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l Figueiredo Dias entende que, apesar de comprovável a anomalia psíquica, não são
claras as conexões objetivas de sentido que ligam o facto à pessoa do agente e
tornam esse facto compreensível. Importa que o juiz decida se, para a socialização
do agente, é preferível que ele cumpra uma pena ou uma medida de segurança, e é
nesse sentido que se deve interpretar o n.º 3. Trata-se de ter em conta esse fator
(sensibilidade do agente conseguir ser influenciável por uma pena ou por uma
medida de segurança) na decisão de saber se o agente é inimputável ou não.
O art. 20.º/4 CP trata da figura da actio libera in causa. São situações em que o estado
de inimputabilidade é culposamente provocado pelo agente, por forma a praticar o
crime nesse estado e beneficiar de uma causa de exclusão da culpa. A propósito desta
figura, há uma querela doutrinal, reconduzida a 2 teses:
1. Modelo da exceção: há aqui uma exceção ao princípio da coincidência temporal
entre imputabilidade e o facto. Neste casos, excecionalmente, a culpa não se reporta
ao momento da prática do facto mas a um momento anterior: quando o agente
provoca o estado de inimputabilidade.
a) Objeções: choca com o princípio da legalidade, na medida em que, no art. 20.º/1
CP se exige que no momento da prática do facto o agente não seja capaz de
avaliar a ilicitude do facto e de se autodeterminar com essa avaliação. A
aceitação de uma culpa prévia viola o princípio da culpa, o que é
constitucionalmente inadmissível.
2. Modelo do tipo: a execução do ilícito típico vai-se iniciar quando o agente se
coloca no estado de inimputabilidade.
a) Objeções: reconduz-se a uma ficção, que é particularmente visível quando o
agente não passa o estádio da tentativa. Esta ficção de imputabilidade é
materialmente inconstitucional, viola o princípio da culpa.
Outro problema que se coloca é distinguir a figura da actio libera in causa do art. 295.º
CP. No art. 20.º/4 CP o agente provoca o estado de embriaguez ou intoxicação para
praticar o ilícito típico e é tratado como um imputável, enquanto que no art. 295.º CP
não há uma pré-ordenação, havendo uma inimputabilidade transitória, que funda a
exclusão da culpa quanto ao ilícito típico praticado.
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Neste caso:
CASO N.º
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Artigo 2.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro – Regime Jurídico das Armas
e Munições (Detenção de arma proibida e crime cometido com arma) – RJAM
(Definições legais)
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Saber se erro sobre a ilicitude releva ao nível do dolo ou ao nível da culpa é uma das
questões mais controvertidas do direito penal:
1. Teoria do dolo estrita: o cerne dos delitos dolosos está na consciência do ilícito
com que o agente atuou/na oposição consciente ao Direito Penal (dolus malus).
Assim, se o agente não tem consciência de estar a praticar um ilícito, excluir-se-ia o
dolo e poder-se-ia punir pela negligência, se o erro fosse censurável. Esta tese é
insustentável do ponto de vista político-criminal, porque levaria a absolvições em
massa, por força do princípio in dubio pro reo.
2. Teoria do dolo limitada: parte da teoria anterior, mas afirma que também devem
ser punidos a título de dolo todas aquelas hipóteses em que a falta de consciência do
ilícito se fica a dever a conceções do agente, de todo incompatíveis com os princípios
da ordem jurídica sobre o lícito e o ilícito. Ademais, faz uma distinção entre bens
jurídicos essenciais, como a vida e a integridade física, e não essenciais. Assim, se o
agente violasse um bem jurídico essencial, mostrava uma verdadeira contrariedade
ao Direito Penal e seria punido a título de dolo. A crítica que se faz é a determinação
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Neste caso estávamos perante um erro sobre a ilicitude. Teríamos que fazer a
avaliação se esse erro era ou não censurável, utilizando três critérios:
l Critério da vencibilidade ou evitabilidade do erro: a falta de consciência do ilícito
só não seria censurável se o erro fosse invencível ou evitável. É um critério
impraticável;
l Critério da tensão da consciência ética: o erro só não é censurável se o agente não
pode ativar a sua consciência ética. Também é impraticável e só vale para juízos
morais;
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Neste caso:
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CASO N.º 12
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A não atuou com dolo direto, a finalidade primeira da sua conduta não era matar B.
