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3/21/22, 2:34 PM jurisprudência.

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Tribunal da
Relação do Porto
Processo

0151125
Relator

FONSECA RAMOS
Sessão

10 Dezembro 2001
Votação

UNANIMIDADE
Meio Processual

APELAÇÃO. AGRAVO.
Decisão

ALTERADA A DECISÃO.

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TRANSPORTE MARÍTIMO DANO ACÇÃO

CADUCIDADE

Sumário
I - O prazo para a instauração de acção de
indemnização por alegados prejuízos sofridos por
virtude de atraso de entrega de mercadorias
transportadas por mar é de um ano a contar da
entrega das mesmas ou da data em que estas
deveriam ser entregues, conforme estabelece o
n.6 do artigo 3 da Convenção Internacional para a
Unificação de Certas Regras em Matéria de
Conhecimento de Carga, assinado em Bruxelas em
25 de Agosto de 1924 (publicado no Diário do
Governo de 2 de Junho de 1932, ratificado em 11 de

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Julho de 1932 e tornado direito interno pelo


Decreto-Lei n.37748, de 1 de Fevereiro de 1950) e
não o prazo estabelecido no artigo 27 n.2 do
Decreto-Lei n.352/86, de 31 de Outubro.

II - O transportador marítimo tanto é o proprietário


do navio como aquele que o afreta e que foi parte
num contrato de transporte com um carregador.

Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

“C..... Ltd”, com sede em ....., USA, intentou, em


16.8.1989, pelo Tribunal Judicial da Comarca de
Matosinhos, acção declarativa de condenação,
com processo ordinário, contra:

1°- “D....., Ldª.”, com sede na Rua ....., Porto.

2°-“D..... A.G.”, com sede em ....., Suíça.

3°- “United ..... Limited”, com sede em .....,


Bermuda;

4°- “T..... D.....”, representada por “Agência ....., Ldª”,


com sede na ....., Porto.

Pedindo a condenação solidária das Rés, no


pagamento de 67.199,44 dólares USA, acrescidos
dos juros legais, desde a data da última citação,
até integral pagamento.

Para esse efeito, alegou, essencialmente, que:

- tendo adquirido, em Portugal, determinada


quantidade de flanela de algodão, para revender à
firma “I....., Inc.”, contratou com as 1ª e 2ª
demandadas, o transporte dessa mercadoria,
embarcada no Porto de Leixões, com destino ao
porto de Hong-Kong, a efectuar pelo 4º demandado
– um navio - mas, por atraso verificado na viagem e
respectiva entrega, sofreu prejuízos do montante
agora reclamado.

- o 4º Réu – o navio russo mercante transportador


de carga geral, registado no porto de Odessa-URSS
- pertencia à “U....., Co” e foi quem transportou o
contentor com carga adquirida pela Autora.

A 3ª demandada foi accionada na qualidade de


seguradora do contrato de transporte.

As demandadas foram citadas.

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A representante legal de “T..... D.....”, doravante o


“Navio”, veio chamar à autoria, “U....., Co”, com sede
em ....., URSS, e “A....., Ldª.”, a lª como proprietária
do “navio” e a 2ª como respectiva armadora.

Após a autora ter deduzido oposição, o incidente


de chamamento à autoria foi indeferido.
***
Todas as demandadas contestaram, por
impugnação, e por excepção, alegando a
caducidade/prescrição do direito invocado pela
autora.

A co-ré United ..... Limited excepcionou, ainda, a


sua ilegitimidade, alegando não poder ser
directamente demandada pela Autora.

Tal excepção foi julgada improcedente, tendo tal


Ré sido considerada parte legítima.

Quanto a saber se poderia ter sido directamente


demandada pela tal Autora, tal foi considerado
excepção inominada, cujo conhecimento se
relegou para sentença.

Também o 4º Réu – o Navio- excepcionou a sua


ilegitimidade, alegando só pode ser demandado
quando se ignore, através do conhecimento de
embarque, quem é o transportador, o que não
acontece no caso, pois que o transportador como
consta de tal conhecimento foi “U..... Co”.
***
Foi, oportunamente, proferido o despacho
saneador fls. 356 a 358 - que julgou as RR. “United
..... Limited” e “Navio” partes legítimas.

A excepção de caducidade, foi julgada


improcedente, por se considerar que a URSS não
tinha ratificado a Convenção de Bruxelas, que
previa um prazo de caducidade de 1 ano, sendo
aplicável o DL. 358/86, de 21.10, que estipula ser tal
prazo de 2 anos e, por tal, não ter ocorrido
caducidade do direito de accionar, já que a
mercadoria foi entregue em 6.8.88 e a acção
intentada, atempadamente, em 16.8.89, por o prazo
de caducidade se suspender durante as férias
judiciais.
***
Da decisão que julgou improcedente a excepção de
caducidade, foi interposto recurso pela rés “United
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..... Limited” e Navio “P..... D.....”- fls. 368 – que


pretendiam que fosse recebido como de apelação,
com subida imediata e efeito suspensivo.

A fls. 369, as mesmas Rés, interpuseram recurso


do despacho saneador, na “parte em que sobre as
excepções de ilegitimidade suscitada pela “United
..... Limited” e ainda na parte em que considerou
procedente a “actio in rem” contra o réu navio”.

Recurso que pediu que fosse recebido como de


agravo e com subida deferida.

Por despacho de fls.373 verso e 374, tais recursos,


o de fls. 368 e 369, foram recebidos como de
agravo, a subir imediatamente, com o primeiro
recurso que haja de subir nos próprios autos, e
com efeito meramente devolutivo.
***
As recorrentes “United ..... Limited” e “P..... D.....”
alegaram, em 13.2.1991, de fls. 380-389, suscitando
a questão prévia da espécie do recurso,
concernente à excepção da caducidade julgada
improcedente, sustentando ser ele de apelação e
não de agravo, como foi recebido.

Formularam as seguintes conclusões- fls. 388-


389-:

a) - Tal como se alegou (cfr. questão prévia) acima


o presente recurso é de apelação e não de agravo;

b) – Está em causa nestes autos o alegado


incumprimento de um contrato internacional de
transporte de mercadorias por mar, tendo a
mercadoria embarcado em Leixões, com destino a
Hong-Kong, onde foi entregue a 6 (seis) de Agosto
de 1988;

c) – As questões emergentes do transporte


internacional de mercadorias por mar estão
sujeitas ao regime injuntivo da Convenção
Internacional para a Unificação de Certas Regras
em Matéria de Conhecimentos de Embarque,
Bruxelas, de 25.08.1924, de que Portugal é parte
contratante (nela, de resto, se fundamentou o
pedido – cfr. art. 46º e 50º da p.i.;

d) – Dispõe o n°6 do art.3° daquela Convenção que


o direito à indemnização caduca se a respectiva
acção não for instaurada no prazo de um ano a
contar da entrega da mercadoria;

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e) - O art. 10° daquela Convenção estipula que as


suas disposições se aplicam a todo o
conhecimento criado num dos estados
contratantes (tal como aconteceu no caso em
apreço) pelo que o caso dos autos cai na esfera
espacial e material de aplicação da Convenção de
Bruxelas de 1924;

f) - No mesmo sentido dispõe o art. 1° do D.L.


