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c / o a / a o f H t / n o
WRITERS HOUSE
O ADVENTO DO ALGORITMO
A I DÉI A QUE GOVERNA O MUNDO
tradução:
Leila Ferreira de Souza Mendes
©
i im o ií/i
GíOBO
C a p í t u l o 6
C a p í t u l o 7
C a p í t u l o 8
C a p í t u l o 9
C apítulo 10
Pós-escrito, 249
C apítulo 11
C a p í t u l o 12
C a p í t u l o 13
C a pítu lo 14
Um mundo de muitos deuses, 338
C a p í t u l o 15
E pílo g o
A idéia de ordem em Key West, 403
A g r a d e c i m e n t o s , 407
Í n d i c e r e m i s s i v o , 409
Copyright © 2000 by David Berlinski
Copyright © da tradução 2002 by Editora Globo
Título original:
The Advent o f the Algorithm
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada
ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico,
fotocópia, gravação etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de bancos
de dados, sem a expressa autorização da editora.
l 2 edição, l - reimpressão
1. Algoritmos I. Título
02-2171 C D D -5 1 1.8
P r e f á c i o
O burocrata digital, 11
I n t r o d u ç ã o
O veludo do joalheiro, 15
C a p í t u l o 1
O mercado de esquemas, 23
C a p í t u l o 2
C a p í t u l o 3
Bruno, o Meticuloso, 75
Capítulo 4
(l;iiT<‘^:im(*nl<> <• (I(*s;isIr<\ (^S
C a p it u l o ^
I IíIImtI o comnndo, I
C a p í t u l o 6
C a p í t u l o 7
C a p í t u l o 8
C a p í t u l o 9
C apítulo 10
Pós-escrito, 249
C apítulo 11
C a p í t u l o 12
C a p í t u l o 13
C a pítu lo 14
Um mundo de muitos deuses, 338
C a p í t u l o 15
E pílo g o
A idéia de ordem em Key West, 403
A g r a d e c i m e n t o s , 407
Í n d i c e r e m i s s i v o , 409
P refácio
O BUROCRATA DIGITAL
// I hn'iil lU'ilniski
I ntrodução
O VELUDO DO JOALHEIRO
/ .S’ I Kt \ ' i i l l l r r l i n s k i
foi cumprida. No início do novo milênio, ainda na<> *.al>rm<>'. |><>i <|uc
a matemática é verdadeira e se é exata. Mas sal><*m<>\ qur na<>
sabemos de um modo incomensuravelmente mais rico d<> qur anic.,
E descobrir isso tem sido um feito notável — que csla cniir os
maiores e menos conhecidos da era moderna.
O ADVENTO DO A l . C n l l l I l\|n I 1*
Nas palavras do lógico:
um algoritmo é
um m étodo fin ito ,
escrito em um vocabulário sim bólico fix o ,
regido por instruções precisas,
que se m ovem em passos discretos, 1, 2, 3,
cuja execução não requer insight, esperteza,
intuição, inteligência ou clareza e lucidezy
e qvie mais cedo ovi mais tarde chega a um fim .
1
O MERCADO DE ESQUEMAS
O ADVENTO DO A I. O <>u | | M . i
O lacaio arranha discretamente a porta da biblioteca. Gottfried
von Leibniz, antes Gottfried Leibniz, e seu pai, muito antes, Leibnütz,
com o von vindo sabe-se lá de onde, pode ser visto agora entrando
na grande sala de audiências da história. Em um gesto fluente de
quem tem prática, inclina-se ligeiramente para a frente, com o pé
direito à frente do esquerdo em diagonal, e faz um meio círculo
com o braço, do ombro até o quadril. Sua tranqüila vitalidade
emana como o calor de um fogão quente.
Leibniz nasceu em 1646, em Leipzig, no que hoje é a Leibniz-
strasse, perto do Rosenthal, o vale de rosas em torno do qual fica
a cidade. Sua alvoroçada entrada em cena aconteceu dois anos antes
que a Paz da Vestfália desse um fim à Guerra dos Trinta Anos; e ao
contrário de tantos de seus conterrâneos, regularmente vítimas aos
trinta ou quarenta e poucos anos de febre tifóide, da varíola ou de
outra medonha infecção ulcerativa qualquer, morreu em sua cama
na idade relativamente madura de setenta anos, depois de passar
as últimas horas de vida discutindo alquimia com o médico par
ticular. O soberbo retrato pintado por Andreas Scheits que está no
Uffizi, em Florença, apresenta-o em indumentária palaciana, com
a seda brocada da camisa fechada no colarinho por um botão ador
nado de jóias. Seu rosto é comprido mas não fino. O nariz é m ajes
toso, vincando o rosto como uma cordilheira. Os olhos escuros são
dignos, ponderados e reflexivos.
A tranqüilidade do retrato destoa, é claro, do exuberante caos
e da desorganização de sua vida. Em seu período no palco europeu,
Leibniz viajou para toda parte e viu todo mundo, cruzando o con
tinente várias vezes, dando ouvidos à algaravia de seus compa
nheiros de viagem (quando não estava sendo transportado em seu
coche particular), comendo a comida rústica das tavernas, e per-
imitando em estalagens rudes e enfumaçadas de beira de estrada.
Ouando jovem, morou um tempo em Paris, onde travou relações
rom os filósofos Antoine Arnauld e Nicolas Malebranche e tomou
aulas de matemática com o físico holandês Christian Huygens. Pre
senteado com aqueles zelosos hors d'oeuvres holandeses, enquanto
limpava os lábios Leibniz deve ter se dado conta de que se quisesse
chegar ao prato principal ele mesmo teria de prepará-lo. Como o
lez, estabelecendo-se em poucos anos como matemático de inco-
inum insight e capacidade. Em 1673, Leibniz cruzou o Canal da
Mancha em um iate para se apresentar à Royal Society, em Londres.
I\le havia dado a saber que sua máquina de calcular belamente feita
(li* madeira e bronze podia fazer multiplicações e divisões, assim como
somas e subtrações. Os ingleses estavam interessados, mas céticos.
A demonstração começou, mas, em um momento crucial, Leibniz foi
visto transportando para a mão o resto na operação de divisão.
Pedro, o Grande recebeu Leibniz na Rússia, e ele estava em
(’asa em todos os Estados e ducados alemães; foi amigo chegado,
ai<5 sua morte, da princesa Sofia da Prússia, tendo instruído a prin
cesa em afetuosas cartas íntimas sobre as particularidades de seu
sistema filosófico. O cenário é irresistível: Leibniz escrevendo car
ias com imenso cuidado, a digna senhora saindo apressada da corte
para lê-las em paz, tentando entender as substâncias e mônadas, ca
tegorias, contingências, e o cálculo, esquadrinhando as cartas em
hiisca de seu calor humano. Escrevendo em francês ou no alemão
que adorava, ou no ágil e elegante latim que ele havia ensinado a
si mesmo aos oito anos, Leibniz manteve correspondência com
mais de seiscentos eruditos e uma vibrante presença no mercado.
( lonhecia todo mundo e todo mundo o conhecia, e se movia com
esl rondo pela matemática, pela filosofia e direito, história e projeto
O ADVENTO DC) A I . C O 11 I ï M ( )
de prensas hidráulicas, mineração de prata, geografia, teoria política,
diplomacia, construção de moinhos de vento, horticultura, organiza
ção de bibliotecas, submarinos, bombas d*água, relógios e genea
logia — esta última, uma tarefa que lhe foi imposta pela Casa de
Brunswick, pelo injustificado interesse de sua gorducha e gotosa
princesa pelos mirrados antepassados. Ele escrevia continuamente,
mas raramente para publicação, e embora seus ensaios, epístolas e
anotações noturnas sejam com freqüência espasmódicos e incom
pletos, o gênio que revelam tem a lucidez da água corrente.
Junto com seu rival, o reservado e desconfiado Newton, Leibniz
descobriu (ou inventou) o cálculo, a ferramenta matemática indis
pensável à revolução científica, e inventou também uma notação
brilhante e flexível para suas operações fundamentais. Assim, para
indignação de Newton, ele casualmente colocou uma reluzente refe
rência a si mesmo no fluxo do tempo. Descobriu a equação cor
reta para a curva catenária (entre outras), expressando em termos
algébricos o modo sinuoso como um cabo de ferro suspenso entre
dois suportes afunda e se eleva em um arco côncavo; brincou com
brilhantismo com séries infinitas, as jóias da análise; e duzentos
anos antes que Poincaré atacasse os encanamentos e a alvenaria, ele
assentou as bases da topologia matemática, vendo (ou percebendo)
que quando medidas quantitativas de distância e grau são retiradas
da geometria, o que sobra é uma ciência pura da forma, um catálo
go de deformações contínuas (como quando o rosto de um atleta
coreano é metamorfoseado em uma árvore em floração naqueles
bizarros anúncios de tênis de corrida).
Os filósofos conhecem Leibniz como o criador de um fantás
tico e elaborado sistema metafísico, em que o universo se reflete
em cada uma de suas mônadas. Esse esquema ainda é de algum
interesse e se livrou de ser considerado uma tolice porque parece
O T O R N IQ U E T E DO LÓGICO
Todos os As são B
N enhum A é B
Alguns As são B
Alguns As não são B .
O ADVENTO DO ALGORITMO 29
— Bowser não voa —digo eu, convicto - porque cães de verdade
na verdade não podem realm ente voar. —Não importa o que os cães
possam desejar (asas, hidrantes que alcancem as nuvens, um pouco
de água tirada com o balde celestial), a verdade é um feitor severo.
Com os olhos castanho-escuros ainda brilhando, Jacqueline
Hacquemeister (antigamente Jackie), bacharel em Direito, levanta-
se para logo em seguida se deixa cair de volta: é inteligente demais
para ser enganada e naquela altura já tinha adquirido equilíbrio.
A questão está decidida. Bowser não pode voar.
Mas o lógico, prossigo dizendo, sem na verdade dizer coisa
alguma em voz alta (e desta forma me comunicando como sempre
desejei fazer), está preparado para aceitar mundos onde cães podem
voar, porcos podem falar e mulheres, como as flores em seus cabe
los, podem ficar jovens para sempre.
A sra. Hacquemeister bufa o bufo faríngeo que costumava
bufar, baixo, forte, devastador, e não obstante estranhamente descon
certante.
Não, realm ente. A inferência prossegue de modo hipotético.
Se todos os cães podem voar —e daí se segue uma cascata de con
seqüências caninas. Em tudo isto, a verdade representa um papel
subsidiário. Um argumento é avaliado por meio da validade de sua
inferência, e não pela verdade de suas premissas. No âmbito de
um argumento válido, se as premissas são verdadeiras, a conclusão
tem de ser verdadeira também, com o torniquete do lógico fixando
as proposições em uma matriz indissolúvel.
Ronald Kemmerling, médico, olha para mim com olhos can
sados de quem dormiu pouco. Lembro-me de que ele costumava
dormir profundamente na sala de aula, a cabeça caía até o peito e
depois se levantava bruscamente. (Ele hoje dirige o Centro de Trans
plantes Nathan P. Memorial no Centro Médico Mount Christopher
30 D avid B erlinski
c m Yonkers, Nova York. Deus pune a cada um de a c or d o c o m nm
plano especial.)
— Cães que voam? — resmunga ele, deixando a cabeça pcn
<lcr para lembrar os velhos tempos.
Estou falando hipoteticamente, doutor. E não me imporlo
que o senhor tire uma soneca. Posso vir a precisar mais do senhor
do que o senhor precisa de mim. Mas, veja, os cães não são real
mente a questão aqui. A lógica é uma disciplina formal. Os cães só
apareceram nesta história como um exemplo. Como muitas vezes
acontece na vida real, eles só aparecem por acaso.
O torniquete do lógico se aperta sozinho em torno de propo
sições, mas sentimos o torniquete e ficamos limitados por seu poder
porque a inferência é um movimento mental, movimento que se dá
por meio do estalo felpudo e suave da intuição. Testemunhemos
assim a promoção aeronáutica de Bowser: Todos os cães podem voar.
I 'Istalo. Bow ser é um cachorro. Estalo. Ei! Veja só —o m aldito cach or
ro está voando. Fora o fato de que Bowser é um cachorro, essas pe
quenas explosões são contrafactuais. Não tem importância. O torni
quete do lógico se apertou, e o fluxo de inferência só é comparável
ao fluxo da paixão amorosa, quando as atividades humanas caem
sob o controle do inexorável.
A sra. Hacquemeister repentinamente fica radiante, dividin
do o ar com seu adorável sorriso; lembro-me de quando ela trouxe
o cachorro para a aula, um amigável labrador malcheiroso.
Arnau de la Riviere (anteriormente Arnie Kahane, o cara que,
cin uma festa da turma em um restaurante francês pediu bifteck
lartare très saignant) alisa os cabelos grisalhos, como se para me
lembrar de que ele deve estar em breve na embaixada francesa,
onde representa os interesses comerciais norte-americanos com um
IVancês perfeito.
O ADVENTO DO ALGORITMO 1 I
M as além de dizer que aquele torniquete ficou mais aperta
do, sou pressionado a dizer p or qu ê. E ao mesmo tempo em que
todos na sala de aula podem ver a inferência, ou senti-la atraves
sando os músculos de suas mentes, ninguém sabe explicar o que vê;
e ninguém — em especial Jacqueline H acquem eister, que já apre
sentou argumentos aos juizes da Suprem a C orte — está preparado
para confiar no que é mero pressentim ento, em uma impressão de
que as coisas estão corretas.
Amigos e alunos arrastam os pés im pacientes, as mãos se es
tendem na direção de seus telefones celulares. Estão atrasados. E eu
tam bém . A turma é dispensada.
B B B S
A CORDA V IBR AN TE
DA IN SATISFAÇ ÃO
Iu< los os cães são mamíferos 1. A = A B Confere (isso é cfque nos é dado)
1« k I o ü os mamíferos são animais 2. B = BC Confere (isso também é dado) j
3 . A = ABC Confere (B foi substituído por SC_
na linha 1) ^
1«»loi» os cães são animais 4. A = AC Confere (AS foi substituído por A
na linha 3)
O ADVENTO DO A L C O lU T M n
muito bem para onde está indo, mas mesmo assim chegando lá.
À direita, a lista de itens a serem conferidos faz o seu trabalho.
O torniquete do lógico retem a força de outrora, mas os passos
dedutivos não envolvem mais do que a substituição de símbolos por
símbolos, com a âncora da inferência embutida nas identidades.
A inferência agora segue de uma identidade à próxima; não é neces
sário nenhum estalo de insight, apenas o som compacto e satis
fatório de encaixe de símbolos sendo substituídos por símbolos.
