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IMPUTAÇÃO OBJECTIVA - JURISPRUDÊNCIA

BMJ N38 ANO1989 PAG276

Os réus, que, embora não tenham estado presentes, quando o ofendido foi apanhado e agredido,
colaboraram no seu transporte para o largo de uma povoação e ao chegarem ali previram a
Possibilidade de ele ser morto pela população e, não obstante isso, não se retiraram e,
Descarregaram-no, entregando‐o a populaça, devem ser considerados coautores do crime de
homicídio, sob a forma de Acão.
- As pauladas vibradas por um outro reu não tem qualquer influência quanto a consumação do
homicídio cometido pelos oito réus, em virtude dessa representação e aceitação, pelo que não há,
quanto a estes réus, a interrupção do nexo causal.
I- Só há um crime de homicídio quando se viola sempre o mesmo bem jurídico (a vida do ofendido),
com unidade de resolução.
II- Também não se verifica a interrupção do nexo causal, relativamente a um outro reu que, embora
não tenha praticado os factos descritos em I, conhecia perfeitamente o estado de espirito da
população e, não obstante, despoletou todo o processo que conduziu a morte trágica do ofendido,
morte essa que ele previu como consequência da sua atuação e afinal aceitou, sendo‐lhe, assim,
perfeitamente previsíveis as consequências da entrega do ofendido a populaça, para a qual
ativamente colaborara e desejava.
III – Os bens jurídicos protegidos no crime de sequestro e no crime de homicídio são diferentes, pelo
que não e possível configurar a consumação entre dois crimes.
IV Quem, tendo previsto a morte como consequência necessária da sua conduta, vibrou com um
tachão três violentas pancadas na cabeça do ofendido abreviando-lhe a morte, quando este, rodeado
pela população, estava perfeitamente indefeso, estendido no solo e com as mãos amarradas, cometeu
um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 132,
ns.1 e n. 2, alíneas b), c) e g) do Código Penal.

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954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/440d4f41e0079e1480257aa0004ca3 b1?
OpenDocument&Highlight=0,penal,nexo,interrupção,causal

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 18/10/2006, PROCESSO N.º 06P2679;
-DE 18/02/2009, PROCESSO N.º 08P3775;
-DE 06/01/2010, PROCESSO N.º 238/08.2JAAVR.C1.S1;
-DE 27/05/2010, PROCESSO N.º 6/09.4JAGRD.C1.S1.

I- A imputação objetiva do resultado à Acão pressupõe a realização de um perigo criado pelo autor e
não coberto por um risco permitido. Ou seja, que o agente, com a sua ação, tenha criado um risco não
permitido (ou tenha aumentado um risco já existente) e, depois, que esse risco tenha conduzido à
produção do resultado concreto.
II-Mas, na doutrina da conexão do risco não basta a comprovação de que o agente, com a sua ação
produziu um risco proibido para o bem jurídico, é preciso ainda determinar se foi esse risco que se
materializou ou concretizou no resultado típico.
III- No caso, o processo ecbólico pós‐traumático pulmonar pode, sem reservas, ter-se como
consequência da ação (o arguido desferiu três facadas nas costas da ofendida, com o que lhe causou,
de modo direto e necessário, três feridas penetrantes no hemotórax esquerdo, donde resultou
volumoso Hemo pneumotórax esquerdo, colapso pulmonar, laceração pulmonar e coágulos
pulmonares com necessidade de drenagem). O problema radicará em saber se no enfarte agudo do
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miocárdio também se realizou (concretizou, materializou) o perigo para a vida criado pelo recorrente
com a sua ação.

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d64c9bdc4020fe4280257957003a2d 6c?OpenDocument&Highlight=0,penal,nexo,interrupção,causal

- Nos termos do art.º 144.º, Al. d), do CP, a agravação do crime de ofensa à integridade física pode
derivar do facto de a ofensa provocar perigo para a vida da vítima.

II- Tendo-se dado por provado que o arguido representou como possível resultado da sua conduta
atingir órgãos vitais da vítima, colocando em perigo a respetiva vida, mas sem se conformar com
esse resultado, não deve ter lugar a agravação do artº 144.º, al. d), do CP.

III-Na verdade, o dolo de perigo exigido por esta alínea não se compadece com a mera negligência
consciente, em relação ao resultado «pôr a vida em perigo», o que resulta do modo como o tipo legal
está estruturado e do· artº 13.º do CP, nos termos do qual punição a título de negligência depende da
sua específica previsão no tipo legal.

IV- Decorre da factualidade provada, que o arguido desferiu com muita força vários pontapés no
abdómen e nas pernas do ofendido, e com este «já prostrado no solo – rogando que lhe abrissem a
porta – e incapaz de reagir, (…) continuou a desferir‐lhe, com a mesma força pontapés no abdómen e
nas pernas», o que torna o comportamento do arguido especialmente censurável, por evidenciar acto
de crueldade, suscetível de o fazer incorrer na agravação da al. a) do n.º 1 do artº 145.º do· CP.

V- Ficou provado que o ofendido «recusou, poucos minutos após entrar na sua casa, ser assistido por
uma equipa do INEM que entretanto fora chamada ao local e ali compareceu», sendo certo que
perante a atitude do ofendido aquela equipa se foi embora.

VI- A conduta doarguido deve ser agravada pelo resultado morte, nos termos do art.º 147.º, n.º 1, do
CP, já que, pese embora a causalidade adequada entre a acção do agente e o resultado morte ter
que se estender a todo o processo causal, a recusa do ofendido não surge no caso com virtualidade
para interromper esse nexo causal.

VII-É que, nada nos autos inculca que a vítima tivesse recusado ser assistida por motivos suicidários ou
masoquistas, tudo apontando para que o tivesse feito, segundo as regras da experiência da vida,
porque não se apercebeu da gravidade da situação, e portanto não teve plena consciência do risco que
sofria.

VII-No caso, a possível interrupção do nexo causal exigiria uma conduta gravemente inadequada da
vítima, que ocorreria, por exemplo, caso ela estivesse consciente do risco que sofria, mas não se
compadece, ao invés, com uma atitude do ofendido que se pode considerar aceitável, que se não
apresentou, no condicionalismo, como totalmente inesperada e insólita.
…………………..

