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O

que é o Paraíso?


Paradeisos (παράδεισος) é a palavra grega que está na origem do vocábulo Paraíso, por
sua vez assimilada do termo persa ‘pardés’: um jardim aprazível.
É impossível não pensarmos nos célebres Jardins Suspensos da Babilónia, uma das Sete
Maravilhas do Mundo Antigo listadas pela cultura helénica. Foram descritos como um
feito notável de engenharia, uma série de jardins em terraço com profusa variedade de
árvores, arbustos e trepadeiras, lembrando uma grande montanha verde construída de
tijolos de barro. Diz-se que a sua localização era a cidade de Babilónia, perto da atual
Hillah, província de Babil, no Iraque. Na literatura clássica, tal maravilha aparece no topo
de uma cidadela, descrita com a forma de um quadrado rodeado de muros altos de tijolo
com seis metros de espessura, sustentados por pilares de pedra. Os jardins eram
irrigados com as águas do Eufrates. A construção era atribuída a um rei sírio, para que a
sua rainha não sentisse falta da terra natal.
No judaísmo da era do Segundo Templo, o Paraíso passou a ser associado ao Jardim do
Éden e transferido para o céu, o território de Deus e dos Anjos. Após a condenação do
pecado original e da vida na Terra, a humanidade pode aspirar ao perdão e experimentar
a suprema felicidade que só os justos alcançam no mesmo lugar fantástico onde se
perderam Adão e Eva.
Que ideia de Paraíso era propagada pela Igreja Católica, desde os primórdios até à Idade
Média? Essa resposta pode ser dada através do que foi escrito nas Escrituras e das
representações iconográficas.
A literatura cristã apresentou e apresenta esse local idealizado de acordo com a
informação contida no ‘Génesis’: “E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, do lado
oriental; e pôs ali o homem que tinha formado. E o Senhor Deus fez brotar da terra toda
a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a
árvore do conhecimento do bem e do mal. E saía um rio do Éden para regar o jardim; e
dali se dividia e se tornava em quatro braços. O nome do primeiro é Pisom; este é o que
rodeia toda a terra de Havilá, onde há ouro. E o ouro dessa terra é bom; ali há o bdélio,
e a pedra sardónica. E o nome do segundo rio é Giom; este é o que rodeia toda a terra
de Cuxe. E o nome do terceiro rio é Tigre; este é o que vai para o lado oriental da Assíria;
e o quarto rio é o Eufrates.” (Gn 2, 8-14). Outras fontes cristãs o descrevem. Isaías
apresenta-o como a renovação de Sião, com as ruínas e os desertos transformados num
Éden, pleno de alegria, ações de graças e canções.
Para o cristianismo primitivo, o Paraíso é um jardim exuberante de verde e de flores,
palmeiras e pássaros. Um lugar soberbo imaginado por quem vive em regiões de solo
rochoso, árido, numa paisagem inóspita e agreste com a da Palestina. Tornando-se a
religião oficial do Império Romano no século IV, a arte representa-o com o Cordeiro
místico sobre o monte onde nascem os quatro rios do Paraíso, águas que dessedentam
os animais, pássaros que esvoaçam. Ao centro de um céu estrelado, a mão de Deus.
Pela mesma época, a arte bizantina, exemplifica-o com Cristo Pantocrator (todo-
poderoso ou omnipotente), destacando-se sobre um fundo dourado: a cor solar, a luz,
o elemento primordial associado à divindade e à criação cósmica.
Entretanto, na Idade Média ocidental, a iconografia do Paraíso Celeste surge com
diversas representações. O modelo paleocristão fixa a imagem da Jerusalém celeste,
feita de ouro, a reluzir de pedras preciosas, assim gravada no Apocalipse: “E tinha um
grande e alto muro com doze portas, e nas portas doze anjos, e nomes escritos sobre
elas, que são os nomes das doze tribos dos filhos de Israel. Do lado do levante tinha três
portas, do lado do norte, três portas, do lado do sul, três portas, do lado do poente, três
portas. E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles os nomes dos doze
apóstolos do Cordeiro. [...] E a cidade estava situada em quadrado; [...] E a construção
do seu muro era de jaspe, e a cidade de ouro puro, semelhante a vidro puro. E os
fundamentos do muro da cidade estavam adornados de toda a pedra preciosa. O
primeiro fundamento era jaspe; o segundo, safira; o terceiro, calcedônia; o quarto,
esmeralda; o quinto, sardônica; o sexto, sárdio; o sétimo, crisólito; o oitavo, berilo; o
nono, topázio; o décimo, crisópraso; o undécimo, jacinto; o duodécimo, ametista. E as
doze portas eram doze pérolas; cada uma das portas era uma pérola; e a praça da cidade
de ouro puro, como vidro transparente.” (Ap 21, 12-15).
A influência da arte oriental, a partir do século X, desenvolve o tema alegórico do seio
de Abraão: o local de acolhimento das almas associado ao jardim paradisíaco onde Adão
é representado sentado, a segurar as almas dos justos, ‘in sinue jus’, segundo o
‘Evangelho de São Lucas’.
Entre os séculos XII e XV, predomina a representação do Juízo Final presidido por um
Cristo majestático, simultaneamente rei e juiz. “Assim diz o Senhor: o céu é o meu trono,
e a terra o escabelo dos meus pés; que casa me edificaríeis vós? E qual seria o lugar do
meu descanso?” (Isaías 66:1). Nas igrejas românicas, a imagem do Paraíso surge
esculpida no tímpano sobre o portal principal através de Cristo Pantocrator (ou
Cosmocrator), que se apresenta em ‘Majestas Domini’ (majestade do Senhor),
correspondendo à descrição do Apocalipse. Cristo, inserido na mandorla (espécie de
auréola de formato oval, símbolo de glória e apoteose), está sentado no trono, os pés
sobre um escabelo, por vezes rodeado pelas hierarquias celestes: profetas, santos e
mártires.
Em religião, o Paraíso é sempre um lugar de felicidade e de deleite excecionais, uma
terra de luxo e de realização. No Paraíso há apenas paz, prosperidade e felicidade num
"lugar mais alto", num lugar mais sagrado, em contraste com este mundo, ou
submundos, como o Inferno.
E o leitor, como o imagina? Como um jardim luxuriante, uma ilha afortunada, uma terra
de abundância, um lugar envolto numa atmosfera de neblina onde o Mal não existe, ou
simplesmente, a morada dos mortos virtuosos?
Fica a pergunta à espera dos vossos comentários.
© Maria Antonieta Costa, novembro 2022

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