Joan afastou-se de Driana e levantou. Aproximou-
se de Zoé e então, olhou para Eleonora:
— Tem o desejo de ser uma rainha justa,
Lora. E isso não é justiça, é vingança. Zoé não fez
nada diferente dos outros. Acheron caçou Driana,

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inclusive desonrou-a. Solon caçou Alma. Perdoe-


me, minha querida Lora, mas Egan a caçou como a
um animal. Porque culpar apenas Zoé? Ou punirá a
todos eles. Ou inocentará a todos de seus crimes
contra fadas do Ministério do Rei. Forneça uma
segunda chance a Zoé. Ou puna a todos.
— Quer que esqueça como essa fada a
perseguiu e aterrorizou, Joan? — Eleonora chocou-
se. — Eu entendo o que diz. Mas nós somos
capazes de nos defender! Você nunca foi capaz de
fazer isso! E ela sabia! Zoé é experiente, ela sabia
que de todas nós, você sempre foi a mais frágil! A
mais delicada! Ela sentiu prazer à vida toda em
persegui-la! Isso precisa ser punido.
— Para mim, basta a verdade. Zoé é uma boa
Guardiã. Ela salvou minha vida no final. Não é de
todo mau. Há bondade, muito camuflado, mas há
alguma bondade nessa Guardiã. — Joan sorriu

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para Eleonora e tentou não parecer tão triste. — Eu


só quero saber por que me perseguiu a vida toda.
Porquê desde que eu era pequena, sempre me
ofendeu e assustou. Por quê? O que eu lhe fiz?
Zoé manteve os olhos sobre Joan. Por um
segundo pareceu que não responderia. Que talvez,
não houvesse nada para responder.
— Eu era como você. — Disse Zoé —
sempre assustada. Sempre com medo. Sempre me
escondendo. Um dia, um Caçador de Fadas me
roubou da minha família — ela contou sem
pestanejar, olhos nos olhos, para que Joan
entendesse de onde vinha sua mágoa. — Eu perdi
tudo e tudo ficou para trás. Muitos anos servindo a
um dono, como uma serva, ele não tinha interesse
no corpo de fada ou na venda de asas ou cio. Ele
queria trabalho pesado. Ele me ensinou a usar a
espada e a roubar. Atacar elfo nas estradas. A usar

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roupas de elfo e atacar, como um animal. Um dia


— ela tinha lágrimas nos olhos, mas era de raiva e
não de dor. Ou era apenas a dor mascarada por
fúria. — Um dia eu roubei de uma fada bem
trajada. Ela estava em um longo passeio na floresta
ao lado de um elfo. Era Santha. Era Lucius. Ele não
me deu atenção, não notou que eu não era um elfo.
Mas Santha... Ela notou o meu cheiro de fêmea.
Santha me prendeu e trouxe para o castelo. Mas
antes disso, colocou uma espada em minhas mãos e
me levou até o acampamento onde ficávamos
escondidos. Ela disse que se eu vingasse minha
desgraça, então poderia sobreviver nesse mundo
horrível. Foi o que eu fiz. Eu matei o Caçador de
Fadas, com a espada, eu tirei sua vida. Estava livre.
Sem amarras. Santha me trouxe, como traria um
animal exótico. Ela implorou ao Rei Isac que
permitisse meu treinamento. Que a divertia ter uma
fada sendo treinada como Guardiã. Foi Santha
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quem intercedeu por mim. Foi ela quem me fez o


que sou hoje. Eu nunca questionaria uma palavra
dita por ela. Jamais.
— E porque eu? Porque me odiar? O que lhe
fiz? — Joan ainda não entendia.
— Você e sua expressão assustada. Porque as
fadas e elfos sentiam pena de você? Nunca
ninguém sentiu pena de mim.
Era recalque. Era mágoa por um passado que
não poderia ser mudado e que Zoé via e revia, todas
às vezes, quando enxergava a fadinha andando pelo
castelo. Era como ter sua vida trazida a tona. Joan
se tornou um alvo, mas era apenas um bode
expiatório.
— Peça perdão pelo que me fez, Zoé. —
Pediu Joan. — Eu posso perdoá-la. Mesmo que seu
pedido seja falso, ainda assim, posso perdoá-la.
Não era uma imposição. Era um pedido justo.
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— Eu lhe peço perdão. — Zoé disse e


curvou-se de joelhos, causando desconforto
imediato em Joan. — É um pedido sincero.
Joan curvou-se também e a fez levantar.
— Se é um pedido sincero, não necessita
humilhar-se. Eu acredito. Mas peço que não se
aproxime do meu humano. Nunca mais. — Era um
aviso ciumento.
Como fada poderia perdoar. Mas como
fêmea, não poderia perdoar que mexesse com seu
macho escolhido.
— Eu não o quero. Eu queria disputá-lo com
uma das fadas da clausura e obter sucesso, onde
antes eu falhei — Zoé disse penosa, de alguma
lembrança do passado.
— Sendo assim — foi Egan quem encerrou a
situação. — Zoé, eu peço que ajude na limpeza dos
corpos. Será bom que se afaste por uns dias do
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convívio das fadas. Até a raiva minguar.


— Sim, senhor — ela disse e com uma
mesura, saiu do salão sem olhar para mais
ninguém.
— O que ela quis dizer com ter falhado
anteriormente? — Eleonora perguntou, olhando
com desconfiança para Egan.
— Não se preocupe, Lora — a voz
desgostosa era de Driana. — A péssima ideia de
deitar-se com a Guardiã veio de Acheron, não que
isso me surpreenda, ele é cheio dessas boas ideias.
— Ironizou.
— Existe algum crime a ser reparado? —
Eleonora perguntou, e esperava que Acheron fosse
sincero.
— Não. Éramos conscientes do que
fazíamos. Não abusei do cio de uma fada. Zoé
havia tido outros companheiros antes de mim. —
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Ele pareceu adoravelmente constrangido com esse


assunto. — Eu não notei que ela esperava
casamento. Francamente eu não notei nada
diferente. Ela nunca foi muito romântica...
— E como notaria? — Ironizou Driana. —
Acho errado tratar uma fêmea com a mesma lei que
um macho. Se a permissão para a disputa das
armaduras incluírem as fêmeas e isso se tornar
regra em seu reinado, sugiro Eleonora, que acirre as
leis. Algo sobre manter a boca grande de elfos
fechadas, e não espalhando suas ideias de
casamento com fadas da clausura, enquanto se
deitam com suas colegas de guarda!
Sim, ela estava furiosa com a indelicadeza de
seu elfo escolhido. Mais do que isso, furiosa com
uma fêmea do passado de Acheron conviver com
ela.
— Assuntos de menor interesse, Driana, você

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deveria saber que não deve sobrecarregar sua


rainha com assuntos de menor interesse — disse
Alma, cheia das pirraças de Driana.
Amar sua amiga, não a fazia surda para seu
palavreado constante e diversas vezes, irritante.
— Acabou? — Perguntou Joan. — Posso
voltar para junto de Alice?
O modo como Eleonora, Driana e Alma a
olharam quase a deixou culpada. Deveria querer
estar com elas, e não com uma estranha. Mas elas
estavam bem, Alice estava ferida e assustada. E
Joan se recusava a envergonhar-se de amar a
família de Rowell.
— Sim, os assuntos urgentes acabaram —
garantiu Egan. — A rainha deve se deitar. Está
pálida. — Era um aviso de que esperava que se
cuidasse e deixasse os piores cuidados com ele.
Afinal, havia corpos e muita sujeira para ser
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reparada. Muita dor a ser remexida.


— Porque não subimos todas para a torre? A
menina vai apreciar companhia de fadas. — Disse
Driana, tentando sorrir para o humano, mas sem
conseguir exprimir grande simpatia.
Joan escondeu um sorriso. Era louvável o
esforço que Driana fazia para superar seu
preconceito contra humanos. Joan aproximou-se de
Rowell e o beijou de leve na bochecha, com recato
antes de sussurrar:
— Estou cuidando de Alice. Não fique
preocupado com ela. Os elfo o aceitarão como um
dos seus, basta que ouça e acate nossas leis.
Rowell nada respondeu, algo no olhar do
humano não a agradou. Ele parecia como uma
criatura que desejava fugir a qualquer momento.
Por isso, Joan segurou em seu braço e implorou:
— Não diga que somos diferentes e isso
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basta para justificar que me deixará para trás. Lora


é rainha, tem seu tempo de decidir o que é melhor
para nós. Ela pede tempo para falar sobre nossa
situação. Por favor, espere. Alice não pode viajar
agora. Espere junto de nós. Conheça minha terra.
Por favor.
— Como se eu pudesse deixá-la — ele disse
com irritação e também algo de desespero na voz.
Era uma complicação que sua fada de olhos puros,
fosse mesmo uma fada!
Joan sorriu e afastou-se dele, não sem antes
olhar para Egan com esperanças de que o Primeiro
Guardião e também rei, pudesse cuidar bem do
humano em sua ausência.
— Não seja tão protetora — foi Alma quem
avisou. — Se ele não aguentar algumas horas em
nosso mundo, não aguentará uma vida ao seu lado.
Era a mais pura e límpida das verdades.
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E talvez, a mais dolorosa também.

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Capítulo 37 — O que deixou para

trás

Foram necessários três dias para que Alice


estivesse bem o suficiente para interagir em uma
conversa. A menina mal entendia o que se passou
com ela. Sentia falta de sua avó e perguntava pelos
irmãos o tempo todo. Na terceira manhã, quando
Alice andava pelo quarto, ajudada por Alma,
pareceu ser o momento certo para explicar-lhe
exatamente o que lhe aconteceu.
Na noite deste dia, finalmente foi decidido
que era a hora de partir. Rowell ouviu calado todas

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as instruções do Primeiro Guardião sempre


mantendo os olhos fixos em sua Joan, tão distante,
sempre acompanhada e protegida por suas amigas.
Um ressentimento brando alertava que era
normal que as mulheres desejassem sua companhia,
pois em breve as quatro estariam apartadas por
muito tempo. Era assim a vida, mesmo em raças
distintas, a distância é um fardo a ser carreado entre
fêmeas e mulheres.
Joan não era a única a partir. O castelo estava
recuperado, cada elfo e fada vivendo sua vida,
tentando superar o que aconteceu, tentando
esquecer a traição dos Conselheiros.
Era quase noite, quando Joan pisou sobre a
grama macia e úmida da chuva daquele tarde. Seus
pés nus se esbaldaram nessa sensação e ela sentou
no chão. Fechou os olhos, respirando o ar puro,
alimentando seu espírito com essa boa lembrança.

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Desde sua mais tenra idade era isso que


faziam: fugir das claustrofóbicas instalações do
Ministério do Rei, para reunirem-se ali, muitas
vezes em brincadeiras, em outras vezes, apenas
abraçadas obsevando o céu, tecendo planos de um
futuro que parecia cada dia mais improvável de ser
realizado.
Em meio ao silêncio e paz, Joan ouviu os
passos pesados de Alma e a voz inconfundível de
Driana reclamando de algo. Sorriu, pois era
inevitável sorrir das briguinhas de ambas.
Quando abriu os olhos, Driana já havia
deitado na grama, ao seu lado, e Alma ajudava
Eleonora a sentar. Ela escondia dos outros, mas não
delas. Uma ornada barriga de quase cinco meses de
gestação. Em breve daria a luz ao futuro rei ou
rainha do Monte das Fadas.
Vestida com um vestido bastante bordado e

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caro, onde suas asas eram libertadas pelo decote


das costas, Eleonora mantinha os longos cabelos
louros, quase brancos, em uma trança frouxa, na
cabeça uma tiara de pedras preciosas. Sem brincos
ou colares. Ela sorriu de alguma reclamação de
Driana e olhou para Joan, sua fadinha vermelha.
Agora com suas asas, lindas asas vermelhas.
Os olhos verdes de Joan encontraram os seus.
Sua bonequinha, tão bonita e doce. Como permitir
que fosse embora? Principalmente para uma vida
diferente da sua?
— Meu casamento com Egan acontecerá em
duas semanas. — Disse depois de algum silêncio
prolongado. — Espero que saibam que é uma
ordem a presença das quatro no casamento.
— Espero que diga isso a Acheron, ele tem
pressa em partir — disse Driana, observando o céu,
pois a noite vinha sorrateira. O azul profundo e

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escuro, banhando as nuvens com sua melancolia.