Concausalidade / agravação pelo resultado / infracção de regras de construção

Não afasta a agravação pelo resultado morte decorrente do artigo 285º do Código Penal, a
circunstância de a conduta do arguido ser apenas uma de várias causas desse resultado.
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http://www.dgsi.pt/JTRP.NSF/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/
904f3c4d095ffa3280257e12005c7644?OpenDocument

Outro acórdão sobre a mesma matéria

I- Para a verificação do crime de infracção a regras de construção, p. e p. pelo artigo 277º, nº 1, a) e nº


2, agravado nos termos do artigo 285º, todos do Código Penal, não basta apurar se a conduta culposa
dos arguidos de eventual infração de regras de construção é causa da verificação de um perigo
concreto para a vida, e da ocorrência da morte da vítima em questão.
II-É necessário apurar ainda se para essa verificação e essa ocorrência possam ter concorrido outras
causas por se tratar de facto relevante para decidir do nexo de imputação objetiva, bem assim para
determinação da medida concreta da pena (e até de eventual responsabilidade civil).

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/
0413eaf27f22c8ac80257c220034639c?OpenDocument
...............................

Tendo o maquinista imprimido ao comboio uma velocidade superior à devida e os inspetores de


manutenção descurado uma avaria do mesmo, contribuíram todos para o acidente que em
consequência ocorreu

CRIME NEGLIGENTE. CAUSALIDADE CUMULATIVA.


Num crime de ofensa à integridade física grave por negligência, o tipo objetivo negligente inclui a
violação de dever objetivo de cuidado, a produção de um resultado típico e a imputação objetiva
desse mesmo resultado típico, sendo que tal imputação implica uma previsibilidade objetiva, de
acordo com um critério de causalidade adequada e concretização do risco proibido criado, potenciado
ou não diminuído no resultado. Ora, em casos de causalidade cumulativa, em que o evento típico é
produto de várias causas sendo cada uma delas insuficiente para produzir o resultado por si só, o
princípio da confiança cede relativamente a comportamentos ilícitos de terceiros com os quais um
agente consciente deva razoavelmente contar. Com efeito, dos autos resulta que o acidente
ferroviário ocorrido resultou da violação de deveres objetivos de cuidado por parte de todos os
arguidos, nomeadamente que o maquinista imprimiu ao comboio uma velocidade superior à devida e
os outros dois arguidos, responsáveis pela manutenção, descurarem informação e procedimentos
sobre uma peça danificada daquele, pelo que todos contribuíram para a produção do evento a que se
seguiu a produção de um resultado típico, de lesão grave da integridade física da vítima em
consequência da projeção de uma peça metálica do comboio em andamento. E assim, identificada e
reconhecida a conexão de risco entre as condutas ilícitas dos três arguidos e o resultado, e afastada a
consideração de um comportamento lícito alternativo, é então de concluir pela imputação objetiva do
resultado ofensa à integridade física grave à conduta dos demandados.

http://jusjornal.wolterskluwer.pt/Content/Document.aspx?
params=H4sIAAAAAAAEAO29B2AcSZYlJi9tyn t_SvVK1-‐
B0oQiAYBMk2JBAEOzBiM3mkuwdaUcjKasqgcplVmVdZhZAzO2dvPfee-‐-‐
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Acórdão

1-Uma vez que a exploração da oficina de carregamento de cartuchos era efectuada por uma
sociedade, cuja gerência era apenas assegurada, em termos efectivos, pelo seu sócio‐gerente
maioritário, sob cujo impulso a sociedade mudou de instalações e se expandiu, só ele pode ser
penalmente responsabilizado pela actividade social, nomeadamente pelo facto de as máquinas de
carregamento de cartuchos terem nos alimentadores mais de 50 kgs. de pólvora quando, de acordo
com a lei e com a licença emitida, apenas aí podiam existir 2 kgs. de pólvora, e pelos efeitos que esse
facto veio a provocar.
2– A relação de causalidade entre o comportamento e o evento, quer se parta da teoria da
equivalência das condições, quer do critério da condição conforme às leis naturais, basta‐se com a
afirmação de que a acção é uma das condições do resultado, ou seja, que a acção co‐causou o
resultado, não sendo necessário que ela seja a primeira (ou última) condição da sua verificação.

3– Afirmada a relação de causalidade, há que averiguar se a imputação do resultado deve ser excluída
pelos critérios da adequação e o da conexão de risco, com todos os seus momentos específicos.

4– Uma vez que, na situação concreta, o resultado verificado surgia ex ante como previsível, não
constituindo qualquer ocorrência anómala ou de rara verificação, que o comportamento do arguido, ao
desenvolver a actividade industrial naqueles moldes, incrementou o risco permitido num sector que já é
em si muito perigoso, que os resultados produzidos consubstanciavam um dos efeitos que a imposição
daquelas concretas normas de cuidado visava impedir e ainda que a adopção do comportamento
imposto pela norma de cuidado teria evitado seguramente a magnitude da explosão e as consequências
humanas e materiais que ela provocou, nomeadamente a morte dos três trabalhadores, o resultado
verificado deve ser imputado à conduta do arguido.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa


I- RELATÓRIO
1- No termo da fase de inquérito do processo nº 3358/98.6JGLSB, o Ministério Público deduziu
acusação contra os arguidos B., C., D. e E., imputando, a cada um deles, a prática de três crimes de
homicídio com negligência grosseira, p. e p. pelo artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em
concurso aparente com um crime de explosão, p.e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea b, e nº 3,
do mesmo diploma (fls. 840 e segs.). Para tanto, imputou aos arguidos a prática dos seguintes
factos:
«1. A sociedade “F., Lda.” tem como sócios os arguidos B., C. e D. e como objecto social,
entre outras actividades, o negócio de armeiro, actividade social essa que durante vários anos
exerceu com sede na Rua R., nº 32-A, na freguesia de M. (fls.308).
2- Àquela sociedade foi atribuída licença de estabelecimento de fabrico e armazenagem de produtos
explosivos bem como licença de estanqueiro, após vistoria e na sequência do preenchimento dos
requisitos do Decreto-Lei nº 376/84, de 30/11, e ali desenvolveu tal actividade, tendo à data o seu
armazém de pólvora sito na R1., nº 6‐A, também em M., devidamente licenciado.
3- Sucede que por motivos logísticos e devido a suspeitas de acondicionamento ilegal de explosivos
no referido armazém com consequente mal‐estar no imóvel e na própria comunidade
circundante (fls. 647, 704 e 705) a empresa veio, em 05/07/1995, a requerer ao Comando
Geral da PSP a transferência das suas instalações para a Estrada da Circunvalação, Lote 2, nos
Olivais (fls. 425).
4- Ora, na sequência de tal requerimento o arguido E., que desempenhava funções de Assessor do
Comando Geral da Polícia de Segurança Pública, mais concretamente, da Comissão de
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Explosivos, de forma a fundamentar a apreciação do referido requerimento deslocou-se ao