Também não atuou com dolo necessário nem dolo eventual, na medida em que não há
propriamente uma conformação com o resultado. A não ponderou seriamente a
verificação do risco e mesmo assim decidiu avançar, não havendo uma atitude interna
de conformação com o resultado.
Não estando preenchido o tipo subjetivo, neste caso, não havendo dolo (elemento
volitivo), não se pode punir A pelo crime de homicídio previsto no art. 131.º CP.
Não se trata de um ilícito doloso, mas a verdade é que o dolo não é a única forma típica
de aparecimento do crime.
Poderemos estar, nesta hipótese, perante um crime negligente de ação, mais
concretamente, o homicídio negligente do art. 137.º CP.
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ilícito negligente.
Pelo simples facto de vivermos em sociedade, cada um de nós tem a obrigação de
manter uma certa tensão psicológica de modo a ter, em todos os momentos da sua vida,
um grau de atenção suficiente para antecipar as consequências dos seus atos e deste
modo poder abster-se das condutas que levarão à lesão ou à colocação em perigo de
bens jurídicos.
De modo a evitar a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos, o legislador só pode
exigir que:
l Os indivíduos se abstenham da prática consciente e voluntária de condutas dolosas;
l Os indivíduos mantenham ao longo da sua vida, em função das caraterísticas
peculiares de cada situação, um determinado grau de atenção para prever as
consequências dos seus atos, a fim de que não venham a provocar lesões em bens
jurídicos, sem o pretenderem (crime negligente).
Nos termos do art. 13.º CP, a punição por negligência é excecional, só sendo possível
quando estão preenchidos cumulativamente dois requisitos:
l Requisito formal, que se traduz na previsão legal expressa que o tipo também é
punível a título de negligência;
l Requisito material, que se traduz na violação de um dever objetivo de cuidado.
Seguindo a conceção do ilícito pessoal de Almeida Costa, que tem também reflexos nos
crimes negligentes: do ponto de vista objetivo, tem de haver uma atitude de leviandade
e de descuido face ao dever-ser jurídico-penal, avaliada à luz do critério do Homem
médio.
O ilícito negligente consiste na realização de um comportamento que se mostre evitável,
de acordo com a atenção e a diligência que se espera dos intervenientes na vida
comunitária e, por conseguinte, contendo a infração de um dever objetivo de cuidado,
definido em função do padrão do Homem médio.
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projetada.
b) Tipo subjetivo
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Alguma doutrina entende que nos crimes negligentes não há lugar a tipo
subjetivo. Roxin defende que existe, distinguindo entre negligência consciente
e inconsciente (art. 15.º/a) e b) CP, respetivamente). No âmbito da negligência
consciente, o agente representa a realização do ilícito típico como possível,
mas confia que o ilícito não se verificará. No âmbito da negligência
inconsciente, o agente não chega sequer a representar a realização do ilícito
típico.
Para relembrar, o tipo subjetivo é integrado ou pela representação imperfeita
ou pela não representação da realização do tipo objetivo.
Neste caso:
Interessa-nos ver se houve violação de um dever objetivo de cuidado e se é possível
imputar o resultado à conduta:
l Relativamente à imputação objetiva do resultado à conduta, seria possível fazê-lo
logo no primeiro patamar – teoria da equivalência das condições.
l No que toca às fontes do dever objetivo de cuidado, poderia ser extraído
diretamente do art. 131.º CP (fonte normativa) ou, mais especificamente, no âmbito
da legislação que regula o uso e porte de arma.
l Do prisma objetivo, tendo em conta o critério do Homem médio, a conduta de A
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Quanto à culpa, não há nenhum elemento do concreto agente que permita excluir a
culpa - é possível fazer-se um juízo de censura que tem como conteúdo material a
atitude de leviandade e descuido face ao dever-ser jurídico-penal.
Assim, punir-se-ia A pelo homicídio negligente (art. 137.º/2 CP).
CASO N.º 13
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O facto de se tratar do bem jurídico vida e a frequência com que os peões passam fora
da passadeira determinam que se trate aqui de negligência grosseira.
CASO N.º 14
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Sempre que seja evidente que os outros cidadãos não vão cumprir o princípio da
confiança, cessa esse princípio e é exigido ao agente que vai atuar a coberto do
princípio, que cesse a sua conduta. Se o agente não cessar, a morte pode ser imputada
a título de negligência (doutrina maioritária, incluindo Figueiredo Dias), havendo uma
limitação ao princípio da confiança, em conjugação com a ideia de que o Direito Penal
deve proteger bens jurídicos dignos de tutela penal.