— Eu quero conhecer o lugar onde nasci e deveria
ter sido criada. Conviver com meu pai, minha irmã
e meus irmãos. Acheron me ofereceu um ano.
Depois, ele precisa voltar. E eu aceitei. Estamos
evitando fazer longos planos. Ele sempre teve o
desejo de viver em uma casinha na floreta, longe de
tudo e dos problemas... — Sussurrou e olhou para
as três fadas com um meio sorriso de quem tem
planos que não agradariam Acheron. — Eu quero
levá-lo de volta para o lugar de onde veio!
— Típico, você sempre quer obrigar os
outros a pensarem como você. — Disse Eleonora,
pensativa sobre esse tema. — Mas nesse caso, eu
concordo com seus planos. Acheron nasceu para
ser rei. É desse modo deve ser. O medo não deve
encobrir seu destino.
— Veja, é isso que eu tenho tentado dizer a

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ele! — Driana alegou, espantada do modo


simplório com que Eleonora definia toda a questão.
— Já pensou em conversar com ele, em vez
de fazer sermões? — Perguntou Alma, de pé,
segurando em uma das mãos uma flor de pétalas
roxas e perfume adoçado.
Driana ouviu, mas não revidou. Era verdade.
Talvez precisasse ser menos complexa.
— De qualquer modo, isso me levará para
longe do Reino. Lora, você não ficara magoada,
não é? — Driana tocou sobre o braço de Eleonora,
e esta sorriu.
— E porque eu ficaria? — Eleonora curvou-
se e beijou sua testa. — Acheron a quer, quem sou
eu para interferir? De outro modo, imagine o custo
para achar um elfo que a suportasse?
Driana riu, não havia outro modo de revidar.

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— Quero conhecer sua família, Driana. Tente


trazer seus irmãos e seu pai para o casamento. Seria
adorável conhecê-los. — Pediu Eleonora.
— Farei isso. — Driana tinha os olhos fixos
em Alma. — Então? Não vai nos contar nada sobre
Solon? Sobre sua vida no Vilarejo sem Fim? Tem
mantido segredo tão grande, que começo a duvidar
dessa união...
— Se eu não conto detalhes, é porque você
faz perguntas demais. Não há o que contar. Solon e
eu estamos acertados. Viveremos juntos e se
possível, ajudaremos a criar um ambiente adequado
para o povo do subsolo. Depois disso... Eu não sei.
Talvez voltemos para o castelo, talvez não.
— Eu não acredito que não tenha mais nada a
contar! — Eleonora reclamou — Admita, vocês
dois vivem bem juntos, não é um acerto, Alma! É
amor!

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— Eu nunca neguei isso. Mas não vou cansar


seus ouvidos com minhas histórias de amor... —
Ela ironizou e sentou ao lado delas, de pernas
dobradas, nada feminina, com seus cabelos longos,
repartidos e castanhos, agora brilhantes e vistosos,
prova que sua vida era saudável e feliz ao lado de
Solon
— Eu ainda não sei. Mas... Penso que
carrego uma cria. Mas não é certeza ainda. —
Contou com o se nada fosse nada.
— Oh, Alma! — O grito feliz de Eleonora,
ou o som de surpresa de Driana, nada se comparava
ao olhar de Joan. Ela estendeu uma das mãos e
tocou a barriga de Alma.
— Porque demorou tanto a nos contar? —
Joan quis saber.
— Porque ainda não tenho certeza. E se for,
tenho muitos meses para isso. Enfim, é apenas uma
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cria.
— Alma, não seja assim — pediu Joan. — É
a sua cria e de algum modo, é cria de todas nós.
Você sabe disso, não sabe?
Era uma pergunta bem vinda. Alma apenas
acenou e concordou.
— Eu viverei com Rowell. Espero que isso
não as magoe. — Disse Joan por fim, recuperada da
surpresa de saber que Alma poderia esperar uma
cria, assim como Eleonora. — Eu gosto dele, não
como elfo ou humano. Eu gosto de quem Rowell é
por dentro. Do seu coração. Ele passou tanta
tristeza na vida. Quando o conheci estava a beira de
desistir de tudo em nome da segurança dos filhos.
Como eu posso não amar alguém assim?
— E se um dia você acordar e perceber que o
que sentia era apenas gratidão? — Perguntou
Driana, para mostrar que ainda não concordava.
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— E se um dia você acordar e perceber que


era apenas atração física e sexo? Ou acha que
nenhuma de nós pensou isso ao descobrir seu
súbito interesse em Acheron? — Jogou Joan de
volta.
Sem voz, muda pelo argumento, Driana
apenas negou, envergonhada:
— Não é nada disso. Eu gosto dele por outras
razões também. Não por... Sexo.
— Então, eu amo Rowell por muitos outros
motivos, além de gratidão. — Disse Joan taxativa.
— Suas crias serão mestiças. Você sabe o
que acontece, não é? Poderão fazer parte da sua
vida no Monte das Fadas, mas se não possuírem
características de elfos e fadas, serão rejeitadas e
viverão melhor entre os humanos. — Eleonora
lembrou-a disso.
— Eu não vejo como isso possa ser algo
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ruim. Criarei minhas proles com amor e respeito.


Não vou permitir que a diferença de raças seja um
estorvo em nossa felicidade. O que me importa
saber é... Aceitarão Rowell e as crias que dele vier?
Ou precisarei perdê-las para ter o amor da minha
vida?
— É claro que não — Driana respondeu,
surpresa por Joan sentir-se assim. — Mas aviso,
algumas vezes irei visitá-la, e não quero ser tratada
como uma invasora pela gente de Rowell. Diga isso
a ele. Somos irmãs, antes dele a conhecer. Não é
justo que nos afastem.
— Nada poderá nos afastar! — Disse Joan.
— Jamais! Sobrevivemos, Driana. Olhe para nós —
ela olhou para cada uma delas. — Somos
vitoriosas. E estamos juntas! Nada no mundo
poderá nos separar! Apenas unir!
Driana até pensou em lhe dizer que isso era

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puro idealismo, mas visto que até Alma estava


participando desse delírio de felicidade, Driana
apenas sorriu e deixou-se levar pelo entusiasmo de
Joan ao falar de sua vida entre os humanos.
— Vocês se lembram de quando ficávamos
aqui e espiávamos a vida daqueles que tem
liberdade? — Perguntou Eleonora, agora de pé, ao
lado das três.
Elas menearam a cabeça concordando.
— Pois bem, agora somos parte disso. Somos
livres.
De mãos dadas as quatro sorriam.
Sim, eram livres.
E pela primeira vez, voaram juntas.
De volta para o castelo.
De volta para seus amores.
*****
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Na manhã seguinte, Egan apoiava Eleonora,


um braço em torno de suas costas, enquanto
observavam a despedida de Alice. Muitos queriam
ver a menina humana, agora recuperada, andar com
seu pai, e sorrir agradecida pela ajuda obtida entre
estranhos.
Levariam muitos anos para o horror sair de
sua mente. Mas ver um mundo novo e saber que
existe generosidade, acalentava um pouco a
tristeza.
O trajeto por terra seria muito penoso para
Alice, por isso, Eleonora observava suas amigas
preparem-se para levantar voo.
Alma, a mais forte de todas, levaria o
humano. Driana levaria a menina Alice e por mais
que contrariasse Joan, a Guardiã Zoé seria a
segurança velada, cuidando no céu da segurança
das fadas aliadas a rainha.

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Era tempo de dizer adeus, mesmo que um


adeus temporário.
E ao contratio de meses atrás, dessa vez, não
havia lágrimas e sim sorrisos. E a promessa de um
retorno rápido.
Quando elas saíram do campo de visão,
Eleonora virou-se a abraçou Egan, escondendo o
rosto em seu pescoço.
— Não chore — ele disse baixo, para
acalmá-la. — Joan está feliz.
— Eu sei. Eu também estou feliz. E você,
Egan? — Ergueu seus olhos, procurando nos dele a
sinceridade total. — Está feliz?
Referia-se a prole que carregava.
A resposta de Egan não veio com palavras.
Um beijo, para selar o companheirismo, a atração e
a felicidade de ser um casal. Apenas um beijo para

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alinhavar as arestas e mostrar a Eleonora o quanto


sentira sua falta e como estava feliz por estar de
volta!
E quando o beijo acabou, eles sorriram e
voltaram para dentro do castelo de mãos dadas. Era
um novo começo para o Monte das Fadas.
Um novo começo para todos eles.
*****
Joan ainda olhava para o céu, quando os
portões do castelo foram erguidos. Eles entrariam
como qualquer humano faria. Nada de tumultuar ou
chamar atenção para o mundo das fadas. Por isso a
despedida foi rápida e o olhar para o céu era
saudoso.
Sentindo sua dor, o sentimento horrível da
separação, mesmo que consentida, Alice segurou
sua mão, em parte como consolo, em parte
querendo um afago. E depois de tudo que a menina
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passou, Joan sentia ainda mais simpatia pela


menina.
De volta ao castelo, Joan estava ansiosa para
ver todos.
A primeira coisa que notou foi que o lugar
estava impecável. Cada homem em seu posto, cada
empregado em seu devido lugar.
Helana e sua rigorosa condução dos
subalternos.
— Joan! — O grito animado veio de Tobias,
que a cercou e ergueu nos braços, para um abraço
de amigos. Mas o olhar do duque não reconhecia
essa amizade, por isso Tobias a colocou de volta no
chão e beijou sua mão com recato exagerado que a
fez sorrir e tornar a abraçá-lo enquanto contava:
— Finalmente paz, Tobias! Tudo acabou!
Eleonora exige seu retorno! Nem preciso dizer que
Reina está ansiosa para vê-lo!
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— Hum, eu também estou ansioso para ver


Eleonora e Egan juntos — ele ironizou, com um
pouco de veneno na voz.
— Não — disse Joan. — Eles estão felizes!
Eleonora vai parir em pouco tempo. Seja
compreensivo. Eles se amam! E você é muito bem
vindo ao reino, se não for cabeça dura e não causar
problemas! — Joan disse sorrindo.
— Eu não quero voltar e vê-los juntos. Ainda
não. — Tobias confessou e por mais que não
quisesse ver, Joan entendia esse sentimento.
Tobias não amava Eleonora como fêmea,
mas isso apenas o tempo lhe mostraria.
— E onde está Matilde? — Ela perguntou
ansiosa.
— Está aí algo que nunca pensei em ver —
disse Rowell, discretamente afastando-a de Tobias,
sem exibir o ciúme, mas revelando-o para olhos
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mais atentos.
— Tenho algo para Matilde! Venha, querida
— ela suavemente abraçou Alice. — Vou levá-la
para seu quarto. O que me diz?
— Eu quero ver meus irmãos — Alice pediu
baixo, muito cansada.
— Eu a levo — disse Rowell, tomando a
filha no colo. Era recomendação de Reina que
Alice andasse um punhado de tempo por dia. Mas
nada que a exaurisse.
No caminho cruzaram com várias fêmeas de
lagarto e Joan apenas as cumprimentou enquanto
seguia com Rowell para o quarto de Alice. Quando
a viu deitada e em segurança, beijou o rosto do seu
humano como quem pede desculpas e saiu do
quarto. Ainda faltava uma coisa a fazer.
Uma devolução por assim dizer.

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Na cozinha do castelo, ela encontrou a


familiar cena de sempre. Hector sentado em sua
cadeira, tão gordo e suado, descascando suas
batatas, enquanto conversava com seu coelho.
— Olá — Joan disse para se fazer notar.
É claro que enxergou o brilho de expectativa
e clamor nos olhos do humano. Ele a enxergava e a
tomava, como uma chance de salvação para sua
amada Anesi.
Por isso, Joan não o cansou com palavras.
— Eu não sei se é o bastante, Hector. Eu
apenas posso torcer para que seja. — Disse
abaixando-se no chão, de joelhos e segurando o
gordo coelho em seus braços.
Hector retirou o animal de seus braços e o
manteve quieto em seu colo. Joan retirou das vestes
um pequeno tubo com líquido esbranquiçado.

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— Uma amiga muito querida, Reina, ela


acredita que meu dom é capaz de alterar muito a
fisionomia de outros corpos. Que eu posso recriar e
adaptar. Que talvez, minha essência de fada, aliada
a outros compostos, que apenas Reina compreende,
pois é seu dom de fada saber lidar com ervas, possa
expurgar de Anesi a magia ruim que a prendeu
nesse corpo. É uma tentativa. Eu lhe juro, mesmo
que falha, eu continuarei tentando, Hector.
Era uma promessa que Joan pretendia
cumprir.
O coelho não gostou nada daquilo. Quando
forçou-o a engolir aquilo, a gritaria do animal era
de dar dó. Quando acabou, Joan levantou.
— Pode demorar algum tempo. — Ela disse
com um sorriso empolgado. — Eu preciso ficar
com Alice e Rowell. Mas eu volto para saber como
Anesi está indo.

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Hector não lhe deu muita atenção. Esperança


havia tomado o coração do humano. Todos os
pensamentos dele eram para a mulher que amava e
que era prisioneira de si mesma, naquele corpo de
coelho.
Joan correu pelo castelo, na busca por
Matilde. Queria vê-la e contar sobre a vitória de
seu povo. Sobre como Zoé estava fora da vida delas
para sempre e sobre permanecer ao lado de Rowell
como esposa. Era bom que as duas se entendessem.
O que encontrou ao regressar ao quarto de
Alice foi uma Matilde furiosa, discursando sobre a
desgraça de ter um povo de fadas dentro de seu
castelo e sobre o que fizeram com a sua neta. O
olhar de pânico de Alice era quase cômico. Ela
tentava falar, explicar que a culpa era de sua mãe,
pobre mulher ensandecida com os anos, mas
Matilde não ouvia.