referido local onde a sociedade se pretendia instalar e efectuou as necessárias vistorias em
31/10/1995 e15/05/1996.
5- Assim e, em face dos seus pareceres, emitidos em 31 de Outubro de 1995 e 15 de Maio de 1996
(fls.718), veio a ser deferido o requerimento, sendo concedida autorização de transferência e
respectivo licenciamento para a laboração naquele local, através de despacho de José Celestino
Soares, chefe da Repartição de Armas e Explosivos, o que fez em dia não apurado do ano de 1996
(fls.120).
6- Nos termos do referido licenciamento (alicerçado nas duas vistorias efectuadas pelo arguido E.
ocorridas 31/10/1995 e 15/05/1996), resultava inequivocamente “...que na zona adjacente ao
armazém não existiam edifícios habitados e que as distâncias a vias de comunicação e os depósitos
que pretender construir estão asseguradas, as paredes do armazém estão construídas em betão
de 25 cm e 60 cm de espessura....”
7- Resultando ainda que na oficina estariam implantadas duas máquinas automáticas de carregar
cartuchos de marca Universal com alimentadores, e uma máquina automática de carregar
cartuchos de marca Futura com alimentador.
8- Máquinas que à data das vistorias se encontravam já no local e que se encontravam munidas dos
respectivos alimentadores com capacidade para cerca de 25 kg cada, alimentadores esses que não
fazendo parte da estrutura original da máquina lhe tinha sido já apostos posteriormente, facto que
o arguido naquelas datas atestou e sancionou, sendo assim tal factualidade do seu conhecimento
(fls.719).
9- Por outro lado, quer do disposto no parágrafo 7º do Decreto-Lei nº 142/79, de 23/05, quer do
relatório da vistoria levada a cabo pelo arguido E., constante de fls. 718, resulta que na oficina e
carregamento se podia armazenar 1 kg de pólvora a granel e 1 kg de pólvora em embalagem
devidamente acondicionada devendo os cartuchos carregados serem removidos da oficina, para
que não se encontrem, em caso algum, excedidos os (2) dois kg de pólvora mencionados
acrescendo ainda do teor do licenciamento que no depósito de pólvora de caça (2º espécie)
poderiam ser armazenados até 100 kg de pólvora.
10- Mais resultava dos termos do licenciamento concedido àquela sociedade, e no que ao
equipamento se referia, que todos os dispositivos eléctricos deviam ser blindados e ligados à terra
resultando ainda em relação ao quesito segurança que a aparelhagem montada na oficina e
respectiva instalação eléctrica não podiam ser alteradas sem autorização prévia da Comissão de
Explosivos da PSP.
11- Por fim resultava do referido licenciamento que a distância entre os depósitos de 1ª ou de 2ª
espécie autorizados não poderia ser inferior a 5 m.
12- Na prossecução da actividade social o arguido B., durante o ano de 1995 e até pelo menos 1998,
assumiu funções de gerência efectiva, por seu lado o seu pai, o arguido C., dava apoio à actividade
social e prestava diariamente apoio aos funcionários, ao passo que a arguida D., também sócia
gerente, supervisionava a área comercial dedicada à venda ao público de cartuchos e à exploração
de carreira de tiro ali instalada.
13- Desta forma e no período compreendido entre os anos de 1996 a 1998, a referida oficina de
carregamento laborou apenas com as referidas máquinas, únicas que se encontravam licenciadas,
e que detinham nos carregadores em período normal de laboração, a quantia global de 70 kg de
pólvora.
14- Na verdade os alimentadores das máquinas de modelo Universal tinham capacidade para 25 kg
cada um ao passo que o da máquina de modelo Futura tinha capacidade para 20 kg e
encontravam‐se todos a cerca de dois metros e meio do chão pelo que, em face do volume de
pólvora existente no interior da oficina durante o período de laboração se encontrava em
suspensão pólvora que saía dos referidos carregadores em virtude do funcionamento das
máquinas.
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15- Circunstância que ocorreu, ininterruptamente, até inícios de Agosto de 1998, altura em que os
sócios gerentes daquela sociedade, ora arguidos, sem qualquer autorização administrativa ou
comunicação formal a terceiros, procederam à importação e instalação na fábrica de
carregamento de uma máquina de carregamento de cartuchos BSN BITURBO (identificada a fls. 21
do apenso 2) substituindo desta forma uma das máquinas que se encontravam licenciadas por
aquela.
16- Ora sucede que a mencionada máquina desde logo introduzida na oficina de carregamento e no
respectivo processo produtivo tinha superior capacidade produtiva e, com vista a evitar quebras na
tensão, pois consumia de mais energia para funcionar por ter motores mais potentes, necessitou
da instalação de nova cablagem e circuito eléctrico.
17- Tal alteração veio a ser efectuada por técnico particular que prestava serviços à sociedade, ficando
a máquina instalada durante cerca de três meses a título experimental na oficina, pois estaria em
estudo a sua integral instalação e a eventual encomenda de outra peça ao fornecedor.
18- Tal factualidade era também do conhecimento e sancionamento pessoal do arguido E., pois o
mesmo estava ao corrente da actividade e da logística da empresa em virtude dos contactos que
mantinha com o arguido B., arguido que aconselhava juridicamente e em termos práticos no que a
procedimentos de segurança da empresa respeitava.
19- Sucede porém que em 06 de Novembro de 1998, em virtude de ter sido detectado um barulho
suspeito na laboração pelo funcionário G., foi chamado às instalações o referido electricista que
prestava serviços à sociedade, H. (indivíduo esse que procedera anteriormente à montagem das
cablagens na instalação da máquina Biturbo aí em laboração), e que após analisar as máquinas e
circuitos com o auxílio de uma aparelho de medida Multímetro, concluiu nada de relevante se
passar, abandonando o local de seguida.
20- Porém cerca das 16h30, momentos após daquele abandonar o local, e quando se encontravam no
interior da área de laboração os funcionários da empresa responsáveis pelo funcionamento das
máquinas, I., J. e G., por motivos que em concreto não foi possível apurar, ocorreu uma explosão
de pólvora que teve origem na máquina BITURBO ali recentemente introduzida e que provocou a
destruição completa da área de laboração (fls. 795, 4.3.2).
21- Tal explosão, que destruiu totalmente a máquina encartuchadora Biturbo provocando a