O professor Lamas Leite discorda, dizendo que não parece razoável que se impute a
morte do infrator a quem cumpriu todos os deveres objetivos de cuidado. O agente que
atuou a coberto do princípio da confiança não incumpriu nenhum dever objetivo de
cuidado, pelo que não deveria existir responsabilidade penal (apesar de poder haver
responsabilidade civil).
Neste caso:
Segundo a teoria da conexão do risco, o resultado só pode ser imputado à conduta
se esta tiver criado ou aumentado um risco proibido para o bem jurídico e se esse
risco se tiver materializado no resultado típico. O perigo em que se concretizou o
resultado tem de ser um daqueles que corresponde o fim de proteção da norma de
cuidado.
D, circulando em estado de embriaguez, segue dentro do risco permitido no que toca
à cedência de prioridade no cruzamento e no respeito pelos limites de velocidade. A
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CASO N.º 15
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de ação.
A doutrina maioritária, nomeadamente Figueiredo Dias, entende que a maioria dos
tipos justificadores estudados a propósito dos crimes dolosos de ação, também opera
para crimes negligentes de ação.
Mais controvertida é a questão de saber com que extensão e com que requisitos essas
causas de justificação se vão aplicar à negligência. Nem todos os autores defendem
que exista uma perfeita simetria de requisitos e de extensão entre os tipos
justificadores dos crimes dolosos e os dos crimes negligentes. Parece ser de aceitar
que, na negligência, algumas causas de justificação tenham um âmbito mais lato do
que para os crimes dolosos.
Outra questão controvertida é a de saber se, nas causas justificativas dos factos
negligentes se exige ou não o elemento subjetivo do tipo justificador, ou seja, que o
agente conheça e represente que se encontra a atuar a coberto de um tipo justificador.
Prescindindo deste elemento, Figueiredo Dias e alguma doutrina alemã aceitam que
se apliquem os tipos justificadores em sede dos crimes negligentes.
A ação de defesa pode também, em teoria, ser punida a título negligente. Geralmente,
a ação de defesa é representada a título de dolo, ou seja, em situações que o agente
conhece e representa que está a atuar a coberto de um tipo justificador.
No cenário da negligência, admite-se o funcionamento da legítima defesa em tudo
quanto disser respeito à ação necessária de defesa perante o agressor, mas apenas nos
casos em que se provar que o facto doloso correspondente também estaria a coberto
da legítima defesa.
No fundo, tem de se fazer um paralelo: há uma defesa negligente e ela poderá ser
justificada com legítima defesa se a correspondente defesa dolosa também estivesse a
coberto da legítima defesa.
Da mesma forma, considera-se justificada pela legítima defesa, quando a conduta
resulta em situações ou consequências não previstas ou não queridas, desde que as
consequências pertençam aos riscos típicos do meio de defesa empregue.
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Valem exatamente as mesmas considerações que vimos para a legítima defesa. Uma
ação de salvamento em violação das normas de cuidado considerar-se-á justificada se
se provar que a ação de salvamento dolosa correspondente também estaria justificada.
Idem para as consequências indesejadas da ação de salvamento.
3. Consentimento presumido
Podem-se colocar mais tipos justificadores, mas apenas estes relevam para exame.
Nem toda a doutrina aceita que os tipos justificadores funcionem no âmbito da
negligência, nomeadamente o Doutor Almeida Costa. O resultado prático dessa
posição é igual àqueles que aceitem o funcionamento dos tipos justificadores - a
conduta estaria justificada, excluía-se o ilícito e não há punição.
Para quem não aceita o funcionamento dos tipos justificadores, entende que aqui faz
sentido aplicar, por analogia, aquela solução que a doutrina maioritária defende para
as situações em que falha o elemento subjetivo (art. 38.º/4 CP) no âmbito do tipo
justificador. Acontece que, na negligência, a tentativa não é punível, pelo que o
resultado prático será, igualmente, a exclusão da pena.
Neste caso:
Seguindo a posição de Figueiredo Dias, iremos prescindir do elemento subjetivo e
teremos que, nesta hipótese, questionar se, caso F tivesse tido a intenção de disparar
contra G, essa conduta dolosa estaria ainda coberta pela legítima defesa.