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— Oh, aí está ela. A culpada de tudo! —


Matilde apontou-a com desprezo.
— A culpada? — Joan entrou e tentou sorrir
para Molly que ajudava a cuidar de Alice. A
menina lhe sorriu constrangida pelos gritos de
Matilde. — Não fui eu quem incentivou o
casamento de Rowell com Sophie. Muito menos fui
eu quem guardou segredo da possibilidade dela
estar viva e sobre sua origem. — Disse
pactualmente, pois essa era a única linguagem que
Matilde entendia. — Espero que baixe seu tom de
voz, Matilde. Gritos me incomodam, e devido ao
fato que serei Duquesa de Mac William em breve...
Seria bom que adequasse seu tom de voz ao meu
gosto.
— Não nesta vida — disse Matilde
entredentes.
— Por favor — Joan desmereceu sua

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agressão e sorriu para Rowell, que tentou não


retribuir. — Quer saber? Existe apenas um modo de
você me aceitar — confidenciou e sentou na
beirada da cama, olhando para Alice que já sabia
desse segredo, que envolvia sua avó. — Eu
proponho uma trégua, Matilde. Uma troca, se
preferir o termo.
— Nada que você tenha me interessa —
Matilde disse decidida, cruzando os braços com
força, enquanto enxotava Molly do quarto e
fechava a porta, para que a criada não ouvisse as
intrigas de seus senhores. Típico de Matilde.
— Pois bem, em duas semanas, minha
grande amiga Eleonora irá se casar. Eu irei até o
Monte das Fadas, na companhia de Rowell, Alice e
Tommy. Iremos acompanhar a cerimônia que se
estende por três dias, como manda nossos
costumes. Eu poderia levá-la conosco. Para

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conhecer o mundo das fadas e elfos e ver como


vivemos. Mas eu sinto que não devo levar alguém
que grita, briga e causa transtornos o tempo todo. E
Rowell concorda comigo, não é, meu amor?
— É verdade, mãe — ele disse sorrindo,
aproximando-se da cama, para pousar ambas as
mãos nos ombros de Joan, apoiando-a nessa
afirmação. — O mundo das fadas é um lugar calmo
e sereno. Não é justo levarmos fúria e
desentendimentos agora que tudo finalmente está
em paz. — Piscou para Alice.
— Vovó, o reino das fadas é lindo! — Disse
Alice, mesmo que ainda convalescendo, ela sorria e
se empolgava a falar disso. — As fadas são lindas,
vovó! A natureza, o céu... A rainha Eleonora parece
um punhado de algodão e suas asas... São... —
Faltaram palavras para a menina descrever seu
encanto.

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— Esplêndidas? — Sugeriu Joan. —


Eleonora é peculiar. E apreciadora dos humanos.
Ela gostaria de conhecer minha... Sogra — A
palavra também não na agradava em nada. —
Porque não vai ao seu quarto, Matilde? Eu deixei
uma coisa para você sobre sua cama. — Disse Joan
com ares de mistério.
— Eu não quero nada vindo de você —
Matilde disse taxativa.
— Está bem. Então, pegue e ponha no lixo.
Ou dê para alguém. Só acho que a mãe de Rowell
merece mais do que vestir-se como uma
governanta. Acho que merece ser assumida. Eu
sinto dizer isso, Matilde, mas Edward está morto. É
uma pena. Mas com sua morte... Bem, não há quem
exija o direito ao ducado. Estou certa, Rowell? —
Tocou sua mão e olhou-o, pois quando lhe explicou
isso fez sentido, mas passado os dias, ela esqueceu

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um pedaço das leis dos humanos e poderia estar se


confundindo.
— Sim — ele beijou o topo de sua cabeça,
sobre seus cabelos perfumados. — Edward era o
único que poderia questionar meu direito ao
ducado. Com sua morte, mesmo que me entristeça
o que aconteceu, estamos livres de qualquer
cobrança. Podemos contar para todos quem é
minha mãe verdadeira. Não é necessário que seja
uma governanta para justificar sua presença dentro
o castelo ou seu direito a comandar. Com as bodas
— ele fez questão de lembrar — caberá a Joan
cuidar das criadas e a você, minha mãe, caberá
ajudar na educação dos nossos filhos, pois Joan não
entende muito do nosso mundo.
— Levará algum tempo para que eu saiba
como funcionam todas as regras e leis de sua
sociedade. — Joan disse com um sorriso. — Eu

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posso cuidar do forte. Mas sozinha, não poderei


cuidar da instrução das crianças de Rowell. E com
o tempo, dos meus próprios filhos.
— Seus filhos serão como Sophie? — Disse
Matilde. — Loucos como Sophie.
— Não. A miscelânea de raças não faz isso a
uma criatura, mãe — ele disse conciliador. —
Crianças bem criadas e muito amadas jamais serão
como Sophie e Edward.
— Eu não sei se gosto disso — Matilde
afirmou. — Mas não vejo ninguém me pedindo
permissão. Então, o que posso fazer?
— Pense, Matilde, serei eu ou qualquer
outra. Rowell não ficaria sozinho para a vida toda
— Joan tentou animá-la, mas a única coisa que
conseguiu foi alimentar seu mau humor
característico e sua saída prematura, pois apesar de
fingir bem, Matilde não conseguia esconder seu
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desejo de ver o que Joan lhe trouxera e deixara em


seu quarto, sobre a cama.
Aliviada, Joan manteve sua mão unida a de
Rowell, aguardando a chegada de Liara com
Tommy e Marmom. O que não aconteceu. A
demora os instigou a procurar pelas crianças. Alice,
exausta, estava adormecida, então os dois deixaram
o quarto na busca pelas crianças.
— Espero de coração que o lagarto não tenha
levado Marmom embora — Rowell disse nervoso e
Joan apertou sua mão com força, para acalmá-lo.
— Fêmea de lagarto. Há uma linha tênue
entre a ofensa e a verdade, Rowell. Tome cuidado
ou não conseguirá interagir com Helana.
— Algo me diz que não vamos ter um bom
convívio. Eu não vou permitir que leve Marmom
— ele parou de andar e olhou para Joan, os dois no
corredor, quase em frente a um dos quartos, onde
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no passado Joan lavava os corredores até a


exaustão. Rowell lhe fez um carinho no rosto, mas
a verdade não podia ser oculta, mesmo que o amor
pedisse por benevolência. — Eu sei que não havia
filho algum, que Sophie provavelmente mentia
sobre a gravidez ou se havia criança, pertencia a
algum elfo. Ou outra criatura qualquer. E eu não sei
o paradeiro dessa criança, se é que ainda vive ou se
realmente existiu. Mentira ou não, Marmom se
tornou uma realidade na minha vida. É meu filho.
Eu não abrirei mão dele.
— A escolha não é sua — Joan foi sincera.
— Um dia, Marmom crescerá e terá ódio por quem
o apartou de sua mãe. É assim que as criaturas,
sejam fadas ou humanos, agem e sentem. Permita
que Helana crie o próprio filho, desse modo jamais
perderá o amor de Marmom.
— Para você é fácil dizer isso, Joan, você

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não é como eu. Não é egoísta. É acostumada a


partilhar e dividir, eu sei que acha que amor não se
prende, mas não é verdade. Eu não sei se
conseguirei deixar meu filho ir embora.
— É claro que conseguirá. Se você o ama de
verdade, permitirá que seja feliz. Além do mais...
Posso conversar com Helana, convencê-la a deixar
o pequeno vir aqui de vez em quando. Pode ter uma
aliada, Rowell, ou uma inimiga. A escolha é
somente sua.
— E quer me convencer que irá aceitar essa
escolha sem tentar me convencer a ceder? — O
duque sorriu. Um sorriso triste, mas era uma forma
de sorrir e mostrar-lhe que entendia a situação, que
entendia seu ponto de vista.
— Apenas converse com Helana. Você é pai.
Mas ela é mãe. Há de ter um meio termo para essa
questão. Não tome atitudes inesperadas. Não haja

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por impulso. É hora de ponderar e ser flexível. —


Sugeriu.
— Esse conselho vindo de uma fada fugitiva
que se acoitou em meu forte, não parece ser um
conselho muito válido. — Ele curvou-se para beijar
de leve a ponta do nariz arrebitado de Joan. A fada
abriu um lindo sorriso, apreciando sua
espontaneidade romântica.
— Pense que agora sou uma fada livre, que
se não houvesse ponderado e agido com cautela ao
me esconder em seu forte... Hoje poderia ser tudo
diferente e não nos conheceríamos. — Joan
sugeriu, enlaçando seu pescoço com os braços.
— Eu quero pensar em uma vida sem tantas
tristezas, Joan. — Ele confidenciou, lidando com a
mágoa de ter perdido o irmão pelo fio da própria
espada. De ter visto sua esposa, a mulher que um
dia dividiu a vida com ele, tornar-se uma inimiga

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cruel. De ver a filha, sua adorada Alice, ser atacada,


fragilizada e quase perder a vida. Tantos
sentimento ruins ainda permaneceriam junto dele,
mesmo depois disso tudo. E perder Marmom
apenas tornaria o sentimento maior e mais forte.
— A vida será bonita e feliz, Rowell, se você
libertar-se dos sentimentos de posse. Marmom
pertence ao mundo e não a você ou a Helana. Quem
o cria não importa, desde que esteja presente em
nossas vidas.
— É assim que se sente sobre suas amigas?
Não sente a falta? O afastamento? — Ele quis
saber, preocupado.
— Agora é tudo diferente. Se eu tiver
saudade, posso trocar cartas, posso visitar minhas
amigas. Existe a liberdade, Rowell. Eu não preciso
dominá-las e impedi-las de ter felicidade,
obrigando-as a permanecer ao meu lado, ou me

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privando da felicidade, para permanecer ao lado


delas. Não preciso de nada disso para que sejamos
unidas e não exista saudade. — Explicou. — Basta
compreensão e aceitação.
— Eu não tenho seu sua generosidade, Joan.
— Lembrou-a disso. — Não tenho o coração tão
puro quanto o seu. Ajude-me a aceitar.
O modo como Rowell a olhava era de
acelerar o coração e amolecer os joelhos. Como
negar esse pedido?
— Eu estou ao seu lado, Duque. Sempre ao
seu lado.
Diante dessa promessa, não havia como
temer, pensou Rowell. Joan guardava no olhar uma
pureza de princípios que não poderia ser
contestada. Ao seu lado, ele sentia-se capaz de
enfrentar qualquer medo e sofrimento.
Um casal, pronto para o amor. Esse
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sentimento era novo para Rowell também.


Sorrindo, Joan o levou pela mão em direção
ao futuro.

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Capítulo 38 — Como não entender?

Seu poder de ilusão teve fim, quando as


fêmeas de lagarto anunciaram a partida. Horas
depois de retornarem, estavam diante delas. Era
novo para a família de Rowell conviver com
criaturas tão únicas e complexas, mesmo assim, era
hora de falar de limites e parcerias. Não era um
assunto que interessasse Joan, que não tinha o dom
da política, mesmo assim, permaneceu sentada em
uma pedra, com Marmom no colo, brincando com
seu brinquedo favorito feito em couro.
Ao seu lado Tobias interagia com ela, aos
cochichos querendo saber mais sobre o reino das

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fadas e sobre sua família. Que seu pai e mãe


adotivos estavam bem, que Egan estava
controlando tudo e se saindo bem como rei. Que
Eleonora estava feliz e linda, prestes a dar a luz a
sua primeira cria e que perguntava por ele, e
clamava sua volta. Que a saudade que sentia do
melhor amigo não poderia ser apagada pela
felicidade conjugal. Era outro tipo de saudade.
Tobias olhava para Helana e Rowell
conversando e discutindo assuntos sobre fronteiras.
Então maneou a cabeça dizendo a Joan:
— Eu não quero voltar ao reino agora. Eu
não levaria nada de bom dentro de mim. Faria mal
para meu irmão. Eu não quero disputar com ele o
amor de uma fada. Egan é tudo para mim nessa
vida. Ele é meu irmão — disse com olhos
carregados de sentimentos. — Eu nem sei se eu
amo Lora como pensava amar.

