Você está na página 1de 6

AgRg no HABEAS CORPUS Nº 648514 - PR (2021/0059737-1)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ


AGRAVANTE : JOAO RAFAEL COUTINHO DOS SANTOS (PRESO)
ADVOGADOS : BRUNO GIMENES DI LASCIO - PR074449
GISELE MARA DE OLIVEIRA - PR092223
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO


MEDIANTE CONCURSO DE AGENTES, DANO, LESÃO
CORPORAL E INJÚRIA RACIAL. PRISÃO PREVENTIVA.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. EXCESSO DE PRAZO NÃO
CARACTERIZADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não
culpabilidade desde que não assuma natureza de antecipação da pena e
não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato
processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial
deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos
novos ou contemporâneos, dos quais se se possa extrair o perigo que a
liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os
fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
2. O Juiz justificou, de maneira idônea, a decretação da prisão
preventiva para garantia da ordem pública, em face da periculosidade do
paciente, revelada pelo modo mais grave de execução do roubo
majorado. A autoridade destacou a cólera e a selvageria da ação, a
violência desmedida empregada contra o ofendido, a destruição de
móveis e a ofensa racial propagada contra policial. Mencionou, ainda,
que tudo isso resultou na subtração de dois litros de bebida alcóolica, em
situação que poderia ter ocasionado o óbito da vítima, não fosse a
intervenção de terceiros.
3. As circunstâncias assinaladas não são inerentes ao tipo penal e
denotam a insuficiência de medidas cautelares menos aflitivas.
4. Os prazos processuais previstos na legislação pátria tem de ser
computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se
pautar sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, à
vista de cada caso e de suas particularidades.
5. O lapso temporal desde a prisão preventiva do paciente (5/5/2020),
não é irrazoável. O feito possui complexidades, pois as lesões
provocadas na vítima evoluíram e o fato de o julgamento ter sido
convertido em diligência, para a mutatio libelli, não caracteriza atraso
injustificado na condução do processo que justifique o relaxamento da
prisão preventiva.
6. Agravo regimental não provido

RELATÓRIO

JOÃO RAFAEL COUTINHO DOS SANTOS interpõe agravo contra


a decisão de fls. 94-98, denegatória do pedido de habeas corpus. Busca a
revogação, o relaxamento ou a substituição da prisão preventiva decretada, em
5/5/2020, nos Autos nº 0001291-50.2020.8.16.0119, ante a suspeita de roubo
mediante concurso de agentes, dano, lesão corporal e injúria racial.

A parte esclarece que responde por delitos cuja "gravidade não supera
aquela inerente aos próprios tipos penais"; a dinâmica das condutas "também não
corresponde à verdade"; a "remota ocorrência dos fatos é incompatível com a
exigida situação atual de perigo a justificar maior tempo de prisão cautelar" (todos
à fls. 102) e "houve mora estatal", a evidenciar o excesso de prazo da medida de
coação.

O suspeito argumenta que "não há prova de que as lesões provocadas na


vítima evoluíram para debilidade permanente" e que "continua preso
preventivamente porque o Ministério Público não aditou espontaneamente a
denúncia" (fl. 106).

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso.

VOTO

Mantenho a decisão agravada.

I. Prisão preventiva

O réu foi denunciado, porquanto (fl. 38-40):

No dia 02 de maio de 2020, [...] no “Hotel Floraí”, [...] os


denunciados JOÃO RAFAEL COUTINHO DOS SANTOS e
LUCAS DE SOUZA VIEIRA, [...] ofenderam a integridade
corporal da vítima Paulo Sérgio Breu da Silva, ao desferir diversos
golpes, socos, chutes e pontapés, que atingiram o corpo do
ofendido nas regiões da cabeça, maxilar e nariz, causando-lhe
lesões corporais de natureza grave, visto que resultaram em uma
debilidade permanente na vítima.
[...]
Nas mesmas circunstâncias [...] subtraíram para ambos, mediante
violência, [...] duas garrafas de whisky de marca JohnnieWalker,
avaliadas em R$ 350,00 [...]. Extrai-se dos autos que o dolo dos
agentes, que inicialmente era o de lesionar a vítima por razões de
vingança, a partir de determinado momento passou a ser o de
lesionar a vítima para diminuir sua possibilidade de resistência à
subtração dos bens acima mencionados, sendo que para tanto
passaram a agredi-la com golpes, socos, chutes e pontapés.
[...]
[...] em ato contínuo aos fatos anteriores, os denunciados JOÃO
RAFAEL COUTINHODOS SANTOS e LUCAS DE SOUZA
VIEIRA, [...] quebrarem janelas de vidro, portas e demais objetos
e instalações pertencentes ao hotel, com o uso de violência contra
pessoa, visto que os atos de depredação do ambiente eram
intercalados com sucessivas agressões físicas contra a pessoa de
Paulo Sérgio Breu [...]
[...]
Nas mesmas circunstâncias [...] o denunciado JOÃO RAFAEL
COUTINHODOS SANTOS [...] injuriou o Policial Militar Alan
Rodrigo Batista Costa, com a utilização de elementos referentes a
raça e cor, ofendendo sua dignidade, ao dirigir-se à vítima
utilizando-se da expressão “neguinho” de maneira pejorativa

Aplica-se ao caso o seguinte entendimento:

A prisão preventiva é compatível com a presunção de não


culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de
antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza
abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º,
CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e
fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou
contemporâneos, dos quais se se possa extrair o perigo que a
liberdade plena do réu representa para os meios ou os fins do
processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).
[...]
(HC 608.208/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma,
DJe 2/12/2020).

