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MASCULINIDADE EM CRISE: NOVOS MODELOS DE “SER HOMEM”

Mirian Goldenberg

Durante décadas, os estudos de gênero foram realizados quase que

exclusivamente por pesquisadoras feministas, passando, nos últimos anos, a despertar o

interesse de pesquisadores não militantes, assim como de antropólogos, sociólogos e

historiadores renomados, como por exemplo, Pierre Bourdieu (1995), Christopher Lasch

(1999), Manuel Castells (1999) e Roberto Da Matta (1997). Tal mudança no perfil dos

estudiosos deste campo pode ser pensada como um reconhecimento da importância do

gênero como uma variável cada vez mais explicativa da sociedade atual. Estes estudos

abriram um espaço de reflexão sobre grupos estigmatizados socialmente (Goffman,

1975), como homossexuais e homens em crise de identidade, temas considerados

interessantes para um público mais amplo. Desta forma, têm atingido leitores que não

pertencem ao meio acadêmico e ocupado um espaço considerável nos meios de

comunicação de massa.

Saindo dos muros das universidades, ajudando a entender melhor fenômenos

sociais, ampliando seu leque de questões, sendo objeto de atenção da mídia, os estudos de

gênero passaram a ser percebidos como um produto importante para o mercado editorial

que tem publicado inúmeros títulos sobre o tema. Um dos temas que mais tem atraído a

atenção deste mercado é a chamada “crise de identidade do homem brasileiro”,

merecendo não só a publicação de inúmeros livros como também matérias em jornais e


revistas de grande circulação1. Neste artigo, irei analisar algumas destas matérias que

colecionei durante os últimos anos e apresentar alguns dados da pesquisa que venho

realizando desde 1998 sobre gênero, sexualidade e conjugalidade na cultura brasileira.

Começarei com uma matéria de primeira página da Folha de São Paulo de um

domingo (1/11/1998). A matéria diz: Ausência do pai cria confusão nos filhos. As

mudanças na família brasileira, como o aumento da participação da mulher na divisão

de responsabilidades e a crescente ausência do homem, têm criado confusões

prejudiciais às crianças. Entre as consequências está a deliquência juvenil. O

enfraquecimento da figura paterna tem levado o pai a se distanciar da família. Pesquisa

mostra que os lares de 48 % dos infratores da Febem foram abandonados pelo pai.

‘Fome de pai’ deixa meninos perdidos. A questão é que as crianças crescem a

partir de modelos, e a mãe hoje virou uma espécie de “mulher maravilha”- que trabalha,

administra a casa e cuida dos filhos – e o pai, ao perder a condição de provedor

exclusivo da casa, ora compensa isso trabalhando mais ora simplesmente se afastando

da família (…). Especialistas da área apontam que, para os meninos, a situação está

ainda mais complicada do que para as meninas, já que, enquanto as mulheres

adquiriram mais poder, os homens perderam.

O leitor de tal matéria rapidamente conclui que a culpa é das mulheres que

trabalham e criaram uma confusão no homem e na família e, portanto, incentivaram a

deliquência juvenil. Esta matéria recente repete, descaradamente, os mesmos argumentos

dos que eram contra o voto feminino e o trabalho da mulher fora do lar, há quase um

século. O código civil brasileiro, de 1917, reservava à mulher casada um estatuto de total

1
Antropólogos brasileiros têm dado importantes contribuições para a discussão sobre a construção dos
modelos de masculinidade em nosso país, como, por exemplo, Freyre (1986), Da Matta (1997), Ramos
submissão à autoridade do marido, que lhe proibia ter conta bancária em seu próprio

nome ou ter qualquer vínculo de emprego sem autorização do marido. O direito ao voto

feminino, conquistado em 1932 no Brasil, teve opositores que diziam que a “única

missão da mulher deveria consistir em ser o anjo tutelar da família” (Toscano e

Goldenberg, 1992).

Continuando com a matéria, temos novas opiniões sobre a crise da masculinidade:

Pais estão ausentes da criação dos filhos: trabalham demais ou estão desempregados (o

que tende a levar ao estresse, depressão, alcoolismo ou violência); perderam “status” e

poder na família com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ficando com sua

autoridade fragilizada”.