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Joan olhou para a fêmea de lagarto e então


para seu amigo:
— Por causa dela?
— Eu não sei. E acho que não vou descobrir
isso choramingando por causa de Lora e Egan. Eu
terei que voltar para conhecer a cria. É da minha
família, como se fosse do meu sangue. Quero ver
meu sobrinho, falar para Egan dos sobrinhos dele,
que deixei na barriga das fêmeas de lagarto. Meu
pai vai me matar quando souber disso — eles
trocaram um sorriso, pois não eram do mesmo
sangue, mas era como se fosse. — Serei tio. Quero
conhecer meu sobrinho, mas não quero sentir raiva
de Eleonora e Egan. Já conheço minhas sobrinhas,
filhas de lagarto. É uma alegria que não quero
perder quando penso na cria que meu irmão terá
com sua escolhida.
— E nem deve. Eles não lhe deviam nada.

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Você nunca pediu Eleonora em namoro. Nunca


tentou um beijo. Não pode culpá-la por não saber
ou não crer, em suas tentativas amorosas.
— Acha, Joan, que se eu tivesse tentado,
Eleonora aceitaria meus sentimentos? — Tobias
perguntou de cabeça baixa, pensativo.
— Sinceramente? Eu acho que você nunca
pediria, Tobias.
Era a mais simples das verdades. Ele nunca
pediria Eleonora em namoro. Pensava em
casamento, para salvá-la da clausura, mas agora,
vendo de longe, já não sabia mais se era amor ou
gratidão. Pois afinal, se ela não houvesse pedido,
Reina nunca teria adotado o menino Tobias, e não
teria uma família maravilhosa.
— Essa vida é tão complicada — ele
reclamou, e Joan sorriu.
O menino Marmom achou por bem naquele
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momento morder o braço de Tobias que o pegou no


colo e levantou, erguendo-o acima da cabeça, em
uma brincadeira típica de machos, o que arrancou
um riso doce de Joan, vendo-os juntos.
De longe, Rowell olhou para sua Joan, rindo
feliz, na companhia do elfo, e sentiu o ciúme. Eram
da mesma raça. Entendiam-se naturalmente. Esse
sentimento ruim durou o tempo de Joan afastar os
olhos de Tobias, procurando pela imagem de seu
humano e lhe sorrir apaixonada.
As fêmeas de lagarto aguardavam ordens de
sua líder, e haviam partido para o rochedo,
obviamente sabendo de algo que o humano e Joan
ainda não sabiam. A decisão sobre o que Helana
faria com sua vida e a vida de suas irmãs de raça.
— Sabe o que ela decidiu? — Perguntou a
Tobias.
Ele sorria para a criança, mas negou com a
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cabeça, pois não tinha a menor ideia do que a


fêmea de lagarto desejava. Helana lhe era um
mistério. O que acontecia em seu coração era um
segrego bem guardado. Ele sabia que ainda amava
o marido assassinado. Que amava o filho, que lhe
fora roubado. Que amava sua gente e sua raça.
E que seguia a risca suas obrigações. Ele
conhecia seu forte senso de justiça e união. E sabia
também que ao seu lado, sentia-se protegido e feliz,
e que se ela desse a menor condição, a levaria para
a cama, pois a atração que sentia por seu corpo
singular e seus olhos arredios vinha consumindo-o.
Talvez ele soubesse demais sobre Helana,
por causa disso, ela não saia de seu pensamento.
A aproximação de Rowell e Helana fizeram
Joan sentir um arrepio de medo. Uma oração
singela, para que Helana não levasse o menino do
castelo.

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— Partirei na busca de um povo de raça


semelhante a minha. Sei que existe uma colônia de
lagartos não muito longe do Monte das Fadas. Eu
posso encontrá-los, mas não sei quanto tempo
levarei. Eles se escondem, e será custoso encontrar
o rastro da toca onde vivem. Até lá... Preciso de um
lugar para minhas irmãs permanecerem. Um lugar
próximo ao rochedo. Um lugar onde as fêmeas
mais jovens possam ser cuidadas por uma criatura
de sangue mágico. Que entenda a necessidade de
mantê-las puras para a cruza com outro de nossa
raça. O humano concordou em acomodar minhas
irmãs por um tempo indeterminado — ela disse a
Joan, que ouviu surpresa. — E eu lhe confio, fada
Joan, o cuidado com as fêmeas de descendência
pura, para que possam ser uma continuidade de
nossa raça. Assim como Marmom é uma esperança
de continuidade de nossa descendência e não pode
ser sacrificado em meu nome. — Ela olhou com
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carinho para o filho, que a reconhecia pelo cheiro, e


lhe oferecia o brinquedo.
Helana aproximou-se e pegou o menino no
colo, com todo seu carinho de mãe.
— Dizia a Helana que será uma longa
cruzada — Rowell explicou. — Eu aceito suas
mulheres... Fêmeas — ele mudou a palavra diante
do olhar dos três, pois as criaturas mágicas não
entendiam esse modo de referir-se — e manterei o
sigilo sobre seu povo, inclusive, fingindo não saber
que essas fêmeas se deitam com os homens do meu
forte e procriam. Não será fácil. Será um longo
trabalho explicar a todos eles quem são e o que são.
É uma tarefa quase impossível, que me
comprometo em realizar, em troca da confiança de
Helana.
— E porque você precisa da confiança de
Helana? — Perguntou Joan, sabendo muito bem

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porque Rowell fazia isso.


— Porque eu quero ter a presença de
Marmom, mesmo que em visitas ocasionais — ele
disse com olhos fixos no filho. — Para mim, ele é,
e sempre será, meu filho.
De costas para os dois, Helana fechou olhos,
e apenas Tobias notou. Ele aproximou-se e fez um
carinho no menino, mas seus olhos estavam à caça
dos olhos de Helana. É claro que ela se lembrava da
conversa tida entre eles, sobre a decisão acertada
para o futuro de Marmom.
Mas nem sempre o justo e o correto, são a
atitudes mais fáceis de por em prática.
— É uma longa caminhada em busca de
raças iguais a minha — disse Helana, afastando-se
de Tobias. — É um caminho perigoso e Marmom...
Ele é o último macho da minha espécie com sangue
totalmente livre de miscigenação. Ele é a certeza da
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nossa continuidade. Sendo assim, não posso levá-lo


comigo.
Sua voz era dura, mas seus olhos ardiam de
lágrimas e dor materna.
— Oh... — Foi Joan quem se apenou dela,
mas Rowell pousou uma das mãos em seu ombro,
calando suas palavras de conforto.
— Eu cuido de Marmom na sua ausência —
Rowell disse decidido, com a voz carregada de
emoção. — Não importa quanto tempo leve, eu crio
Marmom. Ele terá irmãos, uma mãe e um pai. Mas
saberá quem é sua mãe e que você o buscará um
dia.
Era uma oferta.
— Minhas irmãs o ensinarão a ser um de nós.
— Helana disse entregando o menino para o colo
de Rowell. — E eu sei que ele não sentirá minha
falta agora. É muito pequeno para lamentar minha
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partida.
Mesmo tendo entregado Marmom, ela
conservava uma das mãos tocando o cabelo da
criança, como se afastar-se fosse impossível.
— Marmom será bem cuidado. Tratado como
criatura e não humano. Eu lhe prometo isso, Helana
— disse Joan emocionada. — E tenha fé, sua busca
será curta. Com sorte, encontrará outros de seu
povo muito antes do que espera.
— Eu gostaria de ter sua confiança — disse
Helana.
— Saiba que, quando Joan diz que acredita
em algo, é porque acontecerá. A esperança que ela
carrega, torna os sonhos realidade — Rowell disse
com tanto amor na voz que Joan quase o beijou ali
mesmo, em meio a uma triste despedida.
— Acreditarei nisso — disse Helana com voz
embargada. — Eu não voltarei por um bom tempo.
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E em breve, minhas irmãs estarão de volta. Confio


no acordo feito entre nós.
Ela afastou-se do menino e disse algo em sua
língua, que prontamente o menino entendeu,
acenando com sua mãozinha, e Joan imaginava que
fosse uma carinhosa despedida.
Helana virou-se e as lágrimas foram
substituídas por uma carranca raivosa. Ela chegou a
dar alguns passos para longe quando parou e retirou
o chicote da cintura. Joan gritou de susto quando o
chicote correu o ar e agarrou-se em torno de
Tobias, levando-o para junto dela. Imediatamente
um arco de metal estava em torno de seu pescoço e
o elfo sorriu.
— Tobias! — Joan pareceu assustada.
— Não, não, não! — O elfo impediu-a de
atrapalhar. — Tenham uma boa vida e mande
lembranças a Lora e Egan. Eu? Sou um prisioneiro
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agora. O que posso fazer? Eu tenho que cumprir


esse triste destino... Opa! — Tobias reclamou, pois
Helana não o levava com gentileza, e sim com
força.
— O que foi isso? — Perguntou Rowell,
sorrindo quando os dois desapareceram do campo
de visão.
— Isso foi Tobias arrumando uma namorada
— ela disse sorrindo toda boba diante da certeza
que seu amigo viveria uma história de amor com
uma fêmea que merecia amar e ser amada. — E
veja só quem ficará conosco? — Ela perguntou
rindo feliz, fazendo carretas para Marmom, que
respondeu querendo seu colo.
Sorrindo, os dois abraçaram-se, com o
menino entre eles. Um beijo apaixonado para selar
esse momento de alegria. Um dia Helana voltaria,
quiçá fosse logo. Mas enquanto isso, Marmom

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ficaria entre eles, e para essa felicidade não havia


descrição possível.
Longe do castelo, Tobias parou de andar e
puxou a corrente, obrigando-a a parar.
— Olhe, eu gosto de ser acorrentado por
você. Mas convenhamos, eu não irei fugir. E não
serei de serventia alguma estando preso desse jeito.
— Disse petulante.
— E como eu saberei que não irá fugir? —
Ela perguntou no mesmo tom, sem abaixar a
guarda.
— Hum, me mantenha limpo, alimentado,
satisfeito e eu não vou a lugar algum. Por favor —
ele pediu com um meio sorriso.
Helana aproximou-se e tirou a corrente.
Sabia muito bem o que aconteceria. E esperava por
isso. Tobias a pegou pela cintura, e Helana deixou-
se agarrar.
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Não era seguro apaixonar-se outra vez, muito


menos por um fanfarrão. Ela dividiu a vida por um
curto tempo com um macho de sua espécie, forte e
guerreiro, e agora, escolhia um elfo bobo e
brincalhão? Era uma trapaça da vida, mas lhe fazia
bem, e Helana estava cansada de sofrer.
Permitiu que Tobias a beijasse, no meio da
floresta, entre as árvores, tendo apenas o vento e o
céu como testemunha. Quando o beijo acabou, a
surpresa era dos dois. O sentimento despertado e
dividido era maravilhoso. Não era consolo, gratidão
ou necessidade de companhia. Era amor e paixão.
Helana gemeu de surpresa e contentamento,
quando o elfo, sempre tão pastelão, a girou de
costas contra uma árvore, e começou a baixar suas
roupas. Assim, no seio da natureza, os dois se
fundiram, se aceitaram, tornando aquilo o começo
de uma longa história de amor...

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*****
Era uma noite de festa. A família toda
reunida. Joan estivera com Alice, que estava bem o
bastante para juntar-se a eles na mesa de jantar.
Tommy, seu irmão estava ao seu lado, ouvindo
atentamente sobre todas as aventuras da irmã no
Monte das Fadas. Ele ouvia com interesse infantil e
também espanto. Liara, a pobre serviçal ouvia
calada, com medo de ser a azarada a ter que
acompanhá-los na viagem próxima, quando
voltariam ao recanto das fadas para um casamento.
Ela realmente não queria participar disso. E quanto
mais dizia isso a si mesma, maior era a vontade de
ouvir sobre fadas, elfos e duendes. Talvez por isso
Molly apenas disfarçasse o sorriso, e fingisse não
rir do interesse da colega de trabalho.
A mesa estava servida, Joan estava sentada
em seu lugar de futura Duquesa, com Rowell

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segurando sua mão enquanto lhe fazia gracejos que


aceleravam seu coração. Marmom estava muito
ocupado correndo atrás das saias de Molly,
enquanto ela servia mais vinho, distraída demais
para perceber o que acontecia a sua volta. Era o
adorável mundo das crianças pequenas, onde tudo
se resume as brincadeiras e ao lado lúdico.
Joan havia acabado de confidenciar a Rowell
que as crianças adorariam conhecer as arenas onde
aconteciam os treinamentos para Guardião quando
Matilde surgiu.
Sumida desde a manhã, quando eles
chegaram, Matilde surgiu vestindo o presente que
Joan lhe trouxera. Era um vestido de Reina. Muito
parecido com a veste humana, um longo vestido,
com mangas triangulardes e decote quadrado, era
verde intenso, com bordados e pedras delicadas.
Era uma roupa costurada com capricho. Uma roupa

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digna da mãe do Duque Mac William, e que Joan


esperava, seria a primeira de muitas roupas que
Matilde teria, e que não seriam iguais às roupas das
criadas. Desconfortável com a roupa, Matilde ainda
mantinha os cabelos presos em um coque e a
expressão rígida estava presente.
— Está linda, minha mãe — Rowell levantou
para recebê-la. — Fico feliz que esteja usando o
presente de Joan.
— Que opção eu tenho? Ou é ela ou outra
qualquer. — Matilde disse e olhou para o filho com
emoções que suas palavras mascaravam, mas seus
olhos revelavam. — Quero que conheça alguns
amigos, Rowell. — A mulher tinha as mãos
trêmulas, emocionada. Foi quando todos olharam
para a porta, por onde Hector surgiu, trazendo pela
mão uma jovem bonita, de pele coberta por sardas.
Olhos castanhos, e expressão um pouco assustada.