Existe fundamentação contemporânea e idônea para a decretação da


prisão preventiva como única medida indispensável para salvaguarda da ordem
pública, ante a periculosidade inequívoca do acusado, demonstrada pelo modus
operandi do delito.

O Juiz de primeiro grau mencionou a selvageria da ação, a violência


desmedida empregada contra a vítima, a evolução do comportamento do
paciente para a destruição de móveis e a ofensa racial propagada contra
policial, com base em sua cor, o que culminou na subtração de dois litros de
bebida alcóolica em ação que poderia ter ocasionado o óbito do ofendido, não fosse
a intervenção de terceiros.

Confira-se (fls. 84-85):

A ação concreta do agente revela inegável periculosidade,


tratando-se de pessoa completamente destituída de freios morais e
sociais, [...], os elementos amealhados aos autos até o momento,
em especial as imagens de vídeo [...] bem ilustram a selvageria
pela qual se pautou, e seu modus operandi na prática crime de
roubo, em concurso de agentes e com emprego de desmedida
violência real contra a vítima,. ilustrando a exacerba da
periculosidade concreta do preso. Não tivessem outras pessoas
presentes no hotel intervindo, talvez se estive frente à figura de
um latrocínio consumado. [...] a análise das imagens das câmeras
de segurança do local do crime vez por si só evidencia a clara
iracúndia, cólera e irascividade do conduzido quando de suas
condutas, mais anunciando a figura da periculosidade concreta, e a
necessidade de retirada do agente de circulação e do meio social,
ao menos neste momento em que demonstra inaptidão para tanto.
Ora, aquele que subjuga a vítima e mesmo quando ela está ao
chão, prossegue em suas investidas ilegais e evolui agredindo
desmotivamente o ofendido, claramente ilustra acentuada
ofensividade na ação e no resultado, muito superior aos limites
ordinários do tipo, fator que igualmente demonstra que a
segregação cautelar é indispensável a fim da garantia da
ordem pública na situação presente. Também diviso que o
autuado e seu assecla (ainda não localizado, embora identificado),
mesmo depois de renderem a vítima (e ela ter buscado se
ocultar num dos cômodos do hotel após ser socorrida por
alguns hóspedes), postaram-se conjuntamente a um
‘quebraquebra’ de inúmeros móveis no local, demonstrando
serem detentores de uma raiva desmedida, de uma fúria
incontida, que não encontra limites, o que assenta o grau de tudo,
para ao final subtraírem dois litros de bebidas alcóolicas,
desvirtuamento moral dos agentes, que aparentemente tem
pautado a vida na vulgarização e banalização da ordem e de bens
jurídicos tutelados. Não bastasse a situação avistada no feito
reforça a conclusão quanto à periculosidade concreta do preso,
decorrente da figura da reiteração infracional, na medida em que
o conduzido, logo após ser detido, passou a injuriar
racialmente o policial militar que realizou sua apreensão,
chamando-o de “neguinho”, em tom pejorativo, e ainda
desacatando os demais agentes, o que revela que o conduzido, de
fato, não encontra limites [...].

Em face das circunstâncias descritas, a adoção de medidas


cautelares diversas não se prestaria a impedir a prática de novas infrações
penais (art. 282, I, CPP).

No âmbito desta Corte, é firme a compreensão:

[...] "se a conduta do agente - seja pela gravidade concreta da ação,


seja pelo próprio modo de execução do crime - revelar inequívoca
periculosidade, imperiosa a manutenção da prisão para a garantia
da ordem pública, sendo despiciendo qualquer outro elemento ou
fator externo àquela atividade" (HC n. 296.381/SP, Relator
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em
26/8/2014, DJe 4/9/2014)" [...]
(HC 604.486/BA, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, DJe 14/12/2020).

Ademais, o habeas corpus, ação exclusiva da defesa, não comporta


dilação probatória para verificação dos fatos sob apuração. Alegações que dizem
respeito à dinâmica dos fatos não podem ser conhecidas na via do writ, cuja
relação processual nem sequer é integrada pela parte adversa da ação penal.

II. Excesso de prazo

Os prazos processuais previstos na legislação pátria tem de ser


computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se pautar
sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII,
da CF), considerando cada caso e suas particularidades.

O lapso temporal desde a prisão preventiva do paciente, que perdura há


menos de um ano (5/5/2020), não é irrazoável. Não se constata desídia estatal na
condução do feito, que possui complexidades justificadoras da maior delonga
processual.

A denúncia foi oferecida em 20/5/2020 e recebida na mesma data. Os


réus, pessoalmente citados, apresentaram resposta à acusação e, ausentes os
fundamentos para absolvição sumária, procedeu-se à instrução criminal. As lesões
provocadas na vítima evoluíram para debilidade permanente, razão pela qual
se fez necessário o aditamento à denúncia, a ensejar a reabertura da dilação
probatório.

O fato de o julgamento ter sido convertido em diligência, para a mutatio


libelli, em nada altera o quadro que lastreou a medida de coação. Não se verifica
atraso injustificado na condução do processo que justifique a concessão da ordem.

III. Dispositivo

À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.

Você também pode gostar