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Maria

Thetis Nunes

CD

OVIEDOD
editora-ufs TEDXEIRA
C
I

A INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO
SERGIPANO À COLONIZAÇÃO PORTUGUESA

s pesquisas históricas comprovam que o litoral do


latual Estado de Sergipe, situado entre os rios São Francis-
co e Real, teria sido visitado pela primeira cxpedição exploradora quue,
em 1501, veio ao Brasil comandada porGaspar de Lemos. A justificati-
va é encontrada na carta do piloto florentino Américo Vespúcio', que a
acompanhou, relatando os principais fatos ocoridos. Refere-se eleà
impossibilidade de desembarque das naus na altura do estuário do São
Francisco, encontrando, porém, logo depois, praias "defácil desembar
que nos batéis, e de ancoradouro suportável" para os navios dessas
frotas do princípio do século XVI, no Cotindiba?", no Vasa-Barris, no rio
Real, na afimativa do historiador Cândido Mendes, que concluiu:

"Portanto foi no litoral próximo ao atual rio do Vasa-Bar-


ris, quea frota lusitana ancorou, e sem desastre porque
era época de inverno, e os ventos que reinavam mostra-

vam-se favoráveis".

Américo Vespúcio, piloto florentino, conhecedor da Geografia, Cosmografia e


Astronomia da época, serviu aos reis de Castela integrando a tripulação de
rei de
expedições à América. A partir de 1501, passou a prestar serviços
ao

ano. Tornou-se
orlugal, iniciados com a 1". Expedição exploradora daquele
lamoso pelas cartas em que divulgava as novas terras. Embora hoje se discuta
Sua autoria, elas, especialmente a mais conhecida, Mundus Novus - de 1504

responsável pelo América dado pelo cosmógrafo alemão


Seriam
Waldsmüller ao continente,
nome
ao publicar a Cosmographie introductic.
Variação do nome Cotinguiba, o mais importante afluente do rio Sergipe.
banhada pelos rios Sergipe e seu
Cotinguiba chama-se até hoje a região
principal afluente.
Mendes de Almeida, Candido. Notas para a História Pátria-Os priimeirospovoadores.
Quem era o Bacharel de Cananéia. RIHGB, vol. XL, tomo 2, 1877, p. 189.

17
SERGIPE CoLONIAL I

Nesse local, as naus teriam permanecido cinco dias, "e achamos


Canafistulas muito grossas, verde e também seca em cima das ár-
vores" escreveu Vespúcio', dizendo, ainda, "que assentamos de
trazerdeste lugar um par de homens para aprendera lingua e
vieram três deles por sua vontade para o Portugal". Foram estes os
primeiros sergipanos a emigrar.
A circunstância de ter impressionado aos nautas a existência,
na região, da canfístula', como revela a carta de Vespúcio, "deve
ria, naturalmente, deixar uma lembrança no roteiro dessa navega-
ção, tratando-se, do primeiro ponto em que desembarcava e se tra-
varia relação de comércio com os indíigenas"s. Gabriel Soares de
Souza, que visitou o litoral de Sergipe nos fins do primeiro século
de colonização, ali registrou a presença de um rio chamado
Canafistula entre o Vasa-Barris e o Real".
A expedição de Martim Afonso de Souza teria avistado terras
sergipanas a uma distância de seis léguas, em março de 1531,
quando rumava para o sul, conclui-se da leitura do Diário da Na-
vegação de Pero Lopes de Souza.

Idem, p. 194.
A Canafístula,
planta medicinal, era conhecida no Oriente, sendo um dos
produtos do comércio da época dos grandes descobrimentos.
Mendes de Almeida, Cândido. Obra
citada, p. 187
7Souza, Gabriel Soares. Notícias do
Departamento de Assuntos Culturais doBrasil
M.E.C.,- 1974,
EdiçãoP. patrocinada
23. pelo
"Segunda-feira, 11 do dito mês
(março) tomei o sol em onze meio:
fazia-me de terra mede terra dez l0 graus e
léguas.
-

Para caminho do sudoeste com


o
o vento sueste. Em se
pondoo sol demos numa
aguagem do rio São Francisco
que faziam muito escarcéu.
12 do mês de
março ao meio dia tomei o sol em doze
se pondo o sol houve vista de terra, que me graus e dois terços; e em
demorava ao oeste:
por nos afastar de terra, fizemos o faziam-me
delas seis léguas. E de noite,
sul e a quarta do sudoeste, até o caminho aoo
do sudoeste". Diário de quarto d'alva que tornamos a fazer caminho
navegação de Pero
História, vol. I, dirigidos por Brasil Bandecchi.Lopes de Souza. In Cadernos de
1979, p. 26/27. Editora Parma Ltda., São Paulo,

18
1

A divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias, em 1534, inte-


orou o território sergipano à Capitania da Bahia de Todos os San-
foc concedida a Francisco Pereira Coutinho por Carta de
Doação
de05.04.1534, e regulamentada por Foral de vintee dois de agosto
do mesmo ano. Abrangia ela 50 léguas de tera, que se estendiam
da foz do São Francisco à Ponta do Padrão em Salvador.
O Donatário", homem de recursos, chegou à Bahia em
1536,
lançando as bases da colonização ao fundar a Vila Velha do Perei-
ra10 Na região encontrou Caramuru, de quem recebeu auxílio nas
tarefas iniciais. Mas as desavenças entre os colonos que o haviam
acompanhado, levaram-no a retirar-se para a Capitania de Porto
Seguro. Quando dali regressava em 1547, o barco naufragou nas
proximidades da Ilha de Itaparica, onde foi morto pelos índios
Tupinambás que o haviam aprisionado.
A ação da presença de Francisco Pereira Coutinho nâão atin-
giu Sergipe. Desse abandono aproveitaram-se os piratas france-
ses para o contrabando do pau-brasil e outros produtos extrativos
da região, contando com a colaboração dos Tupinambás que aí
habitavam.
Desconhecido dos portugueses permaneceu o território sergi-
pano, sendo sua exploração uma das atribuições de Tomé de Sou-
za, devendo dela prestar informação a D. João IlI, segundo deter
minações do Regime que recebera:

Dos cavaleiros premiados, foi um Francisco PereiradeCoutinho que tendo


da India rico de merecimento e cabedais no ano 1525, o Sr. Rei Dom
Vindo
João IlI premiou, fazendo-o senhor Donatário do terreno que corre pela Costa
Santo Antônio da
da Barra do rio São Francisco até a ponta do Padrão hoje
Bafra de Bahia, o qual logo que foi conferida aquela mercê de Capitania,
apresentou uma frota, em, acompanhado de muita gente para habitar defender.
e

tanto nobre, como plebeu, e conquistou, sujeitando o gentio Tupinambá que


então a possuíam." VILHENA, Luís dos Santos. Recopilação de Notícias
Soteropolitanas e Brasilicas. Ano 1808, vol. I, Bahia, Imprensa Oficial, 1921
p. 28/29.
"No local hoje se encontra o Farol da Barra em Salvador.