Ora, caso F tivesse tido a intenção de disparar contra G, estaria efetivamente coberto
pela legítima defesa se tivesse praticado a ação de defesa com dolo.
Seguindo a orientação do Doutor Almeida Costa, iríamos concluir pela não verificação
do elemento subjetivo do tipo justificador, aplicaríamos o regime do art. 38.º/4, mas,
como a tentativa não é punida pela negligência, o agente não seria punido.
CASO N.º 16
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Este caso prático remete-nos para a matéria dos crimes agravados pelo resultado,
prevista no art. 18.º CP. De acordo com este artigo, são crimes agravados pelo
resultado aqueles tipos cuja pena aplicada é agravada em função da produção de um
resultado que deriva da realização do tipo fundamental. Isto corresponde, na maior
parte dos casos, a um exercício interpretativo, para averiguar se há ou não um
resultado que decorra do crime fundamental, distinguindo os crimes qualificados e
os crimes agravados pelo resultado. No art. 177.º/1/a), por exemplo, trata-se apenas
de uma qualificante do crime, dado não haver resultado autónomo, mas apenas uma
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Atualmente, esta figura desapareceu e foi substituída, no art. 18.º CP, pelos crimes
agravados pelo resultado, com requisitos menos exigentes. Há uma mudança de
paradigma: nos crimes preterintencionais, a moldura penal que resultava desse
regime era sempre superior àquela que resultaria do concurso de crimes entre o crime
fundamental e o elemento agravante. Atualmente entende-se que, visto que o
resultado não é praticado com dolo, pelo que o juízo de censura é menor.
Mantêm-se como quatro os requisitos dos crimes agravados pelo resultado:
l Ocorrência de um crime fundamental, que já não precisa de ser doloso (pode ser
negligente, como as ofensas à integridade física por negligência - art. 148.º/3
CP);
l Há que se verificar um elemento agravante, que tanto pode corresponder a um
ilícito típico autónomo como pode corresponder a um simples estado, a um
facto, a uma situação que em si mesma não é criminosa (ex.: tomando o exemplo
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CASO N.º 17
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CASO N.º 18
A não pratica uma ação proibida, mas não socorre o membro do grupo. Estamos no
âmbito dos crimes de omissão - A escolhe não agir.
Quando tratámos as formas de realização típica, vimos que o tipo tanto pode ser
preenchido ou realizado através da prática de uma ação proibida como através da
omissão de um comportamento juridicamente exigido ou devido. Efetivamente, se o
crime é a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos essenciais, compreende-se
que o Direito Penal não se baste com a incriminação das ações, mas também incrimine
a omissão, ou seja, a inação, apesar de o fazer apenas e só quando a ação, para o agente,
era juridicamente esperada e devida.
Apesar de existir uma óbvia diferença estrutural entre crimes de ação e omissão, há uma
certa simetria, em sentido inverso, entre uns e outros. A punição da ação continua a ser
maioritária. Porém, com o crescimento da sociedade do risco, há uma tendência para
aumentar em número e em significado as omissões jurídico-penalmente relevantes. Não
obstante, não se deve alargar em demasia a malha da punição por omissão, sob pena de
isso representar uma intolerável intromissão de cada um na esfera jurídica dos outros.
De forma muito simples, a omissão corresponde, tipicamente, a uma obrigação de
atuar que impende sobre o agente e que ele não leva a cargo, colocando um bem
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Todas estas dificuldades são ultrapassadas com o conceito pessoal de ação como
ato de comunicação ou, dito de outra forma, como a exteriorização de uma
intencionalidade de sentido. Esse ato de comunicação tanto serve para a ação
como para a omissão, dado que esta também exprime um determinado sentido.
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pelo que, dentro de certos limites, parece ser razoável exigir a determinadas pessoas um
pequeno incómodo para evitar a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos.
É com recurso ao conceito pessoal de ação que se vai distinguir a ação de omissão.
Porém, existem casos de ambivalência ou de dupla cabeça, que são casos de dupla
relevância entre a ação e a omissão, hipóteses em que é relevante tanto a ação como a
omissão. Por exemplo, se o médico interrompe o funcionamento da máquina a que
estava ligado C, o resultado morte analisa-se sobre o prisma da ação (desligar a
máquina) ou da omissão (não prestar os cuidados exigíveis pela profissão que
desempenha e os quais está obrigado a prestar)?