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Bem jovem, uns vinte anos. — Hector você já


conhece. A jovem se chama Anesi. Ela deve viver
no castelo, junto de Hector. Não me peça para
explicar sua procedência, Rowell. Essa aí poderá
explicar melhor do que eu — apontou Joan.
Joan seria eternamente ‘essa aí’. Era melhor
conformar-se. Contente de ter podido ajudar
Hector, levantou e correu para abraçar o cozinheiro
e então, seu coelho, agora em sua verdadeira forma.
— Venham, há lugar na mesa para mais dois!
— Joan convidou, sorrindo contente.
Ao lado de Rowell olhou a mesa cheia e
lutou para não chorar de felicidade. Sua vida
sempre foi tão vazia, apenas com suas amigas, e o
desespero da clausura. E agora a mesa era repleta e
ela tinha uma família.
Vendo sua emoção, Rowell segurou sua mão
e apertou com carinho, apoiando-a
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incondicionalmente.
Era assim, o amor nasce, fluí e salva. E Joan
nunca antes se sentiu tão feliz.
Perdida nos olhos de seu amor ela sentiu-se
amparada e acarinhada.
Isso, claro, até o riso de todos estourarem
quando Liara começou a saltar e gritar assustada,
com Marmom escalando pela parede, pois
aparentemente o menino achara por bem aprender a
escalar justamente na hora do jantar...

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Capítulo 39 — Final

A noite chegou para aliviar o fardo da


conversa e explicação. Muitas perguntas, muito o
que fazer, muitas pessoas com as quais lidar. Joan
estava exausta e Rowell também. Mas era uma
exaustão diferente, que trás a tranquilidade de uma
vida que começaria baseada em paz e liberdade.
Por insistência de Matilde e seus ataques de
recato, os dois não dividiriam um quarto até o
casamento, que deveria acontecer em breve. Joan
pretendia esperar o casamento de Eleonora
acontecer, quem sabe, com discrição pedir que
Eleonora e Egan ministrassem o ritual de

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casamento entre fada se elfos, para ela e Rowell,


mesmo ele sendo humano.
Não havia necessidade de convidados ou
comemorações, bastava uma voz de autoridade,
nesse caso a rainha, para abençoar aquele
casamento nos moldes mágicos. Mais tarde,
repetiriam a cerimônia entre humanos, mas então,
quando isso acontecesse, nenhuma de suas amigas
estaria presente, e Joan sentiria falta delas. Por isso
o desejo de casar-se com discrição entre os seus.
Era um desejo secreto que somente revelaria
junto de suas amigas, e não possuía a menor
relevância para quem percorria os corredores na
solidão de uma bela noite sem estrelas, apenas uma
lua gigantesca, que cobria boa parte do horizonte.
Se não houvesse um profundo amor dentro
de seu coração, Joan subiria aos céus em um voo
para aproveitar aquela noite tão bonita. Mas havia

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um amor esperando sua presença e aproveitava de


seu dom para andar pelo castelo sem ser vista. Ou,
como preferia pensar, sem ser abordada por
Matilde.
Menos nervosa, porém ainda odiosa. Levaria
muito tempo para Matilde deixá-la em paz.
Expurgado o uso de seu cajado e findado seu poder
de governanta, a mulher não poderia mais tratar
mal as criadas. No entanto, levaria muito tempo
para baixar a guarda e aceitar sua nora.
Como se Joan se importasse. Depois de
tantas lutas sofridas, Matilde era a menor de suas
preocupações. Com um sorriso, Joan voltou a andar
em direção a torre, pelos corredores, diretamente
para o corredor que mais a interessava.
Aquele onde esfregara o chão e ouvira pela
primeira vez a voz do Duque.
Joan ainda era a mesma fêmea, com
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sentimentos fortes e inexplicáveis cada vez que


ouvia aquela voz forte e sensual. Mas não era mais
a mesma fêmea amedrontada que temia todas as
decisões tomadas, tanto as suas, quando as de
terceiros.
Ela sabia que Rowell a esperava. Eles eram
um casal, não precisavam das bobagens de Matilde
como impedimento para dormirem juntos. Depois
da primeira noite dividida, Joan estava ansiosa para
deitar-se com Rowell outra vez. Bem da verdade,
estava nervosa com isso. Seu coração acelerado
mesmo antes de tocar a maçaneta da porta.
Ainda em seu quarto, agora separado das
criadas, mas longe do aposento do duque, Joan
havia se banhado, cuidado da pele e dos cabelos. Se
perfumado e vestido um dos vestidos que Eleonora
lhe dera. Eram túnicas bonitas e adornadas. Algo
para ser usado na privacidade de seu quarto, junto

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de seu humano escolhido. Joan era uma jovem


noiva em sua lua de mel, Eleonora entendia isso,
mesmo que não conhecesse as regras e leis dos
humanos.
A túnica era rosada, um tom muito claro e
fluído, com tecido leve e suave, que cobria seu
corpo com delicadeza e sensualidade. As mangas
longas, a bainha cobria seus pés cobertos por
sandálias feitas em couro de dragão.
A frente da túnica possuía muitos botões
minúsculos, fechando-a de alto a baixo. Seus
cabelos longos estavam escovados e brilhantes,
jogados para trás, em suas costas. Uma tiara de
pedrinhas e contas enfeitava sua cabeça, com
franginhas de contas brilhantes em sua testa,
enquanto a rede decorada estendia-se ao longo de
suas madeixas, misturando-se a elas.
Joan imaginava que Rowell preferia ir atrás

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dela, e não o contrário, mas visto que era a fada


quem se camuflava, não havia razão para exageros
de orgulho masculino.
Sentindo um gostoso arrepio na espinha, de
antecipação, Joan permitiu que seu dom criasse
uma camuflagem em torno de si, abriu a porta e
entrou. Rowell parecia tão ansioso quanto ela,
observando a varanda do quarto. Segurava a cortina
com dedos aflitos. Quando olhou para a porta, na
sua direção, não viu nada além do vazio.
Sua vida sem Joan era uma vazio
imensurável e cada minuto esperando por ela, era
uma agonia. Talvez fosse romântico demais ou
exagerado demais, no entanto, estava amando pela
primeira vez em sua vida, e se converteria a um
bobo romântico se isso fizesse feliz sua pequenina
fada.
Quieto, escutou um suave respirar perto de si

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e não se assustou. Não pode evitar o sorriso que


mostrou a Joan que havia percebido sua presença.
Ela não se revelou, permaneceu ao seu lado,
camuflada.
— Eu fico olhando para fora, além do
horizonte, me perguntando o que mais tem por lá
que eu não saiba. — Rowell disse baixo,
confidenciando seus mais íntimos pensamentos. —
Existe tanta coisa além do que os meus olhos
podem ver. Um dia eu gostaria de conhecer todas
as criaturas, todas as terras que o horizonte
esconde. Mas minha vida é aqui. Quem sabe um
dia, quando Tommy for mais velho eu possa viajar
e conhecer o horizonte. Você quer ir comigo, Joan?
— Está me propondo que um dia viveremos
no reino das fadas? — Ela revelou-se, surpresa com
essa oferta.
— Estou apenas dizendo que não desejo
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roubar a vida que você tinha. Eu desejo que seja


feliz. — Rowell soltou a cortina, escondendo o luar
lá fora, olhando unicamente para Joan.
Aqueles olhos de floresta eram mais bonitos
do que qualquer paisagem. Ele não precisava olhar
para a lua para perder-se em mistério e beleza. Ele
possuía sua própria fadinha e ela era linda de olhar.
Ela sorriu e corou. O modo como era olhada
causava um corado em sua face, não por vergonha,
mas por calor.
— Eu serei feliz ao seu lado. É o que importa
para mim. — Joan confidenciou, olhando para a
cama. — E você? Será feliz ao meu lado?
Era uma provocação. Eles não queriam
conversar. Havia muita saudade esperando
recompensa. Abnegação e entrega. Nada de
angústia. Mais um olhar para a cama, e Joan andou
pelo quarto, para que a visse bem, com as chamas
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das velas proporcionando uma visão adequada de


seu corpo.
— Eu já disse como está bonita? Parece um
anjo. — Não resistiu a comentar — ou uma linda
fada de asas vermelhas. Quero ver suas asas, Joan.
Não as esconda de mim, não na intimidade do
nosso quarto.
Esse pedido era dolorosamente erótico. Uma
promessa de aceitação total. Atiçada, ela olhou para
Rowell por um curto momento, como quem
pergunta se aguentaria ou não o que tinha em
mente. O cio não existia mais. O sentimento
deveria ter ido embora, no entanto seu corpo
queimava na ansiedade de deitar-se com o humano.
Esse sentimento vinha crescendo desde que se
preparou e percorreu os corredores do castelo até
ali.
Com as mãos trêmulas, tocou o primeiro

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botão da túnica. Rowell livrou-se do colete de


couro que usava e da camisa, no mesmo tempo em
que ela levou para chegar à metade dos botões, na
altura da cintura.
O tecido ainda cobria cada curva, e ele fixou
os olhos no pouco de pele que revelava. Joan não
afastava os olhos do humano. No movimento
rápido de livrar-se dos sapatos e meias, de soltar o
cinto, arrancar a calça. Ela queria assisti-lo tanto
quando ele queria assisti-la. Quando os botões
alcançaram a altura de seu quadril, Joan parou.
Rowell vestia apenas a roupa íntima e ela
gostava do que via. Corpo coberto por músculos
proporcionais, peito coberto de pelos negros,
ombros largos e poderosos, onde desejava
arduamente agarrar-se.
Sua face era um festival de emoções. Desde o
queixo quadrado e tenso, a mandíbula travada,

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tensa pelo sentimento que o consumia. Os olhos


escurecidos, um mar de azul tomado pela negritude
de uma tempestade em alto mar...
Joan engoliu em seco. Afastou os dois lados
da túnica, deslizando o tecido pelos ombros,
permitindo que escorregasse para o chão, aos seus
pés. Saiu das sandálias e da roupa, com um passo
para o lado.
Suas asas foram libertas e ela moveu os
ombros para aliviar o peso de carregá-las. Eram
curtas, farfalhantes e bonitas. Vermelhas. Intensas.
Rowell correu os olhos pela nudez da fada.
Pelos seios pequenos, corodados por bicos
rosados e aveludados. Pela barriga lisa e delicada,
pelos quadris arredondados, vale onde escondia sua
feminilidade, entre uma penugem vermelha
idêntica aos seus cabelos.
Joan usava apenas a joia em seus cabelos,
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mais nada. Queria que Rowell a visse. Por isso


andou pelo quarto e de costas para seu amante,
retirou a decoração de seus cabelos, deixando sobre
o criado mudo, oferecendo-lhe uma visão total de
seu traseiro e costas cobertas pelos longos cabelos
vermelhos ondulados.
Rowell aproximou-se e foi nesse momento
que Joan virou-se para ele e encarou seus olhos
com algo de excitante e profundo no olhar.
— Eu te amo, humano — ela disse com voz
pastosa, rouca e sexy. Tomada por um desejo de
possuir e marcar a ferro. Aquele humano era seu.
— Joan... — Rowell ergueu a mão para tocá-
la e foi nesse momento que ela desapareceu diante
de seus olhar.
Rowell a vira fazer isso antes, mas não
assim, diante dele, num momento como aquele.
Imóvel, esperou para saber o que ela tinha me
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mente.
Joan não podia ser vista, mas ao contrário, a
expressão da face de Rowell era deliciosa de
assistir.
Aproximou-se dele, ajoelhando-se, tocando a
roupa íntima, baixando-a com um movimento
firme. Ele notou, e chegou a tentar afastar-se, a
princípio desconfiando do que via e sentia. Então
parou, e sorriu. Um sorriso que poucas pessoas
entenderiam.
Confiança. Essa era a palavra chave entre os
dois.
Joan mordiscou os lábios e não resistiu ao
livrá-lo da roupa. Seu corpo era bonito, bem feito, e
ela descobrira que amava o trabalho pesado dos
humanos, pois graças a isso Rowell possuía um
corpo invejável.
Tocou-o diretamente onde desejava, sem
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joguinhos. Ele gemeu, sem ver as mãos que o


tocavam ou a boca que o envolveu. Era diferente de
tudo que passou em sua vida sexual. Ele não via,
apenas sentia. Tenso, entregou-se ao prazer,
tateando em torno de si até sentir a maciez do
cabelo de Joan, pousando uma das mãos ali,
acarinhando e guiando seus movimentos.
Joan olhou para a expressão do duque e
satisfeita em vê-lo de olhos fechados, gemendo.
Mordiscou com força, para aumentar a
sensibilidade. Ela não admitiria, mas na solidão do
quarto de Eleonora, entre amigas, ela ouviu relatos
bastante precisos de Driana. Sempre detalhista sua
amiga não a poupou dos detalhes sobre o que fazia
com o Guardião Acheron e sobre o que ele gostava.
Mesmo a introspectiva e brava Alma reveleara um
segredo ou outro, que envolvia carícias bastante
íntimas e reveladoras. Dicas preciosas para quem