19
SERGIPE COLONIAL I

"Quanto às terras e águas da dita Capitania que estao


fora do termo que om ordenoa dita povoação, até o rio de
São Phancisco por onde parte com a (Capitania de Duarte
Coelho, vos informareis que terras são e que rios e águas
há nelas e quantas e que disposiçdo tem para se poderem
fazer engenhos de açicar e outras benfeitorias"

Acrescentava ainda o Rei que se alguma pessoa ali se interes-


sasse pela doação de terras para povoá-las, mandasse as informa-
ções para que o ato fosse baixado.
Ante as múltiplas atividades com que se defrontou, Tomé de
Souza não teve condições de voltar-se para o território além do rio
Real, como não teriam seus sucessores Duarte da Costa e Mem de Sá.
Em 1572. D. Sebastio devidiu o Brasil em dois governos ge-
rais, considerando serem suas costas "tão grandes e tão distantes
uma das outras" e existirem já "muitas povoações e esperança de
se fazerem muitas mais pelo tempo em diante"12, O governador
Luis de Brito, sediado na cidade de Salvador, exercia as funções
dali para o norte, enquanto Antônio Salema, centrado no Rio de
Janeiro, teria jurisdição para o sul
Na administração de Mem de Sá, porém, havia sido realizada
grande perseguição aos índios do rio Real, sob o pretexto de pu-
nir-se os Caetés por terem devorado o primeiro bispo do Brasil,
Dom Pero Fernandes Sardinha em 1556. Determinou-se que os
tornassem "onde quer que fossem achados, sem fazer ex
escravos
ceção alguma, nem advertir no mal que poderia vir á terra"". Ta-
manhos foram os horrores dessa
arremetida que, ante a denuncd

"ltem 11 do Regime recebido por Toméde


Memórias Históricas
Souza em 17 de dezembro de 1548.
e Politicas da Bahia. I. Accioli - B. Amaral: vol. I, Bahia,
1919, p. 266.
PORTO SEGURO, Visconde
de. História
Editora Nacional, Såo Paulo, Geral do Brasil, tomo I, Companhla
3".
Edição, p. 457.
ANCHIETA, Joseph de. Primeiros Aldeamentos na Baía. Coleção Brasileira ae
Divulgação, série IV História n°. 1, S.D. do M.E.C, 13.
-

p.

20
Jas iesuítas, no Reino foi julgada guerra injusta, determinando-se

que fossem os cativos postos em liberdadel4

"Os sertões do rio Real foram preferidos por essa


inominável caçada humana onde toda sorte de cruelda-
de se praticou contra aquclas infelizes criaturas
que
alem de batidas da fome e da peste que houve nessa
época, eram agrilhoadas pelo cativeiro, quando não as
matavam por lá se serem
julgadas imprestáveis para
esse fim"

É valioso o depoimento de Anchieta sobre as conseqüencias


negativas de tal atitude16,
Decorrente dessa perseguiç o e da investida predatória realiza-
da contra as aldeias indígenas, cresceu no Tupinambá do rio Real
e de todo o território sergipano o ódio aos portugueses, o que os
levaria a intensificar a aliança com os franceses.
Entre as instruções trazidas por Luís de Brito, orientando sua
administração, estava a de combater a permanência dos franceses
no rio Real, rio "que tem de boca meia légua, em a qual há dois
canais e por qualquer deles entram navios da costa de cinqüenta
toneladas"17

*LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Vol. L. Livraria


Portugália, Civilização Brasileira, Lisboa, Rio de Janeiro, 1938,. p. 449.
ALMEIDA, Pe. Aurélio Vasconcelos de. Vida do Primeiro Apostolo de Sergipe;
padre Gaspar Lourenço. RIHGS. No. 21, p.169.
Anchieta, contemporâneo dos fatos, dá o seguinte depoimento das
consequências advindas: "Vendo os Indios os insultos e agravos que os
Portugueses Ihes faziam em os cativar, assim os das igrejas mais principais que
unhamos, e todos o mais gentio que estava por esta terra, e pelas falsidades que
oSPortugueses por si e por seus escravos lhes diziam da guerra que lhes havia
de dar, e eles viam pelo olho como eram salteados, se levantou parte do gentio
e Cirigipe, indo-se para os sertões." ANCHIETA, Joseph de. Obra
do Paraguassu
citada, p. 13/14.
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. 5. Edição. Melhoramentos,
1965, p. 207.

21
SERGIPE COLONIAL I

A medida que firmava a colonização lusa na colônia, desa-


se

parecia a aparente cooperação inicial do indígena à empresa colo-


nizadora. Esta passava a exigir mão-de-obra que a escravização do
gentio poderia fornecer, bem como era indispensável a ocupação
de suas terras. Crescia a reação do îndio ao colonizador branco,
visto já como inimigo.
Dentro desse quadro iria realizar-se a primeira tentativa de in-
tegrar o território sergipano à colonizaço lusa, num momento de
grande desavença entre as autoridades portuguesas, os colonos e
os padres da Companhia de Jesus. O motivo era a intransigência
destes em proibirem a escravização do gentio, por eles segregados
em aldeias ou missões sob sua tutela.
A colonização sergipana vai ser tentada a partir de uma aliança
entre o Estado português através de seus prepostos na colônia e os
latifundiários, especialmente o mais importante deles - Garcia
D'Avila- o homem de mais posses na Colônia depois do donatário
de Pernambuco. Teria sido ele quem mais
instigou Luís de Brito à
conquista violenta de Sergipe, em detrimento da promissora
catequese que os inacianos já desenvolviam16. Inicialmente, havi-
am sido cordiais as
relações entre o senhor da Casa da Torre e os
padres da Companhia de Jesus. A medida, porém, que os campos
de além do rio Real se tornaram
importantes para a plena expan-
são do gado, exigindo o desalojamento das populações nativas,
surgiram os antagonismos entre eles. O Pe. Manuel da Nóbrega,
que antes elogiava Garcia D'Avila como "o homem
que ele mais se
alegrava e consolava nesta terra"19, passou a combatê-lo a partir de
1559
Nessa luta
pelo controle das populações indígenas do territó0
rio
sergipano, se anteciparam os jesuítas sob o pretexto de atende-
rem ao apelo dos
que ali residiam. Em janeiro de 1575, o Padre

PRAD0, J. F.de Almeida. A Bahia e as


Capitanias do Centro. Tomo
Companhia Editora Nacional Brasiliana, vol. ,
247, São Paulo, p. 143.
Idem.

