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Mirian Goldenberg
historiadores renomados, como por exemplo, Pierre Bourdieu (1995), Christopher Lasch
(1999), Manuel Castells (1999) e Roberto Da Matta (1997). Tal mudança no perfil dos
gênero como uma variável cada vez mais explicativa da sociedade atual. Estes estudos
interessantes para um público mais amplo. Desta forma, têm atingido leitores que não
comunicação de massa.
sociais, ampliando seu leque de questões, sendo objeto de atenção da mídia, os estudos de
gênero passaram a ser percebidos como um produto importante para o mercado editorial
que tem publicado inúmeros títulos sobre o tema. Um dos temas que mais tem atraído a
colecionei durante os últimos anos e apresentar alguns dados da pesquisa que venho
domingo (1/11/1998). A matéria diz: Ausência do pai cria confusão nos filhos. As
mostra que os lares de 48 % dos infratores da Febem foram abandonados pelo pai.
partir de modelos, e a mãe hoje virou uma espécie de “mulher maravilha”- que trabalha,
exclusivo da casa, ora compensa isso trabalhando mais ora simplesmente se afastando
da família (…). Especialistas da área apontam que, para os meninos, a situação está
O leitor de tal matéria rapidamente conclui que a culpa é das mulheres que
dos que eram contra o voto feminino e o trabalho da mulher fora do lar, há quase um
século. O código civil brasileiro, de 1917, reservava à mulher casada um estatuto de total
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Antropólogos brasileiros têm dado importantes contribuições para a discussão sobre a construção dos
modelos de masculinidade em nosso país, como, por exemplo, Freyre (1986), Da Matta (1997), Ramos
submissão à autoridade do marido, que lhe proibia ter conta bancária em seu próprio
nome ou ter qualquer vínculo de emprego sem autorização do marido. O direito ao voto
feminino, conquistado em 1932 no Brasil, teve opositores que diziam que a “única
Goldenberg, 1992).
Pais estão ausentes da criação dos filhos: trabalham demais ou estão desempregados (o
poder na família com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ficando com sua
autoridade fragilizada”.
como estes tentam mostrar que a mulher está sendo cada vez mais bem sucedida no
mercado de trabalho por ser intuitiva, flexível, sensível, dividir responsabilidades, ouvir
centralizador, ter mais pressa de decidir, ser mais competitivo, dar muitas ordens, ser frio
as masculinas, as mesmas que eram vistas, até bem pouco tempo atrás, como essenciais a
homens, sendo que estes só enxergam o que estão perdendo dentro e fora de casa
(Goldenberg, 2000).
trabalho, eram (ou ainda são) condições básicas para ser considerado um homem. Talvez
por este motivo, pesquisa feita pelo Datafolha (Folha de São Paulo, 20/9/1998) encontrou
que 79% dos homens pesquisados acham que a mulher deve ficar em casa se o marido
família são apontados como responsáveis pela ausência cada vez maior do homem em
casa, assim como pelo enfraquecimento de sua imagem diante dos filhos.
As matérias ainda dizem que as mulheres ficaram muito exigentes e quanto maior
o seu nível de instrução mais difícil encontrar o parceiro desejado. Reportagem da Folha
de São Paulo (22/11/1998) diz que as mulheres cultas têm menos chance de encontrar um
os homens não adotam esse “filtro” para escolher suas parceiras. Uma das entrevistadas
diz “é comum encontrar homens complexados, que não aceitam o fato da mulher saber
mais. Eles dizem que mulheres como eu assustam. Mas homem incompetente, fraco,
com o título “Homens ficam inseguros diante de mulheres ativas”. A reportagem afirma
que a liberação sexual fez com que as mulheres se tornassem obcecadas em ter prazer e
Significa, para os homens, que estão numa posição mais passiva e assim se sentem
dominados, subjugados. Nunca vimos tantos casos de impotência e nunca lemos tanto
sobre avanços em pesquisas para a cura deste mal como hoje. O homem de hoje teria se
preocupação em satisfazê-la é tanta que ele abre mão, muitas vezes do próprio prazer.