deformação da sua estrutura e placas, produziu também danos nas outras máquinas que também
ficaram inutilizadas, (embora sem o mesmo grau de destruição), veio ainda a destruir as placas do
tecto, as paredes exteriores onde se encontravam instaladas as máquinas e alguns pilares de
sustentação do edifício provocando o abatimento da estrutura superior e provocando ainda a
projecção de blocos da parede exterior.
22- Na ocasião e uma vez que o carregamento de pólvora nos alimentadores ocorrera há cerca de dez
minutos, encontrava‐se no interior da oficina de carregamento e dentro dos mesmos (tremonhas)
que se encontravam a cerca de 2,5 metros de altura, uma quantidade global de cerca de 75 kg e
pelo ar encontrava‐se, em suspensão, uma quantidade não apurada de pólvora, ao passo que no
armazém de segunda espécie se encontrava ainda condicionada a quantia de pelo menos 100 kg
da mesma pólvora.
23- Explosão que foi assim potenciada pela pólvora em suspensão na oficina e que de imediato
provocou a morte dos referidos funcionários que se encontravam na zona de carregamento,
sendo seguida de outras pequenas explosões que tiveram origem, quer na Pólvora acondicionada
no depósito de segunda espécie que se encontrava imediatamente abaixo da oficina e a menos de
5 metros (em clara violação ao disposto no artigo 25º, nº 1 e nº 2, do Decreto-Lei nº 149/79 e
Portaria 506/85 de 25/07) quer nos próprios cartuchos já carregados naquele dia e que se
encontravam nas instalações, cerca de 40.000.
24- Depósito de segunda espécie cuja localização havia sido também autorizada pelo arguido E., em
violação das citadas normas legais, e cuja pólvora acabou por entrar em combustão em virtude da
proximidade com a explosão inicial e do correlativo aumento de pressão.
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25- Acresce que o efeito de sopro resultante da explosão destruiu parte do telhado do edifício da
Cordoaria Lisbonense e maquinaria ali existente, projectando fragmentos de telhas até às
frontarias dos prédios em frente situados a 70 metros e originando a destruição de inúmeras
viaturas que se encontravam estacionadas até à distância 200 metros, tendo a explosão originado
para além da morte dos três funcionários que se encontravam no interior da oficina de
carregamento ferimentos noutros funcionários e clientes da sociedade.
26- Assim L., M., N., O, P., Q., R., S. e T. sofreram as lesões descritas nos autos de sanidade constantes
dos autos.
27- Falecendo assim e em virtude da explosão G. (fls. 496 a 501), I. (fls. 512 a 516), funcionários da
sociedade, e J. (fls. 444) que ali se encontrava sem qualquer vínculo a prestar funções na empresa,
e contrariando o ponto 4–5.4 do licenciamento concedido à empresa pela PSP e constante de fls.
120.
28- Ora sucede que nos prédios vizinhos, sitos a cerca de 60 metros, os vidros das janelas ficaram
destruídos caindo os vidros para o lado de fora das janelas devido ao efeito de sucção, tendo sido
projectados estilhaços de material que originaram as destruição de janelas e estores das referidas
casas e ainda tendo ainda explosão originado a projecção de pedaços de alvenaria com o peso de
22 kg a uma distância de 60 metros.
29- Ficando destruídas ou danificadas a viatura pertencente a V1, a viatura de matrícula M..,
pertencente a V2, M...pertencente a V3, M...pertencente a V4, M... pertencente a V5, M...
pertencente a V6, M... a V7, a de matrícula M... pertencente a V8, a de matrícula M... pertencente
a V9, a de matrícula M... pertencente à sociedade V10.
30- Bem como danificados ficaram as viaturas de M... pertencente a V11, a de matrícula m...
pertencente a V12, a viatura de matrícula M... pertencente a V13, M… pertencente a V14 e o
interior e exterior de várias residências circundantes da fábrica pertencente aos ar guidos.
31- Os arguidos tinham conhecimento das normas legais que disciplinam a actividade que exerciam,
aliás vertidas de forma clara nos termos do licenciamento, sabiam que ao actuar da forma supra
mencionada as violavam e que dessa forma o resultado ocorrido, a explosão e consequente morte
dos funcionários seria, como o foi, consequência previsível de tal violação.
32- Na verdade os arguidos B., C e D., enquanto sócios da sociedade e ali em funções tinham
conhecimento das normas essas vertidas no licenciamento e não obstante, de forma a aumentar a
capacidade produtiva das máquinas e o consequente lucro económico, procederam à laboração
contínua na empresa com uma quantidade de pólvora manifestamente superior à legalmente
permitida dentro da zona de carregamento.
33- Bem sabendo que a introdução de tal quantidade de pólvora aumentava quer os riscos de
explosão quer os efeitos e de potenciação da mesma, colocando em risco vidas e bens
patrimoniais, ratio aliás da proibição expressa pela referida norma.
34- Por outro lado ainda introduziram a referida máquina em funcionamento no estabelecimento
fabril sem a necessária autorização da Comissão de Explosivos como bem sabiam ser necessário e
de forma a garantir a sua adequação técnica ao local substituindo assim as cablagens eléctricas
também à revelia de pareceres técnicos.
35- Ao passo que o arguido E., tendo em conta da sua actividade especiais conhecimentos tinha
também conhecimento das referidas normas legais e não obstante permitiu e sancionou a violação
de tais normas quer viabilizando o próprio licenciamento da oficina e das máquinas nos termos em
que se descreveu, quer permitindo e sancionando a introdução da máquina BITURBO em violação
das referidas normas legais.
36- Subscrevendo para além do mais, por ordem do então Ministro da Administração Interna, o
relatório de fls. 126 onde referiu a fls. 131 que na oficina estava autorizada a existência de pólvora
dentro dos alimentadores (cerca de 15 kg em cada), facto que bem sabia não corresponder à
verdade por não corresponder ao que foi licenciado nem ao que existia na realidade no interior da
zona fabril.
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37- Desta forma os arguidos com as suas condutas e violação das normas legais criaram risco relevante
e socialmente desadequado que originou a produção dos danos e das mortes ocorridas e que eram
consequência altamente previsível das respectivas e descritas condutas, danos que previram.

38- Bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei».

2-Depois de notificados dessa peça processual, os arguidos B., C. e D. requereram a abertura de


instrução (fls. 1090).
No seu termo, depois de ter sido realizado o debate instrutório, foi pelo sr. juiz proferida a decisão
instrutória de fls. 1204 e segs. através da qual se decide não pronunciar os arguidos.
Essa decisão foi fundamentada nos seguintes termos:
«Dispõe o artigo 308º, nº 1, do Código de Processo Penal que “se, até ao encerramento da instrução
tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a
aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o
arguidopelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.
Por sua vez dispõe o artigo 283º, nº 2, do Código de Processo Penal que “consideram‐se suficientes os
indícios sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força
deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”. Nos termos do disposto no artigo 286º, nº
1, do Código de Processo Penal “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir
acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Cumpre decidir.
Como ponto de partida no presente caso atenderemos, por uma questão sistémica, à letra da lei no
que respeita à explosão.
Dispõe o artigo 272º do Código Penal:
1 –Quem:
a)- Provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de
transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara;
b)-Provocar explosão por qualquer forma, nomeadamente mediante utilização de explosivos;
c)-Libertar gases tóxicos ou asfixiantes;
d)-Emitir radiações ou libertar substâncias radioactivas;
e)-Provocar inundação, desprendimento de avalanche, massa de terra ou de pedras; ou
f)-Provocar desmoronamento ou desabamento de construção;
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais
alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
2 – Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de
prisão de 1 a 8 anos.
3 – Se a conduta referida no nº 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão
até 5 anos.
Utilizando, na leitura do normativo citado, a fórmula proposta por Leal Henriques e Simas Santos (in
Código Penal Anotado, 2º Volume, 1997, pág. 810), concluímos que para preenchimento do tipo legal é
necessário:
- que haja uma acção (ou omissão);
- que a mesma seja negligente (violadora de um dever de cuidado);
- que tal acção (ou omissão) provoque uma explosão; e
- que essa explosão crie perigo para a vida, integridade física, ou bens patrimoniais de valor elevado.

Estabelecem-se assim os seguintes nexos: a conduta (activa ou omissiva) provoca a explosão; a


explosão provoca perigo “concreto”; tal perigo é, por via dos nexos anteriores, imputável ao agente
(ou omitente).
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Chegamos assim à primeira exigência legal: tem que existir um nexo entre a omissão e a explosão.
A existência de um nexo entre a omissão e o facto gerador do perigo concreto (explosão), susceptível
de justificar e fundamentar a responsabilidade penal do omitente, não poderá ser aferida de forma
puramente objectiva.
Numa perspectiva de pura objectividade, o dono de um armazém de material explosivo poderia
sempre ser penalmente responsabilizado pela explosão do mesmo, ainda que tal explosão decorresse
de um facto imprevisto (a queda de um avião sobre o armazém, por exemplo) já que, num raciocínio
simplista, a questão se poderia equacionar nestes termos: se o material explosivo não estivesse no
local (no armazém) a explosão não teria ocorrido. No caso sub iudice, objectivamente,se o explosivo
não estivesse no armazém não teria existido explosão já que foi o rebentamento da pólvora que a
provocou.
Mas a questão que temos que colocar é esta: o facto gerador do perigo concreto (explosão) pode ser
imputado a título de negligência às acções dos arguidos?
A resposta será mais fácil se a equacionarmos da seguinte forma: sobre os arguidos impendia o dever
jurídico de perspectivarem o evento (a explosão)?
Desde já adiantaremos que entendemos que não.
Mas vamos tomar como assentes, indiciariamente assentes, um conjunto de factos que não escapam a
uma leitura atenta do bem elaborado inquérito:
- Havia no local da explosão uma máquina não manifestada e que não estava de acordo com os termos
do licenciamento;
-Apenas podia existir na oficina de carregamento 1 kg. de pólvora a granel e 1 kg. de pólvora em
embalagem devidamente acondicionada e de forma alguma podiam ser excedidos os 2 kgs. de pólvora
no local;
-No momento da explosão existiam no local mais do que os ditos 2kgs. de pólvora;
-A distância entre os depósitos de 1ª ou 2ª espécie não poderia ser inferior a 5 metros;
-Os depósitos distavam entre si menos de 5 metros;
‐Com a instalação da máquina BSN BITURBO foi alterada a instalação eléctrica, designadamente foi
instalada nova cablagem e circuito eléctrico;
‐A explosão de pólvora inicial ocorreu no interior da máquina BITURBO;
‐A dimensão da explosão foi potenciada pela existência de pólvora em suspensão.
Ponto assente neste processo é que, conforme é referido a fls. 795 4.3.2. e no artigo 20º da acusação, a
explosão inicial, ocorrida na máquina BITURBO, teve origem em motivos que não foi possível apurar.

Ora, é esta explosão inicial que gera toda a sequência de factos posteriores – explosões secundárias,
quedas de paredes, mortes, danos ... pelo que é ela a relevante para efeitos de estabelecimento da
responsabilidade penal. Por outras palavras, só é possível imputar aos arguidos a prática do crime se se
determinar que foi a violação de um dever de cuidado seu e a que estavam obrigados que levou à
explosão.
No caso concreto não foi possível determinar a causa primeira da explosão e, na verdade, elas
poderiam ser muitas: v.g. a incúria de um trabalhador (erro humano), um defeito de fabrico na própria
máquina, uma instalação eléctrica mal feita ...Desconhece‐se e, assim sendo, é impossível imputar
qualquer violação de dever de cuidado aos arguidos. É certo que tal violação, em abstracto, poderia ser
feita de forma diversa. Poder‐se‐ia dizer que as condições criadas e existentes eram propícias e
tornavam provável a eclosão do acidente. No entanto, para tal acontecer ter-se‐ia que, ainda que
indiciariamente, poder afirmar que o excesso de pólvora no local, a pólvora em suspensão, a alteração
da cablagem ... no fundo, todos os factos que se deram como indiciariamente assentes supra, criavam
condições para que, em caso de explosão, a mesma atingisse proporções que de outra forma não
existiriam e ainda que os arguidos soubessem do risco provável de explosão.
Ora, tais factos não estão demonstrados em termos indiciários.
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Vale todo o exposto por dizer que não está demonstrada a conduta (activa omissiva) por parte dos
arguido que haja provocado a explosão, nem a mesma foi alegada na acusação, donde se impõe a não
pronúncia.
De igual sorte, e no que os homicídios por negligência respeita, a mesma ordem de razões impõe a não
pronúncia já que quanto a eles se imputa como facto gerador da negligência aquele que levou à
explosão.
Destarte, pelas razões expostas, o Tribunal não pronuncia os arguidos».

3 – O Ministério Público interpôs recurso desse despacho.