22
Caspar Lourenço, grande lingua e entre eles muito afamado"20, e
a irmão João Salönio passaram o rio Real,
iniciando a catequese
com a fundação da Missão de São Tomé, seis léguas distantes do
rio Real (onde possivelmente se localiza a cidade de Santa Luzia).
Uma pequena lgreja de pindoba foi erguida e consagrada à Nossa
Senhora da Esperança. Seguiram-se as Missões de Santo Inácio,
10 a 12 léguas
para o norte, às margens do Vasa-Barris (provavel-
mente no local da cidade de Itaporanga), nas terras do cacique
Surubi, e a de São Paulo, "junto ao mar"', região do cacique Serigi.
Nessas aldeias agregou-se numerosa população indígena liderada
pelos caciques Serigi, Surubie Aperipê, este dominando as terras
entre o rio Real e o Vasa-Barris*1, Os padres começaram a ensinar a
doutrina crist22, e na Missão de São Tomé o Padre Gaspar Lou-
renço abriu uma escola para as crianças, denominada São Sebasti-
ão, tendo como professor o Irmão João Salônio, que foi, assim,o
primeiro professor de Sergipe.
Paralela à atuação dos inacianos, o Governador Luís de Brito
delegara poderes a Garcia D'Avila, o famoso potentado da Casa da
Torre ", para iniciar a colonização sergipana. Este permaneceu nas

O que significava grande conhecedor da língua indígena.


Não encontramos nas fontes consultadas referência à localização do domínio
de Aperipê. Acreditamos, porém, ser aquela que conflitava coma expansão
baiana nas margens do rio Real, partindo, assim, desse rio para o interior até se
aproximar do baixo curso do Vasa-Barris. Há nos documentos da época
referência a esse cacique e às tentativas de eliminá-lo pelo perigo que representava
aos que tentavam escravizar os iíndios da região do rio Real.
2
"Logo começou o Padre a ensinar-lhe a doutrina pela manh, à tarde e à
noite." Carta do Padre Inácio de Tolosa, Provincial do Brasil, ao Padre Geral da
Companhia de Jesus." BNL -Cód. 41.532, fls. 161 a 167.
Z3
Garcia d'Avila, fundador da Casa da Torre localizada em Tatuapara no Recôncavo
da Bahia, veio parao Brasil com Tomé de Souza, de quem recebeu a doação das
primeiras sesmarias. Referindo-se a Tatuapara, escreveu Gabriel Soares de Souza:
"Aqui tem Garcia d'Avila, que é um dos principais e mais ricos moradores do
Salvador, uma povoação com grandes edificios de casas de sua vivenda, e uma
greja de Nossa Senhora da Conceição, muito ornada, toda de abóbada, em a
qual tem um Capelão que lhe ministra os sacramentos. Este Garcia d'Avila tem
toda sua fazenda em criações de vacas e éguas, e terá alguns dez currais por esta
adiante." Gabriel Soares de Souza. Obra citada, p. 25.

23
SERGIPE CoLONIAL I

cercanias do rio Real (Itanhy dos nativos). fundando una povoa


ção três léguas distante do rio, para o interior, onde não existiar
condições para subsistir pela má localização, "por distanciar-se do
litoral e dos lugares ricos de pau-brasil, pimenta e outros produ-
tos"24. Ligado à pecuária, a Garcia D'Avila, certamente, interessava
expandi-la pelos sertões sergipanos, sendo a povoação fundada o
ponto de partida. Southey, o historiador inglés que täo bem com
brasileira, diria:
preendeu a formação colonial
"O local fora mal escolhido; não havia navio de mais de
sessenta toneladas, que pudesse ali entrar;ea terra, até
onde chegava a maré, que seriam seis ou sete léguas, para
pouco mais servia, senão para o gado"5,

Atendendo aos interesses da política colonial lusa", em novem-


bro do mesmo ano de 1575, Luís de Brito transpôs o rio Real "com
grande aparato de guerra", embora os padres lhe avisassem que

"os indios estavam quietos e se aparelhavam para serem


cristãos, confiados no amparo das igrejas que tinhame
com isso ficava a costa segura para irem e virem por terra
da Bahia para Pernambuco, porque tinham já feito pazes

SALVADOR, Frei Vicente do. Obra citada, p. 214.


SOUTHEY, Roberto. História do Brasil, Vol. I, Ed. Melhoramentos, 1977,P
228
" E mandou mui afincadamente a Luís de Brito, que n'este tempo governavd
este Fstado, que ordenasse com muita
brevidade como se povoasse este rio, O
que ele mneteu todoo cabedal, mandando a isso Garcia d'Avila, que é um dos
pinapais moradores da Bahia, com muitos homens das ilhas e da
que assentassem uma povoação onde parecesse melhor; o que fez pelo rlo
terra, para
áciina trés léguas, onde o mesmo governador foi em pessoa com a força da gent
que havia na Bahia, enquanto foi dar
guerra ao gentio daquela parte, o a qua
passou por esta nova povoação de cujo sítio ele e toda a companhla
desconterntaram: e com razão
porque estava longe do mar, para se
1ortuna dele; e
longe da terra boa, que lhe pudesse responder com asvalerem ua
Costumadas." Gabriel Soares de Souza.
Obra citada, p. 23.
noviaau

24
com outrastrinta aldeias do Serigi; e que se
fosse daquela
mancira haviam de Jugir com medo, como
aconteceu"",
Luís de Brito não aprovou a fundação do povoado que fizera
Garcia D'Avila, fracassando essa primeira tentativa leiga de coloni-
zacão que "nunca se acabou de povOar, senão de currais de gado",
nadizer de Frei Vicente de Salvador2". Realmente, a Casa da Torre,
através da concessäo de sesmarias, tornar-se-ia proprietária de gran-
de extensão do solo sergipano, por onde se estenderam os reba-
nhos dos seus prepostos.
O Governador Luís de Brito, acompanhado de soldados e di-
versos moradores da Bahia, "animados pelo desejo de trazer
gentio
para o cativeiro, uns por terra, outros por mar em barco"3, alcan-
çou o local das missões. Como previra o Padre Gaspar Lourenço,
os chefes indígenas, intimidados, foram, com seus liderados, aban-
donando as Missões, pretexto que encontrouo Governador para
iniciar violento ataque contra as aldeias, destruindo-as, e

"com tanta fortuna os venceu, que presos dois capitães, os


maiores que tivera sua nação, mortos uns e outros cativos,
fez retirar os mais para o interior daquele continente"o

Os silvícolas que não foram mortos fugiram para os sertões.


