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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INFORMATIVO ESQUEMATIZADO

Jaqueline Vitória Arão Xavier Soares

Informativo esquematizado apresentado


como exigência parcial para aprovação no XVIII
Processo de Seleção e Formação de Monitores da
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Professores Orientadores:
Mônica C. F. Areal
Nelson C. Tavares Junior

Rio de Janeiro
2023
A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO PORTE COMPARTILHADO DE ARMA DE FOGO

O Superior Tribunal de Justiça, no HC n° 352.523/SC, entendeu pela possibilidade de


compartilhamento de arma de fogo e a consequente configuração do crime de porte ilegal na
modalidade compartilhada, contanto que se evidencie, no caso concreto, que todos os
indivíduos tinham acesso e disponibilidade sobre a arma de fogo.

Conceito de Posse: consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no


local de trabalho a arma de fogo.

Conceito de Porte: pressupõe que a arma de fogo esteja circulando ou esteja fora da residência
ou do local de trabalho

Os crimes de posse e porte ilegal de arma de fogo estão previstos nos artigos 12 e 14 da Lei nº
10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento. Nesse sentido:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso
permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua
residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou
o responsável legal do estabelecimento ou empresa. Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três)
anos, e multa.

Conforme se depreende, se o agente, sem autorização legal – correspondente ao registro –,


tem a arma ou a munição em sua casa ou em seu local de trabalho, desde que seja o titular ou
o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa, cometerá o crime de posse ilegal. Insta
dizer que se trata de crime menos gravoso, já que possui pena de detenção e, assim, admite
tão somente os regimes iniciais semiaberto e aberto.

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que
gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Sob outra perspectiva, caso o agente, sem autorização legal – correspondente a licença de
porte –, tem a arma ou a munição em qualquer lugar que não seja os a residência ou o
trabalho, cometerá o crime de porte ilegal. Salienta-se que constitui crime mais grave, uma
vez que prevê pena de reclusão, permitindo, portanto, fixação de regime inicial fechado.

Cumpre destacar que ambos os crimes da Lei 10.826/03 são crimes de mão própria. Também
chamados de atuação pessoal ou de conduta infungível são delitos que somente podem ser
praticados pelo sujeito expressamente indicado pelo tipo penal. Por corolário, ninguém mais
pode com ele executar o núcleo do tipo. Logo, em regra, são incompatíveis com a coautoria.
Todavia, nota-se ser possível o concurso de pessoas no crime de porte de arma de fogo,
devendo, para tanto, ser comprovado o liame subjetivo que uniu os agentes para a prática do
crime de porte de arma de fogo.

Exemplo: uma arma de fogo localizada em um veículo com dois agentes, ambos cientes da
arma e dispostos a usá-la, considerando que estava localizada entre o banco do passageiro e
do motorista.

Nesse caso, haverá o porte compartilhado de arma de fogo, pois a arma estava em condições
de pronto uso por ambos. Aqui existe um vínculo subjetivo consistente na possibilidade de
qualquer um deles utilizar a arma. Os dois agentes deverão responder por porte ilegal de
arma de fogo. Logo, independentemente da localização da arma, se comprovado que ambos
os agentes poderiam e estavam dispostos a utilizá-la, cada um responderá pelo porte ilegal.

Todavia, não existe, legalmente, essa possibilidade no Brasil, pois o porte de arma de fogo é
pessoal e intransferível, nos termos do art. 17 do Decreto nº 9.847/19, que regulamenta o
Estatuto do Desarmamento. Nesse diapasão:

Art. 17. O porte de arma de fogo é pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo e será
válido apenas em relação à arma nele especificada e com a apresentação do documento de
identificação do portado.

Ademais, a conduta de portar arma de fogo não admite a realização compartilhada e


simultânea de duas pessoas ao mesmo tempo. A não ser que se trate de arma de fogo que
exija a presença de duas ou mais pessoas para ser transportada ou carregada, a imputação
compartilhada do crime de porte ilegal de arma de fogo não é admissível e deve ser
considerada inconstitucional, em função da clara violação ao princípio da estrita legalidade da
lei penal.

Tolerar a imputação pelo crime de porte ilegal de arma de fogo a dois indivíduos, na
modalidade porte compartilhado, sem se comprovar efetivamente qual deles trazia a arma
consigo, é o mesmo que desrespeitar o postulado da estrita legalidade da lei penal, ou seja, é
realizar analogia desfavor do acusado, o que não é possível no Direito Penal brasileiro.

O Princípio da Estrita Legalidade fixa que não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal. Nesse sentido, dispõe a Constituição Federal de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Trata-se de um princípio pilar do Direito Penal que também está consagrado no Código Penal
de 1940, o qual estabelece a necessidade da anterioridade da lei para que haja a cominação de
pena. Nesse diapasão:

Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Destaca-se que o art. 5, inciso XXXIX é uma cláusula pétrea, integrante do núcleo imutável
da Constituição Federal de 1988, conforme preceitua o artigo art. 60 § 4º, inciso IV do
referido diploma legal. Logo, ainda que houvesse a revogação do art. 1º do CP, o princípio da
estrita legalidade não deixaria de existir.

Apesar dos fundamentos jurídicos que apontam para inconstitucionalidade do porte de arma
compartilhado, como dito incialmente, o Superior Tribunal de Justiça, no HC n° 352.523/SC,
estabeleceu que apesar do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14 da
Lei n° 10.826/2003) ser crime de mão própria, admite sim a coautoria, bastando a
demonstração do efetivo compartilhamento da arma de fogo.

Salienta-se que até o momento inexiste ação que discuta a constitucionalidade do tema no
Supremo Tribunal Federal. Igualmente, ainda não há uma tese fixada por essa Corte sobre o
tema em comento.

MENDES, Carlos Hélder Carvalho Furtado; MUNIZ NETO, José. A


inconstitucionalidade do porte ilegal de arma de fogo. Boletim do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais n° 315. São Paulo, ano 26, fev., 2019.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 352.523/SC. Relator:
Min. Ribeiro Dantas, 26 de fevereiro de 2018. Disponível em:
<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/551170393/inteiro-teor-
551170403>. Acesso em: 27 mai. 2023.

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