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É preciso ter sempre presente que o crime de omissão tem como núcleo a violação de
uma imposição legal de agir. O crime de omissão só pode ser cometido por uma
pessoa sobre a qual recaia um dever jurídico de levar a cabo uma ação imposta e
esperada. Em face da situação concreta, nem todas as pessoas podem praticar um crime
omissivo, pois é preciso, de entre o conjunto de pessoas envolvidas com o facto, apurar
aquele conjunto de pessoas que estava obrigado juridicamente a intervir e não o fez.
A omissão só pode ser imputada às pessoas que estejam oneradas com um dever
jurídico de garante.
Estes dois instrumentos estão na base da distinção entre omissões puras ou próprias e
omissões puras ou impróprias.
A omissão pura ou própria abrange aqueles casos em que o Código Penal prevê
expressamente a omissão como forma de realização do crime e descreve os
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pressupostos fáticos de onde deriva o dever jurídico de atuar ou, pelo menos, referindo
esse dever e tornando o agente o garante do seu cumprimento.
A omissão imprópria ou impura abrange todos os outros casos, em que a punição da
omissão resulta da cláusula geral de equiparação à ação, prevista no art. 10.º CP.
Entre nós, o n.º 3 do art. 10.º determina que, no caso da omissão impura, se aplica o
agente a moldura penal correspondente ao crime de ação respetivo, podendo a pena ser
especialmente atenuada (trata-se de uma atenuação facultativa). Tratando-se de um
crime omissivo puro, a moldura penal resulta do próprio artigo.
I. Tipo de ilícito - o Professor Figueiredo Dias diz que existem essencialmente três
requisitos comuns a todos os crimes de omissão:
a) Situação típica - constituída pelos pressupostos fáticos que permitem determinar
o conteúdo do concreto dever de atuar (ex.: na omissão de auxílio estamos
sempre a falar de uma ação de salvamento). Nas omissões impuras, a
determinação é mais difícil. A situação típica reconduz-se à não diminuição de
um perigo que recai sobre o bem jurídico, sendo que os restantes elementos
relevantes da situação típica são determinados por referência ao delito de ação
correspondente.
b) Ausência da ação esperada - corresponde, na omissão pura, à ação que a lei
prescreve, e, na omissão impura, ao comportamento necessário e adequado para
obstar à verificação do resultado típico.
c) Possibilidade fática de ação - só existe omissão se o agente puder, pessoalmente,
levar a cabo a ação devida ou esperada. Se, para o agente, a ação for impossível,
então estaremos perante uma causa de atipicidade. Essa impossibilidade tanto
pode ser física, técnica, de conhecimentos ou de meios de auxílio (ex.: pai
paralítico e mudo que vê o filho a afogar-se).
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intervenção);
ii. O perigo em que se encontra o bem jurídico tem de ser agudo e
iminente e tem que estar em causa a lesão de um bem jurídico pessoal;
iii. O agente tem e poder levar a cabo a ação esperada sem ter de incorrer
numa situação danosa e perigosa para si mesmo, ou seja, a ação de
salvamente tem de representar para o agente um encargo irrelevante.
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Relativamente à culpa, o conteúdo material é o mesmo do que foi visto para as outras
dogmáticas.
Neste caso:
Poderíamos imputar a A o crime de omissão de auxílio (art. 200.º CP) ou o crime de
ofensas à integridade física por omissão (art. 143.º combinado com o art. 10.º CP).
Deve-se sempre verificar se o agente pode ser punido por um crime de omissão impura,
já que a doutrina e a jurisprudência defendem que o art. 200.º deve ceder, ou seja, tem
carácter subsidiário perante um dever de garante inerente a uma omissão impura, razão
pela qual, caso se aplique em simultâneo o art. 200.º e um crime de omissão impura,
prevalece o segundo.
Requisito concreto:
Sobre o agente ter a ser cargo um dever de garante, recorrendo à teoria das funções, A
poderia estar investido numa função de guarda ou de proteção. Dentro desta função,
estávamos no âmbito da assunção de funções de proteção de guarda. Neste caso
tínhamos um contrato entre o grupo e A, mas A não intervém porque o elemento do
grupo não lhe tinha pagado o preço acordado no contrato.