37.748, de 01.02.50, ao dispor que o regime
injuntivo da Convenção se aplica a todos os
conhecimentos de carga emitidos em território
português, qualquer que seja a nacionalidade das
partes contratantes;

g) – A Lei Fundamental portuguesa instituiu um


regime de recepção plena e automática do direito
convencional, que vigora na ordem interna
enquanto vincular externamente o Estado
Português (art. 8° da Constituição) e do qual
decorre o valor supra-legal daquele direito
relativamente à lei ordinária;

h)- O disposto no n° 2 do art. 27º do D.L. 352/86, de


21/10, não tem qualquer aplicação ao caso dos
autos “ex vi” do disposto no art. 2° daquele diploma;

i)- Ao afastar o regime injuntivo daquela Convenção


a decisão recorrida violou as seguintes normas:
art. 8° da Constituição; art. 10° da Convenção de
Bruxelas de 25.08.1924 sobre Conhecimentos de
Embarque; art. 1° do D.L. 37.748, de 01.02.50, e
art.2° do Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro;

j)- Acresce que a acção apenas deu entrada no


Tribunal a 16 (dezasseis) de Agosto de 1989, data
em que o direito já caducara;

k) – Ao não considerar aplicável o prazo de


caducidade de um ano e entender que, mesmo no
domínio da Convenção, tal prazo estaria sujeito a
suspensão, não diferenciando o instituto da
caducidade do da prescrição, a douta decisão
impugnada violou ainda as seguintes normas: art.
3°, n° 6, da Convenção de Bruxelas de 1924; art.
328° do Cód. Civil, art. 144°, n°4, do Código de
Processo Civil.

Termos em que os recorrentes esperam


provimento ao recurso, considerando caducado o

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direito de accionar e, em consequência sejam


absolvidos do pedido.
***
Corridos os ulteriores trâmites legais, realizou-se a
audiência de discussão e julgamento, com
intervenção do Tribunal Colectivo que proferiu o
acórdão sobre a matéria de facto.

Apresentaram alegações de direito as lª e 3ª


demandadas.
***
A final foi proferida sentença – fls.571/577- em
22.2.2001, que:

1°- Julgou a acção improcedente, por não provada,


quanto às demandadas “D....., Ldª” e “D..... AG”, que
foram absolvidas do pedido;

2°- Considerou procedente, por provada, a


excepção de ilegitimidade deduzida pela
demandada “United ..... Limited” e, em
consequência, absolveu esta demandada da
instância;

3°- Julgou procedente, por provada, a acção e, em


consequência, condenou o demandado “T..... D.....
(“Navio”), representado pela “Agência ....., Ldª.”, a
pagar à autora a quantia de 67.199,44 dólares dos
Estados Unidos da América do Norte, acrescida de
juros desde a última citação até integral e efectivo
pagamento.
***
Inconformadas com tal sentença, recorreram:

1- O réu “P..... D.....” – Navio – fls. 591- e,

2 - A Autora “C....., Ltd”, na parte em que a sentença


absolveu do pedido as RR.- “D....., Ldª” e “D..... AG” -
e absolveu da instância a ré “United ..... Limited” –
fls. 594.

Tais recursos foram admitidos como de apelação e


subida imediata nos autos –fls. 596.
***
Nas alegações apresentadas, de fls. 602 a 614,
completadas a fls. 685-689, na sequência do
despacho do relator de fls.680 e verso, o Réu
Navio- “P..... D.....” formulou as seguintes
conclusões:

Quanto ao agravo - (“actio in rem”):

7.1.l . A ficção legal de atribuição de personalidade


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judiciária apenas releva - em caso de transporte de


mercadorias por mar, que é o que está em apreço
nestes autos - quando não é possível identificar,
através dos dizeres do conhecimento de carga,
quem nele figura como transportador (art. 28° do
D.L. n° 352/86, de 21/10);

7.1.2. O conhecimento de carga contém, de forma


detalhada, no seu cabeçalho, não apenas os nomes
do armador (U..... Co, de Odessa) como o do seu
agente geral em Portugal, isto para além de conter
os dizeres relativos à actividade (M..... - -
transportador marítimo) como ao nome da linha
comercial (linha regular Golfo Indosuez), tudo em
claro destaque no cabeçalho do conhecimento de
carga;

7.1.3. É, “in casu”, irrelevante que o transportador


marítimo possa ser o proprietário do navio ou um
afretador a tempo do mesmo, visto que o que
importa é que no cabeçalho do conhecimento haja
uma identificação clara de quem o emite, o que
ocorre no caso dos autos;

7.1.4. Na origem do regime consagrado no


mencionado art. 28° do D.L. 352/86 está a
dificuldade em efectivar a responsabilidade do
transportador (“...se o transportador marítimo não
for identificável com base nas menções
constantes do conhecimento de carga, o navio que
efectua o transporte responde perante os
interessados na carga...”);

7.1.5. O que releva é que a identificação do


transportador (que é quem emite o conhecimento
de carga) não seja por completo ocultada (como
sucede nos conhecimentos “sans un tête”) ou que
só seja apurável com desrazoável dificuldade ou
incerteza;

7.1.6. Não sendo responsável o navio, por ser


identificável o transportador, não há que convocar
a responsabilidade do próprio navio onde se fez o
transporte, nem a sua personalidade judiciária ou
sua representação;

7.1.7. Não estando preenchidos os requisitos legais


do inciso referido acima, torna-se assim óbvia a
improcedência da “actio in rem” que teve por
sujeito passivo o navio “P..... D.....”.

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Quanto ao recurso de apelação:


7.2.1. A Apelada fundou o seu pedido no alegado
incumprimento do contrato de transporte marítimo
de mercadorias por mar, com base na pretensa
violação da Convenção de Bruxelas de 25.08.24,
para a Unificação de Certas Regras em Matéria de
Conhecimentos;

7.2.2. A Apelada não reclama perdas ou danos


decorrentes de avarias ou faltas na mercadoria
transportada (que, “in casu”, não ocorreram), mas
despesas e/ou lucros cessantes que promanariam
de uma alegada entrega tardia das mercadorias
transportadas;

7.2.3. A versão autêntica da Convenção é a que


decorre do texto francês, publicada com a carta de
adesão, a qual alude expressamente a perdas ou
danos (e não perdas e danos);

7.2.4. As perdas ou danos estão indissoluvelmente


ligados à própria carga e/ou aos volumes de carga
transportados, não se podendo interpretar a
expressão constante daquele tratado “se as perdas
ou danos não são aparentes (...)” de outro modo
que não seja: se as faltas (de volumes/carga) e as
avarias (em volumes de carga) não são visíveis;

7.2.5. As expressões “perdas ou danos” nunca estão


referidas no tratado a prejuízos causados ao
proprietário da mercadoria, mas sim estão ligadas
expressamente aos próprios volumes que
constituem a carga. Também nunca se fala no
texto da Convenção em danos causados ao
proprietário, mas unicamente em danos
provocados à mercadoria;

7.2.6. Num contrato de transporte internacional


regido pela Convenção, como é o do caso em
apreço, o ressarcimento por perdas ou danos é
feito com base na técnica da responsabilidade em
valor, tendo em conta apenas a mercadoria
transportada;

7.2.7. Esta é de resto a única interpretação


compaginável com o instituto de limitação de
responsabilidade civil consagrado naquela
Convenção;

7.2.8. Atendendo a que os prejuízos reclamados


não respeitam a perdas ou danos à mercadoria
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transportada, o ora Apelante não responde pelos


valores peticionados;

7.2.9. Assim, a douta decisão recorrida não


interpretou correctamente o art. 4°, n°6, da
Convenção em apreço;

7.2.10. E também não atendeu ao que decorre do


art. 4, n°5, com as actualizações constantes do
D.L. 37.748, de 01.02.50 e do D.L. n° 352/86, de 21
de Outubro;

7.2.11. Além do mais, antes de efectuado o


embarque ou no início do carregamento, a Apelada
não informou que o prazo de duração da viagem
era elemento essencial do contrato nem foi
assumida obrigação de garantia a tal respeito;

7.2.12. A comparação entre a Convenção de


Bruxelas e a Convenção de Hamburgo, referidas
acima, também demonstra que, nos termos da
primeira (única em vigor), o transportador
marítimo não responde pelos prejuízos reclamados
nesta lide.

