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DESCRIÇÃO

Estudo sobre contratos imobiliários e as relações do direito imobiliário com o direito de família e das sucessões.

PROPÓSITO
Conhecer como se opera ordinariamente a dinâmica imobiliária, a partir dos contratos mais utilizados do ordenamento jurídico brasileiro, os
eventuais impactos imobiliários e registrais do direito de família e sucessões, com base no estudo dos regimes de bens, da vênia conjugal e
da regra da saisine, do uso da compra e venda, da permuta e da doação no planejamento sucessório, possibilitando melhor atuação com o
direito imobiliário.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos o seu Vade Mecum, especialmente o Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002).
OBJETIVOS

MÓDULO 1

Identificar os principais contratos usados no mercado imobiliário

MÓDULO 2

Reconhecer os impactos imobiliários e registrais no direito das sucessões e família

INTRODUÇÃO
Neste conteúdo, vamos aprender como se materializa a dinâmica dos principais contratos utilizados no mercado imobiliário: de compra e
venda, permuta, doação e locação, bem como entender como se procede à transferência de imóveis no Brasil. Apresentaremos essas
espécies contratuais para analisarmos de que maneira tais títulos servem para a negociação de bens imóveis.


Verificaremos como os regimes de bens do casamento/união estável previstos na legislação civil influenciam na dinâmica de negociação
imobiliária e registral (comunhão parcial, comunhão universal, separação convencional, separação obrigatória e participação final nos
aquestos), precipuamente quanto à chamada vênia conjugal para a celebração de contratos imobiliários, também captando como funciona a
transferência imobiliária por sucessão hereditária.


Enfatizaremos temas como o direito de propriedade, as formas de aquisição da propriedade imobiliária, os sistemas de aquisição da
propriedade no Brasil e em outros países, a regra da saisine do direito sucessório, relacionando-se os dois eixos temáticos propostos de
análise, isto é, a compra e venda, a permuta e a doação como instrumentos de planejamento sucessório.

MÓDULO 1

 Identificar os principais contratos usados no mercado imobiliário

DIREITO IMOBILIÁRIO E OS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS


O mercado imobiliário vem se mostrando área pujante nos tempos atuais, advindo seu interesse tanto pelo fato de se fazer presente no
cotidiano das pessoas (principalmente implementando o direito social de moradia (art. 6º da Constituição de 1988) quanto pela importância
econômica que naturalmente possui. Nesse contexto, cada vez mais se mostra relevante o estudo do direito imobiliário.
No entanto, a compreensão do direito imobiliário é tarefa simples, pois envolve conhecimento multissetorial no Direito, abrangendo, por
exemplo, as normas de direito civil, ambiental, tributário, urbanístico, entre outras.

O direito imobiliário diz respeito à propriedade imobiliária e suas inúmeras formulações, estruturais e funcionais. No que tange ao direito civil,
anteriormente ao estudo das principais espécies de negócios jurídicos imobiliários, objetivo central do presente módulo, mostra-se
fundamental apresentar no que consiste o direito de propriedade.

A PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA
O direito de propriedade consta previsto no art. 1.228 do Código Civil (CC), que dispõe que:

O PROPRIETÁRIO TEM A FACULDADE DE USAR, GOZAR E DISPOR DA COISA, E


O DIREITO DE REAVÊ-LA DO PODER DE QUEM QUER QUE INJUSTAMENTE A
POSSUA OU DETENHA.

(Art. 1.228 do Código Civil (CC))

Segundo a definição clássica do direito de propriedade, que se extrai da própria literalidade do mencionado dispositivo legal, trata-se do
direito real que confere ao seu titular as seguintes faculdades jurídicas:
Uso

Gozo

Disposição

Reivindicação do bem

Fracionando didaticamente o art. 1.228 do CC, locus do qual extraímos o aspecto estrutural, observamos que o dispositivo traz duas
dimensões relevantes do direito de propriedade:

DIMENSÃO ECONÔMICA
Está identificada no direito de usar, gozar e dispor da coisa.

DIMENSÃO JURÍDICA
Diz respeito à tutela da propriedade contra interferências externas, isto é, sobretudo à possibilidade de ajuizamento de ação reivindicatória
conferida ao proprietário para proteger a sua titularidade.

Ordinariamente, nomeiam-se como elementos constitutivos da propriedade as faculdades que são atribuídas ao proprietário: uso, gozo,
disposição e reivindicação. Vejamos um a um:

USO
Confere ao seu titular a possibilidade de servir-se do bem. Não há nenhuma dúvida de que esse uso pode ser direto ou indireto.

Uso direto

Quando o próprio proprietário se utiliza da coisa.


Uso indireto

Pode acontecer, por exemplo, na locação, no comodato ou em outras espécies obrigacionais em que ocorre o desmembramento da posse.

No ponto, está-se a tratar da titularidade da faculdade jurídica de uso, e não apenas do exercício.

Com efeito, urge tratar, aqui, do contrato de locação, representativo de uma das formas mais tradicionais de uso indireto no mercado
imobiliário, isto é, de transferência do exercício da prerrogativa dominial de uso (não da prerrogativa em si).
CONTRATO DE LOCAÇÃO
O contrato de locação está previsto na Lei 8.245/91 (Lei de Locações dos Imóveis Urbanos) e nos artigos 565 e seguintes do Código Civil,
conceituado como o negócio jurídico pelo qual uma das partes, o proprietário/locador, transfere o exercício do uso de bem infungível ao
locatário, mediante certa retribuição, o aluguel (TEPEDINO; BARBOZA; BODIN DE MORAES, 2012).

O locatário, como possuidor direto que é, tem o exercício da faculdade jurídica de uso, mas não a titularidade da prerrogativa – exercida pelo
possuidor indireto proprietário/locador –, porque a titularidade das faculdades jurídicas só se transfere por meio de direito real. Então, a
prerrogativa pode se materializar de forma direta ou indireta, não perdendo a titularidade aquele que confere a um terceiro o exercício do uso.

COMODATO
O comodato, contrato previsto nos arts. 579 e seguintes do Código Civil, trata do empréstimo gratuito de coisas não fungíveis.