Surubi morreu na luta, Aperipê escapou para o interior, não sen-
do alcançado pelos invasores, apesar de Luís de Brito ter manda

Capítulos que Gabriel Soares de Souza deu em Madrid ao Sr. Cristóvão de


Moura contra os Padres da
Com umas
Companhia de Jesus que residem no Brasil,
breves respostas dos mesmos Padres que deles foram avisados
por um parente a que os ele mostrou. O texto inserido trata-se da
resposta
dos jesuítas. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1940. vol.
LXII, p. 376/377.
Salvador, Frei Vicente do. Obra citada, p. 274
I.Accioli e Brás do Amaral. Obra citada, vol. I, p. 274.
Pitta, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa, Editora da
Universidade de São Paulo. Livraria Itatiaia Editora, Belo
Horizonte, 1976, p. 92.

25
SERGIPE COLONIAL I

do persegui-lo "cinqüenta léguas sem he poder dar alcance"n


Quanto ao destino de Serigi. divergem os historiadores; unsescreve
ram que teria seguido preso para a Bahia, onde morreu em greve de

afirmam
que se refugiou no interior,
tome contra a escravidão; outros
baseando-se no dizer de Anchieta que "os índios do Serigi ficaram de
referindo-se aoano de 1584. Nao estaria, porén,
guera até agona"",
Anchieta falando da região de Sergipe ou Serigi, nome como, inicial
mente, era conhecido Sergipe? Em realidade, tamanha toi a resistén-
cia dos nativos, morrendo na luta ou refugiando-se nos sertões, que

ficaram frustrados os queacompanharam Governador"por não acha-


o

o cativeiro e se servirem deles"",


rem o gentio que buscavam para
Realisticamente, assim foi descrita a atuação de Luís de Brito
em terras de Sergipe:

"Arruinaram-se, totalmente, os trabalhos do rio Real. O


Governador veio com tropas para bater os índios de
Aperipé, e ao aproximar-se da aldeia de Santo Inácio
fogem seus habitantes. Ele considera a fuga uma quebra
de paz, persegue-os. Surubi morre, e os mais entregam-se
Cativa todos e os encurrala na lgreja de Säo Tomé como
em um cárcere. Os soldados assolam tudo quanto encon-
tram e os arrastam para a Bahia de modo que o resultado
de tantas esperanças foi o cativeiro de mil e duzentos
transportados para a Bahia que Deus com o morte se ser
viu de libertar dentro de um ano do cativeiro. A varíola e
o sarampo teriam dizimado metade deles"*

Salvador, Frei Vicente. Obra citada, p. 214. Frei Vicente do Salvador escreveu que Luis
de Brito perSeguiu Aperipê 50 léguas pelo sertão até onde se encontravam duas lagoas,
una de água docee outra
salgada. Felisbelo afirma que tais lagoas não poderiam
encontrar-se em território sergipano, o é confirmado estudos
que por posteriores.
Anchieta, Joseph de. Obra citada, p. 46.
Leal, Antônio Henrique. Apontamentos para a História da Companhia de
Jesus. RIHGB, 1874, p. 150.
Sacchino, Frandesco. História Societatis Jesú. In Antônio Henrique Leal.
Apontamentos paraa História da Companhia de Jesus. Obra citada, p. 15.

26
Luís de Brito retirou-se do território sergipano sem deixar, po-
rém. qualquer marco de colonização. Logo os franceses retornaram
a0 Comércio do pau-brasil com os índios Tupinambás, que voltaram
dos sertoes, e os kiriri, vindos das regióes interioranas para ocupar
oS espaços vazios resultantes da devastação que havia sido feita.

"Fluiram os kiriri, nómades das 'caatingas', gulosos de


carne humana, indomáveis, odiando o branco, como os
seus parentes janduis, icós, tremembés, propensos à ali-
ança com os franceses, sem perdoarem os tupis aldeiados

pelos missionários, acostumados ao "corso", que era a sua


forma veloz de guerrilha à volta dos povoados *

A medida que o século XVI vai descambando, o progresso da


colonização portuguesa exige o estabelecimento de comunicação
regular entre Salvador e Olinda, os dois mais importantes núcleos
urbanos da colônia. Para a concretização, tornava-se imprescindí-
vel a colonização do território sergipano "porque ninguém cami-
nnava por terra que não o matassem e comessem os gentios"
Também era necessário garantir o livre acesso às barras dos princi
pais rios da região, impedido pela constante presença dos barcos
franceses. Além do que, as excelentes pastagens ali existentes agu-
çavam a cobiça de criadores da Bahia e de Pernambuco:

"Tem este rio duas léguas por ele acima é terra fraca, mas

daí avante é muito boa para se poder povoar, onde con-

vém muito que se faça uma poOvoação, asSSim para atalhar


Franceses, como por segurar aquela
que não entrem ali
o qual todos os
costa de gentio que vive por este rio acima,
muitos danos, assin nos barcos que entram nele
anos faz

" Calmon, Pedro. O Segredo das Minas de Prata. Tese apresentada à Congregação
do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 1950, p. 20.

Salvador, Frei Vicente do. Obra citada, p. 502.

27
SERGIPE COLONIAL I

e no rio Real no inverno com tempo, como em homens ue

cometem este caminho pam Pernambuco fugindo à justi.


ço. e nos que pelo mesmo respeito fogem de Pernambuco
para Bahia; os de maravilha escapam que os não matem

e comam""

Chamou. também, a atenção para o papel que o rio Real pode-


ria desempenhar, enfatizando:

"Pelos sertões deste rio há muito pau-brasil, que com pou


co trabalho todo pode vir ao mar, para se poder carregar
para estes reinos. E para que esta costa esteja segura do
gentio, e os franceses desenganados, de que poderem vir
resgatarcom ele entrea Bahia e Pernambuco, convém ao
serviço de Sua Majestade, que mande povoar e fortificar
este rio, o que se pode fazer com pouca despesa de sua
Fazenda do que Já El-Rei D. Sebastião, que está em glória,
Joi informado"".