Qualquer que seja seu mérito como esquema de inferência,
aquela lista de itens a conferir agora alcançou uma forma estra
nhamente inquietante de familiaridade genérica. Se você quer des
cobrir seu saldo atual, aperte um; se você ganhou menos do que 23
mil dólares no último ano fiscal, mas mais do que 14 mil, então
some as linhas dois e três; se você sofre de suores noturnos e de
coceiras peculiares...; se quem está ligando é o Ralph, desligue e
morra... Mãe, se é você, estou no cabeleireiro... se é o Bob, estou
feliz que você tenha ligado, muito feliz.
v/ Duviri B erlinski
Está sentado à sua imensa escrivaninha, cujo tampo «**.1.1 Imu
do de folhas de papel-pergaminho, livros-razões, pctla^os do pap< I,
mapas enrolados, um tratado sobre hidrologia, tinteiros e uma <\u\.i
de madeira trabalhada com uma coleção de penas.
Gottfried Leibniz está sentado do outro lado da escrivaninha
John Frederick levanta a cabeça em formato de pêra, as bochecha*,
pendendo como dois sacos e, com uma sensação muda dc desâ
nimo, lembra-se de que concordou em receber seu conselheiro r
historiador da corte.
— M eu caro camarada — diz ele, afável. O relógio de pêndulo
na parede oeste da biblioteca solenem ente faz soar a hora.
Leibniz tosse para limpar a garganta, levando delicadamente
o pulso à boca. Deram -lhe quinze minutos para explicar seu novo
sistema.
—Há não muito tempo, Excelência —diz ele —, uma certa pes
soa distinta projetou uma certa linguagem ou C aracterística U ni
versal na qual as noções e as coisas ficam esmeradamente orde
nadas, uma linguagem com a ajuda da qual diferentes nações podem
comunicar seus pensamentos, e cada uma, em sua linguagem, 1er
o que a outra escreveu.
O duque enruga a espessa pele da testa, num gesto que dá a
impressão de que suas bochechas gordas estão sendo puxadas por
cordões; pensa que nunca teve a menor dificuldade em comunicar
seus pensamentos contanto que as pessoas compreendam alemão
ou falem um francês adequado. Uma familiar plenitude em sua
bexiga lembra ao duque que ele deve se aliviar em breve.
— Mas ninguém — continua Leibniz — apresentou uma lingua
gem ou Característica Universal que incorpore, ao mesmo tempo,
tanto a arte da descoberta quanto a arte do juízo.
U m e s q u e m a
L ista d e i t e n s
A SEREM C O N FER ID O S
.1 cem ^raus e de que os faraós partiram desta vida para a elci iikI.k I«*
embrulhados em trezentos metros de linho tratado.
A validade é a pedra de toque da inferência e a verdade, do
1111/.<>: o lato de que a vichyssoise é fria ratifica o juízo de que a
\'n'liyss()ise é, de fato, fria, e o juízo de que a vichyssoise é fria cxpres
•..i o lato de que a vichyssoise é fria.
Lssas modestas observações, que como se sabe enredaram
departamentos de filosofia em discussões por décadas, sugerem o
q u e os juízos fazem, mas não o que são. Leibniz está convencido
d e que, ao saber o que os juízos fazem, ele sabe o que são; e sua
avaliação do juízo, curiosamente, é totalmente consistente com
•aia avaliação da inferência.
— Os conceitos —lembra-me ele, depois de se sentar à minha
escrivaninha tarde da noite (sua exuberante peruca antiquada pare
c e u irresistível a meus gatos, que saíram furtivamente de seu refú
gio para brincar com ela) —têm partes.
O juízo não passa de um ato de revelação que mostra que,
romo uma daquelas bonecas russas malvestidas que fica dentro de
outra boneca russa malvestida, um conceito está contido dentro do
outro. Dizer que vichyssoise é fria é dizer apenas que o conceito de
ser frio é uma parte do conceito de ser vichyssoise.
A análise agora prossegue por meio de uma corrente de im
pulsos. Primeiramente, a enciclopédia de conceitos humanos é posta
em funcionam ento (alguns séculos antes de sua conclusão), com
1 ,eibniz seguindo os verbetes com o dedo em meu benefício. Tendo
terminado a dissecação de “vichyssoise * em partes (esta é uma 'pres
suposição), Leibniz só precisa procurar nos Vs — “vários”, “velo
cidade”, V enial” e assim por diante até ‘ vichyssoise' —para ver seus
componentes conceituais.
O ADVENTO DO ALCODITMO
— Aqui está — com enta ele, com satisfação, em um inglês
lindam ente entoado, já que o talento para línguas sempre lhe foi
vantajoso.
O verbete da enciclopédia e a própria brevidade (estou trans
crevendo as coisas por meio dc uma forma de memória que exa
mina o futuro):
V elocidade...
Vichyssoise: fria, com consistência de sopa
V ítim a...
V (elocid ad e)...
V: F + S
V iítim a)...
Ja c tâ n c ia ...
Je ju m ...
Ju íz o : parte, todo
Ju stiç a ...
C o n f e r i n d o
O ADVENTO DO ALCOItlTMn
tor japonês que vai eliminando todas as cores de sua paleta com
exceção do preto (e confiando que o próprio papel forneça um
branco que sirva de contraste), Leibniz purgou de sua enciclopé
dia todos os vestígios de seu conteúdo e entregou-se apenas ao que
sobrou: um sistema de símbolos e formas puras. “A Combinatória”,
escreveu ele, “trata do cálculo em geral, ou de sinais ou caracteres
gerais (como A, B, C, onde qualquer um deles pode ser usado no
lugar do outro à vontade) e das várias leis de arranjos e transições,
ou de fórmulas em geral.”
Com essas palavras, uma organização diferente da experiên
cia se insinua furtivamente e se anuncia. O mundo material recua:
os sím bolos vão para o centro do palco e assumem o comando. Ao
meditar sobre o significado de certos movimentos mentais que
rugem muito abaixo do limiar da consciência, Leibniz procurou dar
uma exposição da inferência e do juízo que estão envolvidos no
jogo mecânico de símbolos e muito pouca coisa além disso. As listas
resultantes são os primeiros artefatos intelectuais da humanidade.
Elas expressam, explicam, e assim ratificam um poder da mente.
E, obviamente, são artefatos em processo de se tornar algo
ritmos.
II D avid B erlinski
que usava ao se deitar, uma respiração áspera se a^armii e>n mm
f;;ii^anta e depois ficou em silêncio.
Certa noite, tendo chegado tarde ao norte da N om eia, ilep.i
i<1i em meu quarto de hotel com um daqueles soberbos programas
de ciência da BBC nos quais cientistas discorrem sobre seus iral>a
llios. Vários cosmólogos estavam discutindo as origens do uni ver
só. É o que eles sempre discutem, e as discussões são s e m p r e
fascinantes, embora inconclusivas. Em seus argumentos, prevalece»
Isaac Newton, cuja inteligência profunda, poderosa, convincente
submete cada vontade à sua própria. E então uma observação
curiosa. “Existem receitas”, disse um cosmólogo, “equações que
parecem reger o mundo/'
Receitas? Equações? Algoritmos?
S ob o o l h a r da d ú v i d a
■I (> I Berlinshi
expressão de tola confiança. Céus azuis prevalecem; ha por lod:i
p:irle o cheiro de limões. v
Sabemos hoje que frias nuvens cinzas estavam escaladas para
virem rasantes por sobre aqueles céus ensolarados, nuvens destina
das a descarregarem seus fardos sobre a ciência, assim como sobre
a vida. Em 1887, os físicos norte-americanos Albert M ichelson e
Kdward Morley observaram em experimentos que a velocidade da
luz parecia não ser afetada ao passar através do éter luminífero,
uma conclusão que discordava da física newtoniana e do senso
eomum e, que era, na verdade, incompatível com a existência do
éter luminífero. Dezoito anos depois, Albert Einstein solucionou a
contradição a favor dos fatos, demonstrando brilhantemente que
o próprio espaço e o próprio tempo eram relativos, que o tempo
passava mais devagar e o espaço se contraía quando a velocidade
dos objetos aumentava. No mesmo ano, ele demonstrou que a luz
viaja em pacotes quânticos, como os vagões de carga de um trem.
Depois disso, a física se arrasta para seu desfiladeiro escuro, dis
cordando do senso comum a cada passo do caminho. Mas há
nuvens e nuvens, e aconteceu que as carregadas da chuva mais
pesada cobriram a matemática e não outra coisa qualquer.
A matemática?
E ntra em cena
G iu s e p p e P eano
O ADVENTO DO ALGORITMO 47
nhada de Lenin, como se os personagens famosos do cenário euro
peu tivessem o hábito de emprestar os pêlos faciais uns aos outros.
Peano nasceu em 1858, perto da aldeia de Spinetta, que fica na
província de Cuneo, na Itália. No Piemonte. Há por toda parte nessa
região rural vestígios da Antigüidade, do estilo de vida romano e o
ar livre reverbera com o retumbar de legiões imperiais a pisotear os
campos antes de subir em direção à Gália transalpina. Cultivam
trigo e arroz nas terras baixas, e produzem manteiga, queijo e leite
nas campinas subalpinas. Como os banhados da Carolina do Sul,
esta terra é rica sem ser bonita, com grandes campos abertos par
dacentos entrecruzados por canais de irrigação, e o sol trigueiro bem
alto no céu enfumaçado.
Peano era filho de camponeses, de uma família havia muito en
raizada nos morros umbrosos e se tivesse nascido cem anos antes, só
poderia ter tido a expectativa de, com o tempo, poder tomar o lugar
do pai, casar-se com uma garota de ancas largas de uma das aldeias
locais, viver uma vida sossegada de prosperidade rural, com as
cabras balindo nas encostas e a sede de pedra da fazenda exalando
um odor de pão e suculentos guisados no meio da tarde. M as Peano
foi beneficiado por um extraordinário sistema educacional que
oferecia à classe camponesa italiana oportunidades de promoção
social através de um corredor estreito, mas não obstante suave, de
realização profissional. Seu irmão mais velho se tornou agrimensor
e próspero pai de sete filhos; outro irmão se tornou padre, na época
uma sinecura sem rival na Itália, como hoje; uma irmã se casou
bem e desapareceu no oblívio doméstico com as crianças agarradas
às saias e acenando com timidez; apenas o irmão mais novo voltou
para casa depois de cursar a escola da aldeia e foi andar atrás das
mulas rabugentas da fazenda e trabalhar os campos perfumados.
R a psó d ia em n ú m e r o s
O ADVENTO DO ALCOlUTMn * /^
depois disto a uma velocidade terrível e sem piedade. A Medalha
Fields (o equivalente na matemática ao Prêmio Nobel) só é con
cedida a matemáticos com menos de quarenta anos; numa idade
em que os estagiários de cirurgia ainda estão aprendendo a anato
mia exata da crista do ilíaco, os grandes matemáticos já sentiram
ventos frios descendo do mar de Arai.
Em sua maior parte, é verdade, as pessoas comuns vêem a
matemática com forte aversão, considerando seus conceitos tão
emocionantes quanto couves-flores. Isso é um erro —não há outra
palavra. Onde mais pode a inquieta mente humana encontrar o meio
para prender o infinito em um arco finito? Em algum momento do
século XVII, por exemplo, os matemáticos descobriram que a adição
podia ser estendida para somas infinitas. Por soma infinita enten
da-se uma soma infinita. Os números são acrescentados, e acres
centados, e mesmo assim de alguma forma chega-se a uma soma:
oo
SO David Berlinski
•!<•(ei minado totalm ente por sua localização na-seqüencia (lal que
'/h <; 'h" 1 , que por sua vez é V23 , que por sua vez é Vs) e depois dcs-
cnUiir a soma deles.
Essas solicitações — tom ar; im aginar; descobrir — estão expres
sas em linguagem comum e pedem que algo seja feito: isto está
claro; mas ao pretender que a soma seja feita indefinidam ente, a
mente de repente patina sobre gelo onde antes havia um caminho
solido e escorrega sem parar e sem ponto de apoio.
A soma infinita requer que o infinito seja domesticado, e o
d eito requerido é alcançado por meio de dois ganchos m atem áti
cos. O primeiro envolve a separação das séries em somas parciais
finitas (finitas, parciais e, portanto, ordinárias); o segundo, o con
ceito de lim ite.
Dado que
1 = 0i,
11 H-----
1 h—
1 —a^y
-
2 4
1+— +— +— +
2 32 42
NO LIMITE
52 D avid Berlinski
mático, como o lepidopterolcgista, está 'profissionalmente engajado
cm um esforço para descrever a beleza do que vê — o m atem ático
l ixando em fórmulas o que o lepidopterologista fixa em formol.
Mas o desejo de ver e o desejo de ratificar o que se viu são desejos
incompatíveis, no mínimo porque vêm de locais distintos na im a
ginação. Um as poucas primeiras gotas acabaram de cair.
Depois de séculos durante os quais a pedra preciosa da m ate
mática emitiu apenas raios pálidos, a m atem ática irrompeu para a
luz no século XVII com a descoberta do cálculo e daí em diante con-
linuou a reluzir furiosamente à medida que a análise m atem ática,
a álgebra, a aritm ética, a teoria dos números e geometrias não-
cuclidianas nasceram ou alcançaram uma repentina e perturbado
ra maturidade. Um universo foi criado a partir daquela irrupção
nos séculos XVII, XVIII e XIX, repletos de poeira cósm ica, treme-
luzentes estrelas distantes, estranhas galáxias e planetas que se
parecem muito com o nosso.
Mas junto com o êxtase intelectual engendrado pela criação
também veio a apreensão intelectual, que se acelerava à medida
que as décadas se levantavam, se sacudiam e esmagavam o campo
da história, a percepção de que ninguém sabia muito bem por que
a m atem ática era verdadeira e se era exata. Os conceitos n e
cessários para a expressão do novo corpo da m atem ática eram fre
qüentem ente incoerentes. O cálculo, observaram os filósofos (não
sem satisfação), se reduzia ao absurdo ao invocar infinitesim ais,
números m enores do que quaisquer outros números, mas dife
rentes de zero. As trabalhadas definições introduzidas com propósi
tos profiláticos eram alarm antem ente complexas. Escrevi sobre
limites em termos de tendências e para amadores (como nós), isso
basta. Bastava tam bém para os m atem áticos do século XVIII. Não
bastou mais dali em diante. Os m atem áticos agora calculam os
O ADVENTO DO ALGORITMO 53
limites — em sala de aula e na vida — apelando para a seguinte
definição:
U m a c h u v a f o r t e e s t á c a i n d o
O ADVENTO DO ALGORITMO 55
de formatura, barretes acadêm icos estranhos e juras em latim —,
a profissão de matemático só existia havia pouco mais de duzentos
anos. Isaac Newton assistiu a aulas dadas pelo primeiro catedráti
co de matemática de Cambridge, Isaac Barrow, em meados do
século XVII, mas o que Barrow sabia de matemática podia facil
mente ter sido inscrito em uma pequena brochura —umas cinqüenta
fórmulas, os axiomas e teoremas da geometria euclidiana, rudimen
tos de álgebra (que Newton imponentemente descartou como
sendo “a análise dos relapsos”), alguma coisa do novo sistema carte
siano de geometria algébrica e, além disso, uma miscelânea de idéias
confusas e imprecisas sobre rigor, definição e prova.