A comandava a expedição de alpinismo e estabeleceu uma relação contratual com os
restantes elementos do grupo, assumindo assim uma função de proteção ou de guarda
perante estes, havendo uma relação de confiança que justifica o dever de garante que
impende sobre o A, que leva a que os membros do grupo, especialmente o membro
carente de proteção, ter confiado na disponibilidade e experiência interventora de A,
dessa forma se sujeitando a riscos acrescidos ou dispensando outra proteção.
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CASO N.º 19
Estávamos no âmbito da omissão. Podíamos ter dois tipos legais em abstrato: crime de
omissão de auxílio (art. 200.º CP) ou o crime de homicídio por omissão (art. 131.º
conjugado com o art. 10.º CP). Sempre que, em abstrato, seja possível a aplicação de
um crime de omissão pura (omissão de auxílio do art.º 200.º CP) e impura, temos de
testar a possibilidade do preenchimento dos requisitos do art. 10.º CP, que permitem a
punição pelo crime de omissão impura.
Olhando para os requisitos do art.º 10.º CP:
l O crime de ação correspondente tem que se tratar de um crime de resultado - sim,
o crime de homicídio é um crime de resultado;
l Possibilidade fática de ação - também se verifica;
l Não se trata de um caso refratário;
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Logo, era possível punir B pelo crime de homicídio por omissão a título doloso.
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Neste caso concreto, estamos perante um erro sobre a posição de garante, mais
concretamente uma das situações típicas do erro sobre as circunstâncias – o erro sobre
a pessoa ou objeto. Segundo a doutrina maioritária, o erro é irrelevante se houver
identidade típica entre o crime consumado e o crime projetado ou entre o objeto
atingido e o objeto projetado, punindo-se o agente a título de dolo. Não havendo
identidade típica, a doutrina maioritária defende que ele deverá ser punido ou só pela
tentativa ou por concurso pela tentativa quanto ao crime projetado e pela negligência
quanto ao crime consumado.
Aplicava-se aqui a primeira hipótese, dado que há uma identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado. Logo, a resposta seria exatamente a mesma da alínea
anterior.
CASO N.º 20
Tendo em consideração que teríamos dois tipos legais de crimes em abstrato (crime
de omissão de auxílio e crime de homicídio por omissão) e sendo necessário testar a
possibilidade do preenchimento dos requisitos do art. 10.º para que houvesse punição
pelo crime de omissão impura:
Todos os outros requisitos do art. 10.º se encontravam preenchidos, pelo que há então
que verificar o requisito da fonte do dever de garante: qual era a fonte do dever de
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F entendeu que não tinha de atuar e que não tinha praticado um crime de omissão,
dado que tinha ligado para os bombeiros. Nos crimes de omissão, pune-se a não
adoção da conduta esperada ou devida. Neste caso, a ação esperada resulta daquilo
que segundo a situação típica é necessário ou idóneo para obstar à verificação do
resultado típico. Logo:
l Quanto ao primeiro argumento, no âmbito da teoria das funções, o que interessa
é a relação material ou de confiança que se estabelece entre o omitente e os bens
jurídicos carecidos de amparo, não relevando o vínculo contratual;
l Relativamente ao segundo argumento, não era devido ou esperado de F que
ligasse para os bombeiros, dado que essa ação poderia ter sido tomada por
qualquer outra pessoa na praia.
Assim, F poderia ser punido pelo crime de homicídio por omissão (art. 131.º
conjugado com o art. 10.º CP).
Relativamente a F, a solução seria a mesma. Aquilo que se podia concluir é que havia
mais do que uma pessoa onerada com um dever de garante: além de F, D, o pai de
E, também estaria onerado com um dever de garante.
Dando por preenchidos todos os outros requisitos do art. 10.º, olhemos para o requisito
da fonte do dever de garante:
Estávamos perante uma fonte relacionada com uma função de guarda e proteção e, no
âmbito das situações típicas, as relações familiares ou de proximidade existencial.
D poderia invocar duas justificações:
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l Quando diz que não interveio porque tinha feito uma refeição lauta e temeu ficar
indisposto, está a colocar em causa o requisito da possibilidade fática da ação, mas
não se poderia aplicar, dado que a congestão não tem consequências gravosas para
D;
l D poderia não se ter apercebido que quem se estava a afogar era o filho, E.
Poderíamos estar perante um erro sobre a posição de garante, excluindo o dolo e
punindo-se o homicídio por negligência, uma óbvia violação de um dever de
cuidado.