Em resumo, o homem moderno não apenas está em crise de identidade mas está
sendo ameaçado de extinção. E a mulher pode ser apontada como uma das principais
agressiva com as mulheres, tem que enfrentar as grandes incertezas do fim do século. Na
homens atravessam foi, em grande parte, provocada pela independência da mulher, que
interessante pensar neste tipo de matérias e, também, em muitos discursos femininos que
sente ameaçado com as conquistas femininas”, “o homem está inseguro e frágil porque
perdeu sua identidade”. Este discurso consolida a idéia de que a mulher independente
representa um perigo para o homem e é determinante na crise que ele (e a família)
atravessa. Esta mulher, ao contrário de ser vista como uma parceira que pode tirar de seus
ombros uma série de obrigações que lhe eram exclusivas, é vista como uma rival,
disputando seu poder, seu emprego e suas regalias. Não é mais uma companheira a ser
conquistada, mas uma inimiga a ser vencida. É a “guerra dos sexos às avessas”. Durante
décadas o discurso feminista bradava que as mulheres eram escravas do poder masculino.
Agora é o momento da revanche: “as culpadas são as mulheres”. Só que os homens não
têm símbolos como sutiãs a serem queimados. Será que daqui a um tempo as gravatas
Um dos dados que mais me chama atenção em minha pesquisa atual, com cerca
Com relação ao número de parceiras sexuais, alguns tiveram apenas uma, enquanto
outros afirmaram que tiveram mais de cem. Todos, no entanto, acreditavam estar fugindo
da regra, afirmando que seus amigos transaram com muito mais mulheres. Também
exceções afirmando que é comum seus amigos terem vários casos e aventuras, mesmo
Quando peço para os homens pesquisados responderem o que todo homem é eles
dizem machista, infiel, galinha, filho da puta. As mulheres também destacam que todo
homem é infiel, galinha, machista, egoísta, canalha, mentiroso, tarado. Já homens e
mulheres dizem que toda mulher é sensível, emotiva, romântica, maternal, carinhosa,
liberdade. O número expressivo de respostas faz supor que as mulheres não têm a
liberdade que tanto invejam. Em seguida, aparecem força física, urinar em pé e poder
urinar em qualquer lugar, não menstruar, independência. A maior parte dos homens
pesquisados afirmaram que não invejam nada nas mulheres e alguns poucos responderam
Quase 70% dos homens pesquisados afirmam ter sido infiéis e os motivos mais
apontados são “vontade”, “atração física”, “desejo”, “não consegui resistir” e “para não
me arrepender das oportunidades que perdi”. Cerca de 40% das mulheres dizem ter sido
mais interessante de ser analisado não é se homens traem mais do que as mulheres, mas
os motivos que levam à traição e, mais ainda, os sentimentos diferentes que ambos têm
sobre este fato. Somente nas respostas femininas aparece um sentimento de culpa muito
grande pela traição acompanhada de uma necessidade em se desculpar por ela ter
previsto ou desejado.
30% das mulheres pesquisadas afirmam ter tido um único parceiro sexual ao
longo da vida e outras 30% dizem ter tido dois ou três, as demais sabem dizer exatamente
com quantos homens transaram. Os homens respondem “não sei”, “não me lembro”,
“poucas”, “algumas”, “mais ou menos 100”, “mais ou menos 30”, “mais ou menos 20”,
“mais ou menos 10”. Será que isto significa que o relacionamento sexual para o homem é
menos importante do que é para a mulher? Que os homens continuam dissociando o sexo
da afetividade, transando sem nenhum tipo de envolvimento, apenas por uma necessidade
homem” e “ser mulher” continua muito presente no discurso dos pesquisados. Acredito,
então, que quando se fala em crise estamos falando não em crise de homens e mulheres
homens e mulheres mas que, apesar disso, continua vigorando com muita força.
publicada no Globo (31/1/1999) que anuncia o verão de 1999 como O verão dos
“espadas”. A matéria afirma que “espada” é a nova gíria da cidade que discute a idéia de
masculinidade nos anos 90. O termo, agora recuperado, surgiu nos círculos dos playboys
espada, segundo a matéria, lembra os heróis medievais e está sendo usada pela nova
masculinidade gay como um modelo valorizado de ser homem, nos Estados Unidos e,
mais recentemente, no Brasil. Em uma matéria da Folha de São Paulo (11/10/1998), uma
mulher que vive se apaixonando por gays diz “Eles tem uma sensibilidade absurda, são
mais bonitos, mais cheirosos, mais bem arrumados. Queria que a metade dos homens se
cuidassem como eles se cuidam”. Outra diz que os gays são mais inteligentes, carinhosos
Não perdem tempo fazendo coisas como assistir mesa redonda de futebol.
que a masculinidade gay deixou de ser estigmatizada para se tornar objeto de desejo das
mulheres ditas independentes, como pode ser visto na Revista Uma (1/2001).