Nos fins do século XVI, o Mercantilismo, que norteara a


ex
pansão ultramarina lusa, por força da própria dinâmica do proces
so, passou a nova etapa de desenvolvimento. "O capital comercial
instala o sistema produtor, fornecendo os meios necessários,
uten
silios e mão-de-obra, e continua a
operar na esfera da produção""
Conseqüentemente, impunha-se a necessidade de lançar, em ba-
ses sólidas, a
colonização brasileira, estimulando a produção agra
ria que necessitava de terras,
braços para o trabalho e segurança
para o pleno desenvolvimento. Combater a pirataria externa,
ame
aça constante desde os primórdios da
colonização no litoral brasi

Souza, Gabriel Soares de. Obra citada, 22.


p.
"Idem,p. 23.
"Sodré, Nelson Werneck.
1962, p. 84.
Formação Histórica do Brasil. Editora Brasiliensr

28
daminar as tribos indigenas que
resistiam à
nauistadores assegurando0-Ihes má0-de-obra escravização dos
lhiotivo do Estado portugués. A barata, tornaram-se
dominação obtida asseguraria,
cabretudo, a posse das terras ocupadas
A pelos índios.
Ocupação do território sergipano se
vel à novaetapa mercantilismo luso. O apresentava indispensá-
do
Francisco Giraldes, ao ser nomeado Regimento que recebera
em março de 1588, determinava
Governador-Geral do Brasil
"fazer guerra ao gentio da costa
sergipana, castigá-lo lançá-lo fora da
e

governo metropolitano decorria do


terra"",. Essa atitude do
episódio acontecido em 1586
dois anos antes, no governo de Manuel Teles
Barreto, quando se
deslocaram para a região do rio Real, 150 soldados e 300 índios
domesticados com o apoio da Casa da Torre, que lhes fornecera
mantimentos. Para ali haviam ido os jesuítas atendendo à solicita-
ção dos indios kiriri, liderados por Baepeba, para desenvolver a
catequese. Instigados pelos franceses, região, carregavam
que, na
pau-brasil, os indigenas atacaram os soldados entrincheirados, tru-
cidando-os, "não deixaram quase nenhuma dessa gente, que era a
mais estragada da terra"a, Constituía o episódio a extrapolação da
animosidade existente na Capital da Colônia entre os colonos.
ávidos do braço escravo, e o inaciano que o queria arrebanhar para
as missões. Um contemporâneo do fato assim o descreveu:

Item 16 do Regimento que foi dado a Francisco Giraldes, nomeado Governador


às dificuldades surgidas na
Geral do Brasil em março de 1588, mas que, adevido
Lisboa, pediu demissão do cargo.
Viagem para o Brasil obrigando-o a regressar a Capitania da
que estão entre
ASSim recomendava: "Porque sou informado mais de três mil indios que se tem
Bahia e a de Sergipe ao longo da costa haverá
danos nas fazendas de meus
vassalos
Jelto Jortes e fazem muitos insultoseos negros de guiné que andam alevantados
ddquelas partes recolhendo a si todos terra de umas capitanias a outras vos
C lmpedem
poder-se caminhar por este e dar-lhe o castigo
gentio
encomendo que podendo desarraigar daquele hugar mataram pralicando-o primeiro
que merece pelos portugueses e
mais gente que
aconselhar
entenderão e vOs poderão em
o bispo e pessoas que vos parecer que
omo com m e n o r
risco e mais a vosso salvo
se deve ter para
RIHGB, n". 6, parte I, 1906, p. 224
dODre a maneira que
pOderdes castigar e lançar de terra este gentio."
História da Companhia
in. Serafim Leite.
arta de Pe. Visitador de 19.05.1586.
de Jesus no Brasil, tomo II, p. 166.

29
SERGIPE COLONIAL

"Um gentio principal do Bando do erigi (Sergipe) aue


dista da Bahia perto de 70 léguas, veio pedir aos jesultas
para ensinar o caminho de Deus. Queriam agora porque
sempre guerrearam contra OS portugueses e ficaram fora

da Igreja."
"Puderam, então, os jesuitas ajudar is índios que comeca
mma comerciar com nós confiantes, sabendo que não há de
correr perigo sua liberdade e nem ocorerão maus tratos"2

Felisbelo Freire, baseando-se em Frei Vicente do Salvado", fala


de traição dos índios de Sergipe nesse episódio do governo de
Manuel Teles Barreto. Preferimos, porém, com fundamento no je-
suíta Padre Cristóvão de Gouveia, interpretar o sucedido como
uma decorrência de terem os indígenas percebido que os colonos
traziam intenção de aprisioná-los. Este jesuíta acusou como res-
ponsável pela expediço o Governador, Garcia D'Avila e os religio-
sos de São Bento a quem foram
prometidas terras em Sergipe*,
despertando a reação dos nativos e o fracasso do trabalho de
catequese dos inacianos, cujo êxito não interessava aos senhores
da terra da Bahia. Pedro Calmon escreveu que, então, os kiriri,
comandados por Baepeba, deram "aos caçadores de escravos tre-
menda lição"",
Nos anos subseqüentes a 1586, intensificou-se a ação dos indi-
genas contra os colonizadores, insuflados pelos franceses, mais
numerosos após a expulsão da Paraíba em 1575. Afirma Cristóvão
de Gouveia que cerca de 500 brancos foram assassinados no terri-

Ompéndio de algumas cartas que este ano de 87 vieram dos Padres da


npanhia de Jesus. Coligidas pelo Pe. Amado Rebelo da mesma Companhia.
Lisboa, 1718.
"Freire, Felisbelo. História de Sergipe, 2 edição. Editora Vozes em convénio
com o Governo do
Estado de Sergipe, 1977, p. 78.
Em 3 de agosto de 1603 era concedida sesmaria aos Padres de São Bento a
res léguas em quadro no rio de Cotindiba da banda do noroeste", Feidu
Freire. Obra citada,
p. 273/274.
Calmon, Pedro. Obra citada, p. 20/21.

30
Aeia sereipano", oque comprovam
resde ocuparem as terras de tentativas dos colonizado-
as

Sergipe para a
nhos, e a reação do indio lutando contra os expansão dos reba-
invasores.
Em 1590, no reinado de F'elipe I, coube
ras47, um dos
a
Cristóvão de Bar-
membros da Junta Provisória
que
morte de Manuel Teles Barreto em 1587,governava Brasil
o
anás a

proble- resolver o
ma colonização do território sergipano. Tornava-se inadiável
da
o
nroblema sob pressão de vários latores, como assegurar comuni- a
cação terrestre entre Bahia e Pernambuco, só possível subjugando
os nativos;desalojar os franceses
do litoral, eliminando o forte
concorrente dos produtos extrativos coloniais nos mercados euro
peus: proteger a colonização das margens dos rios Itapicuru e Real
dos freqüentes ataques dos índios
sergipanos; obter mão-de-obra
barata que, com a justificativa de guerra justa, ser obtida, poderia
atendendo, assim, à exigência de braços solicitada pelo crescimen-
to dos engenhos do Recôncavo baiano, numa época emn que o es-
cravo africano estava altamente valorizado ante a concorrência das
minas da América Espanhola;" e, finalmente, a possibilidade de
Ocupar excelentes pastagens para atender à expansão dos reba-
nhos.
Acompanharam Cristóvão de Barros na expedição pessoas re-
presentativas da vida da Bahia de então, como, além do Alcaide
mor Duarte Muniz Barreto, Diogo Lopes Ulhoa, Belchior Dias
Moréia, João de Ávilae Bernardo de Andrade.