Portanto, mais uma vez, a culpa é da emancipação econômica da mulher. Textos

como estes tentam mostrar que a mulher está sendo cada vez mais bem sucedida no

mercado de trabalho por ser intuitiva, flexível, sensível, dividir responsabilidades, ouvir

mais e saber pedir desculpas. Ao mesmo tempo em que destacam as qualidades

femininas, as matérias realçam o que consideram defeitos do homem: ser mais

centralizador, ter mais pressa de decidir, ser mais competitivo, dar muitas ordens, ser frio

e racional. Estas matérias consideram positivas as características femininas e condenam

as masculinas, as mesmas que eram vistas, até bem pouco tempo atrás, como essenciais a

um mercado de trabalho competitivo e desumano. Matérias como estas, além de esconder

a realidade do mercado de trabalho feminino, estimulam a guerra entre mulheres e

homens, sendo que estes só enxergam o que estão perdendo dentro e fora de casa

(Goldenberg, 2000).

(2000) e Sabino (2000).


Ser sexualmente ativo e sustentar financeiramente a família, exercendo a

autoridade e o poder (quando não a força e a violência física) no meio familiar e no

trabalho, eram (ou ainda são) condições básicas para ser considerado um homem. Talvez

por este motivo, pesquisa feita pelo Datafolha (Folha de São Paulo, 20/9/1998) encontrou

que 79% dos homens pesquisados acham que a mulher deve ficar em casa se o marido

puder sustentar sozinho a família.

É interessante olhar estas matérias buscando encontrar o “bode expiatório” do

momento: de forma nada sutil, o trabalho feminino e o aumento do poder da mulher na

família são apontados como responsáveis pela ausência cada vez maior do homem em

casa, assim como pelo enfraquecimento de sua imagem diante dos filhos.

As matérias ainda dizem que as mulheres ficaram muito exigentes e quanto maior

o seu nível de instrução mais difícil encontrar o parceiro desejado. Reportagem da Folha

de São Paulo (22/11/1998) diz que as mulheres cultas têm menos chance de encontrar um

companheiro porque não se interessam por homens intelectualmente inferiores enquanto

os homens não adotam esse “filtro” para escolher suas parceiras. Uma das entrevistadas

diz “é comum encontrar homens complexados, que não aceitam o fato da mulher saber

mais. Eles dizem que mulheres como eu assustam. Mas homem incompetente, fraco,

infantil não me interessa”.

Comprovando esta tendência de vitimizar o homem ao perceber uma inversão dos

papéis sexuais socialmente estabelecidos, O Globo (8/11/1998) publicou uma matéria

com o título “Homens ficam inseguros diante de mulheres ativas”. A reportagem afirma

que a liberação sexual fez com que as mulheres se tornassem obcecadas em ter prazer e

em ditar as regras na cama. Diz a reportagem:


A figura da mulher ativa sexualmente incomoda, causa insegurança e até medo.

Significa, para os homens, que estão numa posição mais passiva e assim se sentem

dominados, subjugados. Nunca vimos tantos casos de impotência e nunca lemos tanto

sobre avanços em pesquisas para a cura deste mal como hoje. O homem de hoje teria se

tornado o escravo da mulher no ato sexual, diz a sexóloga entrevistada. Sua

preocupação em satisfazê-la é tanta que ele abre mão, muitas vezes do próprio prazer.

Em resumo, o homem moderno não apenas está em crise de identidade mas está

sendo ameaçado de extinção. E a mulher pode ser apontada como uma das principais

causadoras do desaparecimento da espécie, como pode ser comprovado na chamada de

capa do Jornal de Brasil (9/4/1999): Incertezas do fim do século causam deterioração

física e psíquica no homem moderno. Especialistas do mundo inteiro estão preocupados

com a deterioração física e psíquica do homem moderno, que, além da competição

agressiva com as mulheres, tem que enfrentar as grandes incertezas do fim do século. Na

luta para a salvação do sexo masculino destaca-se o Canadá, onde já há programas de

assistência psicológica ao homem.

Outra matéria (O Globo, 15/4/2001) assinala que a crise de identidade que os

homens atravessam foi, em grande parte, provocada pela independência da mulher, que

mudou o mercado de trabalho, a vida sexual e a rotina familiar.

Já não ouvimos esta história antes, apenas com os papéis invertidos? É

interessante pensar neste tipo de matérias e, também, em muitos discursos femininos que

repetem, exaustivamente, “o homem tem medo de mulher independente”, “o homem se

sente ameaçado com as conquistas femininas”, “o homem está inseguro e frágil porque

perdeu sua identidade”. Este discurso consolida a idéia de que a mulher independente
representa um perigo para o homem e é determinante na crise que ele (e a família)

atravessa. Esta mulher, ao contrário de ser vista como uma parceira que pode tirar de seus

ombros uma série de obrigações que lhe eram exclusivas, é vista como uma rival,

disputando seu poder, seu emprego e suas regalias. Não é mais uma companheira a ser

conquistada, mas uma inimiga a ser vencida. É a “guerra dos sexos às avessas”. Durante

décadas o discurso feminista bradava que as mulheres eram escravas do poder masculino.