Além disso, nada.
No entanto, quando Peano subiu os gastos degraus de madei
ra até a tribuna dos conferencistas, os amadores geniais, que haviam
usado penas para escrever e perfumado as perucas, haviam feito
algum trabalho. A matemática havia se transformado de um assun
to que palpitava em mil cartas cheias de vida em algo mumificado
e monumental, sepultada na Royal Society ou nas várias academias
francesas e depois sepultada novamente nas grandes universidades
européias. Peano é um professore; existiram professores antes dele.
E há perguntas que os professores fazem que os amadores geniais
não fazem. Como se tiram conclusões sobre conceitos terrivelmente
abstratos e sutis tal que o próprio modo de chegar a essas conclu
sões tenha o caráter de uma prova? Não é fé o que se quer; nem pers
picácia ou intuição.
É a certeza propriamente dita, já que o matemático, como o
amante, precisa mais da certeza do que de ficar feliz.
A chuva agora é geral.
O ADVENTO DO ALGORITMO 57
aritméticas ou aforismos infantis; os números naturais, 1, 2, 3,...
prosseguem indefinidamente, e então nossa confiança na aritmética
com o sistema vai além —muito além —da confiança de que podemos
repousar em qualquer uma de suas partes finitas.
O mundo das formas, linhas, curvas e sólidos é tão variado
quanto o mundo dos números, e é apenas o fato de termos há tanto
tempo a geometria euclidiana que nos dá a impressão, ou a ilusão,
de que este mundo já foi incluído em uma estrutura intelectual
manuseável. As características dessa estrutura são bem conhecidas:
como no resto da vida, algo é dado e algo é obtido; mas a lógica por
trás dessas características tende a passar desapercebida, e é a lógi
ca que controla o sistema.
A geometria euclidiana parte de um conjunto finito de axio
mas; destes, o m atem ático deriva várias conclusões geom étricas
ou teoremas. A soma dos ângulos internos de um triângulo é 180°.
O agrimensor sabe disso na prática e sabe o que sabe apenas para
o caso em questão. O matemático sabe o que sabe por meio do
pensamento puro, e já que tem acesso aos axiomas da geometria
euclidiana, o que sabe, sabe para todos os casos concebíveis. Mas
se o matemático tem acesso a todos os triângulos, não tem acesso
a todos os teoremas da mesma maneira; porque não importa quan
tas deduções tenham sido feitas, há infinitamente outras para se
fazer. A verdade simplesmente não tem um fim. Isso pode sugerir
que a geometria euclidiana não só é difícil como também está con
denada. Mas, não. Há em funcionamento um processo de subli
mação, no qual o matemático faz uma parte do trabalho envolvido
em abarcar o. infinito sem jamais fazer tudo. Embora os axiomas
sejam finitos, são também inexauríveis, permitindo que o m ate
mático continue pelo menos enquanto conseguir continuar.
58 David Berlinshi
Os axiomas de um sistem a m atem ático estão entre os arte-
falos da civilização, e foi para o trabalho sem fim de cultivar e cons-
Imir que Peano deu sua extraordinária contribuição. Em 1889, ele
publicou um conjunto de axiomas para a aritm ética, propondo,
pela primeira vez desde os gregos, incluir outro aspecto do infinito
no mundo puram ente humano de símbolos, axiomas, inferências,
provas, lápis, papel e o que mais for necessário para levar um
m atem ático de um lugar para o outro.
São cinco os axiomas:
1. 0 é um número
2. O sucessor de qualquer número é um número
3. S e a e b são números, e se seus sucessores são iguais,
então a e b são iguais
4. 0 não é o sucessor de qualquer número
5. Se S é um conjunto de números que contém 0, e se
o sucessor de qualquer núm ero n de S está tam bém
contido em S, então S contém todos os núm eros.
O ADVENTO DO ALGORITMO 59
— Qualquer que seja o número — diz Peano —, o próximo nú
mero também é um número.
Ele faz uma pausa para ver se todos estão entendendo, depois
acrescenta:
— Os números formam uma sucessão interminável. — Outra
pausa. — Eles continuam indefinidamente.
— Exatamente —dizem os matemáticos. —Exatamente.
— Quaisquer que sejam os números —prossegue Peano —, se
os mesmos números vêm depois deles, os números são iguais.
Os matemáticos tossem, resmungam e batem os pés.
—Não há números antes do zero —diz bruscamente Peano. —
Os números podem continuar indefinidamente, mas, como o cosmo
—e aqui ele faz um gesto com as mãos apontando para o céu —, que
adivinhos dizem que nasceu de uma explosão, eles têm um início.
E, finalmente —completa Peano —, as propriedades dos números são
indutivas. Elas se espalham para cima como uma mancha se moven
do passo a passo. Se o zero tem uma certa propriedade, e se o fato
de que qualquer número tem essa propriedade significa que o nú
mero depois dele tem a mesma propriedade, então todos os números
têm essa propriedade.
Finito.
MMMM
A ESCADARIA DA ADIÇÃO
60 D avid B erlinski
de acordo. A soma de 3 e 1 é o sucessor de 3. Eu poderia muito
bem chamar a definição de regra — regra número 1, na verdade —
);i <|ue o maquinismo verbal no qual é expresso é essencialmente
imperativo, servindo para fazer com que alguém faça alguma coisa.
A operação que funcionou tão bem para 3 + 1 funciona bem no
vamente para 3 + 2. Sabemos, porque os axiomas de Peano nos asse
guram disso, que 2 é o único sucessor de algum outro número —de 1,
nesle caso. Dado o valor de 3 + 1, o valor de 3 + 2 pode ser computado
Klicionando-se 1 a 3 +1. A soma de 3 e 2 é o sucessor de 3 +1.
A operação que agora já funcionou tão bem duas vezes, fun
ciona por uma terceira vez com 3 e qualquer número. A soma de 3
i (f ualquer número c é o sucessor de 3 + um número by onde c é o
micessor de b.
Com a âncora do número 3 bem levantada e descartada, a
mesma operação que funcionou tão bem funciona com quaisquer
dois números. A soma de quaisquer dois números a + c é o suces-
*.or dc a + Z?, onde c é o sucessor de b.
E esta é a regra número 2.
As regras 1 e 2 têm um efeito de escada. O matemático compu-
la a soma de dois números primeiro descendo até o porão aritmé-
I ieo, onde ele consulta a regra número 1, e depois vai subindo com
dificuldade de volta até chegar à soma desejada. Querendo saber a
\oma de 3 e 7, ele segue a seguinte escadaria:
3 + 7 = o sucessor de 3 + 6 3 + 7 = 10
3 + 6 = o sucessor de 3 + 5 3 +6=9
3 + 5 = 0 sucessor de 3 + 4 3 +5= 8
3 + 4 = o sucessor de 3 + 3 3 +4= 7
3 + 3 = o sucessor de 3 + 2 3 +3= 6
3 + 2 = o sucessor de 3 + 1 3+2= 5
3 + 1 = o sucessor de 3 3+1=4
—> o sucessor de 3 = 4 —>
O AD VEN TO DO A L G O R I T M O 61
Cada descida e cada subida de degrau é mediada pelas regras
1 e 2; e o uso delas vai se dando a seguir por meio apenas de uma
troca de identidades.
Todo truque de mágica depende de desviar a atenção. Este tam
bém. Depois de ter contado nos dedos até dez, qualquer estudante
que não está preparado para contar além disso pode muito bem se
perguntar por que será necessária uma definição complicada para
determinar algo que já foi determinado. Enquanto o lenço do mágico
flutua por sobre sua cartola surrada, o verdadeiro coelho pode agora
ser visto pulando na direção das cenouras. Deixemos o coelho de
lado: aqui estão as cenouras. Algo complicado — a adição —foi defi
nido em termos de algo simples —a sucessão. Algo mental —a adição
—foi definido em termos de algo mecânico —a sucessão. Algo infini
to —a adição —foi definido em termos de algo finito —a sucessão. Algo
derivado — a adição — foi definido em termos de algo primitivo — a
sucessão. Não é necessária a intuição e se não fosse pelo fato de que
aqueles passos estão sendo dados no contexto dos axiomas de Peano,
que conservam vestígios úmidos de sua poderosa inteligência, o ma
temático poderia facilmente se convencer de que por um ato de sin
gular prestidigitação, ele ganhou alguma coisa a troco de nada.
U MA LISTA DE ITENS
A SEREM CONFERIDOS
62 David Berlinski
n |K)ssibilidade de subordinarmos somas à mesma lista, o
|ui/,o de (|ue 3 + 2 = 5 exigindo treze passos para que surja no
« sdcmo sul — o lado ensolarado — da certeza:
1. Considere: “ 3 + 2 = 5” 1 Confere |
2. Procure: “ axiomas de Peano” Confere
3. Considere: “ 3 + 1 ” — - Confere ;
4. Procure: “ regra 1” ' Confere
5. Aceite: “3 + 1 = o sucessor de 3 ” 1 Confere
6. Aceite: “o sucessor de 3 = 4” - “Confere
7. Aceite: “3 + 1 = 4” Confere
8. Procure: “ regra 2 ” „C o n fe re 1
9. Aceite: “3 + 2 = o sucessor de 3 + 1” Confere |
10. Procure: “ linha 6” Confere ,
11. Aceite: “3 + 2 = o sucessor de 4” ! Confere
12. Aceite: “o sucessor de 4 = 5 ” r Confere i
13. Imprima: “3 + 2 = 5 ” Confere
O A DV E NT O DO A L G O R I T M O 63
Sinais, símbolos, regras —uns sessenta anos antes que os lógi
cos finalmente fixassem o conceito em formol, um aspecto da
mente humana havia sido retratado como um algoritmo.
m m m m
O MERCADOR DE SONHOS
64 David Berlinski
— Você quer um sonho? Que tipo de sonhoí
— Qualquer sonho. Qualquer um.
— Por quatro denários você pode sonhar com leite e mel.
— Tenho só dois.
Sonhos com cabras e mulas, então — dizia o mercador, fe
chando um pouco a porta.
— E por três?
— Por três denários? Pode sonhar com Jerusalém.
— Não sou judeu.
— Quem pede não escolhe — observou o mercador.
— M uito bem. Que eu sonhe com Jerusalém.
O tilintar de moedas invadia a noite, e depois o mercador fecha
va a porta.
Em um dia de inverno, quando as ruas de Roma estavam
cobertas por um nevoeiro e os homens saíam apressados das ter
mas com suas túnicas seguras contra o pescoço, um homenzinho
moreno vestido à moda grega bateu na porta da estrebaria do mer
cador de sonhos.
— Estou aqui da parte de meu senhor — disse ele, com o
solaque ridículo de alguém cuja língua nativa não era o latim.
O mercador de sonhos cofiou a longa barba branca como a
i ícve.
— Que está aqui, posso ver por mim mesmo — disse ele. —
< ) que quer seu senhor?
— Um sonho.
— Eu tenho sonhos e sonhos.
— M eu senhor é rico.
— Que ele sonhe com beleza, então — disse o mercador de so
nhos. — Por cem denários ele pode sonhar que ocupa um palácio
Icilo de ouro forjado. Há um cheiro de incenso no ar. Ele se deitará
O ADVENTO DO ALGORITMO 65
em uma cama de seda, sob violetas trituradas, e mulheres de mis
teriosos olhos negros abanarão o ar perfumado e cantarão para ele.
O lacaiozinho moreno tirou um saquinho de couro de sua túni
ca e cuidadosamente contou cem denários. O mercador de sonhos
aceitou o dinheiro, levantou um dedo e sumiu no sujo interior da
estrebaria. Em instantes, voltou, trazendo o sonho de beleza.
O dia seguinte era o sabá. A estrebaria do mercador de sonhos
estava fechada e com os postigos cerrados, mas, no dia seguinte a
esse, o homenzinho estava de volta. Bateu novamente à porta da
estrebaria. O mercador de sonhos olhou para ele com os traqueja
dos olhos semicerrados.
— E então?
— Meu senhor ficou muito satisfeito — disse ele —, mas agora
que sonhou com a beleza, ele quer sonhar com o amor.
O mercador de sonhos sabiamente assentiu com a cabeça e
disse:
— Por duzentos denários, seu mestre pode sonhar que passou
a noite no Templo do Amor, onde a própria deusa Afrodite vai
enfeitiçá-lo com seus encantos. Ele vai repousar aos suspiros da
primavera e provar os frutos do paraíso.
Novamente o homenzinho moreno pegou sua bolsa de sob a
túnica e de novo o mercador de sonhos trouxe um sonho.
Uma semana se passou, durante a qual o mercador de sonhos
vendeu sonhos para soldados, doídos das batalhas, e para mu
lheres, que haviam dado à luz natimortos, e para adivinhos, opri
midos pelos sinais e símbolos.
E então o homenzinho moreno estava de volta. O mercador
de sonhos olhou para ele com os traquejados olhos semicerrados.
— E então? — disse ele, novamente.
— Meu senhor ficou muito satisfeito — disse ele. — Mas agora
que sonhou com a beleza e o amor, ele quer sonhar com a verdade.
66 David Berlinski
Ali disse o mercador de sonhos. — Este é meu sonho mais
• aio, I’o u r o s querem sonhar com a verdade e um número ainda
NHMioi |)ode pagar por ele.
(Juanto custa sonhar com a verdade?
( ) mercador de sonhos fez uma pausa como se estivesse cal-
« o laudo o valor. Depois disse, bruscamente:
Se seu senhor quiser sonhar com a verdade, ele mesmo deve
vii aqui, e então entrego a ele o sonho.
( ) lacaio se retirou.
No dia seguinte, houve um tumulto no quarteirão quando um
pal anqui m, precedido por quatro guardas armados, abriu caminho
P< l o bairro, fazendo com que as cabras e as galinhas se espalhas-
■.«■m |>or todas as direções. O palanquim parou diante da estrebaria
do mercador de sonhos, e dele saiu um homem alto e gordo de uns
• 11 »<11KMita anos, trajando uma túnica imaculada, que, depois de
fM*\i irular para um dos guardas para que batesse na porta do mer-
« ador de sonhos, ficou esperando solenemente à brilhante luz do
.«11de inverno.
( ) mercador de sonhos saiu, esfregando os olhos.
Sou Aristarco — disse o homem, em grego. — Estou aqui por-
qi h• desejo sonhar com a verdade.
( ) mercador de sonhos deu de ombros e depois esfregou o dedo
indicador no dedão da mão direita.
Aristarco ergueu as sobrancelhas a perguntar pelo preço.
M il denários — disse o mercador de sonhos.