Os dois tipos contratuais a seguir representam formas de uso indireto do bem por parte do proprietário:

Contrato de locação
É oneroso, por não prescindir do pagamento dos alugueres.


Contrato de comodato

É gratuito, pois dele não advém qualquer contraprestação.

O poder dominial de uso é o que permite ao proprietário celebrar contratos usuais do mercado imobiliário.

GOZO OU FRUIÇÃO

Perfaz a possibilidade de extrair utilidades da coisa (frutos ou produtos). O recebimento de aluguéis do contrato de locação significa obter
frutos civis em virtude da conferência a um terceiro do exercício da prerrogativa de uso.

DISPOSIÇÃO

Trata-se do poder de alienar a coisa, o que pode se dar por meio de contrato de compra e venda, doação, permuta etc. A disposição in
casu pode ser:

MATERIAL
JURÍDICA
MATERIAL

A disposição material está associada à ideia de destruição, de abandono da coisa.

JURÍDICA

A disposição jurídica pode ser total ou parcial:

Total é quando há efetiva transferência do direito de propriedade;

Parcial ocorre quando há transferência da titularidade de parte das faculdades jurídicas inerentes à propriedade, como no caso do
usufruto e da servidão.

 ATENÇÃO

É importante não confundir transferência da titularidade das faculdades jurídicas com a mera transferência do exercício das faculdades
jurídicas. Uma se dá apenas por meio de direito real (ver rol do art. 1.225 do CC); para a transferência do mero exercício, basta relação
obrigacional (locação, comodato etc.).

Essa diferença é muito relevante, pois, quando se fala em propriedade restrita ou limitada, trata-se daquela em que o proprietário não
titulariza todas as faculdades jurídicas. Então, em uma relação locatícia, o locador tem propriedade plena. O nu-proprietário no usufruto tem
propriedade restrita ou limitada.
A característica do direito de propriedade que propicia a alienação jurídica parcial é a chamada elasticidade ou fragmentariedade. É por
causa dessa feição da propriedade que se verifica viável a transferência de parte das faculdades jurídicas, sem que haja a perda do direito de
propriedade. Ademais, diz-se que a propriedade é elástica, pois pode ser plena, em sua maior dimensão, ou pode se retrair justamente
quando o proprietário destaca uma das suas faculdades e confere a um terceiro. Essa elasticidade do domínio significa justamente que o
proprietário pode ostentar todas as faculdades, ou alguma(s) delas, destacando-as oportunamente, em um efeito tipo sanfona.

O direito de dispor é a única faculdade que somente o dono pode exercer, isto é, apenas quem tem senhoria pode alienar o bem.

Trata-se da possibilidade de o proprietário alienar o seu bem a terceiros, da forma como lhe aprouver, podendo fazê-lo de forma gratuita ou
onerosa.

REIVINDICAÇÃO

É a prerrogativa de tutela do direito de propriedade, permitindo ao proprietário proteger-se de interferências indevidas no bojo de seu imóvel.
FORMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
Classicamente, quatro são os modos de aquisição da propriedade imóvel:

Transcrição (é o modo de aquisição por excelência)

Sucessão hereditária

Usucapião

Acessão
Há, todavia, várias classificações de formas de aquisição da propriedade: aquisições originária e derivada; e sucessões a título singular ou a
título universal.

AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA

Sinteticamente, a aquisição originária se estabelece sem relação jurídica com o titular anterior. O sujeito adquire a propriedade sem que o
direito haja sido transmitido a partir de uma relação jurídica com proprietário anterior (por exemplo: usucapião e acessão). Esse tipo de
aquisição funciona como se inaugurasse propriedade nova, livre e desembaraçada de todo e qualquer vício ou ônus que ostentasse quando
titularizada pelo proprietário anterior.
AQUISIÇÃO DERIVADA

É aquela que se dá por meio de uma relação jurídica com o titular anterior, normalmente ocorrido pela via contratual. Isto é, o proprietário
anterior transmite a propriedade para o novo titular. Essa é a regra, uma vez que qualquer contrato que se celebra com o titular anterior
enseja uma aquisição derivada da propriedade. No entanto, neste tipo, opera-se a translatividade de todos os ônus e gravames (como a
pendência de uma hipoteca, por exemplo), vinculando-se os deveres do proprietário antigo com o então adquirente.
SUCESSÃO A TÍTULO UNIVERSAL

É aquela em que se adquire uma universalidade de direitos. No direito civil, só existe causa mortis, ou seja, em virtude do falecimento do
titular da herança, passando os sucessores a serem titulares de seus bens, incluindo o ativo e o passivo patrimoniais. É a sucessão
hereditária.
SUCESSÃO SINGULAR

Trata-se daquela em que se adquire um bem individualizado, que é a regra na aquisição derivada inter vivos (“entre os vivos”), sendo a
exceção o legado (aquisição a título singular causa mortis – ver arts. 1.912 e seguintes do CC).

Importa-nos, por ora, entender que os contratos direcionam a uma aquisição derivada e a título singular da propriedade.

SISTEMAS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE


Em relação à propriedade imóvel, o modo de adquirir a titularidade, por excelência, perfectibiliza-se na transcrição imobiliária. A regra,
portanto, é que só se adquire a propriedade imóvel no Brasil por meio da transcrição.

Transcrição imobiliária é o ato de levar o título jurídico (contrato) ao Registro Geral de Imóveis, para que o tabelião registre junto à matrícula
daquele bem aquela transferência da propriedade.

Apenas assim a propriedade será adquirida pelo comprador. Isso significa dizer que o nosso sistema entende que a celebração de um
contrato não é suficiente, por si só, para transmitir a propriedade.

Há três sistemas mais conhecidos:

Sistema germânico:
Outro negócio; a causa é abstraída.

Sistema franco-italiano:
Causalista
Sistema romano:
Vinculação do título ao modo, tal como ocorre no Brasil.