Termos em que deve ser revogada a douta decisão


impugnada, e, em consequência, deverá absolver-
se o apelante do pedido, porquanto só assim se
fará inteira Justiça.
***
A Autora “C....., Ltd”, nas alegações apresentadas,
de fls. 619 a 649, formulou as seguintes
conclusões:

1. Na sentença “sub-judice”, a Ré, ora apelada, D.....,


Ldª foi qualificada com afretadora.

2. Na mesma sentença conclui-se que a R. D.....,


Ldª não contribuiu para o atraso do navio, e não
podia prever esse atraso.

3. E, assim, a R. D....., Ldª foi absolvida do pedido.

4. Sucede, porém, que a caracterização jurídica da


intervenção da R. D....., Ldª está incorrecta e a
apreciação da sua responsabilidade também.

5. Na verdade, a R. D....., Ldª actuou como


transitária, a pedido da Autora.

6. Assim, na sua qualidade de transitário competia


à R. D....., Ldª efectuar, por conta da Autora, a
planificação, controle, coordenação e direcção das
operações necessárias à execução das
formalidades e trâmites exigidos na expedição,
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recepção e circulação das mercadorias da Autor –


cfr. art. 1° do Dec.Lei n° 43/83, de 25 de Janeiro.

7. E tais funções deveriam ser exercidas no


interesse da Autora, com zelo e diligência.

8. Dos factos provados resulta, sem qualquer


margem para dúvida, que a R. D....., Ldª não
controlou, nem coordenou todas as operações
exigidas a uma correcta expedição e circulação
das mercadorias.

9. Quer porque emitiu documentos (conhecimento


de embarque) com informações falsas.

10. Quer porque não manteve qualquer contacto


com o transportador, a ponto de desconhecer a
rota utilizada pelo navio e ter levado mais de um
mês a apurar o paradeiro desse mesmo navio.

11 . A falta de acompanhamento da viagem da


mercadoria por parte da R. D....., Ldª contribuiu, de
forma significativa, para o atraso verificado, pois o
transitário não se inteirou da rota (não habitual)
que o navio tomou.

12. Situação que podia e devia ter previsto, pois


uma das suas obrigações é planificar e coordenar a
circulação das mercadorias.

13. Desta forma, a R. D....., Ldª violou,


grosseiramente, os deveres de zelo e diligência
que a lei (maxime o Dec-Lei n° 43/83, de 25 de
Janeiro) lhe impunha, na sua qualidade de
transitário.

14. Pelo que deveria ter sido condenada a pagar à


Autora, os prejuízos por esta sofridos e cujo
montante se encontra amplamente provado.

Termos em que, a sentença sob recurso, violou o


preceituado nos arts. 1° e 9° do Dec-Lei n° 43.183,
de 25 de Janeiro e, bem assim, o disposto nos arts.
798°, 799° e 562°, todos do Código Civil, pelo que
deverá ser revogada e substituída por uma decisão
que condene a R. D....., Ldª a pagar à Autora, ora
apelante, a quantia de US$67.199,44 acrescida de
juros a contar da data da citação até integral
pagamento,

Porquanto só assim se fará Justiça.

A apelada “D....., Ldª”, contra-alegou, pugnado pela


confirmação da sentença.
***
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em


conta que a sentença recorrida considerou
provados os seguintes factos:

1°- A 3ª demandada é uma mútua de seguros que


cobre a responsabilidade civil dos navios nela
inscritos, incluindo a responsabilidade pelas
avarias, faltas e demora na entrega das cargas
neles transportadas.

2°- O 4° demandado é um navio mercante de carga


geral, registado no Porto de Odessa, U....., Co.

3°- O 4° demandado estava inscrito, na altura em


que ocorreu a viagem em causa, na 3ª demandada,
estando assim a responsabilidade civil dele,
perante os interesses da carga, transferida para
esta.

4°- A autora é uma firma que se dedica à compra e


venda de mercadorias.

5°- A demandada “D....., Ldª” é uma firma que


exerce a actividade de transitário e de agente de
navegação.

6°- A autora comprou à firma “O.....-Empresa ”, .....,


42,376 jardas de flanela de algodão, ao preço de US
$I,60 por jarda.

7°- A autora tinha um contrato para revender à


firma “I....., Inc.” aquela mercadoria, pelo preço de
US $2,15 por jarda.

8°- Por seu turno, a “I..... Inc.” tinha um contrato


com a “S..... Limited” para ela fabricar camisas com
essa flanela, em Hong-Kong, camisas que seriam
enviadas para a “I....., Inc.” nos EUA.

9°- Em 18 de Março de 1988, a autora pediu, por


telex, à lª demandada informações sobre o custo
do contentor, a frequência das partidas e o tempo
de viagem, para o transporte da flanela de algodão
de Portugal para Hong-Kong.

10°- Aquela demandada respondeu, no dia 21


seguinte, por telefax, que o custo do contentor era
de US $2.600,00, que havia partidas semanais, via
Antuérpia, e saídas de Antuérpia de 12 em 12 dias, e
que o tempo de viagem era de cerca de 35 a 40
dias.

11°- A lª demandada, na qualidade de agente da 2ª


demandada, emitiu um conhecimento de
embarque desta, em 7 de Maio de 1988, sob o n°
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....., estando nele aposta a indicação de que a


carga estava a bordo, que o transporte era feito no
“navio”, que o porto de carga era Leixões e o de
destino era Hong-Kong, não se referindo nele
qualquer transbordo; que o carregador era a
“O......- Empresa”, que o conhecimento era à ordem
do “BBC ..... Ltd.”, e que a entidade a notificar à
chegada era a “S..... Limited”, firma encarregada
pela “I....., Inc.” para fazer as camisas com a flanela
de algodão que ela, “I....., Inc.”, tinha acordado
comprar à autora.

12°- O conhecimento de embarque, a que respeita


a fotocópia junta com a petição inicial, sob o
documento 3, contém duas declarações contrárias
à realidade: a mercadoria só foi embarcada em
24.05.88 e a 2ª demandada não se encarregou do
transporte da flanela de Leixões para Hong-Kong.

13°- Apesar do referido no conhecimento de


embarque, a “O......- Empresa”, vendedora da
mercadoria, recebeu o respectivo preço, através
de uma carta de crédito, contra a apresentação
daquele conhecimento.

14°- A autora contava com a mercadoria em Hong-


Kong até 15.06.88.