Aristarco pareceu hesitar, de modo que o mercador de sonhos
• o m e ç o ii a fechar a porta da estrebaria.
Veja bem — disse rapidamente Aristarco. — Não é pelos mil
di naiios. — Ele gesticulou apontando o caro palanquim e os guarda-
• o‘.Lr: parados pacientemente ao lado dele.
O ADVENTO DO ALGORITMO 67
— Por quê, então?
- L i os filósofos —disse Aristarco lentamente —, e ouvi os adi
vinhos e falei com os sacerdotes que conhecem os mistérios de
Eleusis, mas nunca vi a verdade. Eu vou ver a verdade se eu sonhar
este sonho?
O mercador de sonhos ergueu os magros ombros por baixo d
túnica.
— Mesmo em sonhos, ninguém vê toda a verdade.
— Que parte eu vou ver? —perguntou Aristarco.
—A parte que você consegue ver — respondeu o mercador de
sonhos.
Aristarco ficou por um instante perdido em pensamentos e,
depois, decidindo-se, gesticulou para o lacaio, que estava o tempo
todo quieto ao lado do palanquim, que fosse pegar os mil denários.
O mercador de sonhos aceitou as moedas circunspecto
desapareceu dentro da estrebaria. Quinze minutos se passaram
quando finalmente ele saiu com o sonho sobre a verdade, que colo
cou nas mãos do lacaio. Aristarco cumprimentou-o com a cabeça
e entrou no palanquim.
Um dia se passou e depois uma semana. N o dia seguinte às
celebrações no Templo de Júpiter, novamente houve um tumulto
no quarteirão onde o mercador de sonhos tinha sua estrebaria e de
novo o palanquim de Aristarco, cercado por seus guardas pessoais,
abriu caminho pelas ruas estreitas.
O palanquim parou com um estalo diante da estrebari
Aristarco saiu, precedido pelo lacaio. Gesticulou para o lacaio que
fosse buscar o mercador de sonhos.
Em poucos instantes, o mercador de sonhos apareceu. Ele olhou
para Aristarco parado à luz do sol e disse calmamente:
— Bom dia.
68 David Berlinski
Ai i*;tarco disse:
Sonhei o sonho da verdade por sete noites.
K?
'Iodas as noites eu sonhei que estava subindo uma série de
Ltifos degraus brancos, como os do grande Templo de Júpiter.
Aristarco fez uma pausa, como se estivesse reunindo os pen-
'uimrnios. Depois continuou:
A princípio, meu coração batia violentamente em meu peito.
I mlu ver que a cada degrau eu ia ficando cada vez mais perto da ver-
•I•hI<*. líu estava com um grande desejo de ver o sol.
( ) mercador de sonhos olhou com ironia para Aristarco.
I'iii subindo cada vez mais alto até minhas pernas começa-
n ui a doer.
*
I )as ruas estreitas em torno da estrebaria do mercador de so-
nIn>*, vinha o rangido de uma manhã romana. As mulheres grita-
nnii umas com as outras e os gritos das crianças e das galinhas
• tu hiam o ar.
Aristarco olhava para o mercador de sonhos.
Knquanto eu subia — disse ele —, eu podia sentir o calor do
=mI que surgia. A luminosidade vinha do alto. Os próprios degraus
1.11*•i iivani sob meus pés. Uma grande sensação de felicidade se espa
lhou por meus membros.
( ) mercador de sonhos continuava a olhar para Aristarco com
• traquejados olhos semicerrados, mas não disse coisa alguma.
roi então que acordei — disse Aristarco. — O dia estava cin-
• nin e eu me senti como se estivesse entrando num banho frio.
I J.i noi t e seguinte, sonhei novamente o sonho da verdade, e nova-
t
mente me vi subindo a mesma série de degraus. Desta vez fui mais
*11«» do que antes e vi que a luminosidade vinha do alto.
Hm sorrisinho irônico brincava no rosto do mercador de sonhos.
O ADVENTO DO ALGORITMO 69
— E novamente acordei — disse Aristarco —, e novamente a
aurora estava cinzenta. Por sete noites sonhei o sonho da verdade,
e por sete noites eu subi sem parar até acordar, e por sete noites a
aurora estava cinzenta.
— E? —perguntou o mercador de sonhos.
— Não estou agora mais perto da verdade do que estava antes
—disse Aristarco. — Sinto sua radiância, mas não consigo alcançá-la.
—Você deve sonhar o sonho novamente —disse o mercador de
sonhos.
— Meus sonhos são valiosos — disse Aristarco, impaciente. —
Se eu sonhar o sonho novamente, quando irei alcançar a verdade?
—Quando tiver subido todos os degraus —disse o mercador de
sonhos.
— E quando terei subido todos os degraus?
— Quando tiver alcançado a verdade.
Aristarco ficou parado indeciso à luz do sol que se alastrava.
Finalmente, disse:
— Esta não é uma resposta muito satisfatória.
— Sua pergunta não foi muito satisfatória — replicou o mer
cador de sonhos.
— Não foi o sonho que pensei sonhar — disse Aristarco.
O mercador de sonhos abriu os braços em um gesto amplo.
— Mesmo assim — disse ele —, foi o sonho que sonhou.
Por um longo momento Aristarco ficou quieto à luz do sol, como
se estivesse pensando no que dizer. Por fim, acenou para seu lacaio,
que o tempo todo esteve quieto junto ao palanquim, e, em grego,
disse a ele que fosse pegar o sonho.
— Imediatamente, meu senhor —disse o lacaio, que desapare
ceu no palanquim e reapareceu com o sonho.
70 David Berlinski
Estou devolvendo seu sonho — disse Aristarco, circunspec-
i" K mn sonho que não quero mais sonhar.
< ) mercador de sonhos meneou a cabeça como se para dizer
•|ii<* <ompreendia que Aristarco quisesse seu dinheiro de volta mas
••1*1 <h ilh o s o demais para pedir.
E caro sonhar com a verdade — disse ele. — Por comparação,
d IM•!(•/,'i c o amor são baratos.
Pc*la primeira vez, Aristarco deu um largo sorriso, revelando os
h yiil.ircs dentes brancos. Ele falou algo em grego rapidamente com
•» Lm .'lio, q u e então presenteou o mercador de sonhos com o sonho
•lii verdade.
Afinal — disse ele —, dinheiro é só dinheiro.
E a verdade é apenas a verdade —disse o mercador de sonhos.
Sim — disse Aristarco.
I\ com isso, ele se virou e voltou para seu palanquim, encur-
\ hm lo se para que sua cabeça não batesse no teto do coche. Um es-
IiiImIo , e o palanquim desceu a viela estreita em frente da estrebaria
•lo mercador de sonhos, precedido por seus guardas, que botavam
p’ 1111 eorrer as crianças, as galinhas e uma ou outra cabra que esti
ve v,e no caminho.
( ) mercador de sonhos ficou observando a procissão se afas-
i>u .ile ler desaparecido da vista. Exatamente nesta hora, um jovem
\e\i ido com uma túnica imaculada saiu da viela que levava à estre-
l».n i.i do mercador de sonhos. Os notáveis olhos reluzentes em seu
(■••.to escuro eram emoldurados por um espesso cabelo oleoso. Era
o poet a Catulo.
Ele inclinou a cabeça educadamente, cumprimentando o mer-
• idor de sonhos, a quem conhecia muito bem, e disse:
Minha Lesbia, quero sonhar com ela de novo.
( )s jovens — disse ele —, sempre querem sonhar com o que
p* i d<*ram.
O ADVENTO DO ALGORITMO 71
Catulo olhou-o com curiosidade.
— E os velhos?
—Com o que ainda não encontraram —disse o mercador de so
nhos, virando-se sobre os calcanhares para ir buscar o sonho do
poeta.
i i i B
E n c o n t r o m a r c a d o e m T u r i m
Peano era um professor talentoso, mas sua carreira foi marcada por
tumultos estudantis do tipo que poderiam ter acontecido em
Berkeley ou, mais tarde, na Sorbonne. Os relatos são deliciosos, já
que os tumultos foram precipitados, como essas coisas freqüente
mente o são, por algum estorvo trivial. No ano de sua promoção
oficial a professor titular de matemática, os estudantes foram para
as ruas no início e no fim do ano, invadindo os prédios da univer
sidade, quebrando portas e saqueando arquivos. Pelo que pude
descobrir, nunca foram criticados ou punidos, já que os fun
cionários da universidade e do governo de Turim eram da opinião
bem-humorada mas obviamente lunática de que os estudantes são
mais bem treinados pela indiferença.
Ele gostava de voltar à aldeia onde nascera. A fazenda ainda
está no nome da família. Seu corpo esguio e o selvagem rosto magro
sugerem o aspecto imemorial do camponês, que hoje pode ser
encontrado apenas nas aldeias esturricadas da região de Abruzzos.
Era um matemático sofisticado e membro da ampla e generosa
cultura européia que, para os que viviam em seu âmbito, parecia
genuinamente marcada pela imortalidade. Logo estava em ruínas,
e a cultura que havia expressado, irremediavelmente esmagada.
72 David Berlinski
Vano viveu até 1932 e envelheceu sob o regime de Mussolini. Como
,cibniz nunca perdeu o poder sobre sua imaginação, ele se envolveu
*m vários esquemas para uma linguagem universal. Foi produtivo
|tiase até o fim, mas muitas pessoas se tornaram um anacronismo, e
.11 ponho que Giuseppe Peano tenha sido uma delas. Sua tosse crôni-
a licou pior, sua voz foi ficando mais áspera até virar um grasnido.
Mesmo assim, ele foi vivendo, comendo as mesmas refeições todos
>s dias e todos os dias subindo com dificuldade os degraus para seu
ipartamento, cujo corredor cheirava a alho e fumaça.
Segui seu caminho apenas uma vez. Eu havia dirigido o dia
<>do e a noite toda, vagando sem destino pelo sul da França e
lepois pela parte central da Itália, cruzando a fronteira em algum
ti^ar ao sul dos Alpes e depois cruzando a suave e longa autostra-
l<iy com uma fita da N on a Sinfonia de Beethoven no toca-fitas do
><*queno conversível BMW que eu estava dirigindo. Caminhões pe
didos percorriam a estrada. O cheiro de gasolina e asfalto, de algo
lesagradável vindo de longe, e campos de arroz sendo cultivados.
)(‘pois a autostrada desembocou em uma rede de rodovias subur-
»iinas que de vez em quando davam passagem a ruas de cidades.
',ii estava em Turim. A chuva caía leve sobre a cidade curtida e
narrom. Longos bulevares, cafés e bistrôs caindo aos pedaços, onde
>*. homens se debruçavam sobre mesas de carteado, e bebiam Pernod
o m água; aqui e ali uma mercearia e até uns poucos restaurantes,
• o bulevar que terminava em um cruzamento circular em cujo
entro estava uma estátua de Garibaldi. Passei a noite no H otel
I.isanova, um lugar muito pouco romântico, de teto baixo e chei-
,indo estranhamente a pó de serragem, imagino que resíduo do
nehimento das paredes.
Iiirim foi a cidade de Peano, mas foi também a cidade de Primo
I ,evi, o local onde ele se matriculou em química e de onde foi man
O ADVENTO DO ALGORITMO 73
dado para Auschwitz. O prédio de apartamentos onde morava não
fica muito longe do prédio onde Peano morou e morreu. Eu co
nhecia a rua e fiquei perambulando por ela na chuva rala; empurrei
as pesadas portas de madeira, fazendo as luzes do corredor se
acenderem. Dava para ver a escadaria central em espiral de onde
Levi havia se jogado para morrer. Logo depois, as luzes do corredor
se apagaram sozinhas.
Os gregos estavam certos sobre isso, como estavam certos
sobre tudo. Não há escapatória.
74 /)avid Berlinski
3
B r u n o , o M e t i c u l o s o
O ADVENTO DO ALGORITMO 75
Será o sistema axiomático consistente? Pode o matemático ter
certeza de que em alguma altura do século XXXIII algum estudante
engenhoso em Calcutá, ao subir a escadaria aritmética, não vai
descobrir que enquanto “3 + 2 = 5” resulta dos axiomas de Peano,
“3 + 2 = 6” também, reduzindo assim o feito à incoerência? Pode
o matemático ter certeza, por falar nisso, de que o sistema arit
mético é completo ? A escadaria da aritmética é interminável, é ver
dade, mas como uma jovem de Xangai está destinada a escrever
(por acaso, em chininglês)1: É m uito estranho que existam certas
verdadezonas aritméticas que a escadaria nunca alcança —o fato de que
3 4- 17.293.456 = 3 + 17.293.459, para ser muito preciso. Segue-se
o sinal em chininglês para hein?
Sinal, símbolo e escadaria servem de refúgio contra dúvidas
aritméticas; e os exemplos que eu inventei são absurdos, no míni
mo porque sabemos, e sabemos com total confiança —certo? —que
a soma de 3 e 2 não é 6, e que 3 somado a 17.293.456 é exata
mente o que se supõe que seja, pelos axiomas de Peano, e, pelo
senso comum, resulta em 17.293.459.
Mas se os exemplos são absurdos, não o é a insegurança que
eles engendram. Essa fica, como o gosto do chá. Esses exemplos
são absurdos. Muito bem. E há outros? Quem sabe que Trôpego
Outro pode muito bem estar subindo aos tropeções a escadaria
aritmética? Ou descendo aos tropeções a escadaria?
O olhar da dúvida mudou de foco, retirando sua atenção d
sistema aritmético, e com a mesma intensidade diabólica começou
a examinar o sistema axiomático.
1. Língua muito usada nos chats da Internet, uma mistura de chinês com inglês.
(N . da T.)
76 David Berlinski
O G N O M O DA LÓ G ICA
O ADVENTO DO ALGORITMO 77
Lúgubre mesmo. É uma zona rural de florestas escuras e umbrosas,
com bruxas, elfos, duendes e homens parecidos com sapos que se es
condem por trás de árvores sombrias. À noite, os mochos orelhudos
piam, lobos de pés pretos trotam irrequietos pelas trilhas da floresta
e corcundas se reúnem cm ravinas sombrias para tocar clarinete.
Frege passou toda a sua carreira acadêmica na Universidade
de Jena, subindo com dificuldade, como Peano na Itália, os degraus
obrigatórios da escadaria acadêmica: Privatdozen em 1871, e por
tanto autorizado a aceitar alunos de graça, Ausserordentlicher
Professor em 1879, Professor em 1896, e depois disto Herr Professor,
com a vogal aberta de Herr seguida nas conversas pelas três bati
das regulares de Professor.
Ficou casado por muitos anos — e feliz, que eu saiba —, tendo
D ie Gnädige Frau Frege morrido junto com a Europa durante a Pri
meira Guerra Mundial, o que anuviou uma personalidade que já
era melancólica, solitária, rabugenta, anacoreta e introvertida.