SISTEMA ALEMÃO

O registro origina presunção absoluta de propriedade, ou seja, o nome de quem constar no registro é o proprietário daquele bem. Se houve
uma fraude no registro ou uma aquisição a non domino e alguém, eventualmente, conseguiu fazer o seu nome do lado da matrícula do
imóvel, não tem discussão, sendo esta pessoa considerada, para todos os efeitos, proprietária. Nesse passo, o proprietário verdadeiro não
consegue recuperar a propriedade, havendo apenas direito de indenização. Isso confere ampla segurança jurídica e confiabilidade do
sistema registral.

Veja, então, que, na Alemanha, celebra-se o contrato de compra e venda e depois as partes aperfeiçoam um segundo negócio, por meio do
qual se obrigam a ir ao registro e transferir a propriedade para o nome do adquirente. Esse segundo negócio é levado para averbação no
Registro Geral de Imóveis (RGI), e não o contrato.

O registro se abstrai do contrato, pois o que importa é esse segundo negócio, que se liberta da causa da transmissão originária. Dessa
forma, qualquer irregularidade no título aquisitivo se verifica irrelevante, já que o primeiro título não é levado para transcrição.

SISTEMA FRANCÊS

O registro serve apenas para publicidade, pois nesse país a propriedade se transmite com o contrato. Então, se foi celebrado contrato de
compra e venda, já há transmissão da propriedade. Com efeito, afigura-se o modelo da França apenas declaratório, pois a transmissão da
propriedade se dá com o título.
SISTEMA ROMANO

Adotado no Brasil, dessume-se causal, porque é preciso levar o título que suscita/justifica aquela transmissão de propriedade ao RGI e
transcrevê-lo junto à matrícula do imóvel.

Para que haja transferência imobiliária, portanto, é mister conjugar título e modo, isto é, o contrato de compra e venda, doação, permuta com
o registro cartorário.

Aqui, há apenas presunção relativa de veracidade do sistema registral, que admite prova em contrário, porquanto eventual vício no título
pode comprometer a higidez do registro.

É isso o que se extrai da literalidade dos arts. 1.245, 1.246 e 1.247, todos do Código Civil, transcritos a seguir:

ART. 1.245. TRANSFERE-SE ENTRE VIVOS A PROPRIEDADE MEDIANTE O


REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO REGISTRO DE IMÓVEIS.
§ 1º ENQUANTO NÃO SE REGISTRAR O TÍTULO TRANSLATIVO, O ALIENANTE
CONTINUA A SER HAVIDO COMO DONO DO IMÓVEL.

§ 2º ENQUANTO NÃO SE PROMOVER, POR MEIO DE AÇÃO PRÓPRIA, A


DECRETAÇÃO DE INVALIDADE DO REGISTRO, E O RESPECTIVO
CANCELAMENTO, O ADQUIRENTE CONTINUA A SER HAVIDO COMO DONO DO
IMÓVEL.

ART. 1.246. O REGISTRO É EFICAZ DESDE O MOMENTO EM QUE SE


APRESENTAR O TÍTULO AO OFICIAL DO REGISTRO, E ESTE O PRENOTAR NO
PROTOCOLO.
ART. 1.247. SE O TEOR DO REGISTRO NÃO EXPRIMIR A VERDADE, PODERÁ O
INTERESSADO RECLAMAR QUE SE RETIFIQUE OU ANULE.

PARÁGRAFO ÚNICO. CANCELADO O REGISTRO, PODERÁ O PROPRIETÁRIO


REIVINDICAR O IMÓVEL, INDEPENDENTEMENTE DA BOA-FÉ OU DO TÍTULO DO
TERCEIRO ADQUIRENTE.

(Lei 10.406/2002)

 ATENÇÃO

Note que o registro, em nosso ordenamento jurídico, verifica-se constitutivo do direito de propriedade para as aquisições derivadas.

PRINCIPAIS ESPÉCIES CONTRATUAIS QUE ENSEJAM A


TRANSFERÊNCIA IMOBILIÁRIA
Sem prejuízo de outras modalidades, inclusive atípicas, existem três espécies contratuais mais utilizadas para alienar a propriedade no
mercado imobiliário:

Compra e venda
Permuta
Doação

Tais contratos têm o traço comum de permitir, desde que levados a registro no Registro Geral de Imóveis, a transferência da titularidade
imobiliária. Igualmente demandam cuidados sucessórios, oportunamente apresentados no próximo módulo.

COMPRA E VENDA

A avença mais usual, na realidade, dado o seu caráter de força motriz das trocas e da circulação de riquezas, é o contrato de compra e
venda, previsto nos arts. 481 e seguintes do CC. Nele, depreende-se o modelo, por excelência, dos negócios bilaterais, sinalagmáticos e
onerosos.

A compra e venda é, historicamente, o contrato de maior repercussão econômica, por seu intermédio, originando-se para uma das partes a
obrigação de transferir a propriedade de uma coisa à outra, que, em contrapartida, obriga-se ao pagamento de um preço a ela relativo.

Segundo o art. 481 do CC, “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o
outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. Veja que há expressa adoção do sistema obrigacional, determinando a lei em vigor que pelo
contrato apenas o proprietário originário se obriga a transferir (via tradição para bem móvel; e registro para bem imóvel). Não se fala que pelo
contrato de compra e venda, o vendedor transfere nada.

A rigor, a expressão compra e venda, cuja origem remonta ao direito romano (emptio venditio), bem indica o conteúdo do ajuste, que é a
transmissão da propriedade mediante o pagamento do preço, realçando a presença do perfeito equilíbrio prestacional e das umbilicalmente
relacionadas obrigações das partes. Nesse sentido, cada prestação é, a um só tempo, causa e efeito da outra: a entrega da coisa de um lado
e o pagamento do valor combinado de outro (TEPEDINO; BARBOZA; BODIN DE MORAES, 2012).
Do art. 482 do CC extraem-se os elementos essenciais específicos da compra e venda: a coisa, o preço e o consenso necessários à
celebração de todo e qualquer contrato. O contrato in casu ainda se apresenta de múltiplas formas, podendo ser consensual ou formal (a
depender do art. 108 do CC), comutativo ou aleatório, paritário ou de adesão. Além disso, a compra e venda pode ser:

Ad corpus

Quando a extensão do imóvel não é determinante à fixação do preço

Ou

Ad mensuram

Quando a extensão do imóvel for determinante à fixação do preço

O CC admite a possibilidade de compra e venda sobre coisa atual ou futura, valendo atentar que a possibilidade de compra e venda sobre
coisa futura vem em consonância com o sistema obrigacional.