15°- Tal não aconteceu, e a autora enviou, em


20.06.88, à lª demandada um telefax referindo que
ela tinha recebido informações de que a
mercadoria não chegaria a Hong-Kong antes do
fim de Julho.

16°- Nesse telefax, a autora chamou a atenção da lª


demandada de que ela lhe tinha referido um tempo
de viagem de 35 a 40 dias e solicitou-lhe, com
urgência, uma história completa com todos os
detalhes.

17°- Em 21.06.88, a autora enviou outro fax à lª


demandada dando-lhe conhecimento que o
escritório da “D....., Ldª Hong Kong” a tinha
informado que o “navio” não tinha por destino
Hong-Kong, mas estava em rota para a URSS, para
transbordo no navio “US.....”, que não chegaria a
Hong-Kong antes do fim de Julho.

18°- Nesse fax, a autora também chamou a atenção


daquela demandada que a chegada no fim de Julho
ocasionaria um grande desastre para o seu cliente,
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“que o poria fora do negócio” e pediu-lhe que a


contactasse para se arranjar um frete aéreo para a
flanela de algodão chegar a Hong-Kong o mais
rapidamente possível.

19°- Nesse mesmo dia, a autora enviou um fax à 1ª


demandada, chamando-lhe a atenção para o facto
de que, dado o tempo de viagem por ela prometido
e a data de carregamento de 07.05.88 a carga
deveria ter chegado a Hong-Kong cerca de 15.06.88
e que a chegada no fim de Julho constituiria um
desastre para o cliente dela, precisando a autora
de conhecer a exacta localização da carga, o
próximo porto de escala do “navio”, para arranjar
um frete aéreo para Hong-Kong, terminando a
mensagem dando o número de telefone e pedindo
uma chamada logo que possível.

20°- Em 21.06.88, a 1ª demandada enviou à autora


um fax, cujo conteúdo se transcreve: “Re: cont. de
1 x40, de O..... – Empresa. para Hong Kong pelo n/m
“P..... D.....”, é de facto uma surpresa para nós a
existência dum provável transbordo porque
quando contactamos a linha de navegação em
causa disseram-nos que este era um navio directo
de Leixões para Hong Kong com um tempo de
viagem de cerca de 30/35 dias.

Contudo, entramos agora em contacto com esta


linha de navegação para sermos informados do que
se passa com este contentor e a sua posição
actual.

Como compreenderão qualquer mudança na


viagem ou qualquer transbordo de contentor para
outro navio nada tem a ver com a nossa firma
vendo que, como podem facilmente observar
através do conhecimento de embarque anexo, não
se faz menção de transbordo ou mudança de navio
transportador.

Esperamos poder em breve estar em posição de


voltar com mais notícias. Cumprimentos – José
.....”.

22°- Em 21.06.88, a lª demandada enviou à autora o


telefax junto a fls. 25 e anexo o conhecimento de
embarque junto a fls. 26.

23°- Este conhecimento de embarque de fls.26, foi


emitido em representação do Comandante do
https://jurisprudencia.pt/acordao/26543/ 13/30
3/21/22, 2:34 PM jurisprudência.pt - Pesquisa de jurisprudência Portuguesa

“navio”, pela Agência ......, Ldª.

24°- Nele se refere que o navio transportador é o


“navio”, sendo o porto de carregamento Leixões e o
porto de descarga Hong-Kong, não se referindo
nele qualquer transbordo.

25°- Do referido conhecimento de embarque


consta que a carga estava carregada a bordo em
07.05.88, mas o “navio” só chegou a Leixões em
24.05.88.

26°- E saiu no dia seguinte.

27°- Em 21.06.88, a lª demandada enviou à Agência


......, Ldª o telex junto a fls. 10.

28°- Entre 22.06.88 e 27.07.88, a Autora trocou


mensagens com a lª demandada e com a sua casa
mãe, a “D..... AG.”, ....., Suíça, tentando receber um
relatório completo do contentor desaparecido e,
acima de tudo, removê-lo, num porto de escala,
para o enviar por via aérea para Hong-Kong, mas
tudo foi infrutífero.

29°- Finalmente, a D..... Al....., de Nova Iorque, deu


conhecimento à autora de toda a saga: a chegada
do “navio” a Ilychevsky atrasou-se e perdeu-se a
ligação para o navio B....., tendo-se previsto o
transbordo do contentor para o navio US....., com
chegada prevista a Hong-Kong em 25.07.88. Mas
esse transbordo não foi possível e o contentor
acabou por ser carregado no navio BOL....., com
chegada prevista a 06.08.88.

30°- O contentor com a flanela de algodão chegou


a Hong-Kong em 06.08.88, quando deveria ter
chegado cerca de 15.06.88, ou seja, com um atraso
de dois meses menos uma semana.

31°- A Autora comprou à “O...... - Empresa” 42.376


jardas de flanela de algodão ao preço de US $I,60
por jarda, para as revender à I....., Inc. ao preço de
US $2,15 por jarda.

32°- Em virtude da chegada tardia da flanela de


algodão a Hong-Kong, a carta de crédito aberta a
favor da autora expirou e esta não recebeu US
$91.108,40.

33°- Em virtude de ter perdido o negócio com a


I....., Inc., a autora tentou vender a mercadoria no
mercado, mas encontrou as maiores dificuldades,
porquanto a flanela tinha as especificidades e
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cores da I....., Inc., que não eram “Standarts”.

34°- Conseguiu, contudo, vender em Hong-Kong


16.114 jardas ao preço de US $ 1,60 por jarda, o que
representa uma perda de US $0,55 por jarda, ou
seja, com uma perda de US $8.862, em relação a
essas 16.114 jardas.

35°- Tendo por objectivo minimizar os prejuízos da


I....., Inc. e, acima de tudo, evitar que ela a
accionasse por quebra de contrato, a autora
entrou num arranjo com a I....., Inc., tendo em vista
remeter-lhe as camisas para os USA.

36°- Para o efeito, a autora remeteu 14.161,5 jardas


de flanela de algodão para a Coreia, para serem
usadas no fabrico de 8.460 camisas.

37º- O custo de fabrico das camisas na Coreia foi


de US $10,29 por camisa, mas a autora cedeu à
I....., Inc. cada camisa ao preço de US $8, tendo
assim perdido em cada camisa US $2,29, o que
representa uma perda de US $ 19.373.

38°- A autora teve ainda que suportar o custo do


frete das camisas da Coreia para os E.U.A., no
montante global de US $11,676.

39°-A autora não foi capaz de revender 12.100,5


jardas da flanela de algodão, cujo valor actual é de
US $0,20 por jarda, o que representa um prejuízo
de US $23.595,58.

40°- A autora pagou ainda despesas de


armazenagem e manuseamento em Hong-Kong e
na Coreia, que não teria pago se não tivesse havido
um atraso na entrega, no montante de US
$3.691,76.

41°- A rota habitual de Portugal para Hong-Kong é


pelo Mediterrâneo/Canal de Suez e leva cerca de
30 dias, de acordo, aliás, com a informação dada
pela Agência ....., Ldª à demandada “D....., Ldª”.

Fundamentação:

Decidida a questão prévia, suscitada pelos


recorrentes “United ..... Limited” e “P..... D.....”, no
sentido de que o recurso que interpuseram do
despacho saneador, na parte em que julgou
improcedente a excepção da caducidade do direito
de accionar por parte da Autora, é de agravo - cfr.
despacho do relator de fls.679 a 680 – importa, nos
termos do art. 710, nº1, do Código de Processo Civil
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conhecer desse recurso.