E parece que era — de fato, era —um feroz anti-semita, vendo
nos tristes, condenados e refinados judeus alemães uma presença
estranha indesejável e, sem dúvida, encarando a turbulenta onda
de judeus da Europa Oriental — que havia varrido a Alemanha no
início do século e que com assombrosa falta de discernimento havia
se estabelecido em Leipzig, Dresde ou na própria Weimar — com
sentimentos explícitos de repugnância. Não gostando de judeus,
Frege também não gostava de católicos, a marca de sua indignação
tendo uma natureza ecumênica. Era profundamente devotado à
monarquia alemã, e seu grotesco e perigoso kaiser recebia de Frege
os sentimentos respeitosos que ele não tinha a quem mais dispen
sar. Com as exceções de Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein e,
até certo ponto, Edmund Husserl —um trio e tanto, é claro —, seus
contemporâneos não conseguiram fazer a menor idéia de seu tra-
7H David Berlinski
Ii.ilho. Foi ignorado quando apareceu, e se filósofos e lógicos hoje
• nncordam que Frege foi o maior de todos os lógicos matemáticos,
.n> menos porque foi o primeiro, seus panegíricos chegaram tarde
demais para servir-lhe de refrigério. Morreu em 1925.
E morreu só.
U m c á l c u l o de f o r m a s
O ADVENTO DO ALGORITMO 79
tinta se infiltrando na parede, e a especificação de um sistema for
mal é o primeiro exemplo claro de algoritmo, trazendo assim um
velho conceito à vida.
Um sistema axiomático compreende axiomas e teoremas e
requer uma certa coordenação entre a mão e o olho para funcionar.
Um sistema formal compreende uma lista explícita de símbolos,
um conjunto explícito de regras que governam a convivência entre
ele, uma lista explícita de regras que governam explicitamente os
passos que um matemático pode dar ao ir das pressuposições para
as conclusões. Não há nenhum apelo ao significado ou à intuição.
Os símbolos perdem seus poderes referenciais; as inferências se
tornam mecânicas.
O cálculo sentenciai é o sistema formal mais simples que se
pode imaginar, e, como seu nome sugere, é um sistema no qual pro
posições inteiras (ou sentenças) têm relações umas com as outras.
O sistema é frugal o suficiente para que apenas uma mancheia de
símbolos baste.
Um conjunto ou coleção de símbolos sentenciais:
p, a r, s,..
80 David Berlinski
A seguir, uma coleção de símbolos especiais:
&,V, D
O ADVENTO DO ALGORITMO 81
C e r t o , B r u n o ? C e r t o ?
H2 David Berlinski
1. ((P v Q ) &f?) <— (Esta fórmula é gramatical?)
((P V Q) & R) <- (Sim, se esta fórmula é gramatical, pela regra 2)
: i. ( ( P v Q ) & f l) < r- (Esta fórmula é gramatical?)
'1. (/’ v Q ) <— (Sim, se esta fórmula é gramatical, e
!..// < - esta fórmula é gramatical também, pela regra 3)
u. (P V Q) < - (Esta fórmula é gramatical?)
/. P ^— (Sim, se esta fórmula é gramatical, e
H. Q ^— esta fórmula é gramatical também, pela regra 3)
11. P ^— (Esta fórmula é gramatical, pela regra 1)
0. Q <— (idem)
\.H (idem)
—> e assim por diante subindo a escadaria para verificar a linha 1 —>
P r o v a a l é m d e q u a l q u e r d ú v i d a
O ADVENTO DO ALGORITMO 83
1. P D ( Q D P )
2 . S D ( P D Q ) D ((S D P) D (S D Q ))
3. (~ P D ~ Q ) D (Q D P )
(P D Q )
(fi D S) D (T D W ),
84 David Berlinski
1. Se as fórmulas A D B e A são axiomas ou teoremas,
então a fórm ula B tam bém é um teorema.
2. Se a fórmula A é um axioma ou um teorema, e se a
substituição leva A para B, então a fórm ula B tam
bém é um teorema.
„ -- - -%\ t _
i ò ' d ( p d Q ) d ((s d P) d (S d Q)) 5 (axioma 2) > -
r ) (Q D P) D ((P D Q) D (P D P)) (substituição de P por S, Q por P e P por Q)
t / ’ D (Q D P) _ (axioma 1) " : _ _
•1 ((/> D Q) D (P D P)) k (deduzido das iinhas 2 e 3 pela regra 1)
'» r (Q D P) D (P D P) r{ ~ (substituição de (Q D P) por Q)
n /* O (Q D P) ^: (axioma 1)
f r DP (deduzido das linhas 5 e 6 pela regra 1)
O ADVENTO DO ALGORITMO 85
V i s ã o d u p l a
86 David Berlinski
< '.ida uma delas é expressa como uma condicional: se P é ver-
ilndriro (ou falso) e Q é verdadeiro (ou falso), então P v Q é verda-
*I<*11 <> (ou falso).
/\ negação de uma proposição P é verdadeira se e apenas se P
« l.ilso, e vice-versa. Isso não é nenhuma surpresa. Também não é
Miipivsa quando chegamos à conjunção: P & Q é verdadeiro se P
•■verdadeiro e Q é verdadeiro.
Quanto ao mais, a estrutura sem percalços desta análise encon-
n.i uin empecilho na ferradura da inferência:
O ADVENTO DO ALGORITMO 87
A primeira e a segunda linhas são fáceis de compreender, mas
a terceira e a quarta engendram uma hesitação de dúvida. Por que
deveria o lógico considerar a proposição “Se Varsóvia fica na China
então o fígado é um órgão grande” verdadeira simplesmente sob o
pretexto de que Varsóvia não fica na China? Por que concordar com
a condicional se Varsóvia fica na China então o fígado é um órgão
pequeno}
De tempos em tempos, os lógicos tentam explicar a si mes
mos a este respeito, mas inutilmente. A tabela de valores para este
conectivo é simplesmente arbitrária, e o lógico tomou uma decisão
em vez de fazer uma descoberta.
Não há mais nada a esse respeito. Pode acreditar em mim.
V e r d a d e a b s o l u t a
ABSOLUTAMENTE
88 David Berlinski
PDP
V V r. V
•2+ ■
1KP11
N F~ F *f£ V -
fe-r>r:;*H^g r-=-^
2 3
? tSsKr=;.-^.'K^C P^<«-
1. jcar
«** — impossível
O ADVENTO DO ALGORITMO 89
E o que ele pode fazer é abrir a cortina de uma conexão entre
os dois conceitos, estabelecendo em seu próprio vernáculo — e no
nosso —que todo teorema é uma tautologia e toda tautologia é um
teorema. Note a ponte de mão dupla: todo teorema é uma tautolo
gia e toda tautologia 6 um teorema. Uma parte da demonstração do
lógico é simples e admirável, embora dificilmente seja uma prova
contra qualquer forma concebível de dúvida (calma, Bruno, calma).
Os axiomas do cálculo sentenciai são todos eles tautologias. Confere.
As regras de inferência levam de tautologias a tautologias e nada além
disso. Demora um pouco, mas depois de alguma reflexão, o confere
do lógico está próximo. Chame-o de nota promissória, que promete
provar contra apresentação que todo teorema é uma tautologia.
É um tanto mais difícil construir uma demonstração que
mostre que toda tautologia é um teorema, mas isto pode ser feito
e eu posso fazê-lo. Minha nota promissória está no correio.
Com aquelas notas promissórias em mãos ou a caminho, o
lógico tem tudo de que precisa para terminar a demonstração, e o
cálculo sentenciai está completo.
A consistência do cálculo sentenciai resulta de sua comple-
tude. Se o cálculo fosse inconsistente, poder-se-ia provar absolu
tamente qualquer coisa. Um sistema inconsistente é intelectual
mente pródigo. Mas a fórmula P D ~P não é uma tautologia e,
portanto, não é um teorema. São necessários apenas dois “confere”
para conferir isto.
E mais. O cálculo sentenciai é decidível, assim como com
pleto e consistente. No mundo além do sistema formal, existe um
esquema finito, explícito e efetivo para determinar se uma fórmu
la arbitrária é um teorema que pertence a um sistema formal.
A fórmula é uma tautologia? Porque se o for, pode ser provada, e
se não, não. O lógico não precisa derivar P D (P v Q ) dos axiomas
O B r u n o e p ô n i m o
O ADVENTO DO ALGORITMO 91
cussão, criticando a intervenção norte-americana no Vietnã e com
um riso de desdém fazendo objeção à retirada norte-americana tam
bém. Depois vinha aquele olhar fixo, vazio e intimidador. Imagino
que toda pós-graduação tenha seu próprio Mesmeister, mas o nosso
era singular em sua determinação calculada de ocupar desafiado-
ramente todo o espaço cético que o resto de nós se contentava em
explorar apenas de tempos em tempos.
Certo dia, Mesmeister desapareceu ua pós-graduação. Eu
não fazia idéia para onde ele tinha ido ou do que havia acontecido
com ele. Tendo se ressentido com sua presença, ninguém lamen
tava sua ausência. Anos mais tarde, um velho amigo da pós-gradua
ção me mandou o seguinte conto, com a recomendação de que eu
entendesse como quisesse.
92 David Berlinski
I ,<•<> ressonou e se sentou parcialmente, com o tronco apoia-
>!*» im*. ( <>(<>velos.
Telefone — disse ele, com a voz abafada.
\ jovem se sentou na cama em um amplo movimento leve.
K o Richard — disse ela. —Você atende. Eu não estou.
< > telefone havia tocado duas vezes. Leo atendeu o telefone,
rioMi o eorpo e ficou deitado de lado. Pigarreou para limpar a gar-
O ADVENTO DO ALGORITMO 93
A jovem se sentou; pegou o travesseiro e o colocou no colo.
Começou a afofá-lo.
Leo cobriu o bocal novamente e sussurrou “espera”.
—Estou prestando atenção — disse ele, para o telefone.
—Estou prestando atenção —choramingou a jovem, imitando-o.
—Danny —disse Leo. O som de sua voz estava pesado. Por ins
tantes ele ficou em silêncio. Depois, disse novamente “Danny” e
depois “sim”.
Ele colocou o telefone no gancho e entrelaçou os dedos.
A jovem, que ainda estava sentada com o travesseiro afofado
no colo, olhou-o com os olhos ligeiramente apertados.
— O quê? —disse ela.
Leo Rubble estava sentado com os dedos ainda entrelaçados,
com o telefone ao lado dele sobre a cama.
— Bem? — disse a jovem.
— Ele está ligando para todo mundo — disse Leo.
— Por quê?
— Para contar.
— Contar o quê?
—Que estão planejando roubar os olhos dele. Tem umas pes
soas planejando roubar os olhos dele.
Por um instante a jovem não disse coisa alguma.
—Ah, meu Deus —disse ela, finalmente.
mmmm
94 David Berlinski
4
C a r r e g a m e n t o e d e s a s t r e
O ADVENTO DO ALGORITMO .9 5
O MESTRE DA INFERÊNCIA
96 David Berlinski
Na álgebra elementar, a matéria que mais provoca queixumes
no <»usino médio, variáveis como x, yy z,... são usadas para designar
iiiiincros tal que a dona Mariquinha, hoje e sempre a encarnação
do*; professores de ensino médio em toda parte, pode afirmar não
apenas que 5 x 5 = 25, como também q u ex 2 = 25, o n d ex 2 tem algo
«l.i força de um pronome demonstrativo — isso vezes isso é 25. A es
pecificidade do número 5 se perde na expressão x 2 = 25, mas é
i ccapturada nas manipulações, e a identidade do número surge de
uin alambique de vínculos algébricos. Isso é aquele número qu e ...
li daí em diante a dona Mariquinha alisa a gola amassada de sua
blusa e suspira.
Por mais de trezentos anos, a álgebra elementar se dedicou a
manipulações numéricas elementares; mas não há razão — há? —
para que as variáveis devam ficar presas aos números. As variáveis
,\\ y z,... agora aparecem individualmente de um modo semiformal,
representando na lógica a função que os pronomes representam
<*m português, sendo a sentença “Ela é loura” cognata da propo
sição “x é loura”, tanto ela quantos especificando algo, mas especi
ficando este algo de modo indeterminado.
As variáveis individuais representam homens ou mamíferos,
asteróides ou astronautas, políticos ou puritanos, os elementos, de
lato, de qualquer universo de discurso, com a própria expressão
“universo de discurso” significando uma nova direção de pensa
mento, na qual o antiquado universo dos astrônomos e astrólogos
é substituído por um novo universo de sinais e símbolos e pelas
coisas que estes sinais e símbolos significam.
As variáveis individuais constituem um terço de um esquema
conceituai; símbolos predicado, o segundo terço. Estes são desig
nados por letras latinas maiúsculas, F, G, H,... , e correspondem
aos predicados ordinários em português — ...é loura, ousada, linda ,
O ADVENTO DO ALGORITMO 97
condenada. A proposição de que x é loura agora se transforma em
símbolos junto com aquela loura: L x .
Agora, ser loura é algo que uma pessoa é ou ostenta: o predi
cado tem um lugar reservado para um indivíduo; mas amar ou
abandonar são relações entre dois indivíduos, e os predicados
necessários requerem dois objetos: Irma ama Philip, em conse
qüência do que x ama y, donde Ama (x, y), em conseqüência do
que Irma abandona Philip, donde x abandona y, donde Abandona
(x, y). O cálculo de predicados engloba relações assim como pre
dicados, e uma série adicional de símbolos representando relações
diádicas (amar, abandonar), relações triádicas (estar entre fulano e
sicrano, como quando Robert está entre Philip e Irma), e assim por
diante até relações n-á dicas, onde um número qualquer de indiví
duos é coordenado por uma única relação de muitas cabeças,
como em um clã aborígine. Com as variáveis individuais e toda a
coleção de símbolos predicado em seus lugares, o cálculo de pre
dicados é capaz de representar o interior escuro de muitas sen
tenças previamente inacessíveis. Aquela cabeça de cavalo que fez
o silogismo empacar? Nada mais do que y é um cavalo & x é a
cabeça de y.
O bang da criação ribombou duas vezes, e, sim, a construção
do cálculo de predicados é um ato de criação, com o lógico logran
do, por meio da especificação e da estipulação, dotar partes de sua
própria mente — símbolos, afinal — de toda a energia lunática da
própria vida. Aquele misterioso bang precisa ribombar mais uma
vez. Os quantificadores agora entram em cena. Em português, a
quantificação é expressa por “algum” e “todos”. Todos os homens
vivem com medo, mas alguns vivem apavorados. Esses obscuros
advérbios são simbolizados no cálculo de predicados pelo quantifi-
cador universal, V, e pelo quantificador existencial, 3. Eles fun-
98 David Berlinski
< lonam operando sobre variáveis (daí sua descrição técnica como
operadores que ligam variáveis). Alguém comeu um albatroz? M uito
l>em. Existe um x tal que x com eu um albatroz. Em símbolos:
l.vAx:. Todo mundo comeu aquele albatroz? Para todo x, x comeu
um albatroz. Novam ente em símbolos: VxAx. Nessas construções,
o quantificador liga a variável, exercendo sua atração e seu poder
•.obre a variável que flanqueia, e isso vale para toda fórmula que
vem depois do quantificador. A variável x é ligada em VxAjc; tam-
brm é ligada em V x (A x & Gy), mas a variável y flutua desampara
da e livre na mesma fórmula, além do alcance do quantificador
universal, que está ocupado com x. Onde necessário, parênteses
marcam os limites do poder de ligar do quantificador.