A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
«1 – Da matéria de facto apurada em sede de inquérito verifica‐se que se encontra indiciada a violação
de normas legais que determinam a existência de quantidade mínimas de pólvora no interior da oficina
de carregamento, bem como se encontra indiciada a colocação de uma máquina, a título experimental
na mesma oficina, sem que tal máquina tivesse sido objecto de qualquer vistoria em cumprimento do
respectivo licenciamento,
2 – Encontrando‐se indiciado nos autos o conhecimento das normas violadas pelos arguidos e
atendendo à respectiva experiência profissional, ao tipo das normas violadas e ao facto da especial
perigosidade da actividade, indicia‐se que o resultado ocorrido seria altamente previsível pelos
mesmos.
3 – Um comportamento pode ser considerado perigoso, em relação à verificação do evento
compreendido nos crimes de resultado, quando a probabilidade de verificação daquele,
considerada no momento da acção, não for insignificante, e quando o perigo exceder o que é
tolerado pelas práticas correntes no sector da vida social em que se insere, o que é o caso dos
presentes autos, uma vez que as práticas correntes se encontram enquadradas legal e
administrativamente em normas expressas e claras que foram incumpridas.
4 – Assim sendo parece‐nos ser assim incorrecta a conclusão de que sobre os arguidos não
impendia o dever jurídico de perspectivarem o evento explosão pois o seu comportamento foi
violador de normas legais, das quais tinham conhecimento, sendo tal violação para além do mais,
dolosa.
5 – Sobre os mesmos impendia assim o dever pessoal, quer por violação de lei, quer pelos
respectivos deveres funcionais, de perspectivarem o evento explosão.
6 – Encontra-se indiciado nos autos o facto de que a violação das normas legais ter criado
condições para a explosão atingir proporções que de outra forma não existiriam (ou mesmo a
explosão) uma vez que tais riscos se inserem no âmbito de protecção da norma.
7 – A ratio das normas violadas procurando evitar ou minorar os riscos e evitar a ocorrência de
explosões tem na sua base um mínimo de laboração segura que permite afirmar com segurança
que, em caso de oclusão da explosão, as suas consequências serão mínimas e salvaguardarão a
integridade física dos trabalhadores, de terceiros e dos respectivos bens patrimoniais.

8 - Assim, atendendo‐se à quantidade de pólvora existente no interior da oficina de carregamento,


parece‐nos indiciariamente provado que a existir qualquer falha técnica (que terá originado a
explosão), os danos ocorridos seriam diminutos, isto caso se encontrasse no interior das instalações
apenas o limite legalmente imposto, sendo assim seguramente diversas as consequências, das
efectivamente ocorridas.
9 - Desta forma e em concreto, e independentemente do conhecimento da causa concreta que
provocou a explosão, é nosso entendimento que as condutas dos arguidos criaram a possibilidade,
também objectivamente verificável no momento do evento, de a virem a desencadear.
10 – Ou seja criaram um modelo de perigo ou tipo de perigo atendendo à regra de experiência em
relação à qual a conduta é considerada perigosa.
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11 – Assim sendo entendemos que o resultado ocorrido terá resultado dos comportamentos
imputados aos arguidos sendo as suas condutas causais à sua produção pelo que o resultado se
pode imputar às condutas dos arguidos».

4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1254.

5 - Os arguidos e o assistente X. responderam à motivação apresentada pelo Ministério Público (fls.


1279 e segs., 1290 e segs. E 1267, respectivamente).
6 – Neste tribunal, o sr. procurador‐geral‐adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o
parecer de fls. 1230/31.
7 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, apenas responderam a
esse parecer os arguidos B., C. e D. (fls. 1241).

II – FUNDAMENTAÇÃO
8– Como se começou por referir no início do relatório deste acórdão, o Ministério Público
imputou aos quatro arguidos a prática de três crimes de homicídio com negligência grosseira,
condutas p. e p. pelos nºs 1 e 2 do artigo 137º do Código Penal, crimes esses que, em seu entender,
estariam numa relação de concurso aparente com um crime negligente[1] de explosão, conduta p. e p.
pelo artigo 272º, nº 1, alínea b), e nº 3, do mesmo diploma legal.
O sr. juiz de instrução, ao fundamentar o despacho de não pronúncia, disse que as razões pelas quais
entendia que a conduta dos arguidos não consubstanciava aqueles três crimes de homicídio eram as
mesmas que justificavam o não preenchimento do tipo que prevê aquele crime de perigo comum, o que
significa que, se bem compreendemos a sua exposição, considerou que o falecimento das três vítimas
não podia ser imputado ao comportamento de nenhum dos arguidos porque «não foi possível
determinar a causa primeira da explosão».
Apreciemos então a questão colocada.
O tipo[2] de crime descrito no nº 1 do artigo 137º do Código Penal pressupõe que:
- O agente assuma um comportamento comissivo ou omissivo[3];
- Que esse comportamento viole o dever (objectivo e subjectivo) de cuidado[4];
- A verificação do resultado morte de uma pessoa;
- A imputação desse resultado à conduta do agente.
Vejamos então se a conduta assumida por cada um dos arguidos preenche esses requisitos, começando
por ver se, dos factos suficientemente indiciados, se pode concluir que algum deles contribuiu
de qualquer forma para a ocorrência da explosão de que veio a resultar a morte dessas três pessoas.
Como refere o Ministério Público e resulta da certidão junta a fls. 307 e segs., os três primeiros arguidos
eram, em 6 de Novembro de 1998, sócios da sociedade “Paulo Inácio – Armas e Munições, Lda.”.

A sociedade era proprietária de um estabelecimento comercial e industrial na Estrada da Circunvalação,


lote 2, nos Olivais Norte, em Lisboa, sendo titular, nomeadamente, das licenças nºs 2266-D, relativa a
um depósito de 2ª espécie de pólvora, 2266-E, respeitante a um depósito de 2ª espécie para cartuchos
de caça carregados, e 2266-F, que autorizava a existência de uma oficina de carregamento de cartuchos
de caça (v. fls. 562 e segs.). O arguido B. era, na altura, titular de uma quota no valor nominal de
42.500.000$00 e cada um dos outros dois arguidos (C. e D.) era titular de uma quota no valor nominal
de
20.000.000$00.
Os sócios D. e B. tinham sido nomeados gerentes. Porém, a gerência efectiva da sociedade era
assegurada pelo arguido B., que também era o responsável técnico pelo funcionamento da oficina (ver
fls. 425 e 426), ocupando-se a arguida D. apenas da supervisão da área comercial.
O arguido C., embora não fosse gerente, colaborava na actividade social e prestava apoio aos
empregados.
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Naquela oficina estavam instaladas e encontravam-se em funcionamento três máquinas


encartuchadoras.
No dia 6 de Novembro de 1998, ocorreu uma explosão nessa oficina da qual resultou a morte de três
pessoas, ferimentos em muitas outras e diversos danos materiais.
Os alimentadores das três máquinas tinham seguramente, na altura da explosão, mais de 50 kgs. de
pólvora, encontrando-se a carregar cartuchos de caça.