As mesmas recorrentes, a fls. 369, como antes se


disse, recorreram também do despacho saneador
na parte em que considerou “procedente a “actio in
rem” contra o réu “Navio”.

A este recurso, admitido como de agravo, foi fixada


subida diferida com o recurso interposto da
decisão final.

Será apreciado depois o relativo à excepção da


caducidade.
***
Apreciando, o agravo interposto pelo requerimento
de fls.368 dos RR. -“United ..... Limited” e “P.....
D.....”- Navio- cujas conclusões constam de fls.
388/389.

Da caducidade:

A questão objecto de tal recurso, aferida pelo teor


das respectivas conclusões, consiste em saber se
o direito exercido pela Autora – pedido de
indemnização por alegados prejuízos sofridos por
virtude de atraso na entrega de mercadorias
transportadas por mar – caducou por ter decorrido
o prazo estabelecido na Convenção de Bruxelas.

Releva para o conhecimento de tal agravo, em


função do pedido e da causa de pedir, a alegação
da Autora de ter celebrado com a ré “D....., Ldª” um
contrato de transporte marítimo de mercadorias,
carregadas no navio “P..... D.....” e que deveriam ter
sido entregues, oriundas do porto de Leixões, em
Hong-Kong até ao dia 15.6.1988, quando o foram em
6.8.1988, com cerca de dois meses de atraso.

Vejamos:

Na ordem jurídica portuguesa sobre o contrato de


transporte de mercadorias por mar, estão em vigor
a “Convenção Internacional Para a Unificação de
Certas Regras em Matéria de Conhecimento de
Carga”, assinada em Bruxelas a 25.8.1924,
publicada no Diário do Governo, Iª Série, de
2.6.1932, e rectificada em 11.7.1932, tornada direito
interno pelo DL. 37.748, de 1.2.1950- “Convenção de
Bruxelas”- e o DL. 352/86, de 31 de Outubro.

No nº6 do art. 3º da Convenção de Bruxelas


estabelece-se que – “Em todo o caso o armador e o
navio ficarão libertos de toda a responsabilidade
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por perdas ou danos, não sendo instaurada a


respectiva acção no prazo de um ano a contar da
entrega das mercadorias ou na data em que estas
deveriam ser entregues”.

O art. 10º da aludida Convenção estabelece que as


suas disposições são aplicadas a todo o
conhecimento (de embarque) criado num dos
estados contratantes.

Por sua vez o citado DL estabelece no art. 27º, nº2,


que – “... Os direitos de indemnização previstos no
presente diploma devem ser exercidos no prazo de
dois anos a partir da data em que o lesado teve
conhecimento do direito que lhe compete”.

Vigoram, assim, dois prazos de caducidade; maior


o do diploma de 1986 – 2 anos –menor, do da
Convenção (direito interno português, à luz do nº2
da Constituição da República de 1933 e 8º da
vigente) – que estabelece o prazo de um ano.

Como se sabe, por regra constitucional, o direito


das convenções internacionais recebido na ordem
interna, prevalece sobre o direito interno.

Todavia, importa atentar que o citado DL., depois


de no seu art. 1º definir o contrato de transporte de
mercadorias por mar, estabelece no seu nº2 do art.
2º que tal contrato “ É disciplinado pelas tratados e
convenções internacionais vigentes em Portugal e,
subsidiariamente, pelas disposições do presente
diploma”.

Desde logo, como não podia deixar de ser, o DL


afirma a primazia dos tratados e convenções
vigentes em Portugal, relegando para si um campo
de aplicação subsidiária, aplicando-se onde tais
tratados ou convenções forem inaplicáveis.

Acerca do nº2 do art. 27º do DL 352/86, o Dr. Mário


Raposo, no estudo “Sobre o Contrato de Transporte
de Mercadorias Por Mar”, publicado no BMJ- 376-
10, referindo-se ao campo de aplicação da citada
norma, escreve:

- “A sua aplicação caberá nas hipóteses de


transportes internacionais a que não se aplique a
Convenção, como acontece nas situações
excluídas pela alínea c) do art. 1º (transporte de
animais vivos e transporte no convés, nos termos
aí especificados) e, e ainda nos transportes
https://jurisprudencia.pt/acordao/26543/ 17/30
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internos, aos quais também não se aplica a


convenção enquanto tal”.

Sendo o aludido DL de aplicação subsidiária, é a


Convenção de Bruxelas aplicável no caso dos
autos, já que se trata do transporte marítimo
internacional, em contentor, de mercadorias
(flanelas) do porto de Leixões para Hong-Kong.

Assim, temos por inquestionável que se aplica o


prazo de caducidade de um ano, estabelecido pela
Convenção de Bruxelas.

Para as situações não abrangidas pela Convenção


é que rege o prazo maior do diploma de 1986. Neste
sentido, cfr.- Ac. da Relação do Porto de 9.6.1999,
in CJ, 1999, III, 208; Acs. da Relação de Lisboa de
8.7.1994, in CJ, 1994, III, 145; de 19-3-1996, in CJ,
1996, II, 84; de 12.6.1996, in, CJ, 1996, III, 116; de
28.5.1998, in CJ 1998, III, 110.

Assente que o prazo de caducidade é de um ano e


que a Autora, tendo recebido as mercadorias em
6.8.1988, intentou a acção em 16.8.89, em férias
judiciais do Verão, será que ocorreu caducidade,
sendo certo que dispunha do prazo de um ano, a
contar da data da entrega?

Dispõe o art. 328º do Código Civil que - “ O prazo de


caducidade não se suspende nem se interrompe
senão nos casos em que a lei o determine”.

A caducidade evita-se propondo a acção dentro do


prazo correspondente, não dependendo - como na
prescrição – da citação do réu.

A propositura da acção paralisa o prazo de


caducidade.

Ora, a Autora instaurou a acção, em 16.8.1989, em


férias judiciais do Verão de 1989, que decorriam, tal
como agora, de 16 de Julho a 14 de Setembro – art.
10º da Lei 38/87, de 23.12, ao tempo em vigor.

Da conjugação dos arts. 296º e 279 e) do Código


Civil, resulta que, quando o prazo de caducidade
terminar durante período de férias judicias, ele se
transfere para o 1º dia útil após elas.

Assim, a Autora para evitar o decurso do prazo de


caducidade, poderia ter intentado a acção até ao
“prazo-limite” de 15 de Setembro de 1989, 1º dia útil,
após o decurso das férias judiciais.

Ao intentar a acção no dia 16.8.89, fê-lo de modo a


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não deixar caducar o seu direito, pelo que bem


andou a decisão recorrida ao considerar atempada
a propositura da acção, muito embora
considerasse inaplicável a Convenção de Bruxelas
- do que se discorda - , por alegadamente dela não
ser signatária a URSS, mas considerando que
mesmo que o fosse seriam aplicáveis os citados
artigos do Código Civil.

Improcedem, deste modo, as conclusões dos


recursos, no que concerne ao julgamento, pela
improcedência ,da excepção da caducidade
alegada pelas recorrentes.
***
Recurso de agravo do Réu navio “P..... D.....”:

Tal recurso de agravo tem por objecto saber se, no


caso concreto, a acção poderia ter sido intentada
contra o navio P..... D..... – “actio in rem”.