Leite, Serafim. Obra citada, vol. II, p. 163.


Cristóvão de Barros era filho de Antônio Cardoso de Barros que veio comno
1Ome de Souza para ocupar o cargo de Provedor-mor, e que, quando retornava
Fernandes Sardinha, navio
companhia do bispo D. Pedro
o
para Portugal em
indios Caelés.
naulragou nas costas de Alagoas, sendo pelosdevorado
diversas vezes as autoridades
Nas duas últimas décadas do século XVI,
sobre necessidade de importar negros
espanholas do Peru oficiaram a o Rei a
do Brasil ante a demanda de mâo-de-obra exigida pelas minas em plena
Cabral de. O Arquivo das Indias e o Brasil.
expansão. In. Melo Neto, João
Ministério das Relações Exteriores. Divisäo de Documentação, 1966, p.

175.

31
SERGIPE COLONIAL I

'A base da expedição - porto e abrigo foi da Tore"". Com


expressivo aparato bélico, inclusive peças de artilharia, a integra-
vam soldados em número de 3.000, entre brancos, mamelucos e
indios flecheiros tapuias, sendo 400 fornecidos pelas aldeias dos
jesuítas da Bahia, e muitos colonos da Bahia e de Pernambuco,
estimulados pela promessa de escravizar o gentio, pois "sendo
guerra tão justa, dada com licença dc El-Rei, esperavam trazer
muitos escravos"*0. Apesar do heroísmo, os indígenas entrin-
cheirados na várzea do Vasa-Barris, em número aproximado de
20.000. sob comando de Baepeba, o último dos seus caciques,
foram vencidos no alvorecer do ano de 1590. A cavalaria, arma
que os nativos desconheciam, facilitou a vitória dos conquista-
dores. Cerca de 2.400 índios foram mortos, 4.000 feitos prisionei-
ros, Cristóvão de Barros mandou perseguir os que haviam escapado
para os sertões, rumo norte, em direção ao São Francisco. Expedi-
ções continuaram a escravizar os naturais da terra através de taições
e violência, buscando os chefes obterem vantagem na captura de
escravos.

O sacrificio de grandes contingentes indígenas marcou o triun-


fo da conquista do território sergipano.

"Alcançada a vitóriae curado os feridos, armou Cristóvão


de Barros alguns cavaleiros como fazem na Ájrica, por
provisão de El-Rei que para isso tinha, e fez repartição
dos cativos e das terras, ficando-lhe de uma cousa e de
outra muito boa porção, com que fez ali uma fazenda de
gado, e outros a seu exemplo fizeram o mesmo, com que
veio a crescer tanto pela bondade dos pastos que dali se
provêm de bois os engenhos da Bahiae de Pernambuco e
OS açougues de carne",

CALMON, Pedro. História da Casa da Torre, 3" ed.


Estado da Bahia, 1983, p. 31. ,
Fundação Cultural do
LEITE, Serafim. Obra citada, II volume, p. 448.

32
ascreveu o sucedido, cerca de trés décadas depois, Frei Vicente
do SalvadorS1,

Visando consolidar a vitória, Cristóvão de Barros


fundou a ci-
dade-forte de São Cristóvão perto da foz do rio
formado pelo rio Poxim, atualmente região doSergipe, istmo
no

município de
Aracajus2, Lançou os fundamentos da vida administrativa de
Sergipe, designandoo Capitão-mor Tomé da Rocha preposto do
oOverno-geral do Brasil com poderes de prover os cargos dos ofíci
Os de justiça e fazenda, tendo, ainda, alçada no crime e
no cível.
Construiu um presídio, justificado como necessário à ordem, criou
uma força policial que contava com um armazém bélico, duas
pe-
ças de artilharia, entregue o comando ao Capitão Rodrigo Martins
para garantir a segurança da nova Capitania. Passou a cidade a ser
Freguesia de Nossa Senhora da Vitória pertencente ao Bispado da
Bahia, sendo designado o Pe. Antônio Murtinho para vigário, o
qual tornar-se-ia, grande proprietário rural. Sergipe Del Rei, as
sim se denominoua nova Capitania, porter a conquista resultado
de iniciativa real, e, também, para diferenciá-la de Sergipe do Con-
de, localidade do Recôncavo da Bahia desenvolvida em torno do
engenho fundado por Mem de Sá, que, por sua morte, passou a

pertencer ao genro, o Conde de Linhares.


de
O rei Felipe por merecimento, doação a Cristóvão
II fez,
Barros das terras por ele conquistadas, com a condição de as re-
fun-
partir pelos colonos que bem melhor lhe parecessem, e de ali
dar povoações num prazo fixado por El-Rei. Dentro dessa
atribui-
Antônio Cardoso de
ao, o conquistador concedeu ao seu filho,
de extensão na
Barros, a primeira sesmaria que possuía 10 léguas
COsta, indo do rio Sergipe ao São Francisco

SALVADOR, Frei Vicente do. Obra citada, p. 336.


(como se
2
da Barra, e como feito se
houvera outros cômodos aquele
rrd guarda dos que caminham a Pernambuco,
e dos que
melhor passagem
ve Siuo para a
Livro que dá Razão do
fora." Campos Moreno.
Sgto.-mor Diogo
vem de mar a
somente assim como
o teve Dom Diogo de
Stddo do Brasil no governo do Norte Ministerio de
sá até o ano de 1612. Instituto
Nacional do Livro.
ezese
Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1968, p. 50.