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desejava agradar seu humano e mostrar-lhe que a


diferença entre espécies não minguava o desejo, a
paixão e a vontade.
Abocanhado pelos lábios de Joan, o duque
apenas se deixou conduzir. Sua mão acariciava os
cabelos e tateou seu pescoço, para acariciar a região
sensível atrás da orelha.
Joan quase engasgou, pois era muito
aprazível ser provocada assim. Por isso, afastou seu
dom o bastante para que Rowell pudesse vê-la
amando-o daquele modo, apenas alguns segundos,
para que admirasse sua boca em torno de si e seus
olhos emocionados. Poucos segundos e então
desapareceu outra vez.
Joan queria lhe dar prazer e mostrar-lhe que
as diferenças não lhe diziam nada. Gostava de seu
corpo, de sua essência, de sua personalidade.
Nunca antes foi atraída pelo sexo ou pelos machos

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elfos. Nunca pensou nisso, mesmo quando sabia da


inerência do padecimento das asas e do cio. Sempre
foi um tanto alienada em relação a namoros. O
assunto mais próximo a essa área era o constante
interesse de Tobias por Eleonora, as brincadeiras e
implicâncias que isso trazia.
Ousada, manteve o ritmo do carinho,
drenando sua rigidez e causando-lhe espasmos
incontroláveis de prazer. Sentia as mãos de Rowell
tentando acariciá-la, e precisava guiá-lo, por isso se
revelou outra vez, levantando. Não porque não
quisesse continuar tocando-o, mas porque estava
ansiosa por estar unida a ele.
Depois da primeira vez, vinha sentindo a
vontade acumular e o desejo culminar em um
atrevimento incomum. Rowell lhe despertava a
sexualidade e ela estava bem contente com isso. Ao
andar pelo quarto, nua, exibida diante dele. Sua

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intenção era chegar à cama e tentar uma clássica


sedução elegante.
Mas Rowell a pegou antes disso. Joan quase
gritou, entre a surpresa e o frisson, ao ser agarrada
por trás e prensada contra o corpo do seu amante.
Ele devorava nua nuca com beijos e suas mãos
procuravam suas curvas, longe de ser gentil. E não
era isso que Joan desejava? Despertar-lhe o
descontrole e dedicação de seu amante?
— Rowell... — Joan gemeu quando foi
levada para a cama, colocada de joelhos no
colchão.
Rowell não respondeu, tão pouco queria
conversar. Saudade misturada a desespero de quem
temeu perder para sempre a única mulher que
amou. Joan na fazia parte do seu mundo e suas
amigas haviam deixado isso bastante claro para ele.
Por longos dias temeu que Joan dissesse a
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qualquer momento não querer voltar com ele. Que


preferia ficar em um reino mágico e lindo, que
preferia deixar a vida humana e feia para trás.
Tomado por esse desespero, Rowell não completou
o ato, como ela esperava. Pelo contrário, puxou-a
de frente e abraçou-a:
— Me diga por que voltou comigo. Porque
não ficou com suas amigas, Joan?
— Porque eu te amo — ela respondeu,
adorando o modo brusco, o modo como o duque
parecia precisar dessa informação. — Porque você
quis que eu viesse com você?
— Pela mesma razão. Eu te amo como nunca
amei outra mulher. — Disse sério.
— Não, o termo correto é fêmea. Sou fêmea,
uma fada. Não sou mulher, uma humana.
Acostume-se a isso, Rowell.
— E você? Vai se acostumar com isso? —
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Ele quis saber, preocupado.


— Eu estou bastante confortável com isso,
desde o dia em que ouvi sua voz através do vão da
porta do seu quarto... — Disse maliciosa,
salpicando beijos no queixo e bochecha do
humano.
Então, ousada afastou-se e girou,
engatinhando sobre a cama, para que visse todas as
suas formas e a desejasse ainda mais.
Olhou para trás, e sorriu pedindo que ele
viesse.
Assim que Rowell subiu na cama, agarrou
seus flancos, consumando a união, Joan
desapareceu do seu olhar outra vez.
Ele urrou de prazer, o erotismo
potencializado a níveis inexplicáveis.
Não importava raça ou costumes. Eram

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apaixonados e as diferenças se tornavam qualidades


quando nos braços um do outro. Com o tempo,
superariam tudo. Tornariam a vida juntos o
caminho certo, uma única história.
Sem rótulos. Sem grilhões, apenas liberdade
e amor.

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Capítulo 40 — Epílogo

A jovem andava pela floresta com passos


delicados e sem medo. Ela murmurava uma antiga
canção de ninar enquanto colia folhas e pétalas de
flores amarelas, com poderes curativos. Seu nome
era Nora.
Era filha do Duque Mac Willian e da
Duquesa Joan. Irmã do futuro Duque Tommy,
atualmente ocupado com suas lutas a mando do
Rei. De Alice, a Condessa de Marcellovos, casada
com o conde, vivendo feliz em seu condado, com a
bela família que criou.
Irmã de criação também de Marmom, o

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macho lagarto que não possuía seu sangue, e sim o


seu coração. Ela sorria, enquanto fazia seu trabalho
e sentia em suas costas os olhos do macho.
Nora fingia não saber que era obervada de
algum lugar sobre a copa das árvores. Que
Marmom não a seguira até ali, protetor e desejoso
de um momento a sós com ela. Sua mãe Joan
aprovava o sentimento entre ambos, mas seu pai
Rowell, ainda mantinha reservas sobre dois irmãs
crescidos juntos, tornarem-se enamorados.
A mãe biológica de Marmom, Helana vinha
tentando convencer o filho a casar-se com alguma
das fêmeas que ele emprenhou no último verão. Era
preciso gerar crias de sangue nobre em sua raça, e
depois de encontrarem uma colônia vizinha de
criaturas da mesma raça, havia uma grande
quantidade de jovens fêmeas de lagarto a escolher.
Sorte dos dois, que Tobias, o atual marido de

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Helana, apoiasse o enteado em seu desejo de


escolher sua fêmea por amor e não raça.
Marmom era filho de criação do duque.
Apenas isso.
Nora tinha o sangue do duque. Eles podiam
se envolver.
De qualquer modo nada poderia acontecer
até o dia fatídico do padecimento de suas asas.
O momento aproximava-se. Ela sentia na
carne o impacto da fada que havia dentro de si
desejando sair. Aos seis anos, sua tia Eleonora
descobrira que manifestava um princípio de dom,
que sugeriria que sua metade fada dominaria sua
metade humana.
Passado tantos anos, seu corpo alcançava o
amadurecimento e começava a sentir os primeiros
efeitos do padecimento das asas. Sobretudo a
aproximação do cio.
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Nora não era boba. Era por isso que Marmom


a seguia para todo lado. Além de atraído pelo seu
cheiro de fêmea também temia que outro elfo ou
humano, a alcançasse nesse período. Ciúmes. Ela
gostava disso.
Terminando seu trabalho, olhou para cima e
encontrou os olhos amarelados grandes, com íris
escura, mirando-a de entre os galhos das árvores.
Quando Nora nasceu, Marmom não vivia
mais no castelo, vivia com sua progenitora, entre os
de sua raça. Na ocasião o menino possuía quase
cinco anos, contados em idade humana.
Mas ele sempre os visitava por longos
períodos. Eram irmãos, antes mesmo de saberem o
que era ser macho e fêmea. Talvez por isso o amor
houvesse nascido com tanta naturalidade.
Sorrindo para Marmom, ela lutou para não
corar e começou a andar, avisando-o sem palavras
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que planejava voltar para o castelo.


Nora possuía dois irmãos mais jovens, Nito e
Faul, mas eles eram bobos demais para entenderem
de cio. Eles haviam puxado o sangue humano de
seu pai, e isso fazia com que se interessassem mais
por luta do que por assuntos mágicos. Se bem que
aos doze anos, qualquer menino pensa mais em luta
do que em situações enfrentadas por fêmeas, sejam
humanas ou fadas.
Seus passos eram rápidos e ela arfou de
antecipação quando ouviu passos na grama em
torno de si. Marmom haviam optado pelo chão e
andava logo atrás dela. Sempre vestido com calça,
camisa de linho e colete de couro, ele preferia pés
descalços, e mantinha os cabelos longos, na cintura,
trançados com tiras de couro. Na face às marcas
tatuadas de seu povo e o verde quase escuro de sua
pele, pois ele amadureceu e essa coloração

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escurecida era típica dos machos de lagarto.


Nora olhou para trás, e apressou o passo. Não
tinha medo dele, pelo contrário. Temia o
sentimento que vinha nutrindo dentro de seu
coração e que parecia inflar e tomar forma agora
que o cio ditava seus sentidos e a razão
desaparecia. Apressou o andar, e a cesta de palha
em seu braço balançava perigosamente perto de
cair e ser esquecida.
— Não! — Nora gritou rindo, desmentindo
sua negativa vergonhosamente quando foi
alcançada e trazida para junto do corpo do macho
de lagarto. — Não, Marmom... Papai não permitiu
ainda. Não! — Ria agora, e ele fazia o mesmo,
cheirando seu pescoço.
Sim, ele farejava seu cheiro de cio e ela
queria que sentisse esse cheiro. Era tudo muito
animal.

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— Você não quer? — Marmom perguntou


com aquele brilho de desejo nos olhos que não
poderia jamais ignorar.
Sua resposta teria sido um sim gritado e
gemido se não fossem atrapalhados por um voo
rasante que os separou. Era sua tia Alma. Os dois
foram apartados e a fada empurrou e puxou pelo
braço, com um brado de raiva que espantou
Marmom.
Nem adiantava argumentar com Alma e pedir
sigilo do que vira estava fora de questão. Nora foi
praticamente arrastada para o castelo.
— Estes humanos, parecem que não
entendem o que é o cio — lamentou Eleonora
quando as viu.
Mais uma vez Nora estava enfurnada no
quarto. Entendia a razão, mas não aceitava muito
bem isso.
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— Não sejamos severas com Nora. — Disse


Joan, aproximando-se da filha, lhe fazendo um
carinho no rosto. — Ela não sabe o que a espera
durante o cio. E está apaixonada. Não está,
querida?
— Eu só não quero ficar aqui dentro como
uma prisioneira. — Nora reclamou, sentando na
beira da cama.
— E você quer cruzar com Marmom? —
Driana perguntou andando pelo quarto, com a
mesma sobriedade petulante de sempre.
— Que pergunta, Driana! Não envergonhe
Nora! — Reclamou Eleonora.
— Não é vergonha que o sinto. É a verdade.
Eu quero cruzar com Marmom. E quero falar com o
pai, ele precisa aceitar. Eu sou fada. Não humana.
Ele precisa entender.
— Seu pai entende. — Joan esclareceu. —
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Ele apenas pensa sobre você e Marmom... E tem


ciúmes dos dois.
Os anos haviam passado, mas não
modificado a delicadeza e beleza etérea de Joan.
Mesmo com as roupas de humanos, ela era linda
como um arco-íris.
Nora era basicamente uma cópia fiel de sua
mãe. Seus irmãos eram parecidos com Rowell. E
nesse momento deveriam estar correndo atrás dele,
seguindo o pai como sombras.
— Eu não quero outro — disse Nora com
convicção na voz.
Decisão de fêmea que escolheu seu macho.
Não havia a menor possibilidade de negociação.
— Bem, os sonhos de Rowell sobre ajudá-la
a passar pelo cio sem consumação estão
descartados — disse Joan sorrindo para a filha —
então, rainha, o que eu faço? Como agradar minha
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raça e ainda por cima, atenuar o gênio de Rowell


sobre a castidade da filha?
— Case os dois antes do nascimento das
asas. Uniremos fadas e lagartos. Depois, é da conta
de Rowell lidar com seus próprios sentimentos —
disse Eleonora.
O tempo lhe fizera bem. Joan sorriu para a
amiga e acenou com a cabeça concordando. Não
era uma ordem de uma rainha, mas era bom fingir
que era. Assim Rowell não reclamaria tanto.
— Passará toda sua vida ao lado desse
macho. É essa sua escolha, Nora? — Perguntou
Alma, do canto do quarto.
— E não tem sido assim minha vida toda,
tia? — Perguntou Nora. — Eu não sei viver sem
ele.
— Como argumentar com os apelos do
coração? — Quis saber Driana e era uma pergunta
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sem resposta.
As quatro se olharam e sorriram. Havia sido
assim com elas, e se repetia com seus filhos e
filhas.
Unidas pelo acontecimento do nascimento
das asas de Nora, as quatro estavam juntas, no
castelo dos humanos. Crias e mais crias,
avolumavam-se pelo castelo, e naquele momento
era Alma quem espiava pela janela, fingindo não
estar preocupada por onde andariam os seus.
Eram homens feitos, mas não confiava neles
quando relacionado a fêmeas, mesmo que fossem
humanas. Não queria saber de aturar uma humana
vivendo entre os seus. Bastava lidar com Rowell e
sua gente. Alma era assim. Nada mudaria seu modo
de pensar e sentir.
— É melhor tornar esse casamento algo
simplório. Não chamar muita atenção. E precisa ser
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rápido — sugeriu Driana sempre inteligente. —