Importa relembrar que a Autora intentou a acção


contra o “Navio” – actio in rem – por, alegadamente,
desconhecer, através da análise do conhecimento
do embarque - “Bill of Lading”- “ e não ser possível
identificar com precisão quem foi o transportador
- “carrier” - que se encarregou do transporte”- art.
26º da petição inicial.

Tal questão ficou em aberto para julgamento,


tendo após a produção de prova o Tribunal
recorrido considerado que o 4º demandado - o
“Navio” - é propriedade da “U....., Co” – item 2º da
matéria de facto.

Ora, nos termos conjugados dos arts. 10º, nº1, e 28º,


nº1, do DL 352/86 se o transportador marítimo não
for identificável com base nas menções
constantes do conhecimento de carga, o navio que
efectua o transporte, responde perante os
interessados na carga, nos mesmos termos em
que responderia o transportador - actio in rem.

O nº2 confere, então ao navio personalidade


judiciária, cabendo a sua representação em juízo
ao proprietário, ao capitão ou seu substituto, ou ao
agente de navegação que requereu o despacho do
navio.

A “ratio” de tal preceito é evitar situações de fraude


marítima quando se não conheça a identificação
do real transportador, sabido que é que o
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transporte implica a intervenção de vários actores.

O transportador marítimo tanto é o proprietário do


navio como aquele que o afreta e que foi parte num
contrato de transporte com um carregador [
“Carrier” includes de owner or the charterer who
enters into a contract of a carriage with a shipper]
”- The Hague Rules 1924 - International Convention
for Unification of Certain Rules of Law Relating to
Bills of Lading, Signed at Brussels on 26 August
1924 - art. 1º a). – cfr. fls.207.

Na versão portuguesa dessa Convenção – fls. 192 –


a palavra “carrier” foi traduzida por “armador” sendo
definido este “como o proprietário do navio ou o
afretador que foi parte num contrato de transporte
com um carregador”.

No título de transporte, figura como transportador


marítimo que, como vimos, tanto pode ser o
armador (“owner”) como outro afretador do navio, a
“U....., Co”.

Tendo sido considerado provado que o “Navio” é


propriedade de tal sociedade, como claramente já
resultava do documento de embarque de fls. 100 –
“Bill of Lading”- que não havia sido impugnado, não
se justifica a “actio in rem”.
Com efeito no conhecimento de embarque consta,
inequivocamente, que o proprietário do navio era a
“U....., Co-Odessa”.

Não se verifica, pois, caso de não identificação do


transportador, com base nas menções constantes
do conhecimento de carga, a justificar a aplicação
do regime legal dos arts. 10º, nº1, e 28º, nº1, do DL.
352/86.

Assiste razão ao agravante.

A procedência do recurso de agravo, interposto


pelo Navio “P..... D.....”, ao decidir que, no caso
concreto a “actio in rem” de que foi alvo não tem
fundamento legal, implica a respectiva absolvição
da instância, pelo que não há que apreciar o
recurso de apelação que interpôs da sentença que
o condenou no pedido.

***

Prejudicado que está o conhecimento do recurso


de apelação, interposto pelo 4º Réu - o Navio “P.....
D.....”- pela procedência do agravo relativo a saber
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se, “in casu”, poderia ser demandado – “actio in


rem” – importa conhecer do recurso interposto
pela Autora “C....., Ltd”.

Como a recorrente afirmou – fls. 619 - a sua


discordância cinge-se à parte da sentença
recorrida que absolveu do pedido as RR.: “D..... Ldª”
e “D..... AG”, e absolveu da instância a co-ré “United
..... Limited”.

***

Todavia esta recorrente, a fls. 630 (há erro de


paginação pois deveria ser fls. 620) afirma
circunscrever o recurso à questão da absolvição da
Ré “D....., Ldª”.

Tal procedimento é legítimo de harmonia com o


preceituado no art. 684º, nº3, do Código de
Processo Civil, pelo que apenas se conhecerá
neste recurso, do bem ou mal fundado da
absolvição da co-ré “D....., Ldª”.

A questão objecto deste recurso, aferida pelo teor


das conclusões da recorrente, que recortam o
respectivo âmbito, consiste em saber se a “D....,
Ldª” deveria ter sido condenada, por lhe ser
imputável o atraso na chegada das mercadorias a
Hong-Kong, pelo facto de, como agente do
“primeiro suposto transportador - a ré “D..... AG” - e
principalmente na qualidade de transitário da
própria Autora” , não ter actuado diligentemente.

Vejamos:

A Autora demandou as quatro Rés, pedindo a


condenação solidária de todas elas a pagarem-lhe
a quantia de 67.1999,44 dólares americanos, pelo
facto de, tendo contratado com as rés “D....., Ldª” e
“D..... AG”, o transporte de mercadoria em
contentor, de Leixões para Hong-Kong a
mercadoria aí ter chegado com cerca de dois
meses de atraso, facto que lhe causou prejuízos
que liquidou naquele montante.

Na sentença considerou-se que as 1ª e 2ª rés


“agiram na qualidade de afretadoras do transporte
e nessa qualidade emitiram o conhecimento de
embarque”.

A condenação do réu “P..... D.....” baseou-se na


presunção de culpa do art.799º do Código Civil
considerada não ilidida.

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Aquelas rés foram absolvidas por se ter


considerado que o atraso foi para elas imprevisível,
pelo que nada poderiam ter feito.

A causa de pedir da acção consiste no alegado


incumprimento de um contrato de transporte de
mercadorias por mar a que se aplica, como antes
dissemos, a Convenção de Bruxelas de 1924.

A Autora não reclama a indemnização de quaisquer


perdas ou danos na mercadoria em si, mas antes
uma indemnização por danos indirectos pelo facto
de a mercadoria ter chegado com atraso.

O transportador foi a 2ª ré, como resulta do


conhecimento de embarque, e a 1ª ré actuou como
transitária da Autora competindo-lhe a preparação
do transporte.

A carga foi embarcada no Navio “P...... D....”.

“O contrato de transporte marítimo de mercadorias


pode ser definido como aquele pelo qual um
determinado transportador se obriga a transportar
por mar uma certa quantidade de mercadorias que
lhe foram entregues em determinado porto por um
carregador e entregá-las num outro porto a um
destinatário, mediante o pagamento de uma
determinada remuneração, o frete. Por aqui se vê
que são geralmente três as partes nesse contrato :
o transportador, o carregador e o destinatário se
designado no contrato” – “Contratos de Utilização
do Navio”, de José M. P. Vasconcelos Esteves, 1988,
vol. II, pág.84.

O contrato em causa implica uma obrigação de


resultado, ou seja, o transportador ou armador, na
designação do art. 1º da Convenção de Bruxelas de
1924, obriga-se a deslocar as mercadorias de um
porto para outro – o do destino -, entregando-as
incólumes.

“(...) No caso de não surgir qualquer impedimento,


o navio deverá seguir viagem utilizando, para tal
efeito, a rota habitual ou aquela que vier a ser
fixada no contrato, acaso este se lhe refira.

No entanto, como a grande maioria dos


transportes são efectuados através de linhas
regulares, os interessados têm conhecimento
prévio, através de anúncios públicos em jornais,
dos diferentes portos a escalar pelo navio.