Em relação aos critérios para fixação do preço, a regra geral permeia o princípio da autonomia privada, ou seja, as partes têm bastante
liberdade para definir os critérios para a fixação do preço da compra e venda. Por exemplo, o art. 485 do CC permite a precificação deixada
ao arbítrio de terceiro e o art. 486 do CC deixa que seja fixado o valor de acordo com taxa de mercado ou de bolsa.
O preço é elemento basilar da compra e venda, devendo consistir em dinheiro na moeda corrente nacional, sob pena de descaracterizar-se o
contrato, surgindo, ao revés, o contrato de troca ou permuta.

Assim, é dito:

TROCA É O CONTRATO PELO QUAL AS PARTES SE OBRIGAM A DAR UMA COISA


POR OUTRA, QUE NÃO SEJA DINHEIRO. COMO A VENDA, É O DOMÍNIO DAS
COISAS QUE A PERMUTA TRANSFERE. COMO A VENDA, É UM CONTRATO
CONSENSUAL. COMO A VENDA, PRESSUPÕE A GARANTIA DAS COISAS, QUE
SÃO OBJETO DO CONTRATO. FALTA-LHE, PORÉM, O PREÇO, QUE É O VALOR
TRADUZIDO NA MEDIDA COMUM, A MOEDA. E DESTA DIFERENÇA RESULTAM AS
REGRAS ESPECIAIS, QUE O NOSSO ARTIGO ESTABELECE.

(BEVILÁQUA, 1946, p. 327)

PERMUTA

A permuta verifica-se no art. 533 do CC. Justifica-se a regra do caput, ao trazer a aplicação das normas da venda para o contrato de troca,
pelo fato de ambos possuírem as mesmas características jurídicas: são negócios bilaterais sinalagmáticos, onerosos, comutativos e
consensuais, em regra.
DOAÇÃO
A doação consta definida na própria literalidade do art. 538 do CC., tratando-se, pois, do “contrato em que uma pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. A redação mencionada é há muito criticada por, a priori, não se mostrar
consonante com o regime obrigacional, aduzindo transferir do seu patrimônio. Assim como na compra e venda, porém, o que transfere a
propriedade é a transcrição imobiliária, de forma que, pelo contrato de doação, apenas o doador se obriga a transferir a coisa.

A doação é contrato unilateral que, em regra, gera obrigações apenas para o doador, sendo, portanto, gratuito. A doação é, além disso,
contrato formal, em consonância com o art. 541, caput, do CC, de acordo com o qual “a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento
particular”. Ou seja, por escrito.

Repita-se que, assim como a compra e venda, a permuta e a doação também ensejam complexidades no plano sucessório, doravante
analisadas.
OS PRINCIPAIS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS
No vídeo a seguir, o professor Diego Brainer faz uma abordagem dos principais contratos imobiliários. Vamos assistir!
VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Reconhecer os impactos imobiliários e registrais no direito das sucessões e família

DIREITO DAS SUCESSÕES E DA FAMÍLIA E SEUS IMPACTOS


IMOBILIÁRIOS E REGISTRAIS
A vida econômica comum de um casal inicia-se a partir da celebração do casamento ou da união estável:
CASAMENTO
Realizado formalmente à luz dos arts. 1.511 e seguintes do CC.

UNIÃO ESTÁVEL
Passível de reconhecimento voluntário por declaração em cartório ou quando presentes os requisitos elencados no art. 1.723 do CC.

É RECONHECIDA COMO ENTIDADE FAMILIAR A UNIÃO ESTÁVEL ENTRE O


HOMEM E A MULHER, CONFIGURADA NA CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA E
DURADOURA E ESTABELECIDA COM O OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE
FAMÍLIA.

(CÓDIGO CIVIL – artigo 1.723)

Nesse momento, exsurgem influxos patrimoniais relevantes, condicionados à escolha do regime de bens, em relação à meação, aos
requisitos para efetuar transações imobiliárias e para fins de direito sucessório.

Vejamos, pois, primeiramente, os regimes de bens existentes no Código Civil, para, após, tratarmos as demais repercussões mencionadas,
bem como a utilização dos principais contratos imobiliários para fins de planejamento sucessório.
REGIME DE BENS
Perfaz o regime de bens a normativa aplicável às questões relativas ao patrimônio dos cônjuges e companheiros, delimitando-se, por esse
meio, as diretrizes que serão seguidas enquanto houver casamento ou união estável, bem como, da mesma forma, a regulamentação
atinente à dissolução da união, seja por vontade das partes, seja pela sucessão causa mortis.

Vigora quanto ao ponto, salvo no regime obrigatório, ampla autonomia dos cônjuges e companheiros, que podem tanto usar os regimes
previstos expressamente no Código Civil quanto criar outras combinações conforme a vontade. Essa é a inteligência extraída do art. 1.639 do
CC, segundo o qual “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
A escolha do regime de bens é feita previamente ao casamento, estipulando-se por meio de pacto antenupcial um dos regimes
preestabelecidos em lei, ou outro personalizado que melhor atenda às necessidades do casal. No tocante à união estável, pode-se
estabelecer o regime de bens antes ou durante a relação, pela via do pacto de convivência.

 ATENÇÃO

Caso não haja a escolha pela via convencional de um regime, aplica-se o art. 1.640 do CC, que dispõe que “não havendo convenção, ou
sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”. A comunhão parcial, nesse sentir,
em conformidade com o CC, é o chamado regime de bens supletivo tanto do casamento quanto da união estável. Vejamos um a um os
regimes concebidos pelo legislador civil.