O aparato de quantificação leva a uma interpretação da gene
ralidade que vai além do silogismo aristotélico. O silogismo coloca
a proposição de que todos os cães são animais em algo como uma
concha genérica: todos os A são B. O cálculo de predicados abre a
concha e revela seu condicional oculto: Se algo é um cão, então
esse algo é um animal, j^o usarmos quantificadores, variáveis e um
conectivo sentenciai, o condicional emerge: \ fx(D x D A x ).
Os quantificadores universal e existencial dão ao lógico o con-
irole sobre a generalidade múltipla. Todos os homens amam algu
mas mulheres? Se esse é o caso, então V x3 y (x ama y). Alinhe os
homens no balcão de bar de solteiros do mundo e, para cada um
deles, há alguma mulher a quem ele ama (geralmente não aquela
com a qual ele está, é claro). Para cada homem, aquela outra espe
cial pode muito bem ser diferente; Philip pensa em Irma com um
sorriso de arrependimento, enquanto Harry está ocupado lem
brando a Daphne, ao telefone, que ele a ama e que é claro que ele
ainda está no escritório. Todo homem é tal que ele ama alguma
mulher.
O ADVENTO DO ALGORITMO 99
A inversão de posição dos quantificadores existencial e uni
versal dà uma fórmula que expressa a proposição de que alguma
mulher é tal que ela é amada por todos os homens: 3 x\/y(x ama y).
Isto é um negócio muito diferente. Não importa que declarações
ou explicações Philip, Harry e os outros caras do bar possam estar
dando a várias mulheres indecisas ou descrentes, existe ao menos
uma mulher, seja ela Madre Teresa, Helena de Tróia ou Sophia
Loren, tal que cada um e todos os caras amam a ela .
OS VIVOS E OS MORTOS
R E C^O N D U Ç Ã O
E AGO RA A V E R D A D E
1 10 David Berlinski
A pergunta pede uma resposta mais séria, uma resposta que
a^ora está disponível. A proposição de que \/xA D 3xA , quando lhe
<* dado seu significado ordinário e pretendido, é não apenas ver
dadeira como é também logicamente verdadeira. A verdade lógica
|a apareceu na tenda do lógico sob a forma de uma tautologia; mas
no caso do cálculo de predicados, a tenda tem de ser aumentada.
/\ proposição de que V x A D 3;x;A não é uma tautologia na medida
/
cm cjue tem a simples forma sentenciai P D Q. E, no entanto, uma
verdade lógica.
É este conceito que deve ser definido. Agora, o cálculo de
predicados depende de todo um aparato de variáveis, quantifica
dores e predicados. As variáveis e os quantificadores dançam um
laiigo perpétuo; mas os predicados não variam nem caem sob o
controle dos quantificadores. São marcadores de lugar, com o L em
I representando em ocasiões diversas ser lindo, ser louco, ser
Inc ido e assim por diante, como antes, até ser louro; o D em D x
icpresentando ser dócil, doméstico, direito, demente e assim por
diante, como antes, até ser divino. As verdades lógicas são verdadeiras
quanto a isso, não há dúvida; elas continuam verdadeiras qualquer
<|ue seja a interpretação de seus predicados, tal que \/xhxZ)3xL,x
c verdadeiro, represente L ser louro, ser lúcido ou ser uma
astrofísica chamada Lúcia.
As verdades lógicas, dizem os lógicos, recorrendo a um vocabu
lário muito mais antigo, são não apenas verdadeiras como também
verdadeiras em todos os mundos possíveis.
Esta não é uma noção que pode ser encontrada dentro do cál-
ciilo de predicados; mas é uma noção que devolve o cálculo de pre
dicados a um grupo mais antigo de conceitos. Um argumento válido
e um argumento no qual se as premissas são verdadeiras a con
clusão tem de ser verdadeira. O nexo entre premissas e conclusão
C r ô n i c a d e u m a
MORTE A N U N C IA D A
O T á r t a r o d o s m a t e m á t i c o s
122 D a v id B e r lin sk i
c ritos indicam a linha e a coluna. O primeiro item da primeira
parle decimal do primeiro número real é au; o segundo, a 12, e o ter
r ei ro a 13,... Para propósitos de ilustração, coloquei 71 como o pri
meiro número real na matriz, axl — 1, a l 2 = 4; a J3 = 1; a l4 — 5...
A MORTE VEM
BUSCAR O LÓGICO
A p ê n d i c e :
T alvez haja r e s t r i ç õ e s
H i l b e r t a s s u m e o c o m a n d o
C rise e r e c u p e r a ç ã o
C apitão na p o n t e
H E R R H .
O P R O G R A M A DE H E R R H.
Deus pode muito bem ter feito o universo por meio de leis m ate
máticas, e presume-se que foi poupado de dúvidas enquanto, res
mungando com terrível e implacável concentração, dava prosse
guimento à obra em questão, espalhando poeira espacial ao vento
e permitindo que as galáxias desabrochassem na noite. Os m atem áti
cos são pessoas limitadas pelas peculiaridades e pelas contingên
achassem que tinham uma forma de teoria dos conjuntos que fun
cionava, não sabiam que funcionava e, o que é pior, não podiam
apelar para os axiomas de Zermelo-Fraenkel com uma sensação
ntlida de que ali sim era o lugar onde poderiam depositar a certeza.
Trabalhando com outros matemáticos, mas também domi
nando a imaginação deles, Hilbert se recusava a tomar parte em
\a rios esquerfías de reconstrução, tentando, pelo contrário, chegar
a uma posição vantajosa que abrangesse e subsumisse todos os
esforços parciais de conserto e reconstrução. Essa é a ambição que
cm 1918 veio a ser conhecida como o programa de Hilbert, cuja
natureza epônima transmitia um débil guincho de aviso de que se
I lilbert estava disposto a viver de acordo com os preceitos de seu
programa, ele teria que estar disposto a morrer por eles também.
O programa de Hilbert é tão psicológico quanto matemático
c, portanto, envolve um modo de ver e de conseguir uma pers
A A R I T M É T I C A R E V I S I T A D A
=, S, +, x, 0,
1. V x~(Sx = 0)
2. VxVy((Sx = Sy) D x = y)
3. Vx(x + 0 —x)
VxVy(x+Sy = S (x+y))
4. Vx(x x 0 = 0)
VxVy(xxSy = (x xy )+ x )
A DESORDEM E O
DESFILADEIRO ESCURO
G ö d e l e m V i e n a
O ADVENTO DO ALGORITMO 15 5
No outono de 1931, Gõdel publicou um artigo de vinte v
cinco páginas intitulado “Sobre proposições formalmente inde-
cidíveis do Principia Mathematica e sistemas relacionados”. A refe
rência ao Principia de Russel é, na verdade, uma manobra diver-
sionista; o artigo de Gõdel é sobre qualquer sistema axiomático em
que os números naturais possam ser descritos. É portanto um arti
go que versa sobre a mais antiga das idéias matemáticas: o sistema
de números inteiros.
Nos limites daquelas vinte e cinco páginas, Gõdel estabeleceu
que a aritmética é incompleta, que o programa de Hilbert estava
condenado. E mais, demonstrou que a consistência da aritmética
não pode ser demonstrada por meio de raciocínio que seja tão sim
ples quanto a própria aritmética. Apenas os sistemas problemáticos,
quando livres de contradição, conseguem ser livres de contradição.
E ao provar isso, ele também causou o advento do algoritmo,
dando, pela primeira vez, uma descrição matemática precisa de uma
antiga mas misteriosa idéia.
P r o v a e p a r a d o x o
O CÓDIGO
1= S(0),
.1 =,3ÍP)„
Símbolos lógicos
V, D , V, &, (, ), S, 0, =, ., +
^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12
O ADVENTO DO A L G O R IT M O 161
Símbolos sentenciais P, Q, R, S,...
t T T t
12, 15, 18, 21,...
1 62 David Berlinslú
In como um todo agora recebe o número 2 12 3 3 5 12 , onde 2, 3 e 5
ním os Ires primeiros números primos. Este número agora é atribuí-
.lo u l> D P como um todo.
Seqüências inteiras de fórmulas aparecem em provas formais,
•oi no no exemplo do capítulo cinco:
Mas até agora, é claro, o que ele tem a dizer continua dentro
da m etam atem ática. As palavras “é uma prova de” não são palavras
da aritm ética, mas palavras sobre a aritm ética. Todavia, o discurso
sobre a aritmética pode ser representado dentro da própria aritméti
ca. Afinal, as palavras “é uma prova de” expressam uma relação
aritm ética entre dois números, uma relação que vale apenas no
caso em que o primeiro número corresponde a uma prova da fór
mula designada pelo segundo número. Esta relação aritmética
pode ser extraída com pletam ente de dentro da aritm ética ordinária
por um predicado aritm ético —vamos chamá-lo de PR — tal que:
P R (2m,3W25m37w4y to4).
PR(2"‘i3",25m*7w\ m 4)
P R ( 2w»3m25m37m4, m A).
O ADVENTO DO ALGORITMO 16 5
R e c u r siv id a d e
/(2) = 4
/(4) = 16
/(5) = 25
f(x ) = x\
/(O) = 1
/(D = 1
1, 1,
obtidos por meio das duas primeiras funções. A função que se segue*
nos permite determ inar o próximo valor na seqüência, /( 2 ) . Mas
/( 2 ) é na verdade apenas/(O + 2), que é / ( l ) + / ( 0 ) . Esses valores
nós já conhecem os. O valor da função em 2 é 2. E em 3? Não ha
motivo para perguntar. Todos entenderam.
A definição de Gõdel simplesmente coloca este exemplo óbvio
no contexto mais geral de todas as funções que de alguma forma
mapeiam os números em números. A genialidade da idéia está em
seu método. Em vez de falar sobre um objeto infinitamente grande,
a recursividade permite que o matemático fale sobre uma regra fini
ta de construção. Temos uma definição recursiva de uma seqüência
numérica se em primeiro lugar o matemático puder especificar o
primeiro número da seqüência e, em segundo lugar, ele puder forne
cer uma regra que define o (k + l)-ésim o número em termos d«>
fe-ésimo número. Este é o loop familiar da recursividade.
O ADVENTO DO AL GO R IT M O 169
Algo foi dado, e algo definido. Aqui, pela primeira vez, uma
idéia que se moveu furtivamente pela história, tendo na verdade
partido dos gregos e passado furtivamente pelas m entes de Leibniz
e Peano, e depois entrado furtivamente no século XX, irrompe pela
primeira vez à luz do dia. O loop da recursividade ganhou uma del i
nição formal.
O CARDEAL CONTEMPLA
A RECURSIVIDADE
O ADVENTO DO A L G O R IT M O 171
O elegante relógio de pêndulo começou a soar a hora. Soou
três vezes e depois trinou umas poucas notas.
O secretário se levantou e me levou até o escritório particular
do cardeal, segurou a porta de madeira entalhada aberta para mini
e então imediatamente se retirou, fechando a porta atrás de si.
Se a antecâmara era esplêndida e barroca, o escritório parti
cular do cardeal era um protótipo de sobriedade e discrição. Todas
as paredes eram forradas com antiquadas estantes embutidas, e os
livros eram quase todos encadernados em couro ou papel velino,
com títulos, dava para ver, em quase todas as línguas européias.
O cardeal estava sentado à escrivaninha.
Levantando-se como uma majestosa foca em manto vermelho,
ele se inclinou para pegar minha mão com as suas duas mãos e, com
um largo sorriso, disse que era um grande prazer me ver de novo.
Fiquei estupefato. Com um gesto, convidou-me a sentar em uma
cadeira de madeira de espaldar alto à frente de sua escrivaninha.
— É gentileza sua me lisonjear com sua atenção — disse ele,
com suavidade, com os dedos grossos cruzados sobre o terço. —Já
passei da idade em que aprender é fácil, e embora eu tenha curiosi
dade, falta-me, ai de mim, a disciplina para prosseguir os estudos
sem a intervenção de um interlocutor.
Permiti que meus olhos percorressem a sala, os livros pare
cendo sugerir de tudo menos falta de disciplina.
—Eu não diria isso, Eminência —murmurei.
— Mas é a verdade — disse o cardeal, endurecendo ligeira
mente o tom de voz. —Nesta cidade onde Gõdel nasceu, é um escân
dalo que eu saiba tão pouco das realizações dele.
—Pouquíssimas pessoas sabem, Eminência, mesmo hoje. É fácil
deixar passar o momento quando a roda da história intelectual gira.
—De fato —disse o cardeal. E então ele pareceu estar esperando.
1 72 David Berlinski
liii havia memorizado um discurso.
—O teorema de Gõdel mostrou que a aritmética é incompleta e
iumbém que uma prova de sua consistência está além do poder da
li Uinética. Alguns matemáticos —John von Neumann, por exemplo
compreenderam imediatamente a prova e suas implicações, mas o
uiciocínio de Gõdel foi tão sutil, e sua prova tal obra-prima de con-
•isiio c paradoxo, que pelo menos trinta anos iriam se passar antes
•|iir a comunidade matemática em geral compreendesse que algo
noiílvcl havia sido realizado, que uma profunda reorganização da
i c»iIidade havia sido feita.
1, 1, 2, 3, 5 , 8 , 13,...
/(O) = 1
/ (1 )= 1
f (x + 2) = f(x + 1) + f(^c).
-E .
—Para mim estava claro —disse por fim o cardeal —que a recur-
nividade seria um assunto do meu agrado.
Naquele momento, ouvi o relógio na antecâm ara dar a hora e
depois tilintar sua musiquinha. A porta atrás de mim se abriu e o
secretário do cardeal ficou parado no espaço entre as salas, espe-
i.milo respeitosamente. O cardeal novamente se levantou e esten
deu a pesada mão. A entrevista terminara.
O RESTO DA PROVA
l\ o que tem a incompletude com isso? Até agora, não foi men-
i lonada, em bora eu tenha gasto um bom tempo me aquecendo.
I\ aqui, onde esta pergunta interrompe os devaneios da minha
leeapitulação, que as funções recursivas primitivas aparecem no
A A FEC D V;x~A(R x ) .