CASO N.º 23
Estamos perante atos preparatórios não puníveis em geral, nos termos do art. 21.º
CP. Isto leva-nos para o iter criminis ou caminho do crime, ou seja, as fases que vão
da preparação à execução de um crime, que são essencialmente quatro:
l Nuda cogitatio ou puro pensamento – não têm qualquer relevância jurídico-penal,
não têm materalização, o pensamento é penal e socialmente irrelevante;
l Atos preparatórios – o agente não está ainda a executar o crime, mas já está a
prepará-lo/estudá-lo. Antecedem temporalmente e segundo a natureza das coisas
a execução de ato ilícito. Como regra geral não são puníveis, mas a lei pode prever
o contrário. O legislador pode efetivamente e a título excecional prever que certos
atos preparatórios constituam desde logo crimes autónomos (geralmente crimes
de perigo abstrato - ex.: art. 262.º CP) ou punir os atos preparatórios enquanto tais
(ex.: art. 271.º CP);
l Atos de execução – fundam a punição na tentativa;
l Consumação.
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Neste caso, era da máxima importância distinguir entre atos preparatórios e atos de
execução. Os critérios que permitem determinar se estamos perante um ato de
execução estão previstos no art. 22.º/2 CP, sendo que cada uma das alíneas consagra,
respetivamente, o critério formal-objetivo, o critério material-objetivo e a
formulação de Frank, com o sentido desenvolvido por Welzel.
A teoria material objetiva diz-nos que seriam atos de execução todos aqueles que de
acordo com as regras da experiência comum e conhecimentos especiais e normais do
agente fizessem antever como possível ou provável ou pelo menos não impossível a
consumação do crime. Seria uma execução os atos que fossem já idóneos para produzir
a consumação.
Segundo a fórmula de Frank, deveriam considerar-se atos de execução aqueles atos
que segundo a normalidade social aparecem já como próximos de um perigo iminente
para o bem jurídico protegido.
Welzel diz que, para que haja um ato de execução, não basta que este seja idóneo para
produzir a consumação, mas que é ainda necessário um avançar imediato para a
execução do crime. A execução começa quando o agente dá início a um momento em
que, numa situação de continuidade, sem quebra ou uma necessidade de renovação de
vontade, vai já conduzir a um ato final de execução.
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No n.º 2 do art. 24.º são situações de tentativa acabada que ainda que o agente tenha
iniciado um processo causal destinado a evitar a consumação ou a verificação do
resultado, um ou outro vêm a ser impedidos, não por força da sua atividade, mas por
um facto independente da sua conduta.
Nestes casos exclui-se a punibilidade da tentativa se o agente se tenha esforçado
seriamente para evitar o resultado. Aqui, esforços são mais do que meras intenções de
salvamento ou preocupações, é preciso que o agente tenha efetivamente criado uma
oportunidade de salvação para o bem jurídico. O agente tem de fazer tudo aquilo que
subjetivamente pensa que teria que fazer para evitar a consumação.
Requisito comum:
A desistência tem de ser voluntária. Quanto ao requisito da voluntariedade há duas
posições:
l O Doutor Almeida Costa afirma que a voluntariedade deve ser interpretada no
sentido da espontaneidade, a desistência não se deve a qualquer pressão ou coação
de fator externo, mas não é necessário sequer que o agente abandone o projeto
criminoso (conceção psicológica da voluntariedade, com que se identificam o
Professor Lamas Leite e o Professor Tiago Rocha);
l Figueiredo Dias (conceção normativa) afirma que a voluntariedade não depende só
da pressão psicológica, mas de uma atitude interna do agente de regresso ao
Direito, um arrependimento no sentido de fidelidade ao Direito (“corresponde a
uma obra pessoal do agente que detém o domínio do facto no sentido da desistência
e toma nas suas próprias mãos a decisão de regressar ao Direito”).
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Aplica-se, nestes casos, o art. 25.º CP, que consagra a desistência da tentativa em
caso de comparticipação. A especialidade deste regime prende-se com a
circunstância de cada um dos participantes ter posições diferentes: uns desistem e
outros não.
Assim, J e L não seriam punidos, eles esforçam-se seriamente para impedir a
consumação do crime, pelo que poderiam beneficiar da isenção de pena. M,
contrariamente, seria punido pela tentativa.
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