COMUNHÃO PARCIAL

Trata-se do regime mais comum, por ser o supletivo, isto é, aplicável a todos os casamentos sem pacto antenupcial e também nas uniões
estáveis sem pacto de convivência que estabeleçam regime diverso. É o que prevalece, com efeito, no silêncio das partes.

No regime em comento, todos os bens adquiridos na constância do casamento e da união estável, a título oneroso, comunicam-se.
Estabelece-se, assim, a separação dos bens adquiridos no passado, anteriormente à relação dos consortes, e, ao mesmo tempo, a
comunhão quanto ao futuro (bens comuns).

Por força de lei, estão fora desse regime os bens adquiridos a título gratuito, recebidos por herança ou doação, conforme CC:
ART. 1.658. NO REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL, COMUNICAM-SE OS BENS
QUE SOBREVIEREM AO CASAL, NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO, COM AS
EXCEÇÕES DOS ARTIGOS SEGUINTES.

ART. 1.659. EXCLUEM-SE DA COMUNHÃO:

I - OS BENS QUE CADA CÔNJUGE POSSUIR AO CASAR-SE, E OS QUE LHE


SOBREVIEREM, NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO, POR DOAÇÃO OU
SUCESSÃO, E OS SUB-ROGADOS EM SEU LUGAR;
II - OS BENS ADQUIRIDOS COM VALORES EXCLUSIVAMENTE PERTENCENTES A
UM DOS CÔNJUGES EM SUB-ROGAÇÃO DOS BENS PARTICULARES;

III - AS OBRIGAÇÕES ANTERIORES AO CASAMENTO;

IV - AS OBRIGAÇÕES PROVENIENTES DE ATOS ILÍCITOS, SALVO REVERSÃO EM


PROVEITO DO CASAL;

V - OS BENS DE USO PESSOAL, OS LIVROS E INSTRUMENTOS DE PROFISSÃO;


VI - OS PROVENTOS DO TRABALHO PESSOAL DE CADA CÔNJUGE;

VII - AS PENSÕES, MEIOS-SOLDOS, MONTEPIOS E OUTRAS RENDAS


SEMELHANTES.

(Lei 10.406/2002)

COMUNHÃO UNIVERSAL

Trata-se de hipótese eletiva de regime de bens em que se comunicam todos os bens do casal, ainda que adquiridos em nome de um só
deles ou que sejam anteriores à relação. Isto é, comunica-se absolutamente tudo, salvo exceções legais ou previstas expressamente
na própria convenção.

Nesse regime, predominam os bens comuns, que permanecem indivisíveis até a dissolução da sociedade conjugal.
ART. 1.667. O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL IMPORTA A COMUNICAÇÃO
DE TODOS OS BENS PRESENTES E FUTUROS DOS CÔNJUGES E SUAS DÍVIDAS
PASSIVAS, COM AS EXCEÇÕES DO ARTIGO SEGUINTE.

ART. 1.668. SÃO EXCLUÍDOS DA COMUNHÃO:

I - OS BENS DOADOS OU HERDADOS COM A CLÁUSULA DE


INCOMUNICABILIDADE E OS SUB-ROGADOS EM SEU LUGAR;
II - OS BENS GRAVADOS DE FIDEICOMISSO E O DIREITO DO HERDEIRO
FIDEICOMISSÁRIO, ANTES DE REALIZADA A CONDIÇÃO SUSPENSIVA;

III - AS DÍVIDAS ANTERIORES AO CASAMENTO, SALVO SE PROVIEREM DE


DESPESAS COM SEUS APRESTOS, OU REVERTEREM EM PROVEITO COMUM;

IV - AS DOAÇÕES ANTENUPCIAIS FEITAS POR UM DOS CÔNJUGES AO OUTRO


COM A CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE;

V - OS BENS REFERIDOS NOS INCISOS V A VII DO ART. 1.659.


(Lei 10.406/2002)

SEPARAÇÃO CONVENCIONAL

Quando estabelecido esse regime, o casamento ou a união estável não repercutem na esfera patrimonial dos consortes, pois a
incomunicabilidade envolve todos os bens presentes e futuros.

A separação convencional, contudo, não altera a posição do cônjuge/companheiro como herdeiro (ver art. 1.829 do CC), afastando-o tão
somente da meação.
 ATENÇÃO

Importante não confundir meação, oriunda do direito de família, representativa da divisão dos bens havidos da relação, com as regras de
direito sucessório.

ART. 1.687. ESTIPULADA A SEPARAÇÃO DE BENS, ESTES PERMANECERÃO SOB


A ADMINISTRAÇÃO EXCLUSIVA DE CADA UM DOS CÔNJUGES, QUE OS PODERÁ
LIVREMENTE ALIENAR OU GRAVAR DE ÔNUS REAL.

ART. 1.688. AMBOS OS CÔNJUGES SÃO OBRIGADOS A CONTRIBUIR PARA AS


DESPESAS DO CASAL NA PROPORÇÃO DOS RENDIMENTOS DE SEU
TRABALHO E DE SEUS BENS, SALVO ESTIPULAÇÃO EM CONTRÁRIO NO PACTO
ANTENUPCIAL.
(Lei 10.406/2002)

SEPARAÇÃO LEGAL

O regime da separação obrigatória de bens decorre de lei, prescindindo, portanto, de convenção. Aqui, o cônjuge sobrevivente também não
será herdeiro.

As hipóteses estão especificadas no art. 1.641 do CC:

ART. 1.641. É OBRIGATÓRIO O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS NO


CASAMENTO:

I - DAS PESSOAS QUE O CONTRAÍREM COM INOBSERVÂNCIA DAS CAUSAS


SUSPENSIVAS DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO;
II – DA PESSOA MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS;

III - DE TODOS OS QUE DEPENDEREM, PARA CASAR, DE SUPRIMENTO


JUDICIAL.

(Lei 10.406/2002)

 ATENÇÃO

A jurisprudência pátria, contudo, temperando o rigor da separação legal, na qual não há se falar em meação e nem herança, posiciona-se no
sentido de que, quando houver prova de esforço comum, deve haver comunicação dos bens.