33
SERGIPE COLONIAL I

"A conquista de Sergipe. simultánea a da Piraiba, repre

sentam o triunfo da política de aproveitamento do solo


abrir novos cam-
exigida pelos senhores de engenho para
pos à sua atividade".

latifundiário baianos.
Seu desfecho significou o triunfo dos grandes
especialmente ligados à atividade pastoril, que ocuparam suas
pastagens com os rebanhos.
entre Bahia e
Estabeleceram-se, regulares, as comunicações
Pernambuco. As viagens se tornaram freqüentes pela costa. "Na
As vezes basta-
falta de pontes ou canoas aproveitaram-se os vaus,
Va esperar pelamaré" 54
Consolidada a conquista, após oito meses de árduas lutas, Cris-
tóvão de Barris retornou a Salvador, deixando àfrente do governo de
Cerezipe ou Cerezipe Novo, Tomé da Rocha, que no cargo permane
ceria até 1594 quando o substituiu Diogo Quadros. Este governou
até 1600, e, normalmente, foi evoluindo a vida político-administrati-
va sergipana, contando com o Ouvidor e o Provedor-mor, responsá
vel pela justiça e fazenda, alem de funcionários do segundo escalão
como almoxarifes e escrivães. Instalou-se a Câmara Municipal.
A estrutura político-administrativa da Capitania de Sergipe del
Rei se processou segundo as determinações das Ordenações Fili-
pinas em vigor.
Alegando motivo de segurança5, os moradores da cidade de
São Cristóvão a transferiram para uma elevação situada entre a

s
PRADO, J. FE. Almeida. Obra citada, p. 219.
ABREU, Capistrano de. Ensaios e Estudos. Edição da Sociedade Capistrano de
Abreu, 1932, p. 275.
"Diz o juiz, Vereador e procurador do Conselho nesta Capitania de Sergipe del
Rei, que o Desembargador Gaspar de Figueiredo Homem veio a esta
há sete ou oito anos, e a requerimento do Capitania
povo, assentou com os moradores.
e Capitão, de mudar a Cidade, que se tal tempo estava no Aracaju, e que Se
situasse neste outeiro, onde logo se passou a
Igreja e o Forte, baseado
petição feita em 1603 ao governo da Capitania", afirmou Frei Antônio en
Santa Maria do Jaboat. Novo Orbe de
Seráfico Brasilico
Menores da Província do Brasil. In RIGHS,
ou Crônicas dos Frades
ano l -

1914, p. 51.

34
harra do rio Poxim eolitoral, fato que teria sucedido entre 1594 e
EQ5 Outra transferéncia ainda ocorreria em 1607
para o local
ande. hoje, se encontra cidade, quatro léguas a dentro da
a
ensea-
da do Vasa-Barris, na contluencia que faz com o
Paramopama. Essa
localização permitia aos habilantes licarem "mais perto de suas
fazendas", "sendo a pior cleIção, por quanto no Vasa-Barris que
tem pior barra"s6
Com a denominação de Sergipe del Rei, tambén São Cristóvão
seria conhecida no século XVII. Os cronistas e os documentos
históricos, que a mencionam, ora usam uma denominação, ora
outra.
Dando-lhe embasamento, desenvolvia-se a cultura de manti-
mentos, necessária para abastecer os habitantes de São Cristóvão,
a Capitalss
A pecuária tornou-se, inicialmente, a mais importante ativida-
de dos colonos, que, através da doação de sesmarias, foram ocu-
pando a terra no sentido sul-norte, a partir das margens dos rios
Real e Piauí. O grande número de pedidos de sesmaria comprova
o interesse pela região, antes as vantagens que as terras ofereciam
às atividades agrícolas. "Antes do sergipano ser lavrador. foi pas-
tor", afirmou Felisbelo Freire. Nos começos do século XVII já os
rebanhos alcançavam as margens do São Francisco, destacando-se
na expansão a Casa da Torre, que com seus rendeiros e sesmeiros

Livro que dá Razão do Estado do Brasil, citado, p. 50.


em Sergipe tropas
com as de
uarte de Albuquerque Coelho, que esteve duplicidade
em 1637, nas Memórias Diárias da Guerra do Brasil usa
a
agnuolo
nomes: "A 31 (de março) chegou Bagnuolo à cidade de Sergipe El- Rei,
a 25
dos
eguas do rio de São Hancisco. Esta povoação, com o nome de São Cristóváo
do mar cinco léguas." Duarte de Albuquerque Coelto. Memórias Diárias
dista
da Guerra do Brasil. Fundação Cultural Cidade do Recife, 1981. p. 319/320.

0Dlassolicitar doação de sesmaria, que lhe foi concedida em 1602, Cristóvão


alega "ser o primeiro povoador desta Capitania, éo primeiro que nela fez
anumentos e sustentar os soldados deste presidio de sua roça." Felisbelo
Freire. Obra citada, p. 398.
"

FREIRE, Felisbelo. Obra citada, p. 176.

35
SERGIPE COLONIAL I

teve grande importância ocupação do território sergipano. No


na
século XVII, continuou a doação de sesmarias, mais extensas,
pe-
los antiplanos interioranos.

"Requerer sesmarias, para a gente de Tatuapara, que as


escolheu a dedo, galgando as cumeadase as serras de
onde as perspectivas têm serenidade oceânicas, era ex-
pediente a que se acostumara. Davam-nas, com a facili-
dade com que as pedia. O gado foi, assim, ocupando as
pastagens dos altiplanos, fazendo recuarem os indígenas
porque o vaqueiro precisava do campo, da cacimba, da
largueza, da umidade. O rebanho crescia, caminhando"so

A cultura canavieira chegou depois, a partir de 1602, segundo


as concessôes de sesmarias, desenvolvendo-se, inicialmente, pe-
las terras férteis da Cotinguiba, denominação que tomou a região
banhada pelo baixo curso do rio Sergipe e seu afluente o Cotinguiba.
Papel importante tiveram os rios Real, Piauí, Vasa-Barris,
Sergipe, Cotinguiba, Japaratuba, São Francisco.

"Pela função econômica que desempenharam desde a for-


mação e povoamento do nosso território se distinguem, muito
nitidamente, em dois grupos: um representado pelos rios
limites, ao norte e ao sul, o São Franciscoeo Real, em cujas
margens se desenvolveu uma atividade tipicamente pasto-
il, enquanto os demais, que banham em maior intimidade
as nossas terras, são, com melhor propriedade, os fundado-
res de nossa vida sedentária, sem a
qual jamais se comple-
ta, em qualquer região da terra, o verdadeiro povoamento e
o processus da ocupação do solo, toda
em sua plenitude

CALMON, Pedro. A Casa da Torre. 3. Ed., Fundação Cultural do Estado da


Bahia, 1983, p. 57.
BEZERRA, Felte. Etnias Sergipanas. Governo do Estado de Sergipe, 1984, p. d.

36
A Colonização sergipana em seus primórdios foi,
ma empresa militar. E asSim
essencialmente,
continuou para sobreviver desde
aLando povoadores deveriam enfrentar lutas constantes contra
qu
os

nrata francès na região litorânea, contra os índios e os


negros
aguilombados no interior. P'ara que a colonização lusa triunfasse,
sucedeu em Sergipe o mesImo que OCorrer em toda a colônia, como
viu Ofiveira Viana:

"Durante o período colonial a


conquista
da terra apresen-
ta por isso, um caráter essencialmente
guerreiro. Cada
latifúndio desbravado, cada sesmaria povoada, cada cur-
ral erguido, cada engenho fabricado' tem como
preámbulo
uma árdua empresa militar. Não pode tratar de
se
fábrica
ali - diz um cronista do II século, Frei Leonardo Oros -

senão com a foice nesta mão e a espada na outra"s2.