Será que ele é? Por que sempre nos encantamos com aquele homem que é bonito,
bonitos e se vestir muito bem. Também são ótimos ouvintes para conversas fiadas.
como nós, não resistem a uma boa novela. E que outros seres humanos são dotados de
uma cultura inútil tão deliciosa, garantindo que a conversa não tropece em silêncios
sepucrais?
tradicional, como pode ser visto em uma pesquisa que mostrou que 68% das americanas
gostariam de largar o trabalho para cuidar da casa e dos filhos, se os maridos ganhassem
pelo parceiro. Esta ambiguidade, que também pode ser observada nas brasileiras, permite
sobre “ser homem”, o que causa uma enorme confusão e traz à tona a idéia de uma crise
Novo Homem X Eterno Machão: o durão está sendo desbancado por um tipo
mais sensível e romântico. Mas o parceiro ideal talvez seja aquele que una os dois perfis.
(13/5/2001) reclamando que não é levado a sério pelas mulheres porque elas o vêem
como homem-objeto, só querem fazer sexo e não querem um compromisso mais sério. Já
o segundo é “aquele cara que todo mundo desconfia que é gay, mas é pegador: essa
figurinha misteriosa já tem nome: valda, aquela bala que parece fresquinha, mas faz
acreditando que o futuro aponta para o predomínio das relações bissexuais, quando o
sexo biológico terá menos importância do que a pessoa pela qual se está apaixonada ou
atraída (seja ela do sexo feminino ou masculino). Elisabeth Badinter (1986) já discutiu
esta possibilidade em “Um é o outro”. Para esta socióloga francesa, homens e mulheres
estariam cada vez mais próximos e indiferenciados, sem traços culturais marcados como
mais um modelo obrigatório, mas uma infinidade de modelos possíveis. Cada um se atém
1986: 262).
produzidas pela sociedade patriarcal, são “invisíveis” àqueles que tentam obtê-las como
ideais de gênero (Kimmel, 1998), pode-se dizer que o que vem ocorrendo atualmente é
como, por exemplo, homem provedor, forte, chefe de família, e aqueles femininos, como
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É interessante observar como esta tendência aparece na moda masculina. Inúmeras matérias
mostram que a moda masculina está mais ousada e colorida, como a do Jornal do Brasil
(29/1/2001), com o título “O homem vai se vestir de mulher”: desfiles de moda masculina em
mulher mãe, esposa, dona-de-casa, que ainda aparecem de forma significativa nas
respostas dos questionários analisados na minha atual pesquisa, são relativizados por
outros atributos como homem sensível, vaidoso e delicado, e mulher forte, independente,
1992)3.
de compreender o que está acontecendo nas relações entre os sexos na cultura brasileira e
porque parece haver tantas dificuldades e insatisfações. É verdade que o que era visto
como um tema menor nas ciências sociais, hoje é um campo fértil de estudos. Talvez isto
questionado que foi obrigado a abrir espaços para outras masculinidades mais flexíveis e
plurais (Almeida, 1995). Algo que era visto como natural, o poder do macho, passou a ser
único modelo que servirá como referência de masculinidade para todos os homens. Não
dá para acreditar que aquele amigo nunca “broxa” ou “já comeu mais de cem”. Este
modelo é, agora, alvo de risos e críticas, não apenas das mulheres. Talvez o machão
Paris mostraram que as tendências apontam para a igualdade de estilos para homens e
mulheres.
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A autora descreve três tipos de homens: o duro, o mole e o reconciliado. O primeiro
supervaloriza o seu sexo e procura provar a virilidade o tempo todo. O homem mole procura
identificar o valor feminino e desprezar o culto à virilidade, mas é considerado submisso e fraco
pelas mulheres. O homem reconciliado mantém seu aspecto masculino e não renega o feminino,
realmente esteja em crise, mas pode ser que até ele consiga sobreviver, só que será
obrigado a coexistir com outras formas de “ser homem”. O que não sobrevive mais é um
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECK, U. (1996). Risk society: towards a new modernity. London: Sage Publications.
133-84.
DAMATTA, R. (1997) “Tem pente aí?: reflexões sobre a identidade masculina. In:
não abre mão da força, da decisão, mas também vive sua emoção e é flexível, sem ser
submisso.
GOLDENBERG, M. (1991). Ser homem, ser mulher: dentro e fora do casamento. Rio de
Janeiro: Revan.
KIMMEL, M. & MESSNER, M. (1994). Men’s Lives. Boston, Allyn and Bacon.
Janeiro: Revan.
DADOS BIOGRÁFICOS
Antropologia (IFCS/UFRJ) e seus livros mais recentes são A Outra (Record, 1997); A