Isso inspirado na antiga Súmula 377 do STF, de acordo com a qual “no regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na
constância do casamento”.
PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

NO REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS, CADA CÔNJUGE POSSUI


PATRIMÔNIO PRÓPRIO, CONSOANTE DISPOSTO NO ARTIGO SEGUINTE, E LHE
CABE, À ÉPOCA DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL, DIREITO À
METADE DOS BENS ADQUIRIDOS PELO CASAL, A TÍTULO ONEROSO, NA
CONSTÂNCIA DO CASAMENTO.

(CÓDIGO CIVIL – art. 1.672)

In casu, tem-se um regime híbrido, pois durante o casamento aplicam-se as regras da separação total e, após a sua dissolução, as da
comunhão parcial.

Aqui, cada cônjuge possui patrimônio próprio, com direito, como visto, à época da dissolução da sociedade conjugal, à metade dos bens
adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento, chamados de aquestos. Não se trata de modalidade muito comum.
VÊNIA CONJUGAL
Inicialmente, nada obstante o julgamento do STF que equiparou para fins sucessórios o regime do casamento e da união estável (Recursos
Extraordinários 878.694/MG e 646.721/RS), remanescem as diferenças formais entre um e outro, como as relacionadas à vênia conjugal para
a transferência de imóveis. Desse modo, por ressair como relação informal de fato, não se faz necessário qualquer tipo de outorga do(a)
companheiro(a) para fins de movimentação patrimonial imobiliária.

A esse respeito, no tocante ao casamento, o tópico da outorga uxória ou vênia conjugal para determinados atos e negócios jurídicos consta
regulado do art. 1.647 do CC:
ART. 1.647. RESSALVADO O DISPOSTO NO ART. 1.648, NENHUM DOS CÔNJUGES
PODE, SEM AUTORIZAÇÃO DO OUTRO, EXCETO NO REGIME DA SEPARAÇÃO
ABSOLUTA:

I - ALIENAR OU GRAVAR DE ÔNUS REAL OS BENS IMÓVEIS;

II - PLEITEAR, COMO AUTOR OU RÉU, ACERCA DESSES BENS OU DIREITOS;


III - PRESTAR FIANÇA OU AVAL;

IV - FAZER DOAÇÃO, NÃO SENDO REMUNERATÓRIA, DE BENS COMUNS, OU


DOS QUE POSSAM INTEGRAR FUTURA MEAÇÃO.

PARÁGRAFO ÚNICO. SÃO VÁLIDAS AS DOAÇÕES NUPCIAIS FEITAS AOS FILHOS


QUANDO CASAREM OU ESTABELECEREM ECONOMIA SEPARADA.

ART. 1.648. CABE AO JUIZ, NOS CASOS DO ARTIGO ANTECEDENTE, SUPRIR A


OUTORGA, QUANDO UM DOS CÔNJUGES A DENEGUE SEM MOTIVO JUSTO, OU
LHE SEJA IMPOSSÍVEL CONCEDÊ-LA.

(Lei 10.406/2002)

À primeira vista, verifica-se que o dispositivo faz ressalva do regime da separação absoluta de bens, o que se dessume em consonância com
o art. 1.687 do CC, então evidenciado: “estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada
um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”.

Desse modo, no regime da separação convencional, cada cônjuge conserva a plena propriedade, a integral administração e a fruição de seus
próprios bens, podendo livremente realizar e ultimar qualquer transação imobiliária que resulte na transferência da propriedade imóvel.

Ressalvada a separação absoluta de bens (rectius: separação convencional), a restrição se impõe a qualquer outro regime adotado pelos
nubentes (comunhão parcial, universal e participação nos aquestos, salvo nesta quando houver convenção contrária, conforme explicado a
seguir).
 ATENÇÃO

Divergência há sobre o que se entende por regime da separação absoluta de bens. Isso porque a separação de bens pode ser também
obrigatória (art. 1.641 do CC). No entanto, ante a incidência da já mencionada Súmula 377 do STF, pela qual são comunicáveis no regime da
separação legal os bens adquiridos pelo esforço comum durante o casamento, por razão de cautela jurídica, tudo direciona à necessidade de
se exigir a vênia conjugal.

Então, no que diz respeito à alienação de bens imóveis, que pode ocorrer por compra e venda, permuta ou doação, de acordo com o inciso I
do art. 1.647 do CC, a autorização do cônjuge se mostra imperiosa nos regimes de bens mencionados. Dessa sorte, se casado for o
vendedor, resultado lógico será a necessidade de vênia. Contudo, a norma não se aplica ao comprador.

Agora vejamos o que tange os bens comuns e particulares:

Foto: Shutterstock.com
Bens comuns

Ainda no inciso IV do art. 1.647 do CC, a outorga conjugal é necessária para a doação de bens comuns de qualquer natureza, sejam móveis
ou imóveis, o que tende à proteção da meação do outro consorte. A norma dispensa a outorga apenas na doação remuneratória, que não
constitui propriamente uma liberalidade, mas mero ato de remuneração por uma prestação de serviços (ver art. 540 do CC).

Foto: Shutterstock.com
Bens particulares

O dispositivo não faz qualquer ressalva se os bens particulares merecem ou não tratamento distinto dos bens comuns. Logo,
independentemente se adquiridos antes ou após a relação conjugal, a autorização do consorte é necessária em qualquer caso, nos regimes
de comunhão parcial e universal (inclusive na separação legal de bens), podendo ser dispensada, em pacto antenupcial, no regime de
participação final nos aquestos, conforme art. 1.656 do CC, apresentado: “no pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos
aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares”.

Outra exceção consta no art. 978 do CC, segundo o qual “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que
seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”.

No âmbito do contrato locação, que, como já enfatizado, não serve para a transferência do imóvel, senão sendo forma de aproveitá-lo,
também há necessidade de vênia conjugal. Isso é o que se extrai do art. 3 da Lei de Locações (8.245/91):
ART. 3º. O CONTRATO DE LOCAÇÃO PODE SER AJUSTADO POR QUALQUER
PRAZO, DEPENDENDO DE VÊNIA CONJUGAL, SE IGUAL OU SUPERIOR A DEZ
ANOS.