P R I N C E T O N NO INVERNO
A p ê n d i c e :
OS DETALHES
A D I S C I P L I N A P E R I G O S A
pai, rabino de Yehupetz antes dele, havia deixado para ele pareciam
sentinelas. Parecia-lhe que todas as coisas do mundo não passavam
de símbolos, e que o universo estava organizado como um gigantesco
argumento. As estrelas pálidas no céu além da janela de seu gabinete
estavam afirmando “Por um lado...”, e a meia-lua estava replicando
“Mas por outro lado...”. Os livros encadernados em couro das
estantes estavam matraqueando uma alegação, e a fumaça no ar esta
va respondendo com outra. Por toda parte coisas estavam sendo dis
cutidas e por toda parte havia um debate, cada parte do firmamento
falando, fazendo uma observação, contradizendo, definindo, zom
bando, olhando ao redor dissimulando espanto, apontando coisas.
Quando o rabino acordou, a vela havia se extinguido.
F u g a p a r a a a b s t r a ç ã o
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 01
naquele exato momento eles podiam ver a cham a do gênio arder «•
bruxulear furiosamente.
Os teoremas da incompletude de Gõdel foram o que foram
absolutamente decisivos. Ao mesmo tempo deram à lógica matemál i
ca uma completa maturidade m atem ática e despiram do programa
de Hilbert o seu interesse conceituai. Por meio de talento e senso
de oportunidade, Gõdel havia comprimido o estágio costumeiro no
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 0 5
aceitando com circunspecta indiferença as desculpas dos alunos ,
não consigo, por meio de meus movimentos mentais, deslocar o
centro de sua paixão da lógica m atem ática para qualquer forma
m eram ente humana de intercâmbio.
Ele não era excêntrico; era simplesmente poderoso.
E n o entanto, agora que avalio de novo seu trabalho, posso v<*i
muito mais claramente que o pedantismo de Church era tanto uma
forma de mimetismo quanto um guarda-roupas natural, porque sua
m ente estava em certo sentido intoxicada por abstrações, domina
da por um ímpeto pòderoso que se refletia em tudo o que fazia para
se livrar dos entulhos do lugar-comum e dos detritos das coisas <•
entrar em contato com um universo que é frugal, limpo, simples,
elegante e profundo.
É só olhar para o cálculo de conversão lambda.
O C Á L C U L O DE CON VERSÃ O
x fuma,
X x.M [x]1
'Xx.x2
(tac.x3)3 = 33 = 27,
(Xx.xi)4 = 4 3 = 64.
(V W (*))]
(Es/p ecificação)[Identi(icação]a/plicação
K (, )>
a, b, c,..., x , y9 z, a, b\...9
'kx.x2
em
Xy.y2.
2. Restrições à substituição das variáveis livres e ligadas estão aqui pela mesm.i
razão pela qual estão presentes no cálculo de predicados — controle de palnn
frório. Com o antes, coloquei as restrições à regra entre parênteses a fim de n;m
desviar a atenção do leitor. Vale a pena mencionar, no entanto, que a defini^'"»
adequada de substituição é uma tarefa intelectual im ensam ente difícil, que qiuis«’
todos os grandes lógicos tentaram sem sucesso em uma época ou outra.
ÇXxMx)Nx) = M [N].
M u n d o s d u p l o s
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 19
representar inúmeros papéis improváveis: tanque, escova de dentes,
cortador de grama também.
Os números naturais aparecem no esquema de Church poi
meio das seguintes definições. Definições, note bem, nas quais lói
mulas particulares do cálculo foram escolhidas para representar ccr
tos papéis.
1= Xfkxifx)
2 — Xfkx(f(fx))
3= Xfbcififific)))
3. Estou me afastando um pouco do tratamento do próprio Church; mas não faz m;il
B u m (B u m (B u m (B u m (B u m )))).
fW M * ))))),
mm
*)))))
é uma expressão que perdeu todas as amarras que a prendiam aos
números e desse modo está nua em sua essência, como diriam os
platônicos. E sua essência é simplesmente iterar-se cinco vezes.
Uma possibilidade inesperada agora é revelada. Um número
pode ser associado à iteração de uma função e tais iterações podem
ser designadas a partir do cálculo de lambda por certas fórmulas.
E isso é precisamente o que a definição de Church dos núrfieros
naturais faz. Uma função arbitrária é selecionada, sua identidade
aritmética interna totalmente indiferente. A expressão \x(fic) serve
para designar essa função e é só para isso que serve. Qualquer que
seja, \x(fic) fez o que fez operando sobre uma variável x. A definição
do número 1 agora se segue: 1 = \/Xx(/x). A expressão Xfkxifx) de
signa essa função/operando sobre si mesma apenas uma vez. Mas
já que Tocifx) serve simplesmente para designar a função /, o
número 1 também é igual a Xff ou, o que dá no mesmo, 1 = A b
usando uma linguagem quase idêntica à linguagem que Church
empregou.
Essa definição representa um triunfo duplo. Algo foi criado
para corresponder a um número natural — uma relação de algum
tipo atuando sobre si mesma apenas uma vez. A identidade da
função não importa, questões quanto ao que ela é sendo substituí
das por uma declaração do que faz — e o que faz é atuar sobre si
¥(¥((!/)((!/)/)))•
E s t r e l a s b i n á r i a s
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 2 5
tas. É difícil imaginar uma conexão entre elas. E, no entanto, as
funções que podem ser convertidas por.lambda e as funções recur
sivas são estrelas binárias, giram uma em torno da outra, fundem
suas identidades, sugerindo o que o senso comum jamais poderia
revelar, que é a profunda conexão entre dois aspectos totalmente
distintos da experiência.
A função recursiva g(x) = x + 1 pega um número e o leva a
outro número. Se x = 1, então g ( l) = 2. Não há um modo simples
de traduzir essa afirmação trivial para o cálculo de lambda; o cál
culo não contém nada que sugira que os dois itens são iguais.
Se a tradução direta de uma estrela para a outra não é pos
sível, há, no entanto, um modo pelo q u a l< g (l) = 2 pode ser repre
sentado no cálculo de lambda. Uma parte dessa tarefa já foi feita.
Os números 1 e 2 já receberam uma interpretação no sistema de
Church como as fórmulas Xff e Xff. Xff.
Agora suponha que uma fórmula b seja anexada a Xff. Estou
dentro do cálculo de lambda aqui, e b.Xff é uma fórmula bem for
mada do cálculo de lambda.
Uma troca de matéria estelar tem início com uma definição.
O enunciado g ( l) = 2 pode ser representado no cálculo de Church
se Xff. Xff é derivável de b.Xff por meio da conversão lambda. A con
versão é uma atividade que leva fórmulas a fórmulas; uma função
comum leva números a números. A associação que acabamos de
forjar liga duas atividades por meio da ordem soberana do lógico.
A definição que acabei de dar dá conta apenas do caso em
questão. Para um enunciado mais geral, é necessário subir para a
metalinguagem. Temos a seguir um enunciado completamente geral.
A função f(m ) — r é uma função aritmética comum, bem seme
lhante a g(x) = x + 1, e m e r são os símbolos comuns da álgebra,
representando vários números. Símbolos em negrito designam
O M O N U M E N T O
A M Á Q U I N A I M A G I N Á R I A
Kl
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 2 9
Kurt Gõdel introduziu as funções recursivas no discurso lógico;
e Church o mecanismo do cálculo de lambda. Essas eram abs
trações matemáticas, suas conexões com o conceito de algoritmo
marcadas por uma cadeia razoavelmente longa e complexa de
definições.
Foi -nessa comunidade de abstrações que Alan Turing intro
duziu a idéia de uma máquina imaginária, um dispositivo que
transformava várias abstrações em uma única construção brilhan
temente simples. Tentando surpreender a si mesmo no ato de pen
sar, ele fez o que apenas a genialidade permite que alguém faça:
ele fez algo do nada.
J o v e m t r i s t e
Arquitetura
Cabeça
de leitura
P roced im en tos
Cabeça
de leitura Fita de entrada —>
U ma e s p é c i e de f a r o l
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 41
podem ser convertidas por lambda; e novamente em termos das
funções computáveis por uma máquina de Turing.
Três definições, três representações, mas apenas uma idéia.
P Ó S - E S C R I T O
PARA O NÃO INICIADO, a lógica parece ser a mais árida das discipli
nas. As fórmulas e a estranha meticulosidade que exige parecem
um repúdio à espontaneidade e, portanto, à liberdade. Eu enfatizo
que é assim que o assunto p a r e c e ; na verdade, como em toda a
matemática, um rio de vida corre logo abaixo dessa superfície, e as
paixões que envolve são paixões humanas, mais ainda que em ou
tros ramos da m atem ática na medida em que a lógica está em si
inextricavelmente ligada ao tear da linguagem e ao que a linguagem
pode ou não pode fazer. Quem estuda a vida dos grandes lógicos
não pode deixar de perceber a dolorosa ligação entre o que eles eram
c o que fizeram. Gõdel consumiu boa parte de seu espírito a fim de
obter a energia nervosa necessária para conseguir seus resultados
e, durante todos os anos 1930, ele se viu forçado a repetidam ente
procurar vários sanatórios a fim de recobrar a sanidade. C hurch
viveu como uma parte do próprio cálculo, subordinando-se a seus
O ADVENTO DO ALGORITMO 25 5
professor e, em casa, pouco espaço e uma filha pequena para atra
palhar, que fazia o melhor que podia para observar as regras da
casa segundo as quais quando seu pai estava trabalhando na sala,
ela devia ficar quieta. O distúrbio de humor do qual ele sofria não
podia, na primeira metade deste século, ser controlado por medica
mentos, e assim Post conseguiu ter algum controle sobre sua doença
por meio de hábitos sensatos de trabalho, atenção cuidadosa com
a dieta e as horas de sono, e revigorantes longas caminhadas. Ele
mensurava o tempo para sua atividade de pesquisa em minutos,
anotando seus pensamentos meticulosamente em pequenos diários
de capa de couro, e quando o tempo destinado à pesquisa acabava,
ele se recusava a levar suas idéia adiante temendo perturbar o de
licado equilíbrio de sua sensibilidade e cair na mania.
Nas ocasiões em que a doença o sobrepujava, a terapia de ele-
trochoque era a única modalidade de tratamento que oferecia a
promessa de alívio, uma explosão de energia elétrica evidentemente
servindo para pôr em ordem sua agitação nervosa, do mesmo modo
como um único grito alto pode às vezes aquietar várias vozes queixo
sas. Quando, em 1951, a mania saiu fora do controle, Post recorreu
novamente a esse pavoroso mas estranhamente efetivo tratamento,
mas desta vez o choque fez mais do que aquietar sua agitação. Ele
morreu de um fulminante ataque do coração imediatamente depois
do tratamento, tendo o eletrochoque aquietado sua vida junto com
a mania.
Resta uma foto de Post do início dos anos 1950. Post está sen
tado; meio encurvado. A esposa e a filha estão cada uma de um lado
dele. São mulheres bonitas e alertas. E as duas, embora de frente
para a câmera, transmitem uma extraordinária solicitude física,
uma sensação de ternura. A foto revela tensão. Revela, como tan-
O PAVÃO DA RAZÃO
C h u r c h PROPÕE
UMA CONJECTURA
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 59
E ao comentar o conceito para uma platéia de lógicos, ele obser
vou que o fato de apenas um conceito ter emergido das quatro defi
nições era de certo modo um “milagre” epistemológico. É uma palavra
estranha para um lógico usar, mas a sensação de milagre que Gõdel
invocou representa o lugar estranho que o conceito de algoritmo
ocupa no catálogo de conceitos matemáticos. Um algoritmo é um
objeto matemático perfeitamente bem definido; mas é também
um artefato humano e, portanto, uma expressão das necessidades
humanas de um modo que a derivada de uma função de valóres
reais ou um grupo fuchsiano não é. A matemática sempre recla
mou para si o poder totalmente misterioso de criar conceitos ali
nhados com o mundo real. No caso do algoritmo, esse poder mis
terioso e básico foi agora recolhido do mundo real e levado para o
mundo da imaginação, tal que, pela primeira vez, a antiqüíssima
habilidade humana de enumerar, calcular e fazer contas se encon
tra presa dentro dos limites nítidos dos pensamentos que ela
mesma criou.
A FUNÇÃO G - O INESCRUTÁVEL
Tem po v e r s u s tempo
O ADVENTO DO ALGORITMO 2 71
me é intelectualmente intolerável. No entanto, toda vez que estive
com Heloise, sempre fui assombrado pela sensação de poder per
ceber o passado dela no meu futuro, uma circunstância que pare
cia inevitavelmente envolver uma delicada visão dupla na qual a
verdadeira Heloise, parada na minha frente e batendo o pé de
impaciência, seria justaposta a uma Heloise mais jovem do que ela
mesma, as duas mulheres ocupando espaços amistosos em um
universo no qual o tempo havia de alguma forma dobrado para trás
como um reluzente arco.
SUB initial(N,tmax)
INPUT prompt “number of particles = N ! try N = 1000
LET tmax = 10*N
SET window -0.1 *tmax,1.1 *tmax,-0.1*N,1.1 .*N
BOX LINES 0,tmax,0,N
PLOT 0,N;
END SUB
SUB move(N.tmax)
LET nl = N ! initially all particles on left side
FOR itime = 1 to tmax
LET prob = nl/N
! generate random number and move particle
IF rnd <= prob then
LET nl = nl - 1
ELSE
LET nl = nl + 1
END IF
PLOT itime, nl;
NEXT itime
END SUB
N!
( n\ X n*\)
Entropia de n = k log f l n.
2 86 D avid Berlinski
1ir — apenas um número finito de configurações. A recorrência é
assim uma característica de qualquer sistema dinâmico finito,
nina configuração qualquer das moléculas em uma caixa fechada
estando fadada a reaparecer no futuro distante, muito distante,
liste fato simples é a base do famoso teorema da recorrência de
l\>incaré, que diz, grosso modoyque, mais cedo ou mais tarde, o que
(|uer que tenha aparecido está fadado a reaparecer, uma perspec
tiva que deixa alguns de nós com um sentimento indisfarçável de
apreensão.
Foi de Ma a idéia simples, mas muito engenhosa, de medir a
entropia como uma propriedade observável de uma simulação de
computador procurando por coincidências entre microestados não
correlacionados. Deixa-se o tempo digital correr; fica-se à espreita
de possíveis coincidências. Quanto maior o intervalo de tempo
*.cm que aconteçam coincidências, menor o número de microesta-
tlos procurados e, portanto, menor a entropia do sistema. Quanto
maior o número de coincidências, maior o número de m icroesta
dos procurados, daí, maior a entropia.
Em vez de lidar diretamente com a entropia e, portanto, com
o inundo real, Ma definiu uma quantidade que ele denominou taxa
de coincidência, RM
, de um conjunto de moléculas simuladas.
( !om o físico a postos para mergulhar e tirar uma amostra do fluxo
de tempo simulado, Rn denota a razão entre microestados duplica
dos e o número total de microestados que foram comparados e
contrastados. Assim, se o físico pega como amostra cem microes-
lados e descobre que dois são iguais, Rwé 2/100.
