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A temática da Natureza na poesia camoniana

Na lírica camoniana, a representação da Natureza surge associada ao amor e à


conceção da mulher amada, pois os quadros naturais enquadram e revelam a
existência sentimental do “eu” enunciador.
Assim, a paisagem natural surge como um espaço luminoso, sereno e
paradisíaco (“locus amoenus”), ambiente campestre aprazível/agradável, propício à
vivência amorosa e à sublimação/exaltação da amada (espelho da beleza feminina).
Frequentemente, emerge/surge como confidente (“Verdes são os campos”) e
testemunha do sujeito poético (“Aquela triste e leda madrugada”). Assim, a
invocação da Natureza surge ora como reflexo ora como contraste do estado de
alma do sujeito poético: cenário ideal e alegre se a amada está presente (“Descalça
vai para a fonte”), triste se ela se ausentou ou se o relacionamento amoroso se
despedaçou/se o seu amor não é correspondido (sofrimento/desgosto amoroso).
Com efeito, os elementos naturais simbolizam a beleza, a harmonia, a
suavidade, a esperança e a vida, pela renovação de uma mudança cíclica conotada
com a vivência de emoções positivas, a recordação do bem passado e a felicidade
amorosa, ainda que efémera/passageira e ilusória. A Natureza está, portanto,
também conotada/relacionada com o fluir inexorável do tempo (“tempus fugit”)/a
passagem inevitável do tempo.
Por outro lado, a Natureza é o reflexo do estado de espírito infeliz do “eu”
lírico, numa mágoa/tristeza partilhada. Neste sentido, sente-se incapaz de apreciar o
encanto da ambiência bucólica, mergulhado na solidão, na saudade e no tédio,
principalmente quando está longe da amada ou evoca/recorda/lembra a felicidade
distante.
Em suma, o poeta só consegue fruir/aproveitar a autenticidade e beleza do
meio natural quando alcança a plenitude amorosa ou contempla a amada. De
sublinhar, ainda, pelo exposto, que a Natureza assume um papel fundamental na
poética camoniana, como envolvência paradisíaca, como refúgio ou como exaltação
da perfeição da amada.
Influência dos Cancioneiros Trovadorescos
* O mar está presente em composições que lembram as barcarolas trovadorescas, pela
invocação às ondas, frequentemente confidentes das donzelas.
* A fonte, que aparece no Vilancete Descalça vai para a fonte e na cantiga Na fonte está
Leanor. Nesta última composição há nítidos vestígios da confidência da donzela trovadoresca à(s)
amiga(s) a propósito do amigo ausente.
* Vestígios das antigas pastorelas, em composições como Pastora da Serra – a paixão
amorosa desencadeada pela beleza da pastora, que encanta tudo e todos. Por um lado, é evidente
a inspiração numa pastorela medieval; por outro lado, a influência petrarquista é notória na
idealização da mulher por quem o sujeito poético se apaixonou e em quem vê qualidades e
poderes sobre-humanos.

Influência greco-latina
* A brevidade da vida – Ode IX, que traduz a angústia do poeta perante a passagem do
tempo e a aproximação inexorável da morte.
* O elogio da vida rústica – Elegia I «O poeta Simónides», em que o poeta descreve a vida
calma dos lavradores e dos pastores, o colorido da paisagem, os frutos saborosos, em contraste
com a agitação da guerra e da vida urbana ou cortesã/palaciana.
* A mudança – Soneto Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades: a diferença
existente entre a mudança operada na Natureza - em sentido positivo - e a transformação
vivenciada pelo sujeito poético - em sentido negativo. É referido o facto de a própria mudança
mudar, deixando o poeta à mercê dos seus caprichos. O tempo humano é irreversível, instável,
opera alterações sem uma lei ou razão, apenas com um sentido – para pior. No tempo «natural»
há evolução, há regresso, há um ciclo.
* Está o lascivo e doce passarinho – o tema deste soneto é a paixão que domina o sujeito
poético. Tal como o passarinho «lascivo» (travesso, alegre) e descuidado, cantando sobre um
ramo, foi morto por um caçador, também o sujeito poético, livre de inquietações amorosas, foi
ferido pelas setas do Frecheiro (Cupido), escondido nos «claros olhos» da sua amada, ficando
perdidamente apaixonado.
* Aquela triste e leda madrugada – o tema deste soneto é a separação (despedida) dos
amantes numa madrugada simultaneamente «triste e leda». Triste, porque testemunha a intensa
dor que os domina (subjetivamente triste); alegre, porque se trata do romper de uma aurora
«amena e marchetada», de um dia radioso e colorido (objetivamente alegre).
* Alegres campos, verdes arvoredos – este soneto refere a tristeza saudosa de um amor
passado, que faz com que a beleza e a alegria da paisagem desapareçam, restando apenas ao
sujeito poético a possibilidade de nela semear as suas «lembranças tristes» e «regar o terreno
com lágrimas para nascerem saudades» da felicidade passada.
* A fermosura desta fresca serra – o sujeito poético expressa a necessidade da presença
da mulher amada para que a sua felicidade seja possível («Sem ti, tudo me enoja e me
aborrece...») e para que possa desfrutar da autenticidade e beleza do espaço natural.

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