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De qualquer modo, o navio deverá respeitar a rota


indicada não devendo escalar portos que não
estejam previstos nem desviar-se da rota prevista,
a menos que algum facto anormal o venha a
justificar.

Geralmente, os conhecimentos contêm cláusula


que visa permitir o navio escalar quaisquer portos
em qualquer ordem e para qualquer finalidade,
navegar sem piloto, rebocar ou assistir navios e
desviar a sua rota para salvamento de vidas.

No entanto, a existência desta cláusula não admite


interpretações abusivas e não razoáveis, uma vez
que o transporte deverá ser efectuado dentro do
prazo previsto, acaso ele o seja, ou, pelo menos,
razoável.

Com efeito, qualquer desvio ou atraso não


justificável donde advenha um prejuízo, implicará a
responsabilidade do armador.

Portanto, para que este seja responsabilizado, é


necessário que o desvio seja qualificado como uma
falta, que tenha havido um prejuízo para a
mercadoria e que esse prejuízo o seja
consequência directa do desvio. (...)” –obra citada
pág. 118, destaque e sublinhado nosso..

Sendo a obrigação do transportador uma


obrigação de resultado e não uma mera obrigação
de meios, aquele será, em princípio, responsável
se, no momento da descarga forem verificadas
faltas ou avarias nas mercadorias, a si imputáveis.

A Convenção de Bruxelas, no nº1 do seu art. 4º,


prevê uma série de exonerações do transportador,
cuja abordagem não é pertinente no caso dos
autos.

Esta Convenção estabelece limites de


responsabilidade do transportador marítimo, no
seu art. 4º nº5 que dispõe:

"Tanto o armador como o navio não serão


obrigados, em caso algum, por perdas e danos
causados às mercadorias ou que lhe digam
respeito, por uma soma superior a 100 libras
esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente
desta soma numa diversa moeda, salvo quando a
natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido
declaradas pelo carregador antes do embarque e
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essa declaração tiver sido inserida no


conhecimento. Esta declaração assim inserida no
conhecimento constituirá uma presunção, salva a
prova em contrário, mas não obrigará o armador
que poderá contestá-la.

Por convenção entre o armador, capitão ou agente


do armador e o carregador, poderá ser
determinada uma quantia máxima diferente da
inscrita neste parágrafo, contanto que esse
máximo convencional não seja inferior à cifra
acima fixada.

Nem o armador nem o navio serão responsáveis,


em caso nenhum, pelas perdas e danos causados
às mercadorias ou que lhes sejam concernentes,
se no conhecimento o carregador houver feito
conscientemente, uma falsa declaração da sua
natureza ou do seu valor".

“Relativamente ao montante referido neste


parágrafo, o Decreto n.° 37.748 que introduziu no
direito interno português as disposições da
Convenção de Bruxelas, fixou em 12.500 escudos
por volume ou unidade o limite de responsabilidade
do armador.

Ao estabelecer este valor, o legislador teve em


conta o preceituado no artigo 9.° da Convenção
que estabelece que as unidades monetárias
referidas são expressas em valor-ouro e que os
Estados Contratantes poderão converter em
moeda nacional os montantes referidos em libras
esterlinas por forma aos seus nacionais poderem
pagar em moeda cor-rente do seu país, de acordo
com o curso do câmbio no dia da chegada do navio
ao porto de descarga.

Com o passar dos anos e em virtude da erosão da


moeda e da própria evolução das formas de
transporte, de que é exemplo o fenómeno da
contentorização, este montante tornou-se
manifestamente desactualizado, senão irrisório,
pelo que se impunha a sua revisão.

Foi o que fez o legislador, através do n.° 1 do artigo


31 .° do Decreto--Lei n.° 352/86 de 21 de Outubro. Aí
foi fixado em 100.000 escudos o montante referido
no § 1 .° do artigo 1 .° do Decreto-Lei n.° 37 748 de 1-
2-1950” – obra citada págs. 153.

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Quer a Convenção de Bruxelas, quer o DL 352/86,


de 21 de Outubro, não contemplam senão a
responsabilidade indemnizatória do armador ou
transportador, relativamente às “perdas ou danos”
sofridos na própria mercadoria.

Seria um absurdo que a Convenção de Bruxelas


estabelecesse limites rígidos de indemnização –
relativos a “perdas ou danos” causados nas
mercadorias e não a “perdas e danos”, e depois
fosse possível reclamar o pagamento de danos
emergentes, estranhos ao transporte
propriamente dito, como são os reclamados pela
Autora.
Visando substituir a Convenção de Bruxelas de
1924 e respectivo Protocolo de 23.2.1968, foi
elaborada e assinada em Hamburgo, em 31.3.1978,
a Convenção Internacional Sobre o Transporte de
Mercadorias por Mar, convenção que, todavia, não
faz parte ainda da ordem jurídica portuguesa.

Segundo o Tratadista que vimos citando – págs. 165


e 166 - eram cinco as questões que se pretendiam
ver consagradas na Convenção de Hamburgo:

“Em primeiro lugar havia a questão de se decidir


sobre a eventual reintrodução da falta náutica
como condição de exoneração do transportador.

Em segundo lugar era necessário definir a eventual


presunção de não responsabilidade do
transportador no caso de incêndio, a menos que se
provasse ter ele resultado de uma falta ou
negligência sua ou dos seus empregados.

Em terceiro lugar havia que definir o critério de


cálculo da limitação de responsabilidade. Um duplo
critério (volume e peso) de acordo com o Protocolo
de 1968 ou um único critério peso)?

Em quarto lugar importava definir o regime de


responsabilidade por atraso .-

Finalmente, em quinto lugar punha-se a questão de


determinar qual a unidade de conta”.
(sublinhámos).

Ora se na Convenção de Hamburgo [Sobre este


tema vide o Estudo do Dr. Mário Raposo, in “ O
Direito”, Ano 128º, 1996, I-II, págs. 27 a 43] se
pretendeu introduzir e introduziu, no seu art. 5º,
nºs 1, 2 e 4 a) ii), [e ainda assim em casos muito
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restritos], o princípio da responsabilidade do


transportador por atraso na entrega da
mercadoria, é sinal que a Convenção de Bruxelas
não contemplava tal motivo como fundamento de
responsabilidade.

Salvo o devido respeito, invocando a Autora a


existência de um contrato de transporte de
mercadorias por mar a que é aplicável, como todos
os pleiteantes concordam, a Convenção de
Bruxelas, o pedido que formula, não tendo havido
qualquer perda ou dano na mercadoria em si
própria, não poderia ser acolhido.

Por isso, e com o devido respeito, discordamos da


fundamentação da sentença apelada que fazendo
operar a presunção do art. 799º, nº1, do Código Civil
considerou responsável quem na sua perspectiva –
o réu Navio- foi o responsável pelo atraso.

Mas mesmo que assim não fosse, vejamos se a ré


“D....., Ldª” – que é quem está em causa no recurso
da Autora - enquanto transitária - se pode
considerar responsável pelo atraso na entrega das
mercadorias.