Agora é o momento da revanche: “as culpadas são as mulheres”. Só que os homens não

têm símbolos como sutiãs a serem queimados. Será que daqui a um tempo as gravatas

serão destruídas como símbolos da luta contra a dominação feminina?

Um dos dados que mais me chama atenção em minha pesquisa atual, com cerca

de 1300 homens e mulheres das camadas médias urbanas universitárias, entre 20 e 50

anos, é o fato de todos os homens se verem como fora de um modelo de masculinidade.

Com relação ao número de parceiras sexuais, alguns tiveram apenas uma, enquanto

outros afirmaram que tiveram mais de cem. Todos, no entanto, acreditavam estar fugindo

da regra, afirmando que seus amigos transaram com muito mais mulheres. Também

aqueles que nunca tiveram relacionamentos extraconjugais, acreditavam que são

exceções afirmando que é comum seus amigos terem vários casos e aventuras, mesmo

amando as esposas. Em vários momentos da pesquisa, os entrevistados demonstraram o

medo de serem acusados de “bichas”, “veados” ou “efeminados” por não corresponderem

ao modelo de virilidade do brasileiro, ao mesmo tempo em que acusavam os homens com

a perfomance idealizada de “machistas” e “galinhas”.

Quando peço para os homens pesquisados responderem o que todo homem é eles

dizem machista, infiel, galinha, filho da puta. As mulheres também destacam que todo
homem é infiel, galinha, machista, egoísta, canalha, mentiroso, tarado. Já homens e

mulheres dizem que toda mulher é sensível, emotiva, romântica, maternal, carinhosa,

meiga, sonhadora mentirosa, falsa, invejosa, insegura, vaidosa e ciumenta.

Outro dado interessante da pesquisa se relaciona à inveja. Quando pergunto às

mulheres o que elas invejam em um homem, aparece, disparado em primeiro lugar, a

liberdade. O número expressivo de respostas faz supor que as mulheres não têm a

liberdade que tanto invejam. Em seguida, aparecem força física, urinar em pé e poder

urinar em qualquer lugar, não menstruar, independência. A maior parte dos homens

pesquisados afirmaram que não invejam nada nas mulheres e alguns poucos responderam

sensibilidade, maternidade, poder engravidar e sensualidade.

Quase 70% dos homens pesquisados afirmam ter sido infiéis e os motivos mais

apontados são “vontade”, “atração física”, “desejo”, “não consegui resistir” e “para não

me arrepender das oportunidades que perdi”. Cerca de 40% das mulheres dizem ter sido

infiéis por alguma insatisfação ou problema no casamento ou no namoro. Talvez aqui o

mais interessante de ser analisado não é se homens traem mais do que as mulheres, mas

os motivos que levam à traição e, mais ainda, os sentimentos diferentes que ambos têm

sobre este fato. Somente nas respostas femininas aparece um sentimento de culpa muito

grande pela traição acompanhada de uma necessidade em se desculpar por ela ter

ocorrido em função de uma carência ou insatisfação com o relacionamento. Nas respostas

masculinas o sentimento mais presente é o de disponibilidade ou inevitabilidade de algo

previsto ou desejado.

30% das mulheres pesquisadas afirmam ter tido um único parceiro sexual ao

longo da vida e outras 30% dizem ter tido dois ou três, as demais sabem dizer exatamente
com quantos homens transaram. Os homens respondem “não sei”, “não me lembro”,

“difícil computar”, “bastante”, “milhares”, “várias”, “uma porção”, “algumas dezenas”,

“poucas”, “algumas”, “mais ou menos 100”, “mais ou menos 30”, “mais ou menos 20”,

“mais ou menos 10”. Será que isto significa que o relacionamento sexual para o homem é

menos importante do que é para a mulher? Que os homens continuam dissociando o sexo

da afetividade, transando sem nenhum tipo de envolvimento, apenas por uma necessidade

biológica ou atração física (Goldenberg, 1997)? Ou será que é apenas um discurso

masculino sobre a sexualidade que busca enfatizar o não-envolvimento com as parceiras,

podendo este discurso corresponder (ou não) à realidade (Goldenberg, 1991)?

A partir deste quadro de respostas é preciso perguntar: o que mudou no modelo

hegemônico de masculinidade e feminilidade? Parece que o modelo tradicional de “ser

homem” e “ser mulher” continua muito presente no discurso dos pesquisados. Acredito,

então, que quando se fala em crise estamos falando não em crise de homens e mulheres

mas em crise de um modelo que não corresponde mais ao comportamento e desejos de

homens e mulheres mas que, apesar disso, continua vigorando com muita força.