Acheron gostaria de ver isso. — Disse pesarosa e
com saudades.
Tanto Solon quando Acheron não puderam
estar reunidos para aquele momento. Acheron era
rei. E Solon líder de um povo. Muita
responsabilidade. Egan estava ocupado com o
trono.
As fadas estavam sozinhas, desfrutando de
um momento entre elas.
Estava na face das três fadas que sentiam
saudades de seus escolhidos, no caso de Driana era
ainda pior, pois apenas sua filha a acompanhava.
Os rapazes haviam ficado com o pai.
Era uma visita curta. Apenas algumas
semanas para atenuar a saudade. Uma vez a ano,
revezavam-se sobre onde estariam. Mas passavam
bastante tempo juntas, para recordar os velhos
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tempos e substituir a saudade mortificante uma da


outra, pelo sentimento de reencontro e amor
incondicional que uniu fêmeas sem parentesco,
tornando-as irmãs.
Nora ainda reclamava de ter sido
interrompida em seu encontro romântico, quando
Alma reclamou:
— Ele ficará ali o dia todo? — Olhava pela
janela e as três fadas aproximaram-se para ver
Marmom na parede. Ele era um lagarto, subir
paredes era sua especialidade.
— Bem, parece que precisamos vigiar essa
janela — disse Joan sorrindo. — Eu vou falar com
Rowell — não conseguia conter um sorriso — ver
se conseguimos trazer Helana e Tobias a tempo de
realizar um casamento. E quando eu digo 'a tempo',
refiro-me antes que ele invada esse quarto. —
Apontou para a janela. Era um aviso para Nora.

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O sorriso da filha era malicioso. Nora


suspirava e criava ilusões sobre o cio. Sob o olhar
exigente de Driana, que falava sem parar sobre a
magnitude de uma cruza entre fada e lagarto, que a
cria resultante seria deveras única. Sob o olhar
repreensivo de Alma, que mirava o macho, com
olhar assassino, pois se ele ousasse avançar mais,
teria uma desagradável surpresa. E principalmente
sob os cuidado de Eleonora, que bem mais afável
ao romantismo juvenil preferia separar uma roupa
bonita para que a fada usasse mais tarde, de
preferência em suas bobas.
E foi sob o olhar irritado de Rowell, que Joan
falou sobre a situação de Nora e Marmom.
— Não — o duque falou sem pestanejar. —
Um casamento mágico? Não mesmo. Minha filha
será entregue a um marido, como manda as leis do
meu povo — disse sério, enquanto fechava o livro

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de registro de contas do castelo, pois era um duque


atento aos detalhes.
— Escute, Rowell — Joan ajoelhou-se no
tapete ao lado da cadeira e pousou as mãos em suas
coxas, para acalmar seu mal juízo a cerca dos
jovens. — Nora é fada. Não é humana apenas. O
cio vai acontecer, e ela vai fugir para que isso
aconteça. Você prefere sua filha na floresta ou
prefere sua filha aqui, casada com alguém que
conhecemos e também amamos? Eleonora tem
poder para uni-los. Mais tarde... Você pode realizar
uma cerimônia da sua religião. Por hora, é o melhor
a fazer pelos dois.
— E se eles descobrirem que foi uma loucura
e que não se amam? — Ele perguntou sério.
— Eu lembro que perguntei a mesma coisa
quando você resolveu aceitar que Alice se casasse
com um conde que ela nunca havia visto na vida! E

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você disse que era a coisa mais normal do mundo


— lembrou-o.
— E é. Eles são felizes. Você não leu a
última carta de Alice? — Ele perguntou
desconversando.
— Eu li. E você tem prestado atenção devida
a Nora? Ela vai sofrer, Rowell. Se não consumar o
cio, ela vai ter dores horríveis. É isso que você
quer? — Apelou para chantagem emocional.
— Não — ele disse, revoltado. — Eu só não
quero minha filha casando tão cedo.
— Cedo? Alice casou com dezessete anos! E
você disse que ela estava ficando velha para o
matrimônio! Nora tem vinte anos! Não seja
hipócrita!
— Sim, mas Alice é minha questão. Nora é
sua questão. As regras de um povo não se aplicam a
outro. — Barganhou seu entendimento.
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— Aceite o casamento, Rowell. Pense pelo


lado bom: finalmente Marmom será seu filho de
verdade e parte da sua família. O destino os uniu. E
logo você quer separá-los?
É claro que esse argumento mexia com o
humano. Rowell curvou-se para beijá-la na testa.
Então segurou seu queixo, dizendo:
— Como sempre, você é a voz da esperança.
Eu aceito as bodas.
— É claro que aceita. Você é o melhor
homem do mundo — ela elogiou e o beijou.
Infelizmente Joan não podia se deixar render
e ficar em seus braços. Precisou quebrar o delicioso
beijo e levantar. Era melhor correr antes que o pior
acontecesse, e sem o consentimento de Rowell.
Sorrindo, ela correu do quarto.
Rowell apenas sorriu. Joan era duquesa e
elegante quando precisava ser. Mas era totalmente
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fada e alegre, e às vezes, esquecia-se de suas


obrigações e voltava a ser a fadinha que ele
conhecera vinte anos atrás e que mudara sua vida
para melhor. Rowell tornou a escrever em seu livro
de contas. Esperou pelo som de passos e risos que
viriam quando as quatro fadas voltassem da torre,
onde ficava o quarto de Nora.
Joan entrou no quarto, pronta para dar a boa
notícia.
— Tarde demais, Joan — disse Eleonora. —
Nora fugiu. — Apontou a janela.
— Fugiu? Como ela conseguiu fugir? —
Perguntou correndo até a janela, para tentar ver
algum rastro da filha.
— Foi um segundo de distração. Estávamos
conversando sobre a roupa que Nora usaria para as
bodas, quando ouvimos um barulho e... Pronto! Ela
havia fugido com Marmom pela janela.
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— Eu não acredito! Rowell vai ficar furioso


e com razão! — Joan ficou parada diante da ampla
janela. Ao seu lado, suas melhores amigas. Então, a
indignação para com o comportamento da filha foi
embora e ela sorriu. — Acha que os dois estão na
floresta?
— É claro que não. Marmom é esperto. Vai
levar Nora para longe do risco e da concorrência. O
cheiro de um elfo, nesse momento, poderia acabar
com as chances dele de cruzar. — Foi Driana quem
se lembrou disso. — Ele a levará para algum lugar
secreto e seguro, provavelmente os dois voltaram
assustadíssimos ao descobrirem que as asas nascem
antes do ápice do cio. Ele é macho. Marmom não
saberá lidar com esse momento. Prepare a comida e
a festa, eles estarão de volta ao sinal do primeiro
filamento de asa que esteja nascendo!
Era uma verdade crua. Mas era assim

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mesmo.
— Quanto romantismo, Driana — disse
Eleonora sorrindo.
As quatro riram, pois era exatamente isso que
aconteceria. Então o sorriso abrandou e Joan olhou
para o horizonte, antes de perguntar:
— Alguma de vocês ainda lembra como era
não ser livre?
Era uma pergunta profunda e forte.
— Às vezes eu tenho certeza que ainda estou
no Ministério do Rei, prisioneira de um daqueles
quartos imundos. Daí eu acordo e vejo Solon ao
meu lado, e sei que o passado ficou para trás. —
Disse Alma, pensativa.
— Eu penso como teria sido se não
houvéssemos sido acusadas injustamente de
assassinato. Como teria sido? — Eleonora divagou.

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— Provavelmente Tobias arrumaria alguma


forma estranha de nos ajudar. Mas não seria igual.
Não seriamos tão felizes. — Admitiu. — E falando
em felicidade, acha que eles sentem nossa
ausência? — Perguntava para Alma e Driana.
— Os elfos? É claro que sim. Principalmente
os meninos — Driana confidenciou.
— Meninos? Nossas crias são adultas, Driana
— disse Joan, lembrando-a disso. — O que me faz
pensar que em breve será a filha de Eleonora a ter
suas asas. Será nesse momento em que nos
reencontraremos?
— Não. Sandrine terá suas asas ano que vem,
isso é muito tempo. Acho que Egan vai convencer
Edgar, meu primogênito, a casar-se. Ele quer que o
filho seja um rei responsável, e que tenha uma
família para apoiá-lo antes de se tornar um
Guardião. Pobre Egan, está na eminência do

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rechaço da armadura. É uma pena. Mas ele é rei, e


terá no que pensar. — Tentou se consolar disso.
— Acheron sente o mesmo. — Divagou
Driana. — Eu até pensei em ter mais uma cria, para
ocupar os pensamentos dele nesse perigoso
momento de transição. Mas não sei. Fico na dúvida
se Acheron vale esse sacrifício. — Era uma
brincadeira suave.
— Solon está falando muito nisso. Ter mais
crias. Agora penso se não é uma crise por causa da
armadura — disse Alma surpresa.
— Bem, pelo visto não somos tão livres
assim — disse Joan sorrindo. — Estamos
incondicionalmente presas a esses elfos que
roubaram nossos corações.
— E quer saber? — Disse Eleonora,
tornando a olhar para o horizonte, saudosa. — Eu
não me importo nem um pouco em ser prisioneira
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do amor de Egan.
Um suspiro românico, apaixonado. As fadas
se abraçaram, olhando o horizonte. Lá fora, a
floresta majestosa parecia saber dos segredos que
mantém o mundo erguido e vivo. Dentro de cada
fada, cada coração parecia saber dos segredos que
mantém as criaturas vivas e pulsantes. Esse mesmo
segredo unia os seres vivos de modo inexplicável.
E esse segredo nada mais era do que a
liberdade...

FIM

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Segundo Final — Alternativo

“ A autora pensou: E se tudo fosse uma grande mentira?


Sim, o livro foi finalizado no capítulo 40. Mas o pensamento
insistente de que tudo poderia ser uma grande mentira, a fez
escrever um segundo final.
Um final descartado,que não foi aprovado para integrar o
livro.
Mas que deixou a autora profundamente intrigada.
Eis, que o segundo final alternativo está aqui.
E se tudo fosse uma grande mentira?”

Fazia muitos anos que tudo aconteceu.


Eleonora presenciara o casamento de seus filhos e
dos filhos de suas amigas. Vinte anos passados,
muitos sonhos realizados. Muita felicidade
compartilhada com seus elfos escolhidos, e no caso
de Joan, seu humano escolhido.
Muita saudade e muitos reencontros felizes.
Valia a pena viverem separadas, pois cada
reencontro era regado por alegrias imensuráveis. A
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vida separou-as de modo agradável e suave. Eram


felizes em seus lares. Eram amadas.
Quem poderia dizer que esse belo destino
pertenceria a uma fada condenada a clausura?
Com um aperto no coração, Eleonora olhou
para o horizonte, muito além do abismo, onde um
mundo escondia-se em imensidão escura e
misteriosa. O casamento da filha de Joan com o
humano Rowell havia chegado ao fim, e a festa
acabado.
Havia sido preciso procurar pelos fugitivos.
Levá-los para o castelo de Eleonora, a tempo do
nascimento das asas de Nora.
Era ali, naquele recanto que Eleonora queria
estar. Sozinha para pensar. Ou nem tão sozinha,
visto que ouviu os passos de suas amigas e não
precisou olhar para elas para saber quem era. O
cheiro, a presença, o simples ato de respirar... Eram
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unidas de um modo que jamais alguém poderia


entender.
União nascida do medo e do desespero.
— Faz vinte anos hoje — ela disse com voz
mansa.
Não houve resposta. Ela olhou para Alma,
Driana e Joan. Elas sabiam do que se referia.
Driana lembrava com clareza daquela tarde
enfadonha, quando empoeirada da cabeça aos pés
se escondia das carcereiras, com livros roubados do
quarto de Miquelina, rezando para não ser pega.
Queria encontrar alguma brecha na lei para
tirar Eleonora da masmorra, pois estava
injustamente pagando pelo crime de Tobias. Ele
roubara a tiara da rainha e não era merecido que
Eleonora pagasse por isso!
Foi quando ouviu Miquelina queixar-se com

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Reina, que não deveria estar ali, devido ao


avançado da hora:
— Eu não posso fazer nada pela órfã. A
culpa é de seu filho adotivo. Resolva-se com ele —
reclamava Miquelina.
— Escute, eu não quero que fiquem
reparando em Eleonora. Ela é parecida demais com
Santha. Será que não vê? Ela só pode ser a filha
perdida, renegada e abandonada de Santha! Eu
tenho esperanças de tirar Lora daqui antes que suas
asas nasçam. Antes que Santha descubra. Tenho
medo do que fará contra Eleonora. Do que ela fará
para defender seu trono e seu reinado!
— Eu não posso fazer nada. Não adianta
pedir ajuda! — Miquelina simplesmente negou. As
duas andavam rapidamente e tendo ouvido o que
não devia, Driana havia perdido completamente o
interesse nos livros e as leis.