O desenvolvimento da colonização da Capitania de Sergipe se


processou dentro da política mercantilista ibérica dominante, vi
sando a levar grandes rendimentos ao Tesouro Real. Buscava-se
desenvolver a agricultura que resulta[se em produtos solicitados
pela economia européia em plena expansão, trazendo bons lucros.
Desse modo, a doação de sesmarias destinava-se a pessoas que
dispusessem de condições financeiras para o empreendimento,
daí a exigência da enumeração dos bens ao solicitante, bem como
das atividades que ali pretendia desenvolver.
Grande foi a corrida inicial de colonos pela posse da terra serg
pana. Entre os anos 1596 e 1607, Felisbelo Freire registrou a doação
de 205 sesmarias. Os solicitantes alegavam a necessidade de pastos
para os rebanhos, de terras para o plantio de mantimentose canavi-
dis e os esCravos que possuíam; grande número deles dizia ter vindo
com Cristóvão de Barros "ganhar a terra ao gentio e ao francês"83

VIANA, Oliveira. Evolução do povo brasileiro. 3. Ed., São Paulo, 1938, p.


"Preire, Felisbelo. Obra citada, p. 176

37
SERGIPE COLONIAL

Muitos dos que receberam as sesmarias nao fizeram,


porém
qualquer tentativa de ocupá-las. F sua maioria, eram eles comDa.
nheiros de Cristóvão de Barros que as haviam recebido como com-
pensação por tere artircipado da viloriosa expedição de 1590, e
que não mais retonaram a Sergipo. Oitenta por cento
dessas doa-
cÙes estavam situadas na área mais rentável da
Capitania, aquela
situada entre os rios Vasa-Barris
Sergipe, tendo, no máximno,
e

uma légua de extensão. Dentro do pragmatismo que norteou a


po-
litica colonial portuguesa, impunha-se a imediata colonização das
terras conquistadas, daí, logo a partir de 1596, começou a redistri-
buição das áreas que não haviam sido ocupadas, e que diziam
"respeito às doações realizadas nos primeiros anos da ocupação"4
A doação de sesmaria originou a propriedade rural
brasileira,
e, no caso, a sergipana. Instituição ibérica, surgiu quando da reto-
mada das terras aos mouros pelos cristãos, sendo
regulamentadas
as doações por Carta Régia de D. Fernando de 28.05.1375. A me-
trópole sempre teve preocupação de impedir a formação de gran
des propriedades para evitaro
aparecimento de grandes potenta-
dos, limitando a extensão da terra a ser doada. Mas sempre foi
encontrado um meio de a lei ser burlada e as
des rurais se afirmaram na colônia. Na
grandes proprieda-
Capitania de del Sergipe
Rei, desde o primeiro momento elas
constituíram através das
se
diversas doações a um só
proprietário como Gaspar do Amorim,
Melchior Maciel, Simão Andrade, Pe. Bento
Ferraz, Pe. Gaspar
Fernandes, entre outros.
Dois decênios após a vitória de
Cristóvão de Barros sobre o gen-
tio, já se apresentava
tou o autor do Livro
promissora a vida na Capitania, como a retra
que dá Razão ao Estado do Brasil em 1612;
"Esta Capitania é muito
proveitosa aos engenhos e Jazen
das de Pernambuco e Bahia
paa os quais vai muito gado,

Salomão, Lilian da
Federal do Rio de Fonseca. As Sesmarias de Sergipe d'El Rei.
Janeiro, 1981. Dissertação de Universidaae
Mestrado. p. 77.

38
assim para comer, como para serviço; criam-se nestes pas-
tos muitos bois, éguas, e bons cavalos, que do Brasil são os
melhores

Tem esta Capitania mais de duzentos moradores brancos


separados uns dos outros, a respeito das criações para os
quais são tào cobiçosos de terra, que há morador que tem
30 léguas de sesmaria em diferentes partes" 66

Formavam-se os grandes proprietários rurais que iriam coman-


dar a vida sergipana nos anos posteriores.
Nela havia, na época, "uma povoação de casas de taipa a qual
chamam São Cristóvão".
Comentando as sucessivas mudanças de localização que havia

sofrido a Capital, com o despovoamento dos núcleos anteriores,


moradores logo trata de levar a cidade à
"porque cada um dos
dos começos do século XVII perce-
porta do seu curral", o cronista
constante na vida político
beu um problema que passaria a ser
administrativa sergipana: a influência dos senhores de terra agin-
Como sucedia em outras
do segundo seus interesses pessoais.
aí dominava a ausência de no-
regióes do Brasil-Colônia, também
parte da classe economicamente domi-
ção da coisa pública por
tomadas.
nante, marcando as decisões político-administrativas
sócio-econômica, fincada nos
As conseqüências dessa estrutura
entender-se-iam até os dias
primórdios da colonização sergipana,
atuais.
social da Capitania de Sergipe del Rei nas
desenrolar da vida
O Luis Mott,
realisticamente, a
primeiras décadas desua formação,

descreveu:

256.
LVro que dá Razão do Estado
do Brasil, citado, p.

Idem, 5.
39
SERGIPE CoLONIAL I

"As primeiras confissóes na mesa do Santo ficio permi-


tem-nos reconstituir senão um quadro, ao menos um esbo-
ço do panorama social e religioso de Sergipe nos primej.
ros anos de sua existência enquanto sociedade luso-bra-
sileira. Ai viviam soldados violentos que deixavam na
Bahia suas mulheres, algumas delas felizes por livrarem
se das pancadas e má vida que lhe davam seus senhores
esposos: ali estavam acantonados soldados que zomba-
vam da veracidade das Escrituras Sagradas, que desres-
peitavam os mandamentos da Igreja comendo carne nos
dias proibidos"7.

Mas, enquanto dominava esse facetamento especialmente na


Cidade de São Cristóvão, nas roças, nas lavouras de mantimentos,
plantando mandioca, milho, arroz, feijão, legumes, criando aves,
cuidando do rebanho, os colonos que chegavam acompanhados
da familia, conforme dizem os pedidos de sesmaria, foram sedi-
mentando a sociedade sergipana.

MOTT, Luiz Roberto de


Barros. A inquisição em
no concurso.
Sergipe: Memória e Momento, p. 3 Sergipe. Trabalho premiado

40

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