PARÁGRAFO ÚNICO. AUSENTE A VÊNIA CONJUGAL, O CÔNJUGE NÃO ESTARÁ


OBRIGADO A OBSERVAR O PRAZO EXCEDENTE.

(Lei 8.245/91)

Quanto à forma, a autorização do cônjuge deve ser expressa e constar de instrumento público, quando outorgada para a prática de ato que
reclame tal solenidade, como no caso da alienação de bens imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no país
(ver art. 108 do CC).
OS REGIMES DE CASAMENTO E O DIREITO IMOBILIÁRIO
No vídeo a seguir, o professor Diego Brainer comenta sobre os regimes de casamento, seus impactos para as relações imobiliárias, assim
como a vênia conjugal. Vamos assistir!

TRANSFERÊNCIA IMOBILIÁRIA PELO ADVENTO DA SUCESSÃO CAUSA


MORTIS

Como visto, a propriedade imobiliária, em regra, transfere-se com a presença do título (contrato de compra e venda, permuta, doação) e do
modo (transcrição imobiliária), apresentando o sistema registral brasileiro eficácia constitutiva.

Uma das exceções a essa regra é a transmissão causa mortis da propriedade. Com a abertura da sucessão, iniciada com a morte do titular
da herança, pela força do chamado direito de saisine, transmite-se aos herdeiros do de cujus (pessoa falecida), não só a posse, mas a
propriedade de toda a herança. Aqui, a transferência da propriedade ocorre de imediato, não sendo o registro constitutivo, e sim declaratório.
A necessidade de realização do inventário que finda no formal de partilha, levado ao registro imobiliário, apenas serve para fins de
formalização de algo já consolidado por ficção jurídica.

COMPRA E VENDA, PERMUTA E DOAÇÃO NO PLANEJAMENTO


SUCESSÓRIO
A compra e venda, a permuta e a doação funcionam de forma muito usual no mercado imobiliário, como também aparecem cotidianamente
como instrumentos de planejamento sucessório. O legislador, atento a tal fenomenologia, houve por criar várias normas para regular tais
situações. Vejamos as regras atinentes.

COMPRA E VENDA

Quanto à compra e venda, o art. 496 do CC trata da chamada venda de ascendente para descendente como causa de anulabilidade do
negócio jurídico, in verbis:

ART. 496. É ANULÁVEL A VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE, SALVO SE


OS OUTROS DESCENDENTES E O CÔNJUGE DO ALIENANTE EXPRESSAMENTE
HOUVEREM CONSENTIDO.

PARÁGRAFO ÚNICO. EM AMBOS OS CASOS, DISPENSA-SE O CONSENTIMENTO


DO CÔNJUGE SE O REGIME DE BENS FOR O DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA.
(Lei 10.406/2002)

Nesse passo, concede-se prazo decadencial de dois anos (ver art. 179 do CC) a contar da ciência do negócio jurídico (Enunciado 545 do
CJF): “o prazo para pleitear a anulação de venda de ascendente a descendente sem anuência dos demais descendentes e/ou do cônjuge do
alienante é de 2 (dois) anos, contados da ciência do ato, que se presume absolutamente, em se tratando de transferência imobiliária, a partir
da data do registro de imóveis”.

 ATENÇÃO

Veja que o Código Civil tutela a expectativa sucessória dos descendentes e do cônjuge, ressalvando apenas o regime da separação
obrigatória (na separação convencional, o cônjuge continua a ser herdeiro) e, além disso, também evita simulação, mormente a possibilidade
de que um ascendente esteja escamoteando pela via da compra e venda, o que, na realidade, seria uma doação (aqui, haveria nulidade do
negócio jurídico, não sendo hipótese de anulabilidade).

PERMUTA

Na permuta, incide a inteligência do art. 533, II, pelo qual “é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem
consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante”. Tal dispositivo comina a sanção de anulabilidade, no prazo decadencial
de dois anos, à permuta entre ascendentes e descendentes, sem o consentimento do cônjuge e dos demais descendentes, se os valores dos
bens trocados forem desiguais. Segue-se a mesma linha de coerência que inspirou a disposição simétrica inserta na sistemática da compra e
venda no art. 496 do CC.
DOAÇÃO

No tocante à doação, o art. 544 do CC prevê a situação de adiantamento de legítima, determinando que “a doação de ascendentes a
descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”.

Ocorre que o dispositivo em questão traz tão somente presunção relativa. Isso porque o doador não é obrigado a dispor de maneira paritária
dos seus bens em favor de cada um dos seus herdeiros.

O que a lei prevê no direito sucessório, especificamente no art. 1.846 do CC, é a intangibilidade da legítima, ou seja, o testador só pode
dispor de até 50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio. Isto é, afigura-se possível que o titular contemple, com sua parcela disponível
de bens, determinado herdeiro em detrimento de outro.

É exatamente isso que dispõem os arts. 2.005 e 2.006 do CC, a seguir transcritos, ipsis litteris:

ART. 2.005. SÃO DISPENSADAS DA COLAÇÃO AS DOAÇÕES QUE O DOADOR


DETERMINAR SAIAM DA PARTE DISPONÍVEL, CONTANTO QUE NÃO A EXCEDAM,
COMPUTADO O SEU VALOR AO TEMPO DA DOAÇÃO.

PARÁGRAFO ÚNICO. PRESUME-SE IMPUTADA NA PARTE DISPONÍVEL A


LIBERALIDADE FEITA A DESCENDENTE QUE, AO TEMPO DO ATO, NÃO SERIA
CHAMADO À SUCESSÃO NA QUALIDADE DE HERDEIRO NECESSÁRIO.
ART. 2.006. A DISPENSA DA COLAÇÃO PODE SER OUTORGADA PELO DOADOR
EM TESTAMENTO, OU NO PRÓPRIO TÍTULO DE LIBERALIDADE.