A explosão inicial ocorreu no alimentador da máquina mais nova, que se encontrava instalada na oficina
desde Agosto de 1998, tendo sido seguida por outras explosões. Assim, uma vez que a exploração do
referido estabelecimento, nomeadamente o da oficina, era efectuada pela sociedade, cuja gerência era
apenas assegurada, em termos efectivos, pelo seu sócio‐gerente maioritário, o arguidoB., sob cujo
impulso a sociedade mudou de instalações e se expandiu, só ele pode ser penalmente responsabilizado
pela actividade social, nomeadamente pelo facto de as máquinas terem nos alimentadores mais de 50
kgs. de pólvora quando, de acordo com a lei[5] e com a licença emitida[6] apenas aí podiam existir 2
kgs. de pólvora, e pelos efeitos que esse facto veio a gerar.

Por eles não pode ser responsabilizado o seu pai, o arguido C., porque não tinha qualquer poder de
gerência da sociedade, nem resulta indiciado que tenha contribuído activamente para o sucedido. O
mesmo se diga da arguida D., mãe do arguido B., que embora gerente, não exercia efectivamente essa
função, não tendo, para além do mais, a seu cargo as áreas industrial e de segurança.

Por outro lado, não se consegue descortinar qualquer violação do dever de cuidado no comportamento
do arguido E. (assessor técnico da Comissão de Explosivos da Polícia de Segurança Pública que
procedeu, em 1995, às vistorias necessárias e elaborou os relatórios impostos pelo pedido de
transferência do licenciamento da actividade da sociedade para as novas instalações) que possa
vir a ser considerada como condição sine qua non da explosão. Não o são, antes do mais,
os relatórios elaborados na sequência das vistorias efectuadas nos termos dos nºs 3 e 5 do
artigo 22º do “Regulamento sobre o licenciamento dos estabelecimentos de fabrico e de armazenagem
de produtos explosivos”, aprovado pelo Decreto-Lei nº 376/84, de 30 de Novembro (ver fls. 427 a 429),
uma vez que não se descobre neles qualquer inexactidão quanto à descrição da situação existente
antes e depois da realização das obras constantes da memória descritiva apresentada, nem o é o
relatório elaborado depois de a explosão ocorrer, que pretende explicar, correcta ou
incorrectamente, as suas causas. Também não o é seguramente qualquer comportamento
contemporâneo da explosão. De facto, para além de não resultar indiciado dos autos que ele
tenha de qualquer forma contribuído activamente para a explosão, também não impendia sobre
ele qualquer dever de acção que pudesse conferir relevância penal a um eventual non facere.
Por tudo isto, só encontramos indícios da verificação de um comportamento violador do dever de
cuidado: o do arguido B., de reunir meios humanos e materiais para que a sociedade de que era
gerente tivesse instalado e explorasse uma oficina de carregamento de cartuchos de caça que utilizava
permanentemente na sua actividade quantidades de pólvora muito superiores às estabelecidas na lei,
que estavam, de resto, expressamente mencionadas na licença emitida.
Excluída fica, assim, se bem que por fundamentos diferentes do enunciados no despacho recorrido, a
responsabilidade penal dos arguidos C., D. e E..
Apurada a existência de indícios suficientes de o arguido B. ter assumido um comportamento violador
do dever de cuidado e da verificação da morte de três pessoas, resta agora ver se se pode
juridicamente imputar a esse comportamento o resultado ocorrido.
O sr.juiz excluiu essa imputação por não ter sido determinada a «causa primeira da explosão[7]».

Temos, porém, para nós, com o que julgamos acompanhar a esmagadora maioria da doutrina e da
jurisprudência, que a relação de causalidade entre o comportamento o evento, quer se parta da teoria
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da equivalência das condições[8], quer do critério da condição conforme às leis naturais[9], se basta
com a afirmação de que a acção é uma das condições do resultado, ou seja, que a acção co‐causou o
resultado[10], não sendo necessário que ela seja a primeira (ou última) condição da sua verificação.

Assim sendo, parece inegável que a existência na oficina daquela quantidade de pólvora, em
contravenção com o disposto na lei e na licença emitida, foi uma das condições da ocorrência da
explosão, daquela concreta explosão, com as características que teve e com os resultados que
produziu.
Afirmada a relação de causalidade, importa agora, num momento seguinte, averiguar se a imputação
do resultado deve ser excluída por qualquer um dos critérios normativos para o efeito sustentados
pela doutrina, ou seja, os da adequação e o da conexão de risco, com todos os seus momentos
específicos[11].
Ora, parece irrecusável que, em face daquela concreta situação, o resultado verificado surgia ex
ante como previsível, não constituindo qualquer ocorrência anómala ou de rara verificação. Por outro
lado, o comportamento do arguido Pedro, ao desenvolver a actividade industrial naqueles moldes,
incrementou o risco permitido num sector que já é em si muito perigoso, constituindo os
resultados produzidos um dos efeitos que a imposição daquelas concretas normas de cuidado visava
impedir. A adopção do comportamento imposto pela norma de cuidado teria evitado seguramente a
magnitude da explosão e as consequências humanas e matérias que ela provocou, nomeadamente a
morte dos três trabalhadores.
Por isso, não se podem, pois, deixar de imputar os resultados verificados à conduta do arguido B.,
gerente da sociedade que explorava a oficina e seu responsável técnico pela segurança.
Indiciada a responsabilidade deste arguido pela prática de três crimes de homicídio negligente, haverá
apenas que ponderar se o grau de violação do dever de cuidado justifica a qualificação desta como
grosseira, nos termos e com os efeitos previstos no nº 2 do artigo 137º do Código Penal.
Considerando que a negligência grosseira resulta de «uma especial intensificação da negligência não só
ao nível da culpa mas também do ilícito», ou seja, de um «comportamento particularmente
perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada», que
revele «uma atitude particularmente censurável de leviandade ou descuido perante o
comando jurídico-‐penal[12]», deveremos concluir que não existe, a este nível, fundamento para a
qualificação de cada um desses crimes, não sendo para isso relevante nem a magnitude dos
resultados produzidos, nem o facto de a máquina em que ocorreu a explosão ainda não se
encontrar licenciada uma vez que, nada apontando para que ela fosse dotada de um inferior nível
de segurança, essa falta de licenciamento em nada se repercutia no grau da negligência.
De tudo isto se conclui pela existência de indícios suficientes da prática pelo arguido B. de três crimes
de homicídio negligente, p. e p. pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal. Os
fundamentos desta decisão conduzem a que se considere que também estão preenchidos todos os
elementos do tipo descrito na alínea b) do nº 1 e no nº 3 do artigo 272º do Código Penal, que o
Ministério Público considerou estar em concurso meramente aparente com os três crimes de
homicídio negligente.
Há, pois, que revogar parcialmente a decisão recorrida determinando que ela seja substituída por outra
que pronuncie oarguido B. pela prática dos indicados crimes.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em conceder parcial
provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público determinando que a decisão recorrida seja
substituída por outra que pronuncie o arguido B. pela prática de três crimes de homicídio negligente,
condutas p. e p. pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal, em concurso com um crime de explosão
negligente p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea b), e nº 3, do Código Penal.
Sem custas (artigo 75º, alínea b) do Código das Custas Judiciais).
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²
Lisboa, 14 de Janeiro de 2003