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Quando voltou ao quarto, havia contado para


Alma e Joan. E dois dias mais tarde, para Eleonora
quando foi trazida de volta, livre das punições pelo
suposto roubo da coroa da Rainha Santha.
Os dias passaram, mas a indignação não.
— Se ela é minha mãe... Eu sou sua
primogênita! Eu terei direito ao trono! E olhe onde
eu estou? — Eleonora olhou em torno de si com
amargura. — Sendo presa por tocar na coroa que
me pertence por direito de nascimento?
Sua pergunta pesou entre elas. Era mais um
dia de sofrimento. Joan estava doente outra vez,
febril. Era o ar pesado e fétido dos corredores
mofados. Fazia mal aos seus pulmões. Alma estava
em um canto, tentando não pensar muito nessa
revelação. Saber que é relegada ao abandonado já
era suficientemente triste. Não era preciso saber
que uma rainha estava presa por causa do egoísmo

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de outra criatura, ainda mais sua progenitora!


Driana, por sua vez, quase abriu a boca para
falar, mas se arrependeu.
— Eu... — Revelou. — Eu não consigo
controlar minha mente, às vezes, por mais que eu
lute, as ideias vêm à minha mente e me tomam. E
eu tenho medo de dizer em voz alta. Eu tenho medo
de compartilhar o que pensei. — Admitiu.
— Por quê? — Perguntou Joan, acamada,
mas prestando atenção na conversa.
— Porque uma vez instituída, a ideia não
pode ser retirada, mesmo não executada, ficará a
vida toda permeando a mente e tomando espaço.
Um dia, se tornará maior do que a mente. Eu não
quero fazer isso com nenhuma de vocês.
— Eu não reclamaria de ter em que pensar.
— Disse Alma — qualquer coisa é melhor do que
pensar na Clausura.
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Como se Driana não estivesse


suficientemente tentada a falar.
— Se Santha abandonou Eleonora para a
morte... Ela faria qualquer coisa para esconder seu
nascimento. Não é verdade?
Todas concordaram.
— E quem é seu capacho? Seu pau
mandado? — Driana conspirou, aliviando o fardo
de sua privilegiada mente administrar tudo isso
sozinha — Lucius. Alma, você pode contar a ele e
fazê-lo esquecer o que você disse? Você pode
enganá-lo. Você pode hipnotizá-lo com sua voz.
Ele colocaria tanto medo em Santha que... Ela
precisaria achar um modo de livrar-se de Eleonora.
— Oh, nossa, que grande amiga, você é!
Além de enclausurada, você quer que eu seja
perseguida e morta, também? — Eleonora
indignou-se.
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— De modo algum! Mas... — Driana


levantou e começou a andar pelo quarto. — E se
fossemos até o quarto do Rei? Joan, você pode nos
levar até lá, não é? Ninguém nos notaria, não com o
dom de Joan se manifestando. Não é tão forte, mas
conseguiria nos levar em um curto percurso até o
quarto do rei. Não conseguiria?
Joan apenas maneou a cabeça, ouvindo
atentamente.
— E o que faríamos no quarto do Rei? —
Perguntou Alma, sempre raivosa.
— Entrar. Alma, você hipnotizaria Santha.
Ela estaria tão desesperada por livrar-se de
Eleonora, que faria isso. Ela mataria o rei e acusaria
Eleonora. Não, não, ela não faria isso. Ela ama o
Rei — disse Driana, angustiada com o
derramamento de ideias em sua mente. — Ela seria
hipnotizada, copularia com o rei para espalhar seu

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cheiro de fêmea sobre ele, e se ela não quisesse


matá-lo, nem mesmo hipnotizada, uma de nós faria.
— Havia frenesi em sua voz. — Com o rei morto,
Santha estaria frágil. Lucius nem precisa ser
hipnotizado, ele colocará suas asas de fora e tentará
dominar o reino! Eu tenho certeza, ele iria ordenar
uma caçada. Viraríamos mártir. Reina nunca nos
deixaria ser presas, contaríamos com ajuda dela.
Alguns meses e seriamos mártires. Nem precisa
dizer que Santha e Lucius juntos, disputariam o
trono. E uma vez, nascidas às asas de Lora... Santha
seria acusada pelo crime. Incriminados, os dois
seriam banidos. E Eleonora seria... A nova rainha.
E tudo teria um fim. O Ministério do Rei. A
clausura. O desespero. O medo de todas essas
fadas. De todas nós. — Parou de falar, sem fôlego.
A ideia havia sido extirpada de sua mente e
agora era real. Por isso, Driana temia tanto sua

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capacidade de elaborar.
O silêncio foi pesado. Como uma flor
tentando lutar contra o peso de uma rocha. Não
havia como escapar da devastação total. Agora elas
permaneceriam o restante de suas vidas
enclausuradas, sabendo que além de rainha,
Eleonora também poderia ser o alicerce para uma
fuga e possível liberdade total.
Pior que a prisão, era o infortúnio de ver sua
única chance de ser livre escapar de suas mãos!
— Santha atentou contra a vida de sua
própria cria em prol da liberdade. Será que é isso?
A liberdade vale esse crime? — Perguntou
Eleonora, desconcertada, indo sentar no chão, perto
da cama de Joan.
Sua amiga, sempre tão frágil estendeu uma
das mãos e tocou seu ombro, em um meigo afago,
que desejava lhe dar força. Mesmo que Joan não
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pudesse ser forte, ela desejava apoiar Eleonora. Era


seu modo de amar. Incondicional.
— Eu faço.
A voz rouca e fria, veio da cama de Alma,
onde estava sentada, encolhida contra a parede, o
rosto apoiado nas pernas.
— O que você faz? — Perguntou Eleonora.
— Se Santha não quiser fazer... Eu mato o
rei. Ele não vale muita coisa mesmo. Olha o que
faz com os órfãos. Machos escravizados, fêmeas
prisioneiras. Eu faço. Posso até desfrutar disso.
— Ninguém disse que executaremos essa
loucura — disse Eleonora, surpresa — é apenas
mais uma das ideias estapafúrdias de Driana!
— Ah, qual é? Podemos fazer isso hoje, com
a raiva pela sua prisão como motivação, ou daqui a
um ano, dois, ou dez. Mas agora que foi dito...

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Sabemos que faremos. — Alma foi sincera. — Eu


não vou morrer na clausura. Não vou.
Sim, nenhuma delas faria isso.
— Podemos fazer isso — disse Joan de sua
cama. — Eu sei que posso tentar.
— Isso faria de nós... Assassinas — disse
Driana.
— Ou sobreviventes. — Disse Alma. —
Elfos começam guerras por bem menos do que isso.
Com motivações bem menos importantes. Eu faço.
Se Santha não fizer, o que eu duvido, aquela lá é
uma doida varrida completa... Mas se ela não fizer:
Eu faço.
Novamente o silêncio.
— Precisaríamos voltar para o quarto. Deitar
e fingir que nada aconteceu. Porque se Reina vier
atrás de nós, para nos ajudar a fugir, como imagino

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que faria... Precisamos estar aqui, inocentes de


tudo.
— E se nos pegarem? — Perguntou
Eleonora. — E se nos pegarem? Nossos dons não
são completos ainda, não poderíamos lutar contra
Guardiões.
— Seremos mortas. Mas veja pelo lado bom:
não há clausura na morte. — Disse Alma, como
sempre amargurada.
— E como começaríamos? — Joan
perguntou, sentando, olhando para Alma. — Quem
começa?
— Nós vamos mesmo fazer isso? —
Perguntou Eleonora chocada.
— A liberdade. Ela vale qualquer preço? —
Perguntou Driana.
— Eu não sei — respondeu Alma. — Eu só

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sei que não quero morrer na clausura. Não quero


viver uma vida prisioneira, sem ter cometido crime
algum. Eu não quero viver assim. Não quero. Não
aguento mais. Não aguento.
Era raro ver Alma esmorecer. Mas ela
refletia na face à loucura interna de todas elas. E foi
nesse momento, que o elo foi selado entre elas.
— Esse é momento. Joan, é com você agora.
Sim, e foi com Joan que tudo começou,
pensou Eleonora, recordando. Um dia mais tarde,
depois de tudo elaborado e refletido, Joan levou-as
em segurança, camufladas, pelos corredores, em
direção da alcova do rei. E foi assim que entraram
no quarto e Alma sussurrou no ouvido da rainha,
adormecida. Para que acordasse e não fizesse
barulho.
Sussurrou no ouvido do rei para que ficasse
imóvel e não visse o perigo. Foi Eleonora quem se
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deitou ao lado do rei e espalhou seu cheiro sobre


ele, mesmo que não copulassem. Foi necessário que
Santha realizasse o ato, para confundir os aromas,
de uma fêmea e de outra, para soerguer dúvida no
futuro. E quando a cópula acabou, foi de mãos
dadas que as três falas aproximaram-se de Santha e
Alma lhe sussurrou no ouvido o que deveria fazer.
Joan escondeu o rosto no peito de Alma
enquanto era abraçada. Ela não queria ver.
Eleonora assistiu, assim como Driana e Alma. Foi
muito rápido. Esperaram alguns minutos, para ter
certeza do ato realizado, e saíram do mesmo modo
que entraram, após uma ordem no ouvido da rainha
para que despertasse em alguns minutos e se
conscientizasse de ter executado o crime.
Elas correram pelos corredores, voltaram aos
seus quartos, sem serem vistas.
— E agora? — Perguntou Joan tremendo da

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cabeça aos pés.


— A inocência total cobra seu preço — disse
Driana, assustada, segurando Joan perto de si para
que ela não tivesse um ataque de nervos ou coisa
parecida. — Alma, por favor, nos faça inocente
outra vez. Inclusive você mesma. Achei que
conseguiríamos sem isso, mas... Não somos assim.
Precisamos ser inocentes outra vez, por favor, faça
isso. Por vinte anos. Então, um dia para recordar.
Faça! Agora!
Sua ordem foi atendida. As quatro deram as
mãos e fecharam os olhos enquanto Alma, em voz
alta disse:
— Essa noite nunca aconteceu. A conversa
que tivemos nunca aconteceu. Estávamos dormindo
quando o rei foi morto. Em exatos vinte anos, a
lembrança voltará em nossa mente. Um dia para
recordar. Então, novamente o esquecimento. —

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Hipnotizou-as e a si mesma.
Quando Eleonora voltou a abrir os olhos,
Reina a despertava em pânico, falando sobre
assassinato, rei, rainha e uma inesperada fuga.
E foi desse modo que elas se tornaram caça
para os Guardiões. Foi desse modo que tudo
aconteceu. Não foi crueldade. Foi sobrevivência.
— Mais algumas horas e esqueceremos outra
vez — alertou Driana. As quatro diante do
penhasco, mãos na murada do castelo, olhando para
a imensidão do abismo. — Eu vejo agora, que não
me arrependo.
— Tão pouco eu me arrependo — disse
Alma convicta.
— Tenho pena de Isac. Tudo poderia ter sido
diferente — disse Joan.
— Pena não é arrependimento — alertou

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Driana.
Sim, pena não era arrependimento.
Lado a lado, elas esperaram o dia acabar, as
horas passarem e o esquecimento retornar.
E quando isso aconteceu, a vida tornou a
fazer sentido e seu curso a seguir como deveria te
sido desde o dia do nascimento de Eleonora.

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Sobre a autora

Estórias da Marja é um selo independente de


livros escritos pela autora gaúcha Marja. Escritora
desde 2012, quando publicou seu primeiro livro,
Marja vem dedicando sua carreira a escrever
romances. Atualmente, dedica-se a escrever
romances em E-book. Sempre em busca de
novidades, livros criativos e envolventes, a autora
tenta se renovar a cada lançamento.

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Nota do Autor:
"Não compre pirataria. Se comprou esse livro em
outro site, que não seja Amazon, peça seu
dinheiro de volta, pois foi vítima de pirataria,
assim como o autor do livro."

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