Como se sabe, no contrato de transporte de


mercadorias por mar, em regra e em longas
distâncias, como é o caso dos autos, a viagem faz-
se por escala, não é directa e estando a navegação
marítima sujeita a factores altamente aleatórios,
como sejam a existência de tempestades,
imprevistos - “fortuna do mar” - [lembre-se o
recentemente ocorrido com o cargueiro norueguês
“Tampa” que teve que alterar a sua rota para
socorrer náufragos], não é usual fixar prazo
rigoroso para a duração de viagem, razão pela qual,
salvo grave negligência do transportador,
pretensos “atrasos” desde que não provoquem
avaria ou perda das mercadorias, não são
indemnizáveis.
O armador, no título de transporte, não assumiu a
obrigação de entrega no prazo a que a Autora
alude, o que bem se compreende pelas razões
expostas, mais a mais, tratando-se de uma muito
longa viagem, transoceânica.

Por outro lado, a Autora não provou que o navio não


tivesse seguido a rota habitual ou que tivesse
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havido na base do pretenso atraso, negligência do


armador.

Ora, no caso dos autos, a apelada enquanto


planificadora e coordenadora do transporte,
transitária, não se comprometeu, nem com o
exportador, nem com o importador das
mercadorias, a fazê-las aportar a Hong-Kong numa
concreta data.

Limitou-se a informar que o “tempo de viagem era


de cerca de 35 a 45 dias” – cfr. item 10º da matéria
de facto provada.

Também a apelada informou a apelante que a


viagem em causa ocorria, semanalmente, via
Antuérpia, com saídas de 12 em 12 dias.

No item 11º da matéria de facto considerou-se


provado que no conhecimento de embarque “não
se referia qualquer transbordo” da mercadoria.

Não tendo as partes negociado a proibição de


transbordo ou baldeação de mercadorias, tem
pleno cabimento e aplicação a cláusula 7ª do
conhecimento de embarque de fls. 100 v (traduzida
para português) que estabelece;

"7. Baldeação e Expedição. Quer seja ou não


expressamente acordado previamente, ou de outro
modo, o transportador é livre de transportar as
mercadorias para o porto de destino pelo dito
navio ou outro navio ou navios, quer pertençam ao
transportador quer a terceiros ou por outros meios
de transporte, quer seja por água, terra ou ar, de
acordo com a tarifa e condições aplicáveis e pode
descarregar as mercadorias em qualquer lugar
para baldeação, baldear para outro navio para terra
ou armazém as mercadorias, tanto em terra firme
como a flutuar e reembarcar ou reexpedir as
mesmas”.

Efectivamente provou-se que houve baldeação da


carga – cfr. pontos 14º a 20º da matéria de facto.

Havendo apenas uma estimativa de data para a


chegada ao porto de destino e tendo sido lícita a
baldeação da carga, a Autora não poderia ter uma
certeza acerca da data da chegada da mercadoria
e se puder responsabilizar a apelada pelos danos
sofridos apenas o poderá fazer à luz dos princípios
da culpa na formação do contrato, por eventual má
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informação que induziu a apelante em erro, e não


com base na Convenção de Bruxelas.
Por outro lado, e ainda que a apelada “D....., Ldª”
fosse passível de censura, nos termos em que a
apelante o faz, sempre seria de questionar se,
entre o seu comportamento e também o dos
demais demandados, se pode afirmar uma relação
de causalidade entre a sua conduta e o dano
alegado pela Autora.

Com efeito e admitindo que se aplica, “in casu”, o


regime do Código Civil português da
responsabilidade civil contratual - art. 483º, nº1, do
Código Civil - sempre seria de questionar se existe
o imprescindível nexo de causalidade entre a
conduta e os danos, como é pressuposto de tal
responsabilidade, a par da ilicitude e da culpa.

“Existe nexo de causalidade quando os danos são


consequência ou efeito da falta de realização da
prestação debitória. É um elemento da
responsabilidade do devedor. Ele só pode ser
compelido a reparar os danos a que a sua conduta
deu origem” - (Galvão Telles, Direito das Obriga-
ções, 4ª ed.-254).

As vicissitudes que sofreu a mercadoria após a


chegada a Hong-Kong e a actuação da importadora
“I....., Inc.” com vista a minorar alegados danos pela
chegada alegadamente tardia – descritos nos itens
35º a 40º da matéria de facto – salvo o devido
respeito, não apresentam qualquer nexo de
causalidade entra a pretensa não pontualidade do
transporte e os prejuízos sofridos.

Dispõe o art. 563º do Código Civil:

“A obrigação de indemnização só existe em relação


aos danos que o lesado provavelmente não teria
sofrido se não fosse a lesão”.

“ A obrigação de reparar um dano supõe a


existência de um nexo causal entre o facto e o
prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da
obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano,
tomada esta expressão agora no sentido preciso
de dano real e não de mero dano de cálculo.

A dis-posição deste artigo, pondo a solução do


problema na probabilidade de não ter havido
prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se
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aceitou a doutrina mais generalizada entre os


autores - a doutrina da causalidade adequada -,
que Galvão Telles formulou nos seguintes termos:
“Determinada acção ou omissão será causa de
certo prejuízo se, tomadas em conta todas as
circunstâncias conhecidas do agente e as mais
que um homem normal poderia conhecer, essa
acção ou omissão se mostrava, à face da
experiência comum, como adequada à produção
do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades
de o originar” (Manual de Direito das Obrigações, n.º
229).

Vaz Serra, depois de referir alguns casos em que


não há uma causa adequada, afirma igualmente:

“Não podendo considerar-se como causa em


sentido jurídico toda e qualquer condição, há que
restringir a causa àquela ou àquelas condições que
se encontrem para com o resultado numa relação
mais estreita, isto é, numa relação tal que seja
razoável impor ao agente responsabilidade por
esse mesmo resultado.”- cfr. “Código Civil Anotado”
de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª edição , pág.
578.

Importa, então, afirmar que não foi do


conhecimento do transportador qual o “destino” da
mercadoria; nem à luz da experiência comum é
razoável supor que o atraso na chegada da
mercadoria iria determinar um longo périplo, que
envolveu a remessa dela de Hong-Kong para a
Coreia, o fabrico aí das camisas, e o reenvio da
Coreia para os USA., tudo com os inerentes custos,
pelos quais se pretende responsabilizar agora a
apelada.

Inexistindo nexo de causalidade entre a conduta,


ainda que pretensamente ilícita, e os danos, não há
responsabilidade civil nem é legítimo exigir
indemnização.

Decisão:

Nestes termos acorda-se em:

I) – Negar provimento ao recurso de agravo das rés


- “United ..... Limited”, e “P..... D.....”- “Navio”, no que
concerne à excepção da caducidade do direito de
accionar:

II) – Conceder provimento ao recurso de agravo do


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réu “P..... D.....” no que concerne à “actio in rem”,


revogando a decisão recorrida no que concerne à
legitimidade de accionar “in rem” o Navio e
absolvê-lo da instância;

III) – Consequentemente, não conhecer do recurso


de apelação que interpôs aquele réu “P..... D.....” da
condenação de que foi alvo, não subsistindo, por
isso, a sentença na parte em que o condenou;

IV) – Negar provimento ao recurso da Autora,


mantendo a absolvição da co-ré “D..... Ldª”, ainda
que por fundamentos diversos dos que constam da
sentença apelada.

Custas dos agravo referido em I) pelos ali


recorrentes.

Custas do agravo referido em II) pela Autora-


agravada.

Custas da apelação pela Autora.

Porto, 10 de Dezembro de 2001

António José Pinto da Fonseca Ramos

José da Cunha Barbosa

José Augusto Fernandes do Vale

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