Tendo em vista a força do modelo tradicional, não é de se estranhar a matéria

publicada no Globo (31/1/1999) que anuncia o verão de 1999 como O verão dos

“espadas”. A matéria afirma que “espada” é a nova gíria da cidade que discute a idéia de

masculinidade nos anos 90. O termo, agora recuperado, surgiu nos círculos dos playboys

elegantes dos anos 50 a partir de um ícone guerreiro eminentemente europeu. A gíria

espada, segundo a matéria, lembra os heróis medievais e está sendo usada pela nova

geração como uma tentativa de valorizar a virilidade, a força e o status em um momento

em que a figura do macho estão tão desgastada.


Se de um lado temos o homem espada como modelo de masculinidade, já não

mais hegemônica, de outro vemos surgir, em matérias de jornais e revistas, a

masculinidade gay como um modelo valorizado de ser homem, nos Estados Unidos e,

mais recentemente, no Brasil. Em uma matéria da Folha de São Paulo (11/10/1998), uma

mulher que vive se apaixonando por gays diz “Eles tem uma sensibilidade absurda, são

mais bonitos, mais cheirosos, mais bem arrumados. Queria que a metade dos homens se

cuidassem como eles se cuidam”. Outra diz que os gays são mais inteligentes, carinhosos

e divertidos. Em um quadro sintético a matéria conclui:

Elas gostam de gays porque acham que…

Não têm atitudes machistas

São mais sensíveis

Se preocupam mais com a aparência

Ouvem mais e são compreensivos

Podem ser mais carinhosos e delicados na hora do sexo

Dançam bem e ficam no clube dançando até as 7h da manhã

São boa companhia na hora de fazer compras

Não perdem tempo fazendo coisas como assistir mesa redonda de futebol.

Matérias de jornais e revistas, assim como seriados e filmes americanos, mostram

que a masculinidade gay deixou de ser estigmatizada para se tornar objeto de desejo das

mulheres ditas independentes, como pode ser visto na Revista Uma (1/2001).

Será que ele é? Por que sempre nos encantamos com aquele homem que é bonito,

culto, elegante, inteligente, cavalheiro, bem-humorado e... gay.


O que esse tipo de macho possui de interesse encaixa-se com perfeição na lista de

atributos de um príncipe encantado. Para começo de conversa, gays costumam ser

bonitos e se vestir muito bem. Também são ótimos ouvintes para conversas fiadas.

Oferecem lencinhos para secar as lágrimas durante um filme água-com-açúcar e, assim

como nós, não resistem a uma boa novela. E que outros seres humanos são dotados de

uma cultura inútil tão deliciosa, garantindo que a conversa não tropece em silêncios

sepucrais?

Só que elas querem o homem-gay com algumas pitadinhas do homem

tradicional, como pode ser visto em uma pesquisa que mostrou que 68% das americanas

gostariam de largar o trabalho para cuidar da casa e dos filhos, se os maridos ganhassem

o suficiente para sustentar a família. Elas apontam o companheirismo como o principal

elemento do relacionamento mas não abrem mão da segurança financeira proporcionada

pelo parceiro. Esta ambiguidade, que também pode ser observada nas brasileiras, permite

verificar, nitidamente, a coexistência de modelos tradicionais e novas representações

sobre “ser homem”, o que causa uma enorme confusão e traz à tona a idéia de uma crise

da identidade masculina. A Isto É (1/11/2000) traz na capa esta ambiguidade feminina:

Novo Homem X Eterno Machão: o durão está sendo desbancado por um tipo

mais sensível e romântico. Mas o parceiro ideal talvez seja aquele que una os dois perfis.

Mais recentemente, além do homem-espada, do homem-gay, do homem-sensível

e do homem-feminino, encontrei nos jornais dois novos modelos de masculinidade: O

homem-objeto e o homem-valda. O primeiro, um leitor que escreve para O Globo

(13/5/2001) reclamando que não é levado a sério pelas mulheres porque elas o vêem

como homem-objeto, só querem fazer sexo e não querem um compromisso mais sério. Já
o segundo é “aquele cara que todo mundo desconfia que é gay, mas é pegador: essa

figurinha misteriosa já tem nome: valda, aquela bala que parece fresquinha, mas faz

arder” (O Dia, 13/5/2001).