Usando essa idéia engenhosa, Ma substituiu a lei de Boltz
mann pela sua, elevando a própria imaginação a um status trans
cendente:
SUB initial(nl,nr,leftO,rightO,microO.nexch)
I fix macrostate
IMPUT prompt “total number of particles = “:N
IMPUT prompt “total of particles on the left = “:nl
LET nr = N - nl ! number of particles on the right
LET micro (0) = 0
FOR il = 1 to nl
LET left(il) = il ! list of particle number on left side
LET micro(O) = micro (0) + 2~il ! initial microstate
NEXT il
FOR ir = 1 to nr
LET right(ir) = ir + nf ! list of particle numbers on right side
NEXT ir
INPUT prompt “number of exchange =”: nexch
SUB exchange(nl,nr,nexch,leftO,rightO,microO
! exchange particle number on left corresponding to lindex
! with particle on right corresponding to rindex
FOR iexcg = 1 to nexch
! randomly choose array indexes
SUB output9nexch,micro0)
! compute coincidence rate anda entropy
LET ncomparisons = nexch*(nexch - 1)/2 ! total number of
comparisons
! compare microstates
FOR iexch = 1 to nexch - 1
FOR jexch = iexch + 1 to nexch
IF micro(iexch) = microflexch) then
LET ncoincidences = ncoincidences + 1 ! number of
coincidences
END IF
NEXT jexch
NEXT iexch
LET rate = ncoincidences/ncomparisons ! coincidence rate
IF rate > 0 then LET S + log(1/rate)
PRINT “estimate of entropy + “,S
END SUB*
O ADVENTO DO A L G O R ITM O 2 91
eu havia andado sem saber por quê de meu apartamento em Pacific
Heights até o lado leste do Parque Golden Gate. O dia estava calmo,
perfeitamente coordenado. O céu estava daquele azul metálico
enlouquecedoramente indefinível característico da Califórnia; a
grama de pleno inverno estava verde, vibrante, e uma procissão in-
comum.de melodramáticas nuvens do tipo cúmulo-nimbo, refu
giadas perplexas, imagino, do M eio-Oeste, haviam se acumulado
no horizonte. O caminho que atravessa o parque e termina final
mente numa praia oceânica, local de encontro naquela parte da
cidade de traficantes de drogas adolescentes e cachorros sem rumo
que depositam seus excrementos na areia amarela, estava fechado
para o tráfego. Bem na frente do jardim botânico, a rua ganha um
aneurisma para acomodar uma variedade de ruas secundárias con
centradas em obliterarem a si mesmas por anastomose. Nos fins de
semana, os patinadores se reúnem ali para se exibir e praticar.
Haviam instalado um imenso conjunto de alto-falantes na calçada
e estavam bombeando um ritmo maniacamente monótono e pesa
do no ar fresco. Dois jovens negros esguios desenhavam pequenos
loops na trilha, indo de um lado da rua para o outro, patinando de
costas o tempo todo. Um branco de meia-idade ferozmente deter
minado, compacto, músculos definidos e um ar de intensa concen
tração como a de um dentista, estava se esforçando para insinuar
seus movimentos um tanto brutos, inevitavelmente desajeitados,
na esfera fluida dos arabescos graciosos dos dois.
Parei para absorver a cena. O dentista patinou até a calçada,
fazendo barulho com seus patins, para entregar a camisa de malha
pingando de suor para uma namorada que carregava uma câmera;
com as mãos formando um quadrado como um diretor de cinema
(os dedões apontados um para o outro e os indicadores para cima),
ele indicou a ela o panorama soberbo que imaginava: o verde lúcido
Apêndice:
M un dos em c o l i s ã o
() mundo pelo qual o físico tem andado por mais de trezentos anos
sem cansaço torna-se possível pelo grande aparato matemático das
equações diferenciais ordinárias e das equações diferenciais parciais;
nem é preciso dizer, obviamente, que os físicos não conseguem
resolver a maioria das equações diferenciais, e a maioria das equações
diferenciais interessantes não pode ser resolvida analiticamente.
As equações que não podem ser resolvidas analiticamente são
.iiialiticamente intratáveis; as informações que contêm estão enco
bertas pela catarata de nossa própria incompetência matemática.
I\ um alívio e é também uma advertência descobrir que equações
intratáveis, embora não possam ser resolvidas, podem, não obstante,
*.er simuladas. A questão surge muito claramente mesmo em um
(\'iso simples, que está em todos os livros didáticos. Começa, como
iodos os casos científicos, com uma pergunta de aparência sim
ples: como se descreve um processo de crescimento uniforme (ou
= A/O)
dt
= A/(í)
dt
f(t) = keAt.
= Af(t)
at
A= 0 A < 0
F = f(x)dx
lim A lJ
Aí—>0 í - u a
/= J ^ f(x)dx
b
F = tjfjtj).
a
PROGRAMA integ5
! compute integral of f(x) from x = a to x = b
CALL initial(a,b,h,n)
CALL rectangle(a,b,h,n,area)
CALL output(area)
END
SUB initial(a,b,h,n)
LET a = 0 ! lower limit
LET b = 0.5*pi ! upper limit
INPUT prompt “number of intervals = “: n
LET h = (b - a)/n ! mesh size
END SUB
SUB rectangle(a,b,h,n,area)
DECLARE DEF f
SUB output(area)
PRINT using “####.#######”: area
END SUB
dm
= g(t>y) = / (t; + At) —/(tj) = g(ti, /(ti)) + O (A t)
U m a r t e f a t o da m e n t e
U ma o r t o d o x i a m o d e r n a
O ARTEFATO INTELIGENTE
O ADVENTO DO ALGORITMO 3 75
bolos, não elétrons, múons, glúons, quarks ou o espaço e o tempo
curvos. Uma inflexível série de negativas vigora. Não há equações
diferenciais. Nenhuma ligação com o cálculo. Nenhuma simetria
de espaço e tempo que defina mundos. Nenhuma continuação
analítica, como quando as leis da natureza levam o físico do pre
sente para o futuro. Nenhum milagre quantitativo. Nenhum mila
gre, a não ser o milagre familiar no qual uma parte do mundo físi
co fica viva.
Na nova ordem conceituai, a orientação corrente do pensa
mento é alterada e invertida, como uma corrente animada repenti
namente por uma mudança de polaridade. Na física matemática,
as coisas vão dissecantemente para baixo na direção dos objetos
fundamentais, suas propriedades e leis fundamentais. O universo
revelado dessa forma não tem sentido , suas leis fundamentais con
trolam uma vasta mas estéril arena e a coisa como um todo mais
se parece uma pista de boliche iluminada com luz fluorescente,
onde bolas de boliche do tamanho de quarks ficam ricocheteando
umas nas outras na noite monstruosamente quente e úmida. Lá
embaixo, as vozes humanas não podem ser ouvidas.
Talvez. Mas aqui em cima, as coisas são diferentes. Invocando
um rico sistema de significado e interpretação, os seres humanos
se explicam a si mesmos em termos do que desejam e daquilo em
que crêem; os instintos imemoriais de desejo e convicção são sufi
cientes para criar um mundo. É um mundo suspenso no espaço pelo
palavrório divino de vozes humanas. Uma trilha pelo palavrório c
quase sempre circular, e não dissecante, como quando uma fofocn
de cidade pequena volta envergonhada para quem a começou. Um
homem acredita que brotos de alfafa são cura para herpes; isso sc
reflete no que ele fala, no que faz —comer brotos de alfafa —, se re
flete naquilo em que crê e no que deseja, cada reflexo explicando
1 3 .1 —Modelo do neurônio.
Xi = Ç Wijyj
y-, = cr .(Xj)
E m p r a i a s e s t r a n g e i r a s
3. Roger Penrose, A mente nova do rei, Editora Campus, 1993; e Shadows of the
Mind, Nova York, Oxford University Press, 1994.
4. Nick Herbert, Elemental Mind. Nova York, Plume, 1993.
U m m u n d o de m u i t o s d e u s e s
E sse t i p o de h i s t ó r i a
Witten Wittless Grainball City Sad Sac Amblot Waterloo Wapping Falls
Witten
X * X ^3 X ^3
Wittless
X X X *
tft
3artida;
Grainball City
éS X X X g© ^3
Sad Sac
■gS X X X + * X
Amblot '-S 05 X X X X X
Waterloo
X X X * ^3 X X
Wapping Falls
X X * ^3 X X X
14.1. Quadro de meios de transporte intermunicipal para as cidades que Waterman tem que visitar.
possa tomar que com ece em W itten, termine em Wapping Falis, e
permita que ele visite cada uma das cidades restantes apenas uma
vez tem assim uma importância inegável que é negada a problemas
mais abstratos na matemática e na filosofia.
B em y e há?
P e d i n d o para s e r c o m p u t a d o
V ida l i t e r á r i a
A VOZ DA ETERNIDADE
U C A G
terceira letra
CUG. CCG. CAG. CGG. G
S l M, MAS
W itten = ACGATC
W ittless = C G C TC A
Grainball City = TTGACC
Sad Sac - AGCATA
Amblot - AG AC CA
W aterloo = TACAGG
Wapping Falis = TTGAAT
Witten Wittles Grainball City Sad Sac Am bot Waterloo Wapping Falls
ACGATC CGCTCA TTGACC AGCATA AGACCA TACAGG TTGAAT
14.5. Quadro de linhas intermunicipais com os nomes em inglês e os nomes químicos para indicar as rotas.
também realizado por meio dos próprios nomes das cidades, o mes
mo trajeto entre Witten e Wittless designado por TenWit em letras
do alfabeto.
Uma modesta embaralhada é suficiente para provocar uma
reconfiguração do próprio quadro de linhas intermunicipais (veja a
figura 14.5).
E com a reconfiguração completa, o primeiro passo em um
curioso processo de subversão intelectual foi dado.
E x p l i c a ç õ e s na
HORA DO ALMOÇO
T onel de g r u d e
Tala
GCGAGT
ATCCGCTCATTG
dois trajetos
OS VAMPIROS
J a r d i m das b i f u r c a ç õ e s
QUE SE RAMIFICAM
U ma e s t a ç ã o da v i a - c r ú c i s
O A D V II N T O DO ALGORITMO 3 8 5
mesmo tempo —ambas são a mesma coisa —uma teoria das quan
tidades conservadas pelo triângulo à medida que ele é girado ou
refletido. O objeto apropriado para a descrição do triângulo é uma
estrutura que exibe a simetria requerida, são os grupos. As leis fun
damentais da física —a província das teorias de calibre —alcançam
seus efeitos apelando para as simetrias. E dessa forma o físico estu
da um domínio que se tornou simples porque se tornou simétrico.
Essa percepção de simplicidade é uma percepção da simplicidade
das coisas; seja ela descrita totalmente pelas leis da natureza ou não,
a simetria é uma propriedade objetiva do mundo real.
As leis da natureza são radicalmente simples em outro senti
do. São simples em termos de estrutura, exibindo uma formosura
de forma matemática e uma concisão de expressão que em si não
podem ser aperfeiçoadas a favor de nada mais formoso ou mais
conciso. Representam o caroço duro no qual o mundo da matéria
foi comprimido. Isso é para devolver a discussão aos símbolos e à
informação, a via-crúcis das palavras lançando uma estranha mas
esclarecedora luz vermelha sobre as leis da física.
As leis fundamentais da física captam os padrões do mundo
captando a atuação de suas simetrias. Onde há padrão e simetria,
há espaço para a compressão, e onde há espaço para a compressão,
leis fundamentais por meio das quais o espaço é comprimido. No
porão conceituai, não é possível nenhuma explicação adicional. As
leis fundamentais são simples no sentido de que são mcompres-
síveis; é por essa razão que são curtas —espantosamente curtas no
sentido de que podem ser programadas em apenas umas poucas
paginas de código de computador.
*
E com as leis fundamentais da física que finalmente a per
gunta de Paley chega a um fim; é o lugar onde a pergunta de Paley
tem que chegar a um fim se não quisermos ficar infinitamente
A ESCADARIA INFERENCIAL
O ADVENTO DO A L G O HI T MO 389
corpo humano; a complexidade é, na reprodução, transferida de
uma estrutura similar a outra. A complexidade imediata do corpo
humano está dessa forma presente na matéria da qual é derivada;
mas na teoria de Darwin, os seres humanos como espécie são, por
um processo de variação aleatória e seleção natural, derivados de
estruturas menos complicádas, o processo se afunilando até o rico
panorama da vida orgânica penetrar em um ponto inorgânico e,
portanto, relativamente simples. A origem da complexidade, assim,
está —tem de estar —nas leis da matéria e, portanto, nas leis da físi
ca. O acaso, se ele representa qualquer papel, representa um papel
apenas subsidiário.
Nessas inferências casuais, Gõdel estava até certo ponto
refazendo uma versão da prova teleológica da existência de Deus.
A complexidade manifesta das criaturas vivas sugeriu a William
Paley um criador inexoravelmente providencial. Suprima a teleolo-
gia da prova e surge uma conexão entre a complexidade e uma
forma de inteligência. Suprimindo mais outra coisa, uma conexão
entre complexidade e as leis da física.
E aqui temos a parte engenhosa, oculta e subversiva. As leis da
física são simples porque são curtas; funcionam, só podem fun
cionar, para abreviar ou comprimir as coisas que exibem um padrão
ou que são ricas em simetria. Não ganham nada comprimindo
cadeias que são ao mesmo tempo longas e complexas —cadeias de
números aleatórios, por exemplo, o legítimo registro deixado pelo
acaso no universo. Mas os ácidos nucléicos e as proteínas são pre
cisamente tais cadeias. A complexidade e a aleatoriedade são indis
tinguíveis. Não fazemos a menor idéia de como surgiram; cheias de
uma perturbadora energia maníaca, parecem desprovidas de padrão.
São o que são. Seu aparecimento por meio do acaso é impossível;
O ALGORITMO ASSUME
O COMANDO
O CARDEAL NA HORA
DO JANTAR
Wallace Stevens
O ADVENTO DO ALGORITMO 4 0 3
Talvez em cada frase sua transpirasse
Água rangente, vento resfolegante;
M as não era mar nem ela que ouvíamos.
404 D av id B erlin sk i
Fosse o que fosse antes, se tornava
O ser do canto dela, a criadora. E nós,
Ao vê-la esplêndida e sozinha, compreendemos
Que nunca houve para ela outro mundo
Senão aquele que, ao cantar, ela criava.
N o r u eg a , d eparei em m eu quarto d e h o t el co m um
d a q u e l e s s o b e r b o s pr o g r a m a s d e c iê n c ia da BBC NOS
R e c e i t a s ? E q u a ç õ e s ? A l g o r it m o s ? ”
ISBN ÔS-SSa-BSBT-M