(Lei 10.406/2002)

Vejamos mais sobre o que o Código Civil discorre acerca da doação:

ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA
DOAÇÃO REMUNERATÓRIA
DOAÇÃO INOFICIOSA

ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA

Se a doação for adiantamento de legítima, aqueles bens objeto da doação terão que ser trazidos à colação, então sistematizada nos art.
2.002 a 2.012 do CC. Desse modo, “os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as
legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação” (CC, art. 2.002).

DOAÇÃO REMUNERATÓRIA

Na chamada doação remuneratória, havida, na forma do art. 540 do CC, quando ocorre algum tipo de serviço prestado pelo descendente em
favor do ascendente, dispensa-se a colação, em homenagem à vedação ao enriquecimento sem causa. Essa é a ratio do art. 2.011 do CC,
pelo qual “as doações remuneratórias de serviços feitos ao ascendente também não estão sujeitas a colação”.

DOAÇÃO INOFICIOSA

O art. 594 traz temática complementar, nomeada doação inoficiosa: “nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador,
no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”.

Como já explicitado, quem tem herdeiros necessários só pode dispor da metade de seus bens. Caso isso seja desrespeitado, há nulidade
absoluta.

 ATENÇÃO

Na espécie, para aferir a eventual existência de nulidade em doação pela disposição patrimonial efetuada acima da parte de que o doador
poderia dispor em testamento, deve-se considerar o patrimônio existente no momento da liberalidade, isto é, na data da doação, e não
o patrimônio estimado no momento da abertura da sucessão do doador. Embora esse sistema legal possa resultar menos favorável para os
herdeiros necessários, atende melhor aos interesses da sociedade, pois não deixa inseguras as relações jurídicas, dependentes de um
acontecimento futuro e incerto, como o eventual empobrecimento do doador.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o valor a ser apurado com o fim de se reconhecer a nulidade deve levar em conta o
momento da liberalidade.

PARA AFERIR A EVENTUAL EXISTÊNCIA DE NULIDADE EM DOAÇÃO PELA


DISPOSIÇÃO PATRIMONIAL EFETUADA ACIMA DA PARTE DE QUE O DOADOR
PODERIA DISPOR EM TESTAMENTO, A TEOR DO ART. 1.176 DO CC/1916, DEVE-
SE CONSIDERAR O PATRIMÔNIO EXISTENTE NO MOMENTO DA LIBERALIDADE,
ISTO É, NA DATA DA DOAÇÃO, E NÃO O PATRIMÔNIO ESTIMADO NO MOMENTO
DA ABERTURA DA SUCESSÃO DO DOADOR. O ART. 1.176 DO CC/1916 –
CORRESPONDENTE AO ART. 549 DO CC/2002 – NÃO PROÍBE A DOAÇÃO DE
BENS, APENAS A LIMITA À METADE DISPONÍVEL. EMBORA ESSE SISTEMA
LEGAL POSSA RESULTAR MENOS FAVORÁVEL PARA OS HERDEIROS
NECESSÁRIOS, ATENDE MELHOR AOS INTERESSES DA SOCIEDADE, POIS NÃO
DEIXA INSEGURAS AS RELAÇÕES JURÍDICAS, DEPENDENTES DE UM
ACONTECIMENTO FUTURO E INCERTO, COMO O EVENTUAL EMPOBRECIMENTO
DO DOADOR.

(STJ, AR 3.493-PE, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 12.12.2012, publicado no informativo n. 512)

A nulidade da doação inoficiosa é tão somente parcial, ou seja, apenas na parte que exceder a parcela disponível, na forma também do art.
2.007 do CC: “são sujeitas à redução as doações em que se apurar excesso quanto ao que o doador poderia dispor, no momento da
liberalidade”.

Conclui-se do exposto que, diferentemente da compra e venda, na doação de ascendente para descendente, não se exige anuência dos
demais herdeiros, porquanto a hipótese representaria apenas adiantamento de legítima, salvo nulidade em virtude de excesso inoficioso.

À medida que na compra e venda e na permuta eventual o uso dessas espécies contratuais para fins de planejamento sucessório
perfectibilizaria situação fraudatória da lei sem as autorizações apontadas, a doação pode servir para fins de adiantamento de herança sem
problemas, desde que haja:
Respeito ao limite da metade disponível.

Posteriormente, quando da abertura da sucessão post mortem, o ato da colação.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, pudemos depreender como sucedem os poderes dominiais e algumas das formas mais conhecidas pelas quais o proprietário
pode usar e obrigar-se a dispor de seus bens imóveis. Além disso:
Compreendemos a formalização da aquisição da propriedade no Brasil e a necessidade de conjugar título representativo do contrato e modo,
com a transcrição imobiliária.

Dessumiu-se possível aprofundar o conhecimento de tais contratos imobiliários (de compra e venda, permuta e doação) e sobre o tema da
alienação de imóveis, com o estudo do regime de bens do direito de família e sua influência registral para a transferência imobiliária,
caracterizada na vênia conjugal.
Captamos as limitações e viabilidades dos contratos propostos de análise como instrumentos de planejamento sucessório, isto é, verificando-
se, em cada um, a regulação da alienação de ascendentes para descendentes.

 PODCAST
Agora com a palavra o professor Diego Brainer, relembrando tópicos abordados em nosso estudo. Vamos ouvir!

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 7. ed. vol. IV. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1946.

TARTUCE, Flávio. A questão da outorga conjugal. Consultado em meio eletrônico em: 11 mar. 2021.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição
da República. 2. ed. vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

EXPLORE+
Para saber mais sobre os assuntos tratados neste tema, leia os artigos:

União estável e casamento: uma equiparação?, do professor Anderson Schreiber publicado no portal do jornal Carta Forense, em 2 de
maio de 2017.
Liberdade de testar e doar seria alternativa mais eficaz à legítima, dos advogados Renato Giovanini Filho e Pedro Henrique Quitete
Barreto, que propõe o aumento da liberdade no âmbito do direito sucessório. Faça a leitura na página da revista eletrônica Consultor
Jurídico.

CONTEUDISTA
Diego Brainer de Souza André

 CURRÍCULO LATTES

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