Também já é possível encontrar matérias de jornais e revistas com entrevistados

acreditando que o futuro aponta para o predomínio das relações bissexuais, quando o

sexo biológico terá menos importância do que a pessoa pela qual se está apaixonada ou

atraída (seja ela do sexo feminino ou masculino). Elisabeth Badinter (1986) já discutiu

esta possibilidade em “Um é o outro”. Para esta socióloga francesa, homens e mulheres

estariam cada vez mais próximos e indiferenciados, sem traços culturais marcados como

exclusivamente femininos ou masculinos2.

Os estereótipos do homem viril e da mulher feminina estão pulverizados. Não há

mais um modelo obrigatório, mas uma infinidade de modelos possíveis. Cada um se atém

à sua particularidade, à sua própria dosagem de feminilidade e de masculinidade. As

diferenças necessárias para a sedução se estabelecem na intimidade do casal (Badinter,

1986: 262).

Considerando que tanto a masculinidade quanto a feminilidade hegemônicas,

produzidas pela sociedade patriarcal, são “invisíveis” àqueles que tentam obtê-las como

ideais de gênero (Kimmel, 1998), pode-se dizer que o que vem ocorrendo atualmente é

uma maior consciência crítica das experiências e visões de mundos consideradas

específicas de homens e mulheres (Beck, 1996). Papéis considerados como masculinos,

como, por exemplo, homem provedor, forte, chefe de família, e aqueles femininos, como

2
É interessante observar como esta tendência aparece na moda masculina. Inúmeras matérias
mostram que a moda masculina está mais ousada e colorida, como a do Jornal do Brasil
(29/1/2001), com o título “O homem vai se vestir de mulher”: desfiles de moda masculina em
mulher mãe, esposa, dona-de-casa, que ainda aparecem de forma significativa nas

respostas dos questionários analisados na minha atual pesquisa, são relativizados por

outros atributos como homem sensível, vaidoso e delicado, e mulher forte, independente,

corajosa. Este jogo permite observar, nitidamente, a coexistência de modelos tradicionais

de ser homem e ser mulher e novas representações sobre o masculino e o feminino,

traduzindo-se em múltiplos padrões competindo com os modelos hegemônicos (Badinter,

1992)3.

Quando comecei a estudar homens e mulheres, em 1987, minha motivação foi a

de compreender o que está acontecendo nas relações entre os sexos na cultura brasileira e

porque parece haver tantas dificuldades e insatisfações. É verdade que o que era visto

como um tema menor nas ciências sociais, hoje é um campo fértil de estudos. Talvez isto

signifique que a masculinidade, ao contrário de estar em crise, se tornou uma questão a

ser pensada e debatida.

O modelo de homem produzido pela sociedade patriarcal vem sendo tão

questionado que foi obrigado a abrir espaços para outras masculinidades mais flexíveis e

plurais (Almeida, 1995). Algo que era visto como natural, o poder do macho, passou a ser

problematizado por homens e mulheres. Hoje, não existe a possibilidade de eleger um

único modelo que servirá como referência de masculinidade para todos os homens. Não

dá para acreditar que aquele amigo nunca “broxa” ou “já comeu mais de cem”. Este

modelo é, agora, alvo de risos e críticas, não apenas das mulheres. Talvez o machão

Paris mostraram que as tendências apontam para a igualdade de estilos para homens e
mulheres.
3
A autora descreve três tipos de homens: o duro, o mole e o reconciliado. O primeiro
supervaloriza o seu sexo e procura provar a virilidade o tempo todo. O homem mole procura
identificar o valor feminino e desprezar o culto à virilidade, mas é considerado submisso e fraco
pelas mulheres. O homem reconciliado mantém seu aspecto masculino e não renega o feminino,
realmente esteja em crise, mas pode ser que até ele consiga sobreviver, só que será

obrigado a coexistir com outras formas de “ser homem”. O que não sobrevive mais é um

modelo hegemônico de masculinidade baseado na força, poder e virilidade, embora

muitos homens e mulheres continuem alimentando este ideal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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masculinidade. Lisboa: Fim de Século.

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BECK, U. (1996). Risk society: towards a new modernity. London: Sage Publications.

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não abre mão da força, da decisão, mas também vive sua emoção e é flexível, sem ser
submisso.
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Janeiro: Revan.

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TOSCANO, M. & GOLDENBERG, M. (1992). A revolução das mulheres. Rio de

Janeiro: Revan.
DADOS BIOGRÁFICOS

Mirian Goldenberg é doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

(PPGAS)/ Museu Nacional/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora do

Departamento de Antropologia Cultural e Programa de Pós-Graduação em Sociologia e

Antropologia (IFCS/UFRJ) e seus livros mais recentes são A Outra (Record, 1997); A

Arte de Pesquisar (Record, 1997) e Os Novos Desejos (Record, 2000).

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