(Carlos Rodrigues de Almeida)


(António Rodrigues Simão)
(Horácio Telo Lucas)
____________________________________________________________

[1] Crime esse em que, ao contrário do que as conclusões da motivação parecem sugerir,
tanto a conduta como a verificação do perigo concreto que dela resulta são
imputados à negligência do arguido.
[2] Para este efeito é irrelevante saber se o tipo negligente se desdobra ou não em tipo
objectivo e tipo subjectivo e, caso seja dada uma resposta afirmativa a essa questão,
quais são os elementos que integram o tipo subjectivo. Quer se considere que o dever
subjectivo de cuidado pertence ao tipo de culpa, quer se entenda que ele integra a
parte subjectiva do tipo de ilícito, o certo é que o artigo 15º do Código Penal exige,
para que se possa imputar a alguém uma conduta negligente, que ela tenha violado
quer o dever objectivo, quer o dever subjectivo de cuidado.
[3] Desde que sobre ele impenda «um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar
esse resultado» (nº 2 do artigo 10º do Código Penal).
[4] Para cuja delimitação contribuem as normas de cuidado definidas no «Regulamento
sobre a Segurança nas Instalações de Fabrico e Armazenagem de Produtos
Explosivos» aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/79, de 23 de Maio, rectificado pela
Declaração de Rectificação publicada na I Série do Diário da República de 27/7/1979,
nas páginas 1737/8, alterado pelas Portarias nºs 831/82, de 1 de Setembro, e 506/85,
de 25 de Julho, e hoje substituído pelo Decreto-Lei nº 139/2002, de 17 de Maio.

[5] Ver nº 7 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 142/79, de 23 de Maio, hoje já revogado e


substituído pelo Decreto‐Lei nº 139/2002, de 17 de Maio.
[6] Ver fls. 121.
[7] Como pressuposto desta afirmação parece estar a adopção de uma das denominadas
teorias individualizadoras da causalidade, como aquela sustentada por Kohler,
segundo a qual «causa seria aquela condição que faz desencadear a força que conduz
ao resultado», ou a de Ortmann, que para isso considera relevante apenas a última
condição. Trata‐se de teorias que, a seu tempo, «foram objecto de crítica e na
actualidade não encontram defensores» (ver ESCAMILLA, Margarita Martinez, in «La
imputacion objetiva del resultado», Edersa, Madrid, 1992, p. 8, e, sobre a crítica das
teorias individualizadoras da causalidade, ORDEIG, Enrique Gimbernat, in «Delitos
cualificados por el resultado y causalidad», Réus, Madrid, 1966, p. 93 e segs.). Note‐
se, para além disso, que em certos trechos da fundamentação, o sr. juiz se refere a
um eventual comportamento omissivo, relativamente ao qual não se pode exigir a
existência de uma relação de causalidade real.
[8] Ver, neste sentido, nomeadamente, DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Textos de Direito
Penal – doutrina geral do crime», Coimbra, 2001, p. 53 e segs.
[9] Ver, neste sentido, nomeadamente, JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND,Thomas, in
«Tratado de Derecho Penal – Parte General», Comares, Granada, 2002, p. 303, e JAKOBS,
Günther, in «Derecho Penal – Parte General – Fundamentos e teoria de la imputación»,
Marcial Pons, 2ª edição corrigida, Madrid, 1997, p. 229.
[10] JESCHECK e WEIGEND, ob. Cit. P. 297.
[11] Ver sobre eles Figueiredo Dias, ob. cit. p. 64 e segs.
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[12] DIAS, Jorge de Figueiredo, in «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Editora,
Coimbra, 2001, p. 381, a quem pertencem as citações transcritas. Sobre o tema veja‐
se também ROXIN, Claus, in «Derecho Penal – Parte General – Tomo I», Civitas,
Madrid, 1997, p. 1026 e segs.

………………………

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Artigo 147.º
Agravação pelo resultado
1- Se das ofensas previstas nos artigos 143.º a 146.º resultar a morte da vítima, o agente é
punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e
máximo.
2- Se das ofensas previstas no artigo 143.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º e na alínea a) do
artigo 146.º resultarem as ofensas previstas no artigo 144.º, o agente é punido com a pena aplicável ao
crime respectivo agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo.

Jurisprudência
1. Ac. TRP de 24-‐09-‐2014: I‐ A teoria da causalidade adequada tem uma formulação positiva: o
facto só será causa do dano sempre que verificado o facto se possa prever o dano como consequência
natural ou como efeito possível dessa verificação, e uma formulação negativa: o facto que actuou como
condição do dano deixa de ser causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído
decisivamente circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas. II‐ A nossa lei adoptou a
formulação negative da teoria da causalidade adequadaIII‐ tal teoria impõe num primeiro momento a
existência do facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja
reparado, e depois exige que o facto concreto apurado seja em geral e em abstracto, adequado a
apropriado para provocar o dano concreto, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as
que um homem normal podia conhecer na concreta situação deste. IV‐ É causa de um dano aquela
circunstancia que de acordo com as regras da experiência e as circunstancias concretas em que se
encontrava o agente (circunstancias conhecidas ou que podia conhecer) se mostra apta, idónea ou
adequada produzir o dano. V‐ Se o arguido agride outrem e consciente do seu estado não lhe presta o
socorro de que carece e vem a morrer, o que não ocorreria se tal auxilio tivesse lugar, o resultado morte
é imputável á sua conduta, por entre a sua acção e o resultado existir o adequado nexo causal, pelo que
pratica o crime de ofensa á integridade física qualificada pelo resultado p.p. pelos artºs 144º al.d) 145º
1, al.b) e 2 e 147º1 CP.

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